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GRUPO EDUCACIONAL FAVENI

LIBRAS

LIDIANE PEREIRA DA SILVA

PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: CONCEPÇÕES SOBRE A SURDEZ E


AQUISIÇÃO DA LIBRAS COMO L2

NATAL
2020
PAIS OUVINTES, FILHOS SURDOS: CONCEPÇÕES SOBRE A SURDEZ E
AQUISIÇÃO DA LIBRAS COMO L2
Autor1, Lidiane Pereira da Silva

Declaro que sou autor(a)¹ deste Trabalho de Conclusão de Curso. Declaro também que o mesmo foi por
mim elaborado e integralmente redigido, não tendo sido copiado ou extraído, seja parcial ou integralmente, de
forma ilícita de nenhuma fonte além daquelas públicas consultadas e corretamente referenciadas ao longo do
trabalho ou daqueles cujos dados resultaram de investigações empíricas por mim realizadas para fins de produção
deste trabalho.
Assim, declaro, demonstrando minha plena consciência dos seus efeitos civis, penais e administrativos, e
assumindo total responsabilidade caso se configure o crime de plágio ou violação aos direitos autorais. (Consulte a
3ª Cláusula, § 4º, do Contrato de Prestação de Serviços). “Deixar este texto no trabalho conforme se apresenta,
fonte e cor vermelha”.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo conhecer percepção dos pais em relação à surdez de
seus filhos e qual a relevância da aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como segunda
língua (L2) para o convívio diário no seio familiar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e de campo, a
qual foi realizada no cenário do Centro Estadual de Capacitação de Educadores e de Atendimento Às
Pessoas com Surdez – CAS/NATAL (RN), instituição pública estadual que oferece atendimento
educacional especializado (AEE) a estudantes surdos. Para a coleta de dados utilizou-se como técnica a
observação participante e entrevistas semiestruturadas. O trabalho se fundamentará em um breve
estudo bibliográfico em variados acervos que abordam a temática, tais como Goldfeld (1997) Negrelli e
Marcon (2006), Pereira (2008) e Quadros e Cruz (2011). Portanto, observamos que ao discutir as
relações entre os sujeitos surdos e seus familiares ouvintes a respeito da comunicação em Libras,
existem diversificadas compreensões a respeito do uso da Libras no cotidiano familiar que podem ser
ampliadas e reforçadas nas relações e nos diálogos entre os sujeitos. E que apesar de uma certa
divergência no sentido de alguns pais não entenderem por completo a importância da aprendizagem da
Libras para se comunicarem com seus filhos, estas concepções vêm mudando aos poucos para a real
aceitação e utilização da língua de sinais na família.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação. Família. Ouvinte. Surdo. Libras.

1. INTRODUÇÃO

A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi oficialmente reconhecida como a


