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ANTROPOLOGIA E DIREITO

1. Conexões
- O mundo jurídico: complexo. 
-A ciência do direito (Tercio Sampaio Ferraz Jr.) envolve um
problema de decisão de conflitos sociais, motivo pelo qual
tem por objeto central o próprio ser humano que, por seu
comportamento, entra em conflito e cria normas para
decidi-lo.
- O ser humano é o centro articulador do pensamento
antropológico e do pensamento jurídico.
- Então, as conexões do direito com a antropologia são
evidentes, pois o ser humano é objeto central dessas duas
áreas do conhecimento.
1.1 Aproximações e Afastamentos
- Definir direito é uma tarefa difícil e controversa.
- Conceituar o direito consiste em compreendê-lo como um fenômeno
universal, mas, sobretudo cultural.
 - Existem 2 tipos de definições:
 a) as genéricas
- Quando vistas isoladas no contexto de onde vêm são imprestáveis para
traçar os limites daquilo que se define. 
- Ex: direito é a intenção firme e constante de dar a cada um o que é seu,
não lesar os outros e realizar a justiça – definição inspirada nos
jurisconsultos romanos.
b) as restritivas
- Tem dificuldades insuperáveis, por que, em virtude de serem muito
circunstanciadas, perdem a sua pretendida universalidade.
- Direito é o conjunto das regras dotadas de coatividade e emanadas do
poder constituído – definição inspirada no positivismo jurídico.
 - As duas definições sãos questionadas!!
- Qual o enfoque teórico adotado????

- A primeira (definição genérica) predomina um


enfoque zetético e a segunda (definição
restritiva) predomina um enfoque dogmático.

- Não existe uma linha divisória entre zetética e


dogmática, porque toda investigação jurídica
sempre utiliza os dois enfoques, mas a diferença
é importante quando se aponta o predomínio de
um enfoque sobre o outro.
- O ENFOQUE DOGMÁTICO: não questiona suas
premissas (dogmas), predomina o sentido
diretivo do discurso, visa dirigir o
comportamento de uma pessoa, induzindo-a a
adotar uma ação.

- A dogmática jurídica enfoca mais as premissas


técnicas (normas jurídicas), suas
sistematizações, classificações, divisões e
conceitos.
- O ENFOQUE ZETÉTICO: preocupa-se com o problema
especulativo, predomina o sentido informativo do
discurso, visa portanto descrever certo estado das coisas.
 
- ZETÉTICO: “zetein” –perquirir (perguntar, sondar,
estudar com o fim de aprender, busca do conhecimento
pela formulação de questões), investigação minuciosa.
 
Construindo a partir do conhecimento, modelos. As leis
do direito é algo imutável (zetético), o enfoque zetético
parte de uma evidência, questionável, mutável.
 
- Na linha zetética jurídica enfatiza os aspectos
antropológicos, filosóficos, históricos e sociológicos,
insistindo sobre a inserção do direito no universo da
cultura, da justiça, da história e dos fatos sociais.

- No enfoque dogmático, ao contrário, o não


questionamento acontece por que a premissa é
considerada estabelecida (seja de que modo for, por
um ato de vontade, de poder ou de arbítrio) como
inquestionável. O enfoque dogmático parte de uma
premissa estabelecida não questionável, imutável.
- Assim, numa perspectiva dogmática o direito
tende a se afastar da antropologia e de outras
áreas do conhecimento; enquanto numa
perspectiva zetética, o direito se aproxima da
antropologia e de outras áreas do
conhecimento.

- O DIREITO É DOGMÁTICO E A INTERPRETAÇÃO


DO DIREITO É ZETÉTICO.
1.2 O fenômeno jurídico
- Compreender o direito é compreender parte de nós
mesmos.
- O direito é um mistério, o mistério do princípio e do
fim da sociedade humana.
- De um lado, o direito nos protege do poder arbitrário
exercido à margem de toda regulamentação, dá
oportunidades iguais e ampara os desfavorecidos.
- Por outro lodo, é também um instrumento manipulável
que frustra as aspirações dos menos privilegiados e
permite o uso de técnicas de controle de dominação.
 
