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CURSO

COMUNICAÇÃO
SOCIAL
JUDICIÁRIO,
GÊNERO E DIVERSIDADE
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
Presidente: Ministro José Antonio Dias Toffoli
Corregedor Nacional de Justiça: Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins
Conselheiros: Aloysio Corrêa da Veiga
Maria Iracema Martins do Vale
Márcio Schiefler Fontes
Daldice Maria Santana de Almeida
Fernando César Baptista de Mattos
Valtércio Ronaldo de Oliveira
Francisco Luciano de Azevedo Frota
Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva
Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior
André Luis Guimarães Godinho
Valdetário Andrade Monteiro
Maria Tereza Uille Gomes
Henrique de Almeida Ávila

Secretário-Geral: Carlos Vieira von Adamek


Diretor-Geral: Johaness Eck

Secretário Especial de Programas,


Pesquisas e Gestão Estratégica: Richard Pae Kim

SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Secretário de Comunicação Social: Rodrigo Farhat Camargo
Projeto gráfico: Eron Castro
Revisão: Carmem Menezes

2019
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
SEPN Quadra 514 norte, lote 9, Bloco D, Brasília-DF
Endereço eletrônico: www.cnj.jus.br
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................

UNIDADE I .................................................................................

Direitos humanos e declaração internacional ...........................................

Direitos humanos e direitos das mulheres ...............................................

Agenda ONU .................................................................................

UNIDADE II ................................................................................

A relação entre cultura e comunicação e o tema da igualdade ........................

Diversidade, minorias e mulheres .........................................................

Diversidade, gênero e sexualidade ........................................................

A representação das mulheres na comunicação do Judiciário ........................

UNIDADE III ...............................................................................

Linguagem e identidade de gênero ........................................................

Linguagem inclusiva e comunicação .....................................................

Linguagem inclusiva e representação social .............................................

Situações hipotéticas sobre linguagem e representação ...............................


UNIDADE III
O uso da linguagem inclusiva seria mesmo uma necessidade?
Nos poderes públicos, a questão da linguagem inclusiva e da
representatividade social tem se colocado como uma discussão atual.
Para dar trato ao assunto, o objetivo desta Unidade é o de, primeiro,

sobre a comunicação, inclusive na construção de notícias. Além


disso, também se apresenta, como propósito, a referência a situações
hipotéticas para análise da representatividade de grupos sociais.

Será apresentado o conceito de linguagem inclusiva e


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noções sobre representatividade social, problematizando
a relação entre comunicação e linguagem. 6

6 Para uma leitura complementar acerca da abordagem feita nesta unidade, sugere-se o texto de: MARTINS, Lílian Aparecida Mudado Suassuna; BONIS
-
SON, Gabriel Suassuna. A linguagem inclusiva e a diversidade de gênero. Disponível em: <
TRABALHO_EV053_MD1_SA8_ID1421_24052016230146.pdf>. Acesso em: 15 maio 2019.
LINGUAGEM E IDENTIDADE DE GÊNERO
A identidade de gênero é considerada como Contrariando essa diversidade, que tem
a percepção que uma pessoa tem de si, inde- proteção constitucional, é comum que se retra-
pendentemente do sexo biológico. Estereóti- tem os nascidos como homens como detento-
pos de gênero são aqueles que reproduzem na res necessariamente da identidade do gênero
comunicação, na linguagem, na cultura, na masculino e, ainda, com adjetivos como forte,
política, na educação, no direito e em diver- provedor, cuidador, seguro, líder, chefe, den-
sos âmbitos sociais, papéis ou funções que são tre outros.
atribuídos a determinado sexo biológico e que, Os presentes, os alunos, os participantes, os
comumente, se pretende impor para que seja cidadãos, todos referidos no masculino, desig-
adotado de forma coincidente com a identi- nam o homem como o universal, que engloba e
dade de gênero. sintetiza todas as diversas identidades humanas.
O pressuposto importante é que existe Ocorre que não se trata de mera simplificação
variedade bastante significativa de seres que da linguagem, mas de representação de uma
não podem (ou não querem) enquadrar-se nas estrutura de poder que endereça determinados
duas categorias de gênero ou na fórmula binária atributos ao gênero masculino, os quais natura-
masculino/feminino e muito menos apenas no lizam a ocupação, por eles, dos espaços públicos
masculino. de maior visibilidade.

