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GRAMÁTICA,

VARIAÇÃO
E ENSINO

Dra. Rossana Regina Guimarães Ramos Henz


O que é metalinguagem?

● Sempre que determinada linguagem falar dela mesma,


estamos diante de uma função metalinguística. 

● Língua falando da língua.

● Teatro falando teatro.

● Cinema falando do cinema.


O Gigolô das palavras
(Luís Fernando Veríssimo)
Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma
missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática
indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador
cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões.
Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às
leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às
pressas, minha defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão !”). Mas os alunos desfizeram o equívoco
antes que ele se criasse.

Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram
o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser
julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para
evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de
uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por
exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E
quando possível surpreender, iluminar, divertir, mover... Mas aí entramos na área do talento,
que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua.

Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de


Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas
fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo
Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para
poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de
pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua, mas sozinha
não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
Claro que eu não disse isso tudo para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa
se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas – isso eu disse – vejam vocês, a
intimidade com a Gramática é tão indispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na
matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas.

E tenho com elas exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as
desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis
para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua
vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem
que não tenho o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal,
vivem na boca do povo. São faladíssimas.
Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.

Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras


seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel.
Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou a tediosa
formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados,
com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo
da impiedosa atenção dos lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria
impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os
dias pra saber quem é que manda.
O QUE É
LINGUA?
Concepções de língua/linguagem

● 1.

● 2.

● 3.
● O QUE É A ESCRITA ?

Nas sociedades
É uma É uma prática
ágrafas não há
tecnologia social. escrita.
inventada pelo Nas sociedades A interação se dá
homem com o grafocêntricas por meio da
objetivo de
são utilizadas linguagem oral ou
registrar o
conhecimento com o objetivo por outros
de promover símbolos ou
fora do suporte
interação. imagens como o
da mente.
desenho.
USO E NORMA EM
EMILIA NO PAÍS DA
GRAMÁTICA
DE MONTEIRO LOBATO
A gramática –
Conceitos e Perspectivas

Em forma de narrativa ficcional, Emilia no País da Gramática descreve


uma aventura feita pelos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo ao
mundo imaginário da gramática. O “passeio” possibilita um “diálogo”
entre os personagens – Narizinho, Pedrinho, a boneca Emilia e o
rinoceronte – e os elementos da gramática – substantivos, verbos,
advérbios, a D. Etimologia, entre outros. Nesta perspectiva lúdica de
interação de elementos concretos e abstratos, evidenciam-se diversas
marcas do pensamento metalinguístico do autor. Entre elas, nosso
interesse recai sobre o confronto entre as normas da gramática e a visão
do falante sobre usos da língua, retratado nos diálogos da narrativa.
● O pensamento metalinguístico que se revela em Emilia no País da
Gramática é, certamente, resultado de um conjunto de ideias que
constituíram o panorama linguístico e sociocultural do final do
século XIX e início do XX, período de rupturas na história nacional.

● Apesar da estrutura narrativa e dos recursos lúdicos utilizados pelo


autor para ensinar gramática e discutir a relação usos e normas da
língua, Emilia no País da Gramática, por sua conformação estrutural
semelhante à gramática tradicional, insere-se no rol de obras com
fins normativos. Tal afirmativa baseia-se, a princípio, na coincidente
divisão das partes observada entre Emilia no País da Gramática e a
tradicional gramática normativa.
● Além dessa, outras marcas como a apresentação dos conceitos
gramaticais e a imposição de determinados usos são evidências às quais
podemos aludir o caráter normativo da obra.

