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ANEXO I

MODELO DE PRODUÇÃO DE LIVRO


DIDÁTICO EAD

TEORIAS DO TEXTO
TEORIAS DO TEXTO 2

TEORIAS DO TEXTO

APRESENTAÇÃO

Neste livro são abordados os princípios fundamentais que regem os


estudos do texto e do discurso e os vínculos que esses conhecimentos
estabelecem com o ensino de língua portuguesa.

Os capítulos estão organizados da seguinte forma:


No primeiro capítulo, Texto, discurso e linguística, define-se texto e
discurso e mostra-se como o estudo dessas categorias insere-se na linguística.
Já o segundo capítulo, Da gramática da palavra e da frase para a Linguística
do Texto, dedica-se a diferenciar uma abordagem gramatical que parte da
palavra e uma gramática do “texto”, que leva em conta o texto como ponto
de partida para a descrição e o aprendizado de gramática. Os capítulos 3 e 4,
Coesão e coerência do texto e Fatores pragmáticos do texto,
respectivamente, ainda ocupam-se do estudo de características e
propriedades textuais.
A partir do capítulo 5, até o 7, respectivamente, Enunciação e
linguística, Fenômenos enunciativos e participantes da enunciação e O
tempo e o espaço na enunciação, aborda-se o fenômeno da enunciação,
diretamente relacionado ao texto e ao discurso, cujo tratamento tem
características próprias e dispõe de teorias específicas.
Finalmente, os últimos três capítulos, Análise do discurso: a
exterioridade na linguagem, Sujeito e discurso e Texto, discurso e ensino
de Língua Portuguesa, apresentam as principais abordagens sobre o discurso,
estabelecendo a relação entre o estudo do discurso e do texto e o ensino de
língua portuguesa.
Mais uma obra extremamente relevante para nossos alunos de Letras,
os quais, a partir dos conhecimentos aqui desenvolvidos, poderão continuar
aprimorando seus estudos em níveis cada vez mais avançados.
Bons estudos!
TEORIAS DO TEXTO 3

SUMÁRIO

1. Texto, discurso e linguística


2. Da gramática da palavra e da frase para a Linguística do Texto
3. Coesão e coerência do texto
4. Fatores pragmáticos do texto
5. Enunciação e linguística
6. Fenômenos enunciativos e participantes da enunciação
7. O tempo e o espaço na enunciação.
8. Análise do discurso: a exterioridade na linguagem
9. Sujeito e discurso
10. Texto, discurso e ensino de Língua Portuguesa

1 Texto, discurso e linguística


1
Débora Facin

1.2 Introdução

Este capítulo propõe uma discussão acerca dos conceitos de texto e


discurso e também da linguística enquanto ciência. Num primeiro momento,
procuramos situar a linguística a partir dos princípios saussurianos. Aqui o foco
central são alguns apontamentos sobre o Curso de linguística geral, obra esta
que representa o nascimento da linguística moderna, cujo representante é
Ferdinand de Saussure. Do Curso elegemos algumas reflexões, como a visão
geral da linguística, língua e linguagem, linguística sincrônica e diacrônica, o
signo linguístico, a semiologia. Nesse espaço, o objetivo principal é orientar o
estudante no terreno dessa ciência e, a partir dela, pensar sobre os fatos
linguísticos, especialmente a concepção do texto e do discurso.

A relevância de estudar mais detidamente a linguística de Saussure


justifica-se – além da atualidade de seu pensamento – pelo fato de que todo
acadêmico de Letras deve primar pela rigorosidade do aporte teórico quando
1
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com.
TEORIAS DO TEXTO 4

da análise e descrição de fatos linguísticos. Entre várias preocupações do


Mestre, uma delas foi mostrar ao linguista o que ele faz. A rigorosidade
quanto ao método atravessa todo o Curso. Como bem lembrou Benveniste
(2005, p. 35), linguista francês, “Saussure é em primeiro lugar e sempre o
homem dos fundamentos.”

O segundo momento deste capítulo atém-se ao conceito de texto e as


propriedades que nos permitem falar em um todo dotado de sentido. A
vertente que se dedica a esse conceito denomina-se Linguística Textual. Por
fim – e também procurando fazer uma distinção com a noção de texto –, este
capítulo apresenta o conceito de discurso.

1.3 O pensamento saussuriano e uma nova linguística

O título desta seção já serve como norte de leitura. É de Saussure que


partimos para organizar nossa reflexão sobre a ciência linguística. Por quê?
Pelo fato de que Ferdinand de Saussure nos mostrou o que um linguista faz
ante os fatos da linguagem. Porque foi Saussure quem delimitou e definiu o
objeto concreto de estudo da linguística. Acreditamos, assim, que devemos a
ele um pouco de nossa atenção.

SUGESTÃO DE LEITURA
FLORES, Valdir do Nascimento. Sobre “A unidade da linguística”, sobre
a linguística e sobre o linguista. Calidoscópio, São Leopoldo: Unisinos, v. 6, n.
3, p. 157-159, set./dez. 2008.

Antes da definição de seu verdadeiro objeto de estudo, a linguística


passou por três fases, quais sejam: primeiramente, a denominada
“Gramática”, estudo este “inaugurado pelos gregos e continuado
principalmente pelos franceses, é baseado na lógica e está desprovido de
qualquer visão científica e desinteressada da própria língua” (CLG, 2006, p.
7).2 Saussure critica o estudo da língua voltado à gramática porque a
finalidade maior era tão somente a prescrição de normas. Em seguida, outra
fase da linguística denominava-se Filologia, cuja proposta era a comparação
de textos de diferentes épocas. Aqui a atenção maior estava voltada à língua
escrita. O terceiro momento compreendeu a chamada “Gramática
Comparada”. Nessa fase, o que se fazia era comparar paradigmaticamente as
línguas, assinalando suas afinidades.

2
Como se trata de uma obra póstuma, referenciamos desta maneira: CLG (Curso de
Linguística Geral), obra organizada pelos discípulos de Ferdinand de Saussure – Charles Bally
e Albert Sechehaye. A referência completa encontra-se na lista final.
TEORIAS DO TEXTO 5

No Curso de Linguística Geral (CLG), Saussure defende que nenhum


desses três momentos da história da linguística deu conta de consagrar a
linguística como ciência, porque a metodologia dessas escolas não foi
suficiente para precisar o objeto concreto de estudo da linguística. Datado de
1916, o CLG apresenta uma nova forma de se pensar a língua e os fatos de
linguagem. Para Saussure, “é necessário colocar-se principalmente no terreno
da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da
linguagem. De fato, entre tantas dualidades, somente a língua parece
suscetível duma definição autônoma e fornece um ponto de apoio satisfatório
para o espírito.” (CLG, 2006, p. 17, grifo do autor).

Saussure anunciava sem ênfase uma ciência geral dos sistemas de signos e
somente os manuscritos nos mostram a que ponto ele se preocupou com ela.
Efetivamente, tratava-se de algo completamente diferente de uma nova ciência,
apenas englobante: era toda a relação com o mundo, com o conhecimento, com
o pensamento, que se era obrigado a reconsiderar: em suma, uma filosofia do
espírito, mas a partir da língua, essa abstração material que se funda somente
em si mesma. (NORMAND, 2009, p. 202).

Definido o objeto da linguística, podemos nos perguntar: em que


consiste tal objeto? Nas palavras de Saussure, a língua “não se confunde com
a linguagem; é somente uma parte determinada. Essencial dela,
indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de
linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo
social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.” (CLG, 2006,
p. 17).

A língua, como um princípio de classificação, é estruturante da


linguagem. A partir do conceito de língua, podemos perceber que, ao
contrário do que aparece em muitos “manuais” de linguística, Saussure
preocupou-se, sim, com a fala, com a linguagem. “É a fala que faz evoluir a
língua: são as impressões recebidas ao ouvir os outros que modificam nossos
hábitos linguísticos. Existe, pois, interdependência da língua e da fala; aquela
é ao mesmo tempo o instrumento e o produto desta.” (CLG, 2006, p. 27).

Na definição saussuriana, a língua constitui o sistema de signos, é de


natureza homogênea; trata-se da união do sentido e da imagem acústica,
ambas as partes igualmente psíquicas. Enquanto a língua comporta o caráter
social, a fala é individual.

No capítulo IV do Curso de Linguística Geral, intitulado Linguística da


Língua e Linguística da Fala, Saussure estabelece algumas diferenças entre
TEORIAS DO TEXTO 6

essas duas entidades. Ainda que sejam coisas absolutamente distintas – a


língua é social e a fala é individual –, ambas mantêm uma relação de
interdependência. Não é possível associar uma ideia a uma imagem verbal
senão em um ato de fala. São as repetições individuais (pela fala) que
garantem o funcionamento de uma língua. No entanto, segundo Saussure,
“seria ilusório reunir, sob o mesmo ponto de vista, a língua e a fala [...] Pode-
se, a rigor, conservar o nome de Linguística para cada uma dessas duas
disciplinas e falar duma Linguística da fala. Será, porém, necessário não
confundi-la com a Linguística propriamente dita, aquela cujo único objeto é a
língua.” (CLG, 2006, p. 28).

SAIBA MAIS
Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no
seio da vida social; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por
conseguinte, da Psicologia geral; chamá-la-emos de Semiologia. Ela nos
ensinará em que consistem os signos, que leis os regem. Como tal ciência não
existe ainda, não se pode dizer o que será; ela tem direito, porém, à
existência; seu lugar está determinado de antemão. A Linguística não é senão
uma parte dessa ciência geral; as leis que a Semiologia descobrir serão
aplicáveis à Linguística e esta se achará dessarte vinculada a um domínio bem
definido no conjunto dos fatos humanos. (CLG, 2006, p. 24)

1.4 As dicotomias saussurianas no Curso de Linguística Geral

Importante percebermos que as dicotomias em Saussure não devem ser


tratadas como conceitos antagônicos, mas sim interdependentes. Neste
espaço falaremos sobre: língua e fala; diacronia e sincronia; significante e
significado; relação paradigmática e sintagmática3.

Como vimos no tópico anterior, a língua define-se como um conjunto de


signos e, por esse motivo, a Linguística garante seu espaço na Semiologia. O
signo linguístico constitui uma entidade psíquica de duas faces: significante
(imagem acústica) e significado (conceito) e apresenta duas características
fundamentais: princípio da arbitrariedade e caráter linear do significante. “O
laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que
entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com
um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo linguístico é
arbitrário.” (CLG, 2006, p. 81).

Figura 1 – A combinação do signo linguístico

3
Saussure não tratava como sintagma e paradigma; quem assim denominou foram seus leitores.
Saussure denominava de eixo das simultaneidades e eixo das sucessões.
TEORIAS DO TEXTO 7

Fonte: CLG (2006, p. 81).

Nesse particular, o conceito de “mesa” não mantém relação alguma


com a imagem acústica m-e-s-a. O laço que une significante e significado é
totalmente arbitrário. Por isso da diversidade de línguas existentes e da língua
constituir um sistema. O que prevalece, dessa forma, em um sistema
linguístico são as diferenças: um signo é o que o outro não é. É aqui que
reside o segundo princípio do signo – o caráter linear do significante, o qual
“representa uma extensão, e essa extensão é mensurável numa só dimensão:
é uma linha.” (CLG, 2006, p. 84). Toda a organização de uma língua depende
dessa característica. Colocado num sintagma, um termo só adquire valor
porque se opõe ao que o precede e ao que se segue.

Ao estabelecer o princípio da arbitrariedade do signo, o que o mestre genebrino


faz é desvelar que os signos são produtos dos seres humanos e, portanto, não são
naturais, mas culturais. A ordem da língua não é um reflexo da ordem do mundo,
mas uma construção das comunidades humanas. (FIORIN; FLORES; BARBISAN,
2006, p. 9).

É um equívoco, portanto, pensar que a língua nomeia as coisas do


mundo. É a língua que contém o mundo. Olhando para o estado de língua,
tudo se baseia por meio de relações. Nesse sentido:

COMBINAÇÃO + ASSOCIAÇÃO = FUNCIONAMENTO DA LÍNGUA

Temos aqui outra dicotomia saussuriana: as relações sintagmáticas e


associativas (paradigmáticas). O paradigma consiste na espécie de “tesouro”
de uma língua, que está armazenado na memória dos falantes. Já o domínio
do sintagma compreende as “combinações que se apoiam na extensão” (CLG,
2006, p. 142). Como dito anteriormente, podemos ver essa dicotomia – assim
como as demais presentes no Curso – como uma espécie de jogo. Os dois eixos
– sintagma e paradigma – precisam se combinar: trata-se de escolha e
associação simultaneamente.

Saussure aponta dois modos de se olhar a língua: pelo tempo


(diacronia) e por estado (sincronia). “É sincrônico tudo quanto se relacione
TEORIAS DO TEXTO 8

com o aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito às
evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia designarão respectivamente
um estado de língua e uma fase de evolução.” (CLG, 2006, p. 96). Mediante
esses conceitos, é impossível separar sincronia e diacronia. Por isso,
reiteramos, a dicotomia.

A língua é um princípio de organização. “Não existem ideias


preestabelecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da língua.” (CLG,
2006, p. 130). A língua serve de intermediário entre o sentido e a imagem
acústica.

IMPORTANTE

A língua é também comparável a uma folha de papel: o pensamento é o


anverso e o som o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo,
o outro; assim tampouco, na língua, se poderia isolar o som do pensamento,
ou o pensamento do som; só se chegaria a isso por uma abstração cujo
resultado seria fazer Psicologia pura ou Fonologia pura.

A Linguística trabalha, pois, no terreno limítrofe onde os elementos das


duas ordens se combinam; esta combinação produz uma forma, não uma
substância (CLG, 2006, p. 131, grifo do autor).

Esse raciocínio de Saussure é esclarecedor no que diz respeito à


arbitrariedade do signo. Caso contrário, “a noção de valor perderia algo de
seu caráter, pois conteria um elemento imposto de fora.” (CLG, 2006, p.
132). É a arbitrariedade que nos permite afirmar que um fato social pode
constituir um sistema. A língua é social e consolida-se na coletividade a partir
da qual se constroem os valores.

Quando Saussure defende que a “coletividade é necessária para


estabelecer os valores cuja única razão de ser está no uso e no consenso”
(CLG, 2006, p. 132), temos aqui a ideia implícita de sua consideração acerca
da fala. Esse detalhe é importante porque, até hoje, parece haver certa
insistência de que o autor genebrino desconsiderou a fala. Muito pelo
contrário. O que impera no Curso é sua preocupação em delimitar e definir o
TEORIAS DO TEXTO 9

objeto da Linguística. Não se pode pensar a língua sem a fala e vice-versa.


Ainda assim, essa interdependência guarda algumas diferenças. Vejamos
algumas delas:

 enquanto a língua é social, a linguagem (a fala) é individual;


 a língua é homogênea e um princípio de classificação, enquanto a
linguagem é heteróclita e multifacetada;
 a língua se realiza pela linguagem; a fala (parole) realiza a língua;
 a língua é parte essencial e social da linguagem; a linguagem apresenta
uma parte social e outra individual;
 é a língua que constitui a unidade da linguagem.

LEMBRE-SE
“Não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de
constituir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos
correspondentes a ideias distintas.” (CLG, 2006, p. 18).

Depois dessa explanação sobre a linguística moderna, podemos nos


perguntar: qual a diferença entre um gramático e um linguista? O gramático
prescreve. O linguista descreve os fenômenos de linguagem. Essa diferença
implica acentuadas consequências para o ensino de língua. Trataremos disso
mais detidamente no capítulo 10 intitulado Texto, discurso e ensino de Língua
Portuguesa.

1.5 Noções conceituais de texto e de discurso

A partir das considerações acerca da linguística, reservamos um espaço


para discutir dois conceitos há tempo estudados e que são basilares a
qualquer estudante da área das Letras: texto e discurso. Essas terminologias
implicam correntes teóricas distintas. Especificamente em relação ao
discurso, vamos nos ater às pesquisas de linha francesa.

A área que se dedica ao estudo do texto é denominada Linguística


Textual. Entre as diversas concepções de texto, Koch (2009, p. XII) destaca
algumas delas as quais configuram momentos diferentes, quais sejam:

1. texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do


sistema linguístico (concepção de base gramatical);
2. texto como signo complexo (concepção de base semiótica);
3. texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção
de base semântica);
4. texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática);
TEORIAS DO TEXTO 10

5. texto como discurso “congelado”, como produto acabado de uma ação


discursiva (concepção de base discursiva);
6. texto como meio específico de realização da comunicação verbal (concepção
de base comunicativa);
7. texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos
(concepção de base cognitivista);
8. texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção
interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional).

No surgimento da linguística textual – segunda metade da década de 60


e primeira metade da década de 70 – os estudiosos dedicavam-se tão somente
à análise transfrástica de textos. A prioridade, assim, recaia sobre o estudo da
coesão textual, sobre os mecanismos de ordem gramatical. Tanto é que
coesão e coerência, à época, eram vistas como sinônimos. As relações, por
exemplo, abreviavam-se a análises puramente referenciais (anáfora e
catáfora). Esse momento, cujo método voltava-se à microestrutura textual,
tinha como principais representantes Halliday e Hasan (1976).

A primeira fase da linguística textual apontava como tarefas básicas:

a) verificar o que faz com que um texto seja um texto, ou seja, determinar seus
princípios de constituição, os fatores responsáveis pela sua coerência, as
condições em que se manifesta a textualidade;
b) levantar critérios para a delimitação de textos, já que a completude é uma de
suas características essenciais;
c) diferenciar as diversas espécies de textos.

Diferentemente da primeira fase da linguística textual, na metade da


década de 70, a perspectiva pragmática confere aos estudos do texto uma
nova roupagem. Nesse momento, a atenção não está mais voltada apenas à
estrutura mínima do texto, mas sim à manifestação específica de
comunicação concreta. O texto, pois, constitui uma atividade humana.

Van Dijk, especialmente no início da década de 80, é um dos grandes


responsáveis pela “virada pragmática”. (KOCH, 2009, p. 18).

Na década de 80, a noção de texto passa a ter um caráter cognitivista.


O texto, nesse período, é “considerado resultado de processos mentais: é a
abordagem procedural, segundo a qual os parceiros da comunicação possuem
saberes acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social
[...]” (KOCH, 2009, p. 21).
TEORIAS DO TEXTO 11

Dessa forma, destacam-se os chamados frames; o uso que se faz da


língua tem de se adaptar à determinada situação. Por exemplo: a palavra
“casamento” compreende um fato linguístico; todos comparecem a esse ritual
vestidos socialmente, porque têm a mesma ideia.

Posterior à “virada cognitiva”, o conceito de texto sofre algumas


mudanças. E a obra de Beaugrande & Dressler (1981) é a responsável por essa
mudança. A preocupação aqui reside em conceituar a textualidade, ou seja, o
que faz com que um texto seja considerado um texto (KOCH, 2009).

Conforme assinalado anteriormente, outra perspectiva do texto é a


sociocognitiva-interacionista. Essa concepção rompe com o hiato entre
exterior e interior. O conceito de contexto, então, passa a ser algo inerente
ao texto. Qualquer manifestação linguística está relacionada aos indivíduos
que dela fazem parte. “Na concepção interacional (dialógica) da língua, na
qual os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a
ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, sujeitos
ativos que – dialogicamente – nele se constroem e por ele são construídos.”
(KOCH, 2009, p. 32-33). Assim, a interação compreende uma atividade
complexa de produção de sentidos e envolve tanto o plano linguístico quanto
os saberes enciclopédicos e a reconstrução desses saberes pelos participantes
de determinada situação verbal.

Da sequência de frases ao lugar de interação verbal, percebemos que a


noção de texto adquiriu vários status em diferentes épocas. Como defende
Maingueneau (2011, p. 57, grifo do autor), “texto emprega-se igualmente com
um valor mais preciso, quando se trata de apreender o enunciado como um
todo, como constituindo uma totalidade coerente.” Obviamente, não
podemos reduzir a ideia de texto a uma frase independente de atores sociais
e de um contexto sociocultural. O texto é, por excelência, o lugar da
construção e reconstrução de sentidos. O texto é a materialidade linguística,
o lugar da manifestação de diversos discursos. E o que vem a ser o discurso?

Assim como as teorias do texto, o discurso engloba diferentes vertentes


teóricas – seja da perspectiva da linguística, seja da perspectiva discursiva,
em especial, a de linha francesa. No que se refere à postura do analista de
discurso – olhando o discurso a partir do interior ou do exterior –, é
importante assinalar que qualquer exercício de análise discursiva passa (ou
deveria passar) pela língua. O discurso deixa transparecer no enunciado sinais
de sua identidade, de sua cultura, de sua história.

Como acontece com a materialidade linguística – o texto –, em relação


ao discurso, o que prevalece é a heterogeneidade, ou seja, não existe
discurso “puro”; todo e qualquer enunciado inscreve em sua essência marcas
de outros discursos oriundos de diferentes posicionamentos, de diferentes
TEORIAS DO TEXTO 12

tempos. Portanto, quando do olhar do analista, o que importa não é sua


estrutura apenas, mas o quê e como determinado discurso significa para uma
comunidade discursiva. Acrescente-se a isso a propagação dos discursos – das
fórmulas discursivas – na sociedade. Tudo o que insiste em se repetir denuncia
um sintoma social, um sintoma linguístico. Por exemplo, a palavra
democracia, hoje, não tem o mesmo sentido que na década de 60. O termo
“carnaval” só comporta tamanha significação no Brasil, porque ele está
diretamente arraigado com a cultura, com a história, com o discurso de poder
que peculiarizam nossa comunidade. Não se trata de um signo vazio, isolado,
mas de um sema que ganha sentido na discursividade, na linguagem em uso.

Como a língua é interpretante dos demais signos, em se tratando de


discurso, o fundamental para um analista de discurso não é aplicar uma teoria
X a um corpus Y, e sim estudar os discursos presentes em determinado corpus
e suas possibilidades de significação.

Em termos conceituais, Maingueneau (1984/2008, p. 15) defende que o


discurso compreende “uma dispersão de textos, cujo modo de inscrição
histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas.”
Nessa concepção, dois termos merecem destaque: inscrição histórica e
regularidades enunciativas. Por quê?

Porque em termos de atualidade no campo dos estudos discursivos,


Maingueneau (1984/2008, p. 15) dispõe de uma proposta diferente e
inovadora. O autor francês, aliado à corrente de Michel Foucault, não
sacrifica nem as estruturas da língua, tampouco a história em que os discursos
se inscrevem. Peculiarmente, no universo acadêmico, parece haver certa
concorrência entre os estudos linguísticos e os discursivos. Maingueneau
(1984/2008) critica essa postura. Independentemente da filiação teórica,
estamos todos no terreno da língua. E qualquer análise de discurso só se
consolida se o pesquisador se debruçar sobre ela.

Assim, consoante Maingueneau (1984/2008, p. 19), o discurso consiste


num “sistema de regras que define a especificidade de uma enunciação.”
Além disso, o autor propõe uma semântica do discurso que integre as
“múltiplas dimensões textuais”, sobretudo as características referentes à
gênese dos discursos.

A gênese então está veiculada à ideia de interdiscurso, ou seja, é


fundamental reconhecer que “a identidade de um discurso é indissociável de
sua emergência e (de) sua manutenção através do interdiscurso.”
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 287). Para Maingueneau (1984/2008),
a unidade de análise não é o discurso em si, mas o espaço de trocas em que se
entrecruzam os diferentes posicionamentos.
TEORIAS DO TEXTO 13

Recapitulando

Neste capítulo, preocupamo-nos em reservar um espaço maior à


Linguística, seu objeto de estudo, seu representante, as dicotomias
saussurianas. Procuramos, ao longo do texto, destacar a importância de
Ferdinand de Saussure para a ciência, a atualidade de seu pensamento e a
necessidade do linguista conhecer seu papel ante os fatos da linguagem.

Em seguida, buscamos elucidar dois conceitos fundamentais para os


estudantes da área das Letras: o texto e o discurso. Ainda que sumariamente –
porque a atenção maior voltou-se à ciência linguística –, pontuamos as
diferentes fases da noção de texto e a existência de diferentes perspectivas
discursivas. Texto e discurso não são sinônimos. Antes de qualquer pesquisa
voltada às linhas textuais e discursivas, é preciso assinalar em qual vertente o
estudo se orienta. A respeito disso, o capítulo 10 está reservado para tratar
mais detidamente sobre texto e discurso relacionados ao ensino de língua
portuguesa.

Referências

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. 5. ed. Tradução Maria


da Glória Novak e Maria Luisa Neri. Campinas: Pontes, 2005.

CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do


discurso. 2. ed. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo:
Contexto, 2008.

FIORIN, José Luiz; FLORES, Valdir do Nascimento; BARBISAN, Leci Borges


(Org.). Saussure: a invenção da Linguística. São Paulo: Contexto, 2013.

FIORIN, José Luiz; FLORES, Valdir do Nascimento; BARBISAN, Leci Borges. Por
que ainda ler Saussure? In: ______. (Org.). Saussure: a invenção da
Linguística. São Paulo: Contexto, 2013. p. 7-20.

MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. São


Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. 6. ed.


Tradução Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. São Paulo: Cortez, 2011.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à linguística textual: trajetória e


grandes temas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. (Coleção Linguagem).
TEORIAS DO TEXTO 14

NORMAND, Claudine. Convite à linguística. Tradução Valdir do Nascimento


Flores e Leci Borges Barbisan. São Paulo: Contexto, 2009.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. Tradução


Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. Organizado por Charles
Bally e Albert Sechehaye. São Paulo: Cultrix, 2006.

Atividades

1) Considere as seguintes proposições sobre os conceitos de linguagem,


língua e linguística:

I) Saussure considerou a linguagem “heteróclita e multifacetada”,


pois abrange vários domínios; pertence ao domínio individual e
social.
II) A língua é para Saussure “um sistema de signos”.
III) Saussure dedicou seus estudos à linguística da fala.
IV) A Linguística detém-se somente à investigação científica da
linguagem não verbal.

Estão corretas as alternativas

a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I e II.
d) II e III.
e) todas estão corretas.

