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Prof. Me.

Gil Barreto Ribeiro (PUC Goiás)


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Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira


Diretora Administrativa
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CONSELHO EDITORIAL
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Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG)
Profa. Dra. Terezinha Camargo Magalhães (UNEB)
Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG)
Profa. Dra. Elisangela Aparecida Pereira de Melo (UFT)
PRÁTICAS
INTERDISCIPLINARES
NA EDUCAÇÃO:
D I Á LO G O S, I NT E R FA C E S E D E S A F I O S

1ª edição

Goiânia - Goiás
Editora Espaço Acadêmico
-2020-
Copyright © 2020 by Limerce Ferreira Lopes, Maria Cristina Morais de Carvalho
Marilza Vanessa Rosa Suanno (Organizadoras)

Editora Espaço Acadêmico


Endereço: Rua do Saveiro, Quadra 15, Lote 22, Casa 2
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Editoração: Larissa Luz dos Santos


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CIP - Brasil - Catalogação na Fonte

P912 Práticas interdisciplinares na educação : diálogos,


interfaces e desafios [livro eletrônico] / Organizadores
Limerce Ferreira Lopes, Maria Cristina Morais de
Carvalho e Marilza Vanessa Rosa Suanno. – 1. ed. –
Goiânia : Editora Espaço Acadêmico, 2020.
210 p. ; Ebook.

Inclui referências bibliográficas


ISBN 978-65-00-01775-5

1. Educação. 2. Educação - interdisciplina. I. Lopes, Limerce Fer-


reira (org.). II. Carvalho, Maria Cristina Morais de (org.). III. Suanno,
Marilza Vanessa Rosa (org.).
CDU 37

Índice para catálogo sistemático


1. Educação - interdisciplina.............................................37

O conteúdo da obra e sua revisão são de total responsabilidade do autor.

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É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou
por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores.
A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido
pelo artigo 184 do Código Penal.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil


2020
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................10

PREFÁCIO.............................................................................18
CAPÍTULO 1

Práticas de leitura e interdisciplinaridade:


em busca de um caminho possível.......................20
Limerce Ferreira Lopes
CAPÍTULO 2

O ESPETÁCULO TECNOLÓGICO EM PROL DA


FORMAÇÃO CRÍTICA E AUTÔNOMA DO SUJEITO........27
Katielly Vila Verde Araújo Soares
Elias Rafael de Sousa

EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE:


CAPÍTULO 3

DISCUSSÕES E POSSIBILIDADES.........................................37
João Henrique Suanno
Higor de Albuquerque
Vinícius Fagundes dos Santos
CAPÍTULO 4
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA BASEADA EM UMA
PROPOSTA TEATRAL...............................................................48
Regina Célia Alves da Cunha
João Henrique Suanno

O USO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA NA ESCOLA:


CAPÍTULO 5

UMA POSSIBILIDADE DE TRANSGRESSÃO PESSOAL E


SOCIAL.........................................................................................57
Luciene Almeida de Araújo
Amanda Cristina Teixeira de Oliveira
Ana Lúcia Duarte dos Santos

A CRIATIVIDADE NO PROCESSO DE LETRAMENTO NA


CAPÍTULO 6

EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS


PERCEPÇÕES DE UM PROFESSOR DA PRÉ-ESCOLA....70
João Henrique Suanno
Camila da Rocha Lobo
Maria Erilânde Ferreira de Souza

RELAÇÕES ENTRE OS PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO


CAPÍTULO 7

E LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA: SIGNIFICAÇÕES


DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL.................80
Priscilla de Andrade Silva Ximenes
Thallita Moreira Ribeiro Cardoso
Janaína Cassiano Silva
INFÂNCIA E MÍDIA: REFLEXÕES SOBRE A

CAPÍTULO 8
PRODUÇÃO NARRATIVA DAS CRIANÇAS NA
CONTEMPORANEIDADE.........................................................91
Tayanne da Costa Freitas
Ingrid Dittrich Wiggers
Mayrhon José Abrantes Farias
CAPÍTULO 9

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E O SENTIDO DE GESTÃO


ESCOLAR E DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO.................101
Daniel Junior de Oliveira
Vanderleida Rosa de Freitas Queiroz

NESTA SINA DE MUDAR: UM CURRÍCULO PARA


CAPÍTULO 10

ESTUDANTES EM SITUAÇÃO DE ITINERÂNCIA NA


PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES......113
Ormezinda Maria Ribeiro
Maria Marlene Rodrigues da Silva
CAPÍTULO 11

EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE:


DESAFIOS EDUCATIVOS DO MUNDO ATUAL E AS AULAS
DE LÍNGUA PORTUGUESA...................................................124
Veruska Ribeiro Machado
Ana Rita de Souza dos Santos
CAPÍTULO 12
O PROCESSO DE ESCRITA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
SOB UMA PERSPECTIVA BAKHTINIANA ........................134
Paula Franssinetti de Morais Dantas Vieira
CAPÍTULO 13

Leitura em língua inglesa na educação básica:


a interdisciplinaridade em foco..........................146
Marco André Franco de Araújo
Éderson Saraiva
CAPÍTULO 14

O CONTO NO TÉCNICO CONCOMITANTE:


UMA PERSPECTIVA DE ENSINO ALÉM DO
UTILITARISMO..........................................................156
Lyana Carla Cabral P. P. Aguiar
Thiago Soares de Oliveira
CAPÍTULO 15

ENSINO DE PRODUÇÃO DE TEXTOS NO CURSO DE


DIREITO: UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA
PARA O GÊNERO PETIÇÃO INICIAL......................167
Tiago de Aguiar Rodrigues
A CONSTRUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO EM REDAÇÕES

CAPÍTULO 16
DISSERTATIVAS PRODUZIDAS POR ADOLESCENTES A
PARTIR DOS PROCESSOS DE (INTER) SUBJETIVAÇÃO
E AS ESTRUTURAS DO DISCURSO IDEOLÓGICO
(ECDS).....................................................................................178
Maria Cristina Morais de Carvalho
CAPÍTULO 17

O SINTAGMA NOMINAL (NU) NO PORTUGUÊS


BRASILEIRO............................................................................189
Bruno Pilastre de Souza Silva Dias
Karolainy Moreira dos Santos

SOBRE AUTORES E AUTORAS.........................................200


CAPÍTULO 14
APRESENTAÇÃO

A obra Práticas interdisciplinares na educação: diálogos, interfaces


e desafios aborda temáticas que relacionam a várias áreas do conhecimento
e apresenta pesquisas de reflexões teórico/metodológicas acerca de expe-
riências estéticas, sociais e políticas, em diferentes contextos educacionais
e, cujo eixos centrais, articulam com os temas “educação, linguagem e in-
terdisciplinaridade”.
Quanto a origem dessa obra registra-se o esforço coletivo de professo-
res, pesquisadores e pós-graduandos vinculados institucionalmente ao IFG,
IFF, IFB, UFG, UEG, UNB, UFT, UFPB dentre outros, e a grupos interinsti-
tucionais de pesquisa, dentre eles, “Núcleo de Estudos Discursivos e Enuncia-
tivos-IFG”, “Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Questões Contem-
porâneas (DIDAKTIKÉ)-UFG”; “Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação
Matemática do NEPEM-IFG”; “Grupo de Pesquisa SIGNO- Os significantes
e significados do ensino e da produção de textos: pesquisa, ação, reflexão-
UNB”; “Núcleo de Estudos Culturais, Estéticos e de Linguagens-IFF”; “Nú-
cleo de Estudos e Pesquisas Infância e Educação-UFG(Regional Catalão)”,
“IMAGEM - Grupo de Pesquisa sobre corpo e educação-UNB, etc. a fim de
dialogar e buscar, na dispersão das vozes, uma ancoragem dialógica entre teo-
rias, debates e práticas que configurem esse movimento histórico e dialético
pelo qual constitui as diferentes áreas do conhecimento.
A obra contou com financiamento próprio e preocupou-se em escolher
editora com perfil acadêmico que contém Conselho editorial e científico, com
membros nacionais, internacionais, além de catálogo para divulgar e comer-

10
cializar as obras. Os capítulos recopilados são de natureza acadêmica e foram
revisados por pares a fim de aprimorar a qualidade textual e científica.
A natureza da publicação online possibilita acesso livre e gratuito, uma
vez que a presente obra se encontra disponível no site da Editora Espaço Aca-
dêmico, assim como em sites acadêmicos, assegurando assim, ampla circula-
ção e distribuição para usos no âmbito acadêmico, graduação, pós-graduação
e formação continuada.
A relevância temática pode ser observada na problematização, con-
sistência teórico-crítica, coerência e integração dos conceitos e fundamentos
epistemológicos que se apresentam nos capítulos, com intuito de elencar pos-
sibilidades para a realização de práticas interdisciplinares. Daí que, o poten-
cial de impacto da obra propõe aduzir, por meio do diálogo das diferentes
áreas do conhecimento, a instauração de um “novo olhar” para as práticas
pedagógicas que redimensiona, para além do trabalho estritamente monolí-
tico, um caminho possível para se pensar a interdisciplinaridade, ancoradas
nas interfaces pelas quais configuram o eixo temático dessa obra: “educação,
linguagem e interdisciplinaridade”.
Essas contribuições reflexivas e sistemáticas apresentadas anteriormen-
te, corrobora para o caráter inovador da obra, haja vista que, ao aproximar au-
tores e reflexões da área de Ciências humanas e Exatas, estamos corroborando
na produção do conhecimento, na divulgação de pesquisas e na formação de
professores dos diferentes campos do conhecimento.
Os dezessete capítulos da obra apresentam problematização, sistemati-
zação e análise de resultados de pesquisa científica e reflexões críticas e perti-
nentes para o campo acadêmico-profissional, de modo a construir um escopo
de múltiplas experiências científicas e possibilidades de realização de práticas
interdisciplinares que colaborarão para o debate, para o ensino, para a pes-
quisa na graduação e pós graduação, bem como para a formação de docentes,
pesquisadores e especialistas da área e áreas afins.
O capítulo de Limerce Ferreira Lopes, denominado “Práticas de leitura
e interdisciplinaridade: em busca de um caminho possível” inicia a obra apre-
sentando algumas discussões teóricas que tratam sobre a noção de interdisci-
plinaridade e sua relevância no processo de ensino da leitura no ensino funda-
mental. Esta temática, sobre a inserção deste tema nas práticas de ensino, têm
sido proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais -Temas Transversais

11
(PCNs, TT, 1997) no intuito de promover uma educação para a cidadania e,
assim, abrir caminhos para que a interdisciplinaridade também se configure
como uma prática a ser realizada em sala de aula
Katielly Vila Verde Araújo Soares e Elias Rafael de Sousa no capí-
tulo “Espetáculo tecnológico em prol da formação autônoma” apresentam
como o uso de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDI-
Cs) modifica o processo educacional dos aprendizes dessa era digital, com
o objetivo de analisar o uso das mídias tecnológicas a favor do processo de
ensino-aprendizagem, sabendo que uns dos maiores desafios do professor des-
ta era, é entender e atender as demandas, e para além de compreendê-las,
incorporá-las em suas práticas pedagógicas.
Em “Educação, tecnologias e transdisciplinaridade: discussões e possi-
bilidades”, João Henrique Suanno, Higor de Albuquerque e Vinícius Fagun-
des dos Santos analisam a seguinte problemática: qual a relação dialógica
entre a educação atual, as tecnologias e a transdisciplinaridade para a for-
mação global e multidimensional do estudante? A partir do aporte teórico de
Freire (1996), Brandão (2007), Santos (2008) com contribuições de Marilza
Suanno (2014), a investigação fundamentou na concepção da complexida-
de e Transdisciplinaridade, baseando-se em Nicolescu (2000) e Morin (2001)
com contribuições de Rocha Filho (2015). Sobre as Tecnologias Digitais de
Comunicação e Informação, investigou-se os princípios de Kenski (2007) e
contribuições de Soares et al. (2018).
O texto “A mediação pedagógica baseada em uma proposta teatral”, de
Regina Célia Alves da Cunha e João Henrique Suanno trata-se de um relato de
experiência sobre um trabalho que foi desenvolvido com os discentes do cur-
so de Oratória proveniente da modelagem de formação continuada (FIC), na
Instituição de Ensino: Instituto Tecnológico de Goiás Onofre Quinan, Anápo-
lis-GO. O objetivo dos autores foi mediar pela a arte teatral como valor impor-
tante para estimular a criatividade, a sensibilidade em relação a percepção de
sentimentos e reflexões sobre o conhecimento diante da retórica e do próprio
aluno, no que tange a consciência corporal e comunicativa. E os resultados
mostraram que a dramatização permitiu, portanto, uma socialização entre seus
participantes somados a uma construção autônoma e participativa do sujeito
no seu conhecimento.

12
O capítulo de Amanda Cristina Teixeira de Oliveira, Ana Lúcia Duarte
dos Santos e Luciene Almeida de Araújo é resultado de reflexões de um proje-
to de pesquisa desenvolvido no Instituto Federal de Goiás/ Campus Goiânia,
com alunos matriculados nas turmas de técnico integrado ao ensino médio.
Neste projeto foram desenvolvidas ações de atividades complementares, es-
tabelecendo um diálogo entre obras cinematográficas e questões sociais di-
versas como o suicídio; o preconceito étnico-racial, de gênero; as debilidades
físicas e/ou intelectuais. Assim, os estudantes refletiram coletivamente sobre a
sociedade e sobre ações de resistência, de transformação social, de conscien-
tização do papel de cada pessoa no desenvolvimento individual e coletivo;
a potencialidade do cinema foi explicitada em relação à aprendizagem dos di-
versos saberes, ao desenvolvimento de ferramentas para autoconhecimento e
resistência, bem como viabilizou-se estudos sobre os temas transversais, sobre
a arte cinematográfica e estratégias de ensino e aprendizagem para a formação
e exercício da docência.
O capítulo “A criatividade no processo de letramento na educação in-
fantil: Uma análise a partir das percepções de um professor da pré-escola” de
autoria de João Henrique Suanno, Camila da Rocha Lobo e Maria Erilânde
Ferreira de Souza defende que a Educação Infantil adquire cada vez mais no-
toriedade na compreensão das diversas formas de aprendizagem direcionadas
ao desenvolvimento do letramento, que por sua vez, representa a aplicação da
consciência de conhecimento no meio em que vivemos. Em vista disso, tem-
se nessa pesquisa de campo de caráter qualitativa, a intenção de demonstrar
a relação entre a criatividade e o letramento na Educação Infantil. Através da
aplicação de um questionário, um educador de um Centro Municipal de Edu-
cação Infantil (CMEI) de Colombo no Paraná, respondeu sobre suas percep-
ções acerca de como a metodologia empregada em sala de aula, instituição e
sociedade, podem contribuir para o letramento criativo na infância. Os dados
foram analisados à luz do paradigma eco-sistêmico e percebeu-se a relevância
de utilizar métodos que se aproximem da concepção de letramento no ensino
de crianças na fase pré-escolar.
O capítulo “Relações entre os processos de alfabetização e letramen-
to, leitura e escrita: significações de professoras da educação infantil”, de
Priscilla de Andrade Silva Ximenes, Thallita Cardoso Moreira e Janaína
Cassiano Silva tem como objetivo principal compreender as significações

13
de professoras da Educação Infantil sobre a relação entre os processos de
alfabetização e letramento vivenciados na pré-escola e o desenvolvimento
da aquisição da leitura e escrita nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
A partir de observação participante, entrevista semiestruturada e partici-
pação nos planejamentos pedagógicos, as autoras buscaram compreender
quais as significações dos professores de instituições escolares de Educa-
ção Infantil públicas acerca da relação entre os processos de alfabetização
e letramento e a aquisição da leitura e escrita de crianças da pré-escola. O
trabalho possibilitou repensar e identificar como os processos de práticas so-
ciais de leitura e escrita são significadas na Educação Infantil e nos motivou
a realização de trabalhos colaborativos visando contribuir com a formação
continuada de professoras da pré-escola.
Tayanne da Costa Freitas, Ingrid Dittrich Wiggers e Mayrhon José Abran-
tes Farias apresentam no capítulo “Infância e Mídia: reflexões sobre a produção
narrativa das crianças na contemporaneidade” reflexões acerca da produção
narrativa das crianças em meio ao contexto midiático contemporâneo, conside-
rando a produção cultural das crianças, a partir da observação participante em
uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública do Distrito
Federal, localizada na Região Administrativa do Riacho Fundo II.
O capítulo “As políticas educacionais e o sentido de gestão escolar e de
qualidade da educação”, de autoria de Daniel Junior de Oliveira e de Vander-
leida Rosa de Freitas Queiroz propõe-se refletir sobre o sentido que as políticas
educacionais brasileiras têm dado à gestão escolar e à qualidade educacional
e o sentido que a crítica elabora. Como contraponto à concepção neoliberal,
propõe-se defender a concepção de gestão escolar democrática vinculada à
concepção de qualidade socialmente referendada em prol da efetivação da
educação como práxis educativa.
Em “Nesta sina de mudar: um currículo para estudantes em situação
de itinerância na perspectiva da formação de professores” Ormezinda Maria
Ribeiro e Maria Marlene Rodrigues da Silva refletem sobre a importância de
se trabalhar a interdisciplinaridade, considerando os letramentos e a inter-
culturalidade na perspectiva da concepção de um currículo que atenda estu-
dantes em situação de itinerância, tendo em vista a formação de professores.
Tem como objeto a especificidade cultural e linguística de grupos como os
ciganos “calon”, com destaque para essa etnia, considerando a língua “chi-

14
bi” como elemento identificador e de pertencimento nacional e transnacio-
nal. Ancora-se em uma pesquisa realizada em acampamento situado na área
rural de Brasília- DF que demonstra como a tradição cultural cigana tem
estabelecido uma identidade dinâmica e performativa, apesar de sua diver-
sidade e que a educação desse grupo não pode ser traçada nos moldes da
educação regular destinada a não ciganos.
Veruska Ribeiro Machado e Ana Rita de Souza dos Santos, no capítulo
“Exercício da docência na contemporaneidade: desafios educativos do mundo
atual e as aulas de língua portuguesa” mostram como o exercício da docência
no século XXI apresenta-se desafiador. Diante disso, este capítulo dedica-se
à seguinte reflexão: como as salas de aula podem enfrentar os desafios edu-
cativos do mundo atual? Parte-se do princípio de que é essencial articular a
realidade escolar com saberes contextualizados. A esse diagnóstico são acres-
centadas as expectativas dos estudantes em relação à aprendizagem de língua
portuguesa. Com base nessas informações e considerando as perspectivas teó-
rico-metodológicas subjacentes à pedagogia dos multiletramentos, são pro-
postas algumas alternativas pedagógicas para o ensino de língua portuguesa
no ensino médio visando a possibilitar a inclusão dos estudantes em práticas
efetivas e relevantes de uso da língua.
No capítulo “O processo de escrita em língua estrangeira sob uma pers-
pectiva bakhtiniana”, Paula Franssinetti de Morais Dantas Vieira se propõe
averiguar a importância dos vários conceitos que servem de sustentáculo para
a dialogicidade bakhtiniana, entre os quais se destacam: o endereçamento (ad-
dressivity) ao focalizar o modo como o Eu se dirige ao Outro, a responsividade
(answerability) no momento em que são observadas as trocas dialógicas, a se-
letividade (selectivity) ao verificar a escolha vocabular realizada pelos alunos,
bem como as questões de autoria (authorship) e agência (agency) evocadas nos
textos. Autores que abordam a teoria dialógica servirão de sustentáculo teórico
para este estudo teórico são: Antunes (2009), Bentes e Rezende (2008), Faïta
(2005), Faraco (2009), Freitas (1994) e Vitanova (2005).
O capítulo “Leitura em língua inglesa na educação básica:
a interdisciplinaridade em foco”, de Marco André Franco de Araújo e Éderson
Saraiva, discutem a perspectiva do ensino interdisciplinar (LÜCK, 2010; SIL-
VA; TORRES, 2014) e, especificamente, atividades que podem ser realizadas
nas aulas de língua inglesa, pautadas nas habilidades de leitura em língua es-

15
trangeira (BRASIL, 1998; SABOTA, 2017). Com o ensino numa perspectiva
transdisciplinar, as aulas podem oportunizar aos alunos uma aprendizagem
crítica e mais autônoma, visto a união de várias áreas de conhecimento e tam-
bém da discussão de temais transversais como o meio ambiente.
No capítulo “O conto no técnico concomitante: uma perspectiva de en-
sino além do utilitarismo”, de Lyana Carla Cabral Pacheco Pinto Aguiar e
Thiago Soares de Oliveira, apresenta-se um recorte sintético do trabalho dis-
sertativo intitulado “Ensino de Português Instrumental a partir de conto: uma
proposta de formação discente para curso técnico concomitante”, com o obje-
tivo principal de compreender como a inserção do gênero conto na disciplina
de Português Instrumental pode funcionar como recurso didático-pedagógico
no processo de ensino-aprendizagem. Para isso, formulou-se uma sequência
didática, que foi aplicada a uma turma do primeiro módulo do curso técnico
concomitante em Meio Ambiente do IFFluminense, campus Bom Jesus do
Itabapoana, de modo que, aos discentes fosse dirigida um ensino para além
do utilitarismo típico da Educação Profissional e Tecnológica. Nesse sentido,
acrescentou-se um componente social (em especial o racismo) à disciplina,
sendo possível, por meio do conto, ultrapassar a mera formação para o merca-
do de trabalho, como atestam os próprios sujeitos da pesquisa-ação.
Tiago de Aguiar Rodrigues, no capítulo “Ensino de produção de tex-
tos no curso de Direito: uma proposta de sequência didática para o gênero
petição inicial” apresenta uma prática pedagógica construída com estudantes
do curso de Direito de uma universidade particular de Brasília, no Distrito
Federal. O objeto de análise neste capítulo é uma petição inicial produzida
por grupo de estudantes a partir do conto Negrinha, de Monteiro Lobato
(1994), após perpassar as etapas propostas por Dolz et al. (2004). Os dados
gerados evidenciam não apenas a importância da criação de contextos de
produção para que os alunos se apropriem “das noções, das técnicas e dos
instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades” (DOLZ
et al., 2004, p. 82), em especial da escrita; mas, sobretudo, a importância do
diálogo interdisciplinar para a formação crítico-reflexiva dos estudantes – e
futuros profissionais – do século XXI.
Maria Cristina Morais de Carvalho, no capítulo “A construção da ar-
gumentação em redações dissertativas produzidas por adolescentes a partir
dos processos de (inter) subjetivação e as Estruturas do Discurso Ideológico

16
(ECDs)”, apresenta quais os efeitos de sentido que as perífrases de gerúndio
do tipo acabar + v-ndo assumem em gêneros argumentativos no PB, especi-
ficamente como essas estruturas linguísticas concorrem para a construção da
(inter)subjetivação (TRAUGOTT; DASHER, 2005) dos sentidos negociados
entre os interlocutores, assim como as estruturas do discurso ideológico (VAN
DIJK, 2000) acionadas a partir dos usos dessas perífrases. Para tanto, foram
analisados textos gerados por adolescentes de uma escola pública do Distrito
Federal a partir do constructo teórico-metodológico das sequências didáticas
(SD’s) (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004).
No capítulo “O sintagma nominal (nu) no português brasileiro”, Bruno
Pilastre de Souza Silva Dias e Karolainy Moreira dos Santos caracterizam as
propriedades sintáticas e semânticas do sintagma nominal (SN) no português
brasileiro, de modo a subsidiar práticas eficientes no ensino de língua. Inicia-
mos pela descrição sintática no âmbito do Estruturalismo e seguimos com a
descrição do SN como formulada pela Teoria X-barra (Programa Gerativista).
Para a semântica do SN, realizamos a distinção entre referência e denotação a
partir das reflexões da filosofia da linguagem e da semântica formal, apresen-
tando ao final uma proposta de intervenção, a qual procura destacar a impor-
tância (do conhecimento) da temática para ações escolares na área de análise
linguística (de língua materna e de segunda língua).
A obra é, de fato, polifônica o que revela a natureza interdisciplinar da
linguagem e a possibilidade de repensar práticas, construir novos saberes e,
como é nosso objetivo, refratar para várias áreas do conhecimento uma nova
percepção sobre o nosso objeto de estudo: a educação, a linguagem e a inter-
disciplinaridade, isto é, interfaces que podem constituir-se e imbricar-se todo o
tempo nessa relação dialética em que o processo de aprendizagem está inserido.

Limerce Ferreira Lopes


Maria Cristina Morais de Carvalho
Marilza Vanessa Rosa Suanno
(Organizadoras)

17
Prefácio

O livro Práticas interdisciplinares na educação: diálogos, interfaces e


desafios reúne dezessete capítulos produzidos por autores e autoras das áreas
de Ciência humanas e Exatas vinculados a graduação e a pós-graduação de
sete instituições de educação superior e apresentam reflexões em torno dos
eixos temáticos “educação, linguagem e interdisciplinaridade”.
Configura-se como um empenho em aproximar e integrar professores,
pesquisadores e linhas investigativas, a fim de colocar em foco o ensino e
suas especificidades, bem como anunciar o entusiasmo em prol de vias inter-
disciplinares nas práticas de ensino na educação básica e educação superior.
Para tal, o livro produz reflexões em torno de teorias e concepções, apre-
sentando proposições quanto ao uso de: a) Tecnologias Digitais da Infor-
mação e Comunicação (TDICs); b) do diálogo entre cultura, cinema, obras
cinematográficas e questões sociais; c) letramentos e interculturalidade no
currículo; d) estudos de línguas, leitura e produção de textos; e) criatividade,
autoria e autonomia na educação escolar; f) gestão democrática; g) media-
ção didática, dentre outros.
A presente obra, na contramão da educação em perspectiva neoliberal,
para além do utilitarismo e da perversa lógica de mercantilização da educação
e da universidade, apresenta reflexões que coadunam com a defesa da edu-
cação pública, laica, gratuita, emancipatória, democrática e com qualidade
socialmente referenciada.
Nesse sentido, os autores/as valorizam a garantia do acesso ao conhe-
cimento e à pesquisa científica. Vale destacar que a universidade, por princí-

18
pio, é um espaço democrático de diálogo, pluralidade de ideias, liberdade de
expressão, diversidade e fundamentalmente ambiente propicio para a crítica
e o contraditório. Estes são principais basilares para o exercício da docência
e para a construção de práticas de ensino interdisciplinares que viabilizem a
aprendizagem, a construção do conhecimento e a emancipação humana, con-
forme anunciam os capítulos da obra.
De tal modo, a obra compatibiliza com a compreensão de que o exer-
cício da docência demanda de professores e professoras que sejam profis-
sionais, intelectuais, críticos, reflexivos e pesquisadores de sua práxis edu-
cativa. Assim, docentes precisam ter sólida formação teórica; capacidade de
problematizar a realidade; conhecimento dos contextos sociais e políticos em
âmbito local e global; condições para criar reflexões e respostas aos desafios
da docência; compromisso com a superação das desigualdades educacionais
e sociais; autonomia para reinventar as práticas de ensino, oportunizar apren-
dizagens e desenvolvimento discente; estilo de pensamento complexo capaz
de construir caminhos educacionais interdisciplinares e transdisciplinares
(SUANNO, 2015); condições de trabalho com estatuto profissional (PIMEN-
TA, 2019); dentre outros.
Nesse sentido, professores/as e pós-graduandos/as ao viabilizarem pu-
blicações acadêmicas no ano letivo de 2020, no mínimo, expressa resistência,
luta e utopia em prol de uma educação de qualidade, uma vez que vivenciamos
em um contexto em que, a garantia de recursos para o pleno funcionamento
das universidades públicas, vem sendo afetada, assim como sua autonomia.
A presente obra apresenta o esforço intelectual dos autores e autoras
por sistematizar conceitos, processos e construir caminhos possíveis para a
“educação, linguagem e interdisciplinaridade”.

Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno


FE/PPGE/UFG

19
CAPÍTULO 1
Práticas de leitura e
interdisciplinaridade:
em busca de um caminho
possível

Limerce Ferreira Lopes

CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

A própria história é, em “essência, interdisciplinar”. E compreender os


fatos é, antes de mais nada, contextualizar o passado historiado no presente
(BAIRON, 2002). A história da cultura mostrou ao longo do tempo, que o mun-
do cultural é uma colcha de retalhos tecida por diferentes linguagens e, conse-
quentemente, diferentes áreas do conhecimento. No âmbito da educação não
tem sido diferente. É neste sentido que este artigo discute a importância de re-
conhecer e considerar nas pratica de sala de aula, a viabilidade de projetos inter-
disciplinares a fim de tornar o ensino menos fragmentado e mais significativo.
As discussões propostas pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacio-
nais), ao inserir os Temas Transversais nos conteúdos ensinados pelos pro-
fessores das diferentes disciplinas, a fim de promover uma educação para a
cidadania, abriram caminhos para que a interdisciplinaridade também se con-
figurasse como uma prática a ser realizada em sala de aula. Estas inovações
tendem a questionar as aprendizagens monolíticas, positivistas e fragmenta-
das que configuram o quadro educacional construído ao longo do tempo.
Segundo Fazenda (2002), as pesquisas que apontam para a interdis-
ciplinaridade surgem desde a década de 70, junto às reformas ocorridas na
Educação Brasileira. Neste período, ainda como preocupação periférica, já
se discutia sobre o tema “interdisciplinar”, uma vez que nas discussões sobre
as ações pedagógicas, buscavam-se propostas que pudessem contribuir para a

20
modificação da organização curricular e, consequentemente, do modo como
se aprende na escola. A partir de então, nas décadas subsequentes (entre 80 e
90), as questões acerca da interdisciplinaridade passam a tornar-se cruciais
nos discursos governamentais e legais. Com estes avanços o número de pes-
quisas e publicações cresceram bastante, o que proporcionou o crescimento e
acesso de bibliografias sobre o tema em questão. Além das pesquisas, surge
ainda nesta época, alguns centros de referência que contavam com a cola-
boração de diversos educadores com intuito de propiciar a reflexão sobre o
tema da interdisciplinaridade, além de oferecer cursos de formação a outros
professores sobre o tema. Dentre estes centros, podemos citar: Centro de pes-
quisa Interuniversitário sobre a Formação e a Profissão/Professor (CRIFPE),
coordenado por Yves Lenoir, no Canadá; Centro Universitário de pesquisas
Interdisciplinares em Didática (CIRID), coordenado por Maurice Sachot, na
França etc. Estes e outros grupos que surgiram no mundo todo, muito contri-
buíram para a discussão e redimensionamento das reformas curriculares do
ensino fundamental, médio e profissionalizante.

DISCUSSÕES TEÓRICAS

Para compreender a interdisciplinaridade, é necessário partir primeira-


mente do “conceito” a fim de construir uma metodologia que contemple os as-
pectos relevantes à prática interdisciplinar. Barbosa (2004), após revisitar vários
autores que tratam sobre este tema, reitera que a prática interdisciplinar deve
antes provocar uma mudança de perspectiva no modo como o “objeto” será en-
sinado, isto é, a interdisciplinaridade exige que o educador perceba a totalidade
dinâmica da realidade enquanto “histórica” (isto é, em movimento) para que
assim, o conhecimento seja compreendido como algo dialético. Portanto, para
Barbosa (2004, p. 39), o conceito de “interdisciplinaridade” configura-se como:

Juntar os dispersos especializados, numa percepção de totalida-


de, de síntese [...] e não de soma. Nesse sentido, é um processo
de apreensão da realidade que tende à desalienação, uma vez
que exige apropriar-se da complexidade, da contradição, das
formas concretas da produção da vida material e cultural, tudo
isso, na movimentação histórica.

21
Barthes (1987) já dizia que o fazer interdisciplinar se constitui na cria-
ção de um objeto novo que não pertence a ninguém e não apenas em torno
de um ou mais assuntos. Este “novo objeto” que não pertence a ninguém, de
acordo com este linguista é o “texto”, que apreende na sua constituição outras
realidades históricas e, consequentemente, é interdisciplinar. Daí a importân-
cia da leitura de textos para a realização de projetos interdisciplinares.
É deste modo que a interdisciplinaridade traz ao âmbito das discussões
educacionais uma nova forma de pensar nossas atitudes pedagógicas, tendo
em vista que abre-se uma nova perspectiva metodológica capaz de favorecer
“[...] novas formas de aproximação da realidade social e novas leituras das
dimensões socioculturais das comunidades humanas” (FAZENDA 2002,
p. 14). Isto é, o olhar interdisciplinar exige que o professor busque possibilidades
de múltiplas leituras na realização de suas práticas, para assim, construir uma
ação pedagógica calcada em movimentos constantes de idas e vindas, permeando
as diversas áreas do conhecimento.
Uma prática que busque tal direção favorece múltiplos enfoques fren-
te ao objeto de conhecimento, e tal atitude modifica o “como” geralmente
realizamos nossas ações em sala de aula. Daí que a promoção de projetos
interdisciplinares requer uma atitude investigativa, de busca constante, pois
o objeto a conhecer não se esgota em si mesmo, mas deixa-se conduzir por
outras direções.
A realização do práticas interdisciplinares perpassam pela contempla-
ção de conteúdos programáticos de todas as disciplinas, diferentes métodos
de aprender, tais como: a escrita como registro e como argumentação, a fala
argumentativa, a apreensão e compreensão de textos orais e a leitura como
apreensão de informações e outros efeitos de sentidos gerados pelo interdis-
curso. As práticas interdisciplinares dão lugar a uma dialogização constante
de movimentos, construções e reflexões diárias. Por isso é necessário buscar
o diálogo, a troca de ideias etc., pois assim podemos contribuir para superar a
fragmentação do saber.
Quando pensamos no ensino da leitura nesta perspectiva, estamos con-
siderando justamente este aspecto. A linguagem, devido a sua natureza polis-
sêmica, permite, via texto escrito, a compreensão de vários pontos tangenciais
que apontam para outros campos do conhecimento. A leitura não pode ser
compreendida como objeto unidirecional, voltada apenas para a apreensão de

22
determinados conceitos, mas, antes disso, ela abriga em si mesma múltiplas
vozes que dialogam, argumentam, convencem e se contrapõem ao interlocutor
numa relação constante de interação.
A realização de práticas que envolvam a leitura sob a ótica interdiscipli-
nar facilitaria ao professor a realização de atividades que fomentem o caráter
discursivo da linguagem, dos textos em discussão, uma vez que ao abrir-se à
compreensão de outros conhecimentos, o professor estaria dialogando com a
própria linguagem ali materializada, buscando fios discursivos que remetem
a outros ditos e caminhos interdiscursivos. Deste modo, as práticas de leitura
deixariam de contemplar apenas seu caráter disciplinar1, para então, conside-
rar outros aspectos que envolvem outros saberes.
Sabemos que a realização de práticas de leitura que envolva estes as-
pectos não é tão simples, tendo em vista uma série de fatores que devem ser le-
vados em consideração como a realização de projetos, planejamento e estudo
sobre o tema pelos diferentes professores etc. E tal atitude requer mudança de
paradigma e disposição dos professores, para que as propostas sejam interes-
santes e envolvam os alunos na sua realização.
Os PCN-TT2 (1998, p. 26), com intuito de contribuir para a realização
de práticas interdisciplinares, sugerem que alguns temas essenciais à forma-
ção do cidadão sejam inseridos transversalmente nos conteúdos convencio-
nais. Estes temas, (Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orien-
tação sexual, Trabalho e Consumo), segundo este documento, não precisam
ser trabalhados isoladamente, pois eles atravessam os diferentes campos do
conhecimento e, portanto, estão articulados aos conteúdos de cada disciplina

Nas diversas áreas do currículo escolar existem, implícita ou


explicitamente, ensinamentos a respeito dos temas transversais,
isto é, todas educam em relação a questões sociais por meio de
suas concepções e dos valores que veiculam nos conteúdos [...]
a problemática dos temas transversais atravessa os diferentes
campos do conhecimento.

1 Entendemos como sentido disciplinar o texto que é lido em cada disciplina para apreensão de concei-
tos referentes àquela disciplina, isto é, sob um foco, apenas.
2 Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas Transversais.

23
Assim, o papel do professor é de grande importância, pois cabe a ele
“[...] mobilizar os conteúdos em torno de temáticas escolhidas, de forma que
as diversas áreas não representem continentes isolados, mas digam respeito
aos diversos aspectos que compõem o exercício da cidadania” (PCN-TT,
1998, p. 28).
Apesar de importante, a interdisciplinaridade ainda é um tema que aos
professores parece um campo a ser explorado, desvendado. Pois exige-se, nes-
te processo, que se privilegie o encontro com o novo, e esta atitude requer a
metamorfose de metodologias já consagradas e constituídas na história de vida
de cada sujeito-professor. Apesar dos avanços das pesquisas realizadas até os
dias atuais sobre o tema interdisciplinar, infelizmente, quando observamos as
práticas pedagógicas, verificamos que não há um planejamento sistematizado
que promova um trabalho interdisciplinar.
Para os PCN-I3 (1998, p. 75), o conhecimento é uma construção históri-
ca e, portanto, deve interagir com outros conhecimentos, interligando-os a fim
de fazer sentido para o educando. Assim, é necessário que os conteúdos “se-
jam analisados e abordados a formarem uma rede de significados”, uma vez
que “(...) para apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento é
preciso vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos, é preci-
so dizer que a ideia de conhecer assemelha-se à de tecer uma teia”.
Esta afirmação deixa clara a necessidade de se romper com a linearida-
de do conhecimento, a fim de se construir práticas que valorizem a aprendiza-
gem dos conteúdos de modo mais contextualizado, considerando não apenas
sua natureza conceitual, mas sim a riqueza plurissignificativa da linguagem,
o que ela diz, o que ela (re)significa a partir da análise dos efeitos de sentido
que ela produz. Não basta acumular conteúdos, mas é necessário estabelecer
relações entre outros conteúdos, entre outras disciplinas e, principalmente,
entre as situações reais do cotidiano.
Para a realização de uma proposta mais significativa no âmbito escolar,
os PCN-I propõe a transversalidade de alguns temas sociais na grade curri-
cular comum. Estes temas são fundamentais para a formação integradora do
educando. Além desses, há também uma proposta em se trabalhar a interdis-
ciplinaridade que “questiona a segmentação entre os diferentes campos do

3 Parâmetros Curriculares Nacionais – Introdução.

24
conhecimento [...] questiona a visão compartimentada (disciplinar) da reali-
dade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constitui”
[...] (PCN-TT, 1998 p. 30). Esses dois aspectos, interdisciplinaridade e temas
transversais são propostas que caminham juntas, contribuindo para uma maior
contextualização e compreensão dos diferentes objetos de conhecimento.
O ensino da leitura em muitos momentos reflete esta pedagogia reducio-
nista, pois trabalha o texto, a fim de alcançar um pretexto, respondendo questões
sobre a leitura prevista pelo professor ou do autor do livro. Já a leitura realizada
numa perspectiva interdisciplinar, pode tornar-se um ‘recurso’ importantíssimo
para que as práticas de leitura sejam realizadas de forma mais integradora, con-
siderada não apenas em seu aspecto unidirecional, racionalizada, mas dialogada
com outras áreas. Esta atitude sempre resulta numa experiência inovadora a
cada prática, pois leitor/texto/professor, busca a cada nova experiência de leitura
construir, através dos fios discursivos, a ponte necessária para compreender o
mundo em sua totalidade, via funcionamento da linguagem.
Quando o leitor entra em contato com o texto ele articula, através
da relação com outros assuntos já conhecidos, diversos saberes. Ler, nesta
perspectiva, significa dialogar com os conhecimentos, inter-relacioná-los,
discuti-los, ressignificá-los. Os projetos interdisciplinares contribuem para al-
cançar esse objetivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS - ALGUMAS REFLEXÕES

Sabemos que para realizar a interdisciplinaridade em sala de aula é ne-


cessário muito mais que vontade, Lopes (2006) em sua pesquisa de mestrado
em que buscou analisar que significado tem as práticas de leitura na esco-
la, registrou em entrevistas realizadas com os professores, que existe uma
preocupação entre o corpo docente em viabilizar o trabalho interdisciplinar,
a partir de um tema gerador. Mas nada é sistematizado, planejado entre as
professores. Propõe-se um tema e cada professora leva-o para discutir em sua
disciplina. Talvez devido à ausência de um projeto sistematizado, planejado,
essas práticas são pouco realizadas.
Kleiman e Morais (1999, p. 55), ao defenderem a importância da leitura
como centro da realização de projetos, reiteram que “colocar a leitura como
objetivo central nos projetos é uma questão ética, cuja abordagem necessa-
riamente deverá levar em conta a multiplicidade cultural na preparação para

25
a cidadania”. A leitura, sob este foco, contribui para uma aprendizagem mais
significativa, participativa e dialógica.
Para tal, é importante que haja o planejamento que além de oferecer
uma maior sistematização e organização do trabalho, propicia um direciona-
mento quanto aos objetivos a serem alcançados, os conteúdos a serem traba-
lhados e as atividades a serem sugeridas.
Deste modo, nossas práticas de linguagem devem viabilizar indepen-
dentemente do nível e modalidade de ensino, uma aprendizagem que articule
o processo de formação política, intelectual e cultural de nossos alunos, e não
uma formação específica, monolítica, pois o conhecimento não é fragmentado
em si mesmo. Somos educadores e temos a responsabilidade de promover a
construção do aprender em sua totalidade, ou seja, a formação de cidadãos
conscientes de sua atuação e participação na vida social.

REFERÊNCIAS

BAIRON, S. Interdisciplinaridade: Educação, história da cultura e hipermí-


dia. São Paulo: Futura, 2002.

BARBOSA, S.C. Interdisciplinaridade na escola: validade e exercício a


partir de oficinas. 2004. 164 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Facul-
dade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 2004.

BARTHES, R. O rumor da língua. Lisboa: Edições, 1987.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Na-


cionais – PCN (5º - 8º série). Brasília, 1998.

FAZENDA, I.C.A. Dicionário em construção: interdisciplinaridade.


3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

KLEIMAN, Â. B; MORAIS, S. A. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo


redes nos projetos da escola. Campinas (SP): Mercado das Letras, 1999.

LOPES, L.F. Leitura na escola: uma análise discursiva sobre as práticas de


leitura em 5º série. 2006. 120 f. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguísti-
ca) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, 2006.

26
CAPÍTULO 2
O ESPETÁCULO TECNOLÓGICO EM
PROL DA FORMAÇÃO CRÍTICA E
AUTÔNOMA DO SUJEITO

Katielly Vila Verde Araújo Soares


Elias Rafael de Sousa

INTRODUÇÃO

As considerações acerca da temática mídias e educação vem sendo de-


senvolvidas há várias décadas, dado a verificação de sua importância na cons-
tituição do sujeito moderno e da indispensabilidade em averiguar o assunto
diante do frenético progresso das novas Tecnologias Digitais de Informação
e Comunicação – TDIC, que referem-se a variados instrumentos, sendo no-
tebooks, vídeos digitais, fotografias digitais, correios eletrônicos, TV a cabo,
internet, smartphones, gravações de áudio e de vídeo, sistemas multimídias,
entre outros (VALENTE, 2013).
O papel decisivo das diversas mídias na constituição de cidadãos e su-
jeitos autônomos, hodiernamente, enfrentam desafios que conduzem a refle-
xões críticas inexauríveis. Contudo, só se pode conjecturar o papel de um
indivíduo, de modo mais sensato e humanístico, através da constituição socio-
lógica, emocional e crítica do sujeito em relação ao uso de mídias tecnológicas
em seu dia a dia.
Todavia, hoje, usa-se com maior frequência esses recursos midiáticos,
a fim de uma falsa interação social, em que tudo que é lido e produzido, vem
a ser um reflexo de outro, e não sua própria essência. Sendo esta, uma in-
feliz realidade de muitos, em relação ao autodomínio de seleção de leituras
construtivas que os proporcionem concepções de novos saberes, ao ponto de
ascender-se a um exímio leitor.

27
Assim, o presente estudo objetiva-se esboçar sobre a necessidade de
compreender o espetáculo dos recursos midiáticos e tecnologias a favor da
idealização de leitores críticos, reflexivos, formando assim uma identidade
constituída não por olhares diversos, e sim pelo próprio olhar da leitura digital
obtida. Bem com, atenua-se discorrer sobre a representatividade do professor,
para fins da promoção das TDIC, como método de eficácia no processo de
ensino e aprendizagem.
Todavia, há alguns questionamentos; é possível, criticamente aprovei-
tar as tecnologias atuais como recurso para uma aprendizagem eficaz? E ain-
da, para a formação crítica do sujeito? A interação com a mídia tecnológica
pode promover um ensino de qualidade de forma democrática? Neste ínterim,
justifica-se neste artigo, elucidar as tecnologias abrangentes, considerando-a
como participe fundamental na formação e construção do sujeito contempo-
râneo, seja ele em qual espaço estiver, e no segundo momento da discussão,
busca refletir sobre a própria prática educativa mediada pelas TDIC.
Destarte, esta pesquisa insere-se numa abordagem qualitativa que, con-
forme, (CUNHA, 1993, p.101) “é aquela que procura estudar os fenômenos
educacionais e seus atores dentro do contexto social e histórico em que acon-
tecem e vivem”. Este trabalho foi realizado baseado em análises bibliográficas
abordando os limites e possibilidades entre alunos e professores em relação ao
uso das TIC no seu ambiente escolar.
Desta forma, com base nos autores estudados realizou-se uma pesquisa
bibliográfica com intuito reflexivo, para abordar os limites e as possibilidades
da utilização das TDIC, como uma possibilidade de mediação à formação
crítica e autônoma.
Desta forma esta pesquisa procura abordar e refletir sobre o uso das
TDIC como aliadas no processo de ensino aprendizagem significativo, crítico
e autônomo do sujeito.

