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AULA – TEMAS SOBRE CULTURA

1. Relativismo Cultural

- Os indivíduos adquirem seus próprios sistemas de valores e sua


própria integridade cultural.

- As culturas diferem umas das outras em relação aos postulados


básicos, embora tenham características comuns.

- Toda cultura é considerada como configuração saudável para os


indivíduos que a praticam,

- Todos os povos formulam juízos em relação aos modos de vida


diferentes dos seus.

- Por isso, o relativismo cultural não concorda com a ideia de


normas e valores absolutos e defende o pressuposto de que as
avaliações devem ser sempre relativas à própria cultura onde
surgem.

- Os padrões ou valores de certo ou errado, dos usos e costumes,


das sociedades em geral estão relacionados com a cultura da qual
fazem parte.

- Dessa forma, um costume pode ser válido em relação a um


ambiente cultural e não a outro, ser repudiado.

EX: no BRA come-se manteiga; na África, ela serve para untar o


corpo.
Pescoços longos (mulheres-girafas da Birmânia), lábios deformados
(indígenas brasileiros), nariz furado das indianas, escarificação
facial (entre aborígenes australianos) são valores culturais para
essas sociedades. Esses tipos de adornos significam beleza.
O infanticídio e o geronticídio, costumes praticados em algumas
culturas (esquimós), são totalmente rejeitados por outros.

2. Etnocentrismo

- O conceito de etnocentrismo está relacionado ao de relativismo


cultural.

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- A posição relativista liberta o indivíduo das perspectivas
deturpadora do etnocentrismo, que significa a supervalorização da
própria cultura em detrimento das demais.

- Todos os indivíduos são portadores desse sentimento e a


tendência na avaliação cultural é julgar as culturas segundo os
moldes da própria.

- A ocorrência da grande diversidade de culturas vem testemunhar


que já modos de vida bons para um grupo que jamais serviriam
para outro.

- O etnocentrismo pode ser manifestado no comportamento


agressivo ou em atitudes de superioridade e até de hostilidade.

- A discriminação, a violência, a agressividade verbal são outras


formas de expressar o etnocentrismo.

- Contudo, o etnocentrismo também apresenta um aspecto positivo:


ao ser agente de valorização do próprio grupo.

- Seus integrantes passam a considerar e a aceitar o seu modo de


vida como o melhor, o mais saudável, o que favorece o bem-estar
individual e a integração social.

3. Estrutura da Cultura:

- Conceitos de traços, complexos e padrões culturais foram


desenvolvidos por antropólogos para analisar cultura.

*Traços culturais: são os menores elementos que permitem a


descrição da cultura. É a menor unidade ou componente
significativo da cultura.
Ex: o arco e a flecha (arma); caneta – objeto definido, mas só
funciona como unidade cultural sendo associada com a tinta.

- Alguns traços culturais são simples objeto, ou seja, cadeira, mesa,


brinco, colar, machado, vestido, carro, habitação etc.

- Os traços culturais não materiais compreendem atitudes,


comunicação, habilidades. Ex: aperto de mão, beijo, oração, festa,
técnica artesanal etc.

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- Em cada cultura, devem-se estudar não só os diferentes traços
culturais encontrados, mas, principalmente, a relação existente
entre eles.

*Complexos culturais: Consistem no conjunto de traços ou


num grupo de traços associados, formando um todo funcional; ou
ainda um grupo de características culturais interligadas,
encontrando em uma área cultural.

- O complexo cultural engloba todas as atividades relacionadas com


o traço cultural.

EX: o carnaval brasileiro, que reúne um grupo de traços ou


elementos relacionados entre si, ou seja, carros alegóricos, música,
dança, desfile, etc.
A cultura do café, que abrange técnicas agrícolas, instrumentos,
meios de transporte, máquinas, etc.

*Padrões culturais: é o agrupamento de complexos culturais


de um interesse ou tema central do qual deriva o seu significado.
É uma norma comportamental estabelecida pelos membros de
determinada cultura (forma: características dos elementos – casas
cobertas de telhas e não de madeira; psicológico: quando se refere
à conduta das pessoas – comer com talher e não com pauzinhos).

- O padrão cultura é um comportamento generalizado e


regularizado; é aceitável ou não na conduta de uma dada cultura.

- O comportamento do indivíduo é influenciado pelos padrões


da cultura em que vive.

- Quando muitas pessoas, em dada sociedade, agem da


mesma forma ou modo, durante um largo período de tempo,
desenvolve-se um padrão cultural.
Ex: matrimônio, como padrão cultural, engloba o complexo
do casamento, que inclui vários traços (cerimônia, aliança, roupas,
flores, presentes, etc); o complexo da vida familiar, de cuidar da
casa, de criar os filhos, de educar as crianças.
Ia à igreja aos domingos, participar do carnaval, assistir ao
futebol, comer três vezes ao dia são exemplos de padrões de
comportamento que constituem a cultura total.

4. Processo Culturais

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Processo é a maneira, consciente ou inconsciente, pela qual
as coisas se realizam, sem comportam ou se organizam.

As culturas mudam continuamente, assimilam novos traços ou


abandonam os antigos, através de diferentes formas.

- Crescimento, transmissão, difusão, estagnação, declínio,


fusão são aspectos aos quais as culturas estão sujeitas.

4.1Mudança Cultural: é qualquer alteração na cultura, sejam


traços, complexos, padrões ou toda uma cultura, o que é mais raro.

- O aumento ou diminuição das populações, as migrações, os


contatos com povos e culturas diferentes, as inovações científicas e
tecnológicas, as catástrofes (pedras de safras, epidemias, guerras),
as depressões econômicas, podem exercer influência, levando a
alterações significativas na cultura de uma sociedade.

- As mudanças podem ser realizadas com lentidão ou rapidez.

- Podem surgir em consequência de fatores internos –


endógenos (descoberta e invenção) ou externos – exógenos
(difusão cultural).

- Assim, há mudança quando:


a) novos elementos são agregados ou os velhos
aperfeiçoados por meio de invenções;
b) novos elementos são tomados de empréstimo de outras
sociedades;
c) elementos culturais, inadequados ao meio ambiente, são
abandonados ou substituídos;
d) alguns elementos, por falta de transmissão de geração, se
perdem.

- Somente os povos isolados, ou seja, as culturas totalmente


isoladas podem manter-se estáveis.

- Por outro lado, se os elementos culturais desaparecem, há


declínio cultural.

- As modificações na cultura estão relacionadas a 4 fatores:

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1. Inovação: começa com o ato de alguém e pode ser
efetuada de 5 maneiras: a) variação: ligeira mudança nos padrões
de comportamento; b) invenção ou descoberta: através da
criatividade – descoberta: aquisição de um elemento novo (vapor,
eletricidade) e invenção: aplicação da descoberta (máquinas,
lâmpada); c) Tentativa: quando surgem elementos que tenham
pouca ou nenhuma ligação com o passado (ex: máquina de
escrever e computadores); empréstimo cultural: elementos vindos
de outra cultura – é o mais comum e importante. Ex: fumo, Papai-
noel, etc.

