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Políticas públicas e gestão

da educação no Brasil

Elma Júlia Gonçalves de Carvalho


Sumário

Prefácio.....................................................................................................................................................1

Apresentação...........................................................................................................................................4

Introdução...............................................................................................................................................7

1. Breve histórico da disciplina..............................................................................................................8


2. Considerações teórico-metodológicas............................................................................................10
3. Política e gestão da educação: explorando o significado dos termos........................................14
3.1. Política, políticas públicas e política educativa...........................................................................14
3.2. Administração vesus gestão da educação......................................................................................21
3.3. Gestão educacional e gestão escolar............................................................................................25

Primeira Parte
A educação como política pública

Capítulo 1

A origem da educação pública no contexto mundial ..............................................................30


1. Antecedentes da escola pública........................................................................................................31
2. A criação da escola pública nacional no final do século XIX.....................................................39
3. A expansão dos sistemas educativos no século XX.....................................................................44

Segunda Parte
A educação como política pública no Brasil

Capítulo 2

Antecedentes históricos ...................................................................................................................53

1. A Educação Jesuítica (1549-1759): educação pública religiosa..................................................54


1.2 Aulas régias (1759-1827): primeira tentativa de instaurar uma escola
Pública estatal ........................................................................................................................................61
1.3 As primeiras tentativas de organizar a educação como responsabilidade
do poder público (1827-1890).............................................................................................................73
Capítulo 3

A educação pública propriamente dita.........................................................................................86

1. 1ª República (1890-1930): A criação das escolas primárias nos estados....................................86


2. A regulamentação da educação em âmbito nacional (1931-1961)............................................100
2.1 A Educação na Constituição de 1934.........................................................................................108
2.2 A educação no Estado Novo.......................................................................................................109
2.2.1 A Educação na Constituição de 1937......................................................................................110
2.2.2 A Educação nas Leis Orgânicas do Ensino............................................................................118
2.3 A Educação na Constituição de 1946.........................................................................................120
3. A unificação e regulamentação da educação nacional (1961-1996)..........................................127
3.1. LDB 4024/61 - A primeira lei geral da educação brasileira...................................................127
3.2 A Educação no Período Militar (1964-1985)............................................................................132
3.3. A educação em tempos de transição (1985-1990)...................................................................154
4. Os novos rumos da educação........................................................................................................158
4.1 O novo cenário mundial...............................................................................................................158
4.2 O novo modelo de organização produtiva................................................................................159
4.3 A redefinição do papel do Estado...............................................................................................161
4.4 Administração pública gerencial – um novo paradigma de
administração pública ........................................................................................................................163
4.5 A reforma administrativa do Estado brasileiro.........................................................................165
5. As políticas públicas para a educação brasileira na década de 90.............................................166
5.1 Orientações internacionais para a educação..............................................................................171
5.2 Planejamentos e planos para a educação brasileira na década de 90.................................... 180

Algumas considerações...................................................................................................................219

Referências bibliográficas..............................................................................................................224
Prefácio

Resultado de vários anos de magistério universitário e de estudos e pesquisas no âmbito


das políticas educativas este livro reconstrói a trajetória histórica das políticas públicas no Brasil
evidenciando problemas e encaminhamentos relativos à gestão da educação nas escolas brasileiras.
Foi, portanto, com base em uma longa experiência de ensino e de pesquisa que a autora
elaborou esta obra como subsídio não apenas ao desenvolvimento da disciplina “Políticas Públicas
e Gestão da Educação Brasileira”, mas também ao processo global de formação docente levado a
efeito nos cursos de pedagogia e licenciatura. Tendo presente esse objetivo a obra trata, em
perspectiva histórica, da gênese da educação pública no contexto geral do desenvolvimento da
sociedade moderna e no contexto brasileiro em particular, evidenciando as políticas públicas
formuladas para o campo da educação e suas implicações para a gestão educacional.
Para dar conta da temática proposta o plano da exposição foi estruturado em duas partes
precedidas de uma introdução.
Na Introdução procedeu-se a esclarecimentos relativos à disciplina “Políticas Públicas e
Gestão da Educação”, à opção teórico-metodológica adotada no trabalho e ao significado da
expressão “política e gestão da educação”.
A primeira parte, composta de um capítulo único (Cap. I), trata da educação como política
pública no contexto mundial.
A segunda parte tem como objeto a educação como política pública no contexto brasileiro,
tratada em dois capítulos versando sobre os antecedentes históricos da constituição da educação
publica (Cap. II) e sobre a educação pública propriamente dita (Cap. III).
Completa o texto um conjunto de considerações que retomam os aspectos principais
desenvolvidos no livro e se explicita o significado das reformas empreendidas na década final do
século XX as quais colocaram em primeiro plano a gestão da educação como mecanismo
destacado da implantação das referidas reformas em substituição às noções anteriores de
administração educacional e estrutura e funcionamento do ensino.
Em síntese, o livro versa sobre as políticas públicas e a gestão da educação abordando, em
perspectiva histórica, o contexto internacional como pano de fundo para se deter na caracterização
da trajetória das políticas educativas na história da educação brasileira.

1
Armada de um método explicitamente assumido, corretamente compreendido e aplicado
de forma coerente, Elma Júlia deu conta do seu objeto de estudo de forma segura incorporando à
área de política e gestão da educação um conteúdo original pela forma como o tema foi abordado
e pela perspectiva teórico-metodológica adotada no tratamento das fontes e na análise e
interpretação dos resultados.
Trata-se, sem dúvida, de um trabalho de inegável atualidade trazendo contribuições
importantes para a compreensão do tema e para sua socialização por meio do trabalho pedagógico
realizado na disciplina “Políticas Públicas e Gestão da Educação Brasileira”.
Mas se o público alvo imediato e direto são os professores e alunos da disciplina “Políticas
públicas e gestão da educação brasileira”, considerando-se que o livro situa a questão específica no
quadro mais amplo da abordagem histórica o público se amplia para abarcar todo o campo dos
profissionais da educação.
Tendo em vista a atualidade e relevância do tema; a clareza da linguagem e consistência da
fundamentação; a contribuição importante que traz para a compreensão do assunto tratado; a
utilidade do material para as atividades dos gestores dos vários níveis e modalidades da educação
básica e dos professores e estudantes dos cursos de pedagogia e demais cursos de formação de
professores, a publicação desta obra se revela extremamente oportuna.
Efetivamente a gestão da educação é um tema que interessa sobremaneira a todo e
qualquer docente. Isto porque o professor atua num contexto educacional em que os problemas
de organização e gestão lhe dizem respeito diretamente mesmo que ele não se envolva nas
atividades específicas de caráter gestionário. Além disso, como sabemos, as políticas educativas em
vigor, desde as determinações constitucionais passando pela LDB e chegando às orientações
específicas emanadas dos Conselhos de Educação e dos órgãos administrativos nos níveis federal,
estadual e municipal, pautando-se pelo conceito de “gestão democrática do ensino público”
exigem dos professores também sua participação na gestão da educação. Daí a importância da
leitura desta obra para todos os professores, tanto aqueles que se encontram em processo de
formação nos cursos de pedagogia e licenciatura, como os que já estão em pleno exercício de suas
funções docentes.
Este livro vem a lume, portanto, em boa hora. Seu estudo representará uma importante
contribuição ao aprimoramento da formação e da prática docente das quais depende diretamente a
solução da hoje momentosa questão da qualidade do ensino nas escolas de educação básica de
nosso país.

2
São Sepé, 3 de janeiro de 2011.

Dermeval Saviani.

Sem um corpo docente bem formado, atuando em condições adequadas de trabalho, com
salários condizentes com uma profissão socialmente valorizada não haverá solução para o
problema da qualidade da nossa educação básica.

3
Apresentação
__________________________________

As reformas educacionais brasileiras ocorridas a partir de 1990, especialmente as que


resultaram na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), apontam para
profundas alterações no financiamento, organização e gestão da educação. Dentre os pontos que
mais se destacam, tem-se a gestão democrática da escola pública, entendida como sinônimo de
participação da comunidade, de autonomia e descentralização administrativa. Propõem-se, como
principais instrumentos de gestão escolar democrática, a criação dos conselhos escolares, dos
grêmios estudantis, a realização de conselhos de classe, a elaboração dos projetos político-
pedagógicos no âmbito dos estabelecimentos de ensino, a escolha direta de diretores, dentre
outros.
Como nesse contexto, os docentes assumem novas responsabilidades, além das de
ministrar aulas, devendo também participar nas atividades administrativas da escola e como tais
mudanças exigem dos educadores novas posturas e conhecimentos a respeito de suas funções,
consideramos oportuno oferecer-lhes subsídios teóricos referentes à estrutura, funcionamento,
organização e gestão da educação no Brasil e, ao mesmo tempo, focalizar seus aspectos legais
(diretrizes, normas, procedimentos administrativos), políticos (programas e projetos
governamentais) e históricos.
Dessa maneira o livro foi composto com base nos seguintes objetivos específicos:
identificar as necessidades e as dinâmicas sociais em que as reformas foram produzidas e aplicadas,
isto é, discutir lógicas, as relações de poder e as contradições que nelas se manifestam, bem como
suas conseqüências; situar em um contexto mais amplo as atividades profissionais dos docentes,
considerando que esse contexto influencia a organização e a gestão, também as práticas
pedagógicas; oferecer elementos para a compreensão crítica das políticas educacionais na
atualidade. Esperamos que o livro seja utilizado por docentes e discentes dos cursos de pedagogia
e demais licenciaturas, especialmente na disciplina de Políticas Públicas e Gestão da Educação
Brasileira, bem como pelos docentes em exercício profissional nas escolas de educação básica.
O livro está estruturado em uma introdução e duas grandes partes.

4
Na introdução, apresentamos um breve histórico da disciplina, tecendo algumas
considerações teórico-metodológicas a fim de orientar as discussões e explorar a dimensão
conceitual dos termos política e gestão da educação.
Na primeira parte, “a educação como política pública”, descrevemos o processo de
construção da escola pública nas nações capitalistas mais desenvolvidas, distinguindo-o em duas
grandes etapas. A dos antecedentes históricos, que explica por que a escola pública tem origem no
final do século XIX. Ao descrever esse momento, procuramos identificar as necessidades
históricas que levaram a sociedade burguesa, não só a criar escolas para as camadas populares, mas
criar leis de obrigatoriedade para freqüentá-las. A segunda etapa, é a da escola pública
propriamente dita, ocorrida no século XX, quando se deu a expansão dos sistemas públicos
nacionais de educação e a escola se tornou um direito de todos e um dever do Estado.
Na segunda parte, abordaremos “a educação como política pública no Brasil”. Pautando-
nos na periodização sugerida por Saviani (2005), esta parte foi dividida em dois momentos. O
primeiro compreende os “antecedentes históricos da escola pública no Brasil”, ou seja, o da
educação jesuítica (1549-1759); o das “aulas régias” instituídas pela reforma pombalina (1759-
1827); 2) e o das primeiras tentativas, descontínuas e intermitentes, de se organizar a educação
como responsabilidade do governo imperial e dos governos das províncias (1827-1890). O
segundo momento é da “escola pública propriamente dita” e inicia-se em 1890, com a República,
quando são feitas as primeiras tentativas para criar um sistema de ensino sob a responsabilidade do
poder público. Abordaremos três etapas desse processo: 1) a da criação de escolas primárias nos
estados (1890-1931); 2) a da regulamentação da educação em âmbito nacional (1931-1961); 3) a da
unificação e regulamentação da educação nacional abrangendo as redes públicas (municipal,
estadual e federal) e privada (1961-1996). Finalizaremos esta parte discutindo “os novos rumos da
educação”, nela apontaremos as principais mudanças administrativas, organizacionais, políticas e
econômicas ocorridas a partir de 1990. Essas mudanças se traduzem na nova legislação da
educação, especialmente na Lei 9394/96, e nos planos e projetos governamentais da União.
Considerando que a União é a instância formuladora da política nacional de educação,
estabelecemos como objetivo principal deste item discutir o novo papel do Estado em suas
relações com o setor privado e com a sociedade civil, bem como os novos rumos assumidos pelas
políticas públicas no Brasil, especialmente no campo da educação. Destacamos, nessa parte, o
recuo do Estado como prestador direto dos serviços educacionais, porque isto, de certo modo,
abala as antigas referências em relação à responsabilidade direta do Estado sobre o financiamento
da educação e sobre o projeto de um sistema nacional de educação.

5
Ao final são feitas algumas considerações sobre as mudanças que estão ocorrendo
atualmente e nos perguntamos se tais mudanças representariam um retrocesso na definição de
uma política unitária e universal. Estaria em curso a (des) construção da escola pública como um
processo formalizado, sistemático, universal e público?
O desafio que se coloca é o debate sobre o tema, com a finalidade de ampliar sua
compreensão e de subsidiar a atuação dos educadores nas práticas de organização e gestão da
escola, para que, em suas ações cotidianas, possam intervir de modo a concorrer para a construção
de uma educação de caráter público e universal.

Maringá, 17 de junho de 2010.


A autora

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Introdução
_________________________________

A formação do professor requer não apenas conhecimentos sobre conteúdos e métodos


pedagógicos, mas também sobre a legislação, estrutura organizacional e gestão da educação e da
escola. Isto porque, “[...] o professor já não é considerado apenas como o profissional que atua em
uma sala de aula, mas também como membro de uma equipe docente, realizando tarefas com
responsabilidade ampliada no conjunto das atividades escolares”. Ou seja, como “um participante
ativo, cooperativo e reflexivo na equipe docente, discutindo no grupo suas concepções, práticas e
experiências e participando do projeto pedagógico da escola1” (LIBÂNEO, OLIVEIRA e
TOSCHI, 2008, p. 37), e como co-responsável “tanto na organização e na gestão da escola, por
meio de sua participação nos processos organizacionais e na tomada de decisões, como nas
relações da escola com a comunidade” (Ibid., p. 38).
Por isso, para o exercício consciente e competente de suas funções, importa, na formação
inicial do professor, bem como na formação continuada, conhecer as políticas educacionais, os
planos, as diretrizes e a legislação do sistema de ensino que, em última instância, regulam a sua
atuação.
O presente trabalho destina-se a proporcionar aos professores e futuros professores
subsídios para a compreensão das políticas educacionais e da gestão da educação, considerando o
contexto social, econômico e político em que foram produzidas. Isto porque, por entendermos a
escola como parte integrante e inseparável da realidade histórico-social, nos parece primordial que
os professores, para o desempenho de suas funções, conheçam e analisem a escola em toda a sua
complexidade. Ou seja, as determinações sociais, políticas e econômicas, as relações de poder
implícitas nas decisões administrativas e pedagógicas do sistema, bem como elas afetam as
decisões e as ações no cotidiano da escola e da sala de aula.
A importância desses estudos nos é revelada por Libâneo et. al. (2008, p. 38), quando
afirmam que:

1Conforme Libâneo et al. (2008, p. 306), “o projeto pedagógico-curricular é um documento que expressa as intenções,
os objetivos, as aspirações, de um processo de escolarização e inclui a proposta curricular. As práticas de organização e
gestão põe em prática o que foi planejado”.

7
[...] deve-se, também, ao fato de o exercício profissional docente estar
relacionado aos fins e às praticas do sistema escolar mais amplo e ao contexto
social [...] É certo que a sala de aula representa o principal espaço de atuação dos
professores, mas a prática docente não acontece apenas ali. Ressalta-se, assim, a
importância de compreender as ligações do espaço escolar com o sistema de
ensino e com o sistema social, para articular as práticas pedagógico-didáticas com
as demais práticas sociais concorrentes.

Para darmos início à discussão tecermos um breve histórico dos estudos disciplinares
relacionados à estrutura2, organização3 e administração da educação no Brasil, a fim de conhecer
sua trajetória nos cursos de formação de professores.

1. Breve histórico da disciplina

As Políticas Públicas e Gestão da Educação como disciplina e como campo de estudo tem uma
origem nos anos 90. No entanto, na história dos cursos de Pedagogia e das licenciaturas, desde a
estruturação do curso de Pedagogia em 1939 se ministravam Noções de Administração Escolar,
estando presente a preocupação com os aspectos legais e administrativos da escola (LIBÂNEO et.
al. 1998).
Através do Pareceres nº 251/62 e nº 292/62, do Conselho Federal de Educação, que
fixavam o currículo mínimo dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas respectivamente, a disciplina
Elementos da Administração Escolar consta como disciplina obrigatória. Conforme Libâneo et. al.
(1998, p. 39), o objetivo “levar o licenciado a conhecer a escola em que iria atuar, seus objetivos,
sua estrutura e seus principais aspectos de funcionamento”.
Com o advento da Reforma do Ensino Superior de 1968 – Lei 5.540/68, a disciplina
Estrutura e Funcionamento do Ensino passou a fazer parte dos currículos dos Cursos de Pedagogia e de
outras Licenciaturas. Em cumprimento as determinações legais da Lei nº 5540/68, que definia que

2 “Estrutura indicaria a anatomia do ensino (os órgãos que o constituem, suas características básicas)” (SAVIANI,
2009, p. 6). Conforme Libâneo et al. (2008, p. 338), “para atingir suas finalidades, as instituições determinam papéis e
responsabilidades. A maneira pela qual compreendem a divisão de tarefas e de responsabilidades e o relacionamento
entre os vários setores determinam a estrutura organizacional” Segundo os autores, “toda instituição escolar possui
uma estrutura de organização interna, geralmente prevista no regimento escolar ou em legislação específica estadual ou
municipal. O termo estrutura tem aqui o sentido de ordenamento e de disposição de setores e funções que asseguram o
funcionamento de um todo – no caso, a escola” (Ibid., p. 339).
3 Organizar significa dispor de forma ordenada, articular as partes de um todo, prover condições necessárias para

realizar uma ação. Em relação à escola, segundo Oliveira (2008, p. 133), “a organização do trabalho escolar é um
conceito econômico, refere-se à divisão do trabalho na escola. Podemos considerá-la a forma como o trabalho do
professor e dos demais trabalhadores é organizada na instituição escolar, visando atingir os objetivos da escola ou do
sistema. Refere-se à forma como as atividades estão discriminadas, como os tempos estão divididos, a distribuição das
tarefas e competências, as relações de hierarquia que refletem relações de poder, entre outras características inerentes à
forma como o trabalho é organizado”. Já o termo “organização escolar” “refere-se às condições objetivas sob as quais
o ensino está estruturado. Das competências administrativas de cada órgão do poder público ao currículo que se
pratica em sala de aula, passando pelas metodologias de ensino e processos de avaliação adotados” (Ibid., p. 134).

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ao Conselho Federal de Educação caberia fixar o currículo mínimo e a duração mínima dos cursos
superiores (Art. 26), os Pareceres o n° 252/69 e 672/69 do CFE, incluíram a disciplina Estrutura e
Funcionamento do Ensino do 2º Grau como matéria obrigatória nos Cursos de Licenciatura e em todas
as Habilitações dos cursos de Pedagogia, em substituição a disciplina de Administração Escolar. E,
após a Lei 5692/714, que institui o ensino de 1º e 2º graus, com base no Parecer 45/72 do
Conselho Federal de Educação, tornou-se obrigatória a disciplina de Estrutura e Funcionamento do
Ensino do 1º Grau, no ensino de 2° grau na Habilitação Magistério – 1a à 4a séries.
Essa substituição revelou a preocupação em ampliar o debate para além dos aspectos
específicos à administração escolar, conforme podemos observar no Parecer 349/72 do CFE, que
ao tratar da natureza dessa disciplina, define que:

A estrutura e funcionamento do ensino deve ser estudada a partir dos


fundamentos legais, técnicos e administrativos do nível escolar em que o futuro
mestre irá atuar. Deve o futuro professor saber utilizar os conhecimentos
adquiridos no diagnóstico do sistema educacional no Brasil, tomando
conhecimento dos problemas, suas causas e consequências, a fim de que, ciente
de sua parcela de responsabilidade, procure solucionar ou atenuar os problemas,
diminuindo seus efeitos. Indispensáveis, por exemplo, desenvolver a habilidade
no manuseio dos dados, gráficos e medidas estatísticas utilizadas em educação,
proporcionando condições favoráveis à formação de uma atitude crítica e
objetiva em face de fatos, problemas, soluções e decisões.

Cabe dizer que essa regulamentação permaneceu em vigor até 1996. Nesse período, a
disciplina assumiu neste período um enfoque sistêmico e normativo. Era focada, portanto, no
saber técnico e operacional. O seu programa, em geral, restringia-se ao estudo da organização dos
sistemas educativos, das normas, da legislação e da administração das escolas, sem estabelecer um
quadro teórico que permitisse compreender esses aspectos. Apoiava-se nos primeiros livros
didáticos sobre a Reforma do Ensino e/ou especificamente de Estrutura e Funcionamento do
Ensino 1° e 2° graus. Isso decorreu do enfoque tecnicista que predominou na educação brasileira
nesse período.
A partir dos anos 80 a disciplina passou a sofrer violentas críticas, porque ideologicamente
era relacionada à Ditadura Militar. Além disso, considerava-se que sua forma de abordagem
ocorria nos limites estreitos e acríticos do enfoque sistêmico e normativo. Não faltaram propostas
para sua extirpação dos currículos; no entanto, isso não seria possível sem uma reformulação da
legislação. Outras propostas propunham sua modificação metodológica visando a superação do
seu caráter tradicional. Deste ângulo, se tornaria um “Fórum de Debates” dos problemas e das

4Com a aprovação da Lei de 71, alterou-se a denominação da disciplina nos cursos de Pedagogia e Licenciaturas para
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus (LIBÂNEO et. al., 2008).

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políticas educacionais. Apesar dessas propostas e de algumas modificações curriculares, ainda
predominava a perspectiva teórico-metodológica instituída na década de 70.
Nos anos 90, embora as perspectivas tradicionais continuassem presentes, ela sofreu
profunda reformulação e entrou numa nova fase. Com base nas novas orientações, a disciplina não
só assumiu novas denominações, dentre as quais Estrutura e Funcionamento da Educação Brasileira e
Políticas Educacionais e Funcionamento da Escola, como também passou a desenvolver um novo papel
na formação do profissional da educação, ou seja, o de permitir o conhecimento da legislação e
das políticas educacionais, interpretando não apenas os seus aspectos legais, mas, sobretudo,
revelando as necessidades e as dinâmicas sociais em que elas foram produzidas e aplicadas.
O objetivo era perceber as lógicas, as relações de poder, as contradições e conseqüências
dessas mesmas políticas. Também se objetivava permitir o conhecimento e a interpretação crítica
da organização educativa e dos princípios normativos em face das mudanças sociais, a redefinição
do papel do Estado, a adoção de novos modelos de gestão pública e as novas formas da relação
entre público e privado. Esta perspectiva, centrada na análise crítica e interpretativa da política
educativa, alargou seu campo empírico e incorporou contribuições de algumas das ciências sociais,
em particular, a administração, a gestão, a sociologia, as ciências políticas, o direito e a economia.
Embora o objeto de estudo continue a ser a escola e a organização do ensino, a partir daí
não apenas foi dado novo um enfoque à disciplina; ela começou também a receber uma nova
nomenclatura - “Políticas Públicas e Gestão Educacional”. Isso passou a ocorrer tanto no domínio da
formação acadêmica quanto da investigação científica.

2. Considerações teórico-metodológicas

Neste item pretendemos oferecer alguns elementos teórico-metodológicos que auxiliam na


compreensão das políticas públicas e da gestão da educação brasileira, dentre as quais:

a) Pensar a ação educativa significa compreendê-la como algo mais amplo que a atividade escolar.
Significa ultrapassar os limites da prática pedagógica, para compreendê-la como um fenômeno
social, ou seja, como algo que vai sendo construído historicamente, a partir das necessidades
materiais surgidas socialmente.
Essas discussões sobre a dinâmica da sociedade contribuem para uma percepção mais
ampla da realidade educacional através da qual nos tornamos capazes de perceber que os
problemas educacionais não se esgotam no âmbito da prática pedagógica. Ao mesmo tempo
permite entender porque ela assume formas históricas diferentes. Nestes termos, a análise histórica

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é indispensável para a compreensão das políticas públicas no campo educacional e, ao mesmo
tempo, para o desvelamento de seus novos significados e sentidos.
Em geral, pensamos a educação como uma esfera autônoma da vida material dos homens,
na qual os modelos educacionais são apresentados como se um fosse mais avançado do que outro
e, portanto, deve substituí-lo. Também há uma tendência de se considerar que tudo o que foi feito,
em termos de educação, está errado, ao passo que aquilo que se propõe a partir de agora é o
caminho mais adequado. Como conseqüência cria-se uma ilusão de que existe uma história da
evolução da educação, a qual nos impede de ter uma visão mais ampla e mais concreta desse
aspecto da vida humana. Ou seja, temos a dificuldade de vê-lo como parte integrante e inseparável
dos demais fenômenos que compõem a realidade histórico-social e dos problemas inerentes a essa
realidade.
Essa postura implica considerar que a escola, bem como a sociedade que a inclui, não é
algo já dado e acabado, mas vive um processo contínuo de mudanças. Também implica considerar
a escola concomitantemente como reprodução/transformação da realidade histórica social
existente. Para FRANCO (1991, p. 55),

[...] Isto significa que a escola, como elemento determinado, não deixa de
influenciar os elementos determinantes. O fato de os fenômenos sociais
existirem em dependência recíproca, contudo, não deve levá-lo ao equívoco de
concebê-los como equivalentes, como se tivessem forças idênticas na
modificação da ordem social existente [...] De fato, na totalidade social existe um
jogo de ações recíprocas entre forças que são desiguais e, nesse sentido, a
educação (e, particularmente, a escola) está relativamente subordinada à
economia e à política.

Entretanto, o próprio autor adverte que, “a maneira como a escola tem organizado o seu
trabalho pedagógico não é uma fatalidade histórica” (Ibid., p. 64). Assim,

[...] não basta atribuir todas as responsabilidades pelos problemas escolares aos
fatores externos à escola. Que os fatores externos são determinantes e interferem
no trabalho escolar nos parece inquestionável. Aceitar pura e simplesmente essa
realidade, no entanto, é cair na resignação, na impotência, no imobilismo, é
recusar o desafio. O homem é um ser condicionado socialmente, mas, ao mesmo
tempo, modifica intencionalmente as condições sociais herdadas das gerações
passadas (Ibid., p. 64).

Com base nesta perspectiva de análise, queremos reafirmar a necessidade de apreendermos


o fenômeno educativo na dinâmica das relações sociais que o produzem. A ação pedagógica
contemporânea deve ser entendida como capaz de conhecer a realidade concreta na sua totalidade,
entender que existe um jogo de forças na sociedade que interfere com um poder de força muito
maior do que a educação escolar sobre o educando. O educador trabalha com o indivíduo em

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particular, mas para isso deve conhecer os nexos que o ligam à sociedade. Para isso, deve possuir
uma compreensão teórica de como o indivíduo está ligado à história e à sociedade. Pode assim
compreender os limites e possibilidades da prática educativa, ter clareza de até onde pode ir, qual é
de fato sua competência. Por outro lado, tem condições também para não assumir qualquer
bandeira, especialmente aquelas que transformam a educação em simples modismos, ou para evitar
a tendência de considerar que tanto os problemas com os quais a sociedade se defronta como sua
solução são problemas inerentes à instituição escolar.

b) As novas “concepções hegemônicas”, que substituem os velhos preceitos educacionais,


expressam mudanças sociais. Essa compreensão é fundamental para entendermos os novos
movimentos sociais e apreendermos os rumos da prática educativa e sua significação no interior da
sociedade.
Neste sentido, o estudo da educação brasileira, com ênfase nos aspectos legais, estruturais,
políticos e administrativos, tem como objetivo fornecer ao futuro profissional da educação
subsídios para a compreensão de que as mudanças vivenciadas pelo sistema organizacional da
educação estão relacionadas às transformações mais amplas da sociedade. Estão relacionadas ao
mundo do trabalho e da produção, às suas repercussões nos demais aspectos das relações humanas
e na consciência dos homens, especialmente na forma como o Estado atua na sociedade e nas
políticas públicas que ele elege como prioritárias.
As políticas públicas e as políticas educativas expressam as relações entre Estado e
sociedade; por isso, as ações do Estado devem ser vistas não em sua particularidade, mas como
manifestações das relações sociais. Isto significa dizer que o Estado não deve ser considerado
como uma entidade em si mesma, e sim como uma instituição que resulta e age sobre a
materialidade social que o constitui, ou seja, ao mesmo tempo como produto e modelador das
relações entre os homens. Isso implica ter em conta que o papel do Estado decorre das relações
econômicas de produção e reprodução das relações sociais, do desenvolvimento das forças
produtivas e das condições de troca.
O Estado não representa algo que paira acima da sociedade ou do bem comum, mas é
expressão política da estrutura de classes inerente à produção. Embora o Estado Constitucional
coloque-se como representante dos interesses gerais, ele não está acima dos conflitos, mas,
profundamente envolvido neles, insere-se e define-se pelos próprios conflitos e contradições da
vida material, sendo simultaneamente um fator de coesão e regulamentação social. Nestes termos,
é fundamental considerar o Estado “como arena de confrontação” e, como tal,

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[...] reflete não apenas as vicissitudes das lutas sociais, as tensões nos acordos e
desacordos entre grupos sociais e elites, mas também as dificuldades e
contradições que resultam da tentativa de estabelecer uma ação coerente e
unificada dentro da moldura de um dado projeto cultural, social e político.

De tal perspectiva, a

política pública, como que parte de um projeto de dominação, é ao mesmo


tempo uma arena de luta e uma caixa de ressonância para a sociedade civil.
Quando a política pública é definida e implantada, tensões e contradições,
acordos e desacordos entre movimentos sociais, elites, grupos burocráticos,
indivíduos e comunidades ocorrem diariamente [...] (TORRES, 2001, p. 42).

Deste modo, as políticas públicas são consideradas como resultado das contradições
sociais que, por sua vez, repercutem na estrutura do próprio Estado. Estas contradições, que
engendram a realização concreta de suas ações e dão forma à sua organização, explicam a atuação
contraditória do Estado capitalista; criar condições que favoreçam ao mesmo tempo a acumulação
de capital e a reprodução da força de trabalho. Isto significa dizer que as políticas públicas
resultam do conjunto das relações sociais e não apenas da vontade/imposição de uma classe em
particular.

c) A educação é um espaço permanentemente atravessado por lutas, conflitos e contradições


sociais. Assim, a análise dos aspectos legais e estruturais pressupõe a análise dos conflitos e
contradições sociais, das idéias e interesses que se contrapõem ou se tornam hegemônicos em
determinados momentos históricos e se consolidam em conjuntos sistematizados de leis e
regulamentos ou “reformas de ensino”.

d) Quando se toma como pressuposto que as políticas educacionais respondem às lutas e aos
embates de uma época, a legislação, ou norma jurídica, não será compreendida como isenta da
trama de interesses de grupos. Será entendida como algo que provém de numerosas forças difusas
pela sociedade, as quais participando direta ou indiretamente do poder, fazem-se representar no
poder legislativo, e aí se condensa e se exprime como uma decisão social, como lei.
Com base nesta concepção, ao tomarmos a legislação educacional ou as reformas de
ensino como referencial de análise da educação brasileira entendemos que, subjacente ao estatuto
legal, encontram-se forças econômicas, políticas e sociais em dinâmico processo de antagonismo e
de conquista hegemônica de seus interesses. Consideramos que, desde o processo de elaboração e
de promulgação de uma lei, tendem a surgir vozes discordantes à tendência dominante, manifesta-
se a correlação de forças entre interesses opostos.

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Com estas considerações, estamos propondo um estudo que dê conta da complexidade
com que a política educativa é produzida. Por isso, diferentemente da maioria das análises em que
focalizam as reformas como um meio de promover a melhoria do ensino, ou para se atingir um
patamar mais desenvolvido, consideramos que elas devem ser interpretadas como algo que se faz
em meio a confrontos e antagonismos que, originando-se na sociedade, manifestam-se também no
debate educacional.

3. Política e gestão da educação: explorando o significado dos termos

Os termos política e gestão são de uso corrente no campo da educação. Embora familiares,
têm significado ou significados distintos que julgamos oportuno investigar. Neste tópico,
pretendemos explorar a dimensão conceitual desses termos, esclarecendo e aprofundando o
entendimento que se tem deles, bem como detectando a relação de reciprocidade que guardam
entre si.

3.1. Política, políticas públicas e política educativa

De acordo com Shiroma et al (2004), o termo política, em sua acepção clássica, deriva de
um adjetivo relacionado a polis – politikós, que se refere a tudo o que diz respeito a cidade, vida
urbana, civil, coisa pública e interesses comuns. Essas autoras classificam a obra de Aristóteles,
Política, como o primeiro tratado sobre o tema.
De fato, nessa obra, Aristóteles discute as funções e divisões do Estado, a natureza das
várias formas de governo, o que compete a um bom governo e a um bom cidadão, bem como às
demais instituições sociais (família, religião, poder militar, legislativo, executivo e judiciário e
educação). Para ele, a “política” pertence ao grupo das ciências práticas, ou seja, daquelas que
buscam o conhecimento como um meio para a ação. Nesse sentido, política também passou a
significar o estudo ou saber construído sobre essa atividade (PEREIRA, 2008, p. 88).
Na atualidade, Bobbio (2000) passou a designar política como um campo de estudo
voltado para as atividades do Estado. Nessa acepção, conforme Shiroma et al (2004, p. 7), o termo
refere-se “à atividade ou conjunto de atividades, que, de uma forma ou de outra, são imputadas ao
Estado moderno capitalista ou dele emanam”. O conceito de política é, assim, associado ao poder
do Estado de “ordenar, planejar, legislar, intervir e controlar” a sociedade.
Dessa forma, o conceito de política passa a ser cada vez mais relacionado ao de
poder. Antony Giddens (Apud, TEODORO, 2001, p. 47), por exemplo, ao definir política como

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os “meios através dos quais o poder é empregue, de modo a influenciar a natureza e os conteúdos
da actividade governamental”, sublinha a importância do poder. Segundo Teodoro, o autor inclui
na esfera do político “não apenas as actividades dos titulares dos órgãos políticos de governo, mas
igualmente as acções de grupos e indivíduos exteriores ao seu aparelho mas que tentam influir nas
suas decisões” (Ibid., p. 47). Isso nos permite afirmar que o exercício do poder é um jogo de
forças antagônicas em que há uma dominação eventual, mas com uma margem de liberdade e
possibilidade de ação. Isso implica o entendimento de que política, mesmo associada à centralidade
de poder, pode ser entendida não como uma resposta simples e direta aos interesses dominantes,
mas como produto de uma correlação de forças entre os grupos sociais. É por isso é possível “a
formação de contra poderes e a busca de ganhos para a comunidade e de ampliação da cidadania”
(PEREIRA, 2008, p. 91). Höfling (2001, p. 39), ao comentar sobre o processo de definição de
políticas públicas para a sociedade, diz:

Indiscutivelmente, as formas de organização, o poder de pressão e articulação de


diferentes grupos sociais no processo de estabelecimento e reivindicação de
demandas são fatores fundamentais na conquista de novos e mais amplos
direitos sociais, incorporados ao exercício da cidadania.

Importa ressaltar que, embora se relacionem entre si, já que ambas, em sua essência estão
ligadas ao Estado, política e políticas públicas possuem significados distintos. Política é um
conceito amplo, relativo ao poder em geral e a um processo de tomada de decisão a respeito de
prioridades, metas e meios para alcançá-las. É imperativo ao Estado fazer escolhas quanto à área
em que irá atuar, por que e como atuar. Por outro lado, porém, o processo de tomada de decisão
não é unilateral, envolve negociações sociais, conforme veremos adiante.
As políticas públicas referem-se ao conjunto de objetivos ou de intenções que, em termos de
opções e prioridades, dão forma a um determinado programa de ação governamental,
condicionando sua execução. Emanadas do próprio Estado, que é responsável por sua formulação
e execução, revelam suas características e formas de intervenção. Assim, a política pública
encontra-se articulada ao significado mais amplo de política, sendo caracterizada pelas iniciativas
governamentais, diretrizes, planos e programas, ou seja, ações planejadas, implantadas como
resposta aos problemas socialmente relevantes, como garantia de direitos sociais e que visam à
redistribuição de benefícios, tais como: saúde, educação, previdência, moradia, saneamento, etc.
Em outros termos, a política pública “visa concretizar direitos sociais conquistados pela sociedade e
incorporados na lei”, como também prover bens públicos e garanti-los de forma universal, ou seja,
a todos indistintamente (PEREIRA, 2008, p. 99, grifo nosso).

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Embora emanadas do Estado, as políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas
estatais, isto porque “para sua existência, a sociedade também exerce um papel ativo e decisivo; e o
termo político é muito mais abrangente que estatal” (Ibid., p. 94). Portanto, segundo a autora,
“política pública implica sempre, e simultaneamente, intervenção do Estado, envolvendo
diferentes atores (governamentais e não-governamentais, seja por meio de demandas, suportes e
apoios, seja mediante o controle democrático” (Ibid., p. 96).
Cabe, ainda, salientar que política pública não significa só ação. Como bem lembra Pereira
(2008, p. 97), “pode ser também não-ação intencional de uma autoridade pública frente a um
problema ou responsabilidade de sua competência”. Ou seja, “o que o governo escolhe ou não
escolhe fazer” quando define sua agenda política.
A política pública constitui-se numa modalidade particular de intervenção estatal guiada
pelo interesse comum, com vistas a promover o bem estar geral. Por isso, “refere-se a medidas e
formas de ação formuladas e executadas com vistas ao entendimento de legítimas demandas e
necessidades sociais (e não individuais)” (Ibid., p. 96).
O conjunto das políticas públicas, voltadas para o campo da proteção social, constitui-se o
a política social. Segundo Saviani, a necessidade de formulação de uma política social decorre do
caráter anti-social da economia. De acordo com suas palavras:

A “política social” é uma expressão típica da sociedade capitalista, que a produz


como um antídoto para compensar o caráter anti-social da economia própria
dessa sociedade. Entretanto, a determinação econômica projeta sobre a “política
social” o seu caráter anti-social, limitando-a e circunscrevendo o seu papel à
ações tópicas que concorram para a preservação da ordem existente (SAVIANI,
2008b, p. 228).

Isso significa dizer que, sob as condições do capitalismo se configurou uma ordem
econômica de natureza contraditória, ou seja, pautada por um lado, na produção coletiva dos
processos de produção e, por outro, na apropriação privada dos bens socialmente produzidos.
Com efeito, as políticas sociais atuam na manutenção dessa relação. Isto porque,

uma vez que esse tipo de economia subordina a produção social de riquezas aos
interesses particulares da classe que detém a propriedade privada dos meios de
produção, caracteriza-se seu atributo anti-social. Entretanto, como a produção é
social, surge a necessidade, no próprio interesse do desenvolvimento capitalista,
de proteger as forças produtivas (a força de trabalho, o capital variável) da
superexploração dos capitalistas privados. Por isso, uma certa “política social”
emerge desde as origens do processo de consolidação do capitalismo (Ibid., p.
224).

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É preciso, ainda, salientar que as políticas públicas e, portanto, a política social, modificam-
se no tempo e no espaço, à medida que historicamente resultam de um processo constante de
alterações nas relações entre Estado e sociedade.
A política educativa é uma fração das políticas públicas e, conforme Morgado (2000, p. 55),
“surge como um conjunto de seleções efetuadas num quadro plural de valores que a sociedade
veicula (ideológicos, culturais, econômicos, filosóficos, religiosos), processo este em que
claramente denunciam as prioridades sociais que devem ser asseguradas e cristalizadas na vida
escolar”. Assim, a política educacional revela, em cada época histórica, os anseios e demandas
sociais quanto à educação, bem como o projeto social ou político que se quer concretizar por meio
das ações do Estado.
A política educativa pode ainda ser entendida como

o conjunto de diretrizes, decisões, ações, sob controle estatal, visando promover a


educação formal, que é aquela obtida nas instituições reconhecidas pela sociedade e,
portanto, em condições de oferecer, avaliar e certificar a conclusão de um processo
educativo. A política educacional comporta, pois, além das diretrizes, normas,
obrigatoriedade em certos níveis, definição e criação de condições de acesso,
mecanismos de controle e certificação (PIRES, 2003, p. 45).

Concebidas dessa forma, as políticas educacionais possuem um campo específico de


atuação – o processo educativo.
Esclarecidos os significados dos termos, cabe esclarecer seu processo de formulação. Não
se pode afirmar que, almejando formalmente o interesse público ou coletivo, a formulação e a
implantação das políticas públicas/educacionais sejam resultado da simples imposição de uma
classe sobre a outra ou de iniciativas e estratégias de grupos que detêm ou controlam o poder.
Mais do que isso, elas são a expressão de lutas, pressões e conflitos sociais. Nesse sentido,
conforme Charlot e Beillerot (1995, apud, TEODORO, 2001, p. 48), “[...] estabelecer prioridades
não é produzir a harmonia pela adequação de demandas diversas; é antes gerir relações de forças
entre demandas incompatíveis [...]”.
As políticas públicas/educacionais são produto da construção social e, por isso, são
marcadas pela heterogeneidade e por “procuras sociais nem sempre compatíveis e muitas vezes
contraditórias, que obrigam a definir prioridades, a excluir caminhos e a ultrapassar
compromissos” (TEODORO, 2001, p. 48).

[...] As políticas de educação e de formação dizem (ou mais exactamente


exprimem, porque assentam sobre muito de não-dito) o modo como uma
sociedade se pensa a ela própria, se afirma, se projecta no futuro. Exprimem
também as relações de forças numa sociedade – a dominação socioeconômica
mas igualmente a dominação simbólica e cultural. Este jogo das relações de

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forças é tanto mais complexo quanto todas essas forças não dispõem de uma
igual capacidade para formular as demandas de educação e de formação
(CHARLOT e BEILLEROT, 1995, p. 13, apud, TEODORO, 2001, p. 48).

Portanto, dessa ótica, as políticas são um resultado, sempre provisório, do processo de


negociação entre os grupos sociais e forças econômicas, sociais e políticas potencialmente
conflitantes. Ou seja, respondem “[...] a uma configuração heterogênea e complexa de elementos
[...] Assim, a política educativa, em particular, e as políticas, em geral, são as redes ou as
configurações de poderes, criadas e recriadas nas relações sociais [...] A política educativa elabora e
realiza-se através, sobretudo, do Estado” (STOER e ARAÚJO, 2000, p. 7-8).
É necessário superar o entendimento equivocado de que a responsabilidade pela
formulação das políticas públicas e das políticas educativas cabe exclusivamente ao poder público.
Como elas expressam as relações entre Estado e sociedade, as ações do primeiro devem ser vistas
não como uma particularidade, mas como manifestação das relações sociais, o que implica
considerar que o Estado não é uma entidade em si e sim uma instituição que resulta e age sobre a
materialidade social que o constitui, ou seja, é, ao mesmo tempo, produto e modelador das
relações entre os homens. Implica ter em conta que o papel do Estado decorre das condições
materiais de vida, ou seja, das relações econômicas inerentes à produção e reprodução das relações
sociais, do desenvolvimento das forças produtivas e das condições de troca (MARX, s/d)
O Estado, no entanto, não representa um poder que, procedendo da sociedade, paira
acima dela; pelo contrário, é expressão política da estrutura de classes inerente à produção.
Embora se coloque como representante dos interesses gerais, o Estado Constitucional não está
acima dos conflitos, mas profundamente envolvido neles, ou seja, insere-se e define-se pelos
próprios conflitos e contradições da vida material, sendo simultaneamente um fator de coesão e
regulamentação social. Nestes termos, é fundamental considerar o Estado como “arena de luta” das
forças sociais em disputa ou um “campo de batalha estratégico” entre as classes (POULANTZAS,
1980) e, como tal, as políticas públicas dele emanadas expressam as relações sociais pelo
confronto, pela negociação, pela busca de consenso e pela pactuação entre grupos diferentes.
Desse modo, as políticas públicas/educacionais são consideradas como resultado das
contradições sociais que, por sua vez, repercutem na estrutura do próprio Estado. Isto explica a
atuação contraditória do Estado capitalista. Comprometido com as distintas forças socais em
confronto, ele cria, por meio das políticas públicas, condições que favorecem, ao mesmo tempo, a
reprodução das relações de produção capitalistas e a expansão dos direitos sociais e políticos dos
trabalhadores. Estas contradições engendram a realização concreta de suas ações e dão forma à sua
organização.

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A concepção de que as políticas públicas resultam do conjunto das relações sociais e não
apenas da vontade/imposição de uma classe, em particular, remonta a Engels (s/d, p. 198):

Os homens fazem sua história, quaisquer que sejam os rumos desta, na medida
em que cada um busca seus fins próprios, com a consciência e a vontade do que
fazem; e a história é, precisamente, o resultado dessas numerosas vontades
projetadas em direções diferentes e de sua múltipla influência sobre o mundo
exterior. Também tem importância, portanto, o que os inúmeros indivíduos
desejem. A vontade move-se sob o impulso da reflexão ou da paixão [...] Já
vimos, porém, por um lado, que as muitas vontades individuais que atuam na
história acarretam quase sempre resultados muito diferentes – e às vezes,
inclusive, opostos – aos objetivos visados, e, portanto, os fins que os impelem
têm uma importância puramente secundária no que diz respeito ao resultado
total. Por outro lado, deve-se indagar que forças propulsoras agem, por seu
turno, por trás desses objetivos e quais as causas históricas que, na consciência
dos homens, se transformam nesses objetivos.

Ou seja, existem tendências históricas que vão se configurando, independentemente da


vontade individual dos sujeitos. Por isso, concordamos com Shiroma et al (2004, p. 9), para quem
uma análise das políticas públicas/educacionais implicaria “considerar não apenas a dinâmica do
movimento do capital, seus meandros, suas articulações, mas os organismos e complexos
processos sociais com que ele se confrontam”.
Quando nos referimos a política pública ou política educacional, estamos sobretudo
tratando de ações governamentais. Por isso, é importante mencionar a distinção entre Estado e
governo. Por Estado, se poderia entender “um conjunto de instituições permanentes – como
órgãos legislativos, tribunais, exército, e outros que possibilitam a ação do governo; e Governo,
como um conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos,
organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a
orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções do Estado
em determinado período” (HÖFLING, 2001, p. 31). Já o governo seria um instrumento de
realização das políticas públicas e, desse ponto de vista, a referência a políticas educacionais
implica ter em conta que elas independem de um governo específico.
Outra dimensão importante a considerar é que, quando se toma como pressuposto que as
políticas educacionais respondem às lutas e aos embates de uma época, a legislação, ou norma
jurídica, será entendida como algo que provém de numerosas forças difusas pela sociedade, as
quais, participando direta ou indiretamente do poder, fazem-se representar no poder legislativo,
onde a decisão se condensa e se exprime como uma questão social, como lei.
Julgamos, assim, que tomar a legislação educacional ou as reformas de ensino como
referencial de análise da educação brasileira implica pensar que, subjacente ao estatuto legal,
encontram-se forças econômicas, políticas e sociais em dinâmico processo de antagonismo e de

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conquista hegemônica de interesses. Desde a elaboração e promulgação de uma lei até sua
execução, tendem a surgir vozes discordantes da tendência dominante, manifestam-se interesses
distintos, que se opõem. Assim, a legislação deve ser compreendida mais como processo do que
como produto, o que envolve negociação, consenso ou mesmo contestação e discordâncias.
Compartilhamos, assim, o ponto de vista de Vieira (2007), que afirma ter a política
educacional uma abrangência ampla, ou seja, estende-se por diferentes instâncias (União, estados,
Distrito Federal e Municípios) e espaços (órgãos centrais e intermediários do sistema, e unidades
escolares, inclusive a sala de aula). A autora salienta que a escola não se reduz a um espaço de
execução das políticas previamente definidas pelo poder público, mas se configura como lugar de
construção e reconstrução, oferecendo elementos para a formulação de novas políticas. Por isso, a
análise da política educativa também “deve alcançar a escola e seus agentes e, num movimento de
ida e volta, procurar apreender como as idéias se materializam em ações, traduzindo-se, ou não, na
gestão educacional e escolar” (VIEIRA, 2007, p. 58).
Situando-nos nessa perspectiva, propomos um estudo que dê conta da complexidade com
que a política educativa é produzida. Consideramos que as políticas não se impõem “de cima para
baixo”, mas se fazem em meio aos confrontos e antagonismos que, originando-se na sociedade,
manifestam-se também no interior da escola. É na escola que as políticas se materializam ou não.
Lima (2002, p. 33) afirma que a escola é simultaneamente lócus de reprodução e produção de
políticas, orientações e regras. Segundo ele,

[...] os actores escolares não se limitam ao cumprimento sistemático e integral das


regras hierarquicamente estabelecidas por outrém, não jogam apenas um jogo com
regras dadas a priori, jogam-no com a capacidade estratégica de aplicarem
seletivamente as regras disponíveis e mesmo de inventarem e construírem novas
regras. Distintas, ou até mesmo antagónicas, estas regras podem, eventualmente,
vir a suplantar a força jurídica-normativa das primeiras, seja por via da prática de
infidelidades normativas (Lima, 1992), de acções de resistência mais ou menos
clandestinas, ou do exercício político da autonomia [....]

Desse ponto de vista, “os atores escolares possuem sempre margens de autonomia
relativa”, mesmo quando não reconhecidas ou consagradas formalmente (Ibid, p. 33).
Com base nessas considerações, buscaremos, a seguir, explicitar os conceitos relacionados
à área da gestão e analisar a forma como as dimensões política e administrativa se articulam
mutuamente.

20
3.2. Administração vesus gestão da educação

Embora, muitas vezes, os termos administração e gestão sejam empregados como


sinônimos, é possível estabelecer distinções entre eles, a começar da origem dos conceitos.
Derivada do latim ad (proximidade, direção para) e minister (subordinação ou obediência), a palavra
administração designa, originalmente, “aquele que realiza uma função abaixo do comando de
outrem, isto é, aquele que presta um serviço a outro” (CHIAVENATO, 1983, p. 6). Assim, a
tarefa básica da administração é realizar objetivos através de pessoas, o que depreende o esforço
humano coletivo. Desse modo, segundo o autor, “a eficácia com que as pessoas trabalham em
conjunto para conseguir objetivos comuns depende principalmente da capacidade daqueles que
exercem a função administrativa” (CHIAVENATO, 1979, apud PARO, 2001, p. 61).
Passando por uma série de mudanças ao longo do tempo, esse conceito passou a ser
entendido atualmente como um mecanismo para:

[...] interpretar os objetivos propostos pela organização e transformá-los em ação


organizacional através do planejamento, organização, direção e controle de todos
os esforços realizados em todas as áreas e em todos os níveis da organização, a
fim de alcançar tais objetivos da maneira mais adequada à situação
(CHIAVENATO, 1983, p. 6).

Ou seja, a administração assim pensada “é a utilização racional de recursos para realizar


determinados fins” (PARO, 2001, p. 18). Na sociedade capitalista é um meio de fazer com que as
atividades sejam realizadas da melhor forma possível, com o menor custo, mais eficiência e maior
produtividade. Em outros termos, é uma forma de se conseguir “o aproveitamento ao máximo da
força de trabalho” e a “elevação da produtividade necessária à expansão do capital” (Ibid, p. 55).
Assim, a gerência propicia o controle do capital sobre o trabalho.
Quanto a gestão, o termo vem sendo utilizado para designar atividades administrativas. Em
sua origem etimológica, o termo vem do latim gero, gestum, gerere e significa chamar para si, executar,
gerar. Segundo Cury (1997, p. 201), “vem de gestio, que, por sua vez, vem de gerere, que significa
trazer em si, produzir”. Assim, compreende-se claramente que a “gestão não é só o ato de
administrar um bem fora-de-si, mas é algo que se traz para si, porque nele está contido” (Ibid, p.
201). Nesse sentido, “o conteúdo deste bem é a própria capacidade de participação, sinal maior da
democracia” (Ibid, p. 201). Dessa perspectiva, o termo gestão pode conter uma dimensão muito
diferente daquela associada à idéia de comando, ou seja, pode designar uma forma de administrar
por meio do diálogo e do envolvimento do coletivo.
No entanto, recorrendo à literatura especializada, observa-se que a definição destes termos
está longe de ser clara e, muito menos, consensual, de forma que eles podem ter múltiplas

21
interpretações e significados. A seguir, com o objetivo de esclarecer o sentido dos termos,
apresentaremos, brevemente, algumas das indefinições e controvérsias que marcam o debate.
No que diz respeito à educação, João Barroso (2001, p. 11), educador e pesquisador
português, embora considere que administração e gestão são termos utilizados para designar “as
actividades pelas quais uma organização realiza o conjunto de objetivos (definidos interna e/ou
externamente) através da optimização dos seus recursos humanos, materiais e financeiros”,
reconhece que existem diferenciações entre eles. Como exemplo, cita o texto de Bolam, intitulado
Educational Administration, Leadership and Amagement: Towards e Research Agenda (1999), no
qual o termo “administração da educação” é definido como “uma categoria superior”, por possuir
um sentido mais amplo “utilizado num sentido genérico e global que abrange a política educativa”,
ou seja, por abranger “quer os estudos políticos quer a gestão institucional”. Já o termo “gestão
escolar”, segundo esse educador português, refere-se a uma “função executiva destinada a pôr em
prática as políticas previamente definidas” (Ibid., p. 10). Na perspectiva de Barroso,

Ao falarmos do sistema educativo poder-se-á utilizar o termo “administração” para


referir as atividades (planificação, organização, direcção, controlo) que têm em vista
assegurar o funcionamento do sistema em seu conjunto, e “gestão” para significar essas
mesmas atividades ao nível de cada escola, ou instituição.
Ao falarmos de uma escola em particular, enquanto organização, podemos utilizar o
termo “administração” para significar o processo de definição das metas e das políticas
que vão orientar o funcionamento da escola (quer no quadro da reinterpretação do
normativo legal, quer no quadro de suas autonomias) e “gestão” para significar o
processo de optimização dos recursos humanos, materiais e financeiros que vão
permitir concretizar esses objectivos e essas políticas (Ibid., p. 11).

No Brasil, embora sejam poucas as pesquisas específicas sobre o assunto, segundo Oliveira
(2008, p. 139), “o que se percebe é um entendimento quase tácito entre os pesquisadores da área
que o termo ‘gestão’ é mais amplo e mais aberto que ‘administração’”. É o que podemos constatar
em autores como Heloísa Luck, para quem o novo conceito de gestão ultrapassa o de
administração escolar, pois “permeia todos os segmentos do sistema como um todo, em vista de
que, em sua essência e expressões gerais, é a mesma, tanto no âmbito macro (gestão do sistema de
ensino) como micro (gestão das escolas)” (LÜCK, 2006, p. 26). Nestes termos, “a gestão aparece
como uma superação das limitações do conceito de administração, como resultado de uma
mudança de paradigma, isto é, de uma visão de mundo e óptica com que se percebe e reage em
relação à realidade” (Ibid., p. 34).
Assim, na perspectiva da autora, “a administração passa a ser, portanto, uma dimensão da
gestão, colocando-a sob o enfoque e princípio desta, constituindo a gestão administrativa” (Ibid, p.
54). A concepção de gestão como superadora da administração deve-se ao fato de que esta é
concebida, pela autora, “como um processo racional, linear e fragmentado de organização e de

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influência estabelecida de cima para baixo e de fora para dentro das unidades de ação, bem como
do emprego de pessoas e de recursos de forma mecanicista e utilitarista, para que os objetivos
institucionais sejam realizados. O ato de administrar corresponderia a comandar e controlar [...] de
maneira distanciada e objetiva” (Ibid., p. 57-58), ao passo que o de gerir corresponderia a uma
“óptica abrangente e interativa, a visão e orientação de conjunto, a partir da qual se desenvolvem
ações articuladas e mais consistentes. Necessariamente, portanto, constitui ação conjunta de
trabalho participativo em equipe”. (Ibid., p. 43). Na concepção da autora, o termo gestão expressa
a superação, e não apenas a substituição, do termo administração, pois envolve uma mudança de
paradigmas, que dá ao último uma nova acepção (Ibid., p. 53).
Outros, ainda, consideram que o termo gestão possui uma forte dimensão política, sendo
identificado com uma reação à forma descomprometida, neutra e tecnicista com que a
administração da educação se desenvolveu no Brasil nos anos 70 (GRACINDO e KENSKI, 1999,
p. 166). Nesse momento, administrar correspondia a comandar e controlar, com base na visão
objetiva de quem atua sobre a unidade e nela intervém de maneira técnica e burocrática. Essa
reação, marcada por uma forte tendência à defesa de concepções e práticas interativas,
participativas e democráticas, tem resultado no relativo desuso do termo administração e o
emprego do termo gestão educacional (OLIVEIRA, 2008).
Desse modo, para muitos educadores, o termo possui um forte compromisso político e
aparece como uma “nova” alternativa para o processo político-administrativo da educação. Nesse
caso, o termo administração é associado à transposição dos princípios administrativos da empresa
para a escola, de forma que a administração das organizações escolares não seria diferente da
empresarial. Por isso, essa concepção precisaria ser superada. Para isso, surgem inúmeros estudos
que levam em conta a especificidade ou particularidade do sistema educativo e procuram retornar
a seus fundamentos e adotar procedimentos práticos capazes de contemplar seus problemas e sua
especificidade (PARO, 1998; HORA, 2007).
Existem também aqueles que, embora reconheçam as especificidades da administração
escolar, entendem que ela deve estar inserida no contexto da administração geral. Segundo
Francisco Filho (2006, p. 25-26), eles “justificam a posição, afirmando que os fatos históricos,
sociais, políticos, religiosos e científicos determinam a visão de uma época”. Para ele, “a
Administração é uma ciência, mas sua prática é uma arte, que está relacionada à visão holística e
histórica da sociedade, em seu tempo. Não existe educação fora da realidade e não existe
administração fora do contexto histórico [...] A administração de qualquer atividade humana 7está
relacionada diretamente com a estrutura e conjuntura da sociedade”.

23
Outros ainda entendem que esse processo se relaciona com a transposição do conceito do
campo empresarial para o campo educacional e que a administração da educação submete-se à
lógica da gestão empresarial ou economicista (SILVA JÚNIOR, 2002).
O Banco Mundial adota o termo gestão como sinônimo de gerência, ou seja, como um
processo instrumental por meio do qual são implementadas as políticas. Como se trata de uma
visão vinculada ao teor administrativo das ações, este minimiza o teor político, ideológico e social
das suas práticas.
Inicialmente, a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE)
atribuía ao termo administração um conceito amplo vinculado a um conjunto de políticas,
planejamento, gestão e avaliação da educação e, ao termo gestão, o sentido de “coordenação de
esforços individuais e coletivos de implementação de políticas e planos, sendo compreendida
como uma parte da administração” (WITTMANN e FRANCO, 1998, p. 28). Posteriormente, em
estudo realizado em 1999, intitulado “o Estado da Arte em Políticas e Gestão da educação no
Brasil: 1991 a 1997”, se procurou (re)significar o termo administração como “ um conjunto de
políticas, planejamento, gestão e avaliação da prática social da educação”. Assim, ele passou a
englobar as dimensões política, técnica e pedagógica da educação (GRACINDO e KENSKI,
1999, p. 166). Por gestão, entende-se o “processo político-administrativo contextualizado e
historicamente situado, através do qual a prática social da educação é organizada, orientada e
viabilizada” (Ibid, p. 166). Embora, nesse estudo, seja, por vezes, confundido com administração,
o termo gestão passa a ser empregado para definir os processos, políticas e ações que se
constroem no interior das instituições educativas (WERLE, 2001).
Importa, contudo, assinalar que, mais do que discutir a “melhor” designação para as ações,
o que está em causa é que, no campo educacional, predomina a substituição de administração por
gestão, termo que vem acompanhado de uma nova concepção, na qual o comando
autoritário/centralizado/técnico e burocrático é substituído pelo poder
compartilhado/descentralizado. Está em causa também que essa nova utilização faz parte de um
processo de mudanças vivenciadas pela sociedade a partir dos anos 90, que demandam novos
desafios para a administração em geral e educacional, em particular.
Outro aspecto a observar é que, além das diferenças conceituais e de interpretação, a
diversidade de abordagens decorre do fato de que diferentes sujeitos sociais, ao optar pelo termo
gestão, o fazem pautados em pressupostos e objetivos distintos. Portanto, o predomínio deste ou
daquele sentido tem origem no jogo de forças político-ideológicas e se identifica aos distintos
interesses sociais e condições históricas. Deste modo, cabe lembrar Paro (2001, p. 13): “a atividade
administrativa não se dá no vazio, mas em condições históricas determinadas para atender as

24
necessidades e interesses de pessoas e grupos”. Esse é um aspecto a ser considerado na análise das
políticas educacionais, pois os termos nem são neutros, nem possuem um sentido único: é
importante ter claro de onde e com qual objetivo se está falando.

3.3. Gestão educacional e gestão escolar

Estudar o tema gestão implica também considerar a distinção entre gestão educacional e
gestão escolar. O sentido de gestão educacional é mais amplo, situa-se no âmbito dos sistemas
educacionais, na esfera macro, ou seja, no espaço das ações dos governos nas suas diferentes esferas
(federal, municipal, estadual). A gestão escolar, situando-se na esfera micro, diz respeito às
incumbências dos estabelecimentos de ensino e, de modo específico, envolve as tarefas cotidianas
da escola (VIEIRA, 2007).
No âmbito do sistema educacional, por exemplo, o conjunto de atividades próprias à
gestão educacional são detalhadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei
9394/96, cujos Art. 9°, 10 e 11 definem as competências e as atribuições dos diferentes entes
federativos na oferta da educação. Vejamos:

I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o


UNIÃO
Distrito Federal e os Municípios;
II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema
federal de ensino e o dos Territórios;
Art. 9º.
III - prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e
A União
aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento
incumbir-se-á
prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua
de:
função redistributiva e supletiva;
IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental
e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a
assegurar formação básica comum;
V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;
VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino
fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino,
objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;
VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação;
VIII - assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior,
com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre
este nível de ensino;
IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente,
os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu
sistema de ensino.

25
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus
ESTADOS sistemas de ensino;
E DF II - definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino
o fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das
Art. 10. Os responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos
Estados financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público;
incumbir-se-ão III - elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância
de: com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as
suas ações e as dos seus Municípios;
IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente,
os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu
sistema de ensino;
V - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
VI – Assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino
médio a todos que o demandarem, respeitando o disposto no art. 38 desta Lei:
(Redação dada pela Lei nº 12.061, de 2009);
VII – Assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual (incluído pela
Lei nº 10.709, de 31.07.2003).
Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as competências
referentes aos Estados e aos Municípios.

I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas


MUNICÍPIOS de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e
Art. 11. Os dos Estados;
Municípios II - exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
incumbir-se-ão III - baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
de: IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de
ensino;
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o
ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente
quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência
e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal
à manutenção e desenvolvimento do ensino.
VI – assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal. (incluído pela
Lei nº 10.709, de 31.07.2003)
Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao
sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de
educação básica.

O que se depreende da lei é que cada um dos entes federados tem atribuições próprias no
que diz respeito à oferta da educação, embora compartilhem responsabilidades. Assim, do ponto
de vista da definição da gestão educacional, cabe à União um papel de coordenação (planejamento,
acompanhamento e avaliação) e articulação dos níveis de sistemas e, aos demais entes federados,
organizar e manter seus respectivos sistemas em consonância com as políticas e planos nacionais.
No âmbito da gestão escolar a referida lei, no seu Art. 12, incumbe os estabelecimentos de ensino
de:

26
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;
II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;
III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidos;
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento;
VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da
sociedade com a escola;
VIII - notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao
respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade
de faltas acima de cinqüenta por cento do percentual permitido em lei (Inciso incluído pela
Lei nº 10.287, de 20.09.2001).

Para isso, a referida lei, no Art. 13, incumbe os docentes de “participar da elaboração da
proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” e, no Art. 14, relacionado a gestão, prevê que
“os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação
básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os princípios de participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; e de participação das
comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”.
Assim, considerando que as atividades próprias da gestão educacional dizem respeito às
orientações e formulações gerais que dão substância à política educacional (financiamento,
organização, planejamento, avaliação institucional), podemos concluir que a gestão escolar envolve
as atividades desenvolvidas pelos profissionais dos estabelecimentos de ensino para a realização do
processo educativo escolar (avaliação do aluno, elaboração do projeto político-pedagógico,
organização do calendário escolar, acompanhamento das atividades de ensino-aprendizagem,
envolvimento com a comunidade, aplicação financeira dos recursos, etc.). Podemos concluir
também que a gestão educacional e a gestão escolar, embora distintas, justificam-se e articulam-se,
ou seja, conforme Vieira (2009, p. 26), “a razão de existir da gestão educacional é a escola e o
trabalho que nela se realiza”.
Cabe dizer, ainda, que analisar a gestão dos sistemas de ensino e das unidades educativas
implica refletir sobre as políticas da educação, pois ambas são mutuamente constitutivas: a gestão
transforma as metas e objetivos educacionais em ações, dando concretude às direções traçadas
pelas políticas. Em outros termos, as políticas, ao ser transformadas em práticas, materializam-se
na gestão, cujo espaço é o das coisas que têm que ser feitas (VIEIRA, 2007). Assim, a gestão, em
parte, determina a política educacional e, em parte, é determinada por ela (PIRES, 2003).
Em síntese, o que queremos registrar no final dessa Introdução é que, ao retomar os
conceitos de política e de gestão da educação, o fizemos com o objetivo de demonstrar que o

27
estudo das políticas e gestão da educação brasileira, com ênfase nos aspectos legais, estruturais e
políticos, tem por finalidade fornecer ao profissional da educação subsídios para a compreensão da
organização, funcionamento, financiamento e gestão dos sistemas de ensino e das unidades
educativas.
Esses conhecimentos, primordiais para orientar as ações no cotidiano da escola, por sua
vez, não dizem respeito apenas ao aspecto formal ou legal, mas envolvem aspectos mais amplos da
sociedade. Em outros termos, para apreender os processos que engendram as políticas
educacionais, deve-se considerar as mudanças no mundo do trabalho e da produção e suas
repercussões nas relações humanas e na consciência dos homens, as mudanças na forma de
atuação do Estado e nas políticas públicas que ele elege como prioritárias, especialmente no campo
da realidade escolar. É esse entendimento que nos oferecerá elementos para romper com uma
visão reducionista e particularizada da política e da prática administrativa, abrindo novas
perspectivas de estudos.

28
Primeira parte

A educação como política


pública

Fonte: filosofarpreciso.blogspot.com

29
Capítulo 1
A origem da educação pública no
contexto mundial
_______________________________

Introdução

Já nos acostumamos com a idéia de que o Estado tem responsabilidade no campo da


educação pública, de modo que esta tornou-se um direito consagrado na sociedade ocidental
contemporânea. Estando assegurado nos preceitos constitucionais de diferentes países, na
Constituição Federal brasileira de 1988 manifesta-se explicitadamente em seu Art. 205: “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A esse respeito o texto da nova LDB – Lei 9394/96, em seu Art. 2º diz: “A educação,
dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. E o Art 5º § 4º da referida lei complementa:
“Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino
obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade”.
Neste sentido, cabe às autoridades públicas satisfazer as aspirações do cidadão e criar as
condições necessárias para a proteção e realização do direito à educação.
Porém, a escola pública5 tal como a conhecemos hoje, isto é, como um processo
formalizado, sistemático, universal e público é uma instituição recente. Foi no final do século XIX
e início do século XX que as nações capitalistas mais desenvolvidas como a França, Inglaterra,

5 De acordo com Saviani (2005a, p. 2), deve ser entendido por público aquilo que “se contrapõe ao privado e, por isso,

se refere também ao que é comum, coletivo, por oposição ao particular e individual. Em contrapartida, público está
referido aquilo que diz respeito à população, o que lhe confere o sentido de popular por oposição ao que se restringe
aos interesses das elites. Finalmente, público esta referido ao Estado, ao governo, isto é, ao órgão instituído em
determinada sociedade para cuidar dos interesses comuns, coletivos, relativos ao conjunto de membros da sociedade”.

30
Alemanha, Itália, Áustria, Espanha, EUA, organizaram seus sistemas6 nacionais de educação,
tornando o ensino obrigatório, gratuito e laico. Portanto, é só a partir deste momento que a
educação se converte, de forma generalizada, numa questão de interesse público, criada e mantida
pelo Estado. Segundo Saviani (2005a, p. 4), isso

[...] implica a garantia de suas condições materiais e pedagógicas. Tais condições


incluem a construção ou a aquisição de prédios específicos para funcionar como
escolas; a dotação e manutenção nesses prédios de toda a infra-estrutura
necessária para o seu adequado funcionamento; a instituição de um corpo de
agentes, com destaque para os professores, definindo-se as exigências de
formação, os critérios de admissão e a especialização das funções a serem
desempenhadas; a definição das diretrizes pedagógicas, dos componentes
curriculares, das normas disciplinares e dos mecanismos de avaliação das
unidades e do sistema de ensino em seu conjunto.

A intervenção do Estado tem, assim, um papel decisivo no processo de gênese e


desenvolvimento da escola para todos, tanto em relação ao seu financiamento quanto na sua
organização (construção de um sistema integrado, que obedecesse um plano nacional, fosse
homogênea quanto aos métodos, regras, programas e objetivos, e obedecesse uma autoridade
central).
Nesta parte procuraremos, em linhas gerais, descrever o processo de construção da escola
pública no contexto mundial, distinguindo-o em duas grandes etapas. A primeira envolve seus
antecedentes históricos, onde discutiremos por que a escola pública tem origem no final do século
XIX. Quais foram as necessidades históricas que levaram a sociedade burguesa, não só a criar
escolas para as camadas populares, mas obrigá-las a freqüentá-la por força da lei. E, a segunda, diz
respeito à escola pública propriamente dita, ou seja, ocorrida no século XX, momento de expansão
dos sistemas públicos nacionais de educação e de uma contínua consolidação da escola como um
direito de todos e um dever do Estado.

1. Antecedentes da escola pública

Falar em educação pública implica em falar, sobretudo, sobre o papel do Estado, pois ele
tem uma atuação decisiva na sua organização e desenvolvimento. Portanto, falar em construção da
escola pública significa falar sobre os diferentes papéis assumidos pelo Estado ao longo do tempo.

6 Conforme Cury (2010, p. 164), “um sistema de educação supõe como definição, uma rede de órgãos, instituições
escolares e de estabelecimentos – fato; um ordenamento jurídico com leis de educação – norma; uma finalidade
comum – valor; uma base comum – direito. Esses quatro elementos devem coexistir como conjunto organizado [...]”.

31
A partir do século XVI a sociedade passa por profundas transformações decorrentes da
passagem do feudalismo para o capitalismo. A nova sociedade organiza-se para produzir de forma
inteiramente diferente da sociedade anterior, estabelecendo também novas relações sociais. No
período feudal, os homens produzem basicamente para satisfazer suas necessidades de
subsistência, não visavam os mercados. A terra era a representação máxima de riqueza e poder e
quase a única forma de existência do homem, dela dependiam suas vidas e a ela os homens
estavam ligados pelas relações de dependência pessoal e por compromissos mútuos.
No século XVII, o comércio representa um novo modo de se produzir a vida material e foi
em torno dele que a sociedade passa a se organizar. A intensificação do comércio internacional
representou uma grande força transformadora na sociedade, pois os mercados introduziram nas
diferentes regiões elementos de modificação e dissolução da forma de produção feudal, trazendo a
necessidade da produção para a troca, cujo móvel principal era o interesse pelo lucro. O comércio
revoluciona a forma de produção existente, fazendo com que, aos poucos, a produção para a
subsistência seja superada.
Estas mudanças correspondem a um período em que se colocarão em xeque não apenas a
prática social fundada nas antigas relações de servidão e dependência, como também as
concepções dela derivadas. As novas relações econômicas mudaram não só os hábitos e
comportamentos dos homens, mas também o papel das instituições. Ou seja, “[...] os homens
substituem cada vez mais as relações de dependência pelas relações de troca entre os indivíduos
considerados livres e iguais. Quanto mais o comércio se desenvolve, mais a velha forma de
propriedade como todas as instituições que deram vida a ela vai se tornando incompatível com a
nova sociedade criada” (CARVALHO, 2000, p. 94).
O novo modo de viver, pautado na troca, era apoiado politicamente pelas autoridades
reais. O Estado passou a ter a finalidade, não mais de defender os interesses da Igreja ou nobreza
feudal, mas rompendo com as amarras políticas do mundo feudal, tornou-se um poder capaz de
atender aos novos interesses sociais, voltados para produzir, comercializar e acumular riquezas7.
Para isso, ocorreu o fortalecimento e centralização do poder nas mãos do rei, dando origem ao
Estado burocrático moderno.
Este é também um momento em que ocorre a formação do contingente de mão-de-obra
assalariada necessária à indústria nascente. Expropriados dos meios de produção (terra e
instrumentos de trabalho), um grande número de homens tornam-se proprietários apenas de sua

7 Foram criadas, através de legislação, medidas protecionistas e intervencionistas, monopólios de navegação, sistemas
de créditos e um moderno regime tributário, bem como leis para disciplinar as novas relações de trabalho com base no
assalariamento, coibindo o roubo e a mendicância, e regulamentando os salários.

32
própria força de trabalho, passando a vendê-la como qualquer outra mercadoria. Isso se torna
possível porque no campo, os senhores feudais, ao cercarem as terras comuns para transformá-las
em artigo de comércio ou em pastagens para a criação de ovelhas, para abastecer as manufaturas
de lã, reduziriam as áreas agrícolas, fazendo com que as famílias abandonassem as atividades
agrícolas e as propriedades feudais, e fossem para as cidades, disponibilizando força de trabalho
para a indústria nascente. Com a dissolução da vassalagem feudal, os senhores passam a não
garantir mais proteção e meios de subsistência aos servos, estes eram lançados no mercado,
contribuindo para a transformação do indivíduo, que vivia enfeudado, em trabalhador assalariado.
Esse período também foi marcado pelo saque dos bens da Igreja e pela usurpação das
terras da Coroa: os campos eram cenário de violência, rapinas e desordens (SMITH, 1996a, p.
403). Eram freqüentes os conflitos políticos entre o Estado e a Igreja, as perseguições religiosas, as
disputas entre a nobreza e o rei pelo controle do Estado e pela posse de terras. Estes conflitos
geraram nos homens sentimentos de insegurança e incerteza quanto à forma de garantir sua
subsistência. Um Estado forte e interventor, aparecia como uma forma de oferecer apoio para o
desenvolvimento da prática mercantil, criar novas alternativas de vida e, ao mesmo tempo,
restabelecer a paz e a segurança.
É nesse contexto, entre os séculos XVI e XVII8, que Luzuriaga (1950), em a História da
Instrução Pública9, situa as origens da escola pública. Neste momento, denominado por ele de
“educação pública religiosa”, apesar de inspiradas por ideais religiosos, as “escolas”10 de instrução
elementar são criadas e mantidas por autoridades oficiais de municípios, províncias e Estados.
A educação, eminentemente religiosa, tinha por objetivo formar o fiel, o cristão, para a
promoção, o fortalecimento e a manutenção da fé e do poder da Igreja. Mas, também, influenciada
pelo Renascimento, não deixava de considerar as necessidades sociais e públicas, ou seja, de formar
profissionais liberais, além de homens respeitosos às leis, a fim de assegurar a paz, a boa
administração pública e a ordem social. Por isso, a promoção do processo educativo era visto
como um dever não só da Igreja, mas também do governo civil.

8 Segundo o autor seu começo não dever ser procurado antes do século XVI. De acordo com suas palavras: “antes
disso, houve certamente diversos tipos de educação organizada, como a mantida pelas “politéias” gregas, pelo império
romano ou pela Igreja medieval. Mas, de intervenção sistemática e continuada das autoridades públicas na educação,
só pode se falar nos começos da época moderna” (LUZURIAGA, 1950, p. 1).
9 Neste livro Luzuriaga descreve as fases de desenvolvimento da educação pública, dividindo-a em: “educação pública

religiosa”, “escola pública estatal”, “educação pública nacional”, “educação pública democrática”. Embora o autor considere que as
fases se sucederam de modo bem regular na história dos povos, reconhece que nem todos passaram por elas, nem elas
se verificaram em todos ao mesmo tempo. Ou seja, esse desenvolvimento não foi retilíneo, experimentou,
freqüentemente, paradas e até retornos.
10 Conforme Saviani (2005a, p. 2), “a escola pública aparece inicialmente com o sentido de ensino coletivo, ministrado

por meio do método simultâneo, por oposição ao ensino individual a cargo de preceptores privados”.

