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REPENSANDO

A
DIDÁTICA
ANTONIA OSIMA lOPES
IlMA PASSOS AlENCASTRO VEIGA
MARIA BERNADETE SANTA CECILIA CAPORALlNI
MARIA EUG~NIA DE LIMA E MONTES CASTÀNHO
MARIA ISABEL DA CUNHA
OlGA TEIXEIRA DAMIS
OSWAlDO ALONSO RAVS
PURA lÚCIA OLlVER MARTINS
VANI MOREIRA KENSKI
Colaboradores

IlMA PASSOS AlENCASTRO VEIGA


Coordenadora
Capa: Francis Rodrigues
Equipe de revisão: Fausto Alves Barreira Filho
Sandra Vieira Alves
ÍNDICE
.\

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Repensando a didática / colaboradores Antonia Osima Lopes


R336 ... [et al.] ; coordenadora lima Passos Alencastro Veiga. Apresentaç.ão 7
- Campinas, SP : Papirus, 1988.
Didática: suas relações; seus pressupostos
Bibliografia.
Olga Teixeira Damis 13
1. Ensino 2. Pedagogia I. Lopes, Antonia Osima. 11. • 'I

Veiga., lima Passos Alencastro, Didática: uma retrospectiva histórica


Ilma Passos Alencastro Veiga 25
CDD-371.3 Planejamento do ensino numa perspectiva crítica
88-0179. -370 da educação
Antonia Osima Lopes 41
índices para catálogo sistemático:

1. Didática : Educação 371.3 Os objetivos da educação


2: Ensino : Planejamento da instrução 371.3 Maria Eugênia de Lima e Montes Castanho 53
3. Metodologia do ensino 371..3
4. Pedagogia 370
Conteúdos escolares: a quem compete a seleção e
organização?
Pura Lúcia Oliver Martins 65

DIREITOS RESERVADOS PARA A UNGUA PORTUGUESA:


A questão da metodologia do ensino na didática
© M. R. Cornacchia & Cia. Ltda. escolar
Oswaldo Alonso Rays 83

=~ p0p!rUf
, Av. Francisco
EDITORA
Glicério, 1314 - 2.° ando
Na dinâmica interna da sala de aula:
o livro didático
Maria Bernadete Santa Cecília Caporalini 97
Fone: (0192)32-7268 - Cx. Postal 736
13013 - Campinas - SP - Brasil Avaliação da aprendizagem
Vani Moreira Kenski 131
A relação professor-aluno
proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão; em forma
.id ntlca, resumida ou modificada, em língua portuguesa ou qualquer outro idioma. Maria Isabel da Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 145
BIBLIOGRAFIA

CbMÊNIO, J.A. Didáctica Magna. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,


1976. DIDATICA: UMA RETROSPECTIVA HISTóRICA>!:
LUZURIAGA, Lorenzo. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1977.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica ..
São Paulo, Cortez Editora/Autores Associados, 1980.
ILMA PASSOS ALENCASTRO VEIGA **
SOARES, Magda. Didática, uma disciplina em busca de sua identidade. Revista
ANDE, n.O 9, ·são Paulo, 1986.
SUCHOLDOSKI, Bogdan. A Pedagogia e as grandes correntes filosóficas.
Lisboa, Livros Horizontes, 1978. A retrospectiva histórica da Didática abrange duas
partes: na primeira é abordado o papel da disciplina
an tes de sua inclusão nos cursos de formação de pro-
fessores a nível superior, compreendendo o período que
vai de 1549 até 1930; a segunda parte procura .recons-
tituir a trajetória da Didática a partir da década de
30 até os dias atuais.
São destacados os aspectos sócio-econômicos, polí-
ticos e educacionais que servem de pano de fundo para
identificar as propostas pedagógicas presentes na edu-
cação, bem como os enfoques do papel da Didática.

1. Primórdios da Didática: O período de 1549/1930

~. t?'c}Q Os jesuítas foram os principais educadores de quase


-, todo o período colonial, atuando, aqui no Brasil, de
I()'
1549 a 1759.
, o
" ~r
• . No contexto de urna sociedade de economia agrário-
\;:'7lL exportadora-dependente, explorada pela Metrópole, a
\~ educação não era considerada um valor social impor-
tante. A tarefa educativa estava voltada para a cate-
* Texto apresentado ao Grupo Metodologia Didática, na X Reunião Anual
da ANPED, Salvador, maio de 1987.
** Professora da Universidade Federal de Uberlândia ~ UFU-MG. Douto-
randa em Educação da UNICAMP.

