Você está na página 1de 288

EDUCAÇÃO SUPERIOR

EM PERSPECTIVA

Volume III

Brasília-DF
Inep/MEC
2020
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.

Diretoria de ESTUDOS EDUCACIONAIS (DIRED)

Coordenação DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES (COEP)


Carla D'Lourdes do Nascimento – carla.nascimento@inep.gov.br
Valéria Maria Borges – valeria.borges@inep.gov.br
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS REVISÃO GRÁFICA
Valéria Maria Borges Lilian dos Santos Lopes
Thaiza de Carvalho dos Santos
REVISÃO
Português: NORMALIZAÇÃO E CATALOGAÇÃO
Aline Ferreira de Souza Aline do Nascimento Pereira
Andréa Silveira de Alcântara Clarice Rodrigues da Costa
Lívia Rodrigues Batista
Jair Santana Moraes
Nathany Brito Rodrigues
Josiane Cristina da Costa Silva
Luciana De Camillis Postiglioni APOIO EDITORIAL
Thaiza de Carvalho dos Santos
Janaína da Costa Santos
Espanhol:
Jessyka Mendes de Carvalho Vásquez PROJETO GRÁFICO
Soledad Del Carmen Díaz Courbis Raphael Caron Freitas
Inglês:
DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINAL
Carolina de Almeida Martins
Walkíria de Moraes Teixeira da Silva José Miguel dos Santos

CAPA
Marcos Hartwich

Publicada on-line em setembro de 2022.


Publicação produzida entre 2019 e 2020.

A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos


são de exclusiva responsabilidade dos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Educação superior em perspectiva : volume III / Organizadores: Fernanda Marsaro dos Santos, Candido Alberto
Gomes, Tarcísio Araújo Kuhn Ribeiro. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2020.
283 p. : il. - (Educação Superior em Perspectiva ; III)
DOI (coleção): http://dx.doi.org/10.24109/9786558010326.esp
ISBN (coleção)
Digital: 978-65-5801-032-6
Impressão: 978-65-5801-024-1
DOI (V. III): http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3
ISBN (v. III)
Digital: 978-65-5801-031-9
Impressão: 978-65-5801-029-6

1. Educação superior. 2. Planejamento da educação. 3. Universidade. 4. Acesso à educação superior.


5. Internacionalização da educação. I. Santos, Fernanda Marsaro dos. II. Gomes, Candido Alberto.
III. Ribeiro, Tarcísio Araújo Kuhn. IV. Série.
CDU 378
SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................................ 5

APRESENTAÇÃO.............................................................................. 7

INTRODUÇÃO.................................................................................. 9

Educação Superior e Interfaces com


a Internacionalização InStitucionalizada..................... 11
Gabriela Sousa Rêgo Pimentel
Natanael Reis Bomfim
Mateus Santos Souza

Perspectivas da formação continuada docente no


Instituto Federal de Brasília à luz de documentos
norteadores locais, nacionais e internacionais......... 51
Carolina Novaes Xavier de Lima Reynaldo
Cecília Cândida Frasão Vieira

VOLUME III
Elementos para uma epistemologia do ensino
jurídico com fundamento na triunidade:
estruturas sintática, semântica e pragmática
do direito....................................................................................... 87
Sebastião Batista

Abordagens didático-pedagógicas em cursos de


graduação em Engenharia: metodologias ativas,
interdisciplinaridade e inovações............................................. 123
José Temístocles Ferreira Júnior
Maurício Pimenta Cavalcanti
Amanda Souza de Paula
Maria do Socorro de Lima Oliveira

Interação social na educação superior:


violência ou paz?....................................................................... 157
Ivar César Oliveira de Vasconcelos

ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS


UNIVERSIDADES OCIDENTAIS.................................................. 191
Cláudio Brandão

Perspectivas epistemológicas da formação


profissional nos espaços acadêmico
e do trabalho........................................................................ 211
Caetana Juracy Rezende Silva

FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA


E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência no curso
de graduação em educação física através
do Parfor – Capes/uepb.......................................................... 245
Cristianne Maria Barbosa Carneiro
Dóris Nóbrega de Andrade Laurentino

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


PREFÁCIO

http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espprefv3

5
Educação Superior em Perspectiva marca a retomada
pela Diretoria de Avaliação da Educação Superior/Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Daes/Inep) de publicações temáticas com foco no circuito de
suas atribuições.
O hiato de tempo desse vazio é corrigido em ritmo de
recuperação funcional, reposicionando-se, assim, em edição
simultânea de três volumes, na rota proustiana do À la recherche
du temps perdu. Essa retomada tem dimensão transcendente.
Em primeiro lugar, porque, dentre as incumbências da
Daes/Inep, está a produção e divulgação de estudos com
pertinência atributiva, visando a dar elasticidade semântico-
social às contribuições do pensamento acadêmico-científico.
Realidade que é fonte de saber legitimada à medida que
roteiriza o debate. É da essência da universidade produzir
conhecimentos e, de instituições como o Inep, divulgá-los
para que se desdobrem em cadeias de ressignificação. Em
segundo lugar, porque a educação escolar dá consistência
à pauta de interesse estratégico de diferentes setores da
sociedade. Na verdade, há um entendimento universal de que

VOLUME III | PREFÁCIO


ela constitui peça-chave para o desenvolvimento econômico,
social, cultural, político e cívico da população. E, quando posta
na moldura da educação superior, essa compreensão se
exponencializa, uma vez que, na sociedade do conhecimento,
os recursos cognitivos, enquanto fatores de desenvolvimento,
posicionam-se crescentemente mais indispensáveis do que
os recursos materiais. Daí, a relevância das instituições de
educação superior.
Na multiplicidade de approaches enfeixados na coletânea
Educação Superior em Perspectiva, alinham-se grandes temas
com seus respectivos articulados conceituais e decorrentes
implicações, com destaque para:

• Evolução diacrônico-conceitual da universidade.


• Patamares axiológicos da educação superior.
• Educação superior: ciência, tecnologia, sociedade
e inovação.
6 • Políticas de acesso e equidade.
• A internacionalização como determinante de impacto
na educação superior.
• A universidade contemporânea do futuro.

Com a edição da coletânea Educação Superior em


Perspectiva, a atual gestão do Inep recupera rotas institucionais
inafastáveis, como é o caso da crescente aproximação do
Inep com a sociedade e a academia, e, ainda, disponibiliza
um importante estuário de contribuições acadêmicas
sinalizadoras de um referencial teórico-reflexivo revelador da
essência da universidade e das múltiplas dobras da educação
superior.

Diretoria de Avaliação da Educação Superior/Inep

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


APRESENTAÇÃO

http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espaprv3

7
Pensar a educação brasileira sempre esteve no
horizonte institucional do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em mais de
80 anos de história, em cada ciclo de gestão e dos corpos
técnicos diversos que se sucederam, pessoas construíram
a trajetória desse Instituto, que, cada vez mais, consolida-se
como fonte de excelência em informações técnicas nos seus
vários eixos de atuação – seja nos exames e nas avaliações,
seja nas pesquisas estatísticas e nos indicadores educacionais,
como também na gestão do conhecimento e na produção de
estudos educacionais.
No arcabouço de suas atribuições regimentais,
o Inep se destaca pela realização e a divulgação de estudos
e pesquisas educacionais. Em termos de frentes de trabalho,
nasce a presente coleção, que faz parte do esforço que o
Inep, por intermédio da Diretoria de Avaliação da Educação
Superior (Daes), empreende, no sentido de ampliar as
discussões sobre a educação superior.
Esta coleção, organizada em três volumes, com
24 capítulos, é resultado de estudos desenvolvidos por

VOLUME III | APRESENTAÇÃO


diferentes autores e marca o compromisso do Inep em
subsidiar o debate educacional qualificado no País, seus
desafios e suas perspectivas. Nessa série, o Inep abre espaço
para que uma pluralidade de pesquisadores nacionais
e internacionais se debruce sobre questões que delineiam os
marcos teóricos, conceituais e históricos sobre o tema,
em análises independentes que buscam pensar a educação
superior como propulsora de desenvolvimento e equidade.
O conjunto de textos volta-se para o exame do
planejamento e da gestão da educação superior, com ênfase
no contexto histórico, na profissão docente, na educação
profissional e tecnológica, na internacionalização da educação
superior e em políticas públicas – acesso, permanência,
avaliação e justiça social. O objetivo do material é abordar
a qualidade da educação superior no País.
A coletânea justifica-se no contexto atual de
8 preocupações oriundas de nossa sociedade em constante
evolução, como consequência dos caminhos traçados para o
desenvolvimento econômico, social e, particularmente, sobre
as transformações atuais que ocorrem na educação superior.
Espera-se, com esta publicação, ampliar o diálogo
entre os atores da educação superior, permitindo avanços
em relação à produção de conhecimento partilhado e
aderente, com possibilidade de transformação e adequação
às demandas identificadas.
Acreditando que a pesquisa e o debate técnico sejam
molas propulsoras do conhecimento, eixo estruturante
dos avanços na sociedade, cumprimento os organizadores
e agradeço o empenho dos autores na construção desta
discussão. Assim, desejo a todos uma boa leitura, que nos faça
avançar em profícuas reflexões sobre a educação brasileira.

Presidência do Inep

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


INTRODUÇÃO

http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espintrv3

9
A presente coleção, desdobrada em três volumes,
oferece aos leitores uma pluralidade de abordagens sobre
a educação superior e contém uma diversidade de autores
e visões sobre aspectos diferentes desse nível de educação.
Este último se ergue sobre a educação básica, dela depende
intimamente e a ela oferece seu retorno, em especial quanto
a educadores formados e aperfeiçoados. Ao reunir essa
nuvem de vagalumes, faz-se a luz que a mente do leitor
combinará, criticará e sintetizará. Longe de ser exaustiva,
jamais enciclopédica, esta coleção se aprofunda em diversos
aspectos, casos e experiências.
Sobre o que incidem nossas modestas luzes? Tudo
começa pela história da universidade e da tão recente
educação superior no Brasil. A perspectiva do tempo nos leva
a uma melhor compreensão do passado e do presente, dos
acertos e dos enganos. A memória do nosso tempo tende a
ser fugaz, como se cogumelos brotassem no dia de hoje. Essa
velocidade, em grande parte induzida pelas tecnologias, faz
viver sem clara noção do passado e com escassa prospectiva.
Vivemos, desfrutamos, sofremos numa linha pontilhada, com
pouca ligação entre os dias.

VOLUME III | INTRODUÇÃO


Em seguida, aborda-se o professor ou, talvez melhor
dizer, a professora, pelo respeito à maioria em numerosos
setores. Nunca houve educação sem professor. Estudantes
e docentes, dentro e fora do currículo formal, precisam
aprender a conviver e a ser. Por mais rígidas que sejam as
hierarquias, sempre houve trocas. Por isso, a Universidade
de Salamanca mantém as salas de aula dos seus grandes
mestres, da modernidade e antes dela. Uma das salas é a de
Frei Luís de León (1527-1591): teto de madeira, duas janelas
acanhadas que projetam a luz ao longo do seu comprimento,
carteiras monásticas (notável conforto, pois em algumas
universidades os estudantes se sentavam no chão) e, ao
fundo e ao centro, um estrado e um púlpito para emoldurar
a figura do mestre. De lá jorrava a sapiência, como a luz solar
das duas janelas. As aulas não eram apenas monologais,
uma vez que, pioneiro, León abria a palavra aos alunos para
perguntas de esclarecimento. O tempo e o espaço alteraram
o magistério, embora sua essência permaneça. Autômatos
10
não terão inspiração, valores, criatividade, plasticidade de
pessoas. Guardemos, pois, essa essência.
Esses temas são relevantes, mas não suficientes. Então,
esta coleção se desdobra em outros: as experiências de alguns
países, a avaliação, o Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes (Enade), a trajetória acadêmica e a carreira dos
egressos, a igualdade como princípio transversal, a qualidade
e suas perspectivas, a internacionalização, a assistência ao
estudante, as abordagens didático-pedagógicas, a formação
inicial e continuada de educadores, a educação profissional
e tecnológica, além de outros. Trata-se de uma visão
caleidoscópica, mas longe de esgotar a realidade da educação
superior no Brasil.
Agradecemos as contribuições enriquecedoras de
todos os coautores e, a seguir, as apresentamos. O trabalho
maior agora é dos leitores, como sempre desafiados a pensar,
a transitar pelas pontes do particular para o geral, seja pela
generalização clássica, seja pela naturalística. Desejamos
o maior êxito nessas tarefas e lhes agradecemos.

Os organizadores

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Educação Superior
e Interfaces com
a Internacionalização
Institucionalizada*
Gabriela Sousa Rêgo Pimentel
Natanael Reis Bomfim
Mateus Santos Souza

*
Trabalho vinculado ao grupo de pesquisa
Educatio – Políticas Públicas e Gestão da
Educação, e ao Grupo Interdisciplinar de
Pesquisa em Representações, Educação e
Sustentabilidade (Gipres).
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a1

13
Resumo
Este trabalho tem como objetivo descrever a internaciona-
lização da educação superior no cenário das globalizações
como forma de apreender conceitos fundantes, abordagens
e obstáculos que possibilitam a internacionalização
institucionalizada nos contextos local, regional e global.
Situa a educação superior e a pós-graduação do Brasil
no âmbito da política internacional. Por meio de uma
pesquisa teórica, buscaram-se as dimensões do conceito
de internacionalização como forma de analisar a política
que intervém sobre as decisões educacionais, considerando
os diferentes significados de acordo com quem está na fonte
de sua “interpretação” e com o contexto ao qual se aplica.
Os resultados apontam as lacunas conceituais, evidenciando
a necessidade de maiores investimentos em pesquisas
que aprofundem o entendimento dos diversos aspectos
concernentes à internacionalização, de modo a demarcar as
potencialidades desse processo e promover a consolidação
da inserção internacional. Espera-se que os desafios

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
constatados na implementação dos processos de
internacionalização sejam superados por um conjunto
harmônico de práticas de gestão e políticas efetivas.

Palavras-chave: gestão universitária; globalização; interna-


cionalização da educação; política internacional. 

Abstract
Higher Education and Interfaces with Institutionalized
Internationalization

This paper aims to describe the Internationalization of Higher


Education in the context of globalization as a way to grasp
founding concepts, approaches and obstacles that enable
institutionalized internationalization in local, regional and
global contexts. Also, there is the scenario of higher education
14
and postgraduate studies in Brazil and within the scope
of international politics. Through theoretical research, we sought
the dimensions of this concept as a way to analyze the policy that
intervenes on educational decisions and how it can take different
meanings depending on who is at the source of its "interpretation"
and the context to which it applies. The results point to conceptual
gaps, highlighting the need for greater investments in research
that deepens the understanding of the various aspects concerning
internationalization, in order to demarcate the potentialities
of this process and consolidate the international insertion.
The challenges found in the implementation of internationalization
processes are expected to be surpassed by a harmonious set
of management practices and effective policies.

Keywords: globalization; international politics; internationali-


zation of education; university management. 

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Resumen
Educación Superior e Interfaces con Internacionalización
Institucionalizada

Este trabajo tiene como objetivo describir la internacionalización


de la educación superior en el contexto de las globalizaciones
como una forma de comprender los conceptos fundacionales,
enfoques y obstáculos que permiten la internacionalización
institucionalizada en contextos locales, regionales y globales.
Además, sitúa la educación superior y los estudios de posgrado
en Brasil dentro del ámbito de la política internacional.
Por medio de una investigación teórica, buscamos las
dimensiones de este concepto de internacionalización como una
forma de analizar la política que interviene en las decisiones
educativas y cómo puede adquirir diferentes significados
dependiendo de quién está en la fuente de su "interpretación"
y el contexto en el cual es aplicado. Los resultados apuntan
15
a las brechas conceptuales, destacando la necesidad de mayores
inversiones en investigaciones que profundicen la comprensión
de los diversos aspectos relacionados con la internacionali-
zación, con el fin de demarcar las potencialidades de este proceso
y promover la consolidación de la inserción internacional.
Se espera que los desafíos encontrados en la implementación de los
procesos de internacionalización sean superados por un conjunto
armonioso de prácticas de gestión y políticas efectivas.

Palabras clave: gestión universitaria; globalización; internacio-


nalización de la educación; política internacional. 

INTRODUÇÃO

O mundo em que a educação superior desempenha


um papel significativo está mudando por muitas razões. Os
principais impulsionadores incluem: desenvolvimento de
serviços tecnológicos e de comunicação avançados; maior
mobilidade internacional de mão de obra; maior ênfase na

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
economia de mercado e na liberalização do comércio; foco
na sociedade do conhecimento; aumento do investimento
privado e diminuição do apoio público à educação;
e crescente importância da vida. A dimensão internacional
do ensino superior está, portanto, se tornando cada vez mais
importante e, ao mesmo tempo, mais complexa. Sob outra
perspectiva, o tema da internacionalização ainda gera mais
perguntas do que respostas, visto que o assunto é emergente
e necessita de uma reflexão mais aprofundada e sistemática.
Dentro desse ambiente transformador da educação
superior, um questionamento é imperativo: o que significa
internacionalização e, consequentemente, internacionalização
institucionalizada? Para Knight (2004), embora seja
encorajador ver o aumento do uso e da atenção dada à
internacionalização, há uma grande confusão sobre o que isso
significa. Na educação superior, para alguns, são atividades
16 internacionais, como mobilidade acadêmica para alunos
e professores, ligações, parcerias e projetos institucionais,
de ensino, pesquisa e extensão que devem ser articulados em
redes. O processo de internacionalização passa a ser percebido
em todos os ambientes das instituições de ensino superior;
“ela é necessariamente uma manifestação transversal que
contempla as atividades de gestão além do conhecido tripé
da educação superior – ensino, pesquisa e extensão” (Bomfim;
Pimentel; Souza, 2019, p. 117). Isso implica a inclusão de uma
dimensão internacional intercultural ou global no currículo
e no processo de ensino e aprendizagem, bem como a inserção
do desenvolvimento internacional e da crescente ênfase
no comércio do ensino superior como internacionalização.
Há uma confusão frequente e alguma tensão sobre o fato
de que o termo “internacionalização” é usado para descrever
três tipos bem diferentes de atividades transfronteiriças:
intercâmbios e parcerias internacionais, empreendimentos
comerciais transfronteiriços e projetos de desenvolvimento
internacional (Hudzki; Stohl, 2009).
Há um contínuo debate e uma exploração da relação
entre internacionalização e globalização. Internacionalização

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


é o mesmo que globalização? Se não, qual é a diferença
e como se dá o relacionamento entre dois processos tão
dinâmicos? A internacionalização é interpretada e usada
de diversas maneiras, em diferentes países e por inúmeras
partes interessadas. Isso reflete as realidades atuais
e apresenta novos desafios em termos de desenvolvimento de
uma estrutura conceitual que possa esclarecer o significado
e alguns princípios que orientem políticas e práticas.
A globalização está no campo de interesse dos
formuladores de políticas, acadêmicos e profissionais
de todos os setores. A educação, particularmente a educação
pós-secundária, é uma área crítica de debate e estudo.
Muitos pontos de vista diferentes foram expressos sobre a
natureza, as causas, os elementos, as consequências e as
futuras implicações da globalização para a educação (Santos,
B. 2010; Santos, M., 2015; Mézáros, 2008; Giddens, 1991; Hall,
2000). A relação entre a globalização e a internacionalização
17
da educação é uma importante área de estudo que
merece maior exploração. Para os propósitos deste artigo,
a globalização é definida como o fluxo de tecnologia,
economia, pessoas instruídas, valores e ideias, por meio
das fronteiras. A globalização afeta a vida de uma maneira
diferente, devido à história individual de uma nação, à tradição,
aos países, à cultura e às prioridades (Santos, M., 2015).
Tal definição reconhece os pressupostos de que a globalização
é um processo multifacetado que pode afetar formas muito
diferentes; sem definir se é algo positivo ou negativo.
A internacionalização está acontecendo em um
momento de grande transformação, se não de turbulência.
É importante estar ciente de como a internacionalização
é afetada por esse processo multifacetado ou é um fator de
mudança em si. É, portanto, prudente e necessário pensar
sobre os efeitos de longo prazo da internacionalização,
incluindo as consequências intencionais e não intencionais.
Assim como a internacionalização, o termo “cooperação
internacional” é frequentemente usado de modo geral.

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
Tem significado muito diferente dependendo do país, do
ator ou da parte interessada. Em alguns casos, é empregado
como termo genérico para descrever as inúmeras relações
que uma instituição ou setor tem com parceiros em outros
países. Na América Latina, também é utilizado para se referir
à cooperação internacional para o desenvolvimento.
As alianças estratégicas podem ser vistas como uma
razão e um meio de alcançar a internacionalização. O número
de acordos educacionais bilaterais ou multilaterais aumentou
exponencialmente na última década, e as instituições
frequentemente reagem à multiplicidade de oportunidades
para estabelecer vínculos institucionais (Morosini, 2011).
Muitas são as modalidades de acordos de cooperação
internacional previstas na legislação e distintas são as
possibilidades teóricas discutidas na literatura especializada.
Com base nessas trilhas (mobilidade acadêmica, iniciativas
18 de pesquisa conjunta etc.), construímos um caminho
interessado em afirmar a internacionalização da pesquisa
em educação, na ambiência da pós-graduação, como parte
significativa da formação docente, da mobilidade estudantil
e das trocas substantivas de experiências entre cursos,
universidades e países.
Este trabalho visa descrever a internacionalização da
educação superior no cenário das globalizações como forma
de apreender conceitos fundantes, abordagens e obstáculos
que possibilitam a internacionalização institucionalizada nos
contextos local, regional e global. Em seguida, situa a educação
superior e a pós-graduação brasileira no âmbito internacional,
a fim discutir sobre a política de internacionalização nas
universidades do Brasil. Nas considerações, retoma a
discussão sobre a necessidade de se institucionalizar
uma política de internacionalização na educação superior,
tendo como pilares fundantes a comunicação e a difusão
do conhecimento, a formação de sujeitos, a interculturalidade
com a comunidade externa e interna, e a internacionalização
do currículo.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


DISCURSOS GLOBAIS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR

“Vivemos num mundo confuso e confusamente


percebido” (Santos, M., 2015, p.17). Essa expressão descreve
de modo apurado este início de século. É o início de uma nova
era, caracterizada por grande insegurança, crise permanente
e ausência de status quo, ou seja, grande parte das certezas
construídas ao longo do século 20 já não existe mais. O pano
de fundo para esse cenário é o processo de globalização.
Processo que, reconhecidamente, não é um fenômeno
novo. Segundo afirma Hall (2000, p. 67), “sua história coincide
com a era da exploração e da conquista europeia e com a
formação dos mercados capitalistas mundiais”. Porém, com
o avanço científico-tecnológico, as relações de mobilidade
de todo tipo – movimento e fluxo de pessoas, informação,
objetos, tecnologias e capital – foram reconfiguradas segundo
a compressão espaço-tempo e, com isso, o processo 19
globalizador se tornou avassaladoramente rápido.
Para Milton Santos (2015), essa globalização pode
ser entendida com base em três perspectivas. A primeira
compreende o mundo tal como nos fazem vê-lo, ou seja,
a globalização apresentada como “fábula”, a qual é contada
e propagada de forma capciosa de acordo com os interesses
do Estado e das grandes empresas transnacionais, pelas
quais transitam fluxos de mercadorias, serviços, capitais e
informações. A segunda, o mundo tal qual ele é, a globalização
como um espaço de “perversidade” sistêmica que está
na raiz dessa evolução negativa da humanidade relacionada
à adesão desenfreada aos comportamentos competitivos
que atualmente caracterizam as ações hegemônicas.
A terceira considera o mundo como pode ser, “uma outra
globalização”, mais humana. Trazer uma definição sobre
o fenômeno é um desafio, a começar pela declinação
de número: seria uma globalização ou muitas globalizações?
Boaventura de Sousa Santos (2010) alerta como
a globalização oferece papéis distintos aos países

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
desenvolvidos e subdesenvolvidos. Para o autor, não existe
globalização genuína. O que se conhece por globalização é
sempre o sucesso de um determinado local, pois não existe
uma condição global sem raízes locais, sem cultura específica.
Para problematizar a questão, o autor teoriza quatro
processos que dão origem a dois modos de produção de
globalização. O primeiro trata dos processos de “localismos
globalizados” e de “globalismos localizados”, que operam em
conjunção e se caracterizam pela globalização hegemônica,
ou também conhecida por neoliberal, isto é, a versão mais
recente do capitalismo.

o localismo globalizado é o processo pelo qual


determinado fenômeno, entidade, condição ou
conceito local é globalizado com sucesso, seja
a transformação da língua inglesa em língua franca,
20 o ajustamento estrutural, a globalização do fast
food ou a adopção mundial das leis de propriedade
intelectual dos EUA. Neste processo de globalização
o que se globaliza é o vencedor de uma luta pela
apropriação ou valorização de recursos, pelo
reconhecimento hegemônico de uma dada diferença
cultural, racial, sexual, étnica, religiosa ou regional,
ou pela imposição de uma determinada (des)ordem
internacional. Esta vitória traduz-se na capacidade
de ditar os termos da integração, da competição/
negociação e da inclusão/exclusão. [...] globalismo
localizado consiste no impacto específico de condições
locais das práticas e imperativos transnacionais que
emergem dos localismos globalizados. Para responder
a estes imperativos transnacionais, as condições
locais são desintegradas, marginalizadas, excluídas,
desestruturadas e, eventualmente, reestruturadas
sob a forma de inclusão subalterna. Tais globalismos
localizados incluem: a eliminação do comércio
tradicional e da agricultura de subsistência como parte
do “ajustamento estrutural”; a criação de enclaves de
comércio livre ou zonas francas; desflorestamento
e destruição maciça dos recursos naturais para
pagamento de dívida externa; o uso turístico

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


de tesouros históricos, lugares ou cerimônias
religiosas, artesanato, e “reservas naturais”
à disposição da indústria global do turismo;
desemprego provocado pela deslocalização
de empresas (Santos, B., 2013, p. 457).

O resultado dessa trama entre “globalismos localizados”


e “localismos globalizados”, segundo o autor, está no fato
dos países desenvolvidos se especializarem em “localismos
globalizados”, enquanto aos países subdesenvolvidos cabe
apenas a escolha de “globalismos localizados” (Santos, B.,
2013). Tal trama “determina ou condiciona de forma crescente
as diferentes hierarquias que constituem o mundo capitalista
global” (Santos, B., 2013, p. 457).
Em contraposição a esse primeiro modo de produção
da globalização, há o segundo modo, as globalizações contra-
hegemônicas, alternativas que surgem de baixo para cima,
21
definidas por Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 439)
como “cosmopolitismo insurgente e subalterno e patrimônio
comum da humanidade”. Esses dois últimos processos
ocorrem, de acordo com o autor, pelo fato das formas
predominantes de dominação não excluírem a possibilidade
de locais, supostamente subordinados, usufruírem das
lógicas transnacionais em defesa de seus próprios interesses
e, assim, beneficiarem-se das possibilidades que emergem
do sistema-mundo.
Reside no cosmopolitismo insurgente e subalterno
o espaço das comunidades invisíveis que se mantêm vivas e
desenvolvem estratégias de sobrevivência. Para exemplificar,
Boaventura de Sousa Santos (2011) menciona algumas
atividades cosmopolitas, como os diálogos e as organizações
Sul-Sul, as organizações mundiais de trabalhadores, as
práticas de filantropia transnacional, as redes internacionais
de assistência alternativa, as organizações transnacionais
de direitos humanos, as redes mundiais de movimentos
feministas, as militâncias anticapitalistas, os movimentos
ecológicos, entre tantos outros.

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
O patrimônio comum da humanidade trata
da sustentabilidade da vida humana na Terra, ou seja,
diz respeito a questões tão globais como o próprio planeta,
envolvendo temas ambientais, de preservação e de
biodiversidade. Boaventura de Sousa Santos (2013) explica
que esse processo de luta em defesa do patrimônio comum
da humanidade pode vir a integrar práticas de globalização
contra-hegemônicas, entretanto, isso não significa que seus
sentidos ocorram de forma consensual.
Pelo exposto, é possível afirmar que o pensamento
de ambos os autores (Santos, M., 2015; Santos, B., 2010,
2011, 2013) evoca a percepção de um movimento de
resistência que vem se articulando, e esse movimento
emerge daqueles grupos marginalizados pelos processos
vigentes de globalização. Porém, o discurso gerado por essas
minorias não fica restrito ao seu local, ganha importância em
22 uma agenda global e passa a fazer parte dela. Essa agenda
influencia internamente o processo político dos Estados.
O local, portanto, pode ser entendido como agente
ativo no contexto da globalização, e a cultura nacional como
um dispositivo discursivo que representa a diferença como
unidade ou identidade (Hall, 2000). Portanto, o local e o global
não devem ser entendidos como opostos ou excludentes,
mas estritamente ligados, de modo que as transformações
locais são tanto uma parte da globalização quanto a extensão
lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço
(Giddens, 1991).
Assim, a agenda internacional pode influenciar
a formulação de políticas. Para Giddens (1991), a influência
internacional ocorre de pelo menos duas maneiras: direta
– fluxo de ideias por meio de redes políticas e sociais – e
outra que contempla o patrocínio de soluções por parte de
agências multilaterais e organizações internacionais. O autor
interpreta esse movimento como uma influência limitada,
pois as intervenções externas são sempre recontextualizadas
no local.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Implicada em processos de globalização hegemônica,
a função da educação vem sofrendo profundos impactos,
tornando-se uma mercadoria que pode ser vendida e
comprada, importada e exportada, pois entra no jogo das
lógicas de mercado, de oferta e demanda. A internacionalização
da educação surge em meio a um cenário em que práticas
de conhecimento e de aprendizagem interagem com
práticas de economia. Diante do desinvestimento público
da educação e do avanço do capitalismo global em sua forma
neoliberal, alternativas são aventadas no cenário educacional,
sendo a internacionalização uma delas, especialmente
em universidades do Norte global, onde o recrutamento
de estudantes internacionais cresce de maneira exponencial
como uma fonte altíssima de recursos financeiros (Mészáros,
2008).
Boaventura de Sousa Santos (2010) explica que
23
a mobilidade transfronteiriça tem raízes na globalização,
mas também em políticas e forças de mercado. Enquanto
em um passado não muito distante, políticas públicas tinham
o objetivo de promover e de alimentar laços acadêmicos,
culturais, sociais e políticos entre diferentes países, enfocando
lógicas de troca, atualmente as forças que pressionam esses
encontros são de natureza econômica; ou seja, houve uma
mudança de concepção em relação ao papel da educação
internacional em sua passagem de aid (práticas de assistência)
para trade (lógicas de mercado).
Vale ressaltar, entretanto, que tal distinção entre
assistência e mercado não é tão nítida quanto possa parecer.
Knight (2004) entende que internacionalização significa
coisas diferentes para pessoas diferentes, em uma variedade
de maneiras; o que acaba gerando, na perspectiva da autora,
certa confusão.

[...] para alguns, significa atividades internacionais,


como mobilidade acadêmica para estudantes
e professores; relações, parcerias e projetos

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
internacionais; e novas iniciativas de pesquisa e
programas acadêmicos internacionais. Para outros,
significa o fornecimento de educação para outros
países através de novos tipos de estruturação, tais
como campi e franquias internacionais, e o uso de
uma série de técnicas presenciais e a distância.
Para muitos, significa a inclusão de uma dimensão
internacional, intercultural ou global no currículo e no
processo de ensino/aprendizagem. Além disso, outros
enxergam projetos de desenvolvimento internacional
e a crescente ênfase no comércio do Ensino Superior
como internacionalização. (Knight, 2004, p. 2).

Para o estudo da educação e sua internacionalização,


é importante destacar três atores internacionais:
Banco Mundial (BM), Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco).
24
Cada uma dessas agências tem diferentes propostas para
educação. De forma geral, pode-se dizer que o Banco
Mundial trabalha com a parte financeira (ênfase no capital);
a Unesco com foco humanista e a OCDE é um meio termo
entre ambas. Esses papéis não são engessados, e seus
efeitos são complementares e diferentes dependendo do
país receptor da ajuda. Soma-se a isso o papel de outras
organizações multilaterais, ou supranacionais, tais como
Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário
Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas (ONU)
e União Europeia (UE).
Com base em dados publicados pela OCDE, Boaventura
de Sousa Santos (2013) esclarece que, para o Banco Mundial
e para a própria OCDE, a educação internacional é um
meio de expansão da oferta de serviços para nações que
os importam, a partir do entendimento de que suas ofertas
internas não atendem a todas as necessidades locais e/ou
são consideradas inadequadas em termos de qualidade;
reflexo da forma hierárquica de relação entre diferentes

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


nações. Além disso, o autor enfatiza que o recrutamento de
alunos estrangeiros, em muitos países da OCDE, faz parte de
uma estratégia mais ampla de recrutar imigrantes altamente
qualificados. Isso mostra que serviços educacionais têm
sido exportados e alunos internacionais importados, sendo
que metade dessas importações é para países de língua
inglesa. A educação de alunos estrangeiros e o treinamento
internacional são a quinta maior indústria de exportação no
mundo (Santos, B. 2013).
Com relação ao Brasil, os principais atores na
internacionalização da educação superior são: Ministério
da Educação (MEC), através das agências de fomento –
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) – que tratam de regulações
específicas acerca do tema e de normas internas das
instituições; Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
25
Comunicações (MCTIC); e Ministério das Relações Exteriores
(MRE). Os outros atores menores, como Banco Itaú, Santander,
Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Fundação Lemann têm
papéis importantes.
A polarização entre as dimensões globais e locais se
torna componente dos estudos que visam compreender
a globalização como fenômeno e ideologia, perpassando,
portanto, a temática da internacionalização, haja vista a
correlação entre os dois fenômenos. Nesse sentido, faz-se
necessária a compreensão das implicações, em escala global
e local, de intervenção em uma localidade, bem como as
concepções políticas e ideológicas que derivam do privilégio
de uma sobre outra. É preciso entender que globalizar,
e por consequência internacionalizar, envolve reconhecer
mudanças no papel dos estados-nação na sociedade
contemporânea.
Apesar da limitação imposta pelo espaço e pelo
tempo, busca-se demonstrar que, mesmo em aspectos
diferentes, há um discurso global sobre educação. Palavras

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
como “desenvolvimento”, “padrões de qualidade”, “rankings”
e “empregabilidade” parecem se relacionar e confirmar uma
convergência de ideias. A internacionalização aparece como
resposta àqueles critérios e passa a ser palavra de ordem nas
instituições e na formulação de políticas educacionais.

CONCEITOS, ABORDAGENS E OBSTÁCULOS À


INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA

Somando os discursos às necessidades institucionais


e às crises internas e conjunturais, a universidade é chamada
a participar do fenômeno global. O conhecimento não pode
ser restringido por fronteiras físicas ou idiomáticas. Portanto,
não é surpresa que em um período em que a informação é
instantânea, a universidade busque ir além das suas fronteiras
26 para construir conhecimento. O Quadro 1 apresenta a
sistematização de conceitos de internacionalização citados
em produções acadêmicas a partir de 2011.

Quadro 1
Sistematização de conceitos de internacionalização
(continua)
AUTOR CONCEITOS

Internacionalização é a forma que as


universidades encontraram para lidar com a
globalização e permite às instituições agirem
com autonomia, iniciativa e criatividade no novo
cenário global. Admite que há desigualdades
na internacionalização em ambientes
diversos e alerta para a possibilidade de um
Altbach (2004) neocolonialismo. Autores consideram os
processos de internacionalização como políticas
e práticas desenvolvidas tanto em nível sistêmico
como individual.
Classificam quarto “tipos”: tradicional, europeia,
dos países em desenvolvimento e individual.
Também citam possíveis motivações e fontes da
internacionalização acadêmica.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Quadro 1
Sistematização de conceitos de internacionalização
(continuação)
AUTOR CONCEITOS
Conceitua a internacionalização como trocas
internacionais relacionadas à educação,
e considera a globalização como uma
Bartel (2003) avançada fase no processo que envolve a
internacionalização e, como tal, deve permear
os mais diversos aspectos da vida acadêmica –
ensino, pesquisa, cultura.
A internacionalização deve ser interpretada no
contexto local da instituição em que as atividades
acontecem. Discute o conceito de imperialismo-
colonialismo acadêmico que pode ocorrer por
meio das atividades de internacionalização.
De Wit (2005,
Deve ser desenvolvida para ser uma resposta
2011)
aos processos perversos de globalização
e acontecer em diversos setores em que
a universidade atua. Relaciona as atividades
de internacionalização à melhoria da qualidade
e à capacitação de pessoal de nível superior. 27
Processo integrativo que envolve mudanças
em todas as estruturas da universidade, sendo
que esta deve ter papel proativo nas mudanças
no cenário global. Nesse sentido, enfatiza os
Gácel-Ávila
processos latino-americanos.
(2003)
Questiona a formação internacional e seus
objetivos, que devem ser adequados tanto ao
mercado quanto à formação de uma sociedade
(cidadãos críticos e bem preparados).
Elabora proposta de rationales (base lógica)
Hudzki (2011) composta de quatro dimensões, que transitam
entre posições estratégicas e humanistas.
Salienta que o processo deve ocorrer no âmbito
da pesquisa, ensino e extensão. É um componente
estratégico para as instituições. Ressalta, porém,
Jesús Sebastian
que o processo ultrapassou a instituição para se
(2004)
tornar política educacional, tendo que lidar com
objetivos heterogêneos que abrangem fatores
culturais, educativos e econômicos.
Seu conceito inicial foi aprimorado por ela mesma.
Enfatiza os aspectos interculturais das trocas
Knight (2003, internacionais. Também propõe um modelo para
2004, 2007) praticar a internacionalização nas instituições
(ciclo de internacionalização). Propõe rationales
que conjugam visões mercadológica e acadêmica.

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
Quadro 1
Sistematização de conceitos de internacionalização
(conclusão)
AUTOR CONCEITOS
Definem internacionalização como sendo ativa e
Lima e
passiva, considerando que ambos os conceitos
Maranhão
se relacionam com a ideia de globalização
(2009)
hegemônica e contra-hegemônica.
Trabalha os seguintes conceitos: Cooperação
Internacional Tradicional e Cooperação
Morosini Internacional Horizontal; Modelo Central de
(2006, 2011) Internacionalização e Modelo Periférico de
Internacionalização; Cooperação Internacional
Inicial e Cooperação Internacional Avançada.
Conceito baseado nos fluxos internacionais de
cultura, pesquisa, conhecimento. Não há um
Miura (2006)
padrão em como a internacionalização afeta os
países, depende do contexto de cada Estado.
Modelo de internacionalização proposto engloba
quatro aspectos: mudança organizacional,
28 Rudzki (1998)
inovação curricular, mobilidade estudantil
e desenvolvimento pessoal.
Não apresenta conceito, mas ressalta a
Santos, B. importância da valorização da cultura local/
(2010) popular na mudança de práticas sociais,
incluindo a educação.
Internacionalização é composta pelos diálogos
da instituição com outros entes além das
Laus (2012)
fronteiras nacionais nas áreas de ensino,
pesquisa e extensão.
É a presença internacional nos aspectos culturais
Stallivieri
e institucionais em uma instituição, abrangendo
(2004, 2009)
a tríade pesquisa, ensino e extensão.
Apresenta um modelo que considera a
influência das políticas públicas na definição das
Van der Wende
estratégias de internacionalização, que seria
(1997)
a forma que as instituições recebem as novas
demandas da sociedade e do mercado.
Fonte: Elaboração própria com base em Schardong (2017, p. 80).

Desse apanhado de conceitos, destacam-se alguns


pontos convergentes e/ou interessante entre eles.
O primeiro se refere à relação que a maioria dos autores faz
entre globalização e internacionalização. Seja como resposta,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


como resistência ou como alternativa, os fenômenos estão
intrinsicamente ligados e, portanto, devem ser compreendidos
em suas relações. Considerar que os fenômenos globais
são inconstantes, imprevisíveis e que possuem características
próprias, a depender do contexto onde ocorrem, significa
conceber que a internacionalização também é única e não
é um fenômeno estático, devendo ser, por isso, (re)planejada,
(re)executada e (re)monitorada constantemente.
Fator comum observado foi a necessidade que os
processos de internacionalização perpassem por toda
a universidade e não se detenham apenas a aspectos isolados.
É necessário criar uma cultura de internacionalização. Gácel-
Ávila (2003) fala em um processo integrativo; já Bartel (2003,
p. 46) tem uma “visão de internacionalização como complexa,
de ampla abrangência, orientada por políticas e que permeia
a vida, a cultura, o currículo, o ensino assim como atividades 29
de pesquisa, da Universidade e seus membros”; outros,
como Knight (2004) e Stallivieri (2009), citam ensino, pesquisa,
extensão, currículo e docência como alvos dos processos
de internacionalização.
Para que as instituições universitárias possam lidar
com o fenômeno internacional, seja como cultura, como
atividades isoladas ou como nova função, alguns autores
propõem modelos. Eles podem ser voltados aos processos
institucionais, como em Rudzki (1998), Knight (2004);
ou mais conceituais, ao indicarem as dicotomias do processo,
como em Altbach (2004). Nos modelos de Rudzki (1998)
e Knight (2004), percebe-se convergência em alguns pontos,
como a importância da contextualização e da avaliação dos
processos. Apesar de ser um fenômeno internacional, o fator
local e sua compreensão são imprescindíveis para iniciar
o processo. No mesmo sentido, os modelos de Altbach (2004)
analisam o processo a partir de seu local de origem.
O reconhecimento do fator local também foi constante
nas definições analisadas. O embate entre o local e o global

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
é um fator importante, em especial nas experiências
de mobilidade. Se, por um lado, busca-se na experiência
internacional o desconhecido, o inédito, o diferente,
por outro também é desejável que haja certo grau de
equivalência entre as práticas locais e internacionais. Nesse
sentido, termos como “imperialismo cultural ou acadêmico”
e “neocolonialismo” também foram citados pelos autores
analisados. Assim, é dever da universidade estar atenta
a suas práticas para que o internacional e o local sejam
complementares e não excludentes. De Wit (2011) defende
que a internacionalização deve estimular o desenvolvimento
de habilidades interculturais, mesmo que por meio
de atividades que ele chama de “internacionalização at home”.
O trabalho de Stallivieri (2004, 2009) tem abordagem
mais institucional, que se volta à proposição de modelos
30 ou de atividades que a instituição deve seguir. Por ter
experiência na coordenação de uma assessoria de assuntos
internacionais de uma universidade, privilegiou a questão
institucional. Para a autora:

a manifestação da internacionalização passa a ser


percebida em todos os ambientes das instituições
de Ensino superior, ou seja, ela é necessariamente
uma manifestação transversal que contempla, além
do conhecido tripé da educação superior, ensino,
pesquisa e extensão, também as atividades de gestão
(Stallivieri, 2009, p. 31).

Isso significa dizer que a internacionalização deve


estar no planejamento das instituições. As implicações desse
conceito são profundas, pois acarretariam mudanças em toda
a organização universitária. Não se pode querer conceber
um fenômeno característico do século 21 em uma instituição
que se organiza da mesma forma há séculos (no caso do
Brasil, há décadas, na maioria dos casos). Exemplo dessa
mudança necessária é a internacionalização do currículo.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Como sua pesquisa foi desenvolvida em uma instituição
privada, Stallivieri (2009, p. 40) concebe a internacionalização
também como diferencial competitivo, visando ao
“desenvolvimento de competências globais, uma inserção
legítima no competitivo mercado de trabalho”.
Laus (2012) inicia seu trabalho conceitual com uma
provocação interessante: internacionalizar para que e para
quem? Nesse sentido, analisar o contexto (políticas públicas,
história e geografia locais e mundiais) e os atores (Unesco,
OCDE, Banco Mundial, por exemplo) envolvidos em um
processo de internacionalização se faz necessário. Assim,
a autora realiza sua pesquisa com base no seguinte conceito:

[...] a internacionalização de uma Universidade


corresponde ao processo de diálogo (trabalhos
conjuntos, cooperação, intercâmbio, conflitos e
problemas surgidos) com outras Universidades 31
ou organizações variadas (empresas, governos,
agências internacionais, ONGs) do mundo exterior à
fronteira nacional na concepção, desenvolvimento ou
implementação de suas funções de ensino, pesquisa
e extensão (Laus, 2012, p.81).

Lima e Maranhão (2009) tecem a ideia de


internacionalização ativa e passiva. A primeira seria a forma
como os países centrais praticam a internacionalização,
e considera a ideia de dominação de supremacia. Nesse
conceito, cabe aos países como Estados Unidos da América
e os da Europa ocidental atraírem estudantes para que
possam ser qualificados a ingressarem no mercado de
trabalho mundial, desenvolvendo habilidades que servem
a esse propósito. As autoras alertam que esse processo é
duplamente benéfico aos países do Norte, já que receber
estudantes implica o recolhimento de taxas e impostos,
além da manutenção de um modo de produção que lhes
é conveniente. Em um primeiro momento, para os alunos

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
que buscam esses países, também há vantagens, pois há
em seus locais de origem uma valorização dos saberes
externos. Elas alertam para uma possível dominação
cultural dos protagonistas dessa internacionalização ativa,
pois eles concentram a imensa maioria dos estudantes
internacionais. Assim, costumes e vivências locais passariam
a ser reproduzidos em nível mundial.
Já aos países emergentes, restaria a internacionalização
passiva, ou seja, receber conhecimento dos países centrais.
Percebe-se que há um criterioso processo de seleção
entre o restrito número de intelectuais que merecem ter
a experiência internacional, que não se restringe apenas à
mobilidade. O processo passivo serviria para consolidar as
diferenças socioeconômicas e culturais entre as nações tanto
em nível nacional quanto global. Essa experiência passa a ter
32 um valor de troca, um diferencial competitivo, tanto para a
pessoa que emigrou quanto para a organização na qual ela
atua. Além disso, há o risco de ocorrer a chamada fuga de
cérebros, em que o intelectual não retorna ao país de origem.
Esse processo caracteriza uma das facetas da globalização
hegemônica da qual nos falam autores como Boaventura de
Sousa Santos e Milton Santos (Lima; Maranhão, 2009).
Morosini (2011) também explica a internacionalização
por meio de categorizações, objetivando apresentar modelos
que possam inspirar as instituições. Aborda modelos nas
perspectivas de sistemas e instituições, além de identificar uma
cronologia da cooperação acadêmica (da inicial à avançada).
Os modelos podem ser “Tradicional” ou “Horizontal”, sendo
opostos entre si. O primeiro seria aquele que está submetido
às necessidades de mercado e visa incrementar a competição
capitalista nas instituições. Já o modelo “Horizontal” tem
como objetivo a consciência e a solidariedade internacionais
como uma alternativa para os países latino-americanos.
O foco dessa proposta seria a valorização do local, a partir
dos processos internacionais.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


A autora analisa adicionalmente a cooperação
internacional na pós-graduação brasileira. A cooperação
inicial visaria à formação de recursos humanos, visto que a
demanda de cursos de mestrado e doutorado era maior que
a oferta. Em uma fase mais elaborada, ocorreria a cooperação
internacional avançada, cujo mote seria a produção conjunta
de conhecimento. A autora também analisa algumas
tendências da cooperação acadêmica internacional para
o Brasil, das quais se destaca a cooperação Sul-Sul.
Paralelamente à discussão acerca dos conceitos, a
internacionalização se consolida – e se (re)define – no contexto
da prática política (Miura, 2006), em que os dirigentes das
instituições procuram a melhor maneira de contemplar
o processo. Sua compreensão passa pela adequação de
políticas públicas, pelo aparelhamento institucional e pela
busca de um ponto de equilíbrio entre as perversidades e as 33
possibilidades (Santos, M., 2015) que a globalização traz ao
campo educacional.
Diante desse apanhado teórico, as estratégias,
os programas e as políticas servem para descrever e avaliar
a maneira como a internacionalização está sendo implantada
por países e instituições. Existe uma dimensão hierárquica
para o uso desses três termos. As estratégias refletem o
nível mais concreto e incluem as atividades programáticas
no nível acadêmico e as iniciativas organizacionais em nível
institucional. Os programas refletem uma abordagem
mais abrangente da internacionalização e são uma das
ferramentas para implementar políticas em todos os três
níveis (institucional, setorial e nacional). O nível institucional
é relativamente claro. O nível nacional é mais complicado,
pois pode incluir diferentes entidades governamentais
ou organizações não governamentais (ONGs) ativas na
internacionalização do ensino superior. Do lado do governo,
isso pode incluir departamentos de educação, relações
exteriores, ciência e tecnologia, cultura, imigração trabalhista

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
e comércio, todos com interesse primário ou periférico na
dimensão internacional do ensino superior. No entanto,
em muitos casos, a internacionalização está na agenda
apenas dos departamentos governamentais, agências
e ONGs relacionados à educação. Nesses casos, o setor
da educação é o ator principal. O termo “setorial” é usado
para se referir aos esforços do setor educacional nacional.
A expressão “estratégias de internacionalização”
é deliberadamente usada para ir além da ideia de atividades,
como programas acadêmicos; pesquisa e colaboração
acadêmica; atividades domésticas e transfronteiriças;
atividades extracurriculares e recursos humanos.
Abordagem estratégica é fundamental para o nível
institucional, sendo necessário ampliar a noção de estratégias
organizacionais para o nível nacional e setorial.
34 No nível setorial, ou sistema educacional, todas as
políticas relacionadas à finalidade, ao licenciamento, à
acreditação, ao financiamento, ao currículo, ao ensino,
à pesquisa e à regulamentação do ensino superior estão
incluídas. Essas políticas têm implicações diretas para todos
os tipos de provedores – públicos e privados –, instituições
com e sem fins lucrativos e empresas comerciais.
No nível institucional, as políticas podem ser
interpretadas de diferentes maneiras. Uma interpretação
restrita incluiria declarações e diretrizes que se referem a
prioridades e planos relacionados à dimensão internacional
da missão, ao propósito, aos valores e às funções da
instituição. Isso pode incluir declaração de missão
institucional ou políticas de estudo no exterior, recrutamento,
ligações e parcerias internacionais, distribuição internacional
e atividades transfronteiriças. Uma interpretação mais
ampla das políticas no nível da instituição incluiria
todas essas declarações, diretrizes ou documentos de
planejamento que abordam pedidos de internacionalização.
Se a instituição fez uma abordagem integrativa e sustentável

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


da internacionalização, implicaria em uma gama de
declarações de políticas e procedimentos, incluindo garantia
de qualidade, planejamento, financiamento, desenvolvimento
de professores, admissão, pesquisa, currículo, apoio ao aluno
e contrato de projeto.
Tradicionalmente, pensava-se em internacionalização
no nível institucional como uma série de estratégias
ou atividades. Essas estratégias foram recentemente
divididas em dois fluxos: o primeiro inclui atividades
de internacionalização que ocorrem principalmente
no campus da instituição, e o segundo diz respeito
às atividades que ocorrem além-fronteiras.
Muitos autores descrevem as razões para que
as instituições incorporem a dimensão internacional
em suas atividades como sinônimo de motivo. As razões
devem tentar responder à seguinte pergunta: Por que 35
as instituições de ensino superior, os governos nacionais,
os órgãos internacionais e o setor privado estão envolvidos
nas atividades de internacionalização das instituições
de ensino superior (IES)?
É importante conhecer as razões, pois diferentes
motivos (econômicos e políticos; culturais e educacionais)
levam a diferentes meios usados pelas IES e,
consequentemente, a diferentes resultados esperados.
Há uma diversidade de grupos estratégicos (stakeholders)
– governo, setor privado, setor educacional – envolvidos com
a educação superior. As razões entre e dentro dos próprios
grupos podem ser modificadas com o tempo, além de terem
hierarquia de prioridades diferentes.
De Wit (2005) tece algumas considerações a respeito
da necessidade de se considerar diferentes razões para
a internacionalização. Para ilustrar, segue a composição
dos diferentes grupos de stakeholders: governo (entidades
regionais – União Europeia, por exemplo – e organismos
internacionais – como as Nações Unidas); setor privado

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
(companhias multinacionais, fundações e companhias
locais e nacionais) e setor educacional (nível institucional,
os acadêmicos, seus departamentos e os estudantes).
Portanto, as razões não obrigatoriamente têm que coincidir
entre os stakeholders; a razão de desenvolvimento pessoal
para um estudante é diferente da razão por segurança
nacional para o setor de governo que, por sua vez, é diferente
do argumento apresentado pelo mercado de trabalho para
uma companhia privada ou multinacional.
As razões têm uma forte influência sobre
a internacionalização da educação superior, porém o “porquê”
não está, em muitos casos, explicitamente formulado.
Ou, como Miura (2006, p. 65) explica, para o caso de algumas
instituições brasileiras, as razões são descritas em termos
gerais, tais como “melhorar a qualidade da educação”
36 ou “aumentar as chances no mercado de trabalho” e, dessa
forma, não podem ser mensuradas.
De acordo Morosini (2008), as IES devem tomar
a iniciativa de internacionalização tendo como base
as recomendações da Associação Internacional de
Universidades (AIU), ligada à Unesco através da

[...] formulação de políticas institucionais


e, especificamente, de currículos para a formação de
cidadãos internacionais e de garantia da qualidade
no processo de internacionalização; expansão
dos fluxos de internacionalização para as regiões
subdesenvolvidas baseada em códigos de ética
internacionais e no desenvolvimento de parcerias
entre iguais; remoção de obstáculos à mobilidade
e o aproveitamento de professores aposentados
no processo; e necessidade de fóruns para
a discussão. (Morosini, 2008, p. 291).

Diante desse contexto, é necessário identificar o motivo,


ou seja, a razão para o desenvolvimento do processo de
internacionalização nas instituições, para que posteriormente

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


se desenvolvam estratégias que atendam a essa demanda
de maneira eficiente, facilitando o desenvolvimento de ações
que integrem valor às instituições. Stallivieri (2017, p. 25)
afirma que a definição clara de estratégias de
internacionalização “facilita o avanço de ações proativas
com vistas à busca de resultados concretos, de ganhos
institucionais e de desenvolvimento equitativo”. Para isso,
cada instituição deve observar o princípio de sua autonomia,
de acordo com os objetivos e razões definidos e consensuais
por parte da comunidade acadêmica.
Segundo Knight (2004), as estratégias de inter-
nacionalização podem ser consideradas programáticas e/ou
organizacionais, adotadas em nível institucional, e podem ser
decorrentes do crescimento da internacionalização das IES.
Elas se tornam importantes para as instituições que querem
desenvolver processos de internacionalização, de maneira 37
que a ausência delas pode acarretar num obstáculo para
que esse processo se desenvolva. Na perspectiva de Bomfim,
Pimentel e Souza (2019), as alianças estratégicas podem ser
vistas como lógicas, tanto acadêmicas quanto econômicas;
como uma lógica motriz ou como um meio ou instrumento
de internacionalização.
As estratégias pragmáticas (programas acadêmicos,
atividades relacionadas à pesquisa, relações exteriores –
doméstico e cross-border – e atividades extracurriculares)
estão mais voltadas para a dimensão internacional do
currículo, harmonização de créditos e acordos internacionais
de pesquisa. Já as estratégias organizacionais (governança,
operações, serviços e recursos humanos) estão relacionadas
às políticas de internacionalização e às razões e objetivos na
missão das IES. Assim, é possível verificar a existência de uma
inter-relação entre as estratégias apresentadas e as razões
e motivações acadêmicas abordadas anteriormente. Outras
técnicas utilizadas para o processo de internacionalização
podem ser consideradas basilares para o “planejamento

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
da estruturação organizacional e apoio às ações”, garantido
a ocorrência das etapas até a sua completa finalização por
meio de “reforma curricular, pesquisas conjuntas, acordos
internacionais, intercâmbio de estudantes e professores”,
considerados pontos essenciais para a internacionalização
de uma instituição (Miura, 2006).
Entretanto, é importante verificar que a formulação
dessas estratégias, das políticas, dos programas e dos plane-
jamentos de internacionalização não garante a efetividade
desse processo, já que pode significar uma simples
formalização das ações que estão sendo desenvolvidas por
parte das IES. Porém, a ausência delas pode ser considerada
um obstáculo para a internacionalização, razão pela qual é
preciso que os atores envolvidos estejam comprometidos
com esse processo. Nessa perspectiva, as instituições têm
buscado se adaptar a essa nova realidade, visando ainda aos
38 benefícios que o processo de internacionalização pode trazer
por meio da consolidação de um modelo acadêmico que
seja capaz de se harmonizar mundialmente (Lima; Maranhão,
2009).
Esse processo pode permitir também que as
instituições se apropriem desses benefícios, dos quais se
destacam: melhoria na qualidade e no conceito dos cursos;
maior autonomia e captação de recursos; enriquecimento
cultural; aperfeiçoamento de docentes e discentes; ampliação
e divulgação de pesquisas; aumento da competitividade;
adequação aos padrões de qualidade no âmbito internacional;
melhoria nos planos e políticas institucionais; e fluência
linguística em outros idiomas (Miura, 2006).
Dessa forma, as instituições precisam ser motivadas para
se apoderarem desses benefícios, promovendo uma melhor
convivência entre os atores envolvidos no processo e influindo
positivamente na vida acadêmica das universidades como um
todo. Outros benefícios ainda podem ser considerados para
as IES, como: redução nas carências de ofertas de intercâmbio
em instituições estrangeiras; maior incentivo para manter

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


a credibilidade dos serviços educacionais; e educação de
alto nível, com formação de parcerias em cooperação com
instituições internacionalmente reconhecidas.
É necessário ressaltar que, diante desse cenário,
o mercado de trabalho vem se apresentando cada vez
mais competitivo e carente de profissionais capacitados,
com conhecimento acerca de outros idiomas e maior
sensibilidade e tolerância às diferentes culturas existentes no
mundo. Assim, o conhecimento de outras culturas e idiomas,
principalmente da língua inglesa, pode ser considerado um
benefício de suma importância para que um profissional
possa se inserir nesse mercado.
O domínio da língua inglesa é imprescindível por ser
a língua mais utilizada nos padrões acadêmicos internacionais,
vista como a linguagem da comunicação nos dias atuais,
e considerada como segunda língua em diversos países. 39
Razão que justifica sua ampla apreensão, considerada como
um dos investimentos que visam ao objetivo de inserção dos
alunos no mercado educacional e profissional transnacional
(Bartel, 2003).
De qualquer modo, o objetivo da inserção internacional
não deve ser apenas um currículo mais internacionalizado
nem um aumento na mobilidade acadêmica por si mesma. Em
vez disso, é importante garantir que os estudantes estejam
mais preparados para viver e trabalhar em um mundo cada
vez mais multicultural. Com base nisso, a real compreensão
dessa dimensão internacional precisa estar integrada às
principais funções do ensino, da pesquisa e da produção
do conhecimento, e embora haja diversos benefícios para a
internacionalização, manter o foco somente nos benefícios
significa ignorar os riscos e as consequências negativas
intrinsecamente envolvidas nesse processo.
A eminência desses riscos vem acirrando inclusive
as discussões sobre a importância da internacionalização
na educação superior, no sentido também de evitar a perda

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
de pessoas capacitadas, já que muitas vezes profissionais
são tentados a migrar para outros países em busca de
melhores salários e melhores condições de trabalho para o
desenvolvimento de suas carreiras.
Assim, alguns riscos podem ser visualizados no
processo de internacionalização, como: educação vista
apenas como um grande negócio; postura colonizada
e imitativa dos padrões americanos; fuga de cérebros
(brain drain); problemas de identidade cultural; inadequação
dos conteúdos da formação adquirida no exterior pelos
estudantes brasileiros; e má gestão do processo de
internacionalização por parte das instituições (Miura, 2006).
Além desses riscos, é preciso considerar alguns
obstáculos que devem ser levados em conta para a devida
efetivação do processo de internacionalização: ausência de
40 políticas públicas; monitoramento e avaliação das atividades;
falta de recursos financeiros; falta de iniciativa federal
mais abrangente; ausência de sensibilização por parte da
comunidade acadêmica; inexistência de estratégias claras
para a internacionalização; e barreiras de comunicação
em língua estrangeira (Knight, 2004).
Knight (2004) considera que a maioria desses
obstáculos que inibem o processo de internacionalização
é consequência de fatores relacionados aos aspectos
organizacionais das IES. Logo, é preciso que as instituições
estejam comprometidas com o desenvolvimento de políticas
formais de internacionalização por meio dos seus setores,
principalmente o de relações internacionais. A ausência
de uma política formalmente institucionalizada esbarra na
alta administração por meio da qualificação do seu quadro
de servidores que dão suporte a essas atividades. Nesse
aspecto, caso não haja uma formação adequada e sólida,
esses servidores podem deixar de exercer suas funções
com a mudança da gestão, impedindo maior qualificação
e desenvolvimento das suas habilidades técnicas.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


[...] a descontinuidade nos trabalhos, resultantes da
mudança dos gestores das assessorias, coordenações,
diretorias ou secretarias de relações ou de cooperação
internacional, a existência de pessoal fixo e qualificado
de apoio às suas atividades, acrescidas pela ausência
de políticas duradoras de caráter institucional se
referem, em muitos casos na baixa qualidade dos
resultados obtidos (Laus, 2012, p. 125).

