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Para a Alfabetização
Prof.ª Ma. Márcia Aparecida Resende
1ª Edição
Gestão da Educação a Distância
Cidade Universitária - Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
ead.unis.edu.br
0800 283 5665
Profa Ma.
Márcia Aparecida Resende
84 p.
Unis EaD
Cidade Universitária – Bloco C
Avenida Alzira Barra Gazzola, 650,
Bairro Aeroporto. Varginha /MG
ead.unis.edu.br
0800 283 5665
5
Caro(a) aluno(a),
Abraço,
Profa. Márcia Resende
Ementa
A Linguística e seu objeto de estudo. Linguagem e exercício da linguagem. Língua e
gramática. Comunicação e Cultura. Signo verbal e não verbal. Linguagem e escola.
Desenvolvimento da percepção da linguagem. As relações entre sons e letras. Da
leitura da palavra ao texto. Pesquisa de Campo acerca de aspecto(s) abordado(s) nos
Fundamentos Linguísticos para a Alfabetização.
Orientações
Ver o Plano de Estudos da disciplina, disponível no ambiente virtual de aprendizagem.
Palavras-chave
Alfabetização. Linguística. Escrita. Ensino. Aprendizagem
Unidade I
1. Introdução 12
1.1. O que é Linguística 12
1.1.1. A fonética e a fonologia 13
1.2. A fala e os sons do Português 14
1.2.1. Classificação dos fonemas 16
1.3. Linguística e Alfabetização 20
1.3.1. Implicações da Linguística no processo de alfabetização 22
Unidade II
2. Introdução 28
2.1. Língua, linguagem e fala 28
2.2. Diferentes concepções de língua e linguagem 29
2.2.1. Língua como sistema de signos 29
2.2.2. Língua como instrumento de comunicação 31
2.2.3. Língua como forma de interação social 32
2.3. Concepções de linguagem e práticas de ensino 34
Unidade III
3. Introdução 42
3.1. A relação da escola com a linguagem 42
3.2. O preconceito linguístico e a escola 43
3.3. O trabalho com as variações linguísticas 46
Unidade IV
4. Introdução 50
4.1. Relações entre fala e escrita 50
4.2. O que é o Sistema de Escrita Alfabética - SEA 52
4.2.1. Alguns princípios do Sistema de Escrita Alfabética - SEA 54
4.3. Consciência fonológica e conhecimento das letras 56
4.3.1. O que é consciência fonológica 56
4.3.2. O conhecimento das letras 58
Unidade V
5. Introdução 62
5.1. O que é preciso saber para aprender a ler e escrever? 63
5.1.1. Saber o que é um símbolo e o que a escrita representa 63
5.1.2. Saber identificar as formas das letras 65
5.1.3. Saber discriminar os sons da fala 68
5.1.4. Saber identificar a unidade “palavra” 70
5.1.5. Saber como se dá a organização espacial da escrita 73
5.2. Procedimentos de ensino para a apropriação do Sistema de Escrita Alfabética –
SEA 74
5.2.1. Contextualização do trabalho pedagógico 75
5.2.2. A natureza reflexiva dos procedimentos de ensino 75
5.2.3. A interação no processo de ensino e aprendizagem 75
Referências Bibliográficas 83
I A Linguística e seu
objeto de estudo
Objetivos da Unidade
- Caracterizar a Linguística e seus campos de estudo.
- Refletir sobre modos de articulação dos sons vocálicos e conso-
nantais.
- Compreender a relação entre a Linguística e o ensino da língua
escrita.
- Identificar as principais contribuições da Linguística ao processo
de alfabetização.
Introdução
- Fonética: estuda os sons da fala na sua produção e audição; faz a descrição da realidade fônica de
uma língua.
- Fonologia: estuda a funcionalidade dos sons da língua, interpreta os sons que são produzidos.
- Morfologia: estuda a estrutura interna das palavras, como os morfemas se combinam para formar
palavras.
- Sintaxe: estuda como a linguagem combina palavras para formar frases gramaticais, ou seja, como
se dá a construção dos textos.
- Semântica: estuda os significados das palavras nas frases, de acordo com o contexto.
- Pragmática: estuda como as oralizações são usadas (literalmente, figurativamente ou de quaisquer
outras maneiras) nos atos comunicativos.
- Estilística: estuda o estilo na linguagem.
- Análise de discurso: estuda fatores que interferem na produção da linguagem, que vão além das
palavras e das regras sintáticas, pois se tratam de interações com pessoas e situações diferentes.
12
Para saber mais sobre a Linguística:
FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Linguística. Vol. 1 Objetos Teóricos.
São Paulo: Contexto, 2002.
Embora essas áreas sejam mais ou menos independentes, é preciso lembrar que o funcio-
namento de uma língua envolve a articulação de componentes como: a relação entre os sons, a
estruturação de palavras, a organização das palavras em frases, o significado das palavras, bem como
o conhecimento textual-discursivo que se refere aos modos de produção e recepção dos textos em
diferentes situações de comunicação.
Cada uma dessas áreas traz contribuições importantes para o ensino da língua portuguesa
na escola, especialmente para a alfabetização, no sentido de compreender a realidade linguística dos
alunos e ensiná-los como funcionam a fala, a escrita e a leitura nos diversos contextos de uso.
Nesse sentido, veremos a seguir alguns dos conhecimentos do campo de estudos da Linguís-
tica que serão úteis ao professor no seu trabalho inicial de alfabetizar, isto é, de garantir a apropria-
ção do sistema de escrita alfabética.
A fonética estuda os sons da fala - vocálicos ou consonantais - que são produzidos pelo
aparelho fonador, cuidando dos mecanismos de produção e audição. A fonética procura analisar e
descrever a fala das pessoas da maneira como ela ocorre nas mais variadas situações da vida.
A fonologia também se ocupa do estudo dos sons da língua, porém a ênfase se dá nos seus
usos, ou seja, nos aspectos interpretativos dos sons. Cagliari (2003) exemplifica da seguinte maneira:
13
“Quando um falante diz, potxi, txia, tudu, tapa, até, etc., a Fonética constata
as pronúncias diferentes txe t, e a Fonologia interpreta essa diferença atri-
buindo um valor único a esses dois sons, uma vez que tx ocorre somente
diante da vogal i, e o t diante de outro som que não seja i. Fato semelhante
ocorre quando um falante diz ora iscada, ora escada. A ocorrência de i ou
de e não muda o significado e, segundo a Fonologia, o i e o e, neste caso, têm o mesmo valor.”
(p.43) (grifos do autor).
Veja outros exemplos:
[ p ] e [ b ] têm valores distintivos nas palavras pato e bato – mudança de significado.
Um som pode ter valor não-distintivo porque se trocado por outro não altera o significado:
[ kadeira ] [ kadera ].
Mas, em outro contexto pode ter o valor distintivo: [ dei ] [ de ] – dei e dê.
“Uma língua vive na fala das pessoas e só aí se realiza plenamente. A escrita preserva uma
língua como objeto inanimado, fossilizado. A vida de uma língua está na fala.” (CAGLIARI, 2003, p.
52).
Os sons que produzimos na fala resultam da ação combinada de uma série de dispositivos
que fazem parte da nossa anatomia. A combinação desses vários dispositivos constitui o aparelho
fonador, formado pelos órgãos: pulmões, laringe e as cavidades supra-glóticas (faringe, fossas nasais
e boca).
14
Figura 1 - Aparelho Fonador - Produção da Voz
Laringe
Nariz ARTICULAÇÃO
Faringe
Pulmão Língua
RESSONÂNCIA
Brônquios Traqueia
FONAÇÃO
RESPIRAÇÃO
15
1.2.1 Classificação dos fonemas
Os fonemas são classificados conforme a região em que os sons são produzidos no aparelho
fonador.
Os bilabiais são aqueles que necessitam do movimento dos dois lábios. Já os labiodentais
são produzidos com o toque dos dentes nos lábios. Os sons alveolares, palato-alveolares e palatais
situam-se na região mais alta da boca. Há também aqueles sons produzidos bem mais abaixo, na
garganta.