língua natural comunidade surda no Brasil por meio da Lei nº 10.436 desde o ano
1
lidianepereira404@gmail.com
2002. Além de ser a língua materna dos surdos, é sua principal forma de comunicação.
Apesar disso, continua sendo pouco conhecida pela população em geral, que em
diversos casos, é a própria família do sujeito surdo, o que dificulta seriamente a relação
entre pais e filhos, tendo em vista que o meio de comunicação entre esses sujeitos não
ocorre de maneira eficaz.
Na vida da pessoa surda - e de todos -, a família 2 exerce um papel
extremamente importante, uma vez que “é na família que se inicia a sociedade, nela os
indivíduos organizam conceitos e buscam a maturidade por meio de trocas entre seus
membros” (NEGRELLI E MACRON, 2005, P. 01). Ou seja, é no espaço familiar que
valores e crenças são transmitidos de geração a geração e é a partir destas vivências
que os laços entre a criança e o adulto são selados, algo determinante para o futuro de
ambos, já que é no seio familiar que a criança tem o apoio necessário para
desenvolver-se e viver em sociedade.
Em geral, a maioria das famílias se comunicam de forma oral, pois é o canal
comunicativo que contempla todo o grupo familiar. No entanto, quando há presença de
uma criança surda, exige-se uma mudança radical na forma de se comunicar. Muitas
famílias passam por um longo processo de conscientização até aceitarem que têm uma
criança surda, tendo que lidar primeiramente com sentimentos de negação, culpa,
frustação, discriminação e/ou impotência para com o filho.
Importante destacar, nesse sentido, pesquisas feitas por Negrelli e Marcon
(2006), Pereira (2008), Kawabata e Tanaka (2009) que versam sobre a difícil relação
entre famílias de pais ouvintes com filhos surdos, Paniagua (2004), que dialoga sobre a
idealização do “filho perfeito” e a dificuldade dos pais para lidar com a criança que
tenha uma Necessidade Educacional Especial (NEE). Bastos e Santos (2013) que
dissertam sobra a importância da família nos espaços escolares das mudanças que
ocorrem na família quando se tem uma criança com NEE, e, Quadros e Cruz (2011)
que discutem sobre o a falta de contato com adultos que compartilhem uma língua
pode significar uma desvantagem no desenvolvimento educacional da criança surda.
Assim, a presença de um filho surdo terá um impacto na rotina familiar, uma vez
as aflições e os desafios de criar uma criança surda estão – muitas vezes –associados
a aprender novos meios de comunicação, e consequentemente, tomadas de decisões
a respeito da educação e desenvolvimento da criança surda, proporcionado uma nova
2
Trago no decorrer do texto a palavra “família” para representar a pessoa responsável pelo
aluno surdo, tendo em vista que durante as aulas do curso de Libras, houve a presença de mães, tias ou
avôs.
realidade para aqueles pais que até então, não se preocupavam com o contexto da
comunicação no seu dia a dia.
À vista disso, a principal dificuldade que envolve o convívio dessas famílias está
relacionada à falta de conversa entre seus membros. Essas barreiras
consequentemente acabam levando a outros problemas sérios, tais como, dificuldade
de compreender as necessidades básicas e os problemas na socialização do indivíduo
surdo, além disso, acarreta em comportamentos agressivos por parte dos filhos, que
não conseguem compreender e nem ser compreendidos em seus discursos.
Nessa circunstância, Goldfeld (1997) enfatiza a relevância do aprendizado da
Língua de Sinais pelos familiares ouvintes das pessoas Surdas, uma vez que a
comunicação no âmbito familiar que a criança surda fortalece os vínculos sociais e
pessoais com a família. De acordo com Esser (1995 apud PEREIRA, 2008, p. 38) “os
surdos que recebem uma base sólida da família, fato este que leva o surdo acreditar no
seu próprio potencial [...] faz com que esse sujeito tenha uma imagem positiva de si e
se orgulhe da forma como entende o mundo.
Considerando esse contexto, faz-se necessário ampliar as discussões a
respeito da necessidade e relevância de se utilizar a Libras no contexto familiar, uma
vez que esta, garantida por lei, precisa ser a primeira língua (L1) da criança surda e a
segunda língua (L2) dos ouvintes. Nessa perspectiva gera-se uma inquietação a saber
se acontece ou não, no seio familiar de pais ouvintes com filhos surdos, comunicação
em Libras?
Diante da problemática apresentada, buscou-se conhecer percepção dos pais
em relação à surdez de seus filhos e qual a relevância da aprendizagem da língua de
sinais como segunda língua (L2), verificar a forma como se dá a utilização da Língua
Brasileira de Sinais entre o sujeito surdo e seus familiares e quais são as maiores/
barreiras provenientes da comunicação entre pais e filhos; perceber o nível do
vocabulário da Libras destes familiares e observar como ocorre a comunicação entre
pais ouvintes e filhos surdos.
Esta pesquisa se desenvolveu de forma exploratória, descritiva com abordagem
qualitativa e de campo. Foi desenvolvida no cenário do Centro Estadual de
Capacitação de Educadores e de Atendimento Às Pessoas com Surdez – CAS,
instituição pública estadual que oferece atendimento educacional especializado (AEE)
a estudantes surdos. Participaram do estudo 04 (quatro) mães pertencentes ao curso
de Libras realizado e ofertado pelo CAS, especificamente ao núcleo família. Para coleta
de dados utilizou-se como técnica a observação participante e entrevistas
semiestruturadas.
O presente artigo discorre inicialmente sobre o conceito de surdez, a fim de
esclarecer características inerentes ao público do qual o texto está discutindo, segue
com uma breve explicação a respeito do reconhecimento e oficialização da Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS), em seguida, explana acerca do uso da Libras no seio
familiar, a fim de problematizar a questão da importância da aquisição da língua de
sinais por familiares ouvintes, finalizando com apresentação e discussão dos dados
coletados.

