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Docente. CEPRE e Curso de Fonoaudiologia. 2Aprimoranda em Serviço Social. Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação
Prof. Dr. Gabriel Porto. Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP
CORRESPONDÊNCIA: Profa. Dra. Zélia Z L C Bittencourt. Rua José Morano, 506 – CEP 13100-055 Campinas – S.P.
Fone: 19-3521-8817 FAX: 19-3252-8287 / Email: zeliaz@fcm.unicamp.br
Bittencourt ZZLC, Montagnoli AP. Representações sociais da surdez. Medicina (Ribeirão Preto) 2007;
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de privação sensorial cujos efeitos estão associados O trabalho de habilitação e reabilitação auditi-
aos significados produzidos pela sociedade através de va possibilita à criança fazer o maior uso possível do
práticas discursivas onde se efetivam as caracteriza- eventual resíduo auditivo. Muitas dúvidas e sentimen-
ções estereotipadas da pessoa surda, a quem são atri- tos fazem parte da vida da família durante o processo
buídos traços como pensamento concreto, elaboração terapêutico, especialmente os relacionados à comuni-
conceitual rudimentar, baixa sociabilidade, rigidez, ima- cação. A família e a criança mergulharão no mundo
turidade emocional entre outros. Tais estereótipos são da comunicação, e no cotidiano serão orientados a
reforçados em uma sociedade majoritariamente ou- proporcionar experiências que favoreçam o desenvol-
vinte, que tem dificuldade de conviver com as dife- vimento da audição e linguagem8 propiciando a cons-
renças3,4. tante prática em ouvir, chamando a atenção da crian-
O Centro de Estudos e Pesquisas em Reabili- ça para o mundo sonoro, apresentando o ruído com o
tação Prof Dr Gabriel Porto – CEPRE - atende pes- objeto correspondente. 9 Nesse processo os pais são
soas surdas e seus familiares, em todas as fases de orientados sobre a importância de seu papel no de-
suas vidas, desde a mais tenra idade até a adolescên- senvolvimento da linguagem e das habilidades auditi-
cia e idade adulta, onde são acompanhados em vários vas da criança, bem como sobre a função dos profis-
programas multidisciplinares. Em consonância com as sionais envolvidos no processo de educação de sur-
transformações políticas na área da surdez, enfatiza o dos, respondendo, portanto, às necessidades das cri-
bilingüismo, trabalhando a identidade desta minoria lin- anças e de suas famílias. A natureza e o grau de com-
prometimento dos pais e demais familiares no proces-
güística e cultural. Neste sentido, adota a Língua Bra-
so de reabilitação da criança com deficiência auditiva
sileira de Sinais (LIBRAS) como forma de promover
são decisivos para o sucesso de seu desenvolvimento.
a inclusão da pessoa surda na sociedade, proporcio-
Neste sentido, torna-se fundamental investigar o grau
nando-lhe uma melhor qualidade de vida.
de conhecimento dos pais sobre alguns aspectos da
A Legislação Brasileira determina a inclusão
deficiência auditiva dos filhos, pois a representação
de pessoas com necessidades educacionais especiais
que estes têm de seu filho surdo e da surdez poderão
na rede regular de ensino, todavia ainda há muitos pro- influenciar no processo terapêutico e pedagógico.
blemas e dificuldades para a realização de sua efetiva A temática das representações sociais tem
implantação. Fica evidente que apesar dos avanços constituído um campo fértil de pesquisas na área da
nesta área, a surdez não pode ser reduzida a aspectos saúde. Estudos sobre as percepções, conhecimentos
racionais, devendo ser entendidas e consideradas as e representações sociais têm trazido importantes con-
influências socioculturais e os valores de determinada tribuições de diversos autores à compreensão do pro-
sociedade, traduzidos na legislação que reconhece a cesso saúde-doença, visto que têm como base a ex-
LIBRAS, como forma de comunicação das comuni- periência vivida das pessoas, e são produzidas pelas
dades surdas. Recentemente observou-se novo salto interações de grupos sociais, refletindo assuntos que
qualitativo nesta área com a adoção e a inclusão da são objeto de seu cotidiano10.
LIBRAS nos cursos de formação de professores como As representações sociais acontecem em to-
disciplina curricular obrigatória. (Decreto No 5626 das as ocasiões e lugares onde pessoas se encontram
de 22/12/2005). e se comunicam, onde se desenvolve a vida cotidiana
Conforme o Censo Demográfico de 20005, no e nos universos de opiniões característicos de dife-
Brasil existem mais de 5.700.000 surdos, que na maior rentes segmentos e grupos populacionais11. Tais dis-
parte só são diagnosticados em torno dos dois anos de cursos não são neutros e geram conseqüências na vida
idade, o que de acordo com o Joint Committee on Infant das pessoas.
