Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
”
Um estudo sobre o ensino da análise lingüística
RESUMO
1 – Um breve histórico
1
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. matiasanjos@yahoo.com.br
2
Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação – UFPE. fashionbroto@bol.com.br
3
Profa. Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação –
UFPE. lsuassuna@ariano.nlink.com.br
eficaz. É justamente essa gramática que o ensino tradicional do Português tem
como seu objeto de estudo privilegiado, já que gira em torno de uma prática
corretiva, a qual tem desdobramentos sobre os conhecimentos lingüísticos e
extralingüísticos prévios dos alunos, elaborando-os, precisando-os ou
substituindo-os, conforme for a distância entre eles e o que se deseja transmitir
(id., ibid.).
Os dados de Pfromm (1974) também indicam que a gramática normativa
ou disciplina gramatical surgiu como forma de atender aos objetivos de formar e
construir uma unidade lingüística em um espaço político-geográfico e como
forma de “salvar” o idioma pátrio e de preservar o patrimônio cultural. A
gramática normativa era vista como o estudo da língua como um todo e o ensino
tradicional do português centrava-se na sua transmissão e nas práticas de
correção, ou seja, a gramática ditava as regras as quais todos falantes deviam
ter como “certas”.
Em meados do século XX, os alunos que freqüentavam as escolas
brasileiras pertenciam às camadas privilegiadas da sociedade (as únicas que
tinham acesso assegurado à escolarização) e já chegavam com um razoável
domínio do dialeto de prestígio (a chamada norma culta). Ensinar, nessa
perspectiva, estava diretamente relacionado a reconhecer as normas e regras
de funcionamento dessa variedade lingüística (Batista, 1991).
Segundo Soares (1998), na década de 60 o país vivenciava um regime
ditatorial e buscava o desenvolvimento do capitalismo mediante a expansão
industrial. Surgiu a necessidade de ampliar o acesso à escola como um meio de
garantir o fornecimento de recursos humanos para a expansão desejada e, a
partir daí, chegou às escolas um novo público: as camadas populares. Junto
com elas, vieram variedades lingüísticas bastante diferentes daquelas com as
quais a escola estava acostumada.
As propostas curriculares foram modificadas e passou-se a introduzir a
qualificação para o trabalho como objetivo de ensino de 1º e 2º graus (hoje,
Ensino Fundamental e Médio). Soares (1998) ainda afirma que a concepção de
linguagem também foi alterada, uma vez que a antiga concepção estruturalista
servia bem aos alunos oriundos de camadas privilegiadas, mas não à camada
pobre que agora integrava a escola.
2
Esse quadro perdurou durante as décadas de 60 e 70, e seguiu sem
mudanças até a metade da década de 80, quando, mais uma vez, por questões
de natureza sociopolítica, começou a sofrer alterações que findaram por
redimensionar a perspectiva descrita: foi o momento da elaboração de uma nova
concepção. O modelo de língua como instrumento de comunicação não
encontrava mais apoio no contexto político, ideológico e científico. Novas teorias
advindas das áreas das ciências lingüísticas (entre elas Lingüística,
Sociolingüística, Psicolingüística, Pragmática, Análise do Discurso, etc.)
chegaram às escolas, adaptadas e aplicadas ao ensino da língua materna,
reestruturando o ensino da língua (Soares, 1998). Esta passou a ser entendida
“como uma forma de interação humana, produzida e atuante sobre um fundo de
discurso e não de silêncio”; utilizar a língua “é bem mais do que representar o
mundo: é construir sobre o mundo uma representação, é agir sobre o outro e
sobre o mundo, constituindo-se o sujeito do discurso como o lugar de uma
constante dispersão e aglutinação de vozes” (Mortatti, 1999, p. 30).
Reconheceu-se o fato de que a língua é fruto de um processo histórico e
sociocultural; está em constante mudança e varia de acordo com as
necessidades sociais de uma determinada época. Como aponta Murrie (1994), a
idéia de homogeneidade da língua portuguesa foi desmontada. Nessa
perspectiva, a norma culta não podia ser mais entendida como manifestação
única da língua, mas como uma de suas variedades. Segundo Rangel (2001), o
ensino do Português não mais podia ignorar as marcas sociais e os mecanismos
cognitivos envolvidos no processo de aquisição e desenvolvimento da
linguagem.
