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Daniel no mundo

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Walcyr Carrasco juntos

Daniel perde a audição nos primeiros anos de vida, e sua família dá todo o apoio para ele
se comunicar de outra forma. Logo, Daniel entra em uma escola especial, onde aprende
LIBRAS, a Língua Brasileira de Sinais, e faz muitas amizades. Quando o garoto começa a fre-
quentar uma escola comum, porém, os novos colegas não compreendem o que ele diz e só
zombam dele. A comunicação se estabelece quando todos começam a entender que Daniel
apenas utiliza um idioma diferente.
Este guia em forma de perguntas e respostas foi elaborado pela pedagoga Débora Rodrigues
Moura, especialista em surdez e mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Débora atuou como professora de surdos e ouvintes
na rede pública por 12 anos. Atualmente, dá aulas em universidades e participa de projetos ligados
a Educação, Educação Bilíngue (Língua Portuguesa e LIBRAS) e Educação Inclusiva.

Existe diferença entre ser deficiente auditivo e ser surdo?


Ainda nos dias de hoje, o termo “surdo” é às ve- criança recebe orientação adequada. Dessa maneira,
zes entendido como preconceituoso, e a expressão ela pode se desenvolver plenamente, como diferente
“deficiente auditivo” parece ser mais adequada. No e não como deficiente, por meio de uma língua visual.
entanto, existem grandes diferenças entre eles. Durante muitos anos, as crianças surdas foram
Em geral, uma pessoa é considerada deficiente consideradas deficientes auditivas e, com isso, a
auditiva quando nasceu com audição e a perdeu. escola centrou seus esforços na busca pela fala e
Quando a perda de audição ocorre na fase adulta, ou oralização – ou seja, foi uma tentativa para que
quando a língua oral já foi completamente desen- aprendessem a falar como aqueles que ouvem.
volvida, a pessoa sente a falta do som e busca todos Buscava-se desenvolver a fala no surdo para, a partir
os recursos disponíveis para continuar interagindo dela, ensinar a língua escrita. Essa forma de inter-
com o mundo por meio dele. A audição é um aspecto venção não gerava bons resultados e foi revista com
primordial para essa pessoa, é a forma como ela se o reconhecimento da criança surda como essencial-
organiza mentalmente. mente visual – reconhecimento presente, inclusive,
Os surdos podem até possuir algum resquício de na legislação brasileira.
audição, mas utilizam a visão como forma de organi- Atualmente, o foco do trabalho educacional é o
zação do pensamento e de interação com o mundo. que o surdo tem de preservado: a visão. Esse novo di-
Normalmente isso acontece quando a capacidade de recionamento permitiu o acesso da comunidade sur-
ouvir é perdida nos primeiros anos da infância, e a da aos bens culturais acumulados pela humanidade.

