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Fundamentos Metodológicos em EJA I

Fundamentos

Fundamentos
Metodológicos em EJA I

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-2990-7
Metodológicos em EJA I
Luis Oscar Ramos Corrêa
9 788538 729907
Luis Oscar Ramos Corrêa

Fundamentos Metodológicos em EJA I

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012
© 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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C843f

Corrêa, Luis Oscar Ramos


Fundamentos Metodológicos em EJA I / Luis Oscar Ramos Corrêa. - 1.ed., rev. - Cu-
ritiba, PR : IESDE Brasil, 2012.
108p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2990-7

1. Educação de adultos. 2. Alfabetização de adultos. I. Título.

12-5117. CDD: 374


CDU: 374

19.07.12 31.07.12 037500


__________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


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Batel – Curitiba – PR
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Sumário
Educação de Jovens e Adultos..............................................................................................7
Um pouco da história recente da EJA.......................................................................................................8
A legalização do direito à Educação (Constituição de 1988),
a regulamentação da EJA e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996........................................9

A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária........................................................13


Desigualdade social..................................................................................................................................13
A Educação Popular..................................................................................................................................13

Introdução ao pensamento de Paulo Freire...........................................................................19


Vida e obra de Paulo Freire: trajetória político-pedagógica.....................................................................19
Pontos fundamentais.................................................................................................................................21

Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos........................................25


Gestão do cuidado.....................................................................................................................................25
Uma escola conectada com a vida dos alunos..........................................................................................26
A EJA como figura de desordem..............................................................................................................27
Pontos fundamentais.................................................................................................................................28

Uma possível organização de uma escola para adultos........................................................31


Do ingresso e matrícula............................................................................................................................32
Frequência e o afastamento combinado....................................................................................................32
Organização curricular e interdisciplinaridade em uma escola para adultos............................................. 32
Pontos importantes....................................................................................................................................34

Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I.....................37


A dialogicidade como pressuposto da ação educativa popular crítica......................................................37
Diálogo como método de trabalho popular..............................................................................................38
Pontos importantes....................................................................................................................................39

Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II....................43


Plano dialógico psicopedagógico.............................................................................................................43
Plano dialógico epistemológico................................................................................................................43
Plano dialógico cultural............................................................................................................................44
Dimensão ético-crítica do diálogo na EJA................................................................................................44
Uma outra possibilidade de organização curricular..................................................................................44
Abordagem ético-crítica...........................................................................................................................45
Pontos importantes....................................................................................................................................46

O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I.........................................49


Refletir sobre o planejamento pedagógico e sua construção coletiva.......................................................49
Pesquisa socioantropológica: conhecendo a realidade.............................................................................49
Pontos importantes....................................................................................................................................51
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II........................................55
Construindo o planejamento coletivo: das situações significativas aos temas geradores.........................55
Construção da rede conceitual..................................................................................................................57
Pontos fundamentais.................................................................................................................................57

Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores.........................61


Construção da programação e preparação das atividades no espaço pedagógico....................................61
Momentos pedagógicos............................................................................................................................61
Pontos importantes....................................................................................................................................64

Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças..............................67


Diferenças.................................................................................................................................................67
Semelhanças.............................................................................................................................................69
Pontos importantes....................................................................................................................................69

Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização..............................................73


Visão panorâmica do desenvolvimento de processos e métodos de alfabetização e
suas influências na alfabetização de adultos.............................................................................................73
Pontos importantes....................................................................................................................................75

A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho.....................................................79


Economia solidária...................................................................................................................................81

A avaliação na Educação de Jovens e Adultos......................................................................89


O entendimento da avaliação no ensino tradicional e um modelo
de avaliação emancipatória para a Educação de Jovens e Adultos...........................................................89
Pontos importantes....................................................................................................................................90

Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos.........................................95


A corporeidade..........................................................................................................................................95
Um outro tipo de analfabetismo...............................................................................................................97
Trabalhos em grupo..................................................................................................................................98
Jogos cooperativos....................................................................................................................................99
Pontos importantes....................................................................................................................................100

Referências............................................................................................................................103
Apresentação
Tenho participado, nos últimos 15 anos, de congressos, seminários, debates, fóruns – metropo-
litanos, regionais, nacionais e mundiais –, enfim, de uma série de eventos que discutem, deliberam,
propõem e questionam a nossa atual forma de organização do social, da educação e da economia.
Quase todos esses eventos emitem algum tipo de documento – cartas, projetos de lei, propostas para
políticas públicas etc. –, que coloca a necessidade de criarmos alternativas a este modelo excludente,
proclamando “um mundo melhor para todos”.
Este livro busca exatamente isso: abordar a Educação de Jovens e Adultos e suas relações com
o mundo do trabalho, suas conexões possíveis e necessárias. Para tanto, o livro está estruturado de
maneira que possamos construir uma proposta de escola e de escolarização para jovens e adultos.
Essa proposta é totalmente diferente da prática de uma escola destinada a crianças. Cada capí-
tulo procura construir, dentro do seu assunto e de forma articulada com o todo do livro, uma visão,
uma prática educativa e reflexões sobre a realidade vivida, enfim, um pensamento pedagógico sobre
a Educação de Jovens e Adultos.
O livro traz reflexões sobre a organização de uma escola para adultos, sobre as diferenças entre
alfabetizar adultos e crianças, sobre um possível currículo e uma possível avaliação etc.
Procurei abordar os temas e assuntos de forma a facilitar o entendimento e a construção de uma
EJA que contribua para a construção de uma vida melhor para todos.
Bons estudos!
Educação de
Jovens e Adultos
Luis Oscar Ramos Corrêa*

A Muitos ainda acreditam que a


alfabetização é crucial na Educação de Jovens
e Adultos (EJA), mas não é o único objetivo
da EJA. Tecnologia, ciências, comunicação, Educação de Jovens e Adultos
corporeidade, política e linguagens como a corporal, consiste apenas em alfabetizar,
do teatro, da físico-química, da informática, da te- isto é, decodificação/codificação
levisão e do jornal são áreas do conhecimento que
também estão envolvidas nesse processo.
da leitura e da escrita.
Historicamente, os processos educacionais de jovens e adultos não levavam
em consideração aspectos relevantes para uma educação crítica com significado
(como a cidadania, a cultura, a corporeidade, as artes, a política), limitando-se à
função mecânica e utilitária do domínio da leitura e da escrita, ou seja, a alfabeti-
zação serviria como uma preparação para o mercado de trabalho, para ser aceito e
reconhecido na sociedade ou, ainda, para engordar os números das estatísticas de
“erradicação do analfabetismo” que recheiam as propagandas políticas.
As políticas públicas em educação não abarcavam o entendimento de edu-
cação fundamental de jovens e adultos, limitando suas propostas e ações a proje-
tos de alfabetização de curta duração. Os pro-
jetos divulgados do governo federal, estadual
A Educação Fundamental é um
e das prefeituras, assim como os de ONGs e processo mais longo, que exige
grupos de estudos isolados variavam entre 8, dedicação, criatividade, diálogo,
5 e 3 meses. Com uma duração tão curta como
essas, era praticamente impossível realizar um reflexão, vivências múltiplas, espíri-
processo pedagógico de ensino e de aprendiza- to de coletividade, de solidariedade
gem que incluísse conteúdos relevantes para a
formação do aluno e levasse em consideração o
e que tem um significado sociopolí-
tecido social no qual está inserido. tico e cultural.
A maioria dos alunos da EJA trabalha. Isso significa que eles passam, apro- Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Rio
ximadamente, 11 horas por dia trabalhando (8 horas propriamente no trabalho, Grande do Sul (UFRGS).
Especialista em Educação
sem contar horas extras ou bicos, mais deslocamentos de ida e de volta). Levando de Adultos pela Pontifícia
Universidade Católica do
em consideração suas 8 horas de descanso e recuperação, sobram apenas 5 horas Rio Grande do Sul (PUCRS)
diárias para estudar, cuidar da saúde, do lazer, da família, participar de movimen- e em Gestão Universitária
pela UFRGS. Professor da
tos sociais, sindicais, políticos, religiosos, ver os filhos. A outra parte dos alunos Universidade Luterana do
Brasil (Ulbra), da Faculdade
seria formada por desempregados, aposentados, entre outros. Cenecista de Osório (Facos)
e da rede municipal de Porto
Alegre/RS.

7
Educação de Jovens e Adultos

Por esse motivo, é necessário que os educadores da EJA percebam que, com
horários limitados e alunos desgastados, poderá haver limitações no processo pe-
dagógico noturno.
Educação Fundamental de Jovens e Adultos, ainda que nos pareça indicar
para o simples domínio do alfabeto, da grafia e da leitura, ela, obrigatoriamente,
nos leva para uma outra instância, que significa não somente uma atividade re-
ferente à língua, mas a toda ordem social, política, econômica e cultural à qual
pertencemos1.
Outro aspecto importante a salientar é a evolução do entendimento sobre a
abrangência do conceito de EJA. A Educação de Jovens e Adultos abrange o En-
sino Médio noturno, todos os tipos de cursos de qualificação, profissionalização,
atualização, graduação ou pós-graduação, pois em todas essas modalidades o pú-
blico é de jovens e adultos (independente de serem trabalhadores alunos ou alunos
trabalhadores). Essa teoria é embasada no conceito de educação permanente ou
educação continuada e pode ser expressa pelo termo andragogia2 .

Um pouco da história recente da EJA


Torna-se necessário contextualizar, brevemente, alguns aspectos gerais no
que se refere à Educação de Jovens e Adultos no Brasil, nas últimas décadas,
cuja orientação e implementação, adotada pela maioria dos gestores do Estado
brasileiro, tem resultado em políticas públicas assimétricas, descontínuas e mal-
-sucedidas.
O enfoque dominante pode ser sintetizado num termo constantemente uti-
lizado ao longo da história: “erradicar o analfabetismo”. Ora, Paulo Freire nos
alertava para as implicações dessa concepção desde a sua Pedagogia do Oprimido
(sua primeira obra lançada por volta de 1970).
Ao tratar esse problema como doença ou peste, desloca-se o eixo da dis-
cussão política de exclusão social, econômica e cultural que gera desigualdades,
isolando lenta e gradualmente os trabalhadores, procurando-se então “curas isola-
das” para essa “doença” que assola milhares de pessoas neste país.
A “cura” estaria nos projetos nacionais de alfabetização, nas grandes frentes
de alfabetização, que em pouco tempo e com propostas bem delimitadas teriam
como objetivo final a “erradicação” do analfabetismo no Brasil.
1 Esta reflexão é realizada
pelo professor Silvino
Santin no livro Educação
[...] o analfabetismo é a expressão da pobreza, consequência inevitável de uma estrutura
social injusta. Seria ingênuo combatê-lo sem combater suas causas [...] a educação de
Física: temas pedagógicos. jovens e adultos está condicionada às possibilidades de uma transformação real das con-
São Leopoldo: Sinodal, 1986.
dições de vida do aluno trabalhador. (GADOTTI, 1995, p. 71)

2 Conforme o Glossário para


Educadores, de Celso An-
tunes, (2001, p. 81), andragogia
Gadotti acredita que algumas políticas limitam o direito e o acesso ao Ensi-
seria a Educação para Adultos.
no Fundamental a apenas uma etapa: a alfabetização.
O termo é também, em algumas
circunstâncias, utilizado para Os movimentos ou projetos de alfabetização devem estar articulados às es-
a educação continuada, uma
teoria de formação permanente colas públicas da região, pois assim será possível, no mínimo, tentar dar continui-
do homem.
dade ao processo de escolarização.
8
Educação de Jovens e Adultos

O Brasil sempre esteve presente em importantes atos internacionais, reali-


zados pela Unesco, como declarações, acordos, convênios, convenções; e é signa-
tário de vários documentos internacionais, que discutem a ampliação dos direitos
de educação para todos (incluindo os jovens e adultos).

A legalização do direito
à Educação (Constituição de 1988),
a regulamentação da EJA e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1996
Um passo importante para a regulamentação do Ensino Fundamental de Jo-
vens e Adultos foi a Constituição Federal de 1988 (CF/88), que garante a Educação
Básica como um direito de todos, mas, no que se refere ao Ensino Fundamental de
Jovens e Adultos, isto começou a ser concretizado a partir da LDB (Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação, lei que regulamenta a Educação no Brasil) que insere
a EJA como modalidade da Educação Básica regular.
Podemos considerar um avanço histórico na CF/88 o reconhecimento por
parte das autoridades da necessidade de garantir o direito ao acesso e permanên-
cia a todos na Educação Básica.
Vejamos o comentário do professor José E. Romão do Instituto Paulo
Freire, SP:
Significa dizer que a Carta Magna, pela primeira vez na História da Educação Brasileira,
consagra a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental para todos os brasileiros
[...] independentemente da idade do candidato. Ou seja, a educação de jovens e adultos,
marginalizados ou excluídos da escola na idade própria, integra-se no sistema educacional
regular de ensino, observando-se, evidentemente, as especificidades didático-pedagógicas
para a clientela alvo [...]. (ROMÃO, 2001, p. 44)

A seção V da LDB é composta pelos artigos 37 e 38 e define a EJA como uma


modalidade da Educação Básica nas suas etapas fundamental e média. Observe:

SEÇÃO V
Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não ti­
veram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na
idade própria.
§l.º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adul-
tos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educa-
cionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses,
con­dições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§2.º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.

9
Educação de Jovens e Adultos

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos,


que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao
prosseguimen­to de estudos em caráter regular.
§l.º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do Ensino Fundamental, para os maiores de quin-
ze anos;
§2.º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios
informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames. (LDB, p. 3.728-
3.729).

Dessa forma, a Constituição Federal e a LDB garantem a todo cidadão bra-


sileiro o direito ao acesso à escola pública, independente da sua idade, o que im-
plica um compromisso maior por parte do poder público em criar uma proposta de
escola e de educação adequada à realidade desses alunos.

Educação Básica de Jovens e Adultos


(GADOTTI; ROMÃO, 2005, p. 31-32)

– Para que uma Educação Básica de Jovens e Adultos?


Os jovens e adultos trabalhadores lutam para superar suas condições precárias de vida (mora-
dia, saúde, alimentação, transporte, emprego etc.) que estão na raiz do problema do analfabetismo.
O desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de vida comprometem o processo de
alfabetização dos jovens e dos adultos. Falo de “jovens e adultos” me referindo à “educação de
adultos”, porque, na minha experiência concreta, notei que aqueles que frequentam os programas
de educação de adultos são, majoritariamente, os jovens trabalhadores.
– O que é o analfabetismo?
O analfabetismo é a expressão da pobreza, consequência ine­vitável de uma estrutura social
injusta. Seria ingênuo combatê-lo sem combater suas causas.
– Como?
Conhecendo as condições de vida do analfabeto, sejam elas as condições objetivas, como o salá-
rio, o emprego, a moradia, sejam as condições subjetivas, como a história de cada grupo, suas lutas,
organização, conhecimento, habilidades, enfim, sua cultura. Mas, conhecendo-as na convivência
com ele e não apenas “teoricamente”. Não pode ser um conhecimento apenas intelectual, formal.
O sucesso de um programa de educação de jovens e adultos é facilitado quando o educador é do
próprio meio.
Um programa de educação de adultos, por essa razão, não pode ser avaliado apenas pelo seu
rigor metodológico, mas pelo impacto gerado na qualidade de vida da população atingida. A edu-
cação de adultos está condicionada às possibilidades de uma transformação real das condições de
vida do aluno-trabalhador.
10
Educação de Jovens e Adultos

Os programas de educação de jovens e adultos estarão a meio caminho do fracasso se não


levarem em conta essas premissas, sobretudo na formação do educador.
O analfabetismo não é doença ou “erva daninha”, como se costumava dizer entre nós. É a
negação de um direito ao lado da negação de outros direitos. O analfabetismo não é uma questão
pedagógica, mas uma questão essencialmente política.
– Quem é o educador de jovens e adultos?
Já dissemos que sendo o educador do próprio meio é muito mais fácil a educação de jovens e
adultos. Contudo, nem sempre isso é possível. É preciso formar educadores provenientes de outros
meios não apenas geográficos, mas também sociais.
No mínimo, esses educadores precisam respeitar as condições culturais do jovem e do adulto
analfabeto. Eles precisam fazer o diagnóstico histórico-econômico do grupo ou comunidade onde irão
trabalhar e estabelecer um canal de comunicação entre o saber técnico (erudito) e o saber popular.
Ler sobre a educação de adultos não é suficiente. É preciso entender, conhecer profundamente,
pelo contato direto, a lógica do conhecimento popular, sua estrutura de pensamento em função da
qual a alfabetização ou a aquisição de novos conhecimentos têm sentido.
Não se pode medir a qualidade da educação de adultos pelos palmos de saber sistematizado
que foram assimilados pelos alunos. Ela deve ser medida pela possibilidade que os dominados tive-
ram de manifestar seu ponto de vista e pela solidariedade que tiver criado entre eles.

1. Na sua opinião, por que existem ainda tantas pessoas não alfabetizadas no Brasil? Quais seriam
as principais causas do analfabetismo?

2. Devemos partir de onde para começarmos a construir uma proposta para EJA?

11
Educação de Jovens e Adultos

3. O analfabetismo deve ser entendido como:


a) um descuido e relaxamento das pessoas com a sua educação.
b) uma peste ou doença que deve ser erradicada.
c) expressão da pobreza, consequência inevitável de uma estrutura social injusta.
d) um problema cognitivo, pois as pessoas estão fora da idade escolar adequada.

4. Que público frequenta a EJA?


a) Trabalhadores do campo e da cidade que não tiveram a oportunidade de estudar na idade certa.
b) Desocupados que perceberam que perderam tempo em não estudar anteriormente.
c) Crianças que trabalham durante o dia com/para os pais e à noite vão para a escola.
d) Adolescentes que foram expulsos da escola do dia e agora vão para o turno da noite.

Nossa primeira dica para ampliar os seus estudos é, para muitos, a principal obra de Paulo Frei-
re: A Pedagogia do Oprimido. Nesta obra, é possível conhecer a opinião de Freire sobre a “erradica-
ção do analfabetismo” e outros temas abordados nesta aula.

1. C
2. A

12
A EJA e a Educação Popular,
uma conexão necessária

Desigualdade social

A
história do Brasil tem nos revelado, ao longo destes cinco séculos, um verdadeiro massacre
das camadas mais pobres da população. A história do povo brasileiro é marcada por lutas
e conflitos por melhores condições de vida, melhor distribuição de renda, moradia, saúde e
educação.
Podemos perceber que somos divididos em pelo menos duas grandes classes: pobres e ricos.
Toda a riqueza, em nosso país e no mundo, é distribuída de maneira extremamente desigual:
Neste momento, a distância entre ricos e pobres é a maior de toda a história. Em todos os tempos, sempre houve
ricos e pobres, mas nunca houve tanta diferença como agora. Hoje, as 250 pessoas mais ricas do mundo têm
ganhos equiparáveis aos de um terço da humanidade. Três famílias têm um ingresso similar a 940 milhões de
pessoas pobres. (RIFKIN, 2004)

Em termos de Brasil, vejamos alguns dados referentes à desigualdade social:


No Brasil, os 10% mais ricos ganham dezoito vezes mais que os 40% mais pobres. O 1% mais rico acumula quase
o mesmo volume de rendimentos dos 50% mais pobres. Quase um terço dos 40% mais pobre não tem carteira
assinada. (IBGE, 2003)

Segundo estudo do Banco Mundial, divulgado pela Folha de S. Paulo em 8 de outubro de 2003,
a América Latina não saiu do lugar, em termos de pobreza e desigualdade, nos últimos 50 anos. Nesse
contexto, o Brasil continua sendo o país mais desigual da região mais desigual. O país só perde para
cinco nações africanas.
Vocês devem estar se perguntando: e a Educação, o que tem a ver com isso? Tudo. O processo
educativo e a escola não são neutros. Foram pensados e construídos juntamente a esta organização
econômica e sociocultural. Portanto, temos aqui mais um ponto importante: não existe educação neu-
tra – toda educação ou reforça este sistema ou questiona-o, procurando ações transformadoras.
“Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise
sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens iso-
lados.” (FREIRE, 1979).

A Educação Popular
A Educação Popular é o conjunto amplo de atividades que se propõem a despertar as energias
populares; pelo reconhecimento das tensões existentes, objetiva a construção de uma força de pressão
para mudar as condições sociais postas. A Educação Popular não se caracteriza como um nível de
ensino nem como uma modalidade de trabalho pedagógico. Seu processo de coproduzir o saber parte
da própria cultura popular, e participa da formação e do apoio a movimentos populares, trabalhando

13
A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária

na condução política de processos de transformação social por meio do fortaleci-


mento do poder das classes populares. É uma prática pedagógica politicamente a
serviço das classes populares.
Esse ponto é muito importante, e já foi tratado anteriormente: o analfabe-
tismo deve ser visto como uma consequência do processo de exclusão socioeco-
nômica, e não como uma “doença” que precisa ser erradicada. Se o problema do
analfabetismo é tratado como doença, desloca-se o eixo da discussão do processo
de exclusão e centra-se o foco nas “pessoas”, como se elas fossem portadoras de
analfabetismo; isso é um equívoco. O analfabetismo é consequência de uma estru-
tura social injusta, e não culpa de pessoas isoladas.
[...] na verdade, se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens,
nada mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A
luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens
como pessoas, como seres para si, não teria significação. Esta somente é possível porque
a desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado,
mas resultado de uma “ordem” injusta... (FREIRE, 1992)

Os movimentos sociais e populares começam, a partir da década de 1960,


a trabalhar, também, com a ideia de alfabetização de jovens e adultos. O Estado
até então não se preocupava com essa defasagem de pessoas sem escolarização.
Então, surge o conceito de Educação Popular.
Os princípios da Educação Popular trazem à construção do conhecimento
o caráter político, não partidário, no sentido de acrescentar à prática pedagógica
a reflexão sobre por que se ensina isso e não aquilo, por que a relação dialógica é
condição à metodologia e por que é necessário o resgate do saber popular na busca
do “acadêmico”.
O aprender é considerado uma interação dialética entre o homem e o mun-
do, e o conhecimento é visto como uma construção social. Estes conceitos im-
primem a lógica da precedência da leitura do mundo sobre a leitura da palavra, e
tem a Educação como parceira de outras ciências na busca pela transformação da
realidade, a partir da ação de sujeitos epistêmicos e históricos.

Princípios gerais da Educação Popular


São princípios da Educação Popular:
intencionalidade política – não existe prática educativa neutra;
pesquisa em Educação – processos educativos de participação popular;
conexão entre conhecimentos populares e acadêmico-científicos – visan-
do à transformação da realidade;
prática educativa – parte da complexidade/totalidade do conhecimento;
método dialógico como prática educativa.

14
A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária

Alguns pontos sobre a


Escola Pública e a Educação Popular
A substantividade democrática jamais separa do ensino dos conteúdos o
desvelamento da realidade.
Estimula-se a presença das classes sociais populares na luta a favor da
transformação democrática da sociedade, no sentido da superação das
injustiças sociais.
Não se considera suficiente mudar apenas as relações entre educadores
e educandos, mas ao se tentar ir além das tradições de autoritarismo da
escola critica-se também a natureza autoritária e exploradora do capita-
lismo.
É um equívoco reduzir a prática educativa ao ensino puro dos conteú-
dos; este equívoco é tão carente de dialética quanto o seu contrário,
o que reduz a prática educativa a um exercício ideológico puro.

Educação com setores populares


Mais do que a apresentação de alguns princípios teóricos e políticos, a dis-
cussão de questões metodológicas serve de esclarecimento das diferenças entre os
três modelos de educação com setores populares em dimensão comunitária. Pro-
curamos reuni-los em um quadro em que são sintetizadas algumas ideias peculia-
res a cada modelo. No item seguinte, tomamos como modelo os trabalhos sociais
de educação e saúde para tentar estabelecer, com mais exemplos, aproximações e
diferenças.
Educação Educação participante Educação Popular
Integração do sujeito popular no sistema Integração de sujeitos e grupos Participação na formação e apoio a
sociopolítico vigente. populares em movimentos sociais. movimentos populares.

Para a participação, por meio do Para a participação política ativa em Para a condução política de processos
trabalho produtivo e da passividade processos de transformação social, de transformação social por meio da
política de tipo consumista, em uma pelo fortalecimento da sociedade civil. formação e do fortalecimento do poder
ordem social a ser “modernizada”, sem das classes populares.
vir a ser transformada.

Capacitação da mão de obra; formação Conscientização, politização, Conscientização, politização; formação


do cidadão ajustado; organização da formação do cidadão político; política das classes populares;
comunidade (modelos predeterminados); formação e fortalecimento de participação na formação de movimentos
benefícios sociais setoriais: saúde, movimentos sociais; benefícios sociais populares; benefícios sociais setoriais.
alimentação, educação etc. setoriais.