2. Aceitação social: é a adoção de um novo traço cultural


através da imitação ou do comportamento copiado.

- Preconceitos preexistentes dos membros de uma sociedade


receptadora facilitam ou bloqueiam a aceitação ou o empréstimo de
uma nova possibilidade cultural.

3. Eliminação Seletiva: competição pela sobrevivência feita


pelo elemento novo. Quando um traço cultural deixa de satisfazer
às necessidades do grupo, cai no desuso e desaparece, numa
espécie de processo seletivo. Ex: carruagem, trole que foram
substituídos pelo automóvel.

4.2. DIFUSÃO CULTURAL


Processo em que os elementos ou complexos culturais se
difundem de uma sociedade a outra.
Pode realizar-se por imitação ou por estímulo, dependendo
das condições sociais, favoráveis ou não, à difusão.

4.3 ACULTURAÇÃO
É a fusão de duas culturas diferentes quem entrando em
contato contínuo, originam mudanças nos padrões da cultura de
ambos os grupos.
Dos contatos íntimos e contínuos entre culturas e sociedades
diferentes resulta um intercâmbio de elementos culturais.
Com o passar do tempo, essas culturas fundem-se para
formar uma sociedade e uma cultura nova.
O exemplo mais comum relaciona-se com as grandes
conquistas.
(Assimilação – fase da aculturação: grupos que alcançam a
solidariedade cultural)

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Ex: cultura brasileira resultou, em princípio, da fusão das
culturas europeias, africana e indígena.

- O processo de aculturação inclui o processo de sincretismo e


transculturação.
*Sincretismo: fusão de dois elementos culturais análogos
(crenças e práticas) de culturas distintas ou não. Ex: pão – alimento
ou rapaz bonito; umbanda – traços do catolicismo, fetichismo
africano e indígena e do espiritismo.

*Transculturação: troca de elementos culturais entre


sociedades diferentes.
Ex: os sírio-libaneses trouxeram o quibe e a esfiha para o
Brasil e adotaram o arroz com feijão.

- A aculturação é uma forma especial de mudança.

4.4 ENDOCULTURAÇÃO

É o processo de aprendizagem e educação em uma cultura


desde a infância.

- Cada indivíduo adquire as crenças, o comportamento, os


modos de vida da sociedade a que pertence.
Ninguém aprende, todavia, toda a cultura, mas está
condicionado a certos aspectos particulares da transmissão de seu
grupo.

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5. ANTROPOLOGIA, MULTICULTURALIMSO E DIREITO
(Cap. 5 – Elementos de Antropologia Jurídica – p. 97-128)

- Introdução

- A antropologia jurídica e o conceito de multiculturalismo estão no


debate em torno do conteúdo e do papel das Constituições, tanto no
que tange aos direitos das minorias, às reivindicações territoriais, à
proteção dos direitos culturais, à língua, aos currículos escolares,
quanto aos preceitos que fundamentam as Constituições.

- O acelerado processo de globalização acentual as diferenças


sociais e fazem emergir o multiculturalismo.

- MULTICULTURALIMO: é um termo elástico, uma mistura de fatos


e valores, é o reconhecimento da diferença, serve para resistir a
política e ideias impostas pelos conquistadores, ou para defender o
cosmopolitismo – o interesse e o prazer que cada um possa ter
dentro das diferenças do gênero humano.

- Neste cenário, surge a antropologia jurídica, que possibilita a


reflexão de questões como o papel do direito na cultura, bem como
sua inserção em contextos e realidades determinados.

- A Antropologia Jurídica é um instrumento de conhecimento que


mostra que o Direito tem histórias, que às vezes se encontram,
onde menos se esperava.

- A questão multicultural está presente na maioria dos países


formados por uma população heterogênea, por instituições
democráticas e atingidos pelas consequências desastrosas de
globalização.

- Esses países apresentam minorias, fortemente discriminadas e


exploradas, que carregam o peso da colonização.

- Então, temos o multiculturalismo que: 1. exige o reconhecimento


igualitário entre as diferentes culturas e sustenta que as
discriminações contra as diferenças culturais devem ser eliminadas.

2. propõe o reconhecimento e a proteção de diferentes


grupos culturais como realidades que possuem direito em si

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mesmas pela importância determinante que têm na definição da
identidade de seus integrantes.

 Multiculturalismo é diferente de pluralismo cultural:


Multiculturalismo: possui a tendência de reconhecer a
igualdade de valor intrínseco de cada cultura; pleno
reconhecimento da igualdade e da cidadania associado ao
tratamento igual de grupos étnicos.
Pluralismo cultural: não abarca necessariamente a política de
tratamento em pé de igualdade das diferentes cultura em que se
encontram num dado território geográfico.

- Após o desaparecimento de grande parte da população indígena


brasileira e da verdadeira segregação dos povos e culturas ditas
“diferentes’, surge a consciência de que deve haver o
reconhecimento e o respeito a estes povos e às suas manifestações
culturais.

- O papel do Estado na garantia e na instituição dos direitos de


cidadania, apesar das transformações ocorridas, ainda é
fundamental no modelo político nacional.

- As comunidades tradicionais brasileiras vêm lutando, então, para


que sua identidade seja reafirmada, para os direitos coletivos
sejam reconhecidos, lutando pela garantia da diversidade cultural,
para o alcance de um mundo plural.

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- Identidade, Diferença e Reconhecimento

- O que é identidade?
- R: é a maneira como a pessoa se define, como é que as suas
características fundamentais fazem dela um ser humano (Charles
Taylor).

- A identidade somente pode ser percebida como tal se relacionada


ou comparada com outras culturas que não ela mesma.

- A identidade passa pela existência ou inexistência de


reconhecimento.

- A política de reconhecimento é fundamental para formar a


identidade do indivíduo. Porém, o reconhecimento incorreto pode
ser prejudicial, trazendo uma imagem limitativa, de inferioridade ou
de desprezo.

- O não-reconhecimento da identidade ou o reconhecimento


incorreto pode afetar as pessoas (negativamente), podendo
constituir-se até em formas de agressão.

- Pode, inclusive, marcar a vida das vítimas de forma cruel,


trazendo um sentimento incapacitante de ódio contra elas mesmas.
Por isso, o respeito devido não é um ato de gentileza para com os
outros, mas uma necessidade humana vital.

- Além disso o não reconhecimento pode fazer com que o indivíduo


sinta que sua imagem é desvalorizante, discriminatória ou até
agressiva.

- Isto pode trazer dúvida sobre a identidade e o real valor da


identidade no indivíduo. Esta é a grande queixa das minorias contra
a maioria monocultural.

