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Língua Brasileira de Sinais –

Libras II
Rosemeri Bernieri de Souza

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Rosemeri Bernieri de Souza

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

SO729l

Souza, Rosemeri Bernieri de

Língua brasileira de sinais - libras II. / Rosemeri Bernieri de


Souza – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

239 p.; il.

ISBN 978-85-515-0204-4

1.Língua de sinais – Brasil. 2.Lígua brasileira de sinais. II. Centro


Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 419
Apresentação
Prezado acadêmico! É com imenso prazer que apresento a você
a disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras II. Este caderno foi
formulado com base em estudos recentes e tradicionais, tendo como
objetivo apresentar as orientações teóricas e metodológicas que permitirão
refletir sobre o conhecimento acerca das questões e debates que envolvem
a linguagem verbal humana, as especificidades das línguas de sinais e as
funções da linguagem falada e sinalizada.

Este material aborda diferentes concepções, tendo o intuito de


problematizar os temas propostos e possibilitar uma visão ampla dos
diversos aspectos relacionados à capacidade simbólica de lidar com signos,
sejam eles verbais ou não.

A Libras é uma língua que se destaca pela sua modalidade cinésico-


visual que, como toda língua natural, tem estrutura interna e externa. A
Libras, assim como outras línguas, é dinâmica e está sempre em processo de
desenvolvimento e ampliação.

Pretendemos destacar, neste livro de estudos, a importância de se


conhecer mais sobre o cérebro humano e os aspectos sociais, ressaltando
que a linguagem verbal tem sua parte psicofisiológica, mas está também
completamente relacionada com outros fatores externos, como a interação
social e o contexto de comunicação. Em suma, o recorte de estudo da
linguagem verbal para esta disciplina tomará pelo menos três perspectivas
bem demarcadas: a psicobiológica, a sociocultural e a funcionalista. A cada
momento, especificaramo as posições das quais os teóricos ou vertentes
discursivizam.

Na Unidade 1, apresentaremos os aspectos relevantes sobre a relação


entre a linguagem verbal e a atividade cerebral, aprofundando temas como
a abordagem científica da língua, sua aquisição e processamento. Também
será estudada a relação entre cérebro e linguagem verbal, abordando o
funcionamento cerebral em caso de surdez, o implante coclear e a afasia
de sujeitos surdos sinalizantes. Concluindo a unidade, serão abordados os
estudos em neurociências e a importância da interação social para a aquisição
e desenvolvimento da linguagem verbal.

Na Unidade 2, serão abordadas a emergência e evolução das línguas


de sinais, trazendo à discussão os processos envolvidos na passagem
de sistemas gestuais caseiros para as línguas sinalizadas. Buscaremos
desmistificar alguns preconceitos contra o surdo e sua língua, apontando
mitos que veiculam na sociedade a fim de situar a Língua de sinais enquanto
língua natural e abordar a cultura, a identidade e a representatividade do
III
surdo. Em um terceiro momento, focaremos o ensino e a formação de surdos
e para surdos, adotando um olhar atual sobre as maneiras de repensar o
ensino e aprendizagem para esses sujeitos, além de discutir sobre os aspectos
psicológicos, pedagógicos e tecnológicos para a sua educação.

Na Unidade 3, apresentaremos as funções comunicativas da


linguagem humana, quando discutiremos o funcionalismo em linguística e
os tipos de gêneros e textos discursivos em Libras. Abordaremos também
outras áreas que podem ser muito importantes para a língua de sinais, como
a análise do discurso e a linguística aplicada. Em um segundo momento,
focaremos na gramática e na função comunicativa das línguas de sinais. Bem
como versaremos sobre a corporalidade, os aspectos narrativos e a literatura
nessa língua. Para finalizar o caderno, introduziremos alguns aspectos mais
estruturais sobre a construção discursiva em língua de sinais, abordando
algumas estratégias anafóricas, simultâneas e semântico-cognitivas.

Desejo a você um bom estudo!

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM...................... 1

TÓPICO 1 – LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS


PSÍQUICOS........................................................................................................................ 3
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 LÍNGUA E LINGUAGEM.................................................................................................................... 5
3 O STATUS CIENTÍFICO DA LINGUAGEM VERBAL................................................................. 8
4 PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM VERBAL......................................................................... 14
5 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM......................................................................................................... 18
6 A IDADE CRÍTICA PARA A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM................................................... 20
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 23
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 24

TÓPICO 2 – O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS................. 25


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 25
2 RELAÇÃO ENTRE CÉREBRO E LINGUAGEM VERBAL............................................................ 29
3 FUNCIONAMENTO CEREBRAL EM CASO DE SURDEZ......................................................... 32
4 SURDEZ, LÍNGUA DE SINAIS E AFASIA...................................................................................... 36
5 SURDEZ E IMPLANTE COCLEAR................................................................................................... 40
6 ALGUMAS PESQUISAS COM SURDOS IMPLANTADOS........................................................ 42
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 46
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 47

TÓPICO 3 – NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS........................ 49


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 49
2 IMPLICAÇÕES NEUROLINGUÍSTICAS DO CÉREBRO BILÍNGUE ..................................... 51
3 PROBLEMATIZANDO A HIPÓTESE DO PERÍODO CRÍTICO À LUZ DA
NEUROLINGUÍSTICA........................................................................................................................ 55
4 A IMPORTÂNCIA DA SOCIOINTERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO E DA LINGUAGEM.................................................................................................... 57
5 A IMPORTÂNCIA DA EXPOSIÇÃO À LÍNGUA PARA O DESENVOLVIMENTO DA
CRIANÇA SURDA................................................................................................................................ 62
6 NEUROCIÊNCIAS E EDUCAÇÃO ................................................................................................... 65
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 70
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 71

UNIDADE 2 – A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO................................ 73

TÓPICO 1 – EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS.................................. 75


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 75
2 DO GESTUAL AO LINGUÍSTICO.................................................................................................... 77
3 HOME SIGNS (LÍNGUAS DE SINAIS CASEIRAS)....................................................................... 80
4 EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS................................................................................... 83
5 A EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS................................................................................... 87

VII
6 SOCIOLINGUÍSTICA DA LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................... 90
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 95
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 96

TÓPICO 2 – OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA


DE SINAIS.......................................................................................................................... 97
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 97
2 SURDEZ E ESTEREOTIPIA SOCIAL................................................................................................ 99
3 MITOS SOBRE O SUJEITO SURDO................................................................................................ 103
4 MITOS SOBRE LÍNGUA DE SINAIS............................................................................................... 107
5 CULTURA E IDENTIDADE SURDA................................................................................................ 111
6 REPRESENTATIVIDADE SURDA.................................................................................................... 113
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 118
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 119

TÓPICO 3 – ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS................................................................. 121


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 121
2 ENSINO DE LIBRAS: QUESTÕES DIDÁTICAS E METODOLÓGICAS................................. 124
3 PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM ............................................................................................. 127
4 PROJETO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE E EM LIBRAS................................................ 132
5 DIFERENÇAS NA APRENDIZAGEM INTERMODAL ENTRE SURDOS E OUVINTES...........135
6 APRENDIZAGEM BILÍNGUE BIMODAL PARA SURDOS........................................................ 137
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 143
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 144

UNIDADE 3 – FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E


DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS............................................................... 145

TÓPICO 1 – FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL...................................... 147


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 147
2 FUNCIONALISMO EM LINGUÍSTICA.......................................................................................... 149
3 FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LINGUAGEM VERBAL...................................................... 155
4 TEXTOS E GÊNEROS DISCURSIVOS............................................................................................. 159
5 ANÁLISE TEXTUAL E DISCURSIVA............................................................................................... 163
6 LINGUÍSTICA APLICADA ................................................................................................................ 165
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 168
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 169

TÓPICO 2 – EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA


DE SINAIS.......................................................................................................................... 171
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 171
2 O QUE CONSTITUI UMA LÍNGUA DE SINAIS.......................................................................... 172
3 FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS........................................................... 177
4 CORPORALIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS............................................................................... 180
5 NARRATIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS......................................................................................... 184
6 FUNÇÃO POÉTICA EM LÍNGUA DE SINAIS............................................................................... 188
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 192
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 193

TÓPICO 3 – FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA


DE SINAIS.......................................................................................................................... 195
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 195

VIII
2 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS.......................................................... 197
3 ESTRUTURAS DE GRANDE ICONICIDADE............................................................................... 199
4 SIMULTANEIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS.............................................................................. 204
5 REPRESENTAÇÕES SEMÂNTICO-COGNITIVAS....................................................................... 208
6 ESTRATÉGIAS DÊITICAS E ANAFÓRICAS EM LÍNGUA DE SINAIS.................................. 211
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 215
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 216
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................... 219

IX
X
UNIDADE 1
CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO,
CIÊNCIA E LINGUAGEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• entender o aspecto científico da linguagem verbal;

• distinguir língua e linguagem;

• relacionar os processos mentais e a linguagem verbal;

• comparar a aquisição de linguagem entre crianças surdas e ouvintes;

• conhecer a hipótese do período crítico para a aquisição de linguagem;

• estudar a relação entre cérebro, linguagem verbal, surdez e língua de sinais;

• entender o funcionamento cerebral em caso de surdez;

• compreender as afasias de surdos;

• conhecer o implante coclear;

• inferir sobre as (des)vantagens do implante coclear para a aquisição da lín-


gua oral;

• problematizar a questão do período crítico sob a ótica da Neurolinguística;

• identificar as implicações do bilinguismo na organização cortical;

• compreender o desenvolvimento da linguagem e da cognição com os fato-


res socioculturais;

• refletir sobre a importância da exposição linguística para o desenvolvimen-


to da criança;

• investigar as contribuições das neurociências para a educação.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SUA


RELAÇÃO COM A COGNIÇÃO

TÓPICO 2 – O CÉREBRO, A LINGUAGEM E A LÍNGUA DE SINAIS

TÓPICO 3 – NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE


SINAIS
1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS


ASPECTOS PSÍQUICOS

1 INTRODUÇÃO
A linguagem (verbal) é, desde que se há registro, ou seja, desde a
Antiguidade, um dos aspectos da atividade humana mais debatidos e estudados.
Não deveria ser diferente, já que ela está presente na nossa vida desde o nosso
nascimento, além de permear todos os domínios do conhecimento e todas as
práticas humanas.

A linguagem verbal humana é complexa e multifacetada, por isso, o


estudo dos fenômenos, vistos separadamente, serve apenas para fins didáticos,
que se tratam de recortes dimensionais para a melhor compreensão do objeto.
Quando usamos uma língua, estamos concatenando vários fenômenos que se
sucedem simultaneamente. Assim, a exemplo da anatomia que separa o corpo
humano em sistemas, por exemplo, o sistema respiratório, o sistema sensorial,
o sistema muscular etc., os estudos linguísticos também sofreram suas divisões.
Perceba que, neste momento, para que você possa estar lendo este texto, você
precisa ter todos esses sistemas funcionando sincronicamente. Se apenas um
desses sistemas apresentasse um mau funcionamento, provavelmente, todo o
desempenho para a realização dessa tarefa fosse comprometido. Foi com base
nessa separação do corpo em estruturas que alguns teóricos linguistas fizeram
o seu recorte da linguagem verbal, surgindo, assim, o estruturalismo. Todavia,
veremos que outros preferem ver o fenômeno linguístico sob aspectos diferentes,
há aqueles que o estudam em relação aos estados psicológicos (Psicolinguística),
outros em relação aos fatos sociais (Sociolinguística), outros o relacionam à
biologia (Neurolinguística), entretanto, outros o relacionam à possibilidade de
resolver problemas sociais, educacionais, discursivos que envolvem o objeto de
estudo “linguagem” nas práticas humanas (Linguística Aplicada). Não há certo
e errado no fazer pesquisa, há, sim, perspectivas diferentes que geram diversas
epistemologias e fazeres teórico-metodológicos diferentes, por isso é preciso
delimitar a área de conhecimento da qual se fala e sob qual perspectiva um
determinado fenômeno é analisado.

Segundo Santana (2007, p. 225),

3
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

[...] considera-se que a linguagem envolve aspectos formais (fonologia,


sintaxe, semântica), pragmáticos (articulação de níveis linguísticos,
manipulação de critérios de textualidade, de regras convencionais e
discursivas), interativos (quadro de imagens dos falantes, memória
discursiva), contextuais (entornos verbais, situacionais, contextuais),
discursivos (dialogismos, interdiscurso, memória discursiva, pré-
construídos), psíquicos (atos falhos, lapsos, afetivos) e histórico-
culturais (presença da relação língua/sociedade).

É imprescindível estar a par dos vários aspectos desse objeto de estudo
a fim de ter um amplo panorama dele, mas o recorte de estudo linguístico
(línguas orais-auditivas, cinésico-visuais) para esta unidade seguirá a perspectiva
psicobiológica, pois percebe a sua relação com o cérebro e a cognição.

DICAS

O termo “cinésico-visual”, anteriormente citado, caracteriza a modalidade


linguística da Língua de Sinais (LS), em contraposição à modalidade oral-auditiva das línguas
faladas. Esse termo corresponde a outros termos empregados por outros autores, tais quais:
gesto-visual e espaço-visual. Essa distinção nada mais é do que uma perspectiva diferente
sobre o modo de percepção e produção da Língua de Sinais, ou seja, a percepção é visual
e sua produção se dá por movimentos do corpo, face, membros superiores e mãos, que
caracterizam os aspectos cinesiológicos do corpo humano. A cinesiologia é o estudo do
movimento humano, empregado nas áreas das ciências desportivas e médico-terapêuticas.
Esse termo provém da raiz Kinesis que, em grego, significa “movimento”. Cinésica é outro
termo criado a partir dessa raiz. Trata-se, a princípio, de uma disciplina que estudava os
gestos complementares às línguas faladas, fenômeno que foi investigado por Birdwhistell
(1952), Rector e Trinta (1985), entre outros. Atualmente, é um estudo que pode englobar
toda e qualquer expressão corporal, manual e facial (sinais, gestos, apontações), cujo
sentido possa ser compreendido no discurso, ou seja, já não se relaciona somente com
os elementos extralinguísticos complementares à fala, mas com todo signo que, isolada ou
complementarmente, possua um valor simbólico.

A depreender de sua multiplicidade, a linguagem verbal tornou-se uma


ciência que foi chamada de Linguística. Devido a seu caráter heterogêneo, o seu
estudo pode ser de ordem interdisciplinar, de modo que abarque alguns de seus
aspectos co-ocorrentes. Entretanto, mesmo que aproximemos duas áreas do
conhecimento, como a Psicologia e a Linguística, que geraram a Psicolinguística,
ainda assim ficaremos à deriva no imenso oceano da linguagem verbal,
principalmente porque os campos disciplinares possuem suas perspectivas que
nem sempre convergem. Além disso, o tempo é uma medida bastante instável, uma
vez que com ele passam também algumas concepções teórico-metodológicas para
dar lugar a outras mais recentes. O tempo também traz com ele a inovação, pois
o pensamento humano está em constante transformação, exigindo e permitindo
que novos aparatos tecnológicos sejam criados.

4
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

Nesses termos introdutórios, preparamos o caminho para a compreensão


do tema deste tópico.

Os objetivos deste tópico serão:


• definir a diferença entre língua e linguagem;
• expor alguns fatos históricos que determinaram o nascimento da Linguística
enquanto ciência;
• conhecer a área que investiga o processamento linguístico;
• explicar como a aquisição de linguagem tornou-se também alvo de
investigações, culminando na criação de modelos de análise que servem para
fazer generalizações;
• discutir a existência de um período crítico para a aquisição de linguagem.

2 LÍNGUA E LINGUAGEM
Na leitura da seção anterior, você deve ter percebido o cuidado em
distinguir linguagem, acrescentando o termo “verbal” ao lado. Esse adjetivo
tem origem no latim "verbale", proveniente de "verbu", que quer dizer palavra.
Linguagem verbal é, portanto, aquela que utiliza palavras - o signo linguístico. Em
sua dissertação de mestrado, Correa (2007) salientou esta distinção, pois acredita
haver uma confusão devido à sinonímia que relaciona esses termos. “Linguagem”
tornou-se uma palavra passe-partout que abrange várias concepções, dentre elas: o
aspecto verbal, que corresponde à expressão por meio de signos, especificamente,
linguísticos, ou o aspecto geral, que corresponde a uma habilidade natural ou de
aprendizagem sistemática para lidar com diferentes signos. Veja a figura a seguir
e entenda o que estamos querendo especificar.

FIGURA 1 – OS CAMPOS DA SEMIÓTICA

FONTE: Adaptada de Correa (2007, p. 10)

5
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Como mostra a figura anterior, as diferentes linguagens são sistemas


de comunicação estudados no âmbito da Semiótica. A linguagem verbal está
dentro dessa categoria mais ampla. Segundo uma tipologia semiótica geral, há
diversas e diferentes linguagens (musical, matemática, corporal, gestual, verbal,
entre outras), ou seja, no âmbito geral, linguagem pode se caracterizar como
todo tipo de expressão humana ou não (animais e máquinas) que possibilite a
comunicação de ideias, sensações, comportamentos, habilidades, formulações
gerais etc. Dentro dessa tipologia geral, há níveis mais específicos, por exemplo,
a linguagem corporal, que pode se desdobrar em: dança, pantomima e mímica.
Já a linguagem verbal se desdobra em um nível específico que abrange as línguas
em suas diferentes modalidades: cinésico-visual e oral auditiva. Essas, por sua
vez, se desdobram ainda mais: a linguagem verbal cinésico-visual (sinalizada),
que tem em sua categoria a Libras, a Língua de Sinais Francesa, a Língua
Americana de Sinais; a linguagem verbal oral-auditiva (falada) que abrange: a
Língua Portuguesa, a Língua Francesa, a Língua Inglesa, que também podem se
desdobrar em uma língua escrita.

DICAS

O conceito de língua, aqui entendido, refere-se a repertórios de linguagem


verbal padronizados para os quais foram dados nomes institucionais, respondendo aos
valores nacionalistas ou comunitários. Perceba que, embora a Língua Portuguesa do Brasil
seja diferente da Língua Portuguesa de Portugal, convencionou-se chamar-lhes pelo mesmo
nome. Isso tem uma razão de ser que remonta historicamente à época da colonização,
mas é preciso compreender que as instituições linguísticas, denominadas línguas, são, assim
como a maioria das linguagens humanas, hibridamente constituídas.

Algumas línguas, ou mais especificamente, algumas instituições


linguísticas, possuem palavras cujas equivalências não se encontram em todas
as outras línguas. É o caso da palavra “saudade” da Língua Portuguesa, termo
que está ligado a uma única definição: “sentimento nostálgico ligado à memória
de alguém ou de algo ausente” (HOUAISS, 2015). Com efeito, essa palavra está
culturalmente vinculada às sociedades portuguesa e brasileira, mas, na verdade,
o conceito existe em outras culturas, só que ele é caraterizado por uma palavra
polissêmica ou por expressões, como “sentir falta” (avoir manque – francês; to miss
– inglês) em acepções mais geralmente relacionadas à falta ou à perda.

Com tudo isso, queremos chegar no âmago da questão sobre os termos


“língua” e “linguagem”, que no inglês possuem um único termo, “language”.
O fato de muitas das produções científicas chegarem até nós por meio de
publicações em língua inglesa acaba gerando essa hibridização léxico-semântica
nas traduções, mas não somente. Com o empreendimento da ciência linguística,
outras linguagens, que não a verbal, foram desconsideradas, mesmo as mais

6
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

próximas dos enunciados, como os gestos. Veremos que isso também advém da
falsa premissa de que somente a língua, vista de si mesma e em si mesma, é
suficiente, relegando outros fatos que acompanham a comunicação e o discurso
à periferia das análises. As hibridizações são marcas indeléveis das práticas
humanas, e, como se tratam de práticas sociais, as línguas não são exceções.
Para dar conta dessa hibridez e entendendo essa flutuação terminológica como
parte inerente das mudanças sociais, linguísticas e epistemológicas, é preciso ter
cuidado ao estudar um objeto, é preciso situá-lo, mostrar a perspectiva pela qual
ele é contemplado e, às vezes, delimitar as distinções.

No que tange a essa construção textual, não por causa de formalismos,
mas pelo fato de trazer mais clareza à discussão, destacaremos a diferenciação
entre:

• língua - idioma oficial ou co-oficial de um país, formado por signos verbais que
geralmente passam por processos de padronização para fins de ensino ou com
o intuito de delimitar uma unidade nacional ou cultural.
• linguagem verbal - capacidade natural do ser humano para expressar seus
conteúdos experienciais, mentais, sociais e afetivos, que podem ser de um ou
de diferentes repertórios linguísticos e de diferentes falares e sinalares, por
meio de signos linguísticos unicamente.
• linguagem - capacidade de compreender, expressar e desenvolver manifestações
sígnicas (sonoras, visuais ou táteis) de diferentes naturezas: verbal (língua) ou
não verbal (linguagem gestual, corporal), formal (linguagem matemática),
mistas (musical, escrita = canto). Embora alguns animais façam uso de
determinada linguagem para comunicar, trata-se de um sistema limitado.
Efetivamente, a capacidade para criar e usar sistemas simbólicos, como a
linguagem verbal, a dança, a mímica, a pintura, a escultura, o teatro etc., é uma
competência exclusivamente humana. Esse termo também compõe a expressão
‘aquisição de linguagem’, nesse caso não acrescentarei o termo ‘verbal’, pois,
no desenvolvimento da criança sabe-se que diferentes tipos de linguagens, não
somente verbais, mas gestuais, avançam juntamente e se complementam.

DICAS

Sinalares é um conceito novo definido como modos diferentes de usar uma


mesma língua de sinais, pois entende-se que cada região, cada grupo, cada indivíduo faz
escolhas lexicais e tem “sotaques” diferentes, caracterizando as variedades de uma língua.
Infelizmente, os sinalares e falares são alvo de preconceito, visto que a concepção de uma
língua pura e normatizada é um levante ideológico muito bem arraigado na nossa sociedade.

7
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Para complementar o que foi apresentado até aqui:

Dentro da concepção anteriormente delineada, língua e linguagem não


possuem relação de sinonímia, pois estão em posições hierárquicas diferentes.
Enquanto a língua é uma instituição social, com elementos e organização mais ou
menos estáveis, que passa por transformações históricas, por isso marcadamente
ideológica, a linguagem está numa relação hiperonômica, visto que ela abrange
várias manifestações semióticas, incluindo a língua em seu desmembramento
tipológico verbal. A linguagem verbal, por sua vez, é uma habilidade natural de
lidar com signos formais e discursivos de diferentes repertórios linguísticos. Essa
distinção será de suma importância para a compreensão das seções, tópicos e
unidades seguintes.

Iniciamos agora um profundo estudo que envolve uma compreensão


mais clara sobre língua e linguagem a fim de vislumbrar os diferentes aspectos
que elas abrangem. Que você esteja atento e com um bom senso crítico ativo
no intuito de ir além dos dados que disponibilizaremos aqui. Com efeito, a
aprendizagem começa quando damos vazão à nossa curiosidade de partir de
dados já estabelecidos em direção aos dados que ainda desconhecemos.

Na próxima seção, abordaremos o aspecto científico da linguagem verbal,


tomando o terceiro volume da coleção de Mussalim e Bentes (2004), Introdução
à Linguística: fundamentos epistemológicos, como base para essa discussão.
Nesse livro, as autoras e seus colaboradores conseguiram condensar as principais
correntes e programas que se dedicaram ao empreendimento científico da
linguagem verbal.

3 O STATUS CIENTÍFICO DA LINGUAGEM VERBAL


Como já foi dito, o fenômeno linguístico foi alvo de muitas investigações
sob várias orientações teórico-metodológicas. Vale ressaltar que o Curso de
Linguística Geral (CLG), obra publicada pelos alunos de Ferdinand de Saussure,
apresenta-se como um modo de estudar a linguagem verbal que, a partir de 1916,
rompe com a tradição até então vigente. É quase unânime considerar Saussure
como o pai da Linguística moderna, entretanto, seus predecessores haviam
preparado o terreno para o grande advento de uma ciência linguística autônoma.

Faraco (2004, p. 27) lembra que por ‘moderna’ entende-se os “estudos


sincrônicos praticados intensamente durante o século XX em contraste com os
estudos históricos, que predominaram no século anterior”. Esse foco na sincronia,
ou seja, na língua recortada num momento específico, sem considerar suas
mudanças no tempo, contrapondo-se aos estudos diacrônicos, que investigam a
língua em sua evolução histórica, foi, pouco a pouco, cativando adeptos. A língua
passou, assim, a ser vista como um organismo vivo, uma instituição social e um

8
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

sistema autônomo com signos independentes. Iniciava-se, portanto, a Linguística


Estruturalista que, segundo Ilari (2004), foi um movimento que chegou no Brasil na
década de 1960, tendo Mattoso Câmara como o mais reconhecido representante.

Para analisar o fenômeno linguístico, Saussure faz recortes e marca


oposições que são chamadas de dicotomias. A primeira, já citada anteriormente,
trata-se da sincronia versus diacronia, a segunda é a língua versus a fala (langue
vs. parole), que marca a oposição entre o sistema e os atos linguísticos concretos.
Assim, o sistema (e suas regras internas) seria visto em si mesmo e para si mesmo,
sem fazer a relação com o comportamento linguístico individual, esse considerado
a-científico, periférico e desprestigiado. O que era considerada a investigação
“mais nobre” no Estruturalismo Saussuriano, era a descrição da funcionalidade
e pertinência de um determinado “regulamento do jogo” do sistema linguístico.
Para deixar claro o objetivo de sua tese, Saussure usa a metáfora do jogo de
xadrez. As regras que compõem o jogo são as mesmas, independentemente do
tipo de peças que são usadas, ou seja, mesmo que uma peça seja perdida, um
rei, por exemplo, ela poderia ser trocada por qualquer outro objeto de qualquer
forma ou tamanho, à condição de que o valor da peça continuasse o mesmo.

FIGURA 2 – TABULEIRO DE XADREZ COM PEÇAS DE METAL

FONTE: Disponível em: <https://pin.it/bqbsmx2s5losic>. Acesso em: 10 maio


2018.

Veja, na figura anterior, que as peças têm formas diferentes das que são
tradicionalmente usadas, mas o essencial é que qualquer peça substituta guarde
as mesmas possibilidades de deslocamentos e funções da peça original, pois
nesse caso, a convenção, ou seja, o acordo entre os jogadores, é que permitirá
que um objeto improvisado tenha as mesmas propriedades e papéis que o objeto
substituído.

9
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Em termos práticos, o que se quer defender é que não importa se


pronunciarmos “milho” ou “mio”, estaremos sempre designando um vegetal
estudado pela botânica que cresce até três metros, com folhas longas e pendentes
e frutos comestíveis em forma de espiga cilíndrica na qual estão presos grãos
amarelos (HOUAISS, 2015). Em outras palavras, não importa a forma (significante),
visto que as duas, “milho” e “mio”, remetam ao mesmo conteúdo (significado).
Já quando falamos “carro” e “caro”, temos que as duas realizações do fonema “r”
(forte e fraco) têm valor distintivo, pois remetem a dois significados diferentes.

Segundo Ilari (2004, p. 59),

Os fonólogos estruturalistas fizeram um uso exemplar desse princípio.


Ensinaram que, para levantar o inventário das unidades fonológicas
de uma língua é preciso distinguir as diferenças de pronúncia que
são apenas físicas (articulatórias ou sonoras), daquelas que permitem
significar uma diferença de função. Por esse método, descobre-se,
antes de mais nada, que certas diferenças acústicas ou articulatórias
que parecem consideráveis quando são avaliadas em termos físicos
(impressionísticos ou experimentais) podem ser desprezadas numa
análise rigorosamente linguística, porque não são investidas de
nenhuma função.

DICAS

Para os exemplos acima relacionados não foram usadas as convenções


fonéticas e fonológicas, pelo fato de tratarem-se de áreas complexas que demandam um
considerável tempo de estudo para serem compreendidas. Entretanto, esboçamos aqui uma
rápida explicação.

Nos exemplos dados, o primeiro refere-se a uma questão fonética, ou seja,


referente ao ato concreto, a fala. Trata-se do fenômeno chamado alofonia.

Fone ➜ elemento acústico, som. Nos estudos cinésicos, seu equivalente é


o cine (RECTOR; TRINTA, 1985).
Alofones ➜ Variantes de um mesmo fonema.
Ex.: ‘pesca’ [´pɛʃkɐ] (variedade carioca, o ‘s’ tem um chiado) ou [´pɛskɐ]
(variedade predominante).
‘milho’ [‘miʎʊ] (variedade predominante) ou [‘mio] (variedade de
algumas cidades no interior do Brasil).

O segundo exemplo está relacionado a uma questão fonológica, pois,


dado um mesmo contexto de realização, a simples substituição de um dos traços
leva a uma mudança no significado.

10
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

Fonema ➜ a menor unidade que diferencia significado (distintivo). Nos


estudos cinésicos, seu equivalente é o cinema (RECTOR; TRINTA, 1985).

Ex.: ‘gato’ [´gatʊ] e ‘mato’ [´matʊ] - o contexto de realização é o mesmo,


mas a posição da língua e o grau de abertura ou fechamento dos lábios faz com
que o significado seja alterado. Assim, em ‘gato’, a língua está recuada e a boca
semiaberta; já em ‘mato’, a língua está mais distendida e os lábios se tocam
rapidamente.
‘carro’ [kaxʊ] – a língua é retraída e sua base encosta o dorso no palato.
‘caro’ [karʊ] – a ponta da língua toca um pouco acima dos dentes
superiores.

Para maiores detalhes sobre esses estudos, o livro de Seara et al., Fonética
e Fonologia do português de 2011, é um ótimo apoio para iniciantes.

Ao separar a dimensão individual e a dimensão social do funcionamento


da linguagem, os estruturalistas que seguiram Saussure “entenderam que o uso
individual da linguagem (a parole) não poderia ser objeto de estudo realmente
científico” (ILARI, 2004, p. 59). Nesse sentido, o professor genebrino estabelece
uma nova dicotomia que envolve os dois aspectos que formam a dupla face do
signo linguístico: significante versus significado. O aspecto “material” do signo
é o significante; o aspecto “conceitual” do signo é o significado. Significante e
significado formam, assim, o signo linguístico, que é uma “entidade psíquica de
duas faces” (SAUSSURE, 2006, p. 80).

Se eu falasse ‘frimelas’, ou executasse o seu correspondente em Libras


(mão de apoio em ‘S’, mão dominante aberta, dedos tamborilando nas articulações
superiores da mão de apoio), você conseguiria associá-los a um conceito? Você
sabe, por exemplo, que a construção fonético/fonológica e morfológica está
de acordo com as regras do português e as regras cinesiológicas da Libras, no
entanto, provavelmente, você não pode associá-las a um conceito, pois tratam-se
de logatomas ou pseudopalavras, que são palavras inventadas e que não fazem
parte do léxico mental dos usuários de Português ou da Libras. É mais ou menos
como uma moeda sem a ‘coroa’, sem o valor. Por isso o signo, segundo Saussure,
precisa ter as duas faces, senão não é um signo.

FIGURA 3 – PEÇAS MONETÁRIAS COM FACES DIFERENTES

FONTE: Disponível em: <http://www.moedasdobrasil.com.br>. Acesso


em: 18 maio 2018.

11
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Como é possível perceber, ambos os elementos que compõem o signo, o


conceito e a imagem acústica/visual, são unidos e nunca podem estar separados.
Pense no exemplo da moeda da figura anterior, ela tem dois lados: a cara e a
coroa. Podemos usar a metáfora dessa peça monetária para entender o signo.
O significante representado pela cara e o significado representado pela coroa.
Um está intrinsecamente associado ao outro, na medida em que, se essa moeda
for cortada ao meio, ambos os lados serão afetados pelo corte. No entanto, ao
contrário das moedas que foram tomadas como exemplo, as faces do signo não
são palpáveis. Saussure deixa bem claro que um signo linguístico não une um
som/cine (tal qual percebemos auditivamente ou, por extensão, um sinal que
percebemos visualmente) a seu referente (o objeto da realidade exterior). O signo
é a união de um conceito com uma imagem acústica/visual, que não é o som/cine
material, físico, mas uma impressão mental dos sons/cines. Ambos possuem uma
natureza psíquica. Para reforçar,

“O signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito


e uma imagem acústica [...] O caráter psíquico de nossas imagens
acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria
linguagem. Sem movermos os lábios nem a língua, podemos falar
conosco ou recitar mentalmente um poema” (SAUSSURE, 2006, p. 80).

O princípio que une o significante ao significado é o da arbitrariedade,
pois essa relação é convencionada culturalmente. Veremos mais a respeito na
Unidade 3.

Até aqui vimos como a língua tornou-se um objeto de estudo que deu
origem a uma área do conhecimento chamada Linguística.

A Linguística, nessa perspectiva, é uma ciência que pretende descrever e


explicar a linguagem verbal, buscando conhecer como se processa a comunicação
humana e explicar os rudimentos da análise linguística, em seus diferentes níveis
(estruturas): o fonético, o fonológico, o morfológico, o sintático e, forçosamente,
o semântico.

Após o lançamento do CLG, muitos pesquisadores passaram a se


autodenominar estruturalistas, ou por realmente acreditarem nos pressupostos
teóricos de Saussure ou pelo fato de esta vertente estar “em alta”. Assim, há
várias linguísticas saussurianas que não dialogam entre si e poucas “aplicam
disciplinadamente o ideário saussuriano” (ILARI, 2004, p. 68).

Segundo o autor supracitado, podem ser considerados estruturalistas


os trabalhos desenvolvidos pela Escola Linguística de Praga, representados por
Trubetzkoy e Jakobson; pela Glossemática, uma escola de linguística estrutural
da Universidade de Copenhague, representada por Hjelmslev e Bröndal; pelo
Funcionalismo, liderado por André Martinet. Não obstante, o estruturalismo
não ficou confinado dentro da Linguística e nem somente nos países da Europa.
Campos como a Antropologia, a Sociologia, a teoria literária e cinematográfica, o
estudo da estética e da moda aderiram ao estruturalismo. Essa corrente começou

12
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

a se fazer presente nos trabalhos realizados nos Estados Unidos entre 1920 e
1950, entretanto, os representantes desse estruturalismo norte-americano não se
identificaram com o programa saussuriano, mas tinham como referência Leonard
Bloomfield.

Quando finalmente o Estruturalismo dava entrada no Brasil, em 1960,


esse começava a enfraquecer-se tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.
Em parte por causa de críticas sofridas por Émile Benveniste, Eugenio Coseriu
e Michel Pêcheux. Acusado de ter negligenciado o desempenho linguístico do
sujeito, de ter se equivocado na delimitação única de sincronia ou ainda por ter
ignorado as influências ideológicas que cerceiam a significação, o estruturalismo
perdia seu prestígio, principalmente, nos três traços mais vulneráveis: seu caráter
anti-humanista; anti-historicista e anti-idealista, respectivamente (ILARI, 2004, p.
80-83).

Outro grande fator que destronou o estruturalismo foi o advento da


linguística chomskiana. Em uma concepção em grande parte diferente da teoria
de Saussure, Chomsky cria a Gramática Gerativa, no final dos anos 50, lançando
algumas ideias com Estruturas Sintáticas (1957) e desdobrando-as em outras
obras (1965; 1995). A abordagem gerativista é motivada pelas ideias racionalistas
e pela gramática de Port Royal e de Humboldt, mantendo ainda alguns aspectos
do estruturalismo bloomfieldiano. Dessa forma, a língua é vista sob a perspectiva
da criatividade, mas também a da segmentação formal.

Antes de Chomsky, os linguistas não viam a língua como parte da biologia


humana ou um tipo particular de estrutura organizada mentalmente. Com efeito,
segundo esse teórico, os seres humanos são dotados de um módulo linguístico
chamado de faculdade da linguagem. Esse módulo é inato e específico da linguagem
verbal, entendida não como uma habilidade humana, mas como parte de uma
configuração neurológica vista sob o aspecto da cognição. Assim, “enquanto, na
teoria saussuriana, a língua é considerada um objeto fundamentalmente social,
na Gramática Gerativa, a língua é um objeto mental. Para Chomsky, a língua é
um sistema de princípios radicados na mente humana” (VIOTTI, 2008, p. 5).

Com essa mudança de perspectiva, é o conhecimento linguístico que


precisa ser explicado por uma teoria que use métodos hipotético-dedutivos. Para
a abordagem gerativista, uma teoria “deve dar conta de todo conhecimento
linguístico específico da espécie humana para produzir quaisquer línguas”
(QUADROS, 2013, p. 43).

A abordagem gerativista ou inatista concebe a língua como uma


competência humana inata que se torna possível devido à existência de um
mecanismo responsável pela aquisição: a gramática universal. É da interação
dessa gramática interna com o ambiente linguístico externo que se desenvolvem
as gramáticas dos falantes do Português, do Alemão, ou de qualquer língua de
sinais.

13
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Para a Gramática Gerativa, a linguagem interna deve ser rigorosa e


formalmente explicada por uma teoria linguística. Ou seja, no âmago dessa
abordagem está uma preocupação em descrever a natureza e a competência que
antecede o uso da língua. Com isso, ela dedicou grande parte de seus esforços
a descrever as estruturas sintáticas, defendendo que uma estrutura inicial [ou
profunda] sofre transformações até chegar à estrutura de superfície, ou seja,
aquela produzida pelo falante. Isso explica o fato de que um número finito de
“regras” pode gerar infinitas possibilidades, o que remete à recursividade e à
produtividade que estão sujeitas a um sistema de princípios.

Assim, dois tipos de princípios estariam na base da GU: os rígidos e


os abertos (parâmetros). Os primeiros devem ser incorporados por qualquer
gramática (são universais), os outros são fornecidos pelos dados primários
do ambiente externo que permitem a acomodação das variações de diferentes
línguas.  O programa gerativista ainda atrai muitos adeptos e defensores, mas
também não foi isento de críticas, visto que ele deu muita prioridade à sintaxe
computacional e à competência de um falante ideal, ou seja, ele negligenciou o
desempenho linguístico que deveria ser a fonte dos dados a serem tratados. Seus
dados de análise eram deduzidos pelo cientista em seu laboratório. As cadeias
discursivas e a interação linguística também não foram levadas em conta.

Passaremos, agora, à próxima seção, que abordará uma perspectiva


diferente de ver a linguagem verbal.

4 PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM VERBAL


A linguagem verbal é sem dúvida parte da mente humana. Por isso, não
podemos observá-la diretamente. Entretanto, a partir das sentenças ou discursos
falados e sinalizados, em Português ou em Libras, é possível inferir algumas
regularidades dos princípios que determinam as línguas naturais.

Para esse fim, a linguística tem uma disciplina específica que investiga
a relação entre língua e processamento mental e suas conexões com nossa
capacidade motora, com nossa percepção visual e auditiva, e como essas conexões
operam na construção da significação: a Psicolinguística.

A Psicolinguística é a fusão de duas áreas que pesquisam dois aspectos


diferentes da linguagem verbal: a Psicologia, que estuda as relações da linguagem
verbal e a cognição humana; e a Linguística que estuda as questões estruturais e
discursivas da linguagem verbal. Nesta seção, exporemos algumas informações
teóricas sobre a disciplina, ressaltando sua importância científica para o
entendimento do processamento linguístico. Para isso, utilizaremos grande parte
do texto de Kapitaniuk (2010) para embasar essa discussão.

14
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

No nível de percepção, há de se considerar as habilidades cognitivas


visuais não verbais, que, apesar de fazerem parte da vida humana a partir do
nascimento, são minimizadas pela especialização da audição no sujeito ouvinte.
Já para o sujeito surdo, a questão da linearidade da escrita do Português, somada
ao fato de não receber inputs auditivos dessa língua, pode ser um entrave.

No nível da produção, a busca lexical, as escolhas e a retroalimentação


são processos que não podemos observar senão pelos próprios enunciados
linguísticos propriamente ditos.

DICAS

O que é retroalimentação? Quando um ouvinte fala, ele consegue ouvir a si


mesmo, com isso, pode monitorar a fala com o feedback auditivo de sua voz. Entretanto, na
língua de sinais não é possível ver a si mesmo ao produzir a sinalização, então, o mecanismo
de autocorreção envolvido é o proprioceptivo ou cinestésico. O sistema proprioceptivo
é responsável pela localização e relação espacial do corpo com objetos e superfície, sua
posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo
em relação às demais, sem utilizar a visão.

O que uniu as duas áreas, Linguística e Psicologia, foi o interesse comum


pela relação entre a linguagem verbal e o pensamento, por isso a Psicolinguística
é o estudo da representação da linguagem verbal na mente e de como o discurso
é processado, compreendido e armazenado pelos indivíduos. Essa disciplina
aborda, assim, as perspectivas da psicologia e da linguística.

Em 1916, Saussure sublinhava que a língua, objeto verdadeiro da


linguística, é “um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro,
ou mais exatamente nos cérebros de um conjunto de indivíduos” (CLG, p. 21),
um sistema abstrato oposto ao ato de fala concreto. Entretanto, foi Chomsky que
investiu com mais profundidade na questão mental da linguagem verbal. Com
isso, a Psicolinguística foi fortemente impactada pela Gramática Gerativa.

Ao indicar um modelo que considerasse não somente o comportamento


verbal explícito, mas também outros fatores implícitos, ou seja, fatores relacionados
à língua interiorizada por qualquer falante, Chomsky esforça-se para dar conta da
“aptidão” humana (a criatividade), que chama de “competência”. Esse modelo
teve uma importância decisiva para a Psicolinguística, que passou a construir e a
validar um modelo do desempenho linguístico. Desse modo, quando um modelo
de competência é adquirido parcialmente, o psicolinguista deve estudar como
essa competência funciona sob os múltiplos constrangimentos da memória, da
percepção e da instancialização, a fim de elaborar o modelo. O critério de partida
deve ser não somente a gramaticalidade, mas também a aceitabilidade, porque

15
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

uma frase que contém mais de 20 propostas subordinadas pode ser perfeitamente
gramatical, mas terá pouca possibilidade de ser compreendida nas condições
habituais.

A aceitabilidade depende de numerosos fatores extralinguísticos: fatores


“pragmáticos” e psicológicos que afetam a percepção, a memória etc. Como é
possível atentar, a nova concepção de linguagem verbal começa a preocupar-se
com o que até então não era alvo dos programas da Linguística: as questões de uso
e os processos implicados nos contextos de fala. Entram, então, as contribuições do
funcionalismo, assunto que será abordado com mais profundidade na Unidade 3.

Com um novo enfoque para com a linguagem, a Psicolinguística, da


mesma forma que a Sociolinguística e a Análise do Discurso (conversacional),
tem contextualizado seus dados e usado a fala espontânea como corpus a ser
investigado, exigindo uma adequação metodológica para sua análise. Nesse
sentido, a terceira geração da Psicolinguística integra-se ao conjunto de disciplinas
que veem na linguagem um sistema que toma forma e se especifica nas interações
sociais. O comportamento verbal deixa de ser olhado isoladamente e passa a ser
visto no interior dos processos cognitivos mais gerais. Ela também restabelece
as ligações com as reflexões de ordem biológica, interessando-se em explicar a
relação entre a estrutura mental e os processos envolvidos no uso de uma língua.

A tarefa do psicolinguista é de construir modelos de processos que fazem


uso a todo instante do conhecimento armazenado. A Psicolinguística representa
uma tentativa empírica, no sentido de caracterizar aquilo que se deve saber a
respeito de uma língua para usá-la. Ela faz uso de uma metodologia diferente
que une métodos indutivos e dedutivos para chegar às respostas de pesquisa.
O registro de dados e a sua interpretação constituem a metodologia indicada
para essa disciplina. Trata-se de uma metodologia explicativa em que os dois
aspectos (registro e interpretação) não podem estar dissociados. Dessa maneira,
não podemos esperar da Psicolinguística uma simples descrição dos fenômenos
linguísticos. Não basta descrever, é preciso analisar os seguintes aspectos:

1) percepção dos sinais linguísticos: acústicos para a fala e visuais para a


sinalização;
2) identificação das unidades e níveis de processamento;
3) acesso ao significado.

Nesse propósito, usando os métodos de observação e experimentação, o


pesquisador busca compreender como o cérebro organiza a atividade verbal a
fim de testar as hipóteses e buscar generalizações que expliquem a maneira como
se dá o processamento de tarefas linguísticas.

Uma das mais difíceis tarefas é a separação da cadeia da fala ou da cadeia


de sinais em unidades dotadas de significação. Sabe-se que tanto os enunciados
falados quanto os sinalizados são um continuum difícil de ser segmentado, em
outros termos, as palavras e os sinais não são separados por pausas na cadeia da
fala/sinalização, dificultando a segmentação e o acesso ao significado.
16
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

Além do mais, o estágio da significação é um dos níveis mais complexos


e, nesse ponto, a teoria psicolinguística enfrenta o desafio de formalizar as
representações mentais à medida que se avança do nível perceptual para o nível
do significado e desse para o textual e discursivo, pois se torna cada vez mais
difícil a possibilidade de fazer inferências.

DICAS

Sabe-se que em um diálogo entram em ação inúmeros conhecimentos que


o emissor deve acionar para se fazer entender: o conhecimento de mundo; esquemas de
ordem pragmática; esquemas de ordem textual; regras sintáticas, entre outros. Pense que
não basta conhecer sinais de Libras, é preciso colocá-los em um eixo sintático, além disso,
é necessário fazer uso de processos icônicos, espaciais e de movimento, simultaneamente.
Parece ser complicado para o cérebro, não é mesmo? No momento da aprendizagem,
podem ocorrer lapsos e “erros”. Para tranquilizar o aprendiz, experimentos comprovam que os
erros, pausas e hesitações cumprem um papel fundamental na estruturação das sentenças.
Esses erros não são aleatórios, mas obedecem certas regras: eles obedecem ao componente
fonológico e aos condicionamentos contextuais da língua.

Recentemente, a Psicolinguística iniciou um diálogo com outras áreas.


Ela tem influenciado o desenvolvimento de outras ciências limítrofes que estão
em pleno desenvolvimento. Em uma via dupla, ela também tem se beneficiado
com os avanços dessas ciências. Assim, ela é marcada pela interdisciplinaridade
que abrange os estudos das Ciências Cognitivas, da Inteligência Artificial, do
Conexionismo, das Neurociências, entre outros. Além disso, a partir de 1960, foi
possível ampliar as pesquisas, também para a modalidade cinésico-visual e, com
isso, um grande número de psicolinguistas tem se dedicado em compreender o
processamento das línguas de sinais. A evolução dos achados em Psicolinguística
levou à ampliação das pesquisas a fim de contemplar os processos heteróclitos
da linguagem verbal. Podemos, assim, vislumbrar a capacidade de criação de
linguagem verbal em caso de restrição auditiva, o que testifica que o cérebro
humano é uma incomparável “máquina” capaz de lidar com ininterruptas
cadeias de significações. No segundo tópico, apresentaremos alguns estudos
que contemplam essas línguas naturais. Entretanto, apesar de todos os avanços,
devemos considerar que o sistema cognitivo humano é muito complexo e suas
funções e propriedades são de uma multiplicidade impressionante.

A seguir, abordaremos a Aquisição de Linguagem, que é um domínio de


especialidade para o qual a Psicolinguística aplica muitos esforços.

17
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

5 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
Como vimos na seção anterior, a Aquisição de Linguagem é um fenômeno
investigado no seio da Psicolinguística. Por se tratar de um tema muito relevante
para a compreensão da relação entre cérebro e língua, exporemos aqui informações
mais precisas que, certamente, ajudarão você a refletir sobre a linguagem de
modo geral.

De acordo com Kapitaniuk (2010, p. 32-33),

[...] há um consenso de que, na aquisição de linguagem, três fatores são


de extrema importância:

• Fatores inatos: estrutura inicial geneticamente determinada;


• Fatores maturacionais: processos de ordem psico-fisiológicos que
serão desenvolvidos em diferentes estágios;
• Fatores ambientais ou epigenéticos: o meio exterior no qual a
criança é inserida e exposta aos inputs (dados externos) partilhados
socialmente.

Essa citação nos possibilita pensar na aquisição de linguagem da criança


surda, pois ela tem um impedimento na entrada auditiva, com isso, o aparato
privilegiado será o perceptivo visual. Entretanto, considerando que em torno de
95% das crianças surdas nascem no seio de família ouvinte, ocorre a privação do
terceiro fator, pois elas não são expostas às informações linguísticas. Assim, uma
primeira língua não necessariamente é aquela que é imposta a um sujeito por
meio de ensino sistemático e, no caso do surdo, pelas terapias, mas sim aquela que
é adquirida naturalmente. Os surdos se identificam com a modalidade cinésico-
visual muito facilmente porque ela condiz com sua natureza psicofisiológica. A
língua de sinais é a língua natural do surdo, seja ela adquirida na infância ou em
fase adulta. Qualquer outra exposição, seja leitura, escrita ou leitura orofacial e
oralização, se caracterizará como aprendizagem.

DICAS

Aprendizagem de língua: Processo sistemático de exposição ao ensino


de uma língua, fazendo-se uso de estratégias metalinguísticas. O indivíduo já possui um
conhecimento anterior (um repertório linguístico) com o qual avança para outros repertórios
ou para o sistema escrito.

Aquisição de linguagem: Processo natural em que a criança internaliza uma língua, sem
necessariamente estar exposta a um ensino sistemático.

18
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

Desde os primeiros estudos em aquisição de linguagem em língua de


sinais como língua materna, publicada por Bellugi e Klima (1972) e Newport e
Meier (1985), um longo trajeto foi percorrido, são mais de 40 anos. Inicialmente,
as pesquisas em aquisição de linguagem foram desenvolvidas, principalmente,
na Língua de Sinais Americana (ASL), mas, rapidamente, outras línguas de sinais
passaram a ser investigadas (grande parte das referências a seguir encontra-se em
Karnopp, 2005; 2011).

Petitto (2000) considerou que a trajetória geral da aquisição da ASL por


crianças surdas segue os mesmos padrões encontrados nas línguas faladas e
podem ser encontrados em estudos de outras línguas de sinais. Por exemplo,
Língua de Sinais Italiana (Caselli e Volterra, 1990), Língua de Sinais Brasileira
(Quadros, 1997), Língua de Sinais Holandesa (Van den Bogaerde, 2000), Língua
de Sinais Britânica (Woll, 1998), entre outras.

• Petitto e Marentette (1991) descobriram que crianças surdas, expostas desde


o nascimento à língua de sinais, produzem balbucio manual entre os seis e 12
meses. Essa produção corresponde à idade do balbucio das crianças ouvintes.
• Segundo Karnopp (1994), estudos demonstram que o início do estágio de um
sinal se inicia por volta dos seis meses em bebês surdos filhos de pais surdos
na aquisição da Língua de Sinais e percorre um período até por volta dos dois
anos. Nesse estágio, as crianças começam a fazer os primeiros sinais, mais
simples.
• Schlesinger e Goldin-Meadow (1972) relataram que as crianças, inicialmente,
produzem enunciados com um só sinal e então começam a produzir dois
ou mais sinais combinados. Os autores mostraram que uma das crianças,
Ann, tinha um amplo vocabulário em sinais aos 19 meses, se comparado ao
vocabulário de crianças ouvintes.
• McIntire (1977), ao examinar a produção de sinais na ASL de uma criança
surda, filha de pais surdos, atestou que, na idade de 1 ano e 1 mês (1;1), o
vocabulário estava em torno de 85 sinais e que, ao final da investigação, com
1;9, ela estava produzindo mais de 200 sinais.
• Marentette (1995, p. 75) realizou um estudo de caso, acompanhando
longitudinalmente uma menina ouvinte, filha de pais surdos, que apresentou
a seguinte média de aquisição na ASL: com 1;0 (05 sinais), com 1;3 (11 sinais),
com 1;5 (18 sinais), com 1;6 (42 sinais), com 1;9 (63 sinais) e com 2;1 (70 sinais).
• Ackerman et al. (1990, p. 339) relataram que os primeiros sinais na Língua de
Sinais Britânica (BSL) foram produzidos aos 11 meses por uma criança surda e
aos 11 meses por uma criança ouvinte.
• Bonvillian e colaboradores (1983) “constataram que a média de idade na
produção dos enunciados de dois sinais é de 17 meses (variando entre 12,5
e 22 meses), enquanto que nas línguas orais, os enunciados de duas palavras
ocorrem entre os 18 e 21 meses” (KARNOPP, 2005, p. 6).

Como se pode depreender, a aquisição de linguagem não é um tema


fácil a ser pesquisado, pois envolve muitas questões, muitas problemáticas que
fogem do controle na investigação, mas um fato é empiricamente comprovado

19
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

pela vivência humana: parece haver uma sequência de estágios pela qual quase
todas as crianças passam; algumas crianças atingem determinados estágios em
períodos diferentes e isso, geralmente, está associado a algum outro fator de
ordem biológica (genética, estados patológicos, problemas maturacionais), social
(falta de estímulo, insuficiência de informações provindas do meio) ou emocional
(trauma, timidez).

No subtópico a seguir, discutiremos a questão da idade crítica para


a aquisição de linguagem, assunto esse que será retomado e colocado em
controvérsia mais à frente.

6 A IDADE CRÍTICA PARA A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM


A noção de idade crítica foi defendida por Hughlings-Jackson, um
neurologista inglês que, em 1915, afirmava a necessidade de uma criança ser
introduzida aos insumos de uma língua o mais cedo possível, caso contrário, o seu
desenvolvimento poderia ser permanentemente retardado. Esse atraso poderia
comprometer a capacidade de «proposicionar», como nomeava a habilidade
humana de lidar com a linguagem verbal em todas as suas potencialidades de
categorização e representação (SACKS, 1998).

Em 1967, Lenneberg (1967) enfatizou que o cérebro humano tem períodos


específicos de maturação e, no caso de aquisição tardia da linguagem, a criança
estaria predisposta a não desenvolver adequadamente a gramática da língua.
Haveria, assim, um período crítico para aquisição de linguagem.

A teoria gerativista e seus seguidores adotaram essa noção, defendendo a


exposição precoce das crianças aos dados de uma língua natural a fim de ativar o
dispositivo inato da faculdade da linguagem, embora atualmente se refira a um
período ‘sensível’ e não mais crítico. Essa ideia está vinculada à concepção da
mente modular, ou seja, que “a mente seria composta por módulos responsáveis
por diferentes processamentos altamente especializados [...]” (QUADROS, 2013,
p. 69). A hipótese defendida é de que todos os módulos deveriam se desenvolver
em determinado período maturacional e o módulo da linguagem estaria propenso
à mesma restrição.

Segundo Lenneberg (1967), o período crítico se iniciaria por volta dos dois
anos e se estenderia até o início da puberdade. Essa concepção é fundamentada em
análises biológicas que preveem que o cérebro humano funcionaria bilateralmente
até o fim da infância, mas que, posteriormente, apenas um hemisfério se tornaria
dominante em relação às funções da linguagem verbal. Isso embasaria, de certo
modo, a dificuldade que um adulto apresenta para a aprendizagem de uma língua
estrangeira (LE), em contraposição às crianças, que apresentam um sucesso muito
mais consistente nessa tarefa.

20
TÓPICO 1 | LINGUAGEM VERBAL: SUA CIENTIFICIDADE E SEUS ASPECTOS PSÍQUICOS

Sacks menciona que com a população ouvinte são raros os casos de


pessoas em situação de privação linguística. Há alguns relatos de “crianças
selvagens” que, não tendo acesso a interações linguísticas antes da puberdade,
desenvolveram insuficientemente ou nenhuma habilidade linguística.

NOTA

Conforme Sacks (1998), os casos de crianças selvagens mais conhecidos, e que


servem de base para os pressupostos do período crítico são:

Genie: foi encontrada na Califórnia em 1970; fora aprisionada em casa


(pelo pai psicótico) e ninguém falara com ela desde bebê. Apesar de
um treinamento muito intensivo, Genie aprendeu apenas um mínimo
da língua — algumas palavras para designar objetos comuns, mas não
tinha capacidade de fazer perguntas e adquiriu somente uma gramática
muitíssimo rudimentar (SACKS,1998, p. 96).
Kaspar Hauser: um rapaz de mais ou menos 16 anos foi descoberto
certo dia em 1828, vagando aos tropeções por uma rua de Nuremberg.
Levava consigo uma carta relatando parte de sua estranha história: como
fora dado por sua mãe, aos seis meses de vida — ela não tinha dinheiro
algum, e seu marido estava morto —, para um trabalhador diarista, pai
de dez filhos. Por motivos que nunca ficaram claros, esse pai adotivo
confinou Kaspar num porão, acorrentado, sentado sem poder erguer-se,
privado de comunicação ou contato humano por mais de 12 anos [...]
Kaspar demonstrou, de início, uma prodigiosa capacidade de percepção
e memória, mas a percepção e a memória eram exclusivamente para
coisas específicas — ele parecia ao mesmo tempo brilhante e incapaz
de pensamento abstrato (SACKS, 1998, p. 34).
Victor: o Menino Selvagem, foi visto pela primeira vez nas florestas de
Aveyron em 1799, andando de quatro, comendo bolotas de carvalho,
vivendo como um animal. Ao ser levado para Paris em 1800, ele
despertou um enorme interesse filosófico e pedagógico: de que modo
ele pensava? Seria possível educá-lo? O médico Jean-Marc Itard,
também notável por sua compreensão (e interpretações errôneas) dos
surdos, levou o menino para casa e tentou ensinar-lhe a língua e educá-
lo (SACKS, 1998, p. 88). O Menino Selvagem nunca adquiriu uma língua,
seja qual for a razão ou as razões.

A situação de privação é mais recorrente com pessoas surdas, uma vez que
a maioria é filha de pais ouvintes. Não tendo acesso auditivo à língua oral e muitas
vezes sendo-lhes negada a exposição a inputs linguísticos sinalizados, a aquisição
tardia é uma evidente consequência. De acordo com alguns estudos (KUSCHEL,
1973; GOLDIN-MEADOW; FELDMAN, 1977; NEWPORT, 1990; NEWPORT;
SUPALLA, 1999), surdos que adquiriram a língua tardiamente demonstram
defasagens na organização gramatical ou apresentam uma comunicação com
nível de abstração limitada. De acordo com Lenneberg (1967), isso ocorre devido
a uma lateralidade cerebral mal definida pelo fato de a maturação já ter sido
alcançada. A exposição a uma língua desde o nascimento proporcionaria o
desenvolvimento da capacidade linguística do hemisfério esquerdo, ao contrário,
a privação retardaria esse processo.