2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Surdez

Ao longo dos anos, as discussões a respeito a surdez vêm tomando grandes


proporções e despertando o interesse de pesquisadores não somente da área médica,
como também do campo da educação, da linguística, das tecnologias da educação,
entre outras. A surdez é compreendida como a perda total ou parcial da audição
causada por má-formação (causa genética), lesão na orelha ou composição do
aparelho auditivo. Pode ser definida segundo três pontos de vista: clínico, educacional
e cultural.
De acordo com Decreto nº 5.296/2004 (art. 5º, § 1º, I):

Deficiência auditiva: consiste na perda bilateral, parcial ou total, de 41 dB até


70 dB, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz e
3000Hz. Surdez: consiste na perda auditiva acima de 71dB, aferida por
audiograma nas frequências de 500Hz, 1000Hz, 2000Hz e 3000Hz.

Sob o ponto de vista clínico, a surdez é classificada de acordo com o nível da


perda auditiva: leve, moderada, severa ou profunda. Para esta concepção, a surdez
pode ser “corrigida” através de intervenções terapêuticas e aparelhos clínicos. De
acordo com Alpendre e Azevedo (2008), a partir desta visão, surgem esforços para que
o indivíduo surdo possa ser “normalizado” e este déficit seja compensado através de
treinos da fala, leitura labial, uso de implantes e aparelhos auditivos a fim de
assemelhar o sujeito surdo da população ouvinte.
Em contrapartida, a perspectiva educacional volta-se para a forma como a
criança surda irá aprender e como este processo será estimulado, buscando e
incentivando medidas educacionais específicas que possibilitem o desenvolvimento
pleno deste sujeito. Ou seja, aquela pessoa, que por perda auditiva, compreende e
interage com o mundo por meio de experiências visuais e que se utiliza da língua de
sinais para se comunicar, irá receber uma educação bilíngue, capaz de realizar não
somente a integração deste indivíduo, bem como, a real inclusão na sociedade.
Em termos culturais, a surdez não é vista como ausência da audição ou
deficiência, e sim como um conjunto de práticas simbólicas de um determinado grupo
social, que enxerga e interage com o mundo através de suas experiências visuais e da
língua de sinais, que constrói uma identidade cultural própria. Ou seja, os surdos
enxergam sua diferença linguística como motivo de orgulho e de autoestima elevada,
exaltando suas lutas e conquistas no decorrer dos anos.
Embora tenham sido apresentadas diferentes concepções a respeito da surdez,
convém esclarecer que não se pretende aqui discuti-las, e sim mostrar diferentes
conceitos que estão relacionados à surdez que irão auxiliar no desenvolvimento do
presente estudo. Será abordado especificamente a perda auditiva total, ou seja, a
surdez profunda, pois é o grupo que contempla os indivíduos surdos das famílias
envolvidas nesta pesquisa.