Essa carência de apoio técnico pode dificultar


a implementação de programas e estratégias de
internacionalização, impedindo o desenvolvimento de uma
gestão e uma equipe de trabalho com as qualificações
necessárias ao exercício das funções e, ainda, pode gerar
falta de interesse em investimentos e captação de recursos.
Outro obstáculo a ser destacado trata da transferência de
créditos em relação à mobilidade discente, já que deveria
haver uma padronização do sistema de educação superior 41
para que esses estudantes não fossem prejudicados.
Diante de tais aspectos, as políticas, as razões
e as estratégias de internacionalização possibilitam às
universidades a formação de recursos humanos qualificados
e avanços científicos. “A expectativa geral amplamente
compartilhada é de que a internacionalização contribuirá
para a qualidade e relevância do ensino superior em um
mundo mais interligado e interdependente” (Knight, 2008,
p. 9). Entretanto, em conformidade com a autora, entende-se
que o processo de internacionalização precisa ser revisto
e constantemente avaliado.

A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A PÓS-GRADUAÇÃO


BRASILEIRA NO ÂMBITO INTERNACIONAL

A pós-graduação tem sua origem datada de 1930,


nos moldes usados pelas primeiras universidades brasileiras
que atraíam professores estrangeiros que desembarcavam
no Brasil “em missões acadêmicas que contavam com

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
a colaboração do governo europeu” (Stallivieri, 2017,
p. 34). Em 1952, mediante acordos entre os Estados Unidos
da América e o Brasil, foram firmados convênios entre escolas
e universidades de ambos os países, que permitiam tanto
“a saída de brasileiros para estudar na América do Norte,
quanto a entrada de pesquisadores e professores para atuar
em cursos de pós-graduação no Brasil” (Santos, M. 2015, p. 48).
A partir de 1960, a economia brasileira e a educação
foram marcadas pela influência internacional de maneira
significativa, por meio da participação de agentes externos
inseridos na política nacional. Porém, essa influência foi
considerada responsável pela aquisição de mais conteúdo
acadêmico no contexto da educação superior, principalmente
para os cursos de pós-graduação.
Com a aprovação do Parecer CEF nº 977, de 3 de
42 dezembro de 1965, surge o formato institucional da
pós-graduação brasileira já com uma atividade mais autônoma
por meio da organização de departamentos. Nesse período, a
pós-graduação foi submetida a um conjunto mais consistente
de políticas que lhe permitiu crescer com qualidade.
Na década de 1970, o número de docentes qualificados
nos cursos de pós-graduação ainda era bastante reduzido,
e isso justificou o envio de professores para o exterior, com
o objetivo de melhorar as qualificações existentes e adquirir
novas. Esse procedimento possibilitou que os cursos de
pós-graduação dessem um salto na definição de políticas
de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico do
País. Martins (2002, p. 70) afirma que nas últimas três
décadas o Brasil “construiu um sistema de pós-graduação
que constitui a parte mais exitosa do seu sistema de ensino,
sendo considerado de forma unanime como o maior e melhor
da América Latina”.
Com o passar dos anos, o governo brasileiro
desenvolveu alguns documentos importantes, como:
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), os

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Plano Nacional
de Pós-Graduação (PNPG), que apresentavam características
desse novo modelo educacional de maneira mais cooperativa
e solidária, no intuito de contribuir para a melhoria da
formação de pesquisadores, docentes e discentes através
da troca de experiências com pessoas de todo o mundo.
A Política Nacional de Ciência e Tecnologia, determinada pelos
PNPGs, tinha como objetivo a expansão da pós-graduação e a
qualificação desses profissionais. Nessa época, aprimorou-se
também o sistema de avaliação baseado no julgamento
por pares, estabelecendo um padrão mínimo de qualidade
acadêmica para os cursos de pós-graduação no Brasil.
Somente a partir dessa legalização, a pós-graduação
brasileira foi ganhando mais espaço no cenário educacional
por meio da criação de leis, decretos, programas e instituições
que estimulavam ainda mais as atividades nessa área. Esses 43
anos foram marcados por mudanças, reformas na sociedade
e na economia brasileira, o que acarretou fortes impactos no
sistema de educação superior. As agências de fomento, tais
como Capes e CNPq, também começaram a oferecer maior
apoio por meio de recursos para capacitação de pessoal
e desenvolvimento tecnológico voltado para a pós-graduação.
Atualmente, o PNPG 2011-2020 tem como objetivo
definir novas diretrizes, estratégias e metas para dar
continuidade a esse desenvolvimento, avançando ainda
nas propostas para uma política de pós-graduação
e pesquisa no Brasil de qualidade, inclusive inserindo o aspecto
internacional, de acordo com as seguintes modalidades,

• Ampliação do atual modelo de parceria institucional,


dentro de uma relação de reciprocidade e simetria
entre as instituições nacionais e estrangeiras;

• Intensificação dos programas de intercâmbio,


visando ao compartilhamento na orientação
de doutorandos com pesquisadores atuando

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
no exterior em áreas de interesse estratégico
para o país;

• Apoio ao estágio de pós-doutoramento para


jovens doutores, tendo como base a qualidade
do projeto a ser desenvolvido;

• Ampliação do intercâmbio institucional


de estudantes de graduação, visando a seu futuro
ingresso na pós-graduação;

• Estímulo a parcerias e formação de redes


de pesquisa na cooperação Sul-Sul, como
suporte à formação de recursos humanos em
áreas prioritárias e de interesse comum (Brasil.
Mec. Capes, 2010, p. 35-36).

44 Sendo assim, a busca pela cooperação, pela qualificação,


pela formação de recursos humanos, pelo incentivo
ao desenvolvimento científico e tecnológico, entre outros,
está prevista nesse plano como diretrizes para a efetivação
do processo de internacionalização da educação superior.

As políticas de cooperação internacional e de


formação de recursos humanos no exterior devem
visar ao aprimoramento do sistema nacional de pós-
graduação considerando o avanço do conhecimento.
(Barreto, 2006, p. 169).

As discussões sobre a educação superior dentro das IES


passaram a incorporar tendências internacionais por meio da
criação de programas de mobilidade, intercâmbios, acordos e
convênios e ainda de setores que tratam exclusivamente de
demandas no âmbito internacional. Na visão de Shultz (2014),
a educação superior na contemporaneidade presencia
uma pressão muito forte para que “gestores universitários,
ao redor do mundo, construam redes internacionais de
parcerias corporativas, almejando-se, assim, uma reputação

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


que legitimaria a educação aos olhos dos negócios
internacionais” (Shultz, 2014, p. 17).
Nesse cenário, as reflexões e os conceitos
apresentados estabelecem interfaces com o entendimento
de que a universidade, com base em uma realidade histórica,
política e social, “deve atuar de forma eficaz e eficiente
para que ocorra a busca pelo conhecimento, tornando-se
lugar privilegiado para a produção e mediação do saber
sistematizado” (Pimentel; Queiroz; Coité, 2019, p. 19).
Com isso, os setores de assessorias internacionais têm a
finalidade de auxiliar as universidades brasileiras, bem como
estruturá-las para cooperação direta, que até então era
privilégio de órgãos oficiais como governo e seus ministérios.
A criação de assessorias e secretarias, nessa perspectiva, vem
estimulando o processo de internacionalização nas IES, por
se tratar do setor responsável pelo acompanhamento das 45
atividades internacionais, atuando com os demais setores
das instituições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No debate existente sobre seu significado, o termo


“internacionalização” é definido, muitas vezes, como uma
atividade isolada ou um conjunto de atividades, como
o intercâmbio de estudantes, a interculturalidade e a
mobilidade docente. O comprometimento com o processo
institucional da política de internacionalização é evidenciado
em termos de ações, atitudes e demandas, de forma que
esse compromisso vem sendo construído à medida que seus
atores se acercam da importância da internacionalização.
A internacionalização não pode ser imposta em moldes
únicos a todas as IES, da mesma forma como vem
ocorrendo em escala global a partir dos movimentos de
homogeneização da educação superior. Antes, esse processo
necessita estar fundamentado no diálogo e na compreensão

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
de internacionalização como uma estratégia de nível
institucional que necessita avançar para beneficiar
a comunidade acadêmica e a sociedade.
Para isso, deve ser caracterizada por ações
contínuas que dependem do estabelecimento de objetivos
institucionais e, consequentemente, da tomada de decisões
administrativas, financeiras e acadêmicas entre os diversos
setores da instituição mais diretamente envolvidos nesse
processo.
Diante desse contexto, internacionalizar requer
planejamento e investimento para que seja criada uma
estrutura de apoio às atividades relacionadas às questões
internacionais, a fim de possibilitar que as IES se tornem
visíveis e respeitadas para competir no mercado educacional
internacional. Para isso, é necessário haver maior vontade
46 política, por meio de objetivos claramente definidos
e estratégias para a realização de ações com efetiva
cooperação internacional. Sem isso, é possível constatar
a inexistência de um processo de internacionalização.
É necessário que a instituição e os atores envolvidos
tenham clareza desses aspectos para a construção de uma
política que atenda aos objetivos institucionais previamente
estabelecidos pela comunidade acadêmica, contribuindo
para o amadurecimento científico de toda a instituição.
A ausência de uma política de internacionalização
institucionalizada é considerada o maior obstáculo
no processo que define melhor as ações, direciona
melhor os recursos financeiros e contribui para uma
melhor operacionalização e para o desenvolvimento de
diferentes estratégias de caráter internacional. Os desafios
e as fragilidades têm relação direta com a implantação
de uma cultura institucional, no que tange ao processo
de internacionalização.
Nesse sentido, o conceito de internacionalização
é enfatizado pelo aspecto efetivo da necessidade de se

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


constituir uma política de internacionalização na educação
superior, tendo como pilares fundantes a comunicação
e a difusão do conhecimento, a formação de sujeitos,
a interculturalidade com a comunidade externa e interna
e a internacionalização do currículo. O intercâmbio e a
interculturalidade influenciam na formação dos sujeitos
nas instituições de educação superior.

Referências

ALTBACH, P. Globalization and the university: myths and realities in


unequal world. Tertiary Education and Management, [S.l.], v.10, n. 1,
p. 3-25, Jan. 2004.

BARRETO, F. C. de S. O futuro da pós-graduação brasileira.


In: STEINER; J. E.; MALNIC, G. (Org.). Ensino superior: conceito
e dinâmica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

BARTELL, M. Internationalization of universities: a university culture- 47


based framework. High Education, Manitoba, v. 45, n. 1, p. 43-70,
Jan. 2003.

BOMFIM, N. R.; PIMENTEL, G. S. R.; SOUZA, M. S. Contexto


da internacionalização na contemporaneidade: desafios
e perspectivas da Universidade do Estado da Bahia. Revista FAEEBA:
Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 28, n. 55, p. 112-126,
maio/ago. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação (Mec). Conselho Federal de Educação


(CFE). Parecer nº 977, de 3 de dezembro de 1965. Documenta,
Rio de Janeiro, nº 44, dez. 1966. p. 67-88.

BRASIL. Ministério da Educação (Mec). Coordenação


de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Plano
Nacional de Pós-Graduação (PNPG): 2011-2020. Brasília, DF: CAPES,
2010. (V. 1)

DE WIT, H. Internationalisation of higher education: nine


misconceptions. In: DE WIT, H. et al. Internationalisation revisited:
new dimensions in the internationalisation of higher education.
Amsterdam: Carem, 2011.

DE WIT, H. Internationalization of higher education in Latin America:


a historical, comparative, and conceptual analysis. Westport:
Greenwood Press, 2002.

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
DE WIT, H. et al. Internationalization of higher education in Latin America:
the international dimension. Washington: World Bank, 2005.

GÁCEL-ÁVILA, J. La internacionalización de la educación superior:


paradigma para la cidadania global. Guadalajara: Universidade
de Guadalajara, 2003.

GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora


Universidade Estadual Paulista, 1991.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro:


DP&A Editora, 2000.

HUDZIK, J. K.; STOHL, M. Modelling assessment of the outcomes


and impacts of internationalization. In: DE WIT, H. (Ed.). Measuring
success in the internationalisation of higher education. Amsterdam:
European Association for International Education, 2009. (European
Association for International Education Occasional Paper, 22).

KNIGHT, J. Higher education in Latin America: the international


dimension. Journal of Studies in International Education, [S.l.], v. 12,
n. 4, 2008.
48
KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches
and rationales. Journal of Studies in International Education, [S.l.], v.8,
n.1, 2004.

LAUS, S. P. A internacionalização da educação superior: um estudo


de caso da Universidade Federal de Santa Catarina. 2012. 332
f. Tese (Doutorado em Administração) – Escola de Administração,
Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Salvador,
2012.

LIMA, M. C.; MARANHÃO, C. M. S. de A. O Sistema de Educação


Superior Mundial: entre a internacionalização ativa e passiva.
Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Sorocaba,
v. 14, n. 3, p. 583-610, nov. 2009.

MARTINS, C. B. A formação do sistema nacional de pós-graduação.


In: SOARES, M. S. A. (Coord.). Educação Superior no Brasil. Porto
Alegre: Instituto Internacional para a Educação Superior na América
Latina e no Caribe, 2002. p. 70-89.

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. Tradução: Isa Tavares.


2.ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

MIURA, I. K. O processo de internacionalização da Universidade


de São Paulo: um estudo de três áreas de conhecimento. 2006. 381
f. Tese (Livre Docência) – Faculdade de Economia, Administração

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e Contabilidade de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, 2006.

MOROSINI, M. C. Estado do conhecimento sobre a internacionalização


da educação superior: conceitos e práticas. Revista Educar, Curitiba,
n.28, p. 107-124, jul./dez. 2006.

MOROSINI, M. C. Internacionalização da Educação Superior no Brasil


pós-LDB: o impacto das sociedades tecnologicamente avançadas.
In: BITTAR, M.; OLIVEIRA, J. F. de; MOROSINI, M. C. (Org.). Educação
superior no Brasil: 10 anos pós-LDB. Brasília, DF: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008, p. 285-304.
(Coleção Inep 70 anos, v. 2).

MOROSINI, M. C. Internacionalização na produção de conhecimento


em IES Brasileiras: cooperação internacional tradicional e cooperação
internacional horizontal. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27,
n. 1, p. 93-112, abr. 2011.

PIMENTEL, G. S. R.; QUEIROZ, K. C. A. de L.; COITÉ, S. L. S. Educação


Superior em debate e os desafios da contemporaneidade: políticas,
gestão e docência. In: PIMENTEL, G. S. R.; QUEIROZ, K. C. A. de L.;
49
COITÉ, S. L. S. (Org.). Educação Superior: políticas, gestão e docência.
Curitiba: Editora CRV, 2019.

RUDZKI, R. The strategic management of internationalization: towards


a model of theory and practice. 1998. 331 f. Thesis (Doctorate
in Philosophy) – School of Education, University of Newcastle,
Newcastle upon Tyne, 1998.

SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura


política. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS, B. de S. A Universidade do século XXI: para uma reforma


democrática e emancipatória. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político


na pós-modernidade. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2013.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único


à consciência universal. Rio de Janeiro: Editora Record, 2015.

SCHARDONG, M. M. Desafios à institucionalização da internaciona-


lização na Universidade de Brasília. 2017. 191 f. Dissertação (Mestrado
em Gestão Educacional ) – Unidade Acadêmica de Pesquisa
e Pós-Graduação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Porto
Alegre, 2017.

SHULTZ, L. Novas agendas para a internacionalização da educação


superior: rumo a opções descoloniais e futuros pluriversos.

VOLUME III | EDUCAÇÃO SUPERIOR E INTERFACES COM


A INTERNACIONALIZAÇÃO INSTITUCIONALIZADA
In: CUNHA, C. da; JESUS, W. F. de; GUIMARÃES-IOSIF, R. (Org.).
A educação em novas arenas: políticas, pesquisas e perspectivas.
Brasília: Líber Livro, 2014.

STALLIVIERI, L. As dinâmicas de uma nova linguagem intercultural na


mobilidade acadêmica internacional. 2009. 234f. Tese (Doutorado em
Línguas Modernas) – Universidad del Salvador, Buenos Aires, 2009.

STALLIVIERI, L. Estratégias de internacionalização das universidades


brasileiras. Caxias do Sul: Editora da Universidade de Caxias do Sul,
2004.

STALLIVIERI, L. Internacionalização e intercâmbio: dimensões


e perspectivas. Curitiba: Appris, 2017.

Nota autobiográfica

Gabriela Sousa Rêgo Pimentel, pós-doutora e doutora em


Educação, com ênfase em Políticas Públicas, Economia e Gestão da
50
Educação, é professora titular da Universidade do Estado da Bahia,
atuando como coordenadora institucional de mobilidade acadêmica
e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em
Educação e Contemporaneidade (PPGEduC). Líder do grupo de
pesquisa Educatio – Políticas Públicas e Gestão da Educação.

Natanael Reis Bomfim, pós-doutor em Educação e Turismo pelo


Instituto de Pesquisa em Turismo da Universidade de Paris 1, é PhD
em Educação pela Universidade do Québec, em Montreal. Mestre
em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Professor pleno
da Universidade do Estado da Bahia, atuando como secretário de
relações internacionais e docente do Programa de Pós-Graduação
em Educação e Contemporaneidade. Líder do Grupo Interdisciplinar
de Pesquisa em Educação e Sustentabilidade.

Mateus Santos Souza, mestrando em Educação e Contem-


poraneidade pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade (PPGEduC) na Universidade do Estado da
Bahia (Uneb), é especialista em Política e Relações Internacionais
pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
Graduado em Administração pela Universidade Ibirapuera (Unib).
Membro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Representações,
Educação e Sustentabilidade (Gipres).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Perspectivas
da formação continuada
docente no Instituto
Federal de Brasília à luz
de documentos norteadores
locais, nacionais
e internacionais
Carolina Novaes Xavier de Lima Reynaldo
Cecília Cândida Frasão Vieira
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a2

53
Resumo
O corpo docente dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia é composto por profissionais oriundos
de diversas áreas de formação e com experiências laborais
também diversificadas. Esse retrato do corpo docente
corresponde à própria gama de eixos formativos presentes
nas propostas educativas dos institutos. Uma das possibi-
lidades de convergência pedagógica de tão heterogêneo
grupo é a formação continuada docente. O marco formativo,
apresentado no calendário oficial da instituição, é o Encontro
Pedagógico Unificado. O objetivo deste estudo é analisar as
intenções de formação continuada nos Encontros Pedagó-
gicos Unificados, nas edições realizadas nos anos de 2018,
2019 e 2020, à luz de documentos norteadores de abrangência
internacional, nacional e local, a saber: Quadro Europeu de
Competência Digital para Educadores, Agenda 2030 OCDE,
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Plano
Nacional de Educação 2014-2024, Plano de Desenvolvimento

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Institucional 2019-2023 e Projeto Pedagógico Institucional.
A análise permitiu identificar que a formação docente é
uma preocupação da instituição, entretanto, parece haver
uma disparidade na compreensão da processualidade
que deve permear as atividades formativas continuadas.
Também foi possível perceber que há necessidade de
aprofundamento das discussões sobre as competências
docentes trazidas nos documentos norteadores, haja vista
a relevância para o sistema educacional brasileiro e para
a sociedade como um todo.

Palavras-chave: formação continuada do professor; educação


profissional; educação tecnológica; Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia. 

54 Abstract
Perspectives from continuing teacher formation at the
Instituto Nacional de Brasilia in light of the guiding local,
national and international documents

The teaching staff of the Federal Institute of Education, Science,


and Technology has professionals from varied fields and working
experiences. This diversified teaching team mirrors the plethora
of formative axes in the educational proposals of the institutes.
One of the possibilities of pedagogical convergence of such a
diverse group is continuing education. The Encontro Pedagógico
Unificado, as seen in the official calendar of the institution, marks
a formative occasion. This paper analyses the aims for continuing
education at these events, – for the 2018, 2019, and 2020
editions –, in light of the guiding local, national and international
documents, which are: the Digital Competence Framework for
Educators, OECD 2030 Agenda, the document “Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional”, the “Plano Nacional de Educação
2014-2024”, the “Plano de Desenvolvimento Institucional 2019-
2023”and “Projeto Pedagógico Institutional”. The analysis

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


revealed the institution’s concern with continuing teacher
formation, however, it appears there is some inconsistency in the
process that compose the continuing teacher formation activities.
It is also noticeable that there is a need for further discussion on
the teacher skills approached in the guiding documents, seeing
its importance for the Brazilian educational system and for the
society as a whole.

Keywords: continuing teacher formation; professional training;


technological education; Federal Institute of Education, Science,
and Technology. 

Resumen
Perspectivas de la formación continua del profesorado
en el Instituto Federal de Brasilia a la luz de documentos
orientadores locales, nacionales e internacionales
55
El personal docente de los Institutos Federales de Educación,
Ciencia y Tecnología está compuesto por profesionales
de diferentes áreas de formación y con experiencias laborales
diversificadas. Este retrato del personal docente corresponde
a la propia gama de ejes formativos presentes en las propuestas
educativas de los institutos. Una de las posibilidades de
convergencia pedagógica de un grupo tan heterogéneo es la
formación continua del profesorado. El hito formativo, presentado
en el calendario oficial de la institución, es el Encuentro Pedagógico
Unificado. El objetivo de este estudio es analizar las intenciones de
formación continua en los Encuentros Pedagógicos Unificados,
en las ediciones celebradas en los años 2018, 2019 y 2020,
a la luz de documentos orientadores de ámbito internacional,
nacional y local, a saber: Marco Europeo de Competencia Digital
para Educadores, Agenda 2030 de la OCDE, Ley de Directrices
y Bases de la Educación Nacional, Plan Nacional de Educación
2014-2024, Plan de Desarrollo Institucional 2019-2023
y Proyecto Pedagógico Institucional. El análisis permitió identificar
que la formación docente es una preocupación de la institución,

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
sin embargo, parece existir una disparidad en la comprensión
de la procesalidad que debe permear las actividades de formación
continua. También se pudo percibir que existe la necesidad de
profundizar las discusiones sobre las competencias docentes
traídas en los documentos orientadores, dada la relevancia para
el sistema educativo brasileño y para la sociedad en su conjunto.

Palabras clave: formación continua del profesorado; educación


profesional; educación tecnológica; Instituto Federal de
Educación, Ciencia y Tecnología. 

Introdução

A criação da Rede Federal de Educação Profissional


Científica e Tecnológica data do ano de 2008, com o marco
56
regulatório trazido por intermédio da Lei nº 11.892, em um
contexto de institucionalização da educação profissional e
tecnológica como política pública. Compõem a Rede, entre
demais instituições, os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia que ofertam educação em diversos
níveis e modalidades, tendo como eixo articulador entre
eles a profissionalização, em estreita associação aos saberes
sistematizados das ciências e da cultura geral. Essa amplitude
de atendimento requer um profissional docente cujo trabalho
se expanda na dimensão de sua atuação e nos saberes
e competências que precisa ter consolidado.
A licenciatura não é um pré-requisito para o exercício
da docência nos institutos federais, por esse motivo,
o grupo docente é composto por perfis formativos muito
heterogêneos, oriundos das licenciaturas e dos bacharelados,
como também de qualificações – em cursos de pós-graduação
– com percursos formativos muito diferenciados. Ainda que
a identidade dos institutos, assim como sua missão, seja
muito bem definida, a formação continuada docente constitui

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


desafio a ser implementado – tanto como política pública,
oriunda das instâncias superiores, quanto como ação local,
desenvolvida em cada um dos institutos por todo o País.
Conforme o documento Um novo modelo em educação
profissional e tecnológica – concepções e diretrizes, os institutos
devem oferecer, na educação superior, cursos de licenciatura
e tecnólogos, tendo como suporte os cursos ofertados no
nível anterior, a fim de proporcionar a verticalização (Brasil.
MEC, 2010).
Considerando a heterogeneidade de percursos
formativos do grupo docente e a necessidade de conver-
gência para a missão definida para os institutos federais,
a formação continuada em serviço se configura como uma
das possibilidades para capacitação desses profissionais.
No Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Brasília, são mais de 20 cursos na educação superior 57
– de graduação e de pós-graduação – e as ações locais
de formação continuada também abarcam tais professores.
Como uma das ações empreendidas institucio-
nalmente voltada à formação continuada docente, destaca-se
o Encontro Pedagógico Unificado, desenvolvido como
preparação para o retorno das atividades escolares, no início
do ano letivo, considerando a multiplicidade de atribuições
implicadas no exercício docente plural e heterogêneo e de
ampla abrangência – desde a educação básica até a educação
superior.
À luz de documentos norteadores de abrangência
internacional, nacional e local, analisamos intenções de
formação continuada neles descritas e correlacionamos
com alguns aspectos do Encontro Pedagógico Unificado,
nas edições realizadas nos anos de 2018, 2019 e 2020.
Os documentos analisados e sua abrangência estão
relacionados no Quadro 1.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Quadro 1
Relação dos documentos para análise x abrangência

Nomenclatura Abrangência
Quadro Europeu de Competência Digital para
Internacional
Educadores
Agenda 2030 – Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico Internacional
(OCDE)
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Nacional
– Lei nº 9.394/96
Plano Nacional de Educação (2014-2024) Nacional
Plano de Desenvolvimento Institucional
Local
(2014 a 2018 e 2019-2023)
Projeto Pedagógico Institucional Local
Fonte: Elaboração própria.

58 Para possibilitar a correlação entre os documentos


supracitados – no que se refere à formação continuada
docente – e o Encontro Pedagógico Unificado, observamos
a adesão do corpo docente, a temática desenvolvida e
as ações – oficinas, palestras, seminários – dela oriundas,
nas três edições.
A formação prevista em legislação para o exercício
docente na educação superior se dá em cursos de
pós-graduação, prioritariamente, de mestrado e de
doutorado. Dessa forma, a consolidação e o desenvolvimento
de questões de cunho didático-pedagógico não são condições
iniciais requeridas para esse exercício, o que dimensiona
como fator ainda mais importante a formação continuada
docente.

Quadro Europeu de Competência Digital para


Educadores (DigCompEdu)

No ano de 2005, tendo como finalidade subsidiar


decisões governamentais a respeito de inovação na educação,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


com base em evidências, iniciou-se uma pesquisa sobre
aprendizagens e competências para a era digital no âmbito
da comunidade europeia.
Em virtude dos desdobramentos de tal pesquisa, foram
elaborados quadros de competências digitais em diferentes
dimensões, entre eles o Quadro Europeu de Competência
Digital para Educadores. O objetivo desse documento é o de

[...] aproveitar o potencial das tecnologias digitais para


inovar práticas de educação e formação, melhorar o
acesso à aprendizagem ao longo da vida e lidar com
o aparecimento de novas competências (digitais)
necessárias para o emprego, desenvolvimento
pessoal e inclusão social. (Lucas; Moreira, 2018, p. 7).

O Quadro é dimensionado em três competências


de ampla abrangência: profissionais dos educadores;
59
pedagógicas dos educadores; e promoção das competências
dos aprendentes. A partir dessas três dimensões, são
organizadas, por seis áreas, 22 competências elementares,
conforme expõe a Figura 1.

Competências
Competências pedagógicas dos educadores Competências
dos educadores dos aprendentes

2 RECURSOS DIGITAIS 3 ENSINO E


APRENDIZAGEM
2.1 Seleção
3.1 Ensino
1 ENVOLVIMENTO 2.2 6 PROMOÇÃO
PROFISSIONAL 3.2 Orientação DA COMPETÊNCIA
2.3 Gestão, proteção e DIGITAL DOS
partilha 3.3 Aprendizagem
1.1 Comunicação colaborativa APRENDENTES
institucional
3.4 Aprendizagem 6.1 Literacia
1.2 Colaboração autorregulada da informação
e dos média
1.3
6.2 Comunição e
1.4 DPC digital colaboração
4 AVALIAÇÃO 5 CAPACITAÇÃO DOS
APRENDENTES 6.3 Criação de conteúdo
4.1 Estratégias de avaliação 6.4 Uso responsável
5.1 Acessibilidade e inclusão
4.2 Análise de evidências 6.5 Resolução de
5.2 Diferenciação e problemas
4.3 Feedback personalização
5.3 Envolvimento ativo

Figura 1
Quadro Europeu de Competência Digital para Educadores (DigCompEdu)
Fonte: Lucas; Moreira (2018, p. 8).

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
A proposta do Quadro é servir como um norteador
para o desenvolvimento das competências digitais, por isso
mesmo, ele pode – e deve – ser pensado e adaptado a cada
contexto e propósito educacionais (Lucas; Moreira, 2018).
A cada área corresponde um nível de progressão que
vai desde a prática digital mais elementar até a criação de
compartilhamento das práticas construídas e crítica das
existentes. Esses níveis podem ser compreendidos como um
suporte para que educadores consigam avaliar em que nível
se encontram e quais são as competências que precisarão
desenvolver ou consolidar para atingirem os demais.
A docência na era digital traz desafios que ultrapassam
a competência na especificidade de cada disciplina ou área.
Além dessa competência – e daquelas vinculadas diretamente
à inteligência emocional de gestão de suas aulas –, o exercício
60 da docência pressupõe a consolidação das competências
digitais, na perspectiva pedagógica (Castro; Andrade; Lagarto,
2013).
Na Figura 2, é possível observar a progressão desses
níveis e a correspondência às áreas definidas no Quadro
Europeu de Competência Digital para Educadores.

1 - Recém-chegado Envolvimento profissonal Assimiliação de nova


informação e prática de
2 - Explorador Recursos digitais atividades digitais básicas

3 - Integrador Ensino e aprendizagem Aplicação, ampliação e


estruturação das práticas
4 - Especialista Avaliação digitais

5 - Líder Capacitação dos aprendentes Compartilhamento das


práticas consolidadas,
6 - Pioneiro Promoção da competência digital crítica do material existente
dos aprendentes e criação de novas práticas

Figura 2
Leitura simplificada do Quadro Europeu
de Competência Digital
Fonte: Elaboração própria.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


O desenvolvimento desses níveis, em direção à
consolidação de competências digitais docentes, pode
proporcionar maior inserção da instituição educativa na
era digital assim como melhor desenvolvimento estudantil,
desencadeando ações que se estendem por toda a sociedade
e demais cidadãos.
A evolução desse mundo digital – e suas implicações
– precisa também ser apropriada e refletida nos espaços
de educação formal, a fim de que não esteja a escola
preparando cidadãos para desempenharem funções que
estarão obsoletas daqui a alguns anos. Por isso mesmo, mais
do que elencar um rol de conteúdos, postos e engessados
em documentos burocráticos, é importante estabelecer
como formar cidadãos que tenham autonomia, criatividade,
criticidade e inovação, permeando todas as atividades
escolares. 61
Sobre essa mudança de perfil para o mundo do trabalho
das próximas décadas parecer distante, Harari (2018, p. 43)
afirma que

[...] a ameaça de perda de emprego não resulta


apenas de ascensão da tecnologia da informação, mas
de sua confluência com a biotecnologia. O caminho
que vai do escâner de ressonância magnética ao
mercado de trabalho é longo e tortuoso, mas ainda
assim poderá ser percorrido em poucas décadas.
O que os neurocientistas estão aprendendo hoje
sobre a amígdala e o cerebelo pode permitir que
computadores superem psiquiatras e guarda-costas
humanos em 2050.

Cientes de todas essas mudanças em curso


e preocupados com o desenvolvimento social, econômico
e cultural, é possível identificar que alguns organismos
internacionais têm dado mais atenção aos processos de
formação continuada, incluindo a docente. Assim como
a Comissão Europeia iniciou pesquisas em 2005 sobre as

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
competências necessárias para a era digital, a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
por meio de um documento denominado Agenda 2030,
também busca norteadores para o desenvolvimento
sustentável global nas dimensões econômica, social
e ambiental.

Agenda 2030 – Organização para


a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE)

O Brasil mantém cooperação com a OCDE desde


1990 e é considerado um parceiro-chave. Isso significa que o
país pode participar de diferentes frentes estabelecidas por
essa organização desde resolução instituída em 16 de maio
de 2007 (OECD, [2018b]).
62
Essas participações, às vezes, são contraditórias,
a depender do contexto político. Como exemplo, tem-se
a constituição da Comissão Nacional para os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável,

[...] com a finalidade de internalizar, difundir e dar


transparência ao processo de implementação da
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
da Organização das Nações Unidas, subscrita pela
República Federativa do Brasil. (Brasil, 2016, p. 1).

Embora esta tenha sido revogada em 2019, por meio


do Decreto nº 10.179 de 18 de dezembro, ainda há, no Paraná,
acordo formal com a OCDE para implementar a Agenda 2030:

O Paraná é pioneiro na implementação regional


da Agenda 2030 e é o único estado brasileiro a
trabalhar em conjunto com a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
para concretizar a missão de dirimir desigualdades
e integrar crescimento econômico com respeito ao
meio ambiente. A missão internacional vai analisar o

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


engajamento paranaense na causa em um ano e vai
emitir um relatório de aperfeiçoamento de gestão.
(Paraná. Agência de Notícias do Paraná, 2019).

A Agenda 2030 é o produto de uma discussão mundial


promovida pela Organização das Nações Unidas e seus países
membros. É um plano de ação composto por 17 objetivos
e 169 metas associadas que são integradas e indivisíveis e
buscam alcançar o desenvolvimento sustentável, em três
dimensões integradas, de forma equilibrada, econômica,
social e ambiental, no âmbito global, “é abrangente, de longo
alcance e centrado nas pessoas” (ONU, [2015], p. 3).
Para fazer o acompanhamento das propostas, a OCDE.

[...] está trabalhando para criar a Plataforma Online


de Monitoramento de Coerência da OCDE, onde haverá
possibilidade de acompanhamento da implementação
da Agenda 2030 em cada Estado-Nação a partir das 63
prioridades nacionais. As aspirações são priorizadas
para cada ano: garantir que ninguém seja deixado
para trás (2016), garantir a segurança alimentar (2017),
tornar as cidades sustentáveis (2018) e empoderar as
pessoas garantindo a inclusão (2019). O ODS 173 será
pensado nos meios de implementação todos os anos.
(Aguiar, 2017, p. 4, grifo da autora).

Como toda mudança que prescinde e valoriza o


humano, a educação tem papel fundamental na construção
do conhecimento e na formação do indivíduo. De tal maneira
que os esforços concentrados para cumprir os objetivos e
metas relacionados aos processos educativos são descritos
nos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) para
a educação como, mais especificamente, o “[...] objetivo 4.
Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade,
e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da
vida para todos” (ONU, [2015], p. 18).
Esse objetivo tem abrangência maior que as políticas
internacionais para a educação nas décadas anteriores,

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
cujos incentivos eram maiores na oferta da educação básica,
por exemplo, o Programa Internacional para Avaliação de
Estudantes (Pisa), haja vista que “ao longo da vida” pressupõe
uma formação com continuidade, que alcance níveis mais
elevados, como prescrevem as metas:

4.3 Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para


todos os homens e mulheres à educação técnica,
profissional e superior de qualidade, a preços
acessíveis, incluindo universidade

[...]

4.5 Até 2030, eliminar as disparidades de gênero


na educação e garantir a igualdade de acesso a
todos os níveis de educação e formação profissional
para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com
deficiência, povos indígenas e as crianças em situação
de vulnerabilidade.
64 [...]

4.b Até 2020, substancialmente ampliar globalmente


o número de bolsas de estudo para os países em
desenvolvimento, em particular os países menos
desenvolvidos, pequenos Estados insulares em
desenvolvimento e os países africanos, para o ensino
superior, incluindo programas de formação profissional,
de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos,
de engenharia e programas científicos em países
desenvolvidos e outros países em desenvolvimento.
(ONU, [2015], p. 23-24, grifo nosso).

Essas metas apontam que o acesso ao ensino superior


não é apenas o alcance de um nível na educação formal.
Esse ingresso é adjetivado com o termo qualidade, incluindo
universidade que prevê a tríade pesquisa e extensão aliadas
ao ensino, a presença da diversidade no contexto do ensino
superior e a presença da tecnologia da informação e da
comunicação, engenharia e programas científicos, inclusive
nos países em desenvolvimento. Ou seja, exige que a oferta
do ensino superior extrapole a de cursos tradicionais como

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Medicina e Direito, atendendo a uma nova realidade mundial
de novos postos de trabalho e de relações humanas que
tendem a superar barreiras sociais e econômicas. Conforme
se percebe nas metas:

4.4 Até 2030, aumentar substancialmente o número


de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes,
inclusive competências técnicas e profissionais, para
emprego, trabalho decente e empreendedorismo

[...]

4.7 Até 2030, garantir que todos os alunos


adquiram conhecimentos e habilidades necessárias
para promover o desenvolvimento sustentável,
inclusive, entre outros, por meio da educação
para o desenvolvimento sustentável e estilos de
vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade
de gênero, promoção de uma cultura de paz e
não violência, cidadania global e valorização da 65
diversidade cultural e da contribuição da cultura para
o desenvolvimento sustentável. (ONU, [2015],
p. 23, grifo nosso).

Para isso, novos saberes serão necessários aos


docentes, haja vista estes serem fundamentais ao processo
de ensino-aprendizagem dos estudantes e possuírem, entre
outras atribuições, a de curricularizar conhecimentos que
vão além do técnico-científico, mas de compreensão de uma
realidade que evolui em uma linguagem digital e globalizada.
Segundo Pimenta, Anastasiou e Cavallet (2003, p. 271):

O aperfeiçoamento da docência universitária exige,


pois, uma integração de saberes complementares.
Diante de novos desafios da docência, o domínio
restrito de uma área científica do conhecimento não é
suficiente. O professor deve também desenvolver um
saber pedagógico e um saber político. Este possibilita
ao docente, pela ação educativa, a construção de
consciência numa sociedade globalizada, complexa
e contraditória. Conscientes, discentes e docentes
fazem-se sujeitos da educação. O saber-fazer

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
pedagógico por sua vez possibilita ao educando a
apreensão e a contextualização do conhecimento
científico elaborado.

É possível identificar na Figura 3 que a proposta da


OCDE para a Agenda 2030 – na dimensão educacional –
prevê o desenvolvimento e a consolidação de uma série de
saberes, habilidades, atitudes e valores que direcionam para
o estabelecimento de competências para um futuro que já
se apresenta. Ao redor da bússola de aprendizagem, entre
os demais atores, está o(a) professor(a), que tem como
principal atribuição realizar as integrações curriculares entre
os conhecimentos, as habilidades, as atitudes e os valores
necessários para a mobilização, o desenvolvimento e a
consolidação das competências estudantis.

66

Figura 3
Bússola de aprendizagem – OCDE
Fonte: OECD ([2018a]).

Assim, é perceptível a importância da meta 4.c


que estabelece:

Até 2030, substancialmente aumentar o contingente


de professores qualificados, inclusive por meio da
cooperação internacional para a formação de
professores, nos países em desenvolvimento,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


especialmente os países menos desenvolvidos e
pequenos Estados insulares em desenvolvimento.
(ONU, [2015], p. 24, grifo nosso).

A meta 4.c toma proporção relevante no contexto


da Agenda 2030 e nas perspectivas educacionais para o
bem comum, uma vez que as exigências para o exercício
da licenciatura são alteradas para uma visão sistêmica
de aprendizagem. Destaca-se que a docência no ensino
superior possui a particularidade de o outro ator do processo
de ensino-aprendizagem ser adulto, de diversas idades
e, às vezes, com mais vivências que o próprio professor,
implicando processos didáticos mais contextualizados e que
considerem tais vivências como potenciais assuntos a serem
curricularizados.
Pimenta e Anastasiou (2008) ainda acrescem a
essas características a possibilidade do despreparo e até 67
desconhecimento científico do que seja um processo de
ensino e de aprendizagem por parte dos docentes, inclusive
o professor universitário, apesar da alta qualificação em
suas áreas específicas. Esse fenômeno também é latente no
processo de sala de aula dos cursos de educação profissional
técnica e tecnológica.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional


(LDB) e Plano Nacional de Educação (PNE)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)


– Lei nº 9.394/1996 – é o norteador jurídico nacional no que
se refere à educação escolar. Dessa forma, é imprescindível
interpretá-la e assimilá-la, assim como acompanhar
as alterações do corpo de seu texto e desdobramentos
em outras regulamentações (Carneiro, 2015).
A formação continuada para docentes da educação
superior não se constitui em tema abordado separadamente

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
na LDB. Essa lei maior trata de forma generalista a formação
continuada, apontando a sua necessidade em poucos
parágrafos de seu corpo.
É possível observar no artigo 13 a indicação de que o
docente é o responsável por seu próprio desenvolvimento
profissional. Complementarmente, o artigo 67 aponta a
responsabilidade dos sistemas de ensino que, entre outras
ações, deverão promover a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes formação continuada, incluindo
períodos de licença remunerados e tempo para estudos
dentro da carga horária (Brasil, 1996).
Não há, previstos na LDB, desdobramentos –
culminando em outras legislações – que apontem para uma
definição de política pública relativa à formação continuada
para docentes da educação superior. Carneiro (2015) indica
68 que o Brasil não define política de formação continuada
docente, alegando insuficiência de recursos financeiros.
Entretanto, compra materiais prontos e padronizados que
não atendem às especificidades e aos diversos contextos
de formação continuada.
O Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei
nº 13.005/2014 –, ainda que reforce a necessidade
de valorização dos profissionais da educação em suas
diretrizes, também não dá centralidade a esse assunto,
explicitando como meta relativa à docência na educação
superior apenas o percentual de docentes com mestrado
e doutorado (Brasil, 2014). Não constam, em nenhuma
das 20 metas do Plano, ações e indicadores relacionados
a essa temática.
O PNE é o documento responsável por determinar
diretrizes, metas e estratégias para a política educacional,
no período compreendido entre 2014 e 2024. Esta é a sua
segunda edição, enquanto legislação orientadora de políticas
públicas. A primeira edição – por meio da Lei nº 10.172/2001
– compreendeu o período de 2001 a 2011, mas também

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


não trazia nenhuma formalização, em metas, para atender
a necessidade de formação continuada para docentes
da educação superior.
A ausência de diretivas claras, tanto na LDB quanto
no PNE, referentes à formação continuada para docentes da
educação superior parece apontar para um entendimento
– no âmbito do desenvolvimento de políticas públicas –
de que profissionais que exercem à docência nesse nível não
precisam de processos formativos continuados, haja vista
que muitos se constituíram como pesquisadores em cursos
de mestrado e de doutorado. A questão é que o exercício
da docência pressupõe competências que extrapolam
as áreas nas quais tenham desenvolvido os cursos
de pós-graduação stricto sensu.

69
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
e Projeto Pedagógico Institucional (PPI)

As instituições federais de educação superior, no Brasil,


são reguladas por uma série de preceitos que englobam,
além das condições primárias para a oferta, a organização
político-pedagógica com vistas a parâmetros de qualidade
definidos a partir da titulação certificada pela instituição
e de sua organização acadêmica.
Os procedimentos de regulação são estabelecidos
pelo Ministério da Educação e materializados em normativos
legais. A partir dessas orientações, as instituições são avaliadas
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep).
Destacam-se dois instrumentos norteadores para
as instituições federais importantes para constituição de sua
identidade e visibilidade da sua proposta para a comunidade
e para os desdobramentos dos procedimentos de avaliação:
o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e o Projeto
Pedagógico Institucional (PPI). Ambos são documentos

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
construídos coletivamente no âmbito da instituição e têm
como orientação para a sua formulação as diretrizes do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes),
estabelecido pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004,
regulamentado pelo Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de
2017, e demais diretrizes emanadas do Inep.
O PDI refere-se a um instrumento de gestão elaborado
para um período de cinco anos e deve contemplar as
seguintes dimensões institucionais: missão, objetivos
e metas, projeto pedagógico, cronograma de implantação
e desenvolvimento – tanto da instituição quanto de cada
um de seus cursos –, organização didático-pedagógica,
oferta de cursos e programas de pós-graduação lato e stricto
sensu (quando for o caso), perfil do corpo docente e de tutores
de educação a distância, organização administrativa e políticas
70 de gestão, projeto de acervo acadêmico em meio digital,
infraestrutura física e instalações acadêmicas e demonstrativo
de capacidade e sustentabilidade financeiras (Brasil, 2017).
Já o que compõe o Projeto Pedagógico Institucional
é a concepção única de cada instituição no que se refere à
sua visão filosófica, teórica e metodológica, vislumbrando
sistematizar a sua razão de existir que norteará as ações
práticas para o desenvolvimento do ensino, pesquisa
e extensão. É atemporal e flexível. Para Veiga (2011, p. 69),
o projeto pedagógico “é um instrumento que visa orientar os
desafios do futuro. O futuro não está dado, não é algo pronto.
É preciso entender que o projeto é caracterizado como uma
ação consciente e organizada”.
Nesse sentido, enquanto o PPI retrata as concepções,
o PDI desdobra e detalha as ações práticas. Ambos se
encontram no que concerne à missão da instituição e
à perspectiva da concretização dessa proposta. Assim,
considerando o pressuposto da elaboração colaborativa
dos instrumentos, os docentes tornam-se autores e atores
dos compromissos estabelecidos nesse processo constitutivo

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


da instituição que se configura como uma responsabilidade
ímpar, haja vista que:

Todo projeto supõe “rupturas” com o presente e


“promessas” para o futuro. Projetar significa tentar
quebrar um estado confortável para arriscar-se,
atravessar um período de instabilidade e buscar
uma nova estabilidade em função da promessa que
cada projeto contém de estado melhor do que o
presente. Um projeto educativo pode ser tomado
como promessa frente a determinadas rupturas.
As promessas tornam visíveis os campos de ação
possível, comprometendo seus atores e autores.
(Gadotti, 1994, p. 579).

Essas matrizes orientadoras encontram a sua


efetividade na organização do trabalho pedagógico.
Para Libâneo (2001), esse quefazer se baseia, precisamente,
na formulação de objetivos sociopolíticos e educativos e na 71
criação de formas de viabilização organizativa e metodológica
da educação, para direcionar de maneira consciente
e planejada o processo educacional. Para isso, o perfil
docente e a sua formação continuada deverão ser aderentes
ao estabelecido nos pressupostos do PDI e do PPI, bem como
fornecer elementos que agreguem a práxis, articulando as
atividades acadêmicas à globalidade dos saberes estipulados
pelo contexto social e pela especificidade de cada nível
e modalidade de ensino.

Intencionalidades no processo de formação


continuada docente no Instituto Federal de
Brasília

Os processos formativos subjazem às trajetórias


profissionais em quaisquer áreas. Com o exercício docente
não seria diferente. Tais processos podem – e devem –
dar-se de modo planejado pela instituição, a fim de evitar
a fragmentação de saberes.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Como apontam Martins et al. (2016, p. 76),
um processo formativo continuado e planejado “pode
contribuir para uma prática docente ética, de qualidade
e autônoma.” Sendo assim, cabe salientar a necessidade
de que a formação continuada seja contextualizada
para cada realidade e não se configure em um pacote
de recomendações prontas.
O Instituto Federal de Brasília (IFB) possui dez
campi distribuídos em diferentes Regiões Administrativas
do Distrito Federal. Cada unidade tem eixos específicos
de atuação e oferece cursos numa abrangência que vai desde
cursos de curta duração – sem exigência de escolaridade –
até os de pós-graduação lato sensu. Em dezembro de 2019,
o quadro de pessoal contava com 1.398 servidores, entre
esses 785 docentes, dos quais 687 em regime de dedicação
72 exclusiva à instituição (IFB, [2020a]).
A fim de que toda essa diversidade contextual possa
atuar em consonância ao projeto institucional de educação,
é necessária a existência de ações organizadas
e conscientes. Assim, anualmente ocorre um encontro
de início de atividades letivas, denominado Encontro
Pedagógico Unificado (EPU), no qual todos os servidores
são convidados a participar das atividades de formação
durante um dia inteiro. É sediado de forma itinerante entre
os campi da instituição. Destaca-se que esse evento está
solidificado como ação institucional, apesar de não constar
nos planos e projetos formais do IFB.
A cada edição, é esperado o aumento no número de
servidores participantes, de forma voluntária. Entretanto,
o evento ainda não alcança 100% dos docentes. É possível
observar a seguir a relação entre a quantidade de docentes
atuantes e a de participantes do evento, assim como
a evolução do número de participantes ao longo dos três
anos de referência.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


900

800 785
720
700 686

600
502
500

400 361
300

200
133
100

0
2018 2019 2020

Total de docentes Total de participantes docentes

Figura 4
Relação de docentes da instituição x relação
de participantes do EPU
Fonte: Elaboração própria.

Na Figura 4, elaborada a partir do quantitativo de


73
inscritos na plataforma de eventos do instituto e da relação
de docentes que consta na plataforma de dados institucionais
do IFB, verifica-se que as expectativas referentes ao aumento
de participantes não se concretizaram em relação à passagem
de ano de 2019 para 2020. Uma das possibilidades para que
isso tenha ocorrido foi a mudança na estrutura do evento,
porém, é impreciso afirmar algo de forma mais assertiva,
haja vista não ser o foco deste escrito.
A cada ano, o evento considera a avaliação do ano
anterior para determinar o seu formato e a conjuntura social
para a definição das temáticas trabalhadas. Nos anos de
2018 e 2019, a primeira parte do evento foi realizada tendo
como formato uma mesa de discussão e, no período da tarde,
oficinas simultâneas com diversos assuntos. Já em 2020,
as atividades focaram oficinas nos dois horários.
No Quadro 2, é possível identificar os formatos dos
encontros nos anos de 2018, 2019 e 2020.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Quadro 2
Formato do Encontro Pedagógico – 2018, 2019 e 2020
(continua)

2018 2019 2020

Prática docente e o
Permanência e êxito Sem tema
processo de inclusão

yy Prova como procedimento yy Metodologia ativa yy Análise prospectiva da


avaliativo em uma “trezentos” aplicada no avaliação diagnóstica para
perspectiva formativa; curso de Química. identificação de perfis de
Avaliação para aprendizagem.
yy Adaptação curricular
aprendizagem.
para estudantes com yy As orientações didático-
yy As potencialidades da necessidades específicas. pedagógicas de itens
interdisciplinaridade no do Enem e do PAS-UnB;
yy Metodologias ativas na
contexto escolar. Criação de componente
disciplina de Física do EMI
curricular em ambiente
yy Plano de permanência e de alimentos.
virtual (Moodle).
êxito local: como utilizar a
yy Sala de aula invertida.
planilha integrada e outros yy Atendimento educacional
instrumentos. yy Peer Instruction e aos estudantes com altas
gamificação; Círculo de habilidades.
74 yy Ensinar o quê? Para
cultura – prática nos
quem? Uma proposta yy Cuidar de si – Movimento
cursos de Logística;
de integração curricular vital expressivo/Sistema
Administração e
a partir dos temas Rio Abierto.
alimentos.
geradores.
yy Design thinking para
yy Oficina Pibid; Projeto
yy A estatística na educação: educadores; Diálogo e
integrador no Proeja;
alguns exemplos de ludicidade em processos
Plano de aula: como
aplicação; Formação de de educação.
estruturá-lo?; Avaliação:
professores na educação
estratégias e técnicas. yy Elaboração de plano de
profissional.
curso; Ética, trabalho
yy Aprendizagem matemática
e profissionalização
gerando novos modelos:
docente.
onde está o jogo?
yy IKIGAI;
yy Estratégias para o ensino
Interdisciplinaridade
da produção de redação;
como aprendizado para
Sala sensitiva: uma prática
o serviço público.
aplicada em prol da
inclusão. yy Meditação e saúde
emocional; Oficina de
yy Diálogos sobre direitos
saúde vocal do professor.
humanos em educação:
metodologia utilizada yy Organização do trabalho
pelo Campus Planaltina pedagógico na perspectiva
para reduzir os índices de da práxis.
retenção.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Quadro 2
Formato do Encontro Pedagógico – 2018, 2019 e 2020
(conclusão)

2018 2019 2020

Prática docente e o
Permanência e êxito Sem tema
processo de inclusão
yy Altas habilidades: yy Planejamento de
formação para componente curricular
profissionais da educação EaD.
– como identificar se
yy Por uma Pedagogia
o aluno é um possível
Amefricana:
alto habilidoso e quais
racismo, educação e
estímulos podem ser
descolonização dos
dados em sala de aula.
currículos.
yy Integração presencial e
yy Quem são os “assassinos
EaD: acompanhamento
do português” e por que
dos estudantes por meio
aceitar a variação na
de plataforma virtual de
língua.
aprendizagem.
yy Reforma do ensino médio 75
e seus impactos no ensino
médio integrado do IFB;
Reformulação do PPC da
Licenciatura em Biologia –
Campus Planaltina.
yy Repositório institucional
do IFB e a política de
acesso aberto; Transforme
seus alunos em parceiros.
yy Uma perspectiva das
metodologias ativas no
novo ensino médio; Vamos
entender a diferença entre
dislexia e TDAH?
yy Vivência AME – atenção,
movimento e energia.
yy Moodle para professores.

