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"Se é a razão que


faz o homem, é o
sentimento que o
conduz." Rousseau

"Feliz daquele que


pode conhecer as
causas das coisas."
Seção: Capa Virgílio

RAZÃO E EMOÇÃO

Margot Cardoso

Entenda como funciona a eterna luta entre o racional e o


emocional. Aprenda a lidar com os aparentes opostos,
equilibre-os e faça com que ambos confabulem a seu favor.

A máxima "o mundo é um inferno para aqueles que sentem e um paraíso para aqueles que
pensam" regeu a orquestra de grande parte do século XX. Porém, nos últimos anos, têm vindo
à tona vários estudos sobre a relevância da emoção em detrimento da razão, como o extenso
destaque dado à Inteligência Emocional. O que ocorre é que, em alguns segmentos, iniciou-se
um verdadeiro culto à emoção e uma espécie de desvalorização da razão, enquanto outros
permaneceram parados no tempo, totalmente mergulhados na supremacia da razão.

No entanto, a dualidade entre razão e emoção é apenas aparente, não existe uma linha
limítrofe, ambas são parte de uma mesma trama. De acordo com a psicóloga Isabelle Filliozat,
autora do livro A inteligência do coração - rudimentos de gramática emocional (Editora
Pergaminho, Portugal), desde o início dos tempos, os sentimentos têm a fama de impedir a
razão. "As emoções influenciam o raciocínio, esta é a experiência de cada um de nós. O
pensamento é rápido quando estamos alegres, é lento quando estamos tristes. Claro que em
certas circunstâncias as emoções podem perturbar os processos do raciocínio. Mas a
incapacidade de sentir pode alterar gravemente a aptidão para raciocinar", diz.

Para ilustrar, a psicóloga sugere o seguinte exercício. Em um processo de decisão, transforme


as opções de escolha em imagens. Imagine-se em A e uma onda de calor percorrerá o seu
corpo, proporcionando um grande bem-estar. É o sim. Projete-se em B e um frio circulará em
seu corpo, e é decididamente não. "Os indicadores somáticos, essas sensações fisiológicas que
são as emoções, aumentam a precisão e a eficácia dos processos de decisão. E quanto mais as
nossas emoções são conscientes, mais liberdade ganhamos na nossa existência racional",
explica ela.

Porém, há os que encaram essa influência emocional como um aspecto negativo. A associação
da emoção com perturbação, por exemplo, é um conceito clássico. "Há definições que tendem
a afirmar que a emoção seria um impedimento para o curso apropriado do pensamento", diz
ela. Durante muito tempo, pensou-se que o cérebro emocional e o consciente racional eram
duas estruturas diferentes; que as emoções eram um apanágio das mulheres, seres irracionais
por excelência e que, finalmente, a associação entre afeto (emoção) e ineficácia era verdadeira.
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Mas a segregação entre razão e emoção ainda persiste. Ainda hoje, muitos utilizavam a
metáfora das máquinas para, didaticamente, explicar a divisão estanque entre as duas: a
mente seria como um software e o cérebro, um hardware. Esta história, porém, é muito mais
antiga.

A pergunta é: a tradicional segregação entre a razão e a emoção tem fundamento? Não tem.
Para já, podemos dar o tiro de misericórdia da ciência. O médico português António Damásio,
no seu livro O Erro de Descartes - Emoção, Razão e o Cérebro Humano (Companhia das Letras)
esclareceu através dos seus casos clínicos a ligação incontornável que há entre as duas
vertentes. Ele narra o caso clínico de um paciente - até então um indivíduo normal e saudável -
acometido por uma doença neurológica. Vários experimentos feitos com o paciente mostravam
que, apesar da doença, os recursos necessários para um comportamento racional -
conhecimento, atenção e memória, memória de curto prazo etc. - continuavam intactos. Ele era
capaz de fazer cálculos, de lidar com problemas em laboratório, de falar de forma fluente.
Porém, ele não conseguia reconhecer seus sentimentos e emoções, e isto o tornava incapaz de
tomar decisões.

Este estudo não mostra apenas a relevância da emoção, mas que ela é um elemento
fundamental da razão. Razão e emoção estão entrelaçadas. Uma decisão (por mais simples que
seja) só é possível se razão e emoção estiverem presentes. E aqui a razão de ser do título do
livro, "Erro de Descartes", já que o filósofo propunha a separação entre cérebro e mente.