Essa nova concepção de língua e linguagem passou a incluir as relações
da língua com aqueles que a utilizam, com o contexto em que é utilizada, com
as condições sociais e históricas dessa utilização. A aprendizagem, nessa
perspectiva, deve ser mediada pela interação com o outro.
3
as condições reais de desenvolver seu potencial crítico-reflexivo e de adquirir
novas formas de expressão e interação com seu interlocutor.
4
2 – O ensino atual da gramática
Ano após ano, as escolas têm procurado mostrar aos alunos a forma
“correta” de se falar e escrever através de regras e exemplos repetitivos, tidos
como bons para serem imitados. Há uma preocupação muito grande em fazer
com que o usuário memorize as regras para, só depois, aplicá-las numa
situação de produção e interpretação de textos. Como mostra Travaglia (1999),
a maior parte do tempo das aulas é gasta no aprendizado e na utilização da
metalinguagem; por repetidos anos, insiste-se na repetição dos mesmos tópicos
gramaticais, desconsiderando-se as dificuldades dos envolvidos no processo e o
uso efetivo da língua em situação de interação verbal.
É preciso levar em consideração que as crianças, antes mesmo de
freqüentarem a escola, já fazem uso da gramática e que o falante usa as regras
gramaticais, mesmo sem saber identificá-las, pois é capaz de operacionalizá-las
ou pensar sobre elas. Por exemplo, o falante jamais emitiria uma frase do tipo
“Favor porta por abra a.” caso quisesse comunicar “Por favor, abra a porta.”.
Percebe-se, assim, que o ensino da gramática vai além da idéia de um conjunto
de regras prescritivas ou normativas (Murrie, 1994), devendo conduzir a uma
explicitação das regras de uso da língua em situações significativas.
5
Assim, como mostra Ledur (1996), o mero estudo de regras, ainda que
profundo, não levará o aluno a tornar-se um leitor e/ou escritor competente, nem
lhe dará as condições possíveis de interpretar um texto, de comunicar-se
oralmente ou através da escrita em diferentes situações. A idéia de que, para ler
e escrever, o aluno deve primeiramente aprender as regras, descrever seu
funcionamento, conceituar e classificar os elementos que a constituem,
memorizar certos enunciados repetindo-os mecanicamente, como afirmam
Ignácio (1986) e Ledur (1996), vem sendo desmontada.
Considerando que as crianças, segundo Murrie (1994), uma vez expostas
sistematicamente a situações de interação verbal, conseguem derivar
regularidades presentes no sistema gramatical, o ensino da gramática tradicional
perde completamente a sua relevância. Se é através da vivência e das práticas
constantes de texto (seja através da leitura, da escrita ou da conversação) que a
criança aprende a língua, cabe à escola, mais precisamente ao professor de
português, capacitá-la para receber e produzir textos na modalidade de língua
considerada culta (Ignácio,1986). O estudo puro e simples da gramática, como
afirma ainda Ledur (1996), não tem levado o cidadão a interagir com sucesso;
partindo desse pressuposto, conclui-se que a aquisição da linguagem e a
organização do discurso se darão a partir da vivência de diferentes práticas
simbólicas. Segundo Ignácio (1986):
Em seu estudo, Ledur (1996) diz que o ensino da gramática tem sido visto
como uma atividade enfadonha pelo fato de a mesma ser trabalhada de forma
descontextualizada, mostrando-se como um tipo de gramática que só serve
6
para, quando memorizada, ajudar o aluno a “ir bem nas provas” e “passar de
ano”. Mesmo em face dessas questões, não é lícito afirmar que ela não deve ser
ensinada; na verdade, temos que nos perguntar sobre “para que e como ensiná-
la”.
Diante desse novo panorama, Geraldi (1997) apontou a necessidade de
se criar um novo termo – análise lingüística – para que fosse estabelecida uma
distinção entre o que era feito anteriormente na escola em termos de gramática
e o que propunha que fosse feito a partir de então. Segundo o autor, a análise
lingüística seria, ao lado da leitura e da produção de textos, a unidade de ensino
em que se analisam os recursos expressivos da língua, considerada esta como
uma produção discursiva.
