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edição
inaugural
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Literatura Errante 3
SUMÁRIO
Contos:
O Conto de Maquena (Kananda Gomes)... 7
Dama das Dunas (Lucas Eugênio)....... 15
Despedida (Pablo Gomes).............. 21
Tráfico de Palavras (Luis Alladin)... 25
Poemas:
Mulher-lua (Laís Correia)............ 28
Falena (Leandro Costa)............... 29
Sobre Lonjura (Lis Tine)............. 30
Soneto Revelado (Daniel Cosme)....... 32
Verso Errante (Pablo Gomes).......... 32
Perfil:
Perfil Escritores: Laurentino Gomes (R. Lorry) 34
Teoria Literária:
Prefácio, Prólogo, Epílogo e Pósfácio (R. Lorry) 37
Opinião:
Minhas impressões sobre a escrita (Guto Domingues) 38
Notícia:
AFRO-HORROR: Antologia de contos finan-
ciada coletivamente será lançada..... 40
Folhetim:
SÉRIE ANTEROS - Caso Inicial......... 42
SÉRIE ANTEROS: Espectro Negro........ 44
A Aldeia dos Magos Escondidos I...... 48
A Aldeia dos Magos Escondidos II..... 52
Cartum:
Trocas............................... 68
2020 cancelado....................... 68
Guru................................. 69
4 Literatura Errante
Literatura Errante 5
Conto
O Conto de Maquena
por Kananda Gomes
Literatura Errante 7
a palavra reflexão não faz sentido. E é te darei a chance de enxergar não só o que
aí que Maquena, eu e você nos perdemos. está ao seu redor, como também tudo que
ninguém conhece, tudo o que qualquer
Não há problemas em sonhar e tentar outro animal não viu, coisas julgadas
realizar seus sonhos, o problema está em boas e ruins, acontecimentos que só eu, a
como irá fazer isso. O caminho tem mais a terra e o céu podemos ver e ainda viver
oferecer do que o destino, e aí Maquena pensando no rumo tudo tomou. Mas, ao
errou de novo. O desejo dela foi ouvido, final de tudo, você pode escolher
atendido e realizado, ela viu o que enxergar para sempre ou não. Porém, caso
realmente significa tudo. Se ela ficou você queira ver o tudo pelo resto da sua
feliz? Não, mas nós nunca estamos vida, saiba que nunca esquecerá nada que
felizes. viu aqui, nem a sensação que teve ao ver
cada um dos acontecimentos. Tudo te
Antes de dormir Maquena desejou com mais atormentará tanto que você não aguentará
vontade do que qualquer outro dia, ela e poderá sucumbir. Terá pesadelos, culpa,
suplicava poder ver tudo, tudo, tudo. sentirá o peso do mundo em suas costas,
Depois de fazer seu pedido Maquena ouviu será como Atlas e ainda sentirá todas as
um assovio vindo do seu lado esquerdo. dores dos outros. Está avisada, Maquena.
Era o Bom Vento das Memórias, um ser de Agora, antes que vejamos, algo quero
origem desconhecida, de forma muito menos saber sua escolha.
sabida, que realizava os sonhos dos
curiosos, apesar de não fazer isso da Maquena pensou que não aguentaria não
forma mais segura e confiante, contudo, ver e pensou mais ainda até que chegou à
Maquena e os outros que esse ser "ajudou" conclusão: seu desespero para saber algo
não faziam a menor ideia das que realmente nem conhecia tomou conta de
consequências. Como eu disse antes, sua cabeça e de seu corpo, pois,
esquecemos da importância de refletir automaticamente, se esqueceu das
sobre essa palavra, não só sobre essa negatividades que o Bom Vento das
como sobre muitas outras, usamos palavras Memorias disse. Jogou seus pensamentos
como enfeites e armas. para outro lugar e falou que queria ver
absolutamente tudo e, no momento em que o
Bom Vento das Memórias contou a Maquena Bom Vento das Memória dava a visão para
que ele já viu tudo, que era ela, ele pegava sua alma. Soprando a face
absolutamente magnifico e sabia o quanto e dando-lhe a ilusão, enquanto
ela desejava ver tudo, ela perguntou se tempestades invadiam a mente de Maquena,
poderia saber onde poderia olhar tudo e o sem sua percepção, as brisas do mundo
Bom Vento das Memórias pegou em sua mão e pediam licença para estar em o Bom Vento
a levou. Maquena por um momento das Memórias.
questionou a si sobre a própria segurança
e não aguentando mais perguntou como Depois que Maquena aceitou a proposta,
poderia confiar no ser. Bom Vento das o Bom Vento das Memórias a levou para o
Memórias respondeu que ela não podia, que Túnel do Mundo, o lugar onde a memória da
não se confia no ver e muito menos no terra é guardada durante toda sua
tudo. existência e, estando lá, é capaz de ver
tudo, mas isso não significa ver o que
— Bom Maquena, eu levarei você para ver, realmente está ali ou ver o que quer, quem
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entrar ali verá tudo puramente. morrendo, quando percebera o surgimento
de uma bola flamejante. Depois ouviu
O Bom Vento das Memorias perguntou se barulhos, tremores, a água do mar, que
Maquena estava pronta, e ela respondeu antes era calma, agora estava enfurecida,
que esperou por isso toda sua vida. Então e como quem tragicamente acaba de acordar
a luz se fez. do melhor sono, ela se revoltou e começou
a devorar tudo.
Maquena começou a sentir seus olhos
queimando e depois ficarem embaçados com Ouviu-se gritos, filhotes de di-
as lágrimas. Olhou-se no reflexo da água nossauros estavam nascendo foram
de um lago, apaixonou-se por si e disse engolidos pelas águas e pela terra,
que sabia agora o quanto era linda, deviam ter pensado que se a vida era assim
porém, se o Bom Vento das Memórias não preferiam não ter nascido. As plantas
tivesse a puxado, ela teria morrido morriam e folhas voavam sem nunca cair.
afogada na sua ilusão de beleza. Maquena sentia a agonia da folha, ela
entendia o que era voar e voar sem nunca
A partir dali tudo ficou muito rápido, saber quando iria cair, até não esperar
não como um piscar de olhos, contudo era mais e acabar caindo. Agora um tronco
agonizante estar dentro do Túnel do acertou alguns bebês dinossauros e tudo
Mundo. Era como estar no cérebro da ficou um breu, como se a Terra tivesse
Terra, vendo suas memórias. Podia ser sido engolida por um gigante monstruoso,
comparado a ler a mente alheia, mas as um das sinuosas cavernas escaldantes do
pessoas não são capazes de esconder Sudoeste, e assim virara banquete do
tantos segredos quanto a Terra. Esse ébano.
pensamento fez Maquena se sentir
privilegiada e única, como nunca havia se Maquena ficou aliviada em reconhecer o
sentido em sua vida. Não posso dizer que escuro, ela mal conseguia se aguentar em
no lugar dela eu não me sentiria assim, pé, um dinossauro bebê morreu ao seu
afinal ela estava vendo tudo. O Bom Vento lado. As plantas tão vívidas começaram a
das Memórias a puxou e seguiu o passeio sucumbir tão rapidamente e os olhos de
mais tortuoso ao qual Maquena já foi Maquena arderam. Ela não queria mais ver
obrigada a ir, ganhando de lavada do dia aquilo, porque tudo parecia muito ruim.
na casa da inconveniente tia Camélia e do Ela passou a cogitar uma fuga, porém
boçal tio Teixeira, de acordo com a sabia que não podia sair. Tinha feito um
disputa mental que ela fez ao longo do acordo e agora teria que ficar até o fim.
caminho, para se distrair enquanto estava Ela disse vacilante um “sim” quando o Bom
cansada de ver tudo. Estava decepcionada Vento das Memórias perguntou se ela já
com essa palavra e consigo. estava bem para prosseguir.
Literatura Errante 9
tempo em que via outros vestidos roçando natureza dizia para ser, quando sua falsa
em vômito e sangue, este de vermelho tão ilusão chegou caiu em si, arrependeu-se,
morto quanto o vívido tapete rubro. Viu o deu conta que era um animal selvagem
dourado do ouro banhando o rico, o descontrolado. Percebia sem acontecer que
dourado da areia banhando o pobre. O seu corpo se moldava a sua selvageria
dourado do ouro em barra sob a cabeça do renegada e se levantou, vestiu seu
pobre e o dourado da areia erguido sob a paletó, lavou suas mãos, comprou colares
cabeça do rico. Viu o lençol branco se de pérolas e injetou suas palavras nas
manchar do vermelho do morto e da veias da sua presa, fez com que ela
humilhada, isso durante toda a existência sentisse culpa, a presa fora da sua
do ser humano. cadeia alimentar agora chorava e pela
porta fora de seu habitat saia e seguia
— Animal terrível! — Praguejou o Bom seu nicho ecológico. Maquena ouvia mais
Vento das Memórias, enquanto Maquena gritos e via as expressões, sim ela quis
concordava. ver tudo, agora via além do que
aguentava. Viu pessoas fracas em filas,
Ouviu choros de bebês, uns nasciam com fracas em aparência, por dentro via
um grande teto pintado com anjos em um resistência.
palácio, outros nasciam na palha, uns
nasciam na choupana, outros no iglu, Alguns eram forçados a andar vestidos
alguns em ocas, outros na palafita, sob iguais, com o silêncio na voz e uma
madeira e blocos todos foram sustentados, tempestade na cabeça. Do lado, rostos
alguns na forma bruta, outros entalhados fardados com patentes gritavam num idioma
e banhados. Uns nasceram com os membros estridente, sentiam as armas nas mãos e
do corpo e da família, outros teria com vontade matavam essa gente. Viu
membros que faltavam. Embora no começo pessoas marchando porque queriam,
não percebessem, logo o futuro os precisavam e clamavam por igualdade,
cobraria. Outros nasciam na grama, no liberdade e fraternidade. Todo esse povo
berço, na lama, no paralelepípedo, ou nas em diversos lugares, idiomas, rostos e
calçadas, mas todos nasciam da terra. histórias, gritavam querendo coisas em
comum, tinham roupas diferentes e Maquena
—Ninguém jamais agradeceu a terra. — pensou que tudo ali era em épocas
Disse Bom Vento das Memórias. — Criaturas distintas. Entristeceu-se de ver que
ingratas. — Esbravejou ele. lutavam ainda pelas mesmas coisas.
