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Fundamentos Linguísticos

Para a Alfabetização
Prof.ª Ma. Márcia Aparecida Resende
1ª Edição
Gestão da Educação a Distância
Cidade Universitária - Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
ead.unis.edu.br
0800 283 5665

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ficam reservados ao Unis - MG.
É proibida a duplicação ou re-
produção deste volume (ou
parte do mesmo), sob qualquer
meio, sem autorização expressa
da instituição.
Autoria

Profa Ma.
Márcia Aparecida Resende

Mestre em Educação. Graduada em Pedagogia, habilitada em Supervisão Escolar, com Especialização


em Alfabetização e Letramento. Coordenadora Pedagógica concursada na rede pública estadual
de ensino de Minas Gerais. Professora do Grupo UNIS - Centro Universitário do Sul de Minas no
curso presencial de Pedagogia e nos cursos de licenciatura a distância, nas disciplinas de formação
pedagógica. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em alfabetização/letramento, gestão
escolar e formação de professores.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3961873599579584


RESENDE, Márcia Aparecida. Fundamentos Linguísticos Para a Alfabeti-
zação. Varginha: GEaD-UNIS/MG, 2018.

84 p.

1. Alfabetização. 2. Linguística. 3. Escrita. 4. Ensino. 5. Aprendizagem

Unis EaD
Cidade Universitária – Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
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5
Caro(a) aluno(a),

Este guia de estudos trata de contribuições da Linguística ao processo de alfabetização. A


Linguística nos ensina que a língua constitui um sistema composto por diversos elementos que for-
mam um todo integrado, não podendo ser compreendidos isoladamente. Para tanto discutiremos
conceitos de linguagem, língua, fala e escrita, sabendo que a atuação do/a professor/a em sala de
aula depende essencialmente de como se compreende tais conceitos, sua natureza e funcionamen-
to. Além dos conceitos, consideramos importante que o/a alfabetizador/a conheça os fundamentos
básicos de funcionamento do sistema de escrita alfabético, para que possa conduzir de forma mais
eficiente as situações de aprendizagem.
A alfabetização enquanto aprendizagem da escrita e da leitura envolve conhecimentos lin-
guísticos que nem sempre são contemplados de maneira adequada nos materiais didáticos que
circulam nas escolas, sequer são de domínio do/a alfabetizador/a. Nesse sentido, defendemos uma
formação que possibilite ao docente a construção de conhecimentos necessários ao desenvolvimen-
to de metodologias de ensino coerentes e eficazes.
Desse modo, a grande questão colocada ao processo de alfabetização é: saber o que a
escrita representa e como se dá esse modo de representação. Embora pareça simples, a questão é
complexa e exige muito estudo.
Portanto, proponho a você o desafio de iniciar o processo de formação da docência, em
especial para a alfabetização, com o estudo de fundamentos da Linguística que são essenciais na
prática em sala de aula.
Vamos começar?

Abraço,
Profa. Márcia Resende
Ementa
A Linguística e seu objeto de estudo. Linguagem e exercício da linguagem. Língua e
gramática. Comunicação e Cultura. Signo verbal e não verbal. Linguagem e escola.
Desenvolvimento da percepção da linguagem. As relações entre sons e letras. Da
leitura da palavra ao texto. Pesquisa de Campo acerca de aspecto(s) abordado(s) nos
Fundamentos Linguísticos para a Alfabetização.

Orientações
Ver o Plano de Estudos da disciplina, disponível no ambiente virtual de aprendizagem.

Palavras-chave
Alfabetização. Linguística. Escrita. Ensino. Aprendizagem
Unidade I
1. Introdução 12
1.1. O que é Linguística 12
1.1.1. A fonética e a fonologia 13
1.2. A fala e os sons do Português 14
1.2.1. Classificação dos fonemas 16
1.3. Linguística e Alfabetização 20
1.3.1. Implicações da Linguística no processo de alfabetização 22
Unidade II
2. Introdução 28
2.1. Língua, linguagem e fala 28
2.2. Diferentes concepções de língua e linguagem 29
2.2.1. Língua como sistema de signos 29
2.2.2. Língua como instrumento de comunicação 31
2.2.3. Língua como forma de interação social 32
2.3. Concepções de linguagem e práticas de ensino 34
Unidade III
3. Introdução 42
3.1. A relação da escola com a linguagem 42
3.2. O preconceito linguístico e a escola 43
3.3. O trabalho com as variações linguísticas 46
Unidade IV
4. Introdução 50
4.1. Relações entre fala e escrita 50
4.2. O que é o Sistema de Escrita Alfabética - SEA 52
4.2.1. Alguns princípios do Sistema de Escrita Alfabética - SEA 54
4.3. Consciência fonológica e conhecimento das letras 56
4.3.1. O que é consciência fonológica 56
4.3.2. O conhecimento das letras 58
Unidade V
5. Introdução 62
5.1. O que é preciso saber para aprender a ler e escrever? 63
5.1.1. Saber o que é um símbolo e o que a escrita representa 63
5.1.2. Saber identificar as formas das letras 65
5.1.3. Saber discriminar os sons da fala 68
5.1.4. Saber identificar a unidade “palavra” 70
5.1.5. Saber como se dá a organização espacial da escrita 73
5.2. Procedimentos de ensino para a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética –
SEA 74
5.2.1. Contextualização do trabalho pedagógico 75
5.2.2. A natureza reflexiva dos procedimentos de ensino 75
5.2.3. A interação no processo de ensino e aprendizagem 75
Referências Bibliográficas 83
I A Linguística e seu
objeto de estudo

Objetivos da Unidade
- Caracterizar a Linguística e seus campos de estudo.
- Refletir sobre modos de articulação dos sons vocálicos e conso-
nantais.
- Compreender a relação entre a Linguística e o ensino da língua
escrita.
- Identificar as principais contribuições da Linguística ao processo
de alfabetização.
Introdução

Iniciamos o guia de estudo com a unidade 1, apresentando a Linguística como campo de


estudos da linguagem que tem importantes contribuições ao processo de alfabetização, a partir do
estudo da língua falada e das relações com o sistema alfabético de escrita.
Lembramos que o campo de conhecimentos da Linguística é vasto, porém vamos abordar apenas
aspectos relacionados com a organização do sistema alfabético da Língua Portuguesa, especialmente
sobre a relação entre sons e letras.

1.1 O que é Linguística

Segundo Cagliari (2003) a Linguística trata de estudos científicos da linguagem humana, os


quais procuram compreender como funciona a fala e as línguas em particular. E para estudar a língua,
a ciência da linguagem se dividiu em áreas. Veja algumas delas:

- Fonética: estuda os sons da fala na sua produção e audição; faz a descrição da realidade fônica de
uma língua.
- Fonologia: estuda a funcionalidade dos sons da língua, interpreta os sons que são produzidos.
- Morfologia: estuda a estrutura interna das palavras, como os morfemas se combinam para formar
palavras.
- Sintaxe: estuda como a linguagem combina palavras para formar frases gramaticais, ou seja, como
se dá a construção dos textos.
- Semântica: estuda os significados das palavras nas frases, de acordo com o contexto.
- Pragmática: estuda como as oralizações são usadas (literalmente, figurativamente ou de quaisquer
outras maneiras) nos atos comunicativos.
- Estilística: estuda o estilo na linguagem.
- Análise de discurso: estuda fatores que interferem na produção da linguagem, que vão além das
palavras e das regras sintáticas, pois se tratam de interações com pessoas e situações diferentes.

12
Para saber mais sobre a Linguística:
FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Linguística. Vol. 1 Objetos Teóricos.
São Paulo: Contexto, 2002.

Embora essas áreas sejam mais ou menos independentes, é preciso lembrar que o funcio-
namento de uma língua envolve a articulação de componentes como: a relação entre os sons, a
estruturação de palavras, a organização das palavras em frases, o significado das palavras, bem como
o conhecimento textual-discursivo que se refere aos modos de produção e recepção dos textos em
diferentes situações de comunicação.
Cada uma dessas áreas traz contribuições importantes para o ensino da língua portuguesa
na escola, especialmente para a alfabetização, no sentido de compreender a realidade linguística dos
alunos e ensiná-los como funcionam a fala, a escrita e a leitura nos diversos contextos de uso.
Nesse sentido, veremos a seguir alguns dos conhecimentos do campo de estudos da Linguís-
tica que serão úteis ao professor no seu trabalho inicial de alfabetizar, isto é, de garantir a apropria-
ção do sistema de escrita alfabética.

1.1.1 A fonética e a fonologia

A fonética estuda os sons da fala - vocálicos ou consonantais - que são produzidos pelo
aparelho fonador, cuidando dos mecanismos de produção e audição. A fonética procura analisar e
descrever a fala das pessoas da maneira como ela ocorre nas mais variadas situações da vida.
A fonologia também se ocupa do estudo dos sons da língua, porém a ênfase se dá nos seus
usos, ou seja, nos aspectos interpretativos dos sons. Cagliari (2003) exemplifica da seguinte maneira:

13
“Quando um falante diz, potxi, txia, tudu, tapa, até, etc., a Fonética constata
as pronúncias diferentes txe t, e a Fonologia interpreta essa diferença atri-
buindo um valor único a esses dois sons, uma vez que tx ocorre somente
diante da vogal i, e o t diante de outro som que não seja i. Fato semelhante
ocorre quando um falante diz ora iscada, ora escada. A ocorrência de i ou
de e não muda o significado e, segundo a Fonologia, o i e o e, neste caso, têm o mesmo valor.”
(p.43) (grifos do autor).
Veja outros exemplos:
[ p ] e [ b ] têm valores distintivos nas palavras pato e bato – mudança de significado.
Um som pode ter valor não-distintivo porque se trocado por outro não altera o significado:
[ kadeira ] [ kadera ].
Mas, em outro contexto pode ter o valor distintivo: [ dei ] [ de ] – dei e dê.

1.2 A fala e os sons do Português

“Uma língua vive na fala das pessoas e só aí se realiza plenamente. A escrita preserva uma
língua como objeto inanimado, fossilizado. A vida de uma língua está na fala.” (CAGLIARI, 2003, p.
52).
Os sons que produzimos na fala resultam da ação combinada de uma série de dispositivos
que fazem parte da nossa anatomia. A combinação desses vários dispositivos constitui o aparelho
fonador, formado pelos órgãos: pulmões, laringe e as cavidades supra-glóticas (faringe, fossas nasais
e boca).

14
Figura 1 - Aparelho Fonador - Produção da Voz

Laringe
Nariz ARTICULAÇÃO
Faringe
Pulmão Língua
RESSONÂNCIA
Brônquios Traqueia
FONAÇÃO
RESPIRAÇÃO

Fonte: adaptado de Istock.com por Design Unis EAD


De acordo com a fonética articulatória, os sons produzidos na linguagem humana são cha-
mados fones ou segmentos. Esses sons podem ser divididos basicamente em três grupos: consoan-
tes, vogais e semivogais (ou glides).
Os sons consonantais são aqueles em que algum tipo de impedimento, seja total ou parcial,
é colocado à corrente sonora na cavidade bucal.
Os sons vocálicos são aqueles em que não se coloca nenhum impedimento à corrente so-
nora na cavidade bucal. (OLIVEIRA, 2005).

Na Linguística, os sons da fala são objeto de estudo da Fonética, enquanto


a Fonologia se ocupa dos sons da língua. Os sons da fala (fones) são repre-
sentados cientificamente entre colchetes [...] e os sons da língua (fonemas)
devem ser representados entre barras inclinadas //.

15
1.2.1 Classificação dos fonemas

Os fonemas são classificados conforme a região em que os sons são produzidos no aparelho
fonador.
Os bilabiais são aqueles que necessitam do movimento dos dois lábios. Já os labiodentais
são produzidos com o toque dos dentes nos lábios. Os sons alveolares, palato-alveolares e palatais
situam-se na região mais alta da boca. Há também aqueles sons produzidos bem mais abaixo, na
garganta.
Para compreender os modos de articulação dos sons no aparelho fonador, vejamos o que
segue.
Figura 2 - Articulação dos sons no aparelho fonador

Fonte: adaptado de Istock.com por Design Unis EAD

Considerando os pontos de produção dos sons temos consoantes dos seguintes tipos: oclu-
sivas, fricativas, africadas, nasais, laterais, vibrantes, retroflexas.