33
A principal contribuição da “educação pública religiosa”, segundo o autor, é seu apelo às
autoridades no sentido da fundação de escolas mantidas com recursos públicos e do
estabelecimento da freqüência obrigatória. Lutero11 e seus discípulos exerceram grande influência
nos países de língua alemã, inspirando uma série de Estatutos nos quais continham os primeiros
preceitos sobre a educação pública.
Conforme Luzuriaga (1950, p. 11), “ao terminar o século XVI, a educação pública alemã
estava constituída, pelo menos nominalmente, desta forma: a) escolas primárias para o povo, nas
aldeias e pequenas povoações, com ensino muito elementar, dado em alemão e de caráter
principalmente religioso; b) escolas latinas e secundárias, para a burguesia, de caráter humanista,
como preparação, principalmente, para os cargos eclesiásticos e para as profissões liberais; c)
escolas superiores e universidades adequadas ao espírito da religião reformada e com sentido
profissional e eclesiástico”. É interessante observar que esta organização tripartida manteve-se no
decurso da história até quase nosso tempo.
No século XVII haverá uma maior preocupação com a escola pública primária e maior
acentuação da intervenção do Estado, mais particularmente nos países influenciados pela Reforma
Protestante12, quando se encaminha a educação para todo o povo, com fins essencialmente religiosos
e éticos. Isto porque, segundo Alves (2006, p. 91):

Os dois princípios que levaram a Reforma a fundar uma prática da religião que
valorizava a instrução, enquanto instrumento de salvação dos fiéis, nunca se
dissociaram de um direito individual no qual se manifestava, claramente, a
presença do ideário burguês. Trata-se do direito individual relativo à livre
interpretação das sagradas escrituras. Colocando-se em relação, aqueles princípios
e essa manifestação de direito individual, todos mutuamente se fortaleceram.
Como conseqüência, em todas as regiões que aderiram à Reforma, sempre houve
uma insistência da Igreja no sentido de que o Estado assumisse e desenvolvesse a
instrução pública, pois também os direitos do cidadão seriam comprometidos caso
este não pudesse exercer o domínio da leitura e da escrita. É incontestável que essa
confluência entre os interesses da Igreja e os do Estado resultou em políticas que
colocaram os países protestantes na vanguarda da oferta de escolas públicas.

11 De acordo com Luzuriaga (1950, p. 7-8), Lutero foi o primeiro a chamar a atenção das autoridades públicas para a
necessidade de criar e manter escolas para todos. Porém, a educação pública preconizada por ele é antes de tudo
religiosa, ainda que considere, ao mesmo tempo, as necessidades sociais e públicas. Sua atenção dirige-se
especialmente às classes superiores, burguesas que hão de prover os cargos de direção da sociedade: funcionários,
eclesiásticos, médicos e advogados. O que exige para as classes populares é uma educação elementar, reduzida aos
elementos mais imprescindíveis, dentre as quais a leitura e a escrita e a doutrina cristã. Sua primeira formulação
explicita a respeito do processo educativo aparece em “A Carta aos Prefeitos e Conselheiros de Todas as Cidades da Alemanha,
a Propósito das Escolas Cristãs”.
12 A construção formal de um sistema de escolarização de massas está ligada a expansão das seitas protestantes, que

viam na educação um importante instrumento para a divulgação da Reforma, permitindo a todos a leitura e
interpretação da Bíblia.

34
À medida que a sociedade burguesa vai se consolidando, os homens foram assumindo
novos comportamentos. O contrato de trabalho, a troca e a circulação de mercadorias, a livre
iniciativa e a livre concorrência entre os proprietários exigiam sujeitos autônomos, legalmente
livres e iguais. Originam-se, assim, os sujeitos que percebendo-se como autônomos, voltam-se para
seus interesses e necessidades particulares, passando a encarar o conjunto social como uma forma
de realizar seus fins privados. Expressando a nova condição social caberia à educação possibilitar a
construção de uma nova conduta individual e livre, auto-governada pela razão, a fim de preparar
os indivíduos para administrar seus negócios e sua vida particular, de forma a atender as exigências
do capital na sua fase comercial (CARVALHO, 2000).
Entre o século XVI e XVII há o desenvolvimento da produção fabril. Nesse momento a
manufatura reúne muitos trabalhadores num mesmo local, sob o comando do capital, com
finalidade de produzir mercadorias para o comércio ampliado. Em relação a organização da
produção é introduzida a divisão do trabalho na execução das tarefas, visando produzir mais em
menos tempo. Essas alterações no processo produtivo levaram, por um lado, à socialização da
produção e simplificação do trabalho, por outro, a desqualificação do trabalhador. Isto porque, o
desenvolvimento tecnológico, ao qual estão associadas à divisão do trabalho, a simplificação das
tarefas e a objetivação do trabalho exige do trabalhador manufatureiro, cada vez mais, a realização
de operações extremamente simples e menor capacidade intelectual.
Adam Smith em A Riqueza das Nações, publicado em 1776, considerando as necessidades da
indústria nascente, recomenda o ensino público para as camadas inferiores da população, como
um paliativo frente a degeneração moral e entorpecimento intelectual/desqualificação das "virtudes
intelectuais" do trabalhador. De acordo com suas palavras:

Com o avanço da divisão do trabalho, a ocupação da maior parte daqueles que


vivem do trabalho, isto é, da maioria da população, acaba restringindo-se a
algumas operações extremamente simples, muitas vezes a uma ou duas. Ora, a
compreensão da maior parte das pessoas é formada pelas suas ocupações normais.
O homem que gasta toda sua vida executando algumas operações simples, cujos
efeitos também são, talvez, sempre os mesmos ou mais ou menos os mesmos, não
tem nenhuma oportunidade para exercitar sua compreensão ou para exercer seu
espírito inventivo no sentido de encontrar expedientes meios para eliminar
dificuldades que nunca ocorrem. Ele perde naturalmente o hábito de fazer isso,
tornando-se geralmente tão embotado quanto ignorante quanto o possa ser uma
criatura humana [...] Assim, a habilidade que ele adquiriu em sua ocupação
específica parece ter sido adquirida à custa de suas virtudes intelectuais, sociais e
marciais. Ora, em toda sociedade evoluída e civilizada, este o estado em que
inevitavelmente caem os trabalhadores pobres – isto é, a grande massa da
população - a menos que o Governo tome algumas providências para impedir que
tal aconteça (SMITH, 1996b, vol. II, p. 244).

35
Embora a educação apareça como uma das responsabilidades dos gastos governamentais,
Smith não concebia como encargo público todo o sistema de ensino. Apenas, a escola de primeiras
letras (leitura, escrita e aritmética) destinada ao trabalhador e setor mais pobre da sociedade,
denominada por ele "gente comum", deveria merecer mais atenção do Estado, pois estes não
possuíam as mesmas condições de uma boa educação que a "gente de alguma posição ou fortuna".
Isto porque tão “logo sejam capazes de trabalhar, têm que ocupar-se com alguma atividade para
subsistência“. Além do que, “este tipo de atividade é geralmente muito simples e uniforme para
dar-lhes pequenas oportunidades de exercitarem a mente” (SMITH, 1996b, vol. II, p. 246).
Do seu ponto de vista, o que também justifica os gastos públicos com educação é sua
utilidade no combate ao fanatismo religioso, visando tornar os homens mais propensos à aceitação
das regras sociais e evitando as controvérsias religiosas, que eram causas de dissensões políticas
violentas. Para ele, o Estado teria consideráveis vantagens ao investir na instrução pública, uma
vez que:

[...] Quanto mais instruídos ele for [o povo], tanto menos estará sujeito às ilusões
do entusiasmo e da superstição que, entre nações ignorantes, muitas vezes dão
origem às mais temíveis desordens. Além disso, um povo instruído e inteligente
sempre é mais decente e ordeiro do que um povo ignorante e obtuso. As pessoas
se sentem, cada qual individualmente, mais respeitáveis e com maior possibilidade
de serem respeitadas pelos seus legítimos superiores e, conseqüentemente, mais
propensas a respeitar os superiores [...] (Ibid., p. 249).

Em virtude das novas condições de vida, o século XVIII é caracterizado pelo surgimento
da “escola pública estatal”, pela secularização da educação e por sua subordinação definitiva aos fins e
à organização do Estado. A escola correspondendo à nova forma de vida torna-se uma instituição
oficial, destinada a atender às necessidades da burguesia. Nesse momento, sob a influência do
Iluminismo13, há a preocupação em combater a educação religiosa, ainda que conservando o ensino
de religião, fazendo prevalecer a educação laica (conhecimentos técnicos e científicos),
independentemente da Igreja. O objetivo era formar o súdito fiel à coroa. Isto é, homens
preparados para desempenhar funções do Estado (ocupar cargos administrativos e militares) e
para dirigir seus próprios negócios. Para isso, a educação passa a ter um caráter intelectual e
instrumental, ou seja, com fins práticos e técnicos, baseava-se no ensino da leitura, escrita, cálculo,
ciências naturais (matemática, geometria, química, física, astronomia, história natural), instrução
religiosa, moral e ética cívica, em oposição a escolástica14 e teologia.

13 Com o Iluminismo toma corpo a idéia de que o poder político, ou do Estado, deve zelar pela instrução e pelo
progresso do saber.
14 A escolástica representa o conjunto de doutrinas filosóficas e teológicas ensinadas nas escolas e universidades da

Europa no período do século XI até o Renascimento. Caracteriza-se pela tentativa de conciliar a fé cristã com a razão,

36
Segundo Luzuriaga (1950), o antecedente mais notório da educação pública estatal foi na
Alemanha, em 1717, com os reis da Prússia Frederico Guilherme I e Frederico II, quando se
aplicou, pela primeira vez num grande Estado, o princípio da obrigatoriedade escolar. O mesmo
Decreto que prevê a obrigatoriedade também se preocupa com a preparação dos mestres,
sugerindo a criação de escolas normais para a formação do magistério. Para a administração e
organização das escolas foi criado em 1736 os “Principia Regulativa ou Plano Geral das Escolas”. Neles
se estabelecia, entre outras coisas, que:

[...] as paróquias, constituídas em sociedades escolares, estavam obrigadas a construir e


manter escolas; que tôda Igreja havia de dar uma contribuição anual para a manutenção do
mestre; que os alunos haviam de pagar uma contribuição, com o mesmo fim; que os
moradores haviam de fornecer-lhe lenha e outras provisões, assim como pasto para seu
gado e que o govêrno lhe daria terreno que fôsse cultivado pelos moradores.
O rei criou ainda uma fundação de 50.000 talers, das quais os juros se aplicariam nas
localidades pobres que não pudessem manter bem suas escolas. Finalmente, regulou, pela
primeira vez, o ensino privado, submetendo-o à inspeção do Estado (LUZURIAGA, 1950,
p. 26).

As ações de Frederico II culminariam na secularização completa da educação pública, isto


é, tornando-a completamente independente da Igreja. Em 1763 é criada a primeira lei escolar para
todo o reino e o fundamento para toda a legislação posterior nesse campo. Nela era
regulamentado o ensino escolar dispondo “como há de realizar a freqüência escolar, as horas de
duração das aulas, as contribuições que os alunos hão de satisfazer, os requisitos que os mestres
hão de ter, a inspeção das escolas, por parte das autoridades, etc” (Ibid, p. 29), inspirando outras
reformas importantes do ensino. Em 1794, com o Código Geral Civil, fica assentada, na legislação
nacional, a educação pública estatal, cuja direção é confiada exclusivamente ao Estado. Nos termos
da Lei:
As escolas e universidades são instituições do Estado, que têm por fim a instrução
da juventude nos conhecimentos úteis e científicos. Tôdas as instituições escolares
e de educação, públicas ou particulares, estão submetidas à inspeção do Estado e
acham-se sujeitas, a qualquer tempo, a seus exames e visitas de inspeção [...] A
ninguém pode ser negada a admissão na escola pública pela diferença de confissão

ou seja, procurava explicar a fé através de argumentos racionais. No processo educativo predominava a visão
teocêntrica, tendo Deus como fundamento de toda a ação pedagógica, cuja finalidade era “Amar e venerar a Deus”
(PONCE, 1985). O programa de estudos ministrados incluia o trivium: gramática, retórica e dialética - disciplinas que
se ocupam do discurso e da palavra; e o quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música - disciplinas dedicadas
aos estudos da natureza e ao conhecimento simbólico dos números, cujas fontes eram a bíblia sagrada, o pensamento
dos padres da Igreja e a filosofia clássica grega, em especial os ensinamentos de Platão e Aristóteles interpretados à luz
das sagradas escrituras. Segundo Ponce, a escolástica corresponde a um período da história em que a Igreja começa a
pactuar com as potencias rivais. Para ele “esse despertar da vida comercial, ruidosa e movediça, essa afirmação dos
negócios e do cálculo, que opunha a catedral ao monastério, e o burguês letrado aos senhores da espada ou da cruz,
solidificou-se no plano intelectual, nessa outra ‘catedral’ impressionante que foi chamada de escolástica. Desde o
século XI até o XV, a escolástica representou no front cultural um verdadeiro compromisso entre a mentalidade do
feudalismo em decadência e a da burguesia em ascensão [...]” (Ibid., p. 107).

37
religiosa [...] As crianças que devem ser educadas, pelas leis do Estado, em outra
religião que a ensinada na escola pública, não podem ser obrigadas a freqüentar o
ensino religioso que esta dá (Ibid, p. 30).

Dentre os países católicos, como a França, Itália, Espanha e Portugal, assim como suas
respectivas colônias da América, a educação continua até o século XVII nas mãos da Igreja, por
meio de conventos, escolas paroquiais e colégios de Ordens Religiosas. Conforme Teodoro (2001,
p. 101), Portugal foi “o primeiro país a proceder à secularização do ensino e a lançar os alicerces
de um sistema escolar dirigido e controlado pelo Estado15, bem como um dos primeiros, a nível
mundial, a consagrar, no plano legislativo, o princípio da escolaridade obrigatória”. Segundo ele,
“as reformas pombalinas de 1759 e, sobretudo, a de 1772, constituíram uma das primeiras
tentativas no mundo de organização de um sistema estatal de ensino e, como antes se assinalou, o
primeiro nos países da Europa Católica” (Ibid., p. 105), tornando-se uma referência para o
contexto europeu da época. Em pelo menos dois aspectos ela se apresentava inovadora: na
“criação de um imposto, o subsídio literário, destinado exclusivamente ao financiamento da educação
das despesas com a educação”, e na “assunção pelo Estado do controlo do ensino” (Ibid., p. 106).
Em alguns países, como a França, a “educação pública estatal” só tem início no século XIX,
até então estava nas mãos de particulares, principalmente das congregações religiosas, dentre as
quais a Companhia de Jesus, para o ensino secundário, e os irmãos da Doutrina Cristã, para o
ensino primário, onde a principal matéria ensinada era a religião (sagradas escrituras, filosofia e
teologia). Porém, a partir de sua origem ela terá uma influência decisiva sobre a criação do novo
tipo de educação.
Ao encerrar o século XVIII tem origem a grande indústria. A concorrência entre os donos
de manufatura permitiu o aperfeiçoamento cada vez maior dos instrumentos de trabalho e o
aparecimento das máquinas, que executavam operações semelhantes às das mãos humanas e com
maior velocidade e precisão. Com a mecanização da produção, o capitalismo atingiu uma etapa de
extraordinário desenvolvimento.
Esse século culminaria com a Revolução Francesa (1789) e com a Declaração universal dos direitos
do homem e do cidadão (1793), que reconheciam a instrução elementar como um direito que a
sociedade deveria colocar ao alcance de todos. A partir daí se difunde a bandeira da escola pública,

15 Foi concretamente o quarto, segundo dados conhecidos, em nível mundial a consagrar o principio da

obrigatoriedade escolar na sua ordem jurídica. Conforme Teodoro (2001, p. 107), “à obrigação estabelecida pela Carta
Constitucional de 1826 de o Estado administrar gratuitamente a instrução primária a todos os cidadãos em escolas
públicas, o decreto de 7 de setembro de 1835, que aprova o Regulamento Geral da Instrucção Primária, estabelece no seu
Título VII os ‘deveres dos Pais de familia, ou das pessoas que estão em seu logar’, consagrando desse modo, pela
primeira vez em disposição legal, o que se pode designar de princípio da obrigatoriedade escolar”.

38
universal, gratuita, obrigatória e laica por toda a Europa, firmando com clareza o direito de todos e
o dever do Estado em matéria de educação.
A partir do de 1870, em todos os países do capitalismo avançado a proposta burguesa de
escola universal, laica, obrigatória e gratuita, ganhou um novo vigor, visando a construção dos
sistemas nacionais de educação e a universalização dos serviços escolares. Nesse momento surge
um intenso debate em torno dos principais princípios que iriam organizar a educação nacional no
século XIX. Em linhas gerais, são eles: legislação nacional, uniformidade de princípios e método,
direção exclusiva do Estado, oficialização do ensino, inspeção feita pelo Estado tanto em escolas
públicas quanto particulares, conteúdo (ler, escrever, contar, ciências, formação moral – cívica x
religiosa), conhecimentos úteis (formação técnica e especializada) e científicos (ciências da natureza
e matemática), escola universal e democrática (para todos os sexos, religiões, condição social),
preparação do magistério, criação do Ministério da Instrução Pública, educação livre, aberta e
gratuita, laicismo, “obrigatoriedade” (princípio não defendido por todos).
Apesar dos discursos e dos documentos reconhecerem a importância da instrução pública
e serem favoráveis à sua generalização, pouca coisa pôde ser feita nesse momento, devido aos
limites das condições materiais que impediram sua disseminação e realização geral (ALVES, 1998).
O século XIX foi, para Luzuriaga (1950, p. 57), um século de “esforço continuado para
tornar uma realidade a educação do ponto de vista nacional [...] Deste século procedem os grandes
sistemas nacionais de educação e as grandes leis de instrução pública, de todos os países europeus
e americanos”.

2. A criação da escola pública nacional no final do século XIX

Este será o século da “educação pública nacional”, educação do cidadão - homem


político/eleitor. Dirigida para todos, deveria ser universal (para todas as classes sociais, todas as
idades e para ambos os sexos). As motivações para sua criação encontram-se relacionadas tanto
aos aspectos econômicos quanto políticos.
Do ponto de vista econômico, a publicização do ensino pode ser entendida na sua relação
com as mudanças das forças produtivas e suas relações sociais. Isto é, ao fato de que a introdução
da máquina moderna na produção criou um excedente tanto de riqueza quanto de força de
trabalho, que não poderia mais ser empregado diretamente na produção. Isto significa dizer que,
antes do século XVIII o grosso da riqueza social produzida era reinvestido em atividades
produtivas, no desenvolvimento do próprio capital. Porém, a partir de 1870, com a crise de
superprodução, a paralização do comércio e indústria e, as falências generalizadas estes recursos

39
não mais poderiam ser reinvestidos inteiramente na produção, sob o risco de gerar nova
superprodução de mercadorias e novas crises no mercado, descolando-se para outros setores da
sociedade, no caso para a educação.
Também, face ao excedente de mão-de-obra, a sociedade já podia prescindir do trabalho
infantil, por isso, as crianças foram as primeiras a serem eliminadas do mercado de trabalho,
passando a dispor de tempo livre para freqüentar a escola. Os pais precisavam, ainda, de um local
para deixar seus filhos enquanto trabalhavam, era necessário tirar as crianças das ruas, onde elas
estariam sujeitas ao ócio e a corrupção. Além do que, a luta dos operários por melhores condições
de trabalho exigia a redução da jornada de trabalho nas fábricas. Nesse momento nos países mais
avançados são criadas legislações que reduziriam a jornada de trabalho infantil e tornariam
obrigatória a escolarização das crianças16 (ALVES, 2006).
Do ponto de vista político, a escola pública, universal, laica, gratuita e obrigatória é criada
para formar a consciência do homem cidadão, impondo-lhes os deveres para com o Estado,
construindo o espírito nacional/coletivo contra o espírito individualista, decorrente da divisão do
trabalho, e impedindo que os interesses individuais dos homens fossem levados até as últimas
conseqüências.
A instrução pública e a homogeneização do sistema de ensino são, assim, reconhecidos
como indispensáveis para a construção da unidade nacional. É efetivamente nesse século que se
consolidam os Estados Nacionais17, que vai se colocar o problema da organização dos respectivos

16 Contudo, cabe dizer que, na prática o que se desenvolveu foi um “simulacro de escola”, à medida que, segundo
Alves (2006, p. 165), “para dar cumprimento à norma e tangenciar a questão da jornada de trabalho infantil” o que se
desenvolveu “foi a instalação de escolas noturnas e escolas dominicais”. Nessas escolas, devido às condições de trabalho e
utilização de manuais, ocorreu o “aviltamento do conteúdo didático” (Ibid., p. 168). Conforme, indica o autor, o
depoimento de Engels é muito revelador sob esse aspecto: “[...] Em parte alguma existe frequência escolar obrigatória.
Nas próprias fábricas isso não passa duma palavra, como veremos. Quando o governo quis, no decurso da sessão de
1843, fazer entrar em vigor esta aparência de escolaridade obrigatória, a burguesia industrial opôs-se-lhe com todas as
forças, se bem que os trabalhadores se tivessem pronunciado categoricamente a favor desta medida. De resto,
numerosas crianças trabalham durante toda a semana em casa ou nas fábricas e por isso não podem frequentar a
escola. Porque as escolas nocturnas, onde devem ir os que trabalham de dia, quase não têm alunos e estes não tiram delas
proveito algum. Na verdade, seria pedir demasiado aos jovens operários que se estafaram durante doze horas, que
ainda fossem à escola das 8 às 10 da noite. Os que lá vão, aí adormecem a maior parte das vezes, como constataram
centenas de testemunhos no Children's Employment Report. É verdade que se organizaram cursos aos Domingos, mas
têm falta de professores e só podem ser úteis aos que já frequentaram a escola durante a semana. O intervalo que
separa um Domingo do seguinte é demasiado longo para que uma criança inculta não tenha esquecido na segunda
lição o que aprendera oito dias antes no decurso da primeira. No relatório da Children's Employment Commission, milhares
de provas atestam, e a própria comissão apoia, esta opinião categoricamente: que nem os cursos da semana nem os do
Domingo correspondem, nem de longe, às necessidades da nação” (ENGELS, A situação..., op. cit., p. 152-4, apud,
ALVES, 2006, p. 166).
17 O Estado-nação formaria o quadro de referência da vida do cidadão, estabelecendo-lhe parâmetros, através de um

corpo único de instituições políticas e jurídicas, e determinando-lhe as condições concretas de vida. Por conseqüência
a cidadania está associada à nacionalidade, limitada ao espaço territorial da Nação.

40
sistemas nacionais de educação18 e da educação de caráter cívico e patriótico, além de científico.
Segundo Hobsbawn (2002), o Estado precisava fazer a Nação19, isto é, reunir as entidades
dispersas, fragmentadas e plurais em torno de um ideário político e cultural comum, contribuindo
para o controle social e consolidação da nação sob um Estado racional e centralizado. Nesse
contexto, o sistema escolar nacional, predominantemente organizado e supervisionado pelo
Estado, transforma-se uma condição indispensável para transformar o súdito em cidadão.
Outro fator importante que contribuiu para a criação da escola pública, universal, laica,
gratuita e obrigatória é a luta da sociedade burguesa para a defesa dos seus interesses. Ou seja,
diante dos problemas sociais (crise de superprodução, desemprego, despovoamento do campo,
proletarização da classe média, empobrecimento da classe operária, falências generalizadas,
paralisação do comércio e da circulação de dinheiro, crise no sistema de crédito, insegurança
pessoal, e etc.), o discurso e a prática social baseados no princípio do livre desenvolvimento das
forças individuais para a acumulação de riquezas, tal como propunha o liberalismo clássico,
mostram-se insuficientes para dar conta das novas condições sociais, que desvela a natureza
contraditória do capital baseada na produção coletiva e apropriação privada do trabalho social. A
sociedade burguesa começa a enfrentar suas próprias contradições20. A força revolucionária se
manifesta no seio do movimento operário, por quase toda a Europa, no período de 1830 a 184821,
colocando em xeque a propriedade privada e reivindicando a democracia social.
Diante das circunstâncias que ameaçavam sua existência a burguesia se vê obrigada a rever
suas posições. Entendendo que as revoltas sociais tinham como objetivo a república social e
democrática, a burguesia percebe a necessidade de modificar a forma de governo, dando origem ao
Estado democrático em oposição ao aristocrático. Na busca de impedir o avanço do pensamento

18 Com a criação dos sistemas nacionais são estabelecidas as bases da educação nacional em forma unificada, ou seja,
subordinando-as as mesmas autoridades e aos mesmos princípios legais. A criação do Ministério da Instrução Pública,
a promulgação da lei de educação nacional e criação de escolas para a formação de professores constituíram-se passos
decisivos para a construção dos sistemas nacionais de educação.
19
O conceito de nação é historicamente recente, segundo Hobsbawn (2002, p. 27), “[...] antes de 1884, a palavra nación
significava simplesmente ‘o agregado de habitantes de uma província, de um país ou de um reino’ e também ‘um
estrangeiro’, ou seja, desenvolveu-se para descrever grupos fechados, como guildas e outras corporações, comunidades
estrangeiras, especialmente mercadores, que viviam numa cidade e gozavam de privilégios ou, ainda, estudantes nas
antigas universidades. Mas, a partir do final do século XIX, “era dada como ‘um Estado ou corpo político que
reconhece um centro supremo de governo comum’ e também ‘o território constituído por esse Estado e seus
habitantes, considerados como um todo’” (Ibid., p. 27). Assim, considerada “a ‘nação’ era o corpo de cidadãos cuja
soberania coletiva os constituía como um Estado concebido como sua expressão política. Pois[...] incluiria o elemento
da cidadania e da escolha ou participação de massa. John Stuart Mill não definiu uma nação apenas pela posse do
sentimento nacional. Também acrescentou que os membros de uma nacionalidade ‘desejam que seja um governo deles
próprios, ou exclusivamente de uma porção deles’” (Ibid., p. 31).
20 Do ponto de vista econômico estas são caracterizadas, de um lado, pelo fato de a produção ser coletiva, enquanto

os meios de produção e a apropriação do produto do trabalho são privados; de outro, pelo fato de que o
aperfeiçoamento das máquinas equivale tornar supérflua parte da massa de trabalho humano, que vai se tornando cada
vez mais excluída do processo produtivo.
21 Nesse período multiplicam greves, congressos nacionais e internacionais da classe operária.

41
anarquista e socialista, e evitar a explosão de novas revoltas, que ameaçavam revolucionar a ordem
geral foram empreendidas reformas nas instituições, sendo criadas leis concedendo o sufrágio
universal, o direito de realizar plebiscito, de constituição de partidos e de iniciativa popular,
promovendo a igualdade política. Com isso, os conflitos e lutas sociais foram transformados num
jogo institucionalizado, mediado pela atuação dos partidos e pela escolha eleitoral, através da
competição.
Neste contexto a escola pública é entendida como um recurso decisivo para a derrota
definitiva do Antigo Regime e consolidação e preservação da República, bem como, para criar um
espírito contra-revolucionário. O caráter cívico patriótico (amor à pátria, amor ao bem público, o
devotamento à cidade, a submissão às leis), o sentimento de solidariedade e nacionalidade seriam
virtudes públicas indispensáveis para construir a cidadania democrática. Caberia à escola
desempenhar esse papel com o objetivo de contribuir para o equilibrar as contradições sociais,
amenizar os conflitos entre as classes, manter o trabalho assalariado subordinado aos interesses do
capital e preservar a propriedade privada.
A construção da escola pública também envolveu um processo de luta marcado por
interesses distintos, de um lado o clero católico e de outro os liberais. Segundo Luzuriaga (1950,
56-57),

ainda que a educação pública comece na França com a Revolução de 1789, sua
efetivação ficou reservada para o século XIX. Tôdo esse século foi um esforço
continuado para tornar uma realidade a educação do ponto de vista nacional.
Nesse século desenrolou-se a mais intensa luta dos partidos políticos,
conservadores e progressistas, reacionários e liberais, clericais e estatais, para
apoderar-se da educação e da escola pública. Pode-se, em geral, dizer que houve
uma luta entre a Igreja e o Estado em tôrno da educação; ao fim, êste vence e
chega a constituir-se, em cada país, uma educação pública nacional.

O caráter do embate entre a Igreja e o Estado, não se resume apenas no confronto entre
duas concepções de educação, mas tratava-se do combate movido pela burguesia às forças feudais
que, até então, havia exercido controle pleno dos aparelhos do Estado, inclusive da escola e, de
“defender os interesses burgueses frente à grande crise do capital, na esteira da qual surgiam as
lutas concorrenciais por novos mercados, dificultados pelo enfraquecimento da unidade nacional
que o movimento operário provocava [...]”. Para tanto era “preciso educar o novo soberano,
transformando o sujeito, submetido aos antigos poderes, em cidadão defensor da pátria amada;
substituir os ‘deveres para com Deus’ pelos seus ‘deveres para com o Estado’ ” (LEONEL, 1994,
p. 184-185).
Assim, a luta contra a educação religiosa/aristocrática exige a generalização dos direitos e a
imposição do caráter compulsivo da freqüência escolar. Ou seja, a escola deveria deixar de ser um

42
privilégio da alta burguesia e nobreza para ser freqüentada também pela pequena burguesia e classe
popular. O processo de laicização do ensino também se dá no interior dessa luta, como é o caso da
França em que a exclusão do ensino religioso dos programas (1874) e a proibição legal de qualquer
congregação dirigir um estabelecimento público ou privado ou ministrar o ensino sem autorização
prévia (1901) foram passos decisivos para a laicização do ensino e a separação entre a Igreja e o
Estado.
Cabe, porém, ressaltar que embora no século XIX tenha se desenvolvido em muitos países
uma forte tendência para que a educação, no sentido restrito da instrução, se constituísse um
sistema integrado, se estabelecesse um plano nacional (fosse homogênea, unitária); e obedecesse
uma autoridade central na tentativa de assegurar coerência de organização, de métodos, de
programas e de critérios pedagógicos, nenhuma nação completou o processo de difusão e
realização da escola pública neste período22. Ou seja, embora houvesse um empenho geral para
que a máquina do Estado criasse e mantivesse os serviços escolares, seria indispensável elevar
ainda mais o grau de riqueza material das nações, para tornar a escola pública, de fato, universal
(ALVES, 1998). Este seria o grande desafio para o século XX.
De acordo com Luzuriaga (1959, p. 98), foram os Estado Unidos da América o país que
mais promoveu, ao final do século XIX, a expansão escolar, transformando-se em referência para
toda a Europa e América.
No entanto, cabe dizer que o modelo de expansão americano se diferia do europeu,
conforme nos esclarece Saviani (2006b, p. 52):

Com efeito, sabe-se que enquanto os países europeus, via de regra, caminhavam
na direção da organização de seus sistemas nacionais de ensino segundo
diretrizes emanadas dos próprios órgãos centrais do Estado, denominados, de
modo geral, de Ministérios da Instrução Pública ou da Educação, os Estados
Unidos tenderam a colocar a educação sob a responsabilidade dos órgãos locais
em nível municipal, não instituindo nem Ministério da Educação, nem lei
nacional do ensino.

22Segundo Alves (2006, p. 118), “[...] só a França realizou um debate mais perceptível e, por isso foi mais prolifera do
ponto de vista da produção teórica acerca da temática educacional. Fora da França, a escola pública não empolgou o
debate nem se transformou em objeto importante de luta política”. Na França tratar da instrução pública, implica,
sobretudo, considerá-la “como a instituição que tinha a mais relevante função social: a formação do cidadão. Nesse
sentido, ela era entendida como um recurso decisivo para a consolidação e a preservação da República, bem como
para a derrota definitiva dos inimigos feudais; ela situava-se, portanto, no âmago da questão central posta pela
Revolução Francesa [...]” (Ibid., p. 118). Entretanto, apesar do debate intenso e a produção de “diversas propostas
visando instaurar uma organização nacional para a instrução pública entre os franceses, faltaram iniciativas que às
levassem à ação. De fato, a instrução pública avançou, até o século XIX, nas nações influenciadas pela Reforma”,
enquanto que, na França, foi marcada por um movimento de avanços e recuos. Mesmo a Alemanha que, segundo ele,
era “vista como a nação da Europa onde mais avançara a instrução pública no século XIX, também enfrentou
dificuldades expressivas para atingir esse estágio, pelo menos até a década de 1870 (Ibid., p. 124).

43
3. Século XX: a expansão dos sistemas educativos

O século XX, na interpretação de Luzuriaga, corresponde ao advento da “educação pública


democrática”, momento em que se busca sua democratização, seja quantitativamente, através da
universalização e prolongamento da escola fundamental, seja qualitativamente, através da difusão
dos movimentos de renovação pedagógica.
Neste século a educação formal adquire maior importância, sendo identificada com o
crescimento econômico das nações, com a ascensão social dos indivíduos, com a elevação da
produtividade no trabalho, com o ingresso e permanência no emprego, com a ampliação da
participação política e social. Isto reforçou a necessidade do Estado assumir o papel de promover
e organizar os sistemas23 nacionais de ensino.
Durante o século XX, sob o impulso ou égide do Estado do bem-estar social ou Estado
Keynesiano a educação se transformou num amplo serviço público, tornando-se um direito
universalizado, obrigatório e gratuito nos estabelecimentos oficiais, e um dever do Estado,
garantido constitucionalmente ao lado de outros direitos sociais.
A democratização da educação corresponde a nova fase do capitalismo. Isto é, a fase
imperialista/monopolista, cuja característica central é a internacionalização dos circuitos
produtivos e financeiros, a exportação de capitais e indústrias centralizados monopolisticamente e
partilha do globo entre as maiores potencias capitalistas.
A partir deste momento, a concorrência deixou de se limitar às empresas e passou a
abranger também nações inteiras, cujos efeitos foram o protecionismo da economia de cada
nação-Estado e os grandes conflitos armados, para ampliar as fronteiras nacionais, por meio da
expansão do capital, dos mercados e dos territórios.
A crise dos anos 30 desencadeou-se no seio dessa nova configuração política e econômica
e teve maior profundidade do que a anterior. No limiar dos anos 30, a economia mundial

23 Segundo Saviani (2005b, p.76-77) “[...] O ato de sistematizar, uma vez que pressupõe a consciência refletida, é um
ato intencional. Isto significa que, ao realizá-lo, o homem mantém em sua consciência um objetivo que lhe dá sentido;
em outros termos, trata-se de um ato que concretiza um projeto prévio. Este caráter intencional não basta, entretanto,
para definir a sistematização. Esta implica também uma multiplicidade de elementos que precisam ser ordenados,
unificados (veja-se a origem grega do significado da palavra sistema: reunir, ordenar, coligir). Sistematizar é, pois, dar,
intencionalmente, unidade à multiplicidade. E o resultado obtido, eis o que se chama sistema”. Em outros termos,
“Sistema é a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos, de modo a formar um conjunto coerente e
operante” (Ibid., p. 80). Ou seja, o termo sistema denota um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista
determinada finalidade. E isso implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas comuns. Dessa
forma, a educação sistematizada será resultado de práxis intencional coletiva. Enfim, na interpretação do autor, para se
ter um sistema educacional são necessários três requisitos, a saber: “intencionalidade (sujeito-objeto), conjunto (unidade-
variedade), coerência (interna e externa) – é preciso acrescentar às condições impostas à atividade sistematizadora
(educação sistematizada), esta outra: a formulação de uma teoria educacional” (pedagogia) que indicará “[...] os
objetivos e meios que tornam possível a atividade comum intencional” (Ibid., p. 86-87).

44
mergulhou na mais catastrófica depressão da história do capitalismo. A Grande Depressão produziu
o desemprego massivo em todo o mundo, o excesso de produção fez os preços despencarem
numa velocidade vertiginosa, provocando a falência sucessiva de empresas e arrastando consigo
grandes blocos de capitais, o desemprego de milhões e o pânico financeiro. Estes fatores
compunham um cenário de desesperança e incertezas quanto às possibilidades de sobrevivência,
tornando mais agudas as tensões e contradições do capitalismo.
A resposta para a crise estaria na ação direta do Estado, a qual seria a forma de regular e
revigorar a economia, manter o pleno emprego e melhorar a distribuição de renda, e atenuando os
efeitos da desigualdade social, promover o bem estar dos cidadãos.
A social democracia descobre em Keynes a receita para aliviar a crise. Entre os
mecanismos previstos pela política keynesiana para a recuperação e garantia do bom
funcionamento do sistema capitalista, tornando as regras da competição mais estáveis e previsíveis
constam o estímulo ao aumento da renda nacional, a preservação da acumulação privada de
capital, a cooperação com a iniciativa privada e o empreendimento de obras públicas.
Para o aumento da renda nacional ele propunha uma política de obras públicas e outras
formas de gasto estatal (investimentos ou empreendimentos). Porém, os investimentos públicos
não poderiam expandir a capacidade de produção da economia, para competir com a iniciativa
privada, nem gerar superprodução, ou seja, deviam ser “improdutivos”24. Os kinvestimentos
improdutivos significavam, na verdade, uma nova forma de aumentar a renda e o consumo, pois
geravam ocupação da capacidade produtiva ociosa existente no setor produtivo.
Portanto, através dos investimentos públicos suplementares, o Estado preencheria a lacuna
deixada pelas variações e insuficiência de investimentos privados, contrabalançando o volume de
investimentos necessários para a manutenção dos altos níveis de emprego. Desta forma, o gasto
estatal tornou-se o instrumento principal da política keynesiana no combate ao desemprego, na
diminuição das desigualdades, na distribuição de rendas e na redução da magnitude das flutuações
cíclicas.

24 Considera-se como improdutivo aquele trabalho que não contribui diretamente para a valorização do capital como

um todo, ou seja, não produz mais-valia. No entanto, não se pode negar que contribuem indiretamente para a
expansão das atividades produtivas, circulação e realização do valor e, portanto, para a valorização do capital
(BRAVERMAN, 1987). Frigotto, em A Produtividade da Escola Improdutiva (1984), revela-nos o quanto os gastos
improdutivos, sob o ângulo da produção, mostram-se necessários a sua realização. Sob esta perspectiva a escola
funciona como um indutor das indústrias produtivas, comportando-se em relação ao “ciclo econômico, como
qualquer gasto de consumo, componente da demanda efetiva. Sua especificidade educacional não se põe para o ciclo,
senão do ponto de vista de criar um circuito privado de apropriação destes gastos, primeiramente; e, secundariamente,
funciona como condutor das indústrias da educação: papel, mobiliário, construção civil, gráfica e editorial” (F. de
OLIVEIRA e W. BORGES apud FRIGOTTO, 1984, p. 158). Assim, a expansão da escola requer a expansão das
atividades produtivas. “[...] Logo, assiste-se a uma atividade improdutiva garantindo a realização de mais valia
incorporada nas mercadorias de uma atividade produtiva” (ALVES, 1990, p. 105).

45
O apoio direto ao processo de acumulação passou a ser feito por meio de investimentos,
subsídios, definição de taxas de importação, promoção do desenvolvimento de indústrias auxiliares
(infra-estrutura), atuação nas áreas da economia que não concorressem com as empresas privadas
e nas quais os empresários privados não estivessem dispostos a investir, venda de produtos e
serviços para empresas privadas, fornecimento de insumos para uma economia rentável, regulação
do setor privado. Indiretamente, a intervenção se deu por meio de políticas sociais
compensatórias, atenuando os efeitos distributivos do funcionamento do mercado e promovendo
o bem-estar dos cidadãos.
A intervenção do Estado, seja como mediador/regulador da economia, seja como
dinamizador, produzindo serviços e mercadorias, converteu o fundo público em atividade
econômica, articulando simultaneamente o financiamento da reprodução do capital e da força de
trabalho. Assim, o fundo público assegurou novos padrões de acumulação do capital, amenizando
os conflitos e contradições decorrentes das lutas intercapitalistas e do aumento da pobreza em
meio à abundancia (riqueza) e, ao mesmo tempo, permitiu ao sistema capitalista evitar os perigos
do socialismo.
A expansão da escola pública desenvolveu-se no interior dessa tendência de alocação dos
trabalhadores expulsos das atividades produtivas, mediante a expansão das atividades
improdutivas, por força da ação reguladora do Estado e de mecanismos de financiamento que
asseguram o fluxo constante de aportes de capitais necessários à manutenção e ampliação de seus
serviços25 (ALVES, 1990; 2006).
O alargamento das oportunidades educacionais, incluindo a extensão do período de
formação escolar, explica-se não apenas pela oportunidade de criar novos empregos, mas também,
porque a extensão do tempo de escolarização prolonga a permanência do jovem na escola,
impedindo que pressione imediatamente o mercado de trabalho já saturado26 (BRAVERMAN,
1987; ALVES, 1990). Em decorrência os empregadores tendem a fazer exigências maiores aos
candidatos de emprego
A universalização da escola de massas, também pode ser entendida na sua relação com as
novas necessidades produtivas. Isto é, na sua trajetória o capitalismo alterou a forma de produção
e também as funções dos partícipes dessa produção. No âmbito das empresas, a organização
interna dos processos de trabalho nas atividades produtivas demandava uma grande quantidade de

25 Para Alves (1990, p. 103), “[...] não por acaso a escola aproveita, imediatamente, parcelas ponderáveis dos
contingentes que incessantemente produz. Isto é, a escola titula as camadas médias, absorvendo, em seguida, grande
parte dos elementos titulados”.
26 De acordo com Braverman (1987, p. 371), “[...] o dilatamento da escolaridade para uma idade em torno dos dezoito

anos tornou-se indispensável para conservar o emprego dentro dos limites razoáveis”.

46
trabalhadores reunidos num mesmo local, onde cada um era obrigado a se especializar numa única
tarefa. Em decorrência da natureza dos processos técnicos, rígidos, padronizados, sincronizados,
rotineiros e racionais de trabalho, cronometrados milimetricamente, pré-determinados por
máquinas, voltados para a maximização da produção, com vistas a reduzir custos da mercadoria, o
trabalhador qualificado era aquele que executava tarefas manuais singulares com habilidade,
precisão e rapidez. O desafio era acostumar/disciplinar a força de trabalho de acordo com
sistemas de trabalho padronizados e rotinizados. Assim, à educação caberia formar o novo tipo de
trabalhador, moldar nele os comportamentos, valores, hábitos e habilidades necessários às novas
condições da produção.
Evidentemente, ao lado de funções que exigem habilidades meramente físicas, existem
também funções que exigem trabalhadores com níveis mais elevados de qualificação e instrução.
Isto se explica pelo fato de que o controle dos processos de trabalho passou às mãos da gerência.
No mesmo sentido, o processo de concentração e centralização do capital (fusões e
incorporações) tornou os quadros nos escritórios e nos setores produtivos das empresas modernas
mais complexos, fazendo emergir complexas hierarquias gerenciais e, ao mesmo tempo,
colaborando para a centralização do poder decisório. A administração tornou-se um elemento
chave para a expansão do capitalismo monopolista, tendo efeitos sobre a educação. Neste
momento, em nome do crescimento econômico, da mobilidade social e do desenvolvimento do
“capital humano”, coube-lhe especialmente contribuir para a formação de habilidades básicas para
o processo de industrialização e para a ocupação de cargos burocráticos/técnicos e administrativos
nos setores públicos ou privados (FAYOL, 1975).
Assim, devido às necessidades de expansão do capital, no decorrer do século XX a
educação cada vez mais passou a ser função do Estado. Os sistemas educacionais passaram a ser
mantidos, estabelecidos, organizados e reconhecidos pelo Estado. A expansão escolar foi
associada à ampliação dos direitos de cidadania e da política de bem-estar social para maioria dos
cidadãos. A política intervencionista do Estado de bem-estar social teve um papel decisivo no
desenvolvimento da escola de massas (enquanto escola pública, obrigatória e laica).
Os sistemas educacionais públicos ocuparam um papel imprescindível não apenas na
preparação de indivíduos para a divisão do trabalho. A escolarização universalizada é também
reconhecida como indispensável para a integração e o controle social e para a construção da
unidade nacional, para reunir identidades dispersas, fragmentadas e plurais em torno de um ideário
político e cultural comum. O cumprimento da nova função social da escola implicou a
interferência do Estado sobre a educação, o qual passou a atuar no sentido de “universalizar” o

47
acesso à educação, pela imposição da escolaridade obrigatória e alargamento da oferta escolar
(CARVALHO, 2005).
As reformas empreendidas no sentido democrático, em linhas gerais, implicaram em: a)
ampliar as taxas de escolarização das respectivas faixas etárias; b) crescimento das percentagens de
financiamento público; prolongar a escolaridade obrigatória, c) democratizar o ensino secundário -
criação de uma educação secundária geral e obrigatória; freqüência obrigatória até 15 anos; d)
tornar a educação pública essencialmente função do Estado, não significando monopólio do
Estado, mas ficando sob sua inspeção; e) oferecer assistência econômica aos desprovidos de
recursos, através de subsídios (empréstimos e bolsas de estudos) oferecidos pelo Estado e
contribuições da iniciativa particular; f) oferecer oportunidades de desenvolvimento intelectual
acessível a todos por igual; g) unificar os sistemas de ensino, suprimindo as diferenças entre os
tipos de escolas públicas e a separação entre o ensino primário, secundário e superior; h) introduzir
nas escolas “conselhos escolares” com a participação de pais, alunos e professores para discutir os
assuntos escolares; i) oferta de ensino extra-confecional ou leigo respeitando a liberdade de
consciência de professores e alunos; instrução cívica e para o trabalho; j) exigência de certificado
de capacitação pedagógica (bacharelado) para exercer funções de professores e direção de ensino;
k) orientação dos alunos do curso secundário, baseada na seleção por aptidão; l) introdução de
métodos de educação ativa, atividades extra-curriculares, sob direção de professores; m) orientação
educacional no ensino secundário; n) reorganização dos programas de ensino de modo que
facilitasse a passagem entre o ensino clássico, moderno e técnico, que variasse segundo a idade, os
interesses e as capacidades das crianças, e que tivesse uma orientação realista, prática e para a
formação do cidadão; o) criação de escolas maternais; p) ampliação de serviços assistenciais
(alimentação, vestuário, serviços higiênicos e médicos), dentre outras.
Todavia, apesar das reformas empreendidas, ainda permanece a luta pela escola pública
como direito social e humano e dever do Estado. Nas últimas décadas temos presenciado pressões
sociais por políticas educativas que promovam a ampliação da noção de escola pública e do
conceito de educação básica (formada atualmente pela educação infantil, ensino fundamental e
médio); pela oferta de programas de alfabetização e de educação de jovens e adultos, destinados a
pessoas que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na
idade própria; por programas que visem assegurar o acesso à educação aos portadores de
necessidades especiais, nações indígenas e população do campo (educação inclusiva); pelo
desenvolvimento de programas de combate à repetência e evasão escolar; por programas de
formação de professores e de formação continuada; pela valorização profissional; pela gestão
democrática e fiscalização de recursos destinados às escolas por parte da comunidade; por

48
programas de distribuição de material didático e merenda escolar; por recursos financeiros; pela
melhoria da qualidade de ensino, etc.
Conforme visto neste capítulo os sistemas educativos estatizados constituem um legado do
século XIX. Porém, a escola pública, correspondendo ao caráter universal, não implicou
imediatamente que sua referência fosse compulsiva ou legalmente obrigatória. Na verdade foi
preciso um longo processo de discussões e reformas para se chegar, já na primeira metade do
século XX, ao ideal de escola única.
Surge inicialmente na França e posteriormente em toda a Europa e América27,
correspondendo a um momento de formação dos Estados-nação e crise da sociedade industrial,
em que os conflitos entre a burguesia e o proletariado tornam-se evidentes. Ou seja, a classe
operária que esteve ao lado da burguesia na sua luta contra o feudalismo, se percebe com
interesses distintos, e se torna sua principal opositora. A partir desse momento a burguesia não
terá mais que lutar contra o passado, contra a nobreza feudal, ela se defronta com o novo que está
surgindo e se manifesta nas lutas operárias.
Diante das circunstâncias, a classe burguesa, tem que criar condições de assegurar seus
interesses, para manter a forma de produção e propriedade burguesa. Surge então, o voto universal
e a idéia do povo como soberano da sociedade democrática. Neste contexto a escola pública vai
substituir o papel que a Igreja desempenhava. Atuando na formação moral do novo soberano, sua
ação estaria relacionada a formação do sentimento de pertença com base no ideal de civismo, a fim
de manter uma estreita relação entre o cidadão e a Pátria, contribuindo para a construção da
Nação, como também para unir as classes sociais. A moral cívica vai substituir a moral cristã e
cumprir o papel de fazer com que o cidadão conheça as leis e seus deveres para com a sociedade.
Assim, face ao exposto, podemos afirmar que a escola pública surge quando se tem a
necessidade dela. Ou seja, decorre da necessidade de formar a moral e o comportamento do
cidadão, adequados à sociedade “democrática”. Decorre, também, da necessidade da sociedade
industrial de preparação cultural e de formação profissional dos trabalhadores e técnicos e, da
necessidade de consolidação dos Estado-nação. Coube-lhe o papel de desenvolver os sentimentos
de solidariedade, de amor ao trabalho e à pátria. Enfim, formar o “caráter cívico e patriótico”, a fim de
unir os espíritos numa comunidade nacional, de possibilitar uma convivência harmoniosa entre as
classes e de conservar a propriedade privada.
Ao desempenhar esse papel a escola acabou por se transformar numa importante arma de
luta nas mãos da burguesia, contribuindo para se defender das ameaças investidas contra a própria

27 Países como o México em 1814, Venezuela em 1811, Argentina em 1910, buscavam por meio da legislação
assegurar a educação para toda a população.

49
ordem burguesa. Também, a própria classe operária via na escolarização uma condição de
cidadania, ou seja, para participar da vida política e para viver nesta sociedade baseada na cultura
letrada. A educação passa a ser exigida, “como um direito do homem e do cidadão” 28. Por isso, dentre as
reivindicações e pressões da classe operária, no século XIX, estão o direito ao sufrágio universal e
à educação, vistos como novos elementos de lutas pelos seus direitos, conforme podemos
observar na Crítica ao Programa de Gota29 (1875) e em As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850,
escrita por Marx em 1850, com introdução de Engels (1895).
Durante o século XX houve a expansão da rede de ensino pública e a organização dos
sistemas nacionais de educação. Nesse momento, em nome do crescimento econômico, da
mobilidade social e do desenvolvimento do “capital humano” coube-lhe contribuir para a
formação de habilidades básicas para o processo de industrialização e ocupação de cargos
burocráticos no setor público. O cumprimento da nova função social da escola implicou na
interferência do Estado sobre a educação, “universalizando” o acesso à escola, pela imposição da
escolaridade obrigatória e alargamento da oferta escolar. A educação torna-se um direito social,
assegurado constitucionalmente. O Estado assumiu, ainda, um papel central de normatizador,
fomentador e financiador da educação.
Portanto, a escola de massas é um fenômeno global deste nosso mundo moderno. Sua
construção decorreu de um processo relativamente longo, que corresponde ao movimento mais
amplo da sociedade, envolvendo a industrialização, a urbanização, as mudanças nas relações de
trabalho e na configuração política, e os diferentes papéis desempenhados pelo Estado. Esse
processo, por sua vez, apresentou ritmos de desenvolvimento nos diferentes espaços geo-políticos
e econômicos, e não esteve livre de retrocessos e ambigüidades, conflitos e contradições sociais.
Para finalizar gostaríamos de ressaltar que o objetivo de reconstruir o processo de
construção da educação pública com base nacional é buscar elementos para tornar mais claro o
entendimento dos atuais encaminhamentos dados às políticas educativas, sobretudo em relação ao
papel do Estado, quando entram em cena o setor “público não-estatal”, de terceiro setor e outras
formas correlatas.
Vivenciamos, neste final de século XX e início de século XXI, uma fase em que o
capitalismo mundial enfrentou um novo período de crise, identificada, principalmente, com o
esgotamento do modelo de acumulação taylorista/fordista, da administração keynesiana e do

28 Segundo Barreto (1995, p. 162), “[...] o conceito de escolaridade obrigatória, que nasceu com a imposição do

Estado, na tentativa de convencer ou forçar os pais a levar os filhos à escola, transformou-se num direito dos cidadãos
a satisfazer pelo Estado. Melhor ainda: transformou-se no direito à educação”.
29 Nos termos do documento “O Partido Operário Alemão exige, como base espiritual e moral do Estado: 1) Educação

popular geral e igual a cargo do Estado. Assistência escolar obrigatória para todos: Instrução gratuita” (grifos do autor)
(MARX e ENGELS, s/d, p. 222).

50
Estado de bem-estar social30. A partir daí, vivenciaram-se profundas alterações sociais, as quais
definiram novas relações de trabalho, novas tecnologias, novas relações entre as nações, novas
identidades coletivas, novas práticas e fronteiras políticas, novos padrões de vida e de
relacionamento, novos movimentos sociais e novas formas de organização e gestão, tanto no setor
público quanto no privado.
As novas maneiras de se viver são expressas pelo fenômeno da globalização,
transnacionalização da economia, (des) territorialização do capital; declínio do Estado-nação;
acumulação flexível; (re) emergência do terceiro setor e criação de um espaço público não-estatal;
redefinição do papel do Estado mediante a substituição do Estado do bem-estar social pelo
chamado Estado Mínimo; adoção de políticas neoliberais, cujas características são: liberalização da
economia; desregulamentação financeira; privatizações; reestruturação das políticas sociais, com o
recuo da atuação do Estado; ruptura do modelo de regulação estatal e privilégio do controle do
mercado.
No interior desse processo, a reorientação das políticas públicas aponta para uma retração
dos gastos públicos, no caso com a educação, o que tem aberto caminho para políticas
descentralizadoras, que acabam por transferir para as comunidades locais a responsabilidade e o
ônus pelas instituições educativas.
Assim, as atuais reformas tendem para o recuo do Estado na provisão direta dos serviços,
o que tem colocado em discussão tanto seu papel como financiador e fornecedor de serviço, como
seu interesse em continuar consolidando a escola para todos. Ao mesmo tempo, diante das
políticas sociais que privilegiam a individualização dos direitos, fala-se em desregulamentação dos
direitos e ruptura com a política de universalização dos direitos.
Em decorrência interroga-se se o Estado deve ou não se ocupar da educação, porque e
para que, se é necessário desenvolver responsabilidades compartilhadas, ou ainda, se a educação
está sendo privatizada ou semi-privatizada, contrariando toda a construção anterior. O que torna o
debate não apenas necessário, mas urgente.

30O Estado perdeu sua capacidade de regulação da economia por meio da alocação de fundos, indispensáveis tanto
para a realização do capital como para a ampliação do trabalho e da renda (salários indiretos).

51
Segunda Parte

A educação como política


pública no Brasil

Grupo Escolar do Cambuci


Fonte da foto: São Paulo (Estado). Inspetoria Geral do Ensino. Anuário do Ensino do Estado de São
Paulo - 1908-1909. São Paulo: Tip. Siqueira, Salles & Cia., 1909.

52
Capítulo 2
Antecedentes históricos
______________________________
Introdução

No capítulo anterior vimos que a educação não é algo desvinculado do modo dos homens
produzirem a vida, ao contrário, ela se constrói com base em exigências e necessidades surgidas
em cada época histórica. Não podemos dissociar a análise da educação do movimento mais amplo
da sociedade, uma vez que essa retrospectiva permite-nos compreender com maior propriedade as
diferentes formas assumidas pela escola.
Cabe ressaltar que, embora vinculada ao processo histórico do capitalismo mundial e às
tendências culturais a que esse processo se vincula, a produção da escola pública no Brasil se
reveste de especificidade própria, ou seja, é “marcada pelas dimensões do país e pela diversidade
de tempos, espaços e ritmos com que se manifestou o processo de implantação das escolas
públicas nas diferentes regiões, estados e municípios” (SAVIANI, 2005a, p. 15). Assim, é
necessário considerar que há um caráter tendencialmente universal do fenômeno, ao qual iremos
relacionar a trajetória nacional, procurando distinguir o que é próprio da educação brasileira.
Com esta perspectiva no presente capítulo nosso objetivo é descrever o processo de
construção da escola pública no Brasil, com base na sua relação com o processo histórico do
capitalismo mundial. Para isso, dividiremos a discussão em dois momentos.
Um ponto a ser considerado nessa divisão é que nem sempre a escola pública foi entendida
como sinônimo de: laicidade, gratuidade, universalidade, obrigatoriedade, co-educação e
democracia. Outro ponto é que embora a política educacional brasileira possa ser dividida em
diversos períodos é possível pensar essa divisão em dois momentos: 1) antecedentes históricos da
escola pública no Brasil; 2) a educação pública propriamente dita.
Dessa forma, nesse segundo capítulo, abordarmos os “antecedentes históricos da escola
pública no Brasil”. Esse momento compreende três períodos, o da educação jesuítica (1549-1759);
o das “aulas régias” instituídas pela reforma pombalina (1759-1827); e das primeiras tentativas,
descontínuas e intermitentes, de se organizar a educação como responsabilidade do governo
imperial e dos governos das províncias (1827-1890).

53
1. Educação Jesuítica (1549-1759): educação pública religiosa

A formação histórica do Brasil está ligada à expansão do capitalismo mercantil, ocorrida a


partir do século XVI. Neste momento, o comércio entre as nações e regiões representava uma
nova forma de se produzir a vida material e foi em torno dele que, em geral, a sociedade se
organizou. Sob o impulso das navegações européias e do processo de colonização a ele inerente, a
princípio comprava-se e vendia-se o que era encontrado como produto acabado e excedente nos
diferentes pontos geográficos, principalmente nas colônias, sem que isso necessariamente
interferisse na elaboração ou no fabrico local dos produtos31. Com a ampliação desse comércio
desenvolveu-se o sistema produtivo, ou seja, a produção de bens e mercadorias visando o mercado
e a troca. Historicamente falando estavam sendo criadas as condições para que a riqueza se
tornasse produtiva; ou seja, o desenvolvimento do comercio tornava possível a organização da
produção voltada inteiramente para o lucro.
A nova forma de governo correspondente a esta fase mercantil foi o Estado Absolutista,
que exprime a aliança entre o rei e a burguesia, seja como um meio de fortalecer o Estado
Nacional, seja para consolidar o poder e a riqueza dessa classe emergente. O absolutismo
representou, sobretudo, a intervenção do Estado na economia. Sob sua proteção, por meio da
política mercantilista, ou seja, da organização e financiamento da expansão marítima e da
organização e controle do sistema colonial, a burguesia européia acumulou capitais, dinamizando-
se, assim, o desenvolvimento da sociedade capitalista.
Ao processo de expansão corresponde também a grave crise da Igreja Católica, cujo
sintoma evidente é a Reforma Protestante. Na luta contra o protestantismo, foi criada, por Inácio
de Loyola, a Companhia de Jesus, tendo sido reconhecida pelo Papa em 1540. Considerada o órgão
principal da Contra-Reforma, seu objetivo era refortalecer a Igreja católica e recuperar sua antiga
posição na Europa. Para isso, os jesuítas, espalharam-se pelo mundo, desde a Europa, assolada
pelas heresias, até a Ásia e a África e a recém descoberta América, onde suas imensas populações
ainda não tinham sido atingidas pelo efeito da Reforma, que favorecia a conquista de novos fiéis e
servidores nestas.
Assim, no mundo colonial, os jesuítas atuam em duas frentes: na educação das classes
dirigentes e a catequese das populações indígenas.

31Assim, a venda do excedente, que implicava a existência de uma relação de produção na qual o trabalhador já não
detinha os meios de produção (matéria prima, força de trabalho e instrumentos de trabalho) trouxe à tona uma
sociedade regulada pela mercadoria.

54
A questão não era simplesmente religiosa. Nessa época de absolutismo, de mercantilismo e
de colonização, a educação jesuítica é vista como um instrumento importante para atingir a
unidade política, por meio da uniformização da fé e da consciência. Deste modo, no mundo
colonial, embora os jesuítas tivessem propósitos específicos a atividade missionária facilitará
sobremaneira a consolidação do domínio português e a organização da produção visando o
comércio32.
No Brasil, a ação jesuítica tem início em 1549, quando os primeiros padres, trazidos pelo
primeiro governador geral, Tomé de Souza, chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega, deram
início à criação de escolas elementares (classes de alfabetização e catequese) e missões, nas regiões
de São Vicente, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco e mais tarde de escolas secundárias e
seminários. O mandato do Rei de Portugal D. João III, por meio dos Regimentos33, de 17/12/1548,
entre outras especificações formularia aquilo que pode ser considerado a nossa primeira política
educacional (SAVIANI, 2005). Neste documento o governo português reconhecia a conversão
dos indígenas à fé católica pela catequese e instrução como tarefa prioritária para o êxito da
colonização.
Os jesuítas, contando com o incentivo e subsídio do Estado português34, procuraram
atender as demandas da colonização, constituindo a nossa versão da “educação pública religiosa”. Para
isso, empreenderam a tarefa de instrução e catequese, a fim de tornar os nativos “dóceis”35 e
impedir que os colonos (europeus) se desviassem da fé católica e dos hábitos de civilização.
Embora inicialmente não houvesse a intenção de se vincular a educação jesuítica aos
interesses do capital mercantil, isso acaba ocorrendo como resultado de sua atuação no
desenvolvimento das atividades produtivas. Só no século XVII, à medida que a sociedade

32 Segundo Mendes (1996, p. 304), “[...] a religião, pelo menos nos primórdios da colonização, não estava em completa
sintonia com as novas forças sociais. Assim, o padre Manuel da Nóbrega condenava os colonos por não serem mais
movidos pela religião, mas pelo proveito [...] Na verdade, a colonização promovia uma verdadeira subversão nos
valores do mundo feudal, fazendo com que o lucro se alçasse acima de qualquer outro valor. Ainda presos ao mundo
feudal, os jesuítas condenavam a cobiça [...]”. Ou seja, “os jesuítas da primeira fase [...] afirmaram constantemente que
o objetivo principal da colonização era a propagação da fé, colocando o proveito em segundo plano [...] Na verdade, era
a propagação da fé que movia os jesuítas. Esta era, de fato, sua preocupação central” (Ibid., p. 306).
33 Os Regimentos definiram os poderes, normas e prioridades da administração centralizada da colônia, ou seja, o

Governo Geral. De acordo com Ribeiro e Moreira Neto (1992, p. 142) “entre essas normas há instruções detalhadas
sobre os procedimentos em relação aos gentios da terra, além de normas para o relacionamento correto com os
destinatários de várias capitanias hereditárias que constituíam a forma anterior de organização da vida colonial [...]”. O
objetivo era regulamentar as relações entre os colonos e os índios, organizando e disciplinando a vida produtiva e
social na colônia, afastando os problemas que poderiam levar ao fracasso do povoamento de algumas capitanias,
especialmente os ataques indígenas aos engenhos e plantações.
34 De acordo com Saviani (2005a, p. 6), “[...] em 1564 a Coroa portuguesa adota o plano de redízima pelo qual dez por

cento de todos os impostos arrecadados da colônia brasileira passaram a ser destinados à manutenção dos colégios
jesuíticos”.
35 De acordo com o Regimento, o objetivo do trabalho missionário era a pacificação do indígena, a fim de evitar que

ele atacasse e destruísse a produção comprometendo o êxito do processo de colonização.

55
capitalista vai se definindo e, em correlação, também vão se definindo o pensamento e a ação
educacional, é que esta intencionalidade se manifesta de forma clara.
Com o tempo a educação passa a desempenhar também o papel de formação do homem
produtivo, ou seja, portador de uma racionalidade moral e social, que permitisse o
desenvolvimento da produção e do comércio.
Assim, obrigatório se tornou empreender a colonização em termos de povoamento e
cultivo da terra, assim como a escravização de quem nela trabalhasse, a princípio os índios e
posteriormente os negros possibilitariam uma produção de baixo custo. Cabe, porém, esclarecer
que a colonização aqui é entendida na perspectiva das novas relações de produção. Ou seja,
segundo Mendes (1996, p. 286),

É possível, a nosso ver, encarar a colonização de uma maneira que não seja a das
relações de domínio e exploração da metrópole sobre a colônia. De nosso ponto
de vista, a colonização constitui no estabelecimento de relações sociais
condizentes com as transformações pelas quais a sociedade estava passando.
Tratava-se de relações sociais de caráter inteiramente novo, que tinham na
obtenção do lucro seu modo de ser. Estas relações se estabeleceram por meio da
ação do Estado [...] a colonização foi um processo de formação de uma
sociedade bastante determinada. Ela se constituía a partir de condições históricas
particulares, enfrentando problemas específicos.

Nessas circunstâncias, embora o conteúdo da educação fosse exclusivamente religioso, isto


é, vinculado à aceitação da doutrina cristã, do dogma, dos sacramentos, dos mistérios, da noção de
pecado, de salvação, a educação jesuítica, vinculada à política colonizadora dos portugueses, se
converteu num elemento importante no processo de colonização e de expansão da força
capitalista, pois coube-lhe o papel de formar nos homens comportamentos próprios de uma
sociedade que produz bens e organiza a troca36. Assim, a política educacional brasileira
correspondeu às necessidades da sociedade colonial daquele período.
A educação do indígena, realizada nas escolas elementares para os “curumins”37 e nos
núcleos missionários (aldeamentos)38 no interior das nações indígenas, tinha por objetivo a

36 É interessante observar que, enquanto na Europa, a Igreja Católica combatia o lucro, a usura, os juros extorsivos, os

ganhos materiais, o apego a propriedade dos bens e o empenho em acumular riquezas, a exploração do camponês, os
maus tratos aos escravos, nas colônias, contraditoriamente, encontramos a atitude de compatibilizar o lucro, o ganho,
a produção de riqueza pelo esforço pessoal com o espírito cristão. Isto porque, no Brasil se verifica a ausência do peso
das formas históricas passadas o que permite que a educação siga outro percurso. Para Cavazotti (1992, p. 114-115),
essa diferenciação advém do fato de que “enquanto o velho mundo ainda se enleia na luta contra as forças sociais em
declínio, o novo mundo liberto das amarras de um passado feudal, oferece às novas forças um corpo propício,
porquanto livre, para sua disseminação.
37 Sendo impossível oferecer instrução a todos os meninos indígenas, eram escolhidos os filhos dos caciques para

serem educados. Conforme Paiva (1987, p. 56), “[...] com tal medida não somente a influência dos meninos sobre os

56
obediência/disciplina, isto é, a respeitar o homem branco, as autoridades constituídas, a valorizar o
trabalho, as trocas, os bens que se produz, a propriedade privada e os bons costumes.
A educação jesuítica no Brasil pode ser dividida em duas fases. A primeira, que
corresponde ao período de 1549 a 1599, foi marcada pelo plano de instrução elaborado pelo padre
Manoel da Nóbrega.
Em relação à organização do processo educativo, segundo Saviani (2010, p. 43),

O plano iniciava-se com o aprendizado de português (para os indígenas);


prosseguia com a doutrina cristã, a escola de ler e escrever e, opcionalmente, o
canto orfeônico e música instrumental; e culminava, de um lado, com o
aprendizado profissional e agrícola e, de outro lado, com a gramática latina para
aqueles que se destinavam a realização de estudos superiores na Europa
(Universidade de Coimbra).

Devido ao grau de civilização em que se encontrava a população indígena, as estratégias


pedagógicas empregadas pelos padres não poderiam estar vinculadas ao ensino das letras e da
matemática, mas teriam que ser adequadas ao nível de entendimento do interlocutor39. Por isso, os
jesuítas, inicialmente, utilizaram-se do canto, da dança, da música, com caráter litúrgico e sacro,
por serem expressões artísticas bastante corriqueiras na vida dos índios, com o objetivo de atingi-
los pela emoção em detrimento das atividades de cunho racional. Porém, segundo Neves (1993, p.
112), “[...] à medida que os índios iam correspondendo à sofisticação nas artes, como na música,
dança e canto, iam colocando outras estratégias em funcionamento, tais como a poesia, o teatro, e
os atos de caráter estritamente religioso, como a missa, o sermão, e a procissão”. O método
pedagógico também não dispensou os expedientes coercitivos, como a utilização da força, da
violência, da opressão e do medo. Assim, o castigo tornou-se um dos principais instrumentos
empregados pelos jesuítas, “principalmente nos casos de antropofagia e nos casos de adultério”
(Ibid., p. 153). Aos poucos as aldeias missionárias foram se tornando a forma acabada do
apostolado civilizatório, em que finalmente pode ser ensinado, sob outras condições, o ensino
elementar – ou seja, rudimentos de leitura, escrita e aritmética.
Paralelamente ao processo de catequização, os padres também empreenderam a tarefa
educativa de ensinar ofícios como técnica agrícola, carpintaria, marcenaria, tecelagem e serralharia,

adultos se fazia diretamente sobre os detentores do poder tribal, como também ficavam protegidos os núcleos de
colonização portuguesa dos ataques indígenas, cujos chefes tinham seus filhos aí aldeados”.
38 Inicialmente a ação pedagógica jesuítica se deu por meio de missões volantes, ou seja, peregrinação dos padres pelas

aldeias. Porém, devido a dispersão e isolamento das aldeias, que limitavam o trabalho catequético-colonizador, os
missionários (com o auxílio do Estado) passaram à prática de agrupar os indígenas de diferentes povoados em
reduções ou aldeamentos.
39 Isto porque o índio, na sua compreensão adequada às próprias condições de vida, não poderia compreender,

“intelectual” ou “abstratamente” o conteúdo de uma civilização que não era a sua (NEVES, 1993, p. 99-100).

57
saberes tão necessários à manutenção dos colégios, dos engenhos e das fazendas. A esse respeito
Neves (Ibid., p. 167) comenta:

A questão da sobrevivência na colônia, o suprimento das necessidades básicas,


como comer, vestir e morar, entre outras torna o ensino profissionalizante uma
necessidade. Essas demandas, por sua vez, são variadas, mas não exigem o
ensino das letras! Aos índios completamente subjugados, ou seja, àqueles que já
tinham perdido todas as características indígenas, e aos filhos dos colonos mais
pobres, um ensino profissionalizante era meta mais importante do que qualquer
saber “humanístico”.

Os jesuítas também empreenderam a tarefa de educar os filhos dos colonos, que


compunham a elite colonial. O ensino das primeiras letras aos filhos das famílias abastadas era
oferecido excepcionalmente em escolas elementares. O característico da época era que esse ensino
fosse ministrado pelo preceptorado privado, geralmente por capelães ou padres-mestres no
interior das grandes propriedades rurais (AZEVEDO, 1976). O ensino secundário ocorria nos
colégios jesuítas, em regime de externato.
Numa segunda fase, a partir de 1599, esse modelo é suplantado pelo Ratio Studiorum ou
Plano de Estudos organizado pela Companhia de Jesus. O Ratio tratava-se de um documento
cuidadoso com regras práticas sobre a ação pedagógica (currículo e método de ensino), a
organização administrativa e outros assuntos40, que deveria orientar a ação educativa nos colégios
jesuítas em todo o mundo.
De acordo com Saviani (2010), o Ratio começava com o curso de humanidades,
suprimindo a aprendizagem inicial (aprendizagem de português e escola de ler e escrever) prevista
por Nóbrega. No novo plano os cursos dividiam-se em:
Nível secundário: Curso de Humanidades - Letras humanas - curso de nível médio, com duração de três
anos, constituído de (gramática, humanidades e retórica). Embora o Ratio recomendasse o uso da
língua materna, os estudos, em especial da gramática, dos comentários dos autores clássicos e da
composição literária, eram feitos em latim41 (FRANCA, 1952, p. 52). Curso de Filosofia e Ciências -
(ou curso das artes), iniciado depois de concluído o curso de humanidades, com duração de três
anos, cujo objetivo era a formação do filósofo. As disciplinas eram a lógica, introdução às ciências
físicas e naturais, matemática, cosmologia, psicologia, metafísica, ética, filosofia e teologia moral.

40 Segundo Saviani (2010, p. 55), “o Plano foi constituído por um conjunto de regras cobrindo todas as atividades dos
agentes diretamente ligados ao ensino. Começava pelas regras do provincial, passava pelas regras do reitor, do prefeito
de estudos, dos professores, de modo geral e de cada matéria de ensino, chegava às regras da prova escrita, da
distribuição de prêmios, do bedel, dos alunos e concluía com as regras das diversas academias”.
41 No século XVI os alunos aprendiam o latim como língua viva, para o manejo da língua materna. Porém, conforme

Franca (1952, p. 52), “com o desenvolvimento progressivo das literaturas modernas, o Ratio foi, na prática, abrindo
um espaço cada vez maior ao estudo direto das línguas vivas”.

58
Nível superior: Terminando o curso de artes o jovem encontra duas alternativas: 1) Seguir o curso de
Teologia e Ciências Sagradas, com duração de quatro anos, a fim de tornar-se sacerdote. Opção que
ajuda manter viva a ação dos jesuítas através dos tempos, formando inúmeros padres e mestres
que virão dar continuidade à obra. 2) Preparar-se para as profissões liberais, nesse caso era preciso
partir para a Europa, sobretudo para a Universidade de Coimbra em Portugal, onde se estudava
direito civil, canônico ou medicina (AZEVEDO, 1976).
O método de ensino, utilizado nos colégios jesuíticos, consistia basicamente na leitura de
texto, explicação, repetição (lições decoradas), exercícios escritos (descrição, narração, dissertação).
Métodos predominantemente verbais, memoristas e formalistas. Também faziam parte das
estratégias pedagógicas, a exortação em público – sermões, e os conselhos dados conforme a
ocasião em particular, a prática dos deveres religiosos, a estimulação da competição entre os
indivíduos e as classes, com premiação dos alunos que mais se destacavam nos trabalhos escolares,
a exposição das produções intelectuais dos melhores alunos. No que diz respeito à metodologia,
conforme Pe Leonel Franca (1952, p. 56),

Sob o nome de metodologia compreendemos aqui tanto os processos didáticos


adotados para a transmissão de conhecimentos, quanto aos estímulos
pedagógicos postos em ação para assegurar o êxito do esforço educativo. A
intenção que os ditou foi não só de orientar os professores novos como de
unificar o sistema de ensino e a tradição pedagógica da Ordem. Nem por isto
houve uma padronização rígida que tolhesse a espontaneidade indispensável ao
trabalho dedicado de formação das almas [...]

Quanto à administração, o Ratio detalha a hierarquia e as responsabilidades de cada


membro no desempenho de suas funções. Na hierarquia administrativa das instituições de ensino
da Ordem, segundo Franca (1952, p. 46):

A Companhia de Jesus é, administrativamente, dividida em Províncias ou


Circuncrições territoriais, que compreendem várias casas e colégios da Ordem e
coincidem com o território de uma nação ou parte dele. A frente de cada
Província acha-se um Provincial [...] O reitor é figura central do Colégio [...] Braço
direito do Reitor, na orientação pedagógica, é o Prefeito de estudos [...] Nos
grandes estabelecimentos, em que se reuniam Faculdades Superiores e cursos de
humanidades, ao Prefeito principal, encarregado dos estudos nas Faculdades, se
subordinava, como auxiliar, outro chamado de Prefeito dos estudos inferiores.
Se o número de alunos exigia, nomeava-se ainda um prefeito de disciplina,
incumbido de auxiliar o prefeito de estudos.

