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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL

Polo de Santa Cruz do Sul

PROJETO INTEGRADOR III-B – CURSO DE


LETRAS/PORTUGUÊS

Disciplinas Fonética e Fonologia


e Psicolinguística

Prof. Jefferson Luis de Carvalho

Aluno:

Sandro Lauri da Silva Galarça

Santa Cruz do Sul


Junho de 2023
Regionalismos, sotaques e a fala dos brasileitos: como as diferentes
culturas nacionais são explicadas pela descrição gramatical

Sandro Lauri da Silva Galarça

1. ESPECIFICAÇÃO DO TEMA
O Brasil é um país de grandes dimensões, sendo considerado, a fim de comparação, a
um continente. Maior falante da Língua Portuguesa no mundo, o brasileiro praticamente
reinventou a língua de Camões, Gil Vicente e José Saramago. Com seus regionalismos,
sotaques e uma prosódia única, criou uma maneira toda própria de se expressar. Seja por meio
de expressões idiomáticas particulares (dialetos) ou por uma forma diferente de pronunciar uma
mesma vogal tônica, pode-se afirmar que as regiões brasileiras enriqueceram o idioma de
Portugal. Essa amplitude proporcionada pelos falantes de uma língua – que a colocam em
constante transformação – é que chamamos de variação fonológica, objeto desta proposta.
Por outro lado, percebe-se que tanto a aquisição da linguagem quanto a apropriação de
uma língua por seus falantes pode ser explicada pela psicolinguística na descrição gramatical,
área de estudos da linguística que une psicolinguística e sintaxe experimental. Seu principal
autor é o norteamericano Noam Chomsky, para quem “um fenômeno linguístico só pode ser
explicado quando é possível deduzi-lo em leis gerais, ou seja, as relações linguísticas que
operacionalizam a organização de diferentes palavras em uma frase constroem leis universais
sobre a capacidade humana de produzir linguagem” (CHAGAS, 2019 p.163).
Assim, o tema do presente projeto Integrador é estudar os regionalismos brasileiros – e
suas formas de fala materializadas nos sotaques e nas diferentes formas fonéticas à luz da
descrição gramatical.

2. JUSTIFICATIVA
Com essa proposta abordagem, propõe-se o presente trabalho integrador,
materializado por meio de uma prática em sala de aula para atender às exigências da disciplina
e integrar os conteúdos dos componentes curriculares envolvidos no módulo de estudo. Assim,
o problema que se propõe é: de que maneira os regionalismos brasileiros podem ser explicados
por meio da descrição gramatical?
Entende-se que o ambiente escolar é formado por uma série de particularides,
compostas na maior parte das vezes por dois tipos distintos de olhares: a necessídade de
aprendizado por parte dos alunos e a responsabilidade pedagógica do professor. Dito isso, os
próximos momentos vão explicar melhor a dinâmica dessas relações. Nessa mesma dinâmica,
dois contextos são colocados em diálogo o tempo todo: a bagagem cultural e linguística do
aluno, por um lado, e o conhecimento técnico do professor relacionado ao conteúdo estudado,
de outro.
Quando se trata de um contexto de fala, no âmbito relacionado aos conceitos de
fonética e fonologia, é preciso levar em consideração o ambiente externo, a família, a sociedade,
o entorno cultural do estudante. Nessas ocasiões, o professor atua como mediador entre o
estudante e o conhecimento adquirido, respeitando os traços identitários de fala, mas pontuando
adequadamente o que dizem os estudos sobre esse campo do conhecimento. Combater o
preconceito linguístico, afastar o conceito de certo ou errado e entender o contexto de produção
linguística dos falantes devem ser objetivos de um ensino democrático e construtivo em sala de
aula, quando se fala em ensino fundamental.

3. OBJETIVOS
O presente Projeto Integrador tem a intenção de apresentar uma proposta de atuação,
por parte do professor, diretamente na escola. Trata-se de uma aula ou melhor, um conjunto de
aulas cuja temática e metodologia visam a demonstrar o aprendizado obtido durante o semestre
em duas disciplinas do curso de Letras/Português EAD: Fonética e Fonologia e Psicolinguística.
Com relação ao objetivo geral desta atividade em particular, pretende-se trazer para o
contexto da sala de aula a discussão sobre as diferenças no uso da língua por meio de falantes
do mesmo idioma, representadas pelo regionalismo, e que incluem especificidades como
sotaque, variações fonéticas e uso de dialetos próprios.
Como objetivos específicos, temos: a) perceber quais processos fonológicos ocorrem
em uma comunidade; b) avaliar contextos que justificam e preveem os contextos de sua
ocorrência; c) entender os contextos da produção de diferentes fonemas para as mesmas
palavras.

