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CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães (UFG)
Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG)
Profa. Dra. Helenides Mendonça (PUC Goiás)
Prof. Dr. Henryk Siewierski (UnB)
Prof. Dr. João Batista Cardoso (UFG Catalão)
Prof. Dr. Luiz Carlos Santana (UNESP)
Profa. Me. Margareth Leber Macedo (UFT)
Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG)
Prof. Dr. Nivaldo dos Santos (PUC Goiás)
Profa. Dra. Leila Bijos (UnB)
Prof. Dr. Ricardo Antunes de Sá (UFPR)
Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG)
Profa. Dra. Terezinha Camargo Magalhães (UNEB)
Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG)
Profa. Dra. Elisangela Aparecida Pereira de Melo (UFT)
PRÁTICAS
INTERDISCIPLINARES
NA EDUCAÇÃO:
D I Á LO G O S, I NT E R FA C E S E D E S A F I O S
1ª edição
Goiânia - Goiás
Editora Espaço Acadêmico
-2020-
Copyright © 2020 by Limerce Ferreira Lopes, Maria Cristina Morais de Carvalho
Marilza Vanessa Rosa Suanno (Organizadoras)
Contatos:
Prof. Gil Barreto - (62) 98345-2156 / (62) 3946-1080
Larissa Pereira - (62) 98230-1212
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É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou
por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores.
A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido
pelo artigo 184 do Código Penal.
APRESENTAÇÃO..................................................................10
PREFÁCIO.............................................................................18
CAPÍTULO 1
DISCUSSÕES E POSSIBILIDADES.........................................37
João Henrique Suanno
Higor de Albuquerque
Vinícius Fagundes dos Santos
CAPÍTULO 4
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA BASEADA EM UMA
PROPOSTA TEATRAL...............................................................48
Regina Célia Alves da Cunha
João Henrique Suanno
CAPÍTULO 8
PRODUÇÃO NARRATIVA DAS CRIANÇAS NA
CONTEMPORANEIDADE.........................................................91
Tayanne da Costa Freitas
Ingrid Dittrich Wiggers
Mayrhon José Abrantes Farias
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 16
DISSERTATIVAS PRODUZIDAS POR ADOLESCENTES A
PARTIR DOS PROCESSOS DE (INTER) SUBJETIVAÇÃO
E AS ESTRUTURAS DO DISCURSO IDEOLÓGICO
(ECDS).....................................................................................178
Maria Cristina Morais de Carvalho
CAPÍTULO 17
10
cializar as obras. Os capítulos recopilados são de natureza acadêmica e foram
revisados por pares a fim de aprimorar a qualidade textual e científica.
A natureza da publicação online possibilita acesso livre e gratuito, uma
vez que a presente obra se encontra disponível no site da Editora Espaço Aca-
dêmico, assim como em sites acadêmicos, assegurando assim, ampla circula-
ção e distribuição para usos no âmbito acadêmico, graduação, pós-graduação
e formação continuada.
A relevância temática pode ser observada na problematização, con-
sistência teórico-crítica, coerência e integração dos conceitos e fundamentos
epistemológicos que se apresentam nos capítulos, com intuito de elencar pos-
sibilidades para a realização de práticas interdisciplinares. Daí que, o poten-
cial de impacto da obra propõe aduzir, por meio do diálogo das diferentes
áreas do conhecimento, a instauração de um “novo olhar” para as práticas
pedagógicas que redimensiona, para além do trabalho estritamente monolí-
tico, um caminho possível para se pensar a interdisciplinaridade, ancoradas
nas interfaces pelas quais configuram o eixo temático dessa obra: “educação,
linguagem e interdisciplinaridade”.
Essas contribuições reflexivas e sistemáticas apresentadas anteriormen-
te, corrobora para o caráter inovador da obra, haja vista que, ao aproximar au-
tores e reflexões da área de Ciências humanas e Exatas, estamos corroborando
na produção do conhecimento, na divulgação de pesquisas e na formação de
professores dos diferentes campos do conhecimento.
Os dezessete capítulos da obra apresentam problematização, sistemati-
zação e análise de resultados de pesquisa científica e reflexões críticas e perti-
nentes para o campo acadêmico-profissional, de modo a construir um escopo
de múltiplas experiências científicas e possibilidades de realização de práticas
interdisciplinares que colaborarão para o debate, para o ensino, para a pes-
quisa na graduação e pós graduação, bem como para a formação de docentes,
pesquisadores e especialistas da área e áreas afins.
O capítulo de Limerce Ferreira Lopes, denominado “Práticas de leitura
e interdisciplinaridade: em busca de um caminho possível” inicia a obra apre-
sentando algumas discussões teóricas que tratam sobre a noção de interdisci-
plinaridade e sua relevância no processo de ensino da leitura no ensino funda-
mental. Esta temática, sobre a inserção deste tema nas práticas de ensino, têm
sido proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -Temas Transversais
11
(PCNs, TT, 1997) no intuito de promover uma educação para a cidadania e,
assim, abrir caminhos para que a interdisciplinaridade também se configure
como uma prática a ser realizada em sala de aula
Katielly Vila Verde Araújo Soares e Elias Rafael de Sousa no capí-
tulo “Espetáculo tecnológico em prol da formação autônoma” apresentam
como o uso de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDI-
Cs) modifica o processo educacional dos aprendizes dessa era digital, com
o objetivo de analisar o uso das mídias tecnológicas a favor do processo de
ensino-aprendizagem, sabendo que uns dos maiores desafios do professor des-
ta era, é entender e atender as demandas, e para além de compreendê-las,
incorporá-las em suas práticas pedagógicas.
Em “Educação, tecnologias e transdisciplinaridade: discussões e possi-
bilidades”, João Henrique Suanno, Higor de Albuquerque e Vinícius Fagun-
des dos Santos analisam a seguinte problemática: qual a relação dialógica
entre a educação atual, as tecnologias e a transdisciplinaridade para a for-
mação global e multidimensional do estudante? A partir do aporte teórico de
Freire (1996), Brandão (2007), Santos (2008) com contribuições de Marilza
Suanno (2014), a investigação fundamentou na concepção da complexida-
de e Transdisciplinaridade, baseando-se em Nicolescu (2000) e Morin (2001)
com contribuições de Rocha Filho (2015). Sobre as Tecnologias Digitais de
Comunicação e Informação, investigou-se os princípios de Kenski (2007) e
contribuições de Soares et al. (2018).
O texto “A mediação pedagógica baseada em uma proposta teatral”, de
Regina Célia Alves da Cunha e João Henrique Suanno trata-se de um relato de
experiência sobre um trabalho que foi desenvolvido com os discentes do cur-
so de Oratória proveniente da modelagem de formação continuada (FIC), na
Instituição de Ensino: Instituto Tecnológico de Goiás Onofre Quinan, Anápo-
lis-GO. O objetivo dos autores foi mediar pela a arte teatral como valor impor-
tante para estimular a criatividade, a sensibilidade em relação a percepção de
sentimentos e reflexões sobre o conhecimento diante da retórica e do próprio
aluno, no que tange a consciência corporal e comunicativa. E os resultados
mostraram que a dramatização permitiu, portanto, uma socialização entre seus
participantes somados a uma construção autônoma e participativa do sujeito
no seu conhecimento.
12
O capítulo de Amanda Cristina Teixeira de Oliveira, Ana Lúcia Duarte
dos Santos e Luciene Almeida de Araújo é resultado de reflexões de um proje-
to de pesquisa desenvolvido no Instituto Federal de Goiás/ Campus Goiânia,
com alunos matriculados nas turmas de técnico integrado ao ensino médio.
Neste projeto foram desenvolvidas ações de atividades complementares, es-
tabelecendo um diálogo entre obras cinematográficas e questões sociais di-
versas como o suicídio; o preconceito étnico-racial, de gênero; as debilidades
físicas e/ou intelectuais. Assim, os estudantes refletiram coletivamente sobre a
sociedade e sobre ações de resistência, de transformação social, de conscien-
tização do papel de cada pessoa no desenvolvimento individual e coletivo;
a potencialidade do cinema foi explicitada em relação à aprendizagem dos di-
versos saberes, ao desenvolvimento de ferramentas para autoconhecimento e
resistência, bem como viabilizou-se estudos sobre os temas transversais, sobre
a arte cinematográfica e estratégias de ensino e aprendizagem para a formação
e exercício da docência.
O capítulo “A criatividade no processo de letramento na educação in-
fantil: Uma análise a partir das percepções de um professor da pré-escola” de
autoria de João Henrique Suanno, Camila da Rocha Lobo e Maria Erilânde
Ferreira de Souza defende que a Educação Infantil adquire cada vez mais no-
toriedade na compreensão das diversas formas de aprendizagem direcionadas
ao desenvolvimento do letramento, que por sua vez, representa a aplicação da
consciência de conhecimento no meio em que vivemos. Em vista disso, tem-
se nessa pesquisa de campo de caráter qualitativa, a intenção de demonstrar
a relação entre a criatividade e o letramento na Educação Infantil. Através da
aplicação de um questionário, um educador de um Centro Municipal de Edu-
cação Infantil (CMEI) de Colombo no Paraná, respondeu sobre suas percep-
ções acerca de como a metodologia empregada em sala de aula, instituição e
sociedade, podem contribuir para o letramento criativo na infância. Os dados
foram analisados à luz do paradigma eco-sistêmico e percebeu-se a relevância
de utilizar métodos que se aproximem da concepção de letramento no ensino
de crianças na fase pré-escolar.
O capítulo “Relações entre os processos de alfabetização e letramen-
to, leitura e escrita: significações de professoras da educação infantil”, de
Priscilla de Andrade Silva Ximenes, Thallita Cardoso Moreira e Janaína
Cassiano Silva tem como objetivo principal compreender as significações
13
de professoras da Educação Infantil sobre a relação entre os processos de
alfabetização e letramento vivenciados na pré-escola e o desenvolvimento
da aquisição da leitura e escrita nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
A partir de observação participante, entrevista semiestruturada e partici-
pação nos planejamentos pedagógicos, as autoras buscaram compreender
quais as significações dos professores de instituições escolares de Educa-
ção Infantil públicas acerca da relação entre os processos de alfabetização
e letramento e a aquisição da leitura e escrita de crianças da pré-escola. O
trabalho possibilitou repensar e identificar como os processos de práticas so-
ciais de leitura e escrita são significadas na Educação Infantil e nos motivou
a realização de trabalhos colaborativos visando contribuir com a formação
continuada de professoras da pré-escola.
Tayanne da Costa Freitas, Ingrid Dittrich Wiggers e Mayrhon José Abran-
tes Farias apresentam no capítulo “Infância e Mídia: reflexões sobre a produção
narrativa das crianças na contemporaneidade” reflexões acerca da produção
narrativa das crianças em meio ao contexto midiático contemporâneo, conside-
rando a produção cultural das crianças, a partir da observação participante em
uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública do Distrito
Federal, localizada na Região Administrativa do Riacho Fundo II.
O capítulo “As políticas educacionais e o sentido de gestão escolar e de
qualidade da educação”, de autoria de Daniel Junior de Oliveira e de Vander-
leida Rosa de Freitas Queiroz propõe-se refletir sobre o sentido que as políticas
educacionais brasileiras têm dado à gestão escolar e à qualidade educacional
e o sentido que a crítica elabora. Como contraponto à concepção neoliberal,
propõe-se defender a concepção de gestão escolar democrática vinculada à
concepção de qualidade socialmente referendada em prol da efetivação da
educação como práxis educativa.
Em “Nesta sina de mudar: um currículo para estudantes em situação
de itinerância na perspectiva da formação de professores” Ormezinda Maria
Ribeiro e Maria Marlene Rodrigues da Silva refletem sobre a importância de
se trabalhar a interdisciplinaridade, considerando os letramentos e a inter-
culturalidade na perspectiva da concepção de um currículo que atenda estu-
dantes em situação de itinerância, tendo em vista a formação de professores.
Tem como objeto a especificidade cultural e linguística de grupos como os
ciganos “calon”, com destaque para essa etnia, considerando a língua “chi-
14
bi” como elemento identificador e de pertencimento nacional e transnacio-
nal. Ancora-se em uma pesquisa realizada em acampamento situado na área
rural de Brasília- DF que demonstra como a tradição cultural cigana tem
estabelecido uma identidade dinâmica e performativa, apesar de sua diver-
sidade e que a educação desse grupo não pode ser traçada nos moldes da
educação regular destinada a não ciganos.
Veruska Ribeiro Machado e Ana Rita de Souza dos Santos, no capítulo
“Exercício da docência na contemporaneidade: desafios educativos do mundo
atual e as aulas de língua portuguesa” mostram como o exercício da docência
no século XXI apresenta-se desafiador. Diante disso, este capítulo dedica-se
à seguinte reflexão: como as salas de aula podem enfrentar os desafios edu-
cativos do mundo atual? Parte-se do princípio de que é essencial articular a
realidade escolar com saberes contextualizados. A esse diagnóstico são acres-
centadas as expectativas dos estudantes em relação à aprendizagem de língua
portuguesa. Com base nessas informações e considerando as perspectivas teó-
rico-metodológicas subjacentes à pedagogia dos multiletramentos, são pro-
postas algumas alternativas pedagógicas para o ensino de língua portuguesa
no ensino médio visando a possibilitar a inclusão dos estudantes em práticas
efetivas e relevantes de uso da língua.
No capítulo “O processo de escrita em língua estrangeira sob uma pers-
pectiva bakhtiniana”, Paula Franssinetti de Morais Dantas Vieira se propõe
averiguar a importância dos vários conceitos que servem de sustentáculo para
a dialogicidade bakhtiniana, entre os quais se destacam: o endereçamento (ad-
dressivity) ao focalizar o modo como o Eu se dirige ao Outro, a responsividade
(answerability) no momento em que são observadas as trocas dialógicas, a se-
letividade (selectivity) ao verificar a escolha vocabular realizada pelos alunos,
bem como as questões de autoria (authorship) e agência (agency) evocadas nos
textos. Autores que abordam a teoria dialógica servirão de sustentáculo teórico
para este estudo teórico são: Antunes (2009), Bentes e Rezende (2008), Faïta
(2005), Faraco (2009), Freitas (1994) e Vitanova (2005).
O capítulo “Leitura em língua inglesa na educação básica:
a interdisciplinaridade em foco”, de Marco André Franco de Araújo e Éderson
Saraiva, discutem a perspectiva do ensino interdisciplinar (LÜCK, 2010; SIL-
VA; TORRES, 2014) e, especificamente, atividades que podem ser realizadas
nas aulas de língua inglesa, pautadas nas habilidades de leitura em língua es-
15
trangeira (BRASIL, 1998; SABOTA, 2017). Com o ensino numa perspectiva
transdisciplinar, as aulas podem oportunizar aos alunos uma aprendizagem
crítica e mais autônoma, visto a união de várias áreas de conhecimento e tam-
bém da discussão de temais transversais como o meio ambiente.
No capítulo “O conto no técnico concomitante: uma perspectiva de en-
sino além do utilitarismo”, de Lyana Carla Cabral Pacheco Pinto Aguiar e
Thiago Soares de Oliveira, apresenta-se um recorte sintético do trabalho dis-
sertativo intitulado “Ensino de Português Instrumental a partir de conto: uma
proposta de formação discente para curso técnico concomitante”, com o obje-
tivo principal de compreender como a inserção do gênero conto na disciplina
de Português Instrumental pode funcionar como recurso didático-pedagógico
no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, formulou-se uma sequência
didática, que foi aplicada a uma turma do primeiro módulo do curso técnico
concomitante em Meio Ambiente do IFFluminense, campus Bom Jesus do
Itabapoana, de modo que, aos discentes fosse dirigida um ensino para além
do utilitarismo típico da Educação Profissional e Tecnológica. Nesse sentido,
acrescentou-se um componente social (em especial o racismo) à disciplina,
sendo possível, por meio do conto, ultrapassar a mera formação para o merca-
do de trabalho, como atestam os próprios sujeitos da pesquisa-ação.
Tiago de Aguiar Rodrigues, no capítulo “Ensino de produção de tex-
tos no curso de Direito: uma proposta de sequência didática para o gênero
petição inicial” apresenta uma prática pedagógica construída com estudantes
do curso de Direito de uma universidade particular de Brasília, no Distrito
Federal. O objeto de análise neste capítulo é uma petição inicial produzida
por grupo de estudantes a partir do conto Negrinha, de Monteiro Lobato
(1994), após perpassar as etapas propostas por Dolz et al. (2004). Os dados
gerados evidenciam não apenas a importância da criação de contextos de
produção para que os alunos se apropriem “das noções, das técnicas e dos
instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades” (DOLZ
et al., 2004, p. 82), em especial da escrita; mas, sobretudo, a importância do
diálogo interdisciplinar para a formação crítico-reflexiva dos estudantes – e
futuros profissionais – do século XXI.
Maria Cristina Morais de Carvalho, no capítulo “A construção da ar-
gumentação em redações dissertativas produzidas por adolescentes a partir
dos processos de (inter) subjetivação e as Estruturas do Discurso Ideológico
16
(ECDs)”, apresenta quais os efeitos de sentido que as perífrases de gerúndio
do tipo acabar + v-ndo assumem em gêneros argumentativos no PB, especi-
ficamente como essas estruturas linguísticas concorrem para a construção da
(inter)subjetivação (TRAUGOTT; DASHER, 2005) dos sentidos negociados
entre os interlocutores, assim como as estruturas do discurso ideológico (VAN
DIJK, 2000) acionadas a partir dos usos dessas perífrases. Para tanto, foram
analisados textos gerados por adolescentes de uma escola pública do Distrito
Federal a partir do constructo teórico-metodológico das sequências didáticas
(SD’s) (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).
No capítulo “O sintagma nominal (nu) no português brasileiro”, Bruno
Pilastre de Souza Silva Dias e Karolainy Moreira dos Santos caracterizam as
propriedades sintáticas e semânticas do sintagma nominal (SN) no português
brasileiro, de modo a subsidiar práticas eficientes no ensino de língua. Inicia-
mos pela descrição sintática no âmbito do Estruturalismo e seguimos com a
descrição do SN como formulada pela Teoria X-barra (Programa Gerativista).
Para a semântica do SN, realizamos a distinção entre referência e denotação a
partir das reflexões da filosofia da linguagem e da semântica formal, apresen-
tando ao final uma proposta de intervenção, a qual procura destacar a impor-
tância (do conhecimento) da temática para ações escolares na área de análise
linguística (de língua materna e de segunda língua).
A obra é, de fato, polifônica o que revela a natureza interdisciplinar da
linguagem e a possibilidade de repensar práticas, construir novos saberes e,
como é nosso objetivo, refratar para várias áreas do conhecimento uma nova
percepção sobre o nosso objeto de estudo: a educação, a linguagem e a inter-
disciplinaridade, isto é, interfaces que podem constituir-se e imbricar-se todo o
tempo nessa relação dialética em que o processo de aprendizagem está inserido.
17
Prefácio
18
pio, é um espaço democrático de diálogo, pluralidade de ideias, liberdade de
expressão, diversidade e fundamentalmente ambiente propicio para a crítica
e o contraditório. Estes são principais basilares para o exercício da docência
e para a construção de práticas de ensino interdisciplinares que viabilizem a
aprendizagem, a construção do conhecimento e a emancipação humana, con-
forme anunciam os capítulos da obra.
De tal modo, a obra compatibiliza com a compreensão de que o exer-
cício da docência demanda de professores e professoras que sejam profis-
sionais, intelectuais, críticos, reflexivos e pesquisadores de sua práxis edu-
cativa. Assim, docentes precisam ter sólida formação teórica; capacidade de
problematizar a realidade; conhecimento dos contextos sociais e políticos em
âmbito local e global; condições para criar reflexões e respostas aos desafios
da docência; compromisso com a superação das desigualdades educacionais
e sociais; autonomia para reinventar as práticas de ensino, oportunizar apren-
dizagens e desenvolvimento discente; estilo de pensamento complexo capaz
de construir caminhos educacionais interdisciplinares e transdisciplinares
(SUANNO, 2015); condições de trabalho com estatuto profissional (PIMEN-
TA, 2019); dentre outros.
Nesse sentido, professores/as e pós-graduandos/as ao viabilizarem pu-
blicações acadêmicas no ano letivo de 2020, no mínimo, expressa resistência,
luta e utopia em prol de uma educação de qualidade, uma vez que vivenciamos
em um contexto em que, a garantia de recursos para o pleno funcionamento
das universidades públicas, vem sendo afetada, assim como sua autonomia.
A presente obra apresenta o esforço intelectual dos autores e autoras
por sistematizar conceitos, processos e construir caminhos possíveis para a
“educação, linguagem e interdisciplinaridade”.
19
CAPÍTULO 1
Práticas de leitura e
interdisciplinaridade:
em busca de um caminho
possível
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
20
modificação da organização curricular e, consequentemente, do modo como
se aprende na escola. A partir de então, nas décadas subsequentes (entre 80 e
90), as questões acerca da interdisciplinaridade passam a tornar-se cruciais
nos discursos governamentais e legais. Com estes avanços o número de pes-
quisas e publicações cresceram bastante, o que proporcionou o crescimento e
acesso de bibliografias sobre o tema em questão. Além das pesquisas, surge
ainda nesta época, alguns centros de referência que contavam com a cola-
boração de diversos educadores com intuito de propiciar a reflexão sobre o
tema da interdisciplinaridade, além de oferecer cursos de formação a outros
professores sobre o tema. Dentre estes centros, podemos citar: Centro de pes-
quisa Interuniversitário sobre a Formação e a Profissão/Professor (CRIFPE),
coordenado por Yves Lenoir, no Canadá; Centro Universitário de pesquisas
Interdisciplinares em Didática (CIRID), coordenado por Maurice Sachot, na
França etc. Estes e outros grupos que surgiram no mundo todo, muito contri-
buíram para a discussão e redimensionamento das reformas curriculares do
ensino fundamental, médio e profissionalizante.
DISCUSSÕES TEÓRICAS
21
Barthes (1987) já dizia que o fazer interdisciplinar se constitui na cria-
ção de um objeto novo que não pertence a ninguém e não apenas em torno
de um ou mais assuntos. Este “novo objeto” que não pertence a ninguém, de
acordo com este linguista é o “texto”, que apreende na sua constituição outras
realidades históricas e, consequentemente, é interdisciplinar. Daí a importân-
cia da leitura de textos para a realização de projetos interdisciplinares.
É deste modo que a interdisciplinaridade traz ao âmbito das discussões
educacionais uma nova forma de pensar nossas atitudes pedagógicas, tendo
em vista que abre-se uma nova perspectiva metodológica capaz de favorecer
“[...] novas formas de aproximação da realidade social e novas leituras das
dimensões socioculturais das comunidades humanas” (FAZENDA 2002,
p. 14). Isto é, o olhar interdisciplinar exige que o professor busque possibilidades
de múltiplas leituras na realização de suas práticas, para assim, construir uma
ação pedagógica calcada em movimentos constantes de idas e vindas, permeando
as diversas áreas do conhecimento.
Uma prática que busque tal direção favorece múltiplos enfoques fren-
te ao objeto de conhecimento, e tal atitude modifica o “como” geralmente
realizamos nossas ações em sala de aula. Daí que a promoção de projetos
interdisciplinares requer uma atitude investigativa, de busca constante, pois
o objeto a conhecer não se esgota em si mesmo, mas deixa-se conduzir por
outras direções.
A realização do práticas interdisciplinares perpassam pela contempla-
ção de conteúdos programáticos de todas as disciplinas, diferentes métodos
de aprender, tais como: a escrita como registro e como argumentação, a fala
argumentativa, a apreensão e compreensão de textos orais e a leitura como
apreensão de informações e outros efeitos de sentidos gerados pelo interdis-
curso. As práticas interdisciplinares dão lugar a uma dialogização constante
de movimentos, construções e reflexões diárias. Por isso é necessário buscar
o diálogo, a troca de ideias etc., pois assim podemos contribuir para superar a
fragmentação do saber.
Quando pensamos no ensino da leitura nesta perspectiva, estamos con-
siderando justamente este aspecto. A linguagem, devido a sua natureza polis-
sêmica, permite, via texto escrito, a compreensão de vários pontos tangenciais
que apontam para outros campos do conhecimento. A leitura não pode ser
compreendida como objeto unidirecional, voltada apenas para a apreensão de
22
determinados conceitos, mas, antes disso, ela abriga em si mesma múltiplas
vozes que dialogam, argumentam, convencem e se contrapõem ao interlocutor
numa relação constante de interação.