O físico Sergio Navega, um estudioso da Inteligência Artificial, concorda que razão e emoção
não são processos antagônicos, mas sim complementares e muitas vezes colaborativos. Sergio
menciona o quase clichê dos filmes de ficção científica: o desejo das máquinas de se
transformarem em humanos, como o robô de "O homem bicentenário", protagonizado por
Robin Williams. "Um robô, a quintessência da lógica em ação, querendo ter emoções? Buscando
ser mais humano, buscando possuir paixões, desejos, volições? Não seria uma "fraqueza"
possuir emoções para atrapalharem o regrado uso do raciocínio lógico? Será que é possível
haver convivência de lógica e emoção dentro de um único ser? Sim. É possível haver essa
convivência, e até mesmo mais do que isso, é indispensável que haja essa convivência entre
razão e emoção", afirma Sergio.

O especialista defende que não se deve nem criticar a razão nem a emoção. "Muitas pessoas
insistem em atacar o "racionalismo cartesiano", como se isso fosse algo ruim. Essa ênfase na
Inteligência Emocional vem da necessidade de se dar maior atenção ao humanismo tão
necessário nas nossas empresas. É uma tendência boa, mas é fácil cair no exagero. Emoções
são muito importantes mas mesmo assim não podem ser consideradas isoladamente. É preciso
ser "racionalmente emocional", um termo que tenta consolidar as duas forças, pois é isso o que
forma uma personalidade equilibrada e madura. Nesse modelo, o que se procura não é uma
dessas forças controlando a outra. Procura-se uma convivência pacífica, uma parceria. Somos
emocionais e racionais ao mesmo tempo. Na relação entre essas forças não devemos procurar
quem domina quem, devemos procurar como as duas podem conviver melhor."

Servo e senhor

E aqui o resumo da ópera: hoje, exige-se potência máxima do ser humano e nada mais
oportuno do que dominar integralmente todas as "ferramentas". Devemos usar a emoção para
afinarmos a nossa racionalidade, e a razão, para que as nossas emoções sejam sadias e
benéficas. Quanto mais entendermos os mecanismos da razão e da emoção, mais
caminharemos para uma utilização mais eficiente delas. E o uso eficiente dessas duas
ferramentas deve ser a busca de todo ser humano. Você só estará funcionando em carga
máxima, utilizando todo o seu potencial, quando conseguir integrar o funcionamento dessas
duas vertentes.

"Se a sua capacidade de avaliar estiver endurecida pela predominância do pensamento, o


sentimento fica num papel coadjuvante, e sem se aperceber você perde um poderoso
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diferencial na forma de encarar os fatos. Imagine um sujeito altamente sofisticado no pensar,


mas um analfabeto no sentir, e você verá quantas bobagens estarão presentes em suas
decisões. Esse é um perfil típico em nossa atualidade. Essa "desarrumação emocional, nos
desorienta diante da realidade e, dependendo do tamanho dos problemas, as coisas na vida
ficam sem sentido, e assim vêm as crises", explica o psicólogo Carlos Augusto Silva.

Sem contar que hoje é necessário compreender que não é possível pedir o cardápio racional ou
emocional dependendo da situação. "Não devemos ser ingênuos de achar que nossa vida
afetiva só estará presente quando permitimos. Tola presunção. Ela nos acompanha 24 horas
por dia e, se for reconhecida e levada em consideração, poderá ser uma poderosa aliada. Se for
negligenciada, certamente será uma inimiga feroz com uma boa chance de nos tornarmos mais
tarde o nosso maior inimigo", alerta Carlos Augusto.

Muitos já se conscientizaram dessa importância (não é à toa que cresce a procura por
profissionais das diversas linhas de terapia psicológica). Afinal, o cenário não é dos mais fáceis.
Além do embate interno entre o que sentimos e o que pensamos, a realidade externa é cada
vez mais caótica. E não menospreze a importância - para o bem e para o mal - dessa
administração interna.

Muitos líderes - só para citar um exemplo coletivo - têm elaborado estratégias maravilhosas que
falharam porque esqueceram de levar em consideração a complexidade interna de seus
liderados. E já que tocamos no profissional, aqui um parêntese importante: é nele que se
encontra o maior reduto do culto ao racional. Por quê? "Porque o racional dá a impressão
(falsa) de que produz mais lucro. Segundo essa visão, uma pessoa muito racional raramente
cometeria deslizes que pudessem provocar perdas financeiras. Uma pessoa racional deveria ser
aquela que produz seu trabalho com eficiência, determinação e regularidade", explica Sergio.

Viva! Sou lúcido!

Mas por que esta valorização do racional? Primeiro, pela própria questão da evolução. É um
diferencial do homem em relação as outras espécies. Segundo... a razão tem muitos atrativos.
De acordo com Carlos Augusto, pensar é uma conquista relativamente recente na história da
espécie humana, portanto, ninguém está muito a fim de abrir mão do que custou tanto. Outro
atrativo é a sensação de poder e domínio atrelada ao racional. "Pelo pensamento podemos ser
e estar em todas as coisas. Podemos reduzir grandezas a zero, viajar no tempo...".