Segundo Santos (1999), as atividades didáticas nas primeiras séries
devem estar focadas, inicialmente, em atividades de produção e interpretação
de textos e só a partir daí é que devem ser introduzidos progressivamente os
elementos para uma análise de natureza metalingüística, quando os alunos
deverão ser estimulados a uma reflexão mais consciente sobre a língua, que
derive para a construção de uma metalinguagem apropriada.
7
Pretende-se, pois, que o ensino do português se realize, como aponta
Batista (1991), através de práticas de leitura e de produção de textos em
situações o mais possivelmente reais e concretas de interlocução e através da
prática de análise desses textos lidos e produzidos, ampliando os
conhecimentos que os alunos já possuíam, vinculados às práticas lingüísticas,
culturais e sociais que desenvolveram dentro e fora da sala de aula. Segundo
Ledur (1996), é mergulhada no texto que a criança naturalmente conhecerá a
gramática; é com criatividade que o professor fará com que o aluno encontre na
leitura e na prática do texto escrito o prazer de aprender e dominar o idioma.
No trabalho com a leitura, a reflexão possibilita uma discussão sobre os
diversos gêneros textuais e os diferentes sentidos atribuídos aos textos, bem
como a construção de um repertório de recursos lingüísticos a serem utilizados.
Para que esse trabalho seja realmente eficaz, capaz de formar leitores
proficientes, é preciso que o ensino na sala de aula seja centrado na diversidade
de textos e de combinações entre eles, ou seja, é preciso trabalhar com a
diversidade de conteúdos, objetivos e modalidades que caracterizam a leitura.
Ler não serve apenas para extrair informações da escrita, o texto não
pode nem deve ser usado como um pretexto para trabalhar aspectos
gramaticais e o seu ensino não deve se dar por meios de práticas centradas na
decodificação; pelo contrário, para o aluno se tornar um leitor competente, é
preciso que o trabalho na sala de aula leve o aluno a compreender o que lê, que
o mesmo leia também o que não está escrito, identificando elementos implícitos,
estabelecendo relações entre o texto que lê e outros já lidos, que saiba que
vários sentidos podem ser atribuídos a um mesmo texto e identifique os
elementos discursivos que validam ou não essas atribuições de sentidos.
Os procedimentos que os bons leitores utilizam para aprender a ler, as
chamadas “estratégias de leitura”, são instrumentos fundamentais para que a
criança analise e reflita sobre a leitura que está realizando. Segundo Solé
(1998), o leitor deve possuir conhecimentos adequados para elaborar uma
interpretação sobre ele. As estratégias utilizadas antes, durante e após a leitura
devem permitir que o aluno planeje a tarefa geral da leitura e sua própria
localização. É preciso que as utilize fazendo antecipações, utilizando seus
conhecimentos prévios em situações de inferências ou a partir do contexto; que
levante e verifique suas hipóteses; que selecione informações relevantes para
8
construir a idéia central do texto. Enfim, são várias as atividades de leitura que
contribuem para que as crianças desenvolvam uma consciência epilingüística e
metalingüística.
No que se refere à expressão escrita, através do ensino de análise
lingüística, o aluno poderá observar como o texto se organiza e conhecer por
quais elementos gramaticais se dá à “costura” entre as partes. Levando em
consideração o ponto de vista de Ignácio (1986), de que as crianças das séries
iniciais não têm ainda condições de abstrair as regras de funcionamento da
língua, bem como descrevê-las conscientemente, nem são capazes de associar
conceitos e definições que lhes são apresentados em sua realidade lingüística, a
atividade de análise lingüística será o mais oportuno e, por que não, o mais
eficaz caminho para que elas saiam do ensino fundamental em condições de
perceber diferenças entre a estrutura do dialeto falado e a daquele que a escola
tem como função lhe ensinar. Segundo o autor supracitado,
9
De acordo com Smolka (1998, p.62), “a situação que desencadeia a
atividade já começa a prefigurar o texto, pois caracteriza seus propósitos e
destinação e antecipa as possibilidades de repercussão”. Propor atividades que
antecedam a produção do texto escrito possibilita ao aluno pensar, refletir,
coletar informações sobre o tema proposto, sobre o gênero a ser produzido, a
estética adequada ao texto que se pretende escrever... Tais atividades podem
centrar-se, ainda, no diálogo, no levantamento dos conhecimentos prévios, na
leitura, nos exercícios escritos, nas dramatizações, etc.