●  Tomando por princípio a concepção de que as línguas possuem um


sistema, uma ordem, Jose Roca Pons (1972) considera que a gramática
tem, no sentido mais amplo, o objetivo de estudar a sistemática de
funcionamento da língua e, no sentido restrito, analisar as formas
fundamentais e o conteúdo significativo das línguas. Do conceito geral
de gramática, afirma o autor, derivam-se determinados tipos que exibem
especificidades sobre os fatos da língua a partir de critérios distintos.
● Nesta perspectiva de análise, J. R. Pons classifica as gramáticas em
lógica – que trata os fatos da língua sob o ponto de vista da lógica
tradicional; histórica – que trata do estudo dos planos sucessivos em
que se manifesta o sistema que constitui uma língua; psicológica –
que apresenta os fenômenos linguísticos sob a perspectiva das
realizações psicológicas dos indivíduos; normativa – que trata da
regulação dos empregos de uma língua; comparada – que trata de
comparar diferentes sistemas linguísticos entre si; e descritiva – que
trata da descrição do sistema morfofuncional de uma língua em uma
determinada fase, tendo um caráter sincrônico.
● A gramática descritiva, paralelamente à Linguística, evoluiu para
outros campos de estudo e, à luz da dimensão sincrônica, teve suas
bases construídas pelos linguistas que buscaram descrever a estrutura
e o funcionamento da língua em atividade e como instrumento pelo
qual se comunicam os indivíduos, levando em conta os processos
sociais e psicológicos que norteiam as realizações concretas de fala,
conforme explica J. M. Câmara Júnior (1980:46):
(...) constituiu-se mais recentemente a linguística
descritiva, que mostra como os elementos de uma língua se
estruturam e funcionam nos contextos de enunciação, para
a comunicação social. A gramática greco-latina não
correspondia a esse objetivo, porque era de fins normativos
e baseada numa observação falha e fragmentária e em
convenções teóricas artificiais.

(CÂMARA, 1980, p.46)


● Os estudos descritivistas progrediram em direção a novas
perspectivas que refletiram as bases sócio-histórico-ideológicas que,
a partir dos anos 60, passaram a nortear os estudos de língua. Destes
novos rumos da Linguística, emergiram diversas correntes de estudo
– Linguística Textual, Análise do Discurso, Semântica
Argumentativa, Sociolinguística e Pragmática – que priorizam o uso
(fala), considerando a variação linguística, bem com a situação de
interação dos falantes.
● Contrariamente aos estudos descritivistas, ou seja, desconsiderando
as variações lingüísticas decorrentes das diversas interações, a
gramática normativa caracteriza-se por apresentar apenas os fatos da
língua padrão, isto é, da variação lingüística considerada oficial,
priorizando, geralmente, a modalidade escrita em detrimento dos
fatos da língua falada.

● Sob um ponto de vista único de realização do discurso, a gramática


normativa desempenha o papel de lei reguladora dos usos da língua
em uma sociedade. É o aparelho de referência da língua mais
amplamente utilizado principalmente nas escolas onde o objetivo de
ensino de língua materna volta-se fundamentalmente para a
aquisição ou reconhecimento da norma culta.
● O caráter prescritivo atribui à gramática normativa a capacidade de fixar a
língua, ou seja, as mudanças de uma língua gramatizada são mais lentas pelo
fato de que o emprego das normas precisa ser legitimado pelas instituições
sociais e pela sociedade em geral. Este processo de legitimação reflete a vida
social que é organizada segundo os princípios e regras que enquadram e
condicionam o comportamento individual.

● Do ponto de vista social e não linguístico, a gramática normativa contém a


referência à qual se devem inclinar todos os comportamentos. É tida como o
ideal de língua, o bom uso e, por definição, classifica todas a demais formas
como incorretas. O incorreto, neste caso, pode ser apenas um uso não descrito.
● O caráter prescritivo atribui à gramática normativa a capacidade de fixar a
língua, ou seja, as mudanças de uma língua gramatizada são mais lentas pelo
fato de que o emprego das normas precisa ser legitimado pelas instituições
sociais e pela sociedade em geral. Este processo de legitimação reflete a vida
social que é organizada segundo os princípios e regras que enquadram e
condicionam o comportamento individual.

