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REFLEXÕES SOBRE INCLUSÃO: EDUCAÇÃO PARA

DIVERSIDADE.

BRUNA CIGANI GOMES

2022
AGRADECIMENTOS

O presente texto foi desenvolvido e concluído em meio


à pandemia do vírus SARS-CoV-2 (mais conhecido como
Corona Vírus). Não foi fácil a construção desse trabalho, em
meio a tantas mortes causadas pelo vírus, que ainda está
distante de cessar, mesmo ocorrendo vacinação em nível
mundial. O constante medo de ser infectada e transmitir esse
vírus para entes queridos esteve presente ao longo desse
período e não foi embora mesmo tento tomado a vacina e
sabendo que com a imunização as chances de pegar a doença na
forma grave e transmiti-la seja pequena. Enquanto não tivermos
toda a população mundial vacinada e ver quais os resultados
obtidos pela vacinação, esse medo estará presente em nosso
cotidiano.

Contudo, quero agradecer a todos que tiveram presente


nesse percurso, mesmo que distante, de forma remota, mas que
ajudaram imensamente na construção desse trabalho. Saibam
que esse trabalho também é de vocês. Primeiramente, quero
agradecer meu núcleo familiar que me deu todo suporte e
aparato para chegar até aqui, meus pais, Aparecida de Fátima
Cigani Gomes e Luiz Gomes Sobrinho, e minha irmã, Greyce
Cigani Gomes. Meu companheiro amado, Guilherme Queiroz
Neto, que esteve presente em todos os momentos, dando
suporte emocional, me escutando e vibrando por mim.

A Carla Machado e Claudete Souza Gomes por olhar


meu trabalho com atenção, carinho e delicadeza. Sempre
colocando pontos onde eu poderia melhorar ou aprofundar
mais. A Izabella Bitencourt, minha amiga e irmã de alma, que
sempre se colocou a escuta, que sempre me acalmou. E vários
outros amigos que me ajudaram bastante, como: Bruna Candiá
Saad, Jerry de Souza, Maria Eduarda Freire, Fernando
Guimarães e Liane Mourão. O sentimento que quero deixar é
gratidão.

Ao Conhecimento Vivo e ao Instituto Tempus, que


abriram as portas para mim e acreditaram no meu potencial
como profissional e estiveram abertos para colocar novas ideias
em prática.

Obrigado por todos vocês estarem comigo.

Sintam-se carinhosamente abraçados por mim.


Sumário

APRESENTAÇÃO 2

1. A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DAS PESSOAS


COM DEFICIÊNCIAS (PCDs) 6

2. PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DA


EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL. 13

3. DEFICIÊNCIA E ACESSIBILIDADE 20

4. EDUCAÇÃO ESPECIAL VERSUS EDUCAÇÃO


INCLUSIVA 28

5. PRÉ(CONCEITO)S 39

6. CONCLUSÃO 51

7. ANÁLISE DO CONTEXTO EDUCACIONAL DO


GOVERNO BOLSONARO 55

BIBLIOGRAFIA 66
APRESENTAÇÃO

A inclusão é um conceito que está muito evidente


atualmente em nossa sociedade. Mas, muitas vezes, quando
escutamos a palavra inclusão, conectamo-la diretamente ao
sistema educacional, como se esse fosse o único setor da
sociedade que deveria se adequar para receber pessoas com
deficiência. Isso reforça a ideia preconceituosa, ainda muito
presente no imaginário comum, de que pessoas com deficiência
estão restritas a frequentarem escolas e consultas médicas – já
que se instaura a concepção da deficiência com uma visão
terapêutica, cujos sujeitos são vistos como patológicos e que
devem ser “normalizados”1 – e que, por conta disso, não
exploram a cidade em que vivem e nem frequentam outros
ambientes.

1
Na obra O que são pessoas deficientes de João B. Cintra Ribas é exposto
que “assim é que em qualquer sociedade existem valores culturais que
se consubstanciam no modo como a sociedade está organizada. São
valores que se refletem imediatamente no pensamento e nas imagens
dos homens, e norteiam as suas ações. São valores que terminam por se
refletir nas palavras que os homens se exprimem. Assim sendo, em
todas as sociedades a palavra “deficiente” adquire um valor cultural
segundo padrões, regras e normas estabelecidos no bojo de suas
relações sociais” (RIBAS, 1998, p. 12). Dessa forma, as pessoas com
deficiência tem que ser normalizadas por não se encaixarem nesses
padrões, regras e normas estabelecidos.
2
Contudo, há várias questões a serem discutidas que
envolvem o fato de as pessoas com deficiência não
frequentarem os espaços sociais e nem ocuparem mais espaços
além do educacional e do médico, por mais que a luta dessas
pessoas e de seus familiares esteja se efetivando em vitórias,
para que possamos ter uma sociedade realmente inclusiva e
igualitária, ainda há caminhos que precisam ser percorridos.
Dois pontos importantes, porém, não são os únicos, para essa
questão, são:
1. as cidades e tudo que a compõem não oferecem
estrutura física e suporte necessário para receber
pessoas com deficiência, dessa forma, não oferecem
acessibilidade;
2. recepção da sociedade em relação à deficiência.
Durante minha formação acadêmica, sempre me
questionei qual seria meu papel como professora regente2 para
fazer com que minhas aulas fossem inclusivas e, também, o que
eu poderia fazer para contribuir na escola para que ela pudesse
ser amplamente inclusiva, pois, como já mencionado, a
inclusão não deve acontecer só no ambiente escolar, todavia, os
resultados obtidos nas escolas vão se refletir fora dela.

2
Veremos no decorrer do texto que há uma diferenciação entre professor
regente e professor de apoio.
3
A Língua Brasileira de Sinais foi o único segmento da
educação inclusiva que tive contato em minha formação. E,
após ter formado e ter trabalhado por um período em uma
escola de cidade pequena do interior de Minas Gerais (MG),
sempre questionava com os meus colegas de profissão como
poderia trabalhar com alunos com deficiência, em um espaço
em que não há professor de apoio ou o Atendimento
Educacional Especializado apropriado para auxiliar aquele(s)
aluno(s) ou sala de recursos multifuncional.
Durante esta experiência profissional e mesmo durante a
graduação, sempre me vinham algumas indagações: como as
universidades e professores universitários estão se preparando
para receber os alunos com deficiência, já que há um número
crescente de pessoas com deficiência ocupando esse espaço?
Outro questionamento: como as universidades estão preparando
os profissionais, de qualquer área, a se relacionar com a
diversidade desse público?
Sei que no âmbito da educação há várias especialidades
direcionadas a um determinado tema, realidades, especificidade
e, que é inviável estar por dentro de todas elas. Com isso, o
objetivo deste trabalho é esclarecer alguns pontos das temáticas
relacionadas à deficiência e à educação inclusiva, uma vez que,
os estudos da educação inclusiva é um cenário
4
consideravelmente recente e está em constante
desenvolvimento. Este material tem o intuito de propor um
olhar filosófico sobre as demandas decorrentes das proposições
que vão sendo apresentadas e, visa servir de escopo não
somente para professores, mas, para quem procura aprimorar
seu campo de trabalho. Já que a conquista da Lei Brasileira de
Inclusão (LBI) da pessoa com deficiência (PCD) é muito
recente, foi discutida no senado por quinze anos, mas só foi
publicada em 2015.
Dessa forma, o objetivo deste material é sanar a
curiosidade de quem quer aprimorar seu conhecimento,
entendendo que, o primordial é que a inclusão possa ser efetiva
em todos os setores da sociedade e que as leis sejam
implementadas para possibilitar que as pessoas com deficiência
possam exercer seu direito de ir e vir com acessibilidade,
respeito e segurança. E que não haja nenhum preconceito em
relação à sua condição.

5
1. A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DAS PESSOAS
COM DEFICIÊNCIAS (PCDs)

A visão excludente sobre a pessoa com deficiência vem


dos primórdios das civilizações. A Grécia, que é conhecida por
ser o berço da filosofia por sua produção de conhecimento
científico iniciado a partir do século VII à V a.C., já
compartilhava dessa visão e, dessa forma, matava ou
abandonava os indivíduos que nasciam com algum tipo de
deficiência, pois não compartilhavam os ideais daquela
sociedade do que seria belo. Não o belo no sentido estético,
mas, no sentido aristotélico de uma ordem, de simetria. Além,
também, de haver a valorização do corpo atlético, que se
caracterizava por ser sadio e vigoroso, por conta da imagem de
guerreiro dessa época. Dessa forma, o que não se encaixava
dentro desses padrões, era morto ou abandonado.
Com a chegada da era cristã, abdicou-se dessa norma de
matar os indivíduos com deficiência, contudo, a visão negativa
que tinham desses indivíduos não foi deixada de lado, eram
vistos como sujeitos pecadores ou que receberam um castigo
divino. Destacando que, só a prática de matá-los deixou de ser
feita, mas a prática de abandoná-los ainda perdurou. Houve um
período em que deficiência estava ligada à caridade, um
exemplo disso são as instituições religiosas, em que era comum
6
ser instalado um mecanismo rotatório nas paredes denominado
roda de expostos, onde os indivíduos poderiam deixar os
recém-nascidos sem ser identificados e, assim, os cuidados
passavam a ser dessas instituições.
No século XVI, período da renascença, em que a ciência
e as especializações médicas estavam ganhando vida, tentou-se
explicar algumas deficiências de forma racional. Foi nessa
época, que a imagem das pessoas com deficiência começou a
ser construída a partir de uma visão terapêutica, no qual eram
vistos como sujeitos patológicos e que deveriam ser curados. E
a partir daí, começam a construir hospitais e asilos para abrigar
essas pessoas, ficando à margem da sociedade.
Até aqui, conclui-se que, as pessoas com deficiência não
eram mortas fisicamente, mas, de certa forma, elas eram mortas
socialmente, já que não frequentavam espaços sociais.
Ainda hoje, no momento atual, essa visão terapêutica
não foi abandonada. Mesmo com as lutas das pessoas com
deficiência por seus direitos e com as conquistas que advém
dessas lutas, ainda assim, elas se encontram à margem da
sociedade.
Há um documentário chamado Crip Camp: A disability
revolution, traduzido para o Brasil como Crip Camp: revolução
pela inclusão, dos diretores James Lebrecht e Nicole
7
Newnham, que nos ajuda no debate, não só a imagem da pessoa
com deficiência e da desconstrução dessa imagem através das
lutas das pessoas com deficiência e simpatizantes (familiares e
amigos), mas, também na desconstrução de tabus criados
entorno (em torno) dessas pessoas.
Esse documentário inicia-se relatando a história do
acampamento hippie conhecido como Camp Janed, inaugurado
por volta de 1950 em Nova York. Era considerado “tradicional”
pelo fato de receber apenas pessoas sem deficiência. Contudo,
por volta dos anos de 1960/1970 com a proposta de
experimentação social e toda comoção gerada pelo Festival
Woodstock, o Camp Janed começou a acolher pessoas com
deficiência. E, a partir daí, o que é relatado é interessante para a
discussão da inclusão.
Com a chegada das pessoas com deficiência no camp,
os monitores (pessoas que ajudam na administração do
acampamento) não sabiam lidar com a situação apresentada,
pois muitos deles nunca tinham visto ou convivido com uma
pessoa com deficiência em sua vida. Realidade esta que
acontece até hoje, você pode sim já ter visto uma pessoa com
deficiência ou estar “familiarizada” com o assunto, porque é
jogado na mídia, mas no geral, as pessoas com deficiência
ainda são excluídas do convívio em sociedade.
8
E foi no camp que, muitas pessoas com deficiência
viram que existiam outras pessoas iguais a elas, pois no seu
círculo de relações, elas também não tinham essa
representatividade. Em geral, não via e não pensava que existia
alguém igual. E como no amp, TODOS participavam de
TODAS as atividades, os campistas descrevem que sentem a
sensação de liberdade e independência. Mas, essa sensação
também advém por estarem longe dos pais, pois narram que por
terem uma deficiência sofriam com a superproteção dos pais
que acarretava na ausência de autonomia e de privacidade.
Sobre a educação dessas pessoas, há três tipos de relato
no documentário:
1. as que estudavam em casa;
2. as que eram inseridas em turmas regulares, mas era a
única pessoa com deficiência na escola;
3. as que participavam de turmas especiais em escolas
regulares, e tinham pouquíssimo contato com os outros
alunos.
Contudo, a exclusão não ficava restrita à escola. Os relatos
mostram que, quando a administração do camp organizava
alguma atividade fora do acampamento, como ir à sorveteria ou
lanchonete, muitos dos donos dos estabelecimentos, não os

