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Metodológicos em EJA I
Edição revisada
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
C843f
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2990-7
Referências............................................................................................................................103
Apresentação
Tenho participado, nos últimos 15 anos, de congressos, seminários, debates, fóruns – metropo-
litanos, regionais, nacionais e mundiais –, enfim, de uma série de eventos que discutem, deliberam,
propõem e questionam a nossa atual forma de organização do social, da educação e da economia.
Quase todos esses eventos emitem algum tipo de documento – cartas, projetos de lei, propostas para
políticas públicas etc. –, que coloca a necessidade de criarmos alternativas a este modelo excludente,
proclamando “um mundo melhor para todos”.
Este livro busca exatamente isso: abordar a Educação de Jovens e Adultos e suas relações com
o mundo do trabalho, suas conexões possíveis e necessárias. Para tanto, o livro está estruturado de
maneira que possamos construir uma proposta de escola e de escolarização para jovens e adultos.
Essa proposta é totalmente diferente da prática de uma escola destinada a crianças. Cada capí-
tulo procura construir, dentro do seu assunto e de forma articulada com o todo do livro, uma visão,
uma prática educativa e reflexões sobre a realidade vivida, enfim, um pensamento pedagógico sobre
a Educação de Jovens e Adultos.
O livro traz reflexões sobre a organização de uma escola para adultos, sobre as diferenças entre
alfabetizar adultos e crianças, sobre um possível currículo e uma possível avaliação etc.
Procurei abordar os temas e assuntos de forma a facilitar o entendimento e a construção de uma
EJA que contribua para a construção de uma vida melhor para todos.
Bons estudos!
Educação de
Jovens e Adultos
Luis Oscar Ramos Corrêa*
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Educação de Jovens e Adultos
Por esse motivo, é necessário que os educadores da EJA percebam que, com
horários limitados e alunos desgastados, poderá haver limitações no processo pe-
dagógico noturno.
Educação Fundamental de Jovens e Adultos, ainda que nos pareça indicar
para o simples domínio do alfabeto, da grafia e da leitura, ela, obrigatoriamente,
nos leva para uma outra instância, que significa não somente uma atividade re-
ferente à língua, mas a toda ordem social, política, econômica e cultural à qual
pertencemos1.
Outro aspecto importante a salientar é a evolução do entendimento sobre a
abrangência do conceito de EJA. A Educação de Jovens e Adultos abrange o En-
sino Médio noturno, todos os tipos de cursos de qualificação, profissionalização,
atualização, graduação ou pós-graduação, pois em todas essas modalidades o pú-
blico é de jovens e adultos (independente de serem trabalhadores alunos ou alunos
trabalhadores). Essa teoria é embasada no conceito de educação permanente ou
educação continuada e pode ser expressa pelo termo andragogia2 .
A legalização do direito
à Educação (Constituição de 1988),
a regulamentação da EJA e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1996
Um passo importante para a regulamentação do Ensino Fundamental de Jo-
vens e Adultos foi a Constituição Federal de 1988 (CF/88), que garante a Educação
Básica como um direito de todos, mas, no que se refere ao Ensino Fundamental de
Jovens e Adultos, isto começou a ser concretizado a partir da LDB (Lei de Dire-
trizes e Bases da Educação, lei que regulamenta a Educação no Brasil) que insere
a EJA como modalidade da Educação Básica regular.
Podemos considerar um avanço histórico na CF/88 o reconhecimento por
parte das autoridades da necessidade de garantir o direito ao acesso e permanên-
cia a todos na Educação Básica.
Vejamos o comentário do professor José E. Romão do Instituto Paulo
Freire, SP:
Significa dizer que a Carta Magna, pela primeira vez na História da Educação Brasileira,
consagra a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental para todos os brasileiros
[...] independentemente da idade do candidato. Ou seja, a educação de jovens e adultos,
marginalizados ou excluídos da escola na idade própria, integra-se no sistema educacional
regular de ensino, observando-se, evidentemente, as especificidades didático-pedagógicas
para a clientela alvo [...]. (ROMÃO, 2001, p. 44)
SEÇÃO V
Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não ti
veram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na
idade própria.
§l.º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adul-
tos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educa-
cionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses,
condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§2.º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
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Educação de Jovens e Adultos
1. Na sua opinião, por que existem ainda tantas pessoas não alfabetizadas no Brasil? Quais seriam
as principais causas do analfabetismo?
2. Devemos partir de onde para começarmos a construir uma proposta para EJA?
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Educação de Jovens e Adultos
Nossa primeira dica para ampliar os seus estudos é, para muitos, a principal obra de Paulo Frei-
re: A Pedagogia do Oprimido. Nesta obra, é possível conhecer a opinião de Freire sobre a “erradica-
ção do analfabetismo” e outros temas abordados nesta aula.
1. C
2. A
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A EJA e a Educação Popular,
uma conexão necessária
Desigualdade social
A
história do Brasil tem nos revelado, ao longo destes cinco séculos, um verdadeiro massacre
das camadas mais pobres da população. A história do povo brasileiro é marcada por lutas
e conflitos por melhores condições de vida, melhor distribuição de renda, moradia, saúde e
educação.
Podemos perceber que somos divididos em pelo menos duas grandes classes: pobres e ricos.
Toda a riqueza, em nosso país e no mundo, é distribuída de maneira extremamente desigual:
Neste momento, a distância entre ricos e pobres é a maior de toda a história. Em todos os tempos, sempre houve
ricos e pobres, mas nunca houve tanta diferença como agora. Hoje, as 250 pessoas mais ricas do mundo têm
ganhos equiparáveis aos de um terço da humanidade. Três famílias têm um ingresso similar a 940 milhões de
pessoas pobres. (RIFKIN, 2004)
Segundo estudo do Banco Mundial, divulgado pela Folha de S. Paulo em 8 de outubro de 2003,
a América Latina não saiu do lugar, em termos de pobreza e desigualdade, nos últimos 50 anos. Nesse
contexto, o Brasil continua sendo o país mais desigual da região mais desigual. O país só perde para
cinco nações africanas.
Vocês devem estar se perguntando: e a Educação, o que tem a ver com isso? Tudo. O processo
educativo e a escola não são neutros. Foram pensados e construídos juntamente a esta organização
econômica e sociocultural. Portanto, temos aqui mais um ponto importante: não existe educação neu-
tra – toda educação ou reforça este sistema ou questiona-o, procurando ações transformadoras.
“Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise
sobre suas condições culturais. Não há educação fora das sociedades humanas e não há homens iso-
lados.” (FREIRE, 1979).
A Educação Popular
A Educação Popular é o conjunto amplo de atividades que se propõem a despertar as energias
populares; pelo reconhecimento das tensões existentes, objetiva a construção de uma força de pressão
para mudar as condições sociais postas. A Educação Popular não se caracteriza como um nível de
ensino nem como uma modalidade de trabalho pedagógico. Seu processo de coproduzir o saber parte
da própria cultura popular, e participa da formação e do apoio a movimentos populares, trabalhando
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A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária
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A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária
Para a participação, por meio do Para a participação política ativa em Para a condução política de processos
trabalho produtivo e da passividade processos de transformação social, de transformação social por meio da
política de tipo consumista, em uma pelo fortalecimento da sociedade civil. formação e do fortalecimento do poder
ordem social a ser “modernizada”, sem das classes populares.
vir a ser transformada.
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A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária
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A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária
Pontos importantes
Não existe educação neutra; toda educação ou reforça este sistema ou
questiona-o, procurando ações transformadoras.
A Educação Popular é o referencial teórico-pedagógico da Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
A Educação Popular e a EJA estimulam a presença das classes sociais
populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade,
no sentido da superação das injustiças sociais.
Para esta aula, nossa dica de estudo é um livro do professor Álvaro Pinto, Sete Lições sobre
Educação de Adultos. Boa leitura.
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A EJA e a Educação Popular, uma conexão necessária
1. C
2. C
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Introdução ao
pensamento de Paulo Freire
V
amos falar sobre a vida e obra do pedagogo Paulo Freire. Muitos alunos já devem ter ouvido
falar ou até lido algum texto dele, enquanto outros provavelmente ainda não tiveram contato
com sua obra. De qualquer maneira, Paulo Freire é considerado o maior pensador pedagógico
brasileiro e um dos maiores do mundo, principalmente no que diz respeito à Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Toda construção teórica de sua obra foi permeada por ações educativas voltadas para
jovens e adultos em processo de alfabetização, mas seu alcance vai além da EJA.
Durante o curso de Direito, na faculdade de Direito de Recife, ele conheceu Elza, sua primeira
esposa, com quem teve três filhos. Depois de formado, Paulo exerceu a profissão de advogado por um
curto período, pois seu sonho era ser professor e educador.
Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica
dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração:
a miséria na fartura. (FREIRE, 1996)
O começo de tudo
Na década de 1960, Paulo Freire colaborou para a criação do Movimento de Cultura Popular
do Recife, o MCP. Podemos dizer que o MCP tornou-se uma escola aberta de cultura. Vejamos um
comentário do pedagogo sobre o trabalho desenvolvido pelo MCP:
Os projetos do MCP se entrelaçavam, não havia departamentos estanques. Naquela época nós fizemos um circo
que era um teatro ambulante. Nós fazíamos um levantamento nos bairros periféricos do Recife para saber em que
terrenos colocar o circo, sem pagar imposto. Pesquisávamos o custo do cinema mais barato da área, para igualar
ao preço do ingresso. Lotávamos os circos e o povo adorava. (BRANDÃO, 2005, p. 33)
O MCP levava cultura a todos (cinema, teatro etc.), mas ao mesmo tempo percebia que as pes-
soas que viviam no campo ou nas periferias de Recife tinham sua própria cultura, seus saberes, suas
crenças, suas estratégias de sobrevivência, sua forma de falar cantar, dançar etc. Ao conjunto de tudo
isso foi dado o nome de “cultura popular”.
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Introdução ao pensamento de Paulo Freire
A alfabetização de adultos
Começou então uma outra relação entre o MCP e a “cultura popular pro-
priamente dita”, uma relação de troca: um passou a aprender com o outro. Os in-
tegrantes do MCP levavam cinema, teatro, poesia e música para o campo e para a
periferia do Recife, e ao mesmo tempo aprendiam com o povo, com sua cultura.
Foi nessa época que Paulo Freire começou a trabalhar com a alfabetiza-
ção de adultos, um trabalho que surgiu a partir do MCP. Paulo Freire criou o
Círculo de Cultura e o Centro de Cultura. Vejamos um comentário seu sobre o
trabalho desenvolvido nos Círculos de Cultura:
De acordo com as teses centrais que vimos desenvolvendo, pareceu-nos fundamental fa-
zermos algumas superações, na experiência que iniciávamos. Assim, em lugar de escola,
que nos parece um conceito, entre nós, demasiado carregado de passividade, em face de
nossa própria formação (mesmo quando se lhe dá o atributo de ativa), contradizendo a
dinâmica fase de transição, lançamos o Círculo de Cultura. Em lugar de professor, com
tradições fortemente “doadoras”, o Coordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva,
o diálogo. Em lugar de aluno, com tradições passivas, o participante de grupo. Em lugar
dos “pontos” e de programas alienados, programação compacta, “reduzida” e “codifica-
da” em unidades de aprendizado. (FREIRE, 1967)
É nesse livro que Freire lançava seu método de alfabetização, método este
que até hoje serve como referencial para qualquer iniciativa que aborde Educação
para Jovens e Adultos.
Contudo, em 1964 houve no Brasil o golpe militar que matou, torturou e
expulsou muita gente do país; entre estas pessoas estava Paulo Freire. Mesmo no
exílio, o pedagogo continuou sua obra, tanto teórica quanto aplicada a países da
América Latina – como o Chile –, e da África – como a Guiné-Bissau. Ainda tra-
balhou para organizações internacionais, quando morou em Genebra, na Suíça.
