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Dentre várias intelectuais ativistas brasileiras, Lélia Gonzalez é uma das pioneiras
de abordagens analíticas que articulam raça, gênero e classe social, para compreender a
posição assumida pela mulher negra em nosso país e o mito da democracia racial,
trabalhando profundamente com a questão da interseccionalidade.
negro tem mais é que viver na miséria. Por que? Ora, porque ele tem umas
qualidades que não estão com nada: irresponsabilidade, incapacidade
intelectual, criancice [...] A mulher negra, naturalmente, é cozinheira, faxineira,
servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir rádio
e ver televisão. Eles não querem nada. Portanto têm mais é que ser favelados.
(Gonzalez, Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 226).
Sob essa ótica, esse conceito, que busca compreender e explicar fatores estruturais
que se interagem a partir de muitos eixos que geram a subordinação, surge no meio
acadêmico, mas sofre mutações e, atualmente, principalmente através do ativismo
transnacional das mulheres negras junto às Conferências globais da ONU somados a
apropriação por parte dos movimentos sociais, pode ser classificada até como um
instrumento político, de enfrentamento à desigualdade e até como orientador de debates
dos mais diversos assuntos, como justiça reprodutiva, sistema prisional, e tudo que
envolve problemas sociais que não são podem ser compreendidos e resolvidos
considerado apenas um eixo de subordinação.
https://www.scielo.br/j/ref/a/CNfnySYtXWTYbsc987D8n5S/?format=pdf&lang=pt
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4584956/mod_resource/content/1/06%20-%20G
ONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%
Nosso país passou por mais de três séculos de escravidão, fato que marcou a
cultura e deixou de herança o racismo em nossa sociedade. Nos dias atuais, o Brasil está
inserido em um quadro de desiguldade onde brancos e negros não estão inseridos nas
mesmas realidades, no caso desses ultimos, possuem as piores condições de trabalho e
indicadores sociais, possuindo menor nível de escolaridade e renda, menor acesso à saúde
e serviços sociais e condições mais precárias de moradia (Batista LE, Monteiro RB,
Medeiros RA. 2013).
O racismo institucional é implícito, uma vez que é crime, mas, está presente em
diversas instituições como por exemplo, em hospitais públicos, tendo influência desde a
restrição ao acesso pela população negra até a relação entre os profissionais de saúde e
como o paciente recebe os tratamentos (Werneck J. p.10 2018.) Ao analisar isso da
perspectiva da mulher negra, a problemática se torna ainda maior por se enquadrar em
uma relação de duplo preconceito, o de raça e o de gênero. Nesse mesmo sentido, existem
dados que comprovam que mulheres negras possuem menor expectativa de vida, maior
índice de morte por transtornos mentais, além de taxa elevada de mortalidade materna,
revelando o reflexo do preconceito na saúde dessas pessoas. Sob essa ótica, no livro “A
Miscarriage of Justice Women's Reproductive Lives and the Law in Early
Twentieth-Century Brazil” de Cassia Roth, professora de História da América Latina e
Caribe na Universidade da Georgia, nos EUA, expõe que durante o século XIX, período
em que o sistema escravista ainda era uma realidade brasileira, surgiu a ginecologia e
obstetrícia no ramo da medicina e que, nos Estados Unidos, o médico James Marion Sims,
usava mulheres escravas como cobaias em seus estudos, realizando experimentos
científicos sem nenhum uso de anestesia, por acreditar que mulheres negras não sentiam
dor como as brancas, nos relatórios dos experimentos que realizava, Sims afirmava que as
mulheres escravizadas choravam de dor durante as cirurgias e admitia que elas poderiam
morrer na mesa de operação. Por fim, a pesquisadora ainda acrescenta em entrevista para
a Folha de São Paulo:
Acho que a ideia de que as mulheres negras suportam mais dor ainda existe na
profissão médica no Brasil. A mesma coisa nos Estados Unidos [...] É preciso ter
cuidado para não estabelecer necessariamente uma causalidade, mas definitivamente
é possível enxergar paralelos e ver como a instituição da escravidão afetou e moldou
a profissão da obstetrícia no Brasil. (Roth, 2021).
Diante do exposto, os fatos sofridos por Alyne Pimentel demonstram como fatores
pré-existentes ao caso contribuem para a forma como a violência ocorre e, em relação a
Alyne, ainda existe o agravante de se tratar não só de uma mulher negra, mas também pobre e
periférica. Sendo assim, Alyne Pimentel não é uma única mulher que sofreu uma violência,
ela é um caso representativo entre muitos. Exemplificando, em 2021, segundo a organização
Criola através do Dossiê Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva, em todo o Brasil, foram
1.114 casos de morte materna, sendo que entre as negras, as taxas são 77% superiores.
(DADOS)
https://www.anf.org.br/mulheres-negras-e-pobres-sao-as-maiores-vitimas-de-mortalidade-
materna-no-rio/
https://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/primeiraedicao.pdf
https://saude.abril.com.br/coluna/saude-negritude-atitude/precisamos-falar-sobre-a-saude-
mental-da-populacao-negra/
Domingues PML, Nascimento ER, Oliveira JF, et al. Discriminação racial no cuidado em saúde
reprodutiva na percepção de mulheres. Texto Contexto Enferm. 2013; 22(2):285-292.
Werneck J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Soc. São Paulo. 2016;
25(3):535-549.25(3):535-549.
Batista LE, Monteiro RB, Medeiros RA. Iniquidades raciais e saúde: o ciclo da política de saúde
da população negra. Saúde debate. 2013; 37(99):681-690.