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A EQÜIDADE:
ESTRATÉGIA PARA IMPLEMENTAÇÃO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS
PARA A SUPERAÇÃO DAS
DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA
PARA AS MULHERES NEGRAS
Apresentação
Como podemos ver, são muitos fatores capazes de criar diferentes identidades, uns tendo maior
impacto que outros na definição das condições de vida de pessoas e grupos, tanto no que se refere
aos privilégios como, no outro extremo, à exclusão social. O que quer dizer também que maiores
ou menores vulnerabilidades (ou seja, maior probabilidade de sofrer impactos – violências,
discriminações e etc - da visão negativa que estas identidades podem ter em determinadas
sociedades) serão criadas a partir destas características, fazendo com que isolar uma delas em
detrimento de sua interação torne a tarefa de realização integral dos direitos humanos individuais
e coletivos mal sucedida.
A força do racismo no Brasil é o principal fator de produção de desigualdades seja entre mulheres
e homens, seja entre mulheres, como os diferentes dados de diferentes centros de pesquisa e
fontes de informação à disposição demonstram. Assim, para a melhoria das condições de vida
das mulheres negras, o enfrentamento ao racismo é fundamental e prioritário. Por outro lado, não
reconhecer o papel que o sexismo tem
pode fazer com que se reforce
desigualdades seja entre negros,
seja entre outros grupos identitários. Raça
Assim, tem grande utilidade nestes
casos a utilização do conceito de
interseccionalidade.Trata-se de Gênero
um conceito que afirma a coexistência
de diferentes fatores (vulnerabilidades, Classe
violências, discriminações), também
chamados de eixos de subordinação,
que acontecem de modo simultâneo
na vida das pessoas. Desse modo, é um Moradia
conceito que ajuda a compreender a
complexidade da situação de indivíduos Idade
e grupos, como também a desenhar
soluções mais adequadas.
A interseccionalidade corresponde ao encontro (intersecção) dos diferentes fatores na vida de cada
mulher ou grupo de mulheres. O ponto central onde, como se verifica na figura a seguir, a cor fica
mais intensa, significa a interseccionalidade que produz a forma concreta como estes diferentes
fatores agem sobre as pessoas em geral e as mulheres negras em particular.
Raça
Classe
Moradia
Gênero
Idade
Desde a perspectiva da interseccionalidade, é possível pesquisar e visibilizar a existência ou não de
desvantagens produzidas pela sociedade desigual sobre as pessoas. No caso das mulheres negras,
estas desvantagens podem ser resultantes das discriminações de raça/ ser negra; de gênero/ ser do
sexo feminino; de classe social/ ser pobre, de moradia/ residir em favelas ou em áreas rurais afastadas;
de idade/ ser jovem ou idosa. E podem- se somar à orientação sexual/ ser lésbica; à presença de
deficiência ou não, e muito mais.
Por exemplo, quando se isola os aspectos de gênero, e dentro deles, as mulheres, são as mulheres
brancas que, de forma mais efetiva, terão suas necessidades atendidas. Uma vez que as vantagens que
o racismo confere vão permitir às mulheres brancas o acesso privilegiado e bens e políticas, quando
comparadas às mulheres negras e indígenas. Ou então, quando o fator que se quer destacar ou
atender são os aspectos raciais e, dentro deles, a raça negra; as ações empreendidas com base
somente na raça resultarão no atendimento privilegiado aos pontos de vista e necessidades dos
homens negros em detrimento dos interesses das mulheres negras. Uma vez que o sexismo confere
aos homens maior mobilidade e visibilidade diante das mulheres. Estes privilegiamentos poderão ser
potencializados por outros fatores, dando contornos mais complexos às desigualdades.
Assim, ações, políticas e programas voltados para as mulheres negras devem necessariamente
considerar a necessidade de enfrentar não apenas o racismo e o sexismo, como também as
iniquidades decorrentes da pobreza, da baixa escolaridade, das condições precárias de saúde, da
distância dos grandes centros e das dificuldades de acesso a transportes coletivos, das diferenças
culturais, das diferentes orientações sexuais e da lesbofobia, das necessidades específicas de cada
pessoa, e demais fatores que interagem na vida destas mulheres específicas. Considerando sua
capacidade de produzir e aprofundar vulnerabilidades, ou de fornecer elementos que permitam a
elas o confronto cotidiano com as desvantagens vividas e a produção de estratégias de reafirmação
de sua condição de agentes de resistência e mudança social.