Oclusivas – consoantes que sofrem fechamento de algum dos órgãos (como lábios, arcada den-
tária, língua, palato, etc.) durante a passagem de ar: [P, B, T, D, K, G].

[p]ato ta[p]a [d]ato to[d]a


[b]ato ta[b]a [k]ato to[k]a
[t]ato ta[t]o [gato to[g]a

16
Fricativas – consoantes produzidas pela passagem do ar através de um canal estreito feito pela
colocação de dois articuladores próximos um ao outro: [F, V, S, Z, ∫, ʒ, x].
[f]aca
[v]aca [ch]á

[s]eca [j]á

[z]eca ca[x]ta

Africadas – Quando à oclusão segue-se uma fricção, ocorre em algumas variantes do português
brasileiro como dia e tia, que tem pronúncia de [djia] e [tchia].

Nasais – São consoantes que, em sua pronúncia, o ar expirado ressoa na cavidade nasal por
encontrar abaixados a úvula e o véu palatino. [M, ɲ, ŋ].
[m]ato
ca[m]a
[n]ato
ca[n]a
Ma[nh]a

Laterais – São consoantes pronunciadas ao fazer passar a corrente de ar nos dois cantos da boca
ao lado da língua. [L, LH]
fa[l]a fa[lh]a

Vibrantes – São consoantes pronunciadas através da vibração de algum elemento do aparelho


fonador, em geral a língua ou o véu palatino: p[r]oa, ca[r]o

Retroflexas – Quando o levantamento e encurvamento da ponta da língua se dirigem ao palato


duro: co[rr]a, mo[rr]a.

Fonte: http://fonticaarticulatria.blogspot.com.br/2011/05/

17
Os sons podem ser sonoros ou surdos dependendo se há vibração das cordas vocais ou
não.
Quadro 1 - Sons sonoros e sons surdos

Papel das cavidades


Orais Nasais
bucal e nasal

Modo de articulação Oclusivas Fricativas Laterais Vibrantes Oclusivas

Papel das Cordas Vocais Surd Son Surd Son Son Son Son

Bilabiais [p] [b] - - - - [m]

Labiodentais - - [f] [v] - - -

Linguodentais [t] [d] [s] [z] - - -

Alveolares - - - - [l] [r] [n]

Palatais - - [∫] [ʒ] [ λ] - [ɲ]

Velares [k] [g] - - - [R] -

Fonte: adaptado da autora por Design Unis EAD

Veremos a seguir a tabela de símbolos fonéticos com a distribuição dos fonemas de acordo
com os modos de articulação dos sons produzidos pelo aparelho fonador.
Cada fonema tem a letra que o representa e o símbolo fonético conforme convenção oficial
do IPA – International Phonetic Alphabet.
Na tabela o autor apresenta exemplos de palavras para que possamos compreender os usos
de cada fonema.

18
Imagem 3 - Tabela de Símbolos Fonéticos

Fonte: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 2003, p. 54.

19
1.3 Linguística e Alfabetização

Imagino que você deve estar se perguntando: mas, afinal de contas, para que devo estudar
tudo isso? Qual a relação desses conhecimentos com a alfabetização?
Essas perguntas são pertinentes e vão guiar os nossos estudos na busca por conhecimentos
que possam nos auxiliar no processo de alfabetização.
A relação entre os estudos linguísticos e a alfabetização é relativamente nova, sendo que
um dos pioneiros nessa área foi Luiz Carlos Cagliari, professor de fonética e fonologia no Instituto
de Estudos da Linguagem da Unicamp, que na década de 1990 publicou a obra “Alfabetização e
Linguística”, por várias vezes reeditada.
Imagem 4 - Capa do Livro “Alfabetização & Linguística” De acordo com Cagliari (2003), o proces-
so de aquisição da linguagem pela criança é alta-
mente complexo. Os sons de uma palavra isolada
não passam de sons como quaisquer outros. Para
serem aceitos como sons de uma palavra real,
precisam pertencer a um sistema, a uma língua. As
línguas, porém, não são feitas dos sons das pala-
vras isoladas, mas de estruturas que juntam ideias
e sons, formando palavras, frases, textos, etc. por
causa dessas características das línguas, as crianças
começam aprendendo mais a ouvir do que a fa-
lar, entendem muito mais do que falam. Somente
após certa idade, ocorre certo equilíbrio entre o
Fonte: Editora Scipione
que o falante entende e o que consegue falar.
Assim, em mais de vinte anos de estudos dedicados às questões linguísticas da alfabetização,
Luiz Carlos Cagliari defende a ideia de que a criança quando entra na escola para se alfabetizar já é
capaz de entender e falar a língua portuguesa (no caso do Brasil) com desembaraço e precisão, nas

20
mais diversas circunstâncias de sua vida. Essa criança não necessitou de nenhum treinamento especi-
fico para aprender a falar. Isso aconteceu naturalmente na interação com os falantes nativos de sua
língua. Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes para facilitar o
aprendizado da criança. Ninguém disse que ela devia fazer exercícios de discriminação auditiva para
aprender a reconhecer a fala ou para falar. Com três anos de idade a criança já é considerada falante
nativo de sua língua, ou seja, dispõe de um vocabulário e de regras gramaticais próprios da língua
que fala.

Quando inicia o processo de alfabetização a criança já possui competência


linguística para falar e compreender a linguagem com a qual convive em sue
meio social, sem a necessidade de treinamento especifico ou de prontidão
para isso.
Portanto, a criança que chega à escola para se alfabetizar já trilhou um longo
caminho linguístico e provou possuir conhecimentos e habilidades linguísticas muito desenvolvi-
das.

Mas, como a escola lida com tudo isso?


O que os linguistas afirmam em relação à escola é que o trabalho com a alfabetização tende
a desvalorizar e desconsiderar os elementos que compõem a bagagem linguística da criança, inclu-
sive a variação linguística que é a manifestação própria das influências culturais na linguagem falada.
Assim, como a criança, ao entrar na escola, achava que já sabia falar sua língua, não consegue enten-
der por que, de repente, ficou tudo confuso, errado e difícil em sua mente.

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Imagem 5 - Tirinha “Mafalda”

Fonte: Reprodução de Quino (Joaquín Salvador Lavado Tejón)

1.3.1 - Implicações da Linguística no processo de alfabetização

Os conhecimentos do campo da Linguística aplicados à área da alfabetização contribuem


para a ressignificação de conceitos, gerando novas crenças e modificando práticas de ensino. Isso
porque a alfabetização é um processo multifacetado de natureza complexa, que envolve um conjun-
to de habilidades (SOARES, 1985), sendo imprescindível que o alfabetizador tenha conhecimento
dos aspectos linguísticos relacionados com a leitura e a escrita e saiba que eles são importantes para
a construção dos novos paradigmas da didática da alfabetização.
Cagliari (2003) afirma que a criança, para aprender a falar, não precisou de ditados, memo-
rização de regras, repetição de fonemas e sílabas, que nenhuma mãe preocupa-se em ensinar a seu
filho a ordem das palavras nas frases e, no entanto, toda criança sabe qual ordem é possível ou não
usar.
Os conhecimentos da Linguística nos ajudam a ver a criança como sujeito do processo de
aquisição da leitura e da escrita, um sujeito que, ao chegar à escola, já traz uma bagagem importante
sobre a escrita e seu funcionamento.
Assim, o professor precisa:
- Entender por que as crianças falam dessa ou daquela maneira;
- Respeitar esse modo de falar das crianças;
- Ajudar as crianças a entender por que falam do modo como falam;
- Explicar o que a escola espera delas, agora e depois.
22
Para compreender melhor a relação entre alfabetização e linguística,
acesse os vídeos:
Alfabetização e Linguística I
https://www.youtube.com/watch?v=rQQhbw12Ky0
Este programa trata da relação entre fala, leitura e escrita na alfabeti-
zação e das questões que aparecem em sala de aula durante esse processo. Pela professora Maria
Irma Coudry, responsável pelo Centro de Convivência de Linguagens da Unicamp.
Alfabetização e Linguística II
https://www.youtube.com/watch?v=r_jBHXM4bvY

Neste programa a professora Maria Irma Coudry, responsável pelo Centro de Convivên-
cia de Linguagens da Unicamp fala de suas pesquisas como as questões de linguística na alfabeti-
zação e da importância do professor neste processo.

Agora, sugiro que você faça a leitura do artigo do professor Cagliari, no qual
o autor apresenta o resumo de ideias que vem defendendo com relação a
questões linguísticas da alfabetização.
https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40140/1/01d16t05.pdf

Outra autora que trouxe para a alfabetização contribuições da Linguística é Miriam Lemle.
Na década de 1990 ela publicou um livro que facilitou a compreensão dos aspectos linguísticos da
alfabetização.

23
Imagem 6 - Capa do livro “Guia Teórico do Alfabetizador”

Fonte: Editora Ática

É a própria Miriam Lemle que fala:

“O alfabetizador precisa ter as ideias claras quanto à relação entre a língua falada e a lín-
gua escrita. Ele precisa saber que a língua escrita, na nossa sociedade complexa, é uma entidade
autônoma, diferente da língua falada por quem quer que ele seja. O alfabetizador precisa ser
ajudado a não assumir a crença de que a língua escrita é o modelo da língua “certa” e a língua
falada é uma deturpação ou decomposição do certo. O alfabetizador que compreende as duas
modalidades da língua como entidades separadas sabe que a tarefa do aprendiz da língua escrita
precisa ser decomposta em várias descobertas, contraditórias entre si.
No momento inicial da aprendizagem da escrita, o alfabetizando tem que descobrir que
as letras representam sons da fala. Basicamente, toda metodologia de alfabetização pretende
conduzir o alfabetizando a depreender na sequência das letras escritas a sequência dos sons da
fala, na atividade da leitura, e, na atividade da escrita, a representar por meio de letras em sequ-

24
ência dos sons uma seqüência na cadeia da fala.
Pois bem, deve haver algum momento em que o alfabetizando descobre que as letras
não representam os sons da fala. Quando digo |pau| e |sau|, por que devo escrever pau e sal? Se
digo /disputa/ e /discuido/, por que devo escrever disputa e descuido? Por que e roça e possa,
girafa e jipe, habitação e agitação, peso e desprezo, queijo e bocejo? Tomando a variedade dia-
letal, por devo escrever clima e crime, se digo |crima| e |crime|? Por que escrever anzol e cipó,
se digo |anzó| e |cipó|? Por que escrever o baiano dançando se digo o baiano dançano?
O alfabetizador que parte para o trabalho armado da crença de que a língua escrita é
o modelo sobre o qual se deve calcar a língua falada “certa” está fadado ao insucesso, o que é
gravíssimo, uma vez que o insucesso do alfabetizador é o analfabetismo do alfabetizando.
Entretanto, o alfabetizador que compreendeu que a correspondência entre a língua
falada e a língua escrita é indireta e em vários casos irregular vai tratar de fazer ver com siste-
maticidade ao alfabetizando todos os casos em que não há uma correspondência de um para
os sons das palavras na língua falada e as letras na linguagem escrita. O alfabetizador que com-
preendeu de que a maneira se dá a correspondência entre língua falada e a língua escrita sabe
que, segundo características especiais da variedade dialetal falada pelo aprendiz, as dificuldades
maiores dos alfabetizandos se darão em pontos diferentes do repertorio de palavras.
Assim, o alfabetizando que pertence a uma comunidade que pronuncia |arraiá|, |car-
navá|, |anzó|, terá problemas de escrita diferentes daquele que pronuncia |arraiau|, |carnavau|
|anzóu|. A nenhum dos dois tipos de falante o alfabetizador precisa classificar como “falando
errado”, mas a ambos ele deverá alertar para a discrepância entre a modalidade de língua falada
e a modalidade escrita. Alertar, aliás, é um termo fraco, o alfabetizador deverá inventar meios
de ajudar o aluno a fixar a forma padrão escrita, cotejando-a com a falada, mas sem expressar
desprezo por esta. São duas variedades de língua diferentes, para ocasiões diferentes.”