Para compreender os modos de articulação dos sons no aparelho fonador, vejamos o que
segue.
Figura 2 - Articulação dos sons no aparelho fonador
Considerando os pontos de produção dos sons temos consoantes dos seguintes tipos: oclu-
sivas, fricativas, africadas, nasais, laterais, vibrantes, retroflexas.
Oclusivas – consoantes que sofrem fechamento de algum dos órgãos (como lábios, arcada den-
tária, língua, palato, etc.) durante a passagem de ar: [P, B, T, D, K, G].
16
Fricativas – consoantes produzidas pela passagem do ar através de um canal estreito feito pela
colocação de dois articuladores próximos um ao outro: [F, V, S, Z, ∫, ʒ, x].
[f]aca
[v]aca [ch]á
[s]eca [j]á
[z]eca ca[x]ta
Africadas – Quando à oclusão segue-se uma fricção, ocorre em algumas variantes do português
brasileiro como dia e tia, que tem pronúncia de [djia] e [tchia].
Nasais – São consoantes que, em sua pronúncia, o ar expirado ressoa na cavidade nasal por
encontrar abaixados a úvula e o véu palatino. [M, ɲ, ŋ].
[m]ato
ca[m]a
[n]ato
ca[n]a
Ma[nh]a
Laterais – São consoantes pronunciadas ao fazer passar a corrente de ar nos dois cantos da boca
ao lado da língua. [L, LH]
fa[l]a fa[lh]a
Fonte: http://fonticaarticulatria.blogspot.com.br/2011/05/
17
Os sons podem ser sonoros ou surdos dependendo se há vibração das cordas vocais ou
não.
Quadro 1 - Sons sonoros e sons surdos
Papel das Cordas Vocais Surd Son Surd Son Son Son Son
Veremos a seguir a tabela de símbolos fonéticos com a distribuição dos fonemas de acordo
com os modos de articulação dos sons produzidos pelo aparelho fonador.
Cada fonema tem a letra que o representa e o símbolo fonético conforme convenção oficial
do IPA – International Phonetic Alphabet.
Na tabela o autor apresenta exemplos de palavras para que possamos compreender os usos
de cada fonema.
18
Imagem 3 - Tabela de Símbolos Fonéticos
Fonte: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 2003, p. 54.
19
1.3 Linguística e Alfabetização
Imagino que você deve estar se perguntando: mas, afinal de contas, para que devo estudar
tudo isso? Qual a relação desses conhecimentos com a alfabetização?
Essas perguntas são pertinentes e vão guiar os nossos estudos na busca por conhecimentos
que possam nos auxiliar no processo de alfabetização.
A relação entre os estudos linguísticos e a alfabetização é relativamente nova, sendo que
um dos pioneiros nessa área foi Luiz Carlos Cagliari, professor de fonética e fonologia no Instituto
de Estudos da Linguagem da Unicamp, que na década de 1990 publicou a obra “Alfabetização e
Linguística”, por várias vezes reeditada.
Imagem 4 - Capa do Livro “Alfabetização & Linguística” De acordo com Cagliari (2003), o proces-
so de aquisição da linguagem pela criança é alta-
mente complexo. Os sons de uma palavra isolada
não passam de sons como quaisquer outros. Para
serem aceitos como sons de uma palavra real,
precisam pertencer a um sistema, a uma língua. As
línguas, porém, não são feitas dos sons das pala-
vras isoladas, mas de estruturas que juntam ideias
e sons, formando palavras, frases, textos, etc. por
causa dessas características das línguas, as crianças
começam aprendendo mais a ouvir do que a fa-
lar, entendem muito mais do que falam. Somente
após certa idade, ocorre certo equilíbrio entre o
Fonte: Editora Scipione
que o falante entende e o que consegue falar.
Assim, em mais de vinte anos de estudos dedicados às questões linguísticas da alfabetização,
Luiz Carlos Cagliari defende a ideia de que a criança quando entra na escola para se alfabetizar já é
capaz de entender e falar a língua portuguesa (no caso do Brasil) com desembaraço e precisão, nas
20
mais diversas circunstâncias de sua vida. Essa criança não necessitou de nenhum treinamento especi-
fico para aprender a falar. Isso aconteceu naturalmente na interação com os falantes nativos de sua
língua. Ninguém precisou arranjar a linguagem em ordem de dificuldades crescentes para facilitar o
aprendizado da criança. Ninguém disse que ela devia fazer exercícios de discriminação auditiva para
aprender a reconhecer a fala ou para falar. Com três anos de idade a criança já é considerada falante
nativo de sua língua, ou seja, dispõe de um vocabulário e de regras gramaticais próprios da língua
que fala.
21
Imagem 5 - Tirinha “Mafalda”
Neste programa a professora Maria Irma Coudry, responsável pelo Centro de Convivên-
cia de Linguagens da Unicamp fala de suas pesquisas como as questões de linguística na alfabeti-
zação e da importância do professor neste processo.
Agora, sugiro que você faça a leitura do artigo do professor Cagliari, no qual
o autor apresenta o resumo de ideias que vem defendendo com relação a
questões linguísticas da alfabetização.
https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40140/1/01d16t05.pdf
Outra autora que trouxe para a alfabetização contribuições da Linguística é Miriam Lemle.
Na década de 1990 ela publicou um livro que facilitou a compreensão dos aspectos linguísticos da
alfabetização.
23
Imagem 6 - Capa do livro “Guia Teórico do Alfabetizador”
“O alfabetizador precisa ter as ideias claras quanto à relação entre a língua falada e a lín-
gua escrita. Ele precisa saber que a língua escrita, na nossa sociedade complexa, é uma entidade
autônoma, diferente da língua falada por quem quer que ele seja. O alfabetizador precisa ser
ajudado a não assumir a crença de que a língua escrita é o modelo da língua “certa” e a língua
falada é uma deturpação ou decomposição do certo. O alfabetizador que compreende as duas
modalidades da língua como entidades separadas sabe que a tarefa do aprendiz da língua escrita
precisa ser decomposta em várias descobertas, contraditórias entre si.
No momento inicial da aprendizagem da escrita, o alfabetizando tem que descobrir que
as letras representam sons da fala. Basicamente, toda metodologia de alfabetização pretende
conduzir o alfabetizando a depreender na sequência das letras escritas a sequência dos sons da
fala, na atividade da leitura, e, na atividade da escrita, a representar por meio de letras em sequ-
24
ência dos sons uma seqüência na cadeia da fala.
Pois bem, deve haver algum momento em que o alfabetizando descobre que as letras
não representam os sons da fala. Quando digo |pau| e |sau|, por que devo escrever pau e sal? Se
digo /disputa/ e /discuido/, por que devo escrever disputa e descuido? Por que e roça e possa,
girafa e jipe, habitação e agitação, peso e desprezo, queijo e bocejo? Tomando a variedade dia-
letal, por devo escrever clima e crime, se digo |crima| e |crime|? Por que escrever anzol e cipó,
se digo |anzó| e |cipó|? Por que escrever o baiano dançando se digo o baiano dançano?
O alfabetizador que parte para o trabalho armado da crença de que a língua escrita é
o modelo sobre o qual se deve calcar a língua falada “certa” está fadado ao insucesso, o que é
gravíssimo, uma vez que o insucesso do alfabetizador é o analfabetismo do alfabetizando.
Entretanto, o alfabetizador que compreendeu que a correspondência entre a língua
falada e a língua escrita é indireta e em vários casos irregular vai tratar de fazer ver com siste-
maticidade ao alfabetizando todos os casos em que não há uma correspondência de um para
os sons das palavras na língua falada e as letras na linguagem escrita. O alfabetizador que com-
preendeu de que a maneira se dá a correspondência entre língua falada e a língua escrita sabe
que, segundo características especiais da variedade dialetal falada pelo aprendiz, as dificuldades
maiores dos alfabetizandos se darão em pontos diferentes do repertorio de palavras.