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Introdução ao pensamento de Paulo Freire
Pontos fundamentais
Paulo Freire nasceu em Recife, no Nordeste brasileiro.
Participou ativamente dos movimentos culturais e políticos da década
de 1960.
Seu primeiro livro foi Educação como Prática da Liberdade, lançado na
década de 1960.
Seu livro mais importante é A Pedagogia do Oprimido, escrito no exílio.
Criou um pensamento teórico e um método pedagógico para a educação
de adultos.
Influenciou o pensamento pedagógico mundial.
21
Introdução ao pensamento de Paulo Freire
foram traduzidos para o alemão, ou seja, Pedagogia do Oprimido (1971), Educação como Prática
da Liberdade (1974) e, o frequentemente negligenciado, Pedagogia da Solidariedade.
Várias obras que faziam relatos sobre a educação popular latino-americana também foram
publicadas. A questão relativa à transferência de conceitos educacionais procedentes de sociedades
periféricas para as sociedades industrializadas de “centro” foi discutida nos seguintes livros: Bendit
& Heimbucher (1977), Hernández (1977), Dauber & Simpfendórfer (1981), Jouhy (1985) e Maas
(1986).
Entretanto, na Alemanha atual, tanto o interesse como os conhecimentos sobre a educação
popular na América Latina são limitados a pequenos grupos distintos. Os intensos e controvertidos
debates sobre a “pedagogia do oprimido” não acontecem mais. Ainda assim, existem traços da
adoção e desenvolvimento crítico da “pedagogia da libertação”, em alemão.
A seguir, apresento cinco teses sobre as contribuições feitas pela pedagogia do oprimido na
construção da teoria e prática educacionais na Alemanha.
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Introdução ao pensamento de Paulo Freire
1. C
2. C
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Introdução ao pensamento de Paulo Freire
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Pontos fundamentais
na organização de
uma escola para adultos
N esta aula, vamos trabalhar pontos fundamentais na organização de uma escola para jovens e
adultos, que é diferente de uma escola para crianças.
Gestão do cuidado
Partindo do pressuposto de que o Estado e suas instituições – Ensino e Saúde Públicos, Previ-
dência Social, Poder Judiciário etc. – deveriam cuidar da população, entendemos que a Escola Pública
deve construir uma cultura do acolhimento.
No que diz respeito à EJA, as escolas devem reforçar as instâncias de diálogo, isto é, de fala e
de escuta dos alunos. Isto é, devem ser espaços onde o aluno possa dizer o que pensa e ser escutado,
onde visões de mundo possam ser confrontadas e debatidas, onde o sonho possa ter lugar.
É preciso mesmo brigar contra certos discursos pós-modernamente reacionários, com ares triunfantes, que decre-
tam a morte dos sonhos e defendem um pragmatismo oportunista e negador da utopia... É possível vida sem sonho,
mas não existência humana e História sem sonho... Esta vem sendo uma preocupação que me tem tomado todo,
sempre – a de me entregar a uma prática educativa e a uma reflexão pedagógica fundadas ambas no sonho por um
mundo menos malvado, menos feio, menos autoritário, mais democrático, mais humano. (FREIRE, 1992)
São necessárias, no espaço escolar, uma cultura do acolhimento e uma gestão do cuidado, que per-
mitam ao aluno dizer: “aqui é um lugar onde eu me sinto acolhido, onde eu sou escutado, onde eu posso
dizer o que penso, meu modo de ver o mundo e as relações que o compõem”, O espaço escolar deve ser,
enfim, um lugar onde o sonho acontece, onde o disciplinamento é substituído por relações ético-afetivas.
A abertura de espaços concretos para a discussão participativa pode colaborar para o fortaleci-
mento da autonomia e da iniciativa coletiva e para a resolução de problemas comuns.
Essa é uma decisão crucial para o planejamento, a participação do coletivo e a distribuição das
responsabilidades por todos que frequentam a escola. Percebe-se que essa iniciativa, juntamente com
o acolhimento que cada professor – a seu modo – deve realizar no cotidiano escolar, propicia um
ambiente favorável ao desenvolvimento da autonomia. Por autonomia entende-se o oposto de depen-
dência, em relação ao processo cultural e social ao qual se está inserido, local e globalmente.
Morin (2002, p. 268) utiliza a hipótese de que não existe autonomia (dos seres vivos) sem de-
pendência do meio onde se está inserido, já que “a autonomia viva depende do seu meio exterior,
de onde tira energia, organização, conhecimento. Por isso, não existe autonomia viva que não seja
dependente”. Na educação popular, a ampliação do campo de pensamento, reflexão, devaneio, crítica
e síntese dos indivíduos no processo de escolarização – onde o conhecimento vivido é confrontado
com os conhecimentos sistematizados – deve acontecer de forma dialógica, potencializando as ações
cotidianas e fornecendo mais instrumentos para a tomada de decisões e a escolha de caminhos.
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Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos
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Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos
A desordem não pode ser confundida com bagunça, como algo fora de con-
trole. Com o avanço das ciências, mais precisamente da Física, da Química e da
Biologia, começamos a perceber que a ordem e a desordem são partes de qualquer
fenômeno que possa ser observado, estudado e analisado.
É sabido que a natureza não é linear, nada é simples, a ordem se esconde na desordem, o
aleatório está constantemente a refazer-se, o imprevisível deve ser compreensível. Trata-se
agora de produzir uma descrição diferente do mundo, onde a ideia do movimento e de suas
flutuações prevalece sobre a das estruturas, das organizações, das permanências. A chave
aponta para uma nova dinâmica, não linear, que dá acesso à lógica dos fenômenos aparen-
temente menos ordenados. (BALLANDIER, 1997)
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Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos
Pontos fundamentais
Uma escola pensada para adultos deve ser necessariamente diferente de
uma para crianças.
Exatamente por serem adultos, todos devem participar das discussões de
organização da Escola.
A escola de adultos procura compreender a dinâmica vivida pelos alunos
em seu cotidiano.
Pensar a gestão da escola a partir da participação dos alunos, em uma
distribuição de responsabilidades.
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Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos
nossas reflexões sobre a educação. Temos um projeto de país? Talvez nossa grande tragédia atual
é que não temos um projeto de país. É claro que não podemos brincar de voltar ao passado. Sem
dúvida, como professor universitário, me dou conta da existência de dois projetos nacionais, um do
passado e outro do presente, claramente distintos, um que vivi como estudante, e outro no qual eu
vejo os estudantes de hoje serem forçados a viver.
Estudei para devolver ao país o que havia recebido dele. Estava mergulhado num projeto de
responsabilidade social. Era partícipe da construção de um país, no qual se escutava continua-
mente conversações sobre o bem-estar da comunidade nacional que seus membros contribuíam
para construir. Eu não era o único. Numa ocasião, logo no início dos meus estudos universitá-
rios, reunimo-nos todos os estudantes do primeiro ano para declarar nossas identidades políticas.
Quando isso aconteceu, o que me pareceu sugestivo foi que, na diversidade de nossas identidades
políticas, havia um propósito comum: devolver ao país o que estávamos recebendo dele. Quer di-
zer, vivíamos nosso pertencer a ideologias diversas como diferentes modos de cumprir com nossa
responsabilidade social de devolver ao país o que havíamos recebido dele, num compromisso ex-
plícito ou implícito de realizar a tarefa fundamental de acabar com a pobreza, com o sofrimento,
com as desigualdades e os abusos.
A situação e as preocupações dos estudantes de hoje mudaram. Hoje, os estudantes encontram-
-se no dilema de escolher entre o que deles se pede, que é preparar-se para competir no mercado
profissional, e o ímpeto de sua empatia social, que os leva a desejar mudar uma ordem político-cul-
tural geradora de excessivas desigualdades, que trazem pobreza e sofrimento material e espiritual.
A diferença que existe entre preparar-se para devolver ao país o que se recebeu dele, trabalhan-
do para acabar com a pobreza, e preparar-se para competir no mercado de trabalho é enorme. Tra-
tam-se de dois mundos completamente distintos. Quando eu era estudante, como já disse, desejava
retribuir à comunidade o que dela recebia, sem conflito, porque minha emoção e minha sensibilida-
de frente ao outro e meu propósito ou intenção a respeito do país coincidiam. Mas atualmente essa
coincidência entre propósito individual e propósito social não se dá, porque, no momento em que
uma pessoa se torna estudante para entrar na competição profissional, ela faz de sua vida estudantil
um processo de preparação para participar num âmbito de interações que se define pela negação do
outro, sob o eufemismo: mercado da livre e sadia competição. A competição não é e nem pode ser
sadia, porque se constitui na negação do outro.
A competição sadia não existe. A competição é um fenômeno cultural e humano, e não cons-
titutivo do biológico. Como fenômeno humano, a competição se constitui na negação do outro. Ob-
servem as emoções envolvidas nas competições esportivas. Nelas não existe a convivência sadia,
porque a vitória de um surge da derrota do outro. O mais grave é que, sob o discurso que valoriza a
competição como um bem social, não se vê a emoção que constitui a práxis do competir, que é a que
constitui as ações que negam o outro [...]. Nessas circunstâncias, o fenômeno de competição que se
dá no âmbito cultural humano, e que implica a contradição e a negação do outro, não se dá no âmbito
biológico. Os seres vivos não humanos não competem, fluem entre si e com outros em congruência
recíproca, ao conservar sua autopoiese e sua correspondência com um meio que inclui a presença de
outros, ao invés de negá-los.
Se dois animais se encontram diante de um alimento e apenas um deles o come, isso
não é competição. Não é, porque não é essencial, para o que acontece com o que come, que o
29
Pontos fundamentais na organização de uma escola para adultos
outro não coma. No âmbito humano, ao contrário, a competição se constitui culturalmente, quando
o outro não obter o que um obtém é fundamental como modo de relação. A vitória é um fenômeno
cultural que se constitui na derrota do outro. A competição se ganha com o fracasso do outro, e
se constitui quando é culturalmente desejável que isso ocorra. No âmbito biológico não humano,
esse fenômeno não se dá. A história evolutiva dos seres vivos não envolve competição. Por isso, a
competição não tem participação na evolução do humano. O que participa na evolução do humano
é a conservação de um fenótipo ontogênico ou modo de vida, no qual o linguajar pode surgir como
uma variação circunstancial à sua realização cotidiana, que não requer nada especial [...]