25
Ver indicação do livro “Guia teórico do alfabetizador” na Biblioteca Virtual
Pearson.

Na Unidade IV retomaremos essas ideias, no contexto das relações entre sons e letras. Por
enquanto, vamos seguir com a Unidade II discutindo concepções de língua e linguagem e as implica-
ções no ensino da escrita.

26
II Concepções de
linguagem e implicações
no ensino da língua
escrita

Objetivos da Unidade
- Discutir os conceitos de língua e linguagem.
- Caracterizar a escrita como produto cultural reconhecido e vali-
dado nas sociedades complexas.
- Caracterizar diferentes concepções de língua e linguagem, rela-
cionando-as a práticas de ensino da escrita na escola.
Introdução

Já vimos neste guia que a Linguística se ocupa dos estudos da linguagem para compreender
como funcionam a fala e as línguas. Bom, nesse campo científico, a ciência da linguagem foi desen-
volvendo, ao longo das décadas, diferentes concepções teóricas para explicar a linguagem verbal. E
o que isso nos interessa enquanto professores?... Interessa porque precisamos conhecer e compre-
ender o modo como a linguagem é tratada na sala de aula, em especial a forma como as atividades
de ensino da língua escrita são conduzidas.
Desse modo, vamos estudar algumas concepções de linguagem e suas implicações no pro-
cesso de ensino da língua escrita. Para isso iniciamos com a seguinte indagação: a concepção que se
tem de linguagem pode influenciar uma determinada prática escolar?

2.1 - Língua, linguagem e fala

A espécie humana se diferencia de outras espécies animais, em especial, pela sua capacidade
refinada de linguagem. Só o homem é capaz de criar sistemas de representação, ou sistemas sim-
bólicos, para atribuir significados às coisas. E assim, ao longo da história, foram desenvolvidos vários
sistemas simbólicos como as línguas naturais, os sistemas de numeração e de medidas, os sinais de
trânsito, e tantos outros.
O mais importante de todos os sistemas simbólicos criados pelo homem é a linguagem
verbal, que possibilitou o desenvolvimento de todas as formas de conhecimento: as religiões, as
filosofias, as ciências, as artes.
E, desse modo, também foi possível interagir, trocar, comunicar possibilitando que cada nova
geração conheça a História e as histórias das outras gerações que a antecederam.
Para conviver em sociedade o homem utiliza a linguagem, através da qual compartilha ex-
periências, interage com as diferentes culturas, manifesta sentimentos e emoções, ensina e aprende.
Assim, a linguagem é a capacidade que os seres humanos possuem para produzir, desenvolver e
compreender a língua e outras manifestações, como a pintura, a música e a dança.

28
Uma das dimensões da linguagem é a língua que, por meio de sons da fala e gestos, permite
a comunicação e as interações.

Mas, o que é língua?


É um sistema de signos? É gramática? É um código? É instrumento de co-
municação? É a expressão do pensamento? Ou é uma forma de interação
social?

Sabemos que a língua possui caráter múltiplo e complexo e que historicamente tem sido
estudada e definida por diferentes enfoques.

2.2 - Diferentes concepções de língua e linguagem

2.2.1 - Língua como sistema de signos

No começo do século XX, Saussure, um estudioso considerado o precursor da Linguística,


definiu a língua como “sistema de signos”, sendo o signo entendido como símbolo verbal, um con-
ceito, uma ideia, uma forma sonora que representa um significado. No caso, a palavra é um signo
linguístico. Mas, Sausurre considera outras formas linguísticas como signos: os fonemas (unidades
significativas mínimas que compõem o sistema fonológico), os morfemas (palavras e partes de pala-
vras – prefixos e sufixos), as estruturas sintáticas (orações e partes de orações).
Segundo Costa Val e Vieira (2005), uma questão apontada por Saussure que tem importan-
te repercussão nos estudos linguísticos é a distinção entre língua e fala.
Para Saussure (1977, p. 21, apud COSTA VAL; VIEIRA, 2005, p. 10):

29
“A língua é um sistema de signos abstrato, que, ao mesmo tempo, constitui
um patrimônio social e um ‘conhecimento virtual existente nos cérebros
dos falantes’ de uma mesma comunidade. Já a fala é a manifestação con-
creta da língua, nos textos produzidos pelos falantes. O termo fala deve ser
compreendido em sentido amplo, abrangendo tanto o uso falado quanto
o uso escrito da língua. [...] A língua é o conhecimento interno que possibilita aos falantes mani-
festar-se na fala.”

As ideias de Saussure inspiraram o que se chama de Estruturalismo.

Imagem 7 - Origens do Estruturalismo

ESTRUTURALISMO – ORIGENS

Langue (Língua) X Parole (Fala)

Envolve descrição do Uso individual que capta de


forma integrada todo o campo
Conjunto de Regras contemporâneo e atualiza a
(código) da comunicação Língua

Langue = Unidades Significativas

Significante e Significado

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD

Podemos, então, apontar algumas características que diferenciam fala de língua:

- Ninguém fala igual a ninguém – existem diferenças lingüísticas decorrentes de questões geográ-
ficas, sociais, culturais e etárias. Pessoas do nordeste falam muito diferente das pessoas do sul do
pais. Mesmo dentro de estado como Minas Gerais há marcas linguísticas distintas em cada região.

30
Jovens falam diferente dos idosos. Entretanto, mesmo falando de maneiras diferentes as pessoas se
entendem. Por quê? Elas se entendem porque falam a mesma língua, embora a fala tenha diferenças.
- A fala é heterogênea enquanto a língua pode ser considerada, de certo modo, homogênea.
- A fala é individual e a língua é coletiva.
- A fala é única, tem começo e fim. A língua que permite esses atos de fala é constante. Uma pessoa
pode parar de falar sem desativar sua língua.
- A fala é concreta, sendo constituída de ondas físicas que podem ser gravadas e analisadas. Já a lín-
gua faz parte de um sistema abstrato, uma realidade mental. (Baseado em OLIVEIRA, 2005.)

Você sabia que os gregos difundiram a concepção de língua como um


conjunto de formas (sons, palavras, partes de palavras, orações, partes de
orações), descritas pelos estudos gramaticais? E o que isso significa? Dessa
tradição veio a noção de que língua é gramática normativa. Então, para
aprender uma língua é necessário estudar as formas linguísticas registradas
pela escrita na versão oficial da língua. Isso, historicamente, resultou na legitimação de uma das
variedades da língua como padrão culto e no estabelecimento de um conjunto de prescrições
relativas ao emprego das suas formas linguísticas. (COSTA VAL; VIEIRA, 2005)

2.2.2 - Língua como instrumento de comunicação

Nesta concepção a língua, que é um sistema organizado de sinais (signos) serve como meio
de comunicação entre os indivíduos. Um código que serve para a transmissão de informações. As-
sim, por meio da língua, um emissor comunica determinadas mensagens a um receptor. Para que a
comunicação se efetive, o código com suas regras deve ser dominado pelos falantes e utilizado de
maneira convencional.
Considerando tal concepção, os estudos da linguagem ficam restritos ao processo interno
de organização do código, dando ênfase à forma, ao aspecto material da língua e às relações que
constituem o seu sistema total, em detrimento do conteúdo e da significação.

31
É como se a comunicação fosse direta, sem interferências. De um lado o emissor e de outro
o receptor, ou seja, codificadores e decodificadores de uma mensagem.

Imagem 8 - Diagrama Emissor-Receptor

Canal

Emissor Receptor

Mensagem
Código

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD

Assim, “o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodi-
ficado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto,
uma vez codificado, é totalmente explícito” (KOCH, 2002, p. 16).

2.2.3 - Língua como forma de interação social

Diferentemente das concepções anteriores, nesta a dimensão social da língua a configura


como forma de ação e interação dos sujeitos em um determinado contexto social de comunicação.

“Nesse espaço de interação, os sujeitos que dele participam vão construindo sentidos em
suas trocas linguísticas, orais ou escritas, em função das relações que cada um mantém com
a língua, de seus conhecimentos prévios, atitudes e preconceitos, das imagens que constro-
em um sobre o outro, etc”. (COSTA VAL; VIEIRA, 2005, p. 14)

Um dos grandes defensores dessa concepção é o pesquisador russo Bakhtin (1997). Segun-
do o autor, não se pode separar a linguagem de seu conteúdo ideológico ou vivencial, já que ela

32
se constitui pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação, que é um
diálogo (no sentido amplo do termo, englobando as produções escritas).
Para Bakhtin (1997), todo enunciado tem um destinatário, entendido como a segunda pes-
soa do diálogo. O sentido do enunciado se dá através de uma compreensão ativa entre os sujeitos,
ou seja, é o efeito da interação dos interlocutores.
A atividade mental do sujeito e sua expressão exterior se constituem a partir do social,
portanto, toda a enunciação é socialmente dirigida. É no fluxo da interação verbal que a palavra se
transforma e ganha diferentes significados, de acordo com o contexto em que surge. A categoria
básica da concepção de linguagem em Bakhtin é a interação verbal, cuja realidade fundamental é o
seu caráter dialógico.

É através da língua que realizamos ações e trocas intersubjetivas, entenden-


do a língua como competência discursiva que possibilita a interação social
e cultural. A linguagem tem caráter dialógico que se realiza na interlocução,
ou seja, nós nos comunicamos através de textos que são produzidos em
situações concretas de interlocução no contexto social e cultural.

A linguagem se faz, pois, pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de
sentido entre interlocutores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico,
sendo que os interlocutores são sujeitos que ocupam lugares sociais
Como fenômeno de interação, na enunciação, o interlocutor ocupa o lugar de sujeito ativo
na constituição do sentido e a linguagem articula o linguístico, o social e o ideológico. Neste proces-
so, há diferentes textos conforme as situações comunicativas e esses textos se configuram segundo
características dos gêneros textuais disponíveis nas interações sociais. Assim, a comunicação verbal
sempre se dá por meio de algum gênero que se materializa em textos, os quais assumem formas
variadas para atender a intenções diversas.
Mas, o que são gêneros textuais?
Para Schneuwly e Dolz (2004), os gêneros textuais são instrumentos culturais disponíveis
nas interações sociais; são historicamente mutáveis e relativamente estáveis; emergem em diferentes

33
domínios discursivos e se concretizam em textos, que são singulares.

“Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala


do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe
o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discur-
sivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim. [...] Se não existis-
sem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de
construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase
impossível.” (BAKHTIN, 1997, p. 302)

Não vamos desenvolver aqui a questão dos gêneros textuais porque este não é o propósito
da ementa. Contudo, vale ressaltar que a escola precisa tomar os gêneros textuais como objeto de
ensino e de aprendizagem, de modo a favorecer a apropriação dos usos da língua no processo de
leitura e produção de textos. Nesse sentido, a proposta do PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabeti-
zação na Idade Certa traz importantes contribuições para a prática pedagógica.

Você pode acessar todo o material didático do PNAIC no seguinte ende-


reço:
http://pacto.mec.gov.br/index.php#biblioteca

2.3 - Concepções de linguagem e práticas de ensino

Os estudos acerca da linguagem nos ajudam a compreender as metodologias de ensino da


língua escrita na escola, pois toda prática de ensino tem implicitamente uma concepção teórica que
a fundamenta, mesmo que o professor não tenha consciência disto.
Então, qual seria a implicação dessas ideias na prática de ensino da língua escrita?
A visão de que a língua é um código, constituído por um conjunto de signos que se combi-
nam segundo regras, ou a compreensão da língua como forma de interação social que se constitui na
dialogia, com variações e mutações constantes, vão determinar o modo como o professor conduzirá

34
as atividades em sala de aula, bem como os materiais didáticos utilizados.
Assim, durante muito tempo acreditou-se que ensinar Língua Portuguesa era simplesmente
fazer os alunos decorarem regras da gramática normativa. As classes gramaticais e as regras orto-
gráficas, por exemplo, eram expostas aos estudantes de forma desvinculada da realidade de uso da
língua.