15
A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária

Educação Popular e movimentos populares


Este momento final de nosso estudo é o mais adequado para uma discus-
são sobre as relações entre a Educação Popular e os movimentos populares na
América Latina. Fazemos aqui uma síntese que avança nas observações anterio-
res e que sugere provocativamente tendências e dilemas atuais das experiências
latino-americanas de Educação Popular.
Em sua origem e ao longo de sua trajetória entre nós, aquilo a que se pode
atribuir o nome de Educação Popular sugere uma sucessão de estratégias de rup-
tura do sentido rotineiro da educação, tanto quanto dos modos de sua realização.
Uma espécie de trabalho pedagógico é popular quando sua vocação está em busca
do estabelecimento de relações efetivas ou pelo menos idealizadas com as cama-
das populares e quando, a partir daí, torna-se real ou ao menos intencionalmente
contestador de uma ordem vigente. O que substantiva a experiência da Educação
Popular é sua identidade de movimento emergente contra a educação legítima e
suas instituições consagradas. Onde a ideia de “popular” é pouco significativa,
simbólica, ritual e ideologicamente, como na Dinamarca ou na Finlândia, a educa-
ção como movimento emerge hoje como “educação para a paz”, por exemplo.
A Educação Popular não é um nível (como o ensino supletivo), nem uma moda-
lidade de trabalho pedagógico (como a educação de adultos). É antes a convergência
entre a necessidade de movimentos sociais estabelecerem a dimensão de sua prática
pedagógica e a necessidade de setores dissidentes da educação de se reorganizarem
como movimentos pedagógicos. Tanto é assim que, pelo menos no espaço mais “al-
ternativo” do campo da educação, em sucessivos momentos a educação em busca de
compromissos com as classes populares – mas ainda não popular – e suas formas
variantes modificaram o curso de sua própria ideia de movimento:
a) em uma primeira etapa – é muito importante não esquecer isto –, uma
educação em busca de compromissos com as classes populares e ainda
denominada de “educação popular” define-se como parte e instrumento
de movimentos de cultura popular;
b) em uma segunda etapa, diferentes movimentos sociais, cuja vocação pe-
dagógica negava ser escolar, definem-se como movimentos de educação
popular setorizada, que se realiza por meio de unidades de ação direta
junto ao povo: pela igreja, pelas agências de saúde, de comunicação so-
cial, de mobilização popular;
c) atualmente, há uma tendência em se deslocar para os próprios movimen-
tos populares (isto é, os movimentos sociais ou de classe de algum modo
endógenos às classes populares) o lugar de realização da educação popu-
lar como um movimento, ou melhor, como uma dimensão pedagógica do
próprio movimento popular.

16
A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária

Pontos importantes
Não existe educação neutra; toda educação ou reforça este sistema ou
questiona-o, procurando ações transformadoras.
A Educação Popular é o referencial teórico-pedagógico da Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
A Educação Popular e a EJA estimulam a presença das classes sociais
populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade,
no sentido da superação das injustiças sociais.

1. O que se entende por Educação Popular? Disserte.

2. Como surge a Educação Popular no Brasil?

Para esta aula, nossa dica de estudo é um livro do professor Álvaro Pinto, Sete Lições sobre
Educação de Adultos. Boa leitura.

17
A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária

1. C

2. C

18
Introdução ao
pensamento de Paulo Freire

Vida e obra de Paulo Freire: trajetória político-pedagógica


Paulo Freire: um pensador da educação brasileira e mundial

V
amos falar sobre a vida e obra do pedagogo Paulo Freire. Muitos alunos já devem ter ouvido
falar ou até lido algum texto dele, enquanto outros provavelmente ainda não tiveram contato
com sua obra. De qualquer maneira, Paulo Freire é considerado o maior pensador pedagógico
brasileiro e um dos maiores do mundo, principalmente no que diz respeito à Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Toda construção teórica de sua obra foi permeada por ações educativas voltadas para
jovens e adultos em processo de alfabetização, mas seu alcance vai além da EJA.

Um pouco de sua vida


Paulo Freire nasceu no ano de 1921, em Recife, Pernambuco, no Nordeste do Brasil.
Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente,
tal a intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimen-
tava em riscos que me preparavam para riscos e aventuras maiores. (FREIRE, 1993)

Durante o curso de Direito, na faculdade de Direito de Recife, ele conheceu Elza, sua primeira
esposa, com quem teve três filhos. Depois de formado, Paulo exerceu a profissão de advogado por um
curto período, pois seu sonho era ser professor e educador.
Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica
dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração:
a miséria na fartura. (FREIRE, 1996)

O começo de tudo
Na década de 1960, Paulo Freire colaborou para a criação do Movimento de Cultura Popular
do Recife, o MCP. Podemos dizer que o MCP tornou-se uma escola aberta de cultura. Vejamos um
comentário do pedagogo sobre o trabalho desenvolvido pelo MCP:
Os projetos do MCP se entrelaçavam, não havia departamentos estanques. Naquela época nós fizemos um circo
que era um teatro ambulante. Nós fazíamos um levantamento nos bairros periféricos do Recife para saber em que
terrenos colocar o circo, sem pagar imposto. Pesquisávamos o custo do cinema mais barato da área, para igualar
ao preço do ingresso. Lotávamos os circos e o povo adorava. (BRANDÃO, 2005, p. 33)

O MCP levava cultura a todos (cinema, teatro etc.), mas ao mesmo tempo percebia que as pes-
soas que viviam no campo ou nas periferias de Recife tinham sua própria cultura, seus saberes, suas
crenças, suas estratégias de sobrevivência, sua forma de falar cantar, dançar etc. Ao conjunto de tudo
isso foi dado o nome de “cultura popular”.
19
Introdução ao pensamento de Paulo Freire

A alfabetização de adultos
Começou então uma outra relação entre o MCP e a “cultura popular pro-
priamente dita”, uma relação de troca: um passou a aprender com o outro. Os in-
tegrantes do MCP levavam cinema, teatro, poesia e música para o campo e para a
periferia do Recife, e ao mesmo tempo aprendiam com o povo, com sua cultura.
Foi nessa época que Paulo Freire começou a trabalhar com a alfabetiza-
ção de adultos, um trabalho que surgiu a partir do MCP. Paulo Freire criou o
Círculo de Cultura e o Centro de Cultura. Vejamos um comentário seu sobre o
trabalho desenvolvido nos Círculos de Cultura:
De acordo com as teses centrais que vimos desenvolvendo, pareceu-nos fundamental fa-
zermos algumas superações, na experiência que iniciávamos. Assim, em lugar de escola,
que nos parece um conceito, entre nós, demasiado carregado de passividade, em face de
nossa própria formação (mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a
dinâmica fase de transição, lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar de professor, com
tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva,
o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar
dos “pontos” e de programas alienados, programação compacta, “reduzida” e “codifica-
da” em unidades de aprendizado. (FREIRE, 1967)

Freire entendia que os processos existentes de educação e alfabetização de


adultos infantilizavam-nos, além de utilizarem técnicas mecânicas e repetitivas, que
nada colaboravam para uma reflexão crítica dos alunos sobre suas condições sociais,
econômicas, históricas e possíveis transformações desta realidade.
Nessa época (década de 1960), Freire lançou seu primeiro livro: Educação
como Prática da Liberdade. Livro polêmico, mas fundamental para a construção
de um pensamento pedagógico voltado para a Educação de Jovens e Adultos.
Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da
cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que,
por isso mesmo, tivesse no homem não esse paciente do processo cuja virtude
única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existen-
cial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito. Na
verdade, somente com muita paciência é possível tolerar, após as durezas de um
dia de trabalho ou de um dia sem “trabalho”, lições que falam de ASA – “Pedro viu
a Asa” – “A Asa é da Ave”. Lições que falam de Evas e de uvas a homens que às
vezes conhecem poucas Evas e nunca comeram uvas, “Eva viu a uva”. Pensávamos
numa alfabetização que fosse em si um ato de criação capaz de desencadear outros
atos criadores. Numa alfabetização em que o homem, porque não fosse seu pacien-
te, seu objeto, desenvolvesse a impaciência, a vivacidade característica dos estados
de procura, de invenção e reivindicação. (FREIRE, 1967, p. 112)

É nesse livro que Freire lançava seu método de alfabetização, método este
que até hoje serve como referencial para qualquer iniciativa que aborde Educação
para Jovens e Adultos.
Contudo, em 1964 houve no Brasil o golpe militar que matou, torturou e
expulsou muita gente do país; entre estas pessoas estava Paulo Freire. Mesmo no
exílio, o pedagogo continuou sua obra, tanto teórica quanto aplicada a países da
América Latina – como o Chile –, e da África – como a Guiné-Bissau. Ainda tra-
balhou para organizações internacionais, quando morou em Genebra, na Suíça.

20
Introdução ao pensamento de Paulo Freire

Freire retornou ao Brasil na década de 1980, junto com outros exilados.


Em 1989, tornou-se Secretário Municipal de Educação da cidade de São Paulo.
Foi agraciado por diversas universidades no mundo inteiro, com o título de pro-
fessor emérito.
Paulo Freire morreu em 1997, deixando um legado fundamental para o pen-
samento crítico pedagógico.

Pontos fundamentais
Paulo Freire nasceu em Recife, no Nordeste brasileiro.
Participou ativamente dos movimentos culturais e políticos da década
de 1960.
Seu primeiro livro foi Educação como Prática da Liberdade, lançado na
década de 1960.
Seu livro mais importante é A Pedagogia do Oprimido, escrito no exílio.
Criou um pensamento teórico e um método pedagógico para a educação
de adultos.
Influenciou o pensamento pedagógico mundial.

A Pedagogia do Oprimido na Alemanha


(SCHROEDER, 2001, p. 133-135)
Umas das primeiras manifestações da Pedagogia do Oprimido na Alemanha, pode ser
encontrada no periódico político semanal Der Spiegel (n. 9, 1970). Nele, Ivan Illich apresenta
as campanhas brasileiras de alfabetização de Paulo Freire e desenvolve as suas próprias teses
e demandas pela “desescolarização” da sociedade.
Na Alemanha da década de 1970, a “pedagogia libertadora” da América Latina teve seu
devido sucesso, sendo destacada nas primeiras páginas de periódicos educacionais e atraindo
a atenção em manchetes como “Acabem com as escolas: um desafio do terceiro mundo” e
“Escolas sem muros – uma pedagogia das favelas”.
Vários livros sobre o assunto também foram publicados. Já em 1971, Hartmut von Hein-
tig polemizou as teses de Freire e Illich em Cuernavaca ou Alternativas à Escola? Pouco mais
de dois anos depois, apareceu a obra Nova Visita à Cuernavaca, na qual ele adota uma posição
bastante crítica sobre a “desescolarização”. Em rápida sucessão, três livros de Paulo Freire

21
Introdução ao pensamento de Paulo Freire

foram traduzidos para o alemão, ou seja, Pedagogia do Oprimido (1971), Educação como Prática
da Liberdade (1974) e, o frequentemente negligenciado, Pedagogia da Solidariedade.
Várias obras que faziam relatos sobre a educação popular latino-americana também foram
publicadas. A questão relativa à transferência de conceitos educacionais procedentes de sociedades
periféricas para as sociedades industrializadas de “centro” foi discutida nos seguintes livros: Bendit
& Heimbucher (1977), Hernández (1977), Dauber & Simpfendórfer (1981), Jouhy (1985) e Maas
(1986).
Entretanto, na Alemanha atual, tanto o interesse como os conhecimentos sobre a educação
popular na América Latina são limitados a pequenos grupos distintos. Os intensos e controvertidos
debates sobre a “pedagogia do oprimido” não acontecem mais. Ainda assim, existem traços da
adoção e desenvolvimento crítico da “pedagogia da libertação”, em alemão.
A seguir, apresento cinco teses sobre as contribuições feitas pela pedagogia do oprimido na
construção da teoria e prática educacionais na Alemanha.

A pedagogia do oprimido contribuiu para


a descoberta do “Terceiro Mundo” no “Primeiro Mundo”
O “terceiro caminho (educacional) do Terceiro Mundo” era visto com grande interesse na Ale-
manha da década de 1970, uma vez que os seus conceitos educacionais eram abertamente críticos
quanto aos alicerces das sociedades industrializadas. Como resultado, a adoção dessa crítica foi
combinada com a questão sobre o que o Primeiro Mundo poderia aprender com o Terceiro Mundo.
O compromisso com a “pedagogia da libertação”, na Alemanha, coincidiu com amplos de-
bates sobre a hipótese do deficit e da diferença. A questão, na época, consistia em saber como as
desvantagens educacionais das crianças marginalizadas, frequentemente descritas como “crianças
da classe mais baixa”, poderiam ser compreendidas e resolvidas. Alguns acreditavam que a experi-
ência de vida dessas crianças fazia que elas se tornassem deficientes, subdesenvolvidas, negligen-
ciadas e retardadas. Portanto, elas precisavam de uma série de medidas educacionais compensató-
rias e especiais que as tornariam capazes de alcançar as outras. Outros acreditavam que elas não
eram deficientes, nem estúpidas, mas meramente diferentes, que suas vidas eram marginalizadas
e oprimidas pela cultura burguesa; daí a razão de elas não conseguirem se ajustar nas escolas que
transmitiam valores e padrões da classe média.
Com a ajuda de conceitos-chave da pedagogia do Terceiro Mundo, essas diferenças e a mar-
ginalização social das subculturas poderiam ser descritas em seus próprios termos. Novos mundos
de experiência, com suas próprias regras, sistemas de valores e estratégias cotidianas da “cultura
da pobreza” – a qual possui formas específicas de expressões linguísticas, culturais e simbólicas
absolutamente vivas de uma cultura não burguesa – foram descobertas. Além disso, as camadas
oprimidas da sociedade alemã tornaram-se mais visíveis.
A preocupação com os(as) oprimidos(as) do Terceiro Mundo distante levou à sua descoberta
pelo Primeiro Mundo. Os trabalhadores(as) migrantes, os(as) alunos(as) com problemas educacio-
nais, os(as) analfabetos(as), os(as) “sem-teto” e os(as) presidiários(as) foram descobertos na sua
“cultura do silêncio”, tornando relevante a questão de uma pedagogia dos oprimidos e das oprimi-
das para o Primeiro Mundo.

22
Introdução ao pensamento de Paulo Freire

As primeiras tentativas de adoção da pedagogia freireana ocorreram na área de educação de


trabalhadores(as) migrantes. O desenvolvimento de materiais didáticos e de formas de trabalho se-
melhantes aos usados nos cursos de língua visava não só contribuir para o desvelamento e a solução
da marginalização social desses(as) trabalhadores(as) [...].

1. Podemos considerar que Paulo Freire foi um:


a) ditador das minorias, impondo suas ideias ao povo pobre.
b) advogado reconhecido por defender as causas dos pobres.
c) professor e pensador pedagógico brasileiro, e um dos maiores do mundo.
d) professor com relevância nacional, mas pouco conhecido mundialmente.

2. Quando retornou ao país, Freire assumiu o cargo público de:


a) Deputado Federal pelo seu estado.
b) Deputado Estadual.
c) Secretário Municipal de Educação da cidade de São Paulo.
d) Secretário Municipal de Educação da cidade de Recife.

Sugerimos a leitura do livro Educação como Prática da Liberdade, de Paulo Freire.

1. C

2. C

23
Introdução ao pensamento de Paulo Freire

24
Pontos fundamentais
na organização de
uma escola para adultos
N esta aula, vamos trabalhar pontos fundamentais na organização de uma escola para jovens e
adultos, que é diferente de uma escola para crianças.

Gestão do cuidado
Partindo do pressuposto de que o Estado e suas instituições – Ensino e Saúde Públicos, Previ-
dência Social, Poder Judiciário etc. – deveriam cuidar da população, entendemos que a Escola Pública
deve construir uma cultura do acolhimento.
No que diz respeito à EJA, as escolas devem reforçar as instâncias de diálogo, isto é, de fala e
de escuta dos alunos. Isto é, devem ser espaços onde o aluno possa dizer o que pensa e ser escutado,
onde visões de mundo possam ser confrontadas e debatidas, onde o sonho possa ter lugar.
É preciso mesmo brigar contra certos discursos pós-modernamente reacionários, com ares triunfantes, que decre-
tam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da utopia... É possível vida sem sonho,
mas não existência humana e História sem sonho... Esta vem sendo uma preocupação que me tem tomado todo,
sempre – a de me entregar a uma prática educativa e a uma reflexão pedagógica fundadas ambas no sonho por um
mundo menos malvado, menos feio, menos autoritário, mais democrático, mais humano. (FREIRE, 1992)

São necessárias, no espaço escolar, uma cultura do acolhimento e uma gestão do cuidado, que per-
mitam ao aluno dizer: “aqui é um lugar onde eu me sinto acolhido, onde eu sou escutado, onde eu posso
dizer o que penso, meu modo de ver o mundo e as relações que o compõem”, O espaço escolar deve ser,
enfim, um lugar onde o sonho acontece, onde o disciplinamento é substituído por relações ético-afetivas.
A abertura de espaços concretos para a discussão participativa pode colaborar para o fortaleci-
mento da autonomia e da iniciativa coletiva e para a resolução de problemas comuns.
Essa é uma decisão crucial para o planejamento, a participação do coletivo e a distribuição das
responsabilidades por todos que frequentam a escola. Percebe-se que essa iniciativa, juntamente com
o acolhimento que cada professor – a seu modo – deve realizar no cotidiano escolar, propicia um
ambiente favorável ao desenvolvimento da autonomia. Por autonomia entende-se o oposto de depen-
dência, em relação ao processo cultural e social ao qual se está inserido, local e globalmente.
Morin (2002, p. 268) utiliza a hipótese de que não existe autonomia (dos seres vivos) sem de-
pendência do meio onde se está inserido, já que “a autonomia viva depende do seu meio exterior,
de onde tira energia, organização, conhecimento. Por isso, não existe autonomia viva que não seja
dependente”. Na educação popular, a ampliação do campo de pensamento, reflexão, devaneio, crítica
e síntese dos indivíduos no processo de escolarização – onde o conhecimento vivido é confrontado
com os conhecimentos sistematizados – deve acontecer de forma dialógica, potencializando as ações
cotidianas e fornecendo mais instrumentos para a tomada de decisões e a escolha de caminhos.

25
Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos

É o conhecimento – vivido e entendido como aquilo que permeia as relações


familiares, culturais, sociais, econômicas, políticas etc., isto é, como um imprin-
ting cultural – que Morin (2002, p. 302) entende como sendo
[...] a marca indelével imposta, primeiro, pela cultura familiar e, depois, pela cultura so-
cial, que se mantém na vida adulta. O imprinting inscreve-se cerebralmente na primeira
infância pela estabilização seletiva das sinapses, inscrições primeiras que vão marcar ir-
reversivelmente o espírito individual no seu modo de conhecer e de agir.
Essas marcas não são inatas, não nascemos com elas impregnadas em nosso
organismo. É um produto cultural, portanto passível de flexibilização, dúvidas,
desdobramentos, hibridizações, sínteses, enfim, de uma gama de elementos que
podem agir nas brechas proporcionadas pela ampliação do diálogo intercultural.
A escola é um local propício para o estabelecimento de relações que podem
favorecer o alargamento do imprinting cultural. Essa autonomia está diretamente
ligada ao entendimento de liberdade, como observa Morin (2001, p. 267):
Uma liberdade aparece quando o ser humano dispõe das possibilidades mentais de fazer
uma escolha e de tomar uma decisão e quando dispõe das possibilidades físicas ou mate-
riais de agir segundo a sua escolha e a sua decisão. Quanto mais apto a usar a estratégia na
ação, ou seja, a modificar, no meio, um roteiro inicial, maior é a sua liberdade.
Entretanto, em uma comunidade carente, com pouco acesso a bens mate-
riais, isso não se tornaria um elemento limitador para o entendimento de liber-
dade? A falta de acesso às possibilidades materiais para agir ou pôr em prática
as ações pensadas, pode limitar os desdobramentos do caminho traçado. A ação
educativa incide neste ponto: no desenvolvimento da autonomia para a busca da
liberdade. Aqui, o trabalho pedagógico, comprometido com os conceitos da edu-
cação popular, viabiliza-se e pode se concretizar.
Em uma escola pensada para jovens e adultos não deve haver espaço para o
disciplinamento punitivo; isto é, por serem adultos, todos os alunos devem parti-
cipar da construção, por exemplo, das regras de convivência na escola, diferente-
mente da escola que impõe regras para as crianças.

Uma escola conectada


com a vida dos alunos
A escola de adultos procura compreender a dinâmica vivida pelos alunos em
seu cotidiano. As mais diversas formas de sobrevivência, sejam elas econômicas,
sociais, culturais, religiosas ou afetivas, por muitas vezes fazem com que estes
alunos tenham que se distanciar da escola por determinados períodos, às vezes
descontínuos e às vezes mais prolongados.
A estrutura pensada procura adequar a escola a esta realidade, ocasionando
um replanejamento, uma reorganização do espaço escolar. O Ensino Fundamental
de jovens e adultos torna-se assim uma figura de desordem.

26
Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos

A EJA como figura de desordem


É no sentido de movimento que percebemos que a EJA é uma figura de
desordem, pois é preciso reformular todo o processo de organização escolar, bem
como a didática e as metodologias pensadas historicamente para crianças e ado-
lescentes. É preciso recriar os espaços escolares a partir do ingresso deste novo
público, um movimento incessante de:

ordem desordem organização

A desordem não pode ser confundida com bagunça, como algo fora de con-
trole. Com o avanço das ciências, mais precisamente da Física, da Química e da
Biologia, começamos a perceber que a ordem e a desordem são partes de qualquer
fenômeno que possa ser observado, estudado e analisado.
É sabido que a natureza não é linear, nada é simples, a ordem se esconde na desordem, o
aleatório está constantemente a refazer-se, o imprevisível deve ser compreensível. Trata-se
agora de produzir uma descrição diferente do mundo, onde a ideia do movimento e de suas
flutuações prevalece sobre a das estruturas, das organizações, das permanências. A chave
aponta para uma nova dinâmica, não linear, que dá acesso à lógica dos fenômenos aparen-
temente menos ordenados. (BALLANDIER, 1997)

Pode-se pensar a gestão do cuidado a partir de algumas ideias: “A confusão


e a instabilidade diminuem o peso da ordem preestabelecida, fecundam o novo
e abrem caminho a uma liberdade nova e fecunda: a desordem torna-se criado-
ra [...]” (BALLANDIER, 1997, p. 11). Dessa forma, podemos pensar o espaço e
o ambiente escolar em conjunto com os alunos, como as regras de convivência,
o fortalecimento de espaços e instâncias de diálogo e entendimento, a troca da
disciplina moralista pela autonomia com responsabilidade coletiva e os momentos
de recreação e lazer. Isto é, pensar a gestão da escola a partir de uma articulação
com os alunos, em uma distribuição de corresponsabilidades.
A ênfase nesse ponto baseia-se também nas ideias de Humberto Maturana,
biólogo chileno reconhecido mundialmente, para quem a convivência com o outro
deve-se dar pela perspectiva de que este é um outro legítimo. Podemos compre-
ender esse enunciado a partir da ideia de bioética afetiva, de que somos todos
da mesma espécie, somos seres humanos e, portanto, legítimos na convivência,
independentemente de sermos homens ou mulheres, pobres ou ricos, negros ou
brancos, escolarizados ou não. Como esse autor, pensamos que “só são sociais as
relações que se fundam na aceitação do outro como um legítimo outro na convi-
vência, e que tal aceitação é o que constitui uma conduta de respeito” (MATU-
RANA, 1998, p. 24). 1 Currículo oculto: con-
junto de atitudes, valo-
res e comportamentos que
O currículo oculto1 deve ser desvelado, as políticas de organização dos pro- não fazem parte explícita do
currículo, mas que são impli-
cessos do trabalho escolar – seja ele pedagógico ou administrativo – devem ser citamente “ensinados” pelas
relações sociais, pelos rituais,
esclarecidos e discutidos com os alunos, considerando-se esses sujeitos corres- pelas práticas e pela configu-
ponsáveis pelas ações planejadas e realizadas. ração espacial e temporal da
escola (SILVA, 2000).

27
Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos

Aqui, um exemplo para se entender a participação efetiva dos alunos em um


processo de elaboração das regras de convivência:
Regras de convivência:
1) Respeitar os horários de entrada e saída e de utilização do refeitório.
2) Evitar conversas nos corredores e o “entra e sai” em sala de aula na saída
para os intervalos.
3) Ter o diálogo como forma de relação entre professor e aluno.
4) Respeitar a individualidade, a liberdade e a autonomia.
5) Usar o crachá na escola, que é a forma de se identificar os alunos.
6) Fumar somente no pátio.

Pontos fundamentais
Uma escola pensada para adultos deve ser necessariamente diferente de
uma para crianças.
Exatamente por serem adultos, todos devem participar das discussões de
organização da Escola.
A escola de adultos procura compreender a dinâmica vivida pelos alunos
em seu cotidiano.
Pensar a gestão da escola a partir da participação dos alunos, em uma
distribuição de responsabilidades.

Para que serve a Educação?