21
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

A noção de período crítico foi também defendida por Mogford e Bishop


(2002), entretanto, para os autores, a delimitação da idade crítica seria até os cinco
anos. Como é possível perceber, não há consenso sobre o início e o fim da fase
ideal para a aquisição de uma língua, tampouco há uma elaboração convincente
dessa proposta. Dois grupos parecem estar interessados em difundir essa ideia
e de tornar-lhe uma verdade científica: os defensores da imersão precoce das
crianças surdas à língua de sinais e os proponentes do implante coclear que
desejam inseri-las no mundo sonoro o mais rapidamente possível. Mais adiante
discorreremos sobre as controvérsias dessa tecnologia ‘restituidora do som’ que
tem sido amplamente difundida na área médica e cujos progressos são ainda
questionáveis, visto o número de insucessos que são identificados.

Encerramos aqui o primeiro tópico da primeira unidade. A seguir,


discutiremos as relações entre cérebro, linguagem, surdez e língua de sinais.

22
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O panorama histórico das indagações sobre a linguagem verbal humana


remonta à Antiguidade e, instigados a encontrar respostas a tão complexo
fenômeno, os pesquisadores criaram teorias, muitas vezes concentrando-se
em apenas alguns aspectos dessa heteróclita capacidade humana de lidar com
signos verbais.

• As concepções de língua e de linguagem ficaram confusas quando, ao privilegiar


a supremacia de uma ciência linguística, afastou-se outros processos semióticos
co-ocorrentes para a região periférica das investigações.

• O programa de Saussure estabeleceu uma ruptura com o fazer pesquisa que


atuava até o início do século XX. Embora o terreno para uma Linguística mais
científica tenha sido anteriormente preparado, foi o mestre genebrino que
recebeu o mérito de ter firmado a área, delimitando as fronteiras de investigação
da nova ciência.

• Com o avanço das ideias e para contrapor-se às concepções empiristas que


estavam em vigor, em 1950, Chomsky lança a obra que faria a Linguística entrar
no campo das investigações mentalistas, criando um programa que influencia
a área até hoje.

• Nesse ínterim, uma especialização tomava corpo e iniciava um fazer


interdisciplinar, unindo as investigações que se fazia na Psicologia com as que
se fazia na Linguística. Nascia, assim, a Psicolinguística, que busca compreender
o processamento mental no uso da linguagem verbal.

• A nova disciplina, que possui interesse em diferentes fenômenos, especializou-


se na aquisição de linguagem. Desse modo, algumas contribuições comprovam
que, tanto a aquisição de linguagem de crianças ouvintes quanto a de crianças
surdas possuem certos padrões de regularidade. Acredita-se que certas etapas
se sucedem no desenvolvimento linguageiro de todas as crianças, mas, para que
isso aconteça, é preciso que elas se enquadrem em três critérios fundamentais:
uma predisposição genética; uma progressão maturacional sem entraves e a
exposição às informações linguísticas relevantes provindas do meio.

• A existência de um período crítico ou sensível para a aquisição de linguagem


foi defendida por alguns autores e, na medida em que um dos três critérios
anteriormente descritos não seja atendido, poderá haver atraso ou retardamento
da linguagem verbal, o que traria consequências devastadoras aos aspectos
cognitivos e sociais da criança.

23
AUTOATIVIDADE

No estudo sobre a aquisição de linguagem foi introduzida uma nota que


explica a diferença entre aquisição e aprendizagem de linguagem. Com base
nessa explicação e no conteúdo do tópico, reflita sobre os contextos abaixo
relacionados, respondendo às perguntas e apresentando seus argumentos para
cada um deles.

Contexto 1
Durante sua infância e sua adolescência, um surdo esteve fora do contato com
uma comunidade surda e com a língua de sinais, mas, aos 15 anos, esse encontro
aconteceu e então ele passou a utilizar uma língua de sinais tardiamente. Trata-
se de aprendizagem ou aquisição? A hipótese do período crítico se sustenta
nesse caso?

Contexto 2
Durante toda a sua vida, um surdo profundo foi exposto a terapias de fala para
aprender os rudimentos da oralidade, trata-se de aprendizagem ou aquisição
de língua oral?

Contexto 3
Um ouvinte filho de pais surdos foi exposto à língua de sinais e à língua oral
simultaneamente, tornando-se fluente em ambas. Trata-se de aquisição ou
aprendizagem? Como se denomina o contexto em que uma pessoa tem acesso
a duas línguas concomitantemente?

Contexto 4
Uma ouvinte, cuja língua materna é o Português, aos 20 anos de idade, passa a
participar assiduamente de encontros com a comunidade surda de sua cidade,
sendo exposta à língua de sinais. Trata-se de aquisição ou de aprendizagem?

Contexto 5
Um casal ouvinte, que não possui contato com surdos, passa a frequentar um
curso de língua de sinais, ministrado por um instrutor ouvinte. Trata-se de
aquisição ou aprendizagem? O fato de se tratar de uma pessoa não surda pode
ser um fator desfavorável para o seu progresso na língua.

24
UNIDADE 1
TÓPICO 2

O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A


LÍNGUA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
A relação entre surdez, cérebro e língua de sinais será discutida aqui neste
tópico, com vistas a indicar algumas pesquisas que têm sido realizadas na área
das neurociências para o esclarecimento dos processos neurais em caso de surdez
e do uso de língua de sinais. Efetivamente, com o avanço da tecnologia e o advento
de exames cada vez mais eficientes, como os que utilizam a neuroimagem, é
possível ir além da simples especulação para avançar nas elucidações de questões
que envolvem a linguagem verbal em qualquer modalidade.

DICAS

Os exames que fazem uso de neuroimagem são: a ressonância magnética


funcional (IRMf), a tomografia por emissão de pósitrons (PET), a magnetoencelografia (MEG)
e a estimulação magnética transcranial (EMT). Para saber mais, leia o artigo de Marcucci e
Vandresen Filho (2006), disponível em:
<http://www.revistaneurociencias.com.br/edicoes/2006/RN%2014%2004/Pages%20from%20
RN%2014%2004-5.pdf>. Acesso em: 29 maio 2018.

A obra Vendo Vozes (1998), do médico neurologista e psiquiatra Oliver


Sacks, traz grandes contribuições para o entendimento de como avançaram as
pesquisas na área das neurociências aplicadas ao entendimento da língua de sinais
e da surdez, por isso utilizarei muitas informações que estão ali condensadas
para redigir as seções deste tópico. Nesse livro, o autor condensa vários estudos
científicos que poderão esclarecer como funcionam os aspectos perceptuais e
neurais de pessoas surdas por meio de testes cognitivos associados à técnica de
geração de imagens no momento em que essas fazem uso de língua de sinais.
Sacks mostra o seu fascínio e perplexidade diante da impressionante capacidade
cerebral do surdo congênito ou do ensurdecido em fase tardia em se adaptar e se
especializar conforme o tipo de informação que lhe chega do exterior por meio de
outras percepções sensoriais que não as auditivas.

25
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

De fato, o relato de um homem (David Wright) que havia perdido sua


audição aos sete anos de idade, após ter adquirido a língua falada, ou seja, em
período pós-linguístico, é, no mínimo, instigante. Sacks explica como Wright
guardou na memória os sons que outrora fizeram parte da sua experiência sensorial
auditiva. Ao ver as folhas balançando, o homem lembrava do sussurro do vento
e os movimentos dos lábios das pessoas que o cercavam lhe desencadeavam uma
ilusão auditiva, ele cita um trecho do livro desse homem:

[Minha surdez] ficou mais difícil de perceber porque desde o princípio


meus olhos inconscientemente haviam começado a traduzir o
movimento em som. Minha mãe passava grande parte do dia ao meu
lado e eu entendia tudo o que ela dizia. Por que não? Sem saber, eu
vinha lendo seus lábios a vida inteira. Quando ela falava, eu parecia
ouvir sua voz. Foi uma ilusão que persistiu mesmo depois de eu ficar
sabendo que era uma ilusão. Meu pai, meu primo, todas as pessoas
que eu conhecia conservaram vozes fantasmagóricas. Só me dei conta
de que eram imaginárias, projeções do hábito e da memória, depois
de sair do hospital. Um dia, eu estava conversando com meu primo, e
ele, num momento de inspiração, cobriu a boca com a mão enquanto
falava. Silêncio! De uma vez por todas, compreendi que quando não
podia ver, eu não conseguia escutar (p. 15-16).

A partir desse relato, temos diante de nós duas evidências muito


interessantes. Em caso de perda de um dos sentidos: 1) o cérebro humano guarda
memórias de experiências sensoriais (ilusões auditivas, no caso de Wright) que
podem prolongar-se por um tempo determinado e 2) o cérebro se adapta às novas
condições, moldando-se ao tipo de informação sensorial que recebe de forma
mais significante do ambiente (as pistas visuais, no caso de Wright).

Confrontado pelas descobertas sobre a plasticidade neural do cérebro


em caso de perda auditiva e pelo fato de que surdos congênitos desenvolvem
processos simbólicos de significação, por meio de composições cinéticas corporais,
Sacks (1998, p. 11) declara que

A existência de uma língua visual, a língua de sinais, e das espantosas


intensificações da percepção e inteligência visual que acompanham
sua aquisição demonstra que o cérebro é rico em potenciais que nunca
teríamos imaginado e também revela a quase ilimitada flexibilidade
e capacidade do sistema nervoso, do organismo humano, quando
depara com o novo e precisa adaptar-se.

Além de mostrar a plasticidade neural em caso de surdez, visa-se


neste tópico trazer informações sobre em que áreas cerebrais, ou melhor, qual
o hemisfério seria dominante para o processamento da língua de sinais. Essa
especialização hemisférica, geralmente, pode ser evidenciada pelas pesquisas
com afásicos que são pessoas que, ao sofrerem um dano em determinada área
do cérebro, perdem, parcial ou inteiramente, a capacidade de lidar com os
rudimentos simbólicos da linguagem verbal.

26
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

Assim, com base em dados provenientes de estudos que examinam os


substratos neurais, por meio de métodos clássicos e modernos de análise, traremos
informações relevantes que colocam a língua de sinais no mesmo patamar que as
línguas orais, visto que, aparentemente, os substratos neurais são os mesmos,
independentemente da modalidade linguística.

FIGURA 4 – HABILIDADES DOS HEMISFÉRIOS CEREBRAIS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/pj4dHR>. Acesso em: 25 maio 2018.

Na figura anterior, os hemisférios direito e esquerdo seriam responsáveis


por determinadas habilidades e atividades, mas será que a organização cortical
e as experiências são assim compartimentadas, cada uma em sua caixinha? Ou
haveria uma intercomunicação entre as áreas e uma interação simultânea de
várias áreas quando, por exemplo, estamos nos expressando ou compreendendo
linguagem verbal?

Para essa pergunta não há uma resposta conclusiva e unânime. Em uma


investigação com neuroimagem, Valadão e seus colaboradores (2014, p. 856)
concluem que

27
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

A IRMf, pela técnica BOLD, mostrou ser uma importante ferramenta


para a visualização dos campos expressivos da linguagem
desenvolvidos por meio de tarefas em Libras e em Língua Portuguesa.
Os resultados encontrados e as discussões conduzidas sugerem que
as investigações envolvendo as línguas de sinais são complexas e
estão longe de serem prontamente elucidadas. As semelhanças e as
diferenças com as línguas orais são fontes iniciais de investigações.
Estudos dessa natureza, ao mesmo tempo em que valorizam suas
características linguísticas, também despertam para a riqueza de
detalhes envolvidos nos processos de aquisição e nas variáveis sociais,
linguísticas, educacionais e culturais. A compreensão dos mecanismos
corticais, envolvidos no processamento da língua de sinais, está longe
de ser totalmente esclarecida e, por isso, abre portas para que futuros
estudos possam contribuir cada vez mais para o seu entendimento.

Essa conclusão lança uma luz à complexidade da pesquisa em neurociência,


apontando que fatores externos influenciam na organização cortical de sujeitos
bilíngues bimodais (usuários de língua de sinais e língua falada) e por isso as
conclusões não são todas convergentes. Mesmo assim, esse tipo de pesquisa
abre muitas oportunidades para compreendermos que a linguagem verbal está
intrinsecamente ligada a fatores sociais e mentais, ou seja, aos aspectos histórico-
culturais do homem e sua neurofisiologia.

Lembre-se das duas correntes científicas da linguagem verbal que foram


anteriormente apresentadas e como duas visões sobre o mesmo fenômeno
linguístico permitiram avançar nas reflexões. Os pontos de vista são diferentes e
eles não são excludentes entre si, são apenas recortes, às vezes necessários, para
se estudar determinado fenômeno.

Esperamos que essa abordagem desperte em você o interesse em buscar


mais sobre essa área de pesquisa, a fim de compreender o funcionamento da
linguagem verbal no córtex cerebral.

Os objetivos deste tópico serão:

• trazer contribuições sobre o entendimento da relação entre cérebro, linguagem


e a língua de sinais;
• buscar subsídios para a compreensão do funcionamento cerebral em caso de
surdez;
• entender a relação entre linguagem e processamento cerebral em sujeitos
surdos afásicos;
• explicar como funciona o aparelho coclear e as práticas e resultados que giram
em torno dessa tecnologia;
• discutir alguns resultados de aquisição/aprendizagem de determinados
padrões fonético/fonológicos por crianças surdas implantadas.

28
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

2 RELAÇÃO ENTRE CÉREBRO E LINGUAGEM VERBAL


As investigações sobre a correlação entre as funções cognitivas superiores,
incluindo a linguagem verbal e as áreas cerebrais, remontam a centenas de anos,
mas, até o século XIX, os estudos eram realizados apenas após a morte dos sujeitos.
Com o advento das neurociências, em torno da década de 1970, e os procedimentos
modernos de observação por neuroimagem tais como a ressonância magnética,
houve a possibilidade de observar a atividade neuronial e as lesões cerebrais ‘in
vivo’. A partir desse avanço, houve um grande interesse em identificar quais as
regiões específicas do cérebro seriam responsáveis por determinadas funções e
habilidades. Segundo Sacks (1998, p. 53),

Julgou-se, durante um século ou mais (desde as formulações de


Hughlings-Jackson, na década de 1870), que o hemisfério esquerdo
do cérebro é especializado em tarefas analíticas, sobretudo na análise
léxica e gramatical que possibilita o entendimento da língua falada. O
hemisfério direito era considerado de função complementar, lidando
com inteiros e não com partes, com percepções sincrônicas em vez de
análises sequenciais e, sobretudo, com o mundo visual e espacial.

Em 1989, Bellugi e seus colaboradores realizaram uma série de estudos para


identificar onde a língua de sinais seria processada. Pelo fato de a modalidade da
língua sinalizada ser semelhante à dos gestos e de ter características intrinsecamente
espaciais, acreditou-se que ela seria processada no hemisfério direito (HD),
onde, presumivelmente, haveria uma especialização para a linguagem gestual
e para os aspectos visual e espacial. Os resultados comprovaram: a língua de
sinais, como qualquer outra língua, é processada no hemisfério esquerdo. Por
isso, há um consenso quase geral entre neurologistas e neurocientistas de que
o hemisfério esquerdo do cérebro tem uma certa dominância para a linguagem
verbal, independentemente dos modos de recepção e produção.

A investigação da equipe de Bellugi resultou na descoberta de que

[...] o hemisfério esquerdo do cérebro é essencial para a língua de


sinais, tanto quanto para a fala, e que a língua de sinais usa algumas
das mesmas vias neurais que são necessárias ao processamento da fala
gramatical — mas, em adição, algumas vias normalmente associadas
ao processamento visual (SACKS, 1998, p. 53).

Do mesmo modo, Helen Neville (1988; 1989) confirmou que o hemisfério


esquerdo seria mais solicitado na comunicação de língua de sinais e que o campo
visual direito seria o mais performático em fazer a sua leitura, apresentando maior
rapidez e precisão no processamento. Isso ocorre porque as informações que
recebemos no campo visual direito e esquerdo são processadas nos hemisférios
opostos. Assim, o cérebro trata das línguas independentemente de sua modalidade
no mesmo hemisfério que é especializado para o processamento verbal.

Essa afirmação não é, entretanto, livre de controvérsias, pois Caplan


(1997) discordou dela, afirmando ser muito precipitado fazer tal conclusão de

29
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

forma definitiva, porque algumas pesquisas com surdos revelaram ativações


temporais não lateralizadas, ou seja, que eram bilaterais, o que indicaria um
processo simultâneo e concomitante ocorrendo em ambos os hemisférios durante
o processamento de língua de sinais (SANTANA, 2007, passim).

Com efeito, essa participação do HD nas operações linguísticas já foi


investigada por Joanette et al. (1996); Fonseca; Parente (2005), Mendonça (2005)
e Obler; Gjerlow (2000). Para esses autores, o HD participaria de aspectos da
percepção e da produção da linguagem e que danos cerebrais nesse hemisfério
poderiam causar um déficit de comunicação verbal, apresentando alterações
nos aspectos prosódicos, na compreensão e produção de uma narrativa, além
da dificuldade com inferências e com a compreensão de metáforas. Assim, para
os autores supracitados, os aspectos pragmáticos (comunicação verbal) estão
separados dos demais níveis (fonologia, semântica e sintaxe) (SANTANA, 2007).

Como é possível concluir, atualmente, já não é possível considerar a


organização neural de forma simplista, pois mesmo que as noções de especialização
hemisférica sejam aceitas, há de se observar que os hemisférios se intercomunicam
e diferentes áreas são ativadas no processamento de uma tarefa verbal.

A princípio, duas áreas do hemisfério esquerdo (HE) foram apontadas


como as principais responsáveis pela produção e compreensão da linguagem
verbal falada: a área de Broca e a área de Wernicke, respectivamente. Veja onde
as áreas estão localizadas, observando os pontos em vermelho na parte frontal e
lilás na parte parietal referidas na figura a seguir.

FIGURA 5 – O CÉREBRO E SUAS REPARTIÇÕES

FONTE: Disponível em: <https://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-


nervoso/telencefalo/>. Acesso em: 26 maio 2018.

30
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

A figura anterior apresenta as duas principais áreas da linguagem no


cérebro: a área de Broca, localizada nos lobos frontais, e a área de Wernicke,
localizada nos lobos temporais. Segundo Ramachandran (2014, p. 201), “as duas
estão conectadas por uma faixa de fibras chamada de fascículo arqueado. Outra
área da linguagem, o giro angular, [...] situa-se perto da base do lobo parietal, na
interação dos lobos temporal, occipital e parietal”, como se apresenta na figura a
seguir.

FIGURA 6 – OS LOBOS E ALGUNS GIROS CEREBRAIS

FONTE: Disponível em: <https://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/


telencefalo/>. Acesso em: 26 maio 2018.

Ambas as áreas, Broca e Wernicke, levam o nome de seus descobridores: o


neurologista francês Paul Broca e o médico alemão Carl Wernicke. Basicamente,
em 1861, o primeiro descobriu que alguns pacientes com danos naquela parte
específica do hemisfério esquerdo podiam entender a linguagem falada, mas
tinham dificuldade em articular os sons da fala. Já em 1874, o segundo descobriu
que pacientes com danos em outra parte específica do hemisfério esquerdo
apresentavam fala fluente, mas tinham problemas graves de compreensão.
Identificadas as áreas e nomeadas, atualmente, é atribuído à área de Broca a
função da execução motora da fala, sendo a área de Wernicke como a responsável
pela compreensão da fala.

A fim de investigar se essas áreas eram também importantes para a língua


de sinais, em 1980, Hickok e colaboradores fizeram experimentos com surdos
sinalizantes que apresentavam danos cerebrais em diferentes áreas do hemisfério
esquerdo. Um dos pacientes estudados sinalizava fluentemente, mas a mensagem
em ASL era incoerente, apresentando dificuldade de compreender a sinalização
de outras pessoas. Essa dificuldade se assemelhava à dos pacientes ouvintes com
afasia na área de Wernicke. Outra paciente, no entanto, tinha extrema dificuldade
em produzir os sinais, embora sua compreensão tenha sido excelente. Seu
problema de controle motor parecia estar somente ligado aos fatores linguísticos,

31
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

uma vez que, ao ser solicitada a copiar um desenho, ela o executava com precisão.
Esses resultados demonstravam as mesmas dificuldades que ouvintes com
dano na área de Broca apresentam. Assim, verificou-se que as áreas de Broca
e Wernicke são também ativadas para a língua de sinais, o que sugere que elas
estariam implicadas no processamento da linguagem verbal, independentemente
da modalidade (HICKOK; BELLUGI; KLIMA, 2002).

A seguir, entenderemos um pouco mais sobre a relação do cérebro com a


surdez.

3 FUNCIONAMENTO CEREBRAL EM CASO DE SURDEZ



Pesquisas comprovam (DWORCZAK, 2004; EMMOREY; BELLUGI;
KLIMA, 1993; NEVILLE et al., 1997; EMMOREY, 1993) que o cérebro de pessoas
surdas apresenta uma especialização diferenciada, visto que a área geralmente
consagrada à audição pode assumir outras funções. Conforme Sacks (1998, p. 54),

É como se nos usuários da língua de sinais o hemisfério esquerdo


“assumisse” a esfera da percepção visual-espacial, modificando-a,
aguçando-a de um modo sem precedentes, conferindo-lhe um caráter
novo, altamente analítico e abstrato, possibilitando uma língua e uma
concepção visuais.

Com efeito, algumas pesquisas comprovam que, na ausência de estímulos


auditivos, o cérebro do sujeito surdo congênito, cujo sistema nervoso está intacto,
é significantemente modificado. Haveria, assim, a intensificação de potenciais
evocados ligados aos estímulos visuais em áreas circunvizinhas ao lobo temporal
esquerdo, área que seria dedicada à função auditiva. Segundo Sacks, “essa é
uma descoberta notável e, desconfia-se, fundamental, pois indica que áreas
normalmente auditivas estão sendo realocadas, nos surdos usuários da língua de
sinais, para o processamento visual” (1998, p. 59).

32
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 7 – EXEMPLO DE ATIVAÇÃO NEURAL OBTIDO POR NEUROIMAGEM EM


RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (IRMF)

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/TSNzpW>. Acesso em: 26 maio 2018.

DICAS

A expressão “potenciais evocados” corresponde às reações elétricas do cérebro


a determinado estímulo, o que na neuroimagem é indicado por diferentes cores, como pode
ser visualizado na figura anterior.

Atestadamente, haveria uma ‘compensação’, uma especialização da


visão, permitindo a ampliação da visão periférica, espacial e do movimento no
surdo usuário de língua de sinais (DWORCZAK, 2004), mas também no surdo
que permanece no mundo da fala, como bem salienta David Wright (1969, p. 112
apud SACKS, 1998, p. 59)

Eu não percebo mais do que antes, porém percebo de um modo


diferente. O que eu noto, e noto muito bem porque preciso fazê-lo,
pois para mim isso compõe quase o total dos dados necessários para
a interpretação e o diagnóstico dos eventos, é o movimento associado
aos objetos; e no caso de animais e seres humanos, a postura, a
expressão, o modo de andar e os gestos. [...] Por exemplo, assim
como alguém que espera impacientemente um amigo terminar uma
conversa telefônica com outra pessoa sabe quando ela está prestes a
terminar pelas palavras ditas e pela entonação da voz, assim também
um surdo — como uma pessoa que aguarda na fila do lado de fora da
cabine telefônica — deduz o momento em que se fazem as despedidas
ou em que se formou a intenção de devolver o fone ao gancho. Ele nota
a mudança da mão que segura o instrumento, a mudança de postura,

33
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

a cabeça afastando-se um milímetro do receptor, um ligeiro mexer dos


pés e aquela alteração de expressão que indica uma decisão tomada.
Isolado das pistas auditivas, ele aprende a ler os mais tênues indícios
visuais.

Conforme o que evidenciou Wright, que ficou ensurdecido após adquirir


a fala, mesmo não tendo aprendido a língua de sinais, ele percebeu uma diferença
notável na sua percepção dos gestos humanos, sendo capaz de discriminá-los
e reconhecer as intenções dos interlocutores. Provavelmente, o seu cérebro se
reciclou de forma a tratar com os novos dados visuais provindos do meio e, na
ausência de inputs auditivos, ampliou sua capacidade visual.

Com relação às intensificações da cognição do sujeito surdo, Neville


buscou esclarecimentos sobre onde haveria reações elétricas no cérebro de
um sujeito exposto a estímulos visuais periféricos. Assim, foram apresentados
movimentos de sinais na região periférica desses sujeitos, a fim de verificar o
comportamento cerebral por neuroimagem. A investigação indica que

Os surdos usuários da língua de sinais mostraram maior velocidade


de reação a esses estímulos — associada a um aumento de potenciais
evocados nos lobos occipitais do cérebro, as principais áreas de
recepção da visão. Esses aumentos de velocidade e potenciais occipitais
não foram observados em nenhuma das pessoas ouvintes estudadas, e
parecem refletir um fenômeno compensatório: a intensificação de um
sentido no lugar de outro (de modo semelhante, maiores sensibilidades
auditivas podem ocorrer nos cegos) (SACKS, 1998, p. 59).

É sabido que os movimentos são essenciais à comunicação sinalizada e


que, quando usamos a língua de sinais, é preciso olhar para o rosto do sinalizante.
Nessa circunstância, os movimentos de braços e mãos são recuperados pela visão
periférica. Por isso, ouvintes que passam a fazer uso de uma língua sinalizada
precisam desenvolver essa capacidade.

Na nota 76 do seu livro, Sacks (1998) narra que um experimento foi


realizado com crianças ouvintes que estavam em fase de aprendizagem da língua
de sinais no condado de Prince George, Maryland. Os resultados apontam que, à
medida que se tornavam fluentes, essas crianças apresentavam uma significativa
melhora na capacidade de leitura e em outras capacidades, reconhecendo mais
facilmente as formas visuais das palavras e letras. O pressuposto é de que a
língua de sinais favoreceria a intensificação da capacidade espacial-analítica.
Ouvintes adultos também afirmam ter ampliado o uso do corpo de forma mais
livre e descontraída, além de desenvolver a capacidade de descrição visual mais
refinada.

34
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

NOTA

Em seu livro Os neurônios da leitura, Dehaene (2007) descreve as conexões


neuronais envolvidas no reconhecimento das letras escritas, revelando que o cérebro não
foi geneticamente equipado para reconhecer e tratar os segmentos discretos do sistema
escrito, pelo contrário, a partir dos dados recebidos, o cérebro passou a se organizar de
modo a aprender novas formas e estabelecer novas conexões relevantes que ligam essas
formas às áreas existentes do reconhecimento de faces e objetos e da linguagem verbal. Isso
corrobora com o exposto acima, pois evidentemente a aprendizagem da língua de sinais,
ao favorecer a ampliação das habilidades espaço-visuais, pode melhorar as habilidades que
envolvem outras formas visuais, como a discriminação das letras e, em consequência, a
leitura de palavras e textos.

Outra descoberta em estudos com neuroimagem indica que as pessoas


surdas apresentam maior precisão para detectar a direção do movimento,
especialmente quando esse ocorre no campo visual direito. Isso coincide com um
aumento de potenciais evocados nas regiões parietais do hemisfério esquerdo.
Essas intensificações são encontradas igualmente nas crianças ouvintes filhas de
pais surdos, conclui-se, então, que esse reforço da habilidade não é somente um
efeito da surdez, como experienciado por Wright, mas da aquisição precoce da
língua de sinais, haja vista que se exige uma percepção mais considerável dos
estímulos visuais.

A expressão facial também é essencial para as línguas sinalizadas, exigindo
do usuário a habilidade de discriminar rostos e reconhecer variações sutis de
expressão que fazem parte da gramática dessa língua. Assim, além da capacidade
de identificar os estados afetivos que são expressos facialmente, usuários de língua
de sinais devem ser capazes de discriminar os valores linguísticos dos movimentos
faciais. No intuito de investigar como se comporta a atividade neuronial de
surdos e ouvintes, David Corina apresentou-lhes figuras com expressões faciais
afetivas e linguísticas, medindo as reações com um taquistoscópio. Os resultados
apontam que os ouvintes “processaram essas figuras no hemisfério direito, mas os
surdos apresentaram predominância do hemisfério esquerdo na ‘decodificação’
das expressões faciais linguísticas” (Corina, 1989 apud SACKS, 1998, p. 103).

35
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

QUADRO 1 – SIGNIFICADO DE TAQUISTOSCÓPIO

FONTE: Disponível em: <http://www.dicionario10.com.br/taquistoscopio/>.


Acesso em: 28 maio 2018.

Como foi possível verificar, o cérebro possui uma certa plasticidade


para dar conta de novos dados perceptivo-visuais. Vale salientar que muitas
das descobertas anteriormente descritas podem ser confirmadas pelo estudo
em sujeitos que apresentam lesões cerebrais. Verificaremos como isso se dá em
sujeitos sinalizantes, no próximo subtópico.

4 SURDEZ, LÍNGUA DE SINAIS E AFASIA


Ao longo da existência de uma pessoa, ela está sujeita a acidentes vasculares,
traumas e choques que podem comprometer temporária ou permanentemente
suas habilidades motoras, intelectuais, cognitivas e linguísticas. O termo afasia é
empregado para designar a perda da capacidade linguística, ou seja, afasia é um
“distúrbio ou perda parcial ou total da fala ou da compreensão da linguagem,
resultante de lesão no hemisfério cerebral esquerdo” (DICIONÁRIO 10).

Os sujeitos surdos não são imunes a certas lesões que podem provocar
afasia para a língua de sinais, ou seja, um dano à compreensão dessa linguagem
análogo às afasias da fala. Segundo Sacks (1998, p. 54), “essas afasias de sinais
podem afetar de forma diferente o léxico ou a gramática (inclusive a sintaxe
organizada espacialmente) da língua de sinais, bem como prejudicar a capacidade
geral de ‘proposicionar’ [...]”.

Com efeito, diferenças cognitivas entre o uso de sinais topográficos e


referenciais em língua de sinais também foram identificadas por Bellugi e seus
colaboradores (2002). Segundo Santana (2007, p. 224), para os autores, “o HE
estaria diretamente relacionado com o processamento das relações espaciais que
possuem funções linguísticas, mas, quando o uso do espaço implica localização
topográfica, essa função estaria relacionada com o HD”.

36
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 8 – EXEMPLOS DE USO DO ESPAÇO

FONTE: Hickok, Bellugi e Kllma (2002)

A figura anterior mostra duas sequências de uso de espaço com dois


referentes ausentes para as quais é necessário fazer uso do role-shift (o corpo
do sinalizante gira rapidamente para um lado e para outro) e do uso do espaço
token (demarcação espacial em que são estabelecidos dois lugares para dois
referentes ausentes no contexto de enunciação). Os desenhos de cima (a, b, c, d)
tratam da manutenção correta de uma estrutura espacial. O enunciado se refere
a duas crianças que estão pintando sentadas uma ao lado da outra. De repente,
elas começam a pintar o rosto uma da outra. O corpo do enunciador volta-se ora
para o espaço à esquerda onde foi delimitado para a criança 1 (Bob) e ora para
o lado direito, onde foi estabelecido o espaço da criança 2 (Alice). A sequência
de baixo (e, f, g, h) é um exemplo de enunciado com estrutura espacial que,
geralmente, é produzido por sujeitos com lesões cerebrais no hemisfério direito.
Veja que o espaço não foi demarcado e por isso o sinal “pintar” está vinculado a
dois referentes que ocupam o mesmo espaço neutro à frente. Verifique, na figura
a seguir, como se deve estabelecer corretamente dois personagens ausentes
no contexto discursivo; e, na subsequente, como esse uso está incorretamente
estabelecido.

37
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

FIGURA 9 – USO ADEQUADO DE REFERENCIAÇÃO

FIGURA 10 – USO INCONSISTENTE DE REFERENCIAÇÃO

FONTE: Disponível em: <https://www.elix-lsf.fr/?lang=fr> e <https://itunes.apple.com/fr/book/


animais-em-movimento/id605083781?mt=11>. Acesso em: 15 maio 2018.

Assim, estudos de lesões de surdos sinalizantes podem confirmar a


especialização do hemisfério esquerdo para a língua de sinais, uma vez que
os afásicos usuários da língua de sinais não apresentam prejuízos em outras
capacidades visual-espaciais não linguísticas quando esse hemisfério se encontra
lesado. Em outras palavras, surdos com lesão no hemisfério esquerdo ainda
são capazes de compreender e executar gestos não linguísticos, mas a língua de
sinais é perdida. Entretanto, os usuários de língua de sinais que tiveram lesões
no hemisfério direito têm preservada a capacidade linguística, mas apresentam
problemas na organização espacial e relevante incapacidade em perceber
perspectivas e controle do lado esquerdo do corpo.

Outra inconsistência na sinalização está relacionada aos aspectos


fonológicos que se efetivam por lapsos de mão (corresponde aos lapsos de língua
que é a troca de alguns fonemas por outros). Na Figura 10 temos um exemplo em
ASL com o sinal “bem” (fine).

38
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 11 – ARTICULAÇÃO CORRETA E INCORRETA DO SINAL “FINE” EM ASL

FONTE: Hickok, Bellugi e Klima, (2002)

Ao comparar as duas articulações, percebe-se a diferença da configuração


de mão. Esse tipo de lapso é recorrente em sinalizantes com lesões no hemisfério
esquerdo.

Com relação ao reconhecimento linguístico e não linguístico das expressões


faciais, Sacks (1998, p. 103) salienta que

Os poucos casos estudados dos efeitos de lesões cerebrais sobre


o reconhecimento facial em surdos usuários da língua de sinais
mostraram uma dissociação semelhante entre a percepção de
expressões faciais afetivas e linguísticas. Assim, no caso de lesões
no hemisfério esquerdo em sujeitos usuários da língua de sinais, as
“proposições” linguísticas do rosto podem tornar-se ininteligíveis
(como parte integrante de uma afasia geral da língua de sinais), mas
sua expressividade, no sentido usual, é totalmente preservada. No caso
de lesões no hemisfério direito, ao contrário, pode haver incapacidade
para reconhecer rostos ou suas expressões usuais (uma chamada
prosopagnosia), muito embora ainda haja a percepção, fluente, das
“proposições” linguísticas na língua de sinais. Essa dissociação entre
expressões faciais afetivas e linguísticas pode também estender-se à
produção dessas expressões: por exemplo, um paciente com lesão no
hemisfério direito estudado pelo grupo de Bellugi conseguia produzir
expressões faciais linguísticas quando lhe era solicitado, mas não
apresentava expressões faciais afetivas comuns.

Santana (2007) ressalta que, em estudos realizados por Emmorey, Bellugi


e Klima (1993); Emmorey (1993); Neville et al. (1997); Hickok, Kirk e Bellugi
(1998), a conclusão é a de que há uma dissociação entre funções visuoespaciais
linguísticas e não linguísticas, uma vez que, a depender da área afetada em sujeitos
sinalizantes que sofreram danos cerebrais, por conta de um acidente vascular
(AVC) ou um trauma, uma ou outra habilidade é perdida ou dificultada. Segundo

39
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

a autora (idem, p. 223): “nos surdos que utilizam a língua de sinais, o HE seria
responsável pelas expressões faciais de caráter linguístico, ou seja, aquelas que
correspondem à gramática da língua de sinais; já o HD seria o responsável pelas
expressões faciais associadas a conteúdos emocionais.”

No próximo subtópico, abordaremos o implante coclear e suas


especificidades.

5 SURDEZ E IMPLANTE COCLEAR



Até aqui foi possível entender a relação entre linguagem, surdez e língua
de sinais. Foi possível compreender o funcionamento do cérebro e como ele trata
dos estímulos sensoriais no caso de perda auditiva. Uma compensação acontece,
fazendo com que as áreas que, de modo geral, cumprem funções auditivas são
alocadas para a função visual.

A partir desse entendimento, abordaremos o dispositivo tecnológico do


implante coclear (IC), fazendo inferências sobre que tipo de mudanças corticais
poderiam entrar em ação no caso em que, tendo nascida surda profunda, uma
criança fosse implantada aos 18 meses de idade. Até essa idade, a criança estaria
impossibilitada de receber a língua oral e, por ter pais ouvintes não sinalizantes,
não teria a oportunidade de receber uma língua sinalizada também. O que
acontece no cérebro dessa criança até a idade em que é implantada? E depois?
Ao começar repentinamente a receber os inputs sonoros, o que realmente pode
acontecer no seu cérebro? Esses questionamentos não possuem respostas, pois
ainda não há investigações no domínio das neurociências a esse respeito, mas
servem para você refletir, tendo como apoio os dados dos subtópicos anteriores.
Lembre-se do que aconteceu com Wright ao ficar surdo depois de adquirir a
língua oral. Lembre-se de que, mesmo sem usar língua de sinais, seu cérebro
começou a desenvolver habilidades visuais mais refinadas. Em outras palavras,
tenha em mente que, a partir do nascimento de uma pessoa, o seu cérebro está
sendo alimentado por dados externos de diversas naturezas que lhe chegam por
meio de receptores externos e internos. Assim, ele se adapta ao tipo de input que
recebe, se sonoro, visual, tátil, cinestésico ou outros.

Para restaurar a audição, a partir da década de 1950, especialistas franceses


aperfeiçoaram uma técnica que consistia em estimular eletricamente as fibras
nervosas acústicas ainda presentes no ouvido interno de pacientes surdos. Em
outros lugares do mundo, a técnica foi sendo aperfeiçoada ao que foi dado o
nome de implante coclear.

40
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

Todavia, o que é e como funciona um implante coclear? O site da Coclear


Ltd na versão francesa o define como

[...] um dispositivo médico eletrônico que substitui as funções


danificadas do ouvido interno. Ao contrário dos aparelhos auditivos
que amplificam os sons, os implantes cocleares desempenham as
funções, normalmente, desempenhadas pelas partes danificadas do
ouvido interno (cóclea) para fornecer ao cérebro sinais sonoros.

O dispositivo é colocado internamente por meio de uma intervenção


cirúrgica, podendo recebê-lo pessoas com perda moderada a severa nos dois
ouvidos, para as quais as próteses externas convencionais não possibilitam a
discriminação dos sons da fala.

Essa intervenção cirúrgica é recomendada às famílias de crianças surdas


assim que a surdez é confirmada por exames de vários tipos. Para um diagnóstico
precoce, faz-se uso de testes neonatais, como o teste da orelhinha e o teste de
surdez genética.

Observe a figura a seguir e acompanhe, em seguida, a descrição dos passos


do funcionamento do dispositivo.

FIGURA 12 – IMPLANTE COCLEAR INTERNA E EXTERNAMENTE

FONTE: Montagem com imagens retiradas de <https://www.cochlear.com/fr/home/


understand/hearing-and-hl/hl-treatments/cochlear-implant e https://lobe.ca/en/non-classee-en-
en/cochlear-implant/#.Wx7D5EgvzIU>. Acesso em: 28 maio 2018.

41
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

1. Um processador usado atrás da orelha ou no corpo pega sons e os transforma


em um código digital. O processador está equipado com uma bateria que
alimenta todo o sistema.
2. O processador transmite o som em forma digital para o implante através da
antena posicionada na cabeça.
3. O implante converte o som codificado digitalmente em impulsos elétricos que
ele transmite para o feixe de eletrodos na cóclea (orelha interna).
4. Os eletrodos do implante estimulam o nervo auditivo da cóclea, que envia os
impulsos para o cérebro, onde são interpretados como sons.

Para garantir a eficácia do implante coclear, é estabelecido um mapeamento
que vai delimitar os níveis de conforto e desconforto e o desligamento de certos
eletrodos que causam problemas. Esse mapeamento é individual, visto que
cada usuário reagirá de forma diferente aos estímulos. Em termos audiológicos,
as pessoas adultas implantadas podem ser avaliadas mais facilmente do que
as crianças. Devido à sua inexperiência, os surdos implantados menores não
conseguem dar respostas objetivas sobre que tipo de som estão recebendo, nem
podem assegurar o modo que estão interpretando esse estímulo. Com isso,
diferentes resultados foram registrados por diversos pesquisadores (ELLIS;
YOUNG, 1992; COSTA; BEVILACQUA; MORET, 1997; NUSSBAUM; SCOTT,
2011; SANTANA, 2007), gerando grande controvérsia.

No próximo subtópico, exporemos algumas pesquisas envolvendo surdos


implantados que poderão trazer algumas elucidações à questão dos “ganhos” e
“perdas” que o dispositivo aporta.

6 ALGUMAS PESQUISAS COM SURDOS IMPLANTADOS


Muitos fonoaudiólogos e linguistas estão despertando o interesse
em acompanhar o desenvolvimento da linguagem oral de crianças surdas
implantadas. Nesse intuito são realizados testes audiológicos e psicolinguísticos
a fim de identificar alguns padrões na aquisição linguística nos grupos estudados.

Em um artigo, as linguistas Cruz e Finger (2013) trazem importantes


informações sobre estudos desenvolvidos por Fortunato et al. (2009) e Geers
(2004), além de seu próprio experimento. Alguns autores apresentam as seguintes
constatações.

1. Muitas crianças implantadas apresentaram defasagens linguísticas em


relação aos seus pares ouvintes (QUEIROZ; BEVILACQUA; COSTA, 2010;
FORTUNATO et al., 2009; STUCHI et al., 2007; PADOVANI; TEIXEIRA, 2005);
2. Quanto maior é o tempo de uso do IC e menor o tempo de privação auditiva,
melhor o desempenho (FORTUNATO et al., 2009);
3. Crianças que ficaram ensurdecidas após terem sido expostas a uma língua
(surdez pós-lingual) apresentam melhores escores (resultado de acertos) que
crianças surdas congênitas - surdas desde o nascimento (GEERS, 2004).

42
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

Em suma, Cruz e Finger (2013, p. 5) constatam que

Considerando os estudos publicados até o momento, está claro que


a maioria das crianças surdas usuárias de IC iniciam seu processo de
aquisição da linguagem oral com desvantagem em relação às crianças
ouvintes: elas têm acesso aos sons do ambiente e da fala posteriormente
(após um ano de idade ou muito mais) e as informações auditivas
recebidas pelo IC podem, por diferentes motivos, não ser suficientes
para que ocorra o processamento dos sons.

No seu estudo, as autoras investigaram como ocorre a aquisição fonológica
do Português em crianças ouvintes bilíngues bimodais (CODAS) e crianças
surdas usuárias de implante coclear. Participaram do experimento 30 crianças,
com idade entre 4 e 8 anos, que foram distribuídas em dois grupos: um grupo
composto por 24 crianças ouvintes bilíngues bimodais, com acesso irrestrito à
Língua Brasileira de Sinais (Libras), e outro grupo formado por seis crianças
surdas que utilizam implante coclear, sendo que cinco delas têm acesso restrito e
uma tem acesso irrestrito à Libras (essa última é filha de pais surdos que a fizeram
imergir na língua de sinais desde o nascimento).

Para a avaliação do sistema fonológico em Língua Portuguesa, foi utilizada


a Prova de Nomeação, do ABFW – Teste de Linguagem Infantil (ANDRADE et
al., 2004) que utiliza figuras para serem nomeadas. Os resultados revelaram que:

1. Crianças ouvintes bilíngues bimodais apresentaram processo de aquisição


fonológica esperada (normal) na Língua Portuguesa e na Libras para a sua
faixa etária.
2. A criança surda implantada, que iniciou a Libras com 1:0, tendo inclusive
menor tempo de exposição linguística à fala da Língua Portuguesa, superou os
outros participantes implantados que têm acesso restrito à Libras.

Considera-se que a aquisição precoce e o acesso irrestrito à Libras podem


ter sido determinantes para as diferenças de desempenho dessas crianças no
teste oral utilizado. A esse respeito foram tecidas algumas considerações sobre
desempenho em relação à idade em que as crianças iniciaram a aquisição do
Português e da Libras, ao tipo de acesso à Libras (restrito ou irrestrito) e ao
período de exposição às línguas de diferentes modalidades.

A fonoaudióloga Melo e seus colaboradores fizeram um estudo que visou


acompanhar, longitudinalmente, duas crianças surdas implantadas, filhas de
pais surdos fluentes em Libras e duas crianças surdas implantadas, filhas de pais
ouvintes. Ambas as duplas de crianças são atendidas no Centro de Pesquisas
Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da
Universidade de São Paulo (CPA/HRAC-USP) e receberam a indicação cirúrgica
do dispositivo por se enquadrarem nos critérios de indicação de IC desse centro.

43
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

O método empregado foi um estudo longitudinal de acompanhamento


pós-operatório com procedimentos de testagem da capacidade auditiva para a
percepção do som e avaliação da atitude de comunicação oral em situação de
interação, com o uso de escalas próprias dos testes de fonoaudiologia.

QUADRO 2 – DADOS DAS CRIANÇAS ESTUDADAS


Idade da Usuárias Etiologia da
Crianças Resultados
cirurgia de Libras surdez
Atingiu a habilidade de
reconhecimento auditivo
A 22 meses Sim Genética
em conjunto aberto após
dois anos de IC.
Atingiu a habilidade de
Síndrome de reconhecimento auditivo
B 12 meses Sim
Waandenburg em conjunto aberto após
três anos de IC.
Atingiu a habilidade de
reconhecimento auditivo
A1 22 meses Não Rubéola
em conjunto aberto após
quatro anos de IC.
Não atingiu a habilidade de
reconhecimento auditivo
B1 12 meses Não Rubéola em conjunto aberto até a
última avaliação (cinco
anos de IC).
FONTE: Adaptado de Melo et al. (2012)

Ambas as duplas (A e A1; B e B1) apresentaram habilidades auditivas e


de linguagem semelhantes, ao longo do primeiro ano de uso do IC. Contudo,
a partir disso, as crianças inseridas em ambiente bilíngue apresentaram melhor
desempenho auditivo e linguístico. Segundo as autoras (2012, p. 478),

do ponto de vista auditivo, as crianças “A” e “B” (ambiente bilíngue)


atingiram a habilidade de reconhecimento auditivo em conjunto
aberto (capacidade de ouvir palavras fora do contexto e identificar a
palavra exclusivamente por meio da audição) após dois e três anos
de IC, respectivamente. Por sua vez, a criança inserida em ambiente
oral (criança “A1”) atingiu esta habilidade após quatro anos de IC
e a criança “B1” não atingiu esta habilidade até a última avaliação
proposta pelo estudo (cinco anos de uso do dispositivo).

Considerando dados como nível socioeconômico da família, não havia


diferenças discrepantes (D – média inferior e E – baixa superior), o nível de
escolaridade dos pais era idêntico. Entretanto, nota-se uma diferença no número
de sessões em fonoaudiólogo e o tempo de duração da sessão (“A” atendido três
vezes por semana com duração de 50 minutos; “B”, “A1” e “B1” atendidos duas
vezes por semana com duração de 50, 60 e 45 minutos, respectivamente).
44
TÓPICO 2 | O CÉREBRO, A LINGUAGEM, A SURDEZ E A LÍNGUA DE SINAIS

Segundo Santana (2007, p. 478), “há autores que ressaltam o fracasso do


implante coclear, que estaria relacionado:”

• à idade crítica para a aquisição de linguagem;


• o implante não estimularia a área de associação auditiva;
• ativação de mecanismos cerebrais do implantado distintos dos que estariam
envolvidos no processamento dos sujeitos ouvintes;
• diferenças subjetivas na percepção da fala, devido aos diferentes graus de
surdez, o tipo de perda auditiva neurossensorial e organização cleototipical no
córtex auditivo.

A autora ainda acrescenta motivos relacionados:

• aos mecanismos biológicos inatos;


• à incapacidade cortical para a audição;
• às causas da surdez;
• às consequências diferentes de cada etiologia no cérebro.

DICAS

A falta de acesso dos estímulos auditivos à área associativa, que é uma zona
secundária, impediria a discriminação e a memória auditiva. Assim, “se o estímulo não chega
até essa área, é impossível que o pensamento se transforme em imagens auditivas” (SANTANA,
2007, p. 140). As terapias que fazem uso de palavras isoladas também não favorecem a
compreensão, uma vez que os inputs auditivos não passariam do nível da decodificação, ou
seja, do nível do significante (lembre-se do exemplo da moeda sem a “coroa”) e, por causa
disso, não há associação ao significado.

SUGESTÃO:

Com essa explanação, que visa tão somente apresentar os pontos de vista existentes a
respeito dessa tecnologia, enfatizamos que, enquanto instituição, não nos posicionamos a
favor ou contra o uso do dispositivo. Encerramos aqui o Tópico 2. A seguir, abordaremos um
aspecto muito importante para a aquisição e aprendizagem de uma língua natural: o seu
aspecto sociointeracional.

45
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Estudos recentes em neuroimagem estão possibilitando avançar no estudo do


córtex cerebral, a fim de entender a dinâmica dos processos mentais superiores,
sobretudo voltado ao entendimento da atividade cerebral no momento em
que uma pessoa compreende ou executa uma tarefa verbal. Assim, alguns
estudos permitiram constatar que certas regiões com dominância auditiva se
especializaram para o tratamento visual no cérebro do surdo.

• Tão logo as línguas de sinais começaram a ser estudadas, buscou-se


compreender se, por ter uma modalidade cinésico-visual, ela ativaria os
mesmos circuitos neuroniais de uma língua oral-auditiva. Verificou-se, então,
que as áreas de Broca e Wernicke são também ativadas para a língua de sinais,
o que sugere que elas estariam implicadas no processamento da linguagem
verbal, independentemente da modalidade.

• Assim como as afasias das línguas orais, buscou-se investigar as afasias das
línguas sinalizadas. Para isso, os cérebros de surdos lesados foram estudados,
a fim de verificar as diferenças e similaridades dos prognósticos.

• Surdos com lesão no hemisfério esquerdo são capazes de compreender e


executar gestos não linguísticos, mas a língua de sinais é perdida. Entretanto,
surdos que tiveram lesões no hemisfério direito têm preservada a capacidade
linguística, mas apresentam problemas na organização espacial e relevante
incapacidade em perceber perspectivas e controle do lado esquerdo do corpo.

• O implante coclear é um dispositivo tecnológico colocado cirurgicamente


no crânio do paciente, de modo a amplificar os sons, estimulando as fibras
nervosas acústicas do ouvido interno. Ele é recomendado para pessoas com
perdas auditivas profundas a severas, para as quais os aparelhos auditivos não
permitem a discriminação da fala humana.

• Pesquisas com surdos implantados comprovam uma considerável melhora


na discriminação fonológica por crianças surdas que já possuem um sistema
linguístico estruturado como a língua de sinais, mas crianças que têm somente
input da língua oral apresentam escores menos significativos em Libras e
Língua Portuguesa. Essa comprovação foi feita tanto por fonoaudiólogos como
por linguistas.

46
AUTOATIVIDADE

Observe as tabelas da pesquisa de Melo et al. (2012) e depois faça o que é


proposto no enunciado abaixo:

47
Com base nas tabelas e nas informações contidas nas seções anteriores,
estabeleça correlações entre as possíveis causas e as diferenças no
desenvolvimento das habilidades linguísticas das crianças estudadas. Há
variáveis que não foram consideradas pelos autores, mas que podem ser
fatores importantes para o atraso ou impedimento do desenvolvimento
linguístico dessas crianças. Você poderá pesquisar detalhes sobre as
variáveis apresentadas nas tabelas.

48
UNIDADE 1
TÓPICO 3

NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E
LÍNGUA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao terceiro tópico da primeira unidade, percorremos até aqui
um longo trajeto em busca da relação entre o cérebro, a linguagem, a surdez e a
língua de sinais. Neste momento, estamos em condições de olhar o nosso objeto
de estudo “linguagem verbal” do ponto de vista sociointeracional, fazendo a
ponte entre os processos neurofisiológicos e educativo-culturais. Conforme Sacks
(1998, p. 10-11),

O estudo dos surdos mostra-nos que boa parte do que é distintivamente


humano em nós — nossas capacidades de linguagem, pensamento,
comunicação e cultura — não se desenvolve de maneira automática,
não se compõe apenas de funções biológicas, mas também tem
origem social e histórica; essas capacidades são um presente — o
mais maravilhoso dos presentes — de uma geração para a outra.
Percebemos que a cultura é tão importante quanto a natureza.

Desde Platão e Aristóteles, a questão sobre se o conhecimento seria inato


ou adquirido tem sido alvo de discussões que resultam, finalmente, na não
separação entre os aspectos neurofisiológicos (internos) e os aspectos adquiridos
e aprendidos na interação com o meio (externos). Com efeito, o consenso está mais
voltado a uma associação de ambas as visões, ou seja, que o desenvolvimento da
criança e sua progressão no conhecimento linguístico e intelectual depende de
fatores internos, como os biológicos, os maturacionais e os cognitivos, além de
fatores externos, como os estímulos, a afetividade e a socialização.

Você, estudante de Letras-Libras, trabalha com duas línguas: uma


cinésico-visual e outra oral-auditiva (mesmo que seja somente em sua forma
escrita). Logo, está em jogo não somente a capacidade bilíngue de compreensão e
produção em duas línguas, mas o desenvolvimento de habilidades para receber e
produzir discursos intermodais, ou seja, está em jogo a complexidade de processar
sinais linguísticos e de ter memória semântica em duas línguas de modalidades
diferentes. Infelizmente, as pesquisas sobre o cérebro bilíngue são muito recentes
e há poucos estudos referentes ao bilíngue bimodal para o entendimento dessa
questão, em maior concentração na área dos Estudos da Tradução.

Além do mais, o campo das pesquisas modernas, como as que fazem uso
de ferramentas tecnológicas, é muito recente, por isso os resultados categorizados
como conclusivos podem levar a equívocos. Realmente, há muitos aspectos a
49
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

serem considerados em uma investigação que envolve questões neurolinguísticas


do sujeito bilíngue, mais complexo ainda quando as línguas envolvidas forem
intermodais.

Assim, mesmo se uma grande parte dos estudos relata os benefícios de


ser bilíngue, há muitas pessoas que permanecem reticentes, uma vez que muitos
mitos se propagam na sociedade a respeito das interferências que uma L2 pode
exercer sobre a L1. Para esclarecer o assunto, sob uma perspectiva neurolinguística,
surgiu o interesse em saber como é configurado o cérebro bilíngue e quais as
implicações do bilinguismo para o sujeito. Entretanto, essa discussão pode
ser controvertida, haja vista a existência da hipótese do período crítico para
aquisição de linguagem, inclusive para a aprendizagem de L2. Ainda de acordo
com a perspectiva neurolinguística, a concepção da idade crítica em aquisição de
linguagem pode ser problematizada, pois é defendido por alguns autores que
essa visão se trata de um mito, uma vez que as neurociências incidem uma luz
à compreensão da plasticidade neurocognitiva, ou seja, sobre a capacidade de
adaptação funcional e estrutural do cérebro sob influência do meio, do ensino
e de circunstâncias como a perda de um mecanismo sensorial. Nesse sentido,
não seria a aquisição tardia que estaria comprometendo o desenvolvimento
linguístico de uma criança surda, por exemplo, mas a falta de exposição a uma
língua que seja adquirida confortável e naturalmente. Língua essa que responde
às especificidades neurofisiológicas dessa criança e que pode ser o trampolim
para a aquisição de outras modalidades linguísticas, de outras funções superiores
e do pensamento abstrato. Luria, já em 1970, formulara a hipótese de que o
cérebro é um sistema funcional complexo. Segundo ele, não existe área cerebral
específica para as funções cognitivas superiores, mas um trabalho colaborativo
entre as diversas áreas, principalmente se entendermos que as ações do homem
no mundo, sua percepção, sua história modificam e modelam a configuração do
seu cérebro.

Não obstante, ao partir da constatação de que as aquisições e aprendizagens


humanas são o resultado de modificações do cérebro que, influenciado pela
experiência e pela educação, vai sendo moldado ao longo do desenvolvimento
individual e social, torna-se necessária a imbricação entre as ciências linguísticas e
educacionais com as neurociências (Jeannerod, no prefácio ao livro de Dworczak,
2004). Essa associação pode esclarecer as indagações sobre como o cérebro aprende
e quais os mecanismos internos e externos são indispensáveis para o progresso da
inteligência e da comunicação nas diferentes instâncias semióticas e discursivas.
Para Dworczak (idem, p. 11), “originalmente, um ‘saber’ existiria materialmente
como uma realidade ‘neuronial’, como realização neurofisiológica em um ou muitos
cérebros antes de ser estabilizado, codificado, graças à linguagem e à escrita”.

Com vistas ao aprofundamento dessas e outras questões, os objetivos


deste tópico serão:

• compreender as implicações neurolinguísticas no cérebro bilíngue;


• revisitar o conceito de período crítico, problematizando sua validade sob o
ponto de vista neurolinguístico;
50
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

• refletir sobre a importância da interação linguageira no desenvolvimento dos


aspectos linguísticos e cognitivos do homem;
• considerar a relevância de interação em língua de sinais para o desenvolvimento
pleno da criança surda;
• discutir a necessidade de uma pedagogia que seja embasada nos achados
neurocientíficos, a fim de levar em consideração os aspectos psicofisiológicos
dos aprendentes.

2 IMPLICAÇÕES NEUROLINGUÍSTICAS DO CÉREBRO


BILÍNGUE
O bilinguismo é um tema muito pesquisado e de suma importância para
esta disciplina, uma vez que o nosso contexto de estudo envolve duas línguas
intermodais (Libras e Língua Portuguesa). No intuito de aprofundar a temática
sob um aspecto diferente, forneceremos informações de estudos científicos que
lançarão luz à compreensão de como o cérebro bilíngue estaria organizado. No
entanto, antes de entrarmos na discussão sobre o funcionamento cerebral do
sujeito bilíngue e das contribuições da Neurolinguística para esse entendimento,
é preciso entrever como esse conceito tem sido cunhado por alguns autores, pois
cada concepção vislumbra um aspecto distinto. Na tabela a seguir, elenca-se
algumas definições ou enfoques adotados:

TABELA 1 – DEFINIÇÕES DE BILINGUISMO

Autor Definição
O indivíduo bilíngue deve ter o domínio igual ao de um
Bloomfield (1933)
nativo para as duas línguas.
Define o bilíngue como aquele que tiver uma das
MacNamara (1966) habilidades (falar, escrever, ler, ouvir) em língua
diferente de sua língua materna.
Uma pessoa é bilíngue quando é capaz de produzir
Haugen (1953)
sentenças completas significativas em outra língua.
Bilinguismo é “um comportamento linguístico
Butler; Hakuta (2004,
psicológico e sociocultural complexo com aspectos
p. 2)
multidimensionais”.
Uma pessoa é bilíngue quando conhece ou usa duas
Paradis (2004)
línguas.
O bilíngue é o falante que usa duas ou mais línguas (ou
Grosjean (1982)
dialetos) em sua vida diária.
O termo bilíngue descreve alguém que utiliza dois
Wei (2000)
idiomas, independentemente de seu nível de proficiência.
Defende que todo falante tem um conjunto de
Roeper (1999) minigramáticas para diferentes domínios de sua língua,
de forma que todo falante é bilíngue.
FONTE: Vian Jr; Weissheimer; Marcelino (2013) e Flory; Souza (2009)

51
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Como é possível perceber, a própria definição de bilinguismo é


multifacetada e abarca diversas concepções. Diante dessa multiplicidade de
visões, pode-se concluir que não há um consenso quanto à sua definição, pois esse
fenômeno linguístico é marcado pelo hibridismo das variáveis que o envolvem.
Flory e Souza (2009, p. 34) nos informam que

Hamers e Blanc [...] salientam o caráter multidimensional do


Bilinguismo e consideram seis critérios para definir tipos de
Bilingualidade: competência relativa; organização cognitiva; idade de
aquisição; presença da segunda língua na comunidade e no ambiente;
status relativo das duas línguas; identidade cultural e pertencimento
ao grupo. Mackey (1962/2006) aponta que, ao se definir Bilinguismo,
quatro pontos devem ser considerados: grau de proficiência, função
e uso das línguas; alternância de código; interferência entre línguas.

