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UNIVERSIDADE LUSIADA DE ANGOLA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

SEBENTA HISTÓRIA

DE

HISTÓRIA DA CULTURA ANGOLANA

POR: ANICETO DO AMARAL GOURGEL

LUANDA/2022

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NOTA PRÉVIA

SEBENTA OU APOSTILA, é uma compilação de várias obras para


facilitar o estudo de determinada disciplina. Aqui trata-se da
disciplina de História da Cultura Angolana, ministrada em alguns
cursos de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Lusíada de
Angola.

A história de cada um, a história da família ajuda a compreender


quem somos, ajuda a criar uma identidade pessoal. Ela
estabelece laços com os que vivem próximo, ajuda também a
desenvolver uma identidade comunitária e social. Essa
identidade social vai-se alargando com a percepção de pertença
a várias comunidades locais, mas não outras. O desenvolvimento
de uma dimensão de identidade regional e nacional, a percepção
de se pertencer a uma comunidade que engloba várias outras
comunidades com semelhanças e diferenças faz também parte
do conhecimento de nós próprios. A História também ajuda a
criar laços com uma comunidade mais alargada; a comunidade
Africana e Universal. A história pode assim contribuir para
desenvolver uma identidade multidimensional, promoção do
patriotismo, e ao mesmo tempo, proporcionar o
desenvolvimento da capacidade de aceitar perspectivas.

Por carência de obras ligadas a disciplina em causa, resolvemos


elaborar esse meio didáctico, muito usual nas universidades, isto
é, nos dias de hoje, pois, os professores de cada disciplina
reúnem fotocópias de trechos e capítulos de diferentes livros,
muitas vezas acompanhados também de resumos, esquemas de
aulas e textos suplementares de apoio aos discentes.

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Assim sendo, a recolha de textos em causa, baseiam-se no
programa lectivo da disciplina que comportam vários capítulos e
subcapítulos.

Esperemos que esta SEBENTA venha colmatar a falta de obras


académicas nas bibliotecas do ensino superior, bem como nas
bibliotecas públicas. Se eventualmente ao longo do nosso estudo
surgirem outras obras que possam enriquecer o estudo do nosso
programa serão bem-vindas, pois, em ciências nada é acabado, a
todo instante a dinâmica da ciência como tal, nos proporciona
novas informações relativos ao saber.

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INDICE

Conceito de Cultura

Características e Alguns Conceitos Inerentes a Cultura

Desconstrução da Visão Europeia sobre a Cultura Africana

Povos não Bantu (Khoisan)

Arte Rupestre

Povos Bantu e Suas O rigens

Estrutura Socioeconómica, Política e Cultural

Rituais de Iniciação (nascimento, puberdade, casamento e


morte)

Sincretismo Religioso: Beatriz Kimpa Vita, Tokoismo e


Kimbanguismo

Fenómeno Cultural Ambaquista

Cultura Angolense

Geração da Luz

Geração da Cultura Nativista

Movimento Cultural Vamos Descobrir Angola

Conjunto Musical Nzaji e Ngola Ritmos

O Teatro

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ORIGEM DA PALAVRA CULTURA

O termo cultura provém do termo francês, culture, cultivar ou


instruir, cultus, cultivo, instrução. O vocábulo francês culture é
oriundo da palavra latina, cultura significa os cuidados prestados
aos campos e ao gado, na França surge para designar uma
parcela de terra cultivada.

Muitas vezes o termo cultura é empregue para designar o


desenvolvimento do indivíduo por meio da educação, da
instrução. Os antropólogos não empregam os termos culto ou
inculto, de uso popular, e nem fazem juízo de valor sobre esta,
ou aquela cultura, pois, não consideram uma superior à outra.
Elas apenas são diferentes do ponto de vista da tecnologia ou da
imaginação dos seus elementos. Todas sociedades possuem
cultura e não há individuo desprovido de cultura.

É a cultura que distingue o homem dos outros animais: por maia


perfeito que os animais façam o ninho… A diferença está na
consciência presente no acto humano.

A cultura, é uma tarefa social e não um assunto individual. É um


conjunto de experiências vividas pelo homem através da
História.

A cultura é um produto humano. É neste sentido que o ser


humano se distingue do mundo animal.

A cultura pertence a comunidade, ao grupo social de que o


indivíduo é membro, pelo que ela não depende do indivíduo,
mas sim da colectividade.

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A cultura é algo que transcende o ser humano, porque nenhum
indivíduo pode viver todos os elementos de uma determinada
cultura.

CONCEITO DE CULTURA SEGUNDO ALGUNS ESTUDIOSOS

Muitas vezes ouvimos falar que uma determinada pessoa tem


cultura por ter lido muitos livros ou por ter conhecimento
apurado na área artística. Também já ouvimos falar de
manifestações culturais que são relacionadas ao folclore,
crenças, danças, lendas de uma determinada região. É um termo
muito difundido actualmente é o de cultura de massa que faz
referência ao cinema, televisão, rádio etc.

O primeiro intelectual a formular um conceito de cultura foi


Edward Burnett Tylor (1832-1917) antropólogo que nasceu no
Reino Unido. Na sua obra Cultura Primitiva, o conceito cultura
engloba todas as coisas e acontecimentos relativos ao homem. Já
para Ralph Linton (1936), a cultura “consiste na soma total de
ideias, reacções emocionais condicionadas a padrões de
comportamentos habitual que os seus membros adquiriram por
meio da instrução ou imitação e de que todos, em maior ou
menor grau, participaram” (LINTON).

Franz BOAS (1858-1942) entende cultura como “a totalidade das


reacções e actividades mentais e físicas que caracterizam o
comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social
(…)” (BOAS, 1964, p. 166).

Bronislaw Malinowski (1884-1942) antropólogo polaco, define


cultura como “o total global consiste de implementos e bens de
consumo, de cartas constitucionais para os vários agrupamentos
sociais de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes”
(Malinowski, 1962, p. 43).
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Como vimos, são várias definições acerca da cultura, e podemos
perceber que elas variam com o passar do tempo, para Tylor,
Linton, Boas e Malinowski cultura é o conjunto de ideias; para
Kroeber e Kluckhon, Beals e Hoijer cultura é abstracção do
comportamento; para Keesing e Foster cultura é o
comportamento apreendido. Leslie A. White apresenta uma
abordagem diferenciada: cultura, segundo ele, deve ser vista não
como comportamento, mas em si mesma, fora do organismo
social. White, Foster e outros entendem cultura como elementos
materiais e não matérias e não materiais. A definição de Geertz
propõe a cultura como um “mecanismo de controlo” do
comportamento (MARCONI; PRESSOTO, 1989, p. 42-43).

Embora existam várias definições para o termo cultura, duas


concepções são discutidas e aceites.

- Culturas são todos os aspectos de uma realidade social

- Cultura é o conhecimento, ideias e crenças de um povo.

Vamos englobar essas duas concepções para definir qual


conceito de cultura iremos utilizar ao longo do nosso estudo.
Cultura, portanto, será entendida por nós como a variedade de
modos de vida, crenças, hábitos, valores e práticas de diversos
povos. Assim, o termo cultura também pode ser entendido como
modo de produção já que ambos significam o jeito de ser de uma
determinada sociedade e o que ela produz.

Aprendemos que o ser humano é colectivo e que necessita do


grupo para dar início ao seu processo de humanização e que, por
meio do trabalho e da sua capacidade de pensar modifica a
natureza para sanar as suas necessidades. Além disso, cria
códigos de comunicação que são utilizados pelo grupo ao qual
pertence.
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Não podemos julgar culturas, pois cada grupo social constrói seu
jeito de viver de acordo com o que acha certo, assim devemos
apenas buscar compreender as diversidades culturais e respeitá-
las acima de tudo. Portanto, somente através da tolerância pode
construir um mundo melhor onde todos terão direito de
expressar suas verdades.

A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob


vários enfoques: ideias (conhecimento e filosofia), crenças
(religião e superstição), valores (ideologias e moral), normas
(costumes e leis), atitudes (preconceitos e respeito ao próximo),
padrões de conduta (monogamia, tabu), abstracção do
conhecimento (símbolos e compromissos), instituições (família e
sistemas económicos), técnicas (artes e habilidades) e artefactos
(machado de pedra, telefone), (MARCONI;PRESSOTO. 1989, p.
44).

1.2 - ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA CULTURA

ACULTURAÇÃO - é a fusão de duas culturas diferentes que


entrando em contacto contínuo originam mudanças nos padrões
da cultura de ambos os grupos. Pode abranger numerosos traços
culturais, onde um grupo acaba sempre por dar mais e receber
menos.

AQUISIÇÃO - ninguém nasce com cultura, todos nós passamos


num processo de aquisição da nossa cultura.

COLECTIVA – são diz respeito a colectividade de uma


comunidade.

CULTURA - são coisas materiais que foram criadas pelo ser


humano, com uma finalidade. São, por exemplo, vestuários,

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arco, flechas, vasos, talheres, alimentos, habitações e outros
materiais.

CULTURA IMATERIAL - são elementos não concretos da cultura


como valores, hábitos e costumes, crenças.

DIVERSIDADE CULTURAL – são os vários aspectos que


representam particularmente as diferentes culturas, como a
linhagem, as tradições, a culinária, a religião, os costumes, o
modelo de organização familiar.

DIREITO CONSUETUDINÁRIO - é o direito que surge dos


costumes de uma certa sociedade, não passando por um
processo formal de criação de leis.

ESTÁVEL-DINÁMICA - a cultura é passada de geração à geração,


todavia, ela não é estática pelo contrário ela é dinâmica, pois
adapta-se aos tempos. Exemplo: rituais de iniciação e outros.

ETNOCENTRISMO - é na verdade a sobrevalorização da própria


cultura em relação as demais. Quando nos referimos a povos
primitivos e civilizados deve ser feita em termos de culturas
diferentes e não na relação superior ou inferior.

ENDOCULTURAÇÃO - é o processo de aprendizagem e educação


em uma cultura desde a infância é chamada de endoculturação,
pois cada individuo adquire as crenças, o comportamento, os
modos de vida da sociedade a que pertence.

EXORCISMO - é um ritual executado por uma pessoa


devidamente autorizada para expulsar espíritos malignos de
outra pessoa que esta num estado de possessão demónica.

FEMINISMO – pode ser definido como um longo processo com


raízes que se estendem desde o passado remoto até o presente.

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Por outro lado, o feminismo também pode ser apresentado
como o discurso de busca de igualdade entre os sexos. Todavia,
se queremos definir o feminismo como movimento de massas, é
um fenómeno bastante contemporâneo, que pode ser datado
em torno das décadas de 1960-1970, no mundo ocidental.

Esse feminismo contemporâneo surgiu em um contexto no qual


emergiram diversos movimentos de libertação denunciando a
existência de vários tipos de opressão. Movimento pelos direitos
civis, pela igualdade racial, ecologista, movimento de
homossexuais e mulheres surgiram, então, como forma de
pensar a opressão de modo mais amplo do que a partir da ideia
de luta de classes, até então o fundamento das principais críticas
é à desigualdade social.

Cada vez mais esses grupos foram percebendo que suas vidas
estavam carregadas de estigmas preconceitos, bem como que
seus objectivos políticos nem sempre se confundiam com os
objectivos do operariado, então considerado a classe social que
seria a vanguarda de uma nova forma de organização social, o
socialismo. Foi nesse contexto que as mulheres começaram a
perceber que o sexo é político, ou seja, que é permeado por
relações de poder e de hierarquia, essa situação (marcada pela
desigualdade continuaria a existir mesmo em um regime no qual
inexistisse a luta de classes. Com o afloramento dessa
consciência a partir dos anos 1960, nos Estados Unidos, surgiu o
movimento feminista que assumiu e criou uma identidade
colectiva de mulheres, bem como, indivíduos do sexo feminino,
possuidoras de interesses compartilhados: o fim da subordinação
aos homens da invisibilidade e da importância, a defesa do
direito de igualdade e do controle sobre seu corpo e sobre sua
vida.

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O principal objectivo das feministas é superar o autoritarismo e a
desigualdade entre os homens e mulheres nas relações pessoais
com a organização política pública.

Assim, foram sendo organizados grupos de reflexão nos quais as


mulheres compartilhavam suas agruras e o que antes parecia um
problema individual, tornava-se colectivo.

FOLCLORE - termo cunhado em inglês a partir das palavras folk


(povo), e lore (saber).

A palavra folclore foi usada pela primeira vez pelo arqueólogo


inglês Willian John Thoms, o folclore é o conjunto de ritos,
crenças religiosas, danças linguagem, música, artesanato etc.
Folclore, portanto, vai muito além da ideia de tradição popular;
ele está associado à vida do povo, à sua disposição de criar e
recriar algo. Não somente as celebrações populares, mas o lastro
da vida quotidiana de um determinado grupo.

GÉNERO - é uma categoria relacional, ou seja, género é


entendido como estudo das relações sociais entre homens e
mulheres, e como essas relações são organizadas em diferentes
sociedades, épocas e culturas.

Os pesquisadores que utilizam essa categoria de análise fazem


questão de frisar que no campo das relações entre homens e
mulheres há uma distinção entre a esfera biológica, que é o sexo
propriamente dito e suas características físicas, e a esfera social
e cultural, que é identidade do género. Assim não há uma
essência feminina imutáveis e determinadas por características
biológicas. O que há são construções sociais e culturais que
fazem que homens e mulheres sejam educados e socializados
para ocupar posições políticas e sociais distintas normalmente
cabendo aos homens as posições hierárquicas mais elevadas,
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enquanto às mulheres são reservadas as posições menos
privilegiadas. Deste modo, o conceito de género tem muito a ver
com a forma como são percebidas as relações de poder entre
homens e mulheres.

As identidades masculinas e femininas são construções sociais e


culturais que impõe aos sexos condutas, práticas, espaços de
poder e anseios diferentes.

Tudo isso baseado nas instituições que a própria sociedade


constrói para o feminino e o masculino e não em diferenças
naturalmente predeterminadas entre homens e mulheres.

Historicamente, o conceito de género surgiu para se contrapor a


uma visão que enfatizava as diferenças biológicas, ou sexuais
entre homens e mulheres que acabava naturalizando a
dominação masculina.

GLOBALIZACÃO - é o processo de aproximação entre as diversas


sociedades e nações existentes por todo o mundo, seja no
âmbito económico, social, cultural ou político.

MULTICULTURALISMO - é a convivência pacífica de várias


culturas em um mesmo ambiente. É um fenómeno social
directamente relacionado com a globalização e as sociedades
pós-modernas.

MISCIGINAÇÃO - é o processo gerado a partir da mistura entre


diferentes etnias humanas. Os seres humanos miscigenados
apresentam características físicas típicas de várias raças.

IDIOSSINCRASIA - é o comportamento estranho ou diferente do


usual, diferente daqueles que geralmente é visto como comum,

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também como comportamento social diverso que podemos ver
em várias culturas.

SOCIAL - só há cultura onde há sociedade, a cultura é inerente a


sociedade, pois, o homem é que faz a cultura.

SUBCULTURA - pode ser considerada como um meio particular


da vida de um grupo menor dentro de uma sociedade. A
subcultura não tem conotação valorativa, não é superior ou
inferior a outra; apenas são diferentes, devido a organização e
estrutura dos seus elementos.

Os sociólogos distinguem as subculturas segundo classes sociais,


mas também, segundo grupos étnicos.

UNIVERSAL-REGIONAL - toda cultura tem origem numa


determinada região, expandindo-se para o mundo fora, exemplo:
o cristianismo.

RAÇA - a palavra raça foi introduzida há aproximadamente a 200


anos nos estudos científicos. No entanto, pouco se sabe sobre a
sua origem. Etimologicamente a palavra raça viria de “radix”,
palavra latina que quer dizer raiz ou tronco.

Raça é uma categoria das espécies de seres vivos, utilizada pela


biologia como forma de classificação. Em termos sociais, o uso
do termo raça é usado enquanto senso comum para determinar
grupos étnicos a partir de suas características genéticas.

As “raças humanas” seriam determinadas pela cor da pele e


características físicas, associadas a origem social dos indivíduos,
mas que caiu em desuso pela comunidade científica.

Estudos genéticos já provaram que não existem subgrupos de


humanos, sendo errado classificar, negros, asiáticos, indígenas

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ou outros grupos enquanto diferentes raças. A abordagem
antropológica e sociológica da questão estabelece que os
diferentes grupos entre humanos são etnias, e apresentam
diferenças fenotípicas, como a cor de pele.

RELATIVISMO - nega a existência de cultura superior e inferior,


pois, toda cultura é saudável.

MITO - são narrativas utilizadas pelos povos antigos para explicar


factos de realidades e fenómenos da natureza, as origens do
mundo e do homem, que não eram compreendidos por eles. Os
mitos se utilizam de muita simbologia, personagens
sobrenaturais, deuses e heróis. Todos estes componentes são
misturados a factos reais, características humanas e pessoas que
realmente existiram.

LENDA - é uma narrativa fantasiosa pela tradição oral através


dos tempos. De carácter fantástico ou fictício, pois as lendas
combinam factos reais e históricos com factos irreais que são
meramente produto da imaginação de uma aventura humana.
Uma lenda pode ser também verdadeira, o que é muito
importante. Como exemplos bem definidos em todos os países
do mundo, as lendas geralmente fornecem explicações plausíveis
e até certo ponto aceitáveis, para coisas que não têm explicações
científicas comprovadas, como acontecimentos misteriosos ou
sobrenaturais. Podemos entender que a lenda é uma
degeneração do mito. Como diz o dito popular; “quem conta um
conto aumenta um ponto”. As lendas, pelo facto de serem
repassadas oralmente de geração a geração sofrem alterações à
medida que são contadas.

Um dos objectos do mito era transmitir conhecimentos e explicar


factos que a ciência ainda não havia explicado, através de rituais

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em cerimónias, danças, sacrifícios e orações. Um mito também
pode ter a função de manifestar alguma coisa de forma forte ou
de explicar os temas desconhecidos e tornar o mundo conhecido
ao homem.

IDENTIDADE CULTURAL - é o conjunto, das características de um


povo, oriundos da interacção dos membros da sociedade e da
forma de interagir com o mundo, através da cultura, tradição,
música, culinária, religião, o modo de vestir, de falar, entre
outros, que representam os hábitos de uma nação.

Identidade Cultural é um conceito muito abordado nas últimas


décadas, no entanto, ela sempre existiu, ou seja, desde os
primórdios os homens se organizavam em grupos sociais, os
quais compartilhavam informações sobre identidade, com os
seus membros.

O sentimento de pertença, surge então, a partir das experiências


que os seres humanos desenvolvem durante sua vida social.

Assim, fica claro que existem várias identidades culturais no


mundo e em particular em Angola onde há um mosaico cultural
de várias etnias, raças, línguas heterogéneas.

PRÁTICA MÁGICO – é utilizada por todos os aspectos religiosos,


míticos e espiritualistas que consiste em evocações, orações,
exorcismos, curas, unções, transes, rituais de iniciação de
consagração, projecção astral, rituais festivos de celebração,
manipulação de símbolos, vidências, búzios, etc. Dentro de um
processo mágico-religioso, acredita-se que o indivíduo é capaz de
manipular (intervir) nas forças da natureza, como vento, a luz, as
águas as chuvas, trovões, relâmpagos, funções e todo fenómeno
natural ou de ordem psicológicas, destino? Doenças? Ou como é
o caso das curas milagrosas?
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TRANSE – é um estado alterado de consciência um dos
objectivos a serem atingidos pela hipnose. Trata-se de um estado
de consciência onde podem ocorrer diversos eventos neuro-
fisiológicos.

Desconstrução da Visão Europeia Sobre o Africano

Para justificar a inferioridade do homem africano, a ciência


torna-se grande aliada no processo de colonização, que é acção
dos povos civilizados de trazer os não civilizados à civilização,
justificando todas as medidas que seriam tomadas pela
administração colonial para com este processo de inferiorização.
Excluir os africanos de quaisquer direitos de cidadania
portuguesa.

Para forçar a realização do pensamento de António Enes, no


período de 1899 à 1910, o estudo da colonização passou a ser
feito em carácter científico. Estudavam-se as características
biológicas do negro e a sua inferiorização sistemática. A
Antropologia é utilizada para inquerir e justificar a inteligência do
negro (preto). A fisionomia do preto é ressaltada para
caracterizar a sua a animalidade cujo estudo do crânio do negro
ratifica a sua inferioridade.

Para justificar os seus argumentos sobre a pretensão colonial,


Portugal realizou várias exposições e conferências internacionais
onde aludiam de uma forma «científica» a inferioridade do
negro, tais como a Exposição Industrial do Cabo de Boa
Esperança (Africa do Sul) de 1904, e na Exposição Colonial de
París (França) de 1906, e que foi promovido pela Sociedade de
Geografia onde foram abordados os mais variados temas da
problemática colonial, como por exemplo, “classificar os povos e
estabelecer tipologias raciais e culturais.

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OS POVOS DE ANGOLA

Os Povos Não Bantu (Khoisan)

Os Povos não Bantu ou Khoisan são povos que habitaram as


zonas mais longínquas do actual território angolano, antes da
chegada dos Bantu, o que aconteceu a partir do século XIII. Estes
comportam os grupos, Ovakwis, Ovakwepe e Nkung.

Os holandeses deram ao povo Nkung o nome de Bosquímanos,


termo rejeitado pelos próprios, porque significa “homem da
selva ou do bosque”. Também são conhecidos pelos seus
vizinhos bantu como kamusekele, Mukakhala ou Bosquímanos.

A partir do século XIII, foram empurrados para zonas mais


afastadas ou inóspitas pelos Bantu, que começaram a chegar ao
território no mesmo século.

Hoje em dia, habitam nas províncias do Kunene, Huíla (Wila),


Kuango Kubango (Kwango Kuvango) e Namibe.

KOISAN

Os Khoisan nunca formaram reinos ou estados em Angola,


viveram sempre em tribos e alimentavam-se de frutos silvestres.

Caçadores recolectores, a sua actividade socioeconómica é


dividida de acordo com o sexo e a idade dos seus elementos. Ao
homem cabem as tarefas ligadas à caça, à elaboração das
azagaias e respectivas flechas; à preparação do veneno para as
flechas; o curtir a pele desses animais, e iniciar os rapazes em
idade púbere nas lides de adultos.

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À mulher cabem as tarefas domésticas, a recolha de produtos
alimentares, a educação das raparigas e, eventualmente,
acompanhar o homem na caça quando esta não implica grandes
caminhadas. Exímia conhecedora das plantas comestíveis e
medicinais existentes no deserto, ela representa um elemento
fundamental na estrutura do grupo. A mulher tem um
envolvimento afectivo muito prolongado com a criança,
amamentando-a durante um longo período. Os seus haveres
reduzem-se ao mínimo indispensável ao facilmente
transportável, de modo a facilitar a constante mobilidade a que
se vê obrigada, não só pela exiguidade de recursos alimentares,
mas também pelo rigor das condições climáticas em
determinadas épocas do ano, ou por morte de algum elemento
do grupo.

A existência de um fogo aceso é algo de essencial na cosmologia


desta comunidade. Está associado às crenças e ao misticismo, e é
assim que os Khoisan evidenciam crenças e práticas similares,
embora algumas possam ser diferenciadas de grupo para grupo e
entre indivíduos.

Acreditam num grande deus muitas vezes identificado por N!dii


que também pode significar céu nalgumas línguas do Kalahari
Central. Muitas vezes deus é chamado pelo seu nome N!dade,
Ga//ua ou Hishe. Acreditam ter sido ele o criador do universo.

Esse ser não afecta significativamente a actividade diária dos


Khoisan, embora seja identificado como aquele que faz crescer
as plantas ou quem possibilita a um casal ter filhos.

A dança e a música têm um significado muito particular na vida


dos povos. Eventualmente um ou mais homens entram
gradualmente em transe. Na crença Nkung têm entra no corpo

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do homem curandeiro e tornam-se num só. O homem é o
instrumento utilizado pelo espírito ancestral para que se
estabeleça o contacto entre as duas instâncias. Os Nkung têm
critérios únicos de introspecção. A sua educação em relação ao
transcendente é gradual e passa ultimamente pela aceitação
individual de todo um processo que envolve a sua prática.
Acreditam que a possibilidade de viver a transcendência, conduz
a uma vivência superior como o objectivo de elevar o espírito.

Este grupo sociocultural está em vias de extinção, por razões


intrínsecas (um número reduzido de filhos, geralmente não mais
que dois, e por não se cruzarem com outros grupos), e
extrínsecas à sua filosofia de vida, que perigam de forma incisiva
a sua existência.