(MATURANA, 1998, p. 11-13 e 21)
Quero começar com o “para quê”, por uma razão muito simples. Se perguntamos: a educação
atual serve ao Chile e à sua juventude? Estamos formulando a pergunta a partir do pressuposto de
que todos entendemos o que ela requer. Mas será que isto acontece? O conceito de servir é um con-
ceito relacional: algo serve para algo em relação a um desejo. Nada serve em si mesmo. No fundo,
a pergunta é: o que queremos da educação?
Acho que não se pode considerar nenhuma pergunta sobre os afazeres humanos, no que diz
respeito ao seu valor, à sua utilidade ou àquilo que se pode obter deles, se não se explicita o que é
que se quer. Perguntarmos se a educação chilena serve, requer respostas a questões como: o que
queremos com a educação? O que é educar? Para que queremos educar? E, em última instância, a
grande pergunta: que país queremos?
Penso que não se pode refletir sobre a educação sem antes, ou simultaneamente, refletir so-
bre essa coisa tão fundamental no viver cotidiano que é o projeto de país no qual estão inseridas

28
Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos

nossas reflexões sobre a educação. Temos um projeto de país? Talvez nossa grande tragédia atual
é que não temos um projeto de país. É claro que não podemos brincar de voltar ao passado. Sem
dúvida, como professor universitário, me dou conta da existência de dois projetos nacionais, um do
passado e outro do presente, claramente distintos, um que vivi como estudante, e outro no qual eu
vejo os estudantes de hoje serem forçados a viver.
Estudei para devolver ao país o que havia recebido dele. Estava mergulhado num projeto de
responsabilidade social. Era partícipe da construção de um país, no qual se escutava continua-
mente conversações sobre o bem-estar da comunidade nacional que seus membros contribuíam
para construir. Eu não era o único. Numa ocasião, logo no início dos meus estudos universitá-
rios, reunimo-nos todos os estudantes do primeiro ano para declarar nossas identidades políticas.
Quando isso aconteceu, o que me pareceu sugestivo foi que, na diversidade de nossas identidades
políticas, havia um propósito comum: devolver ao país o que estávamos recebendo dele. Quer di-
zer, vivíamos nosso pertencer a ideologias diversas como diferentes modos de cumprir com nossa
responsabilidade social de devolver ao país o que havíamos recebido dele, num compromisso ex-
plícito ou implícito de realizar a tarefa fundamental de acabar com a pobreza, com o sofrimento,
com as desigualdades e os abusos.
A situação e as preocupações dos estudantes de hoje mudaram. Hoje, os estudantes encontram-
-se no dilema de escolher entre o que deles se pede, que é preparar-se para competir no mercado
profissional, e o ímpeto de sua empatia social, que os leva a desejar mudar uma ordem político-cul-
tural geradora de excessivas desigualdades, que trazem pobreza e sofrimento material e espiritual.
A diferença que existe entre preparar-se para devolver ao país o que se recebeu dele, trabalhan-
do para acabar com a pobreza, e preparar-se para competir no mercado de trabalho é enorme. Tra-
tam-se de dois mundos completamente distintos. Quando eu era estudante, como já disse, desejava
retribuir à comunidade o que dela recebia, sem conflito, porque minha emoção e minha sensibilida-
de frente ao outro e meu propósito ou intenção a respeito do país coincidiam. Mas atualmente essa
coincidência entre propósito individual e propósito social não se dá, porque, no momento em que
uma pessoa se torna estudante para entrar na competição profissional, ela faz de sua vida estudantil
um processo de preparação para participar num âmbito de interações que se define pela negação do
outro, sob o eufemismo: mercado da livre e sadia competição. A competição não é e nem pode ser
sadia, porque se constitui na negação do outro.
A competição sadia não existe. A competição é um fenômeno cultural e humano, e não cons-
titutivo do biológico. Como fenômeno humano, a competição se constitui na negação do outro. Ob-
servem as emoções envolvidas nas competições esportivas. Nelas não existe a convivência sadia,
porque a vitória de um surge da derrota do outro. O mais grave é que, sob o discurso que valoriza a
competição como um bem social, não se vê a emoção que constitui a práxis do competir, que é a que
constitui as ações que negam o outro [...]. Nessas circunstâncias, o fenômeno de competição que se
dá no âmbito cultural humano, e que implica a contradição e a negação do outro, não se dá no âmbito
biológico. Os seres vivos não humanos não competem, fluem entre si e com outros em congruência
recíproca, ao conservar sua autopoiese e sua correspondência com um meio que inclui a presença de
outros, ao invés de negá-los.
Se dois animais se encontram diante de um alimento e apenas um deles o come, isso
não é competição. Não é, porque não é essencial, para o que acontece com o que come, que o

29
Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos

outro não coma. No âmbito humano, ao contrário, a competição se constitui culturalmente, quando
o outro não obter o que um obtém é fundamental como modo de relação. A vitória é um fenômeno
cultural que se constitui na derrota do outro. A competição se ganha com o fracasso do outro, e
se constitui quando é culturalmente desejável que isso ocorra. No âmbito biológico não humano,
esse fenômeno não se dá. A história evolutiva dos seres vivos não envolve competição. Por isso, a
competição não tem participação na evolução do humano. O que participa na evolução do humano
é a conservação de um fenótipo ontogênico ou modo de vida, no qual o linguajar pode surgir como
uma variação circunstancial à sua realização cotidiana, que não requer nada especial [...]

1. A EJA pode ser entendida como uma figura de desordem, porque


a) é preciso repensar todo o processo de organização escolar, bem como a didática e as meto-
dologias, pensadas historicamente para crianças e adolescentes.
b) é um grupo de desordeiros que frequentam a escola que criam esta imagem de desordem.
c) é uma bagunça, pois ninguém se entende (professores e alunos), criando assim desordem na
escola.
d) desorganiza e desestrutura toda a escola que já está pronta.

2. Podemos dizer que o currículo oculto é


a) aquilo que esquecemos de detalhar no currículo formal.
b) algo insignificante pois, como não está escrito nem registrado em nenhum documento, não
existe.
c) o conteúdo que o próprio professor escolhe, que não esteja contido no currículo formal.
d) conjunto de atitudes, valores e comportamentos que não fazem parte explícita do currículo,
mas que são implicitamente “ensinados”.

Recomendamos a leitura do livro: Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta,


de Moacir Gadotti e José E. Romão.

1. A

2. D

30
Uma possível
organização de uma
escola para adultos

N
esta aula, será abordada uma possível organização estrutural e pedagó-
gico-curricular de uma escola para jovens e adultos, na perspectiva da
gestão do cuidado e da cultura do acolhimento. Primeiramente vejamos
um exemplo concreto de uma capital brasileira, cuja experiência é parâmetro para
outros municípios na organização de uma proposta de Ensino Fundamental em 1 Segundo o documento
consultado, seus prin-
cípios são: (1) a construção
uma escola para jovens e adultos. plena da cidadania; (2) a
transformação da realidade;
e (3) a construção da autono-
Desde 1989, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (RS) ofe- mia. Seus objetivos são: (1)
proporcionar aos educandos
rece, em algumas escolas, uma modalidade de ensino com o nome de SEJA, sigla a reflexão sobre a cidadania,
que se refere ao Serviço de Educação de Jovens e Adultos. Inspirada na educação favorecendo a formação de
um cidadão crítico e cons-
popular, e com uma proposta de escola para trabalhadores, sua organização é deli- ciente dos seus direitos e
deveres, capaz de se tornar
neada por objetivos e princípios políticos e pedagógicos1. Das noventa e duas esco- um agente transformador
da realidade; (2) possibilitar
las municipais existentes, trinta e seis (40%) contemplam o SEJA, com aproxima- aos educandos a vivência
damente 8 000 alunos (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 1997). de uma ação participativa e
democrática na prática efeti-
va da escola e da sala de aula
Diante dos seus princípios e objetivos, a estrutura curricular se organiza e nos espaços organizados
da sociedade civil, em busca
em totalidades de conhecimento (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, da construção da autonomia;
(3) oportunizar aos educan-
1998a), fundada em três concepções básicas respaldadas no ideário da Educação dos das classes populares o
Popular e do Construtivismo Interacionista: a da interdisciplinaridade, a da for- resgate do direito relativo
à apropriação dos espaços
mação do senso crítico e a do aluno como ser presente. culturais da cidade de Porto
Alegre, tanto como forma de
conhecimento quanto como
O esquema da seriação desaparece, dando lugar às totalidades de conheci­ enriquecimento pessoal e
mento, e a relação de conteúdos cede lugar à construção de conceitos a partir de coletivo; (4) garantir aos
jovens e adultos a constru-
campos do saber. As antigas categorias de aprovação e reprovação são superadas ção psicogenética da língua
escrita e a apropriação dos
pelas de avanço e permanência, e trabalha-se com a ideia de afastamento, não de demais códigos (totalidades
1, 2 e 3), bem como a com-
evasão (a evasão só é considerada após trinta dias contínuos de afastamento sem plementação do processo de
qualquer aviso por parte do aluno). Procura-se acabar com o preconceito em relação alfabetização (totalidades 4,
5 e 6), proporcionando uma
ao repetente, com sua baixa autoestima e, por conseguinte, com a autoexclusão. formação intelectual integral
nas diferentes áreas, visando
à construção do conheci­­­­­­­­men­
Nessa perspectiva, a avaliação é entendida como emancipatória, global e to, indispensável à educação;
(5) criar condições para que
permanente, isto é, os alunos podem avançar dentro da totalidade e para a tota- os alunos possam construir
lidade seguinte em qualquer momento do ano, de acordo com o seu tempo peda- conhecimento através da
formulação de hipóteses e do
gógico de aprendizagem. Dessa forma, pretende-se uma reorganização do espaço confronto destas com outras,

escolar e da estrutura pedagógica, procurando-se contemplar as especificidades


resolvendo problemas, num
processo ativo de interação
sujeito-objeto.
de uma escola possível para trabalhadores.

31
Uma possível organização de uma escola para adultos

Vejamos o que diz a professora Liana Borges (2005, p. 98), uma das fun-
dadoras desta política pública, sobre as dificuldades de se “criar uma Escola para
Jovens e Adultos”:
Esta criação considera este aluno enquanto trabalhador que busca um complemento à
reflexão de sua prática social. Os conteúdos são referenciados na experiência de vida do
jovem e do adulto, que são produtores de conhecimento, e de hipóteses que explicam a
realidade. O objetivo da metodologia é, na relação dialógica, favorecer uma análise mais
profunda sobre este saber, o acesso a outras informações e a reelaboração e recriação
destes conhecimentos.

Do ingresso e matrícula
O acesso a este modelo escolar deveria ser diário, não por períodos determina-
dos, como de ano em ano ou de semestre em semestre. A maioria das propostas de EJA
desenvolvidas no Brasil não trabalha com a ideia de seriação no Ensino Fundamental
de adultos, e por isso não haveria prejuízos pedagógicos com a matricula diária.

Frequência e o afastamento combinado


Este é outro ponto diferencial na estrutura da EJA: o adulto não é obrigado
a estudar como a criança; não existe uma lei que o obrigue a frequentar a esco-
la, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Portanto, percebe-se a
importância de uma gestão do cuidado que, ao escutar o aluno, ao estar aberta e
propiciar espaços de diálogo, cria instrumentos de acolhimento.
Deve ser criado também o mecanismo do afastamento combinado, isto é:
“entende-se por afastamento combinado a saída do aluno da escola por tempo
determinado e acordado com a mesma, mediante justificativa, em um termo de
compromisso.” (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 1998b). O prazo
máximo de afastamento deve ser discutido entre a Coordenação Pedagógica da
escola e o aluno. Caso o aluno não retorne no tempo acordado, deveria a escola
iniciar movimentos de busca daquele.
Trabalhando-se com essa flexibilidade e com esses princípios da gestão da
escola de adultos, pode-se diminuir consideravelmente a evasão, pois o adulto
percebe que esta escola tenta se afinar à sua realidade.
O mérito dos projetos de EJA tem sido adequar os processos educativos à condição a que
são condenados os jovens e adultos. Não o inverso, que eles se adaptem às estruturas es-
colares feitas para a infância e adolescência desocupada. (ARROYO, 2001)

Organização curricular e interdisciplinari-


dade em uma escola para adultos
Este é outro ponto fundamental contra a evasão e a falta de motivação dos
alunos da EJA. Ao se organizar uma escola para adultos, deve-se ter bem claro

32
Uma possível organização de uma escola para adultos

que este adulto já dirige sua vida, isto é, trabalha, tem filhos, enfim, já possui uma
vida própria. Sendo assim, ele possui, de alguma maneira, estratégias de sobrevi-
vência, e isso é conhecimento na concepção da EJA.
Portanto, uma organização curricular para EJA tem, necessariamente, que
levar em consideração a realidade vivida pelos alunos, a geração de trabalho e
renda, a cultura, as condições de vida, as relações sociais etc. A realidade vivida
é complexa, não fragmentada em áreas do conhecimento – em disciplinas –, e por
isso deve-se trabalhar com um planejamento coletivo, interdisciplinar.
Sendo assim, na maioria dos municípios brasileiros que adotam esta con-
cepção de EJA, a organização seriada dá lugar às totalidades do conhecimento
(isto é, o conhecimento é visto como complexo) e a interdisciplinaridade torna-se
a base para o desenvolvimento do planejamento coletivo.
Elas podem ser assim organizadas:
Totalidade 1 – construção dos códigos escritos (exemplo: alfabético-
-numérico).
Totalidade 2 – construção dos registros dos códigos.
Totalidade 3 – construção das sistematizações dos códigos.
Totalidade 4 – aprofundamento das sistematizações por meio...
Totalidade 5 – ... das generalizações dos códigos e
Totalidade 6 – ... das transversalidades entre os códigos, trabalhando
com conceitos que envolvem as relações homem-natureza, conforme os
campos de saber abaixo descritos:
as totalidades de conhecimento 1, 2 e 3 correspondem ao processo de
alfabetização (escola regular: de primeira à quarta séries). As turmas
são atendidas por um professor;
as totalidades de conhecimento 4, 5 e 6 abrangem todas as áreas do
currículo de quinta à oitava série: Português, Matemática, História,
Geografia, Ciências Físicas e Biológicas, Língua Estrangeira Moder-
na, Educação Física e Educação Artística, com um professor para cada
disciplina.
As totalidades de conhecimento constituem os instrumentos conceituais a
partir dos quais a interdisciplinaridade poderá se efetivar, e não representam eta-
pas estanques nem uma sequência linear, de tal forma que não se precisa partir de
uma para se chegar a outra. Nessa concepção curricular, a pesquisa socioantro-
pológica torna-se um elemento fundamental para que se consiga trabalhar com a
ideia de totalidades de conhecimento e realizar um planejamento interdisciplinar.
A carga horária é idêntica para cada disciplina, o que se justifica nas teorias
do conhecimento de Piaget e Vygotsky, nas quais se afirma que o objeto cog-
noscível nunca está solto no espaço ou fragmentado em “gavetas” conceituais.
Qualquer fração do conhecimento está em inter-relação ativa com outras de igual
importância, onde uma ajuda as demais a se constituir: cada conceito traz consigo
uma totalidade (o conceito de espaço, por exemplo, não existe só na Geografia,
33
Uma possível organização de uma escola para adultos

mas também em todas as outras áreas). Priorizar uma área de conhecimento em


detrimento de outra só reforçaria a dificuldade na construção de conceitos ou co-
nhecimentos, tão discutida e denunciada na educação tradicional.
Estes são pontos importantes quando se pensa em articular uma política
pública para a EJA. Existem outros casos no Brasil, mas a experiência de Porto
Alegre, já reconhecida nacional e internacionalmente, mostra caminhos concretos
para a organização de uma escola pensada para jovens e adultos, e uma concepção
pedagógica articulada com essa nova estrutura.

Pontos importantes
Trabalho com a ideia de acolhimento, a sintonia entre escola e a vida dos
alunos.
O acesso deveria ser diário, e não por períodos determinados, como de
ano em ano ou de semestre em semestre.
O adulto não é obrigado a estudar como a criança; não existe uma lei que
o obrigue a frequentar a escola, portanto deve ser aceito.
Uma organização curricular para EJA tem, necessariamente, que levar
em consideração a realidade vivida pelos alunos.
Trabalho com um planejamento coletivo, interdisciplinar.

Terceiro traço: reencontro com as


concepções humanistas de Educação
(ARROYO, 2001, p. 14-15)
Chegamos a mais um traço das experiências populares de EJA: ter estado na fronteira do reen-
contro com as concepções humanistas de educação. Ter o ser humano e sua humanização como pro-
blema pedagógico. Não reduzir as questões educativas a conteúdos mínimos, cargas horárias mínimas,
níveis, etapas, regimentos, exames, avanços progressivos, verificação de rendimentos, competências,
prosseguimento de estudos etc. Institucionalizar a EJA nesses estreitos horizontes será pagar o preço
de secundarizar os avanços na concepção de educação acumulados nas últimas décadas.
O mérito das experiências de EJA tem sido não confundir os processos formadores com essas
formalidades escolares que parecem ser o foco inevitável de qualquer tentativa de incorporar o
direito à educação básica no corpo legal e nas modalidades de ensino.
Possivelmente, a história da EJA mostre que os avanços pedagógicos somente foram possíveis
com liberdade para criar.
É curioso constatar que no momento em que a concepção ampliada de educação e formação
básica se traduz em propostas educativas escolares mais abertas, mais próximas do legado do

34
Uma possível organização de uma escola para adultos

movimento de renovação pedagógica do qual a educação popular e a EJA fazem parte, exatamen-
te neste momento, a própria EJA é estruturada, é repensada como modalidade de ensino. Que
preço pagará por essa estruturação? Terá de recuar ou abandonar sua história de reencontro com
concepções perenes de formação humana?
As propostas educativas escolares sabem que para incorporar concepções ampliadas de educa-
ção têm de violentar a estrutura escolar. Mas a EJA não vem dessa tradição, pois aprendeu a educar
fora das grades. Podemos supor que sucumbirá atrás das grades e dos regimentos escolares e curri-
culares se neles for enclausurada. Dará conta ela de manter a concepção ampliada de educação que
aprendeu em sua tensa história?
A educação popular e a EJA enfatizaram uma visão totalizante do jovem e adulto como
ser humano, com direito a se formar como ser pleno, social, cultural, cognitivo, ético, estético,
de memória [...]
Não seria mais aconselhável para avançarmos na garantia de todos a essa concepção moderna,
universal, incorporar a universalidade das dimensões formadoras e estimular formas de educar os
jovens e adultos que continuem ou assumam essa concepção ampliada? Estimular o diálogo com
experiências nas escolas e redes de educação básica que tentam abrir os rígidos sistemas de ensino
para incorporar essa concepção e prática educativa?
Entretanto, esse diálogo fecundo somente será possível se a EJA não for forçada a se encaixar
em modelos e concepções de educação próprios das clássicas modalidades de ensino.
A história nos mostra que as experiências mais radicais de educação de jovens e adultos não
aconteceram à margem dos sistemas de ensino pelo anarquismo de grupos de educadores pro-
gressistas, mas porque a concepção de jovem e de adulto popular e de seus processos educativos,
culturais, formadores não cabiam nas clássicas modalidades de ensino. Tratam-se de matrizes pe-
dagógicas diferentes que por décadas se debatem fora e dentro dos sistemas de ensino.

1. Como se caracterizam o ingresso e a matrícula em uma escola para jovens e adultos?


a) Acontecem sempre no início do ano letivo.
b) São realizados sempre no início de cada semestre letivo.
c) São realizados no início de cada trimestre letivo.
d) O acesso deve ser diário, e não por períodos determinados.

2. O que se entende por afastamento combinado?


a) O aluno pode se afastar da escola sem dar satisfação nenhuma e voltar quando bem quiser.
b) Saída do aluno da escola por tempo determinado e acordado com a mesma, mediante justifi-
cativa, em um termo de compromisso.
c) O aluno combina com seus colegas de aula seu afastamento e comunica à direção da escola.
d) O aluno comunica à direção da escola o seu afastamento, e esta registra como falta os dias
não frequentados pelo aluno.

35
Uma possível organização de uma escola para adultos

Recomendamos a leitura do livro Pedagogia da Esperança, de Paulo Freire (Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1992). Neste livro, Freire realiza um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.

1. D

2. B

36
Uma possível
organização curricular
para a Educação
de Jovens e Adultos I
V amos trabalhar com a construção de uma possível organização curricular
para a Educação de Jovens e Adultos, partindo dos princípios da Educação
Popular.

A dialogicidade como pressuposto


da ação educativa popular crítica1
Neste tópico, será vista a importância que o diálogo adquire na educação
popular e crítica. A seguir, encontram-se esquematizados os principais pontos
do tema:
Assumir os sujeitos concretos como agentes da práxis curricular.
Nossos alunos já são jovens ou adultos; por isso, devem ser agentes ativos no
processo de construção curricular, isto é, a participação dos alunos é fundamental.
Adotar a visão de mundo dos alunos sobre temas, situações e necessida-
des vivenciadas como ponto de partida para a construção pedagógica
do conhecimento crítico.
Esse ponto efetiva o diálogo como fundamento da EJA, pois a partir da
exposição das opiniões dos alunos é que teremos noção sobre suas ideias sobre o
mundo, a vida, a cultura e o trabalho.
Ter a problematização da visão de mundo dos alunos como referência
inicial para a sistematização do diálogo pedagógico. 1 Esta aula tem como base
as anotações elabora-
das pelo professor Antonio
Fernando Gouvêa – que foi
Aqui, as ideias dos alunos são esmiuçadas e analisadas, procurando proble- assessor do Ensino Funda-
mental de Jovens e Adultos
matizar aquilo que se entende como um limite explicativo para os temas, situações na cidade de Porto Alegre
ou necessidades. São situações relatadas, falas e comentários sobre um assunto, no período de 2002 a 2004 –,
acrescidas de nossas refle-
que os professores não concordam como explicação para determinada situação. xões sobre o tema.

37
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I

Usar de espírito crítico e pertinência na seleção dos conteúdos escolares


relativos aos temas e situações da realidade problematizada.
Isso significa que os conteúdos escolares a serem trabalhados devem ser
escolhidos a partir dos limites explicativos sobre os temas, situações ou necessi-
dades que já foram identificados.
Conscientização – planejamento curricular que potencialize ações trans-
formadoras sobre a realidade concreta e vivida.
É a consciência-ação, isto é, não basta entender os problemas vivenciados, é
necessário criar ações que venham a transformar a realidade.

Diálogo como método de trabalho popular


Somente o homem, como um ser que trabalha, que tem um pensamento-linguagem, que
atua e é capaz de refletir sobre si mesmo e sobre a sua própria atividade, que dele se sepa-
ra, somente ele, ao alcançar tais níveis, se fez um ser da práxis. [...] Desprendendo-se do
seu contorno, veio tornando-se um ser, não da adaptação, mas da transformação do con-
torno, um ser de decisão. [...] Daí que não haja outro caminho senão a dialogicidade. Para
ser autêntico só pode ser dialógico. E ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é
dizer-se descomprometidamente – dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não
invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação
constante da realidade. (FREIRE, 1992, p. 39)

Estes são alguns pontos considerados importantes para se começar a pensar


uma organização curricular para a EJA:
Todos possuem sabedoria.
O fato de uma pessoa não saber ler ou escrever não significa que ela não
sabe pensar, que não possui conhecimento. Pelo contrário: ela tem conhecimen-
to da vida que vive, do seu cotidiano muitas vezes sofrido, pois muitas vezes já
produz renda – ou seja, trabalha ou está procurando trabalho –, pode ser casada,
ter filhos etc. Portanto, deve-se ter discernimento para saber que todos possuem
conhecimento, o conhecimento da vida.
Busca do saber sistematizado, pertinente às necessidades.
Busca dos conteúdos científicos que possam colaborar para a elucidação,
a reflexão e a criação de hipóteses diferenciadas ou outros cenários relativos às
necessidades vividas.
O trabalho da educação popular deve ser crítico.
Parte da visão da classe trabalhadora.
É coletivo e planejado, isto é, deve ser feito com a ajuda de todos.
É conflituoso e não inventa necessidades, mas revela interesses e in-
tencionalidades.
O diálogo é o principal procedimento metodológico da Educação
Popular.
Problematização Teorização Intervenção

38
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I

Pontos importantes
Por serem jovens ou adultos, os alunos devem participar da organização
do currículo, em um trabalho coletivo.
Deve-se ouvir os alunos, suas opiniões, suas explicações sobre o mundo
e as relações que o compõem.
Problematizar as visões de mundo que caracterizem situações-limite.
Os conteúdos escolares devem ser selecionados a partir das necessidades
evidenciadas no diálogo.

Infantilizando adultos:
experiências vividas e trabalhos escolares
(OLIVEIRA, 2004, p. 105-107)
Um dos principais problemas que se apresentam ao trabalho na EJA refere-se ao fato de que,
não importando a idade dos alunos, a organização dos conteúdos a serem trabalhados e os modos
privilegiados de abordagem dos mesmos seguem as propostas desenvolvidas para as crianças do
ensino regular. Os problemas com a linguagem utilizada pelo professorado e com a infantilização
de pessoas que, se não puderam ir à escola, tiveram e têm uma vida rica em aprendizagens que
mereceriam maior atenção.
Num curso que fui convidada a ministrar em Paraty, de formação de professores atuando na
EJA no município, vivenciei duas situações que evidenciam este problema da inadequação das
propostas curriculares ao público da EJA. Em primeiro lugar, ao propor aos professores cursistas
que falassem do seu trabalho, dos problemas e dificuldades nele enfrentados, deparei-me com de-
poimentos semelhantes aos que ouvia no tempo em que atuava no primeiro segmento do Ensino
Fundamental, com crianças de 6 a 10 anos, frases que me fornecem indícios de que a mudança de
faixa etária e de histórico de vida não apresenta uma mudança na proposta de trabalho, como as
que se seguem.
“A aluna não consegue entender a folhinha” / “Eu mando o dever de casa e eles não trazem”.
Considerando que o público dessas classes é de pessoas entre 20 e 75 anos de idade, fica evidente
que o termo “folhinha” usado pela professora deve causar estranhamento ao grupo e, muito possi-
velmente, realimentar uma baixa autoestima que caracteriza muitos desses grupos e que decorre do
processo de “culpabilização da vítima” presente em nossa sociedade meritocrática e individualista.
Se a folha do aluno é do mesmo tamanho que a do professor, por que o diminutivo? Quanto ao dever
de casa, acredito que o objetivo da atividade é o de criar hábitos de estudo em crianças que vão pros-
seguir na escola, além da questão da “fixação” do conteúdo trabalhado. Porém, me pergunto qual
é a possibilidade real que tem um adulto, sem hábitos de lidar com atividades organizadas como as
escolares e que, na maior parte das vezes, trabalha o dia inteiro, de fazer sozinho o dever de casa.
Mais ainda, pergunto-me qual é a função do dever de casa nessas circunstâncias?

39
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I

A outra situação é ainda mais significativa. Angustiada com uma aluna de segunda série e de
75 anos que não conseguia aprender matemática e preocupada com a possibilidade de ela desistir da
escola, uma professora cursista me pediu ajuda para solucionar o problema. Dizia-me ela: “Profes-
sora, o que eu faço com a Dona Josefa? Ela não consegue fazer as continhas de jeito nenhum. Ela
não sabe fazer e não consegue aprender”. Solidária com a professora, nitidamente comprometida
com o seu trabalho, vi que ela precisava de socorro. Refletindo sobre o problema, perguntei-lhe so-
bre a vida de Dona Josefa, uma senhora que morava na periferia do município, mãe de muitos filhos
e avó de muitos netos, sempre responsável pela criação de muitos deles. Como se explica que uma
pessoa que provavelmente passou a vida contando dinheiro para alimentar, vestir e dar casa a tantos
filhos e netos, não saiba fazer conta? Impossível! Mas, no entanto, o problema estava lá. Depois de
alguns esclarecimentos e discussões, expliquei à professora como entendia a questão. Dona Josefa
sabia, com certeza, fazer conta. O que ela não sabia era pegar a folhinha e fazer as continhas de
acordo e a partir da ordem de arme e efetue que caracterizam este tipo de atividade. O que ela não
sabia era colocar o seu saber em diálogo com o que a professora buscava a todo custo lhe ensinar:
como se fazem contas na escola...