2.2. Reconhecimento da Libras

Após uma longa trajetória de indiferença e exclusão na qual o direito à


comunicação foi negado e negligenciado por anos, a comunidade surda brasileira
finalmente teve a Língua Brasileira de Sinais, a Libras, reconhecida e regulamentada
como a língua oficial dos surdos brasileiros por meio da Lei nº10.436, que apresenta o
conceito da língua de sinais, em seu artigo 1º, parágrafo único como:

Entende-se por Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e


expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão
de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

A partir da oficialização da Libras, esta passou a ser a forma oficial de


comunicação da pessoa surda, permitindo o desenvolvimento pleno do sujeito, uma
vez que a comunicação é determinante para que todo e qualquer indivíduo possa se
desenvolver de maneira eficaz. Na referida lei, consta também, como deverá ser
garantida a oferta das oportunidades de realização pessoal, profissional e social de
toda a comunidade surda, conforme previsto no artigo 2º:

Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas


concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o
uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras com o meio de
comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do
Brasil.

Em outras palavras, é dever do Estado, tal como, da sociedade em geral


(instituições públicas, empresas privadas, setores e serviços de um modo geral),
garantir atendimento adequado aos indivíduos surdos, buscando conhecer as
especificidades deste sujeito e adequar às necessidades de comunicação puramente
inerentes a este público prezando pelo bom atendimento e inclusão nos
estabelecimentos públicos.
Vale ressaltar que todas as medidas adotadas para disseminação da Libras é
garantida e legitimada por lei, e cabe também às famílias acompanhar de perto e
cobrar estas mudanças para que o direito ao acesso à língua de sinais realimente seja
respeitado, além de, claro, se apropriarem da língua materna de seus filhos para que a
convivência ocorra de maneira harmônica e feliz.

2.3. Libras na família

Com a regulamentação da Libras - Língua Brasileira de Sinais que legitima a luta


social pelo respeito às diferenças e as especificidades da comunidade surda, as
discussões acerca da surdez nos últimos anos vêm ganhando cada vez mais espaço
no campo dos estudos por parte profissionais envolvidos com a educação de surdos,
como também pela própria comunidade surda.
Nesse cenário, está a família, o primeiro grupo social do qual o sujeito faz parte.
O seio familiar é, como afirma Guarinello e Lacerda (2007), o primeiro local onde as
capacidades das crianças são desenvolvidas, ao mesmo tempo, como apontam Negreli
e Marcon (2006), é no contexto familiar que valores e crenças são transmitidos de
geração em geração. Ou seja, são estas vivências estabelecem uma ligação entre a
criança e o adulto que será determinante para o futuro de ambos.
Para melhor compreensão do significado da família na vida social do sujeito
surdo, Cupello (1994 apud PEREIRA, 2008, p.37) afirma:
“O mais importante agente de socialização é a família, pois a mesma executa a
tarefa crucial de socializar a criança e modelar o desenvolvimento de sua
personalidade, por isso, cabe a família da criança surda desdobrar-se em
paciência e carinhos constantes para exercer; além de seus papéis
tradicionais, o de completar, em casa a aprendizagem da linguagem. A
afetividade é imprescindível para o seu ajustamento emocional e a sua
segurança íntima”. (1994 apud PEREIRA, 2008, p.37).

Em outras palavras, a família é o alicerce para a criança e quando esta base não
se cumpre plenamente, causa consequências irreparáveis no desenvolvimento da
criança surda. Quando há presença de uma criança surda, se faz necessário que a
família adote atitudes diferenciadas para que possa tornar o desenvolvimento da
criança surda se torne um indivíduo confiante, capaz de reagir diante dos obstáculos da
vida e de seu modo próprio de interagir e viver no mundo.
Sendo assim, a comunicação promove a interação familiar e aproxima os
membros. Se não há diálogo no grupo familiar, a criança ou adolescente tende a
buscar a comunicação e interação social em sua língua natural, ou seja, através da
Libras – o que na maioria das situações, acaba distanciando ainda o surdo da família,
uma vez que ambos não se comunicam por meio da língua natural do sujeito surdo.
Desse modo, a aquisição da língua de sinais por parte de familiares ouvintes
torna-se imprescindível para que a convivência no lar seja agradável e fluente,
contribuindo de maneira eficaz no desenvolvimento da criança surda
De acordo com Filho e Oliveira (2010):

A principal satisfação dos filhos é ter uma boa relação entre os membros da
família, pois essa relação exerce importante papel para o desempenho
psíquico e consequentemente nas demais fases da vida. No processo de
relação familiar, a comunicação favorece a compreensão das dúvidas, a
demonstração de carinho e amor [...] uma vez que para adquirir essas
informações é necessário estabelecer-se uma mesma linguagem (QUADROS,
2002 apud FILHO e OLIVEIRA, 2010, p. 2).