24
25
..
quese e instrução dos indígenas, mas, para a elite co- O enfoque sobre o papel da Didática, ou melhor, da
lonial, outro tipo de educação era oferecido. Metodologia de Ensino, como é denominada no Código
O plano de instrução era consubstancíado no Raiio pedagógico dos jesuítas, está centrado no seu caráter
Stúdiorum, cujo ideal era a formação do homem uni- meramente formal, tendo por base o intelecto, o conhe-
versal, humanista e cristão. A educação se preocupava cimento e marcado pela visão essencialista de homem.
com o ensino humanista de cultura geral, enciclopédico A Metodologia de Ensino (Didática) é entendida
e alheio à realidade da vida de Colônia. Esses eram os como um conjunto de regras e normas prescritivas vi-
alicerces da Pedagogia Tradicional na vertente religiosa
que, de acordo com SAVIANI (1984, p. 12), é marcada
sando a orientação do ensino e do estudo. Como afirma
PAI VA (1981; p. 11), "um conjunto de normas metodoló-
por uma "visão essencialísta de homem, isto é, o
gícas referentes à aula, seja na ordem das questões, no
homem constituído por uma essência universal e imutá-
vel". A essência humana é considerada criação divina ritmo do desenvolvimento e seja, ainda, no próprio pro-
e,' assim, o homem deve se empenhar para atingir a ceso de ensino".
perfeição, "para fazer por merecer a dádiva da vida so- Após os jesuítas, não ocorreram no país grandes
brenatural". (lbid., p. 12). movimentos pedagógicos, como são poucas as mudan-
A ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas ças sofridas pela sociedade colonial e durante o Império
formas dogmáticas de pensamento, contra o pensamen- e a República. A nova organização instituída por Pom-
to crítico. Privilegiavam o exercício da memória e o de- bal, pedagogicamente, representou um retrocesso. Pro-
senvolvimento do raciocínio; dedicavam atenção ao fessores leigos começaram a ser admitidos para as
preparo dos padres-mestres, dando ênfase à formação "aulas-régias" introduzidas pela reforma pombalina.
do caráter e sua formação psicológica para conhecimen-
Por volta de 1870, época de expansão cafeeira e da
to de si mesmo e do aluno.
passagem de um modelo agrário-exportador para um
Desta forma, não se poderia pensar em uma prática urbano-comercial-exportador, o Brasil vive o seu período
pedagógica e muito menos em uma Didática que bus- de "iluminismo". Segundo SAVIANI '(1984, p. 275),
casse uma perspectiva transformador a na educação.
"tomam corpo movimentos cada vez mais independen-
Os pressupostos didáticos diluídos no "Ratio" enfo- tes da influência religiosa".
cavam instrumentos e regras metodológicas compreen-
No campo educacional, suprime-se o ensino religioso
dendo o estudo privado, em que o mestre prescrevia o
método de estudo, a matéria e o horário; as aulas, mi- nas escolas públicas, passando o Estado a assumir a
nistradas de forma expositiva; a repetição visando re- laícídade. É aprovada a reformá de Benjamin Constant
petir, decorar e expor em aula; o desafio, estimulando (1890) sob a influência do positivismo. A escola busca
a competição; a disputa, outro recurso metodológico era disseminar uma visão burguesa de mundo e sociedade,
visto como uma defesa de tese. Os exames eram orais e a fim de garantir a consolidação da burguesia indus-
escritos, visando avaliar o aproveitamento do aluno. trial como classe dominante.