1. Na EJA, os alunos devem participar do processo de construção curricular


a) porque seus pais não podem comparecer à noite, e por isso pede-se a participação dos
alunos.
b) por serem adultos, devendo dividir as responsabilidades por sua educação, como sujeitos
concretos e agentes da práxis curricular.
c) para que se tenha um maior controle sobre o que os alunos falam.
d) porque a direção da escola acha que a participação deles pode ser interessante.

2. Podemos entender como dialogicidade


a) a exposição pelos professores dos conteúdos escolares em sala de aula.
b) os momentos prazerosos dos intervalos entre as aulas.
c) a abertura ao diálogo para todos os que frequentam o espaço escolar, seja na organização do
currículo, seja em sala de aula.
d) a abertura ao diálogo para todos os que apresentam problemas graves, particulares, que pos-
sam vir a perturbar o ambiente escolar.

Sugerimos a leitura do livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educa-


tiva, de Paulo Freire. Este é um livro de bolso: seu tamanho é pequeno, mas sua grandeza humana é
incomensurável.

40
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I

1. B

2. C

41
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I

42
Uma possível organização
curricular para a Educação
de Jovens e Adultos II
N esta aula serão vistas as dimensões da práxis pedagógica do diálogo pelo viés da Educação
Popular. Paulo Freire (2005, p. 91) diz a respeito:
O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto
na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os
que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste
direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, re-
conquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.

Agora, serão vistos os planos em que se divide a prática pedagógica do diálogo.

Plano dialógico psicopedagógico


As teorias de Piaget e de Vygotsky são o referencial teórico neste plano. Nota-se que um adulto
tem suas visões sobre o mundo, a terra, as pessoas, a sociedade etc. Estas ideias estão estruturadas
em seu cérebro, e são a base de seu conhecimento. Assim, é necessário uma desequilibração cogni-
tiva, isto é, provocar conflitos que levem o adulto a refletir sobre suas opiniões e ideias, levando-o a
elaborar novas hipóteses e novos cenários em cima do que pensava anteriormente, isto é, realizar uma
reconstrução conceitual.

Plano dialógico epistemológico


Aqui, encontra-se a tensão entre:
conhecimento formal e conhecimento informal;
senso comum e conhecimento cientificamente sistematizado;
curiosidade ingênua e curiosidade epistemológica;
conhecimento empírico-pragmático-positivista e conhecimento dialético.
Essa tensão deve ser problematizadora, conflituosa, instigante e cuidadosa. A partir do conhe-
cimento informal ou do senso comum, da curiosidade ingênua – muitas vezes permeados por um
empirismo pragmático-positivista –, é que criamos situações de conflito mediadas pelo conhecimento
científico sistematizado e pelo conhecimento formal, que conduzem a um pensamento dialético sobre
o mundo e a vida.

43
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II

Plano dialógico cultural


Aqui, encontram-se as interfaces da cultura popular com a cultura elabora-
da. Não se trata de analisar se esta ou aquela é superior, mas sim de ampliar o diá-
logo intercultural. A escola é um espaço onde as culturas se encontram, é preciso
potencializar essa troca cultural.

Dimensão ético-crítica do diálogo na EJA


A partir da fala significativa do outro, deve-se trabalhar com o limite expli-
cativo que se percebe nesta fala, isto é, aquilo que é visto como contraditório ou
que evidencie uma situação-limite.
Após a identificação dos limites-explicativos contidos nas falas, nas visões
de mundo, ocorre a problematização, que deve levar em consideração:
a análise das necessidades materiais da comunidade;
o conflito cultural significativo;
a tensão entre saberes e conhecimentos (educandos-educadores);
a organização da demanda conceitual: informações, dados, contextuali-
zação social, política e econômica.
Após essa problematização é que devem ser buscados os conhecimentos
científicos sistematizados e acumulados pela humanidade, isto é, buscam-se os
conteúdos escolares que potencializem a reflexão, a expansão e a criação de no-
vas ideias, novos cenários e novas hipóteses em relação aos temas abordados – os
temas nos quais foi percebido um limite explicativo nas falas dos alunos.

Uma outra possibilidade


de organização curricular
Percebe-se que outra ideia de organização curricular está sendo trabalhada,
uma que não parte da organização dos conteúdos, mas sim de realidades contex-
tualizadas. A seguir, vê-se a diferença:
conteúdo prescrito realidade ideal conhecer é transmitir
(sujeitos genéricos) as verdades do conteúdo
O conteúdo prescrito é como a bula de um remédio, pois independe da cida-
de e do estado onde o professor e o aluno residem; ele deve ser trabalhado, mesmo
que em nada contribua para as transformações necessárias e possíveis na vida das
pessoas. Portanto, se o conteúdo prescrito é o ideal, então é igual para todos, pois
os sujeitos são considerados como genéricos, não como específicos (situados em
um determinado espaço geopolítico). Logo, conhecer é transmitir as verdades dos
conteúdos.
44
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II

Essa abordagem da educação (que chamamos de educação tradicional)


trabalha com um modelo de ensino padronizado com base: na memorização, no
treinamento, na disciplina micropunitiva, na aprendizagem por repetição, na in-
dividualização de disciplinas, na fragmentação do conhecimento e na competiti-
vidade acirrada.
Na opinião de Gaudêncio Frigotto (1998, p. 100),
[...] se o sistema educacional investir em uma determinada educação, visando ao desenvol-
vimento de determinadas competências, aqueles que adquirirem essas competências terão
emprego. Esta é uma ilusão brutal. Não negamos a importância da educação, que é crucial
e fundamental, mas não por esse caminho [...] Isolada não tem o poder de transformar a
realidade social, cultural, política e econômica de uma sociedade marcada pelo estigma
escravocrata e pela servil subordinação ao grande capital [...]

Como já foi visto, a educação não é neutra, e revela uma visão de mundo; a
visão de mundo explícita neste modelo é a de uma educação que prepara as pesso-
as para o mercado de trabalho, para o emprego com carteira assinada, enfim, para
formar empregados assalariados. É uma educação que domestica por meio da dis-
ciplina, e que pouco colabora para a formação de pessoas críticas e participativas
em ações que possam modificar a sua realidade.

Abordagem ético-crítica
conteúdo selecionado realidade/visão de mundo da construção do conhecimento
a partir da realidade. comunidade: limite signifi- a partir das necessidades/con-
cativo na apreensão do real. flitos vivenciados na realidade
concreta.
Vê-se a inversão que ocorre na abordagem conteudista: aqui, parte-se da
realidade da comunidade em que os alunos vivem, da visão de mundo que eles
apresentam aos professores; após a leitura dessa realidade é que são selecionados
os conteúdos pertinentes para impulsionar determinada discussão, reflexão etc.
A construção do conhecimento dá-se a partir da problematização, dos conflitos
pertinentes à realidade vivida.
A visão de mundo dessa perspectiva é educar para o mundo do trabalho, a
partir de competências cognitivas intelectualmente mais complexas: capacidade
de análise, de síntese, de avaliação, de relações, de criar soluções inovadoras; co-
municação clara e precisa; uso de diferentes formas de linguagem; capacidade de
trabalhar em grupo; gerenciamento de processos para atingir metas; trabalho com
prioridades; convivência com as diferenças alheias; enfrentamento de desafios e
mudanças; resistência a pressões; desenvolvimento de raciocínio lógico-formal,
aliado à intuição criadora; e busca de formação permanente.
Pode-se perceber que são enormes as diferenças entre uma forma e outra de
pensar e organizar a Educação, em particular a EJA.

45
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II

Pontos importantes
Práxis pedagógica fundamentada no diálogo.
Abertura de espaços permanentes de diálogo (sala de aula ou qualquer
outro espaço escolástico).
Ouvir o outro, e a partir dessa escuta, problematizar suas ideias.
Deve-se investigar a realidade, partindo dela para a organização do
currículo.
Os conteúdos são os meios para se atingir os objetivos traçados no
currículo.

Professores como intelectuais transformadores


(GIROUX, 1997, p. 161-162)
No que se segue, desejo argumentar que uma forma de repensar e reestruturar a natureza da
atividade docente é encarar os professores como intelectuais transformadores. A categoria de inte-
lectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente, ela oferece uma base teórica para examinar-se
a atividade docente como forma de trabalho intelectual, em contraste com sua definição em termos
puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo lugar, ela esclarece os tipos de condições ide-
ológicas e práticas necessárias para que os professores funcionem como intelectuais. Em terceiro
lugar, ela ajuda a esclarecer o papel que os professores desempenham na produção e legitimação
de interesses políticos, econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas
e utilizadas.
Ao encarar os professores como intelectuais, podemos elucidar a importante ideia de que toda
a atividade humana envolve alguma forma de pensamento. Nenhuma atividade, independente do
quão rotinizada possa se tornar, pode ser abstraída do funcionamento da mente em algum nível.
Este ponto é crucial, pois ao argumentarmos que o uso da mente é uma parte geral de toda ativida-
de humana, nós dignificamos a capacidade humana de integrar o pensamento e a prática, e assim
destacamos a essência do que significa encarar os professores como profissionais reflexivos. Dentro
deste discurso, os professores podem ser vistos não simplesmente como “operadores profissional-
mente preparados para efetivamente atingirem quaisquer metas a eles apresentadas. Em vez disso,
eles deveriam ser vistos como homens e mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores
do intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens”.
Encarar os professores como intelectuais também fornece uma vigorosa crítica teórica das
ideologias tecnocráticas e instrumentais subjacentes à teoria educacional que separa a concei-
tualização, planejamento e organização curricular dos processos de implementação e execução.
É importante enfatizar que os professores devem assumir responsabilidade ativa pelo levan-
tamento de questões sérias acerca do que ensinam, como devem ensinar, e quais são as metas
mais amplas pelas quais estão lutando. Isto significa que eles devem assumir um papel res-
ponsável na formação dos propósitos e condições de escolarização. Tal tarefa é impossível

46
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II

com uma divisão de trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as condições ideoló-
gicas e econômicas de seu trabalho. Este ponto tem uma dimensão normativa e política que parece
especialmente relevante para os professores. Se acreditarmos que o papel do ensino não pode ser
reduzido ao simples treinamento de habilidades práticas, mas que, em vez disso envolve a educação
de uma classe de intelectuais vital para o desenvolvimento de uma sociedade livre, então a catego-
ria de intelectual torna-se uma maneira de unir a finalidade da educação de professores, escolariza-
ção pública e treinamento profissional aos próprios princípios necessários para o desenvolvimento
de uma ordem e sociedade democráticas.
Eu argumentei que, encarando os professores como intelectuais, nós podemos começar a re-
pensar e reformar as tradições e condições que têm impedido que os professores assumam todo o
seu potencial como estudio­sos e profissionais ativos e reflexivos. Acredito que é importante não
apenas encarar os professores como intelectuais, mas também contextualizar em termos políticos
e normativos as funções sociais concretas desempenhadas pelos mesmos. Desta forma, podemos
ser mais específicos acerca das diferentes relações que os professores têm tanto com seu trabalho
como com a sociedade dominante.
Um ponto de partida para interrogar-se a função social dos professores enquanto intelectuais é
ver as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão inextrincavelmente atrelados
às questões de poder e controle. Isto significa que as escolas fazem mais do que repassar de maneira
objetiva um conjunto comum de valores e conhecimento. Pelo contrário, as escolas são lugares que
representam formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são
seleções e exclusões particulares da cultura mais ampla. Como tal, as escolas servem para introdu-
zir e legitimar formas particulares de vida social. Mais do que instituições objetivas separadas da
dinâmica da política e poder, as escolas são, de fato, esferas controversas que incorporam e expres-
sam uma disputa acerca de que formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulação
moral e versões do passado e futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos estudantes. Esta
disputa é mais visível, por exemplo, nas demandas ele grupos religiosos de direita que atualmente
tentam instituir a reza nas escolas, eliminar certos livros das bibliotecas escolares e incluir certas
formas de ensinamentos religiosos no currículo de ciências. É claro que demandas de outro tipo são
feitas por feministas, ecologistas, minorias, e outros grupos de interesse que acreditam que as es-
colas deveriam ensinar estudos femininos, cursos sobre meio ambiente, ou história dos negros. Em
resumo, as escolas não são locais neutros e os professores não podem tampouco assumir a postura
de serem neutros.
Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser vistos em termos dos
interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações sociais em sala de
aula e valores que eles legitimam em sua atividade de ensino.

1. Pode-se dizer que a educação tradicional trabalha com um modelo de ensino


a) extremamente democrático, participativo, reflexivo, que busca a autonomia dos alunos.
b) padronizado, com base na memorização, no treinamento, na disciplina micropunitiva e na
aprendizagem por repetição.

47
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II

c) desorganizado, no qual cada professor escolhe como quiser os conteúdos que serão transmi-
tidos aos alunos.
d) padronizado, com base no coletivo, na aprendizagem por reflexão, na disciplina micropuni-
tiva e no individualismo.

2. Em quais planos utiliza-se a prática pedagógica do diálogo?


a) Plano psicodramático, plano subjetivo e plano coletivo.
b) Planos dialógico psicopedagógico, dialógico epistemológico e dialógico cultural.
c) Planos da direção sobre a educação, dos professores sobre a aprendizagem e dos alunos so-
bre o conhecimento.
d) Plano disciplinar-punitivo, plano autoritário e plano da submissão.

Sugerimos a leitura de Ideologia e Currículo, de Michael Apple. O livro aborda criticamente


questões que envolvem o currículo, o “conhecimento legítimo”, ensino e poder. Boa leitura.

1. C

2. B

48
O planejamento pedagógico na
Educação de Jovens e Adultos I

Refletir sobre o planejamento


pedagógico e sua construção coletiva

N
esta aula será discutido o planejamento pedagógico coletivo, que envolve a participação de
alunos, professores, equipe diretora da escola e, se possível, organizações civis da comunida-
de (associação de moradores, clube de mães etc.).
Todos sabem das dificuldades de se planejar, ainda mais coletivamente. A atual formação pesso-
al, extremamente individualizada e fragmentada, está enraizada na cultura educacional do país, seja na
visão de educação, de escola, de conhecimento, de currículo, de distribuição da carga horária etc.
Muitas vezes, isso não permite que se percebam as conexões possíveis de serem feitas entre a
realidade vivida e os processos pedagógicos. O professor Celso Antunes (2001) fornece uma definição
de planejamento:
Processo que, tomando como referência o conhecimento de uma realidade, define os propósitos de um empreen-
dimento que visa modificar essa realidade, os meios para alcançá-los e acompanhar e/ou executar as decisões e
avaliar seus resultados. Planejamento Curricular é o processo de tomada de decisões que implica na previsão,
execução e avaliação da ação que visa à efetivação, espacial e temporal, do currículo.

O planejamento coletivo envolve, necessariamente, a socialização das decisões, e isso ocorre


em um amplo processo dialógico e problematizador, no qual todos devem ter a oportunidade de ex-
pressar sua visão de mundo, da sociedade e da vida em geral, além de seus sonhos e expectativas.
Neste processo, consideraram-se os seguintes passos:
1. levantamento preliminar da realidade local, isto é, da comunidade onde a escola está inserida
(pesquisa socioantropológica);
2. escolha das situações significativas;
3. retirada e seleção dos temas-geradores;
4. redução temática;
5. construção da programação e preparação das atividades para sala de aula.

Pesquisa socioantropológica: conhecendo a realidade


A pesquisa socioantropológica – o primeiro passo do planejamento coletivo – deve investigar a
realidade vivida pelos alunos em sua comunidade, no trabalho, no modo como vivem em geral:
como articulam alternativas de sobrevivência apesar da carência de certos aparelhos estatais
básicos e da precária situação material;
49
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I

como certas relações são estabelecidas;


como certos códigos de conduta e ética são priorizados;
como articulam as formas de geração de trabalho e renda e o grau de
organização comunitária.
Aqui, o princípio hologramático da teoria da complexidade do filósofo e
pesquisador francês Edgar Morin (2001, p. 181) torna-se fundamental. Como o
autor, pode-se dizer que não só a parte está no todo, como o todo está na parte: “só
posso compreender um todo se conheço, especificamente, as partes, mas só posso
compreender as partes se conhecer o todo”. Logo, para conhecer os alunos, que
são partes de um todo (de sua família, da comunidade, do trabalho etc.), deve-se
tentar conhecer o todo.
A pesquisa socioantropológica investiga como se dão as relações nos diver-
sos espaços onde os alunos convivem. No processo de organização do currículo,
inicia-se da parte (aluno) para o todo (sociedade), e volta-se à parte. A ideia é a da
potencialização da parte na transformação coletiva do todo.
Essa organização estrutural aprofunda o acolhimento, pois trabalha com a
compreensão de que a escola deve estar em sintonia com a vida de seus alunos.
Descarta-se a ideia de alunos isolados de seu contexto, de sua comunidade, como
objetos em um meio artificial – a sala de aula. Os alunos não podem ser conside-
rados produtos isolados do seu meio social.
Aqui, encontra-se o ponto da intervenção educativa na perspectiva da trans-
formação: o de potencializar essa transformação individual e coletiva no e do
meio social onde os alunos estão inseridos. Morin (2001) formula o conceito de
liberdade:
Uma liberdade aparece quando o ser humano dispõe das possibilidades mentais de fazer
uma escolha e de tomar uma decisão e quando dispõe das possibilidades físicas ou mate-
riais de agir segundo a sua escolha e a sua decisão. Quanto mais apto a usar a estratégia na
ação, ou seja, a modificar, no meio um roteiro inicial, maior é a sua liberdade.

Para se organizar essa pesquisa, é preciso fazer um dossiê contendo todas


as informações obtidas. Deve-se buscar dados estatísticos e antropológicos, tanto
da realidade escolar dos alunos quanto da comunidade local, por meio de visitas,
entrevistas e descrições do espaço social.
Todo esse processo de pesquisa pode ser dividido em duas etapas:
em um primeiro momento, pesquisa-se junto aos alunos, em uma assem-
bleia geral, que pode ser dividida em pequenos grupos de discussão. O
importante é que todos possam participar e dar suas opiniões;
depois disso, pesquisa-se junto à comunidade local. Aqui, deve-se orga-
nizar grupos de pesquisa de campo, ou seja, alunos e professores, juntos,
pesquisam a realidade local.
Cabe então aos professores organizar o material coletado, com o objetivo de
caracterizar a rede – ou redes – de relações que perpassam a comunidade: suas vi-
sões de mundo e explicações para entendê-lo, suas estratégias de vida, de geração

50
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I

de trabalho e renda, suas dificuldades e seus sonhos. A este material juntam-se


dados (econômicos, culturais, religiosos, estatísticos etc.) da região onde a comuni-
dade se localiza, isto é, do município, do estado, do Brasil e do mundo.
A ideia é estabelecer uma dialética entre o local e o global, e vice-versa.
Também é nesse momento que o grupo de educadores seleciona as situações con-
sideradas significativas e as temáticas latentes.
Mas como e quando se pode considerar significativa uma situação viven­
ciada pela comunidade? Devem-se analisar os dados coletados junto aos alunos
e à comunidade, procurando perceber as contradições explicitadas, as situações
­presentes implícita ou explicitamente, muitas de grande valor no sentido emocional.
Segundo a argumentação de Antonio Gouvêa da Silva (2002):
Esta é a chave programática central da proposta, ou seja, perceber os limites explicativos da
comunidade, suas contradições e a tomada de consciência por parte dos(as) educadores(as)
das diferenças na forma de compreender e atuar na realidade que eles possuem em relação
à comunidade. De uma maneira sintética, podemos dizer que, durante a aplicação de toda
a programação, temos como objetivo principal o estabelecimento de um diálogo entre es-
sas duas visões de mundo: a da comunidade e a do grupo de educadores da escola.

Como resultado desse processo, obtêm-se as situações-limite que, para se


tornarem questões pedagógicas, precisam ser criticamente problematizadas e ana-
lisadas pelos educadores, buscando-se assim alternativas que até então passavam
despercebidas pelos alunos ou pela comunidade.

Pontos importantes
O planejamento na EJA deve ser coletivo, isto é, deve envolver toda a
comunidade escolar, bem como a comunidade do entorno da escola.
O planejamento coletivo envolve necessariamente a socialização das de-
cisões.
Levantamento preliminar da realidade local, isto é, da comunidade onde
a escola está inserida (pesquisa socioantropológica).
Escolha das situações significativas.

Educação de Jovens e Adultos:


um campo de direitos e de responsabilidade pública
(ARROYO, 2005, p. 19-21)
O campo da Educação de Jovens e Adultos tem uma longa história. Diríamos que é um campo
ainda não consolidado nas áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da
formação de educadores e intervenções pedagógicas. Um campo aberto a todo cultivo e onde vários

51
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I

agentes participam. De semeaduras e cultivos nem sempre bem definidos ao longo de sua tensa
história.
Talvez a característica marcante do momento vivido na EJA seja a diversidade de tentativas
de configurar sua especificidade. Um campo aberto a qualquer cultivo e semeadura será sempre
indefinido e exposto a intervenções passageiras. Pode-se tornar um campo desprofissionalizado.
De amadores. De campanhas e de apelos à boa vontade e à improvisação. Um olhar precipitado
nos dirá que talvez tenha sido esta uma das marcas da história da EJA: indefinição, voluntarismo,
campanhas emergenciais, soluções conjunturais.
A configuração da EJA como um campo específico de responsabilidade pública do Estado é,
sem dúvida, uma das frentes do momento presente. Há indicadores que apontam nessa direção? As
universidades e os centros de pesquisa e de formação assumem os jovens e adultos e seus proces-
sos de formação como foco de pesquisas e de reflexão teórica. O Grupo de Trabalho Educação de
Jovens e Adultos da ANPEd é um dos espaços de apresentação e troca dos produtos dessas pesqui-
sas. Este pode ser um ponto promissor na reconfiguração da EJA: as universidades em suas funções
de ensino, pesquisa e extensão se voltam para a educação de jovens e adultos.
Há outros indicadores promissores para a reconfiguração da EJA. Além de se constituir como
um campo de pesquisas e de formação, a EJA vem encontrando condições favoráveis para se confi-
gurar como um campo específico de políticas públicas, de formação de educadores, de produção te-
órica e de intervenções pedagógicas. Podemos encontrar indicadores novos de que o Estado assume
o dever de responsabilizar-se publicamente pela EJA. Cria-se um espaço institucional no MEC, na
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secade). Discute-se a EJA nas
novas estruturas de funcionamento da educação básica – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Básico (Fundeb). Criam-se estruturas gerenciais específicas para EJA nas Secretarias
Estaduais e Municipais.
Por outro lado, encontramos na sociedade sinais de preocupação com os milhões de jovens e
adultos que têm direito à educação básica. ONGs, igrejas e cultos afro-brasileiros, sindicatos e mo-
vimentos sociais, especificamente os movimentos sociais do campo, como o MST, criam propostas
voltadas à educação de jovens e adultos. Instituições como Unesco, Abrinq, Natura dão prioridade
à EJA [...] O compromisso dessa diversidade de coletivos da sociedade não é mais de campanhas
nem de ações assistencialistas. Um novo trato mais profissional está se consolidando como indica-
dor de que tanto o Estado quanto a sociedade em seus diversos atores são mais sensíveis aos jovens
e adultos e a seus direitos à educação. Surge uma nova institucional idade entre o Estado e a socie-
dade. Os fóruns de EJA passaram a ser um novo espaço promissor.
Poderíamos encontrar outros indicadores de que estamos em um tempo propício para a re-
configuração da EJA. Um dos mais promissores é a constituição de um corpo de profissionais
educadores(as) formados(as) com competências específicas para dar conta das especificidades do
direito à educação na juventude e na vida adulta. As faculdades de Educação criam cursos especí-
ficos de formação para EJA. Por outro lado, hoje é mais fácil encontrar produção teórica e material
didático específicos para esses tempos educativos.
Entretanto, o que há de mais esperançoso na configuração da EJA como um campo específico
de educação é o protagonismo da juventude. Esse tempo da vida foi visto apenas como uma eta-
pa preparatória para a vida adulta. Um tempo provisório. Nas últimas décadas, vem se revelando
como um tempo humano, social, cultural, identitário que se faz presente nos diversos espaços da
sociedade, nos movimentos sociais, na mídia, no cinema, nas artes, na cultura [...] Um tempo que

52
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I

traz suas marcas de socialização e sociabilidade, de formação e intervenção. A juventude e a vida


adulta como um tempo de direitos humanos, mas também de sua negação. A sociedade e o Estado,
sensibilizados, vão reconhecendo a urgência de elaborar e implementar políticas públicas da juven-
tude dirigidas à garantia da pluralidade de seus direitos e ao reconhecimento de seu protagonismo
na construção de projetos de sociedade, de campo ou de cidade.
Esse quadro trará seríssimas consequências na reconfiguração da Educação de Jovens e Adul-
tos. Esta será marcada, sem dúvida, pela orientação que forem adquirindo as políticas da juven-
tude e o reconhecimento da especificidade humana, social e cultural desses tempos da vida como
tempos de direitos. A visão reducionista com que, por décadas, foram olhados os alunos da EJA
– trajetórias escolares truncadas, incompletas – precisará ser superada diante do protagonismo
social e cultural desses tempos da vida. As políticas de educação terão de se aproximar do novo
equacionamento que se pretende para as políticas da juventude. A finalidade não poderá ser suprir
carências de escolarização, mas garantir direitos específicos de um tempo de vida. Garantir direitos
dos sujeitos que os vivenciam.