- Existe, porém, uma política de reconhecimento igualitário,


introduzida pela democracia. Traz novas compreensões como a da
ideia de identidade individualizada, em que cada ser descobre em si
mesmo, sendo verdadeiro com sua própria originalidade.

- O fato é que toda identidade é construída e a questão é definir


como, por que, por quem, a partir de quê ocorre essa construção.

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Essa construção arte da matéria-prima fornecida pela Antropologia,
História, pela Geografia, Biologia pelas instituições, memória
coletiva, desejos, crenças religiosas, entre outros.

- Na procura pela identidade não se pode esquecer as diferenças,


mesmo que em relação aos seres humanos exista algo em comum,
como os direitos fundamentais, as diferenças entre eles devem ser
admitidas.

- A questão da diferença é também fundamental para o


multiculturalismo e está no cerne das discussões sobre a
identidade.

- A diferença é um processo humano e social, fruto de um processo


histórico e resultado de uma condição transitória.

- As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença.


- A identidade não é o oposto da diferença, mas depende dela, na
medida em que a diferença separa uma identidade da outra.

- Com base na diferença o multiculturalismo lança a problemática


do lugar e dos direito das minorias em relação à maioria.

- A maneira própria e original de ser, como uma identidade única e


diferenciada não deve ser oprimida, devendo ser reconhecida e
respeitada, e isto constitui os fundamentos dos ideais do
multiculturalismo, que quer introduzir uma nova concepção na
busca pelo respeito à dignidade da pessoa humana, aos direitos
humanos.

- Multiculturalismo, emancipação e cidadania

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6. Alteridade e Direito: a construção do “outro

- Como o “outro” colonizado foi construído como inferior?

- Sabemos que a Antropologia põe em discussão o “outro”, valoriza


a diversidade, a alteridade.

- E o Direito precisa desse enfoque, como já discutimos. Precisa


entender o direito como algo construído pela ação humana que
assume formas distintas em cada cultura.

- Pela ausência de um olhas antropológico e crítico dos discursos


coloniais, ainda persistem no discurso jurídico tendências de
homogeneidade, com o processo de inferiorização do “outro”.

- Então, precisamos estudar: 1) o que significa alteridade; 2)


analisar a relação entre verdade, discurso e poder; 3) a construção
do “outro” a partir do discurso colonial; 5) a importância da análise
crítica dos discursos coloniais para o Direito.

6.1 A alteridade

- Vem do termo latim alter – que significa outro; o caráter daquilo


que é outro.

- O conceito de alteridade refere-se ao outro situado em um


contexto político, cultural, religioso e linguístico.

- A experiência da alteridade implica perceber que o considerado


natural (gestos, posturas), é algo próprio de cada cultura.

- A Antropologia passa pelo conhecimento de outras culturas e


devemos reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas
outras, mas não a única.

- A alteridade surge como a ideia contrária à visão do “outro”


de uma perspectiva própria. Envolve-se pôr-se no lugar do
“outro”.

- Desta forma, temos que houve uma ignorância no colonialismo,


que viu o “outro” como objeto, não o reconhecendo como suejeito.

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- Na colonização da América houve uma relação de dominação, o
colonizador não reconheceu o outro, impôs seus próprios valores, a
alteridade do “outro” foi recusada.

- Houve uma imposição dos valores se deu por meio de uma série
de discursos (religiosos, científico, político, jurídico..) mediante uma
rede de relações de poder.

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6.2 A relação entre verdade, discurso e poder

- A verdade é produzida nas relações de poder.(Friedrich


Nietzsche).

- O conhecimento é uma invenção. Não é tem uma origem


desinteressada.

- Michel Foucault é seguidor de Nietzsche e analisa como os se


articulam com o poder. Mostra as estratégias da produção deste
saber, como os discursos criam determinadas realidades.

- A verdade é um produto do poder-saber, da articulação, entre


estratégias de poder e de discurso considerados como verdadeiros.

- A verdade é produzida e transmitida sob o controle, quase


dominante, de alguns aparelhos políticos e econômicos, tais como
universidade, exército e meios de comunicação.

- Então, a partir de Foucault é possível analisar de forma crítica os


discursos colonialistas, a construção da verdade sobre o “outro”
colonizado.

- É possível analisar a legitimação histórica dos discursos,


denunciando a formação dos discursos de verdade em seus efeitos
de poder.

- O Discursos Colonialista e a construção do “outro” como


inferior

- A ideologia do colonialismo pode ser considerada como a


superioridade do colonizados e a inferioridade do colonizado.

- Atitudes dos colonizadores para construir a existência do “outro:


a) Os nativos não são seres humanos
b) Os nativos são inferiores, não possuem uma substância humana.

- Nas duas hipóteses não há o diálogo, apenas a visão eurocêntrica


em relação às culturas americanas dominadas.

- A razão europeia era tido como verdade.

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- O colonizado era selvagem e deveria ser civilizado.
- Desta forma, o objetivo do discurso colonial está em caracterizar
o colonizado como população de tipo degenerado, possuindo coo
base uma origem racial.

- Isto para justificar a conquista e objetivando estabelecer sistemas


administrativos e culturais.

- Para estabelecer a diferença foram criados estereótipos do


colonizado inferior.

- A partir disso, institucionalizou uma série de ideologias políticas e


culturais, prejudiciais, discriminatórios, “míticas”.

- O colonizado foi colocado fora das bases definidoras dos valores


civilizados europeus.

- O colonizador pela sua autoridade e poder deteve o discursos, e


este se o tornou discurso verdadeiro.

- O “outro” foi construído como um ser desqualificado, com


características inferiores em relação ao saber e ao poder dos
europeus, desta forma disponível para ser usado e apropriado.

- O Oriental

- A ideia de Oriente que prevaleceu no Ocidente teve sua


consagração científica no século XIX com o denominado
orientalismo.

- Orientalismo é a concepção do Oriente que domina nas ciências e


nas humanidades europeias a partir do século XVIII.

- A ideia é de que os ocidentais são “racionais, pacíficos, liberais,


lógicos, capazes de ter valores reais, sem desconfiança natural.

- E que o Oriental é “irracional, depravado (caído), infantil,


“diferente”.

- Os ocidentais dominam e os orientais são dominados. Há a


construção da superioridade dos ocidentais, possibilitando e
justificando a dominação do “outro”.

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- E o hoje o oriente continua sendo o “outro” civilizado?

- O Africano

- Com relação à África, a violência do ocidente é ainda maior.

- O africano sempre foi imaginado como ser inferior, achando-se em


estado de selvageria.

- Para Hegel o negro representa o homem natural em toda sua


barbárie e violência.

- A violência colonial procurou desumanizar os negros.

- A colonização possuía a missão de civilizar os outros e o africano


deveria ficar no nível dos outros homens.

- Havia a ideia de superioridade e inferioridade.

- A primeira tentativa de caracterizar o negro como inferior era


devido à cor de sua pele.