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O que é a LIBRAS e qual sua importância?
Como garantir que meu filho desenvolva todas as
A LIBRAS é a Língua Brasileira de Sinais, o idioma
capacidades dele, apesar da ausência de audição?
utilizado pelos surdos no Brasil. Ela é composta de alfa-
A criança surda pode e deve desenvolver todas as beto manual e sinais que podem representar palavras
suas capacidades: linguísticas, cognitivas, psicológicas, ou ideias completas.
sociais... Para isso, deve ser considerado seu potencial
visual, por meio da aquisição da Língua de Sinais – no
Brasil, denominada LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).
Conviver com outros usuários desse idioma é a melhor
maneira de aprendê-lo: assim como a criança ouvinte
aprende a falar ouvindo, a criança surda aprende a si-
nalizar (a entender e usar os sinais da LIBRAS) vendo. A palavra “sorvete” pode ser comunicada por meio do alfabeto manual de
LIBRAS, como na ilustração acima. Em LIBRAS, para cada letra do alfabeto exis-
Os pais podem procurar associações de surdos e esco- te um gesto com as mãos. Esse recurso, chamado “soletração”, só é utilizado
las bilíngues para que a criança possa frequentar esses em casos especiais, quando não se conhece o obje­to de que se fala ou se trata
de uma palavra nova. Entretanto, para a comunicação fluente no dia a dia, o
ambientes linguísticos favorecedores. surdo utiliza os sinais de LIBRAS.
A comunicação entre pais e filhos também deve
ocorrer visualmente. Assuntos variados devem ser explo­
rados com a criança, sem nunca deixar de levar em conta
que ela não escuta o que ocorre à sua volta. O diálogo
sobre fatos e acontecimentos, relatando o que, como,
onde e por que ocorreram, é essencial para desenvolver a
capacidade de entendimento da criança surda.
O aprendizado da Língua Portuguesa escrita pela
criança se dará por intermédio da LIBRAS. Isso signifi- Esse é o sinal de LIBRAS para a palavra “sorvete”. Os sinais de LIBRAS funcionam
ca que a criança aprenderá dois idiomas e que utilizará essencialmente no Brasil. Em cada país há sinais diferentes, pois eles surgem
a sua capacidade visual para apreensão de uma língua de acordo com os aspectos culturais de cada lugar. Mesmo no Brasil, entre suas
regiões, existem algumas variações de sinais para uma mesma palavra. Essas
que é oral-auditiva (a Língua Portuguesa). Dessa forma, variações são como o “sotaque” do idioma.
sua alfabetização será diferente da criança que ouve.
Portanto, principalmente nos primeiros anos, a A LIBRAS é um idioma rico e complexo, por meio
convivência com surdos para aquisição da LIBRAS e forta- do qual se pode discutir qualquer assunto ou expli-
lecimento da identidade é fundamental, assim como a car qualquer conceito. É uma língua independente do
escola bilíngue. Esses aspectos favorecerão o desenvol- Português, ou seja, possui gramática própria. Por isso
vimento de todas as capacidades da criança. não existe tradução exata da LIBRAS para o Português
e vice-versa.
O aprendizado da LIBRAS é fundamental para a
criança surda, pois permite que ela construa lingua-
gem, conceitos e estabeleça as mais diversas relações
com a sociedade – tudo com o mesmo grau de com-
plexidade que a criança ouvinte. Com essa oportuni-
dade, a criança poderá aprender a Língua Portuguesa
escrita como segunda língua, tornando-se bilíngue,
sem que haja limitações para o desenvolvimento de
sua vida escolar.
Além da inclusão pedagógica, as possibilidades de
inclusão social ampliam-se consideravelmente, propor-
cionando que a criança se torne cada vez mais autô-
noma e se desenvolva como um cidadão independente.