A linguagem não é neutra e interfere na socialização.


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LINGUAGEM INCLUSIVA E COMUNICAÇÃO


O uso que ocorre, vez por outra, de lingua- Evidentemente, não há fórmula ou protocolo
gem inclusiva, ou linguagem não sexista, pode de conduta que possa ser considerado único e
causar discussões sobre a sua necessidade ou correto. Todavia, é importante problemati-
utilidade. Entende-se como tal a prática linguís- zar que a língua não é imutável. Ao contrário,
tica que procura visibilizar os diversos gêneros transforma-se e se remodela de acordo com as
e até grupos identitários diversos. mudanças que ocorrem na sociedade.
Questionamentos que normalmente surgem A sociedade atual encontra imenso desafio
são: o que seria adequado? Na linguagem falada, na consideração sobre a sua própria pluralidade
o ideal seria cumprimentar a todas e a todos? e diversidade.
Seria pertinente começar pelo gênero feminino À vista desse desafio, importante observar
que historicamente não era referido? E na lin- que a linguagem é um fator social que tem impli-
guagem escrita, considera-se pertinente repro- cações inclusive como forma de comunicação
duzir essa diversidade repetindo o masculino e que atua contra comportamentos discrimina-
o feminino ou optar por outras designações, tais tórios. A linguagem pode transmitir ideias que
como incluir @ ou x? ocultam individualidades e diferentes perspec-
tivas e modos de vida, reforçando visões este- de estereótipos. Em suma, a linguagem se cons-
reotipadas de mundo. Comportamentos discri- titui em poderoso instrumento na formação de
minatórios também ocorrem quando há reforço identidades.

A linguagem inclusiva é um mecanismo que vem se


afirmando como modo de combater estereótipos que são
reforçados pelos diversos instrumentos de comunicação.

LINGUAGEM INCLUSIVA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL


O avanço paulatino da opção, na prática lin- representar (e a linguagem é uma forma pode-
guística, por expressões que possam abarcar rosa de representação) a diversidade social,
maior inclusão da diversidade no discurso e na especialmente considerando a perspectiva de
comunicação remonta à consideração da carac- gênero. As mulheres não estão contempladas
terística masculinizante da língua, que gerava no masculino.
e gera forte sentimento de insatisfação com a O mais importante, aliás, é considerar que,
representação feminina. senão todas, ao menos parte das mulheres não
Desse modo, uma linguagem supostamente se sente contemplada quando o uso da lingua-
universal, em geral, expressa o mundo ou o gem adota uma lógica de simplificação no mas- 19
modo social de forma predominantemente mas- culino. É essa não representação que precisa ser
culina, reforçando o lugar social de cada uma e respeitada, não para impor a aceitação, mas para
cada um. Assim, o masculino se apresenta como que se considerem fórmulas ou modos novos
o universal, dizendo respeito a todos. Ocorre de comunicar que sejam satisfatoriamente
que essa suposta universalidade não consegue includentes.

A construção do gênero em termos de linguagem e


também de representação dos diversos grupos identitários,
traz a inquietação quanto ao não enquadramento de
todas as pessoas nas classificações tradicionais.

