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AGATHA SERAVAT

1ª EDIÇÃO / 2021
Copyright © 2021 by Agatha Seravat
Todos os direitos reservados.
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios,
sem prévia autorização por escrito.
Design de capa: Agatha Seravat
Revisão: Isadora Duarte
Projeto gráfico e diagramação: Agatha Seravat

Os personagens e situações desta obra existem apenas na ficção, não se referem


a pessoas ou fatos ou emitem opinião sobre eles. Qualquer semelhança
é mera coincidência.
Para quem é seu próprio algoz.
Seja bom consigo mesmo.
O Inferno está vazio e todos os
demônios estão aqui.
(William Shakespeare)
Nunca, para mim, um livro foi tão difícil de escrever. No
momento em que planejei este livro, eu sabia que ele me arrasaria.
Talvez arrasar não seja a palavra correta. Rocco Spada e Gaia me
de-vas-ta-ram.
Eu já escrevi livros nos quais tive dificuldades criativas,
personagens a quem eu me apeguei e não queria fazê-los sofrer (eu
só escrevo dramas, a culpa é minha), mas neste, a conversa foi em
outro nível. Quase extracorpóreo.
Talvez a sua experiência com esta leitura não seja a mesma
que eu tive durante a escrita. Eu e Rocco somos semelhantes
(obviamente ele é uma versão maximizada dos meus próprios
terrores) e revivenciar, através de suas crises, as minhas
fragilidades foi doloroso e invasivo.
Porém, finalizo este livro com a certeza de que eu não
poderia tê-lo feito melhor. Não agora, não neste estágio do meu
processo de autoconhecimento.
Peço encarecidamente que, ainda que com os sentimentos
borbulhando, sejam lá quais forem, prossigam a leitura até o final.
Isso, claro, se estiverem em condições para tanto.
Eu forcei a mim mesma, mas você não precisa. Leia o aviso.
Desejo a todes uma boa leitura, e que esta história te
modifique de alguma forma, é para isso que eu escrevo.
Com carinho,
Agatha Seravat
Agradeço aos profissionais de saúde mental no geral. Vocês
são guerreiros fodas, lutando contra os demônios internos de seus
pacientes, o preconceito e a desinformação! Continuem, nós
precisamos de vocês.
Agradeço aos meus, especificamente, mas principalmente à
minha psicóloga, Sônia, que é brilhante e me inspira, ainda que ela
não saiba o quanto.
Ao meu marido, que convive com uma pessoa realmente
bipolar (não é fácil como as piadas fazem parecer), ele é o meu
Brox.
À beta deste livro, que sofreu comigo do início ao fim:
Regilane Gonçalves, por isso e muito mais.
À Prika, pelos conselhos sábios, obrigada.
À Thaty pelas dicas incríveis e por ser apaixonada pelo dark
tanto quanto eu.
E sempre e para sempre, às minhas parceiras. Sem ela este
livro provavelmente não chegaria ao seu conhecimento. Elas são
estandartes de valorização da literatura nacional contemporânea, e
o amor delas é o que me leva adiante, mesmo quando as
tempestades me chacoalham.
Anne, Aline, Daia, Gio, Jacira, Ju Ribeiro, Juuh Costa, Juliana
Meller, Lari Moura, Lis, Luciana, Luddy, Mara, Mª Angelina, Mary
Costa, Mel, Sara, Vanessa,
E aquelas que chegaram para somar neste projeto: Caroline,
Regina, Nadia, Isabella, Agatha, Denise, Geovana, Endi, Lilia e
Giovana Atílio.
Muito obrigada a todas!
Agora, o meu muito obrigada a você, que vai ler este livro.
Um beijo,
Aguy
Esta obra é classificada como Dark Romance, ou seja, possui
temas muito sensíveis que podem gerar gatilhos emocionais em
pessoas que não sejam acostumadas com este tipo de leitura. As
violências física e psicológica serão abordadas descritivamente
nesta série, bem como o abuso sexual, uso de entorpecentes, e
outros temas limítrofes. Entretanto, não haverá romantização dos
assuntos acima citados, ou quaisquer outros, por parte desta autora.
Respeite seus limites e se sentir desconforto durante a
leitura, pare. Não se force.
Atenciosamente,
Agatha Seravat
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GLOSSÁRIO
(Este glossário é válido para o Universo da série MADE MEN, criado pela autora
Agatha Seravat. Muitos termos assemelham-se aos reais, mas alguns foram
adaptados.)

CARGOS DENTRO DA MÁFIA ITALIANA:


por hierarquia
1º) DON (BOSS): Comanda a todos os Caporegime e grandes
extensões de território, tomando as decisões políticas, de
investimentos e de retaliação.
2º) CONSIGLIERE: Pessoa de confiança do Don. Aconselha e tem
os mesmos poderes de um Underboss, embora não possua um
território. Pode comandar na ausência do Don ou do Underboss.
3º) SOTTOCAPO (UNDERBOSS): O segundo no comando. Quando
o território é muito extenso, o Don pode ter um Underboss para
ser a voz dele.
4º) CAPOREGIME (CAPO): Comanda um território menor, estado
ou cidade.
5º) CAPITÃO: Comanda um distrito dentro da cidade e tem um
grupo ou alguns grupos de soldatos.
6º) SOLDATO: o ranking mais baixo na hierarquia. Podem trabalhar
para qualquer um dos líderes, fazendo a segurança ou outros
serviços sujos.
7º) ASSOCIADO: Pessoas de fora da máfia, que têm ligação e
proteção dela. Geralmente são familiares mestiços ou pessoas
do interesse da máfia.

OMERTÀ
Leis que comandam a todos os envolvidos na máfia,
homens e mulheres.
1º) Não fale com os Feds;
2º) Compromissos sempre devem ser honrados, a palavra vale mais
que o papel;
3º) A famiglia vem em primeiro lugar;
4º) Não converse com ninguém de fora sobre os negócios da
famiglia;
5º) Traidores e descendentes nunca serão perdoados;
6º) Não minta ou omita informações que são importantes para a
famiglia;
7º) Os inimigos da famiglia são seus inimigos, os amigos da famiglia
são seus amigos;
8º) Não coloque em risco a segurança da famiglia por motivos
individuais;
9º) Os assassinatos devem ser vingados, sempre.

MÁFIAS EM MADE MEN


ITALIANAS: Cosa Nostra (os sicilianos), ‘Ndrangheta (os
calabreses), Chicago Outfit (Outfit).
BRATVA (aka Russkaya Mafiya): Qualquer organização
criminosa altamente organizada. Em Made Men: “do Norte”
(Rússia), “do Sul” (Ucrânia/Rússia).
IRA: Máfia irlandesa
CARTEL HERRERA (Família Herrera): Cartel
mexicano.
GANGUES e OUTROS: C-Blocks (Nova Iorque), Preacher
Org. (Chicago), Black Wolves MC (motoclube), “Colombianos”,
“Haitianos”, Yakuza (Japão), Tríade (China).
(as famílias que estão no poder)

RIGORI
Vito Rigori – “açougueiro”
Salvatore ‘Sal’ Ricci – “crudelle” (cruel)
Graziella Rigori

VELACCHIO
Anthony ‘Tony’ Velacchio
Constanza Velacchio
Guillermo Velacchio
Gaia Velacchio
Paola Constantini

SPADA
Lorenzo Spada
Cara Spada
Rocco Spada
Cesare Spada – “Rude”
Nero Spada – “Psico”
Donatella Spada

ROMANI
Mario Mancini / Raul Romani
Alessia Mancini
Mia Mancini
Bionda Romani
PRÓLOGO

Bom. Três letras. Um significado e n o r m e.


A subjetividade do que é bom, de quem é bom, de fazer o
bem, da bondade, e de qualquer outra variação, é imensa.
Originalmente, a palavra “bom” vem de “bônus”. Você sabia,
Gaia? Sabia que originalmente “bom” queria dizer o mesmo que
“receber gratificação”?
Quando foi que essas palavras ganharam esse peso? Com
essa conotação tão diversa, se elas têm a mesma origem... Elas são
como eu e você, mia vita? Quem de nós dois foi bom um para o
outro e quem recebeu a gratificação, eu ou você?
Talvez seja você, que está amolecida em meus braços, sendo
roubada de mim, enquanto eu tenho que assistir e saber que a culpa
foi minha. Que eu te empurrei no abismo do meu caos e te consumi
a ponto de não sobrar nada. Durante todo o tempo, tudo o que você
fez foi soprar vida para dentro dos meus pulmões.
Agora você está morrendo, está me deixando! Que porra de
gratificação é essa?! Isso é bom para quem?! Talvez para você, que
se libertou da nossa vida caótica quando eu nunca mais vou
conseguir te tirar de dentro de mim e vou me afundar...
Você me deu a maçã dos seus sonhos, tudo o que imaginou
para nós em um caleidoscópio de cores vibrantes e promessas
miraculosas, coisas que jamais teremos. Eu comi, acreditei que
você conseguiria, mas nós caímos do paraíso e agora eu conheço a
dor, Gaia, e não há nada para me entorpecer.
Agora eu conheço a dor.
Dor. Três letras.
CAPÍTULO 1

