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Sumário

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................2

1.1. Objectivos..........................................................................................................................3

1.1.1. Geral...............................................................................................................................3

1.1.2. Específicos......................................................................................................................3

1.2. Metodologia......................................................................................................................3

2. REFERENCIAL TEÓRICO.................................................................................................4

2.1. Contextualização da Identidade Cultural.........................................................................4

2.2. Tradição.............................................................................................................................7

2.2.1. A tradição a serviço da nação .......................................................................................9

2.2.3. Tradição e novas temporalidades.................................................................................13

2 3. Noção de Identidade........................................................................................................14

2.3.1. Diferentes tipos de identidade......................................................................................16

2.3.1.1 Identidade Cultural.....................................................................................................16

2.3.1.2. Identidade Social.......................................................................................................17

2.4. Adversidade Cultural em Moçambique...........................................................................17

2.5. Discurso de identidade cultural em Moçambique...........................................................19

3. CONCLUSÃO....................................................................................................................22

Referências Bibliográficas.....................................................................................................23
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1. INTRODUÇÃO
Os indivíduos armazenam experiências e as transferem a seus descendentes por meio de
documentos, relatos e transcrições ao longo da história. Essas informações se modificam na
medida em que surgem novas realidades sociais e/ou econômicas. Nessa gama de trocas, a
linguagem não verbal se configura num fator de extrema importância para territórios nos quais a
tradição oral é muito marcante, como no continente africano.

Um grupo étnico é composto por indivíduos que têm uma certa uniformidade cultural, que
partilham as mesmas tradições, conhecimentos, técnicas, habilidades, língua e comportamento
social. Por outro lado, a cultura é o conjunto de conhecimentos, crenças, artes, normas, costumes
e capacidades que são adquiridos pelos membros em suas relações como parte da sociedade. A
cultura, como o conjunto dos hábitos do grupo, interfere grandemente na formação de sentidos e
da identidade. A memória social é a mais importante, pois é através dela que se transmitem
conhecimentos de geração em geração.

No período colonial, o conceito cultura estava ligado à ideia civilização; como esta era associada
aos hábitos e costumes dos colonizadores, desconsiderava-se a cultura dos povos nativos. Falar
em tradição remete ao passado e ao presente e porque não dizer ao futuro.

Um dos primeiros embates que põe em questão a tradição ocorre no iluminismo. Advogando a
necessidade de estabelecer princípios racionais de compreensão e organização política e social,
este movimento cultural insurgiu contra as intolerâncias e abusos da igreja e do Estado
absolutista, propondo a extensão dos princípios e benefícios do conhecimento científico a todos
os campos da vida social.

O trabalho está dividido em três capítulos, o primeiro é da introdução, objetivos e a metodologia


usada para alcançar os objectivos, em seguida temos o enquadramento Teórico onde apresentou-
se várias bases científicas do nosso tema e por fim a conclusão e as referências bibliográficas.
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1.1. Objectivos

1.1.1. Geral
 Falar da tradição e identidadee respectivos tipos.

1.1.2. Específicos
 Conceituar identidade cultural;
 Descrever os diferentes tipos de identidade;
 Esclarecer aspetos concernentes a tradição.
 Explicar a diversidade cultural em Moçambique;

1.2. Metodologia
Para a realização deste trabalho de pesquisa recorreu-se a vários manuais relacionados com o
tema em pesquisa e algumas páginas da Internet. Também fez-se consultas bibliográficas em
alguns livros disponíveis na biblioteca. Depois fez-se uma leitura atenta e por fim a compilação
de conteúdos que culminou com a digitação.
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2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Contextualização da Identidade Cultural

O ser humano é dinâmico por natureza e procura sempre se adaptar às condições que a natureza
lhe oferece. A cultura é uma construção social que só pode ser aprendida e entendida dentro do
contexto social. Os povos africanos do grupo bantu são por natureza, povos que prezam pela
oralidade, quer dizer, são de tradição oral. Sendo assim, os hábitos de ser e de estar (em
sociedade) são transmitidos de geração em geração através da oralidade (ALVES; TIMBANE,
2016).
Um grupo étnico é composto por indivíduos que têm uma certa uniformidade cultural, que
partilham as mesmas tradições, conhecimentos, técnicas, habilidades, língua e comportamento
social. Por outro lado, a cultura é o conjunto de conhecimentos, crenças, artes, normas, costumes
e capacidades que são adquiridos pelos membros em suas relações como parte da sociedade. A
cultura, como o conjunto dos hábitos do grupo, interfere grandemente na formação de sentidos e
da identidade. A memória social é a mais importante, pois é através dela que se transmitem
conhecimentos de geração em geração.

Todos os aspetos até aqui levantados revelam que a cultura e a etnia se entrelaçam com a língua
e juntos criam na sociedade uma identidade própria, que ao longo dos tempos se consolida e
depois vai se desintegrando, i. e, modificando através da influência e aceitação de outras
culturas. No mundo globalizado não existe uma cultura homogênea: toda cultura é resultado de
outras que se misturaram ao longo dos tempos, em diferentes espaços geográficos. É importante
trazer ao debate pesquisadores que aprofundam o conceito ‘cultura’, pois os debates sempre
foram divergentes ao longo dos tempos.