DICAS

“A bilingualidade é o estado psicológico do indivíduo que utiliza mais de um


idioma em sua comunicação social. Seu desenvolvimento abrange as dimensões psicológica,
cognitiva, linguística, social e cultural” (VISCARDI, 2010, p. 56).

Dadas as elucidações acerca do bilinguismo, passo à delimitação do


conceito de Neurolinguística, adotando o excerto de Zimmer, Finger e Scherer
(2008, p. 2), que a descrevem como uma

[...] ciência que estuda os mecanismos cerebrais subjacentes à


compreensão, produção e conhecimento abstrato da linguagem –
falada, sinalizada ou escrita. Em outras palavras, investiga as relações
entre a estrutura do cérebro humano e a capacidade linguística, com
um foco especial na aquisição da linguagem e nos distúrbios de
linguagem, especialmente naqueles originados por lesões cerebrais.
Trata-se de um campo interdisciplinar, o qual articula conhecimentos
provenientes da Linguística, das Ciências Cognitivas, da Neurobiologia
e das Ciências da Computação, entre outras.

Além dos temas acima elencados, a agenda da Neurolinguística


abrange o estudo das condições neurocognitivas da surdez e do bilinguismo
e, mais recentemente, envolve os aspectos sociocognitivos, pragmáticos e
discursivos. Assim, o bilinguismo pode ser estudado a partir da intersecção de
diferentes perspectivas, como as da Linguística Aplicada, da Sociolinguística, da
Psicolinguística, da Linguística Cognitiva, entre outras.

A ascensão da Neurolinguística, enquanto ciência interdisciplinar,


remonta à década de 1970-80. Segundo Germain e Netten (2013a, 2012), o primeiro
pesquisador a criar uma teoria neurolinguística do bilinguismo foi Paradis, em
suas publicações de 1994, 2004 e 2009.
52
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

Várias perguntas podem servir de eixo norteador para delimitar as


pesquisas nessa área do conhecimento, tais como:

1. Haveria uma especialização hemisférica para o processamento de uma nova


língua?
2. O bilinguismo traz ganhos ou perdas cognitivas?
3. Haveria uma reorganização cortical na aprendizagem de uma língua
intermodal, como a língua de sinais pelo sujeito ouvinte e o sistema escrito de
uma língua oral pelo sujeito surdo?
4. O que precisamos saber a respeito de como o cérebro aprende a fim de criar um
programa adequado de ensino de línguas?

É bem verdade que nem todas essas perguntas possuem respostas


concretas e unânimes, mas, com base nos dados de que se dispõe e nas pesquisas
já realizadas, é possível fazer inferências e criar algumas hipóteses.

Com relação à especialização hemisférica, há muitas hipóteses sobre a


participação do HD e do HE na representação das línguas do sujeito bilíngue, mas
elas não convergem entre si. Segundo Paradis e Lebrun (1983), pelo menos cinco
hipóteses foram elaboradas entre 1978 e 1983: a) a segunda língua é representada
à direita; b) a segunda língua é representada bilateralmente; c) a segunda língua
é menos lateralizada que a primeira (ambas seriam representadas no hemisfério
esquerdo, entretanto, a segunda seria menos completamente que a primeira); d)
as duas línguas seriam menos lateralizadas que nos sujeitos monolíngues; e) as
duas línguas são representadas no hemisfério esquerdo, sem haver diferenças
entre bilíngues e monolíngues.

A diferença entre as diversas concepções de lateralização anteriormente


presumidas levou às seguintes formulações explicativas: O tipo de contato com
a língua, se em contextos formais de aprendizagem ou em situações interativas
naturais, parece exercer um papel preponderante na organização da língua no
cérebro. Além do mais, Kim, Relkin, Lee e Hirsch (1997) encontraram diferenças
na ativação da área de Broca em sujeitos bilíngues que adquiriram a língua antes
e depois da puberdade. Segundo Santana (2007, p. 230), “os bilíngues nativos
tendem a utilizar a mesma área na região de Broca para as duas línguas. Os
bilíngues que aprenderam a segunda língua após a puberdade utilizam áreas do
córtex frontal distintas dos bilíngues nativos”. O grau de domínio de uma segunda
língua também seria um fator responsável pelas diferenças no envolvimento
das áreas cerebrais. Aparentemente, conforme o nível de proficiência, diferentes
áreas são recrutadas para determinada tarefa linguística (PERANI et al., 1998). A
oportunidade de uso também seria relevante para Palij (1990), porque exerceria
uma pressão de uso e uma pressão emocional, refletindo na representação cortical
em L2. Finalmente, o efeito específico da linguagem também foi citado (Vaid e
Genesse, 1980), de modo que algumas línguas com características intrínsecas se
tornam menos lateralizadas. Em suma, esse estudo indica que a similaridade
estrutural, ou seja, a interdependência entre línguas pode ser um facilitador para
a aprendizagem da segunda língua que pode ser apoiada no conhecimento da

53
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

primeira. Ainda no que concerne aos efeitos de modalidade, Obler e Gjerlow


(2000) demonstraram que a estimulação na área de Broca é semelhante em pessoas
bilíngues usuárias de inglês e língua de sinais. Entretanto, a área temporal anterior
do HE parece ser mais ativa para a soletração e para a posição das mãos em língua
de sinais do que para a língua oral, concluindo que “a modalidade da linguagem
pode afetar, de forma variada, a atividade corticognitiva” (SANTANA, 2007, p.
226).

No que concerne às afasias em pessoas bilíngues ou poliglotas, diferentes


estudos, que investigaram sujeitos com lesões cerebrais, apresentaram resultados
diferenciados: alterações linguísticas diferenciadas para cada língua; progresso
terapêutico em todas as línguas, mesmo que uma só fosse realmente trabalhada;
progresso nas línguas que possuem estruturas semelhantes (espanhol e italiano,
por exemplo); preservação de uma língua apenas e perda em outra. Segundo
Amaral (2016), Gitterman, Goral e Obler (2012, p. 185) “destacam que lesões nas
regiões corticais perissilvianas, gânglio basal esquerdo, cerebelo e hipocampo
podem afetar memória, prejudicando, dessa forma, a linguagem do indivíduo”.
As variáveis que estão diretamente implicadas na recuperação são: “proficiência
antes do acidente vascular encefálico, equilíbrio da proficiência nas línguas, idade
de aquisição, histórico educacional e profissional prévio, estru­tura fonológica de
cada língua, natureza do tipo de afasia, severidade do dano, lugar e tamanho da
lesão” (ibid).

Sob o ponto de vista neurolinguístico e de acordo com alguns autores


(GROSJEAN; LI, 2013), o bilinguismo impacta positivamente o desenvolvimento
cognitivo pelo fato de favorecer a plasticidade e a maleabilidade sináptica,
possibilitando aprendizagens subsequentes. Veja alguns benefícios elencados
(VISCARDI, 2010, passim):

• Segalowitz (apud HAMERS, 1995) relata uma habilidade mental de uma lógica
mais complexa;
• Byalistock e Ryan (1985) argumentaram que as crianças bilíngues têm um
controle cognitivo maior do processamento da informação;
• Na visão interacionista de Vygotsky, a aquisição bilíngue, em sua natureza
complexa, torna-se relevante para a estruturação de uma forma de pensar mais
complexa;
• Pearl e Lambert (apud HAMERS, 1995) atestam flexibilidade e facilidade na
formação de conceitos, além de uma explícita tendência à relativização;
• Scott (1973) observou uma maior facilidade para reconhecerem e adaptarem-
se às diferenças, além de maior tendência à integração em equipes, a criarem,
inovarem e reorganizarem.

Com relação aos aportes da Neurolinguística para a construção de
modelos de ensino mais eficazes, Germain e Netten (2013a; 2012) criaram a
Abordagem Neurolinguística de Apropriação de Línguas (ANL), tendo como
base a teoria desenvolvida por Paradis (1994; 2004; 2009). Os autores indicam
alguns pontos sobre como se estabelecem certas conexões para a aprendizagem

54
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

ou apropriação de uma L2 ou uma LE. Para eles, na construção do conhecimento


há o desenvolvimento de ‘saberes’ e ‘habilidades’ que estariam associados
a duas memórias distintas: a memória declarativa e a memória procedural,
respectivamente. Em outros termos, há duas redes de conexões cerebrais que
seriam ativadas: 1) uma que conduz a um produto e que se caracteriza por
palavras/vocábulos e pelas regras gramaticais de uma língua, resultando em uma
gramática externa e um saber explícito (consciente); 2) outra que constitui um
processo e que consiste no desenvolvimento de habilidades linguageiras; é o caso
da memória procedural que permite as realizações fonéticas e morfossintáticas
da língua. Esse processo não envolve regras, mas uma regularidade estatística
frequente, resultando numa gramática interna e implícita (inconsciente). Uma
correlação poderia ser feita com os conceitos de aprendizagem (saberes explícitos
e conscientes) e de aquisição (habilidades internas e implícitas não conscientes),
destacando, assim, uma analogia entre um ensino sistemático e formal de regras
e um ensino baseado na interação natural com fins comunicativos.

No próximo subtópico, a partir das contribuições da Neurolinguística,


será problematizada a ideia do período crítico, já discutido anteriormente.

3 PROBLEMATIZANDO A HIPÓTESE DO PERÍODO CRÍTICO


À LUZ DA NEUROLINGUÍSTICA
A questão sobre a hipótese do período crítico em aquisição de linguagem
será aqui discutida, adotando como ponto de partida as contribuições da
Neurolinguística. Como foi informado anteriormente, a Neurolinguística não
se atém ao estudo do contexto patológico, embora muitos neurologistas tenham
lançado mão do estudo das afasias para embasar suas pesquisas sobre a relação
entre cérebro e linguagem verbal. A esse respeito, Oliver Sacks (1998, p. 29) expõe
que

[...] a privação da língua, na forma da afasia, tem sido uma preocupação


fundamental dos neurologistas desde a década de 1860: Hughlings-
Jackson, Head, Goldstein, Luria, todos eles escreveram profusamente
sobre a afasia — e Freud também escreveu uma monografia na década
de 1890. Mas afasia é a privação da língua (devido a um derrame
ou outro acidente cerebral) na mente já formada, num indivíduo
completo. Pode-se afirmar que a língua, nesse caso, já fez seu trabalho
(se ela tiver um trabalho a fazer) na formação da mente e do caráter.
Para investigar o papel fundamental da língua, é preciso estudar não
apenas sua perda depois de ter se desenvolvido, mas uma ausência de
desenvolvimento da linguagem.

Assim posto, o autor sugere que o estudo do desenvolvimento da


linguagem de alguns sujeitos como os surdos ou as crianças ditas selvagens
– ou do não desenvolvimento em caso de privação – é um excelente tema de
investigação capaz de elucidar alguns aspectos da linguagem humana.

55
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

A hipótese da existência de um período crítico para a aquisição de


linguagem foi, insustentavelmente, embasada em alguns casos e evidências
pouco fundamentadas (SANTANA, 2007, passim):

• Crianças ‘selvagens’, após entrar em contato com a sociedade em idade pós-


puberdade, não desenvolveram efetivamente a linguagem falada;

Santana (2007) interpreta diferentemente esse argumento, afirmando


ser precipitada a interpretação de que o cérebro pode se atrofiar caso não seja
estimulado em uma época biologicamente determinada. Ela defende que
nesses casos “[...] a ausência de relações sociais ocasiona problemas não só
linguísticos, mas emocionais e cognitivos” (p. 54). Morato (2014) complementa
que os estudos psicolinguísticos e neurolinguísticos apontam para a existência
de uma plasticidade cerebral de natureza sociocognitiva, ou seja, uma memória
social compartilhada por diferentes tipos de linguagem. Na ausência de vivência,
faltariam subsídios necessários para o desenvolvimento de habilidades internas,
o que comprometeria o empreendimento de ações humanas mediadas pela
linguagem verbal exteriorizada na fala.

• Crianças afásicas apresentam padrões de prognóstico diferentes em comparação


aos adultos afásicos e essa distinção está relacionada ao tipo de alteração e à
rapidez na melhora dos sintomas;

Segundo autores como Basser (1962) e Teuber (1975), as consequências das


lesões cerebrais nas crianças são, geralmente, consideradas como menos graves
do que as observadas nos adultos. Guttman (1942), Basser (1962), Alajouanine
e Lhermitte (1965) e Lenneberg (1967) correlacionam esse prognóstico a uma
recuperação mais rápida e substancial do que as que são esperadas nos adultos.
Esse raciocínio é dificilmente mantido quando confrontado com a diversidade de
estudos de caso que envolvem pessoas afásicas, sejam elas crianças ou adultas.
Essa conclusão simplista pode ser contestada em estudos mais atuais que, por
meio de designs tecnológicos, podem mostrar a variabilidade dos prognósticos
clínicos das diferentes manifestações afásicas, tanto em diferentes indivíduos
como em um mesmo indivíduo, uma vez que o comportamento de alguns afásicos
se modifica rapidamente ao longo das observações e das terapias.

• Crianças, ao aprenderem uma segunda língua, apresentam menos sotaque do


que os adultos;

A esse respeito, o neurolinguista alemão Peter Indefrey, em entrevista


para a Revista Ciência Hoje (2007, p. 12), argumenta que

O período crítico, assim descrito, é um mito. Nada se ‘encerra’. Em


vez disso, o que pesquisadores como meu colega David Birdsong
[...] observam é um declínio gradual na proporção de pessoas que
aprendem uma segunda língua e passam a falá-Ia com a mesma
proficiência que têm na língua materna. Mas sempre se achará
alguém que fala uma segunda língua perfeitamente, mesmo que tenha
começado a aprendê-Ia tardiamente. Esse declínio gradual começa em

56
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

idades diferentes para aspectos diferentes da língua. Para falar sem


sotaque, é mais importante começar cedo. Já para ganhar vocabulário,
mais importante do que a idade de início é a quantidade de tempo
dedicada à aprendizagem. Não há, portanto, nenhuma mudança
súbita no cérebro por volta dos 12 anos de idade. O que pode acontecer
é que, no decurso da aquisição da primeira língua, algumas regiões do
cérebro se otimizam para as propriedades dela. Mais tarde, quando
se aprende uma segunda língua, usam-se as mesmas estruturas, mas
elas, então, já não são tão eficazes para outras línguas. É por isso que
essas estruturas cerebrais tendem a ser mais fortemente ativadas
quando a pessoa tem mais dificuldade em aprender outra língua, pois
elas devem se esforçar mais.

• Surdos congênitos apresentam maior dificuldade em adquirir a língua de


sinais após o período maturacional.

Esse argumento não se sustenta, visto que muitos dos surdos adultos
adquiriram a língua de sinais em idade adulta. A ideia de que surdo, ao adquirir
a LS tardiamente, não desenvolveria uma língua gramaticalmente completa é um
mito que se apoia na normatização linguística, que ignora os diversos sinalares
sociolinguísticos e individuais e na concepção preconceituosa de que, ao
comparar grupos de sujeitos segundo suas produções linguísticas, estabelece-se
duas categorias de sinalizantes: os ditos “normais” e os de “conduta desviante”.
Entretanto, como salienta Santana (2007, p. 211),

Os surdos têm memória, atenção, percepção que são construídas


também e, sobretudo, visualmente. Na ausência de língua estruturada,
o cérebro (dinâmico) se organiza por meio de processos de significação
eminentemente visuais, conferindo uma qualidade particular à
cognição, um processamento “simultâneo e espacial”. Entretanto, a
extensão da ação simbólica da cognição é uma conquista da linguagem.

Isso significa dizer que a cognição se torna possível via adaptação biológica,
mas também pela aprendizagem, transmissão e construção evolutivo-cultural
para a qual a linguagem é um poderoso sistema de representação (MORATTO,
2014).

Continuaremos essa discussão nos próximos subtópicos, quando será


abordada a importância da interação para o desenvolvimento das funções
superiores do ser humano.

4 A IMPORTÂNCIA DA SOCIOINTERAÇÃO PARA O


DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E DA LINGUAGEM
Neste subtópico serão apresentadas informações relevantes sobre a
epistemologia genética que surgiu a partir das ideias de Piaget (1966, 1970,
1999), que, ao observar as crianças, percebeu uma série de regularidades
comportamentais que atribuiu a um forte instinto de aprender e compreender
o mundo. Nessa perspectiva, a linguagem não é estudada separadamente do

57
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

contexto intelectual da criança e da sua relação com o seu entorno. Ela constrói a
linguagem à medida que evolui em seus estágios do desenvolvimento. Para uma
progressão com um enfoque diferenciado, serão expostos alguns pressupostos
de uma nova escola do pensamento denominada Conexionismo. Estudos nessa
abordagem investigam o funcionamento de domínios motores, cognitivos,
perceptuais e de processamento da linguagem verbal, defendendo que toda a
aprendizagem envolve modificações nos pesos das conexões que dão lugar a
um tipo de memória. Por fim, para complementar a reflexão e fazer convergir a
ideia de uma sociocognição em que pesem as mudanças estruturais funcionais
no processo do desenvolvimento psicológico da criança a partir de suas relações
sociais.

Para descrever a abordagem da epistemologia genética, será tomado o


artigo de Ramozzi-Chiarottino, publicado no livro de Quadros e Finger (2013),
fazendo um resumo das ideias principais.

Para Piaget, a linguagem é constituída a partir do encontro de um
organismo com a vida social. Graças a esse encontro, a criança pode organizar
o seu mundo mais ou menos entre o primeiro e segundo ano de vida. Essa
organização será representada através de imagens mentais que são propiciadas
pela função semiótica, que pode ser definida como a capacidade que permite
distinguir o significado do significante. Piaget acredita ser o conhecimento, e
também a linguagem, frutos dessa troca entre a criança e o meio em que ela vive
e este deve ser construído pelo agir no mundo.

Ao adquirir a função semiótica, por volta dos dois anos, a criança
se torna capaz de fazer referência ao passado, de criar fantasias, imaginar,
prever e antecipar. A criança se estrutura interna e externamente a partir dos
conhecimentos figurativos: a percepção, a imitação e a imagem mental. Piaget
acredita que as imagens mentais são o resultado das ações conscientes da criança.
As impressões e imagens são guardadas na mente do indivíduo e, posteriormente,
tornam-se imagens que podem ser símbolos ou cópias ativas do real. Todas as
suas transformações mentais são na verdade operações, ou seja, o conhecimento
do mundo são construções dos sistemas lógicos e a interpretação do mundo são
construções dos sistemas de significação não lógico-matemática.

A teoria de Piaget sobre a aquisição da linguagem precisa ser vista sob


três aspectos: sintáticos, semânticos e pragmáticos. Piaget compreende a sintaxe
como uma lógica de ações juntamente com as noções espaço-temporais e causais.
Ao longo do seu desenvolvimento, a criança vai criando esquemas. Ao entrar em
contato com um objeto novo, ela procurará encaixá-lo em seus esquemas, ou seja,
classificá-lo. Mas esses esquemas não são estanques, pois podem ser modificados
com dados novos. Esse tipo de modificação é chamado de acomodação. A cada
variação do meio, os esquemas existentes assimilam objetos ou se acomodam a
eles. Cada mudança externa implica uma mudança interna nas estruturas mentais
da criança. A sintaxe da língua natural estaria assentada nessa lógica das ações.

58
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

Por exemplo, quando uma criança executa uma ação temos, de um lado, o sujeito
que a executa, um objeto que é manipulado e o resultado dessa ação. O sujeito da
frase é a criança, a ação é o verbo e o complemento são os objetos manipulados.

A semântica é constituída da interpretação de suas ações e dos significados


que o indivíduo atribui ao seu jogo simbólico. Nas suas brincadeiras, a criança
pode atribuir a noção de grande e pequeno, as relações de maior e menor, o
entendimento do que serve e do que não serve, as ordenações etc. Sobre os signos,
Ramozzi-Chiarottino declara:

No início da aquisição da linguagem, as palavras da língua (signo) são


usadas pela criança ainda como símbolos, ou seja, são usadas como
significados particulares, só seus, por exemplo, ‘nenê’ para designar
seres humanos, ‘au-au’ para designar qualquer animal” (2013, p. 85).

Do contexto de uso dessas relações, dessa experiência semântica e física


provém o aspecto pragmático. Para que este aspecto desenvolva, é importante a
socialização, pois essa acompanha as trocas simbólicas, inserindo o pensamento
próprio da criança a uma realidade objetiva social comum. O signo coletivo
permite evocar os esquemas até então simplesmente práticos, construindo
conceitos, por meio de uma operação complexa de assimilação e acomodação.

Passamos agora a descrever o paradigma conexionista, adotando o artigo


de autoria de Ingrid Finger, coautora da obra Teorias de Aquisição de Linguagem
(QUADROS; FINGER, 2013).

O Conexionismo é uma escola de pensamento ligada à Psicologia e às


Ciências Cognitivas,  cujo advento foi favorecido pelos avanços das áreas da
neurociência, da computação e também da Linguística. O entendimento do
funcionamento do cérebro, dos neurônios e a plasticidade do sistema nervoso
tem possibilitado a criação de teorias cada vez mais confiáveis. Esse domínio
de pesquisa busca desvendar a cognição humana, tentando compreender o seu
desempenho a fim de descobrir como se dá a aquisição e o processamento da
linguagem. Para os conexionistas, há um domínio geral responsável por processar
todas as funções superiores humanas, incluindo a linguagem. Para eles, há um
modelo único de processamento que pode dar conta de todo tipo de estímulo.

É com base, portanto, no pressuposto de que o processamento cognitivo


ocorre de forma semelhante à interconexão dos neurônios no cérebro
que os conexionistas modelam fenômenos comportamentais ou
mentais através de técnicas de simulação computacional, as chamadas
redes neuronais, ou redes  conexionistas, que nada mais são do que
uma técnica de modelagem computacional baseada em uma analogia
a neurônios (FINGER, 2013, p. 129).  

As representações internas nas redes conexionistas ocorrem através dos


pesos das conexões entre as unidades que compõem essas redes.  As regras e
as simulações conexionistas são organizadas dinamicamente com base na
experiência, através de “regras” ou “processamento” de aprendizagem.

59
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

No que concerne à concepção de linguagem,  a teoria conexionista,


diferentemente dos enfoques tradicionais que admitem existir um órgão
mental especializado responsável por processar diferentes tipos de informações
linguísticas, acredita não haver qualquer tipo de conhecimento inato da
linguagem, não no sentido de haver um domínio específico no cérebro. Os
processadores, sim, seriam inatos, mas eles não teriam um domínio específico
para a linguagem, pois eles podem processar outros domínios. Contrariamente ao
enfoque gerativista, que dá muita importância aos fatores inatos, o Conexionismo
dá mais ênfase à natureza do input e aos princípios que determinam os algoritmos
de aprendizagem. Com isso, o modelo destaca uma natureza altamente interativa
entre os processos cognitivos e a integração de restrições genéticas, associadas
aos fatores ambientais externos. A qualidade da experiência da criança é que vai
dar a ela condições de desenvolver sua linguagem, pois estas são sensíveis às
regularidades e, através de padrões probabilísticos, extraem e operam associações.

Nessa abordagem, a aquisição ou “modelagem” da língua é um processo


de estocagem de dados mais comuns, contidos na gramática do adulto, a dados
estatísticos e probabilísticos, operados a partir desses insumos. Por isso, com
relação à pobreza de estímulos, essa corrente defende que é possível, sim, que
uma criança extraia informações gramaticais mais ricas, a partir de estímulos
pobres. É claro que, quanto maior for a exposição, menor será o índice de erro.
A riqueza de insumos influencia o desenvolvimento de outras regularidades, ou
seja, estímulo pobre significa menos insumos, e menos insumos significam menos
dados a serem computados. Então, a saliência e a quantidade de input linguístico
é que determinam o grau de sucesso de um aprendizado.

A partir deste momento, passa-se a discutir os aportes de Vygotsky


(2001, 2008), com sua teoria interacionista, para a compreensão sobre o papel da
linguagem verbal e a importância das relações interpessoais no desenvolvimento
das funções superiores do ser humano.

Vygotsky estava à frente de sua época, haja vista sua profunda


compreensão e descrição dos aspectos da cognição humana, em um momento
histórico no qual os aparatos tecnológicos não haviam emergido de forma tão
potencialmente elucidativa como o são atualmente. Suas ideias são até hoje
difundidas interdisciplinarmente e podem ser interpretadas à luz dos atuais
domínios das Neurociências e do Conexionismo.

A correspondência entre as ideias de Vygotsky e os dois paradigmas


anteriormente citados foi elaborada por Cerrutti-Rizzatti (2009, p.41),
argumentando que

Parece certo, tanto para o conexionismo como para as neurociências,


que o funcionamento do cérebro demanda insumo externo; ou seja,
o universo intrassubjetivo tem flagrantes implicações intersubjetivas.
Esses dois recortes teóricos, no entanto, dadas as suas especificidades,
não evidenciam, como o faz a vertente russa, um interesse efetivo

60
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

pelos meandros que caracterizam o input a partir do qual as redes


neuroniais funcionam. Daí a necessidade do aporte do pensamento
vigotskiano para lidar com o que entendemos ser uma sensível lacuna.

A autora defende a aproximação das teorias, visto que as considera


complementares, mas propõe entrar com mais propriedade na qualidade
e natureza do input e de que forma é possível para as crianças fazerem as
associações entre esse insumo com os elementos de que já dispõem. Toma-se a
seguinte citação de Vygotsky (2008, p. 151) a fim de fazer a devida análise com os
pressupostos do Conexionismo:

Em nossa mente, uma palavra evoca o seu conteúdo do mesmo modo


que o casaco de um amigo faz lembrar desse amigo, ou uma casa,
de seus habitantes. A associação entre a palavra e o significado pode
tornar-se mais forte ou mais fraca, enriquecer-se pela ligação com
outros objetos de um tipo semelhante, expandir-se por um campo mais
vasto ou tornar-se mais limitada, isto é, pode passar por alterações
quantitativas e externas, mas não alterar a sua natureza psicológica.

Ao fazer uma correlação entre os principais pontos da citação, tem-se


a possível interpretação: A mente subentende o substrato orgânico no qual é
contingenciada, o cérebro. A palavra é um input perceptivo visual ou auditivo que
remete ao significado, o seu conteúdo. Quando, na ausência de um amigo, o seu
casaco faz evocar a imagem mental desse amigo, temos um processo mnemônico,
que é uma função superior, e substitutiva como um signo, algo está para outra
coisa. O vínculo entre a palavra e o significado caracteriza uma ligação entre
elementos e essa associação mais forte ou mais fraca é como a ativação sináptica
em busca das regularidades que o signo suscitou. A associação pode expandir-se
por um campo mais vasto, ou como defendido pelo modelo conexionista, a partir
de tais associações, “as conexões das redes neuroniais tornam-se mais fortes à
medida que essas associações continuam a ocorrer, e também se tornam partes de
redes maiores quando as conexões entre elementos passam a ser mais numerosas”
(FINGER, 2013, p. 136). As ‘alterações quantitativas’ remetem ao dinamismo do
sistema que permite a mudança do peso das conexões, resultantes de fatores
estatísticos. A natureza psicológica da palavra, o seu significante, é uma imagem
mental, que pode ser acústica ou visual.

Outro ponto essencial da teoria é o aspecto social. Segundo Kapitaniuk


(2010, p. 54),

A criança nasce em um meio social, representada pela família, e


estabelece as primeiras relações na interação com os outros. Nessa
interação, ela elabora seus conhecimentos sobre os objetos perceptivos
e sobre os comportamentos de seus pares, em seguida identifica-
se uma capacidade intersubjetiva mediada pelos signos fortemente
condicionadora do desenvolvimento de seus processos superiores.

Uma vez entretecida a convivência social, a Zona de Desenvolvimento
Imediato (ou Proximal) é impulsionada, com isso, a partir das associações dos
dados externos (inputs) compartilhados socialmente (aquilo que a criança não

61
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

sabe e se apropria na aprendizagem) com os dados já internalizados, ocorre uma


mudança no plano psíquico, que são os processos intrasubjetivos.

Em resumo, embora se tratem de abordagens diferentes e sejam


separadas por muitos anos entre uma e outra, a Epistemologia Genética, o
Conexionismo e o Interacionismo são perspectivas complementares que, no final
das contas, convergem em um ponto importante: os desenvolvimentos cognitivo
(desenvolvimento intrasubjetivo) e linguístico, que se desenvolvem de forma
separada, mas integrada, dependem do grau de interação entre o ser cognoscente
e o ambiente físico e, sobretudo, com o entorno social (relação intersubjetiva) nas
práticas linguageiras (mediação semiótica).

Na próxima subserção serão canalizados os aspectos aqui tratados para


demonstrar a importância dos inputs linguísticos para a criança surda.

5 A IMPORTÂNCIA DA EXPOSIÇÃO À LÍNGUA PARA O


DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA SURDA
Esta seção será tecida tomando as informações disponíveis até agora,
a fim de estabelecer uma correlação com o contexto de surdos congênitos que
nunca tiveram nenhuma experiência linguística consistente, seja oral-auditiva ou
cinésico-visual. Essa escolha é justificada pelo fato de que, como diz Sacks (1998,
p. 66) a respeito das crianças surdas,

Um número reduzido — talvez 10% delas — são filhas de pais surdos,


expostas desde o início à língua de sinais, e se tornam usuárias nativas
dessa língua. As demais têm de viver num mundo auditivo-oral, mal
equipado biológica, linguística e emocionalmente para lidar com
elas. A surdez em si não é o infortúnio; o infortúnio sobrevém com o
colapso da comunicação e da linguagem. Se a comunicação não pode
ser obtida, se a criança não é exposta à língua e ao diálogo apropriados,
verificamos todos os reveses mencionados por Schlesinger — reveses
ao mesmo tempo linguísticos, intelectuais, emocionais e culturais.

DICAS

Ao longo do texto, buscou-se contribuir com dados, pesquisas e experimentos


que envolvem a surdez de um ponto de vista clínico e fisiológico e, aparentemente, mais
científico, sobretudo no Tópico 2. Entretanto, a escolha pelas abordagens do subtópico
anterior volta a atenção para o fator social e sua importância na construção do pensamento e
da linguagem da criança. Com isso, começa-se a preparar o cenário para a continuação deste
material que focalizará o aspecto cultural do sujeito surdo. É evidente que essa perspectiva
esteve imbricada ao longo da organização dos subtópicos, uma vez que quando se fala em
Psicolinguística e Neurolinguística, os fatores ambientais e sociais estiveram ali implícitos. No
entanto, a partir de agora irá tomar-se essa questão mais explicitamente.

62
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

Citando Sacks novamente (idem, p. 31), concorda-se que “[...] um ser


humano não é desprovido de mente ou mentalmente deficiente sem uma língua,
porém está gravemente restrito ao alcance de seus pensamentos, confinado, de
fato, a um mundo imediato, pequeno”. A ausência de uma língua estruturada
social e pragmaticamente não impede que os surdos criem suas experiências
sensório-motoras e, conforme acredita Piaget, acomodem seus conhecimentos
percepto-práticos e desenvolvam a função semiótica no jogo de suas manifestações
simbólicas egocêntricas. Entretanto, se, complementarmente a isso, a abordagem
conexionista estiver no caminho certo para a explicação do funcionamento
cerebral constrangido pelas informações provindas do meio, pode-se inferir que,
ao surdo desprovido de inputs linguísticos, faltam dados externos suficientes
para que haja mudanças graduais na força das conexões das redes neuroniais do
seu sistema nervoso central. Isso compromete não somente a sua aprendizagem,
como o seu desenvolvimento cognitivo, pois sua percepção, atenção e memória
não estão sendo canalizadas por intermédio de uma atividade linguageira
substancial. Para reforçar, compreendamos a explicação de Finger (2013, p. 143)
sobre o postulado conexionista:

Nesse modelo, a aprendizagem não é governada por regras (que


subjazem à construção do conhecimento), mas é baseada na construção
de padrões associativos. Todo conhecimento é armazenado numa rede
de unidades simples de processamento compostas por conexões, que
são reforçadas ou enfraquecidas em resposta a padrões de regularidade
no input. A aprendizagem ocorre como resultado de mudanças
graduais na força das conexões das redes, através da experiência.

Pode-se depreender dessa abordagem que, pelo fato de o surdo não ter
input consistente em uma primeira língua, não lhe é favorecido reforçar as redes
de conhecimento, enfraquecendo as possíveis conexões. Por isso, a importância
de fornecer ao surdo uma língua natural desde seu nascimento, pois é com
ela e por meio dela que será possível avançar para outras aprendizagens mais
estruturadas, favorecendo o reforço das conexões e permitindo a apropriação de
outros conhecimentos.

De fato, embora admita-se que a linguagem tenha suas origens biológicas,


não se pode vislumbrar maior progresso linguístico-cognitivo senão no seio social,
pois “o desenvolvimento do sistema nervoso e, em especial, do córtex cerebral é,
respeitadas as restrições genéticas, guiado e moldado, esculpido pela experiência
em tenra idade” (SACKS, 1998, p. 103). Segundo a vertente conexionista, para
ter condições de desenvolver a linguagem, a criança precisa ter experiências
quantitativa e qualitativamente relevantes, dessa forma, quanto mais inputs
linguísticos receber, mais sensível ela estará às suas regularidades, uma vez que
o cérebro terá dados suficientes para ativar os padrões probabilísticos dos quais
pode extrair e operar associações.

Para ilustrar como a interação, mesmo que restrita a duas pessoas e


com inputs empobrecidos e limitada a um contexto restrito, pode favorecer o
desenvolvimento do pensamento e da linguagem, descreve-se o relato de Santana
(2007, p. 61) sobre o caso de Isabelle.
63
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

[...] Ela era filha ilegítima de uma mulher surda e cérebro-lesada, com
a qual passava a maior parte do tempo; ambas enclausuradas num
quarto escuro, na casa do avô, no interior do Estado de Ohio (Estados
Unidos). Quando mãe e filha escaparam da prisão domiciliar, em
1930, Isabelle tinha seis anos e meio e não falava, apenas emitia sons
guturais. Uma vez resgatada para o convívio social, seu progresso na
aquisição da linguagem foi fantástico: em dois anos e meio sua fala mal
se distinguia da de crianças da mesma idade que tiveram condições
normais de desenvolvimento (Scarpa, 2001). Ressalte-se que Isabelle
se comunicava com a mãe surda por meio de gestos. Questiona-se aqui
se a aquisição do sistema simbólico não teria relação com a facilidade
com que Isabelle adquiriu a linguagem oral. Esse é um fator que
devemos considerar e que certamente reforça a tese de plasticidade
cerebral.

Isabelle tinha todas as condições de aquisição de linguagem negativamente


preenchidas: ela se encontrava em uma idade considerada crítica para alguns,
presa a um espaço insalubre e limitado, restringida pela surdez e lesão cerebral
de sua única interlocutora, entretanto, seu progresso foi completamente diferente
daqueles casos das crianças ‘selvagens’ que foram descritos anteriormente. O
único aspecto que a diferenciava de Genie, Kaspar Hauser e Victor era o fato de ter
interação ‘social’ mediada por um sistema simbólico comum. Isso permite refletir
sobre o quanto as pesquisas podem ter sido deterministas em suas conclusões,
provavelmente ignorando algum sistema gestual em detrimento da fala que
queriam inculcar a essas crianças já traumatizadas pela vivência miserável que
tiveram, ou ainda ignorando o potencial negativo das variáveis sociais e afetivas
para o desenvolvimento mental e linguístico da criança.

Constata-se que, mesmo em contato tardio com a linguagem falada,


Isabelle foi capaz de avançar no seu conhecimento de mundo, o que permite
pressupor que os inputs empobrecidos foram suficientes para equipá-la com
algumas funções superiores e que, à medida que inputs mais consistentes
foram sendo associados e internalizados, foram se ampliando os seus processos
intrasubjetivos.

Com efeito, para Luria (1991), o surgimento da linguagem verbal imprime
ao menos três mudanças essenciais à atividade consciente do homem:

• A linguagem verbal, por meio das palavras, permite designar e discriminar


objetos e eventos no mundo, dirigir a atenção a eles e conservá-los na memória;
• A linguagem verbal, por meio das palavras, possibilita assegurar o processo de
abstração e generalização;
• A linguagem verbal é o veículo fundamental de transmissão de informação na
prática histórico-social.

Ao participar da formação da consciência do homem, a linguagem verbal


desempenha um fator importante para a formação dos processos psíquicos
(funções superiores) do homem.

64
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

• A linguagem reorganiza substancialmente os processos de percepção do


mundo exterior e cria leis para as diferentes percepções.
• A linguagem verbal muda essencialmente os processos de atenção do homem.
• A linguagem verbal muda substancialmente os processos de memória
(atividade mnemônica consciente) do homem.
• A linguagem do homem permite que ele se desligue da experiência imediata
para dar vazão à imaginação (criação orientada e dirigida).

Assim, a língua de sinais é, para o surdo, um instrumento pelo qual


ele mapeia o mundo e permite-lhe ir além de sua realidade imediata, porque
a atividade consciente do surdo, assim como o de qualquer homem, não está
ligada a motivos biológicos, nem a contextos imediatos. Essa mesma língua é
o instrumento que assegura o processo de abstração e generalização e, por
meio dela, a percepção sensorial desarticulada da consciência é reorganizada
substancialmente, a fim de refiná-las em leis mais controladas. A língua de sinais
promove a mudança dos processos de memória visual do surdo, favorecendo a
ampliação de seu mundo intrapessoal. Além disso, ela reorganiza o seu mundo
interior e reorienta os processos de atenção voluntária e seletiva. A língua de sinais
é mediadora nas interações sociais desse sujeito, propiciando o desenvolvimento
das suas funções superiores. Ela constitui o sujeito surdo e por ele é constituída. A
língua de sinais, “por seu caráter simbólico, interativo, representativo, cognitivo
e, principalmente, estruturante, modifica a cognição” do surdo (SANTANA,
2007, p. 211).

Concluído este subtópico, passa-se ao último, que abordará as contribuições
das neurociências para a educação.

6 NEUROCIÊNCIAS E EDUCAÇÃO

Um número crescente de pesquisadores está defendendo que as teorias
didáticas e pedagógicas devem alinhar-se aos trabalhos do domínio das
neurociências, sem, contudo, negligenciar a natureza profundamente social
da prática educativa. Em outras palavras, é necessário evitar a biologização da
educação a fim de não perder o foco da pedagogia, que é a humanização e a
intersubjetividade.

Do ponto de vista biológico, o córtex cerebral é formado por uma rede


de neurônios capaz de integrar diversas informações, que são captadas pelos
mecanismos sensoriais, provenientes do ambiente. Ele também é capaz de
conservar os traços das sucessivas experiências humanas, além de possibilitar a
previsão, a imaginação, a representação de um objeto ausente e, principalmente,
permitir o desenvolvimento da linguagem verbal, que é o modo mais excelente
de expressão e comunicação de que o homem dispõe (DWORCZAK, 2004, p. 29).
Já a cognição é um conjunto de processos que possibilita ao ser humano adquirir
conhecimento, em outras palavras, desenvolver a inteligência. Tal processo
envolve: a percepção, a atenção, a memória, o pensamento e a aprendizagem. O

65
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

cérebro é, assim, o lugar de estocagem de informações analógicas (registradas sem


que o sujeito tenha consciência) e cognitivas (registradas depois de passarem pelo
filtro da consciência). A questão que o autor supracitado (idem, p. 14) se coloca
é “[...] de saber se os conhecimentos adquiridos em neurociências apresentam
um interesse para a compreensão das funções cognitivas e, na sequência, para a
elaboração de novos métodos pedagógicos”.

Para essa resposta, serão condensadas as contribuições de Stanilas


Dehaene em um colóquio no Collège de France, em novembro de 2012. O tema
de sua palestra levou o nome de Os grandes princípios da aprendizagem.

Segundo Dehaene, as ciências do cérebro e as ciências cognitivas são


muito recentes, por isso não se deve esperar respostas concretas e definitivas,
sendo necessário um diálogo permanente para verificar e validar, em sala de
aula, os seus postulados sobre a organização do cérebro para o melhoramento
das práticas pedagógicas. A neuroimagem é uma grande contribuição, mas os
experimentos em Ciências Cognitivas não se limitam a essa técnica. Mesmo porque
uma imagem não é a verdade, ela precisa ser interpretada e essa interpretação é
atravessada pela experiência do pesquisador.

Esse domínio continua afiliado à Psicologia Cognitiva, adotando ainda


muitos dos procedimentos tradicionais, como uso de questionários, medida de
tempo de resposta ou, um pouco mais sofisticado, a interação com o computador
ou o rastreamento dos movimentos oculares. O comportamento ainda é o
centro da atenção dos pesquisadores dessa área do conhecimento, sendo a
neuroimagem apenas um esclarecimento de como funciona a arquitetura cerebral
que subentende esses comportamentos. Na figura a seguir, vê-se uma menina
participando de um experimento com neuroimagem, realizado pela equipe de
pesquisadores do Collège de France.

FIGURA 13 – TESTE EM CRIANÇA COM APARELHO DE NEUROIMAGEM

FONTE: Disponível em: <https://journals.openedition.org/lettre-


cdf/1634>. Acesso em: 15 jun. 2018.

66
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

O discurso de Dehaene foi orientado a responder as seguintes perguntas:

• Quais são os conhecimentos indispensáveis para que um professor possa


conceber o programa educativo de forma a maximizar as modificações
mentais dos alunos, maximizando, consequentemente, a rapidez do número
de aprendizagens?
• Quais são os princípios fundamentais da plasticidade cerebral e das
aprendizagens?
• Quais algoritmos de aprendizagem o cérebro utiliza?
• Quais as dificuldades que as crianças encontram e que podem comprometer
senão impedir o bom desenvolvimento da aprendizagem?

Conhecimentos precoces estariam na base da organização neural da


criança, ou seja, competências geneticamente modeladas que englobam a
visão, a linguagem verbal, os números, a geometria etc. O cérebro da criança
é estruturado desde o nascimento e essa compreensão põe em xeque a ideia da
tábula rasa (conforme a abordagem Behaviorista) e das etapas sucessivas do
desenvolvimento (conforme os pressupostos de Piaget). Com dois meses de
idade, o cérebro da criança submetido à neuroimagem demonstra as mesmas
ativações que se encontram no cérebro do adulto quando exposto à sua língua
materna. Mesmo antes de começar a falar, seu cérebro já reage aos inputs, uma
vez que a compreensão precede a produção. Os estímulos recebidos pelo aparato
sensorial permitem ajustar o mundo exterior mentalmente.

Os quatro fatores (algoritmos) da aprendizagem, segundo o pesquisador,


são:

1. A atenção

Essa função seleciona uma informação, modulando o seu tratamento.
Possui um sistema de alerta – vigilância; de orientação espacial (seleção de
entrada – olhar dirigido conscientemente); e controle executivo (capacidade de
inibir um comportamento indesejável, de continuar concentrado mesmo com a
presença de uma distração, de resistir a um conflito).

DICAS

A explicação sobre a atenção remete ao relato de Sacks anteriormente


discutido. Lembre-se das crianças ouvintes que aprenderam a língua de sinais, tornando-se
melhores em leitura. Isso nos leva a inferir que a atenção, que tem a visão como canalizador,
e o controle executivo são melhorados devido à mudança perceptivo-espacial que a LS
promove.

67
UNIDADE 1 | CÉREBRO HUMANO, COGNIÇÃO, CIÊNCIA E LINGUAGEM

Continua Dehaene defendendo que nossa consciência é muito limitada, por


isso não se pode realizar duas tarefas simultaneamente. Quando se está engajado em
uma tarefa, os estímulos não pertinentes podem tornar-se literalmente invisíveis.

2. O engajamento ativo (autoavaliação)

Um organismo passivo não aprende, por isso é preciso alternar períodos de


aprendizagem, com teste imediato e repetição dos conhecimentos. As condições
de aprendizagem devem ser mais difíceis do que aquilo que o aluno sabe para
motivar um crescimento do engajamento e do esforço cognitivo, porque essa
medida conduz a uma melhor apropriação.

O professor deve ser capaz de canalizar e cativar a atenção do aluno


continuamente. Criar materiais atrativos, mas que não distraiam a atenção da
tarefa principal.

3. O retorno da informação (feedback de erros, motivação e recompensa)

Um modelo interno da criança seria capaz de gerar predições do mundo


exterior. Se tudo é previsível, não há aprendizagem. Um sinal de erro pode ser uma
correção do professor, como pode ser uma reação da criança ao se dar conta do erro.

Esse entendimento traz consequências para a educação, haja vista


que os erros não são tratados como negativos. Erro e incerteza são normais e
indispensáveis (diferente de punição que aumenta o medo, o estresse e o
sentimento de impotência).

4. A consolidação (automatização – do consciente para o não consciente)

No início da aprendizagem, o córtex pré-frontal é enormemente


mobilizado a tratar informações explícitas e conscientes que demandam esforço.
A automatização é transferida, progressivamente, para as redes não conscientes,
liberando recursos dessa região. O sono faz parte integrante da consolidação,
sendo um algoritmo indispensável para a aprendizagem. Por isso, é sempre
recomendável uma pequena pausa de sono após uma aprendizagem. Essa medida
melhorará a memória, a generalização e a descoberta de regularidades (insights).

Distribuir a aprendizagem em pequenas partes todos os dias na construção


de um ensino estruturado e coerente, com escolha racional de exercícios e
concordância com o planejamento, é uma medida proveitosa e aconselhável.

Para finalizar, o pesquisador adverte que as Ciências Cognitivas e as


Neurociências possuem um grau de incerteza, por isso devem ser testadas e
confirmadas. Elas também não prescrevem métodos únicos de ensino, mas
podem avaliar a eficácia de métodos tradicionais.

A educação deve ultrapassar os sistemas cerebrais a fim de promover uma


reciclagem neuronial, permitindo, por meio de experiências novas e consistentes,
68
TÓPICO 3 | NEUROCIÊNCIAS, SOCIOINTERAÇÃO E LÍNGUA DE SINAIS

a internalização de novas aprendizagens. Essa prática está associada a uma


nova área do conhecimento chamada de Neuroeducação. Apesar de o professor
precisar seguir certos princípios fundamentais que regulam a organização
cerebral, ele pode usar de sua liberdade pedagógica para ser um experimentador
das propostas das neurociências na sua didática em sala de aula.

Dadas as informações anteriores, será feito um paralelo com o ensino que


o surdo, inserido em uma classe inclusiva, tem recebido. Pode-se afirmar que as
metodologias de ensino não estão observando as especificidades do surdo, de
modo a não canalizar a sua percepção para comportamentos mais conscientes
que lhe trariam ganhos intrasubjetivos significantes. A ausência de uma língua
compartilhada entre professor e alunos surdos está impedindo que esses aprendam
os princípios básicos da aprendizagem anteriormente postulados. A presença do
intérprete faz com que a visão do surdo seja compartilhada entre duas tarefas: a de
olhar para o intérprete e a de olhar para o quadro. Some-se a isso a falta de interação
entre os pares, prejudicando o seu desenvolvimento linguístico e intersubjetivo.

Acredita-se que o desabafo a seguir reforça a insatisfação com a educação


em geral. A autora Zélia Ramozzi-Chiarottino finaliza o seu artigo publicado em
Quadros e Finger (2013) discutindo a questão da exclusão social e da sala de aula.
Segundo ela, as dificuldades já foram identificadas, entretanto não se pensou
em estratégias que possam trazer resultados mais satisfatórios, não se pensa nas
condições necessárias para que uma criança possa assimilar o conhecimento que
lhe é oferecido. Do ponto de vista social, segundo Paulo Freire, há uma cultura
dita a “cultura do silêncio”, que estaria privando algumas crianças de informações
necessárias para que elas possam acomodar novos esquemas. Infelizmente, nem
todas as crianças conseguem escapar das condições desfavoráveis, porque a
sociedade não lhes oferece as ferramentas necessárias.

Evidentemente, a “cultura do silêncio”, como Paulo Freire nomeia, está
privando a criança surda da interação necessária e que lhe permitiria avançar no
desenvolvimento de suas funções superiores, a fim de ir além de sua ação imediata
com objetos e entorno físico e do seu pensamento concreto. Essa cultura silencia o
surdo, pois não permite que ele desenvolva a dinâmica do movimento que lhe é
favorecido por uma língua de conforto como a língua de sinais. Aliás, essa cultura
é paradoxal, pois à medida que o silencia em seu jogo simbólico visual, procura
instrumentalizá-lo numa língua oral-auditiva, por meio de próteses, implantes e
sessões audiológicas que, mesmo que proporcionem alguns progressos, não são
um modo natural de aquisição, mas uma técnica terapêutica de aprendizagem
caracterizada por procedimentos que trazem resultados a longo prazo e que
são marcados por desgastes emocionais e cognitivos significativos. Como bem
salienta Santana (2007, p. 235), “esperar para ver se a criança vai ou não falar
para, então, ‘proporcionar’ a aquisição da língua de sinais é, de certa forma, uma
negligência social, não apenas profissional ou científica”.

Nesses termos, encerra-se aqui a Unidade 1, desejando a você, acadêmico,
um ótimo estudo.

69
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você viu que:

• A separação entre competências inatas e adquiridas já não se sustenta, porque


o progresso nas pesquisas permite evidenciar uma integração dos aspectos
neurofisiológicos e dos sociointeracionais no desenvolvimento humano.

• O bilinguismo é um tema que desperta grande interesse, visto que ele está muito
próximo das vivências humanas. Entretanto, embora ele seja tão palpável pela
experiência das pessoas, o fenômeno resta ainda encoberto ao entendimento
científico. Para esclarecer algumas das suas problemáticas, estudos foram
realizados, a fim de entender como se daria o processamento cerebral do
sujeito bilíngue. Os resultados não são conclusivos, mas já avançam muito na
compreensão.

• A hipótese do período crítico criou uma certa polêmica entre os pesquisadores,


resultando no seu enfraquecimento frente às mais contundentes provas de
que o cérebro é capaz de reciclar-se, devido à sua característica intrínseca, a
plasticidade neuronial.

• Embora as Neurociências e as Ciências Cognitivas coloquem ênfase no potencial


do sistema nervoso, elas também ressaltam a importância dos insumos externos
para o desenvolvimento cognitivo e linguístico do homem. Haveria, portanto,
uma sociocognição mediada pela instrumentalização linguística.

• Nem todas as teorias que estudam os processos mentais e comportamentais do


homem são totalmente convergentes, nem totalmente excludentes. Sempre é
possível fazer associações e recuperar aquilo que lhes é comum. A Epistemologia
Genética, o Conexionismo e o Interacionismo são exemplos disso, pois, em
maior ou menor grau, todos convergem na necessidade da interação social
para o desenvolvimento dos processos cognitivos e de linguagem.

• A criança surda, assim como qualquer criança, precisa imergir em um contexto


linguístico desde sua mais tenra idade. É na prática linguageira significativa
que ela organiza o seu mundo mental e extra-mental, mudando assim sua
percepção, sua memória, sua atenção e outras funções superiores, além de
consolidar suas relações intersubjetivas.

• Estudos em Neurociências e Ciências Cognitivas têm trazido contribuições


substanciais para a prática pedagógica. Dessa interdisciplinaridade surge a
Neuroeducação, que procura explicar os algoritmos que estão subjacentes à
aprendizagem, associando-os aos programas pedagógicos e à prática em sala
de aula.

70
AUTOATIVIDADE

Com relação ao sistema lecto-escrito, Dehaene (2007) comprovou, em


suas pesquisas neurocientíficas, que o centro específico desta especialização
seria o occipital-temporal ventral esquerdo. Entretanto, ele não pesquisou
sujeitos surdos que, visto não terem desenvolvido a consciência fonológica,
não teriam ativados os mesmos percursos neuronais. Neville, por outro
lado, realizou um experimento, colocando sujeitos surdos e ouvintes para
ler em inglês escrito. O resultado foi díspar entre os grupos. Os hemisférios
esquerdos dos ouvintes teriam sido ativados, enquanto que nos dos surdos
não houve ativação. Perani et al. (1998) sustentam que o nível de proficiência
bilíngue pode ter um papel decisivo na ativação de um ou outro hemisfério.
Quando a fluência é menor em L2, outras áreas seriam acionadas, além do
hemisfério esquerdo. Além disso, vale ressaltar que o ouvinte, ao fazer uma
leitura mental, tem acesso a imagens acústicas porque consegue fazer relações
entre o estímulo visual e a lembrança perceptiva da palavra falada.

De acordo com as informações apresentadas no parágrafo anterior e


instrumentalizado com a figura a seguir, discuta o resultado do experimento
de Neville e sugira outras hipóteses sobre as diferenças na ativação hemisférica
do cérebro ouvinte e do cérebro surdo no momento da leitura. Você pode
embasar sua resposta com elementos de pesquisas.

FIGURA 14 – VISÃO MODERNA DAS REDES CORTICAIS DA LEITURA

FONTE: Adaptado de Dehaene (2007)

71
72
UNIDADE 2

A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO,


STATUS E ENSINO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• entender como emerge e evolui uma língua de sinais;

• estudar como se dá a passagem dos gestos para a língua em aquisição de


linguagem;

• relacionar os sistemas gestuais à capacidade simbólica do ser humano;

• comparar os fenômenos evolutivos de algumas línguas de sinais;

• reconhecer alguns mitos relacionados aos surdos e à língua de sinais;

• compreender como se construiu a noção de identidade e cultura surda;

• discutir a noção de representatividade surda;

• estudar o ensino e aprendizagem de Libras;

• repensar as questões didático-metodológicas do ensino e aprendizagem


de Libras;

• conhecer a perspectiva da Psicologia da aprendizagem;

• aprender como criar um projeto de ensino e aprendizagem de ou em Libras;

• comparar as diferenças na aprendizagem intermodal entre surdos e ouvintes;

• problematizar a aprendizagem bilíngue bimodal para surdos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-
contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

TÓPICO 2 – OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E


DAS LÍNGUAS DE SINAIS

TÓPICO 3 – ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS


73
74
UNIDADE 2
TÓPICO 1

EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Segundo Trevor e Schembri (2010), há duas vias que corroboram para a
evolução e transformação de uma língua: as variáveis sociais "externas à língua"
(sociolinguística) e as forças de mudanças "internas da língua" (lexicalização
e gramaticalização). Neste tópico, serão concentrados esforços em mapear e
retraçar algumas mudanças nas línguas de sinais próprias ao primeiro aspecto,
pois isso envolve um estudo diacrônico e dá a possibilidade de uma visão geral
de como algumas delas foram sendo estabelecidas ao longo dos anos e em
diferentes contextos de difusão. Infelizmente, durante muitos séculos, esse tipo
de estudo foi rejeitado, tendo como principal motivo as práticas excludentes
das diversidades linguísticas que tanto surdos como imigrantes e indígenas
sofreram face à imponência das línguas majoritárias, tanto no Brasil como em
outros países. Será possível notar que as línguas de sinais também vivenciam o
fenômeno de desaparecimento de certas variedades em detrimento de línguas
mais hegemônicas. Ao que tudo indica, a Língua de Sinais Americana - ASL,
assim como algumas línguas hiper e supercentrais como o inglês, o francês e o
espanhol, parece ter avançado na sua influência e posição de prestígio global em
relação às línguas de sinais com número reduzido de usuários e situadas mais
localmente (conforme o exemplo que será dado em relação à língua de sinais de
Marta’s Vineyard que foi substituída pela ASL). Isso se dá ao fato de que as línguas
mais presentes no ensino, formação e produção cultural acabam atingindo mais
facilmente os grupos locais.

Além do fator anteriormente apresentado, a desvalorização da língua


de sinais e, em particular, a estigmatização do surdo, foi um empecilho para a
conscientização sobre a necessidade de desenvolver-se pesquisas históricas
e sociolinguísticas dessas línguas cinésico-visuais. Somado a isso, os estudos
linguísticos tiraram de seu escopo os elementos gestuais que são coarticulados
com a fala e com os sinais. A competência gestual que acompanha a aquisição de
linguagem das crianças também foi, por muito tempo, relegada a um domínio
periférico. Não obstante, há os que defendem a hipótese de que a comunicação
por gestos precedeu a comunicação pela fala. Fournier (2017, p. 11), por exemplo,
chegam a fazer um paralelo entre produção de ouvintes e surdos no que concerne
aos gestos articulatórios corporais e os gestos articulatórios vocais, argumentando
que

75
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

[...] não existe articuladores específicos a um modo de expressão


ou outro. Apenas uma questão de grau: os Surdos fazem um uso
consubstancial dos articuladores não vocais e, numa medida menos
importante, dos articuladores vocais; os Ouvintes empregam
significantemente os articuladores vocais e, em menor proporção, os
articuladores não vocais, e isso, uns e outros segundo uma grande
variabilidade.

No que concerne à aquisição de linguagem, foi a partir da década de 1970


que o gesto de apontação recebeu uma atenção especial. Desde então, ele tornou-
se uma das formas gestuais mais estudadas, pois, segundo Bates et al. (1979),
a utilização da apontação da criança permite antecipar o seu desenvolvimento
linguístico, em particular a riqueza lexical e a atividade de denominação.

A partir dos estudos das línguas de sinais, os gestos foram ainda mais
investigados, uma vez que foi evidenciado que sistemas gestuais criados no seio
comunicacional de uma família ou comunidade serviram de substrato para a
emergência de muitas línguas de sinais estabilizadas. Como salienta Fournier
(2017, p. 17):

As línguas crioulas demonstraram a grande força de adaptação


da mente humana às condições que podemos qualificar como
extremamente severas (Bickerton, 1984). As línguas sinalizadas, por
sua vez, em um retorno nobremente irônico das coisas, nos fazem ver
a grande flexibilidade e riqueza da mente humana e nos obrigam a
redefinir o que acreditávamos já conhecer.

