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LIBRAS

Deise Maria Szulczewski


Marcações da identidade
e da diferença no espaço
escolar
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar as concepções de identidade e de diferença no espaço escolar.


 Analisar a importância do estabelecimento da identidade e da dife-
rença para o melhor atendimento do aluno com deficiência na escola.
 Orientar a escola sobre como lidar com as questões de identidade
e de diferença.

Introdução
Neste capítulo, você irá entender porque as questões de “identidade” e
“diferença” precisam estar muito bem esclarecidas e compreendidas por
todos(as) aqueles(as) que irão trabalhar de alguma forma com os sujeitos
da educação especial.
No caso da escola, esse trabalho precisa ser sistemático e dinâmico.
Isso porque a instituição escolar é o espaço mais importante para a consti-
tuição de identidades. É no espaço escolar que as diferenças aparecem de
todas as formas. Ou seja, a escola é, ou deveria ser, o lugar onde todos(as)
se sintam respeitados e acolhidos.
Nesse sentido, a escola precisa estar preparada e pensar estratégias
para receber esses sujeitos. Além disso, as questões de acessibilidade,
tanto arquitetônica quanto humana precisam estar na pauta do dia.
Para entender mais sobre esse assunto, este capítulo serve como
base teórica.
2 Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar

Concepções de identidade e de diferença


no espaço escolar
Provavelmente você já conhece os conceitos de identidade e de diferença. No
entanto, é importante que você entenda que o significado dos conceitos pode
variar de acordo com o contexto em que os mesmos estão inseridos. Segundo
Acorsi (2003 apud LOPES, 2006, p. 7), ao analisar algumas entrevistas com
professoras que trabalham em escolas especiais, foi possível definir o conceito
de diferença das seguintes formas: “[...] diferença como contrário da igual-
dade; diferença como sinônimo de diversidade; diferença como algo menor,
indesejável, que necessita ser corrigido, e diferença como algo a ser tolerado.”
A surdez compreendida pela concepção clínico/terapêutica enxerga a di-
ferença dos sujeitos surdos apenas pelo olhar da diversidade, ou seja, reduz a
diferença a materialização no corpo, no caso, a falta de audição. A partir dessa
perspectiva, os sujeitos surdos são compreendidos como pessoas que precisam
ser enquadradas no padrão da normalidade. As próprias políticas públicas, ao
posicionarem os surdos na modalidade da educação especial, também reafirmam
o discurso da deficiência. Isso é bastante preocupante, pois reduz os sujeitos
somente pela falta e a incapacidade. Segundo Lopes (2006), a escola ao entender
a diferença surda pelo viés da diversidade, buscará normalizar esses sujeitos,
ou seja, buscará formas de trazê-los para a norma com o intuito de corrigi-los
e normalizá-los. Nesse caso, a identidade desses sujeitos será constituída pelo
discurso da falta, da incapacidade, ou seja, da deficiência.
No outro extremo, temos a surdez compreendida pela concepção cultural,
que enxerga a surdez como uma diferença cultural. Nesse caso, os surdos não
são considerados deficientes, mas sim sujeitos pertencentes à outra cultura, no
caso, a cultura surda. Compreender a noção de identidade a partir do campo
cultural significa distanciar-se da ideia de identidade como essência, integral
e única. Para o campo dos estudos culturais não falamos mais em identidade
no singular e grafada com letra maiúscula e sim identidades no plural, grafada
em letra minúscula. Isso se justifica pelo entendimento de que as identidades
são forjadas pelo grupo em que os sujeitos estão inseridos. Nesse sentido, as
identidades não são fixas, elas podem se modificar. Por esses e outros motivos,
pode-se afirmar que existem várias formas de ser surdo. Nessa concepção,
entendem-se os sujeitos surdos por aqueles que utilizam a língua brasileira
de sinais (Libras) como primeira língua, participam de comunidades surdas e
vivenciam de forma ativa uma forma de ser surdo. Diferente, por exemplo, dos
surdos que utilizam implante coclear ou aparelho auditivo e não assumem a surdez
como uma diferença cultural, mas sim como uma deficiência. Nesse caso, eles
Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar 3

não participam de comunidades surdas e tampouco vivem a cultura surda. Outro


marcador importante dos sujeitos surdos é a forma como eles percebem o mundo.
De acordo com Casarin (2014, p. 239):