Fonte: Elaboração própria.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Percebe-se o caráter de intencionalidade das oficinas
realizadas nas edições de 2018 e 2019, haja vista a estreita
vinculação com o tema proposto.
Considerando que a formação continuada é um
processo e não apenas constituída por ações pontuais, as
duas primeiras edições – cujos temas foram, respectivamente,
permanência e êxito e prática docente e o processo de inclusão
– parecem subsidiar melhor o possível desenvolvimento das
demais ações formativas ao longo do ano.
Em contrapartida, a ausência de tema da edição de
2020 pode sinalizar uma dificuldade de compreensão de que
o trabalho iniciado nas oficinas precisa ser desenvolvido em
ações correlacionadas por todo o ano.
Imbernón (2009) aponta que a formação continuada
precisa privilegiar as facetas pessoal, profissional e institucional,
estruturando na escola um trabalho colaborativo. Não parece
76 ser esse o entendimento da instituição ao propor um evento
sem uma temática. Mas também não é possível afirmarmos
que a existência de um tema nas duas edições anteriores
garantiu a continuidade da formação ao longo do ano.
Conforme já mencionamos, tanto a LDB quanto o
PNE são vagos em suas referências à formação continuada
de docentes da educação superior. A LDB apenas assinala
a necessidade de qualidade na educação, assim como
a responsabilidade docente na sua própria formação
continuada e a responsabilidade institucional de promover
essa formação.
Constituindo-se o Encontro Pedagógico Unificado
como uma ação institucional e considerando que ele seja
apenas o primeiro dos demais momentos formativos que
serão realizados ao longo do ano – assim como a continuidade
das temáticas desenvolvidas –, é possível identificar
a aderência às referências trazidas pelo PNE e pela LDB
(ainda que essas referências sejam vagas). Entretanto, tal
função não é alcançada se é resumida a um evento pontual,
com periodicidade anual e sem continuidade.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Os documentos norteadores de abrangência local
utilizados – PDI e PPI – são prospectivos, logo, constituem
a visão do IFB para desenvolver as suas metas. Não
identificamos neles referências expressas ao Encontro
Pedagógico Unificado e, tampouco, os possíveis
desdobramentos formativos dele oriundos.
Assim, para melhor compreender o que o IFB prospecta
em relação à formação docente, as competências no
processo de ensino e aprendizagem e no perfil do estudante,
realizou-se uma análise nos PDIs, com vigência de 2013
a 2018 e também de 2019 a 2023, e no PPI atualizado
em 2018. Como resultado, gerou-se uma nuvem de palavras
com os excertos selecionados que fazem referência
aos conceitos apresentados, conforme mostra a Figura 5.

77

Figura 5
Nuvem de palavras compilada de PDIs e PPI – IFB
Fonte: Elaboração própria.

Ficam evidenciadas preocupações com a capacitação


e qualificação do servidor, responsável pela prática das
ações do IFB, e com o percurso formativo do estudante.
Porém, essas preocupações estão desatreladas da formação
docente específica e do trabalho pedagógico para saberes
e competências apresentados no contexto mundial

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
e com vistas ao enfrentamento dos desafios em busca
do desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Há um caminho longo para que essas tendências
se tornem parte da organização dos procedimentos de
planejamento e do trabalho pedagógico. Todavia, é importante
perceber que pequenos passos foram dados nesse percurso.
Ainda observando a nuvem de palavras, é possível ver que
a educação a distância, as novas tecnologias, a vida, o ser,
a pesquisa e o social formam o cenário de desenvolvimento
da aprendizagem no Instituto Federal de Brasília em seus
projetos e planos. Esses pontos de convergências e os
de afastamento também são perceptíveis nos Encontros
Pedagógicos, em análise neste trabalho.
As novas tecnologias e as transformações digitais
– temas que apareceram nos documentos norteadores
78 locais – configuram a base do trabalho desenvolvido na
consolidação das seis áreas que compõem o Quadro
Europeu de Competência Digital para Educadores. Pode-se
identificar que, entre as 22 competências descritas, algumas
se referem às questões propriamente voltadas às novas
tecnologias, enquanto outras são estruturantes do exercício
docente desde tempos passados. Nesse sentido, são
competências que subjazem à profissão docente, como
é o caso da colaboração profissional e da prática reflexiva,
mas entendidas à luz das transformações digitais.
Tendo como eixo as transformações digitais, seus
impactos nas aulas e no exercício docente, foi possível
distinguir, nas três edições do Encontro Pedagógico Unificado,
as seguintes oficinas como viabilizadoras de processos
formativos docentes.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


yy Plano de Permanência e Êxito local: como utilizar a planilha
2018 integrada e outros instrumentos

yy Metodologias Ativas na disciplina de Física do EMI de Alimentos


yy Sala de Aula Invertida
2019 yy Peer instruction e Gamificação
yy Integração presencial e EaD: acompanhamento dos estudantes por
meio de plataforma virtual de aprendizagem

yy Planejamento de Componente Curricular EaD


yy Uma perspectiva das metodologias ativas no Novo Ensino Médio
2020 yy Moodle para professores
yy Design Thinking para educadores
yy Repositório institucional do IFB e a política de acesso aberto

Figura 6
Oficinas ofertadas correlacionadas ao DigCompEdu
Fonte: Elaboração própria.

Ainda que de forma espontânea, percebe-se a 79


progressão de oferta de oficinas relacionadas aos processos
de transformação digital nas três edições. Em 2018, apenas
uma oficina remetia à temática, em 2019 foram quatro e em
2020, cinco oficinas. São iniciativas tímidas diante da rápida
transformação digital, mas podem sinalizar uma necessidade
institucional de implementar o ensino híbrido e também
de usufruir do regramento proposto pela Portaria nº 2.117,
de 11 de dezembro de 2019, que propicia a utilização de até
40% da carga horária prevista nos projetos pedagógicos dos
cursos, na modalidade a distância.
A temática das transformações digitais, junto às
demais transformações – sociais, econômicas, ambientais,
entre outras –, também foi alvo de considerações, por parte
da OCDE, na elaboração da Agenda 2030, na sua dimensão
educativa.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Estamos enfrentando desafios sem precedentes -
sociais, econômicos e ambientais - impulsionados
pela globalização acelerada e um ritmo mais rápido
de desenvolvimento tecnológico. Ao mesmo tempo,
essas forças estão nos proporcionando uma
miríade de novas oportunidades para o avanço
humano. O futuro é incerto e não podemos prevê-lo;
mas precisamos estar abertos e prontos para isso.
As crianças que entrarão na educação em 2018 serão
jovens adultos em 2030. As escolas podem prepará-
los para empregos que ainda não foram criados,
para tecnologias que ainda não foram inventadas,
para resolver problemas que ainda não foram
previstos. Será uma responsabilidade compartilhada
aproveitar as oportunidades e encontrar soluções.
(OECD, [2018a], p. 2, tradução nossa).

80 A OCDE aponta para um futuro impredizível,


no qual profissões existentes atualmente não mais existirão,
consequência das rápidas transformações que vêm
ocorrendo. Essas mesmas transformações têm possibilitado
inúmeros progressos humanos e a educação precisa se
apropriar dessas discussões e levá-las para dentro das
escolas a fim de preparar os(as) estudantes para um mundo
do trabalho que ainda não conhecemos, tecnologias ainda
não inventadas e problemas que ainda não foram previstos.
Considerando a finalidade de qualquer encontro
pedagógico – oportunizar momentos de qualificação
e capacitação para educadores –, as edições já realizadas do
EPU sinalizam a intencionalidade institucional em aumentar
o contingente qualificado.
De forma mais genérica, todas as atividades propostas
contribuem para isso e tem aderência, ainda que sem
intencionalidade, à Agenda 2030 da OCDE. Estreitando o
entendimento para a formação básica mundial, proposta pela
OCDE e traduzida na imagem da bússola de aprendizagem,
é possível identificar o alinhamento com as seguintes oficinas.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


2018 2019 2020
• As potencialidades da • Metodologias Ativas na • Design Thinking para
interdisciplinaridade no disciplina de Física do educadores
contexto escolar EMI de Alimentos • Interdisciplinaridade
• Ensinar o quê? Para • Sala de Aula Invertida como aprendizado para
quem? Uma proposta • Peer instruction e o Serviço Público
de integração curricular Gamificação • Meditação e Saúde
a partir dos temas Emocional
geradores • As contribuições da
Atividade Laboral e da • Planejamento de
Meditação na prática Compontente Curricular
profissional EaD
• Nutrição Eficiente: • Repositório institucional
Estratégias Nutricionais do IFB e a política de
Eficientes para a acesso aberto
melhoria do bem estar • Transforme seus alunos
físico e mental em parceiros
• Precisamos falar sobre • Uma perspectiva das
afetividade: bate-papo metodologias ativas no
sobre o papel da escola Novo Ensino Médio
na prevenção do suicídio
• Moodle para professores
• Integração presencial e
EaD: acompanhamento
dos estudantes por meio
de plataforma virtual de
aprendizagem

Figura 7
Oficinas ofertadas correlacionadas à bússola
81
de aprendizagem – OCDE
Fonte: Elaboração própria.

A bússola da OCDE pressupõe o desenvolvimento


de atividades e ações que ultrapassem as fronteiras
disciplinares e mesmo multidisciplinares, com a ideação de
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade para a construção
de competências cujas bases se localizem nos conhecimentos,
nas atitudes, nos valores e nas habilidades. As oficinas
expostas anteriormente foram as que se mostraram com
maior aderência à dimensão educacional da Agenda 2030.
Embora o planejamento dessa atividade formativa
– Encontro Pedagógico Unificado – não tenha tomado
como subsídio os documentos norteadores internacionais
selecionados (Agenda 2030 da OCDE e Quadro Europeu
de Competência Digital para Educadores) em virtude de os
assuntos que os compõem já permearem a sociedade, logo,
também, os espaços educacionais, naturalmente podem ser
encontradas iniciativas desse cunho.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Considerações finais

O reconhecimento da importância da formação


continuada docente, inclusive para o exercício na educação
superior, parece ter sido alcançado pela instituição, haja vista
que planeja e executa, há mais de quatro anos, o Encontro
Pedagógico Unificado. Entretanto, não localizamos nos
documentos norteadores locais – PDI e PPI – menções claras
a esse evento. Tampouco identificamos o planejamento
de atividades que se correlacionem com a inicial, realizada
no Encontro, descritas, levando-nos a refletir se está claro
para a instituição que ações pontuais não se configuram em
processo formativo continuado e que tais planejamentos
precisam ter previsão nos documentos de prospecção.
A ausência de referências claras e expressas, tanto
na LDB quanto no PNE, parece apontar para a situação
82 de que o(a) docente da educação superior, já tendo
cursado a pós-graduação stricto sensu, não necessita de
formação continuada, na dimensão pedagógica. Entretanto,
a participação desses profissionais é requerida na atividade
pedagógica realizada no início de cada ano, no IFB. Logo,
é possível depreender que, para a instituição, a formação
continuada precisa abarcar também esse grupo docente.
Os documentos norteadores de abrangência
internacional – o DigCompEdu e a Agenda 2030 da OCDE
– evidenciam competências digitais para os educadores e
competências para os cidadãos do futuro, respectivamente.
Ainda que de forma espontânea, algumas oficinas realizadas
no Encontro Pedagógico Unificado, nos anos de 2018,
2019 e 2020, mostraram-se condizentes com as temáticas
desenvolvidas em tais documentos norteadores. Entretanto,
a ausência de tema para a edição de 2020, assim como a
falta de referências expressas de como essa ação pontual
se traduz em processo formativo continuado, pode ser
indício de ausência na compreensão do caráter processual
nas atividades formativas empreendidas institucionalmente.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Referências

AGUIAR, M. N. Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável


e coerência em políticas: recomendações da OCDE na edição 2016
de “Better Policies for Sustainable Development”. Niterói, 2017.
Disponível em: <https://app.uff.br/riuff/handle/1/2853>. Acesso em:
18 dez. 2019.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece


as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833.

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano


Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 10 jan. 2001. Seção 1, p. 1.

BRASIL. Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema


Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 abr. 2004.
Seção 1, p. 3.

BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede


Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria 83
os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 dez. 2008.
Seção 1, p. 1.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano


Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Seção 1, p. 1. Edição extra.

BRASIL. Decreto nº 8.892, de 27 de outubro de 2016. Cria a Comissão


Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 31 out. 2016. Seção 1, p. 1.

BRASIL. Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. Dispõe


sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação
das instituições de educação superior e dos cursos superiores
de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 dez. 2017. Seção 1, p. 2.

BRASIL. Decreto nº 10.179, de 18 de dezembro de 2019. Declara


a revogação, para os fins do disposto no art. 16 da Lei Complementar
nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, de decretos normativos. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 19 dez. 2019. Seção 1, p. 6.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Instituto Federal de Educação,


Ciência e Tecnologia: um novo modelo em educação profissional
e tecnológica: concepção e diretrizes. Brasília: MEC, 2010.

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
CASTRO, C.; ANDRADE, A.; LAGARTO, J. Competências digitais para
ensinar e aprender: formar ou não? Eis a questão. In: CONFERÊNCIA
INTERNACIONAL DE TIC NA EDUCAÇÃO: CHALLENGES 2013,
8., 2013, Braga, Portugal. Actas... Braga, Portugal: Universidade
do Minho, 2013. Disponível em: <https://repositorio.ucp.pt/
bitstream/10400.14/12439/1/Challenges_Jul_2013_CC_et_al.pdf>.
Acesso em: 16 jan. 2020.

CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva, artigo


a artigo. 24. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

GADOTTI, M. Pressupostos do projeto pedagógico. In: BRASIL.


Ministério da Educação (MEC). Conferência Nacional de Educação
para Todos. Brasília: MEC, 1994.

HARARI, Y, N. 21 lições para o século 21. Tradução de Paulo Geiger.


São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

IMBERNÓN, F. Formação permanente do professorado: novas


tendências. São Paulo: Cortez, 2009.

INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA (IFB). Plano de Desenvolvimento


84 Institucional: 2014 a 2018. Brasília, 2014. Disponível em: <https://www.
ifb.edu.br/attachments/article/3933/Plano_de_Desenvolvimento_
Institucional_2014_2018_IFB.pdf>. Acesso em: 25 jan 2020.

INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA (IFB). Projeto Pedagógico


Institucional. Brasília, 2017. Disponível em: <https://www.ifb.edu.
br/attachments/article/16333/Projeto%20Pedag%c3%b3gico%20
Institucional%20-%20Alterado.pdf>. Acesso em: 25 jan 2020

INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA (IFB). Plano de Desenvolvimento


Institucional: 2019 a 2023. Brasília, 2019. Disponível em: <https://
www.ifb.edu.br/attachments/article/19574/PDI_2019_2023_do_IFB_
Versao_6_6_Final%20(1).pdf>. Acesso em: 25 jan. 2020.

INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA (IFB). IFB em números. Brasília,


[2020a]. Disponível em: <http://ifbemnumeros.ifb.edu.br/>. Acesso
em: 15 jan. 2020.

INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA (IFB). IFB eventos. Brasília, [2020b].


Disponível em: <http://eventos.ifb.edu.br/>. Acesso em: 15 jan. 2020.

LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia:


Alternativa, 2001.

LUCAS, M.; MOREIRA, A. DigCompEdu: quadro europeu


de competência digital para educadores. Aveiro, Portugal:
UA Editora, 2018. Disponível em: <https://area.dge.mec.pt/
download/DigCompEdu_2018.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2019.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


MARTINS, J. T. S. et al. Formação continuada de docentes no ensino
superior: experiências e contradições em tempos de neoliberalismo.
Revista Gestão & Políticas Públicas, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 62-78, 2016.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C.; CAVALLET, V. J. Docência no


ensino superior: construir caminhos. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.).
Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Ed.
Unesp, 2003. p. 267-278.

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND


DEVELOPMENT (OECD). The future of education and skills: education
2030. Paris: [2018a]. Disponível em: <https://www.oecd.org/
education/2030/E2030%20Position%20Paper%20(05.04.2018).
pdf>. Acesso em: 19 jan. 2020.

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND


DEVELOPMENT (OECD). Uma cooperação mutualmente benéfica.
[2018b]. Disponível em: <http://www.oecd.org/latin-america/
countries/brazil/brasil.htm>. Acesso em: 14 jan. 2020.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Transformando nosso


mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
85
[2015]. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/
uploads/2015/10/agenda2030-pt-br.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2020.

PARANÁ. Agência de Notícias do Paraná. Agenda 2030


se expande no governo e na sociedade civil. 2019. Disponível
em: <http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.
php?storyid=103803&tit=Agenda-2030-se-expande-no-governo-e-
na-sociedade-civil>. Acesso em: 7 jan. 2020.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior.


São Paulo: Cortez, 2008.

VEIGA, I. P. A. Educação básica e educação superior: projeto político


pedagógico. 6. ed. Papirus: Campinas, 2011. (Coleção Magistério:
Formação e Trabalho Pedagógico).

Nota autobiográfica

Carolina Novaes Xavier de Lima Reynaldo, mestra em Ciências


da Educação/Administração Educacional pelo Instituto Politécnico
de Santarém, em Portugal; especialista em Excelência Gerencial –
ênfase em Gestão Pública pela Fundação Armando Álvares Penteado
(FAAP); especialista em Psicopedagogia pela Universidade Cândido
Mendes; e licenciada em Pedagogia pela Universidade Católica de

VOLUME III | PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA


À LUZ DE DOCUMENTOS NORTEADORES LOCAIS, NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Petrópolis. Atualmente, é servidora – cargo pedagoga – do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, cuja atuação
tem ênfase nas práticas educativas e sua fundamentação.

Cecília Cândida Frasão Vieira, mestra em Educação no Programa


de Pós-graduação da Universidade de Brasília – PPGE-MP, área de
concentração Políticas Públicas e Gestão da Educação – Campo
de atuação Política, Gestão, Sociedade e Cultura, é especialista
em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Brasília (2015) e em
Pedagogia Empresarial pela Faculdade de Ciências de Wenceslau
Braz (2013). Possui graduação em Pedagogia pela Universidade de
Brasília (2006), atua na área de gestão com foco em desenvolvimento
institucional, plano de carreira, gestão documental, planejamento
estratégico e gestão de projetos e processos com experiência na área
de educação, incluindo educação a distância, educação profissional
e tecnológica e educação inclusiva.

86

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Elementos para uma
epistemologia do ensino
jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas
sintática, semântica
e pragmática do Direito*
sebastião bastista

* Artigo elaborado com base na tese


Aproximación al concepto del derecho desde
la perspectiva triádica – descripción de su
estructura, dinámica y finalidad, defendida na
Universidad de Almería, Almería, Espanha, em
22/11/2004.

As notas de rodapé estão listadas no final do


capítulo.
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a3

89
Resumo
Este artigo analisa a ordem jurídica, na perspectiva de
um sistema complexo tridimensional, para exeminar
as interconexões estabelecidas entre as estruturas das
dimensões conceitual, formal e factual do Direito (estruturas
profundas, superficiais e factuais). Da análise, emergem a
importância e a necessidade de uma metodologia didático-
pedagógica eficaz, explícita e simultânea nos planos do ensino,
da pesquisa e da prática técnico-profissional do Direito.

Palavras-chave: ensino do Direito; epistemologia; metodologia;


paradigma. 

Abstract
Elements for an epistemology of legal education based on
triunity: syntactic, semantic and pragmatic structures of law

This article analyzes the legal system from the perspective of a


three- of the conceptual, formal and factual dimensions of Law
(deep, superficial and dimensional complex system, verifying

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
the interconnections that are established between the structures
factual structures); from the analysis, the importance and the
need for an effective, explicit and simultaneous three-dimensional
didactic-pedagogical methodology in three planes are highlighted
for teaching, research and the technical-professional practice of
law.

Keywords: epistemology; paradigm; complex system; methodo-


logy; legal; law; education; legal syntax; semantic; pragmatic. 

Resumen
Elementos para una epistemología de la enseñanza jurídica
basada en la triunidad: estructuras sintáctica, semántica y
pragmática del Derecho

Este artículo analiza el orden jurídico, desde la perspectiva


90 de un sistema complejo tridimensional, para examinar las
interconexiones que se establecen entre las estructuras de las
dimensiones conceptual, formal y factual del Derecho (estructuras
profundas, superficiales y factuales). Del análisis se destacan
la importancia y la necesidad de una metodología didáctico-
pedagógica efectiva, explícita y simultánea en los planes de la
enseñanza, de la investigación y de la práctica técnica-profesional
del Derecho.

Palabras clave: enseñanza del Derecho; epistemología;


metodología; paradigma. 

Introdução

No presente trabalho, o autor resgata fundamentos


lançados na sua tese doutoral, na qual trata de aproximação
ao conceito do Direito em perspectiva sistêmica triádica para
focar, em particular, as interconexões que se estabelecem
nas estruturas das dimensões semântica, formal e factual
do fenômeno jurídico e ressaltar a necessidade de

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


uma metodologia didático-pedagógica com abordagem
tridimensional, efetiva e explícita nas atividades de ensino,
pesquisa e exercício técnico-profissional do direito.
No seu desenvolvimento, de início, perpassa os
conceitos fundamentais sobre a experiência jurídica
como fenômeno sistêmico complexo e tridimensional que
ocorre em diferentes dinâmicas do ser (individual, grupal,
social e universal), em variados níveis hierárquicos, fatores
operacionais e círculos de poder na estrutura social,
interconectados nos planos conceitual, formal e factual.
Da abordagem sistêmico-complexa, extrai-se a
premissa de que o aprendiz e iniciante nas ciências, artes
e experiências próprias do sistema jurídico necessita de
aprofundamento em todas as dimensões da pluralidade
essencial do Direito de modo que possa efetivamente
adquirir as habilidades indispensáveis para descrevê-
lo,vivenciá-lo, interferir em seus processos e conduzi-los
91
com toda a sua riqueza de detalhes, conteúdos, relações,
conexões e movimentos, a exemplo dos métodos das
ciências da complexidade aplicados em diversos campos do
conhecimento.
Ainda na perspectiva sistêmica, após análise sobre
a compreensão de que o Direito é uma realidade cultural,
busca-se verificar as interconexões que se estabelecem
entre a ordem das ideias e dos conceitos jurídicos, sua
representação objetiva no ordenamento jurídico, e a ordem
jurídica fática, ancorando-se na hipótese de que a dimensão da
ordem conceitual, que constitui a razão interna, subjetiva, da
estrutura profunda do Direito, dá sustentação e fundamento
à ordem formal, objetiva, e determina as diretrizes da
experiência na ordem jurídica real, correspondente ao
Estado-comunidade.
Nessa ordem dinâmica, verifica-se que, antes de se
realizar qualquer objeto jurídico no plano da ordem social,
os seus fatores elementares de criação – pensamento,
sentimento e ação – se reúnem e se dispõem na consciência

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
individual e coletiva dos sujeitos, e logo são transpostos para
o mundo das formas e sintaxes (Nöth, 1996)1 da linguagem
jurídica, em um processo dialético comunicativo.
Nessa perspectiva, demonstram-se as três dimensões
do fenômeno jurídico, distintas e interconectadas, que
requerem integração efetiva nos processos de ensino-
aprendizagem, pesquisa e regulagem social, pois, em cada
plano, separadamente, não cumprem as suas finalidades.
São interdependentes e, integradas, geram e transformam
a ideia em projetos, procedimentos e realizações na ordem
jurídico-social.

O sistema jurídico

O sistema jurídico é consequência da necessidade


de o ser humano estabelecer uma ordem para os fatores
socioambientais e uma correspondente dinâmica processual,
92
que possam conduzi-lo a realizar os seus fins (Rivera-Lugo,
2019; Ballesteros, 1999).2
Trata-se, pois, da necessidade de construir, em
perspectiva sistêmica, uma ordem fundamental complexa
pactuada e institucionalizada que consista na ordenação de
determinados fatores constituintes e no estabelecimento
de fins e dinâmicas apropriadas à sua realização (Carvalho;
Fávero, 2020;3 Peces Barba, 1983).4
No pertinente à sociedade, ao tomar-se o conceito de
sistema e aplicá-lo ao conjunto de fatores que a compõem,
ordenados para a consecução dos seus fins, tem-se uma
ordem social; e ao aplicá-lo aos fatores sociojurídicos, que
compõem a ordem destinada os objetivos do direito, tem-se,
nessa perspectiva, uma ordem jurídica, que se concebe
constitucional quando, na sua essência, ordena os seus
fundamentos constituintes, a sua dinâmica e a sua finalidade
(Gregori, 2019;5 Legaz y Lacambra, 1972).6
Nesse sentido, o direito é uma ordem de variados
fatores que compõem as relações pessoais e ambientais
direcionadas aos fins jurídicos, tais como a apropriação,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


a gestão e a distribuição de bens na sociedade, com
determinada medida de justiça, equilíbrio, harmonia e
equidade. É uma ordem dos componentes sociais que,
em um dado movimento, se direciona à realização de
determinados fins, em diferentes dinâmicas: individual,
grupal, social, ambiental, planetária.
Embora o propósito normal de uma ordem jurídica
seja minimizar conflitos e realizar convivências harmônicas,
equilibradas e proporcionais nas relações sociais, nelas
ocorrem também disputas maximocráticas para a
apropriação, uso e fruição de bens destinados ao prazer,
a utilidades e a necessidades de sobrevivência, que geram
confrontos, tensões e disfunções inevitáveis e estranhas
à ordem social. Tais disputas ocorrem em diferentes graus
hierárquicos e variadas intensidades e determinam, a cada
momento, a natureza e o caráter da respectiva ordem, seu
funcionamento e seus fins (Greco, 2010;7 White, 1964).8
93
Na sociedade contemporânea, têm ocorrido mudanças
na ordem social com frequência, que afetam em diversos níveis
a vida particular de cada indivíduo, cidadão, comunidade,
nação ou grupo de nações, bem como dos grandes blocos
étnicos e culturais, nos quais se identificam diferentes
civilizações, ou nos fatores ambientais (Farralli, 2002).9 Sua
repercussão nos ordenamentos jurídicos é imediata, nos
planos formal, material e processual, em variados níveis do
ser e das relações, bem como em diferentes campos da vida
social. As mudanças ocorrem visivelmente na História através
de ciclos, definidos e demarcados por acontecimentos que,
de modo geral, são considerados relevantes, expressos por
ideias, usos, costumes, crenças, modos de relações sociais,
valores morais, econômicos e científicos (Greco, 2010).10
Cada ciclo na ordem social tem começo, apogeu e
declínio, e lega ao que o sucede um acervo acumulado
recorrente, que o representa na ordem jurídica, de forma
condensada, nas hierarquias das forças sociais vigentes, com
todo seu complexo conjunto de conteúdos e formalidades

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
proveniente de experiências de várias gerações anteriores.
Seus sucessivos conteúdos, manifestos na vida cientifico-
cultural, biopsíquica e socioeconômica, com diferentes
conotações e intensidades, compõem-se, a cada momento,
de forças políticas, financeiras, econômicas, militares,
místicas, estéticas, ideológicas, científicas e tecnológicas, que
configuram e estruturam a ordem social e, por conseqüência,
a ordem jurídica (Greco, 2010).
Por outra parte, em diferentes ciclos históricos, variados
modos de percepção de mundo (diferentes ideologias)
encontram-se hegemônicos nos processos institucionais
que conduzem e direcionam a ação na ordem social para
determinados fins, expressos na ordem jurídica, de diferentes
maneiras, ora mais explícitos, ora mais camuflados, nos
distintos planos conceitual, formal e da realidade.

94
Neguentropia
feedback Ordem

INPUT Comunicação OUTPUT


feedforward
Assimilação
Entropia Transformação
Desordem
Sistema Jurídico
Intercâmbio, fluxo e refluxo de informação
Figura 1
Representação da dinâmica do Sistema Jurídico
Fonte: Elaboração própria, com base em Gregori (2019).

Na ordem prática, a diversidade de concepções resulta


em confronto, cooperação, impasse e movimento de forças
sociais, com eventuais incertezas, inseguranças, crises,
involução, evolução, pacto, aperfeiçoamento (Greco, 2010;
Gregori, 2019).
Tais movimentos ocorrem também no plano das
ideias, com impacto na ordem dos conceitos, princípios,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


ciências, paradigmas, cultura jurídica; na ordem jurídico-
formal (aparato jurídico institucional); e na ordem jurídica
real, representada pelo Estado Comunidade (Casara, 2018;
Lucas Verdú, 1969).11
Quando ocorrem mudanças amplas, complexas
e profundas na estrutura social, surgem dificuldades de
gerenciamento e condução de sucessivos ciclos e ordens
estabelecidas, seja por falta de modelos que permitam a
incorporação de novos elementos, seja porque implicam
mudanças no modo de pensar, sentir e agir do homem na
nova ordem. Isso provoca a necessidade de investigação
e criação de novos paradigmas, novos modelos, novas
concepções de mundo e diferentes estruturas e hierarquias
nas relações sociais (Anjos, 1999).12
No plano da realidade, todos os indivíduos, grupos,
coletivos, sociedades, em diferentes níveis, fazem parte
de sucessivos organismos e sistemas, interdependentes e
95
complementares, que se ordenam para compor uma ordem
jurídico-social, com a finalidade de promover e realizar metas
individuais, grupais e sociais, por meio de relações, trocas
e movimentos, proporcionais e em homeostase (Damásio,
2009). Dada a sua singularidade, dinâmica e complexidade,
o sistema jurídico requer contínua avaliação (feedback), para
que se corrijam eventuais desvios e se restabeleça seu
direcionamento com o objetivo de alcançar os seus fins.
Internamente, cada subsistema tem metas e cânones
próprios para realizar os seus fins, embora deva cumpri-los
em sintonia com os demais, sob pena de comprometimento
do todo. Cada parte cumpre determinada função e objetivos,
valendo-se de meios e mecanismos próprios de regulação,
que lhe permitem conservação, evolução, decadência ou
extinção. Na cadeia da biosfera, por exemplo, o homem faz
parte de diversos subsistemas (culturais, da ecobiosfera,
tecnológicos) e com todos realiza intercâmbio, condição que
lhe permite a sobrevivência e a realização de seus fins. Por
isso, promove a ordem dos fatores do seu meio ambiente e

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
controla o seu comportamento (Damásio, 2009),13 como parte
do todo, pois necessita disso para sua existência e proteção.
Em relação aos sistemas sociais, o homem situa-se
em posição de destaque e constitui seu eixo, além de ser
um sistema parte. Na conexão com outros, em rede, realiza
diversos intercâmbios de utilidades, bens e valores para a
satisfação de suas necessidades imanentes, transcendentes e
de sobrevivência, e especialmente realiza variados processos
de regulação, seja interna – autorregulação, seja externa
– heterorregulação (Merani, 1975).14 Na ordem jurídica,
regulam-se e caracterizam-se sistemas individuais e sistemas
coletivos.
As complexas relações e intercâmbios científicos, morais
e materiais que ocorrem entre os sistemas sociais (Greco,
2010),15 que mutuamente são provedores e consumidores
de bens (científicos, morais e materiais), energias, utilidades
96 etc., são fluxos essenciais que lhes permitem homeostase
e evolução e evitam o seu isolamento e a sua entropia –
involução ou morte do sistema (Gregori, 2019).16
Outrossim, todo sistema necessita de regulagem (feed-
back) para sanar carências, retirar excessos e reconsiderar
rumos. Entretanto, dada a complexidade dos sistemas sociais,
seja pelas diferentes condições de ofertas, demandas internas
e externas e insumos, seja pelas diferentes relações de poder
que envolvem, ocorrem obstáculos no curso dos processos
para sua efetiva regulagem e adequado direcionamento para
alcançar os seus fins, em especial quando estes se referem
à distribuição de poder e riquezas, que se concentram
em posições inversamente proporcionais às carências e
necessidades pessoais (Piketty, 2014;17 Abrahão, 2020).18
Com essa finalidade, os sistemas ou subsistemas
sociais submetem-se a uma ordem jurídica, com mecanismos
próprios de articulação de fatores constituintes e de
controle (regulagem) de processos para alcançar seus
propósitos, sejam gerais, sejam particulares. Entretanto, é
comum que ocorram dissonâncias entre a ordem jurídica

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


ideal, concebida, a ordem expressa nas instituições e nos
instrumentos jurídicos e a ordem dos fatos na realidade.
Também se notam assimetrias entre os conceitos sobre
o direito e os sentimentos sobre a justiça em relação à
ordem jurídica positiva e à ordem jurídica efetiva, porquanto
determinados subgrupos (subsistemas) com poderes
específicos (econômicos, científicos, tecnológicos, militares,
morais, de comunicação etc.), bem articulados e bem
posicionados na ordem juridicossocial, impõem suas pautas,
interesses e benefícios em detrimento de outros subgrupos,
desarticulados e carentes de equivalentes poderes na ordem
estabelecida.

O Direito como realidade cultural

O Direito, uma criação do homem, assim como suas


97
demais criações – a arte, o conto, a filosofia, a ciência - antes
de qualquer operação ou codificação visível no mundo,
e enquanto codificado e operativo, em sua natureza,
essencialmente, é um produto cultural. Embora sua
gênese ocorra no mundo das ideias, ele existe também no
mundo sensível. Essa realidade, que pode ser denominada
conceitual, é definida por Popper como do mundo das
percepções, conteúdos e produtos da mente humana, que se
formulam e se expressam na história, nos mitos explicativos,
nas ferramentas científicas, nos problemas científicos, nas
instituições sociais e nas obras de arte (Popper; Eccles, 1982).
Os objetos culturais são criações da mente, embora
alguns venham sob a forma de corpos materiais e nem sempre
são o resultado de uma produção planejada individualmente.
Assim, as esculturas, os quadros, os livros, as leis etc., além
de pertencerem ao mundo físico, pertencem, em primeiro
lugar, ao mundo dos produtos da mente. São coisas reais,
não somente quanto à sua materialidade ou corporeidade,
mas especialmente no que concerne aos seus aspectos
conceituais (Popper; Eccles, 1982).19 Com relação aos livros

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
e outros produtos da mente e da cultura, mediante as
últimas tecnologias de comunicação, já prescindem de
suportes materiais tradicionais para circular no comércio
como objetos de compra e venda ou produtos de uso ou de
consumo diário, ou como fatos ilícitos, a exemplo das “fake
news” divulgadas pelas redes sociais da internet.
As leis, os mandados, os despachos e a infinidade
de documentos de autoridades que transitam, atualmente,
pelo espaço, codificados através de ondas ou impulsos
magnéticos, como preceitos, conceitos ou ideias, que logo
são decodificados e recodificados em outra linguagem pelo
destinatário, podem assumir diferentes formas e finalidades.
Assim, os conceitos e as ideias são passíveis de circular
desvinculados da matéria, ou cada vez menos dependentes da
matéria tangível, para se tornarem cada vez mais intangíveis.
98 Para a hipótese de produtos culturais, em lugar
dos editores de obras literárias, doutrinárias ou de caráter
científico, existem os provedores de conteúdos que as
distribuem aos consumidores por meio de impulsos
magnéticos no ciberespaço.
Eccles, sobre o tema, comenta que é importante
considerar que este mundo está codificado em substratos
materiais, como o papel e a tinta dos livros, as telas etc.,
mas que em si não é material, senão essencialmente ideias
criativas de artistas, pensadores, narradores de histórias e,
eventualmente, de filósofos e cientistas (Eccles, 1992).
Para Morin (1992), de fato, trata-se de uma noosfera,
de acordo com o termo que Teilhard de Chardin forjou nos
anos vinte do século passado, ou seja, entidades feitas da
substância espiritual e dotadas de certa existência material.
Assim, Morin afirma que as ideias, e mais extensamente
as coisas do espírito, nascem dos próprios criadores,
em circunstâncias socioculturais que determinam seus
caracteres e suas formas, como produtos e instrumentos de
conhecimento (Morin, 1992).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Segundo Gregori, as inspirações, imagens, criações
e concepções internas, percepções de si e do mundo
compõem a logosfera – esfera da consciência em relação ao
próprio ser e ao mundo. Para o autor, nessa esfera ocorre o
contato do ser com as suas mais profundas raízes, com sua
energia fundamental e sua propulsão expansiva. Quando
essas criações ganham formas capazes de comunicar a
subjetividade do ser, com suas percepções, conceitos, ideias,
consciência de si e do mundo, epistemologia, sentido da arte,
mitos, imagens de sua experiência, e tudo mais da cultura,
com a finalidade de expressar e comunicar o seu mundo
interior, cria-se, na órbita externa, a simbolosfera, esfera
de representação da subjetividade. Por fim, no plano da
realidade, do mundo físico, da natureza material e dos fatos,
bem como dos acontecimentos do dia a dia, em síntese,
cria-se a factosfera - esfera concreta do tempo e do espaço
na qual fluem as relações de toda espécie (Gregori, 1984).
99
Na mente, criam-se os padrões mentais que,
independentemente das modalidades sensoriais,
correspondem às imagens (internas) dos objetos da
percepção e da consciência sobre a ordem externa. Esses
padrões dão aos sujeitos, por exemplo, consciência sobre a
ordem jurídica que se estabelece, ou se pretende estabelecer,
com seus fatores constituintes, características, relações,
hierarquias, emoções, sentimentos e resultados (fins). No
plano do logos, portanto, o cérebro monta um complexo
sistema de consciência, individual e coletiva, que permite ao
sujeito construir sua identidade, sua cultura, sua história, seu
lugar (Damásio, 2009) na ordem juridicossocial.
Em resumo, no cérebro, centro operacional da mente,
as células nervosas disparam neurotransmissores em uma
determinada disposiçao e frequência para representar uma
cosmovisão, uma ordem simbólica (sobre informações e
conhecimentos) e a realidade fática da ordem concebida
(Crick, 2000). Na simbolosfera, em outro plano, os signos (Nöth,
1995;20 Schaff, 196621) compõem os padrões mentais lógico-

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
analíticos, sintético-intuitivos e operativo-procedimentais que
representam os estados internos da mente em relação aos
fenômenos.
Quando os signos são relacionados a estados internos
racionais, representam padrões lógico-científicos. Quando
se associam a estados internos irracionais, emocionais e de
sentimento, por meio de ícones (figuras, sons, metáforas,
mitos, lendas), representam padrões sintético-intuitivos
da mente. E quando relacionados a estados internos
operacionais, representam padrões e estruturas processuais
(Gregori, 1984).
Sobre a percepção, o cérebro capta normalmente o
mundo exterior (ou o próprio corpo) por portas sensoriais,
que lhe chegam por meio de impulsos elétricos e vão
compor padrões que comunicam aspectos e características
do objeto, as quais, estruturadas, relacionadas e
100 contextualizadas, comporão processos, modelos, conceitos,
emoções e sentimentos. Dessa forma, embora o objeto
esteja aparentemente fora do observador, na verdade, é
representado no interior do seu cérebro pelos neurônios
que o veem, processam informações, criam conceitos, ideias,
sentimentos e um modus operandi. Assim, embora pareça
uma ideia estranha, o fato é que o mundo está no interior
de quem observa. Cada sujeito constrói internamente seu
próprio mundo a partir de estímulos inatos ou de objetos.
E tudo o que ele sabe encontra-se definitivamente no seu
cérebro, na sua mente (Crick, 2000).
A inteligibilidade sobre as características sistêmicas
das coisas, por sua vez, começa na relação do sujeito com
o objeto, que, por meio de estruturas e padrões diversos
de impulsos eletromagnéticos, cria na mente um mapa da
realidade.
O mapa mental criado situa-se na esfera do logos e
constitui a estrutura profunda de conceitos, ideias, sintaxe,
ciência, epistemologia ou outros fatores de origem hereditária,
instintivos ou natos, como o instinto de sobrevivência e

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


reprodução, e a tendência para criar vínculos afetivos. Em
consequência, para fins de comunicação, formas gramaticais,
símbolos, códigos ou ritos – formas de significado ou
relações –, representados em mapas internos, projetam-se
na simbolosfera (Eco, 1976),22 em estruturas lógicas, para
comunicar conceitos, ideias, ordem, ciência, epistemologia e
processos que se referem a método, hermenêutica e busca
da verdade.
Assim, o observador comunica, por meio da linguagem,
o espetáculo inteligível da substância (matéria ou energia)
que capta da realidade e cria na consciência, a partir de
uma estrutura profunda, uma representação analítica da
experiência; comunica também, por meio de ícones (imagens,
analogias, sons, formas, cores ou por lendas, mitos, arte,
parapsicologia ou religião), ideias-sínteses que representam
intuição, emoção ou sentimentos registrados na estrutura 101
profunda da consciência (Damásio, 2009).23

A ordem das ideias e conceitos jurídicos,


sua representação objetiva no ordenamento
jurídico e a ordem jurídica fática

Na observação de García Márquez, as coisas deste


mundo, criação do homem, dos transplantes de coração
aos quartetos de Beethoven, sempre estiveram na mente
de seus criadores antes que estivessem na realidade (García
Marques, 1999).
Nessa ordem de percepção, traz-se à colação a
experiência da construção de Brasília, tão cara e presente na
memória da nação brasileira, que antes de tornar-se realidade
foi uma ideia na mente dos seus principais idealizadores24
que se tornou projeto e, em seguida, realidade. O arquiteto,
por excelência, cria, em primeiro lugar, na mente a sua obra
de arte para, posteriormente, desenhá-la e, com os recursos
materiais necessários, transformá-la em fato do mundo real.

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
Dessa perspectiva, entende-se que todas as
instituições são criações da mente humana e que nesse
domínio as coisas se movem quando alguém as move com
o pensamento e a emoção, mas, para que isso aconteça,
elas necessitam se dirigir por meio de ideias (Barker, 1978).25
Assim, uma partitura representa para o músico um conceito
sobre uma peça musical que se executa, no mundo fático,
visando sensibilizar o ouvinte; da mesma forma, um diagrama
representa um circuito elétrico para um eletricista, que o
executará com vistas a cumprir as finalidades desejadas.
Do mesmo modo, nas realizações e comunicações
do homem, submetidas à ordem jurídica, destaca-se um
ordenamento em três planos: um primeiro no campo
das ideias, dos conceitos; um segundo no campo da
representação simbólica, formal; e um terceiro no campo dos
102 fatos, da realidade factual (Foucault, 1974).
O conhecimento de um objeto se adquire por meio da
percepção (memória, raciocínio, decisão e ação) que chega à
mente sob a forma de imagens.26 Mas não são as imagens, em
forma de fotografia, fac-símile das coisas, dos acontecimentos,
das palavras ou frases, senão construções do próprio cérebro
através da ativação sincrônica e transitória de padrões de
disparo dos neurônios sobre os quais o homem apoia sua
percepção e sua visão de mundo (Damásio, 1996).
Essas imagens constituem provavelmente o principal
conteúdo dos pensamentos, das ideias e dos conceitos;
compõem a esfera do conteúdo interno da estrutura
conceitual na qual reúnem representações lógicas, de
sentimentos e ações. Trata-se de um plano interno no qual
o sujeito constrói a dimensão subjetiva do conceito jurídico,
das ideias e dos sentimentos de justiça, que se representa no
plano externo da ordem do Direito.
Entretanto, essa representação na órbita subjetiva,
que caracteriza a percepção ou visão de mundo jurídica,
não é suficiente para o sujeito se comunicar e atuar na

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


ordem factual, externa, que se estabelece nas suas relações
sociojurídicas. Para comunicar-se e interagir no mundo
jurídico, ele necessita de uma mediação por símbolos.
Assim, entre as subjetividades pessoais e coletivas,
interpõe-se um plano simbólico, objetivo, que relaciona e
articula a realidade e a idealidade entre os sujeitos, entre o
homem e o mundo, entre a subjetividade e a materialidade
etc. Essa é a dimensão da representação externa do conceito,
da ideia e do sentimento, que permite a manifestação destes
no mundo objetivo e lhes dá visibilidade por meio de uma
ordem de símbolos (Ortiz-Osés, 1997).
Por outra parte, na órbita da realidade, palco dos atos,
fatos, situações e relações jurídicas concretas, encontra-se
a ordem jurídica real, dos fatores socioambientais (seres
e coisas). Nela encontra-se a dimensão espaciotemporal
do Direito, o cenário exterior no qual fenômenos ocorrem
103
e provocam os sentidos, a partir dos quais se criam e se
transportam sinais, por meio de sinapses neurais, para o
cérebro, que elaboram representações positivas das imagens
percebidas. No processo comunicativo, as imagens mentais
de diferentes interlocutores conectam-se com a realidade
representada por meio de símbolos externos, que fazem
uma ponte entre a realidade e a subjetividade dos diferentes
interlocutores.

O Direito em três dimensões (estruturas


profunda, superficial e factual)

A completa representação linguística da experiência,


na perspectiva da gramática transformacional, consiste nos
processos que se formam para representá-la na mente e
comunicá-la de modo objetivo. Assim, quanto à experiência,
a comunicação recebe dupla análise: uma relativa à sua
estrutura constituinte, denominada estrutura profunda,
e outra relativa à estrutura do significado, denominada
estrutura superficial.

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
Na estrutura superficial ocorre uma série de escolhas em
relação à forma de comunicar a experiência, desde o processo
de escolha, por exemplo, das palavras ou frases apropriadas
ao conjunto de elementos que se reconhece como melhor
estruturado para comunicar sua representação. Na estrutura
profunda, a experiência é o objeto representado, e sua
representação é a estrutura interna, subjetiva, do processo
da comunicação. Nesse processo, portanto, ressaltam-se
a experiência que é representada e a estrutura profunda
constituinte que a representa. Juntas, a estrutura superficial
de significados e a estrutura profunda constituinte formam
uma estrutura linguística completa (Grinder; Bandler, 1977).
Nessa vertente, a linguagem humana constitui-se
do processo de representação interna do mundo e de sua
comunicação. Trata-se de um modelo explícito do processo de
representar e de comunicar a representação do mundo, que
104 opera nos níveis das estruturas profunda e superficial. Assim,
a representação interna do mundo real ou ideal (ciência,
arte, mito, tecnologia), que se constitui do conhecimento e
da experiência, é a estrutura profunda (Ortiz-Osés, 1997),
e sua representação externa, através de símbolos, constitui
a estrutura superficial.
Para os defensores da gramática transformacional, esse
modelo linguístico concebe duas estruturas que possibilitam
a representação e a comunicação de uma realidade qualquer
(Grinder; Bandler, 1977). No caso da ordem jurídica, é um
modelo que dá pistas para a compreensão do seu processo
comunicativo. Assim, nos processos de conhecimento e
comunicação, o cérebro capta informações no mundo dos
fatos (reais ou ideais) segundo uma estrutura profunda de
representação da experiência e uma estrutura superficial
simbólica de comunicação (Peirce, 1974).27
Assim, trasladando-se para o fenômeno jurídico, em
sua plenitude, tem-se uma estrutura profunda, subjetiva,
correspondente ao conhecimento e à cultura jurídica, que
interage indissociavelmente com a estrutura superficial,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


objetiva, equivalente ao arcabouço técnico-jurídico, e com
uma estrutura factual, que corresponde à experiência jurídica
concreta.

O fenômeno jurídico em diferentes planos


complementares

O fenômeno jurídico, em qualquer perspectiva que


o vejamos, seja no âmbito da reflexão e da cultura jurídica,
seja no âmbito da dogmática ou da pragmática, para que
seja conhecido, vivenciado e manejado plenamente, em seus
diversos aspectos intrínsecos, necessita que se considerem,
simultânea e integradamente, suas três esferas de existência
e manifestação.
Tomando-se por referência o modelo de Gregori (1984)
para conhecimento, reflexão e comunicação dos processos
sociais, em relação aos fenômenos jurídicos, devem-se 105
considerar três dimensões:

1 a logosfera, estrutura profunda, mental, subjetiva,


que reflete o mundo real ou ideal (visão de mundo,
ideologias, concepções jurídicas), constitui o
conhecimento e a experiência do ser social no
mundo e estabelece seus significados;

2 a simbolosfera, representação simbólica apta para


a comunicação completa do conhecimento ou da
experiência jurídico-social, constitui-se de símbolos
encadeados logicamente (discursos, ensaios,
teorias, mandados – sentenças –, códigos etc.),
de ícones (imagens, figuras, linguagem metafórica
etc.) ou de ritos, que possibilitam a mediação
entre as esferas conceitual e factual, bem como a
comunicação;

3 a factosfera, realidade espaciotemporal, adstrita aos


fatos e sua dinâmica social, que ante os conceitos e
sua representação simbólica são tipificados como
fatos jurídicos.

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
Nesse modelo epistemológico, integram-se três
diferentes aspectos do fenômeno jurídico-social, que
se encontram presentes e se reconhecem em qualquer
momento e manifestação da ordem jurídica, pois o Direito
constitui-se de conceitos e ideias (visões e cosmovisões),
produtos da mente, representados por códigos, símbolos
(lógicos ou ícones) e ritos que representam, comunicam
e operam a realidade (Peirce, 1974)28 da ordem social.
Esses aspectos, portanto, devem ser considerados e inter-
relacionados em qualquer abordagem sobre o Direito. Estão
presentes, simultaneamente, em todas as manifestações
do fenômeno jurídico, ainda que com variações em suas
características e sua intensidade, em diferentes fases. São
imprescindíveis e interativos como elementos da semântica,
da sintaxe e da pragmática jurídica.
106 Em uma ordem jurídica estabelecida, os seus
elementos articulam-se, por um lado, em um plano ideal,
interno, conceitual; por outro, articulam-se para compor uma
representação exterior no plano simbólico, sensível, material;
por fim, articulam-se em uma dinâmica sociojurídica factual
no plano da realidade.
Em perspectiva inversa, a partir da realidade social,
articulam-se conceitos normativos, com conteúdos que
definem uma situação ou conduta, permitida ou proibida,
que vem a ser formalmente declarada marco jurídico legal.
Neste caso, parte-se do mundo real, de fatos relevantes da
ordem social, para criar uma ordem jurídica ideal, conceitual,
na qual se acomodam as confrontações e percepções mais
profundas do ser e do Cosmos, que logo é codificada no
plano dos símbolos lógico-formais.
Com relação aos conceitos jurídicos que se formulam
na estrutura profunda, eles ordenam idealmente situações
com a finalidade de se trasladarem à simbolosfera,
plano da representação lógico-formal, ritual e dos ícones
representativos das crenças, dos mitos, das ideologias etc.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e se conectam com a experiência espaciotemporal dos fatos
e das coisas concretas da ordem social.
Do ponto de vista da ordem jurídica, existem múltiplas
subordens constitutivas e complementares, mediadas por
diferentes tipos de linguagem – não verbal, verbal e factual –,
que devem manter sintonia e correspondência com o logos e
a pragmática. Tal como um mapa representa um território na
consciência do sujeito, uma ordem conceitual e uma simbólica
correspondem e representam uma ordem dos fatos jurídicos
na sociedade, de modo isomórfico (Wittgenstein, 1973),29 em
um processo circular entre as esferas dos fatos, do logos e
dos símbolos (Gregori, 2019).30
No plano conceitual, existe uma estrutura interna, que
é o verbo, a ideia, o modelo, a parte da estrutura triádica
medular interior, que tem sua expressão na forma externa
falada e escrita ou da arte. Como logos, funciona na esfera
arcana e primordial dos pensamentos, das ideias, do espírito,
107
da cultura, que tem sua representação na esfera simbólica
da linguajem (Brugger, 1953). Também atua como a força
do espírito no trabalho de persuasão, coesão e coerção na
realidade social. É a estrutura profunda do Direito, que, como
ideia viva, sugere mais do que pode expressar nas formas
exteriores, por meio de palavras ou de outros símbolos
quaisquer.
Por seu turno, a representação simbólica da estrutura
superficial é a que, antes da realidade fática, por meio da
linguagem verbal ou não verbal, apresenta o fenômeno jurídico
ao mundo sensível e inteligível. Como estrutura simbólica
codificada no mundo exterior, converte-se em suporte dos
conceitos jurídicos através dos quais sua essência se apoia e
transita nos âmbitos sociais.
Enquanto formas da expressão – sinais, palavras, ritos,
procedimentos etc., além da função de suporte e apoio dos
conteúdos e conceitos, os símbolos têm a função de revelar
o Direito no mundo formal e, no cumprimento dessa função,
tanto podem revelá-lo quanto distorcê-lo no comércio

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
jurídico (Saussure, 1973).31 No exercício da representação
do Direito, bem como no de fazê-lo efetivo ou aplicá-lo, é
comum que se acrescentem ou retirem elementos de sua
estrutura conceitual original. Entretanto, deve-se notar que a
representação simbólica busca ser fiel ao conceito e dele mais
se aproxima à medida que melhor represente a sua estrutura
e complexidade conceptual, bem como a sua subjetividade.
Quando existem coisas concretas, a relação entre
sujeito e objeto é direta e o conceito do objeto é descritivo,
por isso é mais simples; mas quando se trata de conceitos
puramente ideais, geralmente, há mais problemas para
representá-los, seja por falta de referência externa que
possa servir como paradigma, seja pela complexidade de sua
estrutura, que dificulta a completa representação. Nesses
casos, existe o perigo de realizar representação deficitária do
conceito, que na sua totalidade deve compreender todas as
108 variáveis: subjetivas, espaciotemporais e procedimentais.

Considerações finais

Em perspectiva sistêmica, o Direito se estrutura por


meio de interconexões de suas dimensões profunda,
superficial e factual, que correspondem, na percepção
adaptada ao objeto deste estudo, aos planos da sintaxe,
da semântica e da pragmática jurídica, que podem ser
representados nos termos da seguinte figura:

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Antioficial

Sintaxe

Oscilante Oficial
Pragmática Semântica

DIREITO

Semântica Pragmática
Sintaxe

Oficial antioficial Oscilante

Figura 2 109
Representação do direito integrado nos planos da sintaxe,
da semântica e da pragmática
Fonte: Elaboração própria.

No plano da semântica (conceitual, subjetivo, das


ideias), que se cria na consciência das pessoas, dos grupos
e das comunidades, sobre a ordem jurídica, encontra-se
a estrutura profunda do Direito. Trata-se de um tramado
de ideias, conceitos e sentimentos criado na mente para
organizar a experiência, a convivência e o intercâmbio de bens
para a satisfação de necessidades, condições e utilidades
existenciais. É a dimensão do logos, que dá sustentação e
fundamento à ordem objetiva, formal e comunicativa do
Direito em um determinado contexto social.
Assim, a estrutura profunda do Direito é o logos, do qual
nascem as representações jurídicas formais que orientam a
experiência e a convivência das pessoas na ordem jurídica
real, denominada Estado-comunidade (Lucas Verdú, 1999, p.
155).32

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
Na dimensão do logos, cria-se, primeiro, a matéria
substância do Direito, que é a consciência individual e
coletiva das pessoas para a convivência social; depois, cria-se
a estrutura superficial, por meio da sintaxe (representação
lógico/formal); e, por último, dispõem-se os fatores
socioambientais necessários, nos modos apropriados e
preconcebidos, para realizar os fins do Direito.
Com essa compreensão, verifica-se que, antes de
qualquer Direito se realizar no plano real, da pragmática
jurídica, e produzir os efeitos que lhe são próprios, seus
fatores elementares – pensamento, sentimento e ação –
e ambientais devem se dispor na consciência individual e
coletiva em um processo comunicativo tridimensional entre
o mundo das formas e da sintaxe (Nöth, 1995) e o mundo da
realidade para que possa, devidamente, cumprir os seus fins.
Desenvolve-se, daí, um processo comunicativo triádico
110 que, de início, se modela no intelecto e na consciência, em
uma ação comunicativa interna, a qual permite ao sujeito
ordenar e coordenar os fatores operacionais do Direito
em uma dada ordem e correspondente dinâmica, antes
de comunicá-lo, e interagir com o mundo exterior, que lhe
dará insumos (feedback) para eventuais e necessárias novas
configurações. Nesse processo, constrói-se, internamente,
um modelo que depois se transforma em projeto, objeto,
ação multicomunicativa e, consequentemente, em um
ordenamento dos fatores socioambientais apropriados à
ordem jurídica real e efetiva que se destina a cumprir os fins
do Direito (Freitas, 1981).33
Em síntese, na ordem social, dispõem-se, em primeiro
lugar, no plano subjetivo, cognitivo, do agente, os fatores
socioambientais a ela pertinentes, os quais, em seguida,
trasladam-se da ordem subjetiva para um plano formal,
inteligível, comunicativo. Assim, convertem-se as ideias em
projeto, que se formaliza, tornando-se hábil ao processamento
de seus operacionais e à efetivação do objetivo idealizado no
plano da realidade e da comunicação.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


No campo jurídico, e na perspectiva dos planos da
sintaxe, da semântica e da pragmática, devem-se cumprir,
simultaneamente, os respectivos cânones, para que,
legitimamente, se cumpram os requisitos de validade, justiça
e eficácia jurídicos.
Desse modo, demonstra-se que o fenômeno jurídico,
portanto, o Direito, ocorre em três dimensões, distintas e
interconectadas, que se denominam planos ou esferas das
ideias (convicções, ideologias), da representação simbólica
e da factualidade, que nos domínios da semiótica, com as
devidas cautelas conceituais, se traduzem pelos planos da
semântica, da sintaxe e da pragmática.
O Direito, assim, como objeto de estudo, para uma
abordagem completa, requer a integração desses diferentes
planos. Em cada plano, separadamente, seus componentes
são insuficientes para uma completa compreensão,
adequação e efetividade.
111

Conclusões

O Direito é uma realidade cultural, produto da criação


do homem, e seus componentes integram-se na ordem da
razão, da ação e do seu fim e se manifestam nos planos
conceitual, simbólico e factual.
Na estrutura profunda do Direito, na esfera do seu logos,
germinam, cultivam-se e expandem-se a compreensão, as
ideias e ideologias sobre os fenômenos jurídicos – conceitos,
procedimentos, valores, princípios, sanções premiais ou
penais –, bem como os sentimentos e as atitudes sobre
a justiça, que representam a consciência individual, coletiva
e universal do homem em cada tempo e lugar.
A estrutura superficial do Direito, que se apresenta no
mundo jurídico por meio dos símbolos linguísticos lógico-
formais e ícones jurídicos, de modo objetivo e inteligível,
representa a ideia, o conceito e os procedimentos edificados
na estrutura profunda, subjetiva, do logos jurídico. Esse

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
é o plano de intermediação da linguagem, instrumento útil
e necessário para a comunicação e a concreção do Direito na
ordem social.
Na esfera dos fatos, encontram-se ações, situações
e vínculos jurídicos concretos, objetivos, no tempo e no
espaço, reconhecidos na ordem do Direito como relevantes
juridicamente; nessa esfera, encontram-se os atos e fatos
jurídicos personalíssimos, privados e públicos, de toda a
ordem.
O Direito, portanto, na sua plenitude, é uma ordem
que integra fatores do plano das ideias, do plano formal e do
plano da realidade, para os fins da convivência social.
No plano das idéias, o Direito constitui-se de uma
ordem ideológica – uma cosmovisão (sistema de princípios
e valores); no plano formal, constitui-se de uma ordem
tecnojurídico-codificada; e no plano da realidade, constitui-se
112 de uma ordem jurídico-comunitária.34
Por fim, conclui-se que o Direito é um sistema complexo
tridimensional, e que seus fatores operacionais ocorrem e
interconectam-se nos planos da sintaxe, da semântica e da
pragmática, em todos os setores da vida e em diferentes
órbitas existenciais – individual, grupal, social e universal
(Batista, 2004).35 Assim, para evitar parcialidade, ambiguidade,
imprecisão, contradição e outras distorções, o ensino/a
aprendizagem, a pesquisa e a prática jurídica/profissional
relacionados ao fenômeno jurídico requerem abordagem
e aprofundamento simultâneos das singularidades de
suas estruturas superficial, profunda e factual por meio
de metodologia didático-pedagógica apropriada.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Referências

ABRAHÃO, J. Os super-ricos estão desequilibrados e precisam de


limites. Folha de São Paulo, São Paulo, 5. ago. 2020. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jorge-abrahao/2020/08/
os-super-ricos-estao-desequilibrados-e-precisam-de-limites.shtml>.
Acesso em: 5 ago. 2020.