Sempre dizem que a vida passa diante dos seus olhos em


situações de quase morte, mas é mentira!
Eu já quase morri vezes demais para saber que isso é a mais
puta e pura inverdade. Não passa de um borrão, até você acordar e
ainda estar vivo, no hospital, sem lembrança de como chegou lá.
Um segundo atrás, eu estava em uma festa com Cesare,
numa mansão em Malibu, fazendo umas carreiras[1] com uma nota
de cem enrolada entre os dedos e alguma vadia no meu colo,
enquanto um babaca me perguntava sobre a minha moto que tinha
ficado em casa.
Como chegamos naquele assunto, eu não fazia ideia.
Cocei o meu nariz, depois rangi meus dentes sentindo como
se eles pudessem sair da minha gengiva a qualquer momento.
Então esfreguei um pouco de coca nela para aliviar a sensação e
bebi o uísque que estava na mão da vadia do meu colo. Os gelos
tilintaram nos meus dentes sensíveis e eu empurrei a mulher de pé,
tacando a bebida longe.
Eu mandei que ela buscasse sem gelo, porra!
O barulho do vidro estilhaçando não incomodou ninguém, a
casa parecia uma crack house, só que de luxo. Diversas modelos
anoréxicas e filhinhos de papai desajustados flertando com a
realeza da máfia. Às vezes, eu conseguia compreender o porquê
Nero queria matar todo mundo o tempo inteiro.
A essa altura da madrugada, com som alto pra caralho,
várias pessoas se agitavam e a euforia era sentida dentro de mim:
gritando, pulsando, energizando, como se estivesse vivo pela
primeira e última vez, ainda que entorpecido para fora de mim
mesmo. Eu não pensava mais em linhas tortas como sempre, não
havia mais aquela sensação de culpa constante, o medo de explodir
e me ver espalhar, desconexo, sem chance alguma de ser impedido.
Brilhos ofuscavam a minha visão e a sensação de ardência
no nariz e nos olhos passou completamente depois de alguma
bufadas do ar com cheiro de cigarro, álcool e vômito, relaxando
minha mente e a colocando em uma turbulência sensorial bem-
vinda que me reequilibrava.
Eu viveria para sempre assim!
Imortal, desconhecendo os limites de bem ou mal.
Isso era o meu paraíso!
A vadia veio para mim, limpando o nariz cheio de pó ao redor
como se tivesse chafurdado na merda, os peitos falsos quase de
fora no vestido dourado, esfregando-se em mim, doida para ser
fodida. Meu pau endureceu querendo comer alguém, mas não ela.
Eu não fodia loiras. Não gostava de loiras, ponto.
— Rocco, você está chamando a atenção demais. — Cesare
atestou, entregando o copo da bebida dele na mão da mulher e
arrancando-a do seu aperto ao redor do meu corpo.
Eu sequer conseguia sentir alguma coisa, exceto o grave da
música vibrando dentro da minha caixa torácica e redirecionando
meu fluxo sanguíneo. Girei o pescoço aproveitando a onda,
observando a minha mão, ou melhor, a mão de Cesare, no pescoço
da loira, enquanto ele tentava fazer a vadia compreender algo que
ele lhe dizia.
— Ela não vai te obedecer. Ela quer ser fodida, leve-a para
algum banheiro e faça a porra do trabalho, Cesare — informei a ele
e caminhei entre os corpos em busca de outra bebida, sem gelo,
desta vez.
Saí da casa para o pátio externo tentando me aproximar do
bar na piscina. Não fazia ideia de quem era esta casa, mas Cesare
e Tino estavam comigo. Esbarrei novamente no palhaço que eu
conversava, perto de duas motos que deviam ser dele. A essa
altura, os rostos se embaralhavam, as formas também. O céu
noturno cheio de estrelas parecia se aproximar e me deixar fora de
mim, como se eu flutuasse até lá, ou como se elas estivessem
chovendo sobre a minha pele. Eu só queria uma bebida, talvez mais
uma ou duas carreiras e uma foda.
— ... e aí, dez mil, topa?
De que porra ele estava falando?
No próximo segundo em que tive consciência de mim
mesmo, eu estava sobre a moto de alguém, Cesare me berrava a
distância e o babaca ao meu lado girou o punho sobre a sua
Kawasaki, eu estava sobre uma... que porra de moto era essa?
Girei meu punho e o ronco desse motor não se assemelhava
em nada com o da minha. Ainda assim, eu removi o descanso,
sustentando o peso da moto com os meus pés. Coloquei um pouco
de pó na cavidade entre meu polegar e o indicador e funguei,
pisquei com força enquanto contorcia o rosto para aguentar a
ardência por dentro, que parecia derreter meu nariz.
Esfreguei meu rosto com a manga da minha jaqueta e girei o
acelerador mais uma vez. Antes que Cesare me alcançasse, nós
começamos a correr.
Isso tudo aconteceu um segundo atrás. Agora eu estava em
um hospital.
Que porra tinha acontecido comigo?
— Papá, eu estava lá. — A voz de Cesare soava fria e
inexpressiva, como sempre, e eu quase podia ouvir os dentes do
meu pai rangendo.
Não queria ouvi-lo, nem vê-lo. Todo o meu corpo doía como
se eu tivesse sido esmagado. A pele ardia, mas principalmente por
dentro. Quanto tempo fiquei desacordado? Todo o meu corpo tremia
e meu estômago se contorcia como se estivesse levando choques.
Um suor nojento formou-se na minha testa, revelando que eu estava
em abstinência. Eu precisava de um tiro[2]. Um tiro e um baseado
para relaxar. Um calmante e um excitante para me reequilibrar.
— Tiziano quer tomar o meu poder, porra! E com esse infeliz
sendo uma vergonha, ele vai conseguir! — Papá esbravejou e
começou a tossir, Cesare murmurou alguma coisa que não consegui
compreender, ainda perdido na névoa das minhas sensações.
Tiziano, só o nome dele já me deixava fora de mim. Ele era a
representação física de tudo o que eu odiava. Minha mente
despertou furiosa, meus músculos tensionaram com o ódio
borbulhante indo de encontro com a abstinência que eu sentia. Eu
precisava de umas carreiras para aplacar o ódio.
Abri meus olhos observando ambos ali com seus ternos
escuros, os cabelos pretos quase plastificados penteados para trás.
Meu pai tossia em um lenço de linho que havia retirado do bolso do
terno e foi até a janela tentar puxar ar puro para os seus pulmões
fodidos. Cesare enfiou as mãos nos bolsos da calça sem se
desalinhar nem um pouco, e olhou para o teto, como se estivesse
entediado.
Cesare era o filho que mais se assemelhava ao meu pai, não
tanto na aparência, isso havíamos herdado da mamma, mas na
personalidade, ou ao menos a parte que meu irmão revelava. Ele
deveria ser o herdeiro, mas por um infortúnio do destino, eu nasci
primeiro. A versão perfeita de nós dois era ele. O gêmeo certo.
Olhar para Cesare era um lembrete constante de tudo o que
eu jamais seria. Mas talvez ele conseguisse administrar ser a
perfeição por não ter o peso do mundo nas costas. Éramos gêmeos
idênticos, o que sempre foi uma merda para ambos. Mas isso fez
com que nos conectássemos ainda mais.
Cesare era o controle e autorregulação que eu jamais seria, e
eu as emoções que ele não compreendia. De alguma forma fodida,
funcionávamos quase simbioticamente: ele o cérebro deturpado e
cruel, eu o coração com emoções violentas e nulidade de filtros.
Tudo o que me atingia, afetava Cesare. Eu sentia por nós
dois, ele pensava por nós dois. Uma unidade que sempre funcionou.
Rocco e Rude, como ele era conhecido nas ruas de Los Angeles.
Ele era o Capo que Papá escolheria se pudesse, tanto que
comandávamos juntos o território de L.A. Quando eu assumisse
como Don, Cesare seria o meu Consigliere, não haveria outro. Nero
assumiria o território de L.A. Se eu precisava cumprir meu fardo,
eles estariam comigo, pois éramos indissociáveis.
Os gêmeos Spada, Rocco e Cesare “Rude” e o caçula, Nero
“Psico”. Nero fazia jus ao seu nome em homenagem ao imperador.
— Eu falei para você não subir naquela moto. — Cesare
notou que eu estava acordado. Claro que notou. Apoiou as mãos ao
lado da minha cama e o colchão afundou um pouco, fazendo meu
corpo doer.
— Que moto?! — Não entendi do que ele estava falando. —
O que aconteceu comigo desta vez? Qual é o veredito?
Não era a primeira vez que eu acordava no hospital, e minha
memória demoraria alguns dias para retornar. Algumas vezes, ela
não retornava e eu precisava acreditar nas histórias que Cesare me
contava sobre o que havia acontecido.

— Farrabutto[3]! — Meu pai me xingou, mas eu já estava


acostumado. E pouco me fodendo para o que Don Lorenzo pensava
sobre mim.
— Eu não falei com você, velho! — respondi ao Don, pouco
me fodendo que seu rosto ficasse vermelho de ódio e isso o
causasse outra crise de tosse. Ele que se fodesse. Não pedi para
ser o herdeiro de nada. Nem por suas exigências e demandas.
Três fodidos minutos e meu destino foi condenado. Cento e
oitenta segundos... Todo o peso da vida de toda aquela gente
estava em minhas costas desde que eu me entendia por gente. Mal
lidava comigo mesmo.
O médico decidiu me arrancar primeiro do útero de Cara
Spada durante a cesariana, ao invés de Cesare, e todo e qualquer
passo que eu dei na minha vida foi vigiado e avaliado por um
microscópio, julgando e definindo quão inapto eu era. Jamais seria
perfeito ou um Don.
Foda-se! Só de pensar sobre isso meu corpo já começava a
se retorcer e a vontade de entorpecer os sentidos se sobrepunha a
todas as outras dores. Viver com minha mente sempre me puxando
para cima ou para baixo e ainda ter que lidar com que esperavam
de mim era exaustivo pra caralho.
— Você quebrou três costelas e uma perna. Tem lacerações
pelo corpo todo e a sua sorte foi não ter batido a cabeça muito forte.
A concussão cedeu nas primeiras quarenta e oito horas. Você podia
ter morrido, Rocco. Ou poderia ter virado um vegetal. — Cesare
manteve os olhos azuis que dividíamos em mim.
Seu rosto e sua voz vazios de sentimentos, mas eu sabia que
ele queria brigar comigo por eu ter me colocado em risco.
Enquanto Cesare não sentia nada, eu sentia tudo. Demais.
Meus olhos arderam ao imaginar que se eu morresse, ele
ficaria completamente isolado. Cesare não se abria, nem dos
nossos outros irmãos ele conseguia se aproximar direito. Até Nero
era mais próximo de mim e de Donna, mas Cesare sempre foi
solitário. Eu precisava parar de fazer isso comigo mesmo. Senão
por mim, por Cesare. Ele jamais reclamava de me seguir, de cuidar
de mim, entretanto, eu tinha plena noção de que era um trabalho em
tempo integral.
A culpa por fazer a vida dele um inferno me consumia e por
isso, eu acabava sempre retornando ao ciclo de autodestruição que
levava a nós dois para o buraco.
— Eu vou parar... — prometi a ele.
Cesare não disse nada, mas suas pupilas dilataram. Podia
ser um agradecimento ou raiva por saber que era mentira, tudo o
que recebi foi um aceno curto como resposta.
Minhas promessas não valiam nada.
CAPÍTULO 2