2) Em Natureza do signo linguístico, Ferdinand de Saussure afirma que


“Para certas pessoas, a língua, reduzida a seu princípio essencial, é
uma nomenclatura, vale dizer, uma lista de termos que correspondem
a outras tantas coisas [...] Tal concepção é criticável em numerosos
aspectos”, porque
a) a imagem acústica significa o som material das palavras.
b) o signo linguístico não une uma coisa e uma palavra, mas um conceito e
uma imagem acústica – ambos de ordem abstrata.
c) o significado, de caráter absolutamente material, serve para
conceituar o som das palavras.
d) o signo linguístico é de ordem concreta.
e) o signo linguístico é totalmente motivado pela realidade.

3) O signo linguístico une um conceito (significado) e uma imagem


acústica (significante). Assim definido, exibe dois princípios
TEORIAS DO TEXTO 15

fundamentais. Quais são eles? Justifique sua resposta de acordo com a


teoria de Saussure.

4) Há quatro dicotomias em Saussure: sincronia e diacronia; língua e fala;


significante e significado; paradigma e sintagma. Relacione
corretamente os termos aos seus conceitos.
(1) Sincronia
(2) Diacronia
(3) Língua
(4) Fala
(5) Significante
(6) Significado
(7) Paradigma
(8) Sintagma

( ) Sistema de signos e objeto da Linguística.


( ) Exercício da língua, manifestação individual.
( ) Estado de língua.
( ) Estudo da língua de acordo com o tempo, com a história.
( ) Imagem acústica do signo.
( ) Eixo da seleção.
( ) Conceito do signo.
( ) Eixo das combinações

5) Na perspectiva sociocognitiva-interacionista, o texto compreende:

a) um conjunto de frases com vistas à elaboração de uma gramática


textual.
b) estruturas acabadas as quais visam à transmissão de informações.
c) um processo de ordem mental dos sujeitos nele envolvidos.
d) enunciados completos que objetivam dar conta do estudo das
propriedades dos períodos compostos.
e) um lugar dialógico em que o contexto se constrói na própria interação.

Gabarito

1. C
2. B
3. Primeiro princípio: a arbitrariedade do signo, ou seja, o laço que une o
significante ao significado é arbitrário. Segundo princípio: caráter
TEORIAS DO TEXTO 16

linear do significante; este representa uma extensão e essa extensão é


mensurável numa só dimensão – é uma linha.
4. 3 – 4 – 1 – 2 – 5 – 7 – 6 – 8
5. E

2 Da gramática da palavra e da frase para a Linguística do Texto

Alexandra Feldekircher
4
Müller

Introdução

Os estudos em Fonética, Fonologia, Morfologia e Sintaxe são os responsáveis


por abordar as perspectivas teóricas e metodológicas que marcam a Linguística 5, ao
longo do século XX, como uma ciência autônoma e constituída por um objeto de
estudo próprio, a linguagem.
Passando dos níveis mínimos de análise para os níveis superiores de análise
do fenômeno da linguagem, adentram-se nos estudos da Linguística do Texto (LT),
numa perspectiva de construir os estudos teóricos e práticos de uma Linguística para
além dos limites da frase. Esses estudos textuais têm como “principal interesse o
estudo dos processos de produção, recepção e interpretação dos textos, reintegra o
sujeito e a situação de comunicação em seu escopo teórico” (Mussalin e Bentes, 2005,
p. 16).
É nesse contexto que se registra o nascimento da Linguística do Texto, na
década de 1960, com o princípio de que o texto é uma unidade linguística de análise
hierarquicamente superior à frase e que a gramática de frase vigente não dá conta de
explicar o texto. Nasce num contexto promissor em que se percebe um vasto campo
de pesquisas a serem renovadas pela perspectiva de estudo do texto e não mais
apenas da frase, com isso advém uma gama de aplicações nos contextos de ensino
de línguas e estudo da comunicação. Com esse advento dos estudos linguísticos,
passa-se a ter também uma mudança na concepção de texto, como já referido, o qual

4
Doutora em Linguística Aplicada - PPGLA/UNISINOS
Mestre em Estudos da Linguagem: Lexicografia e Terminologia - PPGLET/UFRGS. Professora
UNISINOS. Pesquisadora colaboradora do Gruopo Termilex e Semantec – UNISINOS.
5
“ciência da linguagem verbal humana” (Koch in Mussalin e Bentes, 2005, contracapa).
TEORIAS DO TEXTO 17

pode ser muito curto ou muito extenso, entendendo-se que o falante se comunica por
meio dele.
Também nessa perspectiva, cabe destacar que esse marco histórico nos
estudos linguísticos permite ainda a afirmação de que, a partir de muita reflexão
teórica, nasce uma nova perspectiva de ensinar e aprender língua em que não mais se
adota a gramática da palavra e da frase para o ensino e a aprendizagem, mas, sim, a
Linguística do Texto.
Sem dúvida, o surgimento dos estudos sobre o texto faz parte de um
amplo esforço teórico, com perspectivas e métodos diferenciados, de
constituição de um outro campo (em oposição ao campo construído
pela Linguística Estrutural), que procura ir além dos limites da frase,
que procura reintroduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e a
situação comunicação, excluídos das pesquisas sobre a linguagem
pelos postulados dessa mesma Linguística Estrutural – que
compreendia a língua como sistema e como código, com função
puramente informativa. (Bentes in Mussalin e Bentes, 2005, p. 245).

Nesse contexto, apresenta-se, num primeiro momento, uma breve retomada


histórica dos três momentos distintos na teoria da LT, os quais se apresentam com
preocupações diferentes em torno do seu objeto: o texto. Na sequência, a abordagem
se dá em torno da compreensão do que é texto para a LT. Posteriormente, o foco está
em apresentar os fatores de textualidade. Por fim, há uma breve retomada dos
principais aspectos numa perspectiva de recapitular alguns dados ou fatos.

2.1 Uma retomada histórica

Foram inúmeras as abordagens e forças para construir uma linguística para


além dos limites da frase, a qual, segundo Marcuschi (1998), deu-se em diferentes
países de distintas formas, sendo a Alemanha a precursora. Contudo, ainda segundo
o autor, um dos precursores aqui no Brasil, é possível identificar três momentos6 com
abrangências teórico-reflexivas complexas e distintas que se distanciavam cada vez
mais da gramática da palavra ou da frase e, por consequência, da influência teórico e
metodológica da Linguística Estrutural de Saussure, os quais podem ser assim
nomeados: a) análise transfrástica, b) construção de gramáticas textuais e c)
teoria do texto.
a) Análise transfrástica: embora marque a ruptura entre o estudo apenas da palavra
ou da frase, iniciando-se os estudos na LT, seu foco de análise é os enunciados ou

6
É importante destacar que não há uma ordem cronológica no surgimento desses três
momentos, em especial entre o primeiro e a elaboração de gramáticas tradicionais, as quais
surgiram com os teóricos Lang (1971, 1972), Dressler (1972, 1977), Dijk (1972, 1973) e Petöfi
(1972, 1973, 1976). (Bentes in Mussalin e Bentes, 2005, p. 249).
TEORIAS DO TEXTO 18

sequências de enunciados, indo destes para o texto. Segundo Fávero e Koch (2008, p.
13), “seu principal objetivo é o de estudar os tipos de relação que se podem
estabelecer entre os diversos enunciados que compõem uma sequência significativa”.
b) Construção de gramáticas textuais: surge com o intuito de reflexão sobre alguns
fenômenos da linguagem incapazes de ser explicados pela gramática do enunciado; e
como um conjunto de regras que regem a construção do texto. Nesse sentido, o que
dá autoridade a esse momento na LT é o fato da existência da descontinuidade entre
enunciado e texto, uma vez que entre ambos há uma diferença de ordem qualitativa e
não puramente quantitativa. Nesse contexto, o texto é tomado como “muito mais que
uma simples sequência de enunciados, a sua compreensão e a sua produção derivam
de uma competência específica do falante – a competência textual – que se distingue
da competência frasal ou linguística em sentido estrito.” (Fávero e Koch, 2008, p. 14).
Nesse âmbito da gramática textual, o falante tem um papel fundamental, recebendo
total atenção, possuindo, de acordo com Charolles (1989 in Mussalin e Bentes, 2005,
p. 250), três capacidades textuais básicas: a formativa (permite formar textos e/ou
analisá-los e classificá-los em “bons” ou “maus”), a transformativa (possibilita
transformar – resumo, paráfrase e reformulação - um texto e avaliar esta atividade) e a
qualificativa (permite a identificação de tipos de texto: narração, descrição,
argumentação etc. e criação de um tipo particular).
c) Teoria do texto: parte da necessidade da observação dos textos no seu contexto
pragmático, ou seja, o contexto toma lugar de destaque nesse momento da LT e é
entendido como um conjunto de condições da produção, da recepção e da
interpretação do texto. Logo, o foco é o texto e os seus elementos constitutivos e o
contexto. Para a construção das teorias do texto, contribuíram significativamente a
teoria dos atos de fala, a lógica das ações e a teoria lógico-matemática dos modelos.
Além disso, a observância da pragmática no escopo teórico causou divergências de
posicionamentos. Com ela, a pragmática, observa-se o ato de comunicação (Schmidt)
como uma forma de interação social, sendo a competência comunicativa a
competência empírica de base que integra a LT e não mais a competência textual.
Para além da competência comunicativa, Petöfi também introduz uma abordagem que
engloba os estudos da sintaxe, da semântica e da pragmática já referida por outros
autores. Atualmente, observa-se que o desenvolvimento geral da LT, inspirado em
grande parte na teoria gerativa, dá-se num enfoque mais amplo, mais substancial e
interdisciplinar (Fávero e Koch, 2008, p. 17). Em resumo, a teoria do texto busca
“investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos
em uso.” (Bentes in Mussalin e Bentes, 2005, p. 251).
TEORIAS DO TEXTO 19

2.2 O que é texto

A concepção de texto, no contexto da análise transfrástica, foi primeiro


tomada como uma estrutura acabada e pronta, ou, ainda, como “produto de uma
competência linguística social e idealizada” (Koch, 1997, p. 21), sendo a ênfase na
extensão e nos constituintes do texto. Nesse mesmo contexto ainda o texto era
visto como capaz de apresentar um determinado conjunto de conteúdos.
Posteriormente, dentro da perspectiva da gramática do texto e da teoria do
texto, passaram a ser consideradas as condições de produção e de recepção do texto,
encarando-o como partes de atividades mais amplas de comunicação (Bentes in
Mussalin e Bentes, 2005). Koch (1997) complementa dizendo que há a necessidade
de compreender o texto no seu processo de planejamento, verbalização e construção.
Isso permite afirmar que a definição de texto deve levar em conta que a produção
textual é uma atividade verbal, é uma atividade verbal consciente e uma atividade
interacional (Bentes in Mussalin e Bentes, 2005, p. 251).
Ainda nessa linha da teoria do texto, Koch (1997) finaliza a noção/conceito de
texto dentro desse panorama da LT no Brasil, afirmando que sempre haverá distintas
formas definitórias de texto, cabendo ao pesquisador definir a que melhor se enquadra
com os seus pressupostos teóricos. Assim, tem-se o conceito de texto como uma
[...] manifestação verbal constituída de elementos linguísticos
selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal,
de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a
depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de
processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a
interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais. (Koch,
1997, p. 22)

Como observado, são várias as possibilidades de descrever texto na LT,


em especial de acordo com o terceiro momento da teoria do texto. Nesse sentido,
é importante lembrar a afirmação sobre a LT do precursor dos seus estudos no
Brasil:
[...] configura uma linha de investigação interdisciplinar dentro da
linguística e como tal exige métodos e categorias de várias
procedências. Basicamente, trata dos processos e regularidades
gerais e específicos segundo os quais se produz, constitui,
compreende e descreve o fenômeno texto. (Marcuschi,
1983/2009, p. 17).

Ainda sobre o conceito de LT, Marcuschi, em 1983, já propunha (2009, p. 35,


grifos do autor) que ela fosse tomada, provisoriamente, como o
TEORIAS DO TEXTO 20

[...] estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras


e controladoras da produção, construção, funcionamento e
recepção de textos escritos e orais. Seu tema abrange a
coesão superficial ao nível dos constituintes linguísticos, a
coerência conceitual ao nível semântico e cognitivo e o sistema
de pressuposições e implicações ao nível pragmático da
produção de sentido no plano de ações e intenções. Em suma,
a LT trata o texto como um ato de comunicação unificado num
complexo universo de ações humanas. Por um lado deve
preservar a organização linear que é o tratamento estritamente
linguístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve
considerara a organização reticulada ou tentacular, não linear,
portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a
coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas.

Na mesma linha, Marcuschi, 2008, p. 75, de uma maneira geral, afirma que as
diversas vertentes da LT hoje aceitam as seguintes posições:
- A LT é uma perspectiva de trabalho que observa o
funcionamento da língua em uso e não in vitro.
- A LT se funda numa concepção de língua em que a preocupação
maior recai nos processos (sociocognitivos) e não no produto.
- A LT não se dedica ao estudo das propriedades gerais da língua,
como o faz a linguística clássica.
- A LT dedica-se aos domínios mais flutuantes ou dinâmicos [...]como
a concatenação de enunciados, a produção de sentido, a pragmática,
os processos de compreensão, as operações cognitivas, a diferença
entre os gêneros textuais, a inserção da linguagem em contextos, o
aspecto social e o funcionamento discursivo da língua. Trata-se de
uma linguística da enunciação em oposição a uma linguística do
enunciado ou do significante.
- A LT tem como ponto central de suas preocupações atuais as
relações dinâmicas entre a teoria e a prática, entre o processamento
e o uso do texto.”

2.3 Fatores de textualidade

A partir da concepção de texto para a LT, abordar-se-á agora os fatores de


textualidade como importante instrumento para o trabalho com o texto na perspectiva
teórica da LT. Assim, cabe primeiro a observação do que se entende como
textualidade nas palavras de Koch e Travaglia (1993):

Textualidade ou textura é o que faz de uma sequência linguística


um texto e não um amontoado aleatório de frases ou palavras. A
sequência é percebida como texto quando aquele que o recebe é
capaz de percebê-la como uma unidade significativa global.

A noção dos fatores de textualidade é uma importante contribuição de


Beaugrande e Dressler (1981) para a LT permitindo que os estudos do texto
evoluíssem muito, sendo a textualidade ou os fatores de textualidade entendidos como
TEORIAS DO TEXTO 21

um conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto e não
apenas uma sequência de frases. Os sete fatores apresentados pelos autores são
coerência, coesão, informatividade, situacionalidade, intertextualidade,
intencionalidade e aceitabilidade7.

i) A coesão refere-se às relações de sentido que são estabelecidas no texto, as quais


se dão no nível gramatical e semântico. No gramatical as relações ficam explícitas
pelo uso dos conectivos (como as conjunções). Já no nível semântico, a coesão se
dará pelas relações que aparecem pela progressão das ideias num laço significativo.
Para Koch (1989), a coesão num nível semântico será tomada como referencial e num
nível mais gramatical como a sequencial. Na crônica de Ricardo Ramos que segue, o
que se evidencia é a ausência de elementos fundamentais que possam dar coesão ao
texto. O que se tem são, na grande maioria, palavras lexicais que representam os
hábitos rotineiros de uma pessoa do levantar-se ao deitar-se sem nenhuma marca
linguística de elementos responsáveis pela coesão sequencial, como, por exemplo,
articuladores de oposição, finalidade, conclusão etc. ou ainda pela coesão referencial
(marcadores como pronomes, entre outros, que permitem que o leitor tenha condições
de identificar os referentes sobre os quais se fala no texto). Contudo, não deixa de ser
um texto por isso, apenas não apresenta marcas coesivas, mas vale-se de outros
fatores de textualidade, como a coerência, ou seja, o sentido.

Circuito Fechado
Ricardo Ramos

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água,
espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água
fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa,
abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta,
blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas,
quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo.
Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes,
telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de
anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes,
xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia,
água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo.
xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água.
Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo,
telefone interno, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves,
lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras,
xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro.
Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis,
prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e

7 Dentre os sete padrões ou fatores, os que têm um desdobramento maior são os dois
primeiros de modo que se constituem em um capítulo à parte, o qual vem na sequência deste.
Para aprofundar o assunto, sugere-se a leitura de livro Lutar com palavras: coesão e coerência,
de Irandé Antunes (2005).
TEORIAS DO TEXTO 22

caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro,
fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó,
gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres,
copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo.
Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias,
calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.

Fonte: Os melhores contos brasileiros e 1973. Porto Alegre: Editora Globo, 1974, pp. 169-
175.

ii) A coerência se apresenta definida como relações de sentido que se estabelecem


no texto de várias maneiras. Diz respeito à continuidade de sentidos, ou seja, à
unidade de sentidos que se percebe haver em um texto, como o percebido no Circuito
Fechado. Pode-se, assim, dizer que um texto coerente é aquele em que existe uma
harmonia entre as ideias e que alcança o fim a que se propõe. Um texto como: João
pagou sua dívida ao Pedro. As maças colhidas estavam todas arruinadas pelas
pragas, por isso não puderam ser vendidas na feira. O voo que tinha como destino o
aeroporto de Congonhas teve que fazer um pouso de emergência., embora esteja de
acordo com as regras da língua culta, do ponto de vista da ortografia e do
ordenamento sintático de cada período, não apresenta uma coerência entre uma
sentença e outra, não havendo, assim, uma unidade de sentido – coerência.

iii) A informatividade tem uma relação direta com a quantidade de informação nova
que o autor do texto vinculará tendo em mente o seu interlocutor. Quanto mais
informativo for o texto, menos previsível e mais atraente ele será. Contudo, a
densidade terminológica a ser explicitada no texto deverá ser dosada pelo autor para
que o interlocutor possa acompanhar o sentido pretendido. Isso fica mais fácil de ser
percebido, se for imaginado uma aula de produção textual para o Curso de Engenharia
de uma universidade. Ao empregar-se a terminologia da área da Linguística e da LT
com os futuros engenheiros sem que haja uma aproximação semântica do léxico
especializado com o nível de conhecimento da área que eles possuem, o resultado
poderá ser comprometedor, pois eles não dominam noções como Linguística, gênero
textual, coesão, elementos de textualidade etc.

iv) A situacionalidade pode ser entendida nos estudos do texto como o conjunto de
fatores que tornam um texto relevante para um determinado momento numa dada
situação de comunicação real ou passível de ser reconstituída. Este fator tem uma
relação muito forte com a noção de contexto, que pode ser entendido tanto como o
contexto situacional quanto histórico8. É a adequação do texto à situação

8
“O papel do contexto – situacional e histórico – é fundamental, portanto, tanto no processo de
produção de texto, quanto no de recepção, pois reúne todos os tipos de conhecimentos
TEORIAS DO TEXTO 23

sociocomunicativa. O contexto pode, realmente, definir o sentido do discurso e,


normalmente, orienta tanto a produção quanto a recepção. Este fator pode ser
exemplificado com o caso de uma solenidade de formatura que exige uma série de
atitudes e que a expressão Confiro-lhe o grau de bacharel em Direito!, dita pelo reitor
da universidade, só faz sentido se levado em conta a situação comunicativa, pois essa
frase fora deste evento formatura, estará fora de contexto e perderá o seu sentido.

v) A intertextualidade é um importante fator para que se tenha a textualidade, pois


ela tem um relação direta com a situação comunicativa e, em especial, com o
interlocutor do texto, pois ele terá que ativar todo o seu conhecimento de mundo para
entender o texto a ponto de poder identificar as relações que se estabelecem com
outros textos já lidos. É o fator que permitirá a identificação de trechos maiores ou
menores, expressões de outros autores entre outros no texto. Inúmeros textos só
fazem sentido quando entendidos em relação a outros textos que funcionam como
contexto, pois um discurso constrói-se através de um já dito em relação a outros
textos, que funcionam como seu contexto. No fragmento do artigo de divulgação
cientifica sobre genética abaixo, percebe-se o aspecto da intertextualidade no
momento em que o autor do texto, professor pesquisador da UFRGS, cita, no seu
artigo, um trecho de um texto literário, do escritor gaúcho Luiz Fernando Veríssimo,
para validar ou engrandecer os resultados de sua pesquisa.

Fonte: Salzano, Francisco. Estamos mudando? In: Revista Ciência Hoje. 27 de outubro
de 2012. p. 298.

arquivados na memória dos falantes, que devem ser mobilizados por ocasião do intercâmbio
verbal: o conhecimento linguístico propriamente dito , o conhecimento de mundo e o
conhecimento interacional”. (Costa e Salces, 2013, p. 46).
TEORIAS DO TEXTO 24

vi) A intencionalidade também funcionará como um fator pragmático no texto, pois


tem uma relação com a intenção do produtor do texto: satisfazer os objetivos que se
tem em mente em uma determinada situação comunicativa: informar, impressionar,
alarmar, convencer, pedir, ofender, etc. Sobre este aspecto, no trecho abaixo,
percebe-se a intenção do autor de convencer o seu interlocutor da importância do
dicionário e para isso faz uso de outro aspecto, o qual se refere às surpresas que a
leitura do léxico proporciona ao leitor, referindo as palavras de João Ribeiro, que tem
um importante papel na Lexicografia9 brasileira, como voz de autoridade que acaba
por enaltecer, também, a importância dos dicionários.

Fonte: Aires da Mata Machado Filho. Grande Coleção da Língua Portuguesa. Urupês,
Edinal. 1 edição.

vii) A aceitabilidade é a contraparte da intencionalidade. “Ela diz respeito à atitude


cooperativa do leitor/ouvinte de interpretar, atribuir sentido àquilo que está lendo ou
ouvindo, aceitando-o como coerente”. (Costa e Salces, 2013, p. 49). Em suma, são os
elementos do texto, como a autenticidade dos fatos, a qualidade e a veracidade que
farão com que o leitor aceite ou não o texto lido, permitindo o seu engajamento. Sobre
este aspecto, pode-se refletir sobre a crônica Circuito Fechado, apresentada
anteriormente, no sentido de perceber que mesmo sem os elementos de coesão
textual esperados pelo leitor, ele pode ser um texto aceito como uma possibilidade
narrativa da rotina diária de um empresário, por exemplo.

Recapitulando

Apresentou-se neste capítulo um panorama geral da LT com suas origens para


o desenvolvimento no Brasil, numa perspectiva de abordar aspectos que permitam
uma análise do texto de modo sociocognitivamente contextualizado. Destaca-se

9
A Lexicografia é entendida como a arte ou a ciência de fazer e estudar dicionários.
TEORIAS DO TEXTO 25

também que, este capítulo de livro, não dá conta de todos os aspectos que envolvem
a LT e a sua vertente mais atual10.

Por fim, é importante reforçar alguns conceitos fundamentais discutidos neste


capítulo, em especial o da LT e o de texto. Assim, observa-se:

a) Linguística do Texto: estudo dos aspectos que envolvem a produção, a constituição


e o uso do texto; e

b) texto: não mais como algo pronto e acabado, mas como um processo em
construção; um todo de sentido e não um amontoado de frases.

10
Há uma perspectiva toda do interacionismo sociodiscursivo que vai olhar fortemente para a
questão dos trabalhos com textos na perspectiva de gêneros textuais, tornando-se uma
abordagem independente da LT (Joaquim Dolz, Schneuwly e Dolz (Suíça), Jean-Paul
Bronckart (Suíça), Ana Maria de Mattos Guimarães (Brasil), entre outros).
TEORIAS DO TEXTO 26

Referências

ANTUNES, I. Lutar com as palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola


Editorial, 2005.
BENTES, A. C. Linguística textual. In: BENTES, A. C. & MUSSALIN, F. (Orgs.)
Introdução à linguística: princípios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2005.
COSTA, D. C. L.; SALCES, C.D. Leitura e produção de textos na universidade. São
Paulo: Editora Alínea, 2013.

FÁVERO, L.L.; KOCH, I.V.. Linguística textual: introdução. São Paulo. Cortez, 2002.
KOCH, I. V. e ELIAS. V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2007.
KOCH, I. G.V. Referenciação e orientação argumentativa. In: MORATO, E. M.;
BENTES, A. C. & KOCH, I. V. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005.
KOCH, I.G.V. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
KOCH, I.G.V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

__________. TRAVAGLIA, L.C. Texto e coerência. São Paulo: Cortez, 1993.

MARCUSCHI, L. A . Linguística do texto: o que é e como se faz? Editora Universitária


da UFPE, 2009 (1983).
MARCUSCHI, L.A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. (Orgs). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras.
5 ed. São Paulo: Cortez, v. 01, 2005.

Atividades

1. Como você pode conceituar texto a partir dos estudos da Linguística


Textual?

Texto pode ser conceituado como um processo que envolve a situação de


comunicação; é um todo de sentido e não um aglomerado de palavras ou frases, ou
seja, uma unidade de sentido global.

2. Quais são as características que um conjunto de frases precisa apresentar


para ser considerado um texto?

Um texto para ser considerado texto precisa considerar os fatores de


textualidade que são: coerência, coesão, informatividade, situacionalidade,
intertextualidade, intencionalidade e aceitabilidade.
TEORIAS DO TEXTO 27

3. A partir da leitura do capítulo, escolha 5 (cinco) termos que são


fundamentais para a teoria da LT e defina-os, de modo que você crie um pequeno
glossário sobre o assunto.

Texto, comunicação, LT, coesão, coerência, por exemplo.

4. A tira da Mafalda apresentada abaixo é um texto? Justifique sua resposta

Fonte: Joaquim Salvador Lavado. (QUINO) Toda Mafalda, Martins Fontes, 1991.

Sim, pois ao término da leitura dos quadrinhos temos um todo de sentido


depreendido, e para o entendermos precisamos considerar todos os fatores de
textualidade que estão em jogo.

5. Leia o texto abaixo de Luis Fernando Veríssimo, uma tira de As Cobras, e


reflita sobre o processo de leitura desse texto. Explicite como se dá o entendimento do
texto na leitura de apenas o primeiro quadrinho e com o complemento da leitura do
segundo quadrinho.

A leitura de apenas o primeiro quadrinho vai permitir que o entendimento seja


no sentido de que o Governo FHC está excelente, ou seja, nota 10. Contudo, após a
leitura do segundo quadrinho, o sentido completa-se e percebe-se que, na verdade, o
Governo está muito ruim e que o 10 refere-se à velocidade (10 quilômetros por hora,
isto é, muito baixa) e não ao conceito numérico de qualidade. Por fim, a leitura do todo
evidencia o quanto é pelo todo que se tem o sentido real do texto.
TEORIAS DO TEXTO 28

3 Coesão e coerência do texto

11
Débora Facin

3.1 Introdução

Como vimos no capítulo 1, a área responsável pelos estudos do texto


chama-se Linguística Textual. Coesão e coerência compreendem dois fatores
responsáveis pela textualidade e também estão inseridas nessa linha de
pesquisa.