E ainda tem o reforço histórico. Somos herdeiros de um século técnico onde é fácil reconhecer
a primazia da função do pensamento sobre todas as demais funções que nos orientam na vida.
"Durante um tempo se acreditou que, pelo pensamento, tínhamos resposta para tudo. A maior
propriedade do pensamento é a autonomia, ele é alimentado pela percepção, pelo
conhecimento, pela lembrança e é abastecido pela memória. Enfim, muitos fatores contribuem
para a primazia do pensamento. Numa cultura em que se valoriza essas propriedades, é natural
que se entenda que aquele que souber manusear o pensamento possui uma grande
inteligência", argumenta Carlos Augusto.

Contudo, Sergio chama a atenção para o outro lado da moeda."Uma pessoa "apenas racional"
pode apresentar grandes desvantagens no tratamento do lado social da empresa. E isto pode
afetar negativamente a performance do empreendimento todo. Para consertar isso, é vital que
os dirigentes tenham mais conhecimentos sobre as motivações emocionais de seus
funcionários. É preciso que esses dirigentes saibam quais são os anseios e objetivos de vida de
seus comandados, para que providenciem melhores formas de satisfazê-los. Infelizmente,
dirigentes com essas preocupações são exceções", resume.

Mas as perguntas são: como fazer isso? Como integrar duas vertentes tão opostas? Os
caminhos são muitos. O ponto de partida vai depender da sua trajetória, pois este é um
aprendizado que você começa desde quando nasce, portanto este processo já está em
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andamento e vai depender obviamente do seu nível de autoconhecimento. Quanto mais


informação você tiver sobre como você funciona mais fácil será.

Capacidade de se emocionar... porque somos mamíferos.

Antes de entrar em um retorno à infância, vamos voltar um pouco nos primórdios da origem da
emoção e da razão (nesta ordem): na evolução das espécies. Tudo começou com o surgimento
dos mamíferos. Estes seres inauguraram - além de uma nova fisiologia - uma relação diferente
entre a fêmea e sua cria. Nesta relação, era importante a mãe conservar os filhos por perto,
para protegê-los e amamentá-los. Além disso, para a sobrevivência do filhote, esse contato
precisava ser mantido por um razoável período. De acordo com Sergio, esta é, possivelmente, a
raiz de uma primeira ligação "afetiva" (e a partir daqui vamos utilizar o emocional como
sinônimo de instintivo) entre os organismos: os primórdios da emoção. "Talvez a relação
emocional mais fundamental que existe neste planeta: a de uma mãe com o filho. Os
mamíferos são, portanto, natural e necessariamente seres emotivos", explica Sérgio.

Milhões e milhões de anos depois, apareceram os primatas. Uma das principais novidades dos
primatas em relação aos demais mamíferos foi o seu cérebro bastante desenvolvido. De acordo
com Sérgio, uma camada adicional - o neocórtex - é claramente distinguível em seus cérebros e
a evolução dos animais com esse "acessório" a mais providenciou uma alteração interessante
de comportamento. A partir daí, esse sofisticado animal não apenas tinha impulsos instintivos e
emoções primitivas - bastante similares aos de seus antepassados mais simples - mas também
possuía um sofisticado mecanismo que consegue pensar sobre como satisfazê-los. Dessa forma,
passou-se a ter desejos.

Desde essa fase, esse ser mais sofisticado começou a determinar objetivos e depois estratégias
para realizar os seus desejos."O Homo Sapiens, a nossa espécie, é o supra-sumo desses
organismos. Um animal capaz de pensar racionalmente em como atender às suas demandas
instintivas e emocionais. Um animal capaz de argumentar de forma sensata com os outros de
sua espécie, criando conhecimento cultural e estabelecendo colaboração, levando a emoção a
um estágio ainda mais elevado, pois agora inclui conceitos como altruísmo, compaixão,
solidariedade e outros", detalha.

E é justamente aqui que está o xis da questão. Apesar de todas essas características
sofisticadas - da melhor qualidade - ainda conservamos latentes algumas características típicas
da primitiva criatura. "Somos um interessante híbrido de razão e emoção, as duas faces
inseparáveis de uma mesma moeda, nem sempre em perfeita harmonia. Nossa tarefa é tentar
entendê-las para poder viver melhor", completa Sergio.