A realização de práticas que envolvam a leitura sob a ótica interdiscipli-
nar facilitaria ao professor a realização de atividades que fomentem o caráter
discursivo da linguagem, dos textos em discussão, uma vez que ao abrir-se à
compreensão de outros conhecimentos, o professor estaria dialogando com a
própria linguagem ali materializada, buscando fios discursivos que remetem
a outros ditos e caminhos interdiscursivos. Deste modo, as práticas de leitura
deixariam de contemplar apenas seu caráter disciplinar1, para então, conside-
rar outros aspectos que envolvem outros saberes.
Sabemos que a realização de práticas de leitura que envolva estes as-
pectos não é tão simples, tendo em vista uma série de fatores que devem ser le-
vados em consideração como a realização de projetos, planejamento e estudo
sobre o tema pelos diferentes professores etc. E tal atitude requer mudança de
paradigma e disposição dos professores, para que as propostas sejam interes-
santes e envolvam os alunos na sua realização.
Os PCN-TT2 (1998, p. 26), com intuito de contribuir para a realização
de práticas interdisciplinares, sugerem que alguns temas essenciais à forma-
ção do cidadão sejam inseridos transversalmente nos conteúdos convencio-
nais. Estes temas, (Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orien-
tação sexual, Trabalho e Consumo), segundo este documento, não precisam
ser trabalhados isoladamente, pois eles atravessam os diferentes campos do
conhecimento e, portanto, estão articulados aos conteúdos de cada disciplina
1 Entendemos como sentido disciplinar o texto que é lido em cada disciplina para apreensão de concei-
tos referentes àquela disciplina, isto é, sob um foco, apenas.
2 Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas Transversais.
23
Assim, o papel do professor é de grande importância, pois cabe a ele
“[...] mobilizar os conteúdos em torno de temáticas escolhidas, de forma que
as diversas áreas não representem continentes isolados, mas digam respeito
aos diversos aspectos que compõem o exercício da cidadania” (PCN-TT,
1998, p. 28).
Apesar de importante, a interdisciplinaridade ainda é um tema que aos
professores parece um campo a ser explorado, desvendado. Pois exige-se, nes-
te processo, que se privilegie o encontro com o novo, e esta atitude requer a
metamorfose de metodologias já consagradas e constituídas na história de vida
de cada sujeito-professor. Apesar dos avanços das pesquisas realizadas até os
dias atuais sobre o tema interdisciplinar, infelizmente, quando observamos as
práticas pedagógicas, verificamos que não há um planejamento sistematizado
que promova um trabalho interdisciplinar.
Para os PCN-I3 (1998, p. 75), o conhecimento é uma construção históri-
ca e, portanto, deve interagir com outros conhecimentos, interligando-os a fim
de fazer sentido para o educando. Assim, é necessário que os conteúdos “se-
jam analisados e abordados a formarem uma rede de significados”, uma vez
que “(...) para apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento é
preciso vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos, é preci-
so dizer que a ideia de conhecer assemelha-se à de tecer uma teia”.
Esta afirmação deixa clara a necessidade de se romper com a linearida-
de do conhecimento, a fim de se construir práticas que valorizem a aprendiza-
gem dos conteúdos de modo mais contextualizado, considerando não apenas
sua natureza conceitual, mas sim a riqueza plurissignificativa da linguagem,
o que ela diz, o que ela (re)significa a partir da análise dos efeitos de sentido
que ela produz. Não basta acumular conteúdos, mas é necessário estabelecer
relações entre outros conteúdos, entre outras disciplinas e, principalmente,
entre as situações reais do cotidiano.
Para a realização de uma proposta mais significativa no âmbito escolar,
os PCN-I propõe a transversalidade de alguns temas sociais na grade curri-
cular comum. Estes temas são fundamentais para a formação integradora do
educando. Além desses, há também uma proposta em se trabalhar a interdis-
ciplinaridade que “questiona a segmentação entre os diferentes campos do
24
conhecimento [...] questiona a visão compartimentada (disciplinar) da reali-
dade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constitui”
[...] (PCN-TT, 1998 p. 30). Esses dois aspectos, interdisciplinaridade e temas
transversais são propostas que caminham juntas, contribuindo para uma maior
contextualização e compreensão dos diferentes objetos de conhecimento.
O ensino da leitura em muitos momentos reflete esta pedagogia reducio-
nista, pois trabalha o texto, a fim de alcançar um pretexto, respondendo questões
sobre a leitura prevista pelo professor ou do autor do livro. Já a leitura realizada
numa perspectiva interdisciplinar, pode tornar-se um ‘recurso’ importantíssimo
para que as práticas de leitura sejam realizadas de forma mais integradora, con-
siderada não apenas em seu aspecto unidirecional, racionalizada, mas dialogada
com outras áreas. Esta atitude sempre resulta numa experiência inovadora a
cada prática, pois leitor/texto/professor, busca a cada nova experiência de leitura
construir, através dos fios discursivos, a ponte necessária para compreender o
mundo em sua totalidade, via funcionamento da linguagem.
Quando o leitor entra em contato com o texto ele articula, através
da relação com outros assuntos já conhecidos, diversos saberes. Ler, nesta
perspectiva, significa dialogar com os conhecimentos, inter-relacioná-los,
discuti-los, ressignificá-los. Os projetos interdisciplinares contribuem para al-
cançar esse objetivo.
25
a cidadania”. A leitura, sob este foco, contribui para uma aprendizagem mais
significativa, participativa e dialógica.
Para tal, é importante que haja o planejamento que além de oferecer
uma maior sistematização e organização do trabalho, propicia um direciona-
mento quanto aos objetivos a serem alcançados, os conteúdos a serem traba-
lhados e as atividades a serem sugeridas.
Deste modo, nossas práticas de linguagem devem viabilizar indepen-
dentemente do nível e modalidade de ensino, uma aprendizagem que articule
o processo de formação política, intelectual e cultural de nossos alunos, e não
uma formação específica, monolítica, pois o conhecimento não é fragmentado
em si mesmo. Somos educadores e temos a responsabilidade de promover a
construção do aprender em sua totalidade, ou seja, a formação de cidadãos
conscientes de sua atuação e participação na vida social.
REFERÊNCIAS
26
CAPÍTULO 2
O ESPETÁCULO TECNOLÓGICO EM
PROL DA FORMAÇÃO CRÍTICA E
AUTÔNOMA DO SUJEITO
INTRODUÇÃO
27
Assim, o presente estudo objetiva-se esboçar sobre a necessidade de
compreender o espetáculo dos recursos midiáticos e tecnologias a favor da
idealização de leitores críticos, reflexivos, formando assim uma identidade
constituída não por olhares diversos, e sim pelo próprio olhar da leitura digital
obtida. Bem com, atenua-se discorrer sobre a representatividade do professor,
para fins da promoção das TDIC, como método de eficácia no processo de
ensino e aprendizagem.
Todavia, há alguns questionamentos; é possível, criticamente aprovei-
tar as tecnologias atuais como recurso para uma aprendizagem eficaz? E ain-
da, para a formação crítica do sujeito? A interação com a mídia tecnológica
pode promover um ensino de qualidade de forma democrática? Neste ínterim,
justifica-se neste artigo, elucidar as tecnologias abrangentes, considerando-a
como participe fundamental na formação e construção do sujeito contempo-
râneo, seja ele em qual espaço estiver, e no segundo momento da discussão,
busca refletir sobre a própria prática educativa mediada pelas TDIC.
Destarte, esta pesquisa insere-se numa abordagem qualitativa que, con-
forme, (CUNHA, 1993, p.101) “é aquela que procura estudar os fenômenos
educacionais e seus atores dentro do contexto social e histórico em que acon-
tecem e vivem”. Este trabalho foi realizado baseado em análises bibliográficas
abordando os limites e possibilidades entre alunos e professores em relação ao
uso das TIC no seu ambiente escolar.
Desta forma, com base nos autores estudados realizou-se uma pesquisa
bibliográfica com intuito reflexivo, para abordar os limites e as possibilidades
da utilização das TDIC, como uma possibilidade de mediação à formação
crítica e autônoma.
Desta forma esta pesquisa procura abordar e refletir sobre o uso das
TDIC como aliadas no processo de ensino aprendizagem significativo, crítico
e autônomo do sujeito.
28
possibilidades, sendo incompreensível determinar o futuro da educação sem
tais recursos, principalmente com o espetáculo da internet e das mídias no
processo social da formação do homem (MORAN, 2013).
A palavra tecnologia, talvez seja na atual conjuntura, uma das mais uti-
lizadas e pesquisadas, principalmente no campo da educação, inclusive diante
de normatizações preconizadas em documentos legisladores de ensino.
Contudo, ressalta-se um esvaziamento de seu sentido, uma vez que seu
uso tem sido feito de modo aleatório, há de se reconhecer seu fundamental
papel para o meio social e educacional, principalmente porque as mídias tec-
nológicas, usadas a favor do ensino e aprendizagem, engendram um papel
social na comunicação. E ensinar é comunicar, e a aprendizagem envolve co-
municação, assim como aponta John Dewey (1959, p. 10) “comunicação é um
processo de compartilhar experiências até que se tornem um bem comum”,
sendo gerado do processo de interação social.
Saviani (2002), em “Escola e Democracia”, salienta um meio interes-
sante, através das teorias pedagógicas arguidas a partir de fundamentos estru-
turados ao contexto social determinado de cada época, nos quais foram abor-
dadas nesta obra, com o propósito de compreender sobre como a sociedade
está estritamente ligada ao fazer educativo. No que se ecoa, de sobremaneira a
conduta do fazer educativo com o uso das tecnologias em sala de aula.
A inserção das mídias tecnológicas no cotidiano da sociedade está pro-
gredindo em um ritmo acelerado, transformando, inclusive o papel inerente
do estar em sociedade, no qual a etimologia de social, tem sido ressignificada
constantemente. Social, provém do latim sociālis, cujo significado é “da so-
ciedade ou sociável”.
Assim, estar em sociedade é estabelecer vínculos, e “os vínculos entre
conhecimento, poder e tecnologias estão presentes em todas as épocas e em
todos os tipos de relações sociais” (KENSKI, 2008, p.17), se tornando-se par-
te da vida do ser humano.
Todavia, estar ou ser sociável, no século XXI se perpassa de modo efê-
mero, em que o ser, não mais lida com sua real identidade. Neste contexto, im-
brica-se no papel fundamental da comunicação, interação e identidade. Visto
que, identidade não se reduz a uma circunstância ou situação, esta é resultado
daquilo que se propõe enquanto locutor de seu próprio discurso, em meio a
uma sociedade, ou seja, não se molda uma identidade de forma isolada, neutra
e sem comunicação.
29
Os homens criam a história de acordo com as condições de seu
ser social. O ser social é a vida material da sociedade, cujo nú-
cleo é constituído pela produção de bens materiais e pelas re-
lações econômicas dela decorrentes. O ser social determina a
consciência e forma a base de todo o processo histórico. Por sua
vez, a consciência dos homens age sobre o curso da história. Por
essa razão, o conhecimento da vida social implica na associa-
ção da análise das condições objetivas à análise dos aspectos do
papel da consciência e da subjetividade em geral. (ECHALAR;
PEIXOTO; CARVALHO, 2015).
30
AS MÍDIAS TECNOLÓGICAS COMO PRÁTICA EDUCATIVA
31
Neste ínterim, os avanços tecnológicos beneficiam a cada vez mais os
diversos setores do conhecimento. Assim, a inserção das TDIC, possibilitam
além de tudo a inserção destes, para benefícios da educação, tais como ferra-
mentas Google for Education, internet, Smart TV, canais por assinaturas, bem
como o mais recente, a liberação dos canais abertos em caraterística digital,
estas últimas sendo de abrangência informacional.
Portanto, segundo Lorrosa (2002), a informação não é conhecimento,
para caracterizar este, se fazem necessárias práticas educativas para eviden-
ciar os bons usos das mídias tecnológicas a favor do processo de ensino e
aprendizagem do/para o sujeito.
32
nente dificuldade em absorver as transformações nos meios e fins de aprender
com o atual avanço tecnológico.
Em virtude da agilidade desses progressos tecnológicos digitais e ter
uma aceitabilidade ampla em diversas instituições, a escola ainda não assi-
milou as formas tecnológicas comunicacionais do início do século XXI, e já
se esbarra com a informatização digital, bem como suas linguagens digitais,
multimidiáticas e suas potencialidades interativas, ou seja, a compreensão e
adoção das TDIC no campo educacional, exige uma formação continua e atua-
lizada para lidar com tais ferramentas.
No viés do uso das tecnologias digitais da informação e comunicação,
o sistema educacional, opera simultaneamente em tempos variados e em di-
ferentes espaços. Deste modo, devido a agilidade e eficácia, nota-se que usar
estes recursos compreende em melhorias constantes no processo de ensino,
aprendizagem, além de favorecer para o processo da busca da autonomia do
aluno. Pretto e Pinto (2006), consideram como sendo uma das características
peculiares do momento contemporâneo, visto que hoje na prática educativa,
deve-se preconizar o equilíbrio do saber e do fazer com tais ferramentas.
Conforme já citado, Saviani (2002), quando tece análise sobre as teo-
rias pedagógicas, e afirma que no final do século XIX, a Pedagogia Nova,
trouxe uma propositura acerca de um formato de pensar e fazer a educação,
em que foi creditado que os aprendizes deveriam possuir o autodomínio dos
múltiplos conhecimentos.
Assim, divergindo da teoria pedagógica tradicional, quanto a eviden-
ciação de que os homens e mulheres são essencialmente distintos, “não apenas
diferentes de cor, de raça, de credo ou de classe, o que já era defendido pela
pedagogia tradicional; mas também diferenças no domínio de conhecimento,
na participação do saber, no desempenho cognitivo” (SAVIANI, 2002, p. 8).
33
posição secundária, relegados que são à condição de executores
de um processo cuja concepção, planejamento coordenação e
controle ficam à cargo de especialistas supostamente habilita-
dos, neutros, objetivos, imparciais. (SAVIANI, 2002, p.13).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
34
Por fim, o caminho é ampliar o uso das práticas pedagógicas aliadas
às tecnologias digitais de informação e comunicação, a fim de compreender
como se dá a apropriação destas ferramentas pelos alunos, bem como inves-
tigar o que a geração atual, que nasceu com o instinto funcional para internet
necessita, para apreender melhor os conhecimentos e como os professores
podem agregar para que as metodologias de ensino em sala de aula se tornem
mais interativas e eficazes.
REFERÊNCIAS
DEWEY, John. Reconstrução em filosofia. 2ª. ed. São Paulo: Cia. Editora Na-
cional, 1959.
35
KENSKI, V. M. Educação e tecnologias o novo ritmo da informação. 4. ed.
Campinas: Papirus, 2008.
36
CAPÍTULO 3
EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E
TRANSDISCIPLINARIDADE:
DISCUSSÕES E POSSIBILIDADES
INTRODUÇÃO
37
atualmente, a compreender e atuar ativamente no mundo de forma autônoma,
ecoformativa, sociopolítica e mais humana.
Por esta perspectiva, apresenta-se a seguinte problemática: Qual a rela-
ção dialógica entre a educação atual, as tecnologias e a transdisciplinaridade?
O objetivo geral é compreender qual a relação dialógica e de forma multidi-
mensional entre a educação atual, as tecnologias e a transdisciplinaridade, ba-
seando-se em análises, conceitos e propostas atuais, pautando as concepções
em autores que abordam tal temática. Os objetivos específicos são: a) Discutir
teoricamente a educação, a transdisciplinaridade, as tecnologias e suas rela-
ções com a prática docente. b) Dialogar a educação atual e quais suas relações
com esta era planetária, global e tecnológica; c) Relacionar a construção do
conhecimento, mediado por uma prática transdisciplinar e tecnocriativa.
DESENVOLVIMENTO
38
o desenvolvimento de formas de aprendizagem que se mesclam com ações
transdisciplinares e que resultam em uma aprendizagem mais humana e com
significados de maneira global.
39
Se levarmos os conceitos de Nicolescu (2002) para o ambiente for-
mativo da sala de aula, por meio da utilização das TDIC’s e uma metodo-
logia tecnocriativa, valendo-se de uma didática que contemple esta nova
era planetária, notamos que o trabalho com as mídias pode formar alunos
autônomos, criativos e humanizados; conscientes de seu papel formador e
transformador, Suanno (2014, p. 1577) afirma que “a transdisciplinaridade
tem um potencial construtivo e transformador, pois ao transcender as disci-
plinas as incorpora, assim como rompe com a linearidade e a fragmentação
do conhecimento”.
Atualmente não há como fragmentar ou desarticular os conhecimen-
tos que temos atualmente com as tecnologias, visto que, o conhecimento
novo, pode ser oriundo de pesquisas e reflexões que valem-se de conceitos
tecnológicos. Salienta-se que, as práticas dinamizadoras que propõe a di-
dática que desenvolve um processo dialógico e hologramático (o todo com
suas partes e a relação deles entre si), podem ser intermediadas por elemen-
tos computacionais, multimidiáticos que contribuirão para elevar o nível do
conhecimento glogal, aguçando a criatividade, o incentivo à pesquisa e da
autopromoção da autonomia.
Os instrumentos multimidiáticos não servirão somente para a propaga-
ção de conhecimentos múltiplos, mas com uma didática transdisciplinar, po-
dem romper as barreiras da sala de aula, partindo para a comunidade no qual o
aluno está inserido, e quiçá, por toda sua vida. “A transdisciplinaridade trans-
forma nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social, remetendo para a
reflexão respeitosa e aberta sobre as culturas do presente e do passado”, não
interagindo somente com o que é colocado como atual, mas “buscando con-
tribuir para a sustentabilidade do ser humano e da sociedade” (NICOLESCU,
2002, p. 10), consciente de que o indivíduo o é ser social, cognitivo, político,
psíquico, afetivo e ecológico,
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras
que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como cren-
ça, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida (BRAN-
DÃO, 2007, p. 10). Ainda segundo as ideias de Brandão (2007), o que ajuda
a “pensar” o homem, passando os conceitos que o legitimam e o constituem
é a educação, independentemente de como ela seja, ou em que cultura esteja
inserida. A sociedade de cada grupo cultural será formada a partir da educação
dada aos seus participantes.
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A educação como hoje se ensina na escola pode se assemelhar ao pro-
cesso do adestramento. Inúmeras de crianças entram em uma sala de aula,
recebem instrução e, muitas vezes, ou na maioria das vezes, são convencidas
de que os ensinamentos dados em sala são inquestionáveis e figuram como
verdades absolutas. Em sua maioria, não fazem parte de um contexto gerador
de discussões e debates, mas se contrapõem em um sistema linear onde o
professor detém todo o conhecimento e o aluno é meramente um elemento do
processo de ensino que somente tem a incumbência de aprender.
O senso crítico, que inclusive as escolas dizem formar em seus alunos,
é vetado. Quando estes tentam sair da “caverna”, como a descrita por Platão
em o “Mito da Caverna”, sentem extrema dificuldade em ver o que os cerca
com clareza e expor alguma opinião própria sobre ele. Até mesmo a palavra
“aluno” é preconceituosa e errônea quando dirigida ao ser humano. Etimo-
logicamente, esse termo remete ao Renascimento Cultural, quando surgiu o
Iluminismo, para teoricamente dar à luz aos não iluminados, aos sem-luz que
é o significado de “alunos”.
Os seres humanos não são “sacos vazios” esperando que um depósito
de conhecimento seja feito ao adentramos em uma instituição dita educacio-
nal. Carregamos experiências e uma série de conceitos formados em nós com
ajuda de nossos pais, do meio em que vivemos, da maneira como enxergamos
o mundo, de acordo com a “[...] lente através da qual o homem vê o mundo”
(LARRAIA, 2001, p. 69), ou seja, sua cultura. O “ensino bancário” (FREIRE,
1996, p. 25) precisa ser recusado, extirpado do que chamamos de educação,
afinal ele “[...] deforma a necessária criatividade do educando e do educador
[...]” (FREIRE, 1996, p. 25).
A partir dessa concepção de ensino, os estudantes apenas copiam em
suas mentes os conceitos dados, não aprendem a aprender, tendo sua capaci-
dade de pensar, que é ilimitada, reclusa a um conjunto de pensamentos pré-es-
tabelecidos por um sistema que propositalmente os faz, a fim de facilitar o seu
domínio sob os que fazem parte da sociedade por ele criada ou imposta.
Educar exige que os professores ou educadores respeitem os saberes
dos educandos “(...) construídos na prática comunitária [...]” (FREIRE, 1996,
p. 30) e discutam com eles sua relação com o conteúdo ensinado em sala de
aula, o que, inevitavelmente, leva ao ensino transdisciplinar, o qual este texto
de propõe a fazer.
41
Contudo, ao invés disso, o que acontece é a segregação do conhecimen-
to, separado em disciplinas estudadas sem que se faça qualquer conexão entre
elas ou entre os conhecimentos prévios de cada indivíduo. Conexões estas,
que existem, porém são negadas a fim de manter esse sistema educacional
tradicional e ultrapassado que oprime os povos ocidentais. Por isso, enten-
der como transdisciplinaridade influencia a educação é de suma importância.
Analisar o que é o complexo, o que está tecido junto, o que é pensado entre o
processo de ensinar e suas relações (MORIN, 2010).
Em sentido lato, educação é sinônimo de socialização (processo pelo
qual o indivíduo é integrado na sociedade). Socialização significa aprendi-
zagem ou educação, que começa na primeira infância e termina com a morte
da pessoa. Em sentido restrito, porém, a educação compreende todos aque-
les processos, institucionalizados ou não, que visam transmitir aos sujeitos
determinados conhecimentos e padrões de comportamento a fim de garantir
a continuidade de Cultura na sociedade. O caráter institucional da educação
se manifesta na sua forma mais concreta que é a nas instituições de ensino.
Na atual estrutura socioeducativa em que estão inseridas as instituições
de ensino, uma forte crise de identidade e paradigmas está instaurada, na qual
se fala muito, mas pouco se coloca em prática. A transformação educacional
está descrita nos livros, revistas, na mídia em geral; tudo é perfeito e politi-
camente correto, mas as ações, as aplicações e as transformações não saem
do papel, da criatividade e da oralidade e, quando ocorrem, geralmente em
casos isolados, somente alguns educadores têm condições específicas para
colocá-las em prática e conseguem fazer isso.
Diante disto, refletir sobre a transdisciplinaridade é um caminho, afi-
nal ela surge em decorrência do avanço do conhecimento e do desafio que
a globalidade coloca para o século XXI. Seus conceitos contrapõem-se aos
princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das dua-
lidades e propõem outra forma de pensar os problemas contemporâneos.
Nesta mesma perspectiva, debater a influência das TDIC’s no proces-
so de ensino atual é também buscar quebrar o paradigma cartesiano de frag-
mentação do conhecimento e do ensino solidificado, buscando instrumentos
facilitadores da pesquisa e da informação, levando esses elementos para o
ambiente de sala de aula e, assim, proporcionando momento de construção
42
de conhecimento de forma multidimensional, global em um contexto com-
plexo, onde os conhecimentos do professor se alinham às vivências dos seus
estudantes, formando novos conhecimentos que fazem sentido para ambas
as partes deste processo.
O termo transdisciplinaridade foi criado pelo educador Jean Piaget e
divulgado pela primeira vez no I Seminário Internacional sobre Pluri e Inter-
disciplinaridade, que aconteceu em 1970, na Universidade de Nice, na França.
Em seguida, diversos outros educadores passaram a se dedicar ao tema.
Hoje a transdisciplinaridade é muito estudada e o principal centro de pes-
quisas sobre o assunto é o Centre International de Recherches et d’Études
Transdisciplinaires, localizado em Paris na França. Por se tratar de um tema
relativamente novo, a transdisciplinaridade é frequentemente confundida com
a multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. A multidisciplinaridade ocorre
quando há mais de uma área de conhecimento em um determinando projeto
ou propósito, mas cada uma destas disciplinas mantém seus métodos e teorias
em perspectiva. Serve para resolver problemas imediatos e não possui foco na
articulação e nos ganhos colaborativos.
Suanno (2014, p. 1576) atesta que:
43
saber, menos fragmentado e mais dinâmico. Esta visão traz em partes o signi-
ficado à experiência escolar.