A revisão textual também contribui para que a criança, desde muito cedo,
reelabore concepções acerca da estrutura textual, considerando aspectos
relativos ao nível de informatividade do texto, à ortografia, à caligrafia, à
concordância, à adequação social, entre outras coisas, sem que,
necessariamente, precise memorizar/recitar as regras que regem a norma culta
(Rocha, 1999).
Até aqui, foi visto que, conforme os estudos de Batista (1991), Ledur
(1996) e Murrie (1994), a transformação do ensino da língua materna, no sentido
de um trabalho que possibilite ao aluno apropriar-se dos recursos expressivos
da língua de forma reflexiva, significativa e contextualizada, não é uma tarefa
simples. No entanto, acreditamos na possibilidade de uma prática baseada nas
atividades de análise da língua que possam aproximar a escola que temos
daquela que desejamos: “uma escola que contribua para a transformação da
sociedade” (Batista, 1991, p. 37).
4 – Procedimentos metodológicos
10
e oferece ensino infantil e fundamental. O critério de escolha dessa escola
baseou-se em quatro aspectos: (1) é o local onde foi levantada a problemática
que deu origem a esta pesquisa; (2) havia disponibilidade dos sujeitos em
participar da pesquisa; (3) nessa escola, são utilizados livros didáticos
específicos para leitura e para gramática; (4) finalmente, na escola escolhida,
aplicam-se avaliações separadas, sendo uma de interpretação e produção de
textos e outra, de gramática e ortografia.
4.2 Sujeitos
4.3 Entrevistas
11
Optamos por realizar entrevistas porque as mesmas asseguram um
“caráter de interação” entre os sujeitos envolvidos na pesquisa e o entrevistador.
As entrevistas foram de caráter semi-estruturado e continham questões abertas,
pelo fato de as mesmas permitirem ao pesquisador conhecer mais
particularidades a respeito dos entrevistados. Lüdke & André (1986) colocam
que a entrevista semi-estruturada deve desenrolar-se a partir de um esquema
básico, não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador possa fazer as
adaptações necessárias. Fizemos uso de roteiros diferentes para os sujeitos
entrevistados (direção, professora e alunos), os quais guiaram a entrevista
através de tópicos que considerávamos essenciais.
A direção da escola foi solicitada a falar sobre:
1. a proposta da escola para o ensino da língua portuguesa;
2. aspectos considerados no momento da escolha do livro didático,
inclusive aqueles ligados à opção por livros específicos para o trabalho com a
leitura e com a gramática;
3. opção pelo sistema de avaliações separadas para cada “área” da
língua.
À professora solicitamos que falasse sobre:
1. idéias que possuía acerca do ensino da língua portuguesa em geral e
da gramática, em particular;
2. relevância do ensino da gramática para a formação de
leitores/escritores proficientes;
3. relevância da adoção de livros didáticos específicos para o trabalho
com a língua;
4. critérios utilizados para avaliar a aprendizagem dos alunos em relação
à gramática;
5. material didático utilizado nas aulas de gramática.
Os alunos manifestaram-se sobre:
1. as razões da separação das aulas (gramática em alguns dias e
leitura/interpretação em outros);
2. uso de livros didáticos distintos;
3. realização de provas separadas de interpretação, ortografia, produção
de textos e gramática;
12
4. importância da aprendizagem da gramática para a formação de bons
leitores/escritores.
Com a utilização desses instrumentos de investigação, buscamos levantar
dados necessários para averiguar como tem acontecido o ensino da gramática
na escola observada e analisar os elementos que contribuem para reforçar as
idéias dos alunos sobre a distinção que fazem entre a gramática e o português.
13
1- Leitura e interpretação de textos:
KUCERA, Ieda Maria, LUNA, Claúdia Maria, MORAES, Priscila Ganter, SILVA, Marilia Moraes
Ormeneze. Idéias em contexto – 1 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2004.