9
deixava entrar, alegando que os outros clientes poderiam se
sentir incomodados.
Um fato marcante apresentado no documentário é
quando falam do hospital/instituição pública, WillowBrook, em
Nova York. Tal instituição cuidava de pessoas com deficiência
e para cada 50 (cinquenta) crianças havia apenas 1 (um)
cuidador. Para conseguir atender a todas as crianças, o cuidador
tinha apenas 3 (três) minutos para alimentá-las.
O camp foi capaz de proporcionar novas experiências,
amizade, laços e a construção de uma consciência de que as
pessoas com deficiência possuem seus diretos. Direitos esses
que não poderiam ser negados. Em 1972, quando foi
sancionada a lei da reabilitação cuja seção 504, que ficou
conhecida como seção antidiscriminação, garantia que todas as
organizações que recebiam recursos federais, não poderiam
descriminar ninguém por sua deficiência. Contudo, essa seção
foi vetada por Richard Nixon, que ocasionou na organização
das pessoas com deficiência para protestar a favor dos seus
direitos. Os protestos foram muitos, a maioria deles liderados
pela ativista Judy Heumann. A legislação só foi aprovada
depois do protesto em que as pessoas com deficiência
ocuparam o prédio da secretária de saúde, educação e bem-estar
social por quase um mês, exigindo que o novo secretário,
10
Josepg Califano (governo Jimmy Carter), assinasse o
documento.
O documentário também aborda sobre a questão da vida
amorosa e íntima das pessoas com deficiência. É mostrado que
o senso comum tem no imaginário a ideia infantilizada da
pessoa com deficiência, em que elas, além de não terem a
capacidade de tomar as suas próprias decisões, também não são
pessoas que se apaixonariam, ou que teria uma vida sexual
ativa, que não são pessoas que podem ser consideradas
sexualmente atraentes, em suma, que não teriam condições de
levar uma vida como qualquer outra pessoa.
Por fim, o documentário mostra toda a luta pela inclusão
e também toda história percorrida pelas pessoas com
deficiência. Tange pontos importantes da contextualização das
pessoas com deficiência, como podemos perceber até aqui: a
exclusão social e escolar, a realidade de instituições que acolhia
pessoas com deficiência. E, também, mostra a independência
das pessoas com deficiência de poder fazer qualquer coisa,
como: morar sozinha, estudar, trabalhar, amar, transar, enfim,
fazer qualquer coisa como qualquer pessoa.
O objetivo a partir daqui é trabalhar algumas temáticas
de inquietações que tive ao pesquisar inclusão. Talvez no
desenvolver do texto, traga novamente algum registro
11
audiovisual – podendo ser filmes ou documentários, entre
outros -, para trabalhar questões pertinentes do cenário que
estou tentando apresentar.

12
2. PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DA
EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL.

A história da educação especial no Brasil instaura-se no


período Imperial com Dom Pedro II. Com a luta e dedicação de
José Álvares de Azevedo (cego de nascença), após retornar de
Paris onde viveu por seis anos no Real Instituto dos Meninos
Cegos de Paris, onde teve acesso ao sistema Braille, criado pelo
francês Louis Braille. Ao voltar para o Brasil, apresentou um
projeto para que fosse criado uma escola com os mesmos ideais
do instituto de Paris. Então, em 1854, no Rio de Janeiro, foi
inaugurado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Com a
implementação da República, o instituto passou a se chamar
Instituto dos Meninos Cegos e, pouco depois, Instituto
Nacional dos Cegos. E em 1891, recebeu um novo nome e que
permanece até hoje, que é o Instituto Benjamin Constant (IBC).
Atualmente, o IBC atende a alunos com baixa visão, cegos,
surdo cegos, e deficiências múltiplas e, também, é centro de
pesquisas médicas oftalmológicas e promove a difusão de
pesquisas em educação especial.
Outra instituição instaurada no Brasil Imperial foi o
Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, fundado 1857, também
no Rio de Janeiro, com a colaboração do francês E. Huet, que já
tinha experiência de ter sido diretor do Instituto dos Surdos-
13
Mudos em Bourges, na França. E em 1957, o instituto passou a
ser chamado, como é conhecido até hoje, de Instituto Nacional
de Educação de Surdos (INES). E, além do atendimento e
formação das pessoas com surdez, também promove
seminários, palestras e outros modos de discussão em nível
nacional para fomentar questões sobre a surdez.
Com a transição para a República, no século XX, o
Brasil funda mais duas instituições. Em 1926, o Instituto
Pestalozzi que atende a pessoas com deficiência mental. E em
1954 é inaugurada a Associação de País e Amigos dos
Excepcionais (APAE) no Rio de Janeiro, que atende a pessoas
com deficiência intelectual e múltipla. Hoje, existe APAE em
várias cidades do Brasil promovendo saúde, educação,
assistência social, proteção, capacitação e autogestão. Em 1977,
foi criada a Federação Nacional de Educação e Integração dos
Surdos, conhecido como FENEIS, entidade filantrópica sem
fins lucrativos com o objetivo de defender os interesses das
pessoas surdas.
Devido à prevalência deste regime político, é outorgada
a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988,
onde há três pontos importantes. Inicia-se com o inciso IV,
parágrafo 3 que tem o objetivo de “promover o bem de todos,
sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
14
outras formas de discriminação” (BRASIL, 1980). E os artigos
205 e 208 que dizem respeito à educação, na qual o primeiro
estabelece que “a educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (BRASIL, 1980); ao passo que o segundo artigo no
inciso 3 dispõe que é dever do “atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente
na rede regular de ensino” (BRASIL, 1980). Dessa forma,
podemos observar que é constitucional que a pessoa com
deficiência não pode sofrer preconceito ou discriminação por
sua condição e que ela tem direito ao acesso à educação gratuita
e com atendimento educacional especializado (AEE).
E, como direito à educação é um dos direitos básicos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, há vários
seminários, palestras, convenções ao redor do mundo para se
discutir o assunto. Em 1990, houve a Declaração Mundial
sobre Educação para Todos. Declaração esta que foi aprovada
na conferência realizada em Jomtien na Tailândia, em que foi
debatido como dar acesso à educação a crianças, jovens e
adultos mediante as várias realidades existente e, que até então,

15
uma boa parte da população mundial era considerada analfabeta
ou analfabeta funcional.
Em 1994, em Salamanca na Espanha, ocorreu uma
convenção promovida pelas Nações Unidas e que ficou
conhecida como Declaração de Salamanca, que abordou as
necessidades educacionais das pessoas com deficiência. Nessa
declaração, é defendida a educação inclusiva, e de acordo com
o documento a “educação inclusiva é o modo mais eficaz de
solidariedade entre crianças com necessidades educacionais
especiais e seus colegas” (SALAMANCA, 1994). Nesse
documento é proclamado que as pessoas que possuem
necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular, abdicando de atitudes discriminatórias e que adote uma
pedagogia e um currículo que se adéque às necessidades das
crianças e não a contrário, e que seja proporcionado um
atendimento adicional e uma rede continuada de apoio. Enfatiza
também a importância da relação entre família e profissionais e
do papel das universidades no processo de pesquisa e de
treinamento profissional voltado para educação especial.
No ano de 1999, houve a convecção de Guatemala (Sul
do México) em que o tema central da conferência foi A
eliminação de todas as formas de discriminação contra as
pessoas com deficiência. Tal temática foi proclamada como
16
decreto número 3.956, em 2001, com o objetivo de eliminar
barreiras e integrar as pessoas com deficiência na sociedade.
No entanto, mesmo com o histórico do Brasil com duas
instituições de ensino desde o Império que atendem a pessoas
com deficiência, uma voltada para indivíduos cegos e a outra
para indivíduos surdos, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)
só passou a ser reconhecida como língua em abril de 2002, a
partir da lei número 10.436 e, nesse mesmo ano, em setembro,
o Ministério da Educação (MEC) lançou uma portaria com o
número 2.678 que aprovou o uso, ensino, produção e difusão
do sistema Braille.
A explicação para que a Língua de sinais3 na maioria
dos países tenha demorado para ser reconhecida, é que, em
1880, em Milão (Itália), realizou-se um congresso com
professores de várias partes do mundo e de maioria ouvinte,
eles acordaram que o melhor método de ensino para surdo era a
oralização (método em que tenta inserir o sujeito surdo no
mundo ouvinte, ensinando-o a falar) e a língua de sinais passou
a ser proibida. Com o fracasso desse método, em 1960,
começou-se a ser utilizada a comunicação total, em que os
alunos poderiam usar a oralização e a língua de sinais. E, por