São de cor acastanhadas, estatura baixa, tez clara, nariz largo e


achatado, olhos claros e cabelo muito enroscado, possuem
características físicas próprias não falam uma língua bantu, mas
sim por estalidos da língua, os conhecidos “clicks” que se
produzem na região dental, labial, palatal ou gutural e de forma
mono ou dupla, consoante o grupo sociolinguístico a que
pertencem. Graficamente representam-se por um ponto de
exclamação (!) ou traço duplo (//).

A sua desorganização sociopolítica, e o facto de não dominarem


a técnica do uso dos metais, sobretudo do ferro, foram
determinantes para que acabassem subjugados ou empurrados
para zonas mais afastadas ou inóspitas pelos Bantu, povos que
começaram a chegar ao território angolano a partir do século
XIII.

Em relação aos Khoisan, Pedro de Castro Maria, na sua obra


intitulada Minoria Étnicas de Angola o caso dos San, afirma que

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os Khoisan não existem, “foi uma imaginação do colonialismo,
fundindo indevidamente vários grupos para satisfazer os seus
propósitos políticos administrativos”. Mais adiante o autor
assevera que os “os Khoisan trata-se de uma junção forçada de
dois povos, os San e os Khoi-Khoi, sem se ter em conta o facto
mais relevante de classificação étnica, que é a identidade”.

Perante estas afirmações do autor em referência, remetemos a


abordagem do assunto para historiadores, arqueólogos
profissionais, assim como para representantes de outras áreas
auxiliares da história, para apurarem a veracidade dos factos
históricos. Pois, este assunto não se esgota neste Atlas resumido.

ARTE

(Introdução)

A arte é um termo que vem do latim, e significa


técnica/habilidade. A definição de arte varia de acordo com a
época e a cultura. Actualmente, a arte é usada como actividade
artística.

A arte é um produto humano, que popularmente se chama de


imaginação ou fantasia, uma actividade espiritual, inata, faz a
síntese das experiências sensoriais.

A arte é uma criação humana com valores estéticos, como a


beleza e o equilíbrio, harmonia, que representam um conjunto
de procedimentos utilizados para realizar obras.

Para os povos primitivos, a arte, a religião e a ciência andavam


juntas na figura, originalmente a arte poderia ser entendida
como o produto ou processo em que o conhecimento é usado
para realizar determinadas habilidades.

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A arte é o reflexo do ser humano e muitas vezes representa a sua
condição social e essência do ser pensante.

A arte apresenta-se de diversas formas como, a plástica, música,


escultura, cinema, teatro, dança, arquitectura, etc. existem
várias expressões que servem para descrever diferentes
manifestações de arte, por exemplo: arte plástica, arte ciência,
arte gráfica e arte visuais, etc.

ARTE RUPESTRE

A arte rupestre termo que domina as representações artísticas


pré-históricas realizadas em paredes, tectos e outras superfícies
rochosas ao ar livre. A arte rupestre divide-se em dois tipos: a
pintura rupestre, composições realizadas com pigmentos
(material que muda a cor da luz) e a gravura rupestre, imagens
gravadas em incisões na própria rocha.

Em geral, trazem representações de animais, plantas e pessoas,


sinais gráficos, abstractos, as vezes usadas em combinação. Sua
interpretação é difícil e está cercada de controvérsias, mas
pensa-se correctamente que possam ilustrar cenas de caça,
ritual, quotidiano, ter carácter mágico e expressar, como uma
espécie de linguagem visual, conceitos simbólicos, valores e
crenças.

Por tudo isso, muitos estudiosos atribuem à arte pré-histórica


funções e características comparáveis às da arte como hoje é
largamente entendida, embora haja uma tendência recente de
substituir a denominação “arte” rupestre por “registro” rupestre,
considerando a incerteza em torno do seu significado.
Permanece de todo modo, como testemunho precioso de

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culturas que exercem grande fascino contemporaneamente, mas
são ainda pouco conhecidas.

As gravuras rupestres de Tchitundo-hulo localizadas em Capolo-


polo, município do Virei, Província do Moçâmedes no deserto.
Trata-se de um dos tesouros culturais mais valiosos de Angola.
Datam de 2000 anos a.C., consistem essencialmente em círculos
cósmicos acompanhados de curvas, relevos e linhas. Segundo
registos antropológicos, confirmam que as populações kwisi
mantêm uma veneração pelo monte, afirmando que os círculos
concêntricos gravados no Tchitundo-hulo são os astros,
principalmente, o sol. Em nenhuma outra estação de arte
rupestre de Angola há tão grandes números de desenhos,
representações de pequenos animais, como os desenhos
esquematizados de Tchitundo-hulo.

ALGUMAS PINTURAS RUPESTRES ENCONTRADAS NO ACTUAL


TERRITÓRIO DE ANGOLA

Pinturas Rupestre da Pedra do Feitiço, Nóqui;

Pinturas Rupestre de Caningiri, Huambo, 2000 a. C.;

Pintura Rupestre de Bambala, Lunda 2000 a. C.;

Pintura Rupestre de Calola, Lunda, 2000 a. C.

Pintura Rupestre e Tatuagens das populações da Lunda;

Estação Arqueológica de Tchitundo-hulo, Moçamedes.

POVOS BANTU E SUAS ORIGENS

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MIGRAÇÕES BANTU

Os Bantu constituem um conjunto de povos da África Central,


Oriental e Austral que, nas suas respectivas línguas, denominam
o ser humano através do radical ntu. Esses Bantu iniciaram a
invasão do Sul da África há 2000 ou 2500 anos, partindo da
região do Benué (afluente do rio Níger).

Ao sul chegaram no século XV e, aí, constituíram grandes


Estados. Formaram, igualmente, o maior estado na África
Central, politicamente gerido pelo “Mani”. Desde o século XIII, e
até à chegada dos europeus, este espaço assumiu as
características de uma Confederação de Estados, designado por
Kongo.

Daí provém o mais antigo grupo entre aqueles que, em Angola,


têm origem etnolinguística Bantu, os Bakongo. Eram caçadores e
agricultores que habitavam no Norte de Angola, nas províncias
do Uíge, Cabinda e Zaire.

CLASSIFICAÇÃO BANTU

Do ponto de vista etnológico, os Bantu de Angola dividem-se em


vários grupos e são classificados como pertencentes ao grupo
Ocidental, e a uma pequena vaga de Bantu meridionais, que
formam uma dezena de variantes com mais de uma centena de
subgrupos. Os Bantu de Angola é o grupo que demograficamente
tem uma distribuição territorial mais abrangente, pois encontra-
se disseminado por todo o território angolano.

23
BAKONGO

Os Bakongo que falam a língua Kikongo, desde o século XIII até à


chegada dos europeus no século XV viveram num espaço que
assumiu características de estado, sendo designado por Kongo.

Os Bakongo de Angola são formados por catorze subgrupos


Bayombe, Bavili, Basundi, Balwango, Balinji, Bakongo, Bawoyo,
Basolongo, Bachikongo, Bazombo, Bakano, Basoso, Bayaka e
Basuku. Encontram-se nas actuais províncias de Cabinda, Zaire,
Uíge, na parte nordeste da província do Bengo e no Kwanza-
Norte.

São catorze subgrupos com uma subtil diferença linguística que

não chega a impedir, de forma considerável, o entendimento


entre os Bakongo. Pelo contrário, o facto de serem da mesma
religião, de terem consideráveis afinidades linguísticas, de haver
entre eles um intercâmbio e entrosamento fortalecidos pelos
laços familiares através de casamentos, cria um crescente e
conciso espírito de solidariedade regional com o qual se
identificam dentro e fora da região.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Bakongo (Bacongo) são agricultores na estação das chuvas e


afirmam-se com capacidade notável para escultura.

Alguns subgrupos Bakongo, como os Bazombo e os Basolongo,


mostram-se muito aptos para o negócio. Sendo esta uma das
suas principais actividades, permite-lhes salientarem-se nas
quitandas ou mercados.

24
Na organização social tem evidência o Kanda ou clã. Muito ligado
ao terreno agrário sob protecção dos antepassados, aos quais
pertencem. Resta aos vivos o direito de usufruto do mesmo,
apesar de o princípio das terras clânicas apresentar sempre
implicações de vária ordem, como é o regime de concessão sob
orientações do Mfumo a Ntoto (donos ou senhores das terras).

AMBUNDU OU MBUNDU

Os Ambundu que falam a língua Kimbundu, chegaram ao


território angolano no século XIV, logo depois dos bakongo, e
constituíram importantes Estados políticos, nomeadamente
Ndembu, Ndongo, Kissama (Kisama), Matamba, e Kasanji. Entre
estes, o reino mais conhecido é o do Ndongo, cujo poder
constitui-se em torno de uma história dinástica que começou
com Ngola-a-Njinga, o fundador lendário. Formaram, assim, a
segunda etnia do território, com catorze subgrupos, entre eles,
os Jindembu, Mahungu, Tulandula, Jinjinga, jingola, Maholo,
Mbondo, Imbangala, Isama, Malubolo, Masongo, Mahako, Ibala
e Isende.

Estão repartidos numa grande extensão entre o mar e o rio


Kwanza, e que envolve as províncias de Luanda, Bengo, Kwanza-
Norte, Malanje e partes de Kwanza-Sul.

Os Ambundu, do corredor de Luanda, Ambaka (Mbaka) e


Malanje, foram os primeiros povos a sentirem os efeitos do
colonialismo, tendo sofrido o fenómeno da aculturação
profunda. Tanto mais que alguns Ambundu civilizados não
deixavam os filhos falarem a língua nacional (Kimbundu), mas
somente o português, na tentativa de obter uma maior ascensão
na sociedade colonial.

25
O rei Ngola foi um magnata, um dos patriarcas, um caçador
profissional e dono de terras e gente. Assenhorando-se da faixa
entre os rios Dange e Kwanza, ali estabeleceu-se uma monarquia
absoluta. O comércio de escravos via reino do Kongo, com o
governo português era uma das actividades mais rendosas que,
associados à sua bravura e opulência real, o tornaram muito
famoso. Ngola era tão falado em Portugal que, quando as
caravelas se preparavam para viajar de Lisboa para essas
paragens, os portugueses diziam “vamos à Ngola” ou “vamos
para Ngola”.

SAIBA MAIS

A pronúncia constante de Ngola ou para Ngola suscitou, segundo


José Quipungo (Kipungo), o nome de ANGOLA, nome pelo qual é
chamado o território angolano. Portanto estamos perante uma
corruptela, que é a deformação de palavras originada pela má
compreensão.

NJINGA

A rainha Njinga, de ascendência nobre, nasceu em Cabassa


(Kabasa), em 1582, território de Angola, e faleceu a 17 de
Dezembro de 1663.

Era filha de Njinga a Mbandi Ngola Kiluanji e de Guenguela


Cakambe, e irmã de Ngola Mbandi, que se revelou contra o
domínio português

Conhecida por rainha Njinga ou Dona Ana de Sousa, foi rainha


dos reinos do Ndongo e de Matamba no século XVII.

26
Njinga viveu durante um período em que o tráfico de escravos e
a consolidação do poder dos portugueses na região estavam a
crescer rapidamente.

Mulher de forte personalidade e de rara beleza de espírito,


Njinga torna-se na mulher mais poderosa de toda a África. Com
uma notável visão de estadista para a época, a sua figura está
ligada à génese dos movimentos nacionalistas angolanos e
sobretudo, ao tráfico de escravos.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Ambundu, são bons agricultores de subsistência. Entre os


Ngola e os Njinga, manifesta-se o talento musical expresso em
marimbas (xilofones) curvos de doze e trinta e duas teclas, cujas
caixas-de-ressonância são constituídas por cabaças. São
igualmente propensos ao artesanato, praticando a escultura e,
em algumas zonas, a arquitectura tumular de pedra para campas
dos soberanos.

Na ilha do Cabo, Luanda, essa comunidade dedica-se à actividade


piscatória associada à crença de uma padroeira do mar,
conhecida por Kyanda (sereia).

O IMPÉRIO LUNDA

O império Lunda, também conhecido por Estado do


Mwatianvwa, tinha como capital Mussunda. Foi fundado no
século XVI, por volta do ano de 1550, por Mwata Yala Maku, e
ocupou, no território angolano, uma região que abrangia
territórios da actual Lunda (Norte e Sul), a sul do Moxico e
Kuando- Kubango.

As maiores concentrações deste povo deram-se no século XIX.


Hoje, os povos Lunda de origem bantu que falam as línguas
27
lunda, kioko ou tuchokwe e suas variantes (luvale, mbunda,
lutchazi) localizam-se na região que compreende as províncias de
Lunda-Norte, Lunda-Sul, um terço do nordeste de Moxico, parte
nordeste da província do Bié e uma larga faixa no sentido norte-
sul da província de Kuando - Kubango. São, ao todo, seis grupos
que se identificam pelos respectivos nomes linguísticos: Tulunda,
Tuminungo, Tutchokwe, Tukongo, Tumatapa e Tuxinji.

Este povo dividia-se em classes: a dos aristocratas (governadores


de províncias e parentes do rei), dos chefes das aldeias, dos
nobres habitantes da corte (de onde vieram os Mwatas), dos
artesãos, dos juízes, sábios e defensores públicos (Nganji), dos
artistas (pintores, escultores) e, por fim, classe dos escravos.

A partir da segunda metade do século XVI, surgiu a vasta


confederação Lunda, irmã dos povos Luba, cujos chefes se
ligaram por juramento de amizade, elegendo um deles, Mwata
Yala Makwu, como figura principal.

Descontente com a decisão do seu pai, por este ter entre o trono
a Lueji, Tchinguri juntou-se a Ndumba Watembo, outro dos
irmãos de Lueji, retirou-se do reino e formou os grupos
Imbangala e Lwena do Alto - Zambeze. Tchinguri estendeu o
poder do reino Lunda, tornando-o numa das potências da África
Central. As suas conquistas estenderam-se ao Shaba (Congo), às
bacias do Zambeze (a sul) e do Kasai (a nordeste) e ainda aos rios
Kwangu, Kwanza e Kamweji.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Lunda, oriundos de uma velha cultura de caçadores savânicos,


revelam-se peritos e hábeis nas técnicas siderúrgicas, na
escultura, em várias espécies de artesanato e na construção de
habitações. As suas instituições de educação tradicional, como a
28
Mukanda para os, e a Sikumbi para as raparigas, constituem a
base de transmissão e manutenção da cultura e tradição
ancestrais.

Os cultos à caça e aos antigos caçadores, seus padroeiros por


excelência, predominam.

Em relação à economia, são propensos ao negócio, consequência


das suas extensas viagens de comércio a diversas partes do
litoral, e também das trocas com os povos vizinhos do interior
(Ndongo, Kasanji e Matamba), com os povos do planalto e,
ainda, com os portugueses. De facto, muitas vezes compravam o
sal que pagavam com tecidos de ráfia e marfim. A sua actividade
comercial atingia a região Luba (Kongo)

Trabalhavam o ferro no fabrico de armas para guerrear e caçar.


Aperfeiçoaram o artesanato (especialmente entre os Vacókwe) e
as várias técnicas de trabalho com o ferro, o cobre e os tecidos
de palma. Desenvolveram a caça, assim como a pintura, a
escultura, a arte de construção de habitações, o fabrico de
móveis (bancos, troncos, mesas), para além da técnica dos
entretecidos com fabrico de cestos e esteiras.

Nos dias de hoje, a agricultura, a extracção artesanal de


diamantes, a pesca na época das chuvas e a caça são as suas
principais actividades.

SAIBA MAIS

Entre as artes, tipicamente palacianas, podemos destacar as suas


máscaras excepcionalmente bonitas, assim como a figura do
pensador.

29
OVIMBUNDU

Os Ovimbundu que falam a língua umbundu chegaram no actual


território de Angola no seculo XVII, são constituídos por catorze
subgrupos: vambui, Vapinda, Vasele, Ovisanji, Vambalundu,
Vandombe, Vtchyaka, Vauambo, Vavyie, Vaanya, Vakakonda,
Vangalanji, Vasambo e Vanganga. Os seus principais centros
habitacionais localizam-se numa região que compreende toda a
província do Huambo, Benguela, centro leste do Bié, metade sul
de Kwanza-Sul, uma parte da Huíla e região norte de Namibe.

Os Ovimbundu foram o quarto grande grupo a instalar-se no


território de Angola e é bastante heterogéneo. Os Ovimbundu
são compostos por indivíduos oriundos das zonas do litoral. Por
volta de 1600 instituíram cerca de quinze Estados políticos: o
Wambu (Huambo), o Viyé (Bié), o Ndulu (Andulu), entre outros.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Os Ovimbundu são caçadores savânicos, criadores de gados, que


acima de tudo, herdaram a vocação agrícola, praticam a cuja
técnica apresenta uma laboriosa agricultura cuidada, regada e
estrumada, empregando, na generalidade, charruas puxadas por
tracção de bois. Praticam a siderurgia caracterizada por aspectos
originais na construção de fornos, explorando e fundindo
malaquites de cobre, sobretudo na zona de Benguela.

No campo artístico, mantiveram uma escola animalista e uma


variedade de máscaras, tidas como padroeiras da iniciação
masculina, evemba ou circuncisão.

SAIBA MAIS

Os Ovimbundu tiveram notáveis organizações e foram hábeis


construtores de fortes nas embalas ou muralhas.
30
NGANGELA

Os Gangela que falam a língua tchingangela são constituídos por


doze subgrupos: Valuimbi, Tulwena ou Baluvale, Balutchazi,
Balunda, Vakangala, vamachi (Akuakwando), Vayauma e
Valunyo.

Estes povos estão concentrados na região leste do país, mais


concretamente nas províncias do Moxico, metade norte de
Kuando – Kubango, parte ocidental do Bié e uma parte da
província da Huíla.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONOMICA, POLÍTICA E CULTURAL

Oriundos dos antigos caçadores, os Ngangela têm hoje a


agricultura na estação chuvosa e a pecuária como principais
actividades económicas. A extracção do mel, a cera e a pesca
lacustre e fluvial fazem igualmente parte da sua economia. Os
Ngangela são hábeis na fundição de ferro e na confecção de
admirável cerâmica negra, polida e, às vezes, modelada
artisticamente.

No aspecto social, predominam os ritos de iniciação ou de


passagem masculina, sem os quais o homem não tem realmente
o estatuto de homem.

NYANEKA – HUMBE (NKHUMBI)

O termo Nyaneka é utilizado para designar um conjunto de


etnias agropastoris do sudoeste de Angola.

Os povos de língua olunyanyeka ou lunhaneka têm como os


principais centros habitacionais a região do sul e sudoeste do
país, nas províncias da Huíla e uma parte do Kunene.

31
São, ao todo, onze grupos: Ovamila, Ovangambwe, Ovankhumbi,
Ovandongwe, Ovahinga, Onkwankwa, Ovahanga Vampwa,
Ovahanda Vatchipungu, Ovatchipungu, Ovatchilenge Humbi e
Ovatchilenge Muso.

O poder político entre o Nyaneka é feito de uma forma


tradicional, pois as autoridades derivam de sistemas de
legitimidade diferentes dos actores estatais modernos.

Cada grupo tem as suas características próprias e não se


consideram como fazendo parte de um conjunto abrangente.
Uma parte significativa dos Nyaneka passou a viver nas zonas
urbanas abandonando em parte o seu modo de vida tradicional.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA CULTURAL

O povo Nyaneka revela aspectos culturais muito significativos,


sobretudo relacionados com as cerimónias de noivado e o
casamento, assim como com a importância da virgindade na
tradição Humbi.

São hábeis nas artes e ofícios e têm uma filosofia que lhes
permite combinar a natureza com a sua própria vida. O barro, os
animais, as plantas e as aves confundem-se no dia-a-dia dos
Nyaneka.

São práticos, um pouco reservados, mas peritos em transmitir


tudo pelo processo de repetição e memorização.

A mulher mumuila, cuja estética natural do seu busto sempre se


apresenta parcialmente nua, é um real deslumbre e encanto
para os olhos dos visitantes daquela zona sul de Angola.

O gado é a mais importante fonte de alimentação e riqueza


deste povo. O prestígio de um homem e consequentemente a

32
sua autoridade sociopolítica perante os pares é proporcional à
quantidade de gado que possui, e que pode chegar às 1000
cabeças.

A importância atribuída às cabeças de gado está associada à


relutância deste povo em vender os animais para além do
essencial para requisitos cerimoniais. Em consequência, os
rebanhos têm um grande número de animais em idade
avançada.

Apesar de a economia deste povo depender da pecuária, a


agricultura de subsistência não deixa de ser importante.
Normalmente, cultivam os cereais em terras previamente
ocupadas por currais de gado. E, em períodos de seca, acabam
por vender cabeças de gado para adquirir massango para
alimentação.

HELELO

O povo Helelo que falava a língua herero é de origem Bantu. Está


dividido em Ndimba, Huimba, Kavicua, Kwanyoka, Kuvale e
Kwendelengo. Vive na zona que desenha o extremo sudoeste de
Angola, precisamente na orla do deserto do Namibe, parte do
território de Huíla, e também na província do Kunene, com
grande extensão para a República da Namíbia, com quem
partilha características sociolinguísticas, assim como
semelhanças históricas e antropológicas.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

O povo Helelo é, tradicionalmente, um povo criador de gado e,


até certa medida, pode ser considerado como um povo nómada,

33
visto que muda de residência com frequência em busca de
melhores zonas de pasto.

O poder económico do povo Helelo é reconhecido de acordo


com o número de cabeças de gado que cada família possui. O
gado, tal como acontece com outros povos que habitam o sul de
Angola, é a principal riqueza. É por esse motivo que, por norma,
o boi não deve ser sacrificado arbitrariamente, de forma a
garantir uma gestão racional de recursos.

AMBÓ

O povo Ambó que fala predominantemente a língua kwanyama é


historicamente conhecido como povo kwanyama e localiza-se na
região Sul de Angola, mais concretamente, no território da
província do Kunene, com bolsas nas províncias da Huíla e
Namibe. Vinte por cento do kwanyama vive em Angola, e oitenta
por cento vive na República da Namíbia. Na verdade, não existe
uma fronteira étnica entre este povo, pois falam a mesma língua
e têm os mesmos hábitos e costumes.

No Sul de Angola os subgrupos são: os Kwanyama, os Kwamatu,


os Ndombola, os Evale, os Kafina e os Ambó.

Os Kwanyama destacam-se por uma resistência tenaz à


ocupação colonial dos alemães, dos sul-africanos mentores do
apartheid (regime de segregação racial implementado na África
do Sul em 1948-1994).

No combate contra os regimes coloniais sobressaiu a liderança


do rei Mandume Ya Ndemufayo, o último chefe dos Ovambo que
enfrentou os colonizadores em várias batalhas.

ORGANIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA, POLÍTICA E CULTURAL

34
Os Ambó são criadores de gado bovino com predomínio
actividade agro-pecuária e em especial da bovinicultura.
Conservam algumas crenças e tradições ancestrais: são
supersticiosos e acreditam na existência de um espírito supremo,
o Kalunga.

RITUAIS DE INICIAÇÃO

NASCIIIMENTO é o primeiro passo que inicia o ser bantu na série

De passagem que marcam e condicionam a sua existência.


Depois, virá a iniciação na puberdade, no matrimónio e a morte,
os grandes «ritos de passagem» comuns a todos. Os da chefia,
das sociedades, secretas, das possessões, e a eleição para
especialidades são excepcionais.

Todo o «rito de passagem ou de trânsito» ocasiona uma ruptura


com o estado ou posição anterior, e, depois de permanecer num
estado intermédio ou de transição, origina um novo estado, uma
nova maneira de ser e de estar, uma transformação ontológica,
porque a força vital fica alterada pela mudança quantitativa.
Opera também uma mutação radical no estatuto social.

Na África Ocidental parece que acreditam na reencarnação de


um antepassado que, deste modo, regressa à vida terrena. Os
Bantu não admitem esta forma de reincarnação.

O nascimento é algo extraordinário porque se conjugam a força


vital-fecundidade do casal com o beneplácito activo de outras
forças mágico-misteriosas. É o resultado misterioso e propício da
interacção com a força vital individual. Cada nova concepção é
contabilizada como uma combinação feliz e «mística».

35
Por isso, a gravidez é um período carregado de tabus. A mulher
grávida é influente e pode transtornar muitas situações. Rodeia-a
um halo mágico-religioso; é ritualmente impura.

Os tabus defendem-na e protegem a criança. Devem abster-se


de certos alimentos, e de trocar ou utilizar alguns utensílios de
trabalho. Em alguns grupos, abstêm-se de toda a relação sexual
desde o começo da gravidez: noutros, só no sexto ou sétimo
mês.

