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São Paulo
2021
Marina Doreto Silva
São Paulo
2021
AGRADECIMENTO
Agradeço a Deus por ter me guiado até aqui e a minha família por todo o amor e
devoção. Minha gratidão aos meus orientadores e a colega Julia Couto, por ter
partilhado comigo essa temática tão importante. Por fim, agradeço a cada amigo
que tocou a minha vida durante essa graduação, vocês engrandeceram o meu
processo de construção pessoal e profissional.
“As palavras gostam mesmo
é do léxico da mocidade”
(Vitor Emiliano dos Santos Júnior)
A Solidão da Mulher Negra
Resumo
Este estudo tem por objetivo descrever e analisar a produção científica sobre a
solidão da mulher negra e seus reflexos nas relações sociais e saúde. A mulher
negra enfrenta realidades diferentes que a colocam diante da solidão desde a
diáspora africana, ao olhar para historicidade do fenômeno de maneira ampla, são
notórios resquícios de desigualdades, preconceitos e violências, além da
interseccionalidade de marcadores sociais como gênero, classe e raça que
interferem na maneira como essas mulheres se sentem acolhidas ou preteridas nas
relações sociais, de trabalho e cuidados com a saúde. Os resultados apontam que
à mulher negra não é permitido sofrer, pois vive sob os estereótipos da
super-mulher e da hipersexualização que acarretam sentimentos de preterimento
nas relações afetivas. Vivenciam múltiplas violências no ambiente doméstico, no
trabalho, meio acadêmico e serviços de saúde. Ainda assim, a produção científica
sobre a solidão da mulher negra é incipiente e pode denotar a naturalização do
sofrimento e das questões de saúde mental que acarreta.
Introdução
Para Kilomba (2019)5, o “sujeito branco” projeta sobre o “sujeito negro” tudo o que
teme aceitar a respeito de si mesmo: “no mundo conceitual branco, o sujeito negro é
identificado como o objeto “ruim”, incorporando os aspectos que a sociedade branca
tem reprimido e transformando em tabu, isto é, agressividade e sexualidade”5. Este
movimento do sujeito branco de olhar para si, como ideal do Ego em detrimento do
Outro racializado, dá-se no interior das relações intersubjetivas e seus efeitos
alcançam também as subjetividades dos sujeitos negros6,7.
As desiguais experiências sofridas por sujeitos negros e negras resultado do não
lugar social imposto pelo racismo produzem distorções, ora pela subhumanização
que corrobora as práticas de extermínio objetivo (necropolítica) e simbólico
(epistemicídio), ora pela hiperhumanização5.
Objetivo
Método
que os colonizadores não entenderam a profundidade das nossas alianças. Quando nos
arrastaram da África para os portos do Haiti, Jamaica, Cuba, Mississipi e o Brasil, não
sabiam que nossos corações separados continuariam a bater como se estivessem em um só
corpo. E que nossas vozes, mesmo fraturadas, continuariam cantando em uníssono
(Mendonça, Werneck e White,2000, p.7)15.
Meninas negras e
política: combatendo o A intervenção aproximou as
racismo e fomentado a meninas de espaços do poder Foi despertado nessas meninas
participação delas no Relata a conduta representativo, possibilitando negras o desejo de se achegar
espaço público24 empoderadora de uma que elas formassem uma nova à política, para que possam ter
Silva OHF, Caetano RSO, intervenção pedagógica que imagem e modelo para o futuro, um papel decisório em suas
Nanô JPL / 2020 / Brasil / visou aproximar meninas colocando-as como famílias e comunidades e se
Cadernos Pagu negras da política. protagonistas na política. tornarem agentes de mudança.
Rethinking Strength:
Black Women’s
Perceptions of the
‘‘Strong Black Woman’’ O estudo objetivou examinar As descobertas do estudo
Role29 as percepções das mulheres reforçam a importância de que
Nelson T, Cardemil EV, negras a respeito do papel da O discurso da "mulher negra os profissionais que lidam com
Adeoye CT / 2016 / EUA / "mulher negra forte" ou forte'' é difundido entre mulheres as mulheres negras entendam a
Psychology of Women supermulher através de negras, que o abordam com dificuldade das mesmas em
Quarterly entrevistas. grande familiaridade. buscarem saúde física e mental.
Evidenciam a desvalorização do
Aprofunda a temática das trabalho informal e das
trabalhadoras domésticas, trabalhadoras, que relatam em As desigualdades e a ausência
com foco em seus contratos suas narrativas como as de privilégios têm um impacto
Vivências E Narrativas De informais e riscos oferecidos à desigualdades sociais tem direto no meio de vida e na
Trabalhadoras saúde. Revela a vivência da impacto em suas vidas, gênero, saúde das trabalhadoras
Domésticas Diaristas32 exclusão social, racismo, classe, ocupação, local de domésticas. Em uma sociedade
Cardoso ÍL, Guimarães violência de gênero e moradia e raça. Referem o racista, machista e desigual,
SMF / 2019 / Brasil / violência nas relações de sentimento de apagamento essas mulheres demandam
Revista de Ciências Sociais trabalho. moral, político e social. políticas públicas efetivas.
Em relação aos termos utilizados nos títulos dos estudos, somente três (17,6%)
mencionaram “solidão”, “amor” e “racismo”. Outros oito estudos (47%) trouxeram em
seu título a expressão “mulher negra”.
Discussão
Classe, raça e gênero mesclam-se nos textos selecionados. A mulher negra não é
vista somente pelo seu corpo ou apenas por sua condição de ser mulher, nem
exclusivamente como negra, antes é vista na intersecção desses marcadores
sociais. Nessas dimensões, que constroem o sistema de opressão, ela é preterida e
colocada em situações de vulnerabilidade por um, dois ou três desses fatores25,28,31.