Este espaço, então, reserva-se para apresentar alguns conceitos sobre


coesão e coerência e o funcionamento desses fatores mediante alguns
exemplos. Estruturalmente, o texto está assim disposto: em primeira
instância, discorremos acerca da coesão enquanto mecanismo presente na
superfície textual, os tipos de coesão e sua contribuição para a organização e
sequência do texto. Em seguida, a atenção é dedicada ao conceito de
coerência, como ela se consolida e sua relevância para a produção do sentido.
Quando pensamos o texto como “um todo dotado de sentido”, é preciso
conceber essas noções de modo interdependente.

3.2 Coesão, a microestrutura do texto

O texto, objeto de estudo da linguística textual, não compreende uma


soma de frases. Conforme Koch (2012, p. 11), “a diferença entre frase e texto
não é meramente de ordem quantitativa; é, sim, de ordem qualitativa.”
Nesse sentido, interessa à linguística textual as propriedades que garantem o
sentido do texto. A coesão é uma delas.

11
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com
TEORIAS DO TEXTO 29

Por coesão compreendemos todos os mecanismos linguísticos que


conferem a “tessitura” textual. Como se trata de um recurso que faz parte da
língua, a coesão está no plano da microestrutura, as marcas que formam a
coesão são localizáveis ao longo do texto. Essas marcas, por sua vez,
cumprem a função tanto de referenciar quanto de sequenciar as estruturas do
texto.

Vejamos alguns autores que se debruçaram no estudo da coesão e o


conceito por eles defendido:

Quadro 1 – Conceitos de coesão textual


Autores Conceito de coesão
Halliday e Hasan (1976) “Uma relação semântica entre um elemento
do texto e algum outro elemento crucial para a sua
interpretação.”
Beaugrande e Dressler (1981) “Modo como os componentes do universo
textual, ou seja, os conceitos e relações
subjacentes ao texto de superfície são mutuamente
acessíveis e relevantes entre si, entrando numa
configuração veiculadora de sentidos.”
Marcuschi (1986) “Ao fatores de coesão são aqueles que dão
conta da estruturação da sequência superficial do
texto”; “não se trata de princípios meramente
sintáticos, mas de uma espécie de semântica da
sintaxe textual.”
Fonte: elaborado com base em Koch (2012, p. 15-17)

Diferentemente do que se defendia, nos primórdios da linguística


textual, de que a coesão consistia em tão somente aspectos relacionados à
formalidade da língua, os três conceitos anteriores de coesão textual deixam
transparecer que esse princípio também contribui fortemente para a
construção do sentido, para a compreensão textual, ou seja, a coesão não se
configura apenas a partir de estruturas sintáticas; ela também se dá no plano
da semântica.

Ainda que a coesão compreenda a microestrutura do texto, já que esse


fator diz respeito às marcas visíveis presentes no texto, são as diferentes
relações de sentido estabelecidas no plano da língua que conferem a chamada
tessitura – um todo organizado de sentidos. Não nos esqueçamos de que o
sentido de uma frase depende do sentido das demais com quem se relaciona.
Essa dependência, portanto, garante-se pelo processo de coesão textual. Caso
contrário, teríamos nada mais do que um amontado de frases desconexas.
Todas as construções presentes num texto, de algum modo, significam. Os
sinais de pontuação, a escolha lexical, a estrutura sintática, toda construção
TEORIAS DO TEXTO 30

presente num texto deve contribuir para o TODO organizado. É a partir do


TODO que as partes devem ser pensadas e analisadas.

O show
O cartaz
O desejo
O pai
O dinheiro
O ingresso
O dia
A preparação
A ida
O estádio
A multidão
A expectativa
A música
A vibração
A participação
O fim
A volta
O vazio

Para ilustrar que a coesão não se limita aos processos gramaticais, o


poema de Millôr Fernandes é composto apenas por artigos e substantivos; não
há, em sua composição, elementos que estabeleçam conexões entre os
versos. A conexão é garantida pelas palavras; somente a escolha lexical
confere ao todo do texto a sequenciação – desde o conhecimento do show até
o sentimento de “vazio” quando do término da festa.

Halliday e Hasan (1976 apud KOCH, 2012, p. 18-19) apresentam cinco


mecanismos de coesão, quais sejam:

referência (pessoal, demonstrativa, comparativa);


substituição (nominal, verbal, frasal);
elipse (nominal, verbal, frasal);
conjunção (aditiva, adversativa, causal, temporal, continuativa);
coesão lexical (repetição, sinonímia, hiperonímia, uso de nomes
genéricos, colocação).

De acordo com Koch (2012), os elementos de referências são aqueles


que não têm sentido de forma independente; eles dependem de outros
elementos para a sua interpretação. A referência pode ser: situacional
(exofórica) e textual (endofórica). A exofórica é “quando a remissão é feita a
algum elemento da situação comunicativa, isto é, quando o referente está
TEORIAS DO TEXTO 31

fora do texto; e é endofórica, quando o referente se acha expresso no próprio


texto.” (KOCH, 2012, p. 19).

Esquema 1 – A construção da referência

Fonte: adaptado de Koch (2012, p. 19).

SAIBA MAIS

A referência pessoal é feita por meio de pronomes pessoais e


possessivos; a demonstrativa é realizada por meio de pronomes
demonstrativos e advérbios indicativos de lugar; e a comparativa é efetuada
por via indireta, por meio de identidades e similaridades. (KOCH, 2012, p.
19).

PRINCIPAL DIFERENÇA ENTRE SUBSTITUIÇÃO E REFERÊNCIA: na


referência, “há total identidade entre o item de referência e o item
pressuposto, ao passo que na substituição ocorre sempre alguma redefinição.”
(KOCH, 2012, p. 20). A substituição implica dois fenômenos: recupera-se um
elemento anteriormente mencionado redefinindo-o. Importante destacar que,
sempre que substituímos um termo por outro ou uma sintaxe por outra,
altera-se também o sentido.

É o que acontece na crônica de Luís Fernando Veríssimo. Vejamos!

Inimigos
Luís Fernando Veríssimo
TEORIAS DO TEXTO 32

O apelido de Maria Teresa, para o Norberto, era “Quequinha”. Depois do


casamento sempre que queria contar para os outros uma de sua mulher, o Norberto
pegava sua mão, carinhosamente, e começava:
- Pois a Quequinha...
E a Quequinha, dengosa, protestava.
- Ora, Beto!
Com o passar do tempo, o Norberto deixou de chamar a Maria Teresa de
Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se referir a ela, dizia:
- A mulher aqui...
Ou, às vezes:
- Esta mulherzinha...
Mas nunca mais Quequinha.
(O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O
tempo ataca em silêncio. O tempo usa armas químicas.)
Com o tempo, Norberto passou a tratar a mulher por “Ela”.
- Ela odeia o Charles Bronson.
- Ah, não gosto mesmo.
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chamasse de Ela, ainda
usava um vago gesto da mão para indicá-la. Pior foi quando passou a dizer “essa aí” e
a apontar com o queixo.
- Essa aí...
E apontava com o queixo, até curvando a boca com um certo desdém.
(O tempo, o tempo. O tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai
tirando uma asa, depois a outra...)
Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, o Norberto nem olha na
sua direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz:
- Aquilo...

No caso do texto “Inimigos”, vários são os elementos que cumprem a


função de referenciar o nome “Quequinha”, esposa de Norberto: “mulher
aqui”, “esta mulherzinha”, “ela”, “essa aí”, “aquilo”. No entanto, pensando
o sentido global da crônica, tais retomadas não apenas recuperam
informações pretéritas, como também criam novos objetos-de-discurso, ou
seja, a cada vez que o nome de Maria Teresa é mencionado, entra em cena
uma nova “Quequinha”. Assim, os elementos linguísticos – em destaque no
texto – organizam a estrutura sintático-semântica: à medida que o tempo
passa, o casamento entra em crise e a distância entre marido e mulher
aumenta. A ideia de que o tempo contribui para essa realidade pode ser
observada pelo uso dos pronomes e advérbios: “aqui”, “esta”, “ela”, “essa
aí”, “aquilo”. O modo como o enunciador referencia a “Quequinha”, ao longo
do texto, denuncia sua imagem em relação à mulher.

Koch (2012), na obra Coesão textual, define duas grandes modalidades


de coesão: a coesão remissiva ou referencial e a coesão sequencial. A
TEORIAS DO TEXTO 33

coesão referencial é “aquela em que um componente da superfície do texto


faz remissão a outro(s) elemento(s) nela presentes ou inferíveis a partir do
universo textual.” (KOCH, 2012, p. 31). O elemento de referência pode ser
representado por um nome, um sintagma, uma oração, ou todo um enunciado.

LEMBRE-SE
Remissão para trás: ANÁFORA
Exemplo: O menino caiu da escada. Ele quebrou a perna. (anáfora)
Remissão para frente: CATÁFORA
Exemplo: Ele é um grande representante da música brasileira, Caetano
Veloso! (catáfora)

De acordo com Koch (2012), as principais formas remissivas (ou


referenciais) podem ser de natureza gramatical ou lexical. As gramaticais
apenas fornecem ao leitor instruções de conexão e podem ser presas ou livres.

As formas remissivas gramaticais presas acompanham um nome, com o


qual concordam em gênero e/ou número, e exercem a função de
determinantes. Por exemplo: artigos, pronomes adjetivos (demonstrativos,
possessivos, indefinidos, interrogativos e relativos), numerais cardinais e
ordinais.

Já as formas remissivas gramaticais livres compreendem os pronomes


pessoais de 3ª pessoa (ele, ela, eles, elas), os pronomes substantivos em
geral, os advérbios pronominais (lá, aí, ali, acima, entre outros).

No caso das formas remissivas lexicais, os termos não acompanham um


grupo nominal e não cumprem a função de determinante; fazem referência a
algo fora do texto, contendo assim instruções de sentido.

Por exemplo: O avô da criança atropelada encontrava-se em estado


lastimável! O velho chorava desesperado, sem saber que providências tomar.
(KOCH, 2012, p. 35).

Outra grande modalidade de coesão é a chamada coesão sequencial,


que se refere “aos procedimentos linguísticos por meio dos quais se
estabelecem, entre segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados,
parágrafos e sequências textuais), diversos tipos de relações semânticas e/ou
pragmáticas à medida que faz o texto progredir.” (KOCH, 2012, p. 53).

Conforme a autora, essa progressão textual acontece de duas maneiras:

a) pela sequenciação frástica (sem procedimentos de recorrência);


TEORIAS DO TEXTO 34

b) pela sequenciação parafrástica (com procedimentos de


recorrência).

Principais recursos da sequenciação parafrástica:

a) predominância de parágrafos extensos;


b) recorrência de estruturas sintáticas;
c) repetição de conectivos;
d) prevalência do tempo verbal pretérito imperfeito do indicativo;
e) reiteração de termos quase sinônimos.

Principais recursos da sequenciação frástica:

a) presença de conectores com função argumentativa, ou seja, as


construções direcionam-se para certas conclusões;
b) manutenção temática (tópico – comentário);
c) estabelecimento de relações semânticas entre enunciados no
texto (encadeamento).

Quadro 1 – Relação dos principais elementos de coesão


Conectores Relação de sentido
assim, desse modo valor exemplificativo e
complementar
E adição, desenvolvimento do
discurso
ainda introdução de mais um argumento
a favor de determinada conclusão
aliás, além do mais, além de tudo, introdução de um argumento
além disso decisivo
isto é, quer dizer, ou seja esclarecimentos
mas, porém, todavia, contudo e oposição entre dois enunciados
outros conectores adversativos
embora, ainda que, mesmo que contradição e concessão
ainda, até, até mesmo, inclusive, indicam informações
em realidade, no mínimo, no pressupostas.
máximo, sobretudo, também
porque, que, já que, pois justificativa
mais que, menos que comparação
por conseguinte, pois, conclusão
consequentemente, portanto, logo
finalidade para, para que, a fim de que, com
o intuito de
conformidade conforme, de acordo com,
segundo
Tempo quando, logo que, assim que,
sempre que
condição se, caso, contanto que, desde que
proporção ao passo que, à medida que, à
proporção que
TEORIAS DO TEXTO 35

Fonte: com base em Platão e Fiorin (2002, p. 278-281).

Segundo Koch (2012, p. 77), “[...] a coesão referencial e a coesão


sequencial não devem ser vistas como procedimentos totalmente estanques.
Há, na língua, formas que apenas efetuam encadeamentos (os conectores
propriamente ditos) e outras que operam, ao mesmo tempo, remissão (ou
referência) e encadeamento.”

3.3 Coerência, um princípio da atividade comunicativa

“Bom texto, está coerente!” É comum ouvirmos este enunciado. Parece


não haver dúvida, no uso comum, do que é ser ou estar coerente. Sabemos
quando um texto é bom, quando tem sentido, quando tem coerência. Do
contrário, também.

Conforme Koch e Travaglia (2011, p. 13), a coerência “tem a ver com a


‘boa formação’ do texto [...] em termos de interlocução comunicativa.” Assim
a coerência não diz respeito apenas aos aspectos de gramaticalidade (isso
está mais para coesão textual), mas sim com a interação comunicativa. A
coerência constitui um princípio de interpretabilidade do texto. Ela exige do
leitor aspectos cognitivos, porque exige conhecimento de mundo. Um
enunciado, além do conteúdo explícito na superfície textual, por meio da
própria escolha lexical do enunciador, apresenta informações pressupostas
cujo conteúdo expressa realidades variadas – da cultura, da política, da
religião, da educação, entre outros.

A coerência, portanto, pode ser compreendida como “uma teoria do


sentido do texto”, em que “o usuário da língua tem competência textual e/ou
comunicativa e que a língua só funciona na comunicação, na interlocução,
com todos os seus componentes (sintáticos, semânticos, pragmáticos,
socioculturais etc.” (KOCH, TRAVAGLIA, 2011, p. 15).

COERÊNCIA: ESTUDO DA COMPETÊNCIA TEXTUAL | A TEORIA DO


SENTIDO

Como a coerência consiste na competência textual, é importante


ressaltar que a construção do sentido depende, também, da esfera cognitiva.
Quando lemos ou ouvimos uma piada, por exemplo, que não faz parte do
nosso universo cultural, é comum não entendermos ou não acharmos graça.
Por quê? Certamente, porque o sentido envolve um ambiente cujos costumes
desconhecemos. Se a língua contém o mundo – conforme exposto no capítulo
TEORIAS DO TEXTO 36

1 –, os textos que circulam em nossa sociedade ou em outras contêm não


apenas formas linguísticas, mas enunciados que precisam ser significados por
quem os conhece, por quem se familiariza com a cultura de determinada
língua.

Vejamos um exemplo cujo enunciado traz um possível paradoxo, mas é


justamente essa construção que visa a deixar transparecer ao leitor
preconceitos sociais enraizados e que se mostram por meio da língua.

Ela é mulher, mas dirige bem.

Neste período, o uso da conjunção adversativa pode causar certo


estranhamento se ficarmos apenas no plano da estrutura das sentenças. O
sentido criado mediante o conector reflete justamente a realidade da mulher.
O enunciado é coerente, contém o preconceito, já que culturalmente a
função de dirigir sempre esteve vinculada à imagem masculina. Caso
contrário, tal paradoxo não teria sentido numa sociedade como a nossa.

A coerência é, sobretudo, uma relação de sentido que se manifesta entre os


enunciados, em geral de maneira global e não localizada. Na verdade, a
coerência providencia a continuidade de sentido no texto e a ligação dos próprios
tópicos discursivos. Não é observável como fenômeno empírico, mas se dá por
razões conceituais, cognitivas, pragmáticas e outras. (MARCUSCHI, 2008, p. 121).

Enquanto os mecanismos de coesão são localizáveis no texto, porque


fazem parte do plano linguístico, a coerência não o é. A coerência faz parte
da macroestrutura do texto, constrói-se conjuntamente com os fatores
pragmáticos e linguísticos. Assim, podemos afirmar que coesão e coerência
não são conceitos estanques; eles coadunam para a construção do sentido.
Conforme Charolles (1986 apud KOCH, 2012, p. 77), “o uso dos mecanismos
coesivos tem por função facilitar a interpretação do texto e a construção da
coerência pelos usuários.”

Marcuschi (1983 apud KOCH; TRAVAGLIA, 2011, p. 25) defende que “há
textos sem coesão, mas cuja textualidade ocorre em nível de coerência.”
Assim como podem existir sequências muito bem construídas em termos de
coesão, mas sem coerência para o leitor – ou por desconhecimento do assunto
tratado no texto, ou por não conseguir estabelecer sentido entre os
enunciados, entre outros motivos.

Então a coerência depende tão somente do leitor? Diríamos que a


coerência depende dos seguintes elementos:
TEORIAS DO TEXTO 37

Intenção do autor + texto com sinalização para que o leitor possa ativar
conhecimentos tidos como compartilhados e situar-se no quadro delineado pelo
autor.

É preciso considerar que, embora seja necessário separar coesão e


coerência em termos metodológicos, os dois fenômenos fazem parte da
textualidade. Koch e Travaglia (2011) defendem que a coerência não é apenas
um princípio do texto, ela depende também da interação entre autor e leitor.
Obviamente, afirmar que a coerência depende também do leitor não significa
dizer que um texto pode ser lido de qualquer forma, ou que qualquer
interpretação seja válida. Ainda que possamos depreender mais de um sentido
num mesmo texto, não podemos reduzi-los aos “delírios interpretativos”, ou
deixar que a subjetividade oriente os sentidos que se constroem pelas formas
da língua. E aqui lembramos o que explanamos no capítulo 1 acerca da
linguística, dos signos e do sistema. É preciso levar em conta os valores
inerentes ao signo linguístico: um signo é o que o outro não é. Por isso,
interpretações totalmente subjetivas não fazem parte da coerência. O
conhecimento enciclopédico do leitor, sim! É esse conhecimento de mundo
que faz parte do “tesouro” linguístico dos participantes de qualquer interação
verbal. É disso que depende a coerência.

Recapitulando

Este espaço procurou esclarecer dois princípios fundamentais da


textualidade: a coesão e a coerência. Vimos que os dois conceitos não podem
ser tidos como sinônimos. Enquanto a coesão faz parte da microestrutura do
texto e está relacionada a elementos de caráter linguístico, a coerência se
configura por meio desses elementos e abarca outros saberes que não se
restringem à formalidade da língua. A coerência não é um ponto de chegada
de um bom texto; um texto coerente forma-se por meio de todos os seus
elementos – tanto pelas informações explícitas quanto pelos pressupostos.

Como professores de língua, deparamo-nos com textos de diferentes


naturezas: alguns com mais elementos coesivos, outros com uma quantidade
mais reduzida de conectores; textos bem escritos sob o aspecto formal da
língua, mas que apresentam conteúdos incoerentes; outros que apresentam
boas ideias, porém com problemas coesivos. Diante dessa realidade, é
fundamental que o ensino de língua prime por auxiliar o aluno a desenvolver a
competência comunicativa, e isso envolve tanto aspectos linguísticos quanto a
realidade que envolve a situação de comunicação.
TEORIAS DO TEXTO 38
TEORIAS DO TEXTO 39

Referências

BEAUGRANDE, Robert de; DRESSLER, Wolfgang U. Einführng in die


Textlinguistik. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1981. Tradução inglesa:
Introduction to Textlinguistics. London: Longman.

FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e
redação. 16. ed. São Paulo: Ática, 2002.

HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, Rugaia. Cohesion in English. London: Longman,


1976.

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual. 2. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2009. (Coleção Linguagem).

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 22. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Carlos. Texto e coerência. 13. ed. São
Paulo: Cortez, 2011.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. A linguística do texto: o que é e como se faz.


Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1986. (Série Debates, 1).

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e


compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
TEORIAS DO TEXTO 40

Atividades

1) Sobre coesão textual, assinale a alternativa correta.


a) Faz parte da macroestrutura do texto.
b) A referência é um tipo de coesão e pode ser representada apenas
por verbos.
c) Trata-se do processo de interpretabilidade do texto.
d) Faz parte da microestrutura do texto.
e) Não mantém nenhum caráter semântico, apenas sintático.

Analise o seguinte fragmento para responder às questões 2 e 3:

Tudo parecia tranquilo naquela noite de julho. O casal fumava na


janela. Os poucos faróis clareavam a estreita rua. A menina lia seu romance
no quarto aos fundos. Até que o encontro do corpo gordo com o chão
interrompeu o silêncio no condomínio.

2) Que tipo de sequenciação prevalece na primeira parte? Justifique sua


resposta.

3) No segundo momento do texto, há uma mudança na progressão textual.


Qual(is) elemento(s) evidencia(m) essa mudança?

4) Assinale a alternativa correta a respeito da coerência textual.


a) Trata-se de um princípio resultante da textualidade.
b) A coerência encontra-se no interior das formas textuais.
c) A coerência, por ser um princípio de interpretabilidade textual,
organiza-se por meio dos conectivos.
d) A coerência é, sobretudo, um jogo de relações sintáticas.
e) A coerência consiste numa realização global.

Leia o fragmento a seguir, retirado do conto “Francisca”, de Rubem


Fonseca, para responder à questão 5:

Não há mulher que não sonhe em matar o marido. Eu também tinha


esse devaneio, mas ele se tornou uma determinação realista.
TEORIAS DO TEXTO 41

5) Na passagem, a coesão textual se dá por meio da remissão para trás –


anáfora. Assinale a alternativa que exemplifica corretamente os
elementos anafóricos.
a) esse devaneio – ele.
b) esse devaneio – mulher.
c) ele – determinação.
d) esse devaneio – tornou.
e) marido – ele.

Gabarito

1) D
2) Sequenciação parafrástica; há recorrência do tempo verbal no
pretérito imperfeito.
3) “Até que”, “interrompeu”: porque há mudança de tempo verbal
e de ação.
4) E
5) A

4 Fatores pragmáticos do texto

Débora Facin12

4.1 Introdução

Neste capítulo vamos abordar a construção da textualidade. Para isso,


resgatamos um pouco do que foi tratado no capítulo 3 – coesão e coerência –,
o próprio conceito de texto e os fatores que linguística ou pragmaticamente
interferem na construção do sentido. Apoiamo-nos, então, em autores como
Costa Val (1999), Koch (2009), Koch e Travaglia (2011) e Marcushi (2008).

4.2 A constituição da textualidade

12
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com
TEORIAS DO TEXTO 42

Como reconhecer um bom texto? Sabemos que um bom texto se


constitui por diversos fatores que vão desde o manejo com a linguagem até a
seleção das informações pertinentes de se apresentar ao leitor e, claro, o
estilo do autor.

Quando nos deparamos com um bom texto – seja um texto acadêmico,


seja uma obra literária –, a leitura flui de tal maneira que não conseguimos
identificar onde se encontram as partes boas. É impossível localizar as partes
boas. Isso porque o bom texto, o texto que informa, o texto que tem estilo e
autoria, constrói-se no todo. Toda e qualquer construção nele presente
contribui para formar uma unidade.

Costa Val (1999, p. 5) define a textualidade como “conjunto de


características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma
sequência de frases.” Koch e Travaglia (2011, p. 27-28) associam a
textualidade ao princípio da coerência afirmando que:

textualidade ou textura é o que faz de uma sequência linguística um texto e não


uma sequência ou um amontoado aleatório de frases ou palavras. A sequência é
percebida como texto quando aquele que a recebe é capaz de percebê-la como
uma unidade significativa global. Portanto, tendo em vista o conceito que se tem
de coerência, podemos dizer que é ela que dá origem à textualidade.

Marcuschi (2008, p. 93), em seu entendimento, defende que “um texto,


enquanto unidade comunicativa, deve obedecer a um conjunto de critérios de
textualização (esquematização e figuração), já que ele não é um conjunto
aleatório de frases, nem é uma sequência em qualquer ordem.” Nos três
conceitos, podemos identificar uma característica recorrente na constituição
do texto: a unidade. Assim, tudo que faz parte do conjunto textual, seja de
ordem sintática, seja de ordem semântica, vai contribuir para a harmonia do
todo. É assim que devemos pensar a construção de um bom texto, de um
texto coerente.

Marcuschi (2008) ainda lembra o cuidado que devemos ter ao observar


os critérios que definem a textualidade. Esses critérios, primeiramente
definidos por Beaugrande e Dressler (1981), não devem ser tomados apenas
como nomenclaturas estanques ou como princípios normativos. Segundo o
autor, “não se deve concentrar a visão de texto na primazia do código nem na
primazia da forma. [...] Um texto é uma proposta de sentido e ele só se
completa com a participação do seu leitor/ouvinte.” (MARCUSCHI, 2008, p.
93-94).
TEORIAS DO TEXTO 43

Nesse sentido, na composição de um texto, não está em jogo apenas o


fenômeno linguístico, mas a interação do leitor e seu conhecimento de mundo
e, sobretudo, as circunstância em que ele foi produzido.

Vejamos um exemplo:

FOLHA de S. PAULO, 15 abr. 2013. Disponível em:


<http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/14990-charges-abril#foto-265313>.

Sabemos que a leitura e a compreensão da charge não se limitam à


identificação categórica de princípios textuais. Sabemos, também, que apenas
o conhecimento linguístico não assegura a coerência do texto, já que esta
envolve a interação entre autor, texto, leitor.

No caso da charge de Angeli, é fundamental reconhecer o estilo do


autor, as propriedades do veículo em que o texto foi publicado (Folha de S.
Paulo) e as circunstâncias que provocaram a produção do gênero. Sabemos
que a charge, em sua constituição, carrega marcas próprias, como ironia,
ambiguidade, conteúdos implícitos, críticas ao sistema social; para isso, vale-
se de recursos pragmáticos, linguísticos e formas verbo-visuais que conduzem
o interlocutor para uma leitura hipertextual.

No exemplo, Angeli, a fim de retratar o problema econômico que sofre


o país, explora desde um “problema de linguagem” (pindura) até a
ambiguidade provocada a partir do jogo entre o termo “pindura” e a imagem.

