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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Unidade 2 - Cultura surda no Brasil

GINEAD
Unidade 2
Cultura surda no Brasil

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Parágrafos, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980) sujeitando-se à busca e
apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98).
Habilidades

• Conhecer a cultura surda e compreender o comportamento na


relação surdo e ouvinte.

Descritores de desempenho

1. Refletir sobre a importância da cultura surda e o desenvolvi-


mento cognitivo do surdo.

2. Compreender a diferença entre surdo e deficiente auditivo.

3. Refletir sobre Libras e a Língua Portuguesa.

4. Conhecer a Língua Brasileira de Sinais e a sua importância


como primeira língua para as comunidades surdas.

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Apresentação da unidade
A compreensão do uso da Língua de Sinais pela comunidade surda passa pela
igual compreensão sobre alguns fatores que envolvem essa comunidade. Portanto,
nesta unidade, você tomará conhecimento sobre a importância da cultura surda e
o seu desenvolvimento cognitivo. O estudo e a reflexão sobre a diferença entre as
terminologias “surdo” e “deficiente auditivo” também farão parte de nossos estudos, já
que são situações indispensáveis para se pensar a educação desse indivíduo.
Dando seguimento, iremos entrar no conhecimento sobre o que é a Língua Brasileira
de Sinais Brasileira, a Libras, e quais suas principais características, além de traçar um
parâmetro com a Língua Portuguesa.
Com esse conteúdo, esperamos contribuir com sua habilidade de compreensão do
indivíduo surdo para que possa atuar em momentos de contato direto com o surdo em
contexto de sala de aula.

2.1 Características da cultura surda


Por muito tempo, a surdez era tida como um castigo divino pela Igreja Católica; um
fardo que os pais dos surdos deveriam carregar até a morte porque haviam pecado.
Sendo assim, muitas, também, eram as denominações para essas pessoas, como
“perigosos”, “defeituosos” ou “inúteis”; estereótipos que os surdos carregavam em
uma sociedade que não compreendia suas limitações, que discriminava e condenava
essas pessoas a uma vida relegada ao confinamento de suas casas.
Com o passar do tempo, deixaram de sacrificar os surdos e passaram a escravizá-los.
Muitos surdos começaram a desenvolver formas de se comunicar para se entenderem, e
as famílias que possuíam um surdo começaram a se preocupar em como se comunicar
e para quem deixariam seus bens.
Mais adiante, os pensadores perceberam que, mesmo não podendo falar ou ouvir, eles
desenvolveram uma forma de comunicação para se expressarem, foi aí que começaram
as pesquisas clínicas e científicas.
Nos séculos XVII e XVIII, Charles Michel de L’Épée fundou, junto com outros surdos,
a primeira escola pública para surdos em Paris, França, e, com isso, muitos desafios
lhe foram impostos. Mesmo assim, começa a educação para os surdos, porém
primeiramente com método oralista. Em 1880 ocorreu o Congresso Internacional de
Milão, na Itália, para discutir e avaliar os três métodos vigentes na época: a Língua
de Sinais, a língua oral e a mista. Como conclusão do Congresso, o método oralista
foi considerado o adequado para os surdos, sendo que a Língua de Sinais foi banida
radicalmente.
Vale lembrar que esse método não é adequado para a aprendizagem do surdo, pois
exige um esforço muito grande do indivíduo que não consegue usar sua voz para falar,

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já que não ouve e, portanto, não compreende os sons das palavras. Mesmo assim,
recebeu apoio de pais e professores que imaginavam estar fazendo a coisa certa.
Sendo assim, o fracasso dessa educação foi iminente, pois a aprendizagem da fala
somente é possível a partir da audição das palavras produzidas por outra pessoa. Os
alunos surdos, desse modo, eram tidos como tendo um retardo mental, visto que não
conseguiam aprender do mesmo modo que os alunos ouvintes. Tantos equívocos só
vieram a prejudicar cada vez mais a educação do indivíduo surdo.
Em 1855, no Brasil Império, D. Pedro II convidou Eduardo Huet, professor-mestre surdo,
para abrir uma escola para surdos. Assim, em 1857 foi fundada, no Rio de Janeiro, a
primeira escola para surdos, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Pela Lei nº 3.198,
de de 6 de julho de 1957, passou a ser denominado Instituto Nacional de Educação de
Surdos (Ines) e a então Diretora, Alpia Couto, proibiu a Língua de Sinais nas salas de aula.
Porém, sua prática continuava nos corredores da instituição (PERLIN; STROBEL, 2009).
Em 1987, foi fundada a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
(Feneis), no Rio de Janeiro (reestruturação da Feneida, fundada dez anos antes),
composta por ouvintes interessados na Cultura Surda. Atualmente, contudo, os surdos
compõem a maioria da Federação.