Segundo Nicolescu (2000) a Transdisciplinaridade diz respeito ao que
está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas,
e, sobretudo, além de qualquer disciplina. Seu objetivo é trazer a compreensão
do mundo presente.
Mas o que poderia estar entre, através e além das disciplinas é:
44
que nos permite conceber que a “educar significa levar os jovens a dialoga-
rem com o conhecimento” de forma complexa, criativa e humana, para assim,
estar dentro de um processo transdisciplinar. É necessário dialogar com o co-
nhecimento “reestruturando-se e retendo o que é significativo”, uma vez que,
com o conhecimento significativo o aluno transcenda, parta para além da sala
de aula, alce voos mais altos, veja o todo e compreenda que pode provocar
intensas transformações no meio no qual está inserido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
45
REFERÊNCIAS
46
line], v.13, n. 37, p. 71-83, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br. Aces-
so em: 11 mar. 2020.
47
CAPÍTULO 4
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
BASEADA EM UMA PROPOSTA
TEATRAL
INTRODUÇÃO
48
terças-feiras e quintas-feiras, com duração de quatro horas por dia, somando
doze aulas no total. As intencionalidades do curso, oferecido à comunidade
Anapolina e redondezas, é desenvolver competências técnicas e comporta-
mentais na arte da retórica, assim, o processo educacional busca estimular ha-
bilidades na desenvoltura de técnicas e no aperfeiçoamento da expressividade
oral dos cursistas.
O Instituto Tecnológico de Goiás desenvolve seus trabalhos pedagó-
gicos baseados na pedagogia das competências segundo Perrenound (1999).
Esse autor compreende o desenvolvimento do ser humano através de suas
relações com o meio, e a partir dessa vivência o sujeito adquire competências
voltadas para a resolução de problemas à superação de uma situação. Na con-
cepção de desse autor, caso a pessoa precisa guiar-se no caminho de volta para
casa a partir de um ponto de referência, a situação mobilizaria competências
de reconhecimento e mapeamento espacial.
Ainda com Perrenound (1999), devemos reconhecer nossas competên-
cias individuais, assim, mapear nossos limites e possibilidades encontrados
na execução da tarefa. Diante dos limites, o autor supracitado entende que
agimos de forma a buscar as competências que necessitamos e /ou ainda em
relação as que temos, abre-se uma necessidade em adequá-las aos usos a que
se destinam. Essa atitude por si só, já mobiliza outras competências relativas à
capacidade de autoavaliação. Esse processo avaliativo pode ser usado pelo do-
cente como estratégia facilitadora em sala de aula, como também impulsionar
o aluno à busca de cursos que auxiliem em formação continuada.
Quando pensamos no corpo discente e as propostas curriculares do cur-
so de oratória, percebemos o quanto a técnica é um fator considerável e in-
dispensável para trabalhar as competências e habilidades. A visibilidade dessa
importância dada está na análise das bases ideológicas que o curso oferece,
como um exemplo: discursos coesos e coerentes aos contextos solicitados
para uma vivência no mercado de trabalho, ou seja, trabalha-se a parte estru-
tural e técnica do discurso inferindo um movimento disciplinar.
A disciplinaridade vista por Morin (2002, p. 37) infere categorias de um
saber científico que “tende naturalmente à autonomia pela delimitação de suas
fronteiras, pela linguagem que instaura, pelas técnicas que é levada a elaborar
ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias”. O ensi-
no disciplinar fragmenta o saber em partes especializadas que representam a
49
realidades situacionais. Os espaços educacionais necessitam movimentar-se
diante de suas bases tecnológicas, ou curriculares por disciplinas que estabe-
leçam conexões entre outros saberes, principalmente, na própria vivência de
transformação em conteúdo apreendido com o mundo.
As realidades são complexas pela inter-relação entre o sujeito, conhe-
cimento, valores, fatores políticos, econômicos e sociais (MORIN, 2002).
Além de complexas são emergentes, multidimensionais, dinâmicas e intera-
tivas (NICOLESCU, 1999). A realidade complexa integra fatos, contextos,
sujeitos, valores, culturas, emergentes de uma unidade global. No paradigma
emergente (MORAES, 2009) as relações, interpretações sobre os fatos são
importantes, pois os modelos internos, crenças, possibilitam o julgamento e
a compreensão dos fatos das mais variadas formas apresentadas por um ser
humano complexo culturalmente, biologicamente, auto organizador do seu
desenvolvimento.
Segundo Cunha e Suanno (2016, p.7):
50
A arte na educação permite a exploração de múltiplos sentidos e sig-
nificações (BARBOSA, 2010). A mediação pedagógica pelo ensino da arte
torna-se um elemento importante para o desenvolvimento cognitivo do aluno,
de tal forma que amplia possibilidades de compreensão artística, do mundo,
dos conteúdos relacionados a outras áreas do conhecimento, tais como mate-
mática, língua, história e geografia.
Diante dessas reflexões, a pergunta que angustiava era: quais aspectos,
além dos técnicos, eram precisos mediar para estimular a sensibilidade em
relação a percepção de sentimentos e reflexões sobre o conhecimento e de si
mesmo? A partir desse momento foi proposto um plano de ação: o teatro em
espaço comunicativo, no intuito de provocar manifestações de ordem estética,
a partir de percepção, emoções e ideias, a fim de estimular uma instância de
consciência corporal e comunicativa no discente.
A arte tem um poder expressivo de representar ideias através de lingua-
gens particulares, como a literatura, a dança, a música, o teatro, a arquitetura,
a fotografia, o desenho, a pintura entre outras formas expressivas artísticas do
nosso cotidiano. A arte faz com que o ser humano possa conhecer um pouco
da sua história, dos processos criativos de cada uma das linguagens artísticas,
o significado de novas formas de utilizá-la, sempre se aprimorando ao longo
do seu processo.
51
A partir dessa introdução, movimentou-se as ideias sobre artes (BAR-
BOSA, 2010) especificadamente, a arte teatral. Dessa forma, foram expostos
conhecimentos teatrais, saberes como: dramatização, manifestações espontâ-
neas, o espaço cênico, a entoação de voz, a estética, a representação da reali-
dade, visualização e interpretação do processo artístico.
Outro saber envolvido foi sobre gênero textual: o Conto, por ser um texto
que se caracteriza como uma narrativa curta, apresentando elementos básicos:
enredo, personagens, tempo e lugar. O texto narrativo aproxima de realidades
que permitem reflexões sobre a realidade e fantasia, e auxilia no acolhimento de
uma intervenção pedagógica positiva. Dessa maneira, a efetividade da proposta
é pertinente, pois as narrativas nos aproximam de identificações humanas. Uma
boa palestra, ou fala, o orador deve levar seu público para uma identificação
com o próprio, ou com sua história, emitindo o desejo de ser ouvido.
A aula expositiva e dialogada sobre artes e o Conto gerou reflexões
positivas. Os alunos verbalizaram em relação a expressões regionais, a com-
preensão sobre o papel da arte na vida das pessoas, a capacidade de abstração
e identificação com o artista e sua arte, a linguagem expressiva que a arte
remonta e a criatividade. Assim, eles conseguiram percebe as ligações entre
o estudo da arte e a oratória, principalmente no que tange a ligação entre o
palestrante e o público.
Por fim, os alunos escolheram o Caso do Espelho, um conto escrito
por Ricardo Azevedo1 e segundo eles a escolha ocorreu pela identificação
e abstração da história que o texto retrata. A narrativa na visão dos alunos
retrata uma vida simples, acompanhada por poucos conhecimentos cientí-
ficos, mas que é rica de compreensões sobre o cotidiano humano e a inces-
sante busca de si mesmo dentro do palco da vida. Essa reflexão fazia todo
sentido para a vivência pessoal correlacionada com a formação que eles
buscavam naquele momento.
1 Ricardo Azevedo nasceu em São Paulo, SP em 1949, é autor e ilustrador de inúmeros livros de lite-
ratura para crianças e jovens. Estudioso da cultura popular brasileira, sua obra traz as cores, o ritmo,
o humor e, muitas vezes a atitude crítica de nosso povo.
52
possibilitavam desenvolver dentro do grupo um processo de identificação,
pertencimento e responsabilidade.
Era visível a legitimação dos direitos, ao longo da desenvoltura dos
ensaios, em relação aos alunos como o respeito diante das limitações, os in-
centivos, cobranças e admiração entre eles. As relações entre o individual e o
coletivo foram se entrelaçando, e houveram aberturas no que favorece a es-
cuta do outro, a exposição de opiniões, o respeito a diferentes manifestações,
aparando as arestas para compor uma atitude grupal e pessoal.
A identificação e os sentimentos expressos na fala, nos gestos, nas ati-
tudes corporais apresentavam uma interação simbólica com a realidade, e os
personagens saiam do papel para uma vivência real representada pelos alunos.
Era como se o personagem assumisse o lugar do aluno e o texto já compreen-
dido e decorado, era o cenário para que o eu desse espaço para o outro. Nesse
momento não havia o certo e o errado, havia uma expressividade que conectava
com o grupo e com a cena. Segundo Ana Mae Barbosa (2010) a arte possibilita
interpretação e ao interpretar, amplia-se a capacidade perceptiva e intelectual
que pode ser aplicada em qualquer área da vida. Ademais, Coelho (2014, p. 12):
53
Era visível na proposta teatral a mediação colaborativa (DE LA TOR-
RE, 2008), os alunos no ato de encenar, eram os seus próprios comandantes e
aliados ao mesmo tempo. Um aluno estava para o outro, entre críticas, suges-
tões, aproximações, confiança como uma coconstrução do saber. Morin (2002,
p. 25) “mais vale uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia”, por isso,
mais do que a transmissão de saberes, segundo Cunha e Suanno (2016, p.12),
o docente deve conduzir seu trabalho na formação de um sentido unificador de
saberes, deixando de ser decorados, passando a ser “transformados, construídos
e reconstruídos nas e pelas relações intra-inter humanas com o objeto”.
O dia da apresentação foi glorioso, com muita expressividade de satis-
fação dos alunos pelo trabalho árduo no decorrer do processo. Entre a plateia
estavam alunos, coordenadores e familiares. Eles exprimiram sua identifica-
ção e sensações em relação à performance através de muitos risos e aplausos.
O ensejo final houve uma discussão de todo processo entre os alunos e
a professora. Esse passo foi baseado nas considerações da metodologia trian-
gular proposta por Barbosa (2010, p. 23) “reflexão, apreciação e produção”,
“a produção artística é concebida como base no processo criativo, entendido
como a interpretação e representação de vivências numa linguagem prática”.
Foi um momento proveitoso, de muitas trocas diante da experiência conduzi-
da pela proposta.
A reflexão baseou-se nas observações do contexto sobre a obra, no caso
específico: o conto, as inspirações que a história reflete, o autor e como ele
enriquece o conto favorecendo o regionalismo interiorano. Na apreciação,
o elemento visual destacou, portanto, os alunos assistiram a própria perfor-
mance. Com isso, eles puderam associar as expressões corporais, a linguagem
expressiva, a sintonia coletiva durante a atuação.
Na produção artística percebeu-se a criatividade, as expressões de
ideias que foram próprias de cada um, o momento de superação dos limites,
o enfrentamento com o público, com o medo e consigo, enfim, descobertas de
novas potencialidades até então desconhecidas por eles.
Considerações finais
54
descobertas pessoais de forma indireta. Durante a atuação performática des-
cobre-se um ser, por meio de não-ser, no decorrer da representatividade do
personagem. Assim, os limites ultrapassam e permite ser quem você nunca
foi. Uma oportunidade única de estar no lugar do outro e sentir como ele sente
ou percebe a situação.
A produção artística tenta responder questões sobre o mundo, a relação
do homem com o meio e com os outros. Cenas improvisadas, os jogos de
dramatização são oportunidades para o entendimento de conflitos, ajudam a
recriar ações com momentos de empatia e aumentam a consciência, de tal for-
ma que influencie sua própria história e desenvolva outras habilidades.
Podemos entender, enfim, que a mediação pela dramatização eleva o
sentido de corporeidade, desenvolvendo um projeto ecoformador (SUANNO,
J. 2014): favorável a reponsabilidade, autonomia, o sentido crítico, a capaci-
dade de tomar decisões, bem como a criatividade. Ademais as práticas peda-
gógicas mediadas pela dramatização enriquecem o ser humano nas dimensões
psicológicas e cognitivas e reforça o ensino centrado na pessoa.
Referências
55
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Tradução
Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: TRIOM, 1999.
SOARES, Magda. Linguagem e escola - uma perspectiva social, 15. ed. São
Paulo, 1997.
56
CAPÍTULO 5
O USO DA LINGUAGEM
CINEMATOGRÁFICA NA ESCOLA:
UMA POSSIBILIDADE DE
TRANSGRESSÃO PESSOAL
E SOCIAL
Introdução
57
matográfica e sobre estratégias de ensino e aprendizagem para a formação e
exercício da docência.
Tal reflexão vai de encontro com que afirma a autora estadunidense
acerca de sua preocupação pedagógica:
58
por meio da identificação, que segundo uma estudiosa do tema “identificação
é definida como um processo psicológico pelo qual o indivíduo assimila um
aspecto, uma propriedade ou um atributo do outro e se transforma, total ou
parcialmente de acordo com o modelo escolhido” (DURATE, 2002, p. 71).
Sendo assim, a identificação consegue mobilizar o espectador aos sen-
tidos que se opera em quem assiste a um filme e que é própria e única da ex-
periência com a arte cinematográfica. No trabalho que realizam em A escola
vai ao cinema, Teixeira e Lopes (2003, p.10) explicitam que:
59
Segundo Motta e Fusaro (2014), o acesso enriquecedor à leitura dos dis-
positivos não verbais de um filme pode se transformar em um instrumento li-
bertador para o aluno. Momento de exercício de sensibilização sensória, óptica
e auditiva que ele poderá estender à própria vida, tornando-se mais sensível aos
fatos da percepção e de sua própria interação nesse processo. Sendo assim, a uti-
lização do cinema em sala de aula é um grande artifício capaz de levar o aluno a
pensar e refletir e mostrar como a arte tem o poder de transformação.
Dessa maneira, ao contemplar na tela realidades totalmente similares
e particulares às suas vivências e histórias que são enfrentadas diariamen-
te, pretendíamos que esses estudantes pudessem compreender que o estudo,
o conhecimento, de si e do mundo, é a única via possível para a verdadeira
transformação pessoal e social. Apenas a exibição do filme não permite essa
elaboração, por isso a importância do debate e de escutar os participantes,
após a exibição da película. Logo, se fez necessário discutir, problematizar o
que foi apresentado. É preciso comentar imediatamente do que nos sucede,
ainda que nos advirta:
60
os problemas sociais e pessoais de modo a possibilitar o outro a transformar
em nível macro e micro seus pensamentos e ideologias diante da sociedade,
buscando sempre a conscientização do papel de cada pessoa no meio em que
está inserido.
Segundo Duarte (2002, p. 99), “um filme é sempre um produto cul-
tural, ou seja, é uma produção que combina elementos da(s) cultura(s) aos
sistemas utilizados na construção de suas imagens”, desse modo, entende-
mos que a arte, pode, se mediada por diálogos contínuos, ajudar os alunos a
se deslocarem de seus lugares sociais, marcadamente de exclusões oriundas
de uma sociedade que ainda não possibilita uma equidade social. Com o
desenvolvimento do projeto e os debates mediados observamos que os estu-
dantes puderam olhar as realidades sociais a que estão inseridos e ter outro
olhar para si.
Ao finalizar os encontros, pode-se perceber que o que está descrito na
LDB foi amplamente contemplado em nossa pesquisa:
61
Adolescente), observada a produção e distribuição de material
didático adequado. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)
CENA INICIAL
62
pelo fato de que ao perceber que a recepção fílmica e participação nos debates
apresentou dados positivos, decidimos apresentar um projeto de pesquisa (PI-
BIC) que teve iniciou 2018/2. Destacamos ainda que a autora Amanda Cristi-
na deu continuidade a pesquisa, desenvolvendo seu trabalho de conclusão de
curso, utilizando a r elação de cinema e literatura em sala de aula, onde pode
expandir a problemática proposta. Seu trabalho “Sujeitos Atravessados Pela
Barbárie: A Arte Como Caminho de Humanização”, versa sobre o que foi o
holocausto e as implicações desse período histórico para a humanidade.
NOSSO ROTEIRO
63
“crítica sociológica” são usadas segundo a perspectiva de Moscariello, para o
autor (1985, p. 87):
64
contexto da Alemanha com as políticas fascistas que tem crescido na atuali-
dade, questões como a banalização da violência, os corpos controlados por
políticas de estado foram apresentados no debate. Destacamos que:
Sob o ponto de vista do conteúdo o filme pode ser visto como fon-
te (quando as questões do próprio filme delimitam a abordagem
do professor) ou como texto-gerador, quando há um compromisso
maior do professor com os temas que o filme suscita. Do ponto
de vista da linguagem, o filme será trabalhado para a educação
do olhar do espectador (formas narrativas e linguagens) ou intera-
gindo com outras linguagens, na manipulação e decodificação de
linguagens diversas como verbais, gestuais ou visuais. A aborda-
gem pela técnica cinematográfica envolve os aspectos técnicos e
tecnológicos. (NAPOLITANO, 2015, p. 29-30).
65
zação dos indivíduos. Com a apresentação da vivência do sofri-
mento de pessoas com deficiência, vítimas de abuso/violência,
preconceito, entre várias outras, quem participou do projeto teve
muitas vezes uma experiência de reconhecimento, pena, tristeza,
ou até raiva dos padrões eurocêntricos q a sociedade impõe a
quem é diferente, causando neles problema psicológicos.
66
projeto, foi uma maneira dinâmica e divertida de abordar tais
temas, eu particularmente amei.
1 Disponível em https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor.
67
oportunidade de pensar novos métodos de ensino e aplicação
de conteúdos que abordem esse tipo de assunto específico. É
uma maneira a mais de pensar a metodologia para chamar aten-
ção do aluno e não deixar a aula na mesmice.
ATO FINAL
68
passado com outros olhos; é possível transformar o presente e
sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura2.
REFERÊNCIAS
TEIXEIRA, I.A.C.; LOPES, J.S.M. A escola vai ao cinema. 2. ed. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2003.
69
CAPÍTULO 6
A CRIATIVIDADE NO PROCESSO
DE LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR
DAS PERCEPÇÕES DE UM PROFESSOR
DA PRÉ-ESCOLA
Introdução
70
de 2019 a um professor que trabalha com crianças de 4 e 5 anos no Centro
Municipal de Educação Infantil em Colombo no Paraná, com uma análise par-
tindo da visão do paradigma eco-sistêmico criado por Maria Cândido Moraes,
na intencionalidade de almejar um olhar crítico sobre o tema.
A relevância dos saberes adquiridos por este trabalho contribui para que
mais pesquisadores se empenhem na busca por conhecimentos, que agreguem
valor à importância do letramento na primeira infância, ao discutir o uso de
novas metodologias criativas e na tentativa de quebrar o metodismo estrutura-
do, que já não se encaixa às novas exigências da educação.
1 Excerto retirado do poema – Um brinde ao aprender- de Maria Eliane Azevedo da Silva (2009).
71
Com o decorrer dos anos há um fortalecimento da nova concepção de
infância, garantindo em lei os direitos da criança enquanto cidadã, com a cria-
ção do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), a Educação Infantil é incorpo-
rada como primeiro nível da Educação Básica. O Art. 3º da Lei nº9394/96 da
LBD estabelece que:
72
ser regulares, mas não rígidas ou que exija que sejam ativamente pensadas,
elaboradas e criadas pelos envolvidos, para estimular a criatividade das mes-
mas. Para Lira et al. (2016, p. 92):
Neste contexto, tira-se por entendimento que, não se pode passar por
uma fase tão importante quanto à educação infantil, sem entender a necessida-
de de priorizar a capacidade intelectual da criança e seu poder de criticidade
sobre o que há em volta, mantendo o estímulo à criatividade como uma das
possibilidades no processo educativo.
Assim, as brincadeiras são substanciais no aprender a aprender. O mo-
mento lúdico, pode ser usado para contextualizar situações e temas que geral-
mente, são difíceis de lidar, porém, indispensáveis, como o bullying, o precon-
ceito e as diferenças sexuais. Ou seja, no aprendizado, usar o universo infantil
para gerar conhecimento, é um meio facilitador, tendo em vista, que a criança
escreve e lê corporalmente, expressa, aquilo que faz parte de seu repertório,
de suas experiências com a cultura e o que ela entende diante o mundo que lhe
é apresentado. Se aos 4 e 5 anos, a identidade social começa a ser formada,
nada mais justo, que ensinar a conviver com o diferente, sem rótulos e com
inclusão, através do que mais se aproxima de seu entendimento.
A criança possui um olhar crítico e curioso sobre o que está ao seu redor,
ela é um ser pensante com capacidade de adquirir conhecimento, antes mes-
mo de aprender a escrita e a leitura formal. Assim, valorizar o conhecimento
prévio da criança a partir do seu contexto sociocultural, pode simplificar a
maneira de alcançar novas deduções e descobertas, levando aos conceitos de
alfabetização e letramento.
2 Excerto retirado do poema –Um brinde ao aprender- de Maria Eliane Azevedo da Silva (2009).
73
Para Tfouni (2010, p. 11) a alfabetização “refere-se à aquisição da es-
crita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas
práticas de linguagem”. Já o letramento, “focaliza os aspectos sócio históricos
da aquisição da escrita” (TFOUNI, 2010, p.12). Portanto, enquanto que a al-
fabetização está voltada ao aspecto individual, o letramento volta-se ao social.
Mais uma vez, a questão da socialização é algo a ser discutido, pois, ela é
componente indissociável para as práticas escolares.
Coelho (2010) afirma que, a leitura e as demais atividades, além de
estimular a imaginação das crianças e inseri-las em um mundo letrado, levam-
nas a entender a importância e o funcionamento da escrita em nossa socieda-
de, desenvolvendo capacidades necessárias para a sua apropriação, além de
motivá-las ao conhecimento e ao querer aprender a ler e escrever de maneira
prazerosa e satisfatória.
Ao utilizar as práticas sociais para aquisição da leitura e da escrita,
a criança vivencia o conhecimento e passa a ter diferentes interpretações sobre
as situações que ocorrem no seu dia a dia, aprendem dessa forma, a relacio-
ná-los com diferentes aprendizados que foram discutidos em sala de aula.
O letramento ingressa no mundo da criança como algo possível, ao am-
pliar o conhecimento a partir de novas propostas. É preciso, portanto, levar em
consideração a cultura em que a criança está inserida; adequar os conteúdos
para o ambiente da sala de aula; utilizar de diferentes gêneros textuais com o
propósito de uma linguagem interativa, criativa e descobridora, que não ex-
clua outros métodos de aprendizagem, mas que, leve-se em conta, o que mais
contribui para a evolução da criança.
3 Excerto retirado do poema –Um brinde ao aprender- de Maria Eliane Azevedo da Silva (2009).
74
um potencial criativo que pode ser usado quando elas se confrontam com a
necessidade de solucionar problemas. Daí, entende-se que, quando a escola
proporciona momentos que estimulem a criança para a curiosidade, invenção
e tentativas de resolver problemas, ela eleva a capacidade de produção de co-
nhecimento e desenvolvimento novas ideias.
Ao pensar a criatividade como uma possibilidade de concitar o estímulo
ao aprendizado, não se pode deixar de falar sobre a aprendizagem criativa,
que abre caminhos para o pensar complexo e tem nesse viés uma quebra do
paradigma positivista, que é embasado em métodos pré-estabelecidos e em
resultados esperados. Nessa quebra, há o enfrentamento do inesperado e o
conhecimento passa a ser adquirido de maneira não linear e sistêmica.
A criatividade está inserida na aprendizagem criativa, termo este, criado
a partir das pesquisas de Martínez (2008) e conceituado como uma forma de
aprender, com processos específicos, onde a novidade e a pertinência são os
indicadores essenciais. Tendo os conceitos da complexidade e da aprendiza-
gem criativa, pode-se ir adiante ao entendimento da importância da criativi-
dade no contexto do letramento, pois a análise será feita pelo viés complexo,
dentro da conjuntura do aprender.