No século XVIII, o conceito ‘cultura’ era empregue no singular, o que refletia o universalismo e
o humanismo dos filósofos: a cultura é própria do Homem (com ‘H’ maiúsculo), além de toda
distinção de povos ou de classes. A cultura “se inscreve então plenamente na ideologia do
iluminismo: a palavra é associada às ideias de progresso, de evolução, de educação, de razão que
estão no centro do pensamento da época.” (CUCHE, 1999, p.21). O antropólogo inglês Edward
Taylor (1642-1729) definia cultura como um conjunto complexo de conhecimentos, crenças,
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arte, moral e direito, além de costumes e hábitos adquiridos pelos indivíduos inseridos numa
determinada sociedade - um conjunto de práticas, técnicas, símbolos e valores que devem ser
transmitidos às novas gerações para garantir a convivência social. Mais contemporaneamente,
Santo (2006) refere-se à cultura como tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo
ou nação ou de grupos no interior de uma sociedade; como tal, pode ser um conjunto de
conhecimentos, de ideias e de crenças, assim como as maneiras como esse conjunto de
conhecimento se manifesta na vida social; na perspectiva de Lyons (1987, p.24), a cultura é
entendida como o “conhecimento adquirido socialmente: isto é, como o conhecimento que uma
pessoa tem em virtude de ser membro de determinada sociedade.” Desta forma, tudo quanto
aprendemos no seio social faz parte da cultura.

Segundo Cuche,

o processo que cada cultura sofre em situação de contato cultural,


processo de desestruturação e depois de reestruturação, é em realidade o
próprio princípio da evolução de qualquer sistema cultural. Toda cultura é
um processo permanente de construção, desconstrução e reconstrução
(CUCHE, 1999, p.137).

No período colonial, o conceito cultura estava ligado à ideia civilização; como esta era associada
aos hábitos e costumes dos colonizadores, desconsiderava-se a cultura dos povos nativos. Assim,
não é de estranhar que questões nação, raça, tribo e etnia têm marcado a história de Moçambique
desde a origem dos movimentos de libertação em 1962 até à actualidade (42 anos após a
independência). Os discursos políticos ainda desencorajam o tribalismo, as práticas das tradições
próprias das raízes africanas (MEDEIROS, 2008).

A diversidade linguística que Moçambique tem denuncia a diversidade cultural que o povo
moçambicano possui. No contexto moçambicano não se pode falar de uma única cultura, mas
sim de várias culturas que de certo modo comungam mesmos princípios e regras aceites pela
nação. É importante apontar que “o nacionalismo não está activo apenas nas suas dimensões
mais horrendas e visíveis. Também se manifesta nas mais invisíveis e impregnadas no
quotidiano: as que conferem e inculcam uma determinada identidade ao nascido num ou noutro
local, que é parte da sua identidade pessoal” (SOBRAL, 2003, p.1093). Sobral disserta ainda que
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As sociedades agro-letradas caracterizar-se-ão pela extrema distância e


separação entre os colectivos sociais que as compõem. Na sua base
encontram-se comunidades dispersas de produtores agrícolas, com
fraquíssima mobilidade social, em que os quadros da reprodução social
são os da família e da ocupação. No topo encontram-se as elites militares
e burocráticas e, por vezes, as comerciais, muito minoritárias. Estas
sociedades encontram-se organizadas em Estados, mas estes não
constituem nações. São formados por núcleos de produtores segregados
uns dos outros, com línguas e culturas distintas entre si e separados
culturalmente da minoria letrada(SOBRAL, 2003, p.1096).

A situação apontada por Sobral caracteriza taxativamente a situação que Moçambique viveu pós-
independência, a qual é descrita com pormenor no filme que é objeto de análise desta pesquisa.
O poder da família como o centro da difusão da cultura ainda é preservada e fomentada, embora
a noção de ‘nação moçambicana’ seja complexa num mundo globalizado. Algumas das causas
que reduzem fortemente a força das tradições foram a chegada da televisão, a escolarização
moderna, as políticas públicas, que desencorajam certas praticas tradicionais, o deslocamento das
populações da zona rural para as cidades por causa da guerra, e a chegada de muitas igrejas
cristãs e muçulmanas. A globalização engloba essas causas formatando um sentimento de
sujeição e conformismo acultural e/ou cultural (ALVES; TIMBANE, 2016).

Cuche fala de ‘cultura de sujeição’ e aprofunda que esta cultiva a passividade dos indivíduos e
faz com que se submetam à realidade atual resultado de políticas governamentais autoritárias. A
religião foi usada em muitos momentos da história de Moçambique e de África como o espaço
de deixar os povos africanos mais mansos, obedientes com relação à dominação e exploração
colonial. Para Alves e Timbane (2016, p. 80), “os efeitos as colonização branca em África foram
bastante penetrantes e devastadores” fato que até hoje influencia na literatura africana. Por outro
lado, existe uma cultura ‘participativa’, que de fato, é acompanhada da estrutura democrática.
Neste âmbito, o cidadão faz escolhas livres da cultura que pretende seguir sem que haja
intervenção governamental. Muitos governos africanos (principalmente no Norte de África) o
islã é a religião oficial do Estado. A Tunísia, Marrocos e Egito são exemplos claros da
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intervenção do governo na escola e submissão do resto da população à religião. Toda cultura


política concreta é mista e os três modelos de cultura podem coexistir (CUCHE, 1999).

O conceito cultura aplicado pelo governo pós-colonial se inspirava no conceito europeu do


termo, já que se desenvolveu no seio da liderança da FRELIMO via exemplos que tinham
vivenciado na Europa e nos Estados Unidos, onde os líderes tiveram a sua formação acadêmica
(CORREIA, 2015). A formação do ‘homem-novo’ implica uma aculturação. Iniciar um processo
de aculturação não é tarefa fácil numa sociedade que já tem uma cultura antropo e
sociologicamente consolidada ao longo dos séculos.