26 27
..
Os indicadores de penetração da Pedagogia Tradi- A Pedagogia tradicionalista leiga refletia-se nas dis-
cional em sua' vertente leiga são os Pareceres de Rui ciplinas de natureza pedagógica do currículo das Esco-
Barbosa, de 1882 e a primeira reforma republicana, a las Normais desde o início de sua criação.tem 1835.
de Benjamin Constant, em 1890.
A inclusão da Didática como disciplina em cursos
Esta vertente leiga da Pedagogia Tradicional man- de formação de professores para o então ensino secun-
tém a visão essencialista de homem, não como criação dário,ocorreu quase um século depois, ou seja, em 1934.
divina, mas aliada à noção de natureza humana, essen-
cialmen te raBànal. Essa vertente inspirou a criaçao da
2. A-Didática nos Cursos de Formação de Professores a
escola pública, laica, universal e gratuita. (SAVIANI,
partir de 1930
1984, p. 274).
A essa teoria pedagógica correspondíam as seguintes 2.1. O período de 1930/1945: A Didática é tradicional,
características: a ênfase ao ensino humanístico de cumpre renová-Ia
cultura geral, centrada no professor, que transmite a
todos os alunos indistintamente a verdade universal e Na década' de 30, a sociedade brasileira sofre pro-
enciclopédica; a relação pedagógica que se desenvolve fundas transformações, motivadas basicamente pela
de forma hierarquízada e verticalista, onde o aluno é modificação do modelo sócio-econômico. A crise mun-
educado para seguir atentamente a exposição do pro- dial da economia capitalista provoca no Brasil a crise
fessor; o método de ensino, calcado nos cinco passos cafeeira, instalando-se o modelo sócio-econômico de
formais de Hebart (preparação, apresentação, compa- substituição de importações.
ração, assimilação, generalização e aplicação).
Paralelamente, desencadea-se o movimento de reor-
'Ê assim que a Didática, no bojo da Pedagogia Tra- ganização das forças econômicas e políticas o que resul-
dicional leiga, está centrada no intelecto, na essência, tou em um conflito: a Revolução de 30, marco comu-
atribuindo um caráter dogmático aos conteúdos; os mé- mente empregado para indicar o início de uma nova
todos são princípios universais e lógicos; o professor se fase na história da República do Brasil.
torna o centro do processo de aprendizagem, conceben-
No âmbito educacional, durante o governo revolu-
do o aluno como um ser receptivo e passivo. A disciplina cionário de' 1930, Vargas constitui o Ministério de Edu-
é a forma de garantir a atenção, o silêncio e a ordem. cação e Saúde Pública. Em 1932 é lançado o Manifesto
A Didática é compreendida como um conjunto de dos Pioneiros da Escola Nova, preconizando a recons-
regras, visando assegurar aos futuros professores as trução social da escola na sociedade urbana e industrial.
orientações necessárias ao trabalho docente. A atividade Entre os anos de 1931 e 1932 efetivou-se a Reforma
docente é entendida como inteiramente autônoma face à Francisco Campos. Organiza-se o ensino comercial; ado-
olítíca, dissociada das questões entre escola e socieda- ta-se o regime universitário para o ensino superior, bem
. Uma Didática que separa teoria e prática, como organiza-se a' primeira univesidade brasileira. A
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29
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Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universida- ico sobre o lógico. O escolanovismo propõe um novo
de de São Paulo foi o primeiro instituto de ensino supe- tipo de homem, defende os princípios democráticos, isto
rior que funcionou de acordo com o modelo Francisco é, todos tem direito a assim se desenvolverem ..No entan-
Campos. A origem da Didática como disciplina dos cursos to, isso é feito em uma sociedade dividida \em classes,
de formação de professores a nível superior está vincula- onde são evidentes as diferenças entre o dominador e as
da à criação da referida Faculdade, em 1934, sabendo-se classes subalternas. Assim, as possibilidades de se con-
que a qualificação do magistério era colocada como pon- cretizar este ideal" de homem se voltam para aqueles
to central para a renovação do ensino. No início, a pertencentes à classe dominante.
parte pedagógica existente nos cursos de formação de
A característica mais marcante do escolanovismo é