A gravidez inicia o momento, «rito de passagem», no qual uma


pessoa entra no mundo e na comunidade. Não pode dar-se
nenhum «rito de passagem» sem a influência decisiva das forças
mágicas benévolas que foram propiciadas ou manipuladas. Como
a gestação escapa a qualquer manipulação material, os tabus
preservam a mulher de frustrar a «passagem»; os amuletos e
talismãs defendem-na de influência mágica nefastas.

Os curandeiros e sobretudo os adivinhos dispõem de


variadíssimos recursos assistenciais e mágicos. Permanecem em
contacto com a mulher para a proteger e libertar. A ginecologia
desenvolve-se dentro do campo da magia.

A concha de tartaruga, por exemplo, preenchida de ingredientes


virtuosos e pendurada ao pescoço, defende a mulher e a criança.
Também serve um chifre de cabra ou antílope. O engenho dos
especialistas da magia parece inesgotável. Pela importância da
fertilidade é lógico que o ginecólogo bantu tenha o seu
consultório cheio.

Mas, a mulher grávida não altera a sua vida. Continua o ritmo de


trabalho agrícola e doméstico. As ideias diárias às culturas e ao
trabalho facilitam o parto, que costuma chegar sem
complicações.
36
É crença comum que o adultério cometido durante este período
por algum dos progenitores, pode trazer taras e até a morte da
criança. As dificuldades no parto costumam atribuir-se, quase
sempre, a relações sexuais proibidas. Por isso, a mulher se
costuma submeter, a partir do terceiro ou quarto mês de
gestação, a ritos purificatórios perante o adivinho.

A morte de uma grávida pode ser causada por uma maldição. Às


vezes, é enterrada nua, no meio da selva, e sem ritos fúnebres.
Culpam-na da morte do feto.

O parto deve dar-se fora de casa, ao ar livre, e, se possível, num


lugar sacralizado por alguma presença tutelar no mundo
invisível. Assistem a parteira, a mãe e a tia materna.

Dão à luz sobre a terra de cócoras. A parteira, sentada em frente,


faz força com os pés encaixados entre as partes superiores das
pernas da parturiente, que deve aguentar impávida as dores. A
criatura cai ao chão, onde às vezes colocam esteiras.

Se o parto se dá durante a noite, em muitos grupos dão à luz na


cozinha, não no quarto de dormir. O marido deve sair de casa. Se
tarda a expelição da placenta, queimam, às vezes, gindungo,
para que a parturiente espirre.

Depois do parto levam a mulher-mãe ao rio para que se lave.


Recebe massagens da parteira que lhe põe cataplasmas de argila
e ervas. Em geral, no dia seguinte, continua os seus trabalhos
domésticos.

Cortam o cordão umbilical com um canivete, muitas vezes


defeituosamente. Em certos grupos guardam-no até que
apodreça e seque pela acção do sol. As mulheres costumam usá-
-lo durante toda a vida, e os homens substituem-no por uma

37
correia. Às crianças, em lugar dele, atam-lhes um cinturão de
fibras vegetais ou de missanga.

A placenta e o cordão umbilical simbolizam a dependência da


criança de sua mãe. Costumam enterrar a placenta num campo
cultivável, que simboliza a fecundidade da mulher, e pode
propiciar novos nascimentos. Outros grupos destroem-nos,
indicando que a criança «passou» de feto a vivente na
comunidade que o recebe com alegria.

Lavam o recém-nascido com água fria e colocam-lhe ao pescoço


o amuleto protector: um colar de trapos com um cominho de
corça. Só lho tiram quando a criança é capaz de sentar-se

Se o parto se complica, deve apresentar-se o pai e confessar os


adultérios cometido. Também a mulher deve confessar as suas
aventuras amorosas. Se as dificuldades continuam, chamam o
adivinho-curandeiro.

A mulher, até passarem alguns dias, não pode tocar no fogo nem
moer farinha. Lava-se com frequência e faz irrigações que têm,
provavelmente, mais um simbolismo mágico que um fim
higiénico. Os mesmos fazem à criança.

Sempre se seguem ritos de incorporação da criança na


sociedade. Assim se completa o «rito de passagem». O
nascimento, sem estes ritos, não é reconhecido pela família nem
aceite pela sociedade. O menino, existente físico, pelos ritos que
se seguem imediatamente ao parto, passa e adquire a realidade
ontológica e o estatuto social de «vivente» integrado na
comunidade.

38
A mulher fica impura, pelo menos durante 20 dias. Não pode
coabitar com o marido. Os tabus e purificações são quase tão
variados como grupos.

Quando o menino traz algum defeito físico ou o seu nascimento


foi precedido de algum fenómeno extranormal, consideram o
sucesso extraordinário e misterioso. Exige que se ponham em
marcha os mecanismos mágico-defensivos da comunidade. É
bastante comum a crença de que, se a concepção se deu sem
menstruação anterior normal, a criança pode prejudicar o grupo.

Detectam, nestes casos, sintomas de influências mágicas


perigosas, que devem ser contrafeitas com rapidez. Em alguns
grupos, suprimem simplesmente tais crianças. (Hoje, muitos
destes costumes estão paliados pela cristianização, progresso e
vigilância das autoridades; isto não impede que, na intimidade
inviolável dos segredos comunitários, continuem certas práticas
condenáveis.) boom dia

A culpa da deformidade pode ser imputada à mãe que não se


comportou bem, quebrou algum tabu ou não foi bem vista pelos
habitantes do mundo invisível. Deve sofrer duras provas
purificatórias sob a direcção do especialista e retirar-se da vida
social. Reintegra-se passados alguns meses. De outra forma, toda
a comunidade poderia sofrer as consequências do contacto com
este ser impuro.

Consideram muito nefasta a criança que, no parto, aparece pelos


pés. O mesmo, se lhe aparecem primeiro os dentes incisivos
superiores ou nasce com algum dente.

É frequente as parteiras imporem à criança um nome que só elas


conhecem. É que poderia morrer antes de ser «chamado»,
ninguém recordaria a sua passagem pela terra. Além disso,
39
costumam tomar este nome de personagens ou animais
protectores que a defenderão. Não o revelam a ninguém para
que não possa ser utilizado magicamente contra a criança.

A mãe amamenta o menino. Se lhe falta o leite, deve intervir o


curandeiro ou adivinho que, com massagens, ervas e palavras
rituais, lhes restituem o leite. Conhecem plantas que provocam
esta secreção.

A lactação termina com um ritual religioso-mágico. A mãe


apresenta-se ao adivinho que implora dos antepassados a
protecção da criança. A mãe, que pode recomeçar a sua vida
sexual, procura um amante ocasional e ignorante da sua
condição que leva a impureza que ela ainda poderia trazer.

A maioria dos grupos considera o nascimento de gémeos como


um acontecimento extraordinário, ocasionado por um
antepassado maléfico. Exigem que a mãe se submeta a
cerimónias libertadoras especiais.

Certos grupos bakongo asseguram que alguns génios, cujo


habitat é a água, podem introduzir-se no corpo do banhista. Pela
cópula encarnam e originam filhos anormais, como os albinos e
gémeos. Outras vezes, atribuem o nascimento anormal à
infidelidade materna, pois que um só pai não pode gerar dois
filhos.

Os gémeos são considerados, a morte violenta de ambos ou de


um deles. Se eram de sexo diferente, matavam o varão. Não
parece que a dificuldade em amamentá-la seja a razão primária,
pois que, na sociedade bantu, sempre que uma mãe lactente
morre, a criança encontra uma mulher que a supre. O motivo
tem de derivar-se de razões mágicas. Buscam a libertação de
agentes malfeitores. O nascimento de gémeos é um
40
acontecimento ambivalente porque, ao passo que traz alegria
pela fecundidade e continuidade vital realizadas, encerra um
perigo de desgraça pela sua origem misteriosa. Há casos em que
lhes atribuem poderes especiais.

Os nomes dos gémeos são invariáveis em cada grupo. Levam os


mesmos nomes, o que nasceu primeiro, um, e outro, o segundo.
Consideram-nos estreitamente unidos e não fazem nada a um
que não façam ao outro. Devem passar juntos os momentos
mais importantes da vida.

Iniciação à vida comunitária

Ritos de Puberdade

A iniciação às sucessivas etapas da vida do ser humano,


nascimento, puberdade, casamento, morte, adquire uma
importância constitutiva, fundamental. Sem ela, o ser humano
não se vai fazendo, completando, realizando. Só ela a situa no
lugar religioso, social e ético exacto, a torna apta para os seus
direitos e responsabilidades e lhe permite movimentar-se sem
traumas e com eficácia na pirâmide vital interactiva.

Cada especialização, ofício ou cargo exige também uma


iniciação, por exemplo a chefia, especialista da magia, forjador,
guerreiro, pastor, oleira, ou ingresso numa sociedade secreta.

Os ritos bantu e negro-africanos de iniciação ainda não são bem


conhecidos, não se chegou a descobrir a sua complexidade. O
negro guarda no maior sigilo o que neles viveu; há referências
mítico-místicas que desconhecemos e utilizam linguagem e
nomes cifrados, esotéricos, que nunca revelam ao profano [ao
estranho]. Entre os segredos familiares, clânicos e étnicos que o
bantu guarda zelosamente, os segredos sobre a iniciação

41
ocupam lugar à parte. É nosso intento explicar o significado dos
ritos de iniciação na puberdade do homem e da mulher bantu.
Não podemos duvidar de que, na mentalidade bantu, o ser
humano nunca aparece acabada. Os diversos ritos de passagem
só são momentos decisivamente modificantes de um período da
vida. O pensamento bantu concebe a iniciação como um
processo nunca consumado na vida humana. O homem pode
penetrar sempre mais no mistério da vida participa e nunca pode
chegar a conhecer, manejar ou dominar por completo as
enormes possibilidades da interacção entre os dois mundos,
muito fecundos em potencialidades. Além disso, o Criador, Deus,
permanece sempre como o «Outro» misterioso. O bantu tem
consciência de que nunca esgotará o mistério da participação
vital, e ainda menos conhecerá ou poderá prever as incessantes
e imprevistas acções do dinamismo vital dependente de tantas
forças diferenciadas.” A iniciação converte-se numa operação de
longa duração, num enfrentamento do homem consigo mesmo
que não cessa senão com a morte; converte-se numa experiência
que se enriquece dia a dia».

A iniciação do rapaz e da rapariga para a vida comunitária, os


chamados «ritos de iniciação na puberdade», além de se
apresentarem como os mais chamativos desta cultura, revestem-
se dum claro significado e da mais vistosa exterioridade. Como
situam os jovens no seu lugar dinâmico da vida cultural, social,
política e religiosa do grupo, podemo-los considerar como o
fundamento da comunidade, o suporte da religião e a garantia
da continuidade da solidariedade. A consciência—experiência,
que o bantu possui de ser pessoa responsável no dinamismo
humano-místico arranca da iniciação. Por isso, o adulto não-
iniciado, não gerado por esses ritos, é um indivíduo que não é

42
apreciado; carece do estatuto de homem; permanece excluído
da sociedade dos homens. As mulheres rejeitam-no e a sua
condição social equipara-o a um ser estranho à comunidade. Fica
um ser incompleto. Não «passou», por isso não «renasceu». Não
é homem perfeito nem encontra lugar na sociedade por causa da
sua ambiguidade. Não legalizou a virilidade nem está
emancipado.

Há que advertir que nem todos os grupos bantu realizam estes


ritos de iniciação. Mesmo em Angola, há grupos que a
desconhecem e outros que a praticam parcialmente. Por isso, as
nossas afirmações referem-se só aos grupos que exigem os ritos
de iniciação.

INICIAÇÃO MASCULINA NA PUBERDADE

Esta iniciação completa-se com os seguintes ritos sucessivos:


separação da família e da comunidade, circuncisão, reclusão num
local reservado (acampamento aberto na selva), situação
marginal, ressurreição-regeneração na comunidade na qualidade
de homem novo, renascido. Situações que, por estarem
carregadas de emoção, mistério, dramatismo, religiosidade e
alegria, originam uma vivência psíquica que marca e determinam
para toda a vida o homem bantu.

Separam as crianças de várias famílias ou grupos afins e reclu -


em-nas num acampamento separado das aldeias e construídos
toscamente com cabanas de ramos e capim seco, perto dum rio,
à sombra dum bosque sacralizado pela presença de habitantes
do mundo invisível e rodeado duma paliçada para evitar olhares
profanadores. Antes, a separação podia prolongar-se por dois ou
três anos. Hoje, não passa de três ou quatro meses, durante a

43
estação seca e fria. Iniciam as crianças compreendidas entre os
sete e oito anos e os treze ou catorze.

Dirigem a iniciação especialistas da magia, mestres e educadores


qualificados e especialistas da magia, mestres e educadores
qualificados e especializados, sob a responsabilidade do chefe
comunitário aos quais os jovens obedecem cegamente. Presidem
aos ritos os feitiços protectores da comunidade e outros com
poder revitalizador, especializados neste mister.

CIRCUNCISÃO

No início do rito do rito de separação, no primeiro dia,


circundam-nos. Embora a maioria dos grupos pratique a
circuncisão, alguns não a realizam. E outros realizam-na quando
as crianças são de tenra idade.

Apesar da circuncisão ser uma prática quase universal, espalhada


sobretudo pela África, Oceânia e América, a sua origem perde-se
nos tempos. As crianças bantu são circuncidadas com pequenas
lâminas de pederneira, se bem que já começaram a usar facas e
até bisturis. Muitos costumam ficar defeituosos e a ausência de
assepsia acarreta graves infecções que causam, por vezes, a
morte.

Como a maioria circuncida as crianças, precisamente como


cerimónia inaugural dos ritos de puberdade, alguns etnólogos
viram nela um significado sacrificial. O resgate e a propiciação
exigem sangue. Por isso, o individuo imola parte do ser, oferece
um sacrifício parcial em vez de se oferecer como vítima.

A imolação de vida humanas, praticada antes na África negra,


reduziu-se a um sacrifício parcial. Os homens selam um pacto
com os habitantes do mundo invisível oferecendo-lhes o sangue

44
da sua virilidade. A circuncisão estaria relacionada com a nova
vida, com o renascimento para uma vida superior mais dinâmica
e poderosa.

A. J. Reinach sugere a hipótese de que os varões são


obrigados a pactuar com a «divindade» do clã oferecendo-
lhe o sangue da sua vida virilidade. Camará Laye, quando
descreve estes ritos na África Ocidental, insiste em que
recordam com nitidez um sacrifício que através do sangue,
consegue o estado de homem.

O sangue derramado e o corte do prepúcio substituiriam os


sacrifícios humanos aplicativos e propiciatórios. O homem,
sacrificando só uma parte de si próprio, adquiriria do mundo
invisível o poder reprodutor e assegurá-lo-ia.

Outros vêem no sangue derramado uma aliança com a terra.


«Opinamos que o rito da circuncisão oferece a ocasião de deixar
correr um pouco de sangue sobre a terra que, segundo a maioria
das sociedades africanas, origina ao mesmo tempo a vida e a
criança. Como a terra é também residência de mortos… os pais
animam o jovem a restituir uma parte da própria vida à fonte da
qual deriva… O jovem estabelece assim uma aliança».

Hoje não se vê claro o sentido sacrificial na circuncisão. É


realizada por um homem normal, ainda que especializado, e não
pelo adivinho; não é acompanhada de palavras, símbolos nem
gestos mágicos e sem eles não se realiza na África negra nenhum
rito religioso. Além disso, não têm inconveniente em que sejam
circuncidados por uma pessoa estranha ao grupo, um enfermeiro
por exemplo, e até realizam-na separada dos ritos de puberdade.
Nunca o fariam, se ainda conservasse um acentuado simbolismo
religioso ou interferências mágicas.

45
Na realidade, a circuncisão motiva o começo da iniciação. Intenta
é sua óbvia finalidade preparar os homens para as funções
fisiológicas da paternidade, determina a especialidade sexual do
jovem e mantém uma relação directa com o casamento. Como
prelúdio do exercício sexual, a sua finalidade é prática. Tanto a
circuncisão como os ritos de puberdade conseguem que o rapaz
ou a menina fiquem definitivamente aptos, fisiológica e
ritualmente, para o casamento e funções sociais do adulto no
grupo.

Muitos grupos bantus a exigem para o matrimónio, como


condição indispensável.

Seja como for, não pomos de parte a hipótese que exista um


substrato religioso, isto é, que o sangue derramado redima a
criança da sua vida passada e lhe proporcione uma nova
existência, um novo modo de ser. Pode-se admitir este
simbolismo: a criança abandona, juntamente com o prepúcio, a
meninice, para poder assumir, nos ritos seguintes, uma
personalidade nova. A circuncisão pode acontecer que tenha
sido sangue sacrificial.

Outros opinam que o corte do prepúcio simboliza a ruptura


definitiva com a mãe e com estado infantil. O jovem, assim
mutilado, prova, definitiva e visivelmente, a sua transformação
radical em adulto, sexualmente diferenciado, apto para procriar.
«Pelo mistério do sangue, tem acesso à sexualidade». Daqui a
repulsa da mulher por contactos sexuais com os homens
incircuncisos do seu grupo.

Apontamos também algumas explicações que alguns


psicanalistas têm dado das mutilações sexuais masculinas. B. J. F.
Laubsher, depois de analisar estes ritos entre os grupos Fingu e

46
Tembu (sudeste do Cabo), afirma que «a mutilação cirúrgica ou
circuncisão deve ser considerada não só como uma prova de
aptidão para o estado adulto e como uma iniciação a este
estado, mas também como uma forma de sacrifícios».

Aduz esta explicação: «Trata-se dum sacrifício ou expiação que


se refere simultaneamente ao passado e ao futuro. O Jovem não
cede uma parte do próprio órgão sexual como expiação de actos
proibidos já cometidos, mas porque se sente culpado do próprio
carinho dispensado à mãe, e o sacrifício é, assim, um meio para
conseguir um compromisso com a própria consciência.

O horror, o profundo desgosto que os pagãos sentem pelos


contactos sexuais entre uma mulher casada e um jovem
incircunciso, deixam transparecer o significado incestuoso
atribuído a tal acto. Com efeito, a expressão “mulher casada”
indica a classe das mães.

«As mutilações genitais, ao praticar-se em todas as idades e nos


dois sexos, e ao assumir, em muitas circunstâncias, o caracter de
um ataque voraz, e ao anal e uretral contra os órgãos genitais
afectados, não parecem reduzir-se a rituais de iniciação púbere…
senão que parecem surgir duma tendência mais universal dos
filhos, em todos os estádios do seu desenvolvimento
psicossexual. E analisando o masoquismo primário e os impulsos
parricidas dos filhos, originados pela inveja primária da
genitalidade potente e fecunda dos pais, conclui que, «ao
estruturar-se o seu complexo de Édipo, o que era inveja se
converte em ciúmes, na evolução natural os ataques filicidas e as
mutilações genitais, devidas à inveja primária, transformaram-se
nos ciúmes e rivalidades edípicos que se dramatizam através dos

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rituais de iniciação. A força impulsionadora, porém, é a inveja
primária.

«Ao nível das relações de geração, os pais, ao projectar a sua


própria agressão, tornaram-se temerosos da hostilidade e
capacidade agressiva dos filhos adolescentes, mas, ao criar a
disciplina sangrenta dos rituais da iniciação, puseram em
evidencia as suas tendências tanatofilias mais reprimidas, as que
foram dirigidas selectivamente contra a genitalidade da geração
filial».

Para Freud, a circuncisão substitui a contracção. Supõe que, nas


origens da família humana, um pai cruel e ciumento castrou os
adolescentes; a circuncisão é um vestígio claro dessa crueldade e
um substituto da castração, «expressão da submissão ao pai».
Pela qual o jovem se compromete a respeitar o tabu do incesto.
Tenhamos em conta que, para Freud, a proibição do incesto é o
fundamento das estruturas sociais organizadas.

A INICIAÇÃO É UM «RITO DE PASSAGEM»

Na sua dimensão pessoal, é um conjunto de ritos e técnicas que


transformam o jovem. Só por eles, as crianças se transformam
social, política e religiosamente, em homens. Iniciaram na
validade. A criança deixa, definitiva e irremediavelmente, a
infância, para passar à plenitude de homem. Com eles finaliza
uma fase da vida e começa a definitiva, que se fundamenta
numa renovação interior e na aquisição de nova quantidade de
vida, modificante do ser, conseguidas pelo drama vivido de
morte-ressurreição.

Intenta e consegue converter-se num eficaz «rito de passagem»,


termina uma situação existencial, sociológica e religiosa porque
renasce outra.
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Passa «de condição de criança-natureza à de homem-cultura ou
se prefere, do biológico ao social), da condição de criança
sexualmente indeterminada à de homem sexualmente
especificado…, da autoridade materna à da avuncular) … da
morte à vida».

A SEPARAÇÃO

A separação da família conduz à reclusão do acompanhamento.

«Já nesta, aparece um símbolo da Morte: a floresta, a selva, as


trevas, são o símbolo do mais além, dos “Infernos”. Em certos
lugares, pensa-se que um tigre leva sobre o seu dorso os
aspirantes à selva; a fera incarna o antepassado mítico, o Mestre
da iniciação que leva os adolescentes ao Inferno. Noutros
lugares, quer-se que o neófito seja engolido por um monstro: no
ventre do monstro reina a Noite cósmica; é o mundo
embrionário da existência, tanto no plano cósmico como no da
vida humana».

Esta separação, carregada de emoção, receio, mistério e de certa


brusquidão, leva a criança a um estado fetal. A separação é uma
regressão com ruptura total.

RECLUSÃO E MARGINALIZAÇÃO

Durante vários dias e enquanto curam as feridas da circuncisão,


deambulam pelo acampamento. Só vêem os mestres e os
educadores.

«Este período “simboliza a vida” do cadáver no túmulo e


também a espera do feto seio materno».

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É um tempo à margem do tempo, em que está em gestação o
novo nascimento e a ressurreição. Comportem-se como
«cadáveres».

O simbolismo da morte iniciática expressa-se de muitas


maneiras. «Em certos povos, os candidatos são enterrados ou
sepultados em tumbas recentemente escavadas. São cobertos de
ramos e permanecem imóveis como os mortos, e cobrem-se de
pó branco para os assemelhar aos espectros. Os neófitos imitam
o comportamento dos espectros.»

«A morte do neófito significa um regresso ao estado embrionário


que deve ser interpretado numa acepção cosmológica: o estado
fetal equivale a uma regressão provisória ao mundo em
potência, ao pré-cósmicos».

A morte simbólica parece que tem uma «valência cosmológica».


«O mundo inteiro, simbolicamente, regressa, com o neófito, à
Noite cósmica, para poder ser gerado… É necessário abolir a obra
do tempo, reintegrar o instante matinal anterior à Criação: no
plano humano isto equivale a dizer que é preciso voltar à “página
em branco” da existência, ao começo absoluto, quando ainda
nada estava manchado, deformado.»

Esta morte é um regresso ao primordial indiferenciado, à «Noite


cósmica». A ressurreição equivale a uma cosmologia: «A morte
iniciática reitera o retorno exemplar ao caos, de tal guisa que se
torna possível a repetição da cosmologia, a preparação do novo
nascimento».

As representações mímicas da morte enchem este período.


Frobenius opina que têm um significado mais religioso do que
social. Procuram tornar o rapaz semelhante ao espírito para que
participe do seu poder e, assim, garanta a solução das
50
necessidades sociais. Por isso, se fazem «semelhantes aos
mortos», «semelhantes aos espíritos», na tentativa mágica de se
apropriar da sua potência. Outros opinam que a representação
intenta tirar a alma do jovem para a transferir para o totem.
Imaginam «matar» o jovem ou, pelo menos, pô-lo em estado de
alienação ou de êxtase físico, semelhante à morte e que com
dificuldade distinguem da morte verdadeira. A ressurreição
deve-se à nova vida recebida do totem.

Por isso, andam completamente nus, pintados com argila branca,


silenciosos, fingem ter esquecido tudo, não estendem nem
conhecem nada, passam horas ao sol para cicatrizar as feridas,
copiam a posição do feto no seio materno, que nada sabe nem
conhece, imitam os antepassados, já que estes vivificam os ritos,
ou fingem-se «devorados» por eles.

Em muitas regiões, existe na selva uma cubata para a iniciação. É


ali que os jovens se submetem a uma parte das provas e são
instruídos nas tradições secretas do grupo. A cubata da iniciação
é o símbolo do ventre materno.

RESSURREIÇÃO - RENASCIMENTO

À morte simbólica seguem-se, no acampamento, os ritos


(cerimónias) de ressurreição, regeneração, novo nascimento,
vida nova.