Mulher negra
no centro da política
O que foi apresentado até aqui afirma que, para que as mulheres negras tenham suas demandas e
necessidades atendidas, não são suficientes as políticas chamadas universais, ou seja, voltadas para
grupos maiores, como por exemplo, as mulheres em geral ou a população negra. Ao contrário, a
experiência brasileira e os dados apontam que as políticas universais para mulheres, por não
considerar especificidades e desigualdades entre elas, têm privilegiado as mulheres brancas,
especialmente aquelas residentes nos grandes centros urbanos. Dito de outra forma, a presença
do racismo e outras desigualdades têm resultado no privilegiamento de um grupo minoritário de
mulheres no acesso às conquistas da luta feminista.
1
A utilização de @ indica a utilização de termos que abarcam os dois sexos, mulheres e homens.
O mesmo tem acontecido em relação a políticas voltadas para a população negra - ou suas formas
genéricas e atenuadas chamadas de ‘’promoção da igualdade racial’’- que, ao endereçar suas ações a
um universo amplo demais, que no Brasil inclui mulheres e homens negr@s, judeus, árabes/muçulmanos
e ciganos - acaba por invisibilizar as diferenças e desigualdades dentro do mesmo grupo racial,
permitindo assim um acesso diferenciado, e privilegiado, de alguns. No caso da população negra, os
homens negros em geral podem estar sendo privilegiados, em consequência da presença do sexismo
na sociedade e nas estruturas de poder e gestão de políticas públicas. Ou mesmo homens e mulheres
negr@s de maior escolaridade, ou @s que residem em grandes centros urbanos, ou @s heterossexuais,
ou que não têm qualquer deficiência, etc.
Da mesma forma, tendem a ser isuficientes inciativas que, de modo genérico, são colocadas sob a
rubrica de “gênero e raça”. Se por um lado esta formulação retrata o avanço da luta pela visibilização
das mulheres negras e suas bandeiras, ela não é sufuciente para garantir que os interesses deste
grupo sejam atendidos de forma específica.
Para que se possa garantir que as mulheres negras sejam postas no centro das políticas públicas para
a produção da eqüidade, é preciso pôr em ação diferentes mecanismos e buscar desmontar de
forma simultânea os diferentes eixos de subordinação. Afinal, já sabemos que são múltiplos os fatores
atuantes na produção dos dilemas e desigualdes que enfrentamos. No caso da formulação,
monitoramento e avaliação das políticas públicas, a centralidade das mulheres negras precisa ser
desenhada numa abordagem múltipla e simultânea de diferentes aspectos. Entre eles estão: definição
de prioridades; metas diferenciadas; magnitude das ações; orçamento específico e participação
na formulação, monitoramento e avaliação das propostas.Veremos cada um deles a seguir:
b Magnitude das ações: define o tamanho da ação capaz de produzir impacto significativo
sobre o grupo. Por exemplo, se a política ou ação se propõe a alterar a vida de todas as mulheres
negras, é preciso considerar que, em números de 2005, éramos cerca de 46 milhões de pessoas.
Ou seja, é preciso produzir inciativas desta magnitude, ainda que de forma escalonada. Ainda que se
possa priorizar grupos menores dentro deste conjunto. Assim, políticas para as mulheres negras têm
como horizonte uma população deste tamanho. Mas se, entre as mulheres negras, buscarmos
desenvolver ações para aquelas que estão no mercado de trabalho e dentre elas, as trabalhadoras
domésticas, devemos considerar que elas são cerca de 7 milhões de trabalhadoras e é para este
conjunto que a ação deve se dirigir. Considerando-se também que, se não há condições imediatas de
trabalhar com todo este contingente, é preciso fazer um plano detalhado que contenha a informação
de quanto tempo se levará para atingir todo o grupo e as razões que levaram a eleger um percentual
menor para começar. Ou seja, as ações precisam ter um tamanho suficiente para alterar a forma de
subordinação ou desvantagem para uma quantidade significativa de mulheres negras e que, a partir
daí, permitam que o grupo como um todo tenha condições de seguir lutando e contribuindo para a
transformação das condições de trabalho das demais.
c Metas diferenciadas: naquelas políticas universais, ou seja, voltadas para para uma população
em geral, como todas as mulheres, todos os negros ou toda a população brasileira, por exemplo, é
preciso estabelecer metas diferenciadas para cada sub-grupo e para as mulheres negras em particular.
