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Libras II
Rosemeri Bernieri de Souza
2018
Copyright © UNIASSELVI 2018
Elaboração:
Rosemeri Bernieri de Souza
SO729l
ISBN 978-85-515-0204-4
CDD 419
Apresentação
Prezado acadêmico! É com imenso prazer que apresento a você
a disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras II. Este caderno foi
formulado com base em estudos recentes e tradicionais, tendo como
objetivo apresentar as orientações teóricas e metodológicas que permitirão
refletir sobre o conhecimento acerca das questões e debates que envolvem
a linguagem verbal humana, as especificidades das línguas de sinais e as
funções da linguagem falada e sinalizada.
NOTA
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.
IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM...................... 1
VII
6 SOCIOLINGUÍSTICA DA LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................... 90
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 95
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 96
VIII
2 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS.......................................................... 197
3 ESTRUTURAS DE GRANDE ICONICIDADE............................................................................... 199
4 SIMULTANEIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS.............................................................................. 204
5 REPRESENTAÇÕES SEMÂNTICO-COGNITIVAS....................................................................... 208
6 ESTRATÉGIAS DÊITICAS E ANAFÓRICAS EM LÍNGUA DE SINAIS.................................. 211
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 215
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 216
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................... 219
IX
X
UNIDADE 1
CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO,
CIÊNCIA E LINGUAGEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
1 INTRODUÇÃO
A linguagem (verbal) é, desde que se há registro, ou seja, desde a
Antiguidade, um dos aspectos da atividade humana mais debatidos e estudados.
Não deveria ser diferente, já que ela está presente na nossa vida desde o nosso
nascimento, além de permear todos os domínios do conhecimento e todas as
práticas humanas.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
DICAS
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
2 LÍNGUA E LINGUAGEM
Na leitura da seção anterior, você deve ter percebido o cuidado em
distinguir linguagem, acrescentando o termo “verbal” ao lado. Esse adjetivo
tem origem no latim "verbale", proveniente de "verbu", que quer dizer palavra.
Linguagem verbal é, portanto, aquela que utiliza palavras - o signo linguístico. Em
sua dissertação de mestrado, Correa (2007) salientou esta distinção, pois acredita
haver uma confusão devido à sinonímia que relaciona esses termos. “Linguagem”
tornou-se uma palavra passe-partout que abrange várias concepções, dentre elas: o
aspecto verbal, que corresponde à expressão por meio de signos, especificamente,
linguísticos, ou o aspecto geral, que corresponde a uma habilidade natural ou de
aprendizagem sistemática para lidar com diferentes signos. Veja a figura a seguir
e entenda o que estamos querendo especificar.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
DICAS
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
próximas dos enunciados, como os gestos. Veremos que isso também advém da
falsa premissa de que somente a língua, vista de si mesma e em si mesma, é
suficiente, relegando outros fatos que acompanham a comunicação e o discurso
à periferia das análises. As hibridizações são marcas indeléveis das práticas
humanas, e, como se tratam de práticas sociais, as línguas não são exceções.
Para dar conta dessa hibridez e entendendo essa flutuação terminológica como
parte inerente das mudanças sociais, linguísticas e epistemológicas, é preciso ter
cuidado ao estudar um objeto, é preciso situá-lo, mostrar a perspectiva pela qual
ele é contemplado e, às vezes, delimitar as distinções.
No que tange a essa construção textual, não por causa de formalismos,
mas pelo fato de trazer mais clareza à discussão, destacaremos a diferenciação
entre:
• língua - idioma oficial ou co-oficial de um país, formado por signos verbais que
geralmente passam por processos de padronização para fins de ensino ou com
o intuito de delimitar uma unidade nacional ou cultural.
• linguagem verbal - capacidade natural do ser humano para expressar seus
conteúdos experienciais, mentais, sociais e afetivos, que podem ser de um ou
de diferentes repertórios linguísticos e de diferentes falares e sinalares, por
meio de signos linguísticos unicamente.
• linguagem - capacidade de compreender, expressar e desenvolver manifestações
sígnicas (sonoras, visuais ou táteis) de diferentes naturezas: verbal (língua) ou
não verbal (linguagem gestual, corporal), formal (linguagem matemática),
mistas (musical, escrita = canto). Embora alguns animais façam uso de
determinada linguagem para comunicar, trata-se de um sistema limitado.
Efetivamente, a capacidade para criar e usar sistemas simbólicos, como a
linguagem verbal, a dança, a mímica, a pintura, a escultura, o teatro etc., é uma
competência exclusivamente humana. Esse termo também compõe a expressão
‘aquisição de linguagem’, nesse caso não acrescentarei o termo ‘verbal’, pois,
no desenvolvimento da criança sabe-se que diferentes tipos de linguagens, não
somente verbais, mas gestuais, avançam juntamente e se complementam.
DICAS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
Veja, na figura anterior, que as peças têm formas diferentes das que são
tradicionalmente usadas, mas o essencial é que qualquer peça substituta guarde
as mesmas possibilidades de deslocamentos e funções da peça original, pois
nesse caso, a convenção, ou seja, o acordo entre os jogadores, é que permitirá
que um objeto improvisado tenha as mesmas propriedades e papéis que o objeto
substituído.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
DICAS
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
Para maiores detalhes sobre esses estudos, o livro de Seara et al., Fonética
e Fonologia do português de 2011, é um ótimo apoio para iniciantes.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
Até aqui vimos como a língua tornou-se um objeto de estudo que deu
origem a uma área do conhecimento chamada Linguística.
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
a se fazer presente nos trabalhos realizados nos Estados Unidos entre 1920 e
1950, entretanto, os representantes desse estruturalismo norte-americano não se
identificaram com o programa saussuriano, mas tinham como referência Leonard
Bloomfield.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
Para esse fim, a linguística tem uma disciplina específica que investiga
a relação entre língua e processamento mental e suas conexões com nossa
capacidade motora, com nossa percepção visual e auditiva, e como essas conexões
operam na construção da significação: a Psicolinguística.
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
DICAS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
uma frase que contém mais de 20 propostas subordinadas pode ser perfeitamente
gramatical, mas terá pouca possibilidade de ser compreendida nas condições
habituais.
DICAS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
5 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
Como vimos na seção anterior, a Aquisição de Linguagem é um fenômeno
investigado no seio da Psicolinguística. Por se tratar de um tema muito relevante
para a compreensão da relação entre cérebro e língua, exporemos aqui informações
mais precisas que, certamente, ajudarão você a refletir sobre a linguagem de
modo geral.
DICAS
Aquisição de linguagem: Processo natural em que a criança internaliza uma língua, sem
necessariamente estar exposta a um ensino sistemático.
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
pela vivência humana: parece haver uma sequência de estágios pela qual quase
todas as crianças passam; algumas crianças atingem determinados estágios em
períodos diferentes e isso, geralmente, está associado a algum outro fator de
ordem biológica (genética, estados patológicos, problemas maturacionais), social
(falta de estímulo, insuficiência de informações provindas do meio) ou emocional
(trauma, timidez).
Segundo Lenneberg (1967), o período crítico se iniciaria por volta dos dois
anos e se estenderia até o início da puberdade. Essa concepção é fundamentada em
análises biológicas que preveem que o cérebro humano funcionaria bilateralmente
até o fim da infância, mas que, posteriormente, apenas um hemisfério se tornaria
dominante em relação às funções da linguagem verbal. Isso embasaria, de certo
modo, a dificuldade que um adulto apresenta para a aprendizagem de uma língua
estrangeira (LE), em contraposição às crianças, que apresentam um sucesso muito
mais consistente nessa tarefa.
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TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS
NOTA
A situação de privação é mais recorrente com pessoas surdas, uma vez que
a maioria é filha de pais ouvintes. Não tendo acesso auditivo à língua oral e muitas
vezes sendo-lhes negada a exposição a inputs linguísticos sinalizados, a aquisição
tardia é uma evidente consequência. De acordo com alguns estudos (KUSCHEL,
1973; GOLDIN-MEADOW; FELDMAN, 1977; NEWPORT, 1990; NEWPORT;
SUPALLA, 1999), surdos que adquiriram a língua tardiamente demonstram
defasagens na organização gramatical ou apresentam uma comunicação com
nível de abstração limitada. De acordo com Lenneberg (1967), isso ocorre devido
a uma lateralidade cerebral mal definida pelo fato de a maturação já ter sido
alcançada. A exposição a uma língua desde o nascimento proporcionaria o
desenvolvimento da capacidade linguística do hemisfério esquerdo, ao contrário,
a privação retardaria esse processo.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:
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AUTOATIVIDADE
Contexto 1
Durante sua infância e sua adolescência, um surdo esteve fora do contato com
uma comunidade surda e com a língua de sinais, mas, aos 15 anos, esse encontro
aconteceu e então ele passou a utilizar uma língua de sinais tardiamente. Trata-
se de aprendizagem ou aquisição? A hipótese do período crítico se sustenta
nesse caso?
Contexto 2
Durante toda a sua vida, um surdo profundo foi exposto a terapias de fala para
aprender os rudimentos da oralidade, trata-se de aprendizagem ou aquisição
de língua oral?