3
Como cada país possui sua língua oral com suas variâncias, com a língua
de sinais não seria diferente. Cada país possui sua língua de sinais.
17
fim, em 1980, estabeleceu-se o bilinguismo, em que se utiliza a
língua de sinais como primeira língua e a língua majoritária na
modalidade escrita como segunda língua, esse método é
utilizado até hoje.
E, com a lei número 10.436, derivou o decreto número
5.626 de 22 de dezembro de 2005. Que regulamenta a
implementação da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como
disciplina obrigatória nos cursos de fonoaudiologia, magistério
e todas as licenciaturas e, como disciplina optativa nos demais
cursos superiores. E ele também dispõe sobre as exigências da
formação do profissional que atuará nessa área e qual nível de
capacitação terá que obter para atuar em cada setor
educacional.
Em dezembro de 2006, houve a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência em uma assembleia que
comemorava ao Dia Internacional dos Direitos Humanos,
promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nessa
convenção, constituiu-se um protocolo facultativo que possuía
50 artigos garantindo às pessoas com deficiência direitos civis,
políticos, educacionais, econômicos, sociais e culturais. O
Brasil assinou esse documento de garantia a esses direitos em
março de 2007. E, em Abril desse mesmo ano, foi publicado o
decreto número 6.094 que garante metas de compromisso
18
Todos pela educação, que assegura o acesso e a permanência
das pessoas com deficiência nas classes de ensino regular e
incentivando a inclusão na rede pública de ensino.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Câmara
de Educação Básica (CEB) sancionou, em 2009, a resolução
número 4 que institui “diretrizes operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica
modalidade Educação Especial”, porém, a profissão de
intérprete e tradutor da Língua Brasileira de Sinais (Libras) só
foi regulamentada em 2010 com a Lei número 12.319 e é essa
lei que estabelece a formação do profissional e o rigor técnico e
ético da profissão. O decreto número 7.611 de 2011 dispõe
sobre a educação especial e o Atendimento Educacional
Especializado (AEE). E, em dezembro de 2012, foi instaurada a
lei número 12.764, que diz respeito à Política Nacional de
proteção dos Direitos da pessoa com Transtorno do Espectro
Autista. Por fim, após quinze anos de discussão no planalto, em
2015 foi publicado o Estatuto da Pessoa com deficiência.

19
3. DEFICIÊNCIA E ACESSIBILIDADE

No decorrer da história, podemos ver que sempre houve


uma imposição de dualidades para encaixar indivíduos dentro
de padrões estabelecidos. No artigo Discutindo a diversidade:
trabalhando com livros de literatura infantil da autora Silvana
Souza de Mello Neves, é colocado em pauta que na sociedade
moderna instaurou-se uma dualidade nos aspectos éticos,
estético e econômico através de uma visão dicotômica, na qual,
estabelecia padrões e delimitava o comportamento das pessoas.
De acordo com a autora
A tendência era considerar como normais os
padrões da classe dominante. Assim, como
herança temos, dentre muitas outras, as
polaridades: melhor/pior, capaz/incapaz,
bom/mau, válido/inválido, normal/anormal,
sendo a última importante foco para
fundamentação desse trabalho.
O sentido de anormalidade é bem definido por
CMarques (2001, p. 50) “contraponto
necessário para construção do sentido de
normalidade”. O homem moderno cria o
conceito de normalidade para se sentir seguro e
afirma-se psicologicamente como estado no
caminho certo. Assim, a sociedade começou a
se organizar e a se disciplinar para atender às
necessidades dos indivíduos, como base em
valores previamente estabelecidos como
normais.
Dessa maneira, o anormal é considerado o
inadaptado, aquele que não se ajusta aos
padrões da sociedade, um desviante e, por sua
vez, estigmatizado, estereotipado e
20
marginalizado no processo. Sendo assim, as
vítimas patologias sociais, com desvios de
normalidade, são permanentemente, vigiadas e
excluídas do convívio social para que não
“contaminem” o restante da sociedade”
(NEVES, 2008, p. 73/74)
Salienta-se que de acordo com a dissertação defendida
por Katiuscia C. Vargas Antunes, cujo título do trabalho é Uma
leitura sociológica da construção do espaço escolar à luz do
paradigma da educação inclusiva, evidencia que essa noção de
normalidade foi difundida pela sociedade moderna e traz
consigo a visão de Rosana Glat de que “o conceito de
normalidade é formulado e determinado pelas exigências de
cada período histórico” (ANTUNES, 2007, p. 29-30).
E, com isso, João B. Cintra Ribas em sua obra O que
são pessoas deficientes, complementa dizendo que um corpo
com má formação ou com órgãos defeituosos não faz parte do
consenso criado do que se chama “corpo social”, que é um
corpo bem estruturando, fazendo com que o corpo com
deficiência não esteja dentro do que é considerado normal,
sendo assim, um corpo com deficiência é considerado anormal.
Ele expõe que
O nosso corpo individual tem íntima ligação
com esse “corpo social”. Todos nós nos
expressamos através da realidade sociocultural.
Está realidade está tão presente em nosso corpo,
como o nosso corpo está presente na realidade.
Na medida em que a sociedade não é vista como

21
uma realidade sociocultural fraturada, diversa,
que apresenta condições internas, mas sim vista
como um “corpo social” que deve estar em
ordem, o corpo humano também deve
acompanhar a ordem social. Isso equivale a
dizer que o corpo humano que apresenta
qualquer malformação (amputação, seqüelas de
qualquer tipo etc) não é um corpo
estruturalmente em ordem (RIBAS, 1999, p. 15)
Isso nós ajuda a compreender a visão colocada pela
antropóloga Debora Diniz em seu livro O que é deficiência (faz
parte da coleção primeiros passos da editora brasiliense junto
com a obra citada de João B. Cintra Ribas) que há uma
diversidade corporal, cujo qual, possibilita diferentes estilos de
vida. A autora complementa dizendo que: “(…) A anormalidade
é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre o
estilo de vida. Há quem considere que um corpo cego é algo
trágico, mas há também quem considere que essa é uma entre
várias possibilidades para a existência humana” (DINIZ, 2012,
p.8).
E, ainda seguindo a ideia da autora, com as várias
possibilidades para a existência, com a variedade dos diferentes
corpos, que se “reclama o direito de estar no mundo” (DINIZ,
2012, p.73). Isso, porque, complementando com a ideia
defendida pela jornalista e ativista Claudia Werneck, fundadora
da Escola da gente: comunicação em inclusão, em sua obra
Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva, “a
22
deficiência é parte intrínseca da humanidade” (WERNECK,
1997, p. 180). Dessa forma, não existe normalidade, já que é
uma construção estética-cultural.
Contudo, para Graciele Fernandes Ferreira Mattos, no
seu artigo A política de Educação Inclusiva da Secretária de
Estado da Educação de Minas Gerais (2001-2005): PAED é
enfatizado que
“(…) No contexto social, as imagens que se tem
das pessoas com deficiência variam de
coitadinhos” a “super-heróis”. No primeiro
estágio, prevalece a concepção de inutilidade do
sujeito, do eterno dependente das demais
pessoas. Ao contrário dessa condição, tomada
pela visão de um super-herói, a pessoa com
deficiência realiza o que para muitos pareceria
impossível, ou seja, participa dos ambientes
escolares, conquista uma profissão,
consequentemente assume um trabalho,
estabelece uma relação amorosa, casa-se e tem
filhos” (MATTOS, 2008, p. 111)
Podemos perceber que, em todas as definições de deficiência,
todas elas possuem um caráter negativo, pejorativo, incompleto
e excludente. São jogados às margens da sociedade, como
pessoas que devem ser escondidas por toda deformidade que
aparentam ter. E como colocado na citação acima, as pessoas
com deficiência ou são vistas como “coitadinhas” por terem
uma deficiência, que reforça a questão da incapacidade, onde
essas pessoas devem ser cuidadas e protegidas a todo o
momento, pois não conseguem fazer isso por conta própria. Ou
23
são “super-heróis” por conseguirem levar uma vida super
comum, por fazer atividades comuns do cotidiano.
E através disso, chegamos ao conceito de desvio
apresentado no trabalho de Katiuscia C. Vargas Antunes, que se
caracteriza por
(…) se refere a pessoa que por algum motivo
não se enquadra nos padrões ético, estético e de
produtividade formulados pela sociedade. (…)
No caso das pessoas com deficiência, não
apenas seu comportamento, mas as suas
características físicas são marcas que os
classificam como indivíduos fora dos padrões
ideais e, portanto, são considerados “seres
humanos de segunda qualidade” (ANTUNES,
2007, p. 30).
O conceito de desvio reforça, mais uma vez, a visão
negativa adotada pelos padrões sociais, que “descarta” a pessoa
com deficiência, colocando-a como menos humana, já que não
se encaixa nesses padrões.
Contudo, precisamos quebrar esses paradigmas
impostos e trazer essas pessoas para o convívio social. Faz-se
necessário procurar saber o que é, realmente, deficiência. As
deficiências são classificadas como: deficiências físicas (que
inclui o nanismo e a paralisia cerebral), deficiências sensoriais
(cegueira, surdez e surdocegueira), deficiência intelectual
(síndrome de Down, síndrome de Edwards, síndrome de

24
Patau4), deficiência múltipla (combinação de duas ou mais
deficiências, a surdocegueira também se encaixa dentro dessa
classificação).
Também temos os Transtornos Globais do
Desenvolvimento (TGD) que é definido por um conjunto de
transtornos que possuem como características comuns um
distúrbio nas interações sociais causadas por alterações no
desenvolvimento neuropsicomotor. Dentro dos Transtornos
Globais do Desenvolvimento temos: a síndrome de Rett
(geralmente identificado no primeiro ano de vida), o Autismo
(diagnosticado até os três anos de idade), transtorno de Asperge
(identificado entre os três e cinco anos de idade e é mais
comum em meninos), e, por fim, o transtorno global do
desenvolvimento sem outras especificações. A esquizofrenia e a
psicose infantil não se enquadram no Transtorno Global do
Desenvolvimento (TGD) como muitos acham, elas são
classificadas como transtorno mental, por estarem relacionadas
a outros campos do cérebro.
E, por fim, temos as altas habilidades/superdotação,
onde o indivíduo apresenta um desempenho acima da média em
uma ou mais áreas a seguir: intelectual, acadêmica, liderança,
psicomotricidade, artes ou em outras áreas. Também possui