2- Gramática e ortografia:
SOUZA, Joanita. Assim eu aprendo gramática – 9. ed. reform. São Paulo: Editora do Brasil,
2002.
“A proposta da escola para o ensino da língua portuguesa é tentar ensinar (passar da melhor
forma possível) a parte da gramática para que os alunos aprendam a falar e a escrever melhor
o máximo que puderem, da nossa língua portuguesa.”
14
formação de leitores/escritores competentes, o que vai de encontro às
afirmações de Ledur (1996), que mostra que o estudo de regras, ainda que
profundo, não fornece aos alunos as condições possíveis para os mesmos
interpretarem ou produzirem um texto, ou comunicarem-se oralmente em
diferentes situações. Uma idéia defendida pelo autor foi confirmada pelos
resultados das avaliações dos alunos dessa instituição: na maioria das vezes,
eles atingem a nota máxima nas provas de gramática, mas o mesmo resultado
não é alcançado nas avaliações de produção de texto.
Um fator relevante na fala da diretora refere-se aos critérios que ela utiliza
para justificar a opção pelos livros didáticos adotados pela escola. Ela coloca:
“Eu escolho entre todos os livros que chegam à escola para análise os melhores, e os entrego
para as professores olharem. Depois escolhemos juntos os livros a serem adotados. A escolha
do livro didático é feita anualmente.”
“Na hora de escolher os livros didáticos a serem adotados levo em conta os conteúdos e a
maneira como ele tenta passá-los para os alunos; observo, ainda, se as figuras são atrativas e
se o livro tem uma forma boa para que os professores trabalhem com ele.”
“Os livros são separados para facilitar o manuseio e o estudo dos mesmos, pelos alunos, para
possibilitar a ministração separada das aulas e para que, depois de ser estudado o livro de
gramática, esses conhecimentos possam ser aplicados no livro de leitura.”
15
gramática, ensinar as regras que os ajudarão a fazer isso de maneira “correta”.
Como apontou Travaglia (1999), a maior parte do tempo das aulas de
português é gasta no aprendizado e no ensino da metalinguagem; os exercícios
de treino e memorização são vistos como essenciais para que os alunos
aprendam a escrever de acordo com a norma culta. Verifica-se, portanto, que,
nessa escola, não existe qualquer preocupação no sentido de que os alunos
analisem e reflitam sobre a língua e seus recursos expressivos: as atividades de
natureza epilingüística as quais devem preceder as de natureza metalingüística,
nunca ou quase nunca aparecem, dificultando a percepção dos alunos quanto à
finalidade e à funcionalidade da língua.
Outro fator a ser considerado são os critérios utilizados para a avaliação
das produções textuais dos alunos. Na ficha elaborada pela própria direção da
escola para que os professores a utilizem como “guia” para corrigir as produções
textuais dos alunos, observamos uma supervalorização dos aspectos
gramaticais: 70% da pontuação são destinados aos elementos da coesão,
gramaticais e da ortografia e apenas 30% se referem à construção das idéias do
texto, à coerência. Essa ficha vem, portanto, confirmar a idéia de que o trabalho
do professor gira em torno de uma prática corretiva, como apontou Batista
(1991), procurando assim, elaborar, precisar ou substituir os conhecimentos
lingüísticos dos alunos conforme for a distância entre os conhecimentos que
possuem e o que deseja que eles aprendam.
Ao término da análise dessa entrevista pudemos confirmar nossas
hipóteses de que a proposta e a metodologia adotadas pela escola são bases
fundamentais para que os alunos construam suas idéias sobre o ensino do
português e da gramática.
A entrevista com a docente nos ajudou a conhecer as idéias que ela tem
acerca do ensino da língua portuguesa de forma geral e da gramática, em
particular, e que fundamentam sua prática na sala de aula. A análise que
empreendemos confirmou nossa hipótese de que o trabalho realizado com a
língua portuguesa pela professora – aliado a outros fatores analisados
anteriormente na entrevista com a direção, referentes aos livros didáticos, ao
16
sistema de avaliação, ao horário em que são ministradas as aulas e à própria
proposta da escola – também leva à construção das idéias dos alunos sobre
português e gramática como conteúdos/disciplinas distintas.