Contexto 3
Um ouvinte filho de pais surdos foi exposto à língua de sinais e à língua oral
simultaneamente, tornando-se fluente em ambas. Trata-se de aquisição ou
aprendizagem? Como se denomina o contexto em que uma pessoa tem acesso
a duas línguas concomitantemente?
Contexto 4
Uma ouvinte, cuja língua materna é o Português, aos 20 anos de idade, passa a
participar assiduamente de encontros com a comunidade surda de sua cidade,
sendo exposta à língua de sinais. Trata-se de aquisição ou de aprendizagem?
Contexto 5
Um casal ouvinte, que não possui contato com surdos, passa a frequentar um
curso de língua de sinais, ministrado por um instrutor ouvinte. Trata-se de
aquisição ou aprendizagem? O fato de se tratar de uma pessoa não surda pode
ser um fator desfavorável para o seu progresso na língua.
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UNIDADE 1
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
A relação entre surdez, cérebro e língua de sinais será discutida aqui neste
tópico, com vistas a indicar algumas pesquisas que têm sido realizadas na área
das neurociências para o esclarecimento dos processos neurais em caso de surdez
e do uso de língua de sinais. Efetivamente, com o avanço da tecnologia e o advento
de exames cada vez mais eficientes, como os que utilizam a neuroimagem, é
possível ir além da simples especulação para avançar nas elucidações de questões
que envolvem a linguagem verbal em qualquer modalidade.
DICAS
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
uma vez que, ao ser solicitada a copiar um desenho, ela o executava com precisão.
Esses resultados demonstravam as mesmas dificuldades que ouvintes com
dano na área de Broca apresentam. Assim, verificou-se que as áreas de Broca
e Wernicke são também ativadas para a língua de sinais, o que sugere que elas
estariam implicadas no processamento da linguagem verbal, independentemente
da modalidade (HICKOK; BELLUGI; KLIMA, 2002).
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
DICAS
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
NOTA
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
Os sujeitos surdos não são imunes a certas lesões que podem provocar
afasia para a língua de sinais, ou seja, um dano à compreensão dessa linguagem
análogo às afasias da fala. Segundo Sacks (1998, p. 54), “essas afasias de sinais
podem afetar de forma diferente o léxico ou a gramática (inclusive a sintaxe
organizada espacialmente) da língua de sinais, bem como prejudicar a capacidade
geral de ‘proposicionar’ [...]”.
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
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a autora (idem, p. 223): “nos surdos que utilizam a língua de sinais, o HE seria
responsável pelas expressões faciais de caráter linguístico, ou seja, aquelas que
correspondem à gramática da língua de sinais; já o HD seria o responsável pelas
expressões faciais associadas a conteúdos emocionais.”
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TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
DICAS
A falta de acesso dos estímulos auditivos à área associativa, que é uma zona
secundária, impediria a discriminação e a memória auditiva. Assim, “se o estímulo não chega
até essa área, é impossível que o pensamento se transforme em imagens auditivas” (SANTANA,
2007, p. 140). As terapias que fazem uso de palavras isoladas também não favorecem a
compreensão, uma vez que os inputs auditivos não passariam do nível da decodificação, ou
seja, do nível do significante (lembre-se do exemplo da moeda sem a “coroa”) e, por causa
disso, não há associação ao significado.
SUGESTÃO:
Com essa explanação, que visa tão somente apresentar os pontos de vista existentes a
respeito dessa tecnologia, enfatizamos que, enquanto instituição, não nos posicionamos a
favor ou contra o uso do dispositivo. Encerramos aqui o Tópico 2. A seguir, abordaremos um
aspecto muito importante para a aquisição e aprendizagem de uma língua natural: o seu
aspecto sociointeracional.
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RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• Assim como as afasias das línguas orais, buscou-se investigar as afasias das
línguas sinalizadas. Para isso, os cérebros de surdos lesados foram estudados,
a fim de verificar as diferenças e similaridades dos prognósticos.
46
AUTOATIVIDADE
47
Com base nas tabelas e nas informações contidas nas seções anteriores,
estabeleça correlações entre as possíveis causas e as diferenças no
desenvolvimento das habilidades linguísticas das crianças estudadas. Há
variáveis que não foram consideradas pelos autores, mas que podem ser
fatores importantes para o atraso ou impedimento do desenvolvimento
linguístico dessas crianças. Você poderá pesquisar detalhes sobre as
variáveis apresentadas nas tabelas.
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UNIDADE 1
TÓPICO 3
NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E
LÍNGUA DE SINAIS
1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao terceiro tópico da primeira unidade, percorremos até aqui
um longo trajeto em busca da relação entre o cérebro, a linguagem, a surdez e a
língua de sinais. Neste momento, estamos em condições de olhar o nosso objeto
de estudo “linguagem verbal” do ponto de vista sociointeracional, fazendo a
ponte entre os processos neurofisiológicos e educativo-culturais. Conforme Sacks
(1998, p. 10-11),
Além do mais, o campo das pesquisas modernas, como as que fazem uso
de ferramentas tecnológicas, é muito recente, por isso os resultados categorizados
como conclusivos podem levar a equívocos. Realmente, há muitos aspectos a
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
Autor Definição
O indivíduo bilíngue deve ter o domínio igual ao de um
Bloomfield (1933)
nativo para as duas línguas.
Define o bilíngue como aquele que tiver uma das
MacNamara (1966) habilidades (falar, escrever, ler, ouvir) em língua
diferente de sua língua materna.
Uma pessoa é bilíngue quando é capaz de produzir
Haugen (1953)
sentenças completas significativas em outra língua.
Bilinguismo é “um comportamento linguístico
Butler; Hakuta (2004,
psicológico e sociocultural complexo com aspectos
p. 2)
multidimensionais”.
Uma pessoa é bilíngue quando conhece ou usa duas
Paradis (2004)
línguas.
O bilíngue é o falante que usa duas ou mais línguas (ou
Grosjean (1982)
dialetos) em sua vida diária.
O termo bilíngue descreve alguém que utiliza dois
Wei (2000)
idiomas, independentemente de seu nível de proficiência.
Defende que todo falante tem um conjunto de
Roeper (1999) minigramáticas para diferentes domínios de sua língua,
de forma que todo falante é bilíngue.
FONTE: Vian Jr; Weissheimer; Marcelino (2013) e Flory; Souza (2009)
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
DICAS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
• Segalowitz (apud HAMERS, 1995) relata uma habilidade mental de uma lógica
mais complexa;
• Byalistock e Ryan (1985) argumentaram que as crianças bilíngues têm um
controle cognitivo maior do processamento da informação;
• Na visão interacionista de Vygotsky, a aquisição bilíngue, em sua natureza
complexa, torna-se relevante para a estruturação de uma forma de pensar mais
complexa;
• Pearl e Lambert (apud HAMERS, 1995) atestam flexibilidade e facilidade na
formação de conceitos, além de uma explícita tendência à relativização;
• Scott (1973) observou uma maior facilidade para reconhecerem e adaptarem-
se às diferenças, além de maior tendência à integração em equipes, a criarem,
inovarem e reorganizarem.
Com relação aos aportes da Neurolinguística para a construção de
modelos de ensino mais eficazes, Germain e Netten (2013a; 2012) criaram a
Abordagem Neurolinguística de Apropriação de Línguas (ANL), tendo como
base a teoria desenvolvida por Paradis (1994; 2004; 2009). Os autores indicam
alguns pontos sobre como se estabelecem certas conexões para a aprendizagem
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
Esse argumento não se sustenta, visto que muitos dos surdos adultos
adquiriram a língua de sinais em idade adulta. A ideia de que surdo, ao adquirir
a LS tardiamente, não desenvolveria uma língua gramaticalmente completa é um
mito que se apoia na normatização linguística, que ignora os diversos sinalares
sociolinguísticos e individuais e na concepção preconceituosa de que, ao
comparar grupos de sujeitos segundo suas produções linguísticas, estabelece-se
duas categorias de sinalizantes: os ditos “normais” e os de “conduta desviante”.
Entretanto, como salienta Santana (2007, p. 211),
Isso significa dizer que a cognição se torna possível via adaptação biológica,
mas também pela aprendizagem, transmissão e construção evolutivo-cultural
para a qual a linguagem é um poderoso sistema de representação (MORATTO,
2014).
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
contexto intelectual da criança e da sua relação com o seu entorno. Ela constrói a
linguagem à medida que evolui em seus estágios do desenvolvimento. Para uma
progressão com um enfoque diferenciado, serão expostos alguns pressupostos
de uma nova escola do pensamento denominada Conexionismo. Estudos nessa
abordagem investigam o funcionamento de domínios motores, cognitivos,
perceptuais e de processamento da linguagem verbal, defendendo que toda a
aprendizagem envolve modificações nos pesos das conexões que dão lugar a
um tipo de memória. Por fim, para complementar a reflexão e fazer convergir a
ideia de uma sociocognição em que pesem as mudanças estruturais funcionais
no processo do desenvolvimento psicológico da criança a partir de suas relações
sociais.
