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1. Introdução
1
“O Projeto NURC, como passou a ser chamado, no Brasil, teve, desde o seu início, em 1970, o objetivo
de caracterizar a modalidade culta da língua falada em cinco centros urbanos, adotando-se, para isso,
critérios rigorosos que assegurassem o controle de variáveis e permitissem o confronto de dados, critérios
esses já estabelecidas para o espanhol. Este Projeto visa ao estudo da fala culta, média, habitual, através de
uma documentação sonora capaz de fornecer dados precisos sobre a nossa língua, respeitadas as diferenças
culturais de cada região. Procurou-se, desde o início, deixar claro que não se tratava de estudar uma norma
imposta segundo critérios externos de correção e de valoração subjetiva, mas sim de estudar uma
pluralidade de normas objetivamente comprovadas no uso oral - entendendo-se norma no sentido coseriano,
o que se disse e tradicionalmente se diz na comunidade considerada, admitindo variações externas, sociais
ou regionais, e internas, combinatórias e distribucionais. Seguiu uma linha teórico-metodológica apoiada
em princípios da sociolinguística quantitativa laboviana e da fonética experimental, fazendo uso de
programas computacionais de variação linguística (VARBRUL) e de análise acústica (ILS, CLS e
CECIL).” (Fonte: http://www.nurcrj.letras.ufrj.br)
discursos existentes no senso comum de que os analfabetos e os falantes de variedades
do chamado português popular falam “sem gramática”.
No que se refere às questões existentes entre ensino de gramática e normas, o autor
defende o seguinte:
A crítica à gramatiquice e ao normativismo não significa, como pensam alguns
desavisados, o abandono da reflexão gramatical e do ensino da norma
culta/comum/standard, refletir sobre a estrutura da língua e sobre seu
funcionamento social é atividade auxiliar para o domínio da fala e da escrita.
E conhecer a norma culta/comum/standard é parte integrante do
amadurecimento das nossas competências linguísticas e culturais em especial
às que estão relacionadas à cultura escrita. O lema aqui pode ser: “reflexão
gramatical sem gramatiquice e estudo da norma culta/comum/standard sem
normativismo” (FARACO, 2008:160).2
Como se percebe pela breve exposição feita nesta seção, os estudos linguísticos
brasileiros têm se dedicado a discutir as intrincadas relações existentes entre norma,
ensino e escola. No percurso apresentado acima, evidencia-se a tarefa dos linguistas no
sentido de desvincular o estudo gramatical feito na educação básica dos antigos preceitos
que entendiam gramáticas como meros repositórios de modelos eruditos e literários,
modelos do bem falar e do bem escrever. Num país como o Brasil, a língua oficial é a do
colonizador português; mas depois de 500 anos de miscigenação, já não se usa a norma
linguística de Portugal. Os linguistas se esforçam para apresentar para a sociedade
brasileira um quadro que represente as suas próprias variedades “standard, culta ou
padrão”, evidenciando as relações intrínsecas entre língua e sociedade e contribuindo para
a adoção de atitudes não preconceituosas em relação à variação linguística.
Ao mesmo tempo em que a riqueza das variedades linguísticas se constitui como
um rico tema de pesquisas, colocam-se novas questões para o ensino de gramática, entre
2
As definições de norma culta e norma padrão de Faraco são as seguintes:
“Variedades cultas são, em geral, variedades que ocorrem em usos mais monitorados da língua por
segmentos sociais urbanos, posicionados do meio para cima na hierarquia econômica e em consequência
com amplo acesso aos bens culturais em especial à educação forma e à cultura escrita” (FARACO,
2008:173); “Norma padrão: é um construto idealizado (não é um dialeto ou um conjunto de dialetos como
é a norma culta, mas uma codificação taxonômica de formas tomadas como um modelo linguístico ideal).
[...] Em geral, a fixação de certo padrão responde a um projeto político que visa impor uma certa
uniformidade onde a heterogeneidade é sentida como negativa” (FARACO, 2008:174).
elas: qual norma deve se ensinar na escola? Em outras palavras, considerando-se a
dimensão territorial do país e as diversas variantes linguísticas atestadas, qual variedade
adotaremos como norma? Ou adotaremos várias normas? Neste capítulo, não me deterei
nas respostas a essas questões, e as deixarei como sugestões para debates e pesquisas
futuras.