O PAPEL DAS TDIC NA CONSTRUÇÃO SOCIAL


DO SUJEITO

Desde a década de 1950, teóricos chamam a atenção para a caracte-


rização da sociedade pela tecnificação crescente nos mais variados setores
sociais. Portanto é sabido que com o avanço do mundo digital há infinitas

28
possibilidades, sendo incompreensível determinar o futuro da educação sem
tais recursos, principalmente com o espetáculo da internet e das mídias no
processo social da formação do homem (MORAN, 2013).
A palavra tecnologia, talvez seja na atual conjuntura, uma das mais uti-
lizadas e pesquisadas, principalmente no campo da educação, inclusive diante
de normatizações preconizadas em documentos legisladores de ensino.
Contudo, ressalta-se um esvaziamento de seu sentido, uma vez que seu
uso tem sido feito de modo aleatório, há de se reconhecer seu fundamental
papel para o meio social e educacional, principalmente porque as mídias tec-
nológicas, usadas a favor do ensino e aprendizagem, engendram um papel
social na comunicação. E ensinar é comunicar, e a aprendizagem envolve co-
municação, assim como aponta John Dewey (1959, p. 10) “comunicação é um
processo de compartilhar experiências até que se tornem um bem comum”,
sendo gerado do processo de interação social.
Saviani (2002), em “Escola e Democracia”, salienta um meio interes-
sante, através das teorias pedagógicas arguidas a partir de fundamentos estru-
turados ao contexto social determinado de cada época, nos quais foram abor-
dadas nesta obra, com o propósito de compreender sobre como a sociedade
está estritamente ligada ao fazer educativo. No que se ecoa, de sobremaneira a
conduta do fazer educativo com o uso das tecnologias em sala de aula.
A inserção das mídias tecnológicas no cotidiano da sociedade está pro-
gredindo em um ritmo acelerado, transformando, inclusive o papel inerente
do estar em sociedade, no qual a etimologia de social, tem sido ressignificada
constantemente. Social, provém do latim sociālis, cujo significado é “da so-
ciedade ou sociável”.
Assim, estar em sociedade é estabelecer vínculos, e “os vínculos entre
conhecimento, poder e tecnologias estão presentes em todas as épocas e em
todos os tipos de relações sociais” (KENSKI, 2008, p.17), se tornando-se par-
te da vida do ser humano.
Todavia, estar ou ser sociável, no século XXI se perpassa de modo efê-
mero, em que o ser, não mais lida com sua real identidade. Neste contexto, im-
brica-se no papel fundamental da comunicação, interação e identidade. Visto
que, identidade não se reduz a uma circunstância ou situação, esta é resultado
daquilo que se propõe enquanto locutor de seu próprio discurso, em meio a
uma sociedade, ou seja, não se molda uma identidade de forma isolada, neutra
e sem comunicação.

29
Os homens criam a história de acordo com as condições de seu
ser social. O ser social é a vida material da sociedade, cujo nú-
cleo é constituído pela produção de bens materiais e pelas re-
lações econômicas dela decorrentes. O ser social determina a
consciência e forma a base de todo o processo histórico. Por sua
vez, a consciência dos homens age sobre o curso da história. Por
essa razão, o conhecimento da vida social implica na associa-
ção da análise das condições objetivas à análise dos aspectos do
papel da consciência e da subjetividade em geral. (ECHALAR;
PEIXOTO; CARVALHO, 2015).

Não obstante, Vygotsky certifica que o desenvolvimento cognitivo não


pode ser compreendido sem a observação do próprio contexto social e cultural
em que se ocorre, da mesma maneira que enfatiza, os métodos de origem e
natureza sociais e singulares ao ser humano.
Assim sendo, a teoria sócio-histórico-cultural Vygotskyana reflete a
ideia de que o desenvolvimento do sujeito está diretamente ligado às inte-
rações entre o homem e a sociedade, cultura e sua história de vida, fator que
inclui as situações de aprendizagem, as oportunidades e as várias influências
externas a este.
Portanto, neste estudo busca-se evidenciar, não a identidade objetivada
de um sujeito, mas sim aquela que o define de modo subjetivo, como a identi-
dade social, construída por meio de discursos midiáticos, buscando uma cons-
trução pautada na interação social. De acordo com Braga e Campos (2016),
o sujeito concebe uma imagem de si mesmo, por meio do olhar de outrem,
quando elencado à própria redoma midiática.
Alguns pensadores como Émille Durkheim e Karl Marx afirmavam que
o homem e seu ato de pensar criticamente, são inerentemente resultados da
sociedade, visto que o homem é um ser social por excelência, sendo então
o resultado desta. Ainda assim, o homem desde o século XIX é tido como
criador e criatura, visto que ao processo de sua evolução, se adaptou e ainda
adapta ao meio em que vive, tanto em meio as suas relações com outrem, bem
como a própria natureza, aguçando seus sentidos e suas ações, ou seja o que
leva o homem em sua capacidade de criar.

30
AS MÍDIAS TECNOLÓGICAS COMO PRÁTICA EDUCATIVA

Usar meios tecnológicos para fins pedagógicos, não determina um


ensino massificado ou desumanizado. Oposto a isso, se tidos os planeja-
mentos adequados, com objetivos precisos para aprendizagem, definidos no
que aprender, no porquê e para quê ensinar. A tecnologia educacional é algo
amplo. É preciso incorporar tecnologias a outros meios e processos de ensi-
no e aprendizagem.
Atualmente, a popularização das TDIC, como smartphones, smartwa-
tch, computadores, laboratórios de informática, internet, salas multimídias e
outros, vêm se configurando como um recurso “poderoso no processo de en-
sino-aprendizagem, tendo-se a concepção de que as tecnologias educacionais
trarão mudanças ainda mais significativas às práticas pedagógicas dos docen-
tes” (ARAÚJO, 2019, p. 115).

Cada sujeito em que as tecnologias da educação alcançam passa


imediatamente para novas metas programadas, sempre de acor-
do com seu próprio ritmo de aprendizagem real das possibili-
dades do aluno aprendiz. Os mais lentos em aprender não se
sentirão fracassados, pois poderão desenvolver suas habilidades
até alcançar o objetivo desejado; os mais habilidosos não se en-
tediarão, progredindo de acordo com sua capacidade. (MEN-
DONÇA, 1974, p. 111).

Portanto, as tecnologias aliadas ao ensino e aprendizagem podem co-


laborar para um ensino dinâmico e colaborativo, em que todos participam e
compreendem o processo de ensino aprendizagem “uma articulação entre o
administrativo e o pedagógico, facilitando o processo de comunicação inter-
na e externa e possibilitando a gestão do conhecimento produzido pela esco-
la e/ou adquirido pelos vários meios de informação disponíveis” (ALONSO,
2007, p. 33).
Uma das vantagens da tecnologia está no acesso às informações e aos
meios de comunicação. Este acesso desperta a busca por novos métodos de
aprendizagem, fomentando o processo de ensino.

31
Neste ínterim, os avanços tecnológicos beneficiam a cada vez mais os
diversos setores do conhecimento. Assim, a inserção das TDIC, possibilitam
além de tudo a inserção destes, para benefícios da educação, tais como ferra-
mentas Google for Education, internet, Smart TV, canais por assinaturas, bem
como o mais recente, a liberação dos canais abertos em caraterística digital,
estas últimas sendo de abrangência informacional.
Portanto, segundo Lorrosa (2002), a informação não é conhecimento,
para caracterizar este, se fazem necessárias práticas educativas para eviden-
ciar os bons usos das mídias tecnológicas a favor do processo de ensino e
aprendizagem do/para o sujeito.

Os avanços tecnológicos estão sendo utilizados praticamente


por todos os ramos do conhecimento. As descobertas são extre-
mamente rápidas e estão a nossa disposição com uma veloci-
dade nunca antes imaginada. A Internet, os canais de televisão
a cabo e aberta, os recursos de multimídia estão presentes e
disponíveis na sociedade. Estamos sempre a um passo de qual-
quer novidade. Em contrapartida, a realidade mundial faz com
que nossos alunos estejam cada vez mais informados, atuali-
zados, e participantes deste mundo globalizado. (KALINKE,
1999, p.15).

Ao se beneficiar das mídias tecnológicas para fins pedagógicos no


processo de ensino e aprendizagem, observa-se que podem ser apresentados
estímulos, todavia é necessário considerar suas experiências prévias, visto
que estas podem determinar o sucesso de sua interpretação, compreensão e
apreensão do conteúdo atribuído. Ou seja, a eficácia de uma aprendizagem
real, por meio de inserções das mídias tecnológicas, vale da capacidade do ser
humano aprender.
Por conseguinte, deve-se enfatizar a suma importância que os meios de
comunicação e as tecnologias digitais de informação, consolidam os aspectos
da vida social, ocasionando repercussões para os processos culturais, comuni-
cacionais e educacionais.
Outrossim, vale salientar, que a escola – uma instituição concebida para
o ensino contundente à alunos – é uma das instituições que demonstra imi-

32
nente dificuldade em absorver as transformações nos meios e fins de aprender
com o atual avanço tecnológico.
Em virtude da agilidade desses progressos tecnológicos digitais e ter
uma aceitabilidade ampla em diversas instituições, a escola ainda não assi-
milou as formas tecnológicas comunicacionais do início do século XXI, e já
se esbarra com a informatização digital, bem como suas linguagens digitais,
multimidiáticas e suas potencialidades interativas, ou seja, a compreensão e
adoção das TDIC no campo educacional, exige uma formação continua e atua-
lizada para lidar com tais ferramentas.
No viés do uso das tecnologias digitais da informação e comunicação,
o sistema educacional, opera simultaneamente em tempos variados e em di-
ferentes espaços. Deste modo, devido a agilidade e eficácia, nota-se que usar
estes recursos compreende em melhorias constantes no processo de ensino,
aprendizagem, além de favorecer para o processo da busca da autonomia do
aluno. Pretto e Pinto (2006), consideram como sendo uma das características
peculiares do momento contemporâneo, visto que hoje na prática educativa,
deve-se preconizar o equilíbrio do saber e do fazer com tais ferramentas.
Conforme já citado, Saviani (2002), quando tece análise sobre as teo-
rias pedagógicas, e afirma que no final do século XIX, a Pedagogia Nova,
trouxe uma propositura acerca de um formato de pensar e fazer a educação,
em que foi creditado que os aprendizes deveriam possuir o autodomínio dos
múltiplos conhecimentos.
Assim, divergindo da teoria pedagógica tradicional, quanto a eviden-
ciação de que os homens e mulheres são essencialmente distintos, “não apenas
diferentes de cor, de raça, de credo ou de classe, o que já era defendido pela
pedagogia tradicional; mas também diferenças no domínio de conhecimento,
na participação do saber, no desempenho cognitivo” (SAVIANI, 2002, p. 8).

Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor – que


era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisi-
vo e decisório – e se na pedagogia nova a iniciativa desloca-se
para o aluno – situando-se o nervo da ação educativa na relação
professor-aluno, portanto, relação interpessoal, intersubjetiva -,
na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a or-
ganização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno

33
posição secundária, relegados que são à condição de executores
de um processo cuja concepção, planejamento coordenação e
controle ficam à cargo de especialistas supostamente habilita-
dos, neutros, objetivos, imparciais. (SAVIANI, 2002, p.13).

Com isso, o fundamental não era aprender, mas “aprender a aprender”


(SAVIANI, 2002). Dessa forma, o professor possuía a tarefa de incentivar os
alunos indistintamente de sua classe ou gênero, estimulando-os a aquisição de
conhecimentos. Se formos pensar, esta teoria acaba reproduzindo o mesmo
sentido da teoria tradicional, mas em seu sentido velado.
Neste viés, enfim para constatar a legítima e efetiva importância das
TIDC para fins pedagógicos, é de extrema necessidade pensar criticamente
em possibilidades e mecanismos que viabilizem sua integração à educação,
visto que seu uso indiscriminado tem causado um desuso no âmbito escolar.
Deve-se evitar o deslumbramento de uma tecnologia espetaculosa, exibicio-
nista (KEHL, 2004). É imprescindível destacar sua finalidade educativa, sem
agravo pejorativo para o ensino e aprendizagem, principalmente quando se
provém do discurso ideológico da indústria cultural apenas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das reflexões que permearam o assunto caracterizado, ficou evi-


dente que é possível, criticamente e aproveitar as tecnologias correntes como
recurso para uma aprendizagem eficaz, e não obstante, ainda, sendo usada
para fins da formação crítica e autônoma do sujeito. Nesta ótica, evidencia-se
a premência em se executar a implementação das tecnologias digitais de infor-
mação e comunicação na competência pedagógica, inserindo-as aos principais
recursos metodológicos que fomentam o ensino e a aprendizagem.
Deste modo, este estudo sugeriu uma atuação mais contundente na for-
mação e atuação de professores para o uso das tecnologias digitais. No que se
compreende que esta iniciativa contemporânea, engendra e possibilita a har-
monização entre a recomendação de utilização, e a inserção das tecnologias
digitais nas instituições de ensino com a formação docente. Esta expectativa
apreende alterações significativas e imprescindíveis no contexto da prática
pedagógica e, consequentemente, da eficácia e qualidade do ensino.

34
Por fim, o caminho é ampliar o uso das práticas pedagógicas aliadas
às tecnologias digitais de informação e comunicação, a fim de compreender
como se dá a apropriação destas ferramentas pelos alunos, bem como inves-
tigar o que a geração atual, que nasceu com o instinto funcional para internet
necessita, para apreender melhor os conhecimentos e como os professores
podem agregar para que as metodologias de ensino em sala de aula se tornem
mais interativas e eficazes.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, K. V. V. S. Pratica docente na perspectiva do uso das TIC. In: OLI-


VEIRA, D. J.; BORGES, E. M. de F (Orgs.). Educação básica: diferentes
olhares. Goiânia: Publicar, 2019. p. 115-126.

BRAGA, C. F.; CAMPOS, P. H. F. Representações sociais e comunicação: a


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36
CAPÍTULO 3
EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E
TRANSDISCIPLINARIDADE:
DISCUSSÕES E POSSIBILIDADES

João Henrique Suanno


Higor de Albuquerque
Vinícius Fagundes dos Santos

INTRODUÇÃO

Debater a educação em seus mais amplos eixos tem sido um trabalho


recorrente nos centros universitários, a fim de promover um diálogo entre
alguns elementos que estão envolvidos no processo educacional: o docente,
o discente e o conhecimento. É necessário o empenho dialógico para que res-
postas, oriundas de pesquisas, venham à tona e possam ser analisadas e discu-
tidas no seio da universidade para que o conhecimento seja verdadeiramente
produzido, ensinado e colocado em prática.
Falar da transdisciplinaridade no período no qual vivemos é falar de prá-
ticas humanizadoras docentes e pedagógicas que objetivam abordar elementos
do ensino que perpassam os conteúdos curriculares presentes nas unidades
escolares e que servem de currículo para o ensino. A docência é um trabalho
complexo, visto que os elementos que nela estão presentes se relacionam en-
tre si e compartilham experiências, promovendo uma ação hologramática que
visa desprender-se de si mesmo e olhar o outro de forma empática, analisando
também as suas necessidades para poder auxiliá-los de modo humano e cons-
truir a verdadeira educação por meio da práxis humana e tecnocriativa.
Analisar a docência por uma visão tecnocriativa, é conceber um traba-
lho didático-pedagógico que possui elementos tecnológicos em seu arcabou-
ço que propõe uma visão criativa; um outro olhar do espectro humano, que
instiga o educando, por meio da criatividade aliada às tecnologias dispostas

37
atualmente, a compreender e atuar ativamente no mundo de forma autônoma,
ecoformativa, sociopolítica e mais humana. 
Por esta perspectiva, apresenta-se a seguinte problemática: Qual a rela-
ção dialógica entre a educação atual, as tecnologias e a transdisciplinaridade?
O objetivo geral é compreender qual a relação dialógica e de forma multidi-
mensional entre a educação atual, as tecnologias e a transdisciplinaridade, ba-
seando-se em análises, conceitos e propostas atuais, pautando as concepções
em autores que abordam tal temática. Os objetivos específicos são: a) Discutir
teoricamente a educação, a transdisciplinaridade, as tecnologias e suas rela-
ções com a prática docente. b) Dialogar a educação atual e quais suas relações
com esta era planetária, global e tecnológica; c) Relacionar a construção do
conhecimento, mediado por uma prática transdisciplinar e tecnocriativa.

DESENVOLVIMENTO

Para a elaboração do escopo teórico deste texto a metodologia utilizada


foi a pesquisa qualitativa, sendo realizado o estado do conhecimento em textos
diversos, artigos, produções bibliográficas, livros e revistas científicas sobre
as temáticas apresentadas. Para maiores concepções teóricas, embasamo-nos
em autores que abordam a transdisciplinaridade, as tecnologias digitais de in-
formação e comunicação (que doravante serão nomeadas como TDIC’s), me-
todologias ativas e criativas e práticas pedagógicas inovadoras que promovem
a emancipação do pensamento científico e desenvolvimento da Autonomia.
Para endossar teoricamente as discussões serão utilizados autores que
abordam a transdisciplinaridade, a educação e complexidade, metodologias
ativas e criativas, práticas pedagógicas inovadoras e também as tecnologias
digitais de informação e comunicação (TDIC’s). O embasamento teórico para
a metodologia aplicada está na perspectiva da Educação e complexidade, fir-
madas em Freire (1996), Brandão (2007), Santos (2008) com contribuições
de Marilza Suanno (2014), Morin (2001). A investigação fundamentar-se-á na
concepção da Transdisciplinaridade, baseando-se em Nicolescu (2000) com
contribuições de Rocha Filho (2015). Sobre as Tecnologias Digitais de Co-
municação e Informação que, investigar-se-á os princípios de Kenski (2007).
Abordar projetos criativos interconectados com a utilização das Tec-
nologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC’s), podem promover

38
o desenvolvimento de formas de aprendizagem que se mesclam com ações
transdisciplinares e que resultam em uma aprendizagem mais humana e com
significados de maneira global.

Educação e transdisciplinaridade em um contexto complexo

O conceito de educação não é universal, cada povo, cada cultura tem


seu ideal do que é educar, de quais são os elementos necessários para uma
boa educação. No Ocidente, a educação, como popularmente entendida, deve
necessariamente levar o indivíduo à passagem pela escola, para aprender a
língua “nativa”, matemática, ciências etc. E para que os pais, também consi-
derados pelo senso comum como educadores, eduquem adequadamente seus
filhos, é melhor que também tenham passado pelo ambiente escolar.
No entanto, apenas disciplinas escolares não ensinarão ao ser humano
o que é a vida, o melhor modo de vivê-la e por que esta ou aquela é a melhor
maneira de se viver. A educação é muito mais do que livros e conceitos pré-
determinados, envolve muito mais que história, geografia, matemática e tudo
que os professores das escolas ocidentais são ensinados a ensinar.
E quando levamos em consideração os métodos, formas, instrumentos
mediadores para que este processo ocorra, é preciso conceber uma educação
globalizadora e muldimensional, capaz de fazer com que os elementos que in-
tegram esse processo (professor, aluno, objeto de estudo, método, instrumen-
tos facilitadores, dentre outros) estejam realmente inseridos em um contexto,
não somente dialético mas construtivo.
As TDIC’s - Tecnologias Digitais de Comunicação e informação en-
tram nesta perspectiva globalizadora e atual na qual nos inserimos hoje. Os
alunos de hoje são bem diferentes dos de poucos anos atrás, uma vez que,
fazem parte da geração que nasceu na transposição da era analógica para a era
digital; um grupo humano que têm facilidade para lidar com toda a tecnologia
posta na contemporaneidade; estão sendo acostumados a receber informações
de maneira rápida, preferem hipertextos e a internet, a planos cartesianos, tra-
dicionais e métodos infrutíferos; preferem prints de telas a utilização dos ma-
teriais escolares, muitas vezes. Por isso, este novo tempo tecnológico e multi-
midiático precisa também de instituições educacionais que se voltem para as
tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC’s) com uma nova
percepção (SOARES et al., 2018)

39
Se levarmos os conceitos de Nicolescu (2002) para o ambiente for-
mativo da sala de aula, por meio da utilização das TDIC’s e uma metodo-
logia tecnocriativa, valendo-se de uma didática que contemple esta nova
era planetária, notamos que o trabalho com as mídias pode formar alunos
autônomos, criativos e humanizados; conscientes de seu papel formador e
transformador, Suanno (2014, p. 1577) afirma que “a transdisciplinaridade
tem um potencial construtivo e transformador, pois ao transcender as disci-
plinas as incorpora, assim como rompe com a linearidade e a fragmentação
do conhecimento”.
Atualmente não há como fragmentar ou desarticular os conhecimen-
tos que temos atualmente com as tecnologias, visto que, o conhecimento
novo, pode ser oriundo de pesquisas e reflexões que valem-se de conceitos
tecnológicos. Salienta-se que, as práticas dinamizadoras que propõe a di-
dática que desenvolve um processo dialógico e hologramático (o todo com
suas partes e a relação deles entre si), podem ser intermediadas por elemen-
tos computacionais, multimidiáticos que contribuirão para elevar o nível do
conhecimento glogal, aguçando a criatividade, o incentivo à pesquisa e da
autopromoção da autonomia.
Os instrumentos multimidiáticos não servirão somente para a propaga-
ção de conhecimentos múltiplos, mas com uma didática transdisciplinar, po-
dem romper as barreiras da sala de aula, partindo para a comunidade no qual o
aluno está inserido, e quiçá, por toda sua vida. “A transdisciplinaridade trans-
forma nosso olhar sobre o individual, o cultural e o social, remetendo para a
reflexão respeitosa e aberta sobre as culturas do presente e do passado”, não
interagindo somente com o que é colocado como atual, mas “buscando con-
tribuir para a sustentabilidade do ser humano e da sociedade” (NICOLESCU,
2002, p. 10), consciente de que o indivíduo o é ser social, cognitivo, político,
psíquico, afetivo e ecológico,
A educação pode existir livre e, entre todos, pode ser uma das maneiras
que as pessoas criam para tornar comum, como saber, como ideia, como cren-
ça, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho ou como vida (BRAN-
DÃO, 2007, p. 10). Ainda segundo as ideias de Brandão (2007), o que ajuda
a “pensar” o homem, passando os conceitos que o legitimam e o constituem
é a educação, independentemente de como ela seja, ou em que cultura esteja
inserida. A sociedade de cada grupo cultural será formada a partir da educação
dada aos seus participantes.

40
A educação como hoje se ensina na escola pode se assemelhar ao pro-
cesso do adestramento. Inúmeras de crianças entram em uma sala de aula,
recebem instrução e, muitas vezes, ou na maioria das vezes, são convencidas
de que os ensinamentos dados em sala são inquestionáveis e figuram como
verdades absolutas. Em sua maioria, não fazem parte de um contexto gerador
de discussões e debates, mas se contrapõem em um sistema linear onde o
professor detém todo o conhecimento e o aluno é meramente um elemento do
processo de ensino que somente tem a incumbência de aprender.
O senso crítico, que inclusive as escolas dizem formar em seus alunos,
é vetado. Quando estes tentam sair da “caverna”, como a descrita por Platão
em o “Mito da Caverna”, sentem extrema dificuldade em ver o que os cerca
com clareza e expor alguma opinião própria sobre ele. Até mesmo a palavra
“aluno” é preconceituosa e errônea quando dirigida ao ser humano. Etimo-
logicamente, esse termo remete ao Renascimento Cultural, quando surgiu o
Iluminismo, para teoricamente dar à luz aos não iluminados, aos sem-luz que
é o significado de “alunos”.
Os seres humanos não são “sacos vazios” esperando que um depósito
de conhecimento seja feito ao adentramos em uma instituição dita educacio-
nal. Carregamos experiências e uma série de conceitos formados em nós com
ajuda de nossos pais, do meio em que vivemos, da maneira como enxergamos
o mundo, de acordo com a “[...] lente através da qual o homem vê o mundo”
(LARRAIA, 2001, p. 69), ou seja, sua cultura. O “ensino bancário” (FREIRE,
1996, p. 25) precisa ser recusado, extirpado do que chamamos de educação,
afinal ele “[...] deforma a necessária criatividade do educando e do educador
[...]” (FREIRE, 1996, p. 25).
A partir dessa concepção de ensino, os estudantes apenas copiam em
suas mentes os conceitos dados, não aprendem a aprender, tendo sua capaci-
dade de pensar, que é ilimitada, reclusa a um conjunto de pensamentos pré-es-
tabelecidos por um sistema que propositalmente os faz, a fim de facilitar o seu
domínio sob os que fazem parte da sociedade por ele criada ou imposta.
Educar exige que os professores ou educadores respeitem os saberes
dos educandos “(...) construídos na prática comunitária [...]” (FREIRE, 1996,
p. 30) e discutam com eles sua relação com o conteúdo ensinado em sala de
aula, o que, inevitavelmente, leva ao ensino transdisciplinar, o qual este texto
de propõe a fazer.

41
Contudo, ao invés disso, o que acontece é a segregação do conhecimen-
to, separado em disciplinas estudadas sem que se faça qualquer conexão entre
elas ou entre os conhecimentos prévios de cada indivíduo. Conexões estas,
que existem, porém são negadas a fim de manter esse sistema educacional
tradicional e ultrapassado que oprime os povos ocidentais. Por isso, enten-
der como transdisciplinaridade influencia a educação é de suma importância.
Analisar o que é o complexo, o que está tecido junto, o que é pensado entre o
processo de ensinar e suas relações (MORIN, 2010).
Em sentido lato, educação é sinônimo de socialização (processo pelo
qual o indivíduo é integrado na sociedade). Socialização significa aprendi-
zagem ou educação, que começa na primeira infância e termina com a morte
da pessoa. Em sentido restrito, porém, a educação compreende todos aque-
les processos, institucionalizados ou não, que visam transmitir aos sujeitos
determinados conhecimentos e padrões de comportamento a fim de garantir
a continuidade de Cultura na sociedade. O caráter institucional da educação
se manifesta na sua forma mais concreta que é a nas instituições de ensino.
Na atual estrutura socioeducativa em que estão inseridas as instituições
de ensino, uma forte crise de identidade e paradigmas está instaurada, na qual
se fala muito, mas pouco se coloca em prática. A transformação educacional
está descrita nos livros, revistas, na mídia em geral; tudo é perfeito e politi-
camente correto, mas as ações, as aplicações e as transformações não saem
do papel, da criatividade e da oralidade e, quando ocorrem, geralmente em
casos isolados, somente alguns educadores têm condições específicas para
colocá-las em prática e conseguem fazer isso.
Diante disto, refletir sobre a transdisciplinaridade é um caminho, afi-
nal ela surge em decorrência do avanço do conhecimento e do desafio que
a globalidade coloca para o século XXI. Seus conceitos contrapõem-se aos
princípios cartesianos de fragmentação do conhecimento e dicotomia das dua-
lidades e propõem outra forma de pensar os problemas contemporâneos.
Nesta mesma perspectiva, debater a influência das TDIC’s no proces-
so de ensino atual é também buscar quebrar o paradigma cartesiano de frag-
mentação do conhecimento e do ensino solidificado, buscando instrumentos
facilitadores da pesquisa e da informação, levando esses elementos para o
ambiente de sala de aula e, assim, proporcionando momento de construção

42
de conhecimento de forma multidimensional, global em um contexto com-
plexo, onde os conhecimentos do professor se alinham às vivências dos seus
estudantes, formando novos conhecimentos que fazem sentido para ambas
as partes deste processo.
O termo transdisciplinaridade foi criado pelo educador Jean Piaget e
divulgado pela primeira vez no I Seminário Internacional sobre Pluri e Inter-
disciplinaridade, que aconteceu em 1970, na Universidade de Nice, na França.
Em seguida, diversos outros educadores passaram a se dedicar ao tema.
Hoje a transdisciplinaridade é muito estudada e o principal centro de pes-
quisas sobre o assunto é o Centre International de Recherches et d’Études
Transdisciplinaires, localizado em Paris na França. Por se tratar de um tema
relativamente novo, a transdisciplinaridade é frequentemente confundida com
a multidisciplinaridade e interdisciplinaridade. A multidisciplinaridade ocorre
quando há mais de uma área de conhecimento em um determinando projeto
ou propósito, mas cada uma destas disciplinas mantém seus métodos e teorias
em perspectiva. Serve para resolver problemas imediatos e não possui foco na
articulação e nos ganhos colaborativos.
Suanno (2014, p. 1576) atesta que:

A transdisciplinaridade é uma corrente de pensamento que busca


construir novos modos de compreensão da complexidade que
se manifesta na contemporaneidade. A transdisciplinaridade in-
corpora a interdisciplinaridade e caracteriza-se por ir além das
relações do campo disciplinar ao incorporar e valorizar diferen-
tes formas de saber (experienciais, filosóficos, culturais, tradi-
ções, mitos, lendas...). A transdisciplinaridade relaciona-se com
a complexidade humana e suas representações.

Diante do exposto, percebe-se que o trabalho transdisciplinar não parte


somente da interdisciplinaridade entre as disciplinas do currículo, mas obser-
va além das paredes da sala de aula, para transcender. Interdisciplinaridade é
mais de uma disciplina que se une em um projeto comum, com um planeja-
mento que as relacione. Durante o processo, estas áreas trocam conhecimen-
tos e enriquecem ainda mais as possibilidades. Como resultado, há um novo

43
saber, menos fragmentado e mais dinâmico. Esta visão traz em partes o signi-
ficado à experiência escolar.
Segundo Nicolescu (2000) a Transdisciplinaridade diz respeito ao que
está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas,
e, sobretudo, além de qualquer disciplina. Seu objetivo é trazer a compreensão
do mundo presente.
Mas o que poderia estar entre, através e além das disciplinas é:

Do ponto de vista do pensamento clássico, não há nada, abso-


lutamente nada. O espaço em questão é vazio, completamente
vazio, como o vazio da física clássica. Mesmo renunciando à
visão piramidal do conhecimento, o pensamento clássico con-
sidera que cada fragmento da pirâmide, gerado pelo big-bang
disciplinar, é uma pirâmide inteira; cada disciplina proclama que
o campo de sua pertinência é inesgotável. Para o pensamento
clássico, a transdisciplinaridade é um absurdo porque não tem
objeto. Para a transdisciplinaridade, por sua vez, o pensamento
clássico não é absurdo, mas seu campo de aplicação é conside-
rado como restrito. (NICOLESCU, 2000, p. 11).

Para Rocha Filho, Basso e Borges (2015, p. 36), a transdisciplinaridade


é [...] “o caminho a seguir, pois se apresenta como alternativa epistemológica
à compartimentalização do saber, representando atitudes diferentes em níveis
diferentes da realidade”.
No que tange aos conceitos da mescla entre a transdisciplinaridade e a
utilização das TDIC’s enquanto instrumento mediador no processo de apren-
dizagem, encontramos uma discussão, não somente pertinentes, mas também
necessária para os dias atuais. Vivemos em uma era planetária, e como tal,
necessitamos da compreensão do global, mas também no que é fragmentado,
uma vez que, não se pode compreender o global sem compreender os frag-
mentos que nele estão inseridos (MORIN, 2001).
As TDIC’s utilizadas para a produção de projetos, desde sua elaboração
até sua culminância, podem ser pontos essenciais para que a participação,
o desenvolvimento e incentivo à pesquisa e à criatividade sejam elementos
alcançados, vindo de encontro com as concepções de Santos (2008, p. 81)

44
que nos permite conceber que a “educar significa levar os jovens a dialoga-
rem com o conhecimento” de forma complexa, criativa e humana, para assim,
estar dentro de um processo transdisciplinar. É necessário dialogar com o co-
nhecimento “reestruturando-se e retendo o que é significativo”, uma vez que,
com o conhecimento significativo o aluno transcenda, parta para além da sala
de aula, alce voos mais altos, veja o todo e compreenda que pode provocar
intensas transformações no meio no qual está inserido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação do homem com a máquina, com um instrumento que pode


ser utilizado como mediador do conhecimento, traz a (cons)ciência de que
práticas educativas criativas podem ser desenvolvidas com utilização das
mais diversas Tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC’s),
promovendo a acessibilidade da informação, conhecimentos tecnológicos,
culturais, aguçando a criatividade para o conhecimento científico por meio
desses instrumentos.
Suanno (2016) corrobora com uma ação didático-pedagógica e uma
escola criativa que não perpetue o modelo tradicional de ensino que está
estampado ainda hoje, que motive os professores a ministrar as aulas com
autonomia criativa, que inspire alunos a serem pessoas melhores, a se su-
perarem e que os motive a estudarem com desejo de aprender um conteúdo
sobre e para a vida. Conteúdos esses que fazem parte do que eles mesmos
são enquanto indivíduos.
Kenski (2010) advoga que para que ocorra a integração entre o homem
e o objeto de estudo, o conhecimento, valores, hábitos, atitudes e comporta-
mentos sejam ensinados e aprendidos, ou seja, que se utilize a educação e o
processo didático-pedagógico para disseminar sobre as tecnologias digitais,
que estão na base da identidade daquele que aprende. Por meio do ensino,
da mobilização formativa, podemos repassar aos alunos em sala de aula, que
o processo empírico pode ser mediado pelas tecnologias e desenvolvido em
parceria com os conceitos criativos, tornando-se uma prática tecnocriativa e
transdisciplinar, favorecendo uma ação didática globalizadora que respeita o
multidimensional de cada aluno e transforma o processo de ensino em um
momento retroalimentado de saberes compartilhados.

45
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17 set. 2019.

47
CAPÍTULO 4
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
BASEADA EM UMA PROPOSTA
TEATRAL

Regina Célia Alves da Cunha


João Henrique Suanno

INTRODUÇÃO

A relação do homem com o mundo não é feita diretamente, ela ocorre


de forma mediada (VIGOTSKY, 2002). A sala de aula na visão vigotskyana
(1989, p.17) “é um espaço de dinâmica social”, o professor, figura que estabe-
lece relações com um conhecimento além de um produto, é um mediador entre
aluno-ensino-aprendizagem. Um dos caminhos para mediação segundo Vigo-
tsky (1989) está na zona de desenvolvimento proximal, o docente potencializa
a aprendizagem do discente através de apoios e despertamentos de processos
internos, assim como a mediação colaborativa através de outros participantes
do processo.
A produção artística identifica com o posicionamento de Vigotsky (1989)
uma vez que proporciona a interação com o grupo na construção do conheci-
mento em ambientes culturais. A mediação teatral infere o participante agir de
forma criativa efetivando sua coautoria diante da encenação de seu personagem,
sua relação com o mundo e com o outro em cena (BARBOSA, 2010).
Diante do pensamento de Vigotsky (1989) e Barbosa (2010) esse texto
busca relatar uma experiência de mediação pedagógica através de uma pro-
posta teatral desenvolvida pela professora e autora Regina Célia Alves da
Cunha, para os alunos do curso de oratória.
Esse curso é oferecido pelo Instituto Tecnológico de Goiás, com uma
carga horária de quarenta e cinco (45) horas, ministrados em dias alternados,

48
terças-feiras e quintas-feiras, com duração de quatro horas por dia, somando
doze aulas no total. As intencionalidades do curso, oferecido à comunidade
Anapolina e redondezas, é desenvolver competências técnicas e comporta-
mentais na arte da retórica, assim, o processo educacional busca estimular ha-
bilidades na desenvoltura de técnicas e no aperfeiçoamento da expressividade
oral dos cursistas.
O Instituto Tecnológico de Goiás desenvolve seus trabalhos pedagó-
gicos baseados na pedagogia das competências segundo Perrenound (1999).
Esse autor compreende o desenvolvimento do ser humano através de suas
relações com o meio, e a partir dessa vivência o sujeito adquire competências
voltadas para a resolução de problemas à superação de uma situação. Na con-
cepção de desse autor, caso a pessoa precisa guiar-se no caminho de volta para
casa a partir de um ponto de referência, a situação mobilizaria competências
de reconhecimento e mapeamento espacial.
Ainda com Perrenound (1999), devemos reconhecer nossas competên-
cias individuais, assim, mapear nossos limites e possibilidades encontrados
na execução da tarefa. Diante dos limites, o autor supracitado entende que
agimos de forma a buscar as competências que necessitamos e /ou ainda em
relação as que temos, abre-se uma necessidade em adequá-las aos usos a que
se destinam. Essa atitude por si só, já mobiliza outras competências relativas à
capacidade de autoavaliação. Esse processo avaliativo pode ser usado pelo do-
cente como estratégia facilitadora em sala de aula, como também impulsionar
o aluno à busca de cursos que auxiliem em formação continuada.
Quando pensamos no corpo discente e as propostas curriculares do cur-
so de oratória, percebemos o quanto a técnica é um fator considerável e in-
dispensável para trabalhar as competências e habilidades. A visibilidade dessa
importância dada está na análise das bases ideológicas que o curso oferece,
como um exemplo: discursos coesos e coerentes aos contextos solicitados
para uma vivência no mercado de trabalho, ou seja, trabalha-se a parte estru-
tural e técnica do discurso inferindo um movimento disciplinar.
A disciplinaridade vista por Morin (2002, p. 37) infere categorias de um
saber científico que “tende naturalmente à autonomia pela delimitação de suas
fronteiras, pela linguagem que instaura, pelas técnicas que é levada a elaborar
ou a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são próprias”. O ensi-
no disciplinar fragmenta o saber em partes especializadas que representam a

49
realidades situacionais. Os espaços educacionais necessitam movimentar-se
diante de suas bases tecnológicas, ou curriculares por disciplinas que estabe-
leçam conexões entre outros saberes, principalmente, na própria vivência de
transformação em conteúdo apreendido com o mundo.
As realidades são complexas pela inter-relação entre o sujeito, conhe-
cimento, valores, fatores políticos, econômicos e sociais (MORIN, 2002).
Além de complexas são emergentes, multidimensionais, dinâmicas e intera-
tivas (NICOLESCU, 1999). A realidade complexa integra fatos, contextos,
sujeitos, valores, culturas, emergentes de uma unidade global. No paradigma
emergente (MORAES, 2009) as relações, interpretações sobre os fatos são
importantes, pois os modelos internos, crenças, possibilitam o julgamento e
a compreensão dos fatos das mais variadas formas apresentadas por um ser
humano complexo culturalmente, biologicamente, auto organizador do seu
desenvolvimento.
Segundo Cunha e Suanno (2016, p.7):

Educar não está somente para a ingestão do conhecimento, mas


uma necessidade de encontrar-se como ser humano que está co-
nectado a um ambiente, no qual se relaciona e usa de suas poten-
cialidades para uma vida próspera.

A mediação pedagógica para Cunha e Suanno (2016) consiste no en-


volvimento do aluno como participante ativo do processo, sendo o aprendiz
responsável pelo desenvolvimento de um processo educacional com constru-
ções e significados utilizadas em novas e diferentes situações da sua vida pro-
fissional e pessoal.
Ainda com os autores supracitados, uma visão de maior integralida-
de do aluno com o conhecimento, reconhece a relação do educador com os
conteúdos curriculares, um desejo para além desse posicionamento técnico.
O docente sente a necessidade de promover conteúdos que comtemple compe-
tências comportamentais que expressem potenciais criativos, as quais inferem
desenvolvimento pessoal, juntamente com as próprias compreensões sobre o
conhecimento apreendido. Diante disso, é preciso que o docente estimule o
conhecimento com estratégias diferenciadas, especialmente as vivenciais e
que estejam relacionadas com nossas condições da existência humana.

50
A arte na educação permite a exploração de múltiplos sentidos e sig-
nificações (BARBOSA, 2010). A mediação pedagógica pelo ensino da arte
torna-se um elemento importante para o desenvolvimento cognitivo do aluno,
de tal forma que amplia possibilidades de compreensão artística, do mundo,
dos conteúdos relacionados a outras áreas do conhecimento, tais como mate-
mática, língua, história e geografia.
Diante dessas reflexões, a pergunta que angustiava era: quais aspectos,
além dos técnicos, eram precisos mediar para estimular a sensibilidade em
relação a percepção de sentimentos e reflexões sobre o conhecimento e de si
mesmo? A partir desse momento foi proposto um plano de ação: o teatro em
espaço comunicativo, no intuito de provocar manifestações de ordem estética,
a partir de percepção, emoções e ideias, a fim de estimular uma instância de
consciência corporal e comunicativa no discente.
A arte tem um poder expressivo de representar ideias através de lingua-
gens particulares, como a literatura, a dança, a música, o teatro, a arquitetura,
a fotografia, o desenho, a pintura entre outras formas expressivas artísticas do
nosso cotidiano. A arte faz com que o ser humano possa conhecer um pouco
da sua história, dos processos criativos de cada uma das linguagens artísticas,
o significado de novas formas de utilizá-la, sempre se aprimorando ao longo
do seu processo.

PLANO DE AÇÃO: RESULTADOS E DISCUSSÕES

Sensibilização e a escolha do conto

A primeira parte da proposta foi chamada de sensibilização. Ela acon-


teceu na terceira aula do curso, com isso os alunos já estavam familiarizados
com alguns conteúdos da oratória, especialmente no que tange a parte de
comunicação e a retórica. Uma mensagem central desses conteúdos são as
ideias sobre a arte de falar e de se posicionar diante do público; a retórica
intimamente voltada ao sujeito, ou seja, quando há uma fala, ela revela sobre
o falante, logo, a linguagem (SOARES, 1997) compõe de um conjunto de
signos que ao longo da vida se organizam na nossa mente, designando de
linguagem verbal articulada pelos meios de produção de sentido que cons-
troem a consciência em cada ser social.

51
A partir dessa introdução, movimentou-se as ideias sobre artes (BAR-
BOSA, 2010) especificadamente, a arte teatral. Dessa forma, foram expostos
conhecimentos teatrais, saberes como: dramatização, manifestações espontâ-
neas, o espaço cênico, a entoação de voz, a estética, a representação da reali-
dade, visualização e interpretação do processo artístico.
Outro saber envolvido foi sobre gênero textual: o Conto, por ser um texto
que se caracteriza como uma narrativa curta, apresentando elementos básicos:
enredo, personagens, tempo e lugar. O texto narrativo aproxima de realidades
que permitem reflexões sobre a realidade e fantasia, e auxilia no acolhimento de
uma intervenção pedagógica positiva. Dessa maneira, a efetividade da proposta
é pertinente, pois as narrativas nos aproximam de identificações humanas. Uma
boa palestra, ou fala, o orador deve levar seu público para uma identificação
com o próprio, ou com sua história, emitindo o desejo de ser ouvido.
A aula expositiva e dialogada sobre artes e o Conto gerou reflexões
positivas. Os alunos verbalizaram em relação a expressões regionais, a com-
preensão sobre o papel da arte na vida das pessoas, a capacidade de abstração
e identificação com o artista e sua arte, a linguagem expressiva que a arte
remonta e a criatividade. Assim, eles conseguiram percebe as ligações entre
o estudo da arte e a oratória, principalmente no que tange a ligação entre o
palestrante e o público.
Por fim, os alunos escolheram o Caso do Espelho, um conto escrito
por Ricardo Azevedo1 e segundo eles a escolha ocorreu pela identificação
e abstração da história que o texto retrata. A narrativa na visão dos alunos
retrata uma vida simples, acompanhada por poucos conhecimentos cientí-
ficos, mas que é rica de compreensões sobre o cotidiano humano e a inces-
sante busca de si mesmo dentro do palco da vida. Essa reflexão fazia todo
sentido para a vivência pessoal correlacionada com a formação que eles
buscavam naquele momento.

Do ensaio à apresentação e o final do processo

Os ensaios retrataram um crescimento pessoal significante, tanto indi-


vidual como coletivo. Conforme os alunos acolhiam seus personagens, eles

1 Ricardo Azevedo nasceu em São Paulo, SP em 1949, é autor e ilustrador de inúmeros livros de lite-
ratura para crianças e jovens. Estudioso da cultura popular brasileira, sua obra traz as cores, o ritmo,
o humor e, muitas vezes a atitude crítica de nosso povo.

52
possibilitavam desenvolver dentro do grupo um processo de identificação,
pertencimento e responsabilidade.
Era visível a legitimação dos direitos, ao longo da desenvoltura dos
ensaios, em relação aos alunos como o respeito diante das limitações, os in-
centivos, cobranças e admiração entre eles. As relações entre o individual e o
coletivo foram se entrelaçando, e houveram aberturas no que favorece a es-
cuta do outro, a exposição de opiniões, o respeito a diferentes manifestações,
aparando as arestas para compor uma atitude grupal e pessoal.
A identificação e os sentimentos expressos na fala, nos gestos, nas ati-
tudes corporais apresentavam uma interação simbólica com a realidade, e os
personagens saiam do papel para uma vivência real representada pelos alunos.
Era como se o personagem assumisse o lugar do aluno e o texto já compreen-
dido e decorado, era o cenário para que o eu desse espaço para o outro. Nesse
momento não havia o certo e o errado, havia uma expressividade que conectava
com o grupo e com a cena. Segundo Ana Mae Barbosa (2010) a arte possibilita
interpretação e ao interpretar, amplia-se a capacidade perceptiva e intelectual
que pode ser aplicada em qualquer área da vida. Ademais, Coelho (2014, p. 12):

o teatro na escola colabora não só para a promoção do sentimen-


to de pertencimento do aluno em relação à comunidade escolar,
como também para a ampliação do universo artístico e cultural,
possibilitando o trabalho reflexivo, a capacidade de apreciação
estética e consequentemente a formação de um ser humano
consciente de suas diversas competências e habilidades.

Uma das habilidades evidente durante os ensaios, é a capacidade de


liderança. No decorrer dos ensaios, os alunos definiram os papéis do teatro,
começando com a simples leitura do conto, assim, houve um ato voluntário e
desejoso ao escolher o personagem. Houve também ideias sobre o cenário e
o uso de objetos tragos pelos alunos para compor o cenário e os personagens.
O professor nesse momento mesmo posicionando como um líder, ao
propor a atividade, passou a ser um apoiador, mediador da proposta. As es-
tratégias didáticas do professor (DE LA TORRE, 2008) devem se basear na
mediação integrando a teoria e prática, assim o docente assume um caráter
estimulador, criador de cenários, facilitador dos conhecimentos.