Algumas implicações práticas da concepção de língua como sistema de


signos que serve para a comunicação:

- Os conteúdos eram ditados pelo livro didático e o texto servia como


pretexto para ensinar teoria gramatical;
- As questões de leitura restringiam-se à mera decodificação ou repetição do que o autor disse
(afinal, o que interessava era o "conteúdo" - a gramática normativa);
- O exercício de redação era artificial, pois o texto não possuía interlocutor e, portanto, não se
configurava por uma relação dialógica. Era uma atividade isolada em que se privilegiava a forma
em detrimento do conteúdo;
- A avaliação dos textos produzidos pelos alunos restringiam-se também à mera correção de
problemas ortográficos e de outras questões gramaticais;
- O professor era visto como o dono da verdade, e os conceitos registrados nos livros didáticos
eram tidos como verdades absolutas.

Adaptado de: Concepções de linguagem e o ensino/aprendizagem de língua portuguesa. (Nohad Mouhanna


Fernandes). Disponível em: < http://www.interletras.com.br/ed_anteriores/n1/inter_estudos/concepcoes.html >.
Acesso em 10/12/2017.

No período inicial da alfabetização, essa concepção se revela em práticas que enfatizam o


ensino das letras desvinculado dos textos e da significação da linguagem. As velhas cartilhas de alfa-
betização foram concebidas para ensinar a escrita como um código e o principal recurso utilizado
era a repetição e a memorização de letras e sílabas para formar palavras. Os textos eram artificiais
e serviam apenas para ensinar as famílias silábicas.
35
Veja o exemplo que segue, retirado da cartilha Caminho Suave.

Imagem 9 - Cartilha Caminho Suave

Fonte: LIMA, Branca Alves de. Caminho Suave, 76ª ed., São Paulo: Editora Caminho Suave, 1974

As antigas cartilhas como a Caminho Suave não são mais usadas para alfabetizar. Contudo,
ainda assim há práticas descontextualizadas de ensino da língua escrita na escola, nas quais as ativida-
des não promovem a reflexão sobre o sistema de escrita e ainda baseiam-se na mera repetição de
unidades fonêmicas.
Veja o exemplo que segue.

36
Imagem 10 - Exemplo

SOLETRANDO TAMBÉM SE APRENDE

X +A R+O P+E C+O C +A D +A

+ + + +

P+ I N+O B+U L +A P+ A N+O

+ + +

C+U C+ A D+O N +A D+I C +A

+ + +

Fonte: Adaptado do arquivo pessoal da autora por Design Unis EAD


Por outro lado, a concepção interacionista da linguagem trouxe importantes implicações
no ensino da língua. A principal mudança é a substituição dos tradicionais exercícios de descrição
gramatical e estudo de terminologias e regras que enfatizam a forma das palavras ou a sintaxe da
língua, pelo estudo do uso da língua em situações concretas de interação, percebendo as diferenças
de sentido entre uma forma de expressão e outra. “O texto passa a ser considerado o próprio lugar
37
da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e
são construídos” (KOCH, 2003, p. 17).
Desse modo, a metodologia de ensino da língua escrita, em especial do processo de alfa-
betização, não trata apenas da estrutura da língua e de suas normas como elementos isolados, mas
considera as relações entre oralidade e escrita, os aspectos linguísticos e a funcionalidade da leitura
e da escrita nos diversos gêneros que circulam socialmente como eixos de todo o trabalho pedagó-
gico.

É o processo que alguns autores denominam de “alfabetizar letrando”, que


propõe a articulação entre “descobrir a escrita” (conhecimento de suas
funções e formas de manifestação), “aprender a escrita” (compreensão das
regras e modos de funcionamento) e “usar a escrita” (cultivo de suas práti-
cas a partir de um referencial culturalmente significativo para o sujeito
Fonte: COLELLO, Silvia M. Gasparian (2004). Alfabetização e letramento: repensando o ensino da língua escrita.
Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur29/silvia.htm. Acesso em 13/12/2017.

Imagem 11 - Alfabetizar Letrando

Alfabetizar Letrando

Descobrir
a escrita

Usar a
escrita

Aprender
a escrita

Fonte: Adaptado do arquivo pessoal da autora por Design Unis EAD

38
Veja um exemplo de atividade de ensino, cuja concepção de linguagem é interacionista e se
baseia no gênero textual literário para desenvolver a sistematização do sistema de escrita.

Relato da professora Cynthia que escolheu trabalhar com sua turma o


livro “O guarda-chuva do guarda”.

“Optei pelo uso desse livro por ser um material cujos textos são
curtos, com letras de caixa alta, composto por palavras de várias estru-
turas silábicas, bem como pela linguagem lúdica e pelo jogo de palavras que o autor faz nos
poemas que compõem o livro. Para mim, obras como essas são ricas e nos dão muitas possi-
bilidades de diversificar as atividades, principalmente, no trabalho com apropriação do SEA e
ortografia. Além disso, é necessário sistematizar situações para aproximar os alunos de leituras
literárias.
Inicialmente, apresentei a obra, sinalizando as informações contidas na capa (título,
nome do autor, ilustrador e editora). Logo após, fiz a leitura da sinopse do livro no intuito de
antecipar algumas informações acerca do conteúdo do livro. Ao voltar para a capa do livro,
chamei atenção para o título “O guarda-chuva do guarda”, na tentativa de fazê-los perceber
que a palavra GUARDA tinha sentido diferente. Alguns alunos, depois que explorei a gravura,
logo disseram “tia tem o guarda-chuva e tem o guarda, o policial”. A conversa inicial foi gancho
para relatar aos alunos que o livro fazia esse jogo com as palavras, mudando o sentido de uma
mesma palavra nos poemas. Depois distribuí fotocópias dos poemas para a turma e solicitei a
leitura silenciosa. Após aquele momento, propus a leitura coletiva do texto. Em seguida, pedi
que as crianças circulassem as palavras que rimavam no poema. Logo após, incentivei os alunos
a pensarem que, mudando uma letra na palavra, muda toda a palavra. Um aluno respondeu:
“eu posso trocar de lugar as letras A e O (na palavra gato)”. A partir dessa resposta, a palavra
PATO virou TOPA, a palavra RATO virou ROTA. Em outro momento, solicitei a formação de
novas palavras, ao trocar a letra inicial por uma nova letra. Então, pedi que eles completassem
as lacunas das palavras escritas no quadro. Essa atividade demorou um pouco, pois os alunos

39
tiveram que resgatar as palavras do seu repertório.
_ATO – FATO
_ATO – MATO
_ATO – JATO
Após o trabalho de apropriação, resgatei uma estrofe do poema para trabalhar o senti-
do da palavra PENA, no intuito de resgatar o jogo de palavras que o livro propõe e que havia
antecipado às crianças no começo da leitura.”

(Fonte: Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p. 17-18).

Bom, você notou que as práticas de ensino são bem diferentes quando se concebe a língua e
a linguagem como formas de interação? Pois bem, os estudos linguísticos se interessam pela relação
que a escola estabelece com a linguagem para compreender melhor o ensino e a aprendizagem da
língua escrita. Desse modo, na próxima unidade vamos problematizar as relações entre linguagem,
educação e classe social na escola considerando a diversidade linguística.

40
III Linguagem e escola

Objetivos da Unidade

- Problematizar as relações entre linguagem, educação e classe so-


cial na escola considerando a diversidade linguística.
- Discutir o preconceito linguístico e suas implicações na sociedade
e na escola.
- Compreender a importância de se trabalhar com a variação lin-
guística.
Introdução

Esta unidade aborda aspectos da relação entre linguagem e escola, tendo por base questões
da sociolinguística, que estuda o funcionamento da língua no contexto da diversidade linguística de
nossa sociedade. Em especial trataremos do preconceito linguístico que é reproduzido e reforçado
pela escola, através de práticas excludentes de tudo o que é manifestação linguística considerada
fora do padrão da norma culta.

3.1 - A relação da escola com a linguagem

Magda Soares (1989) analisa as relações entre linguagem e escola em uma perspectiva
sociológica, baseando-se nas teses de Bourdieu sobre o mercado linguístico. A autora afirma que
as teorias da “deficiência” e da “diferença” culturais, já consagradas pela escola, não são suficientes
para explicar os problemas linguísticos, porque “[...] ambas aceitam um único saber linguístico como
legitimo, o saber das classes dominantes, e consideram como não-legítimos os demais; estes são ou
recusados ou desqualificados” (p. 54).
Na verdade, o que essas teorias fazem é conferir à escola um papel redentor no sentido de
encontrar soluções para os problemas linguísticos através de uma educação compensatória ou ainda
de um bidialetalismo funcional que cumprem muito mais a função de mascarar as desigualdades e a
marginalidade social das classes desfavorecidas.
Citando Bourdieu, Soares (1989) afirma que:

“Há também uma economia das trocas simbólicas, e, portanto, uma economia das trocas
linguísticas. Para ele, a análise da economia das trocas linguísticas – dos fenômenos relativos
à produção, distribuição e consumo da linguagem – é que pode explicar os problemas que
ocorrem nas situações de interação verbal, entre elas incluída a situação escolar.” (p.56)

Nesta perspectiva, as situações linguísticas funcionam como um mercado, cujos bens que
se trocam são as palavras e cujo valor (preço do produto linguístico) depende da posição social do
grupo a que pertence o falante. Assim, as produções linguísticas dos grupos dominantes, que detêm

42
o poder econômico e cultural, adquirem legitimidade e sua competência linguística se transforma em
capital linguístico rendendo lucro aos seus falantes.

“Quando uma língua domina um mercado, é em relação a ela, tomado como norma, que
se definem, ao mesmo tempo, os preços atribuídos às outras expressões e o valor das di-
ferentes competências. A língua dos gramáticos é um artefato que, universalmente imposto
pelas instâncias de coerção linguísticas, tem uma eficácia social na medida que funciona
como norma, através da qual se exerce a dominação dos grupos. Detendo os meios para
impô-la como legítima, os grupos detêm, ao mesmo tempo, o monopólio dos meios para
dela se apropriarem.” (BOURDIEU, 1974 apud SOARES, 1989, p. 58).

Desse modo, Magda Soares (1989, p. 54) reforça que tanto a “deficiência” como as “dife-
renças” culturais são instrumentos de exercício da “violência simbólica”, pois “dissimulam a discrimi-
nação social, pela legitimação e imposição da cultura e da linguagem do grupo dominante, em detri-
mento da cultura e da linguagem de outros grupos, e assim garantem a preservação de estratificação
social”.

3.2 - O preconceito linguístico e a escola

O que é considerado como deficiência ou diferença pela escola, Soares (1989) classifica
como uma forma de opressão social mediatizada pela própria escola, ou seja, o preconceito linguís-
tico.
Mas o que é preconceito linguístico?

“O preconceito linguístico resulta da comparação indevida entre o mo-


delo idealizado de língua que se apresenta nas gramáticas normativas
e nos dicionários e os modos de falar reais das pessoas que vivem na
sociedade, modos de falar que são muitos e bem diferentes entre si.”

Fonte: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/preconceito-linguistico

43
No vídeo, o sociolinguista Marcos Bagno fala sobre preconceito linguístico.
https://www.youtube.com/watch?v=UbdSNWv9XDQ

Marcos Bagno (1999), aborda no livro “Preconceito linguístico” a exclusão social decorrente
da forma como a língua é usada. Para o autor, a gramática normativa tradicional, tratada como se
fosse a própria língua portuguesa em si, tem sido imposta como única forma aceitável da língua,
dando margem ao poder opressor do preconceito linguístico.
Você já pensou que a escola, ao utilizar a norma culta como a forma de linguagem legítima
reconhecida socialmente desconsidera que a maior parte da clientela escolar não teve aquisição fa-
miliar do capital linguístico e, portanto, se sente estrangeira em seu próprio país? Para essa clientela,
que provém das classes desfavorecidas da sociedade, aprender a norma padrão é uma atividade
dura e penosa que, na maioria das vezes, se torna sinônimo de fracasso.

Imagem 12 - Tirinha sobre Preconceito Linguístico

Fonte: Maurício de Sousa Produções 1995

44
De acordo com Soares (1989, p. 61), as relações linguísticas se manifestam na escola de
duas formas: nas relações de comunicação pedagógica e nas relações de inculcação linguística por
meio das atividades de ensino da linguagem legítima. Nesse sentido, o professor detém o poder de
decidir quais mensagens serão transmitidas e impor sua recepção, garantindo a inculcação da cultura
“legitima” e do capital cultural através da linguagem “legítima”.
Assim, “a escola colabora com a perpetuação da divisão de classes [...] um dos instrumentos
mais eficientes para que a escola cumpra essa função [...] é o uso da linguagem ‘legítima’ e a exigência
de seu uso, na comunicação pedagógica”.