Quando a criança não recebe o suporte familiar, apresentará, muitas vezes,


resultados insatisfatórios quanto ao desenvolvimento de linguagem e comunicação, o
que irá afetá-la emocionalmente e cognitivamente. Conhecer uma nova língua na fase
adulta consiste em um desafio comum entre a maioria das pessoas. Apesar disso, é
importante pensar na importância de se adquirir a Libras como forma de ampliar a
comunicação com seus filhos de maneira suficiente, contribuindo para o acolhimento e
desenvolvimento do sujeito surdo.
3. CAMINHOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa adota uma abordagem qualitativa exploratória, por permitir à


pesquisadora compreender de forma minuciosa as informações, características e
significados apresentados pelos participantes do estudo. Conforme afirma Gil (2007),
este tipo de pesquisa proporciona maior familiaridade com o problema, com vistas a
torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses.
A fim de compreender as relações entre os sujeitos surdos e seus familiares
ouvintes no que concerne a comunicação em Libras no ambiente familiar, optou-se por
uma pesquisa de campo, uma vez que permite a inserção da pesquisadora no
movimento da sociedade como um todo. A pesquisa foi realizada no Centro Estadual
de Capacitação de Educadores e de Atendimento Às Pessoas com Surdez – CAS,
instituição pública estadual que oferece o atendimento educacional especializado
(AEE) a estudantes.
Foram selecionadas (4) quatro famílias cujos filhos são surdos, estes, usuários
da Libras e frequentadores do CAS no contraturno. Três das quatro famílias são
compostas por ouvintes e têm apenas um membro surdo, sendo que uma família,
denominada Família Alves3 é formada por pais ouvintes e três filhos surdos (uma
menina e dois meninos). As outras três famílias denominadas Família Brito, Família
Costa e Família Dias, têm, nesta ordem, uma menina, um menino e um menino.
Para coleta de dados utilizou-se como técnica a observação participante e
entrevistas semiestruturadas onde as perguntas foram previamente formuladas para
facilitar as narrativas, possibilitando as informações necessárias para apreensão de
dados. Esta estratégia de observação, segundo Mayio (1993) permite conhecer de
forma mais intensa e clara as situações vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A seguir é apresentada de forma sintética as respostas das participantes com a
finalidade de apresentar um panorama geral a respeito da compreensão que as mães
têm em relação à surdez de seus filhos, bem como, analisar a importância que os
familiares ouvintes atribuem para a aprendizagem da Libras como segunda língua (L2)
para que esta estratégia facilite a comunicação em família.

3
Nomes fictícios atribuídos para a preservação da identidade dos participantes.
Quando questionado para as entrevistadas com relação ao recebimento da
notícia de que seus filhos eram surdos, elas se expressaram:

Fiquei extremamente angustiada, principalmente por ser a primeira gravidez.