Uma vez cada sub-grupo pode experimentar condições de vida desiguais e, o sub-grupo de mulheres
negras apresentam piores indicadores em muitos aspectos. Assim, maior esforço deve ser dirigido
àquelas em piores condições, gerando metas diferenciadas. Por exemplo, para a redução da
mortalidade materna no Brasil em 50% (número fictício), por exemplo, será preciso desenvolver
ações diferenciadas ou mais intensas capazes de provocar uma redução maior, de 70% ou mais
(número fictício) entre aquelas com maiores taxas de mortalidade (as mulheres negras) e, a partir
de então, reduzir as taxas gerais.
e Participação: um dos requisitos fundamentais para uma boa gestão do interesse público e da
democracia é a participação social. No caso das políticas de eqüidade, é importante que os grupos
para quem as políticas são dirigidas possam ser interlocutor@s privilegiad@s nas diferentes etapas
de seu desenvolvimento, ou seja, na formulação, no monitoramento e na avaliação das políticas
implantadas. A participação de mulheres negras de diferentes origens e características nas diferentes
etapas pode contribuir, desse modo, para aproximar governos, gestores e profissionais dos modos de
vida, das visões de mundo, dos interesses e necessidades deste grupo, o que certamente vai facilitar e
melhorar a qualidade e amplitude da ação. Participação que, para ser efetiva, requer que as instâncias
de controle social adotem mecanismos, condutas e linguagens adequados à formas de atuação e
linguagem das mulheres negras.
Prioridades
Metas
Magnitude específicas
Políticas
para
mulheres
negras
Orçamento Participação
Racismo institucional
Também chamado de racismo sistêmico, é um conceito criado para assinalar a forma como o
racismo penetra as instituições, resultando na adoção dos interesses, ações e mecanismos de
exclusão perpetrados pelos grupos dominantes através de seus modos de funcionamento e da
definição de prioridades e metas de realização. No caso da maioria dos países da Diáspora Africana
– no Brasil inclusive – este conceito fala, para além do privilégio branco, de suas ações para controle,
manutenção e expansão destes privilégios através da apropriação do Estado.
Assim, para que os interesses das mulheres negras possam ser atendidos através de políticas públicas,
é preciso modificar as formas de funcionamento das instituições responsáveis pela formulação,
execução e monitoramento destas políticas. Ou seja, o Estado brasileiro como um todo e cada uma
de suas parte e diferentes poderes (legislativo, judiciário e executivo) precisam ser alterados para
afastar os mecanismos discriminatórios já em curso que tem resultado no privilégio dos brancos,
tanto nas posições de gestão quanto nas ações e políticas desenvolvidas.
Como sabemos, o racismo, o sexismo, da lesbofobia e sua interseccção com diferentes fatores
produzem grandes impactos sobre a vida das mulheres negras, inclusive aquelas dedicadas à ação
política e à atuação coletiva. Enfrentar estes dilemas pode contribuir também para a atuação mais
consistente deste segmento nos diferentes espaços de debate público. Que resultará, certamente,
numa melhor qualidade das políticas e ações a serem desenvolvidas e em desenvolvimento, como
também num ganho para a democracia.
E quais são as necessidades das mulheres negras para o exercício de liderança e para maior atuação
política?
a As dificuldades materiais são graves, uma vez que a maioria das mulheres negra é pobre.
E aquelas que não são, ocupam os limites inferiores de conforto material de sua classe social.
Estas dificuldades estão sempre interferindo nas suas possibilidades de ação, tornando a mobilização
mais penosa e custosa. Assim, deve-se articular programas de combate à pobreza e às desigualdades
para o segmento como um todo, com maior ênfase para aquelas com maiores limitações financeiras.