Desejava explodir o mundo e começar
Maquena pensou que não se podia outro, ou talvez não começar nenhum,
agradecer quando não se sabe como ou a Maquena pensou que a segunda opção seria
quem. Chegou à conclusão que esperamos a melhor.
demais os sinais que queremos, mas
deixamos passar os que estão bem em nossa Ela viu velhos e novos barcos jogando
frente. seus iguais no chão como se fossem papel
ou um jarro, enquanto pratos eram
Maquena ouviu gritos, alguém foi quebrados, tiros eram dados e corpos
espancado. Em seu corpo havia todas as caiam. Maquena viu o silêncio, viu
cores, não sabia porque apanhava ou quem pessoas dançando na rua rindo e
batia, nem mais pensava, só agia como sua comemorando, viu crianças dando seus
10 Literatura Errante
primeiros passos na grama molhada, no festas, várias contagens e promessas para
piso polido, nas pedras de um prédio um ano novo. Lareiras esquentando quatro
destruído, no barco usado para fugir, na e fósforos esperançando quatrocentos. Viu
fila para entrar em outro país. Apenas as pessoas se formando, realizando e
crianças brincavam. Mães seguravam seus fracassando, tentando e desistindo,
bebês enquanto eles choravam, enquanto esquecendo e conseguindo. Ela estava
elas choravam, enquanto ganhavam um belo cogitando um novo acordo com o Bom Vento
presente de natal, enquanto reuniam a das Memórias, queria voltar a não ver
família, enquanto uma bomba atingia sua tudo e nem lembrar de ter visto tudo, mas
cidade, ainda seguravam seus bebês, com queria ao menos poder ver sua família.
cabeças e sem cabeças. Antes que ela dissesse isso em voz alta,
o Bom Vento das Memórias a puxou para uma
Maquena viu pessoas atirando com porta a esquerda e era ali que a terra
lasers, festim, plástico, palavras, guardava as memórias sobre a vida de
pedras, pipocas, comidas, confetes, Maquena.
pólvora, urânio, chumbo. Maquena viu a
natureza, viu lagos, cachoeiras, oceanos, — Posso saber o que você pensa Maquena
rios, geleiras, geadas, nevascas, e vou te mostrar como é o mundo a sua
enchentes, tsunamis viu a água de volta. Como não é diferente de muitos do
diversas maneiras, tanto cristalinas, que viu, afinal viu quase tudo.
quanto salobras, viu as claras sendo
usadas para lavar as mãos no jantar de Como Maquena não viu tudo? O Bom Vento
gala, e as escuras usadas na sopa para as das Memórias sabe a dimensão e o impacto
crianças lá de baixo comerem. Ela viu o do tudo, coisa que eu, você e Maquena nem
amor de diferentes maneiras. Viu as podemos mensurar, foge de nossa
pessoas sendo interpretes de suas vidas, capacidade. O Bom Vento das Memórias
mas sem conhecimento algum de como a sabia que devia mostrar as coisas mais
atuação estava prejudicando suas importantes, mentia com frequência, mas
carreiras como viventes. Viu pessoas era um bom ser, faz jus a seu nome. Alguns
agindo como donos dos que diziam amar, seres são nomeados de acordo com alguma
viu amores e amizades proibidas, viu característica marcante de sua
sempre a palavra matar. Viu assassinatos, personalidade, era o caso desse.
pessoas presas injustamente, viu outras
abusando do anel que conseguiram roubar, Maquena se viu, pela primeira vez viu a
viu gotas da pia caindo no chão, viu casa onde morava, viu-se bebê, viu seus
chaves encostadas nos cantos das mesas, pais fazendo sons para ajudá-la, viu-se
viu camas separadas, viu pessoas brincando com amigos e primos, viu-se
escrevendo histórias terríveis e belas. dando passos, viu-se sendo amada, sendo
Viu pessoas no alto e avante, viu humilhada por estranhos e descontando em
momentos de agonia constante, que quem a queria bem. Viu a pior briga que
pareciam filmes e às vezes eram. teve com a mãe, viu agora que a fez chorar
e se sentir incapaz, percebeu que fizera
Maquena viu criaturas que já foram com a mãe o que faziam com ela. Agora
extintas, pôr e nascer do sol, tapetes de Maquena pode ver que assim como ela sua
flores, lixos voadores, ícones da modas, mãe também não via, depois ela viu todo
jovens nas drogas, cabeças e punhos nas esforço que a mãe fez para cuidar dela e
paredes, antes e após fotos e fatos, como todos diziam que ela era incapaz,
Literatura Errante 11
Maquena já havia chamado a mãe de não queria ver mais nada, que tudo era
incapaz, não pelo mesmo motivo, mas muita coisa e preferia não lembrar disso.
jogara sal na ferida aberta daquela que Assim se fez, Maquena voltou para seu
mais a amava e a entendia. Como a mãe quarto com um resquício de visão, pode
deixou de dizer que não via tudo? O Bom ver o lugar onde dormia, a paisagem da sua
Vento das Memórias disse que a mãe tinha janela, quebrou o espelho no qual fingia
medo que Maquena sentisse vergonha dela, se ver, se deitou lembrando de tudo o que
já que desde pequena Maquena falava que tinha visto e disse que nunca mais
não conseguia ver tudo e por isso se desejaria isso. Chorou. Foi ver seus pais
sentia incapaz, dizia que odiava viver e deitou com eles, abraçou os dois.
consigo por não ver tudo. Nessa hora Desistiu de não se aceitar ficou
Maquena chorou muito, o Bom Vento das arrependida do que fez e, daquele dia em
Memórias colocou um espelho na frente diante, ela mudou.
dela, mandou que olhasse e disse que se
ela quisesse ver tudo bastava olhar para Fez isso porque percebeu o quanto tudo
si e enxergaria tudo que precisasse para pode ser impossível de ser visto, pode
sempre, porém veria e sentiria as ser cruel, pode ser mentira demais, pode
consequências e sensações. ser verdade demais, pode não existir,
pode ser uma ilusão, pode ser Fata Mor-
Sem olhar, Maquena devolveu o espelho gana.
para o Bom Vento das Memórias e disse que
Sobre a Autora:
Autora baiana, Kananda
Gomes começou a escrever
quando criança e não
parou mais. Além de
escritora também é
estudante de Museologia
na UFBA e criadora da
página no Instagram
@eu.e.minhas.ironias onde
compartilha diversos
textos com seus
seguidores leitores.
12 Literatura Errante
Literatura Errante 13
Conto
Ela era areia... Ela era o tempo, ela Todos os irmãos de Danúbia também a
era o vento. Uma deusa perdida em sua odiavam, com exceção de uma. A única que
humanidade, uma vagante do deserto. lhe amara fora a irmã bastarda, Anle. Mas
Lamentosa e entristecida era a sua a morte levara Anle de Danúbia, e assim
alma... Em seu misterioso rosto, via-se ela perdera a única criatura viva que se
uma expressão de profunda aflição. Ela importava consigo. Todos a viam como um
era um ser errante, sabia disso. Os monstro, porque nela havia a marca de um
outros a amaldiçoavam, os homens e os velho mal, um velho deus, o deus caído,
mais-que-homens, aos olhos daquele mundo sua marca era um símbolo negro que
ela seria sempre uma alma penada, significava “morte”. Desde o momento em
desgraçada e rejeitada aonde quer que que nascera, Danúbia possuíra este
fosse. Sua mãe a amara, mas seu pai a símbolo e ao longo de sua vida ele
odiara desde o momento de seu nascimento, crescera, tomando partes maiores de seu
porque a sua concepção havia tirado a rosto. Era uma sombra em sua testa, que
mulher que lhe dera à luz daquele mundo. descia através do nariz e se espalhava
Entre lágrimas e um sorriso cansado foi para os olhos, cujos orbes tratavam-se de
que a mãe se silenciou, e a fúria verdadeiras gemas douradas, uma coisa de
aquietada de seu homem, do pai, acendeu- beleza sobrenatural. Na soma de todos os
se ali detalhes, era Danúbia uma criatura
Literatura Errante 15
assustadora, mas incrivelmente bela. Com chorar mais. Acontecia que entendera de
o tempo, surgiram coisas em seu corpo, todo entendimento, muito bem, a miséria
riscos escuros e desenhos sem significado que vivia. Não havia amor em sua vida,
algum. Ela era uma filha do deus caído, apenas rancor e temor. Foi então, que
diziam os sacerdotes desde sua infância, tomada por grande angústia, Danúbia
e coisa boa isso não poderia ser. Decerto decidiu ir-se embora. Levantou-se numa
havia ruínas no sentido daquela vida. bela noite de sua cama, a lua cheia
brilhava no céu e as estrelas povoavam a
Certa vez, um de seus irmãos lhe imensidão azul sobre o deserto. Danúbia
dissera: caminhou para fora de seu quarto, depois
caminhou para fora de sua cidade e então,
— Você cheira a desgraça... continuou o seu caminho. Alguns
sacerdotes haviam observado sua fuga e
Danúbia chorou por conta disso e, na muito contentes deram graças aos deuses.