professores era realizada no Instituto de Educação, sen-
a valorização da criança, vista como ser dotado de pode-
do aí incluída a disciplina "Metodologia do Ensino Se-
res individuais, cuja liberdade, inciativa, autonomia e
cundário", equivalente à Didática hoje nos cursos de
interesses devem ser respeitados. O movimento escola-
licencia tura.
novísta preconizava a solução de problemas educacio-
Q ç,.\ Por força do art. 20 do Decreto-Lei n,? 1190/39, a nais em uma perspectiva interna da escola, sem consi-
, Didática foi instituída como curso e disciplina, com du- derar a realidade brasileira nos seus aspectos político,
ração de um ano. A legislação educacional foi introdu- econômico e social. O problema educacional passa a
zindo alterações para, em 1941, o curso de Didática ser ser uma questão escolar e técnica. A ênfase recai no
considerado um curso independente, realizado após o ensinar bem, mesmo que a uma minoria.
término do bacharelado (esquema três + um).
Devido à predominância da influência da Pedago-
Em 1937, ao se consolidar no poder com auxílio de gia Nova na legislação educacional e nos cursos de for-
grupos militantes e apoiado pela classe burguesa, Vargas mação para o magistério, o professor absorveu o seu
implanta o Estado Novo, ditatorial, que persistiu até ídeário. Conseqüentemente, nesse momento, a Dídátíca
1945. também sofre a sua influência, passando a acentuar o
Os debates educacionais são paralisados e o "pres- caráter prático-técnico do processo ensino-aprendiza-
tígio dos educadores passa a condicíonar-se às respecti- gem, onde teoria e prática são justapostas.
vas posições políticas", como afirma PAIVA (1973,
O ensino é concebido como um processo de pesquisa,
p. 125).
partindo do pressuposto de que os assuntos de que
O período situado entre 1930 e 1945 é marcado pelo tratam o ensino são problemas.
equilíbrio entre as influências da concepção humanista
tradicional (representada pelos católicos) e humanista Para CANDAU (1982, p. 22), os métodos e técnicas
moderna (representada pelos pioneiros). Para SAVIANI mais difundidos pela Didática renovada são: "centros de
~~? (1985, p. 276) a concepção humanista moderna se baseia teresse, estudo dirigido, unidades didáticas, métodos
em uma "visão de' homem centrada na existência, na dos projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de
vida, na atividade". Há predomínio do aspecto psícoló- nsino, etc ... "
30 31
A Didática é entendida como um conjunto de idéias Entre 1948-1961, desenvolvem-se lutas ideológicas
e métodos, privilegiando a dimensão técnica do proces- m torno da oposição entre escola particular e defen-
so de ensino, fundamentada nos pressupostos psicoló- res da escola pública. A disseminação das idéias novas
gicos e psicopedagógicose experimentais, cientifica- anha mais força com a ação do Instituto Nacional de
m-ente validados na experiência e constituídos em teoria, Estudos Pedagógicos (INEP). As escolas católicas se ín-
ignorando o contexto sócio-político-econômico. rem no movimento renovador, difundindo o método de
A Didática, assim concebida propiciou a .formação Montessori e Lubienska.
de um novo perfil de professor: o técnico.
Outros indícios renovadores começam a ser disse-
mlnados nessa década, entre os quais se destacam o Gi-
2.2. o período de 1945/1960: o predomínio das novas ásío Orientado para o Trabalho (GOT) , os Ginásios
idéias e a Didática luricurriculares, os Ginásios Vocacionais.
Esta fase corresponde à aceleração e diversificação Paralelamente a essas iniciativas renovadoras que
1\ do processo de substituição de importações e à pene- começaram a ser implantadas, um outro redireciona-
tração do capital estrangeiro. O modelo político é ba- mento vinha sendo dado à escola renovada, fortemente
seado nos princípios da democracia liberal com crescen- marcada pela ênfase metodológica, que culminou com
te participação das massas. Ê o Estado populista - s reformas promovidas no sistema escolar brasileiro no
desenvolvimentista, representando uma aliança entr~ período de 1968/1971.
empresariado e setores populares, contra a oligarquia.
No fim do período, começa a delinear uma polarização, Por força do convênio celebrado entre o MEC/Go-
deixando entrever dois caminhos para o desenvolvimen- verno de Minas Gerais - Missão de Operações dos Esta-