ANJOS, M. F. (Coord.). Teología y nuevos paradigmas. Bilbao: Ediciones


Mensajero, 1999.

BALLESTEROS, A. M. L. Sistema de teoría fundamental del Derecho.


Valencia: Tirant lo Blanch, 1999.

BARKER, S. E. Teoria política grega: Platão y seus predecessores. 2. ed.


Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1978.

BATISTA, S. Aproximación al concepto del derecho desde la perspectiva


triádica: descripción de su estructura, dinámica y finalidad. 2004. 323
f. Tesis (Doctoral) - Universidad de Almería, Almería, 2004.

BRUGGER, W. Diccionario de Filosofía. Barcelona: Editora Biblioteca


113
Herder, 1953. v. 1.

CALLEGARI, J. A. Direito e linguagem: gramática jurídica


e instrumentalidade processual. P2P & Inovação, Rio de Janeiro, v. 4,
n. 2, p. 29-40, mar./ago. 2018.

CARVALHO, R. C.; FÁVERO A. A. A Teoria da Complexidade como


referencial epistemológico para a pesquisa em política educacional:
(re)conhecendo seus princípios e características. Revista de Estudios
Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa, [Ponta Grossa], v. 5,
p. 1-19, 2020.

CASARA, R. R. R. Sociedade sem lei: pós-democracia, personalidade


autoritária, idiotização e barbárie. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2018.

CASSIRER, E. Filosofía de las formas simbólicas. 2. ed. Ciudad de


México: Fondo de Cultura Económica, 1998. v. 1.

CRICK, F. La búsqueda científica del alma. Madrid: Debate, 2000.

DAMÁSIO, A. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano.


São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DAMÁSIO, A. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das


Letras, 2009.

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
ECCLES, J. La evolución del cerebro: creación de la conciencia.
Barcelona: Editorial Labor, 1992.

ECO, U. Signo. Barcelona: Labor, 1976.

FARRALLI, C. La filosofia del diritto contemporánea. Roma: Editori


Laterza, 2002.

FOUCAULT, M. Las palabras y las cosas. 5. ed. Ciudad de México: Siglo


Veintiuno, 1974.

FREITAS, J. Ciência e Filosofia. Belo Horizonte: UFMG, 1981.

GARCÍA MARQUES, G. Ilusões para o século 21. Folha de São Paulo,


São Paulo, 14 mar. 1999. Folha Opinião, p. 1-3.

GRECO, M. Observatório social: uma observação da aventura humana


como introdução ao estudo da sociologia. São Paulo: Iglu, 2010.

GREGORI, W. Cibernética social. São Paulo: Cortez, 1984. v. 1.

GREGORI, W. Ciência Social Geral: um paradigma emergente nas


114 ciências sociais. Santa Maria, RS: Pallotti, 2019.

GRINDER, J.; BANDLER, R. A estrutura da magia. Rio de Janeiro: Zahar,


1977.

JINETE, N. S.; LOPES, M. S.; VANEGAS, D. G. Pedagogía del Derecho en


el siglo XXI. Bogotá: UCMC, 2012.

LEGAZ Y LACAMBRA, L. Filosofía del Derecho. Barcelona: Bosch, 1972.

LUCAS VERDÚ, P. Principios de ciencia política: estructura y dinámica


política. Madrid: Tecnos, 1969.

MERANI, A. L. De la praxis a la Razón. Barcelona: Ediciones Grimaldo,


1975.

MORIN, E. El método: las ideas. Madrid: Editorial Cátedra, 1992. v. 4.

NÖTH, W. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo:


Anna Blume Editora, 1995.

NÖTH, W. A semiótica no século XX. São Paulo: Anna Blume Editora,


1996.

ORTIZ-OSÉS, A. Cassirer y las formas simbólicas: diccionario


interdisciplinar de Hermenéutica. Bilbao: Universidad de Deusto,
1997.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


OXFAM BRASIL. Quem paga a conta? Taxar a riqueza para enfrentar
a crise da Covid-19 na América Latina e Caribe. São Paulo, jul. 2020.
Disponível em: <https://rdstation-static.s3.amazonaws.com/cms/
files/115321/1595622094>.Nota_informativa_da_Oxfam_Quem_
Paga_a_Conta.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2020.

PANIKKAR, R. La intuición cosmoteándrica. Madrid: Editorial Trotta,


1999.

PECES BARBA, G. Introducción a la Filosofía del Derecho. Madrid:


Debate, 1983.

PEIRCE, C. S. A ética da terminologia. São Paulo: Abril Cultural S.A.,


1974. (Coleção Os Pensadores).

PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

POPPER, K.; ECCLES, J. El yo y su cerebro. Barcelona: Editorial Labor,


1982.

RIVERA-LUGO, C. Crítica à economia política do Direito. São Paulo:


Ideias e Letras, 2019.
115
SAUSSURE, F. Curso de lingüística general. 12. ed. Buenos Aires:
Losada, 1973.

SCHAFF, A. Introducción a la semántica. Ciudad de México: FCE, 1966.

SEN, A. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

SILVA, J. P. Estrutura profunda e sua importância na teoria formal da


gramática. Linguagem em (Re)vista, Niterói, v. 12, n. 24, p. 79-105, jul./
dez. 2017.

SOARES, R. M. F. Sociologia e Antropologia do Direito. São Paulo:


Saraiva, 2019.

VIEIRA, C. S. A norma antissimulação fiscal do parágrafo único do


artigo 116 do Código Tributário Nacional: uma construção sintática,
semântica e pragmática. 2017. 236 f. Tese (Doutorado em Direito) -
Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2017.

WHITE, L. La ciencia de la cultura. Buenos Aires: Paidós, 1964.

WITTGENSTEIN, L. Tratactus lógico-philosophicus. Madrid: Alianza,


1973.

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
Notas

1 Tomando como fundamento o trivium medieval das três artes


da linguagem – gramática, dialética (lógica) e retórica – e a
reinterpretação peirceana desse trivium – gramática pura, lógica
própria e retórica pura –, Morris estabeleceu uma subdivisão
triádica para o campo da semiótica: sintaxe, semântica e
pragmática. Segundo ele, a sintaxe estuda a relação entre
um dado veículo e outro veículo do signo, a semântica estuda
as relações entre veículos do signo e sua designação, e a
pragmática estuda a relação entre os veículos do signo e seus
intérpretes (Nöth, 1996).

2 Segundo Rivera-Lugo (2019), por detrás do direito sempre


esteve a economia política como matriz normativa. Ambas,
economia política e direito, estão imbricadas: o Estado e o
direito são formas jurídico-políticas do capital. Estado e direito
não existem fora do capital que os constitui como relação
e processo social para que os estruturem e os suportem
116 (Rivera-Lugo, 2019); para Ballesteros (1999), a ordem social
está constituída por um conjunto de relações, de diferentes
naturezas e significados, que os seres humanos estabelecem
mediante o fenômeno da convivência, na qual se supõe a
existência de uma série de valores, princípios, papéis e pautas
de conduta que contribuem para dotá-la de unidade, coesão,
estabilidade e impulsionar sua dinâmica. Por sua vez, a ordem
jurídica é a ordem social regulada eficazmente pelo Direito.

3 “Os sistemas sociais complexos necessitam considerar a


questão política como essencial para a compreensão dos
contextos, para a tomada de decisões e para planejar as
possíveis intervenções neles” (Carvalho; Fávero, 2020, p. 15).

4 Na percepção de Peces Barba (1983, p. 65), “quizás el Derecho


sea el uso, en sentido amplio, más susceptible de planificación
y de ordenación de la vida social, con arreglo a un plan, a
unos criterios preestablecidos, especialmente en el mundo
moderno donde su relación con el Poder, como hemos visto,
es indudable”.

5 Gregori (2019) propõe o conceito de sistema tri-uno ou triádico


para os sistemas sociais, para os quais preconiza sempre
protagonistas, antagonistas e coadjuvantes de um ou outro
desses polos, aos quais denomina de subgrupos oficiais,
antioficiais e oscilantes.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


6 Para Legaz y Lacambra (1972, p. 331), “es de la naturaleza del
hombre vivir en sociedad. La sociedad pide una organización:
no hay sociedad sin orden. El orden social pide que ciertos
miembros ejerzan el poder, es decir, que dirijan la comunidad;
y el poder supone ciertas condiciones”.

7 Na percepção de Greco (2010), não há vida sem conflito. O


conflito é inerente a ela, levando ao aparecimento de jogos
gerados por essas oposições que, muitas vezes, se resolvem
em acordos, quase sempre provisórios (Greco, 2010).

8 Nos sistemas culturais, segundo White (1964), a base e


a determinação de seu funcionamento encontram-se na
quantidade de energia dominada e no modo pelo qual é
posta a trabalhar. Assim, para que tenha sentido nos sistemas
culturais, “la energía debe ser encauzada, dirigida y gobernada.”
(White, 1964, p. 341).

9 Para Farralli, “Negli ultimi trent´anni la società ha consciuto


trasformazione profonde e rapidissime: l`informatica è entrata
nella vita di tutti a vari livelli, provocando una sorta di rivoluzione
da alcuni paragonata a quella prodotta dall`introduzione della 117
stampa; la recerca in ambito medico e, più in generale, in
ambito scientifico, permette possibilità ogni giorno crescenti
di dominare la natura (fecondazione artificiale, trapianti
d`organo, clonazione), generando laceranti interrogativi
concernenti i limiti dell`intervento sulla vita umana e non
umana; grandi łussi migratori dai paesi più proveri verso i paesi
industrializzati hanno cambiato la fisionomia dei vecchi Stati
nazionali, determinando una situazione di marcato pluralismo
giuridico e mettendo in crisi concetti consolidati quali quelli de
savranità, di cittadinanza. Tutti questi fenomeni hanno aperto
nuove frontiere per gli studiosi e anche per i filosofi del diritto”
(Farralli, 2002, p. 77).

10 Segundo Greco (2010), a história é dividida em idades e, dento


delas, podemos identificar os ciclos históricos que ocorrem
em cada uma. O ciclo define um conjunto de transformações
sociais, políticas, econômicas, culturais, filosóficas e religiosas
que ocorrem dentro de determinada Idade Histórica (Greco,
2010).

11 Para Casara (2018), sociedade a é uma construção humana que


se forma por um conjunto de pessoas que se associam para e
por compartilhar valores culturais e instituições e que, por meio
da linguagem, se revelam capazes de fazer distinções, nomear,
incluir e excluir elementos, bem como jogar com a unidade,

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
a diversidade e o todo, simultaneamente. Ante o pluralismo
e a complexidade do sistema jurídico, Lucas Verdú (1969)
entende que o Estado-aparato e o Estado-comunidade são
juridicamente inseparáveis e realizam, tanto no plano estático-
estrutural como no dinâmico-material, a vida estatal.

12 Para Anjos (1999), o homem encontra-se em um momento de


mutações tão profundas e generalizadas que caracterizam uma
verdadeira mudança de época. Ele enfrenta cada vez mais a
complexidade dos seres e avança em sua decodificação. Em seu
pensamento, as novas formas de fazer implicam novas formas
de ser, sentir, pensar e relacionar-se. A rede de comunicações
proporcionada pela tecnologia revela, ao mesmo tempo,
proximidades e distâncias, semelhanças e diferenças, e põe a
descoberto os paradoxos das relações como jogo de poder.
As crises que se agudizam o incitam a mudanças radicais no
modo de relacionar-se, de implicar-se nos processos da vida e
de garantir a qualidade de sua existência (Anjos, 1999).

13 Para Damásio (2009), as concepções biologicamente


fundamentadas de controle consciente e inconsciente de
118 comportamentos são importantes para a definição do modo
como vivemos e, em especial, como devemos viver, com
destaque para as questões pertinentes ao comportamento
social e à violação dos acordos sociais codificados em leis.

14 Para Merani (1975), a vida surge de uma estrutura, mantém-se


por autorregulação determinada por uma evolução
complexificante e cria com essa evolução os equilíbrios
bioenergéticos que permitem a existência de estruturas para si,
de seres superiores. A flecha evolutiva está traçada por etapas
da matéria com estrutura gradualmente mais complexa, mais
unificada, mais integrada e mais bem harmonizada tanto na
interdependência como na interação de seus componentes
e destes com o meio. Assim, a vida progride, estanca ou
desaparece segundo o grau de equilíbrio entre os meios
interno e externo (Merani, 1975).

15 Segundo Greco (2010), a dinâmica social tem fundamento em


múltiplas ações, que vão da cooperação à competição, que
ocorrem no interior dos subsistemas sociais, nos quais estão
sempre presentes conflitos entre grupos e organizações formais
e informais, que lutam pelo controle desses subsistemas, em
busca de meios de maior plenivivência.

16 Na definição de Gregori (2019), com base na Teoria da


Organização Humana (TOH), de A. R. Muller, os sistemas sociais

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


podem ser considerados toto-totais e toto-parciais, segundo se
toma o sistema na sua totalidade ou a partir de um sistema
eixo que se cruza com os demais.

17 Segundo Piketty (2014), o 1% mais rico da população mundial


possui um patrimônio que equivale a 50% do total do patrimônio
dos outros 99%.

18 Informa Abrahão (2020) que, em relatório produzido


recentemente, a Oxfam Brasil aponta que 73 bilionários da
América Latina e Caribe aumentaram suas fortunas em US$
48,2 bilhões entre o início da pandemia de Covid e junho do
corrente ano. No Brasil, 42 desses bilionários, juntos, tiveram
suas fortunas aumentadas em US$ 34 bilhões. O patrimônio
líquido deles subiu de US$ 123,1 bilhões em março para R$
157,1 bilhões em julho (Abrahão, 2020).

19 Popper e Eccles (1982) referem-se às entidades do mundo


físico – processos, forças, campos de forças – que interatuam
entre si e com os corpos materiais como o Mundo 1; aos
estados mentais, os chama de Mundo 2; e aos conteúdos do
pensamento ou outros produtos da mente humana refere-se a 119
eles como o Mundo 3.

20 Entre as noções de signo mais simples, encontra-se a que


trata da associação de um significante e um significado, sendo
significante o representante e significado o representado.
Entretanto, a ela se opõe a concepção triádica de Peirce, que
defende a existência de três elementos: representante, objeto
e interpretante. Assim, como um processo, o signo constitui-se
de um representante que se envia a um objeto pela mediação
de um interpretante. Ademais, para Peirce, os signos se
distinguem como ícones, índices e símbolos, conforme a relação
que se estabelece entre o signo e o objeto. Se a relação é de
tipo material, o signo é um ícone (uma fotografia, uma estátua);
se a relação é de contiguidade, o signo é um índice (as pegadas,
a fumaça); se a relação é convencional, o signo é um símbolo
(uma palavra) (Nöth, 1995).

21 Para Schaff (1966, p. 180) “todo objeto material, o la propiedad


de ese objeto, o un acontecimiento material, se convierte en
signo cuando en el proceso de la comunicación sirve, dentro
de la estructura de un lenguaje adoptado por las personas que
se comunican, al propósito de transmitir ciertos pensamientos
concernientes a la realidad, esto es, concernientes al mundo
exterior, o concernientes a experiencias internas (emocionales,
estéticas, volitivas, etc.) de cualquiera de los copartícipes del
proceso de comunicación”.

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
22 Para Eco (1976, p. 168-169), “hay un signo cuando, por
convención previa, cualquier señal está instituida por un
código como significante de un significado. Hay proceso de
comunicación cuando un emisor transmite intencionalmente
señales puestas en código por medio de un transmitente que
las hace pasar a través de un canal; las señales salidas del canal
son captadas por un aparato receptor que las transforma en
mensaje perceptible por un destinatario, el cual, basándose
en el código, asocia al mensaje como forma significante un
significado o contenido del mensaje. Cuando el emisor no emite
intencionalmente y aparece como fuente natural, también
hay proceso de significación, siempre que se observen los
restantes requisitos. Un signo es una correlación de una forma
significante a una (o a una jerarquía de) unidad que definiremos
como significado”.

23 Damásio (1996, p. 279) afirma, ao contrário do que se propagou


por largo tempo, que primeiro não é “pensar, logo existir”, mas
“existir, sentir, logo pensar”, sobretudo porque a consciência
permite que os sentimentos sejam conhecidos e, assim,
120 promovam internamente o impacto da emoção, possibilitando,
por meio do sentimento, que se faça uma mediação do processo
do pensamento. Assim, a consciência propicia que qualquer
objeto possa ser conhecido – seja a emoção ou qualquer outro
– e comunicado, inclusive sinteticamente, por meio de ícones,
antes de qualquer racionalização (Damásio, 1996).

24 Juscelino Kubitschek foi o presidente da República responsável


pela construção de Brasília, e Lúcio Costa e Oscar Niemayer
foram os autores dos projetos urbanísticos e arquitetônicos.

25 Afirma Barker (1978) que a vida política é domínio da ação, mas


sem ideias ela fenece.

26 Imagens que interpretam uma realidade, evocadas de um


passado ou de um futuro possível ou geradas a partir de um
conceito.

27 Na argumentação de Peirce (1974), a trama e a urdidura de todo


pensamento e investigação são constituídas por símbolos, e a
vida do pensamento e da investigação é inerente aos símbolos.
Para ele, símbolo é coisa viva, cujo corpo muda lentamente,
mas cujo significado cresce inevitavelmente, agregando novos
elementos e jogando fora os antigos (Peirce, 1974).

28 Peirce (1974) diz que a ciência está continuamente ganhando


novas concepções, e que cada nova concepção científica

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


deverá receber uma palavra nova, que pertence a uma família
de palavras cognatas.

29 O conceito de isomorfismo aplica-se, também, a uma teoria


científica, um modelo, uma interpretação ou uma representação.
Assim, pode-se dizer que um mapa é isomorfo ao território
que representa. Na filosofia, tem-se utilizado o conceito para
enfrentar o problema da relação entre uma entidade real e
uma entidade representada e, em particular, para estudar
as relações entre pensamento, linguagem e realidade. Nesse
sentido, Wittgenstein defende que há isomorfismo entre a
linguagem e a realidade e que “la proposición muestra la forma
lógica de la realidad” (Wittgenstein, 1973, p. 87).

30 Para Gregori (2019), é um processo em espiral que se reajusta


e se realimenta com as revelações progressivas de cada nova
fase, denominado por ele “Ciclo Cibernético de Feedback – CCF”.

31 Para Saussure (1973), na língua há um sistema de signos


arbitrários e, segundo ele, não há motivo que justifique preferir
soeur a sister ou a hermana, ochs a boeuf ou a buey etc. 121

32 O Estado-comunidade é a própria sociedade em suas várias


configurações autônomas; em contraponto, o Estado-aparato
jurídico é o conjunto de órgãos do Estado, por meio dos quais
este realiza seus fins (Lucas Verdú, 1969).

33 Freitas (1981) ensina que “uma coisa é uma ordem”. Nesse


sentido, baseia-se na afirmativa de São Tomás de Aquino:
“Ordenar é dispor a um fim”. Assim, a ordem dos fatores
socioambientais destinada aos fins do Direito compõe a ordem
jurídica. Segundo Freitas, faz-se uma coisa fazendo a sua
ordem e se a desfaz desfazendo-lhe a ordem, visto que a coisa
somente poderá ser identificada quando a sua matéria (ou
substância) estiver disposta em uma ordem que identifica o seu
fim. Em consonância com essa ideia, por exemplo, constrói-se
uma casa à medida que se põe o material de construção na sua
ordem e, à medida que se vai pondo o material nessa ordem,
constrói-se a ordem da casa, e a própria casa vai sendo vista e
habilitada a cumprir o seu fim. Em outra ordem qualquer que
não seja a da casa, como, por exemplo, em um amontoado de
material de construção, ela não poderá ser vista nem cumprir
seu fim, como também em um amontoado de peças de um
automóvel não se poderá vê-lo nem nele viajar. (Freitas, 1981).

VOLUME III | Elementos para uma epistemologia do ensino jurídico com fundamento
na triunidade: estruturas sintática, semântica e pragmática do Direito
34 O Estado-comunidade é a própria sociedade em suas várias
configurações autônomas; em contraponto, o Estado-aparato
jurídico é o conjunto de órgãos do Estado por meio dos quais
este realiza seus fins (Lucas Verdú, Madrid 1969).

35 Os fatores operacionais do direito são o espaço, a cronologia,


os personagens e os procedimentos, que se articulam para
compor sua estrutura (Batista, 2004).

Nota autobiográfica

Sebastião Batista, doutor em Direito pela Universidad de Almería


(UAL), ES, com título revalidado pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), é professor, advogado e membro da Comissão
de Assessoramento Técnico (CAT) do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Instituto dos
Advogados de Minas Gerais e da Academia Internacional de
122 Cibernética Social Proporcionalista.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Abordagens
didático-pedagógicas
em cursos de graduação em
Engenharia: metodologias ativas,
interdisciplinaridade e inovações
José Temístocles Ferreira Júnior
Maurício Pimenta Cavalcanti
Amanda Souza de Paula
Maria do Socorro de Lima Oliveira
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a4

125
Resumo
O objetivo do trabalho é apresentar os resultados obtidos
a partir da experiência com a implantação de cinco cursos
de Engenharia na Unidade Acadêmica do Cabo de Santo
Agostinho da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE) em 2014. Os projetos pedagógicos dos cursos
apresentam muitos aspectos diferenciais, tais como a oferta
de unidades curriculares do núcleo profissionalizante desde
o primeiro semestre, a presença de quatro disciplinas
de Português e seis de Língua Estrangeira em todas as
matrizes curriculares, com abordagens voltadas para as
Engenharias, a construção de dispositivos articuladores
de interdisciplinaridade e de projetos integradores,
a promoção da integração universidade-empresas,
a presença de diferentes disciplinas voltadas para gestão
e empreendedorismo etc. Os diferenciais da configuração
curricular eram visíveis e a eles se ligavam princípios
pedagógicos e metodológicos ativos. Isso levou a gestão

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
acadêmica dos cursos a adotar, por um lado, estratégias
de formação do corpo docente e de ação e, por outro,
a criação de mecanismos para viabilizar o alcance dos
objetivos estabelecidos nos projetos e garantir a formação
qualificada dos graduandos. Os resultados das iniciativas
serão apresentados a seguir e mostram que é possível
combinar novas práticas didático-pedagógicas a modelos em
que há espaço para projetos integradores e interdisciplinares
e promover uma formação acadêmico-profissional
bem-sucedida.

Palavras-chave: formação docente; metodologia do ensino;


projeto político pedagógico. 

Abstract
126 Didactic-Pedagogical approaches to undergraduate
Engineering courses: active, interdisciplinary and innovative
methodologies

This work presents the results brought by the implementation


of five undergraduate Engineering courses at the Cabo de Santo
Agostinho Academic Unit from the Federal Rural University
of Pernambuco in 2014. The pedagogical projects of the courses
show several different aspects, such as professional subjects since
the first semester of the undergraduate courses, four Portuguese-
spoken and six English-spoken engineering-oriented subjects in all
syllabuses, the development of interdisciplinary approaches and
projects, encouragement of activities between the industry and
the university, plenty business-related subjects, among others. The
distinguishing aspects of the curricular structure were noticeable
and they link to active pedagogical and methodological principles.
This lead the courses’ academic management team to, on the one
hand, adopt faculty-training strategies and, on the other hand, to
develop mechanisms to achieve the goals set in the pedagogical
projects and to ensure quality in the student training. The results

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


of the approach are presented herein, proving it is possible
to combine new didactic-pedagogical practice to models
in which space is given to interdisciplinary projects, so to promote
a successful academic-professional training.

Keywords: teacher training; teaching methodology; political-


pedagogical project. 

Resumen
Enfoques didáctico-pedagógicos en las carreras de grado en
Ingeniería: metodologías activas, interdisciplinariedad
e innovaciones

El objetivo del trabajo es presentar los resultados obtenidos


a partir de la experiencia de la implementación de cinco carreras
de Ingeniería en la Unidad Académica del Cabo de Santo 127
Agostinho de la Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE) en 2014. Los proyectos pedagógicos de las carreras
presentan muchos aspectos diferenciales, tales como: la oferta de
unidades curriculares del núcleo de profesionalización desde el
primer semestre de la carrera, la presencia de cuatro asignaturas
de Portugués y seis de Lengua Extranjera en todas las matrices
curriculares, con perspectivas enfocadas en las Ingenierías, la
construcción de dispositivos que articulan la interdisciplinariedad
y proyectos integralizadores, la promoción de la integración
universidad-empresas, la presencia de diferentes asignaturas
dirigidas a la gestión y emprendimiento, etc. Los diferenciales de
la configuración curricular eran visibles y a ellos se conectaban
principios pedagógicos y metodológicos activos. Esto llevó la
gestión académica de las carreras a adoptar, por un lado,
estrategias de formación de los profesores y de acción y, por
otro, la creación de mecanismos con el objeto de promover el
alcance de los objetivos establecidos en los proyectos y garantizar
la formación cualificada de los estudiantes. Los resultados de las
iniciativas serán presentados enseguida y enseñan que es posible

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
mezclar nuevas prácticas didáctico-pedagógicas a modelos
en los que hay espacio para proyectos integradores
e interdisciplinarios y promover una formación académico-
profesional de éxito.

Palabras clave: formación de profesores; metodología


de enseñanza; proyecto político pedagógico. 

[...] a reforma necessária do pensamento é aquela


que gera um pensamento do contexto e do complexo.
O pensamento contextual busca sempre a relação de
inseparabilidade e as inter-retroações entre qualquer
fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto
planetário. O complexo requer um pensamento que
capte relações, inter-relações, implicações mútuas,
fenômenos multidimensionais, realidades que são
128 simultaneamente solidárias e conflitivas (como a
própria democracia, que é o sistema que se nutre de
antagonismos e que, simultaneamente, os regula),
que respeite a diversidade, ao mesmo tempo que a
unidade, um pensamento organizador que conceba a
relação recíproca entre todas as partes. (Morin, 2005,
p. 23).

Considerações iniciais

A discussão de propostas didático-pedagógicas


e metodologias inovadoras na educação superior tem
ganhado força no Brasil. Isso se deve, em parte, a resultados
de pesquisas realizadas sobre a sala de aula na universidade
que apontam para a necessidade de uma análise mais acurada
dos papéis assumidos no contexto do ambiente acadêmico.
Além disso, diversas experiências que buscaram a implemen-
tação de metodologias didático-pedagógicas diferenciadas
têm revelado ser possível alcançar resultados mais exitosos
do ponto de vista da qualificação acadêmico-profissional

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e do processo de ensino-aprendizagem, interferindo
diretamente na taxa de sucesso de cursos de graduação.
Mais do que possíveis, mudanças em abordagens no ensino,
de modo geral, e na educação superior, particularmente,
mostram-se imperativas, dado o caráter integrado
e interdisciplinar da aprendizagem e a complexidade
da própria natureza do pensamento, como bem destacou
Morin (2005). Nesse sentido, o intuito deste relato
é apresentar algumas estratégias adotadas no contexto da
implantação de cinco cursos de Engenharia em uma unidade
acadêmica da Universidade Federal Rural de Pernambuco
na cidade do Cabo de Santo Agostinho-PE, localizada na
Região Metropolitana do Recife (Figura 1), ocorrida a partir
do segundo semestre de 2014.

129

Figura 1
Localização do município de Cabo de Santo Agostinho
Fonte: Google Earth, 2020a.

A localização da Unidade Acadêmica do Cabo de


Santo Agostinho (UACSA) próxima ao Complexo Industrial
de Suape foi estratégica (Figura 2), justamente para viabilizar
o desenvolvimento de pesquisas voltadas para problemas
reais de empresas e indústrias ligadas a diferentes áreas da
Engenharia.

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
Figura 2
Localização da UACSA e do Complexo Industrial de Suape
Fonte: Google Earth, 2020b.

A proposta contemplou cinco cursos de bacharelado


em Engenharia, combinados com uma formação tecnológica
intermediária, possível de ser obtida após três anos de curso
130
e com alguns pré-requisitos: bacharelado em Engenharia
Civil (com tecnológico em Construção Civil – Edificações);
bacharelado em Engenharia Mecânica (com tecnológico
em Mecânica – Processos Industriais); bacharelado em
Engenharia Elétrica (com tecnológico em Transmissão
e Distribuição Elétrica); bacharelado em Engenharia Eletrônica
(com tecnológico em Automação Industrial); e bacharelado
em Engenharia de Materiais (com tecnológico em Gestão
da Produção Industrial). Para além da inovação no âmbito da
regulação – associando duas diplomações em um curso –,
as propostas pedagógicas trouxeram diferenciais curriculares
consideráveis do ponto de vista da formação a ser oferecida.
Iremos apresentar esses diferenciais, destacando estratégias
e mecanismos adotados para viabilizar os alcances
das propostas.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Configuração e implementação do currículo
em cursos de Engenharia: a formação do aluno
em foco

Em linhas gerais, os índices de evasão em cursos


de graduação em Engenharia são relativamente altos. Isso
se deve, por um lado, à configuração curricular e, por outro,
aos princípios teórico-metodológicos e didático-pedagógicos
adotados no curso. O desafio de pensar uma proposta
diferenciada e, ao mesmo tempo, encontrar fôlego para
implementá-la estava colocado. A questão ainda apresentava
outros aspectos que dificultavam sua resolução: tratava-se
de cursos a serem implantados em uma unidade acadêmica
nova, com estruturação institucional bastante recente e com
um quadro docente recém-formado e em vias de formação
até sua composição final. Naturalmente, os desafios estavam
postos e eram relativamente evidentes, mas já conhecidos 131
por parte daqueles que vivenciam a rotina da universidade
no século 21, como bem destaca Boaventura Santos (1989),
sobretudo da universidade pública.
Comumente, ao ingressarem, os alunos se veem
obrigados a cursar uma série de disciplinas do núcleo
comum às áreas de Engenharia, formado por conteúdos
de Matemática, Física, Química e Informática. Por não
perceberem relação entre essas unidades curriculares
e sua área de atuação pretendida, os discentes geralmente
não encontram a motivação necessária para concluir
o núcleo básico e terminam abandonando o curso nos dois
primeiros anos. Como se sabe, a existência de tais unidades
curriculares atende a diretrizes do Conselho Nacional
de Educação (Resolução nº 2/2019 – CES/CNE) que tratam
da matéria e são realmente fundamentais para a formação
em Engenharia. No entanto, é possível propor alternativas
quanto à disposição dessas disciplinas na matriz curricular
e às abordagens didático-pedagógicas a serem adotadas.

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
Nesse sentido, nas matrizes curriculares dos cinco
cursos de Engenharia da UACSA, há a presença de uma
disciplina do núcleo profissionalizante no primeiro período –
Tópicos de Engenharia (Figura 3). Com seu escopo voltado
para a articulação de práticas interdisciplinares e para
realização de projetos que envolvem diferentes saberes
da Engenharia, as disciplinas de Tópicos de Engenharia
se tornaram um dispositivo relevante para implementação
dos objetivos traçados nos projetos pedagógicos de cada
curso. O planejamento e a execução dessas disciplinas são
feitos de modo conjunto entre os professores responsáveis
por ministrá-las e os de outras disciplinas do mesmo período,
além da presença de uma pedagoga. A partir das discussões
levantadas no contexto dessas reuniões, são definidos
os projetos a serem desenvolvidos ao longo do semestre,
132 os componentes envolvidos e os instrumentos para
sua realização.
Faremos um detalhamento maior sobre a organização
das disciplinas de Tópicos de Engenharia no item 3.1. Por
ora, cabe destacar que a disposição de uma disciplina do
núcleo profissionalizante no primeiro período do curso, longe
de representar obstáculos ou problemas para formação
do aluno, possibilitou a aproximação inicial entre os
discentes e sua atuação profissional. Além disso, dado
o caráter interdisciplinar dos projetos propostos nas
disciplinas de Tópicos, ocorreu uma articulação natural entre
essas e as disciplinas do núcleo comum, o que favoreceu
uma abordagem mais situada de conteúdos ligados
à Matemática, Física, Química, Português e Inglês, além
de promover uma articulação com outras disciplinas
do núcleo profissionalizante.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Quadro 1
Exemplo de matriz curricular de um dos cursos da UACSA
(continua)

Matriz curricular do curso de gradução em Engenharia Elétrica


1º Período (420h)

Cálculo
Geo- Português Tópicos
Gestão Desenho Física Diferen-
metria Química Instru- de Enge-
Ambiental Técnico 1 Geral 1 cial e
Analítica 1A (45h) mental 1 nharia 1A
(45h) (60h) (45h) Integral 1
(45h) (30h) (90h)
(60h)
2º Período (435h)

Cálculo Lingua-
Português
Língua Es- Álgebra Desenho Física Diferen- gem de Gestão de
Química Instru-
trangeira Linear Técnico 2 Geral 2 cial e Progra- Produção
2A (75h) mental 2
1 (30h) (45h) (30h) (75h) Integral 2 mação (45h)
(30h)
(60h) (45h)
3º Período (420h)

Cálculo Tópicos
Português
Língua Es- Empreen- Física Diferen- Cálculo Circuitos de En-
Instru-

Atividades Complementares
trangeira dedoris- Geral 3 cial e Numério Elétricos genharia
mental 3
2 (30h) mo (30h) (75h) Integral 3 (45h) 1 (90h) Elétrica
(30h)
(60h) 2A (60h) 133
4º Período (420h)

Cálculo
Português Eletro-
Língua Es- Estatística Física Diferen- Circuitos Mecânica
Instru- magne-
trangeira Geral Geral 4 cial e Elétricos Geral
mental 4 tísmo 1
3 (30h) (45h) (45h) Integral 4 2 (90h) (60h)
(30h) (60h)
(60h)
5º Período (405h)

Con-
Legisla- versão Medidas Insta- Comp. de
Hig. Seg.
ção para Optativa 1 Eletrome- Eletrônica Eletro- lações Sistema
Trabalho
Engenha- (60h) cânica de 1 (75h) magnéti- Elétricas Elétricos
(45h)
ria (30h) Energia cas (30h) (60h) (45h)
(60h)

Trans-
6º Período (450h)

missão e Prote-
Equipa-
Máquinas Eletrônica Distribui- ção dos ESO Tec- TCC Tec-
mentos
Elétricas Industrial ção de Sistemas nológico nológico
Elétricos
(60h) (45h) Energia Elétricos (165h) (30h)
(45h)
Elétrica (45h)
(60h)

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
Quadro 1
Exemplo de matriz curricular de um dos cursos da UACSA
(conclusão)

Certificação intermediária - tecnológico em transmissão e distribuição elétrica


7º Período (375h)

Aciona- Tópicos
Eletro-
Língua Es- mento de Eletrônica Sinais e de En-
magne- Eletrônica
trangeira Máquinas de Potên- Sistemas genharia
tísmo 2 2 (75h)
4 (30h) Elétricas cia (60h) (60h) Elétrica 3
(45h)
(45h) (60h)
8º Período (390h)

Tecnolo- Resitên- Fenôme-


Língua Es- Técnicas Servome- Cálculo Máquinas
gia dos cia dos no de

Atividades Complementares
trangeira Digitais canismo de Faltas Primárias
Materiais Materiais Transpor-
5 (30h) (60h) (45h) (45h) (60h)
(30h) (60h) te (60h)
9º Período (345h)

Produ- Tópicos
Siste-
Língua Es- Introdu- ção de Gestão de de En-
mas de Optativa 2
trangeira ção ao Energia Pessoas genharia
Controle (60h)
6 (30h) TCC (30h) Elétrica (45h) Elétrica 4
1 (60h)
134 (60h) (60h)
10º Período (330h)

ESO Ba- TCC Ba-


Optativa 3 Optativa 4
charelado charelado
(60h) (60h)
(180h) (30)

Núcleo Comum - 1.185h


Optativas - 240h
Núcleo Profissionalizante - 750h Carga Horária Total do Curso
Núcleo Específico - 1.410h Bacharelado + Tecnológico - 4.110h
Legenda
Tecnológico - 2.670h
Atividades Complementares para o Bacharelado - 3.915h
Tecnológico ou Bacharelado - 120h
Unidades curriculares obrigatórias para o
Tecnológico - 195h
Relação das Unidades Curriculares Optativas do Núcleo Específico: Aterramento, Complementos de
Matemática, Comunicações Óticas, Dispositivos Eletrônicos, Educação das Relações Étnico-Raciais, Eletromagnetismo
Avançado, Eletrônica Digital, Engenharia Solar Fotovoltaica, Filtragem Adaptativa, Física do Estado Sólido, Física
Moderna, Gerência de Projetos, Introdução à Dinâmica Não Linear, Introdução à Ótica, Laboratório de Física
Moderna, Lasers e suas Aplicações nas Engenharias, Linguagem Brasileira de Sinais - LIBRAS, Mantenabilidade de
Equipamentos e Sistemas Elétricos, Médotos Computacionais, Pesquisa Operacional, Planejamento de Sistemas
Elétricos, Princípios de Comunicação, Processamento Digital de Sinais 1, Processamento Digital de Sinais 2, Processos
Estocásticos, Projeto de Dispositivos Programáveis, Qualidade de Energia Elétrica, Redes de Computadores.
Observação: O aluno deverá apresentar situação regular junto ao Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(ENADE) para obentção do Grau de Tecnólogo em Transmissão E Distribuição Elétrica ou Bacharel em Engenharia
Elétrica.
Fonte: UFRPE. PREG, 2019, p. 30.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Com o intuito de estabelecer uma aproximação
entre os conteúdos dos cursos e a realidade profissional,
as disciplinas de Tópicos de Engenharia buscaram também
a realização de visitas técnicas desde o primeiro período do
curso, o que propiciou estudos e abordagens de problemas
reais das indústrias. Desde sua concepção, a UACSA tem
buscado firmar convênios e parcerias com empresas
(públicas e/ou privadas) para fomentar a aproximação entre
o meio acadêmico e a realidade profissional. Naturalmente,
a universidade e as empresas tendem a tirar benefícios de
tais parcerias, pois, mediante esses convênios, é possível
ministrar aulas na indústria e realizar atividades de pesquisa
e extensão de modo contextualizado. Por outro lado, essas
atividades desenvolvidas nas indústrias permitem aos
empresários uma melhor observação dos potenciais dos
discentes, estimulando futuras contratações dos recém- 135
graduados da instituição.
É importante ressaltar que a tarefa de promover o
contato com a realidade profissional não esteve restrita
às disciplinas de Tópicos de Engenharia. Os docentes da
instituição foram incentivados a, sempre que possível,
ministrar parte do conteúdo previsto na disciplina em
ambientes industriais e, mesmo sem o contato com a
indústria, o processo de ensino-aprendizagem tem se dado
de modo contextualizado, observando-se aspectos relativos
à prática e à atuação do futuro profissional egresso.
Práticas empreendedoras e gerenciais são estimuladas
em disciplinas como Empreendedorismo, Gestão de Pessoas
e Gestão da Produção, por exemplo. Tais disciplinas fornecem
ao estudante ferramentas que o permitam ir além da simples
execução e repetição de tarefas, preparando-os para o
melhor aproveitamento de suas habilidades e competências
durante a vida profissional.
Outro aspecto relevante é a preocupação com a
geração de impactos ambientais da atividade humana e o

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
papel da Engenharia nesse contexto, que são ressaltados
ao longo de todo o curso, fomentando, assim, competências
técnicas voltadas à sustentabilidade, respeitando o tripé que
destaca o equilíbrio entre o social, o econômico e o meio
ambiente. Todos esses conteúdos, somados aos conteúdos
clássicos de formação científica e específica da Engenharia,
bem como as atividades complementares propostas na
UACSA, demonstram a vocação dos cursos para a formação
de profissionais modernos, com potencial para exercer
atividades interdisciplinares, além de proporcionar o
desenvolvimento de competências e habilidades de cunho
técnico que podem guiar a implementação de novas soluções
aos problemas.
Outro ponto que podemos destacar é a inclusão das
disciplinas de Português e Inglês no rol das obrigatórias

136 da matriz curricular do curso. São quatro disciplinas de


Português, distribuídas nos quatro primeiros semestres, e
seis de Inglês, distribuídas em seis semestres dos cursos.
Essas disciplinas se voltam para práticas de leitura e produção
textual, escrita acadêmica, metodologia da pesquisa científica
e elaboração de projetos, artigos e trabalhos das esferas
acadêmico-científica e profissional. Essas unidades curricu-
lares adotam uma abordagem contextualizada, o que
permite aos alunos uma compreensão situada e aplicada
das competências e dos saberes trabalhados, como
práticas de leitura e interpretação de bibliografia específica
da área, manuais e participação em programas de
treinamentos. Além disso, o domínio das línguas (materna
e estrangeira) tem capacitado os alunos para a participação
em vários programas de intercâmbios mantidos pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e
seleções para programas de pós-graduação nos níveis
nacional e internacional, o que irá ampliar as capacidades
de comunicação e interação do discente.
Do ponto de vista da configuração dos currículos, outro
grande diferencial diz respeito à possibilidade de obtenção

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


do grau intermediário de tecnólogo após os três primeiros
anos do curso. Os projetos pedagógicos da UACSA buscaram
combinar um curso tecnológico a um bacharelado em
Engenharia.
Essa possibilidade de dupla diplomação com uma única
entrada no Sistema de Seleção Unificado (Sisu) foi avaliada
pelo Conselho Nacional de Educação (segundo Parecer
CNE/CES nº 854, de 7 de dezembro de 2016) e recebeu
destaque justamente pela inovação promovida no âmbito
da regulação curricular, aproximando o graduando de sua
atuação profissional e com evidente potencial para reduzir os
índices de evasão acadêmica. Ao combinar inovação curricular
a práticas didático-pedagógicas com caráter mais aplicado,
nas quais metodologias ativas ganham relevo, os cursos
de Engenharia da UACSA buscaram criar um perfil acadêmico-
profissional diferenciado, e os instrumentos para alcançar 137
esses objetivos também devem ser objeto de reflexão.

Mecanismos para promover inovações na


formação curricular

Um dos grandes dilemas que envolvem a implementação


de cursos novos está ligado aos agentes responsáveis pela
execução de projetos pedagógicos. Geralmente, aqueles
que pensaram a proposta de um curso novo não participam
de sua execução e, naturalmente, aqueles que participam
não têm clareza quanto aos princípios pedagógicos e
acadêmico-profissionais subjacentes ao projeto ou mesmo
não comungam dos mesmos ideais. Soma-se a isso outro
aspecto: salvo poucas exceções, o corpo docente responsável
pela implementação da nova proposta pedagógica possuía
uma formação acadêmica calcada em princípios e métodos
de ensino bastante engessados, advindos de experiências
tradicionais no ensino em áreas ligadas às Ciências Exatas
e às Engenharias, cujos resultados normalmente implicam

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
retenção acadêmica, evasão e formação básica pouco
articulada com os núcleos específico e profissionalizante. A
tendência mais provável era a adoção de práticas didáticas
e estratégias pedagógicas que valorizassem quase que de
modo exclusivo competências e habilidades previamente
adquiridas por discentes. Em outros termos, dependendo do
paradigma adotado implícita ou explicitamente, era grande a
probabilidade de repetição de modelos didático-pedagógicos
cujos resultados (altos índices de reprovação, desistências,
desligamentos e evasões) eram bem conhecidos.

Projetos integradores interdisciplinares

Os gestores dos cursos (pró-reitora de ensino de


graduação, coordenador geral de cursos de graduação e
coordenadores de curso) procuraram pensar estratégias
138 capazes de familiarizar o corpo docente (que ainda estava
em processo de integração) com os projetos pedagógicos
e as matrizes curriculares dos cinco cursos, além de buscar
criar espaços para socialização de experiências acadêmicas,
compartilhamentos de estratégias didático-pedagógicas,
análise e discussão de metodologias e instrumentos capazes
de otimizar a aprendizagem dos discentes. O estímulo a
práticas interdisciplinares por meio de metodologias de
ensino-aprendizagem e as abordagens baseadas em projetos
são características importantes dos cursos tecnológico e
de bacharelado da UACSA. A proposta de uma abordagem
interdisciplinar nos cursos de graduação decorre da
concepção de que o processo de ensino-aprendizagem
ocorre de maneira ativa, integrando conhecimentos e saberes
contextualmente situados.

[...] do ponto de vista integrador, a interdisciplinaridade


requer equilíbrio entre amplitude, profundidade
e síntese. A amplitude assegura uma larga base
de conhecimento e informação. A profundidade
assegura o requisito disciplinar e/ou conhecimento

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e informação interdisciplinar para tarefa a ser
executada. A síntese assegura o processo integrador.
(Japiassu, 1976, p. 65).

Dessa forma, a divisão do currículo em disciplinas


e a consequente compartimentalização dos saberes têm
propósitos essencialmente metodológicos e não devem
coibir propostas de natureza interdisciplinar ou tomar o
ensino-aprendizagem como um fenômeno que envolve
conhecimentos fragmentados sem liames entre si. Nesse
sentido, propõe-se que, no âmbito do ensino, em diversas
disciplinas que integram a matriz curricular, o aluno
tenha contato com metodologias e abordagens didático-
pedagógicas interdisciplinares e possa participar da
proposição e do desenvolvimento de projetos que envolvam
diferentes disciplinas.
Assim, para concretizar os objetivos traçados na 139
proposta didático-pedagógica do curso, no segundo
semestre de 2015, em virtude do projeto aprovado na
Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco
(Facepe), a UACSA recebeu o pesquisador visitante prof.
Rui Lima (da Universidade do Minho-Portugal), que
apresentou a metodologia de Project Based Learning (PBL) –
aprendizagem baseada em projetos. Nesse sentido, diversas
discussões foram levantadas quanto a estratégias de ensino-
aprendizagem, com uma abordagem teórico-metodológica
aplicada às Engenharias.
Na conjuntura do PBL, foi proposto o desenvolvimento
de projetos para resolver problemas contextualmente
situados que demandam a integração entre conhecimentos
e saberes de diferentes áreas (Figura 4A e 4B). Dessa
forma, por meio da abordagem teórico-metodológica
do PBL, o aluno é impelido a pensar e executar projetos de
natureza interdisciplinar para resolver questões e problemas
recorrentes no âmbito do bacharelado e do tecnológico
(Quadro 1).

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
Figura 3
Exemplos de projetos desenvolvidos pelos alunos
na disciplina de Tópicos de Engenharia, que foram
baseados em PBL
Fonte: Elaboração própria.
140 Nota: Imagem A: Árvore eólica. Imagem B: Sistema de irrigação automatizado.

Quadro 2
Projetos Integradores em Engenharia da UACSA
Curso Projetos Integradores

Tópicos de Engenharia Civil 1, Tópicos de


Engenharia Engenharia Civil 2, Tópicos de Engenharia Civil
Civil 3 e Tópicos de Engenharia Civil 4, Tecnologia da
Construção 1 e 2, Materiais de Construção 1 e 2.

Tópicos de Engenharia de Materiais 1, Tópicos de


Engenharia Engenharia de Materiais 2, Tópicos de Engenharia
de Materiais de Materiais 3 e Tópicos de Engenharia de
Materiais 4.

Tópicos de Engenharia Elétrica 1 A, Tópicos de


Engenharia
Engenharia Elétrica 2A, Tópicos de Engenharia
Elétrica
Elétrica 3 e Tópicos 2A de Engenharia Elétrica 4.

Tópicos de Engenharia Eletrônica 1 A, Tópicos de


Engenharia
Engenharia Eletrônica 2 A, Tópicos de Engenharia
Eletrônica
Eletrônica 3 e Tópicos de Engenharia Eletrônica 4.

Tópicos de Engenharia Mecânica 1A, Tópicos de


Engenharia
Engenharia Mecânica 2A, Tópicos de Engenharia
Mecânica
Mecânica 3A e Tópicos de Engenharia Mecânica 4.
Fonte: Elaboração própria.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Organização de jornadas pedagógicas e reflexões sobre
o processo de ensino-aprendizagem

Vários desafios foram encontrados para


operacionalização das propostas pedagógicas dos cursos,
decorrentes, em parte, da formação do corpo docente e, em
parte, da própria estruturação da nova unidade acadêmica.
O corpo docente encarregado de fazer a implementação dos
projetos pedagógicos tinha a tarefa de observar princípios
e diretrizes estabelecidos, sem perder de vista os objetivos
definidos na própria concepção dos projetos. No entanto,
ainda que houvesse disposição para assumir essa empreitada,
a maior parte dos professores era egressa de itinerários
formativos bastante tradicionais, nos quais havia pouco ou
quase nenhum espaço para metodologias ativas, abordagens
interdisciplinares ou mesmo orientações para promoção de
contextualizações no ensino. Em outros termos, a gestão
141
dos cursos teve de encarar seus próprios limites e buscar
estratégias para superá-los.
Nesse sentido, coube à gestão pedagógica da UACSA
pensar estratégias para sensibilização e formação continuada
dos docentes. Por meio de diversas jornadas pedagógicas
realizadas ao longo dos semestres, criou-se um espaço
conjunto para reflexão acerca dos dados acadêmicos
relacionados ao desempenho dos estudantes (como índices
de aprovação, reprovação, abandono, evasão etc.),
a socialização de experiências bem-sucedidas,
o compartilhamento de dificuldades, a discussão de
estratégias e metodologias a serem adotadas. O mote
dessas formações era buscar construir estratégias
capazes de estabelecer relações entre as disciplinas sem
planificar diferenças ou mesmo superficializar conceitos
importantes nas áreas envolvidas. Isso demandou, de início,
deslocamentos de perspectivas para evitar abordagens que
dessem maior importância ou privilegiassem unicamente

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
habilidades previamente adquiridas pelos discentes, sem lhes
dar condições para superar dificuldades e vencer desafios.
Nessas jornadas pedagógicas, houve participação
de professores e pesquisadores de diferentes instituições.
Nas interações ocorridas nesse contexto, alguns docentes
demonstraram diferentes inquietações quanto à inserção
de suas disciplinas em projetos integrados, à abordagem
aplicada de conceitos essencialmente abstratos e ao receio
de abordar superficialmente tais conceitos, além do destaque
para problemas relacionados à avaliação da aprendizagem.
Naturalmente, diante da inexistência de fórmulas prontas
ou de um modelo unívoco, acabado e diretivo, com
metodologias comprovadamente eficientes, logo ficou claro
que os professores e todos os demais agentes empenhados
em fazer funcionar os projetos pedagógicos dos cursos
142 deveriam pensar e construir suas próprias estratégias, mas o
compartilhamento das experiências e a reflexão em torno das
questões pedagógicas impulsionaram diferentes iniciativas
com o intuito de oferecer aos graduandos uma formação
mais qualificada, por meio de práticas interdisciplinares
e de metodologias ativas e com participação em atividades
de diferentes naturezas ao longo do curso.

Unidades curriculares com abordagens empreendedoras

O tratamento de conceitos, saberes e práticas no


contexto das unidades curriculares de Empreendedorismo,
Gestão da Produção, Gestão de Pessoas e Gestão Ambiental
tem objetivado fornecer ao aluno o aparato necessário
para as iniciativas empreendedoras e uma percepção mais
aplicada de matérias trabalhadas em diferentes unidades
curriculares. Em clara sintonia com essa abordagem e por
iniciativa dos discentes, surgiram grupos de trabalho em cada
curso, com acompanhamento, apoio e supervisão de pelo
menos um docente:

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


a) Grupo Megapascau – com o intuito de investigar
diferentes tecnologias de produção de concreto.

b) Grupo Zabumbaja – voltado à criação de protótipos


de carros tipo Baja (Figura 4).

143
Figura 4
Carro tipo Baja desenvolvido pelo grupo Zabumbaja
Fonte: Elaboração própria.

c) Grupo Aerodesign – com o propósito de criar


aeromodelos a partir de materiais alternativos e com uma
mecânica diferenciada (Figura 5).

Figura 5
Aeromodelo desenvolvido pelo grupo Aerodesign
Fonte: Elaboração própria.

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
d) Grupo Evolt Racing – voltado ao desenvolvimento
de um carro elétrico do tipo fórmula.

e) Mais recentemente, surgiu o grupo Ultron,


que tem como objetivo desenvolver mecanismos de
robótica e inteligência artificial.

Além desses grupos, formou-se a empresa júnior


Potencialize, que em sua composição conta com a participação
de estudantes de todos os cursos e objetiva elaborar projetos
interdisciplinares de Engenharia, além de prestar consultorias
especializadas.
As parcerias com as indústrias também dão margem
ao desenvolvimento de atividade de pesquisa e/ou extensão.
Além do evidente ganho para a formação do discente, tais
atividades podem ser integralizadas de forma complementar
ao currículo dos graduandos. Nessa situação, é previsto que
144 haja um profissional pertencente aos quadros da empresa,
designado como preceptor, que seja responsável pela
orientação e supervisão do aluno na empresa juntamente
com o professor orientador da instituição.

Unidades curriculares híbridas

No que se refere ao uso das Tecnologias da Informação


e Comunicação (TICs) nos cursos de Engenharia da UACSA,
os projetos pedagógicos preveem a utilização das TICs como
estratégias de ensino desde os períodos iniciais. Nesse
sentido, muitas disciplinas dos cursos têm um percentual
de carga horária a distância e nelas há o uso da plataforma
acadêmica adotada na UFRPE como ambiente virtual de
aprendizagem. Além disso, mesmo em disciplinas em que
o uso do ambiente virtual é obrigatório, professores têm
explorado essa ferramenta como instrumento para otimizar
o processo de ensino-aprendizagem, articulando-se com
outras TICs.
Quanto às metodologias ativas, todos os cursos de
Engenharias da UACSA estão pautados no sociointeracio-

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


nismo, compreendendo a aprendizagem como um processo
que decorre da interação social entre os sujeitos. Dentro dessa
perspectiva, a interdisciplinaridade assume um papel de eixo
norteador e de princípio metodológico, pois os fenômenos e
os problemas abordados em projetos integradores envolvem
saberes e competências que extrapolam os limites de uma
disciplina no sentido estrito.
Logo, a aprendizagem ativa ocorre pela Abordagem
Baseada em Projetos – ABP (ou Project Based Learning –
PBL), desenvolvida em todos os cursos por meio de projetos
interdisciplinares em Engenharia. Nessa perspectiva,
é prevista a utilização de diferentes metodologias ativas que
envolvem a tecnologia como o ensino híbrido, que combina
as modalidades presencial e a distância.
A utilização de disciplinas híbridas, que concilia aula
presencial com um ambiente virtual de aprendizagem, 145
capaz de fornecer o suporte para o uso de vários tipos de
metodologias, traz dinamicidade ao processo de ensino-
aprendizagem, criando ambientes virtuais com atividades
síncronas e assíncronas, o que favorece diferentes adequações
de horários para os discentes. Tais metodologias variam
desde a utilização do ambiente virtual de aprendizagem como
repositório de informações até o uso de sala de aula invertida
e/ou gamificação. Essas estratégias se apresentam como
alternativas viáveis, considerando um público de estudantes
bastante familiarizados com as novas TICs.
No início de cada semestre letivo, são organizadas
semanas de integração para receber os ingressantes nos
cursos de graduação e, ao mesmo tempo, ambientá-los na
esfera acadêmica. Nesse contexto, diversas informações são
apresentadas a respeito dos projetos pedagógicos dos cursos
(com destaque para seus diferenciais didático-pedagógicos
e metodológicos), da organização acadêmico-institucional
da UACSA/UFRPE, dos projetos em desenvolvimento, bem
como do uso diferenciado das TICs, do ambiente virtual

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
de aprendizagem e das metodologias ativas recorrentes
nos cursos. Os professores envolvidos nos projetos das
disciplinas de Tópicos 1 A preparam propostas de atividades e
apresentam os projetos a serem desenvolvidos pelos alunos
ingressantes. A organização dessas semanas integradoras
para receber os novos estudantes tem garantido maior
engajamento dos alunos nos cursos, possibilitando maior
familiaridade com o universo acadêmico e o vislumbre de
sua atuação como futuro profissional. Isso também trouxe
impactos sobre a redução da taxa de evasão nos primeiros
semestres dos cursos.