4
Essas duas últimas síndromes são consideradas raras.
25
grande criatividade, se empenha em atividades do seu interesse
e apresenta um grande interesse no processo de aprendizagem.
E esses talentos, competências e habilidades diversas têm que
ser estimulados.
E no Estatuto da Pessoa com deficiência são garantidos
os direitos dessas pessoas a terem o mesmo acesso a todos os
serviços utilizados por uma pessoa sem deficiência como,
direito à saúde, educação, transporte, segurança, comunicação,
informação e afins; mas, também garante as pessoas com
deficiência o direito à acessibilidade. O título III, capítulo I
referente à acessibilidade, garante o direito “à pessoa com
deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma
independente e exercer seus direitos de cidadania e de
participação social” (BRASIL, 2015). E também garante que
todos os espaços, público ou privado, urbano e rural, se adéque
dentro das normas de acessibilidade do desenho universal.
Como podemos ver com a citação abaixo
A concepção e a implantação de projetos que
tratem do meio físico, de transporte, de
informação e comunicação, inclusive de
sistemas e tecnologias da informação e
comunicação, e de outros serviços,
equipamentos e instalações abertos ao público,
de uso público ou privado de uso coletivo, tanto
na zona urbana como na rural, devem atender
aos princípios do desenho universal, tendo
como referência as normas de acessibilidade
(BRASIL, 2015)
26
Dessa forma, garante a eliminação de barreiras e
possibilita que a pessoa com deficiência exerça seu direito de ir
e vir sem dificuldade, frequentando os espaços comuns de sua
cidade e o meio que o cerca.

27
4. EDUCAÇÃO ESPECIAL VERSUS EDUCAÇÃO
INCLUSIVA

Anteriormente, havíamos colocado em pauta o


documentário Crip Camp: A disability revolution (Crip Camp:
revolução pela inclusão) e foi exposto que a partir dos anos
1960, começou um movimento de inserção das pessoas com
deficiência na sociedade. De acordo com Romeu Kazumi
Sassaki em sua obra Inclusão: construindo uma sociedade para
todos
A década de 60, por exemplo, testemunhou o
boom de instituições especializadas, tais como:
escolas especiais, centros de habilitação, centros
de reabilitação, oficinas protegidas de trabalho,
clubes sociais especiais, associações desportivas
especiais.
Mais ou menos a partir do final da década de
60, o movimento pela integração social
começou a procurar inserir as pessoas
portadoras de deficiência nos sistemas sociais
gerais como a educação, o trabalho, a família e
o lazer. (...) (SASSAKI, 1997, p. 31).
A partir daí iniciou-se as lutas das pessoas com
deficiência. Dentro do ambiente escolar, ainda de acordo com
Romeu Kazumi Sassaki, houve um movimento denominado
mainstreamin, que era a integração das pessoas com deficiência
em algumas atividades específicas, como: no horário do
almoço, ou nas aulas de artes ou música, ou ainda, o aluno com
deficiência assistia cada disciplina em turmas diferentes.
28
Retomando mais uma vez o trabalho de Katiuscia C.
Vargas Antunes em seu trabalho aqui já citado, a autora diz que
Em decorrência de tal dicotomia e da
necessidade de uma sociedade cada vez mais
“perfeita” surge um movimento que marcou a
era moderna: a institucionalização. Este
processo colocava à margem da sociedade todos
os aqueles que se distanciavam dos padrões
estabelecidos como “normais”. Uns dos
expoentes da anormalidade eram os loucos, os
desarrazoados. Estes formavam um grupo no
qual residiam a ignorância e a relação da razão.
[fala da criação de hospitais gerais – grifo
meu] (…)
Além dos hospitais psiquiátricos, outros
mecanismos de vigilância e de controle foram
criados. É o caso das escolas especiais e
internatos. Essas instituições se tomaram reduto
dos indivíduos com deficiência e das chamadas
condutas típicas. Todos os alunos considerados
desviantes eram encaminhados para essas
instituições sob a justificativa de que eles
poderiam oferecer um atendimento educacional
especializado e de melhor qualidade para estes
sujeitos. A instituição passa assim, a moldar o
comportamento de seus alunos. (…)
(ANTUNES, 2007, p. 31-32)
Nesse mesmo sentido, no artigo O discurso da
diversidade no processo de formação de professores nas IFES
Mineiras da professora doutora em inclusão educacional,
Mylene Cristina Santiago, ao discutir qual o papel da escola e
do professor, menciona que
Ao apresentar resultados de seu estudo sobre o
processo de encaminhamento de alunos para
classes especiais, Machado (1997) revela serem
os critérios para esse encaminhamento os mais
29
arbitrários possíveis: as classes especiais
funcionam como verdadeiros depósitos de
excluídos do sistema regular, composta em
geral, por aluno com dificuldade de
aprendizagem e com problemas de conduta,
rotulados como deficientes mentais
(SANTIAGO, 2008, p.126)
O que podemos observar aqui que o sistema de
integração que tentaram implementar no sistema regular, se
parece muito com as escolas especiais ou internatos, pois,
independente se o indivíduo possui uma deficiência ou não,
mas se foge do “padrão” ou da norma de conduta, ele é
direcionado para classes especiais, e, dessa forma, esses
indivíduos continuam sendo excluídos, sem uma educação de
qualidade já que são tachados de uma forma pejorativa, no qual
se pressupõe que não vão aprender.
Na década de 1990, inicia-se o debate sobre educação
inclusiva. Em 1993 com o documento Normas para
Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência
declarado na Assembleia Geral da Organização Mundial das
Nações Unidas (ONU) diz que “as pessoas com deficiências
são membros da sociedade e têm direito a permanecer nas suas
comunidades locais. Elas devem receber o apoio de que
necessitam no âmbito das estruturas regulares de educação,
saúde, emprego e serviços sociais” (ONU, 1993, parágrafo 26).

30
E com isso, com o princípio de equiparação para todos,
começou-se a difundir o conceito de inclusão social.
Nessa perspectiva de inclusão social, na obra que
expomos de Sassaki, ele diz que “(...) para incluir todas as
pessoas, a sociedade deve ser modificada a partir do
entendimento de que ela é que precisa ser capaz de atender às
necessidades de seus membros (...)” (SASSAKI, 1997, p.41).
Percebemos até aqui que a pessoa com deficiência passou da
exclusão social para a integração, que seria um atendimento
segregado, para se chegar ao modelo que vem sendo
implementado que é o de inclusão, e isso ocorreu em todas as
sociedades, como observou Sassaki
A sociedade, em todas as culturas, atravessou
diversas fases no que se refere às práticas
sociais. Ela começou praticando a exclusão
social de pessoas que – por causa das condições
atípicas – não lhe pareciam pertencer à maioria
da população. Em seguida, desenvolveu o
atendimento segregado dentro de instituições,
passou a prática da integração social e
recentemente adotou a filosofia da inclusão
social para modificar os sistemas gerais.
(SASSAKI, 1997, p. 16)
Na obra O que é educação inclusiva do psicólogo
Emílio Figueira, é exposto à diferença entre integração social e
inclusão social e escola, o autor diz que
[...] um novo conceito ganhou forças: a
inclusão escolar e social. Antes, essas pessoas
eram habilitadas ou reabilitadas para fazerem
31
todas as coisas que as demais, sendo que por
meio da integração social passavam a conviver
conosco em sociedade. Agora, na inclusão
social, as iniciativas são nossas. Somos nós que
estamos nos preparando, criando caminhos e
permitindo que elas venham conviver conosco.
Por esse motivo, cada vez mais vemos crianças
e pessoas com deficiência em nossas escolas,
nos espaços de lazer e em todos os lugares da
vida diária. E devemos estar preparados para
essa convivência aceitando as diferenças e a
individualidade de cada pessoa, uma vez que o
conceito de inclusão mantém este lema: todas
as pessoas têm o seu valor. (FIGUEIRA,, 2011,
p.28)
Complementa dizendo que uma escola realmente inclusiva não
distingue “aluno regular” de “aluno especial”, é uma escola que
não possui rótulos. Visão que é compartilhada pelas autoras
Maria Teresa Égler Mantoan e Claudia Werneck. A primeira
autora expõe em seu texto Sobre identidades e diferenças na
escola, que
A inclusão rompe com os paradigmas que
sustentam o conservadorismo das escolas,
contestando os sistemas educacionais em seus
fundamentos, questionando a fixação de
modelos ideias e a normalização de perfis
específicos de alunos, a seleção dos eleitos
frequentar a escola e com isso produzir
identidades e diferenças, inserção e/ou exclusão
(MONTOAN, 2009)
Enquanto, a segunda autora, na obra já citada acima, a saber,
Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva, coloca
que