Assim, o alfabetizando que pertence a uma comunidade que pronuncia |arraiá|, |car-
navá|, |anzó|, terá problemas de escrita diferentes daquele que pronuncia |arraiau|, |carnavau|
|anzóu|. A nenhum dos dois tipos de falante o alfabetizador precisa classificar como “falando
errado”, mas a ambos ele deverá alertar para a discrepância entre a modalidade de língua falada
e a modalidade escrita. Alertar, aliás, é um termo fraco, o alfabetizador deverá inventar meios
de ajudar o aluno a fixar a forma padrão escrita, cotejando-a com a falada, mas sem expressar
desprezo por esta. São duas variedades de língua diferentes, para ocasiões diferentes.”
25
Ver indicação do livro “Guia teórico do alfabetizador” na Biblioteca Virtual
Pearson.
Na Unidade IV retomaremos essas ideias, no contexto das relações entre sons e letras. Por
enquanto, vamos seguir com a Unidade II discutindo concepções de língua e linguagem e as implica-
ções no ensino da escrita.
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II Concepções de
linguagem e implicações
no ensino da língua
escrita
Objetivos da Unidade
- Discutir os conceitos de língua e linguagem.
- Caracterizar a escrita como produto cultural reconhecido e vali-
dado nas sociedades complexas.
- Caracterizar diferentes concepções de língua e linguagem, rela-
cionando-as a práticas de ensino da escrita na escola.
Introdução
Já vimos neste guia que a Linguística se ocupa dos estudos da linguagem para compreender
como funcionam a fala e as línguas. Bom, nesse campo científico, a ciência da linguagem foi desen-
volvendo, ao longo das décadas, diferentes concepções teóricas para explicar a linguagem verbal. E
o que isso nos interessa enquanto professores?... Interessa porque precisamos conhecer e compre-
ender o modo como a linguagem é tratada na sala de aula, em especial a forma como as atividades
de ensino da língua escrita são conduzidas.
Desse modo, vamos estudar algumas concepções de linguagem e suas implicações no pro-
cesso de ensino da língua escrita. Para isso iniciamos com a seguinte indagação: a concepção que se
tem de linguagem pode influenciar uma determinada prática escolar?
A espécie humana se diferencia de outras espécies animais, em especial, pela sua capacidade
refinada de linguagem. Só o homem é capaz de criar sistemas de representação, ou sistemas sim-
bólicos, para atribuir significados às coisas. E assim, ao longo da história, foram desenvolvidos vários
sistemas simbólicos como as línguas naturais, os sistemas de numeração e de medidas, os sinais de
trânsito, e tantos outros.
O mais importante de todos os sistemas simbólicos criados pelo homem é a linguagem
verbal, que possibilitou o desenvolvimento de todas as formas de conhecimento: as religiões, as
filosofias, as ciências, as artes.
E, desse modo, também foi possível interagir, trocar, comunicar possibilitando que cada nova
geração conheça a História e as histórias das outras gerações que a antecederam.
Para conviver em sociedade o homem utiliza a linguagem, através da qual compartilha ex-
periências, interage com as diferentes culturas, manifesta sentimentos e emoções, ensina e aprende.
Assim, a linguagem é a capacidade que os seres humanos possuem para produzir, desenvolver e
compreender a língua e outras manifestações, como a pintura, a música e a dança.
28
Uma das dimensões da linguagem é a língua que, por meio de sons da fala e gestos, permite
a comunicação e as interações.
Sabemos que a língua possui caráter múltiplo e complexo e que historicamente tem sido
estudada e definida por diferentes enfoques.
29
“A língua é um sistema de signos abstrato, que, ao mesmo tempo, constitui
um patrimônio social e um ‘conhecimento virtual existente nos cérebros
dos falantes’ de uma mesma comunidade. Já a fala é a manifestação con-
creta da língua, nos textos produzidos pelos falantes. O termo fala deve ser
compreendido em sentido amplo, abrangendo tanto o uso falado quanto
o uso escrito da língua. [...] A língua é o conhecimento interno que possibilita aos falantes mani-
festar-se na fala.”
ESTRUTURALISMO – ORIGENS
Significante e Significado
- Ninguém fala igual a ninguém – existem diferenças lingüísticas decorrentes de questões geográ-
ficas, sociais, culturais e etárias. Pessoas do nordeste falam muito diferente das pessoas do sul do
pais. Mesmo dentro de estado como Minas Gerais há marcas linguísticas distintas em cada região.
30
Jovens falam diferente dos idosos. Entretanto, mesmo falando de maneiras diferentes as pessoas se
entendem. Por quê? Elas se entendem porque falam a mesma língua, embora a fala tenha diferenças.
- A fala é heterogênea enquanto a língua pode ser considerada, de certo modo, homogênea.
- A fala é individual e a língua é coletiva.
- A fala é única, tem começo e fim. A língua que permite esses atos de fala é constante. Uma pessoa
pode parar de falar sem desativar sua língua.
- A fala é concreta, sendo constituída de ondas físicas que podem ser gravadas e analisadas. Já a lín-
gua faz parte de um sistema abstrato, uma realidade mental. (Baseado em OLIVEIRA, 2005.)
Nesta concepção a língua, que é um sistema organizado de sinais (signos) serve como meio
de comunicação entre os indivíduos. Um código que serve para a transmissão de informações. As-
sim, por meio da língua, um emissor comunica determinadas mensagens a um receptor. Para que a
comunicação se efetive, o código com suas regras deve ser dominado pelos falantes e utilizado de
maneira convencional.
Considerando tal concepção, os estudos da linguagem ficam restritos ao processo interno
de organização do código, dando ênfase à forma, ao aspecto material da língua e às relações que
constituem o seu sistema total, em detrimento do conteúdo e da significação.
31
É como se a comunicação fosse direta, sem interferências. De um lado o emissor e de outro
o receptor, ou seja, codificadores e decodificadores de uma mensagem.
Canal
Emissor Receptor
Mensagem
Código
Assim, “o texto é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser decodi-
ficado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto,
uma vez codificado, é totalmente explícito” (KOCH, 2002, p. 16).
“Nesse espaço de interação, os sujeitos que dele participam vão construindo sentidos em
suas trocas linguísticas, orais ou escritas, em função das relações que cada um mantém com
a língua, de seus conhecimentos prévios, atitudes e preconceitos, das imagens que constro-
em um sobre o outro, etc”. (COSTA VAL; VIEIRA, 2005, p. 14)
Um dos grandes defensores dessa concepção é o pesquisador russo Bakhtin (1997). Segun-
do o autor, não se pode separar a linguagem de seu conteúdo ideológico ou vivencial, já que ela
32
se constitui pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação, que é um
diálogo (no sentido amplo do termo, englobando as produções escritas).
Para Bakhtin (1997), todo enunciado tem um destinatário, entendido como a segunda pes-
soa do diálogo. O sentido do enunciado se dá através de uma compreensão ativa entre os sujeitos,
ou seja, é o efeito da interação dos interlocutores.
A atividade mental do sujeito e sua expressão exterior se constituem a partir do social,
portanto, toda a enunciação é socialmente dirigida. É no fluxo da interação verbal que a palavra se
transforma e ganha diferentes significados, de acordo com o contexto em que surge. A categoria
básica da concepção de linguagem em Bakhtin é a interação verbal, cuja realidade fundamental é o
seu caráter dialógico.
A linguagem se faz, pois, pela interação comunicativa mediada pela produção de efeitos de
sentido entre interlocutores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico,
sendo que os interlocutores são sujeitos que ocupam lugares sociais
Como fenômeno de interação, na enunciação, o interlocutor ocupa o lugar de sujeito ativo
na constituição do sentido e a linguagem articula o linguístico, o social e o ideológico. Neste proces-
so, há diferentes textos conforme as situações comunicativas e esses textos se configuram segundo
características dos gêneros textuais disponíveis nas interações sociais. Assim, a comunicação verbal
sempre se dá por meio de algum gênero que se materializa em textos, os quais assumem formas
variadas para atender a intenções diversas.
Mas, o que são gêneros textuais?