Hearing6, é considerado tardio, uma vez que se pre- Representações sociais são, portanto, modali-
coniza que o diagnóstico da perda auditiva deve ser dades de conhecimento prático, orientadas para a co-
realizado até os 3 meses de idade e a intervenção até municação e para a compreensão do contexto social
os 6 meses. Quanto mais cedo for detectado qualquer em que vivemos12 e se manifestam através de ima-
problema auditivo, mais eficientes serão as condutas gens, conceitos, categorias, teorias, mas não se redu-
a serem adotadas. A agilidade na reabilitação auditiva zem somente aos componentes cognitivos. Desta for-
é conveniente, visto que há período de prontidão para ma, são fenômenos sociais gerados a partir de fun-
o aprendizado podendo desta forma, a privação audi- ções simbólicas e ideológicas e das formas de comu-
tiva interferir no processo 7. nicação onde circulam 13.
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A amostra estudada, portanto foi significativa estabelece entre os pais e a criança surda, também
por refletir o perfil da população atendida em um ser- tem sido considerado um fator agravante no sentimento
viço de reabilitação conveniado ao Sistema Único de de “sobrecarga” já referido. Vários estudos18 com-
Saúde, constituída por pessoas casadas, de baixa ren- provam que o nível de estresse é mais evidente em
da e baixa escolaridade, levando-se em conta os vá- famílias de crianças deficientes.
rios modelos de família, com valores e influências so- “Tive muitos problemas de saúde, fiquei
cioculturais próprias do cenário social em que vivem. muito sobrecarregada, muita dificuldade para
Nos achados qualitativos, os relatos e reflexões aceitar a surdez (...)”.
surgidos no decorrer da investigação permitiram-nos
delinear o movimento das relações sociais e os signifi- O conteúdo da categoria A convivência com
cados que os pais atribuem às suas vidas, na trajetória a surdez, revela que no cotidiano, os sentimentos dos
de busca de cuidados de um filho surdo. pais da criança surda passam por quatro estágios a
Considerando-se a categoria O impacto do partir do diagnóstico: inicialmente a negação, resis-
diagnóstico da surdez foi possível depreender que o tência, afirmação e finalmente a aceitação4. Na fase
desconhecimento dos pais sobre a surdez contribuiu de aceitação, os pais utilizam em seu discurso expres-
consideravelmente para a dificuldade de aceitação do sões como “vitória”, “luta” e “superação” na vivência
diagnóstico, que após o início da participação em ser- com o indivíduo surdo.
viços de reabilitação e o contato com o grupo de iguais, Observou-se ainda a distinção entre os termos
foi pouco a pouco sendo superado. “doente” e “diferente” assim como a atribuição de
Conforme os relatos, o impacto do diagnóstico grande parte de seu sofrimento à sociedade discrimi-
da surdez na vida cotidiana dos familiares se revelou natória e preconceituosa, que segrega o deficiente,
muitas vezes como “o fim do mundo”, gerando difi- tratando-o como incapacitado. Da mesma forma, al-
culdade de aceitação por parte da família, que desco- guns pais se recusavam a uma maior participação no
nhece outra forma de comunicação que não seja a meio social, por sentirem-se constrangidos diante da
fala. A fase inicial do conhecimento do diagnóstico foi deficiência do filho. Outros, ainda anulavam-se em prol
para muitos entrevistados, cercada por sentimentos da criança, agindo de forma superprotetora, transfe-
de tristeza e depressão. rindo para a sociedade a culpa que muitas vezes sen-
Alguns autores referem que a confirmação do tem pela deficiência do filho.
diagnóstico pode ser vista como um golpe pessoal, atra- “É muito difícil, cada dia é uma superação...
vés do qual os pais buscam uma causa e uma explica- Hoje participo, supero, e ela esta bem”.
ção para a deficiência do filho17. Sabe-se, ainda que “Ela não é uma pessoa doente... a deficiên-
em famílias que contam com pessoas com algum tipo cia representa luta, persistência e paciência”.
de deficiência, não raramente instala-se uma crise “Para mim a deficiência não é o problema e
familiar exigindo mudanças no comportamento dos sim a sociedade”.