● Do ponto de vista social e não linguístico, a gramática normativa contém a


referência à qual se devem inclinar todos os comportamentos. É tida como o
ideal de língua, o bom uso e, por definição, classifica todas a demais formas
como incorretas. O incorreto, neste caso, pode ser apenas um uso não descrito.
● Os critérios basilares da gramática, conforme Francisco da Silva Borba
(1998:48), nem sempre são de natureza linguística. Fundamentam-se
ou no falar das classes cultas, escolarizadas ou no uso dos escritores
tidos como bons manejadores das formas mais refinadas de escrever,
afirmativa que se evidencia nos exemplos citados pelas gramáticas que,
geralmente, são fragmentos de obras de autores de prestígio no âmbito
literário. Deste modo, a gramática normativa, também, procura dar
conta dos fins pedagógicos ligados à tradição cultural que a escola tenta
preservar.
● Considerando a história do ensino de língua no Brasil, observamos que o
entrelaçamento das visões normativa e descritiva gerou mudanças que, ao
longo do tempo, se evidenciaram nas práticas pedagógicas, assim como nos
manuais de língua.

● Isto quer dizer que tanto o conceito, quanto o modelo de gramática


transformaram-se, na medida em que houve mudanças na história das ideias e
das práticas de análises linguísticas. Modernamente, o enfoque sociocultural
dado aos estudos metalinguísticos ampliou o conceito de gramática para
dimensões bem mais amplas que vão além de um conjunto de normas
prescritivas da língua.
● Emilia no País da Gramática, obra escrita num período em que os conceitos da
Linguística ainda não estavam tão difundidos, apresenta marcas que evidenciam
as discussões travadas entre a exacerbada visão normativa dos gramáticos e as
formas utilizadas pelo falante da língua.

● Apesar de se tratar de um manual de normas, a obra, por meio do recurso da


narrativa, traz à discussão questões, até então, desconsideradas pela gramática
normativa como, por exemplo, determinados usos considerados de pouco
prestígio e, por isso, não incorporados aos tradicionais manuais de gramática.
Monteiro Lobato faz referências em sua gramática a determinadas marcas
lexicais – gírias, estrangeirismos, neologismos –, bem como trata de alguns usos
regionais e, entre muitas ironias aos gramáticos e a nomenclatura gramatical,
critica o ensino de língua materna na escola.
● O fato é que, consciente ou inconscientemente, Monteiro Lobato, em Emilia no País
da Gramática, desmistificou determinados usos da língua, tidos como inadequados,
pelo simples fato de tê-los citado em “sua gramática”. Ainda que, pelo caráter
didático e impositivo de normas, Emilia no País da Gramática aproxime-se da
gramática normativa, é nos estudos descritivistas que iremos encontrar os
fundamentos para as “críticas” feitas pela personagem Emilia à rigidez das normas
gramaticais da língua. Objetivando fundamentar nossa pesquisa, interessa-nos, a
seguir, discorrer sobre as partes da gramática.
As partes da gramática

● De um modo geral, as gramáticas normativas apresentam uma


estrutura que contém uma categorização das unidades, exemplos e
regras mais ou menos explícitas para construir enunciados. Os
conteúdos, via de regra, estão organizados em partes que
compreendem a ortografia/fonética, a morfologia, a sintaxe e a
estilística. Segundo J. R. Pons (1972), a estrutura organizacional das
gramáticas, tem como base o modelo grego que distinguia dentro da
gramática as seguintes partes: prosódia, analogia, etimologia e sintaxe,
correspondendo a primeira e a segunda, respectivamente, ao que se
considera na atualidade como fonética e morfologia.
 
● Os estudos historiográficos respectivos às partes da gramática
revelam, ainda, que os modelos latinos, de um modo geral, seguiram
os gregos e que durante a Idade Média existiram duas modalidades: a
primeira, dividida em ortografia, prosódia, analogia e sintaxe e a
segunda encontrada em outros sistemas medievais: ortografia,
etimologia, a chamada diassintética e a prosódia.