- Se negro precisava de uma explicação científica:


1. o primeiro argumento foi pensar o negro como um branco
degenerado, ou seja, devido ao clima tropical a cor de sua pele
tinha ficado escura.
2. a segunda justificativa foi buscada, baseada na natureza do solo
e na alimentação, no ar e na água africanos.
3. a terceira de cunho religioso, em que os negros são
descendentes de Cam, filho de Noé, amaldiçoado pelo pai. A Igreja
Católica fez da cor negra a representação do pecado e da maldição
divina. Por isso, nas colônias ocidentais da África, mostrou-se
sempre Deus como um branco velho de barba e o diabo um
moleque preto com chifrinhos e rabinho.
- Para alguns missionários, a única possibilidade de salvar um povo
tão corrupto era a escravidão.

- Tais discursos sobre as características físicas e morais do negro


foram adotados para legitimar e justificar a escravidão e a
colonização.

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- Como consequência: o discurso colonialista construiu a verdade
sobre os africanos – os colonizados africanos como uma população
inferiorizada e os colonizadores brancos como uma raça superior.

- O Ameríndio

- Com a chegada dos europeus na América, foi desenvolvido um


saber antropológico aplicado aos colonizados.

- Em primeiro momento, os ameríndios foram considerados ora


criaturas puras e infantis, ora bárbaros e pagãos.

- Depois foram vistos como “naturalmente inferiores”.

- No período da conquista, o índio era visto como ser passivo,


incapaz de tornar sujeito de sua própria história.

- Esta imagem permanece até os dias de hoje.

- Além do discurso religioso que inferiorizou os índios pelo fato de


negar suas crenças e impor o cristianismo, o discurso científico e o
filosófico direcionaram-se da mesma maneira.

- O discurso científico por afirmar a pretensa superioridade racial do


homem branco, o filosófico por defender uma visão eurocêntrica do
mundo.

- Voltaire (filósofo iluminista francês) caracteriza a América como


“região pantanosa de ares nocivos, cheia de venenos e com
homens pouco industriosos”. Kant descreve os americanos
afirmando que são demasiado fracos para o trabalho, indiferente
para o esforço cultural, não se preocupam com coisa alguma e são
preguiçosos.

(Ler passagem de Bonifácio p. 231).

- Hoje, embora exista o discurso da multiplicidade das culturas,


ainda persiste no imaginário a figura do ameríndio como inferior, a
inferioridade continua implícita nas representações sociais e
também na política indigenista.

- O discurso colonialista e o Direito

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- Todos discursos colonialista de inferiorização do outro (o
religiosos, o científico, o filosófico e o político), de uma maneira ou
outra, foram incorporados ao Direito.

- Os colonizadores decretaram a não-validade dos sistemas


jurídicos existentes nas culturas dominadas.

- A prática colonialista reforçou uma realidade a profunda


dissociação entre o Direito feito para garantir os interesses da elite
administrativa e a justiça almejada e negada para uma população
composta de índios, escravos, negros e imensos segmentos
societários excluídos.

- O Direito moderno tentou anular as diferenças étnicas e culturais,


tentou tornar iguais os diferentes, destruindo suas identidades.

- O “outro” passou a ser considerado como igual, podendo assim


ser assimilado ou desqualificado.

- Uma análise crítica sobre os discursos, não apenas os


colonialistas, mas também os pós-colonialistas, é tema que deve
ser privilegiado pelos pesquisadores e profissionais do Direito.

- Muitas vezes eles se atêm apenas à letra da lei, abstraída das


condições históricas e sociais que a produziram.

- O Direito não é aquilo que está nos códigos, mas que é construído
por certos discursos em determinado momento histórico e de
acordo com certos interesses.

- Foucault – a verdade encontra-se sempre vinculada a questões de


poder. Direito é um discurso que produz realidades.

- É preciso ter uma postura crítica em relação aos discursos


coloniais, é necessário um olhar antropológico em relação ao
Direito.

- A contribuição da Antropologia e da Antropologia Jurídica ao


Direito: o desenvolvimento da prática alteritária
- Discursos de inferiorização do “outro” são comuns, inclusive no
âmbito jurídico.

- A Antropologia caracterizou-se como o estudo do “outro”:

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* Antropologia antiga: considerava que existiam duas formas de
pensamento, o civilizado, evoluído (europeu), e o selvagem,
primitivo, inferior (orientais, africanos, ameríndios, etc).

* Antropologia moderna (Século XX): constatou que o nativo não


era selvagem, primitivo, inferior. Passou então a colocar em
discussão o “outro” e a valorizar a diversidade.

- Da mesma forma que a Antropologia foi uma das responsáveis


pela discriminação entre pessoas e entre povos, foi também a
primeira ciência a pôr em discussão o “outro” e a valorizar a
diferenciação, a diversidade cultural, a alteridade.

- Trouxe a visão de que o Direito, a cultura e a sociedade


constituem partes inseparáveis da realidade social.

- A Antropologia Jurídica nos liberta das amarras dos discursos


coloniais. Analisa o Direito sob um olhar mais amplo, mais
problematizado, não definido apenas por “manuais” e código.

- A alteridade permanece recusada e isso pode ser constatado pelo


racismo, pelo preconceito, pela segregação e discriminação em
relação à raça, à etnia, ao gênero ou à classe social.

- A intolerância, a agressão ao “outro” continuam sob formas cada


vez mais brutais, entretanto, mascaradas por diversos discursos
paliativos.

- Então, a Antropologia Jurídica, sem dúvidas, preta contribuições


fundamentais ao Direito.

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7. Etnicidade, Alteridade e Tolerância (Capítulo 2)

- É preciso estudar na Antropologia Jurídica categorias que


esclarecem a atuação do Direito, principalmente a importância da
cultura na vida do Direito.

- Por isso, impera estudar a etnia como o que dá identidade a um


grupo. O encontro das diferenças, que se denomina de alteridade.
Ainda, a fricção interétnica, ou seja, o atrito ocasionado quando
grupos diferentes se relacionam, causando processos de exclusão,
degradação do outro.

- Nisso entra o Direito como valor de justiça, para estudar e


solucionar as ações sociais de preconceito, racismo e intolerância.

- Etnia: Identidade, Diferença e Identidade Contrastiva

- Etnia: é a definição de um povo, marcado por traços culturais que


lhe dão identidade própria. Compõem-se pelos traços físicos e
culturais.

- Esta identidade atua não só no plano material, como também no


abstrato, abrangendo modelos econômicos, organização política,
relações de parentescos, dentre outras.

- Conhecemos um povo pela forma como se veste, como chora, etc.

- O critério físico é completamente sem valor científico e


ultrapassado, tanto que raça é uma ideia absurda.

- Pois são as questões culturais que dão unidade à identidade


étnica.

- Então, o conjunto da cultura constitui aquilo que chamamos de


identidade. (Etnologia: estudo das identidades étnicas. Etnografia:
descrição gráfica dos comportamentos étnicos).