«As iniciações africanas são uma educação para a unificação


interior, isto é, para a vitória humana da vida sobre a morte…
Aparecem como uma celebração simbólica e um certo modo
sacramental do grande drama da vida sobre a morte. O homem
aprende a morrer para reencontrar a verdadeira vida…. É como
uma revelação do mistério da vida ao jovem que sai da infância.»

51
Como rito de passagem à sociedade dos adultos, a iniciação «é
posição de objectivação, mas de auto posição no interior do
ministério que o engloba. Ali o homem adulto está chamado a
construir a sua própria personalidade, por uma tomada de
consciência madura, por uma opção livre, por uma ascese que
prova o homem como força física e força moral, isto é, como
liberdade».

O triunfo da vida sobre a morte, o culto duma vida pujante, o


gozo do homem realizado religiosamente como participante-
comungante-interactivo, a responsabilidade adquirida
comunitária são em definitivo as conquistas da iniciação bantu e
aquilo que lhe outorga a sua riqueza.

Estes ritos realizam a passagem eficaz duma morte simbólica


para uma ressurreição e uma vida. Actuam como um
«sacramento» que, pelo despojamento do homem velho,
consegue convertê-lo em homem novo.

Mas a transformação mais profunda deve expressar-se pela


realidade dum renascimento. O tempo que passa, breve em
comparação da duração da aprendizagem, entre a morte
simbólica e a nova vida, expressa-se melhor por «tempo fetal»,
isto é, o tempo não para, mas corre, realiza, amadurece. O feto
vai-se formando. Assim, parece que o simbolismo de nascimento
ganha mais exactidão e realismo. O jovem renasce porque
durante o tempo marginal, fetal, se foi transformando.

«Com a iniciação tudo recomeça de novo. Às vezes, o simbolismo


do segundo nascimento expressa-se em gestos concretos. Em
certos povos bantus, o jovem, antes da circuncisão, é objecto
duma cerimónia conhecida pela expressão «nascer de novo».

52
A partir deste momento, recebem outro nome que corresponde
à sua nova personalidade e que ninguém conhecerá fora dos
seus companheiros. Aprendem uma linguagem convencional,
figurada e esotérica que só os iniciados do grupo falam. Também
as tatuagens, mutilações dentárias e escoriações permanecem
como testemunho da transformação alcançada.

REINTEGRAÇÃO

O regresso às aldeias, à comunidade, é precedido do incêndio do


acampamento. Consegui, depois de muitas tentativas e por
especial favor dum soba-banza, presenciar este momento. Os
jovens com o corpo nu e um cinturão de fibras vegetais,
disparam sobre as cubatas e sobre a paliçada uns diminutos
arcos com flechas pequenas, que levam espetados caroços d
milho a arder. Do acampamento só resta um montão de cinzas.

Aproximam-se da aldeia. É comovente ver as suas mães,


inquietas, ofegantes, até ver os filhos, para os quais preparam
vestidos novos e alguma prenda especial. Elas desconhecem
tudo o que se passou e, se uma criança morre no acampamento,
não lho comunicam. Enterram-na em segredo. Por isso, as mães
esperam ansiosas o regresso dos filhos.

Na aldeia faz-se grande festa. A carne e a bebida abundam e os


tambores animam uma noite de dança. Os mascarados
aparecem pelos caminhos, dançando e gesticulando, com o halo
do mistério para as mulheres e para os não-iniciados, toda
comunidade goza com a sua renovação-continuidade e com o
enriquecimento que os novos iniciados lhe trazem. Estes têm de
fingir que desconhecem tudo e que esqueceram a sua vida
anterior porque na realidade são homens novos.

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SIMBOLISMO EFICAZ DA INICIAÇÃO

«A iniciação parece-se em muitos aspectos com um


“sacramento” que põe o homem em contacto com o
transcendente, quer porque lhe revela parte do sagrado (o
iniciado conhece os mistérios) quer porque sacraliza o homem»

O iniciado deixa definitivamente uma existência profana para


passar a outra medularmente sacralizada, de natural passa a
consagrado já que é assumido pelos antepassados,
responsabiliza-se pela solidariedade e mover-se-á para sempre
dentro do circuito místico da participação vital.

Nenhum dos seus gestos será estranho aos mundos visível e


invisível.

É radical ruptura com o mundo infantil, natural, irresponsável,


assexuado e desconhecedor da cultura, dos mitos e do
misticismo vital. «É preciso considerar a iniciação, no Continente
Negro, mais como uma transformação lenta do individuo, como
um transito progressivo da exterioridade à interioridade». A
descoberta que o iniciado faz da sua realidade humano-
comunitária e dos fundamentos mítico-religiosos da sua cultura
obrigam a uma introversão na qual descobre o dinamismo
interior da sua vida participada com variadíssimas
potencialidades.

A iniciação consegue uma metanoia, consequência da mutação


ontológica, da mudança substancial de personalidade que
operou no jovem.

«O homem da sociedade primitiva não se considera “acabado”,


tal como se encontra, “dado” ao nível natural da existência para
chegar a ser homem propiamente dito deve morrer para esta

54
vida primeira (natural) e renascer para uma vida superior, que é
ao mesmo tempo religiosa e cultural».

Por outras palavras, o primitivo põe o seu ideal de humanidade


num plano sobre-humano. No seu entender: primeiro, não chega
a homem completo senão depois de ter superado, e, em certo
modo, abolido a humanidade «natural»; segundo, os ritos
iniciatórios que comportam provas, a morte e ressurreição
simbólicas, foram fundados pelos deuses, pelos heróis
civilizadores ou pelos antepassados míticos: estes ritos têm pois
uma origem sobre-humana e, ao cumpri-los, o neófito imita um
comportamento sobre-humano, divino… O homem religioso
«quer ser outro», diferente daquilo que é a nível «natural», e
esforça-se por se «fazer» segundo a imagem ideal que foi
revelada pelos mitos.

O homem primitivo esforça-se por alcançar um «ideal religioso


de humanidade».

«Nos contextos iniciáticos, a morte significa a superação da


condição profana, não-santificada, a condição do “homem
natural”, ignorante do sagrado, cego de espírito. O mistério da
iniciação vai revelando, pouco a pouco ao neófito, as verdadeiras
dimensões da existência: ao introduzi-lo no sagrado, a iniciação
obrigá-lo a assumir a responsabilidade de homem…; o acesso à
espiritualidade traduz-se, para as sociedades arcaicas, num
simbolismo de morte e de novo nascimento».

Estes ritos são religiosos porque põem o neófito em ligação com


potências propícias do mundo invisível e, sobretudo, porque se
gesta dentro da essência religiosa bantu, tocam o fundamental e
o absorvem.

55
O culto à vida, essência da Religião Tradicional, talvez consiga
nestes ritos o seu maior esplendor, simbolismo e realização. A
iniciação na vida sagrada, possuída em plenitude depois dos ritos
de ressurreição-renascimento, incorpora na corrente vital,
fundamenta a vida religiosa individual e comunitária, reactualiza
o ancestralismo fundante e dinâmico, assegura a solidariedade, a
paz e a harmonia, já que os novos membros se alimentam da
ortodoxia tradicional e da seiva pura duma vida nova.

«Pela iniciação dos rapazes e das raparigas, a existência colectiva


da nação vivifica-se, o seu ritmo acelera-se e a sua vitalidade
renova-se… Esta cerimónia tem um carácter profundamente
sagrado, porque sobre ela repousa a continuidade da nação. É a
dramatização solene e religiosa da conquista do homem sobre a
morte e o aniquilamento».

A INICIAÇÃO É UMA ESCOLA PARA A VIDA

Além da primordial função transformadora, estes ritos intentam


dar à criança uma formação completa para que cumpra o seu
papel na comunidade. Constituem a principal instituição social
destes povos, porque iniciam na vida do grupo, descobrem os
mistérios ocultos e intentam conservar a classe dos homens
como guardiã da tradição, da região e da ética. Antes, também
preparavam a classe dos guerreiros. Por isso, podem ser o
primeiro estádio duma sociedade secreta mais especializada.

Conseguem ser uma escola de conhecimentos e de vida. «A


iniciação comporta geralmente uma tríplice revelação: do
segredo, da morte e da sexualidade… O iniciado conhece-as e
integra-as na sua nova personalidade^».

O iniciado deve ser preparado para a sua função de homem, pois


que a mutação operada o transformara em pessoa nova, com
56
direitos e deveres sociais. Esta escola, por outra parte, delimita a
liberdade que esteve incontrolada e anárquica durante a
infância. Senghor chama-lhe «escola da vida».

A iniciação adquire um valor educativo eficaz, estrutura a


personalidade para toda vida.

Os mestres ensinam o que o homem deve saber para cumprir


com perfeição os seus compromissos sócio-politico-religiosos.
Têm em conta as funções que cada um deve desempenhar no
grupo, preparam e proporcionam os meios para a sua realização.
Por isso, empregam diversos processos mágicos que conseguem
as virtudes sociais mais valiosas. Os neófitos chegam a conhecer
os segredos tribais através da recitação da tradição oral repetida
e acompanhada de danças e cantos.

O ensino não é só teórico, mas vivo e experimental, pois devem


praticar na selva, rio e acampamento todo o ensino explicado
pelos mestres. Esta pedagogia, baseada em teoria e prática, foi
experimentada durante séculos. É comunitária, o grupo ouve,
comprova e realiza as práticas e experiências. A escola dos ritos
de puberdade concretiza uma das experiências pedagógicas mais
interessantes.

É também iniciação religiosa. A criança, num ambiente ascético


por vezes terroroso, prática gestos e cerimónias, aprende o
significado dos antepassados, a teodiceia, as relações que deve
observar com o mundo invisível e as normas éticas.

Recebem uma iniciação sexual completa. Descobrem à criança,


em comunidade, os mistérios da vida, o significado e valor do
sexo e preparam-na para a sua função de pai de família. O
comportamento com as mulheres ocupa um lugar importante;

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depois da iniciação, o jovem pode começar as suas aventuras
amorosas.

Não é uma escola erótica, visto que o realismo do ensino fica


suavizado pela intenção vitalista-natalista. Certas danças estão
carregadas de simbolismo erótico, embora não nos devamos
esquecer que a expressividade e mentalidade bantu restringem o
erotismo que aparece ao observador.

Como no lado visível o bantu descobre o invisível, a crueza desta


iniciação sexual fica mitigada pelo ambiente e pela finalidade
que preside e que a criança descobre como um dos valores
básicos da vida.

O sexo toma «carácter sagrado a seus olhos, aos olhos dos


espíritos, dos antepassados e da comunidade». Desde esse
instante, o sexo fica, em certo aspecto, entendido e dirigido à
fecundidade, não se reduz a erótico-pornográfico.

A iniciação sexual cumpre uma missão ritual de preparação para


o casamento, para a procriação. Por isso, os não-iniciados não se
podem casar. A sexualidade põe-se ao serviço da participação
vital. O iniciado fica declarado apto para procriar, continuador
responsável da vida.

Pela revelação dos mitos, dos segredos sagrados, narrações


etiológicas, genealogias, gestos dos epónimos e significado das
instituições sociais, políticas e religiosas, chegada a ser um
«homem culto». «O neófito renasce para um modo de ser que
possibilita o conhecimento, a ciência …É um homem que sabe,
conhece os mistérios, recebeu revelações de ordem metafisica…
A iniciação equivale a maturidade espiritual, e em toda história
religiosa da humanidade encontramos sempre este tema: o

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iniciado, aquele que reconheceu os mistérios, é aquele que
sabe».

Aprendem a ética individual e social, noções de política,


educação, higiene e as técnicas da caça, pesca, agricultura e
artesanato. A educação artística é importantíssima, por isso,
aprendem dança e canto e as manifestações estéticas do grupo.

A tradição oral, a história dos grupos, o porquê e como das


manifestações e comportamentos, completam o ensino. A
criança fica preparada para manter e perpetuar a tradição.

Conhecem as palavras rituais, o significado de muitos gestos e


símbolos e da solidariedade, as relações com o mundo invisível, o
perigo da interacção desvirtuada, o significado dos mercados,
São formados para obedecer à autoridade e aos anciãos, guardar
fidelidade aos ritos e costumes, comportar-se com
independência da autoridade materna e para a liberalidade e
serviço da comunidade.

Como escola preparatória para a luta pela vida, o ensino


ministrado submete a vontade a duras provas. O regime de vida
é duríssimo, esparto. A disciplina e as provas que devem superar
intentam mudar o seu comportamento, endurecê-los para vida e
preparar os homens aguerridos e bem-dotados que assegurem o
bem-estar do grupo. Aceitando tudo isso sem queixas,
demostram que nasceram de novo e que abandonaram a
debilidade infantil.

Submetem-nos a provas físicas e morais: abando-nos na selva,


flagelações diárias, durante um longo período, obrigação de
caçar durante a noite, sozinhos, intimidações psicológicas e
castigos duríssimos que devem aceitar sem a mínima queixa.
Inculcam-se audácia, coragem e domínio de si mesmos,
59
necessários sobretudo em tempos pré-coloniais quando
abundavam as lutas. Aprendem a exercitar a memória e a comer
alimentos deteriorados ou a procurá-los na floresta. De futuro,
nunca se misturarão em trabalhos femininos. Habituam-se a
resistir à sede, à fome, aos rigores do meio ambiente, a vigílias
prolongadas.

Suportam a dor sem lagrimas, a contentar-se com pouco


alimento e a dormir nus ao ar livre sobre a terra. Abandonaram
as vestes que lhes poderiam recordar a sua anterior condição, e
cobrem-se apenas com uma tanga de fibras vegetais que eles
próprios fabricam. Todos os dias, ao amanhecer, se banham nas
águas frias do rio. Não se podem deixar ofender pelos insultos e
reprimendas propositadamente lesivos e exagerados.

Obrigam-nos a exercícios físicos violentos, como saltar sobre o


fogo e sobre valas profundas. Aprendem a nadar. Também
devem flagelar-se e picar o corpo.

Nalguns acampamentos têm de fazer a comida. Na maioria,


levam-lha diariamente as mães até às proximidades. Aproximam-
se a cantar para que se afastem ante a sua presença.
Actualmente e em vários grupos, permitem a presença de
alguma mulher para estes misteres.

Esta escola marca a pessoa para sempre. Graças a ela, a criança


se fez homem, pode alterar com os homens, as mulheres
admiram-no e aceitam-no e fica preparado para apoiar a
comunidade, ser útil à solidariedade comunitária e assegurar a
continuidade vital fecunda entre o mundo invisível e o visível. A
mutação-crescimento da sua força vital entusiasma o iniciado.

Durante a iniciação não podem ver nenhuma mulher. Quando


saem pela floresta, dão assobios para que as mulheres se
60
retirem. Talvez manifestem assim a independência de suas mães,
conseguida pelo abandono definitivo do estado infantil. Parece
também que a mulher, nesse período, pode trazer-lhe
consequências mágicas nefastas.

Este regime hermético consegue que todos os iniciados formem


uma sociedade fechada, cujos segredos as mulheres ou os não-
iniciados nunca conhecerão. Integram-se na sociedade dos
homens. Origina grupos de idade mais restritos que podem
desembocar em sociedades secretas.

Os companheiros de iniciação ficam unidos para sempre por


laços indestrutíveis. Ajudam-se e defendem-se uns aos outros.
Nasce um sólido sentimento de fraternidade, chamam-se
«irmãos». Estes laços podem prevalecer sobre os familiares e
clânicos, porque os preceitos da iniciação são sagrados. Juro pela
«muhanda» (nome kimbundu destes ritos de passagem), é uma
expressão sagrada.

O grande rito termina por juramentos solenes: «Nem à mulher


com quem dormires poderás contar o que fizestes na muhanda;
esconde, nega, desfigura, senão morrerás».

Não há dúvida que o segredo hermético que envolve estes ritos


intenta fortalecer a gerontocracia e o poder dos chefes e
prestigiar e proteger os iniciados. Além disso, nas manifestações
da religião tradicional, o ministério-esotérico decorre do
componente mágico-místico vital. Não há um facto social que se
concretize sem sacralidade, nem esta sem mistério, nem este
sem segredo.

61
INICIAÇÃO E A COMUNIDADE

A comunidade não só se torna responsável pela iniciação dos


jovens, embora delegue nos mestres, mas também sabe que
possui um instrumento eficaz para tomar consciência de si
mesma e afirmar os princípios da sua razão de ser e da sua
continuidade.

Estes ritos nascem e realizam-se como cerimónias da


comunidade, que se sente revigorada, já que os iniciados estão
conscientes de que a sua nova vida está interligada e interactiva.
É um tesouro comunitário para cujo serviço e fortalecimento
foram preparados. Aprenderam para sempre que estão imersos
numa corrente vital supra-individual, realidade prioritária nas
suas avaliações: O estatuto social e a tradição ficam mais bem
conservados e definidos. Os restantes membros da comunidade
ratificam-se nas estruturas fundantes.

A comunidade sente assegurada a sua sobrevivência. A vida


recebida continuará a correr e os mais velhos alegram-se ao ver-
se prolongados por estes descendentes que, preparados para
todas as funções éticas, os manterão vivos na pirâmide vital.

INCONVENIENTES DA INICIAÇÃO

A iniciação converte-se numa demora para a evolução destes


povos. Em meios rurais retirados, esta escola costuma fixar os
neófitos na tradição, e mentaliza-os para a guardar e defender
contra qualquer investida inovadora. Sobre os infractores pesa a
ameaça de severas sanções podendo chegar à própria morte.

A iniciação está ao serviço do conservadorismo e integrismo


familiar e étnico e do poder dos homens, sobretudo dos chefes e
da gerontocracia. O etnocentrismo, que inculca a todo o custo,

62
pode impedir a normal convivência e obstaculizar a unidade
nacional, além de fechar a capacidade de abertura a outros
valores e outros estilos de vida, visto que os próprios do grupo
foram postos como salvadores, sacralizados também pelos
antepassados e pelos ritos religiosos mais solenes.

O marco mágico-feiticista que a enquadra pode marcar para


sempre a criança impressionada. Torna-se difícil renunciar ou
romper com conceitos, expressões, ritos que acompanharam o
seu novo nascimento. É indubitável que o homem, durante toda
a vida, se referirá, ainda que seja só a partir do subconsciente, a
estes ritos que lhe deram personalidade sócio religiosa.

O autoritarismo dos mestres consegue modelar a vontade dos


jovens, que costumam ficar submissos e dóceis aos poderes
políticos, sociais e mágicos para o resto da vida.

A actividade sexual é, muitas vezes, consequência da aptidão que


a iniciação outorgou para o seu exercício. O jovem costuma
começar então as suas experiências sexuais, e não é raro que
apareçam mulheres a desejar conquistar a sua liberdade sexual.

INICIAÇÃO FEMENINA

Os ritos de passagem e iniciação da rapariga púbere não têm


quase relevo nas sociedades matrilineares. Ou desapareceram
ou ficaram reduzidos a insignificantes ritos simbólicos.

Em Angola, a iniciação é praticada por vários grupos: Gangela,


Tshokwe, nhaneka-Humbe, Ambó.

A rapariga deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira


menstruação. Nalguns grupos, iniciam-nas antes e, noutros,
depois de passar dois anos ou mais, ou associam-na ao contrato
matrimonial.
63
Nalguns grupos, estes ritos duravam meses e até anos. Assim as
instruíam e preparavam para todas as funções femininas.
Normalmente duram poucos dias, apenas três ou quatro.
Reduziram-se a uma cerimónia única, e realizam-se nas aldeias e
na casa paterna.

A rapariga deve apresentar-se virgem a estes ritos, de contrário


sofre vexações e paga uma indemnização, além de atrair a
vergonha para ela e para a sua mãe, responsável pela sua
educação. Antes, podiam ser mortas com uma lança.

Se aparecer grávida, a desonra assume a maior gravidade.


Costumavam ser mortas. Se uma rapariga kuanhama dava à luz,
antes da «efundula» (assim se chamam os ritos iniciatórios),
prenunciava a morte do soberano. O nascimento dum menino,
cuja mãe não passou por estes ritos, é um indício muito funesto.

Embora menos conhecidos e bastante menos espectaculares,


elaborados e simbólicos que os ritos masculinos visto que duram
poucos dias e se realizam com a participação de mulheres
familiares, encerram o simbolismo eficaz dos ritos de passagem.

A rapariga morre e ressuscita, renasce para uma condição nova


com a personalidade modificada. O isolamento-separação,
embora muito breve, encerra o simbolismo de morte-
marginalização.

A iniciação feminina conserva o mesmo significado profundo em


todos os grupos. «É este um rito de maturidade, uma
dramatização da ruptura com a influência e incorporação na
idade adulta. A separação é o símbolo da morte… e o seu termo
representa a ressurreição para uma vida nova e responsável».

64
«Descobre-se facilmente um elemento comum: uma experiência
religiosa profunda, que está na base de todos estes ritos. O
“acesso à sacralidade” tal como se revela ao assumir a condição
de mulher, constitui o ponto de mira tanto dos ritos iniciatórios
de puberdade como das sociedades secretas femininas.»

Por isso, muitos grupos conservam gestos mágicos que devem


proporcionar à neófita a desejada fecundidade.

Entre os Kuanhamas, no segundo dia da «efendula», as raparigas


bebem uma cerveja especial, misturada com drogas, em que se
inclui um pouco de esperma dum circuncidado doutro grupo, já
que eles não praticam a circuncisão.

No «olufuko» dos kuamatos, a mesma anciã prepara uma cerveja


com drogas da qual retira uma porção numa taça; nela, um
circunciso lava o seu membro viril três vezes. A rapariga, que
desconhece estas práticas, bebe um gole. O resto, a mãe vai-lho
derramando pelo baixo-ventre até correr por uma enxada, que
lhe colocaram debaixo dos membros inferiores.

Todos os ritos femininos «estão sempre relacionados com o


mistério do nascimento e da fertilidade.

O mistério do parto, isto é, a descoberta da mulher como


criadora de vida, constitui uma experiêencia religiosa que não se
pode traduzir em termos masculinos. É por isso que o parto
originou rituais secretos femininos que, por vezes, constituem
verdadeiros mistérios».

A rapariga fica apta para o casamento, para a sua missão


fundamental: ser mãe. Os ritos de puberdade definem, oficial e
publicamente, a sua capacidade, valor e estima como
procriadora-vivificadora. Porque se transformou, também

65
ontologicamente, recebe o estatuto social, jurídico e religioso de
mulher adulta em e para comunidade.

Se a circuncisão prova a ruptura com a idade infantil, em muitos


grupos a jovem é desflorada. A ruptura do hímen é prova da
feminilidade adulta.

Podem se chamar «ritos de nublidade» visto que procuram


sobretudo a preparação e disponibilidade imediata para o
casamento.

Durante os ritos, são tatuadas no ventre e região púbica.


Atribuem à tatuagem um poder fecundante e sobretudo
afrodisíaco. Por isso, muitas mulheres, onde esta iniciação não
existe, também são tatuadas.

A rapariga «aprende durante a sua iniciação que ela é, antes de


mais, um “campo vaginal” destinado a ser fecundado pelo
homem».

A iniciação feminina não descobre os mitos, nem a história, as


cosmogonias ou os segredos, nem prepara primordialmente para
a responsabilidade económica, política, social ou religiosa. Talvez
porque é quase exclusiva das sociedades patrilineares onde a
supremacia masculina é preponderante.

MUTILAÇÕES SEXUAIS Formatou: Tipo de letra: Negrito

As mutilações sexuais femininas, impostas pelos homens e


posteriores à circuncisão, aparecem menos espalhadas que as
masculinas e sem significado sócio religioso. Normalmente são
realizadas por mulheres, na intimidade da iniciação em família, e
desprovidas de ritualismo e simbolismo sacral.

66
Bastantes povos negro-africanos praticam a excisão ou
clitoritomia. Aparece como excepção entre alguns grupos bantu.

Numa operação dolorosa e cruel extirpam o clitóris com uma


faca cadente, com pedaços de vidro, com uma lâmina de
barbear, com uma faca de sílex ou com um tição incandescente.
Muitas vezes também cortam os lábios pequenos e grandes da
válvula. A operação é feita por mulheres especializadas, que
nalguns lugares, aplicam urtigas como dolorosa anestesia.
Costumam fazê-la quando a jovem chega à puberdade e, nalguns
grupos, longo que chega aos oito ou nove anos.