SITUAÇÕES HIPOTÉTICAS SOBRE LINGUAGEM E


REPRESENTAÇÃO
Para falar sobre linguagem, comunicação e tadas sensibilidades quanto ao conteúdo que a
representação, é fundamental pensar a partir informação, a notícia, a propaganda, o post ou a
de situações hipotéticas, a fim de que sejam tes- imagem transmitem.
Como tradicionalmente há referências às e um homem, negando-se a diversidade das
mulheres na data comemorativa do Dia das composições familiares brasileiras. Nessa famí-
Mães, seria possível testar uma possibilidade. lia, a linguagem masculina pretende abarcar o
No uso das mídias sociais, um post que contem- feminino. Assim, a mulher, embora pareça estar
pla a imagem de uma mulher de cabelos lisos na mesma posição da balança, está contemplada
e claros, grávida, com chapéu para a proteção pela referência da linguagem do masculino. As
contra o sol, trabalhando no arado do campo. cores rosa e azul designam atributos sociais
Esse tipo de representação parece desconec- que são considerados típicos para a coincidên-
tada da realidade social brasileira. Há mulheres cia imposta entre sexo biológico e identidade
trabalhando no campo, mas os dados estatísticos de gênero.
indicam que o trabalho rural ainda não possui Em um terceiro caso, exaltando-se o papel
todas as formas de proteção necessária ao seu das mulheres no mercado de trabalho, há uso
desenvolvimento com saúde e segurança. Os da linguagem no feminino. Além disso, um post
trabalhadores e as trabalhadoras rurais não são é construído com cinco mulheres magras segu-
predominantemente brancos, e muito menos rando pastas de executivas, de cabelos lisos, de
de cabelos lisos. As mulheres têm o direito à mesma cor, usando óculos, todas de saia azul até
maternidade, mas ela são se expressa exclusiva- o joelho, camisa branca e sapatos fechados.
mente na geração biológica de outro ser vivo. As A representação das mulheres no mercado
crianças e os adolescentes brasileiros vivenciam de trabalho como executivas nega a condição
outras formas de maternidade, traduzida como real em que se inserem, o que ocorre normal-
a ideia de afeto e de cuidado, que não se resume mente em postos menos valorizados e com
20 àqueles que são dispensados por mães biológi- remuneração inferior. De certa forma, o que fica
cas. A desconexão entre o que se pretende comu- valorizado na linguagem e na imagem é a ocu-
nicar e a realidade social não permite que seja pação de posto de trabalho predominantemente
gerada um mínimo de empatia. ocupado por homens. As mulheres que ascen-
Em outro caso, pensando-se na necessidade dem no mercado de trabalho são homogenei-
de harmonia familiar e de um ambiente sau- zadas em um biotipo, o que fica reforçado pela
dável para o melhor desenvolvimento físico e quantidade de mulheres iguais, que valoriza a
emocional de crianças e adolescentes, há fra- condição física com trajes adequados. Trata-se
ses que exortam a que todos se comprometam do biotipo de mulheres magras e saudáveis, que
com esses direitos básicos. Pretende-se deixar não portam nenhum tipo de deficiência. Nota-
claro que é necessário acabar com uma cultura -se, aliás, que a linguagem no feminino apenas
de violência dentro de casa. Além das frases, há acontece pela quantidade de mulheres que
uso de post em que o símbolo do feminino em aparecem na imagem e pelo assunto tratado,
rosa está de um lado e o símbolo masculino de mas a representação é masculina, ou seja, são
azul está de outro, ambos em uma balança em mulheres ocupando, a partir de certos referen-
equilíbrio. ciais (aparência, comportamento, etc.), postos
Tais referências revelam que a ideia de famí- de trabalho que tradicionalmente são próprios
lia utilizada é aquela composta por uma mulher dos homens.
Em suma, o que se nota é que não é fácil construir uma prática
comunicativa e de linguagem escrita, falada e representada, que
não seja mera tradução de estereótipos e que possa, avançando
para novas possibilidades, ser instrumento valoroso de interface
entre Judiciário e sociedade.Comunicar é representar, mas
representar não é simplesmente reproduzir, é também construir e
traduzir a diversidade social, em respeito ao ideal de igualdade.

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