No que se refere à idéia da docente sobre o ensino da gramática, em boa
parte dos trechos de sua fala, ela colocou que ele deve acontecer de forma
paralela à leitura, interpretação e produção de textos; a docente também
acredita que a gramática tem sua eficácia e relevância na formação do texto.
“Creio que o ensino da gramática só passa a ter relevância, ser útil, quando ensinada de forma
paralela à leitura, interpretação e produção de textos, possibilitando os alunos perceberem sua
eficácia na formação do texto.”
17
A professora tem o livro didático como norteador e fonte única para o
desenvolvimento de suas aulas. Nesse contexto, concluímos que seu trabalho
se circunscreve aos conteúdos nele apresentados, quer sejam eles significativos
ou não para os alunos , prática essa que resulta na falta de oportunidade de
interação tanto oral como escrita. Como o livro de gramática se caracteriza por
um trabalho de caráter metalingüístico, sem oferecer ao aluno a análise e a
reflexão sobre a língua, a professora o vê como um material que tem como
função ajudar os alunos a memorizar as regras.
Como foi dito por Travaglia (1999), a gramática passa a ser trabalhada na
sala de aula para cumprir um programa previamente estabelecido e, nesse caso,
estabelecido pelo livro didático, sem se levar em conta as dificuldades dos
sujeitos envolvidos no processo, nem o uso efetivo da língua numa situação de
interação verbal.
Em relação à avaliação da aprendizagem dos alunos quanto aos aspectos
gramaticais, a fala da professora difere daquela da diretora, na medida em que a
primeira afirma que a mesma deve ser contínua e que devem ser analisados os
seus aspectos no decorrer do processo de elaboração de texto. Ela ainda
coloca:
“A gramática deve ser ensinada, mas a mesma deve ser avaliada nas realizações das
atividades que envolvam a leitura, a interpretação e produção de textos.”
18
que os alunos “acertem” as atividades de natureza metalingüística, fugindo-se
assim, daquilo que deveria ser seu principal objetivo, que é levá-los a terem
prazer de dominar o idioma pátrio, através de práticas de leitura e de produção
de textos em situações que sejam o mais possivelmente reais e concretas,
ampliando, através da análise desses textos, seus conhecimentos lingüísticos.
A análise da entrevista nos fez acreditar que a professora tem dúvidas,
apresentando-se sem muita firmeza quando precisa expor sua opinião quanto à
função e à finalidade do ensino da língua portuguesa na escola. Ora ela pensa a
língua como forma de interação humana, ora como regras de bem falar e
escrever.
“Existe uma diferença entre português e a gramática, porque o livro de leitura ensina a ler e o
de gramática tem mais informações. Os assuntos do livro de leitura não são iguais aos
assuntos do livro de gramática”. (Larissa, 10 anos)
19
separadamente, não conseguindo fazer relações entre eles. Sobre isso também
diz Júlia (9 anos):
“Gostaria que não tivesse gramática porque acho chato escrever, prefiro cálculo. Só gosto de
português e gramática quando leio um livro e posso escrever alguma coisa dele ou sobre ele”.
“Eu estudo gramática porque é uma matéria e me ensina a escrever certo, saber melhor a
leitura, a escrita e as regras. Sabendo as regras da gramática, posso escrever melhor.”
(Gabriella, 10 anos)
“Tenho que estudar gramática para escrever certo. Se eu não souber as regras eu não
escrevo bem”. (Gabrielle, 9 anos)
“Se a gente souber primeiro as regras, podemos escrever melhor”. (René, 10 anos)
“É melhor aprender as regras primeiro para poder escrever melhor e não errar.” (Kaysa, 10
anos)
20
provas e também porque seria mais difícil estudar tudo junto por causa da
quantidade de assuntos que não são os mesmos, nos dois livros”. As falas de
alguns alunos deixam isso bem explícito:
“Acho importante ter um livro de gramática e um livro de português porque só o de leitura não
daria conta de todos os assuntos da 4ª série. O livro de leitura tem mais informações, nele não
tem gramática, por isso temos que ter outro livro”. (Carol, 10 anos).