53
Era visível na proposta teatral a mediação colaborativa (DE LA TOR-
RE, 2008), os alunos no ato de encenar, eram os seus próprios comandantes e
aliados ao mesmo tempo. Um aluno estava para o outro, entre críticas, suges-
tões, aproximações, confiança como uma coconstrução do saber. Morin (2002,
p. 25) “mais vale uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia”, por isso,
mais do que a transmissão de saberes, segundo Cunha e Suanno (2016, p.12),
o docente deve conduzir seu trabalho na formação de um sentido unificador de
saberes, deixando de ser decorados, passando a ser “transformados, construídos
e reconstruídos nas e pelas relações intra-inter humanas com o objeto”.
O dia da apresentação foi glorioso, com muita expressividade de satis-
fação dos alunos pelo trabalho árduo no decorrer do processo. Entre a plateia
estavam alunos, coordenadores e familiares. Eles exprimiram sua identifica-
ção e sensações em relação à performance através de muitos risos e aplausos.
O ensejo final houve uma discussão de todo processo entre os alunos e
a professora. Esse passo foi baseado nas considerações da metodologia trian-
gular proposta por Barbosa (2010, p. 23) “reflexão, apreciação e produção”,
“a produção artística é concebida como base no processo criativo, entendido
como a interpretação e representação de vivências numa linguagem prática”.
Foi um momento proveitoso, de muitas trocas diante da experiência conduzi-
da pela proposta.
A reflexão baseou-se nas observações do contexto sobre a obra, no caso
específico: o conto, as inspirações que a história reflete, o autor e como ele
enriquece o conto favorecendo o regionalismo interiorano. Na apreciação,
o elemento visual destacou, portanto, os alunos assistiram a própria perfor-
mance. Com isso, eles puderam associar as expressões corporais, a linguagem
expressiva, a sintonia coletiva durante a atuação.
Na produção artística percebeu-se a criatividade, as expressões de
ideias que foram próprias de cada um, o momento de superação dos limites,
o enfrentamento com o público, com o medo e consigo, enfim, descobertas de
novas potencialidades até então desconhecidas por eles.

Considerações finais

O teatro, como uma ferramenta de práticas educacionais, abre cami-


nhos para um mergulho em si mesmo, quando essa experiência proporciona

54
descobertas pessoais de forma indireta. Durante a atuação performática des-
cobre-se um ser, por meio de não-ser, no decorrer da representatividade do
personagem. Assim, os limites ultrapassam e permite ser quem você nunca
foi. Uma oportunidade única de estar no lugar do outro e sentir como ele sente
ou percebe a situação.
A produção artística tenta responder questões sobre o mundo, a relação
do homem com o meio e com os outros. Cenas improvisadas, os jogos de
dramatização são oportunidades para o entendimento de conflitos, ajudam a
recriar ações com momentos de empatia e aumentam a consciência, de tal for-
ma que influencie sua própria história e desenvolva outras habilidades.
Podemos entender, enfim, que a mediação pela dramatização eleva o
sentido de corporeidade, desenvolvendo um projeto ecoformador (SUANNO,
J. 2014): favorável a reponsabilidade, autonomia, o sentido crítico, a capaci-
dade de tomar decisões, bem como a criatividade. Ademais as práticas peda-
gógicas mediadas pela dramatização enriquecem o ser humano nas dimensões
psicológicas e cognitivas e reforça o ensino centrado na pessoa.

Referências

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 80 e novos tempos.


8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

COELHO, Marcia Azevedo. Teatro na escola: uma possibilidade de educação


efetiva. Revista polemica, v. 13, n. 2, 2014. Disponível em:https://www.e-pu-
blicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/10617/8513

CUNHA, Regina Célia Alves; SUANNO, João Henrique. A Sala de Aula


Transdisciplinar nutrida pelo pensamento complexo. REVELLI - Revista de
Educação, Língua e Literatura da UEG-Inhumas, v. 8 n. 4, 2016.

MORAES, M. C. Pensamento eco-sistêmico: educação, aprendizagem e ci-


dadania no século XXI. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensa-


mento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

55
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Tradução
Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: TRIOM, 1999.

PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. São


Paulo: Ed. Art Med, 1999.

SOARES, Magda. Linguagem e escola - uma perspectiva social, 15. ed. São
Paulo, 1997.

SUANNO, João Henrique. Ecoformação, transdisiplinaridade e criatividade:


a escola e a formação do cidadão do século XXI. In: MORAES, Maria Can-
dida; SUANNO, João Henrique (Orgs.) O pensar complexo na educação:
sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade. Rio de Janeiro: Wak,
2014. p. 99-126.

VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos pro-


cessos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

56
CAPÍTULO 5
O USO DA LINGUAGEM
CINEMATOGRÁFICA NA ESCOLA:
UMA POSSIBILIDADE DE
TRANSGRESSÃO PESSOAL
E SOCIAL

Luciene Almeida de Araújo


Amanda Cristina Teixeira de Oliveira
Ana Lúcia Duarte dos Santos

Introdução

O presente artigo é fruto de um projeto de pesquisa que foi desenvolvido


no Instituto Federal de Goiás/ Campus Goiânia, com alunos matriculados nas
turmas de técnico integrado ao ensino médio. Nesta perspectiva, foram desen-
volvidas ações de atividades complementares, com o intuito de estabelecer diá-
logos entre obras cinematográficas e questões sociais diversas como o suicídio;
o preconceito étnico-racial, de gênero; as debilidades físicas e/ou intelectuais.
Defendemos e evidenciamos a importância de envolver a comunidade esco-
lar no desenvolvimento de um compromisso com a construção da cidadania,
o que pede necessariamente uma prática educacional voltada para a com-
preensão da realidade social, bem como, dos direitos e responsabilidades em
relação à vida pessoal e coletiva.
Para isso, viabilizamos, nos encontros planejados, a reflexão coletiva
sobre diversos problemas sociais, vivenciados atualmente por muitos dos
participantes, e sobre as ações de superação. Assim, refletimos, coletiva-
mente, sobre a sociedade e sobre nós mesmos(as), favorecemos a reflexão
sobre ações de resistência, de transformação social, de conscientização do
papel de cada pessoa no desenvolvimento individual e coletivo; explicita-
mos a potencialidade do cinema em relação à aprendizagem dos diversos
saberes, ao desenvolvimento de ferramentas para autoconhecimento e resis-
tência; viabilizamos estudos sobre os temas transversais, sobre a arte cine-

57
matográfica e sobre estratégias de ensino e aprendizagem para a formação e
exercício da docência.
Tal reflexão vai de encontro com que afirma a autora estadunidense
acerca de sua preocupação pedagógica:

O primeiro paradigma que molda minha pedagogia foi a ideia


de que a sala de aula deve ser um lugar de entusiasmo, nunca de
tédio. E, caso o tédio prevalecesse, seria necessárias estratégias
pedagógicas que interviessem e alterassem a atmosfera, até mes-
mo a perturbassem. (HOOKS, 2017 p.16).

Destaca-se aqui que não é apenas o uso do cinema como ferramenta de


mediação dos debates que desestabiliza esse lugar de passividade do saber,
uma vez que o letramento cinematográfico, mesmo hoje em uma sociedade
permeada pelas diferentes mídias, ainda não é comum. Contudo, é possível
que após algumas sessões, como o observado nessas pesquisas, o cinema se
torne uma atividade constante e instigante para os participantes.

ATORES QUE ATUARAM CONOSCO

A arte cinematográfica nos permite dialogar com os sentimentos do in-


divíduo, possibilitando assim, a inquietação de si e do outro por meio de re-
presentações da realidade que nos permite transbordar pelos nossos devaneios
sociais e pessoais. Portanto, realizar um projeto voltado para o cenário múl-
tiplo da escola é de suma importância, visto que no espaço escolar desenvol-
ve-se variadas relações e práticas entre os seus sujeitos, sendo as expressões
culturais nelas incorporadas.
Contudo, considerando a importância do cinema como meio de pensar
e de se expressar, de compreensão de conteúdo, de aprender e ensinar, de
afetação/sensibilização, experimentação estética e apropriação cultural, entre
outras de suas potencialidades, um projeto pedagógico de cinema permitiu
compreender as práticas culturais e pedagógicas de professores e alunos ao
aproximarem o processo de ensino/aprendizagem com o uso do cinema como
ferramenta pedagógica.
Dessa forma, através das realidades que percorrem os filmes os alunos
podem se identificarem com o outro, sendo possível despir seu inconsciente

58
por meio da identificação, que segundo uma estudiosa do tema “identificação
é definida como um processo psicológico pelo qual o indivíduo assimila um
aspecto, uma propriedade ou um atributo do outro e se transforma, total ou
parcialmente de acordo com o modelo escolhido” (DURATE, 2002, p. 71).
Sendo assim, a identificação consegue mobilizar o espectador aos sen-
tidos que se opera em quem assiste a um filme e que é própria e única da ex-
periência com a arte cinematográfica. No trabalho que realizam em A escola
vai ao cinema, Teixeira e Lopes (2003, p.10) explicitam que:

Tal como a literatura, a pintura, a música, o cinema deve ser um


meio de explorarmos os problemas mais complexos do nosso
tempo e da nossa existência, expondo e interrogando a realida-
de, em vez de obscurecê-la ou de a ela nos submetermos.

Advertindo-nos de que é imperativo o cuidado para que a aproximação


desejada e necessária entre cinema e educação não tenha como prerrogativa
sua escolarização ou didatização, Teixeira e Soares (2003, p. 10) afirmam:

Não estamos e não queremos concebê-lo e restringi-lo a um


instrumento ou recurso didático-escolar, tomando-o como
estratégia de inovação pedagógica na educação e no ensino.
Isso seria reduzi-lo por demais. Ao contrário, por si só, por-
que permite a experiência estética, porque fecunda e expressa
dimensões de sensibilidade, das múltiplas linguagens e in-
ventividades humanas, o cinema é importante para a educa-
ção e para os educadores, por ele mesmo, independentemente
de ser uma fonte de conhecimentos e de servir como recurso
didático-pedagógico como introdução a inovações na escola.

É nessa perspectiva que acreditamos que a utilização do cinema para


a discussão de temas transversais diversos tem potencialidade de transformar
a sociedade. Logo, é importante entender que a comunidade escolar deve
desenvolver um compromisso com a construção da cidadania e isso pede
necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da
realidade social, bem como dos direitos e responsabilidades em relação à vida
pessoal e coletiva.

59
Segundo Motta e Fusaro (2014), o acesso enriquecedor à leitura dos dis-
positivos não verbais de um filme pode se transformar em um instrumento li-
bertador para o aluno. Momento de exercício de sensibilização sensória, óptica
e auditiva que ele poderá estender à própria vida, tornando-se mais sensível aos
fatos da percepção e de sua própria interação nesse processo. Sendo assim, a uti-
lização do cinema em sala de aula é um grande artifício capaz de levar o aluno a
pensar e refletir e mostrar como a arte tem o poder de transformação.
Dessa maneira, ao contemplar na tela realidades totalmente similares
e particulares às suas vivências e histórias que são enfrentadas diariamen-
te, pretendíamos que esses estudantes pudessem compreender que o estudo,
o conhecimento, de si e do mundo, é a única via possível para a verdadeira
transformação pessoal e social. Apenas a exibição do filme não permite essa
elaboração, por isso a importância do debate e de escutar os participantes,
após a exibição da película. Logo, se fez necessário discutir, problematizar o
que foi apresentado. É preciso comentar imediatamente do que nos sucede,
ainda que nos advirta:

A significação das narrativas fílmicas não se dá de forma imedia-


ta. Parece haver um certo entendimento do filme quando o vemos
pela primeira vez (em geral quando o revemos damos a ele novos
significados). [...] Esse entendimento vai ser organizado e ressig-
nificado muitas vezes daquele momento em diante, a partir das
reflexões que fazemos, das conversas com outros espectadores,
do contato com diferentes discursos produzidos em torno daquele
filme (crítica, premiações, etc.) e da experiência com outros fil-
mes, permitindo que novas interpretações sejam feitas. Isso dá um
profundo dinamismo à dimensão formadora da experiência com o
cinema e faz com que seus efeitos somente possam ser percebidos
a médio e longo prazo. (DUARTE, 2002, p. 74).

Acreditamos assim, que ao longo do semestre, como a experiência es-


tética e crítica possibilitada pelos encontros, observamos que esses estudan-
tes tiveram a oportunidade de compreender um pouco mais o lugar social ao
qual pertencem e as possibilidades de transpor as amarras dessa sociedade
marcadamente classista, racista e machista. Com isso, a sétima arte retrata

60
os problemas sociais e pessoais de modo a possibilitar o outro a transformar
em nível macro e micro seus pensamentos e ideologias diante da sociedade,
buscando sempre a conscientização do papel de cada pessoa no meio em que
está inserido.
Segundo Duarte (2002, p. 99), “um filme é sempre um produto cul-
tural, ou seja, é uma produção que combina elementos da(s) cultura(s) aos
sistemas utilizados na construção de suas imagens”, desse modo, entende-
mos que a arte, pode, se mediada por diálogos contínuos, ajudar os alunos a
se deslocarem de seus lugares sociais, marcadamente de exclusões oriundas
de uma sociedade que ainda não possibilita uma equidade social. Com o
desenvolvimento do projeto e os debates mediados observamos que os estu-
dantes puderam olhar as realidades sociais a que estão inseridos e ter outro
olhar para si.
Ao finalizar os encontros, pode-se perceber que o que está descrito na
LDB foi amplamente contemplado em nossa pesquisa:

CAPÍTULO II - Da Educação Básica


Seção I - Das Disposições Gerais
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino funda-
mental e do ensino médio devem ter base nacional comum,
a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada es-
tabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pe-
las características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos. (Redação dada pela Lei nº 12.796,
de 2013)
§ 8º A exibição de filmes de produção nacional constituirá
componente curricular complementar integrado à proposta
pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no
mínimo, 2 (duas) horas mensais. (Incluído pela Lei nº 13.006,
de 2014)
§ 9º Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de
todas as formas de violência contra a criança e o adolescente
serão incluídos, como temas transversais, nos currículos
escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do

61
Adolescente), observada a produção e distribuição de material
didático adequado. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014)

CENA INICIAL

Os encontros de vidas são sempre repletos de surpresas e possibilidades,


pode-se dizer que esse projeto é fruto desse encontro, três mulheres apaixona-
das pela arte de ensinar, marcadas por dores que só a arte é capaz de elaborar,
e amplamente apaixonadas pela arte cinematográfica. Concordamos com a
autora norte-americana Bell Hooks (2018, p. 25), quando a mesma afirma que:

A educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que


qualquer um pode aprender. Esse processo de aprendizado é
mais fácil para aqueles professores que também creem que sua
vocação tem um aspecto sagrado; que creem que nosso trabalho
não é o de simplesmente partilhar informação, mas sim o de par-
ticipar do crescimento intelectual e espiritual dos nossos alunos
é essencial para criar as condições necessárias para que o apren-
dizado possa começar do modo mais profundo e mais íntimo.

Logo, diante da premissa proposta pela autora, buscamos nesse projeto


o diálogo como forma de nos entendermos e possibilitar que os estudantes
participantes do projeto também pudessem vivenciar uma experiência de en-
sino/aprendizagem libertária.
Nessa perspectiva, a formulação do projeto partiu de conversas acer-
ca de filmes que nos marcaram, além das trocas de saberes possibilitadas no
ano de 2017/2, em que, eu, Luciene, como professora do Instituto Federal de
Goiás, ministrei uma disciplina de PCC-V intitulada Cinema: Janela do outro,
espelho de mim, disciplina na qual estavam presentes as orientandas e colabo-
radores do que futuramente seria o projeto. Ao longo da disciplina, tivemos a
possibilidade de assistir filmes de temáticas variadas e pensar o uso do cinema
em sala de aula.
No ano de 2018/1 propomos o primeiro projeto de ensino: “A sétima
arte como possibilidade de leitura de uma realidade diversa”, coordenado
pelas professoras Cleide Machado e Luciene Almeida, a ideia de desenvolver
essa pesquisa ficou mais clara após esse primeiro projeto de ensino. Sobretudo

62
pelo fato de que ao perceber que a recepção fílmica e participação nos debates
apresentou dados positivos, decidimos apresentar um projeto de pesquisa (PI-
BIC) que teve iniciou 2018/2. Destacamos ainda que a autora Amanda Cristi-
na deu continuidade a pesquisa, desenvolvendo seu trabalho de conclusão de
curso, utilizando a r elação de cinema e literatura em sala de aula, onde pode
expandir a problemática proposta. Seu trabalho “Sujeitos Atravessados Pela
Barbárie: A Arte Como Caminho de Humanização”, versa sobre o que foi o
holocausto e as implicações desse período histórico para a humanidade.

NOSSO ROTEIRO

Inicialmente nos reunimos para selecionar os primeiros filmes que se-


riam exibidos. Acreditamos que o perfil dos participantes era fundamental
para a escolha das películas, sendo assim, no primeiro encontro fizemos uma
coleta de dados, para fazer a triagem de outros filmes e traçar debates que fos-
sem relevantes a todas e todos. Tivemos o cuidado de ao selecionar os filmes,
assistir anteriormente e estudar as possibilidades didáticas que os mesmos nos
ofereciam, pois acreditamos ser fundamental a preparação antes das sessões,
como argumenta o professor, que: “antes de exibir o vídeo, planejar muito
bem sua aula, se informando a respeito do filme e o assistindo na íntegra para
perceber se o mesmo é pertinente aos seus objetivos didáticos bem como à
faixa etária do aluno” (NAPOLITANO, 2015, p. 15). Seguindo essa linha de
raciocínio, o mesmo autor indica que o professor deve questionar:

a) Qual o objetivo didático-pedagógico geral da atividade?


b) Qual o objetivo didático-pedagógico especifico do filme?
c) O filme e adequado à faixa etária e escolar do público alvo?
d) O filme pode e deve ser exibido na integra ou a atividade se
desenvolverá em torno de algumas cenas?
e) O público alvo já assistiu a algum filme semelhante?

Desse modo, atentas a todas as recomendações, seguimos a seleção dos


filmes que seriam exibidos e qual o objetivo pretendíamos. Destacamos que
preparamos os encontros seguindo a linha de análise em uma abordagem das
críticas “conteudista”, e “sociológica”. As expressões “crítica conteudista” e

63
“crítica sociológica” são usadas segundo a perspectiva de Moscariello, para o
autor (1985, p. 87):

Crítica conteudista interessa-se mais pelo tema (argumentos),


que deve espelhar a realidade com olhar revelador, do que pelo
modo como o discurso fílmico é construído, interesse-se mais
pela “coisa” do que pelo “como” do discurso fílmico. Já a socio-
lógica dirige o seu olhar para dentro do filme na esperança de aí
encontrarem as coisas preteridas, a crítica de inspiração socioló-
gica prefere utilizá-lo para observar o que acontece “fora” dele.

Nesta pesquisa, considerou-se que a articulação entre as formar de “ver”


o filme é adequada, pois permite uma visão tanto dos argumentos destacados
quanto da sua relação com a sociedade.
Foram exibidos filmes, seguidos de debates mediados pelas responsáveis
do projeto e construídos juntamente com os(as) espectadores(as). Abordagens
interdisciplinares contidos na película, com comentários e reflexões relacionan-
do o filme às questões sociais mais evidenciadas em cada obra selecionada.
Atividades relacionadas às temáticas propostas pela arte, possibilitando a inter-
pretação e o construto social e coletivo do grupo. Leituras e análises dos filmes
com uma visão mais histórico-crítica, com base em textos teóricos.
Sendo assim, temos como metodologia as observações das reações e
sentimentos provocados através do filme, pois por meio dos atos de fala, do
posicionamento e do comportamento humano, pode-se analisar as reações
provocadas por cada filme dentro do contexto que esses alunos estão inseridos.
As reflexões, orientações sobre as apresentações e debates, a ampliação
de compreensão dos textos teóricos e outras questões de ordem acadêmica,
didática, teórica ou burocrática foram debatidas no decorrer de cada semana
que antecederam a apresentação do filme.
Assim, os filmes selecionados abarcaram um leque de temáticas diver-
sas. Corroboramos com o autor que, “a produção cinematográfica deve ser
tratada como fonte para a investigação histórica, do mesmo modo que são
considerados documentos a literatura, a pintura, a arquitetura, e os monumen-
tos” (CATELLI, 2009, p. 55). Um exemplo que trazemos foi o filme A Onda,
o qual nos possibilitou uma aproximação com o debate atual, relacionando o

64
contexto da Alemanha com as políticas fascistas que tem crescido na atuali-
dade, questões como a banalização da violência, os corpos controlados por
políticas de estado foram apresentados no debate. Destacamos que:

Sob o ponto de vista do conteúdo o filme pode ser visto como fon-
te (quando as questões do próprio filme delimitam a abordagem
do professor) ou como texto-gerador, quando há um compromisso
maior do professor com os temas que o filme suscita. Do ponto
de vista da linguagem, o filme será trabalhado para a educação
do olhar do espectador (formas narrativas e linguagens) ou intera-
gindo com outras linguagens, na manipulação e decodificação de
linguagens diversas como verbais, gestuais ou visuais. A aborda-
gem pela técnica cinematográfica envolve os aspectos técnicos e
tecnológicos. (NAPOLITANO, 2015, p. 29-30).

Outro exemplo que apresentamos para destacar algumas das temá-


ticas, o racismo institucional e os desdobramentos sociais da diáspora afri-
cana, retratado no filme Chocolate e que causou uma grande comoção nos
participantes, pois a realidade retratada na película ainda está muito presen-
te no contexto brasileiro. De acordo com Stuart Hall (2003, p. 444), em Da
diáspora: identidades e mediações culturais, “o corpo negro é um ‘arqui-
vo de repertórios culturais próprios’. Este é o lugar onde se ‘guardam muitas
tradições’, bem como as ‘lutas pela sobrevivência do povo negro na diáspo-
ra e, por outro lado, as contranarrativas que lutamos para expressar”. Para o
autor, as culturas negras na diáspora têm usado o corpo como se ele fos-
se, e foi muitas vezes, o único “capital cultural” que dispunham e dispõem.
E vem, por meio da história, sendo utilizado como um dos “recursos disponí-
veis” para os afrodescendentes reinscreverem outras narrativas através das in-
formações culturais de seus antepassados, de códigos e de signos, de mitos e
ritos herdados (HALL, 2003, p. 342). Essa preocupação apresentada pelo autor
citado foi discutida com os participantes, que puderam pensar as marcas do ra-
cismo no corpo negro, bem como exteriorizar suas próprias dores. Como obser-
vamos na resposta de uma participante:

Resposta de aluna 1: Os temas apresentados pelo projeto por


meio de filmes são de extrema importância para a conscienti-

65
zação dos indivíduos. Com a apresentação da vivência do sofri-
mento de pessoas com deficiência, vítimas de abuso/violência,
preconceito, entre várias outras, quem participou do projeto teve
muitas vezes uma experiência de reconhecimento, pena, tristeza,
ou até raiva dos padrões eurocêntricos q a sociedade impõe a
quem é diferente, causando neles problema psicológicos.

Além do filme já citado, possibilitamos que a estética marcadamente


imposta por uma cultura branca e hegemônica foi problematizada com o filme
Felicidade por um fio, no qual questões de gênero e raça foram apresentadas
ao coletivo.
Segundo a os PCN (p. 122) de Diretrizes culturais:

Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar com a temá-


tica do preconceito e da discriminação racial/étnica. Na escola,
muitas vezes, há manifestações de racismo, discriminação social
e étnica, por parte de professores, de alunos, da equipe escolar,
ainda que de maneira involuntária ou inconsciente. Essas atitu-
des representam violação dos direitos dos alunos, professores
e funcionários discriminados, trazendo consigo obstáculos ao
processo educacional pelo sofrimento e constrangimento a que
essas pessoas se veem expostas.

Portanto, o uso do cinema como mediador desse debate mostrou-se


como uma ótima ferramenta, ao vivenciar as narrativas fílmicas e expor suas
opiniões e conflitos acerca desse problema, muitos estudantes relataram já
ter vivenciado práticas de racismo, pode-se observar que ao escutar os outros
muitos se manifestavam reflexivos e sensibilizados. Outra contribuição de um
participante:

Resposta de aluna 2: Sim, é importante para a formação de um


indivíduo o conhecimento de alguns dos principais problemas
do Brasil, o racismo, homofobia, desigualdade social, processos
migratórios, abuso sexual, dentre outros, são assuntos que de-
vem ser discutidos sempre que possíveis. A forma aplicada pelo

66
projeto, foi uma maneira dinâmica e divertida de abordar tais
temas, eu particularmente amei.

Pode-se perceber que ao fim do debate ocorreu um deslocamento da


percepção das marcas do sistema escravocrata, e suas implicações nas rela-
ções sociais na contemporaneidade. Segundo Bell Hooks:

Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos,


a vida dos negros é permeada por questões políticas que expli-
cam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferio-
ridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes quando
alteram nossa habilidade de querer e amar. Nós negros temos
sido profundamente feridos, como a gente diz, “feridos até o
coração”, e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa
capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um
povo ferido. Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor,
que estaria amando. A vontade de amar tem representado um ato
de resistência para os Afro-Americanos.1

Para finalizar o projeto, aplicamos um questionário despersonalizado,


pois acreditávamos que sem se identificar, o estudante poderia se manifestar
de forma mais livre. Aqui não será possível apresentar muitas dos relatos, mas
destacamos um:

Resposta de aluna 3: O projeto contribuiu muito para que eu


ampliasse minha visão sobre os assuntos abordados e perce-
besse a importância de discutir tais temas. Como futura pro-
fessora, são temas que fazem parte do cotidiano dos alunos
e são de extrema importância para serem abordados e que os
alunos possam perceber que estão tão próximos desses acon-
tecimentos podendo participar direta ou indiretamente de cada
situação. Os debates proporcionaram a queda de alguns pre-
conceitos ou visões muito fechadas sobre os temas e deram a

1 Disponível em https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor.

67
oportunidade de pensar novos métodos de ensino e aplicação
de conteúdos que abordem esse tipo de assunto específico. É
uma maneira a mais de pensar a metodologia para chamar aten-
ção do aluno e não deixar a aula na mesmice.

ATO FINAL

Destacamos que o desenvolvimento desse projeto foi de suma importân-


cia, uma vez que nos possibilitou pensar as práticas pedagógicas possíveis com
o uso do cinema, bem como sua articulação com temas transversais fundamen-
tais para nossa formação. Assim, poder pensar o cinema como uma arte que
permite o deslocar dos saberes instituídos, como um documento de nossa época
e ainda como possibilidade de acessarmos traumas decorrentes da constituição
social a que estamos inseridas nos abriu um leque de pesquisas e estudos.
O convite para a publicação desse artigo é um dos desdobramentos
dessa pesquisa, observamos que a educação só faz sentido para os estudan-
tes, quando os mesmos acessam o saber e se transformam. Além dos temas
transversais a interdisciplinaridade se fez presente, pois ao propor um filme
e debater sobre a propostas, dialogamos com as diversas áreas do saber, as
linguagens que nos constituem, os discursos que estão presentes em cada ses-
são, o contexto histórico de cada produção. Em suma, o uso do cinema acessa
todas as áreas dos saberes, proporcionado um aprendizado global.
Desse modo, é perceptível que o uso de cinema como uma ferramenta
de ensino-aprendizagem pode transformar, ensinar e possibilitar conhecimen-
tos diversos. Como podemos vivenciar nas sessões de filmes e debates. Para
além do conhecimento pragmático, a constituição de afetos e curas que perce-
bemos ao longo da pesquisa. Como afirma ainda Hooks:

Quando nós, mulheres negras, experimentamos a força transfor-


madora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes
de alterar completamente as estruturas sociais existentes. Assim
poderemos acumular forças para enfrentar o genocídio que mata
diariamente tantos homens, mulheres e crianças negras. Quan-
do conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o

68
passado com outros olhos; é possível transformar o presente e
sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura2.

REFERÊNCIAS

DUARTE, Rosália. Cinema & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

HOOKS, Bell. Pedagogia engajada. In: HOOKS, Bell. Ensinando a trans-


gredir: a educação como prática de liberdade. Tradução de Marcelo Brandão
Cipolla. 1. ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2013. Cap. 2, p. 37-50.

HOOKS, Bell. Vivendo de amor. Disponível em: https://www.geledes.org.


br/vivendo-de-amor. Acesso em: 5 ago. 2019.

MOSCARIELLO, Ângelo. Como ver um filme. Porto: Editorial Presen-


ça, 1985.

MOTTA, L. T. D.; FUSARO, M. D. C. F. Cinema e Educação: reflexões e in-


terfaces. Comunicação e Educação, São Paulo, v. II, p. 39-49, jul./dez. 2014.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo:


Contexto, 2015.

TEIXEIRA, I.A.C.; LOPES, J.S.M. A escola vai ao cinema. 2. ed. Belo Ho-
rizonte: Autêntica, 2003.

2 Disponível em: https://www.geledes.org.br/vivendo-de-amor

69
CAPÍTULO 6
A CRIATIVIDADE NO PROCESSO
DE LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: UMA ANÁLISE A PARTIR
DAS PERCEPÇÕES DE UM PROFESSOR
DA PRÉ-ESCOLA

João Henrique Suanno


Camila da Rocha Lobo
Maria Erilânde Ferreira de Souza

Introdução

A escola constitui lugar privilegiado para o desenvolvimento das


práticas de letramento, principalmente no contexto da Educação Infantil.
O trabalho pedagógico tem demandado estratégias criativas e inovadoras,
para que nessa fase de desenvolvimento da criança, ela possa desenvolver
a capacidade crítica de pensamento. Dessa forma, torna-se necessário e ur-
gente o diálogo sobre a criatividade como item indispensável na relação das
metodologias em sala de aula e na proposta de letramento, transformando as
práticas sociais de acordo com a vivência e conhecimento já trazidos pelas
crianças ao ambiente escolar.
Este trabalho orienta-se no sentido de estabelecer uma relação da im-
portância da criatividade no processo de letramento que pode ocorrer durante
a fase da pré-escola com crianças de 4 e 5 anos, antes de adentrar na fase vol-
tada para a alfabetização.
Assim, o problema que orientou o desenvolvimento desta pesquisa par-
tiu da seguinte indagação: como e sob qual concepção pode ocorrer o letra-
mento na educação infantil e qual a importância da criatividade nesse proces-
so, mais precisamente na pré-escola com crianças de 4 e 5 anos?
Este estudo de caráter qualitativo, toma por base revisões de literatura
na tentativa de valorizar os primeiros estudos acerca do objeto, seguido de
uma pesquisa de campo com aplicação de questionário no primeiro semestre

70
de 2019 a um professor que trabalha com crianças de 4 e 5 anos no Centro
Municipal de Educação Infantil em Colombo no Paraná, com uma análise par-
tindo da visão do paradigma eco-sistêmico criado por Maria Cândido Moraes,
na intencionalidade de almejar um olhar crítico sobre o tema.
A relevância dos saberes adquiridos por este trabalho contribui para que
mais pesquisadores se empenhem na busca por conhecimentos, que agreguem
valor à importância do letramento na primeira infância, ao discutir o uso de
novas metodologias criativas e na tentativa de quebrar o metodismo estrutura-
do, que já não se encaixa às novas exigências da educação.

A Educação Infantil: “aprender a aprender”1


entre 4 e 5 anos

O valor dado à Educação Infantil no Brasil é algo recente, as creches


e pré-escolas tiveram crescimento significativo apenas depois da década de
80. Estes dados referem-se às pesquisas que identificam essa nova preocupa-
ção do Estado, em decorrência às mudanças ocorridas na sociedade da épo-
ca, com a questão da urbanização e industrialização, a organização familiar,
a participação da mulher no mercado de trabalho, entre outros fatores, logo,
as creches foram criadas no intento de amparo, e não pelo fator principal,
que é o direito educativo.
Em 1988 devido à pressão, a Constituição Federal reconhece a edu-
cação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do
Estado, descrita no Artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Es-
tado e da família, será provida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e a sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p. 1).
A partir da década de 90, com as teorias sociointeracionistas de Vygo-
tsky, a criança passa a ter uma atenção mais apropriada como sujeito social,
que faz parte do meio e da cultura de forma concreta (OLIVEIRA, 2002),
assim, o desenvolvimento cognitivo das crianças é consideravelmente favo-
recido pelas interações sociais, o que denota a importância de priorizar nessa
fase de aprendizagem o contato com seus pares.

1 Excerto retirado do poema – Um brinde ao aprender- de Maria Eliane Azevedo da Silva (2009).

71
Com o decorrer dos anos há um fortalecimento da nova concepção de
infância, garantindo em lei os direitos da criança enquanto cidadã, com a cria-
ção do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996), a Educação Infantil é incorpo-
rada como primeiro nível da Educação Básica. O Art. 3º da Lei nº9394/96 da
LBD estabelece que:

O ensino será com base nos seguintes princípios: igualdade de


condição para o acesso a permanência na escola; liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, pensamento,
a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagó-
gicas; respeito à liberdade e apreço a tolerância; coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do en-
sino em estabelecimentos oficiais; valorização do profissional
da educação escolar; gestão democrática do ensino público, na
forma desta lei e da igualdade e dos sistemas de ensino; garantia
de padrão de qualidade; valorização da experiência extraescolar;
vinculação entre educação escolar, o trabalho e as práticas so-
ciais (BRASIL, 1996, p. 1)

Esses documentos impulsionaram a Emenda constitucional N° 59 (EC,


2009) consolidando a Educação infantil como a primeira etapa da Educação
Básica, mantendo os eixos estruturais conforme as Diretrizes Curriculares Na-
cionais para Educação Infantil (DCNEI, 2009). Esses direitos são reforçados
pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) que destaca o direito
das crianças nas escolas com um aprendizado voltado ao desempenho de um
papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-
se provocadas a resolvê-los.
Como sujeitos ativos na sociedade, e tendo um aporte das instituições
como família, estado e comunidade, o desenvolvimento social, intelectual, emo-
cional e motor da criança, passa a fazerem parte da construção da identidade, vi-
venciada por um conjunto de práticas, que envolvem as experiências e os sabe-
res com os conhecimentos que fazem parte da cultura, arte, ciência e tecnologia.
Barbosa (2006) destaca a necessidade de professores, pais e gestores
ponderarem sobre o que há de educativo nas atividades cotidianas, que podem

72
ser regulares, mas não rígidas ou que exija que sejam ativamente pensadas,
elaboradas e criadas pelos envolvidos, para estimular a criatividade das mes-
mas. Para Lira et al. (2016, p. 92):

Se entendemos, [...] que a educação é um processo de formação


humana, então a educação infantil é parte desse processo e sua
contribuição é implementar estratégias adequadas para contri-
buir na aprendizagem e no desenvolvimento pleno das crianças.

Neste contexto, tira-se por entendimento que, não se pode passar por
uma fase tão importante quanto à educação infantil, sem entender a necessida-
de de priorizar a capacidade intelectual da criança e seu poder de criticidade
sobre o que há em volta, mantendo o estímulo à criatividade como uma das
possibilidades no processo educativo.
Assim, as brincadeiras são substanciais no aprender a aprender. O mo-
mento lúdico, pode ser usado para contextualizar situações e temas que geral-
mente, são difíceis de lidar, porém, indispensáveis, como o bullying, o precon-
ceito e as diferenças sexuais. Ou seja, no aprendizado, usar o universo infantil
para gerar conhecimento, é um meio facilitador, tendo em vista, que a criança
escreve e lê corporalmente, expressa, aquilo que faz parte de seu repertório,
de suas experiências com a cultura e o que ela entende diante o mundo que lhe
é apresentado. Se aos 4 e 5 anos, a identidade social começa a ser formada,
nada mais justo, que ensinar a conviver com o diferente, sem rótulos e com
inclusão, através do que mais se aproxima de seu entendimento.

O Letramento e as crianças: “a arte do eterno


conhecer”2

A criança possui um olhar crítico e curioso sobre o que está ao seu redor,
ela é um ser pensante com capacidade de adquirir conhecimento, antes mes-
mo de aprender a escrita e a leitura formal. Assim, valorizar o conhecimento
prévio da criança a partir do seu contexto sociocultural, pode simplificar a
maneira de alcançar novas deduções e descobertas, levando aos conceitos de
alfabetização e letramento.

2 Excerto retirado do poema –Um brinde ao aprender- de Maria Eliane Azevedo da Silva (2009).

73
Para Tfouni (2010, p. 11) a alfabetização “refere-se à aquisição da es-
crita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas
práticas de linguagem”. Já o letramento, “focaliza os aspectos sócio históricos
da aquisição da escrita” (TFOUNI, 2010, p.12). Portanto, enquanto que a al-
fabetização está voltada ao aspecto individual, o letramento volta-se ao social.
Mais uma vez, a questão da socialização é algo a ser discutido, pois, ela é
componente indissociável para as práticas escolares.
Coelho (2010) afirma que, a leitura e as demais atividades, além de
estimular a imaginação das crianças e inseri-las em um mundo letrado, levam-
nas a entender a importância e o funcionamento da escrita em nossa socieda-
de, desenvolvendo capacidades necessárias para a sua apropriação, além de
motivá-las ao conhecimento e ao querer aprender a ler e escrever de maneira
prazerosa e satisfatória.
Ao utilizar as práticas sociais para aquisição da leitura e da escrita,
a criança vivencia o conhecimento e passa a ter diferentes interpretações sobre
as situações que ocorrem no seu dia a dia, aprendem dessa forma, a relacio-
ná-los com diferentes aprendizados que foram discutidos em sala de aula.
O letramento ingressa no mundo da criança como algo possível, ao am-
pliar o conhecimento a partir de novas propostas. É preciso, portanto, levar em
consideração a cultura em que a criança está inserida; adequar os conteúdos
para o ambiente da sala de aula; utilizar de diferentes gêneros textuais com o
propósito de uma linguagem interativa, criativa e descobridora, que não ex-
clua outros métodos de aprendizagem, mas que, leve-se em conta, o que mais
contribui para a evolução da criança.

A importância da criatividade no Processo de


Letramento: “tudo o que você pode ser”3

Para que a criatividade aflore no ambiente escolar, é necessário que


professores e gestores, que estão à frente das instituições, proporcionem mo-
mentos que levem a criança a estimulá-la. Robbins (2000) define criatividade
como capacidade de articular ideias de uma maneira única ou de fazer asso-
ciações incomuns entre elas. Ele ainda destaca que a maioria das pessoas tem

3 Excerto retirado do poema –Um brinde ao aprender- de Maria Eliane Azevedo da Silva (2009).

74
um potencial criativo que pode ser usado quando elas se confrontam com a
necessidade de solucionar problemas. Daí, entende-se que, quando a escola
proporciona momentos que estimulem a criança para a curiosidade, invenção
e tentativas de resolver problemas, ela eleva a capacidade de produção de co-
nhecimento e desenvolvimento novas ideias.
Ao pensar a criatividade como uma possibilidade de concitar o estímulo
ao aprendizado, não se pode deixar de falar sobre a aprendizagem criativa,
que abre caminhos para o pensar complexo e tem nesse viés uma quebra do
paradigma positivista, que é embasado em métodos pré-estabelecidos e em
resultados esperados. Nessa quebra, há o enfrentamento do inesperado e o
conhecimento passa a ser adquirido de maneira não linear e sistêmica.
A criatividade está inserida na aprendizagem criativa, termo este, criado
a partir das pesquisas de Martínez (2008) e conceituado como uma forma de
aprender, com processos específicos, onde a novidade e a pertinência são os
indicadores essenciais. Tendo os conceitos da complexidade e da aprendiza-
gem criativa, pode-se ir adiante ao entendimento da importância da criativi-
dade no contexto do letramento, pois a análise será feita pelo viés complexo,
dentro da conjuntura do aprender.
Para Soares (2003) faz-se necessário alfabetizar letrando, ou seja, en-
sinar a ler e escrever dentro do contexto das práticas sociais, de modo que
o indivíduo se torne alfabetizado e letrado ao mesmo tempo. Dessa forma,
na faixa etária da pré-escola, o letramento pode ocorrer, quando são inseri-
das no contexto de aprendizagem as características que lhe são familiares.
É necessário o lúdico, as histórias inventivas, o contato com a diferença, as
brincadeiras, a leitura por parte do educador, entre vários métodos, desde que,
o contexto social seja levado em conta, pois a criatividade pode ser mais pro-
veitosa, nessa perspectiva.

Análise a partir de uma vivência

Para melhor entender a realidade do letramento na pré-escola, um


questionário foi aplicado ao professor Gabriel Rodrigues do Centro Munici-
pal de Educação Infantil (CMEI) de Colombo- Paraná, no primeiro semestre
de 2019. Ele trabalha em sala de aula com crianças de 4 e 5 anos a mais de
seis anos, porém, não possui formação pedagógica, apenas curso técnico

75
em docência, o que não foi empecilho para o desenvolvimento do trabalho
realizado, segundo ele.
As perguntas envolviam características, que buscavam analisar a per-
cepção do professor sobre alfabetização e letramento e em como era baseada
sua metodologia em sala de aula. Quando perguntado sobre os conceitos de
alfabetização e letramento, ele respondeu: “A rústico modo de dizer alfabe-
tização é o ato de codificar e descodificar uma língua através do ato de ler
e escrever. O letramento consiste no uso social da língua, que vai além do
ler e escrever”.
Percebe-se, que há uma noção, ainda que, não aprofundada sobre os
conceitos, porém, pelo fato de fazer parte indispensável do seu cotidiano,
o professor ao entender que o conhecimento não é estático, pode melhorar sua
explicação e abordagem sobre o tema, com a busca de novas leituras.
Ao ser questionado sobre qual a maior dificuldade encontrada em sua
profissão, ele respondeu ser a estrutura da escola, entre outras. Para o educa-
dor, o CMEI possui estrutura antiga, não planejada para receber crianças e não
possui adaptação para deficientes físicos. E complementou:

[...] o trabalho torna-se desmotivador em alguns pontos, mas a


direção faz o possível para proporcionar um ambiente acolhedor
para os alunos. Os materiais didáticos são de qualidade boa, já
que eles são usados apenas como apoio nas aulas e não como um
currículo a ser seguido, pois esse último é feito pelo professor
em conjunto com a coordenação pedagógica da instituição.

O espaço físico está relacionado de maneira direta com o efetivo desen-


volvimento da criança, sendo um dos importantes itens a serem observados.
Encontra-se, portanto, um aspecto dificultador do aprendizado, presente na
maioria das escolas brasileiras.
As atividades propostas em sala de aula com o intuito de promover o
letramento, segundo o professor, envolvem a pseudoleitura, consciência fono-
lógica e escrita espontânea e são presentes semanalmente nas aulas, para que o
aprendizado seja significativo e natural, sem métodos tradicionais, como con-
torno de letras e repetição. O objetivo principal é que eles entendam e usem a
língua portuguesa de forma integral, dentro de seus limites.

76
O contexto social, é levado em consideração, pois de acordo com Ga-
briel, as crianças se interessam mais por atividades que remetem às suas vi-
vências. Mesmo que, tal afirmação corrobore com o que aqui, já foi explana-
do, nada impede, que novas concepções de mundo sejam levadas à criança,
pois o aprender instiga novos horizontes e saberes.
Sobre o ritmo de aprendizagem de cada criança e como isso interfere no
desenvolvimento social para além da sala de aula, Gabriel afirma que, as ativi-
dades propostas são iguais para todos os alunos, porém, é respeitado o tempo
de cada um através de um rodízio de alunos atendidos durante as atividades.
Ele cita como exemplo:

[...] a atividade é explicada para todos em uma roda de con-


versa, após isso, alguns alunos são chamados para realizar a
atividade, o restante fica disposto de forma livre nos cantos
de aprendizagem (canto da leitura, jogos, brinquedos), assim
é possível dar uma atenção especial a um grupo pequeno de
alunos durante a atividade.

O que leva ao encontro da criatividade e as atividades lúdicas, por ele


descritas como:

Um fato inegável, toda criança aprende brincando. Quando a


atividade é lúdica ela gera prazer, quando isso está atrelado a
jogos, que contêm objetivos, e a imaginação, tudo se torna mais
significativo, pois é criança e não pensa de forma mecânica, para
ela tudo é muito mágico e se algo não desperta seu interesse ela
provavelmente não aprenderá aquilo de forma integral.

Para finalizar o questionário, Gabriel respondeu sobre sua relação com


os alunos e se havia algum exemplo de evolução em sala de aula, que ele
achasse notório. O professor então, falou sobre sua inspiração em Wallom ao
reafirmar a afetividade respeitando o espaço de cada criança. Disse que, a evo-
lução das crianças acontece mais ou menos no mesmo ritmo e que o estímulo
à escrita espontânea, apesar de ainda não conseguirem formar palavras, levam
a um entendimento natural do processo de alfabetização.