Anthony Velacchio era um babaca. Quando o avião desceu a


porta com a escadinha do jatinho privado, e ele e seu filho
adolescente desceram, vi a forma como ele lidou com o moleque,
estapeando a sua mão para que o garoto não segurasse no
corrimão da escada e descesse como se não precisasse de nenhum
apoio.
Ele era esse tipo de gente: que forjava a impressão de
autoridade, quando na verdade não tinha nenhuma, um fraco
vestindo uma carcaça de predador. Sua tentativa escrota de
encobrir a calvície, deixando a lateral crescer para puxar para o
topo, só o tornava mais pedante.
Cesare ao meu lado ficou quieto enquanto eu ria baixinho, já
debochando do Underboss antes mesmo de falar com ele.
Nós fomos incumbidos de sermos os emissários da
‘Ndrangheta, o velho Velacchio viera em nome do outro Don.
Papá conversaria com ele, mas quis que nós viéssemos
pessoalmente recepcionar o filho da puta siciliano, ao invés de
mandar soldatos. Para demonstrar respeito, ele dissera.
Eu não considerava respeito da parte dos sicilianos um Don
calabrês conversar com um Underboss siciliano, mas Cesare me
aconselhou a manter meus pensamentos para mim mesmo, ao
menos hoje. O que não fazia muito bem para o meu humor
explosivo.
— Bom dia, senhores. Sei quem são, mas não conseguiria
distingui-los. — Tony tentou soar engraçado, mostrando os dentes
em um sorriso nojento com aquele bigode com mancha de nicotina,
bem no meio, que o fazia parecer Hitler, mas não arrancaria
nenhuma risada deste público.
Eu estava mal-humorado e Cesare... bem, era Cesare.
— Geralmente é fácil de nos distinguir, porque eu sou aquele
que não finge ser o que não é. Não uso ternos para fingir que sou
um homem de negócios quando o meu negócio é vender drogas,
prostituição e matar gente por esporte — atirei e notei a respiração
profunda de Cesare ao meu lado quando se deu conta que eu não
manteria a boca fechada, como meu pai ordenou, e já ficando
entediado ao saber que papá reclamaria em um de seus longos
sermões. Don Lorenzo gostava de se ouvir falar. — Mas é só olhar
para as tatuagens. Eu sou Rocco, ele é Cesare. — Mostrei meus
punhos cerrados, onde as letras L, O, S, T, C, A, S, E, estavam
tatuadas em minhas falanges.
Caso perdido era do que meu pai gostava de me chamar.
Tatuei em sua homenagem, ele obviamente não gostou e me deu
uma surra, mas as letras estavam ali ainda.
Havia mais tatuagens no meu corpo que não davam para ver
escondidas em um terno e que me diferenciavam de Cesare — que
não tinha nenhuma; além do cabelo que eu me recusava a usar
como o de Cesare. O cabelo dele estava maior que o meu, batendo
no queixo, mas sempre para trás, penteado à perfeição de sua
frieza, enquanto o meu mal chegava ao nariz e provavelmente
estava desgovernado, por eu ter passado a mão diversas vezes,
impaciente.
Tony apenas alargou os olhos com a minha ousadia, mas seu
filho riu baixinho. O moleque devia ter entre quinze ou dezesseis,
um garoto ainda, a mesma idade de Nero. Eu e Cesare com a idade
dele já tínhamos muitas histórias para contar...
— Anthony Velacchio e Guillermo Velacchio, meu herdeiro.
O garoto se aprumou quando recebeu um olhar severo do pai
e estendeu a mão para um aperto. Tive pena dele por um instante,
outro com um fardo nas costas e castrado além de qualquer limite.
Ao menos com um pai babaca como este. Nisto o meu pai se
diferenciava de Tony: enquanto o siciliano posava autoridade, meu
pai realmente a merecia.

Anthony ficou incomodado quando o trouxemos para o A-


Class, o luxuoso puteiro que Valentino Bonnetti — nosso primo e
braço direito — havia montado em uma mansão em Beverly Hills.
Por fora parecia uma mansão qualquer, com segurança
redobrada, como se algum ricaço morasse ali. Mas por dentro, o
primeiro piso foi transformado em um antro hedonista que eu
adorava e no andar superior, os quartos, para onde levávamos as
mulheres, eram luxuosíssimos. Apenas a nata da ‘Ndrangheta e
alguns dos melhores associados podiam pagar para frequentar.
Meu pai ainda não havia visitado este estabelecimento que
custara o investimento de uma boa quantia de dinheiro, embora ele
mesmo não costumasse aproveitar o produto com tanta frequência
quanto nós, ou os outros membros da grande Los Angeles. Até
Nero, que odiava multidões, vinha ao A-Class.
O casamento dos meus pais tinha altos e baixos, como
qualquer outro regular. Quando ela o emputecia, ele ia afogar as
mágoas no colo de alguma puta; minha mãe fingia não ver; ele lhe
dava joias quando se sentia culpado; e matava os seguranças dela
quando Cara Spada se vingava, indo para a cama com algum deles.
Um perfeito casamento calabrês, que já durava vinte e cinco anos.
Foi com um desses filhos da puta, que não mantiveram o pau
dentro da calça que eu e Cesare fomos iniciados juntos. A
motivação “esse cara comeu a sua mãe” foi o suficiente para que
ele tivesse uma morte lenta. Ao menos da minha parte.
Cesare não precisava de muita motivação, só de um objetivo.
Qualquer que fosse a missão, ele cumpria. Cesare era sempre
perfeito em tudo: da diplomacia à tortura, ele nasceu pronto.
Os nossos passos ecoaram pelo grande salão vazio, onde
algumas mulheres estavam sentadas sobre as mesas, vestindo
apenas lingeries e aguardando serem convocadas para a ação
depois da conversa.
Eu não fazia ideia de como os jovens sicilianos eram
iniciados, mas você não se tornava um made man sem ter comido
uma boceta! As bochechas vermelhas de Guillermo, como se nunca
tivesse sequer visto uma mulher nua, ao ver as mulheres ali me
fizeram debochar dele.
— Se quiser, enquanto os adultos estão conversando, eu
mando uma delas chupar seu pintinho — zombei do jovem
Velacchio, que me encarou furioso, mas não disse nenhuma palavra
em defesa própria.
— Rocco, deixe-o em paz, estamos em uma conversa
amigável, por enquanto. — Cesare defendendo-o era a sua forma
de deboche, pois meu irmão era um filho da puta sádico como eu.
— Mas se ele quiser, pode pedir para o papai para brincar
com as amiguinhas, elas são muito boas no que fazem. Eu garanto!
A essa altura, Guillermo já estava com os punhos cerrados e
seu pai o puxou para o seu outro lado, tirando-o de perto de nós.
Tony conseguia nos escutar, mas também não dissera nada em
apoio ao seu filho. Babaca.
Nós tínhamos vinte anos, mas com a idade de Guillermo já
havíamos comido mais mulheres do que poderíamos contar. As
loiras eram a preferência de Cesare e as morenas, a minha. Era
assim que fazíamos a divisão dos espólios, para jamais querermos
a mesma mulher.
— Sejam bem-vindos à costa Oeste. Espero que tenham feito
boa viagem. — Meu pai se levantou, polido, estendendo a mão para
um Tony-babaca-Velacchio sorridente.
Quando eu via esse tipo de ceninha, meu estômago revirava
em uma fúria assassina. Eu tinha vontade de berrar e esmagar a
cabeça de Velacchio na mesa como um presente de boas-vindas.
Esses filhos da puta eram nossos inimigos há anos, não entendi o
motivo de meu pai estar abrindo a bunda como uma vadia para esse
babaca.
Don Salvatore sequer se dignou a vir pessoalmente, o que
para mim já consistia em uma afronta e até Cesare concordava
comigo, embora tivesse racionalizado a situação, fazendo-me
entender a motivação da outra famiglia: se matássemos o Velacchio,
eles ainda teriam o Don. O que era uma verdade.
E era para isso que eu precisava de Cesare, para me fazer
ver as coisas por outro ângulo, a imagem completa. Eu tendenciava
a ver tudo contra mim em um nível pessoal e agia antes de pensar,
mas ele geralmente conseguia me parar. Exceto quando eu estava
chapado.
— A viagem foi excelente, obrigado. — A conversa continuou
enquanto eu devaneava. Sequer tinha notado que Cesare puxou as
duas cadeiras para que eu me sentasse ao seu lado.
Papá, eu a direita dele e Cesare à minha de um lado da
mesa, do outro Tony e seu herdeiro. Os outros sicilianos também
estavam ali dentro, tão afastados da conversa quanto os nossos
seguranças, só que Tony estaria fodido se tentasse matar meu pai
na nossa presença. A não ser que ele fosse um fodido kamikaze, e
não quisesse sair com vida. Trazer seu herdeiro era uma forma de
mostrar que viera em paz, pois até onde nós sabíamos, ele só tinha
esse moleque.
Ainda assim, os sicilianos não funcionavam como nós, para
eles, o sangue das veias não valia tanto quanto o da famiglia em
conjunto. Eu queimaria Tiziano, Bruno ou Nicolo — os Capos de
outros territórios calabreses — sem pestanejar, se a vida de Cesare
estivesse em jogo. Entregaria qualquer território para salvar minha
mãe, Nero, Donna ou meu pai. E mesmo me odiando um pouco, eu
tinha certeza de que meu pai me amava e faria o mesmo por mim.
— Qual é a proposta do seu Don? — Quis revirar os olhos
quando meu pai se referiu ao outro. Mas o que me surpreendeu
realmente foi o fato de Tony ter cerrado as mãos quando ouviu falar
de Salvatore também.
Ele tinha cara de rato para mim. Quase deixei escapulir algo
pelos meus lábios em uma provocação, mas Cesare tossiu,
impedindo-me de falar. Ele lia todos os meus sinais.
— Salvatore quer um favor e está oferecendo uma trégua.
Nós não compartilhamos nenhum fornecedor, não estamos em
territórios próximos, não precisamos manter a animosidade — Tony
disse. Siciliano do caralho! Eu mal aguentava ouvi-lo.
— Então ele me oferece uma trégua que eu não pedi, em
troca de um favor que ele precisa? Não estou vendo a vantagem. —
Papá podia ser um babaca para mim, mas eu havia puxado o
deboche dele.
— Não, talvez trégua tenha sido a palavra errada. Uma
aliança. Nós somos italianos. Vocês têm uma costa, nós temos a
outra. Já não competimos em nenhum fornecimento de nada. Nós
temos a coca colombiana e armas irlandesas, vocês têm o seu
fornecimento de armas e droga com os Herrera. Só estamos
assentando um tratado de cavalheiros para a manutenção da paz
em longo prazo. Ninguém entra no território de ninguém. E o favor
que Salvatore deseja é algo minúsculo, pessoal, quase.
Eu ainda não estava vendo vantagem em concordar com
porra nenhuma, mas meu pai sempre buscava alianças. Eu
discordava, “manter os inimigos perto” não funcionava para mim.
Não era porque alguém te oferecia o cu para comer, que você
deveria. Mas, mais uma vez, ele era o Don e eu não queria saber
desta merda.
Perdi o foco da conversa dali por diante, pois já sabia que
meu pai aceitaria. O favor era alguma porra sobre um fodido preso
que estava sendo esculachado dentro da cadeia de Chino, que nem
era da famiglia deles! Enquanto isso, a morena com a lingerie
vermelha cruzava e descruzava as pernas sobre a mesa mais
próxima e meus olhos foram para ela.
Elas gostavam mais de mim do que de Cesare, as garotas
que trabalhavam no A-Class. Aparentemente, o meu irmão perdia o
controle quando estava com elas e era meio bruto. Não que batesse
nelas, além do que era normal em uma foda, eu acho. Nunca o vi
fodendo, era um dos poucos limites que ele tinha, embora ele já
tivesse me pegado transando nas muitas vezes em que eu me
drogava além do esperado. Se é que havia algum “esperado” para
se drogar.
Só de pensar sobre a merda, minha boca salivou, comecei a
balançar as pernas para cima e para baixo, alternadamente,
querendo só uma carreira. Eu precisava de um beck[4], pelo menos.
Relaxar um pouco antes de levar aquela morena para o andar de
cima assim que esse filho da puta do Velacchio parasse de falar pra
caralho e de olhar para mim como se estivesse com nojo.
— ... ele é meu herdeiro, é com ele o acordo. — Meu pai
apontava com o polegar na minha direção e os olhos azuis do
“Velacchiozinho” estavam trancados em mim.
O que eu tinha a ver com a conversa? Eu me distraí na parte
das drogas e do cara da cadeia.
— Você vai se casar... agora não — Cesare sussurrou no
meu ouvido e segurou meu cotovelo antes que eu me levantasse,
tendo percebido que eu não prestei atenção ao que eles falavam.
Eu sempre tive déficit de atenção e pouca paciência para
ordens óbvias. No começo, a coca até me ajudava com isso.
Quando criança, diziam que eu era hiperativo, mas minha mãe se
recusou a me entupir de remédio quando eu fazia o inferno na
escola, embora tivesse sempre as melhores notas, melhores até
que as de Cesare, que era perfeito. Então eu só apanhava bastante
para me comportar, mas não conseguia...
— Essas são as minhas filhas, Graziella e Gaia, pode
escolher. — Tony tirou o telefone do bolso e colocou sobre a mesa
com a tela acesa em uma foto da sua família.
— A de olhos castanhos não é Velacchio. Ela é nossa prima.
— Foi a primeira vez que ouvi a voz de Guillermo, que se apressou
em tampar a morena mais nova dentre as três garotas com o seu
indicador, mas recebeu um tapa na mão por parte do pai.
As três eram jovens, mas a de olhos verdes, com o
bronzeado natural, era linda pra caralho.
— Essa — respondi em um impulso, mas também fiquei puto
por ele estar vendendo as filhas como vacas leiteiras.
Se meu pai fizesse isso com Donna, eu mesmo o mataria. Só
que o sorriso da garota na foto era incrível. Elas deviam ser pelo
menos cinco anos mais novas do que eu, e eu não me casaria com
nenhuma delas antes que tivessem dezoito. Os sicilianos faziam
essa merda, nós não, o que também me garantia algum tempo a
mais solteiro.
— Qual o nome dessa? — Apontei para a de olhos verdes e
puxei o telefone para ver melhor.
Era uma daquelas fotos de cartão natalino, uma merda que
famílias tradicionais, que fingiam felicidade, faziam: a foto anual.
Todos os outros sorrisos eram treinados, mas não o dela.
Dei um zoom no rosto das duas, a mais velha, ao lado dela,
parecia uma rainha gelada. Era bonita também, ambas puxaram a
mãe, que devia ter idade para ser filha de Anthony. Mas a outra, a
única com os olhos verdes, parecia verdadeiramente feliz. O tipo de
felicidade que eu só conseguia ter quando cheirava muito.
Cesare não tinha sentimentos, se tinha, nem ele mesmo
sabia onde estavam. Já os meus eram uma bagunça
descoordenada, para cima e para baixo, simultaneamente, como se
fossem parte do meu DNA. Só que essa garota, ela era feliz! Nem
nos meus melhores dias, eu era feliz como essa menina aparentava
ser nesta foto.
— Gaia acabou de fazer quinze. — Anthony pegou o telefone
da minha mão.
— A sua mais velha tem quantos anos? — Meu pai se meteu.
— Graziella tem dezessete, faz dezoito em quatro meses.
Seria um casamento mais rápido, se é isso o que você deseja, Don
Lorenzo. — Tony estava me provocando.
Ele disse para eu escolher, eu escolhi e agora ele estava
manipulando meu pai para não me dar a que eu queria.
— Não nos casamos com crianças aqui. Algumas promessas
são feitas no nascimento exatamente para que os pares não tenham
uma diferença de idade muito grotesca. Não gostamos de velhos
casando-se com crianças. — Meu pai atirou, provocando Tony, que
claramente se casou mulher absurdamente mais jovem.
Papá também não estava gostando da forma como Anthony
estava vendendo as filhas. Certamente pensando em Donatella.
— Não casamos quando elas são menores de idade. — O
Underboss tentou se defender.
— Bom... três anos é um tempo longo demais, ainda mais se
eu já vou começar a fazer o favor para o seu Don. Vamos fazer o
acordo de casamento com a sua mais velha. — Don Lorenzo olhou
para mim e eu me levantei da mesa.
Peguei a mão na morena e a levei para o andar de cima.
Se eu só tinha quatro meses solteiro, eu foderia quantas
mulheres eu pudesse nesse meio tempo.
CAPÍTULO 3