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A partir de que idade uma pessoa pode começar a
aprender essa língua?
O ideal para a criança surda é aprender a Língua
de Sinais o mais cedo possível. Crianças surdas que
vivem em ambientes propícios para isso se desenvol-
vem de maneira semelhante às crianças ouvintes, ou
seja, passam pelas mesmas fases. A criança ouvinte
balbucia, a criança surda manifesta o balbucio manual.
A criança ouvinte pronuncia as primeiras palavras, e
em seguida as primeiras sentenças, a criança surda Qual a relevância do uso do aparelho auditivo?
manifesta os primeiros sinais e, depois, começa a for- Devo obrigar meu filho surdo a utilizá-lo?
mar as primeiras frases em LIBRAS.
Assim como em outros idiomas, as crianças apre- Muitas pessoas pensam que o uso do aparelho au-
sentam mais facilidade que os adultos na aprendiza- ditivo é semelhante ao uso de óculos, ou seja, que ao
gem. Mas não há limite de idade para um adulto ouvinte colocá-lo a pessoa passará a ouvir os sons e passará a
aprender LIBRAS ou qualquer outra língua. compreendê-los e a se comunicar com eles.
No entanto, o aparelho só amplifica os sons que
a criança ouve mal. Por exemplo: se ela ouve apenas
alguns resquícios de som incompreensíveis, com o apare-
lho ela somente ouvirá mais alto esses mesmos barulhos.
O aparelho auditivo não recupera o que a criança não
escuta. Portanto, para pensar no uso de aparelho é pre-
ciso considerar a severidade da perda auditiva.
Devo aprender LIBRAS para me comunicar com meu O uso desses aparelhos por pessoas que ouviam e,
filho surdo ou isso pode prejudicar a comunicação adolescentes ou adultas, perderam a audição é bem di-
dele com as outras pessoas ouvintes? ferente de quem já nasceu ou se tornou surdo ainda na
A família é o primeiro ambiente onde ocorrem as infância, com perda de audição leve ou moderada. Neste
interações sociais. Quanto mais cedo os pais se comuni- segundo caso, a colocação do aparelho auditivo não é
carem com seus filhos em LIBRAS, menos tempo durará suficiente, pois as atividades cognitivas de uma criança
a ausência de língua. É a aquisição dessa primeira língua que nasce ou se torna surda ainda na infância não são
que permitirá à criança interagir com as pessoas. baseadas na língua oral.
Crianças surdas que aprendem LIBRAS no ambiente Primeiro, é necessário um longo período de treina-
familiar desenvolvem-se muito mais seguras, pois têm mento para percepção, diferenciação e reconhecimento
instrumentos para questionar o mundo à sua volta des- dos sons, para somente depois ser iniciado um trabalho
de cedo: conseguem compartilhar medos, inseguranças, de compreensão da língua falada. Além disso, é preciso
dúvidas... Dessa forma, percebem que sua comunicação considerar vários fatores, como: conhecimentos sobre a
é diferente, mas não se sentem inferiores. A confiança linguagem, tipos de mensagens veiculadas e contexto,
adquirida nessas relações favorece a autonomia para a conhecimentos da criança em relação a conceitos...
comunicação além dos limites familiares, seja com pes- Para crianças que apresentam perdas severas e pro-
soas surdas, seja com ouvintes. Ainda que estas não do- fundas, o uso do aparelho auditivo permite somente a
minem a Língua de Sinais, a criança tem mais autonomia percepção ou ausência de alguns sons ou ruídos, porém
e se sente muito mais capaz de se fazer entender. não sua identificação. É preciso que passem por um
Associações de surdos, institutos e escolas bilíngues longo treinamento para que comecem a entendê-los.
concentram cursos, informações e encontros para as Diante disso, dependendo da época e do tipo de
crianças e seus familiares. Para localizá-los, os pais podem perda, o uso do aparelho pode ser muito incômodo
entrar em contato com a FENEIS – Federação Nacional de para a pessoa que o usa, não servindo para melhorar
Educação e Integração dos Surdos (www.feneis.com.br). sua compreensão e comunicação com o mundo.