Para Soares (2003) faz-se necessário alfabetizar letrando, ou seja, en-
sinar a ler e escrever dentro do contexto das práticas sociais, de modo que
o indivíduo se torne alfabetizado e letrado ao mesmo tempo. Dessa forma,
na faixa etária da pré-escola, o letramento pode ocorrer, quando são inseri-
das no contexto de aprendizagem as características que lhe são familiares.
É necessário o lúdico, as histórias inventivas, o contato com a diferença, as
brincadeiras, a leitura por parte do educador, entre vários métodos, desde que,
o contexto social seja levado em conta, pois a criatividade pode ser mais pro-
veitosa, nessa perspectiva.
75
em docência, o que não foi empecilho para o desenvolvimento do trabalho
realizado, segundo ele.
As perguntas envolviam características, que buscavam analisar a per-
cepção do professor sobre alfabetização e letramento e em como era baseada
sua metodologia em sala de aula. Quando perguntado sobre os conceitos de
alfabetização e letramento, ele respondeu: “A rústico modo de dizer alfabe-
tização é o ato de codificar e descodificar uma língua através do ato de ler
e escrever. O letramento consiste no uso social da língua, que vai além do
ler e escrever”.
Percebe-se, que há uma noção, ainda que, não aprofundada sobre os
conceitos, porém, pelo fato de fazer parte indispensável do seu cotidiano,
o professor ao entender que o conhecimento não é estático, pode melhorar sua
explicação e abordagem sobre o tema, com a busca de novas leituras.
Ao ser questionado sobre qual a maior dificuldade encontrada em sua
profissão, ele respondeu ser a estrutura da escola, entre outras. Para o educa-
dor, o CMEI possui estrutura antiga, não planejada para receber crianças e não
possui adaptação para deficientes físicos. E complementou:
76
O contexto social, é levado em consideração, pois de acordo com Ga-
briel, as crianças se interessam mais por atividades que remetem às suas vi-
vências. Mesmo que, tal afirmação corrobore com o que aqui, já foi explana-
do, nada impede, que novas concepções de mundo sejam levadas à criança,
pois o aprender instiga novos horizontes e saberes.
Sobre o ritmo de aprendizagem de cada criança e como isso interfere no
desenvolvimento social para além da sala de aula, Gabriel afirma que, as ativi-
dades propostas são iguais para todos os alunos, porém, é respeitado o tempo
de cada um através de um rodízio de alunos atendidos durante as atividades.
Ele cita como exemplo:
77
Considerações provisórias
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na edu-
cação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.
78
BNCC. Base Nacional Comum Curricular 2017. Disponível em: http://base-
nacionalcomum.mec.gov.br/abase/. Acesso em: 10 jul. 2019.
SUANNO, João Henrique. Por que uma escola criativa? Polyphonia, v. 27/1,
jan. 2016. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/sv/article/view/42289.
Acesso em: 8 mar. 2020.
79
CAPÍTULO 7
RELAÇÕES ENTRE OS
PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA:
SIGNIFICAÇÕES DE PROFESSORAS
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Introdução
80
Por isso, da relação entre esse processo com a Educação Infantil, pois
como significa Kramer e Abramovay (1995, p. 171) que “[...] a alfabetização
na pré-escola extrapola o saber as vogais, o escrever o nome, ou o contar de
zero a dez, da mesma forma que vai além da mera formação de hábitos e da
abstrata proposta de desenvolvimento globalmente a criança”.
Diante da relação pertinente entre alfabetização e letramento na Edu-
cação Infantil e a relevância do papel do professor nesses processos, surgiu o
interesse em realizar uma pesquisa a fim de compreender as significações de
professoras da Educação Infantil sobre a relação entre os processos de alfabe-
tização e letramento vivenciados na pré-escola e o desenvolvimento da aquisi-
ção da leitura e escrita nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O problema
derivou do interesse em identificar como as práticas sociais de leitura e escrita
experienciadas na Educação Infantil e a relevância dada pelas professoras a
esses processos podem influenciar na aquisição da leitura e escrita nos anos
Iniciais do Ensino Fundamental.
A pesquisa de campo foi o delineador deste estudo. A partir de obser-
vações das práticas pedagógicas de professores da Educação Infantil do mu-
nicípio de Catalão, conversas coletivas, questionários, entrevistas, análise da
realidade e da participação do cotidiano da escola, buscamos compreender as
significações dos professores aos processos supracitados.
81
Em sua obra “O papel social da pré-escola”, Kramer (1995, p. 78) cri-
tica a visão de uma pré-escola com caráter de prontidão para a alfabetização,
assim como a de educação compensatória e a ideia de que tenha objetivos em
si mesmos, apontando diferentes concepções sobre o papel da pré-escola:
82
Dessa forma, não basta que a criança esteja em contato com o universo da
escrita, ela precisa da mediação, da orientação do outro, neste caso, o professor:
O professor de Educação Infantil pode e deve ter uma atuação privile-
giada no processo de alfabetização, desde que possua os conhecimentos ne-
cessários sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança [...]
(STEMMER, 2007, p. 135-136).
Soares (1985, p. 20) aponta que ler e escrever pode significar “apreen-
são e compreensão de significados expressos em língua escrita (ler) ou expres-
são de significados por meio da língua escrita (escrever)”. Segundo a autora a
alfabetização seria assim um ato de pensamento, um processo amplo, que tem
início antes da criança ingressar na escola e envolve o reconhecimento das
finalidades da linguagem escrita, seus usos e suas funções.
83
Realizamos essa pesquisa com professoras da pré-escola de dois Cen-
tros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), que recebem crianças da edu-
cação infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de atendimento
integral e parcial. A escolha por essas instituições se deu por terem os dois
segmentos: Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Após
as devidas autorizações éticas iniciamos o período de observações e coleta de
dados. Ao final das observações foram realizadas as entrevistas semiestrutu-
radas com as professoras, somando um total de oito participantes da pesquisa.
Na entrevista foram abordadas questões sobre o projeto políti-
co pedagógico e as significações das professoras sobre: a sua formação,
a organização pedagógica da instituição, a prática pedagógica, significações
acerca dos processos de alfabetização e letramento na educação infantil e sua
relação com os anos iniciais do ensino fundamental. Os dados obtidos e ana-
lisados nesta pesquisa permitiram compreender a significações das professo-
ras sobre os processos de alfabetização e letramento. Nesse trabalho daremos
ênfase a duas categorias de análise: Significações dos professores sobre o seu
papel na Educação Infantil e Significações dos professores sobre os processos
de alfabetização e letramento na pré-escola.
84
dos tempos os adultos vão ensinando a elas algumas regras. Segundo Áries
(1981) na Idade Média, as crianças eram vistas como adultos em miniaturas,
sendo tidas como a própria extensão dos mesmos, em termos de trajes, jogos
e aprendizagens, não reconhecendo que, essa fase da vida exige uma série de
cuidados, devido às especificidades que possuiu, ou seja, não havia diferen-
ciações significativas entre as crianças e os adultos, e a educação se davam
por meio dos adultos, que eram responsáveis em transmitir valores e costumes
em espaços públicos da aldeia, da casa, assim, a vida voltava-se para a comu-
nidade, onde o clima era de intensa sociabilidade e baseado na coletividade.
Sobre Identidade Docente, as participantes da pesquisa responderam
que para ser professor é preciso ter carisma, saber ensinar, ter amor a profis-
são, ter uma excelente pedagogia e acima de tudo ter amor as crianças que são
seres inocentes e muito inteligentes. Percebe-se certo teor de nostalgia, nas
falas das professoras, em relação à infância como fase perdida, aquela que
deveria ser mantida e protegida a qualquer custo.
Esta concepção parece-nos apoiada nos documentos legais orientado-
res da educação infantil que coloca a criança no posto de protagonista de seu
próprio desenvolvimento. A lógica que tanto sustenta essa apologia da ideia
de uma criança reservadamente pura, mas que, ao mesmo tempo, é dotada de
dons especiais que deveriam ser garantidos é sustentada pela então Sociedade
de direitos, pelo processo baseado na participação democrática, que - por sua
vez - proveria a garantia destes direitos.
Todo esse movimento interfere diretamente no processo de persona-
lização do professor. Um dos exemplos é percebido no desdobramento das
políticas do Estado mínimo, que sempre oferta poucos recursos e, em con-
trapartida, cobra altos desempenhos dos professores, que, cada vez com mais
intensidade, veem esse fenômeno adentrar o nível da educação infantil. Certo
é que isso influi diretamente na constituição da personalidade do profissional
que, todo o tempo, se sente questionado sobre sua competência.
85
propostas de alfabetização e letramento, tem provocado sérios equívocos na
prática pedagógica no âmbito da Educação Infantil. Esses equívocos referem-
se ao papel do professor, na sala de aula, que em razão da aplicabilidade de
uma nova proposta de trabalho com alfabetização e letramento determinada
pela rede de ensino, sem uma formação consistente, termina por deixar a tur-
ma entregue a metodologias baseadas nos princípios da racionalidade técnica,
limitando a escrita à mera habilidade motora, assim como a leitura à decodifi-
cação de sons, de forma mecânica e fragmentando.
A partir da análise das respostas nas entrevistas, nenhuma das profes-
soras questiona a importância de iniciar esses processos desde muito cedo,
todas reconhecem a contribuição da literatura infantil e do saber contar essa
história para o trabalho de leitura na sala de aula com as crianças. Além disso,
foi possível constatar que sempre que ressaltavam a importância do trabalho
com a leitura, essa prática estava vinculada com a leitura e acesso a livros de
literatura infantil. Segundo as mesmas, o acesso a literatura infantil auxilia
no processo de aquisição de leitura nessa fase porque as crianças vão fazendo
associações e relações com as letras que elas já conhecem, identificando dessa
forma a representação das letras e as suas funções na escrita.
Vale ressaltar que o educador deve ser o mediador entre a criança e o
livro. Assim, deve privilegiar a presença do livro na sala de aula, permitindo
que a criança assista atos de leitura e ajudando a criar nos alunos, desde bem
pequenos, a ideia que lemos, letras, palavras e textos e que esses textos estão
nos livros. A partir dessa atividade, podemos perceber nas brincadeiras das
crianças, a contação de histórias para os colegas, para as bonecas, imitando
a postura do professor, pois “o ato de leitura é um ato cultural e social [...] e
permite às crianças construírem um sentimento de curiosidade pelo livro e
pela escrita” (BRASIL, 1998, p. 135).
Percebemos que são a partir das perspectivas de Abramovick (1997),
que as professoras desenvolvem o trabalho no processo para a aquisição da
leitura nas crianças. Tal fato fica evidente ao se considerar que a autora afirma
que muitos professores utilizam a literatura infantil com a finalidade apenas de
trabalhar a gramática, preencher fichas literárias e treinar leitura. Porém, esse
tipo de leitura, de forma mecanizada e, às vezes, obrigatória, não proporciona
prazer e incentivo nas crianças. Para isso acontecer, torna-se necessário que
seja estimulada nas crianças a leitura como uma forma de prazer, de deleite,
de descoberta e de encantamento.
Conforme os relatos das professoras em questão foram possíveis ob-
servar que a instituição de ensino não possui biblioteca para a exposição dos
86
livros literários e outros, nem mesmo um local adequado para a realização de
leituras para as crianças, portanto, apesar da importância de se ter um ambien-
te preparado, as professoras procuram se adaptar e não deixam de fazer esse
momento de leitura. Outro ponto observado é que os livros não estão acessí-
veis para o empréstimo às crianças, a não ser que crianças e pais demonstrem
claro interesse para treinar a leitura em casa.
Nota-se também que no processo de trabalho com a leitura, priorizam
a leitura de histórias de literatura infantil. Observamos que as crianças tem
pouco acesso aos livros, ou seja, é um pouco restrito o manuseio delas, im-
possibilitando-as de ter um contato maior esse tipo de material. Outro fator
observado é a ausência de um local adequado para a realização da leitura ou da
contação de história, espaço que é essencial na escola, se constituindo em um
lugar que trabalhe o estímulo e o incentivo dessa prática na vida das crianças,
despertando o interessas dessas pela leitura.
Para Soares (2011), ao pensarmos em livros e leitura na escola, auto-
maticamente já se associa a prática de ler ao cantinho da leitura e/ou biblio-
teca. De acordo com essa autora, a biblioteca infantil deve ser diferenciada
da biblioteca dos adultos, de modo que a exposição dos livros para o uso das
crianças deve ser de maneira que possa despertar o interesse aos olhos delas.
Para essa finalidade, os livros devem ser expostos de forma que a capa fique
de frente para a criança. Outros fatores destacados, é que elas devem aprender,
ainda nessa fase, a lidar com o processo de empréstimo desse livro, de modo a
já despertar para a identificação desse objeto, bem como se adequar às normas
estabelecidas pela biblioteca.
As análises realizadas sobre as significações e práticas de alfabetização
e letramento nos alertam para o fato de que, ao contrário da hipótese inicial
para desenvolver essa pesquisa, o professor não se pauta no espontaneísmo
para realizar seu trabalho com leitura e escrita na educação infantil, mas em
matrizes metodológicas sintéticas, como silabação, métodos fônicos, mostran-
do uma prática pedagógica tradicional, que foi duramente criticada a partir dos
anos de 1990. Contudo, é relevante considerar que a fundamentação teórica
desta pesquisa é contrária a essas práticas evidenciadas pelo objeto de estudo,
uma vez que elas priorizam a mecanização, a memorização e a subordinação.
Portanto, não incentivam o questionamento e uma prática libertadora.
Considerações Finais
87
alfabetização e letramento. Assim, visando um melhor entendimento sobre tal
questão, essa pesquisa atentou para o papel imprescindível dos educadores
enquanto mediadores da relação entre a criança e o mundo, baseando-nos na
perspectiva histórico-cultural e considerando a aprendizagem do sujeito como
uma apropriação histórica e cultural.
A partir das observações e entrevistas realizadas com as professoras
do Jardim I e II, foi possivel verificar que os educadores tem consciência da
importância da Literatura Infantil para a formação de bons leitores, e foi ob-
servado também que as professores planejam suas atividades, e tem buscado
desenvolver projetos que visam o melhoramento da leitura bem como tam-
bém da escrita. Entretanto, constatamos no depoimento das professoras, uma
fragilidade ao apresentar um referencial teórico que fundamente a sua prática
pedagógica. O que nos motivou à necessidade de pesquisas colaborativas fu-
turos visando trabalhar melhor tais conceitos.
Ao analisarmos as significações quanto os processos de alfabetização
e letramento das professoras participantes, percebemos que, apesar de duran-
te as entrevistas, as professoras atribuírem maior relevância ao letramento,
durante as atividades que realizam com seus alunos, dão mais destaque ao
processo de alfabetização, contudo de uma forma mecanizada, priorizando a
relação grafo-fônica, ensino de letras e sílabas isoladas, com ênfase no dese-
nho correto das letras e na memorização excessiva de palavras, como requisi-
to para uma grafia correta.
Destacamos, ainda, que mesmo que não tenham apresentado dificul-
dade ao definirem o que é o letramento, as práticas realizadas pelas mesmas,
em poucos casos, promovem situações de letramento por parte dos alunos,
sendo que utilizam-se quase que exclusivamente das atividades da apostila e
fotocopiadas, em detrimento de utilizar diferentes portadores de textos, livros
literários, dificultando o acesso ao aluno aos conhecimentos sobre a função
social da leitura e escrita, julgados importantes para os estudiosos dessa área.
Com isso, consideramos que apesar de alguns desafios na organização
do trabalho pedagógico, as professoras consideram que há uma relação direta
entre os processos de alfabetização e letramento vivenciado pelas crianças
na escola e a aquisição da leitura e escrita. Ainda dissociam os processos de
alfabetização e letramento, reportando à alfabetização um modelo tradicional,
concebendo-a enquanto processo de codificação e decodificação da língua es-
crita, pautada, sobretudo, na memorização inicial de sílabas simples seguidas
das sílabas complexas para a formação de palavras. Enquanto consideram que
o letramento é um processo mais amplo, segundo elas.
88
Destacamos também a relação direta que estabelecem quanto a prática
de leitura com o trabalho envolvendo literatura infantil. Ressaltam a impor-
tância da leitura pelo prazer e criatividade. Além disso, criticam práticas peda-
gógicas que tenham um caráter de “pré-alfabetização”, temendo o retorno de
um caráter propedêutico e preparatório da pré-escola. Defendem que a pré-es-
cola tenha funções específicas que vão além da aquisição de leitura e escrita.
Consideramos que esse trabalho possibilitou repensar e identificar como os
processos de práticas sociais de leitura e escrita são significadas na Educação
Infantil e nos motivou a realização de trabalhos colaborativos visando contri-
buir com a formação continuada de professoras da pré-escola.
Referências
89
KRAMER. S. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no Brasil:
educação infantil e/é fundamental. Educ.Soc., Campinas, v. 27, n. 96 – Espe-
cial, p. 797-818, 2006.
90
CAPÍTULO 8
INFÂNCIA E MÍDIA:
REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO
NARRATIVA DAS CRIANÇAS NA
CONTEMPORANEIDADE
Introdução
91
base na realidade que as estratégias midiáticas constroem e confundem o
imaginário coletivo.
De acordo com Girardello (2013, p. 108) “acolher essa ideia, contudo,
não significa dizer que a televisão e as novas mídias sejam os únicos res-
ponsáveis pela formação subjetiva das crianças [...]. Significa, antes, reco-
nhecer que a cultura das mídias assume um papel cada vez mais importante
nesse processo”.
Em meio a esse recente ideário de brincadeiras, sobretudo a explora-
ção de sites infantis como entretenimento, as crianças tecem narrativamente
suas experiências enquanto brincam. De acordo com Girardello (2011, p. 1) a
narrativa é “[...] forma de produção intersubjetiva, reprodução interpretativa
e atribuição de significado à experiência, e como espaço de autoria, diálogo e
pertencimento culturais”. A narrativa é evidenciada na conversação, no contar
e recontar histórias, na expressão gestual, na brincadeira e em tudo que se faz,
tornando essencial sua inclusão no cotidiano infantil.
Faz parte do repertório infantil ouvir, contar e inventar histórias. Pinto
e Sarmento (1997, p. 65) ressaltam que as crianças são sujeitos conscientes
de seus sentimentos, ideias, desejos e expectativas, sendo capazes de expres-
sá-los “[...] desde que haja quem os queiram escutar e ter em conta”. Diante
do exposto esse trabalho tem o objetivo de apresentar reflexões acerca da pro-
dução narrativa das crianças em meio ao contexto midiático contemporâneo,
considerando a sua produção cultural.
Com vista a essa reflexão esse estudo possui um caráter de pesquisa
qualitativa, de nível descritivo, mediada pela observação participante. Nes-
sa perspectiva, as informações são produzidas por meio da leitura direta do
fenômeno ao mesmo tempo em que compartilha a vivência dos sujeitos pes-
quisados. A pesquisa1 foi realizada com 27 crianças, com idades entre 6 e 7
anos, de uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública
do Distrito Federal, localizada na Região Administrativa do Riacho Fundo II.
Além disso, as crianças participantes da pesquisa atuaram de forma prática
realizando desenhos e participando de rodas de conversas.
1 Este texto é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “A criança e a escola: práticas corporais
em tempos e espaços institucionalizados”, defendida em 22 de junho de 2015 no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação Física da Universidade de Brasília – UnB, sob a orientação da Profa. Dra. Ingrid
Dittrich Wiggers.
92
Consideramos a educação como eixo temático deste texto, bem como
elemento propiciador de conhecimento sobre a realidade, na qual objetiva-se
extrair elementos significativos para a formação humana. Dessa forma, no
contexto desse livro, esta leitura é representativa, tendo em vista ser ponto
de partida para uma ampla discussão coletiva e interativa entre os que estão
no “chão da escola”, pesquisadores das diferentes áreas do conhecimento e
gestores educacionais.
As narrativas infantis
93
A incidência da cultura midiática, especialmente a televisiva, nas nar-
rativas orais das crianças, assume um tempo e espaço relevante no cotidiano
da criança. Girardello (2013, p. 112) destaca que a televisão apresenta “acon-
tecimentos, pessoas e lugares a que dificilmente teriam acesso de outro modo,
permitindo-lhes viajar no tempo e no espaço”. Ressalta também que os con-
teúdos e linguagens, além do contexto da recepção e da qualidade geral da
vida da criança determinam os elementos positivos ou negativos de sua ex-
posição. Contudo, Machado e Wiggers (2012), evidenciaram que elementos
em torno de programas de televisão destinados ao público adulto também são
incorporados ao imaginário lúdico infantil. Assim, evidenciam que não só de-
senhos infantis influenciam o imaginário e brincadeiras infantis.
No contexto da escola pesquisada destacamos a influência televisiva
permeando o imaginário infantil a partir dos desenhos e relatos acerca das
brincadeiras preferidas. A figura 1 representa o desenho de Neymar2 (6 anos)
que evidencia a modalidade esportiva futebol com as suas mais sutis possi-
bilidades, tais como a prática do jogo propriamente dito, o esporte como um
espetáculo e o esporte como meio transposição social.
Na Figura 1, o autor do desenho se representa jogando futebol na escola
com seus amigos, bem como assistindo ao jogo pela televisão e em um estádio.
Observa-se, em seu desenho, a presença de cadeiras que indicam a estrutura de
um estádio de futebol e bandeiras de times retratando uma possível competição.
2 Devido ao caráter ético postulado na pesquisa os nomes de registro das crianças foram substituídos por
outros nomes (fictícios) que elas mesmas escolheram.
94
Na parte superior, à direita do desenho, a criança revela estar sentado
no sofá de sua casa assistindo a uma partida de futebol transmitida pela TV.
O nome fictício Neymar escolhido por essa criança também indica seu favo-
ritismo por esse esporte, mas também carrega em sua narrativa aspectos rela-
tivos a um desejo em ser como seu ídolo. “Escolhi esse nome, pois quero ser
jogador de futebol profissional igual a ele. Quero ganhar dinheiro e ajudar a
minha família e um monte de gente” (NEYMAR, 6 anos. DIÁRIO DE CAM-
PO, 28/04/2014, p. 29).
Nesse desenho podemos evidenciar o esporte espetáculo, difundido
pela mídia televisiva influenciando as narrativas infantis em relação às suas
brincadeiras preferidas. Quanto a essa evidência, Betti (1997) destaca o sur-
gimento do que se denomina “esporte telespetáculo”, fenômeno construído
pela televisão. O esporte telespetáculo é uma realidade textual relativamente
autônoma, construída pela mediação do olhar interessado das câmaras
televisivas. Porém, há um sujeito especial, o telespectador, que experimenta
as sensações do jogo de maneira quase passiva, mas nada o impede de
transportar suas experiências para o campo real. Para essas crianças o fato de
serem telespectadores parece lhes permitirem agregar movimentos corporais
às suas brincadeiras de maneira que os tornam mais habilidosos durante o jogo
de futebol na escola.
Para Brougère (2000, p. 54), o “grande valor da TV para a infância é
oferecer às crianças [...] uma linguagem única e comum”, mesmo para aquelas
que estão em ambientes distantes ou diferentes. A lembrança de um herói ou
de um personagem de um desenho animado é suficiente para que as crianças
comecem a brincar, regulando seus comportamentos e ações a partir de um
conhecimento comum que têm do referido personagem ou desenho.
Observando as crianças entre seus pares, percebe-se que muitos de seus
brinquedos referem-se a um determinado personagem de desenho animado ou
a um programa de televisão. A mídia, mais especificamente a televisão, faz
parte da cultura e a criança é produto e produtora desta. Como nos alerta Ben-
jamin (2002), a criança não é um ser isolado, separada do mundo e dos povos.
Por isso assiste à televisão e diante dela e de seus produtos, produz cultura,
conhecimento, interpretações de mundo. Sabemos que a mídia permite uma
abertura ao outro, em que podemos escutar outras palavras e ver outras faces
e lugares até então não acessíveis.
95
Dessa forma, observou-se a influência da mídia nas narrativas e prefe-
rência das crianças em relação ao time de futebol, aos brinquedos e brincadei-
ras, assim como em relação a objetos de usos escolar. Porém, de acordo com
Siqueira, Wiggers e Souza (2012) a mídia influencia mas não determina as
escolhas e as práticas corporais infantis. Buckingham (2007), acredita que os
meios de comunicação incentivam a criatividade e a criação de uma cultura
coletiva, bem como debilitam as formas de regulamentação e controle. Isto é,
a mídia permite às crianças serem autoras de seus próprios repertórios cultu-
rais escrevam em uma multiplicidade de formas distintas.