- A identidade é o que caracteriza a etnia.

- A identidade, ainda, acompanha a diferença, isto porque é na


relações entre etnias diferentes que as identidades se projetam,
naquele espaço definido por Barth de fronteira interétinca.

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- É na fronteira interétnica (faixa de confronto) que melhor
observamos as especificidades culturais da etnia, e descobrimos as
identidades, pois identidade e diferença estão permanentemente
juntadas, considerando que a identidade possui um caráter
relacional.

- Quando identidades diferentes se encontram, todavia, como entre


etnias indígenas e não-indígenas, ocorre que se denomina de
fricção interétnica, marcada muitas vezes por violências, tanto no
plano físico quanto simbólico.

- A ideia de fricção insinua um processo complexo e tense de atrito.


A identidade e a diferença estão, pois, em estreita conexão com
relações de poder.

- A fricção interétnica é uma questão atual no mundo moderno.


(Conflitos entre negros, coreanos, iraquianos e demais grupos
humanos nos Estados Unidos).

- Neste contexto, o “outro” sempre foi motivo de estranheza, quando


não de crueldade e exploração.

- Disto, decorre um processo de exclusão do “outro”, ou seja, a


prática de intolerância.

- Em relação a isto, são escassos os estudos que expliquem a


origem de tal sentimento da personalidade humana, uma vez que a
estigmatização (classificar, condenar) do “outro” tende à
universalidade.

- Pode ter explicação no seguinte sentido: diminuir o “outro” pode


elevar a própria estima. Por isso, segundo Nobert Elias (sociólogo
alemão) quanto maior a autoconfiança de um povo em relação ao
seu próprio valor, maior seria também o nível de tolerância com os
outros povos, pois o processo de estigmatização tem muito a ver
com o sentimento de medo que paira entre os povos.

- Para o autor só poderemos esperar uma maior igualdade entre os


grupos humanos, ou tolerância entre os povos se conseguirmos
reduzir o temor recíproco, tanto no plano individual quanto no
coletivo.

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- Etnocentrismo e Genocídio Cultural

- A visão do outro como diminuído, é o que chamamos de


etnocentrismo.

- Isto é, a própria etnia como referência absoluta de humanidade.

- A perseguição do “outro” pode ocorrer de diversas formas:


segregação, estigmas e genocídio.

- O genocídio não é a apenas físico, mas pode ser cultural,


conhecido como etnocídio.

- Este é um termo novo que se refere à imposição de um processo


de aculturação de uma cultura por outra (fusão de duas culturas
diferentes que entrando em contato contínuo, originam mudanças
nos padrões da cultura de ambos os grupos).

- Traz a destruição dos valores sociais, morais e tradicionais da


sociedade dominada.

- Na Declaração de San José da Costa Rica, o etnocídio significa


negar a um povo o direito de desfrutar, desenvolver e transmitir sua
própria cultura.

- O etnocídio, ou genocídio cultural ainda não foi incorporado pelo


Direito Internacional Público como crime internacional. Basta
analisar a competência do Tribunal Penal Internacional, criado pelo
Estatuto de Roma.

- Não estão no rol de crimes do Estatuto de Roma os crimes de


terrorismo internacional, tráfico internacional de drogas, dominação
colonial, intervenção e etnocídio.

O artigo 6º do Estatuto (Decreto nº 4.388 de 2002 – que promulga o


Estatuto de Roma do TPI) traz previsão do crime de genocídio, mas
não o cultural.
Art. 6º Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos
que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

        a) Homicídio de membros do grupo;

        b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

21
        c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua
destruição física, total ou parcial;

        d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;

        e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

- Há, porém, no artigo 7º o crime de apartheid, que se aproxima do


crime de etnocídio, ou seja, ambos se baseiam na crença da
superioridade racial ou étnica e na exclusão do “outro”. Buscam a
eliminação do “outro”, seja pela segregação, característica básica
do apartheid, ou pela integração forçada, ou aculturação, prática
mais constante do etnocídio.

- Os meios empregados pelo apartheid e pelo etnocídio podem ser


diferentes, mas a finalidade permanece a mesma, ou seja, a
degradação e a eliminação do “outro”.

- Ex: estima-se que 300 milhões de indígenas em mais de 70 países


são vítimas do processo de aculturação forçada e da
marginalização.

- No Brasil, há ações missionárias transculturais, que atual com


etnias indígenas na Amazônia.

- Esses grupos de religiosos, principalmente as Igrejas Novas


Tribos do Brasil e Jovens com uma Missão – JOCUM, praticam
evangelização ostensiva, traduzindo a Bíblia para as línguas
indígenas e transformando índios em pastores no meio da selva,

- Ex: caso do Zoé, na região de Santarém, Pará. Nesse caso, o


MPF impetrou mandado de segurança contra a Igreja Novas Tribos
em defesa da cultura desse povo.

22
- Tolerância e Estado de Direito Pluriétnico

- Tolerância é refletir sobre a diversidade cultural. É extrair a


essência do que é o ser humano.

- A grande preocupação, contudo, é como superar as diferenças


sem eliminá-las, tornando-as não como fonte de estranheza e
adversidade, mas como fonte de riqueza e solidariedade, pois a
vida seria muito menos interessante senão houvesse a existência
da diversidade dos povos.

- Devemos ter um contrato de cidadania, o qual deverá ter como


base a tolerância, que significa o respeito e valorização dos traços
de singularidade do outro.

- Tolerância: é contrário de todos os regimes de exclusão, de


segregação. É o reconhecimento mútuo de que o Outro é um
verdadeiro ser humano e um interesse em conhecer-se, apreciando
uma diversidade cultural no mesmo contexto geográfico e social.

- Tolerância: é a virtude de uma democracia pluralista (Roberto Paul


Wolf).

- Além disso, a tolerância pode ser entendida como encontro de


singularidades baseada em uma moral civilizatória que reconhece a
diferença como condição de relacionamento.

- Não é a prática da caridade. É uma virtude de justiça.

- Neste contexto, temos que a tolerância pode ser entendida como


uma questão de direito fundamental.

- Tanto que coube à UNESCO (Organização das Nações Unidas


para a Educação, Ciência e Cultura) desenvolver a principal agenda
de debates diretos sobre o tema, por meio de Declarações
(Princípios de Cooperação Cultural Internacional, sobre a
Tolerância, com o apreço da riqueza e da diversidade cultural de
nosso mundo.

- Apesar da necessidade de tolerância, questionamos: o ser


humano é capaz de ser tolerante? Em que medida isto é possível?

23
- É preciso pensar que a tolerância é o caminho possível para o
estabelecimento de uma cultura de paz entre os diversos povos que
enriquecem com suas singularidades a existência humana.

- As diferenças existem para serem respeitadas, e o meio para se


atingir esse patamar civilizatório é a cultura para a tolerância.