1. A
2. D
30
Uma possível
organização de uma
escola para adultos
N
esta aula, será abordada uma possível organização estrutural e pedagó-
gico-curricular de uma escola para jovens e adultos, na perspectiva da
gestão do cuidado e da cultura do acolhimento. Primeiramente vejamos
um exemplo concreto de uma capital brasileira, cuja experiência é parâmetro para
outros municípios na organização de uma proposta de Ensino Fundamental em 1 Segundo o documento
consultado, seus prin-
cípios são: (1) a construção
uma escola para jovens e adultos. plena da cidadania; (2) a
transformação da realidade;
e (3) a construção da autono-
Desde 1989, a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (RS) ofe- mia. Seus objetivos são: (1)
proporcionar aos educandos
rece, em algumas escolas, uma modalidade de ensino com o nome de SEJA, sigla a reflexão sobre a cidadania,
que se refere ao Serviço de Educação de Jovens e Adultos. Inspirada na educação favorecendo a formação de
um cidadão crítico e cons-
popular, e com uma proposta de escola para trabalhadores, sua organização é deli- ciente dos seus direitos e
deveres, capaz de se tornar
neada por objetivos e princípios políticos e pedagógicos1. Das noventa e duas esco- um agente transformador
da realidade; (2) possibilitar
las municipais existentes, trinta e seis (40%) contemplam o SEJA, com aproxima- aos educandos a vivência
damente 8 000 alunos (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 1997). de uma ação participativa e
democrática na prática efeti-
va da escola e da sala de aula
Diante dos seus princípios e objetivos, a estrutura curricular se organiza e nos espaços organizados
da sociedade civil, em busca
em totalidades de conhecimento (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, da construção da autonomia;
(3) oportunizar aos educan-
1998a), fundada em três concepções básicas respaldadas no ideário da Educação dos das classes populares o
Popular e do Construtivismo Interacionista: a da interdisciplinaridade, a da for- resgate do direito relativo
à apropriação dos espaços
mação do senso crítico e a do aluno como ser presente. culturais da cidade de Porto
Alegre, tanto como forma de
conhecimento quanto como
O esquema da seriação desaparece, dando lugar às totalidades de conheci enriquecimento pessoal e
mento, e a relação de conteúdos cede lugar à construção de conceitos a partir de coletivo; (4) garantir aos
jovens e adultos a constru-
campos do saber. As antigas categorias de aprovação e reprovação são superadas ção psicogenética da língua
escrita e a apropriação dos
pelas de avanço e permanência, e trabalha-se com a ideia de afastamento, não de demais códigos (totalidades
1, 2 e 3), bem como a com-
evasão (a evasão só é considerada após trinta dias contínuos de afastamento sem plementação do processo de
qualquer aviso por parte do aluno). Procura-se acabar com o preconceito em relação alfabetização (totalidades 4,
5 e 6), proporcionando uma
ao repetente, com sua baixa autoestima e, por conseguinte, com a autoexclusão. formação intelectual integral
nas diferentes áreas, visando
à construção do conhecimen
Nessa perspectiva, a avaliação é entendida como emancipatória, global e to, indispensável à educação;
(5) criar condições para que
permanente, isto é, os alunos podem avançar dentro da totalidade e para a tota- os alunos possam construir
lidade seguinte em qualquer momento do ano, de acordo com o seu tempo peda- conhecimento através da
formulação de hipóteses e do
gógico de aprendizagem. Dessa forma, pretende-se uma reorganização do espaço confronto destas com outras,
31
Uma possível organização de uma escola para adultos
Vejamos o que diz a professora Liana Borges (2005, p. 98), uma das fun-
dadoras desta política pública, sobre as dificuldades de se “criar uma Escola para
Jovens e Adultos”:
Esta criação considera este aluno enquanto trabalhador que busca um complemento à
reflexão de sua prática social. Os conteúdos são referenciados na experiência de vida do
jovem e do adulto, que são produtores de conhecimento, e de hipóteses que explicam a
realidade. O objetivo da metodologia é, na relação dialógica, favorecer uma análise mais
profunda sobre este saber, o acesso a outras informações e a reelaboração e recriação
destes conhecimentos.
Do ingresso e matrícula
O acesso a este modelo escolar deveria ser diário, não por períodos determina-
dos, como de ano em ano ou de semestre em semestre. A maioria das propostas de EJA
desenvolvidas no Brasil não trabalha com a ideia de seriação no Ensino Fundamental
de adultos, e por isso não haveria prejuízos pedagógicos com a matricula diária.
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Uma possível organização de uma escola para adultos
que este adulto já dirige sua vida, isto é, trabalha, tem filhos, enfim, já possui uma
vida própria. Sendo assim, ele possui, de alguma maneira, estratégias de sobrevi-
vência, e isso é conhecimento na concepção da EJA.
Portanto, uma organização curricular para EJA tem, necessariamente, que
levar em consideração a realidade vivida pelos alunos, a geração de trabalho e
renda, a cultura, as condições de vida, as relações sociais etc. A realidade vivida
é complexa, não fragmentada em áreas do conhecimento – em disciplinas –, e por
isso deve-se trabalhar com um planejamento coletivo, interdisciplinar.
Sendo assim, na maioria dos municípios brasileiros que adotam esta con-
cepção de EJA, a organização seriada dá lugar às totalidades do conhecimento
(isto é, o conhecimento é visto como complexo) e a interdisciplinaridade torna-se
a base para o desenvolvimento do planejamento coletivo.
Elas podem ser assim organizadas:
Totalidade 1 – construção dos códigos escritos (exemplo: alfabético-
-numérico).
Totalidade 2 – construção dos registros dos códigos.
Totalidade 3 – construção das sistematizações dos códigos.
Totalidade 4 – aprofundamento das sistematizações por meio...
Totalidade 5 – ... das generalizações dos códigos e
Totalidade 6 – ... das transversalidades entre os códigos, trabalhando
com conceitos que envolvem as relações homem-natureza, conforme os
campos de saber abaixo descritos:
as totalidades de conhecimento 1, 2 e 3 correspondem ao processo de
alfabetização (escola regular: de primeira à quarta séries). As turmas
são atendidas por um professor;
as totalidades de conhecimento 4, 5 e 6 abrangem todas as áreas do
currículo de quinta à oitava série: Português, Matemática, História,
Geografia, Ciências Físicas e Biológicas, Língua Estrangeira Moder-
na, Educação Física e Educação Artística, com um professor para cada
disciplina.
As totalidades de conhecimento constituem os instrumentos conceituais a
partir dos quais a interdisciplinaridade poderá se efetivar, e não representam eta-
pas estanques nem uma sequência linear, de tal forma que não se precisa partir de
uma para se chegar a outra. Nessa concepção curricular, a pesquisa socioantro-
pológica torna-se um elemento fundamental para que se consiga trabalhar com a
ideia de totalidades de conhecimento e realizar um planejamento interdisciplinar.
A carga horária é idêntica para cada disciplina, o que se justifica nas teorias
do conhecimento de Piaget e Vygotsky, nas quais se afirma que o objeto cog-
noscível nunca está solto no espaço ou fragmentado em “gavetas” conceituais.
Qualquer fração do conhecimento está em inter-relação ativa com outras de igual
importância, onde uma ajuda as demais a se constituir: cada conceito traz consigo
uma totalidade (o conceito de espaço, por exemplo, não existe só na Geografia,
33
Uma possível organização de uma escola para adultos
Pontos importantes
Trabalho com a ideia de acolhimento, a sintonia entre escola e a vida dos
alunos.
O acesso deveria ser diário, e não por períodos determinados, como de
ano em ano ou de semestre em semestre.
O adulto não é obrigado a estudar como a criança; não existe uma lei que
o obrigue a frequentar a escola, portanto deve ser aceito.
Uma organização curricular para EJA tem, necessariamente, que levar
em consideração a realidade vivida pelos alunos.
Trabalho com um planejamento coletivo, interdisciplinar.
34
Uma possível organização de uma escola para adultos
movimento de renovação pedagógica do qual a educação popular e a EJA fazem parte, exatamen-
te neste momento, a própria EJA é estruturada, é repensada como modalidade de ensino. Que
preço pagará por essa estruturação? Terá de recuar ou abandonar sua história de reencontro com
concepções perenes de formação humana?
As propostas educativas escolares sabem que para incorporar concepções ampliadas de educa-
ção têm de violentar a estrutura escolar. Mas a EJA não vem dessa tradição, pois aprendeu a educar
fora das grades. Podemos supor que sucumbirá atrás das grades e dos regimentos escolares e curri-
culares se neles for enclausurada. Dará conta ela de manter a concepção ampliada de educação que
aprendeu em sua tensa história?
A educação popular e a EJA enfatizaram uma visão totalizante do jovem e adulto como
ser humano, com direito a se formar como ser pleno, social, cultural, cognitivo, ético, estético,
de memória [...]
Não seria mais aconselhável para avançarmos na garantia de todos a essa concepção moderna,
universal, incorporar a universalidade das dimensões formadoras e estimular formas de educar os
jovens e adultos que continuem ou assumam essa concepção ampliada? Estimular o diálogo com
experiências nas escolas e redes de educação básica que tentam abrir os rígidos sistemas de ensino
para incorporar essa concepção e prática educativa?
Entretanto, esse diálogo fecundo somente será possível se a EJA não for forçada a se encaixar
em modelos e concepções de educação próprios das clássicas modalidades de ensino.
A história nos mostra que as experiências mais radicais de educação de jovens e adultos não
aconteceram à margem dos sistemas de ensino pelo anarquismo de grupos de educadores pro-
gressistas, mas porque a concepção de jovem e de adulto popular e de seus processos educativos,
culturais, formadores não cabiam nas clássicas modalidades de ensino. Tratam-se de matrizes pe-
dagógicas diferentes que por décadas se debatem fora e dentro dos sistemas de ensino.
35
Uma possível organização de uma escola para adultos
Recomendamos a leitura do livro Pedagogia da Esperança, de Paulo Freire (Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1992). Neste livro, Freire realiza um reencontro com a Pedagogia do Oprimido.
1. D
2. B
36
Uma possível
organização curricular
para a Educação
de Jovens e Adultos I
V amos trabalhar com a construção de uma possível organização curricular
para a Educação de Jovens e Adultos, partindo dos princípios da Educação
Popular.
37
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I
38
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I
Pontos importantes
Por serem jovens ou adultos, os alunos devem participar da organização
do currículo, em um trabalho coletivo.
Deve-se ouvir os alunos, suas opiniões, suas explicações sobre o mundo
e as relações que o compõem.
Problematizar as visões de mundo que caracterizem situações-limite.
Os conteúdos escolares devem ser selecionados a partir das necessidades
evidenciadas no diálogo.
Infantilizando adultos:
experiências vividas e trabalhos escolares
(OLIVEIRA, 2004, p. 105-107)
Um dos principais problemas que se apresentam ao trabalho na EJA refere-se ao fato de que,
não importando a idade dos alunos, a organização dos conteúdos a serem trabalhados e os modos
privilegiados de abordagem dos mesmos seguem as propostas desenvolvidas para as crianças do
ensino regular. Os problemas com a linguagem utilizada pelo professorado e com a infantilização
de pessoas que, se não puderam ir à escola, tiveram e têm uma vida rica em aprendizagens que
mereceriam maior atenção.
Num curso que fui convidada a ministrar em Paraty, de formação de professores atuando na
EJA no município, vivenciei duas situações que evidenciam este problema da inadequação das
propostas curriculares ao público da EJA. Em primeiro lugar, ao propor aos professores cursistas
que falassem do seu trabalho, dos problemas e dificuldades nele enfrentados, deparei-me com de-
poimentos semelhantes aos que ouvia no tempo em que atuava no primeiro segmento do Ensino
Fundamental, com crianças de 6 a 10 anos, frases que me fornecem indícios de que a mudança de
faixa etária e de histórico de vida não apresenta uma mudança na proposta de trabalho, como as
que se seguem.
“A aluna não consegue entender a folhinha” / “Eu mando o dever de casa e eles não trazem”.
Considerando que o público dessas classes é de pessoas entre 20 e 75 anos de idade, fica evidente
que o termo “folhinha” usado pela professora deve causar estranhamento ao grupo e, muito possi-
velmente, realimentar uma baixa autoestima que caracteriza muitos desses grupos e que decorre do
processo de “culpabilização da vítima” presente em nossa sociedade meritocrática e individualista.
Se a folha do aluno é do mesmo tamanho que a do professor, por que o diminutivo? Quanto ao dever
de casa, acredito que o objetivo da atividade é o de criar hábitos de estudo em crianças que vão pros-
seguir na escola, além da questão da “fixação” do conteúdo trabalhado. Porém, me pergunto qual
é a possibilidade real que tem um adulto, sem hábitos de lidar com atividades organizadas como as
escolares e que, na maior parte das vezes, trabalha o dia inteiro, de fazer sozinho o dever de casa.