Essa substituição da ‘antiga cultura’ por uma ‘nova’ mexerá com sensibilidades não apenas dos
grupos éticos, mas também nos líderes (comunitários) locais que ainda tem poder diante das
populações. Para as populações rurais, vale apenas seguir normas do líder da tribo, da etnia, do
grupo, antes que a constituição do país, a qual é artificial e manifesta interesses de uma elite
minoritária, que se localiza geograficamente nas áreas urbanas.

2.2. Tradição
Falar em tradição remete ao passado e ao presente e porque não dizer ao futuro. Trata-se de um
termo que convida a pensar em hábitos, valores, crenças, rituais, práticas e costumes que fazem
referência a uma herança cultural e que, seguindo a etimologia da palavra, foram entregues,
transmitidos e transferidos sem que se tivesse uma prova de autenticidade ou de veracidade, além
do prestígio e da garantia de pertença a tempos imemoriais. A circularidade que as ideias de
transmissão e transferência evocam, tanto permitem pensar a tradição como um fenômeno que
conjuga passado e presente como indicam as estratégias que a sociedade e a cultura utilizam para
a sua constante atualização. Alguns desses procedimentos podem ser lidos em conceituações da
tradição que põe em relevo dualidades tais como: civilizado e primitivo, antigo e novidade,
passado e presente e, porque não dizer, entre tradição e modernidade. Talvez no aprofundamento
destas dualidades resida, tanto a desconfiança como a celebração que foi sendo produzida em
torno do termo tradição (ALVES; TIMBANE, 2016).
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Um dos primeiros embates que põe em questão a tradição ocorre no iluminismo. Advogando a
necessidade de estabelecer princípios racionais de compreensão e organização política e social,
este movimento cultural insurgiu contra as intolerâncias e abusos da igreja e do Estado
absolutista, propondo a extensão dos princípios e benefícios do conhecimento científico a todos
os campos da vida social. Neste afã e impulsionados pela ideia de progresso, os partidários das
luzes acreditavam que a superação do legado de tradição e superstição que havia governado a
cultura ocidental, até aquele momento, conduziria a sociedade a um estado de esclarecimento e
de constante aperfeiçoamento.

Deste modo o que se verifica, em contrapartida, é uma rejeição à tradição em face das
dificuldades para explicar a sua incomensurabilidade por meio dos critérios de razoabilidade
propostos pela Era da Razão. Deste modo e como assinala Santos, quando uma determinada
forma de compreensão da realidade se impõe sobre as demais, ocorre a gradativa redução das
outras partes à condição de não existência. É neste percurso que a ideia de tradição, na
modernidade ocidental, deixa de ser válida como condição explicativa do real, ao tempo que
passa a ser associada à ideia de erro a ser corrigido pela imposição da razão moderna como
medida e como norma.

Se bem que a classe burguesa e a igreja tenham sido os principais alvos do estado absolutista, é
inegável que a luta com vistas à supressão dos costumes inferiores e atrasados, em prol dos
valores supostamente universais de civilização, constituirão o ideal de emancipação humana,
levado a efeito pelo empreendimento civilizatório iluminista de substituir a tradição pela razão
que, de certo modo, redunda na fundação de “uma nova tradição baseada em um ethos
universalista, racional, analítico e individualista”.

Esse ethos não demora a ser questionado, animado pelo idealismo romântico de crítica ao
instrumentalismo iluminista. O retorno à cultura popular, a saudade das origens, a ênfase no
naturalismo e na subjetividade do eu, ao mesmo tempo em que criam o cenário propício à
aventura modernista, no início do século XX, desencadeiam novamente a pergunta sobre a
identidade da nação, em que a (re)descoberta e/ou criação de tradições apresenta-se como uma
resposta possível.
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Apesar do romantismo não ter conseguido representar uma alternativa eficaz ao projeto
iluminista, ao promover o retorno ao passado e por conseguinte à tradição como formas de
racionalidade e temporalidade possíveis, os questionamentos evocados colocaram em evidência a
possibilidade de outras formas de compreensão e representação da modernidade.(CUCHE, 1999)

Por outro lado e considerando o seu afã de atualização, é possível afirmar que a modernidade
acabou por apoderar-se da tradição, redundando na construção de uma dualidade que colocou em
questão aspectos tais como, crenças, práticas, certezas, localismos, especificidades, dentre outras
instâncias e valores que, de certo modo, entram em conflito com a racionalidade metonímica a
qual, traduz a ideia de totalidade e de universalidade, subjacentes às formas de racionalidade
existentes na modernidade. Este apoderamento, a meu ver, reforça a oposição entre antiguidade e
modernidade, impedindo a oxigenação da modernidade por meio da tradição. Considerando as
consequências desses processos, analisarei a seguir:

(1) a apropriação da tradição pelos movimentos de viés nacionalista como signo de


modernidade;

M(2) o caminho de metamorfose da tradição, através da ideia de modenismo;


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(3) o movimento como condição inerente à tradição e (4) a necessidade de repensar a tradição a
partir de outras lógicas de temporalidade.

2.2.1. A tradição a serviço da nação

A noção de temporalidade linear ou a “monocultura do tempo linear” discutida por Santos


apresentam-se como caminho para pensar a relação entre tradição e modernidade. No plano
político, por exemplo, no centro dos processos de criação e fortalecimento do Estado Moderno,
encontra-se a ideia de identidade nacional. No caso brasileiro, a emergência de aspectos tais
como as línguas nacionais, a história, a cultura popular e em especial um conjunto de mitos
fundadores teve como meta, tanto o fortalecimento da ideia de um Estado-nação como a inserção
deste estado num conjunto maior de nações desenvolvidas ou que aspiravam modernizar-se.
Os usos da linearidade temporal, enquanto recurso necessário à narrativa da identidade nacional,
apoiada nos mitos fundadores, situam a nação e, mais especificamente, o povo, em um
determinado tempo histórico e, como bem assinalou Hall, em um passado distante, muitas vezes
imaginário e mítico.