Eu tremia como se minha vida tivesse acabado.


Minha mãe sequer me deixou trocar o uniforme. Mamma não
se meteria e se ela me ajudasse a acobertar, seria pior para ela do
que para mim. Quando cheguei com os olhos cheios de lágrimas e o
papel da escola em mãos, Grazzi foi quem falou com ela e elas
quase brigaram, mas eu implorei a Graziella para não fazer isso,
senão apanharíamos as duas, ou as três.
Grazzi era muito dura com a mamma, ela não entendia que
tudo o que passávamos, Mamma aturava há mais tempo e aturaria
para sempre. Nós nos livraríamos dele em alguns anos, Constanza
estava presa para sempre a Anthony Velacchio.
A culpa foi minha e da minha vaidade. Perdi o segundo sinal
para voltar para a sala depois do intervalo, pois estava passando
batom, uma porcaria de batom! E agora meu pai teria que assinar a
advertência, mas não antes de me dar uma surra.
Os olhos de Grazzi pareciam gelo, a sua respiração entrava
forte, emanando uma raiva incontida, por saber que eu apanharia.
Ela era mais forte do que eu, fazia tudo certo para não apanhar
mais. Eu já havia me conformado, tentava ser perfeita e bonita como
minha mãe, estar sempre arrumada e ter a inteligência e o carisma
de Grazzi, como meu pai queria que tivéssemos para fazer um bom
casamento. Só que equilibrar tantos pratos não era fácil para mim.
Eu não era inteligente como Graziella, mas ao menos eu
tinha a beleza. Ao menos no meu rosto meu pai não bateria.
Paola e Guillermo olharam para mim com piedade. Guilly não
podia se meter, mesmo já sendo um made man, meu pai era o
homem da casa. Minha prima, coitada, era tratada como lixo pelo
meu pai, ela não tinha voz. Ela era sobrinha da minha mãe e papá
fazia muita questão de deixar claro que ela morava de favor em
nossa casa.
Caminhei pelo corredor que dava no escritório do meu pai e
bati com as juntas dos dedos, engasgando-me nas lágrimas, sem
conseguir me anunciar quando ele perguntou quem era.
Xingou um palavrão e escutei passos quando finalmente
consegui me falar, mas já era tarde demais. Eu o tinha feito se
levantar para abrir a porta e ainda lhe daria uma notícia que o
envergonharia. Para piorar ainda mais o meu caso, eu estava
chorando.
Os Velacchio não demonstravam fraqueza.
— Que merda você fez?! E por que está chorando como uma
bezerra? Engole esse choro agora! — Puxou-me para dentro do
escritório com a sua mão bruta sobre o tecido grosso do blazer do
uniforme da escola.
Puxei o ar com força, tentando controlar o choro, sem
sucesso, e estiquei o papel para ele. A folha estava parcialmente
amassada, tamanha a força que fiz segurando-a desde a escola até
em casa, e tremia visivelmente. Testemunhar a minha fragilidade e
insegurança, além da minha inadequação irritavam Tony Velacchio,
o Underboss da Cosa Nostra.
— Uma advertência? — Ergueu a mão, como se fosse me
dar um tapa na cara com as costas da mão e eu fechei os olhos
esperando o pior.
Todos os meus músculos travaram, minhas mãos cerraram e
então eu senti sua mão puxando meu cabelo e ele esfregando o
papel no meu rosto. Até a minha respiração estava presa.
— Sua inútil! Já não basta ser burra, ter notas horríveis, ainda
por cima não sabe se comportar dentro da porra da escola que eu
pago para você?! — As minhas lágrimas escorriam, manchavam o
papel, enquanto papai o esfregava, puxando meu cabelo com força.
Tranquei os lábios, meu estômago revirando e a garganta
contraída pegava fogo do tanto de força que eu fazia para não
chorar. Essa não seria a pior parte. Era só o começo.
— Você voltou atrasada para sala, estava fazendo o quê?
Comecei a me desesperar. Não conseguia falar sem chorar e
chorar o deixaria ainda mais furioso e violento. Abri os olhos e
encontrei seus olhos azuis como gelo, penetrantes e diabólicos,
esbugalhados olhando para mim. O bafo de charuto e dele
invadindo minhas narinas. Meu coração palpitando dolorido, como
se houvesse um punho fechado ao redor, impedindo-o de fazer o
trabalho corretamente.
Papai segurou meus ombros e me sacudiu. Meu pescoço
doeu do primeiro solavanco, mas consegui enrijecer o corpo a
tempo para não ser pega pelo segundo. Seus dedos brutos
deixariam marcas em meus braços finos, mas ninguém as veria e
ele sabia onde nos bater para não deixar à mostra a sua
monstruosidade.
— Eu... Eu... perdi. O sinal. Estava no banheiro — menti, sem
conseguir conter as lágrimas, e ele ainda assim não se importou.
— Vira! — Mordi o lábio inferior, obedecendo, sabendo que
relutar ou implorar seria pior. — Sua imbecil! Você é burra igual a
sua mãe! Uma estúpida que não faz nada certo. Sua mãe só me
deu filhos idiotas iguais a ela! Ela só serve para uma coisa aquela
lá, igual a você! Só vai servir para uma coisa!
Ouvi o barulho do cinto, como um chicote no ar, e fechei as
mãos em punhos com força, abaixando a cabeça, para que não
pegasse na minha nuca quando ele começou com as cintadas.
As lágrimas corriam livres no meu rosto, enquanto o couro
queimava a minha pele a cada cintada sobre o tecido grosso do
blazer e da saia de pregas do uniforme.
Eu precisava aguentar, de pé e sem chorar, senão seria pior.
A culpa era minha, eu precisava ser perfeita e nunca seria.