Diante disso reflita: como trabalhar a língua e a linguagem na escola conside-


rando a diversidade linguística e, ao mesmo tempo, cumprir o papel social e
democratizador no ensino das variantes de prestígio social?

A escola utiliza o mesmo ponto de partida e a mesma metodologia para todos os alunos,
usando o discurso da democratização e supondo que todos eles têm as mesmas vivências linguís-
ticas, para construir um domínio consciente da linguagem. Entretanto, como poderão desenvolver
um domínio consciente de formas de linguagem, aqueles alunos que nem mesmo têm seu domínio
prático?
Embora muitas mudanças estejam ocorrendo, ainda é comum ver resultados insatisfatórios
de desempenho dos alunos no que se refere às habilidades de leitura e escrita. Muitos afirmam que
os alunos não sabem escrever, não dominam regras gramaticais, não sabem ortografia. Infelizmente
as avaliações mostram esses dados, mas a questão que se coloca para reflexão quando discutimos a
relação da escola com a linguagem é: qual seria o papel da escola? Ensinar o domínio da norma de
prestígio social mediando uma relação de poder, ou favorecer a ampliação do repertório linguístico
dos alunos através de usos da linguagem como formas de interação na diversidade?

45
Considerando as relações entre linguagem e escola em uma abor-
dagem social podemos afirmar que o trabalho com a língua escrita reforça
atitudes excludentes provenientes de um sistema baseado nas relações de
poder, no qual a cultura linguística das classes dominantes tem hegemonia.
Dessa forma, a escola não consegue cumprir seu papel na democra-
tização do acesso aos bens culturais e reduz o ensino a atividades mecânicas e formais, num ritual
pedagógico destruidor das características fundamentais da linguagem.

3.3 - O trabalho com as variações linguísticas

O tema da variação linguística é importante porque tem relação com os preconceitos em


torno da linguagem. Na escola, determinadas construções de uso da língua são avaliadas como erros
ou como deficiências linguísticas. Isso acontece porque existe o parâmetro da língua culta conside-
rada a correta, a melhor e as demais variantes são desvalorizadas.
Muitos linguistas têm se dedicado ao estudo das variações linguísticas trazendo contribuições
no sentido de se pensar práticas de ensino da língua que considerem a riqueza da diversidade linguís-
tica. E para trabalhar a diversidade é preciso conhecer a riqueza de nossa língua falada e entender as
relações com a escrita.

Para conhecer um pouco da diversidade linguística do Brasil, assista ao


vídeo “Diferentes e peculiares sotaques brasileiros de cada região do país”.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7idFJXq4_J8. Acesso em
10/12/2017.

A compreensão da variação linguística mostra que não existe o certo e o errado, mas o
diferente. Linguisticamente todas as variantes possuem o mesmo valor dentro da cultura linguística
e cumprem seu papel na interação. No entanto, a sociedade é que atribui menor ou maior valor a
algumas variantes, ou seja, o prestígio ou o preconceito é unicamente social e não linguístico.
Como a escola deve trabalhar com a variação linguística?
46
O ponto de partida é a compreensão que se tem de língua. Saber que a língua não é homo-
gênea, nem estável, mas que varia e se renova através dos usos que as pessoas fazem dessa língua.
Assim, não dá para dizer que a função da escola é ensinar a chamada norma padrão ou culta, mas
propiciar a ampliação do repertório linguístico.
Desse modo os conteúdos e as metodologias de ensino devem mudar, saindo do concei-
to de regras e normas para a multiplicidade de usos da língua que circulam na sociedade. E isso
está relacionado a conceitos relativamente novos, letramento e multiletramentos, cuja centralidade
encontra-se nos discursos produzidos em gêneros diversos, nos quais as interações de linguagem
acontecem. Isso significa que há muitos modos de ler e de escrever, ou de produzir significados uti-
lizando-se da fala e da escrita. Mas, o que significam esses conceitos?

Letramento é o estado em que vive o indivíduo que não só sabe ler e


escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam
na sociedade em que vive: saber ler e lê jornais, revistas, livros, saber ler
e interpretar tabelas, quadros, formulários, sua carteira de trabalho, suas
contas de água, luz, telefone, saber escrever e escreve cartas, bilhetes, tele-
gramas sem dificuldade, sabe preencher um formulário, sabe redigir um ofício, um requerimento.
(Magda Soares, 2003)

Imagem 13 - Multiletramentos

MULTILETRAMENTOS

Multiplicidade de Multiplicidade semiótica


culturas; diversidade de de constituição dos
produção e circulação textos; diversidade de
dos textos linguagens

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD


47
ROJO, Roxane Helena Rodrigues; MOURA, Eduardo (orgs.). Multiletra-
mentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

Você percebeu, então, que é importante considerar a variação linguística na escola, para que
o ensino da língua promova a ampliação do repertório linguístico no contexto dos multiletramentos.
Assim, os textos devem ser o ponto de partida para o trabalho com a língua escrita, em especial para
alfabetizar. Os modos de produção, circulação e recepção sociais dos textos devem ser contempla-
dos juntamente com os conteúdos referentes à sistematização das relações entre sons e letras, no
processo de apropriação do Sistema de Escrita Alfabético - SEA.
Nesse sentido, o objeto da próxima unidade é o estudo das relações entre sons e letras e
do funcionamento do SEA, conteúdos específicos da alfabetização.

48
IV
Compreensão e
apropriação do
Sistema de Escrita
Alfabética - SEA

Objetivos da Unidade
- Compreender a relação entre a fala e a escrita.
- Identificar características do sistema de escrita alfabética da Língua
Portuguesa.
- Explicar alguns princípios de funcionamento do sistema de escrita
alfabética da Língua Portuguesa.
- Diferenciar processo de codificação e representação ou notação.
- Caracterizar consciência fonológica e suas habilidades no que se
refere à consciência de palavras, sílabas e fonemas.
Introdução

Para ensinar a língua escrita o professor deve conhecer, ainda que minimamente, o funcio-
namento do sistema alfabético do português do Brasil, no que diz respeito às relações entre sons e
letras. É preciso saber que existem princípios para organizar as formas de representação da língua
falada por meio da escrita e que isso se faz de maneira sistemática.

4.1 - Relações entre fala e escrita

Uma questão importante para a reflexão acerca da alfabetização é que o conhecimento so-
bre a escrita se constrói a partir do conhecimento que se tem da língua falada. Antes de aprender a
escrever, as crianças interagem no convívio familiar e social produzindo e compreendendo enuncia-
dos. É de se esperar, então, que diante do novo objeto, a escrita, elas recorram àquilo que já sabem
sobre a oralidade. A consequência disso é a influência de marcas e características da língua falada
na escrita. Ou seja, uma confusão entre o que é da escrita e o que é da fala. E isso nem sempre é
tratado de forma adequada pelos professores.
Para alfabetizar é preciso compreender as relações entre oralidade e escrita, portanto con-
vido você a acessar um material em vídeo que trata da relação entre a fala e a escrita.

Fala e escrita – parte 1


https://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew
Fala e escrita – parte 2
https://www.youtube.com/watch?v=6y9xK-9bbcw&t=12s
Fala e escrita – parte 3
https://www.youtube.com/watch?v=UqSfGyR1ERA&t=378s
(Acesso em 10/12/2017)

Para ensinar o sistema de escrita o professor alfabetizador precisa conhecê-lo muito bem.
Concorda? Como vamos possibilitar ao aprendiz o domínio de algo que nem nós mesmos conhece-

50
mos? Mas, infelizmente tem muito professor alfabetizando apenas mecanicamente, sem a necessária
compreensão dos fatos linguísticos da língua que ensina.

Veja, por exemplo, alguns mitos alimentados por professores


- A escrita é transcrição da fala.
- A modalidade escrita é mais culta, mais elaborada que a modalidade oral.
- Os sistemas escrito e ortográfico são sinônimos.
- Linguagem culta é o que está previsto nas gramáticas normativas.
- Ensinar Língua Portuguesa é o mesmo que ensinar gramática.

Veja agora uma prática comum que ilustra a falsa ideia de que a “escrita seria a transcrição
da fala”: os alfabetizadores lançam mão daquele procedimento didático tão comum nas primeiras
séries: pronunciar as palavras com artificialidade.
Veja: ê – lê cô-mê bô-lô dê cô-cô (Ele come bolo de coco.)

O que estão fazendo senão criar um artifício para fazer crer que toda letra deve soar sempre
com o mesmo som?... Não é mais realista mostrar desde cedo, sistematicamente, que nem sempre
é verdade que cada letra representa sempre o mesmo som da fala e que cada som da fala nem
sempre é representado na escrita com a mesma letra?
Cagliari (2003) alerta que muitos alfabetizadores parecem não ter ainda percebido que o
be-a-bá da alfabetização não é um simples be-a-bá. Na realidade dos fatos linguísticos, bê mais a nem
sempre dá bá. Bê mais ó dá bó em bola, dá bô em bolo e dá bu em cabo.

Agora veja as verdades defendidas pelos linguistas:


- A língua escrita é uma representação simbólica da língua oral, e não uma transcrição da mesma.
- A escrita é cultural, histórica, é uma tecnologia enquanto a fala é uma aptidão humana.
- As duas modalidades de uso da língua, escrita e falada, podem se estruturar nos mais diversos
dialetos.

51
- A “norma” culta, ou dialeto-padrão, NÃO é exclusividade da língua escrita.

Será que os professores estão preparados para enfrentar a complexidade do ensino da es-
crita e da leitura com conhecimento linguístico suficiente?
O que você pensa sobre isso?

4.2 - O que é o Sistema de Escrita Alfabética - SEA

O sistema de escrita da Língua Portuguesa é o alfabético. Existem outros sistemas de escrita


como silábico e o ideográfico, no qual são utilizados signos para representar ideias.
O sistema alfabético baseia-se no alfabeto, que no caso da Língua Portuguesa é composto
por 26 letras, que isoladas ou combinadas e com alguns sinais como acentos gráficos, til e cedilha,
representam os fonemas.
Confira como o alfabeto, graficamente, se apresenta:

A–B–C–D–E–F–G–H–I–J–K–L–M–N–O–P–Q–R–S–T–U–V–W–X–Y–Z

A escrita alfabética não é um código que simplesmente transpõe graficamente as unidades


sonoras mínimas da fala (fonemas) para a escrita. Mas, um sistema de representação notacional dos
segmentos sonoros da fala. (FERREIRO, 1995; MORAIS, 2004).
O que isso significa? Significa que a escrita é muito mais que o processo de codificação dos
sons da fala, pois a relação entre as letras e os sons não é direta. Então, não basta memorizar os
grafemas que correspondem aos respectivos fonemas de uma língua para dominar a escrita. Conce-
ber a escrita como sistema de representação implica a complexa tarefa de compreensão da relação
existente entre a escrita e o que ela representa (ou nota) no papel ou em outro suporte de texto.
Para Ferreiro (2001), a construção de um sistema de representação envolve um processo
de diferenciação dos elementos e relações reconhecidas no objeto a ser apresentado e uma seleção
daqueles elementos e relações que serão retidos na representação. Já no caso da codificação, tantos

52
os elementos como as relações já estão predeterminados; o novo código apenas faz encontrar uma
representação diferente para os mesmos elementos e as mesmas relações. E na criação de uma
representação, nem todos os elementos nem as relações estão predeterminadas.

Estudiosos como Ferreiro (2001) e Morais (2004; 2012) alertam que conce-
ber a escrita como um código está relacionado com a priorização das capa-
cidades perceptivas e motoras (discriminação visual, auditiva, coordenação
motora) em detrimento das questões conceituais, ou seja, a compreensão
das propriedades do sistema de escrita alfabética.