Me preocupei também com a nossa futura relação por causa da comunicação.
(Família Alves)

Me culpava muito por ele ter nascido surdo, pensei que tinha feito algo errado
na gravidez. Levou um certo tempo para aceitar a condição dele. (Família
Brito)

Foi muito difícil, eu nunca havia sequer convivido com uma pessoa surda,
como iria me comunicar com meu filho? (Família Costa)

O relato feito pelas mães dos estudantes surdos, apresenta uma trajetória
semelhante à realidade vivenciada por muitas famílias que têm filhos surdos e se
deparam com o dilema da comunicação, que por vezes não se concretiza em sua
totalidade. Essa relação, muitas vezes, apresenta uma série de dificuldades que se
apresenta como um dos grandes impasses encontrados pela família do indivíduo
surdo, resultado do fato dos pais ainda não estarem preparados psicologicamente para
aceitarem a surdez de seus filhos.
De fato os pais ficam na expectativa de terem filhos ditos “normais” e quando se
deparam com a descoberta da surdez, o primeiro impacto é o sentimento de frustação.
Nesse momento, a reação imediata da família é de negação, uma vez que esperavam
ter filhos semelhantes a eles. Podemos perceber isso no relato da mãe da Família Dias
“senti muita insegurança e tristeza, pois sonhava com um filho “perfeito” e agora meu
sonho havia se transformado em outra realidade”.
Nesse fragmento, é possível perceber o quanto foi difícil para a mãe aceitar a
surdez de seu filho, pois esperava ter uma criança a ela semelhante, e quando se
deparou com a condição de surdez do filho, necessitou de um longo tempo de reflexão
para entender o novo sentido que sua vida receberia a partir do nascimento do seu tão
sonhado e esperado filho.
Desse modo, de acordo com Pereira (2008. p. 33):

Começa exatamente na hora em que a mãe não consegue despojar a criança


utópica, aquela que sonhou em ter, e ela aceita aquela que ela teve, pois não
há posto de trocas. [...]. Não é fácil, muita das vezes as pessoas têm sonhos
enormes com relação ao seu filho e não conseguem lidar com o dado de
realidade. [...].
Soma-se a isso, a falta de (re) conhecimento em relação à Libras e de como ela
pode auxiliar no processo de desenvolvimento da criança surda, uma vez que os pais
almejam que seus filhos vivam como se fossem indivíduos ouvintes. Além disso, essa
forte resistência por parte dos pais prejudica não somente a inserção de seus filhos à
sociedade, como também, a convivência no seio familiar que gera cada vez mais
aborrecimento e estresse ao sujeito surdo.
Segundo Motta et al. (2003), são os cuidados que a família irá oferecer ao filho
surdo que irão contribuir para o desenvolvimento efetivo da criança, este proporcionado
através de afeto, amor, proteção e segurança dentro do espaço familiar. Será a
qualidade dessas relação que irão permitir um bom relacionamento entre todos os
membros da família.
Em seguida, ao serem questionadas a respeito de como percebem a surdez de
seus filhos e como interagem com eles no dia a dia através de conversas simples e
descontraídas, chegamos aos seguintes relatos:

Ainda me apego muito à comunicação oral com ele, por vezes, utilizo gestos e
até escrevo, uso pouco os sinais. Sobre a surdez, hoje vejo que ele é como é,
e eu o amo por completo. (Família Brito)

Apesar de não utilizar muito a Libras, tenho uma boa relação com meu filho, o
vejo como uma criança qualquer, as vezes, até mais sapeca que as crianças
ouvintes que conheço. (Família Costa)

Vejo meu filho como uma pessoa normal, claro, a comunicação com ele precisa
ser diferente, ainda assim, me comunico muito bem através de gestos, da
leitura labial e de alguns. (Família Dias)

Frente a esses depoimentos, fica claro que a perspectiva da maioria das mães
vem se modificando com o passar do tempo e elas já entendem a surdez de seus filhos
de maneira diferente, no entanto, percebe-se ainda uma resistência por parte dos
familiares em relação à utilização da língua de sinais, onde esta não é totalmente
aceita, já que nem todas se comunicam plenamente através da Libras com seus filhos
conforme o relato das mães entrevistas.
Por outro lado, a mãe da Família Alves revela que apesar de ter levado um susto
ao receber a notícia que sua filha era surda, ainda assim, não se sente menos mãe por
isso e também não deixa de enxergar e acreditar no potencial de seus filhos, ao
contrário, eles são motivo de orgulho e de superação diária, segundo ela, os filhos
pessoas normais que se comunicam se maneira diferente:
Percebo que meus filhos sentem-se felizes ao se comunicarem através da
Libras e busco cada dia aprender mais sobre a cultura surda. Não os comparo
com crianças ouvintes, pois sei que é impossível e está tudo bem assim, eu só
preciso me comunicar com eles na língua deles. (Família Alves)