Pense rápido

Antes que você pense que a solução começa com a eliminação do seu lado primitivo... não
esqueça de considerar um outro aspecto. Essa porção primitiva é a responsável direta pela sua
sobrevivência. Você está aqui, lendo esta reportagem, munido do seu fabuloso córtex, graças a
sua porção primitiva/instintiva. Duvida? Imagine uma manada de elefantes prestes a pisoteá-
lo... Sabe o que o seu sofisticado córtex faria para livrá-lo do massacre certo? Nem imagino.
Mas, provavelmente, qualquer idéia genial não chegaria a tempo. Já o seu lado primitivo faria
com que você marcasse os 100 metros mais rápidos da sua vida, com uma impulsão e uma
velocidade que você não imaginava ser capaz de realizar. Desnecessário dizer que este último
cenário - e agora racionalmente falando - é o melhor, desejado e único possível.

O grande diferencial desse comportamento é bem atual: a rapidez. "Para ter chance de
sobreviver, o Homo Sapiens - assim como praticamente todos os outros animais - tem reações
instintivas que são muito rápidas. Qualquer coisa que atravesse o seu campo visual
rapidamente irá provocar uma súbita e instintiva reação de piscar os olhos, talvez até mesmo
com a proteção da face com as mãos. Essas reações precisam ser muito rápidas, caso
contrário, seríamos presas fáceis dos predadores e perigos naturais que enfrentávamos em
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nosso passado distante e alguns perigos ocasionais dos tempos atuais."

O processo racional requer tempo, pois a informação precisa percorrer um caminho cognitivo
maior do que a emoção pura. Assim, a reação emocional (instintiva) é muito mais rápida do
que as suas considerações racionais.

Com a evolução foi tomando força a nossa área racional, mais ponderada e, por isso mesmo,
um pouco mais lenta. Essa área racional, em contraste com a emocional, não dispõe de
"circuitos prontos". Aquilo que chamamos de "razão" ou de "raciocínio lógico" ou mesmo de
"bom senso" não tem expressão explícita em nossos genes, é, na essência, um comportamento
aprendido.

A sabedoria da emoção

Para aqueles que imaginam que a emoção - por ser mais primitiva - não tem sabedoria, saibam
que houve tempos - e em algumas comunidades ainda é assim - em que esta sabedoria (que
alguns estudiosos chamam de sabedoria do coração) intuitiva, não racional, basta. De acordo
com Carlos Augusto, todos os estudos feitos sobre os costumes primitivos mostram que o
temor era um princípio originário, portanto o comportamento poderia ser hostil ou amistoso.

Mas a conduta era sempre marcada por um respeito pelo outro. Esse respeito não estava
vinculado à educação (racional) como entendemos hoje, mas, quando o homem primitivo
encontrava um estranho, imediatamente reconhecia a humanidade no outro porque conhecia as
razões de seu próprio coração. "O homem primitivo era extremamente rude, mas de espírito
fino e sensível ao mundo circundante. Justamente por não possuir um pensamento tão
desenvolvido, tinha que contar com outros fatores de orientação e avaliação tais como suas
sensações e intuições.

Graças às habilidades de sua natureza, ele desenvolveu uma incalculável capacidade de se


adaptar a qualquer situação, porque a leitura que fazia da realidade era enorme. Podemos
reparar essa conduta ainda hoje num pescador de uma aldeia perdida ou no sertanejo
andarilho da caatinga. É impressionante como essa gente se orienta pelo comportamento dos
animais da região ou pelo tipo de vegetação, ou pela cor do céu ou a cor do mar e por aí vai...
O interessante é que essas pessoas não "pensam" sobre essas coisas, mas elas "sentem", elas
"sabem"", ressalta Carlos Augusto.

Precisa?

Porém, o mundo - sob a batuta do córtex humano - mudou e ficou muito melhor. A sociedade é
cada vez mais evoluída, ganhou complexidade, a modernidade reduziu muito os perigos
naturais (criou outros, é verdade). Contudo, apesar de os perigos serem de outra natureza e,
portanto, exigirem outra resposta, o impulso primitivo está sempre vindo à tona. Sergio afirma
que é importante não perder a visão dessa realidade ancestral quando temos de esboçar
reações em situações como, por exemplo, uma discussão. "Nosso primeiro impulso, após um
ataque, pode ser pular na jugular dele (ou virar as costas e fugir correndo, caso ele tenha a
compleição de um lutador de sumô). Mas alguns segundos de reflexão podem conceber um
contra-ataque argumentativo muito mais eficaz do que a mera resposta instintiva. É a famosa
tática do "contar até dez", um mecanismo essencial para verificar se a razão aprova a decisão
sugerida pela emoção."