Imagem 14 - Escrita como Código e como Representação

Escrita Como
Escrita Como Código
Representação

o Ênfase nas habilidades o Processo cognitivo complexo;


perceptivas e motoras; o Atividades reflexivas;
o Repetição, memorização o Conhecer as propriedades do
de famílias silábicas; SEA;
o Codificação, decodificação o Compreender e depois
sem compreensão; memorizar as convenções;
o Textos Artificiais o Textos com sentido

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD

Precisamos reconhecer que para o aprendiz da escrita alfabética, as “regras de funcionamen-


to” ou propriedades do sistema não estão “disponíveis”, “dadas” ou “prontas” na sua mente, pois
eles não sabem no início como as letras funcionam, eles ainda não pensam em fonemas isolados.
Então, para aprender a ler e a escrever é necessário que os aprendizes compreendam o que a es-
crita representa e como isso acontece. Ou seja, é uma aprendizagem conceitual e não meramente
53
perceptivo-motora. É preciso encontrar respostas para duas questões (FERREIRO, 2001):

1. O que as letras representam (ou notam, ou substituem)?


2. Como as letras criam representações (ou notações)?

4.2.1 - Alguns princípios do Sistema de Escrita Alfabética - SEA

Morais (2012, p. 51) organiza um conjunto de propriedades relativas à notação alfabética


na língua portuguesa, de modo que o aprendiz possa, com a intervenção permanente do professor,
compreender e internalizar os princípios de funcionamento do SEA.

1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que são
diferentes de números e de outros símbolos;
2. As letras têm formatos fixos, e pequenas variações produzem mudanças em sua identidade (p, q,
b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p, P, p);
3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada;
4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao mesmo tempo
em que distintas palavras compartilham as mesmas letras;
5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem todas as letras
podem vir juntas de quaisquer outras;
6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam em
conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem;
7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos;
8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos
sons poderem ser notados com mais de uma letra;
9. Além de letras, na escrita de palavras, usam-se, também, algumas marcas (acentos)que podem
modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem;
10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV,CCV, CVV, CVC,

54
V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante- vo-
gal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma vogal.

O MEC, através do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, defende que a conso-
lidação dos direitos da aprendizagem que se referem ao domínio do sistema de escrita aconteça no
primeiro ano da alfabetização. E, para que a aprendizagem seja consolidada, é necessário o ensino
sistemático de princípios organizadores do sistema de escrita.
Veja no quadro a seguir alguns dos direitos de aprendizagem apontados pelo MEC.

Quadro 2 - Direitos de Aprendizagem

Fonte: BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa:
a aprendizagem do sistema de escrita alfabética: ano 1, unidade 3. Brasília, 2012.

55
Nós que já somos alfabetizados não paramos para pensar sobre esses co-
nhecimentos, porque já os dominamos de forma automática.
Alguém já parou para ver na escrita do português quais combinações de
letras não podem ser feitas ou que letras não aparecem no final das pala-
vras? Certamente que não! No entanto, quando assumimos a função de
alfabetizar alguém, devemos ter a clareza de que os não alfabetizados ainda não possuem esses
conhecimentos, e precisam de informações para apreender e compreender os conceitos. Portan-
to, o sistema de escrita deve ser ensinado!

Acesse o vídeo para ver uma atividade prática de ensino da escrita na qual
a professora aplica princípios da relação entre sons e letras.
https://www.youtube.com/watch?v=9Qr-YxfnYE8&t=2s
Acesso em 08/12/2017.

4.3 - Consciência fonológica e conhecimento das letras

4.3.1 - O que é consciência fonológica

A consciência fonológica é um conjunto de habilidades metalinguísticas que permitem ao


indivíduo refletir sobre os segmentos sonoros das palavras em diferentes níveis: silábico, intrassilá-
bico e fonêmico. Desse conjunto de habilidades, destaca-se: a identificação e a produção de rimas
ou de aliterações; a contagem de sílabas orais de palavras; a segmentação de palavras em silabas; a
comparação de palavras quanto ao número de sílabas. (Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa, ano 2, unidade 3).
Percebe-se pelo esquema seguinte que a consciência fonológica possui níveis distintos que
variam conforme o tipo de operação cognitiva realizada.

56
Imagem 15 - Fluxograma Consciência fonológica

Significado X
LÉXICA
som da palavra

Inicial

Consciência fonológica SILÁBICA Final-rima

Segmentação

Correspondências
FONÊMICA
fonemas - grafemas

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD

A primeira habilidade é o reconhecimento da palavra como uma unidade sonora que possui
significado. “A palavra é o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem linguística:
a relação entre conceitos e sequências de sons da fala” (LEMLE, 2001, p. 11).
Outra habilidade de consciência fonológica é a reflexão sobre partes das palavras: “[...] pro-
nunciá-las, separando-as em voz alta; juntar partes que escutamos separadas; contar as partes das
palavras; comparar palavras quanto ao tamanho ou identificar semelhanças entre alguns pedaços
sonoros; dizer palavras parecidas quanto a algum segmento sonoro, etc.” (MORAIS, 2012, p. 84).

57
Imagem 16 - Consciência Fonológica

Consciência Fonológica
Abrange todos os tipos de consciência dos sons que compõem o sistema de uma certa língua.

Níveis de consciência Intrassilábica

Divisão das palavras em


unidades maiores que um
Fonêmica
fonema individual, mas
menores que uma sílaba
Divisão das palavras em Fonêmica (RIMA e ALITERAÇÃO).
fonema individual.
Por exemplo: Identificar
quantos fonemas/sons tem Divisão das palavras em
a figura “pato” unidades silábicas Por exemplo: Identificar o que
Por exemplo: Identificar rima com “bola
quantas sílabas (pedaços)
Por exemplo: Identificar
tem a figura “dado”
quais palavras começam Por exemplo: Identificar a palavra
com /v/ que forma se tirar o LI de “LIMÃO”

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD


A consciência fonológica também envolve o reconhecimento de que os segmentos podem
estar em diferentes posições nas palavras (início, meio e final), como podem ser diferentes quanto
ao tamanho, no caso de fonemas, sílabas, unidades intrassilábicas maiores que os fonemas, rimas
formadas por mais de uma silaba. (MORAIS, 2012, p. 84).

4.3.2 - O conhecimento das letras

Para dominar o SEA – Sistema de Escrita Alfabética, o alfabetizando deverá compreender


que as palavras são escritas com letras, que possuem formatos fixos e que obedecem a uma ordem
na composição das palavras, além de relacionar os sons com as letras.

58
Imagem 17 - Conhecimento das Letras

Conhecimento das Letras


Traças letras maiúsculas Traças letras minúsculas

Relacionar letras
Distinguir letras Distinguir letras Reconhecer
maiúsculas com as
maiúsculas de minúsculas de diferentes tipos de
minúsculas
traçado semelhante traçado semelhante letras
correspondentes

M/N O/Q F/P h/n c/o l/i


A/a D/d G/g ggggg
M/W A/V Z/N p/d b/d p/q
Reconhecer letras Nomear letras Saber a ordem
alfabética

Relacionar letras
com os fonemas
que representam

Fonte: Adaptado da autora por Design Unis EAD


Para relacionar as letras com os fonemas ou sons é preciso saber reconhecê-las por seus
nomes e formatos fixos. Há letras que possuem formas muitas parecidas e que se mudamos a sua
posição podem ser identificadas com outras.
É o caso p - b - d - q.
Perceba que a diferença entre essas letras está apenas na posição, dessa forma se o aluno
não tiver muita atenção poderá trocar uma por outra, mudando a palavra.
Reconhecer letras maiúsculas e minúsculas também é um conhecimento importante para a aprendi-
zagem do sistema de escrita. Mas, não é apenas isso, pois saber que existem diversos tipos de letras
é necessário para os usos sociais da escrita, especialmente na era da tecnologia informatizada.

A – a A – a A–a A – a A – a A–a

59
Acesse o vídeo que trata do conhecimento das letras.
https://www.youtube.com/watch?v=Wp-GBz0ndMA
(Acesso em 08/12/2017)

Para promover a apropriação do SEA – Sistema de Escrita Alfabética, ou seja, para alfabetizar
é preciso garantir o domínio de algumas habilidades linguísticas, conforme vimos até aqui. É claro que
estamos tratando apenas de uma parte do processo multifacetado que é a alfabetização. Há outras
questões envolvidas, mas isto é objeto de outro guia de estudo.
Bom, mas para que você compreenda melhor os conhecimentos linguísticos da alfabetização
vamos discutir na próxima e última unidade deste guia um conjunto de saberes necessários ao do-
mínio da língua escrita, que serão apresentados de forma bem prática, com atividades que podem
ser desenvolvidas com os alfabetizandos, visando a sistematização das relações entre sons e letras.

60
V
Como sistematizar as
relações entre sons
e letras

Objetivos da Unidade
- Identificar conhecimentos necessários ao domínio da escrita e da
leitura.
- Discutir estratégias didáticas adequadas à consolidação das rela-
ções entre sons e letras.
- Discutir atividades que favoreçam o desenvolvimento de habilida-
des de consciência fonológica.
Introdução

Para aprender a ler e escrever é necessário passar por um processo sistemático de ensino
do SEA – Sistema de Escrita Alfabética. Mas, afinal, que conhecimentos e habilidades os aprendizes
devem desenvolver para serem considerados alfabetizados?
Antes de falar de práticas é necessário destacar que o processo de apropriação do SEA é
gradativo, devendo ser encaminhado de maneira adequada nas diferentes etapas do ciclo de alfabe-
tização.
Nesse sentido, Morais (2012) alerta que a apropriação do sistema de escrita não é uma
questão de maturação biológica, mas depende das oportunidades vividas dentro e fora da escola. O
autor defende que o ensino da escrita e da leitura seja assumido pela escola desde o final da edu-
cação infantil, de modo a reduzir as desigualdades com relação às habilidades de uso do sistema de
escrita. Esta é uma posição da qual partilhamos, portanto vamos discutir aqui saberes necessários ao
processo de alfabetização e apresentar algumas atividades para que você compreenda o processo
na prática.
E, para começar, indico um material em vídeo que será muito útil na aplicação das informa-
ções que aqui estão sendo veiculadas.

Programa Salto para o futuro – TV Escola: “Alfabetização: a apren-


dizagem e o ensino da leitura e da escrita”.
Conteúdos em debate: reflexão sobre o funcionamento do sistema
alfabético de escrita; os processos de apropriação do sistema alfabético
de escrita e suas relações com a consciência fonológica; planejamento de
situações didáticas destinadas ao ensino desse sistema notacional; os diversos suportes e gêneros
textuais na rotina da alfabetização e os usos sociais da leitura e da escrita; o uso de diferentes
recursos didáticos.
http://pacto.mec.gov.br/videos-listagem/item/54-salto-para-o-futuro-acervo-salto-debate-
2013-alfabetizacao-a-aprendizagem-e-o-ensino-da-leitura-e-da-escrita (Acesso em 16/12/2017)

62
5.1 - O que é preciso saber para aprender a ler e escrever?

Vários autores procuram responder essa pergunta apresentando os conhecimentos e habili-


dades envolvidos no processo de apropriação do SEA. Contudo, como o nosso foco é o estudo dos
conhecimentos linguísticos vamos citar alguns autores da área como: Miriam Lemle (2001); Cagliari
(1998; 2003); Morais (2012).
No livro Guia Teórico do Alfabetizador, Miriam Lemle (2001) apresenta os saberes básicos
que uma pessoa deve possuir para que possa aprender a ler e a escrever:
- o que é um símbolo e o que a escrita representa;
- identificar as formas das letras;
- diferenciar os sons da fala e relacioná-los com as letras;
- isolar a palavra na fala e na escrita;
- compreender a organização espacial e o movimento da escrita.

É importante esclarecer que essas capacidades não são desenvolvidas de maneira fragmen-
tada e nem possuem uma hierarquização com gradação de dificuldades. Não são como receita que
segue uma ordem determinada; elas acontecem ao mesmo tempo por meio da intervenção ade-
quada e pontual do professor.
A seguir trataremos de cada uma dessas capacidades com sugestões de atividades retiradas
de livros de alfabetização encontrados nas escolas públicas.