Segundo Fusellier-Souza (2001), diferentes estudos mostraram que os


mecanismos de comunicação de uma criança surda com o seu entorno familiar
ouvinte podem resultar na criação do que ela chama de Língua de Sinais
Primária (LSP). Isso só é possível porque a criança, em seu desenvolvimento,
ao chegar no estágio da função semiótica, pode vir a fazer uso daquilo que está
ao seu alcance e do que dispõe para aperfeiçoar habilidades comunicativas com
as pessoas que busquem dar inteligibilidade ao que elas desejam informar. A
princípio, os gestos são idiossincráticos, mas a partir do momento que suas
expressões são compreendidas pelos adultos ou por pares, ativa-se um processo
cognitivo ancorado no universo perceptivo-prático de suas experiências. A partir
disso, acredita a autora, a organização conceitual é desengatilhada pelo que ela
chama de processo de iconicização. À medida que essa criança vai ampliando
seu conhecimento de mundo e que venha a encontrar outros surdos, ela poderá,
rapidamente, adaptar-se a outros repertórios gestuais e sinalizados com os quais
entrar em contato.

Foi em contextos de encontros surdo-surdos que fenômenos de pidgin


entre sistemas gestuais emergiram e, posteriormente, deram lugar a crioulos para,
então, chegar a uma etapa mais completa e altamente gramaticalizada. É claro
que esse processo depende do fator tempo para se desenvolver efetivamente, mas
não há evidência maior do que a importância das trocas comunicativas para o
desenvolvimento e estabelecimento de uma língua.

76
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

Dentro dessa perspectiva, esse tópico vai abranger:

• Uma análise da passagem dos aspectos gestuais para os aspectos linguísticos.


• A compreensão de como um sistema gestual caseiro é desenvolvido e quais são
suas características.
• Um estudo sobre a emergência de línguas de sinais a partir de substratos
primários gestuais.
• O entendimento de como uma língua de sinais pode evoluir diacronicamente.
• Uma explicação sobre a sociolinguística que estabelece a relação entre língua e
sociedade.

2 DO GESTUAL AO LINGUÍSTICO
Há muito especula-se que os gestos teriam dado origem à linguagem
verbal humana (HEWES, 1979; CORBALLIS, 2002, 2014; FOURNIER, 2017).
Entretanto, no plano evolutivo das línguas orais, que remontam a muitos séculos
de existência, é impossível provar tal hipótese. Muitos já empreenderam esforços,
às vezes antiéticos e que infringem os direitos humanos, fazendo experimentos
para buscar uma língua que teria dado origem a todas as outras. Heródoto (2017)
narra que, em torno do século VII a.C., um rei egípcio chamado Psamético III
realizou um experimento cruel, separando do convívio social duas crianças
recém-nascidas. Ele ordenou que elas fossem cuidadas por um camponês que foi
terminantemente proibido de dirigir-lhes qualquer palavra. Com isso, ele buscava
identificar a língua que, porventura, viessem a falar, descobrindo, assim, qual teria
sido a língua primitiva. Após dois anos, de forma espontânea, a primeira palavra
que as duas crianças produziram foi ‘bekos’ que, segundo interpretação posterior,
provinha do frígio, uma língua de raiz indo-europeia que havia desaparecido. A
cadeia sonora produzida pelas crianças parecia corresponder ao significado de
‘pão’ nessa língua antiga. Esse experimento resultou na errônea conclusão de que
a primeira língua do mundo seria a língua dos frígios.

Na recusa de aceitar uma língua adâmica, aquela que teria sido dada por
Deus ao primeiro homem (BICKERTON, 2009) e, na impossibilidade de atestar
se os gestos vieram antes da fala, é na ontogênese (desenvolvimento individual
do ser humano) que fica mais evidente a função que os gestos desempenham na
aquisição de linguagem. Sabe-se que eles precedem a fala ou os sinais antes que a
maturação biológica tenha permitido as capacidades motoras da fala ou sinais e
os aspectos cognitivos necessários.

Fournier (2017, p. 25), em seu capítulo As origens da comunicação humana:


do gestual ao gestual, defende que

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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

[...] a criança gesticula primeiro com as mãos e os braços para


gradualmente aprender a gesticular com seus órgãos fonatórios.
Insisto nesse ponto: há continuidade evolutiva e continuidade na
aprendizagem entre o gesto manual e o gesto oral: do ponto de vista
midiático, passa-se progressivamente do totalmente visível para o
parcialmente invisível, sendo alguns gestos sempre perceptíveis, os
movimentos da boca essencialmente, mas também certas expressões
faciais, como a elevação ou contração das sobrancelhas que
acompanham tanto a expressão oral quanto a expressão sinalizada.

Para o autor, o desenvolvimento da capacidade verbal da criança é um


parâmetro para entender a continuidade evolutiva do gesto corporal para a fala.
Note que ele considera as articulações da fala como gestos também. Assim, do
médium visual passa-se para o médium acústico, do que é mais global e externo
para o que é mais localizado e interno (cavidade oral). Todavia, mesmo com o
advento da fala, os gestos farão parte da comunicação ao longo de toda a vida do
indivíduo, sejam ouvintes ou surdos sinalizantes. Com efeito, Correa (2007), na
sua dissertação de mestrado, defende a complementaridade dos gestos também
nas produções sinalizadas, ou seja, a língua de sinais, assim como a linguagem
oral, tem seu estatuto gestual. Entretanto, se o continuum da fala e gestos
corporais, manuais e faciais é facilmente discriminado, a separação do continuum
sinal/gesto é comumentemente mais complexa, visto que os mesmos receptores
e articuladores cinésicos estão envolvidos. Trata-se de efeitos de modalidade,
fenômeno que foi estudado por Petitto (1987). A autora argumenta que a criança
surda produz gestos que diferem dos sinais. Conforme Quadros (2008, p. 71),
Petitto “sugere que nesse período parece ocorrer uma reorganização básica em
que a criança muda o conceito da apontação inicialmente gestual (pré-linguística)
para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais
(linguístico)”. Em um estudo posterior, Petitto e Bellugi (1988) complementam
que haveria uma descontinuidade entre o gesto de apontação e o elemento
pronominal que têm a mesma forma. Nesse ínterim, haveria uma ruptura no uso
do gesto, que desapareceria no estágio do primeiro sinal.

Segundo Morgenstern, Leroy e Mathiot (2008, p. 1805),

Alguns gestos convencionais aparecem muito cedo na criança. A


apontação, observável antes dos doze meses, pouco antes das primeiras
palavras, é uma delas. Segundo Cabrejo Parra (1992), esse gesto
representa uma condição necessária para a construção da linguagem.
De fato, dá à criança a oportunidade de designar um objeto como um
lugar de atenção compartilhada e de intercâmbio com o adulto [...]
A apontação permite que a criança organize o olhar conjunto, que
é uma primeira triangulação, uma entrada real na dêixis. O gesto
de apontação indica que a criança é capaz de construir a alteridade
psíquica [...].

A apontação cumpre, assim, funções comunicativas de duas naturezas: na


presença do referente tem valor de dêitico, mas, quando esse está ausente, possui
valor simbólico (veja os exemplos na figura a seguir). Um dos fatores importantes
para que a criança comece a reconhecer que seus gestos, uma vez compreendidos

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TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

pelo interlocutor, têm poder para convencê-los a fazer o que ela deseja, é o
próprio feedback dado pelo adulto. Por exemplo, ao tentar aproximar-se de um
brinquedo, percebe que sua ação de tentar alcançá-lo foi compreendida pela
mãe que prontamente lhe oferece o objeto de sua volição. Algum tempo depois,
usará da estratégia de estender a mão de forma intencional a fim de modificar o
comportamento das pessoas que lhe ajudarão a atingir seu objetivo. Da mesma
forma, ela pode espelhar-se nas ações gestuais do outro, dando sentido às suas
intenções comunicativas.

FIGURA 1 – EXEMPLO DE SINAL DÊITICO (NA PRESENÇA DO REFERENTE) E


SIMBÓLICO (NA AUSÊNCIA DO REFERENTE)

FONTE: Disponível em: <https://itunes.apple.com/fr/book/animais-emmovimento/


id605083781?mt=1>. Acesso em: 20 maio 2018.

Contrariamente ao que defende Petitto, a pesquisadora Pizzuto e seus


colaboradores (PIZZUTO, 1990; PIZZUTO; CAPOBIANCO, 2005; DEVESCOVI,
2005) não compartilham da mesma opinião sobre a descontinuidade entre a
apontação gestual e a apontação pronominal, esclarecendo que

a) As apontações para objetos aparecem no final do primeiro ano e são


acompanhadas pela direção do olhar para o referente; os demonstrativos e os
nomes dos objetos as complementam.
b) As apontações "pessoais" aparecem mais tarde tanto em crianças surdas
sinalizantes como em ouvintes (final do segundo ano) e têm um desenvolvimento
muito semelhante ao dos pronomes pessoais da língua oral. Os pronomes de
terceira pessoa (apontando para a pessoa de quem se fala) são acompanhados
da direção do olhar para o interlocutor e não do alvo da apontação, ou seja, já
há indícios de gramaticalização (MORGENSTERN; LEROY; MATHIOT, 2008).

Para Morgenstern, Leroy e Mathiot (2008), o gesto cumpriria as seguintes


funções na aquisição de linguagem:

• Segundo os autores, para Bates et al. (1979), “a utilização da apontação na


criança permite antecipar o seu desenvolvimento linguístico, especialmente, a
riqueza lexical e a atividade de denominação” (p.1805, grifo nosso).

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UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

• “Segundo Greenfield e Smith (1976), Bates et al. (1977), a apontação corresponde


a uma transição no curso da aquisição de linguagem e facilita o acesso às
combinações e à sintaxe!” (p.1808).
• Para Goldin-Meadow e Butcher (2003), “a apontação tem um papel crucial na
transição entre os enunciados de uma para duas palavras” (ibidem), ou seja,
“o gesto fornece para a criança um veículo importante para informações ainda
não expressas na fala e, como tal, fornece ao ouvinte (ou ao experimentador)
uma janela única para a mente da criança” (GOLDIN-MEADOW E BUTCHER,
2003, p. 104).

Os gestos, embora sejam concomitantemente produzidos com os discursos


falados, foram relegados a um domínio exterior à Linguística. Entretanto,
antropólogos (BIRDWHISTELL, 1952; 1970), psicólogos (EFRON, 1941; KENDON,
1972, 1980, 2000) e psicolinguistas (BATES; DICK, 2005; MCNEILL, 1992, 2005),
além dos autores que foram anteriormente destacados, perceberam o potencial do
sistema comunicativo gestual, dando um passo além para a sua compreensão. A
seguir, veremos que em comunidades desprovidas de inputs linguísticos orais ou
sinalizados, os gestos podem fazer emergir uma língua de sinais primária, usada
para a comunicação e interação entre membros de uma família ou comunidade.

3 HOME SIGNS (LÍNGUAS DE SINAIS CASEIRAS)


Os experimentos com crianças não se limitam ao que foi feito por
Psamético III. Sacks (2010) relata que um rei afegão chamado Akbar Khan repetiu
a experiência do faraó egípcio, colocando bebês aos cuidados de amas surdas.
Sem ter conhecimento, essas mulheres usavam um código gestual com as crianças
e, passados 12 anos, as crianças foram levadas à corte. Elas não desenvolveram
nenhuma espécie de língua falada, embora não fossem surdas nem tivessem
problemas de fala. Elas comunicavam-se com o sistema gestual de suas amas,
evidentemente. Todavia, o que acontece se uma pessoa não recebe nem insumos
da língua de sinais, nem da língua falada, como é o caso de muitas crianças e
adultos surdos?

Muitos são os autores que trazem respostas a essa questão (FUSELIER-


SOUZA, 2001; 1999; YAU, 1992; GOLDIN-MEADOW, 1976; 1999a; 1994, entre
outros), uma vez que muitas das suas pesquisas concentraram-se nos sistemas
gestuais caseiros. Conforme Santana (2007, p. 83-4), “No desejo de participar,
interagir e comunicar-se, as crianças surdas filhas de pais ouvintes criam um
sistema de comunicação particular, denominado, para alguns autores, de
simbolismo exotérico e, para outros, de sinais domésticos (home signs)”.

Oliver Sacks descreve a história de vida de Ildefonso, um surdo congênito


que, juntamente com outro irmão surdo, vivia com a família numa propriedade
agrícola no Sul do México. Longe da escola e de qualquer língua de sinais
estabelecida, ele e seu irmão criaram gestos para comunicar-se. Com a idade de

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TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

13 anos, ele começou a frequentar a escola, onde aprendeu a língua de sinais. Ele
apresentou bons resultados, após um tempo de adaptação. Ao compreender que os
sinais davam nomes às coisas, seu conhecimento ampliou-se consideravelmente,
por meio do ensino instrucional e da língua de sinais.

O autor também relata o caso de Jean Massieu e seus irmãos surdos,


descrito em Lane (1984b). Ele fazia parte de uma família com oito filhos, dos quais
cinco eram surdos congênitos, tendo desenvolvido um sistema gestual caseiro que
era compreendido entre os membros da família e os vizinhos mais próximos. Esse
rapaz não conheceu nenhuma língua de sinais estruturada até os 14 anos, quando
“tornou-se pupilo do abade Sicard e obteve um êxito espetacular, tornando-se
eloquente tanto na língua de sinais quanto no francês escrito” (SACKS, 2010, p. 32).

Goldin-Meadow e Feldman (1977) também desenvolveram um estudo


com um grupo de irmãos que foram isolados do convívio social pela família a
fim de que não viessem a utilizar sinais, priorizando a aprendizagem da fala.
Entretanto, as crianças surdas, à medida que interagiam, criavam um sistema
de gestos cada vez mais sofisticado. Esses exemplos dão prova da capacidade
simbólica do ser humano que fica privado de uma língua, mas que tem algum
interlocutor que lhe estimule e dê significação às suas produções gestuais.
Assim, é preciso levar em consideração que essa capacidade reflete a potencial
plasticidade cerebral em ressignificar os dados recebidos do exterior, entretanto,
ela é completamente dependente das interações dialógicas entre os pares.

Como você viu, as trocas gestuais podem dar origem a uma protolíngua
de sinais. A compreensão dos sinais caseiros enquanto protolíngua parte do
princípio de que esses sistemas compartilham muito das propriedades linguísticas
das línguas de sinais. Essa é a concepção de Fusellier-Souza, uma brasileira que
desenvolve pesquisas em Paris e que estudou uma família com um membro surdo
que não conhecia Libras. Ela chama os sistemas gestuais dos surdos isolados de
Língua de Sinais Primária (LSP). Segundo a autora, uma criança surda congênita,
que nasce em família ouvinte, geralmente é privada de uma aquisição natural
da língua de seu meio, entretanto, se essa criança possui todas as faculdades
cognitivas intactas, no momento em que a maturação se completa, ela manifestará
o desejo de comunicar. Ela argumenta que

Esse desejo é desencadeado pela aparição da função semiótica. Na


teoria de Piaget, é no final do período sensório-motor entre um ano e
meio e dois anos que essa função geradora da representação aparece
e se revela fundamental para a evolução das atividades cognitivas e
linguageiras ulteriores (2001, p. 12).

Todos os estudos e relatos até aqui apresentados reforçam que a


interação é algo primordial para desencadear a competência comunicativa.
Além disso, o enquadre familial, afetivo e social parece exercer uma função
decisiva para o desenvolvimento cognitivo e linguístico do ser humano. Nesse
vínculo securizante, os modelos, mesmo que fragmentados, são apropriados e
podem servir de base para um processo mais complexo. Por exemplo, os gestos

81
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

que ouvintes coarticulam com a fala podem servir de input às crianças surdas,
sobretudo na relação entre mãe e filho, no entanto, é imprescindível que haja
um esforço mútuo para buscar a inteligibilidade. Se uma criança surda, no auge
do desenvolvimento da função semiótica, passar a criar gestos espontâneos, a
mãe ou um interlocutor qualquer (geralmente um irmão que tem idade próxima)
precisa, necessariamente, tentar compreender e estimular a produção do surdo.
Em outras palavras, o engajamento comunicacional deve ser buscado e um
conhecimento compartilhado é de suma importância para a intercompreensão.

Goldin-Meadow (1991) investigou os gestos de mães ouvintes de crianças


surdas, comparando-os com os de seus filhos. As diferenças concernem:

• A estabilidade do léxico – os gestos das crianças apresentavam uma certa


regularidade, por exemplo, as formas dos gestos capturam os significados
pretendidos e contrastam de maneira sistemática com outras formas em seu
repertório.
• A relação paradigmática – os gestos das crianças eram compostos por partes
que formavam categorias e podiam ser substituídos por outros gestos desde
que cumprissem a mesma função gramatical.
• A combinação dos elementos – as sentenças que as crianças produziam
eram formadas pela concatenação, apresentando regularidade na ordem dos
elementos e flexão.
• A recursividade – as crianças eram capazes de criar sentenças complexas que
suas mães não produziam.
• As narrativas – as crianças possuíam habilidades para contar estórias que suas
mães não apresentavam.

A lista anteriormente descrita evidencia que a partir de um substrato


fragmentado como os gestos dos adultos, as crianças os ressignificam e os
transformam, manifestando propriedades das línguas naturais como as sinalizadas
e faladas. Goldin-Meadow (1991) sublinha que na produção gestual das crianças
que investigou é possível verificar uma estrutura linguística de diferentes níveis
funcionais: lexical, morfológico e sintático. Entretanto, os sistemas gestuais são
menos complexos que as línguas de sinais institucionalizadas.

Do mesmo modo, Fusellier-Souza constatou algumas regularidades


compartilhadas entre LSP e línguas de sinais, estudando o sistema gestual de
um surdo que nunca teve contato com outros surdos, pois como vivia em região
rural, frequentou a escola apenas por alguns meses em toda a sua existência. Seu
nome é Josenildo (Jo), nascido e crescido no interior do Estado da Paraíba, mas
no momento da pesquisa estava habitando com seu irmão ouvinte, Manoel, na
cidade de Brasília. O seu irmão é o principal interlocutor, pois além de morarem
na mesma casa, também trabalham no mesmo estabelecimento.

Da análise dos dados recolhidos em forma de narrativas de eventos e


experiências pessoais, a autora constatou que:

82
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

• Os sinais de Jo também são compostos por cinco parâmetros como nas línguas
de sinais estabelecidas: A configuração de mão (CM), a orientação da palma, o
ponto de articulação, o movimento e as expressões faciais.
• As configurações de mão de Jo somam um total de 30, enquanto que em outras
línguas esse número, embora variável, seja superior a 60. Isso se deve ao fato
de Jo desconhecer o sistema alfabético manual. Essas CMs, em conformidade
em um estudo desenvolvido por Yau (1992), parecem obedecer às limitações
fisiológicas humanas com relação ao uso das mãos e dedos.
• Com relação às apontações anafóricas que são ativadas no espaço por
sinalizantes de uma língua de sinais estabilizada, Jo era incapaz de utilizá-
las de forma mais elaborada, não apresentando nem locativos estáveis, nem
deslocamentos de um ponto a outro (entre os referentes discursivos localizados
no espaço).

A autora também constatou que Manoel, o irmão ouvinte de Jo, não


utiliza todos os recursos das apontações, com suas diferentes funções discursivas,
e apresenta dificuldade de compreender sinais que são ricamente icônicos,
quando o conhecimento não é compartilhado. Isso leva a concluir que os surdos
revelam “um processo de iconicização da experiência, integrando-se em uma
intenção semiótica – construir o sentido para e com o outro – visando contar uma
experiência real ou imaginária percepto-prática” (CUXAC, 1997b, p. 22).

Até aqui foi possível constatar que os gestos podem formar um sistema
que possui algumas características das línguas naturais, sugerindo que surdos
em isolamento linguístico possuem habilidades comunicativas quando em
contato com um interlocutor, mesmo que esse não apresente o mesmo nível
de competência. Entretanto, vimos apenas casos de surdos isolados, a seguir,
veremos como uma língua estabilizada pode surgir a partir de um substrato
gestual.

4 EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS


No subtópico anterior, pôde-se notar que o encontro entre uma pessoa
surda e um interlocutor, surdo ou ouvinte, pode fazer emergir um sistema de
comunicação gestual que carrega muitas propriedades das línguas naturais.
Relatos indicam que a ampliação e a estabilização de um sistema primário de
sinais necessitam de mais interlocutores juntos para que uma transformação
mais considerável aconteça, a fim de que esse sistema seja cada vez mais
gramaticalizado. Nesse sentido, há registros sobre tribos ou grupos que, devido
aos inúmeros casamentos consanguíneos, tiveram um significante aumento de
surdez congênita entre os membros. É o caso de uma aldeia beduína que Sandler
e seus colaboradores (2005, p. 2661) descreveram. Os autores relatam que

83
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

A Língua de Sinais Beduína de Al-Sayyid (ABSL) surgiu nos últimos


70 anos em uma comunidade endógama isolada com alta incidência
de surdez neurossensorial pré-lingual profunda não sindrômica,
geneticamente recessiva. O que distingue a ABSL de todas as outras
novas línguas documentadas são as circunstâncias sociais únicas de
sua criação e uso. Essas circunstâncias são extremamente raras e não
mostram descontinuidade da estrutura social, nem interação com
outras línguas.

Em outras palavras, a língua de sinais beduína de Al-Sayid não recebeu


a influência de nenhuma outra língua de sinais e não há registro de entrada ou
retorno de um membro que pudesse ter trazido um modelo de fora da comunidade.
Sandler et al. (idem) relatam que o grupo beduíno foi fundado há 200 anos na
região de Negev, hoje Israel. Esse grupo encontra-se em sua sétima geração e
o número de surdos tem aumentado nas últimas três gerações, o que levou o
grupo a mudar suas práticas linguageiras. A língua de sinais é a segunda língua
de grande parte dos membros ouvintes e os surdos são totalmente integrados na
estrutura social. A surdez não é estigmatizada e, visto que o bilinguismo acabou
fazendo parte de sua cultura, não há problemas de comunicação ou exclusão.

Alguns aspectos linguísticos da língua de sinais beduína de Al-Sayid


foram investigados pelo grupo de Sandler, que atestou que sua estrutura não
é semelhante à língua oral da aldeia e é ininteligível aos usuários de outras
línguas de sinais vizinhas. Eles encontraram regularidades na ordem sintática
das sentenças e um padrão convencionalizado para relacionar ações e eventos às
entidades que realizam e são por elas afetados, apresentando noções básicas de
sujeito, objeto e verbo ou predicado.

Esse caso evidencia a emergência de uma língua que foi avançando


no seu processo de gramaticalização ao longo dos anos e das gerações que se
sucederam. Aliás, para que um sistema emergente se organize com estruturas
linguísticas complexas, é necessário que ela seja transmitida de uma geração à
outra (FUSELLIER-SOUZA, 2001). É no uso e na interação que as transformações
acontecem e, ao que tudo indica, as crianças que são submetidas aos inputs
de sistemas menos consistentes, adquirindo-os como língua materna, são as
principais responsáveis pela gramaticalização desses sistemas. Como salienta
Fusellier-Souza (2001, p. 18),

Alguns pesquisadores (Yau, Goldin-Meadow, Fusellier-Souza) estão


de acordo com a distinção estabelecida entre criação e aquisição no
desenvolvimento das línguas de sinais primárias. Com efeito, após
as observações de diferentes línguas de sinais criadas por surdos,
notamos que a tarefa de criar seus próprios sistemas revela-se muito
mais trabalhoso que o esforço de aprender uma língua transmitida. A
evolução dos sinais criados e utilizados cotidianamente desencadeará
num sistema gestual linguisticamente organizado, possuindo várias
funções presentes na língua das crianças ouvintes ou ainda na
língua de sinais das crianças surdas nascidas de pais surdos, como
demonstrou Goldin-Meadow (1991).

84
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

O relato da criação dessa língua de sinais beduína é interessante, mas tem


uma especificidade diferente do de outras línguas de sinais, pois ao considerar que
quase a totalidade de surdos no mundo inteiro está separada geograficamente e,
muitas vezes, está longe dos grandes centros urbanos, parece improvável que uma
comunidade possa formar-se a fim de favorecer a emergência e a estabilização de
uma língua de sinais. Parece improvável que do encontro entre surdos, cada um
trazendo seus próprios signos caseiros, haja a possibilidade de criação de uma
língua de sinais, entretanto, isso não só foi possível como foi documentado.

Ann Senghas et al. (2005) relatam o caso do idioma de sinais nicaraguense


que, por ser uma língua recente, permite investigar a sua rápida evolução, uma
vez que seus criadores ainda estão vivos (cf. descrição mais aprofundada em
SENGHAS, 1995; KEGL; SENGHAS; COPPOLA, 1999; SENGHAS; COPPOLA,
2001). Por conta de programas de expansão acelerada em educação especial, a
partir de 1970, muitas escolas foram abertas em Manágua, a capital da Nicarágua,
onde muitas crianças e adolescentes surdos foram matriculados. Embora tendo
sido submetidos ao método de ensino oralista, os alunos aperfeiçoaram um outro
tipo de comunicação. Assim, um fenômeno interessante acontecia nos momentos
em que eles se encontravam fora da sala de aula e longe dos olhares reprovadores
de seus mestres: os gestos que cada aluno trazia de sua experiência doméstica
foram pouco a pouco sendo compartilhados, dando forma a um sistema único.
Uma centena de alunos estava matriculada no ano de 1979, passando para mais
de 400 em 1983. O código gestual, uma espécie de pidgin ou um crioulo (veja a
definição no próximo subtópico), era, assim, transmitido aos novos alunos que
entravam, resultando, rapidamente, na criação da língua de sinais nicaraguense
em seu primeiro estágio.

Como o método oralista fracassava e os professores não conseguiam


compreender a língua usada por seus alunos, foi solicitada a ajuda de Judy Kegl,
uma linguista americana, para que pudesse analisar o código linguístico usado
pelos alunos. Assim, em 1986, comparando as produções de surdos mais velhos
e alunos jovens que haviam passado pelas escolas, a pesquisadora constatou
diferenças, ou seja, a língua de sinais nicaraguense já havia sofrido variações e
sua gramática havia mudado significantemente.

Segundo Ann Senghas (2005, p. 2), a “Língua de Sinais da Nicarágua é hoje


o idioma principal de aproximadamente 800 pessoas, com idades entre quatro e
44 anos”. Ao comparar as características entre a língua de sinais beduína de Al-
Sayid, a língua de sinais nicaraguense e as línguas de sinais primárias, a autora
elenca as diferenças e similaridades, que serão descritas no quadro a seguir.

85
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

QUADRO 1 – DIFERENÇAS E SIMILARIDADES ENTRE AS LÍNGUAS

Língua de Sinais Língua de Sinais Língua de Sinais


Primárias Beduína de Al- Nicaraguense
Sayid
Não se desenvolve Começou com Na sua primeira
em uma língua poucos surdos e década já
Sobre a completa, nem cresceu lentamente apresentou
evolução mesmo em 20 anos de 10 a 150 mudanças
de uso. membros nas três drásticas, com
últimas gerações. o aumento dos
alunos.
Pode ser transmitida É transmitida para É transmitida para
em caso de novas crianças na novos alunos, entre
Sobre a nascimento de mesma proporção 15 a 20 aprendizes
transmissão criança surda (caso (+- 20 pessoas), ao por ano.
raro) ou ouvinte na longo de 20 anos.
família.
Contexto doméstico, Contexto familiar e Contexto escolar
o surdo e sua família social. As crianças transmitido entre
Sobre o usam os gestos surdas e ouvintes os pares. Muitas
contexto de que podem ser podem adquiri- dessas crianças não
transmissão usados como input la como língua sinalizarão senão
a crianças surdas materna e praticá-la nesse contexto,
ou ouvintes que socialmente. pois suas famílias
nascerem na família desconhecem essa
(caso raro). língua.
FONTE: Adaptado de Senghas (2005)

A autora complementa que as línguas de sinais historicamente


estabelecidas, como a Língua Americana de Sinais e a Língua Australiana de
Sinais, foram transmitidas das duas maneiras, ou seja, tanto passadas como língua
materna por pais ou familiares surdos, como na relação entre pares nas escolas. É
evidente que esse último contexto é mais recorrente, principalmente, pelo fato de
a maioria dos surdos nascer em meio ouvinte. Infelizmente, essa prática também
tem se alterado, uma vez que os sistemas escolares têm favorecido as classes
inclusivas e não as bilíngues ou especiais, com isso, a possibilidade de os surdos
encontrarem pares na escola torna-se cada vez mais reduzida.

Para resumir, conforme as informações que é possível recuperar até aqui,


nota-se que o que é crucial para a evolução de uma língua de sinais primária
para uma língua de sinais gramaticalmente estabilizada, é o contato entre mais
interlocutores e novas gerações, ou seja, uma oportunidade para que um sistema
parcialmente desenvolvido seja transmitido a novas crianças ou um contexto
que proporcione o contato entre gerações de sinalizantes (língua de herança) e
um número considerável de usuários. À medida que os surdos se encontravam

86
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

a fim de interagir, outras estratégias de promoção desses encontros foram sendo


adotadas: a criação de associações, as práticas desportivas e, mais recentemente, a
abertura de cursos de graduação em Libras. Essas iniciativas foram e são de suma
importância, mas têm mais um efeito local e, certamente, não abrangem todos
os surdos que se encontram ainda nas áreas rurais. Além do mais, os registros
de encontros surdos mais importantes e marcantes para a evolução histórica
das línguas de sinais foram no meio escolar, principalmente quando havia a
necessidade de agrupar vários surdos de diferentes regiões de um país. Isso será
tratado a seguir.

5 A EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS


Na tentativa de compreender as origens das línguas de sinais atuais,
partimos do pressuposto de que os surdos, que outrora estavam isolados do
convívio com outros surdos, uma vez agrupados nos grandes centros urbanos,
trocavam entre si os seus diferentes idioletos (nesse caso, os diversos modos
de conceitualizar suas experiências por meio de gestos). Oportunidade pela
qual foi possível verificar a emergência de um pidgin compreensível entre os
interlocutores surdos. Uma vez o código estabilizado no seio de cada comunidade,
a criação de novos sinais, bem como a evolução gramatical da língua, levaram a
um aperfeiçoamento cada vez mais refinado, podendo ser comparado a outras
línguas existentes (FUSELLIER-SOUZA, 2001). Efetivamente, quanto mais uma
língua encontra pontos de estabilização, mais traços distintivos elas apresentarão
umas em relações às outras, entretanto, ainda assim, os processos icônicos e
os aspectos espaciais próprios à gramática das línguas de sinais oferecem a
oportunidade de interinteligibilidade entre os usuários surdos, muito mais que
entre as línguas orais dos ouvintes.

DICAS

Pidgin e língua crioula são termos não sinônimos discutidos no âmbito


da Sociolinguística. Um pidgin é um código provisório que se estabelece entre povos ou
comunidades que não usam a mesma língua e não possuem uma língua franca (uma língua
conhecida por ambos) para mediar a comunicação. Um pidgin nasce de um contato regular
e prolongado entre os grupos e pode ou não dar lugar a uma língua crioula. A diferença entre
ambos é que, ao contrário do pidgin, a língua crioula tem um vocabulário e uma gramática
plenamente desenvolvidos. Essa origina-se de um processo de nativização de um pidgin no
momento em que uma nova geração passa a adquiri-la como língua materna (cf. Wikipedia.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Pidgin>. Acesso em: 5 jul. 2018).

87
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

A diferença mais marcante entre as línguas de sinais são os itens


lexicais, uma vez que cada grupo possui sua própria história em relação ao
seu desenvolvimento social (encontro em espaços de interação e partilha de
experiências), técnico (instrumentais, profissionais) e educacional (classes
especiais, bilíngues). Sublinha Fusellier-Souza (2001, p. 3) dizendo que “as
línguas de sinais padronizadas são, assim, sistemas linguísticos complexos que
evoluíram graças a muitos fatores (institucionalização, crescimento do número
de interlocutores fazendo uso do mesmo código) por meio de um processo
complexo”.

No intuito de vislumbrar como as línguas de sinais evoluíram no Brasil,


Souza e Segala (2009) fizeram um levantamento bibliográfico sobre a perspectiva
social na emergência das línguas de sinais, citando alguns estudos diacrônicos que
relatam a evolução de algumas línguas de sinais que serão descritas brevemente
a seguir:

• Língua de Sinais Francesa – teve como origem, principalmente, a iniciativa


de alguns ouvintes e surdos em oferecer educação aos surdos. O primeiro a
dar esse passo foi um surdo, Etienne de Fay, que, no século XVIII, institui a
primeira escola que priorizava o ensino em língua de sinais. Seguido por Pierre
Desloges e o abade de L’Épée. Esse último é que efetivamente elaborou um
método de ensino e conduziu uma escola com mais de 70 alunos surdos. O
abade Sicard o substituiu como diretor, após a sua morte, tendo formado dois
de seus alunos surdos mais famosos, Le Clerc e Massieu. Uma pausa tenebrosa
foi determinada pelo Congresso de Milão, que desarticulou tanto as práticas
educativas em vigor como interditou o uso da língua de sinais em toda a
Europa e outras partes do mundo. Em 1970, federações e associações retomam
a militância da valorização dos direitos dos surdos e, em 1991, lançaram a
proposição de uma lei que favorecia o uso da LSF no ensino de surdos, tendo
sido aprovada somente em 2005.
• Língua de Sinais da Ilha de Marta’s Vineyard – Tendo o mesmo princípio que
a Língua de Sinais Beduína de Al-Sayid, essa língua emergiu devido a uma
importante incidência de surdez congênita. Ela se desenvolveu e se misturou
a outras línguas de sinais por causa da mobilidade de pessoas que entravam
e saíam da ilha, trazendo e levando consigo suas variedades de sinais. Assim,
ela seria composta pela Língua de Sinais Primária local, a LSF (alunos saíram
da ilha para estudar em uma escola em que essa língua era ensinada), a Língua
de Sinais Kent (um grupo inglês entrou na ilha levando essa língua com eles),
mais tarde, ela desapareceu, dando lugar à ASL.
• Língua de Sinais Americana – Pela iniciativa do francês Laurent Gallaudet, é
criada a primeira escola de surdos nos Estados Unidos, em 1815. Assim, a ASL
é, provavelmente, o resultado da mistura entre LSF, da Língua de Sinais da Ilha
de Marta e de uma Língua de Sinais existente que era praticada por índios e
outros povos que ali se encontravam nessa época.

88
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

• A Língua de Sinais Israelense (LSI) – Ela emergiu sob os mesmos processos


que a Língua de Sinais Nicaraguense, ou seja, desenvolveu-se em situação de
pidgin. Foi motivada por migrações internas e imigrações de outros países,
ocasião em que várias variantes se misturaram. Até 2008, quatro gerações de
sinalizantes coexistiam no país e foi com a evolução ao longo dessas gerações
que a LSI se estabilizou na configuração atual.
• A Língua Brasileira de Sinais – A Libras, em sua evolução, recebeu substratos
da LSF, de outras línguas, provavelmente, vindas com os povos imigrantes e
das Línguas de Sinais Primárias que deveriam existir naquela época. Ela se
desenvolveu no mesmo contexto que a LSN, uma vez que, com a abertura de
uma escola de internato instituída por Dom Pedro II, alunos de todas as regiões
do Brasil foram estudar no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atual INES).
Depois de formados, os alunos retornavam aos seus estados, onde difundiam,
por meio da instrução, tanto o seu conhecimento como a língua de sinais em
sua nova configuração. Infelizmente, a história dessas práticas de propagação
linguístico-cultural não é bem documentada. Em Santa Catarina, Deonísio
Schmitt (2008) retraçou a trajetória de um importante ator social surdo, o sr.
Francisco, que estudou no INES, tendo sido professor para alunos surdos da
Grande Florianópolis. Do mesmo modo, Neiva de Aquino Albres (2005) relata
como os irmãos Aquino e outros meninos da região do Mato Grosso difundiram
a língua de sinais que era praticada no INES naquela região. Rimar Ramalho
Segala (SOUZA e SEGALA, 2009) fornece informações sobre como a sua família
viveu em contato com várias variantes na cidade de São Paulo. Tendo vivido
em um bairro de colonização italiana, os seus avós surdos, Mario e Assumpta,
usavam a Língua de Sinais Italiana para comunicar na família que tinha muitos
membros surdos congênitos. Mário também foi estudar no INES e, juntamente
com sua esposa, participava de encontros no centro de São Paulo, onde
reuniam-se surdos de diversas proveniências internacionais. Provavelmente,
a língua de sinais que foi o substrato para aquisição de linguagem do filho
Antonio foi uma língua composta por diversas línguas em contato. Mais tarde,
Antônio casou-se com Zenilda e geraram Rimar e Sueli, ambos são a terceira
geração de surdos que adquiriram uma língua de sinais como língua materna.
Eles são muito influentes na cultura surda e, provavelmente, contribuíram com
seus idioletos para as mudanças linguísticas que ocorrem na Libras atual.

Não se pode negar que a LSF influenciou a configuração atual da Libras.
Diniz (2011) descreve como o dicionário que era difundido no INES (Iconographia
dos Signaes dos surdos-mudos, de Flausino da Gama, 1875) era basicamente uma
tradução das palavras francesas abaixo dos sinais da LSF que provinham de um
dicionário francês (de autoria de Pélissier, 1856), como pode ser observado na
figura a seguir.

89
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

FIGURA 2 – SINAIS DE PORCO DO DICIONÁRIO PÉLISSIER E


FLAUSINO DA GAMA

17. Cochon 17. Porco

FONTE: Montagem da conteudista com foto do Dicionário francês


de Pélissier (1856) e do dicionário brasileiro de Flausino da Gama
(1875)

Apesar da importância dessa evidência, que está devidamente


documentada, mostrando a influência da LSF sobre a Libras em seus primeiros
estágios, não podemos esquecer de que isso não explica toda a complexidade
de sua evolução. Como é possível depreender, não é tão simples assim mapear
historicamente uma língua de sinais, entretanto, como ainda há sinalizantes de
gerações anteriores ainda vivos, é possível construir uma pequena amostra de
como parte do processo desenvolveu-se. No próximo subtópico será possível
perceber que os fenômenos sociais, que promovem as variações linguísticas,
começaram a ser investigados no âmbito de uma disciplina que concilia fatores
socioculturais aos fatores linguísticos: a Sociolinguística.

6 SOCIOLINGUÍSTICA DA LÍNGUA DE SINAIS


Como foi possível verificar nas duas seções anteriores, as línguas de sinais,
em pouco mais de um século, demonstraram o que dificilmente poderíamos
vislumbrar por meio das línguas faladas, pois, por serem relativamente novas,
a emergência e evolução de muitas delas podem ser mais facilmente retraçadas.
Já as línguas faladas, devido ao fato de serem mais antigas e estarem mais
estabilizadas, deixaram menos vestígios de suas transformações históricas. É bem
verdade que elas podem ser analisadas nas documentações escritas antigas, mas
essas não reproduzem de forma verossímil o que realmente acontece na fala. A
escrita, por favorecer um controle maior de expressão e por permitir revisões
ao longo da construção de um texto, bem como a influência da padronização, é
muito diferente da língua oralmente em uso.

A partir da década de 1960, mais precisamente, alguns fatores histórico-


culturais e tecnológicos favoreceram a visibilidade das línguas de sinais e do
sujeito surdo. O reconhecimento do estatuto linguístico das línguas de sinais e a
consequente saída do surdo do anonimato social, somado aos avanços tecnológicos
que permitem o vídeo-registro, a comunicação a distância, as transcrições, entre
outros, foram imprescindíveis para as mudanças sociais e linguísticas que são

90
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

testemunhadas desde então. Além disso, uma consciência científica que há alguns
anos tem favorecido as Ciências Humanas e Sociais com publicações dos achados
linguísticos é também um fato importante a ser citado.

No curso dessa consciência científica, é inegável o importante papel de


Ferdinand de Saussure para o estabelecimento da Linguística no quadro das
ciências humanas. Infelizmente, ao separar a Linguística em interna e externa
e ao preferir a língua à sua materialização e a sincronia à diacronia, o professor
genebrino considerou como central o núcleo duro da Linguística (os níveis
linguísticos), deixando à periferia os fatos sociais, psicológicos e discursivos.
A partir dessa bifurcação, as interpretações, que muitas vezes assumiram
perspectivas reducionistas, conduziram a investigação dos fatos linguísticos
de forma simplista, limitando-a a alguns níveis estruturais passíveis de serem
analisados e formalizados.

Entretanto, Saussure reconheceu o aspecto social da linguagem verbal


quando afirmou que ela “tem um lado individual e um lado social, sendo
impossível conceber um sem o outro” (2006, p. 16). Trata-se de uma afirmação
paradoxal, visto que, ao separar langue e parole, ele acaba recortando o que é comum
a todos os falantes (a língua enquanto sistema) e colocando à parte de sua análise
o aspecto individual (o uso da fala). Chomsky, de forma mais indireta, também
aborda o caráter social da linguagem verbal, visto que destaca a importância da
exposição linguística para a ativação do dispositivo inato da linguagem verbal,
entretanto, o uso linguístico também ficou excluído de sua teoria.

Não obstante, isto não impediu que alguns autores enveredassem para
o outro lado. Na França, em 1912, a enquete dialetológica de Brunot pode
ser considerada a tarefa que inaugura o estudo da variação social nesse país
(BOUTET; HELLER, 2007). Da mesma forma, Martinet, “em 1939, escreveu um
estudo monográfico de seu dialeto nativo, que foi publicado após a Segunda
Guerra Mundial (1946) [...]” (KOERNER, 2010, p. 61).

Apesar desses estudos que precederam a criação de uma disciplina


chamada Sociolinguística, foi somente nos estudos de Labov, nos anos de 1960,
que o termo tomou forma. Nesta ocasião é possível identificar uma mudança
epistemológica pela qual a língua é vista como um sistema heterogêneo e “uma
forma de comportamento social, [...] usada por indivíduos em um contexto
social para comunicar suas necessidades, ideias, emoções” (LABOV, 1972 apud
SOUZA; SEGALA, 2009, p. 25). Nesse aspecto, Labov concebe a língua como
uma habilidade de operar com regras variáveis capazes de serem quantificáveis
e estratificadas.

91
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

DICAS

A estratificação em Sociolinguística consiste em separar em categorias os


falantes/sinalizantes que fornecem os dados linguísticos de uma pesquisa. Um estudo pode,
assim, apresentar estratificação por sexo, idade, nível de escolaridade, classe social, região dos
falantes/sinalizantes, entre outros. Na investigação de uma variável, o uso do pronome de
segunda pessoa do singular, por exemplo, busca-se saber a proporção de falantes que usam
‘tu’ em comparação aos que usam ‘você’, determinando se essas duas variantes ocorrem
mais entre mulheres ou homens, entre pessoas mais jovens ou mais velhas etc.

A Sociolinguística, ao longo desses quase 60 anos, já sofreu muitas


modificações na sua forma de conduzir pesquisas. A sua primeira contribuição foi
a de romper com as correntes anteriores que concebiam a língua como um produto
homogêneo para reconhecê-la como um fenômeno passível de ser investigado no
seu contexto social. Sua segunda contribuição foi mostrar que as variações que
uma língua sofre historicamente são motivadas por pressões internas e externas,
ou seja, dentro do próprio sistema e na esfera social. Um exemplo de pressão
externa sofrida pela Libras em sua evolução foi a criação do primeiro curso de
Letras-Libras promovido pela Universidade Federal de Santa Catarina. Por causa
desse curso, houve a necessidade de lexicalização, gramaticalização e adoção
de empréstimos linguísticos, favorecendo a criação de sinais e transformações
fonológicas, morfológicas e semânticas de sinais já existentes para dar conta dos
conceitos estudados.

De forma simples, é possível conceituar a Sociolinguística como:


O estudo do comportamento linguístico de determinados grupos sociais,
buscando identificar algumas particularidades linguísticas que são significativas
socialmente (cumprem uma função social), contidos no discurso desses grupos.
Entre os objetivos da Sociolinguística pode-se citar:

• Descrever as características linguísticas e funcionais das variedades de um


repertório verbal.
• Descrever as variedades e suas interações.
• Determinar a influência linguística de uma variedade sobre a outra.
• Investigar o grau de estabilidade ou de mutabilidade da variação.
• Investigar o contato entre as línguas e os processos que dele emergem:
bilinguismo, multilinguismo, línguas francas, crioulos.
• Compreender as forças implicadas no surgimento e extinção de uma língua.
• Buscar explicações para a variação e a mudança linguística.

As línguas apresentam variações geográficas. A exemplo disso, a língua


portuguesa do Brasil é semelhante, mas não idêntica ao português europeu, visto
que a língua do colonizador se amalgamou às várias línguas que estiveram em
contato com ela: línguas indígenas, africanas, de imigração. Do mesmo modo,

92
TÓPICO 1 | EMERGÊNCIA E EVOLUÇÃO DAS LÍNGUAS DE SINAIS

apesar do contato entre a Língua de Sinais Francesa (LSF), que veio com os
professores para a primeira escola de surdos do Brasil, e os diversos sinalares dos
alunos que formavam a Libras, atualmente, elas apresentam muita diferença no
nível lexical.

As línguas nacionais também apresentam variações regionais. Pense


nos diferentes sotaques (variedades) que caracterizam a fala de determinadas
regiões brasileiras. Essas variedades linguísticas assumiriam significação social,
havendo relação direta entre repertórios linguísticos e identidade. Não diferente,
a Libras também apresenta variedades, mas, até o momento, as mais facilmente
reconhecidas são as lexicais. Entretanto, a pesquisadora surda Heloíse Gripp
Diniz, em sua dissertação de mestrado (2010), fala de como cresceu com seu
irmão surdo em um ambiente bidialetal e bilíngue. Bidialetal porque estavam
em contato com dois tipos de variedade, uma que eles usavam com os pais e
amigos de uma geração anterior e outra que era usada com os seus amigos mais
jovens e que participavam de outros espaços sociais (escola, associação). Bilíngue
porque precisavam comunicar em Libras e Português. Na figura a seguir, vemos
a evolução do sinal e-mail. Antigamente, a configuração da mão (CM) de apoio
era em ‘E’, mas passou a ter a CM em ‘C’, na sua forma atual.

FIGURA 3 – SINAL DE E-MAIL EM LIBRAS

FONTE: Diniz (2010, p. 47)

As línguas mudam, elas estão em constante evolução, pois são dinâmicas


e se adaptam às mudanças e às necessidades da sociedade. Com isso, vários
fenômenos linguísticos podem ser identificados: os neologismos (novas palavras),
os empréstimos, os estrangeirismos etc. Vejamos alguns sinais adotados como
empréstimos, mas que com o passar do tempo deram lugar a novas variantes.

93
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

FIGURA 4 – SINAL DE CARNE EM DIFERENTES DICIONÁRIOS DE LIBRAS

FONTE: Diniz (2010, p. 84)

Na figura anterior, o sinal de ‘carne’ já possuiu três variantes diferentes,


que chamaremos de 1, 2 e 3, no dicionário Iconografia da Língua de Sinais (1)
que, como já foi dito anteriormente, são sinais emprestados de um dicionário
francês, no dicionário de Oates (2) e no dicionário do INES (3). Embora o sinal do
Iconografia e o do INES tenham semelhanças, alterando somente na escolha da
CM da mão ativa, o sinal de Oates muda a orientação da palma (OP) da mão de
apoio e a CM da mão ativa. Entretanto, sabe-se que esse sinal ainda é usado em
determinados lugares, uma vez que ele aparece no dicionário Spreadthesign. Veja
a figura a seguir.

FIGURA 5 – SINAL DE CARNE EM LIBRAS E LSF

FONTE: Disponível em: <spreadthesign.com>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Perceba que tanto em Libras como em LSF atual, o sinal é o mesmo


que o de Oates, isso mostra que duas variantes podem estar coexistindo entre
os usuários de Libras. Entretanto, não se sabe como ocorreu a mudança com o
sinal da LSF. Perceba também que as três diferentes posições dos dedos (mais
abertos ou mais fechados) dos sinalizantes não interferem na sua relação com o
significado, tratam-se de ‘alocines’ (correspondente aos alofones da língua oral,
lembre-se do exemplo dado ‘milho’ e ‘mio’), ou seja, de variantes de um mesmo
sinal, a sua pronúncia.

Com esses poucos exemplos de variação linguística em língua de sinais,


terminamos este tópico. Na continuação, serão abordadas questões relativas ao
preconceito linguístico e social em torno do surdo e de sua língua.
94
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• É difícil provar que os gestos teriam sido um sistema de comunicação


anterior ao sistema falado, entretanto, no que concerne aos surdos isolados
linguística e socialmente e à aquisição da linguagem de qualquer criança,
eles comprovadamente assumem um papel importante, antecedendo as
manifestações efetivamente linguísticas.

• Desde que a língua de sinais começou a ser vista como uma língua natural,
muitos pesquisadores se interessaram em estudar a emergência de algumas
delas. Com isso, muitos se depararam com usuários cujos sistemas gestuais
possuem muitas das características de uma língua de sinais estabilizada,
nomeando-os de home signs ou Línguas de Sinais Primárias.

• O encontro entre surdos que possuíam variantes de gestos caseiros diferentes


resultou na emergência de uma espécie de pidgin, como foi o caso da LSF, da
LSN e da Libras. Esse código provisório submetido ao uso e às novas gerações
de usuários cede lugar a um crioulo, uma variante com uma gramática mais
consistente que também poderá tornar-se uma língua co-oficial.

• As mudanças linguísticas acompanham as mudanças das práticas humanas


e a criação e uso de novos aparatos tecnológicos. Um dos contextos que mais
favorece mudanças é o contexto de ensino ou qualquer outra situação que
favoreça a interação entre um número considerável de pessoas.

• Forças externas e internas estão exercendo constante pressão sobre as línguas e


por isso elas evoluem e se transformam em seu desenvolvimento histórico. Um
estudo diacrônico permite estabelecer, de forma mais abrangente, como essas
mudanças ocorrem.

• Embora algumas línguas de sinais, como a LSF, tenham servido de base para
outras línguas de sinais, como a Libras e a própria ASL, com o passar do tempo,
as diferenças lexicais se tornam marcantes, uma vez que toda língua natural
sofre as forças coercitivas da vida local e dos atores que a usam.

• A Sociolinguística estuda a relação entre língua e sociedade, pois compreende


a heterogeneidade linguística como um comportamento tipicamente social,
concentrando-se em temas sobre o contato entre as línguas, as variedades
linguísticas, sua relação e influência umas sobre as outras, sua descrição e
quais os fatores que levam à variação linguística.

95
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com o que foi exposto neste tópico e a partir da leitura do


artigo de Santana et al. (2008) (Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
pe/v13n2/a12v13n2>. Acesso em: 5 jul. 2018), redija um texto entre 10 e 15
linhas, ou faça um vídeo de dois minutos em Libras, elencando os pontos
mais importantes sobre a relação entre gestos e comunicação de surdos.

96
UNIDADE 2 TÓPICO 2
OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E
DA LÍNGUA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Você, provavelmente, recorda da primeira unidade, quando foi explicado
o emprego da expressão cinésico-visual para se referir à modalidade da língua
de sinais. Nesta altura, é possível justificar o porquê de evitar usar o termo gesto-
visual para designá-la, uma vez que tratamos disso em quase todo o tópico
anterior. O fato é que, sendo uma língua natural, com seus diferentes repertórios
sociolinguísticos e todas as especificidades de uma linguagem verbal, seria
contraproducente não marcar a diferença que separa gestos e línguas, pois se
tratam de duas linguagens diferentes. Todavia, a motivação também tem a ver com
a visão social de que, diferentemente das línguas faladas, a língua de sinais seria
uma forma de comunicação primária e sem a riqueza simbólica e de abstração.
Os estudos da linguagem gestual ainda não esgotaram sua produtividade,
mas como vimos até aqui, os gestos parecem permitir menos recursividade e
produtividade do que uma língua de modalidade cinésico-visual. É bem verdade
que a linguagem gestual também se realiza dentro dessa mesma modalidade e,
provavelmente, desempenhe um papel muito importante no discurso sinalizado,
mas fica muito difícil separar os dois fenômenos, por isso, ainda de acordo com
Correa (2007), gesto e sinal são complementares na cadeia sinalizada, assim como
o são o gesto e a fala.

Até aqui, foi possível ter uma ampla compreensão de que o surdo possui
capacidades neuro-cognitivas e sociointerativas que permitem desenvolver uma
língua que é o resultado de uma competência simbólica e uma competência
dialógica. Ambas as competências são favorecidas por processos neuroanatômicos
de alto nível, como o processamento linguístico e processos interacionais
complexos como os sociodiscursivos, respectivamente.

Oliver Sacks (2010) descreve seu fascinante encontro com a cultura surda
e a língua de sinais. O autor entrou em contato com a surdez a partir da obra de
Harlan Lane, quando, impactado pelas descobertas, buscou contato com algumas
pessoas que conheciam mais sobre surdez e até mesmo pessoas surdas com quem
convivia, mas a quem nunca havia dado atenção. Além disso, ele foi buscar mais
informações em livros, em seis meses de busca sobre o assunto, encheu suas
prateleiras, até que um amigo lhe forneceu o livro biográfico de David Wright,
do qual já falamos anteriormente, o que abriu ainda mais o seu entendimento e
o permitiu fazer inferências sobre o funcionamento cerebral em caso de surdez.

97
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Sacks também esteve em contato com surdos da Gallaudet University, foi


à ilha de Martha’s Vineyard, onde, como foi visto anteriormente, devido à surdez
hereditária de grande parte dos habitantes, desenvolveu-se uma comunicação
natural em língua de sinais entre surdos e ouvintes. O autor também teve contato
com surdos das cidades de Fremont e Rochester, onde encontrou realidades de
surdos diferentes: um grupo de indivíduos bem desenvolvido intelectualmente,
que não tinha entrave social ou comunicativo, e outro grupo que, tendo contato
empobrecido com a língua de sinais, encontrava-se excluído das interações
sociais. Isso levou-o a compreender que, ao lado de uma capacidade biológica
que predispõe o sujeito à possibilidade de desenvolver uma linguagem verbal,
há uma cultura que necessariamente precisa fornecer subsídios para esse
desenvolvimento.

A partir desse contato, ele salienta que “ainda que jamais tenha esquecido
a condição “médica” dos surdos, fui então levado a vê-los sob uma luz nova,
‘étnica’, como um povo, com uma língua distinta, com sensibilidade e cultura
próprias” (ibidem, p. 11). O foco deste tópico é exatamente esse contato com a
alteridade surda que faz com que nos desvencilhemos dos preconceitos contra
pessoas cujas vivências e competências desconhecemos.

Oliver Sacks (ibidem) chama a atenção para o fato de que

O estudo dos surdos mostra-nos que boa parte do que é distintivamente


humano em nós — nossas capacidades de linguagem, pensamento,
comunicação e cultura — não se desenvolve de maneira automática,
não se compõe apenas de funções biológicas, mas também tem
origem social e histórica; essas capacidades são um presente — o
mais maravilhoso dos presentes — de uma geração para a outra.
Percebemos que a cultura é tão importante quanto a natureza.

Os conceitos de cultura são inúmeros, dependendo de que área do


conhecimento, teoria ou disciplina ela é definida. A existência de uma ‘cultura
surda’ é assim problematizada entre uma visão de pertencimento a um grupo
com experiências visuais, que tem uma língua própria e faz uso de artefatos
tecnológicos compensatórios para minimizar os impactos de ser surdo em um
contexto social não preparado para acolhê-lo. No entanto, por outro lado, é
entendida como um modo de segregação social, uma vez que coloca surdos e
ouvintes em campos opostos, enfatizando suas diferenças e não o que têm em
comum. Santana (2007, p. 46) explica que, dentro dessa visão, “a defesa da cultura
surda atualiza os mecanismos de reprodução da própria desigualdade, e o termo
‘cultura’ passa a ser um dos instrumentos de legitimação dessa desigualdade e da
tentativa de preservar uma ideia de homogeneidade”.

A homogeneidade não constitui nenhum grupo humano. Negar a


heterogeneidade resulta na manutenção de questões ideológicas hegemônicas
que buscam constantemente apagar os traços que nos diferenciam enquanto
sujeitos com experiências e vivências distintas. Não se pode, assim, negar que,
como seres humanos, somos sujeitos históricos, cuja identidade é marcada pelo
contexto e pelas relações que entretecemos com o outro, a nossa alteridade.
98
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

Orientado por essas concepções, esse tópico tratará dos seguintes temas:

• refletir sobre os estereótipos sociais que são criados em torno da surdez;


• perceber que esses estereótipos são, muitas vezes, ligados a mitos sobre o
sujeito surdo;
• compreender que os mitos contra o sujeito surdo, geralmente, culminam em
mitos das línguas de sinais e vice-versa;
• considerar a relevância da construção da identidade e cultura surda a fim de
estimular a alteridade e amenizar os impactos que os estigmas sociais exercem
para a perpetuação de injustiças sociais;
• discutir como a representatividade surda tem se desenvolvido em espaços
específicos que dão muita visibilidade à comunidade.

2 SURDEZ E ESTEREOTIPIA SOCIAL


Em seu livro Vendo vozes, Oliver Sacks cita alguns fragmentos da história
de Massieu, o aluno cuja trajetória foi descrita por seu professor, o Abade Sicard,
em seu livro Album d’un sourd-muet. Notice sur l’enfance de Massieu, sourd-muet
(Diário de um surdo-mudo. Notas sobre a infância de Massieu, surdo-mudo), por
Susan Schaller em seu livro A man without words (Um homem sem palavras) e por
si mesmo, em uma obra biográfica na qual relata que

Até os treze anos e nove meses, permaneci em casa sem receber


educação de espécie alguma. Eu era totalmente analfabeto. Expressava
minhas ideias com sinais e gestos manuais [...] os sinais que eu usava
a fim de expressar minhas ideias para minha família eram muito
diferentes dos sinais dos surdos-mudos [sic] instruídos. As pessoas
estranhas não nos compreendiam quando expressávamos nossas
ideias com sinais, mas os vizinhos, sim. [...] As crianças de minha
idade não queriam brincar comigo, desprezavam-me, eu era como um
cão. Passava o tempo sozinho, brincando de pião, com um bastão e
uma bola ou andando com pernas de pau (SACKS, 2010, p. 32).