21
O manual apresenta também diversos textos que tratam do trabalho com
a linguagem oral e escrita, com o texto como articulador da língua, com a leitura
e com a análise da língua. Em todos esses textos, as autoras explicitam que a
língua deve ser entendida como um processo de interação. Verificamos que a
proposta didática para o trabalho com a gramática está dentro daquilo que
propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais: um trabalho voltado para o
ensino de análise lingüística que possibilite ao aluno analisar e refletir sobre a
língua, sendo o texto o centro das atividades.
O manual do professor oferece ainda textos sobre avaliação e dá dicas de
como avaliar a oralidade, a leitura e a produção escrita dos alunos. Entendemos
como relevantes essas pistas oferecidas pelo livro porque elas abordam
questões que devem ser levadas em consideração no momento de avaliar a
escrita dos alunos. Outro ponto bastante relevante encontrado no manual do
professor é a sugestão de um modelo de ficha para que os próprios alunos
avaliem sua produção. Sobre isso, os PCN afirmam que os alunos constroem
sua autonomia e tornam-se escritores competentes quando são capazes de
olhar para seus próprios textos e verificar se os mesmos estão ambíguos,
confusos, obscuros... se conseguem cumprir seu papel sociocomunicativo.
O manual do professor encerra-se apresentando sugestões de atividades
com as unidades em que se encontra dividido o livro. Os temas abordados em
cada unidade são pertinentes e possibilitam ao professor trabalhar com o aluno
alguns gêneros textuais em situações concretas.
22
Como se pôde constatar, há uma supervalorização da gramática
normativa, a qual é vista, como apontou Batista (1991), como o ensino da forma
“correta do bem falar e escrever”. Essa proposta foge completamente à visão de
Soares (1986) sobre o ensino do português, o qual deve visar à transmissão da
variedade de prestígio, porém esta não deve ser vista como a única forma de
falar nem como aquela que se sobrepõe às demais.
Procuramos estabelecer uma relação entre os conteúdos gramaticais
abordados nos livros de leitura e de gramática e aqueles ensinados nas aulas
que observamos. Apesar de se apoiarem em propostas diferentes para o ensino
do português, os dois livros apresentam atividades numa mesma perspectiva e
não oportunizam a análise e a reflexão sobre a língua. O ensino se dá da parte
para o todo, refletindo, assim, a tradição do ensino da língua portuguesa. Essas
questões recorrentes nos livros didáticos confirmam o que foi colocado por
Ignácio (1986): a idéia que norteia o ensino tradicional do português é a de que,
para que o aluno possa ler e escrever, primeiramente precisa aprender as
regras, descrever seu funcionamento, conceituar e classificar os elementos que
a constituem, memorizar os enunciados... O que nos deixou intrigadas, ainda,
foi o fato de o livro de leitura apresentar uma proposta voltada para o trabalho
com a análise lingüística, mas suas atividades serem de natureza mecânica.
Diante desses dados, confirmamos mais uma vez nossa hipótese de que
o livro didático é um instrumento fundamental no reforço das idéias dos alunos
sobre a distinção do ensino do português e da gramática. Como ele é ainda o
instrumento norteador do trabalho da professora e base da construção da
proposta da escola para o ensino da língua portuguesa, nada mais natural do
que os alunos se apoiarem nele para construir suas idéias acerca da língua.
23
relevante assistir também às aulas de leitura para observarmos como se
processa o ensino da gramática nesse dia e para verificarmos se a docente dá
continuidade ao assunto abordado em ambas as aulas.
Começamos observando as aulas de leitura e percebemos que, assim
como o próprio horário da escola indica, a professora ateve-se a trabalhar o que
a prof leu estava nele proposto (leitura e interpretação). Vale salientar que, durante o
trabalho com a leitura, na maioria das vezes, a professora foi quem a realizou,
fazendo pausas para perguntar o que significavam algumas palavras ou frases
do texto. Ela também não fez uso de estratégias que levassem os alunos a se
motivarem para a leitura, expor seus conhecimentos prévios, fazer predições,
atendo-se apenas a fazer perguntas de seleção de informações e, em número
bem reduzido, de opiniões (as quais, por sinal, eram sugeridas pelo próprio
livro). Observamos que a professora tinha o livro didático como um roteiro para
desenvolver suas aulas e não fazia uso de nenhum outro material didático a fim
de enriquecer seu trabalho.
