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BRASILEIRA DE
SINAIS
Introdução
Neste capítulo, você refletirá acerca de como as experiências visuais são
fundamentais para a pessoa com surdez e como auxiliam na comunicação
e na aprendizagem. Ouvintes são tão acostumados a viver no mundo
barulhento que nem percebem a importância que isso tem em seu dia
a dia. Por exemplo, ouvir música e ao mesmo tempo realizar outra tarefa
é algo muito comum. Já para o surdo, ir ao teatro ou ao cinema e conse-
guir acompanhar a fala e as ações que acontecem ao mesmo tempo é
muito difícil. É preciso fazer escolhas, ou olhar para o intérprete, quando
tiver, ou tentar apenas acompanhar os movimentos e, assim, buscar a
compreensão do que está acontecendo.
Em alguns dias não estamos bem, de saúde ou porque algo aconte-
ceu, e, ao chegar ao trabalho ou à escola, por exemplo, optamos por ficar
mais quietos e esperar que ninguém perceba. Entretanto, quando tem
uma pessoa com surdez por perto, isso se torna praticamente impossível,
pois a primeira pergunta que surge é: o que você tem? Está tão triste
hoje. Para as pessoas com surdez, nossas expressões faciais e corporais,
na maioria das vezes, dizem mais do que qualquer palavra ou sinal. Por
isso, quando passamos a conviver mais com surdos, precisamos nos
atentar a esses simples detalhes, que, na verdade, fazem muita diferença.
Para o surdo, no entanto, isso também precisa ser aprendido, assim
como para os ouvintes que ingressam na comunidade surda. Por isso,
2 A prática de Libras
https://qrgo.page.link/ChrQM
Observar esses aspectos consiste em olhar para a diferença, perceber que não
são músicas, histórias ou jogos diferentes, mas sim a forma como acontecem
e são organizados. Em algumas situações, é possível contar com a tradução
e a interpretação sem grandes prejuízos, já em outras, não. Esse fator precisa
4 A prática de Libras
com o meio e com ele próprio [...]”. No entanto, para que isso aconteça, a
sociedade precisa estar disposta a se tornar mais acessível e mais inclusiva
verdadeiramente, não apenas dizendo que existem escolas inclusivas ou que
existe acessibilidade para algumas situações e pessoas. Precisamos construir,
ou melhor, tornar, a sociedade de todos, para todos. Quantas vezes se encontra
alguém que saiba a língua de sinais ou um intérprete em qualquer lugar? Todos
os serviços estão disponíveis à comunidade em geral? Uma consulta médica,
uma sessão de cinema, uma instituição bancária, entre outras, têm meios para
atender à comunidade surda? Independentemente de ser uma pessoa que não
precise de adequações ou uma que precise, aqui, nesse caso, esse preparo seria
por meio do uso da língua de sinais.
Até mesmo em escolas e instituições que oferecem cursos na área e que se
dizem preparadas para atender à diferença, na verdade, não estão. Poderiam
ser relatadas diversas histórias de surdos em relação a esses espaços, mas
penso ser importante apenas destacar que, ao mesmo tempo que estamos
evoluindo, com novas descobertas, novas tecnologias, estamos deixando de
lado o mais importante: o ser humano que precisa da proximidade, do contato
visual, do olho no olho para receber e expressar informações, sentimentos,
emoções ou desejos. Foram criados diversos aplicativos que visam ao de-
senvolvimento tecnológico da comunicação, mas as pessoas esquecem que
a comunicação precisa ser feita entre pessoas, não por meio de aparelhos,
mas sim pessoalmente.
Um aplicativo, por exemplo, não usa expressão facial ou corporal ao dar um
sinal. Pensando na prática, o sinal de “triste” não é composto apenas por uma
configuração de mão, articulação ou ponto de contato. Ele necessariamente
precisa da expressão fácil de tristeza e da expressão corporal de encolhimento,
ou seja, o sinal, para ter seu sentido compreendido, necessita de todos esses
parâmetros.
O termo fala é utilizado tanto na modalidade oral quanto na sinalizada, pois quem
sinaliza também fala, porém de outra forma.
e com seu professor, ele precisa de alguém que conheça a língua e possa
fazer a mediação sempre. Segundo Thoma (2012, p. 97):
Conviver com seus pares, com aqueles que compartilham da mesma forma
de pensar, que usam a mesma língua, que têm costumes muito parecidos é
o que empodera o surdo e lhe dá status de integrante e participante de uma
comunidade, da sociedade, e não de apenas ser mais um, de alguém que
compartilha de um mesmo espaço e que segue todas as regras e convenções
de pessoas que não compreendem seu jeito de ser e agir.
O surdo acaba desenvolvendo e aprendendo diferentes formas de interagir
com o outro: usando mímica, gestos, desenhos e escrita conseguem entender e
se fazer entender. Quando o aluno surdo quer permanecer em escola e espaços
de ouvintes, ele se esforça, porém quando quer permanecer com os seus, acaba
por frequentar apenas escolas especiais de surdos, clubes ou associações onde
a sua língua é respeitada e tem o status de língua materna.