4. REFERENCIAL TEÓRICO

A disciplina de Fonética e Fonologia tem como objetivo estudar conceitos básicos


relativos aos estudos de Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa, a fim de compreender
melhor o sistema fonológico do Português e, consequentemente, ampliar a consciência
fonológica, examinando a organização da cadeia da fala, sua correlação com a escrita (aspectos
ortográficos) e os processos de leitura e alfabetização, além da interface com outras áreas da
ciência linguística. Constam de sua ementa os conteúdos Fonética e Fonologia do português:
articulações da língua, alfabeto fonético, fonética descritiva. Variação linguística. Implicações
para o ensino de Língua Portuguesa.
Enquanto a fonética trabalha com os sons propriamente ditos, sobre como eles são
produzidos e percebidos e quais aspectos físicos estão envolvidos em sua realização, a
fonologia, por sua vez, opera com a função e a organização desses sons em sistemas
(CAVALCANTI, 2017). O autor cita Matzenauer (2014), para afirmar que “os falantes de uma
língua, por meio de sons da fala, veiculam significados (pensamentos, sentimentos, emoções)
e interagem socialmente, sem se dar conta da sua organização interna, do sistema que a
constitui” (p. 12).
A disciplina de Psicolinguística tem como objetivos: 1) Fornecer uma visão introdutória
do objetivo da Psicolinguística dentro de um paradigma interdisciplinar entre a Psicologia e
Linguística; 2) Introduzir discussões pertinentes às origens da Psicolinguística; 3) Delinear as
abrangências inter/multidisciplinares da ciência. Sua ementa é assim composta: Linguística
aplicada ao ensino de línguas. A aquisição da linguagem: aquisição de L1; aquisição de L2 e
bilinguismo. Alfabetização e letramento: o ensino da leitura na escola.
Escolhemos a abordagem apresentada na segunda unidade da disciplina, intitulada
Psicolinguística na descrição gramatical: estudo da realidade psicológica da gramática de
uma língua natural. Nesse contexto, “é importante compreender essas questões, uma vez que a
psicolinguística na descrição gramatical é um campo da psicolinguística que faz uso da teoria
da gramática para investigar qualquer fenômeno gramatical que possa ser considerado em sua
dimensão cognitiva e psicológica” (CHAGAS, 2017, p. 165).
No que diz respeito à disciplina de Fonética e Fonologia, usaremos como referencial a
unidade intitulada Variação fonológica do português brasileiro. O que nos interessou nesta
unidade é o fato de que, dentro de uma mesma comunidade linguística, muitos sujeitos variam
no modo como produzem os segmentos da fala, o que chamamos de variação fonológica. Essa
variação é governada por processos fonológicos específicos que justificam e preveem os
contextos de sua ocorrência, o que significa que existem explicações para os diferentes usos da
mesma língua por seus falantes, dado um país continental como o Brasil.
Cavalcanti (2017) recorre a Brescabcini (2002) ao discorrer sobre a natureza desses
fenômenos. O autor afirma que as escolhas entre dois ou mais sons, palavras ou estruturas não
ocorrem simplesmente por opção do falante, mas obedecem a um padrão sistemático regulado
por regras, conhecidas como regras variáveis, que expressam a covariação entre elementos do
ambiente linguístico e do contexto social dos falantes (p.92).