Curiosidade
Quer saber um pouco mais sobre a Feneis? Acesse o
link <www.feneis.org.br> e tenha acesso a todas as
informações pertinentes a essa entidade, bem como
à sua biblioteca, com inúmeros artigos sobre a edu-
cação do indivíduo surdo.

Uma das situações que causa dúvidas ao lidar ou tratar com um surdo é a terminologia
que deve ser usada: surdo ou deficiente auditivo. Vamos ver, no próximo tópico, como
se dá essa diferenciação.

2.2 Surdo ou deficiente auditivo


Para a medicina, a surdez é uma deficiência física, provocada pela perda total da audição.
Já o deficiente auditivo é aquele que perdeu parcialmente sua audição. Fora do âmbito
médico e biológico, o que se denomina por sujeito surdo, no entanto, é aquele que é visto
por meio de um enfoque cultural, ou seja, é aquele “[…] que tem a língua de sinais como sua
língua própria, que faz parte de uma comunidade surda e que constrói a sua identidade
calcada, principalmente, nessa diferença cultural”. (FRONZA; MUCK, 2012, p. 87).

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Visto dessa forma, o surdo é o indivíduo que pertence à comunidade surda e que usa
a Língua de Sinais para se comunicar com outras pessoas, sejam elas surdas, sejam
ouvintes.

A Lei nº 8.160, de 8 de janeiro de 1991, dispõe sobre a caracterização de


símbolo que permita a identificação de pessoas portadoras de deficiên-
cia auditiva.

A Lei determina que é obrigatória a colocação, de forma visível, do “Sím-


bolo Internacional de Surdez” em todos os locais que possibilitem aces-
so, cirulação e utilização por pessoas portadoras de deficiência auditiva,
e em todos os serviços que forem postos à sua disposição ou que possi-
bilitem o seu uso.

2.3 Definição de mímica, gesto, sinal e


pantomima
Para dar continuidade aos nossos estudos, é importante o reconhecimento de
algumas definições relativas à Libras, visto que há muitos equívocos. Nesse sentido,
passaremos a definir o que é mímica, gesto, sinal e pantomima.

2.3.1 O que é mímica?


Inicialmente, pensava-se que a Língua de Sinais, no caso brasileiro, a Libras, era
baseada na mímica. No entanto, por mímica podemos entender a gesticulação que se
faz em relação a algo ou a alguém, a partir de características presentes. Desse modo,
se quisermos fazer menção a empurrar um objeto pesado, por exemplo, podemos usar
a seguinte expressão:

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Figura 2.1: Imagem de encenação de mímica

Fonte: Plataforma Deduca (2018).

O que temos é uma cena em que uma pessoa está expressando uma situação. Nela,
percebemos as mãos espalmadas, como que a empurrar algo com força, expressando
dor de esforço. Isso é mímica, a qual é, ainda, tomada como arte. Os mímicos comandam
verdadeiros espetáculos que podem tanto ser dramas quanto humorísticos.
Mas a Língua de Sinais não é mímica. Vejamos um exemplo:

Figura 2.2: Sinais em Libras para saber e não saber, respectivamente

Fonte: Brito (1993, p. 15).

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Analisando os sinais apresentados nas figuras, e traçando um comparativo com a
definição de mímica, podemos dizer que o primeiro sinal expressa o sentido de saber
algo? Sem ter o conhecimento da Libras, podemos compreender o que a pessoa está
encenando? E, na segunda figura, entendemos que se trata da expressão não saber? Se
as respostas a esses questionamentos simples são negativas, então não se pode, em
hipótese alguma, dizer que a Língua de Sinais é mímica.
A Libras poderá apresentar alguns sinais imitativos, como o caso de algumas frutas, por
exemplo, ou a sinalização de tomar um café. É como pensarmos nas línguas orais. A
sequência de letras C-A-D-E-R-N-O não representa em nada a materialização do objeto
“caderno”. Excetuando-se as onomatopeias, como a palavra “ronronar”, som emitido
pelo gato, as demais palavras não lembram em nada aquilo que o conjunto de letras
representa em uma sequência oralizada.
Portanto, mesmo havendo situações imitativas, não há por que conceber a Língua de
Sinais como sendo mímica.
Mas, se não é mímica, será um gesto?