32
[...] No sistema de caleidoscópio não existe uma
diversificação de atendimento. A criança entrará
na escola, na turma comum do ensino regular e
lá ficará. Caberá à escola encontrar respostas
educacionais para as necessidades específicas
de cada aluno, quaisquer que sejam elas.
Buscam soluções sem segregar os alunos em
atendimentos especializados ou modalidades
especiais de ensino. Tende para uma
especialização do ensino para todos.
Por isso a metáfora da inclusão é o
caleidoscópio, pequeno instrumento que só
funciona quando tem todos os pedaços e, com
eles, forma figuras complexas que nunca se
repetem (WERNECK, 1997, p. 53).
A partir dessas ideias apontadas até aqui, podemos
concluir que uma educação inclusiva é aquela que engloba
TODOS (utilizando da mesma nomenclatura que é utilizada no
livro da Claudia Werneck, Sociedade inclusiva: quem cabe no
seu TODOS?), onde a educação é diversificada, que engloba
TODOS os alunos, independente de: cor, deficiência, gênero,
orientação sexual ou qualquer coisa que classifique os
indivíduos. TODOS vão aprender num mesmo ambiente, com o
mesmo currículo, sendo respeitado o desenvolvimento de cada
indivíduo, viabilizando um ambiente de aceitação, aprendizado.
Contudo, atualmente, temos dentro do ensino regular
que é o Atendimento Educacional Especializado conhecido,
também, como AEE. O AEE é uma modalidade de ensino que
ocorre paralelamente ao ensino regular. Pode ocorrer dentro da
instituição de ensino onde a pessoa com deficiência está
33
matriculada no ensino regular em uma sala multifuncional, ou,
pode ser em uma outra escola pública, em centros de
Atendimento Educacional Especializado de instituição de
Educação Especial pública ou em Educação Especial
comunitária, confessionais ou filantrópicas.
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) pode
ser suplementar ou complementar. O primeiro caso ocorre em
relação aos alunos com deficiências, Transtorno Global do
Desenvolvimento (TGD), enquanto, o segundo ocorre em
relação aos alunos com altas habilidades e superdotação.
As salas multifuncionais devem ser equipadas com os
equipamentos necessários para os atendimentos de acordo com
as necessidades de cada aluno com deficiência. Contam com
recursos pedagógicos acessíveis, como: Tecnologia Assistiva
(TA), Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), recursos
de Orientação e Mobilidade (O&B) e Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs).
Contudo, devemos aprofundar qual seria o papel real da
escola e do professor nesse cenário. Marcela Lazzarini de Lade
em seu artigo A formação continuada para diversidade: um
estudo da Rede Municipal de Ensino de Juiz de fora, ao
discorrer que a escola não é mais a detentora do conhecimento,
argumenta que
34
A luta pelo fim da exclusão atinge aspectos
sociais muito mais amplos, que vão além do
limite da escola. Apesar do poder redentor
muitas vezes atribuído à escolarização, sabemos
que esta, sozinha, não dá conta de superar todas
as dificuldades. No entanto, o que a escola
nunca deve fazer é torna-se causa de uma
desigualdade maior, dando tratamento diferente
ou reforçado à hierarquia entre os sujeitos
diferentes (LADE, 2008, p. 137)
Podemos inferir desse trecho que não é somente a escola que
deve se adaptar para incluir sujeitos diferentes, é função de toda
sociedade. Mas, é através da escola que se dá o primeiro passo
para que isso ocorra, pois, o que ela fizer dentro de seus muros
vai se refletir fora dele. Para completar essa posição, no texto
aqui já citado de Graciele Fernandes Ferreira Mattos, é dito que
“(…) a Educação Inclusiva não pressupõe apenas educação
para todos, mas também, a participação de todos na busca pela
vivência com base nos princípios inclusivos, em favor do bem
comum” (MATTOS, 2008, p. 113). Então, é papel também da
sociedade buscar por uma educação inclusiva e, assim, se fazer
inclusiva.
Para muitos autores, uma das soluções para uma escola
inclusiva é a formação de professores. Retomando novamente
Marcela Lazzarini de Lade, ela argumenta que ainda na
formação de professores, que a diversidade humana não é
colocada como pauta, que as pessoas com deficiência, ainda

35
sim, ficam as margens, pois pouco se fala sobre elas. E elucida
que
Visando ao paradigma da inclusão que na
Atualidade vem substituir o paradigma da
exclusão, que durante tantos anos sustentou a
nossa sociedade e, consequentemente, a nossa
escola, acreditamos que é principalmente
através da formação de professores que
podemos ajudar a construir uma escola e uma
sociedade para todos. Precisamos encontrar
brechas, romper com os discursos até então
dominante para que possamos, realmente, nos
encontrar com o diferente numa prática viva de
respeito à diversidade humana.
Lidar com a diversidade não significa apenas
elencar as diferenças físicas, culturais, religiosas
etc. entre as pessoas, mas pressupõe o trato da
nossa diferença, com nossa semelhança, com
uma forma ou outra de lidar com as
desigualdades construídas historicamente”
(LADE, 2008, p. 138)
E, para finalizar a visão da autora, ela aponta que
(…) o grande desafio da educação que pretende
inclusiva, para todos, não é atribuir uma
identidade única aos seus educandos, sujeitos
definidos pelos conceitos que regem a nossa
sociedade do que é normal, habitual etc., porém
proporciona uma educação que respeite as
diferenças existentes nestes sujeitos,
valorizando-os em toda a sua diversidade”
(LADE, 2008, p. 139)
Para se chegar a esse ideal de escola inclusiva tão
almejada a autora Norma Silva Trindade de Lima em seu artigo
Inclusão escolar: uma abertura para novas identidades,
declara que

36
(…) Uma escola aberta às diferenças não é feita
para o sujeito constituinte, universal, abstrato,
idealizado, padronizado e previsível por uma
verdade essencial como o “aluno normal”.
Trata-se de uma escola para um aluno/sujeito
singular, constituído em uma trama histórica de
múltiplos elementos e condições, que se
articulam e se modificam, conforme as
possibilidades concretas de existência e
interação social (LIMA, 2008, p.152)
O que pode ser inferido de todo essa conjuntura apresentada até
aqui é que para se construir uma educação inclusiva é
importante à formação de todo que há rodeia: sociedade,
professores, profissionais de qualquer área. Visto que, o homem
é um ser social que vive em comunidade, dessa forma, todas as
diferenças devem ser respeitadas.
E, para finalizar essa construção da inclusão, vamos
colocar a tese de doutorado de uma pesquisadora aqui já citada,
Katiuscia Cristina Vargas Antunes, cujo título é História de
vida de alunos com deficiência intelectual: percurso escolar e a
constituição do sujeito, onde ela coloca que
Hoje, a inclusão é discutida porque vivemos
numa sociedade diversificada, heterogênea que
sente a necessidade de romper com os conceitos
de padrão e normalidade socialmente
construídos e de lutar pelo reconhecimento da
diferença, pois a existência humana deve ser
pensada e assumida a partir do que ela tem mais
valioso: a sua diversidade.
No que tange a inserção de alunos com
deficiência/necessidades especiais, é importante
destacar que a Educação Inclusiva não pode se

37
configurar numa ação exclusiva da Educação
Especial. Ao contrário, escola regular deve ser
transformada em sua totalidade para que possa
oferecer um ensino de qualidade para todos os
que nela se encontram.
A inclusão escolar tem reflexos marcantes no
sistema educacional na medida em que se
verifica um número maior de matrícula de
alunos com deficiência na rede de ensino
regular. Entretanto, em que pese a legislação e
política, a inclusão ainda não firmou mudanças
significativas na estrutura da maioria das
escolas dos sistemas educacionais. Assim, um
dos maiores desafios da educação inclusiva é
romper com as práticas educacionais que não
levam em consideração as especificidades dos
alunos e suas diferentes maneiras de aprender.
A inclusão contempla o direito à educação, à
igualdade de oportunidade e de participação.
Porém, mas do que garantir o acesso dos
indivíduos com deficiência e outras
necessidades especiais às escolas é necessário
viabilizar a sua permanência e aprendizagem
(...) (ANTUNES, 2012, p.70)
Conclui-se que a inclusão tem como chave a diversidade
e que ela não é papel, exclusivamente da educação especial.
Que a inclusão transforma toda a realidade escolar, mas,
infelizmente, por mais que tenhamos tido um avanço na
legislação no que diz respeito à inclusão, esses avanços não
saíram do papel, pois ainda há poucas modificações na
realidade educacional. Temos um longo caminho a seguir para
atingir uma educação realmente inclusiva, que garanta o acesso
e a permanência dos alunos na escola.

38
5. PRÉ(CONCEITO)S

Em nossa sociedade há vários assuntos que ainda são


considerados tabus e há grandes preconceitos em torno deles,
para exemplificar essa afirmação algumas temáticas se
enquadram muito bem, como: pessoas com deficiência, sexo,
sexualidade e orientação sexual. E no imaginário comum é
impossível relacionar sexo, sexualidade e orientação sexual
com uma pessoa com deficiência. Pois, entra num percepção
que a sociedade tem das pessoas com deficiência de que elas
são anjos, seres celestiais, dessa forma, assexuadas.
Um filme muito interessante sobre a questão, é o filme
intitulado 37 segundos, onde a protagonista do enredo é uma
atriz com paralisia cerebral, Mei Kayama. Sob a direção de
Hikari, o filme conta a história de uma jovem chamada Yuma
Takada, que é muito talentosa por seus desenhos em mangá. Ao
perceber que é explorada por sua companheira de trabalho e por
estar incomodada pela superproteção da mãe, vai buscar
aventuras por uma vida independente e por experiências que ela
nunca teve, isso inclui experiências afetivas.
Ainda sobre o tema, a série denominada Special,
baseada no livro I’m Special: And Other Lies We Tell
Ourselves, escrito por Ryan O’Connell, que também produz e

39
protagoniza a série, conta a história da inserção do personagem
que possui paralisia cerebral (como na vida real) no mercado de
trabalho e a partir da independência que o trabalho trouxe, ele
descobre novas relações, inclusive a amorosa.
Enfatizei a questão dos dois protagonistas dessas duas
produções audiovisuais possuir uma deficiência, pela
importância da inserção de pessoas com deficiência na indústria
cinematográfica, além de dar oportunidade para profissionais
dessa área atuar, também, de protagonizar personagens que
possuem alguma deficiência. Atualmente se discute muito a
questão do Cripface. De acordo com Victor Di Marco, “o termo
que se utiliza quando uma pessoa sem deficiência interpreta um
personagem com deficiência é cripface” (MARCO, 2020, p.
66). Além da questão da representatividade de pessoas com
deficiência dentro desse cenário, também temos vários
profissionais com deficiência capacitados para assumir papeis
dentro do mercado visual, mas que não conseguem o papel por
serem substituído por alguém sem deficiência.
Essas duas produções audiovisuais, rompe um pouco
das barreiras de como a sociedade vê a pessoa com deficiência.
Como já colocado acima, a sociedade vê as pessoas com
deficiência como assexuadas, cenário esse que fica evidente no
filme 37 segundos. Já na série Special vemos a questão da
40
sexualidade da pessoa com deficiência dentro das orientações
sexuais, já que o personagem é gay. De acordo com Virginia
López Enano em seu artigo publicado no jornal El país
intitulado “Nós, pessoas com deficiência, temos mais
dificuldade para sair do armário. Somos tratados de maneira
pior”, expõe que a pessoa com deficiência que é homoafetiva
tem que sair do armário duas vezes, a primeira para romper a
barreira da deficiência e, a segunda, para romper com a barreira
da homossexualidade.
Outro preconceito ainda existente é o da linguagem. Por
mais que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) seja
reconhecida como língua, que a difusão dela esteja ocorrendo
de forma mais gradual, com a implementação de tal em cursos
de licenciatura, ela ainda não está tendo mérito como língua,
ainda é conhecida por pequenos grupos. Há duas charges do
ilustrador e cartunista Alexandre Beck, do seu principal
personagem, Armandinho, que ilustra muito bem a pouca
difusão dessa língua, veja abaixo:

41
1.