1. O planejamento pedagógico na EJA deve ter a participação


a) apenas dos professores, pois são eles que detém o conhecimento.
b) dos alunos, dos professores, da equipe diretiva da escola e se possível, de organizações civis
da comunidade.
c) apenas dos alunos, pois a EJA trabalha com a ideia de propiciar a autonomia destes.
d) apenas da direção da escola, pois esta é quem sabe como deve ser a Educação de Jovens e
Adultos.

2. Pode-se considerar significativa uma situação vivenciada pela comunidade, quando:


a) se concorda plenamente com a situação relatada, que por isso é considerada significativa.
b) se discorda da situação relatada, pois os professores têm mais conhecimentos que os alunos
e não devem levar em consideração situações equivocadas.
c) alguém da comunidade morre, algum parente dos alunos, e por isso é considerada significativa.
d) se analisam os dados coletados junto aos alunos e às comunidades, procurando-se perceber
as contradições explicitadas.

Recomendamos a leitura da obra A Pedagogia da Libertação em Paulo Freire, organizada por


Ana Maria Araújo Freire. Este livro reúne artigos de autores do mundo inteiro sobre o pensamento
pedagógico de Paulo Freire. Boa leitura!

53
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I

1. B

2. D

54
O planejamento pedagógico na
Educação de Jovens e Adultos II

Construindo o planejamento coletivo:


das situações significativas aos temas geradores

N esta aula, serão estudados o tema gerador e a construção da rede conceitual. O tema gerador
tem sua definição dada por Antonio Gouvêa da Silva (2002):
A escolha dos “temas geradores” se dá com base na discussão das possíveis situações significativas, consideran-
do: o limite explicativo que a comunidade possui para tais situações; o entendimento dos(as) educadores(as) sobre
elas; a análise e as relações que os(as) educadores(as) estabelecem nas diferentes áreas do conhecimento e, como
tais, os temas refletem um contexto amplo da estrutura social.

Analisando didaticamente o conceito:


tema – palavra que vem do grego théma, e significa assunto a ser estudado;
gerador – aquilo que gera, que produz, que faz nascer algo novo.

Características do tema gerador:


é baseado na investigação da realidade; é uma forma de organizar a ação educativa, traba-
lhando assuntos significativos da vida do(s) sujeito(s);
a partir da investigação da realidade e da organização dos dados, estes são problematizados,
interpretados e contextualizados a partir da conjuntura socioeconômica;
neste processo são levantadas situações significativas e acontecem mudanças de concepção e
de postura dos educadores e educandos, que passam a entender que as atividades podem ter
uma maior abrangência em relação aos campos do conhecimento;
o que se pretende investigar são as visões de mundo dos homens e as dimensões desafiadoras
– concretas e históricas – da realidade;
esses temas são chamados de geradores porque, seja qual for a natureza de sua compreensão
e da ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade de se desdobrar em outros temas
que, por sua vez, provocam novas tarefas a serem cumpridas;
são situações , consideradas “problemas” e que diferem da visão de mundo dos educadores
ou, ainda, que expressam uma ;
todo tema gerador é um problema vivenciado pela , e sua superação ainda não é percebida
por esta.

55
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II

O conceito de tema gerador tem origem na obra de Paulo Freire. No livro


(2005, p. 101), no qual traçou os primeiros fundamentos para a metodologia dos
temas geradores, o pedagogo escreve:
O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberda-
de. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático
do povo ou o conjunto de seus temas geradores. Esta investigação implica, necessariamen-
te, uma metodologia que não pode contradizer a dialogicidade da educação libertadora.
Daí que seja igualmente dialógica. Daí que, conscientizadora também, proporcione, ao
mesmo tempo, a apreensão dos “temas geradores” e a tomada de consciência dos indiví-
duos em torno dos mesmos.

Após a escolha dos temas geradores, das ideias e situações significativas


que o originaram, este processo deve ser apresentado à comunidade escolar em
uma assembleia ou reunião geral, para uma nova rodada de discussões.
Sabe-se também que cada tema traz em si, dialeticamente, um ou mais con-
tratemas, isto é, a visão dos educadores sobre o tema. Este é o caminho a ser per-
corrido pela síntese reveladora da realidade local, que se pretende construir com
os alunos.
A seguir, um exemplo de instrumento de registro desse processo (aqui com
falas que foram consideradas, hipoteticamente, como significativas por um grupo
de educadores, e, portanto passíveis de serem problematizadas).

Escola Municipal de Ensino Fundamental (nome da Escola)


EJA – Educação de Jovens e Adultos

Planejamento 1.º Bi/Trimestre: (data)

Tema gerador:
“Nós, seres humanos, somos dependentes do dinheiro. Sem dinheiro não exis-
te felicidade. Temos que estudar para ser alguém na vida, porque sem estudo
nada somos.”

Contratema:
Só nos tornamos humanos na relação com o outro. Não basta ter mais, é preciso
ser mais.

Objetivo:
Expandir e complexificar a cosmovisão do aluno por meio do conflito com seus
limites de explicação do mundo.

Pode-se perceber no exemplo que é a partir das ideias que se tornaram


o tema gerador, que o grupo de educadores criou um contratema e um obje-
tivo. Mas quais são as questões possíveis de serem trabalhadas com o grupo?
Apresentam-se algumas questões que podem desencadear o processo do plane-
jamento coletivo.

56
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II

Sobre como entendemos o mundo:


a) Quais são seus principais problemas e suas maiores necessidades?
b) Quais são as causas da situação atual em termos sociais, políticos e
econômicos?
Sobre nossos sonhos:
a) Que tipo de homem (ou mulher) procuramos?
b) Que relações queremos construir?
c) Como gostaríamos que a sociedade fosse?
Em relação à comunidade:
a) Como desejamos que seja o relacionamento da escola com a comuni-
dade e com as organizações comunitárias?
Esses são exemplos de questões amplas que podem direcionar a pesquisa.
Devemos também elaborar questões mais significativas que dizem respeito à vida
cotidiana dos alunos e da comunidade.

Construção da rede conceitual


Para se analisar a construção da rede conceitual, tomam-se como exemplo
as frases utilizadas no tópico anterior:
“Nós, seres humanos, somos dependentes do dinheiro”;
“Sem dinheiro não existe felicidade”.
Essas são ideias que mostram um limite explicativo na visão de mundo de
quem as proferiu; os educadores devem discuti-las criticamente, procurando reti-
rar delas os conceitos explícitos ou implícitos.
Esses conceitos formam a rede conceitual, isto é, uma interligação de con-
ceitos que mostram a complexidade dos temas, no caso da fala. Podem-se também
criar questões problematizadoras para as falas:
1. Existe diferença entre emprego e trabalho?
2. Se sem dinheiro não somos nada, então quem – ou o que – somos?
3. O que é a felicidade?
Essas questões ou a rede conceitual devem permear a sistematização das
atividades pedagógicas a serem desenvolvidas na sala de aula.

Pontos fundamentais
O tema gerador é o ponto de partida para a organização e a sistematiza-
ção das atividades pedagógicas a serem desenvolvidas.

57
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II

São situações , consideradas “problemas” e que diferem da visão de


mundo dos educadores ou, ainda, que expressam uma .
Todo tema gerador é um problema vivenciado pela , e sua superação
ainda não é percebida por esta.

A investigação dos temas geradores e sua metodologia


(FREIRE, 2005, p. 111-113)

De modo geral, a consciência dominada, não só popular, que não captou ainda a “situação-
-limite” em sua globalidade, fica na apreensão de suas manifestações periféricas às quais em-
presta a força inibidora que cabe, contudo, à “situação-limite”.
Este é um fato de importância indiscutível para o investigador da temática ou de tema gerador.
A questão fundamental, neste caso, está em que, faltando aos homens uma compreensão crí-
tica da totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação
constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E não o podem porque, para conhecê-la,
seria necessário partir do ponto inverso. Isto é, lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada
do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto,
através de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada.
Este é um esforço que cabe realizar, não apenas na metodologia da investigação temática
que advogamos, mas, também, na educação problematizadora que defendemos. O esforço de
propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possi-
bilite reconhecer a interação de suas partes.
Desta maneira, as dimensões significativas que, por sua vez, estão constituídas de partes em
interação, ao serem analisadas, devem ser percebidas pelos indivíduos como dimensões da totali-
dade. Deste modo, a análise crítica de uma dimensão significativo-existencial possibilita aos indi-
víduos uma nova postura, também crítica, em face das “situações-limite”. A captação e a compre-
ensão da realidade se refazem, ganhando um nível que até então não tinham. Os homens tendem a
perceber que sua compreensão e que a “razão” da realidade não estão fora dela, como, por sua vez,
ela não se encontra deles dicotomizada, como se fosse um mundo à parte, misterioso e estranho,
que os esmagasse.
Neste sentido é que a investigação do tema gerador, que se encontra contido no “universo
temático mínimo” (os temas geradores em interação), se realizada por meio de uma metodologia
conscientizadora, além de nos possibilitar sua apreensão, insere ou começa a inserir os homens
numa forma crítica de pensarem seu mundo.
Na medida, porém, em que, na captação do todo que se oferece à compreensão dos homens,
este se lhes apresenta como algo espesso que os envolve e que não chegam a vislumbrar, se faz in-
dispensável que a sua busca se realize através da abstração. Isto não significa a redução do concreto
ao abstrato, o que seria negar a sua dialeticidade, mas tê-los como opostos que se dialetizam no ato
de pensar.

58
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II

Na análise de uma situação existencial concreta, “codificada”, se verifica exatamente este mo-
vimento do pensar.
A descodificação da situação existencial provoca esta postura normal, que implica um partir
abstratamente até o concreto; que implica uma ida das partes ao todo e uma volta deste às partes,
que implica um reconhecimento do sujeito no objeto (a situação existencial concreta) e do objeto
como situação em que está o sujeito.
Este movimento de ida e volta, do abstrato ao concreto, que se dá na análise de uma situação
codificada, se benfeita a descodificação, conduz à superação da abstração com a percepção crítica
do concreto, já agora não mais realidade espessa e pouco vislumbrada.
Realmente, em face de uma situação existencial codificada (situação desenhada ou fotografada
que remete, por abstração, ao concreto da realidade existencial), a tendência dos indivíduos é reali-
zar uma espécie de “cisão” na situação que se lhes apresenta. Esta “cisão”, na prática da descodifi-
cação, corresponde à etapa que chamamos de “descrição da situação”. A cisão da situação figurada
possibilita descobrir a interação entre as partes do todo cindido.
Este todo, que é a situação figurada (codificada) e que antes havia sido apreendido difusamen-
te, passa a ganhar significação na medida em que sofre a “cisão” e em que o pensar volta a ele, a
partir das dimensões resultantes da “cisão”.
Como, porém, a codificação é a representação de uma situação existencial, a tendência dos
indivíduos é dar o passo da representação da situação (codificação) à situação concreta mesma em
que e com que se encontram.
Teoricamente, é lícito esperar que os indivíduos passem a comportar-se em face de sua realida-
de objetiva da mesma forma, do que resulta que deixe de ser ela um beco sem saída para ser o que
em verdade é: um desafio ao qual os homens têm que responder.

1. As situações (consideradas “problemas”) são as que diferem


a) da visão de mundo da direção da escola.
b) da visão de mundo dos alunos e dos funcionários da escola.
c) da visão de mundo expressa pela comunidade ou pelos alunos.
d) da visão de mundo dos educadores ou, ainda, que expressam uma contradição.

2. Entendemos por rede conceitual:


a) uma rede construída pelos alunos para ser vendida, e assim colaborar com a escola.
b) uma interligação de conceitos que mostram a complexidade do tema.
c) um paliativo, pois o que interessa mesmo são os conteúdos sistematizados.
d) uma iniciativa de geração de trabalho e renda.

59
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II

Sugerimos a leitura do livro , de Jurjo Torres Santomé. É um livro importante para aprofundar
a discussão sobre currículos interdisciplinares. Boa leitura.

1. D

2. B

60
Metodologia e organização
do conhecimento a partir
dos temas geradores

Construção da programação e preparação


das atividades no espaço pedagógico

N esta aula serão estudadas a metodologia e a preparação das atividades a serem desenvolvidas
pelo educador no seu espaço pedagógico.
Perceba que foi usada a expressão “espaço pedagógico”; isso se deve ao fato de que em muitas
comunidades do Brasil não existem escolas. No entanto, nem por isso os educadores deixarão de
atuar, podemos para isso utilizar os mais diversos lugares: igreja, sindicato, uma sala ou a varanda
de casa, enfim, um lugar onde seja possível fazer seu trabalho, tornando-o um “espaço pedagógico”.
Quem desenvolve suas atividades em uma escola, pode utilizar a sala de aula, a biblioteca, entre ou-
tros espaços.
Agora serão vistos os três momentos pedagógicos na dinâmica da sala de aula, conforme a lição
de Antonio Gouvêa da Silva (2002).

Momentos pedagógicos
Estudo de realidade – problematização inicial
Apresentam-se as situações reais, retiradas da pesquisa (a mesma que produziu o tema gerador
e o contratema), e que estejam envolvidas nos temas, mas que exijam a aplicação de conhecimentos
escolares e científicos para interpretá-las.
Nesse momento, problematiza-se o conhecimento que os alunos expõem, de modo geral, por
meio de atividades relativas ao tema e às situações significativas. Nessa primeira fase, caracteri-
zada pela apreensão e compreensão do posicionamento dos alunos frente às questões em pauta, o
professor possui uma função mais voltada para questionar opiniões – inclusive fomentando discus-
sões sobre as respostas dos alunos – e lançar dúvidas sobre o assunto, do que para responder ou
fornecer explicações.
Deseja-se com isso ampliar o número de explicações contraditórias e localizar as possíveis limi-
tações do conhecimento que vêm sendo expressas, quando confrontadas didaticamente pelo professor
por meio de conhecimentos científicos previamente selecionados.
61
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores

Em síntese, a finalidade deste momento é propiciar um distanciamento crí-


tico do aluno ao se defrontar com as interpretações das situações propostas para
discussão.
O ponto culminante dessa problematização é fazer com que o aluno sinta
a necessidade da aquisição de conhecimentos que ainda não possui; ou seja,
procura-se configurar a situação em discussão como um problema que deve
ser enfrentado.

Organização do conhecimento
Nesse momento, os conhecimentos selecionados como necessários para a
compreensão dos temas e da problematização inicial são sistematicamente estu-
dados sob a orientação do professor.
As mais variadas atividades são executadas nesse momento, de modo que
o professor possa desenvolver o conhecimento científico identificado como fun-
damental para a compreensão crítica das situações que estão sendo problemati-
zadas.

Aplicação do conhecimento
Destina-se, sobretudo, a abordar sistematicamente o conhecimento que vem
sendo construído pelos alunos para analisar e interpretar tanto as situações iniciais
que determinaram o estudo, como outras situações que, embora não ligadas direta-
mente ao motivo inicial, podem ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.
Da mesma forma que no momento anterior, as mais diversas atividades de-
vem ser desenvolvidas, buscando-se a generalização do conhecimento já aborda-
do.
A meta pretendida nesse momento é instigar os alunos a articular os conheci-
mentos (a conceituação científica) com as situações reais (conhecimento científico
e conhecimento vivido). Busca-se o uso da estrutura do conhecimento científico
nas situações significativas, envolvidas nos temas, para melhor entendê-las.
A seguir, um exemplo de instrumento para organização do trabalho em sala
de aula:
Escola Municipal/Estadual de Ensino Fundamental (nome da escola)
EJA – Educação de Jovens e Adultos
Planejamento Trimestral

Falas recolhidas na pesquisa com os alunos (tema gerador):


“Nós, seres humanos, somos dependentes do dinheiro. Sem dinheiro não exis-
te felicidade. Temos que estudar para ser alguém na vida, porque sem estudo
nada somos.”

62
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores

Contratema:
Só nos tornamos humanos na relação com o outro. Não basta ter mais, é preciso
ser mais.

Objetivo:
Expandir e complexificar a cosmovisão do aluno por meio do conflito com seus
limites de explicação do mundo.

Totalidades iniciais
Totalidade: 1
Turma: T 11
Professor (a):

Sistematização das atividades:


1. ER – Estudo da Realidade:
Existe diferença entre emprego e trabalho?
Somos dependentes do dinheiro?
Sem dinheiro não existe felicidade?
2. OC – Organização do Conhecimento:
Alfabeto: identificação, valor sonoro;
Sílabas, palavras, textos etc.;
Trabalho;
Cultura;
Sociedade;
Saúde;
Meio ambiente.
3. AP – Aplicação do Conhecimento – Avaliação Coletiva / Individual:
Filme/debate;
Texto: leitura, escrita, interpretação;
Poesias: leitura, interpretação;
Escrita;
Leitura;
Números: identificar, quantificar;
Operações (adição, subtração, multiplicação).

63
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores

A partir do exemplo, podem ser destacados alguns pontos para a organiza-


ção e problematização da prática curricular:
O núcleo de contradição das falas foi problematizado?
Há desafios nas explicações dos alunos?
Novas informações e análises estão sendo suscitadas?
Observa-se no exemplo que as questões acima foram respondidas, pois nele
se encontram as falas que serão problematizadas, a organização do conhecimento
que será trabalhado e a aplicação do conhecimento, que é como a práxis pedagó-
gica será realizada.

Pontos importantes
Os três momentos pedagógicos na dinâmica da sala de aula são:
1) estudo da realidade;
2) organização do conhecimento;
3) aplicação do conhecimento.
A metodologia da práxis pedagógica é o diálogo.
O conteúdo científico é selecionado a partir da seleção das falas signifi-
cativas e do estabelecimento do contratema.

O conceito de interdisciplinaridade
(SANTOMÉ, 1998, p. 66-67)
É preciso assumir a complexidade da realidade. Neste sentido, Edgar Morin propõe a elabora-
ção de uma “lógica da complexidade” capaz de captar o papel da desordem, dos “ruídos” estranhos,
do antagonismo etc.
A complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos insepa-
ravelmente associados: apresenta o paradoxo do uno e do múltiplo. Ao observar mais atentamente, a comple-
xidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que
constituem o nosso mundo dos fenômenos. (MORIN, 1994, p. 32)
Em vários campos da ciência, principalmente a Física, a Biologia e a Filosofia da ciência,
surgem progressos para assentar as bases de um novo paradigma menos rígido e mais respeitoso
da complexidade que vem sendo detectada na matéria, nos seres vivos e na sociedade em geral.
Portanto, além de pesquisas centradas no estudo das propriedades das partes, é preciso realizar
trabalhos centrados na análise e compreensão das relações entre elas; da interdependência entre

64
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores

as partes surgem, normalmente, novas propriedades que essas partes, consideradas isoladamente,
antes não possuíam.
A interligação entre os elementos que integram um sistema, assim como entre os diferentes
sistemas, é uma das características desta perspectiva da complexidade. Os modelos de pesquisa e
os marcos teóricos anteriores fracassavam porque não eram capazes de explicar e prever o papel
da desordem na evolução de sistemas complexos. Esta idiossincrasia da aleatoriedade não podia ser
compreendida pelas perspectivas mais positivistas, pois quase sempre era atribuída a deficiências
da metodologia, dos instrumentos de análise, sem se considerar que podia ser uma nota representa-
tiva dessa peculiaridade da complexidade.
A dificuldade do pensamento complexo radica em que o mesmo tem de enfrentar toda a trama
de interações e contradições que ocorrem entre os diferentes fenômenos precisa assumir a incer-
teza, aprender a detectar as ambiguidades. Do contrário, estaremos ante um conhecimento parcial
que logicamente originará ações oblíquas.
A interdisciplinaridade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso deve ser perma-
nentemente buscado. Não é apenas uma proposta teórica, mas sobretudo uma prática. Sua perfectibi-
lidade é realizada na prática; na medida em que são feitas experiências reais de trabalho em equipe,
exercitam-se suas possibilidades, problemas e limitações. É uma condição necessária para a pesquisa
e a criação de modelos mais explicativos desta realidade tão complexa e difícil de abranger.
Entretanto, existem fatores que contribuem para atrapalhar processos de interdisciplinaridade.
Entre eles, as fortalezas que as diferentes “escolas” costumam construir no interior das disciplinas.
Isto pode acarretar riscos de um maior isolamento e converter-se no caldo de cultura de um pen-
samento dogmático. Este tipo de ameaça talvez seja maior no âmbito das ciências sociais, já que é
nele que as ideologias incidem e são mais facilmente visíveis. Trabalhar no interior de uma escola
científica ou de pensamento tem a vantagem de “permitir aos especialistas que compartilham os
mesmos princípios que progridam sem necessidade de voltar continuamente aos problemas ini-
ciais” (PIAGET, 1979b, p. 115). Mas implica também que cada vez que ocorram divergências em
seu interior, em vez de tentar superá-las por meio de debates críticos e interdisciplinares, se possa
optar por fundar uma nova escola sem resolver tais problemas.
Deste modo, outro fator que costuma funcionar como impedimento para a formação de proje-
tos de trabalho interdisciplinares é a distinção e divisão entre trabalho de pesquisa e de aplicação.
Fenômeno que, por sua vez, costuma traduzir níveis de hierarquia e prestígio, e que é consequência
lógica da divisão de trabalho existente nas sociedades de estrutura capitalista, entre trabalho manu-
al e intelectual. É claro que nas situações práticas se sente maior urgência da interdisciplinaridade.
Os problemas urgentes e inevitáveis da vida prática precisam de soluções que não podem demorar
e, portanto, é mais fácil solicitar a colaboração de pessoas de todas as especialidades que tiverem
algo a dizer sobre essa situação a resolver. No caso daqueles que trabalham apenas em estruturas
dedicadas à pesquisa é possível evitar esse tipo de problema que obrigaria a observar outras áreas
do conhecimento e a solicitar sua colaboração.
Uma nova reconstrução mais interdisciplinar do pensamento também implica em recuperar
dimensões que chegaram a ser satanizadas pelo forte domínio do positivismo, como a imaginação,
a criatividade, a intuição, a incerteza etc. Características humanas que, quando se revisa a biografia
de grandes personalidades do mundo científico, sempre parecem decisivas.

65
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores

1. Organize o planejamento de uma aula para jovens e adultos, utilizando-se da metodologia ex-
posta nesta aula.

2. Crie pelo menos três atividades baseadas nesse planejamento.

Sugerimos a leitura do livro O Processo do Conhecimento na Pedagogia da Libertação: as


ideias de Freire, Fiori e Dussel, de Ilda Righi Damke. Este é um ótimo livro para se compreender as
bases filosóficas dos três autores.

66
Algumas diferenças
e semelhanças entre
alfabetizar adultos e crianças

N
esta aula serão abordadas algumas diferenças e semelhanças que devem ser levadas em con-
sideração quando se trabalha na alfabetização de adultos, que é a primeira etapa da Educação
de Jovens e Adultos (EJA).
Os estudos sobre psicogênese da língua escrita – que, no presente estudo terão como referência
o trabalho desenvolvido por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky – apontam para uma mudança na visão
sobre alfabetização.
Até a década de 1960, a abordagem dada à alfabetização estava mais ligada à discussão de mé-
todos – quase sempre mecânicos e repetitivos –, do que às fases da aprendizagem, e de como se dá
a construção do conhecimento. Foi a partir de Ferreiro, que teve seu trabalho embasado na teoria de
Jean Piaget, que a alfabetização sofreu transformações profundas em sua teorização e aplicação.

Diferenças
A maioria dos adultos não alfabetizados em uma sociedade
letrada possui alguma concepção sobre o sistema de escrita
O adulto que vive em um centro urbano, em uma cidade, tem, necessariamente, contato com
a língua escrita, mas como? Por meio da visualização e da interação, seja no trabalho, seja por car-
tazes, propagandas, jornais, revistas, encartes de mercados, luminosos, letreiros de ônibus etc. Nos
centros urbanos existe uma gama de modos que possibilitam o contato das pessoas com o sistema
de escrita. Isso familiariza o adulto com este sistema, pois, diferentemente da criança, o adulto já se
encontra socializado e vive sua vida por si só: trabalha ou está atrás de trabalho, pode estar casado
e com filhos etc.

A relação do adulto não alfabetizado


com a linguagem escrita, em uma sociedade
letrada, é moldada pela necessidade de sobrevivência
Este é um aspecto importante, visto que o adulto percebe e sente na carne a discriminação, a
desvalorização, a estigmatização por não dominar o código da leitura e da escrita. Portanto, a apren-
dizagem – a decodificação do código – pelo adulto não se restringe às questões cognitivas de aquisi-
ção do código, mas vai além: o uso social da leitura e da escrita é um fator de elevação da autoestima,
um fator psicológico de superação e de respeito social.
67
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças

A professora Ana Luiza Smolka (1993, p. 60), da Unicamp, trata do assunto


ao dizer que
[...] não se “ensina” ou não se “aprende” simplesmente a “ler” e a “escrever”. Aprende-
se (a usar) uma forma de linguagem, uma forma de interação verbal, uma atividade, um
trabalho simbólico. Portanto, para além da concepção inovadora de aprendizagem como
construção do conhecimento, assumida por Ferreiro & Teberosky, [...] é fundamental con-
siderar a concepção transformadora da linguagem, uma vez que não se pode pensar a
elaboração cognitiva da escrita independentemente da sua função, do seu funcionamento,
da sua constituição e da sua constitutividade na interação social.

Percebe-se na fala da professora que a aquisição da leitura e da escrita pelo


adulto vai além do aspecto psicogenético, pois ele tem consciência da necessidade
social de seu uso, e sente falta disso em sua vida.