Sabendo que o texto é um todo dotado de sentido, consoante Marcuschi


(2008, p. 95), sua produção envolve três aspectos: linguísticos, sociais e
cognitivos. O autor, ainda, com o propósito de ilustrar a constituição da
textualidade, apresenta o seguinte esquema:

Esquema 1 – Critérios de textualidade


TEORIAS DO TEXTO 44

Fonte: Marcuschi (2008, p. 96).

Por meio do esquema, percebemos que a construção de um texto


compreende um processo, e não um produto acabado. Em primeira instância,
temos os três grandes eixos que compõem a textualidade, quais sejam: autor,
leitor e texto; em segundo momento, a configuração linguística, que engloba
os conhecimentos contextuais, as informações constantes no intratexto; por
fim, a situação comunicativa, a qual requer do leitor o acesso à história e ao
contexto em que os textos são produzidos.

4.3 Fatores de construção do sentido no texto

Comecemos esta seção com uma tira de Iotti.

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2013/10/1350932-caricatura-


do-colono-italiano-radicci-completa-30-anos.shtml>.
TEORIAS DO TEXTO 45

Qual o sentido da tira? Suponhamos que um leitor de algum outro


estado do Brasil, que não o Rio Grande do Sul, se deparasse com esse texto.
Certamente, não haveria problemas de interpretação, já que, em termos
gerais, encontramos a imagem de um homem que aprecia vinho e o
descontentamento de sua mulher em razão dos elogios que nunca recebera do
marido.

No entanto, um leitor que conhece o contexto de produção da tira faria


uma leitura mais detalhada dos elementos que compõem a tira. Radicci, nome
italiano do personagem arquetípico da cultura italiana da serra gaúcha,
representa os imigrantes italianos que colonizaram a serra gaúcha,
especificamente a cidade de Caxias do Sul. O personagem é o típico colono
italiano, que gosta de vinho, é machista e não gosta de trabalhar. Sua mulher
Genoveva, para Radicci, corresponde a uma barreira para as suas farras e a
vontade de beber.

Tanto na linguagem verbal quanto nas imagens, evidenciam-se


comportamentos inerentes à cultura italiana, os quais são fundamentais para
a construção do sentido: os elogios acentuados ao vinho (bebida bastante
apreciada pelos italianos), no primeiro quadrinho; já no segundo,
encontramos a cena da mulher italiana em frente ao fogão e insatisfeita pelo
fato de seu marido elogiar mais o vinho do que a ela. De um lado, o homem
que bebe; de outro, a mulher responsável pelos afazeres domésticos. A tira,
assim, só significa de algum modo porque mantém relação direta com o
contexto sócio-histórico e com a cultura em que foi produzida.

Passemos agora a abordar os sete fatores de textualidade, lembrando


que os dois primeiros – coesão e coerência – foram tratados especificamente
no capítulo 3.

4.3.1 Coesão

A coesão consiste na “manifestação linguística da coerência; advém da


maneira como os conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície
textual. Responsável pela unidade formal do texto, constrói-se através de
mecanismo gramaticais e lexicais.” (COSTA VAL, 1999, p. 6).

Conforme abordamos no capítulo 3, a coesão diz respeito à


microestrutura do texto, aos elementos localizáveis, que podem ser
referentes à estrutura sintática e ao aspecto semântico. Os conectivos, por
exemplo, não têm apenas como função garantir conexão entre enunciados do
texto; eles são dotados de significação e possibilitam a construção de
pressupostos.
TEORIAS DO TEXTO 46

Por exemplo:

Minha irmã, que mora em Santa Catarina, é uma excelente advogada.

Minha irmã que mora em Santa Catarina é uma excelente advogada.

Vejamos que estas orações, embora sejam construídas com os mesmos


termos e na mesma ordem, não têm o mesmo sentido. Na primeira, uma
oração subordinada adjetiva, a informação é de que o enunciador tem uma
irmã e essa irmã é uma excelente advogada e mora em Santa Catarina. Na
segunda, a ausência de vírgulas entre a oração subordinada adjetiva restritiva
cria o pressuposto de que o enunciador pode ter outra irmã que não mora em
Santa Catarina e também não seja uma excelente advogada. A presença do
pronome relativo, nestes casos, acompanhados ou não de vírgula, altera
totalmente o sentido das frases. No processo de escrita dos textos, é
fundamental conhecer o significado dos elementos coesivos e as relações
adequadas que eles estabelecem.

IMPORTANTE

Para muitos estudiosos do texto, os mecanismos da coesão textual


formam uma espécie de gramática do texto. Porém, a expressão gramática de
texto é um tanto desnorteante, pois não podemos aplicar ao texto as noções
usadas para a análise da frase. Se, por um lado, podemos realizar enunciados
completos e explicá-los com gramáticas da frase, tomando-os
independentemente, por outro lado, sabemos que vários enunciados
corretamente construídos, quando postos em sequência imediata, podem não
formar uma sequência aceitável. Isso quer dizer que um texto não é uma
simples sequência de frases bem formadas. Essa sequência deve preencher
certos requisitos. A coesão é justamente a parte da LT que determina um
subconjunto importante desses requisitos de sequencialidade textual.
(MARCUSCHI, 2008, p. 100).

4.3.2 Coerência

Entendida como a teoria do sentido do texto, a coerência relaciona-se


com a coesão pelo aspecto semântico. No entanto, não podemos reduzir a
ideia de coerência apenas ao aspecto formal do texto. Conforme reiteramos
no terceiro capítulo, a coerência corresponde à macroestrutura do texto e,
sendo assim, engloba os fatores extralinguísticos.

Observemos o exemplo da tira retirada de Koch e Elias (2011, p. 21):


TEORIAS DO TEXTO 47

Vejamos que a referência, para os três personagens da tira, é a mesma:


um mosquito esmagado na parede. Contudo, a recepção e compreensão da
referência não são as mesmas. De acordo com o conhecimento de mundo e
com o contexto social em que vivem, o ponto de vista acerca do mosquito é
diferente, assim como a linguagem manifestada em cada uma das cenas.

Assim é o processo de coerência textual; um texto pode ser coerente


para um e não para o outro. Dificilmente uma dona de casa olharia para um
mosquito esmagado na parede afirmando que há “um forte conceito por trás
desta desordenada composição orgânica.”

Lembre-se:

A coerência não se dá como um movimento sucessivo de enunciado para


enunciado e numa relação de elemento para elemento. Ela é uma função que
em muitos casos se dá globalmente e tem uma realização holística, a
coerência não é uma realização local, mas global, embora possa ter, em
muitos casos, um desenvolvimento local. Nisso, ela se distingue de forma
clara da coesão textual. (MARCUSCHI, 2008, p. 123).

4.3.3 Intencionalidade

A intencionalidade, como um dos princípios de textualidade,


corresponde ao modo como os sujeitos manejam os textos para que estes
sejam aceitos em determinada situação comunicativa. Trata-se da “intenção
do emissor de produzir uma manifestação linguística coesiva e coerente, ainda
que essa intenção nem sempre se realize integralmente, podendo mesmo
ocorrer casos em que o emissor afrouxa deliberadamente a coerência com o
intuito de produzir efeitos específicos.” (BEAUGRANDE; DRESSLER apud KOCH;
TRAVAGLIA, 2011, p. 79).

Exemplo:
TEORIAS DO TEXTO 48

No caso dessa carta, a autora emprega recursos gráficos para criar o


sentido de que, literalmente, está casada com “uma máquina de fazer sexo”;
como a intenção é provocar o humor, se não houvesse esse recurso, o efeito
de sentido não seria o mesmo.

4.3.4Aceitabilidade

Diretamente relacionada à intencionalidade, a aceitabilidade “diz


respeito à atitude do receptor do texto (é um critério centrado no alocutário),
que recebe o texto como uma configuração aceitável, tendo-o como coerente
e coeso, ou seja, interpretável e significativo.” (MARCUSCHI, 2008, p. 127-
128).

A aceitabilidade está diretamente relacionada às intenções do autor,


“que sugere ao seu leitor alternativas estilísticas ou gramaticais que buscam
efeitos especiais.” (MARCUSCHI, 2008, p. 128).

No caso do exemplo anterior (carta enviada ao Dr. Jorge), o autor


deseja criar um efeito especial e, para isso, vale-se do recuso gráfico, a fim
de que o leitor assimile esse estilo aceitando o texto de forma humorada.

A relação entre intencionalidade e aceitabilidade pode perfeitamente


ser exemplificada com situações de comunicação corriqueiras.
TEORIAS DO TEXTO 49

Por exemplo:

“Você não vai mais sair daí?” (fala da mãe para o filho que está no
banheiro)

Com essa pergunta, sabemos que o filho está no banho há tempo e que
a mãe deseja que ele saia por algum motivo – por estar atrasado, talvez. Ao
questioná-lo, a mãe espera que o filho, no mínimo, aceite o enunciado e se
apresse no banho. O enunciado não precisa ser compreendido literalmente, já
que a mãe não espera uma resposta, e sim uma atitude.

4.3.5 Situacionalidade

Sabemos que todo texto está envolvido com determinado contexto


comunicativo. A situacionalidade, por sua vez, segundo Koch (2009, p. 40),
pode ser considerada em duas direções: da situação para o texto e vice-versa.
Na primeira, “a situacionalidade refere-se ao conjunto de fatores que tornam
um texto relevante para uma situação comunicativa em curso ou passível de
ser construída. Trata-se de determinar em que medida a situação
comunicativa [...] interfere na produção/recepção do texto [...]” Aqui entra
em cena a linguagem, o grau de formalidade, o tratamento do tema, entre
outros.

Na segunda direção, “é preciso lembrar que o texto tem reflexos


importantes sobre a situação, visto que o mundo textual não é jamais idêntico
ao mundo real.” (KOCH, 2009, p. 40). Por esse motivo, ao escrevemos um
texto, manifestamos com ele nossa experiência de mundo, crenças,
ideologias, o nosso modo de olhar para as coisas.

4.3.6 Intertextualidade

Sabemos que todo texto, ao ser construído, mantém relações com


outros enunciados que fizeram ou fazem parte de outros momentos, de outras
situações comunicativas. Trata-se de uma propriedade constitutiva dos textos.
A intertextualidade pode ocorrer de forma implícita ou explícita. A implícita é
“quando se introduz no texto intertexto alheio, sem qualquer menção da
fonte, com o objetivo quer de seguir-lhe a orientação argumentativa, quer de
colocá-lo em questão, para ridicularizá-lo ou argumentar em sentido
contrário.” (KOCH, 2009, p. 146). Nesse caso, espera-se que o interlocutor
reconheça os sinais de intertextualidade implícita. O não reconhecimento das
informações implícitas oriundas de outros textos pode comprometer o
processo de interpretabilidade por parte do leitor.
TEORIAS DO TEXTO 50

A intertextualidade será explícita “quando, no próprio texto, é feita


menção à fonte do intertexto, como acontece nas citações, referências,
menções, resumos, resenhas e traduções, na argumentação por recurso à
autoridade [...]” A intertextualidade explícita é bastante comum na esfera
acadêmica.

SAIBA MAIS

A fim de atribuir um sentido mais restrito à intertextualidade, Genette


(1982 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 289, grifos dos autores),
usa o termo “transtextualidade” e a distingue a partir dos seguintes
conceitos:

- a intertextualidade, que supõe a presença de um texto em um outro (por


citação, alusão...);

- a paratextualidade, que diz respeito ao entorno do texto propriamente


dito, sua periferia (títulos, prefácios, ilustrações, encarte, etc.);

- a metatextualidade, que se refere à relação de comentário de um texto por


outro;

- a arquitextualidade, bastante mais abstrata, que põe um texto em relação


com as diversas classes às quais ele pertence (tal poema de Baudelaire se
encontra em relação de arquitextualidade com a classe dos sonetos, com a
das obras simbolistas, com a dos poemas, com a das obras literárias etc.);

- a hipertextualidade, que recobre fenômenos como a paródia, o pastiche...

4.3.7 Informatividade

A informatividade, segundo Koch (2009, p. 41), “diz respeito, por um


lado, à distribuição da informação no texto, e, por outro, ao grau de
previsibilidade/redundância com que a informação nele contida é veiculada.”

É importante controlar a distribuição de informações no texto; isso


porque um texto contendo apenas informações novas é improcessável “devido
à falta de âncoras necessárias para o processamento.” Por outro lado, um
texto que não apresenta informações torna a leitura circular e compromete a
progressão.

Nesse sentido, quanto à distribuição de informações novas, é


fundamental manter um equilíbrio entre tópico e comentário. Não há critérios
exatos para medir a informatividade; isso tem relação direta com o gênero ao
qual pertence o texto. Na poesia, por exemplo, encontramos um número
acentuado de informações, porque o gênero se vale fortemente da linguagem
figurada. Já no caso de textos acadêmicos, a distribuição de informações deve
TEORIAS DO TEXTO 51

levar em conta o tema, o problema, os procedimentos metodológicos, entre


outras peculiaridades que circunscrevem a pesquisa, não sendo possível
trabalhar apenas com informações novas.

4.4 Recapitulando

Este capítulo abordou um tema específico da Linguística Textual: os


fatores pragmáticos do texto. Sete são os princípios que caracterizam a
textualidade: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade,
situacionalidade, intertextualidade e informatividade. Salvas as
peculiaridades de cada princípio – alguns mais centrados no texto, outros no
autor, no contexto ou na relação entre texto, autor e situação –, é
fundamental concebê-los não como critérios isolados; se o texto compreende
uma unidade, sua constituição se dá a partir da interação de todos os
elementos.

Referências

BEAUGRANDE, Robert de; DRESSLER, Wolfgang U. Einführng in die


Textlinguistik. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1981. Tradução inglesa:
Introduction to Textlinguistics. London: Longman.

CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do


discurso. 2. ed. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo:
Contexto, 2008.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. 2. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 1999. (Texto e Linguagem).

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à linguística textual. 2. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2009. (Coleção Linguagem).

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos


do texto. São Paulo: Contexto, 2011.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Carlos. Texto e coerência. 13. ed. São
Paulo: Cortez, 2011.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e


compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
TEORIAS DO TEXTO 52

Atividades

1) Analise a tira seguinte, de Iotti, para responder a esta questão.

Disponível em:
<https://www.google.com.br/search?q=tiras+de+radicci&biw=1366&bih=667&source=
lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0CAYQ_AUoAWoVChMI9M2lio3SxwIVCEOQCh3ilgZ9#imgrc=E
KJN1Xjsh4ijEM%3A>.

Considerando os princípios que colaboram para a construção do sentido


do texto, podemos afirmar que

a) o autor não leva em conta a situação comunicativa, comprometendo a


imagem de Chico Buarque.
b) a falta de elementos coesivos no texto compromete o sentido do texto.
c) Radicci odeia Chico Buarque, já que é comum os italianos não gostarem
de MPB.
d) para a construção do humor, o autor vale-se da intertextualidade e da
ambiguidade.
e) o termo “cálice” remete ao discurso ditatorial, o que, para o leitor,
compromete o sentido global.

2) Relacione (1) para coesão e (2) para coerência.

( ) Mecanismos de sequenciação existentes no texto.

( ) Responsável pelos padrões formais.

( ) Relaciona-se diretamente à experiência humana.

( ) Atividade interpretativa.

( ) Tem realização holística.

( ) Está relacionada à sintaxe e ao léxico.


TEORIAS DO TEXTO 53

3) Associe corretamente o princípio de textualidade às suas


características.
(1) Intertextualidade
(2) Aceitabilidade
(3) Situacionalidade
(4) Informatividade

( )Liga-se a noções pragmáticas e tem estreita relação com a


intencionalidade.

( )Relação entre um dado texto e outros encontrados em situações


anteriores.

( ) Diz respeito ao grau de expectativa ou à falta dela presente no texto;


relação entre tópico e comentário.

( ) Relação entre o evento textual e o ambiente em que ele ocorre.

4) Observe as capas das revistas Veja e Carta Capital para responder a


esta questão.

Sabemos que os textos midiáticos não têm como propósito apenas


“transmitir” informações aos interlocutores; o modo com que eles são
construídos carregam, também, conteúdos de cunho ideológico. As escolhas
verbais e imagéticas das revistas, ao abordar a renúncia de Bento XVI,
apontam para leituras e interpretações diferentes. Com base nos fatores
pragmáticos do texto, explique os diferentes sentidos que se depreendem nas
capas dos periódicos.
TEORIAS DO TEXTO 54

5) Analise as seguintes orações:

As crianças que brincam ao ar livre são mais felizes.

As crianças, que brincam ao ar livre, são mais felizes.

Considerando o processo de coesão textual e o sentido das orações, é


correto afirmar que:

a) nos dois enunciados, o pronome relativo “que” refere-se ao “ar livre”.


b) na primeira oração, o sentido é de que todas as crianças são felizes.
c) na segunda oração, o sentido é de que apenas as crianças que brincam
ao ar livre são felizes.
d) a presença ou não de vírgulas nessas construções não altera o sentido.
e) no primeiro caso, a oração adjetiva introduzida pelo pronome relativo
restringe a informação.

Gabarito

1) D
2) 1–1–2–2–2–1
3) 2–1–4–3
4) Importante destacar os princípios de situacionalidade, intencionalidade
e aceitabilidade. Isso se justifica em razão de Veja e Carta Capital
comportarem em seus conteúdos perfis ideológicos antagônicos.
Enquanto a Veja configura-se como uma revista direcionada ao público
de direita, conservador, a Carta Capital encontra-se num universo de
esquerda. Como a situacionalidade é diferente, o modo de produção
dos textos também será. Enquanto Veja tem a intenção de divulgar a
figura de Bento XVI como vítima, Carta Capital ironiza a decisão.
Considerando o perfil do público leitor de cada uma delas, as
informações são coerentes e aceitáveis porque estão de acordo com a
situação.
5) E
5 Enunciação e linguística
Débora Facin 13

5.1 Introdução

Dois amplos conceitos intitulam o presente capítulo. Enunciação e


linguística são noções que caminham para domínios teóricos diferentes, para
tempos diferentes. Como vimos no primeiro capítulo, a linguística
compreendeu épocas e funções distintas até a publicação do Curso de
Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure. A enunciação também abrange
linhas heterogêneas.

O universo da enunciação constitui um campo que não existe como


unidade, mas como multiplicidade, demarcando a legitimidade de análises
pautadas sob uma perspectiva teórica – e aqui podemos ressaltar alguns nomes,
como Bally, Jakobson, Benveniste, Bakhtin, Ducrot , que considera a língua nas
relações do homem falando com outro homem na e pela língua.

O conceito de enunciação organiza-se sob dois grandes prismas: a


concepção linguística e a discursiva. Para a primeira, a enunciação diz
respeito ao conjunto de marcas inerentes a determinado enunciado; já a
segunda abrange questões ideológicas e sociais as quais não se abreviam à
estrutura da língua.

Diante da multiplicidade de estudos voltados à enunciação, pensamos


este capítulo da seguinte maneira: enunciação-linguística (com hífen). Por
quê? Para delimitarmos nossa proposta em torno de dois grandes nomes:
Saussure (o pai da linguística) e Benveniste (o pai da enunciação).

5.2 Saussure e Benveniste: dois nomes da linguística moderna

Ao trabalhar com ele, com seus textos (que


nunca são simples artigos), reconhecemos
sempre a generosidade de um homem que
parece escutar o leitor e emprestar-lhe alguma
coisa de sua inteligência, mesmo nos assuntos
mais particulares, mais improváveis. Lemos

13
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com
TEORIAS DO TEXTO 56

outros linguistas (afinal, é preciso), mas


gostamos de Benveniste. (Roland Barthes)

Com o propósito de mantermos uma unidade teórica – desde o primeiro


capítulo –, escolhemos esses nomes, sobretudo, pela atualidade de seus
pensamentos e por serem os maiores expoentes da linguística moderna. Além
disso, não podemos reduzir a linguística à ideia do signo em sua matéria
significante e também não podemos pensar a enunciação distante dos
pressupostos linguísticos – os saussurianos.

Falamos então de dois momentos: linguística de primeira geração


representada por Ferdinand de Saussure cuja base é o signo; linguística de
segunda geração – a enunciação – representada por Émile Benveniste.

Quem foi Émile Benveniste?

“Nascido Ezra Benveniste, em Alep, Síria, em 27 de maio de 1902,


chegou a Paris em 1913 para estudar na École Rabbinique de France.
Naturalizou-se francês em 1924, quando trocou seu nome de batismo para
Émile.” (FLORES, 2013, p. 14). Sua obra é bastante vasta: escreveu 18 livros e
mais de 300 artigos. Benveniste não é um autor da enunciação; ele não
emprega este termo, e sim “semântica da enunciação”. O termo
“enunciação” é usado pelos alunos de Benveniste. Dentro da teoria da
linguagem, 12 ou 13 artigos apontam para a enunciação.

“Benveniste morre em 3 de outubro de 1976, vítima de complicações


de um acidente vascular cerebral que o acometera em 6 de dezembro de
1969, deixando-o paralisado e afásico.” (FLORES, 2013, p. 14).

Ainda que Benveniste seja considerado o pai da enunciação, não


podemos reduzir sua obra a essa vertente. Em sua vida, o autor dedicou-se a
aspectos da linguística geral, da sintaxe, da morfologia, a questões culturais,
entre outros. Além disso, Benveniste palestrava a um público bastante
heterogêneo: linguistas, psicólogos, filósofos, etc. É importante que o leitor
saiba disso, porque, em razão da amplitude de sua obra e da incompletude do
seu pensamento, consequentemente o autor não apresenta um conceito único
de enunciação. Neste capítulo, vamos pontuar alguns deles; para isso,
valemo-nos de duas de suas obras: Problemas de linguística geral I e
Problemas de linguística geral II, as quais abrangem artigos que vão desde as
transformações da linguística até os estudos culturais.
TEORIAS DO TEXTO 57

Publicação datada de 1966 | França Publicação datada de 1976 | França

No Brasil, vários são os estudiosos da teoria da enunciação. Merecem


destaque as pesquisas realizadas por Valdir do Nascimento Flores (UFRGS),
cujos resultados serão utilizados neste texto. Dentre os vários artigos e livros
publicados, recomendamos as seguintes publicações para leitura:

FLORES, Valdir do Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à Linguística


da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento Flores. Introdução à teoria enunciativa de


Benveniste. São Paulo: Parábola, 2013.

No capítulo 1, definimos a linguística, segundo Saussure, como um


conjunto de signos. Conhecemos um pouco da sua linguística, a linguística
moderna, e a relevância de seu pensamento a essa ciência. Saussure defendeu
algumas propriedades que viabilizaram conceber uma nova linguística. A
linguística passa, então, a ter um objeto de estudo definido e delimitado (a
língua), que se configura num sistema. A língua é um sistema porque é a
faculdade de associação (relações sintagmáticas) que faz dela um sistema de
signos. Todo signo possui um valor, que se constitui na relação – um signo é o
que o outro não é. Na língua, o que há são diferenças.

Saussure (CLG, 2006, p. 16-17) insistiu em precisar o papel do linguista:


“é necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la como
norma de todas as outras manifestações da linguagem.” A língua é parte
TEORIAS DO TEXTO 58

essencial da linguagem. E Saussure reconheceu a importância da linguagem


para o estudo da língua. No entanto, ele estaciona na língua, no sistema, nas
formas linguísticas. Aqui entra Benveniste para defender que forma e sentido
estão intimamente ligados.

Ele nos diz que é somente questão de “ir além” no estudo da significação; de
fato, pode-se pensar que ele vai para outro lugar: retoma a uma fenomenologia
que um estruturalismo metodológico não tinha abarcado, dá abertura a
descrições que integram os traços da subjetividade nos enunciados e sua
presença ativa em toda enunciação. Nunca abandonar a língua, em sua matéria
significante, suas estruturas comuns, seu aparelho “semiótico”, mas conciliar
esse gesto saussuriano com a singularidade subjetiva, a comunicação sempre
situada, o “acontecimento evanescente” que é todo enunciado, analisar “o
semântico”; essa era a proposta de Benveniste. (NORMAND, 2009, p. 202, grifos
nossos).

É o gesto saussuriano somado à singularidade subjetiva que nasce a


linguística de segunda geração: a enunciação. O projeto de semiologia
benvenistiano contempla a semântica, o sentido. Considerando os dois
grandes representantes da linguística moderna, temos duas maneiras de ser
língua: pelo nível semiótico e pelo nível semântico.

SEMIÓTICO (Saussure) SEMÂNTICO (Benveniste)


Repetível (a forma) Irrepetível (o sentido)
Propriedades

Universo do signo, da significação, Universo da frase, da ação do locutor, da


da propriedade da língua comunicação
Forma (significante) Forma (palavra | sintagma)
Sentido (significado) Sentido (frase | ideia | referência)
Língua em uso (a fala de Saussure) –
Língua enquanto sistema de signos capacidade de o homem sintagmatizar

Benveniste é estruturalista porque ele não abandona a forma; dá


sentido a ela. Seu pensamento em torno da semântica parte da língua.
Quando o locutor faz escolhas no eixo do paradigma e sintagmatiza, ele se
torna sujeito. Sujeito de quê? Da enunciação. “É a semantização da língua que
está no centro deste aspecto da enunciação, e ela conduz à teoria do signo e
à análise da significância.” (BENVENISTE, 2006, p. 83). A semântica de
Benveniste inclui a semiótica (de Saussure), o signo, o sistema. Não é possível
pensar o semântico sem incluir o semiótico.

Neste particular, expomos algumas críticas de Benveniste a Saussure


quanto ao signo linguístico. Isso porque o conceito de subjetividade (o qual
TEORIAS DO TEXTO 59

abordaremos na próxima seção) parte do valor do signo. Saussure defendeu


que o signo é arbitrário, mais precisamente que a relação entre significado e
significante é arbitrária. Em natureza do signo linguístico, Benveniste (2005)
questiona esse princípio e afirma que a relação entre significante e significado
é necessária, não arbitrária. Benveniste (2005, p. 56) delimita a zona do
arbitrário defendendo: “o que é arbitrário é que um signo, mas não outro, se
aplica a determinado elemento da realidade, mas não a outro.”