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
Por exemplo, quando uma criança executa uma ação temos, de um lado, o sujeito
que a executa, um objeto que é manipulado e o resultado dessa ação. O sujeito da
frase é a criança, a ação é o verbo e o complemento são os objetos manipulados.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
DICAS
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
Pode-se depreender dessa abordagem que, pelo fato de o surdo não ter
input consistente em uma primeira língua, não lhe é favorecido reforçar as redes
de conhecimento, enfraquecendo as possíveis conexões. Por isso, a importância
de fornecer ao surdo uma língua natural desde seu nascimento, pois é com
ela e por meio dela que será possível avançar para outras aprendizagens mais
estruturadas, favorecendo o reforço das conexões e permitindo a apropriação de
outros conhecimentos.
[...] Ela era filha ilegítima de uma mulher surda e cérebro-lesada, com
a qual passava a maior parte do tempo; ambas enclausuradas num
quarto escuro, na casa do avô, no interior do Estado de Ohio (Estados
Unidos). Quando mãe e filha escaparam da prisão domiciliar, em
1930, Isabelle tinha seis anos e meio e não falava, apenas emitia sons
guturais. Uma vez resgatada para o convívio social, seu progresso na
aquisição da linguagem foi fantástico: em dois anos e meio sua fala mal
se distinguia da de crianças da mesma idade que tiveram condições
normais de desenvolvimento (Scarpa, 2001). Ressalte-se que Isabelle
se comunicava com a mãe surda por meio de gestos. Questiona-se aqui
se a aquisição do sistema simbólico não teria relação com a facilidade
com que Isabelle adquiriu a linguagem oral. Esse é um fator que
devemos considerar e que certamente reforça a tese de plasticidade
cerebral.
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
6 NEUROCIÊNCIAS E EDUCAÇÃO
Um número crescente de pesquisadores está defendendo que as teorias
didáticas e pedagógicas devem alinhar-se aos trabalhos do domínio das
neurociências, sem, contudo, negligenciar a natureza profundamente social
da prática educativa. Em outras palavras, é necessário evitar a biologização da
educação a fim de não perder o foco da pedagogia, que é a humanização e a
intersubjetividade.
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
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TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS
1. A atenção
Essa função seleciona uma informação, modulando o seu tratamento.
Possui um sistema de alerta – vigilância; de orientação espacial (seleção de
entrada – olhar dirigido conscientemente); e controle executivo (capacidade de
inibir um comportamento indesejável, de continuar concentrado mesmo com a
presença de uma distração, de resistir a um conflito).
DICAS
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UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você viu que:
• O bilinguismo é um tema que desperta grande interesse, visto que ele está muito
próximo das vivências humanas. Entretanto, embora ele seja tão palpável pela
experiência das pessoas, o fenômeno resta ainda encoberto ao entendimento
científico. Para esclarecer algumas das suas problemáticas, estudos foram
realizados, a fim de entender como se daria o processamento cerebral do
sujeito bilíngue. Os resultados não são conclusivos, mas já avançam muito na
compreensão.
70
AUTOATIVIDADE
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72
UNIDADE 2
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-
contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
1 INTRODUÇÃO
Segundo Trevor e Schembri (2010), há duas vias que corroboram para a
evolução e transformação de uma língua: as variáveis sociais "externas à língua"
(sociolinguística) e as forças de mudanças "internas da língua" (lexicalização
e gramaticalização). Neste tópico, serão concentrados esforços em mapear e
retraçar algumas mudanças nas línguas de sinais próprias ao primeiro aspecto,
pois isso envolve um estudo diacrônico e dá a possibilidade de uma visão geral
de como algumas delas foram sendo estabelecidas ao longo dos anos e em
diferentes contextos de difusão. Infelizmente, durante muitos séculos, esse tipo
de estudo foi rejeitado, tendo como principal motivo as práticas excludentes
das diversidades linguísticas que tanto surdos como imigrantes e indígenas
sofreram face à imponência das línguas majoritárias, tanto no Brasil como em
outros países. Será possível notar que as línguas de sinais também vivenciam o
fenômeno de desaparecimento de certas variedades em detrimento de línguas
mais hegemônicas. Ao que tudo indica, a Língua de Sinais Americana - ASL,
assim como algumas línguas hiper e supercentrais como o inglês, o francês e o
espanhol, parece ter avançado na sua influência e posição de prestígio global em
relação às línguas de sinais com número reduzido de usuários e situadas mais
localmente (conforme o exemplo que será dado em relação à língua de sinais de
Marta’s Vineyard que foi substituída pela ASL). Isso se dá ao fato de que as línguas
mais presentes no ensino, formação e produção cultural acabam atingindo mais
facilmente os grupos locais.
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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
A partir dos estudos das línguas de sinais, os gestos foram ainda mais
investigados, uma vez que foi evidenciado que sistemas gestuais criados no seio
comunicacional de uma família ou comunidade serviram de substrato para a
emergência de muitas línguas de sinais estabilizadas. Como salienta Fournier
(2017, p. 17):
76
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
2 DO GESTUAL AO LINGUÍSTICO
Há muito especula-se que os gestos teriam dado origem à linguagem
verbal humana (HEWES, 1979; CORBALLIS, 2002, 2014; FOURNIER, 2017).
Entretanto, no plano evolutivo das línguas orais, que remontam a muitos séculos
de existência, é impossível provar tal hipótese. Muitos já empreenderam esforços,
às vezes antiéticos e que infringem os direitos humanos, fazendo experimentos
para buscar uma língua que teria dado origem a todas as outras. Heródoto (2017)
narra que, em torno do século VII a.C., um rei egípcio chamado Psamético III
realizou um experimento cruel, separando do convívio social duas crianças
recém-nascidas. Ele ordenou que elas fossem cuidadas por um camponês que foi
terminantemente proibido de dirigir-lhes qualquer palavra. Com isso, ele buscava
identificar a língua que, porventura, viessem a falar, descobrindo, assim, qual teria
sido a língua primitiva. Após dois anos, de forma espontânea, a primeira palavra
que as duas crianças produziram foi ‘bekos’ que, segundo interpretação posterior,
provinha do frígio, uma língua de raiz indo-europeia que havia desaparecido. A
cadeia sonora produzida pelas crianças parecia corresponder ao significado de
‘pão’ nessa língua antiga. Esse experimento resultou na errônea conclusão de que
a primeira língua do mundo seria a língua dos frígios.
Na recusa de aceitar uma língua adâmica, aquela que teria sido dada por
Deus ao primeiro homem (BICKERTON, 2009) e, na impossibilidade de atestar
se os gestos vieram antes da fala, é na ontogênese (desenvolvimento individual
do ser humano) que fica mais evidente a função que os gestos desempenham na
aquisição de linguagem. Sabe-se que eles precedem a fala ou os sinais antes que a
maturação biológica tenha permitido as capacidades motoras da fala ou sinais e
os aspectos cognitivos necessários.
77
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
78
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
pelo interlocutor, têm poder para convencê-los a fazer o que ela deseja, é o
próprio feedback dado pelo adulto. Por exemplo, ao tentar aproximar-se de um
brinquedo, percebe que sua ação de tentar alcançá-lo foi compreendida pela
mãe que prontamente lhe oferece o objeto de sua volição. Algum tempo depois,
usará da estratégia de estender a mão de forma intencional a fim de modificar o
comportamento das pessoas que lhe ajudarão a atingir seu objetivo. Da mesma
forma, ela pode espelhar-se nas ações gestuais do outro, dando sentido às suas
intenções comunicativas.
79
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
80
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
13 anos, ele começou a frequentar a escola, onde aprendeu a língua de sinais. Ele
apresentou bons resultados, após um tempo de adaptação. Ao compreender que os
sinais davam nomes às coisas, seu conhecimento ampliou-se consideravelmente,
por meio do ensino instrucional e da língua de sinais.
Como você viu, as trocas gestuais podem dar origem a uma protolíngua
de sinais. A compreensão dos sinais caseiros enquanto protolíngua parte do
princípio de que esses sistemas compartilham muito das propriedades linguísticas
das línguas de sinais. Essa é a concepção de Fusellier-Souza, uma brasileira que
desenvolve pesquisas em Paris e que estudou uma família com um membro surdo
que não conhecia Libras. Ela chama os sistemas gestuais dos surdos isolados de
Língua de Sinais Primária (LSP). Segundo a autora, uma criança surda congênita,
que nasce em família ouvinte, geralmente é privada de uma aquisição natural
da língua de seu meio, entretanto, se essa criança possui todas as faculdades
cognitivas intactas, no momento em que a maturação se completa, ela manifestará
o desejo de comunicar. Ela argumenta que
81
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
que ouvintes coarticulam com a fala podem servir de input às crianças surdas,
sobretudo na relação entre mãe e filho, no entanto, é imprescindível que haja
um esforço mútuo para buscar a inteligibilidade. Se uma criança surda, no auge
do desenvolvimento da função semiótica, passar a criar gestos espontâneos, a
mãe ou um interlocutor qualquer (geralmente um irmão que tem idade próxima)
precisa, necessariamente, tentar compreender e estimular a produção do surdo.
Em outras palavras, o engajamento comunicacional deve ser buscado e um
conhecimento compartilhado é de suma importância para a intercompreensão.