- Tolerar: exige uma atitude ativa dos indivíduos e dos grupos. Não
significa silenciar diante do “Outro”, mas – pelo contrário –
estabelecer um diálogo franco e aberto, em que as diferenças são
expostas e tratadas com naturalidade.

- Significa ainda superar o medo do “outro”, deixar de pensar que


este pode ameaçar a nossa cultura, como se fosse desconstruir
nossos valores.

- Isto só será possível por meio de uma educação para o


estabelecimento da tolerância.

- A necessidade de tolerância entre os desiguais não está, contudo,


restrita à relações internacionais, mas principalmente na vida
doméstica do Estados nacionais, como por exemplo, a tolerância
com os índios, homossexuais.

- Por fim, devemos ter o cuidado de que, por mais que seja
importante o caráter histórico da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, esse documento está repleto de concepções ocidentais,
tornando-se necessária uma discussão multicultural.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO SOCIAL

Até aqui discutimos as sociedades “simples”, sem Estado, como se


tratasse de realidades estáticas, permanentes. Entretanto, todas as
sociedades estão em constante mutação e todas elas, bem como
os Estados, são diferentes na forma e na dinâmica. Algumas
sociedades mudaram muito rapidamente, como o Japão, dentro de
um período de cem anos. Outras, como a esquimó, mudaram
relativamente pouco em milhares de anos.

Mais do que qualquer outra ciência, a antropologia tem estudado os


processos tanto da evolução biológica humana como da social. O

24
problema não é explicar como ela ocorreu, porém os processos que
lhe deram origem.

Admite-se geralmente que a evolução social abrange uma


complexidade progressiva de divisão do trabalho e um volume
crescente de unidades políticas. Reconhece-se também que a base
de toda evolução social é econômica – que é a eficiência crescente
da tecnologia local em utilizar os recursos de energia disponíveis
(ex: agricultura, indústria, etc). Cumpre salientar que a evolução
social não significa necessariamente superioridade cultural ou
moral.
As sociedades avançaram da caça à coleta para a horticultura, a
agricultura e os estágios industriais. Contudo algumas sociedades
adotaram o pastoreio de animais e outras a pesca, sem progredir
além desse ponto.

A base econômica de uma sociedade estabelece limites e por isso


implica muitas questões envolvendo direito e política. Em todas as
partes do mundo, a introdução da agricultura teve dois efeitos
principais: a) maior estabilidade no espaço; b) produção em maior
escala, o que significou não somente um aumento de população,
porém um excedente considerável de alimentos e de tempo da
parte do produtor no campo. A maior estabilidade da população no
espaço possibilitava, pela primeira vez, às pessoas acumularem
bens, diferentemente do que ocorre com os nômades.

Em determinado nível de desenvolvimento de um povo que se


baseia na agricultura, começa-se a desenvolver uma cultura própria
e uma administração fiscal para cobrar impostos dos produtores.
Neste ponto nasce o Estado, com o objetivo principal de obter, de
algum modo, a produção excedente e, se possível, a sobra da mão-
de-obra da maior parte da população de agricultores.

É por meio da religião, da fé, do controle metafísico, e de forma


especial da pretensão de controlar o tempo e as chuvas que o
Estado primário se constrói, as autoridades eram religiosos
(sacerdotes).

O PROBLEMA DA ORDEM NAS SOCIEDADES SIMPLES

O direito nas sociedades simples é fundamentalmente uma série de


regras primárias desenvolvidas para permitir que uma sociedade
funcione, para solucionar disputas entre grupos e entre indivíduos e

25
também uma série de normas secundárias, estabelecidas para
cercear aqueles que ameaçam a ordem social sob controle. É um
erro dizer que as sociedades simples e sem Estado não têm leis. A
diferença é que todas essas funções eram realizadas pelos
membros da própria comunidade e não por setores burocráticos
profissionais.

Na prática pode-se dizer com segurança que a família é a


instituição legal mais importante em todas as sociedades. Seu papel
no controle social é duplo. Primeiro é fundamental na socialização,
na incorporação dos valores e da cultura legal de uma sociedade
aos seus membros mais jovens. Em segundo lugar, age de maneira
muito mais direta ao punir imediatamente uma conduta que seus
membros vêem como incorreta.

A segunda grande instituição legal em tais sociedades simples é a


comunidade. A expulsão da comunidade significa na melhora das
hipóteses, exclusão social e na pior, em fome ou morte. Assim é
que as sociedades sem Estado desenvolveram uma série elaborada
de sanções sociais e psicológicas mais leves a fim de dar uma
advertência adequada ao infrator, bem como obter o apoio da
comunidade antes de tomar o passo sério da expulsão violenta ou
da execução comunal. Isto porque nas sociedades agrícolas, com
comunidades mais fixas uma cisão física é mais prejudicial. É
nestas sociedades agrícolas que encontramos os primórdios das
instituições jurídicas, como juízes e processos.

REGRAS, DISPUTAS, JUÍZES E JULGAMENTOS: O


DESENVOLVIMENTO DAS INSTITUIÇÕES JURÍDICAS

De um modo geral, parece indubitável que quase todas as


sociedades têm alguma forma de cultura jurídica, ou seja, uma
opinião sobre o que é uma conduta apropriada e uma idéia de
justiça.

As sociedades dotadas de mecanismos eficazes para resolver suas


disputas tendem a ser mais poderosas politicamente que aquelas
que não os têm e estão num estado de constante fragmentação.

O processo para solucionar disputas tinha como base a conciliação,


sendo esta a principal função do direito na maioria das vilas
agrárias. A justiça “verdadeira” do litígio era menos importante do

26
que a harmonização das partes, o contentamento da comunidade
com a decisão, o fim da violência.

A figura do “juiz” envolvia quase sempre líderes religiosos, na forma


de um juiz sagrado, crença de que a solução vinha dos deuses
(oráculo).

Exemplo do povo ifugao (ilhas Trobiand no pacífico): faca de guerra


quente – se duas pessoas se acusam mutuamente, suas mãos são
colocadas lado a lado. O juiz (monkalun) baixa a faca quente em
suas mãos. A faca queima muito mais seriamente a pessoa culpada
do que a inocente, diz-se que a faca desvia-se para longe das mãos
de uma pessoa inocente. O monkalun com todo o seu poder, não
poderia derrubar a faca em cima da mão, pois os deuses da guerra
e da justiça não o permitiriam. Porém, se a pessoa fosse culpada, a
faca aperta a mão do juiz com sua ânsia.

O monkalun é um dos poucos casos documentados na literatura


antropológica de um juiz ou árbitro profissional, não ligado a
qualquer igreja ou Estado, mas pago pelas famílias em disputa para
resolver suas desavenças. É importante observar que ele opera
através de uma série de crenças metafísicas relacionadas à “Justiça
Divina”; porém ele mesmo não é sacerdote, mas um estranho,
geralmente um guerreiro de reputação considerável, agindo como
juiz imparcial entre processos adversários.