2.3.2 O que é gesto?


Tomado como “[…] o movimento do corpo, em especial da cabeça e dos braços, ou
para exprimir ideias ou sentimentos, ou para realçar a expressão” ou, ainda, como
“[…] aparência, semblante, fisionomia, rosto” (FERREIRA, 2009, p. 256), o gesto pode
acompanhar os sinais na Libras, mas não é definido como o próprio sinal.

Figura 2.3: Gesto de mão indicando positivo e negativo

Fonte: Plataforma Deduca (2018).

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A figura mostra dois gestos de mão: o da esquerda pode significar que está tudo bem,
positivo; o da direita, que as coisas não estão nada bem, negativo.

Figura 2.4: Gesto de felicidade, de alegria

Fonte: Plataforma Deduca (2018).

A figura mostra uma pessoa sorrindo. Se pensarmos em uma situação em que alguém
pergunta a essa mulher se ela é feliz com sua profissão, poderá esboçar um sorriso,
demonstrando que sim, ou seja, o gesto do sorriso será a resposta positiva. Se, por
outro lado, para a mesma pergunta, ela demonstrasse tristeza em seu rosto, o gesto
seria de descontentamento.
Portanto, o gesto também não poderá ser considerado como a Língua de Sinais,
embora acompanhe alguns sinais para demonstrar o que o surdo está sentindo ou qual
sentimento que irá acompanhar a informação.

Curiosidade
Os gestos são comumente usados pelas crianças
surdas quando estas iniciam sua comunicação, an-
tes dos 14 meses, diferentemente dos sinais que
irão produzir logo em seguida. Seria o mesmo que
pensar na fase dos balbucios das crianças ouvintes
antes de produzirem as palavras. (BRITO, 1993).

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De acordo com Brito (1993, p. 37), “[...] a Libras, como toda língua de sinais, é uma língua
de modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou meio de comunicação,
movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão”. Ou seja, os
gestos fazem parte da Libras, embora esta não seja somente isso, pois se trata de uma
Língua de Sinais.
Então, o que é um sinal em Libras?

2.3.3 O que é um sinal?


Para conhecermos os aspectos da Língua de Sinais, precisamos saber, de início, o
significado de um sinal, como ele se apresenta e sua utilidade na língua. Brito (1993, p. 38)
define sinal como sendo algo que “[…] é formado a partir da combinação do movimento
das mãos com um determinado formato em um determinado lugar, podendo este lugar
ser uma parte do corpo ou um espaço em frente ao corpo”. Ou seja, o sinal está para a
Língua de Sinais assim como a palavra ou o item lexical está para a língua oral.
Vejamos alguns exemplos de sinais:

Figura 2.5: Alguns sinais da Libras


Sinal de dormir Sinal de gato

Sinal de beijo Sinal de água

Fonte: Adaptada de Capovilla e Raphael (2001).

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Na cultura surda, o sinal também será usado para identificar uma pessoa pelo nome, a
qual irá receber uma marca que a identifica, geralmente de acordo com sua personalidade
ou momento de vida. Qualquer pessoa, seja ela surda, seja uvinte, pode ter seu próprio
sinal que irá a identificar assim como seu nome. Ou seja, a partir do momento em que é
“batizada” por um surdo, a pessoa passa a ser identificada pelo seu sinal e não pelo seu
nome. Além disso, assim como o nome, o sinal nunca será substituído por outro.
A intenção é facilitar o contato com a pessoa, além de pessoalizar esse contato, já que
não será necessário, a cada vez que tiver que chamar alguém, usar a datilologia para isso.
Vistos o que é mímica, o que é gesto e o que é sinal, veremos do que se trata a pantomima
a seguir.

2.3.4 O que é pantomima?


É o mesmo que mímica. É a expressão por meio do uso de gestos ou do próprio
corpo. Para que surdos de diferentes nacionalidades possam se entender melhor,
eles irão se comunicar por meio da pantomima, pois, de acordo com Markowicz (1980
apud PEREIRA, 2011, p. 3), “[...] em situações em que não há uma língua partilhada,
as pessoas surdas dramatizam e descrevem uma pessoa ou um objeto sem usar a
linguagem falada ou a língua de sinais”.
Com tudo que se viu neste tópico, podemos seguir adiante, entrando no assunto
pertinente à Libras e sua caracterização dentro de uma situação de bilinguismo.