Para Schneuwly e Dolz (2004), os gêneros textuais são instrumentos culturais disponíveis
nas interações sociais; são historicamente mutáveis e relativamente estáveis; emergem em diferentes
33
domínios discursivos e se concretizam em textos, que são singulares.
Não vamos desenvolver aqui a questão dos gêneros textuais porque este não é o propósito
da ementa. Contudo, vale ressaltar que a escola precisa tomar os gêneros textuais como objeto de
ensino e de aprendizagem, de modo a favorecer a apropriação dos usos da língua no processo de
leitura e produção de textos. Nesse sentido, a proposta do PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabeti-
zação na Idade Certa traz importantes contribuições para a prática pedagógica.
34
as atividades em sala de aula, bem como os materiais didáticos utilizados.
Assim, durante muito tempo acreditou-se que ensinar Língua Portuguesa era simplesmente
fazer os alunos decorarem regras da gramática normativa. As classes gramaticais e as regras orto-
gráficas, por exemplo, eram expostas aos estudantes de forma desvinculada da realidade de uso da
língua.
Fonte: LIMA, Branca Alves de. Caminho Suave, 76ª ed., São Paulo: Editora Caminho Suave, 1974
As antigas cartilhas como a Caminho Suave não são mais usadas para alfabetizar. Contudo,
ainda assim há práticas descontextualizadas de ensino da língua escrita na escola, nas quais as ativida-
des não promovem a reflexão sobre o sistema de escrita e ainda baseiam-se na mera repetição de
unidades fonêmicas.
Veja o exemplo que segue.
36
Imagem 10 - Exemplo
+ + + +
+ + +
+ + +
Alfabetizar Letrando
Descobrir
a escrita
Usar a
escrita
Aprender
a escrita
38
Veja um exemplo de atividade de ensino, cuja concepção de linguagem é interacionista e se
baseia no gênero textual literário para desenvolver a sistematização do sistema de escrita.
“Optei pelo uso desse livro por ser um material cujos textos são
curtos, com letras de caixa alta, composto por palavras de várias estru-
turas silábicas, bem como pela linguagem lúdica e pelo jogo de palavras que o autor faz nos
poemas que compõem o livro. Para mim, obras como essas são ricas e nos dão muitas possi-
bilidades de diversificar as atividades, principalmente, no trabalho com apropriação do SEA e
ortografia. Além disso, é necessário sistematizar situações para aproximar os alunos de leituras
literárias.
Inicialmente, apresentei a obra, sinalizando as informações contidas na capa (título,
nome do autor, ilustrador e editora). Logo após, fiz a leitura da sinopse do livro no intuito de
antecipar algumas informações acerca do conteúdo do livro. Ao voltar para a capa do livro,
chamei atenção para o título “O guarda-chuva do guarda”, na tentativa de fazê-los perceber
que a palavra GUARDA tinha sentido diferente. Alguns alunos, depois que explorei a gravura,
logo disseram “tia tem o guarda-chuva e tem o guarda, o policial”. A conversa inicial foi gancho
para relatar aos alunos que o livro fazia esse jogo com as palavras, mudando o sentido de uma
mesma palavra nos poemas. Depois distribuí fotocópias dos poemas para a turma e solicitei a
leitura silenciosa. Após aquele momento, propus a leitura coletiva do texto. Em seguida, pedi
que as crianças circulassem as palavras que rimavam no poema. Logo após, incentivei os alunos
a pensarem que, mudando uma letra na palavra, muda toda a palavra. Um aluno respondeu:
“eu posso trocar de lugar as letras A e O (na palavra gato)”. A partir dessa resposta, a palavra
PATO virou TOPA, a palavra RATO virou ROTA. Em outro momento, solicitei a formação de
novas palavras, ao trocar a letra inicial por uma nova letra. Então, pedi que eles completassem
as lacunas das palavras escritas no quadro. Essa atividade demorou um pouco, pois os alunos
39
tiveram que resgatar as palavras do seu repertório.
_ATO – FATO
_ATO – MATO
_ATO – JATO
Após o trabalho de apropriação, resgatei uma estrofe do poema para trabalhar o senti-
do da palavra PENA, no intuito de resgatar o jogo de palavras que o livro propõe e que havia
antecipado às crianças no começo da leitura.”
(Fonte: Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p. 17-18).
Bom, você notou que as práticas de ensino são bem diferentes quando se concebe a língua e
a linguagem como formas de interação? Pois bem, os estudos linguísticos se interessam pela relação
que a escola estabelece com a linguagem para compreender melhor o ensino e a aprendizagem da
língua escrita. Desse modo, na próxima unidade vamos problematizar as relações entre linguagem,
educação e classe social na escola considerando a diversidade linguística.
40
III Linguagem e escola
Objetivos da Unidade
Esta unidade aborda aspectos da relação entre linguagem e escola, tendo por base questões
da sociolinguística, que estuda o funcionamento da língua no contexto da diversidade linguística de
nossa sociedade. Em especial trataremos do preconceito linguístico que é reproduzido e reforçado
pela escola, através de práticas excludentes de tudo o que é manifestação linguística considerada
fora do padrão da norma culta.
Magda Soares (1989) analisa as relações entre linguagem e escola em uma perspectiva
sociológica, baseando-se nas teses de Bourdieu sobre o mercado linguístico. A autora afirma que
as teorias da “deficiência” e da “diferença” culturais, já consagradas pela escola, não são suficientes
para explicar os problemas linguísticos, porque “[...] ambas aceitam um único saber linguístico como
legitimo, o saber das classes dominantes, e consideram como não-legítimos os demais; estes são ou
recusados ou desqualificados” (p. 54).
Na verdade, o que essas teorias fazem é conferir à escola um papel redentor no sentido de
encontrar soluções para os problemas linguísticos através de uma educação compensatória ou ainda
de um bidialetalismo funcional que cumprem muito mais a função de mascarar as desigualdades e a
marginalidade social das classes desfavorecidas.
Citando Bourdieu, Soares (1989) afirma que:
“Há também uma economia das trocas simbólicas, e, portanto, uma economia das trocas
linguísticas. Para ele, a análise da economia das trocas linguísticas – dos fenômenos relativos
à produção, distribuição e consumo da linguagem – é que pode explicar os problemas que
ocorrem nas situações de interação verbal, entre elas incluída a situação escolar.” (p.56)
Nesta perspectiva, as situações linguísticas funcionam como um mercado, cujos bens que
se trocam são as palavras e cujo valor (preço do produto linguístico) depende da posição social do
grupo a que pertence o falante. Assim, as produções linguísticas dos grupos dominantes, que detêm
42
o poder econômico e cultural, adquirem legitimidade e sua competência linguística se transforma em
capital linguístico rendendo lucro aos seus falantes.
“Quando uma língua domina um mercado, é em relação a ela, tomado como norma, que
se definem, ao mesmo tempo, os preços atribuídos às outras expressões e o valor das di-
ferentes competências. A língua dos gramáticos é um artefato que, universalmente imposto
pelas instâncias de coerção linguísticas, tem uma eficácia social na medida que funciona
como norma, através da qual se exerce a dominação dos grupos. Detendo os meios para
impô-la como legítima, os grupos detêm, ao mesmo tempo, o monopólio dos meios para
dela se apropriarem.” (BOURDIEU, 1974 apud SOARES, 1989, p. 58).
Desse modo, Magda Soares (1989, p. 54) reforça que tanto a “deficiência” como as “dife-
renças” culturais são instrumentos de exercício da “violência simbólica”, pois “dissimulam a discrimi-
nação social, pela legitimação e imposição da cultura e da linguagem do grupo dominante, em detri-
mento da cultura e da linguagem de outros grupos, e assim garantem a preservação de estratificação
social”.
O que é considerado como deficiência ou diferença pela escola, Soares (1989) classifica
como uma forma de opressão social mediatizada pela própria escola, ou seja, o preconceito linguís-
tico.
Mas o que é preconceito linguístico?