Percebemos esse entrecruzamento das avenidas identitárias ao analisarmos que as
situações vividas moldam as dinâmicas sociais e suas relações afetivas22,33.
Vale lembrar que desde os anos 1990 as organizações têm adotado discursos em
que valorizam a diversidade, porém não trouxeram de fato uma ressignificação do
papel da mulher negra na sociedade40. As mulheres negras que conseguem
alcançar o espaço acadêmico ainda sentem que sua identidade está oprimida e
marginalizada, elas são alvo de microagressões através da exclusão e do
isolamento22, ao ter sua presença no campus questionada pelos funcionários e
demais estudantes, e até mesmo ao serem indagadas se sua admissão deu-se pela
cor da pele e não por mérito acadêmico20. Estas microagressões se perpetuam nas
relações de trabalho, em que o homem branco é visto como o mais apto para
exercer uma determinada função e a mulher negra como a menos capaz,
fomentando o sistema de opressão24.
Por fim, salienta-se que as mulheres não são vistas como capazes de refletir de
forma objetiva, de se expressarem ou reivindicarem mudanças nas questões que
afetam essas relações, porém essa é uma forma de deslegitimar e enfraquecer a
mulher negra, para que ela não se oponha à dominação do outro25.
A maioria dos artigos versa sobre problemas e situações em que a mulher negra
sente-se sozinha, sem, entretanto, falar sobre o porquê de existir a solidão da
mulher negra, nota-se a escassez de publicações que abordem, de fato, essa
temática. Logo, torna-se explícita a violência da não nomeação, na qual se aborda
tudo o que acontece, mas não se nomeia a solidão da mulher negra, dificultando o
estudo epidemiológico do fenômeno, bem como de seus mecanismos de
funcionamento e repercussões na saúde da mulher negra.
Assim, cabe refletir sobre o papel que deve ser desempenhado pelo restante da
sociedade da qual faz parte a mulher negra. É fundamental ponderar sobre
privilégios para desconstruir ideias que estão obsoletas e construir novos
posicionamentos, deixando de lado a neutralidade. Sobre isso, vale frisar que:
Todas/os nós falamos de um tempo e lugar específicos, de uma história e uma realidade
específicas - não há discursos neutros. Quando acadêmicas/os brancas/os afirmam ter um
discurso neutro e objetivo, não estão reconhecendo o fato de que elas e eles também
escrevem de um lugar específico que, naturalmente, não é neutro nem objetivo ou universal,
mas dominante. É um lugar de poder (Kilomba, 2019, p.58)5.
A mulher negra sofre não só com os homens que a buscam e desejam ter múltiplas
parceiras, como também com a hipersexualização e objetificação34. Isso é
demonstrado nos artigos à medida que esse estereótipo é reforçado no interior das
relações, em que a mulher negra é tida majoritariamente como infiel pelo parceiro e
tem seu caráter sempre posto à prova, sem receber afeto ou apoio19,32.
A falta de apoio também é assunto recorrente nos relatos que narram a assistência
à saúde de mulheres negras. A violência obstétrica se mostra ligada ao isolamento
e solidão, no direito a um acompanhante que é negado e na sensação de
impotência experienciada por aquelas que não podem pagar por um serviço de
saúde privado26, essa forma de violência é um problema de saúde pública
protagonizado pelas mulheres negras42. A partir da ausência de governo sobre o
próprio corpo na assistência à saúde, o acesso ao cuidado torna-se permeado por
desigualdades, reafirmadas pelo abandono e isolamento no momento do parto26. A
violência obstétrica é vivenciada de tal forma, que perpetua o estigma da mulher
negra forte e da supermulher29. As estruturas de nossa sociedade estão assentadas
em pré-concepções, é com base em construções sociais que classificamos e
enquadramos as pessoas em categorias e criamos expectativas e exigências a
serem alcançadas, ou seja, estigmas43. À vista disso, as normas que estabelecemos
em relação à identidade de cada indivíduo compreendem a mulher negra como
dotada de um limiar de dor sobre-humano, todavia a não exteriorização de seus
sentimentos leva ao sofrimento psíquico e aos agravos de saúde mental29,30,44.
Considerações Finais
À mulher negra não é permitido sofrer e, como nos expõe Braga (2017)45 , na
atualidade ainda prevalecem “discursos que atravessam o tempo e guardam sua
força na medida em que trabalham em sua manutenção na dispersão do tempo
histórico”, nossa sociedade não eliminou sua herança racista e excludente, ela a
atualiza e conserva em nossos dias. Os estudos selecionados apresentaram os
impactos dessa historicidade, eles expuseram a hipersexualização da mulher
negra25,26,34, perpetuada através de estereótipos que reproduzem também o estigma
da supermulher29,30 e a incipiência de rede de apoio18,19,21,31,32, tão recorrente nos
textos. Eles evidenciaram o preterimento afetivo do qual são vítimas as mulheres
negras, além das microagressões vivenciadas21,27,31 no meio acadêmico20,22 e no
local de trabalho22,31,32,33, por fim, discorreram sobre a violência doméstica19,,
familiar19 e obstétrica18,21,.
Espera-se que este trabalho suscite pesquisas que possam aprofundar o tema e,
assim como o presente estudo, trazer à tona esta temática tão velada e demonstrar
que as mulheres negras estão sozinhas e se sentem sozinhas. Por fim, sugere-se a
discussão da temática no espaço acadêmico, tal qual sua expansão para a
sociedade.
Referências