5.1.1 - Saber o que é um símbolo e o que a escrita representa

Para o processo de decodificação, o alfabetizando deve compreender a relação simbólica


entre sons da fala e letras do alfabeto. “A relação entre um símbolo e a coisa que simboliza é in-
teiramente arbitrária, ou seja, a razão da forma de um símbolo não está nas características da coisa
simbolizada.” (LEMLE, 2001, p. 8). Por isso, a ideia de símbolo é bastante complicada, o alfabetizan-
do deverá compreender que as letras representam os sons da fala. O professor alfabetizador deve

63
explorar a relação simbólica por meio de atividades significativas que envolvam situações vivenciadas
no cotidiano das crianças.
Imagem 18 - Exemplo de atividades que envolvam situações cotidianas das crianças
1. Represente um símbolo de um canal de televisão.
Pessoal.

2. Qual o símbolo do time de futebol para o qual você torce?

Pessoal. Professor:
Oriente os alunos
a trocarem ideias
sobre os símbolos.

3. Invente um símbolo para representar sua turma.

4. Converse com seus colegas sobre todos os símbolos desenhados.


Com a ajuda do professor, faça uma eleição do símbolo que melhor
representará sua turma.
Professor: Explore
com as crianças o
que é eleição.
Fonte: Adaptado de Freepik.com, Regina Velasquez e Sanda Capurucho (1999) por Design Unis EAD

64
5.1.2 - Saber identificar as formas das letras

Além de saber que as letras representam os sons da fala, o aprendiz da língua escrita deverá
também entender que as letras possuem formas específicas e que muitas delas são bastante seme-
lhantes. Por isso a capacidade de distinguí-las exige refinamento na percepção.
p–b
p–q
m–n
l-t
É preciso que o professor ensine os diferentes tipos de letras que circulam socialmente.
Muitos livros já trazem atividades interessantes como a que segue:

Imagem 19 - Exemplo de atividades que envolvam diferentes tipos de letras

ANÁLISE E REFLEXÃO

1. Podemos escrever papagaio com vários tipos de letra. Veja


exemplos.

Papagaio papagaio papagaio


papagaio PAPAGAIO
2. Recorte de jornais e revistas tipos diferentes de letras. Cole-os
no quadro abaixo.Você também poderá desenhar algumas letras.
Fonte: Adaptado de Olívia Franco (2001) por Design Unis EAD

O uso do alfabeto móvel é um importante recurso para a aprendizagem das letras, porém
esse trabalho não deve ser feito de maneira descontextualizada e sim a partir da significação dentro
do texto.

65
Imagem 20 - Criança brincando com alfabeto móvel

Fonte: Istock.com

Uma sugestão é utilizar o texto literário e desenvolver atividades lúdicas


através de jogos para o conhecimento das letras, de seus nomes e suas
formas. Veja o exemplo da professora Mariane Ellen (et. all)* que propôs
atividades sobre o livro “Alfabetário”.

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=48616. Acesso em


17/12/2017.

A obra traz poemas, cada um com uma das letras do alfabeto, de “A” a “Z”. No último po-
ema, intitulado “Brincadeira de roda do Carlos”, reúnem-se todas as letras, inclusive as recém-inclu-
ídas K, W e Y, e se faz uma bem-humorada paródia do poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond
de Andrade.
Veja o jogo que a professora criou.

66
JOGO DA COBRINHA SABIDA: a finalidade desse jogo é fazer com
que os alunos explorem o alfabeto e memorizem a sequência alfabética,
pré-requisito essencial para facilitar a procura em dicionários, listas, enci-
clopédias, dentre outros.
a) Forme um grupo de cinco jogadores.

b) Providencie o desenho de uma cobrinha juntamente com todas as letras do alfabeto para
cada grupo e coloque dentro de um saquinho. Como são 5 grupos, serão 5 cobrinhas e 5 al-
fabetos completos.

Imagem 21 - Jogo da Cobrinha e as Letras do Alfabeto

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=48616. Acesso em 17/12/2017.

c) Sem olhar, cada jogador pega uma peça no saco. Depois, começa tudo de novo. Cada um
pega mais uma peça, até que todos tenham cinco peças na mão.
d) A letra A não vai ser de ninguém. Se alguém tirá-la, deve colocá-la na cabeça da cobra e
pegar outra peça.
e) Com uma parlenda ou uma dinâmica ou um sorteio, decidam quem vai começar o jogo.
Estabeleça também qual vai ser a ordem das jogadas, ou seja, se elas serão no sentido horário
ou no anti-horário.

67
f) O jogador que iniciar a partida deve colocar uma letra na cobrinha, respeitando a ordem
alfabética, do começo para o fim, ou do fim para o começo. Portanto, ele deverá colocar na
cobrinha ou a letra B ou a letra Z.
g) Não é permitido colocar peça fora da sequência. Quando o jogador não tiver a peça, ele
deverá passar a vez a outro.
h) Ganha o jogo, quem encaixar primeiro todas as letras.

Imagem 22 - Jogo da Cobrinha e as Letras do Alfabeto

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=48616. Acesso em 17/12/2017.

Imagem 23 - Jogo da Cobrinha e as Letras do Alfabeto

Fonte: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=48616. Acesso em 17/12/2017.

5.1.3 - Saber discriminar os sons da fala

Se as letras simbolizam os sons, é preciso saber ouvir e identificar diferenças importantes


entre esses sons. É o que chamamos de consciência fonológica.

68
Nas palavras que seguem, por exemplo, as diferenças sonoras são pequenas e podem gerar
trocas de letras caso não sejam observadas. Veja:
pé – fé
toca – doca
tia – dia
vim – vi
faca – vaca
mato - manto
pato – gato – rato - bato – fato – jato - mato

Segundo Lemle (2001, p,. 9), “[...] só será capaz de escrever aquele que tiver a capacidade
de perceber as unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para enunciar as palavras e de distin-
guí-las conscientemente umas das outras [...] deve ter consciência dos pedacinhos que compõem a
corrente da fala e perceber as diferenças de som pertinentes à diferença de letras”.
Para ajudar no desenvolvimento da consciência fonológica, ou seja, na distinção dos sons da
fala, o professor deve:

- valorizar o som das letras e não só os nomes;


- estimular a atenção aos sons da fala – audição;
- seguir uma ordem de estimulação – palavras, sílabas ( início, final e meio) e fonemas;
- sempre correlacionar o som com a sua representação gráfica, mostrando a forma escrita;
- propor atividades com rimas e aliterações usando com canções, parlendas e brincadeiras.

Exemplos de habilidades de consciência fonológica:

- Dizer que a palavra computador é maior que a palavra casa, porque ca-
sa tem só dois pedaços e com-pu-ta-dor tem quatro;
- Identificar, dentre quatro palavras (palito, morango, parede, cavalo), que

69
as palavras palito e parede começam parecidas, porque é ‘pa e pa”;
- Identificar que as palavras vela e vaso são as que começam parecido (quando apresentadas
junto às palavras mato e roda), porque ‘começam com /va/ e /ve/;
- Falar a palavra chuveiro, quando solicitado a dizer uma palavra que terminasse parecido com
a palavra coqueiro, explicando que ‘ambas terminam com /eiro/;
- Identificar que, no interior da palavra tucano, temos outras palavras: cano, tu, tuca.
Fonte: (MORAIS, 2012, p. 85)

5.1.4 - Saber identificar a unidade “palavra”

O aprendiz da língua escrita deve saber isolar na corrente da fala as unidades que são pala-
vras, pois essas unidades é que deverão ser escritas entre dois espaços em branco. A corrente de
sons que emitimos ao falar é a representação de um sentido, de um conteúdo mental.

Quantas palavras há na frase: A BOLA DELA É AMARELA.

Para responder, o alfabetizando precisa saber que cada palavra é separada por espaços em
branco. Assim temos na frase 5 palavras. É comum os aprendizes da língua escrita pensarem que A
e É não são palavras porque possuem apenas uma letra. É preciso ensiná-los que dentro da frase
esses elementos possuem funções sintáticas.
Cagliari e Massini-Cagliari (2008, p. 138) afirmam que “a noção de palavra não é importante
somente como fruto da segmentação da fala para construir unidades escritas. Ela tem a ver também
com o significado”. Desse modo, ao segmentar a fala para descobrir as palavras é preciso ficar atento
ao significado. O professor precisa, então, propor atividades como, por exemplo:
Na frase “A menina comprou flores.” Intercalar palavras para ver se altera o sentido: “A bela
menina de chapéu comprou muitas flores.” Neste caso o sentido não foi modificado. No entanto, se
a intercalação fosse feita de outra maneira como: ame – bela – ninacom – belas – prouflo – hoje – res,
70
a frase não teria sentido. A segmentação está incorreta porque as palavras foram quebradas.
O professor pode trabalhar com atividades em que as frases são escritas em fichas com a
seguinte proposta: segmentar as palavras, cortar e depois remontar a frase introduzindo novas pala-
vras de modo que o sentido seja preservado. Veja:

O MENINO JOGA BOLA.

O MENINO JOGA BOLA

Novas palavras para serem introduzidas na frase.

CARLOS CAMPO ESCOLA DA NO

Então, a frase ficaria assim:

O MENINO CARLOS JOGA BOLA NO CAMPO


CAMPO DA
DA ESCOLA.
ESCOLA.

No início da alfabetização é comum acontecer a juntura intervocabular, ou seja, a união in-


devida de palavras na frase (umavez; nonavio; minhavó), pois a referência do aprendiz é a fala, que
se produz num contínuo, sem separação entre as palavras.
Neste caso, é necessário que o professor proponha atividades de intervenção adequadas
para a compreensão da unidade palavra na escrita e ajudar nas situações de juntura intervocabular.
No exemplo que segue, a criança tem o desafio de ler o bilhete que está escrito em juntura
intervocabular e refletir sobre o que acontece quando não segmentamos as palavras na frase.
A questão principal é descobrir o sentido da mensagem comprometido pelo processo de
juntura. O aluno terá que reescrever o bilhete isolando cada palavra de modo que mantenha o
71
sentido. É uma excelente oportunidade para pensar sobre a forma de estruturação das frases tendo
a palavra como unidade básica de significado. É evidente que uma atividade dessa natureza é para
alunos já alfabéticos.

Imagem 24 - Exemplo de atividade

Fonte: CARVALHO, Carmen Silvia & BARALDI, Maria da Graça. Construindo a escrita: gramática e ortografia. 3. ed. São
Paulo: Atica, 1997, p. 51.
72
5.1.5 - Saber como se dá a organização espacial da escrita

De acordo com Lemle (2001), outro saber que precisa ser consolidado no início do trabalho
de alfabetização é a compreensão da organização espacial da página em nosso sistema de escrita,
que se dá da esquerda para a direita e de cima para baixo. Isso precisa ser ensinado, pois faz parte de
um conjunto de habilidades técnicas que o aluno não irá desenvolver sem a intervenção adequada.
Desde muito cedo, antes de alfabetizar, as crianças devem conviver com a escrita por meio
de diversos gêneros textuais. A prática da leitura na sala de aula e o contato direto com os textos
favorecem a apropriação da organização espacial da escrita. Ao acompanhar a leitura feita pelo pro-
fessor, bem como participar de situações em que se escreve diante da criança, é possível perceber
o movimento da escrita e a sua forma de organização no papel (ou na tela do computador).
Contudo, isso não basta. É necessário que o professor acompanhe o aluno e faça interven-
ções pontuais quanto ao domínio dessa habilidade.

Com relação ao processo de decifração da escrita, Cagliari (1998) sin-


tetiza os conhecimentos que uma pessoa precisa ter para saber ler. Se-
gundo o autor, “o conhecimento dessas regras constitui o segredo da
decifração, que, por sua vez, é o segredo do processo de alfabetização”
(p. 120). São eles:
1. Conhecer a língua na qual foram escritas as palavras.
2. Conhecer o sistema de escrita.
3. Conhecer o alfabeto.
4. Conhecer as letras.
5. Conhecer a categorização gráfica das letras.
6. Conhecer a categorização funcional das letras.
7. Conhecer a ortografia.
8. Conhecer o princípio acrofônico.
9. Conhecer os nomes das letras.