Na seção anterior, vimos algumas das contribuições dos estudos linguísticos para
o ensino de língua materna. Nesta seção, veremos algumas mudanças de legislação que
foram fruto desses estudos e discussões.
Faraco (2008:186) nos explica que, já na década de 70, três fatores contribuíram
para que houvesse mais críticas ao ensino de gramática: o primeiro era a consolidação da
linguística como matéria universitária. Os linguistas negavam o estatuto de cientificidade
às categorias e aos conceitos das chamadas gramáticas tradicionais. O segundo fator foi
denominado como “euforia da era da comunicação”. Instalava-se à época, no Brasil, a
primeira rede nacional de televisão. O terceiro fator era o pensamento pedagógico
tecnicista que era promovido pelo governo militar, em que se buscavam resultados
imediatos e, para isso, não se devia perder tempo com o estudo de temas “supérfluos”,
tais como os estudados pela educação humanística tradicional.
Acho importante salientar dois aspectos trazidos por Faraco em relação ao ensino
de gramática. O primeiro é a crítica às gramáticas tradicionais, devido ao seu caráter não
científico. Considero essa crítica relevante, mas saliento que ainda hoje os livros didáticos
usados amplamente no país se baseiam nos mesmos conceitos e definições problemáticas
das gramáticas tradicionais. O segundo aspecto é a relação entre uma ideologia tecnicista
da educação e a retirada de temas humanísticos das escolas brasileiras, tais como a
literatura e a gramática. Essa forma de pensar sobre educação linguística, como bem
ressalta Faraco, se iniciou no regime militar, mas, como demonstrarei a seguir, foi
consolidada, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados no final
da década de 90, e ainda está presente, mantida e confirmada na Base Nacional Curricular
Comum de 2018.
Vejamos agora como contribuições de determinadas áreas dos estudos linguísticos
influenciaram os documentos oficiais formulados para direcionar o ensino de língua
portuguesa no Brasil. Analisemos inicialmente a definição de língua apresentada nos
Parâmetros Curriculares Nacionais:
[...] língua é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem
significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê-la é aprender não só as
palavras, mas também os seus significados culturais e, com eles, os modos
pelos quais as pessoas do seu meio social entendem e interpretam a realidade
e a si mesmas. (PCNs, 2000:22)
Lobato (2014) defende que, para substituir a ideia de gramática como “manual”
externo ao indivíduo, passemos a entender gramática como entidade biológica, tal como
apresentado na Teoria Gerativa proposta por Noam Chomsky (1986, 2006, entre muitos
outros).
Noam Chomsky defende a hipótese de que seres humanos possuem uma
capacidade biológica, que lhes permite desenvolver a gramática de uma língua,
denominada Faculdade da Linguagem. Uma língua é o resultado da união de fatores
genéticos, uma predisposição característica da espécie, e de fatores do meio ambiente, ou
seja, a língua a que a criança é exposta durante a infância.
A Faculdade da Linguagem é entendida como um órgão biológico análogo aos
sistemas imunológico e digestivo, por exemplo. Esse “órgão” é composto basicamente de
um sistema computacional e de pelo menos um sistema sensório-motor e um sistema
conceptual-intensional.
Entre os argumentos elencados a favor da Faculdade da Linguagem, citamos os
seguintes, facilmente verificáveis na realidade empírica: todas as comunidades humanas
falam e as fases de aquisição de uma língua por crianças são relativamente uniformes
dentro da espécie.
É importante frisar que Chomsky fez um recorte no seu campo de pesquisa. Sua
teoria se propõe a investigar o funcionamento das línguas pelo ponto de vista internalista,
mental e não social. Por ser uma teoria que coloca entre seus objetivos principais o estudo
da organização das línguas humanas sob a ótica internalista e por entender que uma língua
se estrutura basicamente por meio desse sistema computacional, a teoria tem muito a
contribuir com uma visão dos fenômenos sintáticos guiada por critérios científicos e sobre
o saber inconsciente do falante, os processos de aquisição, além de questões neurológicas
e linguísticas, entre outros temas que ficam fora do escopo de estudos que pretendem
investigar, por exemplo, as relações entre textos e sociedade. Como argumentei na seção
anterior, não há problema nenhum em se fazer recortes ao estudar um objeto
cientificamente. As línguas humanas são objetos que podem ser analisados sob dimensões
muito distintas, e nossa ciência, criada há pouco mais de 100 anos, faz uso desse tipo de
opção metodológica.