77
Considerações provisórias

Apesar de não ter a pretensão de encontrar uma resposta definitiva para


o tema em questão, esta pesquisa objetivou agregar conhecimento e alimentar o
incentivo ao estudo da criatividade no letramento infantil. A falta de parâmetros
para se estabelecer a presença ou não de letramento com criatividade nas ativida-
des com as crianças, foi notória, o que demonstra a necessidade de mais estudos.
Para ratificar a importância da criatividade no contexto do letrar crian-
ças de 4 e 5 anos, a análise feita a partir da vivência do professor, mostrou uma
preocupação por parte dele e da instituição em oferecer o melhor aprendizado
possível, dentro dos limites da escola.
É concebível afirmar, que o ensino praticado tende ao letramento, visto
que, a criança tem seu espaço respeitado e é acreditada como um ser social,
com extrema capacidade de pensamento crítico, sobre o que lhe é oferecido e
tem seu contexto histórico-cultural levado em consideração.
Outro ponto inegável a despeito do uso da criatividade do ambiente es-
colar é apoiado na experiência cotidiana e em suas vivências, a criança efetua
através do uso corporal leituras e escritas, o que revela complexas modifica-
ções no funcionamento do seu plano simbólico, fazendo com que aos poucos
a escrita e a leitura passem a configurar a realidade de forma direta. Quando
o professor se mostrou aberto às novas possibilidades, com uma realidade de
imprevistos e disposto a não linearidade ao promover conhecimento, encon-
tramos espaço à criatividade, que ficou explícita ao citar os cantos de aprendi-
zagem e como as crianças possuem liberdade para trabalhar o conhecimento,
através das histórias e brincadeiras.
Portanto, no contexto deste estudo a criatividade incentivada por parte
do professor e levada além do ambiente escolar mostrou-se ser importante
item, a ser incluído no aprendizado de crianças na pré-escola. Ainda que,
a pesquisa tenha sido feita a partir de apenas uma vertente no processo que
inclui outros agentes, os resultados foram satisfatórios. Sugere-se que, novos
estudos sejam realizados, para que, novos olhares ao tema sejam suscitados.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Por amor e por força: rotinas na edu-
cação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.

78
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men Villela Rosa (Org.). Aprendizagem e trabalho pedagógico. Campinas:
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OLIVEIRA, Zilma Ramos. O. Educação Infantil Métodos. São Paulo, 2002.

ROBBINS, Stephen. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo:


Saraiva, 2000.

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TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 9. ed. v. 15. São Pau-


lo: Cortez, 2010. p.11-12.

79
CAPÍTULO 7
RELAÇÕES ENTRE OS
PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA:
SIGNIFICAÇÕES DE PROFESSORAS
DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Priscilla de Andrade Silva Ximenes


Thallita Moreira Ribeiro Cardoso
Janaína Cassiano Silva

Introdução

Este trabalho é oriundo de uma pesquisa já concluída realizada no âmbi-


to do Prolicen (Programa de Bolsas de Licenciaturas) da Universidade Federal
de Goiás/ Regional Catalão que visa incentivar a participação de discentes, vi-
sando garantir o ingresso, a permanência e a conclusão do curso pelos alunos
das diversas licenciaturas e/ou propiciar uma efetiva articulação dos cursos
de Licenciatura com os ensinos fundamental e médio. Nesse sentido, enten-
de-se a importância de articular as atividades de pesquisa, ensino e extensão
com a licenciatura, uma vez que por meio dos componentes teórico-práticos
os cursos de Licenciatura têm como foco formar profissionais docentes com
compromisso político e competência técnica.
Subsidiadas pela teoria histórico-cultural desde as primícias dessa pes-
quisa consideramos que o contato com a leitura e escrita desde a mais tenra
idade pode contribuir muito para a formação de bons leitores, uma vez que o
desenvolvimento da leitura e da escrita não se resume apenas na memorização
de grafemas e fonemas. É um processo mais amplo, que considera a função
social da leitura/escrita e como a acesso a ela pode trazer transformação e
emancipação social, cultural e econômica. Ademais, defendemos que a alfa-
betização tenha início antes da criança ingressar na escola e envolve o reco-
nhecimento das finalidades da linguagem escrita, seus usos e suas funções.

80
Por isso, da relação entre esse processo com a Educação Infantil, pois
como significa Kramer e Abramovay (1995, p. 171) que “[...] a alfabetização
na pré-escola extrapola o saber as vogais, o escrever o nome, ou o contar de
zero a dez, da mesma forma que vai além da mera formação de hábitos e da
abstrata proposta de desenvolvimento globalmente a criança”.
Diante da relação pertinente entre alfabetização e letramento na Edu-
cação Infantil e a relevância do papel do professor nesses processos, surgiu o
interesse em realizar uma pesquisa a fim de compreender as significações de
professoras da Educação Infantil sobre a relação entre os processos de alfabe-
tização e letramento vivenciados na pré-escola e o desenvolvimento da aquisi-
ção da leitura e escrita nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O problema
derivou do interesse em identificar como as práticas sociais de leitura e escrita
experienciadas na Educação Infantil e a relevância dada pelas professoras a
esses processos podem influenciar na aquisição da leitura e escrita nos anos
Iniciais do Ensino Fundamental.
A pesquisa de campo foi o delineador deste estudo. A partir de obser-
vações das práticas pedagógicas de professores da Educação Infantil do mu-
nicípio de Catalão, conversas coletivas, questionários, entrevistas, análise da
realidade e da participação do cotidiano da escola, buscamos compreender as
significações dos professores aos processos supracitados.

Os processos de alfabetização e letramento


na Educação Infantil: um caminho cercado
por dúvidas e incertezas

A educação infantil é constituída por duas modalidades, as creches e


as pré-escolas, visando à educação de crianças de 0 a 6 anos e, conforme de-
terminado na Constituição Federal de 1988, é um direito da criança e dever
do Estado (art. 5), e em 2013, foi feita uma alteração na LDB a partir da Lei
nº 12.796, que oficializou a mudança feita na Constituição pela Emenda Cons-
titucional (EC) nº 59/2009, ampliando a etapa da educação básica de nove
para quatorze anos de duração, sendo então a educação básica de quatro a
dezessete anos de idade obrigatória. A forma de trabalho desenvolvido nestas
instituições tem caráter educativo, assistencialista, de alimentação, saúde e
segurança, possibilitando condições para que ocorram aprendizagens sociais
e culturais por parte das crianças (KRAMER, 2006).

81
Em sua obra “O papel social da pré-escola”, Kramer (1995, p. 78) cri-
tica a visão de uma pré-escola com caráter de prontidão para a alfabetização,
assim como a de educação compensatória e a ideia de que tenha objetivos em
si mesmos, apontando diferentes concepções sobre o papel da pré-escola:

Não existe consenso entre educadores, administradores e profes-


sores sobre qual é o papel da pré-escola. Encontramos diferentes
posicionamentos: uns consideram que a pré-escola não é capaz
de fornecer qualquer benefício à escolaridade posterior; outros,
porém, defendem a educação pré-escolar como forma de preve-
nir os problemas e fracassos da 1ª serie, propondo intensa pre-
paração, principalmente através do treinamento de habilidade e
de formação de hábitos e atitudes. [...] além desses, há os que
atribuem à pré-escola o papel de promover o desenvolvimen-
to global da criança, retirando dela o seu caráter preparatório
e encarando a pré-escola como tendo objetivos em si mesma,
independente de sua vinculação com a escola de 1º grau.

Ressaltamos que, o objetivo dessa pesquisa não foi defender um cará-


ter utilitarista ou propedêutico à pré-escola. Defendemos que ela tem função
por ela própria e que, dessa forma, para a consecução desta pesquisa, con-
sideramos a ideia de que o trabalho desenvolvido dentro de instituições de
Educação Infantil deva trazer o ensino como eixo condutor – garantindo as
especificidades de cada faixa etária – como forma de nos opormos ao tra-
balho pautado no espontaneísmo e assistencialismo, característicos do aten-
dimento historicamente proposto à Educação Infantil ou ainda ao trabalho
realizado na pré-escola pautado na teoria da educação compensatória ou da
privação cultural.
Segundo Didonet (2000, p. 16), a Lei das Diretrizes e Bases da Educação,
ao considerar a Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, “[...]
não está apenas dando-lhe uma posição cronológica na pirâmide da educação,
mas, principalmente, expressando um conceito novo sobre esse nível educacio-
nal”, conferindo-lhe maior importância. Nessa perspectiva, o trabalho com as
linguagens constitui um dos eixos básicos da Educação Infantil, de acordo com
o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI) “[...] dada sua
importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas,
na orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e
no desenvolvimento do pensamento” (BRASIL, 1998, p. 117).

82
Dessa forma, não basta que a criança esteja em contato com o universo da
escrita, ela precisa da mediação, da orientação do outro, neste caso, o professor:
O professor de Educação Infantil pode e deve ter uma atuação privile-
giada no processo de alfabetização, desde que possua os conhecimentos ne-
cessários sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança [...]
(STEMMER, 2007, p. 135-136).

Nesse contexto, as dificuldades dos professores da Educação


Infantil em formular uma explicação que justificasse teóri-
ca e metodologicamente suas práticas pedagógicas, ou ainda
o fato de se oporem a práticas de alfabetização e letramento
na Educação Infantil instigavam-nos a buscar respostas para
tal posicionamento. Tais inquietações baseavam-se principal-
mente no fato de que apesar de historicamente a formalização
da alfabetização ocorrer nas séries inicias do Ensino Funda-
mental, nas últimas três décadas surgiram debates/produções
sobre a temática de se alfabetizar ou não na Educação Infantil
que levaram a uma redefinição do conceito de alfabetização.
(SOARES, 1985, p. 20).

Soares (1985, p. 20) aponta que ler e escrever pode significar “apreen-
são e compreensão de significados expressos em língua escrita (ler) ou expres-
são de significados por meio da língua escrita (escrever)”. Segundo a autora a
alfabetização seria assim um ato de pensamento, um processo amplo, que tem
início antes da criança ingressar na escola e envolve o reconhecimento das
finalidades da linguagem escrita, seus usos e suas funções.

O caminhar da pesquisa: Resultados e Análises

Na metodologia deste estudo optou-se pela pesquisa qualitativa, no qual,


“um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e
do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada” (GODOY,
1995, p. 21). Para tal finalidade o pesquisador vai a campo, possibilitando desta
forma, não só uma aproximação com o objeto que se deseja conhecer e estu-
dar, mas também conceber um conhecimento, advindo da realidade presente no
campo, ou seja, criar um diálogo com a realidade existente (NETO, 1994).

83
Realizamos essa pesquisa com professoras da pré-escola de dois Cen-
tros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), que recebem crianças da edu-
cação infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de atendimento
integral e parcial. A escolha por essas instituições se deu por terem os dois
segmentos: Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Após
as devidas autorizações éticas iniciamos o período de observações e coleta de
dados. Ao final das observações foram realizadas as entrevistas semiestrutu-
radas com as professoras, somando um total de oito participantes da pesquisa.
Na entrevista foram abordadas questões sobre o projeto políti-
co pedagógico e as significações das professoras sobre: a sua formação,
a organização pedagógica da instituição, a prática pedagógica, significações
acerca dos processos de alfabetização e letramento na educação infantil e sua
relação com os anos iniciais do ensino fundamental. Os dados obtidos e ana-
lisados nesta pesquisa permitiram compreender a significações das professo-
ras sobre os processos de alfabetização e letramento. Nesse trabalho daremos
ênfase a duas categorias de análise: Significações dos professores sobre o seu
papel na Educação Infantil e Significações dos professores sobre os processos
de alfabetização e letramento na pré-escola.

Significações dos professores sobre o seu


papel na Educação Infantil

Quando questionadas sobre a escolha pela Educação Infantil, as pro-


fessoras destacaram que o principal motivo que as fizeram escolher trabalhar
com crianças, ou seja, na Educação Infantil, as respostas que se destacam são:
a preferência pelas crianças, as relações pessoais e pelo retorno da aprendiza-
gem, sendo todas unânimes em responder que passar no concurso público foi
uma das variáveis mais importantes para sua decisão.
Quando questionadas acerca das principais referências teórico-me-
todológicas para a organização do seu trabalho pedagógico as professoras
destacaram que: reconhecem o Referencial Curricular para Educação Infantil
ou as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil como um material signifi-
cativo para orientar sua prática, mas destacaram que as principais diretrizes
para sua prática pedagógica advém da Coordenação Pedagógica da Instituição
e da Secretaria Municipal de Educação.
Em relação ao conceito de infância, tais professoras afirmaram que
a infância pode ser compreendida como uma fase da criança que ela gosta
de brincar livremente, fantasiar, não possuir preocupações, e com o passar

84
dos tempos os adultos vão ensinando a elas algumas regras. Segundo Áries
(1981) na Idade Média, as crianças eram vistas como adultos em miniaturas,
sendo tidas como a própria extensão dos mesmos, em termos de trajes, jogos
e aprendizagens, não reconhecendo que, essa fase da vida exige uma série de
cuidados, devido às especificidades que possuiu, ou seja, não havia diferen-
ciações significativas entre as crianças e os adultos, e a educação se davam
por meio dos adultos, que eram responsáveis em transmitir valores e costumes
em espaços públicos da aldeia, da casa, assim, a vida voltava-se para a comu-
nidade, onde o clima era de intensa sociabilidade e baseado na coletividade.
Sobre Identidade Docente, as participantes da pesquisa responderam
que para ser professor é preciso ter carisma, saber ensinar, ter amor a profis-
são, ter uma excelente pedagogia e acima de tudo ter amor as crianças que são
seres inocentes e muito inteligentes. Percebe-se certo teor de nostalgia, nas
falas das professoras, em relação à infância como fase perdida, aquela que
deveria ser mantida e protegida a qualquer custo.
Esta concepção parece-nos apoiada nos documentos legais orientado-
res da educação infantil que coloca a criança no posto de protagonista de seu
próprio desenvolvimento. A lógica que tanto sustenta essa apologia da ideia
de uma criança reservadamente pura, mas que, ao mesmo tempo, é dotada de
dons especiais que deveriam ser garantidos é sustentada pela então Sociedade
de direitos, pelo processo baseado na participação democrática, que - por sua
vez - proveria a garantia destes direitos.
Todo esse movimento interfere diretamente no processo de persona-
lização do professor. Um dos exemplos é percebido no desdobramento das
políticas do Estado mínimo, que sempre oferta poucos recursos e, em con-
trapartida, cobra altos desempenhos dos professores, que, cada vez com mais
intensidade, veem esse fenômeno adentrar o nível da educação infantil. Certo
é que isso influi diretamente na constituição da personalidade do profissional
que, todo o tempo, se sente questionado sobre sua competência.

Significações dos professores sobre os


processos de alfabetização e letramento
na pré-escola

O trabalho na Educação Infantil exige conhecimentos específicos para


sua realização, sobretudo no que está relacionado aos processos de alfabe-
tização e letramento. Entretanto o fato de o professor não estar preparado,
do ponto de vista teórico-metodológico, para o desenvolvimento das novas

85
propostas de alfabetização e letramento, tem provocado sérios equívocos na
prática pedagógica no âmbito da Educação Infantil. Esses equívocos referem-
se ao papel do professor, na sala de aula, que em razão da aplicabilidade de
uma nova proposta de trabalho com alfabetização e letramento determinada
pela rede de ensino, sem uma formação consistente, termina por deixar a tur-
ma entregue a metodologias baseadas nos princípios da racionalidade técnica,
limitando a escrita à mera habilidade motora, assim como a leitura à decodifi-
cação de sons, de forma mecânica e fragmentando.
A partir da análise das respostas nas entrevistas, nenhuma das profes-
soras questiona a importância de iniciar esses processos desde muito cedo,
todas reconhecem a contribuição da literatura infantil e do saber contar essa
história para o trabalho de leitura na sala de aula com as crianças. Além disso,
foi possível constatar que sempre que ressaltavam a importância do trabalho
com a leitura, essa prática estava vinculada com a leitura e acesso a livros de
literatura infantil. Segundo as mesmas, o acesso a literatura infantil auxilia
no processo de aquisição de leitura nessa fase porque as crianças vão fazendo
associações e relações com as letras que elas já conhecem, identificando dessa
forma a representação das letras e as suas funções na escrita.
Vale ressaltar que o educador deve ser o mediador entre a criança e o
livro. Assim, deve privilegiar a presença do livro na sala de aula, permitindo
que a criança assista atos de leitura e ajudando a criar nos alunos, desde bem
pequenos, a ideia que lemos, letras, palavras e textos e que esses textos estão
nos livros. A partir dessa atividade, podemos perceber nas brincadeiras das
crianças, a contação de histórias para os colegas, para as bonecas, imitando
a postura do professor, pois “o ato de leitura é um ato cultural e social [...] e
permite às crianças construírem um sentimento de curiosidade pelo livro e
pela escrita” (BRASIL, 1998, p. 135).
Percebemos que são a partir das perspectivas de Abramovick (1997),
que as professoras desenvolvem o trabalho no processo para a aquisição da
leitura nas crianças. Tal fato fica evidente ao se considerar que a autora afirma
que muitos professores utilizam a literatura infantil com a finalidade apenas de
trabalhar a gramática, preencher fichas literárias e treinar leitura. Porém, esse
tipo de leitura, de forma mecanizada e, às vezes, obrigatória, não proporciona
prazer e incentivo nas crianças. Para isso acontecer, torna-se necessário que
seja estimulada nas crianças a leitura como uma forma de prazer, de deleite,
de descoberta e de encantamento.
Conforme os relatos das professoras em questão foram possíveis ob-
servar que a instituição de ensino não possui biblioteca para a exposição dos

86
livros literários e outros, nem mesmo um local adequado para a realização de
leituras para as crianças, portanto, apesar da importância de se ter um ambien-
te preparado, as professoras procuram se adaptar e não deixam de fazer esse
momento de leitura. Outro ponto observado é que os livros não estão acessí-
veis para o empréstimo às crianças, a não ser que crianças e pais demonstrem
claro interesse para treinar a leitura em casa.
Nota-se também que no processo de trabalho com a leitura, priorizam
a leitura de histórias de literatura infantil. Observamos que as crianças tem
pouco acesso aos livros, ou seja, é um pouco restrito o manuseio delas, im-
possibilitando-as de ter um contato maior esse tipo de material. Outro fator
observado é a ausência de um local adequado para a realização da leitura ou da
contação de história, espaço que é essencial na escola, se constituindo em um
lugar que trabalhe o estímulo e o incentivo dessa prática na vida das crianças,
despertando o interessas dessas pela leitura.
Para Soares (2011), ao pensarmos em livros e leitura na escola, auto-
maticamente já se associa a prática de ler ao cantinho da leitura e/ou biblio-
teca. De acordo com essa autora, a biblioteca infantil deve ser diferenciada
da biblioteca dos adultos, de modo que a exposição dos livros para o uso das
crianças deve ser de maneira que possa despertar o interesse aos olhos delas.
Para essa finalidade, os livros devem ser expostos de forma que a capa fique
de frente para a criança. Outros fatores destacados, é que elas devem aprender,
ainda nessa fase, a lidar com o processo de empréstimo desse livro, de modo a
já despertar para a identificação desse objeto, bem como se adequar às normas
estabelecidas pela biblioteca.
As análises realizadas sobre as significações e práticas de alfabetização
e letramento nos alertam para o fato de que, ao contrário da hipótese inicial
para desenvolver essa pesquisa, o professor não se pauta no espontaneísmo
para realizar seu trabalho com leitura e escrita na educação infantil, mas em
matrizes metodológicas sintéticas, como silabação, métodos fônicos, mostran-
do uma prática pedagógica tradicional, que foi duramente criticada a partir dos
anos de 1990. Contudo, é relevante considerar que a fundamentação teórica
desta pesquisa é contrária a essas práticas evidenciadas pelo objeto de estudo,
uma vez que elas priorizam a mecanização, a memorização e a subordinação.
Portanto, não incentivam o questionamento e uma prática libertadora.

Considerações Finais

Os pressupostos que trilhamos pautaram-se na concreta associação


dada a Educação Infantil e ainda a forma que concebermos os processos de

87
alfabetização e letramento. Assim, visando um melhor entendimento sobre tal
questão, essa pesquisa atentou para o papel imprescindível dos educadores
enquanto mediadores da relação entre a criança e o mundo, baseando-nos na
perspectiva histórico-cultural e considerando a aprendizagem do sujeito como
uma apropriação histórica e cultural.
A partir das observações e entrevistas realizadas com as professoras
do Jardim I e II, foi possivel verificar que os educadores tem consciência da
importância da Literatura Infantil para a formação de bons leitores, e foi ob-
servado também que as professores planejam suas atividades, e tem buscado
desenvolver projetos que visam o melhoramento da leitura bem como tam-
bém da escrita. Entretanto, constatamos no depoimento das professoras, uma
fragilidade ao apresentar um referencial teórico que fundamente a sua prática
pedagógica. O que nos motivou à necessidade de pesquisas colaborativas fu-
turos visando trabalhar melhor tais conceitos.
Ao analisarmos as significações quanto os processos de alfabetização
e letramento das professoras participantes, percebemos que, apesar de duran-
te as entrevistas, as professoras atribuírem maior relevância ao letramento,
durante as atividades que realizam com seus alunos, dão mais destaque ao
processo de alfabetização, contudo de uma forma mecanizada, priorizando a
relação grafo-fônica, ensino de letras e sílabas isoladas, com ênfase no dese-
nho correto das letras e na memorização excessiva de palavras, como requisi-
to para uma grafia correta.
Destacamos, ainda, que mesmo que não tenham apresentado dificul-
dade ao definirem o que é o letramento, as práticas realizadas pelas mesmas,
em poucos casos, promovem situações de letramento por parte dos alunos,
sendo que utilizam-se quase que exclusivamente das atividades da apostila e
fotocopiadas, em detrimento de utilizar diferentes portadores de textos, livros
literários, dificultando o acesso ao aluno aos conhecimentos sobre a função
social da leitura e escrita, julgados importantes para os estudiosos dessa área.
Com isso, consideramos que apesar de alguns desafios na organização
do trabalho pedagógico, as professoras consideram que há uma relação direta
entre os processos de alfabetização e letramento vivenciado pelas crianças
na escola e a aquisição da leitura e escrita. Ainda dissociam os processos de
alfabetização e letramento, reportando à alfabetização um modelo tradicional,
concebendo-a enquanto processo de codificação e decodificação da língua es-
crita, pautada, sobretudo, na memorização inicial de sílabas simples seguidas
das sílabas complexas para a formação de palavras. Enquanto consideram que
o letramento é um processo mais amplo, segundo elas.

88
Destacamos também a relação direta que estabelecem quanto a prática
de leitura com o trabalho envolvendo literatura infantil. Ressaltam a impor-
tância da leitura pelo prazer e criatividade. Além disso, criticam práticas peda-
gógicas que tenham um caráter de “pré-alfabetização”, temendo o retorno de
um caráter propedêutico e preparatório da pré-escola. Defendem que a pré-es-
cola tenha funções específicas que vão além da aquisição de leitura e escrita.
Consideramos que esse trabalho possibilitou repensar e identificar como os
processos de práticas sociais de leitura e escrita são significadas na Educação
Infantil e nos motivou a realização de trabalhos colaborativos visando contri-
buir com a formação continuada de professoras da pré-escola.

Referências

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ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaks-


man. 2a edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.279

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FACCI, M. G. D; BRANDÃO, S. H. A. A importância da mediação para o


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89
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VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Livraria


Martins Fontes, 1998.

90
CAPÍTULO 8
INFÂNCIA E MÍDIA:
REFLEXÕES SOBRE A PRODUÇÃO
NARRATIVA DAS CRIANÇAS NA
CONTEMPORANEIDADE

Tayanne da Costa Freitas


Ingrid Dittrich Wiggers
Mayrhon José Abrantes Farias

Introdução

A cultura veiculada pelas mídias possui papel exponencial nas com-


preensões de corpo concebidas pelas crianças na contemporaneidade e parece
forjar o que Buckingham (2007) chama de “infância midiatizada”. Esse novo
modelo de infância prevê as crianças como ativas no manejo das novas tec-
nologias e das mídias, bem como “prosumidoras”, sendo tanto produtoras de
conteúdos como alvos da indústria de consumo (MACHADO, 2013).
Ao tratar de consumo, Buckingham (2007) pontua que o entendimento
do lugar das crianças no mercado oferece subsídios para a problematização
da relação entre as mídias e a infância. Essa relação, inclusive, reverbera nas
formas de “ser criança”, tal como em sua percepção e uso do tempo.
Siqueira, Wiggers e Sousa (2012) percebem, como incremento nas ma-
nifestações corporais, a inserção da mídia, em especial a televisiva, por ser de
maior acessibilidade na cultura corporal infantil. Ela surge ditando formas,
modelos corporais, atitudes. Estas se encontram presentes desde a construção
de corpos perfeitos e bem desenhados a um corpo consumidor de elementos
que possam referendar aspectos de uma cultura.
Na trilha da criança que brinca, inventa e reinventa, mas também
consome, a lógica capitalista passa a compor a programação de vida das
famílias em total consonância com as mudanças na economia. É palpável a
progressão dessa indústria cultural destinada às crianças e justamente com

91
base na realidade que as estratégias midiáticas constroem e confundem o
imaginário coletivo.
De acordo com Girardello (2013, p. 108) “acolher essa ideia, contudo,
não significa dizer que a televisão e as novas mídias sejam os únicos res-
ponsáveis pela formação subjetiva das crianças [...]. Significa, antes, reco-
nhecer que a cultura das mídias assume um papel cada vez mais importante
nesse processo”.
Em meio a esse recente ideário de brincadeiras, sobretudo a explora-
ção de sites infantis como entretenimento, as crianças tecem narrativamente
suas experiências enquanto brincam. De acordo com Girardello (2011, p. 1) a
narrativa é “[...] forma de produção intersubjetiva, reprodução interpretativa
e atribuição de significado à experiência, e como espaço de autoria, diálogo e
pertencimento culturais”. A narrativa é evidenciada na conversação, no contar
e recontar histórias, na expressão gestual, na brincadeira e em tudo que se faz,
tornando essencial sua inclusão no cotidiano infantil.
Faz parte do repertório infantil ouvir, contar e inventar histórias. Pinto
e Sarmento (1997, p. 65) ressaltam que as crianças são sujeitos conscientes
de seus sentimentos, ideias, desejos e expectativas, sendo capazes de expres-
sá-los “[...] desde que haja quem os queiram escutar e ter em conta”. Diante
do exposto esse trabalho tem o objetivo de apresentar reflexões acerca da pro-
dução narrativa das crianças em meio ao contexto midiático contemporâneo,
considerando a sua produção cultural.
Com vista a essa reflexão esse estudo possui um caráter de pesquisa
qualitativa, de nível descritivo, mediada pela observação participante. Nes-
sa perspectiva, as informações são produzidas por meio da leitura direta do
fenômeno ao mesmo tempo em que compartilha a vivência dos sujeitos pes-
quisados. A pesquisa1 foi realizada com 27 crianças, com idades entre 6 e 7
anos, de uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública
do Distrito Federal, localizada na Região Administrativa do Riacho Fundo II.
Além disso, as crianças participantes da pesquisa atuaram de forma prática
realizando desenhos e participando de rodas de conversas.

1 Este texto é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “A criança e a escola: práticas corporais
em tempos e espaços institucionalizados”, defendida em 22 de junho de 2015 no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação Física da Universidade de Brasília – UnB, sob a orientação da Profa. Dra. Ingrid
Dittrich Wiggers.

92
Consideramos a educação como eixo temático deste texto, bem como
elemento propiciador de conhecimento sobre a realidade, na qual objetiva-se
extrair elementos significativos para a formação humana. Dessa forma, no
contexto desse livro, esta leitura é representativa, tendo em vista ser ponto
de partida para uma ampla discussão coletiva e interativa entre os que estão
no “chão da escola”, pesquisadores das diferentes áreas do conhecimento e
gestores educacionais.

As narrativas infantis

Viagens supersônicas a planetas distantes. Lutas com gorilas. Bebês


que sobem sozinhos no lustre. Cenas como essas só acontecem em filmes,
livros, desenhos e na fala de uma criança que conta sobre sua vida. Ficção
e relato de experiências vividas são gêneros diferentes, mas, nos primeiros
anos de vida, é comum que se combinem nas narrativas infantis, como apon-
ta Perroni (1983).
Girardello (2013) discute a produção narrativa das crianças no contexto
das mídias, tendo como referência enredos orais, personagens e características
de situações que as crianças vivenciaram por meio da televisão e do rádio. Trata-
se de indícios que mostram como esses meios de comunicação influenciaram as
produções orais das crianças, determinando relações entre a imaginação infantil
e o que foi recebido das grandes mídias, uma vez que as crianças envolveram
elementos das suas experiências com os da sua própria imaginação.
O ato de imaginar pode provocar ao indivíduo situações particulares,
ampliando, assim, a própria realidade na qual vive. As crianças criam ativida-
des baseadas no ato de brincar, na imaginação e na interpretação da realidade
de uma forma própria dos grupos infantis. A constante atividade das crianças,
as apropriações de elementos do meio sociocultural de origem só confirmam
o que os sociólogos da infância enfatizam, principalmente, no que diz respeito
à lógica peculiar das crianças, a qual é diferente da lógica dos adultos e que
caracteriza suas culturas de pares (DELGADO; MÜLLER, 2006).
As brincadeiras denominadas por Corsaro (2002) de “faz de conta” fa-
zem parte do processo de reprodução interpretativa das crianças. Esse autor
refere-se ao brincar sociodramático no qual as crianças produzem e reprodu-
zem colaborativamente atividades que estão relacionadas às suas experiências
reais de vida, como, por exemplo, rotinas familiares e ocupacionais.

93
A incidência da cultura midiática, especialmente a televisiva, nas nar-
rativas orais das crianças, assume um tempo e espaço relevante no cotidiano
da criança. Girardello (2013, p. 112) destaca que a televisão apresenta “acon-
tecimentos, pessoas e lugares a que dificilmente teriam acesso de outro modo,
permitindo-lhes viajar no tempo e no espaço”. Ressalta também que os con-
teúdos e linguagens, além do contexto da recepção e da qualidade geral da
vida da criança determinam os elementos positivos ou negativos de sua ex-
posição. Contudo, Machado e Wiggers (2012), evidenciaram que elementos
em torno de programas de televisão destinados ao público adulto também são
incorporados ao imaginário lúdico infantil. Assim, evidenciam que não só de-
senhos infantis influenciam o imaginário e brincadeiras infantis.
No contexto da escola pesquisada destacamos a influência televisiva
permeando o imaginário infantil a partir dos desenhos e relatos acerca das
brincadeiras preferidas. A figura 1 representa o desenho de Neymar2 (6 anos)
que evidencia a modalidade esportiva futebol com as suas mais sutis possi-
bilidades, tais como a prática do jogo propriamente dito, o esporte como um
espetáculo e o esporte como meio transposição social.
Na Figura 1, o autor do desenho se representa jogando futebol na escola
com seus amigos, bem como assistindo ao jogo pela televisão e em um estádio.
Observa-se, em seu desenho, a presença de cadeiras que indicam a estrutura de
um estádio de futebol e bandeiras de times retratando uma possível competição.

Figura 1 - Minha brincadeira preferida: jogo de futebol - Neymar (6 anos)

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (abr./2014).

2 Devido ao caráter ético postulado na pesquisa os nomes de registro das crianças foram substituídos por
outros nomes (fictícios) que elas mesmas escolheram.

94
Na parte superior, à direita do desenho, a criança revela estar sentado
no sofá de sua casa assistindo a uma partida de futebol transmitida pela TV.
O nome fictício Neymar escolhido por essa criança também indica seu favo-
ritismo por esse esporte, mas também carrega em sua narrativa aspectos rela-
tivos a um desejo em ser como seu ídolo. “Escolhi esse nome, pois quero ser
jogador de futebol profissional igual a ele. Quero ganhar dinheiro e ajudar a
minha família e um monte de gente” (NEYMAR, 6 anos. DIÁRIO DE CAM-
PO, 28/04/2014, p. 29).
Nesse desenho podemos evidenciar o esporte espetáculo, difundido
pela mídia televisiva influenciando as narrativas infantis em relação às suas
brincadeiras preferidas. Quanto a essa evidência, Betti (1997) destaca o sur-
gimento do que se denomina “esporte telespetáculo”, fenômeno construído
pela televisão. O esporte telespetáculo é uma realidade textual relativamente
autônoma, construída pela mediação do olhar interessado das câmaras
televisivas. Porém, há um sujeito especial, o telespectador, que experimenta
as sensações do jogo de maneira quase passiva, mas nada o impede de
transportar suas experiências para o campo real. Para essas crianças o fato de
serem telespectadores parece lhes permitirem agregar movimentos corporais
às suas brincadeiras de maneira que os tornam mais habilidosos durante o jogo
de futebol na escola.
Para Brougère (2000, p. 54), o “grande valor da TV para a infância é
oferecer às crianças [...] uma linguagem única e comum”, mesmo para aquelas
que estão em ambientes distantes ou diferentes. A lembrança de um herói ou
de um personagem de um desenho animado é suficiente para que as crianças
comecem a brincar, regulando seus comportamentos e ações a partir de um
conhecimento comum que têm do referido personagem ou desenho.
Observando as crianças entre seus pares, percebe-se que muitos de seus
brinquedos referem-se a um determinado personagem de desenho animado ou
a um programa de televisão. A mídia, mais especificamente a televisão, faz
parte da cultura e a criança é produto e produtora desta. Como nos alerta Ben-
jamin (2002), a criança não é um ser isolado, separada do mundo e dos povos.
Por isso assiste à televisão e diante dela e de seus produtos, produz cultura,
conhecimento, interpretações de mundo. Sabemos que a mídia permite uma
abertura ao outro, em que podemos escutar outras palavras e ver outras faces
e lugares até então não acessíveis.

95
Dessa forma, observou-se a influência da mídia nas narrativas e prefe-
rência das crianças em relação ao time de futebol, aos brinquedos e brincadei-
ras, assim como em relação a objetos de usos escolar. Porém, de acordo com
Siqueira, Wiggers e Souza (2012) a mídia influencia mas não determina as
escolhas e as práticas corporais infantis. Buckingham (2007), acredita que os
meios de comunicação incentivam a criatividade e a criação de uma cultura
coletiva, bem como debilitam as formas de regulamentação e controle. Isto é,
a mídia permite às crianças serem autoras de seus próprios repertórios cultu-
rais escrevam em uma multiplicidade de formas distintas.
Ao analisarmos a Figura 2, constatamos o computador e os softwares de
jogos um outro brinquedo e brincadeira prediletos das crianças. Em diálogo é
afirmado por uma criança que o tempo destinado a aula de informática é um
momento de diversão, pois “a gente fica mais livre, podendo mexer no com-
putador, brincar com jogos de montar casa, bonecos e pizzas e assistir a filmes
e desenhos” (JESSICA, 7 anos. DIÁRIO DE CAMPO, 30/04/2014, p. 35).

Figura 2 - Minha brincadeira preferida: brincadeiras usando a internet


na sala de informática - Jessica (7 anos)

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora (abr./2014).

Girardello (2008) discute aspectos da relação das crianças pequenas


com a internet, principalmente a partir da produção narrativa oral frequen-
temente realizada por elas enquanto exploram sites infantis de entreteni-
mento. Nesse caso a narrativa é entendida como um aspecto da brincadeira,
portanto define a brincadeira narrativa como atividade cultural, autoral e

96
autônoma das crianças. Sugere que o papel da mediação adulta e o da rique-
za simbólica do entorno cultural geral são fundamentais na recepção infantil
de televisão, além de determinantes na qualidade das experiências infantis
com a internet.
A autora citada acima apresenta uma análise dos resultados obtidos por
meio de pesquisa realizada em 2001 com 90 crianças de primeiro ano do en-
sino fundamental em quatro escolas de diferentes contextos sociais da região
de Santa Catarina. Realizou-se com essas crianças entrevistas e grupos focais
a partir de temas de suas culturas rotineiras, “[...] descrição do cotidiano, os
jogos, brinquedos e brincadeiras, o espaço e o tempo de lazer de que elas dis-
põem, as preferências e padrões de consumo familiar [...]” (GIRARDELLO
2008, p. 134). Entre outros aspectos buscou-se entender o cotidiano familiar,
bem como atentou-se para o imaginário das crianças.
Farias (2015) enfatiza que o cotidiano se revela na convergência de
vários cenários, que em meio a generalidades, ao movimento e rotatividade
das interações entre os sujeitos, expõe singularidades, que são pontos funda-
mentais para o seu entendimento. “Não representa meras repetições de ações,
mas reajustes dentro de um mesmo contexto espaço-temporal, reajustes esses
que, sutilmente, expõem traços identitários da comunidade e, conquanto, dos
sujeitos que lá estão” (FARIAS, 2015, p. 38). Isto é, o cotidiano representado
na dinâmica da comunidade e do entorno tem incidência direta na organização
social e nas relações lá concebidas.
Para as crianças da turma pesquisada suas narrativas veiculam represen-
tações, na maioria das vezes sutis, sobre formas de ser e estar no mundo, que
concorrem para a formação de identidades e subjetividades. Cantar e dançar
de determinada forma, preferir determinado brinquedo, usufruir determinado
bem, imitar o personagem do programa favorito significa possuir uma certa
identidade, “estar dentro”, “tornar-se um igual”, participar de uma linguagem,
ocupar um espaço social. Tais interpretações aparecem claramente nos discur-
sos e nas representações gráficas das crianças.

Infância em “tela”: algumas considerações

Da pesquisa emerge a afirmação da vitalidade criadora do cotidiano


das crianças. Diante das particularidades apresentadas nas narrativas, destaca-

97
mos que a cultura lúdica infantil envolve diversos elementos, especialmente a
mídia. A infância “conta de si” nas criações e recriações de narrativas. Neste
ambiente realizam trocas, compartilhamentos e criação de cultura. O modo
como interagem e relacionam-se com o mundo define as preferências de qual
narrativa utilizar para facilitar as imaginações.
Cabe aqui referir, ao menos enquanto síntese, a concepção de autoria
narrativa infantil que tem sido possível delinear, a partir da articulação entre
o eixo da mídia-educação. Trata-se de uma concepção lúdica, que equili-
bra criação individual com apropriação cultural e compartilhamento social.
É também uma concepção colaborativa, onde cada criança experimenta com
singularidade e logo compartilha com seus pares por meio do processo de
contar e encenar histórias juntas, mediante gestos, palavras faladas, escritas
e cenas imaginadas.
Por intermédio das narrativas infantis sob a forma de brincadeiras as
crianças recordaram suas experiências pessoais e imergiram no mundo da
imaginação demonstrando sua subjetividade. Os conteúdos mais relevantes
nas narrativas foram os enredos presentes na mídia televisa: filmes, telenove-
las, desenhos animados de várias categorias, inclusive exibindo conteúdos de
lutas e violência.
Sendo assim, os discursos veiculados nas mídias, tecem teias de sig-
nificado entrelaçados com as culturas infantis, uma vez que dialogam com
o cotidiano e viram repertório lúdico. Conquanto, há de se ressaltar que as
mensagens midiáticas se manifestam nas práticas corporais infantis expon-
do modos de agir, de se relacionar e imaginar, porém não se restringem a
apenas esse vetor de significações, dependendo também de outros espaços
sociais em que a criança aprende valores e costumes, tais como a escola,
a família, a comunidade.
Então, neste momento de reflexão, em que nos remetemos, especial-
mente às crianças, é necessário pensar sobre como elas absorvem e recebem o
que a mídia lhes oferece. Sobre isso, considera-se que não consiste em evitar
a televisão, jogos eletrônicos ou a internet, mas planejar atividades pedagógi-
cas, para a formação, desde cedo, de um telespectador e consumidor autôno-
mo, crítico, responsável e engajado com os aspectos sociais e ambientais do
contexto em que estiver inserido.

98
REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Pau-


lo: Summus, 2002.

BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. 1997.


Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação. Universidade Esta-
dual de Campinas, Campinas-SP, 1997.

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 2000.

BUCKINGHAM, David. Crescer na Era das Mídias. São Paulo: Loyola, 2007.

CORSARO, Willian. A reprodução interpretativa no brincar ao “faz de conta”


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DELGADO, Ana Cristina Coll; MÜLLER, Fernanda. Infâncias e crianças:


ainda incógnitas para nós adultos/as? Cadernos de Educação, n. 23, p. 177-
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FARIAS, Mayrhon José Abrantes. “Não é briga não... é só brincadeira de


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ternet. In: FANTIN, Monica; GIRARDELLO, Gilka (Orgs.). Liga, roda, cli-
ca: estudos em mídia, cultura e infância. Campinas: Papirus, 2008.

99
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ças. 2013. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educa-
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(Doutorado em Ciências) – Departamento de Linguística do Instituto de Estudos
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finindo conceitos, delimitando campo. In: PINTO, M.; SARMENTO, M. J.
(Coords.). As crianças: contextos e identidades. Braga: Centro de Estudos da
Criança, Universidade do Minho, 1997. p. 76-111.

SIQUEIRA, Isabelle Borges; WIGGERS, Ingrid Dittrich; SOUZA, Valéria


Pereira. O brincar na escola: relação entre o lúdico e a mídia no universo
infantil. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 34,
n. 2, p. 313-326, 2012.

100
CAPÍTULO 9
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E
O SENTIDO DE GESTÃO ESCOLAR
E DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

Daniel Junior de Oliveira


Vanderleida Rosa de Freitas Queiroz

Introdução

A partir dos anos 1990, as políticas educacionais brasileiras têm


aprofundado o viés neoliberal de tendência mundial, dedicando especial
atenção à gestão escolar e dando maior visibilidade às ações do diretor es-
colar, em vista de uma suposta elevação da qualidade educacional. Elas têm
induzido um sentido à gestão escolar, por meio da qual gerem a educação
pública e direcionam práticas para o alcance de finalidades educativas con-
soantes a demandas econômicas e de uma qualidade regida pelos princípios
mercadológicos.
Neste texto propõe-se refletir sobre o sentido que as políticas educa-
cionais brasileiras têm dado à gestão escolar e à qualidade educacional e
o sentido que a crítica elabora. Como contraponto à concepção neoliberal,
propõe-se defender a concepção de gestão escolar democrática vinculada
à concepção de qualidade socialmente referendada em prol da efetivação
da educação como práxis educativa. O texto é organizado em duas seções
seguidas de considerações finais: na primeira, discute-se a gestão escolar e
a qualidade educacional nas perspectivas neoliberal e crítica; na segunda,
apresentam-se concepções de organização e de gestão escolar que orien-
tam práticas de gestão. Em considerações finais, reforça-se a necessidade
de compreensão das concepções de organização e de gestão escolar para a
atuação gestora crítica e consciente.

101
Gestão escolar e qualidade educacional:
duas perspectivas

O discurso sobre gestão escolar difundido pelas políticas educacionais


vem disseminando no contexto escolar a preocupação com a melhoria da qua-
lidade do ensino. Nos cursos que formam professores são ministradas disci-
plinas que ampliam a discussão sobre a gestão escolar, buscando-se destacar
a função do diretor como agente dos mais importantes para o alcance da qua-
lidade educacional e social.
De uma perspectiva crítica, a escola é uma instituição social cuja fun-
ção é propiciar o desenvolvimento dos sujeitos para a vida em sociedade. Ela
tem como objetivo e prioridade assegurar aos sujeitos “a apropriação dos
produtos da cultura e da ciência acumulados historicamente, como condição
para o seu desenvolvimento mental, afetivo e moral e para torna-los aptos à
reorganização crítica desses conhecimentos em função de sua atuação na vida
social” (LIBÂNEO, 2013, p. 22). Ela é o local, por excelência, onde os pro-
dutos culturais, científicos e artísticos, produzidos pela sociedade ao longo da
história, são transmitidos às novas gerações, visando à formação de sujeitos
conscientes para atuarem de forma crítica e reflexiva na sociedade em vista
do bem comum.
Já de uma perspectiva neoliberal, a escola é uma organização social,
cuja atribuição é formar os quadros da força de trabalho de que a sociedade
capitalista necessita para desenvolver-se economicamente, sem que isso re-
presente romper com a desigualdade social estrutural, concebida como natural
pelos ideólogos do neoliberalismo. Essa concepção é a que tem vigorado nos
diversos documentos que disciplinam as políticas educacionais.
Assim, diferenciar a função social da escola por essas duas perspectivas
se constitui tarefa essencial para análise da gestão escolar sob os ditames do
neoliberalismo. Tão importante quanto essa diferenciação, é entender o pró-
prio conceito de neoliberalismo:

Neoliberalismo é uma expressão derivada de liberalismo, doutri-


na de política econômica fundada nos séculos XVIII e XIX que
teve como orientação básica a não intervenção do Estado nas re-
lações econômicas, garantindo total liberdade para que os grupos

102
econômicos (proprietários dos meios de produção; burguesia,
usando uma definição marxista) pudessem investir a seu modo
os seus bens. Na perspectiva liberal, o Estado deixa de regular a
relação entre empregador e trabalhador, entre patão e empregado,
entre burguesia e proletariado. Isso fatalmente conduz as relações
de produção a uma situação de complexa exploração da classe
proprietária sobre a classe despossuída. (OLIVEIRA, 2010, p. 6)

Nesse contexto, a educação deixa de ser concebida como direito social


e assume valor econômico, passando a ser vista como mercadoria, passível de
privatizada ou vendida e organizada conforme as regras do mercado.
Com vistas a transformar a educação com perspectivas neoliberal pau-
ta-se a gestão por técnicas gerencialistas. Aos gestores é dada a incumbência
de gerir a educação para o alcance de resultados, numa lógica em critérios de
produtividade e conceitos empresarias substituem critérios de formação (OLI-
VEIRA; QUEIROZ, 2019).
No âmbito das políticas, novos programas educacionais aprovados em
forma de Lei e reformas curriculares enfraquecem os conteúdos escolares que
proporcionam reflexão e crítica. Elaboram-se estratégias de convencimento e
dissemina-se discurso de desqualificação da escola, por meio do qual se faz a in-
culcação ideológica para aceitação de tais políticas. Nesse processo discursivo,
“a educação pública é transformada num problema muito oneroso ao Estado”
(OLIVEIRA; QUEIROZ, 2017, p. 440), acusada de improdutiva e ineficiente,
o que justifica a privatização da educação pública, que se materializa com me-
didas de transferência de recursos para o terceiro setor ou diretamente aos pais.
O Terceiro Setor, representado por Organizações não Governamentais –
ONGs, Organizações Sociais – OSs, que se apresentam como sendo sem fins
lucrativos, ganha centralidade nas políticas do anos 1990. A justificativa para a
transferência de recursos financeiros de origem pública para tal setor baseia-se
no argumento “de que era necessário reduzir o tamanho do Estado que dei-
xaria de ser responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social da
produção de bens e serviços” (ANDERI; TIBALLI, 2018, p. 322).
Já a distribuição de vouchers educacionais, a exemplo do que ocorre
nos Estados Unidos da América (EUA), funciona como um vale educacional
repassado diretamente ao responsável pelo aluno, o qual poderá escolher em

103
qual unidade escolar matriculará o aluno. Sobre esse modelo implementado
nos EUA, Ravitch (2011, p. 148) apresenta uma análise da atual situação do
sistema educacional americano que aos poucos se aproxima da atual realidade
da educação brasileira e que serve como base para analisarmos o que se apro-
xima da educação pública brasileira.