Se para o "homem das cavernas" a reação instintiva era a mais valiosa, para nós, que estamos
em um meio social mais sofisticado, a reação ponderada tem mais valor. "Estou propondo a
razão aqui não apenas como um mero auxiliar de nossas emoções, mas também como uma
tática que pode redirecionar e modificar a expressão de certas emoções. Aquilo que era apenas
raiva pode virar agora energia para providenciar uma ação culturalmente mais aceitável, como
responder com determinação, bom senso e argumentação", afirma Sergio.
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Muito além do ataque e da fuga

É óbvio que esta é apenas uma explicação muito simplificada para efeito didático. O grande
dilema que enfrentamos hoje - e que faz diferença na vida pessoal e profissional do Homo
Sapiens - são as emoções complexas. E estas começam a se desenvolver assim que você nasce.
"A estrutura emocional dos seres humanos não é sempre a mesma durante sua vida. Há
diversas alterações, conforme a pessoa se submete a novas experiências", explica Sergio. Ele
dá o exemplo dos bebês, que têm uma estrutura emocional fundamentalmente simples.
Sorriem, choram, sentem medo, surpresa, desconforto, irritação. Todas essas emoções
instintivas também existem em adultos, mas estes podem, na maioria das vezes, controlar sua
expressão. Isto não ocorre com bebês. O bebê não demonstra gratidão por todos os cuidados e
esforços que recebe dos pais, por exemplo. Sua estrutura emocional é muito básica, muito
automática, instintiva.

Entretanto, o bebê vira uma criança, depois vira um adolescente e finalmente um adulto. É um
longo - e, na maioria das vezes, doloroso - período de aprendizado emocional e racional, no
qual se ganham noções complexas como vergonha, culpa, preocupação, afeto, altruísmo,
dedicação, compaixão e muito mais. A nossa racionalidade tem de participar desse processo,
tem de crescer junto, tem de justificar ou não algumas dessas emoções, nas várias
circunstâncias em que ocorrem", afirma.

"Assim, se você combina um almoço com um grande amigo seu e ele se atrasa e acaba não
vindo ao compromisso, é natural que fique frustrado e com certa irritação. Contudo, você não
deve deixar que essa frustração e indignação tome conta de sua mente. E por que não? Porque
a nossa racionalidade tem como sugerir que o motivo do atraso pode ter sido devido a um
problema que o impediu até mesmo de comunicar que não poderia estar presente ao
compromisso. Se a hipótese de simples "descaso" do seu amigo fosse sustentável, então você
deveria ter um histórico de atitudes anteriores similares, ou então vai começar a montar esse
histórico, a partir dessa e de futuras experiências como essa. Em qualquer um dos casos, o
simples evento - um atraso para um compromisso -, por mais irritante que seja, não deve ser
avaliado de forma rígida e irracional. Você não poderia, por exemplo, pensar em represália,
uma atitude inadequada, porém sugerida pela emoção", exemplifica Sergio.

O aprendizado do equilíbrio entre o emocional e o racional exige vivência e muito bom senso.
Por exemplo, você precisa saber que é preciso evitar tomar uma decisão importante em clima
de confusão e barulho. Se você estiver em uma discoteca, com aquele barulho ensurdecedor,
aquelas luzes girando, aquela multidão em frenético movimento, rindo e se divertindo. Neste
contexto, se sabe que qualquer decisão séria tomada sob essas situações irá privilegiar visões
irracionais, apressadas e gratuitamente agressivas. "O nosso bom senso precisa reconhecer isso
e alterar essa situação. Vai-se para um lugar mais calmo ou, então, adia-se a decisão. Em casos
extremos, onde a decisão precisa de resposta imediata, deve-se tentar compensar, tanto
quanto possível, a influência do ambiente. Para fazer isto é necessário possuir alto grau de
conscientização e auto-conhecimento, em outras palavras, instrução e aprendizado sobre si
mesmo", esclarece Sergio.

Este reconhecimento de que as emoções podem alterar a sua capacidade de decisão deve fazer
com que você procure ter objetividade em áreas essencialmente subjetivas, e isto envolve, em
vários casos, questionar suas próprias certezas. Esta uma tarefa difícil e que muitas vezes
requer um reforço externo.

"Embora sejamos seres muito emocionais, é indispensável que usemos o bom senso e o
pensamento crítico para orientar a nossa expressão emocional, questionando-a sempre que
necessário. Ao que tudo indica, é preciso haver um tipo de convivência entre emoção e razão
que não se encaixa muito bem em visões do tipo "emoção é mestre, razão é escrava"",
esclarece Sergio.

Usando a emoção
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O equilíbrio acontece quando a emoção e a razão atuam juntas. Sergio dá um exemplo muito
comum na vida profissional: a discussão entre chefe e subordinado. Suponha que um
funcionário de uma empresa qualquer tenha cometido um desagradável erro que frustrou os
planos de seu chefe. O chefe, chateado com a situação, teria todos os motivos do mundo para
repreendê-lo até mesmo em público, elevando a voz e humilhando o funcionário. Não é difícil
encontrar casos como esse, mesmo em grandes empresas. Podemos dizer que essa expressão
emocional do chefe seria uma compreensível forma de satisfação momentânea.