Passado esse relembrado e reavivado historicamente, criando marcos a partir dos quais são
construídas as ideias de continuidade e imutabilidade, enquanto ícones que cristalizam uma
noção linear de cultura, de sociedade e de povo que, por si, justificam a existência da nação.

Ainda sobre a noção de linearidade que permeia o discurso da tradição, Woodward vai destacar a
existência de duas concepções unificadas de identidade: a primeira fundamenta a identidade na
“verdade” da tradição e nas raízes da história, fazendo um apelo à “realidade” de um passado
possivelmente reprimido e obscurecido, no qual a identidade proclamada no presente é revelada
como um produto da história. A segunda está relacionada a uma categoria “natural” e fixa, na
qual a “verdade” sobre a identidade estaria enraizada na biologia. Cada uma dessas versões
envolve uma crença na existência e na busca de identidades e tradições verdadeiras.

Para ela, o essencialismo da identidade, tanto pode ser biológico e natural como histórico e
cultural, o que possibilita pensar os vínculos que foram sendo estabelecidos entre os mitos
fundadores, cimentados pela ideia de povo, construído a partir de um passado distante.
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É apropriado lembrar que a ideia de povo aqui esboçada refere-se a uma concepção de povo
dominante e reflete o olhar de um determinado lugar de exercício do poder, que conseguiu se
impor sobre os demais, quer pelo domínio econômico, quer pelo domínio cultural e em acordo
com as conveniências e orientações políticas vigentes no âmbito do Estado-nação. Nesse sentido,
na constituição da identidade de um povo, mitos oriundos do imaginário dos subalternos podem
ser evocados para fortalecer determinados aspectos do Estadonação, privilegiando, no plano
interno, os processos de identificação, sem os quais é impossível pensar a ideia de identidade
nacional.

Assim é tomando os aspectos míticos da tradição que as identidades nacionais puderam ser
construídas. Um dos esforços teóricos que procuram entender a forma como este processo ocorre
no contexto das sociedades modernas, é demonstrado por Eric Hobsbawm que, trabalhando com
o conceito de invenção das tradições, compreende-a como uma faceta que ilustra a forma como
as narrativas da tradição são contadas. Do processo de invenção, tal como analisado por
Hobsbawm, é importante destacar o exercício de práticas reguladas por normas tácitas e
socialmente aceitas49. Para o historiador, no caso das tradições inventadas, os vínculos que se
estabelecem entre estas e o passado são construídos e sedimentam-se por meio de formalizações
e ritualizações.

Ele analisa que, tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, têm como objetivo disseminar
valores e normas comportamentais através de processos de repetição que, normalmente,
apresentam alguma relação de continuidade com o passado. Tal ideia de tradição possui um
caráter invariável, em contraposição aos “costumes” nas sociedades tradicionais. Estes costumes,
para Hobsbawm, não impedem as inovações, no entanto, a invenção das tradições possui um
caráter ritual e formal, normalmente ligado ao passado e que se mantém por meio dos recursos
da imposição e da repetição.

Outra característica do processo de invenção ocorre, segundo Hobsbawm, quando sucedem


transformações rápidas em uma sociedade, debilitando ou destruindo “velhas” tradições. Para
ele, a ocorrência deste fenômeno está relacionada ao fato dos divulgadores e promotores
institucionais não conseguirem acompanhar o processo de mudança, ou quando outras formas de
tradição são eliminadas cedendo lugar às novas tradições.
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É o próprio Hobsbawm (2000), quem adverte que é necessário evitar pensar que as formas
antigas e as tradições a elas associadas, sofreram processos de obsolescência e que as “novas”
tradições surgiram ou surgem “por causa da incapacidade de utilizar ou adaptar as tradições
velhas”. Neste sentido, as adaptações, segundo ele, advém da necessidade de conservar velhos
costumes face às novas situações. Um exemplo desse processo pode ser observado no caso do
Brasil e nos eventos que culminaram com a formação de um mito fundador da nação brasileira.

Incorporando as ideias de Hobsbawm (2000), Marilena Chauí efetua uma análise sobre o mito
fundador na nação brasileira e indica a criação de uma identidade nacional no Brasil como
estratégia que visava, por um lado, conter a influência exercida pela religião na organização
política e social e, por outro, objetivava o fortalecimento do Estado moderno em formação.
Nessa conjuntura, a criação e disseminação de mitos fundadores visava deslocar a lealdade dos
habitantes do território e das instituições religiosas para o sistema de administração estatal.

Como desdobramento desse processo, observa-se a emergência de temas tais como o princípio da
nacionalidade em que o tamanho de um território, a densidade populacional, o alargamento e
controle das fronteiras e o papel da língua como elemento de unificação nacional, passam a ser
os princípios definidores da nação.

Assim, uma maior mobilização dos cidadãos através de um sentimento de patriotismo, evocado
pela ideia de uma “religião cívica”, surge no Brasil, segundo Chauí (1999) por volta de 1880, em
decorrência das lutas de classe surgidas na Europa e que ameaçavam a fragmentação da lealdade
popular. Essa movimentação é interpretada como uma reação em face das lutas populares de
cunho socialista, iniciadas na Europa, diante do temor manifestado pelos extratos sociais
conservadores, face a expansão do capitalismo e o receio de que o fenômeno da proletarização
ganhasse a mesma força que vinha demonstrando no cenário internacional, e consequentemente,
afetasse a hegemonia da classe pequeno burguesa emergente.