to: o de tendência populista e o de tendência antipopu- dos Unidos (PONTO IV) criou-se o.PABAEE (Programa
lista. Americano Brasileiro de Auxílio ao Ensino Elementar),
Neste. contexto, insere-se a educação. A política voltado para o aperfeiçoamento de professores do Curso
educacional, que caracteriza essa fase, reflete muito Normal. Nesses cursos, começaram a ser introduzidos
bem a "ambivalência dos grupos no poder" como des- s princípios de uma tecnologia educacional importada
taca FREITAG (1979, p. 54). dos Estados Unidos. Dado o seu caráter -multtpucador,
ideário renovador-tecnicista foi-se difundindo.
Em 1946,o Decreto-Lei n.? 9053 desobrigava o curso
de Didática e, já sob a vigência da Lei Diretrizes e Bases, É importante frisar que, nesta fase, o ensino de
Lei 4024/61, o esquema de três mais um foi extinto pelo dátíca também se inspirava no liberalismo e no prag-
Parecer n.? 242/62, do Conselho Federal de Educação. tísmo, acentuando a predominância dos processos
A Didática perdeu seus qualificativos geral e especial e todológicos em detrimento da própria aquisi~? ~o
introduz-se a Prática de Ensino sob a forma de estágio . hecimento. A Didática se voltava para as vanaveis
supervisionado. processo de ensino sem considerar o contexto poIíti-
32 33
co-social. Acentuava-se, desta forma, o enfoque reno- L vação do trabalho pedagógico da mesma maneira
vador-tecnicista da Didática na esteira do movimento orreu no trabalho fabril. Instalou -se na escola a
escolanovista. I v o do trabalho sob a justificativa de produtividade,
IOp cíando a fragmentação do processo .e, com ISSO,
ntuando as distâncias entre quem planeja e quem
2.3. O período pós-1964: os descaminhos da Didática
ta.
O quadro que se instalou no país com o movimento Pedagogia Tecnicista está relacionada com a con-
de 1964 alterou a ideologia política, a forma de governo o analítica de Filosofia da Educação; mas não
e, conseqüentemente, a educação. conseqüência sua. SAVIANI (1984, p. 179), explica
O modelo político-econômico tinha como caracte- 111 concepção analítica
rística fundamental um projeto desenv.olvimentista que
"( ... ) não tem por objeto a realidade. Refere-se, pois, à
buscava acelerar o crescimento sócio-econômico do país. clareza e consistência dos enunciados relativos aos fenô-
A educação desempenhava importante papel na prepa- menos eles mesmos. ( ... ) A ela cabe fazer a assepsia da
ração adequada de recursos humanos necessários à in- linguagem, depurá-Ia de suas inconsistências e ambigui-
crementação do crescimento econômico e tecnológico da dades. Não é sua tarefa produzir enunciados e muito
sociedade de acordo com a concepção economicista de menos práticas."
educação.
A afinidade entre as duas encontra-se, não no plano
O sistema educacional era marcado pela influência 11 conseqüências, mas nuplano dos pressupostos de
dos Acordos MEC/uSAID, que serviram de sustentáculo 01 J tividade, racionalidade e neutralidade.
às reformas do ensino superior e posteriormente do en-
sino de 1.0 e 2.° graus. Por influência, também, dos O enfoque do papel da Didática a partir dos pressu-
educadores americanos foi implantada, pelo Parecer 111 tos de Pedagogia Tecnicista procura desenvolver uma
252/69 e Resolução n.? 2/69 do Conselho Federal de Edu- ti L nativa não psicológica, situando-se no âmbito da
cação, a disciplina "Currículos e Programas", nos cursos logia educacional, tendo, como preocupação básica
de Pedagogia, o que, de cerca forma, provocou a super- cácia e a eficiência do processo de ensino. Essa Dídá-
posição de conteúdos da nova disciplina com a Didática. I tem como pano de fundo uma perspectiva realmen-
O período compreendido entre 1960 e 1968 foi mar- ngênua de neutralidade científica.
cado pela crise da Pedagogia Nova e articulação da ten- Neste enfoque, os conteúdos dos cursos de Didática
dência tecnicista, assumida pelo grupo militar e tecno- ( 1 t aro-se na organização racional do processo de en-
crata. I I isto é, no planejamento didático formal, e na ela-
O pressuposto que embasou esta pedagogia está na a ão de materiais instrucionais, nos livros didáticos
neutralidade científica, inspirada nos princípios de ra- I rtáveís. O processo é que define o que professores