Nesse pequeno excerto, é possível identificar muitos problemas sociais


e emocionais que Massieu enfrentava, como resultado do despreparo societal
em acolher a sua especificidade psicofisiológica: falta de comunicação, falta de
instrução, isolamento, desprezo e baixa autoestima. As crianças não queriam
brincar com Massieu simplesmente porque ele não podia articular vocalmente os
sons e não podia perceber as frequências sonoras da língua falada.

Essa atitude de julgar e excluir uma pessoa do convívio social devido à


cor de sua pele, sua classe econômica, suas especificidades físicas, mentais ou
sensoriais e sua língua é algo muito recorrente em uma sociedade que geralmente
adota um modelo deficitário para caracterizar aqueles que não se enquadram em
uma ‘norma’ ou ‘padrão’ preestabelecidos. A concepção de homogeneidade leva,
muitas vezes, à imposição de certas tendências narcísicas a fim de eliminar ou
negar a diversidade humana, o que culmina na criação de estereótipos. Segundo
Mendonça e Lima (2014, p. 199),

99
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

O conceito de estereótipo está intimamente ligado ao conceito de


crenças. O fenômeno do estereótipo, segundo Pérez-Nebra e Jesus
(2011), se configura como uma atribuição de crenças que se faz a grupos
ou pessoas. Essas crenças compartilhadas são generalizações que se
fazem sobre grupos, pois segundo Allport (1954/1979), a estereotipia
é uma tendência cognitiva a supergeneralizar e deformar os fatos a
partir de similaridades percebidas. Pelo fato de o sujeito ter de reagir
de maneira diferente, o mesmo baseia-se no que lhe é comum e a partir
daí faz suas generalizações.

Com efeito, o imaginário social, formado por um conjunto de


representações, atitudes, comportamentos e valores sociais coloca a surdez
em uma condição de deformação, de desvio. Segundo essa tendência
supergeneralizada, as reações são diversas e incluem o paternalismo, a imposição
às técnicas medicais e reparatórias, a subestimação da capacidade intelectual, a
negação e a exclusão social do surdo. Ademais, os comportamentos e atitudes
humanos são enviesados por ideologias dominantes e tendem a uma avaliação
negativa do outro a partir daquilo que é considerado como deficiência. Quando
alguém encontra uma pessoa que não conhece, uma tentativa de identificação
e de reconhecimento é iniciada e se concretiza segundo as normas sociais que
essa pessoa aprendeu. A partir de alguns poucos elementos, dá-se uma extrema
importância a certos atributos ou certas características físicas e funcionais
daquele que é observado. Toda manifestação percebida como diferente reveste-
se, então, de uma reação estigmatizante.

Uma contrarreação por parte dos estigmatizados pode se apresentar ou


sob forma de vitimização ou de uma motivação para se sobressair. Uma das
respostas dos surdos alçou a língua de sinais como o estandarte de uma militância
em prol do reconhecimento dos seus direitos. Construiu-se, assim, a noção “povo
surdo” ou “nação surda” (BERTHIER, 1852; RÉE, 1999; LACHANCE, 2002).
Novamente, os oponentes da língua de sinais retrucaram, valendo-se de fortes
argumentos para desvalorizá-la, perpetuando muitos mitos que veremos mais
adiante. A maior resistência encontrada foi na área médica e educacional com a
prática do oralismo. Como representantes históricos dessas áreas, pode-se citar
(cf. LEGENT, 2005):

Jean-Konrad Amman – Médico suíço que foi um dos primeiros a reforçar


a importância da leitura labial e considerado o verdadeiro inventor do método
oral pelos adeptos dessa filosofia. Acreditava que os surdos eram desgraçados e
estúpidos que pouco diferenciavam dos animais e que para torná-los humanos
era necessário que aprendessem a falar. Sua obra Dissertatio de loquela surdorum
et mutorum, de 1700, foi usada como referência por muitos outros educadores de
surdos.

100
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

• Jacob-Rodrigue Pereire – Foi o primeiro instrutor de surdos na França. De


origem espanhola, em 1741 ele percorreu algumas regiões francesas até se
estabelecer em Paris. Ali ganhou reputação por ter educado alguns surdos que
apresentaram um bom desenvolvimento, recebendo benefícios e a gratidão da
nobreza. Seu método era mantido em segredo, mas foi parcialmente revelado
por um dos seus ex-alunos. Ele fazia uso de um alfabeto manual para ensinar
seus alunos a ler, escrever e falar. Sua reputação foi rapidamente suplantada
pela entrada fulgurante do Abade de l’Épée no cenário da educação de surdos.
• Abade Charles Michel de l’Épée – Considerado o pai espiritual do ensino de
surdos pelo método visual, foi o primeiro a reconhecer que os surdos produziam
gestos e por eles interagiam. Todavia, mesmo tendo boas intenções, mostrou-
se preconceituoso pelo fato de ter “aperfeiçoado” os gestos usados pelos
surdos, criando sinais próprios por meio dos quais lhes fazia ditados. Suas
aulas eram abertas ao público e receberam visitas das mais ilustres, inclusive
de outros países que adotaram o seu modo de ensinar. Em 1776 publicou
uma obra na qual havia duras críticas ao ensino de Pereire. Já em 1784, sob
outro nome de capa, apresentou o seu método, mas omitiu grande parte de
suas críticas ao instrutor que o antecedera. Além do mais, de l’Épée, em uma
carta enviada a seu sucessor, Sicard, reconhecia a fragilidade de seu método,
argumentando que para os surdos, que aprendiam o francês como L2, não
seria jamais possível pensar e transmitir seus pensamentos nessa língua, assim
como para eles, ouvintes, era difícil de se expressar em uma língua estrangeira,
apesar de conseguir lê-la ou traduzi-la. Ele era constantemente confrontado
por filósofos, eclesiásticos e homens das ciências sobre a impraticabilidade dos
códigos representativos para dar conta de explicar, por exemplo, a metafísica
para os surdos acreditavam que isso estava muito à frente da inteligência do
surdo.
• Samuel Heinicke – Foi um instrutor de surdos alemão, considerado, em 1778, o
primeiro professor a criar a primeira escola oficial do mundo para a educação
de surdos. Ignorando completamente o fato de que o abade de l’Épée já havia
inaugurado o seu instituto em 1760, em Paris, o seu método de ensino consistia
em ensinar fonética a partir da identificação dos gostos alimentares. Reprovava
o uso do alfabeto manual, a leitura e a escrita, focando apenas na fala. O abade
de l’Épée criticava veementemente esse método.
• Jean Marc Itard – Foi o primeiro médico-cirurgião a se interessar pelo estudo da
surdez, classificando-a em cinco categorias em função do nível de compreensão
da língua falada por seus pacientes. Essas categorias foram descritas em duas
obras (1821 e 1824) e são consideradas como os primeiros tratados sobre otologia
(estudo das patologias do ouvido). A fim de descobrir as causas da surdez, ele
fazia alguns experimentos, como dissecar o crânio de cadáveres de surdos ou
perfurar os tímpanos de surdos vivos. Foi também inventor de instrumentos
de ampliação acústica como os cornets, que podem ser visualizados na figura a
seguir.

101
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

FIGURA 6 – INSTRUMENTOS INVENTADOS POR ITARD

Fig. 111. – Manche de schech.

F. – CORNETS ACOUSTIQUES

Cornets acoustiques. – Les cornets acoustiques


sont destinés à recueillir, à renforcer et à
transmettre au

Fig. 112. – Cornet d'Itard.

FONTE: <https://goo.gl/uP2rwi>. Acesso em: 9 jul. 2018.

• Alexander Graham Bell – Designado como professor de fisiologia vocal, tinha


como objetivo ensinar a língua falada aos surdos, por meio de um método
fonético. Ao fazer ensaios experimentais de um aparelho que permitia registrar
as vibrações sonoras, ele acabou inventando o telefone, em 1876, e o aparelho
de audiometria, em 1879 (LANE, 1979). Foi defensor do “método oral puro”
e influenciou toda a sua geração a exterminar e proibir a língua de sinais ou
gestos. Segundo Lane (ibidem, p. 115), todas as propostas defendidas por
Graham Bell consistiam em “destruir o grupo minoritário surdo, interpretar
sua diferença como um fato patológico e tratar essa patologia com próteses,
pela reabilitação, a eugenia etc.” Essa última medida se concretizava com a
interdição de casamentos entre surdos, a fim de evitar que a incidência de
surdez aumentasse. Sua influência repercutiu nas resoluções do Congresso de
Milão sobre a educação de surdos, onde adotaram o método oralista e lançou a
língua de sinais em um período centenário de escuridão.

102
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

DICAS

Lembre-se de que o Congresso de Milão foi um evento que, em 1880, reuniu


muitos instrutores de surdos a fim de discutir o futuro da sua educação, colocando em votação
qual seria o método mais adequado a utilizar. Estavam presentes, sobretudo, eclesiásticos
católicos que mantinham grande parte das escolas da época. Os melhores alunos surdos
foram selecionados e levados para serem submetidos a testes diante do grande público. Ao
demonstrar resultados positivos do método oral puro, muitos foram convencidos de que
esse era o método mais ‘eficaz’ a adotar. Inclusive, a maioria desses alunos era surda pós-
lingual, ou seja, já tinha experiência com a fala antes de perder a audição. Subentende-se,
por esse fato, que não havia muita transparência nos propósitos ali discutidos, principalmente
porque tudo indicava que havia uma trama política por trás dessa posição. As escolas
católicas francesas temiam a decisão do Ministro da Instrução Pública que havia publicado
um relatório intitulado ‘Escola laica e obrigatória para todos’ e a única forma de preservar a
sua doutrina nos seus estabelecimentos era de estar ao lado do Ministro do Interior francês
que se encontrava no evento e que cumpria ordens em defender o método oral puro. Os
opositores dessa prática, sendo a minoria, ficaram impotentes ante o grande número que foi
favorável à sua adoção (LEGENT, 2005).

Infelizmente, as repercussões do Congresso de Milão foram refletidas


e refratadas em toda a Europa e Américas. Desde então, muitos mitos sobre o
surdo e a língua de sinais vêm se perpetuando em nossa sociedade. Vale salientar
que, como foi visto anteriormente, nem mesmo as mentes mais abertas, como a
de l’Épée, estavam neutralizadas ao preconceito e à estigmatização do surdo e de
sua língua. Apesar disso, conclui Legent (2005, s.p) que

graças à ação do Abade de l’Épée, os surdos e mudos [sic] não eram


mais os excluídos. O Abade de l’Épée continua a figura emblemática
da “mímica”, se bem que tenha aprendido “a língua natural de sinais”,
por estar em contato com os surdos-mudos, mas que ele não ensinava.
No entanto, ele permitiu a difusão entre os surdos, reunindo-os e
tolerando sua língua natural.

E atualmente, ainda persistem certos mitos? Esse será o foco dos próximos
subtópicos.

3 MITOS SOBRE O SUJEITO SURDO


O surdo, assim como outras pessoas em situação de handicap, sempre
foi alvo de preconceito, assim, ao longo das épocas e segundo as concepções
ideológicas sobre como eram concebidas as limitações neurofisiológicas, sensoriais
ou anatômicas que certas pessoas apresentavam, foi alvo de vários tratamentos e
vários julgamentos.

103
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

DICAS

É sempre muito delicado falar sobre a surdez, a paralisia cerebral, a cegueira


e outros impedimentos neurofisiológicos, uma vez que, mesmo sem intenção, acaba-se
por rotular aqueles que as portam. Ao evitar o termo “deficiência” e toda a carga semântica
negativa que ela carrega, escolho o termo anglófono e francófono “handicap”. Embora esse
termo tenha sofrido modificações de sentido ao longo do tempo, carregando também uma
conotação negativa, a sua etimologia, entretanto, revela uma visão menos preconceituosa
na época em que foi criado. Handicap é um termo inglês que significa Hand in cap (mão no
chapéu), que se referia a um jogo que tinha como propósito compensar as desigualdades
de condições de certas pessoas para participar, de forma igualitária, das trocas de produtos
e serviços. Assim, originariamente, estava relacionada a uma desvantagem do indivíduo em
alguma transação comercial (século XVII) ou em uma competição esportiva (século XVIII).
Já no século XIX, uma noção negativa lhe é acrescida, a de inferioridade, que continuou
até o século XX, agregando ainda a noção de enfermidade. No século XXI, sobretudo na
França, não se usa o termo pessoa com handicap, mas pessoa em situação de handicap,
ou seja, uma pessoa que enfrenta limitações em termos de atuação no seu papel social.
Esse termo foi acolhido pela Organização Mundial da Saúde em 1980. Esta pesquisa foi feita
no site francês Handicap & Société, disponível em: <http://www.fondshs.fr/vie-quotidienne/
accessibilite/origines-et-histoire-du-handicap-partie-1> e no site da Associação Signes
des Sens, disponível em: <https://www.signesdesens.org/wp-content/uploads/2015/09/
Participez-HandicapCulture2015-Valenciennois-etymologie-handicap.pdf>. Acesso em: 10
jul. 2018.

Serão apresentados, portanto, alguns mitos que envolveram, e que


envolvem até hoje o surdo e sua especificidade psicofisiológica: a ausência ou
restrição da audição. A surdez, segundo a perspectiva da qual é concebida, cria
no imaginário social muitas representações negativas em relação à pessoa surda.
Por causa disso, o surdo já foi considerado como louco e, ao serem rejeitados
por um sistema escolar inadequado às suas necessidades, foram internados em
hospitais psiquiátricos, devido à ignorância em relação à surdez e à língua de
sinais (VIROLE, 1996). Além disso, no meio religioso da época acreditava-se que
o surdo não poderia ser salvo, pois era impedido de fazer a confissão de seus
pecados. Apesar de existirem muitos outros estigmas, serão expostas com mais
detalhes apenas as concepções que veiculam até hoje.

• A surdez concebida como patologia conduz à ideia de que o surdo é doente


e precisa ser ‘curado’.

A concepção da surdez como patologia surge no final do século XVIII


e início do século XIX, na Europa, exatamente no momento em que a educação
de surdos começa a tomar uma orientação em direção a um ensino misto (oral
e gestual/sinalizado) devido à iniciativa do abade de l’Épée. Esse modelo
persiste mais do que nunca em todo o mundo até hoje e se concentra na falha
do mecanismo auditivo, o que implica colocá-lo em funcionamento por meio de

104
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

uma correção. Para isso, não são medidos esforços para aperfeiçoar as técnicas
reparadoras, conforme o que já foi discutido anteriormente quando foi tratado
sobre o implante coclear.

• A surdez, quando associada à mudez, promove a interpretação errônea de


que “todo surdo é mudo”.

O termo surdo-mudo estabelece uma relação que veicula uma falsa ideia.
Assim como a definição de um dicionário português do termo, como é possível
observar na figura a seguir.

FIGURA 7 – DEFINIÇÃO DO TERMO SURDO-MUDEZ

FONTE: Surdo-mudez, 2003 – 2018

O surdo tem apenas impedimento no ouvido e não nas cordas vocais e


aparelho fonador, por isso, o termo mudo foi abolido dessa composição, uma
vez que todo surdo pode emitir sons e muitos até fazem uso da oralização, ou
pelo menos, raríssimos são os casos em que ambos ocorrem juntos, por causas
distintas. Na verdade, essa mudança ocorreu ainda no século XIX, quando,
para defender sua tese de que surdos podiam falar, os próprios investigadores
da anatomia, fisiologia e patologias do ouvido, os otólogos, que se dedicavam à
oralização do surdo, propuseram a retirada. A palavras surdo-mudo e mudinho
são pejorativas e não condizem com a realidade, ela implica uma representação
de que o surdo não teria a linguagem verbal, que muitos associam somente com a
fala. Entretanto, o termo surdo-mudo ainda é muito utilizado até hoje.

Outro fator que pode veicular mitos é a crença sobre a inferioridade de


uns em relação a outros ou ainda a supremacia de uma língua hegemônica sobre
uma língua minoritária.

• A ausência da fala foi, muitas vezes, relacionada à ausência de pensamento e


de inteligência e superior a qualquer outra modalidade expressiva.

Desde a Antiguidade, a ausência da expressão oral tem sido associada


à falta de raciocínio, falta de pensamento. Aristóteles, em um escrito, De sensu,
437b, chegou a dizer que os cegos eram mais inteligentes que os surdos, ou seja,

105
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

“a língua falada e a audição são as condições sine qua non do desenvolvimento


da inteligência” (ENCREVÉ, 2011, p. 26). Assim, os surdos e outras pessoas que
não podiam usar a fala eram vítimas de preconceito. A língua de sinais torna
possível o desmantelamento desse estigma, uma vez que por meio dela o surdo
expressa os seus pensamentos, suas emoções, seus julgamentos de valor e
verdade. Entretanto, se essa for alvo dos preconceitos, que veremos mais adiante,
essa falsa crença pode ainda perdurar.

A partir do momento em que se sabe um pouco mais sobre o sujeito surdo:


que a maioria faz uso de amplificadores auditivos, que alguns usam o implante
coclear e que outros usam a língua de sinais, são feitas generalizações como as
seguintes:

• A leitura labial substitui a audição e todos os surdos são capazes de usá-la.

Não é verdade, a leitura labial é apenas um instrumento de complementação


que pode ajudar na compreensão da fala, mas somente alguns surdos, salvo
raras exceções, que fizeram terapias fonoaudiológicas, podem fazer as relações
entre as articulações e determinadas pistas de significado, uma vez que não é
a relação com os sons que é feita, mas com os traços visuais da articulação que
podem remeter às palavras e, posteriormente, ao seu significado. Dependendo do
contexto, da habilidade, do jeito de expressão do falante, essa compreensão não é
superior a 30% do conteúdo total. Além disso, é um recurso que despende muita
energia cognitiva, pelo fato de exigir bastante atenção, concentração e memória.

● Com uma aparelhagem correta, o surdo pode tornar-se ouvinte.

Nenhuma aparelhagem é suficiente para estabelecer a funcionalidade


do ouvido humano. Tratam-se de medidas paliativas, mas não substitutivas. Os
resultados são muito variáveis de pessoa para pessoa, porque estão em jogo a
etiologia da surdez, o grau de surdez e de resíduo auditivo, o tipo de aparelhagem,
a adaptação neurossensorial, entre outros.

● Todos os surdos comunicam-se com a língua de sinais.

Não, nem todos os surdos ou as pessoas com redução auditiva fazem uso
da língua de sinais e isso por diversas razões: nunca estiveram em contato com
a língua de sinais, entraram em contato, mas não a aderiram ao seu repertório
oro-facial, não revelam interesse, vivem bem no estilo e se adaptaram à vivência
oralizada e apoiada por gestos, entre outros motivos.

Esses são apenas alguns dos estigmas e falsas crenças dos quais o surdo
é alvo. A seguir, informações adicionais serão fornecidas, dessa vez, referentes
aos mitos sobre a língua de sinais, que, inevitavelmente, refratam sobre os seus
próprios usuários.

106
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

4 MITOS SOBRE LÍNGUA DE SINAIS


A partir de agora, serão descritos os mitos existentes em torno da
língua de sinais. Como já foi dito anteriormente, nem mesmo as pessoas mais
condescendentes em aceitá-la deixaram de manifestar atitudes um pouco
enviesadas por prejulgamentos. Foi o caso do abade de l’Épée, cujo procedimento
foi discutido por Sacks (2010, p. 89)

De fato, foi sua ignorância ou incredulidade a esse respeito que o levou


a propor, e a impor seu inteiramente absurdo e supérfluo sistema de
“sinais metódicos” que, em certa medida, retardava a educação e a
comunicação dos surdos. A compreensão da língua de sinais por De
l’Epée continha tanto exaltação como depreciação. Ele a considerava,
por um lado, uma língua “universal”; por outro lado, destituída
de gramática (portanto, necessitando da importação da gramática
francesa, por exemplo). Esse equívoco persistiu por sessenta anos, até
que Roch-Ambroise Bébian, pupilo de Sicard, percebendo claramente
que a língua de sinais nativa era autônoma e completa, descartou os
“sinais metódicos”, a gramática importada.

Apesar de sua postura, não se pode desmerecer o papel do abade na
educação de surdos. Sua iniciativa fez com que os surdos fossem agrupados,
resultando no provável aperfeiçoamento gramatical da língua de sinais que
era usada nos espaços formais e informais do instituto. Esse ajuntamento
favoreceu também a emergência de uma comunidade bicultural surda. Como
é possível perceber, nem mesmo os corações mais cheios de boas intenções
estão completamente desvencilhados de seus a priori e de suas próprias crenças
ideológicas.

Serão expostos, assim, os mitos mais recorrentes em relação à língua de sinais.

• A concepção de que a língua de sinais é uma linguagem.

No nosso caderno foi consagrado todo um subtópico para explicar a


diferença entre língua e linguagem, portanto, fica evidente que se trata de um
equívoco o uso da expressão “linguagem de sinais”, uma vez que essa é uma
expressão reduzida que se relaciona à Língua Brasileira de Sinais, assim como
é reduzida a expressão português para a Língua Portuguesa. Ora, ninguém
fala linguagem portuguesa, ou linguagem inglesa ao se referir aos idiomas em
questão, por isso, também não convém fazer com a língua de sinais. Além disso,
crê-se que uma linguagem seria inferior a uma língua, o que leva à inferência de
que aquilo que é considerado linguagem tem menos valor e importância do que
a língua. É bem verdade que, embora seja um tipo de linguagem, a língua é que
torna possível a descrição e explicação de outras linguagens, além de ser muito
recorrente no nosso uso cotidiano. Entretanto, é na relação entre linguagens que o
ser humano desenvolve a sua potencialidade expressiva e interpretativa nas suas
práticas sociocognitivas, assim, cumpre marcar as diferenças entre elas e usar os
termos adequados que as definem. Uma língua é um tipo de linguagem, mas a
Libras é uma língua.

107
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

DICAS

Pode parecer confuso o que foi explicado, por isso é preciso trazer exemplos
concretos. Na categoria “animais de estimação” temos outras subcategorias, tais como: cães,
gatos, peixes, répteis, roedores etc. Dentro de cada uma dessas subcategorias, há outros itens
mais específicos, a sua tipologia. Na subcategoria cães, podemos citar suas raças: bulldog,
chihuahua, pinscher, labrador, entre outros. Se ao chegar em um pet shop, um cliente solicitar
informações sobre ‘animais de estimação’, provavelmente, o atendente solicitará informações
mais precisas sobre que tipo de animal ele tem em mente. Se ao responder, o cliente esclarecer
que se trata de um cão, sem especificar detalhes, ainda assim o atendente precisará saber
a raça ou as qualidades desse animal: porte pequeno ou grande, para apartamento ou para
sítio, pelo alto ou baixo, ou seja, especificações mais tangíveis, uma vez que a classe genérica
é mais opaca e global. O exemplo serve para dizer que, mesmo sendo uma linguagem (parte
de uma categoria maior), uma língua tem seus próprios itens: Inglês, Português, Libras,
Espanhol. Assim, ao se referir à Libras ou à LSF, é preciso utilizar o termo que faz jus ao seu
status e especificação, elas são línguas, pois fazem parte desse subconjunto.

• Infere-se que a língua de sinais, por ser organizada espacialmente, seria


representada no hemisfério direito.

Há aqui um desconhecimento que está associado ao precedente, mas


também porque os articuladores e a forma espacial como são propagados os
sinais são diferentes das línguas orais. Entretanto, como vimos na Unidade 1,
toda e qualquer língua, independentemente da modalidade, é, grosso modo,
processada no hemisfério esquerdo. Lembre-se de que surdos com lesão no
hemisfério esquerdo ainda são capazes de compreender e executar gestos não
linguísticos, mas a língua de sinais é perdida. Entretanto, os usuários de língua
de sinais que tiveram lesões no hemisfério direito têm preservada a capacidade
linguística, mas apresentam problemas na organização espacial e são incapazes
de perceber perspectivas e controle do lado esquerdo do corpo. Do mesmo modo,
em relação às expressões faciais, os surdos com lesões no hemisfério esquerdo
perdem a identificação linguística. Já nas lesões no hemisfério direito, há o que
se chama de prosopagnosia, que é a dificuldade de identificação dos rostos, uma
habilidade não linguística. Então, os experimentos com neuroimagem atestam: a
língua de sinais é uma língua.

• Tem-se a ideia de que a língua de sinais é um código meramente gestual e


pantomímico, sem uma gramática completa.

Para quem não a conhece, a língua de sinais parece ser uma simples
versão imagística considerada como um conjunto de gesticulação totalmente
desorganizado. Assim, visto que é comparada aos gestos, a língua de sinais é
subestimada em relação ao seu potencial simbólico e estrutural. Graham Bell
acreditava que “ela era mais ideográfica do que fonética, pouco precisa e carecia
de flexibilidade, de sutilidade e de poder de abstração” (LANE,1979, p.114).

108
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

Entretanto, Stokoe (1960), tendo concluído o que previra Bébian (1825), identificou
que a língua de sinais é composta por unidades combinatórias (os cinemas) que
formam signos duplamente articulados. Do ponto de vista morfológico, é uma
língua flexional, qualidade não compatível com os gestos, uma vez que eles
são mais holísticos (as formas não se decompõem em partes menores) e não
recursivos (não há concatenação de gestos para formar frases, por exemplo).
Ocorre que, devido ao fato de se realizarem na mesma modalidade, gestos e
sinais são muitas vezes confundidos. Outro ponto que agrava essa questão é o
fato de a fala ter sido colocada em uma posição de supremacia em relação aos
gestos que a acompanham. Os estudos em língua de sinais tornaram possível
não somente esclarecer o papel dos gestos com relação às línguas, sejam orais ou
sinalizadas, como também definindo a diferença entre um sistema e outro e sua
complementaridade.

• Por apresentar aspectos de grande iconicidade, a língua de sinais é


considerada concreta e que não permitiria a abstração.

Essa falsa ideia está relacionada com a precedente. Como o que é da ordem
do abstrato não é representável concretamente, as pessoas que desconhecem a
língua de sinais e que a relacionam à mímica ou pantomima, imaginam que elas
sejam sistemas simplificados e que não permitem certos níveis de abstração ou
elaboração de ideias complexas. Isso se dá pelo fato de apresentarem uma dupla
estrutura: uma da ordem lexical e outra da ordem da iconicidade. Em relação ao
que é icônico, ou seja, que carrega traços do referente, faz-se relação com a noção
de transparência. Assim, a crença é de que ela seria transparente quanto ao seu
sentido. Mas não é assim, embora alguns sinais sejam manifestamente icônicos,
eles não são transparentes. Quadros e Karnopp (2004) citam a pesquisa realizada
por Hoemann (1975) que objetivou testar a transparência (decodificação imediata)
de sinais da ASL. Os participantes ouvintes que nunca tiveram contato algum
com a língua de sinais foram expostos a 100 sinais retirados de um dicionário e
que possuíam características fortemente icônicas. A conclusão foi que apenas 30%
dos sinais podem ser correlacionados adequadamente à forma e ao significado.
Vale ressaltar que a iconicidade é relativa de uma língua de sinais para outra,
pois cada comunidade linguística adotará o traço do referente que julgar mais
saliente, além disso, esses traços se perdem para os sinalizantes mais novos que
desconhecem a motivação inicial.

• A língua de sinais é geralmente imaginada como uma língua universal.

Esse mito é provocado em parte pela crença de que a língua de sinais


seria uma pantomima e que os sinais icônicos seriam transparentes, mas de fato,
não é assim. Como já foi visto, as línguas mudam, transformam-se e evoluem
historicamente. Cada comunidade linguística possui sua própria evolução
interna e com isso necessidades, práticas e instrumentalização diferentes umas
das outras, isso resulta em variações, mesmo que na origem uma língua tenha
influenciado outra, como foi o caso da LSF na Libras e o Português Europeu no
Português do Brasil.

109
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

• A língua de sinais seria uma dialetalização das línguas orais.

O fenômeno de dialetalização ou subjugação a uma língua dominante


é algo muito recorrente na história dos contatos entre línguas. Sobre isso, Lane
(1979, p. 92) declara que

Os membros de uma comunidade linguística, que fazem uso de uma


língua dominante, podem tentar aniquilar uma língua minoritária de
dois modos, seja simplesmente a substituindo ou fazendo-a passar por
um dialeto da língua majoritária. Nesse último caso, tenta-se convencer
os usuários da língua minoritária de que sua língua não é senão um
dialeto inferior da língua dominante, uma língua “vernacular” que
não pode ser usada em domínios tão importantes como a educação e
a política.

No primeiro caso, lembre como a ASL suplantou a língua de sinais local na
ilha de Marta’s Vineyard, já no segundo exemplo, podemos citar a dialetalização
da língua de sinais às línguas orais, o português sinalizado, o francês sinalizado
e o inglês sinalizado, sendo alguns exemplos. Após os incontáveis fracassos de
tentar fazer o surdo oralizar pela imposição do método oral puro, passou-se a
uma forma mista de sinais que eram colocados no eixo linear das línguas orais,
assim, gestos e fala eram realizados concomitantemente, além disso, como certos
conectores como as preposições e conjunções são realizados, espacialmente, nas
línguas de sinais, ou seja, não há um equivalente lexical para emparelhar cada
palavra a um sinal, foram inventados alguns sinais para criar essa correspondência.
Certamente, isso não é nada funcional, nem natural e, nessa bimodalidade, a
língua oral acaba se sobrepondo à sinalizada.

• Veicula-se a falsa ideia de que a língua de sinais impediria a aquisição da


fala.

Esse mito repercute desde que Graham Bell defendeu sua tese de que a
língua de sinais deveria ser extirpada de todos os lugares e em todos os momentos,
pois acreditava que ela prejudicava a integração social do surdo na língua oral,
além de limitá-lo intelectualmente. De lá até hoje, muitos terapeutas da fala
preconizam e difundem essa inverdade. Veja o que diz Santana (2007, p. 146) a
respeito de suas percepções nas entrevistas que realizou com pais e terapeutas de
crianças implantadas:

O “medo” de que o surdo não venha a falar, ou de que ele substitua a


fala pelo gesto, faz os pais agirem artificialmente com os filhos. Nossa
fala é também composta por gestos manuais e faciais, mas mesmo um
gesto comum aos ouvintes “não deve” ser realizado na interação com
o surdo, já que eles poderiam achar mais fácil gesticular do que falar.

Esse medo é gerado pelo que é repassado aos pais por alguns profissionais,
ou seja, de que os gestos ou sinais impediriam o progresso na língua oral.
Entretanto, ainda conforme Santana (idem, ibidem), “as últimas pesquisas
apontam que, diferentemente do que se pensa, os surdos que dominam a língua

110
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

de sinais conseguem alcançar níveis funcionais e formais mais adequados da


linguagem oral que aqueles que não a adquiriram”. A seguir, veremos como
os surdos respondem a todas essas falsas representações, buscando entender a
cultura e a identidade surda.

5 CULTURA E IDENTIDADE SURDA


O Instituto para Surdos de Paris acolheu vários surdos que se destacaram,
um deles foi Ferdinand Berthier, um surdo reconhecido pela sua inteligência e
militância em prol de sua comunidade. Tendo representatividade conferida por
seus liderados, em 1838, ele funda a primeira associação de surdos da França
(GAUCHER, 2005; ENCREVÉ, 2011). Segundo Gaucher (2005, p. 154), ele também
“desenvolve a ideia original de uma unidade surda, fazendo uso dos termos
explícitos de ‘nação surda-muda’ e de ‘povo surdo-mudo’ que lança a questão de
uma comunidade”.

Esse mesmo autor diz que a língua de sinais se torna a referência de uma
estratégia político-identitária que os tira do processo de estigmatização do qual
eram vítimas. Diz ele que,

Ao inverter o estigma, é um novo ator que emerge daqueles que


há muito são vistos como loucos, desumanos e mudos. Oscilando
entre representações étnicas e minoritárias, a figura do Surdo
contemporâneo é apresentada como libertada de sua deficiência,
enquanto paradoxalmente se enraíza em um corpo diferente, o corpo
surdo (ibidem, p. 164).

DICAS

Sempre que a palavra ‘surdo’ for grafada com S maiúsculo, significa que se trata
do surdo que se identifica em uma cultura surda em torno de uma língua sinalizada. O termo
foi criado justamente para marcar que há Surdos e surdos, ou seja, os que se identificam
dentro de uma comunidade sinalizada e outra não sinalizada.

Essa foi a contrarresposta que, longe de ser ilegítima, é muitas vezes


alvo de incompreensão por parte dos que, ainda hoje, acusam os surdos de
segregacionismo. Foi a forma que eles encontraram para vencer os preconceitos de
que eram alvo e as barreiras que lhes impunham. Infelizmente, a reação foi mais
feroz, pois, pela determinação de comum acordo pela imposição do oralismo nas
escolas, bem como pela demissão dos professores surdos, já que eles não eram
mais necessários, a língua de sinais e, juntamente com ela a comunidade surda,
entrou em uma época de completo apagamento. Com isso, houve um retrocesso
na formação de líderes surdos militantes e a nova geração não substituiu os
antigos heróis que resistiram. 111
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Entretanto, quase um século depois, do outro lado do oceano, essa


centelha se reacendeu influenciada pelos avanços nas pesquisas que mostraram
que a língua de sinais é uma língua natural completa. Stokoe, na década de
1960, estabelece os postulados e prova o estatuto cinesiológico (fonológico) de
composição dos sinais (SCHMITT, 2013). Busca-se, assim, encontrar o que há de
comum com a língua oral e descartar sua proximidade com os gestos. Isso também
é um ato de reserva e prevenção, uma vez que os estigmas estavam arraigados no
imaginário da sociedade da época.

É nesse contexto norte-americano que, em meados da década de 1970,


aparece o Deaf Studies. Carol Padden e Tom Humphries foram os preconizadores
com sua primeira obra Deaf in America (Surdos na América), escrita em 1988.
A proposta visava falar dos surdos, escrever sobre eles, defini-los enquanto
comunidade, de forma diferente do que se fazia na área medical e educacional.
Assim, “o estudo da surdez como fato individual cede lugar ao estudo dos surdos
como grupo humano” (SCHMITT, 2013, p. 19).

Foi somente em 2005, em sua nova obra intitulada Inside Deaf Culture
(Dentro da Cultura Surda), que os autores entram no cerne da questão, discutindo
em torno da noção de cultura surda. Nasce, no seio dessa comunidade, o
sentimento de pertencimento e de identidade que se revela no encontro surdo-
surdo, no seu reconhecimento enquanto coletividade que compartilha a mesma
forma de apreensão do mundo e, sobretudo, no modo como falam desse mundo
por meio da língua de sinais. Segundo Poirier (2005, p. 60),

Os Deaf Studies lançam um olhar sobre a surdez. Na esteira dos


Estudos Culturais, eles reconhecem na cultura surda um caráter e uma
cosmovisão próprios, porque os surdos não vivem e não apreendem
a realidade da mesma forma que as pessoas ouvintes. Os Deaf Studies
abordam as comunidades de pessoas surdas de um ponto de vista
cultural e (quando apropriado) étnico. Longe de atribuir às pessoas
surdas uma identidade negativa fundada na deficiência fisiológica e
na inadequação social, eles as definem em função de uma cultura, de
uma língua e de uma história.

Os Deaf Studies, assim definidos, ganham outros espaços, outras


comunidades que formam uma grande e ampla cultura surda. Certamente,
embora o termo seja o mesmo, o conceito tomou forma para dar corpo a um
novo modo de conceber não mais um ouvido biológico que não ‘funciona’, mas o
corpo atuante e humanizado daquele que o porta. Muda-se o foco, isso se chama
de reapropriação, assim como muitas palavras têm sido ao longo do tempo. É
legítimo, e do lugar e contexto em que nasce, justificável. “Cultura Surda” já está
entranhado no imaginário como algo palpável e justificado.

Entretanto, como em qualquer ideologia, a noção pode se vestir de um


caráter hegemônico que pode comprometer a sua legitimidade. Isso acontece
quando se cria a noção de surdo “puro” ou o surdo “verdadeiro”. Essas noções
estariam simplesmente revertendo o jogo e usando as mesmas regras que lhes

112
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

foram imputadas. É nesse sentido que se acredita que a noção cultura surda é
uma realidade fabricada (SANTANA, 2007) que acabaria por entretecer uma
relação ambígua e distintiva entre “o Surdo e as outras ‘categorias’ de surdos.
Os ensurdecidos, os oralizados, os deficientes auditivos e os meio-surdos”
(GAUCHER, 2005, p. 159).

A esse respeito, e entendendo que o assunto gera polêmicas, Gladis Perlin


(2004, p. 80), uma das principais representantes surdas dos Estudos Surdos
brasileiros, declara que

Chega-se ao momento em que a cultura surda tem que ser negociada,


em vez de negada, uma vez que se trata de um tema extremamente
importante. Ela não está aí para uma subversão, mas como uma
estratégia dos surdos para a sobrevivência.

Ao longo da história da humanidade, muitos povos oprimidos reagiram


à forma de tratamento de outros grupos, não está em questão quem tem ou não
direito de reivindicar justiça. Certamente, se, a exemplo de alguns grupos ou
tribos em que o surdo não é estigmatizado e a maioria se expressa em sua língua
e a nossa sociedade realmente acolhesse os seus cidadãos surdos, a história talvez
fosse completamente diferente.

6 REPRESENTATIVIDADE SURDA
Outra noção que tem sido permeada por outros sentidos é a de
representatividade, que até recentemente estava mais ligada à representação
política. Hoje em dia, essa noção ganha terreno na reivindicação de grupos
étnicos por mais visibilidade e igualdade de condições na sociedade. A
representatividade surda está alicerçada num conceito novo, o Deaf Gain (ganho
surdo), termo criado por Bauman e Murray em 2009. Ganho surdo é toda e
qualquer mudança favorável para o reconhecimento, acessibilidade, visibilidade
e melhoramentos no estatuto social, político e cultural do surdo. A Lei de Libras
é um ganho-surdo, as graduações em Libras são ganhos surdos, as pesquisas que
têm revelado mais sobre a especificidade dos surdos e da língua de sinais são
ganhos surdos. Do mesmo modo, quando o nome de uma personalidade surda
se destaca na literatura, no teatro ou no cinema, isso também é ganho surdo. Toda
a comunidade ganha, no sentido de reverter a representação social de deficiente
e incapaz, de criar orgulho na comunidade, no fato de serem vistos enquanto
coletividade. E aí reside a cultura surda, no fato de que o ganho de apenas um
membro é também um ganho para toda a comunidade. Além disso, os surdos que
ascendem a lugares de destaque, geralmente, acabam promovendo a sua cultura,
aproveitando-se de sua posição de visibilidade e influência para militar para a
causa surda.

113
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Para fornecer dois exemplos, serão apresentadas duas mulheres que,


embora separadas geograficamente (uma é da França e a outra dos Estados
Unidos) e pelo espaço de uma geração (uma com 46 anos e outra com 15 anos), são
modelos de representatividade surda. A primeira é a atriz e escritora Emmanuelle
Laborit. Em sua filmografia conta com nove filmes, três programas de televisão,
quatro peças de teatro e uma direção de produção, tendo recebido um troféu de
revelação teatral no filme Os filhos do silêncio, de 1993. Escreveu também Le Cri
de la Mouette (o grito da gaivota) em 1994, em que conta a sua história de vida
(Wikipédia). Desde 2004, ela é diretora do Teatro Visual Internacional (IVT), um
lugar emblemático do “despertar surdo”, segundo Aurore Merchin, repórter do
jornal francês Le Monde.

FIGURA 8 – EMMANUELLE LABORIT EM FRENTE AO IVT, NA COMEMORAÇÃO DE


SEUS 40 ANOS

FONTE: Jornal Le Monde. Disponível em: <https://goo.gl/Q4gT3V/>. Acesso em:


16 jul. 2018.

Millicent Simmonds é uma jovem atriz que atuou em dois filmes


estadunidenses recentes, Wonderstruck (sem fôlego, 2017), e A Quiet Place
(Um lugar silencioso, 2018). Segundo um post do blog Panda Gossips (https://
pandagossips.com/posts/3234), Millie, como é chamada, é a terceira de cinco
crianças, mas a única surda. Perdeu a audição com 12 meses de idade devido
a uma certa dose de medicação. Seus pais, assim que descobriram sua surdez,
contrataram um mentor surdo para dar-lhe aulas de ASL. A própria atriz confirma
isso em seu Instagram, dizendo que ela se sente muito bem sendo como é e que
tem um relacionamento excelente com sua família.

114
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

Aos três anos, Millie foi para uma escola de surdos, onde ela teve suas
primeiras atuações em peças teatrais.

FIGURA 9 – MILLICENT SIMMONDS

FONTE: Captura de tela do perfil da atriz no Instagram @milliesimm.


Acesso em: 13 jul. 2018.

Além de serem atrizes surdas, ambas têm um forte sentimento de defesa


da causa de sua comunidade. Laborit, frequentemente, estampa capas de
matérias denunciando os estigmas que ainda existem e exigindo os direitos da
cultura surda. Millie deseja que todos os surdos possam atingir lugares como ela
alcançou e diz que todas as pessoas deveriam aprender a língua de sinais.

115
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

DICAS

Sueli Ramalho Segala, professora, clown e intérprete surda, juntamente com


seu irmão Rimar, faz parte da terceira geração de família surda. Acompanhe uma de suas
entrevistas às emissoras de TV brasileiras em que ela explica sua trajetória e fala de suas
experiências com diversas línguas de sinais, inclusive com a oralidade, pela qual se expressa
muito bem. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QUQ6lqPbLuA>. Acesso
em: 15 jul. 2018. A continuação dos vídeos está na sequência.

FONTE: Captura de tela de vídeo, Disponível em: <https://www.youtube.


com/watch?v=al42G2nL2SI>. Acesso em: 15 jul. 2018.

O fato de terem nascido em contextos diferentes e em épocas distintas


faz muita diferença. Laborit, contrariamente ao que aconteceu com Millie, só
foi conhecer a LSF depois dos sete anos. Conta ela para o jornal Le Monde que
os médicos haviam dito a seus pais que a língua de sinais prejudicaria o seu
desenvolvimento. Um dia, como por acaso, seu pai viu um ator surdo do IVT
na televisão, ele sinalizava, enquanto um profissional interpretava oralmente.
Rapidamente, seu pai decidiu ir ao IVT para saber detalhes dessa comunicação
por sinais, desde então, Laborit desenvolveu uma relação especial tanto com a
LSF e a cultura surda como com o IVT.

Vale ressaltar que Millie recorreu ao implante coclear, mas quase não fala
dele. Se você assistir a Um lugar silencioso, verá que o aparelho é um elemento
chave para a trama do filme. Aliás, foi a sua experiência com o aparelho e a
qualidade do som que ela recebe que foram passados ao público pelos técnicos
em sonoplastia. Ao indagarem Millie e sua mãe sobre o que o aparelho permitia
ouvir, elas responderam que não é perfeito, só sons abafados, não claros. Assim,
os operadores de áudio, de posse dessa informação, fizeram um jogo de sons
diferentes (audível/abafado) para demarcar as perspectivas das personagens (cf.

116
TÓPICO 2 | OS MITOS E OS ASPECTOS CULTURAIS DOS SURDOS E DA LÍNGUA DE SINAIS

reportagem colhida por Tara Bennett, da revista on-line Syfywire. Disponível em:
<http://www.syfy.com/syfywire/secrets-behind-the-sound-design-of-a-quiet-
place>. Acesso em: 24 abr. 2018).

Depois dessas informações, encerra-se mais um tópico da Unidade 2.


Aproveite para ler o resumo de tudo o que foi visto aqui e faça a sua autoatividade,
que vai colocá-lo em contato com sinais de várias línguas de sinais diferentes.
Tenha um bom proveito.

117
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As representações sociais sobre determinado grupo, muitas vezes, fazem


perpetuar certas injustiças, uma vez que elas podem oprimi-lo ou tirar-lhe
certos direitos. Com o surdo não é diferente, porque sua restrição fisiológica é
tida como uma deficiência ou uma doença a ser tratada e reparada.

• Do mesmo modo, a sua língua de sinais pode ser alvo de preconceito pelo
fato de sua modalidade ser a mesma da dos gestos. Assim, faz-se confusão,
colocando ambos os sistemas no mesmo nível. Os principais mitos giram em
torno de sua imaginada universalidade, suas propriedades icônicas, a falsa
crença de que teria deficiências gramaticais e dificultaria a abstração.

• Muitos foram os personagens históricos que se opunham à língua de sinais e


agiram de modo a suprimi-la das mãos dos alunos surdos. Até mesmo aqueles
que a toleravam guardavam seus a priori e seus preconceitos que se refletiam
na forma de duvidar do potencial estrutural e gramatical da língua de sinais ou
de submetê-la a um dialeto inferior da língua oral.

• O abade de l’Épée é considerado o pai espiritual dos surdos e certamente sua


iniciativa de reunir os surdos de todas as regiões da França em regime de
internato fez a Língua de Sinais Francesa evoluir e, por meio dela, abrir novos
polos de ensino em outros países.

• É nesse espaço que o surdo se encontra com seus pares e ali começa o primeiro
despertar surdo, enquanto sujeito com uma identidade. Forças externas, no
entanto, acabaram dissolvendo essa forma de educação e suprimindo o direito
do surdo de ser educado em sua língua.

• Após as decisões insensatas tomadas no Congresso de Milão, os


surdos, representados por alunos de de l’Épée, que nesse momento
gozavam de uma certa reputação, criaram associações e começaram
a organizar-se, uma noção de cultura começava a emergir. Na
América do Norte, as pesquisas em língua de sinais abriam o espaço para as
discussões sobre a identidade surda, em que expunham algumas características
dos surdos enquanto coletividade.

• Assim, empoderados de uma convicção sobre seu valor e capacidade, muitos


surdos hastearam a bandeira de uma militância para exigir seus direitos sociais.
Ao longo do tempo, muitos surdos alcançaram uma grande visibilidade no
espaço midiático e cinematográfico, nasce, assim, a noção de ganho surdo.

118
AUTOATIVIDADE

O site spredthesign.com é um dicionário on-line que agrupa um léxico de várias


línguas de sinais diferentes. Disponível para pesquisa em várias línguas
escritas, ele permite a procura por palavras também do português. Veja o
exemplo de sinais dele retirados, por meio de captura de tela.

FIGURA 10 – LÍNGUA DE SINAIS DE PORTUGAL

FONTE: Disponível em: <spreadthesign.com>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Língua de Sinais de Portugal – Sinal arbitrário, pois a forma não se assemelha


ao referente.

FIGURA 11 – LÍNGUA DE SINAIS DA LITUÂNIA

FONTE: Disponível em: <spreadthesign.com>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Língua de sinais da Lituânia – Sinal icônico, pois as mãos representam parte da


forma do referente, no caso o telhado de uma casa.

119
FIGURA 12 – LÍNGUA DE SINAIS BRITÂNICA

FONTE: Disponível em: <spreadthesign.com>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Língua de sinais da Lituânia – Sinal icônico, pois as mãos representam parte da


forma do referente, no caso o telhado de uma casa.

Como é possível verificar, o sinal de CASA é apresentado em três


línguas diferentes. Seguindo o modelo dado, vá até o site e faça a procura de
cinco palavras aleatórias, faça captura com os sinais escolhidos de três línguas
de sinais diferentes, o que totaliza 15 sinais. A partir dos dados nas figuras,
compare-os e discuta:

1) Por que o mito da universalidade da língua de sinais não se sustenta?


2) Há sinais icônicos?
3) Os traços de iconicidade que cada comunidade escolheu são iguais ou
diferentes?

120
UNIDADE 2 TÓPICO 3

ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

1 INTRODUÇÃO
Como futuro licenciado, cujo principal instrumento de trabalho será a
Libras, convém conhecer como a cultura surda é organizada em torno da língua
de sinais, de quais os mitos e ideias preconceituosas é preciso se despir e quais são
as resistências que marcam o processo da verdadeira inclusão socioeducacional
dos surdos. Por isso, toda a discussão do tópico anterior é muito importante para
nos fazer questionar a história e as práticas pedagógicas que foram adotadas e
de como se baseavam em representações negativas do surdo e de sua língua.
Diacronicamente, a educação de surdos no Brasil, segundo uma visão macro,
está relativamente melhor, em comparação ao processo histórico dramático
pelo qual passou. Sob uma perspectiva sócio-histórica e linguístico-cultural, a
educação de surdos tem ficado em evidência, embora, em um aspecto micro,
haja muito a ser reelaborado e redefinido (NASCIMENTO; BEZERRA, 2014).
Para isso, precisamos identificar as dificuldades que os surdos enfrentam na área
educacional, causadas pelo despreparo dos professores em promover os seus
direitos linguísticos. Cabe à área educacional estar atenta a isso a fim de assumir
a responsabilidade de, através da prática docente, minimizar as injustiças sociais
e promover uma educação libertadora e ética.

No entanto, é preciso salientar que, assim como um licenciado poderá


trabalhar com Libras enquanto primeira língua (L1), poderá também ter alunos
que aprendem a Libras como segunda língua (L2). Desse modo, é preciso ter
conhecimento sobre o ensino-aprendizagem para ambos os grupos, surdos
e ouvintes. Então, torna-se necessário conhecer quem é o aprendiz, como ele
aprende, que tipo de dificuldades podem impedir sua aprendizagem, que
métodos utilizar, que objetivos priorizar etc. Prieto (2003 apud VILHALVA;
ARRUDA; ALBRES, 2014, p. 19) analisa que, para que a escola atenda a
diversidade de alunos, é preciso “considerar as diferenças individuais e suas
implicações pedagógicas como condição para a elaboração do planejamento e
implantação de propostas de ensino e de avaliação da aprendizagem”. De acordo
com Basso, Strobel e Mazzutti (2008, p. 42), o planejamento de ensino se divide
em quatro etapas:

1) Conhecimento da realidade: saber para quem se vai planejar, conhecer o


aluno e seu ambiente, saber quais as aspirações, frustrações, necessidades e
possibilidades dos alunos.
2) Elaboração: a partir dos dados do conhecimento da realidade, estabelecer o
que é possível alcançar, como fazer para alcançar e como avaliar.
121
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

3) Execução: colocar em prática as elaborações feitas.


4) Avaliação: avaliar o próprio plano com vistas ao replanejamento.

O ensino-aprendizagem é uma relação dialógica entre sujeitos e, nessa


troca, todos aprendem e todos ensinam (ALBRES, 2012), assim, a prática e a
interação ampliam os saberes do professor. Segundo Albres e Neves (2014, p.
68), Tardif (2010) identifica alguns tipos de saberes que constituem o conjunto de
conhecimentos dos professores para o seu fazer didático: “saberes de formação
profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica), saberes
disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais”, além dos saberes
pessoais (conhecimento de mundo) e os saberes antecedentes (escola básica). De
fato, compreender como se constroem esses saberes faz parte da formação do
professor, assim, esse tópico focará informações sobre os saberes da formação
profissional, disciplinar e curricular de cunho mais teórico-metodológico. Cabe,
então, a sua autorreflexão de como associá-las aos outros saberes que você já traz
consigo e que foram assimilados ao longo de sua vivência e experiências.

Igualmente, conhecer um pouco da história do ensino de Libras no nosso


país permite vislumbrar os processos históricos e socioculturais da educação e
formação de surdos, com o intuito de identificar os aspectos vulneráveis e os
aspectos consolidados, as questões que precisam ser reavaliadas, transformadas
e repensadas e outras que só precisam de atualização. Do mesmo modo que no
exterior, os movimentos de e para surdos, que se conjugaram com as pesquisas
científicas, iniciaram na década de 1980, culminando na criação de uma legislação
10 anos mais tarde (NASCIMENTO; BEZERRA, 2014). Desde então, houve uma
evolução na educação de surdos sob um aspecto macro, entretanto, no aspecto
micro, falta considerar muitas especificidades e é preciso avançar muito mais.
Conforme Vilhalva, Arruda e Albres (2014), em 1990 foi constituída uma Câmara
Técnica a pedido da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos
– Feneis, da Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Surdos
– Fenapas – e coordenada pela Coordenadoria Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência – Corde, tratava-se de uma política linguística
para exigir o reconhecimento da Libras. Seis anos depois, esse pedido foi atendido
por meio de um documento.

A preocupação com a capacitação de professores em uma época marcada


pela escassez de recursos materiais e humanos, somada ao recente, mas parcial
reconhecimento da Libras, exigiu uma medida emergencial para a criação de um
programa de formação de professores. Assim, a criação do Centro de Capacitação
Profissional da Educação e Atendimento de Surdos – CAS, a partir de 2002, em
todo o país, foi uma ação política do MEC com o objetivo de fornecer formação
continuada aos professores dos centros que atendem pessoas com surdez.
As unidades distribuídas em todo o país podem atuar em quatro esferas, tais
como: Núcleo de Capacitação de Professores e Comunidade em geral; Núcleo de
Tecnologia e Adaptação de Material Didático, Núcleo de Convivência e Equipe
Especializada de Apoio à Aprendizagem.

122
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

O trabalho, que contava com a parceria de instituições de ensino (IES,


escolas e institutos de educação), foi iniciado com a capacitação de agentes
multiplicadores surdos que acompanhavam o desenrolar do processo na formação
de novos grupos, tendo como objetivo principal formar instrutores surdos,
professores de surdos e intérpretes. Primeiramente chamado de “Programa
Nacional de Apoio à Educação de Surdos”, o curso foi reestruturado após o
Decreto 5.626/05 e denominado de “Interiorizando Libras”. A partir de 2001, a
metodologia aplicada para a habilitação de professores surdos foi “Libras em
Contexto”, organizada por Tanya Felipe e uma equipe de instrutores da Feneis.
Até aquele momento, os instrutores não possuíam formação e desenvolviam
sua prática intuitivamente, com base nas suas vivências enquanto estudantes ou
ajudados por pares mais experientes, porém sem nenhum embasamento teórico
ou didático-pedagógico. O curso apresentava uma carga horária de 40 horas, com
temas sobre a educação de surdos, gramática da língua de sinais e metodologia
de ensino.

As associações indicavam os participantes para a formação de


multiplicadores que eram posteriormente selecionados pela Feneis. A formação
dos professores do interior era dada nas capitais e, por causa das dificuldades,
o curso era condensado em módulos de uma semana e seu conteúdo contava
apenas com 120 horas e sem possibilidade de evolução. Os instrutores, que não
possuíam formação superior, não estavam aptos para ampliar o conteúdo e a
carga horária do curso.

A formação de professores com habilitação em Português para atuar no


ensino de L2 para surdos do Ensino Fundamental foi a mais desafiadora. Até
aquele momento, o ensino de L2 se dava com a mesma metodologia de L1.

Saindo da perspectiva histórica e mencionando a realidade atual, essa


situação ainda não mudou completamente, visto que metodologias de Português
como L2 para surdos ainda não foram totalmente desenvolvidas, concentrando-se
em esforços locais e sem o compartilhamento para o grande grupo docente. Outra
problemática concerne à necessidade de, ao entrar na escola, o surdo possuir a
Libras como L1, mas a realidade é que a maioria das crianças chega na escola com
um repertório truncado de gestos e algumas palavras orais (sons de um código
caseiro, que se assemelham aos sons da fala oral, usados para a comunicação
familiar). Ocorre que, em uma escola realmente bilíngue, segundo o que preconiza
o art. 22 do capítulo VI do Decreto 5.626/05, em que a criança recebe a Libras
como língua de instrução, a aprendizagem de L2 se dará concomitantemente,
ou seja, ambas estariam sendo ensinadas e essa criança não estará inserida em
uma aquisição natural, como é a característica da L1. Entretanto, no caso de os
surdos possuírem pares e esses tiverem um modelo linguístico do repertório
sinalizado, nesse, e somente nesse caso, podemos dizer que se trata de aquisição.
Infelizmente, não é o que acontece, pois o desagrupamento surdo promovido
pela lei de inclusão e a preconização de que o aluno deve se matricular na escola
mais próxima de sua casa, diminuem a possibilidade de interação surdo-surdo.

123
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Após essa breve introdução, avançaremos no propósito de refletir um


pouco mais sobre o ensino e aprendizagem de e em Libras. Para isso, esse tópico
será organizado com os temas e propósitos de:

• Estudar os aspectos didáticos e metodológicos do ensino de Libras.


• Abordar a Psicologia da aprendizagem para o ensino/aprendizagem de Libras.
• Compreender como se organiza um projeto de ensino e aprendizagem de e em
Libras.
• Comparar as diferenças na aprendizagem intermodal entre surdos e ouvintes.
• Discutir a educação bilíngue para surdos.

2 ENSINO DE LIBRAS: QUESTÕES DIDÁTICAS E


METODOLÓGICAS
Como foi anteriormente discutido, o ensino de Libras, como primeira
língua (L1) e segunda língua (L2), tem ficado comprometido devido a inúmeras
problemáticas. Serão elencadas aqui algumas que foram citadas por Basso,
Strobel e Masutti (2009), no que tange ao ensino de L1, mas que tem relações com
o ensino de L2 também, tais que:

• A falta de capacitação de professores surdos para o ensino de L1.

Em se tratando da capacitação de surdos, as autoras argumentam que,


pelo fato de terem poucas oportunidades de acessibilidade a cursos que lhes
proporcionem modos de ascensão em níveis diferentes de escolarização, grande
parte não possui qualificação e conhecimento pedagógico necessário. Esse
quadro já se alterou consideravelmente, mas ainda não é suficiente para suprir a
demanda da educação básica das crianças surdas.

• A falta de um currículo unificado de Libras ou sua inclusão na grade


curricular.

Para as autoras (ibidem, p. 19), “um currículo é um instrumento social e


político que tem por objetivo “nortear” o trabalho pedagógico e, para isso, precisa
conter elementos que auxiliem as escolas a organizarem seus programas de ensino
de forma eficaz”. Um currículo é, além disso, uma construção social que precisa
retratar os valores, atitudes e práticas sociais que são próprios à cultura surda
e sua especificidade psicofisiológica, ou seja, esse currículo “deverá privilegiar
a produção cultural, as artes, a literatura, a história, as organizações surdas, as
lutas dos surdos em defesa de seus direitos” (idem, ibidem).

124
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

• A falta de material pedagógico adequado.