5. METODOLOGIA
Nesta proposta de atividade em sala de aula, vamos realizar uma metodologia proposta
nas etapas de pesquisa em Psicolinguística na descrição gramatical como forma de entender
esses processos de uso da língua por falantes de diferentes localidades do Brasil. Para isso,
vamos propor uma dinâmica em uma turma do sexto ano do Ensino Fundamental de uma
suposta escola localizada em Itajaí, Santa Catarina. De acordo com uma observação inicial, o
professor proponente percebeu, na fala dos nascidos na cidade em questão, uma variação de
fonemas bastante característica da região do litoral catarinense, basicamente a pronúncia do “s”
simples antes de uma consoante com som de “x”, como em “churrasco”. Outro fonema
característico da região é o fonema da consoante “g” pronunciado com som de “z” em
“registro”, por exemplo.
Para isso, serão utilizadas cinco aulas, sendo a primeira delas destinada a sensibilizar os
estudantes a respeito da proposta. Nessa primeira aula, o professor utilizará trechos de histórias
em quadrinhos cujos personagens regionais são Chico Bento e Rosinha, na Turma da Mônica,
personagens de Maurício de Souza. Sobre o uso de quadrinhos em sala de aula, podemos
lembrar o que lembram, quando escrevem que
Dentro deste processo comunicacional, podemos ver que os desenhos, por
exemplo, também são uma excelente forma de expressão que se desenvolve
pela necessidade de comunicar, influenciadas principalmente pelo
momento histórico em que se encontram. (VALE, T. M. ; SCHLÖGL,
L. ; BONA, R. J. 2013, pág. 1226)
Na tirinha acima, percebemos a diferença entre a fala de um personagem que mora “na
cidade” e outro que mora “na roça”. Embora a Língua Portuguesa seja a base de sua
conversação, podemos perceber diferenças na maneira como os falantes se expressam, sem que
isso cause prejuízo para a compreensão. É possível perceber, ainda, que o personagem que mora
“na cidade” tenta corrigir Chico Bento, pela sua fala caipira e que não corresponde ao uso da
norma culta. Importante demarcar que essas são marcas fonéticas entendidas dentro do contexto
de uma variação linguística conhecida como regionalismo. A ideia de usar essa tirinha em sala
de aula é desconstruir a ideia de que existe um jeito certo e um jeito errado de se falar, mas
entender os processos pelos quais a formação fonética interfere no uso da língua falada.
Cabe ressaltar ainda que a utilização desses personagens se dará compreendendo o
contexto da diversidade de sotaques e produção de fonemas, estabelecendo uma relação entre
sua regionalidade e o sotaque típico como identitário de determinados falantes, com a ressalva
de que não se pode generalizar nem tratar as falas dentro de um aspecto que reforce o
estereótipo. Nesse momento, o professor precisa abordar questões como preconceito linguístico
e variação fonética e cumprir o papel de mediador do conteúdo, explicando a intenção e a
aplicação da fala desses personagens enquanto exemplos práticos de regionalismos.
Nas aulas seguintes, o professor proporá que os estudantes apliquem uma pesquisa com
os integrantes do grupo familiar e com os vizinhos, em que os estudantes perceberão, mediados
pelo professor, as diferenças na fala e poderão, inclusive, gravar trechos falados por seus
entrevistados. Para isso, foi elaborado um breve formulário de perguntas1. O tratamento desses
dados, por sua vez, obedecerá a sequência proposta na unidade Psicolinguística na descrição
gramatical: estudo da realidade psicológica da gramática de uma língua natural, em que
percebemos:
1. Escolher uma hipótese: a partir de um problema de pesquisa, formule uma
hipótese.
2. Delimitar uma técnica experimental: as principais técnicas experimentais de
pesquisa em Psicolinguística são: on-line e off-line. As técnicas on-line são
experimentos que colhem dados durante momentos de inconsciência do falante; as
técnicas on-line fazem experimentações em momentos em que o falante está
consciente.

1
O formulário encontra-se no Apêndice A deste projeto
3. Criar tarefas para o experimento: as tarefas compõem a aparelhagem da técnica
experimental. Elas geralmente demandam ao falante ouvir, falar, escrever, julgar,
avaliar, indicar e selecionar enunciados.
4. Delimitar variáveis: estudar contextos e estruturas e fenômenos linguísticos que
estejam de acordo com a hipótese. Além disso, avaliar se os estímulos criados para
a pesquisa são ambíguos e podem ocasionar dúvidas aos participantes da pesquisa.
5. Planejar as condições do experimento: estudar todas as ações e os comandos que
o pesquisador utilizará durante o dia da coleta dos dados. Além disso, prever
eventualidades que possam acontecer, delimitar o local onde acontecerá a pesquisa,
quem são os participantes etc.
6. Tratar os estímulos: os estímulos nada mais são do que as formas linguísticas, ou
seja, morfemas, palavras, sintagmas, orações etc, apresentadas aos participantes
durante a pesquisa. O pesquisador deve selecionar no mínimo quatro deles para cada
teste.
7. Distribuir os participantes: separar os participantes de acordo com a faixa etária,
classe social, gostos, etc. Isso facilitará a asserção dos dados.
8. Coletar dados: o pesquisador poderá coletar os dados coletivamente ou
individualmente. É imprescindível o uso de tecnologias como câmeras, celulares,
gravadores e memória de dados para salvar as informações coletadas.
9. Analisar dados: diante dos dados, analisar as reações que os participantes tiveram
aos estímulos e provenha a aceitação ou refutação de sua hipótese. O pesquisador
pode também usar os dados para conduzir outras pesquisas.