Não é entre o significante e o significado que a relação ao mesmo tempo se


modifica e permanece imutável, é entre o signo e o objeto; é, em outras
palavras, a motivação objetiva da designação, submetida, como tal, à ação de
diversos fatores históricos. O que Saussure demonstra permanece verdadeiro,
mas a respeito da significação, não do signo. (BENVENISTE, 2005, p. 58).

Assim, a arbitrariedade se dá entre o signo e o elemento denotado. E


nisso Benveniste concorda com Saussure. Entre significante e significado, o
laço é necessário, conforme Benveniste (2005). Por quê? É no próprio Saussure
que o linguista francês justifica seu posicionamento. “A língua é também
comparável a uma folha de papel: o pensamento é o anverso e o som o verso;
não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo, o outro; assim
tampouco, na língua, se poderia isolar o som do pensamento, ou o
pensamento do som [...]” (CLG, 2006, p. 131). Se o pensamento é o anverso e
o som o verso, a relação que une significado e significante é necessária, e não
arbitrária, como defendeu Saussure. Eis o grande impasse entre os dois
linguistas.

Estendemos a reflexão sobre a arbitrariedade no que se refere ao valor


do signo, uma vez que, como afirmamos anteriormente, a noção de valor,
herdada de Saussure, é cara a Benveniste, sobremaneira quanto à
subjetividade na linguagem. “Quando se considera o signo em si mesmo e
enquanto portador de um valor, o arbitrário se encontra necessariamente
eliminado.” (BENVENISTE, 2005, p. 58).

E continua:

Uma vez que é preciso abstrairmo-nos da adequação do signo à realidade, com


maior razão devemos considerar o valor apenas como um atributo da forma, não
da substância. Daí, dizermos que os valores são “relativos” significa que são
relativos uns aos outros. Ora, não está aí justamente a prova da sua necessidade?
Trata-se, aqui, não mais do signo isolado mas da língua como sistema de signos e
ninguém, tão firmemente como Saussure, concebeu e descreveu a economia
sistemática da língua. Quem diz sistema diz a organização e adequação das
TEORIAS DO TEXTO 60

partes numa estrutura que explica os seus elementos. Tudo aí é tão necessário
que as modificações do conjunto e do pormenor se condicionam reciprocamente.
(BENVENISTE, 2005, p. 59, grifo do autor).

Assim, a relação entre significado e significante é necessária, pois


automaticamente criamos a imagem acústica na relação. “O caráter absoluto
do signo linguístico assim entendido comanda, por sua vez, a necessidade
dialética dos valores em constante oposição, e forma o princípio estrutural da
língua.” (BENVENISTE, 2005, p. 59, grifo do autor). O valor, então, é algo que
se constrói no discurso.

5.3 Enunciação: a presença do homem na língua

Perguntaram a Benveniste: “Para


que serve a linguagem?” Ele
responde: “Para viver”.

A enunciação mantém diálogos com diferentes áreas do saber: com a


filosofia, antropologia, psicologia, linguística, análise do discurso. A proposta
epistemológica traçada na obra Introdução à Linguística da Enunciação
(FLORES; TEIXEIRA, 2008) permite adotar a expressão teorias da enunciação
(plural) reunidas em uma linguística da enunciação (singular). Isso se justifica
em virtude da problematização da dicotomia língua/fala; da preocupação de
os autores definirem enunciação, da inclusão da subjetividade na linguagem.
A partir do momento em que as teorias da enunciação coexistem em uma
linguística da enunciação, tem-se o método de análise: o ponto de vista
consoante as relações epistemológicas de cada teoria. É o que assevera
Benveniste: “permitir que sempre novas leituras se façam, a cada
enunciação.”

Flores e Teixeira (2008, p. 105) também fazem alusão ao objeto de


estudo da linguística da enunciação: “[...] obviamente, o objeto da linguística
da enunciação é a enunciação.” Contudo, essa obviedade implica um
esclarecimento maior. Ainda que o objeto da linguística da enunciação esteja
vinculado à dicotomia língua/fala, ele não nega, nem afirma totalmente a
teoria saussuriana. “Os fenômenos da linguística da enunciação pertencem à
língua, mas não se encerram nela; pertencem à fala na medida em que só
nela e por ela têm existência, e questionam a existência de ambas, já que
emanam das duas.” Em Benveniste, o aparelho formal da enunciação é
constitutivo da língua; todavia, o uso depende de cada sujeito que enuncia.
TEORIAS DO TEXTO 61

Em o aparelho formal da enunciação, artigo publicado na revista


Langages, Paris, em 1970, Benveniste (2006, p. 82-83) manifesta a ideia de
enunciação sob três domínios diferentes: “como realização vocal da língua”;
como “conversão da língua em discurso”; como realização individual da língua
“no quadro formal de sua realização.” Pensar em aparelho formal significa
situar-se no terreno do sistema, da língua toda. E essas definições de
enunciação acionam três aspectos diferentes: o aparelho vocal; semantização;
o quadro formal de realização. Benveniste é tido como estruturalista porque
ele não abandona a língua na sua estrutura. Em Benveniste, o discurso contém
o signo (aquele de Saussure); no entanto, o signo não está fechado nele
mesmo; é no discurso que o signo ganha sentido, na relação com os demais.

SUGESTÃO DE LEITURA

Este dicionário traz uma série de


verbetes com definições de autores
diversos em torno do universo da
enunciação. Construído
minuciosamente, a obra torna-se
indispensável a qualquer estudante
da linguagem.

No binômio Saussure-Benveniste, temos duas concepções de língua:


enquanto sistema de signos (Saussure) e como sistema interpretante de si e de
outros sistemas (Benveniste). Por isso, dentro da Semiologia, a linguística tem
caráter especial. Se pensarmos na música, por exemplo, as notas musicais não
compreendem signos (mas símbolos), porque elas não formam um sistema.
Assim como a escultura, a pintura, entre outras manifestações de linguagem
precisam da língua para serem interpretadas.

Daí a tese de Benveniste: o homem está na língua. Essa concepção


antropológica significa que a linguagem está na natureza do homem; ele não a
fabricou. A teoria da enunciação proposta por Benveniste implica conceber a
língua em uma perspectiva social. O homem se define na e pela linguagem.
TEORIAS DO TEXTO 62

Em Da subjetividade na linguagem, artigo publicado no Journal de


psychologie, em 1958, Benveniste (2005) alerta para o fato de que a
linguagem não constitui um instrumento de comunicação; tanto é que o autor
apela a comparações como picareta, flecha, roda, justamente para enfatizar
que a língua não é um instrumento passível de ser “fabricado”. O homem é
capaz de falar em virtude de seu aparelho fonológico; ele se apropria da
língua para falar com outro homem, com o mundo.

IMPORTANTE

Na realidade, a comparação da linguagem com um instrumento, e é


preciso realmente que seja com um instrumento material para que a
comparação seja pelo menos inteligível, deve encher-nos de desconfiança,
como toda noção simplista a respeito da linguagem. Falar de instrumento é
pôr em oposição o homem e a natureza. A picareta, a flecha, a roda não estão
na natureza. São fabricações. A linguagem está na natureza do homem, que
não a fabricou. Inclinamo-nos sempre para a imaginação ingênua de um
período original, em que um homem completo descobriria um semelhante
igualmente completo e, entre eles, pouco a pouco, se elaboraria a linguagem.
Isso é pura ficção. Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e
não o vemos nunca inventando-a. não atingimos jamais o homem reduzido a si
mesmo e procurando conceber a existência do outro. É um homem falando
que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a
linguagem ensina a própria definição do homem. (BENVENISTE, 2005, p. 285,
grifo nosso).

A linguística da enunciação contempla os princípios da subjetividade;


logo, a linha teórica delimitada compreenderá um método de análise próprio.

Em que consiste a subjetividade na linguagem? Consiste na “capacidade


do locutor para se propor como ‘sujeito’”. (BENVENISTE, 2005, p. 286). Como
isso se realiza? Pelo status linguístico da pessoa, que é um lugar universal,
todas as línguas dispõem da categoria de pessoa. Nesse sentido, “a
subjetividade está marcada no sistema da língua.” (FLORES et al., 2009, p.
220). Duas são as noções de subjetividade em Benveniste: aquela ligada ao
status linguístico de pessoa, por meio das marcas linguísticas, e aquela ligada
ao ato de discurso.

Qual é o entendimento de pessoa em Benveniste? Segundo o linguista, o


status de pessoa é válido para eu e tu, apenas. São as pessoas que fazem
parte da instância de discurso, o que não é válido para ele (não-pessoa),
porque não faz parte da alocução. Ele é a referência do eu e do tu.
TEORIAS DO TEXTO 63

SAIBA MAIS

Qual é, portanto, a “realidade” à qual se refere eu ou tu? Unicamente


uma “realidade de discurso”, que é coisa muito singular. Eu só pode definir-se
em termos de “locução”, não eu termos de objetos, como um signo nominal.
Eu significa “a pessoa que enuncia a presente instância de discurso que
contém eu”. [...] eu só pode ser identificado pela instância de discurso que o
contém e somente por aí. Não tem valor a não ser na instância na qual é
produzido. Paralelamente, porém, é também enquanto instância de forma eu
que deve ser tomado; a forma eu só tem existência linguística no ato de
palavras que a profere. Há, pois, nesse processo uma dupla instância
conjugada: instância de eu como referente, e instância de discurso contendo
eu, como referido. (BENVENISTE, 2005, p. 279).

Observação: os termos destacados entre aspas referem-se ao discurso; os destacados


em itálico referem-se às categorias da língua.

Ressaltamos que falar em enunciação não significa reduzi-la à fala, ou


seja, “o ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar
o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação. Antes da
enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da
enunciação, a língua é efetuada em uma instância de discurso [...]”
(BENVENISTE, 2006, p. 83-84). Há aqui outra familiaridade entre Saussure e
Benveniste: a preocupação metodológica. Enquanto Saussure procurou
encontrar na língua razões para defini-la como objeto de estudo, Benveniste
parte dos aspectos formais da língua, porém atribui o sentido à forma para
estabelecer o domínio do discurso (NORMAND, 2009).

CATEGORIAS DA ENUNCIAÇÃO = EU | TU – AQUI – AGORA

Nesse sentido, é preciso distinguir: de um lado, a língua como sistema


de signos; de outro, a língua realizada em instâncias de discurso. Benveniste
preocupa-se com a subjetividade do ato, subjetividade esta que só é possível
pelo contraste. Qual contraste? Por meio do eu e do tu. Nas palavras de
Benveniste (2005, p. 293, grifo do autor), “muitas noções na linguística, e
talvez mesmo na psicologia, aparecerão sob uma luz diferente se as
restabelecermos no quadro do discurso, que é a língua enquanto assumida
pelo homem que fala, e sob a condição de intersubjetividade, única que torna
possível a comunicação linguística.”
TEORIAS DO TEXTO 64

5.4 Recapitulando

Neste capítulo nos propusemos a promover um diálogo entre linguística


e enunciação. Como essas noções são bastante amplas, delimitamos a
discussão em torno de Saussure e Benveniste, dois grandes estruturalistas da
linguística moderna.

De acordo com Normand (2009, p. 197), Benveniste “libertou os


linguistas presos às amarras da teoria saussuriana. Ele lhes devolveu a
subjetividade, o mundo e o discurso que se faz sobre ele; Benveniste reatou
com a filosofia e aproximou-se da psicologia social e da pragmática,
reencontrou a virtude do diálogo e da interação. Enfim, uma Linguística
diferente.”

Saussure e Benveniste, guardadas suas particularidades, encontraram-


se em muitos pontos: Benveniste, como discípulo de Saussure, propagou e
elucidou as ideias do mestre. Enquanto Saussure delimitou e definiu o objeto
de estudo da linguística, Benveniste aplicou o método saussuriano em análises
as quais contemplam o homem na língua. Ambos estabeleceram relações com
outras disciplinas do conhecimento. Ambos tiveram “uma consagração certa”
na universidade. Ambos viveram “uma solidão intelectual mais ou menos
reconhecida” (NORMAND, 2009, p. 198). Ambos extremamente dedicados à
linguagem.

Referências

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. 5. ed. Tradução Maria


da Glória Novak e Maria Luisa Neri. Campinas: Pontes, 2005.

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral II. 2. ed. Tradução


Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 2006.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. Dicionário de linguística da enunciação.


São Paulo: Contexto, 2009.

FLORES, Valdir do Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à Linguística


da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

NORMAND, Claudine. Convite à linguística. Tradução Valdir do Nascimento


Flores e Leci Borges Barbisan. São Paulo: Contexto, 2009.
TEORIAS DO TEXTO 65

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. Tradução


Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein. Organizado por Charles
Bally e Albert Sechehaye. São Paulo: Cultrix, 2006.

Atividades

1) Assinale a alternativa correta acerca da relação entre Saussure e


Benveniste.
a) Como representantes da linguística moderna, ambos dedicaram-se
exclusivamente às pesquisas voltadas à evolução das línguas.
b) Os dois linguistas centraram suas investigações na linguagem falada.
c) Saussure preocupou-se com o método de estudo e Benveniste com as
análises voltadas a situações concretas.
d) A proposta epistemológica dos autores caracteriza-se pela perspectiva
americana de se olhar para a língua – voltada à logica.
e) Os dois linguistas são considerados estruturalistas porque ambos
dedicaram-se à língua de sinais.

2) Julgue os itens sobre enunciação segundo a proposta de Benveniste.


I. Trata-se da realização vocal da língua.
II. A enunciação contempla elementos exteriores à língua.
III. Consiste na realização individual da língua.
IV. Trata-se da conversão da língua em discurso.

Estão corretos os itens:

a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I, II e IV.
d) I, III e IV.
e) I e II.

3) Saussure e Benveniste são considerados grandes representantes do


estruturalismo. Isso se deve ao fato de
a) contemplarem questões ideológicas como método de análise.
b) dedicarem seus estudos à linguagem animal.
c) suas pesquisas estarem voltadas à sintaxe e à morfologia.
d) separarem a língua da fala.
e) tomarem a língua como norma (sistema) de todas as outras
manifestações de linguagem.

4) Ao longo deste capítulo, vimos que há duas maneiras de ser língua: pelo
semiótico e pelo semântico. Sobre essas duas formas de ser língua,
assinale a alternativa correta.
TEORIAS DO TEXTO 66

a) A língua é o único sistema capaz de interpretar a si e os outros


sistemas.
b) No plano semântico, a referência constrói-se a partir da concepção
filosófica, ou seja, da lógica.
c) O semiótico compreende a linguagem simbólica.
d) No plano do semântico, trabalhamos com a unidade linguística, o signo.
e) O caráter semiótico da língua é irrepetível.

5) Julgue os itens seguintes acerca das categorias da enunciação.


I. A consciência do eu só é garantida pelo contraste.
II. A categoria de pessoa só é válida para eu e tu.
III. O fundamento da subjetividade é necessariamente linguístico.
IV. O eu pertence a uma entidade lexical assim como árvore.

Estão corretos os itens:

a) I, II e IV.
b) I, II e III.
c) II, III e IV.
d) I, III e IV.
e) III e IV.

Gabarito

1) C
2) D
3) E
4) A
5) B

6 Fenômenos enunciativos e participantes da enunciação

14
Débora Facin

14
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com.
TEORIAS DO TEXTO 67

6.1 Introdução

Este capítulo apresenta um ponto fundamental no campo de estudo da


linguagem: os participantes da enunciação. Queremos mostrar como a
subjetividade e a intersubjetividade são fundamentais para a análise de
fenômenos enunciativos. Para isso, valemo-nos de teóricos franceses, como
Émile Benveniste, quanto às pessoas do discurso, e Dominique Maingueneau,
no que se refere às cenas enunciativas.

6.2 O homem na e pela linguagem: um estudo das pessoas em


Benveniste
Única é a condição do homem na linguagem (Benveniste, 2005, p. 287).

Por que um estudo voltado às pessoas do discurso? Qual sua


importância? Qual o sentido de iniciar um capítulo com a epígrafe acima? Por
que escolhemos Émile Benveniste para tratar dos participantes da enunciação?
E qual a contribuição de Maingueneau para um texto dessa natureza?

Como ressaltamos no capítulo 5, dedicar nossa atenção a Benveniste


tem uma razão: ele é considerado o pai da linguística da enunciação. Além
disso, mesmo quem não o conhece, sabe que ele se debruçou ao estudo da
subjetividade. Pertencente à linha estruturalista, Benveniste filia-se a
Saussure, porém “vai além” ao inserir em suas análises “o homem na língua”.
A grande contribuição do linguista francês está em dialogar a estrutura da
língua com o sujeito que dela se utiliza.

Benveniste libertou os linguistas presos às amarras da teoria saussuriana. Ele lhes


devolveu a subjetividade, o mundo e o discurso que se faz sobre ele; Benveniste
reatou com a filosofia e aproximou-se da psicologia social e da pragmática,
reencontrou a virtude do diálogo e da interação. Enfim, uma Linguística
diferente (NORMAND, 2009, p. 197).

A linguística “diferente” justifica-se em virtude de Benveniste atribuir


uma característica ímpar aos estudos da linguagem: a singularidade. Para ele,
“a enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual
de utilização” (BENVENISTE, 2006, p. 82). Esse ato individual acontece porque
um locutor se propõe como sujeito; ele se institui como “eu” e designa um
“tu”.
TEORIAS DO TEXTO 68

Nesse particular, não podemos falar em enunciação sem levar em conta


as pessoas que dela participam e as referências dos participantes da
enunciação. Com a visão antropológica da linguagem – o homem na língua –,
Benveniste (2005) amplia a concepção acerca dos pronomes. Em especial no
artigo A natureza dos pronomes, publicado em 1956, o autor faz uma
distinção bastante pertinente entre pessoa e não pessoa. “O linguista opera
aqui com uma distinção cujo alcance é muito maior e mais complexo: a
oposição subjetivo/objetivo.” (FLORES, 2013, p. 93).

A natureza dos pronomes para Benveniste é muito mais complexa. Para


ele, não basta abreviá-los numa classe como insiste a gramática tradicional;
isso porque a pessoalidade não está para todos os pronomes.

A universalidade dessas formas e dessas noções faz pensar que o problema dos
pronomes é ao mesmo tempo um problema de linguagem e um problema de
línguas, ou melhor, que só é um problema de línguas por ser, em primeiro lugar,
um problema de linguagem. É como fato de linguagem que o apresentamos aqui,
para mostrar que os pronomes não constituem uma classe unitária, mas espécies
diferentes segundo o modo de linguagem do qual são os signos. Uns pertencem à
sintaxe da língua, outros são característicos daquilo a que chamaremos as
“instâncias do discurso”, isto é, os atos discretos e cada vez únicos pelos quais a
língua é atualizada em palavra por um locutor. (BENVENISTE, 2005, p. 277, grifo
nosso).
E o que seriam esses atos discretos? São atos singulares, óbvios, porque
todo enunciado se atualiza por um locutor que se apropria da língua e passa a
assumir o papel de sujeito do discurso. Como poderíamos pensar a história
hoje, por exemplo, sem a atualização de um locutor? Como ela sobreviveria?
TEORIAS DO TEXTO 69

Nesse sentido, é preciso distinguir qual pronome integra a propriedade


de pessoa; “a definição comum dos pronomes pessoais como contendo os três
termos eu, tu, ele, abole justamente a noção de ‘pessoa’” (BENVENISTE,
2005, p. 277). A noção de pessoa só é válida para eu e tu; o mesmo não se
pode dizer para ele (a não pessoa).

É a passagem de locutor a sujeito que consolida a comunicação


humana; isso porque a concepção antropológica da linguagem defendida por
Benveniste requer a existência do “eu” em determinada instância de discurso.
As formas eu e tu podem tanto se mostrar explícita ou implicitamente no
discurso.

Portanto, as formas pronominais não se referem a uma realidade, nem


a fatos objetivos demarcados no tempo e no espaço, e sim à enunciação. A
relevância da função dessas formas está no desenvolvimento da
intersubjetividade.
TEORIAS DO TEXTO 70

SAIBA MAIS

Assim, o emprego tem como condição a situação de discurso e nenhuma


outra. Se cada locutor, para exprimir o seu sentimento que tem da sua
subjetividade irredutível, dispusesse de um “indicativo” distinto (no sentido
em que cada estação radiofônica emissora possui o seu “indicativo” próprio),
haveria praticamente tantas línguas quantos indivíduos e a comunicação se
tornaria estritamente impossível. A linguagem previne esse perigo instituindo
um signo único, mas móvel, eu, que pode ser assumido por todo locutor, com
a condição de que ele, cada vez, só remeta à instância do seu próprio
discurso. Esse signo está, pois, ligado ao exercício da linguagem e declara o
locutor como tal. É essa propriedade que fundamenta o discurso individual,
em que cada locutor assume por sua conta a linguagem inteira. (BENVENISTE,
2005, p. 280-281).

Nessa passagem, percebemos, além do caráter antropológico da


linguagem, a filiação implícita a Saussure. Quando Benveniste defende que a
atividade de discurso é sempre individual e que o locutor pode se apropriar da
língua toda (porque os signos são repetíveis, mas o sentido, não), o autor
resgata a economia linguística criada por Saussure ao conceber a língua como
um sistema de signos.

E quanto à terceira pessoa (ele)?

Benveniste (2005, p. 283) assevera que ela se distingue do eu e do tu


em razão de: “1º. de se combinar com qualquer referência de objeto; 2º. de
não ser jamais reflexiva da instância de discurso; 3º. de comportar um número
às vezes bastante grande de variantes pronominais ou demonstrativas; 4º. de
não ser compatível com o paradigma dos termos referenciais como aqui,
agora, etc.”

Em relação aos participantes da enunciação, temos em Benveniste


(2005), especialmente no artigo Da subjetividade na linguagem, duas ideias
de enunciação. A primeira delas, fazendo referência ao próprio título do
artigo, propõe que a linguagem é inerente ao ser humano. Nesse sentido, tal
condição já aponta para a existência do outro, da condição intersubjetiva da
linguagem. Afinal, como defende o próprio Benveniste (2005, p. 285), “é um
homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro
homem, e a linguagem ensina a própria definição de homem.” Adiante,
Benveniste (2005, p. 286) define a subjetividade como “a capacidade do
locutor para se propor como ‘sujeito’”. Nessa passagem de locutor a sujeito,
a ideia de subjetividade adquire caráter mais linguístico, diferente da
definição anterior, que comporta um domínio voltado à antropologia. Assim, a
subjetividade ganha corpo a partir do sistema linguístico.

Em resumo,
TEORIAS DO TEXTO 71

a subjetividade está marcada no sistema da língua. É essa noção de subjetividade


que permite Benveniste elaborar as análises linguísticas ligadas à categoria de
pessoa (os tempos verbais, os pronomes etc.). Há, no entanto uma segunda
possibilidade de entendimento da noção de subjetividade na teoria de Benveniste
que está fortemente relacionada à noção de enunciação e não mais às marcas
linguísticas da passagem de locutor a sujeito. Assim, subjetividade pode ser
entendida como ligada ao ato de discurso que é constituído pela temporalidade
da instância de discurso e pela linguagem. (FLORES et a., 2009, p. 220).

DICA DE LEITURA

TEIXEIRA, Marlene. O estudo dos pronomes em Benveniste e o projeto


de uma ciência geral do homem. Desenredo, Passo Fundo, v. 8, n. 1, p. 71-
83, jan./jun. 2012.

Importante contribuição de Marlene Teixeira, que aborda como Benveniste, a


partir do estudo dos pronomes, revela a experiência do homem pela linguagem.

Depois de apresentarmos um pouco sobre os participantes da


enunciação valendo-se do conceito de subjetividade (BENVENISTE, 2005,
2006), trazemos a noção de cena enunciativa para que possamos expor,
também, uma forma contemporânea de analisar discursos pelo viés
enunciativo.

6.3 A cenografia de um discurso: uma proposta de enunciação


na atualidade

“Um texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado


por um discurso em que a fala é encenada.” É assim que Maingueneau (2011,
p. 85, grifo do autor) define a cena enunciativa.

Maingueneau dispõe de um método pertinente para se analisar


discursos, porque o autor não sacrifica nem a estrutura da língua, nem o
contexto histórico em que eles se inscrevem. Ao afirmar que “um texto não é
um conjunto de signos inertes”, percebemos uma concepção implícita de um
teórico da linguagem que parte da língua para olhar o mundo e que o sentido
de um signo se constrói na relação com os demais. Ainda, quando ele afirma
que a fala é “encenada”, temos aí outra presença em seu método de análise:
a presença da subjetividade.

Nesse contexto, em se tratando de fenômenos enunciativos e


participantes da enunciação, vemos em Maingueneau a possibilidade de um
TEORIAS DO TEXTO 72

diálogo pertinente com o pai da enunciação (Benveniste) e também a


produtividade de seus conceitos em termos de análise de corpora.

Um pouco sobre Dominique Maingueneau

Dominique Maingueneau é professor de linguística da Universidade Paris


XII. Seu trabalho desenvolve-se nas linhas da linguística da enunciação e da
análise de discurso. Como investigador das ciências da linguagem,
Maingueneau dispõe de vários artigos e obras publicadas. Dentre elas,
destacamos: Gênese dos discursos, Novas tendências em análise do discurso,
Cenas da enunciação, Análise de textos de comunicação, Dicionário de análise
do discurso (em parceria com Patrick Charaudeau), Discurso Literário, todas
traduzidas para o português.

Maingueneau, além da sua vasta produção acadêmica, também mantém


diálogo com pesquisadores brasileiros, seja por meio da publicação de seus
textos em revistas brasileiras, seja por meio de sua participação em eventos
no país. Como exemplo da pertinência de sua proposta, sugerimos a leitura da
seguinte obra – uma reunião de artigos produzidos em diferentes partes do
Brasil, com diversos corpora, que representam um pouco da produtividade de
sua teoria.

Sabemos que a presença ou a ausência das pessoas no discurso implica


imagens diferentes que o enunciador constrói de si e impõe ao tu. As pessoas
do discurso, portanto, têm forte relação com a cenografia.

Afinal, em que consiste a cenografia?

Adiantamos que a cenografia não corresponde a um espaço físico,


exterior ao discurso; ela é construída pelo próprio texto. Trata-se de um
espaço validado por meio da própria enunciação.
TEORIAS DO TEXTO 73

[...] a cenografia não é simplesmente um quadro, um cenário, como se o discurso


aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído e
independente dele: é a enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para
constituir o seu próprio dispositivo de fala (MAINGUENEAU, 2011, p. 87).