● A etimologia medieval compreendia nossa morfologia – derivação e


formação de palavras –, de acordo, por conseguinte, com um sentido
amplo da morfologia na atualidade. Já a diassintética coincidia com a
sintaxe no sentido grego. Ainda segundo J. Roca Pons, tal divisão
permaneceu como modelo para os gramáticos até a atualidade,
embora seja fato que a divisão da gramática esteja submetida ao
conceito que dela se faça.
● Especificamente, a gramática normativa do início do século XX,
obedece ao modelo tradicional de divisão que engloba duas partes
fundamentais: a lexeologia – que compreende a morfologia e
fonologia – e a sintaxe. Júlio Ribeiro (1900:3) em sua Grammatica
Portugueza apresenta a seguinte divisão:

10.- A lexiologia considera as palavras isoladas, já em seus elementos materiaes ou


sons, já em seus elementos morfhicos ou fórmas.
11.- A lexiologia compõem-se de duas partes: phonologia e morfhologia.
12.-Phonologia é o tratado dos sons articulados.
13.- A phonologia considera os sons articulados:
1) isoladamente,como elementos constitutivos das palavras;
2)agrupados, já constituídos em palavras;
3)representados por symbolos.
14.- As partes, pois, da fonologia são tres: phonetica, prosodia e ortographia.
● Sobre a morfologia, J. Ribeiro (op.cit.:56) afirma ser (...) o tratado
das fórmas que tomam as palavras para constituir a linguagem.

● Considera, ainda, o autor que o estudo dos elementos mórficos, as


palavras, constitui-se em três partes: a Taxeonomia relativa a grandes
grupos de ideias que compõem o pensamento – divisão em classes
gramaticais; a Kampenomia, relativa às palavras como entidades
fônicas que se modificam individualmente para representar o
pensamento – flexão de gênero, número e grau; e a Etymologia que
trata dos processos de formação de palavras – derivação.
● A divisão das palavras em oito classes gramaticais obedece a três
critérios: o da independência em que os três grupos de palavras,
substantivo, pronome e verbo, são capazes de formar sentenças entre
si; o das palavras qualificadoras, artigo, adjetivo e advérbio, que
descrevem ou limitam; e o das palavras conectivas, preposição e
conjunção, que juntam palavras ou sentenças, umas às outras.

● Em relação à segunda parte da gramática, a sintaxe, Julio Ribeiro


(op.cit.: 221) apresenta a seguinte definição geral:
A syntaxe considera as palavras como
relacionadas umas com as outras na construção
de sentenças, e considera as sentenças no que diz
respeito á sua estructura, quer sejam simples, que
se componham de membros ou clausuras.
 
● Os estudos de sintaxe subdividem-se em seis partes, as quais o autor
denomina sintaxe lexica, logica, regras de sintaxe, annexos e additamentos.
Respectivamente, a sintaxe léxica refere-se à relação entre as palavras –
sujeito, predicado e objeto.

● A sintaxe lógica trata das estruturas que compõem o período e das relações
de coordenação. As regras de sintaxe determinam as normas de construção
do período – concordância, ordem das palavras, pontuação, emprego das
letras maiúsculas, estilo e vícios de linguagem. Os anexos tratam das
mudanças internas da língua e os aditamentos discorrem sobre o uso de
determinados vocábulos – arcaísmos, neologismos e hibridismos.
● Tomando como termo de comparação a gramática de Julio Ribeiro,
observamos que Monteiro Lobato organizou sua gramática à luz dos critérios
estabelecidos na época. Isto se constata mediante a disposição em duas
partes, morfologia e sintaxe, contendo estas, subdivisões que tratam,
respectivamente, dos aspectos da fonologia, ortografia e formação de
palavras, bem como da função dos termos, das normas de construção do
período, da estilística, dos vícios de linguagem e da referência a
determinados usos – arcaísmos, neologismos, gírias e barbarismos.