A diferença na percepção de mundo para as comunidades surdas perpassa,


também, uma interface relativa à experiência visual. Sabemos que o contato
com o mundo para os surdos se constrói a partir do canal viso-manual, a não
através da oralização. Esse fato está diretamente ligado à construção cultural
e à visão que temos de nós enquanto sujeitos culturais [...].

As identidades entendidas a partir de uma concepção cultural são construídas


pelos próprios grupos em que estão inseridas, de uma forma relacional. Nesse
sentido, é importante destacar que cada grupo ou cada comunidade surda possui
as suas próprias características. Existem muitas comunidades de surdos, cada
uma delas demarcada pelas especificidades e particularidades do grupo. Todos
são surdos, no entanto, cada um foi se constituindo de maneiras diferentes durante
a vida. Alguns nascem surdos, outros tornam-se surdos durante um período da
vida, outros são implantados, enfim, são características de cada grupo. Perlin
(2002) menciona a existência de sete tipos de identidades surdas:

1. Identidade surda política;


2. Identidade surda híbrida;
3. Identidade surda flutuante;
4. Identidade surda embaraçada;
5. Identidade surda de transição;
6. Identidade surda de diáspora;
7. Identidade surda intermediária.

Esses são alguns exemplos de tipos de identidades surdas, elas são múltiplas
e não são fixas, ou seja, elas podem se modificar de acordo com a cultura em que
os sujeitos estão inseridos. Além disso, há a questão da escolha pessoal do sujeito,
ou seja, o surdo pode preferir viver como um ouvinte ou assumir a sua identidade
surda, conviver em comunidades surdas e assumir a surdez pela concepção
cultural. Todas essas identidades são legítimas, não há uma melhor e nem pior.
No espaço escolar é fundamental que essas concepções de surdez sejam
trabalhadas, mas não somente com o professor da criança ou do adolescente,
toda equipe escolar precisa estar ciente da forma como esses assuntos são en-
tendidos e serão tratados na escola. Isso inclui todos(as) os(as) funcionários(as).
Não somente os profissionais que trabalham diretamente com esses sujeitos.
4 Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar

No caso do professor da turma, quando receber um(a) aluno(a) surdo(a)