Todas nós ficamos apreensivas quando meu pai convocou


Grazzi para o seu escritório. Ela não havia feito nada errado. Exceto
para nos castigar, papá nos ignorava. Só Guilly precisava realmente
conviver com ele. Nós apenas jantávamos juntos, todas as noites.
Para a minha sorte, desde que eu fizera quinze anos, eles me
autorizavam a tomar uma taça de vinho em alguns jantares.
Eu adorava o efeito do álcool. Ele tirava o peso das minhas
costas e deixava tudo mais bonito.
Mamma bebia bastante durante o jantar, mas nunca a ponto
de ficar bêbada, ou papai a mataria de tanto bater nela. Eu odiava
que ela tivesse tido essa má sorte. Nem todos os homens eram
como meu pai, não podiam ser. E eu sabia que um dia eu sairia
desta casa, encontraria algum marido bom, sonhava e rezava para
que se tornasse realidade. Até porque ser pior do que meu pai era
praticamente impossível.
— Ela está demorando muito. — Paola mordia o canto da
unha, depois enrolava o cabelo em um coque no alto da cabeça,
como minha mãe odiava que fizéssemos, mas sua sobrinha
ignorava.
Papá não batia nela, mas ele a aterrorizava ainda assim,
ameaçando de devolvê-la para o pai. E Paola queria ficar conosco,
pois não tinha para onde ir. Depois que sua mãe morreu, o pai a
largou conosco e parecia não querer mais saber de sua única filha.
Eu e ela tínhamos a mesma idade, eu teria minha festa de sweet
sixteen[5] e minha prima não, pois meu pai se recusou a pagar para
ela. Ele só pagava a escola, o que já era jogado na cara para
humilhá-la, sempre que ela não tirava uma nota A+ como as de
Grazzi ou Guilly.
Graziella e Guilly não faziam de propósito, eles não eram
perfeitos para nos fazer parecer inferiores. E o fato de que eles
sequer se davam conta me fazia amá-los ainda mais.
Só minha prima me compreendia, pois também não atendia
às altas expectativas dos Velacchio. Eu realmente não sabia o que
era pior: ter expectativas inalcançáveis que te faziam se sentir um
lixo, ou não ter expectativa nenhuma, porque ninguém se importava.
Mas Paola dizia que não a afetava, a única coisa que ela
queria era Guillermo. Eles namoravam escondidos e todas as
noites, ela se enfiava no quarto dele.
Isso não era certo!
— Deve ser sobre o casamento, Grazzi nunca faz nada
errado.
Minhas costas ainda tinham marcas de cinto, e eu vinha
usando camisas de mangas longas, apesar do calor de Miami,
porque meu pai acertou meus braços também. As marcas de dedos
dos sacolejos já esverdeavam, mas ainda não dava para cobrir com
maquiagem como mamma fazia.
— Ela já tem quase dezoito. Achei que já estivesse
prometida. — Paola arregalou os olhos castanhos para mim, quando
neguei com a cabeça e abri a porta do meu quarto ao ouvir os
passos no corredor.
Eram Guillermo e Grazzi.
Guilly já devia saber antes de nós, mas não podia dizer nada,
porque eram negócios da máfia. Só que agora que Grazzi sabia, ela
nos contaria.
— É casamento? — Abri meu sorriso quase comemorando
por ela, que sairia deste inferno em que vivíamos. Grazzi me deu
seu olhar apreensivo e aquiesceu, ainda em silêncio.
— Ele é de outra famiglia. — Entrou no meu quarto, onde nós
a aguardávamos, e se sentou na cama. Guilly ficou à porta, com os
braços cruzados e evitou o nosso olhar.
Era ruim?
Quão ruim?
Oh, meu Deus, eles a casariam com um velho!
— Qual é o nome dele, Grazzi, quem é?! — Nem a urgência
em minha voz a despertou de sua apatia
— É um dos Spada. — A voz dela se engasgou e vi sua pele
se arrepiar toda de medo. Poucas coisas despertavam medo na
minha irmã mais velha. — Um dos gêmeos, o que é o herdeiro... eu
não sei direito, só queria sair de lá.
— Rocco Spada. — Guilly ofereceu o nome e eu peguei meu
celular, pesquisando-o na hora. Paola parou atrás de mim para olhar
e diversas fotos dele apareceram.
Ele era... perfeito!
Absolutamente perfeito!
O cabelo jogado despretensiosamente, o rosto sem barba,
deixando claro que ele era jovem, o sorriso largo. Rocco fazia um
sinal de paz para o paparazzo que tirou a foto dele. Não consegui
ver seus olhos naquela foto por causa dos óculos escuros, mas vi
sua covinha. Ele não usava um terno como todos os made men que
eu conhecia. Segurava um cigarro aceso na outra mão, ao lado de
um carro tipo um jipe imenso. Ele posou para aquela foto, como se
não se importasse em ser seguido, e parecia um modelo.
O meu coração acelerou vertiginosamente e minhas
bochechas queimaram ao dar zoom na foto e observar as tatuagens
expostas nos antebraços musculosos, que a jaqueta permitia ver.
Até suas mãos eram tatuadas, mas as letras ficavam indefinidas
quando eu aumentava o zoom.
Fui de foto em foto, vendo-o entrando e saindo de boates,
sempre sorrindo, sempre alegre. Em algumas, ele foi fotografado
bêbado ao lado do irmão idêntico, mas eu jamais os confundiria.
Rocco tinha essa aura de... leveza.
O tipo de vida que eu sonhava em ter.
Grazzi estaria segura com ele.
Rocco não se assemelhava em nada com o inferno em que
vivíamos.
Ele parecia o paraíso.
Naqueles breves segundos em que observei dezenas de
fotos suas, Paola já tinha saído de trás de mim e ido se juntar a
Guillermo na porta, sussurrando um para o outro.
Ele não entrava nos nossos quartos, porque papai era muito
rígido, como se Guillermo fosse fazer algo conosco. Meu pai era um
doente. Ou talvez ele só quisesse que Guilly parasse de nos ver
como suas irmãs, mas isso mamma acobertava, ela mantinha a
nossa amizade forte, uma vez que ela não tinha ninguém, ao menos
tínhamos uns aos outros. Guilly e Paola não se beijavam ou se
agarravam na nossa frente, mas eu e Grazzi sabíamos que eles
estavam juntos.
Eu não conseguia parar, passando de uma foto a outra,
tentando conhecer Rocco a distância. Nunca sequer soube que eles
existiam, os Spada, que eram uma possibilidade, e agora ele estava
ali, um fruto proibido.
O futuro marido da minha irmã.
Uma espécie de inveja quis tomar conta dos meus
pensamentos, mas engoli o sentimento com um gosto amargo.
Forcei-me a parar de olhar as fotos, mas conscientemente escolhi
uma em que ele não estava sorrindo para mostrar a ela.
Era disso que Grazzi estava com medo?
— Você já o viu? — Mostrei meu celular para ela, mas Grazzi
sequer olhou para a tela, cobrindo o rosto com as mãos e curvando-
se em si mesma, apoiando os cotovelos nos joelhos.
Eu era uma egoísta idiota!
Graziella merecia toda a felicidade do mundo.
— Eu nunca mais vou poder pisar nesta costa, Gaia! Nunca
mais vou ver vocês...
Toda a felicidade que preencheu meu corpo ao ver as fotos
de Rocco se esvaiu, substituída pelo pânico. Olhei para Guilly, com
os meus olhos já se enchendo de lágrimas. Eu sempre fui a chorona
de nós três.
— Guilly?
— É uma aliança, enquanto durar... — Ele baixou os olhos e
saiu da porta, segurando a mão de Paola e a levando com ele.
Claro que sendo a mais racional de nós, Grazzi já havia
pensado em todos os cenários. Ajoelhei-me na frente dela, meu
celular em mãos e retornei à pesquisa, agora chorando por ela.
— Ao menos olhe para ele! Ele é jovem, é alegre. Não vai ser
como o papai, Grazzi.
Rodeei seu corpo com meus braços, ela me abraçou com
força e eu ignorei as dores residuais da última surra, porque a outra
dor era pior. Ela estava despedaçada, sequer o olhou, jogando meu
telefone na cama e me apertando contra si.
Ela faria dezoito em alguns meses e ia embora para a outra
costa, onde talvez nunca pudéssemos pisar.
Como eu viveria sem Graziella? Nossos dois anos de
diferença pareciam muito maiores. Ela era como a mãe de todos
nós, a mãe de verdade, desde que se dera conta de que mamma
não tinha condições de ser.
Grazzi era a nossa Wendy e este era o momento em que
papá informara que ela teria que sair do quarto, teria que crescer, e
nos deixar para dormir sozinhos, sem suas histórias e sua
segurança.
Mas aquilo não era sobre mim, era sobre a dor dela, então eu
guardaria a minha em um canto da minha mente. Abri um sorriso
imenso, forçando as lágrimas a pararem e peguei o telefone de
novo.
— Olha como ele é lindo! Ele é cheio de tatuagens, é jovem!
Vocês têm só quatro anos de diferença, Grazzi. Só quatro anos. Ele
é divertido, vive indo a festas, olha! — implorei e passei mais fotos.
— Ele vai a festas com gente famosa! — Quase gritei de felicidade
ao vê-lo com uma das blogueiras com dezenas de milhões de
seguidores a quem eu seguia nas redes sociais que mantinha
escondidas do meu pai, mas Graziella não queria me ouvir
— Ele não vai fazer isso comigo, eu vou ficar trancada dentro
de casa, você sabe como as coisas funcionam... — Deitou o corpo
na cama, com os pés para fora.
— E se ele te levar junto? — Mantive o sorriso e peguei meu
telefone, olhando novamente para as suas fotos.
Na foto que eu olhava agora, Rocco mostrava os dois dedos
do meio para outro paparazzo, com o seu sorriso irrecusável. Atrás
dele, duas morenas sorriam, mas eu as ignorei, meu foco era
apenas ele. Dessa vez, ele estava só com uma camisa preta de
alguma banda de rock — que eu não conhecia, mas pesquisaria —,
deixando-me ver que um dos braços era fechado em tatuagens e o
outro tinha apenas algumas espaçadas no antebraço.
Rocco estava ao lado de uma moto preta, imensa, com o
símbolo da BMW. O cabelo despenteado, como se ele tivesse
acabado de tirar o capacete e pendurado no guidom. Finalmente vi
que seus olhos eram azuis.
Nos dedos estava tatuado “lost case”, uma letra em cada
falange.
Meu coração deu mais uma batida errada.
Ele era como eu, um caso perdido.
CAPÍTULO 4

O sol bateu na minha cara como se fosse um tapa bem dado.