calada da noite, sua fúria galgou as Um deles disse:
escadas de sua mente. Ela desejou
vingança, sim. Sonhou com o irmão, no — Aí vai a filha da desgraça, que pereça
sonho ela era poderosa e controlava um nas sombras e não volte mais!
mar de serpentes. Danúbia fez com que as
serpentes cercassem o irmão, sufocando-o Danúbia sabia que eles haviam a
num amontoado de figuras obscuras. Pela observado e deduzira que haviam sentido
manhã, ela descobrira que uma serpente grande apreço pela sua partida. De fato,
negra havia assassinado seu irmão, ela sabia que estava certa.
enforcando-o. Danúbia não disse nada
sobre o sonho para ninguém, mas sabia que Caminhara pelo deserto por dias e por
havia sido ela a verdadeira assassina do noites. Sem se alimentar, sem beber nada.
irmão. Estava apenas caminhando para a morte,
esperando que ela a convidasse para
Nenhuma criança se aproximava dela, descansar o descanso eterno mais cedo ou
nenhum membro da família desejava sua mais tarde. Talvez encontrasse sua mãe...
presença. Antes, todos a odiavam, mas “Será que ela me odeia?”, se perguntou e
também temiam. Temiam que a misteriosa algo em si fez Danúbia ter uma certeza
manta de poder obscuro que envolvia a sobrenatural de que não, sua mãe não lhe
garota, pudesse destinar garras odiava.
traiçoeiras contra eles. Os anciões lhes
diziam para que não fizessem mal algum a Agora, Danúbia se encontrava no meio de
Danúbia, caso contrário, um grande uma tempestade de areia.
infortúnio poderia cair sobre o povo. Só
os deuses saberiam o que uma criatura Ela era uma das faces da morte, em seu
como ela poderia se tornar caso a morte rosto havia a insígnia do fim. Ela era a
lhe inspirasse grande revolta. Eles areia, ela era o vento, ela era o tempo.
temiam pelo pior e, como tementes, tudo E estava entre as dunas.
o que faziam era confinar Danúbia em sua
amarga solidão. A tempestade de areia era bela, Danúbia
pensava. Mesmo em tamanho caos havia
Quando se tornou uma moça passara a alguma poesia.
16 Literatura Errante
Ela encontrou uma caverna e então se
abrigou nela. sua alma, se apossou dele e fez os vivos
que ali haviam berrarem aos deuses
Sentou-se lá e apenas abaixou a cabeça pedindo por salvação. A vida fora tirada
em silêncio, a morte logo viria lhe deles assim como eles haviam tirado a
buscar. “Por que?” era a pergunta que se vida de Danúbia, que agora não era mais
fazia. Por que havia nascido, por que uma mulher, mas uma criatura. Uma coisa
havia sido amaldiçoada? Seria ela uma abominável.
existência maldita tal como era o deus
caído? Diziam todos que era ele o seu A fúria da criatura havia tomado quase
verdadeiro pai. Seria isso verdade? Perto todo o deserto e seu povo, restavam
de sua morte, Danúbia agora estava apenas alguns lugares em preservação. O
sentindo ódio. Um ódio que ela jamais pesadelo estava prestes a tocar a cidade
sentira, um ódio que havia se acumulado de Barnabá, mas então, algo o fez conter
durante anos. Ela berrava de fúria agora, seu movimento. Era uma sensação estranha
ela desejava ser uma desgraça verdadeira para a criatura, mas familiar para
agora, apenas para sangrar aquele mundo Danúbia. Ela sabia o que era aquilo...
maldito. uma coisa quente, mas não para queimar.
Uma coisa forte, mas não bruta. Uma coisa
Os olhos de Danúbia se enegreceram, bela, mas não vaidosa. Uma coisa grande,
conservando apenas as gemas douradas no mas não assustadora. Ao menos era como
centro. As marcas em seu corpo começaram Danúbia sentia a coisa...
a ganhar vida, ligando-se umas às outras
e então, Danúbia foi inteiramente coberta Isso era, isso era...
pelo escuro e apenas seus olhos brilhavam
amarelos. Isso era amor?
Literatura Errante 17
eram vistos pela família, mas Danúbia garota dizer para ela:
podia enxerga-los. A mulher era sua mãe,
de alguma maneira Danúbia sabia. E o — Vai ficar tudo bem... querida.
homem, ele era Marza, Danúbia estava em
lágrimas, porque havia entendido o E Danúbia aceitou sua rendição.
recado. Não havia desafeto entre aquela
família, mesmo que a criança carregasse A criatura, a desgraça obscura, morreu
a marca do deus caído, eles claramente a naquele instante. A tempestade de areia
amavam. Danúbia pôs os olhos na negra se dispersou, transfigurando-se em
criança... uma borboleta fantasma cruzou um mar de borboletas brancas. Aos que
seu caminho. olhavam de Barnabá, a visão mostrava uma
montanha branca em constante movimento.
A borboleta era branca, feita de luz.
Ela pousou no peito de Danúbia e ali Era belo.
ficou. Então, Danúbia ouviu a mãe da
Sobre o Autor:
Lucas Henrique da
Silva Paiva, que
assina
artisticamente como
Lucas Eugênio em
homenagem ao avô, é
apaixonado por
fantasia e ama criar
estórias!
18 Literatura Errante
Literatura Errante 19
20 Literatura Errante
Conto
Despedida
por Pablo Gomes
Literatura Errante 21
Tantas memórias, tantos objetos a muito
custo comprados… tudo ficaria para trás. aquele atropelar de acontecimentos,
Não caberiam no carro, nem nas mochilas, aquela difusão de pessoas partindo em
nem nas mãos. Ficaria tudo para trás. desordem e caos. Havia sido como um
Suas medalhas, conquistadas na juventude, melancólico fim de festa, quando ninguém
as lembrancinhas feitas por seus filhos mais vê sentido em ficar. Todos sabiam
na escola, no dia dos pais… permaneceria que era insustentável. Inclusive ele! Por
tudo exposto em sua casa, como num museu que ele resistira tanto a partir?
sem visitantes.
Matutava essas e outras questões,
Era preciso pegar alimentos. Foi para a incapaz de encontrar respostas. Parecia
cozinha. A dispensa não tinha muitas agora óbvio que o desfecho seria aquele.
alternativas, então pegou o que lá havia. Tudo parecia muito natural, naquele
Não havia mais mercado para abastecer. momento. Mas, não antes. Um dia antes,
ele parecia encontrar esperanças de que
Tentava recapitular o que acontecera. tudo se resolveria. Três dias antes, ele
Foi tudo muito rápido. Não teve aquele não apostaria que as pessoas deixariam
desespero de fim de mundo. Não houve tudo para trás. Uma semana antes, ele
22 Literatura Errante
jamais acreditaria se dissessem que algo Recolheu os alimentos, novamente. Levou
assim um dia aconteceria. para o carro, e reorganizou tudo o que
estava lá dentro. Não caberia mais uma
Olhou para o violão, e largou todos os lâmina de barbear dentro do veículo, sem
alimentos de lado. Tinha que levar o provocar um transbordamento. E ainda
violão. Talvez, aquele objeto fosse tinha de caber sua esposa e os dois
aquela coisinha capaz de livrá-lo da filhos, de algum modo espremidos lá
loucura. Mas, por quanto tempo? As cordas dentro. Será que os encontraria?
velhas, que ele tanto postergara trocar,
não durariam muito. E não. Ele não O céu estava escuro, agora. Nada fora
conseguia encaixar o violão e o alimento do normal com a iluminação pública. Um
no carro. Que sandice! Precisava voltar poste com problemas, piscando; outro ali
a si. Largou o violão. e mais um acolá com a lâmpada queimada.
Mas, nenhuma casa ostentava lâmpadas
O que justificaria as grandes acesas. Só a sua.
metrópoles virarem verdadeiras cidades
fantasma? Ninguém nas ruas outrora tão
movimentadas.
Desolador.
Solitário.
Sobre o Autor:
Pernambucano nas-
cido em Caruaru e
radicado no Recife,
o poeta, contista,
cronista, romancista
e aventureiro Pablo
Gomes é também ator,
além de criador e
editor do Literatura
Errante.
Literatura Errante 23
Conto
Tráfico de Palavras
por Luis Alladin
A manchete no jornal dizia assim: “Na filho dentro de casa usando papel. Aí é
mão uma arma. Com o tambor do revólver aquele negócio, usam a primeira vez,
lotado de munição, doido pra disparar e acham legal e, depois da segunda meu
para encher a cabeça de alguém com seus amigo, não param mais! Começam a
contos. Seus olhos estavam regalados, frequentar saraus, a se reunir em praças,
pelo jeito estava sob o efeito de vão passando palavras um pro outro. Isso
entorpecentes, devia ter cheirado João não tem cura! Não há clinica de
Cabral, bebido Manoel bandeira, ou até reabilitação que resolva, é disso para
mesmo o pior, injetado nas veias Machado pior!
de Assis.”