O livro de leitura também continha atividades com os aspectos
gramaticais, mas, ao realizá-las, a docente limitou-se a responder aos exercícios
usando a lousa para dar alguns exemplos e para fazer algumas correções
alternadas com correções orais. O conteúdo trabalhado nas aulas foi o uso de
por que, porque, por quê e porquê. Com relação ao último desses elementos,
ele não estava presente no livro, a professora é que o introduziu, solicitando aos
alunos que anotassem em seus livros a sua regra de emprego:
“Prestem atenção no porquê que escrevi no quadro. Ele deve ser usado acrescido de artigo.
Esse tipo de porquê não tem no livro, estou dando por fora.”
24
ao ensino do português tradicional, gira em torno de uma prática corretiva que
visa a levar o aluno a escrever “corretamente” a variedade tida como padrão.
Esses procedimentos foram utilizados pela professora nas duas aulas de
leitura e permearam todo o seu trabalho. Vale ressaltar ainda que o aluno que
não leva o livro didático específico do dia da aula praticamente não participa da
mesma, como aconteceu com uma aluna que passou todo o tempo da aula
mexendo num presépio que tinha confeccionado para entregar à professora
como requisito para a nota de artes.
Nas quartas-feiras, observamos as aulas de gramática, como propunha o
horário. Nessas aulas, a professora solicitou que os alunos arrumassem suas
bancas em círculos e pegassem os livros. Imediatamente os alunos começam a
folheá-los e descobrem o assunto que irão estudar. Numa das aulas, Filipe fala à
turma:
Essa fala, aliada a outras semelhantes ocorridas numa aula posterior, nos
fez concluir que os alunos sabiam qual o assunto que seria estudado porque a
professora usa o livro de forma seqüenciada, o que confirma o pensamento de
Travaglia (1999), que diz que os conteúdos gramaticais têm como finalidade
cumprir um programa estabelecido, o qual não leva em conta as necessidades
dos alunos. Os conteúdos trabalhados nessas aulas foram: frase e oração;
sujeito e predicado. Quanto ao ensino de frases e orações, a professora tentou
relembrar com os alunos o assunto visto na aula anterior à nossa observação. O
diálogo entre ela e os alunos transcorreu da seguinte forma;
P - O que diferencia oração e frase? É verdade que toda oração é uma frase, mas que nem
toda frase é uma oração?
A – Toda oração tem que ter um verbo e uma frase não precisa ter verbo.
P – Então, se a frase possuir dois verbos, ela tem duas orações e assim se classificam:
(escreve a definição no quadro)
25
Os alunos repetem oralmente a regra exposta no quadro e a professora
passa a fazer perguntas sobre a classificação das frases que ela está citando.
Percebemos que, nessa “dinâmica” de perguntas e respostas, os alunos
esforçavam-se para responder corretamente aos exercícios, preocupando-se em
citar as regras gramaticais apresentadas pelo livro didático e memorizadas por
eles. A aula seguinte de gramática inicia-se com a mesma dinâmica da aula
anterior. A docente começa a trabalhar o conteúdo perguntando aos alunos a
definição de verbo. Os alunos colocam:
- Não tem nada a ver isso, é uma palavra variável, tem uma forma no presente, uma no
passado e outra no futuro.
“Numa frase alguém faz, fez ou fará alguma coisa, esse ser é chamado de sujeito.”
“Eu já estudei sujeito em casa e na 3ª série. Sujeito é aquele que pratica a ação e predicado é
o restante que fica.”
26
Em nossas observações, verificamos que a professora não fez relação
entre os assuntos abordados nas aulas de leitura e aqueles estudados nas aulas
de gramática; tampouco considerou as condições sociointeracionistas e os
mecanismos cognitivos que devem envolver o processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem, como colocou Rangel (2001). Vimos ainda que o
ensino da gramática ocorre longe do processo de elaboração e produção de
textos e que a professora preocupa-se, exclusivamente, com as atividades de
natureza metalingüística, não permitindo, assim, que o aluno reflita ou formule
hipóteses sobre o funcionamento da língua.
6 – Considerações finais
Referências bibliográficas
27
GERALDI, J. W. Unidades básicas do ensino de português In: GERALDI, J. W.
(org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997, pp. 59-79.
28