Embora o Ratium Studiorum fora pensado para permitir uma unificação na educação
ministrada nos colégios jesuíticos em qualquer parte do mundo, exceções ocorreram.
Diferentemente da educação religiosa oferecida pelos jesuítas na Europa aos fidalgos nobres, no

59
Brasil, contraditoriamente, a educação do colono tinha que estar vinculada a administração do seu
capital. Este novo papel educativo pode ser observado em Cultura e Opulência do Brasil obra de Pe
Antonil, publicada em 1711 em Lisboa42, onde discorre sobre como um senhor de engenho deve
administrar seu capital para adquirir maior lucro. Preocupado com a produção de riquezas o padre
jesuíta aconselha desde como melhor aproveitar a terra, o trabalho escravo, a comercialização, até
como deve ser o relacionamento familiar e social do senhor do engenho. Para o Pe Antonil, o bom
senhor de engenho é aquele que sabe evitar as perdas e danos, tornar seus empreendimentos
lucrativos.
Assim, sendo a colonização brasileira constituída sob o espírito do lucro, da construção da
riqueza pelo esforço pessoal e pelo próprio trabalho, a educação jesuítica não poderia ser a mesma
da Europa. Dado que se trata de educar a nova classe com novos valores.
Os jesuítas acabaram ministrando, em princípio, educação elementar e catequese para a
população índia e branca, e educação média e superior para da elite, para a formação sacerdotal. As
mulheres estavam excluídas e os filhos primogênitos da educação escolarizada (ROMANELLI,
1978, p. 33). Com a introdução do regime escravagista, também, os negros foram excluídos da
educação formal, buscava-se apenas catequizá-los, para combater o culto aos deuses africanos e
difundir entre eles o catolicismo. Isto se explica pelo fato que os negros aprendiam os ofícios no
interior do próprio processo produtivo não demandando para a realização de suas tarefas uma
educação escolarizada. A educação letrada não se constitui nesse momento como uma necessidade
imperiosa para todos os homens e todas as classes sociais.
Diante do exposto, observa-se que no Brasil todo o ensino fora entregue aos religiosos43,
especialmente à Companhia de Jesus, correspondendo ao que Luzuriaga (1959) denominou de
educação pública religiosa44. O ensino oficial secular, ou seja, assumido diretamente pelo Estado, só irá
aparecer a partir do século XVIII, desenvolvendo-se realmente a partir do século XIX, como
veremos a seguir.

42 Embora o livro de Antonil tenha sido publicado com a autorização das autoridades eclesiásticas, de fato ele não
chegou a circular, foram ordenadas pelas autoridades portuguesas seu confisco e destruição. As hipóteses explicativas
é que o livro poderia revelar as riquezas, as práticas comerciais e mercantis da colônia, ou ainda, ao mostrar um Brasil
rico e dinâmico, frente a uma metrópole decadente, fortalecer nos brasileiros sentimentos nativistas (SAVIANI, 2010,
p. 67).
43 Convém destacar que, embora os jesuítas tenham desempenhado o papel de principais promotores e organizadores

do sistema produtivo colonial, também os franciscanos, dominicanos, carmelitas e beneditinos empreenderam a tarefa
educativa.
44 Entretanto, segundo Saviani (2005a, p. 9), “se o ensino então ministrado pelos jesuítas podia ser considerado como

público por ser mantido com recursos públicos e pelo seu caráter de ensino coletivo, ele não preenchia os demais
critérios, já que as condições tanto materiais como pedagógicas – os prédios assim como sua infra-estrutura, os
agentes, as diretrizes pedagógicas, os componentes curriculares, as normas disciplinares e os mecanismos de avaliação
– se encontravam sob o controle da ordem dos jesuítas, portanto, sob o domínio privado”.

60
1.2 Aulas régias (1759-1827): primeira tentativa de instaurar uma escola
pública estatal

A Europa se encontra no século XVIII, enfrentando a crise do Antigo Regime, ou seja, o


regime econômico, político e social baseado no mercantilismo e absolutismo. O Antigo Regime foi
abalado pelas grandes revoluções que marcaram o final do século XVII e início do século XVIII: a
Revolução Industrial, a Independência dos Estados Unidos da América e a Revolução Francesa45.
A Inglaterra inicia esse processo de transformações políticas, econômicas sociais, surgindo como
grande potência transformadora da economia européia com a introdução do capitalismo industrial
e a ascensão da burguesia ao poder político com a Revolução Gloriosa.
Embora Portugal tivesse antecipado-se na primeira etapa do capitalismo, quando
centralizou o poder nas mãos do rei unificando o poder, e quando o Estado se associou à
burguesia na realização de empreendimentos comerciais como as grandes navegações e a
colonização, não chegou à frente na segunda etapa, denominada de capitalismo industrial46. O
feudalismo se desagregava sem que o capitalismo se consolidasse em seu lugar, ou seja, a riqueza
obtida com o comércio não se transforma em riqueza produtiva, impossibilitando o país de dar o
salto histórico necessário à plena realização da forma burguesa.
Quando D. José I subiu ao trono em 1750, Portugal encontrava-se numa profunda crise
econômica e política. Do ponto de vista econômico passa a sofrer as conseqüências do seu atraso
em relação à nova ordem do capital e, por isso, achava-se cada vez mais dependente da Inglaterra.
Do ponto de vista político, o poder do rei não era reconhecido por parte da nobreza e pelos
jesuítas. Numa tentativa de empreender a modernização da nação, de enfrentar a crise existente e

45 O século XVIII representa o momento de consolidação da sociedade burguesa, tanto no que diz respeito às relações

de produção, quanto aos encaminhamentos políticos. Por isso, os movimentos de independência e as revoluções
ocorrem por toda a sociedade.
46 Portugal entrou em desacordo com a prosperidade de outras nações da Europa, em especial a Inglaterra, em razão

de vários problemas que assolavam o reino, tais como: a) ausência de manufaturas e de comercio interno; b)
perseguição aos cristãos-novos, através da ação inquisitorial, que temendo o confisco de seus bens fugiam para fora do
reino levando seus cabedais; c) com o crescimento do luxo, da ociosidade e do parasitismo da nobreza e do clero a
riqueza não era empregada produtivamente; d) influência da Igreja que paralisa e impede o desenvolvimento do
comércio e do progresso da nação em direção a forma mais avançada da produção – o capital manufatureiro; e) falta
de mão-de-obra disponível para a produção; f) solo infértil, terras incultas e lavoura decadente; g) crise do comércio
internacional do açúcar; h) proliferação do número de vadios e mendigos, pois o artesão e o camponês expropriados
não se transformaram em trabalhadores assalariados; i) aumento do clero, mantendo grandes contingentes da
população fora do processo produtivo; j) acordos comerciais, especialmente com a Inglaterra, que trouxeram
desvantagens para a balança comercial portuguesa; k) a dominação espanhola (1580-1640) que levou ao esgotamento
das finanças públicas e o esfacelamento do seu império colonial. Para maiores informações ver MENEZES,
Sezinando Luiz. Alexandre de Gusmão (1695-1753): Uma Reiteração dos Impasses da História Portuguesa. São Paulo, USP, tese
de doutorado, 1998.

61
de fortalecer o poder do rei47, submetendo a ele todas as instâncias, D. José I nomeou como
primeiro ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal.
A política pombalina consistiu num conjunto de medidas48 que visaram criar condições
para que ocorresse em Portugal o desenvolvimento da produção manufatureira, como já se
processava na Inglaterra, de modo que pudesse dispor dos requisitos econômicos para superar a
situação de crise econômica e ampliar a autonomia de Portugal diante do comércio inglês, de
modo a evitar o escoamento das riquezas para fora do reino49.
A execução dessa política ambiciosa contava com o apoio de parte da nobreza, do
funcionalismo e dos comerciantes portugueses. No entanto, levou a facção oposta (aristocracia
feudal e clero) a promover um atentado (frustrado) à vida do rei, em 1758, o que provocou a
repressão a parte da nobreza lusa e o combate aos seus aliados, principalmente à Companhia de
Jesus, que teve seus padres expulsos de Portugal e das colônias, em 1759, e seus bens confiscados
pela Coroa.
Desta forma, no campo da política a principal medida, tomada por Pombal, foi a expulsão
dos Jesuítas em 175950, do reino e dos seus domínios, inclusive do Brasil. A justificativa era de que
a educação visava apenas formar o sacerdote, pois os melhores alunos eram escolhidos para
cursarem teologia e para tornarem-se os futuros membros da Companhia de Jesus. Com isso, a
maior beneficiada era a própria Ordem religiosa, em detrimento dos interesses do Estado. A
Companhia é ainda acusada de exercer forte poder político sobre o governo, reprimindo o

47 Conforme Castanho (2004, p. 43) “[...] Em Portugal, como em outros países, as reformas burguesas tiveram como
centro o Estado. Em torno do rei a burguesia portuguesa e suas extensões coloniais forjaram um novo modelo
político, conhecido na historiografia como regalismo”.
48 Os principais objetivos da nova política econômica: a) incentivo as manufaturas na metrópole; b) incentivo à

acumulação de capital público e privado, pela concessão do privilégio de monopólio do comércio de certos bens a
companhias formadas na metrópole e nas colônias; c) substituição das ideologias orientadas para os interesses da
sociedade capitalista. Em relação ao Brasil temos: o reforço do tráfico de negros para as regiões carentes de mão-de-
obra; incentivo da produção de Pernambuco para fazer frente a concorrência holandesa, criação de companhias de
comércio, para monopolizar o comércio colonial, diminuindo a presença da Inglaterra e aumentando o domínio da
metrópole sobre a Colônia.
49 Com o Tratado de Methuen (1654), os produtos manufaturados ingleses eram comercializados com Portugal, em

contrapartida a Inglaterra comprava os vinhos portugueses. As desvantagens na balança comercial eram compensadas
com o escoamento de riquezas brasileiras, especialmente, com a exportação de ouro. Esse acordo significou um
grande obstáculo para o desenvolvimento das manufaturas portuguesa.
50 O mesmo ocorre mais tarde em outros países, a exemplo da Espanha (1764) e França (1767) até que finalmente em

1773, o papa Clemente XIV suprime a Companhia de Jesus, através da bula Dominus ac Redemptor. Em 1814 ela foi
restabelecida, mas continuou a sofrer inúmeras oposições durante o século XIX.

62
progresso mercantil e colaborando para o progresso do parasitismo51, além de ser detentora de um
poder econômico que deveria ser devolvido aos cofres do Estado52.
Assim, as reformas pombalinas e a expulsão dos jesuítas tanto do Reino como dos
domínios portugueses decorrem, sobretudo, da oposição entre a ordem feudal e a ordem burguesa
travada nos países da Europa. Neste contexto, a emergência de novas relações sociais de comércio
manufatureiro na ordem mundial e sua ausência em Portugal é a causa principal das reformas,
inclusive no campo da educação. Segundo Alves (1985, p. 197),

Nesse contexto, a classe burguesa expressava novos ideais a serem pleiteados


pela educação. Esta passou a ser pensada como um recurso indispensável à
formação desse novo homem, que tratava diretamente de seus negócios de uma
perspectiva material, e que se norteava permanentemente pela obsessão do lucro.

A velha ordem feudal que ensinava que a honra e a submissão eram os bens supremos, tem
seus valores questionados quando a prática burguesa toma força nas relações sociais. No século
XVI o homem navega em novos mares, descobre novas terras, aperfeiçoa e expande suas
atividades industriais e comerciais. Nesse processo transformador, o homem não era mais,
simplesmente, um prolongamento da criação divina e nem aquele que tudo espera da providência
divina, tal como pregava a Santa Escritura, mas é aquele que busca novas formas de sobrevivência,
o que possui uma nova concepção de riqueza, o que conhece terras distantes, o que entra em
contato com povos e mercadorias diferentes, o que determina o valor da mercadoria e do seu
trabalho, o que busca cada vez mais o domínio da natureza, a fim de desenvolver a produção e
obter lucro.
Esta nova realidade produz novas formas de pensar com base na observação e na
experimentação (no uso da técnica, da razão e da sensibilidade humana) em oposição a razão

51 Autores portugueses como D. Luis Cunha e Duarte Ribeiro de Macedo, apontam no século XVIII como uma das
causas fundamentais da precariedade da economia lusitana é a abundancia de conventos, que mantém homens fora do
trabalho produtivo, convertendo-os em parasitas sociais, seja o aristocrata, sem cargos ou dote, seja o homem do
povo, que agora pode se reproduzir como trabalhador assalariado (CAVAZOTTI, 1992).
52 De acordo com Rizzini (1988, p. 190), “favorecida com esmolas, donativos e redízimos, com doações e legados

particulares, e ainda isenta de direitos nos artigos de suas fábricas e lavouras e nos que importava e revendia, constitui-
se a Companhia de Jesus em privilegiadíssima companhia de indústria e comércio”. E, acrescenta, “o enriquecimento
da Companhia nos séculos XVII e XVIII com a imoderada anexação de latifúndios, através das compras, demarcações
arbitrárias, posses violentas e legados suspeitos, e com febris actividades agrícolas, pastoris e industriais, não é ponto
histórico controverso” (Ibid., p. 195). Além do que a partir de 1564 foi instituído que 10% da arrecadação de dízimos
reais (impostos), em todas as capitanias e povoados da colônia ficassem vinculados à manutenção e sustentação dos
colégios jesuíticos, o que tornou a Companhia de Jesus detentora de um poder econômico extraordinário que incluía
além de colégios, seminários e igrejas, casas de aluguel, terras de cultivo, fazendas de engenho e considerável número
de escravos. No Brasil além de escolas de primeiras letras, os jesuítas mantinham no momento da expulsão 25
residências, 36 missões e 17 seminários, sem contar com seminários menores e escolas de ler e escrever instaladas em
quase todas as aldeias e povoações onde existiam as casas da Companhia. Em 1705 os jesuítas tinham 769 colégios
espalhados pelo mundo (AZEVEDO, 1976, p. 47).

63
religiosa, identificada com os interesses da velha ordem feudal, moldada pela sagrada escritura e
pautada pelos dogmas.
Acompanhando as mudanças vivenciadas nas relações econômicas, políticas e na própria
concepção de homem, tem início um processo de reformas do sistema educativo e renovação
pedagógica. Nesse momento é grande a quantidade de autores que se dispõem a escreverem sobre
um novo ideal de educação, os quais abrangem desde um novo conhecimento e conteúdo, até um
novo método escolar mais adequados à sociedade em transformação.
Em contraposição a pedagogia religiosa, baseada no ensino religioso e moral, a qual
consistia na aprendizagem pela repetição com uma severa disciplina e na restrição do ser sensível;
o novo ideal pedagógico, passa a valorizar o conhecimento laico, ou seja, o conhecimento
produzido através da razão53 e da sensibilidade do homem, que experimenta, observa e compara.
Autores como Montaigne (1553-1592), Comênio (1593-1670) e Locke (1632-1704), que apesar de
enfocarem de forma diferenciada o problema da educação e do valor do ensino, não deixam de
perceber que a função essencial do processo educativo, naquele momento, era de formar o “homem
de negócio”, isto é, homens preparados para viver em uma sociedade baseada na liberdade individual,
no trabalho, na propriedade privada e no contrato civil.
Ao apontar para a necessidade de novos conhecimentos, apontam para a existência de um
outro homem. O homem que é expulso das terras comunais, que navega em mares distantes, que
comercializa com povos desconhecidos, que administra as feitorias, as companhias de comércio
ultramarina e os engenhos, que trabalha na manufatura, necessariamente, não pode ser aquele que
trava grandes discussões em latim, sobre questões de filosofia e teologia, mas aquele que para
exercer um pleno domínio de seus negócios se apóia em conhecimentos práticos. Thomas Mun
(1621) indica com clareza quais são os conhecimentos requeridos para o exercício do comércio.
Para ele o comerciante deve: a) conhecer as leis da natureza e do universo; b) conhecer as leis de
diferentes países; c) conhecer impostos, taxações, tarifas e regras alfandegárias de inúmeras nações;
d) conhecer moedas e saber cambiá-las; e) estimar perdas, danos e lucros; f) dominar a arte de
navegação; f) ser observador atento das rendas, gastos extraordinários, leis, aduanas, políticas,
costumes, religiões, ofícios e outras coisas semelhantes para dar conta de qualquer situação; g)
conhecer os costumes dos outros povos para favorecer o intercâmbio comercial; h) conhecer
medidas e pesos; i) saber ler e escrever, para fazer contratos, endereçar mercadorias, anotar dados,
escrever cartas e relatórios, enfim, registrar e decodificar as informações que circulam no âmbito

53Para Cavazotti (1992, p. 25), “a afirmação da razão humana é uma característica essencial dos tempos modernos,
precisamente, porque ela é a arma de luta da nova classe – a burguesia – contra o velho poder feudal, que por sua vez,
se sustenta na defesa da revelação divina, Por conseguinte, essa luta, que se configura no confronto entre a razão
humana e a autoridade da fé, expressa a luta pela conquista de uma nova forma de ser dos homens”.

64
dos negócios; j) conhecer todos os gêneros de mercadoria; k) saber quais as mercadorias cada
região do planeta carece; l) saber preservar a mercadoria; m) conhecer embarques, faturas,
contratos, letras de câmbio, apólices de seguros; n) conhecer impostos e tributos; o) saber que
mercadorias estão proibidas para importação e exportação nos diversos países estrangeiros; p)
saber fretar suas naves e assegurar riscos; q) conhecer os preços de diferentes mercadorias; r)
construir e reparar naves, para ser competente na arte da navegação; s) conhecer guarnições,
artilharia, munições e provisões de todas as classes; t) conhecer salários de oficiais e marinheiros;
u) saber falar diversas línguas (MUN, 1978, p. 53-57, apud CAVAZOTTI, 1992, p. 64-67). Assim,
é indispensável um conhecimento universal, de caráter útil e prático para viabilizar a
comercialização de suas mercadorias e para a gestão de seus negócios. Diante das novas exigências
o ensinamento feudal, baseado na retórica e na teologia (saber escolástico), tornava-se inútil e
ultrapassado.
Portanto, a oposição ao sistema jesuítico e a realização das Reformas Pombalinas no
campo da educação só são suficientemente compreendidas quando colocadas sob parâmetros
concretos, quando se extrapolam os estreitos limites pedagógicos e ideológicos, e quando se
analisam como uma manifestação da luta de classes que as forças sociais (burguesia x nobreza
feudal e clero) travavam no século XVIII.
Neste sentido, a perseguição54 movida por Pombal aos Jesuítas resultou da tentativa de
reforçar o poder do Estado, abolir o predomínio do poder eclesiástico, e promover a
modernização da economia, da cultura e da educação da sociedade portuguesa.
Ao expulsar os jesuítas Pombal, contrapondo-se a educação religiosa, instituiu a ingerência
do Estado na gestão das escolas elementares e secundárias. Em matéria de instrução, com base no
pensamento Iluminista, introduz novos conteúdos e novos métodos de estudos nas instituições de
ensino55.
O Alvará de 28/06/1759 constitui uma primeira tentativa de organização de um sistema
estatal de educação em Portugal e nas colônias. De acordo com o documento, por considerar o
método jesuítico “pernicioso”, devido ao “extraordinário desperdício de tempo”, por causa da
“miudeza da gramática”, destituída das “verdadeiras noções da língua latina e grega para nela
falarem e escreverem”, por conduzir à “ruína não só das artes e das ciências, mas até da Monarquia

54 As ordens religiosas que se submeteram à autoridade do rei não foram perseguidas, ao contrário. Pombal, por
exemplo, indicou um cardeal da Ordem de Cristo para a reitoria da Universidade de Coimbra, reformada, e convidou
outras ordens religiosas para abrir aulas para os civis.
55 O Alvará de 28/06/1759 ateve-se a reforma do ensino secundário, correspondendo a uma primeira fase da reforma.

A segunda fase inicia-se em agosto de 1772, tendo o ensino superior como alvo, especialmente a Universidade de
Coimbra, sendo completada pelas reformas referentes aos estudos de nível primário [aulas de ler, escrever e contar,
latim, retórica, grego e filosofia], a qual foi objeto da Lei de 6 de novembro de 1772 (SAVIANI, 2010, p. 82-97).

65
e Religião”, o Rei ordena uma reforma geral do ensino (ALMEIDA, 1989, p. 32). A partir daí tem
início os primeiros ensaios para se instituir uma educação pública estatal em Portugal e nas colônias.
Do ponto de vista da concepção educacional, a orientação adotada foi a de formar o
homem burguês – o perfeito comerciante. Isto porque, as novas companhias monopolistas criadas pelo
Estado português precisavam de homens que soubessem ler e escrever em português, que
dominassem o cálculo aritmético. A burocracia do Estado56 carecia de advogados, médicos,
filósofos, todos eles necessitando de uma formação prévia em humanidades.
Do ponto de vista pedagógico a orientação era simplificar e abreviar os estudos, fazendo
com que a maioria se interessasse pelos cursos superiores; proporcionar o aprimoramento da
língua portuguesa; diversificar o conteúdo, incluindo os de natureza científica (ciências naturais e
civis) e torná-los o mais prático possível com a introdução de método de estudos baseados na
observação e experimentação, a fim de buscar as verdades na fonte, segundo os princípios da
ciência burguesa, em oposição ao pensamento escolástico. Ocorreu a diminuição do número de
regras (15 contra 247 da gramática em uso), como também, por meio da prescrição de um manual
de gramática moderno, procurou-se ensinar o latim a partir do vernáculo (idioma do próprio país).
O ensino da língua nacional (português) permitiu a ampliação das relações comerciais,
direta ou indiretamente. Diretamente porque passava a haver (e ser conhecida) uma língua escrita
padronizada, facilitando a comercialização e comunicação entre os comerciantes57, os anúncios, os
contratos, etc. Indiretamente porque preparava pessoas capazes de freqüentar a aula de comércio58,
também criada por Pombal. A importância e a necessidade dessa aula podem ser identificadas nos
Estatutos da Aula de Comércio, aprovados pelo Alvará real de 19/05/ 1759. Segundo o preâmbulo
dos mesmos estatutos:

a Junta do Commercio destes Reynos e feus Domínios, havendo confiderado


que a falta de formalidade na diftribuiçaõ, e ordem dos livros do mefmo
Commercio, he huma das primeiras caufas, e o mais evidente principio da
decadência, e ruína de muitos Negociantes; como tambem, que a ignorancia da

56 De acordo com Cunha (1978, p. 31), no Brasil com “a ampliação da agroindústria açucareira na Bahia e em

Pernambuco, já no século XVIII, a intensificação extrativa em Minas Gerias geraram núcleos urbanos que abrigavam a
burocracia do Estado metropolitano e as atividades de comércio e serviços [...]”. E, ainda, “a intensificação da
atividade econômica e a necessidade de defesa da colônia fez aumentar a importância, nas cidades, da burocracia do
Estado (a administração, o exército, a justiça, a igreja) dos estabelecimentos de comércio de exportação/importação e
dos nodos de comércio interno” (Ibid., p 44). Segundo o autor, gerou-se, assim, não só uma nova demanda de
artesãos de todos os tipos e a necessidade aprendizagem dos ofícios que “não tomou, na colônia, a forma escolar”
(Ibid., p. 33), como também, podemos inferir, a necessidade do preparo para o exercício das funções do Estado e do
comércio.
57 Além disso, a gramática apresenta-se como pré-requisito para a retórica, considerada como a arte da fala, do

discurso e da persuasão.
58
As aulas de comércio em Portugal foram subsidiadas por contribuições da Junta do Comércio do Reino de Portugal e
seus Domínios. Estabelecida em Lisboa em 1759, foi a primeira escola no mundo financiada pelo governo com o
objetivo de oferecer instrução formal em comércio.

66
reducção dos dinheiros, dos pezos, das medidas, e da intellegencia dos cambios e
de outras matérias mercantis, não pódem deixar de fer de grande prejuizo e
impedimento a todo, e qualquer Negocio com as Naçoens extrangeiras; e
procurando, quanto pede a obrigaçaõ do seu Instituto, emendar efta conhecida
defordem, propoz a Sua Mageftade no Capítulo dezafeis dos Estatutos da mefma
Junta, que fe devia eftabelecer huma Aula, em que prefidiffem hum, ou dous
Meftres, e fe admittiffem vinte Affistentes do numero, e outros fupernumerarios,
para que nefta publica e muito importante Efcola fe enfinaffem os principios
neceffarios a qualquer negociante perfeito e pela communicaçaõ do méthodo
Italiano aceito em toda a Europa, ninguem deixaffe de guardar os livros do feu
Commercio com a formalidade devida.

O currículo proposto, conforme os parágrafos 11 a 15 dos Estatutos, com ênfase na


aritmética como “fundamento e princípio de qualquer comércio” § 11, baseava-se no estudo das
operações, frações, regras para o cálculo de juros simples e compostos, cálculo do desconto,
progressões geométricas, conversões de pesos e medidas - principalmente os pesos e medidas
adotados por aqueles países com quem Portugal tinha relações comerciais, bem como as suas
respectivas moedas, regras de tarifação, câmbios, seguros, prática de comissões, formalidades dos
fretamentos e escrituração.
O Alvará de 28/06/1759, ao ordenar a extinção de todas as classes e escolas mantidas pelos
jesuítas, criava cadeiras de gramática latina, grego e retórica, classes de primeiras letras, custeadas
por provisões reais, trazendo as disposições relativas aos seus professores e um anexo contendo
instruções para os professores de gramática latina, grega, hebraica e de retórica.
No que diz respeito ao aspecto administrativo, o Alvará Régio criava o cargo de Diretor
Geral de Estudos, o qual seria nomeado pelo Rei, com atribuições de inspecionar a ação dos
professores no desenvolvimento das atividades de ensino, de advertir e corrigir professores que
não cumprirem suas obrigações, de submeter professores à exames para o exercício do magistério,
de conceder licença para professores régios ministrarem o ensino publicamente ou
particularmente59, de averiguar o progresso dos estudos apresentando anualmente relatório à Sua
Majestade, institui a intenção do Estado de orientar e fiscalizar o ensino. Assim, o Estado buscou o
controle sobre o processo educacional.
Em relação à organização dos estudos, o ensino secundário que à época dos Jesuítas era
estruturado em forma de cursos - Humanidades, Filosofia e Teologia, passa a sê-lo, em forma de
aulas-régias60 (disciplinas isoladas) de ler, escrever e contar, também chamadas de primeiras letras, e

59 Em cumprimento ao Alvará, ainda no mesmo ano foi aberto, no Brasil, um inquérito com o fim de verificar quais os

professores lecionavam sem licença. No ano seguinte foram realizados concursos para o preenchimento de vagas. No
entanto, as nomeações demoraram a acontecer, até 1765 nenhum professor público havia sido nomeado no Brasil
(SAVIANI, 2010, p. 89) e a fiscalização só começo a ser feita regularmente a partir de 1799 (AZEVEDO, 1976, p. 50).
60 Porém, conforme Azevedo (1976, p. 49), “Só em 1772, porém, isto é, treze anos depois da expulsão da Companhia,

e desse alvará com que se pretendeu reorganizar o curso de humanidades, é que uma ordem régia mandou estabelecer

67
por aulas de humanidades, isto é, de gramática, de latim e de grego, referentes à educação
secundária.
Cada aula-régia constituía uma unidade de ensino, com professor único, instalada para
determinada disciplina. Era autônoma e isolada, pois não se articulava com outras nem pertencia a
qualquer escola, eram ministradas na casa dos próprios professores61. Não havia um currículo, no
sentido de um conjunto de estudos ordenados e hierarquizados, nem a duração prefixada se
condicionava ao desenvolvimento de qualquer matéria. O aluno se matriculava em tantas “aulas”
quantas fossem as disciplinas que desejasse. Pedagogicamente, como nos revela Amador Veríssimo
de Aleteya, em carta escrita em 1779, esta nova organização representou um retrocesso, pois da
“unidade do sistema” sucedeu-se a fragmentação na pluralidade de aulas dispersas e isoladas, sem
ordenação e hierarquização dos estudos e duração pré-fixada, mas também significou um avanço
ao exigir novas técnicas, novos métodos e novos livros.
Os estudos foram mais ou menos organizados nos seminários episcopais, a exemplo do
Seminário de Olinda – Pernambuco, colégio de instrução secundária fundado em 1798. A proposta
pedagógica contida nos Estatutos do Seminário de Olinda, formulada pelo bispo Azeredo
Coutinho, é identificada com a inovação educacional das reformas pombalinas, “representando a
modernidade científica burguesa” (CASTANHO, 2004, p. 42). Direcionada para o
desenvolvimento material da colônia propunha que a educação do clérico, até então voltada
apenas para a preparação espiritual, fosse substituída por uma formação baseada nos
conhecimentos advindos das ciências naturais. Os Estatutos esclarecem a natureza do Seminário, ou
seja, formar os homens para servir não só a Igreja, mas também ao Estado, contribuindo assim
para o bem geral da sociedade. De acordo com as próprias palavras de Azeredo Coutinho, essa
escola serviria para:

[...] Instruir a Mocidade da nossa Diocese no conhecimento dasverdades da


Religião, na prática dos bons costumes, e nos estudos das artes, e ciências, que
são necessárias para pulir o homem, e fazer Ministros dignos de servirem à
Igreja, e ao Estado (NOGUEIRA, 1985, p. 317-318).

No Seminário a formação dos padres era voltada para às exigências da nova sociedade, ou
seja, formar homens para as necessidades práticas do mundo. Por isso, não bastava conhecer
teologia, mas também o cálculo (aritmética, geometria, álgebra, trigonometria), escrita, gramática

essas aulas”. Quanto aos estudos superiores, “continuavam sendo providos pela Universidade de Coimbra e,
parcialmente, pelos seminários (CASTANHO, 2004, p. 42).
61 A existência das aulas régias não impedia o funcionamento de colégios de outras ordens religiosas como os

Beneditinos, Franciscanos e Carmelitas. No entanto, segundo Azevedo (1976, p. 51), “[...] só mais tarde, em 1776,
com os frades franciscanos, ‘se organizaram em escolas cursos graduados e sistematizados’”.

68
moderna, retórica, ciências naturais (história natural, química, física, mecânica, hidrostática),
filosofia (moral civil e religiosa), lançando mão de conhecimentos úteis à mineração e à agricultura
em larga escala. Assim, a educação é marcada por um caráter nitidamente laicista, embora conserve
o cunho religioso, se liberta da função eclesiástica. Na interpretação de Cavazotti (1992, p. 53):

A nova forma de convivência da religião com a vida civil, quando aquela passa a
estar a serviço desta, traça um outro papel para a Igreja Católica e para o
eclesiástico na vida social, que poder-se-ia qualificar como um papel secundário,
uma vez que o papel predominante é ocupado, agora, pelo universo da
produção. E é em decorrência dessa nova função do eclesiástico que se propõe
uma nova formação mesmo para clérigos, tendo em vista que a transformação
social tornou supérfluos boa parte dos religiosos existentes.

A implantação das reformas pombalinas62 no campo educacional esbarrou em algumas


dificuldades, dentre as quais a falta de dinheiro e de gente preparada. Como conseqüência, a
continuidade do exercício profissional foi dada por boa parte de professores com formação
jesuítica e por mestres leigos, que não chegaram a assimilar o espírito da reforma. Ou, ainda por
mestres que, permaneceram muito aquém dos seus predecessores, conforme afirmou Pires de
Almeida escrevendo em 1889 (ALMEIDA, 1989).
Deve-se acrescentar, ainda, que como todas as nações onde a burguesia não se
desembaraçava da nobreza e do clero feudais, a reforma educacional lusitana foi o produto da
conciliação de interesses dessas três forças. A burguesia desenvolvera-se suficientemente para
impor sua visão de mundo na educação, mas não o necessário para denunciar, através de uma postura
conseqüentemente materialista, a inadequação da orientação religiosa num mundo que deveria ser
dominando através da ciência e da técnica.
Contudo, não só a burguesia estava fazendo concessões; a própria Igreja Católica estava
empreendendo uma mudança de cento e oitenta graus na sua política, orientando-se no sentido da
conciliação. Tanto que o Papado reprimiu a Companhia de Jesus, suspendendo seu funcionamento
em diferentes países da Europa. Assim, “a partir do século XVI, quanto mais avançava este
processo demolidor dos laços que a atavam à ordem feudal, mais [a Igreja Católica] se predispunha
a ajustar-se às determinações das forças sociais comprometidas com o progresso. Num mundo que
se aburguesava não restou outra alternativa à Igreja senão aburguesar-se” (ALVES, 1985, p. 198).
As instituições encarregadas de ministrar a instrução pública eram mantidas, conforme
Almeida (1989, p. 37), “com a ajuda de taxas locais sobre a carne, o sal, a aguardente, o vinagre e

62Conforme Azevedo (1976, p. 49), “[...] o que nos veio, não foram propriamente reformas (nem era possível exigir de
golpe reformas que só longamente se podiam realizar), mas uma série incoerente de medidas, tardias e fragmentadas,
com que em 1759 e 1772 o governo da Metrópole se pôs a talhar, na massa inerte da sociedade colonial, uma obra que
desse a ilusão de substituir o organismo desmantelado”.

69
também outros objetos sem isenção especial. Esse sistema vigorava tanto na metrópole como nas
colônias e não existiu outro, até que o Marquês de Pombal, pela reforma de ensino acadêmico e
escolar, em virtude da Carta Régia de 10 de novembro de 1772, estabeleceu o subsídio literário”. Com esta
Carta Régia foi instituindo, em lugar das coletas anteriores, um único imposto destinado à
manutenção das aulas régias63. Porém, segundo Aleteya (1779), “a colônia não contava com um
sistema arrecadador que lhe permitisse receber o imposto destinado para o pagamento de
professores” (Apud, VILHENA, 1969, p. 286-287).
Assim, esse período correspondeu aos primeiros ensaios de se instituir uma escola pública
estatal. Entretanto, segundo Saviani (2005a, p. 9),

Mas também no caso das “aulas régias”, que se concentravam dominantemente


no ensino que corresponderia ao nível secundário, em especial as classes de
latim, a responsabilidade do Estado limitava-se ao pagamento do salário do
professor e às diretrizes curriculares da matéria a ser ensinada, deixando a cargo
do próprio professor a provisão das condições materiais relativas ao local,
geralmente sua própria casa, e à sua infra-estrutura, assim como aos recursos
pedagógicos a serem utilizados no desenvolvimento do ensino.

A chegada da família real (1808) e a instalação do governo português no Rio de Janeiro


provocaram modificações na vida do Brasil, especialmente no campo educacional. Até 1808 a vida
econômica e política da Colônia dependiam completamente da metrópole. Com a transferência da
Monarquia portuguesa, a Colônia foi elevada à categoria de Reino Unido, passando a funcionar
como se fora metrópole.
De acordo com Castanho (2004, p. 43), isso “não significou apenas um lance estratégico de
deslocamento do núcleo político de Portugal, tangido pelas forças napoleônicas e sob a proteção
da Inglaterra, mas um novo rumo nas relações econômicas internacionais”. Em outras palavras, a
expansão do capitalismo industrial provocou a abertura dos portos brasileiros ao livre comércio
com as nações amigas64, pondo fim ao “pacto colonial”, ou seja, todo comércio exportador e
importador passou a ser realizado sem a intermediação de Portugal, também é concedida, por
meio do Alvará de Liberdade Industrial, a liberdade para a instalação de fábricas e manufaturas no
Brasil65.

63 Segundo Saviani (2010, p. 99), “De acordo com a proposta da Real Mesa Censória, o ‘Subsídio Literário’ destinava-
se a suprir todas as necessidades financeiras da instrução pública, abrangendo os estudos maiores e menores e
garantindo não apenas o pagamento dos salários e demais despesas dos professores. Além disso, atenderia também a
outras necessidades como a aquisição de livros, organização de museu, criação de laboratório de física, de jardim
botânico, instalação de academias de ciências físicas e de belas-artes”.
64 A abertura dos portos significou o fim do pacto colonial e pode ser considerada como o primeiro grande passo para

Independência política do Brasil


65
Pelo Alvará de 1° de abril de 1808, foi revogado o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibia as manufaturas têxteis
no Brasil, a não ser de panos para vestir escravos e ensacar gêneros. Segundo o documento “[...] daqui em diante seja

70
A presença da coroa real no Brasil tornou possível o início da organização de um vasto
aparato burocrático-estatal, pois a necessidade de instalação imediata do governo português no
território colonial obrigou a uma reorganização administrativa com a nomeação dos titulares dos
ministérios e o estabelecimento, no Rio de Janeiro, então capital, de quase todos os órgãos de
administração pública e justiça. Por outro lado, também provocou o desenvolvimento urbano de
Vila Rica, Salvador, Recife e principalmente do Rio.
A partir dessa nova realidade (o Brasil como sede da coroa portuguesa) se faz necessária
uma série de medidas tais como: a criação da Imprensa Régia (13-05-1808); a criação do Jardim
Botânico do Rio66 (1810); a criação do Museu Nacional (1818); fundação da Biblioteca Pública
(aberta ao público em 1814); circulação do primeiro jornal, “A Gazeta do Rio”, em 1808, em 1812
da primeira revista “As variações ou Ensaios de Literatura”, e em 1813, a primeira revista carioca “O
Patriota”, a inauguração do Tribunal de Justiça de última instância, no Rio; o estabelecimento de
correios em outras regiões do país; a criação do Real Arquivo Militar do Brasil. Em 1816 é
contratada uma missão de artistas franceses composta de escultores artistas, pintores, arquitetos,
carpinteiros de carros, etc, cuja influência se caracteriza, mais tarde, na criação da Escola Nacional
de Belas Artes (1826). Em 1809 foi criada uma Escola de Comércio no Rio de Janeiro.
Diante das transformações políticas, econômicas e sociais vividas no Brasil com a vinda da
família real, são provocadas algumas mudanças na educação tendo em vista atender as novas
ocupações técnico-burocráticas. São criados diversos cursos, marcadamente utilitários em nível
superior. Dentre eles: a Academia Real da Marinha (1808) e Academia Real Militar (1810)67. Cursos
médico-cirúrgicos, a partir de 1808, na Bahia, visando a formação de médicos para a marinha e o
Exército, cursos de cirurgia e anatomia no Rio, no ano seguinte o curso de medicina no Rio.
Diversos cursos avulsos de Matemática (1914), Economia Política (1808), Agricultura (1814) e
Química (abrangendo química industrial, geologia, mineralogia) (1817), estudos de Botânica no
Jardim Botânico, (1817), e Desenho Técnico (1818) (AZEVEDO, 1976, p. 70-71). Tais cursos
deveriam formar técnicos em economia, agricultura e indústria. Esses cursos representam a
inauguração do ensino superior (não teológico) no Brasil.

lícito a qualquer de meus vassalos, qualquer que seja o país em que habitam, estabelecer todo o tipo de gênero de
manufaturas, sem excetuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como entenderem que mais
lhe convém [...]” (CUNHA, 1978, p. 63).
66 Conforme Almeida (1989, p. 48) “[...] O Jardim Botânico foi destinado por ele [D. João VI] para tornar-se uma

escola de botânica para médicos e sábios, mas também como um viveiro de tosas as plantas úteis, cuja aclimatação
fosse possível [...]”.
67 O plano de estudos compreendia “as Ciências Matemáticas, a Física, a Química, a Metalurgia, a História Natural,

Fortificação, Artilharia e Tática. A intenção de D. João VI era criar aí um viveiro não somente de oficiais de artilharia e
engenharia, mas também de engenheiros, geógrafos e topógrafos, engenheiros de minas e serviços públicos, capazes
de serem convocados para trabalhos de mineração,portos, canais, pontes, fontes e calçadas” (ALMEIDA, 1989, p. 47).

71
Os que têm acesso à educação são os nobres, os proprietários de terras, os grandes
comerciantes e a camada intermediária, surgida da ampliação dos quadros administrativos e
burocráticos. Essa camada intermediária procurava, sobretudo, os cursos de Direito não só para
seguir a atividade jurídica, mas para ocupar funções administrativas e políticas ou dedicar-se ao
jornalismo. Além disso, o diploma tinha função de “enobrecimento” e, ao formar letrados e
eruditos, dando ênfase à formação humanística, distanciava-os cada vez mais do trabalho físico
“maculado” pelo sistema escravista. Assim, a educação refletia o caráter elitista a aristocrático da
sociedade brasileira.
Um aspecto que vale ressaltar é a construção de escolas para meninas. Conforme
comentários de Almeida (1989, p. 44), esse fato era “uma novidade e marcava uma grande
mudança nos costumes, porque, até então, as meninas nunca apareciam, nem mesmo diante dos
visitantes que seus pais viessem a receber”.
O ensino primário continua sendo oferecidos às elites prioritariamente em suas casas,
como ensino privado. Embora a preocupação exclusiva era com a criação do ensino superior,
devemos, porém, registrar algumas iniciativas a favor da instrução popular, tais como: 1) a
elaboração do Planejamento Geral de Ensino, em 1812. Embora rejeitado pela Coroa portuguesa, o
Planejamento é visto como “a primeira sugestão oficial de organização de um sistema de ensino
popular no Brasil e a primeira tentativa de vincular a educação ao preparo para as atividades
produtivas” (PAIVA, 1987, p. 60); 2). A elevação do número de mestres encarregados de ensinar
ler, escrever e contar (ALMEIDA, 1989, p. 42), “com a criação de mais 60 cadeiras de primeiras
letras” (RIBEIRO, 1984, p. 45). A sua importância vai sendo aumentada à medida que cresce o
número de pessoas que vêem nele, não só um preparo para o ensino secundário como também
para pequenos cargos burocráticos, conforme verificaremos no período seguinte.
Quanto ao ensino secundário permaneceu fragmentado em aulas-régias sem uma
organização regular e hieraquizada, “tendo sido criadas pelo menos umas 20 cadeiras de gramática
latina”. Foram criadas as cadeiras de matemática superior (1809) em Pernambuco, a de Desenho e
História em Vila Rica (1817) e a Retórica e Filosofia em Porecatu (MG - 1821), Inglês, Francês no
Rio (Ibid., p. 45). No entanto, os conteúdos seguiam mais os padrões literários (retóricos) que
científicos.
Em relação à organização do ensino, podemos dizer ainda, que não havia uma política de
educação sistematizada e planejada. Segundo Almeida (1989, p. 49),

[...] faltava uma ligação, um método, para dar às escolas, aos institutos, às
academias, a unidade necessária à formação de um grande povo. Esta lacuna não
escapou ao espírito penetrante de D. João VI que incumbiu disto seu ministro o
Conde de Barca. Este, compreendendo a vantagem e a necessidade de organizar

72
a instrução pública e tudo o que lhe dissesse respeito, debaixo de um plano
sistemático, que reunisse todos os estabelecimentos de ensino entre si e os
submetesse a um mesmo pensamento, o da unidade da nação.

O Conde de Barca entregou ao Gen. Francisco Borja Garcia Stokler a incumbência de um


plano de ensino, apresentado em 1812. O plano, baseado no ideário de Condorcet, dividia a
instrução pública em quatro graus: “as pedagogias, que compreendiam o ensino elementar primário;
os institutos, que acrescentavam às pedagogias os conhecimentos necessários aos agricultores,
artistas, operários e comerciantes; os liceus, que ministravam os conhecimentos científicos; e as
academias, que desenvolviam os conhecimentos das ciências abstratas e os estudos das ciências
morais e políticas” (CHIZZOTTI, 2001, p. 38). No entanto, apesar de bem organizado, o plano
não foi aceito. Conforme Chizotti (2001, 38), isto se explica porque o projeto, “pela sua inspiração
liberal, pelo risco de se formar uma massa letrada e um sistema que nem Portugal, nem a própria
França possuía, contrastava com os interesses colonialistas da Coroa”. Além do fato da falta de
recursos para implementar um projeto tão amplo.
Em relação ao aspecto administrativo, D. João VI centralizou em suas mãos a direção,
“por intermédio do Desembargador do Paço, espécie de inspetor geral deste ramo da
administração pública, sob cuja orientação eram tomadas as decisões” (ALMEIDA, 1989, p.46).
Desta forma, a presença do príncipe Regente no Brasil por 12 anos, trouxe sensíveis
mudanças no quadro das instituições da época. A principal delas, foi sem dúvida, a criação dos
primeiros cursos superiores (não teológicos) na colônia. Esses cursos tinham um sentido
profissional prático.
Com D. João VI, no entanto, não apenas nascia o ensino superior, mas ao mesmo tempo,
lançaram-se as bases para uma revolução cultural que embora lenta, culminou de certa forma na
introdução dos ideais de liberdade e igualdade que vigorava na Europa do século XIX e
compuseram a ideologia da burguesia brasileira em ascensão. Essas idéias iriam influenciar
profundamente o processo de emancipação política do Brasil.

1.3 As primeiras tentativas de organizar a educação como responsabilidade


do poder público (1827-1890)

A emancipação política do Brasil de Portugal não trouxe nenhuma alteração na estrutura


social brasileira, constituída por grandes proprietários rurais, por homens livres não proprietários e
por um enorme contingente de escravos. No entanto, determinou a reorganização de todo o
sistema político, jurídico e administrativo independentemente dos regulamentos da ex-metrópole.
Para Chizzotti (1975, p. 21):

73
O Império nasce, exigindo a organização do suporte legal dos atos
administrativos e a formação dos quadros da administração pública. A vacância
de muitos cargos deixados com a retirada da Família Real, em 1821 é acrescida
de novas funções exigidas pela Independência. O desdobramento do aparelho
burocrático do Estado requereu não só elementos que movessem a máquina
administrativa mas também que conhecessem as novas leis que passaram a gerir
as relações entre indivíduos e o Estados independente.

Para a elaboração do sistema legal do Estado independente, tem início elaboração da


primeira Constituição em 1823, fazendo com que viesse à tona novas preocupações com a
educação, como também, uma nova orientação na política educacional. De acordo com Chizzotti
(2001, p. 36), já no discurso de abertura dos trabalhos da Constituinte, proferido por D. Pedro I,
foi introduzido o problema da instrução pública, quando ele afirma que: “tendo promovido os
estudos públicos, quanto o possível, porém, necessita-se de uma legislação especial”. A tarefa de
elaborar os parâmetros constitucionais para essa legislação especial cabia à Comissão de Instrução
Pública da Assembléia Nacional Constituinte.
No entanto, ao fazer um balanço dos resultados o autor considera que estes não foram
fecundos em matéria de educação. Isto porque, na tentativa de dar unidade orgânica à instrução
pública a Comissão de Instrução Pública apontou para a necessidade de criação de um plano geral
da educação, porém, no decorrer dos trabalhos, esta questão acabou ficando em segundo plano,
dando lugar aos debates do projeto de criação das universidades. Os Constituintes também não
foram capazes de traçar as diretrizes e orientações fundamentais da instrução pública68. Os
dispositivos legais para a instrução primária, apresentados em sessão de 1º de setembro de 1823,
resumiram-se a três artigos. São eles:

Art. 250: Haverá no Império escolas primárias em cada termo, ginásios em cada
comarca e universidades nos mais apropriados locais.
Art. 251: Leis e regulamentos marcarão o número e a constituição desses úteis
estabelecimentos.
Art. 252: É livre a cada cidadão abrir aulas para o ensino público69, contando que
respondesse pelos abusos (SUCUPIRA, 2001, p. 55).

Com a dissolução da Constituinte em 12 de novembro de 1823, foi nomeada, pelo


Imperador, uma comissão especial – “Conselho de Estado”, composto por dez membros com a
finalidade de redigir a Constituição, a partir de propostas por ele oferecidas. No projeto da
Comissão O Art. 18 propunha “A Constituição promete uma instrução primária, gratuita a todas

68
Para Sucupira (2001, p. 55), “é possível que os debates adquirissem mais substância se não fosse a dissolução da
Assembléia Constituinte pelo imperador e tivessem chegado a discutir os dispositivos que tratassem da instrução
pública”.
69
Ou seja, sem os tramites legais de autorização prévia, sem licença e exame do requerente.

74
as classes de cidadão; os elementos das Ciências, das Belas Artes, e Belas Letras serão ensinados
nas Aulas e Universidades”; e o Art. 19 consagrava a “uniformidade do ensino público”
(CIZZOTTI, 2001, p. 52), na tentativa de dar uma unidade orgânica. Ou seja, criar um sistema de
escolas públicas, debaixo de um plano sistemático, que reunisse todos os estabelecimentos de
ensino entre si e os submetessem ao mesmo pensamento e organização.
Já no texto Constitucional, outorgado em 25 de março de 1824, a idéia de “sistema
nacional de educação” é abandonada, posto que com relação à educação, o Art. 179 se refere nos
seguintes termos: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que
tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Império”, entre outras maneiras, pela “instrução primária e gratuita a todos os cidadãos” (inciso
XXXII) e pela criação de “Collégios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das
Sciências, Belas Artes e Artes” (inciso XXXIII) (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p.
675-676). A Constituição de 1824 embora estabelecesse o princípio da gratuidade, esqueceu-se da
obrigatoriedade, nem definiu qualquer medida que o garanta. O que significou mais um
reconhecimento formal de um direito subjetivo dos cidadãos que uma obrigação efetiva do
Estado. Ao comentar o conteúdo do texto aprovado Saviani (2010, p. 123), referindo-se
especialmente ao inciso 32, diz: “a isso se reduziu, constitucionalmente, a necessidade de uma
legislação especial sobre a instrução pública proclamada por Dom Pedro no discurso que
inaugurou os trabalhos da Assembleia Constituinte”
Neste período foram tomadas algumas medidas de importância para a educação elementar
uma delas é a Lei de 20/10/1823, que abria caminho para a iniciativa privada. A Lei, eliminando o
privilégio do Estado, estabelecido desde Pombal, “permitia a todo o cidadão abrir escola
elementar, sem os trâmites legais de autorização prévia e sem licença e exame do requerente [...]
que inibiam as iniciativas da educação” (CHIZZOTTI, 2001, p. 44).
A outra é a Lei Geral do Ensino, aprovada em 15/10/1827, que determinava a criação de
Escolas de Primeiras Letras - única lei geral relativa ao ensino elementar até 1946. Segundo Saviani
(2005a), desta Lei poderia ter decorrido uma escola pública nacional, mas isso acabou não
acontecendo70. O projeto proposto por Januário da Cunha Barbosa (1826) não passou de
intenções proclamadas, não chegando a entrar em discussão na Câmara de Deputados. Enquanto
no Projeto estavam presentes as idéias da educação como dever do Estado, da distribuição
racional em todo o território nacional, cidades, vilas, das escolas dos diferentes graus e de
necessária graduação do processo educativo, na Lei aprovada vigorou apenas a idéia de

70 De qualquer modo, segundo Castanho (2004), é um primeiro esboço de um sistema nacional de educação pública.

75
distribuição por todo o território nacional, mas apenas das escolas de primeiras letras. O que
equivale a uma limitação quanto ao grau (só um) e quanto aos objetivos de tal grau (as primeiras
letras). Tais escolas para meninos e meninas, conforme a lei, deveriam adotar o ensino mútuo71, para
solucionar a carência de recursos materiais e a escassez de professores que pudessem assumir as
atividades de magistério. Segundo Alves (2005, p. 117):

a) o emprego do ensino mútuo representou a primeira expressiva tentativa de dar


conseqüência prática à bandeira da universalização da educação e b) sua
utilização, objetivamente, revestiu-se de um caráter transitório, pois emergiu
como decorrência de uma formidável demanda por serviços escolares, quando
eram precários os recursos para atendê-la [...] O ensino mútuo procurou
responder, portanto, a uma necessidade histórica precisa [...] A superação de tal
conjuntura, necessariamente, implicaria sua própria superação.

No âmbito das iniciativas, em decorrência dessa lei, algumas escolas foram fundadas nas
províncias determinando um pequeno progresso, embora “a passos lentos”, no ensino elementar,
com relação à situação anterior.
Com base no exposto podemos afirmar que a conquista da autonomia política, ou seja, o
surgimento da nação brasileira, impunha novas exigências à organização escolar, que deveriam
traduzir-se num planejamento que reorganizasse objetivos, métodos e conteúdos, a fim de que
passasse a atender aos interesses e necessidades dos futuros cidadãos da recente nação - o Brasil, e
implantar uma rede escolar capaz de receber todos em idade escolar, distribuídos nos seus
diferentes graus. Porém, devido as dificuldades econômicas surgidas72, os recursos exigidos para
uma reorganização escolar não estarão disponíveis. A educação escolarizada também não era vista
como setor prioritário, por parte do governo central, uma indicação disto está no fato, de que com
a abdicação de D. Pedro I (07/04/1831) é proposta a reforma da Constituição, que por meio do

71 O sistema de ensino mútuo também denominado de monitorial ou lancasteriano, devido a Joseph Lancaster, seu
criador. Difundido na Inglaterra, no final do século XVIII e início do século XIX, a partir das experiências de Joseph
Lancaster e Andrew Bell, expandiu-se progressivamente por diversos países. No Brasil foi divulgado desde 1808,
sendo introduzido oficialmente na educação brasileira em 1827. De acordo com este método os alunos de toda uma
escola se dividiam em grupos que ficam sob a orientação imediata dos alunos mais adiantados, os quais instruem os
colegas na leitura, escrita, cálculo e catecismo do mesmo modo que foram ensinados pelo mestre. Esses alunos
auxiliares eram denominados monitores. Além dos monitores há na classe outro funcionário importante: o inspetor, que
se encarrega de vigiar os monitores, de entregar e recolher os utensílios de ensino, e de apontar ao professor os que
devem ser premiados ou corrigidos. Este era um método planejado para solucionar o problema da educação popular
com quantidade insuficiente de professores. Segundo este método haveria apenas um professor por escola e, para cada
grupo de dez alunos haveria um aluno menos ignorante que ensinaria aos demais. Segundo Alves (2005, p. 127), “no
ensino mútuo os alunos distribuem-se pelos bancos escolares organizados em classe. A cada banco corresponde a uma
classe”. Na interpretação do autor essa forma de organização, ao ser comparada “com a concepção vigente nos
colégios jesuíticos e nos colégios pombalinos” representou um retrocesso.
72 Estas dificuldades estão relacionadas ao fato de que D. João VI deu um vultuoso saque no recém-criado Banco do

Brasil, deixando o erário à míngua extrema. A esta situação de penúria, juntam-se os dispêndios com as guerras de
independência, que consumiram parte substantiva de recursos e a decadência da mineração e a crise da economia
açucareira, devido à concorrência internacional.

76
Ato Adicional de 1834, assume um caráter mais descentralizado, atribuindo uma autonomia relativa
às Províncias e suas Assembléias Legislativas e extinguindo os Conselhos de Estado.
Em matéria de educação o Ato Adicional garantia a instrução primária gratuita, tornando-a
dever das Províncias. Conforme o Art. 10 § 2º dentre as competências das assembléias provinciais
figurava o direito de legislar “sobre instrucção publica e estabelecimentos proprios a promovel-a”
nas suas próprias jurisdições, cabendo ao poder central promover e regulamentar, mas não
privativamente, o ensino secundário e superior - “faculdades de Medicina, os Cursos Juridicos,
Academias actualmente existentes e outros quaesquer estabelecimentos de instrução para o futuro
forem creados por lei geral” (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p. 706).
Portanto, de acordo com os termos da lei, a ênfase do poder central limitou-se em geral ao
ensino primário e secundário no município da Corte e ao ensino superior em todo o Império,
sendo atribuídos poderes à comunidade local para organizar e gerir suas escolas primárias e
secundárias, levantando taxas específicas destinadas à manutenção dos estabelecimentos escolares.
Ao colocar a instrução sob a responsabilidade das Províncias, o governo central não
apenas omite-se de cuidar das escolas nos seus níveis elementar e secundário, mas também
renuncia a um projeto de composição de um sistema nacional de educação e de criação de uma
escola pública nacional (SAVIANI, 2005a). Por conseqüência, conforme relatório de Gonçalves
Dias (1852), então inspetor da instrução pública, tais níveis de instrução sofrem as conseqüências
da instabilidade política e insuficiência de recursos para a criação de uma rede de ensino
organizada. Também estiveram sujeitos aos interesses regionais que imperava nas Províncias,
trazendo graves deficiências a organização escolar brasileira, durante a primeira metade do século
XIX. Dentre as quais o fracionamento da educação, sem um eixo unitário, não havia uma
vinculação entre os currículos dos diversos níveis de ensino, também não era necessário completar
um nível de ensino para iniciar outro (ALMEIDA, 1989, p. 336-365).
Assim, enquanto outros países iniciaram a promoção da educação nacional, no Brasil se
perde ainda mais a unidade de ação: não há vinculação entre os currículos e os diversos níveis de
ensino, ou seja, não há sequer a exigência de completar um nível para iniciar outro, e a escolha de
disciplinas é aleatória. Também assistiu-se à proliferação das aulas avulsas (de latim, retórica,
filosofia, geometria, francês, comércio) para meninos, funcionando nas próprias casas do
professores, sem a devida fiscalização e unidade de pensamento. Destinava-se ao preparo de
candidatos ao ensino superior, por isso, seus conteúdos e currículos se estruturavam segundo
critérios fixados por este nível de ensino, convertendo-os em meros cursinhos preparatórios. No
município da Corte, Rio de Janeiro, foi fundado em 1837 o colégio Pedro II, destinado a servir de
padrão de ensino. Na tentativa de imprimir alguma organização ao ensino secundário foram

77
criados os Liceus Provinciais, em 1835. Na prática, porém, não passavam de reunião de aulas avulsas
num mesmo prédio (AZEVEDO, 1976). Entretanto, o agrupamento das matérias em um único
espaço exigia a figura de um diretor, responsável por todas as atividades realizadas nestes
estabelecimentos de ensino. Conforme Seco et al. (2006, p. 79),

A Lei nº 29, de 16 de março de 1847, que estabelecia os regulamentos dos Liceus


em São Paulo, assim prescrevia: “O governo nomeará um cidadão de
intelligencia e reconhecida probidade e patriotismo para directhor do licêo”
(SÃO PAULO - Província, 1868).
O diretor, segundo esse regulamento, deveria tomar conta do Liceu, inspecionar
a conduta dos professores, remetendo ao Presidente da Província os problemas e
sugerindo alterações para mudanças, tanto na rotina do Colégio como na vida
profissional de seus professores. Além disso, deveria encaminhar anualmente um
relatório contendo: o estado moral e intelectual do Liceu; um mapa dos alunos
freqüentes, declarando os aprovados, os reprovados e os que não fizeram os
exames, e especificando os considerados incorrigíveis; deveria, ainda, atestar a
freqüência dos empregados; discutir em Conselho, com os professores, os
problemas do Liceu; repreender os alunos; designar os horários das aulas;
despachar os requerimentos a ele destinados; marcar e presidir a banca de
exames dos alunos, escolhendo os examinadores; conceder, quando necessário,
licença aos professores e aos porteiros; e, por fim, intermediar a correspondência
entre os professores e o Presidente da Província.

Apesar dos esforços empreendidos a falta de recursos das Províncias impossibilitou a


criação de uma rede organizada de educação. Quanto à instrução, sobretudo, secundária, acabou
ficando nas mãos de particulares.
A intenção do Ato Adicional de fortalecer o poder provincial não produziu os efeitos
desejados, as Províncias se furtaram da obrigação de criar escolas de instrução primária e da
atribuição de legislar sobre o assunto. Para Paiva a descentralização do ensino e sua expansão
irregular e limitada, podem ser melhor entendidas se relacionadas ao sistema-econômico e social
da época. Segundo ela,

em 1823, possuíamos uma população total de 4 milhões de habitantes, dos quais


quase 1.200.000 eram escravos; em meados do século, para 5.520.000 habitantes
livres contávamos com 2.5000.000; mais de 30% da população estava a priori
excluída de qualquer participação de caráter educativo sistemático. Da população
livre, apesar das determinações da lei de 1827 acerca das escolas para meninas, os
50% representados pelas mulheres eram em grande parte marginalizados73 do
processo educativo escolar [...] As elites adotaram como prática o estudo

73Uma lei de 22 de março de 1823 aprovou a fundação de um estabelecimento de instrução para moças (Colégio das
Educandas), cuja direção e administração foi confiada ao bispo do Rio de Janeiro. Porém no seu relatório de 1832, o
Ministro do Império constata, com pesar, que as escolas de meninas são pouco freqüentadas. Não é de se espantar,
porque desde há muito, os pais não querem que suas filhas aprendam a ler, sob o pretexto de que a instrução de uma
mulher deve-se limitar aos serviços domésticos e à costura. A estatística oficial de 1832 elenca, em todo o império, 162
escolas de meninos e 18 de meninas, estas escolas estavam estabelecidas no Rio de Janeiro e na província da Bahia,
Pernambuco, Mato Grosso, Goiás, Pará, Piauí, e São Pedro do Rio Grande do Sul.

78
individual com preceptor em suas próprias casas; a educação do povo não era
sentida como uma necessidade social e econômica muito forte (PAIVA, 1987,
p. 63).

Cabe dizer que o princípio da descentralização educacional, consagrado pelo Ato


Adicional, não foi aceito sem críticas. Juristas, políticos e educadores, preocupados com a situação
precária da instrução primária das Províncias questionaram a exclusão do poder central do campo
da instrução primária e secundária. O ponto central da discussão era se a educação era de
competência concorrente ou privativa das assembleias provincias. Embora, segundo Sucupira
(2001, p. 61), “o entendimento dos parlamentares, nos anos imediatos a que se seguiram à
promulgação do Ato, é que se tratava de uma competência concorrente”, essa discussão, ao que
parece, arrasta-se até o final do Império, pois a lei não era clara e seu entendimento controverso.
Em 1882, o deputado maranhense Almeida de Oliveira, apresenta um projeto sobre o
plano geral de ensino no qual legislava sobre a instrução primária e média em todo o país. No
mesmo ano, o ministro Dantas, apresenta um projeto para a criação, por parte do Estado, de
estabelecimentos de ensino secundário nas províncias. Porém, ambos não tiveram
prosseguimento, ou seja, não tornaram efetiva a participação do governo central no esforço da
universalização da educação primária em todo o país, ainda que fosse a título de ação supletiva,
sendo uma tarefa deixada principalmente a cargo das Províncias (SUCUPIRA, 2001, p. 64-65).
A partir de 1840 inicia-se um novo processo de mudanças na sociedade brasileira,
decorrente do desenvolvimento da lavoura cafeeira, à medida que a produção do café representa
novas relações estabelecidas na sociedade brasileira, devido ao desenvolvimento progressivo de
novas relações de trabalho, desembaraçando-se pouco a pouco do elemento escravo74.
A sociedade brasileira passa por uma época de aceleradas mudanças, a lavoura cafeeira
alicerça o surto demográfico e leva à urbanização ao interior, as cidades passam a ser pólos
dinâmicos do crescimento capitalista. Elas promovem: uma reorganização do sistema de trabalho
urbano, fazendo surgir novas categorias econômicas de relativa importância (comércio, artesanato,
serviços, inclusive públicos), também ocorre a construção de ferrovias e estradas, aparelham-se
portos marítimos, há a fundação de bancos, há a inauguração da primeira linha telegráfica, há o
aumento das importações de máquinas e um certo desenvolvimento das atividades industriais, há
um aumento das rendas públicas e dos quadros burocráticos. Por conseqüência, observamos um
crescente interesse pelo desenvolvimento do sistema de ensino elementar e profissional. Na base
desta preocupação encontra-se a idéia de que a instrução deveria contribuir de forma decisiva para
o progresso do país. A situação estava, pois, a reclamar uma ampla reforma da instrução pública.

74 O fim do tráfico de escravos em 1850, a abolição em 1888.

79
Com relação à educação a década de 1850 é apontada como uma época de férteis
realizações. No entanto, restritas, em sua maioria ao município da Corte. Estas realizações se
referem a criação da Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária do Município da Corte,
destinada a fiscalizar e orientar o ensino público e particular (1854); estabelecimento de normas
para o exercício da liberdade de ensino e um sistema de preparação do professor primário (1854),
reformulação dos estatutos do Colégio de Preparatórios tomando por base os programas e livros
adotados nas escolas oficiais (1854), reformulação dos estatutos da Academias de Belas Artes
(1855), reorganização do Conservatório de Música e reformulação dos estatutos da aula de
comércio da Corte (ALMEIDA, 1989, p. 83).
Destaca-se, nesse período, a Reforma Couto Ferraz (1854). Embora dirigido ao município da
Corte o referido regulamento, além de ter o caráter de servir de modelo também continha
“normas alusivas à jurisdição das províncias”, ou seja, “explicitadamente buscava alcançar a
instrução pública provincial” (SAVIANI, 2006a, p. 19). Dentre outras medidas, estabelecia a
inspeção nos estabelecimentos públicos e privados de instrução primária e secundária, a regulação
de escolas privadas, o regime disciplinar dos professores e diretores de escola, a adoção do
princípio da obrigatoriedade do ensino, para meninos maiores de 7 anos, exceto os escravos. Na
interpretação de Saviani (2010, p. 131), “esse aspecto associado à tarefa de coordenação atribuída
ao inspetor geral de estudos, extensiva a todas as províncias do Império, permite-nos considerar
que a idéia de um sistema nacional começa a se delinear mais claramente a partir dessa Reforma”.
Em relação ao aspecto administrativo, a reforma revelava uma concepção centralizadora,
atribuindo um amplo papel ao Inspetor Geral, ao qual encontravam-se subordinados os inspetores
de distrito (SAVIANI, 2006a), responsáveis pela fiscalização do ensino público e particular. Essa
centralização administrativa é parte de um movimento de fortalecimento do Estado que, por meio
de ações políticas, buscava diminuir o poder dos governos provinciais e das assembléias, a fim de
assegurar a unidade nacional num período marcado por revoltas sociais (SECO et al., 2006), a
exemplo das Insurreições Liberais (1842), da Revolução Praieira (1848) e da Revolução
Farroupilha (1835-1845).
Do ponto de vista da organização dos estudos previa-se:

a) uma escola primária dividida em duas classes75: a primeira compreenderia


escolas de instrução elementar, denominadas escolas de primeiro grau; a segunda
corresponderia à instrução primária superior, ministrada nas escolas de segundo grau;

75
O ensino em classe está na base do desenvolvimento da escola pública. Conforme Barroso (2001, p. 93), “a
construção de um modelo de organização pedagógica que possibilite o ensino colectivo é uma questão nuclear do
nascimento da escola pública e do processo da própria pedagogia. Esta foi uma das questões centrais da literatura e

80
b) uma instrução secundária ministrada no Colégio Pedro II, com duração de
sete anos, e nas aulas públicas avulsas, consagrando, portanto, a coexistência dos
dois modelos então em vigor;
c) os alunos seriam agrupados em turmas, adotando-se, portanto, a seriação e
ensino simultâneo (SAVIANI, 2006a, p. 20).

Importa ressaltar que ao recomendar a adoção do ensino simultâneo e a seriação “a Reforma


Couto Ferraz afasta-se oficialmente do método do ensino mútuo, presente na legislação do país
desde 1827, quando foram instituídas as escolas de primeiras letras” (SAVIANI, 2006a, p. 23).
Isso implicou na exigência de espaços apropriados para a realização da instrução, que irá culminar
na organização dos grupos escolares76e sua administração interna no século XX, ou seja, na
construção, pelo Estado, de prédios especiais destinados ao funcionamento das escolas e a origem
da figura do diretor escolar (Ibid., p. 28), conforme veremos no próximo capítulo.
Apesar do progresso gradual em relação à instrução pública, faltavam instituições que se
dedicassem à pesquisa científica e aos estudos filosóficos metódicos, são freqüentes as queixas
quanto ao mau preparo dos alunos, ao critério “liberal” da aprovação, a falta de preparo dos
mestres77, à falta de assiduidade dos professores, principalmente do curso jurídico e médico, pela
necessidade de completar o orçamento com outras atividades, a falta de materiais escolares e
salários para professores.
Faltou também uma política integrada entre centro e as Províncias, o governo central
omitiu-se na tarefa de reorganização dos níveis anteriores ao superior, já que os deixou sob
responsabilidade das províncias. Não foi instituído um plano nacional de fiscalização das escolas

dos debates que levou à institucionalização do ensino primário obrigatório, nos países europeus e nos Estados Unidos
da América do Norte”
76 De acordo com Souza (2006, p. 36), “o século XIX foi o cenário de experimentação e construção da escola

graduada dotada de uma estrutura coerente, durável e adequada à universalização do ensino primário [...] Nesse
sentido, configurar uma nova organização pedagógica racional tendo em vista o ensino simultâneo compreendeu um
grande desafio e uma necessidade essencial para a difusão da escolarização em massa”. Conforme a autora, na primeira
metade do século XIX não existia ainda uma relação entre instrução simultânea com o ensino de classe. Na Inglaterra
o termo simultâneo sofreu várias revisões pedagógicas entre 1820 e 1830 e só a partir de 1860 passou a ser usado
como sinônimo de classe, ou seja, “qualquer agrupamento de crianças a cargo de um professor recebendo instrução de
uma mesma matéria”, sendo que, “somente na década de 1870 começaram a ser construídas na Inglaterra as primeiras
escolas com várias salas de aula”. Portanto, “somente no final do século XIX a ‘classe’ se converteria na unidade
organizativa dominante do ensino primário” (Ibid., p. 40). O agrupamento dos alunos exigiu uma nova organização
pedagógica, de modo que permitisse “ensinar a todos como se fosse um só”, isso implicou na definição de programas,
na seriação de matérias, na seqüência e ordem de conteúdos, na divisão uniforme e rigorosa dos programas e dos
alunos: correlação entre série escolar e idade do aluno, no emprego do tempo: horários, diários de classe,
planejamento, na fixação da jornada escolar: início e término das aulas, ritmos, intervalos, na divisão do conteúdo em
unidades, lições e exercícios, na hierarquização dos conteúdos de acordo com o espaço de tempo que lhe seria
destinado, na existência de um currículo uniforme, na padronização dos processos de instrução e avaliação (SOUZA,
2006). Enfim, a classe representou não apenas uma nova organização pedagógica, mas a matriz fundadora da própria
organização e gestão da escola (BARROSO, 2001).
77 Para enfrentar o problema a partir de 1835, foram criadas as primeiras escolas normais.

81
primárias e secundárias com vistas ao aprimoramento de objetivos, conteúdos e métodos e,
conseqüentemente, uma melhoria de aproveitamento por parte dos alunos.
A instrução secundária se caracterizou por ser principalmente para alunos do sexo
masculino, pelo predomínio literário, pela aplicação de métodos tradicionais e pela atuação da
iniciativa privada.
Na tentativa de melhorar a formação dos mestres é modificada a organização das escolas
normais, passando de 2 para 3 anos, trazendo uma pequena melhora. Pequena devido a situação de
instabilidade dos cursos por estarem a nível secundário, por serem noturnos e, portanto, terem
poucas aulas práticas, também devido a não garantia de profissionalização e mau preparo dos
professores.
A partir de 1850, tomam corpo as críticas ao Ato Adicional e a defesa da participação
efetiva do poder central no âmbito dos sistemas provinciais, considerando-a medida necessária
para promover o desenvolvimento da instrução pública e para criar uma educação nacional
homogênea e uniforme, que gerasse e generalizasse o caráter brasileiro em todas as províncias. Os
apelos encontraram algum eco no parlamento, nas opiniões de juristas e de vários ministros de
Estado. Pimenta Bueno, em seu livro Direito público brasileiro e análise da Constituição do
Império, editado em 1857, comenta:

A Lei de 25 de outubro de 1827 mandou criar uma escola de instrução primária


em todas as localidades populares. O art. 10 § 2° do ato adicional deu às
assembléias provinciais a faculdade de legislar a este respeito em relação às
respectivas províncias, e muitas delas não se têm olvidado desse dever essencial.
Entendemos, porém, que os poderes gerais não devem de modo algum abdicar a
atribuição que esse mesmo parágrafo lhes confere de concorrer de sua parte para
tão útil fim, e mui principalmente no intuito de criar uma educação nacional
homogênea e uniforme, que gere e generalize o caráter brasileiro em todas as
províncias, ao menos em todos os centros mais populosos delas (Apud,
SUCUPIRA, 2001, p. 62).

O desinteresse do poder público pela educação favoreceu o florescimento das escolas


particulares, sobretudo no nível secundário. No período de 1860 a 1890, devido à liberdade que
gozava, a iniciativa privada fundou inúmeros colégios, sobretudo católicos (inclusive de jesuítas,
que retornam 80 anos após sua expulsão) e alguns protestantes. Isto mostra uma tendência
diferente daquela que se implantava no resto do mundo, em que a educação se laicizava cada vez
mais, entre nós, ao contrário, há ainda o predomínio da ideologia católica. Mas, há também
algumas iniciativas não religiosas, como é o caso da Sociedade chamada Culto à Ciência de
Campinas fundada em 1874, com a finalidade de criar e manter colégios de instrução primária e
secundária. Em Mogi-Mirin foi aberta uma escola noturna pela União e Fraternidade, a Associação da

82
Instrução Mogiana recebeu subvenção da Província, a Sociedade Propagadora da Instrução Popular
continuou o ensino gratuito das matérias de cosmologia, geografia, história, filosofia comparada e
higiene, sua biblioteca foi enriquecida de obras importantes. Na cidade de Cunha fundou-se em
1874 a Sociedade Literária Nova Arcádia, cuja finalidade era difundir a instrução por meio de escolas
primárias noturnas aos dois sexos e por meio de bibliotecas e conferências públicas. Em Franca, a
Biblioteca Francana, em Bragança o Clube Literário, em Itú uma biblioteca sob o nome de Instituto
Novo Mundo e em Lorena a Sociedade Auxiliar da Instrução Popular, em Sergipe o Ateneu Sergipense e no
Rio a Sociedade Liga Operária, inaugurou, em 1875, cursos noturnos de francês, inglês, história,
geografia, física, química, mecânica, higiene, medicina doméstica e música (ALMEIDA, 1989, p.
148-150). Neste sentido, é oferecida não só a alternativa da educação leiga como também estudo
das ciências, geralmente menosprezado pela tradição predominantemente humanística.
A instrução primária continuou constituindo-se em aulas de leitura, escrita e cálculo.
Pressupõe-se que apenas 10% da população era atendida (PAIVA, 1987). Pelo quadro analisado e
pelas deficiências constatadas vê-se que, mesmo neste período onde a regra foi o superávit
econômico, a educação não contou com verbas suficientes que possibilitassem ao final do século
XIX, um atendimento pelo menos elementar da população em idade escolar.
Não se efetivou a distribuição racional de escolas por todo o território nacional, pois a
grande maioria da população não tinha interesse e nem necessidade, diante da forma de vida a que
estava submetida, a ingressar e permanecer na escola. Ou seja, o modelo econômico,
predominantemente agrário, sofre pequenas alterações na segunda metade do século em função do
desenvolvimento do comércio e, mais para o final quando ocorre um pequeno surto na
industrialização, mas não são alterações suficientes para uma modificação do quadro da grande
população rural analfabeta, formada sobretudo por escravos, tal modelo econômico não favorece a
educação elementar, que não é vista como meta prioritária. A reduzida camada média, que vai
ampliando-se nas últimas décadas do Império, é que pressiona a abertura de escolas, pois o
preparo intelectual representava oportunidade de ascensão social.
No entanto, a maior complexidade do capitalismo internacional, com a formação de
monopólios e disputa entre as nações por mercados, permitiu um contato mais intenso com a
Europa, fonte fornecedora, não só de novos maquinários e instrumentos, para a indústria
nascente, mas também de novas idéias que passam a circular no meio intelectual brasileiro, em
meados do século XIX. Inspirando-se em autores do século XIX europeus, as crenças básicas do
liberalismo e do cientificismo tornam-se os pilares de modernização do país, isto é, pelas novas
idéias os intelectuais brasileiros pretendem elevar o Brasil ao nível de desenvolvimento não só

83
econômico e social, mas também civilizatório dos países desenvolvidos. É o início de um amplo
movimento que vai agitar o final do Império e início da República.
A crença na educação e na ciência para o desenvolvimento da sociedade aparece nos
escritos de Rui Barbosa. Como membro da Comissão de Instrução na Câmara de Deputados
emitiu pareceres sobre a "Reforma do Ensino Secundário e Superior" – 1882 (BARBOSA, 1942) e a
"Reforma do Ensino Primário e várias Instituições Complementares da Instrução Pública" – 1883
(BARBOSA, 1947), por meio dos quais defendia a criação de um sistema nacional de educação,
uma reforma completa do ensino, a exemplo de países como a Inglaterra, Estados Unidos, França,
Suíça, Alemanha, Austrália, Áustria, dentre outros, destacando a responsabilidade do Estado para
com a educação (MACHADO, 2002).
Essa é uma fase rica de propostas de reformas de quase todas as instituições existentes.
Liberais e cientificistas (positivistas e empiristas) estabelecem pontos comuns em seus programas
de ação: abolição dos privilégios aristocráticos, separação do Estado da Igreja, instituição do
casamento e registro civil, secularização dos cemitérios, abolição da escravatura, liberdade de
consciência, trabalho e voto, e crença na educação enquanto chave para os problemas
fundamentais do país.
Em relação à organização escolar, o período é marcado não só por críticas às deficiências
constatadas como pela proposição de sucessivos projetos de reformas apresentados ao
Parlamento, dentre os quais podemos citar como principal o projeto de reforma de Leôncio de
Carvalho, Decreto n° 7.247 de 19/04/1879, para o ensino primário, secundário e superior no
município da Corte, o último dispositivo engendrado pela política educacional do Império. Dentre
outras medidas o referido Decreto prevê: a) criação de jardins da infância para crianças de 3 a 7
anos; b) liberdade de ensino, abertura ou organização de colégios com outras tendências
pedagógicas, como positivista e protestante; c) liberdade de freqüência, aos alunos do secundário e
superior, à escola caberia penas ser severa nos exames. Isto implicava também na organização dos
cursos por matéria e não mais por ano, possibilitando o aluno a escolher as matérias e o tempo
para cumprir a série estipulada; d) liberdade de credo religioso aos alunos; e) quanto ao exercício
profissional, caberia ao Estado oferecer garantias profissionais e pagar bem; f) obrigatoriedade do
ensino entre 7 e 14 anos, eliminando a proibição quanto aos escravos; g) criação de escolas
normais nas Províncias, auxiliadas pelo governo central, para evitar a improvisação de professores,
bem como cursos para o ensino primário de adultos analfabetos; h) promoção de conferências
pedagógicas ou reuniões periódicas de professores para discutirem acerca dos melhores métodos e
todas as questões de interesse prático concernente ao ensino; i) necessidade de promover a criação
de cursos elementares noturnos, devido ao fato de ser estabelecida na Constituição a eleição direta

84
e introduzia-se a restrição ao voto do analfabeto (PAIVA, 1987) fundação de museus e bibliotecas
escolares; k) criação nos municípios mais importantes das províncias de escolas profissionais e de
ensino de artes e ofícios; l) inspeção dos estabelecimentos de instrução primária e secundária,
dentre outros dispositivos (SAVIANI, 2006a) .
Cabe dizer que nem todas estas propostas foram aprovadas. As poucas conseqüências
práticas dizem respeito a criação de escolas particulares com outras orientações, como a
protestante norte-americana com a criação da Escola Americana e Colégio Piracicabano (1870) e
positivista Escola Neutralidade (1884). A iniciativa norte-americana a este nível é bastante
significativa e vai ampliar-se durante a primeira República.
Entretanto, no final do Império, o problema educacional assumiu cada vez mais maior
importância. De acordo com Paiva (1987, p. 77), isto pode ser observado “na promoção de
reuniões e conferências pedagógicas apoiadas pelo governo na sede da Corte a partir de 1873, e
nas quais discutiam-se problemas de currículo, duração dos cursos, co-educação e métodos de
ensino”. Outra questão também se fazia cada vez mais presente, nos sucessivos projetos e nos
debates, era a necessidade de uma coordenação nacional dos serviços da educação na direção da
construção de um sistema nacional de ensino, seguindo a tendência dos países europeus, assim
como nos nossos países vizinhos, a Argentina, o Chile e Uruguai. Caberia à República realizar essa
tarefa.