Entrar nesse mundo é perder a vida, vê
— Vai lá saber! Esse mundo de o filho da Tereza! O menino educado, só
literatura é assim mesmo! Os traficantes vivia na igreja. Conheceu um tal de
ficam ali rondando as praças, como se não Sérgio Vaz e perdeu-se nesse mundo, faz
quisesse nada e aí soltam à primeira bem um mês que ninguém vê falar mais dele,
poesia. O garoto vê aquilo, começa já dizem por aí que ele publicou um livro.
achando estranho, nisso o poeta vai se Deve estar em alguma esquina dessas
chegando, mostrando outra poesia e, vendendo e cheirando poesia. Mas é bom
quando você nem imagina, está lá seu ele longe mesmo, Deus que me livre! Se ele
Literatura Errante 25
aparecer por aqui eu chamo a polícia, não casa. Olha fico me tremendo todo só de
vou arriscar ter ele por aqui não! Vai ouvir isso! Que crueldade é essa minha
que ele leva um filho meu pra essa vida gente! Você mesmo induzir o seu filho a
de crime. Se for preciso eu mato, enfio se drogar. Desse tipo de gente quero é
a faca! Viro o cão! Mas filho meu não! distancia, distância de mim e do meu
Ele não vai entrar nessa de ser poeta filho! Nem quero ver esse tipo de gente
não! na minha porta, quer usar use, mas não na
frente dos filhos dos outros. Mas deixa!
Esse aí, que passou no jornal, graças a A vida é deles, estraguem como quiserem!
Deus foi preso. Tenho certeza ele não ia Só não venham querer influenciar meus
fazer o bem não! Imagina ele entrando nas filhos, que se isso acontecer aí o bicho
escolas, disparando contos por todo lado, vai pegar pro lado desse povo.
esfaqueando versos, envenenando verbos na
merenda da escola, induzindo a metáforas Gosto nem de pensar em um filho meu
nas portas do colégio. Vige nossa metido nessa coisa de poesia e, se tiver,
senhora! Ainda bem que esse aí não vai eu expulso de casa! Quero nem ver essas
fazer mal pra ninguém mais não! coisas lá em casa, de saber que tem gente
batendo na porta pedindo um pouco mais de
Eu só tenho é pena da mãe dele, com um palavras. Lá em casa não! Lá não é
filho viciado desse, mas pode ser que até biblioteca, lá dentro não vai ser centro
ela seja uma viciada. Eu vi uma notícia pra traficante vender suas métricas! Lá
falando que, 60% dos casos de viciados em é casa de gente honesta, trabalhadora,
literatura, se viciam por causa dos pais, não é lugar pra essa besteira de poesia.
diziam que até bibliotecas eles tinham em
Sobre o Autor:
Pernambucano, ator, pro-
dutor cultural e escritor.
Escreve versos desde a in-
fância, mas entrou de ca-
beça na literatura quando
começou a frequentar os
saraus. Hoje ele se dedica a
escrever seus textos e a
produzir eventos culturais
na região, preservando
espaços de cultura de
resistência.
26 Literatura Errante
Poesia
Mulher-lua
por Laís Correia
Falena
por Leandro Costa
Literatura Errante 29
Poesia
Sobre Lonjura
por Lis Tine
30 Literatura Errante
Neurótica fica só de imaginar E que nunca hesitou
Em vê-lo despido Nem mesmo em se mudar
Caótica tende a estar O que de fato a impediu
Ao recordá-lo tão exibido Foi a ambos respeitar
Literatura Errante 31
Poesia
Verso Errante
por Pablo Gomes
Soneto Revelado
por Daniel Cosme
Escrevo meu verso
Tributário ao amor
Escrevo meu verso
Minha nação, minha flama real, Pensando em política
Com seus eixos de sangue alegre, Escrevo meu verso
A esconder-se entre todo o mal Pensando em alguém
Deste reino de estranhas preces, Escrevo meu verso
No transbordar de um sentimento
Diga-me que medo poderia erguer,
Em favor da fuga, o meu coração, Escrevo cada verso
Que bate aqui por puro bater Esperando que o leiam
E pulsar é toda a sua conclusão? Escrevo cada verso
Crendo que não o lerá
Em algum canto dentro de mim, A pessoa em que busquei inspiração
Como um fio d’água passa a ferir
A longa terra, em curto tempo:
Escrevo o verso
Uma voz responde: “Não Innisfree Se não gosto, reescrevo
E nem Pasárgada te falam, em ti; Escrevo o meu verso
Tu questionas teu próprio medo.” Se não gostar...
Não importa!
Publico-o porque é verso!
Publico-o porque é arte!
Goste ou não, é arte
E arte pede público
Por isso, publico
O meu Verso Errante!
32 Literatura Errante
Poetas Errantes
Laís Correia (Mulher Lua):
Natural de João Pessoa -
PB, Laís Correia é Graduada
em Letras Clássicas pela
UFPB. Apaixonou-se pelas
palavras desde a infância,
publicou contos e poemas em Daniel Cosme (Soneto Revela-
revistas e antologias do):
literárias, e teve seus Daniel Cosme é graduando
trabalhos sele-cionados em em Letras - Português, na
diversos concursos literá- UFPE, desde 2018. Vem
rios do país. escrevendo po-esia há não
mais que três anos, com
variados interesses
Lendro Costa (Falena): estéticos, e envolvido com
Poeta e contista da Terra temáticas relacionados ao
dos Verdes Abutres da encontro e desencontro,
Colina: Santana do Acaraú, medo e esperança. Crê que a
no Ceará, terra de onde tira poesia é um espaço livre de
inspiração para a pecados.
escrita.Seus versos e contos
são marcados por metáforas, Sobre o Autor:
simbolismos, memórias e Pernambucano nascido em
descrição psicológica de Caruaru e radicado no
seus personagens. Recife, o poeta, contista,
cronista, romancista e
aventureiro Pablo Gomes é
Lis Tine (Sobre Lonjura): também ator, além de
Natália Dias é Técnica em criador e editor do
Informática para Internet e Literatura Errante.
Contabilidade. Bacharel em
Administração e estudante de
Especialização em Peda-gogia
Universitária na
Universidade Federal do
Triângulo Mineiro. Ama e
escreve poesias e outros
gêneros desde a infância.
Literatura Errante 33
Perfil
Perfil Escritores: Laurentino Gomes
por R. Lorry
34 Literatura Errante
Ao fim de março de 2012, a Globo
Livros anunciou a assinatura de
contrato para o lançamento do
próximo livro de Laurentino 1889,
livro que chegou ao mercado no
segundo semestre de 2013. A tiragem
inicial foi de 200 mil exemplares.
Sobre a obra, Laurentino diz: “'No
terceiro e último volume da série,
explico porque o país permaneceu
como a única monarquia das Américas,
por mais de 67 anos e mostro como
foi a Proclamação da República, em
1889".
Sobre o Autor:
R. Lorry, luso-
brasileiro, vive no
Rio de Janeiro e
escreve contos e
histórias do gênero
Terror/Suspense/Thri
ller. Publica também
na plataforma
Wattpad.
Literatura Errante 35
36 Literatura Errante
Teoria Literária
Prefácio, Prólogo, Epílogo e Posfácio
por R. Lorry
PREFÁCIO: POSFÁCIO:
Deve ser inserido no início do livro e Como o próprio nome já diz, é quase o
vem antes do Prólogo. mesmo que Prefácio, porém, vem ao final
do livro, onde o escritor ou outra pessoa
Pode ser escrito pelo próprio escritor diz o que achou da obra, uma explicação
ou por outra pessoa que leu o seu de seu próprio ponto de vista.
livro/original. É um texto onde você ou
Sobre o Autor:
outra pessoa dão sua opinião sobre a
obra. R. Lorry, luso-
brasileiro, vive no
PRÓLOGO: Rio de Janeiro e
escreve contos e
Se encontra no começo do livro. histórias do gênero
Terror/Suspense/Thri
Pode escrever uma cena que antecede sua ller. Publica também
história ou uma cena que ainda ocorrerá na plataforma
(descrevendo ela em detalhes no Prólogo Wattpad.
Literatura Errante 37
Opinião
38 Literatura Errante
gramática, semântica, etc. Antes de tudo, ele deve
ser um grande observador, um coletor de histórias,
um pesquisador do humano e, com isso, de seus
sentimentos, ações, escolhas, filosofias, etc. A
leitura provoca no leitor respostas físicas. A
leitura cria uma empatia, nos colocamos no lugar do
outro, nos imaginamos na pele do herói ou do vilão.
Choramos, rimos, ficamos com raiva, nojo,
indignação. Há necessidade de uma experiência
leitora, óbvio. Vivemos a vida do outro. Quando isso
não acontece esquecemo-nos do livro, da história, do
nome dos personagens. E partirmos para um próximo
que nos preencha.
Até mais.
Sobre o Autor:
Violonista, escritor,
cinéfilo, leitor
compulsivo, fã de
Quadrinhos, Conan, Star
Wars, etc. Escreve desde
pequeno além de ter
passado os últimos 35 anos
com um violão no colo.