A relação do adulto não escolarizado com


a linguagem escrita não é permeada pelo lúdico
Muitas vezes, o adulto em processo de alfabetização pode se negar a realizar
alguma tarefa proposta pelo professor, com a alegação de que nada sabe, de que
não possui capacidade, de que está velho demais, entre outras. Nesse momento, é
preciso ter em mente que a relação do adulto com o código não é uma relação lú-
dica, como é a da criança. Com as crianças, essa dificuldade pode ser contornada
pelo trabalho lúdico. Com o adulto não, pois não se pode infantilizar o processo,
não se podem utilizar as estratégias que se aplicam às crianças.
Nesse sentido é a fala da professora Fabíola Picoli (2001, p. 110), pesquisa-
dora da Unicamp:
A autoestima é um fator que interfere constantemente na produção escrita do analfabeto,
tanto na tentativa de autoafirmação como na reprodução dos estigmas que lhe são impos-
tos. Constantemente, o analfabeto nega-se a executar o trabalho mediante a alegação de
que “não sabe” ou “não é capaz”. Isso representa um problema na aquisição de escrita, já
que o sujeito precisa executar escritas espontâneas para formular suas hipóteses e para que
o professor possa identificar essas hipóteses. No trabalho com crianças, esse fator pode
ser contornado por meio da atividade lúdica, à qual a criança adere sem muita resistência.
Com o adulto, isto é pouco frequente. São necessários outros mecanismos para que a
escrita espontânea seja obtida... (grifo nosso)

Percebe-se na fala da pesquisadora que a baixa autoestima pode dificultar o


processo de alfabetização.

A tentativa de escolarização anterior


pode contribuir ou não para o decifrar do código
A experiência anterior do aluno na escola é um fator a ser levado em consi-
deração: na maioria dos casos, essa experiência foi traumática. A escola tradicio-
nal expulsou muita gente de seus bancos, e isso faz com que muitos alunos carre-
guem essa mágoa ou desilusão; isso pode ser um entrave no início do processo de
retomada da escolarização. Por outro lado, o adulto que já passou alguma vez pela
escola, já teve contato com os processos de alfabetização, com as letras e com os
números.
68
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças

É mais difícil encontrar


nos adultos a fase do grafismo
Na maior parte dos casos, não se encontra nos adultos a fase do grafismo,
como ocorre com as crianças que iniciam suas representações da escrita, isto é,
sem a utilização das letras. Os alunos adultos têm consciência, em maior ou menor
grau, de que as letras são usadas para ler e escrever, e que existe uma forma, uma
disposição espacial específica da escrita na folha. O aluno adulto tem noção de
para que servem as letras, pois vive em uma sociedade letrada.
Cabe uma observação: em caso de se trabalhar no meio rural, pode-se en-
contrar o grafismo primitivo, pois o aluno adulto pode não ter tido contato anterior
com o código. Exatamente por estar no meio rural, onde a circulação de material
impresso é menor, esse contato é mais difícil de acontecer.
Também podem ser encontrados adultos que não passaram anteriormente
pela escola, e que, portanto, não possuem noção do código.
Essas são algumas das diferenças encontradas quando se compara o proces-
so de alfabetização de jovens e adultos com a alfabetização infantil.

Semelhanças
As semelhanças estariam nas fases (níveis) de desenvolvimento da aquisi-
ção da escrita e da leitura. Os níveis do processo de alfabetização, segundo Emilia
Ferreiro, são:
nível pré-silábico (o grafismo primitivo seria a primeira etapa deste nível);
nível silábico;
nível silábico-alfabético;
nível alfabético.
Na maioria dos casos, o processo de alfabetização nas crianças e nos adultos
apresenta as mesmas fases, que podem ter desenvolvimento semelhante. Não se
pode esquecer que essas fases não são rígidas: há períodos em que o aluno se en-
contra em um nível intermediário, ou seja, entre dois níveis. Também não se pode
ficar preso às etapas como forma de classificar os alunos; elas devem servir como
meios de se perceber o andamento do processo de aprendizagem dos alunos. Por
isso, deve-se estar atento às hipóteses que são construídas pelos alunos, cotidia-
namente, em sala de aula.

Pontos importantes
Foi a partir de Emilia Ferreiro, cujo trabalho teve como base a teoria de
Jean Piaget, que a alfabetização sofreu transformações profundas em sua
teorização e aplicação.
Os adultos não alfabetizados em uma sociedade letrada não desconhecem o
sistema de escrita: a grande maioria possui uma concepção desse sistema.
69
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças

A relação do adulto não alfabetizado com a linguagem escrita é moldada


pela necessidade de sobrevivência em uma sociedade letrada.
O adulto percebe e sente na carne a discriminação, a desvalorização, a
estigmatização por não dominar o código da leitura e da escrita; o uso
social da leitura e da escrita é um fator de elevação da autoestima, um
fator psicológico de superação e de respeito social.

Alfabetização e miséria
(FREIRE, 2000, p. 77-79)
Estive recentemente em Olinda, Nordeste brasileiro, numa manhã como só os trópicos co-
nhecem, entre chuvosa e ensolarada, uma conversa, que diria exemplar, com um jovem educador
popular que, a cada instante, a cada palavra, a cada reflexão, revelava a coerência com que vive
sua opção democrática e popular. Caminhávamos, Danilson Pinto e eu, com alma aberta ao mun-
do, curiosos, receptivos, pelas trilhas de uma favela onde cedo se aprende que só à custa de muita
teimosia se consegue tecer a vida com sua quase ausência ou negação com carência, com ameaça,
com desespero, com ofensa e dor. Enquanto andávamos pelas ruas daquele mundo maltratado e
ofendido, eu ia me lembrando de experiências de minha juventude em outras favelas de Olinda
ou do Recife, dos meus diálogos com favelados e faveladas de alma rasgada. Tropeçando na dor
humana, nós nos perguntávamos em torno de um sem-número de problemas. Que fazer, enquanto
educadores, trabalhando num contexto assim? Há mesmo o que fazer? Como fazer, o que fazer?
Que precisamos nós, os chamados educadores, saber para viabilizar até mesmo os nossos primeiros
encontros com mulheres, homens e crianças cuja humanidade vem sendo negada e traída, cuja exis-
tência vem sendo esmagada? Paramos no meio de um pontilhão estreito que possibilita a travessia
da favela para uma parte menos maltratada do bairro popular. Olhávamos de cima um braço de rio
poluído, sem vida, cuja lama e não cuja água empapa os mocambos nela quase mergulhados, “Mais
além dos mocambos, me disse Danilson, há algo pior: um grande terreno onde se faz o depósito do
lixo público. Os moradores de toda esta redondeza ‘pesquisam’ no lixo o que comer, o que vestir, o
que os mantenha vivos’. Foi desse horrendo aterro que há dois anos uma família retirou de lixo hos-
pitalar pedaços de seio amputado com que preparou seu almoço domingueiro. A imprensa noticiou
o fato que citei horrorizado e pleno de justa raiva no meu último livro À Sombra desta Mangueira.
É possível que a notícia tenha provocado em pragmáticos neoliberais sua reação habitual e fatalista
em favor sempre dos poderosos, “É triste, mas que fazer? A realidade é mesmo esta.” A realida-
de, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser outra e é para que seja
outra que precisamos os progressistas de lutar. Eu me sentiria mais do que triste, desolado e sem
achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e indestrutíveis razões me convencessem
de que a existência humana se dá no domínio da determinação, domínio em que dificilmente se
poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética. “Que fazer? A realidade é assim mes-
mo”, seria o discurso universal. Discurso monótono, repetitivo, como a própria existência humana.
Numa história assim determinada as posições rebeldes não têm como tornar-se revolucionárias.

70
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças

Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-a como motivação para minha briga tal
qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de mi-
nha briga porque, histórico, vivo a História como tempo de possibilidade não de determinação.
Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que assim teria de ser não haveria sequer por que
ter raiva. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã
não é algo “pré-dado”, mas um desafio, um problema. A minha raiva, minha justa ira, se funda
na minha revolta em face da negação do direito de “ser mais” inscrito na natureza dos seres hu-
manos. Não posso, por isso, cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando, desta
maneira, minha responsabilidade no discurso cínico e “morno”, que fala da impossibilidade de
mudar porque a realidade é mesmo assim. O discurso da acomodação ou de sua defesa, o discurso
da exaltação do silêncio imposto de que resulta a imobilidade dos silenciados, o discurso do elogio
da adaptação tomada como fado ou sina é um discurso negador da humanização de cuja respon-
sabilidade não podemos nos eximir. A adaptação a situações negadoras da humanização só pode
ser aceita como consequência da experiência dominadora, ou como exercício de resistência, como
tática na luta política. Dou a impressão de que aceito hoje a condição de silenciado para bem lutar,
quando puder, contra a negação de mim mesmo. Esta questão, a da legitimidade da raiva contra
a docilidade fatalista diante da negação das gentes, foi um tema que esteve implícito em toda a
nossa conversa naquela manhã.

1. Os estudos desenvolvidos por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky tiveram como tema
a) a psicogênese da língua escrita.
b) a psicogênese da Língua Portuguesa.
c) a psicologia escolar.
d) a psicopedagogia escolar.

2. Como o adulto que vive em um centro urbano, em uma cidade, tem contato com a língua escrita?
a) Por meio de conversas informais com seus amigos e colegas de trabalho.
b) Por meio de suas relações familiares.
c) Por meio da visualização e interação com jornais, revistas, encartes de mercados, luminosos,
letreiros do ônibus etc.
d) Por meio da herança genética herdada de seus pais.

Recomenda-se a leitura do livro Alfabetização de Adultos, de Marta Durante, Mestre em Educa-


ção pela PUC-SP. Essa obra é bibliografia fundamental para quem trabalha com jovens e adultos.

71
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças

1. A

2. C

72
Uma visão geral sobre
processos e métodos de
alfabetização

Visão panorâmica do desenvolvimento


de processos e métodos de alfabetização e
suas influências na alfabetização de adultos

E
sta aula pretende mostrar a discussão sobre a alfabetização de adultos que Paulo Freire introdu-
ziu no pensamento pedagógico brasileiro e mundial. O pedagogo, ao começar seu trabalho com
alfabetização de adultos em meados dos anos 1960, criticou fortemente o método e a prática
educativa utilizados até então. Em um trecho do livro Pedagogia do Oprimido, Freire (2005, p. 66)
escreve:
[...] a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, rece-
bem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem
de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para
serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam.

Freire fala de uma pedagogia tradicional, centrada no professor (o dono do saber), e na qual os
alunos são meros objetos da educação. Objetos porque seus direitos são limitados por uma série de
regras, limites e convenções – muitas vezes ocultas, como o chamado currículo oculto, que consiste
na reprodução pura e simples de uma certa vivência escolar, isto é, aquilo que é cotidiano nas relações
escolares, mas não está escrito. Esse sistema reduz o aluno a um mero espectador da eloquência do
professor, ou a um copiador de quadros cheios de conteúdo.
Em outra passagem da Pedagogia do Oprimido, Freire (2005, p. 66) diz:
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado.
Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto
mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão.

Paulo Freire revela a docilidade que existe por parte dos alunos, docilidade esta forjada por uma
série de micropunições, discursos humilhantes e ameaças, caso desobedeçam ou saiam da ordem esta-
belecida. É um sistema voltado para a submissão do aluno, e que pouco contribui para uma educação
solidária, dialógica, libertária, reflexiva, amorosa e que objetiva um mundo melhor para todos.
Então, a partir de suas reflexões teórico-filosóficas sobre a educação – principalmente sobre
a educação para adultos –, Freire (1967) constrói um método de alfabetização. Em suas próprias
palavras:

73
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização

[...] a alfabetização é mais do que o simples domínio psicológico e mecânico de técnicas


de escrever e de ler. É o domínio dessas técnicas, em termos conscientes. É entender o que
se lê e escrever o que se entende. É comunicar-se graficamente. É uma incorporação [...]
Implica, não uma memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de sílabas,
desgarradas de um universo existencial – coisas mortas ou semimortas – mas numa atitu-
de de criação e recriação. Implica uma autoformação de que possa resultar uma postura
interferente do homem sobre seu contexto.

Essa é a essência do método de Freire: utilizar-se da técnica como meio para


atingir outro objetivo, qual seja, o de desenvolver uma visão crítica do mundo, da
sociedade e da comunidade onde o aluno está inserido, e que possa desencadear
ações transformadoras na realidade vivida.
No presente estudo propõe-se uma visão geral do método do pedagogo, que
se encontra detalhado em suas obras Pedagogia do Oprimido e Educação como
Prática da Liberdade. As fases do método de Freire são:
levantamento do universo vocabular do grupo com que se trabalhará;
escolha das palavras geradoras a partir do universo vocabular pesquisa-
do, feita a partir dos critérios de:
a) riqueza fonêmica;
b) dificuldade fonética;
criar situações existenciais típicas do grupo com o qual se vai trabalhar,
funcionando como um desafio para o grupo;
elaborar as fichas-roteiro, que funcionam como subsídio ao educador;
criar as fichas com a decomposição das famílias fonéticas corresponden-
tes aos vocábulos geradores.
Percebe-se que Freire rompe com a ideia de que os processos de alfabeti-
zação devem começar pela memorização do alfabeto em ordem, passando pela
junção de sílabas e assim por diante. Seu método começa pela investigação do
universo vocabular das pessoas com quem se irá trabalhar, desse modo devem ser
escolhidas palavras utilizadas no cotidiano da comunidade, palavras que teriam
um determinado significado para as pessoas desta comunidade.
A tentativa de se utilizar o método de Freire desprovido de sua filosofia
já demonstrou ser inócua, vazia. Na década de 1970, durante o regime militar,
tentou-se desenvolver no Brasil um grande movimento de alfabetização chamado
Mobral, do qual muitos devem se lembrar. O Mobral, apesar de usar o método de
Freire, pouco colaborou para uma educação crítica, participativa e transformado-
ra, pois se dissociou da filosofia do método.
Então, a partir de Paulo Freire, começam a proliferar pesquisas em alfabeti-
zação de adultos, um fenômeno novo para a educação.
Uma das pioneiras dessas pesquisas foi Emilia Ferreiro, ao desenvolver sua
teoria da psicogênese da língua escrita. Emilia também fez uma pesquisa com adul-
tos, no qual percebeu as diferenças e semelhanças entre a alfabetização de adultos e
de crianças. Marta Durante (1998, p. 20) fala sobre este trabalho de Emilia:

74
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização

Os adultos não alfabetizados, da nossa sociedade letrada, não desconhecem o sistema


da escrita e sua função. Ferreiro e equipe realizaram pesquisa, em 1983, intitulada Los
adultos no alfabetizados y sus conceptualizaciones del sistema de escritura, com adultos
da cidade do México, propondo-se responder à questão: qual o conhecimento dos adultos
pré-alfabetizados sobre o sistema da escrita? A pergunta traz em seu bojo nova concep-
ção do conhecimento do adulto não alfabetizado, que, mesmo não tendo passado pelo
processo normal de escolarização, tem uma concepção do sistema da escrita. Os dados
mostraram semelhanças e diferenças entre a concepção da escrita em adultos e crianças
não alfabetizados.

Nessa pesquisa, Emilia percebeu que a diferença reside basicamente no fato


de que o adulto, por sua convivência na sociedade letrada, possui noções básicas
sobre o sistema de escrita. Entretanto, Emilia e sua equipe tinham como objetivo
pesquisar o desenvolvimento cognitivo, baseados na teoria de Jean Piaget. Depois
da de Emilia Ferreiro, outras pesquisas surgiram, como a coordenada pelas pro-
fessoras Ângela Kleiman e Inês Signorini.
A pesquisa trouxe importantes contribuições para o campo da alfabetização
de adultos, pois além de investigar a aprendizagem e o desenvolvimento cogniti-
vo, enfatizou a importância do meio sociocultural onde o aluno está inserido.

Pontos importantes
A partir de Paulo Freire houve uma transformação nos métodos de alfa-
betização de adultos.
Todo método é permeado por uma filosofia pedagógica: aplicar um mé-
todo sem levar em consideração sua filosofia é inócuo.
As pesquisas em alfabetização de adultos, além de investigarem o desen-
volvimento cognitivo, enfatizam a importância do meio sociocultural no
qual o aluno está inserido.

Paradigma educacional emergente:


algumas implicações pedagógicas
(MORAES, 2003, p. 156-157)
A situação atual indica que estamos num processo de rápidas transformações nas formas de
viver/conviver, nos modos de fazer e de ser, sinalizando a dificuldade para se prever ou definir, a
curto, médio e longo prazos, o que deve ser aprendido e quais as competências necessárias para
habitar neste mundo em constante mudança.
Morin (2000) sinaliza com muita propriedade que os problemas atuais são de natureza multi-
disciplinar, transversais, transnacionais, globais e planetários, implicando em três grandes desafios,
caracterizados como desafios da globalidade, da complexidade e da expansão incontrolada do sa-
ber. Tais desafios implicam, segundo ele, a necessidade cada vez maior de:

75
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização

dominar e integrar informações, transformando-as em conhecimento;


revisar permanentemente o conhecimento para que o pensamento possa também ser re-
visado;
reconhecer o pensamento como o capital mais precioso, compreendendo também que o
maior de todos os desafios é a necessidade de afrontar todos os desafios de maneira inter-
dependente. E, certamente, este é também o grande desafio da educação.
Para Morin, todos esses aspectos implicam em uma reforma paradigmática na construção e
reorganização do conhecimento, o que pressupõe, para ele, uma profunda reforma no ensino para
que este possa viabilizar a reforma do pensamento e este, em processo recursivo, voltar a promover
uma nova reforma do ensino e assim sucessivamente.
A partir dos desafios sinalizados por Morin e analisando a situação atual, onde as mudanças
decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos vêm provocando grandes transformações nas
áreas econômica, social e cultural, compreendemos que, como educadores, necessitamos cuidar da
formação integral do aprendiz para que ele possa aprender a pensar de uma maneira mais global, a
refletir, a criar com autonomia soluções para os problemas, estimulando o pleno desenvolvimento
de sua inteligência, na qual compreendemos também estar incluída a sua inteligência emocional.
Em resumo, temos que estar voltados para a sua formação integral, para o desenvolvimento de suas
inteligências, de seu pensamento e de seu espírito, mediante o desenvolvimento da capacidade de
problematização e articulação de conhecimentos, reconhecendo, sobretudo, a inscrição corporal do
conhecimento, na qual a emoção apresenta um papel relevante como potencializadora de ações e
reflexões inerentes aos processos de aprendizagem.
Sob o nosso ponto de vista, isto pressupõe conceber o aprendiz como um sujeito ativo no pro-
cesso de observação de sua realidade e construtor, desconstrutor e reconstrutor do conhecimento,
ao mesmo tempo, um aprendiz autônomo em relação ao meio, o que significa um aprendiz/apren-
dente que é auto-organizador, autoprodutor e autodeterminado em relação ao seu entorno.
Tais aspectos requerem uma visão interacionista, socioafetiva na compreensão dos fenômenos
educacionais, onde a interação é a condição necessária para todo processo de construção do conhe-
cimento, tanto a interação com os objetos como a com os demais sujeitos. Pressupõe a existência
de processos dialógicos e cooperativos que permitem a troca intelectual que atua como fator neces-
sário ao desenvolvimento do pensamento. As relações cooperativas pressupõem uma descentração
do pensamento para que haja a coordenação de diferentes ideias, de diferentes argumentos e pontos
de vista.

76
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização

1. Paulo Freire fala de uma pedagogia tradicional centrada


a) no aluno, pois a pedagogia tradicional se preocupava com os alunos.
b) na direção, pois esta é que formulava as diretrizes educacionais.
c) no professor (o dono do saber), e na qual os alunos são meros objetos da educação.
d) no processo de aprendizagem, pois este é o que importa na Educação.

2. A tentativa de se utilizar o método de Freire desprovido de sua filosofia já demonstrou ser


a) uma excelente técnica de alfabetização.
b) inócua, completamente vazia, pois o método é um meio e não o fim da educação.
c) uma saída para o processo de escolarização de jovens e adultos.
d) correta, pois essa era a ideia principal de Freire, a de divulgar o seu método.

Sugerimos a leitura do livro O Ensino e a Formação do Professor: alfabetização de jovens e


adultos, de Ângela Kleiman, Inês Signorini e colaboradores. Este é um livro fundamental para quem
vai trabalhar com a alfabetização de adultos. Bons estudos.

1. C

2. B

77
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização

78
A Educação de Jovens e
Adultos e o mundo do trabalho

P
artindo do princípio de que quando se fala em Educação de Jovens e Adultos deve-se falar tam-
bém das relações de trabalho e de produção, propõe-se que o trabalho seja o princípio educativo
desse processo.
É importante salientar que o conceito de trabalho ultrapassa a forma de emprego assalariado.
Segundo Kosik (1976, p. 180):
O trabalho, na sua essência e generalidade, não é atividade laborativa ou emprego que o homem desempenha
e que, de retorno, exerce uma influência sobre a sua psique, o seu habitus e o seu pensamento, isto é, sobre
esferas parciais do ser humano. O trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a
sua especificidade.

O trabalho, entendido como produção da vida, seria a essência da existência humana,


“[...] momento fundante de realização do ser social, condição para sua existência; é o ponto de partida
para a humanização do ser social e o motor decisivo do processo de humanização do homem” (AN-
TUNES, 1995, p. 123).
Vários são os sentidos dados ao trabalho enquanto categoria; estes variam de língua para lín-
gua, e dentro de uma mesma língua. Como afirma Albornoz (1992, p. 8), “em quase todas as línguas
da cultura europeia, trabalhar tem mais de uma significação”. Contudo, tanto a categoria quanto o
conceito de trabalho, são orientados pelo entendimento do ser humano em ação; de transformação da
natureza e da matéria natural em objeto de cultura; como uma mudança de estado ou situação, que
recursivamente também transforma o ser humano. Pode-se dizer que essa ideia é a base do que se
entende por trabalho neste estudo.
Aqui, percebe-se o princípio da recursividade. A organização recursiva é aquela cujos efeitos
e produtos são necessários à sua própria produção, à sua própria causa: ao se produzir a vida, esta
produz os seres humanos enquanto sujeitos específicos, sociais e culturais, que interagem uns com os
outros para produzir e modificar a vida, em um movimento constante.
Seres humanos Produzir a vida

Essa produção da vida não se limita a uma transformação externa, do entorno, algo fora do ser
humano,
[...] ao contrário, ele se origina no interior dele e se conclui também no interior dele, um processo objetivo e
subjetivo ao mesmo tempo. Podemos acrescentar, então, que o conceito de trabalho inclui também toda ação
intencional que resulta em subjetivação do Homo. Por isso, o trabalho é o campo de expressão preferencial da
práxis. (ARRUDA, 2003, p. 263)

Entretanto, o desenvolvimento das organizações (indústrias, empresas, instituições, escolas


etc.) é permeado por políticas que buscam a primazia da eficiência, do desempenho, do produtivismo,
do rendimento em curto prazo. Na atual literatura sobre as relações de trabalho nas organizações,

79
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

encontra-se Chanlat (1996), que elabora uma análise das políticas desenvolvidas
na maioria das organizações e suas relações com os trabalhadores. Ele diz:
[...] em um mundo essencialmente dominado pela racionalidade instrumental e por ca-
tegorias rigidamente estabelecidas, os homens e mulheres que povoam as organizações
são considerados, na maioria das vezes, apenas recursos desconsiderando-se sua natureza
humana, isto é, como quantidades materiais, cujo rendimento deve ser satisfatório, do
mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima.

A organização dos processos de trabalho no sistema capitalista, até a dé-


cada de 1970, tinha como pano de fundo, em suas gestões administrativa e de
recursos humanos, o modelo de Taylor. É válido esclarecer aqui o que Braver-
man (apud MORAES NETO, 1989, p. 32) considera como os principais pontos
do taylorismo:
a dissociação do processo de trabalho das especialidades do trabalhador.
O administrador assume o encargo de reunir todo o conhecimento tra-
dicional que, no passado, era possuído pelos trabalhadores, e ainda de
classificar, tabular e reduzir esse conhecimento a regras, leis e fórmulas.
O processo de trabalho não deve depender da capacidade dos trabalhado-
res, mas das políticas gerenciais;
todo trabalho mental deve ser banido da oficina e centrado no departa-
mento de controle ou de projetos. Pode-se chamar este de princípio da
separação entre concepção e execução;
o monopólio do conhecimento para controlar cada fase do trabalho e seu
modo de execução. Taylor enfatizava a necessidade da realização do pla-
nejamento e do pré-cálculo de todos os passos e elementos do processo
de trabalho, já que este não existe como processo na mente do trabalha-
dor, mas apenas na mente da equipe de gerência.
Os resultados dessa abordagem são, entre outros, o aumento da fragmenta-
ção das pessoas (separação entre corpo e mente), o esmagamento da criatividade
e do prazer, a individualização e a competitividade acirrada.
No início do século XX, Gramsci (1993) já se posicionava sobre a questão
da divisão do trabalho, quando afirmava que o operário não se caracteriza especi-
ficamente pelo trabalho manual e instrumental, mas por realizar esse trabalho em
determinadas condições e por meio de determinadas relações sociais. Também
enfatizava que não existe trabalho puramente físico, pois, em qualquer trabalho
dito físico ou manual, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um míni-
mo de atividade intelectual criadora.
Por outro lado, com a reestruturação dos meios e das formas de produ-
ção, houve uma redução sistemática do emprego assalariado. Essas novas formas
de organização dos processos de trabalho, elaboradas nas mesas das gerências
(qualidade total, círculos de controle de qualidade, reengenharia, entre outras),
por mais que tendam a cooptar e induzir os trabalhadores a participarem das
decisões sobre certas diretrizes nos processos de produção e organização do tra-
balho – “o que produzir”, “como produzir”, “para quem produzir” e “como gestar
a produção e organização dos processos” –, “permanece alheio e estranho ao

80
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

produtor, preservando, sob todos aspectos, o fetichismo da mercadoria.” (AN-


TUNES, 1995, p. 34)
Diante disso, é interessante o alerta de Kosik (1976, p. 11) para o mundo da
pseudoconcreticidade:
[...] o mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O seu
elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a
esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou
apenas sob certos ângulos e aspectos [...]