Lucchesi (2014) traz uma reflexão importante sobre as variadas dimensões das
línguas humanas: i) a dimensão sociohistórica, alvo do estudo da Sociolinguística
Variacionista, que se preocupa em investigar os processos de variação e mudança
relacionados à estrutura linguística, e ii) a dimensão psíquico-biológica, estudada pela
corrente teórica da Gramática Gerativa, que tem a Faculdade da Linguagem como alvo
de estudo. Vejamos as ponderações do autor:
Lucchesi (2014) apresenta o desafio a ser superado: uma ciência linguística que
contemple as duas facetas das línguas humanas. A reflexão do autor se faz no campo de
programas de pesquisa científica em que a resolução de problemas é sempre guiada por
hipóteses e princípios teórico-metodológicos. No estágio científico em que estamos, as
questões parecem ser inconciliáveis, mas, independentemente de questões teóricas, o fato
real é que seres humanos são biologicamente aparelhados para adquirir e desenvolver
uma língua, que é expressa por meio de um dado sistema organizado e que reflete as
relações sociais de um dado grupo. Essa realidade linguística não pode ficar de fora do
ensino de línguas.
Como visto nas seções anteriores, principalmente no que se refere aos documentos
legais, a visão sociointeracionista é explicitamente preferida. Já a perspectiva que defende
a dimensão biológica e psicológica das línguas está quase apagada das formulações
teórico-metodológicas. A adoção deste viés parcial é prejudicial ao ensino de língua
portuguesa na escola, porque duas dimensões básicas da constituição das línguas humanas
não podem ser conhecidas em sua plenitude pelos alunos: o saber linguístico como uma
habilidade inata, típica da espécie, e a forma que esse saber toma para ser realizado, sua
constituição sintática estrutural. Não há como se compreender o funcionamento de um
objeto multifacetado, por meio da análise de apenas algumas de suas faces.
Numa tentativa de organizar as ideias e conceitos discutidos nas seções anteriores
de forma mais didática e visual, elaborei a seguinte representação, que busca colocar
juntas as diferentes dimensões das línguas humanas:
A imagem acima traz quatro dimensões básicas das línguas humanas, numa
perspectiva congregadora e não parcial, tal como tenho defendido neste capítulo. Sermos
dotados de uma capacidade da linguagem é algo que nos caracteriza como Homo sapiens,
numa perspectiva biológica (apesar de sabermos que os Neandertais também possuíam
pensamento simbólico complexo)3. Essa faculdade humana possui uma dimensão
biológica, típica da espécie; uma dimensão estrutural (fonológica, morfológica, sintática
e semântica), cujas formas, estruturas compartilhadas, são usadas por nossa espécie para
expressar seu pensamento simbólico. Há também uma dimensão social e cultural, a qual
também é típica da espécie e que se relaciona aos usos linguísticos que fazemos em uma
sociedade cada dia mais complexa.
Considerando o fato de que a vertente social e cultural tem recebido maior
destaque nos documentos oficiais e na formação de professores, listo, a seguir, uma série
de argumentos a favor da inclusão e da valorização dos aspectos psicológicos e biológicos
das línguas para contribuir para a construção de uma visão multifacetada dos fenômenos
linguísticos.
O caráter multifacetado das línguas é base epistemológica da linguística moderna
e foi reconhecido desde que a linguística foi instituída como ciência. Apresentar uma
visão unidimensional de um fenômeno multidimensional negligencia, portanto, a
episteme do próprio campo do saber.
3
Ver, por exemplo, a matéria publicada na Revista Sapiens:
https://www.sapiens.org/archaeology/neanderthal-art-discovery/. Acesso em 01 de junho de 2018.
A dimensão psíquico-biológica das línguas possibilita o diálogo entre a escola e
os avanços científicos. Atualmente há inúmeras descobertas e trabalhos científicos que
confirmam a dimensão psíquico-biológica das línguas humanas4. Ao desconsideramos o
componente biológico das línguas humanas, privamos nossos alunos de conhecimentos
relevantes acerca de sua natureza humana e de descobertas da ciência contemporânea.