A excitação pratica-se sobretudo nos países árabes ou


islamizados: Egipto, Sudão, Djibuti, Emirados Árabes Unidos,
Omã. Na África negra: na Nigéria, Mali Guiné, Costa do Marfim
(Côte d`Ivoire) e outros povos da África Oriental. Os Kikuyus,
povo bantu do Kénia (Quénia), parece que são os únicos que
exigem inexoravelmente a excisão a todas as mulheres. Jomo
kenyatta nem concebia que se pusesse em dúvida o valor social e
até religioso, além de ético, desta horrível prática. A clitoritomia
é uma iniciação pela qual a jovem alcança o estatuto social de
mulher. Nenhum kikuyu casará com uma mulher não iniciada, e,
inclusivamente, é perigoso magicamente relacionar-se
sexualmente com quem não sofreu a excisão.

Alguns povos pensam que assim se propicia a fertilidade e se


favorece o relacionamento sexual. Mas, em geral, procura-se
sadicamente e com uma prepotência masculina agressiva e
brutal conseguir uma maior submissão da mulher ao mutilar a
sua sexualidade e refrear qualquer excitação. A mulher converte-
se num objecto e num laboratório de filhos, sem afectividade
nem carinho de esposa. O traumatismo é irreparável.

67
É insultante que alguns etnólogos queiram encontrar
justificações: «a excisão parece jogar um grande papel: é o
momento solene que marca profundamente o psiquismo da
jovem, realiza-se precisamente quando a mãe está ausente. Pela
primeira vez na vida… a jovem se encontra só, libertada da
benevolência materna, e assume sozinha as responsabilidades
duma mulher adulta. Este aspecto do problema explica
vigorosamente, por si só, que a jovem aceite os sofrimentos da
excisão.

Entre os Nandis, «a crença geral é que, se as jovens não são


iniciadas, o seu clitóris se alongará e ramificará, e que os seus
filhos serão anormais. Nestas condições, é fácil de compreender
a importância psicológica da iniciação. Se uma mulher não passa
por ela, não chega a ser “pessoa”, fica incompleta e permanece
“criança” …

A iniciação feminina nandi… tem o mesmo significado profundo


que a dos outros povos. É um rito de maturidade, uma
dramatização da ruptura com a infância e incorporação no
estado adulto. O órgão sexual é o símbolo da vida: cortá-lo é
como abrir as comportas da vida para que o seu caudal possa ter
livre curso».

Noutros lugares, como a Etiópia, pensam que é uma medida


higiénica com consequências morais positivas que garante a
feminilidade. Na Côte d`Ivoire, convencem-nas de que doutra
forma não terão filhos.

Esta prática vergonhosa já foi denunciada pela ONU


(Organização das Nações Unidas), que avalia em 70 milhões as
mulheres mutiladas.

68
À infibulação, procedida ou não da clitoritomia, sujeitam-se as
mulheres dos países islamizados do nordeste africano, Sudão,
Etiópia, Somália, Eritreia, Djibuti, Chade. Quase exclusiva dos
muçulmanos, parece que esta prática não se conhece na área
bantu.

Esta prática abusiva e desumana tenta garantir a virgindade da


jovem e a fidelidade da esposa sempre que o marido se ausenta
durante grandes temporadas.

Está mais espalhada a desfloração da rapariga durante os ritos de


puberdade. Muitos grupos bantu realizam-na, embora muitos
outros apreciem a virgindade até ao casamento.

A ruptura do hímen é mecânica e é feita por uma mulher idosa


com os dedos ou utilizando um pequeno instrumento. «Na Costa
ocidental da África, as jovens são desfloradas com a ajuda dum
bambu, que conservam dependurado da vagina cerca de três
meses. À volta da vulva colocam formigas que devoram as ninfas
e o clitóris».

Ao que parece, pensam que assim se previne qualquer oclusão


vaginal na menstruação. Alguns etnólogos vêem nesta prática
um presságio de fecundidade, pois que este rito, na iniciação,
significaria a penetração do sol na terra para a fertilizar. Também
é certo que alguns povos pensam que o marido pode sofrer
consequências nefastas se for ele a desflorar a sua mulher. Esta
já deve estar livre de lhe acarretar este perigo.

SAIBA MAIS

Em 2012, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu a


mutilação genital feminina como violação de direitos humanos e

69
votou de forma unânime pela intensificação dos esforços pela
sua abolição.

A mutilação genital feminina vem sendo ilegalizada ou


restringida em grande parte dos países onde é comum, embora
haja grandes dificuldades em fazer cumprir a lei.

O CASAMENTO TRADICIONAL BANTU

«O matrimónio é um assunto complexo em que os aspectos


económicos, sociais e religiosos estão por vezes tão
intrincadamente misturados que não se podem separar… Para
nós, africanos, o matrimónio é o centro da existência. É o lugar
de encontro de todos os membros de uma comunidade: os
defuntos, os vivos e os que ainda vão nascer.

Todas as dimensões do tempo convergem para aqui, o drama da


história repete-se na sua totalidade e começa dotado duma nova
vida.

O matrimónio é o drama em que cada um participa como actor


ou como actriz e não como mero espectador. Por isso, é um
dever, uma experiência fixada pela comunidade e um ritmo de
vida em que cada um deve tomar parte. Quem não participa é
uma maldição para a comunidade, é um rebelde: não só é um
anormal como chega a um nível inferior ao humano. Em geral, se
um individuo não casa, significa que rejeitou a sociedade e que a
sociedade o rejeitou a ele».

O casamento bantu sistematiza e controla a vida social, visto que


organiza as relações entre parentelas e vai fixando a filiação. «O
matrimónio em África é muito mais englobante que na Europa, e
a nossa polarização ocidental sobre a dimensão sexual e conjugal

70
do matrimónio resulta sempre um motivo de surpresa para o
africano».

Por ele, as linhagens têm direitos sobre as descendências e


dilatam-se no tempo e no espaço, depois de ficar fixadas.

Desenvolve-se ao longo dum processo dinâmico prolongado e


realizado por símbolos, ritos e pactos que tenta e consegue
situá-lo na sacralidade como instituição legal fundante e
indispensável.

«Os caminhos do casamento» são diversos, na África negra, tal


como os usos e costumes matrimoniais ou o valor da virgindade.
Mas, em todos os grupos bantus aparecem algumas constantes
uniformes, uma base originante comum. Recordamos mais uma
vez a essencial unidade cultural negro-africana com quase tantas
concretizações acidentais na sua expressão como etnias
existentes. Por isso, se torna possível descrever os traços
fundamentais do casamento tradicional.

O CASAMENTO FUNDAMENTA UMA ALIANÇA ENTRE GRUPOS

A mulher ou o homem, introduzidos pelo matrimónio no novo


grupo, reforçam a amizade e as alianças entre famílias, clãs,
tribos e reinos amigos, ou inauguram-nas se são estranhos,
indiferentes ou hostis. Esta aliança, entre dois grupos, constitui o
seu valor social e político primário e mais profundo.

Nestas sociedades, onde por tradição se teme pela sobrevivência


e, consequentemente, se exige a colaboração de todos os
membros, o casamento é a aliança-coesão social do grupo.
Ambos os cônjuges ficam valorizados porque aumentam a
vitalidade e porque são compensados economicamente pelo

71
grupo que os cedeu. Além disso, são responsáveis por que dois
grupos se consolidem, intercomuniquem ou inaugurem amizade.

Primeiramente, o matrimónio bantu é uma aliança que legitima


uma nova família enriquecedora e une linhagens sem a
intervenção de autoridades políticas. Os dois grupos, baseando-
se na união, firmam um contrato. «O matrimónio não diz só
respeito a uma pessoa, o rapaz ou a rapariga. Os dois grupos a
que pertencem estão ali comprometidos.

Dois jovens que casam… fazem-no enquanto membros de duas


famílias, de dois clãs, e, deste facto, nasce a sua dimensão
comunitária e social».

Origina uma nova forma-instituição social com relações, que


antes não existam, entre um homem e uma mulher e as suas
respectivas parentelas, embora nunca seja independente nem
autónoma, porque deve ficar imersa nas instituições
comunitárias mais amplas e prevalecentes.

Os interesses particulares dos esposos, embora sejam


reconhecidos e gozem de cerca agilidade, permanecem
subordinados aos interesses superiores e dominantes das suas
linhagens comprometidas.

O bantu está consciente de que casa para revigorar a


solidariedade comunitária. A família alargada, o clã, sabe que,
em vez de perder um membro, se reforçam a partir de novas
alianças e com os membros que irão nascer. Dispõem de
mecanismos sócio-religosos que assimilam com naturalidade os
novos esposos, os quais só se sentem realizados no interior da
comunidade.

72
Este casamento contém um simbolismo carregado de eficácia:
«Significa e realiza a perenidade e expansão da vida de toda a
família… e é um laço que introduz uma família em outra».

As alianças matrimoniais têm servido para consolidar o poder


político e dissipar perigos golpistas entre linhagens rivais. O
chefe tradicional não só teme os seus parentes próximos, mas
também outras linhagens que se julgam dignas e com direito ao
poder. Como a poligamia permite tomar esposas de linhagens
rivais, que assim se sentem honradas e privilegiadas, os chefes
conseguem, com estas alianças, a neutralidade ou o apoio.

Os esposos fazem um laço de união intergrupal. Na


matrilinearidade, a esposa nunca perde a autenticidade de
membro do seu grupo. Sempre que o casamento se desfaz, volta
à sua família, à qual pertencem também os seus filhos. Dentro do
grupo do esposo, ela perpetua e simboliza a presença do seu
grupo e certifica a união de famílias.

A esposa, que deve enriquecer a corrente vital do seu grupo,


integra-se no novo ao qual dá a facundidade, o dom mais
apreciado. Este laço transcende outros graus de amizade e
aliança, já quem entra nas profundidades do religioso. Nela e por
ela, os antepassados dos dois grupos convergem, simpatizam-se
e fortalecem-se. Esta aliança deve ser entendida dentro do
contexto cultural de outras, por exemplo, os «pactos de sangue».

Como o casamento é laço vivificador de indivíduos e grupos,


deve ser considerado dentro da propriedade que a comunidade
tem. A mulher, no lar polígamo, não pode formar a perfeita
sociedade conjugal esposo-esposa. No monogâmico, cumpre
separadamente os deveres religiosos com os e socialmente
permanece ligada à sua comunidade de sangue, à sua linhagem,

73
que prolonga e vivifica. Não se forma outra comunidade
diferenciada a partir da união legal homem-mulher.

«O jovem casal não forma uma célula nova: converte-se num


elemento novo de uma família. Sentimentalmente, a mulher fica
muito presa ao seu grupo e recebe a influência dos seus, que
visita com frequência. Muitas querelas nascem da complicação
de relações, quer porque um dos esposos se aborrece ao ver o
consorte ligar pouca atenção à sua família, quer porque as visitas
e viagens são em demasias».

Dentro da aliança, cada grupo mantém a sua independência e


liberdade, embora surjam formas novas de cooperação.

H. Junod pensa que o casamento bantu de descendência uterina


é o mais antigo. O casamento «de dominação» seria posterior e
devido às razias e a razões económicas. Desde terá resultado o
sistema patrilinear.

O CASAMENTO É UM FACTO SOCIAL

A plena integração social do homem e da mulher, iniciados nos


ritos da puberdade, está condicionada ao matrimónio. Ambos se
realizam e adquirem o pleno estatuto social quando se tornam
progenitores.

Viver em comunidade exige, sem desculpas, prolongar a vida


recebida. Por isso, o casamento realiza socialmente os esposos e
prova a sua responsabilidade social e ética. Pelo matrimónio
fecundo integram-se plenamente na ordem social estabelecida
pela tradição e exigida pelos antepassados, pois se convertem
em participantes-vitalizantes.

Assim, o carácter comunitário e social desta instituição


sobrepõe-se ao individual e privado. O contrato comunitário
74
antecede e condiciona o individual. É mais união de grupos que
de indivíduos, um facto social que compromete sobretudo duas
comunidades. É a parentela (agregado familiar) que explica o
casamento, e não são os casamentos que, pela sua multiplicação,
explicam a parentela.

O contrato-aliança de grupos fica «totalmente socializado: os


indivíduos não são seus próprios donos, do seu casamento e da
sua família; e se o marido comprou a sua independência, este
facto corre o risco de ser interpretado como uma compra da
mulher».

O sistema matrilinear torna os filhos dependentes da potestade


avuncular, a qual impõe a sua autoridade sobre o esposo. No
sistema patrilinear, a mulher fica com a sua liberdade bastante
diminuída dentro da família do marido, para cuja linhagem
passam os filhos.

O casamento bantu intenta (diligenciar, empreender), como fim


primário, a continuidade ininterrupta da comunidade. Os filhos
vitalizam o grupo, amparam os velhos, continuam o culto aos
antepassados e asseguram a sobrevivência dos esposos.

«Como o casamento organiza e estabiliza sobretudo a


transmissão da vida e de bens culturais, não pode pertencer aos
indivíduos. A vida e as tradições pertencem, como terra, a uma
grande família em que muitos membros estão mortos… O
matrimónio é assim um facto social total, onde o universo e os
valores ficam empenhados… O fim social, a socialização da
fecundidade e da continuidade, que domina com vigor as
relações dos próprios esposos, é uma expressão necessária da
participação, da concepção do homem como membro do todo».

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Esta dimensão familiar social cria, pela aliança, uma afinidade
entre dois grupos amplos. A solidariedade cresce.

RELIGIÕES TRADICIONAIS AFRICANAS

O homem africano é um crente por vocação. A sua fé penetra a


vida e constitui-o religioso, cultural, simbólico, ritualista,
celebrante, e sobretudo participante-comungante.

Os africanos quase sempre reconhecem a existência de um Deus


supremo ou Demiurgo que criou o Universo (olodu mane, ou
Olorun, Mawu, Zambi etc.) Muitas histórias tradicionais africanas
falam de Deus, ou seu filho, uma vez viveu entre os homens, mas
que, quando os homens fizeram algo que ofendeu a Deus, o
divino retirou-se para os céus.

As religiões tradicionais africanas, também referidas como


religiões indígenas africanas, englobam manifestações culturais,
religiosas, e espirituais originárias do continente africano e que
continuam sendo praticadas em África nos dias de hoje. Há uma
multiplicidade de religiões dentro desta categoria, envolvem
ensinamentos, praticam rituais e visam a compreender o divino.
Mesmo dentro de uma mesma comunidade, no entanto, pode
haver pequenas diferenças quanto à percepção do sobrenatural.
São religiões que não foram significativamente alteradas pelas
religiões adoptadas mais recentemente (cristianismo, budismo,
islamismo judaísmo e outras).

Estima-se que estas religiões sejam seguidas actualmente por


aproximadamente 100 milhões de pessoas em todo território
africano.

As religiões tradicionais africanas são definidas em grande parte


por linhagens étnicas e tribais, como a religião yoruba e outras.

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A maior parte das regiões tradicionais africanas são transmitidas
oralmente.

SINCRETISMO CULTURAL EM ANGOLA

Etimologicamente, a palavra sincretismo tem origem a partir do


grego “sigkretismo” que significava reuniões das ilhas de Creta
contra um adversário em comum que por sua vez foi traduzido
para francês syncrétisme, dando origem consequentemente, à
variante na língua portuguesa.

Sincretismo é a fusão de diferentes doutrinas para formação de


uma nova, seja de carácter filosófico, cultural ou religioso.

O sincretismo mantém características típicas de todas as suas


doutrinas base, sejam rituais, superstições, processos, ideologias.

Actualmente, o sincretismo mais visível é o religioso, mas o


ideológico também está presente em várias áreas das ciências
sociais e humanas.

Exemplo de algumas igrejas sincréticas: o Candomblé é uma


religião afro-brasileira, que foi levada para o Brasil pelos
africanos escravos, isto é, criada no final do século XVI. A crença
segue as leis da natureza e suas divindades são os orixás
(elementos da natureza que representa uma força), vistos como
ancestrais divinos que cuidam e equilibram nossas energias.

A Umbanda é uma religião brasileira que surgiu em 1908, século


XX no sudoeste do Brasil, e mistura elementos do catolicismo,
espiritismo e cultos africanos.

A religião acredita nos orixás como espíritos ancestrais, que se


comunicam com a terra por meio da incorporação.

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O Candomblé e a Umbanda, apesar de suas semelhanças,
apresentam muitas diferenças entre si, como a origem, a relação
com os orixás, rituais, o fenómeno da incorporação, entre
outros.

Mais adiante veremos outras religiões sincréticas sedeadas em


Angola e outras geografias.

O MOVIMENTO RELIGIOSO KIMPA VITA

Dona Beatriz Kimpa Vita, também conhecida como Beatrice de


São Salvador do Congo, nasceu a 2 de Julho de 1684-1706, perto
de Monte Kimbangu, no reino que faz parte da actual República
de Angola.

Kimpa Vita foi uma profetiza e líder política do reino do Congo,


sendo também líder política da capital congolesa, durante uma
brevidade de tempo.

Sua família pertencia à nobreza do reino, provavelmente da


classe aristocracia chamada Mwana Kongo, e provavelmente foi
baptizada logo após o nascimento, porque o Congo era reino
católico por cerca de dois séculos. Alguns estudiosos modernos
acreditam que foi ligada ao rei António I que morreu na batalha
de Mbwila (Ulanda), em 1665. Na época do seu nascimento o
reino do Congo foi devastado pela guerra civil. Estas guerras
começaram logo após a morte de António.

O Movimento Antoniano, iniciado por Kimpa Vita, sobreviveu a


ela, O rei do Congo Pedro IV, utilizou-o para unificar e renovar o
seu reino. As ideias de Kimpa Vita perduraram entre os
camponeses, aparecendo em diversos cultos messiânicos até
que, forma na pregação de Simon Kimbangu. Kimpa Vita
baptizado com o nome de Beatriz e popularmente conhecida

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como Dona Beatriz foi uma profetisa religiosa congolês e líder do
Movimento Cristão conhecido como Antonianismo. Seus
princípios e ensinamentos religiosos surgiram principalmente, da
igreja.

Kimpa Vita foi executada no dia 2 de Julho de 1706, ela foi


queimada e no mesmo espaço surgiu uma grande estrela.
Circulam rumores de que Kimpa Vita foi reencarnada poucos dias
depois de sua execução, alguém disse que tinha visto Kimpa Vita
na região de Mbanza Kongo.

É imperioso restaurar a figura desta heroína, pois, ela entregou-


se de corpo e alma fazendo resistência a dominação colonial
europeia e conhecida como figura dos Movimentos modernos de
democracia, autodeterminação e nacionalismo africano.

Dona Beatriz é uma figura venerada nos dois Congos, pois os


seus ensinamentos deram origem aos Movimentos religiosos tais
como: M’peve a Longo Ma’ndona, Bundu Dia Kongo, a Igreja
Negra Ie noir de Simão Mpadi, da Igreja do Nosso Senhor Jesus
Cristo no Mundo de Simão Toco, Kimbanguista, e outras igrejas,
todas acreditadas em Angola.

Em memória a Kimpa Vita a Universidade do Uíge é baptizada


Universidade Kimpa Vita, que colhe estudantes a nível superior
provenientes de todo país.

TOKOISMO

Tokoismo é o nome dado aos seguidores do profeta angolano


Simão Gonçalves Toko (1918-1984). Actualmente estão
constituídos eclesiasticamente sob a dominação Igreja do Nosso
Senhor Jesus Cristo no Mundo.

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Trata-se de um dos maiores Movimentos cristãos de Angola,
contando igualmente com sedes em vários países africanos e
europeus.

Simão Gonçalves Toko nasceu em 1918, na localidade de Sadi-


Zulumongo Ntaia (Maquela do Zombo, município da província do
Uíge), tendo recebido o nome bakongo de Mayomona (na língua
kikongo significa profeta, vidente). Após frequentar o ensino
primário na missão Baptista de Kibokolo, concluiu os estudos
liceais. No ex-liceu Salvador Correia em Luanda. Por esta altura
terá conhecido um acontecimento milagroso que terá
despoletado a sua missão religiosa: o encontro com Deus em
Catete (17 de Abril de 1935). Depois regressa ao Uíge para
trabalhar nas missões Baptistas de Kibokolo e Bembe. Em 1942,
decide partir para Leopoldville (Congo Belga) para colaborar com
a missão local e dirigir um coro musical com cantores zombos,
oriundos da mesma região (Maquela do Zombo). A este coro
dará o título de coro de Kibokolo.

Em 1946, ao trabalho que fora reconhecido no âmbito da missão


Baptista e do coro, foi convidado, junto com outros dois
compatriotas (Gaspar de Almeida e José Chipenda Chiúla) para
intervir nos trabalhos da Conferência Missionária Internacional
Protestante, realizada de 15 ao 21 de Julho de 1946, na
localidade de Kalimá em Leopoldville (actual República
Democrática do Congo). Nesse momento, dirige uma prece
(oração) onde pede para o Espírito Santo descer em África. A
prece é atendida a 25 de Julho de 1949 Quando após um
desentendimento com a Missão Baptista de Leopoldville, decide
convocar uma vigília de oração na sua residência (rua de
Mayenge, número 195). Naquele momento, segundo contam os
presentes, sentiram um vento e começaram a tremer, realizando

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milagres invocando algumas passagens bíblicas. Este momento é
assumido pelo tokoísmo como momento que o Espírito Santo
desceu em África e a igreja cristã foi relembrada de forma a
retomar o caminho da igreja original do tempo dos Apóstolos. É
portanto, a data fundacional do Movimento Tokoísta.

Após estes acontecimentos, Simão Gonçalves Toko e muitos dos


seus seguidores foram presos pelas autoridades “belgas”, sob a
acusação de alterar a ordem pública. Em Janeiro de 1950, são
deportados do ex-Congo Belga e entregues no posto fronteiriço
de Nóqui (município da província do Zaire) as autoridades
portuguesas.

Estes procuraram dar por terminado o Movimento daquilo que


consideram ser uma seita perigosa, dividindo o grupo em
pequenos grupos que serão dispersos, no âmbito da política de
povoamento colonial vigente à época, em distintos colonatos e
campos de trabalho forçado por toda colónia. O líder é enviado
numa primeira instância pelo Vale do Loge e, após passagens por
Luanda, Caconda e é enviado para Baía dos Tigres, na província
de Moçâmedes (hoje Namibe). Pouco tempo depois é enviado
para trabalhar como assistente num farol em Ponta Albina, na
mesma região.

Em 1961, quando tem início as campanhas de Libertação


Nacional no norte do país, as autoridades portuguesas,
conhecedoras da capacidade de mobilização do profeta,
ordenam a sua ida para o Uíge e a região fronteiriça como Congo
para chamar as pessoas que tinham fugido para as matas na
sequência das acções militares. Simão Toko consegue mobilizar
milhares de conterrâneos, mas a desconfiança das autoridades
portuguesas relativamente às suas intenções faz com que se

81
decidam por enviá-los para um segundo período para a ilha
portuguesa de São Miguel, nos Açores, onde trabalhará como
assistente faroleiro na localidade de Ginetes. A sua permanência
neste país demorará onze anos. No entanto, não esmorecerá o
seguimento da sua missão. Ao longo deste período, o dirigente
intercambiará milhares de cartas com seus seguidores em
Angola, com quem construirá um Movimento de carácter
Nacional. Em 1974, na véspera da saída de Portugal do território
angolano, Toko é finalmente, autorizado a regressar ao seu país,
o que acontece a 31 de Agosto desse mesmo ano. Vê finalmente
a liberdade de expressão e de culto do seu Movimento.

Em 1984, tem lugar o desaparecimento físico de Simão


Gonçalves Toko. No processo de sucessão, do Movimento
conhece tempos difíceis, devido a desentendimentos entre
vários sectores da igreja e à ordem de encerramento da igreja
efectuada pelo próprio governo de Angola em 1986, após um
episódio de confronto entre crentes e as forças policiais. Em
1992, quando o governo angolano abre uma campanha de
reconhecimento oficial de entidades religiosas é reconhecida
três “Igrejas Tokoistas” distintas: a Direcção Central (cúpula), os
doze Mais Velhos e as 18 Tribos e 16 classes. No entanto, havia
ainda outros como sendo os verdadeiros Tokoistas.

Mas ao mesmo tempo que se verificam estes desentendimentos


ocorre também um processo de expansão da igreja para fora de
Angola, nomeadamente através das redes migratórias angolanas,
que conheceram um aumento significativo a partir da década de
1990. Por esta altura, é inaugurada a primeira Igreja Tokoista em
Lisboa, e pouco tempo depois seguir-lhe-iam núcleos em Madrid,
Paris, Londres, Roterdão.