Estrutura física projetada para o


desenvolvimento das práticas pedagógicas

A estrutura física do campus definitivo da UACSA, ainda


146
em processo de construção na cidade de Cabo de Santo
Agostinho, já apresenta vários aspectos inovadores que estão
em total consonância com as peculiaridades dos projetos
pedagógicos do curso, dentre os quais se destacam:

a) Planta de geração de energia solar fotovoltaica


– a unidade acadêmica contará com uma planta
de geração de energia solar que será responsável
pelo fornecimento de energia elétrica para todo
o campus. Para além da questão de sustentabili-
dade inerente a essa implantação, a usina solar
da UACSA propiciará um ambiente muito rico
para o desenvolvimento de inúmeros projetos
interdisciplinares que envolvem especialmente os
cursos de Engenharia Elétrica e Eletrônica. Nesse
aspecto, essa planta irá acomodar os projetos em
andamento na unidade acadêmica, como também
irá ensejar o surgimento de novos.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


b) Sistema próprio de saneamento – outro elemento
que contribuirá para a implementação de projetos
interdisciplinares é a presença de sistema próprio
de saneamento, que contará com uma rede de
distribuição e uma estação de tratamento de água,
uma rede de coleta e uma estação de tratamento
de esgoto, além de contar com uma rede de
drenagem. Nesse sistema, os estudantes terão
oportunidade de desenvolver projetos envolvendo,
principalmente, questões das áreas de Engenharia
Ambiental, Sanitária e Química.

c) Prédio de inovação tecnológica – o distanciamento


entre as práticas acadêmicas e a realidade
da indústria e do mercado de trabalho é uma
questão recorrente na pesquisa e no ensino de
Engenharia no Brasil. Com o intuito de fomentar 147
a relação entre esses agentes, o campus definitivo
da UACSA contará com um prédio totalmente
dedicado à inovação tecnológica. Esse será um
ambiente que comportará escritórios de empresas
juniores, incubadoras e sedes de equipes de
projetos institucionais e ainda contará com
infraestrutura para o desenvolvimento de projetos
interdisciplinares que estejam contextualizados
com as atuais demandas da indústria.

d) Salas de aula e laboratórios ambientados para o


uso de TICs e metodologias ativas –com o objetivo
de possibilitar o uso eficiente das TICs, as salas
de aula e os laboratórios do campus definitivo da
UACSA foram projetados de modo a comportar
tais usos e algumas especificidades pedagógicas
próprias das metodologias ativas já adotadas,
tais como sala de aula invertida e PBL.

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
Desse modo, a configuração da estrutura física do
campus da UACSA também busca comportar a diversidade
dos projetos em desenvolvimento nos cursos e, ao mesmo
tempo, deixa espaços para o surgimento de novos projetos
e/ou a implementação de ações visando à integração
universidade-ambiente profissional.

Avaliando as experiências: alguns resultados

Um ponto nevrálgico nos cursos diz respeito ao local


de implantação da unidade acadêmica. Como já destacamos,
a UACSA representa um campus novo e, por essa razão,
diversos aspectos foram/têm sido objeto de avaliação.
Por se tratar de um campus novo da UFRPE na cidade do
Cabo de Santo Agostinho-PE, com cursos mais clássicos
148 de Engenharia (essa universidade tem expertise e tradição
em cursos de Engenharia ligados a áreas agrárias), o perfil
dos ingressantes era formado majoritariamente por alunos
oriundos de regiões mais afastadas da UACSA, desde cidades
do interior do estado de Pernambuco até as de outros
estados do País. Ao longo dos semestres, esses alunos,
quando tiveram oportunidade de ficar mais próximos de suas
cidades de origem e/ou de suas famílias, acabaram optando
por transferências ou por outras formas de ingresso em
instituições com localização mais cômoda. Na maioria desses
casos, os estudantes procuraram os gestores acadêmicos
para informar a satisfação com os cursos, o tratamento
recebido, as instalações etc., destacando as dificuldades de
deslocamento e/ou a falta de maior proximidade de suas
regiões de origem. Ao identificar a causa das solicitações
de trancamento/transferência, a gestão acadêmica da
UACSA deu início a um trabalho de divulgação dos cursos
na comunidade local, realizando visitas a escolas públicas e
privadas da região, propondo projetos de visitação à unidade
acadêmica e fazendo eventos para divulgação dos cursos.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Assim, buscando desenvolver um trabalho de
aproximação entre a comunidade acadêmica e a local, a
UACSA realizou alguns eventos acadêmico-científicos e de
divulgação dos cursos. O primeiro deles ocorreu ainda em
2015, pouco menos de um ano após a abertura da nova
unidade acadêmica no segundo semestre de 2014: a I
Semana das Engenharias (I Seeng). A Seeng contou com
mais três edições, combinadas com duas do Congresso
de Engenharias (Coeng). Embora nova do ponto de vista
cronológico, a UACSA logo se destacou pela qualidade e pela
quantidade de trabalhos inseridos nos eixos da pesquisa,
do ensino e da extensão, muitos com caráter aplicado e
interdisciplinar. Nesse sentido, esses eventos constituíram
espaços de integração com diferentes públicos pertencentes
à comunidade local e regional e contaram com participações
expressivas de diferentes instituições do ensino básico e
superior. Nessas edições, foram apresentados trabalhos
149
desenvolvidos conjuntamente nos diversos projetos
integradores das unidades curriculares dos cursos e foram
expostos trabalhos de pesquisa e de extensão já desenvolvidos
e/ou em andamento na UACSA, acompanhados por uma
série de atividades, como palestras, debates, minicursos,
competições etc.
Além das edições da Seeng/Coeng, a UACSA realizou
algumas “Feiras das Profissões”, evento cujo intuito era
divulgar os cursos e as possibilidades de atuação dos futuros
profissionais deles egressos. Esses eventos têm seu escopo
mais voltado para alunos do ensino médio local, e as edições
passadas tiveram participação de um público bastante
numeroso.
Para ajudar mais a divulgação da unidade, iniciou-se no
ano de 2019 o projeto “Integra UACSA: A universidade vai à
escola”, que consiste em visitar os terceiros anos do ensino
médio de escolas públicas do Cabo de Santo Agostinho. Com
apresentação a cargo de discentes e com uma linguagem
mais informal, foram exibidos alguns projetos que são

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
desenvolvidos e a estrutura que a unidade oferece a seus
estudantes, despertando em alguns alunos do ensino médio
o interesse em ingressar na UACSA. Esses esforços resultaram
em uma ampliação considerável do número de ingressantes
oriundos da cidade do Cabo de Santo Agostinho. Com isso,
a quantidade de solicitações de trancamento/transferência
relacionadas a fatores geográficos foi reduzida, e espera-se
que diminua mais.
O ingresso na universidade corresponde a uma
etapa de muitas mudanças na vida do estudante, as quais
frequentemente geram uma sensação de insegurança
que pode impactar de forma negativa sua produtividade
acadêmica. Com o objetivo de tornar essa etapa mais suave,
os próprios estudantes veteranos da UACSA idealizaram o
programa Organização de Padrinhos e Afilhados (OPA) no
150 início de 2019, de maneira extraoficial. Assim que tomou
conhecimento do projeto, a gestão acadêmica da UACSA
começou as tratativas para institucionalizar a iniciativa junto à
Pró-Reitoria de Ensino de Graduação, o que resultou em um
projeto de ensino, coordenado pela pedagoga da unidade,
com os estudantes.
A ideia do programa é promover o intercâmbio de
experiências entre estudantes veteranos e ingressantes, para
assim diminuir a sensação de desamparo não raro relatada
por estes. O ingressante que participa do programa é “afilhado”
de um aluno veterano, seu “padrinho”. O papel do padrinho é
acolher seu afilhado e apresentar a universidade, mostrando
sua visão sobre a vida nesse ambiente. É importante destacar
que o padrinho não exerce papel de monitor, a ele não cabe
a função de esclarecer dúvidas de estudantes em relação
a disciplinas, e sim apresentar as ferramentas às quais os
estudantes têm disponibilidade na universidade. Apesar de
recente, o programa já mostra seus primeiros resultados,
indicando que, se há um melhor acolhimento ao ingressante,
há uma redução da probabilidade de evasão, principalmente

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


nos primeiros semestres, fato mais comum nos cursos de
graduação.
Os cursos de bacharelado em Engenharia apresentam,
de forma geral, altos índices de reprovação. Essa característica
é especialmente observada nas disciplinas do ciclo básico,
mais notadamente naquelas que exigem conhecimentos
prévios de matemática. Atenta a essa realidade, a equipe de
gestão acadêmica da UACSA, em parceria com a Pró-Reitoria
de Ensino de Graduação da UFRPE, buscou acompanhar
de forma eficiente os índices de desempenho dos estudantes,
com o objetivo de discutir estratégias e propor ações
pedagógicas que contribuam para a formação do aluno e para
a melhoria nas taxas de sucesso dos cursos de graduação.
Nesse aspecto, observando-se a alta taxa
de reprovação (em torno de 70%) nas disciplinas que
envolvem diretamente a aplicação de conceitos matemáticos, 151
foi proposta a disciplina optativa Matemática Elementar,
voltada para aqueles que ingressam na universidade
e apresentam dificuldades com conteúdos matemáticos
fundamentais para que cursem outras disciplinas do curso.
A identificação do público-alvo dessa disciplina
é realizada mediante um exame diagnóstico aplicado
na primeira semana de aula e oferecido a todos os estudantes,
no qual são abordados os pré-requisitos necessários
para as disciplinas iniciais do curso. O resultado do exame
é apresentado ao aluno, com uma recomendação sobre
a necessidade de cursar a disciplina Matemática Elementar.
Por ser optativa, cabe a ele decidir se acatará a recomen-
dação dada.
Com o intuito de verificar a eficácia da ação,
o desempenho dos alunos matriculados na disciplina Cálculo
Diferencial e Integral 1 foi analisado, adotando como métrica
de comparação o índice de aprovação dos estudantes.
A metodologia de comparação consistiu em dividi-los em dois
grupos:

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
Grupo A: composto por estudantes que no semestre
anterior foram aprovados na disciplina Matemática Elementar.
Grupo B: composto por todos os estudantes que
estavam matriculados em Cálculo Diferencial e Integral I,
independentemente do fato de terem cursado Matemática
Elementar. Os resultados estão dispostos na Tabela 1.

Tabela 1
Porcentagem de aprovação dos estudantes em Cálculo
Diferencial e Integral I
Índice de Aprovação
Semestre
Grupo A Grupo B
2019.1 40,65% 24,10%
2019.2 77,42% 29,14%
Fonte: Elaboração própria.

Outro aspecto que merece ser observado é a


152
média obtida por aqueles alunos que foram aprovados.
Essa métrica fornece um indicativo mais quantitativo do nível
de aproveitamento acadêmico dos estudantes de ambos os
grupos. Os resultados estão dispostos na Tabela 2.

Tabela 2
Média dos estudantes aprovados em Cálculo
Diferencial e Integral I
Média Final dos Estudantes Aprovados
Semestre
Grupo A Grupo B
2019.1 7,78 7,03
2019.2 7,85 7,18
Fonte: Elaboração própria.

Analisando o resultado, é possível notar que a média


dos estudantes do grupo A (alunos aprovados em Matemática
Elementar) foi, aproximadamente, 10% maior do que a média
geral dos estudantes nos semestres em questão, constituindo
mais um indicativo de que a disciplina Matemática Elementar
contribui positivamente para o desempenho do discente
na disciplina Cálculo Diferencial e Integral 1.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Comparando os resultados dos dois grupos, é possível
perceber um expressivo aumento dos índices de aprovação
na referida disciplina por parte de estudantes que cursaram
a disciplina optativa Matemática Elementar. Isso nos impele
a afirmar que o tratamento das dificuldades relacionadas
a saberes e conceitos abordados na educação básica não
pode ser desprezado sob pena de ampliação dos índices
de reprovação e do fracasso acadêmico. Em outros termos,
os dados nos levam a pensar que é fundamental a inserção
de unidades curriculares em uma proposta pedagógica
sensível às dificuldades dos discentes sem comprometer
a qualificação exigida no curso ou mesmo planificar saberes
já sedimentados.

Considerações finais: desconstruir para


reconfigurar
153

A implantação de novos cursos de graduação apresenta


sempre desafios de diferentes naturezas a serem superados
e aspectos teórico-metodológicos e didático-pedagógicos
capazes de instigar a reflexão e provocar debates cujo efeito
é trazer à tona novas ideias. Nesse sentido, embora nova do
ponto de vista cronológico, a UACSA-UFRPE tem se destacado
pela configuração das propostas curriculares presentes
em seus cinco cursos de Engenharia e pelas inovações
metodológicas construídas ao longo do desenvolvimento
deles, com iniciativas fundamentadas em práticas didático-
pedagógicas sintonizadas a aspectos interdisciplinares,
contextuais e aplicados da aprendizagem. Desse modo,
a formação acadêmico-profissional dos discentes ocupou
o centro das atenções, desde a configuração curricular dos
cursos até a implementação da proposta, com surgimento
de projetos e adoção de estratégias e práticas adequadas
a realidades novas. Por isso, é oportuno publicizar alguns
resultados já obtidos por meio de mecanismos previstos

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
nas propostas pedagógicas ou construídos em função da
experiência ensaiada. Hoje mais do que nunca, a socialização
do conhecimento e de experiências bem-sucedidas no âmbito
acadêmico, sobretudo em áreas ligadas às Engenharias,
tornou-se uma exigência ética e um compromisso social.
Buscando concretizar os objetivos traçados nos
projetos pedagógicos dos cursos e, ao mesmo tempo,
tornar material uma formação acadêmico-profissional
mais integrada, a gestão pedagógica dos cursos da UACSA
procurou construir dispositivos capazes de promover
algumas mudanças no paradigma do ensino, tais como:
a) a organização de formações continuadas do corpo docente
mediante jornadas pedagógicas; b) a definição de unidades
curriculares responsáveis pela articulação de abordagens
integradoras entre universidade-empresas e pela construção
154 e execução de projetos interdisciplinares; c) a criação de
um núcleo composto por docentes de diferentes áreas
e por uma pedagoga, voltado à reflexão, à problematização
e à apresentação de propostas ligadas a metodologias e
aprendizagem ativa; d) a organização de eventos acadêmico-
científicos com formatos diferenciados, envolvendo diferentes
áreas da Engenharia; e) a criação de espaços destinados
à avaliação das dificuldades e dos problemas apresentados
por estudantes ao longo do curso; e f) a proposição/
discussão de estratégias capazes de otimizar a aprendizagem
e melhorar a formação.
As medidas adotadas geraram saldos bastante
positivos e têm grande potencial para definição de novos
modelos de configuração curricular, gestão acadêmica e
formação acadêmico-profissional dos discentes. Tanto assim
que os resultados obtidos a partir da implantação da UACSA
impulsionaram a criação de uma nova unidade acadêmica
da UFRPE na cidade de Belo Jardim-PE, criada em 2019,
que ofertará quatro cursos de Engenharia seguindo princípios
e metodologias semelhantes àquelas adotadas na UACSA.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Referências

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional


de Educação (CNE). Câmara da Educação Superior (CES). Resolução
nº 2, de 24 de abril de 2019. Diretrizes Curriculares Nacionais para
os Cursos de Graduação em Engenharia. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 26 de abril de 2019. Seção 1, p. 43.

GOOGLE HEARTH. Cabo de Santo Agostinho: município


de Pernambuco. [S.l.], 2020a. Disponível em: <https://earth.google.
com/web/search/Cabo+de+Santo+Agostinho,+PE/@-8.2812748,-
35.07868455,43.63428597a,36816.01141682d,35y,0h,0t,0r/data=
CigiJgokCXKTNi3zQTVAEYJiEUjzQTXAGZXEgnov5DhAIfygXf8Wl1PA>.
Acesso em14 set. 2020.

GOOGLE HEARTH. Artigo UACSA. [S.l.], 2020b. Disponível em:


<https://www.google.com/maps/d/edit?mid=1FUORy6MJoimAm1et-
YfWE5ht_eZFfw43&usp=sharing>. Acesso em17 set. 2020.

JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro:


Imago, 1976.

MORIN, E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 155


São Paulo: Cortez, 2005.

SANTOS, B. de S. Da ideia da Universidade à Universidade de


Ideias. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 27/28, p. 11-61,
jun. 1989.

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO (UFRPE).


Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PREG). Projeto Pedagógico
do Curso de Engenharia Elétrica. Cabo de Santo Agostinho: UFRPE,
2019. Disponível em: <http://uacsa.ufrpe.br/br/eletrica>. Acesso em:
14 set. 2020.

Nota autobiográfica

José Temístocles Ferreira Júnior, graduado em Letras pela


Universidade Federal da Paraíba, onde desenvolveu sua pesquisa de
mestrado em Linguística, com ênfase em Aquisição da Linguagem e
Linguística da Enunciação. Possui doutorado também em Linguística
pela UFPB, com um período sanduíche na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor nas áreas de Linguística
e Língua Portuguesa da Unidade Acadêmica de Educação a Distância
e Tecnologia e do Programa de Pós-Graduação em Estudos

VOLUME III | Abordagens didático-pedagógicas em cursos de graduação em


Engenharia: metodologias ativas, interdisciplinaridade e inovações
da Linguagem da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Coordena o Núcleo de Estudos Enunciativos e Aplicados da
Linguagem no Diretório de pesquisas do CNPq. Foi coordenador
geral de cursos de graduação da Unidade Acadêmica do Cabo
de Santo Agostinho-UFRPE no período de 2014 a 2019 e vice-
diretor geral da referida unidade entre 2016 e 2018. Atualmente,
é coordenador geral da UAB.

Maurício Pimenta Cavalcanti, professor adjunto A1 e vice-


coordenador geral dos cursos de graduação da Unidade
Acadêmica do Cabo de Santo Agostinho da Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Possui graduação em Engenharia Civil pela
Universidade Federal de Alagoas (2002), mestrado em Engenharia
Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (2005) e doutorado
em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Pernambuco
(2012).

Amanda Souza de Paula, atualmente é professora adjunta


e coordenadora geral dos cursos de graduação da Unidade
Acadêmica do Cabo de Santo Agostinho da Universidade Federal
Rural de Pernambuco. Possui graduação em Engenharia Eletrônica
156 pela Universidade Federal de Pernambuco (2008), mestrado
em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo (2010)
e doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo
(2014).

Maria do Socorro de Lima Oliveira, doutora em Ciências


Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG
(2011). Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da
Paraíba – UFPB (2006). Possui graduação em Ciências Sociais pela
Universidade Federal da Paraíba – UFPB (2001). Professora da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É pró-reitora
de ensino de graduação da UFRPE desde 2016. Tem experiência
na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia Rural, Teoria
sociológica, Sociologia das Organizações e Antropologia Cultural,
atuando principalmente nos seguintes temas: agricultura familiar,
desenvolvimento sustentável, cultura, agroecologia, reciprocidade
e identidade cultural.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Interação social
na educação superior:
violência ou paz?
Ivar César Oliveira de Vasconcelos
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a5

159
Resumo
Este trabalho desenvolve o tema da interação social na
educação superior, tomando como objeto de reflexão sua
ocorrência entre professores e estudantes – que pode se
tornar violenta ou promotora da paz –, e considerando
seus efeitos sobre a sociedade. A preocupação com a paz
nos ambientes da educação tem sido foco dos diversos
organismos internacionais, pois a violência simbólica e
física é uma constante ameaça à resolução de conflitos, que
poderia ser mediada pelo diálogo, pela tolerância e pela
solidariedade. Realizou-se uma revisão da literatura para
apresentar conceitos e evidências empíricas sobre o cenário
das interações sociais desenvolvidas no ambiente acadêmico,
bem como sobre a paz e a violência. Além disso, tomaram-se
evidências empíricas de duas pesquisas realizadas em
universidades brasileiras sobre as interações de experiências
sociais de estudantes e professores. Concluiu-se que existem
tendências de inércia, negação do sujeito e autoritarismo

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
no sistema educacional, elementos contrários à prática
transformadora baseada na pedagogia dialógica.

Palavras-chave: Educação superior; interação social; paz;


relação professor-aluno; violência. 

Abstract
Social interaction in higher education: violence or peace?

This paper approaches social interaction in higher education,


reflecting on its processes among faculty and students –
considering that some may induce violence while others promote
peace –, as well as their effects on society. Several international
organizations express concern about peace in educational
institutions, since physical and symbolic violence is a continuous
160 threat to a conflict resolution that could happen through
dialogue, tolerance and solidarity. Literature review focuses on
concepts and evidence about social interaction in the academic
environment, including the subjects of peace and violence.
Furthermore, this work analyzes empirical evidence from two
research projects in Brazilian universities on social experience
interactions among their faculty and students. It was found that
there are trends of inertia, subject denial, and authoritarianism
in the educational system, contrasting to the changing practices
founded on the dialogical pedagogy.

Keywords: Higher education; peace; social interaction; teacher-


student relationship; violence. 

Resumen
Interacción social en la educación superior: ¿violencia o paz?

Este trabajo focaliza la interacción social en la educación


superior, con reflexiones sobre sus procesos entre docentes y
estudiantes, así como sus efectos sobre la sociedad. Mientras

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


algunas características pueden inducir a la violencia, otras abren
posibilidades a la promoción de la paz. Varias organizaciones
internacionales se preocupan por la paz en instituciones
educativas, una vez que la violencia física y simbólica constituye
una continua amenaza a la resolución de conflictos por medio
del diálogo, de la tolerancia y de la solidaridad. La revisión de
la literatura tiene como objeto conceptos y evidencias sobre la
interacción social en el ambiente académico, inclusive sobre cómo
la paz y la violencia ocurren y sus factores. Además, este trabajo
analiza evidencias empíricas de dos proyectos de investigación
de universidades brasileñas sobre interacciones de experiencias
sociales entre sus docentes y estudiantes. Sus conclusiones
apuntan a la tendencia a la inercia, negación de la subjetividad
y autoritarismo, en contraste con prácticas innovadoras basadas
en la pedagogía del diálogo.

Palabras clave: educación superior; interacción social; paz;


161
relación profesor-alumno; violencia. 

Introdução

A interação social é uma sequência de encontros


face a face entre indivíduos, visando, entre outros objetivos,
à solução de conflitos. Caso se desenvolva em sala de aula,
torna-se necessário compatibilizá-la com as necessidades
de alunos e professores, presente a sociedade pós-moderna,
tardia, em rede. Esta exige desses indivíduos, cada vez mais,
a capacidade para dialogar, considerando suas experiências
sociais nos ambientes interno e externo da escola.
Em uma universidade que se funda na convivência
com o mundo e na relação com a sociedade, essas
experiências sociais são elaboradas no cotidiano construído
por professores e estudantes, bem como na colaboração
entre os indivíduos em circulação pelos diversos ambientes
institucionais.

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Em princípio, as interações sociais deveriam ocorrer
em paz e promovê-la. No entanto, isso deixa de se concretizar
plenamente nos tempos de hoje, predominando a violência,
influenciada por dificuldades estruturais e conjunturais
existentes no ambiente das instituições de ensino. Isso
influencia o perfil das interações entre os principais atores do
processo educacional, professores e alunos, intensificando
o problema.
Desse modo, um dos desafios para a educação
diante da violência nas escolas é encontrar caminhos para
a interação social entre esses atores, de modo a construir
a paz no ambiente escolar, com reflexos positivos para a
sociedade como um todo. Na educação superior, ministrada
em instituições públicas ou privadas, há violência em
seus vários graus de abrangência e de especialização, tais
162 como o preconceito, a homofobia e as múltiplas formas
de discriminação, num cenário de silenciamento das vozes
juvenis e até de aproximação de estudantes à possibilidade
do suicídio.
As relações entre professores e alunos podem se
transformar em modos de dominação e de silenciamento.
São relações que favorecem a reprodução sociocultural,
exacerbadas na escola e, particularmente, nas instituições
de ensino superior, como fontes de violência. No atual
momento histórico, paira sobre essas relações as lógicas
nefastas da mútua culpabilização (professores culpam alunos
por pouco aprenderem e alunos culpam professores por
mal ensinarem), da crítica silenciosa (alunos e professores
fazem críticas ao dia a dia acadêmico, mas nem sempre são
escutados), da primazia da informação (não se articulam
aspectos informativos e formativos da educação), bem como
da reprodução sociocultural, o que pode resultar em diversos
tipos de violência.
Na educação superior, contexto de análise do presente
estudo, precisa haver paz, por meio do diálogo humanizador

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


entre educandos e educadores. Caso a interação social se
converta em caminho de pacificação e, considerando o papel
social das escolas e das instituições de ensino superior,
pode-se favorecer uma sociedade menos violenta.
Assim, este trabalho tem como tema a interação social
na educação superior e, como objeto de reflexão, as relações
sociais entre professores e alunos consideradas em suas
dimensões de violência e de paz. A pergunta sobre a qual se
debruça o presente estudo é: quais aspectos da educação
superior, por um lado, contribuem para interação social
violenta e, por outro lado, favorecem as relações sociais para
a paz? Para apresentar conceitos e opiniões sobre o cenário
das interações sociais desenvolvidas no ambiente acadêmico,
recorreu-se a revisão da literatura, a formulações sobre
violência e cultura de paz, bem como a evidências empíricas
constatadas e analisadas por este autor em outros trabalhos. 163
Espera-se contribuir para o melhor entendimento dos
desafios da educação superior, no âmbito do tema em foco,
e para a obtenção de visões de futuro sobre esse nível de
ensino, consideradas as limitações do estudo a uma revisão
de literatura e às evidências apresentadas. Para a educação
em geral, espera-se que este trabalho favoreça a construção
de uma cultura de paz nos diversos ambientes escolares e,
para o público mais amplo, que os seus resultados, análises
e conclusões sejam úteis à construção de uma sociedade
capaz de resolver seus desafios sem uso de violência.

Interação social que produz a violência

Inércia do sistema educacional: a culpa é do outro

Admite-se inércia como “apatia [...], falta de reação, de


iniciativa; imobilismo, estagnação” (Houaiss, 2001, p. 1610).
Ela é o antônimo de atividade, implicando, portanto,
a ausência de ação do agente que a produziria. Já sistema

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
é entendido como o conjunto de códigos, relações sociais,
interesses, valores e crenças favoráveis à formação
da identidade social dos indivíduos. É a “combinação
de elementos cuja unidade resulta da capacidade política dos
atores” (Dubet, 1994, p. 156). Por fim, a culpa embute a ideia
de atribuição de “responsabilidade por dano, mal, desastre
causado a outrem”, significando o ato de “incriminar, declarar
responsável” (Houaiss, 2001, p. 887).
Colocadas essas explicações, cabe inserir o assunto
desta seção, informando que, para justificar experiências
traumatizantes, o indivíduo moderno propende a colocar a
representação do demônio no outro, alargando essa lógica
em grande escala (Bauman; Donskis, 2014). O que estaria a
ocorrer com o interior de cada um dos indivíduos, na atual
era líquida, na qual, com certa frequência, cada um deles se
164 recusa a garantir a existência do outro ou até mesmo a vê-lo
e a ouvi-lo? Essa pergunta apresenta o problema da mútua
culpabilização no foco da relação face a face, parecendo
justificar o paradoxo de indivíduos que “existem” e “não
existem”. Para os mencionados autores, tal relação tem sido
substituída por um amplo sistema classificatório pernicioso
para a vida humana, sendo as personalidades consumidas
como dados e evidências às voltas com as estatísticas.
Com efeito, os diversos sistemas de relações têm se
afastado cada vez mais, interferindo no dia a dia das pessoas.
A diferenciação das esferas culturais de valores, a noção
weberiana que distingue arte, moral e ciência deu lugar a
uma dissociação dos diversos subsistemas nos âmbitos
econômico, social e cultural (Wilber, 2006). Inserido nessa
dinâmica, o sujeito “não existe”, pois em tudo está fragmentado,
sem identidade única. Isso até o alivia dos processos de
culpabilização pelas experiências traumatizantes dos
semelhantes. Tendo sido objetivada, a culpa recai não apenas
sobre o indivíduo em si, sobre sua singularidade; todos
são culpados. Porém, o alívio se transforma em desespero

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


na medida em que, independentemente da elaboração de
sistemas, cada indivíduo continua a existir; é real. Então, da
perspectiva da singularidade de cada um, esse um existe,
podendo ser visto e ouvido. A contradição tem arremate
quando o outro deixa de vê-lo e de ouvi-lo. Portanto,
sua existência, para si, não mais está garantida.
No âmbito da educação, a atribuição de culpa aos
outros é capaz de paralisar o sistema educacional. Pode-se
constatar a inércia, por exemplo, quando mudam os tempos,
as vontades, os políticos e os programas, porém, perduram
as queixas de que as coisas não mudaram no dia a dia das
pessoas. Permanecem códigos, hábitos e relações de poder.
Tais queixas, com alguma frequência, são acompanhadas pela
mútua culpabilização pelo insucesso do processo educativo,
sequenciando-se eventos que geram e alimentam a força
paralisante das relações sociais. 165
Em pesquisa realizada numa universidade confessional
brasileira com oito jovens estudantes e seis de seus profes-
sores, constatou-se que a prática da mútua culpabilização
parece refletir tempos passados, remetendo a clássicas
explicações sobre a educação, inferindo-se que tal prática
pode perdurar no ensino superior, ainda que as conclusões
da pesquisa sejam limitadas aos cursos de Pedagogia e
Letras. Assim, ouviu-se este relato de um estudante,
representativo de outras falas (Vasconcelos, 2014, p. 429):

Não dá mais para perceber o professor como aquele


que simplesmente professa suas verdades. Tem sim
que defender seus pontos de vista, tentar um modelo
de educação, mas tem que ter abertura para ouvir.
Até acredito que essa abertura a gente já consegue
praticar dentro da graduação. Ouvir o outro lado é,
por exemplo, fazer perguntas como: ‘por que é que
não gosta de política? Por que acha que a educação é
só sala de aula? Por que possui uma visão não muito
boa da educação? (Aluno 8).

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Por sua vez, um professor relatou:

Os estudantes têm uma carência cultural e social. Não


sei bem se carência seria a palavra certa. Talvez uma
diferença cultural e social entre eles e professores
[...]. Percebo que o jovem estudante de Pedagogia
possui uma preocupação de terminar o curso, de ir
embora mais cedo, de se envolver o menos possível
nas atividades (Professor 4).

Considerando que para Durkheim (2006) a educação é


o meio pelo qual é possível promover a harmonia social, sendo
o professor uma autoridade para transmitir valores morais,
constatou-se entre os participantes uma tendência para
colocar a culpa no professor quando o processo educacional
não é bem sucedido, alimentando a culpabilização e a inércia
do sistema educacional. Entre os discentes, conforme citações
apresentadas, tais opiniões procedem da crítica a processos
166
de socialização; entre os docentes, elas decorreriam de
1
Uma alusão à
instituição pública de uma herança cultural. De todo modo, parece se estabelecer
ensino localizada em
o cenário de mútua culpabilização e inércia, isso porque
Vila das Aves e São
Tomé de Negrelos, apenas do lado da docência o professor passa a ser central
em Santo Tirso, no nas interações sociais, gerando um problema quando este
distrito do Porto
(Alves, 2001). não cumpre a expectativa que lhe é imposta pelas diversas
configurações sociais que preenchem o dia a dia acadêmico.
Da mesma pesquisa, cabe destacar outra evidência,
trazendo a análise para o âmbito das explicações de
Teixeira (1976) sobre a distância entre valores proclamados
e valores reais praticados na educação brasileira, bem
como das explicações de Brunsson (2007) a respeito da
hipocrisia organizacional. Ouviu-se de um docente: “A escola
é cheia de regras inúteis. Não é a regra, em si, pois a Escola
da Ponte1 tem regras. A diferença é que [neste caso] os
alunos compreendem por que elas existem (Professor 4)”
(Vasconcelos, 2014, p. 433).
Essa citação deixa claro que o próprio docente admite
abertamente que há um discurso – seja oficial ou como parte

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


do cotidiano da instituição – que não condiz com a realidade
do processo educacional. É uma declaração que pode indicar
a falência da capacidade institucional de fazer cumprir parte
de suas decisões. Uma comprovação, pelo menos no âmbito
da pesquisa, de que os processos decisórios nas organizações
não são adotados, pois têm na base a dicotomia entre o que
é proclamado e o que é praticado (Brunsson, 2007; Teixeira,
1976). Isso é quase tudo o que é necessário para paralisar
um sistema educacional em que estão pessoas envolvidas
com seu cotidiano de trabalho, com suas preocupações em
educar crianças, adolescentes ou adultos, enfim, com suas
vidas. Todos podem ser responsabilizados pelo problema,
na mira do distanciamento entre discurso e prática.
Assim, a mútua culpabilização pode ser um dos
pilares da inércia do sistema, sendo compreendida como
imobilismo dos códigos e das relações sociais que compõem 167
a identidade social dos indivíduos. Ao fim, retroalimentam-se
outros aspectos paralisantes do sistema educacional.
Desde os clássicos, já se percebe como a culpa
se converte nesse pilar. Segundo Durkheim (2006), a educação
deve promover a harmonia social, tendo o professor o dever
de suscitar estados físicos, intelectuais e morais exigidos pela
vida social. Caso esse profissional deixe de cumprir tal papel
social a contento – sejam quais forem os motivos –, será
estigmatizado como culpado pelo insucesso do processo
educativo. Para Weber (1999), a educação serve para treinar
os indivíduos, num mundo desencantado pelos processos
de racionalização, voltando-se para o preparo à obtenção
de poder e dinheiro. É um fato inexorável, de acordo com o
autor, e aquele indivíduo que deixa de contribuir para a sua
exequibilidade é convertido em culpado.
Outras explicações, do século passado, indicam
a culpabilização como um dos pilares da inércia. Seja em
situações em que a escola atua como aparelho ideológico
do Estado (Althusser, 1974), dividida pelos meios de controle

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
da burguesia ou não, (Gramsci, 1968) ou, ainda, seja quando
reproduz violência simbólica e material (Bourdieu; Passeron,
1964), a superação efetiva de desafios educacionais
permanece fora da educação. Fundamentalmente, é um
cenário favorável à elaboração e à disseminação de que é o
outro, sempre o outro, o culpado pelo insucesso do processo
educacional.
Entretanto, essa elaboração de que o outro é culpado
pode ocorrer até mesmo no domínio da falsa democracia
– o democratismo (Libâneo, 1987). É com a democracia
que a educação pode ser alterada (Mannheim, 1979), isto
é, a ativação do sistema educacional só é possível em sua
essência se ela for apoiada por processos democráticos.
Caso contrário, com a falsa democracia, a inércia do sistema
educacional se estabelece e encontra parceria na atitude
168 de espera por dias melhores, pelo dia em que a democracia
esteja presente e, assim, possibilite mudanças efetivas.
Mais próximo da realidade brasileira, há décadas se
sabe que a expansão da educação não pode ocorrer com
base em conceitos de educação-bem-em-si-mesma e fruição e
lazer (Teixeira, 1976), noutros termos, a política educacional
precisa se manter distante da mentalidade de que toda
e qualquer educação tem um valor absoluto. A educação
escolar não é processo que garante a passagem automática
para a classe média e para o exercício de ocupações leves ou
de serviço em detrimento das ocupações de produção. Segue
na educação brasileira a profunda dicotomia entre valores
proclamados e valores reais, com nefastas consequências ao
processo educativo. As mudanças ficam travadas e se explica
a tendência de culpar o outro pelos insucessos.

Negação dos sujeitos: a crítica silenciosa

Entende-se que o ato de negar alguma coisa significa


“recusar-se a admitir [...], não reconhecer [...], não consentir,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


[...], deixar de lado [...], deixar de revelar” (Houaiss, 2001,
p. 2004). Já o termo sujeito quer dizer a síntese de uma
identidade subjetiva percebida como um empenho em
modelos culturais internalizados pelo indivíduo. A identidade
subjetiva provoca uma reserva do indivíduo quanto ao seu
papel social – a identificação com o sujeito cultural o impede
de aderir plenamente ao Ego, ao Nós e aos interesses.
Admite-se, neste trabalho, que o ator se revela como sujeito
na crítica, no empenho e no distanciamento (Dubet, 1994).
Nos tempos de hoje, é possível constatar situações
nas quais, por um lado, o indivíduo só “existe” quando
recebe a culpa pelas desgraças, infortúnios e infelicidade
dos demais. Por outro lado, percebe-se que ele “não existe”,
pois em geral não é escutado em sua capacidade para
criticar, analisar e se posicionar. Entretanto, ainda que a
culpa se estenda na objetividade de sistemas classificatórios, 169
o ponto de partida ainda é o outro em sua singularidade.
Uma dessas singularidades é a predisposição do indivíduo
para julgar. Evidencia-se que a mútua culpabilização e o não
reconhecimento da capacidade crítica parecem lógicas de
convivência de um tempo com tendência à invisibilidade das
pessoas.
Trabalho anterior (Vasconcelos, 2018) concluiu que
essa invisibilidade, presente também na escola, ocorre porque
na vida moderna as dificuldades para lidar com a diferença
são maiores, mesmo presente o discurso de respeito às
diferenças. As condições dessa invisibilidade podem ser
explicadas em termos ontológicos e político-socioculturais. A
condição ontológica deixa perceber que a invisibilidade entre
os diversos outros advém de concepções como: o outro não
existe e, se notado como um ser existente, fixa seu lugar de
origem na natureza, embora haja uma construção histórica
– os seres humanos se encontram mergulhados em amplos
sistemas que têm se afastado ao longo dos tempos e, com
a perda de referenciais, deixou-se de perceber e lidar com

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
as subjetividades. A condição político-sociocultural informa
que as diversas maneiras de conhecer o real e sobre ele
se pronunciar são construções sociais, logo, invisíveis são
aquelas pessoas não referenciadas por certas classes sociais,
ainda mais quando se utilizam de modos diferentes de dizer
sobre o mundo (Quadro 1).

Quadro 1
Condições do outro invisível e o lugar da diferença
Condições O lugar da diferença
– A diferença não é admitida.
Ontológica: o outro – Está no outro, naturalmente
simplesmente não existe e, definido.
se admitida a sua existência, – Desenvolve-se em meio à
isso ocorreria em função de diferenciação entre os grandes
uma força natural e não por sistemas de mundo; as pessoas
uma construção histórica. se afastam, paulatinamente,
e pouco se percebem.
170
Sociocultural: o outro
– Está nas relações sociais
não existe, pois não é
e delas pode afirmar-se algo,
reconhecido pelos membros
bem como nos modos como
de um grupo social diferente
as pessoas aprendem.
do seu.

Política (no sentido de poder


– Está na assimetria das
em geral): o outro não pode
consciências de indivíduos em
existir, pois a diferença é
relação uns aos outros, sendo
considerada exclusivamente
um, o opressor e, o outro,
de acordo com o próprio
o oprimido.
observador.
Fonte: Elaboração própria, com base em Vasconcelos (2018).

Essas explicações ajudam a entender por que,


fundamentalmente, um estudante não é escutado a contento
em seu dia a dia acadêmico. A crítica silenciosa realizada por
universitários tem se revelado uma das pilastras da negação
dos sujeitos, pois, na medida em que é praticada, o potencial
de julgamento deles é colocado de lado. Como as relações
entre os grupos, ou intragrupos, são construídas com base
na recusa à sua capacidade de crítica cognitiva ou normativa,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


uns e outros são negados, como se uma camada de
invisibilidade encobrisse as relações sociais; todos parecem
invisíveis (Wells, 1992).
Eventos triviais do cotidiano acadêmico podem
ser tomados como indicação de que há uma banalização
dessa invisibilidade. Estudantes e professores, laçados por
muitas tarefas a entregar e a receber, se tornam vítimas da
invisibilidade. Isso foi evidenciado pela mencionada pesquisa
(Vasconcelos, 2018). Um estudante afirmou: “O TCC [Trabalho
de Conclusão de Curso] ... Nossa! É a decisão final, não é?
Assim, todo mundo sente medo. O que assusta mais não
é o tema que vai ser estudado, mas fazer a pesquisa (Aluno 3)”
(Vasconcelos, 2014, p. 442). Por sua vez, um docente narrou:

Eles possuem um trabalho de final de curso, chamado


TCC. O TCC é pesquisa, não? Eles ficam presos ao TCC 171
sem sair. Tem menino que há mais de três semestres
faz TCC 2 e não termina. Problema de escrita. De
saber ler e passar do livro para o seu trabalho. Agora,
tem menino que se sai muito bem! Ele se sai bem!
Então você quer ter aquele para ser seu orientando
[...]. Muitos alunos ficam dois, três semestres fazendo
o TCC de um semestre! (Professor 2). (Vasconcelos,
2014, p. 442).

Esses depoimentos reforçam a compreensão de que


na sociedade em rede é importante imprimir velocidade
às ações, com um tempo que não espera, sendo uma
compreensão que pode levar à negação parcial do sujeito,
na medida em que não o escuta. É o momento histórico do
sujeito pós-moderno, que precisa construir sua narrativa de
vida em meio à diversidade de sistemas culturais. Ele tem uma
identidade volúvel, por isso é propulsionado a viver à procura
constante de sentidos diversos (Hall, 2011). Nesse contexto,
fica mais difícil a prática de feedback entre os envolvidos na
ação educativa, como relatou um estudante:

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Os estudantes têm medo de falar: “professor,
sua aula está ruim, vamos melhorar a metodologia”.
Eles não falam se gostaram ou não! Quando
o professor pergunta, a maioria dos estudantes
se sente inquirida a concordar com o professor
ou a elogiá-lo. Têm medo de qualquer outra coisa!
(Aluno 8). (Vasconcelos, 2014, p. 443).

Alguns docentes apontam discordâncias que terminam


por indicar dificuldades dessa prática:

Terminou a aula, os alunos vão embora. Não dão


retorno sobre a aula. Se lhes peço para falarem como
se deu a aula? Não, não, não. Não tenho o hábito disto.
Até já pensei. No meu plano de ensino, deveria fazer
uma avaliação no final do curso. Pensei. Mas ainda
não fiz. De repente, uma hora dessas farei isto. Porque
é até interessante ter esse retorno... (Professor 1).
172
Os estudantes dão retorno, sim. Conversando com
o professor. Quando este deixa (Professor 2).

Se meus alunos dão opinião sobre minhas aulas?


Dão! Dão! Dão! Dão. Não é comum, assim, todo
dia, mas dão. Dão. Dão sim. Não sou de ficar
perguntando. Pergunto sempre no final do curso. No
final da disciplina. Eu, sempre, no último dia, quando
a gente tem oportunidade, pergunto (Professor 3).
(Vasconcelos, 2014, p. 443).

Percebe-se a tendência do cenário em que o estudante


é só mais uma pessoa no ambiente acadêmico, convertendo-se
no único responsável pela construção de sentidos. Para que
oferecer feedback para os professores? De que adianta saber
como foi a disciplina, se a pergunta e a resposta virão apenas
no final do semestre letivo? Essas são questões que o próprio
aluno deve se fazer. Dessa maneira, a crítica permanece
no silêncio. As informações não são valorizadas e assim se
perdem oportunidades de reconstrução da capacidade crítica
e da atuação pedagógica (Vasconcelos, 2014, p. 444-445):

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Então, os professores sempre dizem que os alunos
podem apresentar seu ponto de vista, participar,
e que um professor pode também aprender com um
aluno. Mas existem professores que, quando o aluno
se abre para apresentar essas questões, não aceitam
o questionamento! Ego de professor, penso que é um
pouco mais inflado! Eu acho que é difícil também pra
pessoa receber uma crítica ou uma sugestão, ou ver
que as pessoas não estão captando bem a mensagem
do seu trabalho (Aluno 7).

Eu sou a professora exigente! Digo a eles que ‘seu


trabalho precisa melhorar’. No entanto, para eles,
isto é humilhação (Professor 4).

A maioria dos estudantes não é crítica. Isto ocorre


porque o nosso ensino ainda está do jeito que
sabemos. A gente adestrou esses meninos. Eles
estão adestrados! A gente vem cortando as asas
deles ao longo da vida. O tempo de escola. O tempo 173
todo. Então, chegam aqui. Como o estágio é mais
de discussão, nele são mais críticos (Professor 1).

Como se observa, os estudantes realizam críticas


à socialização, o que tornaria os processos educacionais
mais voltados para a melhor articulação entre aspectos
informativos e formativos da educação. Entretanto, eles não
conseguem expressá-las na medida pretendida. Cabe lembrar
que a universidade atual precisa reorganizar sua didática
acadêmica de maneira a preparar efetivamente o cidadão
e o profissional moderno para ter competência questionadora
reconstrutiva (Demo, 2007).
Desse modo, a crítica silenciosa de alunos e profes-
sores pode se tornar um pilar da negação do sujeito, sendo
esta negação entendida como o abandono de potencialidades
humanas no âmbito da linguagem, dificultando o já complexo
processo de construção de identidades socioculturais
e sua negação de subjetividades nos tempos atuais, ditos
pós-modernos.

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Com efeito, termos como subjetividade, sujeito, indivíduo
e identidade sociocultural coincidem com os tempos de
modernização das sociedades, tomando novas cores na
chamada pós-modernidade. O sujeito mudou de feição em
várias oportunidades históricas. O sujeito do Iluminismo, um
indivíduo autossuficiente, com identidade em seu interior;
o sujeito sociológico, indivíduo relacional capaz de interagir
com os outros por meio de valores, sentidos e símbolos, com
identidade construída com o alinhamento entre subjetivo
e objetivo; e o sujeito pós-moderno, que se molda como
indivíduo histórico, capaz de criar a própria história de vida
em meio à multiplicidade dos sistemas culturais e, tendo uma
identidade plástica, é constantemente impelido para vários
sentidos (Hall, 2011).
Na universidade, instituição que, ao surgir nos séculos
174 11 e 12, contava com pessoas criativas, em geral, dotadas
de enorme capacidade de crítica e de agudeza lógica (Reale;
Antiseri, 1990), as tentativas da Pedagogia de contemplar
a subjetividade, o sujeito, o indivíduo e a identidade social,
chegaram bem mais tarde, em meio ao reconhecimento do
sujeito em contextos problemáticos. A universidade lida com
um público jovem, constituído em larga escala por estudantes
trabalhadores, fato advindo da expansão da educação
superior. Obriga-se a conviver com a necessidade do vínculo
entre pesquisa, ensino e estudo (Brasil, 1988, 1996) e se priva
pelas situações de desprestígio generalizado dos cursos
de licenciatura (Palazzo; Gomes, 2012).
Nessa complexidade, os universitários se deparam com
obstáculos para expressar subjetividades, cada um deles,
como se fosse apenas uma peça no tabuleiro do ambiente
acadêmico. São contextos educativos em que eles, talvez
com mais intensidade do que qualquer outro espaço social,
dominam menos as lógicas de ação subjacentes à construção
de suas experiências sociais, justamente porque ali seria

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


onde emergiria o sujeito crítico; contudo, por diversas razões,
ele pode se calar.
Na linha de pensamento em que o sujeito criaria
sua identidade com a crítica cognitiva e normativa (Dubet,
1994), obtém-se que a educação preocupada em formar o
profissional e o cidadão é aquela que busca elaborar, por meio
do constante exercício, uma trajetória em que o sujeito seja
capaz de questionar e propor. Nessa perspectiva, o estudante
analisa, observa e propõe em relação à didática desenvolvida
pelos docentes, envolvendo avaliação, técnicas e organização
dos trabalhos finais de curso. Durante tal exercício, em que
se constrói essa trajetória formativa, torna-se necessário que
haja um equilíbrio entre aspectos informativos e formativos
do ato educativo.

Autoritarismo: a primazia da informação 175


Pode-se entender o termo autoritarismo em nível macro
e micro. Ele pode significar “um método de fazer política no qual
o governo é usado para controlar a vida de indivíduos em vez
de estar submetido a controle democrático pelos cidadãos”
(Johnson, 1997, p. 25), levando-se à compreensão de que
autoritário é o indivíduo “que infunde respeito, obediência [e
que é] a favor do princípio da submissão cega à autoridade”
(Houaiss, 2001, p. 352). Por sua vez, a primazia da informação
se refere ao acúmulo de informações, em detrimento da
formação do indivíduo, num mundo fragmentado e seu
pendor para o saber desorganizado (Alarcão, 2008).
Essa aceitação do termo autoritarismo como situado
em dois níveis de compreensão – o controle da vida das
pessoas por meios antidemocráticos, com indivíduos
a defenderem a submissão cega à autoridade – desvela
o adjetivo autoritário em três contextos (Bobbio; Matteucci;
Pasquino, 2004): i) sistemas políticos autoritários são os que
priorizam a autoridade governamental e reduzem o consenso;

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
ii) indivíduo autoritário é aquele cuja personalidade possui
características advindas do acoplamento entre obediência e
arrogância/desprezo pelo outro; e iii) ideologias autoritárias
negam a igualdade entre os seres humanos, valorizando
demasiadamente a hierarquia e propondo regimes sob
o comando de indivíduos autoritários. Desse modo,
o autoritarismo é mesmo um fenômeno humano antigo, não
exclusivo de governos, e sim constatado em grupos pequenos
de pessoas que dignificam a submissão cega à autoridade em
benefício delas, sendo mobilizadas por ideologias afeitas à
hierarquização, e não à horizontalização das relações sociais.
Já Adorno (2003) argumentava que, nos tempos
modernos, imagem e realidade podem ser compreendidas
à luz das ideologizações ameaçadoras da autonomia dos
indivíduos. A fronteira entre imagem e realidade é resolvida
176 como uma psicopatia coletiva, podendo interpretar seu
argumento em consonância com a ideia de que o real é
irreal e o irreal é real. Para o autor, a realidade tem sido
passada como uma impossibilidade de ser e, contrariamente,
a irrealidade tem sido posta como algo natural, à disposição
das pessoas. Por isso, o autor explica que o caráter nivelador
da informação se converte em alienação – é o malicioso
exercício do poder, com mecanismos da produção cultural
de massas a impedir a autonomia do sujeito, configurando
uma efetiva ditadura da informação.
Nos processos educacionais, o autoritarismo
é constatado quando, por exemplo, sendo detentor de
informações desconhecidas pelo aluno, o professor se utiliza
desse desconhecimento para elaborar mecanismos de
controle sobre suas manifestações. É o laço autoritário com
o qual, frequentemente, tendo determinadas informações,
professores estimulam entre os estudantes o espírito
competitivo, e não o colaborativo. Sem perceber como se
envolve no problema, parte dos educadores entendem
que o máximo de informações precisa ser repassado

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


aos estudantes, pois pensam que isso ajudará a evitar
a instalação do isolamento entre eles e a decidirem melhor
o que consumir. Talvez por isso alguns docentes, mesmo
sem ter consciência das causas para tanto (Adorno, 2003),
admitem que ficam presos aos conteúdos conceituais
(Coll et al., 1998):

A não ser que os estudantes tenham algumas


curiosidades, nós, professores, não saímos muito do
conteúdo. Damos o conteúdo, um pouquinho mais
assim, mais light, mas sempre voltado para o conteúdo.
Nós ainda estamos muito presos a essa coisa
do conteúdo! (Professor 1) (Vasconcelos, 2014, p. 456).

De todo modo, o estudante percebe que existe um


distanciamento entre a realidade do aluno e o mundo trazido
pelo professor, em especial na sala de aula, o que fixa a prática
do autoritarismo, pois a informação, e não sua articulação 177
com a formação, é o que predomina no contexto acadêmico
(Vasconcelos, 2014, p. 455):

Essa questão de usar a realidade do aluno para


aproximar o professor, não me lembro de ter
vivido muito isso aqui na Universidade (...). Alguns
professores fazem esse jogo. Sabe. Para aproximar o
aluno dele, tudo. Mas eu não me recordo de ter vivido
isso tão claramente. Poucos professores acham que
souberam lidar bem com isso no semestre inteiro (...).
Então acaba que ele sabe o conteúdo, mas ele não
sabe como passar esse conteúdo! Não sabe como
usar o conteúdo para aproximar (Aluno 6).

O que mais incomoda é aula segunda-feira e a


professora só fala, fala, fala, fala, fala, fala, fala e fala.
É muito cansativo. Isso me incomoda. Às vezes, num
suporto ficar na sala. Deveria haver interação! (Aluno 3).

Inquieta-me muito essa questão da hierarquia.


O aluno é único. O professor faz muito. O coordenador
faz mais ainda. O diretor faz mais ainda. Essas coisas
tornam-se muito hierárquicas! Vem de cima para
baixo, formando uma avalancha (Aluno 8).

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Esse cenário tem sido reforçado pelos processos de
desinstitucionalização da escola. Se nos tempos modernos a
cultura escolar contava com a combinação entre a distribuição
de qualificações e a educação, em tempos pós-modernos,
com a massificação da escola, esta se definirá menos pelos
valores e funções do que por sua capacidade de produzir
ações combinadas (Dubet, 1994). Para este autor, selecionar,
educar e socializar se constituem em funções que na chamada
sociedade pós-moderna passaram a caminhar cada vez mais
dissociadas. O pouco entendimento desses processos de
desinstitucionalização pode favorecer o autoritarismo, por
exemplo, ao reforçar a ideia de que é preciso mudar tudo, de
que a escola necessita ser mudada radicalmente e de que é
preciso fundar a escola capaz de reunir novamente as funções
de selecionar, educar e socializar. Esquece-se de que, em vez
178 da educação que cultiva a adoração pelas informações em si,
cabe estabelecer processos educacionais que contem com
a pedagogia dialógica (Freire, 2011). A mencionada pesquisa
(Vasconcelos, 2014, p. 454) trouxe evidências de que:

Proclama-se institucionalmente que não se priorizará


a educação bancária, mas a informação predomina.
A aula expositiva domina na maioria do tempo.
Alunos se mostraram imóveis a escutar cansativas
exposições. Há o desejo de seleção de conteúdos
mais significativos.

Assim, as interações sociais baseadas nas lógicas da


mútua culpabilização, do não reconhecimento da capacidade
crítica e da primazia da informação apontam diretamente
para tendências que, no limite, estabelecerão a continuidade
de um sistema que, pelo menos no caso brasileiro, evidencia
uma reprodução sociocultural. Tal reprodução se perpetua
na universidade? Como tudo isso contribui para o problema
da violência escolar?

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Reprodução sociocultural: o abrigo da
violência simbólica

Assume-se, neste trabalho, que a reprodução


sociocultural é a reprodução da estrutura de relações de
força entre classes sociais, com tendência a se manter por
intermédio da atuação do professor quando essa atuação
passa a promover a distribuição desigual do capital cultural
dos grupos humanos com os quais convive o docente
(Bourdieu; Passeron, 1992).
A reprodução sociocultural, parcialmente, tem esteio
na interação social que alimenta a tríade composta pela
inércia do sistema educacional, pela negação do sujeito e
pelo autoritarismo, uma tendência percebida no sistema
educacional, pelo menos quando se realizou pesquisa com
dez estudantes e seis professores dos cursos de Pedagogia e
de Letras numa universidade privada de Brasília (Vasconcelos; 179
Gomes, 2017). Ficou confirmado nessa pesquisa que a tríade
possui em sua base, respectivamente, a mútua culpabilização,
a crítica silenciosa e a primazia da informação, três lógicas
de ação que, segundo as análises dos dados, contribuem
para perpetuar a reprodução sociocultural nos contextos da
educação superior.
Essas lógicas impregnam a ação pedagógica com
recursos em que ela se torna uma facilitadora de tal
perpetuação. Trata-se de uma pedagogia reprodutora, a
qual seleciona certas significações que, no fim do processo,
definem a cultura de um grupo, ou de uma classe, como um
sistema simbólico. A reprodução ocorre, portanto, quando
a atuação didático-pedagógica impõe e inculca significações
previamente selecionadas, favorecendo a retirada de itens
desinteressantes para quem domina os membros desse
grupo. A cultura dominante é reproduzida, incluindo as
relações de poder de um grupo social dissimuladas como
relações simbólicas.

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Ao estudar as possíveis vinculações entre as
mencionadas lógicas de ação e o conceito de ação pedagógica
no escopo da teoria reprodutivista, a pesquisa elaborou uma
figura representativa da pedagogia reprodutora (Figura 1).

Pedagogia reprodutora
Sem encontro, diálogo e
possibilidades de mudan-
ças. Tendências e
lógicas de ação
Estudantes e professores
em espaços diferentes. Negação dos
Sem novos conhecimen- sujeitos/Crítica
tos. silenciosa
Separação dos diversos Negação da criticidade dos
tipos de conteúdo. envolvidos no processo educa-
cional, camuflando o papel
Inércia/ produtor da escola. Afirma-
180 Culpa do outro ção da ideia de neutrali-
Inclusão de valores dos dade da escola.
grupos dominantes,
excluindo os dos demais.
Eliminação de possibili- Autoritarismo/
dades de ação, Primazia da
portanto, de informação
mudança. Uso da força da informação, em
dado contexto, para imprimir a
falsa autoridade. Apelo à coerção
baseada na pouca visão de
contexto favorável ao desenvol-
vimento integral do ser
humano – que pensa,
emociona-se, age.

Figura 1
Pedagogia reprodutora: algumas tendências
e lógicas de ação
Fonte: Elaboração própria, com base em Vasconcelos e Gomes (2017).