Eles estavam confiantes de que quando as escolas competem, to-


dos os estudantes saem ganhando. Os pais certamente votariam
por boas escolas. Boas escolas iriam florescer, enquanto as esco-
las ruins iriam fechar. Alguns defensores acreditaram que a es-
cola era de fato uma panaceia. Tendo escolhido as suas escolas,
os estudantes iriam receber uma educação superior, e as escolas
públicas regulares iriam melhorar em função da competição.
A estratégia básica era o modelo de mercado, que se baseava
em dois pressupostos relacionados: a crença do poder da com-
petição e a crença no valor da desregulamentação. O modelo de
mercado funcionou para as empresas, diziam os defensores, em
que a competição levou a melhores produtos, preços mais baixos
e burocracias mais flexíveis, então certamente funcionaria para
a educação também.

Aliadas a essas medidas, reformas administrativas preveem a quebra da


estabilidade do servidor público, como forma de conter gastos e de se provocar
a suposta melhoria dos serviços públicos (OLIVEIRA, 2019). Os proponentes
dessas reformas defendem que a não estabilidade provoca uma preocupação
salutar nos servidores, levando-os a trabalharem segundo a lógica empresa-
rial, considerada exemplar para o serviço público, em busca da eficiência,
produtividade e competitividade, princípios de qualidade mercadológia.
Por esses princípios estabelece-se que a escola deva buscar alcançar
qualidade educacional semelhante, com foco em resultados obtidos por meio
das avaliações em larga escala. Do gestor escolar espera-se atuação para va-
lidar as finalidades educacionais previstas pelas políticas educacionais. Ele
deve se esforçar para garantir que a prática educativa materialize a intenciona-
lidade do discurso oficial, contornando o dissenso e os minimizando os confli-
tos decorrentes de eventuais insatisfações da comunidade escolar.

104
Contrapondo à política neoliberal, outra concepção de qualidade edu-
cacional ocupa o espaço das ideias e das práticas: a qualidade referendada
não no mercado, mas no social. Nessa perspectiva, a educação é um direito de
todos e não pode ser distribuída de forma desigual, por isso ela é social.

Como educação de qualidade e de direito referenciada no social,


entende-se o ensino como transformação da realidade, a defe-
sa da educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva
e de qualidade social para todos, bem como a universalização
do acesso e a ampliação da jornada escolar e permanência bem-
sucedida em todas as etapas e modalidades. (OLIVEIRA, 2017,
p. 42 apud OLIVEIRA, 2019, p. 74).

A educação de qualidade social tem no ensino uma possibilidade de


transformação da sociedade. Para que a educação seja transformadora da rea-
lidade, ela precisa ser compreendida como prática social que fortaleça a luta
contra as desigualdades e que proporcione condições de formação de sujeitos
reflexivos, críticos e conscientes. A escola onde essa educação se efetiva deve
ser laica, pública, gratuita, democrática e inclusiva. A educação de qualidade
social é a que assegura o bem comum, valoriza o direito de aprendizagem
dos alunos, valoriza o trabalho dos professores e assegura suas condições de
trabalho e salariais.
Assim, a educação pode ser de qualidade social ou qualidade mercado-
lógica, a depender do projeto de sociedade que cada governante tem para seu
período. A educação de qualidade neoliberal contribui para a manutenção do
poder; já a de qualidade social contribui para a emancipação dos sujeitos e a
construção da autonomia intelectual (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2017).
Borges e Queiroz (2019, p. 85) avançam na discussão da qualidade
agregando a questão epistemológica. À qualidade de caráter mercadológico
corresponde a epistemologia da prática; à qualidade de caráter social corres-
ponde a epistemologia da práxis. Para esta última:

A qualidade é concebida na perspectiva da educação como bem


público, como direito social que deve ser assegurado pelo Es-
tado e pela família, em oposição à educação como serviço de

105
interesse mercadológico. Nessa epistemologia, o trabalho é
considerado atividade essencial do homem, por meio do qual o
homem se faz humano e constitui a humanidade. O trabalho do-
cente é, nessa epistemologia, compreendido como prática social
de formação humana no seio das práticas sociais mais amplas.
Tomando a práxis como categoria basilar para a compreensão do
trabalho docente, as concepções de formação, professor, ensino,
aprendizagem remetem à categoria de transformação social em
sentido emancipador.

A gestão escolar, como vimos, tem adquirido cada vez mais o sentido
da lógica neoliberal, que há décadas vem influenciando a educação pública
brasileira. Por meio da gestão, busca-se a materialização das políticas de ca-
ráter neoliberal. A contraposição aos direcionamentos dessas políticas exige
compreender as concepções de gestão, tanto as de caráter hegemônico quanto
as de caráter contra-hegemônico, para a tomada de um posicionamento crítico
em relação à educação escolar e à atuação do gestor que pretende atuar nos
princípios da qualidade social de educação.

Concepções de organização e de gestão


escolar

O gestor escolar é o profissional da escola incumbido de pôr em ação


todas as atividades que ali ocorrem, as quais envolvem a administração de
questões materiais – como espaço físico e mobiliário–, financeiras, de pessoal
e pedagógicas. As atividades pedagógicas constituem o aspecto o mais im-
portante de todos por se ligarem diretamente ao desenvolvimento dos alunos.
Na condução do trabalho administrativo, o gestor, consciente ou in-
conscientemente, assume um modelo de gestão. O esforço de promover a par-
ticipação coletiva dentro de uma unidade escolar deve estar fundamentado em
uma concepção de gestão democrático-participativa, diferenciando-a daque-
las concepções que induzem práticas não democráticas ou antidemocráticas.
Para isso, o reconhecimento de tais concepções faz-se necessário como parte
desse esforço, que deve ser sempre teórico-prático, para a efetivação da edu-
cação como práxis educativa.

106
Na literatura pedagógica encontram-se inúmeras sínteses dessas con-
cepções. Neste texto recorreu-se a Libâneo, Oliveira e Toschi (2012) para a
construção da síntese das concepções de organização e de gestão escolar. As
concepções de organização e de gestão escolar, segundo esses autores, são de
cunho filosófico e orientam a forma de organização escolar. Elas podem ser
classificadas em quatro modelos sob dois enfoques: Técnico-científica, no en-
foque científico-racional; Autogestionária, Interpretativa e Democrático-par-
ticipativa, no enfoque sociocrítico, que leva em conta as questões sociais e as
questiona (Quadro 1).

Quadro 1 – Concepções de organização e de gestão escolar

Democrático-
Técnico-científica Autogestionária Interpretativa
participativa

Prescrição detalha- Vínculo das formas A escola é uma rea- Definição explícita, por par-
da de funções e ta- de gestão interna lidade social subjeti- te da equipe escolar, de ob-
refas, acentuando a com as formas de au- vamente construída, jetivos sociopolíticos e
divisão técnica do togestão social (po- não dada nem obje- pedagógicos da escola.
trabalho escolar. der coletivo na escola tiva.
para preparar formas
de autogestão no pla-
no político).

Poder centralizado Decisões coletivas Privilegia menos Articulação da atividade


no diretor, destacan- (assembleias, reuni- o ato de organizar de direção com a iniciati-
do-se as relações de ões), com eliminação e mais a “ação or- va e a participação das pes-
subordinação, em de todas as formas de ganizadora”, com soas da escola e das que se
que uns têm mais exercício de autorida- valores e práticas relacionam com ela.
autoridade do que de e de poder. compartilhadas.
outros.

107
Ênfase na adminis- Ênfase na autoor- A ação organizado- Qualificação e competên-
tração regulada (rí- ganização do grupo ra valoriza muito cia profissional.
gido sistema de de pessoas da insti- as interpretações,
normas, regras, pro- tuição, por meio de os valores, as per-
cedimentos burocrá- eleições e de alter- cepções e os signi-
ticos de controle. nância no exercício ficados subjetivos,
das atividades), des- de funções. destacando o cará-
cuidando-se, às ve- ter humano e pre-
zes, dos objetivos terindo o caráter
específicos da insti- formal, estrutural,
tuição escolar. normativo.

Comunicação li- Recusa a normas e Busca de objetividade no


near (de cima para a sistemas de con- trato das questões da or-
baixo), baseada em troles, acentuando ganização e da gestão,
normas e regras. a responsabilidade mediante coleta de infor-
coletiva. mações reais.

Mais ênfase nas ta- Crença no poder Acompanhamento e ava-


refas do que nas instituinte da insti- liação sistemáticos com
pessoas. tuição e recusa de finalidade pedagógica:
todo poder institu- diagnóstico, acompanha-
ído. O caráter ins- mento dos trabalhos, re-
tituinte dá-se pela orientação de rumos e
prática da participa- ações, tomada de decisões.
ção e da autogestão,
modos pelos quais
se contesta o poder
instituído.

Ênfase nas inter-re- Todos dirigem e são diri-


lações, mais do que gidos, todos avaliam e são
nas tarefas. avaliados.

Ênfase tanto nas tarefas


quanto nas relações.

Fonte: elaborado pelos autores, com base em Libâneo, Oliveira e Toschi (2012).

108
A gestão escolar pode ser compreendida como um conjunto formado
pelo agrupamento organizado em forma de trabalho coletivo vivenciado pelo
conjunto de indivíduos que compõem a unidade escolar. De acordo com Libâ-
neo, Oliveira e Toschi (2012, p. 444): “A organização e os processos de gestão
assumem diferentes modalidades, conforme a concepção que se tenha das fi-
nalidades sociais e políticas da educação em relação à sociedade e à formação
dos alunos”. Com base nessa argumentação, a compreensão sobre a finalidade
da educação e da escola orienta a escolha de determinada concepção de orga-
nização e de gestão escolar.
Na concepção técnico-científica “prevalece um visão burocrática e téc-
nicas de escola. A direção é centralizada em uma pessoa, as decisões vêm
de cima para baixo e basta cumprir um plano previamente elaborado, sem a
participação de professores, especialistas, alunos e funcionários” (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 445). Verifica-se nessa concepção que o foco
é o cumprimento de regras burocráticas e que as decisões são tomadas ape-
nas pelo pequeno grupo gestor, sendo negado aos demais negado o direito à
participação. Destaca-se a subordinação do coletivo ao gestor e seu pequeno
grupo, os quais passam a decidir com base em regras e pouca participação dos
professores, alunos, pais e demais funcionários.
Na concepção autogestionária, a gestão é baseada no coletivo e não em
um representante. Significa autogestão de determinado grupo, ou seja, auto-
gestão baseada no coletivo.

A concepção autogestionária baseia-se na responsabilidade co-


letiva, na ausência de direção centralizada e na acentuação da
participação direta e por igual de todos os membros da institui-
ção. Tende a recusar o exercício de autoridade e as formas mais
sistematizadas de organização e gestão. Na organização esco-
lar, em contraposição aos elementos instituídos (normas, regu-
lamentos, procedimentos já definidos), valoriza especialmente
os elementos instituintes (capacidade do grupo de criar, instruir,
suas próprias normas e procedimentos). (LIBÂNEO; OLIVEI-
RA; TOSCHI, 2012, p. 446, grifos dos autores).

109
Essa concepção propõe a eliminação das decisões centralizadas em uma
só pessoa ou em um grupo específico e propõe ao grupo condições para se
autogerirem.
Já a concepção interpretativa “considera como elemento prioritário
na análise dos processos de organização e gestão os significados subjetivos,
as intenções e a interação das pessoas” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI,
2012, p. 446). Essa concepção de organização e de gestão escolar opõe-se à
concepção técnico-científica, pois enfatiza “menos o ato de organizar e mais
a ‘ação organizadora’, com valores e práticas compartilhados” (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 449, grifo dos autores).
Por fim, a concepção de organização e de gestão escolar demo-
crático-participativa “acentua a necessidade de combinar a ênfase sobre as
relações humanas e sobre a participação nas decisões com as ações efetivas
para atingir com êxito os objetivos específicos da escola.” (LIBÂNEO; OLI-
VEIRA; TOSCHI, 2012, p. 448). Esse modelo de gestão, embora dificulte o
processo de tomada de decisões, uma vez que são tomadas em grupo, divide
a responsabilidade da decisão tomada, que passa a ser do grupo e não apenas
do gestor ou do grupo gestor.
Na gestão democrático-participativa, compreende-se a participação
como “principal meio de assegurar a gestão democrática, possibilitando o en-
volvimento de todos os integrantes da escola no processo de tomada de deci-
sões e no funcionamento da organização escolar” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2012, p. 450). A participação para os alunos e demais usuários da
escola se configura em direito de propor, de falar e de ser ouvido, estimula os
alunos e familiares bem como os funcionários de forma geral a se envolver
mais no cotidiano da escola e reconhecer através da participação a sua impor-
tância para conquistas de objetivos, através do engajamento que a participação
coletiva proporciona.
Na perspectiva aqui adotada, este é o modelo de gestão que se articula
à concepção de qualidade educacional socialmente referendada, pois valoriza
processos emancipatórios de formação e de atuação social.

Considerações finais

Discutir a gestão escolar abordando a inflexão neoliberal na educação


oportuniza desenvolver reflexões que desvelam as finalidades educacionais

110
preconizadas pelas políticas educacionais. A discussão apontou que essas po-
líticas têm atribuído à direção escolar a “gerência” de uma educação pública
voltada para o atendimento a demandas econômicas com uma qualidade regi-
da pelos princípios mercadológicos.
A escola, regida por essa gestão, assume a função de formar os quadros
da força de trabalho de que a sociedade capitalista necessita para desenvol-
ver-se economicamente, sem que isso represente romper com a desigualdade
social estrutural, concebida como natural pelos ideólogos do neoliberalismo.
Contrapor-se a essa visão exige compreender a escola como espaço de
formação humana e a gestão escolar como trabalho de direção das ativida-
des escolares tendo a participação de todos os envolvidos na prática educati-
va como imprescindível nos processos decisórios. Para isso, é importante ao
gestor que busca atuar na contra-hegemonia o reconhecimento das diferentes
concepções que orientam práticas de gestão escolar, como parte do esforço
que deve empreender para a efetivação da educação como práxis educativa.
A escola, ao aderir à gestão democrática com participação, assume a
função social de formar pessoas para a participação ativa na sociedade. Os
gestores, empenhados nessa formação, devem buscar compreender a gestão
escolar no contexto da educação neoliberal para atuar de forma crítica em prol
uma educação pública de qualidade socialmente referendada.

REFERÊNCIAS

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cas por meio de organizações sociais em Goiás: a quem serve este projeto?
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RAVITCH, Diane. Vida e morte do grande sistema escolar americano:


como os testes padronizados e modelo de mercado ameaçam a educação.Tra-
dução Marcelo Duarte. Porto Alegre: Sulina, 2011.

112
CAPÍTULO 10
NESTA SINA DE MUDAR:
UM CURRÍCULO PARA ESTUDANTES
EM SITUAÇÃO DE ITINERÂNCIA NA
PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES

Ormezinda Maria Ribeiro


Maria Marlene Rodrigues da Silva

Caravanas
Nesta sina de mudar
Vão indo, de lugar a lugar
Não se cansam
Levam na bagagem
Amor e esperança.
(Adriana Rodrigues)1

Uma breve apresentação

Este capítulo traz uma reflexão sobre a importância de se considerar os


letramentos e a interculturalidade na perspectiva da concepção de um currículo
que atenda estudantes em situação de itinerância, tendo em vista a formação de
professores. Tem como objeto a especificidade cultural e linguística de grupos
ciganos calon, considerando a língua romanó/chibi como elemento identifica-
dor e de pertencimento nacional e transnacional. Ancora-se em uma pesquisa
realizada em acampamento situado na área rural de Brasília- DF que demonstra
como a tradição cultural cigana tem estabelecido uma identidade dinâmica e
performativa apesar de sua diversidade e que a educação desse grupo não pode
ser traçada nos moldes da educação regular destinada a não-ciganos.

1 Fragmento do poema de Adriana Rodrigues retirado de http://artbragapoemascig.blogspot.com.br

113
Nossas reflexões fundamentam-se no entendimento de que o nomadis-
mo cigano opera como representação resultante da fusão de discursos mi-
tológico-científicos e práticas sociais cotidianas derivadas de perseguições e
exílios que reforçam a identidade pela experiência comum da diferença e a al-
teridade inscrita no campo das relações interétnicas como experiência coletiva
comum de deslocamento geográfico/social, compreendendo que a identidade
cigana é construída na língua e nas tradições culturais baseadas em represen-
tações, memórias e impressões cristalizadas na consciência coletiva.
Nesse prisma, a perspectiva de educação pautada na tradição e na dina-
micidade do grupo é uma demanda social circunscrita no estereotipo que a so-
ciedade tem sobre os ciganos, vistos como ignorantes, desonestos e indolentes.
Assim, mesmo os assentados, dificilmente adaptam-se às escolas regulares,
pois precisam camuflar sua identidade para serem aceitos. Por se identificarem
fortemente com suas tradições e língua, os calon optam por abandonar essa
escola. Por essa razão, é premente a necessidade de se desenhar um currículo
que não ignore os valores e tradições culturais desse povo em uma escola que
funcione como espaço de diálogos, no qual o grupo se identifique e preserve
sua língua e cultura, na perspectiva de uma educação convergente.
Assim, nosso objetivo é suscitar reflexões com vistas a construir uma
proposta curricular que levem os alunos-professores a repensarem suas prá-
ticas pedagógicas e a construir um projeto coletivo passível de aplicação em
espaços não tradicionais de educação.
Assim, pautamos nossas reflexões a partir da experiência como profes-
soras de Língua Portuguesa, respaldada em pesquisa realizada em uma Tenda
Escola, considerando o contexto de dois grupos ciganos de etnia calon, cujos
acampamentos situam-se no Córrego do Arrozal em Planaltina e na Rota do
Cavalo, em Sobradinho, ambos localizados no Distrito Federal.
Quem são os ciganos? O que os caracteriza? Qual a sua religiosidade?
De que maneira se organizam enquanto cultura? Há uma única identidade
cigana ou várias identidades ciganas? Qual é a sua origem? Essas são apenas
algumas das muitas perguntas que fizemos quando resolvemos adentrar nos
mistérios do mundo cigano e que nos serviram de mote para essa reflexão.
É preciso destacar o quanto esse povo, de minoria étnica, é marcado
pela discriminação de toda ordem, de sua linguagem, de suas vestimentas, de
seu modo de viver a pouco se prender a bens materiais, o que soa divergente

114
quando relacionado com a cultura dominante dos não-ciganos. Esse povo
aspira por visibilidade, por querer “ser alguém” e por ser aceito socialmente
sem precisar negar sua cultura. Os ciganos têm forte apreço por suas caracte-
rísticas culturais e identitárias e sofrem quando são obrigados a camuflar suas
identidades por receio de serem estigmatizados pela sociedade por sua con-
dição de ciganos, o que muitas vezes os impedem até de conseguir trabalho
formal. Para eles, a língua é uma questão identitária muito forte. Por isso, não
costumam ensinar o dialeto chibi a ninguém, pois além de marca identitária,
a língua é para eles uma forma de se resguardar de possíveis problemas com
os não-ciganos.

“Embaixo de estrelas”: a experiência na


escola cigana

A escola cigana constitui um marco para o povo cigano da comunidade


atendida, uma vez que foi por meio dela que foram geradas possibilidades de
novos caminhos e oportunidades. Ler e escrever para eles é fundamental para
que possam participar de encontros, conferências, e de decisões relativas à
comunidade de que fazem parte.
O foco principal da leitura e escrita nas práticas sociais considerando-se a
diversidade étnica da educação de jovens e adultos é um passo importante para a
garantia dos direitos dos povos ciganos e como superação dos grandes desafios
para a diminuição da invisibilidade, do preconceito e da discriminação social.
Assim, foi imprescindível conhecê-los, saber quem são e conhecer sobre sua cul-
tura e vivências, para sairmos da condição de estudiosas expectadoras e adentrar-
mos no universo cultural e social do grupo pesquisado, antes de ousarmos propor
ações e políticas educativas para uma comunidade tão rica em saberes.
A partir desse pressuposto e ao mesmo tempo, inspiradas nos novos
estudos multiculturais e de letramentos, com fundamento em um uma pesqui-
sa de cunho qualitativo e por meio de técnicas etnográficas e discursivas das
práticas de letramento dos alunos-ciganos em sua comunidade e sua possível
relação com os usos da leitura e da escrita, além de estabelecer eventos de in-
teração com os ciganos acampados na Rota do Cavalo, propomos um diálogo
interdisciplinar que subsidie a elaboração de um currículo que atenda a essas
comunidades em situação de itinerância.

115
Sabe-se que o processo de letramento escrito nesses contextos é com-
plexo, uma vez que os ciganos são conhecidos por não terem registros escritos
sobre suas práticas sociais, o que é feito de maneira bem comum por meio
da oralidade. Essa escolha, muitas vezes, decorre da busca de preservação de
suas identidades como povo e também devido aos constantes casos de pre-
conceitos existentes nas escolas de ensino regular, o que têm provocado o
abandono escolar.
Nossas reflexões estão, portanto, ancoradas na observação participante
na comunidade cigana, nas notas de campo e nas entrevistas com os integran-
tes dessa comunidade de ciganos, além dos dados gerados a partir de eventos
de alfabetização e letramentos ocorridos no interior das comunidades e nos
eventos interativos com os colaboradores ciganos.
Antes de qualquer proposta, há que se pensar nos aspectos metodoló-
gicos que a sustentam. A questão que direcionou este estudo apoiou-se nas
contribuições da Sociolinguística, das teorias dos Letramentos, do Multicul-
turalismo e dos estudos identitários para a criação de uma proposta de um
currículo intercultural e inclusivo que atenda pessoas dessas comunidades
considerando sua diversidade. Nesse contexto, destacamos a necessidade de
se implementar na formação de professores um currículo interdisciplinar e
multicultural que venha responder às carências educacionais de um grupo,
analisando sua cultura, sua cosmovisão, o uso de um dialeto específico como
sua marca identitária, entre outros.
Ao participarmos da vida dessa comunidade, foi possível fazer uma
reflexão crítica acerca da percepção de questões voltadas à manutenção das
tradições culturais do grupo diante do modelo de escola formal apresentada
como alternativa para o início ou continuação dos estudos, considerando
também a percepção dos professores que lecionam para as crianças e jo-
vens ciganos e dos próprios ciganos residentes no acampamento, que não
têm e nunca tiveram experiências em escolas regulares, uma vez que, his-
toricamente, o conhecimento a que tiveram acesso era repassado oralmente
por ciganos mais idosos. Os ciganos fazem questão de afirmar que “o povo
cigano é uma nação dentro do Brasil”. Nesse sentido, eles fazem referência
a um grupo muito grande de pessoas que vive no Brasil e que apresenta ca-
racterísticas bem peculiares.

116
“Levam na bagagem amor e esperança”

Ciganos são povos que, por sua tradição e histórico cultural, não se
fixam a uma terra específica, e compondo um grande número de pessoas que
circulam e vivem no território brasileiro, são, pois, cidadãos que também me-
recem um olhar atencioso ao seu processo de educação escolar.
Contudo, a condição de itinerância tem afetado, sobremaneira, a matrí-
cula e o percurso na Educação Básica de crianças, adolescentes e jovens per-
tencentes a esses grupos, assim como os indígenas, trabalhadores itinerantes,
acampados, artistas e demais trabalhadores circenses em parques de diversão
e teatros mambembes. Portanto, é necessária uma reflexão sobre as condições
que impedem esses grupos de frequentar regularmente uma escola, desenca-
deando a descontinuidade na aprendizagem, e, consequentemente, levando-os
ao abandono escolar, impedindo-lhes a garantia do direito à educação.
Há que se refletir sobre o tema, então, em uma formação de professo-
res que se comprometa com a elaboração de um currículo que considere as
especificidades dos grupos ciganos, tendo em vista que os paradigmas educa-
cionais atuais, e legislação da educação voltadas para ciganos no Brasil são
apenas adaptadas.
Moreira (2001) já chamava a atenção para a necessidade de a educação
multicultural estar inserida no currículo pedagógico das instituições de ensino
de nível superior tanto públicas quanto privadas, pois considera importante
fator na formação de professores. Sobre esse assunto, Moreira (2001, p. 43)
traz um importante questionamento, o qual trazemos à nossa reflexão:

Que professores estão sendo formados, por meio de currículos


atuais, tanto na formação inicial quanto na formação continua-
da? Que professores deveriam ser formados? Professores sinto-
nizados com os padrões dominantes ou professores abertos tanto
à pluralidade cultural da sociedade mais ampla como a plurali-
dade de identidades presentes no contexto específico em que se
desenvolve a prática pedagógica?

É urgente que na educação se leve em conta a diversidade cultural


brasileira. Todavia, a escola da forma como se apresenta não tem considerado

117
a grande diversidade cultural brasileira e acaba ofertando uma educação
monocultural. Assim, é essencial repensarmos os currículos pautando-nos
nas raízes históricas da formação do povo brasileiro. É preciso que a escola
seja reinventada.
Arroyo (2012, p. 12) destaca a importância de uma pedagogia que
considere os coletivos populares, seus saberes e cultura, assegurando que é
preciso mudar o rumo da história de uma “pedagogia desumanizante, destru-
tiva de suas culturas, valores, memórias, identidades coletivas”. Diante disso,
é urgente repensar essas pedagogias e abrir as escolas para os outros saberes,
para os outros sujeitos.

Nesta sina de mudar: reflexões para se pensar


um currículo para comunidades ciganas

Embora não haja legislação específica que trate a questão educacional


brasileira para estudantes ciganos, existem aparatos jurídicos, seja em precei-
tos expressos de leis ordinárias e tratados internacionais ratificados pelo Bra-
sil, seja ainda por normas superiores, de natureza constitucional que garantem
às crianças e adolescentes ciganos o direito à matrícula escolar.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCNEB)
também abordam a questão da educação de povos em situação de itinerância
em um dos seus capítulos. A atual LDB não apresenta nenhum dispositivo
sobre a educação desse grupo. No entanto, os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCN) introduziram nos currículos escolares a temática da diversidade
cultural, embora trazendo ainda, em seu arcabouço, resquícios da democracia
racial presentes no imaginário social do povo brasileiro. Nesse sentido, os
PCN repassaram para a escola a tarefa de superar o preconceito e combater as
atitudes discriminatórias, mas deve-se considerar que a tarefa dada à escola
como possibilidade de enfrentamento da problemática da diversidade cultural
como tema transversal é fator limitante.
Não podemos nos esquecer do legado de séculos de preconceitos e dis-
criminação que esse povo carrega. De igual modo é preciso pensar em um
currículo que atenda as peculiaridades dos grupos romani.
De acordo com Silva (1999), o currículo constitui o espaço em que
se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados
sobre questões sociais e políticas. É por meio do currículo que certos grupos

118
sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu
projeto social, sua “verdade”. Nesse sentido, o currículo representa o conjunto
de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significa-
dos que contribuem para a construção de identidades sociais e culturais.
Nesse contexto, o currículo que propomos leva em consideração toda
a comunidade escolar, que direta ou indiretamente encontra-se envolvida no
processo ensino-aprendizagem: os alunos, os professores, os gestores, os téc-
nicos administrativos e demais funcionários. Para isso, nos valemos de alguns
princípios propostos por Moreira é Candau (2007, p. 96):

a) a adoção de uma nova postura por parte da comunidade es-


colar, aberta às diversas manifestações culturais; b) a reescri-
ta do conhecimento escolar usual, considerando as diferen-
tes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista envolvidos
em sua produção; c) a evidenciação da construção social e
dos rumos dos conhecimentos, cujas raízes históricas e cultu-
rais tendem a ser usualmente “esquecidas”, o que faz com que
costumem ser vistos como indiscutíveis, neutros, universais e
intemporais; d) o favorecimento de uma visão dinâmica, con-
textualizada e plural das identidades culturais em articulação
com as dimensões pessoal e coletiva dos processos sociocul-
turais do contexto em que vivemos e à história de nosso país;
e) a análise do currículo como espaço de questionamento de nos-
sas representações sobre os “outros”; f) a expansão do currículo
como um espaço de crítica cultural; g) o desenvolvimento do
currículo como um espaço de desenvolvimento de pesquisas.

Desse modo, o currículo deixa de ter a concepção tradicional em que


não são considerados os conhecimentos e experiências prévias do alunado.
No meio desse processo de reinvenção da escola, surge a interculturalidade
como elemento capaz de articular a igualdade e a diferença. Candau (2012,
p. 46) afirma que, se quisermos promover uma educação intercultural crítica e
emancipatória, precisamos considerar algumas atitudes sintetizadas nas ações
a seguir: desconstruir, articular, resgatar e promover. Essas atitudes, expressas
nas sínteses a seguir são importantes para subsidiar nossa proposta de um cur-
rículo inclusivo e intercultural.

119
Penetrar no universo de preconceitos e discriminações pre-
sentes na sociedade brasileira – é o reconhecimento do caráter
desigual, discriminador e racista de nossa sociedade. Devemos,
pois, questionar o caráter monocultural, assim como o etnocen-
trismo presentes nas políticas educativas e, consequentemente,
na escola. Diante dessa realidade, devemos nos perguntar quais
os critérios utilizados para a seleção dos conteúdos escolares.
Articular igualdade e diferença – devemos articular as polí-
ticas educativas e práticas pedagógicas o reconhecimento e a
valorização da diversidade cultural em nossas escolas.
Resgatar os processos de construção de nossas identidades
culturais – é importante para a construção de um currículo in-
clusivo e intercultural que se considere as histórias de vida das
diversas identidades culturais que permeiam nossa sociedade,
evitando, desse modo, a visão das culturas como universo fecha-
do, puro e genuíno.
Promover experiências de interação sistemática com os ‘ou-
tros’ - ao se promover a interação entre as diversas culturas de
modo a romper com a ‘guetificação’ nas instituições educativas,
é necessário experimentarmos a interação entre as diversas for-
mas expressão, assim como dos modos de viver de toda a co-
munidade escolar. De igual modo, devemos ter o cuidado para
não transformarmos a proposta de uma educação intercultural a
meros momentos, atividades ou situações específicas ou privile-
giar um grupo em detrimento dos demais, pois nossas escolhas
podem afetar, sobremaneira, a seleção curricular, as atividades
extraclasse, o papel do professor para com a comunidade esco-
lar, as linguagens e também a própria organização escolar.

Nesse sentido, a proposta de uma educação intercultural visa promover


uma educação dialógica entre os diversos grupos e suas culturas de modo a
favorecer a construção de uma educação plural, articulando-se políticas de
igualdade com políticas de identidade. Uma sugestão é proporcionar aos pro-
fessores, em serviço nas escolas públicas que têm alunos ciganos, formação
continuada sobre educação intercultural para diminuir as percepções negati-

120
vas sobre eles nas salas de aula. Além disso, estabelecer parcerias entre uni-
versidades e comunidades ciganas para atendimento de educação escolar nos
acampamentos, o que ajudará na formação de professores na perspectiva de
trabalho inclusivo e intercultural.
As crianças e jovens ciganos têm muitas dificuldades em permanecer
nas escolas tradicionais por serem vistos pelas outras crianças como “diferen-
tes”, por uma série de fatores como idade superior ao da maioria das crianças
da turma ou porque a escola não aborda temas de suas vivências. Não é raro
que crianças ciganas acreditem que aquela escola não é para elas porque nada
lhes diz. Esse fato acaba por gerar o abandono escolar.
Ao confrontar o que dizem os teóricos que tratam do tema apresen-
tado, podemos constatar que o abandono escolar pelos ciganos decorre de
alguns fatores: a) a vida nômade impossibilita que frequentem regularmen-
te a escola. No entanto, é bom lembrar que o cigano não é nômade porque
assim o quer, mas porque, muitas vezes, é obrigado a circular pela cidade
ou para fora dela por ordem das autoridades locai, é o que se denominou
por muito tempo ‘colocar os ciganos em movimento’; b) as condições de
vida nos acampamentos geralmente são bastante precárias. Não há sanea-
mento básico, assim como não há escolas só para as crianças, jovens e adul-
tos ciganos. Quando há escolas pelas redondezas, essas atendem a crianças
pequenas e quando chegam os adolescentes ciganos, ainda em fase de al-
fabetização, a situação causa um certo estranhamento e desconforto tan-
tos para os estudantes ciganos quanto para os não-ciganos; c) existe muito
preconceito e discriminação em relação às crianças e adolescentes ciganos,
manifestadas nas escolas por meio de agressão, rejeição ou hostilidades.
Essas situações podem se relacionar a atitudes de professores, diretores,
pais de alunos não-ciganos ou até pelos próprios estudantes; d) as crianças
ciganas costumam ser penalizadas nas escolas com notas baixas e outras
atitudes e também pela ridicularização de sua cultura. Assim, o ensino es-
colar resultará em mudanças de valores culturais das crianças ciganas, que
aprenderão os valores não-ciganos, fazendo com que os pais evitem que
seus filhos frequentem tais escolas.
Para que a educação seja inclusiva para os ciganos, ela precisa ser tam-
bém intercultural e a escola precisa considerar e respeitar a pluralidade cultu-
ral de todos os seus alunos.

121
À guisa de conclusão

É necessário que a escola possibilite a existência de espaços onde possa


ser construída a identidade cultural de seus alunos considerando-se o contexto
sociocultural. Nesse sentido, as práticas educativas nesses espaços são
traduzidas no exercício, que objetiva identificar as raízes culturais das famílias
dentro de sua comunidade, identificando as diferenças e as valorizando como
possibilidades de “ser” na sociedade.
Dessa forma, entendemos que a Sociolinguística, as teorias dos Letra-
mentos, do Multiculturalismo, dos estudos identitários e do Currículo dão su-
porte teórico e metodológico para direcionar, de maneira satisfatória, a imple-
mentação de um currículo intercultural e inclusivo que atenda as comunidades
romani considerando suas especificidades culturais.
É papel fundamental da escola nessa sociedade contemporânea aprofundar
ainda mais as discussões sobre esses temas, legitimar as diferenças por meio de
um trabalho que valorize a heterogeneidade. Dar voz a quem ficou por muito
tempo coberto pelo véu da invisibilidade como os indígenas, os quilombolas, os
ciganos, os grupos minoritários. É preciso, sobretudo, valorizar o outro, “educar
o outro como outro” como defende Ribeiro (2013, p. 45).
Desse modo, a escola precisa estar atenta e incluída nessa dinâmica
social e precisa rever seu processo de ensino-aprendizagem. E, nessa sina de
mudar, o primeiro passo há de ser o de dar ouvidos a esses segmentos sociais,
antes inaudíveis, e agora emergentes como sujeitos de direito.

REFERÊNCIAS

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CANDAU, Vera Maria. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pe-


dagógicas. Currículo sem Fronteiras, v. 11, n. 2, p. 240-255, 2012.

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MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa. A recente produção científica sobre
currículo e multiculturalismo no Brasil: avanços, desafios e tensões. Revista
Brasileira de Educação, 2001.

MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. (Org.). Multiculturalismo: diferenças


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RIBEIRO, Ormezinda M. Na teia de Penélope. Metáforas da Educação.


Campinas: Pontes, 2013.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teo-


rias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

123
CAPÍTULO 11
EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA
NA CONTEMPORANEIDADE:
DESAFIOS EDUCATIVOS DO
MUNDO ATUAL E AS AULAS
DE LÍNGUA PORTUGUESA

Veruska Ribeiro Machado


Ana Rita de Souza dos Santos

Introdução

O exercício da docência no século XXI apresenta-se desafiador. Gil e


Hernandez-Hernandez (2016) publicaram um livro que nos conduz a uma in-
teressante reflexão acerca desses desafios. Desde o título, Professores na in-
certeza: aprender a docência no mundo atual, o livro nos instiga a repensar o
significado de nossas práticas pedagógicas no século XXI.
Os autores apresentam algumas mudanças que impactam a educação
e que geram desafios que podem ser organizados nas seguintes categorias:
i) público atendido; ii) sociedade do conhecimento; iii) modelos de condu-
ta, valores e socialização; iv) aprendizagens na sociedade do conhecimento;
v) alfabetização e letramentos; vi) salas de aula. Vamos seguir com esses auto-
res para pensarmos mais detidamente acerca dessas mudanças.
A sociedade atual baseia-se na produção e distribuição de conhecimen-
to e informação, o que requer trabalhadores que criem artefatos conceituais.
As exigências da sociedade do conhecimento têm reflexos diretos nas escolas,
que, na contemporaneidade, além de lidar com essa mudança de paradigma,
precisam atender a uma diversidade de estudantes, auxiliando-os a desenvol-
ver e a adquirir conhecimentos e habilidades diversificadas para um mundo
complexo e em constante transformação.
Soma-se a essas questões o mundo digital, que oferece grande quan-
tidade de informação, trazendo impactos aos valores e às formas de vida.

124
O mundo digital e a cultura digital apontam para uma diversidade de formas
e modalidades de leitura e escrita, o que supõe uma alfabetização múltipla,
incluindo o letramento/alfabetização digital. Tudo isso interfere no desenvol-
vimento cognitivo e emocional dos indivíduos.
Diante dessas mudanças, surgem os desafios, aparecem as incertezas:
como as salas de aula podem enfrentar os desafios educativos do mundo atual?
Há a necessidade de reinventar a si mesma? O que é necessário aprender?
Como devemos pensar a formação inicial de professores nesse contexto?
As mudanças que impactam mais diretamente a educação hoje tra-
zem gradativamente ao discurso educacional a preocupação em formar es-
tudantes que sejam capazes de resolver problemas; que sejam capazes de
continuar aprendendo; que sejam preparados para o trabalho; que exerçam
a cidadania; que desenvolvam autonomia intelectual e pensamento crítico.
Se a formação de estudantes na educação básica está permeada por essas
questões, consequentemente, nos cursos de formação de professores, elas
também estarão presentes.
Ante tal contexto, retomamos Paulo Freire. Para nos ajudar a encarar
os desafios educativos anteriormente apontados, vamos retomar duas obras
de Freire em especial: Pedagogia do Oprimido (1996) e a Importância do
Ato de Ler (1989).
Em a Pedagogia do Oprimido (1996, p. 58), o autor tece reflexões acer-
ca da educação bancária. Para ele, uma educação que não leve em conside-
ração que os educandos são sujeitos do processo e, que, portanto, devem ser
ouvidos e atuar como partícipes no processo de construção de suas aprendi-
zagens “nega a educação e o conhecimento como processo de busca”. Em
uma educação bancária, em que os estudantes são vistos como receptores
de conhecimento, “não há criatividade, não há transformação, não há saber”
(p. 57). Freire destaca que o “saber se encontra na busca constante que se faz
no mundo, com o mundo e com os outros” (p. 57). Essa busca de conhecimen-
to permite o desenvolvimento de uma consciência crítica, capaz de inserir os
estudantes como sujeitos, transformadores do mundo.
Dessa forma, as exigências de formação que se apresentam hoje para o
contexto educacional nos levam à conclusão de que aquilo que Paulo Freire
apontava em a Pedagogia do Oprimido precisa ser retomado no atual contex-
to. A educação bancária, que não considera as experiências dos sujeitos que

125
adentram a escola, hoje oriundos de diversos públicos, e que pratica o silen-
ciamento em vez do diálogo, não será capaz de responder aos desafios postos.
A reflexão acerca da educação bancária pode ser acrescida das questões
trazidas à luz em A importância do ato de ler (1996). Neste trabalho, as deias
de Freire acerca do ato de ler vão ao encontro de algumas questões levantadas
anteriormente. Se “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”, é inegável
a importância das experiências, das vivências, da cultura em que os sujeitos
estão inseridos na leitura dos textos. O leitor, nessa perspectiva, apresenta-se
ativo no processo: a decodificação da palavra escrita não é suficiente, é preci-
so ir além, usar o conhecimento de mundo, contextual, em um “movimento do
mundo à palavra e da palavra ao mundo” (p. 13).
Essas questões trazidas por Freire, quando lidas na contemporaneidade,
são acrescidas de outras, que permeiam o contexto marcado pela tecnologia di-
gital. Considerar os contextos dos educandos na atualidade requer que tomemos
a tecnologia como espaço de novas práticas sociais, culturais e de linguagem.
Sobre isso, Barbosa (s/d) adverte-nos de que trabalhar na perspectiva
desses novos e multiletramentos não pode se restringir a propor que estu-
dantes façam na escola o que já fazem fora dela. Para ela, as discussões e
atividades devem envolver as dimensões ética, estética e política. Podemos
aqui retomar as reflexões de Freire acerca do movimento do mundo à pala-
vra e da palavra ao mundo considerando o contexto da cultura digital em que
as atuais gerações estão imersas.
Assim, levadas pela inquietação acerca dos desafios postos aos profes-
sores de língua portuguesa ante o contexto acima delineado, desenvolvemos
uma pesquisa de natureza qualitativa que pretendeu investigar a perspectiva
de ensino subjacente ao componente curricular língua portuguesa em uma
instituição pública que oferta ensino médio. Com base nos resultados dessa
investigação, fizemos propostas pedagógicas, com base na perspectiva dos
multiletramentos, para o ensino de língua portuguesa no ensino médio, visan-
do a possibilitar a inclusão dos estudantes em práticas efetivas e relevantes de
uso da língua. Acreditamos que os resultados dessa investigação podem trazer
reflexões relevantes para a formação de professores de língua portuguesa.
Nas próximas seções, passaremos à descrição da pesquisa e à apresen-
tação dos resultados e de um exemplo de proposta pedagógica com base na
estratégia da sala de aula invertida.

126
Desenvolvimento

Esta pesquisa, de natureza qualitativa, pretendeu investigar a perspec-


tiva de ensino subjacente ao componente curricular língua portuguesa de uma
instituição pública que oferta ensino médio. A esse diagnóstico foram acres-
centadas as expectativas dos estudantes em relação à aprendizagem de língua
portuguesa. Com base nessas informações e considerando as perspectivas teó-
rico-metodológicas subjacentes à pedagogia dos multiletramentos, foram fei-
tas algumas propostas pedagógicas. Neste texto, encontra-se descrita uma das
propostas, focada na ressignificação das tarefas de casa e no ensino híbrido.
A pesquisa desenvolveu-se em três etapas. A primeira delas deu voz aos
professores de língua portuguesa e teve como objetivo a realização de diag-
nóstico para identificar a perspectiva de ensino de língua portuguesa de pro-
fessores de uma instituição pública que oferta ensino médio. Como instrumen-
tos de coleta de dados, nessa etapa, foi utilizada a entrevista semiestruturada.
Na segunda etapa, foi dada voz aos estudantes. O objetivo foi identificar
as expectativas de estudantes de ensino médio de uma instituição pública em
relação à aprendizagem de língua portuguesa. Foi utilizado como instrumento
de coleta de dados o questionário, que envolveu questões abertas e fechadas.
Os resultados da análise das duas primeiras etapas foram utilizados na
terceira, que consistiu em propor alternativas pedagógicas norteadas pela pe-
dagogia dos multiletramentos.

A voz dos professores

Foram entrevistados sete professores de Língua Portuguesa e suas res-


pectivas literaturas de uma instituição federal que oferta ensino médio. A en-
trevista semiestruturada baseou-se em questões que procuravam desvelar o
planejamento e a organização pedagógica dos professores de língua portu-
guesa. As informações coletadas nas entrevistas permitem que cheguemos a
algumas constatações, que serão apresentadas a seguir.
A perspectiva de ensino de língua portuguesa dos entrevistados, bem
como o planejamento das atividades são influenciados pelo texto literário ca-
nônico. Atividades pedagógicas que se apoiam, predominantemente, na leitu-
ra de textos literários canônicos partem do princípio de que a leitura desses

127
textos possibilita o acesso à determinada cultura letrada, o que aponta, na con-
temporaneidade, para uma perspectiva mais restrita das práticas de letramento
em leitura. A literatura, embora tenha relevante papel no desenvolvimento da
leitura, precisa ser incluída em um programa que envolva a diversidade de
gêneros que circulam na sociedade, inclusive os que circulam em meio digital.
Além do texto literário canônico, alguns documentos norteiam mais
diretamente o planejamento e a organização do trabalho pedagógico des-
ses professores: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e Currículo em
Movimento (Secretaria de Educação do Distrito Federal - SEDF), além das
obras literárias do Programa de Avaliação Seriada (PAS/UnB) e Exame Na-
cional do Ensino Médio (ENEM). Os PCNs e o currículo em movimento
apontam para uma diversidade maior de gêneros. Dessa forma, pode-se de-
preender a coexistência de uma perspectiva mais tradicional, centrada no
texto literário canônico, juntamente com uma perspectiva mais abrangente
acerca das práticas de letramento. Há que se considerar também a influência
das avaliações externas.
Sobre o livro didático, os professores percebem a sua importância como
uma ferramenta de apoio para alunos e professores, tendo em vista a desigual-
dade existente na educação brasileira. Mesmo reconhecendo a sua importân-
cia, mostram-se críticos em relação a esse recurso, apontando para o fato de o
trabalho pedagógico não poder se reduzir a isso. Os professores destacaram a
preferência pela criação do próprio material, o que revela maior possibilidade
de considerar o contexto dos estudantes.
Em relação aos gêneros textuais que circulam em meios digitais, reve-
laram certa dificuldade em incluí-los na cultura da sala de aula. Destacaram
a necessidade de desenvolver o letramento digital em suas próprias rotinas.
Essa questão trazida nas entrevistas aponta para a necessária inserção dessas
temáticas na formação inicial e continuada de professores.
Sobre as metodologias adotadas nas aulas de língua portuguesa, desta-
ca-se a experiência de uma das professoras que trabalha com uma abordagem
baseada na pedagogia de projetos e que inclui diferentes formas de avaliação
respeitando as múltiplas inteligências e os modos de expressão. O trabalho
pedagógico desenvolvido por essa professora vai ao encontro das questões
discutidas na introdução acerca de como se posicionar frente aos desafios en-
frentados na educação.