82
“O comportamento psicológico dos tokoistas é doutrinalmente
assente na profecia da Libertação. Esta não se limitou apenas às
independências africanas profetizadas nos cânticos compostos
por Simão Toko desde 1943. Ela começa pela libertação
individual. Isto é, eles promovem o diálogo, aceitam opções
alheias sem se deslocar da Profética Doutrina Tokoista. Os
tokoistas compreenderam as contrariedades como aspecto
processual da Profecia. Exibem boas maneiras e trazem a ideia
da Paz pela sua vestimenta branca”. (Batsîkama, 2017:278).

KIMBANGUISMO

Igreja de Jesus Cristo Sobre a Terra (Igreja Kimbanguista) foi


fundada no dia 6 de Abril de 1921, no ex-Congo Belga, pelo seu
enviado especial Simon Kimbangu, autodeclarado profeta de
Deus.

Simon Kimbangu nasceu no dia 12 de Setembro de 1887, em


Nkamba. Começou com a sua missão, que lhe foi incumbida pelo
Jesus Cristo ao 6 de Abril de 1921, em Nkamba, por curar uma
mulher que vivia anos com dor de cabeça, que se chamava
Kiantondu.

Simon Kimbangu foi julgado e condenado injustamente a prisão


perpétua onde cumpriu trinta anos de prisão.

O FENÓMENO CULTURAL AMBAQUISTA

Ambaquistas, descendentes de Ambaca (Kwanza-Norte)


educados durante o século XVIII por Jesuítas e Capuchinhos na
missão de Santo Hilário, no Ambango Aquitango, os Ambaquistas
transmitiram de pais para filhos o conhecimento da escrita, que
vieram a pôr ao serviço, quer dos sobas, redigindo a sua
correspondência com as autoridades coloniais, quer das

83
caravanas comerciais, anotando registos e facturas, quer ainda
dos necessitados, através da redacção de documentos
(mucandas) reivindicativos do direito de propriedade dos
camponeses espoliados pelos colonos. Este facto tornou-se
suspeitos aos olhos das autoridades coloniais portuguesas, sendo
por estas perseguidos e sendo frequentes os textos coloniais,
que administrativos, quer literário, a descrevê-los como
excêntricos, charlatães e recalcitrantes. Com o recrudescimento
do colonialismo após a Conferência de Berlim (1884-1885), a
chegada a Angola de colonos brancos em maior número e a
consequente marginalização dos africanos, prosseguida durante
a década de 1920 pelo alto-comissário Norton de Matos, os
ambaquistas foram totalmente silenciados e desapareceram da
sociedade angolana.

QUEM ERAM OS AMBAQUISTAS?

No Dicionário Aurélio Electrónico-Século XXI, o ambaquista é


ainda hoje definido como “individuo habilidoso, que, para
compensar a sua posição subalterna, (particularmente no
contexto colonial), tenta ludibriar os outros” (BARROSO, 1999).
Porquê?

O chamado fenómeno ambaquista, que perdurou em Angola ao


longo do século XIX e até às primeiras décadas do século XX,
pode ser considerado um caso histórico, singular no mundo
inteiro, de transmissão e imposição da escrita pela via da
oralidade, permitindo uma afirmação não apenas da própria
identidade dos naturais de Ambaca, mas também da de outros
povos angolanos perante a administração colonial portuguesa.

Ambaca, aportuguesamento do termo Kimbundu mbaka, que


significa, fortaleza (MAIA, 1994, P.312), edificado nas margens

84
do rio Lukala em 1617 e que, em 1625, uma vez pacificado o
conflito entre portugueses e o Mbandi-a-Ngola, retomaria a sua
função de pumbo, ou feira de escravos, transacionados por
jesuítas e capuchinhos (PARREIRA, 1990, p. 95, 125, 160-161).
Nas imediações, no Ambango Aquitango (na actual província do
Kwanza-Norte), viria a ser constituída a missão de Santo Hilário,
com o fim de cristianizar cativos e futuros escravos. Os métodos
de instrução dos missionários jesuítas e capuchinhos, embora
incrementados em função do destino de servilismo reservado
aos aprendizes na maioria dos casos ofícios como os de
sapateiro, alfaiate ou carpinteiro – pressupunham sempre o
ensino da leitura e da escrita e do catecismo, através da
retroversão dos textos sagrados da língua portuguesa para o
Kimbundu. Ainda que a missão tenha sido encerrada em 1760,
com a expulsão da Companhia de Jesus, o conhecimento da
escrita foi sendo transmitido de pais para filhos (SANTOS, 1997,
p.351-359). Daí que, em pleno século XIX, se encontrem textos
de autores coevos (antigos) descrevendo os ambaquistas a
percorrer o território angolano vestidos à europeia, munidos de
tinteiro, pena de pato e folhas de papel, acompanhados de
ajudantes, jovens que lhes eram confiados para aprender o
ofício, sempre prontos a pôr ao serviço de alguém a arte da
escrita (HENRIQUES, 1997, p. 119).

De início os ambaquistas prestavam os seus serviços de


escreventes aos chefes africanos locais, os sobas, de quem eram
secretários, redigindo a sua correspondência com as autoridades
coloniais, capitães de presídios e feiras, chefes administrativos e
o próprio governador de Angola, destinada, na maioria das
vezes, a conseguir por escrito aos acordos de concessão de
terras, ou lavrando o registo das suas decisões internas. Com o

85
tempo, foram-se integrando também, como anotadores de
recibos e facturas comerciais, das caravanas quibuca (kibuca)
que, vindas de Luanda, percorriam o sertão angolano (SANTOS,
1997, p. 351-359). Consta que terão redigido documentos
(mucandas) reivindicativos de direito de africanos às terras
expropriadas pelos colonos.

Ao longo do século XIX, o termo ambaquista (aportuguesamento


do Kimbundu muku a mbaka, plural. Aku a Mbaka, literalmente
gente de Ambaca) foi aplicado a todos os indivíduos oriundos de
Ambaca que soubessem ler e escrever e que, por esse facto, se
distinguiam dos kimbares, os guias das caravanas descendentes
de escravos forros.

Encontram-se entre os ambaquistas alguns indivíduos que se


diziam de origem europeia e descendentes de portugueses, o
que os levava a adaptar com frequência nomes próprios
portugueses e apelidos alusivos a localidades de Portugal, tais
como Lisboa e Coimbra. A maioria, no entanto, era constituída
por africanos, negros antigos escravos ou seus descendentes) e
mestiços (HEINTZE, 2004, p. 59-61). Eram igualmente conhecidos
pelo termo moradores, uma vez que, vivendo à revelia da
autoridade dos sobados locais, habitavam casas quadrangulares,
os quibangos, consideradas por isso “europeia”, com paredes
revestidas de barro com cerca de 1,40 m de altura, telhado de
colmo de duas águas, uma porta com cerca de 1 m de altura e
janelas. O facto de falarem a língua portuguesa e saberem ler e
escrever conferia-lhes um estatuto especial que os liberava do
ofício de carregador, destinado à maioria dos súbditos dos sobas,
e como modo de ostentação desse mesmo estatuto calçavam
sapatos ou botas e usavam vestuário ocidentalizado, ao ponto de

86
poderem ser identificados à distância como ambaquistas em
pleno meio rural africano.

Além de cortarem o cabelo à maneira europeia, por


contraposição a outros povos das margens do Kwanza e do
Lukala, como os mbondo e os songo, os ambaquistas, no que
dizia respeito ao vestuário, revelavam preferências por tecidos
pretos, sendo a indumentária por eles usada no quotidiano
constituída imprescindivelmente por camisa branca e fato preto,
com calças compridas, casaco e chapéu alto de abas largas. Nos
meios não urbanos, o casaco e a camisa podiam combinar, em
alternativa às calças compridas, com um pano comprido de
algodão atado à cintura. Do mesmo modo que, nesses mesmos
meios, era frequente serem os próprios ambaquistas a
confeccionarem a sua roupa a partir de fibras de ráfia (mabela) e
o seu calçado com couro e algodão, tingido artesanalmente, e
com solas de madeira (HEINTZE, 2004, P. 229-259).

Conhecedores do português, os ambaquistas aprendiam o


kimbundu em casa e falavam-no entre si, introduzindo-lhe
terminologia e construções sintéticas do português que
akimbunduavam. Os termos portugueses introduzidos no
kimbundu ambaquista tais como o substantivo mama (do
português mãe, em alternativa ao genuíno ngudi), a conjunção
coordenativa maji (do português mas), a conjunção subordinante
condicional se ou o artigo definido o (desempenhando as
funções dos quatro artigos definidos da língua portuguesa o, a,
os, as em género e em número), vieram a ser consagrados nos
maia conhecidos dicionários do kimbundu-português ou de
português-kimbundu, fazendo cair no desuso e no esquecimento
as correspondentes expressões vernáculas (ASSIS JÚNIOR, s.d.,
p. 272, 276, 330 e 336 e MAIA, 1994, p. 401, 412, 445, e 563). Ao

87
lado do fiote, no Norte, em Cabinda, criado a partir do kikongo
com interferências do francês e do português, e do vimbali, no
sul, na região do Namibe, criado a partir do umbundu com
interferências do português, o kimbundu ambaquista pode ser
considerado um dos raros fenómenos linguísticos crioulizantes
registados em Angola.

Saindo de casa bastante jovens, normalmente acompanhando os


pais, e fazendo viagens em caravana para territórios distantes,
quer por conta própria, quer como guias, os ambaquistas
dedicavam-se sobretudo ao comércio, transaccionando com os
sobas mercadorias europeias ou americanas vindas da costa, tais
como têxteis, espingardas, tabaco, sal, aguardente e gado
bovino, em troca sobretudo de escravos ou, à medida que estes,
ao longo da segunda metade do século XIX, foram sendo
substituídos pelo chamado “comércio lícito”, de marfim, cera e
borracha. Também transaccionavam cobre do Katanga, esteiras
de mabela e azeite de palma oriundo da área kongo. Aliás os
seus itinerários não são se restringiram ao corredor do Kuanza
nem às regiões nordestinas Imbangala e Lunda, abrangendo
também os sobados do planalto central do Bié e do Huambo.

Mas dedicavam-se igualmente, quer à agricultura, quer a ofícios


como os de alfaiate, ferreiro, sapateiro, carpinteiro, fabricante
de sedas, cozinheiro (inclusive sabiam fazer bolos, lateiro ou
serralheiro.

Espalhados pelo território de Angola e constituindo um dos


embriões oitocentistas da formação da identidade nacional
angolana, como eram os ambaquistas vistos pelos outros
intervenientes no facto colonial angolano?

88
Os Ambaquistas Vistos Pelos Outros Africanos

Interessa-nos, em primeiro lugar, perceber como é que os


ambaquistas eram encarados pelos outros africanos, quer pelas
autoridades tradicionais, os sobas, quer por todos aqueles que
progressivamente foram afluindo às cidades coloniais do litoral e
nelas se fixando para servir o colonizador.

Era frequente, ao longo da segunda metade do século XIX e em


territórios situados entre o Kuango, o Lulua e o Zambeze
superior, ou mesmo para leste do Kuando, abrangendo o
território Lunda para além do Kassai, os ambaquistas instalaram-
se, sozinhos ou aos pares, junto dos chefes africanos, entre os
quais gozavam de grande prestígio. O Facto de se considerarem
“portugueses” ou “brancos” negros e serem letrados levava a
que os sobas os contratassem como seus secretários para,
através das cartas que os encarregavam de redigir, poderem
dialogar com as autoridades portugueses, capitães de presídios e
feiras, chefes administrativos e o próprio governador de Angola,
ao seu nível, utilizando, à sua semelhança, a escrita, a qual se ia
impondo nas sociedades africanas como meio de comunicação
“magico”, conferindo a quem detinha o seu conhecimento um
estatuto superior (GOODY, 1988, p. 31 e 1987, p. 103-141). O
acto da escrita entre os africanos foi mesmo ao ponto de entrar,
a partir de determinado momento, no domínio do sagrado, o
que levou a que o vocábulo nkanda ou mukanda, significando
primitivamente pele, respectivamente, em kikongo e em
Kimbundu, daí o facto de designar os ritos de passagem
masculinos, onde de “cortava a pele” do prepúcio, sofresse uma
evolução semântica no sentido de, por os pergaminhos serem de
pele, passar a ser aplicado também às cartas e aos documentos
escritos em geral (PINTO, 2003, p. 30 -31). Foi ao adquirirem este

89
estatuto social superior, atribuído aos que possuíam a ciência
para praticar o acto sagrado da redacção de mucandas, que os
ambaquistas lograram desposar filhas, netas e sobrinhas de
sobas e participar assim, através de alianças de parentesco, nas
decisões políticas mais importantes da comunidade.

Mas se os ambaquistas gozavam de prestígio entre os chefes


africanos das comunidades do interior, em contrapartida foram
sempre votados à indiferença ou mesmo ao desprezo por parte
das populações africanas das cidades coloniais do litoral. Essas
populações radicavam, em primeiro lugar, na migração de
indivíduos que, por contacto comercial com os europeus no
tráfico de escravos ou mesmo tendo-o servido como escravos, se
foram progressivamente radicando nas cidades de Luanda e
Benguela, ou na sua periferia, entre o último quartel do século
XVI, e meados do século XIX. Assimilando os valores culturais
ocidentais e perdendo as suas tradições de origem, esses
indivíduos originaram uma burguesia urbana, emergente do
tráfico de escravos, e proclamaram-se, em artigos publicados nos
periódicos da imprensa livre ao longo da segunda metade do
século XIX, “filhos do país” ou “filhos da terra”, em várias
manifestações públicas de nativismo angolense (PINTO, 2004, p.
31-60). Como já o escrevemos noutro lugar, esta burguesia
urbana, não obstante haver procedido a uma operação de
apropriação da escrita e da língua do colonizador, de que os
naturais de Ambaca foram percussores, manifesta em relação
aos ambaquistas uma perspectiva reducionista que não difere
em substância daquele que adiante veremos ter sido sempre a
dos europeus (PINTO, 2003, p. 69-71).

Mas uma outra camada de população africana, esta


essencialmente de origem rural, começa a crescer sobretudo em

90
Luanda em meados do século XIX, alargando sobremaneira os
musseques (do Kimbundu seke, areia), bairros periféricos, mercê
das transformações da política colonial que conduziriam à
Conferência de Berlim de 1884-1885. Durante a primeira metade
do século, num tempo em que se dá a independência do Brasil e
em que o tráfico de escravos e a escravatura eram perseguidos
pela recém-industrializada Grã-Bretanha, a necessidade sentida
pelos portugueses de procurar em África novas fontes de
matérias primas para o mercado mundial, e não já a mão-de-
obra escrava para o continente americano, levou à substituição
das lavras tradicionais africanas por grandes unidades produtivas
agrícolas e acelerou o processo de exportação e ocupação de
terras do interior pertencentes a agricultores angolanos, os
quais, desapossados, se viram na necessidade de se refugiar na
capital.

Por outro lado, a substituição do comércio de escravos pelo


comércio de produtos “legítimos” produzidos pelos africanos, e,
sobretudo, a perda da importância destes produtos para o
mercado mundial em detrimento de outros provenientes das
grandes unidades de produção agrícola e industrial, vão
determinar um enfraquecimento, e mesmo uma desintegração,
das estruturas dos estados africanos que, no passado, tiveram
contacto comercial com os europeus. As chefias africanas,
mesmo as provenientes das novas elites esclavagistas,
impossibilitadas de se adaptarem a um novo modelo de
economia, revelar-se-ão incapazes de controlar o êxodo de
indivíduos das suas comunidades tradicionais para os centros
urbanos coloniais, onde irão engrossar o número de indigentes.

É neste enquadramento, e procurando servir a necessidade


sentida pelo colonizador de mão-de-obra barata para as suas

91
explorações agrícolas, que a extinta escravatura é juridicamente
substituída pelo indigenato a partir de 1875, data em que é
publicado o primeiro Código de Trabalho Indígena. Foram
considerados indígenas todos os angolanos desprovidos da
instrução escolar que lhes permitiria adquirir o estatuto de
assimilados e, consequentemente, de cidadãos portugueses.
Estavam, por esse facto, sujeitos ao que ficou conhecido por
imposto de palhota, cobrado pelas autoridades administrativas
coloniais nas aldeias do interior, cujo não pagamento implicava a
sujeição ao trabalho forçado ou contracto. Procurando fugir ao
imposto de palhota e ao contracto, muitas famílias saíram das
suas terras do interior para procurarem trabalho na cidade como
serviçais dos colonos ou, em alternativa e sobretudo no caso
feminino, como comerciantes ambulantes de peixe, fruta e
outros produtos básicos, multiplicando-se assim nas cidades o
número das chamadas quitandeiras.

É à medida que aumenta este êxodo para o litoral e que se


assiste ao enfraquecimento das autoridades africanas do interior
que o prestígio dos ambaquistas entra em declínio.

Apegados ao mundo rural e desprezando a cidade, alguns


procuraram resistir a este fenómeno, ao mundo rural e
desprezando a cidade, alguns procuraram resistir a este
fenómeno, nomeadamente redigindo cartas às autoridades,
reivindicativas dos poderes camponeses. Outros, sobretudo os
que se dedicavam à agricultura, viram-se homiziados e votados
ao descrédito nos musseques de Luanda, tidos pelos seus
habitantes, na maioria oriundos do meio rural como eles, por
“feiticeiros”. Em 1880, um ambaquista, natural do Golungo Alto
mas residente junto ao Kassai com a família, terá confessado ao
viajante alemão Paul Pogge que, se no interior de Angola, por

92
saber ler e escrever e prosperar com agricultura, era considerado
“português”, no litoral, pelo mesmo motivo, seria visto como
“feiticeiro” (HEINTZ, 2004, p. 254). Ou seja, se a escrita entre os
africanos era encarada como uma “magia” ou uma ciência
benéfica de quimbanda, à medida que o poder colonial alastra
do litoral para o interior e se assiste, com migrações para as
cidades, à desculturação dos habitantes do musseque, vai-se
transformando no inverso, isto é, num maleficio de mulóji, uma
uanga, e utilizá-la é sinónimo de acto perverso de “feiticeiro”.

Ridicularizando-os, votando-os ao desprezo, tomando-os por


“feiticeiros”, a perspectiva dos habitantes dos musseques, vai-se
transformando no inverso, isto é, num maleficio de mulóji, um
uanga, e utilizá-la é sinónimo de acto perverso de “feiticeiro”.

Acerca dos ambaquistas acaba curiosamente por coincidir com a


dos “filhos do país” e com a dos colonos. Mas, no fim de contas,
como eram vistos os ambaquistas pelos europeus?

A Perspectiva dos europeus e o retracto dos ambaquistas na


literatura colonial portuguesa e na literatura nacional angolana

Ao longo de todo o século, XIX e do primeiro quartel do século


XX, conviveram com os ambaquistas todos os europeus que se
embrenharam (penetrar) pelos sertões angolanos, de que
destacamos os comerciantes, na maioria portugueses
degredados por delito comum, e os exploradores que
empreenderam viagens científicas ao serviço dos seus países.
Seria fastidioso enumerar os depoimentos acerca dos
ambaquistas contidos em relatos de viagens de diversas
proveniências, tais como os alemães Schutt e Pogge, os
britânicos Livingstone e Cameron ou os portugueses Henrique de
Carvalho, capelo e Ivens ou Serpa Pinto. Todos, contudo,

93
coincidem no ponto de considerarem os ambaquistas, à
semelhança aliás do que acontece com os mestiços (ou mulatos),
indivíduos perigosos devido ao seu “hibridismo”.
Frequentemente manifestam repugnância pela sua falsa
“subserviência” aliada ao “descarregamento”, classificando-os
como ladrões e mentirosos e desconfiando da sua autenticidade
na fé cristã, mesmo em relação àqueles que, como era o caso da
maioria, eram baptizados, acusando-os de poligamia e
“fetichismo” (HEINTZ, 2004, p. 234-236).

Esta perspectiva é extensiva às autoridades políticas e


administrativas coloniais, desde cedo alertadas para o grau de
“perigosidade” dos ambaquistas. Francisco António Pinto, jurista
português nomeado em 1877 juiz da recém-criada comarca de
Ambaca, com sede no antigo presídio d Pungo-Andongo agora
promovido a vila, permanecera em contacto com eles durante
cerca de um ano, até ser nomeado, no ano seguinte, curador
geral dos serviços e colonos da província, percorrendo nessa
qualidade várias regiões de Angola ao longo de sete anos. Em
duas conferências realizadas em Lisboa já em 1884 acerca de
Angola e do Congo, uma intitulada Geografia física e botânica, a
outra Geografia zoológica e ética, este autor procede a uma
descrição assaz depreciativa e enseivajadora do comerciante e
proprietário de terras ambaquista Manuel da Conceição Mendes
Machado.

“[…] tive ainda de arcar com o potentado de Ambaca, o preto


Manuel Mendes Machado, que por esse tempo fazia deputados
em Angola, e criou, com 12 mil votos, que duma vez mandou
para Luanda numa situação difícil, a palavra ambacada,
consagrada para exprimir na província o processo eleitoral das
grandes influências […] Este desditoso (desgraçado) povo

94
poderia ser hoje um bonito espécimen (amostra) da civilização
portuguesa em África, se não tivesse sido assolado pelo preto
Mendes Machado, e outros a quem o governo entregou poder,
de que não sabem senão abusar” (PINTO, 1888, p. 5 e p. 128).

Se Francisco António Pinto foi o introdutor, no discurso colonial


português, da falácia segundo a qual os cabindas seriam os “mais
comodamente colonizáveis” dos angolanos, fazendo deles os
“bons selvagens” dos portugueses, o mesmo não se pode dizer
em relação aos ambaquistas, os quais este jurista etnólogo inclui
numa categoria de “naus selvagens”, que não se submetem nem
reconhecem às autoridades coloniais o seu “esforço civilizador”
(PINTO, 2006, p. 113-125).

Também José Ribeiro Norton de Matos, Governador-Geral de


Angola entre 1912 e 1915 e Alto-Comissário da República em
Angola entre 1921 e 1924, responsável por uma política
repressiva em relação aos angolanos que exterminou
definitivamente a imprensa nativista, descreve os ambaquistas
nos seguintes termos:

“Melhor seria deixar os pretos de Angola para sempre


analfabetos, do que criar aquele híbrido degenerado a que se
deu o nome de “ambaquistas”, e cujas principais características
são o desprezo pelo trabalho manual e a não sujeição, a que
obriga a moral e a civilização ocidental, que declaravam, em
português mascavado, ser a sua” (MATOS, 1944, 3º VOL., p.
302).

Vale aa pena ainda fazer referência ao modo como foram


perspectivados os ambaquistas, que na literatura colonial
portuguesa que emergiu do Concurso de literatura Colonial
criado pela Agência Geral das Colónias em 1926, quer na

95
literatura angolana nacional ou pós-colonial. Relativamente a um
e outro caso evidenciamos dois exemplos que tivemos
oportunidade de analisar em estudos anteriores, sendo o
primeiro o romance de Guilherme de Ayala Monteiro Conquista
do Sertão, premiado no Concurso de Literatura Colonial da
Agência Geral das Colónias em 1930, onde o protagonista, um
chefe administrativo português, se orgulha de encarcerar
ambaquistas, considerando-os: “[…] charlatães de uma
loquacidade (falar muito) trapaceira, pelas suas habilidades
enredadoras, capazes de complicar as coisas mais simples e de
criar as maiores dificuldades à administração […] peritos na arte
de redigir num bárbaro português , inclassificável, alinhando
argumentos em que a lógica aparecente (que começa aparecer)
e a má fé disputam primazias” (MONTEIRO, 1930, p. 118-119).

O segundo como é o do romance de Arnaldo Santos A Casa Velha


das Margens, onde se assiste, quer à redacção de mucandas
(cartas) reivindicativas dos direitos dos camponeses espoliados,
quer à situação posterior de declínio e desterro dos ambaquistas
na periferia de Luanda, sendo aqui os ambaquistas mostrados
como arautos de uma identidade angolana silenciada ou, no
dizer de uma personagem, os kabokos da escrita (PINTO, 2003,
p. 30-36 e p. 46-51).

CRIAÇÃO DA IMPRENSA EM ANGOLA 1880

A sociedade luandense, após a abolição do tráfico


transatlântico, por decreto de 1836 de Marquês de Sá da
Bandeira, e a sua substituição gradual por uma colonização
baseada na agricultura e no comércio que o legislador
preconizava fosse mediante leis justas, Humanas e Politicas,
começou a partir dessa data, a conhecer uma maior estabilidade,

96
dando origem a uma primeira burguesia africana, entendendo-se
aqui por negros e mestiços letrados.

Nesta época a população europeia era bastante reduzida


comparada com a africana e, dado esse número bastante
reduzido de mulheres da sua raça e sua capacidade de
convivência com os outros povos, aproximou-se intimamente do
agregado africano.