Literatura Errante 39
Notícia
Fundos foram arrecadados com sucesso em se você for negro, e estiver no lugar
site de financiamento coletivo, para errado e na hora errada, o mal virá não
realizar a publicação da antologia de como um fantasma, não como um lobisomem,
contos AFRO-HORROR. O projeto, encampado e sim como uma mente perversa e racista,
pela Cartola Editora, ambiciona explorar sedenta por seu sangue, faminta por sua
o medo e o horror para além do lugar- dor.", explicam os realizadores.
comum, do usual e, especialmente, para
além do sobrenatural. Um terror ainda AfroHorror – Medos ancestrais é uma coletânea
mais assustador: o terror vivido na vida de contos escritos por autores negros.
real. Através de 17 histórias variadas, 12
escritores se aventuraram pelo medo, a
"O mundo é um lugar que dá medo. Cada mais primitiva e racional de nossas
virada de esquina, cada beco escuro, ou emoções, que existe para nos manter
até mesmo uma estrada deserta, esconde um vivos, mas também tem o potencial de nos
perigo, um mal que pode, de uma hora para levar para a perdição.
outra, ceifar nossas vidas ou, nos piores
casos, conduzir-nos para uma espiral de Mais do que relatos sobre assassinos,
loucura e horrores. E não precisa sequer monstros, loucura e misticismo, cada
ser um monstro saído das páginas do história carrega a intenção de debates
Necronomicon, ou haver lua cheia, pois, mais profundos, sobre racismo, identidade
40 Literatura Errante
e pertencimento. Cada um dos autores
contemporâneos teve total liberdade na
abordagem do medo, contudo a cada um foi
pedido para se inspirar em produções
recentes do cinema de afrohorror, a
exemplo de Corra! (2017) e Nós (2019),
ambos dirigidos pelo cineasta Jordan
Peele, além de referências culturais
variadas. O resultado são narrativas que
recontam clássicos da literatura mundial
ou lendas típicas do Sul ao Norte do
Brasil.
Sobre o Autor:
Os motes dos contos podem tanto nos Pernambucano nas-
remeter a um terror fantástico como a cido em Caruaru e
algo real e possível. Isso não é mera radicado no Recife,
coincidência. "O horror proposto aqui é o poeta, contista,
um horror que pode ser tanto imaginário cronista, romancista
quanto real, e a linha tênue entre e aventureiro Pablo
fantasia e realidade é tão fina que sonho Gomes é também ator,
e pesadelo se confundem.", explicam os além de criador e
realizadores. editor do Literatura
Errante.
Literatura Errante 41
Folhetim
Caso Inicial
por Gabriel Soares
42 Literatura Errante
achando nada, quero todo mundo atrás Pereira, com a viatura, chegou e levou
dessa investigadora agora. Tavares, ligue o jovem à delegacia. Elisa logo indagou
para a casa dela. o ra-paz.
Literatura Errante 43
Folhetim
Espectro Negro
por Gabriel Soares
44 Literatura Errante
— Não exatamente, mas tem a ver. Eu vim — Elisa, eu só vim avisar. A gente se
como advogado do Vander, o rapaz em quem conhece desde a escola e eu torço mesmo
você atirou ontem e prendeu sem motivos. pra que você dê certo aqui. Deixa esse
rapaz de lado. Tanta coisa pra resolver
— Ele entregou uma caixa com um
aqui na cidade…
absorvente manchado pra mim, fugiu da
polícia e não obedeceu a ordem de parada. — Tem. Tem mesmo, Saulo. Eu, mais do que
ninguém, sei o que precisa ser resolvido
— Ah, então só por causa de uma
nessa cidade. E vou começar querendo
brincadeira dessas você atira no rapaz?
saber por que você está protegendo esse
—Foi de raspão na perna, só pra ele cara. Está em algum esquema com ele?
parar. E isso não é brincadeira, Saulo.
— Está achando o que? Não estou aqui pra
Isso foi um aviso. Algum bandido desses
interrogatório não, e posso entrar em
cantos está querendo me desafiar.
contato com a corregedoria se você
— Você tem alguma prova ou um indício começar a falar desse jeito comigo.
que seja do que está falando? Elisa, presta atenção, deixa de paranoia
que aqui não é Serra e aqueles lados que
Elisa suspirou, tentando fugir da você trabalhava não. Aqui é interior,
resposta inevitável. noroeste, cidade pacata. Crime aqui é
— Ainda não. — Respondeu, por fim. roubo de galinha, muro comendo terreno
vizinho, briga de esquina.
— Então. Vai com calma, no primeiro dia
atirando na perna de um rapaz, e negro — Até parece que você não é advogado
ainda por cima, não vai te ajudar em aqui. Você sabe que aqui acontece tudo
nada. quanto é tipo de crime, igual em qualquer
lugar. E eu não estou aqui pra focar só
— Quem te contratou? numa parte.
— O que? — Titubeou o advogado. — Só vim conversar, espero que pense no
— Esse rapaz não tem cara de ter que eu disse. Tenha um bom dia, qualquer
condições de pagar advogado, além do coisa sabe onde é meu escritório.
mais, ele vai ser solto daqui a pouco. Saulo saiu, enquanto Danilo entrava
— A família dele me procurou e eu fiz trazendo um café.
um preço acessível pra ajudar. — E aí, o que ele veio fazer?
— Por causa de uma noite na cadeia? — Não acha que está muito curioso pra
— Elisa, você atirou num rapaz negro, um estagiário não?
no meio da rua, que não estava fazendo — Desculpe, doutora.
nada de mais, a questão é muito mais que
uma noite na cela. Eles querem te Elisa pegou a xícara e deu uma golada
processar. no café, já frio pela falta de
conservação da garrafa e a demora de
— Como assim? Danilo ao tentar ouvir a conversa parado
— Você sabe que o que fez pode ser na porta.
encaixado como racismo. — Esse aí só me deixou mais
— Sabe o que ele me disse quando fiz desconfiada.
umas perguntas a ele? Que eu não sabia o — Como assim?
tamanho do esquema.
— Tavares, você acha que o Saulo ia
— Isso é papo pra se fazer de machão. fazer desconto pra ajudar alguém?
— Você sabe que ele já é fichado, né? — Ele está numa fase boa, reforma de
escritório e da casa, carro novo...
Literatura Errante 45
— Ali eu conheço, nunca foi flor que se — Não... É que... Eu vou lá... —
cheire. Gaguejou.
— A senhora não está dizendo isso por — Não disfarça que aparece mais.
que ele te enganou não, né? Desculpa falar desse jeito, é que a
cabeça está longe. Essa visitinha do
— Está me achando com cara de que,
Saulo só levantou minha suspeita.
Tavares? Acha que eu não sei separar as
coisas não? Problema dessa cidade é que Nesse momento, Pereira e Freitas
todo mundo sabe da vida dos outros. entraram na sala da delegada, que se
encontrava com a porta aberta.
— Desculpa, é que os boatos...
— Delegada, recebemos uma ligação
— É boato velho. Mania de todo mundo
anônima dizendo que viram uma
achar que mulher largada é mal amada.
movimentação estranha numa casa do Vale
Tanta coisa pra fazer da minha vida pra
Encantado. Parece que dois homens puxavam
eu ficar dando tempo pra homem.
uma mulher que parecia estar fardada.
— Eita, que a doutora não está boa hoje.
— Prepare a viatura. Vocês vão na
— Não estou boa com esse café frio e frente. Eu, o Gomes e o Saldanha vamos
ralo. Trata de fazer um café decente. atrás.
— Pode deixar, delegada. — Disse, Obedecendo ao comando de Elisa, Pereira
deixando escapar uma rasa ironia ao e Freitas chegaram primeiro à rua próxima
fundo. à indicada na ligação e foram recebidos
por estampidos ao curvar a esquina com a
— O que é? Achou que delegada ia ser
viatura.
mais mansa?
Sobre o Autor:
Capixaba natural de
Ecoporanga, e radicado
em Feira de Santana-BA;
estudante de Pedagogia
apaixonado por café,
criança, história, arte
e cultura brasileira,
escreve desde criança. O
gênero policial vem
sendo seu novo foco na
escrita.
46 Literatura Errante
Literatura Errante 47
Folhetim
Capítulo I
por Guto Domingues
Em um tempo antigo que não foi A única maneira de vencer os Orcs seria
registrado em livros de história, houve dominar as técnicas de Guerra, o combate
uma guerra. Orcs, Humanos e Elfos lutavam direto era impossível, a força bruta dos
entre si, alguns nem se lembravam da Orcs era imensa. Então, deveriam aprender
razão. Para poucos sábios magos humanos, a fabricar e usar armas, forjar
aqueles que viveram o início da guerra, armaduras, afiar as lâminas das espadas.
o motivo era vergonhoso. Por outro lado, vencer os elfos era
também difícil. Como sobrepujar a magia
Eles sabiam que a Vaidade e a Inveja dos com espadas? Como derrotar Elfos
Homens provocou a Guerra das Três Raças. arqueiros com suas Flechas Flamejantes,
Congelantes e que nunca erravam o alvo?
Os Homens se achavam mais belos e Apenas aprendendo Magia a luta seria
inteligentes que os fortes e poderosos justa.
Orcs; invejavam o Poder Mágico e a Beleza
pura e celestial dos Elfos. E se viam Assim, Homens nefastos e sem remorsos,
ameaçados. aprenderam a construir armas, escudos,
48 Literatura Errante
caçadores de magos não poderiam chegar.
imbuir pedras mágicas nas armaduras, Eram treinadas para fingir, esconder e
envenenaram flechas, espadas, adagas. nunca usar seus dons. Sempre que eram
Encontraram livros de magia, aprenderam levadas para longe, para lugares onde
feitiços brancos e negros. Aprenderam ninguém poderia encontrá-las, havia um
técnicas de batalhas. Eles se prepararam mentor, um mago antigo oculto, vivendo
para a Ofensiva em duas frentes. junto aos habitantes do lugarejo, para
Atacariam Elfos e Orcs ao mesmo tempo. acolher e treinar as crianças nessa arte
de dissimulação, de camuflagem.
