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Comunidade, cultura
e identidade surda
Claudio Luciano Dusik
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O tema deste capítulo tem como base, talvez de forma implícita, a interação
de sujeitos por meio da comunicação humana. De forma mais objetiva, trata-
-se da comunicação especificamente de um grupo mais restrito de sujeitos
(os surdos), apenas em termos de números, que se comunica de forma paralela
e diferente da usada por um grupo dominante (os ouvintes).
A comunicação é inerente à condição humana. É a comunicação entre os
indivíduos que permite a criação de uma sociedade. Sem comunicação, não
há transmissão de conhecimento ou partilha de emoções. Sem ela, há ape-
nas indivíduos isolados, que vivem unicamente dos seus instintos ou das
suas experiências individuais. Na comunicação, fazem parte da linguagem os
gestos, os sons, as expressões faciais e corporais, identificados e utilizados
para manifestar desejos, necessidades, opiniões e posicionamentos. No ser
humano, o desenvolvimento da linguagem permitiu-lhe expressar as suas ideias
e desenvolvê-las com as ideias dos outros. A partilha de informação permitiu-lhe
obter conhecimento e criar cultura. Entretanto, a comunicação e a linguagem
não se restringem ao ouvir e falar, nem tampouco a formas universais ou a uma
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[...] não podemos olhar um defeito como algo estático e permanente. Ele põe em
ação e organiza grande número de dispositivos que não só podem enfraquecer
o impacto do defeito, como por vezes até mesmo compensá-lo. Um defeito pode
funcionar como poderoso estímulo no sentido da reorganização cultural da perso-
nalidade, [...] só precisa saber como descobrir as possibilidades de compensação
e como fazer uso delas.
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Identidade sociocultural e a
identidade surda
A identidade social e cultural é uma percepção subjetiva que faz com que
o sujeito se identifique com algum grupo social que tenha elementos e ca-
racterísticas de seu interesse, querendo, assim, ser parte daquele contexto.
As transformações sociais advindas da modernidade produzem profundos
efeitos na maneira como o indivíduo entende a si mesmo e é entendido social-
mente. Dessa forma, a identidade sociocultural é o resultado da intersecção
entre a história da pessoa, o seu contexto histórico, cultural e social e os seus
projetos de vida (CIAMPA, 1987; DUBAR, 1997; HALL, 2006).
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Surda
Intermediária Híbrida
Diáspora Flutuante
De transição Embaçada
Diante dos elementos que constituem o conceito de cultura, que são tão
diversos e fazem parte das formações identitárias, é importante lembrar que
vários estereótipos historicamente traçados e distorcidos sobre os surdos po-
dem dificultar o processo de aceitação da identidade surda e da representação
da surdez. Esses estereótipos têm reforçado preconceitos e discriminações
em torno da diferença cultural e linguística, e estão presentes de formas
explícitas e implícitas. Observa-se que o coletivo de pessoas surdas, como é
característico das coletividades humanas, é heterogêneo, sendo necessário
compreender e respeitar essa diversidade, sem desrespeitar o direito de a
pessoa assumir o posicionamento que considere melhor diante dos tipos
de identidade manifestos por diferentes pessoas surdas. Entretanto, é de
fundamental importância oportunizar, principalmente na infância da criança
surda, o contato com outras pessoas surdas, o que permitirá que ela possa se
apropriar de formas de vida e artefatos que facilitem a sua vida e a comuni-
cação com os demais. Independentemente da identidade e da cultura com as
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Ser surdo ou ouvinte, ou ter diferentes tipos e graus de surdez não fazem
com que os indivíduos se diferenciem na comunidade surda — eles se igualam
como comunidade pela apreensão do mundo de forma visual e por comparti-
lharem a língua de sinais. Conforme Strobel (2009), os sujeitos surdos não se
diferenciam uns dos outros de acordo com o grau de surdez; o importante é o
pertencimento ao grupo usando língua de sinais e cultura surda, que ajudam
a definir suas identidades surdas.
Cabe enfatizar, então, que a comunidade surda não se forma pela perspec-
tiva clínica-terapêutica ou pela classificação médica das deficiências auditivas.
Essa comunidade se forma pelas variáveis da dimensão social, tais como:
[...] o tipo de experiência educativa dos sujeitos, a qualidade das interações comuni-
cativas e sociais em que participam desde tenra idade, a natureza da representação
social da surdez de uma determinada sociedade e a língua de sinais na família e na
comunidade de ouvintes em que vive a criança (ALPENDRE; AZEVEDO, 2008, p. 6).
[...] o processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sis-
temas sociais gerais, pessoas com deficiência, e simultaneamente estas se pre-
param para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então,
um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam,
em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação
de oportunidades para todos.
[...] do ponto de vista da educação inclusiva, o MEC não acredita que a condição
sensorial institua uma cultura. As pessoas surdas estão na comunidade, na socie-
dade e compõem a cultura brasileira. Nós entendemos que não existe cultura surda
e que esse é um princípio segregacionista. As pessoas não podem ser agrupadas
nas escolas de surdos porque são surdas. Elas são diversas. Precisamos valorizar
a diversidade humana (FENEIS..., 2010, p. 23).
Referências
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Leituras recomendadas
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