Ao analisarmos a Figura 2, constatamos o computador e os softwares de
jogos um outro brinquedo e brincadeira prediletos das crianças. Em diálogo é
afirmado por uma criança que o tempo destinado a aula de informática é um
momento de diversão, pois “a gente fica mais livre, podendo mexer no com-
putador, brincar com jogos de montar casa, bonecos e pizzas e assistir a filmes
e desenhos” (JESSICA, 7 anos. DIÁRIO DE CAMPO, 30/04/2014, p. 35).
96
autônoma das crianças. Sugere que o papel da mediação adulta e o da rique-
za simbólica do entorno cultural geral são fundamentais na recepção infantil
de televisão, além de determinantes na qualidade das experiências infantis
com a internet.
A autora citada acima apresenta uma análise dos resultados obtidos por
meio de pesquisa realizada em 2001 com 90 crianças de primeiro ano do en-
sino fundamental em quatro escolas de diferentes contextos sociais da região
de Santa Catarina. Realizou-se com essas crianças entrevistas e grupos focais
a partir de temas de suas culturas rotineiras, “[...] descrição do cotidiano, os
jogos, brinquedos e brincadeiras, o espaço e o tempo de lazer de que elas dis-
põem, as preferências e padrões de consumo familiar [...]” (GIRARDELLO
2008, p. 134). Entre outros aspectos buscou-se entender o cotidiano familiar,
bem como atentou-se para o imaginário das crianças.
Farias (2015) enfatiza que o cotidiano se revela na convergência de
vários cenários, que em meio a generalidades, ao movimento e rotatividade
das interações entre os sujeitos, expõe singularidades, que são pontos funda-
mentais para o seu entendimento. “Não representa meras repetições de ações,
mas reajustes dentro de um mesmo contexto espaço-temporal, reajustes esses
que, sutilmente, expõem traços identitários da comunidade e, conquanto, dos
sujeitos que lá estão” (FARIAS, 2015, p. 38). Isto é, o cotidiano representado
na dinâmica da comunidade e do entorno tem incidência direta na organização
social e nas relações lá concebidas.
Para as crianças da turma pesquisada suas narrativas veiculam represen-
tações, na maioria das vezes sutis, sobre formas de ser e estar no mundo, que
concorrem para a formação de identidades e subjetividades. Cantar e dançar
de determinada forma, preferir determinado brinquedo, usufruir determinado
bem, imitar o personagem do programa favorito significa possuir uma certa
identidade, “estar dentro”, “tornar-se um igual”, participar de uma linguagem,
ocupar um espaço social. Tais interpretações aparecem claramente nos discur-
sos e nas representações gráficas das crianças.
97
mos que a cultura lúdica infantil envolve diversos elementos, especialmente a
mídia. A infância “conta de si” nas criações e recriações de narrativas. Neste
ambiente realizam trocas, compartilhamentos e criação de cultura. O modo
como interagem e relacionam-se com o mundo define as preferências de qual
narrativa utilizar para facilitar as imaginações.
Cabe aqui referir, ao menos enquanto síntese, a concepção de autoria
narrativa infantil que tem sido possível delinear, a partir da articulação entre
o eixo da mídia-educação. Trata-se de uma concepção lúdica, que equili-
bra criação individual com apropriação cultural e compartilhamento social.
É também uma concepção colaborativa, onde cada criança experimenta com
singularidade e logo compartilha com seus pares por meio do processo de
contar e encenar histórias juntas, mediante gestos, palavras faladas, escritas
e cenas imaginadas.
Por intermédio das narrativas infantis sob a forma de brincadeiras as
crianças recordaram suas experiências pessoais e imergiram no mundo da
imaginação demonstrando sua subjetividade. Os conteúdos mais relevantes
nas narrativas foram os enredos presentes na mídia televisa: filmes, telenove-
las, desenhos animados de várias categorias, inclusive exibindo conteúdos de
lutas e violência.
Sendo assim, os discursos veiculados nas mídias, tecem teias de sig-
nificado entrelaçados com as culturas infantis, uma vez que dialogam com
o cotidiano e viram repertório lúdico. Conquanto, há de se ressaltar que as
mensagens midiáticas se manifestam nas práticas corporais infantis expon-
do modos de agir, de se relacionar e imaginar, porém não se restringem a
apenas esse vetor de significações, dependendo também de outros espaços
sociais em que a criança aprende valores e costumes, tais como a escola,
a família, a comunidade.
Então, neste momento de reflexão, em que nos remetemos, especial-
mente às crianças, é necessário pensar sobre como elas absorvem e recebem o
que a mídia lhes oferece. Sobre isso, considera-se que não consiste em evitar
a televisão, jogos eletrônicos ou a internet, mas planejar atividades pedagógi-
cas, para a formação, desde cedo, de um telespectador e consumidor autôno-
mo, crítico, responsável e engajado com os aspectos sociais e ambientais do
contexto em que estiver inserido.
98
REFERÊNCIAS
BUCKINGHAM, David. Crescer na Era das Mídias. São Paulo: Loyola, 2007.
99
MACHADO, Sheila da Silva. Vivo ou Morto? O corpo sob olhares de crian-
ças. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educa-
ção Física. Universidade de Brasília. Brasília, 2013.
100
CAPÍTULO 9
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E
O SENTIDO DE GESTÃO ESCOLAR
E DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO
Introdução
101
Gestão escolar e qualidade educacional:
duas perspectivas
102
econômicos (proprietários dos meios de produção; burguesia,
usando uma definição marxista) pudessem investir a seu modo
os seus bens. Na perspectiva liberal, o Estado deixa de regular a
relação entre empregador e trabalhador, entre patão e empregado,
entre burguesia e proletariado. Isso fatalmente conduz as relações
de produção a uma situação de complexa exploração da classe
proprietária sobre a classe despossuída. (OLIVEIRA, 2010, p. 6)
103
qual unidade escolar matriculará o aluno. Sobre esse modelo implementado
nos EUA, Ravitch (2011, p. 148) apresenta uma análise da atual situação do
sistema educacional americano que aos poucos se aproxima da atual realidade
da educação brasileira e que serve como base para analisarmos o que se apro-
xima da educação pública brasileira.
104
Contrapondo à política neoliberal, outra concepção de qualidade edu-
cacional ocupa o espaço das ideias e das práticas: a qualidade referendada
não no mercado, mas no social. Nessa perspectiva, a educação é um direito de
todos e não pode ser distribuída de forma desigual, por isso ela é social.
105
interesse mercadológico. Nessa epistemologia, o trabalho é
considerado atividade essencial do homem, por meio do qual o
homem se faz humano e constitui a humanidade. O trabalho do-
cente é, nessa epistemologia, compreendido como prática social
de formação humana no seio das práticas sociais mais amplas.
Tomando a práxis como categoria basilar para a compreensão do
trabalho docente, as concepções de formação, professor, ensino,
aprendizagem remetem à categoria de transformação social em
sentido emancipador.
A gestão escolar, como vimos, tem adquirido cada vez mais o sentido
da lógica neoliberal, que há décadas vem influenciando a educação pública
brasileira. Por meio da gestão, busca-se a materialização das políticas de ca-
ráter neoliberal. A contraposição aos direcionamentos dessas políticas exige
compreender as concepções de gestão, tanto as de caráter hegemônico quanto
as de caráter contra-hegemônico, para a tomada de um posicionamento crítico
em relação à educação escolar e à atuação do gestor que pretende atuar nos
princípios da qualidade social de educação.
106
Na literatura pedagógica encontram-se inúmeras sínteses dessas con-
cepções. Neste texto recorreu-se a Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) para a
construção da síntese das concepções de organização e de gestão escolar. As
concepções de organização e de gestão escolar, segundo esses autores, são de
cunho filosófico e orientam a forma de organização escolar. Elas podem ser
classificadas em quatro modelos sob dois enfoques: Técnico-científica, no en-
foque científico-racional; Autogestionária, Interpretativa e Democrático-par-
ticipativa, no enfoque sociocrítico, que leva em conta as questões sociais e as
questiona (Quadro 1).
Democrático-
Técnico-científica Autogestionária Interpretativa
participativa
Prescrição detalha- Vínculo das formas A escola é uma rea- Definição explícita, por par-
da de funções e ta- de gestão interna lidade social subjeti- te da equipe escolar, de ob-
refas, acentuando a com as formas de au- vamente construída, jetivos sociopolíticos e
divisão técnica do togestão social (po- não dada nem obje- pedagógicos da escola.
trabalho escolar. der coletivo na escola tiva.
para preparar formas
de autogestão no pla-
no político).
107
Ênfase na adminis- Ênfase na autoor- A ação organizado- Qualificação e competên-
tração regulada (rí- ganização do grupo ra valoriza muito cia profissional.
gido sistema de de pessoas da insti- as interpretações,
normas, regras, pro- tuição, por meio de os valores, as per-
cedimentos burocrá- eleições e de alter- cepções e os signi-
ticos de controle. nância no exercício ficados subjetivos,
das atividades), des- de funções. destacando o cará-
cuidando-se, às ve- ter humano e pre-
zes, dos objetivos terindo o caráter
específicos da insti- formal, estrutural,
tuição escolar. normativo.
Fonte: elaborado pelos autores, com base em Libâneo, Oliveira e Toschi (2012).
108
A gestão escolar pode ser compreendida como um conjunto formado
pelo agrupamento organizado em forma de trabalho coletivo vivenciado pelo
conjunto de indivíduos que compõem a unidade escolar. De acordo com Libâ-
neo, Oliveira e Toschi (2012, p. 444): “A organização e os processos de gestão
assumem diferentes modalidades, conforme a concepção que se tenha das fi-
nalidades sociais e políticas da educação em relação à sociedade e à formação
dos alunos”. Com base nessa argumentação, a compreensão sobre a finalidade
da educação e da escola orienta a escolha de determinada concepção de orga-
nização e de gestão escolar.
Na concepção técnico-científica “prevalece um visão burocrática e téc-
nicas de escola. A direção é centralizada em uma pessoa, as decisões vêm
de cima para baixo e basta cumprir um plano previamente elaborado, sem a
participação de professores, especialistas, alunos e funcionários” (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 445). Verifica-se nessa concepção que o foco
é o cumprimento de regras burocráticas e que as decisões são tomadas ape-
nas pelo pequeno grupo gestor, sendo negado aos demais negado o direito à
participação. Destaca-se a subordinação do coletivo ao gestor e seu pequeno
grupo, os quais passam a decidir com base em regras e pouca participação dos
professores, alunos, pais e demais funcionários.
Na concepção autogestionária, a gestão é baseada no coletivo e não em
um representante. Significa autogestão de determinado grupo, ou seja, auto-
gestão baseada no coletivo.
109
Essa concepção propõe a eliminação das decisões centralizadas em uma
só pessoa ou em um grupo específico e propõe ao grupo condições para se
autogerirem.
Já a concepção interpretativa “considera como elemento prioritário
na análise dos processos de organização e gestão os significados subjetivos,
as intenções e a interação das pessoas” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI,
2012, p. 446). Essa concepção de organização e de gestão escolar opõe-se à
concepção técnico-científica, pois enfatiza “menos o ato de organizar e mais
a ‘ação organizadora’, com valores e práticas compartilhados” (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 449, grifo dos autores).
Por fim, a concepção de organização e de gestão escolar demo-
crático-participativa “acentua a necessidade de combinar a ênfase sobre as
relações humanas e sobre a participação nas decisões com as ações efetivas
para atingir com êxito os objetivos específicos da escola.” (LIBÂNEO; OLI-
VEIRA; TOSCHI, 2012, p. 448). Esse modelo de gestão, embora dificulte o
processo de tomada de decisões, uma vez que são tomadas em grupo, divide
a responsabilidade da decisão tomada, que passa a ser do grupo e não apenas
do gestor ou do grupo gestor.
Na gestão democrático-participativa, compreende-se a participação
como “principal meio de assegurar a gestão democrática, possibilitando o en-
volvimento de todos os integrantes da escola no processo de tomada de deci-
sões e no funcionamento da organização escolar” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2012, p. 450). A participação para os alunos e demais usuários da
escola se configura em direito de propor, de falar e de ser ouvido, estimula os
alunos e familiares bem como os funcionários de forma geral a se envolver
mais no cotidiano da escola e reconhecer através da participação a sua impor-
tância para conquistas de objetivos, através do engajamento que a participação
coletiva proporciona.
Na perspectiva aqui adotada, este é o modelo de gestão que se articula
à concepção de qualidade educacional socialmente referendada, pois valoriza
processos emancipatórios de formação e de atuação social.
Considerações finais
110
preconizadas pelas políticas educacionais. A discussão apontou que essas po-
líticas têm atribuído à direção escolar a “gerência” de uma educação pública
voltada para o atendimento a demandas econômicas com uma qualidade regi-
da pelos princípios mercadológicos.
A escola, regida por essa gestão, assume a função de formar os quadros
da força de trabalho de que a sociedade capitalista necessita para desenvol-
ver-se economicamente, sem que isso represente romper com a desigualdade
social estrutural, concebida como natural pelos ideólogos do neoliberalismo.
Contrapor-se a essa visão exige compreender a escola como espaço de
formação humana e a gestão escolar como trabalho de direção das ativida-
des escolares tendo a participação de todos os envolvidos na prática educati-
va como imprescindível nos processos decisórios. Para isso, é importante ao
gestor que busca atuar na contra-hegemonia o reconhecimento das diferentes
concepções que orientam práticas de gestão escolar, como parte do esforço
que deve empreender para a efetivação da educação como práxis educativa.
A escola, ao aderir à gestão democrática com participação, assume a
função social de formar pessoas para a participação ativa na sociedade. Os
gestores, empenhados nessa formação, devem buscar compreender a gestão
escolar no contexto da educação neoliberal para atuar de forma crítica em prol
uma educação pública de qualidade socialmente referendada.
REFERÊNCIAS
111
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e Gestão da Escola: teoria e prática.
6. ed. São Paulo: Heccus Editora, 2013.
LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Sea-
bra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2012.
112
CAPÍTULO 10
NESTA SINA DE MUDAR:
UM CURRÍCULO PARA ESTUDANTES
EM SITUAÇÃO DE ITINERÂNCIA NA
PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
Caravanas
Nesta sina de mudar
Vão indo, de lugar a lugar
Não se cansam
Levam na bagagem
Amor e esperança.
(Adriana Rodrigues)1
113
Nossas reflexões fundamentam-se no entendimento de que o nomadis-
mo cigano opera como representação resultante da fusão de discursos mi-
tológico-científicos e práticas sociais cotidianas derivadas de perseguições e
exílios que reforçam a identidade pela experiência comum da diferença e a al-
teridade inscrita no campo das relações interétnicas como experiência coletiva
comum de deslocamento geográfico/social, compreendendo que a identidade
cigana é construída na língua e nas tradições culturais baseadas em represen-
tações, memórias e impressões cristalizadas na consciência coletiva.
Nesse prisma, a perspectiva de educação pautada na tradição e na dina-
micidade do grupo é uma demanda social circunscrita no estereotipo que a so-
ciedade tem sobre os ciganos, vistos como ignorantes, desonestos e indolentes.
Assim, mesmo os assentados, dificilmente adaptam-se às escolas regulares,
pois precisam camuflar sua identidade para serem aceitos. Por se identificarem
fortemente com suas tradições e língua, os calon optam por abandonar essa
escola. Por essa razão, é premente a necessidade de se desenhar um currículo
que não ignore os valores e tradições culturais desse povo em uma escola que
funcione como espaço de diálogos, no qual o grupo se identifique e preserve
sua língua e cultura, na perspectiva de uma educação convergente.
Assim, nosso objetivo é suscitar reflexões com vistas a construir uma
proposta curricular que levem os alunos-professores a repensarem suas prá-
ticas pedagógicas e a construir um projeto coletivo passível de aplicação em
espaços não tradicionais de educação.
Assim, pautamos nossas reflexões a partir da experiência como profes-
soras de Língua Portuguesa, respaldada em pesquisa realizada em uma Tenda
Escola, considerando o contexto de dois grupos ciganos de etnia calon, cujos
acampamentos situam-se no Córrego do Arrozal em Planaltina e na Rota do
Cavalo, em Sobradinho, ambos localizados no Distrito Federal.
Quem são os ciganos? O que os caracteriza? Qual a sua religiosidade?
De que maneira se organizam enquanto cultura? Há uma única identidade
cigana ou várias identidades ciganas? Qual é a sua origem? Essas são apenas
algumas das muitas perguntas que fizemos quando resolvemos adentrar nos
mistérios do mundo cigano e que nos serviram de mote para essa reflexão.
É preciso destacar o quanto esse povo, de minoria étnica, é marcado
pela discriminação de toda ordem, de sua linguagem, de suas vestimentas, de
seu modo de viver a pouco se prender a bens materiais, o que soa divergente
114
quando relacionado com a cultura dominante dos não-ciganos. Esse povo
aspira por visibilidade, por querer “ser alguém” e por ser aceito socialmente
sem precisar negar sua cultura. Os ciganos têm forte apreço por suas caracte-
rísticas culturais e identitárias e sofrem quando são obrigados a camuflar suas
identidades por receio de serem estigmatizados pela sociedade por sua con-
dição de ciganos, o que muitas vezes os impedem até de conseguir trabalho
formal. Para eles, a língua é uma questão identitária muito forte. Por isso, não
costumam ensinar o dialeto chibi a ninguém, pois além de marca identitária,
a língua é para eles uma forma de se resguardar de possíveis problemas com
os não-ciganos.
115
Sabe-se que o processo de letramento escrito nesses contextos é com-
plexo, uma vez que os ciganos são conhecidos por não terem registros escritos
sobre suas práticas sociais, o que é feito de maneira bem comum por meio
da oralidade. Essa escolha, muitas vezes, decorre da busca de preservação de
suas identidades como povo e também devido aos constantes casos de pre-
conceitos existentes nas escolas de ensino regular, o que têm provocado o
abandono escolar.
Nossas reflexões estão, portanto, ancoradas na observação participante
na comunidade cigana, nas notas de campo e nas entrevistas com os integran-
tes dessa comunidade de ciganos, além dos dados gerados a partir de eventos
de alfabetização e letramentos ocorridos no interior das comunidades e nos
eventos interativos com os colaboradores ciganos.
Antes de qualquer proposta, há que se pensar nos aspectos metodoló-
gicos que a sustentam. A questão que direcionou este estudo apoiou-se nas
contribuições da Sociolinguística, das teorias dos Letramentos, do Multicul-
turalismo e dos estudos identitários para a criação de uma proposta de um
currículo intercultural e inclusivo que atenda pessoas dessas comunidades
considerando sua diversidade. Nesse contexto, destacamos a necessidade de
se implementar na formação de professores um currículo interdisciplinar e
multicultural que venha responder às carências educacionais de um grupo,
analisando sua cultura, sua cosmovisão, o uso de um dialeto específico como
sua marca identitária, entre outros.
Ao participarmos da vida dessa comunidade, foi possível fazer uma
reflexão crítica acerca da percepção de questões voltadas à manutenção das
tradições culturais do grupo diante do modelo de escola formal apresentada
como alternativa para o início ou continuação dos estudos, considerando
também a percepção dos professores que lecionam para as crianças e jo-
vens ciganos e dos próprios ciganos residentes no acampamento, que não
têm e nunca tiveram experiências em escolas regulares, uma vez que, his-
toricamente, o conhecimento a que tiveram acesso era repassado oralmente
por ciganos mais idosos. Os ciganos fazem questão de afirmar que “o povo
cigano é uma nação dentro do Brasil”. Nesse sentido, eles fazem referência
a um grupo muito grande de pessoas que vive no Brasil e que apresenta ca-
racterísticas bem peculiares.
116
“Levam na bagagem amor e esperança”
Ciganos são povos que, por sua tradição e histórico cultural, não se
fixam a uma terra específica, e compondo um grande número de pessoas que
circulam e vivem no território brasileiro, são, pois, cidadãos que também me-
recem um olhar atencioso ao seu processo de educação escolar.
Contudo, a condição de itinerância tem afetado, sobremaneira, a matrí-
cula e o percurso na Educação Básica de crianças, adolescentes e jovens per-
tencentes a esses grupos, assim como os indígenas, trabalhadores itinerantes,
acampados, artistas e demais trabalhadores circenses em parques de diversão
e teatros mambembes. Portanto, é necessária uma reflexão sobre as condições
que impedem esses grupos de frequentar regularmente uma escola, desenca-
deando a descontinuidade na aprendizagem, e, consequentemente, levando-os
ao abandono escolar, impedindo-lhes a garantia do direito à educação.
Há que se refletir sobre o tema, então, em uma formação de professo-
res que se comprometa com a elaboração de um currículo que considere as
especificidades dos grupos ciganos, tendo em vista que os paradigmas educa-
cionais atuais, e legislação da educação voltadas para ciganos no Brasil são
apenas adaptadas.
Moreira (2001) já chamava a atenção para a necessidade de a educação
multicultural estar inserida no currículo pedagógico das instituições de ensino
de nível superior tanto públicas quanto privadas, pois considera importante
fator na formação de professores. Sobre esse assunto, Moreira (2001, p. 43)
traz um importante questionamento, o qual trazemos à nossa reflexão:
117
a grande diversidade cultural brasileira e acaba ofertando uma educação
monocultural. Assim, é essencial repensarmos os currículos pautando-nos
nas raízes históricas da formação do povo brasileiro. É preciso que a escola
seja reinventada.
Arroyo (2012, p. 12) destaca a importância de uma pedagogia que
considere os coletivos populares, seus saberes e cultura, assegurando que é
preciso mudar o rumo da história de uma “pedagogia desumanizante, destru-
tiva de suas culturas, valores, memórias, identidades coletivas”. Diante disso,
é urgente repensar essas pedagogias e abrir as escolas para os outros saberes,
para os outros sujeitos.
118
sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu
projeto social, sua “verdade”. Nesse sentido, o currículo representa o conjunto
de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significa-
dos que contribuem para a construção de identidades sociais e culturais.
Nesse contexto, o currículo que propomos leva em consideração toda
a comunidade escolar, que direta ou indiretamente encontra-se envolvida no
processo ensino-aprendizagem: os alunos, os professores, os gestores, os téc-
nicos administrativos e demais funcionários. Para isso, nos valemos de alguns
princípios propostos por Moreira é Candau (2007, p. 96):
119
Penetrar no universo de preconceitos e discriminações pre-
sentes na sociedade brasileira – é o reconhecimento do caráter
desigual, discriminador e racista de nossa sociedade. Devemos,
pois, questionar o caráter monocultural, assim como o etnocen-
trismo presentes nas políticas educativas e, consequentemente,
na escola. Diante dessa realidade, devemos nos perguntar quais
os critérios utilizados para a seleção dos conteúdos escolares.
Articular igualdade e diferença – devemos articular as polí-
ticas educativas e práticas pedagógicas o reconhecimento e a
valorização da diversidade cultural em nossas escolas.
Resgatar os processos de construção de nossas identidades
culturais – é importante para a construção de um currículo in-
clusivo e intercultural que se considere as histórias de vida das
diversas identidades culturais que permeiam nossa sociedade,
evitando, desse modo, a visão das culturas como universo fecha-
do, puro e genuíno.
Promover experiências de interação sistemática com os ‘ou-
tros’ - ao se promover a interação entre as diversas culturas de
modo a romper com a ‘guetificação’ nas instituições educativas,
é necessário experimentarmos a interação entre as diversas for-
mas expressão, assim como dos modos de viver de toda a co-
munidade escolar. De igual modo, devemos ter o cuidado para
não transformarmos a proposta de uma educação intercultural a
meros momentos, atividades ou situações específicas ou privile-
giar um grupo em detrimento dos demais, pois nossas escolhas
podem afetar, sobremaneira, a seleção curricular, as atividades
extraclasse, o papel do professor para com a comunidade esco-
lar, as linguagens e também a própria organização escolar.
120
vas sobre eles nas salas de aula. Além disso, estabelecer parcerias entre uni-
versidades e comunidades ciganas para atendimento de educação escolar nos
acampamentos, o que ajudará na formação de professores na perspectiva de
trabalho inclusivo e intercultural.