ele precisa estar ciente com antecedência, isso porque o acolhimento desse(a)
aluno(a) precisa ser pensado antes. Quais as especificidades desse aluno? Ele
é surdo total? Ele utiliza implante coclear? Ele utiliza língua de sinais? Ele
faz leitura labial? Ele sabe ler e escrever? Ou ele é um deficiente auditivo e
utiliza aparelho auditivo? Enfim, como você pode perceber, há várias formas
de vivenciar a surdez. São múltiplas identidades que se constituem ao longo da
vida, por isso a necessidade de conhecer esse(a) aluno(a). Todas essas questões
irão influenciar na forma de planejar o ensino desse(a) aluno(a).
A escola, como uma potente instituição constituidora de subjetividades, tem
fundamental importância na construção identitária desses sujeitos. Na escola
muitas identidades são forjadas a partir da forma ou dos discursos que são uti-
lizados em relação aos sujeitos da diferença. No caso dos sujeitos surdos, se a
escola entende a surdez pela concepção clínico/terapêutica, esses sujeitos irão
se constituir como deficientes. No entanto, se a escola entende a surdez pela
concepção cultural, esses sujeitos irão se constituir como sujeitos que acreditam
nas suas potencialidades e não se reduzem a sua materialidade no corpo, no caso,
a falta de audição.
A escola não é o único local em que as identidades são constituídas, desde a
gravidez desses sujeitos, passando pela família, pelos grupos sociais e culturais
que eles frequentam, pelos profissionais da saúde que atendem esses sujeitos.
Por isso, a importância de que todos tenham o mesmo entendimento em relação
à surdez. É importante também que desde o nascimento esses sujeitos tenham
acesso à língua de sinais, convivam com outras pessoas surdas, que a família
utilize a língua de sinais. O que, na maioria dos casos, ainda não acontece.
Geralmente os surdos terão acesso à língua de sinais somente na escola e
muitas vezes de forma precária. Essa questão é muito séria e preocupante, além
disso, muitos sujeitos descobrem que são surdos somente quando vão para a
escola. Vários são os diagnósticos, isso quando a família procura atendimento
ou tem acesso a qualquer tipo de atendimento.
Como você pode ver, a constituição identitária dos sujeitos surdos e de todos
nós pela concepção cultural, é uma construção histórica e social. Ou seja, ao
longo da vida estamos nos constituindo como sujeitos de uma determinada forma
e não de outra. É importante que você entenda que a identidade não é única,
são múltiplas identidades ao longo da nossa vida, as identidades não são fixas,
elas modificam-se de acordo com o grupo ao qual participamos. Além disso, é
preciso evitar o festejo da diferença, isso acontece quando os sujeitos são vistos
apenas pela diversidade, no caso a deficiência. Os sujeitos com alguma deficiência
não são somente deficientes, eles são muitas outras coisas, além da deficiência.
Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar 5

Alguns surdos utilizam o implante coclear. Trata-se de um dispositivo ele-


trônico que permite ao surdo uma sensação auditiva muito próxima à audição
dos ouvintes. Nesse caso, o surdo procura identificar-se com a cultura ouvinte.
Ou seja, ele não assume uma identidade surda (Figura 1).

Figura 1. Implante coclear – concepção clínico/terapêutica.


Fonte: edwardolive/Shutterstock.com.

Os sujeitos surdos que utilizam implante coclear ou aparelho auditivo são entendidos
pela concepção clínico/terapêutica. Nessa concepção, os surdos buscam se aproximar
o máximo possível da cultura ouvinte. Na maioria dos casos, eles não utilizam a língua
de sinais e não participam das comunidades surdas. Já os surdos que utilizam a língua
de sinais, convivem em comunidades surdas e têm orgulho de serem surdos, são
entendidos pela concepção cultural.

Atendimento do aluno com deficiência na escola:


estabelecendo uma identidade
Tratando-se da entrada e permanência dos sujeitos surdos na escola regular,
ainda vivenciamos uma realidade aquém do esperado e aquém do que esteja
estabelecido nas políticas públicas. Para Mello (2015, p. 135), [...] com as po-
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líticas de inclusão, cada vez mais parece haver um apagamento das diferenças
em prol da ‘inclusão de todos’ no espaço escolar.” Esse processo é bastante
complexo e requer um entendimento da surdez para além da entrada desses
sujeitos na escola. Não basta apenas oportunizar a matrícula deles na escola,
mas sim possibilitar que esses sujeitos permaneçam na escola e tenham apren-
dizagens significativas. Isso perpassa sem dúvida as questões de identidade
e de diferença.
Ao pensar em uma educação inclusiva, voltada para os sujeitos surdos, é
fundamental que se estabeleça de forma demarcada as questões identitárias e da
diferença. Não há como a escola pensar uma educação de qualidade e inclusiva
sem que os sujeitos da diferença tenham as suas especificidades respeitadas.
As práticas pedagógicas pensadas pelo professor precisam ser construídas a
partir do entendimento que se tem da surdez. No caso dos sujeitos surdos, que
utilizam a língua de sinais, é fundamental que a escola tenha intérprete de
língua de sinais, caso o professor não seja bilíngue. E esse intérprete precisa
estar o tempo todo acompanhando esses sujeitos. Ele não é o professor, mas
sim o profissional que irá interpretar e traduzir os conteúdos que o professor
planejar para aquela turma. Além disso, a escrita surda é diferenciada, ou seja,
no momento da avaliação o professor precisa ter conhecimento das diferenças
linguísticas desses sujeitos. Outra questão importante é a de que as identidades
são forjadas na relação com o outro, nesse caso é fundamental que os sujeitos
surdos se relacionem entre seus pares e também com os sujeitos ouvintes,
através da língua de sinais.
Segundo Casarin (2014, p. 241), ao partir dessa perspectiva, “[...] a escola
deverá pensar em modelos pedagógicos que venham ao encontro dessa
realidade, contemplando aspectos relativos à cultura surda.” Nesse sentido
e ampliando as discussões para além dos surdos, é fundamental que os
aspectos relativos às necessidades e especificidades dos sujeitos sejam
respeitados e contemplados. Entendo ser esse o primeiro passo para que
esses sujeitos permaneçam na escola e tenham aprendizagens significativas.
A língua brasileira de sinais é a primeira língua – (L1) dos sujeitos surdos,
isso significa que, assim como para nós ouvintes, a língua portuguesa é a
nossa primeira língua ou a língua materna, para eles é a língua de sinais
e para a escrita a língua portuguesa é a segunda língua. Por esse e outros
motivos existe a busca das comunidades surdas e das famílias dos sujeitos
surdos por uma escola bilíngue (Figura 2).
Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar 7

Figura 2. A língua brasileira de sinais é o principal marcador identitário da


cultura surda. Ao utilizar a LIBRAS e outros marcadores surdos, o sujeito surdo
assume a identidade surda.
Fonte: Andrey Popov/Shutterstock.com.

Uma das grandes discussões que se tem hoje em relação à educação dos
surdos é sobre matricular esses sujeitos na escola regular ou na escola especial. A
grande questão em jogo é a de que as comunidades surdas e os familiares desses
sujeitos acreditam que a escola regular ainda não sabe trabalhar e respeitar as
formas de ser surdo, ou seja, não sabe respeitar as identidades e as diferenças.
Isso porque a escola não foi construída e pensada para as diferenças e sim para
a normalização e homogeneização dos sujeitos. Essa questão é importante
porque perpassa a tradição escolar e o entendimento que se tem de escola. Ou
seja, ao mesmo tempo em que se prega que a escola é para todos, no ingresso
percebe-se a dificuldade da mesma em lidar com as diferenças. A legislação
em vigor é categórica e afirma que os sujeitos da educação especial precisam
frequentar a escola regular. Um dos motivos mais destacados para esse projeto
de inclusão é o de que esses sujeitos precisam conviver com as diferenças e não
somente com os seus pares. O que acontece na escola especial.
A escola é uma instituição constituidora de identidades. Nela aprendemos a
dar sentido às coisas, aprendemos além dos conteúdos escolares, formas de se
colocar e de estar no mundo. Sabemos também que a escola foi construída com
alguns objetivos específicos. Um espaço de normalização e de hegemonização de
determinadas práticas culturais. A partir disso, nos cabe perguntar de que forma
a escola que temos hoje está ensinando formas de ser surdo? Será que a escola
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regular considera as identidades surdas como legítimas, ou de alguma forma o