82
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
• Os sinais de Jo também são compostos por cinco parâmetros como nas línguas
de sinais estabelecidas: A configuração de mão (CM), a orientação da palma, o
ponto de articulação, o movimento e as expressões faciais.
• As configurações de mão de Jo somam um total de 30, enquanto que em outras
línguas esse número, embora variável, seja superior a 60. Isso se deve ao fato
de Jo desconhecer o sistema alfabético manual. Essas CMs, em conformidade
em um estudo desenvolvido por Yau (1992), parecem obedecer às limitações
fisiológicas humanas com relação ao uso das mãos e dedos.
• Com relação às apontações anafóricas que são ativadas no espaço por
sinalizantes de uma língua de sinais estabilizada, Jo era incapaz de utilizá-
las de forma mais elaborada, não apresentando nem locativos estáveis, nem
deslocamentos de um ponto a outro (entre os referentes discursivos localizados
no espaço).
Até aqui foi possível constatar que os gestos podem formar um sistema
que possui algumas características das línguas naturais, sugerindo que surdos
em isolamento linguístico possuem habilidades comunicativas quando em
contato com um interlocutor, mesmo que esse não apresente o mesmo nível
de competência. Entretanto, vimos apenas casos de surdos isolados, a seguir,
veremos como uma língua estabilizada pode surgir a partir de um substrato
gestual.
83
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
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TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
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TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
DICAS
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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
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TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
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TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
testemunhadas desde então. Além disso, uma consciência científica que há alguns
anos tem favorecido as Ciências Humanas e Sociais com publicações dos achados
linguísticos é também um fato importante a ser citado.
Não obstante, isto não impediu que alguns autores enveredassem para
o outro lado. Na França, em 1912, a enquete dialetológica de Brunot pode
ser considerada a tarefa que inaugura o estudo da variação social nesse país
(BOUTET; HELLER, 2007). Da mesma forma, Martinet, “em 1939, escreveu um
estudo monográfico de seu dialeto nativo, que foi publicado após a Segunda
Guerra Mundial (1946) [...]” (KOERNER, 2010, p. 61).
91
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
DICAS
92
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS
apesar do contato entre a Língua de Sinais Francesa (LSF), que veio com os
professores para a primeira escola de surdos do Brasil, e os diversos sinalares dos
alunos que formavam a Libras, atualmente, elas apresentam muita diferença no
nível lexical.
93
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
• Desde que a língua de sinais começou a ser vista como uma língua natural,
muitos pesquisadores se interessaram em estudar a emergência de algumas
delas. Com isso, muitos se depararam com usuários cujos sistemas gestuais
possuem muitas das características de uma língua de sinais estabilizada,
nomeando-os de home signs ou Línguas de Sinais Primárias.
• Embora algumas línguas de sinais, como a LSF, tenham servido de base para
outras línguas de sinais, como a Libras e a própria ASL, com o passar do tempo,
as diferenças lexicais se tornam marcantes, uma vez que toda língua natural
sofre as forças coercitivas da vida local e dos atores que a usam.
95
AUTOATIVIDADE
96
UNIDADE 2 TÓPICO 2
OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E
DA LÍNGUA DE SINAIS
1 INTRODUÇÃO
Você, provavelmente, recorda da primeira unidade, quando foi explicado
o emprego da expressão cinésico-visual para se referir à modalidade da língua
de sinais. Nesta altura, é possível justificar o porquê de evitar usar o termo gesto-
visual para designá-la, uma vez que tratamos disso em quase todo o tópico
anterior. O fato é que, sendo uma língua natural, com seus diferentes repertórios
sociolinguísticos e todas as especificidades de uma linguagem verbal, seria
contraproducente não marcar a diferença que separa gestos e línguas, pois se
tratam de duas linguagens diferentes. Todavia, a motivação também tem a ver com
a visão social de que, diferentemente das línguas faladas, a língua de sinais seria
uma forma de comunicação primária e sem a riqueza simbólica e de abstração.
Os estudos da linguagem gestual ainda não esgotaram sua produtividade,
mas como vimos até aqui, os gestos parecem permitir menos recursividade e
produtividade do que uma língua de modalidade cinésico-visual. É bem verdade
que a linguagem gestual também se realiza dentro dessa mesma modalidade e,
provavelmente, desempenhe um papel muito importante no discurso sinalizado,
mas fica muito difícil separar os dois fenômenos, por isso, ainda de acordo com
Correa (2007), gesto e sinal são complementares na cadeia sinalizada, assim como
o são o gesto e a fala.
Até aqui, foi possível ter uma ampla compreensão de que o surdo possui
capacidades neuro-cognitivas e sociointerativas que permitem desenvolver uma
língua que é o resultado de uma competência simbólica e uma competência
dialógica. Ambas as competências são favorecidas por processos neuroanatômicos
de alto nível, como o processamento linguístico e processos interacionais
complexos como os sociodiscursivos, respectivamente.
Oliver Sacks (2010) descreve seu fascinante encontro com a cultura surda
e a língua de sinais. O autor entrou em contato com a surdez a partir da obra de
Harlan Lane, quando, impactado pelas descobertas, buscou contato com algumas
pessoas que conheciam mais sobre surdez e até mesmo pessoas surdas com quem
convivia, mas a quem nunca havia dado atenção. Além disso, ele foi buscar mais
informações em livros, em seis meses de busca sobre o assunto, encheu suas
prateleiras, até que um amigo lhe forneceu o livro biográfico de David Wright,
do qual já falamos anteriormente, o que abriu ainda mais o seu entendimento e
o permitiu fazer inferências sobre o funcionamento cerebral em caso de surdez.
97
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
Orientado por essas concepções, esse tópico tratará dos seguintes temas:
99
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
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TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
F. – CORNETS ACOUSTIQUES
102
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
DICAS
E atualmente, ainda persistem certos mitos? Esse será o foco dos próximos
subtópicos.
103
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
DICAS
104
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
uma correção. Para isso, não são medidos esforços para aperfeiçoar as técnicas
reparadoras, conforme o que já foi discutido anteriormente quando foi tratado
sobre o implante coclear.
O termo surdo-mudo estabelece uma relação que veicula uma falsa ideia.
Assim como a definição de um dicionário português do termo, como é possível
observar na figura a seguir.
105
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
Não, nem todos os surdos ou as pessoas com redução auditiva fazem uso
da língua de sinais e isso por diversas razões: nunca estiveram em contato com
a língua de sinais, entraram em contato, mas não a aderiram ao seu repertório
oro-facial, não revelam interesse, vivem bem no estilo e se adaptaram à vivência
oralizada e apoiada por gestos, entre outros motivos.
Esses são apenas alguns dos estigmas e falsas crenças dos quais o surdo
é alvo. A seguir, informações adicionais serão fornecidas, dessa vez, referentes
aos mitos sobre a língua de sinais, que, inevitavelmente, refratam sobre os seus
próprios usuários.
106
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
107
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
DICAS
Pode parecer confuso o que foi explicado, por isso é preciso trazer exemplos
concretos. Na categoria “animais de estimação” temos outras subcategorias, tais como: cães,
gatos, peixes, répteis, roedores etc. Dentro de cada uma dessas subcategorias, há outros itens
mais específicos, a sua tipologia. Na subcategoria cães, podemos citar suas raças: bulldog,
chihuahua, pinscher, labrador, entre outros. Se ao chegar em um pet shop, um cliente solicitar
informações sobre ‘animais de estimação’, provavelmente, o atendente solicitará informações
mais precisas sobre que tipo de animal ele tem em mente. Se ao responder, o cliente esclarecer
que se trata de um cão, sem especificar detalhes, ainda assim o atendente precisará saber
a raça ou as qualidades desse animal: porte pequeno ou grande, para apartamento ou para
sítio, pelo alto ou baixo, ou seja, especificações mais tangíveis, uma vez que a classe genérica
é mais opaca e global. O exemplo serve para dizer que, mesmo sendo uma linguagem (parte
de uma categoria maior), uma língua tem seus próprios itens: Inglês, Português, Libras,
Espanhol. Assim, ao se referir à Libras ou à LSF, é preciso utilizar o termo que faz jus ao seu
status e especificação, elas são línguas, pois fazem parte desse subconjunto.
Para quem não a conhece, a língua de sinais parece ser uma simples
versão imagística considerada como um conjunto de gesticulação totalmente
desorganizado. Assim, visto que é comparada aos gestos, a língua de sinais é
subestimada em relação ao seu potencial simbólico e estrutural. Graham Bell
acreditava que “ela era mais ideográfica do que fonética, pouco precisa e carecia
de flexibilidade, de sutilidade e de poder de abstração” (LANE,1979, p.114).
108
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
Entretanto, Stokoe (1960), tendo concluído o que previra Bébian (1825), identificou
que a língua de sinais é composta por unidades combinatórias (os cinemas) que
formam signos duplamente articulados. Do ponto de vista morfológico, é uma
língua flexional, qualidade não compatível com os gestos, uma vez que eles
são mais holísticos (as formas não se decompõem em partes menores) e não
recursivos (não há concatenação de gestos para formar frases, por exemplo).