85
Capítulo 3
A escola pública propriamente dita
_______________________________
Nesse capítulo abordaremos o segundo momento da educação brasileira: o da “escola
pública propriamente dita”, que se inicia em 1890, com a República, quando podemos observar
que aquilo que se entende por educação pública aproxima-se mais da concepção que hoje temos
de escola. Esse momento deve ser subdivido em três etapas: 1) a da criação de escolas primárias
nos estados (1890-1931); 2) a da regulamentação da educação em âmbito nacional (1931-1961); 3)
a da unificação e regulamentação da educação nacional abrangendo as redes públicas (municipal,
estadual e federal) e privada (1961-1996). Finalizamos esta parte discutindo “os novos rumos da
educação”, nela apontaremos as principais mudanças administrativas, organizacionais, políticas e
econômicas ocorridas a partir de 1990.

1. 1ª República (1890-1931): A criação das escolas primárias nos estados

Para abordarmos as questões educacionais no período da Primeira República, é necessário


nos reportarmos às décadas anteriores, na medida em que a discussão sobre os novos
encaminhamentos e os novos fins da educação começa ainda no decorrer do Império.
Nas últimas décadas do século XIX, os desdobramentos da revolução industrial européia e
da internacionalização do capital repercutiram na sociedade brasileira, intensificando
transformações econômicas e políticas que já se mostravam em curso. A nós interessa, nesta parte
do texto, dar destaque ao combate e à abolição da escravatura e à defesa dos ideais republicanos,
uma vez que estes fatos estão intimamente relacionados à questão educacional.
A campanha de combate à escravidão, deflagrada no início do século, recebeu novo
impulso com a chegada das inúmeras correntes imigratórias que provinham da Europa. Ou seja, a
transição do trabalho escravo para o livre, que significou um grande marco da história do XIX no
Brasil, não foi algo que ocorreu de forma tranqüila. Ao contrário, mobilizou grande parte da
sociedade, criou antagonismos e ocupou o centro dos debates políticos e intelectuais que dividiam
a opinião pública no período. Defrontavam-se posições contrárias: de um lado, os que lamentavam
os males da escravidão; de outro, os que temiam as conseqüências da abolição abrupta.

86
Para além dos posicionamentos, havia o problema real da escassez de força de trabalho,
que, com a abolição, poderia ser agravado, resultando na desorganização econômica e no risco de
perda de autonomia da nação. Assim, uma das preocupações centrais dos homens naquele
momento era organizar a transição para o trabalho livre sem que ocorressem danos à produção.
A esta preocupação correspondeu a necessidade de se discutir a formação da população,
incluindo os escravos em processo de libertação. A educação popular, como uma tarefa do Estado,
tornou-se tema de debates em todas as instâncias políticas e intelectuais. O encaminhamento do
escravo liberto para o trabalho produtivo não mais seria feito pelo chicote e pela força, mas pela
persuasão e sujeição natural. Por isso, o combate à ignorância e a necessidade de treinar e
disciplinar a mão-de-obra para as novas relações de trabalho assalariado faziam parte dos discursos
em defesa da reforma do ensino brasileiro.
Tavares Bastos, um intelectual e político que atuou na segunda metade do século do século
XIX e que acompanhou todo esse debate, publicou, em 1870, um livro intitulado A Província, no
qual propunha um amplo projeto de reforma administrativa e política do Brasil. Dedicou um
capítulo especial à instrução pública, afirmando que, depois da emancipação do trabalho, o mais
digno objeto de cogitação dos brasileiros seria a emancipação do espírito cativo da ignorância. Por
isso, defendia a difusão da instrução pública como uma das grandes e urgentes reformas de que
carecia a nação, como uma condição para sua própria emancipação. De acordo com suas palavras:

Compreendam governo e povo que não ha mais urgente reforma: a emancipação


do escravo o exige, porquanto ella ha de proseguir a sua marcha fatal por entre
dous perigos, o instincto da ociosidade e o abysmo da ignorancia. Diminui o
segundo; tereis combatido eficazmente o primeiro (BASTOS, 1937, p. 239).

Segundo Schelbauer (1998), esse intelectual oitocentista vinculava a emancipação à


instrução porque elas representavam a forma dupla do mesmo pensamento político. A instrução
era, para ele, um benefício que podia ser oferecido ao escravo, quando saísse da senzala, uma
forma de encaminhá-lo para a liberdade.
No entanto, conforme Schelbauer (1998), apesar dessa crença na escola como um
elemento necessário para o treinamento de mão-de-obra, necessário às novas relações de trabalho
– o trabalho livre, a idéia não se efetivou e, surpreendentemente, as discussões sobre esse fim da
educação foram sendo relegadas para outro plano à medida que a abolição se tornava geral e
definitiva. Segundo ela, isto se explica porque o problema da falta de braços para o trabalho foi
solucionado com a contratação do trabalhador imigrante, que já era portador dessa disciplina para
o trabalho. De qualquer forma, devemos dizer que, mesmo no texto de Tavares Bastos, já havia a
previsão de se direcionar a educação também para o imigrante que chegava.

87
Com a Proclamação da República, motivada pela necessidade de novas instituições
políticas, mais democráticas, e pelos interesses das classes emergentes (cafeicultores, classe média e
burguesia urbana), as preocupações com a educação voltaram-se mais para as questões políticas do
que para as questões econômicas, uma vez que os alvos de destaque educacional eram os futuros
eleitores; a participação democrática do povo na condução dos negócios públicos; a consecução da
unidade nacional; a expansão das virtudes sociais de amor à pátria; a formação do sentimento e da
identidade de nacional; a transmissão de conhecimentos gerais para unir os homens e integrar o
imigrante (levando-o a assimilar a língua e a cultura da nova pátria).
Intelectuais, parlamentares, ministros e educadores acreditavam que, por meio da difusão
da instrução pública elementar (ligada à obrigatoriedade, à gratuidade e ao auxílio do governo
central) e da coordenação nacional dos serviços educacionais, seria oferecida a instrução necessária
à formação do cidadão, nacional ou imigrante, como pressuposto para a consolidação do regime
político que levaria a efeito, juntamente com a nova organização do trabalho, o projeto
modernizador da sociedade brasileira, nos moldes dos países civilizados (SCHELBAUER, 1998).
Os debates e até mesmo os pronunciamentos no parlamento visavam levar a União a
assumir responsabilidades quanto à instrução popular. A obra de José Veríssimo, A Educação
Nacional, escrita em 1890, um ano após a Proclamação da República, explicitamente elaborada
como uma contribuição às reformas a serem realizadas no novo regime político, exprimia a
necessidade de se superar o atraso que caracterizava a sociedade brasileira no final do século XIX.
Na sua luta pelo progresso e pela civilização, ele atribuiu à educação nacional78 o importante papel
de inspirar o sentimento patriótico, promover a unidade nacional, cabendo ao Estado promover e
organizar o sistema público de ensino. Nas palavras do autor:

O nosso sistema geral de instrução pública não merece de modo algum o nome de
educação nacional. É em todos os ramos – primário, secundário e superior –
apenas um acervo de matérias, amontoadas, ao menos nos dois primeiros, sem
nexo nem lógica, e estranho completamente a qualquer concepção elevada da
Pátria [...] Ora, toda a instrução cujo fim não foi a educação e, primado tudo, a
educação nacional, perde, por esse simples fato, toda a eficácia para o progresso,
para a civilização e para a grandeza de um povo (VERÍSSIMO, 1985, p. 52).

No entanto, como veremos a seguir, no período da Primeira República, o Estado não


assumiu essa tarefa idealizada por Veríssimo.

78 Na concepção de Veríssimo, a educação, para ser nacional, precisa inspirar o sentimento patriótico. Segundo ele,
(1985, p. 56), “bem compreendida, a educação cívica deve ser a generalização de toda a instrução dada na escola para
fazê-la servir ao seu fim verdadeiro, que é, com a cultura moral e intelectual do indivíduo, a educação nacional”.

88
A nova Constituição, inspirada no liberalismo e no federalismo, dava plena autonomia aos
estados para elaborar sua própria Constituição, organizar suas próprias forças policiais e militares,
eleger seus próprios governadores e suas Assembléias Legislativas, contrair empréstimos externos,
decretar impostos, etc.; dividia os poderes entre executivo, legislativo e judiciário; garantia os
direitos civis plenos (liberdade de expressão e de culto religioso); assegurava o laicismo (a
separação entre Igreja e Estado, o reconhecimento exclusivo do casamento civil, a secularização
do cemitério); ampliava os direitos políticos com a instituição do voto universal (este foi estendido
a todo cidadão maior de 21 anos, exceto analfabetos, mulheres, mendigos, militares sem patente, e
religiosos de ordens monásticas), o que representou um grande avanço político em relação ao voto
censitário79.
Porém, em matéria de educação, a República não alterou o teor da Constituição anterior. À
União cabia criar instituições de ensino superior nos estados, legislar sobre o ensino superior e
manter a educação secundária no Distrito Federal; e aos estados e municípios cabia prover e
legislar sobre a instrução primária e secundária, mas o ensino secundário poderia ser mantido pela
União e livre à iniciativa privada (CURY, 2001, p. 78). Apesar dos debates efervescentes em torno
da organização de um sistema geral de ensino no Brasil, em correspondência com o principio da
federação e descentralização, não se previam procedimentos para que a União traçasse diretrizes
políticas para a educação nacional. O que se verifica é que a Constituição de 1891 não continha
disposições para a criação de uma rede uniforme e centralizada do ensino. A esse respeito,
Azevedo (1976, p. 117) comenta:

[...] O triunfo do princípio federativo, com a mudança do regime político, não só


consagrou mas ampliou o regime de descentralização estabelecido pelo Ato
Adicional de 1834 e, jogando a educação fundamental (primária e secundária) do
plano nacional para os planos locais, subtraiu à esfera do governo federal a
organização das bases em que deveria se assentar o sistema nacional de
educação [...]

Desta forma, manteve-se a administração descentralizada do ensino elementar. Também


ocorreu um silêncio a respeito da gratuidade e obrigatoriedade da instrução pública primária. A
gratuidade figurava no Art. 62 parágrafo 5° do projeto da Constituição apresentado pelo Governo

79 A República colocou em discussão a questão da democracia liberal, com base no voto universal. De acordo com
Paiva (1987, p. 82-83), “a Constituição de 1824 estabelecia relações indiretas e tomava a renda como base eleitoral,
excluindo a maior parte da população do processo político. Entretanto, nenhuma restrição existia em relação à
instrução. A saber ler e escrever não era condição requerida para votar ou ser eleito; a seleção se baseava nos
rendimentos anuais líquidos dos cidadãos”. Porém, no final do Império a Lei Saraiva “estabelecia pela primeira vez a
restrição ao voto do analfabeto; a partir de 1882, o alistamento eleitoral passava a inscrever apenas os que dominassem
as técnicas da leitura e da escrita [...] Mantinha-se a seleção pela renda e acrescentava-se a seleção pela instrução [...] A
Constituição Republicana eliminou a seleção pela renda, mas manteve a seleção pela instrução [...]”

89
Provisório ao Congresso em 1890: “O ensino será leigo e livre em todos os graus e gratuito no
primário”. No entanto, os Constituintes preferiram deixar que os Estados resolvessem, em sua
própria instância, as questões referentes à obrigatoriedade e à gratuidade do ensino80. A
Constituição da República mostrou uma posição desinteressada em relação à instrução pública
primária. Conforme o Artigo 35, cabia ao Congresso, mas não privativamente:

§ 2° Animar, no paiz, o desenvolvimento das lettras, artes e sciências,


bem como a immigração, a agricultura, a industria e o commercio, sem
privilegios que tolham a acção dos governos locaes;
§ 3° Crear instituições de ensino superior e secundario nos Estados;
§ 4° Prover a instrucção secundaria no Distrito Federal
(CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p. 599).

Observa-se, no entanto, que a Constituição determina a laicidade, conforme o Art. 72, § 6º


“será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos” e assegura a liberdade de ensino,
conforme fica subentendido nos termos do § 24, do mesmo Artigo 72, “é garantido o livre
exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial” (Ibid., p. 608-609).
Por isso, existe um consenso na historiografia da educação brasileira de que, até a década
de 30, não houve por parte do governo central uma preocupação com a instrução popular e com a
unidade política que dela decorreria, caso todos os homens fossem norteados por valores
nacionais comuns ou por direitos universais, tal como já ocorria em outros países. Em decorrência
da descentralização, a legislação educacional brasileira evoluiu de forma diferente em cada Estado
e a estrutura e o funcionamento das escolas adquiriram características muito particulares em cada
região, sem qualquer uniformidade. Assim, o debate em torno da criação do sistema de educação
nacional no Brasil esbarrou numa interminável discussão constitucional sobre a intervenção ou
não do Estado no terreno da educação elementar.
As pendências relativas a esse assunto ao longo da Primeira República desencadearam a
pressão das camadas emergentes (pequena burguesia, classe média urbana), provocando reformas
para solucionar os problemas educacionais mais graves81.
Criado o Ministério da Instrução, Correios e Telégrafos, em 1890, seu primeiro ministro,
Benjamim Constant, procedeu à reforma do ensino primário e secundário, no Distrito Federal,
com a expectativa de que ela serviria de modelo para os estados de todo o país. A Reforma Benjamim

80 Conforme Cury (2001, p. 79-80), “com a gratuidade a cargo dos Estados, restará uma longa discussão se a União
poderá ou não interferir nesta matéria, a fim de propiciar uma escolarização básica a toda a população. Esta discussão
perpassará toda a Velha República com forte presença na Revisão Constitucional de 1925-26”.
81 Apesar de algumas oposições, a crença na educação para treinar e disciplinar a mão-de-obra com vistas às novas

relações de trabalho foi expressiva no transcorrer dos debates realizados nas décadas finais do século XIX e durante o
século XX. A preocupação já não era mais a educação do ex-escravo, mas a do trabalhador em geral. Este foi um dos
grandes temas políticos e sociais do século XX.

90
Constant, instituída pelo decreto n° 981 de 8/11/1890, dentre outras coisas, organizou
“sistematicamente o ensino secundário, acabando com o chamado curso de preparatórios e
fazendo do antigo Colégio de Pedro II, que estivera até então isolado no sistema de ensino
público, o estabelecimento modelo para a distribuição desse ensino, encarregando-o ao mesmo
tempo de aferir do valor dos estudos feitos fora dele” (VERÍSSIMO, 1985, p. 18). Foi também
uma tentativa de substituir o currículo literário e livresco e romper com a antiga tradição
humanística. Respeitando a orientação positivista, procurou incluir disciplinas científicas como:
Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia. Na realidade, o que ocorreu foi
uma conciliação dos estudos literários e científicos, com o acréscimo de disciplinas científicas às
tradicionais, tornando o ensino enciclopédico (AZEVEDO, 1976).
Essa proposta de Benjamim Constant recebeu muitas críticas. A principal delas é que esses
novos currículos não representavam os novos valores educacionais. Como podemos observar na
obra de José Veríssimo A Educação Nacional, o que se almejava para o povo brasileiro ia além de
formar bacharéis. Segundo ele, era necessário promover uma profunda reforma na educação de
modo a inspirar o “sentimento nacional”, de “amor à Pátria” e formar “espírito brasileiro” (1985,
p. 51-52), a fim de construir a “civilização” e o progresso. Isso exigia uma nova concepção de
ensino. O ensino de geografia e história restringia-se ao cumprimento burocrático de um programa
que, além de enfadonho, pouco tinha a ver com a pátria, limitando-se à nomenclatura da qual se
exigia apenas a memorização, principalmente a da Europa. Uma educação, para ser patriótica,
segundo José Veríssimo, precisava inspirar o sentimento de amor à pátria, e nada melhor do que o
ensino da história e de geografia para despertar tais sentimentos no futuro cidadão. Por isso, mais
do que a memorização de nomes e locais, ele sugeria outros meios de ensino, como viagens, visitas
a museus, construções e monumentos; conhecimento de coleções arqueológicas e históricas;
realização de comemorações patrióticas, estudo de uma literatura que se referisse às coisas do
Brasil.
Para José Veríssimo, a educação do caráter se faria principalmente fora da escola. Nela
estava incluída a educação moral, a ser realizada por meio de regras, exemplos, conselhos e
comentários morais (Ibid., p. 73). Para ele, esta educação deveria valorizar as primeiras
manifestações do altruísmo na criança. Para isso, cumpria desenvolver bem cedo nas crianças “a
afeição, a necessidade de carícias, a compaixão pelo sofrimento, a liberdade, a simpatia” (Ibid., p.
75), em suma a responsabilidade individual. A educação da mulher, para ele, era da maior
importância, pois a mãe é um dos principais agentes da educação de caráter nacional, porque é ela
quem está o dia todo presente nos primeiros anos da criança (Ibid., p. 74).

91
Assim, as preocupações em relação à educação nos últimos anos do século XIX não se
limitaram apenas ao interesse de ampliar o número de escolas de instrução popular, sob
responsabilidade/intervenção do Estado e de organizar um sistema nacional de educação; cogitou-
se também uma nova filosofia educacional. Desde a colonização, a filosofia católica (formação
humanística e enciclopédica) tinha influenciado a prática pedagógica na América portuguesa. Neste
final de século XIX, a educação brasileira passava a receber as influências tanto do pensamento
francês, especialmente do positivismo comtiano, o qual considerava que a base da formação
humana deveria ser científica, (matemática, astronomia, física, química, biologia, sociologia e
moral), e do pensamento norte americano, o qual oferecia uma nova inspiração didático-
pedagógica82.
A Reforma Benjamim Constant tinha como princípios orientadores a liberdade83 e a
laicidade do ensino, além da gratuidade da escola primária.
A Reforma atingiu as escolas primárias, secundárias, além do ensino superior, artístico e
técnico. Uma das orientações era tornar os diversos níveis de ensino “formadores” e não apenas
preparatórios para o ensino superior. De 1895 em diante, exigiu-se para a matrícula nos cursos
superiores, o certificado de estudos secundários ou o título de bacharel em ciências e letras. Foi
criado o exame de madureza, destinado a verificar se o aluno tinha a cultura intelectual necessária ao
término do curso, além de consagrar o ensino seriado. Criou também o Pedagogium, órgão central
de coordenação das atividades pedagógicas do país (VERÍSSIMO, 1985, p. 15).
Porém, conforme Veríssimo (Ibid., p. 19), as reformas Benjamim Constant e os seus
muitos regulamentos, nunca se realizaram. Segundo ele, para a execução da reforma seria
necessário uma infra-estrutura institucional que assegurasse sua implantação: “grande número dos
nossos Estados carece dos recursos econômicos e morais para manter estabelecimentos de ensino
com aquela organização [...]” (Ibid., p. 16). Segundo ele ainda, “pelo mesmo motivo da federação e
da conseqüente descentralização de todos os ramos do ensino, a nova organização do ensino
secundário não foi tão radical, nem tomou na lei um caráter tão geral, como fora para desejar”
(Ibid., p. 15).
As reformas que se seguiram à de Benjamim Constant também não acarretaram nenhuma
mudança substancial no sistema, apenas revelaram uma oscilação entre a influência humanística

82 Entre os diversos debatentes educacionais do período como, Tavares Bastos, Rui Barbosa, José Veríssimo, surgiu a
defesa da escola mista, a escola livre, a escola sem espírito de seita, a escola comum.
83 Isto porque a Reforma “[...] deixava aos Estados plena liberdade de darem eles próprios os diplomas de estudos

secundários, desde que organizassem estes estudos segundo o tipo que lhes oferecia o governo federal e deixava à
iniciativa particular toda a largueza para exercer a sua atividade, sem outra condição que a da aferição pelo Estado, das
habilitações dos candidatos aos títulos exigidos para a matrícula nos cursos superiores” (VERÍSSIMO, 1985, p. 16).

92
clássica e a realista científica84, entre a centralização e descentralização85 do ensino, entre o regime
preparatório e o curso seriado, entre a oficialização do ensino (com o ensino padrão e os colégios
equiparados) e a desoficialização (ensino inteiramente livre). O Código Epitácio Pessoa (1901-1910),
pôs fim a liberdade de freqüência, ratificou a liberdade de ensino da Reforma de Leôncio de
Carvalho, equiparou as escolas privadas às oficiais, mediante rigorosa inspeção dos currículos e
acentuou-se a parte literária, uma vez que se incluiu a lógica e se retirou a biologia, a sociologia e a
moral. Na Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental - Rivadária Correia (1911), retomou-se a
orientação positivista e se tentou incluir um critério prático ao estudo das disciplinas. Os exames
de admissão foram transferidos ao ensino superior, com o objetivo de que o secundário formasse
o cidadão e não um candidato ao nível superior. Além disso, em correspondência à forma
descentralizada de poder, não se previa a interferência da União e, até certo ponto, nem dos
próprios Estados no campo da instrução. Proporcionava-se total liberdade aos estabelecimentos
escolares86, facultava-se a presença e desoficializava-se o ensino. A reação apareceu com a Reforma
Carlos Maximiniano (1915), que reoficializou o ensino, sobretudo, o secundário, colocou novamente
em cena o poder interventor do Estado nesta matéria, reformou o colégio Pedro II e
regulamentou o acesso a escolas superiores, introduzindo o vestibular a ser realizado nas próprias
universidades aos candidatos que dispusessem de diploma de conclusão do ensino secundário. Por
fim, a Reforma Luiz Alves/Rocha Vaz (1925), que encerrou o ciclo de reformas federais no ensino na
Primeira República. Por meio dela, pela primeira vez, procurou prever uma legislação que
permitisse ao governo federal agir conjuntamente com os estados de forma a atender ao ensino
primário. Foi, na verdade, uma tentativa de sistematização dos estudos considerados fragmentados
(AZEVEDO, 1976).
No entanto, todas estas reformas não passaram de tentativas frustradas para regular o
ensino e sistematizar normas sobre a educação e estavam muito longe de serem comparadas a uma
política nacional de educação.

84 Com o desenvolvimento técnico, econômico e cientifico, o mundo havia mudado, passando a exigir um novo
conhecimento. Porém, o novo não surgiu de forma automática, coexistiram duas concepções de ensino diferentes.
Uma clássica, literária e erudita, ligada ao passado, a outra de caráter prático, utilitário e científico, vinha tomando
corpo em vários países, principalmente nos Estados Unidos.
85 De acordo com Cury (2001, p. 85) “a política educacional republicana, oscila entre a vertente liberal, federativa com

descentralização administrativa e unidade política centralizada; a vertente positivista, ultrafederativa com


descentralização administrativa e política; e a vertente autoritária na qual o papel intervencionista do Estado acopla
centralização política com descentralização administrativa”.
86
No termos do Decreto n° 8.659, de 5 de abril de 1911, Art. 2º “Os institutos [de ensino criados pela União], até
agora subordinados ao Ministerio do Interior, serão, de ora em diante, considerados corporações autonomas, tanto do
ponto de vista didactico, como do administrativo”.

93
Assim, durante a Primeira República permaneceu a política descentralizada, o que foi
legitimado no texto constitucional, em que o poder central delega aos estados a competência de
legislar e prover a instrução primária. Foram, então, os estados que tiveram que enfrentar essa
tarefa nada fácil87.
A tentativa mais avançada na direção de um sistema orgânico de educação, no início
republicano, conforme Saviani, foi a implementada em São Paulo88, entre 1892-1896. Esta reforma
procurou preencher os pré-requisitos básicos implicados na organização dos serviços educacionais
na forma de sistema:

a) a organização administrativa e pedagógica do sistema como um todo, o que


implicava a criação de órgãos centrais e intermediários de formulação das
diretrizes e normas pedagógicas bem como da inspeção, controle e coordenação
das atividades educativas;
b) construção ou aquisição de prédios para funcionar como escolas;
c) dotação e manutenção nesses prédios de toda a infra-estrutura necessária para
o adequado funcionamento do ensino;
d) instituição de um corpo de agentes, com destaque para professores, definindo-
se as exigências de formação, os critérios de admissão e a especialização das
funções a serem desempenhadas;
e) definição das diretrizes pedagógicas, dos componentes curriculares, das
normas disciplinares e dos mecanismos de avaliação das unidades e do sistema
de ensino em seu conjunto;
b) organização das escolas na forma de grupos escolares, superando, por esse
meio, a fase das cadeiras e classes isoladas, o que implicava a dosagem e
graduação dos conteúdos distribuídos por séries anuais e trabalhados por um
corpo relativamente amplo de professores que se encarregam do ensino de
grande número de alunos, emergindo, assim, a questão da coordenação dessas
atividades também no âmbito das unidades escolares (SAVIANI, 2006b, p. 18-
19).

A implantação dos grupos escolares, segundo Souza (1998, p. 47), “reafirmou o princípio
da igualdade da educação entre os sexos ao estabelecer igual número de classes para meninos e
meninas. No entanto, impediu a co-educação”, ou seja, “a convivência da educação conjunta dos
dois sexos”.

87 Segundo Souza (2006, p. 50-51), “[...] Havia muitas tarefas a realizar para dar início ao processo de difusão da
educação popular – criar escolas, formar professores capacitados nos novos processos pedagógicos, equipar os
estabelecimentos de ensino. A implantação de uma organização mais complexa implicava maior número de
funcionários e a construção de edifícios especialmente erguidos para essa finalidade”.
88 O que permitiu a São Paulo organizar em bases mais sólidas e largas seu sistema de educação foi o fato de para lá se

ter deslocado o centro da vida econômica do país, em razão do desenvolvimento da lavoura cafeeira, do maior
número de imigrantes que para lá se dirigiu e um maior crescimento das indústrias. Além da hegemonia econômico
conquistou a hegemonia política com a “política dos governadores”.

94
Além disso, os grupos escolares89 foram criados para atender os núcleos urbanos. Desse
modo, “revelam a direção de uma política educacional de privilegiamento das cidades em
detrimento da zona rural; isso em uma época em que cerca de 70% da população do Estado [de
São Paulo] vivia no campo” (Ibid., p. 51).
Em relação ao aspecto administrativo, cabe ressaltar que, a complexidade organizacional da
escola exigiu processos administrativos específicos. A necessidade de alguém para dirigir,
organizar, coordenar e fiscalizar o ensino nos grupos escolares deu origem ao cargo de diretor
escolar. Segundo Souza (1998, p. 81), a ele cabia:

Fiscalizar todas as classes durante o funcionamento das aulas, elaborar horários,


[...] propor ao governo criação e supressão de lugares de adjuntos no grupo e
nomeação e dispensa de professores, indicar a nomeação de porteiros, contratar
e despedir porteiro e servente, proceder a matrícula, classificação e eliminação de
alunos, submetê-los a exames mensais e finais, responder por toda a escrituração
da escola, organizar folha de pagamento e diário de ponto, apresentar relatórios
anuais, além de fazer cumprir as disposições legais sobre o recenseamento
escolar e impor ao pessoal as penas que incorressem.

Portanto, desde o início da implantação dos grupos escolares o diretor assumiu um papel
central na estrutura administrativa e pedagógica do ensino. Segundo Souza (2008, p. 76), “único
responsável pela escola perante o governo, o diretor tornou-se o interlocutor da escola com a
administração do ensino e, dessa forma, substituiu os professores públicos na relação que
mantinham com o estado”. Assim, ao submeter o corpo docente à sua autoridade, o cargo de
diretor passa a ser considerado fundamental para a organização escolar, tornando-o “elemento-
chave que transformaria a mera ‘reunião de escolas’ em uma escola graduada90 orgânica” (Ibid., p.
75).
O diretor de escola era indicado e nomeado pelo governo, segundo Seco et al. (2006),
dentre os professores, de preferência professores diplomados na Escola Normal ou, na falta

89
Importa ressaltar que apesar da criação de grupos escolares na capital e no interior, continuavam a existir escolas
isoladas (escolas preliminares - obrigatória para crianças de 7 a 12 anos, com duração de 4 anos, formada por uma classe
de 40 alunos e regidas por professores normalistas; escolas preliminares intermediárias - regidas por professores que não
necessitavam de habilitação na Escola Normal, examinados perante os Inspetores de Distrito; escolas provisórias - escolas
unitárias, regidas por professores interinos, examinados perante o inspetor do distrito, ambulantes – destinadas a lugares
de pequena densidade populacional, correspondia ao trabalho de professores solitários que percorriam várias cidades e
noturnas - para localidades com freqüência provável de 30 adultos, destinadas a maiores de 16 anos, com tônica de
alfabetização e profissionalização), as escolas reunidas e, ainda, as escolas complementares (correspondia a uma instrução
intermediária entre a instrução elementar e a escola secundária, sendo transformada, a partir de 1895, em escola para a
formação de professores preliminares) (SOUZA, 1998; GUIRLDELLI JR, 1990).
90 Segundo Saviani (2006b, p. 25), os grupos escolares “eram também chamados de escolas graduadas, uma vez que o

agrupamento dos alunos se dava de acordo com o grau ou a série em que se situavam, o que implicava uma
progressividade da aprendizagem, isto é, os alunos passavam, gradativamente, da primeira à segunda série e desta à
terceira até concluir a última série (o quarto ano no caso da instrução pública paulista), com o que concluíam o ensino
primário”.

95
desses, por complementaristas91, com pelo menos dois anos de efetivo exercício no magistério
primário.
No que diz respeito à inspeção do ensino, enquanto no Império havia um inspetor geral e
a fiscalização era exercida pela municipalidade, ao iniciar a República “os primeiros regulamentos
da reforma da Instrução Pública estabeleceram novos órgãos administrativos e técnicos para o
ensino: Diretoria Geral de Instrução Pública, o Conselho Superior e trinta inspetores de distrito”
(SOUZA, 1998, p. 82). Assim, no âmbito dos estados, a direção e a inspeção do ensino ficavam a
cargo de um Conselho, conforme se observa na Lei nº 88, de 8 de setembro de 1892, que
reformou a instrução pública primária e secundária em São Paulo.

Artigo 40 – A direção suprema do ensino cabe ao Presidente do Estado, e a sua


inspeção a um conselho superior e a inspetores de distritos.
Artigo 41 – O conselho superior será assim constituído: um diretor geral,
nomeado pelo Governo, o diretor da escola normal da capital, o diretor da
escola-modelo; um professor eleito pelos professores públicos primários; dois
delegados das municipalidades e um professor eleito pelos professores dos
ginásios (SÃO PAULO – Estado, 2000, apud, SECO et al., 2006, p. 91).

No entanto, em 1897, toda essa estrutura foi alterada. Conforme Souza (1998, p. 83), ao
ser suprimido o Conselho Superior e o cargo de diretor geral da Instrução Pública.

[...] No lugar, a inspeção passou a ser exercida por um inspetor geral auxiliado
por dez inspetores escolares. A fiscalização direta sobre as escolas estaduais
recaiu sobre os delegados e ou representantes das municipalidades. A Inspetoria
de Ensino foi concebida como corporação técnica com a finalidade de organizar
e orientar o ensino primário quanto às questões pertinentes à metodização e à
uniformização do ensino, conforme os modernos processos pedagógicos.

Isto significa que, a estrutura da administração do ensino público tornou-se mais complexa,
à medida que a inspeção do ensino passa a ser considerada pelos reformadores “imprescindível
para a boa organização da instrução pública” (SOUZA, 1998, p. 83).
Assim, a reforma paulista foi a pioneira na organização do ensino primário em forma de
grupos escolares92. Embora, segundo Saviani (2006), essa reforma não tenha chegado a se

91
“A Lei nº 88, de 8 de setembro de 1892, dividiu o ensino público em primário, secundário e superior. Quanto ao
primeiro foi subdividido em preliminar e complementar; os que concluíssem o complementar poderiam lecionar,
mesmo sem ter feito o Curso Normal, aos alunos do curso preliminar, daí o surgimento do termo professores
complementaristas” (SECO et. al., 2006, p. 90). Segundo Souza (1998, p. 64), “para solucionar o problema da
necessidade de formação rápida de professores para as escolas preliminares, o governo [do Estado de São Paulo] se
utilizou das escolas complementares, correspondentes ao segundo grau do curso primário, para a formação de
professores [...] com um ensino um pouco mais aprofundado que o elementar”.
92 De acordo com Saviani (2006b, p. 24), “[...] na estrutura anterior as escolas primárias, então chamadas também de

primeiras letras, eram classes isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma classe regida por um

96
consolidar, representava uma tendência que acabou por se impor, a partir da década de 20, em
todo o país.
Em relação à política educativa, o que se verificou, durante a primeira República, foi a falta
de diretrizes uniformes para uma política escolar e a falta da unidade do sistema de educação
nacional. Conforme comentários de Azevedo (1976, p. 148-149):

[...] A idéia em marcha, desde o Império, de uma educação nacional foi, de fato,
paralisada pela vitória do federalismo na Constituição de 91 que deferiu aos
Estados a atribuição do ensino primário e lhes reconheceu o direito de organizar
os seus sistemas escolares, sem fixar preliminarmente as diretrizes de uma
política de educação. Tudo daí por diante, no domínio educacional, teria de
desenvolver-se, como se desenvolveu, sob pressão das circunstâncias locais que
variavam de uma região para outra, e iam desde as condições demográficas e
econômicas e as diferenças de nível cultural até a diversidade de tendências dos
governantes às flutuações das reformas, empíricas e fragmentárias, em que tão
profundamente se exprimia a descontinuidade da administração.

Em relação à administração da educação a Primeira República manteve a estrutura herdada


do Império, ou seja, um regime descentralizado, que delegava aos estados legislar e prover o
ensino primário.
Na verdade, o controle do poder pelas oligarquias rurais, que, evidentemente, propunham
reformas e legislavam sobre a educação, acabou por projetar no sistema escolar a mesma
mentalidade que havia caracterizado o período colonial e se estendido durante a Monarquia. Para
uma economia agrícola, a educação básica da população realmente não era considerada como um
fator necessário, pois a maioria se concentrava na zona rural, onde as técnicas de cultivo não
exigiam nenhuma preparação, nem mesmo a alfabetização.
O quadro educacional na primeira República correspondeu às necessidades sentidas pela
população e, em certo ponto, representou as exigências educacionais de uma sociedade, cujo índice
de urbanização e de industrialização era limitado para caracterizar a demanda pela educação básica.
Em outros termos, segundo Romanelli (1986, p. 45),

[...] para uma economia de base agrícola, como era a nossa, sobre a qual se
assentavam o latifúndio e a monocultura e para cuja produtividade não contribuía
a modernização dos fatores de produção, mas tão-somente se contava com a
existência de técnicas arcaicas de cultivo, a educação realmente não era
considerada como fator necessário [...] Se a população se encontrava na zona rural
e as técnicas de cultivo não exigiam nenhuma preparação, nem mesmo a
alfabetização, está claro que, para essa população camponesa, a escola não oferecia
qualquer interesse.

professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem.
E estas escolas isoladas, uma vez reunidas, deram origem, ou melhor, foram substituídas pelos grupos escolares”.

97
Ou ainda, conforme Lourenço Filho (1965, p . 265) nos expõe:

é fácil compreender que, em grupos de populações muito dispersos,


de economia incipiente, muitas vezes reduzida à prática da agricultura de
subsistência ou pouco mais que isso, em regime quase geral de subemprego, as
expectativas de melhoria dos padrões de vida são exíguas, não apresentando
maior sentido prático a preparação formal que a escola passa a proporcionar.
Nessas circunstâncias, a demanda é reduzida, ainda em face da mais ampla
oferta.

Foi somente quando esta estrutura começou a dar sinais de ruptura que a situação da
educação começou a tomar rumos diferentes. As mudanças vieram com o processo de
urbanização e industrialização no período pós-primeira guerra mundial e acentuaram-se depois de
1930, com a derrocada da hegemonia política e econômica dos setores tradicionais agro-cafeeiros,
em decorrência da crise de 1929. A partir daí, os novos setores enriquecidos, centrados nas
atividades urbano-industriais, assumiram o controle político do país e forçaram a reorganização do
Estado brasileiro, de modo a representar suas pretensões93.
No campo das idéias, as coisas começaram a mudar com a atuação de organizações civis,
dentre elas a Associação Brasileira de Educação - ABE94, Ligas Nacionalistas, que, preocupadas
com a correlação ensino/nacionalidade/progresso, iriam atuar em movimentos culturais e
pedagógicos em favor de reformas mais profundas. As Conferências Nacionais de Educação95
ocuparam um papel fundamental na campanha contra o analfabetismo96, na divulgação de novos
ideais97, na defesa da criação de uma coordenação nacional de educação e de promoção de uma
política educacional nacional. Como conseqüência, intensificaram-se reivindicações para a
universalização das escolas elementares e para o estabelecimento da escola leiga, obrigatória e
gratuita.
Especialmente a partir da década de 1920, a educação foi tomada como um elemento de
superação dos problemas do país, uma vez que o apreço pela escolarização e o combate ao

93 Até a década de 30, o governo teve pouco interesse em planejar o desenvolvimento econômico, particularmente a

industrialização do país. Mas, a partir de 30, o Estado, passou a tomar medidas mais centralizadas, passou a ser um
agente de proteção da indústria nacional, por meio da intervenção no sistema de créditos, na política cambial, no
controle dos preços e na política tributária, fiscal e salarial. A indústria passou a ser tomada como sinônimo de
desenvolvimento e riqueza.
94 Fundada em 1924 no Rio de Janeiro, agremiou professores de todos os graus e ramos do ensino, bem como

profissionais de outras áreas, tais como juristas, médicos e intelectuais.


95 De acordo com Fernando de Azevedo (1976, p. 154), “realizaram-se de 1922 a 1937, nove conferências [...] para

estudar a intervenção do governo federal no ensino primário”.


96 De acordo com Paiva (1987, p. 85), “[...] o Censo de 1890 informava a existência de 85,21% de iletrados na

população total (82,63%, excluídos os menores de 5 anos), o de 1900 encontrou 74,59% para os 20 Estados, baixando
para 74,59% com a inclusão do Distrito Federal (69,63%, excluindo-se os menores de 5 anos. Esses índices eram
motivo de vergonha para a intelectualidade brasileira no início do século”.
97 Estavam sendo introduzidas no Brasil as idéias pedagógicas da Escola Nova, que já se propagavam na Europa e

Estados Unidos.

98
analfabetismo eram vistos como fatores altamente importantes para a democratização política,
para a criação de uma identidade/coesão nacional, para o progresso nacional e para que o país
atingisse um novo grau de civilização.
Nesse momento, recuperou-se a idéia de nacionalidade e de compromisso com o espírito
público, em contraposição ao sistema oligárquico que predominou durante a primeira República, o
qual favoreceu apenas os interesses regionais e prejudicou a integração nacional e o progresso do
país. Além disso, a ascensão de formas partidárias de esquerda, a multiplicação de greves e a
organização e a pressão por parte dos anarquistas, anarco-sindicalistas e socialistas traziam novos
desafios políticos para o Estado98, para a organização do processo produtivo e para a educação99.
Esses aspectos exigiam do Estado uma postura mais interventora e uma direção unificada capaz de
disciplinar as forças regionais, integrar as diferenças, conduzir o progresso e o desenvolvimento da
nação.
Em 1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, órgão importante para a
organização e planejamento das reformas em âmbito nacional, as quais correspondiam a um novo
momento da sociedade brasileira.
Em relação à educação, a proposta era assinalar na Constituição, como um direito de todo
o cidadão, sua oferta obrigatória pelo Estado e a matrícula compulsória das crianças em idade
escolar, assim como a definição de diretrizes nacionais para o sistema de ensino. Acreditava-se,
com isto, que a educação poderia tornar possível a consolidação de um regime político compatível
com o desenvolvimento da sociedade industrial e democrática.

98 De acordo com Cury (2001, p. 102), o imigrante politizado, ao qual era atribuído o papel de agitador social, levou à
necessidade de adoção de leis reguladoras (deportações, prisões, listas negras, demissão dos indesejáveis), contenção
de rotas imigratórias, seleção minuciosa (até de raças).
99 Diante do desinteresse do Estado pela educação do povo, segundo Saviani (2010, p. 182), “[...] Os vários partidos

operários, partidos socialistas, centros socialistas assumiram a defesa do ensino popular gratuito, laico e técnico-
profissional. Reivindicando o ensino público, criticavam a inoperância governamental no que se refere à instrução
popular e fomentavam o surgimento de escolas operárias e de bibliotecas populares”. Os anarquistas, por sua vez,
rejeitavam a educação estatal, por considerarem a escola enquanto instituição de reprodução dos interesses da Igreja e
do Estado. Entretanto, consideravam a educação importante para a organização dos trabalhadores na luta contra o
Estado e suas instituições opressoras. Desse modo, construíram o seu próprio sistema educacional, em paralelo e em
clara oposição ao sistema oficial e privado. No período de 1900-1920, em São Paulo, criaram e mantiveram um
número significativo de Escolas, Centros de Cultura e inclusive uma Universidade Popular, ofereceram também
ensino profissional para os adultos. A intenção era transformar a sociedade opressora e exploradora na qual viviam os
operários, ou seja, de instituir uma sociedade: fraterna, igualitária e democrática (MARTINS, 2006). A pedagogia
libertária consistiu não apenas na simples fundação de escolas, mas contemplava uma série de atividades culturais,
artísticas e educacionais que proporcionassem ao indivíduo a conscientização de sua opressão. Portanto, neste período
os anarquistas organizaram diversos periódicos, promoveram teatros, palestras, passeatas, festivais, criaram bibliotecas,
centros de estudos sociais e escolas modernas, além da publicação de periódicos (jornais e revistas) (GHIRALDELLI
JR, 1987). Em 1919, o Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo ordena o fechamento dos estabelecimentos
alegando que as Escolas Modernas não cumpriam as exigências legais.

99
2. A regulamentação da educação em âmbito nacional (1931-1961)

A década de 1930 foi marcada por acontecimentos históricos de significado mundial.


Nesse período, situado entre duas guerras, as nações mais avançadas procuravam conseguir
mercados cativos, protegidos da concorrência de rivais, tanto para a comercialização de suas
mercadorias industriais quanto para garantir seus investimentos e matérias-primas. As guerras
provocaram grandes alterações nas relações tanto internas quanto externas, especialmente dos
países “periféricos” do capitalismo. Neste último caso, representaram um fator decisivo na
aceleração do desenvolvimento de suas indústrias, porque a dificuldade de importação de artigos
industrializados favoreceu as empresas nacionais, seja por lhes assegurar o mercado interno seja
por possibilitar a exportação para os países em guerra e sem condições de produzir. O grupo
industrial-urbano recebeu assim um forte estímulo para se expandir e fortalecer.
Desta forma, a partir da década de 1930, o Brasil ingressou numa nova dinâmica do capital.
A parceria com o capital monopolista, por meio dos grandes empréstimos e da implantação de
multinacionais, impulsionou o processo de industrialização a um novo patamar. As indústrias,
mesmo que timidamente, viram-se compelidas a uma maior preocupação com a produtividade,
com o lucro, com a concorrência interna e externa.
Ao procurar responder aos desafios do mercado mundial, especialmente quanto à maior
competitividade e qualidade do produto, além do atendimento às novas demandas de consumo, a
indústria brasileira avançou, em comparação ao final do século XIX e à primeira década do século
XX. As pequenas oficinas, voltadas à produção de alimentos, artefatos agrícolas e tecidos e que
utilizavam máquinas e técnicas rudimentares, passaram a utilizar equipamentos modernos e novas
formas de organização dos processos de trabalho, com base nos princípios taylorista e fordista.
Falava-se em racionalizar a produção (em termos de tempo gasto e de custos), em potencializar
cada energia despendida pelo trabalhador, em aumentar a eficiência, a produtividade e o lucro.
Essa reorganização do processo produtivo teve como conseqüência que a prioridade se
deslocasse dos fatores de infra-estrutura e equipamentos para as habilidades dos recursos
humanos. Diante desse novo caráter da produção, o empresário brasileiro se deparou com novas
exigências que ultrapassavam a necessidade de investimentos em máquinas e se associavam à
qualificação de mão-de-obra, para o uso dos instrumentos industriais.
A força de trabalho utilizada nas indústrias brasileiras, durante as primeiras décadas do
século XX, era de imigrantes, geralmente italianos, já adaptados a esse tipo de trabalho nas
indústrias européias. Os trabalhadores brasileiros, em sua maioria escravos recém libertos ou
provenientes de outras áreas, não possuíam a experiência, a disciplina e a instrução exigidas pelo

100
trabalho fabril, o que contribuía para aumentar a preferência pelo trabalhador imigrante. Porém,
com o crescimento das indústrias e o subseqüente desenvolvimento urbano, o ensino técnico-
profissional tornou-se um elemento imperativo. A educação retornou à ordem do dia, sendo
referida como assunto de urgência nacional. A esse respeito Frota Pessôa, Secretário Geral da
Instrução Pública no Rio de Janeiro em 1924, afirma:

[...] O problema principal ainda é o da educação systematica, para preparar no


futuro uma raça apta a fazer a grandeza do Brasil. Educar para o trabalho,
organisar e estimular o trabalho, respeitar o trabalho, applicar com escrúpulo o
produto do trabalho, eis o programa que devemos impôr aos nossos dirigentes
(FROTA PESSÔA, 1931, p. 36).

O desenvolvimento da industrialização contribuiu para inaugurar um novo período da


história brasileira, pois representou um processo que envolveu várias mudanças nos mais diversos
setores da sociedade. Ou seja, modificou o hábito de consumo, a produção de matéria-prima, as
características das classes sociais, as relações de trabalho e toda a infra-estrutura da sociedade,
como transportes, energia, saneamento básico, moradias, etc. Com a industrialização, a sociedade
deixou de ser essencialmente agrária e tornou-se mais urbana, técnica e científica. A educação não
esteve alheia a estas transformações e passou a ocupar espaço nas discussões econômicas, políticas
e sociais. Estas eram marcadas pela grande preocupação com o “atraso” econômico e social do
país, motivo pelo qual a educação escolar aparecia como um instrumento indispensável para o seu
desenvolvimento.
A ascensão de Vargas ao poder, em conseqüência da Revolução de 30, inauguraria essa
nova etapa da história brasileira. Embora as forças que levaram Vargas ao poder fossem
heterogêneas100, não possuindo um ideário comum e não podendo, por isso, servir de referência
unitária, e de sua política ter sido marcada por “concessões articuladas” há, nesse período, um
processo crescente de urbanização-industrialização. Cabe dizer, também, que esse processo foi
favorecido pela depressão econômica de 1929, que fez diminuir o poder de compras no exterior e
aumentou a demanda interna (CUNHA, 1991).
É no bojo dessa nova realidade que se desenvolvem as propostas educacionais
correspondentes às novas exigências sociais e que a educação começava a ser reconhecida como
uma questão nacional. A primeira delas foi a Reforma Francisco Campos, que, de 1931 a 1932,

100 “É importante observar que a esse tempo não existia nenhum grupo de expressão política oriundo dos setores

operários ou camponeses, muito embora a preocupação com os comunistas constasse das pautas das principais
lideranças políticas, provavelmente em decorrência do que se passava na Europa” (CUNHA, 1981, p. 26). No entanto,
o crescente fenômeno da urbanização-industrialização, que aconteceu após 1930, fez surgir a classe operária e a classe
média (decorrente dos quadros burocráticos, do comércio e do exército), cujo fortalecimento gradativo irá exigir
mudanças políticas.

101
efetivou-se em seis decretos. São eles: Decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931, cria o Conselho
Nacional de Educação; Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, que dispôs sobre a organização
do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitário; Decreto nº 19.852, de 11 de abril de
1931, que dispôs sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Decreto nº 19.890, de 18
de abril de 1931, que dispôs sobre a organização do ensino secundário101; Decreto nº 20.158, de 30
de junho de 1931, que organizou o ensino comercial, regulamentou a profissão de contador e deu
outras providências; Decreto nº 21.241, de 14 de abril de 1932, que consolidou as disposições
sobre a organização do ensino secundário (AZEVEDO, 1976). Embora, essas reformas não
tenham alcançado todos os ramos de ensino, tiveram o mérito de fornecer uma estrutura orgânica
para o ensino secundário, comercial e superior e de atingir, pela primeira vez, vários níveis de
ensino e se estendiam a todo o território nacional (SHIROMA et. al., 2004).
Embora o ensino primário ainda não tivesse sido contemplado nessa reforma, para Saviani
(2006b, p. 32), “dava-se um passo importante no sentido da regulamentação, em âmbito nacional,
da educação brasileira”. Com isso, pode-se dizer que, pela primeira vez no Brasil, uma reforma
atingiu profundamente a estrutura do ensino e, o que é mais importante, ocorreu uma ação
planejada e mais objetiva por parte do Estado visando uma reorganização do ensino em nível
nacional, sobretudo, no que se refere ao secundário102, comercial e universitário. Foi criado
também o Conselho Nacional e Educação, por meio do Decreto 19.850 de 11 de abril de 1931,
que aparecia como “órgão consultivo do Ministro da Educação nos assuntos relativos ao ensino”
(Art. 1º), devendo opinar “em última instância” sobre assuntos técnicos e didáticos (Art. 4º). Entre
suas atribuições legais consta a de “firmar as diretrizes gerais do ensino primário, secundário,
técnico e superior” (Art 5º). Na interpretação de Horta (2001a, p. 140), todavia, tratava-se de “um
órgão puramente consultivo, com atribuições de opinar e traçar ‘diretrizes gerais’, mas sem
nenhum poder decisório”.

101 Conforme comentários de Azevedo (1976, p. 170-171), “[...] o decreto n° 19.890 que imprimiu ao ensino
secundário a melhor organização que já teve entre nós, elevando-o de um simples ‘curso de passagem’ ou de
instrumento de acesso aos cursos superiores, a uma instituição de caráter eminentemente educativo, aumentando-lhe
para sete anos a duração do curso e dividindo-o em duas partes, - a primeira, de cinco anos, que é a comum e
fundamental, e a segunda, constituída de um curso complementar, de dois anos, destinada a uma adaptação dos
estudantes às futuras especializações profissionais”.
102 Quanto ao ensino secundário, deu-lhe conteúdo e seriação própria e criou uma política educacional voltada para o

ensino secundário como um todo. Ao acabar com a exigência dos exames oficiais “preparatório” e de “madureza”, foi
dada uma amplitude à política de oficialização das escolas privadas. Segundo Rocha (2001, p. 136-137), “agora, a todas
as escolas particulares era dada a chance de se oficializar, contando que cumprissem por completo a seriação
secundária, seguindo a regulamentação da União e submetendo-se ao controle federal [...] o que resultou numa política
de regulação e fiscalização do ensino secundário estendido tanto às escolas públicas como às particulares. Assim, todas
as escolas passaram a ter uma relação direta com o Estado (União), não mais o fazendo de forma indireta, através das
escolas oficiais locais”.

102
Em relação à administração escolar, a partir dos anos de 1930, surgem em São Paulo os
primeiros concursos públicos para o provimento do cargo de diretor. A partir daí passou a ser
enfatizada a necessidade de formação para exercício da função, dando origem aos primeiros cursos
de formação de profissionais da educação para a direção escolar e a estudos sobre à questão no
Brasil (ANDREOTTI, 2006), dentre os quais os de Anísio Teixeira (1935), Quirino Ribeiro (1838),
Carneiro Leão (1939), Lourenço Filho (1941).
Embora, para o exercício da função de administração escolar, fosse necessário apenas o
curso normal de nível médio, segundo Castro (2007, p. 200), muitos diretores dessa época já
começavam a ser formados em cursos específicos de Administração Escolar, em nível pós-médio.
A Escola de Aperfeiçoamento em Minas Gerais, criada em 22/02/1929, através do Decreto
8.987/1929, foi uma das pioneiras nessa formação. A escola além de formar professores e
administradores das escolas primárias, desenvolvia também pesquisas na área educacional, sendo
um dos pontos altos das reformas efetivadas por Francisco Campos. Conforme a autora, o curso
de Administração Escolar pode ser considerado a gênese do Curso de Pedagogia, que se deu em
1939 (Ibid., p. 201).
Em 1932, começaram os debates para uma nova reforma educacional, em correspondência
ao desenvolvimento da industrialização. O novo que surgia, porém, não estava isento dos conflitos
e contradições, que são próprios dos momentos de transição. A sociedade brasileira viveu nesse
momento um grande conflito, marcado pela luta entre o novo regime político e as velhas
oligarquias, entre a economia industrial e a economia agrícola.
Esses conflitos estenderam-se para a educação, as opiniões sobre os princípios que
deveriam orientar a educação nacional se dividiam. De um lado, os educadores católicos
defendiam o ensino religioso como matéria obrigatória nas escolas públicas, a educação
diferenciada para os sexos masculino e feminino, o ensino particular e a educação como
responsabilidade prioritária da família em relação ao Estado. De outro, os educadores que,
influenciados pelas “idéias novas”, defendiam a reorganização da estrutura do ensino, a gratuidade,
a responsabilidade do Estado em promover a educação pública, a laicidade, a co-educação etc. A
esse respeito Saviani (2010, p. 257-258), comenta:

No início dos anos 30, a principal bandeira de luta dos católicos na frente
educacional foi o combate à laicização do ensino [...] Assim, conforme os
católicos, a escola leiga preconizada pelos escolanovistas em lugar de educar
deseducava: estimulava o individualismo e neutralizava as normas morais,
incitando atitudes negadoras da convivência social e do espírito coletivo.
Somente a escola católica seria capaz de reformar espiritualmente as pessoas
como condição e base indispensável à reforma da sociedade [...]
Pela precedência da família em relação ao Estado, a visão católica defende o
direito dos pais de decidir livremente sobre a educação dos filhos. Daí a

103
contestação a outras duas bandeiras do movimento escolanovista, a gratuidade
e obrigatoriedade, entendidas como interferência indevida do Estado na
educação [...]

Portanto, o debate a respeito da laicidade, não dizia respeito apenas à exclusão do ensino
religioso das escolas públicas, mas também de o ensino da moral ser desvinculado do ensino da
religião, ou seja, o ensinamento moral seria baseado na ciência e não na religião. De acordo com
Horta (2001a), nesse período a moral religiosa volta a ocupar um papel de destaque103, pois é
considerada um instrumento importante na formação do senso de responsabilidade e de disciplina
social, capaz de garantir a preservação da hierarquia e autoridade, como também, um instrumento
de luta ideológica contra as ideologias internacionalistas e de afirmação do nacional.
Em 1932 foi lançado um documento intitulado O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
cujo objetivo era interceder junto ao governo para que fossem promovidas reformas na educação.
Redigido por Fernando de Azevedo e assinado por vinte e seis educadores e intelectuais, a sua
elaboração justificou-se, segundo os “pioneiros”, pelo fato de que os planos elaborados até aquele
momento não estiveram à altura das necessidades do país. Para eles, as reformas empreendidas
tinham sido parciais e arbitrárias, lançadas sem solidez econômica, sem visão global do problema e
sem continuidade de pensamento. Assim, o Manifesto apresentava-se como uma proposta para
corrigir o erro fundamental do sistema em vigor, ou seja, o da falta de continuidade e articulação
do ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo e que cada
um deles tivessem seu “fim em particular, próprio”. Dentre os pontos essenciais do documento,
podemos citar:

a) Gratuidade: “extensiva a todas as instituições oficiais de educação; é um princípio igualitário


que torna a educação acessível a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em
condições de recebê-la”;
b) Obrigatoriedade: “deve se estender progressivamente até a idade conciliável com o trabalho
produtor, isto é, até os 18 anos”;
c) Laicidade: “coloca o ambiente escolar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o
dogmatismo sectário”;
d) Co-educação: direito de cada um à educação, seja homem seja mulher, “pondo-os no mesmo
pé de igualdade”, independente de grupos sociais, classes ou crenças;

103Conforme Cunha (1981, p. 84), Vargas precisava do apoio dos católicos para equilibrar o jogo de forças, diante dos
diversos grupos que disputavam a primazia do poder, no período pós-revolução. Foi nessa época que a Igreja, após
vários anos de luta conseguiu ser reconhecida pelo Estado, o que lhe valeu a ampliação de seu raio de ação e decisão.

104
e) Unificação: a escola unificada “não permite entre alunos de um e de outro sexo outras
separações que não sejam as que aconselham sua aptidão psicológica e profissionais,
estabelecendo em todas as instituições ‘a educação comum’ ou co-educação”;
f) Universalização: a educação deve ser uma função essencialmente pública, constitui-se num
direito de cada indivíduo. O dever de realizá-la cabe ao Estado, com a cooperação de todas
as instituições sociais. Cabe aos estados federados organizar, custear e ministrar o ensino
em todos os graus, de acordo com os princípios e normas gerais estabelecidos na
Constituição e em leis ordinárias pela União, a quem compete uma ação supletiva onde
quer que haja deficiência de meios, e a ação fiscalizadora, coordenadora e estimuladora
pelo Ministério da Educação (MANIFESTO..., 1960, p. 115).

Chegou-se, por esta forma, ao princípio da escola pública para todos, escola comum, única,
obrigatória, a todas as crianças, ao menos na idade de 7 a 15 anos (Ibid., p. 115). O Manifesto
representou, portanto, a reivindicação de mudanças totais e profundas na estrutura do ensino
brasileiro, em consonância com as novas necessidades de desenvolvimento da época. Ao criticar a
variedade dos sistemas escolares regionais e a organização dual do sistema educacional vigente, ou
seja, que se dividia em dois subsistemas, o ensino primário e profissional para os pobres e o ensino
secundário e superior para os ricos, o Manifesto propunha a superação de toda a seletividade social
por meio da escola única, que a todos se dirigia. Sugeria-se a substituição do sistema em vigor por
outro de estrutura unificada com base num plano sistemático, dominado pelos princípios e normas
gerais fixadas pela União. Em linhas gerais, a proposta pode ser assim descrita:

a) Na base do sistema, está a escola infantil ou pré-primária, maternais e jardins da infância


(de 4 a 6 anos) e as escolas primárias (de 7 a 12 anos);
b) A escola secundária unificada (12 a 18 anos), para evitar a separação entre trabalhadores
manuais e intelectuais, o qual seria assim organizado: uma base de cultura geral comum de
03 anos - para posterior bifurcação (dos 15 aos 18); um ensino diversificado, em sessão de
especialização para atividades de preferência intelectual (humanidades, ciências físicas e
matemáticas, ciências químicas e biológicas) ou sessão de preferência manual, destinadas a
preparação profissional (cursos de caráter técnico): a) de agricultura, de minas e pesca
(extração de matérias-primas); b) industriais e profissionais (elaboração de matérias
primas); c) de transporte, comunicações e comércio (distribuição de produtos elaborados);
c) O ensino superior (a partir dos 18 anos), inteiramente gratuita como as demais, deveria ser
mais diversificado, uma vez que a educação no Brasil estivera, até então, exclusivamente a
serviço das profissões liberais (engenharia, medicina e direito). No documento, propunha-

105
se a criação de faculdades de ciências econômicas e sociais, ciências matemáticas, físicas e
naturais, filosofia e letras, para formar profissionais para as carreiras liberais, profissões
técnicas e profissionais da educação em todos os níveis de ensino, bem como
pesquisadores em todos os ramos do conhecimento. A sua organização em Universidades
era necessária e urgente, para que se elaborassem e difundissem conhecimentos científicos,
tendo em vista a solução dos problemas brasileiros;
d) Criação de fundos escolares especiais destinados à manutenção e desenvolvimento da
educação para todos os graus, além de outras rendas e recursos especiais e de uma
porcentagem da renda arrecadada pela União, pelos estados e pelos municípios;
e) Fiscalização de todas as instituições particulares de ensino;
f) Desenvolvimento das instituições de educação e de assistência física e psíquica à criança
em idade pré-escolar (creches, escolas maternais e jardins da infância) e de instituições
complementares pré-escolares e pós-escolares (praça de esportes, clínicas escolares,
museus escolares, rádio e cinema educativo, conselhos escolares, etc);
g) O ensino deveria estender a obrigatoriedade até 18 anos e a gratuidade para todos os graus
(Ibid., p. 115-122).

Nesse sentido, o Manifesto representou um esforço de reflexão sobre os problemas da


educação brasileira manifestos na época. Resultante das mudanças econômicas e sociais
vivenciadas pelo país, para Saviani (2006b, p. 33-34), ele “emerge como uma proposta de
construção de um amplo e abrangente sistema nacional de educação pública”.
Naquele momento, esse era o grande desafio a ser enfrentado. A posição dos renovadores
encontra apoio na retórica governamental, conforme podemos observar nos seguintes trechos da
mensagem apresentada por Vargas à Assembléia Constituinte, no ato da sua instalação, em 1933,
que, reconhecendo o problema, afirmava que:

[...] Todas as grandes nações, assim merecidamente consideradas, atingiram nível


superior de progresso, pela educação do povo. Refiro-me à educação, no seu
significado amplo e social do vocabulário: física e moral, eugênica e cívica,
industrial e agrícola, tendo, por base, a instrução primária de letras e a técnica e
profissional.
Nesse sentido, até agora, nada temos feito de definitivo e orgânico. Existem
iniciativas parciais em alguns Estados, embora incompletas e sem sistematização
[...] A verdade é dura, mas deve ser dita. Nunca, no Brasil, a educação nacional
foi encarada de frente, sistematizada, erigida, como deve ser, em legítimo caso da
salvação pública.
O problema da educação dos povos continua a ser, ainda sempre, o nosso
magno problema. No momento em que se vai reorganizar a vida política do país,
torna-se de evidente oportunidade lembrá-lo e trazê-lo à consideração da
Assembléia Nacional Constituinte, que, certamente, procurará dar-lhe solução

106
completa e definitiva. Não temos o direito de postergar indefinidamente essa
solução [...] (INEP/MEC, 1987, p. 123-128).

Em relação aos aspectos quantitativos, o pronunciamento de Vargas oferece-nos dados


sobre o ensino primário, com base nos informes obtidos pelo Ministério da Educação em 1931,
demonstrando a situação precária da educação brasileira. De acordo com suas palavras:

Ensino geral, 20.918 escolas públicas e 7.632 particulares, com 54.337


professores, 2.020.931 alunos matriculados, 1.564.522 freqüentes e 122.458 que
terminaram o curso. Além dessas, havia mais 620 escolas de ensino semi-
especializado e especializado, com 3.960 professores, 59.416 alunos
matriculados, 49.521 em freqüência e 4.980 que concluíram o curso.
Levando em conta somente o que diz respeito aos alunos dos cursos primários
de ensino geral, que é o assunto precípuo destas considerações, verificam-se os
seguintes resultados proporcionais, de acordo com os elementos definitivos de
1931: habitantes - por escola 1.448, por docente 763, por aluno matriculado 21,
por aluno freqüente 27, por aluno que concluiu o curso 338; alunos por escola:
matriculados 71, freqüentes 55, que concluíram o curso 4; de 1.000 alunos
matriculados, foram freqüentes 774 e chegaram ao final do curso 61; de 1.000
alunos freqüentes, foram aprovados apenas 78 nos exames finais.
Nas condições atuais, a capacidade teórica do nosso aparelho escolar, para o
ensino primário, não pode ir além de 10% da massa demográfica. Segundo o
cálculo de 40 milhões para a nossa população, deveríamos contar 4 milhões de
educandos. As estatísticas, consignando a matrícula de mais de 2 milhões,
demonstram um desenvolvimento superior a 50% da população total, como
curva representativa do estudo das primeiras letras.
Não é tão favorável, no entanto, como poderia parecer, à primeira vista, a
significação exata desse índice.
Os dados estatísticos vêm contrabalançá-lo, patenteando dolorosas surpresas: de
todos os alunos matriculados apenas 77% auferem, de fato, os benefícios da
escola e conseguem a completa educação do primeiro grau, ainda assim tão falha
e desigual, na insignificante quota de 6% Os restantes que freqüentam as escolas
não vão, em geral, além do segundo período de estudos.
De modo mais frisante, pode-se determinar que, entre 1.000 brasileiros aptos
para receberem a educação cultural elementar, 513 não ingressam na escola e dos
487 restantes 110 matriculam-se, mas não freqüentam os cursos; 178 freqüentam
o primeiro ano de estudos, não chegando bem a 1er; 85 freqüentam somente até
o segundo ano, alfabetizando-se muito superficialmente; 84 vão um pouco além,
mas não chegam a concluir os estudos; e apenas 30 adquirem integralmente a
instrução elementar comum, assim mesmo em condições de grande desigualdade
de aproveitamento e reconhecida eficiência, atinente à profundidade do ensino,
que não se prolonga, em média, além de três anos, com todas as lacunas
pedagógicas da maior parte das escolas do interior (INEP/MEC, 1987, p. 127).

As palavras do presidente Vargas revelam a necessidade de uma nova política educacional.


Em resposta aos desafios enfrentados, as propostas dos renovadores se repercutiram na
Constituição de 1934. Dentre elas: a participação da União em todos os ramos e níveis de ensino;
o direito à educação; a ação supletiva da União em auxílio dos estados e municípios e a aplicação
de recursos públicos em educação, conforme veremos a seguir.

107
2.1 A Educação na Constituição de 1934

A Constituição de 1934, embora revelasse pontos contraditórios, pois era expressão dos
interesses dos reformadores e dos católicos, deu bastante ênfase à educação, à qual foi dedicado
um capítulo (Cap. II). Os católicos conseguiram enfraquecer os projetos de neutralidade e
laicidade do ensino: o ensino religioso foi (re) inserido nas escolas públicas, por ser considerado
como relevante para a formação moral da juventude (formação do senso de responsabilidade e
disciplina); a liberdade de ensino foi mantida; os estabelecimentos particulares foram reconhecidos
e a isenção de impostos de estabelecimentos privados de ensino.
Essas medidas conservadoras foram contrabalançadas por outras de caráter progressista.
Incumbiu-se a União de “fixar o Plano Nacional de Educação104, comprehensivo do ensino de
todos os graus e ramos, communs e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em
todo o território do paiz” (Art. 150); de estabelecer as diretrizes da educação nacional (Art. 151)
(CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p. 562). Na interpretação de Paiva (1987, p. 124),
pela primeira vez, desde o Ato Adicional, a autorização de uma política nacional de educação se
tornou lei. Aos Estados, segundo este mesmo artigo, competia organizar e manter os seus sistemas
educacionais, respeitando as diretrizes definidas pela União.
A Constituição também definiu que o ensino primário deveria ser obrigatório e gratuito,
instituiu a tendência à gratuidade para o ensino secundário e superior (Art. 150, parágrafo único),
tornou obrigatório o concurso público para o provimento de cargos no magistério (Art. 158)
(Ibid., p. 563); determinou, como obrigação do Estado, a fiscalização e regulamentação das
instituições de ensino público e particular (Art. 150); criou o Conselho Nacional e Estadual de
Educação (Art. 152)105 (Ibid., p. 562); determinou dotações orçamentárias para o ensino nas zonas
rurais e, finalmente, determinou que a União e os Municípios deveriam aplicar no mínimo 10% do
orçamento anual para a educação, e os Estados e o Distrito Federal, nunca menos de 20% (Art.
156) da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento dos sistemas educativos
(Ibid., p. 563). Este foi um de seus aspectos mais significativos.

104
Em 17 de maio de 1937, o Plano Nacional de Educação, elaborado pelo Conselho Nacional da Educação, foi
encaminhado à Presidência da República, contendo 504 artigos, se autodeterminava de “código de educação nacional”
(SAVIANI, 2008b). Em setembro foi levado à Câmara onde suscitou intensos debates. No entanto, dois meses depois
Vargas dissolveu o congresso e instituiu o Estado Novo. Após o golpe o Plano foi abandonado (SILVA, 1980, p. 20-
21).
105 Embora este Conselho já existisse, tendo sido criado pelas Reformas de Francisco Campos em 1931, a Constituição

de 1934 previa sua existência e sua organização na forma da lei, com função precípua de “elaborar o plano nacional de
educação”. No entanto, após a promulgação da Constituição, conforme Horta (2001, p. 141), o Conselho apareceria
como um órgão técnico, de natureza consultiva e não deliberativa.

108
Quanto ao princípio da laicidade, o Art. 153 determinava: “o ensino religioso será de
frequencia facultativa e ministrado de acôrdo com os princípios da confissão religiosa do alumno,
manifestada pelos paes ou responsaveis, e constituirá materia dos horarios nas escolas publicas
primarias, secundarias, profissionais e normaes” (Ibid., p. 563). A inclusão desse artigo na
Constituição reflete a influencia do pensamento católico.
Assim, a Constituição de 1934 inaugura claramente uma nova política nacional em matéria
de educação, especialmente no que diz respeito ao papel da União. No entanto, essa realidade
sofrerá alterações significativas durante o Estado Novo.

2.2 A Educação no Estado Novo

O período de 37 a 45 foi denominado de Estado Novo106, cujo governo, de natureza


ditatorial, centralizadora, antiliberal e antidemocrática, teve à frente Getúlio Vargas. As ações
centralizadoras e a política intervencionista do Estado na área econômica e social, visando um
controle mais incisivo da economia nacional, também decorrem dos efeitos da crise de 1929. Uma
ideologia nacionalista orientaria essa política de intervenção na economia (CUNHA, 1981, p. 42).
Em correspondência a essa forma do Estado, a Constituição de 1937 diferiu em essência
das constituições republicanas anteriores, porque dispensava o sistema representativo, enquadrava
os demais poderes no executivo, acabava com o federalismo, com a relativa autonomia dos
governos estaduais, com as liberdades individuais, com a pluralidade partidária, com a organização
sindical ou associações desvinculadas do sistema oficial, etc.
Essas características do regime político iriam se refletir na educação, uma vez que, ao
corresponder à tendência centralizada e autoritária do governo, produziu a uniformização das
diretrizes educacionais, especialmente devido à intervenção direta nos governos estaduais, por
meio da qual os governadores são substituídos por interventores.

106Segundo Andreotti (2006, p. 104), “O Golpe de Estado, em 1937, que instalou o Estado Novo, foi justificado pela
necessidade de se manter a ordem institucional contra os regionalismos, herança do período anterior, contra as
divergências entre os grupos dominantes - setores agrários e burguesia industrial - e contra as manifestações das forças
de oposição, como por exemplo, a Intentona Comunista em 1935”. No dia 10 de novembro, tropas do exército
cercaram o Congresso, Getúlio reuniu seu ministério e leu a nova Constituição, que a muito vinha sendo preparada
por Francisco Campos (CUNHA, 1981, p. 29).

109
2.2.1 A Educação na Constituição de 1937

Ao contrário da Carta de 1934, produzida por uma Assembléia Nacional Constituinte eleita
pelo povo, a Lei Maior de 1937, elaborada por Francisco Campos e outorgada por Vargas, foi
imposta ao país como ordenamento legal do Estado Novo.
No que diz respeito à educação a Constituição atenuava o impacto de algumas conquistas,
sobretudo quanto ao dever do Estado. Com isso, a ênfase foi deslocada para a liberdade da
iniciativa privada. De acordo com o Art. 128, “A arte, a ciência e o seu ensino são livres à iniciativa
individual e à de associações ou pessôas coletivas, públicas e particulares” (CAMPANHOLE e
CAMPANHOLE, 1979, p. 462).
A Carta de 37 inverteu as tendências democratizantes da Carta de 34. É interessante
compararmos trechos dos textos legais:

1934 – Art. 149: A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela familia e
pelos poderes publicos, cumprindo a estes proporcional-a a brasileiros e
estrangeiros domiciliados no paiz, de modo que possibilite efficientes factores da
vida moral e economica da Nação, e desenvolva num espirito brasileiro a
consciencia da solidariedade humana (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE,
1979, p. 562).

1937– Art. 125: A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural
dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira
principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e
lacunas da educação particular (Ibid., p. 455).

Em sua legislação máxima, o governo central se desincumbiu e assumiu apenas um papel


subsidiário da educação pública. O ordenamento relativamente progressista alcançado em 34,
quando a letra da lei determinou a educação como direito de todos e obrigação dos poderes
públicos, desapareceu no texto de 37, o qual desobrigou o Estado de manter e expandir o ensino
público.
Também a gratuidade de ensino, assegurada na Carta de 34, não recebeu a mesma ênfase
na Constituição de 1937:

1934 – Art. 150: Parágrafo único – a) ensino primario integral gratuito e de


frequencia obrigatória, extensivo aos adultos; b) tendencia á gratuidade do ensino
educativo ulterior ao primario, afim de o tornar mais accessivel (Ibid., p. 462)

1937 – Art. 130: O ensino-primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade,


porém, não exclue o dever de solidariedade dos menos para com os mais
necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem,
ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição
módica e mensal para a caixa escolar (Ibid., p. 456).

110
Comentando a Carta de 37, Ghiraldelli Jr (1990, p. 82) afirma:

Com o artigo 130 o Estado Novo forneceu indícios de não desejar carrear os
recursos públicos provindos dos impostos para a democratização das
oportunidades de educação para a população. Pelo contrário, deixou transparecer
a intenção de que os mais ricos, diretamente, é que deveriam financiar a
educação dos mais pobres. Institucionalizou-se, assim, a escola pública paga e a
esmola obrigatória através da caixa escolar.

A Carta de 37 demonstrava que não havia interesse do Estado em fornecer à população


uma educação geral através de uma rede de ensino público e gratuito. Pelo contrário, nela se
reproduzia um explícito dualismo educacional: os ricos poderiam prover seus estudos através do
sistema público ou particular e os pobres ficavam à mercê da contribuição dos ricos. De fato, a
eles se destinava o ensino profissionalizante. No Artigo 129 determinou como primeiro dever do
Estado assegurar o ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas
(Ibid., p. 456). Com isso, o incentivo dado às classes menos favorecidas para procurarem a escola
pública foi condicionado à opção delas pelo ensino profissionalizante e estava sujeito à
participação das indústrias e sindicatos para a criação desse tipo de escola.
Ou seja, a Constituição de 1937 modificava substancialmente a situação anterior, uma vez
que limitava a ação do Estado quanto à educação. O artigo 129 é bem claro a esse respeito:

À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em


instituições particulares, é dever da Nação dos Estados e dos Municípios
assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus
graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades,
aptidões e tendências vocacionais.
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é,
em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpri-lhe dar execução a
esse dever, fundando institutos de ensino profissional subsidiando os de
iniciativas dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações
particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos crear, na esfera de sua
especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou
de seus associados. A lei regulará o cumprimento dêsse dever e os poderes que
caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e
subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público (Ibid., p. 456).