currículo escolar é pensado em normalizar esses sujeitos? Os questionamentos e
incertezas das comunidades surdas e dos familiares desses sujeitos são legítimos.
Não basta apenas o ingresso na escola regular, é necessário que a mesma tenha
condições de acessibilidade, tanto arquitetônicas, quando de profissionais.
Nesse sentido, para os surdos a escola bilíngue ou bicultural supre essas
questões de identidade e de diferença, isso porque o bilinguismo defende que o
ensino da Libras deve preceder o ensino da língua oral em questão. No caso do
Brasil, a língua portuguesa. Nesse formato de escola os sujeitos surdos, aprendem
por meio da sua língua materna, no caso a Libras. A escola bilíngue possui
professores surdos, professores ouvintes que utilizam Libras, alunos surdos,
alunos ouvintes que tenham interesse nesse tipo de educação. Essa questão é
importante porque os alunos surdos convivem com outros surdos e para a sua
constituição identitária isso é fundamental, além disso, na escola bilíngue a
Libras não é utilizada como uma ferramenta para aquisição da língua portuguesa.
É importante também lembrar que a área da educação, como área do
conhecimento, é pautada fortemente pelos discursos da área da psicologia.
Ou seja, as teorias de aprendizagem têm norteado o trabalho pedagógico há
muito tempo. Essa questão também é importante porque direciona o trabalho
do professor. O professor pode e deve utilizar os saberes da psicologia para
pensar o seu trabalho, com certeza, o que ele não pode é abrir mão dos saberes
da área da educação e pensar os sujeitos surdos pelo viés da psicologia. Ao
fazer isso, o professor entende esses sujeitos pela concepção clínico/terapêutica.
Por isso, as questões identitárias e da diferença precisam ser trabalhadas na
escola para que a instituição como um todo seja inclusiva.

Para saber mais sobre os tipos de identidades surdas, leia o capítulo intitulado Identida-
des surdas de autoria de Gladis Perlin, no Livro A surdez: um olhar sobre as diferenças, 2005.

Como lidar com as questões de identidade


e de diferença
É importante que você saiba que a diferença está para a subjetividade, ou seja,
todos nós somos diferentes uns dos outros. Alguns têm olhos azuis, outros
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são loiros, alguns são magros, outros são gordos, enfim, há uma infinidade de
diferenças que nos acompanham durante a vida e que nos constituem enquanto
sujeitos de uma determinada forma e não de outra. No caso dos sujeitos surdos
há mais uma diferença marcada no corpo que é a falta de audição. No entanto, a
escola entendida como a principal instituição na construção de subjetividades, não
pode enxergar o sujeito surdo apenas pelo viés da diversidade, ou seja, pela marca
no corpo. Além de serem surdos, esses sujeitos são uma infinidade de outras
coisas e a surdez não pode defini-los e encarcerá-los apenas nessa identidade.
Segundo Casarin (2014, p. 238), “o sujeito surdo interage com o mundo a
partir de uma experiência visual. Todas as suas construções de conhecimento
se dão pelo canal espaço-visual mediados pelo seu instrumento natural de
comunicação: a língua de sinais e a língua escrita.” Nesse sentido, o principal
desafio da escola é de justamente conhecer os sujeitos da educação, nas suas
múltiplas identidades e estar preparada e aberta ao movimento da inclusão
escolar. Entendendo que a inclusão seja pensada para todos(as), criando con-
dições de permanência e aprendizagens.
Mas como preparar a escola para que ela saiba lidar com as questões de
identidade e diferença? Com certeza não é uma tarefa fácil, trata-se de um
processo complexo e que vai muito além de abrir as portas da escola para as
diferenças. Esse é apenas o primeiro passo, mas a partir disso é necessário
pensar estratégias para manter esses sujeitos na escola e principalmente que
esses sujeitos tenham aprendizagens.
O primeiro passo foi dado, vários eventos internacionais (Declaração de
Salamanca, 1994; Declaração de Jomtien, 1990) foram realizados no sentido
de pensar estratégias para que todos(as) estejam na escola, independente das
suas deficiências. A partir desses eventos, muitas políticas públicas foram
sendo construídas e implementadas no Brasil no sentido de garantir esse
acordo pela inclusão firmado internacionalmente.
No caso dos sujeitos da educação especial, o desafio se torna ainda maior
tendo em vista que a escola como uma instituição da modernidade não foi
pensada para as diferenças. Muito pelo contrário, a escola foi criada e pen-
sada justamente para a homogeneização e normalização dos sujeitos. A
educação especial veio justamente para desconstruir essa ideia moderna de
escola. Nesse sentido, a escola precisa rever desde a sua base os principais
documentos dessa escola e verificar de que forma a inclusão é pensada para
aquela comunidade escolar,
Antes de se pensar em estratégias pedagógicas para os(as) alunos(as) com
deficiência, é necessário revisitar o projeto político pedagógico (PPP) dessa
instituição para verificar de que forma essa comunidade escolar enxerga a
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inclusão. Além disso, torna-se necessário construir um currículo escolar adap-