É essa pedagogia reprodutora que é violenta. O cenário


se autoproduz na educação superior, conforme concluiu a
pesquisa. Se as lógicas fundamentam a referida tríade, o que

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


sobrevém dela, a reprodução sociocultural, constitui a própria
violência simbólica, entendida, no presente trabalho, como
o poder exercido pelas classes dominantes sobre classes
ou grupos dominados por intermédio de forças simbólicas,
a exemplo dos meios de comunicação de massa e da
educação escolar (Bourdieu; Passeron, 1992).
A mútua culpabilização no ambiente acadêmico – a
ideia de que todos os outros são culpados pelo insucesso dos
processos educativos – contribui para que certas significações
fiquem de fora das pautas de encontro durante as interações
entre professores e estudantes, e entre estes. É violência
simbólica porque tal ideia, e sua colocação em prática, lhes
impõe modos de existir que são desconectados do anseio
de dialogar, superar obstáculos e abrir possibilidades de
mudanças do processo educacional em favor de sua maior
humanização. 181
Já a crítica silenciosa – a ação que elimina a opinião
dos envolvidos no ato educativo – impede a percepção
de professores e alunos sobre o caráter das condições de
existência da escola reprodutora da cultura. Isso é violência
simbólica, pois embute uma exclusão dos indivíduos do
domínio da linguagem.
Por fim, a primazia da informação – em vez da
articulação informar-formar nos processos educacionais
– mantém em alta aspectos da manutenção da falsa
autoridade. É o caso de quando na sala de aula o estudante
fica refém da ação coercitiva do professor porque este tem
alguma informação e não consegue transmitir o porquê e o
para quê determinados conceitos são levados à discussão
durante a interação social entre educador e educandos.
É violência simbólica porque esses envolvidos no ato educativo
perdem possibilidades de se desenvolver integralmente –
o ser humano pensa, emociona-se e age.

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
Interação social que produz a cultura de paz

A título de síntese, apresenta-se um quadro, contendo


aspectos que fundamentalmente produzem um cenário de
violência na interação social entre as experiências sociais de
professores e alunos no ambiente acadêmico. Paralelamente,
anunciam-se elementos capazes de se contrapor a esse
cenário (Quadro 2) e, assim, se constituir uma cultura de paz,
que se relaciona com a prevenção e a resolução não violenta
de conflitos baseadas na “tolerância e solidariedade, [sendo]
uma cultura que respeita todos os direitos individuais,
que assegura e sustenta a liberdade de opinião e que se
empenha em prevenir conflitos, resolvendo-os em suas
fontes” (Unesco, 2010, p. 11).

Quadro 2
Interação social na educação superior: violência ou paz
182 (continua)
Violência Paz
Tendências
Ação pedagógica
identificadas Reprodução
transformadora e
no sistema sociocultural
ação institucional
educacional
Inércia: A mútua Assumir atitude
culpabilização de mudança, sem
– Com os sistemas contribui para atribuir culpa ao
de mundo em que determinadas outro (estudantes,
permanente significações não professores,
separação, participem de universidade,
os sistemas debates durante governos).
educacionais as interações entre
tendem a sofrer professores e Comprometer-se,
uma dissociação das estudantes, e entre de fato, com o
esferas de valores. estes. desenvolvimento
integral do
– A mútua Violência simbólica: educando.
culpabilização modos de ser
são impostos. Conciliar discurso e
pelo insucesso prática.
do processo Desumanização,
educacional é um pois falta Aproveitar
pilar da inércia. disposição para momentos da
dialogar. avaliação de si feita
– Os valores pelos educandos.
proclamados são
diferentes dos Posicionar-se
valores realizados. politicamente.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Quadro 2
Interação social na educação superior: violência ou paz
(conclusão)
Violência Paz
Tendências
Ação pedagógica
identificadas Reprodução
transformadora e
no sistema sociocultural
ação institucional
educacional
Negação do sujeito: A crítica silenciosa Buscar e ampliar
impede que haja modos de interagir
– Os sistemas consciência dos com os educandos
de mundo são indivíduos e estes e com o mundo,
classificatórios, mas não percebem gerando abertura
os indivíduos têm o quanto a para capacidade
suas singularidades, escola pode ser crítica, curiosidade
embora não sejam reprodutora das e criatividade. Com
percebidos como estruturas sociais. isso, (re)elaboram-se
possuidores delas. conhecimentos.
Violência simbólica:
– A invisibilidade dos as pessoas se Reorganizar,
indivíduos (negação) desumanizam, pois constantemente, a
é provocada limitam o uso da didática acadêmica.
pela recusa à linguagem.
crítica cognitiva 183
e normativa dos
indivíduos.

Autoritarismo: A primazia da Priorizar processos


informação de humanização,
– Há sistemas
conserva aspectos articulando
políticos, indivíduos
cuja manutenção informação e
e ideologias
interessa à formação.
autoritários. A
instalação da falsa
informação é Estabelecer, em
autoridade.
niveladora e provoca igual perspectiva
alienação. Violência do processo de
simbólica: os formação, a ecologia
– A informação
envolvidos no ato dos saberes, a
per si, sem ser
educativo perdem educação para
articulada com
oportunidades de valores e o equilíbrio
a formação, leva
se desenvolver de entre emoção e
à ditadura da
modo integral. razão.
informação.

Fonte: Elaboração própria, com base em Vasconcelos e Gomes (2017).

As propostas do Quadro 2 serão concretizadas


desde que os responsáveis pelos processos educativos
compreendam e pratiquem alguns pressupostos da boa
interação social. Cabe entender, em primeiro lugar, que o

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
monstro interior alojado em cada indivíduo da época atual
tende a pouco agir no sentido de incutir ideologias canibais,
pois as pessoas não mais se eliminam na tentativa de vencer
e convencer por meio do encontro face a face. Ele age fixando
seu olhar em sistemas abrangentes, com seus membros
agora constituindo massas, sendo moldáveis pela liquidez
de uma modernidade sequiosa por nivelar em processos
de racionalização (Bauman; Donskis, 2014). Nesse contexto,
as pessoas parecem não se perceber umas às outras.
Nesse mundo fragmentado, os círculos sociais e as
lógicas de ação utilizadas pelos indivíduos são diversificados.
Por isso, em segundo lugar, os responsáveis pelo processo
educacional, professores e demais membros da escola,
precisam entender que os alunos não mergulham plenamente
na instituição, mas criam autonomias separadas. Essa é a
184 escola incapaz de juntar as funções de socializar, distribuir
diplomas/qualificações e educar (Dubet, 2013). O contexto
favorece a inércia do sistema educacional, caso não se
considere que as interações entre professores e alunos sofrem
influências dessa fragmentação, com novas compreensões
e condutas a se desenvolver na relação entre educador e
educando. Sem um projeto global de educação fica mais fácil
atribuir responsabilidades aos outros pelos insucessos.
Desse modo, ao se assumir como agente de
transformação do mundo, o educador passa longe da
atitude de buscar culpados para o insucesso do processo
educativo. Lança-se como proponente de alternativas que
incluem os estudantes e a universidade como um todo. Ele
de fato se compromete com o desenvolvimento integral dos
educandos, consciente de que os indivíduos têm a vocação
para o ser mais (Freire, 2009). Ao buscar a conciliação entre
discurso e prática, o educador aprende e internaliza que não
convém oferecer aos estudantes uma educação qualquer,
dada de qualquer modo, pois a educação com caráter de bem
absoluto é recebida em casa ou pelos meios de comunicação

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


de massa (Teixeira, 1976). Ao se conduzir dessa maneira, o
educador aproveitará os retornos sobre sua atuação didático-
pedagógica oferecidos pelos educandos, possibilitando
um sistema de feedback contínuo (Masetto, 2012). Ele se
posiciona politicamente, pois sabe que assim conseguirá tirar
a instituição da inércia e promover um contexto de paz.
Entretanto, esses esforços serão plenos somente
se o educador perceber, em terceiro lugar, a continuidade
do processo de recusa ao racionalismo e a valores tidos
como consagrados por parte de estudantes, a exemplo
do ocorrido desde o cinquentenário movimento iniciado
em 1968 por universitários franceses. Desde então, novos
comportamentos e mentalidades vêm abrindo espaços à
geração de identidades empenhadas em modelos culturais,
um processo inacabado de constituição do indivíduo em sua
dimensão ética. É a concepção de identidades subjetivas que
levam os indivíduos a se reservar em seu papel e posição
185
ocupados na sociedade, sem aderir totalmente ao Ego,
ao Nós, a valores e interesses, optando por se assemelhar ao
sujeito cultural, revelando-se na crítica, no empenhamento e
no distanciamento. Ao procurar novas maneiras de dialogar
com os educandos e com o mundo, o educador gera
abertura para capacidade crítica, curiosidade e criatividade
(Freire, 2009), compatibilizando com anseios de afastamento
do racionalismo e de certos valores. É a oportunidade de
elaboração de novos conhecimentos. Para tanto, precisa
se reorganizar didaticamente, inventando espaços de paz
em seu dia a dia acadêmico.
Em meio ao tumulto das informações a pleno vapor
e sua tendência para o saber desorganizado (Alarcão, 2008),
o educador zeloso pelas interações sociais voltadas à paz
no ambiente entende e internaliza, em quarto e último
lugar, que a informação é o item real alusivo a aquisições
de dados, ou conjuntos de dados, passíveis de conversão
em conhecimentos ou consciência crítica. Sabe, entretanto,
que a formação vinculada à informação se relaciona com

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
as aquisições favoráveis a que os educandos aprendam a
conhecer, a fazer, a conviver e a ser (Delors et al., 1998). Percebe
que a formação, além da capacidade para usar o cognitivo no
aprendizado de realidades, significa reunir, num complexo de
pensamentos e emoções, aspectos aptos a levar o indivíduo
a se fazer presente na existência de seus semelhantes, bem
como dos outros seres vivos e do planeta. Portanto, articular
informação e formação é, fundamentalmente, priorizar a
humanização, estabelecendo linhas de atuação que colocam
em igual perspectiva de possível formação uma ecologia
dos saberes, uma educação voltada para valores e para
o equilíbrio entre aspectos emocionais e racionais. Esse
é um importante caminho que conduz à paz nas relações
entre educadores e educandos, posto a clareza com que as
realidades são evidenciadas aos envolvidos com a educação.
Esses quatro aprendizados, a se tornarem funda-
186 mentais no dia a dia de professores e alunos, encaminham-se
para a formação de nova cultura. Nessa perspectiva, os
aspectos que geram o cenário de violência no ambiente
acadêmico podem ser enfrentados com a inserção, nesse
ambiente, de elementos que constituirão nova cultura de
relações sociais. No entanto, uma cultura de paz exige como
eixo central o exercício do diálogo. Na educação, ela conta
com a pedagogia dialógica proposta por Freire (2011). Nesse
sentido, os estudos sobre a interação social apresentados,
encadeados em torno do tema deste trabalho, propõem que
as instituições escolares aproveitem as potencialidades dos
estudantes e professores no sentido de estabelecer diálogos
que conduzam para a paz. Desse modo, os personagens que
entabulam a ação docente e a ação institucional precisam
manter diálogos permanentes, entre si, favorecendo a
conversão da inércia em ação, do autoritarismo em autoridade
e da negação do sujeito em sua afirmação.
Esses potenciais, presentes nos contextos analisados
pelas duas pesquisas, contribuem para a concretização
dos quatro pilares da educação para o século 21. São eles:

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


i) os participantes, envolvendo as duas pesquisas, têm
assumido uma autorresponsabilização pela maior interação
social; ii) em geral, os estudantes são críticos; iii) os estudantes
valorizam atividades de pesquisa e extensão, embora não
participem na medida desejada; iv) os docentes estão
dispostos a narrar experiências pessoais e profissionais e os
estudantes se dispõem a ouvi-las; v) os estudantes desejam
ver no cotidiano maior aplicabilidade de feedbacks; e vi) os
estudantes já têm internalizado o porquê de seu curso.

Conclusão

A interação social entre professores, estudantes


e demais membros da universidade, quando tomada da
perspectiva da violência simbólica e das possibilidades de
instaurar um clima de paz é objeto de estudo complexo que
187
pode ser aprofundado por pesquisas. O problema da violência
simbólica assume larga escala numa sociedade em que
a violência toma a forma de um conflito interior (Han, 2018).
As análises de trabalhos apresentados parecem
apontar para uma espécie de inércia inserida no sistema
educacional, o qual seria marcado pela tendência a um novo-
velho autoritarismo baseado na clivagem entre aspectos
informativos e formativos da educação. Uma espécie de
crítica silenciosa está presente no ambiente acadêmico e
ocupa o lugar que seria do diálogo. Nessa dinâmica, uma
negação parcial do sujeito, aparentemente, é a escada que
desce da inércia ao autoritarismo.
Ao se refugiar no acúmulo de informações, o Eu
reconhece o outro apenas para acusá-lo pelo insucesso
do processo educacional, sem o reconhecer por meio das
críticas que uns e outros fazem para promover mudanças.
É uma dinâmica com a qual o Eu pode se afirmar, no
desequilíbrio entre autoridade e liberdade, às vezes, rompido
pelo par autoritarismo e licença (Freire, 2009). Isso vale para

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
os diversos atores que constituem o processo educacional,
iniciando-se com estudantes e professores.
Eis o percurso por onde pode correr a reprodução
das estruturas sociais, com o auxílio da universidade, e seus
processos burocráticos, com o risco de sua perpetuação
escola afora. A mudança, com o intuito de implementar a
interação social favorável à concretização da paz no ambiente
educacional, ocorrerá se houver clima de diálogo. A educação
para a paz pressupõe, necessariamente, a pedagogia dialógica
(Freire, 2011).

Referências

ALVES, R. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse
existir. Campinas: Papirus, 2001.
188 ADORNO, T. W. Sobre a indústria da cultura. Coimbra: Angelus Novus,
2003.

ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 6. ed.


São Paulo: Cortez, 2008.

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Porto:


Editorial Presença, 1974.

BAUMAN, Z.; DONSKIS, L. Cegueira moral: a perda da sensibilidade


na modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política.


12. ed. Brasília: Editora UnB, 2004.

BOURDIEU, P.; PASSERON, J-C. Les héritiers: les étudiants et la culture.


Paris: Les Éditions de Minuit, 1964.

BOURDIEU, P.; PASSERON, J-C. A reprodução: elementos para uma


teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 1992.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa


do Brasil. Brasília, DF, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece


as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


BRUNSSON, N. The consequences of decision-making. Oxford: Oxford
University Press, 2007.

COLL, C. et al. Os conteúdos na reforma: ensino e aprendizagem


de conceitos, procedimentos e atitude. Porto Alegre: Artes Médicas,
1998.

DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: relatório para


a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século
XXI. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco no Brasil, 1998.

DEMO, P. Educar pela pesquisa. 8. ed. Campinas: Autores Associados,


2007.

DUBET, F. Sociologia da experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

DUBET, F. El declive de la institución. Barcelona: Gedisa, 2013.

DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin


Claret, 2006.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. São Paulo: Paz e Terra,


189
2011.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1968.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de


Janeiro: DP&A, 2011.

HAN, B-C. Topología de la violencia. Barcelona: Herder, 2018.

HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2001.

JOHNSON, A. G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem


sociológica. Tradução: Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.

LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-


social dos conteúdos. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1987.

MANNHEIM, K. Ideology and utopia. London: Routledge & Kegan Paul,


1979.

MASETTO, M. T. Competência pedagógica do professor universitário.


2. ed. São Paulo: Summus, 2012.

PALAZZO, J.; GOMES, C. A. Origens sociais dos futuros educadores:


a democratização desigual da educação superior. Avaliação: Revista

VOLUME III | INTERAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO


SUPERIOR: VIOLÊNCIA OU PAZ?
da Avaliação da Educação Superior, Campinas, v. 17, n. 3, p. 877-898,
nov. 2012.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: Antiguidade e Idade


Média. São Paulo: Paulinas, 1990.

TEIXEIRA, A. Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 1976.

UNESCO. Cultura de paz: da reflexão à ação; balanço da década


internacional da promoção da cultura de paz e não violência em
benefício das crianças do mundo. Brasília: Unesco; São Paulo:
Associação Palas Athena, 2010.

VASCONCELOS, I. C. O. Interação entre experiências sociais de jovens


estudantes e de professores universitários: decifrando diálogos. 2014.
632 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Católica de
Brasília, Brasília, 2014.

VASCONCELOS, I. C. O. Inclusão educacional: pela visibilidade


humana por meio do diálogo. In: SÍVERES, L.; VASCONCELOS, I. C.
O. Diálogo: um processo educativo. Brasília: Cidade Gráfica, 2018.
190 p. 67-85.

VASCONCELOS, I. C. O.; GOMES, C. A. C. A reprodução da reprodução


sociocultural: sem crítica, com culpa e com primazia da informação.
Revista Linhas, Florianópolis, v. 18, n. 37, p. 210-238, maio/ago. 2017.

WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia


compreensiva. Brasília: Editora UnB; São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 1999. v. 1.

WELLS, H. G. O homem invisível. Sintra: Publicações Europa-América,


1992.

WILBER, K. A união da alma e dos sentidos: integrando ciência


e religião. São Paulo: Cultrix, 2006.

Nota autobiográfica

Ivar César Oliveira de Vasconcelos, doutor em Educação


pela Universidade Católica de Brasília, com estágio doutoral na
Universidade de Lisboa/Instituto de Ciências Sociais, é professor
titular da Universidade Paulista/Instituto de Ciências Sociais
e Comunicação.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


ENSINO DO DIREITO
NA INSTITUIÇÃO DAS
UNIVERSIDADES OCIDENTAIS
cLÁUDIO BRANDÃO
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a6

193
Resumo
As universidades ocidentais tiveram sua origem na Baixa
Idade Média. Nessa época histórica, a jurisprudência romana
e os cânones abrangiam significativa parte do saber, que
hoje é conhecido como humanidades, por isso o ensino
do direito teve um papel protagonista para a afirmação e o
desenvolvimento das referidas universidades.

Palavras-chave: universidade; faculdade de Direito;


metodologia do ensino; humanidades. 

Abstract
Teaching law in the institution of western universities

Western universities had their origin in the Low Middle Ages.


At that historical time, Roman jurisprudence and canon laws
covered a significant part of the knowledge that today is known
as Humanities, so the teaching of law played a leading role in the
avowal and development of the universities.

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


Keywords: Universities; Law schools; teaching methodologies;
humanities. 

Resumen
La enseñanza del derecho en la institución de las universidades
occidentales

Las universidades occidentales tuvieron su origen en la Baja Edad


Media. En esa época histórica, la jurisprudencia y los cánones
abarcaban una parte importante del conocimiento, que hoy se
conoce como humanidades, por eso la enseñanza del derecho
tuvo un papel protagonista en la afirmación y en el desarrollo de
1
Segundo Dor’s (2008,
estas universidades.
p. 36): “El Derecho
Privado Romano
es así el derecho Palabras clave: universidad; facultad de Derecho; metodología
‘civil’, es decir, el
de enseñanza; humanidades. 
‘civilizado’, y común
a los pueblos cultos,
194 hasta la época
de las modernas
codificaciones.
Se difundió, por Introdução: o nascimento das universidades e
la influencia de o contexto da Baixa Idade Média
la enseñanza
universitaria que Em 1088, Irinério (Irinerius) fundou em Bolonha, na
empieza en Bologna, Itália, a escola que deu origem à primeira universidade do
en el s. XII, con el
Ocidente e o fez através do estudo do direito romano1. Há,
gramático Irnerio.
Alcanza un gran por conseguinte, uma ligação umbilical entre o ensino do
prestigio con Direito e a universidade no Ocidente. Tanto que, ao serem
Bártolo, en en s. XIV,
institucionalizadas na Igreja Católica – que era o centro político
quien puede ser
considerado como el e econômico da vida no período medieval – as universidades
más influyente jurista possuiriam dois centros de gravidade, nomeadamente as
de todos los siglos;
faculdades de cânones, nas quais se ensinaria o Direito,
él es el máximo
artífice del ‘Derecho e a de Teologia.
Romano Común’ Irinério ministrava aulas de retórica e para isso
que, asociado al se servia do Digesto, promulgado por Justiniano em sua
‘Derecho Canónico’,
para formar el compilação. Com suas aulas de retórica, além de fundar a
utrumque ius (ambos Universidade de Bolonha, fundou igualmente a primeira
derechos) constituye escola do pensamento jurídico da Baixa Idade Média: a escola
el fundamento de
la cultura jurídica
dos glosadores, que se estabeleceu em 1100 e perdurou até
europea.” 1250, época na qual Accursio editou a Magna Glosa. A Baixa

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Idade Média é um período de retomada cultural, que está
imbricado com a primeira escolástica e que coincide com a
fundação das universidades no Ocidente. O pano de fundo
para o nascimento da primeira escolástica também foi o
mesmo que possibilitou a escola dos glosadores: a criação
do Sacro Império Romano Germânico. Depois de uma
turbulenta migração de povos, o país dos francos foi um dos
pontos-chave para a Europa em formação. Após a derrota
infligida aos sarracenos, afastando a religião muçulmana do
seu reino, deu-se a conquista da Aquitânia e da Burgúndia,
e a autoridade papal, devido à vitória sobre os sarracenos,
tinha legitimado aquele reino. Depois da morte de Carlomano
em 771, Carlos, posteriormente chamado de Carlos Magno,
tornou-se regente único de um império poderoso e, no dia de
Natal do ano 800, foi sagrado imperador pelo Papa em Roma
(Le Goff, 2004).
195
Nas mãos de Carlos Magno a dignidade imperial
romana revestiu um significado novo em face do
antigo império romano. Nada mais alheio a Carlos
do que ressuscitar o cadáver deste império. Seu intuito
era, ao contrário, o de fundar um novo império, de
acordo com o seu próprio ideal religioso. [...] O ideal
de Carlos, pelo contrário, caracteriza-se pelo desígnio
de fundir a Igreja e o Estado numa só e única sociedade.
Desta forma surgiu a idéia de um império ocidental
cristão e onicompreensivo (Boehner; Gilson, 2004,
p. 227).

As lutas que se seguiram depois da criação do Sacro


Império se davam porque, na época do império romano do
Ocidente, o pontífice máximo não era o Papa, mas o imperador,
que, na cultura romana, além das funções políticas, também
desempenhava uma função religiosa (ressaltando-se que,
antes da cristianização do Império, ele era identificado como
um deus). A história já tinha registrado, portanto, que os
imperadores cristãos atuaram também como chefes da Igreja,
tanto convocando concílios e confirmando ou rejeitando suas

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


decisões, quanto confirmando ou depondo bispos, ou ainda
fixando a fé verdadeira ou obrigatória após a consulta de
teólogos ou sínodos (Drobner, 2004). Desse modo, as lutas
que se seguiram entre o papado e o Sacro Império eram
reflexos das disputas de poder pelo controle dessa única
sociedade formada pela fusão do Estado e da Igreja.
Com o fim de realizar o seu intento, Carlos Magno
se empenhou ao máximo para fomentar os estudos em
seu império, e o imperador selecionava seus professores
entre os sábios mais famosos da época, com isso, permitia
o desenvolvimento da cultura que estava arrefecida. A
importância do Sacro Império para a fundação da escola
dos glosadores reside no fato que, sem a riqueza cultural
dele originada, não seria possível compreender os textos
do Digesto, pois os protomedievais, que eram pastores e
agricultores por excelência, sequer precisavam dos institutos
196 contidos nos cinquenta livros que o compunham. Por conta
de sua sofisticação, o direito romano, recompilado por
Justiniano, foi designado como modelo de autoridade por
si só, o que era reforçado pelos conceitos rigorosos e pelos
inventos técnicos de suas sentenças (Grossi, 2010).

Faculdades de cânones e o direito produzido


nas universidades medievais

Toda universidade ocidental, desde a sua fundação,


na Baixa Idade Média, até o período dos humanistas, que se
estende até o período setecentista, dedicava-se ao direito,
dando a ele, ao lado da teologia, destaque e protagonismo.
O direito dessa época não era produzido pelo poder
laico, mas sim pela principal instituição do medievo: a Igreja
Católica. Por isso, o direito canônico não era propriamente
um direito religioso, porquanto ele servia para a resolução
de lides que integram a vida ativa do vulgo, como a herança,
o casamento, o asilo, o empréstimo a juros, apenas para
exemplificar. É desse fato que decorre a afirmação de Gilissen,
verbis:

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


[...] certos domínios do direito privado foram regidos 2
Os romanos foram
os primeiros a
exclusivamente pelo direito canônico, durante vários distinguir o estudo
séculos, mesmo para os laicos: nesses domínios, do direito das
qualquer conflito era resolvido pelos tribunais demais artes e
conhecimentos.
eclesiásticos, com exclusão dos tribunais laicos. Sobre o tema:
(Gilissen, 2003, p. 134). “The study of
Jurisprudence did
not form a separate
department among
Outro ponto que deve ser ressaltado decorre da própria the ancient Greeks,
estrutura jurídica da Alta Idade Média. Com o esfacelamento but among the
Romans it was quite
do império romano do Ocidente, a Europa procurou uma otherwise, and a very
elaborate system
reorganização dentro do vazio decorrente da derrubada do was developed,
so elaborate as to
edifício político e cultural que o império representava, sem demand the care
que tivesse havido a substituição do direito romano2 por um of a special class of
men, who devoted
aparelho de poder de igual qualidade e intensidade (Grossi, themselves to this
business alone and
2010). Assim, os detentores do poder não se preocuparam handed down to
com o direito que iria ser aplicado, mas sim com o que era their successors a
constantly increasing
indispensável para a manutenção de seu poder, como o mass of legal matter.
When Greece fell 197
exército, os impostos, a administração pública, a repressão e under the Roman
yoke the laws of
a coação para a manutenção da ordem (Grossi, 2010). the victor were
Nesse panorama, por conseguinte, afirma-se imposed upon
the vanquished,
categoricamente que “o detentor do poder na Idade Média but even then the
Greeks did not take
nascente, via de regra, não teve como objetivo legislar” to legal studies. In
(Brandão, 2012, p. 135). Tal fato trouxe como consequência a fact not until the
seat of the Empire
vigência de um direito laico não escrito, baseado no costume was removed to
Constantinople
e no pluralismo3. Ora, ocorre que o direito canônico, desde did the East
become a centre
o seu nascimento, foi formalizado pela escrita e, durante of jurisprudence or
a maior parte da Idade Média, foi o único direito com essa the residence of the
chief legal experts.
característica, o que permitiu a sua perpetuação e o registro In the whole period
before the fourth
de sua trajetória e influência nas diversas épocas. century of our era
we know of but
Como atestou Gilissen (2003, p. 135): one barrister who
wrote in Greek, and
he came from the
[...] o direito canônico constituiu objecto de trabalhos West, Herennius
doutrinais, muito mais cedo que o direito laico; Modestinus. He was
constitui-se assim uma ciência do direito canônico. a disciple of Ulpian
and preceptor to the
O direito canônico, sendo pois um direito escrito Emperor Maximian
e um direito erudito muito antes do direito laico na the Younger”. [O
estudo da ciência do
Europa Ocidental, exerceu uma profunda influência direito não formou
na formulação e desenvolvimento deste direito laico. um departamento

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


separado dentre os O Decreto e a interpretação surgida nas
gregos, mas dentre
os romanos isso
universidades
foi completamente
diferente, e um O direito produzido nas universidades da Baixa Idade
sistema muito
elaborado foi Média foi marcado pela edição de uma obra intitulada Decretum
desenvolvido, (Decreto), cujo nome original é Concordia discordantium
tão elaborado
que demandou a canonum (Concordância dos cânones discordantes). Esse
necessidade de uma
especial classe de trabalho foi escrito entre os anos 1130 e 1150 e apareceu
homens, que eram
devotados somente
na forma de dois reescritos. O primeiro era mais curto e teve
para esse assunto uma circulação limitada, tendo sido compilado entre 1130 e
e deixou aos seus
sucessores uma 1139. O segundo, chamado de recensão ordinária, que foi
constante crescente
massa de matérias destinado a se tornar a edição padrão, era consideravelmente
legais. Quando maior que a primeira versão, possuía maior densidade, quer
os gregos caíram
sobre os romanos, nas fontes romanas, quer nos fundamentos jurídicos, e
a conquista impôs
o mecanismo dos atingiu grande circulação em 1150 (Winroth, 1997).
vencedores, mas
mesmo assim gregos
Na Baixa Idade Média, tanto no âmbito da educação
não estabeleceram universitária, quanto no âmbito da teologia prática, as
198 estudos jurídicos. Na
verdade, o Oriente mais importantes obras foram o Decreto de Graciano e as
tornou-se a sede da
ciência do direito Sentenças de Pedro Lombardo. Eles produziram, em cada
e a residência do respectiva disciplina, o primeiro compêndio de sucesso por
maior expoente
dos especialistas sua difusão e seu uso, empregando o método escolástico
do direito, mas
não antes da sede em evidência na época. Entretanto, deve-se ressaltar que,
do império ser
removida para diferentemente de Lombardo, a influência de Graciano
Constantinopla. transcendeu a esfera da teologia, pois, durante a Idade Média,
Em todo o período
anterior ao quarto o direito canônico regulava áreas que hoje seriam pensadas
século da nossa era,
nós só sabemos como verdadeiramente seculares, como os negócios e o
de um expert
que escreveu em
casamento. Assim, junto com o direito romano, o direito
grego, e ele veio do canônico formava um coerente e autônomo sistema legal,
Ocidente, Herennius
Modestinus. Ele denominado ius commune (Winroth, 2000).
foi discípulo de
Ulpiano a preceptor A Concordia discortantium canonum, posteriormente
do imperador chamada de Decretum, continha cerca de mil e novecentos
Maximiniano o
jovem]. (Schaff; textos de diferentes autoridades, que haviam sido
Wace, 1901, p. 30,
tradução nossa). recompilados desde os primeiros séculos do cristianismo
3
Na Alta Idade Média até então. A maior parte das matérias estava organizada
conviviam e se
superpunham vários segundo a metodologia escolástica, em linhas gerais,
ordenamentos composta pelas: tese, antítese e solução harmonizadora
em uma mesma
localidade, tal (Ayala Martinez, 2016). Ademais, no Decreto, os assuntos

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


estavam embrionariamente sistematizados por temática, o
que facilitava a sua compreensão e a sua respectiva utilização;
desse modo, o Decreto foi o primeiro meio para atingir a
finalidade escolástica de tornar uniforme o direito canônico
(Feine, 1964).
A importância ímpar da obra de Graciano, por óbvio, não
consiste na criação de normas, pois só poderiam ser criadas fenômeno, aqui
denominado de
pelas instâncias da hierarquia, sobretudo através dos concílios pluralismo jurídico,
foi retratado por
ecumênicos e das decretais papais. O papel de Graciano foi Brundage, verbis:
dar às diversas normas uma coerência sistemática, através da “But which laws?
Medieval laws
fixação de critérios para a identificação da norma aplicável, came in abundant
variety. Multiple legal
quando houvesse alguma contradição. Esses comentários systems coexisted
and overlapped
eram realizados nas glosas do autor, chamados dicta, que within the same
procuravam dar à reunião de textos o caráter de unidade e town or region,
each with its own
harmonia, buscado pelo método escolástico. Essa referida complex rules
and conventions
busca de harmonização e unidade as well as its own
system of courts 199
that applied them.
[...] passou à história com o nome dicta magister Manorial law, feudal
Gratiani, compreendendo os seguintes argumentos: law, municipal law,
a ratione significationis (ou interpretação semântica), a royal law, maritime
law, merchant law,
ratione temporis (interpretação temporal, segundo Roman law, and
a qual, disposições posteriores derrogam implicita- canon law”. [“Mas
quais direitos? O
mente as anteriores), a ratione loci (ou interpretação
direito medieval veio
espacial, segundo a qual as regulações locais têm em uma abundante
precedência sobre as regionais e essas últimas sobre variedade.
Coexistiam e se
as universais) e, finalmente, a ratione dispensationis (ou sobrepunham
interpretação equitativa, de acordo com a exceção, múltiplos sistemas
segundo a qual, em que alguns casos, eram admissíveis legais na mesma
cidade ou região,
disposições particulares menos severas do que a cada uma com as
geral). Utilizando-se dos critérios hermenêuticos- suas complexas
interpretativos acima, Graciano conseguiu reunir, em regras e convenções
como também
um só livro dividido em três partes, o mais relevante com seu sistema
(conteúdo) do direito canônico nos primeiros dez de tribunais que
as aplicavam.
séculos de vida da Igreja (Pampillo Baliño, 2015, p. 69, Direito senhorial,
tradução nossa). direito feudal,
direito municipal,
direito real,
Portanto, a história do direito canônico é marcada direito marítimo,
direito mercantil,
por uma guinada epistemológica, que se deu por conta direito romano e
direito canônico”].
de um autor e da sua respectiva obra, nomeadamente a (Brundage, 1995.
Concordia discordantium canonum, de Graciano. Com efeito, p. 2).

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


a importância dessa obra reside no fato de ela ter sido o
mais importante fator de desenvolvimento desse direito,
bem como de ter sido ela o primeiro texto a demarcar os
contornos científicos do referido direito canônico (Hoeflich;
Grabher, 2008), pois foi essa obra “a fonte através da qual o
direito canônico começou a forjar-se como sistema” (Vilejo-
Ximénez, 2005, p. 423, tradução nossa).
Nesse contexto, a cientificidade que o direito canônico
conquista com o Decreto resulta na construção de um
documento escrito que confere às regras canônicas “o caráter
(relativo) de unidade, harmonia, de coesão, de coerência
que os canonistas assinalam na empreitada (científica) de
colecionar, ordenar e sistematizar as normas, os institutos, os
comentários”. (Pinedo, 1955, p. 866, tradução nossa).
O Decreto, portanto, inaugura a fase da ciência do
direito, que dará àquele direito um método e um corpus.
200 Abre-se caminho, nessa perspectiva, para um direito
produzido pelos juristas, o que possibilitará a construção de
um sistema dogmático e hierárquico de normas.
Devemos notar que o texto do Decreto nasce como
uma empreitada privada e, da forma como foi gestado,
nunca foi promulgado oficialmente pela Igreja, portanto
os comentários e as glosas de Graciano nunca tiveram o
efeito formal de derrogar alguma norma anterior existente.
Entretanto, o Decreto foi utilizado na praxis jurídica canônica,
nos tribunais eclesiásticos e por autoridades da hierarquia –
aí incluídos os papas – como texto base do direito canônico
até a promulgação do Corpus juris canonici, através de bula
Cum pro munere, de 1580. Referida bula, de autoria do papa
Gregório XIII, promulgou a versão do Decreto reescrita por
uma comissão de juristas, que iniciou seus trabalhos no
Concílio de Trento (portanto anteriormente ao papado
de Gregório), denominados Corretores romani. Deve-se
ainda salientar que muitas das normas dos dois códigos
de direito canônico promulgados são dele originadas. Isso
posto, tem-se que a Concordia discordantium canonum ou

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


o Decreto inaugura a ciência do direito canônico, marcando
a sua história como o primeiro corpo escrito que registrou,
para uso corrente nos tribunais, na vida eclesiástica e nas
universidades, do conhecimento canônico ora produzido.

As implicações do direito produzido nas


universidades

O panorama histórico no qual se inseriu o direito


produzido nas universidades foi decisivo para a afirmação
de sua ímpar importância. O período compreendido entre os
anos 1000 até 1300 foi particularmente significativo, porque
nele a Europa passou a ser a região mais dinâmica do mundo
(Van der Weil, 1991). Floresceu o comércio internacional e
originaram-se Estados nacionais, mas o traço fundamental do
período foi a expansão da cultura cristã e a organização da
Igreja em torno da centralização do poder papal, que atingiu
um desenvolvimento sem precedentes no período anterior.
201
A edição padrão do Decreto foi realizada durante
o pontificado de Eugênio III (1145-1154), que era monge
cisterciense, discípulo de São Bernardo de Claraval, e foi
um firme defensor da independência do papado diante do
império germânico.
Note-se que, no ano de 1143, houve uma insurreição
em Roma contra os cônsules e contra o prefecti, os quais
detinham a governança municipal, segundo um compromisso
com o poder temporal do papa. Tendo à frente os poderosos
locais (optimates), o povo, fortalecido (invalescente populo),
constituiu uma assembleia de cerca de cinquenta membros,
a quem se deu o nome de Senado e que tomou posse à força
das ruínas do Capitólio, símbolo do antigo Senado romano.
Seu objetivo era erigir-se em governo autônomo da cidade
de Roma, contrapondo-se à autoridade pontifícia, por isso
foi anunciado que as atribuições dos cônsules e do prefeito
estavam eliminadas (Rust, 2010). Vinculado a essa iniciativa
política, um agostiniano discípulo de Abelardo, chamado
Arnaldo de Brescia, excomungado pelo Papa Inocêncio II

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


e adversário de São Bernardo de Claraval, encontrou, na
nova constituição senatorial de Roma, um solo fértil para
um programa que passava por anular o poder temporal do
papado em Roma, através da desqualificação da pessoa do
pontífice e dos cardeais, por meio de acusações de corrupção
e malversação do dinheiro público (Ayala Martinez, 2016).
Essas acusações produziram um forte eco na sociedade
romana, em face da degradação que os religiosos à frente da
cúria romana e do papado efetivamente haviam provocado,
sendo taxados por todos – inclusive pelos defensores do
poder temporal do papa – de corruptos (Ayala Martinez,
2016).
A oposição da cidade ao papado foi tanta que o início
solene do pontificado de Eugênio III, que fugiu de Roma com
todos os seus cardeais e bispos, deu-se no Mosteiro de Farfa,
202 por conta de um tumulto causado, após a eleição papal, pelos
senadores e pelo povo (Rust, 2010).
Com efeito, as críticas de Arnaldo não eram gratuitas,
inclusive o seu maior adversário, Bernardo de Claraval,

[... ] não duvidava em falar de ‘lobos e não ovelhas’


para se referir àqueles que rodeavam ao papa, em
uma indissimulada alusão aos seus cardeais. O faz em
um tratado, o De consideratione, dirigido a Eugênio III,
em que advogava por um pontificado recoberto por
uma máxima autoridade moral, a suficiente para que o
papa pudesse esgrimir, como lhe correspondia, o uso
de ‘duas espadas’: a espiritual e a material; a primeira,
de função pastoral, de maneira direta, a segunda,
destinada à defesa da própria Igreja, por mediação
de um poder temporal. […] São Bernardo recordava
ao papa que jamais Pedro ‘se apresentou vestido
de sedas ou joias, coberto de ouro, sobre um corcel
branco, escoltado por soldados e acompanhado de
aparelhado séquito’. Ao se colocar assim, São Bernardo
recrimina a Eugênio que ‘não parece que és o sucessor
de Pedro, mas sim do imperador Constantino. (Ayala
Martinez, 2016, p. 163-164, tradução nossa).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


A importância da obra de Graciano nesse contexto
histórico foi notável para o papado. Com efeito, um
dos princípios fundamentais do direito canônico é a
impossibilidade de submeter o papado a um juízo (primas
sedes a nemine judicatur), pois o direito é construído com
fundamento no primado petrino. Assim, ao reunir as normas
jurídicas canônicas desde o início do cristianismo, que,
desde os primeiros séculos, atestaram, por exemplo, que
a Igreja de Roma presidia as outras Igrejas na caridade,
Graciano compilou uma série de regras que afirmavam a
jurisdição do bispo de Roma sobre a Igreja universal, o que
4
“The Christian
dava uma ímpar importância ao seu trabalho, uma vez que religion was a vital
ele servia de fundamento à afirmação do poder papal ante force in medieval
o poder imperial, o que também traria, nas circunstâncias, Europe. It had an
enormous effect
o poder temporal almejado. Através desses dois poderes, on the daily life of
justificados pelo direito canônico, a afirmação do papado se ordinary people.
Religious enthusiasm
concretizava dentro de uma estruturação monárquica, o que 203
was reflected
vinha ao encontro do que historicamente lutaram muitos dos on the crusades
ocupantes da Sé romana. (1095 – 1453) and
in the approval
Mais outro fator vincula-se à centralização do poder
of new religious
papal para tornar o Decreto de Graciano uma obra de orders (eleventh
importância ímpar. Na cultura da Baixa Idade Média, a religião to the thirteenth
century). These two
era o centro de gravidade da vida em sociedade; isso fazia factors led to the
com que a religião tivesse materialmente mais importância strong support of
que o direito real local e que o direito imperial. Com efeito, the centralization
of papal power,
which is perhaps
A religião cristã era uma força vital na Europa the most important
medieval. Ela teve uma enorme consequência na vida characteristic
quotidiana da população. O entusiasmo religioso foi of Late Middle
Ages. By means of
refletido nas cruzadas (1095-1453) e na aprovação
internal reform of
de novas ordens religiosas (séculos onze ao treze).
the Church, several
Esses dois fatores conduziram ao seguro sustento popes tried to build
da centralização do poder papal, o que é quiçá Western Europe
a mais importante característica da baixa idade into a solid Christian
média. Através da reforma interna da Igreja, alguns community based on
religious ideas and
papas tentaram construir na Europa ocidental uma
subject to Christian
comunidade cristã forte, baseada nas ideias religiosas morality, which
e submetida à moralidade cristã, o que transcendia o transcends royal or
direito real e imperial (Van der Wiel, 1991, p. 76).4 imperial law.”

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


Nessa toada, o Decreto de Graciano veio a preencher
uma lacuna: ele se tornou um registro escrito que serviu
de base para o desenvolvimento do direito que subjaz às
ideias religiosas e à moralidade cristã, que – como referido –
estavam por cima do direito laico. O Decreto, assim, funcionou
como um corpus que registrou o conhecimento produzido no
âmbito do direito canônico, o que possibilitou o seu estudo
como ciência e a sua aplicabilidade como arte prática.
Após a edição da obra de Graciano, professores de
Direito ascenderam à chefia da Igreja Católica, tendo o
primeiro deles sido Alexandre III, que provavelmente foi um
discípulo de Graciano. Com efeito, a Alta Idade Média:

Foi também um tempo de auge de grandes políticos


(Gregório VII, Inocêncio III), de grandes teólogos
dogmáticos (Tomás de Aquino) e de grandes juristas.
Significativos jurisconsultos sentaram-se no trono
204
de Pedro como papas: Alexandre III, Inocêncio III,
5
“Ihre große Zeit war Inocêncio IV (Erler, 1949, p. 36).5
gleichzeitig eine
Epoche der großen
Politik (Gregor VII., Com o conhecimento jurídico que desenvolveram
Innozenz III.), der
nas universidades, iniciaram esses papas juristas uma nova
großen Dogmatik
(Thomas von Aquino) fase da edição de normas através das suas decretais, tendo
und der großen o direito um papel central para a afirmação da Igreja de
Juristen. Bedeutende
Rechtschöpfer Roma como o ponto de convergência de todas as Igrejas
sitzen als Päpste particulares, isto é, através da Igreja de Roma, todas as Igrejas
auf dem Thone
Petri: Alexander particulares integram um só corpo. A Igreja de Roma, através
III., Innozenz III, do papa, realiza o mandamento da Igreja universal.
Innozenz IV.”

A escola de Bolonha e a estruturação


metodológica do Decreto: a criação do método
jurídico de interpretação através do ensino
universitário

Winroth (1997, 2000) nota que o Decreto de Graciano é


um livro de utilização longeva. De fato, na práxis canônica, é a
mais antiga e a mais volumosa parte do chamado corpus iuris
canonici, que era a compilação usada nas cortes eclesiásticas

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


católicas desde a Alta Idade Média até 1917. Por conseguinte,
a influência de um livro usado por tanto tempo é enorme,
por isso o Decreto de Graciano é uma das pedras angulares
do direito canônico. Note-se ainda que suas definições, seus
conceitos e sua terminologia, assim como suas soluções para
os casos propostos sobreviveram em muitos setores da mais
recente codificação canônica de 1983, que hoje se encontra
vigente. (Winroth, 2000).
Porém é certo que Graciano não foi o primeiro a
recompilar o direito canônico, visto que encontramos
recompiladores tanto na Alta Idade Média – como é o caso de
Dionísio, o Exíguo, no sexto século – quanto na Baixa Idade
Média – como é o caso de Brocardo de Warms, no século
11. O que, então, produziu Graciano para tornar a sua obra
singularmente importante?
A obra de Graciano foi estruturada a partir do método
utilizado pela primeira universidade do Ocidente, nascida em
205
Bolonha, através do magistério de Irinério. Este exercia o seu
magistério através dos textos do direito romano oriundos do
Digesto,

[...] onde Irinério e seus seguidores trabalhavam para


reconstruir os textos da compilação de Justiniano,
Graciano buscou produzir uma completa compilação
do direito canônico num sentido que facilitaria o seu
estudo. Entretanto, ele não parou por aí. O objetivo
de Graciano foi também harmonizar as numerosas
contradições que tinham sido desenvolvidas durante
onze séculos de desenvolvimento canônico (Hoeflich;
Grabher, 2008, p. 7-8, tradução nossa).

Note-se que Irinério não criou propriamente um


método novo nos seus estudos sobre o Digesto, o qual era a
principal parte da recompilação do direito romano feita por
determinação do imperador Justiniano. O método usado por
Irinério, chamado de trivium, era utilizado na primeira fase da
educação romana na época do apogeu do império, sendo
composto por três artes liberais ensinadas na formação inicial

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


do romano, a saber: gramática, retórica e dialética (Guzman
Brito, 1978)6.
Pois bem. Não se pode compreender o método utilizado
por Graciano para a edição do Decreto, sem a contextualização
da escola a que ele pertencia, nomeadamente a Escola de
Bolonha. Sobre ela, é precisa a síntese de Domingues (2012,
p. 313-314):

Desde longa data que se apregoa ter sido em Bolonha,


com o ensino do Direito romano por Irnério, que o
estudo do Direito se autonomizou e converteu em
ciência jurídica autónoma. Um depoimento escrito
caiu da pena do bolonhês Odofredus de Denariis
(† 1265). Segundo este testemunho, consignado
pelo jurista de duzentos, a chegada dos libri legales
à escola de artes de Bolonha permitiu a Pepo ou
Pepone encetar, por iniciativa sua, o ensino do Direito.
No entanto e apesar da sua ciência, terá sido Irnério
206 († ca. 1125), que ensinava artes liberais nessa cidade
6
“Ejercía Imerio como e começou a estudar Direito a expensas suas, a
magíster in artibus, alcançar grande fama (maximi nominis), convertendo-
es decir, como se na primeira luz (primus illuminator) da ciência
maestro en las tres
artes liberales del jurídica. Uma vez que foi o primeiro a fazer glosas
trivium: gramática, aos livros de Justiniano, passou à posteridade como a
retórica y dialéctica. candeia do Direito (lucerna iuris). A mítica escola dos
Contando con esta
glosadores acabaria por ser consolidada pelos seus
formación, pudo
él iniciar la labor mais directos seguidores, vulgo conhecidos como os
propiamente crítica quatro doutores – Bulgarus, Martinus, Hugo e Jacobus.
de establecer
las versiones
originales de los Com efeito, através do trivium, Irinério fez comentários,
textos justinianeos, chamados de glosas7, e os inseriu nas margens (glosas
superando con
ello el uso de los marginais) e entre as linhas (glosas interlineares) do texto
antiguos epítomes
do Digesto. Através da gramática se esclarecia o sentido das
o resúmenes
hasta entonces palavras do latim clássico, bem como sua posição sintática
en circulación.”
(Guzman Brito, 1978,
e semântica, o que era importante para a compreensão
p.15). do texto, já que naquela época o latim utilizado não era o
7
Sobre as glosas, clássico, mas sim o vulgar. Pela retórica e pela dialética, cujo
veja-se a seguinte
explicação: “La termo era uma metonímia da própria filosofia, buscava-se
glosa, formalmente, a argumentação para a proposição da solução em face das
consiste en un
breve comentario contradições entre as partes do Digesto.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Cientificamente, a Glosa aparece vinculada com as
concepções da época, como tinha, ademais, que ser
uma resultante natural. Falar de ciência é falar de um
método; e o método que os glosadores empregaram
não diferiu do usado pelo pensamento escolástico
que, em suas linhas gerais, se inspira nas artes liberais
do trivium: gramática, retórica e dialética. Não é em -ya veremos de qué
naturaleza-a alguna
vão que Irinério, o fundador da escola, tinha sido palabra u oración de
mestre dessas três artes. Em consequência, o trabalho un texto del Corpus.
dos glosadores se apresentará como um trabalho de Inicialmente, estas
glosas se escribian
filólogos e lógicos. Filólogos, enquanto se aproximam
entre línea y línea
de um texto considerado como tal, quer dizer, como del texto glosado:
littera; e lógicos enquanto se acercam ao conteúdo de ahí el nombre de
glosas interlineales.
desse texto (Guzman Brito, 1978, p. 17-18, tradução
Pero luego hubo
nossa). de generalizarse la
práctica de escribir
las glosas al margen
Graciano também se utilizou do trivium na construção del texto, llamadas
de sua compilação. Entretanto, enfatize-se, enquanto Irinério glosas marginales,
agregando signos
partiu de um texto consolidado que continha a reunião convencionales 207
do registro escrito do direito romano, Graciano precisou sobre las palabras
del texto glosado
consolidar os textos que expressassem o desenvolvimento y repitiéndolos al
comienzo de la glosa
de cerca de mil anos de produção normativa e regramento
puesta al margen, al
de condutas no âmbito canônico, para depois comentar modo de nuestras
modernas llamadas
o significado dos textos e harmonizar as contradições de notas. De esta
encontradas. manera, el aspecto
que presentan las
Isso posto, o direito canônico encontra o seu páginas de los libros
texto fundante, o Decreto de Graciano, estruturado salidos de manos de
estos juristas, es el
metodologicamente em face do método trivium, que de un núcleo central,
possibilitou também o “renascimento” dos estudos do direito que corresponde al
fragmento glosado,
romano no início da Baixa Idade Média, através da fundação en cuyo derredor
das primeiras universidades do Ocidente. Nesse panorama, las glosas se apilan
sucesivamente
registre-se que hacia los extremos.
La summa
[...] a obra de Graciano (daqui vem o seu êxito) corresponde a un
tratado sistemático
respondia a uma necessidade profundamente y completo, sea
sentida. (…) Autoridades e juízes se perdiam em um respecto de todo
emaranhado de textos legais. Graciano começa el Corpus lúris, sea
fazendo um inventário dos textos existentes respecto de una
amplia materia
(auctoritates) que circulavam pelo Ocidente (acaso cualquiera” (Guzman
mais de 10.000). Deles, recolhe uns 3.900 que Brito, 1978, p. 18).

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


pertencem a três grandes grupos: Decretais, Padres
e Concílios. Depois trata de conciliá-los com diversos
critérios que subministra a teoria da interpretação das
normas. (Prieto, 1977, p, 119, tradução nossa).

Considerações finais

O estudo do direito foi um dos motores que possibilitou


a instituição das universidades no Ocidente. Nessa toada,
o direito transcendia a resolução de conflitos, porquanto,
nas universidades nascentes, ele vinculava a si questões de
lógica, metafísica, retórica e ética, sintetizando no seu objeto
boa parte do que hoje se chama humanidades.
Com esse viés multidisciplinar, o método jurídico
usado nas universidades, chamado de trivium, tinha o
condão de abranger múltiplos saberes e objetivava, com
sua argumentação, dar certa previsibilidade às decisões que
208 resolviam os conflitos quotidianos. Por isso, o ensino do direito
nas universidades se afirmou como um dos pilares da ciência
da época. Em boa medida, ele sintetizava a universalidade do
saber, de onde provém o sentido do vocábulo universidade,
que, ao ser ensinado, possibilitou um caminho para tornar
perene o conhecimento.

Referências

AYALA MARTINEZ, C. El pontificado en la edad media. Madrid: Síntesis,


2016.

BOEHNER, P.; GILSON, E. História da Filosofia cristã. Tradução de


Raimundo Vier. Petrópolis: Vozes, 2004.

BRANDÃO, C. Direito no pensamento jurídico medieval. In:


BRANDÃO, C.; SALDANHA, N.; FREITAS, R. (Coord.). História do Direito
e do pensamento jurídico em perspectiva. São Paulo: Atlas. 2012.
p. 134-146.

BRUNDAGE, J. A. Medieval canon law. London: Routledge, 1995.

DOMINGUES, J. As origens do studium de Bolonha. Lusíada Direito,


Porto, n. 5-6, p. 309-322, 2012.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


DOR’S, A. Derecho privado romano. Pamplona: EUNSA, 2008.

DROBNER, H. R. Lehrbuch der patrologie. Frankfurt: Peter Lang, 2004.

ERLER, A. Kirchenrecht. Frankfurt: Hirschgraben, 1949.

FEINE, H. E. Kirchliche Rechtsgeschichte: Die Katholische Kirche. Köln:


Böhlau, 1964.

GILISSEN, J. Introdução histórica ao Direito. Lisboa: Calouste


Gulbenkian, 2003.

GROSSI, P. Das Recht in der europäischen Geschichte. München: C. H.


Beck, 2010.

GUZMAN BRITO, A. Mos gallicus y mos itallicus. Revista de Derecho de


la Universidad Católica de Valparaíso, Valparaíso, Chile, v. 2, p. 11-40,
1978.

HOEFLICH, M. H.; GRABHER, J. M. The establishment of normative


legal texts: the beginnings of the ius commune. In: HARTMANN,
W.; PENNINGTON, K. (Ed.). The history of medieval canon law in the
classical period, 1140-1234. Washington, DC: Catholic University of
209
America Press, 2008. p. 1-21.

LE GOFF, J. Medieval civilization. Oxford: Blackwell, 2004.

PAMPILLO BALIÑO, J. P. El corpus iuris canonici: su importancia e


influencia en la tradición jurídica occidental. International Studies on
Law and Education, São Paulo, n. 19, p. 65-72, jan./abr. 2015.

PINEDO, P. En torno al título del decreto de Garciano “Decretum seu


Concordia discordantium canonum”. Anuario de Historia del Derecho
Español, Madrid, v. 25, p. 845-868, 1955.

PRIETO, A. El proceso de formación del derecho canónico. In:


DERECHO Canónico. Pamplona: EUNSA, 1977. p. 126-131.

RUST, L. D. Colunas vivas de São Pedro: concílios, temporalidades e


reforma na história institucional do Papado medieval. 2010. 2 v. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2010.

SCHAFF, P.; WACE, H. (Ed.). A select library of nicene and posnicene


fathers of the Christian church. Edimburgh: T&T Clark, 1901. v. XIV.

VAN DER WEIL, C. History of the canon law. Louvain: Peeters, 1991.
(Louvain Theologiacal & Pastoral Monographs, 5).

VILEJO-XIMÉNEZ, J. M. La composición del decreto de Graciano. Jus


Canonicum, Pamplona, v. 45, n. 90, p. 431-485, 2005.

VOLUME III | ENSINO DO DIREITO NA INSTITUIÇÃO DAS UNIVERSIDADES OCIDENTAIS


WINROTH, A. The two recensions of Gratian’s decretum. Zeitschrift
der Savigny-Stiftung für Rechtsgeschichte: kanonistische Abteilung,
Wien, v. 83, p. 22-31, 1997.

WINROTH, A. The making of Gratians’ “Decretum”. Cambrigde:


Cambridge University Press, 2000.

Nota autobiográfica

Cláudio Brandão, professor titular de Direito Penal, é professor


do Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade Damas da
Instrução Cristã (PE) e do Programa de Pós-graduação em Direito
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas
(MG). Professor de graduação em Direito da PUC Minas, Faculdade
Damas da Instrução Cristã e Faculdade de Direito do Recife – UFPE.
Antigo coordenador do Programa de Pós-graduação em Direito da
Faculdade de Direito do Recife – UFPE. Professor visitante regular da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Disciplina: História
210 e Teoria do Crime). Professor visitante da Faculdade de Direito da
Universidade de Roma Tor Vergata (Disciplina: Filosofia del Diritto
Penale).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Perspectivas
epistemológicas
da formação profissional
nos espaços acadêmico
e do trabalho
Caetana Juracy Rezende Silva
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a7

213
Resumo
As análises apresentadas neste ensaio fazem parte de um
estudo mais amplo, desenvolvido na tese de doutoramento,
voltado à compreensão dos processos de formação
profissional nos espaços acadêmico e do trabalho, discutindo
a relação teoria e prática. Elas se fundamentam na concepção
de que a formação do ser profissional é perpassada por
saberes estruturados nas distintas esferas da vida social,
entre as quais a educacional e a laboral são especialmente
importantes na aquisição de saberes e valores voltados
à participação na vida produtiva. Buscamos, inicialmente,
refletir sobre características dos modos de conhecer,
entendendo que as aprendizagens cotidianas se aportam
em distintos graus – a depender das lógicas e características
de cada espaço – nessas formas de apreender o mundo.
Passamos, então, a examinar particularidades do espaço
acadêmico com relação à fragmentação do conhecimento
científico expressa no sistema disciplinar. Em seguida,
abordamos aspectos do espaço laboral no que diz respeito
ao problema da distância entre o trabalho prescrito e o real,

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
o que demanda dos indivíduos a mobilização e combinação
de seus saberes na gestão eficaz desse hiato. Na sequência,
questionamos em que medida as características da atividade
de trabalho e os aspectos culturais e históricos de uma
profissão ou especialidade técnica influenciam na maneira
de lidar com o conhecimento na formação correspondente.
Enfim, abordamos questões referentes à formação e prática
docente para a educação superior.

Palavras-chave: epistemologia da aprendizagem; trabalho


e educação; educação superior. 