As crianças e jovens ciganos têm muitas dificuldades em permanecer
nas escolas tradicionais por serem vistos pelas outras crianças como “diferen-
tes”, por uma série de fatores como idade superior ao da maioria das crianças
da turma ou porque a escola não aborda temas de suas vivências. Não é raro
que crianças ciganas acreditem que aquela escola não é para elas porque nada
lhes diz. Esse fato acaba por gerar o abandono escolar.
Ao confrontar o que dizem os teóricos que tratam do tema apresen-
tado, podemos constatar que o abandono escolar pelos ciganos decorre de
alguns fatores: a) a vida nômade impossibilita que frequentem regularmen-
te a escola. No entanto, é bom lembrar que o cigano não é nômade porque
assim o quer, mas porque, muitas vezes, é obrigado a circular pela cidade
ou para fora dela por ordem das autoridades locai, é o que se denominou
por muito tempo ‘colocar os ciganos em movimento’; b) as condições de
vida nos acampamentos geralmente são bastante precárias. Não há sanea-
mento básico, assim como não há escolas só para as crianças, jovens e adul-
tos ciganos. Quando há escolas pelas redondezas, essas atendem a crianças
pequenas e quando chegam os adolescentes ciganos, ainda em fase de al-
fabetização, a situação causa um certo estranhamento e desconforto tan-
tos para os estudantes ciganos quanto para os não-ciganos; c) existe muito
preconceito e discriminação em relação às crianças e adolescentes ciganos,
manifestadas nas escolas por meio de agressão, rejeição ou hostilidades.
Essas situações podem se relacionar a atitudes de professores, diretores,
pais de alunos não-ciganos ou até pelos próprios estudantes; d) as crianças
ciganas costumam ser penalizadas nas escolas com notas baixas e outras
atitudes e também pela ridicularização de sua cultura. Assim, o ensino es-
colar resultará em mudanças de valores culturais das crianças ciganas, que
aprenderão os valores não-ciganos, fazendo com que os pais evitem que
seus filhos frequentem tais escolas.
Para que a educação seja inclusiva para os ciganos, ela precisa ser tam-
bém intercultural e a escola precisa considerar e respeitar a pluralidade cultu-
ral de todos os seus alunos.
121
À guisa de conclusão
REFERÊNCIAS
122
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. A recente produção científica sobre
currículo e multiculturalismo no Brasil: avanços, desafios e tensões. Revista
Brasileira de Educação, 2001.
123
CAPÍTULO 11
EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA
NA CONTEMPORANEIDADE:
DESAFIOS EDUCATIVOS DO
MUNDO ATUAL E AS AULAS
DE LÍNGUA PORTUGUESA
Introdução
124
O mundo digital e a cultura digital apontam para uma diversidade de formas
e modalidades de leitura e escrita, o que supõe uma alfabetização múltipla,
incluindo o letramento/alfabetização digital. Tudo isso interfere no desenvol-
vimento cognitivo e emocional dos indivíduos.
Diante dessas mudanças, surgem os desafios, aparecem as incertezas:
como as salas de aula podem enfrentar os desafios educativos do mundo atual?
Há a necessidade de reinventar a si mesma? O que é necessário aprender?
Como devemos pensar a formação inicial de professores nesse contexto?
As mudanças que impactam mais diretamente a educação hoje tra-
zem gradativamente ao discurso educacional a preocupação em formar es-
tudantes que sejam capazes de resolver problemas; que sejam capazes de
continuar aprendendo; que sejam preparados para o trabalho; que exerçam
a cidadania; que desenvolvam autonomia intelectual e pensamento crítico.
Se a formação de estudantes na educação básica está permeada por essas
questões, consequentemente, nos cursos de formação de professores, elas
também estarão presentes.
Ante tal contexto, retomamos Paulo Freire. Para nos ajudar a encarar
os desafios educativos anteriormente apontados, vamos retomar duas obras
de Freire em especial: Pedagogia do Oprimido (1996) e a Importância do
Ato de Ler (1989).
Em a Pedagogia do Oprimido (1996, p. 58), o autor tece reflexões acer-
ca da educação bancária. Para ele, uma educação que não leve em conside-
ração que os educandos são sujeitos do processo e, que, portanto, devem ser
ouvidos e atuar como partícipes no processo de construção de suas aprendi-
zagens “nega a educação e o conhecimento como processo de busca”. Em
uma educação bancária, em que os estudantes são vistos como receptores
de conhecimento, “não há criatividade, não há transformação, não há saber”
(p. 57). Freire destaca que o “saber se encontra na busca constante que se faz
no mundo, com o mundo e com os outros” (p. 57). Essa busca de conhecimen-
to permite o desenvolvimento de uma consciência crítica, capaz de inserir os
estudantes como sujeitos, transformadores do mundo.
Dessa forma, as exigências de formação que se apresentam hoje para o
contexto educacional nos levam à conclusão de que aquilo que Paulo Freire
apontava em a Pedagogia do Oprimido precisa ser retomado no atual contex-
to. A educação bancária, que não considera as experiências dos sujeitos que
125
adentram a escola, hoje oriundos de diversos públicos, e que pratica o silen-
ciamento em vez do diálogo, não será capaz de responder aos desafios postos.
A reflexão acerca da educação bancária pode ser acrescida das questões
trazidas à luz em A importância do ato de ler (1996). Neste trabalho, as deias
de Freire acerca do ato de ler vão ao encontro de algumas questões levantadas
anteriormente. Se “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”, é inegável
a importância das experiências, das vivências, da cultura em que os sujeitos
estão inseridos na leitura dos textos. O leitor, nessa perspectiva, apresenta-se
ativo no processo: a decodificação da palavra escrita não é suficiente, é preci-
so ir além, usar o conhecimento de mundo, contextual, em um “movimento do
mundo à palavra e da palavra ao mundo” (p. 13).
Essas questões trazidas por Freire, quando lidas na contemporaneidade,
são acrescidas de outras, que permeiam o contexto marcado pela tecnologia di-
gital. Considerar os contextos dos educandos na atualidade requer que tomemos
a tecnologia como espaço de novas práticas sociais, culturais e de linguagem.
Sobre isso, Barbosa (s/d) adverte-nos de que trabalhar na perspectiva
desses novos e multiletramentos não pode se restringir a propor que estu-
dantes façam na escola o que já fazem fora dela. Para ela, as discussões e
atividades devem envolver as dimensões ética, estética e política. Podemos
aqui retomar as reflexões de Freire acerca do movimento do mundo à pala-
vra e da palavra ao mundo considerando o contexto da cultura digital em que
as atuais gerações estão imersas.
Assim, levadas pela inquietação acerca dos desafios postos aos profes-
sores de língua portuguesa ante o contexto acima delineado, desenvolvemos
uma pesquisa de natureza qualitativa que pretendeu investigar a perspectiva
de ensino subjacente ao componente curricular língua portuguesa em uma
instituição pública que oferta ensino médio. Com base nos resultados dessa
investigação, fizemos propostas pedagógicas, com base na perspectiva dos
multiletramentos, para o ensino de língua portuguesa no ensino médio, visan-
do a possibilitar a inclusão dos estudantes em práticas efetivas e relevantes de
uso da língua. Acreditamos que os resultados dessa investigação podem trazer
reflexões relevantes para a formação de professores de língua portuguesa.
Nas próximas seções, passaremos à descrição da pesquisa e à apresen-
tação dos resultados e de um exemplo de proposta pedagógica com base na
estratégia da sala de aula invertida.
126
Desenvolvimento
127
textos possibilita o acesso à determinada cultura letrada, o que aponta, na con-
temporaneidade, para uma perspectiva mais restrita das práticas de letramento
em leitura. A literatura, embora tenha relevante papel no desenvolvimento da
leitura, precisa ser incluída em um programa que envolva a diversidade de
gêneros que circulam na sociedade, inclusive os que circulam em meio digital.
Além do texto literário canônico, alguns documentos norteiam mais
diretamente o planejamento e a organização do trabalho pedagógico des-
ses professores: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e Currículo em
Movimento (Secretaria de Educação do Distrito Federal - SEDF), além das
obras literárias do Programa de Avaliação Seriada (PAS/UnB) e Exame Na-
cional do Ensino Médio (ENEM). Os PCNs e o currículo em movimento
apontam para uma diversidade maior de gêneros. Dessa forma, pode-se de-
preender a coexistência de uma perspectiva mais tradicional, centrada no
texto literário canônico, juntamente com uma perspectiva mais abrangente
acerca das práticas de letramento. Há que se considerar também a influência
das avaliações externas.
Sobre o livro didático, os professores percebem a sua importância como
uma ferramenta de apoio para alunos e professores, tendo em vista a desigual-
dade existente na educação brasileira. Mesmo reconhecendo a sua importân-
cia, mostram-se críticos em relação a esse recurso, apontando para o fato de o
trabalho pedagógico não poder se reduzir a isso. Os professores destacaram a
preferência pela criação do próprio material, o que revela maior possibilidade
de considerar o contexto dos estudantes.
Em relação aos gêneros textuais que circulam em meios digitais, reve-
laram certa dificuldade em incluí-los na cultura da sala de aula. Destacaram
a necessidade de desenvolver o letramento digital em suas próprias rotinas.
Essa questão trazida nas entrevistas aponta para a necessária inserção dessas
temáticas na formação inicial e continuada de professores.
Sobre as metodologias adotadas nas aulas de língua portuguesa, desta-
ca-se a experiência de uma das professoras que trabalha com uma abordagem
baseada na pedagogia de projetos e que inclui diferentes formas de avaliação
respeitando as múltiplas inteligências e os modos de expressão. O trabalho
pedagógico desenvolvido por essa professora vai ao encontro das questões
discutidas na introdução acerca de como se posicionar frente aos desafios en-
frentados na educação.
128
A voz dos estudantes
129
compreensão que apresentam nas aulas de língua portuguesa e reconhecem a
relevância dos conteúdos em sua formação acadêmica. Um deles declara: Eu
não tenho o que reclamar das aulas que tenho da professora XXX. As aulas
são dinâmicas, não temos decoreba. Nós aprendemos muito da forma que
ela trabalha (estudante H). Percebe-se claramente como o estudante encontra
sentido nas atividades propostas em suas aulas de português.
130
Os estudantes tiveram contato com os conteúdos nas aulas presenciais e no
curso EaD, que foi desenvolvido com base em metodologias ativas.
Procuramos desenvolver uma relação ensino-aprendizagem dialógica
e mediada pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação em um
curso com carga horária de 16h que requereu dedicação de 2h por semana
e que teve duração de 8 semanas. Nas duas primeiras semanas, foi feita a
ambientação dos estudantes no AVA. As semanas seguintes envolveram os
seguintes tópicos: período histórico do modernismo brasileiro; semana de arte
moderna; modernismo brasileiro e os novos caminhos estéticos.
A título de ilustração, apresentamos a organização do tópico Viajando
pelo período histórico do modernismo brasileiro. Neste tópico, o objetivo foi
apresentar o contexto da primeira metade do século XX, período em que se de-
senvolveu o modernismo brasileiro. A abertura deste tópico no moodle trazia
uma fotografia da cidade do Rio de Janeiro. Na sequência, os estudantes eram
convidados a conhecer o autor João do Rio, cuja obra foi produzida a partir da
observação direta da vida, dos costumes, das linguagens dos diferentes grupos
sociais presentes no Rio de Janeiro no século XX. Por meio do texto do autor
intitulado As mariposas do luxo, os estudantes foram convidados a fazer um
passeio pelas ruas do Rio de Janeiro no início do século XX.
Em seguida à leitura, esse retrato apresentado na crônica de João do
Rio foi conferido pelos estudantes em um vídeo produzido pelo Itaú Cultural.
Como as obras foram retiradas do portal domínio público, aproveita-
mos para, no curso, explicar o que é esse portal, e como podemos ter acesso
a informações confiáveis em um espaço seguro no mundo digital. Destaca-
mos também as questões relacionadas à divulgação devidamente autorizada
de informações.
Os estudantes também produziram um texto no qual tiveram de assu-
mir a postura de cronistas e, assim como João do Rio, fazer um retrato de sua
cidade considerando o atual desenvolvimento tecnológico em que estamos
socialmente inseridos.
Considerações finais
131
cativos do mundo atual? Como pensar em uma formação de professores ante
tais desafios? Para pensarmos sobre esses desafios, recorremos, neste traba-
lho, a Freire, Gil e Hernandez-Hernandez e Barbosa. Também procuramos nos
apropriar das orientações da BNCC.
Com o apoio das reflexões propostas pelos autores e aqui ratificadas,
conhecemos como um grupo de professores de língua portuguesa se po-
siciona em relação ao planejamento e à organização da ação pedagógica.
Constatamos haver uma perspectiva mais abrangente das práticas de letra-
mento coexistindo com a centralidade do texto literário canônico. Além dis-
so, constatamos a necessidade de investir em questões relacionadas às novas
práticas sociais de linguagem, como aponta a BNCC, na formação inicial e
continuada de professores.
Buscamos ainda a voz dos estudantes de ensino médio, cujas expecta-
tivas em relação ao ensino de língua portuguesa convergem para as práticas
pedagógicas dialógicas, conforme apontado por Freire.
Ante tais constatações, apresentamos, neste texto, uma experiência de
ensino híbrido desenvolvida no ensino médio. Os resultados desse projeto
de ensino foram avaliados pelos estudantes que participaram da experiência,
e as palavras finais deste artigo retomam a voz desses estudantes, apontando
algumas questões relevantes para a formação inicial de professores de lín-
gua portuguesa: apropriação crítica dos novos letramentos; reconhecimento
da importância de valorizar os contextos trazidos pelos estudantes para o
desenvolvimento de práticas efetivas e relevantes do uso da língua; valori-
zação da interação na construção da aprendizagem; valorização da interdis-
ciplinaridade escolar.
REFERÊNCIAS
132
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
133
CAPÍTULO 12
O PROCESSO DE ESCRITA EM
LÍNGUA ESTRANGEIRA SOB UMA
PERSPECTIVA BAKHTINIANA
Introdução
134
vidade textual, que envolve a cooperação entre os dois parceiros engajados no
processo de escrita de textos em forma de diários.
Dessa forma, os textos redigidos pelos alunos configuram-se como
momento de interlocução, pois, o eu e o outro se engajam em uma tarefa
cooperativa quando cada evento de escrita pode ser traduzido/compreen-
dido como evento de fala, uma vez que, quando os participantes escrevem
textos em forma de diário, eles têm consciência de que escrevem para o seu
parceiro, ficando na expectativa da resposta que vai ser gerada a partir dos
seus comentários. Destacamos, ainda, o papel do professor na escolha da
atividade a ser realizada, uma vez que ele precisa estar atento e ter o cuidado
ao ensinar seu aluno a:
135
“o conhecimento humano é construído por meio de gêneros – linguagem usa-
da em contextos recorrentes da experiência humana – socialmente comparti-
lhados”, de onde enfatizamos a relevância deste artigo ao optar por pesquisar
trabalhos sobre a importância da escrita para o processo de aprendizagem.
Entre os vários estudos já realizados e que têm como foco o uso de tex-
tos escritos em inglês, destacamos, no Brasil, os realizados por Paiva (1998),
Reis (2007) e Gonçalves (2010), e, no exterior, outros cujo foco recai especifi-
camente sobre a importância do uso de diários para aprendizes de inglês como
os estudos de Carol (1994) e Krishnan e Hoon (2002). Vemos, então, que a
sala de aula configura-se como fonte rica para a pesquisa e que este estudo
teórico justifica-se ao contribuir com uma nova abordagem para o uso de diá-
rios em língua estrangeira, e, por meio dessa prática, ressaltar a importância da
parceria (entre professor e alunos ou entre alunos), da colaboração, da troca de
ideias para a construção textual.
136
o texto como sendo composto por sequências de expressões. Já para Hanks
(1989), o texto representa uma “configuração de signos” que são coerente-
mente interpretados por uma comunidade e cujas fronteiras podem ser cons-
tituídas dialeticamente em virtude de fatores externos que orbitam ao redor
da realidade do indivíduo e que, dessa forma, podem penetrar no universo
permeável do texto.
Por meio dos estudos de Chomsky, Bentes e Rezende (2008) destacam
a importância dada, por ele, às gramáticas textuais que vão definir o con-
junto finito das regras combinatórias de uma determinada língua e que vão
garantir ao texto um caráter estável e uniforme. É nesse momento que entra
em destaque a relação entre língua – texto – contexto, a partir da qual surge
a noção de textualidade apresentada por Beaugrande e Dressler (1981), que
leva em consideração as relações de sentido imbricadas tanto nos elementos
linguísticos como nos extralinguísticos durante a composição textual. Bentes
e Rezende (2008) chamam a atenção para o texto definido por Koch (2002,
p. 9) como sendo:
137
um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aque-
la que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as
reações ativas da compreensão, antecipa-as. (BAKHTIN; VO-
LOCHINOV, p. 101).
138
Quando nos envolvemos em situações dialógicas, estabelecemos rela-
ções que deixam transparecer, pela natureza do signo, as diferentes esferas
sociais pelas quais transitamos. Somos indivíduos socialmente organizados e
nossa práxis reflete os valores nos quais acreditamos e que representam o gru-
po ao qual pertencemos. Nesse sentido, Faraco (2009, p. 122) afirma que ao
emitirmos um enunciado sempre haverá uma tensão entre as forças centrípe-
tas (centralizadoras, monologizadoras) e as forças centrífugas (que resistem à
monologização), uma vez que: “[...] os enunciados manifestam-se fundamen-
talmente como uma tomada de posição axiológica, como resposta ao que já foi
dito. Sua significação comporta sempre esse estrato valorativo”.
Assim, ao travar um diálogo, ao produzir um texto escrito, o indivíduo
estabelece uma relação entre seu enunciado e os horizontes sociais de valor
e, fundamentalmente, entre aquilo que foi dito e o que foi presumido. Para
Faraco (2009, p. 122), os enunciados emergem, então, “nesse caldo hetero-
glóssico e nos pontos de tensão entre essas forças”, decorrendo daí a impor-
tância da responsividade (answerability) e da escolha vocabular (selectivity)
para o dialogismo.
Acreditamos ainda que a questão dialógica também se complementa
mediante a discussão a respeito do princípio de agência (agency) o qual, se-
gundo Vitanova (2005, p. 152), “não libera o eu de sua constituição discursi-
va, mas se origina a partir da habilidade do eu de criar novas oportunidades
ao estabelecer a Sua voz”1. O eu precisa saber criar as oportunidades para se
estabelecer no contexto discursivo e, ao se articular em uma prática dialógica
contínua, o potencial de ser agente de seu próprio discurso torna o eu sujeito
de sua própria história.
Passemos, no próximo item, à uma breve discussão acerca do processo
de escrita em uma língua estrangeira.
1 Tradução nossa.
139
panhar o progresso escolar de um crescente número de estudantes internacio-
nais que passaram a ingressar nas instituições educacionais. Porém, a maior
parte dos artigos anteriores a 1980 eram centrados mais sobre técnicas para o
ensino da escrita do que sobre a natureza da escrita em seus vários contextos.
Para tanto, a Línguística Aplicada tem buscado compreender as necessidades
dos alunos e, segundo os autores, ela tem:
2 Nossa tradução de: Applied Linguists have drawn on the work of cognitive psychologists and linguists
on the one hand to study the organization of discourse and text construction processes, and on the work
of sociolinguists and ethnomethodologists on the other to study the social contexts in which students
learn to write.
3 Atividades cognitivas superiores são funções mentais que caracterizam o comportamento consciente do
ser humano, como a atenção voluntária, a percepção, a memória e o pensamento (VYGOTSKY, 2003).
140
Hillocks (1995, p. 124) afirma que “escrever é uma arte. Aprender uma
arte é aprender como, quando e para qual propósito usar os procedimentos
que são o domínio dessa arte”.4 Para adquirir esse conhecimento, segundo o
autor, é preciso se guiar pelos propósitos para a escrita, objetivar um resultado
desejado, contar com o auxílio de um professor que não apenas encoraje a es-
crita, mas, que, também, proporcione outras formas de se perceber o processo
de escrita e aquilo que o aprendiz é capaz de realizar a partir de modelos e
diretrizes apresentadas. Logo, criar um ambiente favorável à escrita precisa
ser um dos objetivos do professor ao planejar seu curso ou disciplina (voltada
para o processo de escrita).
Grabe e Kaplan (1996) argumentam que, no caso de alunos em con-
texto de inglês como segunda língua ou língua estrangeira, as habilidades
para a escrita podem variar desde a necessidade de escrita de um simples
parágrafo, habilidades de síntese à habilidade para escrever composições
(essays) e artigos profissionais, “dependendo dos níveis educacionais dos
alunos, especialização acadêmica, e demandas institucionais” (GRABE;
KAPLAN, 1996, p. 25).5
Vemos, então, que as diferentes necessidades dos alunos constituem um
conjunto de fatores que tornam a teoria e a prática de escrita em segunda lín-
gua ou língua estrangeira um estudo complexo e faz com que os pesquisadores
busquem beber em diferentes fontes que variam da etnografia da educação
à sociolinguística voltada para o letramento. Alunos de origens e formações
distintas acessam sua língua materna, que é a língua corrente e que se constitui
como língua-alvo.
Nesse sentido, Grabe e Kaplan (1996) reafirmam as propostas de Hillo-
cks (1995) e Widdowson (1996) quanto à necessidade de desenvolver instru-
ções educacionais para a escrita que considerem as práticas de socialização
desses alunos e suas origens. Acredito que, quando reconhecemos as dife-
renças individuais de nossos alunos e trazemos esses universos individuais e
distintos para a sala de aula, conseguimos minimizar problemas relacionados
à influência da língua materna (L1 interference ou language transfer) ou ou-
4 Nossa tradução de: Writing is an art. Learning an art is learning how, when, and for what purpose to use
procedures that are the province of that art.
5 Nossa tradução de: depending on students’ educational levels, academic majors, and institutional demands.
141
tros ligados ao desenvolvimento de uma interlíngua,6 temas centrais para os
estudos sobre aquisição de uma segunda língua ou língua estrangeira, além de
conseguir alcançar níveis linguísticos mais altos durante o processo de escrita
em uma segunda língua.
Considerações Finais
6 O termo ‘interlíngua’, proposto por Larry Selinker, refere-se a um sistema linguístico dinâmico desen-
volvido por aprendizes, os quais, ao aprenderem uma L2/LE, passam por estágios de desenvolvimento
na língua compreendidos entre a língua materna e a língua-algo. Figueiredo (2002) nos orienta sobre a
importância de compreendermos os erros cometidos pelos aprendizes nesse estágio desenvolvimental,
uma vez que eles podem auxiliar os aprendizes a “moldar a sua produção de modo que ela se aproxime,
o máximo possível, da língua-alvo” (FIGUEIREDO, 2002, p. 34).
142
perceber como um aprendiz autônomo, mas, para isso, é importante o trabalho
do professor como incentivador e mediador desse processo.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Pa-
rábola Editorial, 2009.
CAROL, M. Journal writing as a learning and research tool in the adult class-
room. TESOL Journal, v. 4, p. 19-22, 1994.
143
FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática,
2008.
144
REIS, V. S. O Diário de Aprendizagem de Língua Estrangeira (Inglês)
sob a Perspectiva do Processo Discursivo. 2007. Dissertação (Mestrado em
Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2007.
145
CAPÍTULO 13
Leitura em língua inglesa
na educação básica:
a interdisciplinaridade
em foco
Introdução
146
O ensino de inglês com foco na leitura
Interdisciplinaridade e os temas
transversais no ensino de inglês
147
consegue perpassar aspectos históricos da área em suas aulas. Nesse sentido,
o ensino interdisciplinar se configura em uma das novas tendências educacio-
nais que proporcionam ao aluno, por meio dessa junção de diversas áreas, se
situar por meio do conhecimento atrelado as práticas sociais.
Dessa forma, compreendemos que o ensino na perspectiva interdiscipli-
nar pode condicionar ao educando uma formação de maneira ativa e crítica,
visto que a aprendizagem passa a ser significativa para ele.
Para Lück (2010), a interdisciplinaridade
148
No disposto, depreende-se que a interdisciplinaridade dá oportunidades
para que os alunos tenham uma abertura maior e mais compromisso no seu
próprio processo de ensino e aprendizagem, levando em consideração tam-
bém o outro. Ainda, tem oportunidades de eliminarem barreiras que possam
vir a existir entre as disciplinas, com vistas a um ensino reflexivo, indo além
do campo científico (JOSÉ, 2008).