2.4 A Língua Brasileira de Sinais e o bilinguismo


O bilinguismo refere-se à capacidade que uma pessoa tem de usar, de modo funcional,
mais de uma língua. Por isso, alguns autores preferem adotar o termo multilinguismo,
pensando no indivíduo que irá dominar duas línguas ou mais. No entanto, para os
estudos referentes à comunidade surda, o termo bilinguismo poderá ser adotado de
modo compreensível.

2.4.1 Educação bilíngue para surdos


Como uma proposta de educação bilíngue ou bicultural, podemos entender o
bilinguismo como a possibilidade de a criança surda aprender nas duas línguas na
escola: Libras e Língua Portuguesa. No entanto, a Libras precisa ser entendida como a
primeira língua da criança surda, e o português escrito como sua segunda língua, caso
contrário, a Libras será utilizada apenas como ferramenta para a aquisição da Língua
Portuguesa. No entanto, não é isso que se espera da escola, , mas, sim, que seja uma
instituição de ensino que respeite a condição surda do aluno de ser e de existir no
mundo. Segundo Quadros e Karnopp (2004, p. 27):

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O bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar
acessível à criança surda duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado
para essa proposta como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo
em vista que considera a Língua de Sinais como língua natural e parte desse pressuposto
para o ensino da língua escrita.

Entendemos que o bilinguismo seja a forma mais adequada para a educação dos
sujeitos surdos. Porém, para que essa modalidade tenha êxito, torna-se necessário o
entendimento da surdez pelo enfoque cultural e não pelo enfoque clínico/terapêutico.
Para que isso aconteça de forma satisfatória na escola, é importante que o currículo
escolar seja revisto e que as práticas pedagógicas sejam pensadas para os sujeitos
surdos.
Por muito tempo, as comunidades surdas vêm lutando por uma educação bilíngue
em uma escola bilíngue. Pesquisadores da área da surdez têm demonstrado, através
das suas pesquisas, que a criança surda aprende melhor em escolas bilíngues ou
especializadas para surdos. Diferentemente do que determina a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que entende
que o surdo deve frequentar o ensino regular, fazendo com que os surdos distanciem-se
do discurso da Educação Especial e entendam que a escola regular não tem condições
de atender as suas especificidades linguísticas. Isso não significa que eles não sejam
favoráveis à inclusão, mas, sim, que apenas advogam por uma educação adequada às
suas especificidades linguísticas, o que não vem acontecendo nas escolas regulares.
Nossa vivência está constituída em um mundo letrado, em que as pessoas se
comunicam, sobretudo, por intermédio de textos escritos. Com isso, o uso da Língua
Portuguesa de forma clara, coesa e objetiva torna-se um aliado quando se refere a
essas formas comunicativas.
No que diz respeito ao aluno surdo, é importante o reconhecimento de que sua língua
materna é a Libras e que ela carrega várias especificidades distintas do Português, o
que irá dificultar sobremaneira a compreensão de textos escritos nessa língua. Mesmo
nos casos de pessoas que perderam a audição após a aquisição desse idioma, a Libras
prevalece como sua língua de comunicação.
Nesse cenário, o ambiente escolar deverá cumprir seu papel de meio de aprendizagem
e de aquisição da Língua Portuguesa, vista como segunda língua do aluno surdo, a fim
de oportunizar sua socialização de maneira plena.
De acordo com o artigo 13 da Constituição Federal do Brasil, “[...] a língua portuguesa é
o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. (BRASIL, 1988). Mais recentemente,
a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, traz o seguinte texto:

Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de


Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

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Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de co-
municação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias
e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2002).

Desse modo, é imperativo que a escola se organize para fornecer ao público surdo
o acesso à aprendizagem e à apropriação da Língua Portuguesa de forma efetiva e
eficaz.

Reflita
Após a leitura atenta do texto, reflita sobre a história
da Língua de Sinais e a sua importância para as co-
munidades surdas. Além disso, reflita sobre o porquê
de as comunidades surdas advogarem por uma edu-
cação bilíngue.