Era a senhora Spada. Também conhecida como mamma.
— Mamma! Fecha essa porra!
— Olha. Como. Você. Fala. comigo! — Cara Spada veio me
dando tapas no braço e terminou com um beijo no rosto.
Enquanto puxava o lençol de cima do meu corpo, deixava
minha pele exposta ao sol que entrava pelas portas francesas que
ela abriu para a varanda do meu quarto. Eu estava apenas de
cueca, mas minha mãe não se importava. Aliás, privacidade era um
conceito estranho na casa dos Spada. Só Nero tinha o seu espaço
preservado no sótão que ele reivindicou como dele.
— Hoje é domingo, Rocco, estão todos te esperando para o
café da manhã — reclamou, sacudindo-me e impedindo que eu
retornasse ao sono.
Minha cabeça pesava uma tonelada e minha língua estava
seca, como se eu tivesse lambido areia. Peguei a garrafa d’água ao
lado da cama, girando a tampa e me sentando para beber.
Mamma jogou o lençol sobre a minha ereção matinal — uma
meia-bomba, na realidade — e cruzou os braços, como quem dizia
que não sairia até eu estar pronto para descer. Tendo três filhos
homens, aquilo não era um problema para ela, mas o fato de ela
não ter saído do meu quarto, mesmo que eu já estivesse sentado e
parcialmente acordado, indicava que ela me esperaria.
— Eu vou descer, Ma[6] — resmunguei, com os olhos ainda
semicerrados pela claridade.
Quando fui abrir a primeira gaveta para pegar o meu pipe[7] e
dar uns tapas para relaxar, recebi um tabefe na mão.
— Eu sei o que você tem aí. Seu pai já está puto o suficiente,
Rocco! — reclamou com razão. Domingos eram sagrados.
Deixei minha cabeça cair para frente, como um moleque
pirracento e abracei seu corpo com a testa colada no seu quadril,
recebendo os carinhos de mãe em meu cabelo até ela perceber que
eu estava fedendo a ambiente de puteiro: charuto, álcool e boceta.
— Vai tomar um banho, Rocco! — Começou a falar em
italiano já de manhã cedo. — E eu espero que você esteja
lembrando de usar camisinha com essas mulheres da rua. Não vai
passar doenças para a sua futura esposa!
— Mamma, é política da casa sempre usar. Até se eu
esquecer, se estiver muito bêbado, elas são obrigadas a me
encapar. Nem eu posso burlar as regras, Valentino garantiu. — Ela
assentiu, achava Valentino um “bom garoto”, diferente dos nossos
outros primos, filhos do tio Bruno. Ela não fazia ideia de quão errada
estava. — Eu só vou dar uns tragos para suportar um café da
manhã inteiro sem surtar com ele, Ma! E depois vou tomar banho,
ele nem vai sentir o cheiro. É rapidinho! — Ofereci-lhe o meu sorriso
pidão e ela estalou a língua no céu da boca, saindo da frente da
gaveta. Pisquei para ela, que me deixou pegar o pipe e dar duas
baforadas antes de me enxotar para o banho.
— Você tem dez minutos, vou mandar Cesare vir te buscar —
falou em italiano, ignorando meu estado ainda embriagado.
Fui para o banho, para tirar o cheiro de álcool, boceta e
maconha da pele.
Como Cesare já estava acordado? Ontem nós dois
enchemos a cara. Não fui só eu. Às vezes eu queria que Cesare
escorregasse, só uma vez. Ele era obediente ao meu pai, e não era
para puxar saco, ele realmente concordava. O que era pior. Eu
detestava a maioria das coisas que meu pai falava ou fazia. Uma
vida inteira ouvindo que é um merda faz isso com você. Mas quando
Cesare apontava as mesmas coisas, eu não conseguia mais achar
as ideias do meu pai idiotas.
Ele era um Don melhor que muitos. E o mais importante:
respeitado e temido.
Eu não queria assumir o lugar dele.
Em primeiro lugar, porque ele achava que eu não merecia.
Em segundo, porque eu não achava.
Ser um Don significava se privar de ter uma vida e tomar
decisões pela vida dos outros. Meu pai nunca tinha folga, ele nunca
podia fazer nada sem que fosse de conhecimento público na
famiglia. Todas as suas ações eram observadas sob um microscópio
e babacas como Tiziano ficavam à espreita para roubar o seu lugar.
Meu tio Bruno, irmão da minha mãe, Capo de San Francisco,
podia ser família, mas não era sangue. Se meu pai não
demonstrasse dominância o tempo todo, qualquer uma das outras
‘Ndrine[8] tentariam tomar o domínio.
Poder ditava qual família estaria no comando. Riqueza não
era poder. Tiziano era o mais rico — se pensássemos em dinheiro
líquido —, lavando dinheiro em seus cassinos de Vegas, mas meu
pai ainda era o mais poderoso, por ter o apoio de tio Bruno e do seu
primo Nicolo. Lorenzo Spada havia sido muito inteligente na
colonização[9] da Costa Oeste.
Spada em Los Angeles; Moretti em San Francisco; De
Stefano em Las Vegas; e Grasso em Seattle.
Não havia uma ‘Ndrine no Oregon, embora considerássemos
nosso território, mas a de Washington dava conta. E precisávamos
despressurizar para a Yakuza ter por onde passar para a terra morta
— o território entre o nosso e o da Chicago Outfit.
Diferente dos sicilianos descerebrados da Cosa Nostra, que
eram como vírus: desordenados, fazendo roubos e extorquindo a
economia local, a ‘Ndrangheta era como um hospedeiro. Nós nos
infiltrávamos nos territórios, na política e na economia de modo
simbiótico. A maioria da população nem percebia que estávamos ali,
só se soubessem onde procurar.
Nós éramos aquele tipo de vizinho, o que você podia
desconfiar, mas nunca provar que fazia algo ilegal.
Eu e minha família morávamos em uma mansão gigantesca
em Beverly Hills, tínhamos metade dos prédios nos bairros mais
nobres de Manhattan Beach, alguns pequenos estúdios e
produtoras de filmes em Hollywood, uma excelente relação com o
braço da Tríade de Chinatown — que eram nossos parceiros com a
exportação das falsificações — e muitos outros negócios lícitos para
justificar a fortuna e a vida de luxo que levávamos.
Jamais aconteceria conosco o que aconteceu com Al Capone
nos anos trinta. Pagávamos nossos impostos como qualquer
cidadão desta grande nação. Aqui, nós éramos os intocáveis[10]!
— Rocco, já passaram dez minutos! — Cesare entrou no
banheiro interrompendo o meu banho e, em suas mãos, ele trazia
um cabide com um terno, que pendurou em um dos ganchos na
parede, recostando-se na bancada da pia.
— Por que preciso de um terno para o café? — Desliguei o
chuveiro e Cesare respirou profundamente, entediado.
— Tony Velacchio está a caminho. Ele pediu uma audiência
de emergência, papá está muito puto. É melhor você se apressar.

