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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

ESTRUTURALISMO E SOCIOLINGUÍSTICA:
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Trabalho apresentado ao Programa de Mestrado


em Letras – PPGL – da Universidade Federal do
Oeste do Pará – UFOPA, como requisito para
avaliação parcial da Disciplina Teorias
Linguísticas: implicações para a pesquisa na
Amazônia, sob a regência da Profª Drª Ediene
Pena Ferreira.

Acadêmica: Rosicléia Pereira de Sousa

SANTARÉM - PA
2022
Estruturalismo e Sociolinguística: convergências e divergências

Ao confrontar essas duas grandes teorias, o Estruturalismo, que tem como


referência o genebrês Ferdinand de Saussure, e a Sociolinguística, trazida à
discussão dos estudos linguísticos pelo teórico William Labov, pode-se verificar a
existência de pontos de contato, onde ambas se assemelham, mesmo que
parcialmente, mas também pode-se verificar pontos de divergências suficientes para
legitimar as duas teorias.
Antes de tudo, é irrefutável que ambas abordam e estudam a linguagem
humana articulada, isso é fato, mesmo que sob aspectos diferentes: o estruturalismo
estuda a linguagem como sistema homogêneo, fechado e seus possíveis usos
(metáfora do jogo de xadrez – Curso de Linguística Geral, 1916), enquanto que a
Sociolinguística estuda a língua falada, observada, descrita e analisada em seu
contexto social, isto é, em situações reais de uso (ALKMIM, 2001, p. 31).
Outro aspecto de contato entre as teorias é que ambas assumem que a
língua é fato social, embora que sob aspectos diferentes. O estruturalismo estuda a
língua como entidade abstrata, como um sistema, o que justificaria a exclusão dos
aspectos sociais de seus estudos, já que para os saussurianos a parole/fala, como
manifestação individual da linguagem, não poderia ser objeto de um estudo científico
(idem, 2004, p. 59). De acordo com Fiorin (2002: 79, apud Santos e Santos):
Contrariamente ao estudo da mudança linguística, o ponto de vista
sincrônico vê a língua como um sistema em que um elemento se define
pelos demais elementos. No estudo sincrônico, um determinado estado de
uma íngua é isolado de suas mudanças através do tempo e passa a ser
estudado como um sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são
estudados não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações que
eles contraem, ao mesmo tempo, uns com os outros.

Em contrapartida, apesar de os sociolinguistas também entenderem a língua


como fato social, a estudam a partir da manifestação social de interação verbal. Para
esses estudiosos é na espontaneidade que a língua genuína está contida
(vernáculo), no aspecto desprezado da dicotomia estruturalista langue/parole.
Para os estruturalistas nada externo à língua poderia corrompê-la, por isso
toda atenção dos estudos foi dedicada à “regra do jogo”, ao sistema. Aspectos de
diferenças fonológicas eram descartados dos estudos linguísticos estruturalistas,
pois segundo a tese saussuriana a “descrição de um sistema linguístico não é a
descrição física de seus elementos, mas sim a descrição de sua funcionalidade e
pertinência”. (ILARI, 2004, p. 59).
Tome-se como um exemplo de modelo teórico estruturalista a análise da
palavra escada, aos estruturalistas nada importa a pronúncia variante de iscada, por
exemplo, se o significante é o mesmo. A existência de variantes concorrentes para a
pronúncia de palavras não era relevante a esses estudos saussurianos. Como
metodologia para essa análise de pertinência, os linguistas usavam o que chamaram
de teste do par mínimo. No par mínimo faca/vaca, por exemplo, é de relevância a
distinção dos sons pois resultam em significantes distintos (idem, 2004, p. 60), logo
seria um fenômeno contemplado pelos estudos estruturalistas.
Ao falar em valor linguístico, Saussure deu realce ao fato de que a relação
significante/significado sempre deve ser considerada à luz do sistema
linguístico em que o signo se insere, e não das situações práticas em que
as línguas intervém ou das realidades extralinguísticas de que permite falar.
(ILARI, 2004, p. 64)

Por outro lado, esse aspecto de presença de variantes como no exemplo


escada/iscada, dado anteriormente por formas que concorrem entre si na prática de
fala é exatamente o recorte feito pelo estudo da Sociolinguística.
Outro ponto que se pode salientar é o entendimento estruturalista de que a
langue/língua é homogênea, um todo fechado em si, enquanto que para a
Sociolinguística a língua é heterogênea, e se faz a partir de aspectos sociais que
são heterogêneos.
a variação é sistemática, concebida como uma heterogeneidade linguística
no sistema linguístico (langue) de dada comunidade de fala. A variação,
observada na parole, é tratada dentro do sistema, da langue, e se faz uma
correlação entre os fatos linguísticos, nos níveis fonológico, morfológico,
sintático e semântico com os fatos sociais, sexo, idade, escolaridade, etc.
(MOREIRA, 2015)