2.

5
Disponivel em: <https://tirasarmandinho.tumblr.com/post/110936283
649/tir inha-original>. Acessado no dia 15 de dezembro de 2021 às 15
horas e 28 minutos.
6
Disponivel em: <https://tirasarmandinho.tumblr.com/post/149033537639/t
irinha-original>. Acessado no dia 15 de dezembro de 2021 às 15 horas e 31
minutos.

42
É fundamental destacar a importância desses quadrinhos, pois
também é uma forma de conscientização, que engloba um
público muito grande, consegue atingir desde crianças até um
público mais velho. Há um terceiro quadrinhos desse cartunista
que merecem ser destacados, que conscientiza sobre a
Síndrome de Asperger, que está dentro do quadro de
Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD), é a maioria
dos indivíduos diagnosticados com essa síndrome e do sexo
masculino, veja:

3.

Nesse quadrinho também é relatado à questão do preconceito,


muitas das vezes por falta de informação e conhecimento da
sociedade, por isso, é importante colocar em pauta essas
temáticas para conscientizar um público maior.

7
Disponivel em: <https://tirasarmandinho.tumblr.com/page/75>. Acessado
no dia 15 de dezembro de 2021 às 15 horas e 36 minutos.

43
Vale ressaltar, que há preconceitos até entre as pessoas
com deficiência. Além da subdivisão existente, onde separasse
as pessoas de acordo com sua deficiência. Dentro de grupos de
pessoas que possui uma determinada deficiência, há
preconceitos entre eles em relação ao modo como cada um
escolhe vivenciar sua deficiência. O filme Sound of Metal
(traduzido para o português como O som do silêncio), dirigido
por Darius Marder, demostra um pouco desse preconceito
existente. O filme conta a história de Ruben, um baterista que
vai perdendo a audição, o que ocasiona na dissolução das suas
paixões: a música e a namorada. Como Ruben também está em
reabilitação por dependência química, ele opta por entrar para
uma comunidade surda para encarar essa nova realidade.
Na comunidade aprende a língua de sinais, e possui suas
tarefas dentro da comunidade. Porém seu sonho é fazer a
cirurgia de Implante Coclear (IC) para reconquistar sua antiga
vida junta à música e a namorada. Consegue vender seu trailer
e equipamentos de som para conseguir juntar o dinheiro para
pagar a cirurgia que é muito cara. Consegue marcar a cirurgia e
sai escondido da comunidade para fazê-la, ao retornar recém-
operado não é aceito na comunidade, já que a comunidade não
via a surdez como algo que deveria ser concertado, a surdez
não era vista como uma deficiência.
44
Dentro da surdez há vários tipos de realidade. Há surdos
que utilizam a língua de sinais, há surdos oralizados, surdos que
usam a língua de sinais e a oralização, surdos que utilizam
sinais criados por ele e seu núcleo de vivência (esses sinais são
conhecidos como sinais caseiros) para se comunicarem, surdos
que usam aparelho auditivo, surdos implantados. Há uma
infinidade de realidades dentro de uma vivência. Contudo, pode
se perceber o atrito entre essas diversas realidades.
Paula Pfeifer é escritora, possui um blog e até no
presente momento dois livros lançados, a saber: Crônicas da
surdez e Novas Crônicas da surdez: epifanias do implante
coclear. Nos livros a autora traz relatos da sua história, ela
nasceu ouvinte e foi perdendo audição ao longo do tempo.
Nunca utilizou a língua de sinais, iniciou o processo de
oralização desde jovem, fez experimentos com aparelhos
auditivos, e não se adaptou com alguns deles, até optar por
colocar implante coclear em um dos ouvidos.
Ela é bastante criticada pela comunidade Surda, por
trazer algumas afirmações bem marcantes. Vou destacar alguns
trechos do seu segundo título para que possa debatê-los aqui.
De acordo com Paula Pfeifer
Argumentos como “a surdez é uma diferença,
não é uma deficiência” não me convencem,
muito menos os que dizem que “a língua de

45
sinais é a língua natural dos surdos” ou “Deus
quis assim, assim deve ser”. Se a audição fosse
inútil como algumas pessoas gostam de alegar,
não seria considerada um sentido. Nunca
esquecendo, também, que o IC não cura a
surdez; ninguém fica impedido de aprender
Libras ou deixa de ser surdo por fazê-lo. São
milhares de casos de sucesso em bebês
implantados que se tornam crianças com
desenvolvimentos cognitivos e de fala tão bons
quanto os de criança que nasceram ouvinte.
(PFEIFER, 2015, p. 118)

Uma vez, conversando com o Luciano [marido


de Paula – grifo meu], sobre o caso de um rapaz
com surdez pré-lingual que nunca usou
aparelho, tivemos opiniões divergentes. Ele
pensando como médico, disse que não achava
boa ideia fazer o IC, pois no máximo ele
poderia ouvir e entender barulhos como sirenes,
alarmes, portas batendo etc. Eu, pensando como
alguém que já viveu trancada no silêncio, disse
que no lugar dele com certeza preferiria esses
sons a som nenhum. Afinal, era isso o que tinha:
ruídos que me alertavam de algumas coisas
estavam acontecendo ao meu redor. Até mesmo
esse som tão ínfimo servia para me fazer sentir
viva. (PFEIFER, 2015, p. 126-127)

(…) Pois bem, OUVIR é uma condição natural


do ser humano e o implante coclear não impede
ninguém de aprender a língua de sinais. É uma
pena que dentro da comunidade surda sinalizada
se espalhem tantas mentiras e informações
equivocadas sobre o IC. Isso acontece, em
especial, para assustar pais de crianças que
nasceram surdas e estão investigando a
possibilidade de um IC para os bebês. O que
alguns esquecem é que a língua existe para
servir às crianças, é não ao contrário – vender a
ideia de que crianças devem permanecer surdas
46
para que a língua de sinais não desapareça
parece-me de um egoísmo sem precedentes.
Afinal, não estão pensando na criança e sim na
continuidade de uma língua. Quando cidadãos
que estimulam “líderes surdos” afirmam que os
pais devem esperar as crianças crescerem para
que elas mesmas decidam fazer um IC, só me
resta lamentar por tanta desinformação. É só na
deficiência auditiva que isso acontece, pois
nunca ouvir dizer que uma criança tem o direito
e o dever da experiência da cegueira, da
paralisia ou de qualquer outra deficiência
sensorial ou física.
Aliás, direito de viver uma deficiência?
Ninguém deveria ter de conviver com uma, e
ainda bem que a medicina moderna caminha em
direção a esse objetivo. Vamos refletir: ser
surdo é uma benção e ser cego é ser deficiente?
Confesso que não entendo certos argumentos.
Você esperaria seu filho crescer para perguntar-
lhe se ele quer tomar vacinas de sarampo e
poliomielite? Se seu filho tivesse uma doença
cardíaca congênita, esperaria que ele crescesse
para decidir se gostaria de operar ou não? Outro
ponto que considero muito equivocado é o
lobby feito por esses “líderes” para que crianças
com deficiência auditiva sejam obrigadas a
estudar em escola bilíngue para surdos,
aprendendo Libras como primeira língua. Faz
sentido que uma criança que não queira ou não
precise aprender a língua de sinais seja obrigada
a isso? A falta de informação é realmente a
maior de todas as deficiências que um ser
humano pode ter. (PFEIFER, 2015, p. 129-130)
Nesses trechos fica nítido as divergências de
pensamentos dentro da área da surdez. Mas há várias questões a
serem abordadas que advém desses trechos. A primeira delas é
a questão do avanço da ciência. É graças a ela que temos vacina

47
para inúmeras doenças, muitas das quais já foram erradicadas
por conta das vacinas, e é através da ciência que mulheres
conseguem levar uma gestação prevenindo várias doenças que
pode causar alguma complicação no bebê ainda no útero
materno. A ciência está presente no nosso cotidiano,
possibilitando vários avanços através das novas tecnologias.
Contudo, ainda vivemos uma realidade em nosso país,
que mulheres de baixa renda, não conseguem ter um pré-natal
digno, com acesso a exames, medicamentos, suprimentos e
afins, para que possa prevenir o bebê de alguma complicação
ainda na gestação.
O que podemos inferir disso é que a autora defende de
forma fervorosa o uso de tecnologias para a correção da surdez.
Contudo, quem são as pessoas que possuem acesso a essas
tecnologias? Um individuo de baixa renda, da periferia, com
pouca informação, teria as mesmas condições de acesso e
suporte, pois além da tecnologia também há a reabilitação, de
um individuo de classe média ou de classe média alta?
Também é importante colocar em pauta os custos
referentes ao implante Coclear são altos, além da cirurgia em si,
ainda há o processo de adaptação e reabilitação, o concerto do
aparelho caso ele venha a apresentar algum defeito. As questões
que ficam são: quanto custa para fazer esse implante? são todas
48
as pessoas que têm acesso as informações corretas ao implante?
E além das informações, será que a maioria das famílias com
um indivíduo surdo possui poder aquisitivo para arcar com
todos os custos do IC e todos os cuidados que ele engloba? É
possível conseguir essa cirurgia através do Sistema Único de
Saúde (SUS)? Acho que são perguntas muito pertinentes, pois,
por mais que a ciência esteja avançada, temos vários fatores
que estão em torno desse cenário como, por exemplo:
abordagem do médico para passar informação à família, tipo de
linguagem utilizada por ele para explicar o que está
acontecendo e quais os procedimentos a ser seguido,
acompanhamento para reabilitação e afins.
Outra questão que a autora coloca, é sobre a
possibilidade de escutar somente alguns sons como alarmes e
sirenes, por exemplo, após a colocação do implante coclear. Em
sua visão individual ela preferiria ouvir qualquer som a
nenhum. Essa questão é delicada, pois há surdos que já
convivem com a surdez há muito tempo e que já tiveram
experiências com aparelhos auditivos e que se sentem
incomodados. Por mais que tenha tecnologias para dar suporte
aos indivíduos surdos, isso vai da escolha e experiência de cada
um, pois só porque existem essas tecnologias não quer dizer
que todos devem usá-las.
49
E, por fim, Paula Pfeifer coloca a questão da língua de
sinais ser a língua natural dos surdos. Devemos destacar que o
sujeito surdo constrói suas experiências através do visual, ao se
comunicar a linguagem que melhor vai atender suas
necessidades é a visual-espacial, ou seja, a língua de sinais.
Diferente de um sujeito ouvinte capta a língua de forma oral-
auditiva. Mas, isso não impede que um surdo possa ser
oralizado e, também, usar a língua de sinais.
Ressaltando que a língua de sinais pode ser um suporte
para os indivíduos surdos que são implantados ou utilizam de
algum outro aparelho auditivo. Como toda tecnologia o
implante ou o aparelho pode ser danificado ou pode precisar de
alguma manutenção, no período no qual esse aparelho estiver
na manutenção, o indivíduo pode utilizar a língua de sinais
como uma outra forma de comunicação.
No decorrer desse texto, ficou nítido que a
desmitificação dos preconceitos relacionados as pessoas com
deficiência, ainda vem sendo quebrado e ainda temos um longo
caminho a percorrer. Contudo, estamos no caminho certo,
caminho este de encontrar soluções, para enfim termos uma
sociedade realmente inclusiva.