Enfim, a Guerra acabou! Entre os
mortos, milhares de Humanos, Orcs e Existia uma aldeia. Muito distante.
Elfos. Não há vencedores em qualquer
guerra. Só perdas, e muitas... Um Essa aldeia era um porto seguro para
Conselho foi reunido, com os líderes de magos por ela atraídos. Sim. Ir ao lugar
cada raça, e decidiram unanimemente não era uma escolha consciente. Era um
proibir a magia dos humanos, pois eles chamado. Ao chegarem próximos, uma
usaram-na de forma errada. Entretanto, a sensação de segurança e paz tomava
Magia não escolhe quem a usa; e, ao longo aqueles que antes eram perseguidos. E
das batalhas, estudiosos descobriram que assim se estabeleciam. Sempre em
poucos humanos eram sensitivos à magia e disfarces. Ao criar raízes no lugar, um
podiam canalizá-la sem as palavras usadas se tornava o ferreiro, outro o padeiro,
para invocá-la. Estes magos de nascença muitos arrendavam terras para plantar.
foram mortos um a um. Matança que obrigou Sempre escolhiam atividades onde força
os poucos sobreviventes a fugir, a se bruta era essencial ou que não
esconder. Fingir que eram pessoas sem necessitasse de amplos conhecimentos.
esse dom, que para alguns era uma Estudo e saber também eram ligados à
maldição. Cada um desenvolvia um tipo de magia. Parece-me que conhecimento em
poder. Todos extremamente fortes em suas todas as eras é considerado perigoso.
habilidades, mas se não treinadas e sem Então, dessa forma, tornavam-se úteis às
estudar os modos corretos de desenvolvê- pessoas do vilarejo e espantavam
las, ficavam inertes, adormecidas. suspeitas com demonstrações de saberes
passíveis de despertarem olhares e
E a vida seguiu... pensamentos curiosos.
Literatura
Literatura Errante
Errante 4949
depender o mínimo possível de qualquer
E a vida seguia. ajuda de seus vizinhos. Ajudava,
trabalhava, mas mantinha uma distância,
Um dia um forasteiro apareceu. era até um pouco frio. Prestativo, ao
dispor de quem precisasse, mas sem
Nesses momentos, quando há um evento grandes gestos de amizade, sorrisos,
novo que altera o cotidiano, o curso da abraços, conversas.
vida prende a respiração.
Quem observou a conversa que
No instante em que ele surgiu, não inesperadamente aconteceu se espantou. O
houve apreensões ou perguntas sobre seu ferreiro se aproximou do forasteiro e
passado ou interesses, mas quando ele logo, sem tentar qualquer rodeio, disse:
começou a fazer perguntas, um alerta de
perigo tomou conta de alguns mais — Quem é você e o que quer aqui?
desconfiados.
— Sabe quem sou.
O Forasteiro não era diferente de
alguns viajantes que cruzavam as estradas — Não afirme nada. Não me interessa
que rasgavam o vilarejo. Era o típico quem é. Seu lugar não é aqui.
peregrino que buscava trabalho em outras
paragens ou estava apenas de passagem em — Sabe que não oferece risco para
busca de outros destinos. Normalmente ninguém. Que pode fazer um velho viajante
esses tipos ficavam um dia ou dois na em busca de morada e trabalho.
estalagem que beirava a estrada principal
e logo seguiam seu rumo. Ali ninguém — Não me venha com essa falácia. Sabe
ficava. Não havia trabalho que sobrasse que os que vivem aqui querem paz.
vagas ou destinos religiosos ou coisa que
despertasse o interesse de ficar. Um — Essa paz não será duradoura, meu
lugar para dormir, comer e seguir seu amigo. Dê-me chance para conversar. Deixe
rumo se resumia a isso; e ninguém que que fale o que acontece nos sombrios
morava ali, realmente criava as condições corações dos homens belicosos. Não se
para que um desconhecido quisesse ficar. omita. Quando a escuridão aportar aqui,
não haverá muito tempo para aprontar uma
Havia um interesse diferente nesse defesa ou revide.
homem de fora.
Houve uma silenciosa troca de olhares,
Ele fazia perguntas, olhava os um media e lia a face do outro. Pareciam
moradores com curiosidade. Andava se comunicar mentalmente. Não era
calmamente observando cada detalhe do possível ver movimentos, gestos que
lugar. Tentava ganhar a confiança dos pudessem ser lidos. A leitura era da alma
moradores nativos ou oriundos de outros de cada um através de seus olhos fixados,
lugares como ele. Demonstrava uma vontade vidrados de cada um.
de estabelecer morada. Alguns não se
incomodaram, ao contrário de um ferreiro. Viraram-se e sem palavras pronunciadas
foram cada qual para seu caminho. Quem
Esse ferreiro não era de se aproximar assistiu ao embate de palavras, não
das pessoas em busca de amizade. Tentava entendeu nada. Talvez a menina que era
50 Literatura Errante
olhar interessado da filha, falou quase
filha da antiga dona do armazém onde os solenemente:
dois se encontraram. Talvez um ou outro
que passava por ali naquele momento. Mas — Não imaginava que teria que voltar a
os dois não deram conta de nenhuma dessas usar isso, mas não temos mais opções.
possibilidades. Pelo que me contou se essa conversa se
provar verdadeira, é melhor estarmos
A filha da dona do armazém, contou o que preparadas.
viu e ouviu para sua mãe assim que chegou
à sua casa. Sua mãe não esboçou reação. O Ferreiro voltava inquieto para sua
Olhou a filha, para um lugar qualquer na casa. Não imaginava que isso poderia
direção da estante de livros e foi para acontecer: “Tantos anos escondidos e
a dispensa da casa. Retirou um objeto justo agora, quando tudo estava
embrulhado em um pedaço de couro de esquecido, esse infeliz aparece. Quem ou
serpente e após alguns segundos desfez o o que o trouxe aqui?” Mesmo desejando que
nó. A garota olhou por cima dos ombros da o Forasteiro desaparecesse o mais rápido
mãe para ver o que ela olhava tão quieta possível da aldeia. Essas perguntas
e concentrada. Uma varinha era o destino precisavam de respostas.
dos olhos de ambas. A mãe, ao perceber o
Literatura
Literatura Errante
Errante 5151
Folhetim
Capítulo II
por Guto Domingues
52 Literatura Errante
do nome? deve ter lhe mostrado.
— O antigo dono era albino, gordo e — Sim. Mas não tenho ressentimentos.
peludo. Urso era seu apelido. E ficou Isso que aconteceu é justificável. Não se
assim. Não tenho coragem de mudar o nome. preocupe.
Literatura
Literatura Errante
Errante 5353
— Quem me julgou primeiro foi você. Não
Nem se esforçou muito para descobrir quero fazer disso uma disputa. Deixe-me
onde ficava a forja. Não disse a ninguém falar o porquê de estar aqui.
que pretendia procurar o Ferreiro, sabia
que se procurasse a oficina para algum — Seja breve. Não posso deixar esse
serviço, as suspeitas seriam amenizadas. metal esfriar. — disse olhando para a
adaga.
Andou breves momentos, mesmo caminhando
de maneira mais para apressada que lenta — Prometo que serei, mas antes me deixe
não imaginava que estava tão próximo da lhe dar um presente. – o Forasteiro
forja. O que lhe deu certa insegurança. retira uma placa de metal extremamente
Se realmente fosse lá, a morada do bem cortada nas beiradas, com algumas
Ferreiro que procurava, deveria sentir a inscrições nas laterais e apesar de
emanação da poderosa magia que ele fosca, sem nenhum brilho, com uma beleza
possuía e que há poucos dias sentira. tal qual pedras preciosas. Os olhos do
Ampliou seus sentidos e destravou suas Ferreiro fixamente olharam para o metal.
defesas psíquicas. Fosse quem fosse o Sua cabeça se inclinou para trás, em uma
homem da forja, ele deveria estar atitude de quem entendia o que aquilo
preparado. representava. Seus lábios apertaram-se.
Suas mãos, de tanta força que faziam para
Chegando ao lugar. Sentiu uma vibração segurar as ferramentas, ficaram brancas,
no tecido da realidade, como se alguma com as juntas dos dedos nodosos saltando.
força fosse represada, camuflada. Em Diante da reação prevista o Forasteiro
frações de tempo, onde olhos destreinados disse cauteloso:
não seriam capazes de notar, fez gestos
com as mãos para que em seu entorno se — Sei que conhece o que tenho. E por
criasse um manto de energia protetora. saber do que se trata quero lhe oferece.
Continuou aproximando-se e ouviu a voz já
conhecida em sua mente. — Ninguém oferece algo valioso sem
querer nada em troca. Não aceito sua
“Não creio que fez esse feitiço de oferta.
proteção.” “Sou tão perigoso assim?”.
— Não lhe propus nada. Ainda...
“Não é!” Respondeu mentalmente. Mas sem
desfazer o feitiço. — Sim. Isso eu tenho certeza. Ainda. —
repetiu a última palavra tentando imitar
“Então por qual motivo fez um escudo? a maneira que o Forasteiro a disse.
Estou de costas. É você quem está se
aproximando. Sorrateiro. Desconfiado.” — Sinto que conseguiu nublar a mente a
ponto de evitar minhas leituras. Você é
“Não imaginava que seu poder fosse tão tão ou mais possuidor de surpresas que um
grande.” “Repele a magia. Esconde a sua caminho desconhecido. Mesmo que não
verdade.”. queria vou lhe falar.