Fonte: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/preconceito-linguistico
43
No vídeo, o sociolinguista Marcos Bagno fala sobre preconceito linguístico.
https://www.youtube.com/watch?v=UbdSNWv9XDQ
Marcos Bagno (1999), aborda no livro “Preconceito linguístico” a exclusão social decorrente
da forma como a língua é usada. Para o autor, a gramática normativa tradicional, tratada como se
fosse a própria língua portuguesa em si, tem sido imposta como única forma aceitável da língua,
dando margem ao poder opressor do preconceito linguístico.
Você já pensou que a escola, ao utilizar a norma culta como a forma de linguagem legítima
reconhecida socialmente desconsidera que a maior parte da clientela escolar não teve aquisição fa-
miliar do capital linguístico e, portanto, se sente estrangeira em seu próprio país? Para essa clientela,
que provém das classes desfavorecidas da sociedade, aprender a norma padrão é uma atividade
dura e penosa que, na maioria das vezes, se torna sinônimo de fracasso.
44
De acordo com Soares (1989, p. 61), as relações linguísticas se manifestam na escola de
duas formas: nas relações de comunicação pedagógica e nas relações de inculcação linguística por
meio das atividades de ensino da linguagem legítima. Nesse sentido, o professor detém o poder de
decidir quais mensagens serão transmitidas e impor sua recepção, garantindo a inculcação da cultura
“legitima” e do capital cultural através da linguagem “legítima”.
Assim, “a escola colabora com a perpetuação da divisão de classes [...] um dos instrumentos
mais eficientes para que a escola cumpra essa função [...] é o uso da linguagem ‘legítima’ e a exigência
de seu uso, na comunicação pedagógica”.
A escola utiliza o mesmo ponto de partida e a mesma metodologia para todos os alunos,
usando o discurso da democratização e supondo que todos eles têm as mesmas vivências linguís-
ticas, para construir um domínio consciente da linguagem. Entretanto, como poderão desenvolver
um domínio consciente de formas de linguagem, aqueles alunos que nem mesmo têm seu domínio
prático?
Embora muitas mudanças estejam ocorrendo, ainda é comum ver resultados insatisfatórios
de desempenho dos alunos no que se refere às habilidades de leitura e escrita. Muitos afirmam que
os alunos não sabem escrever, não dominam regras gramaticais, não sabem ortografia. Infelizmente
as avaliações mostram esses dados, mas a questão que se coloca para reflexão quando discutimos a
relação da escola com a linguagem é: qual seria o papel da escola? Ensinar o domínio da norma de
prestígio social mediando uma relação de poder, ou favorecer a ampliação do repertório linguístico
dos alunos através de usos da linguagem como formas de interação na diversidade?
45
Considerando as relações entre linguagem e escola em uma abor-
dagem social podemos afirmar que o trabalho com a língua escrita reforça
atitudes excludentes provenientes de um sistema baseado nas relações de
poder, no qual a cultura linguística das classes dominantes tem hegemonia.
Dessa forma, a escola não consegue cumprir seu papel na democra-
tização do acesso aos bens culturais e reduz o ensino a atividades mecânicas e formais, num ritual
pedagógico destruidor das características fundamentais da linguagem.
A compreensão da variação linguística mostra que não existe o certo e o errado, mas o
diferente. Linguisticamente todas as variantes possuem o mesmo valor dentro da cultura linguística
e cumprem seu papel na interação. No entanto, a sociedade é que atribui menor ou maior valor a
algumas variantes, ou seja, o prestígio ou o preconceito é unicamente social e não linguístico.
Como a escola deve trabalhar com a variação linguística?
46
O ponto de partida é a compreensão que se tem de língua. Saber que a língua não é homo-
gênea, nem estável, mas que varia e se renova através dos usos que as pessoas fazem dessa língua.
Assim, não dá para dizer que a função da escola é ensinar a chamada norma padrão ou culta, mas
propiciar a ampliação do repertório linguístico.
Desse modo os conteúdos e as metodologias de ensino devem mudar, saindo do concei-
to de regras e normas para a multiplicidade de usos da língua que circulam na sociedade. E isso
está relacionado a conceitos relativamente novos, letramento e multiletramentos, cuja centralidade
encontra-se nos discursos produzidos em gêneros diversos, nos quais as interações de linguagem
acontecem. Isso significa que há muitos modos de ler e de escrever, ou de produzir significados uti-
lizando-se da fala e da escrita. Mas, o que significam esses conceitos?
Imagem 13 - Multiletramentos
MULTILETRAMENTOS
Você percebeu, então, que é importante considerar a variação linguística na escola, para que
o ensino da língua promova a ampliação do repertório linguístico no contexto dos multiletramentos.
Assim, os textos devem ser o ponto de partida para o trabalho com a língua escrita, em especial para
alfabetizar. Os modos de produção, circulação e recepção sociais dos textos devem ser contempla-
dos juntamente com os conteúdos referentes à sistematização das relações entre sons e letras, no
processo de apropriação do Sistema de Escrita Alfabético - SEA.
Nesse sentido, o objeto da próxima unidade é o estudo das relações entre sons e letras e
do funcionamento do SEA, conteúdos específicos da alfabetização.
48
IV
Compreensão e
apropriação do
Sistema de Escrita
Alfabética - SEA
Objetivos da Unidade
- Compreender a relação entre a fala e a escrita.
- Identificar características do sistema de escrita alfabética da Língua
Portuguesa.
- Explicar alguns princípios de funcionamento do sistema de escrita
alfabética da Língua Portuguesa.
- Diferenciar processo de codificação e representação ou notação.
- Caracterizar consciência fonológica e suas habilidades no que se
refere à consciência de palavras, sílabas e fonemas.
Introdução
Para ensinar a língua escrita o professor deve conhecer, ainda que minimamente, o funcio-
namento do sistema alfabético do português do Brasil, no que diz respeito às relações entre sons e
letras. É preciso saber que existem princípios para organizar as formas de representação da língua
falada por meio da escrita e que isso se faz de maneira sistemática.
Uma questão importante para a reflexão acerca da alfabetização é que o conhecimento so-
bre a escrita se constrói a partir do conhecimento que se tem da língua falada. Antes de aprender a
escrever, as crianças interagem no convívio familiar e social produzindo e compreendendo enuncia-
dos. É de se esperar, então, que diante do novo objeto, a escrita, elas recorram àquilo que já sabem
sobre a oralidade. A consequência disso é a influência de marcas e características da língua falada
na escrita. Ou seja, uma confusão entre o que é da escrita e o que é da fala. E isso nem sempre é
tratado de forma adequada pelos professores.
Para alfabetizar é preciso compreender as relações entre oralidade e escrita, portanto con-
vido você a acessar um material em vídeo que trata da relação entre a fala e a escrita.
Para ensinar o sistema de escrita o professor alfabetizador precisa conhecê-lo muito bem.
Concorda? Como vamos possibilitar ao aprendiz o domínio de algo que nem nós mesmos conhece-
50
mos? Mas, infelizmente tem muito professor alfabetizando apenas mecanicamente, sem a necessária
compreensão dos fatos linguísticos da língua que ensina.
Veja agora uma prática comum que ilustra a falsa ideia de que a “escrita seria a transcrição
da fala”: os alfabetizadores lançam mão daquele procedimento didático tão comum nas primeiras
séries: pronunciar as palavras com artificialidade.
Veja: ê – lê cô-mê bô-lô dê cô-cô (Ele come bolo de coco.)
O que estão fazendo senão criar um artifício para fazer crer que toda letra deve soar sempre
com o mesmo som?... Não é mais realista mostrar desde cedo, sistematicamente, que nem sempre
é verdade que cada letra representa sempre o mesmo som da fala e que cada som da fala nem
sempre é representado na escrita com a mesma letra?
Cagliari (2003) alerta que muitos alfabetizadores parecem não ter ainda percebido que o
be-a-bá da alfabetização não é um simples be-a-bá. Na realidade dos fatos linguísticos, bê mais a nem
sempre dá bá. Bê mais ó dá bó em bola, dá bô em bolo e dá bu em cabo.