Aquilo que, na Constituição de 1934, era um dever do Estado adquire, na Constituição de


1937, o aspecto de uma ação meramente supletiva.
Enquanto a Constituição de 34 determinava à União e aos municípios a aplicação de no
mínimo 10%, aos Estados e ao Distrito Federal, a aplicação de nunca menos de 20% da renda dos
impostos no sistema educativo, a Carta de 37 simplesmente não legislou sobre dotação

111
orçamentária para a Educação. Enquanto a Carta de 34 exigia concurso público para o magistério
oficial, a Constituição de 37 desconsiderou tal questão.
Em relação ao princípio da laicidade, a qual se concretiza principalmente na exclusão do
ensino religioso das escolas, a Constituição de 37 não apontou para mudanças, o Art. 133
estabelecia que: “O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das
escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos
mestres ou professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos (Ibid., p. 456-457).
Na interpretação de Horta (2001, p. 151), isso ocorre porque, “o ensino religioso era, ao mesmo
tempo, um instrumento de formação moral da juventude, um mecanismo de cooptação da Igreja
Católica e uma arma poderosa na luta contra o liberalismo no processo de inculcação dos valores
que constituíam a base ideológica do pensamento político autoritário”. Também ocorre porque,
durante o Estado Novo, cresce a influência católica na política.
As omissões da Carta de 37 dizem muito do espírito da época, quando os debates foram
paralisados e as medidas passaram a ser tomadas sob a orientação de técnicos que apoiavam o
novo regime. Além disso, a política educacional do Estado Novo, ao se “distanciar”107 com o
pensamento educacional formulado pelos renovadores, acarretou conseqüências decisivas para o
ensino público. Por exemplo, favoreceu a expansão do setor secundário privado, a dimensão
pública restringiu-se às funções de regulamentação e fiscalização, a própria organização do ensino,
por possuir um caráter centralizador e por manter o sistema dual de ensino, ficou distante do
projeto escolanovista. À medida que, de um lado, existia o ensino primário vinculado às escolas
profissionais para os pobres e, de outro, para os ricos, o ensino secundário articulado ao ensino
superior, para o qual preparava o ingresso.
A ênfase à educação técnica e profissional também marcou a nova política, erigindo como
dever do Estado, em decorrência das necessidades sentidas pelo desenvolvimento industrial, pela
da diversificação da produção e da força de trabalho. Essa educação, voltada para a preparação de
mão-de-obra especializada para a indústria e comércio, era direcionada para as classes menos
favorecidas, conforme o Art. 129 da Constituição: “o ensino pré-vocacional e profissional

107 Esse “distanciamento” é uma questão controversa. Isso porque, muitos além de ser favoráveis às políticas

educacionais do Estado Novo irão ocupar cargos da administração pública, a exemplo de Lourenço Filho e Fernando
de Azevedo. Segundo Rocha (2001, p. 134-135), “explicamo-nos: a despeito de o Estado Novo ter rompido
doutrinariamente com o pensamento educacional formulado pelos renovadores, o regime autoritário não dispensou a
colaboração de muitos de seus líderes e formuladores daquele movimento modernizador da educação, que teve ampla
atuação como ator político-educacional na primeira metade dos anos de 1930. Isso, significa dizer que, o “receituário”
escolanovista, especialmente do ponto de vista pedagógico, se fará presente em algumas legislações, a exemplo das
Leis Orgânicas do Ensino”. O próprio Fernando de Azevedo ao tecer comentários sobre a Constituição de 37 afirmou
que ela não só seguiu “as tendências já consagradas na Carta de 1934”, como também pode ser considerada como “a
mais democrática e revolucionária das leis que se promulgaram em matéria de educação” (AZEVEDO, 1976, p. 194-
195).

112
destinado às classes menos favorecidas è, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado”
que, por sua vez, ficava incumbido de fundar “institutos de ensino profissional” e subsidiar “os de
iniciativa dos Estados, dos municípios e dos indivíduos ou associações particulares e
profissionais”. As indústrias e sindicatos, por sua vez, deveriam criar “na esfera de sua
especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados.
A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas escolas,
bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público”
(CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p. 456). Na interpretação de Azevedo (1976, p. 194),
a Constituição inaugura, assim, “o regime de cooperação entre as indústrias e o Estado”.
Ao destinar o ensino profissional “às classes menos favorecidas” esse artigo da
Constituição, oficialmente, fazia da escola um lócus de discriminação social e deixava transparecer o
caráter dual que marcaria a política educacional do Estado Novo, contrastando a educação popular
da educação destinada às elites condutoras, conforme podemos observar claramente nas reformas
do ensino empreendidas a partir de 1942. Importa destacar que essa concepção divergia da
preconizada pelos pioneiros, que defendiam a escola única.
A preocupação com o ensino cívico, que já se esboçava no período anterior, também
ganhou relevância durante o Estado Novo. O Art. 131, assim previa: “a educação física, o ensino
cívico e os trabalhos manuais, serão obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e
secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autoriza ou reconhecida
sem que satisfaça aquela exigência” (Ibid., p. 156).
A exaltação da nacionalidade tornou-se um componente essencial dentro da política
educacional desse período. A estratégia governamental era buscar impedir a veiculação de ideias
contrárias à ordem constituída. A educação, portanto, compunha um elemento estratégico
fundamental de combate a subversão ideológica108 e coibir os “fatores de desagregação” do país.
Com parte dessa política teve início a campanha de nacionalização do ensino nos núcleos de
colonização estrangeira109 e da adaptação ao meio nacional dos brasileiros descendentes de
estrangeiros. Conforme Silva (1980, p. 43):

108 Conforme entrevista concedida em dezembro de 1938, Vargas declarou que “a educação da mocidade nos
preceitos básicos estabelecidos pelo novo Estado será um elemento, não só eficaz, como até decisivo na luta contra o
comunismo e outras ideologias que pretendam contrariar e subverter o ideal de nacionalidade e as nossas inspirações
cívicas, segundo as quais a juventude, agora mais do que nunca será formada” (Apud, PAIVA, 1987, p. 132). Assim,
para a autora, “[...] pela primeira vez a luta ideológica através dos canais da educação torna-se realidade clara no país,
realidade essa que estará presente na via brasileira educativa até nossos dias [...]” (Ibid., p. 132).
109
O governo federal publicou, em 4 de maio de 1918, o Decreto n° 13014, no qual demonstrava certa disposição em
desenvolver uma ação nacionalizadora nas escolas. Porém, após 1937, essa política é retomada e as escolas estrangeiras
foram obrigadas a modificar seus currículos e ministrar aulas na língua portuguesa, ficando proibido o uso da língua
estrangeira. As escolas que se recusaram a cumprir as determinações legais foram fechadas. Segundo Azevedo (1976,
p. 198), “[...] essa obra de nacionalização, em mais larga escala, o governo empreendeu com vigor e conduziu

113
Esse trabalho de adaptação, devia realizar-se pelo ensino e “pelo uso da língua
nacional, pelo cultivo da História do Brasil, pela incorporação em associações em
caráter patriótico e, por todos os meios que possam contribuir para a formação
de uma consciência comum”. Especialmente ao Ministério da Educação e Saúde,
cabia promover a criação de escolas nas regiões onde fosse muito grande o
numero de descendestes estrangeiros. Devia, ainda, subvencionar as escolas
primárias de núcleos coloniais criadas por sua iniciativa, favorecer as escolas
primárias e secundárias fundadas por brasileiros, orientar o preparo e
recrutamento dos professores, estimular a “criação de organizações patrióticas”
que se destinassem à educação física e vigiar o ensino de Línguas e da Geografia
e História do Brasil. Nenhuma escola, poderia ser dirigida por estrangeiros, salvo
alguns casos permitidos em lei e à exceção também de “congregações religiosas
especializadas que mantinham institutos em todos os países sem relação alguma
com qualquer nacionalidade.

A política educacional também será marcada pelo crescimento da escolarização. Segundo


Fernando de Azevedo (1986, p. 226), de 1930 a 1950 há um crescimento numérico do ensino
primário e secundário jamais registrado no país. A tendência da expansão do ensino nos é
demonstrada por ele (1976, p. 199) quando diz que,

[...] nos últimos dez anos, demonstra, como já assinalou Lourenço Filho, um
desenvolvimento notável das escolas primárias que, de 27 mil, em 1932,
passaram a mais de 40 mil escolas primárias em 1939, elevando-se, em oito anos,
de 56 mil a cerca de 78 mil o número de professores em serviço nas 40 mil
escolas do país, com três milhões e meio de alunos inscritos. Não foi ainda
menor, guardadas as devidas proporções, a expansão quantitativa do ensino
secundário que, em dez anos, tiveram um crescimento superior ao que se
processara, em um século [...]

Ou ainda, segundo Paiva (1987, p. 133):

[...] O Estado Novo se inicia com mais de 30.000 escolas em todo o país e uma
matrícula de cerca de 2.500.000 alunos, em conseqüência da expansão das redes
estaduais e municipais durante a Segunda República; no final do Estado Novo
esses totais beiravam a 40.000 unidades escolares e cerca de 3.5000.000
matrículas iniciais (chegando a alcançar quase 3.000.000 matrículas efetivas),
passando o total do corpo docente de menos de 70.000 a mais de 80.000
professores, demonstrando que a difusão do ensino primário nos período fora
um pouco superior aos períodos anteriores da nossa história.

Isso decorreu da intensificação do desenvolvimento industrial no Brasil e do crescimento


dos centros urbanos, que modificou profundamente as aspirações sociais e matéria de educação e
aumentou a demanda pela escola, numa pressão cada vez mais forte pelo acesso ao ensino.

metodicamente, quer amparando a iniciativa dos estados, como no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São
Paulo e Espírito Santo, onde, desde 1937 a 1941, foram fechadas 774 escolas particulares ‘desnacionalizantes’ e
substituídas por 885 escolas públicas, abertas nos mesmos locais [...]”.

114
Ainda, segundo Paiva (1987, p. 115), o aumento do crescimento das escolas elementares se
fez no meio rural. Segundo ela, “em 1937 das 29.406 escolas existentes no país, 26.638 (90,58%)
eram isoladas, típicas do meio rural”. A difusão da educação rural também foi parte da política
educacional do Estado Novo, dando continuidade à política da Segunda República, a finalidade era
levar assistência sanitária ao campo, fornecendo preceitos de higiene e civilidade e, mediante a
incapacidade das cidades de absorção de toda mão-de-obra, estimular o sertanejo a permanecer no
campo e conter a migração rural-urbano (Ibid., p. 129).
Em síntese, a educação compunha o quadro estratégico do governo com vistas a
equacionar a “questão social” e do combater à subversão ideológica (Ibid., 132).
Entretanto, cabe dizer que, a elevação no numero de matrícula não eliminava a
precaridade, o atendimento quantitativo mantinha-se deficitário, ou seja, “em 1937, com uma
população escolar de mais de 7.000.000 (entre 7 a 12 anos) o atendimento escolar ia pouco além
das 2.600.000 crianças, correspondendo a pouco mais de 37%. Até o final do Estado Novo tais
índices se elevam ligeiramente, em virtude do apelo aos Interventores para que favorecessem a
difusão do ensino primário” (Ibid., p. 115). Essa expansão, sem contar com a subvenção federal, à
exceção dos Estados onde se fazia necessário substituir escolas “estrangeiras” por escolas
nacionais, foi desigual, variando entre os Estados os recursos investidos e os resultados obtidos
(Ibid., p. 133).
Concomitantemente, a expansão da escolarização, a formação de professores e
administradores ganha relevância. Dentre as iniciativas que revelam a preocupação em qualificar os
profissionais da educação, em especial os que iriam ocupar os cargos de administração (inspetores,
delegados de ensino, diretores de escola), podemos citar: a inclusão da disciplina de “Organização
Escolar” no currículo da Escola Normal de São Paulo (1931). A Escola Normal foi alçada a
Instituto Pedagógico, de nível médio, em 1931, por Lourenço Filho, então Diretor Geral da
Instrução Pública, com o objetivo de aperfeiçoar professores diplomados nas escolas normais do
Estado, incluindo uma cadeira referente à Administração Escolar. E, em 1933, é transformado em
Instituto de Educação, por proposição de Fernando de Azevedo, que ocupava o cargo de Diretor
do Departamento de Educação do Estado de São Paulo, configurando-se numa escola na qual os
professores recebiam formação de nível superior. O seu funcionamento foi dividido em dois
níveis:

[...] funcionavam no primeiro as escolas de aplicação, seguindo a tendência


inaugurada por Lourenço Filho: Jardim da Infância, Escola Primária e Escola
Secundária (em dois ciclos, Fundamental e Complementar), condição de acesso à
Escola de Professores. O segundo nível correspondia à Escola de Professores,
com modalidades de estudos superiores: Formação de Professores Primários;
Formação de Professores Secundários; Formação de Diretores Escolares;

115
Formação de Inspetores Escolares; de Aperfeiçoamento (EVANGELISTA,
2003, p. 29).

Surgem, também, as propostas de criação das Faculdades de Educação, visando a


formação de profissionais qualificados110. Segundo Castro (2007, p. 201), o Decreto-Lei nº
19.851/1931, que estabelecia normas gerais para a criação das universidades, propunha no Art. 196
a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras.
Em 1934, com a fundação da Universidade de São Paulo foi criada a Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras e o Instituto de Educação foi a ela incorporado. Segundo Andreotti
(2006, p. 115),

a formação superior para professores de escola secundária, que, até então,


vinham sendo formados nos cursos superiores existentes, na escola
normal e nos ginásios do Estado. O Instituto de Educação foi absorvido
pela recém criada Universidade e a cadeira de Administração Escolar, com
dois anos de duração, passou a fazer parte de um curso de especialização
para administradores escolares, sob a regência de Roldão Lopes de Barros,
considerado o fundador dos estudos de administração escolar em São
Paulo.

Em 1937, alterações propostas no Regulamento do Instituto de Educação, deu origem ao


projeto de criação da Faculdade de Educação da USP. Conforme Evangelista (2003, p. 37), uma
nova instituição estava surgindo, ao ser proposta a criação de um Instituto de Pesquisas
Educacionais, de um Centro de Documentação e Informação Pedagógica. A proposta previa a
reorganização na oferta dos cursos envolvendo trabalhos práticos e pesquisas e a oferta de cursos
de Administradores Escolares, de Formação de Professores Secundários e de Formação de
Professores Primários, mas a Inovação maior correspondia a oferta da “Licenciatura em Educação,
para ‘formação pedagógica superior tanto geral como em determinadas especialidades, aos que se
destinam ao professorado das escolas normais e a postos de inspeção e administração do ensino
secundário’ concedendo a Licença em Educação”.
Em novembro de 1937, Fernando de Azevedo o Conselho Universitário aprovou o
anteprojeto e o transmitido ao Secretário de educação e Saúde Pública. Em junho de 1938, com a
instauração do Estado Novo, ocorre a extinção desse Instituto. Segundo Evangelista (2003, p. 40),
a extinção pode ser atribuída divergências políticas entre católicos e renovadores, especialmente ao
fortalecimento da Igreja Católica nesse momento. Para a autora “[...] o fechamento do Instituto e a
concomitante transferência de suas atribuições à FFCL, sob a direção de um católico - Alexandre

110
Cabe ressaltar que na perspectiva do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), o nível superior era visto
como a instância mais adequada para abrigar a formação os profissionais da educação.

116
Corrêa -, poderia garantir a difusão da moral cristã, como também um mercado que se afigurava
fugitivo diante da defesa da escola pública e laica”.
Em 1935, o mesmo ocorreu no Rio de Janeiro com a criação da Universidade do Distrito
Federal, por iniciativa de Anísio Teixeira. Entre os órgãos constitutivos figuravam o Instituto de
Educação, tendo como um dos seus fins promover a formação do magistério primário, do futuro
técnico em educação e demais especialistas (CASTRO, 2007, p. 201), como também “concorrer
como centro de documentação e pesquisa, para a formação de uma cultura pedagógica nacional”.
Esse Instituto ficaria incorporado à Universidade pela então Escola de Professores, que passaria a
ser denominada Escola de Educação (SAVIANI, 2008a, p. 34). Esta Universidade também foi
extinta em 1939, pelo Decreto nº 1.093, de 20 de janeiro, que a incorporou “seus cursos à
Universidade do Brasil, organizada pela Lei nº 452, de 5 de julho de 1937, por iniciativa do
ministro da Educação, Gustavo Capanema” (Ibid., p. 35).
Embora abortadas essas duas primeiras experiências de formação de professores em nível
superior, essas iniciativas não apenas marcaram a fundação das primeiras universidades no Brasil e
das duas primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, mantidas pelo Estado, como
também propiciaram a criação dos cursos de Pedagogia, por meio do Decreto-Lei 1.190, de 4 de
abril de 1939111. Segundo Saviani (2008, p. 38-39), o referido Decreto, “ao organizar a Faculdade
Nacional de Filosofia, estruturou-a em quatro seções: filosofia, ciências, letras e pedagogia,
acrescentando, ainda, a de didática, considerada ‘seção especial’”. Esses cursos teriam a duração de
três anos. Concluído este período, caso os bacharéis desejassem lecionar, deveriam eles ainda
cursar mais um ano de Didática (geral e especial) e à Prática de Ensino. Esta prática de formação
de professores, adotado na organização dos Cursos de Licenciatura (Ciências Humanas, Sociais,
Naturais, Letras, Matemática, Química e Física) e de Pedagogia112, tornou-se conhecida como o
como “esquema 3+1”.
Do currículo do curso de Pedagogia, ao lado de disciplinas como didática, história da
educação, psicologia educacional, sociologia da educação, filosofia da educação, educação
comparada, prática de ensino, dentre outras, fazia parte a de administração escolar. O curso de

111
Segundo o Parecer 5/2005 CNE/CP, o curso de Pedagogia “foi definido como lugar de formação de “técnicos
em educação”. Estes eram, à época, professores primários que realizavam estudos superiores em Pedagogia para,
mediante concurso, assumirem funções de administração, planejamento de currículos, orientação a professores,
inspeção de escolas, avaliação do desempenho dos alunos e dos docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico
da educação, no Ministério da Educação, nas secretarias dos estados e dos municípios”.
112 “A dicotomia entre bacharelado e licenciatura levava a entender que no bacharelado se formava o pedagogo que

poderia atuar como técnico em educação e, na licenciatura, formavas e o professor que iria lecionar as matérias
pedagógicas do Curso Normal de nível secundário, quer no primeiro ciclo, o ginasial - normal rural, ou no segundo”
(MEC/CNE, 2005, p. 3).

117
Pedagogia destinava-se a formar bacharéis (técnicos de educação) e licenciados para várias áreas.
Essa estrutura prevaleceu até a aprovação da primeira LDB, em 1961 (SAVIANI, 2008a).
Com a criação desses cursos são diplomados no Brasil os primeiros professores licenciados
para o ensino secundário, cujos quadros docentes eram constituídos, até então, de egressos de
outras profissões e autodidatas.
É interessante destacar, ainda, que nessa fase foram incentivados os estudos técnicos,
sendo criado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)113 em 1938, com o objetivo de
realizar estudos e pesquisas educacionais.
Em síntese, a política educacional do Estado Novo foi marcada pela exaltação da
nacionalidade, pelas críticas ao liberalismo, pelo anticomunismo e pela valorização do ensino
técnico-profissional, como meio de preparação de mão-de-obra qualificada para a indústria, o
comércio e a agricultura. Essa ideologia educacional se concretizou por meio da Reforma
Capanema.

2.2.2. A Educação nas Leis Orgânicas do Ensino

Durante o Estado Novo, o Ministro Gustavo Capanema empreendeu novas reformas do


ensino, denominadas Leis Orgânicas do Ensino, as quais foram regulamentadas por diversos decretos
assinados de 1942 a 1946.
A Lei Orgânica do Ensino Secundário114, Decreto nº 4.244/42, destinava-se, segundo o
próprio ministro, à “preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão
assumir responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação” (Apud, GHIRALDELLI JR.,
1990, p. 86). Destinado a formar “elites condutoras”, segundo Ghiraldelli Jr, o ensino secundário
tinha um caráter enciclopédico, cujas intenções eram proporcionar sólida cultura geral de base
humanística e fornecer um ensino patriótico e nacionalista. Desta forma, o ensino teria sido
distribuído da seguinte forma,

[...] o curso ginasial distribuiu em quatro séries as disciplinas: Português, Latim,


Francês, Inglês, Matemática, Ciências Naturais, História Geral, História do
Brasil, Geografia Geral, Geografia do Brasil, Trabalhos Manuais, Desenho e
Canto Orfeônico. O Colégio, por sua vez, proporcionou a suas três séries:
Português, Latim, Grego, Francês, Inglês, Espanhol, Matemática, História Geral,

113 Hoje Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
114 Esse Decreto-Lei modificou os ciclos de estudos secundários, passando a ser constituído pelo curso ginasial, com
duração de 4 anos e, pelo curso colegial, com duração de 3 anos, sendo dividido em modalidades: o curso clássico e o curso
científico, em que se acentuam, respectivamente, o estudo das letras antigas e o das ciências. Tais cursos indistintamente
preparavam para o ingresso no ensino superior. (ROMANELI, 1986, p. 156-158). O Decreto estabeleceu, também, o
serviço de Orientação Educacional em cada estabelecimento

118
História do Brasil, Geografia Geral, Geografia do Brasil, Física, Química,
Biologia e Filosofia. O Colégio fixou duas opções, o clássico e o científico, sendo
que a diferença básica era que o primeiro manteve na grade curricular as
disciplinas de Latim e Grego, esta última era optativa. Objetivamente, era um
curso propedêutico, que visava conduzir o jovem ao ensino superior (Ibid., p.
86-87).

O ensino técnico-profissionalizante foi instituído por meio dos seguintes Decretos:


4.073/42 - Lei Orgânica do Ensino Industrial115; 4.048/42 - Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), organizado e mantido pela Confederação Nacional das Indústrias, com
diversos cursos de aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização, além da reciclagem
profissional; 6.141/43 - Lei Orgânica do Ensino Comercial116; 8.621 e 8.622/46 - Serviço Nacional
de Aprendizagem Comercial (SENAC), desenvolvendo o mesmo processo do SENAI; 9.613/46 -
Lei Orgânica do Ensino Agrícola (ROMANELI, 1986).
Quanto ao ensino profissional, as alterações foram consideráveis. Como o país passava por
grande desenvolvimento industrial e a importação de técnicos estrangeiros era dificultada pela
guerra, a solução deveria ser nacional. Porém, a Lei Orgânica criou dois tipos de ensino
profissional: um, mantido pelo sistema oficial, e outro, paralelo, organizado e mantido pela
iniciativa privada. Cabe ressaltar que a população de baixa renda, desejosa de se profissionalizar,
encontrou nesses cursos a condição ideal, mesmo porque “as escolas do SENAI e SENAC eram
as únicas nas quais os alunos eram pagos para estudar, o que funcionava como um grande atrativo
para as populações pobres” (ROMANELI, 1986, p. 169) e o que assegurou o êxito desse
empreendimento particular paralelo.
No entanto, o sistema oficial de ensino, segundo Aranha (1989, p. 248), não teve
condições de acompanhar o ritmo de desenvolvimento tecnológico da indústria em expansão,
sobretudo porque as camadas médias, desejosas de ascensão social, preferiam os “cursos de

115 O ensino industrial, de grau médio, que foi estruturado, pela primeira vez, em conjunto, dividia-se em dois ciclos. O

primeiro, com 4 anos, compreendia os cursos industriais básicos, nas escolas industriais, os quais formavam artífices
especializados; o segundo, com 3 anos, oferecido nas escolas técnicas, compunha-se dos cursos técnicos, para a
formação de técnicos especializados. Previa, também cursos de mestria, de 2 anos, estágios correspondentes aos
cursos industriais básicos e cursos pedagógicos na indústria, de um ano, para preparo de professores e
administradores. Estabelecia, ainda, as escolas artesanais, mantidas pelo Estado (MIRANDA, 1966, p. 77). Em relação
à administração escolar, o Capítulo XVI, Art. 57, da referida lei, estabelece que: “A administração escolar, nas escolas
industriais e escolas técnicas, será concentrada na autoridade do Diretor, e orientar-se-á no sentido de eliminar toda
tendência para a artificialidade e a rotina, promovendo a execução de medidas que dêem ao estabelecimento de ensino
atividade, realismo e eficiência”. O § 1º deste artigo definia, ainda, que: “Poderá ser prevista, pelo respectivo
regimento, a instituição, junto ao Diretor, de um Conselho Consultivo composto de pessoas de representação nas
atividades econômicas do meio, e que coopere na manutenção desse contato com as atividades exteriores”.
116 O ensino comercial, de grau médio, estava previsto para funcionar em dois ciclos: um básico, de 4 anos, e outro

técnico, de 3 anos, o qual se diferenciava em cinco ramos: comércio e propaganda, administração, contabilidade,
estatística, secretariado. O ensino de grau superior, chamado econômico, viu aumentada a sua seriação de 3 para 4
anos. Desapareceu o Curso Superior de Administração e Finanças, que foi substituído pelo curso de Ciências
Econômicas e Cursos de Ciências Contábeis e Atuária (Ibid., p. 79).

119
formação”, que lhe davam acesso ao ensino superior e às profissões liberais, em detrimento dos
cursos profissionalizantes.
A Lei Orgânica do Ensino Primário117, Decreto-Lei nº 8.529/46, previa que esse curso
fosse subdividido em duas categorias: o ensino primário fundamental, dividido em primário elementar
com duração de 4 anos e, o primário completar, por mais um, que deveria ser preparatório ao
exame de admissão ao ginásio, destinados a crianças de 7 a 12 anos. E o ensino primário supletivo, de
dois anos, destinado a adolescentes e adultos118 que não receberam esse nível de escolarização em
idade adequada, como uma forma de combate ao analfabetismo (ROMANELI, 1986, p. 160).
A Lei Orgânica do Ensino Normal, Decreto-Lei 8.530/46, “centralizou as diretrizes,
embora consagrasse a descentralização administrativa do ensino, e fixou as normas para a
implantação desse ramo de ensino em todo o território nacional”. Oficializou como “finalidade do
ensino normal, o seguinte: 1) Prover a formação do pessoal docente necessário às escolas
primárias; 2) Habilitar administradores escolares destinados às mesmas escolas; 3) Desenvolver e
propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância” (Ibid., p. 163).
Importa assinalar que a reforma educacional, por meio das leis orgânicas do ensino,
abrangeu praticamente todo o arcabouço da educação, contemplando inclusive os ensinos
primário e normal, até então sob responsabilidade dos Estados. Contudo, segundo Saviani (2006b,
p. 38), “prevalecia, ainda, o mecanismo de se recorrer a reformas parciais, fazendo falta um plano
de conjunto que permitisse uma ordenação unificada da educação nacional em seu todo, tal como
preconizava o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.
As Reformas Capanema, iniciadas em 42 e concluídas em 46, por Raul Leitão, que sucedeu
Capanema no Ministério, em 1945, vigoraram até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em 1961.

2.3 A Educação na Constituição de 1946

Oficialmente, o Estado Novo se extinguiu em 29 de outubro de 1945, com a deposição de


Vargas. O cenário mundial, com o fim da Segunda Guerra, anunciava uma era de construção dos
governos populares e democráticos. Esse clima de democratização influenciou profundamente as
lutas partidárias, as eleições para a presidência da República e a Constituinte.

117
O cargo de diretor da escola estava previsto na referida Lei, conforme o Art. 36: “Os diretores de escolas públicas
primárias serão sempre escolhidos mediante concurso de provas entre professores diplomados, com o exercício
anterior de três anos, e, de preferência, entre os que hajam recebido curso de administração escolar”.
118 Os estabelecimentos de ensino ainda se organizavam pelo número de turmas: escolas isoladas, aquelas de uma

turma; escolas reunidas, com até quatro turmas; grupos escolares; e, por fim, escolas supletivas.

120
Em 18 de setembro de 1946 foi promulgada a quarta Constituição da República, que,
caracterizada pelo espírito liberal e democrático, não diferia em essência da Carta de 1934. Ela
afirmava a independência dos três poderes e o presidencialismo.
Quanto à educação, em oposição à Constituição outorgada em 1937, retomou muitos
aspectos defendidos pelos “pioneiros” da educação nova. Em muitos pontos reafirmava os
princípios da “democratização”, mas era mais restrita quanto aos propósitos de gratuidade.
Vejamos:

Art. 168. A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:


I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional;
II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao
primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos;
III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, que trabalhem mais de cem
pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para os seus
servidores e os filhos destes;
IV - as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma em que a
lei estabelecer, respeitados os direitos dos professôres (CAMPANHOLE e
CAMPANHOLE, 1979, p. 263).

Nos termos dessa nova Constituição, o sistema educacional seria organizado com base em
uma descentralização administrativa e pedagógica, sem que a União deixasse de assumir seu papel,
ainda que fosse de natureza suplementar, conforme Art. 170 e Art. 171. Ou seja:

Art. 170: A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios.


Parágrafo Único: O sistema federal de ensino terá caráter supletivo, estendendo-
se a todo país nos estritos limites das deficiências locais.
Art. 171: Os Estados e Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino.
Parágrafo Único: Para o desenvolvimento desses sistemas a união cooperará com
auxílio pecuniário, o qual, em relação ao ensino primário, provirá do respectivo
Fundo Nacional (Ibid., p. 263-264).

Da Constituição de 34, retomava-se também a obrigação, por parte do Governo Central,


de prover a educação com recursos e definir as condições mínimas para assegurar o direito à
educação. Conforme o Art. 169: “Anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento da renda
resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino” (Ibid., p. 263).
Ao retomar as antigas disputas e lutas ideológicas, os constituintes reviveram o debate de
temas vinculados ao subsídio, obrigatoriedade e gratuidade do ensino, financiamento,
responsabilidades das diferentes esferas do poder público em relação à educação. O ponto mais
polêmico nos debates foi o do ensino religioso, que tornava facultativa a matrícula nos

121
estabelecimentos oficiais; isso extrapolava o âmbito educacional e se inseria nas relações Estado-
Igreja católica (OLIVEIRA, 2001, p. 165).
Como a Constituição de 1946 determinava que a União legislasse sobre as diretrizes e bases
da educação nacional (Art. 5º, inciso XV, letra “d”) (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p. 220),
o Ministro da Educação Clemente Mariani constituiu uma comissão de especialistas, presidida por
Lourenço Filho, com o fim de estudar e propor um projeto geral de reforma da educação nacional.
Em 1948, esse projeto deu entrada na Câmara Federal. Segundo Romanelli (1986, p. 171),
“começa, então, um dos períodos mais fecundos da luta ideológica em torno dos problemas da
educação”.
Em termos gerais, o período de 1945 a 1961 foi caracterizado pelo populismo, pelo
otimismo resultante da esperança de um desenvolvimento acelerado e da redemocratização.
Ocorreu também uma mudança no modelo econômico. Ao contrário do que vigorou na primeira
República, quando a maioria dos políticos colocava a “vocação agrária” do país como condição
para o seu desenvolvimento, nos anos 40 e 50 o agrarismo transformou-se em coisa do passado, e
todas as forças sociais realmente representativas passaram a desejar e a defender a industrialização.
No segundo período do governo Vargas (1951-1954), o Estado teve uma atuação mais
interventora no processo de formação e expansão da economia industrializada, à mediada que suas
ações119 voltando-se para o estímulo à ampliação da produção industrial de bens de consumo, de
bens duráveis e de bens de produção, para a diversificação da economia, para o fortalecimento da
agricultura e pecuária e para o bem-estar social.
Adotando uma política econômica de caráter nacionalista e de natureza trabalhista, Vargas
tomou medidas de proteção da indústria nacional, de combate à inflação, concessão de privilégios
fiscais e de crédito, de controle cambial, ao mesmo tempo em que adotou políticas sociais
(educacional, sanitária, previdenciária, habitacional, etc) e salarial (correção dos salários
arrochados). Essa conciliação de interesses contraditórios, segundo Rodrigues (1984, p. 58), tem
como conseqüência mais imediata “a busca de legitimidade pelo poder central, em forças auxiliares
para a manutenção do poder”. Essas forças auxiliares serão, num primeiro momento, o apelo às
massas. Por isso, Vargas em seus discursos, faz apelos constantes de apoio aos trabalhadores.
Deste modo, insere na ordem política outro componente para a legitimação de seus atos e para
assegurar a sustentação de seu poder, ou seja, a participação crescente das massas no processo
político como interlocutor e legitimador do poder.

119 Como, por exemplo, a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952, com a
finalidade de realizar a captação de recursos dentro do país e financiar obras de infra-estrutura, ajuda à indústria de
bens de produção e agricultura.

122
Outro aspecto a ser ressaltado na política adotada por Vargas é que, embora ela se firmasse
na meta da autonomia econômica a ser alcançada pelo Brasil, não prescindia de capitais privados
estrangeiros, sobretudo associados aos nacionais, para estimular o desenvolvimento econômico do
país. Conforme podemos observar em Mensagem ao Congresso Nacional em 1951:

A carência de capitais nacionais, impossível de suprir-se sem sacrifício dos níveis


de vida, reclama um crescente influxo adicional de capitais estrangeiros [...] São
os países exportadores de capitais que podem tomar as medidas mais eficazes
para facilitar as inversões em países como o Brasil. Contudo, é intento do meu
Governo facilitar o investimento de capitais privados estrangeiros, sobretudo em
associação com os nacionais, uma vez que não firam interesses políticos
fundamentais do nosso País [...] (VARGAS, 1951, p. 252, apud, VIEIRA, 1983,
p. 36-37)

Porém, Vargas via a participação das empresas estrangeiras no processo de industrialização


com algumas restrições. Segundo ele, no discurso proferido em 31/12/1951,

Sem dúvida, precisamos incentivar o capital estrangeiro e assegurar-lhe o retorno


dos juros, dividendos e do próprio capital, em porcentagem razoável. Nunca,
porém, nessa voragem de dilapidação do patrimônio nacional, que acarretou para
o país duas graves conseqüências. A primeira foi de permitirmos a transferência
para o exterior de lucros resultantes da aplicação de verdadeiros capitais nacionais
[...] A segunda conseqüência dessa inépcia administrativa foi a de sobrecarregar as
gerações presentes e futuras com dívidas e compromissos injusta e indevidamente
assumidos pelo Brasil, o qual terá de pagar quantia muitíssimo superior à que
recebeu [...] (VARGAS, 1951, p. 72-73, apud, VIEIRA, 1983, p. 37).

Essa orientação descontentava não apenas os grupos mais conservadores da sociedade


brasileira, fortemente contrários ao nacionalismo econômico e à participação das massas populares
no jogo político, mas também aos grupos estrangeiros aqui fixados e os setores da burguesia
nacional comprometidos com uma política antiintervencionista e internacionalista, na medida em
que estes participam nos setores secundários da economia ou como complemento do capital
multinacional.
Vargas considerava que, para que ocorresse o desenvolvimento econômico, em especial, a
industrialização, era necessário não só investimentos financeiros, mas também a formação de
técnicos qualificados, tanto em nível médio quanto superior. Por isso, no campo da educação, sua
política voltou-se para: defesa de uma lei geral - lei de diretrizes e bases para a educação nacional;
ampliação da rede escolar; criação de cursos de atualização e aperfeiçoamento de professores e
administradores escolares; campanhas de alfabetização; bolsas de estudos; fiscalização de
instituições particulares; aumento das despesas públicas com o ensino. Segundo Vieira (1983, p.
45), “sobretudo Getúlio fez o Estado reconhecer e assumir a obrigação de fornecer escolas a

123
todos, transformando a Educação num dever estatal e num direito de cada indivíduo, ao menos
até o ensino médio”.
A partir do governo JK (1956-1961), a atuação do Estado na expansão do capitalismo
industrial em bases mais modernas é ainda mais significativa. Essa atuação, porém, ganha novos
contornos à medida que, assentou-se numa política econômica voltada para a maior participação
do capital externo no desenvolvimento nacional, rompendo com a política de cunho nacionalista.
A abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro se deu por meio de incentivos especiais.
De acordo com Vieira (1983, p. 83)

[...] O chamado incentivo especial aos investidores externos aí queria dizer, antes
de tudo, a concessão às empresas estrangeiras da faculdade de importar sem
cobertura cambial. Mas em distintos momentos, outorgou-se ao capital externo
outros tantos privilégios, como por exemplo o deslocamento das exportações para
o mercado livre, a diminuição de câmbio para as remessas de lucros e as facilidades
dadas às empresas estrangeiras pelas instituições oficiais de crédito.

Deste modo, as corporações multinacionais ao receberem o apoio do Estado, ampliam sua


atuação, fazendo o setor industrial perder suas características nacionais para internacionalizar-se.
A penetração maciça do capital internacional na economia brasileira desencadeou no
interior da burguesia brasileira a luta pelo controle do processo de industrialização. Assim, o
desenvolvimentismo nacionalista entrou em contradição com a internacionalização da economia,
resultante da invasão das multinacionais. Uma parcela da burguesia nacional defendia a
participação do Estado na gerência do processo, ou seja, considerava que a industrialização deveria
se fazer sob controle do Estado e do capital nacional. Essa fração de classe representou-se
politicamente pela ala nacionalista do PSD (Partido Social Democrata) e pelos políticos populistas
do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Outra parcela da burguesia ficou no comando da UDN
(União Democrática nacional) e, servindo como braço do capital internacional, propugnava que o
capital estrangeiro deveria não só se fazer presente na industrialização nacional, mas também
comandar o processo.
Para competir vantajosamente com os empresários nacionais, ao empresariado estrangeiro
interessava que o Governo abandonasse as medidas protecionistas e qualquer ingerência mais
direta no controle e na direção da economia. Esse interesse estrangeiro em investir no Brasil tinha
como motivação o fato de o Brasil ser um mercado promissor, com mão-de-obra barata e
abundante, além de ser fonte importante de matéria-prima.
Entretanto, não foi só a alta burguesia que se interessou pela industrialização. Para as
camadas médias, tal processo implementaria o desenvolvimento do país, criaria oportunidades em
diversos setores da economia e corresponderia às suas aspirações de ascensão social.

124
O operariado e as forças de esquerda também apoiavam a industrialização, pois entendiam
que o avanço desse processo possibilitaria o surgimento de condições materiais necessárias para
uma revolução nacional ou mesmo para uma revolução de caráter socialista. Parte das classes
médias e do operariado apoiou eleitoralmente a coligação PSD-PTB, endossando a tese de que a
industrialização deveria ser feita sob controle estatal e sobre princípios nacionalistas.
A plataforma política de JK expressava o otimismo quanto ao desenvolvimento do país. O
ambicioso programa de desenvolvimento para o Brasil, o célebre Programa de Metas do Presidente
JK, prioritariamente um projeto de dotação de infra-estrutura para setores básicos da sociedade
(siderurgia, mineração, transporte, energia elétrica e petróleo), foi decisivo para atrair
investimentos externos e ampliar a industrialização com base no capital associado. A última meta
do programa, referente à educação, atrelava o problema do ensino às necessidades de
institucionalização de uma “educação para o desenvolvimento”, especialmente por meio de
incentivo ao ensino técnico-profissional. Isto pode ser constatado na mensagem apresentada em
1960, na abertura da sessão legislativa do Congresso Nacional, pelo Presidente JK:

Com o desenvolvimento industrial e as novas condições de vida por ele criadas,


aumentaram as exigências de qualificação técnica e intelectual do homem brasileiro
e, portanto, as responsabilidades do Poder Público no campo da educação.
Afortunadamente, com o progresso enriquecimento propiciado pela
industrialização, surgem os necessários recursos para expandir a aprimorar o
sistema de ensino [...] Assim, poderemos, em tempo previsível, conseguir a
escolarização completa que virá assegurar à nossa democracia representativa uma
base autêntica e, paralelamente, ampliar os quadros técnicos, científicos e
intelectuais, indispensáveis ao progresso do País (MEC/INEP, 1987, vol. 1, p. 329-
330).

A ênfase na educação para o desenvolvimento levou JK a reiterar em seus discursos a


valorização do ensino técnico-profissional. Para JK, não só o ensino médio deveria cuidar da
profissionalização, mas até mesmo o primário teria o papel de “educar para o trabalho”, a fim de
integrar os homens na civilização ocidental. O espírito do desenvolvimentismo colocou a escola
sob os desígnios diretos do mercado de trabalho. Daí a ênfase na proliferação de uma escola capaz
de formar mão-de-obra técnica, de nível médio, deixando a universidade para aqueles que tivessem
“vocação intelectual”. Concretamente, entre 1956 e 1959, os recursos financeiros destinados ao
ensino industrial foram quadruplicados (VIEIRA, 1983). Enquanto isso, o país, em plena transição
para a segunda metade do século XX, ainda mantinha a metade de sua população sem o domínio
dos conhecimentos básicos da leitura e da escrita. A esse respeito, as palavras de Juscelino
Kubitschek, proferidas em 1960, são bastante elucidativas:

De 1900 a 1950, a população de 15 anos, e mais, subiu de 9 para 30 milhões de


indivíduos, passando a cota de alfabetizados de 35 para 49%, em números

125
absolutos, de 3,3 milhões, no começo do século, para 14,9 milhões nos dias de
hoje. Assim, em sessenta anos, enquanto essa população se multiplicou por 3, o
numero de indivíduos alfabetizados tornou-se quase cinco vezes maior, o que dá
idéia do esforço que tem feito o País para extinguir o analfabetismo [...]
A alta proporção de 51% de analfabetos na população de 15 anos, e mais,
registrada pelo censo de 1950 e representada, em números absolutos pelo
contingente de 15 milhões, mostra quanto é grave a responsabilidade dos
dirigentes e dos grupos mais esclarecidos do País (Ibid., 1987, p. 333).

Embora esses índices ferissem o ideal de desenvolvimento, Juscelino em suas ações deu
maior atenção à educação técnico-profissional. Além do que, segundo Vieira (1983, p. 104),

[...] Soube ele fazer o Estado reconhecer e assumir a obrigação de proporcionar


escolas a todos, acompanhando a mesma orientação getulista. Se, porém, ainda
seguiu Vargas ao conceber a Educação como um direito de cada indivíduo,
divergiu dele ao propor que o dever estatal de oferecê-la à população carecia do
apoio privado. Em outras palavras, o dever estatal era metamorfoseado em apelo
para a iniciativa particular [...]

A partir da década de 60, o Brasil deixou efetivamente de ser um país “predominantemente


agrícola” passou a contar com um parque industrial diferenciado e muito produtivo e uma
população urbana numericamente superior à rural.
A industrialização do país trouxe um novo centro de discórdia. Tratava-se de colocar na
pauta da discussão nacional a questão da divisão dos lucros e os rumos do processo de
desenvolvimento. Ao passo que a burguesia buscava consolidar seu poder, as forças de esquerda,
radicalizando a ideologia nacionalista-desenvolvimentista, reivindicavam a defesa da proteção dos
empreendimentos nacionais diante os investimentos externos e a disciplina do capital estrangeiro,
através do controle de remessa de lucro. As forças populares, participantes do processo de
expansão industrial, também agitavam a sociedade com a nova bandeira: as célebres Reformas de
Base120, propostas pelo governo de João Goulart (1961-1964), por meio das quais reclamava-se a
nacionalização das empresas de capital multinacional e ativava-se as lutas por melhores condições
de trabalho e salários. Como conseqüência ampliam-se as contradições sociais e afloram crises nas
instituições, durante o período de 61 a 63, representando ameaças significativas aos interesses do
grande capital. Essas ameaças reorientarão tanto os rumos dados à economia quanto ao poder
político a partir de 64, cuja solução será o apelo à ditadura, conforme vermos mais adiante.

120 Segundo Vieira (1983, p. 147), “estas reformas sobretudo queriam dizer a reforma bancária, a reforma
administrativa, a reforma tributária e a reforma agrária. A reforma bancária compunha-se da criação do Banco Central
e do Banco Rural, este último destinado a dar crédito ao trabalhador do campo. A reforma administrativa visava dar
maior dinamismo e eficiência à organização burocrática do Estado brasileiro. A reforma tributária deveria ser
instrumento justo e coerente com as necessidades da Fazenda Pública, levando em conta não só a dimensão
econômica, como também os reflexos político-sociais. Já a reforma agrária precisaria essencialmente diminuir ao
mínimo o custo financeiro, através de legislação capaz de permitir a desapropriação com fim social, evitando de
qualquer forma a prévia indenização em dinheiro[...]”.

126
Em relação a educação a principal realização do período de 46 a 61 relaciona-se a
tramitação no Congresso e aprovação da primeira de lei geral da educação brasileira, abrindo a
possibilidade de organização e instalação de um sistema nacional de educação como instrumento
de democratização da educação pela via da universalização da escola básica. É o que veremos a
seguir.

3. A unificação e regulamentação da educação nacional (1961-1996)

3.1 Lei 4024/61 - A primeira lei de diretrizes e bases da educação brasileira.

O anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases121 expressa um momento de debate nunca visto


na história da educação brasileira. Segundo Aranha (1989, p. 250):

Em 1948 o Ministro Clemente Mariani apresenta um anteprojeto da LDB, a


partir de um trabalho confiado a educadores sob a orientação de Lourenço Filho.
O percurso desse projeto é longo e tumultuado e se estende até 1961, data da sua
promulgação.

Como já vimos, desde 1946, por força da Constituição, já haviam sido desencadeadas as
divergências sobre a questão da organização dos sistemas de ensino, ou seja, sobre quem deveria
traçar as diretrizes e bases da educação. Elas dominaram as discussões da primeira fase de
elaboração do anteprojeto da LDB, da qual fazia parte o grupo constituído pelo Ministro Clemente
Mariani. Os debates, porém, sofreram uma reviravolta quando o deputado Carlos Lacerda (1959)
apresentou um substitutivo, deslocando o pólo de discussão da centralização x descentralização
para o da “liberdade de ensino”. Por meio desse substitutivo, defendia-se a estimulação da escola
privada. Em seu Art. 5º, “considerava competência do Estado oferecer os suprimentos de recursos
técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa particular seja proporcionando
ensino gratuito ou de contribuição reduzida”. Defendia-se também a igualdade de condições entre
escolas oficiais e particulares e o veto ao pretenso monopólio estatal do ensino.

121A LDB é a lei maior do país estando abaixo da Constituição, define as linhas mestras da educação brasileira. As
diretrizes indicam de forma sucinta os fins e definem-se as linhas gerais do sistema, enquanto as bases indicam os
meios adequados para atingir os fins determinados, ou seja, como deve ser organizada a educação em todo o território
nacional. Segundo Saviani, a elaboração de uma LDB está relacionada à implantação de um “sistema nacional de
educação”, obviamente ela está pretendendo com isso que a educação, em todo o território do país, seja organizada
segundo diretrizes comuns e sobre bases também comuns, dando unidade a organização dos sistemas de educação
(SAVIANI, 2009).

127
Em síntese, o cerne da questão era a reivindicação de recursos públicos em favor da
iniciativa privada, ou seja, de absoluta igualdade de condições entre o ensino público e privado,
tanto no que se referia à direção geral e à organização dos estudos realizados quanto no que se
referia à distribuição de verbas para a educação.
Segundo Romanelli (1986, p. 176), essa mudança nos rumos da discussão implicava a
necessidade de se discutir os destinos da própria escola pública. Foi justamente em oposição ao
“substitutivo Lacerda” que teve início a “Campanha em Defesa da Escola Pública”, liderada pelos
antigos “Pioneiros da Educação Nova”, com o apoio de intelectuais, estudantes e líderes sindicais.
As correntes progressistas se posicionaram em favor da escola pública, publicando o “Manifesto dos
Educadores mais uma vez Convocados”, em 1º de Julho de 1959. A preocupação era afirmar os deveres
do Estado democrático e a imperiosa necessidade não só de promover a educação, mas também
de assegurar o acesso universal, conforme podemos observar claramente em um dos trechos do
documento:

Mas a educação pública por que nos batemos, ontem como hoje, é a educação
fundada em princípios e sob a inspiração de ideais democráticos. A idéia da
educação pública, - conquista irreversível das sociedades modernas; a de uma
educação liberal e democrática, e a educação para o trabalho e o desenvolvimento
econômico e, portanto, para o progresso das ciências e da técnica que residem à
base da civilização industrial, são três teses fundamentais defendidas por
educadores progressistas do mundo inteiro (MANIFESTO..., 2006, p. 215).

Os componentes desse grupo também apresentaram um substitutivo, que foi levado à


Câmara pelo deputado Celso Brant e cujo texto se aproximava bastante do primeiro anteprojeto.
De acordo com Romanelli (1986, p. 176),

[...] A partir daí até a aprovação do projeto, as lutas ideológicas em torno da


“liberdade de ensino” atingiram o auge, com os educadores, de um lado,
proclamando firmemente a necessidade de o Estado assumir sua função
educadora e garantir a sobrevivência da escola pública, e com os educadores
católicos, de outro lado, agora coadjuvados pelos donos de estabelecimentos
particulares, afirmando o “direito da família” e opondo-se ao pretenso
monopólio do Estado.

Para a autora, o que estava acontecendo, na verdade, era a retomada da luta iniciada
décadas antes, ou seja, voltava à baila a velha questão da laicidade do ensino, mas agora com vestes
diferentes, mais complexas (Ibid., p. 176). A bandeira de luta dos interesses privatistas passou a ser
“a liberdade que deveria ser concedida a todos de abrir escolas, sem a ingerência do Estado” (Ibid.,
p. 177).

128
Em 20 de dezembro de 1961, incorporando algumas das propostas contidas no
substitutivo de Lacerda e no dos pioneiros, o projeto da LDB foi transformado em lei, recebendo
sanção parcial do presidente João Goulart, que vetou total ou parcialmente 25 dispositivos, os
quais receberam posteriormente a aprovação no Congresso.
Ao comentar sobre o texto aprovado Saviani (1987, p. 59) diz, “em síntese, pode-se
concluir que o texto convertido em lei representou uma ‘solução de compromisso’ entre as
principais correntes em disputa. Prevaleceu, portanto, a estratégia da conciliação”, resultante de
concessões mútuas. Portanto, “o texto aprovado não correspondeu plenamente às expectativas de
nenhuma das partes envolvidas no processo” (Ibid. p. 61).
Segundo vários autores, quando a Lei 4.024 foi promulgada, já estava ultrapassada. De
início, era uma proposta avançada para a época, mas envelheceu e se adulterou no decorrer dos
debates e do confronto de interesses. Vejamos o que Chizzotti (s/d, p. 266) afirma a esse respeito:

[...] Os temas e problemas intercorrentes entre o projeto inicial e a promulgação


da lei tornaram-se obsoletos. A concepção do Estado e de suas funções num
jogo em que o capital nacional deve incluir o capital estrangeiro como rival em
posição cada vez mais vantajosa, altera a articulação dos grupos e das finalidades
que o sistema de ensino deve alcançar.

E continua...

[...] Fruto, porém, das diatribes de dois segmentos da classe dominante e de seus
interesses, não poderia incluir os problemas mais candentes do ensino nacional.
Não conseguiu diluir o alto caráter discriminador da escola e nem diminuir a
tendência elitista e fortemente seletiva do sistema de ensino [...] A Lei de
Diretrizes e Bases, ao ser editada, equacionava prioritariamente as tendências e
os problemas legais do decênio antecedente, mas mostrava-se vacilante e incapaz
de mobilizar a educação para os novos desafios do decênio que iniciava. O
processo econômico em marcha torna anacrônico os mecanismos legais que a lei
pretendia acionar. A ascensão econômica do capital associado aos investimentos
estrangeiros começa a por em cheque o processo político fundado no livre jogo
liberal democrático.

Conforme Saviani (2005b, p. 105), “embora a lei fosse desejada por todos e todos
esperassem dela o encaminhamento de soluções para os problemas da Educação Nacional, o
resultado a que se chegou parece não ter correspondido a essas expectativas”. Para o autor, a
formulação da lei “não correspondeu a uma tomada de consciência dos problemas da Educação
Nacional; pairou aquém e à margem deles” (Ibid., p. 103). Nesse caso, na interpretação de Lauro
de Oliveira Lima, resultou mais numa “lei casuística, expressando menos uma política nacional” de
educação (Ibid., p. 104).

129
Dentre as desvantagens da nova lei, alguns autores mencionam a possibilidade de
representação das escolas particulares através da criação do CFE e CEE, o que tornou inevitável a
pressão e o jogo de influências no sentido de obtenção de recursos. Isto porque, pela lei, eram
assegurados recursos públicos para a iniciativa privada. Conforme podemos observar no Art. 95:
“A União dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob forma de: c) com financiamentos a
estabelecimentos mantidos pelos Estados, municípios ou particulares para a compra, construção
ou reformas de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos de acôrdo com as leis
especiais em vigor” (Lei 4.024/61). Para Aranha, tal “cooperação financeira” não deixa de
caracterizar uma situação de injustiça social numa sociedade em que 50% da população em idade
escolar se encontra fora da escola (Ibid., p. 251). Para Cunha (2001, p. 323), a LDB de 61
representou a vitória do privativismo. A esse respeito ele diz:

[...] A estruturação dos sistemas de ensino prevista pela primeira LDB favorecia
aos interesses privatistas, por transferir para os conselhos de educação (o federal
e os estaduais) importantes competências antes concentradas nos detentores dos
cargos executivos. Os membros desses conselhos, nomeados livremente pelo
Presidente da República e pelos governadores dos estados, não só podiam recair
em pessoas escolhidas mediante pressão e articulação privada como também
esses conselheiros ficavam a pressões e atrativos de diversas espécies [...] das
instituições privadas de ensino.

Do ponto de vista dos direitos, certas conquistas já consagradas na legislação anterior


foram praticamente abandonadas. Em relação à educação, o que pode ser verificado é que o poder
público isentou-se completamente de fornecer condições para que a obrigatoriedade fosse
cumprida.
Do ponto de vista dos recursos financeiros a LDB não apenas ampliou de 10 para 12% a
vinculação da receita de impostos da União para a educação, como também, segundo Fávero
(2001, p. 246),

[...] reforçou o Fundo Nacional do Ensino Primário e criou os Fundos do


Ensino Médio e do Superior. Em termos técnico-administrativos, passou a exigir
dos Estados, através dos respectivos Conselhos Estaduais de Educação, planos
de manutenção e desenvolvimento do ensino, devidamente orçados e
satisfazendo as exigências legais de aplicação dos 20% mínimos da receita de
impostos. Este procedimento inaugurou um estilo de planejamento que passou a
vigorar a partir de 1962, para os ensinos primário e médio.

No Título XII, que tratava dos Recursos para a Educação, em seu Art. 92 § 2º, a lei referia-
se “o Conselho Federal de Educação elaborará, para execução em prazo determinado, o Plano de

130
Educação122 referente a cada Fundo”. Na interpretação de Saviani (2008, p. 181), “nesse caso o
conceito de plano já assume o significado estrito de forma de aplicação de determinado montante
de recursos financeiros”, distanciando-se do conceito de organização da educação nacional.
Do ponto de vista da organização do ensino, foi mantida a mesma estrutura da Reforma
Capanema:

1. Ensino pré-primário, composto de escolas maternais e jardins de infância.


2. Ensino primário, de 4 anos, com chance de ser acrescido de mais 2 anos – 5ª
e 6ª série, com programa de artes aplicadas (artes industriais)
3. Ensino médio, subdividido em dois ciclos: o ginasial de 4 anos e o colegial de
3 anos, ambos por sua vez compreendendo o ensino secundário e o técnico
4. Ensino superior

Do ponto de vista da administração da educação, permanece o princípio da


descentralização. A descentralização, porém, é baseada num sistema organizado e coordenado pela
União. Assim, conforme o Art. 11, “A União, os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus
sistemas de ensino, com observância da presente lei” e Art. 13, “A União organizará o ensino
público dos territórios e estenderá a ação federal supletiva a todos o país, nos estritos limites das
deficiências locais”.
O MEC tem a incumbência de garantir a execução, por todas as instâncias, das orientações
fixadas em lei, conforme verifica-se no Art. 7º, “Ao Ministério da Educação e Cultura incumbe
velar pela observância das leis do ensino e pelo cumprimento das decisões do Conselho Federal de
Educação”.
Em relação à administração escolar, quanto ao cargo de diretor a Lei define, no Art. 42,
que “o Diretor da escola deverá ser educador qualificado”123. Essa qualificação é prevista no
Capítulo IV, que tratada Da Formação do Magistério para o Ensino Primário e Médio. O Art. 52
estabelece que, “o ensino normal tem por fim a formação de professôres, orientadores,
supervisores e administradores escolares destinados ao ensino primário, e o desenvolvimento dos

122 “Atendendo àquelas normas legais, o Conselho Federal de Educação elaborou em 1962 um documento em que
procurou, numa primeira parte, traçar as metas para um Plano Nacional de Educação e, numa segunda parte,
estabelecer as normas para a aplicação dos recursos correspondentes aos Fundos do ensino Primário, do Ensino
Médio e do Ensino Superior” (SAVIANI, 2008b, p. 181).
123 De acordo com a definição dada no Parecer nº 93/62 do antigo Conselho Federal de Educação (CFE), “educador

qualificado aquele que reunisse qualidades pessoais e profissionais que o tornassem capaz de infundir à escola a eficácia
do instrumento educativo por excelência e de transmitir a professores, alunos e à comunidade sentimentos, idéias e
aspirações de vigoroso teor cristão, cívico, democrático e cultural. Os Estados passaram a criar regulamentos para o
preenchimento do cargo de Diretor de Escola, a partir dessa definição do Conselho Federal de Educação, atendendo
ao espírito descentralizador da LDB” (SANTOS, 2002, p. 70, apud, CLARK et al., 2006, p. 132 ).

131
conhecimentos técnicos relativos à educação da infância”. E o Art. 55 que “os institutos de
educação além dos cursos de grau médio referidos no artigo 53, ministrarão cursos de
especialização, de administradores escolares e de aperfeiçoamento, abertos aos graduados em
escolas normais de grau colegial”. No que diz respeito aos cursos de pedagogia, uma nova
regulamentação decorreu do Parecer n° 251, aprovada pelo Conselho Federal de Educação em
1962. Segundo Saviani (2008, p. 42), “com a nova regulamentação deixa de vigorar o esquema
conhecido com 3 +1”, ou seja, “englobando o bacharelado e a licenciatura”, de modo extinguir o
bacharelado permanecendo somente a licenciatura. O curso de pedagogia continuou com esse
formato até 1969, quando novamente sofreu modificações em decorrência da Reforma
Universitária de 1968.
No entanto, cabe ressaltar que, com a LDB, dá-se um importante passo no sentido da
unificação dos sistemas de ensino e na eliminação do dualismo administrativo herdado desde o
Império. Ao se conceder aos estados uma margem relativa de autonomia, uma vez que o governo
central estabelecia as linhas gerais a serem seguidas na organização de seus sistemas de ensino,
obteve-se uma certa unidade na educação nacional.

3.2 A Educação no Período Militar (1964-1985)

Conforme vimos anteriormente, desde 1955 aproximadamente, mediante o “Plano de


Metas” de Juscelino Kubischeck, foi encaminhado um novo modelo de desenvolvimento
econômico. O país ingressou na fase de economia industrial avançada, cuja característica foi uma
estrutura monopolista que articulou, de modo peculiar, a empresa multinacional e a empresa
nacional, privada ou pública.
A partir daí o Estado teve um papel fundamental no processo da industrialização do país,
com base no capital associado. A esse respeito, Rodrigues (1984, p. 42) comenta:

[...] O Estado se envolve diretamente no processo, aumentando sua participação,


tanto na ampliação da infra-estrutura física para o desenvolvimento da
acumulação e expansão do capital monopolista, quanto também financiando o
capital multinacional, assegurando políticas creditícias favoráveis, desenvolvendo
o setor estatal para o atendimento de infra-estrutura da produção, e estimulando
o capital nacional para a sua participação associada ou complementar.

Entretanto, aproximadamente a partir de 1960, manifestaram-se as contradições inerentes


ao próprio desenvolvimento urbano e industrial, o que permitiu o acirramento do conflito entre
interesses divergentes. Em especial, podemos dizer que a oposição entre os interesses do capital
nacional e multinacional, deveram-se a: a) as políticas de favorecimento às empresas multinacionais
132
faziam-se em detrimento das empresas de capital nacional; b) o setor produtivo estatal,
responsável pela produção da infra-estrutura e insumos básicos necessários à expansão industrial,
não conseguia crescer em escala compatível com a demanda do setor de bens duráveis, o que
levou o Estado a recorrer às importações de produtos e capitais, aumentando a dívida externa
brasileira; c) a participação política da sociedade civil tornou-se mais ativa, crescem as mobilizações
populares urbanas e rurais em favor das “reformas de base”, ou seja, de reformas políticas e
institucionais de cunho social, cujo fim era promover melhor distribuição da renda.
De acordo com Ianni (1997, p. 192, apud, GERMANO, 1994, p. 49), no campo da
economia “reduziu-se o índice de investimentos, diminuiu-se a entrada do capital externo, caiu a
taxa de lucro e agravou-se a inflação”. Do ponto de vista político e ideológico como afirma
Germano (1994, p. 50), “o nacionalismo de esquerda exerceu uma inequívoca influência nas
mobilizações em que, freqüentemente, a própria dominação burguesa era posta em questão”.
Associada a isso, em nível externo, “a revolução socialista de Cuba afetou o poder e o prestígio
dos Estados Unidos no Continente e concorreu decisivamente para o desenvolvimento de uma
ofensiva anticomunista na América Latina”.
Em face do reconhecimento de uma instabilidade política que dificultava a recomposição
do processo produtivo, o Estado foi forçado a reorientar seu papel no sentido de afastar as
ameaças à acumulação de capital e assegurar sua expansão.
Deste modo, podemos afirmar que a intervenção das Forças Armadas em 1964 foi uma
forma de se controlar a máquina estatal e se preservar as relações fundamentais do sistema
capitalista implantado no Brasil. Representou uma reconstrução das instituições políticas e
administrativas sobre outras bases; como também uma tentativa de restaurar a ordem, reestruturar
política e economicamente o país, racionalizar e ordenar a economia, favorecendo o processo de
acumulação e centralização do capital em um novo patamar. Conforme Habert (1994, p. 8-9),

[...] O golpe foi uma reação das classes dominantes ao crescimento dos
movimentos sociais, mesmo tendo estes um caráter predominantemente
nacional-reformista. Foi também resultado de um impasse entre o esgotamento
da política nacional-populista que orientava o desenvolvimento e a
industrialização do país no pós-guerra e os imperativos de novos moldes de
expansão capitalista, nos quais a burguesia brasileira era compelida a uma
integração e associação mais estreita com o capital monopolista internacional.
O golpe militar no Brasil foi seguido por outros semelhantes em vários países da
América Latina nos anos 60 e 70. Para o grande capital internacional e nacional,
impunha-se a derrubada de barreiras econômicas e políticas à sua expansão, o
esmagamento dos movimentos sociais contestatórios e a implantação de
ditaduras militares que garantissem as condições favoráveis à nova fase de
acumulação capitalista.

133
Neste sentido, desde a sua implantação e ao longo dos anos seguintes, o regime
militar brasileiro tratou de montar e garantir estas bases em estreita associação
com a burguesia nacional e internacional.

Em síntese, a intervenção do Estado Militar na economia, cujo fim era favorecer a


acumulação de capital sobre novas bases, abrangeu: a) intervenção nos sindicatos e nas entidades
estudantis; b) proibição de greves nos serviços públicos e nas atividades essenciais; c) a
incorporação do mecanismo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) à Constituição,
facilitou ainda mais aos empresários demitirem por um lado e, por outro, aumentou a rotatividade
e a insegurança dos trabalhadores, contribuindo para um maior rebaixamento salarial; d) estímulo
ao trabalho infantil, uma vez que se reduziu a idade legal mínima de trabalho para 12 anos, o que
representava, sobretudo, a oferta de uma força de trabalho ainda mais barata; e) contenção salarial;
f) garantia de livre entrada de capitais estrangeiros e remessa de lucros para fora do país; g) criação
de instituições e mecanismos financeiros (concessão de créditos, subsídios, isenções fiscais,
dispêndio de vultosos investimentos em infra-estrutura e indústria pesada), h) ampliação e
modernização da infra-estrutura necessária à expansão das grandes empresas (estradas, portos,
telecomunicações, energia elétrica etc); i) ampliação da presença do capital estatal em vários setores
básicos (siderurgia, petróleo, petroquímica, mineração), j) equilíbrio na balança de pagamentos; k)
combate à inflação; l) estabilidade nos preços; m) atenuar os desníveis econômicos setoriais e
regionais; n) estabilidade de preços.
É interessante observar que, em sua abrangência, a política dos militares não significou um
mero favorecimento da classe empresarial. Contraditoriamente ela sofreu a interferência das
próprias tendências do Estado do Bem-estar social que se desenvolveram durante o século XX e,
por isso, representou também estímulo à criação de oportunidades de emprego e valorização da
educação.
Essas políticas foram implementadas por meio de programas, como: o PAEG – Programa
de Ação Econômica (1964-1966), no governo de Castelo Branco; Plano Decenal de
Desenvolvimento (1967-1976) e PED – Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970),
no governo Costa e Silva; Programa de Metas e Bases para a Ação do Governo (1972-1972) e I
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974), no governo Médici; II PND – Plano
Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), no governo Geisel e III PND – Plano Nacional de
Desenvolvimento (1980-1985), no governo Figueiredo.
Para se manterem à frente desta política econômica, os militares adotaram mecanismos
repressivos contra os contestadores do regime, principalmente contra os que anunciavam qualquer

134
idéia de crítica ao regime capitalista, os quais eram denominados de comunistas pelos militares.
Em nome da Segurança Nacional124, para impedir ou eliminar as oposições políticas e a resistência
social, eles usavam diversos meios, como: a instauração da censura prévia à imprensa e aos meios
de comunicação; criação do SNI (Serviço Nacional de Informações); cassação de mandatos;
suspensão, por dez anos, dos direitos políticos de parlamentares oposicionistas125; demissão ou
aposentadoria de funcionários públicos que se manifestavam contrários ao regime, banimento
político, prisões, torturas e mortes de cidadãos126 que colaborassem de alguma forma para o
recrudescimento das ações de luta armada promovidas pelas organizações de esquerda.
Com a finalidade de legalizar e institucionalizar o regime militar, uma nova Constituição foi
aprovada em 1967. No texto da nova lei as eleições diretas para governadores e presidente da
República foram suspensas; os partidos políticos existentes à época foram fechados e, em seu
lugar, por decreto, foi criado o bipartidarismo – Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e
Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Durante o regime militar, todo o poder de decisão foi centralizado no Executivo, que
governou com base em atos institucionais e decretos-leis. O Ato Institucional nº 5, AI-5, assinado em
13 de dezembro de 1968, pelo General Costa e Silva, então presidente da República, revela-nos o
teor dessa política, conforme podemos observar em alguns de seus artigos:

Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso


Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato
Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a
funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
Art 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a
intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na
Constituição.
Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa,
simultaneamente, em:
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

124 De acordo com Germano (1994, p. 64), “A mudança no conceito de Segurança Nacional é particularmente

importante na Constituição de 1967. De acordo com a Constituição de 1946, a Segurança Nacional dizia respeito à
defesa contra agressões externas e à preservação das fronteiras territoriais. Com o texto constitucional de 1967, ocorre
um deslocamento, e a principal agressão a combater passa a ser a proveniente de um “inimigo interno” do Estado. A
noção de ‘inimigo externo’ ligava-se, por sua vez, a outra noção de ‘guerra revolucionária’, que significava uma
internalização, em cada país, de uma estratégia do ‘comunismo internacional’ para conquistar o mundo”. A ameaça
passava assim a ser definida, “como uma ameaça antes as fronteiras ideológicas do que a fronteiras territoriais”.
125 De acordo com o Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, em seu Art. 10, ficou definido que, “no interesse da

paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o
Presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos
federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos”.
126
Assim, “entre 1964 e 1979 foram efetuadas 1.565 intervenções em sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais
(GERMANO, 1994, p. 70). Segundo dados da Arquidiocese de São Paulo (1985), “ao fim do Governo Geisel, a
estatística do Regime Militar de 1964 registrava aproximadamente 10 mil exilados políticos, 4.682 cassados, milhares
de cidadãos que passaram pelos cárceres políticos, 245 estudantes expulsos das universidades por força do Decreto
477, e uma lista de mortos e desaparecidos tocando a casa das três centenas” (Ibid., p. 70).

135
II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza
política;
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado.
Art 7º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na
Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o
respectivo prazo.

Assim, por meio de uma política centralizadora e autoritária, o Estado concorreu, sem
dúvida, de forma decisiva, para o desenvolvimento industrial brasileiro, com base no capital
associado. De acordo com Germano (1994, p. 73):

[...] Entre 1964 e 1980, por exemplo, o Brasil concentrou mais de um quarto de
todo o desenvolvimento industrial do Terceiro Mundo; ampliou, diversificou e
elevou o nível técnico da produção nos campos e fábricas. Ao término do
governo Geisel, o Brasil estava entre as dez economias com maior Produto
Interno Bruto (PIB) e era a economia mais industrializada do Terceiro Mundo.

Para se ter uma idéia desse crescimento econômico: no início da década de 60, o Brasil
ocupava o 49º lugar entre as empresas capitalistas mundiais e, em meados dos anos 70, ocupava o
8º lugar. Por isso, esse período passou a ser denominado “milagre econômico”127. Assim, o país
inaugurou a década de 70 embalado nos mais altos índices de crescimento econômico da história
do país e sustentado em três pilares: 1) entrada maciça de capitais estrangeiros, na forma de
investimentos e empréstimos; 2) aprofundamento da exploração da classe trabalhadora submetida
ao arrocho salarial e à repressão política; 3) garantia, pelo Estado, da expansão capitalista e da
consolidação do grande capital nacional e internacional, especialmente por meio de subsídios e
correção monetária como mecanismo de controle inflacionário.
Na esteira desse processo, expandiam-se as cidades (em 1960, 36% da população vivia nas
cidades e, em 1980, 64%), a construção civil, as estradas e as hidrelétricas; aumentava o número de
operações nas Bolsas de Valores; a mecanização da produção do campo e a concentração da
propriedade da terra provocaram o êxodo rural; ocorria o crescimento do proletariado brasileiro,
que, em 1970, era de aproximadamente 7,7 milhões e, em 1980, passou para 14,4 milhões,

127 A imprensa nacional e internacional utilizava esta expressão para referir-se ao rápido crescimento da economia

brasileira daquele período. Segundo Habert (1994, p. 11), “[...] as empresas multinacionais consideravam o Brasil área
segura e rentável para seus investimentos. Relatórios como os do BIC (Business Internacional Corporation)
descreviam o Brasil como país com ‘base industrial sólida e variada [...], acelerando para o segundo estágio de
industrialização’, fase que o tornaria ‘competitivo nos mercados mundiais e talvez, no final da década de 70, o
transforme numa potência econômica de peso, pelos padrões globais’”.

136
representando 33% da PEA (População Economicamente Ativa)128; adotava-se o assalariamento
no campo, onde aumentava, sobretudo, o número de trabalhadores temporários, os chamados
bóias-frias.
Essas alterações vivenciadas na sociedade não deixaram de repercutir na educação. As
novas condições sociais exigiam uma reformulação e uma adequação da política educacional, a
qual, no período da ditadura militar, desenvolveu-se com base no binômio “segurança e
desenvolvimento” e em torno dos seguintes eixos:
1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis, visando eliminar as
oposições ao regime político vigente, como também ao próprio capitalismo, e obter a adesão de
segmentos sociais para seu projeto de dominação. O Estado, coerente com a ideologia da
segurança nacional, atribuiu à educação a tarefa da propaganda anticomunista e da divulgação da
moral cívica129.
2) Expansão do sistema educacional, visando democratizar o acesso à educação escolar e favorecer
à inserção de amplos setores das classes trabalhadores no mercado de trabalho, de modo a acelerar
o processo de desenvolvimento econômico nacional.
A partir de 64, tendo em vista a modernização dos meios de produção e uma maximização
da produtividade da força de trabalho, a educação é incluída nas propostas de planejamento
econômico para o país, voltando-se para a expansão do sistema de ensino, com ênfase na
qualificação da mão-de-obra. Investia-se, portanto, na formação de recursos humanos, ampliando
o sistema de ensino. Nos planos estavam estabelecidas as diretrizes que vinculavam organicamente
economia e educação. O Plano de Ação Econômica do Governo - PAEG (1964/1966), primeiro plano
do Governo militar, faz referências ao aumento das matrículas no ensino elementar, em certas
áreas urbanas do país. Em 1966 foi criado o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, no
qual se ressaltava que o fundamento da política governamental era promover a qualidade de
ensino, uma vez que esta era a condição propícia à transformação da própria estrutura social. Em
1967, foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) pelo Decreto 5.379, que começou a
funcionar, de fato, em 1970, quando passou a receber financiamento, época em que a taxa de

128 A título de comparação, em 1950 o número de trabalhadores era da ordem de 2,8 milhões (16,5% da PEA).
Números aproximados (Revista Retrato do Brasil, 1984, fascículo 22. Encarte central).
129 De acordo com um texto elaborado pela Comissão Nacional de Moral e Civismo, em 1970, dentre as “finalidades

explícitas da ‘Educação Moral e Cívica’, estão as seguintes: ‘A defesa do princípio democrático, através do espírito
religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus’, ‘o
culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e aos grandes vultos de sua história’, ‘o culto da obediência à
Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade’. Além disso, constituem os eixos fundamentais do
projeto ideológico do Regime Militar para a “Educação Moral e Cívica’, o combate à chamada subversão comunista, a
difusão da idéia de ‘Brasil-potência’ e a necessidade da existência de um Estado forte e poderoso, para contestar seus
inimigos internos e externos e promover o ‘desenvolvimento’” (GERMANO, 1994, p. 135).

137
analfabetismo de pessoas de mais de 15 anos chegou a 33%130. Daí em diante, sucederam-se
programas, como o Programa Estratégico de Desenvolvimento, para 1968-1970, Programa Setorial, para
1970-1972, e também o I Plano Setorial de Educação e Cultura, para 1975-1979, os quais, com a ótica
da “teoria do capital humano”131, estabeleceram uma relação direta entre educação e mercado de
trabalho, em obediência à meta de a educação servir ao desenvolvimento (Germano, 1994).
Para atender às novas exigências da produção e reprodução do sistema capitalista, as
políticas educacionais desenvolvidas no período advogaram e implementaram o ensino
profissionalizante e obrigatório. De acordo com Ghiraldelli Jr (1990, p. 186), grosso modo, esse
ensino consubstanciou-se na tese da “educação como investimento”, ou seja, na proposta de que o
país poderia sair do subdesenvolvimento e tornar-se uma grande potência se houvesse
“investimento em Recursos Humanos”. Em suas palavras, “o país deveria fazer progredir a
qualidade da mão-de-obra nacional através de uma rede de ensino voltada para a capacitação
técnica do trabalhador. Cada homem, uma vez tendo aumentado seu “capital humano” – sua
capacitação técnica de trabalho especializado -, poderia produzir mais e melhor e contribuir de
maneira mais efetiva para o desenvolvimento econômico do país”.
Essa vinculação entre educação/trabalho/desenvolvimento pode ser verificada no
pronunciamento do presidente, Arthur da Costa e Silva, na abertura de sessão legislativa do
Congresso Nacional, em 1968:

A ação do Governo Federal no campo da educação, em 1967, reflete na perfeita


compreensão do momento histórico e da importância do setor educacional para
os destinos do Brasil.
Dentro do objetivo prioritário de valorização do homem brasileiro, ampliaram-se
as oportunidades de acesso ao sistema de ensino, no intuito de formar os
recursos humanos necessários aos setores da produção, colocando a educação a
serviço do desenvolvimento integral do País (MEC/INEP, 1987, vol.2, p. 393).