Nesta mesma linha de argumentação encontramos respaldo nas palavras de


Brito e Dessen (1999) quando explicam que trata-se de compreender que a primeira
necessidade dos familiares ouvintes a respeito da presença de um familiar surdo é a
aceitação da condição de seu filho e a partir disso haver uma mudança de hábito,
tendo em vista que a partir deste fato, a família precisará se adaptar ao
desenvolvimento específico de seus filho, buscando lidar com as diferenças e desafios
que irão surgindo, ao mesmo tempo, oferecendo carinho e afeto para os obstáculos
que forem surgindo no decorrer da vida.
Analisando ainda a revelação da mãe da Família Dias sobre o abandono do pai
da criança em decorrência da surdez de seu filho quando relatou “foi muito difícil no
começo, quando o pai dele soube da surdez, não quis saber, ele simplesmente foi
embora e nunca mais fez contato. Fiquei desesperada, mas tive que encarar a situação
e criar forças para cuidar do meu filho”. A respeito das mudanças que uma criança
surda traz à família, Brasil (1997) explica:

Quando um dos membros da família nasce surdo, essas mudanças podem ser
acrescidas de outras, às vezes muito mais traumáticas: maior tensão e
ansiedade, possibilidade de surgimento de conflitos e até mesmo
desintegração familiar (1997, p. 100).

Frente a esta afirmação percebe-se que a maioria das famílias enfrentam muitas
dificuldades para aceitar a deficiência da criança e por diversas vezes, os pais, não
tomam a atitude mais correta e abandonam o lar deixando sua família totalmente
desamparada. Brito e Dessen (1999) explicam que a existência de uma criança
especial na família, atinge mais a mãe, pois enquanto a relação do pai com o filho
tende a decrescer com o tempo - por vezes deixar de existir -, a responsabilidade da
mãe tende a aumentar cada vez mais, já que será ela, a pessoa responsável por apoiar
e ajudar o desenvolvimento de seu filho surdo.
Toda essa negação e até mesmo indiferença por parte do pai para com o filho
surdo, nos remete um aspecto apontado por Quadros (2000), que esclarece que a
deficiência não é um problema da pessoa que a tem, mas sim de quem a vê. Ou seja, a
aceitação deve partir não somente da pessoa surda e sim de todos que a cercam,
estas por sua vez, devem agir de maneira a eliminar as barreiras impostas pelas
sociedade e não aumentá-las.
Nesse sentido, é relevante ressaltar que os pais de crianças surdos devem estar
cientes da importância que a língua de sinais tem no cotidiano do sujeito surdo e como
a comunicação entre ambos (ouvintes e surdos) pode fluir de maneira satisfatória
quando empregada de maneira efetiva. Quadros (2005) acredita que “o domínio de
uma língua adquirida em sua totalidade e fluência permite ao ser humano a produção
de novos signos, da combinação entre signos e novos sentidos para os signos em jogo,
não apenas no processo de comunicação como no processo cognitivo” (2005, p.19).
Assim, é essencial que os pais atentem para a importância de se tornarem
fluentes na Libras, como explica Negrelli e Marcon (2006) a comunicação na família do
indivíduo surdo através da língua de sinais possibilitará a este sujeito uma interação e
convívio com mundo mais agradável e feliz. Em outras palavras, quando o indivíduo
surdo tem o apoio e incentivo da família, sua vida se tornará mais fácil e acessível.
Quando questionadas em relação à aprendizagem da Libras e de quais
estratégias elas utilizam para se comunicar em casa com seus filhos e familiares no
cotidiano. As respostas foram as seguintes:

Mesmo sabendo que a Libras é importante, tenho muita dificuldade em


sinalizar, sempre esqueço os sinais e acabo não praticando como deveria.
Além disso, vejo que ele me entende quando combino alguns gestos com
sinais, por isso, continuo me comunicando desta forma. (Família Brito).