tado e flexível às demandas desses sujeitos. Aqui é importante lembrar que
o currículo é entendido como um artefato cultural. Isso significa dizer que o
currículo muito mais do que ensinar conteúdos disciplinares, ensina modos de
vida, produz sentidos e é produzido pela cultura. Nesse sentido, ele não é neutro,
por isso a importância de que todos os sujeitos sejam de uma forma ou de outra
contemplados no currículo, para que as suas diferenças e identidades sejam
respeitadas. Essas adaptações escolares não querem dizer que o currículo deva
ser refeito apenas para atender a esses alunos, as adaptações curriculares nada
mais são do que estratégias pedagógicas que buscam flexibilizar o currículo no
intuito de buscar respostas para as várias demandas desses sujeitos. Em relação às
práticas pedagógicas, mas também em relação às formas de avaliar esses alunos.
Além disso, é importante lembrar que o ensino desses sujeitos precisa ser
individualizado, nesse sentido é importante a construção do plano educacional
individualizado (PEI) para cada sujeito. O PEI é um documento importantís-
simo para se pensar nas questões de ensino e de aprendizagem dos sujeitos
com alguma deficiência. De acordo com Pereira (2014, p. 51):

O PEI é considerado uma proposta de organização curricular que norteia


a mediação pedagógica do professor, assim como desenvolve os potenciais
ainda não consolidados do aluno. O registro ou mapeamento do que o sujeito
já alcançou e o que ainda necessita alcançar é fundamental para que se possa
pensar o que vai ser feito para que ele atinja os objetivos traçados.

O plano educacional individualizado é pensado e construído a partir de


quatro etapas, quais sejam: conhecer o aluno; estabelecer metas; elaboração
do cronograma e avaliação. Importa destacar que o PEI é um documento in-
dividual, ou seja, cada aluno com alguma deficiência ou necessidade especial
precisa ter o seu plano individual. Por que isso? Sabemos que as identidades
são múltiplas, no caso dos surdos, por exemplo, cada surdo tem a sua ma-
neira de vivenciar a surdez. Da mesma forma os outros sujeitos, cada sujeito
vivencia a deficiência da sua forma. Cada pessoa tem as suas dificuldades,
as suas necessidades, as suas potencialidades, o que serve para um pode não
servir para o outro, mesmo que ambos tenham a mesma deficiência. Essa é
uma questão forte de respeito às identidades e às diferenças.
Outra questão não menos importante trata da formação da equipe que irá
trabalhar com esses sujeitos, tanto de forma direta, quanto de forma indireta.
Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar 11