Mais ainda, pergunto-me qual é a função do dever de casa nessas circunstâncias?
39
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I
A outra situação é ainda mais significativa. Angustiada com uma aluna de segunda série e de
75 anos que não conseguia aprender matemática e preocupada com a possibilidade de ela desistir da
escola, uma professora cursista me pediu ajuda para solucionar o problema. Dizia-me ela: “Profes-
sora, o que eu faço com a Dona Josefa? Ela não consegue fazer as continhas de jeito nenhum. Ela
não sabe fazer e não consegue aprender”. Solidária com a professora, nitidamente comprometida
com o seu trabalho, vi que ela precisava de socorro. Refletindo sobre o problema, perguntei-lhe so-
bre a vida de Dona Josefa, uma senhora que morava na periferia do município, mãe de muitos filhos
e avó de muitos netos, sempre responsável pela criação de muitos deles. Como se explica que uma
pessoa que provavelmente passou a vida contando dinheiro para alimentar, vestir e dar casa a tantos
filhos e netos, não saiba fazer conta? Impossível! Mas, no entanto, o problema estava lá. Depois de
alguns esclarecimentos e discussões, expliquei à professora como entendia a questão. Dona Josefa
sabia, com certeza, fazer conta. O que ela não sabia era pegar a folhinha e fazer as continhas de
acordo e a partir da ordem de arme e efetue que caracterizam este tipo de atividade. O que ela não
sabia era colocar o seu saber em diálogo com o que a professora buscava a todo custo lhe ensinar:
como se fazem contas na escola...
40
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I
1. B
2. C
41
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos I
42
Uma possível organização
curricular para a Educação
de Jovens e Adultos II
N esta aula serão vistas as dimensões da práxis pedagógica do diálogo pelo viés da Educação
Popular. Paulo Freire (2005, p. 91) diz a respeito:
O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto
na relação eu-tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os
que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste
direito. É preciso primeiro que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, re-
conquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.
43
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II
Como já foi visto, a educação não é neutra, e revela uma visão de mundo; a
visão de mundo explícita neste modelo é a de uma educação que prepara as pesso-
as para o mercado de trabalho, para o emprego com carteira assinada, enfim, para
formar empregados assalariados. É uma educação que domestica por meio da dis-
ciplina, e que pouco colabora para a formação de pessoas críticas e participativas
em ações que possam modificar a sua realidade.
Abordagem ético-crítica
conteúdo selecionado realidade/visão de mundo da construção do conhecimento
a partir da realidade. comunidade: limite signifi- a partir das necessidades/con-
cativo na apreensão do real. flitos vivenciados na realidade
concreta.
Vê-se a inversão que ocorre na abordagem conteudista: aqui, parte-se da
realidade da comunidade em que os alunos vivem, da visão de mundo que eles
apresentam aos professores; após a leitura dessa realidade é que são selecionados
os conteúdos pertinentes para impulsionar determinada discussão, reflexão etc.
A construção do conhecimento dá-se a partir da problematização, dos conflitos
pertinentes à realidade vivida.
A visão de mundo dessa perspectiva é educar para o mundo do trabalho, a
partir de competências cognitivas intelectualmente mais complexas: capacidade
de análise, de síntese, de avaliação, de relações, de criar soluções inovadoras; co-
municação clara e precisa; uso de diferentes formas de linguagem; capacidade de
trabalhar em grupo; gerenciamento de processos para atingir metas; trabalho com
prioridades; convivência com as diferenças alheias; enfrentamento de desafios e
mudanças; resistência a pressões; desenvolvimento de raciocínio lógico-formal,
aliado à intuição criadora; e busca de formação permanente.
Pode-se perceber que são enormes as diferenças entre uma forma e outra de
pensar e organizar a Educação, em particular a EJA.
45
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II
Pontos importantes
Práxis pedagógica fundamentada no diálogo.
Abertura de espaços permanentes de diálogo (sala de aula ou qualquer
outro espaço escolástico).
Ouvir o outro, e a partir dessa escuta, problematizar suas ideias.
Deve-se investigar a realidade, partindo dela para a organização do
currículo.
Os conteúdos são os meios para se atingir os objetivos traçados no
currículo.
46
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II
com uma divisão de trabalho na qual os professores têm pouca influência sobre as condições ideoló-
gicas e econômicas de seu trabalho. Este ponto tem uma dimensão normativa e política que parece
especialmente relevante para os professores. Se acreditarmos que o papel do ensino não pode ser
reduzido ao simples treinamento de habilidades práticas, mas que, em vez disso envolve a educação
de uma classe de intelectuais vital para o desenvolvimento de uma sociedade livre, então a catego-
ria de intelectual torna-se uma maneira de unir a finalidade da educação de professores, escolariza-
ção pública e treinamento profissional aos próprios princípios necessários para o desenvolvimento
de uma ordem e sociedade democráticas.
Eu argumentei que, encarando os professores como intelectuais, nós podemos começar a re-
pensar e reformar as tradições e condições que têm impedido que os professores assumam todo o
seu potencial como estudiosos e profissionais ativos e reflexivos. Acredito que é importante não
apenas encarar os professores como intelectuais, mas também contextualizar em termos políticos
e normativos as funções sociais concretas desempenhadas pelos mesmos. Desta forma, podemos
ser mais específicos acerca das diferentes relações que os professores têm tanto com seu trabalho
como com a sociedade dominante.
Um ponto de partida para interrogar-se a função social dos professores enquanto intelectuais é
ver as escolas como locais econômicos, culturais e sociais que estão inextrincavelmente atrelados
às questões de poder e controle. Isto significa que as escolas fazem mais do que repassar de maneira
objetiva um conjunto comum de valores e conhecimento. Pelo contrário, as escolas são lugares que
representam formas de conhecimento, práticas de linguagem, relações e valores sociais que são
seleções e exclusões particulares da cultura mais ampla. Como tal, as escolas servem para introdu-
zir e legitimar formas particulares de vida social. Mais do que instituições objetivas separadas da
dinâmica da política e poder, as escolas são, de fato, esferas controversas que incorporam e expres-
sam uma disputa acerca de que formas de autoridade, tipos de conhecimento, formas de regulação
moral e versões do passado e futuro devem ser legitimadas e transmitidas aos estudantes. Esta
disputa é mais visível, por exemplo, nas demandas ele grupos religiosos de direita que atualmente
tentam instituir a reza nas escolas, eliminar certos livros das bibliotecas escolares e incluir certas
formas de ensinamentos religiosos no currículo de ciências. É claro que demandas de outro tipo são
feitas por feministas, ecologistas, minorias, e outros grupos de interesse que acreditam que as es-
colas deveriam ensinar estudos femininos, cursos sobre meio ambiente, ou história dos negros. Em
resumo, as escolas não são locais neutros e os professores não podem tampouco assumir a postura
de serem neutros.
Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser vistos em termos dos
interesses políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações sociais em sala de
aula e valores que eles legitimam em sua atividade de ensino.
47
Uma possível organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos II
c) desorganizado, no qual cada professor escolhe como quiser os conteúdos que serão transmi-
tidos aos alunos.
d) padronizado, com base no coletivo, na aprendizagem por reflexão, na disciplina micropuni-
tiva e no individualismo.
1. C
2. B
48
O planejamento pedagógico na
Educação de Jovens e Adultos I
N
esta aula será discutido o planejamento pedagógico coletivo, que envolve a participação de
alunos, professores, equipe diretora da escola e, se possível, organizações civis da comunida-
de (associação de moradores, clube de mães etc.).
Todos sabem das dificuldades de se planejar, ainda mais coletivamente. A atual formação pesso-
al, extremamente individualizada e fragmentada, está enraizada na cultura educacional do país, seja na
visão de educação, de escola, de conhecimento, de currículo, de distribuição da carga horária etc.
Muitas vezes, isso não permite que se percebam as conexões possíveis de serem feitas entre a
realidade vivida e os processos pedagógicos. O professor Celso Antunes (2001) fornece uma definição
de planejamento:
Processo que, tomando como referência o conhecimento de uma realidade, define os propósitos de um empreen-
dimento que visa modificar essa realidade, os meios para alcançá-los e acompanhar e/ou executar as decisões e
avaliar seus resultados. Planejamento Curricular é o processo de tomada de decisões que implica na previsão,
execução e avaliação da ação que visa à efetivação, espacial e temporal, do currículo.
50
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I
Pontos importantes
O planejamento na EJA deve ser coletivo, isto é, deve envolver toda a
comunidade escolar, bem como a comunidade do entorno da escola.
O planejamento coletivo envolve necessariamente a socialização das de-
cisões.
Levantamento preliminar da realidade local, isto é, da comunidade onde
a escola está inserida (pesquisa socioantropológica).
Escolha das situações significativas.
51
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I
agentes participam. De semeaduras e cultivos nem sempre bem definidos ao longo de sua tensa
história.
Talvez a característica marcante do momento vivido na EJA seja a diversidade de tentativas
de configurar sua especificidade. Um campo aberto a qualquer cultivo e semeadura será sempre
indefinido e exposto a intervenções passageiras. Pode-se tornar um campo desprofissionalizado.
De amadores. De campanhas e de apelos à boa vontade e à improvisação. Um olhar precipitado
nos dirá que talvez tenha sido esta uma das marcas da história da EJA: indefinição, voluntarismo,
campanhas emergenciais, soluções conjunturais.
A configuração da EJA como um campo específico de responsabilidade pública do Estado é,
sem dúvida, uma das frentes do momento presente. Há indicadores que apontam nessa direção? As
universidades e os centros de pesquisa e de formação assumem os jovens e adultos e seus proces-
sos de formação como foco de pesquisas e de reflexão teórica. O Grupo de Trabalho Educação de
Jovens e Adultos da ANPEd é um dos espaços de apresentação e troca dos produtos dessas pesqui-
sas. Este pode ser um ponto promissor na reconfiguração da EJA: as universidades em suas funções
de ensino, pesquisa e extensão se voltam para a educação de jovens e adultos.
Há outros indicadores promissores para a reconfiguração da EJA. Além de se constituir como
um campo de pesquisas e de formação, a EJA vem encontrando condições favoráveis para se confi-
gurar como um campo específico de políticas públicas, de formação de educadores, de produção te-
órica e de intervenções pedagógicas. Podemos encontrar indicadores novos de que o Estado assume
o dever de responsabilizar-se publicamente pela EJA. Cria-se um espaço institucional no MEC, na
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secade). Discute-se a EJA nas
novas estruturas de funcionamento da educação básica – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Básico (Fundeb). Criam-se estruturas gerenciais específicas para EJA nas Secretarias
Estaduais e Municipais.
Por outro lado, encontramos na sociedade sinais de preocupação com os milhões de jovens e
adultos que têm direito à educação básica. ONGs, igrejas e cultos afro-brasileiros, sindicatos e mo-
vimentos sociais, especificamente os movimentos sociais do campo, como o MST, criam propostas
voltadas à educação de jovens e adultos. Instituições como Unesco, Abrinq, Natura dão prioridade
à EJA [...] O compromisso dessa diversidade de coletivos da sociedade não é mais de campanhas
nem de ações assistencialistas. Um novo trato mais profissional está se consolidando como indica-
dor de que tanto o Estado quanto a sociedade em seus diversos atores são mais sensíveis aos jovens
e adultos e a seus direitos à educação. Surge uma nova institucional idade entre o Estado e a socie-
dade. Os fóruns de EJA passaram a ser um novo espaço promissor.
Poderíamos encontrar outros indicadores de que estamos em um tempo propício para a re-
configuração da EJA. Um dos mais promissores é a constituição de um corpo de profissionais
educadores(as) formados(as) com competências específicas para dar conta das especificidades do
direito à educação na juventude e na vida adulta. As faculdades de Educação criam cursos especí-
ficos de formação para EJA. Por outro lado, hoje é mais fácil encontrar produção teórica e material
didático específicos para esses tempos educativos.