Eu me viro como posso, uso os sinais que sei, aponto para as coisas que não
conheço o sinal... e assim vem sendo nossa comunicação... conversamos
sobre coisas básicas, do dia a dia. (Família Dias).

O fragmento acima nos remete a um aspecto apontado por Castro (1999 apud
NEGRELLI e MARCON, 2006, p. 104) “consideram ainda que a família, muitas vezes
por não tentar aprender a língua de sinais (LS), conversa [...] apenas assuntos
relacionados às suas necessidades básicas e momentâneas como, comida, bebida,
banho e etc.".
Nesse sentido, esse tipo de comunicação básica pode levar o indivíduo surdo a
crer que não é aceito pela família, uma vez que o canal comunicativo que contempla
todas as duas falas não é empregado completamente por seus familiares. É importante
ainda ressaltar que o engajamento e esforço da famílias em aprender a Libras é de
extrema importância para que o sujeito surdo sinta-se acolhido e amado.
O depoimento da Família Alves evidência de forma clara a percepção que ela
tem a respeito do papel que a Libras tem na vida de seus filhos, quando afirma:

A Libras é o caminho certo para que seus filhos possam alcançar um


desenvolvimento pleno e independente, tendo em vista que é a língua que
contempla a comunicação de indivíduos surdos. (Família Alves)

À vista desse relato, devemos levar em consideração a importância do


acolhimento e aceitação dos pais para com os filhos, pois através do carinho e da
comunicação, cria-se um elo para a vida toda. Segundo Negrelli e Marcom (2006), a
participação da família se comunicando através da língua de sinais, possibilitará ao
sujeito surdo a interação com o mundo e a tornará o convívio mais agradável e feliz.
Assim, é imprescindível ampliar os estudos sobre a Libras no cotidiano das famílias
ouvintes.

5. CONCLUSÃO

A família tem papel determinante sobre a formação do sujeito como


personalidade humana e futuro cidadão. É no espaço familiar que valores e crenças
são transmitidos de geração a geração. Entender, portanto, como se dá a comunicação
entre as famílias de pais ouvintes com filhos surdos é de extrema importância para que
se possa cada vez mais valorizar e disseminar os artefatos culturais que fazem parte
da comunidade surda e do dia a dia dos indivíduos surdos.
A análise feita a partir das respostas dos familiares pesquisados, constatou que
ainda existe uma certa dificuldade entre pais e filhos de se relacionarem por meio da
Libras, a qual os filhos são fluentes e desejam comunicar-se plenamente através dela.
Percebemos que nenhuma das famílias tem posicionamento contrário a utilização de
língua de sinais, porém, alguns delas, não fazem distinção entre sinais, gestos ou da
Libras, o que nos leva a acreditar que o conhecimento a respeito na língua de sinais
seja insuficiente.
Portanto, observamos que ao discutir as relações entre os sujeitos surdos e
seus familiares ouvintes a respeito da comunicação em Libras, existem diversificadas
compreensões a respeito do uso da Libras no cotidiano familiar que podem ser
ampliadas e reforçadas nas relações e nos diálogos entre os sujeitos. E que apesar de
uma certa divergência no sentido de alguns pais não entenderem por completo a
importância da aprendizagem da Libras para se comunicarem com seus filhos, estas
concepções vêm mudando aos poucos para a real aceitação e utilização da língua de
sinais na família.

REFERÊNCIAS

ALPENDRE, E. V; AZEVEDO, HJS de. Concepções sobre surdez e linguagem e a


aprendizagem de leitura. Curitiba: SEED, 2008.

BRASIL, Secretária de Educação Especial. Deficiência Auditiva / organizado por


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