51
- A “norma” culta, ou dialeto-padrão, NÃO é exclusividade da língua escrita.
Será que os professores estão preparados para enfrentar a complexidade do ensino da es-
crita e da leitura com conhecimento linguístico suficiente?
O que você pensa sobre isso?
A–B–C–D–E–F–G–H–I–J–K–L–M–N–O–P–Q–R–S–T–U–V–W–X–Y–Z
52
os elementos como as relações já estão predeterminados; o novo código apenas faz encontrar uma
representação diferente para os mesmos elementos e as mesmas relações. E na criação de uma
representação, nem todos os elementos nem as relações estão predeterminadas.
Estudiosos como Ferreiro (2001) e Morais (2004; 2012) alertam que conce-
ber a escrita como um código está relacionado com a priorização das capa-
cidades perceptivas e motoras (discriminação visual, auditiva, coordenação
motora) em detrimento das questões conceituais, ou seja, a compreensão
das propriedades do sistema de escrita alfabética.
Escrita Como
Escrita Como Código
Representação
1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que são
diferentes de números e de outros símbolos;
2. As letras têm formatos fixos, e pequenas variações produzem mudanças em sua identidade (p, q,
b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p, P, p);
3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada;
4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao mesmo tempo
em que distintas palavras compartilham as mesmas letras;
5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem todas as letras
podem vir juntas de quaisquer outras;
6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam em
conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem;
7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos;
8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos
sons poderem ser notados com mais de uma letra;
9. Além de letras, na escrita de palavras, usam-se, também, algumas marcas (acentos)que podem
modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem;
10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV,CCV, CVV, CVC,
54
V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante- vo-
gal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma vogal.
O MEC, através do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, defende que a conso-
lidação dos direitos da aprendizagem que se referem ao domínio do sistema de escrita aconteça no
primeiro ano da alfabetização. E, para que a aprendizagem seja consolidada, é necessário o ensino
sistemático de princípios organizadores do sistema de escrita.
Veja no quadro a seguir alguns dos direitos de aprendizagem apontados pelo MEC.
Fonte: BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa:
a aprendizagem do sistema de escrita alfabética: ano 1, unidade 3. Brasília, 2012.
55
Nós que já somos alfabetizados não paramos para pensar sobre esses co-
nhecimentos, porque já os dominamos de forma automática.
Alguém já parou para ver na escrita do português quais combinações de
letras não podem ser feitas ou que letras não aparecem no final das pala-
vras? Certamente que não! No entanto, quando assumimos a função de
alfabetizar alguém, devemos ter a clareza de que os não alfabetizados ainda não possuem esses
conhecimentos, e precisam de informações para apreender e compreender os conceitos. Portan-
to, o sistema de escrita deve ser ensinado!
Acesse o vídeo para ver uma atividade prática de ensino da escrita na qual
a professora aplica princípios da relação entre sons e letras.
https://www.youtube.com/watch?v=9Qr-YxfnYE8&t=2s
Acesso em 08/12/2017.
56
Imagem 15 - Fluxograma Consciência fonológica
Significado X
LÉXICA
som da palavra
Inicial
Segmentação
Correspondências
FONÊMICA
fonemas - grafemas
A primeira habilidade é o reconhecimento da palavra como uma unidade sonora que possui
significado. “A palavra é o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem linguística:
a relação entre conceitos e sequências de sons da fala” (LEMLE, 2001, p. 11).
Outra habilidade de consciência fonológica é a reflexão sobre partes das palavras: “[...] pro-
nunciá-las, separando-as em voz alta; juntar partes que escutamos separadas; contar as partes das
palavras; comparar palavras quanto ao tamanho ou identificar semelhanças entre alguns pedaços
sonoros; dizer palavras parecidas quanto a algum segmento sonoro, etc.” (MORAIS, 2012, p. 84).
57
Imagem 16 - Consciência Fonológica
Consciência Fonológica
Abrange todos os tipos de consciência dos sons que compõem o sistema de uma certa língua.
58
Imagem 17 - Conhecimento das Letras
Relacionar letras
Distinguir letras Distinguir letras Reconhecer
maiúsculas com as
maiúsculas de minúsculas de diferentes tipos de
minúsculas
traçado semelhante traçado semelhante letras
correspondentes
Relacionar letras
com os fonemas
que representam
A – a A – a A–a A – a A – a A–a
59
Acesse o vídeo que trata do conhecimento das letras.
https://www.youtube.com/watch?v=Wp-GBz0ndMA
(Acesso em 08/12/2017)
Para promover a apropriação do SEA – Sistema de Escrita Alfabética, ou seja, para alfabetizar
é preciso garantir o domínio de algumas habilidades linguísticas, conforme vimos até aqui. É claro que
estamos tratando apenas de uma parte do processo multifacetado que é a alfabetização. Há outras
questões envolvidas, mas isto é objeto de outro guia de estudo.
Bom, mas para que você compreenda melhor os conhecimentos linguísticos da alfabetização
vamos discutir na próxima e última unidade deste guia um conjunto de saberes necessários ao do-
mínio da língua escrita, que serão apresentados de forma bem prática, com atividades que podem
ser desenvolvidas com os alfabetizandos, visando a sistematização das relações entre sons e letras.
60
V
Como sistematizar as
relações entre sons
e letras
Objetivos da Unidade
- Identificar conhecimentos necessários ao domínio da escrita e da
leitura.
- Discutir estratégias didáticas adequadas à consolidação das rela-
ções entre sons e letras.
- Discutir atividades que favoreçam o desenvolvimento de habilida-
des de consciência fonológica.
Introdução
Para aprender a ler e escrever é necessário passar por um processo sistemático de ensino
do SEA – Sistema de Escrita Alfabética. Mas, afinal, que conhecimentos e habilidades os aprendizes
devem desenvolver para serem considerados alfabetizados?
Antes de falar de práticas é necessário destacar que o processo de apropriação do SEA é
gradativo, devendo ser encaminhado de maneira adequada nas diferentes etapas do ciclo de alfabe-
tização.
Nesse sentido, Morais (2012) alerta que a apropriação do sistema de escrita não é uma
questão de maturação biológica, mas depende das oportunidades vividas dentro e fora da escola. O
autor defende que o ensino da escrita e da leitura seja assumido pela escola desde o final da edu-
cação infantil, de modo a reduzir as desigualdades com relação às habilidades de uso do sistema de
escrita. Esta é uma posição da qual partilhamos, portanto vamos discutir aqui saberes necessários ao
processo de alfabetização e apresentar algumas atividades para que você compreenda o processo
na prática.
E, para começar, indico um material em vídeo que será muito útil na aplicação das informa-
ções que aqui estão sendo veiculadas.
62
5.1 - O que é preciso saber para aprender a ler e escrever?
É importante esclarecer que essas capacidades não são desenvolvidas de maneira fragmen-
tada e nem possuem uma hierarquização com gradação de dificuldades. Não são como receita que
segue uma ordem determinada; elas acontecem ao mesmo tempo por meio da intervenção ade-
quada e pontual do professor.
A seguir trataremos de cada uma dessas capacidades com sugestões de atividades retiradas
de livros de alfabetização encontrados nas escolas públicas.
63
explorar a relação simbólica por meio de atividades significativas que envolvam situações vivenciadas
no cotidiano das crianças.
Imagem 18 - Exemplo de atividades que envolvam situações cotidianas das crianças
1. Represente um símbolo de um canal de televisão.
Pessoal.
Pessoal. Professor:
Oriente os alunos
a trocarem ideias
sobre os símbolos.
64
5.1.2 - Saber identificar as formas das letras
Além de saber que as letras representam os sons da fala, o aprendiz da língua escrita deverá
também entender que as letras possuem formas específicas e que muitas delas são bastante seme-
lhantes. Por isso a capacidade de distinguí-las exige refinamento na percepção.
p–b
p–q
m–n
l-t
É preciso que o professor ensine os diferentes tipos de letras que circulam socialmente.