Entretanto, o que há de mais esperançoso na configuração da EJA como um campo específico
de educação é o protagonismo da juventude. Esse tempo da vida foi visto apenas como uma eta-
pa preparatória para a vida adulta. Um tempo provisório. Nas últimas décadas, vem se revelando
como um tempo humano, social, cultural, identitário que se faz presente nos diversos espaços da
sociedade, nos movimentos sociais, na mídia, no cinema, nas artes, na cultura [...] Um tempo que
52
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I
53
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos I
1. B
2. D
54
O planejamento pedagógico na
Educação de Jovens e Adultos II
N esta aula, serão estudados o tema gerador e a construção da rede conceitual. O tema gerador
tem sua definição dada por Antonio Gouvêa da Silva (2002):
A escolha dos “temas geradores” se dá com base na discussão das possíveis situações significativas, consideran-
do: o limite explicativo que a comunidade possui para tais situações; o entendimento dos(as) educadores(as) sobre
elas; a análise e as relações que os(as) educadores(as) estabelecem nas diferentes áreas do conhecimento e, como
tais, os temas refletem um contexto amplo da estrutura social.
55
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II
Tema gerador:
“Nós, seres humanos, somos dependentes do dinheiro. Sem dinheiro não exis-
te felicidade. Temos que estudar para ser alguém na vida, porque sem estudo
nada somos.”
Contratema:
Só nos tornamos humanos na relação com o outro. Não basta ter mais, é preciso
ser mais.
Objetivo:
Expandir e complexificar a cosmovisão do aluno por meio do conflito com seus
limites de explicação do mundo.
56
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II
Pontos fundamentais
O tema gerador é o ponto de partida para a organização e a sistematiza-
ção das atividades pedagógicas a serem desenvolvidas.
57
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II
De modo geral, a consciência dominada, não só popular, que não captou ainda a “situação-
-limite” em sua globalidade, fica na apreensão de suas manifestações periféricas às quais em-
presta a força inibidora que cabe, contudo, à “situação-limite”.
Este é um fato de importância indiscutível para o investigador da temática ou de tema gerador.
A questão fundamental, neste caso, está em que, faltando aos homens uma compreensão crí-
tica da totalidade em que estão, captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação
constituinte da mesma totalidade, não podem conhecê-la. E não o podem porque, para conhecê-la,
seria necessário partir do ponto inverso. Isto é, lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada
do contexto para, em seguida, separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto,
através de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada.
Este é um esforço que cabe realizar, não apenas na metodologia da investigação temática
que advogamos, mas, também, na educação problematizadora que defendemos. O esforço de
propor aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja análise crítica lhes possi-
bilite reconhecer a interação de suas partes.
Desta maneira, as dimensões significativas que, por sua vez, estão constituídas de partes em
interação, ao serem analisadas, devem ser percebidas pelos indivíduos como dimensões da totali-
dade. Deste modo, a análise crítica de uma dimensão significativo-existencial possibilita aos indi-
víduos uma nova postura, também crítica, em face das “situações-limite”. A captação e a compre-
ensão da realidade se refazem, ganhando um nível que até então não tinham. Os homens tendem a
perceber que sua compreensão e que a “razão” da realidade não estão fora dela, como, por sua vez,
ela não se encontra deles dicotomizada, como se fosse um mundo à parte, misterioso e estranho,
que os esmagasse.
Neste sentido é que a investigação do tema gerador, que se encontra contido no “universo
temático mínimo” (os temas geradores em interação), se realizada por meio de uma metodologia
conscientizadora, além de nos possibilitar sua apreensão, insere ou começa a inserir os homens
numa forma crítica de pensarem seu mundo.
Na medida, porém, em que, na captação do todo que se oferece à compreensão dos homens,
este se lhes apresenta como algo espesso que os envolve e que não chegam a vislumbrar, se faz in-
dispensável que a sua busca se realize através da abstração. Isto não significa a redução do concreto
ao abstrato, o que seria negar a sua dialeticidade, mas tê-los como opostos que se dialetizam no ato
de pensar.
58
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II
Na análise de uma situação existencial concreta, “codificada”, se verifica exatamente este mo-
vimento do pensar.
A descodificação da situação existencial provoca esta postura normal, que implica um partir
abstratamente até o concreto; que implica uma ida das partes ao todo e uma volta deste às partes,
que implica um reconhecimento do sujeito no objeto (a situação existencial concreta) e do objeto
como situação em que está o sujeito.
Este movimento de ida e volta, do abstrato ao concreto, que se dá na análise de uma situação
codificada, se benfeita a descodificação, conduz à superação da abstração com a percepção crítica
do concreto, já agora não mais realidade espessa e pouco vislumbrada.
Realmente, em face de uma situação existencial codificada (situação desenhada ou fotografada
que remete, por abstração, ao concreto da realidade existencial), a tendência dos indivíduos é reali-
zar uma espécie de “cisão” na situação que se lhes apresenta. Esta “cisão”, na prática da descodifi-
cação, corresponde à etapa que chamamos de “descrição da situação”. A cisão da situação figurada
possibilita descobrir a interação entre as partes do todo cindido.
Este todo, que é a situação figurada (codificada) e que antes havia sido apreendido difusamen-
te, passa a ganhar significação na medida em que sofre a “cisão” e em que o pensar volta a ele, a
partir das dimensões resultantes da “cisão”.
Como, porém, a codificação é a representação de uma situação existencial, a tendência dos
indivíduos é dar o passo da representação da situação (codificação) à situação concreta mesma em
que e com que se encontram.
Teoricamente, é lícito esperar que os indivíduos passem a comportar-se em face de sua realida-
de objetiva da mesma forma, do que resulta que deixe de ser ela um beco sem saída para ser o que
em verdade é: um desafio ao qual os homens têm que responder.
59
O planejamento pedagógico na Educação de Jovens e Adultos II
Sugerimos a leitura do livro , de Jurjo Torres Santomé. É um livro importante para aprofundar
a discussão sobre currículos interdisciplinares. Boa leitura.
1. D
2. B
60
Metodologia e organização
do conhecimento a partir
dos temas geradores
N esta aula serão estudadas a metodologia e a preparação das atividades a serem desenvolvidas
pelo educador no seu espaço pedagógico.
Perceba que foi usada a expressão “espaço pedagógico”; isso se deve ao fato de que em muitas
comunidades do Brasil não existem escolas. No entanto, nem por isso os educadores deixarão de
atuar, podemos para isso utilizar os mais diversos lugares: igreja, sindicato, uma sala ou a varanda
de casa, enfim, um lugar onde seja possível fazer seu trabalho, tornando-o um “espaço pedagógico”.
Quem desenvolve suas atividades em uma escola, pode utilizar a sala de aula, a biblioteca, entre ou-
tros espaços.
Agora serão vistos os três momentos pedagógicos na dinâmica da sala de aula, conforme a lição
de Antonio Gouvêa da Silva (2002).
Momentos pedagógicos
Estudo de realidade – problematização inicial
Apresentam-se as situações reais, retiradas da pesquisa (a mesma que produziu o tema gerador
e o contratema), e que estejam envolvidas nos temas, mas que exijam a aplicação de conhecimentos
escolares e científicos para interpretá-las.
Nesse momento, problematiza-se o conhecimento que os alunos expõem, de modo geral, por
meio de atividades relativas ao tema e às situações significativas. Nessa primeira fase, caracteri-
zada pela apreensão e compreensão do posicionamento dos alunos frente às questões em pauta, o
professor possui uma função mais voltada para questionar opiniões – inclusive fomentando discus-
sões sobre as respostas dos alunos – e lançar dúvidas sobre o assunto, do que para responder ou
fornecer explicações.
Deseja-se com isso ampliar o número de explicações contraditórias e localizar as possíveis limi-
tações do conhecimento que vêm sendo expressas, quando confrontadas didaticamente pelo professor
por meio de conhecimentos científicos previamente selecionados.
61
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores
Organização do conhecimento
Nesse momento, os conhecimentos selecionados como necessários para a
compreensão dos temas e da problematização inicial são sistematicamente estu-
dados sob a orientação do professor.
As mais variadas atividades são executadas nesse momento, de modo que
o professor possa desenvolver o conhecimento científico identificado como fun-
damental para a compreensão crítica das situações que estão sendo problemati-
zadas.
Aplicação do conhecimento
Destina-se, sobretudo, a abordar sistematicamente o conhecimento que vem
sendo construído pelos alunos para analisar e interpretar tanto as situações iniciais
que determinaram o estudo, como outras situações que, embora não ligadas direta-
mente ao motivo inicial, podem ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.
Da mesma forma que no momento anterior, as mais diversas atividades de-
vem ser desenvolvidas, buscando-se a generalização do conhecimento já aborda-
do.
A meta pretendida nesse momento é instigar os alunos a articular os conheci-
mentos (a conceituação científica) com as situações reais (conhecimento científico
e conhecimento vivido). Busca-se o uso da estrutura do conhecimento científico
nas situações significativas, envolvidas nos temas, para melhor entendê-las.
A seguir, um exemplo de instrumento para organização do trabalho em sala
de aula:
Escola Municipal/Estadual de Ensino Fundamental (nome da escola)
EJA – Educação de Jovens e Adultos
Planejamento Trimestral
62
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores
Contratema:
Só nos tornamos humanos na relação com o outro. Não basta ter mais, é preciso
ser mais.
Objetivo:
Expandir e complexificar a cosmovisão do aluno por meio do conflito com seus
limites de explicação do mundo.
Totalidades iniciais
Totalidade: 1
Turma: T 11
Professor (a):
63
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores
Pontos importantes
Os três momentos pedagógicos na dinâmica da sala de aula são:
1) estudo da realidade;
2) organização do conhecimento;
3) aplicação do conhecimento.
A metodologia da práxis pedagógica é o diálogo.
O conteúdo científico é selecionado a partir da seleção das falas signifi-
cativas e do estabelecimento do contratema.
O conceito de interdisciplinaridade
(SANTOMÉ, 1998, p. 66-67)
É preciso assumir a complexidade da realidade. Neste sentido, Edgar Morin propõe a elabora-
ção de uma “lógica da complexidade” capaz de captar o papel da desordem, dos “ruídos” estranhos,
do antagonismo etc.
A complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos insepa-
ravelmente associados: apresenta o paradoxo do uno e do múltiplo. Ao observar mais atentamente, a comple-
xidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos que
constituem o nosso mundo dos fenômenos. (MORIN, 1994, p. 32)
Em vários campos da ciência, principalmente a Física, a Biologia e a Filosofia da ciência,
surgem progressos para assentar as bases de um novo paradigma menos rígido e mais respeitoso
da complexidade que vem sendo detectada na matéria, nos seres vivos e na sociedade em geral.
Portanto, além de pesquisas centradas no estudo das propriedades das partes, é preciso realizar
trabalhos centrados na análise e compreensão das relações entre elas; da interdependência entre
64
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores
as partes surgem, normalmente, novas propriedades que essas partes, consideradas isoladamente,
antes não possuíam.
A interligação entre os elementos que integram um sistema, assim como entre os diferentes
sistemas, é uma das características desta perspectiva da complexidade. Os modelos de pesquisa e
os marcos teóricos anteriores fracassavam porque não eram capazes de explicar e prever o papel
da desordem na evolução de sistemas complexos. Esta idiossincrasia da aleatoriedade não podia ser
compreendida pelas perspectivas mais positivistas, pois quase sempre era atribuída a deficiências
da metodologia, dos instrumentos de análise, sem se considerar que podia ser uma nota representa-
tiva dessa peculiaridade da complexidade.