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É melhor para uma criança surda frequentar a esco-
la regular ou a escola especial? Uma escola regular
pode se recusar a aceitar o meu filho surdo?
De forma geral, a criança surda se desenvolve me- A presença de um intérprete prejudica a autono-
lhor em escolas bilíngues, onde os alunos sejam surdos. mia do meu filho? Ele será capaz de interagir em
Nesses ambientes, os professores devem estar prepara- ambientes que não tenham essa mediação?
dos para trabalhar com a Língua de Sinais em todas as Não prejudica, de maneira alguma. A presença do
áreas do saber, como primeira língua e língua de ins- intérprete é favorável e estimulante para que seu filho
trução. A Língua Portuguesa escrita é ensinada como interaja com as outras pessoas e compreenda melhor
segunda língua. o que é ensinado em sala de aula.
O currículo dessas escolas normalmente é equiva- Essa vivência permitirá que ele se torne cada vez
lente ao das escolas regulares, sempre considerando a mais autônomo e confiante: crianças que tiveram acesso
especificidade visual do aluno surdo, sua condição bilín- adequado às duas línguas têm maior facilidade, quan-
gue e bicultural. do adultas, para resolver questões do cotidiano.
Nesses espaços, além de a criança se desenvolver
melhor intelectual e cognitivamente, também se torna
mais preparada nos aspectos psicológico e social.
No Brasil, o decreto nº 5.626/2005, que regulamenta
a lei federal nº 10.436/2002, prevê o direito da criança sur-
da frequentar escolas bilíngues.
Ainda assim, a escola regular não pode se recu-
sar a aceitar qualquer criança surda. O mesmo decreto
também garante ao surdo o direito de contar com a
presença de um intérprete de LIBRAS. Esse direito é
garantido a qualquer pessoa surda, em qualquer fase
escolar. Em escolas e faculdades públicas, o poder pú-
blico deve se responsabilizar pela contratação desse
profissional. Em entidades particulares, a responsabi-
lidade é da própria instituição.
Mesmo assim, a criança só se beneficiará do intér-
prete se já dominar a Língua de Sinais e tiver aprendido
a Língua Portuguesa como segunda língua, sendo capaz
de ler e escrever com fluência, percebendo as diferenças
e semelhanças entre os dois idiomas. Se a escola não contratar um intérprete de LIBRAS,
quem eu devo procurar para garantir que o direito
do meu filho seja atendido?
O primeiro passo é procurar a direção da escola. Se
não for tomada uma providência, os pais podem recorrer
às Secretarias ou Diretorias de Ensino, ou seja, os órgãos
que fiscalizam os estabelecimentos de ensino na região.
Se, ainda assim, nada for resolvido, os pais podem re-
correr ao Ministério Público.
Desde a primeira solicitação, é importante que se
tenha em mãos a lei federal nº 10.436/2002 e o decreto
nº 5.626/2005, que reconhecem a Língua Brasi­leira de
Sinais e dispõem sobre as providências para garantia
de seu uso e acesso.

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Meu filho sofre preconceito por ter deficiência.
O que devo fazer?
O preconceito existe e, muitas vezes, persiste pela
falta de informações sobre determinados temas ou as-
suntos. Frequentemente, ele é alimentado pela resis-
tência à ideia da diferença, que precisa ser trabalhada
desde cedo com a criança, para que seja formada uma
sociedade mais justa e com oportunidades igualitárias.
Essa construção é um processo. A forma mais eficaz
de combater o preconceito é por meio do diálogo e do
esclarecimento sobre as diferenças humanas.
Se a situação estiver acontecendo na escola, vale
a pena procurar o professor para que vocês possam
discutir maneiras de abordar o tema em classe e até
mesmo na escola. Por isso é fundamental que a criança
surda tenha seus valores e capacidades reconhecidos,
para que desenvolva sua autoestima e consiga enfren-
tar essas questões de maneira mais tranquila.

Tenho um filho surdo e um ouvinte. O ouvinte se


queixa que o irmão recebe mais atenção do que ele.
Como posso proceder? Devo tratar uma pessoa surda de maneira diferente
das demais?
A criança surda não deve receber mais atenção
que a criança ouvinte. O que a diferencia da ouvinte é Não. O que deve ser levado em consideração são as
somente o uso de um idioma diferente. O tratamen- necessidades visuais dessa pessoa, para que ela possa
to deve ser igual, e essas diferenças devem ser escla- atuar nos mais diferentes ambientes. Tratar uma pessoa
recidas desde cedo dentro de casa, para que não haja surda com mais cuidado, como tentar falar mais alto
um desequilíbrio que atrapalhe o desenvolvimento de para que ela “escute melhor”, pode causar constrangi-
qualquer uma delas. mento, prejudicando o seu desenvolvimento. Além dis-
so, lidar com a pessoa surda de forma diferente das de-
mais favorece o preconceito, consolidando a ideia
de que a surdez é uma incapacidade.
Em vez de tratar o surdo de modo diferente, o me-
lhor é levar em consideração a capacidade de adapta-
ção e compensação que as pessoas, de um modo geral,
desenvolvem em situações em que um dos sentidos
está prejudicado.

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