54 Literatura Errante
Quero propor algo que valha a pena para enganar os Elfos, como se fosse uma
todos os usuários de magia. guerra civil, um levante contra o Reino
de humanos insatisfeitos com a Trégua.
— A magia é proibida. Mas na verdade a intenção é acumular
poder e usar as almas dos mortos em uma
— Isso é uma falácia dos poderosos. Em guerra etérea.
sombrios aposentos palacianos a magia é
usada para o mal. Preciso de sua ajuda — Não me venha com profecias religiosas
para impedir que nos cacem. antigas. Isso é apenas discurso para
assustar crianças. Não há mais
— Já estamos bem escondidos aqui. necromantes entre nós. Não há quem possa
rasgar o tecido.
— Não se vanglorie de pequenas
vantagens. A sombra chegará a todos os — Não é bem assim. Bento encontrou os
lugares. Tomos Santos de Interon. Agora é questão
de tempo.
— Essa conversa cheia de enigmas não me
interessa. Fale logo. Impedir que você O Ferreiro silenciou. Sentiu um ardor
leia a minha mente também me impede de no peito. O ar entrava frio em suas
ler a sua. narinas. Como se a simples pronúncia do
nome dos livros santos lhe causasse
O mago sorriu. Notava que a guarda reações físicas e espirituais. A magia
estava baixando. Não sentia que a antiga fora escrita em tempos imemoriais.
confiança do Ferreiro aumentava, embora Era poderosa. Era traiçoeira.
isso pudesse ser interpretado conforme a
conversa se desenvolvia. O que o — Como posso te ajudar. – disse o
Forasteiro imaginava era que a Ferreiro, sem encontrar outras opções.
curiosidade do Ferreiro frente à
procedência real do metal era o motivo da — Forjando uma espada de aço arcano
recente mudança de atitude do Ferreiro. imbuída com magia antiga.
Literatura
Literatura Errante
Errante 5555
Até que a Morte Nos Separe - I
por Doug Noleto
56 Literatura Errante
por ele.
Barnald correu até a Árvore e colheu
Chegou ao poço alguns minutos depois. O algumas folhas baixas. Todos diziam que
silêncio na região já era uma entidade as altas é que eram as boas, pois era lá
sólida, levando em conta as primeiras que apareciam as flores. Mas Barnald não
estrelas que surgiam no céu vermelho. Só se importava. Ele gostava mesmo era de
um filhote de berwolg teria coragem de sentir a fumaça enchendo e escapando do
perambular pela floresta durante a noite, peito. O resto era conversa.
em especial agora que a guarda dourada
havia sido afastada. Barnald precisava Encheu um dos saquinhos que carregava
agilizar. Se o que diziam era verdade ou no cinto, depois outro e depois o outro.
mentira, pouco importava, no entanto. Pronto e resolvido. Deu as costas para a
árvore e correu até o burro, que esperava
Ele estava é com saudades de Lessane. ansioso na saída da clareira. Ele puxou
a corda, e dessa vez, não retomou a
Começou a bombear a água, vendo o caminhada, mas, sim, continuou em ritmo
belíssimo líquido marrom cair em bons de corrida. A galinha teria que esperar
jorros no balde de aço. Encheu o primeiro para o outro dia. A Noite se aproximava
e pegou o segundo. Ao finalizar o e ele tinha pressa.
processo, teve que se render à sede e
beber um gole. A água desceu espessa pela Correr deu a ele a sensação de
garganta, caindo dura na barriga. O gosto liberdade. Não havia nada pior que ser
já fora melhor, mas ele não podia obrigado a caminhar quando algo estava
reclamar. “Quando beber a Água do bem atrás. Barnald conhecia bem a
Cristal, terá horror do sabor que essa floresta, e enquanto corria, desviando de
possui”, dizia o velho Garloff, enquanto árvores, entrando e saindo de trilhas,
agitava aquele cajado na cara de Barnald, subindo e descendo barrancos, já podia
tentando convencê-lo de que a água boa ouvir ao longe o som do vilarejo. Foi só
não podia ter sabor e muito menos cheiro quando sentiu a terra batida sob os pés
ou cor. que se permitiu caminhar. Ele havia
chegado.
— Minhas bolas — disse Barnald em uma
risada disfarçada, enquanto amarrava as Algumas pessoas ainda andavam pelas
cordas pelas alças dos baldes. Jogou-os ruas. Carroças de frutas, legumes e
nas costas do burro. — Já está acabando, verduras carregadas por cavalos magrelos
meu rapaz. geravam o famoso “croc, croc” que tanto
incomodava Lessane durante as manhãs.
Certo. Agora o fumo e a galinha. Barnald se embrenhou em uma viela e saiu
em outra. O vilarejo não era grande, na
Para a sorte de Barnald, a árvore não realidade, era bem pequeno, tendo no
ficava muito longe dali. Saiu em máximo duzentas pessoas, contando as
caminhada, puxando o burro pela corda e crianças como habitantes. Mas, ainda
apertando o passo. Em pouco tempo, o céu assim, Barnald conhecia cada rua e beco
vermelho assumiu tons mais escuros, algo como a palma da mão. Era o tipo de homem
próximo do roxo. E quando a Grande Árvore que odiava perder tempo em trajetos, e o
surgiu no meio da clareira central da conhecimento das ruas o fazia economizá-
floresta, a lua também havia se revelado, lo, nem que fossem alguns minutos.
emitindo um brilho fraco e amarelado.
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— Some da minha frente, seu peste.
E foi graças a isso que, quando
irrompeu na rua principal, viu Kirk Barnald saiu em caminhada. A Noite
Tosier entrando em casa. Estava quase havia chegado e agora o céu estava tão
fechando a porta quando gritou para ele. negro quanto o olho de um Pesadelo. O
caminhar o incomodou. Ele virou-se para
— Ah, seu maldito, achei que não o burro e deu mais um tapinha nas costas
chegaria a tempo. dele.
— Como está a Lessane? — disse o velho, O burro o olhou como se dissesse “só se
enquanto apertava o saquinho com as mãos for para o inferno”.
enrugadas, quebrando os galhos e folhas
lá dentro. Correram até a última cabana, que era
onde Barnald morava. Ele abriu a porta da
— Está ótima. Ela mandou um abraço e um cerca e amarrou o burro na estaca. Tirou
beijo. os baldes de água do lombo do animal e os
colocou no chão, assim como fez com os
— Um abraço e um beijo pra ela também. pedaços de lenha. Ele jogou um pouco das
Adeus, seu merda — Tosier já estava iscas em frente do burro, acariciando as
fechando a porta quando Barnald o chamou costas dele e esperando que comesse.
novamente. O velho se virou para ele. —
Que foi, porra? — É o que tem pra hoje. Se eu fosse
você, não reclamaria.
— Não quero incomodar. Mas será que tem
como arrumar um pouco de isca pra janta? O burro não reclamou. Barnald também
Pensei em ir até a cidade pegar algumas não. Ele carregou os baldes até a cabana.
galinhas, mas já está tarde e tenho Quando abriu a porta, Lessane estava do
pressa. outro lado. Tão linda como sempre.
O homem bufou e entrou na casinha. — Oi, amor, que bom que chegou.
Barnald ficou do lado de fora, ao lado do
burro e batendo o pé contra o chão. — É sempre bom estar em casa.
Alguns minutos se passaram até que Tosier
voltou para fora com uma sacola de iscas. Sobre o Autor:
Jogou para Barnald. Douglas Noleto,
nascido e criado em
— Fica me devendo essa. E no seu lugar, Iguape, SP, é autor
de romances e contos
eu não teria pressa. Se ficar velho, vai
de suspense e terror
saber do que estou falando. psicológico.
Atualmente mora em
— Conte com isso — disse enquanto Curitiba e escreve,
amarrava a sacola no cinto. — Um abraço quinzenalmente, para
a Revista Perpétua,
e um beijo para a Menris e a Venris.
sua casa literária.
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Até que a Morte Nos Separe - II
por Doug Noleto
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para ser exato —, nada é novidade.
— Que saudades dele! Tenho que ir até
lá qualquer dia desses. Como está minha E esse era só um dos detalhes que
mãe e Venris? Barnald amava em Lessane. Pois embora
conhecesse-a bem, encantava-se com cada
— Não as vi, mas devem estar bem. uma de suas nuances que ela lhe dava o
prazer de admirar.
— Que ótimo. Por que não vamos até lá
na semana que vem? Quando o cachimbo apagou, até pensou em
acendê-lo novamente, mas a vontade de
— O que quiser, querida. estar com ela gritava enlouquecida dentro
de si. Foi até o burro e deu boa noite
Assim que terminaram a refeição, para o velho camarada, entrando em casa
Barnald foi para fora e se sentou em sua logo depois. Bateu a porta de madeira e
cadeira velha de madeira. O burro já passou o pau que a trancava bem atrás.
estava dormindo e a lua alta iluminava a Estava pronto para se virar, quando
copa de algumas árvores. A cabana deles, sentiu as mãos de Lessane em suas costas.
embora estivesse no vilarejo, ficava um Quando a olhou, teve a visão do corpo nu
pouco afastada das demais. Atrás da de sua amada. Foram para o quarto e
pequena construção de madeira havia tiveram uma de suas noites de fantasia e
apenas árvores. Uma das muitas entradas sonhos. O corpo quente de Lessane
da floresta. Contudo, Barnald, quando afastava o frio que chegava àquelas
precisava buscar lenha ou qualquer outra terras. Difícil dizer quem adormeceu
coisa, preferia a rota convencional, que primeiro. Quando se vive o amor, estar
partia da trilha pela saída da vila. Era acordado é como pisar nas nuvens da
mais segura e sempre havia outras pessoas irrealidade.
com quem conversar. Não que ele fosse o
homem mais comunicativo naquelas terras, Contudo, aquela foi a última noite em
mas era bom ter a presença de semelhantes que dormiram juntos. Em companhia do sol
por perto. Nunca se sabe o que pode estar que nasceria no próximo dia, sobreveio o
espreitando entre os troncos velhos e inferno.
enegrecidos das matas.