Ocorre que, devido ao fato de se realizarem na mesma modalidade, gestos e
sinais são muitas vezes confundidos. Outro ponto que agrava essa questão é o
fato de a fala ter sido colocada em uma posição de supremacia em relação aos
gestos que a acompanham. Os estudos em língua de sinais tornaram possível
não somente esclarecer o papel dos gestos com relação às línguas, sejam orais ou
sinalizadas, como também definindo a diferença entre um sistema e outro e sua
complementaridade.
Essa falsa ideia está relacionada com a precedente. Como o que é da ordem
do abstrato não é representável concretamente, as pessoas que desconhecem a
língua de sinais e que a relacionam à mímica ou pantomima, imaginam que elas
sejam sistemas simplificados e que não permitem certos níveis de abstração ou
elaboração de ideias complexas. Isso se dá pelo fato de apresentarem uma dupla
estrutura: uma da ordem lexical e outra da ordem da iconicidade. Em relação ao
que é icônico, ou seja, que carrega traços do referente, faz-se relação com a noção
de transparência. Assim, a crença é de que ela seria transparente quanto ao seu
sentido. Mas não é assim, embora alguns sinais sejam manifestamente icônicos,
eles não são transparentes. Quadros e Karnopp (2004) citam a pesquisa realizada
por Hoemann (1975) que objetivou testar a transparência (decodificação imediata)
de sinais da ASL. Os participantes ouvintes que nunca tiveram contato algum
com a língua de sinais foram expostos a 100 sinais retirados de um dicionário e
que possuíam características fortemente icônicas. A conclusão foi que apenas 30%
dos sinais podem ser correlacionados adequadamente à forma e ao significado.
Vale ressaltar que a iconicidade é relativa de uma língua de sinais para outra,
pois cada comunidade linguística adotará o traço do referente que julgar mais
saliente, além disso, esses traços se perdem para os sinalizantes mais novos que
desconhecem a motivação inicial.
109
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
Esse mito repercute desde que Graham Bell defendeu sua tese de que a
língua de sinais deveria ser extirpada de todos os lugares e em todos os momentos,
pois acreditava que ela prejudicava a integração social do surdo na língua oral,
além de limitá-lo intelectualmente. De lá até hoje, muitos terapeutas da fala
preconizam e difundem essa inverdade. Veja o que diz Santana (2007, p. 146) a
respeito de suas percepções nas entrevistas que realizou com pais e terapeutas de
crianças implantadas:
110
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
Esse mesmo autor diz que a língua de sinais se torna a referência de uma
estratégia político-identitária que os tira do processo de estigmatização do qual
eram vítimas. Diz ele que,
DICAS
Sempre que a palavra ‘surdo’ for grafada com S maiúsculo, significa que se trata
do surdo que se identifica em uma cultura surda em torno de uma língua sinalizada. O termo
foi criado justamente para marcar que há Surdos e surdos, ou seja, os que se identificam
dentro de uma comunidade sinalizada e outra não sinalizada.
Foi somente em 2005, em sua nova obra intitulada Inside Deaf Culture
(Dentro da Cultura Surda), que os autores entram no cerne da questão, discutindo
em torno da noção de cultura surda. Nasce, no seio dessa comunidade, o
sentimento de pertencimento e de identidade que se revela no encontro surdo-
surdo, no seu reconhecimento enquanto coletividade que compartilha a mesma
forma de apreensão do mundo e, sobretudo, no modo como falam desse mundo
por meio da língua de sinais. Segundo Poirier (2005, p. 60),
112
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
foram imputadas. É nesse sentido que se acredita que a noção cultura surda é
uma realidade fabricada (SANTANA, 2007) que acabaria por entretecer uma
relação ambígua e distintiva entre “o Surdo e as outras ‘categorias’ de surdos.
Os ensurdecidos, os oralizados, os deficientes auditivos e os meio-surdos”
(GAUCHER, 2005, p. 159).
6 REPRESENTATIVIDADE SURDA
Outra noção que tem sido permeada por outros sentidos é a de
representatividade, que até recentemente estava mais ligada à representação
política. Hoje em dia, essa noção ganha terreno na reivindicação de grupos
étnicos por mais visibilidade e igualdade de condições na sociedade. A
representatividade surda está alicerçada num conceito novo, o Deaf Gain (ganho
surdo), termo criado por Bauman e Murray em 2009. Ganho surdo é toda e
qualquer mudança favorável para o reconhecimento, acessibilidade, visibilidade
e melhoramentos no estatuto social, político e cultural do surdo. A Lei de Libras
é um ganho-surdo, as graduações em Libras são ganhos surdos, as pesquisas que
têm revelado mais sobre a especificidade dos surdos e da língua de sinais são
ganhos surdos. Do mesmo modo, quando o nome de uma personalidade surda
se destaca na literatura, no teatro ou no cinema, isso também é ganho surdo. Toda
a comunidade ganha, no sentido de reverter a representação social de deficiente
e incapaz, de criar orgulho na comunidade, no fato de serem vistos enquanto
coletividade. E aí reside a cultura surda, no fato de que o ganho de apenas um
membro é também um ganho para toda a comunidade. Além disso, os surdos que
ascendem a lugares de destaque, geralmente, acabam promovendo a sua cultura,
aproveitando-se de sua posição de visibilidade e influência para militar para a
causa surda.
113
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
114
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
Aos três anos, Millie foi para uma escola de surdos, onde ela teve suas
primeiras atuações em peças teatrais.
115
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
DICAS
Vale ressaltar que Millie recorreu ao implante coclear, mas quase não fala
dele. Se você assistir a Um lugar silencioso, verá que o aparelho é um elemento
chave para a trama do filme. Aliás, foi a sua experiência com o aparelho e a
qualidade do som que ela recebe que foram passados ao público pelos técnicos
em sonoplastia. Ao indagarem Millie e sua mãe sobre o que o aparelho permitia
ouvir, elas responderam que não é perfeito, só sons abafados, não claros. Assim,
os operadores de áudio, de posse dessa informação, fizeram um jogo de sons
diferentes (audível/abafado) para demarcar as perspectivas das personagens (cf.
116
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS
reportagem colhida por Tara Bennett, da revista on-line Syfywire. Disponível em:
<http://www.syfy.com/syfywire/secrets-behind-the-sound-design-of-a-quiet-
place>. Acesso em: 24 abr. 2018).
117
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:
• Do mesmo modo, a sua língua de sinais pode ser alvo de preconceito pelo
fato de sua modalidade ser a mesma da dos gestos. Assim, faz-se confusão,
colocando ambos os sistemas no mesmo nível. Os principais mitos giram em
torno de sua imaginada universalidade, suas propriedades icônicas, a falsa
crença de que teria deficiências gramaticais e dificultaria a abstração.
• É nesse espaço que o surdo se encontra com seus pares e ali começa o primeiro
despertar surdo, enquanto sujeito com uma identidade. Forças externas, no
entanto, acabaram dissolvendo essa forma de educação e suprimindo o direito
do surdo de ser educado em sua língua.
118
AUTOATIVIDADE
119
FIGURA 12 – LÍNGUA DE SINAIS BRITÂNICA
120
UNIDADE 2 TÓPICO 3
1 INTRODUÇÃO
Como futuro licenciado, cujo principal instrumento de trabalho será a
Libras, convém conhecer como a cultura surda é organizada em torno da língua
de sinais, de quais os mitos e ideias preconceituosas é preciso se despir e quais são
as resistências que marcam o processo da verdadeira inclusão socioeducacional
dos surdos. Por isso, toda a discussão do tópico anterior é muito importante para
nos fazer questionar a história e as práticas pedagógicas que foram adotadas e
de como se baseavam em representações negativas do surdo e de sua língua.
Diacronicamente, a educação de surdos no Brasil, segundo uma visão macro,
está relativamente melhor, em comparação ao processo histórico dramático
pelo qual passou. Sob uma perspectiva sócio-histórica e linguístico-cultural, a
educação de surdos tem ficado em evidência, embora, em um aspecto micro,
haja muito a ser reelaborado e redefinido (NASCIMENTO; BEZERRA, 2014).
Para isso, precisamos identificar as dificuldades que os surdos enfrentam na área
educacional, causadas pelo despreparo dos professores em promover os seus
direitos linguísticos. Cabe à área educacional estar atenta a isso a fim de assumir
a responsabilidade de, através da prática docente, minimizar as injustiças sociais
e promover uma educação libertadora e ética.