O toyotismo – uma das expressões utilizadas para identificar esses processos


de transformação do capital – trabalha com promessas que parecem apontar para o
desaparecimento do trabalho alienado, brutalizado, especializado e desmotivante.
Porém, as novas formas de organização dos processos produtivos parecem
não modificar as situações preestabelecidas de desigualdade das condições mate-
riais dos vários segmentos sociais:
O binômio propriedade privada (como direito restrito, no ambiente competitivo, aos que
detêm o controle do capital) e trabalho assalariado, continua prevalecendo na pós-moder-
nidade, e a globalização não modificou esta configuração fundamental do sistema capi-
talista. Apenas agravou-a à medida que um número crescente de trabalhadores é perma-
nentemente excluído do mercado de trabalho capitalista e tem que buscar novas condições
para sobreviver como corpo, família e ser social. (ARRUDA, 2003, p. 264)

Economia solidária
A economia solidária é complexa e abrangente, pois se identifica com uma
série de movimentos civis – organizados ou não –, que articulam iniciativas nas
mais diversas áreas, seja na economia, na ecologia ou nos direitos humanos, com
a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Portanto, vai além da
geração de trabalho e renda.
A conexão entre educação e trabalho, neste estudo, é realizada por meio do
conceito e das práticas oriundas da economia solidária, juntamente ao currículo e
ao planejamento.
O desenvolvimento não é tão somente um fenômeno econômico, e sim um aspecto da
criação contínua do homem em todas as suas dimensões, desde o crescimento econômico
até a concepção do sentido dos valores e metas na vida. Suposto esse modelo e os perfis
do novo homem e da nova sociedade, poderemos afirmar que, pelo trabalho produtivo
e pela práxis a que esse trabalho dá lugar, os homens, criativamente, darão forma à sua
própria história. Essa Educação socialmente produtiva supõe fazer da Educação o ele-
mento integrador e aglutinador de todo o processo que garanta a esses homens e a esses
grupos produtivos chegar à condição de atores reais e conscientes dos processos sociais.
(GADOTTI, 2001, p. 26)

Conforme Tiriba (1998), nem toda economia popular é solidária, e nem toda
economia solidária é popular. É necessário refletir sobre qual conceito e qual prá-
tica de economia popular e solidária se quer construir. A autora entende a eco-
nomia popular como sendo composta basicamente por cinco tipos de atividades
e empreendimentos, explicitando a diversidade e a complexidade que permeiam
essas relações:
81
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

soluções assistenciais e filantrópicas (mendicância, programas oficiais


de assistência);
atividades ilegais e pequenos delitos (tráfico de drogas, prostituição, pe-
quenos furtos);
iniciativas individuais não estabelecidas e informais (vendedores em ge-
ral, camelôs);
microempresas e pequenas oficinas e negócios de caráter familiar, individu-
al ou de dois ou três sócios (as mais diversas formas de associativismo);
organizações econômicas coletivas, populares e solidárias (como as co-
operativas).
Diante dessa classificação, pode-se perceber que nem todas as atividades
desenvolvidas na economia popular têm caráter solidário. Seu principal objetivo
é proporcionar a subsistência dos que a praticam e de suas famílias. Também se
percebe que nem todas as iniciativas são populares ou coletivas, nem trabalham
tendo em vista o bem-estar de todos os que delas participam. Tiriba (1998) alerta
para a possibilidade de se encontrarem elementos de solidariedade em relações de
extratos sociais que não os populares.
Essa diferenciação é fundamental, pois a tendência à generalização desses
conceitos pode levar a equívocos na análise de determinadas iniciativas econô-
micas, principalmente na elaboração de políticas públicas para este setor, o da
economia popular e solidária.
Quando se fala sobre economia popular, faz-se referência a um determinado
público, que abrange desde os desempregados – qualificados ou não –, aos total-
mente excluídos, seja dos processos de desenvolvimento de tecnologias, seja dos
programas sociais do governo (educação, saúde, habitação, aposentadoria etc.),
seja da distribuição de renda ou do sistema econômico oficial.
Se essa economia de iniciativa popular deseja ser solidária, deve-se ave-
riguar de qual solidariedade se está falando e com qual atitude solidária se está
agindo. O sentido do termo solidariedade trabalhado aqui não se confunde com
paternalismo, caridade ou filantropia, mas se relaciona ao comprometimento com
o trabalho cooperativo, comunitário, coletivo. Esse comprometimento é permeado
por uma nova ética nas relações humanas, econômicas, comerciais e laborais.
A economia solidária caracteriza-se como um processo de iniciativas cole-
tivas, solidárias e autogestionárias, para a geração de trabalho e renda, em nível
local das comunidades, dos trabalhadores da cidade e do campo, onde o valor do
trabalho supera o valor do capital. Entende-se, aqui, o trabalho como produção
de vida, na qual a convivência humana – e não a exploração de pessoas – vem
em primeiro lugar; na qual o esforço coletivo supera o individualismo; na qual os
trabalhadores são os proprietários dos meios de produção e os responsáveis pelo
quê, como e para quem produzir.

82
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

Uma das características mais marcantes da economia popular e solidária é


a autogestão: os trabalhadores são seus próprios gestores, constituindo uma forma
de gestão coletiva. Instaura-se uma coordenação geral, que não substitui o coletivo,
pois é eleita e executa o que for determinado pela assembleia geral (que é o órgão
deliberativo máximo de um empreendimento de economia popular e solidária): os
planos de produção e de investimentos, as normas administrativas, os aspectos fi-
nanceiros e contábeis, a supervisão e o controle do empreendimento, entre outros.
Essas iniciativas não devem ser confundidas com as atividades direcionadas
apenas a inserir novamente os trabalhadores no mercado de trabalho, ou minimi-
zar o conflito entre o capital e o trabalho.
Nesse sentido, a colaboração de Mance (1999) é fundamental, pois se perce-
be pelos vários autores mencionados anteriormente, que os empreendimentos so-
lidários não podem se tornar uma “ilha da fantasia”1, algo que por si só superaria
as desigualdades econômicas, políticas, sociais e culturais.
Nessa concepção, faz-se necessário articular os empreendimentos popula-
res e solidários de forma a possibilitar a realização de negócios entre si – sem
descartar o mercado capitalista formal –, isto é, fomentar as redes de colaboração
solidária. Desta forma, a expressão utilizada por Mance (1999) torna-se essencial:
além de negociar, os empreendimentos de economia solidária necessitam também
trocar conhecimentos, tecnologias e experiências. Nesse sentido, a atenção vai
além dos fatores econômicos, pois se deve incentivar todo um conjunto de ações
solidárias, entre elas o consumo ético e solidário.
Assim, um empreendimento que distribui sua produção por meio de uma
determinada rede deve também se dispor a consumir produtos oferecidos por ou-
tros empreendimentos desta mesma rede; não só pode consumir, mas também tro-
car informações, experiências, problemas enfrentados e soluções. Mance (1999,
p. 24) conceitua redes solidárias como:
[...] uma articulação entre diversas unidades que, através de certas ligações, trocam ele-
mentos entre si, fortalecendo-se reciprocamente, e que podem se multiplicar em novas
unidades, as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto na medida em que são fortale-
cidas por ele, permitindo-lhe expandir-se em novas unidades ou manter-se em equilíbrio
sustentável. Cada nódulo da rede representa uma unidade e cada fio um canal por onde
essas unidades se articulam através de diversos fluxos. Um princípio básico dessa noção
de rede é que ela funciona como um sistema que se autorreproduz, isto é, como um siste-
ma autopoiético.

Para que isso se torne possível, é necessário provocar o consumo solidário,


que é conceituado pelo mesmo autor (MANCE, 1999, p. 44):
Consumo solidário significa consumir bens ou serviços que atendam as necessidades e
desejos do consumidor, visando: (a) realizar o seu livre bem viver pessoal; (b) promover
o bem viver dos trabalhadores que elaboram, distribuem e comercializam aquele produto
ou serviço; (c) manter o equilíbrio dos ecossistemas; (d) contribuir para a construção de
sociedades justas e solidárias.
1 Este termo se refere a
um antigo seriado de TV,
em que um grupo de convi-
dados ficava hospedado em
O consumo não deveria ser entendido ou discutido como algo isolado, individu- uma ilha onde todos os seus
desejos podiam acontecer,
al e descontextualizado, fora de um sistema de produção, seja de bens e mercadorias idealisticamente.

83
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

ou cultural. O mito da felicidade, carro-chefe da sociedade de consumo, como coloca


Baudrillard (1995), recolhe e encarna, nas sociedades modernas, o mito da igualdade;
para ser o veículo do mito igualitário, é preciso que a felicidade seja mensurável. Isso
pode significar que as pessoas medem a felicidade por aquilo que consomem, seja por
meio de bens tangíveis (mercadorias ou produtos) ou intangíveis (bens culturais). Para
esse autor, em sua análise sobre o consumo na sociedade atual, as necessidades, os de-
sejos, a satisfação, a alegria e a felicidade dos seres humanos devem ser demonstrados
por atos de consumo.
Nesse panorama, o consumo deve ser discutido criticamente, pois tudo o
que se consome faz parte de um processo produtivo e está inserido em um deter-
minado conceito de sociedade:
[...] o consumo solidário ocorre quando a seleção do que consumimos é feita não apenas
considerando o nosso bem-viver pessoal, mas igualmente o bem-viver coletivo. Esse tipo
de conduta somente se torna possível quando as pessoas compreendem que a produção en-
contra a sua finalidade – ou seu acabamento – no consumo e que ele tem o impacto sobre
todo o ecossistema e sobre a sociedade em geral. (MANCE, 1999, p. 29)
O consumo é o último ato do processo de produção. Existem os mais diver-
sos modos de convencimento para o consumo de determinados produtos, signos
ou marcas, independentemente de como são produzidos. A ideia de um consumo
solidário articula-se com as redes2 de negócios e a colaboração solidária. Essa dis-
cussão levanta uma das questões cruciais para a economia solidária: a de que as
várias formas de empreendimentos populares e solidários dificilmente irão pros-
perar na economia capitalista se não estiverem conectadas em redes de consumo
solidário.
As ações da economia popular e solidária fornecem alternativas socioeco-
nômicas para um novo projeto humano: as novas formas de gestão do trabalho, por
meio da autogestão; as novas relações de trabalho, por meio do trabalho coletivo
e cooperado3; as novas relações humanas, por meio do trabalho ético e solidário;
a possibilidade de uma relação direta entre o trabalho e a educação continuada;
a organização de grupos de compras coletivas; e a criação de moedas sociais ou
clubes de trocas.

2 Segundo Mance (1999),


a noção de rede coloca
a ênfase nas relações entre
Dessa forma, a economia popular e solidária insere-se no conjunto das al-
ternativas às políticas socioeconômicas excludentes, constituindo-se em algo mais
diversidades que circulam
nessas relações, nos laços do que um conjunto de experiências. Paul Singer (2000, p. 138) entende a econo-
que potencializam a sinergia
coletiva, no movimento de au-
mia solidária como mais uma estratégia de luta do movimento popular e operário
topoiese em que cada elemen- contra o desemprego e a exclusão social:
to concorre para a reprodução
dos outros, na potencialidade A construção da economia solidária é uma destas outras estratégias. Ela aproveita a mu-
de transformação de cada
parte pela sua relação com as dança nas relações de produção provocada pelo grande capital para lançar os alicerces de
demais e na transformação do novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o
conjunto pelos fluxos que cir-
culam por toda a rede.
mercado capitalista. Tudo leva a acreditar que a economia solidária permitirá, ao cabo de
alguns anos, dar a muitos, que esperam em vão um novo emprego, a oportunidade de se

3 Segundo Marx (1979, p.


374), chama-se coope-
reintegrar à produção por conta própria individual ou coletivamente.
ração a forma de trabalho
em que muitos trabalham
Uma escola pensada para trabalhadores, com uma educação voltada para
juntos, de acordo com um o mundo do trabalho e para a produção da vida, pode levar à construção e ao
plano, no mesmo processo de
produção, ou em processos fortalecimento de outras formas de geração de trabalho e renda, calcadas em
de produção diferentes, mas
conexos. relações solidárias, éticas e afetivas, visando à melhoria da qualidade de vida e

84
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

servindo como base para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária
e realizadora.
Para que a ideia da centralidade do mundo do trabalho no Ensino Funda-
mental de Jovens e Adultos tenha sentido, ela deve estar fundamentada na pesqui-
sa socioantropológica, na interação da escola com a comunidade, e dos professo-
res com os alunos e com os problemas enfrentados em sua vivência cotidiana.

Globalização, precarização do trabalho e exclusão social


(SINGER, 2000, p. 11-13)

Todo mundo, no mundo inteiro, fala do desemprego. A falta de bons empregos – de empregos
que pagam e oferecem estabilidade, perspectivas de carreira, seguro-desemprego, seguro contra
acidentes, enfermidades, velhice e morte – é sentida em praticamente todos os países desenvolvi-
dos e semidesenvolvidos. Este sentimento “universal”, é bom que se diga logo, é partilhado pela
assim chamada classe média que, no Brasil, tende a ser restrita aos ricos, mas nos países cêntricos
abrange o conjunto dos assalariados formais. Os pobres, por motivos óbvios, sempre careceram
de empregos do tipo descrito acima; se não carecessem, não seriam pobres. É duvidoso que o pro-
blema pseudouniversal do desemprego de fato atinja os pobres “antigos”, os que há décadas vivem
de bicos, do comércio ambulante, de trabalhos sazonais, da prestação de serviços que não exigem
qualificação, que incluem a prostituição, a mendicância e assemelhados. É provável, porém, que o
desemprego esteja contribuindo para o avultamento da pobreza.

O mal-estar no fim do século XX


Uma das causas dos mal-entendidos é a fantástica capacidade da classe média de generalizar.
Todo mundo morre de medo de perder o emprego, todo mundo que perde o emprego e tem mais
de 50 anos jamais encontra outro, todo mundo que se forma vai para a pós-graduação ou acumula
bicos porque emprego, que é bom, não se encontra nem com lupa, e assim por diante. Todo mundo
se refere a uma maioria limitada nos países do centro e a uma quase maioria no Brasil. Um dado
expressivo, em nosso caso, é que literalmente a metade da População Economicamente Ativa
contribui para a Previdência Social (49,9% em 1981, 47,7% em 83, 49,9% em 86 e 50,1% em 90
– IBGE, 1994, Tab. 7). Parece ser uma boa hipótese a de que o problema do desemprego, de que
todo mundo fala, atinja sobretudo a metade que contribui para a Previdência Social. É muita gente,
mais de 31 milhões em 1990, mas não são todos.
Para colocar o desemprego em perspectiva, é necessário explicitar e examinar criticamente
uma série de pressupostos que o discurso corrente subentende. Em primeiro lugar, o fato de que
se necessita de ocupação, que não é sinônimo de emprego. Este último conceito implica assalaria-
mento – uma relação de emprego só existe quando alguém, em geral uma firma, dá um emprego
a alguém. A própria linguagem é enganadora. Não há qualquer dação, mas compra e venda. O
emprego resulta de um contrato pelo qual o empregador compra a força de trabalho ou a capaci-
dade de produzir do empregado. Os empresários gostam de falar de oferta de emprego, como se o
emprego fosse alguma dádiva que a firma faz ao empregado.
85
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

Na realidade, é o contrário: é o trabalhador que oferece, ele que é o vendedor, e a mercadoria


não é o emprego, mas a capacidade de produzir do trabalhador. A firma empregadora é o compra-
dor, o demandante e, como tal, paga o preço da mercadoria, o salário.
No mercado de trabalho capitalista, como nos demais mercados, o freguês sempre tem
razão. Este dito reflete uma tendência bastante geral de que a concorrência tende a ser mais
intensa entre os vendedores do que entre os compradores. Isto decorre do fato não universal,
mas frequente, de que a oferta supera a demanda. Excetuados os mercados monopólicos ou
fortemente oligopolizados, os demais se apresentam quase sempre com esta característica; e
os consumidores estão acostumados a ser bajulados e seduzidos porque os ofertantes precisam
deles mais do que o contrário. Uma das razões para isso é que, quando a oferta tende a ser menor
do que a demanda na maioria dos mercados, a tendência à inflação torna-se muito forte, o que
exigiria controles extramercado para contê-la. Nossa experiência com o Plano Cruzado em 1986
e com o Real em 1994/95 ilustra isso. Hoje, estes controles são fortemente combatidos pelos
governos (quase todos liberais) e, em consequência, a relativa estabilidade dos preços requer
permanente contenção da demanda, de onde resulta o tipo de “equilíbrio” que faz com que o
freguês sempre tenha razão.
É claro que isso vale sobretudo para o mercado de trabalho. As políticas fiscais e mone-
tárias têm em vista impedir que a economia se “aqueça” em demasia, o que na prática implica
manter uma generosa margem de sobreoferta de força de trabalho. Neste sentido, o desemprego
não é um “mal”, mas um efeito funcional de políticas de estabilização exitosas. Quando a de-
manda por mercadorias, seja para consumo ou para inversão, é contida, a fim de que os preços
não subam, é óbvio que as empresas vendem menos, portanto produzem menos e ipso facto
empregam menos. A concorrência intensificada entre as empresas obriga-as a reduzir custos e,
portanto, a aumentar ao máximo a produtividade do trabalho, o que implica reduzir também ao
máximo a compra de força de trabalho. Os desempregados (que outrora eram denominados de
exército industrial de reserva), desempenham o mesmo papel que as mercadorias que sobram
nas prateleiras: eles evitam que os salários subam.

1. Tanto a categoria quanto o conceito de trabalho são orientados pelo entendimento de


a) ser humano em ação, transformação da natureza e da matéria natural em objeto de cultura,
com uma mudança de estado ou situação.
b) ser humano em ação, empregados com bons salários.
c) ser humano em ação, à procura de emprego assalariado, com todos os direitos trabalhistas
garantidos.
d) que os empresários são os responsáveis pela geração de trabalho.

86
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

2. A autogestão é um processo em que os


a) trabalhadores são os próprios gestores, constituindo uma forma de gestão coletiva.
b) patrões designam quem serão os chefes dos setores de produção, procurando articulá-los em
uma gestão coletiva.
c) trabalhadores, individualmente, exercem seus postos de trabalho, de forma hierárquica.
d) patrões são os próprios gestores, procurando potencializar o trabalho individual de cada tra-
balhador.

1. A

2. A

87
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho

88
A avaliação na Educação
de Jovens e Adultos

O entendimento da avaliação no ensino tradicional


e um modelo de avaliação emancipatória
para a Educação de Jovens e Adultos

N esta aula, será discutida a possibilidade de se construir outra ideia e outra prática sobre
a avaliação.
Historicamente, a avaliação é caracterizada como um processo de testar, julgar o conhecimento
aprendido pelos alunos, por meio de uma escala de valores – mínimos e máximos –, quase sempre de
“0” a “10” ou de “E” a “A”.
Partindo-se do pressuposto de que os alunos devem reter o máximo de conteúdo possível em
um determinado período, organizam-se provas ou trabalhos que servem de base para a mensuração
das notas.
De acordo com o conceito do professor Celso Antunes (2001, p. 86):
A avaliação escolar visa detectar e analisar o desenvolvimento do aluno em um período determinado de experiên-
cia escolar. O paradigma mais usual na avaliação escolar é estabelecer valores máximos onde o desenvolvimento
escolar é expresso por notas ou conceitos e esses referenciais padronizam desenvolvimentos individuais.

Percebe-se na fala do professor que ele se refere à avaliação tradicional. Essa forma de avaliar
baseia-se na ideia de elencar certos indicadores, como a memorização e a reprodução dos conteúdos,
de forma mecanizada.
Isso pressupõe que o objetivo da educação é o acúmulo de conteúdos, independentemente de
estes conteúdos terem ou não significado para os alunos. A avaliação tradicional parte do princípio
de que o professor é o dono do conhecimento e de que o aluno nada sabe; trabalha com a lógica da
repetição mecanizada e com a comparação entre os alunos.
Esse modelo não avalia o professor – detém-se no aluno. Como consequência, fica-se preso à
lógica de que os problemas de aprendizagem são apenas dos alunos. Não se leva em conta a questão
de como ensinar, que envolve diretamente o professor.
Percebe-se que o exposto acima é coerente, pois este método de avaliação corresponde a uma
determinada visão que se tem da educação. Ao se utilizar determinados pressupostos pedagógicos
nas práticas educativas, como os oriundos dos princípios da educação tradicional, este é o modelo de
avaliação adotado.
No entanto, ao se trabalhar com a EJA, com os princípios de uma Educação Cidadã e com os
pilares da Educação Popular, deve-se ter outro olhar sobre a avaliação.
89
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos

Não se pode esquecer que, ao se escolher um determinado pressuposto pe-


dagógico com o qual trabalhar, revela-se o perfil de escola, de cidadão e de socie-
dade que se pretende construir.
Portanto, não se trata apenas de mudar as formas de avaliar, mas sim de pensar
outra lógica para a Educação de Adultos, o que pressupõe outra lógica de avaliação.
Propõem-se aqui algumas questões:
Que valores defendemos?
Que educando queremos formar?
Que sociedade queremos construir?
Quando, como, por que e para que avaliar?
Segundo comentário do professor Luiz M. J. do Nascimento (1999, p. 24):
As respostas dadas a essas questões revelam a concepção de avaliação que permeia a nos-
sa prática pedagógica e mostram também que tipo de cidadão, de escola e de sociedade es-
tamos ajudando a construir através da forma como avaliamos. No desenvolvimento do tra-
balho educativo é, então, de fundamental importância a discussão sobre a consciência que
o educador tem sobre o papel que ele desenvolve no processo de ensino-aprendizagem.

Note-se que o professor aponta uma interligação entre a concepção escolhi-


da e o tipo de sociedade que se quer construir.
Determinadas iniciativas na EJA tentam romper com a lógica da classifica-
ção, da mensuração e da tabulação. A seguir, alguns pontos comuns da avaliação
emancipatória e cidadã – ainda em construção –, nas iniciativas de EJA:
a avaliação deve ser participativa, global e permanente (aspectos cogni-
tivos, sociais, culturais etc.);
a avaliação deve respeitar o tempo pedagógico de cada aluno;
o aluno deve saber e entender como está sendo avaliado;
a avaliação deve deixar de ser uma atividade de cobrança, e passar a ser
um momento de aprendizagem;
papel do Conselho Participativo da escola;
autoavaliação do aluno.
Esses são alguns pontos essenciais para se organizar um modelo de avalia-
ção na EJA. Perceba que o diálogo é a base desse processo:
Dentro de uma concepção de educação libertadora, devemos atuar sob o princípio do diá-
logo permanente. Educadores e educandos são responsáveis pelo processo de ensino-apren-
dizagem. Nesse sentido, os objetivos traçados para cada período devem ser resultado do
diálogo entre educador e todos os educandos. (NASCIMENTO, 1999, p. 32)

Pontos importantes
Historicamente, a avaliação é caracterizada como um processo de testar,
julgar o conhecimento aprendido pelos alunos, por meio de uma escala
de valores.
90
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos

Parte do pressuposto de que os alunos devem reter o máximo de conteú-


do possível em um determinado período; organizam-se provas ou traba-
lhos que servem de base para a mensuração das notas.
Ao se escolher um determinado pressuposto pedagógico com o qual tra-
balhar, revela-se o perfil de escola, de cidadão e de sociedade que se
pretende construir.
A avaliação na EJA deve ser participativa, global e permanente; deve
levar em consideração as hipóteses criadas pelos alunos e respeitar o
tempo pedagógico de cada um deles.

Rever a transposição didática


(PERRENOUD, 2005, p. 147-148)

Se consideramos que a formação de competências não é tão evidente e que ela emana em
parte da escolaridade básica, resta decidir quais delas deveriam ser desenvolvidas prioritaria-
mente. Ninguém pretende que todo saber seja aprendido na escola. Vários saberes humanos são
adquiridos por outras vias. Por que seria diferente com as competências? Dizer que compete à
escola desenvolver competências não significa conceder-lhe o monopólio.
Quais devem ser privilegiadas? Aquelas que mais mobilizam os saberes escolares e disciplinares
tradicionais, dirão imediatamente aqueles que desejam que nada mude, salvo as aparências. Em al-
guns países, limitou-se a reformular os programas tradicionais introduzindo um verbo de ação diante
dos conhecimentos disciplinares. Onde antes se dizia “ensinar o teorema de Pitágoras”, diz-se agora
“utilizar o teorema de Pitágoras para resolver problemas de geometria”. Para ir além dessa embroma-
ção, é indispensável explorar as relações entre competências e programas escolares atuais.
Para elaborar uma “plataforma de competências”, não basta nomear uma comissão de redação.
A descrição das competências a serem construídas deve partir da análise de situações e de práticas
das quais se possam extrair conhecimentos. Avança-se muito rápido em todos os países, lança-se
à redação de programas sem perder tempo para observar as práticas sociais, para identificar as si-
tuações com as quais as pessoas comuns são e serão verdadeiramente confrontadas. O que se sabe
de fato sobre as competências de que necessitam no dia a dia os desempregados, os imigrantes, os
deficientes, as mães solteiras, os jovens dos subúrbios?
Se o sistema educacional não dedica tempo a reconstruir a transposição didática, ele não questio­
nará as finalidades da escola, limitando-se a ministrar antigos conteúdos em um novo continente.
Na formação profissional estabelece-se um referencial de ofício analisando-se as situações
de trabalho, depois se elabora um referencial de competências, que fixa os objetivos da formação.
Nada disso se faz para a formação geral.
É por esse motivo que, por trás da fachada de competências, enfatizam-se capacidades fora
de contexto. Resultado: salvaguarda-se o essencial dos saberes necessários aos estudos longos, os
lobbies disciplinares são satisfeitos.