MARCOS PARA UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO


ANTROPOLÓGICO

A partir das navegações empreendidas pelos portugueses e da


chegada de Colombo à América, uma nova humanidade ingressou
no horizonte mental europeu. Perante ela, a Europa foi
gradativamente forçada a se repensar. Ao mesmo tempo, os
europeus tiveram que pensar o ameríndio, assim como os vários
outros povos com que foram se defrontando pelo mundo afora.

Até o século XVIII, o saber antropológico esteve presente na


contribuição dos cronistas, viajantes, soldados, missionários e
comerciantes que discutiam, em relação aos povos que conheciam,
a maneira como estes viviam a sua condição humana, cultivavam
seus hábitos, normas, características, interpretavam os seus mitos,
os seus rituais, a sua linguagem.

27
O legado desta época foram os textos que descreviam as terras, a
(fauna, a flora, a topografia) e os povos “descobertos” (hábitos e
crenças). Algumas obras que falavam dos indígenas brasileiros, por
exemplo, foram: a carta de Pero Vaz de Caminha (Carta do
Descobrimento do Brasil), os relatos de Staden, (Duas Viagens ao
Brasil). Além destas, outras obras falavam ainda das terras récem
descobertas, como a carta de Colombo aos Reis Católicos. Toda
esta produção escrita levantou uma grande polémica acerca dos
indígenas. A contribuição dos missionários jesuítas na América
(como Bartolomeu de Las Casas e Padre Acosta) ajudaram a
desenvolver a denominada “teoria do bom selvagem”, que via os
índios como detentores de uma natureza moral pura, modelo que
devia ser assimilado pelos ocidentais. Esta teoria defendia a idéia
de que cultura mais próxima do estado "natural" serviria de remédio
aos males da civilização.

Carta do Descobrimento do Brasil:

“(...)E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou
oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro
(...) Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas
vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos
rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que
pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles
haver fala nem entendimento que aproveitasse (...)A feição deles é
serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons
narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem
mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que
de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência (...) Os
cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta
antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por
cima das orelhas (...)Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar
parece-me que será salvar esta gente. Deste Porto Seguro, da
Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de
1500”.

Nesse período esboçam-se duas ideologias concorrentes que


permanecem vivas até hoje: a recusa do estranho e a fascinação
pelo estranho. Exemplos de debates sobre essa controvérsia:
Las Casas:

“Àqueles que pretendem que os índios são bárbaros,


responderemos que essas pessoas têm aldeias, vilas, cidades, reis,

28
senhores e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que
a nossa. (. . .) Esses povos igualavam ou até superavam muitas
nações e uma ordem política que, em alguns reinos, é melhor que a
nossa.(. . .) Esses povos igualavam ou até superavam muitas
nações do mundo conhecidas como policiadas e razoáveis, e não
eram inferiores a nenhuma delas. Assim, igualavam-se aos gregos
e os romanos, e até, em alguns de seus costumes, os superavam.
Eles superavam também a Inglaterra, a França, e algumas de
nossas regiões da Espanha. (...) Pois a maioria dessas nações do
mundo, senão todas, foram muito mais pervertidas, irracionais e
depravadas, e deram mostra de muito menos prudência e
sagacidade em sua forma de se governarem e exercerem as
virtudes morais. Nós mesmos fomos piores, no tempo de nossos
ancestrais e sobre toda a extensão de nossa Espanha, pela
barbárie de nosso modo de vida e pela depravação de nossos
costumes".
Sepulvera:

“Aqueles que superam os outros em prudência e razão, mesmo que


não sejam superiores em força física, aqueles são, por natureza, os
senhores; ao contrário, porém, os preguiçosos, os espíritos lentos,
mesmo que tenham as forças físicas para cumprir todas as tarefas
necessárias, são por natureza servos. E é justo e útil que sejam
servos, e vemos isso sancionado pela própria lei divina. Tais são as
nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida civil e aos
costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito
natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de
príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças
à virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a
barbárie. e se conformem a uma vida mais humana e ao culto da
virtude. E se eles recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo
meio das armas e essa guerra será justa, bem como o declara o
direito natural que os homens honrados, inteligentes, virtuosos e
humanos dominem aqueles que não têm essas virtudes".

A FIGURA DO MAL SELVAGEM E DO BOM CIVILIZADO

A extrema diversidade das sociedades humanas raramente


apareceu aos homens como um fato, e sim como uma aberração
exigindo uma justificação. A antiguidade grega designava sob o
nome de bárbaro tudo o que não participava da helenidade (em
referência à inarticulação do canto dos pássaros oposto à
significação da linguagem humana). O Renascimento, entre os

29
séculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens (isto é,
seres da floresta), opondo assim a animalidade à humanidade. O
termo primitivos é que triunfará no século XIX, enquanto optamos
preferencialmente na época atual pelo de subdesenvolvidos.

Essa atitude, que consiste em expulsar da cultura, isto é, para a


natureza todos aqueles que não participam da faixa de humanidade
à qual pertencemos e com a qual nos identificamos, é, como lembra
Lévi-Strauss, a mais comum a toda a humanidade, e, em especial,
a mais característica dos "selvagens".

Entre os critérios utilizados a partir do século XIV pelos europeus


para julgar se convém conferir aos índios um estatuto humano,
além do critério religioso ("sem religião nenhuma", são "mais
diabos") cita-se: 1) a aparência física: eles estão nus ou vestidos de
peles de animais; 2) os comportamentos alimentares: eles comem
carne crua, e é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se
elaborar; 3) a inteligência tal como pode ser apreendida a partir a
linguagem: eles falam uma língua ininteligível.

Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo


acesso à linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-
se como um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um
bestiário. Vejamos algumas descrições da época sobre as
civilizações primitivas:

Gomara:

"As pessoas desse país, por sua natureza, são tão ociosas,
viciosas, de pouco trabalho, melancólicas, covardes, sujas, de má
condição, mentirosas, de mole constância e firmeza (. . .). Nosso
Senhor permitiu, para os grandes, abomináveis pecados dessas
pessoas selvagens, rústicas e bestiais, que fossem. atirados e
banidos da superfície da Terra".

Hegel:

“Tudo, na África, é nitidamente visto sob o signo da falta absoluta:


os "negros" não respeitam nada, nem mesmo eles próprios, já que
comem carne humana e fazem comércio da "carne" de seus
próximos. Vivendo em uma ferocidade bestial inconsciente de si
mesma, em uma selvageria em estado bruto, eles não têm moral,
nem instituições sociais, religião ou Estado. Petrificados em uma

30
desordem inexorável, nem mesmo as forças da colonização, poderá
nunca preencher o fosso que os separa da História universal da
humanidade”.