Ele poderia até mesmo achar uma "razão" para esse procedimento, pois poderia pensar em
"dar um exemplo" a todos, além de mostrar ao funcionário que aquele erro não deveria mais se
repetir. É fácil perceber que se o chefe fizer isso estará agindo de forma irracional. Humilhar em
público uma pessoa é dar oportunidade para reações antagônicas que poderiam complicar
ainda mais as coisas. Além disso, a mensagem, dita de forma pública, teria um endereço
específico: a figura daquele funcionário em particular. Mas não é esse o alvo correto do chefe?
Não deveria ser.

O chefe faria melhor se pudesse conversar em particular com o funcionário e, dizendo


inicialmente que o aprecia enquanto pessoa, observar que não concorda com o que ele fez (e
aqui vale lembrar que o chefe precisaria explicar precisamente por que o comportamento foi
inadequado). Dessa forma, a crítica estaria sendo dirigida contra aquele comportamento
específico do funcionário, e não contra ele enquanto pessoa. O chefe poderia sentir-se satisfeito
por não ter deixado passar o episódio em branco e o funcionário sairia com uma forte
impressão de que seu chefe está realmente interessado em seu progresso pessoal, e não em
humilhá-lo ou destratá-lo. Aprova-se a pessoa, mas desaprova-se o seu comportamento. Fica
claro que o que se deseja aqui é satisfazer uma necessidade emocional do chefe de consertar a
situação, mas da forma mais racional e produtiva possível (se você quer saber mais sobre todos
os mecanismos deste tipo de atitude leia a VENCER! n° 38, de novembro de 2002, sobre
Assertividade).

Mais complexidade!

Até aqui está perfeito. Sentamo-nos calmamente, avaliamos a questão sobre a ótica da razão,
olhamos a emoção, voltamos à razão novamente... Não. Você ainda tem de estar atento à
emoção e razão do outro. Não se pode esquecer uma necessidade humana fundamental:
interação."A convivência com outros seres humanos traz uma nova categoria de problemas a
esse animal emocional. Agora, já não basta ter que levar em conta nossos próprios
pensamentos, precisamos também considerar o que os outros pensam sobre nós. E aí vem a
questão: qual é a real importância que precisamos dar ao que os outros pensam de nós? Seria
importante alterarmos nosso comportamento para melhor nos ajustarmos ao que o mundo quer
de nós?", questiona Sergio.

Se o emocional for solicitado a responder a esta questão, você viverá unicamente para agradar
o outro ou o meio social. O seu eu emocional vai querer sempre ser aquilo que os outros
esperam, aquilo que eles desejam. É fácil concluir que, se permitirmos isso, vamos ter que
alterar constantemente nosso comportamento, para nos conformar sucessivamente aos
diferentes tipos de ambiente pelos quais circulamos diariamente. Intuitivamente, isto já parece
ruim.

Mas há uma razão racional para justificar por que essa não é uma boa situação. De que forma
os outros percebem aquilo que realmente somos? Ora, ninguém consegue "espiar" por dentro
de nosso cérebro, é apenas através de nossas ações e de nosso comportamento que os outros
podem conhecer alguma coisa acerca de nosso pensamento. As pessoas que nos cercam fazem
um "modelo" daquilo que somos através das nossas ações e reações diárias às diversas
situações a que somos submetidos. "Enquanto a razão e a emoção forem identificadas pelo
próprio indivíduo, a expressão de sua conduta será reconhecida pelos outros como legítima. A
razão e a emoção atuam como núcleos ordenadores que estruturam a personalidade humana",
complementa o psicólogo Carlos Augusto. Se suas ações não forem coerentes, ou se suas
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reações forem precipitadas ou injustificáveis, os outros vão fazer um modelo de que você é
uma pessoa confusa e atrapalhada. Então a razão deve acompanhar muito de perto a relação
com o outro. Caso contrário, a interação com o outro - uma necessidade humana - será
inviável.

Interação com o outro... autoconhecimento... Porém, fique atento às idéias pré-concebidas.