1.3 Estudo do direito
- A partir do século XIX, como resultado da
positivação do direito, passa a predominar no
estudo jurídico o enfoque dogmático e a ciência
jurídica passa a ser concebida como ciência
dogmática.
- No mundo de hoje o direito é um fenômeno
burocratizado, um instrumento de poder, e a
ciência jurídica, como uma tecnologia.
- Visão alienada: não perceber o direito como
instrumento de gestão social, não enxergar a
função social das normas jurídicas.
- Não é possível isolar normas jurídicas de suas
condicionantes situadas na antropologia,
sociologia, economia, biologia, política, etc.
- Para Ferraz Jr. a complexidade do mundo está
exigindo novas formas de manifestação do
fenômeno jurídico.
2. Antropologia Jurídica 
- A antropologia jurídica demonstra sua
utilidade quando permite descobrir o direito
que se encontra encoberto pelos códigos.

- Essa utilidade também se evidencia quando


prepara a sociedade para aceitar um direito
mais maleável, punições flexíveis, mediações em
vez de julgamentos.
- A nova orientação da antropologia jurídica
auxilia na correção do desvirtuamento teórico
que consistiu em suprimir dos estudos
acadêmicos a produção não estatal.

- Desta forma, a antropologia tem colocado em


destaque o fenômeno conhecido como
pluralismo jurídico.
2.1. Pluralismo Jurídico
 
- Pressupõe a existência de mais de um direito ou ordem
normativa no mesmo espaço geográfico.
 
- No início do século XX, com o avanço das teses do
positivismo jurídico, o pluralismo perdeu força e ficou
praticamente esquecido.
 
- Na segunda metade do século XX retorna com todo vigor
para constituir tema da antropologia do direito, sendo
hoje um dos problemas mais amplamente tratados por
essa disciplina.
- Exemplo: associações de moradores de favelas
do RJ.

- Foi se desenvolvendo uma prática e um


discurso jurídico que possibilitou o surgimento
de um novo direito: o direito da favela.

- Direito da favela: direito paralelo não oficial.


- A administração paralela recupera estruturas
administrativas de tipo popular ou participativo
há muito abandonadas ou marginalizadas.

- O processamento das questões é informal, oral


e por vezes nem sequer a sentença é reduzida a
escrito. 

- Esse modelo “marginal” tem inspirado reformas


no âmbito do direito estatal, principalmente com
os tribunais de pequenas causas e a aplicação das
denominadas penas alternativas.
2.2 Justiça estatal x Justiça Comunitária

- Direito da favela X Direito estatal.


 
- O direito estatal é mais formalista e legalista,
com maior poder coercitivo, elitista e
autoritário.

- Tem três componentes estruturais básicos: a


retórica, burocracia e a violência.
• Retórica: baseia-se na produção de persuasão
e de adesão voluntária através da mobilização
do potencial argumentativo de sequências e
artefatos verbais e não verbais socialmente
aceitos.
• Burocracia: imposição autoritária por meio da
mobilização do potencial administrativo de
conhecimento profissional das regras formais
e dos procedimentos hierarquicamente
organizados.
• Violência: uso ou ameaça de força física.
• Retórica: baseia-se na produção de persuasão
e de adesão voluntária através da mobilização
do potencial argumentativo de sequências e
artefatos verbais e não verbais socialmente
aceitos.
• Burocracia: imposição autoritária por meio da
mobilização do potencial administrativo de
conhecimento profissional das regras formais
e dos procedimentos hierarquicamente
organizados.
• Violência: uso ou ameaça de força física.
- Problema: abandono da retórica e progressiva
expansão da burocracia e da violência.
- É a justiça comunitária, que pressupõe a
mediação ou conciliação através de instâncias e
instituições que sejam descentralizadas e
informais e que possam substituir ou
complementar o direito tradicional.
- O direito da favela favorece a emergência de
um modelo jurídico dominado pela retórica,
portanto, permite atingir formar de superar a
crise do paradigma tradicional do direito.

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