Minha mãe ficou irritada por perdemos o café e perguntou se


voltaríamos para o almoço. Meu pai garantiu que sim, o que fez
Donna reclamar que tinha planos e elas começaram a gritar uma
com a outra antes de sairmos de casa.
Desta vez Nero nos acompanhou.
Don Lorenzo não amaciava o tratamento para os seus filhos,
Nero ainda era um recém-made man. Ele tinha acabado de se
tornar um dos nossos capitães, depois de passar os últimos anos
sendo o melhor cobrador das apostas. Agora ele ganhara o próprio
clube de luta e alguns pontos de apostas.
Sua fama como cobrador foi tão estratosférica que
rapidamente ele se tornou o Psico. As merdas sádicas que meus
irmãos faziam quando torturavam deixavam-me enojado. De nós
três, eu era o único que sentia alguma coisa, para início de
conversa. Cesare não demonstrava emoção alguma, mas
claramente tinha predileção pela nossa família e eu tinha certeza de
que cobriria as minhas costas.
Nero só queria ver o mundo queimar.
Donatella era a garotinha da casa, embora eu soubesse que
ela andava fazendo suas próprias merdas. Eu só esperava que ela
fosse esperta o suficiente para não romper aquele hímen antes do
casamento, ou meu pai a mataria. Havia outras formas de uma
garota se divertir.
Donna frequentava as boates da famiglia com as suas
amigas. Algumas vezes, ela as levava para casa e eu podia jurar
que não eram amizades platônicas. Mas enquanto ela mantivesse a
sua experimentação apenas sáfica[11], estaria segura. Para a sua
sorte, ela também gostava de pau, senão sua vida seria uma merda.
Meu pai não havia firmado um acordo de casamento para ela,
mas a probabilidade de qualquer um de nós se casar por escolha
era inexistente. Donna tinha que saber disso, e se não soubesse,
não seria eu a furar a sua bolha de ilusão. Cesare estava ali para
isso.
— Nero, meu cigarro acabou, você tem? — falei com o meu
irmão mais novo, que estava no banco de trás comigo e Cesare, e
ele puxou um dos seus cigarros de sabor de dentro do bolso da
calça.
Nero se recusava a usar um terno, mas estava com a calça
social pelo menos e uma camisa de mangas compridas, preta, que
cobria as suas tatuagens, como eu também precisava fazer. Só que
eu não tinha a opção quanto ao terno quando eles decidiam.
Papá odiava tatuagens, mas ao ver Nero chegando em casa
cada vez mais tatuado, ele não falava porra nenhuma. Meus pais
dificilmente discordavam dele. Todo mundo tinha um pouco de medo
de Nero e o que ele podia fazer, a verdade era essa. Só Donna se
atrevia com ele, mas ela se atrevia com todo mundo.
— Laranja? Que merda é essa?! — O gosto em minha boca
me fez ter ânsia de vômito pela ressaca e meu pai estalou a língua.
Devolvi o cigarro para Nero, que abaixou o seu vidro e começou a
fumar.
— Não era nem para você estar fumando dentro do carro! —
papá reclamou comigo e não com Nero, então pegou o seu cigarro e
me passou um, esticando o braço entre os bancos da frente, onde
ele estava com Valentino.
— Eu estou com fome, indo me encontrar com aquele babaca
do meu futuro sogro, vou fumar pelo menos um cigarro. — Senti a
irritação borbulhar minha mente, imaginando a cara de Anthony.
Eu o detestava.
— Se você tivesse acordado mais cedo e sem ajuda da
mamãezinha, não estaria com fome! E eu já te dei o cigarro, para de
reclamar igual uma porra de bebezinho. — Meu pai recolheu o maço
e acendeu um, tossindo em seguida.
— “Não era nem para estar fumando dentro do carro.” —
Imitei-o, como se eu fosse um moleque pirracento, o que mudou
meu humor de uma hora para outra, e da irritação anterior, eu
comecei a rir, ainda mais quando meu pai lançou a mão para trás,
entre os bancos, tentando me dar um tapa, mas acertando mais a
Cesare do que a mim.
Cesare não tinha paciência para aquilo, apenas desviou,
espremendo Nero na janela e meu pai finalmente me acertou um
tapa fraco, que me fez rir e ele também. Foi como se a calma me
invadisse, e um estado efêmero de felicidade natural passasse sob
a minha pele.
— Figlio de una putana![12] — xingou-me em italiano, mas eu
apenas gargalhei mais.
A minha risada eufórica contaminou o ambiente, arrancou a
gargalhada insana de Nero, com um murmúrio baixo de “babaca”, e
a do meu pai, junto a tosse persistente. Até Cesare estava sorrindo,
ou quase sorrindo. Meus humores mexiam com meu irmão, eu podia
sentir.
O interior do carro era metade fumaça e metade risos
hilariantes. Aquele era um dos raros momentos em que estávamos
todos bem e de bem na nossa grande família barulhenta.
Eu os amava em qualquer momento, mesmo quando fazia
algo para eles me odiarem.
O carro estacionou no local de encontro, um prédio próximo
do aeroporto LAX. Meu pai se recompôs e os seguranças desceram
dos carros da frente e de trás antes de nós. Valentino não entraria
na reunião, só que desta vez e Anthony tinha trazido seus homens.
Seja lá qual fosse a notícia, ele não esperava que a conversa fosse
ser amigável como quando veio alguns meses atrás oferecendo
suas filhas. Hoje era o contrário pelo visto.
— Ele veio desfazer o acordo. — Cesare atirou antes de mim.
— Que acordo, o de paz ou de casamento? — Nero passava
a língua nos dentes de cima, de um lado para o outro. Os olhos
ganhando aquele brilho lunático.
Acenei com o queixo para Valentino sair do carro, talvez não
fosse bom Nero entrar na conversa. Se Tony havia vindo para nos
confrontar, voltaria em pedaços para Miami. Ele não viera para coisa
boa, isso era certo, desta vez Guillermo não estava presente.
— Velacchio, por que estou sendo convocado por você e não
pelo seu Don, na porra de um domingo, e fico sabendo que você já
está sobre o meu solo? — Papá foi direto ao ponto, confrontando o
Velacchio, e meu humor deu um salto para a raiva como o dele.
O meu interruptor de emoções saiu da alegria plena para a
preparação de ódio em um piscar de olhos. O nível de afronta
daquele babaca, daquele homem inferior, fazia meu sangue
borbulhar em uma irritabilidade feral. Minha respiração saía ruidosa,
comecei a estalar os dedos nas falanges, como se me preparando
para iniciar uma luta. Conseguia sentir meus lábios contraindo-se
em uma linha fina. Minhas escápulas quase se unindo pela tensão
em minhas costas.
Cesare pairou ao meu lado, tocando meu punho com as
pontas dos dedos antes de eles se fecharem em punho, impedindo-
me de ativar meus gatilhos de luta. Virei-me para o meu gêmeo e vi
que ele não piscava. As írises azuis como as minhas vasculhavam
todos os oponentes. Era o seu único tique. Talvez só eu o notasse.
Nem a veia em seu pescoço saltava, ele não dava nenhum sinal de
emoção. Meu extremo oposto.
O descontrole das minhas emoções me fez ansiar por um
drink, ou melhor, umas carreiras. Desde a última vez que eles me
colocaram na rehab, eu vinha mantendo meu consumo ao mínimo.
Só fumava um ou uns baseados durante o dia, liberava minha raiva
nas gaiolas e bebia para me entorpecer, mas momentos como este
faziam com que eu quisesse cheirar.
Moí meus lábios com os dentes, recebendo outro toque de
Cesare no meu pulso, como se eu fosse um cão treinado que não
estava obedecendo ao adestramento. Ele deu um breve passo para
frente, preparado para me segurar fisicamente, sabendo que
dependendo da resposta que saísse da boca de Tony, eu voaria em
seu pescoço.
Valentino estava preparado para fazer o mesmo com Nero.
Tino tinha o dobro do peso do meu irmão caçula, mas depois que
ele o parasse, precisaríamos esconder nosso primo por meses,
porque Nero não gostava de ser tocado sem autorização.
— Vito Rigori é um moleque e fez o pai desfazer o acordo.
Ele exigiu Graziella, porque Gaia é muito nova, eu não tive escolha.
E ele nem vai se casar com a garota agora! Pediu dois anos de
noivado.
Cesare se virou de frente para mim, colocando a mão no meu
peito. Foquei meu olhar no do meu irmão, os punhos cerrados,
tremendo de ódio, rangendo os dentes. Eu jamais agrediria Cesare
e ele sabia, por isso se colocou como um obstáculo. Meus ouvidos
pulsavam com a aceleração dos meus batimentos e a vontade de
berrar foi insana.
Perdi a conversa que acontecia pensando em Vito Rigori, o
siciliano filho da puta que era o Capo de Nova Iorque, o único
herdeiro, um mimadinho de merda, que havia roubado a mulher que
era para ser minha!
Ele me roubou, porque era isso o que os sicilianos faziam:
vírus do caralho!
— Gaia faz dezoito em três anos, nosso acordo continua de
pé.
— Não queremos sobras! — meu pai gritou com ele, mas
então eu lembrei da foto.
Gaia era a de olhos verdes.
— Eu quero! — Tentei afastar Cesare, mas ele me impediu,
apenas olhando meu pai sobre o ombro e aguardando a autorização
para me soltar. Como se eu fosse um maldito cão raivoso.
Com certeza era o que eu parecia.
— Eu não quero mais um acordo de paz com os sicilianos,
muito pelo contrário! Nós estávamos em paz, vocês arrumaram
guerra conosco. Isso foi uma afronta que será retaliada — papá
anunciou e a minha frustração por não ser ouvido me irritou.
Empurrei Cesare e parei ao lado do meu pai.
— Se você tivesse me dado a que eu queria, nada disso
estaria acontecendo. Eu nunca quis a mais velha! E foda-se se
teremos paz ou não, agora eu vou ter uma porra de siciliana!
Eu queria Gaia, e queria vingança. Eu foderia Vito Rigori com
gosto. Ele e a sua noiva roubada. Eles não deveriam ter mexido
conosco, eu sabia que era cilada.
— Eu posso garantir a sua siciliana e mais, Don Lorenzo. Eu
posso te dar o que você quer. — Anthony Velacchio abriu aquele
seu sorriso de abutre.
E foi assim que o babaca mostrou quem realmente era: um
vírus, um siciliano sujo, traidor, que assim que cumprisse a sua
função, eu mataria com minhas próprias mãos.
O que os sicilianos não sabiam era que nós, calabreses,
nunca dávamos guarita para traidores. Ao oferecer a cabeça do seu
Don para o meu pai, Anthony Velacchio assinou a sua sentença de
morte. Se os sicilianos descobrissem, eles o matariam, se ele fosse
bem-sucedido, assim que o Don Rigori e Vito estivessem mortos,
nós o mataríamos.
Tony era um homem morto andando, sem saber.
CAPÍTULO 5

Papá convocou eu e Guilly no seu escritório em casa, assim


que chegamos da escola. Paola e Grazzi olharam para mim
apreensivas, mas desta vez eu não havia feito absolutamente nada
errado. Ainda assim, meu coração parecia querer saltar pela boca.
Depois que Grazzi teve seu casamento trocado para um pior,
com o açougueiro de Nova Iorque, eu sabia que Tony Velacchio faria
algo ainda mais terrível comigo. Eu era a segunda filha, a que ele
menos gostava. Eu o lembrava de mamma na aparência, nunca
compreendi por que ele a escolhera para se casar se a odiava tanto.
A cada passo, meu coração acelerava e uma vertigem queria
se apossar de mim, revestindo-me em ondas, de dentro para fora,
como uma maré cheia. Meu aniversário de dezesseis seria em uma
semana, ele havia feito um acordo de casamento para mim. Com
certeza.
Encarei Guillermo esperando por alguma resposta, mas ele
não tinha. Se tivesse, mesmo que não pudesse me contar, me
tranquilizaria ou me prepararia para o pior. Mas até ele estava no
escuro quanto ao que papá queria conosco.
Era agora que eu descobriria o meu destino, o momento pelo
qual eu esperei pelos meus míseros quase dezesseis anos e que
ditaria o curso de toda a minha vida. Eu seria infeliz para sempre
como Constanza Velacchio? Teria um futuro predestinado ao
fracasso como Graziella?
Impedi-me de chorar ou eu apanharia, ainda que esse não
fosse o motivo da minha convocação.
— Entra! — Papá gritou quando me anunciei.
Minhas mãos tremiam na maçaneta, peito contraído, mas
forcei o queixo alto e os ombros eretos. Guilly passou a mão no
meio das minhas costas, em um carinho calmante antes de colocar
sua mão sobre a minha e abrir a porta.
Então eu o vi.
Rocco estava ali dentro.
Meu casamento.
Rocco.
Grazzi não se casaria mais com ele.
Papa me casaria com Rocco!
Sim!
Sim!
Por favor, sim!
Todos os músculos do meu corpo ficaram tensos e meus
olhos quiseram saltar das órbitas. Olhei para ele, seu rosto perfeito,
os olhos azuis como o oceano. O calor acolhedor em minhas
entranhas apaziguou o medo súbito e meus olhos se alargaram um
pouco, mas a força que precisei para conter o sorriso foi hercúleo.
Ele estava ali. Uma onda acalorada invadiu minhas veias, por
todo o meu corpo em genuína felicidade. Fechei as mãos em
punhos frouxos para esconder o quanto tremia em exultação.
Mal notei que dava um passo na sua direção, como se o
conhecesse e devesse me aproximar. Guillermo segurou meu
ombro para me impedir, como se me desse um aviso. Olhei para
Guilly e seus olhos estavam gelados como os de papá e de Grazzi
ficavam quando estavam com raiva. Guillermo encarava Rocco com
raiva.
Só então eu o olhei verdadeiramente: o terno, os olhos
inexpressivos, a aura sombria e densa, os lábios prensados juntos,
e então os punhos da camisa que não revelavam as tatuagens
despontando e os dedos limpos.
Não era Rocco, era Cesare.
Quando voltei meu olhar para o seu, notei-o semicerrar os
olhos, compreendendo que eu vi a diferença e a decepção que se
apossava do meu corpo naquele momento era quase um ser vivo
transitando entre nós.
Meu pai me casaria com Cesare?
Não, não!
Por favor, não!
Pouco me importava o fato de Cesare não ser o herdeiro e
Rocco sim, apenas queria o irmão certo como marido: seus sorrisos,
sua leveza de paz... A promessa de paraíso. Cesare era mundano,
era mais do mesmo, nesta vida agressiva em que vivíamos. Ele era
como qualquer outro made men.
Meus ombros arriaram um pouco e eu aguardei o meu
destino ser selado.
— Você nos diferencia. — A voz profunda de Cesare foi
ouvida antes da do meu pai.
Engoli em seco, forçando a agonia, frustração e desespero
garganta abaixo, em seguida olhei para papá aguardando
autorização para falar. Mas só o encontrei com o cenho franzido.
Provavelmente se questionando como eu conseguia diferenciá-los.
Um curto aceno com a cabeça me autorizou a responder:
— Minha irmã se casaria com o seu. Vimos algumas fotos.
Ele tem tatuagens nas mãos. — Abaixei os olhos, porque a maneira
como Cesare encarava não era nem um pouco tranquilizadora. Ele
era maldade pura. Eu estava ferrada.
De alguma forma, eu já estava encantada com o outro
gêmeo. Como me casaria com Cesare nutrindo qualquer espécie de
sentimento por seu irmão? Eles podiam idênticos fisicamente, mas
não se assemelhavam em nada. Por fotos, Rocco me passava mais
acolhimento que Cesare, em carne e osso. Esse à minha frente
repelia.
— Cesare está aqui como um procurador do irmão, Rocco
teve um contratempo, por isso não pôde vir conhecê-la
pessoalmente. Com o novo arranjo que fizemos para Graziella, você
tomará o seu lugar no acordo de casamento com a famiglia
calabresa e se casará com o herdeiro Spada. — Papá anunciou e a
partir dali meu coração retumbou em meus ouvidos.
Não consegui impedir o sorriso de se espalhar pelo meu
rosto, mas mordi o lábio inferior com tanta força que acreditei ter
arrancado sangue. Minhas bochechas aqueciam e eu sabia que
todos naquela sala podiam ver a minha felicidade condensando ao
meu redor, sendo extraída dos meus poros.
Lágrimas de felicidade se reuniram nos cantos dos olhos e eu
usei metade da concentração para não as deixar cair, a outra parte
da minha mente apenas gritava a plenos pulmões:
Sim, graças a Deus, sim!