Liderados por um extrato escolarizado e tendo em suas fileiras um grupo de intelectuais, esta
classe burguesa aliada ao estado, não demora em “transformar o patriotismo em nacionalismo, ao
darem ao “espírito do povo”, encarnado na língua, nas tradições populares, no folclore e na raça,
“os critérios da definição da nacionalidade”. Os recursos utilizados para atingir tal fim foram os
mais diversos dentre eles, procedeu-se uma verdadeira viagem ao popular, ao folclore, à história,
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à música, à literatura, em busca de elementos que referendassem uma tradição cultural e


evocassem a ideia de identidade nacional.

Esta coalizão, tanto remete ao passado, quando lança mão dos recursos da tradição, como
projeta-se para o presente e para o futuro, sendo esse um dos pontos altos do projeto nacionalista.
Desse modo, a indagação sobre os vínculos entre modernidade e tradição no Brasil e os recursos
utilizados para a criação de uma noção de identidade nacional parecem indicar a existência de
uma representação de unidade identitária que, por meio dos elementos da tradição, tanto
conferem à nação o seu viés de atualização criativa e, por conseguinte de modernidade, como
remetem às bases sobre as quais se constrói a ideia de nação, quais sejam, o passado e os eventos
imemoriais.

Sendo assim, as imagens fornecidas pela tradição, tanto servem para demonstrar a necessidade
do ser moderno justificando, quando necessário, a recorrência a um passado/tradição que precisa
ser cultuado, como se ajustam ao discurso da mescla e da mistura, enquanto uma estratégia de
convivência possível entre modernidade e tradição.

2.2.3. Tradição e novas temporalidades


Pensar a tradição a partir de uma lógica de temporalidade diferente daquela que é proposta pela
monocultura do tempo linear, tem se constituído em desafio para diversos campos de
conhecimento. Um desses desafios tem se baseado na ideia de que as noções de moderno e
antigo, que por vezes embasam a dualidade tradição e modernidade, estão carregadas de
ambiguidades de ordem cronológica e conceitual. Essas ambiguidades tendem a reduzir o antigo
e o passado e, por conseguinte, a tradição, a um estado de inércia, que trava a possibilidade de
que o passado possa ser visto a partir do seu potencial de força e de renovação, questão essa que,
como venho assinalando, tem causado certo mal-estar em torno da questão da tradição. (ALVES;
TIMBANE, 2016).

Nesse sentido, a análise sobre a equação entre raízes e opções, proposta por Santos, apresenta um
caminho explicativo para este mal-estar. Para ele, tudo aquilo que é profundo, permanente,
único, singular e que transmite uma sensação de segurança constitui-se em pensamento de raiz,
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ao passo que o pensamento de opções abarca o variável, o efêmero, o substituível e o


indeterminado. Por sua cartografia peculiar, a equação entre raízes e opções encarna uma relação
espaço temporal de tal modo que a dualidade entre essas escalas é nítida: o pensamento das
raízes apresenta-se como pensamento orientado ao passado em contraposição ao pensamento de
opções orientado ao presente e ao futuro.

No entanto, e tendo em vista as dificuldades em lidar com a incomensurabilidade que perpassa o


universo das raízes, a modernidade privilegia as opções ou quando muito, canibaliza as raízes,
conformando-a ao discurso das opções, criando uma ideia, nem sempre real, de que estas
instâncias podem conviver de forma harmônica e não conflituosa. Desta forma, o ato de
canibalizar pensamento de raiz, o passado e por extensão a tradição, apresenta-se como uma
estratégia que, de certo modo, atualiza e moderniza a tradição.

Contudo, as apropriações das raízes pelas opções, análogo ao processo de transformação das
energias emancipatórias em energias regulatórias, reduz as raízes a uma das opções
disponibilizadas pela modernidade ocidental, por meio da disseminação da ideia de tempo linear
orientado ao progresso e ao futuro. Desta forma, Santos propõe uma reinvenção do passado
como necessária ao desenvolvimento “de uma nova capacidade de espanto e de indignação que
sustente uma nova teoria e uma nova prática inconformista, desestabilizadora, em suma,
rebelde”, a partir de uma concepção de modernidade aberta e incompleta, com vistas ao
rompimento da inércia presente na dualidade raízes e opções. Ao invés do passado e, por
conseguinte de uma tradição, vistos como objetos neutralizados e incapazes de proceder à
renovação criativa, reivindica-se um olhar para o passado e para a tradição, que ele muitas vezes
abriga, reanimado, inventivo, dinâmico e encarnado numa outra lógica temporal.

Pensar a tradição descolada da noção de tempo linear para imaginá-la em outros termos e em
outras temporalidades. Neste sentido, a antropofagia, o tropicalismo, a Bossa Nova, o Clube da
Madrugada, a vida musical na Manaus dos anos 6068 e tantos outros movimentos culturais
brasileiros, apresentam oportunidades para refletir sobre a tradição a partir de uma lógica
diferente daquela amparada pelas noções de atraso e progresso, apoiadas na razão proléptica.

Assim, áreas tais como as artes e o design podem reformular o conceito de tradição a partir da
perspectiva do novo, por meio de um procedimento capaz de manter vivo o passado e de com ele
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dialogar de forma criativa. Nesta perspectiva, a tradição, ao invés de ser evocada apenas sob o
polo da negatividade, passa a ser vista também a partir de seu potencial criativo de modernidade
alternativa, comprometido com o lugar e com a comunidade.

2 3. Noção de Identidade
Antes de mais começaremos dizer que este é um conceito de multifacetado facetas. E é-o porque
se pode definir o conceito identidade como “um conjunto de referentes materiais (passaporte,
carta de condução), sociais (trabalhador, cônjuge, pai) e subjectivos (amador de golfe, de esqui,
cozinheiro, etc) escolhidos para permitir uma definição de um actor social” (Campeau et all,
1998:87).