50
6. CONCLUSÃO

Até aqui, o que podemos concluir é que os grupos


minoritários, não só os das pessoas com deficiência, mas, os
negros, mulheres, LGBTQIA+ e todos os demais grupos, estão
ás margens da sociedade. Porém, esses grupos vêm ganhando
espaços e reivindicando seus direitos que são garantidos por lei,
colocando em contradição todas as questões normativas já
estabelecidas.
Com isso, vimos que dentro da deficiência não tem
como classificar os indivíduos em caixinhas, cada um dentro de
uma deficiência, cada um vivência a deficiência de uma
maneira, amplificando o conceito de diversidade. E, assim,
colocar em pauta o papel do sistema educacional, que classifica
os alunos e os excluem. Retomando a tese de doutorado de
Katiuscia Cristina Vargas Antunes, que já foi citada no decorrer
desse texto, ela coloca que a escola fabrica e reforça os
processos de exclusão. Isso não se dá pela simples presença de
um aluno com deficiência, mas, porque a escola se utiliza a
“dinâmica de excluir incluindo”, pois não garante ao aluno
“condições efetivas de escolarização”. Ainda de acordo com a
professora e pesquisadora, sobre o processo de inclusão, ela
afirma que

51
Se partimos da premissa de que a inclusão é um
princípio educativo que deve garantir a todos os
alunos – independente de sua deficiência ou
necessidade especial – acesso, permanência e
pleno desenvolvimento acadêmico, temos que
primar pela adoção e estratégias educacionais
que assegurem a plenitude da escolarização e do
desenvolvimento do aluno. A inclusão escolar
analisada a partir dos referenciais históricos e
filosóficos referentes à escola e sua função
social, bem como a relação exclusão/inclusão
dentro e fora do espaço escolar. (ANTUNES,
2012, p. 24-25)
Então, a escola vai além de uma estrutura educacional,
ela também possui um papel social, além de fornecer acesso,
permanência e garantir o desenvolvimento das pessoas com
deficiência, a escola tem a função social de observar a
dicotomia entre exclusão/inclusão dentro e fora do seu espaço,
com intuito de cessar o cenário de exclusão, dando a
possibilidade da construção da inclusão prevalecendo à
diversidade. Destaca-se que a escola é o primeiro contato social
fora do contexto familiar e é importante que não seja reforçado
para elas a estrutura estético-cultural dominante, onde há
diferentes tipos de corpos. Dito isso, vale destacar um trecho da
tese de doutorado da autora Mylene Cristina Santiago, já citada
no texto, cujo título é Laboratório de aprendizagem: das
políticas às práticas de inclusão e exclusão em educação, em
que ela coloca que

52
A inclusão é um processo que busca reduzir
atitudes discriminatórias em relação à idade,
classe social, etnia, religião, gênero, entre outras
diferenças, culturalmente delineadas e
hierarquizadas. Ela não se concentra apenas em
uma resposta ao indivíduo, mas sobre como as
configurações políticas, culturais e estruturais
são capazes de reconhecer e valorizar a
diversidade. (SANTIAGO, 2011, p. 72)
Com esse trecho, podemos conectar alguns assuntos que
abordamos ao longo do texto. Foi colocada a questão das
informações passada do médico à família, é importante que a
escola também tenha essa sensibilidade, no qual consiga fazer
uma conexão entre família e escola, não só da família do aluno
com deficiência, mas como todas as famílias e toda
comunidade que a escola engloba. Se a escola possui um
caráter social, como já colocado, é importante que todos
estejam envolvidos no processo educacional para que possamos
ter mudanças efetivas dentro e fora da escola.
Para ter uma educação inclusiva para diversidade é
inadmissível que o professor negligencie a presença do aluno
com deficiência em sala de aula, tento a concepção equivocada
de que não é sua função inserir aquele aluno em sala de aula, ou
até que ele não seja capaz de aprender ou que seja função
somente do professor de apoio fazer isso.
Essa atitude reforça o cenário excludente, onde
classifica os alunos entre normal/anormal, inteligente/menos
53
inteligente, responsabilizando o aluno o seu despreparo para o
ensino a diversidade. Por isso, reforço que a capacitação da
equipe escolar se faz indispensável. Através da capacitação o
professor vai perceber que não será necessário que classifique
os alunos a todo mundo, não é por que o aluno não consegue se
encaixar dentro do padrão “normativo” adotado, que é de ficar
quieto, prestando atenção, bem típico da educação tradicional,
que ele precise de um laudo ou um acompanhamento
diferenciado.
Sendo assim, conclui-se, que a educação inclusiva
aberta para diversidade, beneficiará a todos, onde ela
conseguirá resultados fora dos muros escolares. Ainda há uma
longa jornada para caminharmos em direção a essa educação
tão desejada, já estamos percorrendo essa estrada, então, vamos
em frente para que possamos chegar em uma educação
defendida por nosso patrono da educação Paulo Freire, onde
“ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a
si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados
pelo mundo”. (FREIRE, 2018, p.96)

54
7. ANÁLISE DO CONTEXTO EDUCACIONAL DO
GOVERNO BOLSONARO

Nos últimos anos no Brasil tivemos um cenário politico


muito conturbado, iniciando com o impeachment de Dilma
Rousseff em 2016, onde seu vice, Michel Temer, assumiu o
posto até o final do mandado em 2018. E em 2019, o presidente
eleito a tomar posse foi Jair Bolsonaro. Nesse pequeno espaço
de tempo, entre 2016 a 2021, vimos que as políticas públicas de
vários setores sofreram grande estagnação e/ou declínio. E o
sistema educacional foi um desses setores que vem sendo
bastante atacado e, mais especificamente a educação inclusiva,
que será nosso foco central.
Mas, antes de abordar especificamente a situação
educacional, temos que ressaltar que no final de 2019 tivemos
os primeiros casos de infecção causada pelo vírus SARS-CoV-
2, também conhecido como coronavírus. Alguns países já
haviam decretado calamidade pública por conta do alto índice
de infecção e o Brasil começou a tomar atitudes mais severas
em março de 2020 através da quarentena, que é caracterizada
pelo isolamento social, e o uso de máscaras cirúrgicas em
espaços públicos, para tentar frear o alto nível de contaminação
de um vírus que deixou o planeta em alerta.

55
Em meio a uma crise sanitária, onde temos milhões de
mortes no mundo, o Brasil também vivencia uma crise política.
Além das falas do Presidente, Jair Bolsonaro, que espalha
desinformação sobre o cornovírus e incentiva o não seguimento
dos protocolos de segurança, seu governo se torna instável, pois
já tivemos várias trocas de ministros em vários ministérios. O
ministério da educação foi um desses departamentos que
tiveram várias trocas de ministro.
O primeiro ministro convocado para assumir o cargo foi
Ricardo Vélez Rodrigues que ficou no cargo de janeiro a abril
de 2019, sendo substituído por Abraham Weintraub, que ficou
na função até junho de 2020 e, por fim, Milton Ribeiro, foi o
último a assumir o cargo e até o momento não saiu.
Logo no início do mandato, Milton Ribeiro, junto com
Damares Alves, que atua no Ministério da Mulher, da família e
dos direitos humanos, apresentaram uma lei denominada
Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com aprendizado
ao longo da vida, que regulamenta algumas modalidades de
ensino no que tange à educação especial de pessoas com
deficiência, no qual as modalidades de ensino são classificadas
da seguinte forma:
 educação especial: modalidade escolar oferecida dentro
do ensino regular;
56
 educação bilíngue para surdos: modalidade de ensino
que utiliza a primeira língua, no caso a língua de sinais,
mais especificamente no Brasil é utilizada a Língua
Brasileira de Sinais – Libras, como língua de
transmissão e a Língua portuguesa na modalidade
escrita como segunda língua;

 políticas educacionais equitativas: utiliza-se de práticas


diferenciadas para se alcançar melhores resultados;

 políticas educacionais inclusivas: medidas que orientam


o sistema educacional para melhor desenvolvimento dos
discentes;

 política de educação com aprendizado ao longo da vida:


medida que assegura ensino, seja formal ou informal, ao
longo da vida;

 escolas especializadas: escolas direcionadas a educação


especial;

 classes especializadas: classes especiais dentro do


ensino regular,

57
 escolas bilíngue para surdos: escolas voltadas para o
público, utilizando as metodologias da educação
bilíngue;

 classe bilíngue para surdos: classes especiais para


surdos dentro do escolas regulares inclusivas;

 escolas regulares inclusivas: instituições que oferecem


atendimento educacional especializado (AEE);

 planos de desenvolvimento individual e escolar:


“instrumento de planejamento e de organização de
ações (...) que atendam educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2020).

