Os Pavão Mysteriozo. A peleja do novo com o rotineiro.
Porque não se vive só de Pokemón Go,
Eu vou contar uma história De um pavão misterioso Que levantou voo numa empresa Com um povo corajoso
Ilustração de selo da série Lendas Brasileiras, de 1986, criado por Jô de Oliveira
O cordel é uma manifestação artística que, apesar da origem ibérica, ganhou
corpo e alma no nordeste. A expressão “Cordel” vem da forma de comercialização dos folhetos, pendurados em cordas. O cordel traz romances, tragédias, mistérios e temas como o amor, a religiosidade, o cangaço, etc. De impressão simples e barata, o cordel antecipou em mais de cem anos o fenômeno da produção cultural democratizada, atribuída à internet, com seus youtubers, bloggers e outros “ers”. Mas o motivo do sucesso do cordel é que emoção, romance e fantasia fazem parte da natureza humana – todos querem sonhar, todos querem ouvir boas histórias! O cordel mais famoso de todos os tempos é O Romance do Pavão Misterioso, de José Camelo de Melo Rezende, escrito em 1923 – uma história de amor entre a donzela Creusa e o herói Evangelista, que a resgata em uma máquina voadora, o Pavão Misterioso. A arte é coisa que vem da alma e se dirige a outras almas. Assim também é a inovação: pessoas criam algo novo para satisfazer desejos de outras pessoas. A dificuldade de fazer inovação numa empresa não está na falta de gente criativa. O problema é que, para fazer inovação (ou escrever uma história que alguém quer ouvir), o funcionário (ou o autor) precisa de tempo, coisa rara numa empresa sempre cheia de problemas urgentes. Uma pessoa empenhada em resolver problemas do dia a dia consegue inovar? Na teoria, sim, mas só se em sua rotina houver tempo e espaço para inovar, se ela trouxer gente de fora para dar os insights necessários e vários outros “ses”. Portanto, na prática, é difícil que alguém envolvido numa rotina inove. Inovar exige olhar despregado da rotina. Por isso, resolver problemas e inovar costumam ser atividades antagônicas: uma foca no processo existente, outra, na necessidade do cliente. O Feijão e o Sonho, livro de Orígenes Lessa (e novela da Globo em 1976), aborda o choque entre a luta diária pela sobrevivência (esposa e filhos a sustentar) e o desejo por uma vida com mais fantasia (a poesia). Realizar-se e ser feliz, para Campos Lara, é ser poeta e dar aula de poesia. Mas Maria Lúcia está mais
Campos Lara (Cláudio Cavalcanti) e Maria Lúcia (Nívea Maria) na
preocupada em colocar comida no prato. novela da Rede Globo – Clique na imagem para detalhes Alguém está errado? Tudo isso é natural: não é uma luta entre o bem e o mal, não é A Peleja do Diabo com o Dono do Céu (música de Zé Ramalho). São problemas que todas as empresas que querem inovar enfrentam. Inovação e Melhoria podem até brigar entre si no âmbito pessoal (quem cuida da rotina dificilmente vai inovar), mas, do ponto de vista sistêmico, elas se complementam. Uma Empresa que não faz pequenas melhorias em suas rotinas, dificilmente vai inovar. Inovação demanda estratégia, liderança e pessoas com tempo para inovar. Sem tempo e condições, não se consegue imaginar novas histórias para contar, nem cordéis para pendurar os folhetos. A boa notícia é que, aqui mesmo, na Empresa, muita coisa está vindo, como parcerias, células e laboratórios de inovação. “Evangelista subiu Pôs um dedo no botão Seu monstro de alumínio Ergueu logo a armação Dali foi se levantando Seguiu voando o pavão.” Não se trata de escolher – as empresas devem resolver problemas que sejam relevantes e inovar, tudo ao mesmo tempo agora. Inovação exige pessoas voltadas, de corpo e alma, a conhecer o cliente, a viver sua jornada e a criar soluções para ele. Mas só isso não basta: sem método, qualificação, coordenação e liderança, nada feito. De nada adiantaria ao Evangelista amar loucamente a donzela Creuza se não pensasse, se não construísse e se não soubesse pilotar o belo pavão misterioso. “Não temas minha donzela Nossa sorte nessa guerra Eles são muitos Mas não podem voar” (“Pavão Mysteriozo”, música de Ednardo sobre o famoso cordel)