Lipiansky afirma mesmo que para além de “fenómeno complexo, a identidade é também
paradoxal” dado que “designa o que é único: distingue-se e diferencia-se irredutivelmente dos
outros” no entanto “qualifica igualmente o que é único, isto é o que é perfeitamente semelhante
mantendo-se distinto” (1998a:22). Em seu entender, ainda, o conceito de identidade encerra
dentro de si uma “ambiguidade semântica com um profundo sentido” que sugerirá mesmo
quando a “identidade oscila entre a similitude e a diferença, entre o que faz de nós uma
individualidade singular e que ao mesmo tempo nos torna semelhantes aos outros”.

De acordo com a posição essencialista entende-se que o conceito identidade está ligado à “crença
nas ‘essências’, nas realidades essenciais, nas substâncias à vez imutáveis e originais” (ibid:2).
Será pois através das essências que o ser é qualquer que seja o tempo em que vive, quaisquer que
sejam as mudanças que ocorram. Os seres humanos possuem qualidades permanentes que
constituem, portanto, a sua essência.

Cada um de nós será por isso possuidor de um conjunto de aspectos essenciais que constituem a
essência, que nos permitem sermos iguais a nós próprios e a todos quantos as partilham. Dubar
afirma então que a “identidade dos seres existentes é o que faz com que eles sejam idênticos, no
tempo, à essência” (ibid:2)

Para Tap (1998:65) o actor conseguirá construir a sua identidade através de um conjunto de
princípios que define como sendo os que respeitam ao “sentimento de continuidade, coerência e
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unicidade, diversidade, realização pessoal através da acção, auto estima, conformismo e


diferenciação”.

A identidade será assim definida não apenas “pelo passado que já foi vivido mas também pelo
futuro potencial” (Erikson, 1968:61). Na sua definição utilizar-se-ão ainda “materiais da história,
geografia, biologia de instituições produtivas ou reprodutivas memórias colectivas fantasias
pessoais instrumentos de poder e revelações religiosas”. Mas ao utilizar esta diversidade de
materiais a pessoa individualmente ou os grupos sociais reorganizam-nos, “e rearranjam os seus
significados de acordo com determinações sociais e projectos culturais que se baseiam na sua
estrutura social e na sua estrutura espácio temporal” (Castells 2001:7).

A identidade será pois, como afirma Campeau et all ( 1998:87), “o resultado de uma relação
dialéctica perpétua” entre o indivíduo, o outro e o meio em que se insere ou como Drevillon diz a
identidade é “da ordem do vivido: ela é um sistema de representações e de acções de carácter
consciente” (1979:180).

2.3.1. Diferentes tipos de identidade


A identidade é considerada uma categoria de análise, ou seja, constitui-se em um elemento que é
utilizado como referencial para submeter um objeto a uma análise; um recurso teórico que vai
subsidiar a compreensão de um dado fenômeno; mediação para a compreensão de um
determinado objeto.

Para que a questão da identidade seja melhor esclarecida, torna-se necessário partir da análise de
algumas especificidades que a constituem. Ciampa (1984) há muito tem se dedicado ao estudo
da identidade, norteado por uma concepção sócio-histórica de homem. Para ele, a compreensão
da identidade exige que se tome como ponto de partida a representação de identidade como um
produto, para então analisar seu próprio processo de construção e divide a está em dois tipos:
social e cultural.

2.3.1.1 Identidade Cultural


Ao falar de identidade cultural, devemos esclarecer primeiro a ideia geral de cultura e de
identidade. A noção de cultura faz alusão às características socialmente herdadas e aprendidas
17

que os indivíduos adquirem a partir de seu convívio social. Entre essas características, estão a
língua, a culinária, o jeito de se vestir, as crenças religiosas, normas e valores. Esses traços
culturais possuem influência direta sobre a construção de nossas identidades, uma vez que elas
constituem grande parte do conjunto de atributos que formam o contexto comum entre os
indivíduos de uma mesma sociedade e são parte fundamental da comunicação e da cooperação
entre os sujeitos.

O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito, mas que ainda assim é
totalmente dependente do âmbito comum e da convivência social. De forma geral, entende-se
por identidade aquilo que se relaciona com o conjunto de entendimentos que uma pessoa possui
sobre si mesma e sobre tudo aquilo que lhe é significativo.

Por fim, podemos estabelecer, diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade
cultural faz alusão à construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras
palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e
como nos posicionamos em relação a ele. Esse processo é continuo e perpétuo, o que significa
que a identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse sentido, a identidade
cultural preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o
mundo pessoal e o mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas
particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular),
também internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que
construímos nossas identidades.

2.3.1.2. Identidade Social


Identidade social é a percepção sentimental, harmoniosa, emocional ou cultural de pertencimento
a determinado grupo específico, segmento ou categorias. Conceitualmente, se parte do princípio
de um enquadramento das pessoas a determinada “tribo” para sentirem assim mais contundentes
com o momento que estão vivendo ou que as pessoas ao seu redor o estão. Ou seja, estamos
ligados socialmente com quem nos fornece identificação “tribal”.

A identidade social que vai possibilitar as pessoas se sentirem pertencentes ao mundo em que se
encontram, que irá permitir que realizem o reconhecimento social. Apesar de ter sua importância
por permitir que a pessoa se sinta pertencente a um grupo que se identifique, muitas vezes essa
18

descoberta de pertencer a determinado grupo pode gerar marcas ou machucar, pois algumas
tribos ainda sofrem preconceitos e são discriminadas socialmente.