Nesse quesito, Pereira (2009) fez uma análise do livro que foi enormemente
divulgado nos programas da Feneis e usado para a formação de instrutores e
professores de Libras, o “Libras em contexto”. Segundo a autora, a demanda
por professores e materiais, que foi impulsionada pela Lei de Libras, foi
apressadamente respondida com a criação de livros didáticos sem embasamento
teórico coerente. A conclusão de sua análise revela que: O livro didático apresenta
sinais regionais locais, sem alertar para os casos de variação; apresenta deficiências
em relação à explicação gramatical das frases interrogativas; é controverso,
pois embora a autora declare determinadas posturas em suas orientações, os
exercícios não as refletem (exercícios mecânicos anteriormente rejeitados em
sua orientação); a abordagem é psicolinguística e, apesar de carregar o termo
“contexto”, o uso pragmático não foi considerado. Essas constatações servem
de alerta, pois ela denuncia um problema: os aprendizes de Libras como L2
estão recebendo informações contraditórias e confusas e, visto que esse mesmo
material foi usado para a formação de instrutores que trabalham com crianças
surdas, essa constatação serve também para o ensino de L1. A autora conclui que
o material e os métodos não favorecem um aprendizado contextualizado e que
incentive o uso e que a aprendizagem de Libras requer um método de ensino
diferente no caso de público surdo ou ouvinte, crianças ou adultos. Diante disso,
há urgência em reavaliar tanto os métodos quanto as práticas de ensino de Libras
como segunda língua.

• As falsas crenças de que basta ser fluente em determinada língua para ser
apto a ensiná-la ou traduzi-la.

Essa é uma representação e que não condiz com uma postura ética
em relação à responsabilidade de se trabalhar com a construção humana do
conhecimento, ou seja, trabalhar em uma área que visa o desenvolvimento
intelectual e de letramento de pessoas. Um professor precisa não somente
conhecer seu objeto de estudo, mas também saber explicar o que sabe, adequando
a linguagem para se fazer compreender. Um professor precisa planejar a
exposição do seu objeto de estudo e pesquisa, ele precisa pesquisar sobre como
aquele objeto se construiu historicamente, precisa estar ciente de que seu objeto
traz com ele ideologias sociopolíticas e culturais, despertando os alunos para essa
realidade. Um professor precisa ser ético, questionando sua prática sem permitir
que suas próprias concepções sejam manifestadas na forma em que conduz o
seu trabalho, ele precisa avaliar constantemente não somente os alunos, mas a si
mesmo e o seu fazer pedagógico. Um professor precisa estar aberto às discussões
da coletividade (alunos, colegas, coordenadores, equipes de apoio e funcionários
da escola), pois a construção do conhecimento não se faz isoladamente. Um
professor precisa estar ciente de sua localização temporal, social e histórica e os
elementos que podem afetar a sua prática. Ele precisa estar atento ao processo
de institucionalização do saber e pensar fora da caixa, interdisciplinarmente ou
indisciplinarmente.

125
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

• A falta de metodologias próprias para o ensino de Libras.

Com relação à metodologia de ensino de Libras como L1 não é diferente,


precisamos repensar sobre o que podemos aproveitar de todo o conhecimento
que foi acumulado nas práticas de ensino das línguas orais, tentando adaptá-
los para o ensino de Libras. Entretanto, a modalidade exige que outros aspectos
sejam considerados e, neste sentido, tem sido proposta a Pedagogia Visual. Ainda
em fase de construção, é necessário que a prática possa dar subsídios necessários
para desenvolvê-la e transformá-la em uma metodologia de ensino para a
criança surda. Basso, Strobel e Masutti (2009, p. 17) defendem que “assumir uma
pedagogia visual ou pedagogia da diferença representa a possibilidade real
de encarar a prática pedagógica e o processo ensino-aprendizagem a partir da
perspectiva surda ou da concepção surda sobre a educação”.

Até aqui vimos que há muitas coisas a serem consideradas na prática


docente de e em Libras e quantas são as barreiras que impedem que o trabalho
flua com um certo grau de consistência e seriedade. Apareceram palavras como
metodologia, método e abordagem, mas qual seria a diferença entre esses
conceitos? Veja o quadro e as definições que o acompanham, que foi baseado no
texto de Gesser (2010).

QUADRO 2 – ESQUEMA HIERÁRQUICO

FONTE: Adaptado de Anthony (1963)

126
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

Perceba que há uma ordem hierárquica entre os termos. Ao longo de


todo o material a palavra teoria foi sendo repetida, sem, no entanto, explicar sua
definição. Algumas já foram citadas quando se falou da aquisição de linguagem,
outras serão relacionadas mais à frente. Teoria, conforme Houaiss (2015, p. 911), é
“um conjunto de regras sistemáticas que fundamentam uma ciência ou uma área
específica”. Assim, uma teoria pode estar à base de uma construção metodológica
para uma investigação científica ou para a organização de um planejamento
de ensino. Já a metodologia envolve abordagens pelas quais serão orientadas,
métodos que guiarão o procedimento, os passos de execução e técnicas que são
os instrumentos práticos que serão adotados a fim de se chegar aos objetivos, tais
como tarefas, atividades, exercícios, aulas de laboratório etc.

Entretanto, apesar de tudo parecer ser tão bem sistematizado e organizado,


o uso de arcabouços teóricos e metodológicos não garante a construção de
um bom projeto de ensino, mais à frente será dedicado um subtópico para o
tema. Assim como afirma Gesser (2010, p. 8), “é sabido que não há teoria ou
combinação de teorias capazes de dar conta de todos os desafios presentes nos
contextos de aprendizagem de línguas segundas e/ou estrangeiras”. Por isso,
serão ainda discutidas muitas outras questões para tornar o conteúdo mais claro.
Vejamos o que a Psicologia da Aprendizagem pode trazer como contribuições na
compreensão dos pontos cegos de nosso estudo.

3 PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM
Há várias décadas, as teorias da Psicologia servem de base para a
construção e reconstrução de métodos de ensino que moldam as práticas
pedagógicas e o entendimento sobre a aprendizagem. Contudo, ela não deve
ser uma disciplina prescritiva ou normativa. Ela deve ser entendida como uma
disciplina que fornece instrumentos, conceitos e modelos suscetíveis a ajudar o
professor a melhor gerir sua prática profissional.

Barnier (2010) descreve pelo menos três razões pelas quais os professores
devem se interessar pela psicologia da aprendizagem:

1) Ela pode fornecer diretrizes para que as escolhas pedagógicas sejam


coerentemente orientadas.
2) Ela possibilita a redução das incertezas face à complexidade operacional em
sala de aula.
3) Ela estimula a reflexão sobre as práticas profissionais e favorece o repensar do
processo.

A necessidade de aprender é verificada na ação sempre constante do


indivíduo no seu meio, pela qual ele aperfeiçoa suas capacidades motoras,
sensoriais, cognitivas e linguísticas, com vistas a ampliar seus conhecimentos.

127
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Essa é uma primeira concepção de aprendizagem, podemos definir como uma


modificação estável e durável, resultado das experiências e treinos praticados
pelo sujeito nas relações com o ambiente físico e social.

Todavia, à medida que esse sujeito evolui, uma nova forma de


aprendizagem toma lugar. Essa deve ser mediada por pares mais experientes.
Deve ser dirigida com um objetivo preciso, deve ser sistemática e orientada ao
sujeito para que ele adquira sua autonomia, construa sua identidade e possa
compartilhar plenamente os valores socioculturais. Assim, podemos definir
a aprendizagem como: Aquisição e apropriação de conhecimentos técnicos,
epistemológicos e ideológicos, no intuito de construir novas competências. É
avançar do que já é conhecido em direção ao que se ignora. Paralelamente ao
sentido de aprender, encontramos o sentido de ensinar. No entanto, a definição
desse ato tão importante para a educação tomará sentidos diferentes dependendo
do ponto de vista abordado.

Ambos os processos ocorrem pela mediação linguageira, sobretudo o


segundo. Nesse aspecto, percebe-se o quanto é imprescindível que a língua faça
parte da criança desde seus primeiros anos de vida, de outro modo, perde-se
grande parte das informações provenientes do meio e que são essenciais para o
seu progresso cognitivo. Assim, é preciso revisitar a base teórica que orienta as
práticas, no intuito de aproveitar os aspectos que favorecem a sua aprendizagem,
tendo em conta a sua restrição sensorial.

Na Unidade 1 deste material foram expostas algumas teorias de aquisição


de linguagem. Todas, de certo modo, foram extensões de algumas teorias da
aprendizagem mais gerais. Estaremos, pois, descrevendo os princípios que
regem cada uma delas, para assim descrever algumas diferentes concepções de
“ensinar” e “aprender”.

A figura abaixo, adaptada de Minier (2003), apresenta uma visão histórica


das teorias mais difundidas, as quais serão descritas a seguir.

128
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

FIGURA 13 – TEORIAS DA APRENDIZAGEM

FONTE: Adaptada de Minier (2003)

• A abordagem tradicional – modelo transmissivo

Segundo Mizukami (1986), essa abordagem, sem base empírica, ou seja,


sem uma teoria que lhe respalde, foi e ainda é uma das formas mais praticadas na
escola. Trata-se de uma abordagem que busca a transmissão do conhecimento, no
sentido de que há um modelo, um adulto acabado e detentor do saber sociocultural
que passa um conteúdo predefinido. O aluno, por sua vez, deve fixar, repetir e
executar passivamente as informações do professor, reproduzindo e apropriando-
se do conteúdo e conhecimento informado. O método que é privilegiado abrange
aulas expositivas de conteúdos prontos que devem ser reproduzidos pelos alunos,
ou seja, o método se resume em “dar a lição e tomar a lição”.

• A perspectiva behaviorista – modelo comportamentalista

Primeira grande teoria da aprendizagem que marcou os domínios da


educação, do ensino e da psicologia da aprendizagem, cuja abordagem se
caracteriza pelo empirismo. Tendo como base a teoria desenvolvida por Pavlov
(1949-1936), o behaviorista Watson (1878-1958) e o neobehaviorista Skinner
(1909-1990) desenvolvem uma ciência do comportamento. Assim, o ensino
que se baseia nesse princípio centra-se, basicamente, em estimular e treinar os
alunos, a fim de que sejam dadas respostas esperadas pelos professores. Por
meio de elaboração de exercícios progressivos, conduz-se os alunos a fornecer e
reforçar boas respostas. Assim, o aluno deve seguir as indicações para adquirir
os automatismos, aprendendo por tentativa e erro e seguindo um itinerário
predeterminado e direcionado para ele. O método que se adota nessa abordagem
é o ensino programado e a pedagogia por objetivos (MIZUKAMI,1986).

129
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

• A teoria da Gestalt – modelo teórico da forma

Segundo Masotti, Neves e Antony (2006, p. 157), esse modelo teórico


“constitui um método de contemplação do fenômeno por meio da abertura
à experiência para a apreensão do mundo tal qual se apresenta, valorizando a
relação calcada no aqui e agora”. O papel do educador é o de escolher conteúdos
significativos e facilitar a aprendizagem de um aluno que deve ser ativo no seu
processo de aprendizagem. Assim, o método consiste em oferecer oportunidades
de exploração global de experiências, valorizando a relação entre o cognoscente e
o objeto a ser conhecido no contexto imediato (MIZUKAMI,1986).

• A epistemologia genética – Abordagem construtivista

Essa abordagem, como já foi discutido anteriormente, foi criada por


Piaget e uma proposta de ensino que a adote procura, sobretudo, identificar as
aquisições e os obstáculos do aprendiz, oferecendo situações com dificuldade que
permitem a elaboração de representações adequadas e guiando o aluno na sua
construção do saber. Para isso, o método utilizado é a proposição de problemas
abertos, da aprendizagem pela ação, da experimentação e do estudo de caso. A
tarefa do aluno consiste em apropriar-se do problema colocado, interagir com o
seu meio e construir e organizar seus conhecimentos pela sua própria ação.

• O paradigma cognitivista – Modelo dos processos mentais

Pode-se citar os autores como Gagné que construiu a teoria da


aprendizagem cumulativa, Ausubel com sua teoria da assimilação cognitiva
e Tardif com sua teoria da aprendizagem estratégica (PUDELKO, 2013) como
representantes do modelo. Fica muito difícil resumir a contribuição dos três
autores em uma única explicação, mas, grosso modo, segundo essa abordagem,
um professor precisa apresentar a informação de modo estruturado, hierárquico,
dedutivo, para permitir a “ancoragem”, repetir para reforçar os traços de memória
e fornecer um retorno das performances. Para isso, utiliza-se de métodos como
a exposição, a proposição de problemas fechados e o ensino de estratégias de
aprendizagem e a avaliação. O aluno, assim, precisa tratar e armazenar novas
informações de modo organizado, além de colocar em ação estratégias cognitivas
e metacognitivas de aprendizagem.

• O interacionismo – Modelo sócio-construtivista.

No interacionismo, o conhecimento é construído mediante a participação


tanto do sujeito quanto dos objetos de conhecimento. Diferentemente de Piaget,
Vygotsky, o maior representante dessa teoria, dará um lugar essencial ao aspecto
social dos processos cognitivos que permitem a aprendizagem. Um professor que
adote esse modelo precisa apresentar situações que permitem a emergência e a
resolução de conflito, estabelecer situações de interação social e guiar o aluno
em percurso de construção do saber. Os métodos, geralmente, privilegiam a
resolução de problema, as discussões, a aprendizagem por experimentação e a

130
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

pedagogia do projeto. O aluno deverá apropriar-se do problema apresentado na


emergência e resolução do conflito, aceitar a necessidade de uma desestabilização
e coconstruir seus conhecimentos, confrontando suas representações às dos seus
pares mais experientes (MIZUKAMI,1986).

• Neuropsicologia – Abordagem neuropedagógica

A neuropsicologia investiga as bases neurais do comportamento humano


no cérebro em desenvolvimento e, quando essa abordagem é adotada, busca-se
orientar para a aquisição de novos comportamentos, estimular a reorganização
do sistema nervoso do aluno por meio da instrução explícita, programas de
estimulação e treinamento cognitivo. O aluno precisa ser agente nas mudanças
que levam o aluno à aprendizagem.

Segundo Guerra (2007 apud FREITAS; CARDOSO, 2015, p. 155),

educar é orientar para a aquisição de novos comportamentos. As


estratégias pedagógicas utilizadas por educadores durante o processo
ensino-aprendizagem são estímulos que produzem a reorganização
do sistema nervoso em desenvolvimento, resultando em mudanças
comportamentais. Cotidianamente, educadores, entre eles pais e
professores, atuam como agentes nas mudanças neurobiológicas que
levam à aprendizagem, embora conheçam muito pouco sobre como o
cérebro funciona.

Conforme tudo o que foi exposto, vale trazer uma reflexão, mesmo que
breve, sobre algumas dessas abordagens teóricas para o ensino no surdo. Sabe-se
que a abordagem tradicional é absolutamente inadequada para os aprendizes de
forma geral, mas ainda mais para os surdos, pois ela não considera a individualidade
e a heterogeneidade do grupo. Além disso, o conservadorismo metodológico
com ênfase na transmissão verbal falada e escrita desconsidera a possibilidade
de adaptar os materiais e a didática ao sujeito surdo, obrigando-o a se submeter
aos moldes pré-formatados existentes. Quanto à abordagem comportamentalista,
a questão do estímulo é importante, mas no contexto em que um surdo precisa
repetir palavras para aprender a falar, torna-se algo extremamente fastidioso e
artificial, quase que mecânico. A epistemologia genética continua sendo até hoje
uma abordagem bastante aceita, infelizmente, ela possui certas limitações no que
concerne ao papel afetivo e dos aspectos sociais na aprendizagem, pois sabe-se
da importância do encontro surdo-surdo, das interações entre pares em língua de
sinais para a construção da identidade do surdo, ponto central de sua motivação
à aquisição de novas competências. E a isso, a abordagem interacionista pode ser
associada, uma vez que da necessidade de comunicar são favorecidos os aspectos
linguísticos e também todo o aspecto cognitivo e de aprendizagem.

A seguir, será detalhado o modo de se construir um projeto de ensino de
Libras, contemplando várias etapas do processo.

131
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

4 PROJETO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE E EM LIBRAS


O projeto de Ensino e Aprendizagem, enquanto práxis determinada, é o
tipo de planejamento que está mais próximo do professor e da sala de aula, pois
diz respeito, mais estritamente, ao plano didático. Ele pode ser subdividido em
Projeto de Curso e Plano de Aula e deve estar articulado ao Projeto Pedagógico
(PP) da escola em que o professor atua.

Como a própria nomenclatura indica, há uma relação indissociável entre
ensino e aprendizagem, uma vez que não se pode conceber a primeira sem a
segunda e, mesmo que haja a possibilidade de uma aprendizagem sem ensino,
essa é sempre permeada por linguagens e partilhas sociais no contexto em que
ocorre, o que implica, direta ou indiretamente, a presença do outro.

DICAS

Todo esse subtópico foi refletido e redigido a partir da leitura de Celso


Vasconcellos, Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico.
13. ed. São Paulo: Libertad, 2002. Assim, de modo geral, foram pinçados os conceitos descritos
pelo autor e adaptados à criação de um projeto de ensino para a Libras. As preposições que
são salientadas por negrito se referem a: um projeto de ensino pode tanto se tratar de um
ensino monolíngue que se daria todo em Libras (como deveria ser, a princípio, uma escola
para surdos em que a língua fosse a língua de instrução), ou um contexto em que o ensino
de Libras seria privilegiado, ou seja, enquanto L1 ou L2.

No que concerne a um projeto de Ensino e Aprendizagem de e em


Libras, há de se considerar de que forma concebe-se a Educação, o Currículo, o
Conhecimento e a Linguagem, em outras palavras, não se pode criar um projeto
sem ter como base definições prévias que se materializam por reflexões teóricas,
ligadas aos valores construídos e expostos no Projeto Pedagógico da instituição.
Assim, no momento de pensar em um Projeto de Ensino em Libras e em um
Projeto de Ensino de Libras, é preciso conceber duas vias: a primeira que considera
a Libras como a língua de instrução para um determinado grupo de alunos e para
o qual ela é a língua natural; a segunda no sentido de que essa língua deve estar
devidamente contemplada nos planejamentos (escolar, curricular, setorial etc.)
de uma instituição e de um curso de formação. Para fundamentar um Projeto
de Ensino e Aprendizagem em/da Libras é preciso esclarecer como se concebe
a educação de surdos e como essa está correlacionada ao tipo de planejamento
assumido no PP da instituição. Se, como defende Vasconcellos (2002, p. 98),

entendemos que a educação escolar é um sistemático e intencional


processo de interação com a realidade, através do relacionamento
humano baseado no trabalho, no conhecimento e na organização da
coletividade, cuja finalidade é colaborar na formação do educando na

132
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

sua totalidade - consciência, caráter, cidadania -, tendo como mediação


fundamental o conhecimento que possibilite o compreender, o
usufruir ou o transformar a realidade (grifo do autor).

Assim, é preciso vislumbrar as adaptações a serem realizadas no currículo


e entender como o conhecimento é construído em uma língua de modalidade
cinésico-visual e como esse é incorporado por pessoas que possuem restrições
auditivas e que dela fazem uso.

Baseado no que foi exposto, é preciso entender que um currículo pode ser a

[...] síntese de elementos culturais (conhecimentos, valores, costumes,


crenças, hábitos) que conformam uma proposta política-educativa
pensada e impulsionada por diversos grupos e setores sociais cujos
interesses são diversos e contraditórios, ainda que alguns tendam a ser
dominantes ou hegemônicos, e outros tendam a opor-se e resistir a tal
dominação ou hegemonia (ALBA, 1991, p. 38 apud VASCONCELLOS,
2002, p. 98).

Essa oposição tem sido evidenciada no debate entre dois movimentos


que resistem: os defensores da Educação Inclusiva e os defensores da Educação
Bilíngue para surdos. Enquanto a primeira é defendida pelo sistema de educação,
representado pelo Ministério da Educação, a segunda é um movimento de
resistência da comunidade surda que tem avançado a pequenos passos, mas já
assegurou alguns de seus anseios expostos na Lei de Libras (10.342/2002) e no
Decreto 5.626/2005 que a regulamenta. Apesar do progresso que a Educação de
Surdos tem alcançado, sabe-se que ainda há muito a ser feito, principalmente no
aspecto de criar currículos que reflitam a natureza do conhecimento em língua
de sinais, a natureza do conhecedor – surdo (Língua 1) ou ouvinte (Língua 2)
–, bem como o processo de aquisição do conhecimento. Em outras palavras,
embora as diretrizes existam – como as que estão firmadas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais do MEC –, é preciso ter em mente a importância da
relação entre conhecimento e realidade para a construção do currículo para o
ensino-aprendizagem em/de Libras. Nesse sentido, “busca-se o vínculo dialético
entre o conhecimento e a realidade” (idem, p. 100) no intuito de articulá-los com
a prática educacional. Nesse processo, dois sentidos podem ser percorridos:

• da realidade ao conhecimento: Tomada como ponto de partida, a realidade é


analisada, buscando-se identificar as problemáticas nela existentes para, assim,
organizar um currículo de modo que uma possível intervenção seja feita, por
meio de reflexões pertinentes e propostas transformadoras dessa realidade.
Nessa concepção, o objeto do conhecimento deve ter afinidade com o sujeito
para o qual o currículo é planejado à medida que suas necessidades vão sendo
percebidas.
• do conhecimento à realidade: Essa tendência adota os conhecimentos
fundamentais que já foram acumulados pela humanidade como ponto de
partida em direção ao contexto do aluno e da comunidade. Entretanto, isso
não significa que a trajetória realidade → conhecimento não tenha sido

133
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

anteriormente traçada. Nessa vinculação, privilegia-se uma reflexão crítica do


conhecimento em consonância com a realidade de trabalho e as necessidades
mais específicas de determinado alunado e sua comunidade.

Assim, o planejamento está intrinsecamente ligado às atividades


conscientes humanas e, quando se trata de elaboração de um plano de ensino
e aprendizagem, deve-se evitar os extremos (o planejamento espontâneo ou o
formalmente padronizado e alienado da realidade), tomando uma direção
planejada, crítica e com intenções objetivas.

Um projeto de ensino-aprendizagem de e em Libras, para ser bem


articulado, deve estar associado à realidade dos educandos (surdos ou ouvintes),
à área do saber (Libras como L1 ou como L2), aos outros educadores (relação
interdisciplinar da Libras com outras disciplinas) e à realidade social mais geral
(letramento, práticas sociointerativas, acessibilidade, mercado de trabalho,
políticas linguísticas, reconhecimento e aceitação das diferenças, visibilidade,
cidadania). Por isso, sua estrutura deve compreender seus diferentes subprocessos,
tais como: Elaboração e Realização Interativa, aliadas à Avaliação de Conjunto.

A elaboração de um projeto de ensino-aprendizagem de e em Libras,


como qualquer outro projeto educacional, está dividida em três dimensões:

• A análise da realidade, ou seja, investigar a realidade, a fim de compreender


como ela se configura no contexto em que se encontra, como se deu a articulação
histórica e as transformações que sofreu até o momento presente.
• A projeção de finalidades que, para o autor (ibidem, p. 109),

é a dimensão relativa aos fins da educação, aos objetivos do ensino, aos


valores, à visão de homem e de mundo. Expressa a intencionalidade,
o desejo do grupo, “as finalidades que se projetam num futuro que se
procura construir no presente” (Carvalho, 1988:120); ajuda a explicar
as finalidades presentes na ação, mas nem sempre conscientes, bem
como alargar os horizontes de compreensão daquilo que queremos.
Busca-se a superação da situação atual, naquilo que ela tem de
negativo, de contraditório. Por outro lado, expressa a ‘consciência
possível’ do grupo naquele momento histórico. Influencia todo o
processo educacional, dando a direção, como ‘ponto futuro’.

• Formas de mediação que se refere ao “processo de elaboração do


encaminhamento da intervenção na realidade” (ibidem, p. 112), ou seja, na
busca pelo modo como serão viabilizadas as finalidades, segundo as condições
que se apresentam.

Essas três dimensões devem se articular entre si para então se articularem
com os dois outros subprocessos: a realização interativa que compreende a ação
pedagógica e a análise do processo e a avaliação do conjunto, que nada mais é que
a análise do processo e do produto, ou seja, análise dos procedimentos, objetivos
e dos resultados.

134
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

Todos esses passos são bastante complexos, por isso aconselho a estudar
esse autor, pois traz muitas informações importantes e claras sobre todos os passos
de criação de um projeto. Seguindo o nosso estudo, buscaremos compreender as
peculiaridades da aprendizagem intermodal de surdos e ouvintes.

5 DIFERENÇAS NA APRENDIZAGEM INTERMODAL ENTRE


SURDOS E OUVINTES
Muitos são os caminhos que fazem emergir contextos bilíngues.
Eles podem surgir por movimentos migratórios, por uniões (casamentos,
negócios) interculturais e interlinguísticas, pelo interesse particular em ampliar
conhecimentos e cultura, por causa das exigências de uma sociedade multicultural
e globalizada, ou ainda devido à expansão das redes virtuais de comunicação.
Enfim, muitos são os cenários que levam as pessoas a terem contato com um novo
repertório linguístico.

O bilinguismo do surdo é atípico, pois diferentemente do ouvinte, esse,


geralmente, não escolhe a segunda língua, ela faz parte de seu entorno desde o
seu nascimento, pois trata-se da língua oficial do seu país. Ainda mais atípico
é o fato de a realidade sonora dessa L2 não estar, sensorialmente, disponível, o
que o impossibilita de estabelecer relações entre letra e som ou entre grafema e
fonema da língua oral, imprescindíveis para o desenvolvimento da consciência
fonêmica. Além disso, questões de efeito de modalidade também fazem parte
desta experiência bilíngue. Assim, mesmo que a língua portuguesa faça
parte do cotidiano do surdo, ela não pode ser adquirida, mas sim aprendida
sistematicamente como se dá com qualquer aprendizagem de língua estrangeira.
Com isso, a aprendizagem de leitura e escrita de L2 se apresenta ainda mais
desafiadora e complexa para esse aprendente.

O contexto de aprendizagem de uma língua adicional subentende que o
aprendente já seja letrado em uma língua naturalmente adquirida. Infelizmente,
no que concerne aos surdos, esta não é uma realidade, visto que a maioria não usa
Libras ao chegar na escola. Ocorre que esse aluno, no caso de estar matriculado
em uma escola bilíngue, acaba entrando em situação de aprendizagem de dois
repertórios intermodais diferentes, ou seja, na melhor das hipóteses, ele poderá
desenvolver com extrema rapidez a aquisição da Libras nas circunstâncias
que lhe permitam estabelecer a comunicação com interlocutores (professores e
colegas), ou, numa hipótese menos otimista, receber fragmentos de um ou ambos
os repertórios, no caso em que sua interação seja comprometida pela falta de
interlocutores proficientes em sua língua de conforto e/ou a metodologia de
ensino seja inadequada à sua especificidade sensorial, linguística e sociocognitiva.

O bilinguismo do ouvinte que possui uma modalidade sinalizada como
L2 também apresenta uma experiência singular. Primeiramente, há ouvintes que
nascem em famílias nas quais alguns membros são surdos, com isso, a língua de
sinais é adquirida naturalmente como uma língua materna. O segundo ponto é

135
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

que ouvintes podem vir a adquirir fluência quase naturalmente pelo contato com
a cultura surda, em outras palavras, não há a necessidade de seguir um curso,
pois o contato linguístico lhe permite comunicar e desenvolver o repertório
sinalizado na interação com pares surdos. O terceiro contexto refere-se a um
grupo (professores, pais, família, membros de igreja, amigos) que, desejando ou
necessitando aprender Libras, buscam uma formação. Nessa terceira condição, ou
o convívio não é suficiente, ou o interlocutor surdo não é habilitado para repassar
um conhecimento linguístico consistente, interferindo tanto na qualidade das
interações quanto na consistência das informações em L2 intermodal, ou ainda,
o aprendiz não tem contato com nenhum interlocutor. Veja um exemplo dessa
gradação na figura a seguir.

FIGURA 14 – GRADUAÇÃO DE AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM BILÍNGUES BIMODAIS


OUVINTES

FONTE: A autora

Vale ressaltar que, à medida que passamos do natural ao sistemático, o


nível de dificuldade de aprendizagem fica mais complexo, embora a performance
possa ser diferente de um sujeito a outro por causa de vários fatores externos
e internos e independentemente do contexto de interação. Para Cloix (2010), os
aprendizes de Libras ouvintes apresentam as seguintes dificuldades:

• De compreensão da cadeia sinalizada

Diferença neurofisiológica, ligada à experiência sonora x visual; fixação


do olhar limitada; compulsão a racionalizar as informações visuais; limitações
psicológicas (medo ou vergonha de interromper o curso); impossibilidade de
separar mímica e sinais; confusão com a variedade lexical (variantes de um
mesmo sinal), dificuldade com a percepção e compreensão soletrada.

• De produção

Dificuldade de execução dos sinais (dexteridade); confusão em utilizar os


números (ordinais e cardinais); problemas na organização das frases (sintaxe),
136
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

na descrição de grande iconicidade com os sinais compostos; dificuldade com a


expressão facial, o uso da direção do olhar.

• Cognitivas

Dependência da soletração; limites na memorização; problemas com a


quantidade de sinais a memorizar, organização dos espaços mentais.

Eis algumas das diferenças entre surdos e ouvintes ao adquirirem uma


língua intermodal, vamos nos concentrar mais um pouco com o aprendiz surdo
no próximo e último subtópico.

6 APRENDIZAGEM BILÍNGUE BIMODAL PARA SURDOS


Como foi dito anteriormente, ao chegar em uma escola, muitos surdos,
mesmo que sejam implantados ou aparelhados, a quantidade de interações em
língua oral ou escrita é muito restrita, senão inexistente. Assim, a relação com
a escrita da língua portuguesa é muito problemática. Vamos ver os aspectos
principais que servem de argumento para que uma metodologia específica seja
empregada ao ensinar uma L2 para um surdo. Observe o quadro a seguir.

QUADRO 3 – DIFERENÇAS DE AQUISIÇÃO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA ENTRE


SURDOS E OUVINTES

Diferenças de aquisição/aprendizagem de língua portuguesa entre surdos e ouvintes

Ouvintes Surdos
Recebem input auditivo de língua Não possuem acesso aos inputs
portuguesa desde o nascimento. linguísticos de língua portuguesa e,
1 mesmo implantados, não há garantias
de que o acesso aos sons seja estável e
operativo.
A língua portuguesa é sua língua A língua portuguesa é uma língua
2
materna. ‘estrangeira’.
Comunicam em sua língua e têm a Em sua maioria, sua comunicação é
possibilidade de aprender outros rudimentar, pois poucos têm acesso a uma
3
repertórios. língua que lhes seja natural, com isso, o
acesso a outros repertórios é dificultado.
Adquirem a língua portuguesa oral Aprendem a língua portuguesa por
naturalmente. instrução sistemática: oral, nas terapias
fonoaudiológicas; escrita, quando as
4
famílias lhes incentivam a desenvolver
práticas de leitura desde cedo ou, na
maioria dos casos, tardiamente na escola.

137
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Possuem conhecimento prévio da Seu contato prévio em contextos


língua portuguesa falada e escrita linguísticos significativos de língua
5
antes de entrar no processo de portuguesa é insuficiente.
alfabetização.
Desenvolverão sua consciência Não podem ter consciência fonológica de
fonológica por meio de analogias uma língua oral auditiva, a não ser que
6 entre o conhecimento fonológico desenvolvam por meio de habilidades
prévio e as estratégias de leitura e visuais.
escrita.
As escolas estão preparadas para As escolas, em grande parte, não estão
recebê-los a fim de proporcionar-lhes preparadas para recebê-los, pois as
7
práticas de ensino de L1 satisfatórias. práticas de ensino em língua portuguesa
e língua de sinais são incipientes.
As metodologias são voltadas para o Geralmente, as metodologias são voltadas
8 ensino de sua L1. para o ensino de uma L1, ou seja, não são
adequadas para esses aprendentes.
Têm professores e interlocutores na Geralmente, não têm professores e
sua L1. interlocutores em L1, nem em L2, visto
que a primeira não é promovida na escola,
9 inclusiva, e a segunda é parcialmente
praticada devido à necessidade de este
aprendente receber input prioritariamente
em material escrito.
Têm a possibilidade de acessar à Dificilmente poderá acessar à sociedade
sociedade letrada. letrada em língua oral, caso as
10 condições acima apresentadas não sejam
modificadas.

FONTE: A autora

DICAS

O quadro acima não se trata de uma generalização, há de se ter consciência de


que nem todos os estabelecimentos de ensino fogem à responsabilidade social e pedagógica
de oferecer um estudo compatível com a especificidade do surdo, entretanto, grande parte
das escolas falha nos quesitos 7, 8 e 9 elencados no quadro.

Para o surdo, o direito da igualdade passa pelo reconhecimento de sua


especificidade. Mas o que é diferente no surdo? O modo de percepção, o modo
de produção linguística e a representação mental por meio da visualidade/
espacialidade. Tudo isso gera diferenças na apreensão, representação, organização
e reprodução do conhecimento de mundo, além de, cognitivamente, haver uma

138
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

maneira diferenciada de atenção, memória, sensação, conceituação, dedução,


associação e linguagem. Assim, como todo ser humano, ele tem direito de
desenvolver suas competências que se apoiam sobre quatro registros cognitivos: o
desenvolvimento da experiência (o saber), a prática (o saber fazer), a socialização
(o saber interagir) e as atitudes (o saber ser). Essa base está em consonância com
os quatro pilares do conhecimento propostos pela UNESCO: aprender a conhecer,
a fazer, a viver juntos e a ser. Essa construção só pode ser erigida pela mediação
de uma língua, no caso do surdo, a língua de sinais.

A linguagem verbal está associada à natureza humana, tanto no aspecto


biológico como no aspecto psicossocial, por isso o desenvolvimento de uma língua
será bem-sucedido à medida que considerarmos a predisposição biológica e a
interação que se estabelece em determinada língua. Enquanto uma criança ouvinte
poderá receber inputs auditivos de qualquer língua oral, a criança surda, por sua
vez, só poderá receber inputs linguísticos mais naturalmente se estes estiverem
adaptados à sua percepção. Nisso consiste a diferença entre aquisição natural e
aprendizagem sistemática: a primeira é espontânea e confortável, enquanto que
a segunda é um processo lento, gradual e, muitas vezes, penoso. Do ponto de
vista biológico, sabe-se que o ser humano possui uma predisposição genética
para adquirir a marcha sobre os dois pés e a linguagem verbal, entretanto, no que
concerne ao desenvolvimento da habilidade de andar de bicicleta e a habilidade
com a escrita, esses usos dependem de processos específicos de aprendizagem,
ou seja, de instrução e treino, já que ambos são artefatos culturais.

As diferenças elencadas no quadro anterior são apenas generalizações


que, certamente, não condizem com a realidade de todos os ouvintes e todos os
surdos, pois questões econômicas, sociais e familiares específicas podem afetar,
negativa ou positivamente, o contexto educativo de uns e de outros. Além do
mais, não se pode desconsiderar alguns progressos na educação de surdos nos
últimos tempos, tampouco ignorar alguns retrocessos da educação brasileira de
modo geral.

É importante ressaltar que muitos dos pontos abordados poderiam ser


sanados de forma eficaz pela simples adoção de algumas medidas adequadas,
essas serão, de forma indicativa e sugestivas, detalhadas no quadro a seguir.

139
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

QUADRO 4 – POSSÍVEIS MEDIDAS PARA UMA EFETIVA EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS

Possíveis medidas para uma efetiva educação bilíngue para surdos

Constatações Medidas
Não possuem acesso aos inputs É por meio de inputs visuais que os
linguísticos de língua portuguesa e, surdos acessam o mundo e criam suas
mesmo implantados, não há garantias representações mentais, por isso, a
de que o acesso aos sons seja estável e língua de sinais e os signos visuais de
operativo. diversas naturezas são eficazes para o seu
1
desenvolvimento. A língua portuguesa
pode ser introduzida por meio de
literatura escrita e imagética.
A família e a sociedade são responsáveis
de fornecer esse acesso.
A língua portuguesa é uma língua A língua portuguesa pode tornar-se
‘estrangeira’. uma língua adicional (LA), caso os
surdos tenham acesso a práticas de
2
ensino consistentes e que façam sentido
para eles. É dever da família e da escola
proporcionar isso.
Em sua maioria, sua comunicação é A língua de sinais é o repertório natural
rudimentar, pois poucos têm acesso a do surdo, por meio da qual ele poderá ter
uma língua que lhes seja natural, com acesso a outros repertórios, mesmo que
3 isso, o acesso a outros repertórios é de modalidades diferentes.
dificultado. A família e a sociedade como um todo
devem favorecer a aquisição da Libras
pelas crianças surdas.
Aprendem a língua portuguesa A oralização não pode preceder a
por instrução sistemática: oral, nas aquisição natural de uma língua
terapias fonoaudiológicas; escrita, sinalizada, mas, a partir dela, o surdo
quando as famílias lhes incentivam pode sentir-se motivado a desenvolvê-la.
a desenvolver práticas de leitura A escrita deveria ser introduzida desde
4 desde cedo ou, na maioria dos casos, cedo por meio de literatura.
tardiamente na escola. A sociedade ouvinte não deve impor o tipo
de comunicação que o surdo irá adotar,
mas deve oferecer-lhe possibilidades de
escolhas, mostrando-lhe a importância de
cada uma delas.
Seu contato prévio em contextos As práticas linguísticas em língua
5 linguísticos significativos de língua adicional devem ser contextualizadas e
portuguesa é insuficiente. significativas.
Não podem ter consciência fonológica Podem vir a desenvolver a consciência
6 de uma língua oral auditiva. fonológica de uma LA por meio de sua
língua natural (LN).
As escolas, em grande parte, não estão Um projeto verdadeiramente bilíngue
preparadas para recebê-los, pois as poderá dar conta dessa situação.
7
práticas de ensino em língua portuguesa
e língua de sinais são incipientes.

140
TÓPICO 3 | ENSINO E APRENDIZAGEM DE LIBRAS

Geralmente, as metodologias são Uma pedagogia surda ou uma pedagogia


voltadas para o ensino de uma L1, ou da diferença deve contemplar uma
8 seja, não são adequadas para esses metodologia adaptada às experiências
aprendentes. perceptuais, cognitivas e práticas dos
surdos.
Geralmente, não têm professores e A escola deve proporcionar ao surdo a
interlocutores em L1, nem em L2, interação com professores bilíngues, com
visto que a primeira não é promovida modelos identitários surdos e com pares
na escola inclusiva e a segunda é que se identifiquem em sua condição
9
parcialmente praticada devido à cultural e linguística.
necessidade de este aprendente
receber input prioritariamente em
material escrito.
Dificilmente poderá acessar a As medidas acima propostas podem
sociedade letrada, caso as condições permitir o real letramento do surdo e,
acima apresentadas não sejam com isso, proporcionar-lhe o seu direito à
10
modificadas. plena cidadania. Isso só será possível por
meio de iniciativas de políticas públicas e
linguísticas em âmbito nacional.

FONTE: Adaptado de Quadros e Schmiedt (2006)

A escrita de uma língua não é uma capacidade inata, a escrita é uma


invenção, uma tecnologia que só faz sentido na interação social. A escrita
cumpre uma função social, mas permite que esta inter-relação seja incorporada
internamente. Como todo aparato tecnológico, a escrita não é uma aquisição
natural, mas sistematizada e que, obrigatoriamente, precisa estar relacionada
à experiência primeira de uma criança: a língua materna que é adquirida
naturalmente na interação com a família e no círculo de convivência da criança.

Há de se considerar que o modelo de escrita do surdo não deve ser o do


ouvinte, devido a todas as questões discutidas nas tabelas, é preciso criar “um
método pedagógico que considere os diferentes processos de aprendizagem e
níveis do desenvolvimento dos alunos [...]”, fazendo uso “[...] de uma forma de
avaliação diferenciada, considerando as particularidades de cada indivíduo”
(FREITAS; CARDOSO, 2015, p. 162). Por exemplo, no que concerne à avaliação
das produções escritas dos alunos surdos, os ‘desvios’ que eles apresentam em
relação ao português podem estar vinculados à pouca fluência da Libras por
parte dos professores, dificultando a atribuição de sentidos ao texto do surdo.
Em outras palavras, o aluno surdo apresenta o processo de interlíngua, ou seja,
o aluno pega aquilo que sabe para fazer generalizações em L2, e o professor,
desconhecendo esse fenômeno, avalia erroneamente a sua produção. O primeiro
repertório linguístico de um surdo vai interferir no novo repertório até que as
regras desse estejam totalmente conhecidas, e isso só é possível se o professor
tiver uma boa metodologia para aproveitar o conhecimento que o aluno já
possui e usar como ponte para fazer analogias que o levarão ao entendimento do
funcionamento da L2.

141
UNIDADE 2 | A LÍNGUA DE SINAIS: EVOLUÇÃO, STATUS E ENSINO

Com relação à metodologia de ensino de Libras como L1 não é diferente,


precisamos repensar no que podemos aproveitar de todo o conhecimento que foi
acumulado nas práticas de ensino das línguas orais, aplicando-os para o ensino de
Libras. Entretanto, a modalidade exige que outros aspectos sejam considerados e,
neste sentido, a Pedagogia Visual foi concebida, agora é necessário que a prática
possa dar subsídios necessários para desenvolvê-la e transformá-la em uma
metodologia de ensino para a criança surda. Ela precisa estar em igualdade de
condições, assim como preconizam Freitas e Cardoso (2015, p. 160):

A igualdade diz respeito ao direito, mas não que todos vão se


beneficiar dos mesmos métodos e procedimentos. Por isso, a
inclusão fundamentada na neuropsicologia considera que a avaliação
que proporcione a identificação dos limites e potencialidades do
funcionamento cognitivo de uma criança é uma oportunidade para
direcionar os processos de ensino e aprendizagem para as necessidades
específicas, evitando assim a exclusão.

Em conclusão, é imprescindível que o aluno surdo não seja colocado em


situação de desvantagem, em condição de handicap.

Com isso, encerramos a Unidade 2. Tenha um excelente estudo!

142
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Em meados da década de 1980, a pesquisa em língua de sinais começava a


despertar a sociedade para a necessidade do seu reconhecimento a fim de oferecer
ao surdo o seu direito à educação e à acessibilidade. A partir desse momento,
inicia-se uma militância que culmina na criação da Lei de Libras, gerando
demandas de cursos para as quais foram necessárias ações emergenciais.

• Assim, no princípio, bem mais do que hoje, surgiram várias problemáticas,


como a falta de capacitação de professores surdos para o ensino de L1; a falta
de ter um currículo específico para a Libras; a falta de material pedagógico;
as falsas crenças de que basta ser fluente para ensinar uma língua; a falta de
metodologias próprias para o ensino de Libras, entre outras.

• A Psicologia da Aprendizagem é uma disciplina muito importante para os


cursos de licenciatura, uma vez que ela pode servir de guia para as ações e
escolhas pedagógicas, reduzindo o número de incertezas e estimulando a
reflexão referente às práticas profissionais. Ela permite despertar o senso
crítico do professor para que ele desenvolva seu trabalho de forma que tenha
um impacto durável na aprendizagem dos seus alunos.

• São diversas as teorias que podem embasar o trabalho do professor,


evidentemente, nenhuma delas tem as respostas de que ele necessita, muitas
delas possuem limitações e precisam ser reavaliadas, mas sempre há aspectos
que podem ser aproveitados, ou então associados a outras abordagens.

• Associado a uma base epistemológica consistente, o projeto de ensino e


aprendizagem serve para delimitar o trabalho em sala de aula, de forma
planejada e com objetivos claros. A prática pedagógica precisa de um bom
planejamento ou corre-se o risco de se perder na improvisação, mas também
não deve ser muito estrita, uma vez que o contexto de sala de aula lança outros
desafios que necessitarão de uma ação não prevista.

• O bilinguismo intermodal de surdos e ouvintes se desenvolve diferentemente,


visto que cada um tem suas especificidades cognitivas e perceptivas. Conhecer
essas diferenças ajudará no momento de se adequar uma boa metodologia de
acordo com o tipo de aluno que vai recebê-la.

• O surdo tem direito à igualdade de condições, isso não significa que será
utilizada a mesma metodologia, mas sim que precisamos eliminar de sua
aprendizagem as situações em que ele poderia estar em desvantagem. Assim,
é preciso respeitar sua especificidade, oferecendo-lhe a oportunidade de
desenvolver-se conforme o seu modo de percepção e organização cognitiva.
143
AUTOATIVIDADE

1 De acordo com o conteúdo do tópico, responda:

a) Um Projeto de Ensino-Aprendizagem é o planejamento mais próximo da


prática do professor e da sala de aula.  Diz respeito mais estritamente ao
aspecto didático. Quais são os elementos que ele deve conter?
b) Em que aspectos a linguagem verbal está associada à natureza humana?
c) Por que a escrita não pode ser considerada uma aquisição, mas uma
aprendizagem?
d) O que é necessário para a aprendizagem de uma língua adicional?
e) Por que o bilinguismo do surdo pode ser considerado um caso atípico?

144
UNIDADE 3

FUNÇÕES COMUNICATIVAS E
FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E
DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• estudar as funções comunicativas da linguagem verbal;

• aprender sobre os textos e gêneros discursivos;

• conhecer algumas estratégias de análises textual e discursiva;

• vislumbrar como a Linguística Aplicada pode contribuir para o estudo do


ensino-aprendizagem do surdo;

• conhecer as diversas perspectivas da língua de sinais: gramática, expressi-


vidade e funções comunicativas;

• entender a relevância da corporalidade na língua de sinais;

• conhecer e diferenciar alguns aspectos das narrativas em língua de sinais;


• investigar a função poética em língua de sinais;

• conhecer os fundamentos linguísticos e discursivos em língua de sinais;

• estudar a teoria de Cuxac sobre as estruturas altamente icônicas;

• discutir sobre a simultaneidade em língua de sinais;

• refletir sobre as estratégias dêiticas e anafóricas em língua de sinais.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-
contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

TÓPICO 2 – EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA


LÍNGUA DE SINAIS

TÓPICO 3 – FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA


LÍNGUA DE SINAIS
145
146
UNIDADE 3
TÓPICO 1
FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 1, foi discorrido sobre a construção de uma linguística de
caráter científico, passando por correntes como as estruturalistas e as gerativistas
até citar a existência de uma corrente chamada Funcionalismo, que deixamos
para apresentar mais profundamente aqui. Como foi possível atentar, uma
nova concepção de linguagem verbal começava a surgir nas pesquisas, o que foi
discutido na seção sobre a Psicolinguística na Unidade 1 e na de Sociolinguística na
Unidade 2. A atenção voltou-se para o que até então não era alvo dos programas
da Linguística: as questões de uso e os processos implicados nos contextos de
fala. Sobre esse aspecto, salienta Franchi (1991, p. 7) que

É no uso e na prática da linguagem [verbal] ela mesma, e não falando


dela, que se poderá reencontrar o espaço aberto da liberdade criadora.
De fato, dizem, a criatividade é fruto de um comportamento original
e assistemático, realimentado a cada momento em cada circunstância
da ação humana; a gramática, ao contrário, seria um trabalho de
"arquivamento", de assujeitamento dessa liberdade a certos parâmetros
teóricos e formais [grifo nosso].

Isso não significa absolutamente dizer que a gramática de uma língua, do


ponto de vista formal e estrutural, não é importante, entretanto, ela precisa estar
alicerçada no contexto discursivo.

Carlos Franchi, em seu texto Linguagem – atividade constitutiva (2002), opõe-


se a uma concepção de linguagem verbal empobrecida, chamando a atenção ao
caráter complexo, dinâmico e constitutivo dos processos por ela orquestrados.
Dessa forma, ele rompe com os moldes restritivos, fechados em um quadro estável
e hermético, deixando subentender sua adesão a uma reavaliação do conceito
de linguagem verbal. Além disso, ele alerta para a necessidade de uma postura
reflexiva e consciente do fazer epistemológico que deve abranger as dimensões
simbólicas interpretativas e discursivas da expressão material do conteúdo das
práticas humanas.

A trama reflexiva de Franchi sobre a língua remete à visão complementar


de uma linguística crítica, pois, opondo-se aos estudos saussurianos (estruturais)
e chomskyanos (universais), ele, assim como autores mais recentes, como
Lucena (2015, p. 71), assume que problematizar a linguagem verbal significa ir
além da tentativa de capturá-la como um sistema. O que o autor defende é
que a linguística saussuriana, ao retirar o uso linguístico de seu escopo teórico,
fragmentou o estudo da linguagem verbal. Esse passou a ser apresentado sob
147
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

um recorte para o qual foi extraída a langue do âmbito heteróclito das práticas
linguageiras. Do mesmo modo, Chomsky extraiu a performance do seu escopo
de pesquisa e ainda separou as cadeias sintáticas do seu significado. Com a
sentença “Colorless green ideas sleep furiously" ("Ideias verdes incolores dormem
furiosamente”) (CHOMSKY, 1957), ele mostrou que sintaxe e semântica podem
andar separadamente, uma vez que é possível fazer combinações sem atentar
para o que o conjunto significa. A busca pelos universais linguísticos marca uma
ruptura com a diversidade que se encontra nas performances de sujeitos reais
que fazem uso da língua. Por isso, a partir dessa perspectiva reducionista, a
linguagem verbal passou a ser investigada de forma fracionada, limitada a alguns
níveis estruturais passíveis de serem decompostos, combinados e substituídos
formalmente, conforme as exigências de uma certa ‘cientificidade’.

Assim, Franchi reveste a linguagem verbal do seu caráter histórico e


contextual, cujos processos expressivos não podem ser reduzidos a um sistema
formal. Em outras palavras, o autor concebe a linguagem verbal como uma
atividade que constrói, dá forma e reifica as experiências humanas, portanto,
ela deve ser estudada de maneira “que os modelos formais se elaborem a um
nível bem maior de abstração”, a fim de abranger toda a complexidade que lhe
é inerente. Assim entendido, ele não descarta a necessidade de formalização
desde que a reflexão e a investigação não encerrem a linguagem verbal em
compartimentos ou categorias estáveis que a desqualificam enquanto força
criadora e constitutiva das vivências sociais e individuais. Vale ressaltar que, ao
adentrar na discussão sobre a formalização das pesquisas com linguagem verbal,
ele defende a necessidade de estimular reflexões meta e epilinguísticas, visto
que a língua é tanto o objeto como o instrumento de análise e está inserida num
contexto real de uso. Significa dizer que “as reflexões teóricas que os teóricos da
linguagem, os linguistas, costumam fazer também são atividades conduzidas na
– e através da – linguagem” (RAJAGOPALAN, 2007, p. 18).

A nova concepção de linguagem verbal, vista como um conjunto


multifacetado de práticas comunicativas que se atualizam em atos performáticos
e que tomam vida por meio de recursos linguísticos e semióticos diversos, é um
trabalho coletivo, “um processo dinâmico de criação de significado em constante
expansão" (BYRNES, 2012 apud KRAMSCH, 2014, s/p).

Perceba que o fazer científico tem um movimento pendular que ora


vislumbra um aspecto, ora outro. As críticas são úteis para o avanço das reflexões
e a importância de cada teoria, metodologia ou epistemologia é válida, pois
cada uma fornece instrumentos, subsídios e ideias a serem reformulados e
retrabalhados. Assim, a partir das primeiras contribuições é que a Linguística
surgiu, abrindo campo para outras reflexões.

Para a nova perspectiva, entram, então, as contribuições do Funcionalismo,


assunto que será abordado com mais profundidade neste tópico. Nesse intuito,
constataremos que a comunicação, tendo sido altamente estudada, é apenas uma
das funções da linguagem verbal. A língua não somente reflete a realidade social,

148
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

mas também disponibiliza o instrumentário para a percepção e a interpretação


da realidade. A língua aparece em textos (orais, escritos ou sinalizados), que
são categorizados conforme suas características e cada sequência de texto pode
compor diversos gêneros discursivos. Esses são culturalmente marcados, sendo
muito importante compreender as suas funções a fim de evitar interferências
comunicativas.

Seguindo a perspectiva descrita, este tópico terá como objetivos:

• abordar o Funcionalismo em Linguística;


• compreender a relevância das funções comunicativas da linguagem verbal;
• estudar os tipos textuais e os gêneros discursivos;
• compreender como se materializam os textos e os gêneros discursivos;
• discutir a importância da Linguística Aplicada para o ensino-aprendizagem do
surdo.

2 FUNCIONALISMO EM LINGUÍSTICA

Antes de iniciar o estudo do Funcionalismo em Linguística, cumpre
ressaltar que há diversos funcionalismos circunscritos em várias disciplinas e áreas
do conhecimento: em Antropologia, em Sociologia, em História, em Arquitetura e
até mesmo em Relações Internacionais. O Funcionalismo em Linguística tem uma
longa data. Segundo Pezatti (2004), a concepção funcional da linguagem verbal
é mesmo anterior ao Estruturalismo, sendo Whitney (1827-1894) e Herman Paul
(1846-1921) dois de seus precursores.

A partir da década de 1920, Vilém Mathesius fundou o Círculo Linguístico


de Praga, que passou a ser uma das mais reconhecidas escolas funcionalistas até hoje.
Fizeram parte do círculo os russos Roman Jakobson, Nicolaï Troubetzkoy e Sergeï
Karcevski e os tchecos René Wellek e Jan Mukařovský. Geralmente, considera-
se essa escola como o berço do Funcionalismo, tendo ali sido concebida a noção
de ‘função’ da linguagem verbal, entretanto, os seus pressupostos também foram
desenvolvidos em algumas tradições antropológicas, filosóficas e cognitivistas não
ligadas ao contexto de Praga. Foram contribuintes do Círculo outros linguistas
europeus, como Louis Hjelmslev, André Martinet, Émile Benveniste, Karl Bühler,
Simon Dik e os representantes britânicos John Rupert Firth e Michael Halliday.
Pode-se citar também algumas escolas norte-americanas, com trabalhos como os de
Edward Sapir, Kenneth Pike, Dell Hymes, John Austin e John Searle. Ainda dentro
desse contexto, Pezatti (2004, p. 167) complementa que

Nos EUA, um movimento muito importante surgiu nos anos de


1970 a partir do trabalho de um grupo de pesquisadores centrados
na Califórnia, que inclui Talmy Givón, Charles Li, Sandra Thompson,
Wallace Chafe, Paul Hopper, Scott DeLancey, John Dubois entre
outros; em Buffalo, New York, criou-se, em torno de Van Valin, uma
corrente funcionalista denominada de Gramática de Papel e Referência
[...] e em torno das figuras de Lakoff e Langacker, em Berkeley, uma
tendência funcional-cognitiva.
149
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

No Brasil, os estudos funcionalistas iniciaram na década de 1980,


ampliando-se em 1990, tendo como representantes Evanildo Bechara, Ataliba
T. de Castilho e Rafael Hoyos-Andrade, Rodolfo Ilari, Carlos Franchi, Sebastião
Votre, Anthony Julius Naro, entre outros.

Vale salientar que tratar o Funcionalismo de um ponto de vista unificado


é impossível, pois, apesar de diversos trabalhos se definirem como funcionalistas,
muitos deles apresentam princípios significantemente díspares. Com efeito, não
se pode crer na existência de um Funcionalismo unitário e análogo, pois cada
um dos representantes anteriormente citados inseriu seus estudos na perspectiva
funcionalista comum ao seu domínio de pesquisa, à sua tradição e aos seus próprios
objetivos e modelos teóricos, ou seja, não se pode caracterizar o Funcionalismo de
forma homogênea, mas composto por várias tendências e várias perspectivas. A
base comum que os aproxima é “a de que uma análise linguística deve levar em
conta a interação social, isto é, a consideração metodológica de que o componente
discursivo desempenha um papel preponderante na gramática de uma língua”
(PEZATTI, 2004, p. 176).

Assim, o Funcionalismo contrasta com as correntes Estruturalista e


Gerativista, pois passa das análises formais e sem o aporte do uso efetivo da
língua para uma análise funcional em que relaciona a estrutura gramatical aos
diferentes contextos comunicativos (CUNHA, 2012). A linguagem verbal é, então,
um instrumento de interação social e a estrutura gramatical é considerada não de
forma homogênea e imutável, mas que se atualiza e é condicionada pela situação
comunicativa. As estruturas linguísticas operam com os significados, visto que,
assim como a situação comunicativa, visam cumprir propósitos comunicativos
contextualizados. Com isso, a própria noção de função pode ser considerada sob
três aspectos distintos:

a) A função da linguagem verbal em relação à intencionalidade e propósito de


um sujeito (emissor) que passa uma informação a um interlocutor (receptor),
por meio de uma mensagem (o conteúdo ou assunto) oral, escrita ou sinalizada
(um código linguístico), em determinado contexto discursivo (a situação
comunicativa).
b) A função externa da língua, de um ponto de vista macro, que estaria
relacionando o sistema de formas e o seu contexto de uso (função pragmática).
c) A função interna dos elementos linguísticos, de um ponto de vista micro,
é estabelecida pela relação entre uma forma e outra (função distintiva e
combinatória), entre a forma e seu significado (função semântica), ou ainda
entre a forma e o lugar que ela ocupa na estrutura (função sintática).

Para ilustrar o primeiro tipo de função, veja a figura a seguir.

150
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

FIGURA 1 – OS ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO

FONTE: Adaptada de: <https://img.freepik.com/vetores-gratis/pessoas-com-design-plano-


falando-linguas-diferentes_23-2147868516.jpg?size=158c&ext=jpg>. Acesso em: 26 jul. 2018.

Veja que em a) há o envolvimento de aspectos mais gerais de uma situação


comunicativa. Há uma interação discursiva entre duas pessoas que se conhecem,
pois o emissor chama a interlocutora pelo nome. A mensagem transmitida pelo
emissor tem o propósito de elogiar e mostrar sua apreciação sobre a aparência
da sua interlocutora, ou seja, cumpre uma função, ligada ao seu propósito
comunicativo.

De fato, a mudança de perspectiva para os modelos funcionais considera


a linguagem verbal como “uma ferramenta cuja forma se adapta às funções que
exerce e, desse modo, ela pode ser explicada somente com base nessas funções
que são, em última análise, comunicativas” (PEZATTI, 2004, p. 168). Essas funções
comunicativas estão sujeitas ao contexto de uso linguístico e sociointeracional
que envolvem o falante, o ouvinte e a informação a ser veiculada num contexto
pragmático.

Em relação às funções associadas ao código, veja o exemplo do diálogo na


figura a seguir, que ilustra a função b) externa da língua.

151
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 2 – EXEMPLO DE DIÁLOGO DESCONTEXTUALIZADO

FONTE: Adaptada de: <https://cdn.pixabay.com/photo/2016/11/02/11/05/


cashier-1791106_960_720.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2018.