No que se refere à formação de professores, a Resolução nº. 2 do CNE/CEB, de


11 de setembro de 2001, que institui diretrizes nacionais para a educação espe-
cial na educação básica, no seu artigo 18, faz uma distinção entre professores
capacitados e professores especializados. Várias são as especificidades, tanto
no que se refere aos(as) professores(as) considerados(as) capacitados(as) para
trabalharem com alunos(as) da educação especial, quanto no que diz respeito
aos (as) considerados (as) especializados (as) para esse trabalho. Grosso modo,
pode-se dizer que o professor especializado, além de trabalhar na sala de aula
comum, pode trabalhar também na sala de recursos. Ou seja, a sua formação
é mais especializada do que a do professor capacitado.
Outro profissional importante que trabalha na escola com os alunos com
alguma deficiência é o mediador ou apoio escolar. A contratação desse pro-
fissional é de responsabilidade da escola e cabe à mesma, juntamente com a
sua equipe escolar, com a família desses sujeitos e com a equipe terapêutica,
verificar se esse aluno precisa ou não desse acompanhamento mais indivi-
dualizado. Além de todas essas mudanças em relação aos profissionais que
irão trabalhar com esses sujeitos, a questão da acessibilidade arquitetônica
também é fundamental.
Como você pode perceber, os processos que envolvem a inclusão são muitos
e complexos. A ideia ingênua de que basta matricular os sujeitos com alguma
deficiência na escola regular é um mito. É necessário todo o envolvimento
de uma série de profissionais que de forma dialógica conversem e planejem
juntos estratégias para que a inclusão desses sujeitos aconteça da forma mais
natural possível. Existem muitas experiências de inclusão que comprovam
que seja possível matricular esses sujeitos na escola regular, no entanto, ainda
existe um grande percentual de fracassos.

As pessoas com deficiência têm garantido por lei o direito de frequentar a escola
regular. No entanto, essa questão ainda gera muitas dúvidas e questionamentos
para as famílias dessas crianças. Nesta reportagem você vai entender um pouco mais
sobre a escola regular e a escola especial para surdos. Assista ao vídeo no link a seguir.

https://goo.gl/pnmmgP
12 Marcações da identidade e da diferença no espaço escolar

Exemplo de respeito e acessibilidade à diferença surda.


Closed caption, ou legenda oculta, também conhecida pela sigla CC, é um sistema de
transmissão de legendas via sinal de televisão. Essas legendas podem ser reproduzidas
por um televisor que possua função para tal, e tem como objetivo permitir que os
deficientes auditivos possam acompanhar os programas transmitidos. As legendas
ficam ocultas até que o usuário do aparelho acione a função na televisão através de
um menu ou de uma tecla específica. A legenda oculta descreve além das falas dos
atores ou apresentadores qualquer outro som presente na cena: palmas, passos, trovões,
música, risos, etc. A Figura 3 mostra um exemplo desse tipo de legenda.

Figura 3. Exemplo de legenda oculta.


Fonte: Legenda Oculta (2018, documento on-line).

CASARIN, M. M. Ações para incluir e práticas pedagógicas da educação de surdos. In:


SILUK, A. C. P. (Org.). Atendimento educacional especializado: contribuições para a prática
pedagógica. Santa Maria: UFSM, 2014.
LEGENDA OCULTA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Founda-
tion, 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Legenda_
oculta&oldid=53842996>. Acesso em: 17 dez. 2018.
LOPES, M. C. Inclusão escolar: diversidade, diferença e processos identitários. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 5.; CURSO PEDAGÓGICO AMIGOS DO SABER, 6.; ENCONTRO
DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA REGIÃO DA AMZOP, 3., 2006, Frederico Westphalen (RS). Diver-
sidade na escola: diálogos possíveis. Frederico Westphalen (RS): URI, 2006. v. 1. p. 25-36.
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LOPES, M. C. Surdez & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.


MELLO, V. S. S. Escola e comunidade surda: espaços de normalização surda. In: KLEIN,
R. R.; HATTGE, M. D. (Org.). Diferença e inclusão na escola. Curitiba: Paulinas, 2015.
PEREIRA, D. M. Análise dos efeitos de um plano educacional individualizado no desen-
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2014. 121 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
2014. Disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/14582/1/
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PERLIN, G. As diferentes identidades surdas. Revista da FENEIS, Ano IV, n. 14, abr./jun. 2002.

Leituras recomendadas
STROBEL, K. História da educação de surdos. Florianópolis: UFSC, 2009. Disponível em:
<http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDa-
EducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf>. Acesso
em: 23 dez. 2018.
VEIGA-NETO, A. Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação, n. 23, maio/
jun./jul./ago., 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n23/n23a01>.
Acesso em: 23 dez. 2018.
Conteúdo:

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