130 Em 1972, esta taxa caiu para 28,51%. No entanto, estudos mostram que, em vista do número de inscritos, é baixo
o rendimento. Esta avaliação torna-se menos otimista ainda quando se verifica que nem sempre a aprovação significa
desempenho de leitura.
131 A “teoria do capital humano” desenvolvida por Theodore W. Schultz (1902-1998), professor de economia da

Universidade de Chicago, “estabelecia uma relação direta entre educação e economia, na medida em que atribuía a
primeira a capacidade de incrementar a produtividade da segunda. Portanto, a educação deveria ser condicionada pela
lógica que determinava o crescimento econômico da sociedade capitalista (FERREIRA JR e BITTAR, 2008, p. 343).
Conforme Araparica (1982, p. 41), “um dos pontos centrais da teoria é que o capital humano é algo deliberadamente
produzido pelo investimento que se faz no indivíduo a partir da educação formal e do treinamento; que a
produtividade do indivíduo resulta na maior ou menor quantidade de capital humano que este venha a possuir”.
Assim, “a educação tem como função precípua desenvolver habilidades e conhecimentos objetivando o aumento da
produtividade; um maior índice de estudos corresponde a um maior numero de ganhos de habilidades cognitivas;
finalmente, quanto maior for o grau de produtividade, maior será a cota de renda que a pessoa receberá”.

138
Isto perdurou nas políticas educacionais do período pós 1964. A meta era acelerar o ritmo
e desenvolvimento econômico do Brasil e, por meio de uma política de investimentos, assegurar
oportunidades de emprego aos trabalhadores que adentravam o mercado de trabalho132.
No texto Constitucional de 1967, Título IV, que trata “Da Família, da Educação e da
Cultura”. Em relação ao direito à educação, o artigo 168 reza que:

Art. 168: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada
a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e
nos ideais de liberdade e solidariedade humana.
§ 1º O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos Pôderes Públicos.
§ 2º Respeitadas as disposições legais, o ensino será livre à iniciativa particular, a
qual merecerá amparo técnico e financeiro dos Pôderes Públicos, inclusive bôlsas
de estudos.
§ 3º A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:
I. o ensino primário sòmente será ministrado na língua nacional;
II. o ensino de sete a quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos
estabelecimentos primários oficiais;
III. o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para
quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência
de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de
gratuidade pelo de concessão de bôlsas de estudo, exigido o posterior reembôlso
no caso de ensino de grau superior;
IV. o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio;
V. o provimento de cargos iniciais e finais das carreiras do magistério de grau
médio e superior será feito, sempre, mediante prova de habilitação, consistindo
em concurso público e provas de títulos quando se tratar do ensino oficial;
VI. é garantida a liberdade de cátedra (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE,
1979, p. 180)

E, o artigo 169 trata das responsabilidades:

Art. 169: Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino,


e, a União, os dos Territórios, assim como o sistema federal, o qual terá caráter
supletivo e se estenderá a todo o País, nos estritos limites das deficiências locais.
§ 1º A União prestará assistência técnica e financeira para o desenvolvimento dos
sistemas estaduais e do Distrito Federal (Ibid., p. 180-181).

A lei omitiu a percentagem da despesa com a educação. Isso significou “o fim da


vinculação constitucional de recursos para a educação” tendo como conseqüência “o
desaparecimento legal dos fundos de ensino criados pela LDB, que deixam de constar no

132Neste momento foi preciso preparar mão de obra especial, uma vez que o setor automobilístico e técnico
aumentava rapidamente no país e tinham sido regulamentadas novas profissões e ocupações, especialmente no setor
fabril relacionado a produtos eletro-eletrônicos e à indústria automobilística.

139
orçamento da União a partir de 1968” (HORTA, 2001b, p. 223). Essa omissão também ocorre na
Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969133, que dá uma nova a Constituição de 1967.
A EC de 69 reconhece a educação como um direito de todos e dever do Estado, sendo
obrigatório o ensino primário para todos dos sete aos quatorze anos, e gratuito nos
estabelecimentos oficiais (Art. 176), mas não prevê a vinculação de recursos orçamentários para o
ensino, estabeleceu a vinculação apenas para os municípios, ainda que de maneira indireta,
conforme se depreende no Art. 15 do texto constitucional:

§ 3º A intervenção nos municípios será regulada na Constituição do Estado, sòmente


podendo ocorrer quando:
f) não tiver havido aplicado, no ensino primário, em cada ano, de vinte por cento, pelo
menos, da receita tributária municipal.

Assim, enquanto essa vinculação estava suspensa, por parte da União, “os Estados e
municípios estavam obrigados a aplicar no ensino, no mínimo, 20% do Fundo de Participação”
(FÁVERO, 2001, p. 251).
Outro ponto que vale destacar é que a Constituição de 67 não apenas limita a gratuidade
do ensino, como também inaugura o regime de bolsas no ensino superior, nos termos da Lei (Art.
168, § 3°, III). A EC de 69 estende este mecanismo para o ensino médio, conforme o Art. 176, §
3°, IV, “o Poder Público substituirá, gradativamente, o regime de gratuidade no ensino médio e no
superior pelo sistema de concessão de bolsas de estudos, mediante a restituição, que a lei regulará”
(CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1979, p. 77).
A preocupação em formar mão-de-obra para essa nova fase da economia vai se refletir nos
novos rumos dados à educação durante o final da década de 60 e início da década de 70. De 1965
até 1974, foram firmados diversos acordos entre o MEC (Ministério da Educação e Cultura) e
USAID (United States Agency for International Departament), por meio dos quais o Brasil passou
a receber assistência técnica e cooperação financeira para a organização do sistema educacional
brasileiro. Estes acordos tinham como meta: a) aperfeiçoar o nível educacional, tecnológico e
profissional; b) aperfeiçoar e expandir as estruturas e práticas institucionais; c) avaliar os recursos
materiais e humanos; d) formular planos para o desenvolvimento; e) criar uma infra-estrutura para
o desenvolvimento.
As reformas educacionais decorriam da nova opção da política econômica, aberta
inteiramente aos investimentos estrangeiros. Desta forma, justificando os empréstimos exteriores
como indispensáveis à retomada do crescimento econômico do país e sustentando a idéia de que o

133Segundo Horta (2001, p. 223), a vinculação de recursos para a educação “somente foi reintroduzida no texto
constitucional em dezembro de 1983, através da Emenda Calmon, a qual seria regulamentada somente em 1985”.

140
sistema educacional era o requisito fundamental para este desenvolvimento, os acordos MEC-
USAID transformaram a profissionalização rápida, voltada à criação de mão-de-obra especializada,
adequada às novas técnicas de produção, e a um mercado em expansão, no objetivo prioritário da
reforma educacional.
Na prática, essa proposta desembocou na promulgação de uma nova legislação para a
educação, a Lei 5692/71, que, ao fixar novas regras para a educação, tornou a profissionalização
obrigatória no segundo grau. Conforme podemos observar no Art. 5º, § 1º, o currículo teria uma
parte de educação geral e outra de formação especial. Eis o que consta, sobre a formação especial,
no parágrafo 2º do mesmo Artigo:

a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino


de 1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau.
b) será fixada, quando se destine a iniciação profissional e habilitação profissional,
em consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à
vista de levantamentos periòdicamente renovados.

A Lei 5.692/71 contém ainda outros pontos que consideramos importante destacar:

a) Amplia a escolaridade obrigatória, compreendendo agora todo o denominado 1º grau, ou


ensino fundamental, que passou a ter oito anos de duração, com a junção do primário com
o ginásio (1ª a 8ª séries) (Art. 17);
b) Cria a escola única buscando superar a seletividade com a eliminação do dualismo escolar,
que não mais separa o ensino secundário e o técnico;
c) Torna o ensino de 1º grau obrigatório e gratuito para as crianças de 7 a 14 anos (Art. 20);
d) Cria o ensino supletivo, a fim de suprir a escolarização regular para os adolescentes e
adultos que não tinham conseguido concluí-lo em idade própria (Art. 24);
e) Generaliza a profissionalização em nível médio; superando o ensino médio propedêutico
(Art. 22);
f) Integra o sistema educacional do primário ao superior (continuidade);
g) Define que as habilitações profissionais poderão ser realizadas em cooperação das
empresas na educação (Art. 6º);
h) O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais dos
estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus134 (Art. 7º, parágrafo único);

134Para Germano (1994, p. 160), “a nova Lei preservou o espaço do ensino religioso”. Isso significou “uma concessão
à hierarquia eclesiástica, como uma forma de manter ou mesmo ampliar o apoio de amplos setores católicos [...]”.

141
i) A admissão de professores e especialistas no ensino oficial de 1º e 2º graus far-se-á por
concurso público de provas e títulos, obedecidas para inscrição as exigências de formação
constantes desta Lei (Art. 34);
j) O Governo Federal estabelecerá e executará planos nacionais de educação (Art. 53),
esclarecendo no parágrafo único que: “o planejamento setorial da educação deverá atender
às diretrizes e normas do Plano-Geral do Govêrno, de modo que a programação a cargo
dos órgãos da direção superior do Ministério da Educação e Cultura se integre
harmônicamente nesse Plano-Geral”.

Em relação à legislação anterior, há uma mudança na composição dos níveis escolares:

1. Educação pré-escolar
2. 1o grau - 1a à 8a série – junção do primário com o ginásio
3. 2o grau – generalização da profissionalização – superação do ensino médio
propedêutico - tornou-se integralmente profissionalizante através do Parecer do CFE
nº 45/72.

No que diz respeito à formação de professores, em decorrência, dessa nova estrutura


desapareceram as Escolas Normais. Em seu lugar foi instituída a Habilitação Específica de 2º grau
para o exercício do magistério de 1º grau. A Habilitação Específica do Magistério foi organizada
pelo Parecer CFE nº 349, aprovado em 6 de abril de 1972. No termos do documento,

A formação de professores para o 1º Grau, até a 6ª Série , será feita através:


estudos com duração correspondente a 3 anos – habilitação até a 4ª série;
estudos com duração correspondente a 4 anos – habilitação até a 6.ª série;
O currículo apresenta um núcleo comum, obrigatório em âmbito nacional, e uma
parte de formação especial, que representa o mínimo necessário à habilitação
profissional (BRASIL, MEC, CFE, 1972).

Para as quatro últimas séries do ensino de 1º grau e para o ensino de 2º grau, a Lei
5.692/71 previu habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, obtida em curso de
curta duração para atuar no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries; e, em todo o ensino de 1º e 2º
graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura
plena (Art. 30). Ao curso de Pedagogia, além da formação de professores para a Habilitação
especifica do Magistério, coube a “formação de administradores, planejadores, orientadores,

142
inspetores, supervisores e demais especialistas de educação será feita em curso superior de
graduação, com duração plena ou curta, ou de pós-graduação (Art. 33).
A análise da política educacional, no entanto, não deve se restringir ao estudo das
intenções, mas também abranger os resultados alcançados. Assim, cabe ressaltar: 1) a pretensa
profissionalização, prevista na lei, redundou, na prática, na formação de mão-de-obra barata; 2) a
introdução das disciplinas sobre moral e cívica, a extinção da filosofia e a diminuição da carga
horária de história e geografia representaram formas de impor a ideologia da ditadura; 3) a relação
escola-comunidade reduziu-se à interferência da empresa na escola, seja quanto ao objetivo de
capacitar mão-de-obra seja quanto à influência, na estrutura escolar, do modelo da estrutura
organizacional das empresas burocratizadas e hierarquizadas; 4) a obrigatoriedade de oito anos
tornou-se letra morta135, uma vez que não existiam recursos materiais e humanos para atender a
toda a demanda; 5) a inclusão da profissionalização compulsória levou o CFE, por meio do Parecer
n°45/72, a relacionar 130 habilitações técnicas, que poderiam ser adotadas pela escola de 2º grau;
no entanto, em virtude das impossibilidades técnicas e financeiras das escolas públicas, ou seja, da
falta de professores especializados e de infra-estrutura adequada nas escolas (oficinas, laboratórios,
material), só algumas foram oferecidas, predominando a opção mais barata, isto é, aquelas cuja
instalação exigia poucos recursos materiais e humanos e permitia a superlotação das classes. Os
poucos cursos oferecidos não credenciavam os alunos para a obtenção de emprego, tanto por se
distanciarem das demandas do mercado de trabalho, quanto por oferecer uma formação precária;
7) as escolas particulares, sobretudo, aquelas destinadas à formação da elite, segundo Aranha
(1989, p. 258), “não se submeteram à letra da lei, mas apresentaram um “programa oficial” que
atendia apenas formalmente às exigências legais. Na realidade, o trabalho efetivo em sala de aula se
achava voltado para a preparação para o vestibular. Portanto, a escola da elite continuava
propedêutica, enquanto as escolas oficiais refaziam seus programas com disciplinas mal
administradas, descuidando ainda mais da formação geral”; 8) a profissionalização generalizada e
compulsória resultou na desarticulação do ensino público secundário em relação ao ensino
superior. Essa desarticulação se deu, basicamente, pela diminuição da carga horária das disciplinas

135Segundo Germano (1994, p. 170), “a) a oferta da escolaridade obrigatória se restringiu às três primeiras séries do 1º
grau, que em 1984 concentravam 59,9 das matrículas (no Nordeste atingiu quase 70%); b) a denominada taxa de
eficiência (número de aprovados dividido pela matrícula inicial) do ensino de 1º grau decresceu ao longo do período,
passando de 75, 4% em 1973 para 62,6% em 1983; c) a universalização na faixa etária de 7 a 14 anos está longe de ser
conseguida, conforme prevê a legislação; d) a taxa de analfabetismo, portanto, permanecia extremamente alta em 1985,
20,7% do total da população de 15 anos e mais.
Constatamos igualmente que 60,6% da população economicamente ativa, em 1984, está incluída numa faixa que
compreende os que nunca estudaram ou os que ficaram na escola, no máximo, até 4 anos. Trata-se, por conseguinte,
de uma força de trabalho (potencial e ativa) que, em sua maioria, não tem nenhuma escolarização ou no máximo possui
instrução primária”.

143
de formação básica (exigidas para o vestibular) e pela introdução de um grande número de
disciplinas específicas, supostamente profissionalizantes; 9) em relação à formação de professores
para o antigo ensino primário, na interpretação de Saviani (2009, p. 147), foi “reduzida a uma
habilitação dispersa em meio a tantas outras, configurando um quadro de precariedade bastante
preocupante”.
Ao comentar o fracasso da profissionalização, Germano (1994, p. 188) afirma que, na
maioria das escolas da rede pública, esta nunca foi implantada conforme o previsto na Lei 5692/71
e no Parecer nº 45/72. Contudo, a Lei deixou suas seqüelas, como a sobrecarga sobre as escolas
técnicas federais, a degradação sem precedentes da escola pública em nível médio e o
fortalecimento da rede privada de ensino.
Como forma de encontrar uma solução para o problema, o item sobre a profissionalização
obrigatória foi revogado na Lei 7.044/82. Entretanto, o 2º grau acabou ficando sem características
próprias.
Quanto ao ensino fundamental, a meta foi ampliar o acesso à rede física e aumentar a
quantidade de vagas, mas com controle de despesas. Implantando-se uma política de expansão
pouco criteriosa, privilegiou-se o enfoque quantitativo136, desconsiderando-se outros fatores
essenciais para um serviço educativo de qualidade, como: instalações físicas adequadas nos
estabelecimentos de ensino, salários e condições de trabalho que permitissem aos professores
exercer sua profissão com dignidade.
Em relação aos recursos financeiros, a política educacional posta em prática pelo Regime
Militar, ao mesmo tempo em que reduzia os recursos do governo federal para a educação pública,
atingindo os menores índices da história recente137, criou vários mecanismos indiretos de
financiamento da educação privada como, por exemplo, o Salário-Educação e o Crédito
Educativo. Estes mecanismos acabaram por abrir espaço para o fortalecimento da rede privada.
Ao comentar sobre o assunto, Germano (1994, p. 199) afirma que:

[...] Tais mecanismos se prestaram, no entanto, a transferir somas apreciáveis de


recursos para os grupos empresariais privados que atuam na área do ensino, sob
forma de bolsas de estudos, isenção de impostos, empréstimos subsidiados para
a construção de equipamentos escolares, etc.

136 A expansão da matrícula do ensino de 1º grau foi de aproximadamente 40% entre 1973-1985. A taxa de
atendimento passou de 76,2% em 1973 para cerca de 85% em 1985. Mesmo assim, contata-se que 15% da população
escolarizável em 1985 não tinha acesso à escola, ao mesmo tempo em que 18,8% da matrícula do 1º grau era de alunos
que se encontravam fora da faixa de escolarização obrigatória. Ressalte-se ainda que a rede pública concentrava mais
de 80% da matrícula neste grau de ensino (GERMANO, 1994, p. 169).
137 Segundo Chiavenato (2004, p. 145) “[...] Em 1965, encaminhou-se 11,07% do orçamento federal à educação; nove

anos depois, a verba correspondia a apenas 4,95%”.

144
O favorecimento ao capital privado também decorreu do acentuado descompromisso do
Estado em financiar a educação pública, abrindo espaço para que a educação escolar se
transformasse em negócio altamente lucrativo (SHIROMA et. al., 2004, p. 40).
Os militares, durante esse Regime, incentivaram ainda a exploração privada da educação,
assegurando, na Emenda Constitucional nº 01, de 1969: as instituições de ensino mantidas pela
iniciativa particular merecerão “amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive
mediante bôlsas de estudos”138 (Art., 176, § 2°). Omitiam-se nessa Emenda os percentuais
mínimos que o Poder Público deveria obrigatoriamente destinar à educação. Previa-se também, no
Art. 176 § 3º; inciso IV, que “o poder público substituirá gradativamente o regime de gratuidade
no ensino médio e superior pelo sistema de concessão de bolsas de estudos, mediante restituição
que lei regulará”. A legislação também permitiu que as empresas optassem entre recolher a
contribuição do salário educação aos cofres públicos ou aplicar o percentual correspondente –
2,5% da sua folha de pagamento – diretamente na manutenção de escolas próprias, bem como
conceder bolsas de estudo ou restituir despesas139 efetuadas com a educação pelos seus
empregados (Art. 178).
Se compararmos a Lei 5.692/71 com a legislação anterior, Lei 4.024/61, iremos verificar
que a Lei de 71, em seu artigo 87, revogou expressamente os artigos 92 e 93 da Lei de 61, nos
quais se estabelecia: “A União aplicará anualmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino
12%, no mínimo, de sua receita e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 20% no
mínimo”. O conteúdo existente nesses artigos desapareceu na nova Lei, permanecendo apenas a
menção à responsabilidade dos municípios, conforme os termos da Lei:

Art. 59. Aos municípios que não aplicarem, em cada ano, pelo menos 20% da receita
tributária municipal no ensino de 1º grau aplicar-se-á o disposto no artigo 15, § 3º, alínea
f, da Constituição.
Parágrafo único. Os municípios destinarão ao ensino de 1º grau pelo menos 20% das
transferências que lhes couberem no Fundo de Participação.

Neste contexto, não foram travadas disputas entre os partidários da escola privada e os
partidários da escola pública, entre o Estado e a Igreja. No entanto, ao longo da década de 80, em
face da crise do regime político e da mobilização de amplos setores da sociedade civil, foi
restabelecida a obrigatoriedade do Estado na manutenção e no desenvolvimento do ensino. Nos

138 Na LDB 5692/71, esse artigo ganha a seguinte redação: “Art. 45. As instituições de ensino mantidas pela iniciativa
particular merecerão amparo técnico e financeiro do Poder Público, quando suas condições de funcionamento forem
julgadas satisfatórias pelos órgãos de fiscalização, e a suplementação de seus recursos se revelar mais econômica para o
atendimento do objetivo”.
139 Para Germano (1994, p. 202-204), isso constituiu um poderoso veículo de transferência de recursos públicos para a

iniciativa privada, como também favorecia um amplo esquema de corrupção, decorrentes de sonegação e fraudes por
parte das empresas.

145
termos da Emenda Constitucional nº 24, de 01/12/1983, Emenda João Calmon, reintroduziu a
vinculação constitucional de recursos. O Art. 176 da Constituição Federal passa a vigorar com o
acréscimo do seguinte parágrafo § 4, no qual é estabelecido que: “Anualmente, a União aplicará
nunca menos de treze por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco
por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do
ensino”. Porém, a Emenda só foi regulamentada em junho de 1985, quando já tinha sido
instaurada a “Nova República”.
Em relação ao ensino superior, a tônica da política educacional dos anos 70 “recaía sobre a
necessidade de disciplinar a vida acadêmica, coibindo o protesto, reforçando a hierarquia e a
autoridade”. Além disso, “enfatizava a importância de racionalizar a universidade, organizando-a
em moldes empresariais140” (GERMANO, 1994, p. 117), o que significava uma tendência à
privatização do ensino. Esta era considerada como uma forma de expandir as oportunidades
educacionais, uma vez que as escolas privadas complementariam a ação do Estado no campo
educacional. Dessa maneira, a defesa da gratuidade do ensino público referia-se apenas ao ensino
primário, conforme explicita a Constituição de 1967, ao passo que, nos níveis secundário e
superior, o ensino deveria ser gratuito apenas para aqueles que provassem falta de recursos. A
reforma do ensino superior apoiou-se na Lei 5.540/68. A lei propõe o sistema de créditos por
disciplina e a estrutura departamental (Art. 11, alínea “b”), a implantação de cursos de pequena
duração (Art. 23, § 1°), institui a idissociabilidade entre ensino e pesquisa (Art. 2) e a
obrigatoriedade de freqüência para alunos e professores (Art. 29), introduz o regime de tempo
integral e dedicação exclusiva para professores (Art. 34) e o vestibular unificado e classificatório
(Art. 41).
A referida lei introduziu a exigência de “a formação de professores para o ensino de
segundo grau, de disciplinas gerais ou técnicas, bem como o preparo de especialistas destinadas ao
trabalho de planejamento, supervisão, administração, inspeção e orientação no âmbito de escolas e
sistemas escolares, far-se-á em nível superior” (Art. 30). Essa exigência foi regulamentada pelo a
Parecer nº 252/69141 e pela Resolução 02/69 do CFE, que dispunha sobre a estrutura, o funcionamento
e os mínimos curriculares do curso de pedagogia.

140 Seguindo Ghiraldelli Jr, os princípios tayloristas, presentes nas teorias de administração das empresas, embasaram
as reformas universitárias. Decorreram daí: a departamentalização, cujas instâncias funcionariam como agências
autônomas; “a matrícula por disciplina; o regime de créditos e a institucionalização do curso parcelado. A
conseqüência disso foi a inevitável fragmentação do trabalho escolar e, ainda, a dispersão dos alunos pelos sistemas de
créditos provocando a despolitização e a impossibilidade de organização estudantil [...]” (GHIRALDELLI JR, 1990,
p.176).
141 Regulamentada pelo Parecer CFE nº 292/1962, a licenciatura previa o estudo de três disciplinas: Psicologia da

Educação, Elementos de Administração Escolar, Didática e Prática de Ensino, esta última em forma de Estágio
Supervisionado. Mantinha-se, assim, a dualidade, bacharelado e licenciatura em Pedagogia, ainda que, nos termos

146
A Resolução CFE nº 2/1969 determinava que a formação de professores para o
ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração,
supervisão e inspeção, fosse feita no curso de graduação em Pedagogia, de que
resultava o grau de licenciado. Como licenciatura, permitia o registro para o
exercício do magistério nos cursos normais, posteriormente denominados
magistério de 2º grau e, sob o argumento de que “quem pode o mais pode o
menos” ou de que “quem prepara o professor primário tem condições de ser
também professor primário”, permitia o magistério nos anos iniciais de
escolarização (MEC/CNE, 2005, p. 3).

No que diz respeito ao aspecto organizacional, os sistemas educativos apresentaram


elementos comuns às grandes empresas burocráticas: rigidez das leis e dos regulamentos escritos,
os quais poderiam ser postos em prática por todas as escolas; hierarquia da autoridade;
centralização do poder; racionalização administrativa; parcelamento do trabalho pedagógico,
especialização e divisão de funções entre planejamento e execução. Neste caso, caberia a
especialistas o planejamento racional do trabalho educacional, os quais “‘pensam’, programam e
supervisionam a decodificação da programação preestabelecida” (FRIGOTTO, 1984, p. 169), e, ao
professor, caberia executar em sala de aula os planejamentos previamente formulados, ministrar os
conteúdos já selecionados e organizados seqüencialmente e aplicar os critérios de avaliação já
definidos. A uma seriação do espaço, do tempo (horários detalhados) e dos saberes
(compartimentação de matérias) corresponderia a divisão dos alunos em “classes”.
Nessa visão “taylorizada” da educação, a organização pedagógica também passou a ser
regida pelos princípios da divisão do trabalho. Nas propostas curriculares, as áreas de conteúdo
eram organizadas rígida e fragmentadamente, tanto no que diz respeito à seleção dos assuntos
quanto ao sequenciamento intra e extradisciplinar. Enfatizava-se a repetição mecânica das tarefas
padronizadas, insistindo-se para que o aluno as repetisse e memorizasse, tendo como meta a
uniformidade de respostas e a padronização de procedimentos. Deste ponto de vista, o produto
corresponderia à forma como foi organizado o processo. O critério para se aferir a efetividade da
administração consistiria na capacidade de produzir a solução ou resposta desejada.
A definição da política educacional e da administração do sistema escolar estava
centralizada no Ministério da Educação, o qual exercia o controle burocrático sobre a aplicação
universal e uniforme das normas, visando garantir nacionalmente o controle político e ideológico
sobre a educação escolar. Do ponto de vista jurídico-normativo, as estruturas organizacionais
estavam pré-determinadas uniformemente para todos os estabelecimentos de ensino do país, desde
a definição de currículos até calendários.

daquele Parecer, não devesse haver a ruptura entre conteúdos e métodos, manifesta na estrutura curricular do
esquema 3+1.

147
Em relação à direção escolar, nesse período, a função de diretor se consolida como técnica,
burocrática e centralizadora, ao mesmo tempo, como encarnação do poder estatal dentro da
escola.
A partir da segunda metade dos anos 70, em decorrência do esgotamento do “milagre
econômico”, cresceram as forças oposicionistas ao Regime. Aos poucos, a sociedade civil se
reorganizou, tentando romper as amarras da ditadura. Parcelas cada vez maiores da burguesia
começaram a se distanciar de seus parceiros tecnocratas civis e militares, apostando na
possibilidade de exercer diretamente o controle da sociedade política num regime mais
democrático. O processo de “abertura política” tornou-se irreversível, uma vez que esses
movimentos culminavam no isolamento do governo.
Com base em um outro ângulo de análise, podemos dizer que a crise do Estado Militar e o
fim da euforia do “milagre”, que se refletiram, em meados de 1973, com a anunciação do nome do
general Ernesto Geisel para suceder Médici, aconteciam no bojo da crise mundial do capitalismo,
que começou a se manifestar naquele ano e que se aprofundou no decorrer da década.
Aparentemente, os primeiros sintomas da crise mundial surgiram na esteira da chamada
“crise do petróleo”, quando os países árabes membros da OPEP (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo) e responsáveis pela maior parte da produção mundial de petróleo
suspenderam suas exportações em represália ao apoio dado a Israel por potências do Ocidente na
guerra do Oriente Médio. A medida provocou a elevação dos preços mundiais do petróleo, que
em pouco tempo triplicaram. O encarecimento do petróleo beneficiou os Estados Unidos, sede de
cinco das sete empresas multinacionais que monopolizaram a extração e a comercialização
mundial do petróleo – e prejudicou países não produtores, como a Alemanha e Japão e,
sobretudo, aqueles países menos desenvolvidos que eram dependentes do petróleo importado, a
exemplo do Brasil (HABERT, 1994, p. 40-41).
Na realidade, a questão do petróleo vinha apenas agravar a crise econômica dos países
capitalistas centrais e cuja origem estava na base do próprio sistema. Nas últimas décadas, em
virtude da política keynesiana, da instauração do Estado do bem-estar social, do modelo
taylorista/fordista e da indústria de produção para as massas, a economia destes países vivera uma
fase de grande expansão, com a conseqüente super-acumulação de capital. Porém, nos primeiros
anos da década de 70, já estavam aparecendo, nos principais países capitalistas, sintomas do
esgotamento do ciclo de expansão ocorrido no pós-guerra, os quais se caracterizavam pela queda
da taxa de lucros, pelas altas taxas de inflação, pelo déficit nas balanças comerciais e pela

148
instabilidade dos mercados financeiros142. A economia norte-americana dava mostras de perda
relativa da hegemonia de que vinha usufruindo até então, uma vez que apresentava crescentes
déficits no balanço de pagamento e a competitividade de seus produtos diminuía em relação à de
outros países desenvolvidos como a Alemanha e o Japão (Ibid., p. 41).
A situação internacional teve um efeito direto e imediato sobre a economia brasileira. Até
então, a economia brasileira, que estava apoiada na combinação entre a expansão das exportações
de bens manufaturados baratos e a dependência da importação de equipamentos e tecnologias
avançados de custo mais caro, tinha sido favorecida pelas condições excepcionais do mercado
internacional. Porém, com a crise e a desvalorização do dólar, ao mesmo tempo em que o volume
e os valores das importações continuavam aumentando, as exportações caíram. Isto conduziu a
um aumento no déficit da balança comercial brasileira, o que, por sua vez, levou à necessidade de
se recorrer a novos empréstimos no mercado internacional, sob uma política de juros altos, e,
conseqüentemente, à ampliação do endividamento externo. Enfim, a crise mundial expôs a
fragilidade do que havia se convencionado chamar “milagre econômico” brasileiro. Segundo Habert
(1994, p. 42-43):

[...] Na segunda metade dos anos 70, as taxas de crescimento econômico caíram
de 9,8% em 1974 para 4,8% em 1978. A dívida externa - um poço sem fundo –
pulou de 12,5 bilhões de dólares em 1974 para 43 bilhões em 1978 e já estava em
torno de 60 bilhões em 1980. A maior do mundo. As importações continuaram
aumentando e a capacidade de pagá-las reduziu-se. Cresceram os gastos e o
déficit públicos. As taxas de juros internas subiram cada vez mais, a especulação
financeira fez sua orgia e os “escândalos financeiros” começaram a se tornar
públicos [...] A inflação rompeu as amarras artificiais e estourou chegando a
atingir 110% em 1980. Subiu o custo de vida e o valor real do salário mínimo
atingiu o nível mais baixo dos últimos 20 anos. O arrocho salarial, as demissões e
o desemprego foram crescendo a cada ano. A crise, que se configurou mais
fortemente a partir de 1976, veio a atingir o seu auge na recessão de 1981-83.

Fizeram parte desse processo o aumento do desemprego, a queda da produção industrial, o


aumento da inflação, a compressão salarial, a ampliação da desigualdade na distribuição de renda, o

142 De acordo com Souza (1995, p. 25-26), “desde a década de setenta, tem crescido violentamente a tendência à
estagnação da economia mundial. De 1965 a 1973, conforme relatório do Banco Mundial, o PIB per capita dos países
desenvolvidos cresceu 3,6% ao ano. Essa média caiu para 2,4% ao longo da década de setenta e para 2,2% na década
de oitenta (ver Relatório da Economia Mundial da ONU 1991). Se considerarmos os índices dos países subdesenvolvidos,
a taxa de crescimento do PIB per capita caiu de 3,9% no primeiro período para 3,2% no segundo, para, finalmente, só
crescer 1,2% na década de oitenta. Os países do Leste Europeu, cujo PIB per capita tinha tido importante crescimento
de 4,4% na década de setenta, naufragaram num mísero índice de 1% na última década”.
Para o autor, “esse quadro de desaceleração da economia mundial, permeado de recessões generalizadas, como as de
1974/75 e 1980/83, agravou-se fortemente na virada da década de oitenta para noventa, quando explodiu mais uma
nova e profunda recessão. O produto per capita mundial, que crescera 2,7% em 1988, só cresceu 0,3% em 1989, tendo
diminuído 0,3% em 1990 e 2,0% em 1991. A produção total cresceu 4,5% em 1988, 3,1% em 1989, 1,5% em 1990 e
caiu 0,3% em 1991 (ver Relatório da Economia Mundial da ONU). Essa é a primeira vez, desde a Segunda Guerra
Mundial, que ocorre uma queda na produção mundial [...] (Ibid., p. 26)”.

149
aprofundando das contradições sociais e políticas143. Em conseqüência, o clima de “tranqüilidade”
dos primeiros anos da década de 70 cedeu lugar a manifestações de descontentamento
generalizado: setores de oposição exigiam a volta do “Estado de Direito”; denunciavam a tortura,
a repressão e a corrupção; questionavam as políticas econômicas e sociais do governo. Cresceram
os movimentos sociais que protestavam contra os baixos salários e contra as precárias condições
de trabalho, lutavam por moradia e por reforma agrária. A partir de 1978, as greves ressurgiram
com muita força. Em 1979, assistiu-se à generalização das greves por praticamente todos os
estados do país. De acordo com Habert (Ibid, p. 62), “foram greves gerais de categoria, maciças e
de longa duração, reivindicando aumento salarial, 40 horas semanais, estabilidade no emprego,
direito de greve e de organização nos locais de trabalho, liberdade e autonomia sindicais, anistia,
fim da ditadura militar”.
No âmbito educacional, as reuniões da SBPC (Sociedade brasileira para o Progresso da
Ciência) eram um significativo Fórum oposicionista. O ressurgimento da UNE no final da década
de 70 e o I Seminário Brasileiro de Educação, ocorrido em Campinas em 1978 são exemplos de
movimentos de oposição à política educacional do regime.
Portanto, as determinações econômicas e os movimentos de contestação política
concorreram para o enfraquecimento da ditadura e para o surgimento de uma nova estratégia por
parte dos militares. Geisel (1974-1979) iniciou um projeto de redemocratização e “abertura
política” gradual que teve continuidade no governo de Figueiredo (1979-85). Essa dinâmica
introduziu modificações nas relações do Estado com as classes populares, e, por conseguinte, no
conteúdo e na forma das políticas sociais e educacionais.
Em decorrência buscou-se uma mudança na condução das políticas sociais, inclusive
educacional. As políticas governamentais articuladas em torno do processo de crescimento
econômico e dos interesses do mercado tornaram-se um instrumento para atenuar, em curto
prazo, a situação de pobreza criada pela concentração de renda. Uma ciranda de projetos foi criada
nessa direção. Dentre eles citaremos alguns: Sistema Nacional de Empregos (1975) - SINE; Programa de
Complementação Alimentar (1977) - PCA; Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para Populações
Carentes do Meio Urbano (1980) - PRODASEC e Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para

143A política econômica adotada a partir de 64, pautada na abertura ao capital estrangeiro, trouxe profundas
conseqüências para as empresas nacionais (pequenas e médias) causando inúmeras falências e concordatas e para o
aumento da concentração de renda. De acordo com Vieira (1983, p. 208), “[...] a participação na renda, dos 50% mais
pobres da população economicamente ativa, caiu de 17,71% (em 1960) para 14,91% (em 1970), descendo ainda mais
para 11,8% (em 1976). Em sentido contrário, a participação dos 5% mais ricos da população economicamente ativa
aumentou de 27,69% (em 1960) para 34,86% (em 1970), elevando-se aos poucos para 39% (em 1976) da renda [...]”.

150
Populações Carentes do Meio Rural (1980) - PRONASEC144; Programa de Educação Pré-escolar (1981);
Projeto Vencer, para crianças de 7 a 14 anos não-alfabetizadas (1984); Programa de Bem-Estar do Menor
(1977); Projeto Elo, para menores carentes visando à prevenção da ociosidade (1979), Fundo de
Investimento Social (FINSOCIAL), destinado ao financiamento de projetos no setor da saúde,
alimentação, habitação popular e educação (1982).
Voltados para a educação informal, geração de emprego e renda, desenvolvimento urbano,
habitação, formação profissional, saúde e assistência social, estes projetos assumiram claramente
uma postura compensatória, visando amenizar os impactos dos altos índices de pobreza.
Conforme Germano (1994, p. 231-232), as políticas sociais que se instauraram depois do II
PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) (1975-1979) não foram resultantes apenas da mudança de
estratégia política dos governos Geisel e Figueiredo, mas corresponderam também a mudanças de
comportamento das agências financeiras, como o Banco Mundial, que passaram a dar prioridade
de financiamentos para os chamados programas sociais. Esse fato explica o progressivo
deslocamento dos financiamentos, que, entre 1949 e 1971, foram preferencialmente dirigidos para
a área da infra-estrutura econômica (energia, transporte, indústria); desde então a maior parte dos
projetos contemplados estava voltada para a reforma na agricultura (irrigação, desenvolvimento
rural) e para os programas sociais (saneamento básico, educação, saúde, desenvolvimento urbano,
etc).
Essa tendência é claramente expressa no II PND, cujo objetivo prioritário era “realizar
política de melhoria da distribuição de renda, pessoal e regional, simultaneamente com o
crescimento econômico”, de forma a “preservar a estabilidade social e política, assegurada a participação
consciente das classes produtoras, dos trabalhadores e, em geral de todas as categorias vitais ao
desenvolvimento, nas suas diferentes manifestações”. Entre suas metas, constam: “1) garantir a todas as
classes e, em particular, às classes média e trabalhadora, substanciais aumentos de renda real; 2)
eliminar, no menor prazo, os focos de pobreza absoluta existente” assegurando “um mínimo de
nível de bem estar universal, para que nenhuma classe fique fora do processo de integração e
expansão” (GERMANO, 1994, p. 224-225).
É evidente que, em face da aguda crise política, econômica e social do país, o governo
procurava, de todas as formas, aproximar-se das massas populares. Por isso, assumiu, cada vez
mais, a postura de um agente profundamente interessado em fazer “justiça social”, em diminuir as

144Segundo Cunha (2001, p. 394-395), “tanto o PRODASEC quanto o PRONASEC apoiaram iniciativas (ou as
induziram) de criação de escolas pelas ‘comunidades carentes’, dotadas de ‘currículos alternativos’, muito voltados para
a preparação de alunos para as atividades produtivas, em especial na zona rural. Nas periferias urbanas, as creches e
pré-escolas foram mais utilizadas, de modo a desenvolverem atividades de ‘educação compensatória’, com o que se
esperava que as crianças ‘carentes’ tivessem condições apropriadas para o bom desempenho na escola de 1º grau”.

151
desigualdades por meio de programas de combate à pobreza, ao mesmo tempo em que lançava a
retórica de recuperação da ”participação das bases”145 nas instancias decisórias do Estado. Assim,
o “redistributivismo”, as “políticas participativas”, o “planejamento participativo”,
“descentralização” e “regionalização” passaram a ser palavras orientadoras das ações do governo
em um processo de abertura.

Isso explica, por exemplo, porque a política de municipalização do ensino de 1º grau foi
impulsionada a partir de 1975. Justificando-se pela necessidade de descentralizar, democratizar e
ampliar a participação da comunidade local na administração do sistema de ensino municipal, na
prática, tal política resultou na transferência de responsabilidades, encargos e serviços cada vez
maiores aos municípios, como já previa a Lei 5692/71.
Assim, o esgotamento do “milagre econômico”, a partir dos meados da década de 70,
contribuiu decisivamente para que o projeto educacional do governo, articulado em torno de um
projeto de crescimento econômico e da oferta de mão-de-obra qualificada para o sistema
produtivo, fosse orientado para o desenvolvimento de ações e programas dirigidos às áreas mais
pobres do país (região nordeste, zona rural, periferias urbanas). Esta mudança de atitude tinha
como fim atenuar, em curto prazo, a situação de pobreza criada pela concentração de renda. O III
PSECD (Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos) (1980-1985), elaborado durante o Governo
Figueiredo, enquadra-se nesta perspectiva.
As palavras de Pedro Demo, então assessor especial de Eduardo Portella, Ministro da
Educação entre 1979-1980, no Seminário sobre Política e Planejamento da Educação e Cultura, ocorrido
em Brasília em junho de 1979, explicita esta tendência. Ao se reportar ao documento “Subsídios
para a Política e Planejamento da Educação”, ele afirma que “tal texto procura reunir as diretrizes
disseminadas pelo próprio Presidente da República e pelo Ministro da Educação”. Ao mesmo
tempo, conforme Germano (2000, p. 247), afirma que “espera que os resultados do Seminário
possam servir de subsídio para a elaboração do III PND” e “reitera, igualmente, a prioridade que
deve ser concedida à ‘educação básica’. A seguir “reconhece o completo fracasso da política
educacional posta em prática até então”:

Estamos ainda muito distantes da capacidade de universalizar o 1º grau [...]


Todos sabem que cerca de 25% da população escolarizável não entra no sistema.
Existe, ainda, um número bastante grande de analfabetos que [...] não estariam,
certamente, abaixo dos 20% sobre a população acima de 15 anos. Ao lado disso,
continuam as altas taxas de evasão e repetência na 1ª série do 1º grau [...] A
própria pequena representatividade de 2º grau (apenas 6% ou 7% neste nível em
1976, para as pessoas acima de 15 anos) mostra a incrível mortalidade da

145 Organizações populares (associações, conselhos) ou organização de trabalhadores (sindicatos).

152
população estudantil dentro do sistema que muito mais seleciona do que educa. A
grande demanda pelo supletivo se constitui em pungente crítica à educação
formal, divorciada da população pobre e fortemente propensa a reprimi-la. [...] Cerca
de 25% dos professores de 1º grau não são titulados. O pré-escolar [...] continua
sendo privilégio de famílias abastadas. A média de dias com atendimento de merenda
escolar estaria apenas 141 dias por ano, e assim por diante (MEC, 1979. p. 24-25,
apud GERMANO, 2000, p. 247, grifos do autor).

De acordo com Germano (1994, p. 248), feito este diagnóstico, buscaram-se se soluções,
com o claro compromisso da redução da pobreza por meio da redistribuição da renda. Resgata-se
a dimensão participativa da educação, ao mesmo tempo em que se criticava, implicitamente, a teoria
do capital humano, que tinha servido de suporte aos planos e reformas educacionais do Estado
Militar. Esta visão dos fatos sugere que, entre os maiores problemas da educação, estão os da
educação básica, da educação fundamental. Então, aqui se tentaria estabelecer, de alguma maneira,
o compromisso com a redução da pobreza.
Segundo Demo, a “teoria do capital humano” devia ser abandonada. Para ele,

[...] a visão tradicional da educação como preparadora de recursos humanos é


uma visão bastante difícil, hoje em dia, de ser sustentada [...] porque como
preparadora de recursos, ela é simplesmente muito mais um negócio para os empregadores
do que para o educando [...] a educação não tem condições, sozinha, de diminuir a
abundância de mão-de-obra, de mudar a estrutura produtiva do País, de criar
novos empregos e de corrigir efeitos da pobreza. Podemos tomar o caso típico
do pré-escolar. Não há educação que cure o cérebro lesado pela desnutrição,
quer dizer, o problema da educação básica não é primeiramente pedagógico. O
problema da educação básica está muito mais nas variáveis do tipo de
redistribuição de renda, reformulação do mercado de trabalho, condições de
emprego e renda para as famílias pobres (MEC, 1979, p. 25-26, apud
GERMANO, 2000, p. 248, grifos do autor).

A dimensão “participacionista” é muito enfatizada por Demo.

[...] é importante tentarmos perceber a educação dentro do complexo da política


social, onde ela recuperaria a sua importância no conjunto das variáveis que
concorre para o desenvolvimento do País e, conseqüentemente, também para a
redução da pobreza. Dentro desta ótica de política social que se imagina
comprometida em reduzir as desigualdades sociais, evidentemente a educação pode
participar. A educação tem um papel relevante; ela poderia ser extremamente
valorizada na ótica de participação, na ótica mais propriamente política, que acho mais
importante que a ótica de preparação de recursos humanos e de todos os outros efeitos
pedagógicos (Ibid., p. 248, grifos do autor).

Ficam assim evidentes, por meio da análise de um documento oficial, os fundamentos da


política educacional no contexto da “abertura” quando a educação foi expressamente defendida

153
como um mecanismo comprometido com a solução dos problemas sociais, como um dos
instrumentos de correção das desigualdades sociais.
A nova fase de redemocratização e modernização do país, caracterizada pela introdução de
um novo modelo de acumulação produtiva, trará novos desafios políticos, econômicos, sociais e
administrativos, o que incluirá também uma nova orientação para a educação brasileira, é o que
veremos a seguir.

3.3 A educação nos tempos de transição (1985-1990)

O regime militar terminou oficialmente em 1985. Com a eleição, via colégio eleitoral, de
Tancredo Neves e Sarney, inicia-se a “Nova República”, ou seja, a um momento cuja característica
principal é a passagem do regime autoritário para o democrático. Nessa época fértil, marcada pelos
intensos debates e mobilizações da sociedade em defesa dos direitos civis e da cidadania, o marco
principal foi a elaboração e a promulgação da Constituição Federal.
A institucionalização democrática do país exigia a elaboração de uma nova Constituição,
cujos trabalhos tiveram início em 87. A Constituinte (1987–1988) mobilizou os educadores
progressistas para a defesa da escola pública, que se tornou um dos focos de acirradas discussões
no decorrer dos trabalhos. Durante o processo constituinte, os mais diferentes setores da
sociedade se organizaram na defesa de seus interesses, fazendo chegar ao congresso propostas
para a nova Constituição. Entre essas articulações, destacou-se o Fórum de Educação na Constituinte
em Defesa do Ensino Público e Gratuito146, grupo que, em defesa do ensino público, contrapunha-se ao
que considerava como crescentes pressões do setor privado. Do ponto de vista do Fórum, esse
setor se beneficiava das verbas públicas que a Constituição anterior lhe garantia. Dentre as
bandeiras de luta dos educadores defendia-se a exclusividade de verbas públicas para a escola
pública, o aumento de recursos para educação, a erradicação do analfabetismo, a universalização
da escola pública, a constituição de um sistema nacional orgânico, a democratização da
administração do sistema educacional, a valorização e qualificação dos profissionais da educação.
Destacaram-se também a Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (FENEM)147 e as Escolas
Confessionais, as quais, por sua vez, vinculadas ao setor privado, leigo ou confessional, procuravam
garantir as bolsas de estudo oferecidas pelo governo para que os alunos pobres se mantivessem

146 O Fórum foi criado depois de muitas reuniões de entidades que se uniram para elaborar uma plataforma comum

em defesa da escola pública. Quinze entidades nacionais constituíram essa instância: ANDE, ANDES, ANPAE,
ANPED, CEDES, FENOE, UBES, SEAF, CGT, CUT, UNE, OAB, FASUBRA, SPBC, SEAF (CUNHA, 2001,
p.432).
147 Associação da educação Católica no Brasil (AEC), Associação Brasileira das Escolas Superiores Católicas (ABESC)

e Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC).

154
nas escolas privadas. Outro ponto bastante polêmico relacionou-se à defesa do ensino laico nas
escolas públicas. Os privatistas defenderam a manutenção da presença facultativa do ensino
religioso nos estabelecimentos públicos, mas como parte integrante do currículo e horário escolar
(CUNHA, 2001).
Nesse jogo de forças em 1986, foi realizada a IV Conferência Brasileira de Educação
(CBE), da qual resultou a Carta de Goiânia, as propostas foram incorporadas quase na íntegra pela
Nova Constituição.
A Constituição de 1988 forneceu o arcabouço necessário às mudanças na educação brasileira.
Comparada às demais, apresenta o mais longo capítulo sobre a educação: são dez artigos
específicos (Art. 205 a 214), além de referências em outras partes do texto. Destacamos, a seguir,
alguns pontos sobre a educação, presentes na Nova Constituição148:

a) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (Art. 206, IV);


b) valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das
redes públicas (Art. 206, V);
c) gestão democrática do ensino público, na forma da lei (Art. 206, VI);
d) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos
termos de lei federal (Art. 206, VIII);
e) autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial para as
universidades, e obedecerão ao principio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão (Art. 207);
f) educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria (Art. 208, I);
g) progressiva universalização do ensino médio gratuito (Art. 208, II);
h) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na
rede regular do ensino (Art. 208, III);
i) educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade (Art. 208,
IV);
j) atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde
(Art. 208, VII);
k) o não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular,
importa a responsabilidade da autoridade competente; (Art. 208, § 2º);
l) compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola (Art. 208, § 3º);
m) o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das
normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder
Público (Art. 209);
n) serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e

148
Os artigos foram citados conforme a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996, pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006, e pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009.

155
regionais: § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental; § 2º - O ensino fundamental
regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (Art.
209);
o) A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de
colaboração seus sistemas de ensino: § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e
o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em
matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência
técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 14, de 1996); § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e na educação infantil; § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e médio (Art. 211);
p) previsão de aplicação da receita resultante de impostos pela União, Estados e Municípios
na seguinte proporção: a União aplicará anualmente, nunca menos de 18%, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios 25%, no mínimo da receita resultante de impostos, na
manutenção e desenvolvimento do ensino (Art. 212);
q) distribuição dos recursos públicos de modo a assegurar prioridade ao atendimento das
necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão
de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação (Art. 212, § 3º);
r) estabelece o plano nacional de educação visando a articulação e o desenvolvimento do
ensino em seus diversos níveis, bem como a integração das ações do poder público e a
definição de diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a
manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades,
de forma a conduzir à erradicação do analfabetismo, à universalização do atendimento
escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à formação para o trabalho, à promoção
humanística, científica e tecnológica do país e a estabelecimento de meta de aplicação de
recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto (Art. 214).

As análises do texto aprovado desvelam o espírito conciliador entre os diferentes setores


da sociedade que participavam de sua elaboração. Por exemplo, o Art. 205 refere-se à educação
como um direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade. Ou, ainda, o Art. 208, VII, § 1º, onde consta: “o acesso ao ensino
obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”149. Esta redação parece corresponder às pressões
dos defensores do ensino público. No entanto, de certa forma, no Art. 213, a Lei assegura os
interesses dos grupos privados: “Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas,
podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que”:

(I) comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros


em educação;

149Segundo Cunha (2001, p. 445), “o direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito (no caso, um
pai ou responsável de aluno) pode exigir da autoridade (no caso o prefeito de seu município ou o governador de seu
estado) o cumprimento de um dever (no caso, o oferecimento de uma vaga que ministre ensino obrigatório), dever
este que visa a satisfação de um interesse fundamental do cidadão, conforme já expresso na Constituição”.

156
(II) assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária,
filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de
suas atividades.
§ 1º Os recursos de que se trata este artigo poderão ser destinados a bolsa de
estudos para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que
demonstrem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos
regulares da rede pública e cursos regulares da rede pública na localidade de
residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir
prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio
financeiro do Poder Público.

O capítulo referente à educação na Carta Magna forneceu o arcabouço institucional


necessário a mudanças de maior fôlego, rumo à universalização, à melhoria da qualidade de ensino,
à gestão democrática e à consagração da educação como um direito público subjetivo. Com base
nestas linhas mestras da Lei Magna, definiram-se as novas leis e políticas educacionais para os anos
90, dentre elas a Nova LDB (Lei 9394/96) e o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2010).
Porém, os resultados mais palpáveis do período de 1985-1990 relacionam-se aos índices
quantitativos e aos programas assistenciais, como merenda e livro didático.
A tônica quantitativa foi sugestivamente simbolizada no programa “Educação para Todos:
Caminhos para Mudança” (1985), que revela a preocupação explícita com a universalização da escola
básica durante o Governo Sarney (1985-1990). Em nome do “resgate da dívida social”, o
assistencialismo expressou-se claramente em programas destinados às regiões e às populações mais
carentes, a exemplo do Programa Nacional de Alimentação, Programa Nacional do Livro Didático
e Programa do Material Escolar.
Importa dizer, que nesse período o quadro educacional brasileiro era dramático. Segundo
Schiroma et. al. (2004, p. 44):

[...] 50% das crianças repetiam ou eram excluídas ao longo da 1ª série do 1º grau;
30% da população eram analfabetos, 23% dos professores eram leigos e 30% das
crianças estavam fora da escola. Além disso, 8 milhões de crianças no 1º grau
tinham mais de 14 anos, 60% de suas matrículas concentravam nas três primeiras
séries que reuniam 73% das reprovações. Ademais, é importante lembrar que
60% da população brasileira viviam abaixo da linha da pobreza.

Em decorrência dessa realidade, concordamos com Saviani (1997, p. 7) quando diz que,

[...] o Estado brasileiro não se revelou, ainda, capaz de democratizar o ensino,


estando distante da organização de uma educação pública democrática de âmbito
nacional.
À vista da situação descrita, estamos prestes a transpor o limiar do século XXI
sem termos conseguido realizar aquilo que, segundo Luzuriaga, a sociedade
moderna se pôs como tarefa dos séculos XIX e XX: a educação pública nacional e
democrática (grifos nossos).

157
Deste modo, ao terminar o século XX um grande desafio ainda se põe para o Brasil em
termos educacionais, exigindo o redirecionamento da política para a educação.

4. Os novos rumos da educação (1990...)

Nessa parte abordamos a fase mais recente da política educacional brasileira. Para isso,
discutiremos as principais mudanças administrativas, organizacionais, políticas e econômicas,
ocorridas a partir dos anos 90 e que se traduziram na nova legislação da educação, em especial a
Lei 9394/96, e em planos e projetos governamentais da União. Na medida em que a União é a
instância formuladora da política nacional de educação, o objetivo principal deste item é captar o
novo papel do Estado e os novos rumos assumidos pelas políticas públicas no Brasil e sua relação
com a educação.
A partir dos anos 90, são produzidas mudanças bastante significativas no conjunto das
relações sociais. Dentre elas, a globalização e financeirização da economia, a reestruturação
produtiva e organizacional em bases mais flexíveis, a crise da legitimidade do Estado, o que
implicou a alteração do conteúdo da ação governamental e da organização administrativa do
aparelho estatal.
O “novo Estado”, na perspectiva do Estado-mínimo, não pode ser mais visto como o
grande promovedor da educação, a política centralizadora é substituída pela descentralização,
flexibilização e gestão compartilhada, na busca de participação de novos agentes e na capacitação
de novas fontes de recursos.
O novo panorama inclui também a participação de organismos multilaterais de
financiamento, que, na condição de parceiros, interferem cada vez mais no monitoramento e
articulação das políticas internas, inclusive no campo da educação. Isto significa um novo modo de
atuação do Estado nacional, especialmente nos países periféricos, e uma deterioração das políticas
educativas.
Essas mudanças abalam as antigas referências e introduzem novos questionamentos,
sobretudo em relação à responsabilidade direta do Estado sobre o financiamento da educação e
sobre a desestruturação do projeto de um sistema nacional de educação.

4.1 O novo cenário mundial

A partir do final da década de 70 do século XX, o capitalismo mundial enfrentou um novo


período de crise, identificada, sobretudo, com o esgotamento do modelo de acumulação

158
taylorista/fordista, da administração keynesiana e do Estado de bem-estar social. Segundo
HOBSBAWN (1997, p. 19), “a crise afetou várias partes do mundo de maneiras e em graus
diferentes, mas afetou a todas elas, fossem quais fossem suas configurações políticas, sociais e
econômicas”. As diferentes formas de enfrentá-la traduziram-se em um novo estágio do
capitalismo mundial, cujas características são a internacionalização do capital, a globalização150 e a
financeirização da economia, a reorganização produtiva com bases flexíveis, a remodelação da
estrutura de poder e a novas formas de organização e gestão, tanto no setor público quanto no
privado, conforme veremos a seguir.

4.2 O novo modelo de organização produtiva

O contexto de profunda recessão econômica e de aumento nas pressões competitivas


internacionais levou as empresas, de um lado, a buscar espaços mais amplos de acumulação através
da globalização da economia e, de outro, a reestruturar e reorganizar a produção, criando um novo
padrão de acumulação capitalista, denominado de acumulação flexível.
Segundo Harvey (2000, p. 140), a acumulação flexível, a fim de superar a rigidez do sistema
fordista, apóia-se na “[...] flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos
produtos e dos padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores da produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”,
para atender a uma gama bem mais ampla de necessidades do mercado, incluindo as rapidamente
cambiáveis.
A especialização flexível consiste na tentativa de colocar produtos mais variados no mercado,
respondendo com maior rapidez às instáveis demandas de consumo. A produção em massa dos
bens homogeneizados (uniformes e padronizados), próprios do fordismo, é substituída pela
variação produtiva de bens, em pequenos lotes diferenciados, de acordo com o gosto dos
consumidores individuais. Com efeito, os processos de produção de base rígida, operando em
imensas linhas de montagem, com grandes estoques de produtos duráveis, envolvendo uma

150Segundo Fonseca (1997, p. 2), a globalização é a síntese de transformações radicais pelas quais vem passando a
economia mundial desde o início dos anos 80, resultado da junção de três forças poderosas: 1) a terceira revolução
tecnológica (tecnologias ligadas à busca, processamento, difusão e transmissão de informações; inteligência artificial;
engenharia genética); 2) a formação da área de livre comércio e blocos econômicos interligados (Mercado Comum
Asiático, a União Européia e o Nafta) [como uma nova forma de o capitalismo imperialista constituir mercados
regionais cativos, mais amplos e fortemente protegidos]; 3) A crescente interligação patrimonial e a interdependência
dos mercados industriais e financeiros, em escala planetária, ou seja, não apenas entre as principais economias
capitalistas, mas com participação também dos países socialistas.

159
potenciação imensa do trabalho manual e desenvolvendo-se numa lógica de adestramento, vão
dando lugar aos processos de base modular e produção enxuta. O ataque à rotina padronizada
desmantelou a velha linha de montagem, substituindo-a por ilhas de produção isoladas,
fragmentando e dispersando todas as esferas e etapas da produção, introduzindo processos
flexíveis - “flextempo”, horários flexíveis, trabalho domiciliar, trabalho por tarefas.
Correspondendo a essa nova organização produtiva surge o gerenciamento
descentralizado, o qual implica o desaparecimento da figura do supervisor, permite aos
trabalhadores maior controle sobre suas próprias atividades e adota modelos de organização
cooperativa e discursiva, em cujas tomadas de decisão os trabalhadores são envolvidos. O novo
princípio fundamental é o da “auto-regulação”, isto é, ao trabalhador é atribuída maior
responsabilidade pela sua própria eficiência, produtividade ou permanência no trabalho.
Este cenário dá origem a um novo perfil de gestor, alguém que não mais centraliza o
poder, mas coordena e agiliza a tomada de decisões por parte das próprias equipes de trabalho. O
novo líder é aquele que tem capacidade de influenciar as pessoas; sua tarefa não é ditar normas,
mas organizar as ações, trabalhar na diversidade, conviver com outras opiniões e estabelecer trocas
mútuas.
Portanto, a flexibilização mudou a natureza do trabalho. A racionalidade técnica,
burocrática, e normativa é substituída por competências de interação e responsabilidade, a fim de
torná-las mais funcionais e ajustá-las às incessantes mudanças numa sociedade cada vez mais
competitiva, exigente e sujeita a imprevistos permanentes. O trabalho em grupo, a cooperação, a
participação, a autonomia e a gestão descentralizada do trabalho tornaram-se aspectos relevantes
para a prática administrativa moderna, disseminando-se a idéia de que estes aspectos contribuem
para as modificações na posição do trabalhador dentro da empresa e para a “democratização”151
das relações de trabalho.
Estes novos aspectos da gestão não se reduzem a novas formas de organização das
empresas em face da competição inerente à nova economia de mercado152. Eles revelam que as

151 A ênfase na idéia de democratização não significa que dentro da empresa o controle esteja desaparecendo, mas que
ele está apenas sendo reajustado. A maior flexibilidade na organização do trabalho não significa necessariamente maior
liberdade para o trabalhador; pelo contrário, representa formas mais sutis de centralização, controle e regulação dos
processos de trabalho, como o monitoramento por meios eletrônicos (internet, telefone), denominados por Lima
(1994, p. 120) de neo-taylorismo ou taylorismo informático. Na verdade, o que se verifica na prática é que fisicamente o
trabalho é descentralizado, mas o controle sobre o trabalhador é mais direto. Ao mesmo tempo, a contestação da
velha ordem burocrática não significou menos estrutura institucional.
152 É importante ressaltar que estas mudanças organizacionais caracterizam uma tendência, mas não atingem a todos

os setores da produção, aplicam-se apenas a um grupo de trabalhadores. Ao lado de trabalhadores flexíveis ainda
subsistem trabalhadores nos moldes tradicionais do taylorismo/fordismo. Também ao lado das maciças fusões e
diversificações corporativas existe o retorno aos pequenos negócios e estruturas organizacionais de tipo artesanal

160
novas formas dos homens se pensarem e se organizarem socialmente condicionam as demais
formas de organização política e social da atualidade e compelem os indivíduos a buscar
autonomia pessoal frente às estruturas coletivas, baseadas no valor normativo das tradições ou do
poder do Estado, e a se desvincular das lealdades institucionais. Deste ponto de vista, o
comprometimento com os desejos individuais de consumo, de propriedade privada e de liberdade
individual, a opção pela apologia crescente da autonomia, da liberdade de fazer escolhas, de
realizar seus interesses particulares e o desprezo pela ética geral ou princípios coletivos são
manifestações de uma nova configuração das atividades e das condições de existência humana.

4.3 A redefinição do papel do Estado

A dificuldade para sustentar a acumulação na forma fordista/keynesiana, a crise fiscal e o


crescente desemprego, estão relacionados aos novos padrões de concorrência capitalista
internacional aos quais as empresas estão expostas, exigem não apenas um agudo processo de
concentração e centralização de capitais e transformações na organização interna dos processos de
trabalho, mas também alterações nos alvos de atuação e na capacidade de intervenção estatal.
Ganham ênfase as idéias neoliberais, não apenas entre os países capitalistas, mas também
socialistas, a exemplo da União Soviética após a Perestróika, fazendo ressurgir, de um lado, a
crença no mercado livre e competitivo para a regulação das atividades econômicas, para a
resolução dos conflitos e para os ajustes das demandas sociais, e, de outro, a dispensa e a rejeição
da presença estatal (FRIEDMAN, 1988).
Para os teóricos neoliberais, o Estado interventor, considerado como sinônimo de
ineficiência, desperdício, privilégios e corrupção, deve ceder lugar para o Estado-mínimo, devendo
o mercado ser regido por leis “naturais” e espontâneas, com ênfase na auto-regulação.
Os programas de reformas encaminhados nos anos 80 têm como pontos principais: a
liberalização da economia através da política do livre-cambismo e da desregulamentação financeira;
a privatização de empresas estatais; a austeridade no gasto público; a reestruturação das políticas
sociais com a hipertrofia da ação do Estado, a reforma tributária fiscal e previdenciária, para a
desregulamentação da economia e flexibilização das relações trabalhistas; o enfraquecimento do
poder dos sindicatos, a fim de incentivar agentes econômicos e atrair investimentos; a promoção
da estabilidade monetária a fim de garantir um mercado estável capaz de gerar confiança dos

doméstico, familiar, paternalista, que implicam mecanismos distintos de controle do trabalho. Com efeito, o que existe
na prática são estratégias tayloristas/fordistas e flexíveis ou a combinação entre ambas.

161
investidores; o estímulo à competição entre as empresas públicas e privadas; a atuação do Estado
como árbitro, estabelecendo as regras do jogo do livre mercado e garantindo sua obediência.
Assim, o antigo Estado keynesiano ou do bem-estar, consolidado no pós-guerra, é
gradativamente substituído pelo chamado Estado-mínimo, cujo papel deve ser cuidar dos direitos
de propriedade e reforçar os contratos privados, enquanto o mercado se encarrega, por si só, de
promover a distribuição de benefícios, rendas e salários e garantir o bem-estar geral (FRIEDMAN,
1988).
No Brasil o governo Collor (1990-1992) representou o marco inicial das novas políticas,
caracterizadas particularmente pelo enxugamento do papel do Estado. No documento apresentado
à sociedade brasileira em 1991, intitulado “Um Projeto de Reconstrução Nacional”, Collor já deixava
claro a necessidade de “uma mudança significativa na natureza do Estado e nas suas formas de
atuação. O que se propõe é um Estado menor, mais ágil e mais bem informado, com alta
capacidade de articulação e flexibilidade para ajustar suas políticas” (COLLOR, 1991, p. 25).
Dentre as medidas propostas para a modernização do Estado brasileiro encontravam-se:
aperfeiçoar dos mecanismos de controle dos gastos e reformulação de financiamento do setor
público (Ibid., p. 26); ampliar da abrangência do sistema tributário, reduzindo os níveis de evasão e
sonegação fiscal (Ibid., p. 27); promover a reforma administrativa (Ibid., p. 30); eliminar controles
e regras, considerados obstáculos para o desenvolvimento das atividades produtivas e interferência
indevida do Estado na vida dos cidadãos, por meio da criação de um Programa Federal de
Desregulamentação (Ibid., p. 32); privatizar, englobando a venda de empresas, concessão o setor
privado de exploração dos serviços públicos e a execução de obras públicas (Ibid., p. 33), por meio
do Programa Nacional de Desestatização; resgatar o caráter público das empresas estatais (Ibid., p. 33).
Buscava-se, por meio dessas medidas, recuperar a estabilidade e retomar o crescimento
econômico.
Embora as políticas neoliberais tenham sido alvo de fortes questionamentos e críticas, a
década de 1980 foi marcada pelo avanço das políticas anti-intervencionistas. Porém, na década de
1990, recoloca-se em discussão o papel do Estado na economia e na sociedade, agora sob o
impacto não apenas das críticas às políticas neoliberais de liberalização e privatização, mas também
dos resultados decepcionantes alcançados por meio delas. Neste contexto, tem início a segunda
fase das reformas neoliberais (SANTOS, 1998): a da discussão sobre o modelo de administração
pública gerencial ou o modelo de Estado liberal-social uma alternativa para o Estado-previdência,
para além das teorias de esquerda (socialismo-comunismo) e das políticas de direita (liberalismo).
Nessa nova fase, ao contrário da anterior, parte-se da idéia de que, no capitalismo global, a
presença do Estado forte é imprescindível, motivo pelo qual lhe é atribuída outra qualidade.

162
4.4 Administração pública gerencial – um novo paradigma de administração
pública

Os defensores do modelo da gestão pública gerencial reconhecem os limites do


neoliberalismo e entendem que a proposta de Estado-mínimo não faz sentido algum na sociedade
atual; por isso, defendem a necessidade de se reinventar o Estado ou reformá-lo. Produz-se, assim,
a idéia de que o Estado deve redefinir seu papel/função, reestruturar-se e modernizar-se, de forma
a poder responder com maior rapidez e eficiência às constantes mutações do mercado global e às
demandas sociais, a exercer um papel mais decisivo na reorganização do processo produtivo e a
diversificar as fontes de financiamento. Vê-se nessa redefinição a possibilidade de se liberar a
economia conduzindo-a a um novo ciclo de crescimento econômico. O problema da
governabilidade e da eficácia administrativa torna-se questão central nos debates e nas reformas
políticas dos anos 90.
As propostas do New Public Management e Reinventing Government, conjunto de doutrinas
globalmente semelhantes que têm por base as práticas da gestão empresarial, têm influenciado as
reformas administrativas de diversos países, implicando numa modificação profunda do modelo
burocrático weberiano (organização guiada por procedimentos rígidos, forte hierarquia,
centralização e delimitação nítida da esfera pública em relação à privada) e um redirecionamento
das formas de intervenção do Estado e de gestão das políticas públicas passando a orientar-se
pelas seguintes estratégias de atuação:

a) limitar seus esforços à organização da produção de bens e serviços, não cabendo prestá-los
diretamente;
b) empreender novas formas de financiamento e administração dos recursos;
c) estimular soluções fora do setor público, em geral terceirizando, estabelecendo parcerias e
contratando serviços no mercado;
d) favorecer a participação crescente do trabalho voluntário e do “terceiro setor” na provisão
dos serviços públicos;
e) concentrar-se nas atividades de facilitação da solução dos problemas pela ação catalisadora
aplicada a toda comunidade, forçando a criação de estratégias empreendedoras;
f) atuar como regulador e normatizador; separar a direção/gerenciamento das políticas da
prestação/execução de serviços;
g) combater a prática monopolista, privilegiando a liberdade de escolha e estimulando a
competição (pública e/ou privada) entre os que prestam serviços públicos;
h) inventar novos sistemas orçamentários para a aquisição de recursos, como, por exemplo, a
concessão de subsídios, fornecimento de vales, investimentos acionários e premiação para
instituições que obtiverem melhores resultados ou demonstrarem maior habilidade de
atrair o capital privado;
i) eliminar entraves burocráticos orientando-se por projetos, missões ou tarefas, focalizando
os resultados/fins desejados ao invés de se concentrar no processo/meios e na obediência
de regras e regulamentos;

163
j) dar liberdade aos escalões mais baixos de escolher os métodos mais apropriados para o
cumprimento de metas pré-fixadas, dotando-os de autonomia e favorecendo a máxima
flexibilidade para aumentar a rapidez das respostas às circunstâncias cambiantes e
imprevistas;
k) exercer influência por persuasão e incentivos, sem usar comandos;
l) controlar e fiscalizar o desempenho dos serviços prestados, através da adoção de
mecanismos de avaliação da satisfação do cliente e de conhecimento de sua opinião e
vontade, a fim de regular o sistema, de orientar suas ações e orientar as ações da gestão;
m) atuar de forma preventiva;
n) encontrar fontes de recursos alternativas aos impostos, como fonte primordial de receitas;
o) descentralizar, delegando autoridade, confiando poder e atribuindo responsabilidades aos
cidadãos, em lugar de simplesmente servi-los;
p) promover o gerenciamento com participação, oferecendo à comunidade maior autonomia
e estimulando-a a ter mais iniciativa e capacidade de decisão para resolver seus próprios
problemas;
q) orientar suas ações, privilegiando os mecanismos do mercado (competição, livre escolha,
opção do consumidor, tomadas de decisão baseadas nos melhores resultados), estruturar o
mercado (estabelecer regras, orientar as decisões dos agentes privados) e induzi-lo a
mudanças (divulgar informações sobre a qualidade dos serviços, estimular a demanda,
catalisar a formação de novos setores do mercado e conceder incentivos para influenciar a
oferta de preços e serviços;
r) abrandar ou reverter o crescimento do setor administrativo, diminuindo as despesas
públicas e o número de funcionários; informatizar153 os serviços públicos; investir na
transparência na administração e maior flexibilidade.
s) redefinir seus usuários como clientes/consumidores, oferecendo-lhes opções e serviços
para sua livre escolha; concentrar-se na identificação e atendimento de suas necessidades e
preferências particulares (OSBORNE E GOEBLER, 1998).

Nessa perspectiva o Estado vai delineando seu novo perfil, no qual deixa de ser provedor e
executor direto dos serviços públicos, para desempenhar muito mais um papel de regulador,
reservando-se o direito de conceber, programar, acompanhar, avaliar e fiscalizar o desempenho e
resultados. Ao assumir essas novas funções delega responsabilidades administrativas e financeiras
às instâncias gestoras do sistema e as próprias escolas, instituindo a “gestão compartilhada” e
incentivando “parcerias” entre as diferentes instâncias de governo, com a sociedade civil e com o
setor privado. Trata-se de uma política de “descentralização administrativa”, mas que tem sido
apontada como um mecanismo de desresponsabilização do Estado do seu papel de mantenedor da
escola pública, conforme veremos mais adiante.

153A utilização por parte dos vários órgãos da administração pública de tecnologias de comunicação e informação
(como redes alargadas, internet e computação móvel) é denominada de e-governament (governação eletrônica). Essas
tecnologias podem servir para uma variedade de fins: disponibilizar aos cidadãos acesso a serviços e informações;
incentivar a participação do cidadão na administração pública; melhorar a interação com o cidadão, empresas e entre a
própria administração pública (como, por exemplo, transações para pagamentos de impostos e serviços, serviços de
correio interno para circular informações, publicar documentos e fornecer dados, e sites sofisticados que garantem
acesso a serviços).

164
4.5 A reforma administrativa do Estado brasileiro

A reforma do aparelho do Estado é um projeto amplo, que diz respeito a várias áreas do
governo. Exige reformas no sistema jurídico-legal, reforma tributária e fiscal, reforma
previdenciária e reformas econômicas.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado em 1995 pelo extinto Ministério
da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), incorporado pelo atual Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, procurou criar condições para a reconstrução da
administração pública com base no novo modelo de administração pública tendo como
componentes básicos: (1) a delimitação da área de intervenção/atuação do Estado por intermédio
dos programas de privatização, terceirização e publicização, por meio da criação das chamadas
organizações sociais154; (2) a redefinição do papel regulador do Estado por meio da desregulação da
economia e da adoção de mecanismos de mercado nas políticas estatais, com programas de
redução dos níveis hierárquicos e descentralização vertical para os níveis estadual e municipal e
para o setor público não-estatal; (3) o “aumento da governança do Estado” a ser obtida com o
ajuste fiscal, com a adoção do modelo gerencial e com a distinção entre as responsabilidades na
formulação e execução das políticas estatais; (4) o aumento da “governabilidade” que abrange
projetos de aperfeiçoamento dos mecanismos da democracia representativa e do controle social
“para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados”; (4) a prática da “competição administrada
no interior do próprio Estado, quando há a possibilidade de estender a concorrência entre
unidades internas”; (5) a “autonomia do administrado na gestão dos recursos humanos, materiais e
financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados”;
(6) “maior participação dos agentes privados e/ou organizações da sociedade civil e deslocar a
ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)” (MARE, 1995, p. 22).
Tendo como referência as mudanças vivenciadas na sociedade e no papel do Estado nos
anos 90, a seguir verificaremos como elas determinaram a necessidade e influenciaram as
propostas da reforma educativa, especialmente no que diz respeito à gestão do sistema de ensino e
das unidades escolares.

154O Projeto das Organizações Sociais tem por objetivo permitir a descentralização de atividades no setor de prestação de
serviços não-exclusivos do Estado (que terão autonomia administrativa e financeira), transferindo a execução para o
setor público não-estatal e mantendo o financiamento do Estado. Busca-se, também, a maior participação da
sociedade, por meio de sua participação nos conselhos de administração e parceria num regime de co-gestão.

165
5. As políticas públicas para a educação brasileira na década de 90

A crise dos anos 80-90 representa não apenas a falência de um modelo de crescimento
industrial fundado na produção de massa, mas, sobretudo, o prenúncio de que a sua superação
estaria vinculada à adoção de um novo paradigma tecnológico organizacional e de gestão do
trabalho.
As tendências pós-modernas de globalização, inovação e competitividade entre as
empresas, ao invés do trabalhador parcial, excessivamente especializado, com conhecimentos
fragmentados e dirigidos para ocupações bem definidas, exigem um novo perfil, com habilidades e
capacidades intelectuais que lhe possibilite adaptar-se à produção flexível.
Dentre essas novas competências estão: capacidade de abstração, de seleção, interpretação
e processamento de informações; autonomia intelectual, moral e ética; atenção e responsabilidade;
capacidade de comunicação; capacidade de identificar e resolver com agilidade problemas
decorrentes da própria variabilidade e dos imprevistos produtivos; criatividade; inteligência;
capacidade de adquirir visão de conjunto do processo produtivo; capacidade de assumir múltiplos
papéis; flexibilidade para se adaptar às novas situações; capacidade de gerar resultados; busca de
aperfeiçoamento contínuo; autodisciplina; capacidade de trabalhar em equipe; capacidade de
liderança, de gerenciamento (REVISTA EXAME, 1997, p. 36-37).
Todas estas habilidades passam a ser consideradas pelos homens de negócios como mais
importantes para os setores produtivos do que o simples adestramento taylorista/fordista para os
postos de trabalho. Elas correspondem às necessidades de uma sociedade de base cada vez mais
automatizada, competitiva, flexibilizada, cujo tempo de produção e de consumo é mais acelerado e
a mão de obra, tornando-se desqualificada e obsoleta rapidamente, tornando necessária a
constante requalificação155.
Segundo Sennett (2000, p. 9), nos setores dinâmicos da economia, a ênfase na flexibilidade
está mudando o próprio significado do trabalho: “[...] atacam-se as formas rígidas de burocracia, e
também os males da rotina cega. Pede-se aos trabalhadores que sejam ágeis, estejam abertos a
mudanças a curto prazo, assumam riscos continuamente, dependam cada vez menos de leis e
procedimentos formais”.
A criação de empregos menos rotineiros, a nova forma de organização, a combinação de
tarefas antes separadas, a rotação de tarefas, além de reduzirem a rigidez dos processos produtivos,

155Segundo Nordström e Ridderstråle (2001, p. 33): “Todas as empresas modernas competem em conhecimento, mas
este é perecível [...] ele tem prazo de validade [...]. A inovação contínua, tanto revolucionária, quanto evolucionária, é
uma necessidade [...] Ou somos rápidos ou fracassamos [...]”.