122
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
123
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
124
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
Nesse quesito, Pereira (2009) fez uma análise do livro que foi enormemente
divulgado nos programas da Feneis e usado para a formação de instrutores e
professores de Libras, o “Libras em contexto”. Segundo a autora, a demanda
por professores e materiais, que foi impulsionada pela Lei de Libras, foi
apressadamente respondida com a criação de livros didáticos sem embasamento
teórico coerente. A conclusão de sua análise revela que: O livro didático apresenta
sinais regionais locais, sem alertar para os casos de variação; apresenta deficiências
em relação à explicação gramatical das frases interrogativas; é controverso,
pois embora a autora declare determinadas posturas em suas orientações, os
exercícios não as refletem (exercícios mecânicos anteriormente rejeitados em
sua orientação); a abordagem é psicolinguística e, apesar de carregar o termo
“contexto”, o uso pragmático não foi considerado. Essas constatações servem
de alerta, pois ela denuncia um problema: os aprendizes de Libras como L2
estão recebendo informações contraditórias e confusas e, visto que esse mesmo
material foi usado para a formação de instrutores que trabalham com crianças
surdas, essa constatação serve também para o ensino de L1. A autora conclui que
o material e os métodos não favorecem um aprendizado contextualizado e que
incentive o uso e que a aprendizagem de Libras requer um método de ensino
diferente no caso de público surdo ou ouvinte, crianças ou adultos. Diante disso,
há urgência em reavaliar tanto os métodos quanto as práticas de ensino de Libras
como segunda língua.
• As falsas crenças de que basta ser fluente em determinada língua para ser
apto a ensiná-la ou traduzi-la.
Essa é uma representação e que não condiz com uma postura ética
em relação à responsabilidade de se trabalhar com a construção humana do
conhecimento, ou seja, trabalhar em uma área que visa o desenvolvimento
intelectual e de letramento de pessoas. Um professor precisa não somente
conhecer seu objeto de estudo, mas também saber explicar o que sabe, adequando
a linguagem para se fazer compreender. Um professor precisa planejar a
exposição do seu objeto de estudo e pesquisa, ele precisa pesquisar sobre como
aquele objeto se construiu historicamente, precisa estar ciente de que seu objeto
traz com ele ideologias sociopolíticas e culturais, despertando os alunos para essa
realidade. Um professor precisa ser ético, questionando sua prática sem permitir
que suas próprias concepções sejam manifestadas na forma em que conduz o
seu trabalho, ele precisa avaliar constantemente não somente os alunos, mas a si
mesmo e o seu fazer pedagógico. Um professor precisa estar aberto às discussões
da coletividade (alunos, colegas, coordenadores, equipes de apoio e funcionários
da escola), pois a construção do conhecimento não se faz isoladamente. Um
professor precisa estar ciente de sua localização temporal, social e histórica e os
elementos que podem afetar a sua prática. Ele precisa estar atento ao processo
de institucionalização do saber e pensar fora da caixa, interdisciplinarmente ou
indisciplinarmente.
125
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
126
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
3 PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM
Há várias décadas, as teorias da Psicologia servem de base para a
construção e reconstrução de métodos de ensino que moldam as práticas
pedagógicas e o entendimento sobre a aprendizagem. Contudo, ela não deve
ser uma disciplina prescritiva ou normativa. Ela deve ser entendida como uma
disciplina que fornece instrumentos, conceitos e modelos suscetíveis a ajudar o
professor a melhor gerir sua prática profissional.
Barnier (2010) descreve pelo menos três razões pelas quais os professores
devem se interessar pela psicologia da aprendizagem:
127
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
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TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
130
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
Conforme tudo o que foi exposto, vale trazer uma reflexão, mesmo que
breve, sobre algumas dessas abordagens teóricas para o ensino no surdo. Sabe-se
que a abordagem tradicional é absolutamente inadequada para os aprendizes de
forma geral, mas ainda mais para os surdos, pois ela não considera a individualidade
e a heterogeneidade do grupo. Além disso, o conservadorismo metodológico
com ênfase na transmissão verbal falada e escrita desconsidera a possibilidade
de adaptar os materiais e a didática ao sujeito surdo, obrigando-o a se submeter
aos moldes pré-formatados existentes. Quanto à abordagem comportamentalista,
a questão do estímulo é importante, mas no contexto em que um surdo precisa
repetir palavras para aprender a falar, torna-se algo extremamente fastidioso e
artificial, quase que mecânico. A epistemologia genética continua sendo até hoje
uma abordagem bastante aceita, infelizmente, ela possui certas limitações no que
concerne ao papel afetivo e dos aspectos sociais na aprendizagem, pois sabe-se
da importância do encontro surdo-surdo, das interações entre pares em língua de
sinais para a construção da identidade do surdo, ponto central de sua motivação
à aquisição de novas competências. E a isso, a abordagem interacionista pode ser
associada, uma vez que da necessidade de comunicar são favorecidos os aspectos
linguísticos e também todo o aspecto cognitivo e de aprendizagem.
A seguir, será detalhado o modo de se construir um projeto de ensino de
Libras, contemplando várias etapas do processo.
131
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
DICAS
132
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
Baseado no que foi exposto, é preciso entender que um currículo pode ser a
133
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
134
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
Todos esses passos são bastante complexos, por isso aconselho a estudar
esse autor, pois traz muitas informações importantes e claras sobre todos os passos
de criação de um projeto. Seguindo o nosso estudo, buscaremos compreender as
peculiaridades da aprendizagem intermodal de surdos e ouvintes.
135
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
que ouvintes podem vir a adquirir fluência quase naturalmente pelo contato com
a cultura surda, em outras palavras, não há a necessidade de seguir um curso,
pois o contato linguístico lhe permite comunicar e desenvolver o repertório
sinalizado na interação com pares surdos. O terceiro contexto refere-se a um
grupo (professores, pais, família, membros de igreja, amigos) que, desejando ou
necessitando aprender Libras, buscam uma formação. Nessa terceira condição, ou
o convívio não é suficiente, ou o interlocutor surdo não é habilitado para repassar
um conhecimento linguístico consistente, interferindo tanto na qualidade das
interações quanto na consistência das informações em L2 intermodal, ou ainda,
o aprendiz não tem contato com nenhum interlocutor. Veja um exemplo dessa
gradação na figura a seguir.
FONTE: A autora
• De produção
• Cognitivas
Ouvintes Surdos
Recebem input auditivo de língua Não possuem acesso aos inputs
portuguesa desde o nascimento. linguísticos de língua portuguesa e,
1 mesmo implantados, não há garantias
de que o acesso aos sons seja estável e
operativo.
A língua portuguesa é sua língua A língua portuguesa é uma língua
2
materna. ‘estrangeira’.
Comunicam em sua língua e têm a Em sua maioria, sua comunicação é
possibilidade de aprender outros rudimentar, pois poucos têm acesso a uma
3
repertórios. língua que lhes seja natural, com isso, o
acesso a outros repertórios é dificultado.
Adquirem a língua portuguesa oral Aprendem a língua portuguesa por
naturalmente. instrução sistemática: oral, nas terapias
fonoaudiológicas; escrita, quando as
4
famílias lhes incentivam a desenvolver
práticas de leitura desde cedo ou, na
maioria dos casos, tardiamente na escola.
137
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
FONTE: A autora
DICAS
138
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
139
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
QUADRO 4 – POSSÍVEIS MEDIDAS PARA UMA EFETIVA EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS
Constatações Medidas
Não possuem acesso aos inputs É por meio de inputs visuais que os
linguísticos de língua portuguesa e, surdos acessam o mundo e criam suas
mesmo implantados, não há garantias representações mentais, por isso, a
de que o acesso aos sons seja estável e língua de sinais e os signos visuais de
operativo. diversas naturezas são eficazes para o seu
1
desenvolvimento. A língua portuguesa
pode ser introduzida por meio de
literatura escrita e imagética.
A família e a sociedade são responsáveis
de fornecer esse acesso.
A língua portuguesa é uma língua A língua portuguesa pode tornar-se
‘estrangeira’. uma língua adicional (LA), caso os
surdos tenham acesso a práticas de
2
ensino consistentes e que façam sentido
para eles. É dever da família e da escola
proporcionar isso.
Em sua maioria, sua comunicação é A língua de sinais é o repertório natural
rudimentar, pois poucos têm acesso a do surdo, por meio da qual ele poderá ter
uma língua que lhes seja natural, com acesso a outros repertórios, mesmo que
3 isso, o acesso a outros repertórios é de modalidades diferentes.
dificultado. A família e a sociedade como um todo
devem favorecer a aquisição da Libras
pelas crianças surdas.
Aprendem a língua portuguesa A oralização não pode preceder a
por instrução sistemática: oral, nas aquisição natural de uma língua
terapias fonoaudiológicas; escrita, sinalizada, mas, a partir dela, o surdo
quando as famílias lhes incentivam pode sentir-se motivado a desenvolvê-la.
a desenvolver práticas de leitura A escrita deveria ser introduzida desde
4 desde cedo ou, na maioria dos casos, cedo por meio de literatura.
tardiamente na escola. A sociedade ouvinte não deve impor o tipo
de comunicação que o surdo irá adotar,
mas deve oferecer-lhe possibilidades de
escolhas, mostrando-lhe a importância de
cada uma delas.
Seu contato prévio em contextos As práticas linguísticas em língua
5 linguísticos significativos de língua adicional devem ser contextualizadas e
portuguesa é insuficiente. significativas.
Não podem ter consciência fonológica Podem vir a desenvolver a consciência
6 de uma língua oral auditiva. fonológica de uma LA por meio de sua
língua natural (LN).
As escolas, em grande parte, não estão Um projeto verdadeiramente bilíngue
preparadas para recebê-los, pois as poderá dar conta dessa situação.