Isso significa que a fala supõe uma situação de enunciação que é


validada à medida que a própria enunciação se desenvolve (MAINGUENEAU,
2011). A cena de enunciação corresponde a um “espaço instituído, definido
pelo gênero de discurso, mas também sobre a dimensão construtiva do
discurso, que se ‘coloca em cena’, instaura seu próprio espaço de
enunciação.” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 95, grifo dos autores).

A noção de gênero discursivo é cara a Maingueneau (2011). Isso porque,


sempre que nos deparamos com um texto, primeiramente percebemos a que
gênero pertence esse texto. Assim, reagimos linguisticamente de acordo com
as coerções que caracterizam determinado gênero.

Em termos metodológicos, Maingueneau (2011) divide a cena de


enunciação em três cenas: a englobante, a genérica e a cenografia. A
englobante diz respeito ao tipo de discurso – político, religioso, publicitário,
entre outros; a cena genérica corresponde ao gênero – panfleto, receita,
artigo, anúncio publicitário, etc.

Dizer que a cena de enunciação de um enunciado político é a cena englobante


política, ou que a cena de um enunciado filosófico é a cena englobante filosófica
etc. é insuficiente: um coenunciador não está tratando com o político ou com o
filósofo em geral, mas sim com gêneros de discurso particulares. Cada gênero de
discurso define seus próprios papéis: num panfleto de campanha eleitoral, trata-
se de um “candidato” dirigindo-se a “eleitores”; numa aula, trata-se de um
professor dirigindo-se a alunos etc. (MAINGUENEAU, 2011, p. 86).

Por um lado, alguns gêneros apresentam cenografias mais previsíveis,


porque já trazem em sua composição características canônicas, por exemplo,
um relatório administrativo, uma receita, um guia turístico. Por outro lado,
há gêneros que “exigem a escolha de uma cenografia: é o caso dos gêneros
publicitários, literários, filosóficos etc.” (MAINGUENEAU, 2011, p. 89).

A cenografia constitui o que Maingueneau (2011, p. 87) chama de


“enlaçamento paradoxal”. O texto (falado ou escrito), desde o início, supõe
certa situação de enunciação que vai sendo validada por meio da própria
enunciação. A cenografia, portanto, “é ao mesmo tempo a fonte do discurso e
TEORIAS DO TEXTO 74

aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve
legitimá-lo, estabelecendo que essa cenografia onde nasce a fala é
precisamente a cenografia exigida para enunciar como convém [...]”
(MAINGUENEAU, 2011, p. 87-88, grifo do autor).

Esquematizando as cenas da enunciação:

SAIBA MAIS

Maingueneau (2011), além das três cenas – englobante, genérica e


cenografia –, também defende a existência, nos discursos, das chamadas
cenas validadas, que correspondem a representações construídas socialmente.
A cena validada “não se caracteriza propriamente como discurso, mas como
um estereótipo autonomizado, descontextualizado, disponível para
reinvestimentos em outros textos. Ela se fixa facilmente em representações
arquetípicas popularizadas pelas mídias.” (MAINGUENEAU, 2011, p. 92). São
exemplos de cenas validadas as mulatas seminuas em desfiles carnavalescos, o
churrasco em família na cultura gaúcha, etc.

6.4 Recapitulando

Neste capítulo, aprendemos sobre os participantes da enunciação. Com


base em Benveniste (2005, 2006), conhecemos que a categoria de pessoa
exerce papel fundamental na comunicação humana. Diferentemente do que
prega a gramática tradicional, que concebe os pronomes pessoais de uma
mesma forma, Benveniste (2005, 2006) amplia a discussão remetendo-os à
presença ou não de subjetividade. Isso é fundamental, porque envolve o
próprio conceito de enunciação, o sentido e a interação humana.

Na sequência, conhecemos como se dão os fenômenos enunciativos a


partir das cenas da enunciação. Tendo como representante Dominique
TEORIAS DO TEXTO 75

Maingueneau (2011), a cenografia constitui um modo enunciativo produtivo de


se analisar discursos, uma vez que sua metodologia contempla a língua, o
gênero e o contexto social dos participantes da comunicação.

Referências

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. 5. ed. Tradução Maria


da Glória Novak e Maria Luisa Neri. Campinas: Pontes, 2005.

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral II. 2. ed. Tradução


Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 2006.

CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do


discurso. 2. ed. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo:
Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. Dicionário de linguística da enunciação.


São Paulo: Contexto, 2009.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução


Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

NORMAND, Claudine. Convite à linguística. Tradução Valdir do Nascimento


Flores e Leci Borges Barbisan. São Paulo: Contexto, 2009.

Atividades

1) Julgue os itens no que diz respeito à subjetividade em Benveniste.


I. Consiste na passagem de locutor a sujeito.
II. A subjetividade está marcada no sistema da língua.
III. A subjetividade está ligada ao ato de discurso que se constitui pela
instância e pela linguagem.
IV. Remete às condições de produção de um enunciado.

Estão corretos os itens:

a) I e II.
b) II e III.
c) I, II e III.
d) III e IV.
e) II, III e IV.

2) A noção de pessoa só é válida para eu e tu porque


TEORIAS DO TEXTO 76

a) eu é o indivíduo que enuncia a presente instância de discurso que


contém a instância linguística eu e, consequentemente, introduz a
situação de alocução.
b) são signos plenos e que remetem às realidades objetivas da
comunicação.
c) o eu enquanto indicador de pessoa é irrepetível; “eu” enquanto sujeito
é repetível.
d) não são compatíveis com o paradigma dos termos referenciais aqui e
agora.
e) no caso da língua portuguesa, esses pronomes podem ser facilmente
ocultados.

3) Considere o anúncio publicitário e, em seguida, julgue os itens quanto à


construção da cenografia.

I. Em razão do gênero em questão (anúncio publicitário), podemos


depreender uma cenografia estabilizada em virtude das coerções
comuns à publicidade.
II. O apelo à literatura no anúncio contribui para que o interlocutor
assimile a cenografia imposta: quem usa O Boticário vence o “lobo
mau”.
III. O enunciado na parte inferior do anúncio deixa transparecer uma
informação implícita: apenas quem usa O Boticário “coloca o lobo mau
na coleira”.
IV. As marcas de interlocução explícitas no modo verbal em “Use O
Boticário e ponha o lobo mau na coleira” direcionam os participantes
para a instância enunciativa, o que contribui fortemente para o
processo persuasivo do gênero.
TEORIAS DO TEXTO 77

Estão corretos os itens:

a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I e II apenas.
d) I e IV apenas.
e) I e III apenas.

4) Maingueneau (2011) defende que as cenas validadas também


contribuem para a construção da cenografia, uma vez que elas
correspondem a estereótipos constituídos cultural e socialmente. São
exemplos de cenas validadas, exceto:
a) mulatas seminuas em desfiles carnavalescos.
b) meninos negros em anúncios publicitários fazendo referência ao futebol
no Brasil.
c) mulheres bonitas em propagandas de cervejas.
d) praias com coqueiros em anúncios de viagens.
e) foto da atriz Angelina Jolie em campanhas contra o câncer.

5) Analise o enunciado seguinte. Trata-se de uma entrevista concedida por


Pelé, considerado o Rei do Futebol.

É difícil carregar a fama do Pelé. É um desafio minuto a minuto, porque


as tentações são muitas. O Edson é humano e adoraria levar uma vida mais
divertida, mas sabe que é o equilíbrio e a base do Pelé. Os dois sabem quanto
é importante não decepcionar o povo brasileiro.

Disponível em: < http://vanuzaborges.blogspot.com.br/2009/03/entrevista-pele-e-bom-ser-


exemplo.html>.

Em relação ao uso das pessoas, podemos afirmar que

a) a fala do enunciador em terceira pessoa cria uma imagem de arrogância


diante do público.
b) pela sintagmatização do texto, não sabemos de quem o enunciador está
falando.
c) a fala do enunciador em terceira pessoa justifica-se pelo fato de Pelé
não querer decepcionar o povo brasileiro.
d) o uso da terceira pessoa cria um efeito de distanciamento entre o “eu”
e a referência, já que Pelé passou a ser um expoente no cenário
brasileiro do futebol.
e) é comum, no mundo dos famosos, a concessão de entrevistas em
terceira pessoa; faz parte do estilo do gênero.
TEORIAS DO TEXTO 78

Gabarito

1) C
2) A
3) B
4) E
5) D

7 O tempo e o espaço na enunciação

Débora Facin15

7.1 Introdução

Este capítulo versará sobre duas categorias fundamentais da


enunciação: o tempo e o espaço. Benveniste, como fundador da Teoria da
Enunciação, contribui fortemente com suas reflexões acerca do tempo,
especificamente nos artigos As relações de tempo no verbo francês (1959),
publicado na obra Problemas de linguística geral I; A linguagem e a
experiência humana, publicado em 1965 e integrante da obra Problemas de
linguística geral II. Assinala o autor que o tempo é fundamental para o
constructo da subjetividade; além disso, o tempo organiza as relações
intersubjetivas que garantem a comunicação humana.

7.2 Aqui e agora: os dêiticos e a enunciação

Dedicar algumas linhas ao tempo e ao espaço é fundamental para o


entendimento da subjetividade. Benveniste, em seus textos, não desenvolveu
com profundidade reflexões sobre o espaço; sua atenção voltou-se mais ao
tempo e às pessoas do discurso. As poucas considerações que o linguista traça
acerca do espaço mantêm relação direta com o Ego:

15
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com
TEORIAS DO TEXTO 79

Indicando os objetos, os demonstrativos organizam o espaço a partir de um ponto


central, que é Ego, segundo categorias variáveis: o objeto está perto ou longe de
mim ou de ti, ele é também orientado (defronte ou detrás de mim, no alto ou
embaixo), visível ou invisível, conhecido ou desconhecido, etc. O sistema das
coordenadas espaciais se presta também para localizar todo objeto em qualquer
campo que seja, uma vez que aquele que o organiza está ele-próprio designado
como centro e ponto de referência. (BENVENISTE, 2006, p. 69-70).

Segundo Benveniste (2006), das marcas linguísticas que exprimem a


subjetividade, as do tempo são as mais ricas. As formas que revelam o tempo
criam representações diferentes, efeitos de sentido diversos nos enunciados.

Antes de detalharmos os diferentes tempos e como eles se organizam


em torno do enunciador, é válido apresentar três definições imprescindíveis à
enunciação, quais sejam: o espaço, a pessoa e o tempo:

Categoria de espaço: sistema de coordenadas espaciais organizado a


partir de um ponto central, que é eu, segundo modalidades variáveis. A
categoria de espaço se presta também a localizar todo objeto em qualquer
campo que seja, uma vez que aquele que o organiza está, ele próprio,
designado como centro e ponto de referência.

Categoria de pessoa: classe elementar da linguagem na qual se vê a


experiência subjetiva dos sujeitos que se situam na e pela linguagem. A
categoria de pessoa se expressa nas línguas em um sistema de referências
pessoais do qual cada locutor se apropria ao se enunciar e que, em cada
instância de seu emprego, se torna único e irrepetível.

Categoria de tempo: classe elementar da linguagem na qual se vê a


experiência subjetiva dos sujeitos que se situam na e pela linguagem. A
categoria de tempo, juntamente com a categoria de pessoa, está ligada ao
exercício da fala, se define e se organiza como função do discurso. Esse
tempo tem seu centro – um centro ao mesmo tempo gerador e axial – no
presente da instância de discurso. (FLORES, 2013, p. 123).

Considerando que Benveniste é estruturalista e nada é exterior à


linguagem, a noção de espaço, pouco desenvolvida, organiza-se a partir do
“eu” e do tempo enunciativo, que é sempre o presente. Assim, podemos
associar a noção de espaço a expressões como instância de discurso e situação
de enunciação. Como a ideia de enunciação é sempre nova a cada ato, o
tempo e o espaço coincidem com a presença do “eu”, que automaticamente
impõe um “tu”; “eu” e “tu” têm como referência o “ele”. Nesse sentido:
TEORIAS DO TEXTO 80

 aqui – lugar do “eu”, de quem fala;


 aí – lugar do “tu”, com quem se fala;
 lá – lugar do “ele”, de quem se fala.

De acordo com Fiorin (2010, p. 258), o espaço parece ter menos


importância nos estudos enunciativos, porque não contribui decididamente no
processo de discursivização. “Com efeito, não se pode deixar de utilizar, em
hipótese alguma, o tempo e a pessoa na fala, mesmo porque essas duas
categorias são expressas por morfemas sufixais necessariamente presente no
tempo verbal. Como, porém, o espaço é expresso por morfemas livres, pode
não ser manifestado.” Nesse sentido, a linguagem verbal valoriza mais a
natureza temporal, porque podemos falar, sem prejuízo, de algo ou de
alguém, sem indicação de espaço.

O espaço linguístico, conforme afirmamos anteriormente, organiza-se


sempre a partir do hic – do ego, que se atualiza a cada ato. Assim, em cada
ato enunciativo, temos um espaço novo e, também, um novo “eu” e um novo
tempo.

O aqui é o fundamento das oposições espaciais da língua. Esse aqui, que se


desloca ao longo do discurso, permanecendo sempre aqui, constitui os espaços do
não-aqui. Chega-se, assim, à constatação de que o único espaço inerente à
linguagem é o espaço axial do discurso, que é sempre implícito. Ele é que
determina os outros. (FIORIN, 2010, p. 263, grifos do autor).

No que se refere à situação de enunciação, todo ato organiza-se em


torno do espaço do “eu”; o espaço, por sua vez, também é reversível, ou
seja, o “tu”, como se encontra no espaço do “eu”, assimila o mesmo espaço.
Quando o “tu” passa a ser o enunciador, o fenômeno ocorre da mesma forma.
Nesse sentido, o espaço não corresponde a um lugar empírico, mas constitui
um fator de intersubjetividade, essencial à comunicação humana.

O espaço linguístico é assinalado por meio de pronomes demonstrativos


e certos advérbios.

SAIBA MAIS

O português, assim como o espanhol e diferentemente do francês, do


romeno e do italiano, tem um sistema tricotômico de demonstrativos. Em
função dêitica, este e esse indicam o espaço da cena enunciativa e aquele, o
que está fora dela. Este, por sua vez, marca o espaço do enunciador, isto é, o
que está próximo do eu; esse, o espaço do enunciatário, ou seja, o que está
perto do tu. (FIORIN, 2010, p. 266, grifos do autor).
TEORIAS DO TEXTO 81

A forma de emprego dos demonstrativos também provoca efeitos de


sentido diferentes. Por exemplo, no enunciado:

Você lá, o que está fazendo no meu jardim?

Sabemos que o advérbio “lá” faz parte do espaço do “ele”, que é


referência dos actantes da enunciação – “eu” e “tu”. No entanto, quando o
enunciador (eu) dirige-se ao (tu) empregando a forma “lá” ao invés de “aí”
(que seria o espaço demarcado pelo “tu”), acentua-se o efeito de ordem, ou
seja, o enunciador deseja que o “tu” saia do jardim.

Assim como o tempo, o emprego das formas linguísticas que indicam o


espaço criam efeitos de sentido diferentes. Vejamos outro caso. Trata-se de
uma situação comunicativa via WhatsApp:

Um jovem está numa festa. Sua namorada, em casa e impaciente,


pergunta:
- Onde você está?

Ele responde:
- Estou aqui.
Neste caso, o advérbio “aqui” não tem a mesma espacialização para os
dois. Não sabemos onde se encontra o namorado; sabemos que ele está
conectado via WhatsApp, o que não é suficiente para a tranquilidade da
moça, já que ela quer saber exatamente onde ele se encontra, em qual festa,
em que lugar específico. Para o namorado, o lugar enunciativo “aqui”
corresponde ao lugar virtual onde os dois conversam; para ela, a obviedade
dessa informação não é suficiente. A incerteza provocada pelo advérbio cria
efeitos de sentido diferentes para ambos: para ela, a desconfiança; para ele,
a impossibilidade de não poder dizer onde está no momento.

LEMBRE-SE:

O espaço linguístico é onde se constrói a cena enunciativa.

A dêixis é um mecanismo que, necessariamente, está associada à


enunciação; fora da enunciação, ela corresponde a uma classe vazia; os
elementos dêiticos definem-se em relação à instância de discurso sob
dependência do eu que enuncia (BENVENISTE, 2005).

O discurso, assim, constitui-se a partir da tríade: pessoa, espaço e


tempo.
TEORIAS DO TEXTO 82

IMPORTANTE

A dêixis é um mecanismo ou uma relação, pois é responsável pela


conversão do significado do signo no nível semiótico da língua em referência
da palavra no nível semântico da língua. Trata-se de uma conversão do
significado – repetível – do signo – à referência – irrepetível – da palavra.
Benveniste exemplifica essa relação com palavras tais como os adjetivos, os
pronomes demonstrativos (este, esta, entre outros), os advérbios de lugar
(aqui, entre outros) e de tempo (agora, hoje, entre outros). Dessa forma,
“aqui”, na frase “Estou aqui.”, enquanto signo, significa um espaço ocupado
por alguém por oposição ao espaço ocupado por outros e que pode se
converter, enquanto palavra, em referência a um espaço em que se encontra
de alguma maneira singular. (FLORES et al., 2009, p. 77).

No artigo a linguagem e a experiência humana, Benveniste (2006) deixa


claro que a experiência se dá por meio da relação “eu” e “tu” através do
tempo, categoria esta fundamental da vivência de indivíduos que se mostram
na e pela linguagem.

Todas as línguas estão organizadas através do tempo. O tempo se


marca na língua – seja num passado, seja num futuro –, mas sempre em
relação ao presente, que “tem como referência temporal um dado lingüístico:
a coincidência do acontecimento descrito com a instância de discurso que o
descreve” (BENVENISTE, 2005, p. 289).

Para o reconhecimento do tempo linguístico, Benveniste (2006, p. 71)


reconhece outras duas noções: a do tempo físico e a do tempo crônico. O
tempo físico é linear, infinito, contínuo. “Ele tem por correlato no homem
uma duração infinitamente variável que cada indivíduo mede pelo grau de
suas emoções e pelo ritmo de sua vida interior.”
TEORIAS DO TEXTO 83

Do tempo físico, Benveniste (2006) distingue o tempo crônico, que é o


tempo dos acontecimentos. No tempo crônico, “denominamos ‘tempo’ a
continuidade em que se dispõem em série estes blocos distintos que são os
acontecimentos. Porque os acontecimentos não são o tempo, eles estão no
tempo. Tudo está no tempo, exceto o próprio tempo.” (BENVENISTE, 2006, p.
71, grifo do autor). O tempo físico e o tempo crônico organizam a vida em
sociedade; há uma série de referências que informam ao homem onde este se
encontra na história em meio aos acontecimentos.

Nesse particular, o tempo crônico consiste numa convenção humana. O


tempo crônico é importante para o tempo linguístico, porque a demarcação
do tempo crônico implica subjetividade. Por exemplo, os períodos literários,
que são “recortados” no tempo pela interferência humana, assim como a
organização dos calendários.

Consoante Benveniste (2006, p. 74), “uma coisa é situar um


acontecimento no tempo crônico, outra coisa é inseri-lo no tempo da língua.”
Isso significa dizer que, a cada vez que o locutor se apropria do aparelho
formal da língua para se enunciar, o acontecimento também se atualiza.

É pela língua que se manifesta a experiência humana do tempo, e o tempo


linguístico manifesta-se irredutível igualmente ao tempo crônico e ao tempo
físico. O que o tempo linguístico tem de singular é o fato de estar organicamente
ligado ao exercício da fala, o fato de se definir e de se organizar como função do
discurso. (BENVENISTE, 2006, p. 74).

No universo da linguagem, o tempo é sempre o presente, o tempo da


fala. É a partir do presente que se organizam os demais tempos – passado e
futuro.

PARA REFLETIR

O artigo As relações de tempo no verbo francês, publicado em


Problemas de linguística geral I, compõe a quinta parte denominada O homem
na língua.

A linguagem e a experiência humana integra a segunda parte intitulada


A comunicação do livro Problemas de linguística geral II.

Essa organização não é gratuita. É fundamental atentar que ambos os


artigos abordam sobre o tempo e o espaço na língua, sobretudo, o tempo.
Podemos depreender, portanto, que o tempo está intimamente ligado à
experiência do homem na e pela linguagem.
TEORIAS DO TEXTO 84

Especialmente no artigo As relações de tempo no verbo francês,


Benveniste (2005) faz uma diferenciação entre enunciação histórica e
enunciação de discurso. Segundo o autor, o que comanda essa diferença é a
presença das pessoas do discurso.

A enunciação histórica, própria da língua escrita, trata “da


apresentação dos fatos sobrevindos a um certo momento do tempo, sem
nenhuma intervenção do locutor na narrativa.” (BENVENISTE, 2005, p. 262).
Esse tipo de enunciação vale-se da 3ª pessoa (ele); portanto, não há oposição
entre pessoas.

Já a enunciação de discurso constrói-se em torno de enunciador e


coenunciador e abrange tanto enunciados escritos quanto orais. Trata-se da
presença de um locutor que se dirige a um interlocutor num tempo presente.
O ponto fundamental é: “na enunciação de discurso, há a relação pessoa/não
pessoa; na enunciação histórica, há uma ausência de pessoa.” (FLORES, 2013,
p. 107).

Ao estudarmos um pouco sobre o tempo e o espaço na enunciação,


percebemos que a subjetividade é fundamental para o entendimento dessas
categorias. É a presença do homem na língua que possibilita pensar a história
e a instância de discurso: a história, para Benveniste, consolida-se pelo
apagamento das pessoas, pela inexistência de relação entre pessoa e não
pessoa; ao mesmo tempo, a história só ganha sentido quando atualizada por
um sujeito que assume a língua no tempo presente.

7.3 Recapitulando

Neste capítulo, as reflexões apresentadas estiveram voltadas ao tempo


e ao espaço enunciativos. A ênfase maior direcionou-se ao tempo da
enunciação, porque ele tem papel fundamental no que diz respeito à
subjetividade.

Aprendemos, com base em Benveniste (2005, 2006), que o tempo se


ramifica em três categorias: crônico, físico e linguístico. No universo da
enunciação, o que impera é o tempo linguístico; isso porque ele está
intimamente ligado ao exercício da fala. No momento em que o locutor se
apropria do aparelho formal da língua e se institui como sujeito, todo e
qualquer enunciado é atualizado no tempo e no espaço porque fazem parte da
instância enunciativa do “eu”.

Referências
TEORIAS DO TEXTO 85

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral I. 5. ed. Tradução Maria


da Glória Novak e Maria Luisa Neri. Campinas: Pontes, 2005.

BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística Geral II. 2. ed. Tradução


Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 2006.

FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço


e tempo. 2. ed. São Paulo: Ática, 2010.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. Enunciação e gramática. São Paulo:


Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. Dicionário de linguística da enunciação.


São Paulo: Contexto, 2009.

FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à teoria enunciativa de


Benveniste. São Paulo: Parábola, 2013.

Atividades

1) Analise o seguinte fragmento da crônica Velho olhando o mar, de


Affonso Romano de Sant'Anna:

Meu carro para numa esquina da praia de Copacabana às 9h30m e vejo


um velho vestido de branco numa cadeira de rodas olhando o mar à distância.
Por ele passam pernas portentosas, reluzentes cabeleiras adolescentes e os
bíceps de jovens surfistas. Mas ele permanece sentado olhando o mar à
distância [...]

Sobre a organização temporal do enunciado, é correto afirmar que:

a) as marcas linguísticas apontam o enunciado para o tempo físico e


crônico, já que não há indícios que permitam fazer uma leitura
enunciativa do texto.
b) trata-se de um enunciado histórico, pois revela as lembranças de um
enunciador.
c) trata-se de um enunciado histórico, pois a narração acontece em 3ª
pessoa.
d) há marcas de pessoalidade no enunciado que evidenciam a
subjetividade e a atualização temporal.
e) trata-se de um discurso histórico em razão da marca explícita de não
pessoa (ele).

2) Analise a seguinte tira para responder a esta questão.


TEORIAS DO TEXTO 86

No enunciado há recorrência de uma marca que evidencia o espaço


enunciativo do “eu”. Que marca é esta?

a) Aula.
b) Escola.
c) Lado de fora.
d) Seguindo.
e) Aqui.

3) Assinale a alternativa correta no que diz respeito à dêixis enunciativa.


a) Trata-se de um mecanismo de relação, pois os elementos dêiticos só
significam no discurso.
b) Os elementos dêiticos fazem parte unicamente do plano semântico da
língua.
c) Os signos que indicam a dêixis fazem parte da classe dos verbos.
d) A dêixis constitui um fenômeno relacionado à sintaxe dos períodos
compostos.
e) A dêixis só pode ser compreendida se levarmos em conta as normas da
gramática tradicional.

4) Analise a seguinte charge:


TEORIAS DO TEXTO 87

Mangabeira. A charge Online, 5 jul. 2008.

Assinale a alternativa correta quanto à construção do humor da charge


e as marcas de espaço e tempo enunciativos.

a) O humor se constitui unicamente a partir da linguagem não verbal,


sobretudo pela pose do personagem no ponto de táxi.
b) As marcas “aqui” e a inscrição na camiseta do personagem “I love lei
seca” são fundamentais para a construção do humor porque situam a
instância enunciativa do “eu” (o taxista), o qual atribui ao “tu” a
liberdade para beber.
c) O advérbio de lugar “aqui” não contribui para o sentido global da
charge, pois não deixa claro se “aqui” se refere ao ponto de táxi ou ao
bar ao lado.
d) O humor se constrói a partir da presença do signo “cerveja” e da placa
indicando o ponto de táxi.
e) A linguagem verbal presente na charge indica uma enunciação
histórica, porque não há presença de um “tu” diretamente demarcado.

5) Benveniste (2005), no artigo As relações de tempo no verbo francês,


apresenta duas concepções de enunciação: a histórica e a de discurso.
Julgue os itens acerca dessas duas noções.
I. Na enunciação histórica, há prevalência do tempo verbal presente.
TEORIAS DO TEXTO 88

II. Na enunciação de discurso, supõe-se a presença de um locutor e de um


interlocutor.
III. Na enunciação histórica, excluem-se as pessoas do discurso.
IV. Na enunciação de discurso não há relação de pessoa e não pessoa.