Além disso, conhecer a base psíquica-biológica e gramatical das línguas humanas:
– Facilita estudos interdisciplinares. O pensamento simbólico e a linguagem
caracterizam nossa espécie, sob o ponto de vista evolutivo, como Homo sapiens. Entender
as línguas humanas sob a perspectiva biológica propicia estudos interdisciplinares entre
línguas, história, biologia, sociologia, entre outros.
– Contribui para o combate ao preconceito linguístico. O saber linguístico e o
pensamento complexo colocam todos os seres humanos em um mesmo patamar.
Independentemente de fatores econômicos, sociais e culturais, todos os seres humanos
adquirem uma língua em etapas bastante uniformes, não importando o tipo de sociedade
em que vivam. Caem por terra afirmações preconceituosas, tais como a de língua mais ou
menos evoluída, mais fácil ou mais difícil, já que todas as línguas humanas são o produto
de uma capacidade compartilhada pela espécie.
A concordância nominal pode servir de exemplo para ilustrar de que forma a
compreensão das configurações estruturais de uma língua, vistas sob a ótica da Teoria
Gerativa, pode contribuir para estudos sobre variação linguística e para o combate a
preconceitos linguísticos. No Brasil, há um grande preconceito com relação ao uso de
variedades linguísticas em que a marca de concordância nominal está presente apenas no
elemento mais à esquerda, tal como em os menino, esses menino bonito. Muitas pessoas
acham que quem usa essas formas não sabe português, não sabe falar, não conhece a
“gramática” da língua. Esse tipo de pensamento é preconceituoso e infundado. Brasileiros
que usam essas formas linguísticas estão marcando a concordância plural na língua de
uma forma diferente, mais econômica, por assim dizer. Mas não é correto pressupor que
quem usa esse tipo de construção “não sabe português” ou que essa variedade linguística
apresente algum problema. Uma simples comparação com o inglês revela que há línguas
que podem inserir marcas de plural em apenas um dos elementos do Sintagma Nominal.
No inglês, língua que tem bastante prestígio social nos dias de hoje, usam-se formas
como: the boy, the boys, cuja tradução literal em português seria “o menino” e “o
meninos”, pois o artigo definido “the” não apresenta flexão de plural e mantém sempre a
mesma forma, quer esteja presente em um sintagma com um nome no singular (the boy),
quer esteja em um sintagma com um nome no plural (the boys). No sistema linguístico
do inglês, a marca de plural não está no artigo e, sim, no substantivo. No português não
padrão, ao contrário do inglês, a marca da flexão se apresenta apenas no artigo, tal como
em o menino, os menino. Ou seja, apesar de as variedades linguísticas em questão
apresentarem flexão de plural apenas em um dos elementos do sintagma – apenas no
artigo no caso do português não padrão, apenas no nome no caso do inglês –, o inglês é
considerado uma língua de prestígio, ao passo que o português coloquial ou popular é
considerado uma variedade linguística sem prestígio. Em síntese, a partir de uma
argumentação comparativa acerca dos diferentes padrões de concordância das línguas,
podemos argumentar com nossos alunos que tanto a variação linguística quanto a
apresentação de diferentes padrões de concordância são propriedades naturais das línguas
e que as ideias preconceituosas em relação a línguas “melhores” ou “piores”, “feias” ou
“bonitas” advêm de preconceitos relacionados a questões de caráter social.
4
Sobre o tema, ver, por exemplo, o artigo seguinte e as referências nele citadas: Hauser, Chomsky and
Fitch. “The Faculty of Language: What Is It, Who Has It, and How Did It Evolve?” Science 298, 1569
(2002).
– Valoriza os saberes dos próprios estudantes e de suas comunidades. A
informação acerca do vasto conhecimento que os falantes têm sobre a gramática de sua
língua também é importante para que se passe a valorizar as intuições linguísticas dos
falantes, o seu conhecimento prévio, para contribuir com a autoestima linguística e o
empoderamento dos falantes como sujeitos dotados de conhecimentos linguísticos por
natureza.
Quando partimos de uma concepção inatista das línguas humanas e da
compreensão da organização estrutural e sistemática desse saber, somos capazes de
perceber e de valorizar o conhecimento linguístico prévio do aluno e de sua comunidade.