A dificuldade do pensamento complexo radica em que o mesmo tem de enfrentar toda a trama
de interações e contradições que ocorrem entre os diferentes fenômenos precisa assumir a incer-
teza, aprender a detectar as ambiguidades. Do contrário, estaremos ante um conhecimento parcial
que logicamente originará ações oblíquas.
A interdisciplinaridade é um objetivo nunca completamente alcançado e por isso deve ser perma-
nentemente buscado. Não é apenas uma proposta teórica, mas sobretudo uma prática. Sua perfectibi-
lidade é realizada na prática; na medida em que são feitas experiências reais de trabalho em equipe,
exercitam-se suas possibilidades, problemas e limitações. É uma condição necessária para a pesquisa
e a criação de modelos mais explicativos desta realidade tão complexa e difícil de abranger.
Entretanto, existem fatores que contribuem para atrapalhar processos de interdisciplinaridade.
Entre eles, as fortalezas que as diferentes “escolas” costumam construir no interior das disciplinas.
Isto pode acarretar riscos de um maior isolamento e converter-se no caldo de cultura de um pen-
samento dogmático. Este tipo de ameaça talvez seja maior no âmbito das ciências sociais, já que é
nele que as ideologias incidem e são mais facilmente visíveis. Trabalhar no interior de uma escola
científica ou de pensamento tem a vantagem de “permitir aos especialistas que compartilham os
mesmos princípios que progridam sem necessidade de voltar continuamente aos problemas ini-
ciais” (PIAGET, 1979b, p. 115). Mas implica também que cada vez que ocorram divergências em
seu interior, em vez de tentar superá-las por meio de debates críticos e interdisciplinares, se possa
optar por fundar uma nova escola sem resolver tais problemas.
Deste modo, outro fator que costuma funcionar como impedimento para a formação de proje-
tos de trabalho interdisciplinares é a distinção e divisão entre trabalho de pesquisa e de aplicação.
Fenômeno que, por sua vez, costuma traduzir níveis de hierarquia e prestígio, e que é consequência
lógica da divisão de trabalho existente nas sociedades de estrutura capitalista, entre trabalho manu-
al e intelectual. É claro que nas situações práticas se sente maior urgência da interdisciplinaridade.
Os problemas urgentes e inevitáveis da vida prática precisam de soluções que não podem demorar
e, portanto, é mais fácil solicitar a colaboração de pessoas de todas as especialidades que tiverem
algo a dizer sobre essa situação a resolver. No caso daqueles que trabalham apenas em estruturas
dedicadas à pesquisa é possível evitar esse tipo de problema que obrigaria a observar outras áreas
do conhecimento e a solicitar sua colaboração.
Uma nova reconstrução mais interdisciplinar do pensamento também implica em recuperar
dimensões que chegaram a ser satanizadas pelo forte domínio do positivismo, como a imaginação,
a criatividade, a intuição, a incerteza etc. Características humanas que, quando se revisa a biografia
de grandes personalidades do mundo científico, sempre parecem decisivas.
65
Metodologia e organização do conhecimento a partir dos temas geradores
1. Organize o planejamento de uma aula para jovens e adultos, utilizando-se da metodologia ex-
posta nesta aula.
66
Algumas diferenças
e semelhanças entre
alfabetizar adultos e crianças
N
esta aula serão abordadas algumas diferenças e semelhanças que devem ser levadas em con-
sideração quando se trabalha na alfabetização de adultos, que é a primeira etapa da Educação
de Jovens e Adultos (EJA).
Os estudos sobre psicogênese da língua escrita – que, no presente estudo terão como referência
o trabalho desenvolvido por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky – apontam para uma mudança na visão
sobre alfabetização.
Até a década de 1960, a abordagem dada à alfabetização estava mais ligada à discussão de mé-
todos – quase sempre mecânicos e repetitivos –, do que às fases da aprendizagem, e de como se dá
a construção do conhecimento. Foi a partir de Ferreiro, que teve seu trabalho embasado na teoria de
Jean Piaget, que a alfabetização sofreu transformações profundas em sua teorização e aplicação.
Diferenças
A maioria dos adultos não alfabetizados em uma sociedade
letrada possui alguma concepção sobre o sistema de escrita
O adulto que vive em um centro urbano, em uma cidade, tem, necessariamente, contato com
a língua escrita, mas como? Por meio da visualização e da interação, seja no trabalho, seja por car-
tazes, propagandas, jornais, revistas, encartes de mercados, luminosos, letreiros de ônibus etc. Nos
centros urbanos existe uma gama de modos que possibilitam o contato das pessoas com o sistema
de escrita. Isso familiariza o adulto com este sistema, pois, diferentemente da criança, o adulto já se
encontra socializado e vive sua vida por si só: trabalha ou está atrás de trabalho, pode estar casado
e com filhos etc.
Semelhanças
As semelhanças estariam nas fases (níveis) de desenvolvimento da aquisi-
ção da escrita e da leitura. Os níveis do processo de alfabetização, segundo Emilia
Ferreiro, são:
nível pré-silábico (o grafismo primitivo seria a primeira etapa deste nível);
nível silábico;
nível silábico-alfabético;
nível alfabético.
Na maioria dos casos, o processo de alfabetização nas crianças e nos adultos
apresenta as mesmas fases, que podem ter desenvolvimento semelhante. Não se
pode esquecer que essas fases não são rígidas: há períodos em que o aluno se en-
contra em um nível intermediário, ou seja, entre dois níveis. Também não se pode
ficar preso às etapas como forma de classificar os alunos; elas devem servir como
meios de se perceber o andamento do processo de aprendizagem dos alunos. Por
isso, deve-se estar atento às hipóteses que são construídas pelos alunos, cotidia-
namente, em sala de aula.
Pontos importantes
Foi a partir de Emilia Ferreiro, cujo trabalho teve como base a teoria de
Jean Piaget, que a alfabetização sofreu transformações profundas em sua
teorização e aplicação.
Os adultos não alfabetizados em uma sociedade letrada não desconhecem o
sistema de escrita: a grande maioria possui uma concepção desse sistema.
69
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças
Alfabetização e miséria
(FREIRE, 2000, p. 77-79)
Estive recentemente em Olinda, Nordeste brasileiro, numa manhã como só os trópicos co-
nhecem, entre chuvosa e ensolarada, uma conversa, que diria exemplar, com um jovem educador
popular que, a cada instante, a cada palavra, a cada reflexão, revelava a coerência com que vive
sua opção democrática e popular. Caminhávamos, Danilson Pinto e eu, com alma aberta ao mun-
do, curiosos, receptivos, pelas trilhas de uma favela onde cedo se aprende que só à custa de muita
teimosia se consegue tecer a vida com sua quase ausência ou negação com carência, com ameaça,
com desespero, com ofensa e dor. Enquanto andávamos pelas ruas daquele mundo maltratado e
ofendido, eu ia me lembrando de experiências de minha juventude em outras favelas de Olinda
ou do Recife, dos meus diálogos com favelados e faveladas de alma rasgada. Tropeçando na dor
humana, nós nos perguntávamos em torno de um sem-número de problemas. Que fazer, enquanto
educadores, trabalhando num contexto assim? Há mesmo o que fazer? Como fazer, o que fazer?
Que precisamos nós, os chamados educadores, saber para viabilizar até mesmo os nossos primeiros
encontros com mulheres, homens e crianças cuja humanidade vem sendo negada e traída, cuja exis-
tência vem sendo esmagada? Paramos no meio de um pontilhão estreito que possibilita a travessia
da favela para uma parte menos maltratada do bairro popular. Olhávamos de cima um braço de rio
poluído, sem vida, cuja lama e não cuja água empapa os mocambos nela quase mergulhados, “Mais
além dos mocambos, me disse Danilson, há algo pior: um grande terreno onde se faz o depósito do
lixo público. Os moradores de toda esta redondeza ‘pesquisam’ no lixo o que comer, o que vestir, o
que os mantenha vivos’. Foi desse horrendo aterro que há dois anos uma família retirou de lixo hos-
pitalar pedaços de seio amputado com que preparou seu almoço domingueiro. A imprensa noticiou
o fato que citei horrorizado e pleno de justa raiva no meu último livro À Sombra desta Mangueira.
É possível que a notícia tenha provocado em pragmáticos neoliberais sua reação habitual e fatalista
em favor sempre dos poderosos, “É triste, mas que fazer? A realidade é mesmo esta.” A realida-
de, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser outra e é para que seja
outra que precisamos os progressistas de lutar. Eu me sentiria mais do que triste, desolado e sem
achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e indestrutíveis razões me convencessem
de que a existência humana se dá no domínio da determinação, domínio em que dificilmente se
poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética. “Que fazer? A realidade é assim mes-
mo”, seria o discurso universal. Discurso monótono, repetitivo, como a própria existência humana.
Numa história assim determinada as posições rebeldes não têm como tornar-se revolucionárias.
70
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças
Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-a como motivação para minha briga tal
qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de mi-
nha briga porque, histórico, vivo a História como tempo de possibilidade não de determinação.
Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que assim teria de ser não haveria sequer por que
ter raiva. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã
não é algo “pré-dado”, mas um desafio, um problema. A minha raiva, minha justa ira, se funda
na minha revolta em face da negação do direito de “ser mais” inscrito na natureza dos seres hu-
manos. Não posso, por isso, cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando, desta
maneira, minha responsabilidade no discurso cínico e “morno”, que fala da impossibilidade de
mudar porque a realidade é mesmo assim. O discurso da acomodação ou de sua defesa, o discurso
da exaltação do silêncio imposto de que resulta a imobilidade dos silenciados, o discurso do elogio
da adaptação tomada como fado ou sina é um discurso negador da humanização de cuja respon-
sabilidade não podemos nos eximir. A adaptação a situações negadoras da humanização só pode
ser aceita como consequência da experiência dominadora, ou como exercício de resistência, como
tática na luta política. Dou a impressão de que aceito hoje a condição de silenciado para bem lutar,
quando puder, contra a negação de mim mesmo. Esta questão, a da legitimidade da raiva contra
a docilidade fatalista diante da negação das gentes, foi um tema que esteve implícito em toda a
nossa conversa naquela manhã.
1. Os estudos desenvolvidos por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky tiveram como tema
a) a psicogênese da língua escrita.
b) a psicogênese da Língua Portuguesa.
c) a psicologia escolar.
d) a psicopedagogia escolar.
2. Como o adulto que vive em um centro urbano, em uma cidade, tem contato com a língua escrita?
a) Por meio de conversas informais com seus amigos e colegas de trabalho.
b) Por meio de suas relações familiares.
c) Por meio da visualização e interação com jornais, revistas, encartes de mercados, luminosos,
letreiros do ônibus etc.
d) Por meio da herança genética herdada de seus pais.
71
Algumas diferenças e semelhanças entre alfabetizar adultos e crianças
1. A
2. C
72
Uma visão geral sobre
processos e métodos de
alfabetização
E
sta aula pretende mostrar a discussão sobre a alfabetização de adultos que Paulo Freire introdu-
ziu no pensamento pedagógico brasileiro e mundial. O pedagogo, ao começar seu trabalho com
alfabetização de adultos em meados dos anos 1960, criticou fortemente o método e a prática
educativa utilizados até então. Em um trecho do livro Pedagogia do Oprimido, Freire (2005, p. 66)
escreve:
[...] a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, rece-
bem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem
de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para
serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam.