A Libras é considerada a língua materna de muitos surdos que têm contato com ela
desde sua mais tenra idade. Ou seja, é a língua natural do surdo. Da mesma forma
como as línguas orais, a Libras possui gramática, semântica, pragmática, sintaxe e
outros elementos classificatórios identificáveis de uma língua. Ou seja, é uma língua
reconhecida pela linguística e poderá ser adquirida por qualquer pessoa, seja ela surda,
seja ouvinte.
Partindo desse entendimento, as comunidades surdas advogam por uma educação
bilíngue e uma escola bilíngue, em que a Libras seja a sua primeira língua (L1) e o
Português escrito, sua segunda língua (L2).

2.4.2 A Língua Brasileira de Sinais


A Língua de Sinais é a língua natural dos sujeitos surdos.Trata-se de uma língua
complexa e de estrutura própria, da mesma forma que as línguas orais. Isso se refere
a qualquer Língua de Sinais, independentemente do país a que estamos nos referindo.
A Libras está inserida neste contexto maior. A única diferença é que a Língua de Sinais
é visual.

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É importante esclarecer que cada país terá a sua Língua de Sinais. Vejamos alguns
exemplos no quadro a seguir:

Quadro 2.1: Siglas das Línguas de Sinais em outros países

SIGLAS DESCRIÇÃO PAÍS


EUA, parte do Canadá e algumas
ASL American Sign Language
regiões do México

BSL British Sign Language Reino Unido

HSE Hausa Sian Language Nigéria

JSL Japanese Sign Language Japão

LGP Língua Gestual Portuguesa Portugal

LIS Língua Italiana dei Segni Itália

LSA Lengua de Senas Argentina Argentina

Libras Língua Brasileira de Sinais Brasil

LSF Langue des Signes Française França

USC Lengua de Senas Chilena Chile

Fonte: Elaborada pelas autoras (2018).

Como podemos verificar no quadro, a Língua de Sinais não é universal. Além disso, a
língua de sinais irá apresentar uma variação linguística da mesma forma que as línguas
orais, sendo que fatores culturais e geográficos estão relacionados a essas variações.
Isso significa que os sinais de algumas palavras podem ser diferentes em determinadas
regiões do país. Assim como na Língua Portuguesa, por exemplo, a palavra “mandioca”,
como é conhecida no sul do Brasil, no nordeste é conhecida como “macaxeira”, um
sinal em determinada região que pode ser realizado de outra forma em outra região,
sendo as duas formas consideradas corretas.

Existem alguns mitos sobre a Libras que precisamos desmistificar. Se-


gundo Quadros e Karnopp (2004, p. 31-36), eles são classificados em
seis mitos:

1. A Língua de Sinais seria uma mistura de pantomima e gesticulação


concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos.

2. Haveria uma única e universal Língua de Sinais usada por todas as


pessoas surdas do mundo.

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3. Haveria uma falha na organização gramatical da Língua de Sinais que
seria derivada das Línguas de Sinais, sendo um pidgin: sem estrutura
própria, subordinado e inferior às línguas orais.

4. A Língua de Sinais seria um sistema de comunicação superficial, com


conteúdo restrito, sendo estética e linguisticamente inferior ao sistema
de comunicação oral.

5. As Línguas de Sinais derivariam da comunicação gestual espontânea


dos ouvintes.

6. As Línguas de Sinais, por serem organizadas espacialmente, estariam


representadas no hemisfério direito do cérebro, uma vez que esse hemis-
fério é responsável pelo processamento de informação espacial, enquan-
to que o esquerdo, pela linguagem.

Podemos dizer que as pesquisas em relação ao estudo da Libras ainda são muito
recentes. Por isso, alguns desses mitos ainda persistem nos dias atuais e torna-se
fundamental que saibamos o que é mito e o que não é mito.
Entende-se por Libras:

[...] a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-


-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de trans-
missão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL,
2002, p. 1).

A Libras é composta por sinais que correspondem, na Língua Portuguesa, a palavras.


No entanto, é importante destacar que não se trata apenas de uma substituição, ou
seja, uma palavra por um sinal correspondente. A Libras tem as suas especificidades,
além de ser independente da Língua Portuguesa. Nesse sentido, ela possui uma
estrutura própria, permitindo a visualização da mensagem comunicada.
A Língua de Sinais é confundida com linguagem de sinais. Vamos ver a diferença entre
língua e linguagem no próximo tópico.