● São correspondentes, também, em ambas as gramáticas, a divisão das


palavras em oito classes gramaticais – substantivos, adjetivos, verbos
pronomes, advérbios, conjunções, preposições e interjeições.
O processo de
gramatização
● A partir do entendimento de que o conhecimento metalinguístico é
impulsionado pela necessidade de atender aos propósitos da dinâmica
social, buscamos, através do tempo, as transformações sociais e políticas
que refletiram nos comportamentos linguísticos. Fatos históricos como
guerras, invasões, dispersão de povos, formação de um Estado dão conta de
explicar fenômenos como o bilinguismo, o desaparecimento de uma língua
e o surgimento de outras, as mudanças linguísticas e a fixação de uma
língua.
● Segundo S. Auroux (1992:16-17), os saberes metalinguísticos podem ser de
natureza especulativa, situado puramente no elemento da representação
abstrata ou de natureza prática, isto é, direcionado à necessidade de adquirir
certos domínios.

● O primeiro domínio, o da enunciação, refere-se à capacidade de adequação


da fala a uma certa finalidade, por exemplo, de convencimento. O segundo
domínio é o das línguas e corresponde à capacidade de falar e entender uma
língua, seja ela a materna ou outras. Por fim, o domínio da escrita que
constitui a aquisição de técnicas, isto é, de práticas codificadas.
● A respeito da “morte” de uma língua, a discussão é, sem dúvida, mais
complexa e, por isso, transcende o fato único da gramatização. Segundo
Serafim da Silva Neto (op.cit.:38), o desaparecimento de uma língua tem
como fato primordial o bilinguismo. Da luta travada entre duas línguas,
sobrevive aquela cujo prestígio decorre dos seguintes fatores: valor utilitário,
glória literária e situação social dos falantes.

● O fato é que a fixação de uma língua, por maior ou menor espaço de tempo,
depende de inúmeros fatores extralinguísticos que emergem das interações
dos indivíduos numa coletividade e não somente do fato da gramatização.
● De certo, que a instrumentalização de uma língua contribui para sua
padronização e, por isso, é um elemento refreador das mudanças. As
gramáticas e os dicionários são aparelhos de referência, que além dos
objetivos didáticos, unificam e divulgam os usos por meio da imposição de
determinadas normas.

● As primeiras gramáticas dataram da Idade Média e, embora ainda não


apresentassem fundamentos científicos, constituíram as primeiras formas
organizadas de estabelecer normas para o uso das línguas. O fato da
gramatização, neste período, coincide com o aparecimento de novas línguas
que, por motivo de natureza política, invasões e conquistas, vão aos poucos
se impondo ao latim, língua comum da comunidade européia. Neste contexto
histórico-cultural, surge no século XIII o galego-português, língua da qual
originou-se o português.
 
● Os estudos linguísticos no Brasil, segundo Eduardo Guimarães (1996), tem seu início
marcado ainda no século XVI, quando os jesuítas imbuídos da ideia de catequização,
produziram listas de palavras das línguas indígenas e manuais bilíngues entre os quais
se destaca a gramática de José de Anchieta.

● Entretanto, somente a partir de meados do século XIX, os estudos das ideias


linguísticas passam a enfocar a questão do português no Brasil, ainda,
especificamente, no campo lexical, isto é, em relação à apropriação de palavras de
origem indígena e africana pelo português em uso no Brasil, bem como aos distintos
significados entre determinados itens lexicais usados no Brasil e em Portugal.
● Com o objetivo de produzir um conjunto de fatos que permitisse uma abordagem
histórica do processo de gramatização no Brasil, E. Guimarães considerou quatro
períodos que iniciam no século XVI com o descobrimento até os dias de hoje. À nossa
análise servirão apenas os dois primeiros períodos que se delimitam a partir de 1500
até a primeira metade do século XX.