Está correto o que se afirma em:

a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) II e IV.
e) I e III.

Gabarito

1) D
2) E
3) A
4) B
5) B

8. Análise do Discurso: a exterioridade na linguagem


Carolina Knack16

Introdução

Este capítulo apresenta mais um ponto de vista para o estudo da


linguagem: a Análise do Discurso (AD). Essa corrente teórica concebe a
linguagem como uma mediação necessária entre o homem e o mundo,
mediação que é instaurada por meio do discurso. Levando em conta o homem
em sua história, a corrente explora a relação que a língua estabelece com os
sujeitos que a falam e com as situações em que um dizer é produzido. Para

16
Doutoranda em Estudos da Linguagem com ênfase em Teorias do Texto e do
Discurso pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
TEORIAS DO TEXTO 89

isso, relaciona o discurso à sua exterioridade. Esse é o aporte teórico-


metodológico que você irá conhecer nas próximas páginas.

8.1 Análise do Discurso: filiações teóricas

Em seu dia a dia na Universidade, possivelmente você já ouviu algum


colega perguntar: “quem fará o discurso de formatura?”. Ou, se você assiste
ao noticiário após a aula, já deve ter escutado: “os manifestantes aderiram a
um discurso de direita” ou “a um discurso de esquerda”. Ou, então, tendo
chegado tarde ao seu trabalho no outro dia pela manhã, ouviu “aquele
discurso do chefe”, que, aliás, é “bom de discurso”.

Nos exemplos acima, a palavra discurso assume diferentes significados:


fala ou exposição oral de um orador ou do chefe, modo de expor os sentidos
em um dizer e, até mesmo, habilidade de comunicar-se com facilidade.

Mas qual o significado de discurso na expressão que dá título a este


capítulo? Atualmente, há diferentes vertentes teóricas que se valem da
designação análise do discurso. A perspectiva a que este e o próximo capítulo
se referem é a “análise do discurso tal como foi proposta por Pêcheux
[filósofo francês] e seu grupo e tal como tem sido praticada por Eni Orlandi
[pesquisadora e professora universitária brasileira] e os pesquisadores por ela
formados, e que, hoje, já pode ser entendido como o campo brasileiro da
análise de discurso.” (INDURSKY, 2010, p. 66, acréscimos nossos). Trata-se da
perspectiva de Análise do Discurso de Linha Francesa.

Orlandi (2007) explica que a Análise do Discurso (AD), como a


conhecemos em nosso país, estabelece-se como uma disciplina de entremeio,
atravessada por questões da Linguística (língua), do Marxismo (história) e da
Psicanálise (sujeito).

Para a AD:

a) a língua tem sua ordem própria, mas é só relativamente autônoma


(distinguindo-se da Linguística, ela reintroduz a noção de sujeito e de situação na
análise da linguagem);
b) a história tem seu real significado afetado pelo simbólico (os fatos reclamam
sentidos);
c) o sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e
também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o
afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo
inconsciente e pela ideologia. (ORLANDI, 2007, p.19-20).
TEORIAS DO TEXTO 90

Segundo Orlandi (2007, p. 25), essas três áreas de conhecimento são


reunidas com vistas a explorar o sentido e, para isso, são convocadas: “i) a
teoria da sintaxe e da enunciação; ii) a teoria da ideologia; iii) a teoria do
discurso que é a determinação histórica dos processos de significação. Tudo
isso atravessado por uma teoria do sujeito de natureza psicanalítica.”

Assim, embora a AD se estabeleça na confluência dessas áreas das


ciências humanas, a autora explica que ela irrompe as fronteiras desses
campos do saber e constitui um novo objeto que afeta tais formas de
conhecimento: este novo objeto é o discurso.

8.2 O constructo teórico-metodológico da Análise do Discurso

Nos anos 60 do século XX, período em que Michel Pêcheux formulou


alguns dos princípios da AD, havia uma preocupação em relação aos processos
de leitura e de interpretação: “o que ler significa?”, perguntavam-se os
teóricos da linguagem e da filosofia. Para responder a esse e a outros
questionamentos, Pêcheux propôs considerar as relações entre a
materialidade linguística e a materialidade sócio-histórica.

Pêcheux, questionando a linearidade do esquema da comunicação – em


que um enunciador transmitiria uma mensagem a um destinatário acerca de
um referente valendo-se do código que seria a língua -, afirmou: “o discurso,
mais do que transmissão de informação (mensagem), é efeito de sentidos
entre locutores.” (PÊCHEUX apud ORLANDI, 2010, p. 14, grifos nossos).

Esses efeitos, segundo explica Orlandi (2010, p. 15), resultam da


relação de sujeitos simbólicos que participam do discurso, os quais estão
inseridos em determinadas circunstâncias e são afetados por suas memórias
discursivas. Assim, tanto o sujeito como a situação são fundamentais para a
análise de discurso. Quanto a esses fatores, a autora alerta: “este sujeito e
esta situação contam na medida em que são redefinidos discursivamente
como partes das condições de produção do discurso.”

Por isso, na AD, não se pode deixar de relacionar o discurso às suas


condições de produção, isto é, à sua exterioridade.

8.2.1 Discurso e texto: procedimentos de análise

A AD, partindo do pressuposto de que a linguagem não é transparente,


isto é, não apresenta relação direta entre o homem e o mundo, visa à
compreensão do modo como um objeto simbólico produz sentidos e como ele
está investido de significância para e por sujeitos.
TEORIAS DO TEXTO 91

Para tanto, define como sua unidade de análise o texto, entendido


como uma superfície linguística que tem início, meio e fim, um objeto
empírico e inacabado que manifesta um complexo de significação, permitindo
o acesso ao discurso. A AD não procura “atravessar o texto para encontrar
um sentido do outro lado.” A pergunta que essa perspectiva teórica se faz é:
como este texto significa?

Diante disso, Orlandi (2001, p. 78) salienta que o analista deve propor
um dispositivo teórico-analítico, a partir do qual ele possa explicitar (tornar
visíveis) “os gestos de interpretação que textualizam a discursividade” e, em
seguida, possa interpretar os resultados dessa análise. Assim, o analista
trabalha nos limites entre a descrição e a interpretação e cabe a ele
atravessar o “efeito de transparência” da linguagem e da literalidade do
sentido, para mostrar que os sentidos sempre podem ser outros.

Portanto, a autora propõe que, após delimitar seu corpus, o analista


deve:

i) partir da análise da materialidade linguística, buscando identificar


quem diz o quê, para quem;

ii) verificar os elementos linguísticos que fornecem pistas para


compreender o modo como o discurso em questão se textualiza;

iii) analisar os processos discursivos para chegar às formações


discursivas e suas relações com as formações ideológicas, buscando explicitar
o modo de constituição dos sujeitos e dos sentidos.

Dessa forma, o trabalho de análise parte da superfície linguística do


texto para, então, chegar ao discurso e aos processos discursivos que o
constituem.

[...] no procedimento de análise, devemos procurar remeter os textos ao discurso


e esclarecer as relações deste com as formações discursivas pensando, por sua
vez, as relações destas com a ideologia. Este é o percurso que constitui as
diferentes etapas da análise, passando-se da superfície linguística ao processo
discursivo. (ORLANDI, 2007, p. 71).

8.2.2 As condições de produção do discurso

Dentre as condições de produção do discurso, incluem-se


fundamentalmente os sujeitos (historicamente determinados e
ideologicamente interpelados) e a situação, que diz respeito:

i) às circunstâncias do contexto imediato, tais como quem,


quando, onde do aqui-agora do dizer;
TEORIAS DO TEXTO 92

ii) às circunstâncias do contexto mais amplo, como o histórico, o


político, o social, o cultural, etc. (ORLANDI, 2001, p. 87).

Essas circunstâncias, na prática, não são dissociadas uma da outra.


Conforme ilustra Orlandi (2007), em uma situação de sala de aula, a
circunstância imediata compreende o contexto da sala com o professor e os
alunos (quem fala para quem, onde, quando); já a circunstância ampla
compreende o contexto sócio-histórico e ideológico ao qual a prática escolar e
o discurso emitido pelo sujeito se vinculam.

Vejamos outro exemplo:

Fonte: Iotti. RBS (14/07/2015).

Na charge, o contexto imediato envolve o personagem, que é uma


caricatura do atual governador do Estado do Rio Grande Sul, e o Governo
Federal (representado pela imagem do Palácio do Planalto), a quem o
personagem solicita apoio financeiro. A fala do governador anuncia que o
Estado está em crise e a resposta a ele dirigida evidencia que isso não está
sendo compreendido pelo interlocutor. Já o contexto mais amplo envolve a
compreensão acerca da situação econômica gaúcha e, sobretudo, da grega. A
Grécia tem passado por uma grave crise financeira e solicitou empréstimos
aos países da zona do Euro e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Na
situação de produção da charge, Rio Grande do Sul e Grécia são equiparados:
a fala do governador está registrada em traços que lembram a grafia grega e a
resposta do governo afirma estar ele “falando grego” – portanto, seu dizer
não seria compreensível aos falantes de língua portuguesa.
TEORIAS DO TEXTO 93

Há, ainda, segundo Orlandi (2010), outros fatores que fazem parte das
condições de produção do discurso, como a memória discursiva e o
interdiscurso. Passemos a esses conceitos.

Todo discurso é constituído no jogo das chamadas formações


imaginárias: “a imagem que o sujeito faz dele mesmo, a imagem que ele faz
de seu interlocutor, a imagem que ele faz do objeto do discurso”, assim como
a que o interlocutor faz de si mesmo, daquele que lhe fala e sobre o que lhe
fala (ORLANDI, 2010, p. 15). Devido a isso, existe a possibilidade de
antecipação de conteúdo e de argumentação, por exemplo, pois o locutor tem
a capacidade de colocar-se na posição de seu interlocutor e antecipar-lhe
respostas.

A posição da qual o locutor fala também faz parte da prática discursiva


e instaura o que se chama de relações de força. Orlandi (2010, p. 16)
explica que “o lugar social do qual falamos marca o discurso com a força da
locução que este lugar representa.” Portanto, falar ou escrever desde o lugar
de professor ou, ainda, falar ou escrever desde o lugar de governador do
Estado projeta no discurso a força dessas posições.

Considerando os princípios até aqui expostos, pode-se depreender que,


na perspectiva discursiva, o sentido assume posição fundamental. Orlandi
(2007, p. 25) destaca que “a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a
linguagem só faz sentido porque se inscreve na história”. Por isso, também o
conceito de formação ideológica deve ser considerado na análise discursiva.

Pêcheux, em “Análise Automática do Discurso” (1969), caracteriza a


conjuntura ideológica de uma formação social em dado momento como um
conjunto complexo de atitudes e representações de valores atrelado às
relações de força. É nessa direção que se pode falar em formação ideológica
capitalista, socialista etc.

As formações ideológicas têm como um de seus componentes uma ou


várias formações discursivas interligadas. Uma formação discursiva (FD) “se
define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de
uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que
pode e deve ser dito.” (ORLANDI, 2007, p. 43, grifo nosso). Na charge lida,
por exemplo, podemos identificar uma FD federal e outra FD estadual.

A partir disso, compreende-se que as palavras derivam seus sentidos


das formações discursivas em que se inscrevem. Assim, os sentidos são
determinados ideologicamente.

Nessa complexa rede, também intervém a memória, tratada como


interdiscurso: “este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar,
independentemente.” (ORLANDI, 2007, p. 31). Pensada em relação ao
TEORIAS DO TEXTO 94

discurso, a memória é concebida como memória discursiva, isto é, como um


saber discursivo que vai possibilitar o dizer e que retorna na forma de um pré-
construído; o já-dito está na base do dizível e sustenta cada tomada da
palavra.

Por exemplo, na charge citada, as letras com traçado grego utilizadas


na fala do governador do Estado do Rio Grande do Sul convocam a memória
discursiva, que mobiliza saberes que já foram ditos em outros lugares: a crise
financeira da Grécia, os pedidos de empréstimos que o país já fez a outros e a
bancos, o não pagamento (calote) do empréstimo concedido pelo FMI, entre
outros saberes. Nessa perspectiva, a memória atua como interdiscurso, pois
“disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma
situação discursiva dada” (ORLANDI, 2007, p. 31). Essas experiências passadas
geram efeitos de sentido na charge, pois a resposta do Governo Federal ao
governador é também ela constituída pela historicidade: o Estado, se
recebesse apoio monetário, poderia dar um “calote” no Governo Federal,
como fez o país grego com o FMI.

Portanto, a relação que se estabelece com o interdiscurso é


determinante para a constituição da formulação, pois, conforme afirma
Orlandi (2007, p. 33),

[...] só podemos dizer (formular) se nos colocamos na perspectiva do dizível


(interdiscurso, memória). Todo dizer, na realidade, se encontra na confluência
dos dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade (formulação). E é
desse jogo que tiram seus sentidos.

Além desses aspectos, há ainda as posições ideológicas em jogo no


discurso, as quais são materializadas nas FD’s identificadas (FD estadual e FD
federal): o governador atrelado a uma formação ideológica de direita e o
Governo Federal a uma de esquerda, o que determina o modo como formulam
seus dizeres. O próximo capítulo abordará mais detalhadamente essas
relações a partir da noção de sujeito.

Assim, percebe-se que os sentidos não estão nas palavras em si, mas na
sua relação com a exterioridade, com as condições de produção. Dito de
outro modo, o sentido “é determinado pelas posições ideológicas colocadas
em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas”, ou
seja, “em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se
inscrevem.” (ORLANDI, 2007, p. 42-43).
TEORIAS DO TEXTO 95

Recapitulando

Neste capítulo, você conheceu os principais conceitos que alicerçam a


Análise do Discurso de Linha Francesa, tal como vem sendo praticada no
Brasil. Essa perspectiva tem como objeto de estudo o discurso, a partir do
qual investiga os processos discursivos que constroem a significação no texto,
seu objeto de análise. Para tanto, leva em consideração os aspectos da
exterioridade que constituem o dizer. Esses aspectos consistem nas condições
de produção do discurso, que incluem os sujeitos, a situação (os contextos
imediato e amplo), a memória discursiva, o interdiscurso. Esses elementos
auxiliam a delinear as formações discursivas às quais se filiam os dizeres,
permitindo relacioná-las à ideologia que os constitui.

Referências

FERREIRA, Maria Cristina L (Coord.). Glossário de Termos do Discurso.


Porto Alegre: UFRGS – Instituto de Letras, 2013.

INDURSKY, Freda. Da heterogeneidade do discurso à heterogeneidade


do texto e suas implicações no processo de leitura. In: ERNST-PEREIRA, Aracy;
FUNCK, Susana B. (Orgs.). A leitura e a escrita como práticas discursivas.
Pelotas: Educat, 2001.

___. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In:


ORLANDI, Eni P.; LAGAZZI-RODRIGUES (Orgs.). Introdução às Ciências da
Linguagem: discurso e textualidade. 2.ed. Campinas, SP: Pontes Editores,
2010.

___; FERREIRA, Maria Cristina L. (Orgs.). Análise do Discurso no Brasil:


mapeando conceitos, confrontando limites. São Carlos: Clara Luz, 2007.

ORLANDI, Eni P. Discurso e texto: formulação e circulação dos


sentidos. Campinas: Pontes, 2001.

___. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 7 .ed. Campinas,


SP: Pontes, 2007.

___. Análise de discurso. In: ___.; LAGAZZI-RODRIGUES (Orgs.).


Introdução às Ciências da Linguagem: discurso e textualidade. 2.ed.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2010.

___. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas:


Pontes, 2001.
TEORIAS DO TEXTO 96

Atividades

Leia atentamente as três manchetes publicadas em jornais de


circulação nacional acerca de um fato amplamente noticiado no país. Em
seguida, considerando os pressupostos teórico-metodológicos da Análise do
Discurso, responda às questões.

(A) Operário é atropelado e morto por filho de Ivo Pitanguy no Rio

Conexão Jornalismo, 21/08/2015

www.conexaojornalismo.com.br

(B) Homem morre após ser atropelado por carro do filho de Ivo
Pitanguy

Estadão, 21/08/2015

www.estadao.com.br

(C) Filho do cirurgião plástico Ivo Pitanguy está internado em estado


grave no Rio

Globo News, 21/08/2015

g1.globo.com/globo-news

1) A partir da materialidade linguística das três manchetes,


identifique a situação imediata que envolve suas condições de produção.

Considerando que as circunstâncias da situação imediata dizem respeito


a quem, quando e onde do aqui-agora do dizer, identificamos que a manchete
(A) foi publicada pelo Conexão Jornalismo, a (B) pelo Estadão e a (C) pela
Globo News. As três manchetes circularam em ambientes digitais e foram
noticiadas nas páginas dos três veículos no dia seguinte ao acontecimento do
fato (atropelamento) – este ocorrido na noite de 20 de agosto de 2015.
TEORIAS DO TEXTO 97

2) O modo como as manchetes são construídas linguisticamente


fornece pistas para compreender como os discursos por elas veiculados se
textualizam?

Sim. É possível recorrer a pistas de seleção vocabular (palavras


escolhidas) e também de sintaxe (organização das palavras) para compreender
que as três manchetes textualizam-se de modos diferentes, isto é, cada
manchete interpreta o fato de um modo e se posiciona diferentemente diante
dele.

3) Compare as manchetes (A) e (B): as condições de produção


atreladas à situação do contexto mais amplo são as mesmas nessas
manchetes?

Partindo da materialidade linguística, podemos depreender que as


condições de produção atreladas à situação do contexto mais amplo são
diferentes nas manchetes (A) e (B). Em (A), a escolha do vocábulo “operário”
e do sintagma “morto por filho de Ivo Pitanguy” revela que o veículo de
comunicação manifesta uma formação ideológica que valoriza o fato de o
homem falecido ser um trabalhador, em oposição àquele que causou
diretamente o acidente: o filho de um médico (cirurgião plástico) rico e
famoso. Já o veículo que divulgou a manchete (B) optou por um termo menos
comprometido (“homem”) e situou como agente da ação o “carro do filho” e
não diretamente o filho do médico Ivo Pitanguy.

4) Compare, agora, as manchetes (A) e (C): as condições de


produção atreladas à situação do contexto mais amplo são as mesmas
nessas manchetes?

A manchete (A), como visto, dá ênfase ao fato de o homem falecido ser


um operário, um trabalhador, em oposição ao “filho de Ivo Pitanguy”, filho de
um cirurgião plástico rico e famoso. É preciso atentar, ainda, que o rapaz que
ocasionou o acidente não é qualificado ou descrito na manchete: ele é
unicamente “o filho de Ivo Pitanguy”. Já a manchete (C) enfatiza somente o
estado grave de saúde deste rapaz, “o filho do cirurgião plástico”, e
desconsidera totalmente o fato de este homem ter causado o acidente que
levou à morte de um trabalhador. Percebe-se, assim, que as manchetes
inscrevem-se em contextos socioideológicos diferentes.

5) A análise da materialidade linguística e da situação das condições


de produção das manchetes possibilita a identificação das formações
TEORIAS DO TEXTO 98

discursivas que direcionam os dizeres veiculados. Identifique quais são as


formações discursivas em jogo nas três manchetes.

Da construção da manchete (A), é possível recorrer ao interdiscurso e


às formações imaginárias e recuperar que filhos de pessoas famosas e ricas
tendem a ser “filhinhos de papai”. Assim, pode-se delinear a FD(A)-denúncia,
pois ela denuncia essa situação de atropelamentos de trabalhadores por
pessoas famosas embriagadas – fato já ocorrido em outros momentos,
sobretudo no Rio de Janeiro. Na manchete (B), pode-se delinear a FD(B)-
alienação, na medida em que não toma partido nem quanto ao fato de a
vítima ser um operário nem quanto ao fato de ter sido o filho de Pitanguy que
causou o acidente. Já a manchete (C) leva à designação da FD(C)-indiferença,
pois demonstra unicamente preocupação com o filho do médico e sequer
considera a morte do operário.

9. Sujeito e discurso
Carolina Knack17

Introdução

Este capítulo aborda as relações entre sujeito e discurso sob o ponto de


vista da Análise do Discurso de Linha Francesa (AD) - tal como instituída no
Brasil -, perspectiva de estudo da linguagem apresentada no capítulo anterior.

9.1 A inclusão do sujeito na cena da linguagem

Michel Pêcheux, ao refletir sobre a língua, a ideologia e o discurso,


buscou afastar-se das concepções predominantes em sua época, cunhadas sob
a égide do movimento estruturalista na França. Nos anos de 1950 e 1960, o
paradigma estruturalista apresentou uma constante: a exclusão do sujeito.
Segundo explica Ferreira (2010, p. 18-19), o sujeito era visto como “o
elemento suscetível de perturbar a análise do objeto científico, que deveria
corresponder a uma língua objetivada, padronizada.”

17
Doutoranda em Estudos da Linguagem com ênfase em Teorias do Texto e do
Discurso pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).
TEORIAS DO TEXTO 99

Ainda que imerso nesse contexto, Pêcheux procurou repensar alguns


conceitos-chave, como o de estrutura, e o que antes não cabia no sistema
passou a ser constitutivo dele: o sujeito.

9.1.1 O sujeito no constructo da Análise do Discurso

Como vimos no capítulo anterior, sob o ponto de vista da AD, os


sentidos constroem-se, no discurso, a partir da relação que este estabelece
com a exterioridade, ou seja, com suas condições de produção. Dentre os
elementos que integram tais condições, estão, por exemplo, a situação
(contextos imediato e amplo) do discurso, o sujeito e a memória discursiva.
Neste item, aprofundaremos a reflexão acerca da categoria sujeito na
perspectiva discursiva.

Como bem salienta Ferreira (2010), não é possível entrar na “morada


do sujeito” sem ser pela “porta da linguagem”. Aos fios da linguagem é
preciso entrelaçar os fios da ideologia e, ainda, os fios do inconsciente – uma
vez que a AD constitui-se na confluência da Linguística, do Marxismo e da
Psicanálise. Assim, também a concepção de sujeito é afetada por essas três
ordens.

Fonte: Ferreira (2010, p.24)

A autora assim configura o lugar do sujeito, explicando que o “o lugar


do assujeitamento, representado pela ideologia, e o lugar do desejo,
representado pelo inconsciente, se encontram e se constituem na linguagem.”
(FERREIRA, 2007, p. 105, grifos da autora).

Logo, o sujeito da AD é um sujeito historicamente determinado,


interpelado pela ideologia, o que rege o seu dizer. Isso porque “a interpelação
do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela identificação do sujeito
com a formação discursiva que o domina.” (ORLANDI, 2010, p. 19). Para
TEORIAS DO TEXTO 100

ilustrar esse processo de identificação com uma formação discursiva (FD),


vamos observar a charge abaixo, publicada pelo cartunista Simanca, em 16 de
junho de 2013.18

Na charge, vemos um personagem solitário convocar os demais


integrantes da passeata para “protestar contra os corruptos”, dizer que revela
sua identificação com uma certa formação discursiva (FD). No capítulo
anterior, vimos que a FD se caracteriza como a manifestação, no discurso,
de uma formação ideológica (FI), regulando o que pode/deve ser dito e o que
não pode/deve ser dito. Considerando o dizer do personagem, podemos
delinear uma FD-engajada, já que ele pede pelo fim de um mal que assola a
sociedade, seja no campo político seja nas ações cotidianas do povo.

O grupo, ao invés de acompanhar o personagem, toma outra direção,


identificando-se, portanto, com outra FD, já que os integrantes anunciam que
irão assistir à novela e atualizar o facebook. Essas diferentes falas do grupo
permitem delinear uma FD-alienada, pois os integrantes “protestam” sem,
aparentemente, dar-se conta do motivo que fundamentaria suas
manifestações.

Essa breve análise demostra que o sujeito formula seu dizer a partir de
suas identificações ou contraidentificações ideológicas, isto é, no seio de
determinadas formações ideológicas, que se materializam nas FDs,
determinadas pelas posições ideológicas colocadas em jogo. O sujeito, nesse
jogo, ocupa determinada posição, designada posição-sujeito.

Retomando a charge, vemos que a posição-sujeito do personagem


solitário remete àquela que evocaria o motivo justo que unificaria a
manifestação: a luta contra a corrupção. Já a posição-sujeito do grupo de
manifestantes, que sustenta a faixa da luta pelo passe-livre, remete àquela

18
Disponível em: < http://oferrao.atarde.uol.com.br/?m=201306&paged=2>. Acesso em: 15 ago. 2015.
TEORIAS DO TEXTO 101

que utilizou o aumento das passagens de ônibus como pretexto para ir às ruas,
sem uma unidade de reivindicação, ou que apenas “entrou na onda” das
manifestações.

Além das falas dos personagens, é preciso considerar, ainda, a


formação discursiva daquele que produz a charge. Ao mobilizar em seu dizer,
pelo menos, duas formações discursivas, o cartunista evoca outros discursos
ocorridos à época: aqueles em que se criticava a manifestação, dizendo que
não apresentava unidade, que era composta por “baderneiros” etc. Assim,
também o cartunista expressa a sua posição-sujeito: a de quem observa, com
criticidade, as manifestações ocorridas e usa o espaço que lhe é concedido
para levar a sociedade também a refletir.

Vemos que, para formular seu dizer, o cartunista imerge no


interdiscurso. Como estudado, o interdiscurso representa a memória
discursiva e reúne todos os já-ditos, todas as formulações já feitas e
esquecidas (esquecimento ideológico, pertencente à instância do
inconsciente), do qual resulta a ilusão do sujeito considerar-se origem do seu
dizer.

Segundo Indursky (2010, p. 69), essa é a condição necessária para o


sujeito da análise do discurso poder dizer, para poder produzir seu texto. Nas
palavras da autora,

[...] pode-se pensar o texto como um espaço discursivo, não fechado em si


mesmo, pois ele estabelece relações não só com o contexto, mas também com
outros textos e com outros discursos, o que nos permite afirmar que o
fechamento de um texto, considerado nessa perspectiva teórica, é a um só
tempo simbólico e indispensável. (INDURSKY, 2010, p. 69, grifos da autora).