A vida muda de repente.
Barnald tirou um pouco de fumo
previamente torrado e triturado de um
saco que levava consigo, do resto que
sobrara da colheita anterior, e enfiou em Sobre o Autor:
um cachimbo que havia ganhado de Tosier Douglas Noleto,
quando se casara com Lessane. Acendeu-o nascido e criado em
e baforou um pouco da perfumada fumaça Iguape, SP, é autor
de romances e contos
das folhas da Grande Árvore. Ah, isso é
de suspense e terror
que era vida! Do lado de dentro da casa, psicológico.
ele podia ouvir a movimentação de Atualmente mora em
Lessane. Devia estar preparando algum chá Curitiba e escreve,
de ervas para dormir. Ele não precisava quinzenalmente, para
a Revista Perpétua,
ver para saber. Quando se está há muito
sua casa literária.
tempo com alguma pessoa — vinte anos,
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Entrevista
Literatura Errante - O conto "Até que a morte próximas, pensei: "ué, por que não fazer
nos separe", cujos primeiros capítulos mais coisas por esses lados? Isso me
estamos publicando nesta edição, se passa parece bom"
num contexto medieval e com elementos de No momento estou escrevendo um romance
fantasia, não é? Ele faz parte de algum que se passa nesse mesmo universo, claro
universo maior, sobre o qual você ou que estou tratando de expandi-lo em todos
outro escritor escreve? Onde poderíamos os aspectos (os alienígenas entram aqui),
ler mais? Ou o texto está sozinho, pelo mas também é algo que vai levar algum
menos por enquanto? tempo. A primeira versão está prevista
DOUG NOLETO - Sim, se passa em um mundo até o fim desse ano.
medieval "clássico", digamos. Algo até LE - Inserir Alienígenas em uma estória
meio padrão para o gênero. Quando eu o medieval é uma inovação ousada e, no
escrevi, o intuito era de ser apenas uma mínimo curiosa. De onde surgiu essa
história isolada. Um mundo para uma ideia?
história única. Porém, assim que
finalizei e mostrei para algumas pessoas DN - Eu gosto de pensar que tudo,
64 Literatura Errante
absolutamente tudo, por mais insano que forma de escrita.
possa parecer, quando bem estruturado,
pode acabar fazendo algum sentido em Também sou um fã de games, e muitas das
qualquer história. histórias que consumi através deles,
desde a época do Snes (estou pensando em
Alienígenas em um mundo medieval me Chrono Trigger e Final Fantasy), acabaram
pareceu tão absurdo (e até cômico) que eu influenciando na minha forma de ver os
simplesmente NÃO RESISTI à ideia de limites que a ficção pode atingir. Acho
colocá-los lá. tudo fantástico.
Sem entregar muito, posso dizer que
esses "seres" terão um papel semelhante
ao de Noé e sua arca durante o dilúvio
bíblico.
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escrevê-la, já sabendo tudo o que naturalmente, como pontos em uma costura.
acontecerá antes de a redigir, enquanto Não gosto de forçar as coisas para dentro
os seguintes podem até ter uma ideia do de uma estrutura pré-programada. Prefiro
que vem adiante, mas, vão descobrindo a deixar a história e os personagens o mais
estória enquanto a desenvolvem. Você crê livres possíveis até que eles cheguem a
que poderia se encaixar alguma das duas algum lugar.
formas de trabalho? Qual seria? Ao
Acredito que a primeira versão de uma
desenvolver seus textos, você utiliza
história deva ser escrita com o coração,
alguma técnica?
e as outras, com a mente. Um planejamento
DN - Eu amo esse assunto, e sempre que extremamente racional e detalhado de uma
penso nisso acabo aprendendo alguma coisa história serve, pelo menos pra mim, como
nova. uma rocha de gelo substituindo o coração.
Não funciono dessa forma.
Eu, particularmente, não costumo
planejar nada com antecedência. LE - Totalmente jardineiro, então.
Absolutamente nada. Pra você ter uma
E com esse método tão minimalista para
noção, quando comecei a escrever o Até
escrever, o que você acha que é
que a Morte nos Separe, eu não fazia a
imprescindível para o trabalho de
menor ideia do que a história se trataria
escritor?
(o que foi um desafio, já que eu tinha um
limite de palavras e não teria tanto DN - Acho que qualquer pessoa que tenha o
espaço para divagações e rodeios). Só interesse em ser escritora deve ser uma
sabia que seria de fantasia e que teria espécie de esponja humana. Absorver todo
alguma relação com amor. Só isso. Com o o mundo ao seu redor. Ter olhos atentos
desenrolar da narrativa é que eu acabei para as coisas que a cercam e usá-las
chegando em alguma coisa, e o resultado como fonte de inspiração. Às vezes,
foi esse. detalhes simples podem ser tesouros
O máximo que faço é pensar em algum
conceito. Esse é o meu ponto de "start".
Tenho um conto publicado no Wattpad em
que a ideia inicial era: "o que
aconteceria se alguém começasse a ter uma
profunda conversa com uma porta?"
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escondidos, tesouros que podem esconder sob a maldição do planejamento, como uma
ideias e, quem sabe, boas histórias. máquina do que uma máquina, sob a bênção
das emoções, escrever como um ser humano.
E sobre o ato de escrever, propriamente
dito, acredito que a melhor forma de LE - Então, partindo de sua resposta,
aprimorá-lo e torná-lo natural é através podemos deduzir que estou entrevistando,
da prática e leitura constante. Ler muito de fato, um humano. O que podemos falar
e escrever muito não é uma receita 100% do humano Douglas, por trás do autor Doug
infalível (Deus bem sabe que há muita Noleto?
gente escrevendo pra cacete mas sem o
DN - Não sei se fui programado pra
mínimo de noção do que faz), mas pode
responder que sim, mas, se não estou
acreditar que é um início maravilhoso.
enganado, acho que sou um ser humano em
LE - Curioso você mencionar o caráter sua mais simples definição (risadas).
humano do escritor. Recentemente,
Por trás do Douglas Noleto dos textos,
computadores com inteligência artificial
há o mesmo Douglas Noleto, só que falando
já têm sido capazes, sem precisar de
bem mais merda e com um português ainda
qualquer preparo prévio (como montagem de
mais chulo. Mas ainda é o mesmo. Sou um
modelos ou estruturas previamente
cara sonhador e apaixonado, talvez um
definidas), de escrever notícias. Você
pouco vaidoso (qual escritor não é?) e
acha que essas inteligências artificiais
repleto de sentimentos. Não conseguiria
serão capazes de construir estórias boas
me definir de uma maneira que não fosse
e atrativas? Se conseguirem, poderão ser
assim: cheio de sonhos.
considerados escritores?
Não é a toa que escrevo, afinal, a noite
DN - Cara, se entrarmos nessa, só vamos
não é o suficiente pra sonhar tudo que há
sair na semana que vem.
dentro de mim. Preciso sonhar dentro das
Mas, por favor, vamos falar disso! minhas páginas, porque é lá que encontro
a liberdade que o mundo real, muitas
A princípio, escritor é quem escreve,
vezes, não pode me dar. Se alguém estiver
logo, uma máquina que possui essa
disposto a sonhar comigo, será muito bem
capacidade pode, sim, ser considerada
vindo nesse mundo de sonhos.
escritora. Porém (com muita ênfase), acho
que existe algo no ser humano que é A literatura (humana, de preferência) é
intransferível e irreplicável, mesmo sob exatamente isso: um mundo de sonhos, e
qualquer tecnologia, e esse "algo" é o ela é livre para todos.
sentimento.
LE - Doug, foi um prazer conversar
Imagine uma mãe que perdeu o filho em contigo! Estamos felizes de publicar seu
um ataque de um cachorro raivoso. Agora conto, e esperamos que venham mais, no
imagine essa mãe escrevendo um livro futuro!
sobre cães raivosos.
Muito obrigado por esta conversa
Cara, uma máquina não reproduziria o agradável que ousaremos chamar de
ódio que essa mãe pode estar sentindo e entrevista! É outra experiência que
transmitindo para o papel. De forma esperamos poder repetir em breve!
alguma.
Forte abraço!
Claro que estou sendo parcial aqui
DN - Eu que agradeço a oportunidade, é
(afinal, não quero perder lugar para uma
uma honra estar aqui. Sempre que quiserem
máquina no futuro), e também acho que
conversar um pouquinho, seja sobre
talvez essas máquinas possam um dia
máquinas ou sobre fantasia com
reproduzir esses mesmos sentimentos, mas
alienígenas, estarei à disposição.
ainda assim, nunca seria perfeito.
Um abraço e até a próxima!
Acho mais fácil um ser humano escrever,
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Cartum
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Instagram: @cartuns.alpino
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