● O primeiro período, caracterizado pela escassez de estudos lingüísticos, foi, também,


marcado pelo estabelecimento da Língua Portuguesa como língua do Brasil por meio
de uma carta régia de D. João V, em 1727, que ordenava aos jesuítas que ensinassem
português aos índios em suas escolas.
● O ato de expulsão dos jesuítas, feito pelo Marquês de Pombal em 1757, oficializou o
ensino de português no Brasil. Neste período, registraram-se apenas em 1789 a
publicação do Dicionário da Língua Portugueza de Antonio de Moraes Silva e o
Epítome da Gramática da Língua Portugueza em 1813, na segunda edição do
dicionário

● No final do século XIX, o Brasil passa por significativas mudanças marcadas pela
Independência e pela Abolição da Escravatura que, aliadas à entrada dos ideais
românticos, ensejaram a influência de outros países, como a França, de onde vieram
novos figurinos políticos, literários e filosóficos.
 
● Neste período, iniciam-se mais intensamente os estudos do português no
Brasil. Desta forma, o segundo período demarcado por E. Guimarães entre a
segunda metade do século XIX e o início do século XX, refletiu nos estudos
lingüísticos as mudanças do campo sócio-político e cultural.

● Em 1857, é publicado o Vocabulário Brasileiro para servir de complemento


aos dicionários da língua portuguesa de Brás da Costa Rubim e, em 1881,
Julio Ribeiro publica sua Gramática Portuguesa, obra que reflete o
distanciamento da influência das gramáticas portuguesas.
● Em 1879 houve a publicação da Grammatica Historica da Lingua
Portugueza de Pacheco Silva; em 1887, da sua Gramática da Língua
Portugueza com Lameira de Andrade.

● Neste mesmo ano, são publicadas A Gramática Analítica de Pacheco


Silva e a Gramática Descritiva de Maximino Maciel.
Respectivamente, são publicados em 1884, 1888 e 1889 os Estudos
Filológicos de João Ribeiro, o Dicionário Brasileiro da Língua
Portuguesa de Antonio Joaquim de Macedo Soares e Neologismos
Indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis de Castro Lopes.
 
● Com a finalidade de cuidar da cultura da língua e da literatura
nacional, é fundada em 1897 a Academia Brasileira de Letras que
promoveu acordos de unificação ortográfica e elaborou o
Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa que se
tornou vigente quando da sua publicação em 1932.

● O final deste segundo período é marcado pelo acirramento das


discussões sobre a questão da Língua Portuguesa no Brasil. Em
1903, em favor do purismo linguístico, Mario Barreto publica seus
Estudos da Língua Portuguesa; em 1907, Eduardo Carlos Pereira,
influenciado pelas posições da gramática filosófica, publica sua
Gramática Expositiva, que foi amplamente divulgada no ensino
secundário brasileiro.
● Ocorre, ainda, em 1908 a publicação de Dificuldades da Língua Portuguesa do
linguista Manuel Said Ali; em 1920 uma produção dialetológica de Amadeu
Amaral, o Dialeto Caipira e, em 1922, Antenor Nascentes apresenta sua
monografia sobre o linguajar carioca.

● Foi, também, desse autor o primeiro Dicionário Etimológico publicado no


Brasil, em 1932, seguindo-se a publicação, em 1939 de seus Estudos Filológicos
em que inclui os textos intitulados “Independência Literária e Unidade da
Língua”, bem como “A Filologia Portuguesa no Brasil”. Em 1923, Sousa da
Silveira publica suas Lições de Português, uma meticulosa gramática que
contém uma seção sobre Dialetologia, onde trata das especificidades do
 
● Sob a influência dos estudos linguísticos deste segundo período,
Monteiro Lobato publica em 1934 Emilia no País da Gramática,
obra que reflete um pensamento metalinguístico, paradoxalmente,
dividido entre as correntes conservadoras e inovadoras que se
ocuparam dos fatos da Língua Portuguesa no Brasil.

● Embora, estruturada nos moldes tradicionais da gramática normativa,


a obra ocupa lugar de destaque no rol de manuais que até meados do
século XX trataram das questões relativas aos usos da língua em
meio a discussões em torno da identidade linguística brasileira.

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