166
também exigem multifuncionalidade e flexibilidade dos trabalhadores para assumir tarefas
variadas156.
Autores como Frigotto (1994) e Bruno (1996) afirmam ter havido um deslocamento do
foco de exploração do componente muscular para o componente intelectual do trabalho. Para
Drucker a “Administração Científica já não consegue mais aumentar a produtividade; portanto,
para atender às exigências da sociedade capitalista é preciso encontrar novos fatores de
produtividade para otimizar o desempenho econômico das empresas”. O trabalho intelectual deve,
então, ser convertido em recurso produtivo. Por isso, segundo ele, “uma das funções primordiais
da administração nos países adiantados, nas próximas décadas, será o de tornar produtivo o
conhecimento” (DRUCKER, 1975, apud FÉLIX, 1984, p. 36). Nesse sentido, “o aumento da
produtividade não se limita apenas ao nível da maior exploração do trabalhador manual, mas
implica a subordinação progressiva do trabalho intelectual, de modo geral, ao movimento de
expansão do capital” (FÉLIX, 1984, p. 37).
Num mundo cada vez mais competitivo, incerto e efêmero, de produção de novos
conhecimentos e inovações tecnológicas aceleradas, as informações precisam ser atualizadas
constantemente, tornam-se mercadorias cada vez mais valorizadas, pois implicam a possibilidade
de alcançar uma importante vantagem competitiva.
As mudanças na sociedade parecem estar criando uma nova civilização baseada na alta
tecnologia e na informação. Por isso, para muitos autores, estamos vivendo na “era do conhecimento”,
na “sociedade do conhecimento” ou “sociedade da informação”157, na qual a educação é uma questão crucial
tanto para trabalhadores, quanto para empresários e nações. No cenário da globalização o
conhecimento científico e tecnológico surge como um novo instrumento de competição entre
países, corporações e indivíduos (NORDSTRÖM e RIDDERSTRÅLE, 2001, p. 23). Daí a notável
valorização retórica da educação, especialmente da educação básica, que se tem observado nas
últimas décadas. Um depoimento dado pelo então vice-presidente Marco Maciel e publicado na

156 Os conceitos de polivalência, policognição, multi-habilitação, formação abstrata, especialização flexível,


relacionados às mudanças no setor produtivo, emergem no discurso empresarial, acompanhados pela revalorização da
educação básica e da formação humana voltados para a formação do “novo” perfil profissional, exigidos pelo “novo”
paradigma da produção capitalista (FRIGOTTO, 1999).
157 Porém, o processo que requer novas qualificações e conhecimentos ampliados contém contradições que parecem

inconciliáveis, pois tem outra face, a da crescente desqualificação da força de trabalho. Ao enfatizar a valorização do
conhecimento, este tipo de visão ignora o movimento de acumulação, centralização do capital, decorrentes da própria
forma de organização e das relações capitalistas de produção. Com isto não percebemos a ambigüidade que envolve a
questão, ou seja, à medida que o capital avança, o trabalho humano tende a ser objetivado na máquina, dispensando
mão-de-obra, cindindo, simplificando e desqualificando a maior parte das ocupações. Assim, de acordo com
Braverman (1987, p. 373), “a demanda de trabalho ‘mais instruído’ não pode, portanto, ser explicada pelas ‘mudanças
tecnológicas e correlatas necessárias à maioria das funções’[...]”. “Quanto mais a ciência é incorporada no processo de
trabalho, tanto menos o trabalhador compreende o processo; quanto mais um complicado produto intelectual se torne
a máquina, tanto menos controle e compreensão da máquina tem o trabalhador” (Ibid., p. 360).

167
Folha de São Paulo, em 26 de novembro de 1995, é um bom exemplo desta preocupação na
época.

[…] A globalização da economia, os processos de integração econômica, os


avanços tecnológicos no setor produtivo e a circunstância de que o comércio
mundial cresce a taxas mais elevadas do que a produção criam, contudo, desafios
que não são apenas conjunturais e que não afetam somente o Brasil, mas tanto as
economias desenvolvidas quanto os países em desenvolvimento.
Esses são na verdade os desafios do futuro. A pauta econômica do mundo se
centra hoje no binômio emprego e competitividade. Quanto mais integrados os
mercados, quanto mais globalizada a economia, maiores são os desafios da
competição.
O país, é claro, não está imune a esses problemas, mas no nosso caso, porém, o
desafio é maior porque a equação é ainda mais complexa. O nosso binômio na
verdade é um trinômio, pois antes o que era uma vantagem comparativa - a mão-
de-obra barata, com menos níveis de remuneração - transformou-se numa
desvantagem comparativa, que hoje constitui a terceira variável ou a terceira
incógnita: a educação. Esse é o nosso verdadeiro desafio e o mais desafiador dos
problemas estruturais com que nos defrontamos e que teremos de vencer [...]
A educação não é apenas o primeiro passo, é o passo essencial. É, sobretudo, o
pressuposto indispensável para o exercício da cidadania. O Brasil que consolidou
a democracia, recuperou a estabilidade econômica, está preparado, com
legitimidade democrática e a credibilidade social, para responder a esse desafio.
Sem isso os países podem viver, mas não prosperam; podem subsistir, mas não
progridem; podem sobreviver, mas não lideram (MACIEL, 1995, p. 1-3).

Embora o capital demande uma maior apropriação de conhecimentos, o que significa


maior tempo de escolaridade e maior qualidade, o nível de escolaridade, no Brasil é considerado
precário quanto aos indicadores de analfabetismo e subescolarização. Os indicadores sociais
colocam o país em situação muito desconfortável. Nos relatórios da ONU sobre o
desenvolvimento humano, em 1994, o Brasil ocupava o 63° lugar, com uma das piores taxas de
analfabetismo funcional do mundo. A ineficiência do sistema, em termos quantitativos, é
identificada no rendimento escolar, conforme se pode verificar nos dados divulgados pela Folha
de São Paulo, Caderno Especial, 31/06/94, p. A-8.

O Brasil teve uma das maiores expansões da rede escolar em todo o mundo, mas
a massificação do ensino reduziu drasticamente a qualidade das escolas e os
salários dos professores. Diante das necessidades o país ainda investe pouco em
educação. As taxas de repetência são as maiores do mundo. No entanto, o
problema maior é a ineficiência dos recursos empregados, com a mesma taxa de
investimento na área, países com um PIB semelhante conseguem resultados
melhores. Diante das suas possibilidades econômicas, o Brasil tem a pior taxa de
analfabetismo funcional do mundo (analfabeto funcional é aquele que tem
menos de quatro graus da escolaridade). A taxa oficial de analfabetismo no Brasil
é de 18%. Isto quer dizer que, para as estatísticas, cerca de 28 milhões de
brasileiros não sabem ao menos identificar as letras [...] A situação de boa parte
dos 82% ‘não analfabetos’ não é muito melhor que a dos que nunca foram à
escola. O critério oficial indica alfabetizados pela capacidade de ‘saber escrever

168
um bilhete simples’. Conceitos mais exigentes, no entanto, abarcariam quase 60
milhões de brasileiros na categoria de analfabetos [...] as universidades brasileiras
atendem a uma minúscula camada da população - 1,6 milhão de alunos,
contabilizadas as públicas e as privadas. Mantido o status-quo, estima-se que
menos de cinco entre cada 100 crianças na faixa etária de 7 anos de idade que
iniciaram a 1ª série do ciclo básico em 1996 terão a oportunidade de freqüentar
um campus no ano 2008. Como se fosse um funil, o sistema de ensino irá
deixando a esmagadora maioria delas pelo caminho ao longo dos 11 anos
seguintes, como conseqüência da evasão e da repetência crônicas. Das 100
crianças iniciais, somente 44 chegarão a concluir a 8ª série. Destas, menos de 20
terminarão o 3° ano do segundo grau [...] mais de 55% das crianças matriculadas
na primeira série não concluem o ciclo fundamental. Das que terminaram,
apenas 3% o fazem nos oito anos regulamentares. A grande maioria repete o ano
uma ou mais vezes: na 1ª série o índice de repetência chega a 52%, na média
nacional. O resultado é que a maioria que persiste na escola leva, em média, onze
anos para concluir o 1° grau.

Em comparação a outros países, com renda per capita equivalente a situação escolar
brasileira, os dados revelam que:

Países Analfabetismo Taxa de Taxa de


10 – 14 ANOS Engajamento no Engajamento no
Ensino Médio Ensino Superior
Chile 3,0 70 23,3
África do Sul 33,4 71 13,9
Maurício 8,4 54 2,1
Estônia 0,1 91 23,4
BRASIL 17,8 39 11,7
Malásia 15,0 60 7,3
Venezuela 4,7 34 29,5
Hungria _ 82 15,3
Uruguai 2,8 83 32,0
Fontes: Banco Mundial: Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial, 1994.
UNESCO: Statistical Yerabook, 1994

Em relação aos investimentos a UNESCO e o Banco Mundial recomendam destinar 6%,


para o desenvolvimento da educação. No Brasil esse gasto em 1995, segundo dados da OCDE foi
equivalente a 5 % do PIB.
No que diz respeito à formação do professor, os dados são também alarmantes. Conforme
dados divulgados pelo próprio MEC revelam que mais de 65 mil professores em exercício sequer
completaram o ensino fundamental (8ª série) e outros 80 mil, possuem o ensino fundamental
completo.

169
Distribuição nacional por nível de formação e níveis escolares em que atuam – 1998

Nível de Total de Pré-Esc e 1ª à 4ª 5ª à 8ª ensino educação jovens


formação funções Alfabetiz. séries séries médio especial e
adultos
Ens.Fund. 65.968 20.581 44.335 712 18 322 567
Incompl.
Ens.Fund. 80.119 22.043 50.641 5.913 675 847 1.462
Completo
Ens. 916.791 174.948 531.256 153.258 38.250 19.079 32.150
Médio
Completo
Ens. Sup. 1.066.396 48.147 172.715 501.625 326.801 17.108 68.872
Completo
Total 2.129.274 265.719 798.947 661.508 365.744 37.356 103.051

Fonte: MEC/INEP: Sinopse Estatística 1996.


Nota: O mesmo docente pode atuar em mais de um nível/ modalidade de ensino e em mais de um estabelecimento

Em face disto, impunha-se a necessidade de uma reavaliação e da reformulação do sistema


educacional, desencadeando uma ampla discussão sobre as questões pedagógicas e a qualidade dos
serviços educacionais, entendida como produtividade. Os baixos índices da educação, amplamente
divulgados pela impressa, levaram muito a defender propostas que articulavam simultaneamente
críticas à ineficiência da escola pública com a necessidade de sua reorganização para atender às
novas demandas do capital.
As diretrizes apontadas nos principais documentos das políticas educacionais para a
educação básica correspondem à intenção de construir um projeto para o enfrentamento dos
problemas educacionais na sua base, articulando a educação às diretrizes da política econômica e
aos seus objetivos da modernização e produtividade. Dentre elas, estão: a) política do livro
didático com avaliação do conteúdo, licitação e política redestributiva; b) criação de instâncias de
avaliação do sistema educacional e controle dos resultados; c) redistribuição dos recursos
financeiros para compensar as desigualdades e corrigir os desequilíbrios regionais e sociais; d)
reformulação de métodos de ensino e conteúdos curriculares considerados inadequados; e)
expansão física do sistema de ensino fundamental para a correção de focos de carência; f)
reestruturação curricular e organizacional das instituições educativas; g) revalorização do
magistério, h) introdução de novos padrões de gestão com estímulo à descentralização
administrativa e financeira e gestão democrática das unidades escolares, i) avaliação institucional.
No próximo item, apontaremos, em linhas gerais, os principais documentos internacionais
orientadores da reforma do sistema educacional brasileiro nos anos 90.

170
5. 1 Orientações internacionais para a educação

As reformas educacionais brasileira, ocorridas a partir dos anos de 1990, tiveram como
arautos os organismos multilaterais, por esse motivo importa conhecer as propostas para a
educação presentes em alguns dos principais documentos.

Conferência de Educação para Todos

Para reverter os altos índices de evasão e repetência, o Brasil participou, em março de


1990, da Conferência de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia, convocada por quatro
agências internacionais: UNESCO (Organização das Nações unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) e o Banco Mundial. Desta conferência, resultaram posições
consensuais, sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos, que deviam constituir as
bases dos Planos Decenais de Educação, concebidos e elaborados para ser um instrumento na luta
pela universalização da educação básica como direito de todos e condição para a cidadania e para o
desenvolvimento. A Conferência foi a primeira referência explícita da influência dos organismos
internacionais na definição das políticas nacionais na área da educação.
Da Conferência participaram representantes dos governos, organismos internacionais e
bilaterais de desenvolvimento, organizações não-governamentais, associações profissionais e
personalidades destacadas no plano educacional em todo o mundo. Os 155 governos que
subescreveram a declaração ali aprovada comprometeram-se a assegurar uma educação básica de
qualidade a crianças, jovens e adultos. Segundo Shiroma et al. (2004, p. 57), o evento

foi um marco a partir do qual os nove países com maior taxa de analfabetismo
do mundo (Bangladesch, Brasil, China, Egito, Indonésia, México, Nigéria e
Paquistão), conhecidos com “E 9”, foram levados a desencadear ações para a
consolidação dos princípios acordados na Declaração de Jomtien. Seus governos
comprometeram-se a impulsionar políticas educativas articuladas a partir do
Fórum Consultivo Internacional para a “Educação para Todos” (Education for
All, EFA), coordenado pela UNESCO que, ao longo da década de 1990,
realizou reuniões regionais e globais de natureza avaliativa.

A Carta de Jomtien atribuiu à educação básica um lugar central, evidenciando sua


importância e prioridade, segundo os termos do documento:

171
Reconhecendo que uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer
os níveis superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica
e, por conseguinte, para alcançar um desenvolvimento autônomo; e
Reconhecendo a necessidade de proporcionar às gerações presentes e futuras
uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso a favor
dela desafio, proclamamos a seguinte: Declaração Mundial sobre Educação para
Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1998a,
Preâmbulo).

Embora o conceito de educação básica seja um conceito polêmico, mesmo para os


patrocinadores do evento, conforme Shiroma, Moraes e Evangelista (2004, p. 58), a educação
básica “prioriza a universalização da educação primária que, no caso brasileiro, correspondeu ao
ensino fundamental”.
De acordo com o documento, “admitindo que, em termos gerais, a educação que hoje é
ministrada apresenta graves deficiências, que se faz necessário torná-la mais relevante e melhorar
sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível” (UNESCO, 1998a), dentre os
objetivos da Conferência para assegurar a educação para todos estavam:

1. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de todos – criança, jovem ou adulto. Essas


necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como
a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os
conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e
atitudes), necessários para a sobrevivência e para o desenvolvimento humano;
2. Expandir enfoque – compreende universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade;
concentrar a atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio de ação da educação
básica; propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; fortalecer alianças.
3. Universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade – para tanto, é necessário garantir
igualdade de acesso e melhorar a qualidade da aprendizagem, bem como tomar medidas
efetivas para reduzir as desigualdades e discriminação na educação. Para isso se faz
necessário dar mais atenção aos grupos excluídos socialmente.
4. Concentrar a atenção na aprendizagem – que deve estar centrada na aquisição e nos resultados
efetivos da aprendizagem. Isso implica em abordagens ativas e participativas e de definir,
nos programas educacionais, os níveis desejáveis de aquisição de conhecimentos e
implementar sistemas de avaliação de desempenho.
5. Ampliar os meios e o raio de ação da educação básica – isto implica ampliar o alcance da educação
básica que começa na infância e se prolonga por toda a vida, proporcionados através de
estratégias que envolvam as famílias e comunidades ou programas institucionais, por
meio de modalidades formais e não formais (bibliotecas, a televisão, o rádio e outros
meios de comunicação de massa podem ser mobilizados em todo o seu potencial).
6. Proporcionar um ambiente adequado de aprendizagem – as sociedades devem garantir a todos os
educandos assistência em nutrição, cuidados médicos e o apoio físico e emocional
essenciais para aprender .
7. Fortalecer alianças – as autoridades responsáveis pela educação aos níveis nacional, estadual e
municipal têm a obrigação prioritária de proporcionar educação básica para todos. No
entanto, novas e crescentes articulações e alianças serão necessárias em todos os níveis:
entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel especial dos
professores, dos administradores e do pessoal que trabalha em educação; entre os órgãos

172
educacionais e demais órgãos de governo, incluindo os de planejamento, finanças,
trabalho, comunicações, e outros setores sociais; entre as organizações governamentais e
não-governamentais, com o setor privado, com as comunidades locais, com os grupos
religiosos, com as famílias. É particularmente importante reconhecer o papel vital dos
educadores e das famílias. Destaca-se as condições de trabalho e a situação social do
pessoal docente, elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para
todos.
8. Desenvolver uma política contextualizada de apoio – nos setores social, cultural e econômico,
sendo respaldada por medidas fiscais e por uma política adequada em matéria de
economia, comércio, trabalho, emprego e saúde e ratificados por reformas na política
educacional, o que implica o fortalecimento institucional, a melhoria do ensino superior
e o desenvolvimento da pesquisa científica e o contato estreito com o conhecimento
tecnológico e científico contemporâneo.
9. Mobilizar recursos – financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários dirigidos à
educação básica. Por parte do setor público significa atrair recursos de todos os órgãos
governamentais responsáveis pelo desenvolvimento humano, significa, também, cuidar
para que haja uma melhor utilização dos recursos e programas disponíveis para a
educação, como também, a realocação dos recursos de outros setores.
10. Fortalecer a solidariedade internacional – promovendo relações econômicas mais justas e
eqüitativas para corrigir as disparidades entre as nações, priorizando apoio aos países
menos desenvolvidos e com baixa renda a fim de atenuar as limitações que impedem de
alcançar a meta da educação para todos e de eliminar conflitos e disputas locais
promovendo a paz mundial (UNESCO, 1998a).

Com a finalidade de atingir os objetivos estabelecidos resultaram metas a serem alcançadas


e princípios de ação a serem executados durante o decênio pelos países signatários. A Conferência
também produziu um diagnóstico sobre vários países para traçar as condições adequadas para a
concretização das metas. Assim, a carta aprovada sugeria um Plano de Ação ao qual os países
poderiam recorrer para elaborar os seus próprios planos de ação e programas.
Para Shiroma et al. (2004, p. 59-60), a Conferência “deveria funcionar, ela mesma, como
momento de difusão e expansão do projeto educacional internacional. Não sem razão, foi
marcado para abril de 2000, em Dakar, um encontro para avaliação das ações que os países
conseguiram efetivar desde então”.

Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos

Em 6 de dezembro de 1993, Indonésia, China, Bangladesh, Brasil, Egito, México, Nigéria,


Paquistão, Índia assinam a Declaração de Nova Delhi sobre Educação para Todos. Nela os nove países
reafirmam o compromisso com as metas definidas pela Conferência Mundial sobre Educação para
Todos. De acordo com o documento,

Nós, os líderes dos nove países em desenvolvimento de maior população do


mundo, reiteramos por esta Declaração nosso compromisso de buscar com zelo

173
e determinação as metas definidas pela Conferência Mundial sobre Educação
para Todos e pela Cúpula Mundial da Criança, realizadas em 1990, de atender às
necessidades básicas de aprendizagem de todos os nossos povos tornando
universal a educação básica e ampliando as oportunidades de aprendizagem para
crianças, jovens e adultos. Assim fazemos com consciência plena que nossos
países abrigam mais do que a metade da população mundial e que o sucesso de
nossos esforços é crucial à obtenção da meta global de educação para todos
(UNESCO, 1998b, Preâmbulo).

Nessa reunião foi apresentado o Plano Decenal de Educação brasileiro, que “despertou uma
atenção muito grande, tanto que o Brasil aceitou ser sede de uma Conferência Nacional e
Internacional de Educação para Todos, que seria realizada em 1994. Essa Conferência, segundo
consta em seus anais, envolveu a participação dos países do EFA-9 e organismos internacionais”
(PERONI, 2003, p. 93).

Compromisso de Dakar

Em abril de 2000, decorridos dez anos da realização da Conferência de Jomtien, a


UNESCO promoveu em todo o mundo amplo processo de avaliação dos progressos alcançados,
tendo em vista o grande objetivo de “educar todos os cidadãos de todas as sociedades”
(UNESCO/CONSED, 2001). Essa avaliação feita inicialmente em cada país (183 ao todo),
posteriormente em cada continente e finalmente no fórum mundial, chegou a seguinte conclusão:

A Avaliação de EPT 2000 demonstra que houve progresso significativo em


muitos países. Mas é inaceitável que, no ano 2000, mais de 113 milhões de
crianças continuem sem acesso ao ensino primário; que 880 milhões de adultos
sejam analfabetos; que a discriminação de gênero continue a permear os sistemas
educacionais; e que a qualidade da aprendizagem e da aquisição de valores e
habilidades humanas não satisfaçam as aspirações e necessidades dos indivíduos
e das sociedades. Nega-se a jovens e adultos o acesso às técnicas e
conhecimentos necessários para encontrar emprego remunerado e participar
plenamente da sociedade. Sem um progresso acelerado na direção de uma
Educação para Todos; as metas nacionais e internacionais acordadas para a
redução da pobreza não serão alcançadas e as desigualdades entre nações e
dentro de cada sociedade se ampliarão (UNESCO/CONSED, 2001, p. 8).

Os participantes do Fórum assumiram o Marco de Ação de Dakar, que expressa o


compromisso coletivo para a ação. Os governos têm a obrigação de assegurar que os objetivos e as
metas de EPT sejam alcançados e mantidos, para isso se comprometem a atingir as seguintes
metas fixadas:

1. Expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena,


especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas;

174
2. Garantir que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças
em circunstâncias difíceis e de minorias étnicas, tenham acesso à educação
primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano 2015;
3. Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos
sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada e a
programas de capacitação para a vida;
4. Atingir uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até
2015, especialmente para as mulheres, e acesso eqüitativo à educação
fundamental e permanente para todos os adultos;
5. Eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005
e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na
garantia ao acesso e o desempenho pleno e eqüitativo de meninas na
educação fundamental de boa qualidade e que consigam completá-la;
6. Melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência
para todos, de modo a garantir a todos resultados reconhecidos e
mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades
essenciais à vida (UNESCO/CONSED, 2001, p. 18-21).

Relatório Delors - a educação para o século XXI na perspectiva da Unesco

O Relatório Educação, um Tesouro a Descobrir (1998), redigido para a UNESCO pela Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenada por Jacques Delors. Iniciado em
1993 e concluído em 1996, o Relatório teve contribuições de especialistas do mundo todo, com o
objetivo der traçar algumas orientações válidas, tanto ao nível nacional como internacional. O
documento faz um diagnóstico sobre o atual contexto mundial, caracterizado pela “globalização”
das relações internacionais. Fenômenos como disparidade entre países ou regiões do mundo,
movimentos imigratórios, desemprego, subemprego, tensões sociais, violência, exclusão e
desigualdade social, poluições destruidoras ou perturbadoras da natureza dentre outros, são
descritos como parte deste contexto.
Em conseqüência destes fatos, o documento assinala três grandes desafios para as políticas
educativas: 1) promover vias e meios de desenvolvimento sustentável; 2) contribuir para a
compreensão mútua entre os povos, 3) renovar a vivência concreta da democracia (DELORS,
2001, p. 14).
Diante destes desafios, são estabelecidas as tarefas para a educação. Ou seja, o Relatório
Delors, ao apontar que os caminhos da educação deverão ser os do mundo globalizado, acentua a
centralidade da educação e sua suposta capacidade para garantir a empregabilidade, a participação
democrática, o desenvolvimento sustentável, a tolerância, a paz, a coesão social e a superação de
todas as formas de exclusão. Para dar conta do conjunto das suas missões, a educação, segundo o

175
Relatório (2001, p. 90), deve se organizar em torno de quatro pilares de aprendizagem, que, ao longo
de toda a vida158, serão a base do conhecimento de qualquer indivíduo.
Em primeiro lugar, o aprender a conhecer significa adquirir os instrumentos da compreensão,
envolve a aquisição da cultura geral associada a um determinado número de assuntos em
profundidade (DELORS, 2001, p. 90-91).
Em seguida, o a aprender a fazer, mais vinculado à formação profissional, significa aprender
a por em prática os conhecimentos adquiridos. Trata-se de combinar qualificação técnica e
profissional e comportamento social, ou seja, aptidão para o trabalho em equipe e a capacidade de
tomar iniciativa, gosto pelo risco, já que vai ingressar no mundo do trabalho informatizado,
diversificado, competitivo, informal, instável e imprevisível. Cabe destacar que, na medida em que
não existe referencial de emprego, a idéia que prevalece não é a da qualificação, mas a noção de
competência pessoal (Ibid, 93-95).
O aprender a viver juntos é considerado pela Comissão como um dos maiores desafios da
educação, implica preparar o indivíduo para gerir conflitos. Para isso, a educação deve se utilizar
de duas vias complementares. A primeira é a descoberta progressiva do outro, atitude que implica
a descoberta de si mesmo, do conhecimento da diversidade da espécie humana e da tomada de
consciência das semelhanças e interdependências entre todos os seres humanos do planeta. A
segunda, que se realiza ao longo de toda a vida, refere-se à participação em projetos comuns,
estimulando-se a cooperação e a solidariedade, métodos eficazes para evitar ou resolver conflitos
latentes (Ibid, p. 97-98).
Finalmente o aprender a ser significa preparar-se para agir e decidir por si mesmo em
diferentes circunstâncias da vida; envolve autonomia, iniciativa, criatividade, discernimento,
solidariedade e responsabilidade pessoal na realização de um destino coletivo.
Esses quatro pilares são os princípios indispensáveis que deverão, segundo o documento,
orientar a definição de novas políticas educativas em todos os países (DELORS, 2001, p. 18).
Diante dos níveis precários de escolarização básica verificados em todo o mundo o
documento sugere princípios que possam orientar as reformas educativas se pautam nos seguintes
aspectos comuns: a) combate à todas as formas de preconceito e discriminação, dirigindo especial
atenção às mulheres, populações rurais, pobres urbanos, minorias étnicas e crianças que trabalham;

158O Relatório introduz o conceito de educação ao longo de toda a vida, “dadas as vantagens que oferece em matéria
de flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço. É a idéia de educação permanente que deve ser
repensada e ampliada. É que, além das necessárias adaptações relacionadas com as alterações da vida profissional, ela
deve ser encarada como uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade
de discernir e agir” (DELORS, 2001, p. 18). A educação não se define a um período particular da vida, sendo encarada
como uma construção contínua de saberes e aptidões, da capacidade de discernir e agir. Vale dizer que essa
perspectiva não é nova – já anunciada no final dos anos 60 – Relatório Faure (1972).

176
b) compreensão e respeito ao Estado de Direito; c) fortalecimento de uma forma contemporânea
de lidar com o público e o privado, especialmente quanto aos valores, atitudes e conceitos
responsáveis, e envolvimento de pessoas em ONGs, em questões ambientais, dentre outras; d)
valorizar a participação, a solidariedade, o respeito e o senso de responsabilidade pelo outro e pelo
público; e) formação de hábitos democráticos e responsáveis pela vida civil; f) garantia de
igualdade de oportunidade e diversidade de tratamentos; g) constituição de identidades capazes de
suportar a inquietação, conviver com o incerto, imprevisível e o diferente; h) reconhecimento e
valorização da diversidade cultural, ou seja, das formas de se perceber e expressar a realidade
própria dos gêneros, etnias, regiões, grupos sociais e países; i) responsabilidade por construir a
cidadania num mundo que se globaliza; j) promover sistemas mais flexíveis, diversificados e mais
acessíveis no tempo e no espaço – alternância entre formação e experiência profissional, novas
formas de certificação e possibilidade de transferências entre diversas categorias de ensino; k)
combinar a escola clássica com contribuições exteriores à escola; l) envolver nas parcerias
educativas as famílias, empresas e diversos atores sociais; m) ofertas diversificadas em conteúdos,
níveis e métodos, devendo responder as demandas individuais – personalização do ensino; n)
programas flexíveis e dinâmicos, articulados a temas e projetos; o) descentralização – aumento da
reponsabilização e da capacidade de ação dos estabelecimentos do ensino; p) participação da
comunidade local na avaliação das necessidades; q) revalorização do estatuto dos professores
responsáveis pela educação básica, dentre outros.
O documento sugere ainda a “necessidade de cooperação internacional” e de “reforçar a
ação normativa da UNESCO a serviço de seus Estados membros, por exemplo no que concerne à
harmonização das legislações nacionais com os instrumentos internacionais” (DELORS, 2001, p.
210).

O Banco Mundial e as políticas para a educação

Criado em 1944, o Banco Mundial é um organismo multilateral de financiamento. É


composto por um conjunto de instituições BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento), que abrange outras agências: IDA (Associação Internacional de
Desenvolvimento), IFC (Cooperação financeira Internacional), ICSID (Centro Internacional para
a Resolução de Disputas sobre Investimentos), MIGA (Agência de Garantia de Investimentos
Multilaterais) e GEF (Fundo Mundial para o Meio Ambiente). Segundo Soares (1998, p. 16), desde
a sua criação, os EUA sempre tiveram enorme peso na gestão do BM, já que o estatuto do Banco
estabelece que a influência nas decisões e votações é proporcional ao aporte de capital. Segundo

177
Shiroma et. al. (2004, p. 73), a liderança norte americana deve-se também à ocupação da
presidência e ao poder de veto que possui. Hoje o banco conta com 176 países membros,
incluindo o Brasil.
Atualmente o Banco se transformou no maior captador de recursos financeiros, exercendo
profunda influência nos rumos do desenvolvimento econômico mundial, não apenas devido ao
volume de investimentos e à abrangência de sua área de atuação, mas também ao caráter
estratégico que vem desempenhando no processo de reestruturação econômica. A sua relevância
decorre do fato de que, ao conceder empréstimos, o Banco Mundial passou a intervir diretamente
na formulação das políticas internas dos países, por meio de assistência ou “cooperação” técnica
(SOARES, 1998).
No setor social o BM vem dando ênfase especial na educação, sendo um dos co-
patrocinadores da Conferência Mundial de Educação para Todos e, segundo Shiroma et all (2004,
p. 73), a partir dela “elaborou suas diretrizes políticas para as décadas subseqüentes publicando em
1995, o documento Prioridades Y Estrategias para la Educación”. Para as autoras este documento não
apresenta nenhuma novidade significativa em relação aos demais. O Relatório, ao considerar que a
educação tem um papel decisivo no crescimento econômico, no desenvolvimento sustentável e na
redução da pobreza, recomenda aos países: aumentar o acesso a educação, acrescentar equidade e
melhorar a qualidade; fazer chegar os benefícios da educação aos que dela carecem, incluindo os
adultos que não tiveram oportunidade de acesso á educação; prestar maior atenção à eqüidade ao
atendimento às meninas, aos pobres, minorias lingüísticas e étnicas e outros grupos
desfavorecidos; promover reforma financeira e administrativa dos sistemas de educação,
redefinindo a função do governo, buscando novas fontes de recursos, redistribuindo fundos de
outras esferas públicas e recorrendo ao financiamento privado; adotar estratégias flexíveis de
aquisição e utilização de insumos e vigiar o rendimento; prestar maior atenção aos resultados de
aprendizagem; as prioridades educacionais devem ser determinadas recorrendo a análises
econômicas, estabelecendo normas e medindo o rendimento escolar mediante exames de avaliação
de aprendizagem; dar mais participação ao grupo familiar, participando da direção da escola como
condição de facilitar o desempenho da escola como instituição, e exercendo a faculdade de
escolher entre distintas escolas e instituições; dar mais autonomia à instituições para utilizar os
insumos educacionais em conformidade com as condições escolar e da comunidade local, e ao
mesmo tempo, para tornar-se responsáveis pelos resultados; observar desempenho e vinculá-lo a
incentivos (BANCO MUNDIAL, 1995).
De acordo com o documento onde mais se justifica o financiamento público é na educação
básica, devendo recorrer ao financiamento familiar para a educação superior compartilhando seus

178
custos com os estudantes e suas famílias, os governos podem ajudar outorgando crédito para a
educação superior. Em relação à educação profissional indica o estreitamento dos laços do ensino
com o setor produtivo, fomentando vínculos entre o setor público e privado na oferta da educação
(BANCO MUNDIAL, 1995).
A maior importância atribuída à educação básica, especialmente a primária e secundária, se
justifica por ajudar “a reduzir a pobreza aumentando a produtividade do trabalho dos pobres,
reduzindo a fecundidade, melhorando a saúde, e dotar as pessoas de atitudes de que necessitam
para participar plenamente na economia e na sociedade” (SHIROMA et. al., 2004, p. 75).
Observa-se principalmente a partir dos anos 90, que as orientações dos organismos
multilaterais vão sendo universalizadas como receituário único, para alcançar o novo padrão de
acumulação internacional e a estabilidade sóciopolítica, definindo o caráter das reformas
educacionais em todo o mundo: construção de uma moderna cidadania e qualificação requerida
pelos novos paradigmas produtivos.
Dentre as orientações ressalta-se a idéia de cooperação entre as diferentes forças políticas e
econômicas no provimento da educação. Ou seja, o Estado não é visto mais como o provedor da
educação, ao seu lado outras organizações são chamadas para realizar essa tarefa social, isso
envolve compartilhar responsabilidades, por meio de parcerias, com outras esferas do poder
público, (ministérios, estado e municípios), com a sociedade civil (Ongs, famílias e cidadão
comum) e com empresas privadas. Assim, mediante o argumento de maior competência, agilidade
e efetividade na gestão, observam-se as sugestões de repasse das responsabilidades públicas a
terceiros. No entanto, ao Estado, no caso ao MEC, é resguardado o papel de formulação,
coordenação e acompanhamento159 das políticas públicas na área da educação e a conseqüente
redução do seu papel executivo. A esse respeito Shiroma et al. (2004, p.118) comentam,

Não se trata aqui de afirmar que o Estado abre, ou abrirá, mão do controle sobre
a educação, mas sim de que busca adquirir flexibilidade administrativa adotando
um tipo de gestão que mescla aspectos de descentralização e centralização.
Descentraliza decisões operacionais específicas e a responsabilidade pela
eficiência da escola, contudo acirra o controle sobre decisões estratégicas –
avaliação, currículo, programa de livro didático, formação de professores,
autorização de cursos e escolha de dirigentes.

159São introduzidos novos instrumentos de controle, regulação e fiscalização envolvendo a participação e controle
social, a realização de avaliações e a divulgação de informações.

179
No decorrer dos anos de 1990, a política educacional160 brasileira foi marcada por uma
série de medidas que reformaram profundamente o sistema educacional. Essas medidas seguiram
as recomendações internacionais, conforme veremos a seguir.

5.2 Planejamentos e planos para a educação brasileira na década de 90.

O governo Collor (1990-1992), na área educacional, foi marcado por ações limitadas a
anúncios de planos ou programa, que se efetivaram parcialmente ou nunca saíram do papel. O
PNAC - Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania, Plano Setorial e Projeto de Reconstrução Nacional
(1990) e o Projeto de Reconstrução Nacional (1991), foram os principais orientadores da política
educacional de seu governo.
O PNAC, divulgado em setembro de 1990, é voltado inteiramente para a universalização
do ensino fundamental e eliminação do analfabetismo: pretendia reduzir, num prazo de 4 anos, em
70% o contingente de analfabetos do país. Após seu lançamento, quase nada ocorreu em relação
às suas metas e a educação fundamental continuou aguardando ações efetivas.
Em dezembro de 1990 foi apresentado à nação o Plano Setorial de Ação do Governo Collor
para o período 1991/1995. Nesse documento o governo, aprofunda as idéias do PNAC,
explicitando detalhes de sua política educacional, fixando metas e definindo recursos. No item “A
Educação na Política Governamental”, o documento situa a educação como requisito fundamental
para a inserção do país na nova revolução tecnológica que atingia o mundo todo. No capítulo
dedicado ao diagnóstico da situação atual, o documento dava ênfase à baixa qualidade do ensino
ministrado no país e situava, nesta questão, o problema principal da educação brasileira.
Corretamente, o diagnóstico apontava a evasão escolar e a repetência como problemas mais
críticos. Porém, não se definia com objetividade em qual ou quais níveis de ensino se
concentrariam as atenções do governo federal. Assim, a questão da qualidade do ensino acaba
sendo nada mais do que um item dentro do Programa.
Em fevereiro de 1991, quase um ano após sua posse, o Governo Collor lançou um
documento “Brasil, um Projeto de Reconstrução Nacional”, que se diferenciava sobremaneira de outros
documentos oficiais. O Plano, que dava grande ênfase à necessidade de se efetuar uma ampla
reforma, propunha uma revisão e uma profunda alteração no papel do Estado. Apontava,

160Conforme Shiroma et. al. (2004, p. 87), “uma política educacional é mais abrangente do que a legislação proposta
para organizar a área. Realiza-se também pelo planejamento educacional e financiamento de programas
governamentais, em suas três esferas, bem como por uma série de ações não-governamentais que se propagam, com
informalidade pelos meios de comunicação [...]”.

180
portanto, para uma ampla reforma administrativa, tributária, com repercussão no padrão dos
gastos públicos, como condição fundamental para a modernização do Estado. O que se propunha
era um Estado menor e menos interventor. No termos do documento, “a reforma do aparelho do
Estado, necessária para adequá-lo às suas novas funções, está sendo realizada por meio da
desregulamentação, da privatização e reforma administrativa” (COLLOR, 2008, p. 30).
Ao longo do documento, a educação foi tratada de forma bastante inovadora. Na
introdução, o Projeto ressaltava que a crise atual da economia brasileira não é um fenômeno
conjuntural, mas conseqüência “da reorganização dos mercados internacionais e da acirrada
competição provocada pela emergência de novas lideranças entre os países industrializados” (Ibid.,
p. 18). Enfatizava, nesse quadro, a importância de um maior e melhor atendimento escolar.
Considerava-se fundamental a formação de uma nova cidadania capaz de enfrentar os “desafios da
modernidade produtiva” (Ibid., p. 66), ou seja, a revolução que está ocorrendo no “sistema
produtivo propiciada pelas inovações baseadas na microeletrônica e pelas novas formas
organizacionais a ela associadas, abrangendo desde a concepção de produtos e serviços até os
processos de produção e as relações de trabalho neles contidas” (Ibid., p. 18).
Considerando que a retomada do crescimento econômico, a melhoria dos indicadores
sociais e a estabilidade política deveriam passar por uma modernização produtiva da economia,
ressaltava que esta só ocorreria pela efetivação de reformas estruturais básicas. Entre elas,
enumerava a reforma das finanças públicas, a revisão dos espaços de atuação do Estado e da
iniciativa privada e também a educação, considerada esta como um dos elementos necessários à
reestruturação competitiva da economia e não como um instrumento de resgate da dívida social,
conforme as abordagens tradicionais.
A educação foi, assim, deslocada do quadro das políticas sociais e passou a ser considerada,
juntamente com outras áreas estratégicas – agricultura, indústria, infra-estrutura econômica, meio
ambiente, ciência e tecnologia - como fonte potencial de dinamismo para romper o quadro de
instabilidade macroeconômica e de estagnação das atividades que se configurou desde os anos 80.
Desse modo, quando se discutem as estratégias para a reestruturação competitiva, a
educação aparece ao lado das políticas industrial, de comércio exterior e agrícola e está inserida
num programa abrangente de reformas estruturais que visa a elevação da competitividade e a
modernização da economia. De acordo com o Projeto, estas deveriam ter na iniciativa privada sua
fonte de dinamismo. Ou seja, ao tratar do novo papel do governo federal na educação, o
documento, menciona que “à maior liberdade de atuação, seja quanto aos preços, seja quanto à
esfera pedagógica e curricular, do setor privado, deve corresponder uma melhora da educação

181
pública. Só assim o próprio mercado se encarregará de definir patamares mínimos de qualidade e
máximos de preços” (Ibid., p. 67).
Entretanto, vale ressaltar, que as creches e pré-escolas fazem parte da política social,
integrando o item O Resgate da Dívida Social. A educação de zero a seis anos é tratada como parte da
estratégia de combate à pobreza e assume um caráter assistencialista. De acordo com o
documento:

Creches e pré-escolas são serviços de grande relevância por seus efeitos positivos
no desenvolvimento infantil – alimentar, educacional e sanitário. Sobretudo no
caso de famílias pobres, além de complementar ou suprir as necessidades de
alimentação, atenção à saúde e estimulação psicomotora, prevenindo carências
que se multiplicam por toda a vida, liberam familiares adultos, especialmente as
mães, para o exercício de atividades renumeradas (COLLOR, 2008, p. 83-84).

Ao governo federal caberia, segundo o “Projeto de Reconstrução Nacional”, menos a execução e


mais a coordenação e a formulação do processo educativo, em correspondência com seu papel de
articulador de políticas educacionais. No entanto, o Projeto perdeu-se numa simples listagem de
ações e atividades para os diferentes graus de ensino, sem indicação de estratégias mais amplas e
sem organicidade. Conforme Vieira (2000, p. 103-104), “o documento em seu conjunto peca pela
ausência de propostas concretas” prevalecendo “a lógica de muito discurso e pouca ação”. No
entanto, ele já é um claro indicativo do rumo que as políticas tomariam nos anos 90.
No governo Itamar Franco (1992-1994) tiveram início os debates para a elaboração do
Plano Decenal de Educação (1993-2003). Esse plano tornou-se o ponto de partida para as reformas
educacionais brasileiras dos anos 90 e foi definido como:

[...] um conjunto de diretrizes de política em processo contínuo de atualização e


negociação, cujo horizonte deverá coincidir com a reconstrução do sistema
nacional de educação básica [...]
Estas diretrizes de política servirão de referência e fundamentarão os processos
de detalhamento e operacionalização dos correspondentes planos estaduais e
municipais. As metas globais que ele apresenta serão detalhadas pelos Estados,
pelos Municípios e pelas escolas, elegendo-se, em cada instância, as estratégias
específicas mais adequadas a cada contexto e à consecução dos objetivos globais
do Plano (MEC, 1993, p. 15).

Concebido nos moldes das agências multilaterais (UNESCO e BM), a partir do acordo
firmado em Jomtiem, dentre suas principais metas globais constam a descentralização e a
autonomia, envolvendo “novos processos e instrumentos de participação, parceria e controle”
(Ibid., p. 21). O Plano marcou o início do processo de alterações das relações entre Estado e
sociedade civil, apostando numa redefinição de responsabilidades e introduzindo, ainda de modo
incipiente, o modelo gerencial na administração da educação e a adoção de critérios e mecanismos

182
de mercado no sistema educacional. Entre as suas principais metas globais constam: a
universalização com qualidade da escola básica; a melhoria do fluxo escolar; a redução das evasões
e repetências; a redução de analfabetos; a criação de oportunidades de educação infantil; a
ampliação progressiva do percentual dos gastos públicos em educação; o desenvolvimento de um
novo padrão de gestão educacional, consolidando a autonomia administrativa, financeira e
pedagógica nas escolas públicas (para que possam elaborar e executar seu projeto político-
pedagógico); a maior participação dos pais e da comunidade nos assuntos escolares, através de
APMs e Conselhos Escolares; a valorização dos profissionais da educação; a utilização de
programas de tele-educação (programa de educação à distância, para apoio em sala de aula,
capacitação e atualização de professores); a ampliação da oferta de educação de jovens e adultos,
de modo a oferecer oportunidades de educação básica, erradicando, assim, o analfabetismo
funcional; a expansão, (re) adequação e modernização da rede física das unidades escolares.
Uma das metas do Plano Decenal de Educação consiste em intensificar as ações e
programas governamentais já em andamento, compatibilizando-as com as linhas de estratégias
adotadas. Destacando os programas como:

• Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (PRONAICA) – que compreende a


defesa da criança e do adolescente, a promoção da saúde, educação escolar, esporte, lazer e
difusão da cultura.
• Projeto Nordeste de Educação – que visa melhorar a qualidade da educação fundamental, com
ênfase no segmento de 1ª à 4ª série, aumentando as taxas de aprovação e o nível de
aprendizagem dos alunos, tornando mais eficiente a gestão educacional e o suprimento de
materiais de ensino aprendizagem e recuperando as infra-estruturas escolares.
• Sistema Avaliação da Educação Básica (SAEB) – cuja finalidade é aferir a aprendizagem dos alunos
e o desempenho das escolas de primeiro grau e prover informações para avaliação e revisão de
planos e programas de qualificação educacional.
• Programa de Capacitação de Professores, Dirigentes e Especialistas (PROLER) – que visa promover
mudanças substantivas na qualificação técnico-profissional dos docentes e especialistas, bem
como dos métodos de gestão e organização dos sistemas de ensino e das unidades escolares.
Inclui duas dimensões: reestruturar a formação inicial dos profissionais e rever, sistematizar e
expandir a formação continuada dos profissionais da educação básica. Destaca-se, entre as
ações em curso, o Programa Um Salto Para o Futuro, no qual o Ministério articula ações de
cooperação educativa internacional na área de formação e capacitação docente.

183
• Programa Nacional de Educação à Distância – que deverá aprimorar e ampliar o programa de
capacitação e atualização dos professores, monitorar e avaliar os programas e projetos de
educação à distância, bem como desenvolver projetos de multimeios e de apoio à sala de aula.
Estas ações abrangerão o ensino fundamental e pré-escolar, a educação especial, o ensino
médio e tecnológico, além de prover suporte ao PRONAICA.
• Expansão e Melhoria da Educação Infantil – que visa a expansão e a melhoria da qualidade deste
segmento da educação. Dentre as ações prioritárias na área, estão o desenvolvimento de
propostas pedagógicas e curriculares para a educação nesta faixa etária e a implementação de
ações de formação inicial e continuada de profissionais que nela atuam.
• Programa de Apoio a Inovações Pedagógicas e Educacionais – que desenvolve um amplo levantamento
nacional de ações inovadoras em gestão e processos pedagógicos escolares, o estudo e
avaliação dos casos mais relevantes e a disseminação de informações para as organizações
públicas e civis que conduzem iniciativas. Alocando recursos significativos da cota federal do
Salário-Educação e do Componente de Inovações do Projeto Nordeste de Educação, o
programa permite financiar projetos selecionados por sua criatividade e potencial de
reprodução e por suas contribuições à melhoria da qualidade e à universalização da educação
básica.
• Desenvolvimento da Leitura e da Escrita – que promove a leitura-escritura na escola, de forma
articulada à Política Nacional de Incentivo à Leitura – PROLER , coordenada pela Fundação
Biblioteca Nacional. Neste sentido, cabe destacar, ao lado dos programas sistemáticos da
Fundação de Assistência ao Estudante, o Programa Nacional do Livro Didático, as Salas de
Leitura e a Biblioteca do Professor.
• Programa de Integração da Universidade com a Educação Fundamental – que visa estimular o
comprometimento e apoiar a participação das instituições do ensino superior na
implementação das políticas de melhoria da qualidade e do desempenho dos sistemas estaduais
e municipais de ensino fundamental. A capacitação e atualização de professores, por meio de
variados processos e estratégias, concebidos e executados por equipes universitárias
qualificadas e articuladas às administrações educacionais locais, tem sido sua principal forma de
atuação. Ademais, experimentos e estudos para desenvolvimento de processos de ensino e de
livros e meios didáticos estão sendo estimulados.
• Descentralização de Programas de Assistência ao Educando – que busca integrar os esforços da União
aos dos Estados e Municípios, em torno do objetivo de universalização da educação. O MEC,
através da Fundação de Apoio ao Estudante (FAE), vem descentralizando seus programas de
assistência ao estudante, especialmente os relativos à merenda e ao livro didático.

184
• Eficiência, Equalização e Agilização do Sistema de Financiamento – que visa o estímulo a inovações
educacionais, à descentralização da gestão e ao aumento da eficiência dos sistemas de ensino.
Procura também desenvolver seu potencial compensatório das diferenças sociais e regionais,
reduzindo a concentração de benefícios nas áreas mais ricas do País, e aprimorar mecanismos
de definição e alocação de recursos através de uma “quota municipal”, fortalecendo-se, assim,
a gestão local do ensino. A sistemática permite que os Estados e Municípios mais pobres
recebam maior volume de recursos, compensando deficiências de arrecadação e corrigindo, em
parte, as desigualdades existentes. Visa tornar mais eficiente a arrecadação, aperfeiçoando seu
processamento e procurando eliminar os focos de sonegação, bem como modernizar e agilizar
seus métodos de gestão, tornando mais rápidos e oportunos os repasses de recursos aos
projetos apoiados pelo Fundo (MEC, 1993, p. 58-65).

O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998-2002), deu continuidade à política


econômica iniciada nos anos de 1990, mantendo a abertura às exportações, o programa de
privatização de grandes empresas estatais e o esforço de estabilização de preços, aliadas a outras
tais como, a reformas institucionais de cunho liberalizante, tais como a reforma tributária, a
reforma previdenciária e a trabalhista e as alterações na estrutura administrativa do setor público,
visando à modernização da sociedade e da economia através inserção competitiva do país na
ordem econômica globalizada.
No campo da educação, embora tenha mantido tanto às grandes linhas definidas pela
Conferência Mundial de Educação para Todos quanto às políticas que já vinham sendo gestadas nos
governos anteriores, deu prioridade à evasão e à repetência escolar, à avaliação institucional, ao
currículo e à gestão dos recursos financeiros destinados às escolas. A questão da “qualidade do
atendimento escolar” tornou-se tema central nos documentos da política educacional. Dentre os
principais programas deste governo para a educação, poderemos citar os seguintes:

Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)

Implantado em 1995 pelo Ministério da Educação (MEC) e executado pelo FNDE (Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação), esse programa prevê o repasse de recursos
financeiros161 suplementares diretamente às escolas públicas do Ensino Fundamental, através das

161Os recursos para financiar esse programa são provenientes do salário-educação, uma contribuição compulsória que
incide sobre a folha de pagamento de todas as empresas vinculadas à Previdência Social. De acordo com o Art. 15 da
Lei 9424/96, o montante da arrecadação do salário-educação, após a dedução de 1% em favor do Instituto Nacional

185
APMs. Reconhecendo que “o cidadão será tanto mais cidadão quanto menos for espectador e maior
for seu compromisso com o bem comum e com o interesse público”, a concepção do plano está
baseada no princípio do exercício da cidadania e no da descentralização da execução dos recursos
federais destinados à Educação Fundamental. Suas finalidades estão assim definidas:

Primeiro, o programa objetiva prover a escola com recursos financeiros,


creditados diretamente em conta específica da UEX [APM], visando contribuir
com a melhoria de sua infra-estrutura física e pedagógica – melhoria da qualidade
do ensino fundamental;
Segundo, que a utilização dos recursos decorra de decisões democráticas, oriundas
da Comunidade Escolar. Este aspecto propicia o exercício da cidadania, o controle
social, a transparência, a racionalidade, a criatividade e a preocupação com a
qualidade e com os resultados;
Terceiro, que a escola tenha seu espaço de decisão ampliado, que não seja
constituído de fora para dentro, mas a partir do trabalho coletivo, mediante processos
criativos, gerados e gerenciados no interior da própria escola (MEC/FNDE, 2002,
p. 3).

A distribuição dos recursos tem como base o número de alunos do censo escolar do ano
anterior, sendo que seu recebimento pode ser feito mediante convênios firmados entre as escolas
estaduais e municipais e o FNDE, bem como por meio da constituição de Unidades Executoras
para administrar os recursos, a exemplo da Caixa Escolar, do Conselho Escolar, da Associação de
Pais, entre outros.
Embora as iniciativas de repassar recursos diretamente para a escola tenham tido como
objetivo atribuir-lhe maior autonomia para gerir os recursos conforme suas prioridades e,
eventualmente, buscar fontes alternativas de financiamento, vislumbra-se o risco de aumentar a
responsabilização da escola por sua gestão e financiamento, “isentando-se” disto os níveis
hierárquicos superiores. Isto é, teme-se que a “educação passa a ser responsabilidade da escola,
cabendo à administração pública garantir um mínimo de recursos e divulgar os resultados
alcançados em cada uma delas” (OLIVEIRA, 2000, p. 89).
Na interpretação de Cabral Neto e França (2002, p. 28-29), o Programa não promove a
descentralização e a autonomia das unidades escolares, embora, em tese, este seja seu objetivo,

[...] pois desloca a execução financeira para a escola, ao mesmo tempo em que
mantém a subordinação entre periferia e centro na determinação das despesas.
As relações estruturais permanecem verticalizadas. A desconcentração está
presente ainda na autonomia relativa que a escola dispõe para realizar sua gestão

de Seguro Social (INSS) será distribuído para o FNDE, sendo destinado um terço dos recursos ao governo federal, e
dois terços para as secretarias de Estado de Educação e do Distrito Federal, para o financiamento de programas,
projetos e ações do ensino fundamental. Os municípios acabam por ficar de fora desse repasse, só tendo acesso aos
recursos do FNDE mediante a concorrência de projetos encaminhados ao MEC (SOARES, 1999).

186
financeira, pois a decisão de como aplicar a verba segue as determinações
impostas pelo FNDE/MEC.

Programa Acorda, Brasil, está na hora da escola! (1995)

Chamando a atenção para o fato de a educação não ser apenas responsabilidade do


governo, o programa tem como objetivo central mobilizar a sociedade para assumir um
compromisso em relação à escola pública, valorizando a autonomia da gestão escolar, de forma a
garantir o acesso de todas as crianças à escola, promover seu sucesso nos estudos e,
conseqüentemente, pôr fim à repetência e à evasão escolar. Apesar da ênfase no Ensino
Fundamental, a busca de parcerias pode beneficiar outros níveis de ensino: Infantil, Médio,
Técnico, Superior e de Alfabetização de Jovens e Adultos.
Nesse sentido, o programa incentiva empresas, entidades, prefeituras, comunidades e
cidadãos em geral a realizarem parceria com o poder público em benefício da escola, conclamando
a sociedade à adoção de escolas, no sentido de contribuir para seu bom funcionamento,
patrocinando a compra ou fazendo doações consideradas necessárias à manutenção do prédio; ao
aparelhamento da unidade escolar; ao enriquecimento da merenda escolar; ao aprimoramento da
atividade docente; ao desenvolvimento da aprendizagem dos alunos.
O programa prevê ainda a distribuição de verbas federais diretamente às escolas, sem a
intermediação dos governos estaduais e municipais, a reforma do currículo e a avaliação das
escolas, por meio de testes aplicados aos alunos, com premiação daqueles que apresentarem
melhor desempenho (MEC, 1995).
É nítida nesse programa a opção por políticas gerencialistas, as quais introduzem um novo
relacionamento entre governo e sociedade civil (combinando a redução de gastos públicos com
ampliação da participação social), articulam as esferas públicas e privadas e (re) dimensionam a
atuação do Estado na oferta da educação.

Planejamento Político Estratégico (1995-1998)

Elaborado pelo MEC no primeiro ano do governo FHC para o quadriênio 1995-98. O
documento elenca “os princípios básicos que [nortearam] a ação do governo no quadriênio, as
metas, a estrutura operacional e os meios, as novas formas de atuação e os resultados esperados”
(BRASIL, 1995, p. 3). Ao acentuar a importância da educação para o desenvolvimento econômico
o PPE demonstra uma acentuada preocupação com a qualidade e estabelece como desafio a
“mobilização” da sociedade para enfrentar as distorções do sistema educacional brasileiro,

187
enfatizando em vários momentos a “promoção da modernização gerencial em todos os níveis e
modalidades de ensino, assim como nos órgãos de gestão” (Ibid., p. 4), bem como a valorização da
autonomia da escola e envolvimento da sociedade.
Sua estratégia é “retirar da Constituição os dispositivos que engessam o sistema
educacional” e “instituir um novo Conselho Nacional de Educação, mais ágil e menos
burocrático” (Ibid., p. 8), resguardando ao MEC o papel de “formulação, coordenação e
acompanhamento de políticas públicas na área educacional, e a conseqüente redução de seu papel
executivo” (Ibid., p. 4);
A adesão à política de desburocratização, autonomia e descentralização, clara na ênfase
dada à redução do papel do executivo do MEC e na atribuição dada aos estados e municípios para
“atuarem no nível estratégico-gerencial do sistema educacional, pois acompanham, avaliam,
coordenam e integram o planejamento e os resultados alcançados pela escola” (Ibid., p. 4), e na
“execução das políticas e planos” (Ibid., p. 5), revela que o documento incorpora os novos
preceitos gerenciais na organização e gestão dos sistemas de ensino. Conforme podemos observar:

Elevar o padrão de escolarização da população brasileira é a missão histórica do


MEC. As limitações de recursos e as demais dificuldades com que o MEC se
depara para cumprir essa missão indicam a necessidade de se desenvolver uma
política integrada, mas diferenciada, segundo as particularidades de cada nível de
ensino. A heterogeneidade e as dimensões continentais do país, agravadas pela
escassez de recursos (e não pela política econômica de dependência monetária do
capital internacional), reafirmam a descentralização da execução (jamais da formulação, que
é feita no núcleo estratégico do Estado, particularmente no MEC) como caminho mais
correto para alcançar os objetivos de cada área. Nesse sentido, o grande desafio é
articular, através de uma política clara de
financiamento/estímulo/orientação/avaliação, as redes de atendimento federal,
estaduais, municipais e privadas (BRASIL, 1995, p. 5, grifos nossos).

A descentralização da execução estende-se até a escola, atribuindo-lhe uma maior


responsabilidade e autonomia para encontrar a solução dos problemas, vejamos:

A escola, portanto, sintetiza o nível gerencial-operacinal do sistema: a escola


fundamental, a escola de ensino médio, a instituição de ensino superior. É na
escola que estão os problemas e é na escola que está a solução (BRASIL, 1995, p.
4).

Isso implicaria em modificar as “regulamentações para garantir maior autonomia à escola


[…] e transferir a ênfase dos controles formais e burocráticos para a avaliação de resultados”; bem
como “a necessidade de rever e simplificar o arcabouço legal, normativo e regulamentar para
estimular (e não tolher) a ação dos agentes públicos e privados na promoção da qualidade do
ensino” (Ibid., p. 6).

188
Desse modo, nesse movimento de, por um lado, centralizar as decisões políticas e
estratégias e, por outro, desconcentrar estruturas operacionais, descentralizar poderes e
competências da administração central para diversas instâncias do poder público e reforçar a
atuação dos estabelecimentos do ensino básico, o Estado, seguindo os preceitos da administração
gerencial, transfere suas responsabilidades pela educação para a sociedade civil, para outras esferas
do governo e para a iniciativa privada, especialmente por meio de parcerias para financiamento e
gestão da rede escolar (Ibid., p. 20).

Emenda Constitucional n° 14 (1996)

A principal mudança em relação ao financiamento do ensino fundamental, no governo


FHC, foi a aprovação dessa Emenda. A Lei altera a Constituição de 1988, no que diz respeito à
distribuição de encargos educacionais entre as três esferas do governo, promovendo a partilha de
recursos. Através da Emenda é criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério (FUNDEF), fundo de natureza contábil, composto de 60% dos
recursos públicos162 vinculados à educação dos estados e municípios, os quais são recolhidos pela
União e repassados de volta, para as contas do FUNDEF, na proporção da oferta de matrículas do
ensino fundamental. A Emenda também institui o valor mínimo por aluno-ano163 (Art. 5º, § 2º) e
define que a União deverá completar os recursos do Fundo sempre que cada Estado, Distrito
Federal e Municípios não alcançar o valor mínimo fixado por aluno nacionalmente (Art. 5º, § 3º),
reservando-lhe uma função redistributiva e supletiva (Art. 3º, § 1º), o que funcionaria como uma
ação redutora das disparidades regionais. Uma proporção não inferior 60% dos recursos do
Fundo será destinada ao pagamento dos professores do ensino fundamental em efetivo exercício
no magistério (Art. 5º, § 3º), isso equivale a 9% das arrecadações dos impostos componente do
fundo.
Por meio dessas medidas o Fundef promoveu uma mudança substancial no padrão de
financiamento da educação básica e, embora seja reconhecido o seu mérito de distribuir melhor os
recursos, há aspectos que cabem ser considerados.

162
Esses recursos, que correspondem a 15% de contribuição de Estados, DF e Municípios, são provenientes das
seguintes fontes: Fundo de Participação dos Estados – FPE; Fundo de Participação dos Municípios – FPM; Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS; Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às;
exportações – IPI-Exportação; Desoneração de Exportações (LC 87/96) e Complementação da União.
163 Conforme a Lei 9.424/96, o valor será fixado pelo Presidente da República, tendo por base a previsão da receita

total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental do ano anterior, conforme dados do Censo Educacional,
acrescida do total estimado de novas matrículas.

189
A EC/14 é considerada a manifestação mais evidente da descentralização do sistema
educativo. No entanto, há vozes discordantes sobre este tipo de descentralização, por considerar
que sua principal característica é permitir a diminuição da responsabilidade da União quanto ao
financiamento deste nível de ensino, isto é, com recursos orçamentários ínfimos, transferindo estas
responsabilidades para os estados, Distrito Federal e municípios (OLIVEIRA, 2000; CABRAL
NETO e FRANÇA, 2002). A esse respeito Davies (1999) comenta que o governo federal deveria
ter incluído no FUNDEF uma parte dos 18% de suas receitas de impostos e não se limitar a uma
complementação que, além de irrisória, é ilegal.
Nesses termos, segundo comentários de Saviani (2008, p. 84), “o sentido básico da
Emenda foi redefinir a papel do MEC, que ocupava uma posição lateral na questão relativa ao
ensino fundamental, de modo a colocá-lo no centro da formulação, implementação, avaliação e
controle das políticas voltadas a esse nível de ensino”. Com essa redefinição, para o autor, “o
MEC conseguiu a proeza de assumir o controle da política nacional do ensino obrigatório sem
arcar com a primazia de sua manutenção”. Isso porque o Art. 5º, ao alterar as contribuições,
“ampliou a quota dos estados, Distrito Federal e municípios (de 50 para 60%), e reduziu sua
parcela (de 50 para 30%) no financiamento do ensino fundamental”.
Ao priorizar o ensino fundamental, a Emenda geriu polêmica, pois reconhecia a exclusão
de parcela significava da população do direito à educação. De acordo com de Monlevade e Ferreira
(1998, p. 23), “a Emenda 14 contém um ingrediente jurídico perverso: a restrição de direitos de
jovens e adultos e de alunos do ensino médio à ‘obrigatoriedade’ conquistada na Constituição de
1988”. Isto porque o novo texto dá outro entendimento ao ensino fundamental, ou seja, “não
mais o que o Estado é obrigado a oferecer, mas o que a criança é obrigada a freqüentar”. Desta
forma, o ensino fundamental fica restrito ao limite de oito séries, teoricamente dos 7 aos 14 anos.
Do ponto de vista do autor, a conseqüência é que, “não aumentando as matrículas, já que a
maioria das crianças de sete a catorze anos já está na escola, e aumentando a arrecadação, os custos
por alunos dos estados sobem e vão gradativamente dispensando a União de investir no ensino
fundamental”.
Outro ponto a ser destacado é o fundo não prevê novas fontes de financiamento, pelo
contrário, reduz a participação da União, conforme nos indica Saviani (2008).
Conforme os novos preceitos da gestão pública, um dos aspectos inovadores do FUNDEF
é a instituição de mecanismos de controle social quanto à obrigatoriedade de os Estados, Distrito
Federal e Municípios criarem o Conselho (composto por pais, professores, servidores de escolas
públicas do ensino fundamental, Secretaria de Educação e entidade de classe) previsto no inciso
IV, § 1º, Art. 4º, da Lei 9.424/96. A responsabilidade desse Conselho é o acompanhamento e o

190
controle sobre a repartição, transferência e aplicação dos recursos do Fundo na sua respectiva
esfera de governo; a verificação dos registros contábeis e dos demonstrativos gerenciais; a
supervisão do Censo Escolar Anual. Sua função não é administrar os recursos do Fundo, pois esta
responsabilidade compete ao Chefe do Poder Executivo e ao Secretário da Educação, mas
acompanhar toda a gestão dos recursos do Fundo, garantindo sua destinação exclusivamente para
o ensino fundamental.
Contudo, além de serem compostos mais por membros do Estado do que da sociedade
civil (DAVIES, 2001), os Conselhos não dispõem de autonomia para deliberar sobre a aplicação
dos recursos e restringem-se à fiscalização. Verifica-se, portanto, que, apesar de os postulados
democráticos serem recorrentemente reafirmados, na prática, eles se traduzem em formas indiretas
de controle, envolvendo a participação social, seguindo as orientações do novo modelo de gestão
pública, com pouca contribuição para a efetiva democratização.

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério

A Lei 9.424/96 - Lei do FUNDEF, aprovada em 1996, traduziu em termos práticos o que
dispunha a Emenda Constitucional n° 14. Ela regulamenta a distribuição proporcional dos
recursos, sua fiscalização e controle, bem como a forma de cálculo do valor mínimo nacional por
aluno, fixando o destino dos recursos prioritariamente para o ensino fundamental e remuneração
do magistério.
Com o prazo de vigência de dez anos, passou a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1998, o
propósito central do FUNDEF é redistribuir os recursos educacionais a fim de eliminar as
disparidades entre regiões, escolas estaduais e municipais e mesmo intra-estaduais, garantindo um
valor mínimo por aluno. No Art. 8, foi fixado que pelo menos 15% dos 25% da receita líquida de
impostos e transferências (receitas do ICMS, FDE - Fundo de Participação dos Estados, FDM -
Fundo de Participação dos Municípios, Imposto sobre Produtos Industriais, IPI - exportação,
imposto sobre operação financeira) dos estados e municípios devem ser aplicados
obrigatoriamente no ensino fundamental, sendo que 60% destes 15% devem ser destinados ao
pagamento dos profissionais do magistério em efetivo exercício de suas atividades no ensino
fundamental público (Art. 7º)164. O que se significa que os outros 10% dos 25% poderão ser
utilizados na educação infantil, pelos municípios, e no ensino no médio, pelos estados.

164 O não cumprimento das disposições legais relacionadas ao FUNDEF implica sanções administrativas, civis e
penais. Dentre as consequências previstas, conforme o inciso I, Art. 10 da LDB, combinado com o disposto § 6º, Art.
87, os municípios ficam impedidos de receber recursos dos estados e da União.

191
Conforme a Lei, a soma depositada no fundo é dividida pelo número de alunos do ensino
fundamental da rede regular pública, definindo-se um custo médio que orientará a redistribuição
de recursos dentro de cada estado. Os governos com um custo-aluno menor que o custo médio
receberão uma complementação dos recursos; aqueles com custo maior serão os doadores. À
União caberá completar os recursos do fundo sempre que não alcançarem o mínimo anual por
aluno definido nacionalmente (Art. 6°).
Este aspecto tem gerado fortes oposições, pois é interpretado como um “silenciamento das
responsabilidades da União”. Isto equivale dizer que o governo federal só redistribui, mas não
adiciona recursos (MONLEVADE e FERREIRA, 1988, DAVIES, 2001). A complementação
federal tem sido destinada a uns poucos FUNDEFs estaduais, de modo que não têm sido
utilizados recursos orçamentários previstos na Constituição165, desobrigando-se a União de gastar
com o ensino fundamental e restringindo sua responsabilidade na oferta dos serviços educacionais.
Outro ponto polêmico é que os recursos provenientes da contribuição da União não
necessariamente serão provenientes daqueles previstos no Art. 212 da Constituição, podendo
provir de outras fontes, especialmente o salário-educação166. Em outros termos, isso significa dizer
que “os recursos utilizados para ‘complementar’ o per capita mínimo de cada estado têm-se
originado de uma fonte que, obrigatoriamente, já seria aplicada nessa etapa da educação básica. Ou
seja, o governo federal não investe recursos orçamentários, ‘desembarcando’ do financiamento do
ensino fundamental” (OLIVEIRA, 2007, p. 111). Nesse caso, não são destinados novos recursos
para o ensino fundamental.

165A União reserva-se a obrigação de aplicar nunca menos de 30% de recursos a que se refere o caput do Art. 212 da

Constituição Federal. Estes recursos destinar-se-ão à erradicação do analfabetismo e à manutenção do ensino


fundamental.
166 Segundo Peroni (2003, p. 134-135) o salário-educação, é “uma contribuição compulsória de 2,5% que incide sobre

a folha de pagamento de todas as empresas vinculadas à Previdência Social [...] foi criado em 1964 (Lei nº 4.440, de
27 de dezembro de 1964) para superar o não-atendimento, por parte das empresas, do preceito constitucional de
proporcionarem o ensino primário a seus empregados. Assim, por meio da Lei nº 4.863, de 29 de novembro de 1965,
foi estabelecida a alíquota de recolhimento em 1,4% sobre a soma dos salários dos empregados. As empresas
poderiam optar entre oferecer escolas próprias para seus empregados ou recolher a contribuição social. No caso do
recolhimento, o valor seria correspondente ao custo estimado para proporcionar o curso primário, com base no
salário mínimo, multiplicado pelo número de empregados independente de eles necessitarem de curso primário.
Outra possibilidade seria a de a empresa, repassar, para o ensino privado, o custo do ensino de seus empregados,
principalmente mediante bolsa de estudos, o que, muitas vezes, esteve sob suspeita, pois fazia parte de uma complexa
‘teia de interesses’ [...] Com o Decreto Federal nº 994, de 25 de novembro mudou-se o trâmite: o crédito de
arrecadação do salário-educação proveniente das empresas optantes pelo Sistema de Manutenção do Ensino (SME),
passou a ser transferido, pelo Banco do Brasil, diretamente ao FNDE. Assim, ao término de cada bimestre [...] o
FNDE deveria repassar, até o dia 10 do mês subseqüente, dois terços dos recursos diretamente às secretarias de
educação dos Estados e do Distrito Federal. O crédito de arrecadação recolhido através do INSS, proveniente das
empresas não-optantes pelo SME, deveria ser repassado diretamente ao FNDE como previdência social. Ao término
de cada mês, até o dia 10 do mês subseqüente, o FNDE deveria repassar dois terços desses recursos diretamente às
secretarias educação dos Estados e do Distrito Federal”.

192
Vários autores, dentre os quais Davies (1999), Dourado (1999), Oliveira (2000), Monlevade
e Ferreira (1988), Cabral Neto e França (2002), tecem críticas aos FUNDEF. Um dos pontos mais
contestados é o fato de que, ao priorizar o ensino fundamental, destinando-lhe 60% dos recursos,
a lei acaba por inibir o financiamento e a expansão dos demais níveis e modalidades de ensino,
particularmente do ensino médio (que tem enfrentado um crescimento de demanda nos últimos
anos) e da educação infantil (cujo maior provedor têm sido os municípios), “fazendo com que
essas etapas e modalidades de ensino viessem a sofrer severas restrições financeiras” (OLIVEIRA,
2007, p. 113).
Também é interessante ressaltar que o FUNDEF, ao descentralizar recursos, redefine os
papéis desempenhados pelo Estado e por todas as outras esferas governamentais, pois a prestação
dos serviços educacionais passa a ser entendida como uma responsabilidade a ser compartilhada
entre as esferas públicas e privada e sociedade civil. Segundo a lógica do modelo gerencial da
Reforma do Estado, a União passa a atuar mais como planejadora, reguladora e coordenadora,
restringindo-se a colaborar e complementar recursos. Ou seja, exerce uma função redistributiva e
supletiva compensatória, perdendo seu caráter de executora direta das políticas.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9394/96

Em dezembro de 1988 tem início a tramitação do projeto da LDB, sendo promulgada em


20 de dezembro de 2006.
Cabe dizer que a histórica disputa entre privatistas e publicistas marcou sua trajetória. Os
educadores elaboraram uma proposta para a LDB, que foi apresentada à Câmara Federal sob
projeto de lei nº 1.158-A/88. A esse respeito Saviani (1997, p. 57) comenta:

De início importa considerar que diferentemente da tradição brasileira em que as


reformas educacionais resultam de projetos invariavelmente de iniciativa do
Poder Executivo, neste caso a iniciativa se deu no âmbito do Legislativo e
através de um projeto gestado no interior da comunidade educacional. Esta
manteve-se mobilizada principalmente através do Fórum em Defesa da Escola
Pública na LDB, que reunia aproximadamente 30 entidades de âmbito nacional:
ANDE, ANDES-SN, ANPAE, ANPEd, CBCE, CEDES, CGT, CNTE,
CNTEEC, CONAM, CONARCEF (depois ANFOPE),CONSED, CONTAG,
CRUB, CUT, FASUBRA, FBAPEF, FENAJ, FENASE, FENOE (as duas
últimas, depois, se integram à CNTE), OAB, SBF, SNPC, UBES, UNDIME e
UNE, além das seguintes entidades convidadas: CNBB, INEP e EAC.

Entretanto, conforme Saviani (1997), enquanto o projeto tramitava na Câmara de


Deputados, surgiram iniciativas paralelas no senado, dentre as quais um projeto de autoria de
Darcy Ribeiro em 1992. O projeto que, à margem de qualquer discussão, contou com assessoria de

193
membros do MEC, tinha um conteúdo inteiramente diverso do projeto em tramitação na Câmara,
e apesar das manobras não chegou a ser aprovado no senado. O projeto da Câmara, em meio a
negociações, disputas e acordos, sofreu várias alterações ao receber várias emendas, chegando a
aprovação em 13 de maio de 1993, transformou-se do Projeto de Lei nº 1.258-C/88. A partir daí o
placo de disputas seria transferido para o Senado. No senado foi apresentado um novo
substitutivo – o Substitutivo Cid Sabóia – em 30 de novembro de 1994, que mantinha a estrutura
do projeto aprovado na Câmara e incorporava alguns aspectos do projeto de Darcy Ribeiro. Nesse
processo de correlação de forças, em uma nova “manobra regimental” Darcy Ribeiro apresentou um
Substituto se sua própria autoria, que após sucessivas versões por ele apresentadas, teve a última
aprovada no Plenário do Senado em 98 de fevereiro de 1996. Uma vez aprovado no Senado o
projeto retomou à Câmara dos Deputados na forma do substitutivo Darcy Ribeiro, sendo
aprovado na Câmara em 17 dezembro de 1996, indo à sansão presidencial sendo sancionada sem
vetos167 pelo presidente FHC e aprovado em 20 de dezembro.
Cabe destacar que, segundo Shiroma et all (2004, p. 62), “à medida que a lei de educação
nacional era debatida, o governo impingia por meio de decretos, resoluções e medidas provisórias,
o seu projeto educacional, articulando aos desígnios firmados em Jomtien e aos grandes interesses
internacionais”168. Para Saviani (1997, p. 200), “certamente essa via foi a escolhida para afastar as
pressões de forças organizadas que atuavam junto ou sobre o Parlamento de modo a deixar
caminho livre para a apresentação de reformas, pontuais, tópicas, localizadas [...] safando-se das
pressões e quebrando eventuais resistências”.
Isto pode ser evidenciado na LDB 9.394/96, que, diferentemente das legislações e práticas
anteriores, flexibilizou a estrutura organizacional da educação básica, prevendo: a) autonomia para
a escola elaborar e executar seus projetos-pedagógicos, administrar seu pessoal e seus recursos
materiais e financeiros; b) transferência de autoridade e de responsabilidade pela gestão da escola
ao público diretamente envolvido e aumento da participação da comunidade na escola por
intermédio de APMs, Conselhos Escolares e equivalentes; c) flexibilização da organização escolar,
sua estruturação em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de

167 Como bem lembra Saviani (1997, p. 162), “a ausência de vetos é fato raro na história da nossa política educacional,

recordando-se que isto também se deu com a lei 5.692/71 durante o governo do General Emílio Garrastazu Médici
sob cujo autoritarismo a oposição estava inteiramente silenciada, não havendo espaço sequer para os ‘pálidos
protestos’ ocorridos durante a votação da lei 5.540/68 no governo do marechal Arthur da Costa e Silva quando, no
entanto, o texto foi sancionado com diversos vetos”. No caso da atual LDB, a ausência de vetos “é explicável uma
vez que o MEC foi, por assim dizer, co-autor do texto de Darcy Ribeiro e se empenhou diretamente na sua
aprovação”, além de “corresponder inteiramente às expectativas dos empresários do ensino” (Ibid., p. 161 e 162).
168 Na interpretação de Saviani (1997) as alterações parciais, por meio de medidas pontuais, tópicas e localizadas, foi a

estratégia escolhida pelo MEC para afastar as pressões e para quebrar eventuais resistências contra as políticas
educacionais por ele implementadas.