Visto a perspectiva interdisciplinar no ensino de línguas, uma das possi-
bilidades de ensino acontece com a inserção dos temas transversais em sala de
aula que possibilitam aos alunos a discussão de assuntos decorrentes do seu con-
texto (AMORIM, 2919; BRASIL, 1998; CAVALLARI, 2011; TILIO, 2014).
Por meio de ações interdisciplinares propostas pelos temas transversais
dispostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a escola pode oferecer aos
alunos atividades de ensino voltadas para a valorização de fatores pessoais,
sociais e principalmente culturais. Através dessas ações, o espaço da escola
oportuniza aos alunos um ambiente de liberdade, de aprendizado consciente
e também autônomo. Assim, o trabalho com o tema relacionado ao meio am-
biente pode ser de grande valia para a sociedade.
Nesse sentido, conforme sugere Reigota (2001, p. 25), a educação am-
biental “pode estar presente em todas as disciplinas, quando analisa temas
que permitem enfocar as relações entre a humanidade e o meio natural, e as
relações sociais, sem deixar de lado as suas especificidades”. Vários estudos
foram realizados com foco na discussão de questões ambientais como, por
exemplo, os trabalhos de Medeiros, Mendonça, Sousa e Oliveira (2011), Fra-
goso e Nascimento (2018) que abordam a temática no ensino de modo geral
e também Andrade (2014) e Ramirez (2014) que especificamente discutiram
este tema nas aulas de língua inglesa.
Para Andrade (2014), o trabalho interdisciplinar, valendo de temáticas
como a ética e o meio ambiente, por exemplo, podem resgatar aspectos huma-
nos fazendo com que a aprendizagem perpasse a questões sociais, políticas,
econômicas e culturais. Ramirez (2014), por sua vez, aponta que “a interdis-
ciplinaridade traz à luz formas diferentes de se chegar ao conhecimento, uma
delas seria pela análise da ação” (p. 5).
Tendo discutido o aporte teórico deste estudo, apresentamos, a seguir,
um exemplo de atividade de leitura em língua inglesa em uma perspectiva
interdisciplinar.
149
Na prática...
Singapore, for example, which buys its water from Malaysia, is be-
ginning to recycle water […]
Extracted from <www.peopleandplanet.net>.
Accessed on October 16, 2010.
Recycling tops the list as the number one eco-action Canadians are
taking […]
Extracted from <www.greenlivingonline.com>.
Accessed on August 16, 2009.
150
realizando ações para a diminuição do lixo, sobre a reciclagem de recursos,
entre outros.
Podemos, então, compreender, que ao utilizar o texto em suas aulas,
o professor pode oferecer aos seus alunos a discussão e entendimento da im-
portância da reciclagem e do uso correto dos recursos naturais. Dessa forma,
a partir desta atividade, os alunos poderão pensar em seu papel como cidadão
e (re)pensar as suas práticas na sociedade na qual está inserido, conforme su-
gere Andrade (2014) e Ramirez (2014).
Além do trabalho com as questões de cunho interdisciplinar, o uso do
texto pode oportunizar ao aluno a aplicação de estratégias de leitura que fa-
cilitarão a sua compreensão das ideias trazidas no texto e consequentemente
o seu processo de ensino e aprendizagem de acordo com os apontamentos de
Sabota (2017).
Nessa mesma perspectiva, o professor pode levar o aluno a desenvolver
sua criatividade e a participação em atividades que os permitam dialogar com
os colegas, refletir sobre o tema discutido, construir ideias por meio de produ-
ções textuais sobre o tema abordado.
Apresentamos, aqui, uma suscinta discussão de como as aulas de lín-
gua estrangeira podem ser pautadas na perspectiva da interdisciplinaridade e
abordamos um único texto e uma única atividade com o intuito de mostrar as
várias possibilidades que o trabalho com a interdisciplinaridade pode trazer
para o ensino de línguas.
Considerações finais
151
plinar oferece para seus alunos levando-os a pensar de maneira ativa e crítica,
trazendo significativo para a aprendizagem.
Referências
152
CAVALLARI, J. S. Vozes dissonantes: o que pregam os PCN e o que buscam
os alunos de língua estrangeira. Revista Estudos Linguísticos, v. 40, n. 2,
p. 672-681, 2011.
153
SILVA, M. D.; TORRES, A. A. S. A visão do discente sobre a interdisciplinari-
dade como método de ensino. Revista F@pciência, v. 10, n. 1, p. 1-11, 2014.
anexo 1
RECYCLING
“The only answer to the problem is to reduce, reuse, and recycle,” says
Al Marashi.
[…]
154
The UK government is trying to encourage more people to recycle
their waste and reduce the UK’s waste mountain.
Extracted from <http://news.bbc.co.uk>.
Accessed on October 16, 2010.
Singapore, for example, which buys its water from Malaysia, is be-
ginning to recycle water […]
Extracted from <www.peopleandplanet.net>.
Accessed on October 16, 2010.
Recycling tops the list as the number one eco-action Canadians are
taking […]
Extracted from <www.greenlivingonline.com>.
Accessed on August 16, 2009.
155
CAPÍTULO 14
O CONTO NO
TÉCNICO CONCOMITANTE: UMA
PERSPECTIVA DE ENSINO ALÉM
DO UTILITARISMO
considerações iniciais
156
Por fim, para efeitos de aprofundamento da temática, fica a recomenda-
ção para que se consulte o Guia completo, bem como a dissertação que a ele
deu origem, de modo que se possa ter uma visão mais detalhada da proposta
ora apresentada de forma mais sintética.
157
colinhas de TNT, tudo com o intuito de organizar a SD a partir da proposta
de Zabala (1998), que discorre sobre objetivos conceituais, procedimentais e
atitudinais. Então, para a sequência, definiu-se como:
AULAS ATIVIDADES
2 O objetivo conceitual é dar foco às conjunções coordenativas, mas não se ignora a existência de outros
elementos que promovem a coesão e a coerência.
158
- Discussão de outros fatores além do racismo;
- Síntese expositiva;
Aula 6
- Relato da experiência.
159
as formas de interação humana. Essas questões surgiram espontaneamente, já
que não faziam parte do planejado. Em seguida, o estudo sobre as conjunções
coordenativas foi iniciado. Frases do texto lido foram transcritas no quadro
branco para análise do valor semântico das conjunções coordenativas. A partir
das frases selecionadas, foi perguntado aos alunos qual o sentido que cada
conjunção estabelecia naquele contexto específico.
As respostas às perguntas foram variadas: algumas certeiras; outras nem
tanto. O interessante, contudo, foi perceber a linha de raciocínio seguida por
eles (os alunos). Alguns apontaram valores semânticos próximos, por exemplo:
falaram em causa em vez de explicação, consequência em vez de conclusão.
O estudo dos valores semânticos das conjunções subordinativas adverbiais seria,
pois, um ótimo conteúdo para dar prosseguimento às aulas noutra oportunidade.
A partir dessa dinâmica, os alunos puderam perceber a importância do
uso desses articuladores para produzir coesão e coerência em um texto. Após,
o conteúdo foi sistematizado no quadro branco, conforme o Quadro 2, e, para
fixar o que fora explicado, foi enviada uma atividade extraclasse sobre o valor
semântico das conjunções coordenativas (vide Quadro 3), a fim de produzir
significância e funcionalidade ao novo conteúdo. A atividade extraclasse foi
retirada de um dos livros constante na bibliografia básica da ementa de Portu-
guês Instrumental.
A mãe abafava a
nem (= e não), não só...
boquinha criminosa
mas também, não só...
E da filha e afastava- Adição / soma
como também, bem como,
se com ela para os
não só... mas ainda.
fundos do quintal.
Ótima, a dona
Adversidade/ porém, contudo, todavia,
Inácia. Mas não
MAS contrariedade/ entretanto, no entanto, não
admitia choro de
oposição. obstante.
criança.
160
Batiam nele os da
ou...ou, ora...ora, já... já,
casa todos os dias,
OU Alternância quer... quer, seja... seja,
houvesse ou não
talvez... talvez.
houvesse motivo.
Não a calejara o
choro da carne
logo, pois (depois do
de sua carne, por
POR ISSO Conclusão verbo), portanto, por
isso não suportava
conseguinte, assim.
o choro da carne
alheia.
161
empregada por você modificou o sentido da frase. Descreva, pois,
a ideia expressa por cada conectivo dentro do contexto das frases.
a) ______ e) ______
b) ______ f) ______
c) ______ g) ______
d) ______ h) ______
162
a etapa da aula 05, o quiz. A divisão dos grupos e a explicação da atividade pro-
posta (a partir do conto da aula 01, cada grupo teve de confeccionar 04 pergun-
tas, com suas respectivas respostas, sobre interpretação/compreensão de texto e
valor semântico das conjunções coordenativas) foram feitas no fim da aula 03.
A aula 04 foi reservada exclusivamente à confecção das perguntas e
das respostas as quais, posteriormente, foram utilizadas para o quiz. O obje-
tivo foi estimular a aprendizagem autônoma e participativa, por isso poucas
intervenções foram feitas por parte da pesquisadora. Somente quando algum
trio apresentava qualquer tipo de dúvida e solicitava uma explicação, era que
a pesquisadora se disponibilizava para ajudar. No mais, os alunos demons-
traram bastante interesse em executar essa atividade. Segundo eles, era a pri-
meira vez que um professor (neste caso sob a figura da pesquisadora) pedia
para que eles elaborassem perguntas sobre o conteúdo visto em sala de aula,
o habitual era somente eles responderem.
Esse fato remete ao que o pedagogo Rubem Alves (2007, p. 24-25)
descreve a respeito de fazer ciência. Para ele, é imprescindível que se estimule
a prática do pensamento por meio do enfrentamento de um problema, pois a
tomada de consciência de um problema é que gera conhecimento. O padrão
geralmente utilizado no sistema de ensino brasileiro é o professor fornecer as
perguntas para o aluno responder sem considerar que:
163
respondidas. As rodadas sucederam até que findassem as perguntas. Ganhou
o grupo que acertou mais. Durante a dinâmica, não foi permitida a consulta a
qualquer tipo de material; os grupos “trocavam ideia” entre si para opinarem
sobre a resposta “correta”. Nesse ponto, nota-se que o quiz foi uma importante
ferramenta para socializar o trabalho executado por cada grupo, promovendo
uma forma diferenciada de assimilação do conteúdo (interpretação/compreen-
são de texto e valor semântico das conjunções coordenativas).
Na última aula de aplicação da SD, houve a elaboração da conclusão do
trabalho executado. Além de uma retomada, por meio de uma síntese exposi-
tiva, de tudo o que foi feito nas aulas anteriores, os alunos tiveram a oportuni-
dade de potencializar a troca de experiências e conhecimentos entre eles me-
diante o relato da experiência vivenciada. Para findar as atividades, a própria
pesquisadora aplicou o questionário semiestruturado póstumo com o intuito
de os alunos avaliarem a sequência didática elaborada, promovendo, também,
uma autoavaliação.
Com efeito, ao fim da aplicação da SD, ficou perceptível, pela mudança
de postura frente aos problemas sociais que foram apresentados no texto e às
discussões promovidas durante as aulas, que os alunos se envolveram com
a arte da palavra, de modo que saíram transformados, estimulados, ou como
diria Silva (2010, p. 9), deformados para o seio da sociedade. A respeito desse
“desfazer-se discente”, atribui à literatura e à educação que “se encontram,
e se entrecruzam, no interesse comum de formar, informar e, numa conotação
plena de valores positivos, de-formar o cidadão, pois se trata de ‘deformá’-lo
para uma participação ativa na sociedade”.
O processo de “de-formação” do cidadão pode ser promovido por in-
termédio de diferentes condutas, porém, “ao apresentar uma visão míope, dis-
torcida, esgarçada e opaca sobre a realidade, a linguagem literária, em vez
de subtrair significados, acrescenta realidades suplementares com as quais a
decodificação do mundo e das vivências históricas fica mais segura e com-
preensível” (MARTINS, 2018, p. 111-112).
Partindo do princípio de que toda literatura é uma forma de expressão
da sociedade e de que a visão míope sobre a realidade posta no texto “obriga o
leitor a se deslocar do comodismo de suas verdades” (MARTINS, 2018, p. 111-
112), assegura-se que o cidadão que lê tem seu caráter construído (não só, mas
também) sob a influência das obras lidas e das reflexões que elas promovem.
164
Para Candido (2004, p. 175-176), a experiência com a literatura não
é inofensiva, mas sim uma aventura, como acontece na própria vida real, da
qual ela é imagem e transfiguração, “isso significa que ela tem papel formador
da personalidade”. A obra literária ensina o indivíduo a relacionar-se intra e
interpessoalmente, promovendo autoconhecimento, empatia, enriquecimento
pessoal e intelectual. Nas palavras de Candido (2004, p. 180), “a literatura
desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.
Considerações finais
165
REFERÊNCIAS
166
CAPÍTULO 15
ENSINO DE PRODUÇÃO DE
TEXTOS NO CURSO DE DIREITO:
UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA
DIDÁTICA PARA O GÊNERO
PETIÇÃO INICIAL
Introdução
167
Para este capítulo, analiso uma petição inicial produzida por grupo de
estudantes a partir do conto Negrinha1, de Monteiro Lobato (1994). Os dados
gerados evidenciam não apenas a importância da criação de contextos de pro-
dução para que os alunos se apropriem “das noções, das técnicas e dos instru-
mentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades” (DOLZ et al.,
2004, p. 82), em especial da escrita; mas, sobretudo, a importância do diálogo
interdisciplinar para a formação crítico-reflexiva dos estudantes – e futuros
profissionais – do século XXI.
1 Nesse conto, publicado em livro homônimo em 1920, a personagem principal é uma criança, filha de
ex-escrava, que, após a morte da mãe, passa aos “cuidados” de Dona Inácia, aristocrata da tradicional
família brasileira da época da escravidão. A menina passa por toda sorte de humilhações até que um
dia, depressiva, deixa de comer e acaba morrendo. Esse conto foi escolhido para que os estudantes, por
meio da reflexão “da práxis social, construída na experiência de luta por justiça e por direitos” (ME-
DEIROS et al., 2015, p. 153), debatessem a importância do Direito para as lutas sociais e para o com-
bate à injustiça social.
168
No caso específico de minha experiência com os estudantes de Direito
do primeiro semestre, a intenção era aproximá-los da linguagem empregada
no gênero petição inicial e refletir com eles sobre os fatores sociais, ideoló-
gicos, linguísticos etc. que estão na constituição desse processo, como, por
exemplo, o uso de diversas tipologias textuais. Logo, seguindo o que precei-
tuam Dolz et al. (2004), a SD serviu para dar acesso aos alunos a uma prática
de linguagem ainda nova para eles.
A estrutura básica de uma SD (Dolz et al., 2004) é composta pelas
seguintes etapas: 1) apresentação da situação; 2) primeira produção; 3) módu-
los; 4) produção final.
Na apresentação da situação, o professor descreve, de maneira deta-
lhada, a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão fazer. Na
primeira produção, os estudantes elaboram a primeira versão do texto inicial,
que corresponde ao gênero a ser desenvolvido. Nesta etapa, o professor ma-
peia as capacidades já adquiridas pelos estudantes e projeta exercícios para
reforçar aquilo que não está adequado. Nos módulos, o professor trabalha as
dificuldades dos alunos por meio de exercícios que se relacionam diretamente
com o gênero trabalhado. Por fim, na produção final, o aluno põe em prática o
que aprendeu nos debates feitos em sala de aula, e o professor pode mensurar
os progressos alcançados.
169
maus-tratos, desrespeito às leis trabalhistas, adoção etc. Para tanto, eles ti-
veram de pesquisar previamente no direito canônico, na sociologia jurídica e
em outras fontes que julgassem necessárias como o direito brasileiro debate/
normatiza esses conflitos.
Neste primeiro momento, considerando a importância de incentivar o
estudante a agir “não como um mero expectador, que assimila e se submete
ao conhecimento que lhe é apresentado, mas, acima de tudo, como sujeito que
se apropria do ser/ fazer universitário e protagoniza o processo de construção
dialógica do conhecimento” (MEDEIROS et al., 2015, p. 157), procurei in-
tervir o mínimo possível para que tivessem autonomia de buscar, por conta
própria, as definições que julgassem mais pertinentes para o caso.
Nos módulos, com base na primeira produção dos estudantes, pude ma-
pear aspectos já dominados por eles – como as seções do plano composicional
do gênero petição –, bem como aqueles que demandariam uma maior atenção.
Entre estes aspectos, estava um uso artificial da sintaxe e do vocabulário da LP
– como as expressões insta salientar, inobstante disso, quedou por bem –, o que
me impressionou sobremaneira, dado o fato de os estudantes estarem ainda no
primeiro semestre e já tentarem empregar uma linguagem próxima ao juridiquês.
Nos módulos, então, além do auxílio à organização das ideias e sele-
ção dos argumentos, propus exercícios que discutissem aspectos sociais dos
gêneros em questão: a quem interessava ideologicamente o uso rebuscado
da sintaxe e do vocabulário da LP? O que a legislação brasileira entendia
como fato juridicamente relevante? Quais aspectos sociais ficavam fora desse
conceito? Quem era o magistrado a quem se endereçava a petição? Como a
representação social desse magistrado influenciava no modo como o texto era
escrito? De onde vem essa representação? O que ela revela acerca da história
do Direito no Brasil?
Na produção final, os estudantes tiveram a oportunidade de reescrever a
petição e a apresentaram em forma de sustentação oral, em que os integrantes
dos grupos atuavam como se estivessem em sala de audiência do juizado ou
tribunal. Essa atividade2 foi importante para analisar tanto aspectos extralin-
guísticos, como o vestuário, os gestos, a entonação vocal, quanto linguísticos
2 Infelizmente não houve tempo hábil nem recursos tecnológicos suficientes para gravar a apresentação
oral dos estudantes. Por essa razão, apresento nesta monografia somente o que foi produzido nos gêne-
ros da escrita.
170
– apesar da discussão prévia feita em sala, ainda houve construções bastante
artificiais na fala dos estudantes.
171
Pelo fato de o objetivo da atividade ser introduzir os estudantes ao gê-
nero, com ênfase no debate social e jurídico suscitado pela narrativa, não nos
preocupamos com a seleção rigorosa de doutrinas, legislações e jurisprudên-
cias. Bastou, para tanto, que eles buscassem fontes que embasassem a narrati-
va dos fatos e a argumentação.
Na petição em análise, para atender o item 1 (o juízo a que é dirigida),
o grupo redigiu-o da seguinte forma: “Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara
de Família da Comarca de Ceilândia, no Distrito Federal”. Interessante notar
aqui a localização do local da ação, informação esta que não constava no
conto, mas, por ser necessária para atender os quesitos do gênero, teve de ser
criada pelo grupo. Como eles utilizaram o conto para fomentar uma discussão
de pedido de guarda com antecipação de tutela, dados os maus-tratos sofridos
por “Negrinha”, encaminharam corretamente para a fictícia Vara de Família
da Comarca de Ceilândia.
Para atender o item 2 (a identificação das partes), o grupo acrescentou
ao enredo uma personagem que não consta no conto: Cláudia Maria de Souza,
tia de “Negrinha”, a autora da ação, que requeria a guarda da criança. Além
disso, o grupo acrescentou a nacionalidade, profissão, dados de registro, ende-
reço da requerente (“Cláudia Maria de Souza, brasileira, funcionária pública,
portadora no RG n. 4087962 e do CPF n. 055.971.951-03, residente e domi-
ciliada na Avenida X, n. 651, Bairro Y, cidade Z (...)”); bem como os dados
de “Dona Inácia”, que nesta recontextualização3 se tornava requerida: “(...)
Maria Inácia da Silva, brasileira, solteira, aposentada, portadora do RG (...)”.
Por fim, o grupo dá uma identidade jurídica a “Negrinha”, que no conto
não tem nome: “Raquel Coelho de Souza, brasileira, menor impúbere (...)
atualmente sob a guarda de Maria Inácia da Silva (...)”. Nesse ponto, é interes-
sante observar que o grupo teve sensibilidade para identificar a personagem,
3 Para este trabalho, consideramos contexto como “construtos dos participantes, subjetivos, embora so-
cialmente fundamentados, a respeito das propriedades que para eles são relevantes em tal situação, isto
é, modelos mentais” (VAN DIJK, 2012, p. 87). Segundo Van Dijk (2012), na construção do contexto – e
na recontextualização –, os usuários da língua recorrem a modelos da experiência do dia a dia, os quais
estão representados em suas memórias episódicas. Logo, são os contextos que controlam muitos aspec-
tos da compreensão de textos e falas, o que nos leva a crer que “os usuários da língua não estão apenas
envolvidos em processar o discurso; ao mesmo tempo, eles também estão engajados em construir di-
namicamente sua análise e interpretação subjetiva on-line.” (VAN DIJK, 2012, p. 87). Assim, a recon-
textualização proposta na atividade pretendeu levar os estudantes a refletir que “a posição de advogado,
a de juiz, a de promotor, dentre outras, determina tipos de estratégia, inserção e impacto do texto no en-
sino e, dessa forma, a ação que esse ator do Direito imprimirá” (PÜSCHEL; GEBARA, 2016, p. 202).
172
o que demonstra a importância desse aspecto para que qualquer pessoa possa
reivindicar direitos.
Para atender o item 3 (a narrativa dos fatos e os fundamentos jurídi-
cos do pedido), a seção mais significativa para a atividade, tendo em vista
que envolve recontextualização dos fatos do conto para os fatos jurídicos,
o grupo procedeu a mudanças significativas para adequar a uma situação
real de Direito. No primeiro parágrafo, o grupo sinalizou o nascimento de
Raquel Coelho, filha de uma ex-empregada doméstica de Dona Inácia, Clo-
tilde Maria de Souza, que faleceu em decorrência de problemas de saúde.
A ex-empregada tinha vínculo trabalhista com Dona Inácia, como comprova
uma imagem de carteira de trabalho que o grupo anexou ao final da peça.
Aqui vemos a primeira mudança significativa em relação ao conto: Dona Iná-
cia mantinha uma relação de semiescravidão com a mãe de “Negrinha”, que
também não tinha nome no conto. Este fora escrito no início do século XX
e, para recontextualizá-lo, os estudantes fizeram uma adaptação na história
para torná-la mais verossímil à Consolidação das Leis Trabalhistas brasileira
(CLT), promulgada na década de 1940.
No segundo parágrafo, o grupo selecionou passagens do conto que
evidenciassem fatos jurídicos relevantes para justificar a perda da guarda de
Dona Inácia:
Raquel cresceu aos ‘cuidados’ de Maria Inácia. Patroa rica e so-
berba, não teve os devidos cuidados necessários para a educação
da criança, que sofreu durante todos estes anos preconceito e
torturas, além de ter sua vida privada, por Maria Inácia, de laze-
res, experiências, alimentação adequada a uma educação digna
e de qualidade.
173
do e presenciou a patroa torturando a garotinha: ovos recém-
cozidos inteiros estavam sendo colocados pela patroa na boca
da indefesa garota; a tortura provocou queimaduras graves na
boca da menina (grifos meus)
174
g) Requer, ainda, a condenação da requerida ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios;
h) Requer a produção de todos os meios de provas admitidas em
direito, especialmente pela documental em anexo, depoimento
pessoal dos requerentes e testemunhal abaixo arrolado.
Nos pedidos, há coerência com o que foi narrado nos fatos e com a le-
gislação apresentada. As alíneas a e e obedecem ao princípio constitucional da
ampla defesa. A importância deste princípio foi debatida em sala de aula: por
mais hediondo que se aparente um crime, seu autor tem o direito de apresentar
outra visão dos fatos, a fim de que injustiças sejam minimizadas. Na alínea b,
o justo requerimento de que a criança não fique mais sob os maus-tratos da tu-
tora e passe a conviver um lar harmônico. A alínea c enfatiza a importância do
Ministério Público para acompanhar a lisura de todo procedimento jurídico,
dispositivo presente também no CPC (BRASIL, 2015).
Por fim, os estudantes anexaram à petição documentos que visavam
dar credibilidade para os fatos narrados: certidão de nascimento da menina
Raquel; certidão de óbito e carteira de trabalho de Clotilde; fotos que denun-
ciariam as agressões sofridas por Raquel.