-
cionalidade

34
eficIêilcia e produtividade. Buscou-sea íunos devem fazer, quando e como o farão. .
35
Na Didática Tecnicista, a desvinculação entre teo- ob esta ótica, a Didática nos cursos de formação de
ria e prática é mais acentuada. O professor torna-se ",•.".~,...res passou a assumir o discurso sociológico, filo-
mero executor de objetivos instrucionais, de estratégias histórico, secundarizando a sua dimensão técní-
de ensino e de avaliação. Acentua-se o formalismo didá- I prometendo, de certa forma, a sua iqentidade,
tico através dos planos elaborados segundo normas pré- ••,-.~.••,•..ando uma postura pessimista e de descrédito re-
fixadas. A Didática é concebida como estratégia para o sua contribuição. quanto à prática pedagógica
alcance dos produtos previstos para o processo ensino- ro professor.
aprendizagem ...- ntudo pode-se perceber que se, de um lado, a
A partir de 1974, época em que tem início a abertu- critico-reprodutivista contribuiu para acentuar
ra gradual do regime político autoritário instalado em postura de pessimismo, por outro lado, a atitude
1964, surgiram estudos empenhados em fazer a crítica I t passou a ser exigida pelos alunos e os professo-
da educação dominante, evidenciando as funções reais pr oeuraram rever sua própria prática pedagógica a
da política educacional, acobertada pelo discurso polí- 1I l torná-Ia mais coerente com a realidade sócio-
tico-pedagógico oficial. uuu al. A Didática é questionada e os movimentos em
1'1lC1 de sua revisão apontam para a busca de novos
Tais estudos foram agrupados e denominados por \lU
SAVIANI (1983, p. 19) de "teorias crítícas-reprodutivís-
tas", que, apesar de considerar a educação a partir dos
seus aspectos sociais, concluem que sua função primor- , , década de 80: momento atual da Didática
dial é a de reproduzir as condições sociais vigentes. Elas
se empenham em fazer a denúncia do caráter reprodu- Ao longo dos anos 80, a situação sócio-econômica
tor da escola. Há uma predominância dos aspectos polí- I I 1 tem dificuldado a vida do povo brasileiro com a
ticos, enquanto as questões didático-pedagógicas são 11 V ão da inflação, elevação do índice de desemprego,
minimizadas. 11 V do mais com o aumento da dívida externa e pela
I li L a recessionista, orientada pelo Fundo Monetário
Em conseqüência, a Didática passou também a fazer 1I1 L r acíonal (FMI).
o discurso reprodutivista, ou. seja, a apontar o seu con-
teúdo ideológico, buscando suá desmistificação de certa
a. primeira metade da década de 80, instala-se a
República, iniciando-se, desta 'forma, uma nova
forma relevante, porém relegando a segundo plano sua
especificidade.
a. vida do país. A ascenção do governo civil da
a. Democrática assinala o fim da ditadura militar,
. CANDAU (1982, p. 28) afirma que: conserva inúmeros aspectos dela, sob formas e
diferentes. (FALCAO, 1986, p. 27)
"(: .. ) junto com esta postura de denúncia e de explicita-
luta operária ganha força, passando a se genera-
ção do compromisso com o 'status quo' do técnico aparen-
temente neutro, alguns autores chegaram à negação da r outras categorias profissionais e, dentre elas,
própria dimensão técnica da prática docente." sores.
36 37
, .
Énessa década que: os professores se empenham cola se organiza como espaço de negação de
para a reconquista do direito e dever de participarem "Ollnllln~':i10 não mero instrumento para reproduzir a
na definição da política educacional e na luta pela re- ocial vigente.
cuperação da escola pública. sentido, agir no interior da escola é contri-
A realização da I Conferência Brasileira de Educa- 1 I' transformar a própria sociedade.
çâo foi um marco importante na história da educação I no meu entender a Didática tem uma impor- .
I
brasileira. Constituiu um espaço para se discutir e dis- 1I \.1 ((J tribuição a dar em função de clarificar o papel
seminar a concepção crítica de educação, pois, como II político da educação, da escola e, mais especifi-
afirma SAVIANI (1984, p. 24),
11 I L , do ensino .