Aula 4
A FIGURA DO BOM SELVAGEM E DO MAU CIVILIZADO

A figura de uma natureza má na qual vegeta um selvagem


embrutecido é eminentemente suscetível de se transformar em seu
oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias à um
selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem rigorosamente
idênticos, da mesma forma que o par constituído pelo sujeito do
discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). Mas efetua-se dessa
vez a inversão daquilo que era apreendido como um vazio que se
torna um cheio (ou plenitude), daquilo que era apreendido como um
menos que se torna um mais. O caráter privativo dessas
sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem
religião organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polícia, sem
leis, sem Estado não constitui uma desvantagem.O selvagem não é
quem pensamos.

Evidentemente,essa representação concorrente (mas que consiste


apenas em inverter a atribuição de significações e valores dentro de
uma estrutura idêntica) permanece ainda bastante rígida na época
na qual o Ocidente descobre povos ainda desconhecidos. A figura
do bom selvagem só encontrará sua formulação mais sistemática e
mais radical dois séculos após o Renascimento. Não deixa porém
de estar presente, pelo menos em estado embrionário, na
percepção que têm os primeiros viajantes.

Américo Vespúcio:

"As pessoas estão nuas, são bonitas, de pele escura, de corpo


elegante. . . Nenhum possui qualquer coisa que seja, pois tudo é
colocado em comum. E os homens tomam
por mulheres aquelas que lhes agradam, sejam elas sua mãe, sua
irmã, ou sua amiga, entre as quais eles não fazem diferença. . .
Eles vivem cinqüenta anos. E não têm governo".

Cristóvão Colombo:

31
"Eles são muito mansos e ignorantes do que é o mal, eles não
sabem se matar uns aos outros. Eu não penso que haja no mundo
homens melhores, como também não há terra melhor".

Toda a reflexão de Léry e de Montaigne no século XVI sobre os


"naturais" baseia-se sobre o tema da noção de crueldade respectiva
de uns e outros, e, pela primeira vez, instaura-se uma crítica da
civilização e um elogio da "ingenuidade original" do estado de
natureza.

É a época em que todos cultuam a natureza, que querem ver


exibidos nas feiras verdadeiros selvagens. Manifestações essas
que constituem uma verdadeira acusação contra a civilização.
Depois, o fascínio pelos índios será substituído progressivamente, a
partir do fim do século XVIII, pelo charme e prazer idílico que
provoca o encanto das paisagens e dos habitantes dos mares do
sul, dos arquipélagos polinésios, em especial Samoa, as ilhas
Marquises, a ilha de Páscoa, e sobretudo o Taiti. Aqui está, por
exemplo, o que escreve Bougainville:

"Seja dia ou noite, as casas estão abertas. Cada um colhe as frutas


na primeira árvore que encontra, ou na casa onde entra. . . Aqui um
doce ócio é compartilhado pelas mulheres, e o empenho em
agradar é sua mais preciosa ocupação. . . Quase todas aquelas
ninfas estão nuas.. . Tudo lembra a cada instante as doçuras do
amor, tudo incita ao abandono".

Todos os discursos que acabamos de citar, e especialmente, os


que exaltam a doçura das sociedades "selvagens", e,
correlativamente fustigam tudo que pertence ao Ocidente ainda são
atuais. Se não o fossem, não nos seriam diretamente acessíveis,
não nos tocariam mais nada. Ora, é precisamente a esse imaginário
da viagem, a esse desejo de fazer existir em um "alhures" uma
sociedade de prazer e de saudade, em suma, uma humanidade
convivial cujas virtudes se estendam à magnificência da fauna e da
flora (Chateaubriand, Segalen, Conrad, Melville), que a etnologia
deve grande parte de seu sucesso com o público.

O tema desses povos que podem eventualmente nos ensinar a


viver e dar ao Ocidente mortífero lições de grandeza, como
acabamos de ver, não é novidade. Mas grande parte do público
está infinitamente mais disponível agora do que antes para se
deixar persuadir que às sociedades constrangedoras da abstração,

32
do cálculo e da impessoalidade das relações humanas, opõem-se
sociedades de solidariedade comunitária, abrigadas na
suntuosidade de uma natureza generosa.

A decepção ligada aos “benefícios” do progresso, bem como a


solidão e o anonimato do nosso ambiente de vida, fazem com que
parte de nossos sonhos só aspirem a se projetar nesses paraíso
(perdido) dos trópicos ou dos mares do Sul, que o Ocidente teria
substituído pelo inferno da sociedade tecnológica.

A imagem que o ocidental se fez da alteridade (e correlativamente


de si mesmo) não parou, portanto, de oscilar .entre os pólos de um
verdadeiro movimento pendular. Pensou-se alternadamenteque o
selvagem:

1) era um monstro, um "animal com figura humana", a meio


caminho entre a animalidade e a humanidade, mas também que os
monstros éramos nós, sendo que ele tinha lições de humanidade a
nos dar;

2) levava uma existência infeliz e miserável, ou, pelo contrário, vivia


num estado de beatitude, adquirindo sem esforços produtos
maravilhosos da natureza, enquanto que o Ocidente era, por sua
vez, obrigado a assumir as duras tarefas da indústria;

3) era trabalhador e corajoso, ou essencialmente preguiçoso;

4) não tinha alma e não acreditava em nenhum deus, ou era


profundamente religioso;

5) vivia num eterno pavor do sobrenatural, ou, ao inverso, na paz e


na harmonia;

6) era um anarquista sempre pronto a massacrar seus semelhantes,


ou um comunista decidido a tudo compartilhar, até e inclusive suas
próprias mulheres;

7) era admiravelmente bonito, ou feio;

8) era movido por uma impulsividade criminalmente congênita


quando era legítimo temer, ou devia ser considerado como uma
criança precisando de proteção;

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9) era um embrutecido sexual levando uma vida de orgia e
devassidão permanente, ou, pelo contrário, um ser
preso, obedecendo estritamente aos tabus e às proibições de seu
grupo;

10) era atrasado, estúpido e de uma simplicidade brutal, ou


profundamente virtuoso e eminentemente complexo;

11) era um animal, um "vegetal", uma "coisa", um "objeto sem valor"


ou participava, pelo contrário, de uma humanidade.

Léry que transporta para o "Novo Mundo" os conflitos do antigo,


começa a introduzir a dúvida no edifício do pensamento europeu.
Ele testemunha o desmoronamento possível deste pensamento,
menos inclusive ao pronunciar a condenação da civilização do que
ao considerar que a "selvageria" não é nem inferior nem superior, e
sim diferente.

Assim, essa época, muito timidamente, é verdade, e por alguns


apenas de seus espíritos os menos ortodoxos, a partir da
crbservação direta de um objeto distante (Léry) e da reflexão a
distância sobre este objeto (Montaigne), permite a constituição
progressiva, não de um saber antropológico, muito menos de uma
ciência antropológica, mas sim de um saber pré-antropológico.

34

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