Muitos livros já trazem atividades interessantes como a que segue:
ANÁLISE E REFLEXÃO
O uso do alfabeto móvel é um importante recurso para a aprendizagem das letras, porém
esse trabalho não deve ser feito de maneira descontextualizada e sim a partir da significação dentro
do texto.
65
Imagem 20 - Criança brincando com alfabeto móvel
Fonte: Istock.com
A obra traz poemas, cada um com uma das letras do alfabeto, de “A” a “Z”. No último po-
ema, intitulado “Brincadeira de roda do Carlos”, reúnem-se todas as letras, inclusive as recém-inclu-
ídas K, W e Y, e se faz uma bem-humorada paródia do poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond
de Andrade.
Veja o jogo que a professora criou.
66
JOGO DA COBRINHA SABIDA: a finalidade desse jogo é fazer com
que os alunos explorem o alfabeto e memorizem a sequência alfabética,
pré-requisito essencial para facilitar a procura em dicionários, listas, enci-
clopédias, dentre outros.
a) Forme um grupo de cinco jogadores.
b) Providencie o desenho de uma cobrinha juntamente com todas as letras do alfabeto para
cada grupo e coloque dentro de um saquinho. Como são 5 grupos, serão 5 cobrinhas e 5 al-
fabetos completos.
c) Sem olhar, cada jogador pega uma peça no saco. Depois, começa tudo de novo. Cada um
pega mais uma peça, até que todos tenham cinco peças na mão.
d) A letra A não vai ser de ninguém. Se alguém tirá-la, deve colocá-la na cabeça da cobra e
pegar outra peça.
e) Com uma parlenda ou uma dinâmica ou um sorteio, decidam quem vai começar o jogo.
Estabeleça também qual vai ser a ordem das jogadas, ou seja, se elas serão no sentido horário
ou no anti-horário.
67
f) O jogador que iniciar a partida deve colocar uma letra na cobrinha, respeitando a ordem
alfabética, do começo para o fim, ou do fim para o começo. Portanto, ele deverá colocar na
cobrinha ou a letra B ou a letra Z.
g) Não é permitido colocar peça fora da sequência. Quando o jogador não tiver a peça, ele
deverá passar a vez a outro.
h) Ganha o jogo, quem encaixar primeiro todas as letras.
68
Nas palavras que seguem, por exemplo, as diferenças sonoras são pequenas e podem gerar
trocas de letras caso não sejam observadas. Veja:
pé – fé
toca – doca
tia – dia
vim – vi
faca – vaca
mato - manto
pato – gato – rato - bato – fato – jato - mato
Segundo Lemle (2001, p,. 9), “[...] só será capaz de escrever aquele que tiver a capacidade
de perceber as unidades sucessivas de sons da fala utilizadas para enunciar as palavras e de distin-
guí-las conscientemente umas das outras [...] deve ter consciência dos pedacinhos que compõem a
corrente da fala e perceber as diferenças de som pertinentes à diferença de letras”.
Para ajudar no desenvolvimento da consciência fonológica, ou seja, na distinção dos sons da
fala, o professor deve:
- Dizer que a palavra computador é maior que a palavra casa, porque ca-
sa tem só dois pedaços e com-pu-ta-dor tem quatro;
- Identificar, dentre quatro palavras (palito, morango, parede, cavalo), que
69
as palavras palito e parede começam parecidas, porque é ‘pa e pa”;
- Identificar que as palavras vela e vaso são as que começam parecido (quando apresentadas
junto às palavras mato e roda), porque ‘começam com /va/ e /ve/;
- Falar a palavra chuveiro, quando solicitado a dizer uma palavra que terminasse parecido com
a palavra coqueiro, explicando que ‘ambas terminam com /eiro/;
- Identificar que, no interior da palavra tucano, temos outras palavras: cano, tu, tuca.
Fonte: (MORAIS, 2012, p. 85)
O aprendiz da língua escrita deve saber isolar na corrente da fala as unidades que são pala-
vras, pois essas unidades é que deverão ser escritas entre dois espaços em branco. A corrente de
sons que emitimos ao falar é a representação de um sentido, de um conteúdo mental.
Para responder, o alfabetizando precisa saber que cada palavra é separada por espaços em
branco. Assim temos na frase 5 palavras. É comum os aprendizes da língua escrita pensarem que A
e É não são palavras porque possuem apenas uma letra. É preciso ensiná-los que dentro da frase
esses elementos possuem funções sintáticas.
Cagliari e Massini-Cagliari (2008, p. 138) afirmam que “a noção de palavra não é importante
somente como fruto da segmentação da fala para construir unidades escritas. Ela tem a ver também
com o significado”. Desse modo, ao segmentar a fala para descobrir as palavras é preciso ficar atento
ao significado. O professor precisa, então, propor atividades como, por exemplo:
Na frase “A menina comprou flores.” Intercalar palavras para ver se altera o sentido: “A bela
menina de chapéu comprou muitas flores.” Neste caso o sentido não foi modificado. No entanto, se
a intercalação fosse feita de outra maneira como: ame – bela – ninacom – belas – prouflo – hoje – res,
70
a frase não teria sentido. A segmentação está incorreta porque as palavras foram quebradas.
O professor pode trabalhar com atividades em que as frases são escritas em fichas com a
seguinte proposta: segmentar as palavras, cortar e depois remontar a frase introduzindo novas pala-
vras de modo que o sentido seja preservado. Veja:
Fonte: CARVALHO, Carmen Silvia & BARALDI, Maria da Graça. Construindo a escrita: gramática e ortografia. 3. ed. São
Paulo: Atica, 1997, p. 51.
72
5.1.5 - Saber como se dá a organização espacial da escrita
De acordo com Lemle (2001), outro saber que precisa ser consolidado no início do trabalho
de alfabetização é a compreensão da organização espacial da página em nosso sistema de escrita,
que se dá da esquerda para a direita e de cima para baixo. Isso precisa ser ensinado, pois faz parte de
um conjunto de habilidades técnicas que o aluno não irá desenvolver sem a intervenção adequada.
Desde muito cedo, antes de alfabetizar, as crianças devem conviver com a escrita por meio
de diversos gêneros textuais. A prática da leitura na sala de aula e o contato direto com os textos
favorecem a apropriação da organização espacial da escrita. Ao acompanhar a leitura feita pelo pro-
fessor, bem como participar de situações em que se escreve diante da criança, é possível perceber
o movimento da escrita e a sua forma de organização no papel (ou na tela do computador).
Contudo, isso não basta. É necessário que o professor acompanhe o aluno e faça interven-
ções pontuais quanto ao domínio dessa habilidade.
73
10. Conhecer as relações entre letras e sons (leitura).
11. Conhecer as relações entre sons e letras (escrita).
12. Conhecer a ordem das letras na escrita.
13. Conhecer a linearidade da fala e da escrita.
14. Reconhecer uma palavra.
15. Nem tudo o que se escreve são letras.
16. Nem tudo que aparece na fala tem representação gráfica na escrita.
17. O alfabeto não é usado para fazer transcrições fonéticas.
Veja que a lista apresentada por Cagliari é bem mais extensa que a de Lemle, porém inclui
vários dos conhecimentos já abordados, por isso não vamos analisar cada um dos 17 itens.
Fica a sugestão para que você realize uma pesquisa na obra do autor.
Os procedimentos de ensino devem propiciar a reflexão por parte dos alunos, favorecendo
as habilidades metalinguísticas, que se baseiam na capacidade de reflexão consciente sobre os fatos
linguísticos, na relação entre escrita e fala. Normalmente as crianças chegam na escola com algum
conhecimento sobre o sistema de escrita, e são capazes de formular hipóteses sobre o seu funcio-
namento. Contudo, é preciso que o processo de alfabetização seja conduzido de forma reflexiva e
sistemática para que o alfabetizando desenvolva uma compreensão adequada acerca do SEA, bem
como se aproprie das habilidades necessárias para ler e escrever (GOMES e MONTEIRO, 2005).