"a preocupação com a perspectiva dialética ultrapassa, na . tm, o enfoque da Didática, de acordo com os
filosofia da educação, aquele empenho individual de sis- til stos de uma Pedagogia Cdtic~, é.o de trabalhar
tematização e se torna objeto de um esforço coletivo." !li do de ir além dos métodos e técnicas, procuran-
~I , iar escola-sociedade, teoria-prática, conteúdo-
A concepção dialética ou crítica não foi dominante 111t1l I técnico-político, ensino-pesquisa. Ela de:ve con-
no nosso texto educacional. Ela se organizou com maior II I I ,t~para ampliar a visão do professor quanto as pers-
nitidez a partir de 1979. 1 I L\'1 didático-pedagógicas mais coerentes, com nossa
Para a concepção dialética de Filosofia da Educa-. I I de educacional, ao analisar as contradições entre
ção, não existe um homem dado "a priori", pois não co- 11 qu realmente o cotídíano.da sala de aula e o ideário
loca como ponto de partida uma determinada visão de JI ti I, íco calcado nos princípios da teoria liberal, ar-
homem. Interessa-se pelo ser concreto. A tarefa da filo- I na prática dos professores.
sofia é explicitar os problemas educacionais e compreen- N década de 80, esboçam-se os primeiros estudos
dê-los a partir do contexto histórico em que estão inse-
'li bu ca de alternativas para a Didática, a partir dos
ridos (SAVIANI, -1984, p. 24).
I' postos da Pedagogia Crítica.
A educação não está centrada no professor ou no
A Didática no âmbito desta pedagogia auxilia n<?
aluno, mas na questão central da formação do homem.
I It ( o de politização do fu turo pr~fess?r; de modo que -
A educação está voltada para o ser humano e sua realiza- II J a perceber a ideologia ,q~e inspirou a. natureza
ção em sociedade, Nesse sentido, GADOTTI afirma que, 111 (Ol hecimento usado e a prática desenvolvida na es-
no bojo de uma Pedagogia Crítica, "a educação se iden- 101 • N ste sentido, a Didática crítica busca superar o
tifica com o processo de hominização. A educação é o que 1\ 1 tualismo formal do' enfoque tradicional, evitar
se pode fazer do homem de amanhã". (1983, p. 149) É I t s do espontaneísmo escolanovista, combater a
uma pedagogia que se compromete com os interesses do I t ão desmobilizadora do tecnicismo e recuperar
homem das camadas economicamente desfavorecidas. LI t f s especificamente pedagógicas, desprestigiadas

38 39
a partir do discurso reprodutivista. Procura, ainda,
compreender e analisar a realidade social onde está ín-
serida a escola.
~JAMENTO DO ENSINO NUMA PERSPECTIVA
Épreciso uma Didática que proponha mudanças no CRíTICA DA EDUCAÇAO .\
modo de pensar e agir do professor e que este tenha
presente a necessidade de democratizar o ensino. Este é
concebido como • ~s
um processo sistemático e intencional
e ,
ANTONIA OSIMA LOPES *
de transmissão de conteúdos culturais e científicos. É
evidente que a Didática, por si, não é condição suficien-
te para a formação do professor crítico. Não resta dúvida N rática pedagógica' atual o processo de planeja-
de que a tomada de consciência e o desvelamento das IILo d ensino tem sido objeto de constantes indaga-
contradições que permeiam a dinâmica da sala de .aula <lu nto à sua validade como efetivo instrumento de
111,
II são pontos de partida para a construção de uma Didá- 11 11' a qualitativa do trabalho do professor. As razões
tica crítica, contextualizada e socialmente eomprome- L ndagações são múltiplas e se apresentam em
ti da com a formação do professor.
fJ~CQ ~/h'~~
BIBLIOGRAFIA
o, rv:, clL ~ A
diferentes na prática docente.
V vêncía do cotidiano escolar nos tem evidenciado
menos bastante questionáveis nesse sentido. Percebe-
.

• di feio, que os objetivos educacionais propostos nos


CANDAU, Vera M. A Didática e a formação de educadores - da exaltação 1111 (Ul08 dos cursos apresentam-se confusos e desvin-
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Associados, 1983.
"'-----o A filosofia da educação no Brasil e sua vinculação pela Revista
-ados como simples instrumentos de ilustração
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IhJ !.o: I muitas vezes até inadequados aos objetivos e
11I111 úd estudados.

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