Muitos autores afirmam e reafirmam que um individuo não pode estar desligado da sociedade e
por isso as condutas e ideais de uma pessoa acaba sendo uma resultante da interação constante
dessa com o meio social a qual esta inserida. Um ser humano terá a sua identidade social a partir
do modo com que olha o que está a sua volta e de acordo com o modo que se identifica com os
acontecimentos que estão ao seu redor e geralmente isso está muito associado ao significado
emocional que tudo tem para essa pessoa.

2.4. Adversidade Cultural em Moçambique


A diversidade, conforme Takahashi (2006, p.3), é a característica básica de formas de vida e das
manifestações de cultura na terra. Ela pode ser biológica ou cultural. De acordo com o autor
citado, há três tipos de diversidade cultural: genética, linguística e cultural propriamente dita. A
diversidade cultural genética refere-se, de acordo com o mesmo autor, “às variações e
similaridades genéticas entre as pessoas” (TAKAHASHI, 2006). A diversidade cultural
linguística aponta para a existência de “diferentes linguagens e sua distribuição em regiões”
(TAKAHASHI, 2006); a diversidade de culturas é o “complexo de indivíduos e comportamentos
dentro de um contexto histórico comum” (TAKAHASHI, 2006).

A questão da diversidade cultural deve ser discutida em simultâneo com a noção das
“diferenças”. As diferenças culturais podem variar consoante a etnia, a raça, a idade, a religião, o
gênero, à região geográfica, visões de mundo, desejos, valores, etc.

O tema da diversidade cultural é, hoje em dia, ao nível da educação, muito abordado, pois os
educadores estão muito preocupados em encontrar formas de conciliar o direito de igualdade à
educação para todos com o respeito às diferenças culturais. Como sabemos, a preocupação
política de constituição da nação e da identidade nacional em prol da constituição de uma cultura
nacional e homogênea provocou a diluição e o apagamento das diferenças culturais na escola,
com o objetivo de garantir uma educação igual para todos. O tema da diversidade, de acordo com
19

Sacristán (2002, p. 14-15), deve ser encarado com naturalidade pela escola visto que, para o
autor:

A diversidade, assim como a desigualdade, são manifestações normais


dos seres humanos, dos fatos sociais, das culturas e das respostas dos
indivíduos frente à educação nas salas de aula. A diversidade poderá
aparecer mais ou menos acentuada, mas é tão normal quanto a própria
vida, e devemos acostumar-nos a viver com ela e a trabalhar a partir dela.
(SACRISTÁN, 2002, p. 15).

Uma das característica mais preciosas de Moçambique é a sua diversidade cultural que, por
coincidência, acompanha também a sua diversidade biológica. Takahashi (2006, p. 3) afirma que
há uma significativa correlação entre as diversidades biológica e cultural, i.e., as áreas que têm
grande diversidade biológica também reúnem grande diversidade cultural.

A sociedade moçambicana é multilingue, pluri-étnica, multi-racial e socialmente estratificada.


Existem em Moçambique várias formas de organização social, cultural, política e religiosa; há
várias crenças, línguas, costumes, tradições e várias formas de educação. A principal
característica do patrimônio cultural moçambicano é a sua diversidade. As manifestações e
expressões culturais são ricas e plurais, sobretudo as ligadas às camadas “populares”.

A língua oficial em Moçambique é a língua portuguesa, mas ela é uma língua minoritária que foi
escolhida para oficial por razões políticas relacionadas com a unidade nacional. Os portugueses
mantiveram o poder na Terra da Boa Gente (Moçambique) até 1975, embora não insento de
conflitos. Durante os séculos de poder colonial, os portugueses tiveram um impacto significativo
nos grupos étnicos em Moçambique.

No norte predominam as línguas Bantu de Yao e Makua; Nyanja é a língua principal do vale do
Zambezi, juntamente com Lozi (everyculture 2010); Xitsonga é a língua mais falada no sul, e ao
longo da costa norte muitas pessoas falam Kiswahili.

Na bacia hidrográfica do Limpopo, existem três principais grupos étnicos diferentes: Os


Shangaan; os Copi e os Tshwa (Earle et al.)Os Shangaan são o principal grupo étnico da bacia e
ocupam a região ocidental e sul da bacia em Moçambique. A distribuição actual dos subgrupos
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de Batsonga resulta das migrações Nguni que ocorreram no início do século XIX, na sequência
da expansão do impé rio Zulu e de um período de estiagem generalizada que começou em 1790,
e da fome em 1830.

A matriz cultural do povo moçambicano é diversificada. A cultura moçambicana foi


sempre marcada pela miscigenação cultural que advém das migrações bantu e do contato
que estes vão ter com outras civilizações, sobretuto a árabe e a asiática.

2.5. Discurso de identidade cultural em Moçambique


É correto afirmar a existência de múltiplas identidades étnicas existentes no espaço que durante o
período colonial português foi

sendo chamado de Moçambique. Contudo, a vinculação de grupos étnico-culturais do período


pré-colonial com o espaço político--territorial pós-colonial parece ser um trajeto com muitas
fragilidades, além de escamotear certa mobilização romântica e historicista do tempo histórico.