É através da interação que o sujeito confronta suas formas de pensar e reelabora hipóte-
ses de modo a avançar na compreensão. O processo de reflexão, análise e construção do SEA é
favorecido com a troca de informações e com a intervenção pontual e adequada do outro. Assim,
a organização do trabalho pedagógico é fundamental e decisiva no processo de aprendizagem dos
alunos.
75
Considerando esses três princípios metodológicos, Gomes e Monteiro (2005, p. 61-62) sugerem
os seguintes procedimentos didáticos na condução das atividades de ensino e aprendizagem do
SEA:
- Comparação: focalização de mais de um aspecto do SEA.
- Identificação: focalização de um só aspecto do SEA.
- Cópia: produção que requer do aluno atenção para os aspectos formais do SEA.
- Decomposição e composição de palavras e frases: dois procedimentos que se articulam.
- Codificação e decodificação: procedimentos básicos de leitura e escrita.
- Aplicação das regras do SEA: desfio para os alunos pensarem no funcionamento do sistema.
- Escrita sem modelo: procedimento que cria uma situação de aprendizagem e possibilita o diag-
nóstico das hipóteses da criança.
- Trabalho em grupo: procedimento de cooperação com o processo de aprendizagem do cole-
ga e de ampliação das próprias elaborações.
- Reconhecimento de palavras e unidades maiores no texto: procedimento que auxilia a fluência
da leitura.
Com relação às práticas de ensino do SEA, Morais (2012) também traz importantes contri-
buições no quarto e no quinto capítulos de seu livro “Sistema de escrita alfabética”.
Em síntese, o autor faz reflexões e sugestões sobre as atividades que:
- envolvem a reflexão de aspectos fonológicos das palavras;
- exploram palavras estáveis, como os nomes próprios e outras palavras já familiares para os alunos;
- são feitas montando e desmontando palavras com o alfabeto móvel.
76
Atividades de montagem de textos que foram trabalhados em sala: o professor pode recortar um
determinado texto (cantigas, parlendas, poemas, dentre outros) em palavras ou frases, colocar no
envelope e solicitar que os alunos façam a montagem deste. Esse tipo de atividade também pode
ser realizado com títulos de história, listas de compras, dentre outros;
Escrita de palavra que possuam uma determinada letra (adedonha, lista de palavras): esse tipo de
atividade possibilita aos alunos vivenciarem a escrita de palavras (animal, fruta, pessoa, lugar, dentre
outros agrupamentos) iniciadas com uma determinada letra, o que permite às crianças pensarem nas
relações letra-som no início das palavras.
Fonte: Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p.11
Para compreender como essas atividades podem ser desenvolvidas, acesse os seguintes
vídeos:
- Alfabetização - apropriação do sistema alfabético - Parte 1. https://www.
youtube.com/watch?v=Ne0ImYjWuf8
- Alfabetização - apropriação do sistema alfabético - Parte 2. https://www.
youtube.com/watch?v=Cwd9QcxedKE
- Alfabetização - apropriação do sistema alfabético – Parte 3. https://www.
youtube.com/watch?v=1TxV5Y2TB7Q&t=61s
(Acesso em 18/12/2017)
78
Estudo de Caso
Tendo em vista a necessidade de relacionar a teoria com a prática, analise as seguintes situações
didáticas apresentadas.
1- Relato de aula desenvolvida pela professora Cynthia Cybelle Rodrigues Porto, da escola municipal
do Recife Poeta Solano Trindade com a turma do 3º ano:
“Organizei a turma em duplas, entreguei um trava-língua e pedi que eles lessem para conhecer o
texto. Neste momento, houve estranhamento dos alunos, os quais julgaram o texto muito difícil de
ler, pois eram trava-línguas novos. Relembrei que o trava-língua era um texto no qual as pessoas
deviam falar o verso rápido, sem errar, sem travar a língua. Depois sugeri uma competição de trava
-línguas. Expliquei que a competição seria em dupla e, se uma pessoa da dupla tropeçasse, a dupla
erraria. Daí era preciso muito treino, através da leitura. Era um desafio! Para exemplificar a forma de
falar, apresentei o trava língua:
‘O rio Capibaribe foi descapibarizado. Quem descapibarizou o rio Capibaribe foi o descapibarizador’
Chamei atenção para a presença da letra R nas palavras presentes no trava-língua e para o fato de
que, se decorarmos o texto, é mais fácil falar sem errar, mas para isso era preciso ler o texto diversas
vezes. Os trava-línguas que distribui para as duplas tinham predominância da letra R (‘O prato de tri-
go’, ‘o rato roeu a roupa do rei’, dentre outros). Ao passear pelas duplas percebi algumas estratégias
interessantes, utilizadas pelos alunos, a fim de ler o texto. Guilherme separou as sílabas da palavra
Estudo de Caso
RODOVALHO e procurava ler junto com o colega a palavra em voz alta. O Paulo circulava, no tex-
to fotocopiado, as palavras que seu colega ainda errava, fazendo-o repetir várias vezes as palavras.Os
alunos gostaram tanto da brincadeira que diziam: ‘Tia, isso não sai mais da minha língua’. Em pouco
tempo, algumas duplas vieram até mim, para ensaiar o trava-língua. Após a leitura em dupla, pro-
movi um ensaio para que os alunos pudessem avaliar suas leituras.Durante a competição, antes da
apresentação, pedi que os alunos lessem os nomes dos trava-línguas para que eu pudesse ir listando
no quadro. Depois fiz a leitura coletiva dos títulos e iniciamos a competição. Ao trabalhar com os
trava-línguas, percebi que as crianças se sentiram motivadas pelo jogo de palavras que aqueles tex-
tos propõem. As ajudas nas duplas foram muito importantes para que a atividade gerasse interesse
na leitura e no reconhecimento de novas sílabas e palavras. Através dessa atividade, também pude
avaliara fluência em leitura de alguns alunos, além de promover situações reais de uso desse gênero
fora do contexto escolar, pois, foi comum eles fazerem relatos do tipo: ‘Tia, minha mãe riu muito
com o trava-língua do rio Capibaribe!’.”
Fonte: (Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p. 12-13).
2 - Relato de atividade realizada pela professora Cynthia que escolheu trabalhar com sua turma o
livro “O guarda chuva do guarda”.
“Inicialmente, apresentei a obra, sinalizando as informações contidas na capa (título, nome do autor,
ilustrador e editora). Logo após, fiz a leitura da sinopse do livro no intuito de antecipar algumas
informações acerca do conteúdo do livro. Ao voltar para a capa do livro, chamei atenção para o
título “O guarda-chuva do guarda”, na tentativa de fazê-los perceber que a palavra GUARDA tinha
sentido diferente. Alguns alunos, depois que explorei a gravura, logo disseram “tia tem o guarda-chu-
va e tem o guarda, o policial”. A conversa inicial foi gancho para relatar aos alunos que o livro fazia
esse jogo com as palavras, mudando o sentido de uma mesma palavra nos poemas. Depois distribuí
fotocópias dos poemas para a turma e solicitei a leitura silenciosa. Após aquele momento, propus a
leitura coletiva do texto. Em seguida, pedi que as crianças circulassem as palavras que rimavam no
poema. Logo após, incentivei os alunos a pensarem que, mudando uma letra na palavra, muda toda
a palavra. Um aluno respondeu: “eu posso trocar de lugar as letras A e O (na palavra gato)”. A partir
dessa resposta, a palavra PATO virou TOPA, a palavra RATO virou ROTA. Em outro momento,
solicitei a formação de novas palavras, ao trocar a letra inicial por uma nova letra. Então, pedi que
eles completassem as lacunas das palavras escritas no quadro. Essa atividade demorou um pouco,
pois os alunos tiveram que resgatar as palavras do seu repertório.
_ATO – FATO
_ATO – MATO
_ATO – JATO
Estudo de Caso
Após o trabalho de apropriação, resgatei uma estrofe do poema para trabalhar o sentido da
palavra PENA, no intuito de resgatar o jogo de palavras que o livro propõe e que havia antecipado
às crianças no começo da leitura.”
Fonte: Caderno do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, ano 3, unidade 3, p. 17-18).
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