128
A voz dos estudantes

A pesquisa contou também com um instrumento que permitiu coletar


informações sobre as expectativas dos estudantes de ensino médio. Dez es-
tudantes das diferentes séries do ensino médio responderam ao questionário,
que pretendeu verificar: i) como avaliam a relevância dos conteúdos e das
aulas de língua portuguesa e literatura em suas vidas e na formação acadêmi-
ca; ii) as principais dificuldades enfrentadas nessa área; iii) sugestões para a
superação dessas dificuldades.
Os resultados apontam para um nível alto de preocupação quanto ao
aprendizado da língua portuguesa. Já em relação às dificuldades, declaram
tê-las em especial com os conteúdos relacionados ä gramática normativa. Na
questão destinada às dificuldades, há algumas respostas que dialogam com
as reflexões apresentadas na introdução deste texto. Vejamos: O conteúdo de
português e literatura parece pertencer a um universo diferente do meu (estu-
dante A); Tenho dificuldade em entender (estudante B).
Essas declarações apontam para um distanciamento entre as aulas de
língua portuguesa e o universo dos estudantes. Retomando Freire (1989), há
que se considerarem as experiências dos sujeitos que adentram a escola, hoje
oriundos de diversos públicos. Para isso, conhecer esses sujeitos, dialogar,
permitir a interação são essenciais.
Quanto às sugestões, muitas apontam a necessidade de aulas mais inte-
rativas, dinâmicas. Sugestões como: gostaria que saísse mais da aula teórica
(estudante C), gostaria de mais interação (estudante D), mais debates (estu-
dante E) foram as mais comuns. Um dos estudantes aponta: Gostaria que as
aulas de português conseguissem não parecer um conteúdo que serve apenas
para saber regras gramaticais e para escrever o português de forma culta
(estudante G).
De alguma forma, as sugestões dialogam com as principais dificuldades
apontadas. Os estudantes sentem-se distantes dos conteúdos e sugerem, em
sua maioria, mais diálogo, interação, ou seja, possibilidade de aproximação
entre o universo acadêmico e o seu, retomando o movimento sugerido por
Freire: “do mundo à palavra e da palavra ao mundo”.
Há que se destacar o depoimento dos estudantes da professora que
trabalha com a pedagogia de projetos. Eles se mostraram satisfeitos com a

129
compreensão que apresentam nas aulas de língua portuguesa e reconhecem a
relevância dos conteúdos em sua formação acadêmica. Um deles declara: Eu
não tenho o que reclamar das aulas que tenho da professora XXX. As aulas
são dinâmicas, não temos decoreba. Nós aprendemos muito da forma que
ela trabalha (estudante H). Percebe-se claramente como o estudante encontra
sentido nas atividades propostas em suas aulas de português.

Proposta pedagógica: Uma proposta de


sala de aula invertida para os conteúdos
de literatura do ensino médio

Considerando os resultados obtidos nas entrevistas e nos questioná-


rios e partindo das orientações da BNCC, propusemos um projeto-piloto de
ensino no 2º trimestre de 2019 para uma turma de 3ª série do ensino médio.
Nesse projeto de letramento, levamos em conta que, para além da cultura do
impresso (ou da palavra escrita), é preciso considerar a cultura digital e as no-
vas práticas sociais de linguagem, conforme orientações da BNCC. Interes-
sou-nos, nesse piloto, mais especificamente o campo de atuação artístico-lite-
rário. Pretendemos, assim, levar os estudantes a: i) ampliar seu repertório de
leituras; ii) selecionar obras significativas para si e para seu contexto social;
iii) apreender os níveis de leitura presentes nos textos e os discursos subjacentes
de seus autores.
Escolhemos a estratégia da sala de aula invertida para desenvolver o
projeto. Valente (2019) ajuda-nos a compreender a sala de aula invertida es-
clarecendo-nos de que, nessa abordagem, “o aluno estuda antes da aula e a
aula se torna lugar de aprendizagem ativa onde há perguntas, discussões e
atividades práticas” (VALENTE, 2014, p. 85). O estudo anterior à aula ocorre
on-line, e o tempo presencial é dedicado a atividades práticas como resolução
de problemas e projetos, discussão em grupo etc.
Dessa forma, no 2º trimestre de 2019, em uma turma de 3ª série do ensino
médio, todas as atividades de casa do componente curricular língua portuguesa
e suas literaturas foram desenvolvidas por meio de um minicurso a distância.
O curso foi planejado e organizado na perspectiva de ensino híbri-
do, combinando atividades presenciais e atividades a distância, realizadas
por meio das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs).

130
Os estudantes tiveram contato com os conteúdos nas aulas presenciais e no
curso EaD, que foi desenvolvido com base em metodologias ativas.
Procuramos desenvolver uma relação ensino-aprendizagem dialógica
e mediada pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação em um
curso com carga horária de 16h que requereu dedicação de 2h por semana
e que teve duração de 8 semanas. Nas duas primeiras semanas, foi feita a
ambientação dos estudantes no AVA. As semanas seguintes envolveram os
seguintes tópicos: período histórico do modernismo brasileiro; semana de arte
moderna; modernismo brasileiro e os novos caminhos estéticos.
A título de ilustração, apresentamos a organização do tópico Viajando
pelo período histórico do modernismo brasileiro. Neste tópico, o objetivo foi
apresentar o contexto da primeira metade do século XX, período em que se de-
senvolveu o modernismo brasileiro. A abertura deste tópico no moodle trazia
uma fotografia da cidade do Rio de Janeiro. Na sequência, os estudantes eram
convidados a conhecer o autor João do Rio, cuja obra foi produzida a partir da
observação direta da vida, dos costumes, das linguagens dos diferentes grupos
sociais presentes no Rio de Janeiro no século XX. Por meio do texto do autor
intitulado As mariposas do luxo, os estudantes foram convidados a fazer um
passeio pelas ruas do Rio de Janeiro no início do século XX.
Em seguida à leitura, esse retrato apresentado na crônica de João do
Rio foi conferido pelos estudantes em um vídeo produzido pelo Itaú Cultural.
Como as obras foram retiradas do portal domínio público, aproveita-
mos para, no curso, explicar o que é esse portal, e como podemos ter acesso
a informações confiáveis em um espaço seguro no mundo digital. Destaca-
mos também as questões relacionadas à divulgação devidamente autorizada
de informações.
Os estudantes também produziram um texto no qual tiveram de assu-
mir a postura de cronistas e, assim como João do Rio, fazer um retrato de sua
cidade considerando o atual desenvolvimento tecnológico em que estamos
socialmente inseridos.

Considerações finais

Nas considerações finais, retomamos as perguntas que nos inquietaram


ao longo da pesquisa: como as salas de aula podem enfrentar os desafios edu-

131
cativos do mundo atual? Como pensar em uma formação de professores ante
tais desafios? Para pensarmos sobre esses desafios, recorremos, neste traba-
lho, a Freire, Gil e Hernandez-Hernandez e Barbosa. Também procuramos nos
apropriar das orientações da BNCC.
Com o apoio das reflexões propostas pelos autores e aqui ratificadas,
conhecemos como um grupo de professores de língua portuguesa se po-
siciona em relação ao planejamento e à organização da ação pedagógica.
Constatamos haver uma perspectiva mais abrangente das práticas de letra-
mento coexistindo com a centralidade do texto literário canônico. Além dis-
so, constatamos a necessidade de investir em questões relacionadas às novas
práticas sociais de linguagem, como aponta a BNCC, na formação inicial e
continuada de professores.
Buscamos ainda a voz dos estudantes de ensino médio, cujas expecta-
tivas em relação ao ensino de língua portuguesa convergem para as práticas
pedagógicas dialógicas, conforme apontado por Freire.
Ante tais constatações, apresentamos, neste texto, uma experiência de
ensino híbrido desenvolvida no ensino médio. Os resultados desse projeto
de ensino foram avaliados pelos estudantes que participaram da experiência,
e as palavras finais deste artigo retomam a voz desses estudantes, apontando
algumas questões relevantes para a formação inicial de professores de lín-
gua portuguesa: apropriação crítica dos novos letramentos; reconhecimento
da importância de valorizar os contextos trazidos pelos estudantes para o
desenvolvimento de práticas efetivas e relevantes do uso da língua; valori-
zação da interação na construção da aprendizagem; valorização da interdis-
ciplinaridade escolar.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, J. P. Sobre novos e multiletramentos, culturas digitais e tec-


nologias na escola. Disponível em: http://www.plataformadoletramento.org.
br/em-revista-coluna-detalhe/1044/sobre-novos-e-multiletramentos-culturas-
digitais-e-tecnologias-na-escola.html. Acesso em: 12 mar. 2020.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2019. Disponí-


vel em: portal.mec.gov.br. Acesso em: 12 mar. 2020.

132
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIL, S.; HERNÁNDEZ-HERNÁNDEZ, F. Professores na incerteza: apren-


der a docência no mundo atual. Porto Alegre: Penso, 2016.

VALENTE, J. A. Blended learning e as mudanças no ensino superior:


a proposta da sala de aula invertida. Educar em Revista, Curitiba, Brasil,
Edição Especial n. 4/2014, p. 79-97. Editora UFPR.

133
CAPÍTULO 12
O PROCESSO DE ESCRITA EM
LÍNGUA ESTRANGEIRA SOB UMA
PERSPECTIVA BAKHTINIANA

Paula Franssinetti de Morais Dantas Vieira

Introdução

Muito se tem discutido acerca da interação verbal. Ainda assim, esse é


um tema que garante um leque de possibilidades para o campo da pesquisa
e, principalmente, da pesquisa em sala de aula. Nesse sentido, verificamos
como a escrita colaborativa pode contribuir para o processo de aprendizagem
de uma língua, seja ela materna ou não materna, e como esse processo pode
conduzir o aprendiz rumo à sua autonomia.
Este livro busca contribuir para a reflexão acerca dos processos de en-
sino e de aprendizagem trazendo, em seu bojo, discussões acerca dos eixos
Educação, Interdisciplinaridade e Linguagem. Desse modo, acreditamos que
realizar estudos sobre a linguagem é uma forma de contribuir, sobremanei-
ra, para a formação das práticas dos professores, neste caso, especificamente,
trazer à discussão um estudo acerca da escrita textual em língua estrangeira.
O texto, conforme salienta Antunes (2009, p. 75), apresenta várias pro-
priedades, entre as quais a autora destaca duas: a intencionalidade e a aceita-
bilidade. A primeira, conforme postulam os estudiosos da linguística do texto,
“se refere à predisposição do falante para comportar-se eficientemente em sua
atividade verbal, ou seja, para apenas dizer coisas que têm sentido”; a segun-
da, representa a disposição do outro em compreender o sentido daquilo que
lhe é dito. Assim, tanto a intencionalidade quanto a aceitabilidade pressupõem
a existência de uma cooperação entre os envolvidos e aqui destacamos a ati-

134
vidade textual, que envolve a cooperação entre os dois parceiros engajados no
processo de escrita de textos em forma de diários.
Dessa forma, os textos redigidos pelos alunos configuram-se como
momento de interlocução, pois, o eu e o outro se engajam em uma tarefa
cooperativa quando cada evento de escrita pode ser traduzido/compreen-
dido como evento de fala, uma vez que, quando os participantes escrevem
textos em forma de diário, eles têm consciência de que escrevem para o seu
parceiro, ficando na expectativa da resposta que vai ser gerada a partir dos
seus comentários. Destacamos, ainda, o papel do professor na escolha da
atividade a ser realizada, uma vez que ele precisa estar atento e ter o cuidado
ao ensinar seu aluno a:

[...] ultrapassar a matéria linguística do texto e a ter em conta


os interlocutores envolvidos – quem fala, quem escreve e para
quem. Isto é, o texto precisa ser visto como uma intervenção his-
tórica de determinado sujeito para outro ou outros. (ANTUNES,
2009, p. 88).

Fiorin (2008) salienta que as relações dialógicas em Bakhtin não se


limitam apenas ao diálogo presencial, face a face, mas que representam um
universo que vai além do enunciador, do eu, uma vez que o momento discur-
sivo constitui-se também no e pelo outro, visto ser a palavra perpassada pela
palavra/discurso do outro sendo, portanto, carregada de sentidos que refle-
tem e refratam o discurso tanto do eu como do outro. Propomo-nos, então,
a pesquisar a palavra/discurso por meio do uso de textos e verificar como esse
processo pode contribuir para a autonomia do aprendiz.
No sentido de garantir a fundamentação teórica necessária para sustentar
a discussão que aqui se apresenta, recorremos a autores que estudam a teoria dia-
lógica, entre os quais destacamos Bakhtin/Volochinov (2006) e Fiorin (2008),
entre outros; a questão dos gêneros textuais, estudada por Antunes (2009, 2010)
e Faïta (2005), entre outros; e ainda, amparamo-nos em autores que garantem
uma melhor compreensão das questões metodológicas voltadas para a pesquisa,
a saber: Allwright e Bailey (1991), Motta-Roth (2011) e Nunan (1992).
Buscamos amparo teórico também nas palavras de Motta-Roth (2011,
p. 156) no que se refere aos trabalhos com gêneros textuais, ao afirmar que

135
“o conhecimento humano é construído por meio de gêneros – linguagem usa-
da em contextos recorrentes da experiência humana – socialmente comparti-
lhados”, de onde enfatizamos a relevância deste artigo ao optar por pesquisar
trabalhos sobre a importância da escrita para o processo de aprendizagem.
Entre os vários estudos já realizados e que têm como foco o uso de tex-
tos escritos em inglês, destacamos, no Brasil, os realizados por Paiva (1998),
Reis (2007) e Gonçalves (2010), e, no exterior, outros cujo foco recai especifi-
camente sobre a importância do uso de diários para aprendizes de inglês como
os estudos de Carol (1994) e Krishnan e Hoon (2002). Vemos, então, que a
sala de aula configura-se como fonte rica para a pesquisa e que este estudo
teórico justifica-se ao contribuir com uma nova abordagem para o uso de diá-
rios em língua estrangeira, e, por meio dessa prática, ressaltar a importância da
parceria (entre professor e alunos ou entre alunos), da colaboração, da troca de
ideias para a construção textual.

A relação língua/texto e os conceitos


Bakhtinianos que afloram dessa relação

Ao propormos uma discussão acerca do uso de diários escritos em in-


glês é necessário, primeiramente, entender a questão do fenômeno textual. Em
Bentes e Rezende (2008, p. 22) buscamos a compreensão da relação entre a
teoria e o objeto, sendo “imperativo frisar que a referida relação sustenta-se
em função do conceito de língua que subjaz à plataforma teórica mobilizada
para o trabalho de investigação”.
Em seu artigo, os autores conduzem o leitor na compreensão do fenô-
meno textual e partem dos estudos realizados por Hjelmslev no que se refere
à relação entre a língua e o texto. Mesmo sendo herdeiro do estruturalismo
saussuriano, Hjelmslev enxerga nos momentos singulares de uso da língua
(aqueles que se desviam dos princípios da analogia gramatical) “princípios de
regularidade organizacional e combinatória de elementos em uso que reflitam
a própria regularidade destes elementos no interior da estrutura do sistema
linguístico” (HJELMSLEV, p. 22). Portanto, qualquer ato de linguagem pode
ser, para Hjelmslev, um texto.
Na sequência, Bentes e Rezende (2008) discorrem sobre a importância
de estudiosos como Harris (1969) que considera a linguagem em uso e aponta

136
o texto como sendo composto por sequências de expressões. Já para Hanks
(1989), o texto representa uma “configuração de signos” que são coerente-
mente interpretados por uma comunidade e cujas fronteiras podem ser cons-
tituídas dialeticamente em virtude de fatores externos que orbitam ao redor
da realidade do indivíduo e que, dessa forma, podem penetrar no universo
permeável do texto.
Por meio dos estudos de Chomsky, Bentes e Rezende (2008) destacam
a importância dada, por ele, às gramáticas textuais que vão definir o con-
junto finito das regras combinatórias de uma determinada língua e que vão
garantir ao texto um caráter estável e uniforme. É nesse momento que entra
em destaque a relação entre língua – texto – contexto, a partir da qual surge
a noção de textualidade apresentada por Beaugrande e Dressler (1981), que
leva em consideração as relações de sentido imbricadas tanto nos elementos
linguísticos como nos extralinguísticos durante a composição textual. Bentes
e Rezende (2008) chamam a atenção para o texto definido por Koch (2002,
p. 9) como sendo:

[...] o lugar de constituição e de interação de sujeitos sociais,


como evento, portanto, em que convergem ações lingüísticas,
cognitivas e sociais, [...] ações por meio das quais se constroem
interativamente os objetos-de-discurso e as múltiplas propostas
de sentidos, como função de escolhas operadas pelos co-enun-
ciadores entre as inúmeras possibilidades de organização que
cada língua lhe oferece [...] construto histórico e social, extre-
mamente complexo e multifacetado.

Voltamos, nesse momento, nosso olhar para Antunes (2010) ao refor-


çar a importância de, no momento da análise de textos, observar os aspectos
globais, de se perceber o texto como um todo, ou seja, entender aquilo que
dá sentido aos segmentos que o constituem, que o tornam um todo coeso e
coerente. As palavras da autora refletem o pensamento de Bakhtin/Volochinov
(2006, p. 99) quando afirmam que “a língua, no seu uso prático, é inseparável
de seu conteúdo ideológico ou relativo à vida” e ainda que:

Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma


resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de

137
um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aque-
la que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as
reações ativas da compreensão, antecipa-as. (BAKHTIN; VO-
LOCHINOV, p. 101).

Faïta (2005, p. 151) chama a atenção para o fato de que Bakhtin/Volo-


chinov questionavam “uma linguística centrada na análise dos fatos da língua
em detrimento da linguagem que envolve indissoluvelmente os atores”. Es-
boçava-se, naquele momento, uma mudança de paradigma, um novo ponto
de vista que passa a refutar a análise linguística cuja ótica recaia somente
sobre aquilo que é observável. A partir dessa nova visão, os “sujeitos falantes”
adquirem um novo papel, passando a ser sujeitos sociais e psicológicos que
constituem e tornam legítimas suas novas posições e que contribuem para
fundamentar o dialogismo.
Fiorin (2008) aponta o dialogismo como princípio unificador da obra
de Bakhtin, uma vez que a língua viva, real, concreta possui a característica
de ser dialógica, de ser perpassada pela palavra do outro e de refletir e refratar
o discurso do outro também presente no discurso do eu. É nesse momento
que Fiorin (2008, p. 19) explica a importância que o Círculo de Bakhtin dá à
linguagem (ao discutir a teoria da superestrutura) por ser por meio dela que
temos acesso à realidade, pois “o real apresenta-se para nós sempre semiotica-
mente, ou seja, linguisticamente”. Assim, os enunciados constituem-se como
unidades dialógicas, pois permitem a alternância entre os falantes.
É a partir da noção do evento único, singular e irrepetível que a relação
entre o eu e o outro vai emergir. No momento em que o eu se percebe único
e reconhece o seu valor social e histórico, ele é “compelido a se posicionar”
(FIORIN, 2008, p. 21) e a responder ao outro. Dessa forma:

O eu e o outro são, cada um, um universo de valores. O mesmo


mundo, quando correlacionado comigo ou com o outro, recebe
valores diferentes, é determinado por diferentes quadros axio-
lógicos. E essas diferenças são arquitetonicamente ativas, no
sentido de que são constitutivas dos nossos atos (inclusive de
nossos enunciados): é na contraposição de valores que os atos
concretos se realizam [...]. (FARACO, 2009, p. 21).

138
Quando nos envolvemos em situações dialógicas, estabelecemos rela-
ções que deixam transparecer, pela natureza do signo, as diferentes esferas
sociais pelas quais transitamos. Somos indivíduos socialmente organizados e
nossa práxis reflete os valores nos quais acreditamos e que representam o gru-
po ao qual pertencemos. Nesse sentido, Faraco (2009, p. 122) afirma que ao
emitirmos um enunciado sempre haverá uma tensão entre as forças centrípe-
tas (centralizadoras, monologizadoras) e as forças centrífugas (que resistem à
monologização), uma vez que: “[...] os enunciados manifestam-se fundamen-
talmente como uma tomada de posição axiológica, como resposta ao que já foi
dito. Sua significação comporta sempre esse estrato valorativo”.
Assim, ao travar um diálogo, ao produzir um texto escrito, o indivíduo
estabelece uma relação entre seu enunciado e os horizontes sociais de valor
e, fundamentalmente, entre aquilo que foi dito e o que foi presumido. Para
Faraco (2009, p. 122), os enunciados emergem, então, “nesse caldo hetero-
glóssico e nos pontos de tensão entre essas forças”, decorrendo daí a impor-
tância da responsividade (answerability) e da escolha vocabular (selectivity)
para o dialogismo.
Acreditamos ainda que a questão dialógica também se complementa
mediante a discussão a respeito do princípio de agência (agency) o qual, se-
gundo Vitanova (2005, p. 152), “não libera o eu de sua constituição discursi-
va, mas se origina a partir da habilidade do eu de criar novas oportunidades
ao estabelecer a Sua voz”1. O eu precisa saber criar as oportunidades para se
estabelecer no contexto discursivo e, ao se articular em uma prática dialógica
contínua, o potencial de ser agente de seu próprio discurso torna o eu sujeito
de sua própria história.
Passemos, no próximo item, à uma breve discussão acerca do processo
de escrita em uma língua estrangeira.

O processo de escrita em língua estrangeira

As pesquisas sobre a escrita em língua estrangeira começaram a ser de-


senvolvidas a partir dos anos 1960, tanto nos Estados Unidos como no Reino
Unido, conforme destacam Grabe e Kaplan (1996), com o propósito de acom-

1 Tradução nossa.

139
panhar o progresso escolar de um crescente número de estudantes internacio-
nais que passaram a ingressar nas instituições educacionais. Porém, a maior
parte dos artigos anteriores a 1980 eram centrados mais sobre técnicas para o
ensino da escrita do que sobre a natureza da escrita em seus vários contextos.
Para tanto, a Línguística Aplicada tem buscado compreender as necessidades
dos alunos e, segundo os autores, ela tem:

[...] se debruçado sobre os trabalhos de psicólogos cognitivos e


linguistas, por um lado, para estudar a organização do discurso
e os processos de construção textual, e sobre o trabalho de so-
ciolinguistas e etnometodologistas, por outro lado, para estudar
os contextos sociais nos quais os alunos aprendem a escrever.
(GRABE; KAPLAN, 1996, p. 27).2

Estudos recentes passaram a incluir a psicologia cognitiva, a linguística


textual e a análise do discurso com a finalidade de compreender e explorar
os modos pelos quais os textos em segunda língua ou língua estrangeira são
construídos, como diferem de textos escritos em língua materna, e também
como e por que os textos escritos por alunos de segunda língua ou língua
estrangeira diferem entre si (GRABE; KAPLAN, 1996) – evidências da com-
plexidade do processo de escrita, uma tarefa árdua que demanda atividades
cognitivas superiores.3
Desse modo, os alunos precisam compreender como monitorar cons-
cientemente seus comportamentos cognitivos (ideias e pensamentos) a fim
de desenvolver mais habilmente a capacidade de escrita. Consequentemente,
a relação professor/aluno deve estar amparada pelo diálogo e por um bom
ambiente de sala de aula que dê o suporte necessário para trocas dialógicas
e discussões não apenas sobre como redigir os diferentes textos (gêneros) a
serem produzidos, mas, também, sobre como lidar com os erros (sejam eles
estruturais ou não) e as frustrações provenientes da ansiedade em produzir um
texto de qualidade.

2 Nossa tradução de: Applied Linguists have drawn on the work of cognitive psychologists and linguists
on the one hand to study the organization of discourse and text construction processes, and on the work
of sociolinguists and ethnomethodologists on the other to study the social contexts in which students
learn to write.
3 Atividades cognitivas superiores são funções mentais que caracterizam o comportamento consciente do
ser humano, como a atenção voluntária, a percepção, a memória e o pensamento (VYGOTSKY, 2003).

140
Hillocks (1995, p. 124) afirma que “escrever é uma arte. Aprender uma
arte é aprender como, quando e para qual propósito usar os procedimentos
que são o domínio dessa arte”.4 Para adquirir esse conhecimento, segundo o
autor, é preciso se guiar pelos propósitos para a escrita, objetivar um resultado
desejado, contar com o auxílio de um professor que não apenas encoraje a es-
crita, mas, que, também, proporcione outras formas de se perceber o processo
de escrita e aquilo que o aprendiz é capaz de realizar a partir de modelos e
diretrizes apresentadas. Logo, criar um ambiente favorável à escrita precisa
ser um dos objetivos do professor ao planejar seu curso ou disciplina (voltada
para o processo de escrita).
Grabe e Kaplan (1996) argumentam que, no caso de alunos em con-
texto de inglês como segunda língua ou língua estrangeira, as habilidades
para a escrita podem variar desde a necessidade de escrita de um simples
parágrafo, habilidades de síntese à habilidade para escrever composições
(essays) e artigos profissionais, “dependendo dos níveis educacionais dos
alunos, especialização acadêmica, e demandas institucionais” (GRABE;
KAPLAN, 1996, p. 25).5
Vemos, então, que as diferentes necessidades dos alunos constituem um
conjunto de fatores que tornam a teoria e a prática de escrita em segunda lín-
gua ou língua estrangeira um estudo complexo e faz com que os pesquisadores
busquem beber em diferentes fontes que variam da etnografia da educação
à sociolinguística voltada para o letramento. Alunos de origens e formações
distintas acessam sua língua materna, que é a língua corrente e que se constitui
como língua-alvo.
Nesse sentido, Grabe e Kaplan (1996) reafirmam as propostas de Hillo-
cks (1995) e Widdowson (1996) quanto à necessidade de desenvolver instru-
ções educacionais para a escrita que considerem as práticas de socialização
desses alunos e suas origens. Acredito que, quando reconhecemos as dife-
renças individuais de nossos alunos e trazemos esses universos individuais e
distintos para a sala de aula, conseguimos minimizar problemas relacionados
à influência da língua materna (L1 interference ou language transfer) ou ou-

4 Nossa tradução de: Writing is an art. Learning an art is learning how, when, and for what purpose to use
procedures that are the province of that art.
5 Nossa tradução de: depending on students’ educational levels, academic majors, and institutional demands.

141
tros ligados ao desenvolvimento de uma interlíngua,6 temas centrais para os
estudos sobre aquisição de uma segunda língua ou língua estrangeira, além de
conseguir alcançar níveis linguísticos mais altos durante o processo de escrita
em uma segunda língua.

Considerações Finais

No que tange à realização de estudos acerca do processo dialógico para


a escrita de diários, a teoria bakhtiniana revelou ser um terreno fértil e pro-
missor podendo contribuir para várias pesquisas na área de ensino de línguas.
Pesquisar a importância do processo colaborativo em uma perspectiva dialó-
gica é uma entre as várias possibilidades apontadas pelo estudo aqui descrito.
Durante o levantamento do embasamento que sustentou este estudo
teórico, observamos que conceitos como o endereçamento (addressivity),
a responsividade (answerability) e o princípio da agência (agency) desta-
cam-se, valorizando o momento de interação entre os participantes, e tais
conceitos podem contribuir sobremaneira para o processo de escrita textual,
tanto individualmente, ao conduzir o aluno na escrita de seu texto, como em
parceria, quando um colega pode colaborar para a escrita do texto do outro.
Nesse sentido, sobressaem as contribuições dos autores, apresentados ao
longo deste texto, para a importância de haver uma equipolência de vozes
onde as várias esferas interrelacionam-se a partir das trocas dialógicas per-
cebidas nos textos.
Finalizamos o estudo reafirmando a importância do processo dialógico
bakhtiniano e do estudo sobre os gêneros textuais, reforçando a necessidade
de que sejam desenvolvidos estudos sobre a sala de aula e sobre aqueles que
nela atuam (professores e alunos) e que envolvam a linguagem. Para tanto,
acreditamos que essa discussão não se esgota e que um dos aspectos que aqui
mereceu destaque, qual seja, a questão da parceria e da colaboração, pode e irá
sempre contribuir para o sucesso da escrita ao revelar que o aluno consegue se

6 O termo ‘interlíngua’, proposto por Larry Selinker, refere-se a um sistema linguístico dinâmico desen-
volvido por aprendizes, os quais, ao aprenderem uma L2/LE, passam por estágios de desenvolvimento
na língua compreendidos entre a língua materna e a língua-algo. Figueiredo (2002) nos orienta sobre a
importância de compreendermos os erros cometidos pelos aprendizes nesse estágio desenvolvimental,
uma vez que eles podem auxiliar os aprendizes a “moldar a sua produção de modo que ela se aproxime,
o máximo possível, da língua-alvo” (FIGUEIREDO, 2002, p. 34).

142
perceber como um aprendiz autônomo, mas, para isso, é importante o trabalho
do professor como incentivador e mediador desse processo.

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ge/Second Language. London: Addison Wesley Longman Ltd., 1996.
p. 34-48.

145
CAPÍTULO 13
Leitura em língua inglesa
na educação básica:
a interdisciplinaridade
em foco

Marco André Franco de Araújo


Éderson Saraiva

Introdução

As aulas de língua inglesa no contexto da educação básica têm, de


acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a terceira e quarta
etapas do Ensino Fundamental o foco em habilidades de leitura e compreen-
são textual (BRASIL, 1998). Assim, realizar atividades que viabilizem o
desenvolvimento dessas habilidades nos alunos é essencial e, dessa forma, o
professor pode trabalhar em uma vertente transdisciplinar de ensino, levando
para a sala de aula discussões de assuntos concernentes à temas transversais.
Nesse sentido, a junção de diversas áreas do conhecimento pode oca-
sionar em ensino mais significativo para o aluno, visto que ele terá a oportuni-
dade de refletir não somente em determinada área em que ele venha a se desta-
car, mas, sim, discutir e refletir sobre temas englobando diversas perspectivas.
Neste capítulo, apresentamos uma breve discussão sobre o ensino inter-
disciplinar e focamos nosso trabalho nas aulas de língua inglesa e, mais espe-
cificamente, nas aulas que envolvam a leitura em língua estrangeira e, ainda,
abordando temas transversais que, neste trabalho, optamos pelo meio ambiente.
Para esta discussão, este capítulo está dividido em fundamentação teóri-
ca, onde pontuamos o ensino de línguas estrangeiras com foco nas habilidades
de leitura e, adiante, discutimos o caráter interdisciplinar nas aulas de inglês.
Por fim, apresentamos uma proposta de atividade com o uso de um texto sobre
a importância da reciclagem e tecemos algumas considerações finais.

146
O ensino de inglês com foco na leitura

O ensino de línguas estrangeiras nas escolas de educação básica no


país é normatizado por documentos importantes como, por exemplo, a LDB
(2017)1 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e o atual documen-
to da BNCC (2018)2 (Base Nacional Comum Curricular). Ambos discutem
o ensino de LE e direcionam os docentes para a sua prática em sala de aula.
Além dos documentos acima supracitados, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (1998) dispõem dos conteúdos e objetivos que se almejam para o
ensino de línguas estrangeiras no ensino básico. Nesse sentido, os PCN dire-
cionam o foco do ensino de inglês para as habilidades de leitura e compreen-
são textuais. Tal foco se dá pelo fato de o documento esclarecer que “a leitura
tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode cola-
borar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna” (BRASIL,
1998, p. 20).
Ainda sobre o ensino de inglês com foco na leitura, Sabota (2017) dis-
cute aspectos importantes como, por exemplo, a utilização de estratégias de
leitura que facilitam a aprendizagem dos alunos e, também, de “entender a
leitura como um ato social que amplia a possibilidade de exploração dessa
importante habilidade em sala de aula”. (SABOTA, 2017, p. 125).
Dessa forma, o trabalho com as habilidades de leitura na língua inglesa
pode perpassar o ensino na perspectiva transdisciplinar e abordar temas de
cunho social contemplados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas
Transversais (1998) como, por exemplo, a questão do meio ambiente, que
serão discutidos a seguir.

Interdisciplinaridade e os temas
transversais no ensino de inglês

A interdisciplinaridade no ensino é tida como uma prática que vai opor-


tunizar ao professor unificar várias áreas do conhecimento atrelando-as à sua.
Assim, um professor de português, por exemplo, pode se valer dos aspectos
da geografia em suas aulas como também o um professor de matemática que

1 Lei promulgadas em duas versões: 1961; 1971.


2 Documento promulgado no ano de 2018.

147
consegue perpassar aspectos históricos da área em suas aulas. Nesse sentido,
o ensino interdisciplinar se configura em uma das novas tendências educacio-
nais que proporcionam ao aluno, por meio dessa junção de diversas áreas, se
situar por meio do conhecimento atrelado as práticas sociais.
Dessa forma, compreendemos que o ensino na perspectiva interdiscipli-
nar pode condicionar ao educando uma formação de maneira ativa e crítica,
visto que a aprendizagem passa a ser significativa para ele.
Para Lück (2010), a interdisciplinaridade

[...] é o processo que envolve a integração e o engajamento de


educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas
do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a supe-
rar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral
dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidada-
nia, mediante uma visão global de mundo, e serem capazes de
enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realida-
de atual. (LÜCK, 2010, p. 47).

Entende-se que o ensino em uma vertente disciplinar pode apresentar


barreiras na aprendizagem do aluno, corroborando ao que sugere Severino
(1998) de que “a educação como uma prática deve ser equacionada não em
relação ao ser do homem, mas às modalidades de sua prática” (p. 13) , pois
ao passo que o estudante aprende com a junção de vários componentes curri-
culares, pode ter momentos de estimulação de sua inteligência, resolução de
problemas, ousadia em suas pesquisas, entre diversos outros fatores (SILVA;
TORRES, 2014).
Ainda sobre o caráter interdisciplinar do ensino, Novais e Nigris (2017)
apontam que a

interdisciplinaridade na aprendizagem de Língua Estrangeira


pode desempenhar benefícios mútuos. De um lado, as discipli-
nas ganham significado por meio de ações desenvolvidas no en-
sino de LE; por outro, essas ações constituem uma maneira de
viabilizar a prática social da língua dentro do contexto educacio-
nal em sala de aula. (p. 4).

148
No disposto, depreende-se que a interdisciplinaridade dá oportunidades
para que os alunos tenham uma abertura maior e mais compromisso no seu
próprio processo de ensino e aprendizagem, levando em consideração tam-
bém o outro. Ainda, tem oportunidades de eliminarem barreiras que possam
vir a existir entre as disciplinas, com vistas a um ensino reflexivo, indo além
do campo científico (JOSÉ, 2008).
Visto a perspectiva interdisciplinar no ensino de línguas, uma das possi-
bilidades de ensino acontece com a inserção dos temas transversais em sala de
aula que possibilitam aos alunos a discussão de assuntos decorrentes do seu con-
texto (AMORIM, 2919; BRASIL, 1998; CAVALLARI, 2011; TILIO, 2014).
Por meio de ações interdisciplinares propostas pelos temas transversais
dispostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, a escola pode oferecer aos
alunos atividades de ensino voltadas para a valorização de fatores pessoais,
sociais e principalmente culturais. Através dessas ações, o espaço da escola
oportuniza aos alunos um ambiente de liberdade, de aprendizado consciente
e também autônomo. Assim, o trabalho com o tema relacionado ao meio am-
biente pode ser de grande valia para a sociedade.
Nesse sentido, conforme sugere Reigota (2001, p. 25), a educação am-
biental “pode estar presente em todas as disciplinas, quando analisa temas
que permitem enfocar as relações entre a humanidade e o meio natural, e as
relações sociais, sem deixar de lado as suas especificidades”. Vários estudos
foram realizados com foco na discussão de questões ambientais como, por
exemplo, os trabalhos de Medeiros, Mendonça, Sousa e Oliveira (2011), Fra-
goso e Nascimento (2018) que abordam a temática no ensino de modo geral
e também Andrade (2014) e Ramirez (2014) que especificamente discutiram
este tema nas aulas de língua inglesa.
Para Andrade (2014), o trabalho interdisciplinar, valendo de temáticas
como a ética e o meio ambiente, por exemplo, podem resgatar aspectos huma-
nos fazendo com que a aprendizagem perpasse a questões sociais, políticas,
econômicas e culturais. Ramirez (2014), por sua vez, aponta que “a interdis-
ciplinaridade traz à luz formas diferentes de se chegar ao conhecimento, uma
delas seria pela análise da ação” (p. 5).
Tendo discutido o aporte teórico deste estudo, apresentamos, a seguir,
um exemplo de atividade de leitura em língua inglesa em uma perspectiva
interdisciplinar.

149
Na prática...

Nas aulas de língua inglesa, com foco na leitura, o professor pode se


valer do uso dos temas transversais para a condução de suas aulas e para pro-
porcionar aos alunos momentos de reflexão sobre assuntos que envolvem o
seu cotidiano.
A seguir, observamos o trecho do texto Recycling3 que aborda o tema
meio ambiente e que pode ser trabalhado na vertente interdisciplinar

“We also encourage customers to reuse shopping bags,” says a senior


spokesperson from Spinneys.
Extracted from <http://archive.gulfnews.com>.
Accessed on August 16, 2009.

The UK government is trying to encourage more people to recycle


their waste and reduce the UK’s waste mountain.
Extracted from <http://news.bbc.co.uk>.
Accessed on October 16, 2010.

Singapore, for example, which buys its water from Malaysia, is be-
ginning to recycle water […]
Extracted from <www.peopleandplanet.net>.
Accessed on October 16, 2010.

Recycling tops the list as the number one eco-action Canadians are
taking […]
Extracted from <www.greenlivingonline.com>.
Accessed on August 16, 2009.

Fonte: Amos; Prescher; Pasquim (2016)

Neste excerto extraído do texto Recycling, são fornecidas informações


sobre algumas pessoas de várias partes do mundo dizendo sobre como estão

3 O texto na íntegra se encontra no Anexo 1.

150
realizando ações para a diminuição do lixo, sobre a reciclagem de recursos,
entre outros.
Podemos, então, compreender, que ao utilizar o texto em suas aulas,
o professor pode oferecer aos seus alunos a discussão e entendimento da im-
portância da reciclagem e do uso correto dos recursos naturais. Dessa forma,
a partir desta atividade, os alunos poderão pensar em seu papel como cidadão
e (re)pensar as suas práticas na sociedade na qual está inserido, conforme su-
gere Andrade (2014) e Ramirez (2014).
Além do trabalho com as questões de cunho interdisciplinar, o uso do
texto pode oportunizar ao aluno a aplicação de estratégias de leitura que fa-
cilitarão a sua compreensão das ideias trazidas no texto e consequentemente
o seu processo de ensino e aprendizagem de acordo com os apontamentos de
Sabota (2017).
Nessa mesma perspectiva, o professor pode levar o aluno a desenvolver
sua criatividade e a participação em atividades que os permitam dialogar com
os colegas, refletir sobre o tema discutido, construir ideias por meio de produ-
ções textuais sobre o tema abordado.
Apresentamos, aqui, uma suscinta discussão de como as aulas de lín-
gua estrangeira podem ser pautadas na perspectiva da interdisciplinaridade e
abordamos um único texto e uma única atividade com o intuito de mostrar as
várias possibilidades que o trabalho com a interdisciplinaridade pode trazer
para o ensino de línguas.

Considerações finais

Nesta breve discussão apresentada no capítulo, pudemos compreender


que o ensino, em uma perspectiva transdisciplinar, oportuniza aos alunos mo-
mentos significativos de aprendizagem por meio da discussão de temas oriun-
dos do seu contexto.
Por meio de atividades que envolvam textos abordando temas como o
meio ambiente, o aluno pode (re)pensar o seu papel enquanto indivíduo inse-
rido em uma comunidade e ver significado em disciplinas das várias áreas do
conhecimento. Ainda, por meio destas atividades, o aluno tem a oportunidade
de fazer uso da língua como prática social dentro da sala de aula.
Cabe ressaltar que a atividade exposta aqui é apenas uma simples su-
gestão para que o professor pense nas oportunidades que o ensino transdisci-

151
plinar oferece para seus alunos levando-os a pensar de maneira ativa e crítica,
trazendo significativo para a aprendizagem.

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sino fundamental: um estudo de caso. Revista Ensino de Ciências e Huma-
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TÍLIO, R. Língua Estrangeira Moderna na Escola Pública: possibilidades


e desafios. Revista Educação & Realidade, v. 39, n. 3, p. 925-944, 2014.

anexo 1

RECYCLING

The amount of garbage around the world is increasing dramatically.


New packaging materials, lifestyle changes, and increasing population
are some of the reasons. […]

“The waste problem, in all types and forms, is definitely posing a


serious threat to the environment,” cautions Al Marashi [from the
Emirates Environmental Group]. “Continuous dumping of waste in
landfills is threatening our watertables, while more and more waste
materials are finding their way into the sea and other water bodies,”
she says. […]

“The only answer to the problem is to reduce, reuse, and recycle,” says
Al Marashi.

Extracted from <http://archive.gulfnews.com>.


Accessed on October 16, 2010.

[…]

“We also encourage customers to reuse shopping bags,” says a senior


spokesperson from Spinneys.
Extracted from <http://archive.gulfnews.com>.
Accessed on August 16, 2009.

154
The UK government is trying to encourage more people to recycle
their waste and reduce the UK’s waste mountain.
Extracted from <http://news.bbc.co.uk>.
Accessed on October 16, 2010.

Singapore, for example, which buys its water from Malaysia, is be-
ginning to recycle water […]
Extracted from <www.peopleandplanet.net>.
Accessed on October 16, 2010.

Recycling tops the list as the number one eco-action Canadians are
taking […]
Extracted from <www.greenlivingonline.com>.
Accessed on August 16, 2009.

Fonte: AMOS; PRESCHER; PASQUALIN, (2016, p.16.)

155
CAPÍTULO 14
O CONTO NO
TÉCNICO CONCOMITANTE: UMA
PERSPECTIVA DE ENSINO ALÉM
DO UTILITARISMO

Lyana Carla Cabral P. P. Aguiar


Thiago Soares de Oliveira

considerações iniciais

Este capítulo é um recorte do “Guia Pedagógico: Trabalhando com o


conto no técnico concomitante”, o qual é produto da dissertação intitulada
“Ensino de Português Instrumental a partir de conto: uma proposta de forma-
ção discente para curso técnico concomitante”, desenvolvida no âmbito do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tecno-
lógica em Rede Nacional (ProfEPT).
No trabalho dissertativo, considerou-se que os cursos técnico-profissio-
nalizantes têm a tradição de formar para o mundo do trabalho; essa formação,
no entanto, não deve ser exclusivamente direcionada para um “fazer sem sa-
ber”, como assinala Martins (2000). É necessário oferecer aos discentes uma
educação que não seja meramente utilitarista. Assim, faz-se relevante uma
nova perspectiva na forma de se repassar parte dos conteúdos previstos na
ementa de Português Instrumental nos técnicos concomitantes.
Estando este trabalho ancorado numa perspectiva que considera essen-
cial a inter-relação entre linguagem, educação e interdisciplinaridade, a pro-
posta aqui apresentada, na forma de uma sequência didática, foi aplicada a
uma turma do 1º módulo do curso técnico concomitante em Meio Ambiente
do IFFluminense, campus Bom Jesus do Itabapoana, e teve como objetivo
geral compreender como a inserção do conto na disciplina de Português Ins-
trumental no referido curso técnico pode funcionar como recurso didático-pe-
dagógico no processo de ensino-aprendizagem.

156
Por fim, para efeitos de aprofundamento da temática, fica a recomenda-
ção para que se consulte o Guia completo, bem como a dissertação que a ele
deu origem, de modo que se possa ter uma visão mais detalhada da proposta
ora apresentada de forma mais sintética.

Síntese dos pressupostos teóricos


da sequência didática

A princípio, para formular as atividades da sequência didática (SD),


parte-se da concepção de Zabala (1998, p. 18) segundo a qual as sequências
didáticas são “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas
para a realização de certos objetivos educacionais”. Ainda, tem-se como norte
da pesquisa o entendimento de que as:

Sequências didáticas apresentam uma grande variedade de ati-


vidades que devem ser selecionadas, adaptadas e transformadas
em função das necessidades dos alunos, dos momentos escolhi-
dos para o trabalho, da história didática do grupo e da comple-
mentaridade em relação a outras situações de aprendizagem da
expressão, propostas fora do contexto das sequências didáticas
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 110).

Para a sistematização da sequência, foi observada a ementa disposta no


projeto pedagógico do curso técnico concomitante em Meio Ambiente e, para
a sua implementação, foram necessárias 06 (seis) aulas de Português Instru-
mental, com duração de 50 (cinquenta) minutos cada uma. O conto “Negri-
nha”, de Monteiro Lobato, foi a peça fundamental para a organização da SD;
foi por meio desse gênero textual que se inseriram aspectos propedêuticos da
Educação Básica (como leitura, interpretação e análise crítica da realidade) na
Educação Profissional e Tecnológica (EPT).
Quanto ao desenvolvimento da SD, o material1 utilizado nas aulas foi
diversificado e incluiu o conto impresso, o material didático da própria disci-
plina de Português Instrumental, um quadro branco, alguns pincéis e 04 sa-

1 O material utilizado foi custeado com financiamento próprio.

157
colinhas de TNT, tudo com o intuito de organizar a SD a partir da proposta
de Zabala (1998), que discorre sobre objetivos conceituais, procedimentais e
atitudinais. Então, para a sequência, definiu-se como:

• Conceitual: conhecer as conjunções coordenativas2 e seus


possíveis valores semânticos, bem como entender que a coesão
sequencial e a coerência em um texto são promovidas, dentre
outros elementos, pelo uso das conjunções coordenativas.