O seu conhecimento de mundo já foi certamente acessado em sua memória,


revelando que o diálogo das duas personagens só pode estar ligado a um
contexto específico. A diferença dessa imagem da anterior é que foram inseridos
turnos de conversação, ou seja, ambas as personagens serão, cada uma na sua
vez, emissora e receptora. Trata-se de uma situação em que uma personagem é
a cliente e a outra a atendente, ambas estão finalizando uma compra e cada uma
desempenha uma função social diferente, usando o tipo de discurso adequado
à situação e à sua atividade. A estrutura utilizada é curta e objetiva para os seus
propósitos. Em outras palavras, a estrutura linguística escolhida cumpre uma
função e está vinculada a um contexto comunicativo adequado, obedecendo a
regras pragmáticas e sociais de uso.

Veja novamente o diálogo na figura a seguir, dessa vez, dentro do seu


contexto de uso.

152
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

FIGURA 3 – EXEMPLO DE DIÁLOGO CONTEXTUALIZADO

FONTE: Adaptada de: <https://cdn.pixabay.com/photo/2016/11/02/11/05/


cashier-1791106_960_720.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2018.

Agora, leia atentamente as duas sentenças nas caixas a seguir.

Sabemos que as duas sentenças estão relacionadas a uma situação típica de


réplica e que, para compreendê-las, precisaríamos suas referências informativas
anteriores, tais como: ‘Foi você que quebrou o vaso?’ ou ‘O vaso está quebrado’
(contextualizando a réplica 1); ‘Você foi ao show no fim de semana?’ ou ‘Eu fui ao
show no fim de semana’ (contextualizando a réplica 2). Essa questão está ligada à
coesão discursiva que focaliza o conhecimento temático da conversa.

O que é preciso destacar aqui é que ambas as sentenças contêm os mesmos


elementos: o pronome pessoal de primeira pessoa do singular (‘eu’), o verbo ‘ir’
conjugado na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo
(‘fui’) e o advérbio de negação (‘não’). Entretanto, embora tenham os mesmos
elementos, elas não possuem o mesmo significado, pois cumprem funções
semânticas distintas e suas formas cumprem funções morfossintáticas diferentes
dentro da estrutura.

Já na sentença a seguir, temos a possibilidade de fazer trocas entre os


elementos, mas não aleatoriamente. Veja o exemplo:

153
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Note que não se pode formular uma sentença do tipo: *‘Eu no fim de
ao show fui semana’. Essa estrutura é agramatical, por isso é marcada com o
asterisco. Isso significa que os elementos cumprem funções dentro de uma
sentença e só podem ser substituídos por elementos com a mesma função. Os dois
últimos exemplos se referem à função c) interna ao código, ou seja, estabelece-
se nas relações entre os signos que compõem a mensagem e que podem estar
organizados no nível paradigmático (referente à possibilidade de escolhas de
substituição), semântico e sintático.

Ainda do ponto de vista interno, pode-se citar os aspectos fonológicos e a


noção de traços distintivos que foi desenvolvida no Círculo de Praga. Tomemos
o exemplo de ‘pato’ [´patʊ] e ‘bato’ [´batʊ], cujo contexto de realização de /p/ e
/b/ e local de articulação é idêntico (os lábios). O único traço que os distingue é
o de sonoridade, assim, embora muito semelhantes, eles possuem significados
diferentes.

Evidentemente, os três aspectos (comunicativo, pragmático e estrutural)


estão, em certa medida, ocorrendo simultaneamente e, novamente, é justificada
a necessidade de fazer recortes daquilo que se quer investigar. É como se
observássemos um objeto e, com o auxílio de uma lupa, focássemos nas diferentes
partes que o compõem. Pois bem, os funcionalistas escolheram partes diferentes
de um mesmo objeto, mas com o objetivo comum de analisá-lo em seu contexto
de uso ou de realização, como no caso dos elementos fonológicos. Alguns deles
não completamente dissociados da vertente estruturalista, como Dik e Halliday,
reconheceram que o Formalismo era inadequado e limitado para a compreensão
dos fenômenos linguísticos, por isso, propuseram a incorporação da semântica
e da pragmática à análise sintática, que, para o Funcionalismo, são domínios
interdependentes (CUNHA, 2012).

Nessa seção foi feito um sobrevoo bem sucinto sobre o Funcionalismo,


a seguir, será dada especial atenção às funções comunicativas da linguagem
[verbal].

154
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

3 FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LINGUAGEM VERBAL


Certamente, você já leu algo sobre as funções da linguagem, pois trata-se
de um assunto bem discutido e estudado em vários espaços de aprendizagem,
mas vale a pena rever o assunto, que é muito interessante. Com efeito, ele se
tornou até uma das teorias no campo dos Estudos da Tradução, desenvolvida
numa perspectiva funcionalista, na Publicidade e Propaganda, na Teoria da
Comunicação, na Semiótica, entre outras. No entanto, afinal, o que é função?

Segundo Martelotta (2012), o termo função tem muitos significados e cada


autor o usará dentro da concepção que lhe parece mais pertinente. O autor traz o
exemplo prático de objetos do nosso dia a dia para os quais não teríamos dúvidas
quanto às suas funções. Por exemplo, um garfo, um martelo e uma tesoura têm
bem claras as funções que desempenham. Entretanto, ao adentrarmos no campo
da linguagem verbal, fica mais problemático conceituar a sua função, pois o nível
de abstração torna a compreensão mais difícil.

O que dizer do comentário de um rapaz que diria à sua amiga: – Marina,


você está tão linda hoje? Qual seria a função da estrutura e dos elementos que
ele escolheu para formá-la? Efetivamente, todo o ato verbal tem um propósito,
cumpre uma função que pode ser de informar, influenciar, explicar, expressar
emoção, convencer, flertar etc.

No intuito de descrever e analisar as situações comunicativas, alguns


representantes da Escola Funcionalista, como Bühler e Jakobson, criaram um
quadro teórico das funções da linguagem verbal, que será apresentado a seguir.

Antes disso, convém apresentar os elementos constitutivos que estão


implicados num ato de comunicação por ele esquematizados no esquema a seguir
(JAKOBSON, 2007).

QUADRO 1 – OS ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO, SEGUNDO JAKOBSON

FONTE: Jakobson (2007, p. 123)

155
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Na Figura 1 da seção anterior, alguns desses elementos já foram


apresentados: o emissor, que corresponde ao remetente, o receptor, que é o mesmo
que destinatário, e a mensagem. Temos assim, alguém que envia uma mensagem
para outra pessoa que a recebe. Observe a figura a seguir, agora também com as
etapas da comunicação:

FIGURA 4 – CONSTITUINTES DA COMUNICAÇÃO EM LÍNGUA DE SINAIS

FONTE: Adaptada de: <http://guaskenn.free.fr/images/communaute-nuls/lsf-3d.jpg>.


Acesso em: 23 jul. 2018.

Lembre-se de que na seção anterior já foi discutido sobre a importância


do contexto para a comunicação, que, para Jakobson, tem a ver também com
a referência, ou seja, para o objeto ou a situação a que a mensagem se refere.
Como vimos, o contexto pode ser linguístico ou extralinguístico. Os outros dois
elementos são o código, que se trata de um conjunto de signos que compõem a
mensagem e que pode ser sinalizado, falado ou escrito, e o canal físico (espaço-
visual, acústico), o meio pelo qual a mensagem é veiculada, ao que Jakobson
chama de contato. Bem entendido, para que o todo se estabeleça, é preciso que
haja uma conexão psicológica entre o emissor e o receptor, ou seja, um código
inteligível e contextualizado para ambos.

Poderíamos ainda acrescentar um modo de percepção (auditiva ou visual)


e um modo de produção (cinésico ou sonoro). Certamente, quando se trata
de comunicação face a face ou virtual entre duas ou mais pessoas, precisamos
também considerar que os papéis são intercambiáveis, pois elas assumem ora o
papel de emissor ora de receptor, conforme os turnos de conversação.

156
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

Jakobson (2007, p. 123) explica que

Cada um desses seis fatores determina uma diferente função da


linguagem. Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem,
dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais
que preenchessem uma única função. A diversidade reside não no
monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente
ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem
depende basicamente da função predominante.

Em outras palavras, as funções podem coexistir numa mesma mensagem
ou texto, mas sempre uma delas predomina. Assumido isso, vamos verificar
quais são essas possíveis funções, explorando como Kapitaniuk (2010, p. 22-
23) resumiu as duas propostas teóricas, que iremos exemplificar mais à frente,
focando na ampliação feita por Jakobson.

Foi no seio da Escola de Praga que o Funcionalismo, combinado com o


Estruturalismo, ganhou força. Havia ali muitos pesquisadores importantes,
dentre eles Karl Bühler (1879-1963), que reconheceu três tipos gerais de funções
da linguagem: a) função cognitiva; b) função expressiva e c) função conativa.

Função cognitiva  refere-se à transmissão de informação factual.

Função expressiva  indica a disposição de ânimo ou atitude do locutor ou


escritor.

Função conativa  seu uso serve para influenciar a pessoa com quem se está
falando, ou para provocar algum efeito prático.

Outro nome de destaque dessa escola é Jakobson (1896-1982), que ampliou a


tríade de Bühler, definindo os atores e contexto das mensagens e introduzindo
mais três tipos de funções da linguagem:

• Função referencial ou denotativa (corresponde à função cognitiva), está


centrada no referente.
• Função emotiva ou expressiva, centrada no destinador (ou emissor) da
mensagem.
• Função conativa, que se orienta para o destinatário.

Função fática  centrada no contato (físico ou psicológico); manifesta o


desejo e a necessidade de comunicar.

Função poética  que se centra na própria mensagem. É um suplemento


de sentido para a mensagem que é acrescida de mudanças estruturais,
tonalidades, ritmos e sonoridade.

157
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Função metalinguística  centrada no código. É acrescida à mensagem com


o objetivo de explicar ou precisar o código utilizado pelo destinador. É a
linguagem que fala da própria linguagem.

Leia o texto completo disponível em: <http://www.libras.ufsc.br/


colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/psicolinguistica/assets/699/TEXTO_
BASE_PSICOLINGU STICA_NOVO.doc>. Acesso em: 15 ago. 2018.

• Função referencial ou cognitiva

Segundo Martelotta (2012), consiste na transmissão de informações e


conhecimentos sobre temas específicos, acontecimentos ou pessoas. Exemplos
nos quais predomina essa função são os textos acadêmicos, jornalísticos, manuais
e apostilas, palestras formais sobre determinado tema.

• Função emotiva

“Consiste na exteriorização da emoção do remetente em relação


àquilo que fala de modo que essa emoção transpareça no nível da mensagem”
(MARTELOTTA, 2012, p. 34). Para Zipser et al. (2011), trata-se também de exprimir
marcas pessoais de atitudes que revelam o estado emocional, julgamentos,
avaliações ou opiniões. Exemplos que apresentam essa função são conversas
informais, fofocas, romances e filmes dramáticos, novelas, poemas etc.

• Função conativa

Essa função tem a característica de persuadir ou seduzir um receptor,


auditório ou clientela, visando influenciar o seu comportamento. De uma forma
mais sutil, o rapaz que elogia uma moça está deixando transparecer seu interesse
a fim de que ela se sinta inclinada a correspondê-lo. Entretanto, propaganda de
produtos, empresa e serviços, panfletos, cartazes, outdoors, os discursos políticos
são exemplos mais concretos que apresentam essa função.

• Função fática

São expressões curtas com o objetivo de estabelecer, romper ou manter


contato com o receptor. Um bom exemplo é quando encontramos alguém e
perguntamos: “Tudo bem?” Na maior parte das vezes, trata-se apenas de uma
forma polida de iniciar um diálogo (“Pode me conceder um minuto?”), de chamar
a atenção, (“Ei você!”) ou de verificar a conexão (“Está entendendo?”).

158
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

• Função poética

Centrada na forma, a mensagem com essa função “é elaborada de forma


inovadora e imprevista, utilizando combinações sonoras ou rítmicas, jogos de
imagem ou de ideias” (ZIPSER et al., 2011, p. 19), a fim de causar um efeito
estilístico e/ou artístico. Textos declamados, slam, letras de músicas, textos
literários, poesias contêm essa função.

• Função metalinguística

Essa função se apresenta nos verbetes de dicionário, nas gramáticas ou


até mesmo em uma exposição sinalizada que explica o que é a Libras. Trata-se de
um código explicando o funcionamento do próprio código, em outras palavras, a
língua usada para se referir a si mesma.

Passemos, então, para a próxima seção, em que serão discutidos os tipos


textuais e gêneros discursivos, mas visando sua funcionalidade do que sua
categorização propriamente dita.

4 TEXTOS E GÊNEROS DISCURSIVOS


Como vimos na seção anterior, o uso da linguagem verbal cumpre várias
funções nas práticas comunicativas, haja vista a importância do seu papel em
“constituir as atividades sociais, as relações interpessoais e os papéis sociais
em contextos específicos” (MOTTA-ROTH, 2006, p. 495). A partir dos usos
da linguagem verbal, há a necessidade de institucionalizar e convencionar
determinados conjuntos de textos que, por sua vez, resultam no que se denomina
gêneros.

A noção de gênero é muito controversa, principalmente porque, para


fins didáticos, criou-se várias listas de exemplos de tipos textuais e tipos de
gêneros que são pouco esclarecedoras e bastante reducionistas. Muitas vezes,
há uma relativa sinonímia entre os termos nos livros que abordam o assunto,
gerando ainda mais dúvida em reconhecer um e outro. Além disso, cada área do
conhecimento e disciplina possui sua própria noção e conceito de gênero.

Com efeito, os gêneros e seus conteúdos textuais são investigados


teoricamente na Análise do Discurso, Análise da Conversação, Linguística textual,
Linguística Aplicada e, sob o ponto de vista prático, eles são instrumentos de
ensino pedagógico, tendo sido inclusive tema de cartilhas criadas pelo Ministério
da Educação (MEC) para a formação continuada de professores (BATISTA et
al. 2008; LOPES, 2010), além de seu uso ter sido preconizado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) para a alfabetização e letramento (BRASIL, 2000;
1997).

159
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Pode-se dizer que um gênero é o veículo pelo qual circulam diferentes


sequências textuais. Os gêneros envolvem condições de produção específicas
de textos e permitem que estes cumpram uma função comunicativa específica
dentro de determinado contexto. Por isso, os gêneros podem conter vários tipos
de tessitura textual, dependendo do objetivo que se tem em mente.

A noção de textos não abrange só materiais escritos, mas várias produções


linguísticas (enunciados) as quais materializam. Salienta Leite (2010, p. 3, grifos
do autor) que

Em geral, a palavra “texto” costuma ser usada como um sinônimo


de “texto escrito”. Produzir um texto significaria escrever um texto,
enquanto receber um texto significaria ler um texto. Nos estudos
científicos, porém, o conceito de texto tem sido pensado de uma
maneira mais ampla. Na área de pesquisa conhecida como linguística
textual, os estudiosos consideram texto não apenas as produções
escritas, mas também as produções orais das sociedades (Em outras
áreas, como a semiótica, a definição de texto pode incluir não apenas
os aspectos verbais, ou linguísticos propriamente ditos, mas também
os aspectos não verbais, como cores, desenhos, fotos etc.).

Assim, gêneros são “padrões estáveis de enunciados que se desenvolvem


de acordo com as nossas práticas sociais em esferas específicas da atividade
humana”, conforme a definição adotada por Bakhtin (LEITE, 2010, p. 17).

No momento em que foram abordadas as funções da linguagem verbal,


foram fornecidos exemplos prototípicos de gêneros que podem se encaixar em
cada uma das funções, mas na verdade, um mesmo gênero pode apresentar
várias funções comunicativas, e a partir disso, dependendo do tipo de função,
serão selecionados determinados recortes de tipos textuais para que o objetivo do
ato comunicativo e informacional seja bem-sucedido.

Desse modo, a arquitetura textual de um gênero pode conter narrativas,


descrições, exposições, argumentações e instruções. Uma combinação
desses “tipos” pode vir a compor um mesmo gênero, por isso, já não se pode
defender que determinado gênero seja narrativo ou argumentativo, porque
muito frequentemente um gênero pode ter sequências textuais diferentes
(FURLANETTO, 2002), alguns mais estáveis, outros mais flutuantes.

Veja no quadro a seguir os principais tipos de construções textuais que


podem servir de sequências na elaboração de gêneros do discurso.

160
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

QUADRO 2 – TIPOS TEXTUAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS E ORGANIZAÇÃO


Referência / foco Processos cognitivos Base temática do
envolvidos texto
Descrição Sobre os Percepção no espaço Sentença com
Milhares de copos fenômenos registro com verbo
estavam sobre as factuais no de não mudança
mesas. contexto espacial. (ser, parecer, conter
etc.), no presente ou
no passado, e um
adjetivo adverbial de
lugar.
Narração Sobre os Percepção no tempo Sentença de
Os passageiros fenômenos marcação da ação
desembarcaram em factuais e/ou com um verbo de
Nova York no meio conceituais no mudança (crescer,
da noite. contexto temporal. correr etc.), no
passado, e adjetivo
adverbial de tempo e
lugar.
Exposição 1. Sobre a 1. Compreensão 1. Sentença de
1. Uma parte do decomposição de conceitos gerais identificação de
cérebro é o córtex ou (análise) em (análise). fenômeno com verbo
o revestimento. elementos 2. Compreensão ser de não mudança,
2. O cérebro tem dez constituintes dos de conceitos no presente, mais um
milhões de neurônios. conceitos dos particulares (síntese) complemento (grupo
fenômenos nominal).
2. Sobre a 2. Sentença de
composição relação no fenômeno
(síntese) a partir com verbo ter de
dos elementos não mudança, no
constituintes dos presente, mais um
conceitos dos complemento (grupo
fenômenos. nominal).
Argumentação Sobre as relações Julgamento Sentença de
A obsessão pela entre os conceitos atribuição de
durabilidade na arte dos fenômenos. qualidade com o
é permanente. verbo ser, de não
mudança e com
negação, no presente,
mais um adjetivo.
Instrução Na composição Planejamento de Sentença de
1. Bata as claras em de um comportamento demanda por uma
neve, acrescente as comportamento futuro ação, com um verbo
gemas e o açúcar e futuramente no imperativo.
bata outra vez. observável em um
2. Coloque a farinha, dos interactores: o
o chocolate em pó, falante/escritor ou
o fermento, o leite e ouvinte/leitor.
continue a bater.
FONTE: Quadro de Werlich (1976), adaptado por Bonini (2005, p. 212), com acréscimos da
conteudista

161
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Vemos que o quadro anterior apresenta certas definições de como


diferentes sequências textuais são compostas e estruturadas, quais as suas
relações com os processos cognitivos e do que trata cada tipo textual, mas à guisa
de reflexão, leia a receita a seguir.

Receita Parte do sangue pode ser


Ingredientes substituído por suco de
2 conflitos de gerações groselha, mas os resultados
4 esperanças perdidas não serão os mesmos.
3 litros de sangue fervido Sirva o poema simples
5 sonhos eróticos ou com ilusões.
2 canções dos Beatles

Modo de preparar
Dissolva os sonhos eróticos
nos dois litros de sangue
fervido e deixe gelar seu
coração.
Leve a mistura ao fogo,
adicionando dois conflitos
de gerações às esperanças
perdidas.
Corte tudo em pedacinhos
e repita com as canções dos
Beatles o mesmo processo
usado com os sonhos eróticos,
mas desta vez deixe ferver
um pouco mais e mexa até
dissolver.
FONTE: Behr Nicolas. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder
(Org.). Poesia jovem anos 70. São Paulo: Abril, 1982.

Como é possível verificar, trata-se de um poema em forma de receita,


ou seja, desenquadrou-se de uma instrução para cumprir uma função estética
e poética. Embora ainda se faça uso de verbos no imperativo, não pode ser
considerada uma demanda ou indicações de como proceder em determinada
tarefa, como preconiza a definição. Também não envolve um processo cognitivo
de “planejamento de comportamento futuro”, visto que se distanciou da
orientação prática para se aproximar de um efeito de sentido abstrato. Isso nos
leva a concluir que o quadro com as definições de Werlich (1976) não dá conta de
todas as possibilidades de usos discursivos nem da criatividade que a linguagem
verbal apresenta nas práticas linguageiras humanas.

Trabalhar com gêneros em sala de aula é muito importante, mas é preciso


levar em conta as necessidades dos alunos. Sabe-se que os gêneros cumprem
funções sociais na interação das comunidades para as quais se destinam. Portanto,

162
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

é preciso, antes de tudo, conhecer o aluno e sua proveniência a fim de adotar uma
metodologia adequada a cada necessidade. Por exemplo, não podemos usar os
mesmos gêneros para surdos e ouvintes, pois as relações de cada grupo com esse
tipo de instrumentos são diferentes.

Além disso, para o ensino de Libras, é preciso partir de gêneros disponíveis


nessa língua e, caso o objetivo seja o letramento ou alfabetização em Português
como segunda língua, necessário se faz introduzi-los em pequenas doses, sempre
contextualizando em Libras ou ainda fazendo comparações com o mesmo gênero
nas duas modalidades (por exemplo, um poema curto em Libras com a sua
tradução em Português escrito com o apoio de recursos imagéticos).

5 ANÁLISE TEXTUAL E DISCURSIVA


Vimos na seção anterior que não é tão simples classificar um texto dentro
de apenas uma tipologia e, como os gêneros são formados por textos, eles também
refletem o caráter heteróclito e funcional da linguagem verbal humana. Veja a
figura a seguir como um exemplo disso.

FIGURA 5 – TIPOS TEXTUAIS EM TIRINHAS

FONTE: Disponível em: <http://clubedamafalda.blogspot.com/2014/07/tirinha-728.html#.


W1sSEtJKjIU>. Acesso em: 3 ago. 2018.

Os três primeiros quadrinhos mostram a narração de uma sequência


de eventos que envolve dois tempos, o passado e o presente, ou seja, indica a
percepção no tempo, com verbos que apontam mudanças de processos (nascer,
ir), mas há verbos como ‘sair’ (no sentido de aparecer, surgir) e ‘falar’ que só dão
essa ideia de mudança dentro do contexto, a partir dos elementos adverbiais de
tempo que os acompanham. Entretanto, o quarto quadrinho tem um tipo textual
argumental, ou seja, expressa um julgamento a respeito do fenômeno “experiência
de vida”. Assim, como é possível depreender, o gênero ‘tiras de quadrinhos’ pode
ser composto por vários tipos textuais.

Para se trabalhar com gêneros, é preciso, antes de tudo, conhecer alguns


procedimentos de análise textual e discursiva, a fim de compreender todas as

163
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

dimensões do material escolhido. Para discutirmos esse assunto, escolhemos as


revistas em quadrinhos (HQ) que, segundo Costa (2009, s/p), tratam-se de

um gênero secundário complexo e contemporâneo do discurso, visto


que são uma manifestação social surgida em condições sociais de
produção específicas. A importância de entendermos as HQs como
um gênero discursivo secundário vai além de uma ação classificatória;
compreendemos que as HQs se constroem em situações de práticas
sociais complexas, demandando que os seus leitores possuam certo
conhecimento prévio desse gênero para bem conseguir lê-las.

O termo ‘secundário’ vem da classificação feita por Bakhtin (1997) que, ao


teorizar a respeito dos gêneros discursivos, separa-os em primários e secundários.
Os primários seriam gêneros simples do discurso, como conversas do dia a dia,
cartas, bilhetes, diários etc., já os secundários seriam gêneros mais complexos, pois
são construídos com várias sequências textuais, tais como os discursos teatrais,
literários, científicos etc. Vale ressaltar que todo enunciado e, consequentemente,
todo texto, veicula uma certa ideologia, uma vez que cumpre funções e expressa
as intenções dos agentes sociais. Eles carregam os valores, os preconceitos, as
concepções e as representações de determinado grupo ou indivíduo. Assim, ao
tomarmos o gênero ‘quadrinhos’, podemos realizar uma análise textual tanto dos
aspectos estruturais e lexicais como do aspecto ideológico.

Para ilustrar um exemplo, buscou-se informações sobre o personagem


Humberto, que foi criado por Maurício de Sousa para compor a turma da Mônica.
Vejamos a transcrição de alguns trechos do texto oral publicado no canal Tudo
sobre a turma da Mônica, que mostra a história da aparição de Humberto e sua
progressão.

Apresentador: “-Humberto é o personagem da Turma da Mônica criado por


Mauricio de Sousa. Ele é um personagem que não fala, apenas murmura dizendo
‘hum-hum’, por ser mudo. Daí que vem a origem do seu nome Humberto. Ele
é um personagem gentil, amigo de todos e geralmente calmo [...] geralmente o
coitado se mete em enrascada por não conseguir se comunicar. E algumas até
pesadas para o politicamente correto que existe hoje.  Uma das histórias mais
marcantes de Humberto é ‘aprender a falar com as mãos’, onde ele ensina à
turma as línguas de sinais, uma forma dos surdos e mudos se comunicarem
[...]”.
Veja o texto na íntegra em: <http://www.youtube.com/watch?v=zavKC6olsTk>.
Acesso em: 3 ago. 2018.
Veja a historinha em: <https://www.youtube.com/watch?v=faEzOlRyBAI>.
Acesso em: 3 ago. 2018.

O Humberto é um personagem enigmático, criado provavelmente a partir


de um mito e de uma representação errônea de que o surdo é mudo. Mesmo
que a editora não revele se o personagem é realmente surdo, na revista com o
título Aprender a falar com as mãos, ele é visto usando sinais para comunicar com
os amigos. No site da editora, uma breve descrição do personagem diz que: “O

164
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

Humberto foi criado na década de 1960, pelo Maurício, pensando nas milhares de
crianças mudas que existem e que, mesmo sem poder falar, são ativas, normais,
saudáveis... que vivem e brincam como qualquer criança. Ele é uma homenagem
do Maurício a essas crianças” (Disponível em: <http://turmadamonica.uol.com.
br/personagem/humberto/>. Acesso em: 3 ago. 2018).

Considerando que não há milhares de crianças mudas, mas sim, milhares


de crianças surdas, constata-se que Humberto representa, sim, um menino surdo,
mas, infelizmente, percebe-se com que forma caricaturada e preconceituosa esse
personagem foi construído. É certo que em 1960, quando foi criado, os surdos
eram ainda muito mais estigmatizados, mas um pouco de interesse por parte da
editora bastaria para, por meio do personagem, passarem a veicular uma imagem
mais positiva do surdo. Além disso, no texto anterior, que data de 2016, os mesmos
preconceitos são identificados nas expressões ‘surdo-mudo’, ‘coitado’, mesmo
que o apresentador tenha consciência do “politicamente correto” que envolve
as discussões atuais sobre os surdos. Com isso, é importante sempre olhar um
texto ou gênero discursivo de forma crítica a fim de não perpetuar as injustiças
sociais. Vejamos as contribuições da Linguística Aplicada para aprofundar esse
entendimento.

6 LINGUÍSTICA APLICADA

A discussão da seção anterior, embora breve, remete ao que já foi falado
em outros momentos neste caderno: um professor precisa saber refletir sobre
suas escolhas, adotando um fazer teórico-metodológico adequado, avaliando
constantemente a sua prática pedagógica, a fim de se desvencilhar dos preconceitos
e das ideologias que podem estigmatizar seus alunos ou um determinado grupo.
Além disso, como já foi introduzido neste tópico, é preciso estimular reflexões
meta e epilinguísticas, assim como defende Franchi (1991, 2002). A perspectiva
metalinguística se estabelece pela explicação do funcionamento linguístico por
meio da própria língua, ou seja, basicamente o que se faz nos dicionários, nas
gramáticas, numa aula de Libras ou Português. Já a perspectiva epilinguística vai
muito além da dimensão estrutural ou gramatical, pois se estende para o contexto
de uso, da língua em ação nas situações reais de interação discursiva.

É nessa perspectiva que os pressupostos da Linguística Aplicada podem


subsidiar o trabalho reflexivo do professor de língua de sinais e em língua de
sinais, uma vez que, a partir das reflexões dessa área do conhecimento, busca-se
“criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a linguagem tem um papel
central” (MOITA LOPES, 2009, p. 19). Essa postura crítica de se analisar o uso de
linguagem, verbal ou não verbal, no espaço educacional parte da consciência de
que a língua, e todos os recursos semióticos que a circundam, pode ser tanto uma
prática libertadora quanto uma prática repressiva.

Como exemplo, vamos tomar dois excertos de entrevistas, contidos no


artigo de Marilda Cavalcanti e Ivani Rodrigues da Silva (2007).

165
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Gladis: Tem um surdo, ele estuda em outra escola e às vezes vem aqui falar
com os nossos surdos. Ele aparece aqui na escola e fica tentando falar com o
guarda na língua dele, com os professores, mas ninguém entende nada do que
ele diz. Ele não fala nada de português, eu acho que a obrigação dele era andar
com um lápis e um papel na mão para escrever o que ele quer saber. Se ele não
fala português, tem que estar com papel e com a caneta, porque a caneta é a voz
dele, né? E aí ele pergunta o que ele quer saber, não é? [Excerto 2: entrevista
gravada (áudio) com a professora da escola regular; data: 08/04/2003.] p. 228.
_____________________________________________________________________
Rute: A Sandra [mãe] no início ficava muito preocupada com o conteúdo, com
o André aprender escrever direito, com os artigos, os verbos tudo certinho, e
eu dizia para a Sandra que além do conteúdo, isso não era o mais importante,
a escola devia estar preparando o André para a vida, a escola para ele ia ser
uma referência de vida em sociedade: ele tinha que saber lidar com dinheiro,
tomar um ônibus, ir no supermercado fazer uma compra, além do conteúdo,
ser um cidadão. Então a gente começou a trabalhar uma coisa bem diferenciada
junto com ele. E olha, o André foi o meu maior desafio! [Excerto 63: entrevista
gravada (áudio) com professora da escola regular; data 30/09/2003.] p. 235.

A pesquisa das duas autoras se enquadra numa investigação sobre as


tensões linguísticas do surdo na escola regular inclusiva. Para isso, entrevistaram
as professoras de alunos surdos no intuito de dar inteligibilidade aos problemas
linguísticos e comunicativos entre alunos e professores. A professora Gladis
demonstra um total desconhecimento da especificidade linguística do aluno
surdo, colocando a responsabilidade de sua aprendizagem totalmente sobre ele.
Ela demonstra um total despreparo em incluir alunos surdos e revela uma grande
falta de empatia. Além disso, sua concepção de que o aluno deve saber escrever,
enfatizando que “a caneta é a voz dele”, está centrada numa visão grafocêntrica,
ou seja, centrada na escrita.

O segundo excerto revela que a mãe de André, um aluno surdo


matriculado em escola regular e atendido pela professora Rute, também tem essa
visão centrada no “escrever direito”, embora faça uso da Libras, tendo até mesmo
se disponibilizado a dar aulas de Libras para as professoras do seu filho. Pelos
relatos e análises das autoras, a mãe era muito implicada na educação do filho,
mas ainda guardava essa ideia de que seu filho deveria expressar-se em português
escrito da mesma forma que um ouvinte. Segundo Joana, outra professora de
André, “parecia até que ela não aceitava a surdez dele, querendo transformar ele
num ouvinte” [excerto 56: entrevista gravada (áudio) com professora da escola
regular; data: 16/12/2003] (p. 233).

A professora Rute, por outro lado, compreende que muito mais importante
do que o “escrever bem” é a construção das práticas em sociedade. Do mesmo
modo, Cavalcanti e Silva (2007, p. 234) ressaltam que a professora Joana

166
TÓPICO 1 | FUNÇÃO COMUNICATIVA DA LINGUAGEM VERBAL

destaca a maneira, peculiar, de o surdo escrever, que I. Silva (2003,


p. 144) descreve como ‘indícios de um sistema subjacente de sinais’,
e não como ‘erros’ de escrita. Além disso, mostra a sua preocupação
com o ensino, com a busca de maiores informações sobre a surdez
para poder fazer mais por André em sala de aula.

Esta foi apenas uma breve discussão de como pesquisas em Linguística


Aplicada podem trazer à tona as relações de poder na área educacional em
contextos bilíngues ou inclusivos e que tomam como ponto de partida os
discursos dos professores. Essa reflexão serve também para contexto de ensino
de Libras como L2, uma vez que também a especificidade do sujeito ouvinte que
aprende Libras precisa ser respeitada. Da mesma forma, esse aprendente também
manifestará indícios de um sistema subjacente (a linearidade de seu sistema oral
auditivo) para alicerçar a aprendizagem de uma língua visual e cinésica (mais
simultânea).

Infelizmente, ainda são poucos os estudos para a língua de sinais dentro


do paradigma da Linguística Aplicada. Isso se deve não só pelo fato de essa área
ter sofrido várias transformações nos últimos anos, como também por haver
uma certa incompreensão sobre teoria e aplicabilidade. Em parte, as mudanças
que ocorreram na área são o resultado de um despertar crítico que conduz à
conscientização de que é pela prática que se chega às teorias e não o contrário.
Os professores trabalham com significados e esses devem abranger as dimensões
simbólicas interpretativas e discursivas dos aprendentes. Por isso, o fazer didático
do professor deve ser alvo de uma profunda reflexão que abarca sua competência
linguística e interpretativa e sua competência didático-metodológica. Com essa
argumentação, encerra-se aqui o primeiro tópico da Unidade 3.

167
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Com a nova concepção sobre a linguagem verbal, passou-se a dar ênfase ao uso
e aos contextos de interação, uma vez que apenas as investigações formais não
podem dar conta da complexidade criadora e dos processos de significação e
sentido que são atualizados na prática discursiva.

• Dentro dessa nova concepção, surge uma nova vertente teórica, chamada de
Funcionalismo. Essa corrente trouxe várias contribuições para o entendimento
de como a linguagem verbal cumpre determinadas funções e de como o
componente discursivo é essencial para trazer à luz os aspectos estruturais.

• Assim, passam a ser levados em consideração aspectos como a intencionalidade


do emissor, a necessidade de o emissor e o receptor conhecerem o contexto
comunicativo e as regras pragmáticas e sociais de uso, bem como as
possibilidades de combinação e substituição de elementos com significado.

• Jakobson contribuiu com a perspectiva, apresentando os elementos e as etapas


que compõem a comunicação. Além disso, ao ampliar a tríade de Bühler,
estabeleceu concretamente seis tipos de funções da linguagem verbal, tais
como: a função referencial ou denotativa, a função emotiva ou expressiva, a
função conativa, a função fática, a função poética e a função metalinguística.

• Sob a perspectiva funcional da linguagem verbal, passa-se, então, a refletir sobre


a tipologia das sequências textuais com as quais são construídos os gêneros
discursivos. Nesse sentido, os gêneros podem conter sequências narrativas,
descritivas, expositivas, argumentativas ou instrutivas, que podem ser únicas
ou combinadas, segundo o grau de estabilidade que eles apresentam.

• Os gêneros, por serem formas estáveis compostas por sequências textuais,


cumprem funções nas práticas sociais, mas também podem carregar um certo
peso ideológico, uma vez que todo texto parte da intencionalidade de um
agente discursivo. Por isso, é importante que, enquanto receptores de textos e
gêneros discursivos, tenhamos um senso crítico para analisá-los e interpretá-
los adequadamente.

• Nesse intuito, a Linguística Aplicada pode ser uma grande aliada, haja vista
sua atual convergência à análise crítica do uso da linguagem, sobretudo no
contexto de ensino-aprendizagem.

168
AUTOATIVIDADE

Leia atentamente o excerto abaixo e faça uma breve análise entre sete e dez
linhas ou vídeo de até 1:30 (um minuto e meio), indicando e respondendo:

1 Qual é o tipo de texto, de acordo com o Quadro 2 – Tipos textuais e suas


características e organização.

2 Qual é o gênero discursivo?

3 O excerto está contextualizado?

4 Rute se refere a que ao declarar: “eu não me sentia preparada para isso”?

5 Há como recuperar o tema que está sendo discutido, a partir do conteúdo e


determinadas pistas discursivas?

Rute: Não é que eu era contra, mas eu não me sentia preparada para isso,
mas ninguém vai preparar, pode vir qualquer Secretário da Educação,
qualquer Ministro da Educação, ele não vai te preparar um professor para
receber um aluno deficiente... é o professor que tem que se capacitar, então
eu corri atrás do prejuízo, li muito a respeito, fui fazer o curso de Libras,
esse ano eu também fiz o curso de Libras aqui na escola o ano inteiro, então
penso assim, se a gente não busca, o outro não vai dar de mão beijada [...]
(CAVALCANTI; SILVA, 2007, p. 236).

169
170
UNIDADE 3
TÓPICO 2

EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA


LÍNGUA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
O Tópico 1 serviu de base para entrarmos no cerne gramatical, expressivo
e comunicativo da língua de sinais e de como ela pode preencher todas as funções
da linguagem verbal. Certamente, com a língua de sinais é possível expressar
todas as funções que Jakobson descreveu: a referencial, a emotiva, a conativa, a
fática, a poética e a metalinguística. Entretanto, como a Libras não tem uma escrita
completamente difundida e padronizada, os gêneros discursivos são, sobretudo,
veiculados por meio de um importante recurso, que é o do vídeo registro.

Com efeito, parece haver uma relação muito estreita com os avanços
das tecnologias da comunicação digital e o discurso sinalizado mediado por
computador, uma vez que, com a web 2.0, é possível veicular vários tipos de
textos, inclusive em línguas de sinais. Segundo Androutsopoulos (2010, p.
203), nesse meio digital “os principais objetos de análise são os 'espetáculos
vernaculares' - isto é, conteúdo multimídia produzido fora das instituições de
mídia e carregado, exibido e discutido em sites de compartilhamento de mídia,
como o YouTube”. São basicamente os espetáculos sinalizados, entendidos como
práticas linguageiras e sociais, que serão usados como pontos de observação para
a análise da expressividade discursiva sinalizada aqui discutida.

De fato, à medida que as práticas sinalizadas se ampliam, é possível


verificar a estabilização de vários gêneros discursivos, tais como contos,
piadas, entrevistas, tutoriais, histórias, videoaulas, webjornais, propagandas,
entre outros. Esses gêneros, visto que são divulgados ao grande público, são
recursos linguísticos passíveis de análise e, pelo fato de se enquadrarem em uma
perspectiva funcionalista da linguagem verbal em uso e inserida em um contexto
social, tornam-se insumos ricos e variados para o letramento e ensino de língua
de sinais.

Entretanto, devido a essa multiplicidade de textos vernaculares, pode


haver uma desestabilização sociolinguística, ou seja, vários tipos de sinalares
diferentes e várias registros gramaticais podem emergir. Isso não é de modo
nenhum negativo, pois é preciso valorizar as variedades sinalizadas existentes, no
entanto, para o ensino e letramento é preciso procurar formas mais normalizadas
de discurso sinalizado. Pensando nisso, houve a preocupação de trazer

171
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

comparações concretas entre as línguas estabilizadas como a Libras e as línguas


orais ditas sinalizadas, a fim de que alunos, professores e pesquisadores possam
ter critérios bem definidos que os orientarão na escolha de textos sinalizados mais
compreensíveis e claros pelo público surdo.

A partir dessa compreensão, este tópico terá como objetivos:

• revisitar a gramática da Libras;


• abordar as funções comunicativas em Libras;
• entender a importância da corporalidade em língua de sinais;
• investigar os aspectos gerais das narrativas em língua de sinais;
• discutir a importância da produção literária poética e artística em língua de
sinais.

2 O QUE CONSTITUI UMA LÍNGUA DE SINAIS


Nesta seção, vamos revisitar alguns dos aspectos gramaticais das línguas
de sinais, iniciando uma reflexão sobre a importância de fornecer boas bases
linguísticas aos nossos futuros aprendentes, surdos ou ouvintes. Para isso, faz-se
necessário distinguir o que é e o que não é língua de sinais.

Até aqui, foi possível compreender como uma língua de sinais, motivada
pelo uso de uma comunidade, passa dos aspectos gestuais idiossincráticos para
uma estrutura mais evoluída, gramaticalizando-se. Do mesmo modo, uma língua
só pode ser aprendida no uso regular e no contato assíduo com interlocutores
proficientes nessa língua.

Ouvintes, por não estarem predispostos a uma aquisição natural, a não


ser em raríssimos casos em que nascem em família surda, precisam estar imersos
nas práticas linguageiras sinalizadas para um bom desenvolvimento linguístico.
Igualmente, crianças surdas precisam receber um ensino prioritariamente em
uma língua de sinais desenvolvida e por usuários que sejam fluentes.

Pessoas ouvintes, ou mesmo surdas oralizadas, que não tiveram experiência


suficiente com a língua de sinais ou receberam inputs de pessoas não fluentes,
podem vir a desenvolver e, às vezes permanecer, em um código intermediário,
que comumente é chamado de Português sinalizado. Esse fenômeno existe em
vários contextos em que há contato linguístico entre uma língua oral e uma língua
sinalizada. Por isso, há o inglês sinalizado, o francês sinalizado e outros.

Comparemos, então, a diferença entre Português/ Inglês/ Francês ou


qualquer outra língua oral sinalizada e a Língua de sinais propriamente dita.
Acompanhe a tabela abaixo que teve como base o texto de Leila Boutora (2008).

172
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

QUADRO 3 – COMPARAÇÃO ENTRE LÍNGUA ORAL SINALIZADA E LÍNGUA DE SINAIS

Português / Inglês / Francês Línguas de Sinais


sinalizados
1 Varia conforme a situação e a Tem variações sociolinguísticas
competência do usuário. inerentes como em qualquer língua,
mas geralmente foi normalizada e
convencionada.
2 É uma interlíngua que pode É uma língua que já atingiu um
ser um fenômeno natural na processo histórico de estabilização
sinalização de iniciantes ou, gramatical.
ainda, pode ser uma espécie de
pidgin.
3 Exclui os elementos espaciais, Os aspectos espaciais são ricos e
concentrando-se na linearidade produtivos nos diversos níveis:
da língua oral. fonológico, morfológico, sintático,
semântico e discursivo.
4 A ordem dos sinais segue a Tem sintaxe própria e se caracteriza
organização da língua oral. pela espacialidade e simultaneidade.
5 A expressão facial é pouco ou A expressão facial é importante para
raramente usada. a distinção de significados no nível
lexical, além de ser essencial para a
gramática, como a topicalização, por
exemplo.
6 Trata-se de uma estrutura com Estrutura linguística consolidada.
lacunas.
7 Atrapalha a compreensão dos Favorece a compreensão dos surdos.
surdos.
8 Evidencia-se o acréscimo de Permite neologismos que seguem as
formas para a comunicação regras internas ao sistema linguístico.
espontânea em situação de
contato linguístico.
9 Não é transmissível de uma Totalmente transmissível entre
geração a outra. gerações.
FONTE: Elaboração pela conteudista, a partir da leitura de Boutora (2008)

Vale ressaltar que o Português sinalizado não deve ser motivo de


preconceito, pois, como se trata de uma interlíngua, é um fenômeno natural em
processos iniciais de aprendizagem. Ele ocorre devido à interferência da língua
materna que serve de trampolim para o desenvolvimento linguístico em segunda
língua. Entretanto, se o aprendente não tiver a oportunidade de cursar aulas com
qualidade e com boa metodologia de ensino e se não tiver contato consistente
com usuários com certa competência, a condição pode perdurar.

173
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Imprescindível alertar também para o fato de que a prática de português


sinalizado não é adequada para servir de input na aquisição de linguagem nem
para o ensino de crianças surdas, pois isso poderia dificultar ou tornar o processo
de aquisição de conhecimento mais demorado.

Após essa breve explanação, vamos adentrar no aprofundamento de


alguns aspectos gramaticais da Libras. Para isso, foi escolhido o tema sobre a
marcação de plural.

Há diferentes formas de marcar a pluralidade, dependendo da intenção e


do estilo discursivo que se adota: com a junção de dois léxicos, com repetição de
movimento e ainda com o uso de classificadores. O primeiro exemplo fica mais
próximo do português sinalizado, mas, mesmo assim, é muito usado, os outros
dois modos são mais visuais, pois fazem uso de estratégias próprias da Libras,
como o uso de classificadores e a exploração do espaço. Veja um exemplo de cada
um nas figuras 6, 7, 8, 9 e 10.

FIGURA 6 – COMPOSIÇÃO LEXICAL PARA O PLURAL DE “PESSOA”

FONTE: Aplicativo Prodeaf. Acesso em: 31 jul. 2018.

O primeiro sinal é de PESSOA com a configuração de mão em


deslizando o dedo médio na testa, seguido do sinal MUITO, que se realiza com
a mão semiaberta, repetindo o movimento de unir os dedos que se tocam nas
pontas.

No segundo exemplo, verifica-se uma variação do sinal, que dessa vez


tem a mão aberta com o dedo médio na perpendicular. O outro sinal é realizado
com a mão espalmada, fazendo movimentos circulares no espaço neutro.

174
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 7 – COMBINAÇÃO DE SINAIS COM VALOR DE PLURAL

FONTE: Aplicativo Hand Talk. Acesso em: 31 jul. 2018.

O exemplo abaixo usa o mesmo sinal de PESSOA anterior, mas dessa vez
utiliza o sinal de entidade, que é repetido quantas vezes forem necessárias. Mais
de quatro vezes, inflando as bochechas e cerrando um pouco os olhos, dá-se a
noção de intensidade, por isso significa que há realmente uma multidão. Essa
estratégia é bem produtiva em Libras.

FIGURA 8 – COMBINAÇÃO DE SINAIS COM VALOR DE PLURAL, USANDO


O MORFEMA DE ENTIDADE

FONTE: O Pequeno Príncipe. Timecode 1:20:00. Disponível em: <https://


youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.

DICAS

Sempre que houver capturas de tela de vídeo, será fornecido o timecode em


que é possível ver a cena cinemática, ou seja, na altura em que o vídeo estava sendo visualizado
no momento em que o print foi feito. O timecode tem o seguinte formato 00:00:00 (os dois
primeiros dígitos referem-se às horas; os segundos aos minutos e os terceiros aos segundos).
É aconselhável visualizar a sequência fílmica para ter uma boa compreensão de como os
sinais são realizados.

175
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Quando se trata de pessoas, as CMs podem ser


usadas para indicar o número de referentes que se deseja mostrar. São chamados
de classificadores de pessoa. Na figura a seguir, temos duas sequências que
mostram essa possibilidade. Na primeira, vê-se uma pessoa e, na segunda, há
várias pessoas (nesse caso também pode designar o coletivo CARAVANA). Na
sequência da narrativa, a inclusão da segunda mão e a expressão labial remetem
a várias pessoas que se deslocam em grupo.

FIGURA 9 – COMBINAÇÃO DE SINAIS COM VALOR DE PLURAL,


CLASSIFICADORES COM SELEÇÃO DE DEDOS

FONTE: O Pequeno Príncipe. Timecode 01:19:48 e 2:20:09,


respectivamente. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>.
Acesso em: 31 jul. 2018.

Uma outra possibilidade é o deslocamento da forma inicial no espaço,


que se realiza por um morfema de movimento. Veja a figura a seguir, em que
se estabelece o sinal ÁRVORE seguido de um deslocamento para o lado oposto,
trazendo o significado de várias árvores ou, ainda, numa extensão semântica, o
substantivo FLORESTA.

FIGURA 10 – EXTENSÃO DE MOVIMENTO COM VALOR DE PLURAL

FONTE: O Pequeno Príncipe. Timecode 00:02:43. Disponível em:


<https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.

176
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

Como vimos, há várias formas de marcar o plural que só é possível aprender


na interação ou na pesquisa de vídeos registro em Libras, pois um dicionário
dificilmente especificará os aspectos espaciais envolvidos. Continuemos nosso
aprendizado, estudando as próximas seções.

3 FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS


Como foi salientado na introdução deste tópico, a Libras tem todo potencial
comunicativo de uma língua natural. Podemos perceber que ela é uma língua viva
que se modificou ao longo do tempo e foi se adequando às necessidades sociais
que foram sendo ampliadas à medida que o surdo passou a ter mais visibilidade
na sociedade.

Por isso, retomando o esquema de Jakobson, vamos explicar alguns tipos


de funções da Libras, fornecendo exemplos retirados de vídeos institucionais ou
particulares de conteúdos sinalizados. Para iniciar, observe a figura a seguir, na
qual é possível ver um repórter surdo, apresentando um jornal via internet.

FIGURA 11 – EXEMPLO DE FUNÇÃO REFERENCIAL EM LIBRAS - WEBJORNAL

FONTE: Primeira mão – 25/01/18. Timecode 00:00:53. Disponível em: <http://


tvines.org.br/?p=17775>. Acesso em: 26 jul. 2018.

Sem dúvida, o TV INES é o maior site com diversos conteúdos em


Libras, desde notícias até humor. Ali pode-se encontrar todos os tipos de textos
e vários gêneros discursivos. O exemplo de webjornal é um tipo que cumpre
uma função referencial, ou seja, o objetivo é informar sobre determinado tema,
como a explicação sobre vacinação contra a febre amarela. A linguagem para
esse tipo de texto geralmente é do tipo formal, a fim de transmitir neutralidade e
distanciamento do apresentador ao tema discutido.

Agora observe a figura a seguir, na qual pode-se ver a apresentadora


surda realizando o sinal para “nervoso” ou “irritado”.
177
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 12 – EXEMPLO DE FUNÇÃO EMOTIVA EM LIBRAS – SINAL DE NERVOSO

FONTE: Portal de vídeo aulas da USP. Timecode 00:02:41. Disponível em: <http://
eaulas.usp.br/portal/video.action?idItem=6576>. Acesso em: 26 jul. 2018.

O site da Universidade de São Paulo disponibiliza conteúdos pedagógicos


para ensino a distância. O exemplo capturado foi retirado de um glossário.
Alguns sinais em Libras, como os de sentimento, precisam expressar o conteúdo
semântico ligado ao tipo de emoção à qual o sinal está vinculado. Com isso, os
sinais para adjetivos como “feliz”, “triste”, “calmo”, “ansioso”, entre outros,
precisam ter a expressão facial que completa o seu sentido, ou seja, a informação
semântica. Entretanto, a emoção também pode ser expressa por posturas mais
enfáticas do corpo, a amplitude dos braços e aceleração ou desaceleração de
movimentos, como ocorre com tom de voz, a entonação e ritmo na língua falada.

O exemplo da figura a seguir se refere à função fática. Nela pode-se


identificar um rapaz que estabelece o contato visual, seguido da expressão “oi”
sinalizada, a fim de iniciar uma conversa.

FIGURA 13 – EXEMPLO DE FUNÇÃO FÁTICA EM LIBRAS – SINAL “OI”

FONTE: Diálogo em Libras. Timecode 00:00:21. Disponível em: <https://www.


youtube.com/watch?v=KvnF2FWACZY>. Acesso em: 26 jul. 2018.

178
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

O exemplo foi retirado de uma videoaula que apresenta um diálogo


em Libras. Ele foi disponibilizado no canal Youtube da Universidade Federal de
Lavras de Minas Gerais.

Na figura a seguir vemos um exemplo de uso da função conativa. Observe


a postura do corpo e a expressão de simpatia do publicitário.

FIGURA 14 – EXEMPLO DE FUNÇÃO CONATIVA EM LIBRAS – PROPAGANDA


DE CURSO ON-LINE

FONTE: Signa - Cursos online para surdos. Timecode 00:00:10. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=XzNQw_2QA0k>. Acesso em: 26 jul. 2018.

O exemplo foi retirado do canal Youtube da empresa Signa, que trabalha


exclusivamente na formação a distância de clientes surdos. Provavelmente, é uma
das primeiras empresas a escolher uma postura de marketing para a venda de
seus serviços educacionais em Libras. Perceba que essa técnica é inovadora em
Libras e nasce da necessidade de mercado e de oferta de produtos e serviços ao
público-alvo surdo. A função poética pode ser visualizada na figura a seguir, em
que um sinalizante surdo declama uma poesia em Libras.

FIGURA 15 – EXEMPLO DE FUNÇÃO POÉTICA EM LIBRAS – POESIA


SINALIZADA

FONTE: Poesia e cultura própria dos surdos em Libras. Timecode


00:00:56. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=G4en44VX5QE>. Acesso em: 26 jul. 2018.

179
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Nesse exemplo, é possível perceber outros recursos de expressividade


que tentam criar efeitos de sentidos não usuais em outros tipos de textos. O
uso abundante de classificadores, deslocamentos do corpo e expansão dos
movimentos são as marcas desse tipo de uso.

Para finalizar, a figura a seguir apresenta um exemplo de função


metalinguística, pois a professora surda está ensinando a gramática da Libras por
meio da Libras, ou seja, a língua fala de si mesma.

FIGURA 16 – EXEMPLO DE FUNÇÃO METALINGUÍSTICA EM LIBRAS – ENSINO


DE GRAMÁTICA DA LIBRAS

FONTE: Curso de Libras - Módulo Prático: Aula 1 - Saudações e Apresentações


- HD. Timecode 00:02:43. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=Iqej4uP7ogI>. Acesso em: 26 jul. 2018.

Como é possível verificar, a expressão da professora é neutra e contida,


uma vez que precisa utilizar uma linguagem formal, típico de um ambiente de
ensino.

Com todos esses exemplos, fica evidente que a Libras é uma língua e
naturalmente produtiva em termos de expressividade. Vamos continuar esse
tema mais adiante.

4 CORPORALIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS


Historicamente, a corporalidade intrínseca à língua de sinais foi alvo de
julgamentos e interdições. Julgada ser muito obscena pela sociedade francesa
do século em que De l’Épée começava a se ocupar da educação de surdos, a
corporalidade, marca de toda a expressividade da língua de sinais, foi proibida.
Até mesmo os sinais metódicos criados pelo abade, tão inofensivos à integridade
visual dos moralistas da época, precisaram ceder lugar aos mecanismos de
oralização forçada.

180
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

Do mesmo modo, o uso corporal nas produções sinalizadas foi alvo


de preconceito linguístico, uma vez que foi considerado como pantomima ou
mímicas. Segundo Le Corre (2003, p. 46),

Não é porque o corpo do sinalizante ganha vida para manifestar


atitudes, sentimentos ou ações que ele exprime o ponto de vista do
enunciador; ele toma o lugar de agente no processo em curso. Se o
sinal [CABELEIREIRO] retoma o gesto culturalmente padronizado de
abrir e fechar o dedo indicador e o dedo médio perto do cabelo para
mostrar o movimento das lâminas de tesoura, não se trata de "mímica".
É uma unidade significante, que permanece analisável em termos
de "configuração indicador e dedo médio esticados e ligeiramente
afastados", "orientação na horizontal", com "localização no crânio"
e "movimento de abertura e fechamento dos dedos”, isso é, a partir
das formas linguísticas elementares que o compõem. Em todos os
casos, é somente na relação de seus parâmetros de composição que as
características semânticas que unem os sinais das formas visuais são
atualizadas. A abstração do corpo é, portanto, um princípio essencial:
analisável em parâmetros, o corpo é o primeiro elemento do sistema
linguístico.

A descrição contida na citação acima pode ser visualizada na figura a
seguir.

FIGURA 17 – SINAL DE CABELEIREIRO

FONTE: Aplicativo Hand Talk. Acesso em: 8 ago. 2018.

Atualmente, após muitas lutas e debates, reconhece-se a corporalidade do


ser surdo como uma forma autêntica de expressão e criatividade linguageira. E
não deveria ser diferente, pois as posturas, posições, extensões dos movimentos
e deslocamentos do corpo no espaço discursivo podem marcar a formalidade
e a informalidade do discurso sinalizado, as mudanças de turnos de fala
entre personagens de uma narrativa, as relações gramaticais; podem também
demonstrar as atitudes e ações no momento da incorporação de um personagem
etc. Todos esses aspectos serão aprofundados à medida que avançarmos na
construção deste e de outros cadernos.

181
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

O corpo, portanto, como articulador primário dos sinais, contrariamente


aos elementos do aparelho fonador da língua falada, é a estrutura física de
um organismo vivo disponível à percepção humana, mas, no momento do
uso linguístico sinalizado, ele é abstraído. Do mesmo modo, as ações que ele
desempenha no discurso, embora remetam muitas vezes às ações humanas
concretas, são apenas indícios ou traços cognitivos e semânticos dessas ações
oferecidos à vista do receptor, segundo o que Cuxac (2000, 2001) denomina de
“dizer mostrando”. Esses pontos serão explorados mais detalhadamente no
tópico 3.

Um ouvinte que não conhece Libras, ao visualizar a figura a seguir, pode


reconhecer a expressão facial do sinalizante como algo familiar, visto que o uso
dessas expressões faz parte de sua experiência enquanto produtor e receptor
de informações afetivas, entretanto, ele não reconhecerá essa expressão como
um elemento discursivo. Porém, surdos fluentes em língua de sinais não têm
problemas em identificar expressões faciais linguísticas e não linguísticas. Você
deve recordar que ambas, expressões faciais linguísticas e não linguísticas, podem
ser retraçadas por aparelhos de neuroimagem em hemisférios diferentes e que os
afásicos podem perder uma ou outra, dependendo do local em que seus cérebros
foram lesionados.

FIGURA 18 – USO DO CORPO NAS PRÁTICAS DISCURSIVAS

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade.


Timecode 00:45:11. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>.
Acesso em: 31 jul. 2018.

Efetivamente, somente o contexto linguístico pode nos informar que o uso


da expressão facial da figura anterior se refere à atitude de um personagem, ou
seja, a incorporação de um rei que, com ar arrogante e autoritário, solicita ao seu
visitante (representado pelo dedo indicador) de se aproximar (mão espalmada,
fazendo o sinal de “vir”).

182
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

Vale ressaltar que a noção de incorporação e corporalidade é teorizada


por Dominique Maingueneau, um representante muito importante da Análise do
Discurso de linha francesa. Ao estudar o ethos na análise discursiva na literatura,
Maingueneau (2014, p. 6) argumenta que

Muito do poder persuasivo de um discurso vem do fato de que


ele leva o receptor, por meio da enunciação, a se identificar com
o movimento de um corpo, mesmo que seja muito esquemático,
investido de valores historicamente especificados. Essa concepção
encarnada do ethos é revelada através do conceito de “incorporação”
que associa intimamente à “corporalidade” uma especificação do
grupo social apreendida de forma dinâmica, e um “caráter”, uma série
de predicados psicológicos. A incorporação joga em três registros:
- A enunciação da obra confere uma “corporeidade” ao fiador, ela lhe
dá corpo;
- O receptor incorpora e assimila um conjunto de esquemas que
correspondem a um modo específico de se relacionar com o mundo,
habitando o próprio corpo;
- Essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um
corpo, da comunidade imaginária daqueles que aderem ao mesmo
discurso.