E é a partir dessas classificações que começaremos a


tecer nosso texto. Evidenciando que na legislação é exposto que
se torna papel dos pais escolher em qual modalidade de ensino
vai matricular seu filho com deficiência, se torna
importantíssimo colocar isso em pauta, pois isso influenciará
em nosso debate.
O que podemos ver com as definições dessas
modalidades de ensino é que algumas dela já são conhecidas. Já
tivemos em nosso sistema educacional a modalidade da
58
educação especial e classes especializadas, que fez parte do
período integração, onde os alunos com deficiência eram
inseridos no ensino regular, mas em turmas separadas. Onde os
alunos com deficiência e sem deficiência só tinham interações
em momentos específicos como, por exemplo, no recreio ou
aula de artes, isso quando tinha esse contato. Atualmente temos
as “escolas regulares inclusivas”, onde os alunos com
deficiência são inseridos em turmas regulares junto com alunos
sem deficiência e em horário contra turno frequentam o
atendimento educacional especializado (AEE) que tem como
objetivo trabalhar questões mais direcionadas a deficiência, por
exemplo: no caso de alunos surdos vão aprender libras, adquirir
vocabulário em libras e vão aprender sobre a comunidade
surda, no caso de alunos cegos vão aprender o braile e, um
último exemplo, é no AEE que também se trabalha
coordenação motora, comunicação alternativa, orientação,
mobilidade e afins.
A educação bilíngue para surdos se caracteriza por
ensinar a língua de sinais como primeira língua, no caso do
Brasil é a Libras, e a língua oral na modalidade escrita como
segunda língua, no nosso caso o português. Essa modalidade de
ensino foi regulamentada pela lei número 14.191 de 3 de agosto
de 2021. Esse tópico especifico foi um grande avanço para a
59
comunidade surda, que já vinha lutando para alcançar esse
direito.
Porém, essa lei se torna excludente, pois na realidade os
pais não terão direito a escolha de onde matricular seus filhos,
já que haverá escolas especializadas para receber alunos com
deficiência, por que as escolas regulares vão precisar de todo o
aparato para receber aluno com deficiência se ela poderá
direcionar esse aluno para essas escolas ou até mesmo para
instituições filantrópicas?
Para as escolas regulares será muito mais vantajoso, já
que ela não precisará dispor de recursos financeiros, para a
adaptação necessária e poupara tempo, já que não vai precisar
capacitar os profissionais que envolve o núcleo escolar.
Dessa forma, irá retroceder, fazendo com que as pessoas
com deficiência volte a ficar às margens. O intuito é esconder,
novamente, os corpos com deficiência que são considerados os
corpos desviantes, corpos anormais, que foge do padrão.
E, assim, nega-se a diversidade, se não ver, não existe. É
muito difícil se falar daquilo que não se conhece, do que não se
tem contato. E o preconceito é bem nítido nesse governo. O
primeiro relato de preconceito emitido por esses dois
ministérios que estão em pauta, a saber, o Ministério da
educação e o Ministério da Mulher, da família e dos direitos
60
humanos inicia-se com a declaração de Damares Alves em um
vídeo que circulou pela internet e recebeu várias críticas, onde
ela diz que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Essa
fala evidencia sua posição contra questões de gênero e
sexualidade, reforçando os preconceitos já emitidos pelo
Presidente ainda em período de campanha em que já havia feito
declarações machistas, sexistas, misóginas, xenofóbicas,
homofóbicas e dentre outros preconceitos embutidos em suas
falas.
Outro fator que evidência a negação da diversidade
humana, são as declarações dadas pelo ministro Milton Ribeiro,
na entrevista dada ao programa Sem Censura da TV Brasil, que
vão ser analisadas minunciosamente. Vale ressaltar que, essa
entrevista tem cinquenta e oito minutos e dezenove segundos,
entre as demais temáticas trabalhadas na entrevista, vamos
centralizar nossas reflexões nos seguintes assuntos abordados:
educação, educação inclusiva, cotas, Enem e, por, fim, cursos
profissionalizantes. E destaca-se que as propostas defendidas
pelo ministro são elitistas, excludente e que favorece um
determinado público, que é a classe dominante.
A primeira fala a ser debatida é, ao ser questionado
sobre sua ligação com a faculdade Presbiteriana Mackenzie

61
(instituição privada e convencional), que faz atendimento as
pessoas com deficiência, coloca que:
[...] Eu acho que se foi feito num passado, num
passado primeiro não se falava em atenção ao
deficiente. Simples assim! Eles que fiquem ai e
nós vamos viver nossa vida aqui. Ai depois, foi
um programa que caiu para o outro extremo, o
inclusivismo. O que é inclusivismo? A criança
com deficiência é colocada dentro de uma sala
de alunos sem deficiência Ela não aprendia, ela
atrapalhava entre aspas, essa palavra falo com
muito cuidado, ela atrapalhava o aprendizado
dos outros, porque a professora não tinha
equipe, não tinha conhecimento para poder dar
a ela atenção especial. E assim foi. [...]
Vamos lá, passo a passo. Historicamente, nos
primórdios das civilizações os sujeitos com deficiência eram
mortos ou abandonados. Com o advento da Era Cristã, se
abdicou de matar esses indivíduos, mas, ainda sim eles tinham
uma morte social, pois continuaram sendo abandonados. Com a
intervenção do Cristianismo, os cuidados desses indivíduos
passaram a ser dos conventos e, posteriormente, de asilos.
Então, essas pessoas ainda continuavam sendo escondidas da
sociedade. Quando as pessoas com deficiência começaram a
frequentar ambientes educacionais, foi o período denominado
integracionista. Período que já foi citado, no qual alunos com
deficiência eram inseridos em turmas especiais dentro do
sistema regular de ensino, é que o contato com alunos sem
deficiência era pouco ou nenhum. Após, esse cenário, passamos
62
a ter a inclusão, terminologia correta utilizada pela literatura,
pois não é encontrado na literatura a terminologia
“inclusivismo” ou “inclusivista”.
E é importante esclarecer que um aluno com deficiência
em escola regular, só enriquece, pois é através da convivência
com a diversidade humana que se aprende valores
fundamentais, como: respeito, empatia, ajuda mútua, que
aprendemos a conviver com as diferenças. Sabe o que atrapalha
a educação? A falta de investimento, a falta de valorização e de
capacitação dos profissionais da educação, a falta de recursos, a
falta do olhar cuidadoso para a escola pública. Olhar esse que o
ministro Milton Ribeiro não tem, como ficou bem claro em sua
entrevista.
Outra fala que merece destaque, é uma fala que ainda
perpetua no imaginário de muitas pessoas que é a visão de
incapacidade da pessoa com deficiência, onde uma pessoa com
deficiência não pode exercer um cargo de destaque e de
liderança. Veja a descrição abaixo da fala do ministro:
[...] Para você ter uma ideia, eu tenho uma
diretora que é surda. Que só se...Quer dizer nós
estamos falando em bilíngue, em língua de
sinais, em Libras, mas eu tenho uma diretora
muito capacitada, que é surda, lá nesse grupo.
Pode se perceber que de acordo com o ministro que pelo fato da
secretária ter uma deficiência, ela não teria capacidade de estar

63
naquele cargo, que ela seria uma exceção à regra para conseguir
chegar a essa posição de destaque. Ainda desvaloriza a língua
de sinais e a Libras, pois coloca todo esse cenário em uma
situação subalterna.
Dando sequência as falas do ministro, a fala abaixo
demostra o retrocesso no que diz respeito a educação inclusiva,
veja abaixo:
[...] Eu chego a ouvir a pretensão dessa
secretaria e faço algo diferente para escola
pública [no que diz respeito ao “inclusivismo”
– grifo meu]. Eu monto sala de recursos e deixo
a opção de matrícula da criança com deficiência
à família e aos pais. Tiro do governo e dou aos
pais. Se você quer matricular sua filha ou seu
filho aqui, tudo bem, mas nós temos em tal
escola um grupo de pessoas especializadas
assim, assim, assim. Salas monitoradas, para
você ter uma ideia existem crianças com graus
de autismo que elas se jogam na parede, por
exemplo, então são salas almofadadas, tem lá os
recursos. Nós não estamos nos omitindo como
estado de estender a mão para essas pessoas.
Porque sobre tudo as pessoas públicas, quer
dizer, ou melhor, mais de baixa renda. Ao
contrario, nós queremos ajudar.
Vamos com calma que nesse trecho temos várias coisas para ser
colocadas em pauta. Se haverá escolas especiais para pessoas
com deficiência, além de estar retrocedendo, no sentido de
querer esconder as pessoas com deficiência novamente. Que
autonomia esses pais realmente vão ter para escolher em qual
escola matricular seus filhos? Primeiro, já que vão ter escolas
64
especiais, a escola regular não precisará investir em salas de
recurso, no ditado popular, serão “elefantes brancos”, já que a
escola regular pode se voltar para atender pessoas sem
deficiência já que não precisaram de muitas adaptações. E as
escolas regulares continuara utilizando um argumento que já é
utilizado que é “não estamos preparado para receber seu filho
com deficiência, há escolas especiais para atente-lo”. Já que
temos as APAE’s e outras instituições filantrópicas que prestam
assistência a pessoas com deficiência.
Por isso que o ministro diz “(...) deixo a opção de
matricula da criança com deficiência à família e aos pais. Tiro
do governo e dou aos pais. (...)”. Dessa forma, os pais não terão
escolha,

65
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Porto Alegre: Mediação, 1998.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura
surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2018.
TV BRASIL. Ministro da educação, Milton Ribeiro, é o
convidado do sem censura. Apresentado no dia 09 de agosto
de 2021. Disponível em: <https://tvbrasil.ebc.com.br/sem-
censura/2021/08/ministro-da-educacao-milton-ribeiro-e-o-conv
idado-do-sem-censura>. Acessado no dia 01 de setembro de
2021.
WERNECK, Claudia. Sociedade Inclusiva. Quem cabe no seu
todos? Rio de Janeiro: WVA Ed., 2012.
________________. Ninguém mais vai ser bonzinho na
sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

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Reflexões sobre inclusão: educação para diversidade.

O conceito de inclusão está em evidencia atualmente, vem


sendo colocado em pauta nos vários meios de comunicação,
principalmente nas mídias sociais. Contudo, é importante
esclarecer algumas questões que gira em torno dessa temática
para que esse conceito não se restrinja, no imaginário comum,
somente a adaptações físicas do ambiente.
Este será o primeiro texto de uma pesquisa que venho fazendo
sobre pessoas com deficiência e inclusão, reforçando que uma
sociedade inclusiva beneficiará todos os cidadãos.

Sobre a autora

Bruna Cigani Gomes, juiz-forana. Graduada e especialista em


filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Com capacitação em Atendimento Educacional Especializado
(AEE) e pós-graduanda em tradução/interpretação e docência
em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

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