demais membros 4. Entre os achados da investigação,
observou-se que a surdez foi representada como “um Quanto ao significado da reabilitação, em
fardo”, “sofrimento”, gerando “sentimento de culpa”, vários depoimentos observou-se que o processo de
“transtorno”, “sobrecarga”. reabilitação foi referido como um aspecto fundante
“Quando eu descobri, acabou o mundo, mas na retomada da vida social do surdo. Devido à priva-
o tempo me mostrou que minha filha não era a úni- ção lingüística imposta aos surdos pelas próprias fa-
ca...” mílias, visto que a maioria dos surdos são membros de
“Eu não aceitava, tinha depressão, nem na famílias ouvintes, que em geral desconhecem ou não
aula de LIBRAS eu queria aprender. Agora estou aceitam o uso da língua de sinais, estes ingressam na
aceitando mais”. escola com um pobre cabedal de conhecimento do
“A gente fica triste por ter um filho assim... mundo comparado com as crianças ouvintes. Toda-
me sinto culpada e não me sinto bem”. via, os relatos apontaram para questões como “res-
peito”, “aceitação”, “socialização”, “integração” e
O estresse vivenciado pelos familiares devido “evolução” que estão diretamente relacionadas ao
à atenção especial e à relação de dependência que se progresso conseguido com a reabilitação.
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A escola, além de ser o local de alfabetização, “O uso do aparelho... Foi ela falar e os si-
também se mostra como importante possibilidade de nais que ela faz com os colegas”.
aprendizado para a vida social, e nesse processo os “O aparelho melhorou a comunicação entre
pais passam a conhecer melhor o potencial dos filhos, ela e a família”.
dando-lhes mais valor4. “O aparelho ajudou a desenvolver a fala,
“Ajuda na socialização e integração com deu ânimo”.
as pessoas, mostra que ela é capaz”.
“É uma coisa boa para ela e para mim, é 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
evolução e aprendizagem”.
“A escola é importante para integrar ela o Os dados produzidos neste estudo revelaram
mais rápido possível no meio social”. que o impacto causado pelo diagnóstico de surdez na
família da pessoa surda foi representado como um
No decorrer do processo terapêutico e peda- acontecimento “negativo”, marcado pela “tristeza e
gógico da criança surda, freqüentemente se observa sofrimento”. As convivências com a surdez e o início
certa cobrança dos pais em relação ao desenvolvi- do processo de reabilitação apresentaram novas situ-
mento da fala e da linguagem do filho, uma vez que ações antes não experimentadas pelos familiares, como
esse é o maior anseio da família. Nesse contexto, com o contato com outros indivíduos surdos, possibilitando
o intenso desejo de que o filho desenvolva a fala, al- um espaço para o compartilhamento de sentimentos,
guns pais passam a enxergar a linguagem de sinais dúvidas e anseios. O processo de reabilitação aflorou
com discriminação, enquanto outros, vêem na LIBRAS sentimentos contraditórios nos pais, tanto pela utiliza-
uma possibilidade para facilitar a inserção social da ção da língua de sinais como forma de comunicação,
criança surda. Da mesma forma, a utilização do apa- como pela expectativa da fala ou ainda pelo uso do
relho auditivo e sua representação, pode vir a desen- aparelho auditivo, que concretizam e reafirmam a di-
cadear sentimentos ambivalentes para a família do ferença do filho.
indivíduo surdo, pois tanto desperta a esperança da Neste sentido, o conhecimento das representa-
retomada da audição, quanto à concretização da sur- ções e das expectativas dos pais quanto ao desenvol-
dez, podendo em alguns casos se observar um retro- vimento de seus filhos e suas reais possibilidades foi
cesso no processo de aceitação. As tradicionais preo- fundamental para subsidiar o planejamento de políti-
cupações dos pais com relação ao sucesso, aceitação cas institucionais, ações e estratégias inovadoras que
social e independência dos filhos podem emergir, ge- incluam maior atenção e orientação às famílias e à
rando sérias crises com a descoberta de que a evolu- rede de relações da pessoa surda, além de outras ini-
ção da criança dentro do processo de reabilitação é ciativas como a formação de grupos de pais com vis-
limitada. tas ao apoio e a troca de experiências.
Bittencourt ZZLC, Montagnoli AP. Social representations of the deafness. Medicina (Ribeirão Preto) 2007; 40
(2): 243-9.
ABSTRACT: The aim of this study was to understand the social representations and the impact
of the deafness in the daily life of families with deaf children. Methods: To reach this aim, qualitative
methodology was adopted using interviews with open-ended questions as tool to collect data.
Fifteen parents of deaf children who attended a rehabilitation center were interviewed. Results:
The deafness was represented as a “weight”, “a suffering”, “a upset”, “a overload”, producing
guilty conscience and difficulty of acceptance by these families, while rehabilitation refer to ideas
like “socialization”, “respect” and “acceptance” in the social environment. Conclusion: The
knowledge of the representations and expectations of the deaf people parents, brought back
information to formulate new ways of assistance to them. Moreover, the living together with the
deafness and other deaf people made possible to them share their feelings, doubts and
expectations.
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Bittencourt ZZLC, Montagnoli AP
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