DICAS

O conceito de ethos passa por diferentes perspectivas, desde a retórica de


Aristóteles até a concepção de Maingueneau que o amplia. Esse autor imprime a esse
conceito uma noção discursiva, ligada ao processo de interação, em que o intuito do
enunciador é influenciar o outro, e ainda a uma noção sociodiscursiva que não pode ser
compreendida fora de um contexto de enunciação. De certa forma, o emissor busca fazer
o receptor aderir a seus argumentos e posicionamentos (MESTI; LIMA; BARONAS, 2015). O
fiador é “uma figura representativa construída pelo leitor/coenunciador a partir dos indícios
deixados pelo enunciador” (FREITAS; CHIARADIA; FACIN, 2014, p. 326) que são recuperáveis
no texto.

Assim, seguindo a perspectiva discursiva de Maingueneau, os enunciados


sinalizados articulam o corpo e o discurso a serviço de uma funcionalidade
comunicativa. Além disso, sempre que um enunciador ou narrador encarna o
papel de um personagem ou relata o discurso de alguém, ele coloca em jogo
toda a dinâmica corporal para transmitir a mensagem, cujo sentido só pode
ser recuperado no contexto de enunciação. O enunciador pode, dessa forma,
jogar com as posições do seu corpo no espaço discursivo, a fim de transmitir
credibilidade às ações discursivas de um narrador ou personagens. O receptor
compreenderá a mensagem, assimilando essa corporalidade às suas próprias
experiências e comportamentos partilhados pelo seu grupo social.

183
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Perceba, então, que uma análise sinalizada só pode adotar como ponto
de partida o contexto de uso, uma vez que não é possível compreender todas
as instâncias combinatórias e semânticas pela aprendizagem de sinais/palavras
isoladas em um dicionário ou glossário. Além do mais, uma análise de discurso
sinalizado precisa abranger todos os eixos da construção e atualização textual
em uma situação definida, ou seja, deve levar em conta os elementos lexicais,
estruturais, discursivos e pragmáticos.

Devido a essa especificidade linguístico-cultural, um professor surdo


deve criar estratégias para que os aprendentes ouvintes de Libras como L2
possam desenvolver sua corporalidade para o uso linguístico, pois, embora todos
se expressem corporalmente, essa habilidade linguística não é compartilhada em
seu meio social. Do mesmo modo, o professor, surdo ou ouvinte, de aprendentes
surdos de Libras como primeira língua, precisa fornecer um modelo de sinalização
compatível com as habilidades perceptivas visuais e psicocognitivas de seus
alunos.

5 NARRATIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS


A partir do conto O pequeno príncipe, de Saint-Éxupéry, traduzido para a
Libras, vamos abordar alguns elementos que compõem as narrativas nessa língua.
O vídeo analisado está disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>, e foi
acessado em 31 de julho de 2018. A versão para a Libras, que foi publicada em 4
de outubro de 2016, faz parte do Projeto Acessibilidade em Bibliotecas Públicas,
que disponibiliza livros on-line em versão audiovisual acessível.

O texto narrativo tem a característica de contar e descrever as ações de


personagens. Para marcar o tempo em que se narra determinada história, o
narrador usa um elemento adverbial, veja o exemplo na figura a seguir.

FIGURA 19 – USO DO ADVÉRBIO PARA MARCAR A


TEMPORALIDADE

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade.


Timecode 00:02:38. Disponível em: <https://youtu.be/
foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.

184
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

O sinal com a configuração de mão em e cuja palma está voltada para


trás na altura da orelha, mas sem contato com ela, é repetido duas vezes com
movimentos do pulso para trás. Expressões faciais da boca e dos olhos marcam
a intensidade, resultando num significado equivalente à expressão ‘há muito
tempo atrás’. A partir dessa única marcação, todo o texto será enquadrado num
eixo temporal em que os acontecimentos já aconteceram num passado.

Perceba que o corpo do sinalizante está voltado para a frente, como se


o olhar estivesse dirigido para o leitor/visualizador. Essa é a perspectiva do
narrador, que é caracterizado como observador, uma vez que não participa do
enredo.

DICAS

"Enredo - trata-se da estrutura da narrativa, ou seja, a trama em que se


desenrolam as ações. São classificados em: enredo linear, enredo não linear, enredo
psicológico e enredo cronológico”. Se você quiser conhecer mais sobre os conceitos aqui
discutidos, acesse o link: <https://www.todamateria.com.br/texto-narrativo/>, que foi
acessado em 10 de agosto de 2018.

Quando se trata da perspectiva do observador, a postura, direção do


olhar e do corpo do sinalizante é posicionado como o que foi mostrado na figura
anterior, marcando a narração em 3ª pessoa. No entanto, quando o narrador
toma a perspectiva dos personagens, ou seja, narração em 1ª pessoa, o seu
corpo é levemente voltado para a direita ou para a esquerda, conforme o local
previamente marcado para cada personagem, nesse caso, o olhar é dirigido para
um lugar neutro na direção estabelecida em que marcadamente há determinado
personagem. Observe a figura a seguir, em que foi feita uma montagem das
perspectivas dos personagens.

185
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 20 – USO DO ROLE-SHIFT PARA MARCAR A MUDANÇA DE


PAPÉIS

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade.


Timecode 00:07:16. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>.
Acesso em: 31 jul. 2018.

Perceba que nesse momento os personagens são incorporados pelo


narrador, desse modo, o espaço de referência ao pequeno príncipe foi estabelecido
à direita do sinalizante e o do narrador à esquerda, não se confunda com o
espelhamento, pois, para o leitor, as posições se encontram invertidas. Em toda
a história, o narrador vai desempenhar os dois papéis, caracterizando-se, assim,
como narrador onisciente, ou seja, ora está narrando em 1ª pessoa (eu), o discurso
direto, ora em 3ª pessoa (ele), o discurso indireto. Essa mudança de posição
corporal e expressões faciais marcam os turnos de conversação dos personagens,
a essa estratégia dá-se o nome de role-shift ou troca de papéis.

Note também a direção do olhar, a expressão facial que determina o estado


afetivo de cada personagem ou sua personalidade e a posição da cabeça. Todas
essas nuances transmitem significados. Para o papel do pequeno príncipe foi usada
uma expressão facial serena, o olhar e a cabeça são dirigidos perpendicularmente
para o alto, marcando a diferença de tamanho entre ele e o seu interlocutor. Já
para o papel do narrador, uma expressão mais forte foi adotada, além disso, o
olhar e a cabeça são dirigidos perpendicularmente para baixo.

Resumindo, sempre que a orientação do olhar do emissor ou narrador


estiver voltada para um ponto qualquer do espaço e não apoiada no contato direto
com o receptor, como ilustrado nas figuras 15, 18 e 20, não se trata mais do seu
discurso, mas do discurso de uma personagem ou de alguém. Não obstante, sempre
que o olhar estiver dirigido para frente como que fixando o leitor ou receptor, como
nas figuras 11, 14, 16 e 19, trata-se da perspectiva do narrador ou emissor.

Numa narrativa podem aparecer construções complexas, num vai e vem


entre perspectivas do narrador e perspectivas dos personagens, caracterizado por
um discurso indireto livre simultâneo. Um exemplo desse fenômeno pode ser
observado na figura a seguir.

186
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 21 – SEQUÊNCIA DESCRITIVA EM DISCURSO DIRETO E INDIRETO


SIMULTÂNEO

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode 00:44:45 a


00:44:49. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.

A sequência é introduzida pelo elemento lexical ‘REI’, em que é possível


perceber a perspectiva do narrador em terceira pessoa. Em seguida, na imagem
cuja glosa é ‘TRONO’, as mãos e braços executam formas que remetem vagamente
ao referente trono, mas note que, embora o olhar esteja dirigido ao receptor, a
expressão facial remete à fisionomia autoritária do personagem. Ela vai seguir
todo o resto da sequência, enquanto as mãos descrevem a gola e o longo manto.
Na descrição da gola, o olhar deixa de estar fixado à frente, logo, essas informações
que se interpõem marcam uma simultaneidade cuja ocorrência é impossível na
língua oral. Por isso, é conveniente denominar essa estratégia de discurso direto
e indireto simultâneo, haja vista que estão sendo apresentadas as perspectivas do
narrador e do personagem ao mesmo tempo. Ocorrência essa complexa porque,
somado a isso, há componentes manuais que estão descrevendo outros aspectos
do discurso.

187
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

DICAS

É aconselhável ver as sequências diretamente no vídeo do qual foram extraídas


por meio de captura de tela. Abaixo de cada figura há o timecode correspondente para que
você possa posicionar facilmente no local em que se encontram.

Esta seção é uma pequena introdução para o Tópico 3, no qual serão


aprofundados os fundamentos linguísticos e discursivos em língua de sinais. Na
próxima seção, abordaremos a função poética da língua de sinais.

6 FUNÇÃO POÉTICA EM LÍNGUA DE SINAIS


Na terceira seção deste tópico, foram dados exemplos de funções da
Libras, dentre eles a função poética, a qual será aprofundada agora. No entanto,
o que caracteriza a linguagem poética em Libras e a distingue das outras funções
existentes e da língua que é usada cotidianamente? Basicamente, pode-se dizer que
a linguagem poética em Libras apresenta uma forma diferenciada, estruturada de
modo a provocar efeitos de sentido, bem elaborada e, sobretudo, ligada ao prazer
e à estética (MARION BLONDEL, 2000).

Um dos primeiros estudos em poesias sinalizadas foi apresentado por


Klima e Bellugi (1976), descrevendo a poesia pelo uso intensificador dos sinais,
movimentos, alteração de localizações, mudanças na seleção de dedos e expressões
faciais. Todos esses recursos produzem metáforas e jogos com sinais que fogem
à padronização lexical, além de impor à estrutura poética ritmos e suavização de
transição. Vejamos esses dois pontos.

A suavização na transição dos sinais tende a manter "um fluxo de


movimento entre signos" (KLIMA; BELLUGI, 1976, p. 56). Para isso, o sinalizante
escolhe sinais com configurações semelhantes ou com o mesmo ponto de
articulação. Pode também executar um novo sinal próximo ao ponto de articulação
do sinal anterior.

Observe a figura a seguir cuja descrição da sequência é a seguinte: O sinal


SER é executado com a mão esquerda do alto da cabeça até a altura do espaço
neutro, onde é estabilizado; então, a mão direita, que estava em repouso ao longo
do corpo, passa a realizar outras formas, como para SINAL ou SIGNIFICA,
FÁCIL e DENTRO. Em seguida, ambas as mãos realizam a configuração do sinal
VÁRIOS, assumindo uma trajetória oposta e para o alto até chegar na lateral da
cabeça.

188
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 22 – MUDANÇAS DOS PARÂMETROS DE SINAIS PADRONIZADOS

FONTE: Tempo de poesia - verbo ser em Libras. Timecode 00:01:40 a 00:01:49.


Disponível em: <https://youtu.be/xmSlUWJ1WgU>. Acesso em: 11 ago. 2018.

Note que a configuração está estabilizada no espaço neutro com a


palma voltada para trás, ainda mantendo o ponto de articulação no espaço neutro,
por um movimento interno, muda-se, então, a configuração para compor o sinal
DENTRO, que possui fortes traços de semelhança com a configuração anterior.
Ambas as mãos passarão, então, a executar o sinal VÁRIOS, que em linguagem
cotidiana é realizado no espaço neutro também. Entretanto, para ser investido
de uma função poética, ele passa a ser produzido com movimento externo e
deslocado de seu ponto de articulação habitual, a fim de dar um desfecho ao
poema.

DICAS

A noção de movimento interno e externo vem do estudo em fonética (cinética)


das línguas de sinais realizado por Wendy Sandler (2017). O movimento interno ocorre em
sinais que modificam suas configurações de mão ou a orientação da palma, que ocorrem
pela articulação/flexão dos dedos e punho, por exemplo, os sinais NAMORAR e PROFESSOR.
Já o movimento externo se dá pela flexão dos ombros e cotovelos (extensão ou flexão),
descrevendo uma trajetória no espaço devido à mudança de lugar, por exemplo, o sinal de
PEDAGOGIA.

189
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

A respeito do padrão rítmico em poesias sinalizadas, após consultar Valli


(1993) e Sutton-Spence; Ladd e Rubb (2005), Ribeiro; Pereira; Souza-Junior (2016,
p. 101) conclui que “[...] o ritmo em poemas em línguas de sinais vai depender
das escolhas de como serão empregados e construídos os movimentos dos sinais
do poema, bem como a alternância dos mesmos, sua duração, trajetória, ênfase e
pausas”.

Além disso, outros pontos relevantes para o ritmo são a repetição do


movimento e as pausas. As figuras 23 e 24 têm exemplos de alguns desses tipos
de recursos rítmicos.

FIGURA 23 – O RITMO NA POESIA DE LIBRAS

FONTE: Tempo de Poesia - Todas as manhãs (em Libras), de Conceição Evaristo. Timecode
00:00:17 a 00:00:27. Disponível em: <https://youtu.be/yOh-uU-BlEk>. Acesso em:11 ago.
2018.

O sinal é realizado com o antebraço de apoio na horizontal, palma


voltada para baixo e fixado nessa posição, enquanto que a mão dominante,
com configuração em “O”, executa quatro movimentos circulares (repetição e
trajetória), próximo ao antebraço de apoio. Cada vez que um círculo é completado,
no momento em que a mão dominante atinge o lado inferior do braço de apoio, o
sinalizante dá um pequeno impulso com o corpo (ênfase), marcando a cadência
temporal do fenômeno descrito. O recurso de pausa pode ser observado na Figura
22 com o sinal de SER que fica estabilizado na frente da sinalizante, enquanto
outros elementos são executados em contato ou em torno dele.

190
TÓPICO 2 | EXPRESSIVIDADE E FUNÇÕES COMUNICATIVAS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 24 – ASPECTOS RÍTMICOS E DE SUAVIZAÇÃO

FONTE: Canal youtube tv ces. Todas as manhãs. Timecode 00:02:20 a 00:02:35.


Disponível em: <https://youtu.be/yOh-uU-BlEk>. Acesso em: 11 ago. 2018.

Nessa sequência, o sinal PRETO é, alternadamente, repetido três vezes e


o sinal de SEMENTE é realizado na mesma altura com um pequeno afastamento
da testa, marcando a suavização do sinal pela redução do movimento entre um
e outro, antecipando o ponto de articulação que seria no espaço neutro. Em
seguida, a mão de apoio, que já estava na altura do peito, se afasta do corpo
no espaço neutro e se transforma num receptáculo (um buraco na terra). Como
se estivesse plantando a semente, o sinalizante repete esses mesmos sinais em
diversos lugares do espaço, dando a ideia de que várias sementes são plantadas,
em seguida, os dedos de ambas as mãos são selecionados alternadamente, o
número um, depois dois e finalmente todos os dedos dão o sentido de que as
sementes brotaram.

Como é possível perceber, a linguagem poética sinalizada tem uma


riqueza de efeitos perceptuais, cujas composições, muitas vezes metafóricas,
distinguem-se enormemente da sinalização do uso cotidiano. Por isso, defende
Sutton-Spence que “a poesia é, particularmente, adequada para a aprendizagem
de língua, porque os estudantes devem entender a forma para entender o poema.
Ela chama nossa atenção para a língua e suas regras” (2014, p. 119).

Evidente também é o fato de que a poesia sinalizada faz parte da


constituição da identidade surda, uma expressão que transmite emoções e
sentimentos, relata experiências e movimentos de resistência. A poesia sinalizada
tem um papel unificador da cultura e conhecê-la é como mergulhar nas águas
profundas da subjetividade surda.

Com essas palavras, o Tópico 2 é encerrado. Leia o resumo e prepare-se


para o próximo tópico que finalizará o nosso caderno.
191
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Uma língua de sinais é constituída a partir de critérios que as diferenciam de


interlínguas, como as que se aproximam da língua oral. Assim, os aspectos
mais relevantes são: as variações sociolinguísticas são mais normalizadas, pois
o processo histórico de estabilização gramatical já está mais consolidado; sua
sintaxe se caracteriza no uso do espaço e na simultaneidade, a expressão facial
é diferenciada das expressões afetivas; ela também pode ser transmitida para
novas gerações e facilita a compreensão do surdo.

• Há vários modos de marcação do plural em Libras, tais como a incorporação


de números, o deslocamento de um sinal no espaço, a repetição do sinal e,
no que concerne ao plural de pessoas, pode-se usar o morfema de entidade,
repetindo-o até quatro vezes ou acrescentando a outra mão e uma expressão
facial para marcar a intensidade.

• A Libras pode cumprir todas as funções da linguagem verbal como qualquer


língua oral. Assim, as funções referencial, emotiva, poética, metalinguística,
conativa e fática estão também presentes em diversos gêneros discursivos da
Libras.

• A corporalidade da língua de sinais é uma habilidade humana mais refinada,


uma vez que o corpo é usado para expressar os aspectos linguísticos. Por isso,
não pode ser confundida com mímica ou pantomima, que são, sim, habilidades
mais desenvolvidas, mas são limitadas em sua recursividade, sentido e
discursividade.

• As narrativas em língua de sinais podem relatar, descrever ou narrar


acontecimentos em determinado eixo temporal e espacial. Vários recursos são
usados para trazer fluidez ao discurso narrativo: troca de papéis, direção do
olhar, descrições, expressões faciais e incorporação de personagens.

• A função poética em Libras se torna possível pela modificação dos parâmetros


dos sinais padronizados a fim de revestir-los de efeitos de sentidos distintos.
Assim, aspectos rítmicos e suavidade de transição, metáforas e jogo com sinais
podem ser produzidos e verificados.

• A poesia em língua de sinais, devido aos efeitos perceptuais que causa, é um


excelente instrumento para o letramento de crianças surdas e para o ensino
de L2, pelo fato de levar os estudantes a refletir nas transformações das
formas convencionais e de como é possível desenvolver habilidades motoras e
expressivas nessa língua.

192
AUTOATIVIDADE

Com base na última seção sobre poesia surda, visualize o poema Canção do
exílio (Disponível em: <https://youtu.be/I2C7fOg8Fpg>. Acesso em: 11 ago.
2018). Identifique sequências que apresentem:

- uma pausa;
- uma repetição;
- uma composição para marcar o plural (visto na seção 2)

Faça capturas de tela e indique o tempo em que o exemplo que você escolheu
aparece. Seguindo o modelo da figura a seguir.

Timecode 00:01:40 a 49

Observação: A figura anterior exemplifica a noção de pausa, pois é possível ver


que a mão esquerda fica parada enquanto outros sinais são produzidos pela
outra mão:

193
194
UNIDADE 3
TÓPICO 3
FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM
LÍNGUA DE SINAIS

1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao último tópico desta unidade. Partimos de questões mais
teóricas que permitiram vislumbrar as mudanças de concepções de estudar
e analisar a linguagem verbal, demonstrando a importância de se trabalhar
com dados linguísticos reais. Em seguida, foram abordadas as características
propriamente expressivas da Libras e como a corporalidade é estrategicamente
utilizada para a manifestação simbólica e sígnica, ou seja, as manifestações
linguísticas. Nesse tópico, avançaremos para o aprofundamento de certas
estratégias discursivas e de certos aspectos linguísticos relevantes para o discurso
sinalizado. Assim, entramos num momento mais prático de nosso caderno, pois
todos os conceitos serão ilustrados com exemplos de discursos reais.

É claro que todas as questões aqui discutidas serão gradualmente


aprofundadas em outros cadernos, por isso não se preocupe com o caráter
introdutório das seções. Aos poucos, todos os aspectos serão mais minuciosamente
explicados. Para uma pequena apresentação, tomemos como exemplo a concepção
das estruturas de grande iconicidade, que foi investigada por um teórico francês,
Christian Cuxac. Vejamos o que diz Kapitanuk (2011, p. 57) a respeito.

Segundo Cuxac (2000), as línguas de sinais possuem, de um lado, um léxico


padrão e, de outro, um conjunto referencial variável que ele chama de continuum
icônico, por isso, em sua teoria, ele descreve a existência de duas vias estruturais:
a via lexical e a via iconizadora ou via das estruturas de grande iconicidade.
A segunda via coloca em ação mecanismos cognitivos que consistem a ilustrar
a experiência a ser transmitida. As Estruturas de Transferência são, então,
consideradas como recursos cinésicos que reproduzem formalmente os
contornos das formas, os deslocamentos espaciais dos agentes em relação a um
ponto fixo.
São estratégias de construção de referências, cujo objetivo é descrever e mostrar
os eventos numa interação verbal. No momento do ato discursivo, o sujeito
ativa dimensões cognitivamente ancoradas para reconstituir as experiências,
utilizando para isso todo grupo muscular e movimentos corporais.

Para ler o artigo cujo título é “Cognição, cultura e funções sígnicas: uma análise
da mediação semiótica no desenvolvimento histórico, social e linguístico do
sujeito surdo”, disponível em: <http://www.cienciasecognicao.org/revista/
index.php/cec/article/view/435>. Acesso em: 13 ago. 2018.
195
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Cuxac, contrapondo as concepções de outros pesquisadores, sobretudo os


norte-americanos, levanta a polêmica questão sobre a iconicidade das línguas de
sinais. Acreditou-se por algum tempo que o aspecto icônico dessas línguas poderia
levar à falsa compreensão de que elas seriam muito concretas e confundidas
com o sistema gestual. Por isso, os primeiros pesquisadores concentraram seus
esforços na investigação das unidades mais arbitrárias, ou seja, que não possuem
características de seus referentes.

As línguas orais demonstram poucas manifestações icônicas, como


as onomatopeias, os signos criados para representar determinados sons
como ‘bum’, ‘tique-taque’, ‘zum-zum’. A presença mais abundante ou menos
significativa de aspectos icônicos nas línguas trata-se de efeitos próprios de cada
modalidade. Além disso, há os que defendem que a língua falada não deveria
ser considerada apenas em seus aspectos auditivos, mas que estaria apoiada pela
complementaridade dos gestos que a acompanham (KENDON, 2004; MCNEILL,
1992; EMMOREY, 1999; RECTOR; TRINTA, 1985; CORREA, 2007).

Não há dúvidas de que as línguas de sinais parecem mostrar certos


aspectos e traços dos referentes do universo físico, enquanto que as línguas
faladas precisam apoiar com gestos ou com recursos imagéticos complementares,
como diagramas, imagens, desenhos etc. Como se daria, assim, o processo de
criação lexical e o processo de uso de estruturas de grande iconicidade? Veja o
exemplo da figura a seguir.

FIGURA 25 – O REFERENTE ÁRVORE RETOMADO POR DOIS PROCESSOS DIFERENTES

FONTE: Sallandre (2006, p. 35)

Observe as duas formas de se referir ao conceito <<árvore>> em língua


de sinais. O segundo quadro é um sinal estabilizado que tomou alguns traços
salientes do objeto de mundo tomado como referente: o tronco representado pelo
antebraço no sentido vertical, os galhos representados pela mão espalmada e o
solo que é representado pelo braço e mão de apoio no sentido horizontal. Já o
quadro ao lado contém uma unidade não convencional para <<árvore>> que é
uma descrição do tamanho e da forma do tronco, nesse intuito, as bochechas são
infladas, dando a noção de que se trata de um grande volume.

196
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

A partir dessa rápida introdução, daremos início a este tópico que tratará
dos seguintes objetivos:

• discutir as estratégias discursivas em língua de sinais;


• abordar a teoria de Cuxac sobre as Estruturas de Grande Iconicidade;
• entender como acontece a simultaneidade em língua de sinais;
• estudar as representações semântico-cognitivas em língua de sinais;
• compreender as estratégias dêiticas e anafóricas em língua de sinais.

2 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS EM LÍNGUA DE SINAIS

Relatar eventos, sejam fictícios ou reais, faz parte da vida cotidiana humana.
Não há sociedades sem relatos e não há relatos sem estratégias discursivas. Em
língua de sinais não poderia ser diferente. Morgan (1998, p. 6), ao estudar o
discurso em língua de sinais, faz a seguinte colocação:

O discurso em sinais explora o espaço sinalizado para se referir aos


protagonistas da narrativa. Os sinalizantes podem usar locações
arbitrárias associadas a áreas do espaço sinalizado para representar os
referentes. Outra opção é representar a interação dos referentes, bem
como o diálogo e a ação, por meio de uma mudança de referência do
narrador para outra primeira pessoa. Esta estratégia assemelha-se mais
ao discurso direto no discurso da linguagem falada [...] a mudança
de referência significa que um sinalizante relata ações, monólogos,
pensamentos e reações a eventos da perspectiva de outra pessoa, ao
invés do narrador.

Na seção 5 do tópico anterior, quando falávamos de alguns componentes


das narrativas, apresentamos o exemplo da Figura 20, que ilustra a mudança de
papéis dos personagens, mas há outras formas de colocar os protagonistas em
espaços específicos, tanto do ponto de vista do narrador como de uma personagem.
Veja a figura a seguir, que mostra outro recurso usando classificadores de pessoa.

FIGURA 26 – AMBOS, LADO A LADO FICARAM EMUDECIDOS

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade.


Timecode 01:19:25. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>.
Acesso em: 31 jul. 2018.
197
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Sobre a representação do discurso, Morgan (1998, p. 6) diz que

As línguas faladas fazem grande uso do recurso de linguagem espacial


por meio de símbolos arbitrários, por ex., sob, ao lado, em frente. No
entanto, os sinalizantes podem posicionar unidades linguísticas, como
substantivos e verbos, no espaço sinalizado de acordo com as matrizes
espaciais do mundo real. Essa possibilidade tem um impacto direto
na forma como os sinalizantes constroem o discurso, em comparação
com os falantes.

No exemplo da figura anterior, no momento em que assume o papel de


narrador, o sinalizante usa a mesma configuração de mão, que se trata de um
classificador de pessoa, para representar os dois referentes que estão posicionados
lado a lado. Embora não seja um espaço no mundo real, visto que se trata de uma
narrativa fictícia, evidencia-se a coerência do uso do espaço ao longo de todo o
relato dos eventos discursivos.

O próximo exemplo, que pode ser observado na figura a seguir, envolve a


interação sintática com o espaço topográfico.

FIGURA 27 – ELE ME OLHAVA, NÓS NOS ENTREOLHÁVAMOS

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode


00:07:36. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31
jul. 2018.

No exemplo dado, o verbo direcional VER, que usa a configuração de


mão em é, primeiramente, dirigido do espaço que foi estabelecido para o
personagem pequeno príncipe para o do narrador. Logo em seguida, a mão de
apoio passa a realizar a mesma configuração para o lado oposto, ou seja, partindo
do local definido para o narrador em direção ao espaço do outro personagem.
Essa construção remete ao sentido de ‘se entreolhar’.

Os dois exemplos anteriores são representações de pessoas cujas estratégias


fazem uso de classificadores e de espaço, mas quando se trata de representar
um efeito sonoro? Que estratégia é possível adotar? Para trazer um exemplo, foi
escolhido um recorte de sequência fílmica em que um ‘eco’ é descrito. Acompanhe
na figura a seguir.
198
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 28 – USO DE ESTRATÉGIA PARA DESCREVER O EFEITO SONORO DE UM ECO

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode 01:21:26.


Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.

Certamente, não é evidente usar o recurso corporal que é visual para


representar um som que reverbera no espaço acústico. A estratégia aqui utilizada
foi a de representar ondas por meio do deslocamento gradual dos braços para as
laterais e ligeiramente para o alto, seguida das duas mãos configuradas em R de
REPOSTA no sentido contrário e realizando o mesmo trajeto. De novo, expressões
faciais e o uso do espaço podem ser identificados.

Continuaremos a abordar estratégias nas próximas seções, cada uma sob


um aspecto diferente do outro. A teoria de Cuxac dará sequência a essa discussão.

3 ESTRUTURAS DE GRANDE ICONICIDADE


A noção de Estruturas de grande iconicidade (EGI) foi teorizada por
Christian Cuxac (2000, 2001). Um ícone, segundo a teoria de Peirce (1975), é
um signo que guarda características perceptuais do referente. Como foi dito na
introdução, as onomatopeias são exemplos de ícones nas línguas faladas. Em
Libras, o sinal ÁRVORE, por exemplo, é um tipo de ícone, pois apresenta alguns
traços do referente do mundo real, como vimos na Figura 25.

Para o autor, há três tipos de estruturas que se tratam de operações que


visam retomar alguns aspectos dos objetos e fenômenos do mundo físico, ao que
ele denomina de transferências e que podem ser de três tipos:

• Transferência de forma e tamanho (TF) – trata-se de produções manuais e


faciais que descrevem objetos ou pessoas de acordo com o seu tamanho ou
forma, como a que foi representada na introdução deste tópico.
• Transferência de situação (TS) – esse tipo de produção cinésica envolve o
movimento de um objeto ou personagem, geralmente representado por um
classificador, em relação a um ponto locativo estável.
• Transferência de pessoa (TP) – implica na incorporação de uma entidade
à qual se refere, assumindo um papel (agente ou paciente) e um processo, a
fim de representar as ações dessa entidade que podem ser seres animados ou
inanimados que ganham vida (metaforicamente).

199
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

As definições anteriormente apresentadas, bem como a noção de


iconicidade, serão exploradas com mais detalhes em outros cadernos, o intuito
aqui é de trazer uma breve abordagem. Em relação às transferências, a partir
de agora, cada uma delas será exemplificada por sequências retiradas de
alguns gêneros discursivos contidos no site da TV INES, tais como noticiário,
documentário e contação de histórias. Observe um exemplo de transferência de
forma na figura a seguir.

FIGURA 29 – TRANSFERÊNCIA DE FORMA - CUPCAKE

FONTE: A vida em libras – é festa 1. Timecode 00:06:01 a 00:06:03. Disponível em: <http://
tvines.org.br/?p=17666>. Acesso em: 14 ago. 2018.

Geralmente, a transferência de forma não necessariamente apresenta


o tamanho do objeto discursivo que está sendo descrito. Na figura anterior, o
primeiro quadro apresenta a base redonda do pequeno bolo (um cupcake), em
seguida, mostra-se a aparência da decoração que, formando uma leve espiral,
acaba por uma ponta fina. Veja na figura a seguir um exemplo de transferência de
forma e tamanho.

FIGURA 30 – TRANSFERÊNCIA DE FORMA E TAMANHO – BALÃO

FONTE: A vida em libras – é festa 1. Timecode 00:04:37 a 00:04:39. Disponível em: <http://
tvines.org.br/?p=17666>. Acesso em: 14 ago. 2018.

200
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

O tamanho, geralmente, está associado a uma forma e as expressões faciais


são muito importantes para indicar caso se trata de um objeto grande (bochechas
infladas) ou pequeno (bochechas contraídas). O exemplo dado é de um balão de
aniversário, cuja forma e tamanho são representados pela forma e posição das
mãos, além da expressão não manual.

O segundo exemplo de transferência é o de seres animados, que podem


ser pessoa, animal, planta ou objetos, os quais, na literatura ou desenho animado,
ganham vida. Esse fenômeno também é chamado de incorporação de personagem,
geralmente está mais associado aos gêneros narrativos como os contos, as lendas,
as histórias, mas também podem fazer parte de um relato em que o emissor retoma
o discurso de uma terceira pessoa, como numa conversa informal em que a mãe
incorpora as atitudes e enunciados do filho, reproduzindo suas ações e palavras.
Esse mesmo recurso leva o nome de sub-rogado, conceito que não iremos tratar
aqui, mas que será retomado em outro caderno.

Nas figuras 31 e 33, são dados dois exemplos de transferência de pessoa.

FIGURA 31 – TRANSFERÊNCIA DE SER ANIMADO (PESSOA)

FONTE: Contação de histórias – a árvore de natal. Timecode 00:05:32 a 00:05:34. Disponível


em: <http://tvines.org.br/?page_id=17497>. Acesso em: 14 ago. 2018.

Nesse exemplo, o narrador incorpora uma personagem chamada Laura,


reproduzindo o seu despertar. Essa estratégia discursiva está muito mais
relacionada aos relatos. Assim, para outros tipos de discurso, há um elemento
específico para o conceito de despertar/acordar, que pode ser visualizado na
figura a seguir.

201
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 32 – SINAL DE ACORDAR/DESPERTAR

FONTE: Aplicativo Prodeaf. Acesso em: 14 ago. 2018.

O outro exemplo é de incorporação de um gato. Do mesmo modo, o


elemento GATO antecipa a incorporação que remete à posição que o animal se
encontra.

FIGURA 33 – TRANSFERÊNCIA DE SER ANIMADO (ANIMAL)

FONTE: Contação de histórias – pedroca, o menino que sabia voar. Timecode 00:01:05 a
00:01:07. Disponível em: <http://tvines.org.br/?page_id=18200>. Acesso em: 14 ago. 2018.

As figuras 34 e 35 se referem à transferência de situação. Esse fenômeno


pode fazer um uso significativo de classificadores, uma vez que são relatadas
ações de determinado agente ou fenômenos naturais.

202
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 34 – TRANSFERÊNCIA DE SITUAÇÃO (AGENTE /AÇÃO)

FONTE: A vida em libras – café. Timecode 00:03:00 a 00:03:03. Disponível em: <http://tvines.
org.br/?page_id=18577>. Acesso em: 14 ago. 2018.

Toda a ação descrita na sequência da figura anterior é devidamente


contextualizada: no quadro 1, o elemento lexical CABRA introduz o enunciado,
em seguida, apresenta-se outro referente pelo sinal de ÁRVORE. As duas mãos
estão envolvidas, simbolizando um e outro referente. Os frutos da árvore não
são dados, mas podem ser compreendidos contextualmente, afinal, logo após o
movimento da mão direita, que está próximo ao alto do sinal executado pelo braço
e mão esquerdos, remete à ação de mastigar/comer. A sequência é complementada
com expressões faciais e labiais, a fim de dar o sentido ao enunciado. O enunciado
pode ser transcrito: “A cabra come os frutos da árvore”.

FIGURA 35 – TRANSFERÊNCIA DE SITUAÇÃO (FENÔMENO NATURAL)

FONTE: Primeira mão – 16/08/18. Timecode 00:01:57 a 00:01:59. Disponível em: <http://tvines.
org.br/?page_id=14485>. Acesso em: 14 ago. 2018.

Já o exemplo da figura anterior trata-se de uma transferência de situação


em que é descrito um conjunto de casas que desabam. Esse recorte foi retirado
de uma notícia em que uma cidade foi acometida de tremores muito fortes
que destruíram o local, deixando muitas pessoas desabrigadas. A escolha do
narrador centrou-se no desabamento, deixando subentender que as pessoas não
possuem mais casas para morar. Trata-se de um implícito semântico, uma vez
que as transferências permitem retraçar as experiências cognitivas das ações e
fenômenos humanos e naturais.

203
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

É certo que se em alguns enunciados essas categorias podem estar


devidamente separadas, em outros pode haver uma mistura entre eles,
caracterizando transferências duplas ou até mesmo triplas. Afinal, lembre-se
do que já foi discutido anteriormente, dificilmente podemos encaixar unidades
linguísticas, enunciados ou textos em categorias estáveis e bem delimitadas,
uma vez que a língua é dinâmica e criativa, possibilitando novos modos de
expressão e novas combinações. A única restrição comunicativa é da ordem da
motricidade, haja vista que os articuladores linguísticos, sejam orais ou cinésicos,
podem produzir um determinado número de movimentos em pontos limitados
de articulação.

A nossa próxima seção vai justamente tratar das possibilidades


combinatórias das unidades linguísticas da língua de sinais. Trata-se do aspecto
simultâneo que consiste na mais marcante diferença de modalidade em relação a
uma língua falada.

4 SIMULTANEIDADE EM LÍNGUA DE SINAIS


A língua de sinais, diferentemente da língua oral, possui vários
articuladores para a produção de enunciados: dois braços e mãos, o corpo e a
face. Além disso, as mãos podem percorrer todo o corpo do sinalizante (pontos
de articulação), tendo à sua disposição todo um espaço tridimensional para
desenvolver vários movimentos e interagir com vários pontos indexicalizados.
Isso implica a possibilidade de articular vários elementos morfossintáticos
ao mesmo tempo, favorecendo uma sucessão simultânea do discurso. Assim,
segundo Risler (2006, p. 53),

Se considerarmos o signo verbal como uma unidade, sua significação


resulta da combinação simultânea de três variáveis: uma forma física,
um tipo de movimento e relações espaciais. Esses parâmetros têm um
valor icônico que se integra numa construção sintática, ligada a uma
representação espacial do sentido.

Nessa perspectiva, os elementos sígnicos exprimem fatos, ações ou coisas


e são unidades primordiais para encadear enunciados no espaço de sinalização
que se transforma em um local de representação linguageira (RISLER, 2006).
Vejamos como se constrói esse fenômeno, observando o esquema a seguir.

204
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 36 – ASPECTOS SIMULTÂNEOS EM LÍNGUA DE SINAIS

FONTE: A autora

Conforme o esquema apresentado na figura anterior, a simultaneidade


consiste de vários recursos linguísticos e discursivos e está relacionada diretamente
à iconicidade. Essa pode estar relacionada com descrições e relatos os quais
podem apresentar as expressões faciais. Evidentemente, descrições materiais e
físicas, como as transferências de forma e tamanho, podem se articular com as
transferências de situação e de pessoa, que estão vinculadas à construção dos
relatos. Transferência de pessoas também pode se associar com transferências de
situação. Além disso, morfemas classificadores podem compor e complementar
todos os tipos de transferências, e direções do olhar podem estabelecer relações
sintáticas quando transferências de situação se fizerem presentes.

Vejamos, por meio de recortes reais de uso, alguns exemplos (figuras 37,
38 e 39) que envolvem processos simultâneos. Comecemos com um exemplo que
ilustra a simultaneidade envolvendo itens lexicais, classificadores e expressão
facial.

205
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 37 – SIMULTANEIDADE COM LÉXICO E CLASSIFICADOR

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade.


Timecode 01:40:19. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>.
Acesso em: 31 jul. 2018.

Na sequência representada na figura anterior, pode-se perceber o uso


simultâneo de elementos lexicais e transferências de pessoa e situação. Na
passagem, o narrador representa a ação de carregar o personagem pequeno
príncipe no colo, cuja forma de ‘pegar no colo’ é executada com o braço esquerdo.
Com a mão direita, o narrador usa o elemento lexical CONTINUAR (no quadro
1) e ANDAR (quadro 2 com classificador de pessoa). Uma leve expressão facial
mostra a satisfação do narrador/personagem. Uma transcrição da sequência
poderia ser: “Com o menino no colo, seguiu satisfeito” ou “Com o menino no
colo, satisfeito, continuou a caminhar”.

O próximo exemplo envolve somente classificadores, um em cada mão,


com a complementaridade da direção do olhar.

FIGURA 38 – SIMULTANEIDADE COM CLASSIFICADOR

FONTE: Cocoon – seleção de corpus orais digitais. Timecode


00:01:32. Disponível em: <https://cocoon.huma-num.fr/data/
cuxac/CUC022_low.mp4>. Acesso em: 27 jul. 2018.

206
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

O recorte ilustrado na figura anterior mostra o narrador, cujo olhar


está voltado para uma árvore (braço esquerdo) e, concomitantemente, por
meio de um classificador que representa um gato, a mão direita se desloca no
espaço, ou seja, “o gato se aproxima sorrateiramente da árvore”, onde há um
passarinho (recuperado do contexto). Esse olhar dirigido à árvore também pode
estar retomando o olhar do gato. Esse exemplo foi retirado de um corpus em
Língua de Sinais Francesa, por isso, vale ressaltar que as estratégias discursivas
são compartilhadas entre diferentes línguas de sinais, uma vez que, como disse
Cuxac (2001, p. 4), elas

[...] se ancorariam na percepção ou, para não ser demasiado


reducionista, no universo perceptivo-prático. A forte semelhança das
formas gestuais selecionadas mostra que um processo de iconicização
da experiência foi levado a efeito e que esse processo se funda na
descrição de contornos de formas e/ou da retomada gestual icônica
das formas mais salientes dos referentes categorizados.

O autor relaciona, então, os processos icônicos a recursos discursivos que


colocam em ação os processos cognitivos de categorização do mundo.

A sequência a seguir também mistura vários aspectos simultâneos, acompanhe.

FIGURA 39 – USO SIMULTÂNEO DE TRANSFERÊNCIA DE FORMA, TAMANHO E SITUAÇÃO

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode 00:02:50. Disponível
em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul. 2018.

A sequência ilustrada na figura anterior mostra a simultaneidade de dois


tipos de transferências associadas a expressões faciais. Na mão esquerda está
representado um animal, na mão direita, uma cobra do tipo anaconda que devora
suas presas inteiras. O movimento da mão direita simula a cobra se aproximando
de sua vítima (quadro 1), em seguida, há a representação do momento em que a
cobra abre a boca para introduzir o animal no seu ventre (quadro 2), por fim, o
animal já está na barriga da predadora (quadros 3 e 4). Somente nessa sequência
são usadas transferências de forma e tamanho, além da transferência que descreve
a ação da cobra ao devorar sua presa, ou seja, uma transferência de situação,
caracterizando uma sequência simultânea.

O uso simultâneo é uma habilidade que deve ser muito bem trabalhada
metodologicamente, pois, segundo Neves (2011, p. 19),

207
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

A necessidade de fazer uso da iconicidade bem como da simultaneidade


e de expressões faciais singulariza o aprendizado da Libras em relação
ao aprendizado de outras línguas orais, pois para aprendê-la o aluno
precisa desenvolver habilidades específicas para o uso de uma língua
visuoespacial. Sendo assim, é importante que o professor invista em
estratégias para esse fim.

Com efeito, um professor surdo deve desenvolver recursos adequados


para conseguir despertar certas habilidades que não são naturais no aprendente
ouvinte, e o aprendente ouvinte precisa trabalhar com mais afinco para adquirir
esse tipo de competência.

5 REPRESENTAÇÕES SEMÂNTICO-COGNITIVAS
No Subtópico 4, fez-se uma abordagem sobre transferências que, segundo
Pizzutto et al. (2006, p. 140), “são concebidas como vestígios de operações
cognitivas por meio das quais os sinalizantes transferem sua concepção do
mundo real para o mundo tetradimensional do discurso sinalizado”. Por causa
da especificidade do uso de transferências da modalidade cinésico-visual, o surdo
desenvolve representações semântico-cognitivas que, de acordo com Kapitaniuk
(2011, p. 67), envolvem

uma complexa rede de fatores, entre as quais a especificidade sensório-


perceptiva em que se insere, o jogo de imagens icônicas, as estratégias
de transferência, os conhecimentos de mundo partilhados com outros
sujeitos com experiência visual, além das normas e convenções
socioculturais regidas por critérios cinésico-visuais de uma língua
sinalizada.

O discurso sinalizado, cujo desenvolvimento “está ligado à crescente


capacidade cognitiva de manipular as representações semânticas” (MORGAN,
1998, p. 20), é, assim, uma passagem cíclica e dinâmica, pois a partir da interação
dialógica, dá-se o processo de reconstrução psicológica que está ativamente
ancorada nas operações com signos, gerando novas formas culturais de
comportamento que são internalizadas.

Nos subtópicos anteriores foi discutida a importância da experiência


corporal para a língua de sinais, uma vez que é por meio do corpo que se dá
a marcação gramatical, sintática e semântica. Em outras palavras, a expressão
corporal é portadora de significação e os aspectos icônicos são de suma importância
para a língua de sinais, entretanto, a iconicidade não está em relação direta com
a transparência, pois a compreensão passa necessariamente por uma habilidade
cognitiva representacional que é construída socio-historicamente.

Representantes da linha de pesquisa francesa investigaram pertinentemente


as questões da iconicidade e dos processos cognitivos em língua de sinais que
têm base teórica na Linguística Cognitiva (CUXAC, 2000; 2001; FUSELLIER-
SOUZA, 2006; LEJEUNE, 2004; SALLANDRE, 2003; GUITENNY, 2007). Essa

208
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

linha de pesquisa defende que “a relação entre palavra e mundo é mediada pela
cognição. Assim, o significado deixa de ser um reflexo direto do mundo, e passa a
ser visto como uma construção cognitiva através da qual o mundo é apreendido
e experienciado” (FERRARI, 2014, p. 14).

Para o desenvolvimento desse raciocínio, foram criados os conceitos de


iconicidade da imagem, iconicidade degenerada e iconicidade diagramática.
De acordo com Sallandre (2003), a iconicidade da imagem é caracterizada pelas
estruturas de grande iconicidade, também chamadas de transferências.

Observe a figura a seguir para discutirmos cada tipo de conceito, mas


antes tente descobrir o tema e o sentido da sequência, que pode ser vista em modo
dinâmico (vídeo) em: <https://youtu.be/MwtsIRoxpSc>. Acesso em: 15 ago. 2018.

FIGURA 40 – SUCESSÃO DE EVENTO REPRESENTACIONAL

FONTE: Primeira mão – 14/09/17. Timecode 00:01:44 a 00:02:00. Disponível em:


<http://tvines.org.br/?page_id=16711>. Acesso em: 14 ago. 2018.

Se você não puder ver a sequência em vídeo, as setas com linhas pontilhadas
se referem a movimentos externos dos antebraços e as linhas contínuas remetem
a movimentos internos dos dedos.

Observe a sequência de imagens e identifique as formas, posições,


movimentos e mudanças de cada elemento. Há alguns traços identificáveis

209
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

nos elementos que remetem a algum objeto ou fenômeno do mundo real? A


organização dos elementos tem alguma relação com a ordem dos elementos no
universo de referência?

Embora haja alguns elementos icônicos na sequência (chuva, sendo mais


‘transparente’), pessoas que não são fluentes dificilmente poderão recuperar o
tema ou o sentido do enunciado, entretanto, uma pessoa fluente, mesmo sem
saber o contexto de enunciação, poderá fazer uma espécie de escaneamento da
imagem, emparelhando os elementos às representações semântico-cognitivas
provindas da experiência do universo perceptivo-prático.

O diagrama a seguir deve ajudar a compreender o contexto do enunciado


sinalizado e permitir fazer associações com os elementos sinalizados.

FIGURA 41 – FORMAÇÃO DE UM FENÔMENO NATURAL

FONTE: Adaptada de: <http://tpe-manc.e-monsite.com/pages/le-contexte/les-ouragans-aux-


usa.html>. Acesso em: 15 ago. 2018.

A sequência mostrada na Figura 40 se refere à descrição de um fenômeno


natural, um conhecimento que não se aprende pela observação, mas é adquirido
cientificamente. No entanto, essa explicação já é bem difundida por meio de
gêneros que circulam na escola e na sociedade. As figuras 40 e 41 são construções
icônicas do processo de formação de um furacão.

A explicação em Português é a seguinte: “O aquecimento da superfície do


mar faz evaporar a água mais rapidamente, isso forma nuvens de chuva. E com
isso, a pressão atmosférica cai. A evaporação intensifica os ventos, que podem
atingir altas velocidades”.

Perceba que a língua oral, para que a explicação fique clara, precisa usar
de diagramas visuais para dar entendimento de como se forma esse fenômeno, já
em língua de sinais, isso é dado por meio dos recursos visuais icônicos que fazem
parte dela. Entretanto, certamente, é preciso ter uma certa habilidade cognitiva
para chegar à compreensão e uma certa habilidade cinésica para poder passar essa

210
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

informação por meio da ação corporal, manual e facial, além do conhecimento


científico de causa e efeito.

Assim, a iconicidade da imagem consiste na apreensão de traços salientes


de um objeto ou fenômeno, a fim de descrevê-lo. Refere-se, então, aos elementos
isolados conforme os quadros A1, A5, A8, A9 e A14. A iconicidade degenerada
refere-se aos elementos lexicais como QUENTE, ACONTECER, RÁPIDO, por
exemplo, cujos traços são arbitrários, ou seja, não possuem nenhuma ou pouca
pertinência cognitiva e referencial. A iconicidade diagramática “permite a
exploração linguística do espaço de realização de mensagens e organiza de modo
econômico as relações entre os signos” (FUSELLIER-SOUZA, 2006, p. 74).

Essa breve abordagem é apenas para exemplificar o modo como a língua


de sinais e a cognição (percepção, linguagem verbal, memória, categorizações,
semanticidade) estão relacionadas, mas todos esses conceitos serão retomados
com mais profundidade em outros materiais. Por enquanto, vejamos o último
tema deste material: as referências dêiticas e anafóricas.

6 ESTRATÉGIAS DÊITICAS E ANAFÓRICAS EM LÍNGUA DE


SINAIS
Você, certamente, recorda quando falamos sobre o processo de
gramaticalização das apontações, no momento em que discutíamos a passagem
dos gestos para a língua. A apontação é um recurso muito produtivo em Libras
e em outras línguas de sinais, entretanto, ela não é uma unidade autônoma
que possui um significado próprio ou que aponta para um único referente. Ela
depende do contexto de enunciação. Pois bem, a apontação é um tipo de unidade
dêitica e também anafórica.

No que concerne às definições de dêixis e anáfora, Ilari (2016, p. 55)


contribui, dizendo que:

Chamamos de dêiticas as expressões que se interpretam por referência


a elementos do contexto extralinguístico em que ocorre a fala. A palavra
dêitico contém a ideia de apontar, e as expressões dêiticas mais típicas
apontam para elementos fisicamente presentes na situação de fala. É
o caso dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa, eu e você
que, na maioria de seus empregos, remetem para a pessoa que fala e
para a pessoa com quem se fala.

Chamamos de anafóricas as expressões que se interpretam por


referência a outras passagens do mesmo texto. As expressões
anafóricas servem, tipicamente, para “retomar” outras passagens de
um texto. Um exemplo típico é o demonstrativo isso em frases como
“a gasolina subiu de novo, e isso vai gerar outros aumentos de preço”;
nesse contexto, ficamos sabendo que a palavra isso faz referência ao
aumento da gasolina, olhando para o texto que precede (grifos do
autor).

211
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

Observe o uso da anáfora “isso tudo” e do dêitico “aqui” na figura a


seguir. Que elementos ou expressões esses termos retomam ou referenciam?

FIGURA 42 – ELEMENTOS REFERENCIAIS

FONTE: Disponível em: <https://lh4.googleusercontent.com/-NgNTC9QQba0/U5H0AzMjRmI/


AAAAAAAAALw/sJTW6HAHI24/s800/650.jpg>. Acesso em: 31 jul. 2018.

‘Isso tudo’ é uma expressão anafórica que retoma a expressão antecedente


‘com lagos maravilhosos rodeados de montanhas e lindos bosques’. A unidade
dêitica ‘aqui’ aponta para o contexto extralinguístico que só pode ser recuperado
pela análise do desenho. Veja que no quarto quadrinho, ao usar esse advérbio de
lugar, Mafalda dirige seu olhar para fora em que se vê uma cidade metropolitana
cheia de edifícios e fábricas, cujas chaminés expelem fumaça. ‘Aqui’ remete-se,
assim, ao lugar em que ela e sua família vivem.

Veja as figuras 43 e 44 que apresentam exemplos de uso de unidade dêitica


por apontação.

FIGURA 43 – DÊITICO VOCÊ

FONTE: A autora

212
TÓPICO 3 | FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS EM LÍNGUA DE SINAIS

Em língua de sinais, um dêitico é algo que realmente aponta para um


referente no mundo, mas com relação à palavra ‘você’ do Português, essa
apontação não é tão perceptível, entretanto, pense no fato de que se um sujeito A,
enquanto emissor, referir-se a um sujeito B, ele usará o pronome você, porém, ao
trocar os papéis em que B seja emissor, automaticamente, ‘você’ estará remetendo
ao sujeito A. Do mesmo modo, em Libras, ocorrerá a mesma troca indexical, uma
vez que os dêiticos como ‘aqui’, ‘agora’, ‘hoje’, ‘eu’, ‘você’ dependem do contexto
topográfico e pragmático. Por exemplo, hoje dia 16 de agosto se tornará ontem,
depois que soar meia-noite e o dia 17 chegar. Se uma pessoa A estiver no Brasil
conversando por skype com uma pessoa B da Finlândia, o advérbio de lugar ‘aqui’
estará geograficamente atrelado aos lugares em se encontram as pessoas. Assim,
‘aqui’ se remete ao Brasil se for enunciado por A e ‘aqui’ se remeterá à Finlândia,
quando enunciado por B.

FIGURA 44 – APONTAÇÃO COMO MARCAÇÃO DÊITICA (LÁ)

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode


01:17:31 e 01:22:29. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>.
Acesso em: 31 jul. 2018.

Nessa sequência, o narrador incorpora o personagem pequeno príncipe


que, ao conversar com a cobra diz: “— Olha, o meu planeta está bem em cima de
nós. Mas como ele está longe!”. O narrador/personagem faz o sinal de MUNDO
(planeta) e aponta para o alto, onde o referente discursivo está situado. Isso
significa dizer que dêiticos podem ser usados no mundo físico com referentes
presentes, mas também imaginados, como no caso do conto.

Agora, veja dois exemplos de uso anafórico em Libras.

213
UNIDADE 3 | FUNÇÕES COMUNICATIVAS E FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS E DISCURSIVOS DA LÍNGUA DE SINAIS

FIGURA 45 – RECUPERAÇÃO ANAFÓRICA (MUNDO DELE)

FONTE: "O Pequeno Príncipe" com recursos de acessibilidade. Timecode


00:22:39. Disponível em: <https://youtu.be/foMiwFlVHCc>. Acesso em: 31 jul.
2018.

Na passagem ilustrada na figura anterior, podemos perceber o corpo


do sinalizante voltado para a direita executando o sinal MUNDO, seguido do
sinal SEU/DELE. O pronome possessivo SEU se refere ao personagem pequeno
príncipe. Dentro do contexto narrativo, o espaço à direita do sinalizante já estava
definido para esse personagem, por isso SEU é dirigido para o mesmo espaço,
pois trata-se de uma referência a esse personagem, porém por uma unidade
linguística diferente. Perceba também que SEU é orientado perpendicularmente
para baixo, indicando que se trata de alguém menor em relação ao narrador/
personagem cujo espaço foi estabelecido no lado oposto. Essas relações espaciais
e dimensionais são recursos de coesão textual próprios à língua de sinais.

FIGURA 46 – RECUPERAÇÃO ANAFÓRICA (ELE)

FONTE: Gera mundos – Diego Ssoares. Timecode 00:02:03.


Disponível em: <http://tvines.org.br/?page_id=335>. Acesso em: 14
ago. 2018.

214
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Diferentemente das línguas orais, as línguas de sinais apresentam uma


organização estrutural que tem como base a iconicidade. Nesse sentido, Cuxac
criou uma teoria que pudesse abranger os diferentes tipos de estruturas de
grande iconicidade, teorizando o conceito de transferências.

• As transferências são mecanismos de uso cinésico e linguístico que permitem


ativar dimensões cognitivamente ancoradas a fim de reconstruir formas,
tamanhos, eventos e características dos agentes discursivos. Elas podem ser
de três categorias: transferência de forma e tamanho, transferência de pessoa e
transferência de situação.

• As transferências de tamanho e forma descrevem os contornos dos objetos,


fenômenos ou características de pessoas e o volume ou espessura que
apresentam. A transferência de pessoa são incorporações dos agentes do
discurso que podem ser personagens animados ou mesmo pessoas reais. A
transferência de situação reconstrói eventos discursivos em que um objeto ou
pessoa se desloca de um ponto do espaço a outro.

• Os relatos fazem parte das interações humanas e exigem um determinado


número de estratégias discursivas a fim de que o ato comunicativo cumpra
suas funções e esteja adequado ao gênero e contexto discursivo. São tipos
de estratégias discursivas em Libras: o uso adequado do espaço, os aspectos
simultâneos, a dinâmica corporal para marcar os turnos discursivos e retomar
determinada temática, os processos icônicos, entre outros.

• A simultaneidade é outro efeito de modalidade da língua de sinais que permite


articular ao mesmo tempo estratégias icônicas, que envolvem descrições e
relatos, dinâmicas corporais e manuais, expressões faciais e direções do olhar.

• A língua de sinais, por suas características fortemente icônicas, permite


explicações diagramáticas que mostram ou apontam para eventos do mundo
real, mas o fazem de uma forma abstrata, pois recupera apenas os traços mais
salientes. Por isso, iconicidade não significa transparência, mas trata-se de
vestígios de representações semântico-cognitivas que foram internalizadas e
compartilhadas socialmente.

• Na construção discursiva, pode-se fazer uso da dêixis e da anáfora, que se


constituem em expressões de referenciação. Elas servem, respectivamente,
para indicar externamente e recuperar linguisticamente no texto os referentes
no discurso.

215
AUTOATIVIDADE

Observe a figura com a personagem Mafalda e responda às questões abaixo


relacionadas:

FONTE: Disponível em: <http://raizasas.blogspot.com/2011/09/mafalda-completa-47-anos.


html>. Acesso em: 27 jul. 2018.

1 Qual é o gênero em que se apresenta essa imagem?

2 Identifique os elementos que compõem o ato comunicativo do quadro 1.

3 A pergunta de Mafalda no quadro 1 suscita um equívoco de interpretação


devido à palavra “dirige”. Discuta isso.

4 O que motivou a tensão gerada entre os interlocutores nos quadros 2 e 3?

5 Os turnos de conversação são respeitados, nos quadros 2 e 3? Como isso é


verificável?

6 Que informações extralinguísticas podemos identificar nos quadros?

Atividade prática

Nesta unidade foram apresentados diversos temas e exemplos a respeito
da funcionalidade da linguagem verbal, sobre os gêneros discursivos e sua
análise, sobre a expressividade e as estratégias discursivas da língua de sinais.
Com base nesse aprendizado, você deverá analisar um vídeo disponível em:
<https://youtu.be/Kx3JV2UuXFE>. Acesso em: 7 ago. 2018. Ele está legendado
para facilitar a compreensão.

Você deverá ser capaz de analisar o vídeo, identificando alguns elementos da


construção discursiva, tais como:

1 Duas transferências de forma e tamanho.

2 Uma transferência de pessoa.

216
3 Uma transferência de situação.

4 Uso de expressão facial com algum tipo de transferência.

5 Role shift ou troca de papéis.

6 Uma ocorrência com dois referentes apresentados simultaneamente.

7 Uma ocorrência com plural ou coletivo.

8 Uma ocorrência dêitica.

Você precisará de um computador conectado à internet, um programa word ou


power point e uma lista com configurações manuais para ilustrar as explicações.

FONTE: Página do Facebook da Influência. Disponível em: <https://www.facebook.


com/498038583575342/photos/a.506936599352207.1073741830.4980385835753
42/1817323854980135/?type=3>. Acesso em: 31 jul. 2018.
217
Como proceder: Visualize o vídeo para análise quantas vezes forem
necessárias. É preciso saber capturar as imagens que se pretende extrair
dos vídeos e indicar seu timecode, como nos exemplos contidos no material.
Descreva por escrito ou em sinais a execução dos exemplos retirados,
identificando as configurações de mãos usadas, indicando o seu número,
conforme a lista acima; posição do corpo; movimentos usados; expressões
faciais etc.

218
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