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Graduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) em São Leopoldo, Brasil.
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Doutora em Psicologia Social e Institucional. Professora de psicologia na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS) em São Leopoldo, Brasil.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Ao falar de saúde mental Lancetti e Amarante (2006) trazem a discussão para um
campo profissional, uma grande área do conhecimento e de ações “que se caracterizam por
seu caráter amplamente inter e transdisciplinar e intersetorial” (p. 616), onde inúmeros
saberes se entrecruzam, como: medicina, psicologia, história, filosofia entre outros. Na
experiência pioneira vivida por Franco Basaglia na Itália, rompeu-se com o paradigma
psiquiátrico, propondo uma transformação desse modelo assistencial aos considerados
doentes mentais. A partir disso, o campo da saúde mental sintonizado com os pressupostos da
Reforma psiquiátrica vem articulando-se de forma a visibilizar o sujeito para além de
diagnósticos e patologias, percebendo-o em sua totalidade. Em múltiplos procedimentos e
com uma proposta multidisciplinar, uma comunidade é acompanhada nas tramas que
organizam as suas vidas e que podem decorrer para situações de sofrimento psíquico.
Segundo Bezerra Jr (2007), a Reforma Psiquiátrica se desdobra em vários planos, situados em
diversos campos. Ele especifica que “no plano assistencial, trata–se de pensar não apenas
formas inovadoras de organização da atenção, mas também modelos de cuidado e intervenção
adequados aos novos dispositivos – muito diferentes tanto dos ambientes hospitalares quanto
dos espaços ambulatoriais tradicionais”, e quanto aos objetivos, diz Bezerra Jr que estes são
mais abrangentes que os da clínica individual tradicional. A reforma psiquiátrica se contrapõe
ao modelo hospitalocêntrico e manicomial – calcado pela exclusão, opressão e reducionismo
cientificista moderno.
Pautada pela reforma psiquiátrica, a política de assistência à saúde mental vigente em
nosso país, orienta-se pelos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde
(universalidade, eqüidade e integralidade), e propõe a desinstitucionalização –
compreendendo o convívio das pessoas com sofrimento psíquico nos territórios em que
habitam e uma grande intervenção e modificação nas formas culturalmente validadas de
compreensão da loucura. Segundo Lancetti e Amarante (2006, p. 623) Basaglia afirmava em
“colocar a doença entre parênteses para que se pudesse tratar e lidar com sujeitos concretos
que sofrem e experimentam o sofrimento”.
Antes do encontro com o campo da saúde mental, outras experiências ao longo da
formação em Psicologia proporcionaram um encontro intenso com o tema das relações étnico-
raciais. A inserção neste assunto implicou a formular muitas questões a respeito do contexto
dos sujeitos afrodescendentes, as quais estávamos pouco sintonizadas/os no cenário
acadêmico. Dessa forma foi possível perceber com maior agudez os contrastes sociais entre
esta população e a população branca. Para elucidar brevemente esse contexto, o Relatório
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Anual de Desigualdades Raciais no Brasil (2010) aponta disparidades referentes ao acesso da
população negra em relação à população branca ao sistema de saúde, ao mercado de trabalho,
à previdência social, à educação e à justiça.
Na chegada ao campo da saúde mental através da experiência de estágio, chamava-me
atenção o atravessamento étnico-racial e de gênero como fatores relevantes no adoecimento
psíquico sobre a população afrodescendente. Outra questão observada neste campo foi contar
com um número menor de usuárias/os negras/os acessando o serviço, em comparação à
população branca que era atendida. Nos encontros com mulheres negras, o racismo aparecia
como um dos fatores que se inscreviam em seu sofrimento. A consequência destes
atendimentos e as questões que observei no espaço de estágio mobilizaram a problematizar a
temática étnico-racial e de gênero no contexto da saúde mental, estabelecendo concordância
com Basaglia em despatologizar este sofrimento, onde Lancetti e Amarante (2006, p.623)
apontam:
Trata-se, aparentemente, de uma operação simples, mas na prática ela revela
grande riqueza, pois o profissional de saúde mental, que antes tinha diante de
si um esquizofrênico um catatônico, um alienado, um incapaz de Razão e
Consciência, encontra subitamente uma pessoa com nome, sobrenome,
endereço, familiares, amigos, projeto, desejos.
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humanidade do colonizado sob várias modalidades de violência, todas elas centras em práticas
de desumanização, garantindo uma lógica que perdura até hoje: a lógica da colonialidade.