Considerações finais
175
textuais que revelam os meandros da interação social real, o que contribui
para evidenciar os fatores sociais, ideológicos, linguísticos etc. que estão na
constituição desse processo, aproximando-se, pois, o estudante de Direito de
gêneros textuais que farão parte da carreira profissional dele e que são instru-
mentos importantes de luta e conquistas sociais, como no caso fictício – mas
muito próximo da realidade brasileira – da menina do conto “Negrinha”.
Assim, este trabalho reforça a necessidade de um ensino cada vez
mais interdisciplinar para a formação de profissionais críticos, que sejam ca-
pazes de “refletir sobre sua própria responsabilidade cidadã, proporcionan-
do ao mesmo tempo a capacidade de produzir conhecimento a partir desse
compromisso” (PASTANA, 2009, p. 72). O diálogo LP-Direito é, pois, uma
contribuição progressista para as transformações incessantes pelas quais o
Direito inevitavelmente passa, na medida em que ele é enquanto vai sendo
(LYRA FILHO, 1982).
REFERÊNCIAS
LYRA FILHO, Roberto. O que é direito? 11. ed. São Paulo: Editora Brasi-
liense, 1982.
176
MEDEIROS, Érika Lula et al. O direito achado na rua: exigências críticas
para a pesquisa, a extensão e o ensino em direito e em direitos humanos.
In: SOUSA JUNIOR, José Geraldo (Org.). O direito achado na rua: concep-
ção e prática. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2015. p. 151–212.
177
CAPÍTULO 16
A CONSTRUÇÃO DA
ARGUMENTAÇÃO EM REDAÇÕES
DISSERTATIVAS PRODUZIDAS
POR ADOLESCENTES A PARTIR
DOS PROCESSOS DE (INTER)
SUBJETIVAÇÃO E AS ESTRUTURAS
DO DISCURSO IDEOLÓGICO (ECDS)1
Introdução
1 Este artigo é resultado de parte de reflexões desenvolvidas no meu processo de doutoramento que re-
sultou na minha tese defendida no ano de 2018 na Universidade de Brasília (CARVALHO, 2018).
2 Sempre adotei na minha prática pedagógica as Sequências Didáticas (SDs) (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004) como constructo teórico-metodológico, e os dados que apresento neste artigo re-
sultam de uma SD planejada e aplicada no terceiro bimestre de 2015 quando eu era professora da escola
pública em questão. Esses dados são parte do meu corpus de análise.
178
A LCU e os ECD em diálogo: a (inter)
subjetivação e as estruturas do discurso
ideológico
179
está sujeita à “mudanças de estilos de vida e ideologias”, a LCU pouco aborda
a relação entre o uso da língua e relações e abuso de poder e ideologias.
Nesse sentido, as contribuições dos Estudos Críticos do Discurso
(ECD) de Van Dijk (2000; 2006; 2015) são pertinentes para este estudo, visto
que investiga a relação entre “as propriedades típicas do micronível da escrita,
fala, da interação e das práticas semióticas a aspectos típicos do macronível da
sociedade como grupos, organizações ou outras coletividades e suas relações
de dominação” (VAN DIJK, 2015, p. 9). Outro ponto relevante é a associação
entre ideologia e cognição social, pois, para o autor, a ideologia, enquanto
cognição social, não é um sistema de crenças e valores individuais, mas sim o
coletivo que são “selecionados, combinados e aplicados de forma a favorecer
a percepção, interpretação e ação nas práticas sociais”.
Desse modo, para van Dijk (2000), a ideologia está presente em pra-
ticamente todas as estruturas de texto, sendo que os sentidos são altamente
permeados pelas nossas representações ideológicas. Para isso ocorrer, o autor
propõe a existência de estratégias discursivas para conferir aos sentidos bases
ideológicas. Essas estratégias são as seguintes estruturas do discurso ideológi-
co (VAN DIJK, 2000, p. 45): “tópico; implicações e pressuposições; coerência
local; sinônimos e paráfrases; contraste; exemplos e ilustrações; isenções de
responsabilidade; atores; modalidade; evidencialidade; vagueza e imprecisão
e topoi”). A partir dessas propriedades do discurso ideológico, é possível ana-
lisarmos como os efeitos de sentido das perífrases de gerúndio podem ser ana-
lisadas em termos discursivos que os pressupostos da LCU não contemplam,
até porque essas propriedades, bem como os pressupostos dos ECD, estão
totalmente afinados com a proposta da LCU, fazendo parte do nosso arcabou-
ço teórico. Apresentamos na seção a seguir o referencial metodológico que
norteou a nossa geração e análise de dados.
180
van Dijk (2015) afirma que a metodologia adotada nos estudos críticos do dis-
curso é bem diversificada, em que vários métodos podem se sobrepor.
Desse modo, a pesquisa foi sistematizada por meio das Sequências Di-
dáticas (doravante SDs), uma proposta sugerida por Dolz, Noverraz e Sch-
neuwly (2004, p. 97) de ensino dos gêneros textuais orais e escritos na organi-
zação da rotina escolar. As SD’s são “um conjunto de atividades organizadas,
de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou escrito”.
Os dados selecionados para esta pesquisa foram resultados de uma SD
aplicada em Classes de Distorção Idade/Série (CDIS)3 de uma escola pública
no Sol Nascente (Ceilândia-DF). Na sequência didática, aplicada entre os dias
04/09/2015 e 02/10/2015, os estudantes produziram uma dissertação escolar
sobre o tema “o adolescente e a sexualidade”. No quadro a seguir, as etapas
realizadas na SD4:
3 No ano de 2015, fui professora-regente de três turmas de Classes de Distorção Idade Série (CDIS) em
uma escola pública da Ceilândia - DF. Essas turmas são destinadas aos estudantes na faixa etária de 13 a
17 anos e que reprovaram pelo menos duas vezes nas séries finais do Ensino Fundamental (DISTRITO
FEDERAL, 2012).
4 Essa SD foi adaptada ao contexto da turma e da escola.
181
Produção final: Produção de uma redação dissertativa escolar sobre o
tema “a sexualidade do jovem atual”.
Análise de dados
A sexualidade dos jovens de hoje emdia eles so querem fazer sexo sem
saber e acaba engravidano e acaba abortano ou eles nem poden abor-
ta elas cuidão com a ajuda da mãe por que o namorado esta preso e
quando o namorado não esta presso ele tem vez que fala que o filho não é
dele e acaba fugino e a menina se acaba siferrano cuidano da criança soci-
nha sem trabalho e ela acaba arrumano um namorado que e bandido e as veis
eles pode ate trabalhar e acaba engravidano a menina novamente e o rapas vai
acaba cuidano das duas crianças. E tei muitas mães que colocão as crianças
que são os jovens para fora de casa as meninas vão morar mais o namorado que
acaba discutino e depois acaba em briga e as ves acaba em morte quando o na-
morado sai da cadeia ele mata as duas pessoas
G.P.S-CDIS B
182
O texto em tela chamou a minha atenção devido às ocorrências exclu-
sivas da perífrase do acabar +v-ndo. A redação dissertativa em análise se
organiza a partir do frame5: o adolescente pratica sexo sem pensar nas con-
sequências, e a argumentação é marcada linguisticamente pelo princípio da
iconicidade de ordenação linear pela perífrase acaba+V-ndo, pois os eventos
expressos por meio da perífrase são dispostos no texto respeitando a ordem
dos eventos que ocorrem no mundo.
Outro ponto relevante no texto, é que as perífrases do texto estão in-
tegradas em relação de parataxe por adição. Isso é muito significativo, pois,
para além de manter a coesão, a relação semântica de adição também revela a
expressão da (inter)subjetividade, a fim de reforçar o ponto de vista do leitor
do texto do estudante sobre o tema.
De acordo com Cavalli (2014), construções perifrásticas acabar+v-ndo
é um aspectualizador em processo de gramaticalização no PB, ou seja, aca-
bar está se tornando um auxiliar que marca o aspecto do verbo principal. No
entanto, em acaba engravidando e acaba abortano, acaba marca o aspecto
perfectivo terminativo, que é interpretado como a consequência do ato de ser
inconsequente. Desse modo, o aspecto não é apenas a expressão do tempo
interno da enunciação (CASTILHO, 2010; TRAVAGLIA, 2015), mas está a
serviço da expressão da (inter)subjetividade, pois o estudante sabe que o pro-
pósito de uma redação dissertativa é convencer o leitor de seu ponto de vista
sobre um tema, e ele espera que o seu leitor tenha a mesma leitura que ele.
Dado o contexto de produção da redação dissertativa, as demais perífra-
ses que estão integradas ao trecho inicial correspondente ao tópico frasal tem o
aspecto alterado, pois é possível interpretá-las como imperfectivas, pois, ao en-
gravidar, a adolescente sofre uma série de consequências contínuas em sua vida,
que tendem a se agravar, caracterizando o aspecto imperfectivo progressivo.
Essa leitura imperfectiva progressiva é sustentada por uma relação metonímica
na qual o aspecto progressivo do verbo no gerúndio é estendido para a perífrase.
Contudo é preciso realçar que este o mecanismo da inter(subjetivação)
ocorre inicialmente em contextos isolados e pode ser aceito socialmente e vir a
ser propagado; porém, isso depende de fatores sociais. Em outras palavras, isso
quer dizer que não é possível generalizar essa mudança semântica a partir da ob-
5 Segundo Ferrari (2011, p.50), frame, conceito criado por Fillmore, é “um sistema estruturado de conheci-
mento, armazenado na memória de longo prazo e organizado a partir da esquematização da experiência”.
183
servação de um único dado. É necessário, portanto, analisar outras ocorrências
da perífrase em textos pertencentes ao mesmo gênero textual para afirmarmos se
essa mudança semântica, nesse contexto de uso, é recorrente no PB.
Por fim, o texto em análise estabelece um diálogo com as estruturas
do discurso ideológico (VAN DIJK, 2000), pois, o tempo todo, o aluno re-
fere-se de modo genérico aos adolescentes, utilizando substantivos como
jovem, menina, namorado, sem fazer qualquer referência direta, além do uso
constante do pronome de terceira pessoa eles. Além da imprecisão do dis-
curso, entendemos que o uso dessas estratégias de imprecisão também recai
no contraste entre nós e eles, conforme van Dijk (2000) aponta. Isso quer di-
zer que o estudante é impreciso para se distanciar dessa realidade, ou seja, os
jovens em geral se comportam assim, mas o adolescente autor do texto, não.
Os topoi, que são definidos como “lugares-comuns” na argumentação
também se fazem presente no enunciado, haja vista que o aluno fala do lugar
comum da sua experiência de vida. Na região da escola e do local onde o
adolescente morava na época da pesquisa, o índice de gravidez na adolescên-
cia, famílias monoparentais lideradas pela mãe ou arranjos familiares fora da
configuração tradicional, com a figura de vários padrastos no decorrer da vida
das crianças e adolescentes, por exemplo, eram altos.
Outro dado relevante, arrolado a partir do trabalho etnográfico6 desenvol-
vido na escola, durante a pesquisa de doutorado, que revela os topoi no texto
do estudante, foi o alto índice de abortos na comunidade. No desenvolvimento
dos trabalhos da II Mostra de Ciência e Cultura7, alunos do nono ano da escola
fizeram uma entrevista estruturada com os demais estudantes da escola sobre
sexualidade na adolescência8. Dentre as perguntas do questionário formulado
estava a que os alunos deveriam dizer se conheciam algum caso de aborto.
Todas as turmas da escola foram entrevistadas, inclusive as turmas de
CDIS, e nessas turmas, 77% dos alunos afirmaram conhecer algum caso de
aborto, o que mostra que a relação de causa e consequência entre gravidez e
6 A pesquisa qualitativa prevê a inserção de vários métodos de pesquisa. Durante a pesquisa de doutora-
do, também realizei uma pesquisa de cunho etnográfico.
7 A Mostra de Ciência e Cultura era um projeto da escola pesquisada, previsto no PPP, em que os alunos
escolhiam um tema para desenvolver um projeto.
8 Trabalho orientado pela professora Ludmilla Seldmeier Morgado. Nossos agradecimentos pela colabo-
ração na nossa pesquisa.
184
aborto, para esse grupo, é um topoi. Outro dado que confirma isso, é a recor-
rência desse tema no universo das redações, a construção perifrástica acaba
abortano não ocorreu apenas nesse texto.
Nos demais enunciados em que a perífrase acaba+ v-ndo, o aluno apon-
ta as possiblidades quando a adolescente não pratica o aborto, e, em todas elas
há uma sequência de topoi mostrando a perspectiva de mundo do estudante
de que a mãe adolescente sempre sofre as consequências ao assumir sozinha a
criação da criança (ele tem vez que fala que o filho não é dele e acaba fugino e
a menina se acaba siferrano cuidano da criança socinha), ou que se envolve
com outro namorado envolvido com a criminalidade e engravidar novamente
(e ela acaba arrumano um namorado que e bandido e as veis eles pode ate
trabalhar e acaba engravidano a menina novamente e o rapas vai acaba cui-
dano das duas crianças) e entrando em um ciclo de violência doméstica (E tei
muitas mães que colocão as crianças [...] as ves acaba em morte,).
Analisando o texto como um todo, é possível observar que a argumen-
tação é sustentada linguisticamente pela sequência de perífrases. A premissa
de que ao fazer sexo sem orientação acarreta em gravidez, pode ser conduzida
sob duas possibilidades, o aborto ou a continuidade da gravidez. O aluno,
para enfatizar as consequências negativas dessa gravidez não planejada cria
essa sequência de acarretamentos materializados nas construções perifrásticas
do tipo acabar + v-ndo, que acionam sentidos convencionalizados via (inter)
subjetivação e também acionam estruturas do discurso ideológico, sobretudo
a vagueza e imprecisão e os topoi, reproduzindo tabus e preconceitos do uni-
verso da sexualidade na adolescência.
Considerações finais
185
realidade da sua comunidade. Há também no texto a presença dos topoi que
banalizam preconceitos e tabus sobre a sexualidade e a gravidez precoce.
Diante dessas reflexões, algumas questões ainda podem ser explora-
das em trabalhos posteriores. Uma delas são os efeitos da prática educativa,
visto que é possível trabalhar com estudantes da Educação Básica os efeitos
de sentido das estruturas linguísticas, como estas podem “trabalhar questões
linguísticas com base em seus propósitos discursivo-pragmáticos, vinculados
a práticas sociais situadas” (FURTADO DA CUNHA et al., 2014, p. 84).
REFERÊNCIAS
186
e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. [Tradução e organização:
Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro]. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2004.
187
TRAUGOTT, E.; DASHER, R. Revisiting Subjectification and Intersubjecti-
fication. In: DAVIDSE, K; VANDELANOTT; CUYCKENS, H. Subjectifi-
cation, Intersubjectification and Grammaticalization. Berlin: De Gruyter
Mouton, 2010. p. 29-70.
188
CAPÍTULO 17
O SINTAGMA NOMINAL (NU)
NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Introdução
189
Metodologicamente, adotamos a introspecção para analisar as constru-
ções em que há a presença de nominais nus. Consideramos, com Perini (2006),
que estudar uma língua é estudar um fenômeno psicológico – não observável,
portanto, de modo direto. Nessa perspectiva, defendemos que a produção e
o julgamento dessas sentenças pelo próprio pesquisador são válidos para a
comprovação ou não de certo fenômeno linguístico.
Ao fim de nossa exposição, sugerimos caminhos para o trabalho das no-
ções teóricas aqui apresentadas em contextos reais, principalmente em práticas
didáticas de língua portuguesa como língua materna ou como segunda língua.
190
O sintagma nominal no Programa Gerativista
191
Passamos, agora, à distinção semântica entre os sintagmas nominais
com determinante manifesto e os sintagmas nominais sem determinante mani-
festo (os nominais nus).
192
samente a classe das entidades que satisfaz esse conjunto de propriedades
semânticas (i.e., dos cachorros que existiram, existem e existirão no mundo).
À interpretação presente em (a), dá-se o nome de significado descritivo, senti-
do ou intensão. À interpretação em (b), dá-se o nome de extensão. Na linguís-
tica moderna, (a) e (b) são classificados como denotação. Uma propriedade
importante da denotação é a o fato de ser uma propriedade constante dos itens
lexicais (em nosso caso, dos nomes).
Vamos assumir, portanto, que, nos sintagmas nominais nus, não se pode
atribuir uma interpretação referencial ao nome que é núcleo do SN.
193
i) Há alguma relação entre o tipo de sintagma nominal (se nu ou
não) e a posição sintática que este ocupa (se argumental ou não)?
ii) Qual é o comportamento translinguístico de (i)?
Sobre (i), a literatura linguística, segundo Muller (2002), define
haver sim relação entre o tipo de sintagma nominal e a posição
sintática deste. Translinguisticamente, essa relação é de três tipos:
I) Há línguas (como o chinês) em que os sintagmas nominais
nus ocorrem livremente como argumentos.
II) Há línguas (como o francês) em que apenas sintagmas com
determinante podem ocupar posição argumental.
III) Há línguas (como o inglês) em que argumentos nominais nus
são possíveis em certas circunstâncias, como quando o SN é do
tipo massivo ou quando o sintagma nominal pode ter seu tipo
interpretado como espécie.
(9)
taso naoky tykat boroja keerep
taso Ø-na-oky ty-ka-t boroja keerep
homem 3-decl-matar aux-PC-nfut cobra sempre
194
(10) a. * Chien aboue.
‘cachorro late’
b. Le chien aboue.
‘o cachorro late’
(11)
a. O cachorro gosta do dono.
b. Cachorro gosta do dono.
(12)
a. Eu entreguei o cachorro ao dono.
b. *Eu entreguei cachorro ao dono.
(13)
a. Eu dei o osso para o cachorro.
b. *Eu dei o osso para cachorro.
(14)
a. Eu passeei com a minha namorada na praça.
b. *Eu passeei com a minha namorada em praça.
A análise dos dados nos permite afirmar que as posições sintáticas mais à
direita da sentença são mais dependentes da presença de sintagma nominal com
195
determinante. Essa é uma das razões de se considerar o português brasileiro
como língua situada em posição medial do continuum: a depender da posição
sintática que ocupa, o sintagma nominal pode ocorrer com ou sem determinante.
Com essa descrição, somos capazes de lançar luz sobre questões rela-
cionadas às ações escolares, nomeadamente o ensino de análise linguística (de
língua materna e de segunda língua).
Proposta de análise/intervenção
196
atividades significativas de análise linguística, nomeadamente em práticas
interdisciplinares.
Em relação às práticas de ensino de língua portuguesa como segunda
língua, podemos refletir sobre a experiência do projeto “Ensino de português
para imigrantes em situação de vulnerabilidade: uma ação humanitária”, de
autoria da Dr. Suelene Vaz da Silva (VAZ, 2017). Esse projeto é destinado
“a imigrantes em situação de vulnerabilidade, especialmente haitianos, que
estão radicados em Goiânia e cidades circunvizinhas” (VAZ, 2017, p. 5) e está
fundamentado pela “abordagem comunicativa de ensino de línguas, adotando
“a metodologia de ensino de línguas para fins específicos” (VAZ, 2017, p. 5).
O projeto tem como objetivo principal “atender as necessidades linguísticas
emergenciais dos participantes em situações específicas, como na busca por
emprego, interagir no ambiente de trabalho, em uma consulta médica, no co-
mércio, entre outros contextos comunicativos” (VAZ, 2017, p. 5).
Nosso trabalho, o qual tem propósito expositivo-didático, é relevante para
o reconhecimento de fenômenos de interlíngua. Assumindo que o falante hai-
tiano faça uso da língua francesa como ponto de referência para o aprendizado
do português (ambas são românicas), há que se considerar as distintas configu-
rações dos sintagmas nominais em posição argumental dessas línguas: o portu-
guês permite sintagmas nominais com e sem determinantes; o francês permite
apenas sintagmas nominais com determinantes (em posição argumental). Assim,
o professor que atua no ensino de português como língua de acolhimento tor-
na-se mais ciente de sua ação docente, nomeadamente na compreensão dos
estágios de interlíngua (ou seja, da passagem de um padrão [+ determinante
no SN] para um padrão [+/- determinante no SN]).
Para nós, a abordagem da temática dos sintagmas nominais (nus) mos-
tra-se relevante na medida em que permite ao professor a consciência de fe-
nômenos inerentes à sua prática docente, seja no âmbito do ensino de língua
materna ou de segunda língua.
Conclusão/Considerações finais
197
vezes fechados. O diálogo com práticas reais de ensino de língua portuguesa
é imperioso, e nosso trabalho é resultado desse esforço.
Esperamos ter contribuído para a formação de novos docentes, quer
pela fundamentação teórica, quer pelo entusiasmo.
Ainda há muito a ser realizado, principalmente na descrição semântica
dos sintagmas nominais. Nosso trabalho, tendo de proceder a um recorte teó-
rico e a uma delimitação de objeto de estudo, deixou muitos tópicos de fora.
Encorajamos os leitores a se aprofundarem na temática, especialmente pela
leitura dos trabalhos citados ao longo de nossa exposição.
REFERÊNCIAS
198
PERINI, Mário. Princípios de linguística descritiva: introdução ao pensa-
mento gramatical. São Paulo: Parábola, 2006.
199
SOBRE AUTORES E AUTORAS
200
Professor efetivo (DIII-1) de Língua Portuguesa e Linguística do Institu-
to Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - campus Goiânia
(2016-atual). E-mail: bruno.dias@ifg.edu.br
Éderson Saraiva
Mestrando em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Li-
cenciado em Letras: Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás.
Professor de Português da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. E-mail:
1601.saraiva@gmail.com
201
Higor de Albuquerque
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação,
Linguagem e Tecnologias – PPG-IELT da Universidade Estadual de Goiás
– UEG. Especialista em Docência universitária pela Universidade Católica
Dom Bosco (2017). Graduação em Engenharia Civil pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de Goiás (2010). Técnico em Edificações pelo Instituto Fe-
deral de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG (1997). Professor
do Centro Universitário Montes Belos (UniMB). Professor Graduação no
Centro UniversitárioAlves Faria (UniALFA). Professional & Life Coaching pelo
Instituto Brasileiro de Coaching (IBC) (2018). E-mail: prof.higoralbuquerque
@gmail.com
202
Estudos e Pesquisas Infância e Educação- NEPIE (UFG/Regional Catalão).
E-mail: janacassianos@gmail.com
203
Professora do Instituto Federal de Goiás. Coordenadora do curso de Licencia-
tura em Letras: Português do IFG. E-mail: lu.oya.963@gmail.com.
204
Mayrhon José Abrantes Farias
Doutor e Mestre em Educação Física pelo Programa de Pós-graduação em
Educação Física da Universidade de Brasília (PPGEF/UnB). Especialista em
Educação Integral e Integrada (PPGE/UFMA). Licenciado em Educação Físi-
ca pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Professor assistente da
Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Campus Tocantinópolis. E-mail:
mayrhon@gmail.com
205
Regina Célia Alves da Cunha
Mestra em Educação, Linguagem e Tecnologia pela Universidade Estadual de
Goiás. Especialista em Gestão de pessoas, Psicologia Organizacional e Coa-
ching pela Faculdade Católica de Anápolis. Especialista em Ensino e Aprendi-
zagem da Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Goiás. Graduada em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2000). Professora
do Instituto Tecnológico de Goiás Governador Onofre Quinan. Tutora do Cen-
tro de Ensino e Aprendizagem em Rede - CEAR pela Universidade Estadual
de Goiás. Professora da Faculdade metropolitana de Anápolis. Membro da
Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC/Universidade de Barcelona.
E-mail: regina.cunha@cepeduc.com
206
Tiago de Aguiar Rodrigues
Doutor em Linguística pela Universidade de Brasília (2017). Mestre em Lin-
guística pela Universidade de Brasília (2011). Graduado em Letras - Portu-
guês (Bacharelado (2009) e Licenciatura (2007)) e Letras - Inglês (Licencia-
tura) (2012) pela Universidade de Brasília. Professor adjunto da Universidade
Federal da Paraíba. E-mail: tiagoar.lp@gmail.com
207
ORGANIZADORAS
208
transd/UCB. Membro da Rede Internacional Investigando Escolas Criativas
e Inovadoras – UFT. Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas:
construindo a escola do século XXI - RIEC (Coord. UB/Espanha e Unibave/
Brasil). Membro do Núcleo de Formação de Professores da Faculdade de
Educação – UFG. E-mail: marilzasuanno@uol.com.br
209