73
10. Conhecer as relações entre letras e sons (leitura).
11. Conhecer as relações entre sons e letras (escrita).
12. Conhecer a ordem das letras na escrita.
13. Conhecer a linearidade da fala e da escrita.
14. Reconhecer uma palavra.
15. Nem tudo o que se escreve são letras.
16. Nem tudo que aparece na fala tem representação gráfica na escrita.
17. O alfabeto não é usado para fazer transcrições fonéticas.

Veja que a lista apresentada por Cagliari é bem mais extensa que a de Lemle, porém inclui
vários dos conhecimentos já abordados, por isso não vamos analisar cada um dos 17 itens.
Fica a sugestão para que você realize uma pesquisa na obra do autor.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo:


Scipione, 1998.

5.2 - Procedimentos de ensino para a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética –


SEA

Toda didática ou procedimento de ensino deve ser pensada em termos teórico-metodoló-


gicos, em um processo reflexivo de modo que a sua prática não seja uma mera aplicação de regras
ou técnicas. Assim Gomes e Monteiro (2005, p. 57), apresentam três princípios metodológicos, com
os quais compactuamos, para embasar práticas de alfabetização.

a) Contextualização do trabalho pedagógico


b) A natureza reflexiva dos procedimentos de ensino
74
c) A interação no processo de ensino e aprendizagem

5.2.1 - Contextualização do trabalho pedagógico

A contextualização é a maneira de dar sentido àquilo que se ensina e se aprende. No caso


do ensino do SEA, é necessário que as letras e os sons estudados estejam relacionados a contextos
que tenham significado para os alunos. Não se deve trabalhar com letras ou fonemas isolados de
palavras e textos.

5.2.2 - A natureza reflexiva dos procedimentos de ensino

Os procedimentos de ensino devem propiciar a reflexão por parte dos alunos, favorecendo
as habilidades metalinguísticas, que se baseiam na capacidade de reflexão consciente sobre os fatos
linguísticos, na relação entre escrita e fala. Normalmente as crianças chegam na escola com algum
conhecimento sobre o sistema de escrita, e são capazes de formular hipóteses sobre o seu funcio-
namento. Contudo, é preciso que o processo de alfabetização seja conduzido de forma reflexiva e
sistemática para que o alfabetizando desenvolva uma compreensão adequada acerca do SEA, bem
como se aproprie das habilidades necessárias para ler e escrever (GOMES e MONTEIRO, 2005).

5.2.3 - A interação no processo de ensino e aprendizagem

É através da interação que o sujeito confronta suas formas de pensar e reelabora hipóte-
ses de modo a avançar na compreensão. O processo de reflexão, análise e construção do SEA é
favorecido com a troca de informações e com a intervenção pontual e adequada do outro. Assim,
a organização do trabalho pedagógico é fundamental e decisiva no processo de aprendizagem dos
alunos.

75
Considerando esses três princípios metodológicos, Gomes e Monteiro (2005, p. 61-62) sugerem
os seguintes procedimentos didáticos na condução das atividades de ensino e aprendizagem do
SEA:
- Comparação: focalização de mais de um aspecto do SEA.
- Identificação: focalização de um só aspecto do SEA.
- Cópia: produção que requer do aluno atenção para os aspectos formais do SEA.
- Decomposição e composição de palavras e frases: dois procedimentos que se articulam.
- Codificação e decodificação: procedimentos básicos de leitura e escrita.
- Aplicação das regras do SEA: desfio para os alunos pensarem no funcionamento do sistema.
- Escrita sem modelo: procedimento que cria uma situação de aprendizagem e possibilita o diag-
nóstico das hipóteses da criança.
- Trabalho em grupo: procedimento de cooperação com o processo de aprendizagem do cole-
ga e de ampliação das próprias elaborações.
- Reconhecimento de palavras e unidades maiores no texto: procedimento que auxilia a fluência
da leitura.

Com relação às práticas de ensino do SEA, Morais (2012) também traz importantes contri-
buições no quarto e no quinto capítulos de seu livro “Sistema de escrita alfabética”.
Em síntese, o autor faz reflexões e sugestões sobre as atividades que:
- envolvem a reflexão de aspectos fonológicos das palavras;
- exploram palavras estáveis, como os nomes próprios e outras palavras já familiares para os alunos;
- são feitas montando e desmontando palavras com o alfabeto móvel.

Atividades de composição e decomposição de palavras: essas atividades permitem que as crianças


analisem as transformações que podem ocorrer dentro de uma mesma palavra, com o acréscimo
ou retirada de uma letra ou sílaba;

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Atividades de montagem de textos que foram trabalhados em sala: o professor pode recortar um
determinado texto (cantigas, parlendas, poemas, dentre outros) em palavras ou frases, colocar no
envelope e solicitar que os alunos façam a montagem deste. Esse tipo de atividade também pode
ser realizado com títulos de história, listas de compras, dentre outros;

Escrita de palavra que possuam uma determinada letra (adedonha, lista de palavras): esse tipo de
atividade possibilita aos alunos vivenciarem a escrita de palavras (animal, fruta, pessoa, lugar, dentre
outros agrupamentos) iniciadas com uma determinada letra, o que permite às crianças pensarem nas
relações letra-som no início das palavras.
Fonte: Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p.11

Para compreender como essas atividades podem ser desenvolvidas, acesse os seguintes
vídeos:
- Alfabetização - apropriação do sistema alfabético - Parte 1. https://www.
youtube.com/watch?v=Ne0ImYjWuf8
- Alfabetização - apropriação do sistema alfabético - Parte 2. https://www.
youtube.com/watch?v=Cwd9QcxedKE
- Alfabetização - apropriação do sistema alfabético – Parte 3. https://www.
youtube.com/watch?v=1TxV5Y2TB7Q&t=61s
(Acesso em 18/12/2017)

Ao assistir os vídeos indicados vá anotando os comentários dos especialistas sobre o proces-


so de aquisição do SEA. Destaque as atividades apresentadas e reflita sobre os seus fundamentos,
pensando em tudo o que estudamos neste guia.
77
Embora tenhamos consciência de que o conteúdo aqui desenvolvido não abrange a totali-
dade de conhecimentos necessários ao processo de alfabetização, considerando que aqui foi abor-
dada apenas a faceta linguística, ousamos discutir aspectos práticos voltados para a consolidação das
correspondências entre sons e letras, fonográficas. Lembramos que na disciplina “Alfabetização e
Letramento”, componente curricular do curso de Pedagogia, essas questões serão recuperadas na
perspectiva metodológica mais abrangente, envolvendo a leitura e a produção de textos em contex-
tos dos letramentos múltiplos.
Para finalizar este guia apresentamos uma proposta de estudo de caso, para que você possa
relacionar aspectos teórico-metodológicos com a prática de ensino.

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Estudo de Caso

Tendo em vista a necessidade de relacionar a teoria com a prática, analise as seguintes situações
didáticas apresentadas.

1- Relato de aula desenvolvida pela professora Cynthia Cybelle Rodrigues Porto, da escola municipal
do Recife Poeta Solano Trindade com a turma do 3º ano:

“Organizei a turma em duplas, entreguei um trava-língua e pedi que eles lessem para conhecer o
texto. Neste momento, houve estranhamento dos alunos, os quais julgaram o texto muito difícil de
ler, pois eram trava-línguas novos. Relembrei que o trava-língua era um texto no qual as pessoas
deviam falar o verso rápido, sem errar, sem travar a língua. Depois sugeri uma competição de trava
-línguas. Expliquei que a competição seria em dupla e, se uma pessoa da dupla tropeçasse, a dupla
erraria. Daí era preciso muito treino, através da leitura. Era um desafio! Para exemplificar a forma de
falar, apresentei o trava língua:

‘O rio Capibaribe foi descapibarizado. Quem descapibarizou o rio Capibaribe foi o descapibarizador’

Chamei atenção para a presença da letra R nas palavras presentes no trava-língua e para o fato de
que, se decorarmos o texto, é mais fácil falar sem errar, mas para isso era preciso ler o texto diversas
vezes. Os trava-línguas que distribui para as duplas tinham predominância da letra R (‘O prato de tri-
go’, ‘o rato roeu a roupa do rei’, dentre outros). Ao passear pelas duplas percebi algumas estratégias
interessantes, utilizadas pelos alunos, a fim de ler o texto. Guilherme separou as sílabas da palavra
Estudo de Caso

RODOVALHO e procurava ler junto com o colega a palavra em voz alta. O Paulo circulava, no tex-
to fotocopiado, as palavras que seu colega ainda errava, fazendo-o repetir várias vezes as palavras.Os
alunos gostaram tanto da brincadeira que diziam: ‘Tia, isso não sai mais da minha língua’. Em pouco
tempo, algumas duplas vieram até mim, para ensaiar o trava-língua. Após a leitura em dupla, pro-
movi um ensaio para que os alunos pudessem avaliar suas leituras.Durante a competição, antes da
apresentação, pedi que os alunos lessem os nomes dos trava-línguas para que eu pudesse ir listando
no quadro. Depois fiz a leitura coletiva dos títulos e iniciamos a competição. Ao trabalhar com os
trava-línguas, percebi que as crianças se sentiram motivadas pelo jogo de palavras que aqueles tex-
tos propõem. As ajudas nas duplas foram muito importantes para que a atividade gerasse interesse
na leitura e no reconhecimento de novas sílabas e palavras. Através dessa atividade, também pude
avaliara fluência em leitura de alguns alunos, além de promover situações reais de uso desse gênero
fora do contexto escolar, pois, foi comum eles fazerem relatos do tipo: ‘Tia, minha mãe riu muito
com o trava-língua do rio Capibaribe!’.”
Fonte: (Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p. 12-13).

Questões para análise

a) Faça um comentário apreciativo sobre as estratégias utilizadas pela professora.


b) Que conhecimentos sobre a escrita a professora mobilizou?
c) Que outras atividades você proporia para trabalhar essas mesmas habilidades?
Estudo de Caso

2 - Relato de atividade realizada pela professora Cynthia que escolheu trabalhar com sua turma o
livro “O guarda chuva do guarda”.

“Inicialmente, apresentei a obra, sinalizando as informações contidas na capa (título, nome do autor,
ilustrador e editora). Logo após, fiz a leitura da sinopse do livro no intuito de antecipar algumas
informações acerca do conteúdo do livro. Ao voltar para a capa do livro, chamei atenção para o
título “O guarda-chuva do guarda”, na tentativa de fazê-los perceber que a palavra GUARDA tinha
sentido diferente. Alguns alunos, depois que explorei a gravura, logo disseram “tia tem o guarda-chu-
va e tem o guarda, o policial”. A conversa inicial foi gancho para relatar aos alunos que o livro fazia
esse jogo com as palavras, mudando o sentido de uma mesma palavra nos poemas. Depois distribuí
fotocópias dos poemas para a turma e solicitei a leitura silenciosa. Após aquele momento, propus a
leitura coletiva do texto. Em seguida, pedi que as crianças circulassem as palavras que rimavam no
poema. Logo após, incentivei os alunos a pensarem que, mudando uma letra na palavra, muda toda
a palavra. Um aluno respondeu: “eu posso trocar de lugar as letras A e O (na palavra gato)”. A partir
dessa resposta, a palavra PATO virou TOPA, a palavra RATO virou ROTA. Em outro momento,
solicitei a formação de novas palavras, ao trocar a letra inicial por uma nova letra. Então, pedi que
eles completassem as lacunas das palavras escritas no quadro. Essa atividade demorou um pouco,
pois os alunos tiveram que resgatar as palavras do seu repertório.
_ATO – FATO
_ATO – MATO
_ATO – JATO
Estudo de Caso

Após o trabalho de apropriação, resgatei uma estrofe do poema para trabalhar o sentido da
palavra PENA, no intuito de resgatar o jogo de palavras que o livro propõe e que havia antecipado
às crianças no começo da leitura.”
Fonte: Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p. 17-18).

Questões para análise

a) Faça um comentário apreciativo sobre as estratégias utilizadas pela professora.


b) Com base nas informações dadas pela professora, explique os objetivos das atividades realizadas
nos seguintes aspectos:
- Diferentes significados de palavras presentes no texto;
- Reflexões sobre o SEA (consciência fonológica; relações entre sons e letras).
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CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o Ba-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.

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LEMLE, Miriam. Guia Teórico do Alfabetizador. 15. ed. São Paulo: Ática, 2001. (Série Princípios).

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