Walter Mignolo (2007, p.33) situa colonialidade:
Segundo Lugones (2008, p.77) o movimento feminista negro das mulheres norte e latino-
americanas tem oferecido contribuições para pensarmos a interseccionalidade: “Estes quadros
analíticos têm enfatizado o conceito de intersccionalidade e demonstrou a exclusão histórica,
teórica e prática das mulheres não-brancas de lutas libertadoras levadas a cabo em nome de
mulheres.”3
Assim, a autora traz para a discussão uma modalidade de colonialidade que nos ajuda
a pensar no sofrimento e lugar que as mulheres negras possuem em nossa sociedade, a
colonialidade de gênero: “Diferente da colonização, a colonialidade do gênero ainda está
conosco; é o que permanece na intersecção de gênero/raça/classe como construtos centrais do
sistema de poder capitalista mundial”. (LUGONES, 2014, p.939)
A ideia de raça produzida a partir da lógica colonial estabeleceu relações de
subalternização entre homens e mulheres também, pois tal relação está ancorada na dimensão
patriarcal. O efeito das relações de subalternização e privilégio postas nestas condições,
construíram uma série de violências advindas deste regime de dominação do homem sobre a
mulher, como por exemplo, o controle sobre o corpo feminino, bem como de sua sexualidade.
(LUGONES, 2014)
Neste contexto, a violência contra as mulheres perpetuam-se através destes modos de
dominação. Porém as mulheres negras e indígenas sofrem com uma dupla opressão: a de
gênero e a de raça. Tal violência ocorre em nossa sociedade através de uma ficção que
“mulher” seria um termo universal, garantindo práticas universalistas. Tal universalidade está
articulada a ideia de raça, colocando as mulheres brancas em um lugar de privilégio em
relação às não brancas, onde estariam imunes a determinadas formas de opressão ao serem
valorizadas através da ideia racista de que suas vidas tem valor, por pertencerem ao modelo
de raça humana. Ao mesmo tempo, como resultado destes processos de hierarquização racial
entre brancas e não brancas, a colonialidade produz a condição de não humana para as
últimas, ou seja, a desumanização das mulheres negras e indígenas. Assim, estabelece-se a
negação de seus saberes, a negação de si e de seus corpos.
Referências
BEZERRA JR., Benilton. Desafios da reforma psiquiátrica no Brasil. Physis, Rio de Janeiro
, v. 17, n. 2, p. 243-250, 2007 . disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
73312007000200002&lng=en&nrm=iso>. access on 07 July 2017.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312007000200002.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Trad. Isabel Pascoal. Lisboa: Livraria Sá
da Costa Editora, 1980.
LANCETTI, Antonio; AMARANTE, Paulo. Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS,
GWS et al (org.) Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz,
2006. 871 p.
LUGONES, María. Colonialidad y Género. Revista Tábula Rasa, Bogotá, n. 9, julho, 2008.
pp. 73-101. Disponível em: <http://www.revistatabularasa.org/numero-9/05lugones.pdf>.
Acesso em: 30/06/217.
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LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, vol. 22, n. 3, setembro 2014. pp. 935-952.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade
e etnia. In: Seminário Nacional Relações Raciais e Educação. Rio de Janeiro. Palestra.
PENESB-RJ 2004. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/wp-
content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-
e-etnia.pdf>. Acesso em: 5/04/2017.
The proposed study will address an experience obtained through a non-psychology course in a
Psychosocial Care Center (CAPS II) in the metropolitan region of Rio Grande do Sul.
Through this experience, it was possible to formulate the related questions with local
demands, as well as observing a significant number of women accessing the service. As
internship camp, the CAPS provided an analysis of the gender categories and an assessment
of the attending public. As a result of the meetings, the ethnic-racial and gender crossings
were highlighted as one of the factors that were inscribed in pacient’s psychic suffering.
Crenshaw (2002, p.174) affirms intersectionality as "attention to the various ways in which
gender intersects with a range of other identities and at the same time for intersectoral
qualities contribute to a particular vulnerability of different groups of women." Referring to
authors such as Mignolo (2007) and Fanon (2005), we highlight the debate, decolonial
thinking, as a context that provides a critical look at these crossings in human life, where this
counter-hegemonic way of thinking makes visible the exploitation and violence that affect
such subjects. It is a thought that stands for the decolonial options and is shaped by the
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pluriversal exteriorities that surround western imperial modernity. The results of this article
demonstrate that the issues of gender and race begin to compose lines of understanding about
subjects in psychological distress, stressing the debate about a psi practice that shows the
violence that marks the lives of these people and fight for the guarantee of their rights.
Keywords: Intersectionality. Gender. Race. Decolonial thinking.
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