Freire fala de uma pedagogia tradicional, centrada no professor (o dono do saber), e na qual os
alunos são meros objetos da educação. Objetos porque seus direitos são limitados por uma série de
regras, limites e convenções – muitas vezes ocultas, como o chamado currículo oculto, que consiste
na reprodução pura e simples de uma certa vivência escolar, isto é, aquilo que é cotidiano nas relações
escolares, mas não está escrito. Esse sistema reduz o aluno a um mero espectador da eloquência do
professor, ou a um copiador de quadros cheios de conteúdo.
Em outra passagem da Pedagogia do Oprimido, Freire (2005, p. 66) diz:
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado.
Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto
mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão.
Paulo Freire revela a docilidade que existe por parte dos alunos, docilidade esta forjada por uma
série de micropunições, discursos humilhantes e ameaças, caso desobedeçam ou saiam da ordem esta-
belecida. É um sistema voltado para a submissão do aluno, e que pouco contribui para uma educação
solidária, dialógica, libertária, reflexiva, amorosa e que objetiva um mundo melhor para todos.
Então, a partir de suas reflexões teórico-filosóficas sobre a educação – principalmente sobre
a educação para adultos –, Freire (1967) constrói um método de alfabetização. Em suas próprias
palavras:
73
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização
74
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização
Pontos importantes
A partir de Paulo Freire houve uma transformação nos métodos de alfa-
betização de adultos.
Todo método é permeado por uma filosofia pedagógica: aplicar um mé-
todo sem levar em consideração sua filosofia é inócuo.
As pesquisas em alfabetização de adultos, além de investigarem o desen-
volvimento cognitivo, enfatizam a importância do meio sociocultural no
qual o aluno está inserido.
75
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização
76
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização
1. C
2. B
77
Uma visão geral sobre processos e métodos de alfabetização
78
A Educação de Jovens e
Adultos e o mundo do trabalho
P
artindo do princípio de que quando se fala em Educação de Jovens e Adultos deve-se falar tam-
bém das relações de trabalho e de produção, propõe-se que o trabalho seja o princípio educativo
desse processo.
É importante salientar que o conceito de trabalho ultrapassa a forma de emprego assalariado.
Segundo Kosik (1976, p. 180):
O trabalho, na sua essência e generalidade, não é atividade laborativa ou emprego que o homem desempenha
e que, de retorno, exerce uma influência sobre a sua psique, o seu habitus e o seu pensamento, isto é, sobre
esferas parciais do ser humano. O trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a
sua especificidade.
Essa produção da vida não se limita a uma transformação externa, do entorno, algo fora do ser
humano,
[...] ao contrário, ele se origina no interior dele e se conclui também no interior dele, um processo objetivo e
subjetivo ao mesmo tempo. Podemos acrescentar, então, que o conceito de trabalho inclui também toda ação
intencional que resulta em subjetivação do Homo. Por isso, o trabalho é o campo de expressão preferencial da
práxis. (ARRUDA, 2003, p. 263)
79
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
encontra-se Chanlat (1996), que elabora uma análise das políticas desenvolvidas
na maioria das organizações e suas relações com os trabalhadores. Ele diz:
[...] em um mundo essencialmente dominado pela racionalidade instrumental e por ca-
tegorias rigidamente estabelecidas, os homens e mulheres que povoam as organizações
são considerados, na maioria das vezes, apenas recursos desconsiderando-se sua natureza
humana, isto é, como quantidades materiais, cujo rendimento deve ser satisfatório, do
mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima.
80
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
Economia solidária
A economia solidária é complexa e abrangente, pois se identifica com uma
série de movimentos civis – organizados ou não –, que articulam iniciativas nas
mais diversas áreas, seja na economia, na ecologia ou nos direitos humanos, com
a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. Portanto, vai além da
geração de trabalho e renda.
A conexão entre educação e trabalho, neste estudo, é realizada por meio do
conceito e das práticas oriundas da economia solidária, juntamente ao currículo e
ao planejamento.
O desenvolvimento não é tão somente um fenômeno econômico, e sim um aspecto da
criação contínua do homem em todas as suas dimensões, desde o crescimento econômico
até a concepção do sentido dos valores e metas na vida. Suposto esse modelo e os perfis
do novo homem e da nova sociedade, poderemos afirmar que, pelo trabalho produtivo
e pela práxis a que esse trabalho dá lugar, os homens, criativamente, darão forma à sua
própria história. Essa Educação socialmente produtiva supõe fazer da Educação o ele-
mento integrador e aglutinador de todo o processo que garanta a esses homens e a esses
grupos produtivos chegar à condição de atores reais e conscientes dos processos sociais.
(GADOTTI, 2001, p. 26)
Conforme Tiriba (1998), nem toda economia popular é solidária, e nem toda
economia solidária é popular. É necessário refletir sobre qual conceito e qual prá-
tica de economia popular e solidária se quer construir. A autora entende a eco-
nomia popular como sendo composta basicamente por cinco tipos de atividades
e empreendimentos, explicitando a diversidade e a complexidade que permeiam
essas relações:
81
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
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A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
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A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
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A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
servindo como base para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária
e realizadora.
Para que a ideia da centralidade do mundo do trabalho no Ensino Funda-
mental de Jovens e Adultos tenha sentido, ela deve estar fundamentada na pesqui-
sa socioantropológica, na interação da escola com a comunidade, e dos professo-
res com os alunos e com os problemas enfrentados em sua vivência cotidiana.
Todo mundo, no mundo inteiro, fala do desemprego. A falta de bons empregos – de empregos
que pagam e oferecem estabilidade, perspectivas de carreira, seguro-desemprego, seguro contra
acidentes, enfermidades, velhice e morte – é sentida em praticamente todos os países desenvolvi-
dos e semidesenvolvidos. Este sentimento “universal”, é bom que se diga logo, é partilhado pela
assim chamada classe média que, no Brasil, tende a ser restrita aos ricos, mas nos países cêntricos
abrange o conjunto dos assalariados formais. Os pobres, por motivos óbvios, sempre careceram
de empregos do tipo descrito acima; se não carecessem, não seriam pobres. É duvidoso que o pro-
blema pseudouniversal do desemprego de fato atinja os pobres “antigos”, os que há décadas vivem
de bicos, do comércio ambulante, de trabalhos sazonais, da prestação de serviços que não exigem
qualificação, que incluem a prostituição, a mendicância e assemelhados. É provável, porém, que o
desemprego esteja contribuindo para o avultamento da pobreza.
86
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
1. A
2. A
87
A Educação de Jovens e Adultos e o mundo do trabalho
88
A avaliação na Educação
de Jovens e Adultos
N esta aula, será discutida a possibilidade de se construir outra ideia e outra prática sobre
a avaliação.
Historicamente, a avaliação é caracterizada como um processo de testar, julgar o conhecimento
aprendido pelos alunos, por meio de uma escala de valores – mínimos e máximos –, quase sempre de
“0” a “10” ou de “E” a “A”.
Partindo-se do pressuposto de que os alunos devem reter o máximo de conteúdo possível em
um determinado período, organizam-se provas ou trabalhos que servem de base para a mensuração
das notas.
De acordo com o conceito do professor Celso Antunes (2001, p. 86):
A avaliação escolar visa detectar e analisar o desenvolvimento do aluno em um período determinado de experiên-
cia escolar. O paradigma mais usual na avaliação escolar é estabelecer valores máximos onde o desenvolvimento
escolar é expresso por notas ou conceitos e esses referenciais padronizam desenvolvimentos individuais.
Percebe-se na fala do professor que ele se refere à avaliação tradicional. Essa forma de avaliar
baseia-se na ideia de elencar certos indicadores, como a memorização e a reprodução dos conteúdos,
de forma mecanizada.
Isso pressupõe que o objetivo da educação é o acúmulo de conteúdos, independentemente de
estes conteúdos terem ou não significado para os alunos. A avaliação tradicional parte do princípio
de que o professor é o dono do conhecimento e de que o aluno nada sabe; trabalha com a lógica da
repetição mecanizada e com a comparação entre os alunos.
Esse modelo não avalia o professor – detém-se no aluno. Como consequência, fica-se preso à
lógica de que os problemas de aprendizagem são apenas dos alunos. Não se leva em conta a questão
de como ensinar, que envolve diretamente o professor.
Percebe-se que o exposto acima é coerente, pois este método de avaliação corresponde a uma
determinada visão que se tem da educação. Ao se utilizar determinados pressupostos pedagógicos
nas práticas educativas, como os oriundos dos princípios da educação tradicional, este é o modelo de
avaliação adotado.
No entanto, ao se trabalhar com a EJA, com os princípios de uma Educação Cidadã e com os
pilares da Educação Popular, deve-se ter outro olhar sobre a avaliação.
89
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos
Pontos importantes
Historicamente, a avaliação é caracterizada como um processo de testar,
julgar o conhecimento aprendido pelos alunos, por meio de uma escala
de valores.
90
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos
Se consideramos que a formação de competências não é tão evidente e que ela emana em
parte da escolaridade básica, resta decidir quais delas deveriam ser desenvolvidas prioritaria-
mente. Ninguém pretende que todo saber seja aprendido na escola. Vários saberes humanos são
adquiridos por outras vias. Por que seria diferente com as competências? Dizer que compete à
escola desenvolver competências não significa conceder-lhe o monopólio.
Quais devem ser privilegiadas? Aquelas que mais mobilizam os saberes escolares e disciplinares
tradicionais, dirão imediatamente aqueles que desejam que nada mude, salvo as aparências. Em al-
guns países, limitou-se a reformular os programas tradicionais introduzindo um verbo de ação diante
dos conhecimentos disciplinares. Onde antes se dizia “ensinar o teorema de Pitágoras”, diz-se agora
“utilizar o teorema de Pitágoras para resolver problemas de geometria”. Para ir além dessa embroma-
ção, é indispensável explorar as relações entre competências e programas escolares atuais.
Para elaborar uma “plataforma de competências”, não basta nomear uma comissão de redação.
A descrição das competências a serem construídas deve partir da análise de situações e de práticas
das quais se possam extrair conhecimentos. Avança-se muito rápido em todos os países, lança-se
à redação de programas sem perder tempo para observar as práticas sociais, para identificar as si-
tuações com as quais as pessoas comuns são e serão verdadeiramente confrontadas. O que se sabe
de fato sobre as competências de que necessitam no dia a dia os desempregados, os imigrantes, os
deficientes, as mães solteiras, os jovens dos subúrbios?
Se o sistema educacional não dedica tempo a reconstruir a transposição didática, ele não questio
nará as finalidades da escola, limitando-se a ministrar antigos conteúdos em um novo continente.
Na formação profissional estabelece-se um referencial de ofício analisando-se as situações
de trabalho, depois se elabora um referencial de competências, que fixa os objetivos da formação.
Nada disso se faz para a formação geral.
É por esse motivo que, por trás da fachada de competências, enfatizam-se capacidades fora
de contexto. Resultado: salvaguarda-se o essencial dos saberes necessários aos estudos longos, os
lobbies disciplinares são satisfeitos.
91
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos
92
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos
2. Aponte algumas diferenças entre a avaliação tradicional e avaliação na EJA. Disserte sobre o
assunto.
Recomendamos a leitura da obra Avaliação Qualitativa, de Pedro Demo. Neste livro, o profes-
sor Pedro Demo realiza uma excelente reflexão sobre os processos avaliativos. Boa leitura.
93
A avaliação na Educação de Jovens e Adultos
94
Fundamentos metodológicos em
Educação de Jovens e Adultos
D
iscutir a importância e a possibilidade de aplicação da área de conhecimento aqui denomina-
da de corporeidade, no Ensino Fundamental de Jovens e Adultos, é uma atitude, no mínimo,
desafiadora. Por um lado, pela falta de uma política pública em nível nacional que deixe claro
sua abrangência, seus objetivos e instrumentos. Por outro, o desafio emerge da própria história das
“pedagogias”, que sempre negaram a corporeidade como ponto fundamental no desenvolvimento da
escolarização, tanto de crianças quanto de adultos.