Autoconhecimento não envolve apenas introspecção. Uma cilada freqüente ocorre quando a
pessoa se "tranca dentro de si" para se "estudar". Isto raramente dá bons resultados. "É
preciso conhecer mais de nós mesmos através do entendimento das coisas que nos tornam
humanos, desde as emoções mais básicas até nossos nobres desejos de auto-realização e
altruísmo. Isto não se faz apenas com introspecção, é necessário recorrer ao que a ciência
descobre, tanto no aspecto cognitivo quanto no neurocientífico. Claro, não estou propondo que
todos devam virar cientistas, mas apenas que procurem ler e se interessar por importantes
aspectos que estão sendo descobertos sobre a mente e o cérebro. A partir dessa leitura, pode-
se começar a ponderar e refletir sobre a sua própria situação pessoal, buscando um
aprimoramento consciente", afirma ele.

A razão a meu favor!

Sergio alerta para a grandiosidade da junção razão e emoção e cita o filósofo britânico David
Hume que dizia que a razão é a serva das paixões (Hume dizia que precisamos de paixões para
motivar nossas ações). "É inegável que usamos nossa razão para "ajeitar" o mundo ao nosso
redor para satisfazer nossas "paixões". Ainda bem que fazemos isso! Podemos creditar boa
parte do progresso da humanidade a nossa imperiosa necessidade de satisfazer nossas mais
básicas necessidades emocionais, além de segurança, diversão, conforto, facilidades para
convívio etc.", diz ele.

Entretanto, ele reconhece que a razão pode ir um pouquinho além do que Hume propunha.
"Acredito que seja possível achar um lugar para a razão de tal forma que esta consiga mudar
um pouco daquilo que desejamos. É possível, inclusive, dizer que boa parte do progresso da
humanidade se deve à restrição de certos impulsos emocionais, devido a uma troca racional
deles por outras formas de satisfação."

Um exemplo? Sergio cita o exemplo de um vício mundial: o cigarro. "Poucos discordam que o
fumo é danoso à saúde. A princípio, o fato de existirem tantos fumantes deveria depor contra a
idéia de que o ser humano é realmente racional. Como justificar a manutenção de um hábito
que se sabe ser pernicioso e até mesmo fatal? Parece que a racionalidade humana estaria
perdendo nesta questão. Mas é possível observar a questão por um outro lado. Existem
inúmeras motivações que fazem com que as pessoas iniciem com o fumo. Uma pessoa pode
começar a fumar por motivação cultural e de status ou para melhor integração com o grupo
social a que pertence. Entretanto, após iniciar seu vício, a pessoa poderá dispor de motivações
bioquímicas para não largá-lo: é o "efeito nicotina".

São motivos fortes, que precisam competir com o outro lado da balança, o das desvantagens,
que inclui dificuldade respiratória, envolvimento em doenças pulmonares diversas, câncer,
envelhecimento precoce etc. Meu ponto aqui é olhar a situação por outro lado, pois é possível
dizer que o vício do fumo seria muito maior em nossa sociedade caso não houvesse tantas
desvantagens. É fácil compreender isso quando se observa, por exemplo, o hábito de tomar um
cafezinho. O número de pessoas que tomam café seria muito menor se houvessem provas
convincentes de que a bebida faz mal à saúde, mesmo que o café tenha prazeres similares ao
do fumo."

A evolução deve continuar

Sergio fala sobre o desafio de equilibrar emoção e razão como mais um passo para a evolução
humana. "Se não mantivermos nossas emoções bem nutridas neste século, nossas chances de
sobrevivência ficarão reduzidas a quase zero. Vimos que nós, primatas de cérebro grande,
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sobrevivemos até agora porque desenvolvemos uma forma de expressão emocional sofisticada
e útil. Sabemos que ocasionalmente essa expressão tem seus problemas, principalmente
quando ocorrem desvios e irracionalidades. Mas também sabemos que nosso gosto pela vida,
que instintivamente temos, se deve muito a nossas origens emocionais.

Somos seres sociais, organismos que sentem prazer em compartilhar, colaborar e interagir.
Somos seres sofisticados, com emoções de alto nível como altruísmo, solidariedade, compaixão.
Mas é imprescindível que essas atividades emocionais sejam temperadas e refinadas com o uso
criterioso da racionalidade da ciência e do pensamento crítico e investigativo. Sabendo tolerar e
respeitar as diferenças individuais e buscando um convívio pacífico, teremos todas as chances
possíveis para sobreviver em épocas tão difíceis quanto as que nos aguardam no futuro",
conclui.

Carlos Augusto aponta que talvez a origem das crises e desequilíbrios sociais esteja ligada ao
desequilíbrio entre o eu racional e o emocional. "Precisamos fazer um voto de humildade e
reconhecer, sem reservas, que não somos nós que temos ou não esse tipo de dilema entre a
razão e a emoção. ELES é que nos têm! O indivíduo que ainda não se apercebeu disso também
não se apercebeu que trava uma luta antiga e silenciosa. Essa luta sai muitas vezes transpirada
no comportamento quando o indivíduo fuma ou bebe ou persegue os outros, torna-se
compulsivo ou maníaco."