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Curiosidade
O Gestuno (ou Língua Gestual Internacional, Língua In-
ternacional de Sinais, no Brasil) é uma linguagem auxi-
liar internacional, muitas vezes usada pelos surdos em
conferências internacionais, ou informalmente, quan-
do viajam. Não é considerada uma língua, já que não
possui uma gramática. Utilizam-se os sinais com a gra-
mática de qualquer uma das Línguas de Sinais existen-
tes. O nome vem do italiano e significa: união das Lín-
guas de Sinais. Alguns surdos utilizaram essa língua
nos Jogos Mundiais para surdos, na Conferência de
surdos e no Festival de Washington DC. Fonte: <http://
www.icepbrasil.com.br/site/index.php/noticias/todas-
-as-noticias/635-a-oficina-de-gestuno-lingua-interna-
ciomal-de-sinais>.

2.4.3 Língua de Sinais ou Linguagem de Sinais?


A língua é um sistema de comunicação. É a linguagem oral/escrita/sinalizada, utilizada
por um grupo de indivíduos que fazem parte de uma determinada comunidade. Ela é
construída pelo ser humano, em um contexto histórico, geográfico, social e de acordo
com a situação em que ele vive. Uma das principais características da língua é que ela
é de fácil adaptação e versátil.
Já a linguagem é uma capacidade inata e específica da espécie, isto é, transmitida
geneticamente e própria da espécie humana. Isso significa dizer que ela é o meio pelo
qual o ser humano se comunica, cumprindo funções de tornar efetivo o sistema de
comunicação.
Comunicamo-nos a todo momento, o tempo todo. Ao vermos uma imagem de sinal
de trânsito, por exemplo, pensamos imediatamente sobre o que ela está querendo
comunicar: trânsito de pedestres, ciclistas na via, semáforo à frente, escola, trânsito
de crianças etc. Um espetáculo de dança, uma pintura em grafite, um outdoor, um livro,
uma revista, uma música, enfim, são formas de comunicação por meio da linguagem,
que poderá ser verbal (escrita ou oral) ou não verbal.
Sendo assim, o termo correto é Língua de Sinais. No Brasil, a Libras, Língua Brasileira de
Sinais, foi oficializada pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e regulamentada pelo
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

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Síntese

Conhecer a cultura surda e compreender o comportamento na relação surdo e ouvinte


é fundamental em qualquer espaço da sociedade, mas, sobretudo no espaço escolar,
esse conhecimento se torna fundamental. Saber respeitar as limitações do indivíduo
surdo em relação à Língua Portuguesa, compreender a Língua de Sinais como a
primeira língua do surdo, dar condições efetivas de aprendizagem para esse aluno, em
meio aos alunos ouvintes, promovendo essa integração são ações que fazem parte
do papel de um professor que reconhece as particularidades que envolvem a busca
do conhecimento pelo indivíduo surdo e que se sente engajado em uma situação de
ensino-aprendizagem que busca a integração entre todos, independentemente das
peculiaridades que cada um levará para dentro do espaço escolar.
Sendo assim, o conteúdo desta unidade tratou de assuntos relativos a esses aspectos,
levando você a ter contato com algumas situações, como:

• a reflexão sobre a importância da cultura surda;

• o conhecimento sobre o desenvolvimento cognitivo do indivíduo surdo;

• a identificação da diferença existente entre as terminologias “surdo” e “de-


ficiente auditivo”;

• a reflexão sobre a Língua Brasileira de Sinais, a Libras;

• o reconhecimento da Libras como sendo a primeira língua do indivíduo sur-


do, usada nas comunidades surdas;

• a importância sobre a compreensão de que, para o surdo, a Língua Portu-


guesa será sua língua de escrita e de compreensão, ou seja, sua segunda
língua.

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Saiba mais
Para o aluno surdo, a Língua Portuguesa será sua
segunda língua, aquela que o levará ao mundo da
escrita e de sua compreensão. Desse modo, é im-
portante a compreensão de que se deve buscar ma-
neiras diferenciadas, reflexivas e interativas de levar
o conhecimento sobre a Língua Portuguesa para o
aluno surdo. Um dos caminhos poderá ser o conta-
to com a publicação Ensino de Língua Portuguesa
para Surdos - Caminhos para a prática pedagógica,
lançado pelo MEC. Acesse o link <http://portal.mec.
gov.br/pec-g/192-secretarias-112877938/seesp-es-
ducacao-especial-2091755988/12675-ensino-de-lin-
gua-portuguesa-para-surdos-caminhos-para-a-pra-
tica-pedagogica> e tenha acesso aos dois volumes
disponibilizados em PDF.

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Referências

BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
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24 abr. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/
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CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue


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Florianópolis: Editora da UFSC, 2009. Disponível em: <http://www.
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