A corporeidade nunca – ou quase nunca – foi sujeito nem objeto do Ensino Fundamental, espe-
cialmente nos limitados projetos de alfabetização, é uma heresia falar em assunto tão “irrelevante”.
As dificuldades impostas à abordagem deste tema são conhecidas, mas não se pode desistir
deste sonho. Deseja-se uma educação que leve em conta a complexidade humana e que colabore com
o fortalecimento da cidadania, com a participação democrática na gestão do Estado e com a criação
de alternativas à exclusão produzida pelo sistema econômico, opressor e desigual.
Este capítulo pretende contribuir para a construção de um novo olhar sobre o papel da corporei-
dade no Ensino Fundamental de Jovens e Adultos. Para isso, inicialmente são expostas algumas refle-
xões sobre a concepção de corporeidade. A seguir, apontam-se alguns fundamentos e possibilidades
para uma proposta de corporeidade para o Ensino Fundamental.
A corporeidade
Paulo Freire, ao se referir à corporeidade, relacionava-a com a cultura popular. Poucos são os
povos que não têm a dança como um de seus elementos culturais mais fortes e significativos.
Algumas religiões, principalmente as de origem africana, têm na dança, na expressão corporal,
nas cantigas e ladainhas, seu ponto culminante. A capoeira, com sua história e linguagem próprias, é
um elemento representativo da cultura afro-brasileira, constituindo-se durante anos em um instrumento
de resistência, pois seus movimentos são inspirados nas lutas do negro contra a escravidão (ACCURSO,
1995).
Paulo Freire sabia disso; ele sabia da importância de se levar em consideração a cultura corporal
como elemento pedagógico na Educação de Adultos. Em Cartas à Guiné-Bissau, o autor revela um
indício sobre
[...] o possível potencial que a mímica, como expressão corporal, possa ter em culturas em que o corpo não foi
submetido a um intelectualismo racionalizante. Em que as grandes maiorias não se experimentaram ainda no
maior rigor lógico da linguagem escrita, de que decorre não raro a mitificação do poder dessa linguagem, que,
de resto, devemos evitar desde a etapa de alfabetização. Em que o corpo consciente, encontrando-se em maior
liberdade em suas relações com a natureza, mova-se facilmente de acordo com seus ritmos. Neste sentido talvez
fosse interessante pensar no emprego de jogos mímicos, codificações e, nas codificações pictóricas, dar ênfase
ao movimento. (FREIRE, 1979, p. 111) (grifos nossos)
95
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos
96
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos
Antonio Damásio (1996, p. 255), por meio de estudos nas áreas de neuro
biologia, neuroquímica e neuroanatomia, defende a hipótese da complexidade
humana:
[...] a ideia de que o organismo inteiro, e não apenas o corpo ou o cérebro, interage com
o meio ambiente é menosprezada com frequência, se é que se pode dizer que chega a ser
considerada. No entanto, quando vemos, ouvimos, tocamos, saboreamos ou cheiramos, o
corpo e o cérebro participam na interação com o meio ambiente.
97
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos
A reflexão começa pelo pequeno espaço estrutural destas salas de aula, que
são pensadas e construídas para crianças e adolescentes. As carteiras e cadeiras
dos alunos, a mesa e a cadeira do professor, os armários, entre outros objetos,
ocupam praticamente todos os espaços disponíveis nas salas, o que já induz à aco-
modação, a ficar sentado, parado, apenas observando a exposição do educador.
Passa-se então pela formação dos professores: tanto em nível médio (magis-
tério) quanto em nível superior (licenciaturas), em geral não se costuma trabalhar
com a ótica da complexidade humana.
Mesmo diante dessas dificuldades, o educador deve exercitar sua criativida-
de e capacidade de propor outras possibilidades de trabalho na sala de aula, como
as que serão discutidas a seguir.
Trabalhos em grupo
O trabalho em grupo é uma antiga ferramenta dos educadores; contudo, o
que se propõe é uma problematização (visão freireana de educação popular), uma
reavaliação dessa ferramenta, ou mesmo uma inovação nos trabalhos em grupo.
Jurjo Torres Santomé (1998, p. 244) ressalta a importância do trabalho em
grupos ou equipes:
[...] precisamente pelo fato de comparar conhecimentos, ponto de vista próprios com os
dos outros, surgem os conflitos sociocognitivos, motor de conhecimentos posteriores. A
discussão das diferenças colocadas por cada integrante de uma equipe de trabalho é uma
das maneiras de passar de um conhecimento subjetivo, pessoal, para outro mais objetivo
e inter-subjetivo.
Jogos cooperativos
Em um segundo momento, ao se trabalhar com o objetivo de abrir um espa-
ço no planejamento diário do educador, no que diz respeito à área da corporeida-
de, sugere-se a adoção de certos jogos cooperativos8 em sala de aula:
os jogos cooperativos têm como princípio estimular uma reflexão coleti-
va para a resolução de problemas comuns. Isto é, as situações propostas
pelos jogos selecionados – seja da cultura da comunidade onde a escola
está inserida, seja do imaginário dos alunos e educadores e/ou dos livros
didáticos –, podem servir como ferramentas do educador para buscar a
igualdade nas relações do e com o grupo. Estruturas de cooperação po-
dem transformar situações de desigualdade em situações de igualdade,
em relações humanas onde todos sentem liberdade e confiança para tra-
balhar em conjunto, em função de metas comuns;
a proposta de jogos cooperativos deve ser acompanhada por atitudes que
favoreçam o respeito, a valorização e a integração de todos. Como educa-
dores, deve-se reconhecer que cada aluno é um ser específico e singular,
que tem possibilidades e limitações. Devem-se valorizar as qualidades de 6 O educador de jovens e
adultos necessita buscar
apoio teórico-prático para
cada um, dar-lhes confiança, oferecer-lhes oportunidades e proporcionar- o desenvolvimento das di-
nâmicas. Para tanto, indica-
lhes momentos para que desenvolvam atitudes, ações e habilidades e se mos, entre outros, Andreolla.
Ponto Balduíno, Dinâmica
sintam importantes dentro do grupo. de Grupo. São relevantes,
ainda, os trabalhos de Ma-
A proposta dos jogos cooperativos, baseada na construção coletiva, vai con- dalena Freire et alli sobre
Grupos operativos: como
tra o que prega a ideologia do neoliberalismo. Esta trabalha com a competitivida- são e como funcionam. (In:
GROSSI, Ester (Org.). Pai-
de acirrada e valoriza ao máximo o individualismo. xão de Aprender. Petrópolis:
Vozes, 1992).
Brown (1994) lembra ainda que muitos dos elementos que surgem em situ-
ações de cooperação são exatamente os que devem ser trabalhados na Educação 7 O trabalho/pesquisa rea
lizado por Morton Deuts-
ch tem sua base teórica na
de Adultos ou Popular, isto é: sensibilidade, amizade, coordenação de esforços e psicologia social, e é citado
ajuda mútua. no livro de Brown (1994).
Maturana (1998, p. 13 e 21) defende a ideia de que “a competição sadia não 8 A obra Jogos Coopera-
tivos: teoria e prática,
existe”, ou seja, por mais que se queira atenuar os efeitos negativos da competição de Guillermo Brown, traz
uma proposta revolucionária
tentando “maquiá-la”, ela não constitui um fenômeno biológico: de trabalhos cooperativos,
por meio de jogos, na sala
de aula.
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Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos
Pontos importantes
As “pedagogias” sempre negaram a corporeidade como ponto funda-
mental no desenvolvimento da escolarização, tanto de crianças quanto
de adultos.
A corporeidade não tem sido nem sujeito nem objeto da alfabetização e
do Ensino Fundamental. Quando se fala em corporeidade na sala de aula,
ou é como interdição, disciplinamento e punição, ou como instrumento –
portanto, no nível secundário – para o desenvolvimento intelectual.
A proposta deste estudo tem como ponto de partida uma educação de
corpo inteiro e a visão do ser humano como um ser complexo e inconclu-
so. Entende-se que os homens são seres biopsicossociais.
100
Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos
Libertam da competição: o objetivo é que todos participem para poder alcançar uma meta
comum. A estrutura assegura que todos joguem juntos, eliminando a pressão que produz a compe-
tição. O participante não se preocupa se vai ganhar ou perder: seu interesse está na participação.
Libertam da eliminação: o esboço do jogo cooperativo busca a integração de todos. Muitos jo-
gos tratam de eliminar os mais fracos, mais lentos, mais inábeis etc. A eliminação é acompanhada
pela repulsa e desvalorização. O jogo cooperativo busca incluir e não excluir.
Libertam para criar: criar é construir e, para construir, a colaboração de todos é fundamental.
As regras são flexíveis, e os participantes podem contribuir para mudar o jogo. Os jogos podem ser
adaptados ao grupo, aos recursos, ao meio ambiente e ao objetivo da atividade. Muitos jogos com-
petitivos são muito rígidos, inflexíveis e dependentes de equipes especiais. Tudo isso ocorre porque
estão excessivamente orientados para o resultado final. O jogo cooperativo, por sua vez, enfatiza o
processo: o importante é que os jogadores alegrem-se participando.
Libertam da agressão física: certamente gastamos energia na atividade física, mas se promo-
vemos a agressão física contra o outro, estamos aceitando um comportamento destrutivo e desu-
manizante. Tornar a agressão física obrigatória através das regras do jogo é ensinar os participantes
que é aceitável bater, derrubar e maltratar os outros. Busca-se eliminar estruturas que exigem a
agressão contra os outros.
Em resumo, podemos oferecer algumas alternativas para o jogo:
jogando dentro das estruturas cooperativas, dando ênfase à participação e à autoestima de
cada pessoa;
criando jogos em que cada participante pode estabelecer seu próprio ritmo;
adaptando jogos já conhecidos, diminuindo a importância do resultado final e eliminando o
contato físico do tipo destrutivo.
Na apresentação de alternativas do jogo, devemos promover um ambiente que tenha presente
a pessoa. Uma das coisas que devemos ressaltar é que, na relação com os grupos, todos estejamos
mais propensos a compartilhar os recursos humanos e materiais (por exemplo: ideias, habilidades,
preocupações, sentimentos, respeito, bens materiais, tempo, espaço e responsabilidade). Não se
muda isso de um dia para outro, mas podemos começar a viver valores novos. Nos jogos podemos
ir desenvolvendo certas atitudes que são importantes:
A empatia: é a capacidade de “pôr-se no lugar do outro”. A empatia tem a ver com a possibi-
lidade de sentir como está o outro: suas preocupações, suas expectativas, suas necessidades e sua
realidade. A raiz da palavra significa “sinto contigo”.
A cooperação: é a capacidade de trabalhar em prol de uma meta comum. Tem a ver com o
desenvolvimento das habilidades necessárias para poder resolver problemas em conjunto. Nesse
sentido, está relacionada com a solidariedade e a organização.
A estima: é a capacidade de reconhecer e expressar a importância do outro: suas percepções,
suas contribuições e suas necessidades. Tem a ver com a confiança do grupo e a autoestima.
A comunicação: é a relação do diálogo: o intercâmbio de sentimentos, conhecimentos, estima,
problemas e perspectivas.
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Fundamentos metodológicos em Educação de Jovens e Adultos
A leitura recomendada para esta aula é o livro Jogos Cooperativos: teoria e prática, de Guil-
lermo Brown. Este livro pode ser uma excelente ferramenta para a construção de atividades coope-
rativas e solidárias. Boa leitura.
1. C
2. C
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Anotações
Fundamentos Metodológicos em EJA I
Fundamentos
Fundamentos
Metodológicos em EJA I