O texto, dessa forma, representa o intradiscurso, na medida em que


materializa uma voz do interdiscurso. Nessa direção, Orlandi (2010, p. 23)
explica que se pode dizer que o discurso está para o texto assim como o
sujeito está para o autor. Essas relações, segunda ela, “têm a ver com a
ligação entre unidade e dispersão. De um lado, a dispersão do discurso e do
sujeito, de outro, a unidade imaginária do texto e do autor.”

Assim, se no discurso há sujeito, no texto há autor, concebido como


“representação de unidade” e delimitado como “uma função específica do
sujeito” (ORLANDI, 2007, p. 73, grifo nosso).

Portanto, para a AD não interessa o autor empírico, mas sim a função-


autor, que se responsabiliza por costurar os recortes do interdiscurso e
TEORIAS DO TEXTO 102

produzir um efeito-texto – um texto com ilusão de início, meio e fim,


homogêneo e acabado.

Cabe ressaltar, porém, que tal homogeneidade trata-se de uma ilusão,


já que “todo texto é heterogêneo do ponto de vista de sua constituição
discursiva: ele é atravessado por diferentes formações discursivas, ele é
afetado por diferentes posições de sujeito, em sua relação desigual,
contraditória com os sentidos, com o político, com a ideologia.” (ORLANDI,
2001, p. 94).

A interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se efetua pela


identificação do sujeito com a formação discursiva que o domina. Segundo Michel
Pêcheux, essa identificação, fundadora da unidade imaginária do sujeito, apoia-
se no fato de que os elementos do interdiscurso que constituem, no discurso do
sujeito, os traços daquilo que o determina, são re-inscritos no discurso do próprio
sujeito. (ORLANDI, 2010, p. 19).

Da mesma forma, quando um texto é lido, ele é lido por um sujeito


também localizado num tempo e num espaço socioideologicamente definido.
E é essa relação de posições histórica, ideológica e socialmente determinadas
que constitui a produção dos sentidos – tanto do processo de escrita quanto do
de leitura.

Portanto, podemos depreender que o sujeito da AD não é o sujeito


empírico, mas um constructo teórico, um sujeito discursivo, determinado
ideologicamente, que ocupa uma certa posição no discurso. Esse sujeito
participa, como vimos, ativamente do processo de construção dos sentidos e
“está ancorado no discurso, em uma formação discursiva, em um sentido,
produzindo este texto e não outro texto qualquer, realizando o imaginário
discursivo da unidade [...].” (ORLANDI, 2001, p. 92).

Recapitulando

Neste capítulo, estudamos a noção de sujeito em sua relação com o


discurso, sob o ponto de vista da Análise do Discurso de Linha Francesa. Nessa
perspectiva, o sujeito é discursivo, constituído pela relação entre linguagem e
história. Ele assume o que se denomina de posição-sujeito, a partir dos
lugares que ocupa na estrutura de uma formação social dada, ou seja, a partir
das relações que estabelece com determinadas formações discursivas e
ideológicas.
TEORIAS DO TEXTO 103

Referências

CAZARIN, Ana Ercília. Posição-sujeito: um espaço enunciativo


heterogêneo. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina L. (Orgs.).
Análise do Discurso no Brasil: mapeando conceitos, confrontando limites. São
Carlos: Clara Luz, 2007.

FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Análise do Discurso e suas interfaces:


o lugar do sujeito na trama do discurso. Organon. Revista do Instituto de
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do sul. vol.24.n.48, Porto
Alegre: UFRGS, 2010.

___. A trama enfática do sujeito. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria


Cristina L. (Orgs.). Análise do Discurso no Brasil: mapeando conceitos,
confrontando limites. São Carlos: Clara Luz, 2007.

INDURSKY, Freda. Estudos da linguagem: língua e ensino. Organon.


Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do sul.
vol.24.n.48, Porto Alegre: UFRGS, 2010.

___. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In:


ORLANDI, Eni P.; LAGAZZI-RODRIGUES (Orgs.). Introdução às Ciências da
Linguagem: discurso e textualidade. 2.ed. Campinas, SP: Pontes Editores,
2010.

ORLANDI, Eni P. O sujeito discursivo contemporâneo: um exemplo. In:


INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina L. (Orgs.). Análise do Discurso no
Brasil: mapeando conceitos, confrontando limites. São Carlos: Clara Luz,
2007.

___. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas:


Pontes, 2001.

____. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP:


Pontes, 2007.
___. Análise de discurso. In: ___.; LAGAZZI-RODRIGUES (Orgs.).
Introdução às Ciências da Linguagem: discurso e textualidade. 2.ed.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2010.

Atividades

1) Considerando os pressupostos da Análise do Discurso (AD), explique a


concepção de sujeito para essa vertente dos estudos da linguagem.
TEORIAS DO TEXTO 104

Para a AD, a concepção de sujeito está atrelada às relações entre linguagem e


história. Não se trata de um sujeito físico, empírico, mas de uma posição-
sujeito projetada no discurso: é um sujeito discursivo.

2) Como se dá a interpelação do indivíduo em sujeito?

A interpelação do indivíduo em sujeito se realiza a partir do complexo das


formações ideológicas (conjunto de representações de valores) que se
materializa em uma ou mais formações discursivas. Ou seja, se dá pela
ideologia, que leva à identificação do sujeito com a formação discursiva que o
domina, de modo que ele se submete também à língua “significando e
significando-se pelo simbólico na história.”

3) Quanto às relações entre sujeito e discurso e autor e texto, assinale a


única alternativa correta:

a) Sujeito e autor possuem a mesma definição sob o ponto de vista da AD: ser
no mundo (ser empírico) que produz um texto oral ou escrito.

b) Sob o ponto de vista da AD, se o texto não possui um autor específico, cujo
nome esteja explicitamente indicado, não é possível imputar uma autoria a
ele.

c) O sujeito não faz parte das condições de produção do discurso, apenas o


autor do texto integra tais condições.

d) A categoria autor é uma função discursiva específica do sujeito, por isso à


AD importa a função-autor, a qual é responsável por estabelecer um texto.

e) Autor e sujeito são termos que se equivalem no constructo teórico da AD.

Resposta correta: D

As questões 4 e 5 têm como base a história em quadrinhos abaixo.


TEORIAS DO TEXTO 105

4) Considerando as formulações da menina Mafalda e de sua mãe, no


primeiro e no segundo quadrinhos, identifique as formações discursivas
subjacentes aos dizeres de ambas as personagens.

A fala de Mafalda no primeiro quadrinho representa um dizer próprio às


crianças, que interpelam os pais para lhes fazer perguntas – algumas muito
inusitadas, como esta de Mafalda – sobre diferentes situações. A mãe, por sua
vez, no segundo quadrinho, cumpre o papel que grande parte da sociedade
lhe incumbe, apresentando à menina uma resposta repleta de positividade e
esperança. Pode-se dizer que temos duas FD’s bem demilitadas: FD-filhos, em
que se inscreve a fala de Mafalda, e FD-pais, em que se inscreve a fala de sua
mãe.

5) Observe a fala da menina Mafalda explicitada no último quadrinho: que


posição-sujeito ela ocupa na formação discursiva identificada?

No interior da FD-filhos, é possível que existam diferentes posições-sujeito.


Alguns filhos aceitam mais passivamente o que dizem seus pais; outros são mais
questionadores. A fala de Mafalda evidencia a criticidade com que a menina observa o
mundo. Decorre dessa sua percepção crítica a interpretação de que a mãe estaria sendo
irônica – ora, o que a mãe diz não parece concordar com o que a menina observa em sua
volta. Por isso, Mafalda

10 Texto, discurso e ensino de Língua Portuguesa

Débora Facin19

10.1 Introdução

Este capítulo é dedicado ao ensino de Língua Portuguesa a partir do


trabalho com o texto e o discurso. Desde a época da publicação do Curso de
Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, em 1916, há uma preocupação
em mostrar ao linguista o que ele faz. No espaço educacional, por mais que
sejam vastas as pesquisas sobre a importância de contextualizar o ensino de

19
Doutoranda em Letras pela Universidade de Passo Fundo; Mestre em Letras pela
Universidade de Passo Fundo; bolsista Capes; facindebora@gmail.com
TEORIAS DO TEXTO 106

língua, parece haver, ainda, uma insistência em abreviar o ensino a métodos


que privilegiam apenas a forma e não o sentido da linguagem.

É mediante este enfoque que pretendemos discutir algumas concepções


do ensino de língua portuguesa, contemplando a noção de gênero enquanto
manifestação textual e discursiva do funcionamento da linguagem.

10.2 A língua em funcionamento: estudo dos gêneros

Toda atividade humana está relacionada de alguma forma ao uso da


linguagem. É o que já dizia Mikhail Bakhtin (2010). O autor também reiterava
que o homem se comunica por meio de gêneros. Isso porque “o emprego da
língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e
únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade
humana.” (BAKHTIN, 2010, p. 261). Esses enunciados, por sua vez, definem-se
de acordo com os propósitos de determinado campo, pelo tema abordado e
estilo de linguagem e, também, pela sua construção composicional.

Vejamos que a contribuição de Bakhtin (2010) é imprescindível e


bastante elucidativa no que se refere às possibilidades de se trabalhar com o
gênero. Isso porque as propriedades que o definem viabilizam ao professor e
ao linguista olhar para o enunciado a partir do funcionamento da língua.

Embora saibamos que a ideia de gênero inscreve-se há tempos no


universo escolar, e os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais contemplam
essa postura, na prática o trabalho parece não ser tão simples. Por quê?
Porque os gêneros constituem manifestações individuais da linguagem
(validadas socialmente) e sua composição abrange desde a escolha lexical do
enunciador até a configuração histórica em que o gênero se inscreve. Como o
gênero carrega propriedades enunciativas, logo, a metodologia de trabalho do
professor também o será.

LEMBRE-SE

Cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização


da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais
denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2010, p. 262).

Assim, a inserção do gênero como proposta para o ensino de língua


portuguesa exige do professor conhecimento tanto da semiologia quanto da
semântica da língua. Aqui lembramos, novamente, dos dois representantes da
linguística moderna: Ferdinand de Saussure e Émile Benveniste. O que ambos
TEORIAS DO TEXTO 107

tinham em comum e que merece ser ressaltado é: o discurso do método.


“Saussure forneceu os princípios, os temas, o método; Benveniste aplicou-o
em suas análises concretas que transformaram (ou simplesmente
enriqueceram) de modo radical as descrições comparatistas: Benveniste é o
mais saussuriano dos linguistas, ele permitiu, a partir de Saussure, o
estabelecimento de uma Linguística da significação...” (NORMAND, 2009, p.
197).

De um lado, os princípios e o método; de outro, o homem na língua. É


importante considerar a herança de Saussure e Benveniste no ensino de
língua, porque pensar a tríade “texto, discurso e ensino de Língua
Portuguesa” implica, sobretudo, organizar procedimentos metodológicos que,
de fato, desenvolvam a competência comunicativa dos alunos. Quando
inserimos o gênero na escola, filiando-se às perspectivas enunciativas,
especialmente a de Bakhtin (2010), é preciso reconhecer desde as coerções
linguísticas que o definem até o conteúdo ideológico que veiculam nos
enunciados.

O gênero somente ganha sentido quando se percebe a correlação entre formas e


atividades. Assim, ele não é um conjunto de propriedades formais isolado de uma
esfera de ação, que se realiza em determinadas coordenadas espaço-temporais,
na qual os parceiros da comunicação mantêm certo tipo de relação. Os gêneros
são meios de aprender a realidade. Novos modos de ver e de conceptualizar a
realidade que implicam o aparecimento de novos gêneros e a alteração dos já
existentes. (FIORIN, 2008, p. 69).

Da mesma forma que a língua, o gênero também sofre mudanças


externas. Alguns cedem lugar a outros de acordo com a necessidade de
comunicação humana. Assim como a língua, o gênero também é uma
convenção social. Um indivíduo não é capaz de criar um gênero; é preciso que
este circule e seja aceito socialmente. Como o gênero sobrevive na
coletividade, apenas o conhecimento linguístico não garante a interação. “A
falta de domínio do gênero é a falta de vivência de determinadas atividades
de certa esfera. Fala-se e escreve-se sempre por gêneros e, portanto,
aprender a falar e a escrever é, antes de mais nada, aprender gêneros.”
(FIORIN, 2008, p. 69).

Os gêneros não fazem parte apenas da língua escrita; eles


compreendem toda e qualquer manifestação de linguagem. Portanto, a
diversidade dos gêneros é infinita. É impossível – e também irrelevante –
contabilizar quantos gêneros veiculam na sociedade. O advento das
tecnologias de informação, por exemplo, ocasionou o aparecimento de novos
TEORIAS DO TEXTO 108

enunciados, novas formas de linguagem que se multiplicam no ambiente


virtual.

Bakhtin (2010, p. 263) assinala uma diferença entre gêneros discursivos


primários (simples) e secundários (complexos):

Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas


científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas
condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito
desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, científico,
sociopolítico, etc. No processo de sua formação, eles incorporam e reelaboram
diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da
comunicação discursiva imediata.

São exemplos de gêneros simples: o bate-papo, a conversa telefônica, o


chat, a receita, o e-mail, etc. Há, portanto, uma interdependência entre os
gêneros. Num romance, encontramos vários gêneros simples; no entanto, o
que impera não é uma reunião em família, mas o romance em sua
complexidade de constituição.

Segundo Bakhtin (2010), aprendemos a adequar nossa fala às formas do


gênero. Por exemplo, uma pesquisa científica sobre tabagismo divulgada em
jornal e revista acadêmica. Podemos tratar da mesma investigação,
apresentar os mesmos resultados; no entanto, o processo de sintagmatização,
a escolha lexical, a extensão do texto e, sobretudo, o estilo não são os
mesmos. Isso porque as coerções que definem um artigo publicado em jornal
são diferentes do estilo acadêmico; além disso, o suporte também define as
propriedades de cada gênero.

A internet, sobretudo as redes sociais, é lugar perfeito para a criação e


circulação de novos gêneros. É nesse ambiente que observamos com
frequência a competência metagenérica (KOCH; ELIAS, 2011) de sujeitos que
usam da linguagem para produzir novos gêneros e, consequentemente, efeitos
de sentido diversos.

Vejamos um exemplo que circulou em redes sociais – Facebook.


TEORIAS DO TEXTO 109

Como aprendemos a moldar nossa fala às diversas situações de


comunicação, aprendemos também a identificar marcas nos enunciados que
remetem a outros textos. No caso acima, temos a fotografia que recupera um
gênero anterior – a canção infantil “Atirei o pau no gato”. É interessante
como esse processo de retextualização genérica adquire sentidos inusitados,
especialmente no que se refere ao ambiente virtual. Os sujeitos tendem a
compartilhar esses textos sempre num contexto enunciativo; em se tratando
de rede social, o enunciador que toma esse discurso para si (já que
compartilha em sua linha do tempo) pode designar a Dona Chica a diferentes
interlocutores.

LEMBRE-SE

Como todo texto é materializado em algum gênero, a comunicação se


dá apenas mediante algum gênero.

É por meio da língua que o sujeito consegue predicar algo, ou seja,


falar é sempre “falar de”, a referência sempre se consolida por meio de uma
forma, de uma estrutura, de um estilo definido, propriedades estas
constitutivas do gênero.
TEORIAS DO TEXTO 110

O tema compreende tudo o que compõe o enunciado levando em conta


a história, o contexto social, a cultura e as formas linguísticas. O estilo diz
respeito às particularidades da língua, por exemplo, o caráter normativo de
um relatório de pesquisa, os longos períodos subordinados próprios da
literatura de Saramago, os neologismos de Guimarães Rosa, entre outros.
Onde há estilo há gênero (BAKHTIN, 2010). Estilo é outra propriedade
constitutiva do gênero – a mais importante e, talvez, a menos explorada em
termos de ensino.

O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de


especial importância – de determinadas unidades composicionais: de
determinados tipos de construção do conjunto, de tipos do seu acabamento, de
tipos da relação do falante com outros participantes da comunicação discursiva –
com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro, etc. (BAKHTIN,
2010, p. 266).

A composição define-se pela estrutura e organização do enunciado pelo


falante. Uma palestra, por exemplo, no meio acadêmico requer uma estrutura
própria e dispõe de um tempo delimitado.

Nesse particular, Marcuschi (2008) defende que os gêneros exercem


certo controle social e também o exercício de poder. Isso porque eles
constituem “nossa forma de inserção, ação e controle social no dia-a-dia”
(MARCUSCHI, 2008, p. 161).

Talvez seja possível defender que boa parte de nossas atividades discursivas
servem para atividades de controle social e cognitivo. Quando queremos exercer
qualquer tipo de poder ou de influência, recorremos ao discurso. Ninguém fala só
para exercitar as próprias cordas vocais ou os tímpanos alheios. Na realidade, o
meio em que o ser humano vive e no qual se acha imerso é muito maior que seu
ambiente físico e contorno imediato, já que está envolto também por sua
história e pela sociedade que (o) criou e pelos seus discursos (MARCUSCHI, 2008,
p. 162-163).

A cultura de uma sociedade constrói-se por meio da linguagem e, nesse


processo, inserem-se os gêneros diversos para organizar a comunicação. Nesse
particular, “é central a ideia de que a língua é uma atividade sociointerativa
de caráter cognitivo, sistemática e instauradora de ordens diversas na
sociedade. O funcionamento de uma língua no dia-a-dia é, mais do que tudo,
um processo de integração social.” (MARCUSCHI, 2008, p. 163). Esse processo
de integração social materializa-se em gêneros.
TEORIAS DO TEXTO 111

SAIBA MAIS

Para finalizar esta seção, trazemos o conceito de gênero, definido por


Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 250, grifos dos autores), a partir de três
perspectivas: da enunciação, do texto e da comunicação.

Um ponto de vista enunciativo, iniciado por Benveniste (1966) que,


apoiando-se no “aparelho formal da enunciação” propôs uma oposição entre
discurso e história – frequentemente reformulada em discurso vs narrativa.
No prolongamento desse ponto de vista, desenvolveram-se análises que
tentam descrever os gêneros considerando as características formais dos
textos e reunindo as marcas mais recorrentes.

Um ponto de vista textual, mais voltado para a organização dos textos,


que procura definir a regularidade composicional desses textos, propondo, por
exemplo, como o fez Adam, um nível intermediário entre a frase e o texto
chamado sequencial que tem um valor prototípico de narrativa, descrição,
argumentação etc.

Um pouco de vista comunicacional, que confere a esse termo um


sentido amplo, ainda que com orientações diferentes. Para Bakhtin, por
exemplo, os gêneros dependem da “natureza comunicacional” da troca
verbal, o que lhe permite distinguir duas grandes categorias de base: os
gêneros primários e os secundários.

10.3 O ensino de Língua Portuguesa a partir dos gêneros

A linguagem, sob a perspectiva enunciativa, corresponde a um processo


único, sempre atualizado pelo tempo; sob o viés da enunciação, todo ato
comunicativo é singular, dotado de subjetividade. O gênero, sob o ponto de
vista comunicacional, traz em sua gênese a propriedade interativa, ou seja, a
troca verbal que implica sempre o contato do “eu” com o “outro”.

Se a língua compreende, por excelência, o sistema interpretante das


coisas presentes no mundo, o ensino de leitura e escrita mediante os gêneros
passa (ou deveria passar) pelo binômio língua-sociedade.

Em que consiste o ensino de Língua Portuguesa? Ensinar língua é


ensinar a ler. Saber ler é construir sentidos.

NÃO ESQUEÇA
TEORIAS DO TEXTO 112

A concepção simplista de que basta saber gramática para falar, ler e


escrever bem funda-se na esteira de que a gramática equivale à língua. Com
efeito, a concentração dos programas em questões puramente gramaticais e o
afã dos pais junto às escolas para que essas deem aulas de gramática, passem
tarefas de gramática – mesmo que pareçam irrelevantes – somente se
justificam pela crença de que o conhecimento da gramática basta. Basta para
assegurar o sucesso na elaboração de textos escritos e falados, em situações
da interação pública e conforme as regras da linguagem formal e do dialeto
de prestígio. “Um conhecedor de gramática é, sem dúvida, bom leitor e bom
produtor de textos?”

Na verdade, a gramática é insuficiente, pois a interação verbal requer


ainda:

- o conhecimento do real ou do mundo;

- o conhecimento das normas de textualização;

- o conhecimento das normas sociais de uso da língua. (ANTUNES, 2007,


p. 54-55).

Como dito anteriormente, todo gênero apresenta em sua composição


marcas de seu contexto histórico. No ensino de língua, jamais podemos
ignorar a história em que eles se inscrevem.

De acordo com Bazerman (2011, p. 23), os gêneros compreendem


“frames para a ação social”. Isso porque eles “moldam os pensamentos que
formamos e as comunicações através das quais interagimos”. Na escola, eles
se tornam meios para identificar a vivência dos alunos e, sobretudo, para
auxiliá-los a explorar novos “territórios discursivos”.

No ensino de língua portuguesa através de gêneros, considera-se a


linguagem como sistema “intersubjetivo” e seu caráter, ao mesmo tempo,
individual e social (MOTTA-ROTH, 2011). Lembramos que ensinar gêneros não
significa oferecer ao aluno uma quantidade demasiada de textos visando
apenas resultados quantitativos; a produtividade do processo de ensino-
aprendizagem reside em auxiliar o aluno quanto ao funcionamento, às
práticas linguageiras, aos discursos que ecoam, às ideologias manifestadas de
acordo com as especificidades de cada gênero.

Nesse sentido, podemos pensar o gênero como um ritual, um contrato,


para lembrar Maingueneau (1997, p. 34); que varia conforme o lugar e a
época e é definido por um conjunto de coerções. Estas correspondem a um
conjunto de propriedades que definem a maneira de dizer. É esse modo de
dizer que legitima o discurso em determinada instância (MAINGUENEAU,
1997).
TEORIAS DO TEXTO 113

As aulas de Língua Portuguesa, portanto, não devem se limitar à leitura


de gêneros como pretexto para se trabalhar regras gramaticais ou para
discutir algum tema específico apresentado no texto. Se o papel do professor
de língua é ensinar o aluno a ler e a escrever, é necessário que sua proposta
possibilite ao aluno uma atividade de caráter enunciativo, reconhecendo a
presença de um sujeito que se comunica com e sobre o mundo via linguagem.
Isso porque a linguagem denota “diversas capacidades da parte do sujeito:
adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidades de
ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e dominar as
operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-
discursivas)” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2010, p. 63).

10.4 Recapitulando

Neste capítulo, procuramos refletir a relação entre texto, discurso e


ensino de Língua Portuguesa a partir da concepção de gênero. Vimos, com
base em Bakhtin (2010), que os gêneros correspondem a situações concretas
de comunicação, por isso carregam propriedades enunciativas. Todo texto se
organiza por meio de um gênero, que, por sua vez, pode apresentar discursos
oriundos de posicionamentos diversos.

Trabalhar com gênero significa reconhecer desde os mecanismos de


linguagem (escolha lexical, estilo, etc.) até o entorno sociocultural que o
configura. Por isso, a pertinência de ensinar língua portuguesa através de
gêneros não está em identificar somente aspectos formais, mas concebê-lo
como um lugar de interação entre linguagem e mundo.

Referências

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de língua sem


pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007.

BAKHTIN, Mikhail (1979). Os gêneros do discurso. In: ______. Estética da


criação verbal. 5. ed. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes,
2010.

BAZERMAN, C. Gênero, agência e escrita. 2. ed. Tradução Judith Chambliss


Hoffnagel. In: DIONISIO. A. P.; HOFFNAGEL, J. C. (Orgs.). Gênero, agência e
escrita. São Paulo: Cortez, 2011.
TEORIAS DO TEXTO 114

CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do


discurso. 2. ed. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo:
Contexto, 2008.

FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática,


2008.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos


do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. 3. ed.


Tradução Freda Indursky. Campinas: Pontes, Ed. da Unicamp, 1997.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e


compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MOTTA-ROTH, D. Questões de metodologia em análise de gêneros. In:


KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais:
reflexões e ensino. 4. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2011, p. 153-173.

NORMAND, Claudine. Convite à linguística. Organização de textos e de


tradução Valdir do Nascimento Flores e Leci Borges Barbisan. São Paulo:
Contexto, 2009.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares – das práticas de


linguagem aos objetos de ensino. In: ______. Gêneros orais e escritos na
escola. 2. ed. Campinas: Mercado de Letras, 2010, p. 61-78.

Atividades

1) A concepção bakhtiniana de gêneros leva em consideração:


a) o aspecto cognitivo.
b) a interação verbal.
c) o estruturalismo da língua.
d) as relações sintagmáticas da frase.
e) o preciosismo linguístico.

2) A produtividade do ensino de língua portuguesa a partir dos gêneros se


deve principalmente:
TEORIAS DO TEXTO 115

a) ao fato de se privilegiar a norma culta da língua.


b) à possibilidade de se discutir assuntos da atualidade.
c) ao fato de se estar em contato com manifestações concretas de
linguagem.
d) à importância de estudar a gramática tradicional.
e) à necessidade de estar em contato apenas com o código escrito.

3) Bakhtin (2010) distingue os gêneros em primários e secundários. Associe


(1) para primário e (2) para secundário.

( ) conversa telefônica

( ) poesia lírica

( ) artigo científico

( ) bilhete

( ) receita médica

( ) ensaio filosófico

4) Analise a tira a seguir para responder a esta questão:

Considerando a noção de gênero, explique como o sentido se constrói a


partir do uso da linguagem e da realidade social.

5) Assinale a alternativa correta no que diz respeito às propriedades do


gênero.
TEORIAS DO TEXTO 116

a) O gênero caracteriza-se como sequências linguísticas, e não como


textos materializados.
b) Os gêneros são tipos de enunciados absolutamente estáveis.
c) Conteúdo temático, estilo e organização composicional são elementos
constitutivos do gênero.
d) O gênero estabelece interconexão entre a gramática e os textos
literários.
e) Apenas os gêneros informais estão ligados à atividade humana.

Gabarito

1) B
2) C
3) 1–2–2–1–1–2
4) Importante observar que a tira se constrói a partir de dois universos
discursivos: da ficção e da realidade. Como o gênero reflete a realidade
dos indivíduos, no contexto da tira, “salada de brócolis e jiló” são
ressignificados no contexto dos mais temidos monstros, deixando de
fazer parte do discurso comum. Essa ressignificação só é possível
porque culturalmente as crianças não apreciam esse tipo de alimento.
5) C

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