Por exemplo, falantes do português brasileiro, quando usam formas como “Os menino
vai”, “Os meus cabelo”, demonstram um enorme conhecimento sobre a língua
portuguesa. Sabem o significado de vários itens lexicais, dominam a ordem interna dos
sintagmas nominais [artigo (+ pronome possessivo) + nome] e dos sintagmas verbais
[sujeito + verbo], não usam, por exemplo, [meus os cabelos] ou [Vai menino os], possuem
conhecimentos sobre o uso do plural dentro dessa variedade linguística sobre os
morfemas que designam plural na língua, usam tais orações dentro dos contextos
pragmáticos adequados etc. O único aspecto da variedade padrão que os falantes estão
desconsiderando é a concordância. Conforme argumentado acima em cada uma das
construções linguísticas apresentadas, há inúmeros aspectos que demonstram o
conhecimento dos falantes sobre sua língua materna. Esse saber tem de ser valorizado e
levado em consideração pelos educadores, assim como os aspectos que estão em
desacordo com a norma padrão podem ser apontados, apresentados e explicados de forma
pontual e objetiva aos estudantes, para que eles tomem consciência das diferentes
variedades de sua língua.
– Facilita a compreensão da própria língua. Os estudos linguísticos atuais, de
base gerativista, têm condições de apresentar os fenômenos linguísticos por meio de
definições mais claras e de critérios mais objetivos e completos. Esses estudos podem ser
úteis para levar os estudantes à compreensão do sistema linguístico de forma mais simples
e intuitiva, porque partem da compreensão de línguas como sistemas. Essa perspectiva de
ensino é capaz de auxiliar o aluno a refletir sobre os valores que organizam o sistema de
sua própria língua, usando sua intuição linguística.
– Colabora com o ensino de línguas. Sob o ponto de vista pedagógico,
conhecimentos gramaticais são relevantes para auxiliar os alunos em tarefas relacionadas
à produção e à análise de textos. A língua se organiza em estruturas linguísticas, em um
sistema linguístico; portanto, entender o funcionamento básico do sistema da sua própria
língua é importante para que se possa manipular os recursos linguísticos com mais
consciência e autonomia.
Para exemplificar de que forma a Teoria Gerativa pode contribuir com os dois
aspectos acima mencionados, iremos analisar a seguir o passo a passo de uma
representação arbórea básica. Apresentarei, de forma sintética, algumas contribuições que
uma reflexão que parta de pressupostos gerativistas que pode dar tanto para o ensino de
sintaxe da oração quanto para as práticas de produção e interpretação de textos.
Sob a ótica gerativista, uma oração com predicado verbal é representada da
seguinte maneira:
I – Inserção do verbo
Verbo
|
vetou
II – Seleção dos complementos verbais
Podemos perceber que o uso de diferentes verbos traz diferentes efeitos de sentido
para as orações. Imaginemos um contexto em que toda a população do país é contra o uso
de agrotóxicos e o presidente opta por barrar a lei que favoreceria o uso ostensivo desses
produtos e que estejamos em um jornal escrevendo uma manchete. Qual oração seria a
melhor opção caso se desejasse beneficiar a imagem do presidente? Qual seria a opção
que passaria uma imagem de neutralidade para o jornal? Qual seria a opção que colocaria
o presidente como “o salvador da pátria”? Que opção nos passaria uma sensação de
situação transitória, que pode ser revertida? Com certeza os termos escolhidos causarão
diferentes impressões nos leitores. Esse tipo de reflexão pode auxiliar alunos na tomada
de consciência tanto de seus saberes gramaticais quanto dos usos e efeitos semânticos e
discursivos das diferentes formas linguísticas.
Enfim, neste artigo trouxe argumentos a favor de que sejam levados para a sala de
aula, de forma mais organizada e explícita, aspectos da dimensão estrutural, psíquica e
biológica das línguas humanas, além dos conhecimentos relacionados à dimensão textual
e social, que também são de suma importância para a formação de cidadãos conscientes
e com visão crítica da realidade. Por meio da apresentação das várias dimensões das
línguas humanas, poderemos preencher as lacunas apontadas no início deste capítulo –
desconhecimento acerca das múltiplas dimensões das línguas humanas, do saber
linguístico inato e do caráter sistemático do conhecimento gramatical.
6. Considerações finais