A proposta da metodologia vai ao encontro com o que se como uma educação


libertadora por meio de uma extensão para além da sala de aula, utilizando-se para isso de
recursos que se aproximam da realidade do aluno. Assim, a comunicação do estudante com o
mundo exterior e a utilização de recursos da área da comunicação pedagógica já era preconizada
por Freire (2021), quando escreve que “é então indispensável ao ato comunicativo, para que
este seja eficiente, o acordo entre os sujeitos, reciprocamente comunicantes. Isto é, a expressão
verbal de um dos sujeitos tem que ser preenchida dentro de um quadro significativo comum do
outro sujeito” (FREIRE, 2021, pág. 67).
Através dessa pesquisa, será possível mostrar que a variação também pode depender de
fatores externos à língua (como pela influência de variáveis sociais e geográficas). Isso pode
ser resultado da adesão do falante a um grupo específico da comunidade linguística, ou por
residir em uma região onde se fala um dialeto particular, ou até mesmo devido ao fato de
pertencer a uma determinada faixa etária. Também pode-se perceber variações entre os
integrantes do grupo familiar e os vizinhos, que podem ter origens em diferentes regiões
geográficas do Brasil, construindo assim, cada grupo, em um universo fonético diferente.

Distribuição das atividades nas aulas destinadas a esta finalidade:


Aula Atividade Responsável
Aula 1 Sensibilização da turma, conceitos Professor
envolvidos, principais funções e
dinâmica da atividade.
Aula 2 Escolher uma hipótese. Delimitar Professor e estudantes
uma técnica experimental. Criar
tarefas para o experimento.
Delimitar variáveis
Aula 3 Planejar as condições do Professor e estudantes
experimento. Tratar os estímulos
Aula 4 Distribuir os participantes. Coletar Professor e estudantes
dados.
Aula 5 Analisar dados Professor e estudantes
Obs.: A etapa “coletar dados” realizada ao final da aula 4, será executada como tarefa de casa, visto que é o momento em que
os estudantes aplicam a pesquisa, não sendo possível realizá-la no ambiente escolar.

REFERÊNCIAS
CAVALCANTI, Julio Cesar. Fonética e fonologia do português /; [revisão técnica: Talita da
Silva Campos]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 112 p. : il.
CHAGAS, L. A. Psicolinguística na descrição gramatical: estudo da realidade psicológica
da gramática de uma língua natural. In: Aline Bizello; Lucas Araujo Chagas et al. (Org.).
PSICOLINGUÍSTICA. 1ed.P orto Alegre - RS: Sagah, 2019, v. 1, p. 163-178.
CHOMSKY, N. Syntatic structures. The Hague: Mouton, 1957.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação. 10. ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2021. 92 p.

VALE, T. M. ; SCHLÖGL, L. ; BONA, R. J. . Histórias em Quadrinhos e Graphic Novels:


Formas de Comunicação. In: V Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, 2013,
Curitiba/PR. Caderno de Resumos do V Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, 2013.
p. 74-74.
APÊNDICE a – Questionário a ser aplicado na família e entre os vizinhos.

Sugere-se que a entrevista seja gravada para perceber as variações linguísticas na fala
relacionadas às questões fonéticas

1. Qual sua idade?

2. Onde você nasceu?

3. Seus pais são naturais de onde?

4. Há quanto tempo você reside em Itajaí?

5. Você já viajou para outro estado do Brasil?

6. Você pode ler estas frases em voz alta, por gentilieza?

Para que a água saia pela torneira, é necessário abrir o registro

Domingo vamos fazer um churrasco com a família

O apartamento custou dois milhões de reais

7. Você nota diferenças no jeito de falar algumas palavras, em relação a outras regiões do

pais?

8. Além do sotaque e do uso de expressões regionais, você nota outras diferenças que se

manifestam no modo de falar no Brasil?

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