É nessa sociedade que se gera a primeira elite angolense,


(negros, mestiços civilizados) que desenvolvendo a sua
actividade profissional no comércio, no funcionalismo público,
encontra no jornalismo florescente pelo decreto que torna
extensiva às colónias a liberdade de imprensa, da autoria do
Marquês de Sá da Bandeira.

A GERAÇÃO ANGOLENSE DE 1890

A geração de 1890 produziu uma imensa literatura periódica


(jornais), que pode ser encontrada na biblioteca do governo
provincial de Luanda.

Dos referidos periódicos destacam-se os seguintes:

Pharol do Povo (director Abrantes Braga), O Deserto (director


Mamed Santana e Palma), o Futuro de Angola (?) Mwenexi
(director Cornélio Francina), O Arauto Africano (director Carlos
Silva).

Havia outros periódicos como: o Mercantil, o Tomate (era um


jornal satírico).

(sátira - poesia em que o autor mete a ridículo os vícios ou


defeitos de uma época ou pessoa; discurso, texto ou obra que

97
critica pessoas, entidades, costumes, vícios, etc., em tom jocoso
ou sarcástico; censura jocosa).

Nesses periódicos a geração cultural angolense apresentava


temas diversificado desde culturais, políticos sociais etc. Essa
geração defendia o republicanismo pois todos eles lutavam pelo
derrube da monarquia, pensando que com isso a sua posição
social fosse melhorar. Defendiam também uma maior
descentralização e até mesmo autonomia para a colónia
portuguesa de Angola, a construção de mais escolas, contra o
racismo a discriminação e pela ocupação de cargos
administrativos.

Quartel do século XIX poemas e literaturas em prosa, foi também


linguista, historiador, poeta, jornalista, ensaísta filólogo, filósofo
e foi autor de uma cartilha para se aprender a língua Kimbundu.

No Pharol do povo, Cordeiro da Mata assinava uma rubrica com


o nome de jeremiadas históricas, onde ele tentava retractar
factos ou temas importantes da história de Angola e dos seus
heróis tais como: a Njinga Mbandi, a sua visão histórica sobre as
coisas de Angola, opunha-se a visão dos teóricos portugueses
racistas da época como: Oliveira Martins e António Enes.

Cordeiro da Mata publicou alguns poemas nos últimos anos do


século XIX, sendo que a negra o poema mais relevante, onde ele
retracta a beleza da mulher negra angolana chocando assim com
os princípios estéticos da cultura, divulgada pelos portugueses.

José de Fontes Pereira foi o integrante mais lúcido dessa geração


com ideias muito avançadas, suportados sobretudo pelas ideias
da grande revolução francesa: igualdade, liberdade,
fraternidade.

98
Em 1890 através do periódico Arauto Africano, José de Fontes
Pereira, reclama ou a exigir uma independência para Angola,
numa altura em que as fronteiras actuais de Angola não estavam
ainda definitivamente construídas tornando-se assim para alguns
intelectuais no primeiro nacionalista angolense mesmo antes de
Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi.

GERAÇÃO DE 1902 - LUZ E CRENÇA

Integrantes: Augusto Silvério Ferreira, Pedro Paixão Franco e


Francisco Castelo Branco.

No entanto a crença nos dias mais iluminados de uma sociedade


com luz prevalecia, daí o título do periódico se chamar, Luz e
Crença.

Tal como a geração anterior, esta também foi republicana, pois


lutava pela queda da monarquia em Portugal, combateu o
racismo, defendia igualmente para Angola uma maior
descentralização, e autonomia. O tráfico transatlântico de
escravos e o trabalho forçado ou trabalho indígena também
eram criticados no periódico a Luz e Crença.

A Geração de 1902 criou o periódico Luz e Crença, com


objectivo de criar em Angola uma nova sociedade com um
conhecimento, o saber (luz) em vez de obscurantismo,
ignorância, e o analfabetismo.

O conceito Luz vem do Iluminismo (século das luzes), um termo


bastante caro aos enciclopedistas ou teóricos da grande
Revolução Francesa de 1789, entre os quais Jean Jacque
Rosseau, Montesquiau o homem da separação dos três poderes:
legislativo, Executivo, Judiciário.

99
Era uma geração guiada pelas ideias da grande Revolução
Francesa de 1789 que defendiam como lema: liberdade,
igualdade e fraternidade.

Lutava igualmente por uma maior instrução no seio dos


indígenas (autóctones) angolanos, pela abertura de mais escolas,
mais estradas que podiam tirar os angolanos do atraso em que
se encontravam relativamente a metrópole colonial e até mesmo
a outras colónias inglesas e francesas.

Por volta de 1902 os integrantes dessa geração fizeram sair a


obra: “A Voz de Angola Clamando no Deserto” que é um
testemunho contra o racismo e práticas discriminatórias, essa foi
publicada em várias edições pela União dos Escritores
Angolanos.

De um modo geral essa geração ainda não defendia a


independência para Angola, o que fazia dela uma geração
entalada entre a espada e a parede. É de realçar que as
fronteiras de Angola ainda não estavam completamente
consolidadas.

A crença numa sociedade iluminada era tanta que essa geração


defendia abertamente: a Liberdade, Igualdade, Justiça, Razão,
Progresso e instrução, temas essências de reflexão de 1890
princípios fundamentais do liberalismo, esses princípios
entraram por via do Brasil, depois de extravasarem do contexto
europeu. Era uma geração de intelectuais autodidactas que
tinham nas prateleiras de suas casas autores e lutadores como:
Garibald, Victor Hugo Guerras Junqueiras, entre outros.

Francisco Castelo Branco escreveu a História de Angola diferente


da visão dos europeus sobre os angolanos, onde as abordagens,

100
eram diametralmente opostas as ideologias dos teóricos
colonialistas portugueses da época.

Paixão Franco alertava os homens das emboscadas na noite da


ignorância, para que se convençam uma vez para sempre que o
rebanho de carneiro vai desaparecer.

GERAÇÃO NATIVISTA (1914-1930)

Os integrantes foram António de Assis Júnior, Francisco António


Octávio, Botelho Alves do Nascimento, António Ferreira de
Lacerda, Manuel Van-Dúnem e Narciso do Espírito Santo.

O conceito de nativo, equivale a negro civilizado, o termo


generalizou-se na segunda década do século XIX em obras de
direito colonial eventualmente por influência britânica, enquanto
os próprios angolenses adoptaram esse termo em alternativa a
“filhos de Angola”.

As autoridades coloniais por sua vez designaram como


Movimento Nativista, todo o tipo de acções políticas de
iniciativas de angolenses que pretendiam defender os direitos
dos africanos (negros e mestiços), sobretudo com base na
interpretação da lei e ainda qualquer aspiração a autonomia ou a
administração e governo de Angola pelos seus naturais.

Entre os esforços desenvolvidos pelo Movimento Nativista a fim


de favorecer a sua capacidade política, regista-se a criação dos
mais influentes e prestigiadas Associações.

Criaram-se Associações como: a Liga Angolana e o Grémio


Africano e tinham os seguintes objectivos:

- Promover a Instrução e defender os direitos dos seus membros;

101
- Denuncia dos mitos que circulavam sobre o negro (selvagem,
bárbaro, e outros nomes pejorativos);

- Denuncia das injustiças que sofriam os trabalhadores,


nomeadamente: o roubo de terra sobretudo depois de 1917,
altura em que surgem as revoltas de Celes (hojr município da
província do Kwanza-Sul).

Amboim e a de Catete de 1922;

Os açambarcamentos tão criticados por um dos integrantes


dessa geração nativista;

Denúncia do trabalho forçado, considerado escravatura.

Essa geração defendia o seguinte:

- O trabalho livre e remunerado;

- Defendia igualmente a educação, através do ensino formal e


profissional;

Lutavam também pelo papel da imprensa como veículo de


esclarecimento e difusora das luzes da civilização e do
progresso.

A existência dessas gerações será condicionada pela constante


vigilância policial sobre os nativistas mais reivindicativos
acusados de estarem associados a grupos de resistências no
interior (revoltas de Catete, do Celes e Amboim 1917, como
sucedeu em 1914 e 1917 quando a Liga Angolana foi acusada de
conspirar com os gentios rebeldes (camponeses), levando até
muitos europeus hostis designarem-nas de ASSOCIAÇOES DE
MATA BRANCOS, forjando o clima de suspensão que levou a sua
extinção em 1922, isto é, no segundo mandato de Norton de
Matos.
102
Em 1907 funda-se o jornal angolense, porta-voz essencial da
pretensão cívica de orientar o governo na solução dos problemas
da administração pública. Esse jornal foi refundado em 1917 era
sobretudo através do qual que a geração cultural nativista fazia-
se ouvir as suas reivindicações e protestos e contestações.

Norton de Matos foi governador gera (1912-1915) e depois Alto-


Comissário (1921-1924) da colónia portuguesa de Angola, foi o
carrasco desta geração pois prendeu muitos dos seus elementos,
desterrou outros e eliminou uma boa parte.

O MOVIMENTO VAMOS DESCOBRIR ANGOLA

Jovens negros, mestiços e brancos que eram filhos da terra,


filhos do país, iniciavam em Luanda em 1948, o Movimento
Cultural Vamos Descobrir Angola, com o objectivo de estudar a
terra que lhes fora berço, aquela terra que eles tanto amavam e
mal conheciam. Este Movimento teve como nomes cimeiros os
de António Agostinho Neto (1922-1979), Viriato Clemente da
Cruz (1928-1973), António Jacinto de Amaral (1924-1991) e
Mário António (1934-1989), entre outros.

Este grupo de intelectuais sentia uma forte necessidade de


destruir a reinante literatura colonial que falseava a realidade
vivencial em Angola e que não entrava no âmago das realidades
e sentimentos do africano.

Este Movimento Vamos Descobrir Angola incitava os jovens a


redescobrir o país em todos os seus aspectos, através de um
trabalho colectivo e organizado; apelava à produção literária
dirigida ao povo; exigia a expressão dos sentimentos populares e
da autêntica natureza africana, mas sem que se fizesse qualquer
concessão à sede do exotismo colonial. Tudo deveria basear-se
no senso estético na inteligência, na verdade e na razão
103
africanas. Enquanto estudam o mundo que os rodeia, o mundo
angolano de que eles faziam parte, mas que tão mal lhes havia
sido ensinado começa a germinar uma literatura de combate
pelo seu povo. Começam então a aparecer as primeiras
composições literárias marcadas pelas condições ambientais
resultantes de um conhecimento perfeito do homem e da terra.

Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote (desafio): Vamos


Descobrir Angola. A frase tornou-se lema para os intelectuais
angolanos que dois anos depois, fundaram o Movimento dos
Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos
elementos mais activos. Esse Movimento foi responsável pela
publicação da revista Mensagem, onde o grupo exprimiu o seu
entusiasmo pela redescoberta da História e Arte popular
africanas, como contraponto a uma colonização que é fruto do
endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de
Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais
exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais
conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como, Makèzù ou
mamã negra.

104
PAPEL DA CULTURA E DAS ARTES NA CONSCIENCIALIZAÇÃO
DOS ANGOLANOS PARA ADESÃO DO MOVIMENTO DE
LIBERTAÇÃO E LUTA ARMADA

O GRUPO NZAJI

Nzaji, termo kimbundu que em português significa faísca era um


agrupamento musical que desempenhou papel muito
importante, na motivação dos guerrilheiros do Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA). Nesse agrupamento
integrava homens, mulheres e destacados militantes, tais como,
Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy”, José Eduardo dos Santo (ex-
presidente da República de Angola e do partido MPLA) e Maria
Mambo Café e outros.

O Grupo que começou ainda em Luanda consolidou-se em


Moscovo (Rússia), onde os jovens estudantes angolanos
prosseguiram os seus estudos.

As suas músicas eram tocadas assiduamente na rádio “Angola


Combatente” porta-voz do MPLA, sediada em Brazaville
(República do Congo Brazaville). Uma das canções mais forte é o
Kaputo termo kimbundu que em português significa colono, um
grito de revolta.

AGRUPAMENTO MUSICAL NGOLA RITMOS

Carlos Aniceto Vieira Dias “Liceu” é considerado como fundador


da música popular angolana.

Nasceu no dia 1 de Maio de, em Luanda, mas é assente em sua


certidão de nascimento, que ele nasceu em Banana no Congo
Brazzaville. Vieira Dias fez parte da classe social colonial
designada de “assimilados” e, embora ele não fosse residente do

105
Bairro Operário, suas criações foram influenciadas por outras
pessoas que lá viviam.

Ele começou a sua carreira com aprendizagem de instrumentos


musicais como a guitarra e o piano. Em 1930 formou a Banda
grupo dos Sambas com outros jovens assimilados. O grupo
tocava principalmente músicas brasileiras, uma experiência que
ajudou Vieira Dias a descobrir o valor que tinha a cultura
angolana.

Em seguida, “Liceu”, como era carinhosamente tratado, e outros


de sua geração começaram a enfatizar a africanidade da sua
herança cultural que era muito desprezada pela sociedade
colonial. Em 1947 ele criou a Banda Ngola Ritmos, que é
geralmente creditado como percussores do Samba, um novo
género musical na época.

Outros membros do grupo eram Domingos Van-Dúnem, Mário


da Silva Araújo, Manuel dos Passos e Nino Ndongo. Na década de
1950, a Banda era composta por “Liceu”, Nino, Amadeu Amorim,
José Maria dos Santos, Euclides Fontes Pereira, José Cordeiro,
Lurdes Van-Dúnem e Belita Palma.

Ngola Ritmos apresentava canções tradicionais que recolhiam do


campo, e que teoricamente, a inovação baseava-se no uso de
instrumentos locais. O som da dikanza termo kimbundu que em
português significa reco-reco foi traduzido para acordes de
guitarra e outros instrumentos europeus. Alguns solos famosos
do guitarrista congolês Francó foram adaptados e incorporados
em instrumentações do Semba. “Liceu” tocava com a sua
guitarra músicas que ouvia sua mãe e avó cantar.

Vieira Dias transformou as práticas musicais locais em estilo que


era semelhante ao das músicas estrangeiras tocadas nas rádios e
106
festas, mas com sabor de Angola e cantada em Kimbundu,
durante um período em que as línguas locais eram minimizadas e
chamadas de “língua de cão”, pelos colonialistas portugueses.
Algumas canções foram baseadas em músicas tradicionais de
diferentes partes do país, incluindo canções adaptadas do
carnaval, que se adaptaram para versões mais dançantes,
apreciadas em festas e facilmente aceites nas estações de rádios.
Muitas músicas do Ngola Ritmos tornaram-se padrões da música
angolana.

Ngola Ritmos conseguiram com as suas canções despertar as


consciências dos angolanos ainda adormecidos, acordou muitos
distraídos e inspirou o nacionalismo. A mensagem era passada,
na sua maioria, em língua kimbundu.

Apesar de alguns esforços, os colonialistas travavam as


iniciativas, pois estes tinham que passar licença para que o
conjunto efectuasse qualquer espectáculo.

Todavia, podemos analisar como exemplo o lado popular da


canção para despertar a angolanidade;

Mbiri, Mbiri da autoria de António Van-Dúnem é bem o exemplo:

Kisanguela Nguetu ni Mazundu

Woso ua dimuka, udiangô lumoxi.

Este trecho em português significa «não queremos convivência


com os sapos», uma referência aos colonialistas. A outra parte
do verso ressalta que «não esqueçam que o esperto só almoça,
mas não janta» (dito popular).

Outra canção é o messene, mestre em português, da autoria de


Euclides Fontes Pereira «Fontinhas»;

107
Messene za tulonga ó kutanga

Tundé katuvalele ó kutanga nuca tuakimone

Lelu kituandala kukulala a tubingui kutanga

Ngó diondo messene kizua nguikalakala ngui futa ioso uandala.

Em português o verso quer dizer o seguinte: «Mestre venha


ensinar-nos a ler e a escrever é agora que precisamos trabalhar
obriga-nos a saber ler e a escrever. Ao que o mestre responde:

Sentem-se e vamos começar: «A-N-T-Ó-N-I-O». A mensagem


orientava ao povo para que estivesse atento e os professores
começaram a ensinar, porque era necessário que o povo
soubesse ler a escrever, que dias melhores iriam surgir.

João Domingos é o titulo de uma outra canção de Fontinhas que


o etnomusicólogo angolano Jorge Macedo, considera como
sendo um brado de protesto, convite a aprender a ler e a
escrever de grandes proporções panfletárias, escondida numa
espécie de sátira de intenções ingénuas de simples zombaria
contra João Domingos que tinha má burrice, não sabia ser burro,
pois não tendo aprendido a ler e a escrever, só poderia mesmo
ter como trabalho oficio de carregador de cimento armado,
vulgarmente chamado de kimbangula, nas construções de
prédios.

Musicalmente, refere o etnomusicólogo, trata-se de uma obra-


prima mesmo perante o juízo de valor de leigo na matéria. A
letra assume forma poética elevada no espírito da literatura oral
kimbundu enquanto a música não fica atrás no quadro que nesta
cultura é realmente folclore. Tendo resultado na proibição da
canção Mon`nami (filho).

108
A dada altura, a canção refere que uma mãe estava embalando o
filho no quarto: «Ó meu filho, não chores, porque o teu pai é
uma ave, deixou-te ficar aqui e foi-se embora. E o vizinho do lado
responde: O oh Samba Utanga Makuto Samba, não mintas para
teu filho, diz a verdade, diz que morrias de fome e que foste ao
comerciante e trocaste alimento pelo teu corpo; o teu filho é
fruto dessa situação. A PIDE, não deixou passar esta canção.

Todavia, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE),


introduzia angolanos na sua agremiação, com objectivo de
traduzir as canções de Kimbundu para português,

“Muxima” termo kimbundu que em português significa coração


era como se fosse o hino da nação, esta canção evoca o meio
rural da década de 1950 e hoje quando uma banda toca essa
música todo público canta e se movimenta em conjunto. Os que
não sabem toda letra da canção pelo menos sabem o refrão.
Mais do que qualquer outra canção “Muxima” não tem um só
autor, mas está associado com o trabalho dos Ngola Ritmos e é
um exemplo da maneira como eles recreavam as canções locais.
Neste caso, eles não visavam torná-la dançante, mas sim audível
em salas de concerto e nas rádios.

“Muxima” é também o nome de uma cidade construída nas


margens do rio Kwanza, cerca de sessenta quilómetros ao sul de
Luanda, onde está situada uma igreja católica associada com
benefícios espirituais. Peregrinos de todo país, particularmente
de Luanda, viajam para igreja em busca de bênçãos.

A Santa padroeira da Igreja é Santa Ana, mãe da virgem Maria e


padroeira das mulheres em trabalho de parto.

A popularidade dos Ngola Ritmos na década de 1950 deu-lhes o


acesso às estações de rádios nacionais e suas canções foram
109
gravadas na rubrica chamada “folclore”, que eram transmitidas
em todo país. A música dos Ngola Ritmos teve um enorme
impacto na sociedade e mobilizou os Movimentos Nacionalistas
que eram contra o regime colonial. A maioria das festas
animadas por Ngola Ritmos fora usada pelos nacionalistas para
as reuniões anticolonialistas. Em 1959 os membros dos Ngola
Ritmos, Vieira Dias, Amadeu Amorim e José Maria dos Santos,
foram presos e deportados para a prisão do Tarrafal em Cabo
Verde por cerca de mais de dez anos, devido aos conteúdos de
algumas das suas músicas e pelo apoio que davam à causa
Nacionalista. Eles estavam ligados ao Movimento para a
Independência de Angola (MIA), e são considerados como parte
dos membros da elite que fundaram o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA).

Apesar de toda popularidade alcançada, gravações originais do


Ngola Ritmos são raras. Suas músicas são reproduzidas por
muitos outros grupos e músicos que vieram depois deles.
Quando Liceu, Amadeu Amorim e José Maria foram enviados
para prisão, o grupo não terminou, pois, os outros membros,
liderados por Nino Ndongo, mantiveram a produção do seu estilo
característico, mas com um sabor mais comercial. Zé Cordeiro
Gégé e Xodó juntaram-se ao grupo nessa época.

Em 1960 o grupo seguiu à Lisboa onde gravaram dois discos e um


show de televisão para a RTP.

Quando saíram da cadeia, no início dos anos 1970, Liceu,


Amadeu Amorim e José Maria dos Santos foram obrigados a
apresentar-se à PIDE a cada duas semanas e foram proibidos de
efectuar qualquer apresentação pública ou actividade política.
Após a independência do país em 1975, veio a guerra civil e

110
registou-se um grande declínio na produção musical em Angola.
O grupo se tornou decadente e perdeu a energia que tinha
décadas antes. Argumenta-se que Ngola Ritmos tenha
enfraquecido muito antes de seus limites, mas seu trabalho
influenciou as gerações seguintes de músicos tais como, Elias Dia
Kimuezo, grupo musical os Kiezos, Jovens do Prenda e outros.

Em 1978 o produtor de cinema António Ole fez um filme com


Ngola Ritmos, e foi a última vez que o grupo apareceu em
público com todos os seus membros. Incluiu a actuação de Rui
Mingas, que é sobrinho do Liceu Vieira Dias. Em 2009/2010,
inspirado no livro “Estórias para Histórias da Música Angolana”,
escrito por Mário Rui e Jorge António produziram um filme
documentário em três partes sobre a história da música
angolana, onde se destacou o trabalho de Liceu e Ngola Ritmos
incluindo partes do documentário de António Ole de 1978. E os
depoimentos dos dois únicos membros de sobreviventes.

Os Ngola Ritmos pertencem à história da canção política, e ela


divide-se em dois momentos, o cantor popular e o espontâneo e
as suas canções fazem parte do Amplo Movimento (acto de
consciencialização), que não envolvia apenas escritores, mas
também jornalistas, autores de textos literários, homens de
teatro, declamadores, intérpretes de canções políticas, operários
e outros.

TEATRO

A palavra teatro provém da palavra grega Theuslatron, onde


Theus, significa Deus, e Latron significa originalmente um lugar
onde se é curado mediante o encontro com o divino. Ainda o
termo teatro também vem do termo Theaomai, que significa:
Ver ou Assistir (BRANDÃO, 1992, P. 9).

111
Assim sendo, o teatro nasceu no período do paleolítico médio,
estava ligado as forças da natureza por intermédio dos espíritos
com objectivo de atrair estas mesmas forças por intermédio da
magia simpática. Desta feita os lugares onde eram executadas
práticas eram totalmente arenas, como na antiguidade média
porque muitos desses lugares eram totalmente sagrados.

Há que fazer referência à máscara, elemento importante do


teatro primitivo, que para os povos africanos significa presença
divina, o instrumento que domina os espíritos malignos, também
é usado como disfarce do caçador (NUNES, 1994, P. 43).

Podemos afirmar que o teatro sob forma de imitações e


mimetismo existiu sempre para todos os povos e em todas as
épocas.

Tais ritos existem ainda em algumas regiões de África, se


apresentam como uma parte religiosa, plástica, poética,
dramática, rítmica, e tem por base a literatura oral tradicional e a
música instrumentada.

O Teatro como forma de expressão literária sempre tem uma


relação, com a sociedade onde surgiu. O teatro é, antes de
qualquer coisa, uma arte. Mas é uma arte que se associa à
história do homem e à própria história da comunicação humana,
uma vez que se configura uma arte híbrida, envolvendo
literatura e encenação.

Como se pode perceber, mesmo com o advento da tecnologia, o


teatro continua causando encantamento e, por isso,
concretizando de maneira única o aprendizado, seja de ordem
informativa ou cultural.

112
TEATRO EM ANGOLA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA

No contexto da colonização em Angola essa arte poderia ter


contribuído para denunciar a realidade que se vivia de modo a
libertarem-se de uma determinada opressão.

Para contrapor o regime colonial surgiu no seio dos angolanos


funcionários públicos, a necessidade de se criar um grupo teatral,
com objectivo de despertar as consciências dos menos
esclarecidos, sobre a dominação colonial e a aculturação que o
regime colonial imprimia.

Daí o aparecimento dos primeiros grupos teatrais, tais como: o


Grupo Experimental de Teatro – Gexto, foi criado nos anos 50 do
século XX à imagem do Projecto brasileiro teatro experimental
do negro, de que Abdias do Nascimento foi o líder e o jornal
Kilombo o órgão divulgador e, entre os seus animadores, António
Van-Dúnem, Higino Aires e ainda Gabriel Leitão, tido como um
humorista de grandes potencialidades ímpares.