Acesse o link a seguir para ler o artigo “Forma de vida surda e seus marcadores culturais”,
de Witchs e Lopes (2018).
https://qrgo.page.link/vvs3R
[...] a atividade do desenho nos primeiros anos da infância não deveria ser
apenas mero passatempo. É importante que, em um determinado momento,
os primeiros traços da criança comecem a fazer sentido e trazer algum sig-
nificado, e é aí que entra o papel do adulto, da fala e da mediação. O desenho
infantil passa a ser significativo pelo ato de nomear (ZERBATO; LACERDA,
2015, p. 429).
Algumas considerações
Refletir sobre tudo o que acabou de ser apresentado pode favorecer ao professor
uma mudança de visão, de postura, não apenas como profissional, mas como
ser humano. Trocar conhecimentos e aprendizagens na diferença é isso, é
aprender com o que o outro tem a oferecer, é usar outra língua, diferentes
recursos e ir cada vez mais se aperfeiçoando. A língua de sinais exerce um
papel crucial para a pessoa com surdez e a comunidade surda, não apenas por
ser o principal meio de comunicação, mas também por dar conta de diferentes
aspectos que não são possíveis de outra maneira.
As experiências visuais são fundamentais para as pessoas com surdez,
pois possibilitam a interação com a comunidade ouvinte e seus pares.
Quantas vezes já nos comunicamos por meio de mímica, gestos ou desenhos,
quando não sabíamos a língua de sinais e precisávamos nos comunicar com
um surdo? Quantas vezes essa também não foi a única opção encontrada
por falantes de línguas orais? Contudo, costumamos não dar importância,
não dar bola, pois pensa-se que a Libras seja uma língua sem status, sem
reconhecimento, o que está totalmente errado. Ela vem, aos poucos, se
constituindo enquanto forma de comunicação do surdo e vem conquistando
seu espaço na sociedade.
Existem diferentes leis que dão conta, no papel, da garantia de direitos,
porém, na prática, isso nem sempre acontece, o que precisa mudar. Quando
um programa de televisão que deveria ter intérprete não tem, está descum-
prindo uma lei de acessibilidade existente. No momento em que as escolas
não contam com profissionais qualificados e com formação específica para
atender os alunos surdos, está deixando de seguir os documentos legais. Esses
são apenas dois exemplos, mas poderiam ser dados tantos outros, devido a
tantas falhas que encontramos no sistema e que muitas vezes poderiam ser
evitadas se as pessoas exercessem a função de se colocar no lugar do outro.
Se eu estivesse nessa situação, como eu agiria? O que eu pensaria? O que
faria? Será que eu gostaria de estar em locais onde eu não compreendo o
que é dito e comentado, sendo que minha língua é reconhecida como minha
forma de expressão?
12 A prática de Libras
Quando, em uma sala de aula com 27 ouvintes e 2 surdos, o intérprete falta e não tem
ninguém com formação que possa desempenhar a função, os alunos permanecem uma
manhã ou tarde toda sem compreender nada do que é dito em sala de aula. O professor
está explicando um conteúdo muito importante que será assunto da prova, mas ele não
preparou nenhum recurso visual, pois conta apenas com a tradução do intérprete. Num
primeiro momento, ele se apavora, tem vontade de sair correndo, pois não sabe o que fazer.
Há duas situações:
1. Aquele professor que buscará formas de passar seu conteúdo de modo que todos
os alunos consigam apreender as informações: pode usar de desenhos no quadro,
pode fazer com que os alunos surdos sentem próximos de ouvintes que saibam de-
senhar ou fazer esquemas que tornem o registro do conteúdo com poucas palavras.
2. Aquele professor que pensará “bom, vou fazer o quê, não é problema meu que o
profissional tenha faltado, não sou eu quem não escuta. Então vou seguir dando mi-
nha aula, falando normalmente e fazendo tudo como se estivesse num dia normal”.
Com certeza, nesses dois casos, os alunos que seriam prejudicados são da segunda
situação, pois o professor não se colocou no lugar deles e nem buscou formas de
fazer aquele momento rico de aprendizagens. Já no primeiro caso toda a turma sairia
ganhando, pois os alunos, apenas pelo fato de vivenciarem a preocupação do professor,
teriam a possibilidade de mudar sua postura, aprendendo pelo exemplo dado.
Que essas reflexes possibilitem outras tantas que se fazem necessárias, bem
como possam desencadear uma mudança inicialmente interna e, posteriormente, na
sociedade em geral, com cada um fazendo a sua parte e participando da sua forma.
Leituras recomendadas
SURDO OLÍMPIADAS DO BRASIL. Sobre. 2019. Disponível em: https://surdolimpiadas-
nacional2019.wordpress.com/evento/. Acesso em: 28 jul. 2019.
WITCHS, P. H.; LOPES, M. C. Forma de vida surda e seus marcadores culturais. Educação
em Revista, Belo Horizonte, v. 34, p. e184713, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/edur/v34/1982-6621-edur-34-e184713.pdf. Acesso em: 28 jul. 2091.