Ser melhor

Os adeptos da sabedoria emocional atacam os cartesianos e o excesso de racionalidade como


os responsáveis por grande parte dos males da humanidade. Sergio discorda. "De jeito
nenhum, ao contrário. Na verdade, as dificuldades que enfrentamos hoje são decorrência de
nossa eterna busca por algo melhor. Sempre, em todas as épocas, os seres humanos
enfrentaram dificuldades. Mas hoje, via racionalidade, conseguimos dominar alguns desses
males. Basta lembrar, por exemplo, da tragédia da varíola. Há algumas décadas, essa era uma
cruel forma de morrer. Atacava crianças e idosos. Qual o sentimento de um pai de família
observando seu filho agonizar até a morte? Raiva? Desolamento? Tristeza? Hoje, a varíola está
extinta. Essa vitória deve-se ao poder que temos de conceber e executar idéias racionais com
rigor e determinação. Mas veja que interessante: aquilo que nos levou a guerrear contra a
varíola foi exatamente a emoção. Foi a emoção de perder nossos entes queridos, a emoção
humana da compaixão e do altruísmo", esclarece.

"Nossa expectativa de vida tem aumentado continuamente, a medicina tem feito progressos
fantásticos, temos múltiplas formas de lazer, podemos escolher de qual grupo social queremos
participar. É justamente quando as coisas parecem estar "sob controle" que arrumamos mais
encrencas: desafiamos mais a natureza, buscamos objetivos mais audaciosos, queremos
romper outras fronteiras. Isso não é ruim, isso é bom, pois é isso o que propulsiona o
progresso", continua.

Uma chance para o desenvolvimento

Avanços sociais à parte, Sergio discorda dos testes praticados pelo mercado que insistem em
categorizar as pessoas. Se antes eram os famosos testes de QI, agora são os de personalidade,
os que medem a Inteligência Emocional. "É comum as empresas tentarem categorizar as
pessoas entre emocionais, racionais, intuitivas, extrovertidas etc. É natural, mas não é bom.
Uma empresa que aplique testes de perfil psicológico a seus funcionários estará qualificando e
categorizando essas pessoas como se elas fossem estanques e imutáveis.

Uma pessoa introvertida, por exemplo, não seria colocada para trabalhar na área de vendas,
que teoricamente exige mais fluência verbal e desinibição." Sergio afirma que esses testes
podem algumas vezes ser interessantes para as empresas, mas certamente são péssimos para
as pessoas. "Não podemos esquecer que temos uma grande capacidade de adaptação.
Gostamos de desafios, gostamos de superar obstáculos. Aquela pessoa que foi categorizada
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como introvertida poderá, se ela assim desejar, desafiar essa sua característica de
personalidade e assim tentar obter um jeito diferente de ser. Ela poderá, por exemplo, aceitar o
desafio de trabalhar na área de vendas justamente para romper com suas limitações e
apresentar a si mesma e à empresa que pode ser mais hoje do que era ontem.

A alternativa de dar a opção de evolução ao funcionário seria uma postura muito mais
humanista. Em vez de aplicar um enlatado teste psicológico (de duvidosa validade científica),
vale mais convidá-lo a desafiar a si mesmo. Um teste de personalidade irá categorizar a pessoa
sem lhe dar essa oportunidade de mudança. Isso a fará ficar na mesma posição de ontem, sem
contemplar uma rota de crescimento. O resultado será uma pessoa sem motivação para
enfrentar novos desafios, como se ela precisasse se conformar com sua introversão. E isto é,
no final das contas, ruim para a própria empresa. É este tipo de pensamento que considero útil
para os empresários deste século: uma junção da racionalidade com a emoção, em ritmo de
parceria."

"Nós precisamos aprender a ser racionais porque nossa vida social é complexa e
cheia de detalhes. E muitas vezes, aquilo que o racional prega é um pouco diferente
daquilo que emocionalmente desejamos. Lidar com esse conflito requer uma imensa
dose de bom senso, principalmente quando, na personalidade da pessoa, um dos
lados é mais forte do que o outro." Sergio Navega

"As teorias sobre Inteligência Emocional trouxeram para o palco a importância das
emoções. Esta foi uma forma de valorizar mais a emoção em um tempo onde se
valoriza muito a razão, para obter assim um equilíbrio. No início do séc. XX, pelo
menos no mercado de trabalho, valorizava-se muito o conhecimento racionalizado,
que podia ser medido. Atualmente, a maioria já está convencida de que o
"conhecimento emocional" é fundamental. E agora busca-se o equilíbrio entre os
dois." Carlos Augusto Silva

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