• Procedimental: exercitar a empregabilidade das conjunções


coordenativas e a compreensão dos mecanismos de sentido do
texto a partir da elaboração de perguntas e respostas, após a lei-
tura e a compreensão do conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato.

•Atitudinal: promover a reflexão da realidade social, como o ra-


cismo, a partir do conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato.

Esmiuçando o desenvolvimento das aulas


na construção da SD

O Quadro 1, abaixo, é um resumo das atividades desenvolvidas durante


a SD:

Quadro1 – Resumo das atividades desenvolvidas durante a SD

AULAS ATIVIDADES

- Diálogo sobre racismo;


Aula 1
- Leitura e interpretação do conto.

2 O objetivo conceitual é dar foco às conjunções coordenativas, mas não se ignora a existência de outros
elementos que promovem a coesão e a coerência.

158
- Discussão de outros fatores além do racismo;

- Início do estudo das conjunções coordenativas;


Aula 2
- Sistematização do conteúdo no quadro;

- Envio de atividade extraclasse.

- Correção dos exercícios;


Aula 3
- Divisão dos trios para trabalho em grupo.

Aula 4 - Confecção de perguntas e respostas para o quiz.

Aula 5 - Aplicação do quiz.

- Síntese expositiva;
Aula 6
- Relato da experiência.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Na aula 01, com o intuito de evidenciar os conhecimentos prévios dos


alunos sobre a temática do conto, estabeleceu-se um breve diálogo acerca do
racismo. Perguntas como se alguém já havia visto (ou sofrido com) atitudes
racistas foram feitas, e os alunos puderam livremente expor suas opiniões,
experiências e impressões sobre o tema. Em seguida, o conto “Negrinha” foi
lido e interpretado de forma oral pela pesquisadora. Durante a interpretação,
os alunos também puderam explanar o que haviam entendido do texto e relatar
suas impressões, citando, inclusive, que os maus tratos sofridos pela persona-
gem principal do texto ainda hoje podem ser percebidos, ainda que de forma
menos ostensiva, mas não menos humilhante.
Na aula 02, a discussão sobre o racismo prosseguiu, e outros aspec-
tos relevantes no trato social os quais estavam presentes no texto insurgiram.
Questões como o trabalho infantil, a inocência e o desdém pueris, a hipocrisia
de devotos religiosos com uma prática distante da teoria que pregam, o estilo
do autor com suas ironias, tudo isso fez parte da conversação estabelecida,
sendo possível, dessa forma, fomentar a compreensão da diversidade social e

159
as formas de interação humana. Essas questões surgiram espontaneamente, já
que não faziam parte do planejado. Em seguida, o estudo sobre as conjunções
coordenativas foi iniciado. Frases do texto lido foram transcritas no quadro
branco para análise do valor semântico das conjunções coordenativas. A partir
das frases selecionadas, foi perguntado aos alunos qual o sentido que cada
conjunção estabelecia naquele contexto específico.
As respostas às perguntas foram variadas: algumas certeiras; outras nem
tanto. O interessante, contudo, foi perceber a linha de raciocínio seguida por
eles (os alunos). Alguns apontaram valores semânticos próximos, por exemplo:
falaram em causa em vez de explicação, consequência em vez de conclusão.
O estudo dos valores semânticos das conjunções subordinativas adverbiais seria,
pois, um ótimo conteúdo para dar prosseguimento às aulas noutra oportunidade.
A partir dessa dinâmica, os alunos puderam perceber a importância do
uso desses articuladores para produzir coesão e coerência em um texto. Após,
o conteúdo foi sistematizado no quadro branco, conforme o Quadro 2, e, para
fixar o que fora explicado, foi enviada uma atividade extraclasse sobre o valor
semântico das conjunções coordenativas (vide Quadro 3), a fim de produzir
significância e funcionalidade ao novo conteúdo. A atividade extraclasse foi
retirada de um dos livros constante na bibliografia básica da ementa de Portu-
guês Instrumental.

Quadro 2 – Valor semântico das conjunções coordenativas

CONJUNÇÕES VALOR OUTRAS


EXEMPLO
BÁSICAS SEMÂNTICO CONJUNÇÕES

A mãe abafava a
nem (= e não), não só...
boquinha criminosa
mas também, não só...
E da filha e afastava- Adição / soma
como também, bem como,
se com ela para os
não só... mas ainda.
fundos do quintal.

Ótima, a dona
Adversidade/ porém, contudo, todavia,
Inácia. Mas não
MAS contrariedade/ entretanto, no entanto, não
admitia choro de
oposição. obstante.
criança.

160
Batiam nele os da
ou...ou, ora...ora, já... já,
casa todos os dias,
OU Alternância quer... quer, seja... seja,
houvesse ou não
talvez... talvez.
houvesse motivo.

Não a calejara o
choro da carne
logo, pois (depois do
de sua carne, por
POR ISSO Conclusão verbo), portanto, por
isso não suportava
conseguinte, assim.
o choro da carne
alheia.

PORQUE Sempre escondida,


pois (antes do
que a patroa não Explicação
verbo), porquanto.
(QUE) gostava de crianças.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 3 – Exercícios sobre o valor semântico das conjunções coordenativas

01) Empregue uma das conjunções coordenativas, do quadro abaixo,


de acordo com o sentido da frase.

a) Vendeu seu carro ______ perdemos a carona.


b) Ganhei o prêmio, ______ ainda não o recebi.
c) Ou tomas banho cedo, ______ não sairás conosco.
d) Acompanhe Júlia, ______ ela é novata aqui.
e) Fez algumas anotações ______ esperou-me cheio de ansiedade.
f) Ela não só fala bem, ______ escreve com criatividade e
elegância.
g) O secretário registrou as ocorrências na ata, ______ estávamos isentos
de culpa.
h) Durante a passeata, vi-os agitados, ______ a nova proposta os acalmou.

02) As conjunções coordenativas, a depender do contexto, podem exer-


cer diversos valores semânticos. No exercício anterior, cada conjunção

161
empregada por você modificou o sentido da frase. Descreva, pois,
a ideia expressa por cada conectivo dentro do contexto das frases.
a) ______ e) ______
b) ______ f) ______
c) ______ g) ______
d) ______ h) ______

Fonte: Sarmento (2000, p. 312, adaptado).

Com a prática estabelecida nessas primeiras aulas, a turma experimental,


assim como descreve Paulo Freire (2011, p. 26), lembrando-se de fatos de sua
infância, pôde aprender gramática de uma forma mais prazerosa, pois tudo
“era proposto à curiosidade dos alunos de maneira dinâmica e viva, no corpo
mesmo de textos”. Ademais, tal qual o relato do filósofo, os alunos não tive-
ram que “memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas aprender a
sua significação profunda” (FREIRE, 2011, p. 26).
Por meio do diálogo pré-texto, os alunos puderam, ainda, pensar sobre
como atitudes racistas permanecem na sociedade e fazer uma leitura de mun-
do a partir de suas próprias perspectivas para, só então, terem acesso à leitura
do texto, correspondendo, portanto, às referências que Freire (2011, p. 29)
estabelece: “a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura
da palavra desta implica a continuidade da leitura daquele”.
No primeiro momento da aula 03, o exercício que havia sido deixado
anteriormente como atividade extraclasse foi corrigido no quadro branco. Du-
rante a correção, o conteúdo sobre os valores semânticos das conjunções coor-
denativas foi retomado, e os alunos puderam esclarecer as dúvidas. Assim, foi
exercitada de forma produtiva a coesão sequencial e a coerência textual, as
quais contribuíram para a construção de sentido e o encadeamento do texto.
Após, a turma foi dividida em trios para que se iniciasse o trabalho em grupo.
Optou-se pelo trabalho em equipe para que os alunos tivessem a oportu-
nidade de construir o conhecimento de forma coletiva e interativa, de partilhar
entre si os conhecimentos adquiridos; com a utilização da “mesma linguagem”,
é possível que um indivíduo tenha uma eventual dúvida sanada por meio da ex-
plicação de um colega. Ademais, essa configuração da turma é primordial para

162
a etapa da aula 05, o quiz. A divisão dos grupos e a explicação da atividade pro-
posta (a partir do conto da aula 01, cada grupo teve de confeccionar 04 pergun-
tas, com suas respectivas respostas, sobre interpretação/compreensão de texto e
valor semântico das conjunções coordenativas) foram feitas no fim da aula 03.
A aula 04 foi reservada exclusivamente à confecção das perguntas e
das respostas as quais, posteriormente, foram utilizadas para o quiz. O obje-
tivo foi estimular a aprendizagem autônoma e participativa, por isso poucas
intervenções foram feitas por parte da pesquisadora. Somente quando algum
trio apresentava qualquer tipo de dúvida e solicitava uma explicação, era que
a pesquisadora se disponibilizava para ajudar. No mais, os alunos demons-
traram bastante interesse em executar essa atividade. Segundo eles, era a pri-
meira vez que um professor (neste caso sob a figura da pesquisadora) pedia
para que eles elaborassem perguntas sobre o conteúdo visto em sala de aula,
o habitual era somente eles responderem.
Esse fato remete ao que o pedagogo Rubem Alves (2007, p. 24-25)
descreve a respeito de fazer ciência. Para ele, é imprescindível que se estimule
a prática do pensamento por meio do enfrentamento de um problema, pois a
tomada de consciência de um problema é que gera conhecimento. O padrão
geralmente utilizado no sistema de ensino brasileiro é o professor fornecer as
perguntas para o aluno responder sem considerar que:

Todo pensamento começa com um problema. Quem não é capaz


de perceber e formular problemas com clareza não pode fazer ciên-
cia. Não é curioso que os nossos processos de ensino de ciência
se concentrem mais na capacidade do aluno para responder? Você
já viu alguma prova ou exame em que o professor pedisse que o
aluno formulasse o problema? O que se testa nos vestibulares, e o
que os cursinhos ensinam, não é simplesmente a capacidade para
dar respostas? Frequentemente, fracassamos no ensino da ciência
porque apresentamos soluções perfeitas para problemas que nunca
chegaram a ser formulados e compreendidos pelo aluno.

A aula cinco foi reservada integralmente para a aplicação do quiz. Cada


grupo se juntou em um espaço da sala, e as perguntas de cada equipe foram
separadas e devidamente inseridas no saquinho de TNT. A cada rodada, as
perguntas de um grupo eram sorteadas pelos demais com o objetivo de serem

163
respondidas. As rodadas sucederam até que findassem as perguntas. Ganhou
o grupo que acertou mais. Durante a dinâmica, não foi permitida a consulta a
qualquer tipo de material; os grupos “trocavam ideia” entre si para opinarem
sobre a resposta “correta”. Nesse ponto, nota-se que o quiz foi uma importante
ferramenta para socializar o trabalho executado por cada grupo, promovendo
uma forma diferenciada de assimilação do conteúdo (interpretação/compreen-
são de texto e valor semântico das conjunções coordenativas).
Na última aula de aplicação da SD, houve a elaboração da conclusão do
trabalho executado. Além de uma retomada, por meio de uma síntese exposi-
tiva, de tudo o que foi feito nas aulas anteriores, os alunos tiveram a oportuni-
dade de potencializar a troca de experiências e conhecimentos entre eles me-
diante o relato da experiência vivenciada. Para findar as atividades, a própria
pesquisadora aplicou o questionário semiestruturado póstumo com o intuito
de os alunos avaliarem a sequência didática elaborada, promovendo, também,
uma autoavaliação.
Com efeito, ao fim da aplicação da SD, ficou perceptível, pela mudança
de postura frente aos problemas sociais que foram apresentados no texto e às
discussões promovidas durante as aulas, que os alunos se envolveram com
a arte da palavra, de modo que saíram transformados, estimulados, ou como
diria Silva (2010, p. 9), deformados para o seio da sociedade. A respeito desse
“desfazer-se discente”, atribui à literatura e à educação que “se encontram,
e se entrecruzam, no interesse comum de formar, informar e, numa conotação
plena de valores positivos, de-formar o cidadão, pois se trata de ‘deformá’-lo
para uma participação ativa na sociedade”.
O processo de “de-formação” do cidadão pode ser promovido por in-
termédio de diferentes condutas, porém, “ao apresentar uma visão míope, dis-
torcida, esgarçada e opaca sobre a realidade, a linguagem literária, em vez
de subtrair significados, acrescenta realidades suplementares com as quais a
decodificação do mundo e das vivências históricas fica mais segura e com-
preensível” (MARTINS, 2018, p. 111-112).
Partindo do princípio de que toda literatura é uma forma de expressão
da sociedade e de que a visão míope sobre a realidade posta no texto “obriga o
leitor a se deslocar do comodismo de suas verdades” (MARTINS, 2018, p. 111-
112), assegura-se que o cidadão que lê tem seu caráter construído (não só, mas
também) sob a influência das obras lidas e das reflexões que elas promovem.

164
Para Candido (2004, p. 175-176), a experiência com a literatura não
é inofensiva, mas sim uma aventura, como acontece na própria vida real, da
qual ela é imagem e transfiguração, “isso significa que ela tem papel formador
da personalidade”. A obra literária ensina o indivíduo a relacionar-se intra e
interpessoalmente, promovendo autoconhecimento, empatia, enriquecimento
pessoal e intelectual. Nas palavras de Candido (2004, p. 180), “a literatura
desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.

Considerações finais

A partir do conto “Negrinha”, a tríade dos conteúdos proposta por


Zabala (1998) foi abrangida, de modo interdisciplinar, nas aulas de Português
Instrumental. Os alunos tiveram acesso ao conteúdo conceitual, no momento
em que conheceram as conjunções coordenativas e seus possíveis valores se-
mânticos; ao conteúdo procedimental, no momento em que exercitaram a em-
pregabilidade das conjunções coordenativas e a compreensão dos mecanismos
de sentido do texto a partir da elaboração de perguntas e respostas para o quiz;
e ao atitudinal, no momento em que refletiram sobre o racismo e a realidade
social por meio da leitura e interpretação do conto.
Ademais, os alunos relataram que a aula ficou mais dinâmica com o quiz,
e a aprendizagem mais prazerosa; assim, ratifica-se o quanto é pertinente utilizar
a leitura de conto para instigar o aluno, para fazer com que ele tenha condições
de apreciar perspectivas diferentes da sua, promovendo não só o crescimento
pessoal, mas também viabilizando o exercício da empatia. A literatura tem um
caráter auxiliador na compreensão da realidade. Experienciar os sentimentos, os
pensamentos e as atitudes dos personagens faz com que os sentidos humanos
sejam ampliados. Ao recriar a obra na leitura particular dos textos, o leitor cons-
trói significados, refletindo e facilitando a compreensão da diversidade social.
Desse modo, observa-se que o ensino de Português Instrumental a partir
de texto literário (conto) em curso técnico concomitante é uma alternativa edu-
cacional viável para proporcionar aos discentes uma formação mais aproximada
da integral, com vistas à formação de profissionais competentes e de cidadãos
ativos em seu meio social. Outrossim, trabalhar dessa forma pode atenuar a dis-
crepância existente entre a Educação Básica e a EPT, desde que, nesta última,
seja garantida uma abordagem efetiva de aspectos propedêuticos.

165
REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e a suas regras.


12. ed. São Paulo: Loyola, 2007

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 4. ed. Rio de


Janeiro: Ouro sobre azul/ São Paulo: Duas cidades, 2004.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequên-


cias didáticas para o oral e para o escrito: apresentação de um procedimento.
In: SCHNEUWLY, B; DOLZ, J. (Orgs.). Gêneros orais e escritos na escola.
Tradução e organização de Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro. Campinas,
SP: Mercado das Letras, 2004.

FREIRE. Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se comple-


tam. 51. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

MARTINS, Analice de Oliveira. Entremeios: ensaios sobre literatura, cinema


e comunicação. Curitiba: Appris, 2018.

MARTINS, Marcos Francisco. Ensino técnico e globalização: cidadania ou


submissão? Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

SARMENTO, Leila Lauar. Gramática em textos. São Paulo: Moderna, 2000.

SILVA, Maurício. Literatura e experiência de vida: novas abordagens no en-


sino de literatura. Nau Literária: crítica e teoria de literaturas, Porto Alegre,
v. 6, n. 2, jul./dez. 2010. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/NauLiteraria/ar-
ticle/view/14466/11687. Acesso em: 20 set. 2017.

ZABALA, Antoni. A Prática Educativa: como ensinar. Tradução de Ernani


F da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.

166
CAPÍTULO 15
ENSINO DE PRODUÇÃO DE
TEXTOS NO CURSO DE DIREITO:
UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA
DIDÁTICA PARA O GÊNERO
PETIÇÃO INICIAL

Tiago de Aguiar Rodrigues

Introdução

O presente capítulo apresenta uma prática pedagógica construída no


ano de 2016 com estudantes do curso de Direito de uma universidade particu-
lar de Brasília, no Distrito Federal. Na oportunidade, eu ministrava a discipli-
na Língua Portuguesa (doravante LP), obrigatória para esse curso, a qual pro-
punha que os estudantes, calouros à época, tivessem um primeiro contato com
gêneros textuais da esfera profissional – como petição, contestação, sentença
etc., levando-se em conta principalmente o papel preponderante dos textos na
construção do contexto jurídico.
Para tanto, escolhi desenvolver uma sequência didática (doravante SD)
como método para organização das atividades da disciplina. Em linhas ge-
rais, a SD (DOLZ et al., 2004) procura representar, no contexto de ensino,
a sequência em que os textos (jurídicos, acadêmicos etc.) são produzidos em
situações reais de uso. Nessa perspectiva, o professor de LP parte da produção
textual do aluno para extrair dela as discussões sobre a estrutura gramatical e
sobre o(s) discurso(s) produzido(s) pelo texto, compreendido como a materia-
lização de um determinado gênero.
Essa metodologia permite não apenas ao professor mapear mais de per-
to aquilo que os estudantes já sabem, bem como aquilo que eles necessitam
aprimorar; mas também possibilita ao aluno visualizar a conexão umbilical
entre a gramática e o discurso – e, por conseguinte, a língua como produto do
meio social.

167
Para este capítulo, analiso uma petição inicial produzida por grupo de
estudantes a partir do conto Negrinha1, de Monteiro Lobato (1994). Os dados
gerados evidenciam não apenas a importância da criação de contextos de pro-
dução para que os alunos se apropriem “das noções, das técnicas e dos instru-
mentos necessários ao desenvolvimento de suas capacidades” (DOLZ et al.,
2004, p. 82), em especial da escrita; mas, sobretudo, a importância do diálogo
interdisciplinar para a formação crítico-reflexiva dos estudantes – e futuros
profissionais – do século XXI.

A SD como método para produção escrita

Para um ensino mais eficaz de produção escrita, é necessário evidenciar


em sala de aula as múltiplas possibilidades de circulação de textos escritos,
incentivando, assim, “a adoção de estratégias pedagógicas e opções metodo-
lógicas que se constroem como experiências críticas (desconforto e mal-estar
epistemológico de desnaturalização da educação conservadora-domesticado-
ra) e a concretização de vivências dos sujeitos coletivos de direitos” (MEDEI-
ROS et al., 2015, p. 156). Segundo Dolz et al. (2004), a criação de contextos
e a efetividade das atividades é que permitirão aos estudantes a apropriação
adequada das noções, técnicas e instrumentos necessários a uma visão discur-
siva de língua.
Para organizar a distribuição das atividades da forma mais próxima ao
contexto real de uso, os autores sugerem como procedimento a SD: “um con-
junto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno
de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ et al., 2004, p. 96) Dessa forma,
o estudante pode ter, em sala de aula, um simulacro da situação de interação
comunicativa que ocorre nos mais diversos espaços sociais. A finalidade da
SD é, portanto, “ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permi-
tindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada
situação de comunicação” (DOLZ et al., 2004, p. 97).

1 Nesse conto, publicado em livro homônimo em 1920, a personagem principal é uma criança, filha de
ex-escrava, que, após a morte da mãe, passa aos “cuidados” de Dona Inácia, aristocrata da tradicional
família brasileira da época da escravidão. A menina passa por toda sorte de humilhações até que um
dia, depressiva, deixa de comer e acaba morrendo. Esse conto foi escolhido para que os estudantes, por
meio da reflexão “da práxis social, construída na experiência de luta por justiça e por direitos” (ME-
DEIROS et al., 2015, p. 153), debatessem a importância do Direito para as lutas sociais e para o com-
bate à injustiça social.

168
No caso específico de minha experiência com os estudantes de Direito
do primeiro semestre, a intenção era aproximá-los da linguagem empregada
no gênero petição inicial e refletir com eles sobre os fatores sociais, ideoló-
gicos, linguísticos etc. que estão na constituição desse processo, como, por
exemplo, o uso de diversas tipologias textuais. Logo, seguindo o que precei-
tuam Dolz et al. (2004), a SD serviu para dar acesso aos alunos a uma prática
de linguagem ainda nova para eles.
A estrutura básica de uma SD (Dolz et al., 2004) é composta pelas
seguintes etapas: 1) apresentação da situação; 2) primeira produção; 3) módu-
los; 4) produção final.
Na apresentação da situação, o professor descreve, de maneira deta-
lhada, a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão fazer. Na
primeira produção, os estudantes elaboram a primeira versão do texto inicial,
que corresponde ao gênero a ser desenvolvido. Nesta etapa, o professor ma-
peia as capacidades já adquiridas pelos estudantes e projeta exercícios para
reforçar aquilo que não está adequado. Nos módulos, o professor trabalha as
dificuldades dos alunos por meio de exercícios que se relacionam diretamente
com o gênero trabalhado. Por fim, na produção final, o aluno põe em prática o
que aprendeu nos debates feitos em sala de aula, e o professor pode mensurar
os progressos alcançados.

As etapas da SD com os estudantes de Direito

Na apresentação da situação, expus a relação visceral entre o Direito e


a LP, mais especificamente o texto literário, o qual motivou a produção do gê-
nero petição inicial. Com base na narrativa ficcional, os estudantes, reunidos
em grupos com até seis integrantes, deveriam identificar no enredo vivências
sociais que pudessem ensejar a atuação do Direito como forma de manifes-
tação concreta dentro do mundo histórico e social (LYRA FILHO, 1982). No
momento da apresentação da situação, discutimos a respeito do interlocutor da
petição – um juiz de direito –, bem como os procedimentos que fazem parte da
protocolização dela. A estratégia de dispor os alunos em grupos visava favore-
cer a troca de experiências e de vivências pessoais e sociais.
Na primeira produção, em sala de aula, com o meu auxílio, os estu-
dantes identificaram no conto Negrinha, de Monteiro Lobato, o(s) confli-
to(s) jurídico(s) sugerido(s) pelo enredo – como, por exemplo, abandono,

169
maus-tratos, desrespeito às leis trabalhistas, adoção etc. Para tanto, eles ti-
veram de pesquisar previamente no direito canônico, na sociologia jurídica e
em outras fontes que julgassem necessárias como o direito brasileiro debate/
normatiza esses conflitos.
Neste primeiro momento, considerando a importância de incentivar o
estudante a agir “não como um mero expectador, que assimila e se submete
ao conhecimento que lhe é apresentado, mas, acima de tudo, como sujeito que
se apropria do ser/ fazer universitário e protagoniza o processo de construção
dialógica do conhecimento” (MEDEIROS et al., 2015, p. 157), procurei in-
tervir o mínimo possível para que tivessem autonomia de buscar, por conta
própria, as definições que julgassem mais pertinentes para o caso.
Nos módulos, com base na primeira produção dos estudantes, pude ma-
pear aspectos já dominados por eles – como as seções do plano composicional
do gênero petição –, bem como aqueles que demandariam uma maior atenção.
Entre estes aspectos, estava um uso artificial da sintaxe e do vocabulário da LP
– como as expressões insta salientar, inobstante disso, quedou por bem –, o que
me impressionou sobremaneira, dado o fato de os estudantes estarem ainda no
primeiro semestre e já tentarem empregar uma linguagem próxima ao juridiquês.
Nos módulos, então, além do auxílio à organização das ideias e sele-
ção dos argumentos, propus exercícios que discutissem aspectos sociais dos
gêneros em questão: a quem interessava ideologicamente o uso rebuscado
da sintaxe e do vocabulário da LP? O que a legislação brasileira entendia
como fato juridicamente relevante? Quais aspectos sociais ficavam fora desse
conceito? Quem era o magistrado a quem se endereçava a petição? Como a
representação social desse magistrado influenciava no modo como o texto era
escrito? De onde vem essa representação? O que ela revela acerca da história
do Direito no Brasil?
Na produção final, os estudantes tiveram a oportunidade de reescrever a
petição e a apresentaram em forma de sustentação oral, em que os integrantes
dos grupos atuavam como se estivessem em sala de audiência do juizado ou
tribunal. Essa atividade2 foi importante para analisar tanto aspectos extralin-
guísticos, como o vestuário, os gestos, a entonação vocal, quanto linguísticos

2 Infelizmente não houve tempo hábil nem recursos tecnológicos suficientes para gravar a apresentação
oral dos estudantes. Por essa razão, apresento nesta monografia somente o que foi produzido nos gêne-
ros da escrita.

170
– apesar da discussão prévia feita em sala, ainda houve construções bastante
artificiais na fala dos estudantes.

Análise de uma produção textual após


as etapas da SD

Com essa atividade, a minha expectativa era que o estudante saísse do


senso comum, das regras previamente consagradas pelo ordenamento jurídico
hegemônico, e definisse o papel que assumiria no processo de produção es-
crita. Aos alunos competia, portanto, estabelecer o diálogo entre os elementos
do domínio jurídico para aproximar-se da realidade apresentada. Nessa pers-
pectiva, como narrador, o aluno verificou, “em cada uma das situações, como
se dão os valores para os envolvidos na história em que deve agir, como se
avaliam as normas jurídicas, centrais para a compreensão do Direito” (PÜS-
CHEL; GEBARA, 2016, p. 203). Daí a importância do texto literário como
motivador para questões referentes à alteridade.
Segundo Trubilhano e Henriques (2010, p. 288), a petição é o docu-
mento por meio do qual “o autor leva ao conhecimento do juiz a sua versão
sobre os fatos que envolvem a disputa e requer uma prestação jurisdicional
que a solucione”. Ainda segundo Trubilhano e Henriques (2010), a petição é
um requerimento judicial complexo, que demanda larga exposição de fatos e
direitos e que se desenvolve sob as exigências da legislação processual, além
de invocar o Poder Público a sair de sua inércia e exercer jurisdição, pondo
fim ao conflito existente. Para tanto, o autor da petição deve observar o plano
composicional do gênero, o qual está positivado no artigo 319 do Código de
Processo Civil (CPC) (BRASIL, 2015):

1) o juízo a quem a petição é dirigida; 2) informações pessoais


do autor da petição e do réu (nomes, prenomes, estado civil,
profissão etc.); 3) a narrativa dos fatos e os fundamentos jurídi-
cos do pedido; 4) o pedido; 5) o valor da causa; 6) as provas do
que está sendo narrado nos fatos; e 7) a opção do autor para se
realizar audiência de conciliação ou de mediação.

171
Pelo fato de o objetivo da atividade ser introduzir os estudantes ao gê-
nero, com ênfase no debate social e jurídico suscitado pela narrativa, não nos
preocupamos com a seleção rigorosa de doutrinas, legislações e jurisprudên-
cias. Bastou, para tanto, que eles buscassem fontes que embasassem a narrati-
va dos fatos e a argumentação.
Na petição em análise, para atender o item 1 (o juízo a que é dirigida),
o grupo redigiu-o da seguinte forma: “Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara
de Família da Comarca de Ceilândia, no Distrito Federal”. Interessante notar
aqui a localização do local da ação, informação esta que não constava no
conto, mas, por ser necessária para atender os quesitos do gênero, teve de ser
criada pelo grupo. Como eles utilizaram o conto para fomentar uma discussão
de pedido de guarda com antecipação de tutela, dados os maus-tratos sofridos
por “Negrinha”, encaminharam corretamente para a fictícia Vara de Família
da Comarca de Ceilândia.
Para atender o item 2 (a identificação das partes), o grupo acrescentou
ao enredo uma personagem que não consta no conto: Cláudia Maria de Souza,
tia de “Negrinha”, a autora da ação, que requeria a guarda da criança. Além
disso, o grupo acrescentou a nacionalidade, profissão, dados de registro, ende-
reço da requerente (“Cláudia Maria de Souza, brasileira, funcionária pública,
portadora no RG n. 4087962 e do CPF n. 055.971.951-03, residente e domi-
ciliada na Avenida X, n. 651, Bairro Y, cidade Z (...)”); bem como os dados
de “Dona Inácia”, que nesta recontextualização3 se tornava requerida: “(...)
Maria Inácia da Silva, brasileira, solteira, aposentada, portadora do RG (...)”.
Por fim, o grupo dá uma identidade jurídica a “Negrinha”, que no conto
não tem nome: “Raquel Coelho de Souza, brasileira, menor impúbere (...)
atualmente sob a guarda de Maria Inácia da Silva (...)”. Nesse ponto, é interes-
sante observar que o grupo teve sensibilidade para identificar a personagem,

3 Para este trabalho, consideramos contexto como “construtos dos participantes, subjetivos, embora so-
cialmente fundamentados, a respeito das propriedades que para eles são relevantes em tal situação, isto
é, modelos mentais” (VAN DIJK, 2012, p. 87). Segundo Van Dijk (2012), na construção do contexto – e
na recontextualização –, os usuários da língua recorrem a modelos da experiência do dia a dia, os quais
estão representados em suas memórias episódicas. Logo, são os contextos que controlam muitos aspec-
tos da compreensão de textos e falas, o que nos leva a crer que “os usuários da língua não estão apenas
envolvidos em processar o discurso; ao mesmo tempo, eles também estão engajados em construir di-
namicamente sua análise e interpretação subjetiva on-line.” (VAN DIJK, 2012, p. 87). Assim, a recon-
textualização proposta na atividade pretendeu levar os estudantes a refletir que “a posição de advogado,
a de juiz, a de promotor, dentre outras, determina tipos de estratégia, inserção e impacto do texto no en-
sino e, dessa forma, a ação que esse ator do Direito imprimirá” (PÜSCHEL; GEBARA, 2016, p. 202).

172
o que demonstra a importância desse aspecto para que qualquer pessoa possa
reivindicar direitos.
Para atender o item 3 (a narrativa dos fatos e os fundamentos jurídi-
cos do pedido), a seção mais significativa para a atividade, tendo em vista
que envolve recontextualização dos fatos do conto para os fatos jurídicos,
o grupo procedeu a mudanças significativas para adequar a uma situação
real de Direito. No primeiro parágrafo, o grupo sinalizou o nascimento de
Raquel Coelho, filha de uma ex-empregada doméstica de Dona Inácia, Clo-
tilde Maria de Souza, que faleceu em decorrência de problemas de saúde.
A ex-empregada tinha vínculo trabalhista com Dona Inácia, como comprova
uma imagem de carteira de trabalho que o grupo anexou ao final da peça.
Aqui vemos a primeira mudança significativa em relação ao conto: Dona Iná-
cia mantinha uma relação de semiescravidão com a mãe de “Negrinha”, que
também não tinha nome no conto. Este fora escrito no início do século XX
e, para recontextualizá-lo, os estudantes fizeram uma adaptação na história
para torná-la mais verossímil à Consolidação das Leis Trabalhistas brasileira
(CLT), promulgada na década de 1940.
No segundo parágrafo, o grupo selecionou passagens do conto que
evidenciassem fatos jurídicos relevantes para justificar a perda da guarda de
Dona Inácia:
Raquel cresceu aos ‘cuidados’ de Maria Inácia. Patroa rica e so-
berba, não teve os devidos cuidados necessários para a educação
da criança, que sofreu durante todos estes anos preconceito e
torturas, além de ter sua vida privada, por Maria Inácia, de laze-
res, experiências, alimentação adequada a uma educação digna
e de qualidade.

No terceiro parágrafo, há a recontextualização de um episódio emblemá-


tico do conto: o momento em que Dona Inácia, para punir Negrinha, que protes-
tara contra o furto de um pedaço de carne de seu prato, pega um ovo quente e o
joga dentro da boca da criança, provocando, assim, uma série de queimaduras
nela. O grupo recontextualizou essa passagem da seguinte forma:

No dia 22/1/2013, uma vizinha ouviu gritos na casa da senhora


Maria Inácia, foi até a casa dela verificar o que estava acontecen-

173
do e presenciou a patroa torturando a garotinha: ovos recém-
cozidos inteiros estavam sendo colocados pela patroa na boca
da indefesa garota; a tortura provocou queimaduras graves na
boca da menina (grifos meus)

Interessante observar a presença de uma nova personagem no enredo:


uma vizinha, testemunha da “tortura” perpetrada contra a “garotinha”, a “in-
defesa garota”. Para comprovar as queimaduras – o que demonstra também
uma mudança de perspectiva em relação ao conto – o grupo anexou ao final
do trabalho uma foto de uma criança com a boca queimada.
Ainda em relação ao item 3, o grupo selecionou, como fundamento para
a seção dos direitos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL,
1990), com destaque para o artigo 33, que dispõe sobre a obrigação de prestar
assistência, em diversos âmbitos, às crianças e aos adolescentes, algo que, de
acordo com a narrativa apresentada, não foi observado; e para o 73, em que há
uma antecipação daquilo que será solicitado na seção “Dos pedidos”: a perda
da guarda da menor.
Para atender o item 4 (o pedido com suas especificações), o grupo so-
licitou o seguinte:

Posto isto, requer seja por Vossa Excelência recebida a presente


e determinado:
a) Seja citada a demandada para contestar a presente ação no
prazo legal, sob pena de revelia;
b) Seja concedida a liminar da guarda da menor Raquel Coelho
de Sousa à requerente, a fim de que permaneça na responsabili-
dade da tia até a decisão final desse juízo;
c) Seja feita a intimação do representante do Ministério Público;
d) Seja requerida a procedência da presente ação e decretada a
guarda definitiva da menor à demandante;
e) Seja feita a designação de audiência para a oitiva dos reque-
rentes e das testemunhas abaixo arroladas;
f) Seja julgada totalmente procedente a ação; sendo conferida
aos requerentes a guarda de Raquel Coelho Sousa, a fim de re-
gularizar a posse de fato;

174
g) Requer, ainda, a condenação da requerida ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios;
h) Requer a produção de todos os meios de provas admitidas em
direito, especialmente pela documental em anexo, depoimento
pessoal dos requerentes e testemunhal abaixo arrolado.

Nos pedidos, há coerência com o que foi narrado nos fatos e com a le-
gislação apresentada. As alíneas a e e obedecem ao princípio constitucional da
ampla defesa. A importância deste princípio foi debatida em sala de aula: por
mais hediondo que se aparente um crime, seu autor tem o direito de apresentar
outra visão dos fatos, a fim de que injustiças sejam minimizadas. Na alínea b,
o justo requerimento de que a criança não fique mais sob os maus-tratos da tu-
tora e passe a conviver um lar harmônico. A alínea c enfatiza a importância do
Ministério Público para acompanhar a lisura de todo procedimento jurídico,
dispositivo presente também no CPC (BRASIL, 2015).
Por fim, os estudantes anexaram à petição documentos que visavam
dar credibilidade para os fatos narrados: certidão de nascimento da menina
Raquel; certidão de óbito e carteira de trabalho de Clotilde; fotos que denun-
ciariam as agressões sofridas por Raquel.

Considerações finais

Na medida em que os estudantes produziram a petição levando em


conta múltiplos aspectos sociais envolvidos no processo de produção textual,
considero que a atividade foi exitosa em seu propósito. A SD se mostrou uma
metodologia eficiente para aproximar a teoria apresentada na sala de aula aos
contextos reais de uso da língua, o que mostrou aos estudantes que a produ-
ção escrita vai além da mera memorização de normas jurídicas e gramaticais,
o que implica uma visão de Direito que reflita a “pluralidade de ordenamentos
que aspiram a definir o que é propriamente jurídico, isto é, o direito válido,
eficaz e corretamente formalizado” (LYRA FILHO, 1982, s/p).
Ademais, a SD permitiu oferecer aos estudantes discussões dialógicas
de textos jurídicos, englobando, assim, o caráter social e discursivo das dis-
cussões jurídicas. Consequentemente, demonstrou-se ser possível distribuir
as atividades de produção de texto sistematicamente em torno de gêneros

175
textuais que revelam os meandros da interação social real, o que contribui
para evidenciar os fatores sociais, ideológicos, linguísticos etc. que estão na
constituição desse processo, aproximando-se, pois, o estudante de Direito de
gêneros textuais que farão parte da carreira profissional dele e que são instru-
mentos importantes de luta e conquistas sociais, como no caso fictício – mas
muito próximo da realidade brasileira – da menina do conto “Negrinha”.
Assim, este trabalho reforça a necessidade de um ensino cada vez
mais interdisciplinar para a formação de profissionais críticos, que sejam ca-
pazes de “refletir sobre sua própria responsabilidade cidadã, proporcionan-
do ao mesmo tempo a capacidade de produzir conhecimento a partir desse
compromisso” (PASTANA, 2009, p. 72). O diálogo LP-Direito é, pois, uma
contribuição progressista para as transformações incessantes pelas quais o
Direito inevitavelmente passa, na medida em que ele é enquanto vai sendo
(LYRA FILHO, 1982).

REFERÊNCIAS

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ca, [2015]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Presidência


da República, [1990]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L8069compilado.htm. Acesso em: 13 mar. 2020.

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ção e prática. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2015. p. 151–212.

PASTANA, Débora Regina. Justiça penal no Brasil contemporâneo: dis-


curso democrático, prática autoritária. São Paulo: Ed. UNESP, 2009.

PÜSCHEL, Flávia Portella; GEBARA, Ana Elvira L. História jurídi-


ca e argumentação: a construção de argumentos jurídico-dogmáticos.
In: PINTO, Rosalice; CABRAL, Ana Lúcia Tinoco; RODRIGUES, Maria das
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TRUBILHANO, Fábio; HENRIQUES, Antônio. Linguagem jurídica e ar-


gumentação. São Paulo: Editora Atlas, 2010.

VAN DIJK, Teun A. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva.


São Paulo: Contexto, 2012.

177
CAPÍTULO 16
A CONSTRUÇÃO DA
ARGUMENTAÇÃO EM REDAÇÕES
DISSERTATIVAS PRODUZIDAS
POR ADOLESCENTES A PARTIR
DOS PROCESSOS DE (INTER)
SUBJETIVAÇÃO E AS ESTRUTURAS
DO DISCURSO IDEOLÓGICO (ECDS)1

Maria Cristina Morais de Carvalho

Introdução

Neste capítulo analisamos os efeitos de sentido que as perífrases de ge-


rúndio do tipo acabar + v-ndo assumem em gêneros argumentativos no PB,
especificamente como essas estruturas linguísticas concorrem para a construção
da (inter)subjetivação (TRAUGOTT; DASHER, 2005) dos sentidos negociados
entre os interlocutores, promovendo novos usos, a partir da Linguística Centrada
no Uso (LCU) (TRAUGOTT; DASHER, 2005; BAYBEE, 2010; MARTELO-
TTA, 2011; OLIVEIRA, 2012). Esse paradigma teórico correlaciona as estru-
turas linguísticas e o contexto (OLIVEIRA, 2015), e o diálogo com os Estudos
Críticos do Discurso (ECD) (VAN DIJK, 2000; 2006; 2015) torna-se produtivo.
Diante disso, os dados analisados são redações dissertativas sobre a se-
xualidade na adolescência, produzidas por alunos de uma escola pública da
Ceilândia- DF2, a partir do constructo teórico-metodológico das sequências
didáticas (SD’s) (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004). Apresento a
seguir, os conceitos teórico-metodológicos que fundamentam este estudo, os
procedimentos de geração de dados, a análise e considerações finais.

1 Este artigo é resultado de parte de reflexões desenvolvidas no meu processo de doutoramento que re-
sultou na minha tese defendida no ano de 2018 na Universidade de Brasília (CARVALHO, 2018).
2 Sempre adotei na minha prática pedagógica as Sequências Didáticas (SDs) (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004) como constructo teórico-metodológico, e os dados que apresento neste artigo re-
sultam de uma SD planejada e aplicada no terceiro bimestre de 2015 quando eu era professora da escola
pública em questão. Esses dados são parte do meu corpus de análise.

178
A LCU e os ECD em diálogo: a (inter)
subjetivação e as estruturas do discurso
ideológico

Na LCU a língua é vista como um sistema complexo adaptado aos usos


linguísticos (HOPPER, 1987; BYBEE, 2010). Desse modo, a mudança lin-
guística é um dos princípios desse arcabouço, que ocorre a partir dos novos
significados que os falantes atribuem às construções durante as trocas inte-
rativas. Os novos padrões são processados cognitivamente, repetidos e mo-
dificados novamente em situação de interação. A LCU considera, portanto,
a dimensão cognitiva da linguagem humana, porém no âmbito da cognição
social (TOMASELLO, 2003).
Nesse sentido, Traugott e Dasher (2005) também defendem a ideia de
que os significados são convencionalizados e reanalisados pelos falantes pelos
mecanismos de subjetivação e intersubjetivação. Esses conceitos, segundo os
autores, relacionam-se às ideias de Benveniste (1976, p. 286) em torno da
subjetividade, que é “a capacidade do locutor se propor como sujeito”. Para
Traugott e Dasher (2005), na subjetividade o falante mais que seleciona as
estruturas sintáticas, ele também seleciona a expressão desse conteúdo em
função dos seus propósitos.
Benveniste (1976, p. 286) também afirma que o diálogo é condição
de existência do sujeito, pois “não emprego um eu a não ser dirigindo-me
a alguém, um tu” e isso pressupõe a intersubjetividade, ou seja, a expressão
voltada para as expectativas do ouvinte. E, no ato comunicativo, os falantes
negociam os significados, segundo suas intenções e expectativas. Traugott
(2010) entende que a (inter) subjetividade relaciona-se ao modo como falan-
te expressa suas atitudes e crenças, considerando as concepções do ouvinte,
pois as expressões intersubjetivas são construídas para os falantes tentarem
influenciar o posicionamento dos interlocutores, tal como um jogo retórico,
o que é muito produtivo em gêneros de orientação argumentativa.
No entanto, apesar de reconhecer as trocas interativas/discursivas dos
falantes como fundamentais para a constituição da língua, essa visão de dis-
curso da LCU não contempla como se dá as relações de poder presentes nas
práticas sociais dos falantes, materializadas na língua. Mesmo quando Trau-
gott e Dasher (2005, p. 3) sugerem que a possibilidade da mudança linguística

179
está sujeita à “mudanças de estilos de vida e ideologias”, a LCU pouco aborda
a relação entre o uso da língua e relações e abuso de poder e ideologias.
Nesse sentido, as contribuições dos Estudos Críticos do Discurso
(ECD) de Van Dijk (2000; 2006; 2015) são pertinentes para este estudo, visto
que investiga a relação entre “as propriedades típicas do micronível da escrita,
fala, da interação e das práticas semióticas a aspectos típicos do macronível da
sociedade como grupos, organizações ou outras coletividades e suas relações
de dominação” (VAN DIJK, 2015, p. 9). Outro ponto relevante é a associação
entre ideologia e cognição social, pois, para o autor, a ideologia, enquanto
cognição social, não é um sistema de crenças e valores individuais, mas sim o
coletivo que são “selecionados, combinados e aplicados de forma a favorecer
a percepção, interpretação e ação nas práticas sociais”.
Desse modo, para van Dijk (2000), a ideologia está presente em pra-
ticamente todas as estruturas de texto, sendo que os sentidos são altamente
permeados pelas nossas representações ideológicas. Para isso ocorrer, o autor
propõe a existência de estratégias discursivas para conferir aos sentidos bases
ideológicas. Essas estratégias são as seguintes estruturas do discurso ideológi-
co (VAN DIJK, 2000, p. 45): “tópico; implicações e pressuposições; coerência
local; sinônimos e paráfrases; contraste; exemplos e ilustrações; isenções de
responsabilidade; atores; modalidade; evidencialidade; vagueza e imprecisão
e topoi”). A partir dessas propriedades do discurso ideológico, é possível ana-
lisarmos como os efeitos de sentido das perífrases de gerúndio podem ser ana-
lisadas em termos discursivos que os pressupostos da LCU não contemplam,
até porque essas propriedades, bem como os pressupostos dos ECD, estão
totalmente afinados com a proposta da LCU, fazendo parte do nosso arcabou-
ço teórico. Apresentamos na seção a seguir o referencial metodológico que
norteou a nossa geração e análise de dados.

Referencial metodológico e a geração


de dados na prática de ensino

O referencial teórico da LCU prevê, segundo Oliveira (2012), uma


aproximação com os procedimentos metodológicos qualitativos, visto que a
concepção de língua voltada para o uso e a interação exige uma abordagem
holística. Desse modo, o tratamento qualitativo de coleta e de análise de dados
será o referencial metodológico central deste trabalho. Em relação aos ECD,

180
van Dijk (2015) afirma que a metodologia adotada nos estudos críticos do dis-
curso é bem diversificada, em que vários métodos podem se sobrepor.
Desse modo, a pesquisa foi sistematizada por meio das Sequências Di-
dáticas (doravante SDs), uma proposta sugerida por Dolz, Noverraz e Sch-
neuwly (2004, p. 97) de ensino dos gêneros textuais orais e escritos na organi-
zação da rotina escolar. As SD’s são “um conjunto de atividades organizadas,
de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou escrito”.
Os dados selecionados para esta pesquisa foram resultados de uma SD
aplicada em Classes de Distorção Idade/Série (CDIS)3 de uma escola pública
no Sol Nascente (Ceilândia-DF). Na sequência didática, aplicada entre os dias
04/09/2015 e 02/10/2015, os estudantes produziram uma dissertação escolar
sobre o tema “o adolescente e a sexualidade”. No quadro a seguir, as etapas
realizadas na SD4:

Quadro 1 - Etapas da sequência didática da dissertação escolar

Apresentação da situação de produção: A partir da leitura do roman-


ce A moreninha de Joaquim Manoel de Macedo. Os alunos debateram
sobre as diferenças do comportamento dos jovens de antigamente e dos
dias atuais, assim como foram estimulados a refletir que a argumenta-
ção é um exercício corriqueiro, presente em diversas situações, tanto
em textos orais quanto escritos e que o objeto de estudo nessa SD seria
a dissertação escolar, um gênero escrito.