A aceitação da existência de múltiplas camadas culturais ao longo do tempo no território


nacional moçambicano não retira, contudo, a necessidade de pesquisas sobre algumas marcas
culturais do passado. Algumas fontes são recheadas de informações nesse sentido. Destaco duas:
Os Usos e Costumes dos Bantos, escrita pelo missionário presbiteriano suíço Henri Junot,
publicada em 1913, e O Folclore Moçambicano e as suas tendências, cuja autoria é do
importante intelectual moçambicano José Craveirinha. A obra de Junot reflete suas inúmeras
vivências pelo interior das terras, desde a década de 1890, período das “campanhas de ocupação”
do colonialismo português, experiência que o levou a ser expulso pelas autoridades coloniais, por
seu “excesso” de cumplicidade com as populações locais. A obra teve sua primeira edição em
inglês em 1912/13, tendo sido traduzida para o português em 1917 (FELICIANO, 1996, p. 17).
A segunda referência é o livro de José Craveirinha, O Folclore Moçambicano e as suas
tendências, formado por textos publicados pelo autor no jornal O Brado Africano, entre os anos
1952 e 1987. Craveirinha é um autor muito conhecido por sua obra literária, tendo sido vencedor
do Prémio Camões em 1991. Os textos que formam a edição do livro mencionado dão mostras
de um Craveirinha folclorista, escrevendo muitas vezes com pseudônimo, refletindo já o período
do nacionalismo moçambicano nas páginas da imprensa local.
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As diferenças contextuais e cronológicas entre as obras são relevantes. Mais importante parece-
me, entretanto, a diferença do escopo analítico adotado: embora a primeira fala de “usos e
costumes” dos Bantos, a verdadeira análise recai sobre os Tsongas, grupo étnico ao qual o autor
reputa inexistir “unidade nacional” (JUNOT, 1987, p. 34).

A segunda obra referida, por sua vez, aborda a existência do “folclore” já no âmbito de uma
“moçambicanidade” que merece ser recuperada e enaltecida, tratando de temas como a
mestiçagem, a difusão cultural, a música popular moçambicana. São sintomáticas as
considerações do autor quando advoga pelo caráter nacional da marrabenta e sua vinculação aos
“mestiços e negros de convívio desruralizado” (CRAVEIRINHA, 2009, p. 52). Como bom
folclorista, Craveirinha explica o processo de mistura já marcado pelo nome da dança: rebenta,
do português acrescido do prefixo mada língua Ronga. A forma linguística da marrabenta já
simbolizaria a mestiçagem moçambicana transmutada em dança e patrimônio nacional.

A análise de uma declaração da FRELIMO de 1967, a propósito de uma crise política interna,
permite perceber como era compreendida a questão nacional e étnica pelos membros da luta
anticolonial em Moçambique. O texto oficial é assinado por Eduardo Mondlane e afirma “[...]
que a realidade étnica moçambicana não é nítida e simples”. Mesmo assim, há uma tentativa de
conceituação da “tribo” através da adoção da “língua comum”, dos “usos e costumes” e da
“organização militar e económica”. Diante desta definição, estes seriam os “diferentes grupos
étnicos ou tribais”: NYANJA (ocupando as margens do lago Niassa), MACUA (ocupando as
províncias de Moçambique, parte da Zambézia, Niassa e Cabo Delgado), YAU (ocupando a
maior parte do Niassa), MACONDE (na província de Cabo Delgado), SENA (na Zambézia,
Manica e Sofala), NDAUNYAI-SHONA (Manica e Sofala), TSONGA-VATSUA-RONGA
(maior parte da província de Gaza, Inhambane e Lourenço Marques).

Logo percebe-se, por um lado, casos de superposição ou convivência de diferentes “tribos” em


uma mesma região, e, por outro lado, algumas divisões bem nítidas entre as províncias do norte e
do sul (Gaza, Inhambane e a capital Lourenço Marques).
22

3. CONCLUSÃO
Feito o trabalho pode-se perceber que todos os aspetos até aqui levantados revelam que a cultura
e a etnia se

entrelaçam com a língua e juntos criam na sociedade uma identidade própria, que ao longo dos
tempos se consolida e depois vai se desintegrando, i. e, modificando através da influência e
aceitação de outras culturas. No mundo globalizado não existe uma cultura homogênea: toda
cultura é resultado de outras que se misturaram ao longo dos tempos, em diferentes espaços
geográficos. É importante trazer ao debate pesquisadores que aprofundam o conceito ‘cultura’,
pois os debates sempre foram divergentes ao longo dos tempos.

O o processo que cada cultura sofre em situação de contato cultural, processo de desestruturação
e depois de reestruturação, é em realidade o próprio princípio da evolução de qualquer sistema
cultural. Toda cultura é um processo permanente de construção, desconstrução e reconstrução.

O conceito cultura aplicado pelo governo pós-colonial se inspirava no conceito europeu do


termo, já que se desenvolveu no seio da liderança da FRELIMO via exemplos que tinham
vivenciado na Europa e nos Estados Unidos, onde os líderes tiveram a sua formação acadêmica.

Falar em tradição remete ao passado e ao presente e porque não dizer ao futuro. Trata-se de um
termo que convida a pensar em hábitos, valores, crenças, rituais, práticas e costumes que fazem
referência a uma herança cultural e que, seguindo a etimologia da palavra, foram entregues,
transmitidos e transferidos sem que se tivesse uma prova de autenticidade ou de veracidade, além
do prestígio e da garantia de pertença a tempos imemoriais.
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Referências Bibliográficas
CORREIA, Milton. A formação social do estado-nação e a crítica pós-colonial. Outros Tempos,
v. 12, n.19, p. 93-117, 2015.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.Trad. Tomaz da Silva, Guacira Lopes


Louro. 10 ed. Rio de Janeiro; DP & A, 2005.

AZEVÊDO, Elizabeth B. História e cultura: feiticismo. Disponível em:


<http://www.ritosdeangola.com.br>. Acesso em: 07 de Setembro 2019.

BANTON, Michael. A racialização do Ocidente. In: A idéia de raça. Lisboa: Edições 70, 1979.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

SANTOS, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002

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