7
práticas de ensino em língua portuguesa
e língua de sinais são incipientes.
140
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS
141
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO
142
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:
• O surdo tem direito à igualdade de condições, isso não significa que será
utilizada a mesma metodologia, mas sim que precisamos eliminar de sua
aprendizagem as situações em que ele poderia estar em desvantagem. Assim,
é preciso respeitar sua especificidade, oferecendo-lhe a oportunidade de
desenvolver-se conforme o seu modo de percepção e organização cognitiva.
143
AUTOATIVIDADE
144
UNIDADE 3
FUNÇÕES COMUNICATIVAS E
FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E
DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-
contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 1, foi discorrido sobre a construção de uma linguística de
caráter científico, passando por correntes como as estruturalistas e as gerativistas
até citar a existência de uma corrente chamada Funcionalismo, que deixamos
para apresentar mais profundamente aqui. Como foi possível atentar, uma
nova concepção de linguagem verbal começava a surgir nas pesquisas, o que foi
discutido na seção sobre a Psicolinguística na Unidade 1 e na de Sociolinguística na
Unidade 2. A atenção voltou-se para o que até então não era alvo dos programas
da Linguística: as questões de uso e os processos implicados nos contextos de
fala. Sobre esse aspecto, salienta Franchi (1991, p. 7) que
um recorte para o qual foi extraída a langue do âmbito heteróclito das práticas
linguageiras. Do mesmo modo, Chomsky extraiu a performance do seu escopo
de pesquisa e ainda separou as cadeias sintáticas do seu significado. Com a
sentença “Colorless green ideas sleep furiously" ("Ideias verdes incolores dormem
furiosamente”) (CHOMSKY, 1957), ele mostrou que sintaxe e semântica podem
andar separadamente, uma vez que é possível fazer combinações sem atentar
para o que o conjunto significa. A busca pelos universais linguísticos marca uma
ruptura com a diversidade que se encontra nas performances de sujeitos reais
que fazem uso da língua. Por isso, a partir dessa perspectiva reducionista, a
linguagem verbal passou a ser investigada de forma fracionada, limitada a alguns
níveis estruturais passíveis de serem decompostos, combinados e substituídos
formalmente, conforme as exigências de uma certa ‘cientificidade’.
148
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
2 FUNCIONALISMO EM LINGUÍSTICA
Antes de iniciar o estudo do Funcionalismo em Linguística, cumpre
ressaltar que há diversos funcionalismos circunscritos em várias disciplinas e áreas
do conhecimento: em Antropologia, em Sociologia, em História, em Arquitetura e
até mesmo em Relações Internacionais. O Funcionalismo em Linguística tem uma
longa data. Segundo Pezatti (2004), a concepção funcional da linguagem verbal
é mesmo anterior ao Estruturalismo, sendo Whitney (1827-1894) e Herman Paul
(1846-1921) dois de seus precursores.
150
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
151
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
152
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
153
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Note que não se pode formular uma sentença do tipo: *‘Eu no fim de
ao show fui semana’. Essa estrutura é agramatical, por isso é marcada com o
asterisco. Isso significa que os elementos cumprem funções dentro de uma
sentença e só podem ser substituídos por elementos com a mesma função. Os dois
últimos exemplos se referem à função c) interna ao código, ou seja, estabelece-
se nas relações entre os signos que compõem a mensagem e que podem estar
organizados no nível paradigmático (referente à possibilidade de escolhas de
substituição), semântico e sintático.
154
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
155
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
156
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
Função conativa seu uso serve para influenciar a pessoa com quem se está
falando, ou para provocar algum efeito prático.
157
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
• Função emotiva
• Função conativa
• Função fática
158
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
• Função poética
• Função metalinguística
159
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
160
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
161
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Modo de preparar
Dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue
fervido e deixe gelar seu
coração.
Leve a mistura ao fogo,
adicionando dois conflitos
de gerações às esperanças
perdidas.
Corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos
Beatles o mesmo processo
usado com os sonhos eróticos,
mas desta vez deixe ferver
um pouco mais e mexa até
dissolver.
FONTE: Behr Nicolas. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder
(Org.). Poesia jovem anos 70. São Paulo: Abril, 1982.
162
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
é preciso, antes de tudo, conhecer o aluno e sua proveniência a fim de adotar uma
metodologia adequada a cada necessidade. Por exemplo, não podemos usar os
mesmos gêneros para surdos e ouvintes, pois as relações de cada grupo com esse
tipo de instrumentos são diferentes.
163
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
164
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
Humberto foi criado na década de 1960, pelo Maurício, pensando nas milhares de
crianças mudas que existem e que, mesmo sem poder falar, são ativas, normais,
saudáveis... que vivem e brincam como qualquer criança. Ele é uma homenagem
do Maurício a essas crianças” (Disponível em: <http://turmadamonica.uol.com.
br/personagem/humberto/>. Acesso em: 3 ago. 2018).
6 LINGUÍSTICA APLICADA
A discussão da seção anterior, embora breve, remete ao que já foi falado
em outros momentos neste caderno: um professor precisa saber refletir sobre
suas escolhas, adotando um fazer teórico-metodológico adequado, avaliando
constantemente a sua prática pedagógica, a fim de se desvencilhar dos preconceitos
e das ideologias que podem estigmatizar seus alunos ou um determinado grupo.
Além disso, como já foi introduzido neste tópico, é preciso estimular reflexões
meta e epilinguísticas, assim como defende Franchi (1991, 2002). A perspectiva
metalinguística se estabelece pela explicação do funcionamento linguístico por
meio da própria língua, ou seja, basicamente o que se faz nos dicionários, nas
gramáticas, numa aula de Libras ou Português. Já a perspectiva epilinguística vai
muito além da dimensão estrutural ou gramatical, pois se estende para o contexto
de uso, da língua em ação nas situações reais de interação discursiva.
165
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Gladis: Tem um surdo, ele estuda em outra escola e às vezes vem aqui falar
com os nossos surdos. Ele aparece aqui na escola e fica tentando falar com o
guarda na língua dele, com os professores, mas ninguém entende nada do que
ele diz. Ele não fala nada de português, eu acho que a obrigação dele era andar
com um lápis e um papel na mão para escrever o que ele quer saber. Se ele não
fala português, tem que estar com papel e com a caneta, porque a caneta é a voz
dele, né? E aí ele pergunta o que ele quer saber, não é? [Excerto 2: entrevista
gravada (áudio) com a professora da escola regular; data: 08/04/2003.] p. 228.
_____________________________________________________________________
Rute: A Sandra [mãe] no início ficava muito preocupada com o conteúdo, com
o André aprender escrever direito, com os artigos, os verbos tudo certinho, e
eu dizia para a Sandra que além do conteúdo, isso não era o mais importante,
a escola devia estar preparando o André para a vida, a escola para ele ia ser
uma referência de vida em sociedade: ele tinha que saber lidar com dinheiro,
tomar um ônibus, ir no supermercado fazer uma compra, além do conteúdo,
ser um cidadão. Então a gente começou a trabalhar uma coisa bem diferenciada
junto com ele. E olha, o André foi o meu maior desafio! [Excerto 63: entrevista
gravada (áudio) com professora da escola regular; data 30/09/2003.] p. 235.
A professora Rute, por outro lado, compreende que muito mais importante
do que o “escrever bem” é a construção das práticas em sociedade. Do mesmo
modo, Cavalcanti e Silva (2007, p. 234) ressaltam que a professora Joana
166
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL
167
RESUMO DO TÓPICO 1
• Com a nova concepção sobre a linguagem verbal, passou-se a dar ênfase ao uso
e aos contextos de interação, uma vez que apenas as investigações formais não
podem dar conta da complexidade criadora e dos processos de significação e
sentido que são atualizados na prática discursiva.
• Dentro dessa nova concepção, surge uma nova vertente teórica, chamada de
Funcionalismo. Essa corrente trouxe várias contribuições para o entendimento
de como a linguagem verbal cumpre determinadas funções e de como o
componente discursivo é essencial para trazer à luz os aspectos estruturais.
• Nesse intuito, a Linguística Aplicada pode ser uma grande aliada, haja vista
sua atual convergência à análise crítica do uso da linguagem, sobretudo no
contexto de ensino-aprendizagem.
168
AUTOATIVIDADE
Leia atentamente o excerto abaixo e faça uma breve análise entre sete e dez
linhas ou vídeo de até 1:30 (um minuto e meio), indicando e respondendo:
4 Rute se refere a que ao declarar: “eu não me sentia preparada para isso”?
Rute: Não é que eu era contra, mas eu não me sentia preparada para isso,
mas ninguém vai preparar, pode vir qualquer Secretário da Educação,
qualquer Ministro da Educação, ele não vai te preparar um professor para
receber um aluno deficiente... é o professor que tem que se capacitar, então
eu corri atrás do prejuízo, li muito a respeito, fui fazer o curso de Libras,
esse ano eu também fiz o curso de Libras aqui na escola o ano inteiro, então
penso assim, se a gente não busca, o outro não vai dar de mão beijada [...]
(CAVALCANTI; SILVA, 2007, p. 236).