A descrição da conversa abaixo dada no seio familiar de falantes de níveis de


escolaridade, idades, ideologias, origens geográficas distintos, pode dar, grosso
modo, uma exemplificação de metodologia de estudos sociolinguísticos. O indivíduo
identificado como Gabriela (em homenagem ao icônico personagem de Jorge
Amado) é de origem nordestina, de baixa escolaridade, de sexo feminino e de idade
avançada; o indivíduo identificado como Bentinho (em homenagem ao narrador de
Dom Casmurro, de Machado de Assis) é adulto jovem, de sexo masculino, de alta
escolaridade, e de origem paraense.
(...)
Gabriela: Mas menino, cadê minha bolsa, vou já caçar. Eu vivo perdendo essa
bolsa.
Bentinho: Mas a senhora vai caçar com quê? Com espingarda?
Gabriela: Tu sabe que eu falo assim. Eu vou mudar: procurar!!! Eu vou procurar a
bolsa.
(...)
Bentinho: A senhora vai querer o cachorrinho?
Gabriela: só quero se for cachorra, porque aí eu mando capar.
Bentinho: Castrar, mamãe, castrar!
(...)

A conversa é realizada no seio familiar e parece acontecer de maneira


rotineira, visto que Gabriela perde continuamente sua bolsa, então o clima da
conversa já tem tom de anedota.
À Sociolinguística interessaria os vocábulos destacados que foram usados na
conversa como caçar e capar, palavras que pelo descrito foram usadas de distintas
maneiras pelos falantes da conversa. Bentinho entende que o vocábulo caçar é
usado num contexto de caçada a animais, enquanto que para Gabriela o vocábulo
tem o sentido de procurar. De fato, Gabriela lança mão do verbo adequadamente,
visto que também significa procurar, logo não caberia a censura do filho, no entanto,
o verbo caçar usado nesse sentido de procura por já parece não ser bem aceito por
gerações mais jovens. Encontra-se, pois, aí, uma distinção semântica diacrônica de
uso de um vocábulo da língua específico. Fenômeno semelhante acontece com uso
do verbo capar também proferido por Gabriela, o qual compartilha o mesmo sentido
com o verbo castrar.
Quais os fatores que influenciam essa distinção de uso dos vocábulos pelos
diferentes falantes? Fator idade? Fator regional? Fator escolaridade? Esse seria, de
maneira bem mais simples, um modelo de estudo de interesse sociolinguístico.
Recapitulando, aponta-se aqui a clara distinção entre toda linguística formal e
a teoria Sociolinguística. Enquanto para aquela o conceito de gramática se fecha em
um conjunto descritivo de regras focadas nas relações sintáticas e excludente de
todo contexto social, para esta a gramática é uma grande rede de construções de
conhecimento, que sai da estrutura e parte para o contexto sociocultural, conforme
diz Santos e Santos (2016).
Verifica-se, assim, que as teorias na mesma medida em que se diferenciam,
se complementam, e dessa forma, a linguística vai se fortalecendo e expandindo
seus campos de atuação enquanto ciência no meio acadêmico.

Referências:

ALKMIM, Tânia; CAMACHO, Roberto Gomes. Sociolinguística. In: MUSSALIM,


Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e
fronteiras. Vol. 1. São Paulo: Cortez, 2001.

ILARI, Rodolfo. O estruturalismo linguístico: alguns caminhos. In: MUSSALIM,


Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: fundamentos
epistemológicos. Vol.3. São Paulo: Cortez, 2004.

MOREIRA, Júlio César Lima. SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA E


ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO: UM DIÁLOGO. Somma, Teresina /PI, v.1,n.1,
p. 182-200, jul./dez. 2015.

SANTOS, Fabiana Silva; SANTOS, Thais Silva. Linguística formal e linguística do


discurso: continuidades e rupturas teóricas. Linguisticário. Vol. 2, n. 2, 2016.
Disponível em < https://www.linguisticario.letras.ufrj.br/uploads/7/0/5/2/7052840/
santos_e_santos.pdf> Acesso em: 14 de abril de 2021.

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