Abstract
Epistemological perspectives on professional training at
academia and work environments

214 The analyses herein are part of a larger doctoral thesis that aims
at understanding the professional training processes in academia
and work environments, discussing the relation between theory
and practice. It is based on the idea that professional training is
entangled with knowledge developed in many social environments,
among which the educational and work environments are
particularly important for the gaining of knowledge and principles
related to one’s productive participation in life. The initial aim is to
reflect upon the characteristics of learning modes, recognizing that
day-to-day acquisition of knowledge happens at different levels –
depending on the logic and characteristics of each space – in the
ways of getting to know the world. Thus, there is an examination
of the intricacies of academia as related to the fragmentation
of the academic knowledge present in the disciplinary system.
Subsequently, the aspects of the working space are examined in
relation to the matter of the distance between the work required
and the one executed; which requires individuals to marshal
and merge their knowledge in order to manage this discrepancy.
Later, there is the inquiry as to what extent the characteristics of
a given work and the cultural and historic aspects of a profession
or technical specificity influence the way knowledge is handled in

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


its corresponding milieu. Finally, matters regarding the teaching
training and practice for higher education are approached.

Keywords: learning epistemology; labor and education; higher


education. 

Resumen
Perspectivas epistemológicas de la formación profesional en
los espacios académicos y laborales

Los análisis presentados en este ensayo son parte de un estudio


más amplio, desarrollado en la tesis doctoral, orientado a la
comprensión de los procesos de formación profesional en los
espacios académicos y laborales, discutiendo la relación entre
teoría y práctica. Los análisis se basan en la concepción de que la
formación del ser profesional está impregnada de conocimientos
estructurados en los diferentes ámbitos de la vida social, entre 215
los que la educación y el trabajo cobran especial importancia
en la adquisición de conocimientos y valores orientados a la
participación en la vida productiva. Buscamos, inicialmente,
reflexionar sobre las características de las formas de conocer,
entendiendo que el aprendizaje cotidiano se da en diferentes
grados –dependiendo de la lógica y de las características de
cada espacio– en estas formas de aprehender el mundo. En
seguida, examinamos las particularidades del espacio académico
en relación con la fragmentación del conocimiento científico
expresado en el sistema disciplinar. Posteriormente, abordamos
aspectos del espacio laboral en relación al problema de la
distancia entre el trabajo prescrito y el trabajo real, que requiere
que los individuos se movilicen y combinen sus conocimientos en
la gestión efectiva de este hiato. Luego, nos preguntamos en qué
medida las características de la actividad laboral y los aspectos
culturales e históricos de una profesión o especialidad técnica
influyen en la forma de abordar el conocimiento en la formación
correspondiente. Finalmente, abordamos temas relacionados
con la formación y práctica docente para la educación superior.

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
Palabras clave: educación universitaria; epistemología del
1
Tese intitulada:
Do saber ao sabor:
aprendizaje; trabajo y educación. 
estudo da relação
entre saberes
tácitos e explícitos
expressos nas Prelúdio
competências laborais
de cozinheiros As reflexões apresentadas neste ensaio decorrem
em situação de
trabalho, citada nas de um estudo mais amplo, desenvolvido na tese de
referências.
doutoramento1, sobre os processos de formação profissional
2
A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação com foco em dois espaços de vida social: o acadêmico, no qual
Nacional (Lei nº
9.394, de 1996)
os conhecimentos sobre o trabalho são abordados em um
dispõe entre as movimento de enquadramento e na perspectiva da formação
finalidades da
educação superior para “inserção em setores profissionais”2; e o laboral, em que
“formar diplomados os saberes são permanentemente reconfigurados em função
nas diferentes áreas
de conhecimento, da natureza da atividade humana do trabalho (Silva, 2016).
aptos para a
inserção em setores As considerações apresentadas se fundamentam
profissionais e para na concepção de que a formação do ser profissional é
216 a participação no
desenvolvimento da perpassada por saberes estruturados nas distintas esferas
sociedade brasileira,
e colaborar na
da vida social e que os domínios educacional e do trabalho
sua formação são especialmente importantes na aquisição de saberes
contínua” (art. 43,
inciso II). Além e valores voltados à participação na vida produtiva. Na
dessa finalidade da
interseção entre os saberes desses espaços, consideramos
educação superior, a
lei indica a formação que os modos como o conhecimento se estrutura nas
para participação
na esfera produtiva profissões ou especialidades técnicas referenciam os corpos
também para da epistemológicos das disciplinas técnicas e profissionais,
educação básica
(art. 22), com a implicando distintas perspectivas de valorização e legitimação
adequação do
enfoque para esse dos conhecimentos na esfera educacional.
nível educacional. Com raízes na educação, as formulações expostas
Ademais, a
modalidade recorrem a aportes de diversos campos, como a filosofia da
da educação
profissional e
ciência, a sociologia do trabalho, a ergonomia da atividade
tecnológica é, em e a psicologia da aprendizagem. Destacam-se as contribuições
si, um modo de
ensino que se volta decorrentes de estudos sobre formas de produção e
à profissionalização
circulação do conhecimento, transformações no mundo
e à compreensão
dos fundamentos do trabalho e competências profissionais, potencial formativo
científicos e
tecnológicos da atividade de trabalho, aprendizagem significativa e
dos processos estilos de aprendizagem, organização curricular, práticas
produtivos (Carvalho;
Silva; Araújo, 2016). pedagógicas e formação docente.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Neste texto, buscamos, inicialmente, refletir sobre
as características dos diferentes modos de conhecer,
entendendo que as aprendizagens cotidianas recorrem em
distintos graus – a depender das lógicas e características
de cada espaço – a essas formas de apreender o mundo.
Passamos, então, a examinar particularidades do espaço
acadêmico no que diz respeito a sua estruturação com base
na cisão do conhecimento expressa no sistema disciplinar.
Em seguida, abordamos aspectos da atividade de trabalho e
o problema da distância entre o trabalho prescrito e o real,
o que demanda dos indivíduos a mobilização e combinação
de seus saberes na gestão eficaz desse hiato em função
dos objetivos da ação. Na sequência, questionamos em
que medida as características da atividade de trabalho
e os aspectos culturais e históricos de uma profissão ou
especialidade técnica influenciam na maneira de lidar com 217
o conhecimento na formação correspondente. Concluímos
com considerações sobre algumas implicações para a prática
docente e a formação do professor para a educação superior.
É importante destacar que as reflexões expostas
abordam diferentes aspectos interligados que merecem
estudos específicos. Pretendemos, neste momento, apenas
pinçar algumas conexões, interrogações e pontos de atenção
a serem considerados no aprofundamento das investigações.

Modos de conhecer

Lidamos com o conhecimento de distintas formas nas


várias esferas da vida social. Estão presentes os vários modos
de conhecer e as diferentes perspectivas de reconhecimento e
legitimação dos saberes produzidos. Nessas diversas esferas,
conhecemos pelo senso comum, vinculado à necessidade de
responder às exigências práticas imediatas (Vázquez, 2011),
pelo pensamento religioso ou contemplação mística, pela
experiência estética da fruição artística, pelo pensamento
filosófico, pelo pensamento científico das disciplinas escolares

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
e acadêmicas, dos estudos de divulgação científica. Como
observado por França (1994, p. 141):

Nós conhecemos como resultado de nossa vivência,


conhecemos através de informações que recebemos,
de manifestações artísticas, de experiências místicas
e espirituais; nós conhecemos também através de
um trabalho sistemático de pesquisa e estudo, com a
utilização de métodos específicos.

Ao mesmo tempo, as lógicas e características dos


diferentes espaços nos fazem imprimir sentidos diversos
aos fatos, às informações, impactando a valorização ou a
desvalorização de um saber e a consideração de sua validade
dentro de uma certa perspectiva (Brougère; Ulmann, 2012).
Como atividade humana, conhecer supõe a existência de
sujeitos que buscam a compreensão de um objeto, utilizando
218
instrumentos de apreensão em “um trabalho de debruçar-se
sobre” (França, 1994, p. 140). Nessa linha de pensamento,
o ponto de partida do ato de conhecer é a identificação do
objeto que se deseja apreender, explicar, delimitar, e resulta
desse trabalho a criação de uma representação do conhecido.
Tal representação não é o objeto em si, mas uma construção
subjetiva.
O conhecimento gera modelos de apreensão que,
por sua vez, orientarão conhecimentos futuros. Nesse
movimento, há uma tensão entre objeto e modelo traduzida
nas dinâmicas ou atitudes básicas de abertura ou curiosidade
exploratória em relação ao mundo e de enquadramento
ou cristalização deste (França, 1994). Araújo (2006), em um
estudo de revisão de literatura sobre a ciência como forma
de conhecimento, destaca que a caracterização dos vários
modos de conhecer pode se dar com base na consideração
dos elementos do processo – ou seja, os sujeitos, o objeto,
os instrumentos de apreensão e a relação entre sujeitos e
objeto – e das dinâmicas de abertura e enquadramento.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Os distintos modos de conhecer também participam
da trajetória histórica de constituição dos fazeres
profissionais, com a permanência de traços dessa origem e
suas confluências com outras formas de conhecimento: a
participação do senso comum nos trabalhos ensinados nas
corporações de ofício, a experiência estética nas ocupações
ligadas à performance artística, o pensamento filosófico nas
profissões antigas, o pensamento científico nas profissões
nascidas do desenvolvimento científico e tecnológico.
O conhecimento do senso comum tem sido identificado
como intrinsecamente vinculado ao cotidiano, possuindo
caráter empírico, experiencial, intuitivo e espontâneo –
mesmo quando resultado de esforço consciente para a
solução de problemas rotineiros. Essas características são
destacadas por França (1994, p. 141) nos seguintes termos:

[...] um conhecimento vivo, espontâneo – e o que 219


apresenta uma grande riqueza em função de seu 3
Em Filosofia da
enraizamento no terreno da experiência e sua sintonia práxis, Vázquez
(2011, p. 43)
com o nosso viver cotidiano, com as indagações, desenvolve uma
problemas e desejos que povoam a vida do dia-a-dia. ampla reflexão
[...] as formas intuitivas de apreensão, o senso comum, sobre a separação
entre teoria e
constroem o conhecimento possível necessário em
prática, desde os
face de uma situação anterior. pensadores da
Grécia antiga, nos
quais se verifica
Vázquez (2011) considera que o senso comum “uma superioridade
coexiste com a atitude filosófica. Porém, na consciência do espiritual
sobre o material
comum, predominaria a tendência de se compreender a e com a primazia
da vida teórica
atividade prática como algo que prescinde de explicação. sobre a prática”.
Essa compreensão pode nos dar algumas pistas dos motivos Na obra, o autor,
em convergência
pelos quais, na atualidade, em certas atividades de trabalho com o pensamento
a experiência tende a predominar como fonte de saberes em gramsciano, defende
o senso comum
detrimento do conhecimento científico3. como ponto de
partida para o
Na análise da relação entre teoria e prática, Vázquez
desenvolvimento
(2011) observa que na consciência comum os indivíduos da consciência
filosófica.
creem que não se faz necessária uma mediação teórica para
a solução de problemas do dia a dia. O ser fazedor não sente

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
a necessidade de refletir sobre suas concepções, hábitos,
lugares comuns. Ele crê que tais reflexões prejudicariam
a resposta às necessidades práticas imediatas e associa a
teoria a um fazer improdutivo, inútil.
A prática é, então, concebida como autossuficiente,
capaz de produzir seu próprio fundamento. A problematização
do agir não seria necessária, pois o repertório de soluções
úteis seria dado pela própria prática, incluída a experiência,
compreendida pelo autor como uma “forma de reviver uma
prática passada” (Vázquez, 2011, p. 37). Ocorre a dissociação
entre pensamento e ação, teoria e prática, e esse “homem
comum e corrente” sente que a atividade teórica é algo alheio
à sua natureza.
O autor, todavia, compreende que o pensamento
decorrente do senso comum não é ateórico. A teoria estaria
presente de forma diluída e adaptada. Os fundamentos
220 teóricos integrariam a consciência, não chegando, no entanto,
a constituir uma formulação filosófica, mas podendo ser seu
embrião. Na medida em que o caráter prático é reduzido ao
utilitário, não se vê a necessidade de confrontar a prática com
outras possibilidades de conhecimento, o que acarretaria a
dificuldade de rompimento dos indivíduos com um ciclo de
reprodução do senso comum.
A valorização desse conhecimento vivo, latente nas
atividades do cotidiano, passaria pela problematização da
prática e pela superação da consciência comum no nível
da experiência. Ao mesmo tempo, exigiria o equilíbrio entre as
posições básicas de abertura e enquadramento, de modo a
permitir o alcance do conhecimento atento ao novo e, ainda,
referenciado e enriquecido.
O pensamento religioso, fundamentado na fé e
vinculado a doutrinas religiosas, também participa das
aprendizagens cotidianas. Na atividade de trabalho, essa
participação se dá mediante crenças e valores imbricados nas
representações mentais que orientam as estratégias de ação
em situação laboral. São destacadas como características

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


do pensamento religioso: a natureza valorativa, o caráter
inspiracional, o papel da autoridade, da tradição e dos
costumes, a não verificabilidade, a exatidão e infalibilidade.
O ato de conhecer é visto como uma concessão de natureza
sobrenatural. Presume-se a existência de uma verdade
absoluta e inapreensível a ser parcialmente desvelada em
um ato de iluminação divina. São assumidas como verdades
indiscutíveis uma vez que decorrem de proposições sagradas.
A experiência artística, por sua vez, é identificada como
um modo de produção de conhecimento de caráter subjetivo
e que não almeja explicações universais e generalizáveis. A arte
se propõe a abordagens espontâneas, ativas e abertas, apesar
de possuir métodos e técnicas que, não raro, a empurram
para a dinâmica de enquadramento. Araújo (2006, p. 129)
destaca que o conhecer por meio da fruição artística talvez
seja um dos mais cientes de que “constrói representações da 221
realidade, afirmações inexatas, propositalmente imprecisas 4
Em seu trabalho,
e indiretas”. Barilli (1994)
investiga as
O fazer artístico estaria mais propenso a formulação de experiências
enunciados abertos e menos tendente a discursos fechados estéticas
estabelecendo uma
e definitivos. Por meio da imaginação, o sujeito é convidado a comparação entre
as experiências
produzir novos significados, interpretações e representações. humanas nos
Psicologicamente, a experiência artística ativa conteúdos domínios da vida
comum, do discurso
psíquicos conscientes e inconscientes que são convocados científico e do
no processo criativo. discurso estético.

Com referência nas formulações de Renato


Barilli , Araújo (2006) destaca que a experiência estética
4

proporcionada pela arte pode ocorrer em outros campos.


Pereira (2011) trata esse aspecto nos seguintes termos:

Podemos ter experiências estéticas com relação


a qualquer objeto ou acontecimento, independen-
temente de ser arte ou não, de ser belo ou não, de
existir concretamente ou não. Qualquer coisa pode
ser um objeto estético se estabelecemos ante ele uma
atitude estética. (Pereira, 2011, p. 115).

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
Podemos captar e experimentar esteticamente
qualquer coisa, sim. E essas experiências sempre
apresentam um grande potencial formativo para
os sujeitos nelas implicados. Porque a experiência
consiste, justamente, no deslocamento que se
sofre da forma tradicional de racionalidade que nos
circunscreve, nos colocando diante do inédito, da
novidade da interpretação. O fato de termos produzido
uma interpretação a partir de uma experiência é a
evidência de que cada um que experimente o que
experimentamos poderá produzir outra interpretação.
Ademais, se chegamos a produzir uma interpretação,
é porque infinitas outras interpretações permanecem
como interpretações possíveis. (Pereira, 2011, p. 121).

Já o pensamento filosófico tem sido entendido mais


como uma maneira de compreensão das outras formas de
conhecimento do que exatamente um modo de conhecer a
222 realidade (Araújo, 2006). Seu objeto são as ideias. Embora o
foco das preocupações filosóficas mude ao longo da história,
pode-se dizer que, em relação ao problema do conhecimento,
o pensamento filosófico se dirige à compreensão do modo
como conhecemos e de como podemos conhecer.
Esse modo de conhecer supõe a atitude, a postura e
a reflexão filosófica. Vale ressaltar que o desenvolvimento
da consciência filosófica é visto, em diferentes termos
e perspectivas, como uma das finalidades do processo
educacional. Jaspers (1991, p. 12) delimita o objetivo do
pensar filosófico como aquele que deve “levar a uma forma
de pensamento capaz de iluminar-nos interiormente e de
iluminar o caminho diante de nós, permitindo-nos apreender
o fundamento onde encontremos significado e orientação”. O
autor prossegue:

A filosofia é universal. Nada existe que a ela não diga


respeito. Quem se dedica à filosofia interessa-se por
tudo. Mas não há homem que possa tudo conhecer.
Que distingue a vã pretensão de tudo saber do
propósito filosófico de apreender o todo? O saber

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


é infinito e difuso; dele se valendo, procura a filosofia
aquele centro a que fazíamos referência. O simples
saber é uma acumulação, a filosofia é uma unidade.
O saber é racional e igualmente acessível a qualquer
inteligência. A filosofia é um modo de pensamento
que termina por constituir a essência mesma de um
ser humano. (Jaspers, 1991, p. 13).

Quanto à ideologia, Marilena Chauí a localiza como


um fato social produzido pelas relações sociais. Seria,
nesse sentido, “uma maneira de produção das ideias pela
sociedade, ou melhor, por formas históricas determinadas
das relações sociais” (Chauí, 1984, p. 13). Em outro momento,
a autora destaca que “a ideologia não é um processo
subjetivo consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo
involuntário produzido pelas condições objetivas da existência
social dos indivíduos” (Chauí, 1984, p. 78).
Na concepção do materialismo histórico e dialético 223
analisada por Chauí, a ideologia é compreendida como:

[...] um dos instrumentos de dominação de classe e


uma das formas de luta de classes. A ideologia é um
dos meios usados pelos dominantes para exercer a
dominação fazendo com que esta não seja percebida
como tal pelos dominados (Chauí, 1984, p. 86).

[...] é processo pelo qual as ideias da classe dominante


se tornam ideias de todas as classes sociais, se tornam
ideias dominantes (Chauí, 1984, p. 92).

Nesse sentido, a ideologia não é exatamente uma


forma de conhecer, mas um modo de conformação do
entendimento que pode estar presente nessas formas.
O pensamento científico, em concepção ampla, busca
apreender, explicar e, em certa medida, dominar um objeto
por meio do método. Autores como Boavida e Amado (2008)
identificam esse modo de construção do conhecimento
na Antiguidade e na Idade Média. Porém, na forma como
é compreendido na atualidade, diz respeito à concepção

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
de ciência moderna, que busca responder a um projeto
orientado pelo racionalismo e pelo empirismo e tem como
figuras fundantes Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon
(1561-1626) e René Descartes (1596-1650).
Essa forma de conhecer, localizada historicamente no
processo da modernidade com fundamento nos ideais do
iluminismo e com raízes no renascimento, irá produzir um tipo
de conhecimento caracterizado como factual, contingente,
sistemático, verificável, falível e aproximadamente exato
(Araújo, 2006).
Ao tomar a própria ciência como objeto de investigação,
as discussões sobre problemas da verdade do conhecimento
e, muito especialmente, sobre a validade e cientificidade do
saber irão ocupar um grande número de estudos e orientar
distintas abordagens na busca pela delimitação do campo
224 científico.
Procuramos, até o momento, pinçar alguns elementos
que nos ajudem a refletir sobre a participação desses vários
modos de conhecer na constituição do ser profissional,
considerando a formação profissional em seu sentido amplo,
como uma dimensão do viver em sociedade que se distingue
por abranger processos educativos voltados à participação
na vida produtiva (Cattani; Ribeiro, 2011).
Essa compreensão mais ampla abre caminhos
para a investigação das formas pelas quais valores e
conhecimentos circulantes nos vários espaços da vida social
se integram na formação profissional. Além disso, os prismas
como enxergamos essa participação na vida produtiva
condicionam, em certa medida, os modos como adquirimos,
produzimos e compartilhamos conhecimentos relativos ao
trabalho. Como dito anteriormente, o espaço educacional e
o da produção têm grande participação na constituição de
saberes e valores pertinentes ao mundo do trabalho. A seguir,
focalizaremos o espaço acadêmico, abordando a perspectiva
disciplinar oriunda do projeto científico da modernidade

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e o problema da perspectiva de enquadramento/cristalização
do conhecimento.

O espaço acadêmico e o sistema disciplinar

O projeto racional em que se ancoram as ciências


modernas permitiu um notável acúmulo de conhecimentos.
Esse patrimônio se constitui com base no entendimento
de que objetos diferentes exigem conceitos de naturezas
distintas, com a formulação de teorias e a definição de
métodos próprios. Tal compreensão levou a cisões,
compartimentalizações do conhecimento científico, com a
composição de campos disciplinares específicos.
Conforme apontado por Bastos (2004), apesar de
a origem do sistema disciplinar científico ser comumente
reportada ao século 18, seus fundamentos são anteriores.
No século 16, Galileu já propunha recortes que deveriam 225
permitir a construção de modelos alicerçados na percepção
racional dos aspectos observados nos fenômenos. A ciência
experimental, na qual as proposições de Galileu representam
um marco, conquistou, gradualmente, uma posição central
na cultura e na visão de mundo ocidental.
Schwartzman (1979) destaca que o pensamento
científico moderno se desenvolveu primeiramente fora
das universidades tradicionais. A estreita ligação entre
universidade e ciência irá se efetivar no século 19, período
em que esta se torna uma atividade social organizada, com
a reunião dos cientistas em comunidades científicas, não
só por compartilharem interesses, mas também como uma
forma de distinção em relação aos outros. Nas palavras do
autor:

Antes do século XIX, o ensino superior era


essencialmente de tipo clássico – centrado no
latim, no grego e no estudo da lógica e da filosofia,
o que servia de base para as principais carreiras
existentes: a de medicina, a de direito e a de

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
teologia. Com o século XVIII, o desenvolvimento
da ciência empírica começa a tornar evidente a
insuficiência da formação clássica, ao mesmo tempo
que pessoas que adquiriram conhecimento fora
do sistema de ensino tradicional começavam a
disputar os privilégios e monopólios profissionais dos
poucos que conseguiam obter a educação clássica.
(Schwartzman, 1979, p. 34).

O tipo de educação proporcionado por essas


instituições vai se tornando mais especializado e técnico.
A concepção de educação superior se altera, tanto pela
necessidade de incorporação dos conhecimentos da ciência
moderna às profissões antigas quanto pela exigência de
quebrar os privilégios destas e das corporações profissionais,
abrindo caminho para “novas profissões, novas metodologias
de ensino e aprendizagem, substituindo, assim, uma elite por
226 outra” (Schwartzman, 1979, p. 35). Como será visto adiante,
ambas as lógicas – a dos ofícios e profissões antigas e a das
profissões nascidas do desenvolvimento técnico e científico –
passarão a coexistir no espaço acadêmico.
O sistema disciplinar tornou-se um dos fundamentos
da organização desse espaço, com impactos não somente
nas atividades de ensino e pesquisa, mas também em outros
âmbitos, como a conformação da estrutura administrativa
em institutos e faculdades, departamentos, escolas. A
perspectiva disciplinar perpassa igualmente a concepção de
área do conhecimento em uma estrutura de classificação
voltada à organização dos dados da produção científica para
fins de gestão, avaliação, financiamento, desenvolvimento de
políticas públicas, assim como à organização e representação
do conhecimento em sistemas de recuperação de informação.
Nos domínios do ensino e da pesquisa, a disciplina-
ridade pode ser compreendida, ao mesmo tempo, como um
recurso metodológico e como um conjunto de conteúdo,
leis, teorias que refletem a escolha de uma concepção de
abordagem dos fenômenos. O ponto de vista adotado orienta

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


o olhar e a percepção e produz um modo de estudo que
se depreende racional e abstrato (Bastos, 2004).
Na dimensão do ensino, o trabalho na perspectiva
disciplinar pressupõe a utilização de situações-padrão
que correspondem a modelos teóricos pré-estabelecidos.
Considerando a situação a ser estudada, são identificados
aspectos a serem enquadrados em um padrão sobre o qual
serão aplicados conceitos, leis, teorias, métodos.
É importante lembrar que subjaz ao sistema disciplinar
a concepção cartesiana sustentada na divisão fundamental
de dois domínios independentes e separados – o da mente
e o da matéria – e na compreensão mecanicista expressa
na analogia corpo-máquina. A separação disciplinar foi
impulsionada também pela política de fragmentação do
processo de produção industrial, no final do século 19,
momento em que a ciência é convertida em força produtiva
e apropriada pelo Estado no processo de industrialização.
227
Nesse domínio, a concepção cartesiana é materializada na
divisão do trabalho: o intelectual (formulação e planejamento)
e o manual (execução), o que impactará fortemente a
constituição de disciplinas destinadas à formação de
planejadores e de executores.
Além disso, o sistema disciplinar tem recebido diversas
críticas na medida em que as disciplinas se fecham e não
se comunicam uma com as outras. Como consequência,
os “fenômenos são cada vez mais fragmentados, e não se
consegue conceber a sua unidade” (Morin, 2008, p. 135).
Esse é um aspecto particularmente importante no estudo
de questões do cotidiano porque, conforme observado
por Bastos (2004), elas extrapolam situações-padrão,
não podendo ser generalizadas. O armazenamento de
informações para utilização posterior não funciona porque
elas não são mais úteis da forma como foram transmitidas
(Bastos, 2004). Então, demanda-se ajuste, reinterpretação,
para cada nova situação a ser analisada. Como veremos
adiante, na solução de problemas na atividade de trabalho,

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
essa característica do tratamento disciplinar tende a
provocar uma impressão de que os conhecimentos teóricos
disciplinares são inadequados ou inúteis.
Questões dessa natureza têm levado à busca por
abordagens mais aderentes a problemas complexos, como
as propostas por Morin (2008), que trabalha com conceitos
como os de disciplinaridade, interdisciplinaridade, polidisci-
plinaridade, transdisciplinaridade, multidisciplinaridade; e
se utiliza de expressões como mentalidade hiperdisciplinar,
invasões interdisciplinares, migrações interdisciplinares,
fronteiras disciplinares. Bastos (2004) nos traz um panorama
de três dessas abordagens: a multidisciplinaridade, a
interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.
Na multidisciplinaridade, as diversas disciplinas
são convocadas para o estudo de um tema comum, sem
a identificação de uma situação específica. A concepção
228 subjacente continua sendo a disciplinar mecanicista, ou seja,
busca-se a compreensão de uma totalidade pelo estudo das
partes em justaposição. Um tema considerado importante
é selecionado para ser examinado sob a ótica de cada
disciplina, com base em seu corpo teórico-metodológico,
sem uma articulação explícita entre as várias perspectivas.
Tais conexões deverão ser realizadas posteriormente pelos
estudantes.
Já na abordagem interdisciplinar, faz-se presente o
propósito de construção de representações de situações
específicas, sendo, para isso, utilizados de modo articulado
os aportes das várias disciplinas. Considerando as diferentes
especialidades do conhecimento disciplinar e com base em
uma situação problema, procura-se a construção de um
modelo que permita a compreensão da situação de forma
mais ampla, sendo necessário que os docentes realizem
o planejamento simultâneo e coletivo das ações a serem
desenvolvidas nas diferentes disciplinas.
Cada docente/especialista precisa ter algum
conhecimento dos conceitos fundamentais e compreensão

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


das maneiras de recortar a realidade das outras disciplinas.
A concepção subjacente é a de que não é possível entender
um sistema complexo com base no estudo de suas partes
de forma isolada, pois as diferentes partes da realidade
interagem entre si.
Na transdisciplinaridade, ocorre a utilização de noções,
métodos, competências e abordagens características de uma
disciplina dentro da estrutura de outra em um novo contexto,
de forma transversal. Sob uma ótica construtivista, essa
dinâmica se dá por meio da modelização de um núcleo a ser
transposto, com a adaptação posterior ao plano do contexto.
Pelas suas características, a perspectiva transdisciplinar
tem sido entendida como uma possibilidade de conexão do
campo acadêmico com a sociedade, colocando em pauta
a discussão sobre a tendência à máxima especialização
profissional no meio universitário e as demandas sociais 229
a exigirem um olhar mais abrangente e transversal. 5
As formulações
A reflexão sobre esses diferentes enfoques nos remete apresentadas
neste tópico fazem
ao problema da desvinculação entre teoria e prática sentida
parte do estudo
no exercício profissional. Isso porque, em consonância com desenvolvido
em Silva (2016),
as abordagens da ergonomia da atividade, esta no contexto
relacionado nas
laboral exige a reconfiguração do conhecimento em função da referências.
distância entre o trabalho prescrito e o real, como veremos a
seguir nas reflexões sobre a gestão epistemológica no espaço
laboral em função de suas lógicas e características.

O espaço laboral e a distância entre o


trabalho prescrito e o real5

Na análise do modo como os trabalhadores lidam com


os diversos saberes em situação de trabalho, consideramos,
em convergência com as abordagens da ergonomia da
atividade de matriz francófona e da ergologia, que o trabalho
prescrito e o real não são completamente coincidentes,
existindo uma distância entre o previsto e o efetivamente
demandado.

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
Conforme exposto em Silva (2016), a dimensão
prescrita do trabalho envolve normas, instruções, planos,
conhecimentos disciplinares e outras informações acerca
do previsto em relação à atividade a ser realizada. Nessa
dimensão, faz-se presente o conhecimento/saber explícito,
verbalizável e passível de ser formalizado, organizado e
compartilhado de diferentes modos. O trabalho real, por sua
vez, pode ser compreendido como aquilo que efetivamente
se desenrola nas situações concretas, ele abarca a dimensão
prescrita, mas a coloca em tensão ante as contingências da
realidade em movimento.
De acordo com a abordagem da ergonomia da
atividade, a distância entre o trabalho prescrito e o real
ocorre em diferentes graus em qualquer atividade devido
às variabilidades do ambiente, dos indivíduos e do trabalho,
sendo este a variável mediadora na interação indivíduo e
230 ambiente (Silva, 2016).
O ambiente é entendido como um contexto
sociotécnico singular de trabalho, que possui uma lógica de
funcionamento própria ao mesmo tempo que responde à
lógica geral do modo de produção. As variações ambientais
ocorrem no nível tanto dos elementos desse contexto (tais
como as formas de organização dos processos de trabalho,
as tecnologias, as relações contratuais e hierárquicas) quanto
de questões macroestruturais (Silva, 2016).
No que diz respeito aos indivíduos, a abordagem
da ergonomia da atividade considera as mudanças inter
e intraindividuais. No primeiro caso, é levada em conta a
diversidade dos coletivos expressa nos múltiplos modos de
se individuar, forjados por características físicas, psicológicas,
afetivas, bem como por juízos, crenças, valores dominantes
nas relações sociais mais gerais. As mudanças intraindividuais,
por seu turno, referem-se às alterações físicas e psicológicas
que vivenciamos em curto, médio e longo prazos (Silva, 2016).
As formas como interagimos com o ambiente são
impactadas por nossas singularidades. Em um coletivo, estas

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


se encontram em relação, pois cada um vivencia um mesmo
momento de diferentes formas. A necessidade de lidar com
as próprias variabilidades, as constelações de singularidades
em relação (González Rey, 2007) e as alterações que ocorrem
no meio e no objeto de trabalho exigem o estabelecimento,
pelo indivíduo, de condições de realização do processo
laboral. Para tanto, são elaboradas estratégias operatórias de
regulação, com a convocação de saberes estruturados nos
vários espaços de vida social e por meio de diferentes modos
de conhecer (Silva, 2016).
A construção dessas estratégias se alicerça em
6
As expressões
representações mentais do mundo do trabalho. Essas
matéria familiar e
representações são produto das vivências e elaborações matéria estrangeira
foram utilizadas em
finalísticas por meio das quais são constituídos Silva (2016) com
conhecimentos no contexto da atividade de trabalho. referência na obra
organizada por
A estruturação e a mobilização dos conhecimentos partem, Schwartz e Durrive, 231
Trabalho e ergologia:
assim, da necessidade de compreender, descrever e agir
conversas sobre a
sobre o meio, seja para utilizá-lo ou para transformá-lo. Esse atividade humana. Na
tradução da obra de
processo pressupõe a consciência do indivíduo em relação Schwartz e Durrive,
aos resultados esperados, a exigirem o planejamento das os tradutores
optaram pelo
formas de ação (Silva, 2016). vocábulo “estranha”
para “étrangère”,
No estudo citado, verificamos que a distância entre o
“no sentido de
trabalho prescrito e o real na atividade de trabalho requer não pertencente,
exterior”. Em
dos indivíduos um tipo de gestão epistemológica, na qual são nosso trabalho,
convocados tanto os saberes explícitos da dimensão prescrita optamos pelo termo
“estrangeira” que,
quanto os investidos pela experiência, profundamente simbolicamente,
alude à diversidade
internalizados e constituintes de uma dimensão tácita
cultural. Por
do conhecimento. essa opção e em
contraponto à
O estudo possibilitou, ainda, a compreensão do ideia de matéria
trabalho real como uma zona de devir (Silva, 2016), uma vez que estrangeira,
utilizamos a
se encontra no domínio dialético do movimento da realidade expressão matéria
familiar, justamente
social. Esse vir a ser não é passível de enquadramento na
como aquilo que
dimensão prescrita, havendo sempre o espaço do inédito é conhecido pela
intimidade e
na tensão entre matéria familiar e matéria estrangeira6 (Silva, pertencimento (Silva,
2016). Nesse espaço, circula um tipo de saber que não 2016).

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
se encontra imediatamente acessível às palavras, a que
chamamos de conhecimento tácito.

A questão do conhecimento tácito7

As reflexões sobre como lidamos com os diversos


saberes/conhecimentos na atividade de trabalho passam
pelo entendimento das características deles. Recorremos
novamente aos estudos realizados em Silva (2016), que
analisa as formulações de Michael Polanyi sobre a dimensão
tácita do conhecimento8.
O compartilhamento do conhecimento tácito adquire
um caráter problemático na medida em que sua tradução
7
As formulações em um discurso não é imediata e que há limites para sua
apresentadas
neste tópico fazem expressão em palavras. Dessa forma, a apreensão desse
parte do estudo
tipo de saber precisa recorrer a recursos não verbais. A
desenvolvido
232 em Silva (2016), observação e a imitação passam a funcionar como estratégias
relacionado nas
importantes de acesso à arte do ofício9. Nessa linha de
referências.
8
A noção de
pensamento, o compartilhamento de conhecimentos tácitos
conhecimento tácito estaria vinculado ao fenômeno da constituição de tradições
aqui trabalhada tem
como referência ou escolas (Silva, 2016).
as formulações de A tradição pode ser vista como um sistema de valores
Polanyi nas obras
Personal Knowledge, extrínseco ao sujeito, incluindo normas, princípios, crenças,
em edição inglesa
de 2005, e The
padrões de ação. As representações mentais sobre o mundo
Tacit Dimension, do trabalho produzidas pelos operadores são influenciadas
nas edições norte
americana de 2009 e pelos elementos desse sistema, que passam a servir de guia
portuguesa de 2010 para a conduta pessoal, orientando, também, as expectativas
analisadas em Silva
(2016). em relação aos outros. Coletivamente, esse sistema engendra
9
A expressão se os referenciais de validação e legitimação do conhecimento
refere ao domínio
de competências
dentro do grupo. Para tanto, é necessário que o indivíduo
profissionais nos reconheça a autoridade das referências contidas nesse
mais distintos
campos de atuação, sistema de valores e as utilize na atribuição de significado
sendo aplicada tanto pessoal àquilo que conhece. A noção de tradição, nessa linha
a profissões com
origem nos antigos de argumentação, tem um sentido mais amplo, abarcando
ofícios quanto
o que é compartilhado pelos membros de um grupo na
àquelas nascidas da
ciência moderna. construção de uma identidade coletiva (Silva, 2016).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Essa concepção de conhecimento tácito se vincula à
ideia de algo que permeia e sustenta toda forma de conhecer.
Seria um tipo de substrato das experiências cotidianas,
influenciando os modos de ver e compreender o mundo. Um
aspecto a ser destacado em relação a essa abordagem diz
respeito à participação do corpo, visto como a única coisa
experimentada pelo indivíduo que não é externa a ele. O
corpo, tanto em sua dimensão sensorial, física, quanto nas
dimensões intelectual e afetiva, é entendido como o meio de
apreensão do mundo e estruturação do conhecimento por
um processo de interiorização. Seria, pois, o instrumento que
viabiliza o conhecer e a forma de habitar no mundo do ser
conhecedor (Silva, 2016).
Nessa perspectiva, haveria uma dinâmica entre a
apreensão do mundo pelo sujeito por meio dos conceitos
que dispõe, o fato de estes preexistirem na linguagem
utilizada pelo sujeito e a permeabilidade entre os conceitos
233
preexistentes e os novos. Admitindo que nem todo dado
sensorial captado pelo corpo se constitui um saber, resta a
dúvida sobre que tipo de experiência vivenciada pelo corpo
produziria o conhecimento tácito ou, de outra forma, sobre
que dinâmicas seriam capazes de propiciar a articulação
das informações percebidas corporalmente para que se
transformem em uma unidade compreensiva, dando origem
a um saber (Silva, 2016).
Os debates do campo da ergologia sobre o potencial
formativo da experiência na atividade de trabalho auxiliam
nessa reflexão. Schwartz, observado em Silva (2016), propõe
um modelo de análise com base em duas polaridades de
saberes de naturezas diferentes, porém, complementares:
o polo acadêmico, ou dos saberes constituídos, e o da
experiência, ou dos saberes investidos.
O primeiro se refere à dimensão do trabalho prescrito
e àquilo que se encontra no domínio do consciente. Os
saberes agregados nesse polo preexistem à atividade, já
estão organizados e formalizados, sendo passíveis de serem

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
comunicados por meio de conceitos. Estão relacionados à
atitude de enquadramento ou de cristalização no que diz
respeito aos modos de conhecer. O segundo polo se refere
à condição de devir do trabalho, àquilo que ainda não se
consolidou. Nele estão os saberes investidos pela experiência,
agregados no corpo de forma mais ou menos consciente
(Silva, 2016)10. Em certa medida, pode-se dizer que eles se
10
Em Silva (2016), associam à atitude de abertura no tocante às formas de
analisamos a
relação entre os apreender o mundo.
saberes desses dois Os saberes do polo acadêmico possibilitam certa
polos com base
na compreensão antecipação dos modos de agir, ou seja, um planejamento
de que esses
mais ou menos consciente com base naquilo que se sabe
conhecimentos/
saberes se formalmente acerca do trabalho. Os saberes do polo da
expressam nas
competências dos
experiência, por seu turno, permitem a revisão daqueles
profissionais em formalizados, devido à necessidade de uma renormalização
situação de trabalho.
Entendendo que o dada a singularidade da situação real. Engendra-se, assim,
234 corpo – em todas uma dinâmica contínua entre os dois polos. De acordo com
as suas dimensões
(física, intelectual, o modelo proposto por Schwartz, o potencial formativo
emocional) – é da experiência estaria relacionado à possibilidade de se
convocado a
lidar com as estabelecer um diálogo entre as dimensões lógica racional e
variabilidades desse axiológica presentes na dinâmica entre os dois polos (Silva,
contexto, utilizamos
na análise dessa 2016).
relação entre
saberes explícitos e
tácitos o conceito de Perspectivas de reconhecimento e validação,
Schwartz de corpo espaços e identidades11
si. Esse conceito
diz respeito às Buscamos, até o momento, trazer elementos que
diversas vivências,
conhecimentos, ajudassem a refletir sobre a constituição do ser profissional.
valores integrados Procuramos destacar algumas características dos diferentes
no corpo em um
limiar impreciso modos de conhecer, no entendimento de que os valores e
entre consciência e os conhecimentos estabelecidos por esses vários caminhos
inconsciência.
perpassam a formação profissional. Traçamos algumas
11
As formulações
apresentadas considerações sobre o pensamento científico na conformação
neste tópico fazem
do espaço acadêmico, destacando questões relativas à
parte do estudo
desenvolvido abordagem disciplinar e o problema da fragmentação do
em Silva (2016),
relacionado nas
conhecimento. Apresentamos o problema da distância
referências. entre o trabalho prescrito e o real na atividade de trabalho

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e a relação entre os saberes constituídos nas disciplinas
acadêmicas e os instituídos pela experiência profissional.
Veremos a seguir como as lógicas e características
desses espaços de vida social impactam o reconhecimento
e a legitimação dos conhecimentos/saberes produzidos,
em função de conformarem distintas perspectivas de
validação, com base em diferentes critérios de valorização ou
desvalorização desses conhecimentos.
Como mencionado anteriormente, as lógicas de
ofícios e profissões antigas e as das profissões nascidas do
desenvolvimento técnico e científico passaram a coexistir
no espaço acadêmico. Cada um desses grupos responde a
critérios diferentes de consideração e de desconsideração
ou, ainda, de validação e de negação dos conhecimentos em
função da maior convergência com a tradição ou com a ciência
e tecnologia. Esses dois polos, tradição e tecnociência12, 235
representam conjuntos de valores que dão sentido ao 12
O termo
conhecimento e estabelecem sua validade. “tecnociência”
foi cunhado pelo
É interessante lembrar o tipo de conhecimento filósofo Gilbert
legitimado nas universidades clássicas, como nos ajuda Hottois na década
de 1970, com
a citação a seguir: referência à relação
entre ciência e
tecnologia, e tem
É conveniente não esquecer, porém, que esta ideia sido utilizado
de um conhecimento medieval fechado e rígido, face no sentido de
a uma investigação aberta e a um conhecimento evidenciar a perda
dos limites entre
dinâmico e eficaz dos modernos, é uma síntese
esses dois campos.
redutora, necessária talvez para contrapor um tipo de
conhecimento a outro, mas que devemos tomar com
alguns cuidados. Por outro lado, é uma interpretação
hoje possível pelos quadros do pensamento
metodológico contemporâneo, e pelos efeitos da
ciência aplicada à tecnologia, mas que, referida aos
finais da Idade Média e aos quadros intelectuais então
dominantes, constitui um anacronismo; além de passar
em claro a vitalidade do estudo, da investigação e dos
debates entre escolas e estudiosos, com correntes
e contracorrentes no campo científico e intelectual,
e que atravessam toda a Idade Média. Ou seja, nos

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
finais do século XVI, princípios de XVII, o conhecimento
credível, o que tinha estatuto de cientificidade, era o
que resultava do estudo e análise com vista a uma
síntese complexa e laboriosa de informações com
base nas obras de autores como Platão e Aristóteles,
de cientistas como Ptolomeu, de médicos como
Galeno e Hipócrates, de estudiosos árabes como
Avicena e Averrois, além dos grandes filósofos da
cristandade, como Santo Agostinho (séculos IV-V), São
Tomás de Aquino (século XIII) e outros. E de inúmeros
estudiosos e comentadores que incessantemente,
durante séculos, foram organizando e constituindo
o conhecimento como se tratasse de uma verdade
prévia que se descobre, ou de um quadro completo
que tentamos incessantemente repor; e para o qual
utilizavam formas de investigar e de pensar diferentes
das de hoje, mas que eram então as consideradas
capazes de proporcionar o conhecimento da verdade
e a sua divulgação. (Boavida; Amado, 2008, p. 26-27).
236
O trecho nos traz a reflexão sobre os critérios de
validade do saber em diferentes épocas e a questão do
significado dele para a sociedade de um determinado
período. Conforme visto em Silva (2016, p. 86), socialmente
a significância do conhecimento se vincula a sua adequação
e importância para um dado coletivo em consonância com
“a posição epistemológica desse grupo, considerando
interesses coletivos e modos de legitimação reconhecidos
pela maioria”. Na instância individual, a atribuição de
significado ao saber depende de sua congruência e validade
em relação à perspectiva epistemológica pessoal que, por sua
vez, é influenciada pelas perspectivas coletivas, porquanto,
como visto anteriormente, os valores circulantes nas relações
sociais mais gerais permeiam a singularidade individual.
O modelo proposto por Richard Gagnon, examinado
em Silva (2016), pode contribuir para a reflexão sobre
essas diferentes concepções de valorização e validação dos
saberes, com base na análise dos modos de lidar com o
conhecimento nas várias profissões e especialidades técnicas

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e suas expressões nas disciplinas técnicas e profissionais.
A ferramenta analítica sugerida por Gagnon permite
compreender se uma dada atividade de trabalho lida mais
com conhecimentos relativos à tradição ou à tecnociência e
se envolve mais o trato com pessoas ou com coisas.
Para esse autor, nas profissões e especialidades
técnicas cujas práticas e modos de conhecer possuem maior
afinidade com ofícios tradicionais, a autoridade dos saberes
decorre de um empirismo longo e prolongado. Os valores,
coletivamente compartilhados, que os trabalhadores vão
incorporando em suas vivências derivam, nesse caso, de
referências culturais amalgamadas na identidade profissional.
Por outro lado, nas profissões mais próximas da tecnociência,
observa-se o predomínio de valores compartilhados
pela comunidade científica, tais como a objetividade, a
impessoalidade, o rigor metodológico (Silva, 2016). 237
Atividades voltadas ao cuidado com humanos favore-
ceriam, por exemplo, o desenvolvimento de competências nas
dimensões comunicacional e de relações interpessoais, além
de atitudes como a empatia. Por outro lado, ocupar-se mais
com coisas (dados estatísticos, orçamentários, elementos
químicos, linguagens de programação etc.) privilegiaria a
estruturação de competências vinculadas à precisão técnica,
ao raciocínio lógico, entre outros atributos (Silva, 2016).
Cada um dos polos é caracterizado por um conjunto
de valores, atributos, competências, saberes dominantes. As
profissões e especialidades são analisadas em função de sua
tendência a um desses grupos, podendo se localizar inclusive
nas intersecções.
Na análise das características das aprendizagens e dos
enfoques pedagógicos com base nesse modelo, observa-se
que a aprendizagem de uma profissão ou especialidade
tendente ao polo da tecnociência é orientada por um padrão
de racionalidade e objetividade científica, sendo permeada
por certa ideia de neutralidade, impessoalidade e

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
ahistoricidade13. O enfoque pedagógico correspondente
possui um caráter conceitual e hipotético. O olhar se volta para o
estudo das relações de causa e efeito, em um processo que parte
do abstrato, ou seja, de modelos teóricos pré-estabelecidos,
e enfatiza a capacidade de análise (Silva, 2016).
Por outro lado, a aprendizagem de uma profissão
tendente ao polo da tradição é guiada por um sentimento de
filiação ou pertencimento e de reconhecimento da autoridade
de indivíduos ou instituições que representam esse fazer.
13
Vale lembrar que Esse modelo recorre a recursos típicos das aprendizagens
os pressupostos vicariantes, como a imitação e a experiência. O enfoque
de racionalidade
e objetividade pedagógico correspondente é de natureza metódica e
científica têm sido associativa. O ponto de partida é algo concreto, um modelo
objeto de discussão
por vários autores a ser perseguido e superado, sendo enfatizada a habilidade
de diferentes de assimilação. A conformação comportamental pela
matrizes filosóficas,
passando, entre imitação, o entendimento pela experimentação, a repetição
238 outros, por Karl
como método e outros recursos didáticos desse enfoque
Popper, Thomas
Kuhn e os autores estão relacionados à natureza do conhecimento tácito (Silva,
vinculados à Escola
de Frankfurt. É
2016).
preciso destacar A tecnociência, pela própria definição de conhecimento
também a crítica
existente ao científico, lida precipuamente com saberes explícitos,
pressuposto da organizados nas disciplinas científicas, compartilhados por
neutralidade,
com base no meio de conceitos claramente enunciados. Além da questão
entendimento de sua visibilidade, a valorização desses saberes é favorecida
de que a união
tecnocientífica que pela autoridade alcançada pelo conhecimento científico e
permitiu a ampliação
tecnológico como força produtiva no capitalismo. Em Silva
exponencial da
produção no (2016), em concordância com as formulações de Brougère
sistema capitalista,
tornando-se um de
e Ulmann, são observadas outras duas características que
seus sustentáculos, favorecem a valorização desses saberes.
é corresponsável por
grandes problemas A primeira considera que esses conhecimentos são
sociais, como a portadores de suficiente generalidade, o que os tornaria
desigualdade, e
pela degradação transferíveis para diferentes situações e contextos; mesmo
ambiental, uma vez que, conforme visto no tópico sobre o espaço acadêmico, essa
que seu foco não
é o bem-estar e a transferibilidade seja problemática. A segunda diz respeito
preservação, mas ao fato de o aprender ser comumente entendido como um
a ampliação de
mercados. ato voluntário, realizado em um contexto formal de ensino,

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


de modo sistemático. Essa concepção, de ordem social e
cultural, faz com que as aprendizagens promovidas em outros
espaços, e os saberes nelas estruturados, permaneçam mais
ou menos invisíveis (Silva, 2016).
O problema da desvalorização dos saberes produzidos
nas aprendizagens da vida cotidiana, que inclui a esfera
da vida produtiva, passa, também, pelo fato de esses
conhecimentos serem capturados e banalizados nas
rotinas. Outros aspectos a serem considerados são que a
internalização desses saberes pelo hábito os torna menos
evidentes; sua comunicação recorre em grande medida
a recursos não verbais, sendo necessário o convívio direto
para seu compartilhamento; e eles “apresentam caráter local
e particular, situado e finalístico, o que, em tese, restringiria
a capacidade de serem transferidos a outros âmbitos e
circunstâncias” (Silva, 2016, p. 90). 239
A visibilidade e o prestígio desses diferentes saberes
ante a sociedade e o meio acadêmico impactam a constituição
do horizonte epistemológico pessoal e, por conseguinte, a
atribuição de sentido e significado aos saberes pelo indivíduo,
assim como a construção das representações mentais acerca
do trabalho. Nesse sentido, a identidade profissional, moldada
pelo conjunto de saberes, valores, competências, atributos de
uma dada profissão, constitui um código que funciona tanto
como um forte componente do meio no qual o sujeito está
inserido e com o qual interage quanto como um regulador
na construção de sua visão de mundo. Nesse sistema, a
identidade profissional funciona como um referencial para o
indivíduo que nela se descobre e por ela se guia (Silva, 2016).

Implicações na formação docente

A atividade de docência na educação superior é


realizada por profissionais com formação sistemática para
atuarem como pesquisadores qualificados para a produção
de conhecimento em seu campo de estudo. Porém,

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
verifica-se uma lacuna de formação específica para docência
propriamente. Conforme observado por Mello (2016, p. 5),

[...] as representações acadêmicas sobre a docência


universitária continuam fortemente alicerçadas
na exclusividade da competência científica dos
professores. Não é por acaso que as condições
profissionais de exercício da docência resumem-se
aos títulos de mestre e doutores, obtidos na pós-
graduação stricto-sensu. Muito poucos desses cursos
incluem conhecimentos, reflexões e práticas ligadas
aos saberes pedagógicos, que profissionalizam
o professor.

Como ressaltado em vários estudos sobre a formação


e prática docente, é necessário que nessas dimensões – da
formação e da prática – sejam consideradas as transformações

240 em curso no mundo do trabalho e na sociedade em geral, com


a problematização do papel do conhecimento e a mudança
na visão de ciência e tecnologia dominantes.
Tais estudos apontam para a exigência de a formação
profissional dos professores incluir uma concepção ampliada
de pedagogia universitária, abarcando, entre outros fatores:
as habilidades de aliar ensino com pesquisa e extensão, no
desenvolvimento da capacidade de leitura da realidade com
a associação do conhecimento científico às práticas sociais
cotidianas; a capacidade de escuta atenta e a perspectiva de
reciprocidade; o estímulo ao diálogo epistemológico entre
os distintos campos de conhecimento, assumindo que os
fenômenos não podem ser compreendidos somente pela
perspectiva disciplinar; a ampliação das reflexões teóricas
sobre as aprendizagens no contexto do trabalho, incluindo
aqui as relativas à própria formação docente (Silva; Carvalho,
2016; Mello, 2016).
Nos limites deste ensaio, foram agregadas mais
algumas questões. A primeira diz respeito à consideração
da docência como uma profissão que, utilizando o modelo

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


proposto para análise das identidades epistemológicas
profissionais, tende aos polos “tradição” e “pessoas”, ou seja,
há certa convergência com as características prevalentes
nessas polaridades. De fato, na ausência de uma preparação
específica, não raro, esses profissionais desenvolvem
competências pedagógicas empíricas, buscando como
referência os modelos pedagógicos apreendidos de seus
professores em suas trajetórias anteriores como estudantes.
Trata-se de um fenômeno interessante, uma vez que a
formação para a atividade docente acaba ocorrendo com
recursos da gestão epistemológica implícita à aprendizagem
fundamentada na tradição e pela perspectiva pedagógica
metódica e associativa, podendo estar em tensão com a
perspectiva epistemológica da formação recebida como
pesquisador.
A compreensão das identidades epistemológicas das
disciplinas técnicas e profissionais não deve ser utilizada como
241
instrumento de hierarquização de saberes e discriminação,
mas sim pelo prisma de um conhecimento que pode
auxiliar a intervenção docente para que a aprendizagem
seja desencadeada. Em outras palavras, esses dados se
constituem como pistas no trabalho de mediação didática
docente, no sentido de enriquecer seu estilo de ensino.
Uma última questão, associada à relação teoria e prática,
diz respeito à necessidade de se ter em mente os limites de
participação da formação recebida no espaço acadêmico na
constituição do ser profissional. O contexto acadêmico e o
laboral são regidos por lógicas próprias, levando a diferentes
formas de abordagem do conhecimento. Do ponto de vista
acadêmico, o conhecimento tende a ser explorado por seu
potencial explicativo, ao passo que na perspectiva do trabalho
ele será apropriado por sua potência resolutiva (Silva, 2016).
Enquanto na formação acadêmica se apreende sobre
o trabalho, na esfera produtiva o que se tem é a atividade de
trabalho em si, aprende-se ele. Em cada um desses espaços,
entre vários outros pontos, os tempos de reflexão e ação são

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
diferentes, os propósitos da ação e as demais contingências
do meio são, também, diferentes. A esfera acadêmica e a
laboral devem ser compreendidas, portanto, como espaços
complementares de formação, que se retroalimentam em
relação às dinâmicas de abertura e enquadramento do
mundo no ato de conhecer.

Referências

ARAÚJO, C. A. A. A ciência como forma de conhecimento. Ciências


& Cognição, Belo Horizonte, v. 8, p. 127-142, ago. 2006.

BARILLI, R. Curso de estética. Lisboa: Estampa, 1994.

BASTOS, H. F. B. N. Disciplinaridade: multi, inter e trans. Construir


Notícias, [S. l], v. 4, n. 14, jan./fev. 2004.

BOAVIDA, J.; AMADO, J. Ciências da educação: epistemologia,


242 identidade e perspectivas. Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2008.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
Brasília, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833.

BROUGÈRE, G.; ULMANN, A. (Orgs.). Aprender pela vida cotidiana.


Campinas: Autores Associados, 2012.

CARVALHO, O. F.; SILVA, C. J. R.; ARAÚJO, M. Educação profissional


e tecnológica: elementos históricos e conceituais. In: ROCHA, M.
Z. B.; PIMENTEL, N. M. Organização da educação brasileira: marcos
contemporâneos. Brasília: Editora UnB, 2016. p. 309-347.

CATTANI, A. D.; RIBEIRO, J. A. R. Formação profissional. In: CATTANI,


A. D.; HOLZMANN, L. (Org.). Dicionário de trabalho e tecnologia. 2. ed.
rev. e amp. Porto Alegre: Zouk, 2011. p. 203-209.

CHAUÍ, M. S. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1984.

FRANÇA, V. R. V. Teoria(s) da comunicação: busca da identidade e


caminhos. Revista da Escola de Biblioteconomia, Belo Horizonte, v. 23,
n. 2, p. 138-152, jul./dez. 1994.

GAGNON, R. Epistemología de las disciplinas profesionales y técnicas.


Linhas Críticas, Brasília, v. 16, n. 30, p. 5-26, jan./jun. 2010.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


GONZÁLEZ REY, F. As categorias de sentido, sentido pessoal e
sentido subjetivo: sua evolução e diferenciação na teoria histórico-
cultural. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 24, p. 155-179, 2007.

JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix,


1991.

MELLO, I. C. (Org.). A formação docente para o ensino superior. Cuiabá:


EdUFMT, 2016.

MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,


2008.

OLIVEIRA, D. C. et al. Classificação das áreas de conhecimento do


CNPq e o campo da enfermagem: possibilidades e limites. Revista
Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 66, p. 60-65, 2013. Edição
especial.

PEREIRA, M. V. Contribuições para entender a experiência estética.


Revista Lusófona de Educação, Lisboa, v. 18, n. 18, p. 109-121, 2011.

SCHWARTZ, Y. A experiência é formadora? Educação e Realidade,


Porto Alegre, v. 35, n. 1, p. 35-48, jan./abr. 2010. 243
SCHWARTZ, Y. Motivações do conceito de corpo-si: corpo-si,
atividade, experiência. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 49, n. 3,
p. 259-274, jul./set. 2014.

SCHWARTZ, Y.; DURRIVE, L. Trabalho e ergologia: conversas sobre a


atividade humana. 2. ed. Niterói: EdUFF, 2010.

SCHWARTZMAN, S. Formação da comunidade científica no Brasil. São


Paulo: Nacional; Rio de Janeiro: Financiadora de Estudos e Projetos,
1979.

SILVA, C. J. R. Do saber ao sabor: estudo da relação entre saberes


tácitos e explícitos expressos nas competências laborais de
cozinheiros em situação de trabalho. 221 f. 2016. Tese (Doutorado
em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília,
Brasília, 2016.