Ao mesmo tempo, programas de bolsas de ação para lideranças também serão importantes em
casos específicos e em prazos determinados.
b Muitas lideranças negras trabalham em isolamento político. Ou seja, o racismo faz com que
grande parte das lideranças política de outros movimentos sociais não reconheça a atuação destas
mulheres. Ou reconheça de maneira inferiorizada, folclorizada, e desqualifique suas bandeiras e
propostas. É preciso oferecer às mulheres negras ferramentas para trabalhar e transpor estas barreiras
e poder desenvolver articulações mais amplas, para além das comunidades onde trabalham e são
legitimadas;
c A violência dentro das comunidades onde atuam (policial e do tráfico de drogas principalmente,
fortemente marcadas pela violência racista e sexista) e a ausência de políticas públicas que atendam
a seus direitos básicos são ameaças cotidianas que estas mulheres enfrentam. Muitas vezes estas são
barreiras intransponíveis. É necessário, então, o desenvolvimento de diferentes estratégias de combate
à violência, que devem dirigir olhar e ações específicas para estas mulheres negras,uma vez que a
maioria vive nas regiões metropolitanas e em áreas degradadas e de grande violência. No caso das
lideranças negras da área rural (camponesas e quilombolas), é preciso visibilizar e enfrentar a violência
dos latifúndios, dos proprietários das monoculturas em expansão e de grilheiros, que muitas vezes
lhes dirigem ameaças de morte.Tanto nas cidades quanto no campo, uma rede de proteção à vida
destas lideranças é urgente e fundamental.
f Uma ação informativa e educativa voltada para os demais movimentos sociais, políticos, gestores
e profissionais das políticas públicas (campanhas, programas deformação, etc) também contribuirá
para dar suporte à ação das lideranças negras. Mas estas ações devem ser desenvolvidas em parceria
com as mulheres negras.
Muitos caminhos
São múltiplos os desafios colocados na trajetória política das mulheres negras, alguns são novos, mas
a maioria deles já conhecemos e enfrentamos ao longo de muitos anos. É possível afirmar, então, que
estes desafios não têm sido suficientes para impedir nossa luta e nossa mobilização. O fato desta
publicação ter como objetivo contribuir para ações de melhoria da atuação do Estado brasileiro e
de ampliação da democracia demonstra, ao contrário, que o trabalho vem sendo desenvolvido, que
o caminho vem sendo percorrido – ainda que os passos venham de muito longe.
Entre estas, são eleitas as integrantes do colegiado de coordenação, que é atualmente formado
por cinco organizações.
Tais expectativas, diga-se, foram plenamente alcançadas, com importante destaque obtido pela
atuação das mulheres negras brasileiras, principalmente ao longo do processo latinoamericano
(Conferência das Américas contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, Santiago, 2001).
Tendo a AMNB atuado intensamente em todo o processo preparatório (PrepCons), como também
durante a Conferência Mundial propriamente dita, em Durban, tanto no processo voltado para a
sociedade civil, quanto no acompanhamento (e advocacy) ao longo das agendas governamentais.
Na revisão de seus objetivos empreendida no período após a III CMR, as integrantes da AMNB
redefiniram seu caminho de atuação, assumindo a tarefa de advocacy no terreno das políticas
públicas nacionais, de modo a introduzir a perspectiva da igualdade racial e de gênero nos diferentes
programas de ação governamentais, nos diferentes níveis da administração pública. Dando maior
ênfase à administração federal, em particular à políticas voltadas para as mulheres e para igualdade
racial, além daquelas de desenvolvimento e de saúde. As ações previstas para o período pós-
Conferência foram:
Contribuir para o fortalecimento das ONGs de mulheres negras, capacitando-as para intervenção
política qualificada;
Monitorar políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal para a melhoria da qualidade
de vida das mulheres negras e da comunidade negra;
Ainda assim, ao longo de 06 anos de atuação, a AMNB tem se destacado como interlocutora tanto
de governos, quanto da sociedade civil e de agências multilaterais e internacionais, em temas relativos
aos interesses das mulheres, adolescentes e meninas negras na diferentes esferas.
Grupos de Trabalho
Democracia e Participação
Comunicação e Imagem
Políticas Sociais
Desenvolvimento
Participação em Conselhos
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher/ CNDM
Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial/ CNPIR
Conselho Nacional de Saúde/ CNS
Esta publicação faz parte do Projeto Avaliação das Políticas Públicas Federais
para a Redução das Desigualdades que atingem às Mulheres Negras,
desenvolvido pela AMNB, através de CRIOLA. O referido Projeto visa
contribuir para a elaboração, implementação, monitoramento e avaliação
de políticas públicas capazes de efetivamente alterar o quadro de
subordinação vivido pelas mulheres negras nas diferentes regiões do país.
www.amnb.org.br