Produção inicial: Os alunos elaboraram uma entrevista sobre o com-


portamento dos jovens na adolescência dos professores e os entrevis-
taram. Os resultados das entrevistas foram discutidos em sala de aula

Módulos de leitura, interpretação e compreensão do gênero: leitura,


interpretação de notícias, reportagens, textos informativos e disserta-
ções escolares sobre o tema proposto.

3 No ano de 2015, fui professora-regente de três turmas de Classes de Distorção Idade Série (CDIS) em
uma escola pública da Ceilândia - DF. Essas turmas são destinadas aos estudantes na faixa etária de 13 a
17 anos e que reprovaram pelo menos duas vezes nas séries finais do Ensino Fundamental (DISTRITO
FEDERAL, 2012).
4 Essa SD foi adaptada ao contexto da turma e da escola.

181
Produção final: Produção de uma redação dissertativa escolar sobre o
tema “a sexualidade do jovem atual”.

Fonte: Carvalho, 2018, p.167-170.

As atividades supracitadas foram realizadas nas 3 turmas de CDIS nas


quais eu fui professora-regente. Coletei, aproximadamente, 90 textos, que fo-
ram lidos e selecionados de acordo com ocorrências de perífrases de gerúndio
presentes nos mesmos. Os critérios de análise qualitativa foram os seguintes:

1) Os efeitos da (inter)subjetivação na construção dos sentidos


das perífrases de gerúndio no contexto da redação dissertativa.
2) Estruturas do discurso ideológico (DIJK, 2000).

A partir dos critérios estabelecidos, a seção a seguir apresenta alguns


dos resultados da análise.

Análise de dados

Nesta seção, selecionamos uma amostra representativa dos textos gera-


dos a fim de aplicar os critérios de análise ao texto disposto a seguir:

TEXTO 1- REDAÇÃO DISSERTATIVA

A sexualidade dos jovens de hoje emdia eles so querem fazer sexo sem
saber e acaba engravidano e acaba abortano ou eles nem poden abor-
ta elas cuidão com a ajuda da mãe por que o namorado esta preso e
quando o namorado não esta presso ele tem vez que fala que o filho não é
dele e acaba fugino e a menina se acaba siferrano cuidano da criança soci-
nha sem trabalho e ela acaba arrumano um namorado que e bandido e as veis
eles pode ate trabalhar e acaba engravidano a menina novamente e o rapas vai
acaba cuidano das duas crianças. E tei muitas mães que colocão as crianças
que são os jovens para fora de casa as meninas vão morar mais o namorado que
acaba discutino e depois acaba em briga e as ves acaba em morte quando o na-
morado sai da cadeia ele mata as duas pessoas

G.P.S-CDIS B

182
O texto em tela chamou a minha atenção devido às ocorrências exclu-
sivas da perífrase do acabar +v-ndo. A redação dissertativa em análise se
organiza a partir do frame5: o adolescente pratica sexo sem pensar nas con-
sequências, e a argumentação é marcada linguisticamente pelo princípio da
iconicidade de ordenação linear pela perífrase acaba+V-ndo, pois os eventos
expressos por meio da perífrase são dispostos no texto respeitando a ordem
dos eventos que ocorrem no mundo.
Outro ponto relevante no texto, é que as perífrases do texto estão in-
tegradas em relação de parataxe por adição. Isso é muito significativo, pois,
para além de manter a coesão, a relação semântica de adição também revela a
expressão da (inter)subjetividade, a fim de reforçar o ponto de vista do leitor
do texto do estudante sobre o tema.
De acordo com Cavalli (2014), construções perifrásticas acabar+v-ndo
é um aspectualizador em processo de gramaticalização no PB, ou seja, aca-
bar está se tornando um auxiliar que marca o aspecto do verbo principal. No
entanto, em acaba engravidando e acaba abortano, acaba marca o aspecto
perfectivo terminativo, que é interpretado como a consequência do ato de ser
inconsequente. Desse modo, o aspecto não é apenas a expressão do tempo
interno da enunciação (CASTILHO, 2010; TRAVAGLIA, 2015), mas está a
serviço da expressão da (inter)subjetividade, pois o estudante sabe que o pro-
pósito de uma redação dissertativa é convencer o leitor de seu ponto de vista
sobre um tema, e ele espera que o seu leitor tenha a mesma leitura que ele.
Dado o contexto de produção da redação dissertativa, as demais perífra-
ses que estão integradas ao trecho inicial correspondente ao tópico frasal tem o
aspecto alterado, pois é possível interpretá-las como imperfectivas, pois, ao en-
gravidar, a adolescente sofre uma série de consequências contínuas em sua vida,
que tendem a se agravar, caracterizando o aspecto imperfectivo progressivo.
Essa leitura imperfectiva progressiva é sustentada por uma relação metonímica
na qual o aspecto progressivo do verbo no gerúndio é estendido para a perífrase.
Contudo é preciso realçar que este o mecanismo da inter(subjetivação)
ocorre inicialmente em contextos isolados e pode ser aceito socialmente e vir a
ser propagado; porém, isso depende de fatores sociais. Em outras palavras, isso
quer dizer que não é possível generalizar essa mudança semântica a partir da ob-

5 Segundo Ferrari (2011, p.50), frame, conceito criado por Fillmore, é “um sistema estruturado de conheci-
mento, armazenado na memória de longo prazo e organizado a partir da esquematização da experiência”.

183
servação de um único dado. É necessário, portanto, analisar outras ocorrências
da perífrase em textos pertencentes ao mesmo gênero textual para afirmarmos se
essa mudança semântica, nesse contexto de uso, é recorrente no PB.
Por fim, o texto em análise estabelece um diálogo com as estruturas
do discurso ideológico (VAN DIJK, 2000), pois, o tempo todo, o aluno re-
fere-se de modo genérico aos adolescentes, utilizando substantivos como
jovem, menina, namorado, sem fazer qualquer referência direta, além do uso
constante do pronome de terceira pessoa eles. Além da imprecisão do dis-
curso, entendemos que o uso dessas estratégias de imprecisão também recai
no contraste entre nós e eles, conforme van Dijk (2000) aponta. Isso quer di-
zer que o estudante é impreciso para se distanciar dessa realidade, ou seja, os
jovens em geral se comportam assim, mas o adolescente autor do texto, não.
Os topoi, que são definidos como “lugares-comuns” na argumentação
também se fazem presente no enunciado, haja vista que o aluno fala do lugar
comum da sua experiência de vida. Na região da escola e do local onde o
adolescente morava na época da pesquisa, o índice de gravidez na adolescên-
cia, famílias monoparentais lideradas pela mãe ou arranjos familiares fora da
configuração tradicional, com a figura de vários padrastos no decorrer da vida
das crianças e adolescentes, por exemplo, eram altos.
Outro dado relevante, arrolado a partir do trabalho etnográfico6 desenvol-
vido na escola, durante a pesquisa de doutorado, que revela os topoi no texto
do estudante, foi o alto índice de abortos na comunidade. No desenvolvimento
dos trabalhos da II Mostra de Ciência e Cultura7, alunos do nono ano da escola
fizeram uma entrevista estruturada com os demais estudantes da escola sobre
sexualidade na adolescência8. Dentre as perguntas do questionário formulado
estava a que os alunos deveriam dizer se conheciam algum caso de aborto.
Todas as turmas da escola foram entrevistadas, inclusive as turmas de
CDIS, e nessas turmas, 77% dos alunos afirmaram conhecer algum caso de
aborto, o que mostra que a relação de causa e consequência entre gravidez e

6 A pesquisa qualitativa prevê a inserção de vários métodos de pesquisa. Durante a pesquisa de doutora-
do, também realizei uma pesquisa de cunho etnográfico.
7 A Mostra de Ciência e Cultura era um projeto da escola pesquisada, previsto no PPP, em que os alunos
escolhiam um tema para desenvolver um projeto.
8 Trabalho orientado pela professora Ludmilla Seldmeier Morgado. Nossos agradecimentos pela colabo-
ração na nossa pesquisa.

184
aborto, para esse grupo, é um topoi. Outro dado que confirma isso, é a recor-
rência desse tema no universo das redações, a construção perifrástica acaba
abortano não ocorreu apenas nesse texto.
Nos demais enunciados em que a perífrase acaba+ v-ndo, o aluno apon-
ta as possiblidades quando a adolescente não pratica o aborto, e, em todas elas
há uma sequência de topoi mostrando a perspectiva de mundo do estudante
de que a mãe adolescente sempre sofre as consequências ao assumir sozinha a
criação da criança (ele tem vez que fala que o filho não é dele e acaba fugino e
a menina se acaba siferrano cuidano da criança socinha), ou que se envolve
com outro namorado envolvido com a criminalidade e engravidar novamente
(e ela acaba arrumano um namorado que e bandido e as veis eles pode ate
trabalhar e acaba engravidano a menina novamente e o rapas vai acaba cui-
dano das duas crianças) e entrando em um ciclo de violência doméstica (E tei
muitas mães que colocão as crianças [...] as ves acaba em morte,).
Analisando o texto como um todo, é possível observar que a argumen-
tação é sustentada linguisticamente pela sequência de perífrases. A premissa
de que ao fazer sexo sem orientação acarreta em gravidez, pode ser conduzida
sob duas possibilidades, o aborto ou a continuidade da gravidez. O aluno,
para enfatizar as consequências negativas dessa gravidez não planejada cria
essa sequência de acarretamentos materializados nas construções perifrásticas
do tipo acabar + v-ndo, que acionam sentidos convencionalizados via (inter)
subjetivação e também acionam estruturas do discurso ideológico, sobretudo
a vagueza e imprecisão e os topoi, reproduzindo tabus e preconceitos do uni-
verso da sexualidade na adolescência.

Considerações finais

A análise da construção da argumentação do texto produzido pelo estu-


dante G. mostrou que a perífrase do tipo acabar +v-ndo no tópico frasal apre-
senta leitura aspectual perfectiva, mas quando está na argumentação do texto
possui leitura aspectual imperfectiva progressiva. Essa mudança de aspecto
sugere uma (inter)subjetivação, mostrando as consequências da gravidez na
adolescência a longo prazo, especialmente para a adolescente, a fim de tornar
o seu texto mais convincente para o seu leitor. A vagueza e a imprecisão a
partir do uso de termos genéricos revela um distanciamento do estudante da

185
realidade da sua comunidade. Há também no texto a presença dos topoi que
banalizam preconceitos e tabus sobre a sexualidade e a gravidez precoce.
Diante dessas reflexões, algumas questões ainda podem ser explora-
das em trabalhos posteriores. Uma delas são os efeitos da prática educativa,
visto que é possível trabalhar com estudantes da Educação Básica os efeitos
de sentido das estruturas linguísticas, como estas podem “trabalhar questões
linguísticas com base em seus propósitos discursivo-pragmáticos, vinculados
a práticas sociais situadas” (FURTADO DA CUNHA et al., 2014, p. 84).

REFERÊNCIAS

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Parábola Editorial, 2011.

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188
CAPÍTULO 17
O SINTAGMA NOMINAL (NU)
NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Bruno Pilastre de Souza Silva Dias


Karolainy Moreira dos Santos

Introdução

Este trabalho busca caracterizar, de modo introdutório e didático,


a estrutura do sintagma nominal (SN) em português. Por meio dessa caracte-
rização, esperamos subsidiar práticas interdisciplinares de ensino de língua
portuguesa como língua materna ou como segunda língua. Seguimos os pres-
supostos do Programa Gerativista (CHOMSKY, 2008) e da Semântica Formal
(MULLER, 2003). Mais especificamente, caracterizamos o comportamento
sintático e semântico do SN com e sem a presença de determinante. Ao SN
que ocorre sem a presença de um determinante, como em (1) e (2), a literatura
linguística formalista adota o termo nominal nu.

(1) Criança gosta de doce.


(2) Brasileiro gosta de futebol.

Neste primeiro momento, caracterizamos o português brasileiro e a


classe dos nomes comuns. Sintaticamente, realizamos a descrição do sintag-
ma nominal à luz do Estruturalismo e do Gerativismo (de acordo com a Teoria
X-barra). Semanticamente, adotamos a distinção entre as noções de denota-
ção e referência.
Nossa descrição também considera três posições sintáticas em que o
Sintagma Nominal (SN) pode ocorrer: de sujeito, de complemento verbal e
de adjunto.

189
Metodologicamente, adotamos a introspecção para analisar as constru-
ções em que há a presença de nominais nus. Consideramos, com Perini (2006),
que estudar uma língua é estudar um fenômeno psicológico – não observável,
portanto, de modo direto. Nessa perspectiva, defendemos que a produção e
o julgamento dessas sentenças pelo próprio pesquisador são válidos para a
comprovação ou não de certo fenômeno linguístico.
Ao fim de nossa exposição, sugerimos caminhos para o trabalho das no-
ções teóricas aqui apresentadas em contextos reais, principalmente em práticas
didáticas de língua portuguesa como língua materna ou como segunda língua.

O sintagma nominal no Estruturalismo

A noção de sintagma tem origem nos estudos estruturalistas. Nessa cor-


rente linguística, sintagma é definido como a unidade linguística composta
de um núcleo e de outros termos que a ele se unem, formando um constituin-
te sintático. A natureza do sintagma depende do tipo de elemento que figura
como núcleo – e, no caso do sintagma nominal, o núcleo pode ser um pronome
pessoal (3), um nome próprio (4) ou um nome substantivo comum (5):

(3) Ele foi às compras logo após o pagamento.


(4) A Micheline entregou a prova aos alunos.
(5) A proprietária fechou a loja por causa dos protestos.

Não discutiremos as propriedades dos sintagmas nominais cujo núcleo


seja um pronome ou um nome próprio – interessa-nos os sintagmas nominais
cujo núcleo é um nome comum.
Na descrição estruturalista, o SN em português apresenta-se como nesta
formulação: SN -> [(Det) (Mod) N (Mod)]
Nessa descrição estruturalista, apresenta-se o sintagma nominal tal qual
o observamos nos dados concretos da língua e se busca por uma espécie de
fundo estrutural comum a todo tipo de sintagma nominal. Trata-se, portanto,
de uma forma empirista de se descrever esse constituinte.
Em nosso trabalho, buscamos apresentar o sintagma nominal em outra
perspectiva, a denominada racionalista, na qual a corrente teórica gerativismo
se funda.

190
O sintagma nominal no Programa Gerativista

No Programa Gerativista, defende-se a ideia de que todos os seres hu-


manos possuem uma Faculdade da Linguagem e se assume que a capacidade
de desenvolver a linguagem é uma habilidade inata da espécie humana. Nessa
linha teórica, designa-se por Faculdade da Linguagem um módulo da mente/
cérebro dedicado ao conhecimento e ao uso da linguagem, a qual corresponde
a um estado mental inicial: a Gramática Universal (GU).
Para nós, a caracterização dos SN na perspectiva gerativista é mais
vantajosa, nomeadamente por explicar satisfatoriamente fenômenos de
aquisição de língua (materna e segunda língua). No gerativismo, o proces-
so de aquisição de uma língua ocorre como consequência da interação en-
tre o estado mental inicial (Gramática Universal) e a experiência, ou seja,
o contato direto com a língua que será adquirida pelo falante. Essa “gramá-
tica universal”, em conjunto com o input, apresenta uma relação direta com
as construções em que há a presença de nominais nus, por exemplo, pois
todas são manifestações da linguagem, ou seja, da gramática universal. Na
sequência de nossa exposição, vamos discutir a estrutura do sintagma nomi-
nal na Teoria X-barra.
A Teoria X-barra é compreendida como um módulo da gramática (e da
mente) encarregado de mostrar como um sintagma é estruturado. A partir des-
se modelo teórico, o linguista é capaz de explicar a natureza do sintagma, as
relações que se estabelecem dentro dele e o modo como os sintagmas (e suas
partes) se hierarquizam para formar a sentença.
Na representação sintagmática do SN “O cachorro”, temos que o nú-
cleo lexical cachorro forma um constituinte (um sintagma, o Sintagma Nomi-
nal (em inglês, Noun Phrase)). Esse sintagma nominal é complemento de um
determinante (D), o artigo definido masculino o. A junção o (D) + sintagma
nominal cachorro (NP) forma a projeção intermediária D’, que por sua vez
forma o sintagma determinante DP (do inglês Determiner Phrase).
O sintagma nominal pode ou não possuir um determinante (e D estará
preenchido). É possível, no entanto, que o sintagma nominal DP não tenha
D preenchido, sendo por isso denominado nu. É o caso do sintagma nominal
“cachorro”, em “cachorro late muito”.

191
Passamos, agora, à distinção semântica entre os sintagmas nominais
com determinante manifesto e os sintagmas nominais sem determinante mani-
festo (os nominais nus).

Descrição semântica dos nominais nus

Os estudos contemporâneos sobre a semântica dos nominais são for-


temente influenciados pelos trabalhos derivados de Russel (1905). Pelo forte
viés filosófico desses trabalhos, optaremos por uma abordagem mais didática
e introdutória, tal como exposta em Raposo (2013), o qual distingue referên-
cia de denotação.
Para Raposo (2013), referência (ou capacidade referencial) é a pro-
priedade que têm algumas expressões linguísticas de designarem uma enti-
dade particular ou um grupo particular de entidades do universo do discurso.
Assim, diz-se que a expressão referencial refere essa entidade particular ou
grupo particular de entidades. A entidade ou grupo de entidades, por sua vez,
é denominada o referente da expressão referencial. Um exemplo de sintagma
nominal referencial é o seguinte:

(6) Eu vou chamar o guarda que está ali.

Em (6), o enunciador conhece previamente a existência de um guarda


particular, específico (não se faz referência, assim, à classe dos guardas). Com
isso, como notado na filosofia da linguagem, a referência é vista como um
atributo do enunciador.
No entanto, não são todos os sintagmas nominais que possuem referên-
cia. Há casos como os em (7), a seguir, em que o nome comum cachorro não
se refere a nenhum representante concreto da classe dos cachorros:

(7) Cachorro late muito.

Em (7), o sintagma nominal possui duas interpretações: (a) cachorro


representa um conceito mais ou menos complexo, sob a forma de um conjun-
to de propriedades semânticas (como mamífero, quadrúpede, carnívoro etc.);
e (b) cachorro representa uma classe de entidades no mundo, mais preci-

192
samente a classe das entidades que satisfaz esse conjunto de propriedades
semânticas (i.e., dos cachorros que existiram, existem e existirão no mundo).
À interpretação presente em (a), dá-se o nome de significado descritivo, senti-
do ou intensão. À interpretação em (b), dá-se o nome de extensão. Na linguís-
tica moderna, (a) e (b) são classificados como denotação. Uma propriedade
importante da denotação é a o fato de ser uma propriedade constante dos itens
lexicais (em nosso caso, dos nomes).
Vamos assumir, portanto, que, nos sintagmas nominais nus, não se pode
atribuir uma interpretação referencial ao nome que é núcleo do SN.

(8) a. Gato mia alto.


b. Celular distrai motoristas no trânsito.
c. Cigarro faz mal à saúde.

Tendo assumido que os sintagmas nominais nus destacados em (8a-c)


não são interpretados semanticamente como referenciais, precisamos refletir
sobre qual interpretação denotativa receberão: intensional ou extensional?
Para nós (e para grande parte da literatura linguística sobre o tema), os
sintagmas nominais destacados em (8a-c) possuem interpretação extensional
e denotam espécie, como propõem Oliveira, Silva e Bressane (2010). Assim,
gato, celular e cigarro designam entidades que satisfazem as propriedades
semânticas que compõem cada um dos termos.
A natureza semântica dos sintagmas nominais nus ainda é objeto de
acalorado debate na literatura linguística. Dado o escopo de nosso trabalho,
optamos por apresentar introdutoriamente apenas as noções elementares.
Prosseguimos, agora, com nossa última seção teórica. Nela, abordare-
mos o comportamento sintático dos nominais nus, observando a ocorrência
em posições de sujeito, complemento verbal e de adjunto.

Mapeamento sintático do sintagma


nominal nu

O trabalho de Muller (2002) é esclarecedor sobre o mapeamento sintáti-


co do sintagma nominal. A discussão proposta pela autora é a seguinte:

193
i) Há alguma relação entre o tipo de sintagma nominal (se nu ou
não) e a posição sintática que este ocupa (se argumental ou não)?
ii) Qual é o comportamento translinguístico de (i)?
Sobre (i), a literatura linguística, segundo Muller (2002), define
haver sim relação entre o tipo de sintagma nominal e a posição
sintática deste. Translinguisticamente, essa relação é de três tipos:
I) Há línguas (como o chinês) em que os sintagmas nominais
nus ocorrem livremente como argumentos.
II) Há línguas (como o francês) em que apenas sintagmas com
determinante podem ocupar posição argumental.
III) Há línguas (como o inglês) em que argumentos nominais nus
são possíveis em certas circunstâncias, como quando o SN é do
tipo massivo ou quando o sintagma nominal pode ter seu tipo
interpretado como espécie.

Em que tipologia o português brasileiro se enquadra? Para essa classifi-


cação, seguimos a proposta de Oliveira (2012), a qual situa o português brasi-
leiro em posição medial de um continuum. Importa destacar que a proposta de
Oliveira (2012) é levemente distinta da de Muller (2002), pois aquela realiza
uma tipologia translinguística específica da sintaxe do sintagma nominal. As
duas pesquisadoras, no entanto, convergem na descrição geral do SN.
No extremo esquerdo desse continuum, observamos a língua karitiana,
a qual não expressa sintagma determinante aparente e tampouco morfologia
de número. O francês, por sua vez, está no extremo direito (oposto ao karitia-
na), pois essa é a língua mais restrita em relação à presença de nominais nus.
No francês, o nominal nu é absolutamente proibido em posição argumental.
Os dados a seguir ilustram o comportamento do sintagma nominal nas duas
línguas (COUTINHO-SILVA, 2008; OLIVEIRA, 2012).

(9)
taso naoky tykat boroja keerep
taso Ø-na-oky ty-ka-t boroja keerep
homem 3-decl-matar aux-PC-nfut cobra sempre

194
(10) a. * Chien aboue.
‘cachorro late’
b. Le chien aboue.
‘o cachorro late’

Em (9), os sintagmas nominais taso (‘homem’) e boroja (‘cobra’) não


ocorrem com determinante (ou morfologia flexional). Ambas as posições des-
tacadas são argumentais.
Em (10), em que observamos os dados do francês, a ocorrência do sin-
tagma nominal nu chien torna a sentença agramatical.
E o português brasileiro? Em relação à estrutura interna do sintagma
nominal, vimos na seção 3 que se permitem ambas as configurações: o sin-
tagma nominal pode ocorrer com e sem determinante. A ocorrência ou não do
sintagma nominal acarreta uma série de consequências semânticas, as quais
foram brevemente delineadas por nós em seção anterior.
Em relação ao mapeamento do sintagma nominal no português brasi-
leiro, temos a seguinte descrição (restrita a predicados verbais): nos dados de
(11) a (14), as sentenças em (a) ocorrem com SN com determinante; as sen-
tenças em (b), com SN sem determinante (i.e., nu).

(11)
a. O cachorro gosta do dono.
b. Cachorro gosta do dono.
(12)
a. Eu entreguei o cachorro ao dono.
b. *Eu entreguei cachorro ao dono.
(13)
a. Eu dei o osso para o cachorro.
b. *Eu dei o osso para cachorro.
(14)
a. Eu passeei com a minha namorada na praça.
b. *Eu passeei com a minha namorada em praça.

A análise dos dados nos permite afirmar que as posições sintáticas mais à
direita da sentença são mais dependentes da presença de sintagma nominal com

195
determinante. Essa é uma das razões de se considerar o português brasileiro
como língua situada em posição medial do continuum: a depender da posição
sintática que ocupa, o sintagma nominal pode ocorrer com ou sem determinante.
Com essa descrição, somos capazes de lançar luz sobre questões rela-
cionadas às ações escolares, nomeadamente o ensino de análise linguística (de
língua materna e de segunda língua).

Proposta de análise/intervenção

Defendemos que o estudo do sintagma nominal é relevante para a


formação do licenciando em língua portuguesa. Também defendemos que o
domínio técnico da teoria gramatical (especificamente da teoria gerativista)
e dos mecanismos subjacentes ao funcionamento sintático e semântico dos
sintagmas nominais permite ao docente a compreensão de especificidades do
processo de ensino de língua materna e de segunda língua.
Vimos que, no gerativismo, o falante de uma língua L (o português
brasileiro, por exemplo) possui uma competência linguística. Para nós,
o professor deve fazer uso dessa competência, especialmente na análise de (a)
gramaticalidades e de aceitabilidades. A partir desse trabalho com a intuição
linguística dos alunos, é possível desenvolver outras competências, como a
produção escrita.
A obra Língua portuguesa: linguagem e interação, de Faraco, Moura
e Maruxo (2010), adotada no E.M. do IFG (campus Goiânia, triênio 2018-
2020), por exemplo, avança parcialmente no tratamento dos chamados ru-
pos nominais. No segundo volume da coleção, há o tratamento específico do
sintagma nominal, o qual é definido como “o núcleo dos grupos nominais da
oração” (FARACO; MOURA; MARUXO, 2010, p. 68).
O avanço, para nós, reside na adoção da nomenclatura moderna –
característica que está presente ao longo de toda a coleção. No entanto,
consideramos que apenas a adoção da nomenclatura moderna não seja sufi-
ciente. É preciso, em primeiro lugar, considerar o conhecimento linguístico
do aluno (sua competência), de modo a guiá-lo para a adoção dos recur-
sos linguísticos (presença x ausência de determinante, no nosso caso) para
a produção de sentidos. Sugerimos, então, que os professores-leitores de
nosso trabalho mobilizem os conhecimentos técnicos aqui apresentados em

196
atividades significativas de análise linguística, nomeadamente em práticas
interdisciplinares.
Em relação às práticas de ensino de língua portuguesa como segunda
língua, podemos refletir sobre a experiência do projeto “Ensino de português
para imigrantes em situação de vulnerabilidade: uma ação humanitária”, de
autoria da Dr. Suelene Vaz da Silva (VAZ, 2017). Esse projeto é destinado
“a imigrantes em situação de vulnerabilidade, especialmente haitianos, que
estão radicados em Goiânia e cidades circunvizinhas” (VAZ, 2017, p. 5) e está
fundamentado pela “abordagem comunicativa de ensino de línguas, adotando
“a metodologia de ensino de línguas para fins específicos” (VAZ, 2017, p. 5).
O projeto tem como objetivo principal “atender as necessidades linguísticas
emergenciais dos participantes em situações específicas, como na busca por
emprego, interagir no ambiente de trabalho, em uma consulta médica, no co-
mércio, entre outros contextos comunicativos” (VAZ, 2017, p. 5).
Nosso trabalho, o qual tem propósito expositivo-didático, é relevante para
o reconhecimento de fenômenos de interlíngua. Assumindo que o falante hai-
tiano faça uso da língua francesa como ponto de referência para o aprendizado
do português (ambas são românicas), há que se considerar as distintas configu-
rações dos sintagmas nominais em posição argumental dessas línguas: o portu-
guês permite sintagmas nominais com e sem determinantes; o francês permite
apenas sintagmas nominais com determinantes (em posição argumental). Assim,
o professor que atua no ensino de português como língua de acolhimento tor-
na-se mais ciente de sua ação docente, nomeadamente na compreensão dos
estágios de interlíngua (ou seja, da passagem de um padrão [+ determinante
no SN] para um padrão [+/- determinante no SN]).
Para nós, a abordagem da temática dos sintagmas nominais (nus) mos-
tra-se relevante na medida em que permite ao professor a consciência de fe-
nômenos inerentes à sua prática docente, seja no âmbito do ensino de língua
materna ou de segunda língua.

Conclusão/Considerações finais

Os estudos linguísticos contemporâneos (Estruturalismo e Gerativis-


mo) avançaram consideravelmente na descrição (trans)linguística. Esses co-
nhecimentos teóricos não podem ficar restritos a círculos acadêmicos, muitas

197
vezes fechados. O diálogo com práticas reais de ensino de língua portuguesa
é imperioso, e nosso trabalho é resultado desse esforço.
Esperamos ter contribuído para a formação de novos docentes, quer
pela fundamentação teórica, quer pelo entusiasmo.
Ainda há muito a ser realizado, principalmente na descrição semântica
dos sintagmas nominais. Nosso trabalho, tendo de proceder a um recorte teó-
rico e a uma delimitação de objeto de estudo, deixou muitos tópicos de fora.
Encorajamos os leitores a se aprofundarem na temática, especialmente pela
leitura dos trabalhos citados ao longo de nossa exposição.

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199
SOBRE AUTORES E AUTORAS

Amanda Cristina Teixeira de Oliveira


Licenciada em Letras – Língua Portuguesa pelo Instituto Federal de Educa-
ção Ciência e Tecnologia de Goiás – Campus Goiânia (2019). Aluna Especial
na Pós-Graduação Stricto Sensu em Língua, Literatura e Interculturalidade.
Formada em Técnica em Eletrotécnica pelo SESI/SENAI EBEP (2014). Pro-
fessora do Centro de Ensino em Período Integral Michelle do Prado. E-mail:
amandacristina19123@hotmail.com

Ana Lúcia Duarte dos Santos


Licenciada em Letras - Língua Portuguesa no Instituto Federal de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia de Goiás, Campus Goiânia (2019). E-mail: lucia.
anads@gmail.com

Ana Rita de Souza dos Santos


Acadêmica da Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa no Instituto Fede-
ral de Brasília/campus São Sebastião. Bolsista PiBic de Iniciação Científica
(FAP-DF). Estagiária como corretora de redação no Colégio La Salle - Águas
Claras. Professora de Língua Portuguesa pelo Projeto Consciência - DF.
E-mail: vr.anarita@gmail.com

Bruno Pilastre de Souza Silva Dias


Doutor em Linguística pela Universidade de Brasília. Mestre em Linguística
(UnB). Graduado em em Língua Portuguesa e Respectiva Literatura (UnB).

200
Professor efetivo (DIII-1) de Língua Portuguesa e Linguística do Institu-
to Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - campus Goiânia
(2016-atual). E-mail: bruno.dias@ifg.edu.br

Camila da Rocha Lobo


Mestranda em Educação, Linguagem e Tecnologias pela Universidade Es-
tadual de Goiás (2020). Graduada em Ciências Econômicas pela Universi-
dade Estadual de Goiás (2012). MBA em Controladoria e Finanças Empre-
sariais pelo Centro Universitário de Anápolis-GO (2014), Professora do
Curso para Operadores Imobiliários UniWAM. E-mail: camilarochalobo@
hotmail.com

Daniel Junior de Oliveira


Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás
PUC/GO. Mestre em Educação. Especialista em Docência Universitária pela
Universidade Estadual de Goiás – UEG/Câmpus Inhumas. Especialista em
Gestão Escolar pela Faculdade Brasileira de Educação e Cultura/Goiânia GO.
Professor da Faculdade de Inhumas FacMais. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Didática e Questões Contemporâneas DIDAKTIKÉ - FE/UFG.
E-mail: docenciauniversitariadaniel@gmail.com

Éderson Saraiva
Mestrando em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Li-
cenciado em Letras: Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás.
Professor de Português da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. E-mail:
1601.saraiva@gmail.com

Elias Rafael de Sousa


Mestre em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação para
Ciências e Matemática no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
nologia de Goiás - Campus Jataí. Licenciado em Matemática pela Pontifí-
cia Universidade Católica de Goiás (2010). Professor da Faculdade Alfredo
Nasser - UNIFAN. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
Matemática - NEPEM/IFG. E-mail: rafaelsousamat@hotmail.com

201
Higor de Albuquerque
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação,
Linguagem e Tecnologias – PPG-IELT da Universidade Estadual de Goiás
– UEG. Especialista em Docência universitária pela Universidade Católica
Dom Bosco (2017). Graduação em Engenharia Civil pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de Goiás (2010). Técnico em Edificações pelo Instituto Fe-
deral de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG (1997). Professor
do Centro Universitário Montes Belos (UniMB). Professor Graduação no
Centro UniversitárioAlves Faria (UniALFA). Professional & Life Coaching pelo
Instituto Brasileiro de Coaching (IBC) (2018). E-mail: prof.higoralbuquerque
@gmail.com

Ingrid Dittrich Wiggers


Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003).
Mestra em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (1990).
Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1983). Professora Titular da Universidade de Brasília (UnB). Coordenadora
do Programa Mestrado Profissional em Educação Física em Rede (PROEF) -
Pólo UnB. Credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação Física
da UnB e no Programa de Pós-Graduação em Educação da UnB. Coordena-
dora do Imagem - Grupo de Pesquisa sobre corpo e educação. Membro do
núcleo da Rede CEDES da UnB e do Grupo de Estudos e Pesquisas História,
Sociedade e Educação no Brasil no DF (HISTEDBR-DF). E-mail: ingridwi-
ggers@gmail.com

Janaína Cassiano Silva


Doutora em Educação (UFSCar - 2013). Mestra em Educação Escolar
(Unesp/Araraquara- 2008). Graduada em Psicologia (Bacharelado, Licen-
ciada e Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia
(2005). Professora Adjunta DE da Universidade Federal de Goiás- Regional
Catalão e do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEDUC - UFG/
Regional Catalão. Membro da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional – ABRAPEE, do Grupo de Pesquisa em História da Educação e
Educação Infantil (UFSCar), do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação
Infantil e Teoria Histórico-Cultural (UNESP/Araraquara) e do Núcleo de

202
Estudos e Pesquisas Infância e Educação- NEPIE (UFG/Regional Catalão).
E-mail: janacassianos@gmail.com

João Henrique Suanno


Pós-Doutorado em Educação pela Universidade de Barcelona/ES (2014).
Doutor em Educação pela Universidade Católica de Brasília/DF (2013).
Mestre em Educação Universidad de la Habana/PUC-GO (2006). Espe-
cialista em Psicopedagogia pela UCG/GO (1994). Bacharel e Licenciado
em Psicologia UCG/GO (1991). Professor do Programa de Pós-Gradua-
ção Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias PPG - IELT
da Universidade Estadual de Goiás. Professor titular e dedicação exclusiva
da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Líder do Grupo de Pesquisa
em Rede Internacional Investigando Escolas Criativas e Inovadoras, DGP/
CNPq. Membro do grupo de pesquisa ECOTRANSD – Ecologia dos Sa-
beres, Transdisciplinaridade e Educação. Membro do grupo de pesquisa
DIDAKTIKÉ – Estudos e Pesquisa sobre Didática FE/UFG. Membro da
Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC/UB e RIEC/Brasil. E-mail:
suanno@uol.com.br

Karolainy Moreira dos Santos


Licenciada em Letras – Língua Portuguesa pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás. E-mail: karolainymoreira2015@gmail.com

Katielly Vila Verde Araújo Soares


Mestranda em Educação PPE-FacMais. Especialista em Docência Univer-
sitária pela Universidade Estadual de Goiás – Câmpus Inhumas. Graduada
em Letras - Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás – Câm-
pus Inhumas. Complementação em Pedagogia pelo Instituto Wallon. Profes-
sora e Assessora Técnica Educacional da Faculdade de Inhumas FacMais.
E-mail: katielly@facmais.edu.br

Luciene Almeida de Araújo


Mestra em Letras - Literatura pela Faculdade de Letras - UFG (2012). Li-
cenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (2012).
Licenciada em Letras Vernáculas pela Universidade Federal de Goiás (2007).

203
Professora do Instituto Federal de Goiás. Coordenadora do curso de Licencia-
tura em Letras: Português do IFG. E-mail: lu.oya.963@gmail.com.

Lyana Carla Cabral Pacheco Pinto Aguiar 


Mestra em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Edu-
cação, Ciência e Tecnologia Fluminense. Especialista em Literatura, Memória
Cultural e Sociedade pela mesma instituição. Licenciada em Letras (Portu-
guês/Inglês) pelo Centro Universitário Fluminense. Professora da Educação
Básica pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro e pela Se-
cretaria de Educação da Prefeitura Municipal de São João da Barra. E-mail:
lyanacarla@gmail.com

Marco André Franco de Araújo


Doutorando em Letras e Linguística pela mesma universidade. Mestre em
Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em Le-
tras: Português/Inglês pela Universidade Estadual de Goiás. Professor de
Inglês da Rede Municipal de Ensino de Goiânia. E-mail: professormarcoan-
dre@gmail.com

Maria Erilânde Ferreira de Souza


Mestranda do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Educação, Lin-
guagem e Tecnologias PPGIELT – UEG (2020). Graduada em pedagoga pela
Universidade Estadual de Goiás – UEG (2009). Professora do quadro efetivo da
Rede Municipal de Educação de Inhumas (2006-atual). Professora regente da
educação infantil (pré-escola). Professora supervisora Pibid Pedagogia Unidade
Universitária de Inhumas – UEG. E-mail: maria.erilande@gmail.com

Maria Marlene Rodrigues da Silva


Mestra em Literatura Brasileira e Doutora em Linguística pela Universidade
de Brasília. Especialista em Linguística Textual pela PUC/MG. Especialista
em Educação a Distância pela FE/UnB. Professora substituta da FUP/UnB.
É membro do Grupo de Pesquisas SIGNO: Os significantes e significados do
ensino e da produção de textos: pesquisa, ação, reflexão. E-mail: maria_mar-
lene_s@hotmail.com

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Mayrhon José Abrantes Farias
Doutor e Mestre em Educação Física pelo Programa de Pós-graduação em
Educação Física da Universidade de Brasília (PPGEF/UnB). Especialista em
Educação Integral e Integrada (PPGE/UFMA). Licenciado em Educação Físi-
ca pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Professor assistente da
Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Campus Tocantinópolis. E-mail:
mayrhon@gmail.com

Ormezinda Maria Ribeiro


Doutora em Linguística e em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP-Araraquara. Mestra em Linguística
pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU. Professora Associada da Uni-
versidade de Brasília- UnB. Orientadora no Programas de Pós-Graduação em
Linguística-PPGL e no Pós-Graduação em Educação-PPGE-MP. Líder do Gru-
po de Pesquisas SIGNO: Os significantes e significados do ensino e da produção
de textos: pesquisa, ação, reflexão. E-mail: aya.ribeiro@yahoo.com.br

Paula Franssinetti de Morais Dantas Vieira


Doutora em Letras e Linguística (2015) pelo programa de Pós-Graduação
em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás. Mestra em Letras
e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (2006). Especialização em
Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2003). Bacharel
em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (1992).
Licenciada em Letras Modernas Português/Inglês pela Universidade Fede-
ral de Goiás (1987). Professora efetiva do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás – Câmpus Goiânia. E-mail: paula.pauladan-
tas007@gmail.com

Priscilla de Andrade Silva Ximenes


Doutoranda em Educação pela UFU. Mestra em Educação pela UFG, Regional
Catalão. Graduada em Pedagogia pela UFG. Professora assistente na UFG, Re-
gional Catalão. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Infância e Educação
(NEPIE/ UFG) e do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Docência na Educação
Básica e Superior (GEPDEBS/UFU). E-mail: priteducadora@hotmail.com

205
Regina Célia Alves da Cunha
Mestra em Educação, Linguagem e Tecnologia pela Universidade Estadual de
Goiás. Especialista em Gestão de pessoas, Psicologia Organizacional e Coa-
ching pela Faculdade Católica de Anápolis. Especialista em Ensino e Aprendi-
zagem da Língua Inglesa pela Universidade Estadual de Goiás. Graduada em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2000). Professora
do Instituto Tecnológico de Goiás Governador Onofre Quinan. Tutora do Cen-
tro de Ensino e Aprendizagem em Rede - CEAR pela Universidade Estadual
de Goiás. Professora da Faculdade metropolitana de Anápolis. Membro da
Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC/Universidade de Barcelona.
E-mail: regina.cunha@cepeduc.com

Tayanne da Costa Freitas


Doutora em Educação – PPGE/UnB. Mestra em Educação Física pela Univer-
sidade de Brasília (2015). Especialista em Educação Física Escolar pela Uni-
versidade Gama Filho (2010). Especialista em Planejamento, Implementação
e Gestão da EAD pela Universidade Federal Fluminense (2018). Licenciada
em Educação Física pela Universidade de Brasília (2004) e em Dança pelo
Instituto Federal de Brasília (2013). Professora da Secretaria de Estado de
Educação do Distrito Federal. E-mail: prof.tayanne@gmail.com

Thallita Moreira Ribeiro Cardoso


Especialista em Psicologia do Trânsito pela Unyleya. Especializanda em Tera-
pia Cognitivo Comportamental pela Capacitar. Graduada em Psicologia pela
Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão (Licenciatura e Bacharela-
do). E-mail: thallita_car@outlook.com

Thiago Soares de Oliveira


Doutor em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Flu-
minense Darcy Ribeiro (UENF). Professor do Instituto Federal Fluminen-
se. Orientador no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação
Profissional e Tecnológica em Rede Nacional. Membro do Núcleo de Estudos
Culturais, Estéticos e de Linguagens do Instituto Federal Fluminense. E-mail:
so.thiago@hotmail.com

206
Tiago de Aguiar Rodrigues
Doutor em Linguística pela Universidade de Brasília (2017). Mestre em Lin-
guística pela Universidade de Brasília (2011). Graduado em Letras - Portu-
guês (Bacharelado (2009) e Licenciatura (2007)) e Letras - Inglês (Licencia-
tura) (2012) pela Universidade de Brasília. Professor adjunto da Universidade
Federal da Paraíba. E-mail: tiagoar.lp@gmail.com

Vanderleida Rosa de Freitas Queiroz


Doutora em Educação (2014) e Mestra em Educação Escolar Brasileira (2000)
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Goiás (UFG). Especialista em Língua Portuguesa (1989). Licenciada em Le-
tras Modernas Português/Inglês (1986) pela Universidade de Rio Verde/GO.
Professora Titular do Instituto Federal de Goiás (IFG) e docente permanente
no Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciências e Matemática do
IFG, Câmpus Jataí/GO. E-mail: leidafreitas55@gmail.com

Veruska Ribeiro Machado


Graduada em Letras. Mestra e Doutora em Educação pela Universidade de Bra-
sília. Professora do Instituto Federal de Brasília. Professora do Programa de
Mestrado Profissional em Educação Profissional da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica. E-mail: veruska.machado@ifb.edu.br

Vinícius Fagundes dos Santos


Mestrando do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Educação,
Linguagem e Tecnologias – PPG-IELT da Universidade Estadual de Goiás
(UEG). Licenciado em Normal Superior pela Universidade Montes Belos
(UniMB). Licenciado em Pedagogia (ALFA AMÉRICA). Especialização em
Docência no Ensino Superior (UEG) e Psicopedagogia Clínica e Institucional
(FABEC). Docente Efetivo da Rede Pública de São Luís de Montes Belos,
Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa em Rede Internacional Investigando
Escolas Criativas e Inovadoras da Universidade Federal do Tocantins. Mem-
bro do GEFOPI - Grupo de Estudos em Formação de Professores e Interdis-
ciplinaridade. Professor adjunto do Curso de Pedagogia da Faculdade Delta.
E-mail: profviniciusfagundes@gmail.com

207
ORGANIZADORAS

Limerce Ferreira Lopes


Mestra em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Especialista em Ensino-aprendizagem de Língua Espanhola pela UniEva-
gélica (UEE). Especialista em Metodologia do Ensino a Distância pelo pro-
grama de pós graduação Claretiano (SP). Graduada em Letras com habili-
tação em Português/Espanhol pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora efetiva do Instituto Federal de Goiás, Câmpus Goiânia. Membro
do Núcleo de Estudos Discursivos e Enunciativos (IFG) e do O círculo de
Bakhtin em diálogo. E-mail: limercelopes@yahoo.com.br

Maria Cristina Morais de Carvalho


Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB). Mestra em Lin-
guística pela Universidade Federal de Goiás (2008). Licenciada em Língua
Portuguesa e suas literaturas pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(2009). Bacharel em Linguística pela Universidade Federal de Goiás (2005).
Professora de Instituto Federal de Goiás (IFG) - Câmpus Goiânia. E-mail:
maria.carvalho@ifg.edu.br

Marilza Vanessa Rosa Suanno


Doutora em Educação pela Universidade Católica de Brasília - UCB
(2015). Doutorado sanduíche realizado na Universidade de Barcelona - UH
(2011/2012). Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de
Goiás – PUC Goiás (2006). Graduada em Pedagogia pela Universidade Fe-
deral de Goiás - UFG (1994). Professora efetiva da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás -UFG e do Programa de Pós-Graduação
em Educação PPGE/FE/UFG. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Didática e Questões Contemporâneas – DIDAKTIKÉ FE/UFG. Membro
do Grupo de Pesquisa Ecologia dos Saberes e Transdisciplinaridade - Eco-

208
transd/UCB. Membro da Rede Internacional Investigando Escolas Criativas
e Inovadoras – UFT. Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas:
construindo a escola do século XXI - RIEC (Coord. UB/Espanha e Unibave/
Brasil). Membro do Núcleo de Formação de Professores da Faculdade de
Educação – UFG. E-mail: marilzasuanno@uol.com.br

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