SILVA, C. J. R.; CARVALHO, O. F. Aspectos epistemológicos e


pedagógicos da educação profissional e tecnológica: implicações
para a prática docente. Linhas Críticas, Brasília, v. 22, n. 49, p. 598-618,
set./dez. 2016.

VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 2. ed. São Paulo: Expressão


Popular, 2011.

VOLUME III | Perspectivas epistemológicas da formação profissional


nos espaços acadêmico e do trabalho
Nota autobiográfica

Caetana Juracy Rezende Silva, possui doutorado em Educação


pela Universidade de Brasília (UnB – 2016), mestrado em Música
pela Universidade Federal de Goiás (UFG – 2004) e graduação em
Música pela Universidade de Brasília (UnB – 1996), é técnica em
Assuntos Educacionais do quadro do Ministério da Educação (MEC),
cedida para a Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

244

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE
PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE:
a experiência no curso de graduação
em Educação Física através do
parfor – capes/uepb
Cristianne Maria Barbosa Carneiro
Dóris Nóbrega de Andrade Laurentino
http://dx.doi.org/10.24109/9786558010319.espv3a8

247
Resumo
Este artigo tem o propósito de analisar os resultados sobre a
formação de professores da educação básica contemplando
a realidade desses professores no interior do Brasil. O estudo
reveste-se de importância acadêmica e justifica-se por
contribuir com reflexões sobre o Plano Nacional de Formação
de Professores da Educação Básica (Parfor). A metodologia
usada foi um estudo de caso pautado na modalidade relato
de experiência. Debate-se a função social da universidade
pública através do processo de expansão e interiorização
do ensino. O estudo tem o objetivo de compreender como
se deu o Parfor a partir da graduação superior em Educação
Física na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e em que
medida esse tipo de formação atende ao que está posto
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Conclui-se a importância da parceria entre as instituições
envolvidas, baseada na perspectiva de direcionar ações
no sentido de conferir maior efetividade e continuidade

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb

da política educacional de expansão e de interiorização do
ensino superior no processo de formação de professores
que atuam na educação básica.

Palavras-chave: abordagem política; educação comparada;


formação de professores. 

Abstract
The social role of public university and teacher formation:
experience drawn from the undergraduation physical
education program through Parfor – Capes/UEPB

This article aims to analyze the outcomes of the training of


basic education teachers contemplating their reality within the
interior of Brazil. This academically-relevant study is justified by
its contribution to the reflections on the National Plan for the
248
Training of Teachers of Basic Education (Parfor). The methodology
was a case study based on the Experience Report modality.
It debates the social function of the public university through
the process of expansion and internalization of teaching. By
observing the undergraduate degree in Physical Education at the
State University of Paraíba (UEPB), the study aims to understand
how Parfor took place and to what extent this type of training
meets the Law of Guidelines and Bases of National Education
(LDB). It concludes the importance of the partnership between the
institutions involved, based on the perspective of directing actions
to ensure great effectiveness and continuity of the educational
policy of expansion and interiorization of higher education in the
process of training teachers who work in basic education.

Keywords: political approach; comparative education; teacher


training. 

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Resumen
Función social de la universidad pública y formación docente:
la experiencia en la carrera universitaria de Educación Física
por medio del Plan Nacional de Formación de Profesores de
la Educación Básica (Parfor – Capes\UEPB)

Este artículo tiene como objetivo analizar los resultados sobre


la formación de profesores de la educación básica abordando
la realidad de estos docentes en el interior de Brasil. El estudio
es de importancia académica y se justifica por contribuir con
reflexiones sobre el Plan Nacional de Formación de Profesores
de la Educación Básica (Parfor). La metodología utilizada fue un
estudio de caso basado en la modalidad relato de experiencia.
Se discute la función social de la universidad pública a través del
proceso de expansión e interiorización de la enseñanza. El estudio
tiene como objetivo comprender cómo sucedió el Parfor desde la
graduación superior en Educación Física en la Universidad Estatal 249
de Paraíba (UEPB) y en qué medida este tipo de formación cumple
con lo establecido en la Ley de Directrices y Bases de la Educación
Nacional (LDB). Se concluye la importancia de la alianza entre
las instituciones involucradas, basada en la perspectiva de dirigir
acciones para conferir mayor efectividad y continuidad de la
política educativa de expansión e interiorización de la educación
superior en el proceso de formación de profesores que trabajan
en la educación básica.

Palabras clave: abordaje político; educación comparada;


formación de profesores. 

Introdução

O presente estudo tem o objetivo de compreender


como se deu o Plano Nacional de Formação de Professores
da Educação Básica (Parfor), através da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
a partir da graduação superior em Educação Física na

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e em que medida
esse tipo de formação atende ao que está posto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A relevância
do tema consiste em contribuir com reflexões sobre a
formação de professores da educação básica, contemplando
a realidade desses profissionais no interior do Brasil e, de
forma específica, no cenário paraibano.
As indagações que nortearam o presente estudo
foram formuladas a partir das seguintes perguntas: a oferta
de educação superior para professores em exercício nas
redes públicas de educação básica nas esferas municipais
e estaduais, de fato, atendem à formação exigida pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional? Como se deu
o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica – Parfor, a partir da graduação superior em Educação
250 Física na UEPB? Quais as potencialidades e os desafios da
formação de professores de Educação Física na Paraíba a
partir dessa política?
Do ponto de vista metodológico, pauta-se em um
estudo de caso, expresso sob a forma de relatório de
experiência, a partir do lugar da coordenação do curso, bem
como do lugar de professora, a partir da vivência das autoras.
Nessa perspectiva, o texto está organizado em quatro
partes, a saber: a política da educação superior brasileira, a
formação superior docente, a licenciatura em Educação Física
na Universidade Estadual da Paraíba, a partir do Parfor, e a
formação de professores de Educação Física – Parfor/Capes/
UEPB. Por fim, estão explicitadas as considerações finais.

A política da educação superior brasileira

A Constituição da República Federativa do Brasil de


1988 trata da educação superior em cinco artigos, quais
sejam: artigos 205; 207; 208, § 2º; 213, § 2º, e 218. Importante
ressaltar o artigo 205, que chama a responsabilidade do poder
público com a educação brasileira, que assim se manifesta:

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Art. 205 A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho (Brasil, 1988).

Além disso, destaca-se que o acesso ao ensino


obrigatório é um direito público subjetivo, e o não oferecimento
por parte do poder público ou a oferta insuficiente poderá
importar responsabilidade da autoridade competente (Brasil,
1988, art. 208, § 1º e § 2º).
A Constituição Federal afirma ainda que a educação é
um direito de todos, no entanto, prevê a liberdade de ensino
na iniciativa privada, desde que passe por avaliação de
qualidade pelo poder público (Brasil, 1988, art. 209).
O artigo 207 da referida Carta Magna demarca o formato 251
de universidade e institui o princípio da indissociabilidade
entre a tríade ensino, pesquisa e extensão; nesse sentido,
o caput do referido artigo estabelece que:

Art. 207 As universidades gozam de autonomia


didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
(Brasil, 1988).

A política da educação superior brasileira está


contemplada na Lei nº 9.394, de 1996, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), no Título V, Capítulo
IV, artigos 43 a 57. Tal regramento possui vários graus de
abrangência, perpassando desde cursos e programas até a
estrutura da educação superior, nas atividades de ensino,
pesquisa e extensão (Carneiro, 2015).
O artigo 43 da LDB institui que a educação superior
tem por finalidade:

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
Art. 43 A educação superior tem por finalidade:
I estimular a criação cultural e o desenvolvimento
do espírito científico e do pensamento reflexivo;

II formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em
setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e
colaborar na sua formação contínua;

III incentivar o trabalho de pesquisa e investigação


científica, visando o desenvolvimento da ciência
e da tecnologia e da criação e difusão da cultura,
e, desse modo, desenvolver o entendimento do
homem e do meio em que vive;

IV promover a divulgação de conhecimentos


culturais, científicos e técnicos que constituem
patrimônio da humanidade e comunicar o saber
através do ensino, de publicações ou de outras
formas de comunicação;
252
V suscitar o desejo permanente de aperfei-
çoamento cultural e profissional e possibilitar
a correspondente concretização, integrando
os conhecimentos que vão sendo adquiridos
numa estrutura intelectual sistematizadora do
conhecimento de cada geração;

VI estimular o conhecimento dos problemas do


mundo presente, em particular os nacionais
e regionais, prestar serviços especializados
à comunidade e estabelecer com esta uma
relação de reciprocidade;

VII promover a extensão, aberta à participação da


população, visando à difusão das conquistas
e benefícios resultantes da criação cultural e
da pesquisa científica e tecnológica geradas na
instituição.

VIII atuar em favor da universalização e do


aprimoramento da educação básica, mediante
a formação e a capacitação de profissionais,
a realização de pesquisas pedagógicas e o
desenvolvimento de atividades de extensão
que aproximem os dois níveis escolares. (Brasil,
1996).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Nesse sentido, tomando como base a referida lei,
observa-se que é papel da família e do Estado a qualificação
para o trabalho de cada cidadão brasileiro e, ainda, cabendo,
no entanto, à educação superior prezar pela universalização
e pelo aprimoramento da educação básica, mediante a
formação e a capacitação de profissionais, uma vez que,
tendo recursos humanos qualificados, o sistema educacional
brasileiro vem a atender a uma das finalidades do ensino
superior e, por conseguinte, resultar em melhorias no sistema
educacional (Brasil, 1996).
Ademais, referencia-se a Lei nº 13.055, de 2014, que
aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), ao tratar que
está previsto como uma das metas:

Garantir, em regime de colaboração entre a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo
de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional
253
de formação dos profissionais da educação de que
tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei n
9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que
todos os professores e as professoras da educação
básica possuam formação específica de nível
superior, obtida em curso de licenciatura na área de
conhecimento em que atuam (Brasil, 2014).

Registre-se que o Brasil é signatário de pactos


internacionais no âmbito da educação superior, como a
Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século
21, criada na Conferência Mundial sobre Educação Superior,
realizada na França, em outubro de 1998 (Unesco, 1998).
Numa macrodimensão da educação brasileira,
os horizontes permeiam o sentido da ampliação e
democratização do acesso ao ensino superior, tendo a
instituição o compromisso com a garantia de cursos cada vez
mais qualificados. Nesse contexto, sob o prisma de garantia
desses direitos, a perspectiva de promover a inclusão social por
meio da educação superior vem possibilitar o enfrentamento
das desigualdades sociais e desigualdades regionais, uma vez

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
que, reconhecendo a sua expansão e sua oferta para os mais
diferentes lugares, vem coadunar para o desenvolvimento
econômico e social do país, por serem otimizadas condições
e mecanismos que possam contribuir com a formação de
recursos humanos e, por conseguinte, provocar impactos no
processo de crescimento e desenvolvimento das cidades, na
melhoria da qualidade de vida da população, fortalecendo
a educação como política pública brasileira, enaltecendo a
função social da instituição de ensino pública, democrática
e de excelência.
Para tanto, no âmbito do governo federal, conforme
os dados obtidos junto à Secretaria de Educação Superior,
há vários programas, ações e atividades que estão voltados
para a educação superior; dessa forma, exemplificam-se,
no Quadro 1, alguns programas que fazem parte da política
254 brasileira do ensino superior instituída pelo Ministério de
Educação.

Quadro 1
Programas do governo federal voltados para
o ensino superior
(continua)

Programas Legislação Objetivos

Fundo de Financiamento
Estudantil. É um programa
de financiamento destinado
Lei nº
Fies a estudantes regularmente
10.260/2001
matriculados em cursos
superiores de graduação em
universidades privadas.

Programa Universidade para


Todos. Concessão de bolsas
de estudo integrais e parciais
Lei nº a estudantes de cursos de
Prouni
11.096/2005 graduação em instituições de
educação superior dirigidos aos
estudantes egressos do ensino
médio da rede pública.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Quadro 1
Programas do governo federal voltados para
o ensino superior
(continuação)

Programas Legislação Objetivos

Programa de Educação Tutorial,


formado por grupos de
estudantes com a tutoria de um
Lei nº
PET docente doutor, organizados a
11.180/2005
partir de cursos de graduação
das instituições de ensino
superior.

Programa de apoio a planos de


Decreto nº
Reuni reestruturação e expansão das
6.096/2007
universidades federais.

Plano Nacional de Professores


da Educação Básica. É uma ação
da Capes que visa induzir e
fomentar a oferta da educação
superior e gratuita para 255
profissionais do magistério que
estejam no exercício da docência
Decreto nº na rede pública de educação
Parfor
6.755/2009 básica e que não possuem a
formação específica na área em
que atuam em sala de aula. O
Parfor atua na modalidade de
sistema de colaboração entre
Capes, estados, municípios e DF
e as instituições de educação
superior.

Programa Nacional de Assistência


Estudantil. É um programa
destinado a democratizar o
acesso e a permanência na
educação superior de estudantes
de baixa renda matriculados em
cursos de graduação presencial
Decreto nº
Pnaes das instituições federais de
7.234/2010
ensino superior, com o objetivo
de viabilizar a igualdade de
oportunidades entre todos os
estudantes, contribuir para
a melhoria do desempenho
acadêmico e reduzir as taxas de
evasão e retenção.

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
Quadro 1
Programas do governo federal voltados para
o ensino superior
(conclusão)

Programas Legislação Objetivos

Sistema de Seleção Simplificada.


Instituído É uma plataforma digital
pela Portaria desenvolvida pelo Ministério da
Sisu Normativa MEC Educação brasileiro e utilizada
nº 2, de 26 de pelos estudantes que realizaram
janeiro de 2010 o Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem).

Fonte: Elaboração própria baseada em MEC (c2020).

Outras ações no âmbito da educação superior foram


implementadas em consonância com o Plano Nacional
de Educação (PNE), o qual fixou metas que fazem parte da
agenda das políticas educacionais brasileiras. Entretanto,
256 considerando o recorte apresentado no presente estudo,
ressaltam-se a seguir alguns programas que fazem parte
da agenda da Capes, uma vez que buscam contribuir com a
formação de professores da educação básica, a exemplo do
Pibid e da residência pedagógica.
O Programa Institucional de Iniciação à Docência
(Pibid) é uma ação da política nacional de formação de
professores do Ministério da Educação que busca promover
aos estudantes, na primeira metade do curso de licenciatura,
uma aproximação prática com o cotidiano das escolas
públicas de educação básica e com o contexto em que estão
inseridas. Conforme Diário Oficial da União nº 68, publicado
no dia 12 de abril de 2010, a Capes institui o Pibid nos
seguintes termos:

Art. 1º - Instituir no âmbito da CAPES, o Programa


Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID,
que tem por finalidade apoiar a iniciação à docência
de estudantes de licenciatura plena das instituições
de educação superior federais, estaduais, municipais
e comunitárias sem fins lucrativos, visando aprimorar

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


a formação dos docentes, valorizar o magistério e
contribuir para a elevação do padrão de qualidade da
educação básica. (Brasil, MEC, 2010).

A residência pedagógica é uma das ações que integram


a política nacional de formação de professores e tem por
objetivo induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos
cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando
na escola de educação básica, a partir da segunda metade de
seu curso, tendo como objetivos:

1. Aperfeiçoar a formação dos discentes de cursos


de licenciatura, por meio do desenvolvimento
de projetos que fortaleçam o campo da prática
e conduzam o licenciando a exercitar de forma
ativa a relação entre teoria e prática profissional
docente, utilizando coleta de dados e diagnóstico
sobre o ensino e a aprendizagem escolar, entre
outras didáticas e metodologias; 257

2. Induzir a reformulação da formação prática


nos cursos de licenciatura, tendo por base a
experiência da residência pedagógica;

3. Fortalecer, ampliar e consolidar a relação entre


a IES e a escola, promovendo sinergia entre a
entidade que forma e a que recebe o egresso da
licenciatura e estimulando o protagonismo das
redes de ensino na formação de professores;

4. Promover a adequação dos currículos e propostas


pedagógicas dos cursos de formação inicial de
professores da educação básica às orientações da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC). (Brasil.
MEC. CAPES, 2020).

Desta feita, considerando a dialogicidade e as reflexões


acerca da política da educação superior brasileira, observa-se
que muito tem sido feito, e uma das preocupações inerentes
ao cenário do sistema educacional público pode ser
traduzida no entendimento da necessidade que verbera no
sentido de as políticas serem vistas para além de políticas

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
de governo, e sim concebidas e efetivadas como políticas de
Estado, que venham mitigar os efeitos puramente advindos
da lógica capitalista, para atender às demandas puramente
mercantilistas, tecnoburocratas, em resposta ao processo de
globalização e de políticas neoliberais, mas que contribuam
para efetivação dos direitos humanos, e a garantia dos seus
direitos sociais. De acordo com Pereira (2000), a política
pública implica numa linha de ação coletiva que concretiza
direitos sociais declarados e garantidos em lei.

A formação superior docente

A formação superior docente está contemplada no


Título VI da LDB, que trata dos profissionais da educação.

O artigo 61, incisos I, II e III, in verbis:

Art. 61 Consideram-se profissionais da educação


258
escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício
e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:

I professores habilitados em nível médio ou


superior para a docência na educação infantil e
nos ensinos fundamental e médio;

II trabalhadores em educação portadores de


diploma de pedagogia, com habilitação em
administração, planejamento, supervisão,
inspeção e orientação educacional, bem como
com títulos de mestrado ou doutorado nas
mesmas áreas;

III trabalhadores em educação, portadores de


diploma de curso técnico ou superior em área
pedagógica ou afim. (Brasil, 1996).

O inciso I demonstra duas situações quanto à formação


dos docentes, quais sejam: os professores com a qualificação
obtida em nível médio, na modalidade conhecida como
Normal, e os demais com a titulação obtida por meio dos
cursos de licenciatura.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


O inciso II trata dos professores oriundos dos cursos de
pedagogia com diferentes habilitações, e o inciso III refere-se
aos profissionais que possuem curso técnico ou superior em
área pedagógica ou afim.
Importante registrar que, com a crescente complexidade
da educação, seja no âmbito escolar, seja no ensino médio ou
superior, é essencial uma visão mais abrangente do conceito
do profissional da educação (Carneiro, 2015).
O caput do artigo 62 da LDB trata especificamente
da formação de docentes para atuar na educação básica,
in verbis:

Art. 62 A formação de docentes para atuar na educação


básica far-se-á em nível superior, em curso de
licenciatura plena, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação infantil
e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental,
a oferecida em nível médio, na modalidade normal. 259

O artigo 62 da LDB se articula perfeitamente com o


Plano Nacional de Educação (PNE), como visto anteriormente,
ao enfocar a natureza da formação para os docentes em sua
Meta 15, que institui:

Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a


União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política
nacional de formação dos profissionais da educação
de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado
que todos os professores e as professoras da
educação básica possuam formação específica de
nível superior, obtida em curso de licenciatura na área
de conhecimento em que atuam (Brasil, 2014).

O artigo 67 da LDB trata da plena valorização dos


profissionais da educação, o que se concretiza mediante
cursos de formação e capacitação, bem como por meio
de remuneração digna compatível com o alto nível de

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
responsabilidade e trabalho. Nesse sentido, Carneiro (2015)
posiciona-se:

A ideia de valorização dos profissionais da educação


está diretamente vinculada à concepção de sociedade
que temos e à concepção de cidadão que queremos
formar. A partir destes dois parâmetros, outros
tantos serão adotados para viabilizar o processo
encorpado em condições objetivas de valorização
destes profissionais. Em alguns países, Japão e Coreia
do Sul são os exemplos mais citados, os profissionais
da educação ganham crescente valorização à medida
que avançam no tempo, em termos de exercício
profissional. Diferentemente do que ocorre entre
nós, lá os aposentados recebem os maiores salários.
Esta é uma forma concreta de valorizar o professor
e de incentivá-lo a avançar no aperfeiçoamento e a
permanecer na carreira docente. (Carneiro, 2015,

260 p. 69)

Por fim, a dignidade de uma boa formação para os


profissionais da educação, bem como a obtenção de um
salário justo compõem a importante tríade: a respeitabilidade,
a valorização e o incentivo de qualquer profissão e também
da profissão docente.
Sob o prisma da Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de
dezembro de 2019, que trata das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial de professores da educação
básica, em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), para atender às especificidades
do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos
das diferentes etapas e modalidades da educação básica,
apresentam-se os seguintes fundamentos:

I a sólida formação básica, com conhecimento


dos fundamentos científicos e sociais de suas
competências de trabalho;

II a associação entre as teorias e as práticas


pedagógicas; e

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


III o aproveitamento da formação e das experiências
anteriores, desenvolvidas em instituições de
ensino, em outras atividades docentes ou na área
da Educação. (Brasil. MEC. CNE. CP, 2020).

O documento ressalta que a inclusão, na formação


docente, dos conhecimentos produzidos pelas ciências para
a educação, contribui para a compreensão dos processos de
ensino-aprendizagem, devendo-se, para tanto, estabelecer as
estratégias e os recursos pedagógicos, que contribuam com
o desenvolvimento dos saberes e suprimam as barreiras de
acesso ao conhecimento.
A política de formação de professores para a educação
básica, segundo as DCNs, tomando como base os marcos
regulatórios, inclusive a Base Nacional Comum Curricular,
pauta-se nos seguintes princípios:
261
Art. 6 [...]

I a formação docente para todas as etapas


e modalidades da Educação Básica como
compromisso de Estado, que assegure o direito
das crianças, jovens e adultos a uma educação
de qualidade, mediante a equiparação de
oportunidades que considere a necessidade de
todos e de cada um dos estudantes;

II a valorização da profissão docente, que inclui o


reconhecimento e o fortalecimento dos saberes
e práticas específicas de tal profissão;

III a colaboração constante entre os entes


federados para a consecução dos objetivos
previstos na política nacional de formação de
professores para a Educação Básica;

IV a garantia de padrões de qualidade dos cursos


de formação de docentes ofertados pelas
instituições formadoras nas modalidades
presencial e a distância;

V a articulação entre a teoria e a prática para a


formação docente, fundada nos conhecimentos

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
científicos e didáticos, contemplando a
indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a
extensão, visando à garantia do desenvolvimento
dos estudantes;

VI a equidade no acesso à formação inicial e


continuada, contribuindo para a redução das
desigualdades sociais, regionais e locais;

VII a articulação entre a formação inicial e a formação


continuada;

VIII a formação continuada que deve ser


entendida como componente essencial para a
profissionalização docente, devendo integrar-se
ao cotidiano da instituição educativa e considerar
os diferentes saberes e a experiência docente,
bem como o projeto pedagógico da instituição
de Educação Básica na qual atua o docente;
262
IX a compreensão dos docentes como agentes
formadores de conhecimento e cultura e, como
tal, da necessidade de seu acesso permanente
a conhecimentos, informações, vivência e
atualização cultural; e

X a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar


e divulgar a cultura, o pensamento, a arte, o
saber e o pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas. (Brasil. MEC, 2018).

Diante dessa perspectiva, a política de valorização


do professor está prevista em lei e em documentos;
todavia, para compreender essa política, faz-se necessário
desencadear uma problematização a partir do contexto de
formação, condições de trabalho, bem como, remuneração
(estabelecida no plano de cargos, carreira e remuneração),
que resultem na qualidade da educação e na qualidade
de vida do trabalhador, reforçando assim a concepção de
Carneiro (2015).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Para Gadotti (2004, p. 43):

a educação participa inevitavelmente do debate no


qual a nossa sociedade em crise se encontra envolvida
e da angústia que ela suscita. A educação é um lugar
onde toda a nossa sociedade se interroga a respeito
dela mesma, ela se debate e se busca.

Imbuídos com esse pensamento, focaliza-se o debate a


partir da experiência vivida no desenvolvimento do curso de
Licenciatura em Educação Física, vinculado ao convênio com
a Capes e a Universidade Estadual da Paraíba, oferecido no
período de julho de 2014 a dezembro de 2019.
Corroborando com a ideia de que campo de educação
é complexo e que se faz necessária uma reflexão a partir de
cada contexto sócio-histórico; que é importante ressignificar
suas práticas, de modo que haja o protagonismo dos seus
alunos, dos professores, das escolas e das instituições nas
263
suas diferentes esferas, mergulha-se na visão de Freire (1987)
ao dizer que:

só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca


inquieta, impaciente, permanente, que os homens
fazem no mundo, com o mundo e com os outros.
Busca esperançosa também. (Freire, 1987, p. 33).

Na próxima seção, aborda-se a licenciatura em


Educação Física na Universidade Estadual da Paraíba, a partir
do Parfor.

A licenciatura em Educação Física


na Universidade Estadual da Paraíba,
a partir do Parfor

Esta seção trata dos resultados e da experiência


exitosa da formação de profissionais qualificados no curso
de Licenciatura em Educação Física a partir do Programa
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(Parfor), em convênio com a Capes e com a Universidade
Estadual da Paraíba (UEPB).

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
A criação do curso de Educação Física/Parfor faz
parte do projeto de expansão e implementação da UEPB
de abranger a população que, por algum motivo, não pode
comparecer às salas de aula dos cursos regulares, com
estratégias de educação. Dessa maneira, a UEPB assume
um desafio, em virtude de participar do novo paradigma
de educação, que abrange grupos populacionais com a
modalidade de educação, uma vez que esse paradigma
de educação decorre da necessidade do entendimento de
contextos novos e inovadores da definição, da prática,
do conhecimento e de suas metodologias (UEPB, 2014).
A participação das instituições de ensino superior
(IES) acontece por meio de edital para seleção de propostas
de cursos de licenciatura voltados para o atendimento de
docentes em exercício na educação básica. No âmbito do
Parfor, a Capes realiza o fomento e a implantação de turmas
264 especiais por meio de IES em cursos de licenciatura, segunda
licenciatura e formação pedagógica.
A Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, através da
Pró-Reitoria de Ensino Médio, Técnico e Educação a Distância
(PROEAD), oferta cursos de graduação como também de
especialização. A PROEAD planeja, desenvolve e executa seus
programas nas modalidades presencial, semipresencial e a
distância (UAB), todos de forma integrada com o controle
acadêmico da instituição, em sintonia com o regimento da
graduação e da pós-graduação. Sendo assim, os cursos
de graduação estão integrados ao Sistema de Controle
Acadêmico da Pró- Reitoria de Graduação (PROGRAD) e
os de pós-graduação, em consonância com o Sistema da
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPGP.
Essa Pró-Reitoria foi criada em 2013, anteriormente
intitulada Coordenadoria de Programas Especiais (Cipe),
a qual congrega o ensino a distância e a formação de
professores em regime especial (Parfor), além de ofertar
cursos para o ensino médio e técnico no Campus II – Lagoa
Seca e em Catolé do Rocha – Campus IV.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Os cursos oferecidos por meio do Parfor, a partir dos
editais, como parte da agenda da Capes/MEC e de forma
articulada com as secretarias de educação da Paraíba,
resultaram na expansão da formação dos professores da
educação básica. Nesse sentido, a UEPB ofertou turmas
oriundas do Plano Nacional de Formação de Professores dos
cursos de Pedagogia, Filosofia e Licenciatura em Educação
Física, através do convênio firmado entre Capes e UEPB.
Nesse contexto, em 2013, com a finalidade de atender
ao Plano Nacional de Formação de Professores de Educação
Básica, a UEPB implanta o curso de Educação Física/Parfor
em João Pessoa, Guarabira, Catolé do Rocha, Monteiro e
Patos, por meio da Pró-Reitoria de Ensino Médio, Técnico e
Educação a Distância – PROEAD, voltado para a formação
e qualificação de professores da rede pública de ensino,
a funcionar a partir do segundo semestre letivo de 2014.
Porém, não havendo número de alunos suficientes para
265
formar uma turma, ou seja, 25, conforme critérios da Capes,
a turma de João Pessoa não foi aberta, sendo dado o direito
aos alunos inscritos de se matricularem em outro campus
mais próximo da sua residência ou do seu trabalho.
O curso de Licenciatura em Educação Física foi iniciado
no segundo semestre de 2014, distribuído em quatro turmas
nas seguintes cidades: Campina Grande, Guarabira, Monteiro
e Patos. As turmas referentes ao processo seletivo 2015.2
foram implementadas em 2016 nos campi de Campina
Grande, totalizando duas turmas; e mais três turmas
distribuídas nos seguintes municípios paraibanos: Monteiro,
Patos e Catolé do Rocha. Sendo assim, durante o período de
oferta da referida graduação, a UEPB ofertou nove turmas na
qualificação de professores em Educação Física – Parfor.
Com a intenção de apresentar o panorama do
número de estudantes vinculados aos cursos atrelados à
PROEAD, observa-se o Gráfico 1, o qual apresenta 451 alunos
matriculados nos cursos de regime especial, entre eles os
alunos de Licenciatura em Educação Física – Parfor.

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
125

409 Graduação EaD


267
Graduação Regime Especial
Escolas Agrícolas
Especialização Semipresencial
451

Gráfico 1
Alunos matriculados em 2015
Fonte: UEPB (2015).

No ano de 2017, a Universidade Estadual da Paraíba,


através da PROEAD, conforme seu relatório anual, em
relação aos dados referentes ao ensino de graduação e de
pós-graduação lato sensu, apresentou o cenário demonstrado
no Quadro 2.

266 Quadro 2
Distribuição de alunos pelos respectivos cursos de
graduação e de especialização – 2017

PROEAD – 2017

Quantidade Alunos Alunos


Modalidades Curso
de cursos matriculados formados

Lic. Educação 219


Graduação Física
2 135
presencial (Parfor)
Lic. Pedagogia 195

Pós-graduação Tecnologias
presencial 1 Digitais na 40 0
(especialização) Educação

Educação a Geografia 237


distância
2 6
(todos os cursos
EaD) Tecnólogo 405

Total 5 1.096 141

Fonte: UEPB (2017).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Verifica-se a partir dos dados apresentados que o
curso de Licenciatura em Educação Física – Parfor, no ano
de 2017, totalizou 219 alunos matriculados, distribuídos em
nove turmas.
De acordo com o relatório anual (2018) da PROEAD, no
ano de 2018, a ênfase nas suas ações e atividades acadêmicas
estava voltada para dois programas. O primeiro, com foco na
formação inicial (licenciaturas, pedagogia e gestão escolar),
e o segundo, para a formação continuada (lato sensu) de
professores da rede pública municipal e estadual, obtendo-se,
ao final do ano de 2018, os dados observados no Quadro 3.

Quadro 3
Distribuição de alunos pelos respectivos cursos de
graduação e de especialização – 2018

PROEAD – 2018
267
Quantidade Alunos
Modalidades Alunos matriculados
de cursos formados

Graduação Lic. Educação Física – 130 84


presencial 2
(Parfor) Lic. Pedagogia – 194 111

Pós-graduação Tecnologias Digitais na


presencial 1 Educação – 0 1
(especialização)

Educação a Lic. Geografia – 387 0


distância (2 Turmas)
3
(todos os cursos Tec. Gestão Pública – 307 0
EaD) Bach. Adm. Pública – 245 6

Total 6 1.263 202

Fonte: UEPB (2018).

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
Quadro 4
Distribuição de alunos pelos respectivos cursos de
graduação e de especialização – 2019

PROEAD – 2019

Quantidade Alunos
Modalidades Alunos matriculados
de cursos formados

Graduação presencial
Lic. Educação 125
(Parfor):
2 Física – 131
Pedagogia e Educação
Lic. Pedagogia – 194 187
Física

Pós-graduação
presencial
(especialização): 1 17 17
Tecnologias Digitais na
Educação

Educação a distância
203 – Ad. Pública
(todos os cursos EaD): Ad. Pública 5
324 – Geografia
Administração Pública, 3
268 Geografia e Gestão
290 – Tecnólogo
Tecnólogo 1
Pública – Tecnólogo

Total 6 1.159 335


Fonte: UFPB (2019).

Dentro da perspectiva do processo de interiorização


do ensino público superior implementado no Brasil nos
últimos anos, a UEPB através de seus cinco campi: Campina
Grande (Campus I), Guarabira (Campus III) Catolé do Rocha
(Campus IV), Monteiro (Campus VI) e Patos (Campus VII),
expandiu sua missão social de produzir conhecimento nas
regiões do Agreste, Brejo, Cariri e Sertão Paraibano. Portanto,
até o ano de 2019, de acordo com os relatórios institucionais,
209 alunos concluíram o curso, estando 1 (um) estudante
participando de intercâmbio Brasil – Portugal, através de
edital de seleção do Banco Santander, que ainda integralizará
o seu curso.
A Figura 1 mostra o mapa da Paraíba, com os campi da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Figura 1
Mapa da Paraíba
Fonte: UEPB, c2020.

O Campus I formou 75 professores de Educação Física,


egressos do Programa Parfor – Capes/UEPB e, no polo de 269
Guarabira, colaram grau 20 professores do referido curso.
A cidade de Campina Grande, com 409.731 habitantes,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
2019), localizada na região do Agreste, entre a Zona da Mata e
o Sertão, é considerada uma das cidades mais importantes do
interior do Nordeste brasileiro, referência nacional no campo
da educação superior, tendo a UEPB como polo de excelência
no campo da formação de professores na educação básica.
No que tange à cidade de Guarabira, a 98 km da capital e
com 58.833 habitantes (IBGE, 2019), está localizada no Brejo
Paraibano.
A cidade de Catolé do Rocha, no Alto Sertão da Paraíba,
distante 500 km da capital, com uma população de 30.546
habitantes (IBGE, 2019), através do convênio Parfor – Capes/
UEPB, formou 22 novos profissionais de Educação Física; no
município de Monteiro, na região do Cariri paraibano, com
33.222 habitantes (IGBE, 2019), o programa Parfor – UEPB
formou 45 professores de Educação Física. E, por fim, a
cidade de Patos, também no Sertão da Paraíba, com 107.605

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
habitantes, recebeu 47 novos licenciados em Educação Física
advindos do Parfor.
A política educacional, a expansão e a interiorização
do ensino, mediante a articulação político-institucional entre
o governo federal, as instituições de ensino superior e as
secretarias de educação nas esferas estaduais e municipais,
deixam um legado positivo no sentido de contribuir para
a transformação social por meio da disseminação de
conhecimento a partir do lugar/cidade que cada um ocupa
profissionalmente.
De forma específica, apresenta-se a seguir a distribuição
de munícios paraibanos contemplados com a formação de
professores de Educação Física egressos, fazendo parte da
política educacional brasileira, com base na agenda da Capes,
através do convênio com a UEPB e as articulações com as
270 Secretarias de Educação, podendo assim se reconhecer um
cenário evidenciado a partir do processo de interiorização
da UEPB, resultante de editais do referido órgão de fomento,
o que permitiu chegar a essa formação, seja quando do
início do primeiro período, em 2014, de quatro turmas de
Licenciatura em Educação Física em regime especial, com
a oferta posteriormente, em 2015, com mais cinco turmas,
com alunos e profissionais da educação nos seguintes polos
e atingindo as seguintes cidades:

Polo Campina Grande: Campina Grande, Caturité,


Fagundes, João Pessoa, Mogeiro e Salgado de São Félix
(2014); a partir de 2015, além de alunos dos referidos
municípios, alunos de Belém, Riachão do Bacamarte,
Ingá, Cacimba de Dentro, Dona Inês, Cuité, Arara,
Aroeiras, Alagoa Grande, Itabaiana, Juazeirinho e Serra
da Raiz.

Polo Guarabira: Belém, Cacimba de Dentro, Cuitegi,


Duas Estradas, Guarabira, João Pessoa, Pirpirituba, Rio
Tinto e Sertãozinho.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Polo Monteiro: Amparo, Coxixola, Monteiro, São João
do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro e Sumé. Com
expansão, em 2015, nas localidades de Camalaú, Serra
Branca e Zabelê.

Polo Patos: Cacimba de Areia, Catingueira, Desterro,


Mãe D’Água, Nova Olinda, Passagem, Patos, São José do
Bonfim e Santa Terezinha. Em 2015, foram acrescidos
com as cidades: Malta, Matureia, Cachoeira dos Índios,
São Mamede, São José de Espinharas e São José do
Bonfim.

Polo de Catolé do Rocha: com apenas uma turma


ofertada com ingresso em 2015, abrangendo os
municípios: Brejo dos Santos, Catolé do Rocha, Jericó,
Lagoa, Mato Grosso, Riacho dos Cavalos, São Bento e
São José do Brejo do Cruz.
271
A experiência da Paraíba, por meio da UEPB, demonstra
a função social que as instituições de ensino superior público
têm ao produzir e socializar conhecimento, que é espalhar
sementes de cidadania.
Nesse sentido, Carneiro (2015) explica:

Aqui, parece necessário destacar, ainda uma vez,


a compreensão do termo público, marcado na
expressão instituições públicas. Não se trata apenas
de algo referenciado ao Estado, como muitos pensam,
mas, sim, à coisa pública, ou seja, pertencente a
todos, e, em decorrência, necessariamente posto em
benefício de todos (Carneiro, 2015, p. 607).

Portanto, a função social de disseminação de conheci-


mento de qualidade das instituições de ensino superior
público se justifica, pois estas são mantidas com os impostos
do contribuinte e da sociedade em geral; nesse sentido,
é plausível que possuam o melhor ensino, bons professores
e programas de ensino e aprendizagem para os alunos

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
em geral, independentemente de onde estes estejam, seja
na cidade, seja no interior do imenso Brasil.
Então, com a experiência vivida no Parfor, viu-se que
a política da UEPB está vinculada estreitamente à política
atual de educação, quando, além da educação formal, atenta
também à questão do débito social, enfatizando a necessidade
de intervenção alternativa na história da população, com
vistas à capacidade de reconstrução política do conhecimento
e à produção de diferentes saberes.

A formação de professores de Educação Física


– Parfor/Capes/UEPB

O curso de Licenciatura Plena em Educação Física


na UEPB foi criado em 26 de maio de 1978, pela então
Universidade Regional do Nordeste (URNE), no Campus
I – Campina Grande, por meio da Resolução Consepe
272 nº 11/78, sendo autorizado pela Portaria MEC nº 436, de
1984. Portanto, na construção coletiva do Projeto Pedagógico
do Curso de Licenciatura em Educação Física, na modalidade
Parfor, teve-se como princípio basilar o projeto pedagógico do
referido curso que estava em vigor pela instituição, para que
houvesse a maior aproximação possível do ponto de ponto de
vista pedagógico do mesmo, uma vez que era desenvolvido
durante a semana, e o do Parfor, as aulas seriam ministradas
aos sábados, nos turnos da manhã e tarde, excetuando-se
nas semanas intensivas, nos recessos escolares.
Sendo assim, a construção do projeto pedagógico do
curso – PPC se deu de forma participativa e colaborativa,
acerca de aspectos administrativos e pedagógicos, através de
estudos, debates e reuniões com a equipe, inclusive com a
coordenação do curso de Pedagogia – Parfor, pois já havia
uma experiência anterior e mais longa com o programa na
instituição, bem como pelo reconhecimento e experiência
da PROEAD no campo da formação de professores. Nesse
processo se deu a produção textual do documento, o qual
foi apreciado e aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


e Extensão da UEPB, por intermédio da Resolução UEPB/
Consepe nº 47, de 22 de maio de 2014.
Do ponto de vista do arcabouço teórico conceitual
curricular do referido curso, há a compreensão de que a
construção do conhecimento da educação física vem marcada
com o contexto social, filosófico, político e histórico; para
tanto, faz-se necessário analisar as suas influências, fazendo
a articulação de forma crítico-reflexiva acerca das concepções
de mundo, de homem e de educação que estão pautadas
no projeto. Portanto, baseado numa formação ampliada,
em dimensões do conhecimento, tais como: relação ser
humano-sociedade, biologia do corpo humano e produção
do conhecimento e tecnológico, constituem-se a estrutura
e organização curricular.
As diferentes tendências críticas socialistas, como
a “crítica superadora”, a “Educação Física necessária”, a
“Crítica Emancipatória” e outras desenvolvidas no Brasil, têm
273
demonstrado as possibilidades de mudanças e contribuído
para o debate e a reflexão da Educação Física na escola.
Para Nóvoa (2000), as questões inerentes aos aspectos
pedagógicos de compartilhamento dos saberes, do trabalho
crítico e reflexivo sobre o conhecimento é que definirão as
mudanças curriculares significantes e na universidade como
um todo.
Os pressupostos teórico-conceituais e metodológicos
do currículo do curso de Licenciatura em Educação Física
– Parfor buscam qualificar o processo de ensino e de
aprendizagem; integrar os conhecimentos; dar importância
ao mundo da sala de aula, à realidade do aluno e ao
protagonismo estudantil, bem como reconhecer a relevância
do legado das experiências vividas no cotidiano escolar, como
educador. Na realidade do Parfor, esse contexto é muito
mais forte e mais significativo para o processo de formação,
porque o discente já é professor/educador da escola, embora
ainda não tenha habilitação específica para o componente
curricular. Numa perspectiva de redimensionar o trabalho

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
docente, será considerada a sala de aula como espaço
de construção e reconstrução de saberes e como espaço
privilegiado para o desenvolvimento de competências,
habilidades e atitudes. Ademais, comunga-se com o
pensamento de Finck et al. (2010, p. 19) ao dizer que: “deve-se
trabalhar com inovação pedagógica visando a formação de
alunos ativos, reflexivos e participativos”.
É importante mencionar que os alunos de Educação
Física – Parfor lecionavam, na sua maioria, o componente
curricular na escola, mas não tinham formação superior
específica para tal; a maior parte era identificada como
professor “polivante”; os demais lecionavam os mais variados
componentes e, em relação às quatro primeiras turmas, havia
um número grande de alunos que eram monitores/oficineiros
do Programa Mais Educação, pois coincidia na época com a
expansão do referido programa nas escolas.
274 No nosso estado, as escolas da rede pública e privada
da educação básica têm o componente curricular Educação
Física, conforme assegura a LDB (1996), todavia, ela é ainda
ministrada por professores de outras áreas do conhecimento,
com também por profissionais ainda leigos, embora esse
cenário apresente mudanças a cada ano, em virtude do
acompanhamento do conselho da profissão.
A implementação da Licenciatura em Educação Física,
considerando os critérios definidos pela Capes, a partir do
Parfor, supriria essa carência, colocando no mercado de
trabalho profissionais qualificados, o que, além de oferecer
aos alunos da educação básica (da educação infantil ao ensino
médio) docentes da área e, por conseguinte, melhorar a
qualidade do ensino, fomentaria um novo espaço de trabalho,
contribuindo diretamente para maiores oportunidades de
emprego, bem como melhores condições de trabalho e
valorização profissional.
O curso passa a fazer parte da política de expansão e
democratização do ensino da UEPB, visto como um espaço
privilegiado de aprendizagem e ensino, também, para

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


professores que atuam sem a devida habilitação e precisam
de oportunidade para mostrar a capacidade de discutir com
rigor e profundidade a cultura corporal (UEPB, 2014).
Para implementação do referido curso, foram utilizadas
a estrutura e as instalações da própria universidade, onde
se localizava cada campus, bem como, outros espaços, a
exemplo de instituições públicas municipais e estaduais,
mediante parcerias firmadas no processo, em consonância
com o planejamento didático-pedagógico. Além disso, estava
previsto no convênio aquisição de material, com rubrica de
custeio, a exemplo do material esportivo.
A dinâmica de ações realizadas foi discutida a partir
de reuniões pedagógicas sistemáticas com a coordenação
geral do Parfor, a coordenação de curso, as coordenações
locais e a secretaria acadêmica, sendo traduzidas com
base no movimento de ação – reflexão – ação; fazendo o
feedback entre o planejado, os resultados esperados e os
275
resultados alcançados. O acompanhamento pedagógico e as
orientações pedagógicas, ou seja, com a gestão acadêmica
específica do curso, à luz do projeto pedagógico, aparato
legal institucional, Diretrizes Curriculares Nacionais, entre os
marcos regulatórios, realizados pela coordenadora de curso,
foi desenvolvido em forma de cronograma, em que, a cada
sábado, era realizada visita em um polo, com pautas definidas
para o diálogo com os discentes e a coordenação local (gestão
técnica operacional), que fazia parte do apoio logístico, bem
como mantinha o diálogo permanente com os alunos e os
professores no cotidiano do curso.
O curso se configurou na modalidade presencial, sendo
orientado ao corpo docente nos encontros pedagógicos, no
início de cada semestre, que as aulas fossem planejadas
e executadas, na medida do possível, com base em metodo-
logias ativas, com avaliação de forma contínua, formativa,
com uso de variados instrumentos, com critérios bem
definidos, para que o processo de ensino e de aprendizagem
fosse visto de forma significativa, interativa, dinâmica, e

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
que o tempo e os espaços de aprendizagens fossem
qualificados, tomando-se como base os conhecimentos
prévios dos alunos.
Esses aspectos eram considerados no sentido de
garantir a qualidade do curso; instigar a reflexão crítica da
importância do professor, vislumbrando com a reflexão
acerca do professor pesquisador, com base na sua própria
prática pedagógica; cumprir com o papel social e educacional
da razão de ser universidade; evitar desistência/evasão e
mitigar as dificuldades em relação ao deslocamento, pois
muitos, bem cedo da manhã, teriam que realizar um translado
ou até mesmo uma viagem para chegar até a universidade,
na maioria das vezes, a depender de transportes alternativos,
além de problemas de ordem financeira para fazer um simples
lanche nos intervalos, sobrecarga de trabalho realizado ao
longo da semana, não disponibilização de acesso à internet
276 em sua residência para realizar as atividades/produções do
curso, por não haver também disponibilidade de tempo para
fazer uso da biblioteca institucional durante a semana. Cabe
ressaltar que, em algumas turmas, a maior parte dos alunos
só poderia ir à aula caso a prefeitura disponibilizasse o ônibus
escolar, fruto de um compromisso firmado com a secretaria
de educação, fato que fragilizava o processo quando o ônibus
estava quebrado, ou outros problemas de ordem técnica
aconteciam.
Segundo Macedo et al (2018), a metodologia ativa
tem uma concepção de educação crítico-reflexiva com
base em estímulo no processo ensino-aprendizagem,
resultando em envolvimento por parte do discente na
busca pelo conhecimento. Para Morán (2015), a melhor
maneira de aprender é combinando equilibradamente
atividades, desafios e informação contextualizada; para isso,
as metodologias precisam alinhar-se aos objetivos traçados,
pois, com a pretensão de que os alunos sejam proativos,
faz-se necessário adotar metodologias em que os mesmos
se envolvam em atividades cada vez mais desafiadoras e

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os
resultados, com apoio de materiais significativos e, se quer
que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras
novas maneiras de expressar sua iniciativa.
Portanto, as invenções e reinvenções é que davam novo
sentido; sendo ressaltada a importância de claros acordos
didáticos, uma vez que, na medida em que sensibilizavam
os alunos, eram trazidos à frente do processo, o seu
protagonismo, e, por conseguinte, as arestas, os nós críticos
do processo educacional seriam possíveis de ser reajustados,
retroalimentados, reprogramados, quando assim se fizesse
necessário. Entretanto, apesar de cada turma ter um perfil
diferente, via-se que muitos alunos tinham bastante potencial,
outros precisavam de acompanhamento mais individualizado,
reafirmando, assim, no campo educacional de aspectos que
devem ser observados, ou seja, o princípio da individualidade;
o ritmo, os interesses, as necessidades, bem como o contexto 277
social e cultural em que está inserido.
Em relação à operacionalização do estágio do curso, as
ações e as atividades foram voltadas para o fortalecimento
da imersão do aluno no chão da escola, com o papel de
contribuir no desenvolvimento das suas competências e
habilidades para atuar na educação básica, considerando
a Educação Física como componente curricular obrigatório,
inserido à proposta curricular da escola, tendo como base as
Diretrizes Curriculares Nacionais.
Desta feita, a partir da elaboração da caracterização
escolar e de um planejamento pedagógico, sob orientação
de professores do programa e preceptores, foi construído
o plano de intervenção/regência docente, que culminou na
elaboração pelos acadêmicos de um relato de experiência.
A integralização curricular foi pautada nas seguintes
nuances:
yy articulação entre teoria e prática;
yy formação humana, técnica e pedagógica tratando
a Educação Física no campo ético, social, político
e da saúde, num contexto interdisciplinar;

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
yy análise crítico-reflexiva da realidade à luz de
diferentes saberes e conhecimentos;

yy respeito às diferenças e à pluralidade cultural, com


vistas à inclusão social; e

yy desafios e perspectivas das políticas educacionais


brasileiras voltadas para a formação de professores;
entre outros aspectos.

As aulas, de uma forma geral, foram desenvolvidas


através de atividades teóricas e práticas, prezando pela
participação ativa dos alunos, desvelando um professor
crítico, reflexivo e criativo, numa perspectiva de professor
pesquisador; além disso, foram realizadas aulas de campo,
com vivências em outros equipamentos sociais da cidade,
resultado de parcerias firmadas com a finalidade de qualificar
278 o processo de ensino e de aprendizagem. Nesse sentido, a
Educação Física no campo de Linguagens veio possibilitar a
ressignificação dos saberes, abrangendo o esporte, ginástica,
os jogos e as brincadeiras, as lutas, a dança, como a cultura
corporal, entrelaçados nas dimensões da atividade física, do
exercício físico, do esporte, da saúde, da cultura e do lazer. É
importante destacar que, com o desencadear do curso, surge
o debate no cenário nacional da discussão e construção da
Base Nacional Comum Curricular, que se tornou também
no lócus universitário inerente ao contexto da formação do
aluno em articulação com sua atuação profissional na escola.
Para finalização do curso, foi apresentado o Trabalho
de Conclusão de Curso – TCC, sendo resultado de um plano
de atividades sob a orientação de um professor, com defesa
pública, o qual era avaliado por uma banca examinadora.
Outra perspectiva evidenciada no curso foi a forma de
encerramento de cada componente curricular dos períodos
ora enfatizados, ou seja, os que compuseram o ano de
2019, por exemplo, criação de vídeos; produção escrita e
oral; vivências práticas nas escolas; experimentações de

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


vários conteúdos e diferentes atividades que possibilitaram
a ressignificação do vivido, experienciado na escola, como
também análise de situações problema, a partir dos cenários
de prática, à luz das teorias pesquisadas e de diferentes
abordagens teórico-metodológicas da Educação Física
tratadas ao longo do curso.

Considerações finais

O tema sobre a formação de professores da educação


básica contemplando a realidade desses profissionais no
interior do Brasil, pela sua envergadura atual, é instigante
para os estudiosos sobre educação.
Assim, à guisa de conclusão, cabem algumas
constatações – síntese no âmbito da formação de professores
através do Plano Nacional de Formação de Professores
da Educação Básica – Parfor/Capes, por meio do curso de 279
Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual
da Paraíba.
Inicialmente, constatou-se que o modelo implementado
pelo Parfor/UEPB, na oferta de vagas para o curso de
Licenciatura em Educação Física para professores em
exercício nas redes públicas de educação básica nas redes
municipais e estaduais das cidades ora citadas neste trabalho,
quais sejam: Campina Grande, Guarabira, Monteiro, Catolé
do Rocha e Patos, seguiram rigorosamente os critérios de
formação proposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), que contempla a valorização dos profissionais
da educação em todas as suas etapas de formação.
Outra constatação é que a formação dos professores
do ensino básico nas cidades citadas é uma atividade docente
fundamentada para melhor qualificar os profissionais que
estão atuando nas redes de ensino das regiões do Agreste,
do Brejo, do Cariri e do Sertão Paraibano, reforçando o
processo de interiorização, bem como a função social da
Universidade Estadual da Paraíba, em seus diferentes campi,

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
oportunizando, dessa maneira, o ensino de graduação em
regime especial aos professores que estão inseridos no
ensino básico sem a devida qualificação.
As especificidades encontradas neste estudo
apontaram a parceria positiva entre as instituições envolvidas
no processo de formação dos professores, quais sejam:
Ministério da Educação (MEC), através da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes);
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), através da
Pró-Reitoria de Ensino Médio, Técnico e Educação a Distância
(PROEAD), e Secretarias de Educação Municipal e Estadual.
O foco que permeia o estudo é o processo de
valorização na formação dos profissionais da educação básica
e em que medida o Parfor – Capes/UEPB é um instrumento
eficaz na qualificação e capacitação desses profissionais e o
papel das universidades públicas nesse contexto.
280 Nesse contexto, a formação dos professores atendidos
no referido programa se coaduna com o que está preconizado
na LDB (1996) e a sua articulação positiva entre as instituições
formadoras no âmbito educacional, no estudo de caso em
tela, evidenciam a envergadura dessa política educacional
que não deve ser uma política de governo, mas sim uma
política de Estado, que leve à reflexão no sentido de conferir
maior efetividade e continuidade da política educacional, seja
na formação inicial e/ou continuada.

Referências

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do


Brasil. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833.

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano


Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Seção 1, p. 1. Edição extra.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


BRASIL. Ministério da Educação. Site do Ministério da Educação.
Brasília, DF, c2020. Disponível em: <https://www.gov.br/mec/pt-br>.
Acesso em: 13 jul. 2020.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Curricular


Comum: educação é a base. Brasília, DF: MEC, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria nº 436, de 1984.


Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 out. 1984. Seção 1, p. 15665.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Portaria nº 457, de 9 de abril


de 2010. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 abr. 2010. Seção 1,
p. 26.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Programas e ações. Brasília,


c2018. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu-secretaria-de-
educacao-superior/programas-e-acoes>. Acesso em: 18 nov. 2020.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Programa de
Residência Pedagógica. Brasília, DF, [201-?]. Disponível em: <https://
capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-pedagogica>.
Acesso: em 14 jul. 2020. 281
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Brasília, DF, [2020].
Disponível em: <https://capes.gov.br/educacao-basica/capespibid/
pibid>. Acesso em: 14 de jul de 2020.

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de


Educação (CNE). Conselho Pleno (CP). Resolução nº 2, de 20 de
dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui
a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da
Educação Básica (BNC-Formação). Diário Oficial da União, Brasília,
DF, 15 abr. 2020. Seção 1, p. 46.

CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva, artigo a


artigo. 23. ed. rev. e amp. Petrópolis: Vozes, 2015.

FINCK, S. C. M. et al. Educação física escolar: saberes e projetos. Ponta


Grossa: Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2010.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1987.

GADOTTI, M. Pedagogia da práxis. 4. ed. São Paulo: Editora Cortez,


2004.

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).
Censo 2019. [S.l]: IBGE, 2019. Disponível em: <https//ibge.gov.br/
censo2019>. Acesso em: 16 jul. 2020.

PEREIRA, P. A. P. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos


mínimos sociais. São Paulo: Cortez, 2000.

MACEDO, K. D. S. et al. Metodologias ativas de aprendizagem:


caminhos possíveis para inovação no ensino em saúde. Escola Anna
Nery: revista de enfermagem, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 1-9, 2018.

MORÁN, J. Mudando a educação com metodologias ativas. In:


SOUZA, C. A. de; MORALES, O. E. T. (Org). Convergências midiáticas,
educação e cidadania: aproximações jovens. Ponta Grossa:
Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2015. p. 15-33. (Coleção
Mídias Contemporâneas, v. 3)

NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, A.


(Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 2000.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Cursos de Graduação.


282 Campina Grande, c2020. Disponível em: <http://proreitorias.uepb.
edu.br/prograd/cursos-de-graduacao/>. Acesso em 17 de jul. de
2020.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Projeto Pedagógico do


Curso de Licenciatura em Educação Física (PARFOR). Campina Grande:
UEPB, 2014.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Relatório Anual da


PROEAD. Campina Grande: UEPB, 2015.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Relatório Anual da


PROEAD. Campina Grande: UEPB, 2017.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Relatório Anual da


PROEAD. Campina Grande: UEPB, 2018.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Relatório Anual da


PROEAD. Campina Grande: UEPB, 2019.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA (UEPB). Conselho de Ensino,


Pesquisa e Extensão (CONSEPE). Resolução nº 47, 22 de maio de
2014. Institui o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em
Educação Física – PARFOR/ CAPES e dá outras providências. Diário
Oficial do Estado, João Pessoa, 30 maio 2014. p. 11.

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA


Nota autobiográfica

Cristianne Maria Barbosa Carneiro, graduada em Direito


pela Universidade Estadual da Paraíba (1998), atua nos seguintes
temas: Ética Profissional, Trabalho, Previdência Social e Economia.
Especialização em Direito Econômico pela Universidade Federal
da Paraíba (2004). Mestrado em Desenvolvimento Regional
pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual da
Paraíba (2011). Doutorado no Programa de Pós-Graduação do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR)
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2017). Atuou como
professora do Programa Nacional de Formação de Professoras
da Educação Básica (Parfor), em que lecionou Direito e Legislação
Desportiva e Metodologia da Pesquisa.

Dóris Nóbrega de Andrade Laurentino, graduada em Educação


Física (1989) e especialização em Metodologia do Ensino Superior
pela Universidade Regional do Nordeste (1991), e em Ativação de
Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de
Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (2006). Mestrado Interdisciplinar
em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual da Paraíba (2001). 283
Doutorado em Planejamento Urbano e Regional, pelo IPPUR/UFRJ
(2017). É professora da Universidade Estadual da Paraíba, lotada no
Departamento de Educação Física. Tem experiência em atividades
de cunho administrativo e pedagógico. Atuou na educação básica
da rede pública municipal de Campina Grande/PB, junto à equipe
pedagógica. Foi coordenadora do Curso de Licenciatura em
Educação Física – Parfor, por meio do convênio Capes/UEPB.

VOLUME III | FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E FORMAÇÃO DOCENTE: a experiência


no curso de graduação em Educação Física através do parfor – capes/uepb
284

EDUCAÇÃO SUPERIOR EM PERSPECTIVA

Você também pode gostar