91
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos

Rever as razões de fazer saber


Toda escolha coerente tem seu reverso: o desenvolvimento de competências na escola implica
um enxugamento dos programas teóricos, com o objetivo de liberar o tempo exigido para exercer
a transferência e para treinar a mobilização dos saberes. É preciso inquirir sem complacência as
“razões de saber e de fazer saber” (PERRENOUD, 1999b).
Ora, isso não é tão simples assim. A escolaridade funciona atualmente com base em uma es-
pécie de “divisão do trabalho”: cabe à escola fornecer os recursos (saberes e habilidades básicos),
à vida ou aos cursos de formação profissional, para desenvolver as competências. A escola sempre
desejou que as aprendizagens que se fazem ali sejam úteis, mas geralmente acaba perdendo de vista
essa ambição global, deixando-se levar pela lógica do acúmulo de saberes, na hipótese otimista de
que eles servirão para alguma coisa. Desenvolver competências na escola não é uma nova moda, e
sim um retorno às fontes, às razões de ser da instituição escolar.
Será que é realmente preciso que na escola obrigatória se aprenda o máximo de matemática,
de física, de biologia para que os programas pós-obrigatórios possam avançar ainda mais? Enxugar
os programas e trabalhar um número mais reduzido de noções disciplinares para treinar sua aplica-
ção não prejudicaria aqueles que farão estudos especializados nos âmbitos correspondentes e daria
mais oportunidades a todos os outros. Não apenas àqueles que deixarão a escola aos 15 anos, cujo
número está diminuindo nas sociedades desenvolvidas, mas também àqueles que têm um doutora-
do em História e não compreendem nada da questão nuclear, enquanto os engenheiros de mesmo
nível mostram-se bastante perplexos diante das evoluções culturais e políticas do planeta.
A questão é tão velha quanto a escola: para quem são feitos os programas? Como sempre, os
favorecidos desejam ser cada vez mais predestinados aos estudos longos e ainda proporcionar aos
seus filhos melhores chances na seleção. Infelizmente, isso se fará em detrimento daqueles para os
quais a escola não desempenha atualmente seu papel essencial: proporcionar os instrumentos para
controlar sua vida e compreender o mundo.
Com certeza, alguns saberes disciplinares ensinados na escola fora de qualquer contexto de
ação acabarão sendo mobilizados por competências. Ou, mais exatamente, servirão de base para
aprofundamentos voltados a certas formações profissionais. O piloto estenderá seus conhecimentos
geográficos e tecnológicos, a enfermeira seus conhecimentos biológicos, o técnico seus conheci-
mentos físicos, a laboratorista seus conhecimentos químicos, o guia seus conhecimentos históricos,
o administrador seus conhecimentos comerciais etc. Do mesmo modo, professores e pesquisadores
desenvolverão conhecimentos na disciplina que escolheram ensinar ou aprofundar. As línguas e
a matemática serão úteis para diversos ofícios. Pode-se dizer, então, que as competências são um
horizonte, principalmente para aqueles que se orientarão para ofícios científicos e técnicos, que
utilizarão as línguas em sua profissão ou que farão pesquisa.

92
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos

1. Por que a avaliação na EJA deve ser diferenciada da avaliação tradicional?

2. Aponte algumas diferenças entre a avaliação tradicional e avaliação na EJA. Disserte sobre o
assunto.

Recomendamos a leitura da obra Avaliação Qualitativa, de Pedro Demo. Neste livro, o profes-
sor Pedro Demo realiza uma excelente reflexão sobre os processos avaliativos. Boa leitura.

93
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos

94
Fundamentos metodológicos em
Educação de Jovens e Adultos

D
iscutir a importância e a possibilidade de aplicação da área de conhecimento aqui denomina-
da de corporeidade, no Ensino Fundamental de Jovens e Adultos, é uma atitude, no mínimo,
desafiadora. Por um lado, pela falta de uma política pública em nível nacional que deixe claro
sua abrangência, seus objetivos e instrumentos. Por outro, o desafio emerge da própria história das
“pedagogias”, que sempre negaram a corporeidade como ponto fundamental no desenvolvimento da
escolarização, tanto de crianças quanto de adultos.
A corporeidade nunca – ou quase nunca – foi sujeito nem objeto do Ensino Fundamental, espe-
cialmente nos limitados projetos de alfabetização, é uma heresia falar em assunto tão “irrelevante”.
As dificuldades impostas à abordagem deste tema são conhecidas, mas não se pode desistir
deste sonho. Deseja-se uma educação que leve em conta a complexidade humana e que colabore com
o fortalecimento da cidadania, com a participação democrática na gestão do Estado e com a criação
de alternativas à exclusão produzida pelo sistema econômico, opressor e desigual.
Este capítulo pretende contribuir para a construção de um novo olhar sobre o papel da corporei-
dade no Ensino Fundamental de Jovens e Adultos. Para isso, inicialmente são expostas algumas refle-
xões sobre a concepção de corporeidade. A seguir, apontam-se alguns fundamentos e possibilidades
para uma proposta de corporeidade para o Ensino Fundamental.

A corporeidade
Paulo Freire, ao se referir à corporeidade, relacionava-a com a cultura popular. Poucos são os
povos que não têm a dança como um de seus elementos culturais mais fortes e significativos.
Algumas religiões, principalmente as de origem africana, têm na dança, na expressão corporal,
nas cantigas e ladainhas, seu ponto culminante. A capoeira, com sua história e linguagem próprias, é
um elemento representativo da cultura afro-brasileira, constituindo-se durante anos em um instrumento
de resistência, pois seus movimentos são inspirados nas lutas do negro contra a escravidão (ACCURSO,
1995).
Paulo Freire sabia disso; ele sabia da importância de se levar em consideração a cultura corporal
como elemento pedagógico na Educação de Adultos. Em Cartas à Guiné-Bissau, o autor revela um
indício sobre
[...] o possível potencial que a mímica, como expressão corporal, possa ter em culturas em que o corpo não foi
submetido a um intelectualismo racionalizante. Em que as grandes maiorias não se experimentaram ainda no
maior rigor lógico da linguagem escrita, de que decorre não raro a mitificação do poder dessa linguagem, que,
de resto, devemos evitar desde a etapa de alfabetização. Em que o corpo consciente, encontrando-se em maior
liberdade em suas relações com a natureza, mova-se facilmente de acordo com seus ritmos. Neste sentido talvez
fosse interessante pensar no emprego de jogos mímicos, codificações e, nas codificações pictóricas, dar ênfase
ao movimento. (FREIRE, 1979, p. 111) (grifos nossos)

95
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

Essa fala provoca a investigação sobre como trabalhar com a corporeidade


dos adultos que vivem no meio urbano: pessoas afastadas há muito tempo de
suas raízes, que convivem diariamente com uma enorme quantidade de infor-
mações transmitidas pela TV, pelo rádio, por jornais e revistas, pela publicidade
e por propagandas exageradas; com os mais variados estímulos – sejam visuais,
auditivos ou ambos – e tudo mais que é produzido pela comunicação homoge-
neizante de massas.
Pergunta-se: estariam esses adultos relegados a uma cultura da passividade,
da acomodação e da alienação? Por outro lado, em uma sociedade onde o raciona-
lismo intelectual levou à acentuação da divisão do trabalho – manual e intelectual
–, e sabendo que o adulto pouco escolarizado trabalha ou trabalhará com o as-
pecto manual do trabalho, não seria fundamental a realização de uma releitura do
significado da corporeidade em nosso atual sistema cultural, social e econômico?
Viñao Frago (1993, p. 87), assim como Paulo Freire, também dá ênfase a ou-
tras formas de expressão e linguagem não trabalhadas normalmente nos projetos
de escolarização (alfabetização?1) de jovens e adultos:
Quais são os modos de expressão e pensamento a recuperar acadêmica e culturalmente?
Aqueles que, através da voz e do som, incorporam – fundindo utilidade e estética – o
ritmo, a rima, a música, a canção, o canto, a fórmula, a expressão poética e o corpo – mo-
vimento, dança, gestos... aqueles que implicam, em uníssono, o corpo e a mente. (grifos
nossos)
A corporeidade não tem sido sujeito nem objeto da alfabetização2 e do En-
sino Fundamental. Quando se fala em corporeidade na sala de aula, ou é como
interdição, disciplinamento e punição, ou como instrumento – portanto, no nível
secundário – para o desenvolvimento intelectual. É como se as pessoas, ao ingres-
sarem na sala de aula, virassem apenas intelecto, pensamento e razão.
Isso pode ser percebido quando se analisa todo o processo de escolariza-
ção – formal ou mesmo nos “Projetos de Alfabetização” – de jovens e adultos
(o mobiliário, os livros didáticos, os conteúdos programáticos, a distribuição da
carga horária, as metodologias): tudo está em prol do desenvolvimento intelectual.
Isso sem falar dos dispositivos disciplinares, que têm como objeto e objetivo quase
sempre a proibição da corporeidade e das emoções.
Os movimentos, os sorrisos, os cochichos, ou qualquer outra manifestação
mais espontânea, são considerados como distração e desvio das funções da mente:
A concentração é identificada com a imobilidade. Os movimentos são sinais de descon-
centração. Cria-se a ideia que a aprendizagem acontece quando a pessoa fixa um olhar
abstrato no infinito, como se estivesse a contemplar um mundo, no qual as dimensões da
corporeidade não podem entrar, mas podem atrapalhar caso se manifestem de alguma
maneira. (SANTIN, 1993, p. 12)
Essas constatações não visam diminuir a importância que o desenvolvimento
1 Dever-se-ia pensar em
políticas públicas para a
EJA que abrangessem, no mí-
intelectual possui no processo de escolarização, muito menos a importância da alfa-
nimo, o Ensino Fundamental.
betização. O que se quer é ampliar o conceito de Ensino Fundamental – ou alfabetiza-
ção, veiculado nestes processos educacionais –, considerando-se a complexidade das
2 Mais uma das excelentes
e indispensáveis reflexões
de Santin.
várias áreas do desenvolvimento pessoal, e trabalhando com o ser humano como um
todo, isto é, nos planos intelectual, social, cultural, emocional, corporal e político.

96
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

Um outro tipo de analfabetismo


A corporeidade (movimento, ação ou conduta humana, e cultura ou expres-
são corporal) é uma linguagem completa e complexa, a seu modo tão elaborada
quanto a escrita e a oral. Estas são formas de linguagem que não podem ser
colocadas em competição, muito menos em confronto. São códigos distintos,
complementares de várias maneiras: um comunica o que o outro não consegue
fazer. Dispor de apenas um deles é acentuar a fragmentação humana, fortalecer
a dicotomia corpo versus mente e impor um outro tipo, talvez mais refinado, de
analfabetismo.
Assim, é cada vez maior a importância de se contemplar nos currículos de
Ensino Fundamental para Jovens e Adultos – aqui se podem colocar todos os cur-
sos noturnos, pois de acordo com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), a todos será facultada a Educação Física – uma área do conhecimento
que introduza a discussão sobre corporeidade: corpo, saúde, cultura, expressão e
práticas corporais etc.
A proposta deste estudo tem como ponto de partida uma educação de corpo
inteiro3 e a visão do ser humano como totalidade. Entende-se que os homens são seres
biopsicossociais, isto é, suas relações com o meio ambiente, consigo mesmo e com as
outras pessoas, significam muito para sua construção e produção sociocultural.
Edgar Morin (2001, p. 14), pesquisador do tema complexidade, entende-a
como “o que é tecido junto”, segundo o sentido original do termo:
[...] existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como
o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são insepa-
ráveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o
todo, o todo e as partes. Ora, os desenvolvimentos próprios de nosso século e de nossa
era planetária nos confrontam, inevitavelmente e com mais e mais frequência, com os
desafios da complexidade.

Antonio Damásio (1996, p. 255), por meio de estudos nas áreas de neuro­
biologia, neuroquímica e neuroanatomia, defende a hipótese da complexidade
humana:
[...] a ideia de que o organismo inteiro, e não apenas o corpo ou o cérebro, interage com
o meio ambiente é menosprezada com frequência, se é que se pode dizer que chega a ser
considerada. No entanto, quando vemos, ouvimos, tocamos, saboreamos ou cheiramos, o
corpo e o cérebro participam na interação com o meio ambiente.

Segundo Feldenkrais (1977), em qualquer ação humana existem quatro


compo­nentes intrinsecamente ligados: pensamento, movimento, sensação e senti-
mento. Estes componentes variam em cada ação – assim como variam as pessoas –,
mas sempre estarão presentes de alguma forma em todas as ações humanas.
Em um primeiro enfoque, quando se fala de corporeidade na sala de aula, 3 Essa expressão é o nome
de um livro que consi-
deramos um marco na Edu-
lembra-se prontamente das técnicas e dinâmicas no processo de ensino-aprendi- cação Física infantil, Edu-
cação de Corpo Inteiro, de
zagem, e é por este caminho, a princípio, que o trabalho se inicia. João Batista Freire. Aqui,
resgatamos a expressão e o
conceito desenvolvido pelo
A sala de aula tradicional – entenda-se por tradicional a grande maioria das autor, deslocando-o para
salas de aulas – por si só já intimida e limita o educador a propor ou realizar dinâmi- o Ensino Fundamental de
Jovens e Adultos e fazendo
cas que envolvam o movimento, as emoções, a oralidade e a expressão corporal. os devidos reparos.

97
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

A reflexão começa pelo pequeno espaço estrutural destas salas de aula, que
são pensadas e construídas para crianças e adolescentes. As carteiras e cadeiras
dos alunos, a mesa e a cadeira do professor, os armários, entre outros objetos,
ocupam praticamente todos os espaços disponíveis nas salas, o que já induz à aco-
modação, a ficar sentado, parado, apenas observando a exposição do educador.
Passa-se então pela formação dos professores: tanto em nível médio (magis-
tério) quanto em nível superior (licenciaturas), em geral não se costuma trabalhar
com a ótica da complexidade humana.
Mesmo diante dessas dificuldades, o educador deve exercitar sua criativida-
de e capacidade de propor outras possibilidades de trabalho na sala de aula, como
as que serão discutidas a seguir.

Trabalhos em grupo
O trabalho em grupo é uma antiga ferramenta dos educadores; contudo, o
que se propõe é uma problematização (visão freireana de educação popular), uma
reavaliação dessa ferramenta, ou mesmo uma inovação nos trabalhos em grupo.
Jurjo Torres Santomé (1998, p. 244) ressalta a importância do trabalho em
grupos ou equipes:
[...] precisamente pelo fato de comparar conhecimentos, ponto de vista próprios com os
dos outros, surgem os conflitos sociocognitivos, motor de conhecimentos posteriores. A
discussão das diferenças colocadas por cada integrante de uma equipe de trabalho é uma
das maneiras de passar de um conhecimento subjetivo, pessoal, para outro mais objetivo
e inter-subjetivo.

Quase toda atividade, de qualquer área ou linguagem, pode ser desenvolvi-


da em grupos, devendo o educador incentivá-la e valorizá-la, como nos indica o
Caderno de Educação n.º 4 do Movimento Sem Terra (1994, p. 13)4:
porque proporciona uma produção coletiva do conhecimento;
porque o grupo diversifica a aprendizagem, pois a dúvida de um, partilhada no grupo,
pode ser respondida por outro, que ao responder também percebe que, muitas vezes,
lhe faltam conhecimentos para ampliar, contra-argumentar e esclarecer sua resposta. Aí
cabe solicitar apoio de um terceiro, que pode ser o educador, ou o material didático;
porque também o grupo é gerador de conflitos: ora sente a sensação que sabe, ora
já não sabe mais. São as incertezas que o processo de construção do conhecimento
apresenta, conflitos epistemológicos que, junto ao grupo são mais facilmente supe-
rados;
rompe com as formas tradicionais das aulas. Isto é, ao invés do professor ser o centro
4 Este é o quarto Caderno
sobre alfabetização de
jovens e adultos do MST,
das atenções e os alunos coadjuvantes, permite a conversação, o movimento, o agito, o
murmurinho, as trocas;
que traz reflexões e possibili­
dades de ações importantís- acrescenta-se que o grupo é uma forma incipiente de se fomentar o trabalho cooperado,
simas sobre educação e sobre
trabalhos em grupo. coletivo e solidário.
O educador deve incentivar a participação de todos, e explorar principal-
5 Conforme Moshe Fel-
denkrais, nós nos regula­
mos, nos movemos e nos
mente a oralidade e a expressão corporal, possibilitando que os alunos falem na
comunicamos com os outros
conforme nossa auto­i magem
frente da sala, com voz alta e olhando para a turma. Essas ações certamente irão
e autoestima. influenciar a autoestima e a autoimagem5 do aluno.
98
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

Essa possibilidade de trabalhos em grupo poderá levar à reconstrução e à


reelaboração, pelo aluno, do conteúdo discutido no e com o grupo. Levará tam-
bém a uma vivência diferente da experiência apenas intelectual. Ao se levantar
para a turma, o aluno irá falar, não mecanicamente, mas sim vivenciando o que
foi trabalhado no e com o grupo; tudo com o incentivo do educador, que tem papel
fundamental nessa metodologia.
Nessa ótica, o trabalho em grupo6 também é considerado uma situação coo-
perativa, que promove a cooperação na educação. O trabalho/pesquisa de Morton
Deutsch7, motivou vários educadores e pesquisadores a explorarem mais a fun-
do os efeitos positivos que uma estrutura cooperativa pode obter no processo de
ensino-aprendizagem.

Jogos cooperativos
Em um segundo momento, ao se trabalhar com o objetivo de abrir um espa-
ço no planejamento diário do educador, no que diz respeito à área da corporeida-
de, sugere-se a adoção de certos jogos cooperativos8 em sala de aula:
os jogos cooperativos têm como princípio estimular uma reflexão coleti-
va para a resolução de problemas comuns. Isto é, as situações propostas
pelos jogos selecionados – seja da cultura da comunidade onde a escola
está inserida, seja do imaginário dos alunos e educadores e/ou dos livros
didáticos –, podem servir como ferramentas do educador para buscar a
igualdade nas relações do e com o grupo. Estruturas de cooperação po-
dem transformar situações de desigualdade em situações de igualdade,
em relações humanas onde todos sentem liberdade e confiança para tra-
balhar em conjunto, em função de metas comuns;
a proposta de jogos cooperativos deve ser acompanhada por atitudes que
favoreçam o respeito, a valorização e a integração de todos. Como educa-
dores, deve-se reconhecer que cada aluno é um ser específico e singular,
que tem possibilidades e limitações. Devem-se valorizar as qualidades de 6 O educador de jovens e
adultos necessita buscar
apoio teórico-prático para
cada um, dar-lhes confiança, oferecer-lhes oportunidades e proporcionar- o desenvolvimento das di-
nâmicas. Para tanto, indica-
lhes momentos para que desenvolvam atitudes, ações e habilidades e se mos, entre outros, Andreolla.
Ponto Balduíno, Dinâmica
sintam importantes dentro do grupo. de Grupo. São relevantes,
ainda, os trabalhos de Ma-
A proposta dos jogos cooperativos, baseada na construção coletiva, vai con- dalena Freire et alli sobre
Grupos operativos: como
tra o que prega a ideologia do neoliberalismo. Esta trabalha com a competitivida- são e como funcionam. (In:
GROSSI, Ester (Org.). Pai-
de acirrada e valoriza ao máximo o individualismo. xão de Aprender. Petrópolis:
Vozes, 1992).
Brown (1994) lembra ainda que muitos dos elementos que surgem em situ-
ações de cooperação são exatamente os que devem ser trabalhados na Educação 7 O trabalho/pesquisa rea­­
li­­zado por Morton Deuts-
ch tem sua base teórica na
de Adultos ou Popular, isto é: sensibilidade, amizade, coordenação de esforços e psicologia social, e é citado
ajuda mútua. no livro de Brown (1994).

Maturana (1998, p. 13 e 21) defende a ideia de que “a competição sadia não 8 A obra Jogos Coopera-
tivos: teoria e prática,
existe”, ou seja, por mais que se queira atenuar os efeitos negativos da competição de Guillermo Brown, traz
uma proposta revolucionária
tentando “maquiá-la”, ela não constitui um fenômeno biológico: de trabalhos cooperativos,
por meio de jogos, na sala
de aula.

99
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

A competição é um fenômeno cultural e humano, e não constitutivo do biológico. Como


fenômeno humano, a competição se constitui na negação do outro [...], a competição se
constitui culturalmente, quando o outro não obter o que um obtém é fundamental como
modo de relação [...] a competição se ganha com o fracasso do outro, e se constitui quando
é culturalmente desejável que isso ocorra. No âmbito biológico não humano, esse fenô-
meno não se dá.

Procurou-se centrar a discussão do texto sobre essas propostas, mas cer-


tamente outras ideias, ações e atividades que envolvam a complexidade humana
podem ser pensadas e colocadas em prática pelos educadores, no processo de
ensino-aprendizagem de adultos.

Pontos importantes
As “pedagogias” sempre negaram a corporeidade como ponto funda-
mental no desenvolvimento da escolarização, tanto de crianças quanto
de adultos.
A corporeidade não tem sido nem sujeito nem objeto da alfabetização e
do Ensino Fundamental. Quando se fala em corporeidade na sala de aula,
ou é como interdição, disciplinamento e punição, ou como instrumento –
portanto, no nível secundário – para o desenvolvimento intelectual.
A proposta deste estudo tem como ponto de partida uma educação de
corpo inteiro e a visão do ser humano como um ser complexo e inconclu-
so. Entende-se que os homens são seres biopsicossociais.

Uma proposta: o jogo cooperativo


(BROWN, 1994, p. 23-25)

Vimos anteriormente como a competição é parte fundamental da nossa sociedade. Vimos


como geralmente muitos jogos reproduzem essa ideia da competição e, portanto, contradizem aqui-
lo que buscamos num trabalho de educação popular. Então, como fazemos com os jogos?
Propomos jogos que têm uma estrutura cooperativa. Quer dizer, são centrados na união e não
no “uns contra outros”. Propomos jogos que buscam a participação de todos, sem que alguém fique
excluído, jogos onde o objetivo e a diversão estão centrados em metas coletivas e não em metas
individuais.
Os jogos cooperativos têm várias características libertadoras, que são muito coerentes com o
trabalho em grupo.

100
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

Libertam da competição: o objetivo é que todos participem para poder alcançar uma meta
comum. A estrutura assegura que todos joguem juntos, eliminando a pressão que produz a compe-
tição. O participante não se preocupa se vai ganhar ou perder: seu interesse está na participação.
Libertam da eliminação: o esboço do jogo cooperativo busca a integração de todos. Muitos jo-
gos tratam de eliminar os mais fracos, mais lentos, mais inábeis etc. A eliminação é acompanhada
pela repulsa e desvalorização. O jogo cooperativo busca incluir e não excluir.
Libertam para criar: criar é construir e, para construir, a colaboração de todos é fundamental.
As regras são flexíveis, e os participantes podem contribuir para mudar o jogo. Os jogos podem ser
adaptados ao grupo, aos recursos, ao meio ambiente e ao objetivo da atividade. Muitos jogos com-
petitivos são muito rígidos, inflexíveis e dependentes de equipes especiais. Tudo isso ocorre porque
estão excessivamente orientados para o resultado final. O jogo cooperativo, por sua vez, enfatiza o
processo: o importante é que os jogadores alegrem-se participando.
Libertam da agressão física: certamente gastamos energia na atividade física, mas se promo-
vemos a agressão física contra o outro, estamos aceitando um comportamento destrutivo e desu-
manizante. Tornar a agressão física obrigatória através das regras do jogo é ensinar os participantes
que é aceitável bater, derrubar e maltratar os outros. Busca-se eliminar estruturas que exigem a
agressão contra os outros.
Em resumo, podemos oferecer algumas alternativas para o jogo:
jogando dentro das estruturas cooperativas, dando ênfase à participação e à autoestima de
cada pessoa;
criando jogos em que cada participante pode estabelecer seu próprio ritmo;
adaptando jogos já conhecidos, diminuindo a importância do resultado final e eliminando o
contato físico do tipo destrutivo.
Na apresentação de alternativas do jogo, devemos promover um ambiente que tenha presente
a pessoa. Uma das coisas que devemos ressaltar é que, na relação com os grupos, todos estejamos
mais propensos a compartilhar os recursos humanos e materiais (por exemplo: ideias, habilidades,
preocupações, sentimentos, respeito, bens materiais, tempo, espaço e responsabilidade). Não se
muda isso de um dia para outro, mas podemos começar a viver valores novos. Nos jogos podemos
ir desenvolvendo certas atitudes que são importantes:
A empatia: é a capacidade de “pôr-se no lugar do outro”. A empatia tem a ver com a possibi-
lidade de sentir como está o outro: suas preocupações, suas expectativas, suas necessidades e sua
realidade. A raiz da palavra significa “sinto contigo”.
A cooperação: é a capacidade de trabalhar em prol de uma meta comum. Tem a ver com o
desenvolvimento das habilidades necessárias para poder resolver problemas em conjunto. Nesse
sentido, está relacionada com a solidariedade e a organização.
A estima: é a capacidade de reconhecer e expressar a importância do outro: suas percepções,
suas contribuições e suas necessidades. Tem a ver com a confiança do grupo e a autoestima.
A comunicação: é a relação do diálogo: o intercâmbio de sentimentos, conhecimentos, estima,
problemas e perspectivas.

101
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos

1. Paulo Freire, ao se referir à corporeidade, relacionava-a com


a) o corpo subnutrido dos alunos, que passavam fome.
b) com a falta de uma cultura corporal no povo.
c) a cultura popular.
d) os esportes competitivos.

2. O trabalho em grupo pode ser considerado também como uma situação de


a) competição acirrada.
b) manifestação do individualismo.
c) cooperação e trabalho coletivo.
d) disputa entre os integrantes do grupo.

A leitura recomendada para esta aula é o livro Jogos Cooperativos: teoria e prática, de Guil-
lermo Brown. Este livro pode ser uma excelente ferramenta para a construção de atividades coope-
rativas e solidárias. Boa leitura.

1. C

2. C

102
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106
Anotações
Fundamentos Metodológicos em EJA I
Fundamentos

Fundamentos
Metodológicos em EJA I

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-2990-7
Metodológicos em EJA I
Luis Oscar Ramos Corrêa
9 788538 729907

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