194
estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios; d)
flexibilização do calendário escolar, sua adequação às particularidades locais, inclusive climáticas e
econômicas; e) flexibilização da avaliação, com progressão parcial, possibilidade de aceleração de
estudos, reclassificação dos alunos independentemente da escolaridade anterior, promoção
automática ou progressão continuada sem reprovação, possibilitando uma formação contínua sem
interrupções ou repetências; f) flexibilização do currículo, de forma a acolher a diversidade, incluir
conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; g) busca de novos
procedimentos metodológicos que permitam superar a memorização e de procedimentos técnicos
específicos para articular as diversas áreas do conhecimento; h) nova organização curricular,
eliminação da clássica divisão entre as disciplinas e organização por áreas de competência; i) novos
arranjos de conteúdos, cuja base é a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a
multidisciplinaridade, e não o tratamento fragmentado; j) repasse de verbas diretamente para a
escola; k) desenvolvimento e veiculação de programas de educação a distância; l) gestão
democrática para o ensino público; m) educação física facultativa para os cursos noturnos e
optativa para o aluno; n) ensino religioso de matrícula facultativa; o) aferição e reconhecimento
dos conhecimentos adquiridos por jovens e adultos por meios informais; p) possibilidade de
organização das turmas ou classes com alunos de séries distintas, desde que tenham níveis
equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes ou outros
componentes curriculares.
Em síntese, as características mais marcantes da LDB são a descentralização, com ênfase na
autonomia das escolas e na participação da comunidade nos processos decisórios, organizacionais
e de execução, e a flexibilidade na organização do trabalho escolar. Dessas características resulta a
desburocratização (eliminação normas), a desregulamentação e a flexibilização do ordenamento
legal do sistema educacional, como forma de assegurar sua adequação às demandas das diferentes
parcelas da população e às decisões particulares dos clientes, favorecendo que as unidades
escolares se tornem mais competitivas na disputa por clientes, por investimentos privados e por
subsídios do Estado. A elas relaciona-se também o fato de que as escolas dispõem, de um lado, de
uma maior autonomia administrativa na contratação e alocação de pessoal, na busca de fontes
externas de financiamento, de parcerias e convênios entre o setor público e privado e dentro do
setor público, e, de outro lado, autonomia pedagógica para definir sua própria identidade,
formulando e desenvolvendo seu projeto pedagógico, o que assegura sua diferenciação e
diversificação em face de diferentes necessidades e preferências.
A descentralização, participação e autonomia administrativa ou gestão democrática do ensino
público, trouxe alterações significativas na organização escolar e demandou novos procedimentos

195
profissionais no âmbito da escola. Os docentes são incumbidos de participar da gestão da escola, o
provimento169 do cargo de diretor por professores licenciados, principalmente por meio de
processo de escolha pelo voto direto da comunidade escolar, portanto, por professores que não
possuem necessariamente formação específica em curso de pedagogia como requisito para assumir
o cargo. Também houve mudanças no papel do diretor escolar, cuja atuação deve pautar-se na
busca de promover a participação efetiva de toda comunidade escolar e a ação coletiva e colegiada
nos processos decisórios. Esses aspectos trouxeram novas exigências para a formação profissional.
Em relação à organização, a nova lei também altera a composição da educação escolar:

Educação Básica

1. educação infantil - 0 a 6 anos – (creches 0-3 anos/ pré-escolas 4-6 anos) -


primeira etapa da educação básica..
2. ensino fundamental - duração mínima de oito anos - 1ª à 8ª série
(alterado pela Lei 11.274/2006 para 9 anos).
3. ensino médio - duração mínima de três anos - última da educação básica.

Educação Superior

Saviani, ao tecer comentários sobre a nova LDB na época, dizia que a lei

deixou muita coisa em aberto, os seus limites, expressos dominantemente na


forma de omissões, podem se converter na abertura de novas perspectivas para a
educação brasileira. A realização dessa possibilidade, contudo, está na
dependência da capacidade de mobilização e ação das forças identificadas com a
necessária transformação da nossa organização escolar tendo em vista a
construção de um sistema nacional de educação que garanta a todos o acesso e a
conclusão da educação básica.

Isso significava dizer que, o embate que se pôs no processo de tramitação da nova LDB,
deveria ser retomado no encaminhamento de sua implementação e regulamentação posterior, por
meio de legislação especifica. No entanto, sem desconsiderar a correlação de forças, a questão da
regulamentação da nova LDB, segundo Saviani (2008b, p. 9), se configurou “numa situação no

169Quanto ao provimento do cargo de diretor, cabe dizer que existem no Brasil quatro formas: “Os dados recebidos
dos sistemas de ensino permitiram identificar quatro formas de provimento do cargo. O provimento por indicação, em
que é livre a nomeação por autoridade do Estado, inclusive quando o nome do indicado é o resultado de pressões
político-partidárias. O concurso engloba os procedimentos que aplicam o concurso público de provas e títulos para
escolha e nomeação dos primeiros colocados. Provimento por eleição é aquele em que o nome do escolhido para
ocupar o cargo de diretor de escola é resultado de processo em que a manifestação da vontade dos segmentos da
comunidade escolar é manifestada pelo voto. Seleção e eleição são os processos que adotam eleição de candidatos
previamente selecionados em provas escritas (MENDONÇA, 2001, 88). Sendo predominante as três primeiras.

196
mínimo curiosa. É que ela não tinha sido aprovada e já estava sendo regulamentada”, como é o
caso da Lei nº 9.131/95, relativa às atribuições do Conselho Nacional de Educação; da Lei nº
9.192/95, que regula a forma de escolha dos dirigentes de instituições do ensino superior e da
Emenda Constitucional nº 14/96, referente ao financiamento do ensino fundamental. O autor
chama-nos a atenção para o fato de que ao efetuar essa regulamentação prévia, “de certo modo
exorbita da competência estatuída na LDB que lhe é hierarquicamente superior” (Ibid., p. 11).

Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNS (1997)

Os PCNs são um referencial de apoio para as quatro primeiras séries do ensino


fundamental, com o objetivo de subsidiar e orientar a elaboração ou revisão curricular; servir de
material de reflexão para a formação inicial e continuada dos professores; para a produção de
livros e outros materiais didáticos; incentivar as discussões pedagógicas nas escolas e a elaboração
de projetos educativos; avaliar o sistema nacional de educação (MEC, 1997, p. 36).
Nesse sentido, visa estabelecer uma política de ensino para o país, traduzindo
operacionalmente os princípios gerais para a educação, de forma a favorecer a reestruturação de
propostas educacionais, sem deixar de preservar as especificidades locais. A formulação de um
conjunto de diretrizes destinadas a nortear os currículos e seus conteúdos mínimos surge em
cumprimento dos compromissos assumidos pelo Plano Decenal e aos termos do Art. 9° da LDB
9394/96, inciso IV e Art. 210 da Constituição Federal.
Do ponto de vista da gestão, o documento prevê também a participação da comunidade na
formulação e realização do seu projeto educativo. No entanto, este aspecto tem sido interpretado
com reservas, pois, embora a legislação seja flexível, por não impor a obrigatoriedade de aceitação
dos parâmetros por parte das escolas e por atribuir-lhes autonomia para formular seu próprio
plano pedagógico, na prática essa flexibilidade é questionável.
Embora os PCNs reconheçam a autonomia da escola e dos professores, o fato é que ao ser
referência para os conteúdos dos livros didáticos e para os processos de avaliação de desempenho
do sistema de educação nacional, restringe a autonomia do professor na escolha de conteúdos
diferenciados como da escola na formulação do projeto pedagógico. Pois, de acordo com a oitava
meta do PNE, este deve ser formulado “[...] com observância das Diretrizes Curriculares para o
ensino fundamental e dos Parâmetros Curriculares Nacionais” (MEC, 2001).
A proposta de organização curricular também tem sido interpretada como uma
padronização induzida externamente pelos mecanismos de mercado e pelas agências multilaterais
(HYPÓLITO e GANDIN, 2003). Portanto, apesar da retórica de reforço da autonomia do Estado

197
na formulação de suas políticas educativas, na prática o próprio Estado não dispõe de autonomia
para a formulação de suas políticas educativas.
Do nosso ponto de vista, de um lado, a publicação dos PCNs pelo MEC e, de outro, a
centralização da avaliação do sistema promovem a separação entre planejamento e execução, pois,
conforme a lógica gestionária, a escola acaba por ser considerada como uma unidade
administrativa à qual cabe colocar em ação políticas concebidas em nível central. Nesse caso, os
PCNs sinalizam para um novo papel do MEC, à medida que passa de executor a planejador da
política nacional de educação.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores

Devido à ênfase atribuída à educação básica para o desenvolvimento produtivo e inserção


dos países na ordem econômica globalizada, a formação de professores, considerados principais
agentes do processo, passa a ser um alvo importante das políticas públicas dos anos 1990. Por
isso, a ênfase da reforma educativa recaiu direta ou indiretamente sobre a formação de professores
e gestores, sendo a profissionalização dos professores, especialistas e demais servidores da
educação eleita como “pivô das mudanças pretendidas” (SHIROMA e EVANGELISTA, 2003, p.
81) e atribuída à escola e ao professor a tarefa de melhoria da qualidade do ensino.
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é definida como
prioritária a formação de docentes para atuar na educação básica em nível superior (Art. 62). O
Art. 64 aponta os cursos de Pedagogia como instância de formação dos profissionais da educação
para tarefas não-docentes, ou seja, de administração, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional para a educação básica. Ainda, apontado como desejável a formação de
todos os professores em nível superior, nas disposições transitórias da Lei, Art. 87 § 4º, previa que,
“até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível
superior ou formados por treinamento em serviço”.
A partir dessa exigência legal, a política de formação dos profissionais da educação é
marcada por mudanças significativas. Em linhas gerais podemos citar: a) a criação dos Institutos
Superiores de Educação, (LDB - Arts. 62 e 63, Decreto nº 2.032/97, Decreto 3.276/99, Decreto
3.554/00), instituição tipicamente de ensino, como modalidade de ensino superior, inicialmente
exclusiva e depois preferencial, visando à formação inicial para docentes da educação infantil e series
inicias do ensino fundamental, continuada e complementar para os profissionais de educação dos
diversos níveis, podendo ainda inclui o Curso Normal Superior, destinado à formação de docentes
para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental (Art. 63), introduzindo

198
um novo lócus de formação de professor-profissional que irão atuar na educação básica, em
detrimento de sua formação na universidade (Ibid., p. 89); b) o surgimento e a expansão dos
cursos de licenciaturas e de formação continuada na modalidade a distância; c) a ênfase nos
programas de formação continuada e capacitação em serviço, orientados na busca de
conhecimentos técnicos e aplicáveis para resolução de problemas.
Essas iniciativas não deixaram de ser alvo de críticas, à medida que resultariam num
aligeiramento e barateamento da formação e num gradativo processo de proletarização e
“desintelectualização do professor”, além de favorecer a constituição de nichos de mercado para a
iniciativa privada170 (SHIROMA e EVANGELISTA, 2003; DOURADO, 2001).
Aliada a essas propostas de formação de professores são instituídas as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior,
curso de licenciatura, de graduação plena – Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, e
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura –
Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, já no governo Lula. Essas medidas acabaram a
formação em licenciatura curta e com as habilitações no curso de Pedagogia171, superando a
separação entre formação para o magistério e para a especialização, ou seja, a docência das funções
pedagógicas e administrativas da escola. De acordo com Art. 4º das Diretrizes:

O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer


funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,
nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área
de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos.

Entende-se que a formação do licenciado em Pedagogia destina-se aos trabalhos


pedagógicos e administrativos em espaços escolares e não-escolares. Amplia-se, assim, o campo de
formação e atuação desse profissional. De acordo com Parecer CNE/CP n°5, 13 de dezembro de
2005:

Enfatiza-se ainda que grande parte dos cursos de Pedagogia, hoje, tem como
objetivo central a formação de profissionais capazes de exercer a docência na
Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nas disciplinas

170 Além da exigência de formação inicial para o ingresso na carreira “o critério de remuneração e promoção ‘por
competência’, avaliada com base na produtividade e certificações, aumenta o ‘desejo’ e a corrida dos docentes por
aulas, cursos de reciclagem e participação em eventos. Movidos pela exigência legal, os professores buscam
oportunidades de formação [...] A difusão desse tipo de concepção conduz à ampliação desmedida do mercado
consumidor de ‘bens e serviços educacionais’. Aos empresários da educação tornam-se promissoras as possibilidades
de extrair lucros da desqualificação dos trabalhadores” (SHIROMA et. al., 2004, p. 120).
171
De acordo com o Art. 10 das Diretrizes para o Curso de Pedagogia, “as habilitações em cursos de Pedagogia
atualmente existentes entrarão em regime de extinção, a partir do período letivo seguinte à publicação desta
Resolução”

199
pedagógicas para a formação de professores, assim como para a participação no
planejamento, gestão e avaliação de estabelecimentos de ensino, de sistemas
educativos escolares, bem como organização e desenvolvimento de programas
não-escolares172 (MEC/CNE, 2005, p. 5).

Vale ressaltar que a formação tem a docência como elemento estruturador da formação
profissional173, o que constitui uma mudança importante no curso de Pedagogia. Essa concepção
de docência é ampliada sendo explicitada, no mesmo artigo:

Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na


organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: I -
planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação,
acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-
escolares; III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do
campo educacional, em contextos escolares e não-escolares.

Assim, pelas diretrizes o curso se propõe a formar um docente que tenha condições de
“participar das atividades docentes” que “também compreendem participação na organização e gestão
de sistemas e instituições de ensino” (Art. 4º, Parágrafo Único, grifos nossos).
Entretanto, um aspecto que nos chama a atenção nos documentos é a indicação de que a
formação “deverá garantir a constituição das competências objetivadas na educação básica” (Art. 5º,
inciso I, das Diretrizes para as Licenciaturas). Segundo Shiroma et. al. (2004, p. 98):

As diretrizes curriculares, pautadas na formação de valores, atitudes e


comportamentos, se articulam, pois, de uma parte, á centralidade conferida ao
professor na realização do plano governamental e, de outra, àquelas
competências que assegurariam a empregabilidade, tanto de professores quanto
de alunos. Daí indicar que todo o conteúdo de ensino deve estar radicado na
praticidade, no ensinar no que é imediatamente significativo e útil. Esse
encaminhamento deveria conduzir à formação do cidadão produtivo.

Importa destacar que, a ênfase no desenvolvimento das competências vem ocupando lugar
de destaque nos discursos e nos documento e dá num contexto em que conceito de qualificação é
substituído pelo de competência (DELORS, 2001, p. 93-94) demandadas pelo mercado174. O discurso

172 “Os movimentos sociais também têm insistido em demonstrar a existência de uma demanda ainda pouco atendida,
no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também formados para garantir a educação, com vistas à inclusão
plena, dos segmentos historicamente excluídos dos direitos sociais, culturais, econômicos, políticos” (MEC/CNE,
2005, p. 5).
173
De acordo com a LDB, Art. 67, a experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional das outras
funções de magistério.
174
Conforme Carvalho (2009, p. 159-160), “a educação por competências vem sendo apresentada pela pedagogia
neoliberal como a mais adequada para formar o trabalhador polivalente e flexível, mais especificamente, o
empreendedor – ser social adequado às novas exigências do capital. Nessa perspectiva, notadamente defendida pela

200
da construção das competências, identificado ao saber-fazer, tende a estar na perspectiva da
competição e da responsabilização individual dos sujeitos e instituições escolares pelo êxito ou
fracasso, independentemente das circunstâncias, coletividade ou contradições sociais. Nessa
perspectiva o ensino foi convocado para contribuir para a formação de competências. Para tanto,
os princípios orientadores para as mudanças curriculares dos cursos de licenciatura orientam para;
“a formação de professores que atuarão nas diferentes etapas e modalidades da educação básica
observará princípios norteadores desse preparo para o exercício profissional específico, que
considerem: I - a competência como concepção nuclear na orientação do curso (Art. 3º).

Plano Nacional de Educação

Conforme Saviani (2008, p. 4) “a principal medida de política educacional decorrente da


LDB é, sem dúvida alguma, o PNE”. Para o autor “sua importância deriva de seu caráter global,
abrangente de todos os aspectos concernentes à organização da educação nacional, e de seu caráter
operacional, já que implica a definição de ações”.
Aprovado em 2001, pela Lei n° 10.172, com duração de dez anos, o Plano Nacional de
Educação tem por objetivo assegurar a continuidade das políticas educacionais e articular as ações
da União, estados e municípios. Procura traduzir em termos de metas, diretrizes e estratégias de
ação os princípios norteadores da educação nacional em cumprimento ao que determina o Art.
214 da Constituição Federal e os Artigos 9º, inciso I, e 87, § 1º da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Este último não apenas preconiza o Plano Nacional de Educação (2001-
2011), como fixa o prazo de um ano, a partir de 20 de dezembro de 1996, para seu
encaminhamento ao Congresso Nacional, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes.
O Art. 211, parágrafo 1º da Constituição defina que “a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”, e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional que, atribui à União a prerrogativa de coordenar a política nacional
de educação (Art. 8º, § 1º) e “elaborar o PNE, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal

UNESCO [...] É necessário refletir sobre o fato de que, em uma forma de economia em que a durabilidade dos
produtos se esgota rapidamente, o modelo da competência, conforme define o Relatório Delors, implica a noção de
processo de ‘apropriação singular e de criação pessoal’. Isto significa que o sujeito se torna responsável pela sua
formação ou carreira e que deve estar convencido de que sua competência deve ser continuamente renovada, em face
das transformações econômicas e necessidades do mercado, o que corresponde à concepção de educação ao longo de toda
a vida”. Por consequência, segundo a autora, “o desafio contínuo das instituições como um todo e dos sujeitos em
particular é continuar renovando seus conhecimentos, construir competências para competir e se ajustar a um
mercado de trabalho marcado pelo desemprego estrutural, pela obsolescência de algumas ocupações, pelo surgimento
de novas profissões e pelo trabalho informal, enfim, pela impossibilidade de o sujeito se definir por um emprego
estável ou um estatuto definido”.

201
e os Municípios” (Art. 9º, inciso I), e determinar nas Disposições Transitórias da Lei (Título IX,
Art. 87, § 1º) “A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao
Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos
seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos”.
A trajetória da construção desse Plano nos é relatada por Saviani no livro “Da nova LDB
ao Fundeb: por uma outra política educacional” (2008b). Segundo o autor, em cumprimento as
determinações legais o MEC deveria ter encaminhado ao Congresso o projeto do PNE, até 23 de
dezembro de 1997, o que não ocorreu. Em 10 de fevereiro de 1998 deu entrada na Câmara de
Deputados o projeto elaborado pelas entidades educacionais, intitulado “Plano Nacional de
Educação; proposta da sociedade brasileira”. Dois dias depois, em 13 de março, o projeto do
governo foi apensado da aposição. O referido projeto era intitulado “Plano Nacional de Educação:
Proposta do Executivo ao Congresso Nacional”. Iniciando-se, assim, a tramitação do PNE na
Câmara de Deputados.
Os dois projetos em disputa foram marcados por divergências relacionadas aos objetivos e
metas, especialmente àquelas relacionadas ao financiamento da educação (SAVIANI, 2008b, p.
274). Mas, sobretudo, são marcados por duas lógicas distintas. De um lado, a redução dos gastos
públicos, a transferência de responsabilidades e a restrição do papel da União ao controle,
avaliação, direção e, eventualmente, apoio técnico e financeiro de caráter subsidiário e
complementar, reiterando a política educacional que já vinha sendo conduzida pelo MEC e
preconizada pelo Banco Mundial. De outro, a defesa do ensino público e gratuito, o aumento
substantivo do gasto público com a educação, a gestão democrática da educação, a universalidade
da educação básica e ampliação do ensino superior público, a implementação do sistema nacional
de educação, a gratuidade da educação para as pessoas com necessidades especiais, erradicação do
analfabetismo (VALENTE, 2001, p. 21-22). Ao comentar sobre os dois projetos em disputa,
Valente e Romano (2002, p. 98), dizem:

As duas propostas de PNE materializavam mais do que a existência de dois


projetos de escola, ou duas perspectivas opostas de política educacional. Elas
traduziam dois projetos conflitantes de país. De um lado, tínhamos o projeto
democrático e popular, expresso na proposta da sociedade. De outro,
enfrentávamos um plano que expressava a política do capital financeiro
internacional e a ideologia das classes dominantes, devidamente refletido nas
diretrizes e metas do governo.

Após, mais um processo marcado por acirradas disputas e manobras políticas o Plano foi
aprovada no Congresso Nacional e, encaminhado à sanção presidencial recebeu nove vetos,
transformando-se na Lei nº 10.171, de 9 de janeiro de 2001.

202
Do ponto de vista legal, a concepção do Plano teve como eixos norteadores a Constituição
Federal de 1988, a LDB de 1996, e a Emenda Constitucional nº 14, de 1996, que instituiu o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Consideraram-se
ainda realizações oficiais anteriores, principalmente o Plano Decenal de Educação para Todos, de
1993, bem como a orientação da política educacional do governo federal.
O Plano está estruturado em seis partes e em cada uma delas é considerado sob três
aspectos: diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas.
I - Objetivos e Prioridades
II - Objetivos e metas conforme os níveis de ensino
Educação Básica
a) Educação Infantil
b) Ensino Fundamental
c) Ensino Médio
Educação Superior
a) Financiamento e Gestão da Educação Superior
III - Modalidades de Ensino
a) Educação de Jovens e Adultos
b) Educação a Distância e Tecnologias Educacionais
c) Educação Tecnológica e Formação Profissional
d) Educação Especial
e) Educação Indígena
VI - Magistério da Educação Básica
V - Financiamento e Gestão
a) Financiamento
b) Gestão
VI - Acompanhamento e Avaliação do Plano

Em síntese o Plano tem como os objetivos e prioridades: a) elevação do nível de


escolaridade da população; b) melhoria da qualidade do ensino; c) redução das desigualdades
sociais e regionais no tocante ao acesso e permanência; d) democratização da gestão do ensino
público.
Dentre os principais pontos do documento destacam-se:
• A definição de responsabilidades da União, dos Estados e Municípios, indicando, para
cada meta, as instâncias administrativas responsáveis;
• A definição e hierarquização de prioridades, sendo as duas primeiras alicerçadas em
compromisso constitucional: a universalização do ensino fundamental e a erradicação do
analfabetismo;
• Garantia de ensino obrigatório de oito anos a todas as crianças, assegurando seu ingresso,
permanência na escola e conclusão desse ensino;
• Garantia de ensino fundamental a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria
ou que não o concluíram;
• A extensão da escolaridade obrigatória para crianças de seis anos de idade, o que permitirá,
na década, a ampliação do ensino obrigatório para nove anos;

203
• Criar mecanismos que viabilizem o repasse automático para o órgão responsável de
recursos destinados à educação;
• A extensão progressiva da jornada escolar visando expandir de tempo integral, abrangendo
pelo menos um período de sete horas;
• O estabelecimento de padrões mínimos para o funcionamento da escola;
• A provisão, para escolas, de equipamentos e tecnologia educativa e de comunicação;
• A expansão do atendimento básico a alunos com necessidades especiais na educação
infantil e no ensino fundamental, visando sua generalização na década;
• Expansão gradual do ensino médio, procurando atingir sua universalização;
• Ampliação das oportunidades de acesso à educação profissional complementar à educação
básica;
• Valorização dos profissionais da educação, com atenção especial a formação inicial e
continuada de professores;
• Garantia de condições adequadas de trabalho, entre elas tempo de estudo e preparação de
aulas, piso salarial e carreira de magistério;
• Desenvolvimento de sistemas de informação e avaliação em todos os níveis e modalidades
de ensino;
• A ampliação da oferta gradual de vagas para a Educação Superior, tanto em instituições
públicas quanto particulares;
• Estabelecer um amplo sistema de educação superior a distância;
• A garantia da autonomia das universidades públicas, estendendo prerrogativas de
autonomia às instituições não-universitárias públicas ou privadas;
• Estabelecer um sistema de recredenciamento periódico das instituições de ensino superior;
• Diversificar o sistema de ensino superior;
• Criar políticas que facilitem as minorias e acesso à educação superior;
• Destinar prioritariamente 10% dos recursos vinculados à educação para o ensino médio
nos estados e, nos municípios, para a educação infantil;
• Estabelecer a utilização prioritária de 15% dos recursos destinados ao ensino fundamental
para a educação de jovens e adultos, cujas fontes não integrem o Fundef;
• Universalizar, a oferta às comunidades indígenas de programas educacionais equivalentes
às séries iniciais do ensino fundamental, respeitando seus modos de vida e suas visões de
mundo e as situações sociolingüísticas;
• Informatizar e profissionalizar a gestão educacional no País, nas escolas, nos estados e nos
municípios;
• Aperfeiçoar o regime de colaboração entre os sistemas de ensino com vistas a uma ação
coordenada entre entes federados, compartilhando responsabilidades;
• Desenvolver padrões de gestão visando à autonomia administrativa, pedagógica e
financeira da escola e a participação da comunidade;

Para grande parte dos autores, o PNE não passa de uma “declaração de intenções”. Isto
porque, não define a fonte de recursos para a execução das metas. Nas palavras de Valente (2001,
p. 37), “FHC veta o que faria do PNE um plano”, ou seja, os principais vetos do executivo estão

204
vinculados aos recursos financeiros175 destinados à educação, ou seja, ao principal meio para
viabilizar as diretrizes metas propostas (Ibid., p. 39). Também porque, de modo geral o texto é
marcado por recomendações genéricas e ambíguas, pela ausência de prazos e meios, e em muitos
pontos sujeito a uma regulamentação posterior.
O Plano teria, ainda, como agravante a (des) responsabilização da União a respeito das
tarefas de manutenção e desenvolvimento do ensino, mediante a transferência de
responsabilidades para os entes subnacionais e introdução de “parâmetros” privatistas para o
financiamento dos sistemas de ensino, “por meio de mecanismos de envolvimento dos pais,
organizações não-governamentais, empresas e de apelo à ‘solidariedade’ das comunidades onde se
situam as escolas e os problemas” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003, p. 112-123).
Importa dizer que, o PNE foi aprovado com nove vetos do então presidente Fernando
Henrique Cardoso, especialmente vinculados ao financiamento, e que o Governo Lula “não
tomou a iniciativa de derrubar” (SAVIANI, 2008b, p. 6). Embora esse tenha sido o compromisso
assumido no Programa de Educação denominado “Uma escola do Tamanho do Brasil”.

As propostas de ação do governo Lula para superar a grave situação educacional


atual devem estarem consonância com as reivindicações da sociedade civil
organizada refletidas nos avanços políticos feitos no âmbito do Congresso
Nacional quando da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE).
Uma das ações prioritárias do governo Lula nessa direção será reexaminar os
vetos do presidente Fernando Henrique ao PNE, criando as condições para que
através do esforço conjunto da União, Estados, Distrito Federal e municípios, o
percentual de gastos públicos em educação em relação ao PIB sejam elevados
para o mínimo de 7% no período de dez anos (PARTIDO DOS
TRABALHADORES, 2002, p. 29).

Terminado em 2002 o mandato de FHC, tem início o governo Lula (2003-2006), marcado
por grandes expectativas de mudanças, especialmente em relação às questões sociais. No entanto,
apesar das mudanças almejadas, a política do primeiro mandato do governo Lula reproduziu as
características essenciais da política econômica de FHC.
No que diz respeito à política econômica, segundo Corazza e Ferrari Filho (2004, p. 246),
tal política fundamentou-se no tripé:

175 Valente e Romano (2002, p. 105-106), “Dois outros vetos diziam respeito, precisamente, ao financiamento público da educação. O
principal item vetado tem a seguinte redação: “elevação, na década, através do esforço conjunto da União, estados, Distrito
Federal e municípios, do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em educação, para atingir o
mínimo de 7%. Para tanto, os recursos devem ser ampliados, anualmente, à razão de 0,5% do PIB, nos quatro
primeiros anos do Plano e de 0,6% no quinto ano”. O outro veto é igualmente curioso: manda que as três esferas do Poder Público,
ao elaborarem os orçamentos, respeitem as vinculações e subvinculações constitucionais relativas à educação, bem como os valores necessários
à garantia de mínimos padrões de qualidade do ensino. O último veto incidiu sobre o dispositivo que determinava que o pagamento dos
aposentados e pensionistas do ensino superior público deveria ser excluídodas despesas consideradas como manutenção e desenvolvimento do
ensino”(Grifos dos autores).

205
[...] política de câmbio flutuante, combinada com livre movimento de capital,
regime de metas de inflação e políticas fiscal e monetária restritivas, combinando
elevadas taxas de juros com elevados superávits fiscais. Na justificativa do
Governo, essas medidas deveriam promover a estabilidade das variáveis
macroeconômicas e criar um ambiente institucional favorável a um crescimento
econômico impulsionado pelo mercado.

Dentre outros aspectos que, segundo Filgueiras e Costa Pinto (2004, p. 9-11), marcam a
continuidade da mesma política econômica concebida e executada pelo Governo FHC, podemos
citar: a) o “aumento da meta de superávit fiscal primário para o ano de 2003 de 3,75% para 4,25%
do PIB”, o que implicou numa “redução das despesas previstas no orçamento no montante de R$
14,1 bilhões de reais (corte de 22,75% no total do orçamento), sendo R$ 5 bilhões nos ministérios
da área social (corte de 12,44% dos gastos planejados)”; b) “a CPMF foi prorrogada e a tabela do
Imposto de Renda de Pessoa Física não foi corrigida”; c) o “aumento da taxa de juros básica do
Banco Central”; d) a “apropriação política da agenda de reformas defendida pelo governo anterior;
reformas estas que não haviam sido realizadas ou que haviam sido realizadas apenas parcialmente,
quais sejam: a Reforma Tributária, a Reforma da Previdência e a Reforma Sindical e Trabalhista176;
e) a “aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 53/99, que alterou o artigo 192 da
Constituição e suprimiu os seus incisos, que discorrem sobre o sistema financeiro nacional”,
facilitando a autonomia ao Banco Central; f) a “2ª revisão do terceiro acordo com o FMI, -
assinado pelo Governo FHC”, reafirmando o compromisso com “à privatização de bancos
estaduais e à realização das reformas tributária e previdenciária, definindo prazos para suas
respectivas tramitações no Congresso”; g) “o no final de 2003, o Governo Lula assinou o seu
próprio acordo com o FMI, no qual foram estabelecidas diretrizes semelhantes aos acordos
anteriores, assinados pelo Governo FHC”.
A continuidade dessa política deveu-se ao fato de que a política econômica do Governo
Lula esteve condicionada à construção e consolidação da credibilidade junto aos mercados
financeiros (CORAZZA, FERRARI FILHO, 2004; BELUZZO, CARNEIRO, 2003). Desse
modo, a obtenção da confiança e a estabilidade econômica são peças centrais, pois “a
desaprovação dos ‘mercados’ se expressaria numa grande fuga de capitais e na instalação de uma
crise cambial, levando à retomada da inflação e, no limite, a um processo que poderia vir a
questionar a própria governabilidade” (FILGUEIRAS; COSTA PINTO, 2004, p. 12).

176 Segundo Beluzzo e Carneiro (2003, p. 8), “O objetivo central é sem dúvida o do equilíbrio intertemporal das contas

públicas, embora os demais não sejam desprezíveis [...] O que se pretende quanto ao setor público é a redução da
dívida pública através da obtenção de superávits primários elevados e recorrentes. A redução da dívida teria uma dupla
função: diminuiria a pressão do setor público sobre os recursos financeiros liberando poupança para o setor privado.
Por sua vez a redução da dívida permitiria uma melhora da classificação de risco do país nos mercados internacionais
reduzindo a taxa de juros”.

206
No segundo mandato o governo Lula sinalizou para uma mudança na direção da política
econômica praticada até então. Em seu Plano de Governo (2007-2010) Lula assumia o
compromisso com

Um desenvolvimento de longa duração, com redução das desigualdades sociais e


regionais, respeito ao meio ambiente e à nossa diversidade cultural, emprego e
bem-estar social, controle da inflação, ênfase na educação, democracia e garantia
dos Direitos Humanos, presença soberana no mundo e forte integração
continental (LULA PRESIDENTE, 2007/2010, p. 5).

O desafio econômico é estimular o crescimento do PIB e do emprego, a inclusão social e a


melhoria na distribuição de renda. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007,
prometia alcançar esses objetivos por meio do aumento do investimento em infra-estrutura, do
estímulo ao financiamento e ao crédito, da melhora do ambiente de investimentos, da desoneração
e aperfeiçoamento do sistema tributário e da adoção de medidas fiscais de longo prazo. Conforme
vem sendo apontado por diversos autores, tais medidas podem significar uma mudança qualitativa
no papel a ser desempenhado pelo Estado na sociedade brasileira (DIEESE, 2007).
No que diz respeito à política social também há indícios de continuidade política em
relação ao governo anterior. A esse respeito Druk e Fuilgueiras afirmam (2007, p. 25).

O conteúdo da política social do governo Lula, no essencial, é o mesmo da


política social do governo anterior, apesar dos discursos em contrário, que
tentam dignificá-la e diferenciá-la – apresentando-a como uma política
(supostamente) articulada a medidas de natureza estrutural de combate à
pobreza.

Em geral as marcas dessa política têm sido as políticas sociais descentralizadas recorrendo-se às
parcerias, à caridade e a participação popular e as políticas focalizadas e compensatórias voltadas para o
atendimento aos muito pobres e às populações vulneráveis, sob a justificativa de que os recursos
disponíveis não são suficientes para atender a todos em igual proporção (OLIVEIRA e DUARTE,
2005, p. 288), a exemplo do programa Bolsa Família, que unificou os programas sociais focalizados
já existentes no governo Cardoso (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e
Auxílio-Gás).
Em relação à política educacional como um todo, apesar das expectativas criadas, no
Governo Lula, “em linhas gerais e ao que se refere às questões de fundo, a orientação política do
governo anterior foi mantida. Portanto, não constatou ruptura também na política educacional” do
governo FHC (SAVIANI, 2088b, p. 10). Apesar de algumas novas medidas pontuais tomadas,
implicarem em modificações em relação ao governo anterior, como é o caso do ensino de 9 anos e
da Lei do FUNDEB.

207
Ensino Fundamental de nove anos

A Lei n° 11.274/2006, ao alterar os Arts. 29, 30, 32 e 87 da LDB, dispõe sobre o Ensino
Fundamental de nove anos, com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. Enquanto
que o Art. 32, da Lei 9.394/96, afirmava que o Ensino Fundamental tinha duração mínima de oito
anos, o Art. 3º da Lei 11.274/2006 dá-lhe nova redação, estabelecendo que “O ensino
fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se
aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão [...]”. A Lei 11.274/2006
estipulou o prazo de até o ano de 2010, para os municípios, estados e Distrito Federal
implementar essa medida.
Segundo Saviani (2008b, p. 90), a motivação para a provação dessa lei foi a dificuldade, por
parte dos municípios, de manter as respectivas redes de educação infantil. Desse modo, a inclusão
das crianças de 6 anos no ensino fundamental foi a saída encontrada para cobrir as despesas com a
educação dessa faixa estaria, utilizando os recursos do Fundef. A medida, no entanto, ao ampliar a
escolaridade obrigatória, não deixou de significar um avanço.

Emenda Constitucional nº 53/06 cria o FUNDEB (Fundo de Manutenção e


Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação)

O Fundeb atende toda a educação básica, ou seja, não só o Ensino Fundamental.


Substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006, o Fundeb está em vigor desde
janeiro de 2007 e se estenderá até 2020. Sendo regulamentado pela Medida Provisória n° 339, de
29 de dezembro de 2006, Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, Decreto nº 6.253, de 13 de
novembro de 2007, Decreto nº 6.278, de 29 de novembro de 2007.
O Funbed, assim como o Fundef, é um fundo de natureza contábil, de abrangência
nacional, formado com recursos providos das três esferas de governo (Federal, Estadual e
Municipal)177, provenientes de parte da vinculação constitucional incidente sobre a receita de
impostos, conforme dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 212, sendo o repasse realizado
em favor dos Estados e Municípios de forma igualitária, com base no número de alunos.

177
“Esses aspectos do FUNDEB revestem-no de peculiaridades que transcendem sua simples caracterização como
federal, Estadual ou Municipal. Assim, dependendo da ótica com que se observa, o Fundo tem seu vínculo com a
esfera Federal (a União participa da composição e distribuição dos recursos), a Estadual (os Estados participam da
composição, da distribuição, do recebimento e da aplicação final dos recursos) e a Municipal (os Municípios
participam da composição, do recebimento e da aplicação final dos recursos)” (ESTADO DE
PERNAMBUCO/Tribunal de Contas 2007, p. 5).

208
A Lei nº 11.494/2007, em seu Art. 4°, prevê que haverá complementação de recursos por
parte da União, sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, os recursos para a
formação do respectivo Fundo sejam insuficientes para atingir um determinado valor aluno/ano
mínimo nacional, definido anualmente na forma e nas condições estabelecidas em lei. E, no Art.
6º, § 3º, trata da possibilidade de responsabilidade da autoridade competente pelo não
cumprimento da complementação da União.
Em seu Art. 22 estabelece que pelo menos um percentual mínimo de 60% dos recursos do
Fundo, no âmbito de cada Estado e no Distrito Federal, será destinado para a remuneração dos
profissionais do magistério da educação básica, em efetivo exercício de suas atividades.
É previsto, ainda, que o Poder Público deverá fixar, em lei específica, até 31 de agosto de
2007, piso salarial profissional nacional178 para os profissionais do magistério público da educação
básica (Lei 11.494/2007, Art. 41).
Admitir-se-á, a partir de 1o de janeiro de 2008, para efeito da distribuição dos recursos do
FUNDEB, o cômputo das matrículas efetivadas na educação especial oferecida por instituições
comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na
educação especial, conveniadas com o poder executivo competente (Decreto no 6.278/2007, Art.
1º). Serão consideradas, para a educação especial, as matrículas na rede regular de ensino, em
classes comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e em escolas especiais ou
especializadas (Art. 2°).
De acordo com a Lei nº 11.494 haverá, na esfera da União e de cada ente federativo, um
Conselho de Controle e Acompanhamento Social do FUNDEB, com composição e competências
a serem definidas em lei (Art. 24).
Em linhas gerais podermos dizer que o Fundeb segue as linhas básicas do Fundef.
Entretanto, com o Fundeb é ocorreu um importante avanço, pela ampliação da abrangência do
fundo, ou seja, além do ensino fundamental de nove anos, poderão ser beneficiários dos recursos
do fundo a educação infantil (creches e pré-escolas), e ensino médio, a educação de jovens e
adultos (EJA), abrangendo os meios urbanos e rurais e as modalidades da educação especial, da
educação indígena e quilombola, assim como a educação profissional integrada ao ensino médio
(Lei 11.494/2007, Art. 10). Também pelo aumento da participação da União na constituição do
fundo, ao vedar a utilização do salário-educação para a complementação (Art. 5, § 1º) (SAVIANI,
2008b). E, ainda, por acrescer novos impostos na composição do fundo, além do ICMS. FPM e

178
O piso salarial fui instituído pela Lei n° 11.738, de 16 de julho de 2008. Conforme o Art. 2o o valor piso salarial
para o profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica a educação básica será de
R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais) mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, conforme
a LDB, devendo ser atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009 (Art. 5º).

209
FPE, IPI-Exp, que já faziam parte do Fundef, são acrescidos o Imposto sobre Transmissão de
Bens e Imóveis (ITBI), o Imposto sobre propriedade de Veículos Automotivos (IPVA) e o
Imposto sobre Território Rural (ITR) (Art. 3o) e, por passar a ser composto por 20% dos recursos
arrecadados (Art. 3o) e não 15%, como no Fundef (OLIVEIRA, 2007).
No entanto, apesar dos avanços reconhecidos, diversos autores acreditam que o Fundo
ainda não resolve o problema do financiamento da educação. Para Saviani (2008), para que isso
fosse possível seria necessário aumentar o percentual do PIB179 destinado a educação para 8%, ou
seja, praticamente duplicando o valor investido.

Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, 2007)

O Plano de Desenvolvimento da Educação foi lançado no Governo Lula em março de


2007. Para operacionalizar o Plano, o governo federal baixou o Decreto n° 6.094, em 24 de abril de
2007. O Capítulo I do Decreto “dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação180, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e
Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência
técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica”,
de modo a enfrentar os problemas de rendimento, freqüência e permanência do aluno na escola e
estabelecendo 28 diretrizes a serem seguidas pelos que aderirem ao Plano. O Plano de Metas é, com
efeito, o carro-chefe do PDE.
De acordo com o Art. 1º do Decreto, cabe aos respectivos sistemas de ensino, dentre
outras atribuições, promover a gestão participada; elaborar plano de educação e instalar Conselho
de Educação; acompanhar e avaliar, com a participação da comunidade e do Conselho de
Educação as políticas na área da educação; fomentar e apoiar os conselhos escolares, envolvendo
as famílias dos educandos, com atribuições de zelar pela manutenção da escola e pelo

179 O gasto público com educação no Brasil como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) cresceu de 4,7% para
5% entre 2008 e 2009, de acordo com novo levantamento do Ministério da Educação (MEC). Até 2005 esse valor era
de 3,9% do PIB.
180
Importa ressaltar que o PDE assume plenamente a agenda do Compromisso Todos pela Educação, foi um “movimento
lançado em 6 de setembro de 2006 no Museu do Ipiranga, em São Paulo. Apresentando-se como uma iniciativa da
sociedade civil e conclamando a participação de todos os setores sociais, esse movimento se constituiu, de fato, como
um aglomerado de grupos empresariais com representantes e patrocínio de entidades como o Grupo Pão de Açúcar,
Fundação Itaú-Social, Fundação Bradesco, Instituto Gerdau, Grupo Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Fundação
Educar-DPaschoal, Instituto Itaú Cultural, Faça Parte-Instituto Brasil Voluntário, Instituto Ayrton Senna, Cia. Suzano,
Banco ABN-Real, Banco Santander, Instituto Ethos, entre outros. Em seu lançamento, o “Compromisso Todos pela
Educação” definiu cinco metas: 1. Todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar na escola; 2. Toda criança
de 8 anos deverá saber ler e escrever; 3. Todo aluno deverá aprender o que é apropriado para sua série; 4. Todos os
alunos deverão concluir o ensino fundamental e o médio; 5. O investimento necessário na educação básica deverá
estar garantido e bem gerido” (SAVIANI, 2009, p. 32).

210
monitoramento das ações e consecução das metas do compromisso; firmar parcerias externas à
comunidade escolar, visando a melhoria da infra-estrutura da escola ou a promoção de projetos
sócio-culturais e ações educativas.
De acordo com Art. 2º, cabe aos diferentes sistemas de ensino, que aderirem ao
Compromisso Todos pela Educação, as atribuições de:

• Alfabetizar as crianças até, no máximo, aos 8 anos;


• Combater a repetência;
• Combater a evasão;
• Valorizar a formação ética, artística e a atividade física;
• Estabelecer como foco a aprendizagem de cada aluno;
• Acompanhar cada aluno individualmente;
• Promover a educação infantil;
• Matricular o aluno na escola mais próxima de sua residência;
• Garantir o acesso e permanência das crianças com deficiência;
• Manter programas de alfabetização de jovens e adultos.
• Criar programa de formação inicial e continuada dos profissionais da educação;
• Implantar plano de carreira, cargos e salários para profissionais da educação;
• Valorizar o mérito, a formação, desempenho eficiente, dedicação, assiduidade,
pontualidade e responsabilidade dos profissionais da educação;
• Elaborar o projeto político pedagógico da escola com a participação dos professores;
• Estabelecer regras claras para a nomeação e exoneração dos diretores;
• Incorporar ao núcleo gestor da escola os coordenadores pedagógicos;
• Divulgar na escola e na comunidade os dados relativos à educação, em especial aqueles
ligados à escola e ao município.
• Transformar a escola em espaço comunitário;
• Manter e recuperar espaços e equipamentos públicos que possam ser utilizados pela
comunidade escolar;
• Ampliar os tempos e espaços educativos visando a aumentar o tempo do aluno para
atividades educativas e pedagógicas que favoreçam a melhoria da aprendizagem, para
além da jornada escolar obrigatória;
• Firmar parcerias entre escola, empresas, ONGs e outros atores visando ampliar a oferta
de oportunidades de desenvolvimento.
• Acompanhar e avaliar, com a participação da comunidade e dos Conselhos, as políticas
públicas da área de Educação;
• Promover a gestão participativa na rede de ensino;
• Fomentar e apoiar os conselhos escolares;
• Garantir o funcionamento efetivo, autônomo e articulado dos conselhos de controle
social;
• Elaborar Planos de Educação e fomentar a criação de conselhos, quando não existirem;
• Integrar os programas de educação com os de outras áreas como saúde, esporte e
assistência social;
• Zelar pela transparência da gestão pública em educação.

211
O referido Decreto no Capítulo II dispõe sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb). Em seu Art. 3,º prevê que o Ideb será o indicador objetivo para a verificação do
cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso. O Capítulo III trata da
adesão ao Compromisso, o Capítulo IV da assistência técnica e financeira da União, e estabelece as
disposições gerais (Seção I) e o Plano de Ações Articuladas (Seção II), prevendo assistência e
financeira aos que a aderirem ao Compromisso.
O PDE do Governo Federal é um projeto cujo objetivo principal é melhorar o Índice de
desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que leva em conta o rendimento do aluno e as taxas
de evasão e repetência. Até 2022 o Brasil deverá sair dos atuais 3,6% e alcançar nota 6,0 (nota
obtida pelos países desenvolvidos que ficaram entre os 20 mais bem colocados no ranking
mundial).
O Plano contém vários pontos. Dado a sua abrangência, gostaríamos de destacar apenas
alguns em particular: 1) criação de um novo indicador de desempenho, para mediar a qualidade do
ensino no país – o IDEB; 2) definição, pelo MEC, de metas de qualidade, que devem ser atingidas
pelos sistemas municipal, estadual e federal, ao mesmo tempo, em que fará o acompanhamento,
avaliação e cobrará resultados; 3) envolvimento dos estados, municípios, famílias e comunidade
(organizações sindicais e da sociedade civil, fundações, entidades de classe empresariais, igrejas
entidades confessionais, pessoas físicas e jurídicas), para a melhoria da educação básica.
Apesar de receber a denominação de Plano, na verdade o PDE aparece como um grande
guarda-chuva, que abriga praticamente todos os programas em desenvolvimento pelo MEC
(SAVIANI, 2009, p. 5), a princípio foram 29 ações, que com o tempo se estenderam para 41,
abrangendo os níveis e modalidades de ensino, além de medidas de apoio e de infra-estrutura.
Segundo Saviani (2009, p. 5-6), essas ações “aparecem no site do MEC de forma individualizada,
encontrando-se justapostas, sem nenhum critério de agrupamento”. Contudo, elas podem ser
distribuídas da seguinte maneira:
Educação básica: o “FUNDEB”, o “Plano de Metas do PDE-IDEB”, “Piso do Magistério” e
“Formação” “Transporte Escolar”, “Luz para Todos”, “Saúde nas Escolas”, “Mais educação”,
“Coleção Educadores” e “Inclusão Digital”, “Proinfância”, “Provinha Brasil”, “Inclusão Digital”,
“Biblioteca na Escola”, “Provinha Brasil”, “Programa Dinheiro Direto nas Escolas”, “Gosto de
Ler”, “Coleção Educadores”, “Transporte Escolar”, “Guia das Tecnologias Educacionais”,
“Educacenso”, “Livre do Analfabetismo”, “Literatura para Todos”, “Plano de Metas do PDE –
IDEB”, “EFETS: Chamada Pública”, “Piso do Magistério”, “Proinfo”, “Iniciação à Docência”,
“Educação Especial”, “Sala de Recursos Multifuncionais”, “E-tec Brasil”, “Luz para Todos”,
“Olhar Brasil”, “Concurso”, “PDE-Escola”, dentre outras.

212
Educação Superior: Universidade Aberta do Brasil (UAB), “Educação Superior”, “FIES-
PROUNI”, “Pós-doutorado”, “Professor Equivalente”, “Estágio”, “Programa Incluir:
Acessibilidade na Educação Superior”, “Podocência”, “PROEXT”, “Licenciatura de Qualidade”,
Nova Capes.
No livro “O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas”, lançado em
2007, o MEC expõe os motivo, as justificativas a fundamentação da nova política educacional.
Conforme o documento “a razão de ser do PDE está precisamente na necessidade de enfrentar
estruturalmente a desigualdade de oportunidades educacionais” (HADDAD, 2008, p. 5-6).
Para isso, o PDE está sustentado em seis pilares: “i) visão sistêmica da educação181, ii)
territorialidade, iii) desenvolvimento, iv) regime de colaboração, v) responsabilização e vi)
mobilização social – que são desdobramentos conseqüentes de princípios e objetivos
constitucionais, com a finalidade de expressar o enlace necessário entre educação, território e
desenvolvimento, de um lado, e o enlace entre qualidade, eqüidade e potencialidade, de outro”
(Ibid., p. 8).
Embora esse conjunto de ações tenha recebido o nome de Plano para Saviani (2009, p. 27)
não é possível concebê-lo como tal, mas sim como um programa de metas. Isto porque,

[...] Ele se define, antes, como um conjunto de ações que, teoricamente, se


constituiriam em estratégias para a realização dos objetivos e metas previstos no
PNE. Com efeito, o PDE dá como pressupostos o diagnóstico e o enunciado
das diretrizes, concentrando-se na proposta de mecanismos que visam à
realização progressiva de metas educacionais. Tive, porém, que introduzir o
advérbio “teoricamente” porque, de fato, o PDE não se define como uma
estratégia para o cumprimento das metas do PNE. Ele não parte do diagnóstico,
das diretrizes e dos objetivos e metas constitutivos do PNE, mas se compõe de
ações que não se articulam organicamente com este.

Em resposta a críticas como essas o MEC justifica que o PDE é mais um Plano executivo,
ou seja:
O PDE, nesse sentido, pretende ser mais do que a tradução instrumental do
Plano Nacional de Educação (PNE), o qual, em certa medida, apresenta um bom
diagnóstico dos problemas educacionais, mas deixa em aberto a questão das
ações a serem tomadas para a melhoria da qualidade da educação. É bem

181
O PDE, na perspectiva do MEC, representa um esforço de romper com a concepção fragmentada de educação
até então prevalecente como orientação da política educacional brasileira e, para isso, propõe uma visão sistêmica de
educação. Ou seja, a visão sistêmica consiste em “reconhecer as conexões intrínsecas entre educação básica, educação
superior, educação tecnológica e alfabetização e, a partir dessas conexões, potencializar as políticas de educação de
forma a que se reforcem reciprocamente” (HADDAD, 2008, p. 7). Assim, o PDE numa perspectiva sistêmica busca
“[...] dar conseqüência, em regime de colaboração, às normas gerais da educação na articulação com o
desenvolvimento socioeconômico que se realiza no território, ordenado segundo a lógica do arranjo educativo – local,
regional ou nacional” (Ibid., p. 8).

213
verdade, como se verá em detalhe a seguir, que o PDE também pode ser
apresentado como plano executivo, como conjunto de programas que visam dar
conseqüência às metas quantitativas estabelecidas naquele diploma legal, mas os
enlaces conceituais propostos tornam evidente que não se trata, quanto à
qualidade, de uma execução marcada pela neutralidade (HADDAD, 2008, p. 6).

Ao analisar o PDE os autores apontam pontos positivos, dentre os quais, “atacar o


problema qualitativo da educação básica brasileira” buscando resolvê-lo, o que não fazia parte os
planos anteriores, inclusive do PNE (SAVIANI, 2009, p. 30). Esse aspecto confere ao Ideb um
caráter diferenciado, ou seja, segundo Saviani, esse índice “se constitui num recurso técnico por
excelência para monitorar a implementação do PDE, definir e redefinir as metas, orientar e
reorientar as ações programadas e avaliar os resultados, etapa por etapa, em todo o período de
operação do Plano, que se estenderá até o ano de 2022” (Ibid., p. 35). Para o autor, o Ideb ainda se
constitui um avanço importante por se constituir “um processo sistemático e contínuo de
assistência técnica aos municípios como apoio e condições para incentivos financeiros adicionais”
(Ibid., p. 36). Nesse sentido as escolas e os sistemas a serem contemplados com os recursos
adicionais da União são os que obtiveram piores resultados no Ideb. Portanto, o apoio técnico e
financeiro, objetiva superar as dificuldades diagnosticadas (SILVA e ALVES, 2009).
Outro aspecto positivo é que o PDE prevê recursos adicionais para a educação. Segundo
Saviani (2009, p. 35), para 2007 o MEC se dispôs a adicionar aos recursos do FUNDEB “1 bilhão
de reais, visando atender prioritariamente os mil municípios com os mais baixos níveis de
qualidade aferidos no IDEB”. Além da previsão de aumentar o percentual do PIB investido na
educação, na “ordem de 6% a 7%” (HADDAD, 2008, p. 22).
No entanto, a análise das diretrizes do PDE, levam alguns autores a considerá-lo como
uma continuidade da política educacional implantada nos anos de 1990, no que se refere a gestão,
avaliação e financiamento, à medida que se pautam nos princípios do modelo gerencialista
(CARVALHO, 2007; SILVA e ALVES, 2009).

Políticas inclusivas e de atenção à diversidade

A atenção à diversidade, acompanhada do combate a preconceitos ligados a determinantes


de gênero, raça, religião, padrões culturais e outros, é um tema recente, mas que está cada vez mais
presente nos encaminhamentos das políticas públicas para a educação. Embora os educadores
associem a defesa da diversidade cultural às conquistas decorrentes das reivindicações dos
movimentos populares e dos avanços do processo democrático, consideramos que isso se deve

214
primordialmente à influência e à articulação realizada pelos organismos internacionais, em especial
a UNESCO.
É o que se depreende de documentos como: Declaração de Princípios Sobre a Tolerância (1995),
Relatório Nossa Diversidade Criadora (1997), Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural (2002),
Relatório de Desenvolvimento Humano (2004), intitulado Liberdade Cultural num Mundo Diversificado.
No campo da educação, o Relatório Delors (1996), a Conferência de Dacar (2000) e o texto Construindo
um futuro comum: educando para a integração na diversidade (2000), advogam uma política educacional
baseada nas diferenças étnicas, sociais e culturais.
Valorizar e reconhecer as diferenças tem sido a forma encontrada pela UNESCO para
combater o racismo, a intolerância e o preconceito. O propósito é criar condições para um
desenvolvimento humano mais harmonioso e equitativo, de modo a aliviar a pobreza, enfrentar a
exclusão socioeconômica, amenizar as opressões e os conflitos; enfim, atingir a coesão social e a paz
internacional entre sociedades diversificadas.
Na medida em que o Brasil se torna signatário das convenções internacionais, assume
compromissos em torno da promoção e proteção da diversidade cultural, é o que se expressa em
documentos como: LDB (1996); PCNs (1998); Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental (1998); Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2003) e Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (2006). Ou, ainda, em outras medidas a exemplo da criação do sistema de
cotas nas universidades, e da inclusão de pessoas com necessidades especiais no ensino regular.
Nesses termos, os princípios que passam a orientar as reformas educacionais e as práticas
no sistema escolar pautam-se nos seguintes aspectos comuns: a) combate a todas as formas de
preconceito e discriminação; b) compreensão e respeito ao Estado de Direito; c) fortalecimento de
uma forma contemporânea de lidar com o público e o privado, especialmente quanto aos valores,
atitudes e conceitos responsáveis, e envolvimento de pessoas em ONGs, em questões ambientais,
dentre outras; d) valorizar a participação, a solidariedade, o respeito e o senso de responsabilidade
pelo outro e pelo público; e) formação de hábitos democráticos e responsáveis pela vida civil; f)
garantia de igualdade de oportunidade e diversidade de tratamentos; g) constituição de identidades
capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto, o imprevisível e o diferente; h)
reconhecimento e valorização da diversidade cultural, ou seja, das formas de se perceber e
expressar a realidade própria dos gêneros, etnias, regiões, grupos sociais e países; i)
estabelecimento de relações positivas de intercâmbio e enriquecimento mútuo entre as diversas
culturas; j) responsabilidade por construir a cidadania num mundo que se globaliza.

215
Na prática, a educação voltada à diversidade, requer currículos multiculturais; propostas
pedagógicas que respeitem e valorizem a pluralismo; materiais didáticos adequados (contendo
informações, dados, imagens, dados dos grupos minoritários); conteúdos e atividades didáticas
capazes de responder as diferentes necessidades, interesses e capacidades dos alunos; flexibilidade
na organização de programas; dentre outros. Enfim, desenvolver processos educativos,
metodologias e instrumentos pedagógicos que levem em conta as diferenças, a fim de formar
cidadãos solidários e responsáveis, abertos a outras culturas.
A política da valorização da diversidade cultural, em especial no campo da educação, vai
sendo delineada no bojo das mudanças de ordem social, política e econômica ocasionadas pelo
processo de globalização. Essas orientações, que surgem em âmbito internacional, têm
influenciado significativamente a formulação das políticas brasileiras.
Esses novos encaminhamentos têm-nos desafiado como educadores, já que estão
presentes em nosso cotidiano, não apenas porque as políticas de valorização e de reconhecimento
da diversidade têm chegado à sala de aula, mas também porque vivenciamos um contexto em que
a diferença assume cada vez mais relevância.

Conferência Nacional de Educação (CONAE - 2010)

Em 2008 quando, após a realização da Conferência Nacional de Educação Básica,


programou-se a realização de uma Conferência Nacional de Educação, em 2010, sendo precedida
de um amplo processo de preparação consubstanciado nas Conferências Municipais e nas
Conferências Estaduais a serem realizadas respectivamente no primeiro e no segundo semestre de
2009.
A Conferência Nacional de Educação, realizada em Brasília – DF, em abril de 2010, tem
nas suas bases, estrutural e organizacional, a realização das Conferências Municipais,
Intermunicipais, do Distrito Federal e Estaduais de Educação. O propósito foi elaborar um
documento final da Conferência de Educação, que pudesse servir de diretrizes para a formulação
do Plano Nacional de Educação e para a construção do Sistema Nacional Articulado.
Participaram desse processo as Redes Públicas e Privadas – Municipais, Estaduais e
Federal, todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, segmentos sociais e entidades que atuam
na área da educação e setores organizados da sociedade dispostos a contribuir para a melhoria da
educação brasileira.
Os objetivos foram: 1) Construir conceitos, diretrizes e estratégias nacionais para a
efetivação do Sistema Nacional Articulado de Educação coerente com a visão sistêmica da

216
educação; 2) Superar a fragmentação e desarticulação hoje existentes no projeto educacional
vigente no país; 3) Problematizar e aprofundar a discussão sobre a responsabilidade educacional,
envolvendo questões amplas e articuladas como gestão, financiamento, avaliação e formação e
valorização profissional, em detrimento de uma concepção meramente fiscalizadora e punitiva
sobre os educadores; 4) Integrar todos os níveis, etapas e modalidades da educação escolar numa
abordagem sistêmica, com vistas a consolidar os sistemas nacionais articulados de planejamento e
gestão, de financiamento, de avaliação e de formação (inicial e continuada) dos trabalhadores em
educação.
O Tema Central da Conferência foi: Construindo o Sistema Nacional Articulado: Plano
Nacional de Educação, suas Diretrizes e Estratégias de Ação. Dividido nos seguintes eixos
temáticos:

I- Papel do Estado na Garantia do Direito à Educação de Qualidade: Organização e


Regulação da Educação Nacional;
II- Qualidade da Educação, Gestão Democrática e Avaliação;
III- Democratização do Acesso, Permanência e Sucesso Escolar;
IV- Formação e Valorização dos Trabalhadores em Educação;
V- Financiamento da Educação e Controle Social;
VI- Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade.

Importa ressaltar que a idéia de realizar conferência nacional não é algo novo.
Historicamente, no Brasil, inúmeros movimentos sociopolíticos foram realizados objetivando a
construção de um Sistema Nacional de Educação: orientação política comum; articulação entre os
sistemas de ensino e responsabilidade do Estado e na garantia do direito à educação; Exemplos:
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), Conferências Brasileiras de Educação,
Conferências Nacionais de Educação.
A Conferência teve como propósito propiciar os marcos para a construção de um novo
plano nacional de educação182 com ampla participação das sociedades civil e política183. O processo
poderá possibilitar, ainda, a problematização e aprofundamento da discussão sobre a

182
Em 15 de dezembro de 2010 o Presidente Lula e o Ministro Haddad enviam para o Congresso Nacional o projeto
de lei do novo Plano Nacional de Educação para período 2011-2020. A solenidade, no Palácio do Planalto, teve a
presença de representantes da Conferência Nacional de Educação (Conae). O novo PNE apresenta dez diretrizes
objetivas e 20 metas, seguidas das estratégias específicas de concretização. O projeto de lei que encontra-se disponível
no site do MEC.
183 A partir da realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), realizada no período de 28 de março a 1º de

abril de 2010, foi elaborado um Documento Final, que encontra-se disponível no site do MEC.

217
responsabilidade educacional, envolvendo questões amplas e articuladas como gestão, financiamento,
avaliação e formação e valorização profissional (CONAE, 2009, p. 8). Organização de um Sistema
Nacional de Educação que promova, de forma articulada, em todo o país, o regime de colaboração; o
financiamento, acompanhamento e controle social da educação; a formação e valorização dos
trabalhadores da educação; e da instituição de uma política nacional de avaliação, tanto das ações
educacionais quanto do Plano Nacional de Educação.
Diante desse quadro qual o significado da retomada dessa questão no atual contexto? Se
esse fato não deixa de ser auspicioso, é forçoso também reconhecer que as dificuldades ainda
persistem (SAVIANI, 2009).
Outro aspecto a ser considerado é como vem se desenvolvendo a democratização da
educação no Brasil. Para isso, é importante verificar alguns indicadores que dão a dimensão do
acesso, permanência e sucesso dos estudantes no processo educativo. Segundo dados da educação
brasileira apresentados no Documento Referência da CONAE - Conferência Nacional de
Educação,

[...] ainda há cerca de 14 milhões de pessoas analfabetas; as taxas de


analfabetismo da área rural são, em média, quase três vezes maiores que as da
área urbana; em 2005, a taxa de escolarização líquida de crianças de seis anos era
de 62,9%; a taxa de freqüência à escola da população de quatro a seis anos era de
77,6%; a taxa de escolarização das crianças de sete a 14 anos atingiu a quase
universalização, com atendimento de 97%; quanto maior o nível de rendimento
familiar per capita, maior a taxa de escolarização de crianças de quatro a seis anos
de idade; cerca de 80% das pessoas de 15 a 17 anos estudam e apenas pouco
mais de 30% dos de 18 a 24 quatro anos, sendo que, destes, 71% ainda estavam
no ensino fundamental ou médio; a defasagem idade-série continua sendo um
dos grandes problemas da educação básica; é baixa a média de anos de estudo da
população brasileira, que gira em torno de seis anos de escolarização; em 2005, a
taxa de escolarização líquida no ensino médio era de 45,3% (CONAE, 2009, p. 48).

E, ainda
[...] da população com mais de sete anos, 11.2% são analfabetos, dos quais
aproximadamente 2,5 milhões estão na faixa de escolaridade obrigatória (7 a 14
anos). Dentre os maiores de dez anos, 11,2% não têm escolaridade ou estiveram
na escola pelo período de até um ano; 27,5% têm até três anos de escolaridade; e
mais de 2/3 da população (60,4%) não possuem o ensino fundamental
completo, tendo, no máximo, sete anos de escolaridade (IBGE - PNAD 2003,
apud, CONAE, 2009, p. 9-10)

Esses dados nos revelam que, ao ingressarmos o século XXI, estamos ainda distantes de
realizar a tarefa de organizar e instalar um sistema de ensino capaz de universalizar o ensino
fundamental.

218
Algumas considerações
________________________________

Vimos que, desde a segunda metade do século XIX, os países mais desenvolvidos vinham
cuidando da implantação definitiva de seus sistemas nacionais de educação pública, universal,
gratuita e obrigatória. Assim, em face das exigências da revolução industrial, da primeira crise de
superprodução e dos conflitos dela decorrentes e, ao mesmo tempo, da consolidação dos
modernos Estados-nação, as propostas educacionais voltavam-se para questões como a formação
dos cidadãos, a integração cívica, a unidade nacional e a preparação para o trabalho. O Estado,
com a função de “Estado educador”, assumiu a responsabilidade pela oferta da escolarização
universal e controle dos sistemas públicos de educação.
No decorrer do século XX, especialmente a partir da segunda metade, diante da
necessidade de crescimento econômico, de formação do capital humano, de mobilidade social, de
desenvolvimento do Estado-previdência (formação de profissionais para ocupar os cargos
burocráticos) e de instauração dos princípios democráticos eleitorais aplicados ao sistema político,
ocorreram modificações profundas na forma de se encarar a educação e, por conseqüência, na
atuação do Estado na manutenção e organização do sistema de ensino. Nesse contexto, na busca
pela universalização do ensino, ampliam-se as condições de acesso à escola elementar.
Deste modo, o capitalismo, notadamente o capitalismo industrial, engendrou a necessidade
de fornecer conhecimentos a camadas cada vez mais numerosas, seja pela necessidade de
produção, seja pelas necessidades do consumo que essa produção acarretava. Portanto,

[...] Ampliar a área social de atuação do sistema capitalista industrial é condição


para sobrevivência deste. Ora, isso só é possível na medida em que as
populações possuam condições mínimas de concorrer no mercado de trabalho e
de consumir. Onde, pois, se desenvolveram relações capitalistas, nasce a
necessidade da leitura e da escrita, como pré-requisito de uma melhor condição
para a concorrência no mercado de trabalho (ROMANELLI, 1986, p. 59).

Isto é, à medida que avançava o capitalismo gerava o crescimento da demanda social da


educação.
No Brasil, em correspondência com o desenvolvimento da industrialização, sobretudo no
período posterior a 1930, surgiram novas exigências educacionais e políticas, especialmente,
quanto ao papel do próprio Estado. Ou seja, a modernização econômica, mediante o crescimento
da indústria nacional, a urbanização, a intensificação da importação tecnológica, a ampliação dos

219
cargos burocráticos, a expansão de setores diversificados da economia e a heterogeneidade da
composição social, trouxe novos desafios para a educação. Sua reorganização tornou-se necessária:
introduziram-se novos componentes curriculares, novas metodologias e novos padrões de
organização e gestão, cujo fim era formar os recursos humanos exigidos pelas novas condições
sociais.
Segundo Romanelli (1986, p. 59), “as mudanças introduzidas nas relações de produção e,
sobretudo, a concentração cada vez mais ampla de população em centros urbanos tornaram
imperiosa a necessidade de se eliminar o analfabetismo e dar um mínimo de qualificação para o
trabalho a um máximo de pessoas”. Assim, o próprio desenvolvimento econômico impunha a
necessidade de ampliação da escolarização e de organização do sistema nacional de educação, para
o qual o Estado desempenhou um papel fundamental. Ele assumiu a criação, a manutenção, a
unificação e a fiscalização dos sistemas públicos de ensino, criando, assim, uma organização
integrada, homogênea, padronizada, unitária e unificada, com vistas a atender um grande número
de crianças. Em outros termos, criou uma organização nacional que seguia um plano e uma
orientação para homogeneizar os métodos, regras, programas, objetivos e procedimentos de
ensino nos estabelecimentos educativos. Tratava-se, sobretudo, de criar um sistema de saberes
iguais para todos, em que a aprendizagem também seria homogênea, constituindo um padrão de
comportamentos semelhantes. Essa tentativa de se criar um sistema coerente e unificado
nacionalmente implicava a obediência a uma autoridade centralizada e burocrática, em geral
denominados Ministérios da Instrução Pública ou da Educação.
Em síntese, a centralização foi fundamental para a organização e o desenvolvimento desse
padrão de educação, o qual correspondia ao tipo de sociedade característica daquelas condições
históricas e que, de certa forma, manteve suas bases até o final do século XX.
No entanto, a partir da década de 1990, em decorrência da nova crise do capitalismo
mundial, o Estado redefiniu seu papel e adotou um novo modelo de gestão pública.
Acompanhando as mudanças vivenciadas no mundo do trabalho e a substituição do modelo
taylorista/fordista pelo modelo de acumulação flexível, as formas técnico-burocráticas,
centralizadas e unificadas, passaram a ser consideradas ineficientes e foram abandonadas em favor
de novas formas de organização, gestão e financiamento do setor público.
O novo modelo gerencial caracteriza-se pela adoção de políticas de descentralização, de
ampliação da participação local e comunitária e de fortalecimento da autonomia administrativa e
financeira das instituições. O argumento para esta opção é a possibilidade de, com ela, se obter
maior flexibilidade, agilidade e eficiência nas ações governamentais e se racionalizar os gastos
públicos.

220
Assim, as atuais reformas implicam: a) o recuo do Estado na provisão direta dos serviços;
b) a ampliação das responsabilidades das comunidades locais ou para terceiros (organizações,
cidadãos em particular, empresas privadas e setor público não-estatal), na prestação de serviços
públicos; c) a vinculação às contingências imediatas, às motivações específicas e à racionalidade do
mercado; d) a desregulamentação e abandono das normas jurídicas, administrativas e
organizacionais tradicionais, cuja base eram os princípios universais, coletivos e públicos e sua
substituição por bases mais flexíveis, coerentes com os interesses individuais; e) a influência da
lógica de mercado na administração da educação; a ampliação da atuação de agentes privados em
espaços antes considerados exclusivamente públicos; f) o comprometimento dos direitos sociais
adquiridos e a precarização dos serviços prestados; g) a (des)construção dos sistemas submetidos a
valores nacionais e modelos pedagógicos unificados (programas, métodos, disciplinas, manuais,
calendários, estética, horários, etc) e a adoção de modelos locais e diferenciados adequados às
demandas segmentadas dos nichos de mercado.
As novas diretrizes políticas pressupõem não apenas uma estrutura jurídica e
organizacional descentralizada e mais flexível da escola como um todo, mas, também, autonomia e
flexibilidade para se organizar didática e pedagogicamente. Nesse sentido, cada escola passa a ser
responsável pela elaboração de sua matriz curricular levando em conta as exigências legais.
Conforme o Art. 26 da LDB,

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional


comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento
escolar por uma parte diversificada exigida pelas características regionais e locais
da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

Os princípios pedagógicos atuais celebram também a primazia das escolhas pessoais, da


diversidade, da subjetividade, da liberdade e da autonomia do aluno, dando relevância aos
conteúdos e métodos individualizados. Valorizam e dão um tratamento diferenciado à descoberta
pessoal, à construção do conhecimento pelo próprio sujeito, ao ritmo próprio de aprendizagem, às
características particulares e diferenças individuais. Conforme Carvalho (2009, p. 162).

A educação, que antes se pautava pelos objetivos universais, deve primar pelo
respeito à diversidade, pelo pluralismo linguístico e cultural e pela especificidade
dos indivíduos e grupos. A educação intercultural, fundada no apreço de outras
culturas, como um fator de paz e coesão social, constitui, assim, um dos
princípios fundamentais dos sistemas de educação formal. Essa concepção de
educação, ao reconhecer o direito à diferença, contrapõe-se à perspectiva
uniforme e homogênea de aluno e de ensino (padronização dos programas,
métodos e avaliação) e valoriza e reconhece as diferenças étnicas, culturais,
capacidades individuais, níveis de instrução, modos de vida, modos de aprender,
dentre outras.

221
Em face do exposto, podemos afirmar que as políticas educacionais atuais apontam para
mudanças significativas na forma de organização, gestão e financiamento do sistema de ensino. O
Estado, ao redefinir sua forma de atuação e intervenção, abre caminho para a transferência de
responsabilidades para os estados, municípios e instituições em particular. Favorece, também, a
desregulamentação e a ruptura com a política de universalização dos direitos. Possibilita, ainda, por
meio da autonomia pedagógica e da organização flexível, a proposição de conteúdos curriculares
diferenciados e multiculturais que, voltados para o localismo, à história do cotidiano, a pluralidade
e o particularismo de grupos, levam à afirmação das singularidades e subjetivismo e à rejeição dos
conhecimentos objetivos e princípios universais.
As mudanças nas finalidades educativas se manifestam também no plano da gestão e das
práticas pedagógicas. Criam-se estruturas organizacionais e gestão escolares mais flexíveis e
práticas pedagógicas mais personalizadas, ou seja, mais adaptadas aos interesses, às atitudes e às
capacidades cognitivas constatadas nos aprendizes. Segundo Laval (2004, p. 307), “a notação de
‘necessidade’ do aluno responde ao conceito corolário de ‘serviço’ a levar cada aluno para
responder à sua necessidade especifica”. Essa lógica “faz da escolaridade um tipo de self service onde
o aluno apresenta uma ‘demanda pessoal’ e à qual o professor responde por uma ‘oferta adaptada’.
No plano da gestão escolar, a tendência é para a descentralização, para a autonomia e para
a “gestão pela demanda”. O que se pretende é adequar o sistema educacional ao desejo do usuário
e à variedade da demanda como forma de aumentar, conforme a lógica do mercado, a eficácia da
escola por meio da “pressão” do consumidor. Contudo, vale lembrar que esse poder de escolha é
restrito, já que as escolhas e prioridades são socialmente determinadas ou já foram previamente
requeridas pelo próprio mercado.
Como a escola deve produzir uma oferta relacionada à demanda dos usuários, a
participação familiar passa a ser incentivada com o propósito de levar o cidadão, na condição de
consumidor, a exercer o direito de escolher as mercadorias (programas, disciplinas, conteúdos,
métodos) de acordo com suas preferências pessoais. Esse modo de proceder, em uma sociedade
que vivencia um processo de personalização e perda da perspectiva de longo prazo, compromete
um projeto de escola com finalidades maiores do que as já dadas pelo cotidiano. O atendimento ao
interesse imediato dos sujeitos ou grupos, por sua vez, implica um afastamento do ideal de
educação para todos como um bem de natureza coletiva e como um direito social. Ao mesmo
tempo em que corrobora para a “paulatina substituição de uma educação como projeto social e
político para uma concepção de educação como projeto individual ou, no máximo, atrelado ao
interesse de pequenos grupos ou comunidades” (SHIROMA e EVANGELISTA, 2003, p. 95).

222
As políticas públicas atuais, ao descentralizar os sistemas de ensino e estabelecer bases para
a autonomia da gestão das instituições escolares, conferem ao administrador escolar uma
importância estratégica. A descentralização operacional aumentou as responsabilidades da escola,
levando seu gestor a se defrontar com novos desafios, assumir o papel de coordenador da ação
dos diferentes componentes do sistema educacional na tomada de decisões conjuntas, estimular o
trabalho em equipe e as dinâmicas de trabalho identificadas de sua escola e resolver seus
problemas de forma autônoma e, ao mesmo tempo, ser responsável pelos resultados. Ele é,
novamente, colocado no centro da estrutura de poder na escola, tornando-se o elemento central e
fundamental para o encaminhamento do processo participativo no interior de sua escola e para sua
integração com a comunidade. Assim,

A gestão da escola é, nesta perspectiva, catalisadora do movimento autônomo e


co-responsável na gestão por resultados. A democratização dos processos
administrativos no interior da escola exige que o gestor da escola seja capaz de
influenciar, motivar, assumir, ao invés de impor ou só exigir, sendo sua ação
identificada como um dos fatores determinantes do “sucesso” da escola. Assim,
quanto mais disponibilidade tiver o gestor para partilhar responsabilidades, mais
a gestão estará aberta à participação dos agentes envolvidos (professores,
especialistas, alunos, funcionários e comunidade externa). Portanto, mais
democrática e eficiente será considerada, seja na conquista e atendimento ao
cliente e às demandas do mercado, seja na articulação de soluções e na aquisição
de fontes suplementares de recursos (CARVALHO, 2009b, p. 1155-1156).

Encerrada essa reflexão uma nova questão se põe. Perguntamo-nos, pois: tais mudanças
representariam um retrocesso na definição de uma política unitária e universal? Estaria em curso a
(des) construção da escola pública como um processo formalizado, sistemático, universal e
público?

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