Sendo Gabriel Leitão, in O Ritmo do Ngola Ritmos, afirmava que:


“no princípio era o ritmo e o ritmo era clandestino. Então o ritmo
fez-se Gexto (Grupo Experimental de Teatro). As raízes no bem
fundo do povo, os ritmos rebentam por todo o lado. Ganha
novas formas, teatro também. Do silêncio, ao Gexto. É o mesmo
ritmo de teia de aranha, construído pacientemente por cima da
cabeça colonial. O Gexto foi fundado para conservarmos o nosso
património cultural. Também foi impulsionador da formação do
grupo o Higino Aires, um elemento do processo dos 50, que
faleceu aqui em Luanda depois de ter cumprido dez anos de
prisão no Tarrafal. As peças que nós levámos à cena foram todas
escritas por António Van-Dúnem, com minha colaboração.

113
Quando fundamos o Gexto pensamos logo na integração do
Ngola Ritmos, do qual eu me sinto parte integrante, para vários
trabalhos clandestinos, muito embora as pessoas, enfim de um
grupo que refletisse os princípios que o Bota-fogo defendia,
normalmente no domínio da cultura.

Sendo assim, no dia 5 de Outubro de 1961, na Liga Nacional


Africana Associação Cultural que na época servia para encobrir
actividades nacionalistas), nasceu o Grupo Cultural Músico –
Teatral Ngongo e a sua estreia ocorreu em Agosto de 1962 na
festa de aniversário da cidade de Luanda, no nacional Cine –
Teatro, com a peça em três actos intitulada: Muhongo – a –
Kassule, adaptada de um conto extraído na obra Ecos da Minha
Terra, de Óscar Ribas (ABRANTES, 2005, P. 147), poetas, autores,
declamadores, dançarinos, vocalistas e arranjadores, o que lhe
permitiu explorar vias originais e tradicional, da musica popular
urbana, do teatro da dança da poesia e da declamação, O grupo
Ngongo realizou centenas de espectáculos diversificados, com
uma sucessão regular de temporadas artísticas que chegavam a
durar vários meses, tanto na capital como no resto do pais e até
mesmo no exterior. Foi considerado em Portugal, o melhor
grupo de África em 1956 (ABRANTES, 2005, P.149).

No seu reportório artístico constavam várias peças teatrais, onde


se destacam as seguintes; A taberna, A praga-Uanga, O ladrão,
Qual dos dois, dóis mais, O alambamento (carta), Eles, e elas,
Namoro no Sambizanga e Muhongo-a-kassule. Ao passo que as
peças do grupo Gexto que mais se destacaram foram: a peça
intitulada: o Panfleto e a Auto de nata (ROLDÃO, in entrevista no
dia 18/08/2010).

114
A principal característica deste grupo foi concentrar no seu seio
um grande número de compositores, músicos, coreógrafos.

Permanentemente torcidas e escarnecidas pelo colonialismo


português, muitas das dinâmicas culturais de Angola tinham o
teatro como espaço de resistência e resiliência social. Através de
um olhar crítico sobre a realidade colonial, o teatro
circunstancialmente politizado que as autoridades coloniais
tentaram banir a todo o custo. Desempenhou um papel
fundamental na socialização política e sensibilização de largos
grupos populacionais de angolanos sobre as condições e
possibilidades de luta contra a dominação colonial portuguesa.

As marchas dos Movimentos de Libertação e Luta de Libertação


Nacional rumo a independência que teve lugar em 11 de
Novembro de 1975, foram grandemente assistidas por um teatro
revolucionário, que animava, mobilizava e despertava
sentimentos emancipatórios, contra as pretensões coloniais de
eternizar a subjugação dos africanos. Por isso, parece difícil
explicar o facto de haver escassez de literatura sobre a
contribuição do teatro no Movimento de Libertação nacional e
Luta de Libertação Nacional de Angola.

As lutas de resistência contra a opressão do colonizador


português, em associação aos projectos utópicos de organização
social e política do país fazem parte da produção teatral de
Angola. Os escritores nutriram suas escritas com conflitos
culturais e decepções políticas, sobretudo diante das novas
configurações de colonialismo surgidas após independência.

Neste sentido, para (Freire 1970, p. 22), “os homens,


empenhando-se na luta por sua libertação: É preciso que o

115
próprio oprimido tenha senso critico, onde a representação
teatral desempenhava uma grande função”.

O teatro angolano durante a luta anticolonial, teve um carácter


revolucionário, popular e realista. Foi, um teatro preocupado em
intervir, despertar e denunciar de forma real, os problemas
criados pela dominação colonial portuguesa.

116
GLOSSÁRIO DE HISTÓRIA

Acoitados – acolhidos, abrigados

Adjacentes – situados junto a outros, próximo

Afluxo – grande concorrência de pessoas ao mesmo lugar.

Aglomeração – grande concorrência de pessoas ou coisas juntas.

Anexação – acto ou efeito de incorporar.

Animismo – doutrina religiosa que considera que a vida do


Homem tem uma origem, uma essência: a alma dos seus
antepassados.

ÁFRICA DO NORTE OU ÁFRICA BRANCA – localiza-se na parte


oeste, entre o deserto do Saara e o Golfo da Guiné.

Abrange os territórios de países como Níger, Senegal,


Mauritânia, Ghana (Gana), Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Serra
Leoa, entre outros.

ÁFRICA ORIENTAL – é a parte da África banhada pelo oceano


indico e inclui, não só os países costeiros e insulares, Comores,
Djibouti, Eritreia, Etiópia, Kénia (Quénia), Seychelles,
Moçambique, Somália e Tanzânia, mas também, alguns do
interior como Burundi, Ruanda e Uganda, além de Zimbabwe,
Zâmbia e Malawi.

ÁFRICA CENTRAL – é a sub-região que fica no centro do


continente. Para o Departamento de Estatística da ONU,
compreende os seguintes países: Angola, Burundi, Camarões,
Chade, República do Congo, (Brazzaville), República do Congo

117
Democrático (ex-Zaire), Gabão, República Centro-Africana,
Ruanda.

ÁFRICA AUSTRAL – também chamada de África Meridional, é a


parte Sul da Costa Oriental e pelo Atlântico na Costa Ocidental.
Normalmente considera-se a áfrica Austral formada pelos
seguintes países: África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto,
Madagáscar, Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia Essuatini
(Suazilândia) Zâmbia, Zimbabwe.

Antropologia - é a ciência que tem como objecto o estudo sobre


o ser humano e a humanidade de maneira totalizante, ou seja
abrangendo todas as suas dimensões.

Antropogeografia – capítulo da geografia, fundado pelo


geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), que estuda as
causas da distribuição geográfica das comunidades humanas
(rácicas, linguísticas, religiosas, políticas, etc.), considerando o
homem como um ser poderosamente subordinado ao meio
geográfico (www.inforpedia.pt).

Antropológico – relativos à origem, desenvolvimento físico,


material e cultural, características, raciais, evolução social,
crenças etc. da espécie humana.

Argonautas – na mitologia grega eram tripulantes da nau,


segundo a lenda grega, foi até a Coloquia (actual Geórgia) em
busca ao Velo de ouro (ou velório de outro).

Agnatos – correspondem aos indivíduos (masculinos e


femininos) descendendo de um mesmo ancestral pelos homens
exclusivamente.

118
Armadas – frotas.

Aristocracia – pessoas pertencentes à aristocracia, uma


organização sociopolítica baseada em privilégios de uma classe
social formada por nobres que detêm o monopólio do poder.

Aristocrático – da aristocracia. Nobres.

Artilharia - ramo do exército que utiliza canhões, obuses e outras


armas e poderosas.

Arauto – mensageiro; pessoa que defende uma ideia ou causa.

Aportar – atracar.

Arpões – lanças usadas na caça.

Aterrorizante – que suscita medo. Assustador.

Autenticidade – qualidade do que é autêntico. Veracidade.

Autoridade – agentes do poder.

Autónomo – independente.

Autonomia – autodeterminação. Regulamento dos próprios


interesses.

Autonomização – tornar-se autónoma, independência.

ASSIMILADO – individuo que interiorizou hábitos e ideias


próprias de uma cultura diferente da sua; “ser assimilado é estar
integrado no sistema capitalista colonial, significa, estar
integrado no sistema cultural e civilizacional ou ocidental”.

Amuleto – é um objecto que um individuo acredita que pode


trazer sorte ou protecção. Este muito vinculado ao imaginário
popular. Muitos indivíduos costumam ter seu amuleto de sorte

119
B

Bárbaros – povos oriundos da escandinava, assim designados por


um suposto atraso no seu estado civilizacional quando
comparados com Roma.

Beligerância – situação de guerra.

Berberes – povos oriundos da região do Magreb (Norte de


África), nómadas e grandes mercadores; homens livres.

Bélico-militar – relacionado com a guerra.

Brado – grito; voz propagada de modo intenso e forte, pode ser


ocorrida a uma longa distância; clamor, acção de reclamar ou
suplicar em voz alta; o governo não ouve os brados do povo.

Capital – Dinheiro. Riquezas acumuladas que têm por objectivo a


criação de novos valores.

Capitalismo – Regime económico caracterizado pela grande


produção, pelo amplo investimento, assim como pela
propriedade individual do capital.

Capitania – Posto de capitão.

Caça – Perseguição e ataque aos animais para os capturar.

Casa Real – Conjunto de funcionários (servidores do rei e da


família real) que participa na administração e funcionamento da
referida casa. Palácio onde mora o rei.

Cataplasma – Preparado de plantas medicinais, aplicado sobre


um machucado ou parte do corpo dolorida, usado entre dois

120
panos, folhas ou com diversos materiais apropriados, para fins
terapêuticos, geralmente para curar uma infecção ou cicatrizar
uma ferida.

Centralização – Concentração da gestão administrativa de um


país num poder central.

Chefaturas – chefiar, qualidade de chefe.

Civilizar – Melhorar, sob o ponto de vista intelectual industrial.


Tornar civil, cortês, polido.

Cristianizar – Tornar cristão. Evangelizar.

Calhaus – cascalhos.

Cascalheiras - Terrenos onde se encontram cascalhos.

Ciências complementares (ciências auxiliares) – Ciências que


ajudam a História no estudo e na explicação dos fenómenos
históricos.

Civilização – Conjunto de particularidades culturais, artísticas,


morais e outras que moldam a actividade do Homem enquanto
ser organizado em sociedade.

Clãs – Agrupamentos formados por pessoas parentes e


descendentes de um antepassado comum. Cada clã era chefiado
por um ancião nomeado no seio do grupo.

Cláusula – Cada uma das disposições de um contrato,


testamento ou outro documento similar.

Comitiva – Grupo que acompanha alguém, companhia.

Coacção – Imposição.

121
Códice – Manuscrito antigo que contem as obras de um autor
clássico.

Companhias – Associações.

Conchas – Revestimentos exteriores do corpo de alguns


molúsculos.

Confederação de Estados – Aliança. União entre Estados. Outro


povo e o território deste.

Contratado - No contexto histórico colonial, contrato era uma


forma subtil do trabalho forçado (directamente ou
indirectamente) chamavam de «contrato» é ser recrutado para o
trabalho nas fazendas agrícolas, obras públicas e outras
actividades, com obrigação de permanecer durante um ano.

Contrabando - Comércio ilícito; candonga (Kimbundu).

Colonos- Pessoas que se estabelecem numa região estrangeira


para a povoar ou dela tirarem proveito.

Colonização – Regime de exploração em que um povo mantém


sob seu poder.

Coligação – Aliança.

Conselho – Organismo de consulta.

Consequências – Efeitos. Resultados.

Corrente – Ideologia. Concepção.

Corruptelas – Palavras cuja escrita ou pronúncia está errada.

Critérios – Normas. Requisitos.

122
D

Decapitação – Cortar a cabeça de alguém.

Decreto – Dispostos legais estabelecidos por um governo ou por


um chefe de Estado.

Deportada – Desterrada, exilada.

Definição – Descrição especificada das características essenciais


de um artigo objecto que o distingue de outros.

Degredados – Desterrados, Expatriado.

Desacordos – Divergências.

Desterrados – Expatriados, Expulsos.

Detrimento – Prejuízo.

Devastado – Desolado. Arruinado.

Dimensão – Amplitude.

Dinastia – Sucessão, no poder, de soberanos da mesma família.

Discussões – Problemas. Dúvidas.

Disseminação – Dispersão, propagação.

Dogmas – Princípios de fé defendidos pela igreja. Que não se


questiona.

Édipo – é uma personagem da mitologia grega, famoso seu pai e


casar com a sua mãe.

Embaixadas – Missões que representam os interesses de um


Estado em território de outro Estado.

123
Embaixadores – Representantes de um Estado junto de outro.

Enclave – Pequeno Estado autónomo envolvido por outro.

Engenho de açúcar – Propriedade agrícola onde se produz e se


processa a cana-de açúcar.

Empoderamento – Acção de se tornar poderoso, de passar a


possuir poder, autoridade, domínio sobre: processo de
empoderamento das classes desfavorecidas.

Passar a ter domínio sobre a sua própria vida, ser capaz de tornar
decisões sobre o que lhe diz respeito: empoderamento das
mulheres.

Espoliar – Expropriar, desapossar com violência ou fraude, a


propriedade de um bem.

Espingarda – Armas de fogo de cano comprido, fuzil.

Escravos – Pessoas que são dominadas ou sujeitas à exploração


de outrem. Servos. Criados.

Eclosão – Desenvolvimento, Aparecimento.

Estratégico – Ardiloso, hábil.

Esquadra – Conjunto de navios de guerras – Armas de defesa


utilizadas com protecção contra os golpes da espada ou da lança

Escudo – É uma arma defensiva que consiste essencialmente


numa chapa metal, madeira ou coro usada para se proteger de
golpes inimigos.

Escudeiro – Mancebo da guarda real armado de escudo e lança.

124
Esclavagismo – Sistema baseado no trabalho escravo, na
exploração do homem pelo homem. Aromáticas utilizadas como
condimento.

Étnico – Grupo humano unido pela mesma cultura.

Extermínio – Destruição.

Especiarias – Substâncias.

Estados – Nações politicamente organizadas.

Feudo – Terra concedida ao vassalo, pelo senhor feudal, em


troca da prestação de serviços e do pagamento de impostos.

Feitoria – Entreposto, casa de comércio pertencentes à Coroa.

Fontes – Bases. Origens.

Fortaleza – Construções fortificadas erguidas em locais


estratégicos.

Formais – Que cumprem o procedimento oficial. De acordo com


o protocolo.

Foz – Local onde desagua um rio.

FOLCLORE – Termo cunhado em inglês a partir das palavras folk,


povo, e lore, saber. Uma área do conhecimento muito prezada
pelo turismo cultural e pela Antropologia. Definindo inicialmente
no século XIX, pelo arqueólogo inglês Willian Thoms, o folclore
designava então uma ciência cujo objecto de estudo eram as
antiguidades.

125
Fósseis – Restos de plantas ou animais que se encontram
enterrados há muitos milhares de anos e que constituem
testemunhos de épocas geológicas anteriores à nossa.

Fundada – Criada, Estabelecida.

Genocídio – Destruição de uma colectividade humana pelo


extermínio dos seus indivíduos. Um genocídio pode ter motivos,
religiosos ou raciais.

Gradualmente – Que acontece de forma progressiva.

Grupo étnico – De etnia. Grupo humano unido pela mesma


cultura.

Guia – Instrumento de orientação ou direcção.

GRIOTS- JALI OU JELI – É o individuo que na África Central, tem


por vocação preservar e transmitir as histórias, acontecimentos,
canções e mitos do seu povo. Existem GRIOTS músicos e GRIOTS
contadores de história. Ensinam a arte, o conhecimento de
plantas tradições, histórias e aconselhavam membros das
famílias reais.

Hegemonia – Supremacia. Superiorização.

Heterogéneo – Não homogéneo.

Horda – Tribo errante.

126
Hereges – Blasfemos, cristãos baptizados, mas que negam
veemente ou põem em dúvida algumas das verdades da fé
católica.

Hipoteca – Sujeição de bens para garantir o pagamento de uma


divida.

Historiografia – Estudo dos acontecimentos históricos ocorridos


em cada etapa do saber histórico, revelando assim o passado.

Idóneas – competentes; aptas.

Império – Estado cuja influência política, económica e cultural se


estende para além das suas fronteiras.

Incursões – Invasões.

Indústria Lítica – Produção, pelo Homem do Paleolítico, de


instrumentos de pedra.

Indígenas – Pessoas naturais do país ou do lugar que habitam


autóctones; no contexto histórico colonial, indígenas são todos
aqueles de raça negra ou delas descendentes que pela sua
ilustração e costumes se não distinguissem do comum daquela
raça. Assim estava definido no Art.º nº 2 do Estatuto Político,
Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique
publicado em 1926. Três anos depois, este Estatuto torna
extensivo à Guiné e aos moçambicanos sob administração das
companhias com poderes privilegiados.

Indigente – Pessoa que não tem condições financeiras para


suprir ou satisfazer as suas próprias necessidades; miserável.

127
Infantaria – Conjunto de tropas de um exército que combatem a
pé, munidos de armas ligeiras e pesadas, tendo por missão a
conquista, ocupação e defesa de um território.

Introspecção – Análise íntima e reflexiva que alguém faz sobre si


mesmo; exame profundo sobre as próprias experiências ou sobre
o que ocorre de mais íntimo em si próprio, introversão.

Inscrições Murais – Inscrições em muros, bases rochosas ou


estruturas parietais.

Instituições – Organizações.

Inata – Que faz parte do indivíduo desde o seu nascimento; que


nasce com o indivíduo; inerente, congénito.

Instrumentos – Dispositivos utilizados para execução de uma


actividade.

Islão – Religião professa dos muçulmanos, cujos Deus é Maomé.

Latifúndios – Grandes propriedades rurais.

Lendário – De lenda. Da tradição oral ou escrita.

Lendas – Tradição oral ou escrita.

Legítimo – Legal.

Mandatários – Delegados, representantes.

Masoquismo – condição caracterizada pela mudança do estado


normal que consiste na obtenção de prazer sexual, através do
próprio sofrimento (…). Comportamento da pessoa que sente
prazer a partir da dor.
128
Meridional – De Meridiano. Círculo máximo da esfera que divide
o globo em dois hemisférios passando pelos pólos.

Mercenários – Soldados que, por dinheiro, combatem em


exércitos estrangeiros.

Metalurgia – Arte de extracção e tratamento dos metais.

Método – Procedimento utilizado para se alcançarem os


objectivos preestabelecidos.

Metrópole – Cidade mais importante de um país.

Mestiçagem – Miscigenação, cruzamento entre indivíduos de


raças (humanas) diferentes.

Messiânico – do Messias.

Migrações – Deslocações de um lugar para o outro.

Minas – Espaço natural subterrâneo de onde são extraídos


diversos recursos naturais (neste caso em particular, o ouro).

Miragem – Ilusão, Engano.

Miscigenação – Cruzamento de indivíduos de raças diferentes.

Misticismo – Espiritualidade. Crença religiosa; tendências para


crer em entidades ou forças sobrenaturais.

Monopólio - Propriedade de uma só pessoa ou entidade.

Moluscos – Animais invertebrados de corpo mole.

Motivo – Causa.

Mosaico – Combinação de coisas diferentes, miscelânea.

Mosqueteiros – Soldados de infantaria armados de mosquete.

129
N

Ngola – Título de soberano no Ndongo.

Oásis – lugar habitável no meio de um terreno seco.

Objecto de estudo – Matéria especifica estudada por uma


determinada disciplina científica.

Oficiais – Legais, Formais.

Olduvense – De Oduvai (Tanzânia). Sítio arqueológico mais


importante das indústrias líticas dos hominídeos do Paleolítico,
de instrumentos de pedra.

Ornamentados – Decorados.

Parricidas – pessoa que assassinou o seu pai ou mãe ou outro


qualquer dos seus ascendentes.

Paço – Residência do rei, corte.

Padrão – Título autêntico, Modelo.

Papiro – Folhas de plantas ciperáceas onde os Homens antigos


escreviam.

Paliados – Encobrir, esconder, mascarar, ocultar.

Paliçadas - Barreiras de estacas para defesa.

Patriarcal – Que diz respeito ao patriarca (chefe de família). Tipo


de escravatura em que o escravo era considerado uma pessoa da
família.

130
Pau-brasil – Madeira rija e avermelhada utilizada na construção
civil e naval.

Passado histórico – conjunto de sinais, de restos ou vestígios


que, uma vez descobertos, revelam pouco a pouco o passado de
uma determinada comunidade, nação ou do universo.

Pilhagem – Roubar. Saquear.

Placenta – É constituída por tecido materno e embrionário. Tem


como função fornecer nutrientes e imunidade, realizar trocas
gasosas e remover excreta do embrião.

Pombeiros – Indivíduos que fazem a travessia dos sertões,


negociando com os indígenas, intermediários do comércio de
escravos entre o interior e o litoral.

Potencialidades – Conjunto de qualidades naturais de alguém ou


de alguma coisa.

Poliandria – Organização familiar em que uma esposa tem,


legalmente, vários maridos ao mesmo tempo.

Presídio – Prisão.

Púbere – Quem se encontra no período de puberdade, no qual


ocorre o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários e
aceleração do crescimento, pubescente.

Pré-coloniais – Antes da colonização.

Profetismo – Sistema religioso baseado nas predições dos


profetas.

Preto ou Negro – Individuo que pertence à raça negra. Termos


usados na época colonial para inferiorizar e vilipendiar o negro.

131
Q

Raça – Conjunto de características físicas (cor da pele, estatura,


cabelo, etc.) que explicam a origem de determinada família
humana.

Razias – Destruição completa.

Recolecção – Colheita dos frutos da natureza não cultivados pelo


Homem.

Reencarnação – Entrar em carne novamente.

Relativismo Cultural – Implica o reconhecimento da diversidade


cultural de cada povo com os seus valores e demais
características, e abertura as outras culturas, como componente
estrutural e factor dinâmico de crescimento; nega, ao mesmo
tempo a superioridade de qualquer cultura sobre outra cultura é
todo tipo de incomunicabilidade entre as culturas.

Refutar – Contradizer. Negar.

Reinado – Período de governação de um soberano.

Repugnante – Desprezível. Condenável.

Ritual – É um conjunto de gestos, palavras e formalidades,


geralmente imbuídos de um valor simbólico, cuja performance é
usualmente prescrita e codificada por uma relação ou pelas
tradições da comunidade.

Ritos de Passagem – são aqueles que marcam momentos


importantes na vida das pessoas. Os mais comuns são os ligados
ao nascimento, puberdade, casamento e morte.

132
Roda de oleiro – Disco achatado movido por um pedal. O
movimento rotativo permite trabalhar o barro, modelando-o até
ser possível obter o objecto desejado.

Seitas – Sistemas ou doutrinas que se afastam da crença geral,


facções.

Sine qua non – Indispensável.

Sobados – Território onde o titular do poder é o soba.

Soberanos – Monarcas. Autoridades politicam.

Soberania – Autonomia. Independência.

Soberbas – Magnificas. Dignas de admiração. (Noutros


contextos, soberbo pode ser sinónimo de arrogante, altivo
vaidoso).

Subordinação – Submissão.

Subjugação - Submissão

Subsariana – A sul do deserto do Sara.

Subsistência – Qualidade do que é subsistente. Manutenção,


conservação.

Socio demográfico – Relativo a factores sociais e demográficos.

Talismã – é um objecto que segundo a crença do usuário, possui


propriedades mágicas que fornecem poder, energia e benefícios
específicos ao possuidor.

133
Toponímia – Área da Linguística que estuda os nomes dos
lugares, a sua origem e evolução.

Trabalho Forçado ou Obrigatório – Designa todo trabalho ou


serviço exigido de um indivíduo sob a ameaça de uma pena
qualquer, ou para o qual o dito indivíduo não se tenha oferecido
de boa vontade.

Tráfico – Comércio. Negócio.

Transatlântico – Para além do Atlântico.

Transacções – Negócios ou operações comerciais.

Transe – É um estado alterado de consciência uns dos objectivos


a serem atingidos pela hipnose. Trata-se de um estado de
consciência onde podem ocorrer diversos eventos
neurofisiológicos.

Trégua – Suspensão temporária de conflitos

Tribos – Agrupamentos mais organizados do que os clãs. Cada


tribo era formada por um conjunto de clãs e liderada por um
chefe cuja autoridade se apoiava na força.

Tributária – Relativo a impostos.

Troar – Estrondo.

Unânime – Geral. Consensual entre as várias convicções.

Usura- Juro de um capital ou de um empréstimo.

Vassalo – Tributário.

134
Víveres – Géneros alimentares.

135
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