169
170
UNIDADE 3
TÓPICO 2
1 INTRODUÇÃO
O Tópico 1 serviu de base para entrarmos no cerne gramatical, expressivo
e comunicativo da língua de sinais e de como ela pode preencher todas as funções
da linguagem verbal. Certamente, com a língua de sinais é possível expressar
todas as funções que Jakobson descreveu: a referencial, a emotiva, a conativa, a
fática, a poética e a metalinguística. Entretanto, como a Libras não tem uma escrita
completamente difundida e padronizada, os gêneros discursivos são, sobretudo,
veiculados por meio de um importante recurso, que é o do vídeo registro.
Com efeito, parece haver uma relação muito estreita com os avanços
das tecnologias da comunicação digital e o discurso sinalizado mediado por
computador, uma vez que, com a web 2.0, é possível veicular vários tipos de
textos, inclusive em línguas de sinais. Segundo Androutsopoulos (2010, p.
203), nesse meio digital “os principais objetos de análise são os 'espetáculos
vernaculares' - isto é, conteúdo multimídia produzido fora das instituições de
mídia e carregado, exibido e discutido em sites de compartilhamento de mídia,
como o YouTube”. São basicamente os espetáculos sinalizados, entendidos como
práticas linguageiras e sociais, que serão usados como pontos de observação para
a análise da expressividade discursiva sinalizada aqui discutida.
171
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Até aqui, foi possível compreender como uma língua de sinais, motivada
pelo uso de uma comunidade, passa dos aspectos gestuais idiossincráticos para
uma estrutura mais evoluída, gramaticalizando-se. Do mesmo modo, uma língua
só pode ser aprendida no uso regular e no contato assíduo com interlocutores
proficientes nessa língua.
172
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
173
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
174
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
O exemplo abaixo usa o mesmo sinal de PESSOA anterior, mas dessa vez
utiliza o sinal de entidade, que é repetido quantas vezes forem necessárias. Mais
de quatro vezes, inflando as bochechas e cerrando um pouco os olhos, dá-se a
noção de intensidade, por isso significa que há realmente uma multidão. Essa
estratégia é bem produtiva em Libras.
DICAS
175
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
176
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: Portal de vídeo aulas da USP. Timecode 00:02:41. Disponível em: <http://
eaulas.usp.br/portal/video.action?idItem=6576>. Acesso em: 26 jul. 2018.
178
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: Signa - Cursos online para surdos. Timecode 00:00:10. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XzNQw_2QA0k>. Acesso em: 26 jul. 2018.
179
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Com todos esses exemplos, fica evidente que a Libras é uma língua e
naturalmente produtiva em termos de expressividade. Vamos continuar esse
tema mais adiante.
180
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
181
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
182
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
DICAS
183
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Perceba, então, que uma análise sinalizada só pode adotar como ponto
de partida o contexto de uso, uma vez que não é possível compreender todas
as instâncias combinatórias e semânticas pela aprendizagem de sinais/palavras
isoladas em um dicionário ou glossário. Além do mais, uma análise de discurso
sinalizado precisa abranger todos os eixos da construção e atualização textual
em uma situação definida, ou seja, deve levar em conta os elementos lexicais,
estruturais, discursivos e pragmáticos.
184
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
DICAS
185
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
186
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
187
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
DICAS
188
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
DICAS
189
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: Tempo de Poesia - Todas as manhãs (em Libras), de Conceição Evaristo. Timecode
00:00:17 a 00:00:27. Disponível em: <https://youtu.be/yOh-uU-BlEk>. Acesso em:11 ago.
2018.
190
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS
192
AUTOATIVIDADE
Com base na última seção sobre poesia surda, visualize o poema Canção do
exílio (Disponível em: <https://youtu.be/I2C7fOg8Fpg>. Acesso em: 11 ago.
2018). Identifique sequências que apresentem:
- uma pausa;
- uma repetição;
- uma composição para marcar o plural (visto na seção 2)
Faça capturas de tela e indique o tempo em que o exemplo que você escolheu
aparece. Seguindo o modelo da figura a seguir.
Timecode 00:01:40 a 49
193
194
UNIDADE 3
TÓPICO 3
FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM
LÍNGUA DE SINAIS
1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao último tópico desta unidade. Partimos de questões mais
teóricas que permitiram vislumbrar as mudanças de concepções de estudar
e analisar a linguagem verbal, demonstrando a importância de se trabalhar
com dados linguísticos reais. Em seguida, foram abordadas as características
propriamente expressivas da Libras e como a corporalidade é estrategicamente
utilizada para a manifestação simbólica e sígnica, ou seja, as manifestações
linguísticas. Nesse tópico, avançaremos para o aprofundamento de certas
estratégias discursivas e de certos aspectos linguísticos relevantes para o discurso
sinalizado. Assim, entramos num momento mais prático de nosso caderno, pois
todos os conceitos serão ilustrados com exemplos de discursos reais.
Para ler o artigo cujo título é “Cognição, cultura e funções sígnicas: uma análise
da mediação semiótica no desenvolvimento histórico, social e linguístico do
sujeito surdo”, disponível em: <http://www.cienciasecognicao.org/revista/
index.php/cec/article/view/435>. Acesso em: 13 ago. 2018.
195
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
196
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
A partir dessa rápida introdução, daremos início a este tópico que tratará
dos seguintes objetivos:
Relatar eventos, sejam fictícios ou reais, faz parte da vida cotidiana humana.
Não há sociedades sem relatos e não há relatos sem estratégias discursivas. Em
língua de sinais não poderia ser diferente. Morgan (1998, p. 6), ao estudar o
discurso em língua de sinais, faz a seguinte colocação:
199
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: A vida em libras – é festa 1. Timecode 00:06:01 a 00:06:03. Disponível em: <http://
tvines.org.br/?p=17666>. Acesso em: 14 ago. 2018.
FONTE: A vida em libras – é festa 1. Timecode 00:04:37 a 00:04:39. Disponível em: <http://
tvines.org.br/?p=17666>. Acesso em: 14 ago. 2018.
200
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
201
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: Contação de histórias – pedroca, o menino que sabia voar. Timecode 00:01:05 a
00:01:07. Disponível em: <http://tvines.org.br/?page_id=18200>. Acesso em: 14 ago. 2018.
202
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: A vida em libras – café. Timecode 00:03:00 a 00:03:03. Disponível em: <http://tvines.
org.br/?page_id=18577>. Acesso em: 14 ago. 2018.
FONTE: Primeira mão – 16/08/18. Timecode 00:01:57 a 00:01:59. Disponível em: <http://tvines.
org.br/?page_id=14485>. Acesso em: 14 ago. 2018.
203
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
204
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: A autora
Vejamos, por meio de recortes reais de uso, alguns exemplos (figuras 37,
38 e 39) que envolvem processos simultâneos. Comecemos com um exemplo que
ilustra a simultaneidade envolvendo itens lexicais, classificadores e expressão
facial.
205
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
206
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode 00:02:50. Disponível
em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.
O uso simultâneo é uma habilidade que deve ser muito bem trabalhada
metodologicamente, pois, segundo Neves (2011, p. 19),
207
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
5 REPRESENTAÇÕES SEMÂNTICO-COGNITIVAS
No Subtópico 4, fez-se uma abordagem sobre transferências que, segundo
Pizzutto et al. (2006, p. 140), “são concebidas como vestígios de operações
cognitivas por meio das quais os sinalizantes transferem sua concepção do
mundo real para o mundo tetradimensional do discurso sinalizado”. Por causa
da especificidade do uso de transferências da modalidade cinésico-visual, o surdo
desenvolve representações semântico-cognitivas que, de acordo com Kapitaniuk
(2011, p. 67), envolvem
208
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
linha de pesquisa defende que “a relação entre palavra e mundo é mediada pela
cognição. Assim, o significado deixa de ser um reflexo direto do mundo, e passa a
ser visto como uma construção cognitiva através da qual o mundo é apreendido
e experienciado” (FERRARI, 2014, p. 14).
Se você não puder ver a sequência em vídeo, as setas com linhas pontilhadas
se referem a movimentos externos dos antebraços e as linhas contínuas remetem
a movimentos internos dos dedos.
209
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
Perceba que a língua oral, para que a explicação fique clara, precisa usar
de diagramas visuais para dar entendimento de como se forma esse fenômeno, já
em língua de sinais, isso é dado por meio dos recursos visuais icônicos que fazem
parte dela. Entretanto, certamente, é preciso ter uma certa habilidade cognitiva
para chegar à compreensão e uma certa habilidade cinésica para poder passar essa
210
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
FONTE: A autora
212
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS
213
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS
214
RESUMO DO TÓPICO 3
215
AUTOATIVIDADE
Atividade prática
Nesta unidade foram apresentados diversos temas e exemplos a respeito
da funcionalidade da linguagem verbal, sobre os gêneros discursivos e sua
análise, sobre a expressividade e as estratégias discursivas da língua de sinais.
Com base nesse aprendizado, você deverá analisar um vídeo disponível em:
<https://youtu.be/Kx3JV2UuXFE>. Acesso em: 7 ago. 2018. Ele está legendado
para facilitar a compreensão.
216
3 Uma transferência de situação.
218
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