— Você não está chateada por eu ter ficado com o seu antigo
noivo? — questionei a Grazzi, temendo mostrar a ela o quanto eu
estava feliz com o arranjo.
Sentia muito que para eu ter a minha felicidade, o meu sonho
realizado, Grazzi tivesse que ter o dela roubado. Mas não foi minha
culpa que Vito a escolhera. Aparentemente, Graziella era a escolha
de todos eles. Como não seria? Mas eu não me importava em ser a
segunda opção de Rocco. Ele era a minha primeira opção.
Por mais que Grazzi negasse, sua racionalidade exacerbada
a fazia ver as coisas sempre pelo lado negativo. Vito também era
jovem. Sua fama o precedia, mas ela estaria na famiglia. Agora era
eu quem iria para longe, mas enquanto a trégua durasse, nós
poderíamos continuar sendo irmãs. Nem que fosse pelo telefone.
Guilly e Paola precisavam mais dela do que de mim. E
precisariam ainda mais se levassem o relacionamento adiante
quando meu pai quisesse arrumar um casamento para ele, ou pior,
para ela. Paola era uma Constantini, seu sobrenome não tinha peso,
ela seria vendida para o primeiro que viesse pagar.
— Claro que não, Gaia. Não preferia que nossos lugares
estivessem invertidos. Antes você distante do que nas mãos do
açougueiro. — Ela me deu seu sorriso triste e eu a abracei.
Pela tristeza que eu a via sentir, sabia que não deveria
compartilhar minha felicidade. Grazzi tinha um futuro obscuro pela
frente, enquanto o meu parecia cada vez mais descortinar-se para a
luz.
Deixei-a fazer seus estudos para a prova que o noivo
demandara que ela fizesse. Vito Rigori exigiu que Grazzi entrasse
para uma faculdade. Fiquei me perguntando se Rocco teria alguma
demanda para se casar comigo. E precisaria me esforçar muito para
entrar em uma faculdade se ele me pedisse.
Cesare ou os Spada não pediram nada de mim, aliás, além
daquela pergunta, Cesare nem se dirigiu mais a mim, passando a
me ignorar durante o tempo em que meu pai e ele conversavam.
Casaríamos duas semanas depois do meu aniversário de
dezoito anos e como os humores ainda estavam abalados por conta
do que Vito fizera, roubando a noiva escolhida por Rocco, eu
imaginava que não receberia visitas do meu noivo em breve.
Imaginava-me com ele em sua moto, nas suas festas, na sua
cama.
Como seria ser beijada por ele e testemunhar o sorriso ao
vivo e em cores? Ver de perto as írises que as câmeras tinham
dificuldade de pegar e que pareceram frias em Cesare. Será que o
olhar dele era gelado como o de meu pai?
Não, Rocco não era brutal, não era um imbecil agressivo. Ele
não falaria comigo com desdém como meu pai fazia com a minha
mãe, nem me deixaria com marcas quando fizéssemos amor
durante as noites.
Eu precisava perguntar à Paola sobre o que sentiria. Se ela e
Guilly transavam, eu não sabia ou queria saber, mas eu queria
saber dos orgasmos. Já havia tentado muitas vezes e nunca
conseguira sentir o tal prazer que todos descreviam. Nem quando o
fazia pensando em Rocco.
No fim da tarde, quando Grazzi foi se arrumar para o jantar,
invadi o quarto de minha prima meses mais velha que eu.
— Paola, preciso saber, como é o ... o prazer? Não temos
muito tempo, não quero perguntar isso na frente de Grazzi, ela já
está assustada o suficiente. — Corri alegre para ela, segurando
seus ombros e sorrindo a ponto de doer as bochechas.
— Você já parou para pensar que está animada demais com
esse casamento? Chega a ser ofensivo e insensível da sua parte,
Gaia. — Os braços cruzados de Paola me lembravam exatamente a
mesma postura de Guillermo. — Graziella está sofrendo e você quer
saber como é gozar. Se manca! Pra você ter o seu príncipe
encantado de merda, ela teve que ir para as mãos do açougueiro!
A culpa que me invadiu foi intensa, mas também a raiva.
Meus olhos arregalaram-se e o sorriso morreu na mesma
velocidade com que havia nascido. Eu não estava me vangloriando
na frente de Grazzi, disfarçava a minha felicidade e exultação o
melhor que eu conseguia. Achei que Paola não se importaria.
— Você não tem o direito... não tem o direito de falar assim
comigo — gaguejei, nervosa, com as palavras presas na minha
mente. Sempre que me via em uma situação de conflito, não sabia
como responder prontamente. Eu me encolhia e me acovardava.
— Alguém tem que fazer, porque Grazzi acha que você é
boazinha, que está iludida, mas eu sei que não. Você é só uma
babaca que acha que um pau vai salvar a sua maldita vida. —
Espalmou as mãos no ar, ao lado do rosto. — Novidade,
princesinha, não vai! Cresce, Gaia!
Suas palavras me atravessaram como se ela estivesse me
dando uma surra como a de meu pai.
— Então viver um namorinho com o primo com quem eu
jamais poderei me casar é o que eu deveria fazer? A certa aqui é
você? — debochei, querendo feri-la como ela fez comigo.
— Ao menos eu vou ter o pau que eu escolhi enquanto puder,
e não vou ficar me iludindo de que um casamento arranjado vai dar
certo só porque ele é bonito nas fotos. Você... — Ela já estava
vermelha e eu com lágrimas nos olhos, o peito estufando, subindo e
descendo de raiva e tristeza. — Teu futuro marido é um inimigo.
Você foi vendida, porra! Ele te comprou! Na verdade, ele comprou a
Grazzi, mas como não pode levá-la, você é prêmio de consolação.
Então para de sonhar, para de pensar nele como um maldito
cavaleiro de armadura. Bota a porra dos pés no chão!
— Para, Paola! — Guillermo apareceu na porta do quarto de
Paola e a olhou severo. Estendeu a mão para mim e eu fui à sua
direção e o abracei.
Guilly vinha crescendo muito, agora minha testa batia no seu
peito e suas costas estavam mais largas.
— Ela precisa parar de revirar os olhinhos e achar que ele é
um príncipe! Não é justo deixá-la ir para o ninho de cobras achando
que eles são belos cisnes. — Paola enfrentou Guilly de igual para
igual.
— Fazê-la chorar é o seu plano? Conseguiu, já pode calar a
boca agora. — Então ele abaixou o rosto e beijou a minha têmpora.
— Vai, vai lavar o rosto, está quase na hora do jantar. Papá não vai
gostar de ver seus olhos inchados.
Antes que eu me afastasse o suficiente, ouvi que eles
começaram a discutir. Paola não abaixava a cabeça para Guillermo,
ela impunha as suas ideias. Não ser surrada sempre que abria a
boca fazia de você mais propensa a saber como responder quando
atacada.
Já eu levava o meu coração quebrado, minha raiva
borbulhante e os sonhos desvanecidos de volta para o meu quarto,
para cobrir meus olhos chorosos com maquiagem e forjar um sorriso
alegre que todos estavam acostumados a ver em mim.
Rocco era o inimigo, Paola dissera.
Só que o querer foi o meu fruto proibido desde o começo.
CAPÍTULO 6

Era o nosso último aniversário antes de eu me casar. Vinte e


três anos e meus pais queriam transformar a nossa lendária festa de
aniversário em uma festa de noivado. Eu realmente não me
importava em finalmente ver a minha futura esposa gostosa de
perto, muito pelo contrário, estava ansioso por isso.
Quando Cesare foi em meu lugar para conhecê-la, eu estava
mais uma vez na rehab e ele não tinha muitos detalhes para me
contar além de: “ela nos diferencia”. Ele não deveria ficar tão
surpreso. Nós éramos idênticos, e ao mesmo tempo não.
Só conseguia imaginar como ela estava agora, uma vez que
seu pai a impedia de ter redes sociais e eu não estava autorizado a
ir a Miami quando quisesse. Pensei em entrar em contato com ela
diversas vezes. Afinal de contas, eu tinha o seu número, mas tive
medo de ela ser aquele tipo que conta tudo para o papai.
Já bastava a merda que eu estava fazendo com a cabeça da
sua irmã. Não era nada demais, apenas algo para aliviar a minha
vontade de foder com o Rigori e que não podia enquanto o
Velacchio não fizesse seu movimento contra o Don. Eu estava
deixando Graziella Velacchio afiada para o açougueiro. Aquele
babaca não percebeu que tinha uma cobra como melhor amigo.
Luciano Santorini queria o lugar de Vito Rigori como Capo de Nova
Iorque, por isso ele me enviava os vídeos da merda sádica que Vito
gostava de fazer.
Nero ficou impressionado que a fama do açougueiro era real
e não apenas lenda, porém riu dos vídeos, dizendo que ele era
desajeitado, descontrolado, que se perdia durante o processo,
deixando as emoções ditarem o passo. Cesare chamava a nós dois
de crianças, quando eu e Nero encaminhávamos os vídeos para
Graziella.
Ela chegaria na noite de núpcias com tanto medo do filho da
puta, que ele não conseguiria comê-la. A não ser, é claro, que ele
fosse um estuprador de merda. Mas, mais uma vez, se ele fosse, o
destino dela já estaria fodido independentemente da minha
piadinha. Eu só queria irritar o Rigori, ao menos um pouco, já que
estávamos proibidos de tomar qualquer providência até que os
casamentos fossem selados.
Precisava parecer, para os membros da Cosa Nostra, que
tínhamos aceitado Gaia. A contragosto, mas aceitado.
Por mim, eu havia ganhado. Mais dois anos solteiro, a irmã
que eu preferia e a chance de derrubar os Rigori em um curto prazo.
Por isso, concordei quando mamma mudou os meus planos
originais de fechar a A-Class para o fim de semana do nosso
aniversário para os meus amigos e alguns convidados e decidiu
fazer uma festa na mansão para que anunciasse à famiglia a minha
união com Gaia.
Só que ainda assim, eu queria comemorar à minha maneira.
Por isso, eu e meus irmãos, Cesare e Nero, e meu primo Valentino
estávamos em Tijuana, território dos nossos aliados e fornecedores
de coca e armas, o cartel Herrera.
O que eu mais gostava em Tijuana é que para nós, os
herdeiros Spada, era como Vegas para as outras pessoas. O que
acontecesse em Tijuana, ficaria em Tijuana. Em Vegas havia o filho
da puta de Tiziano, que contaria tudo o que fizéssemos para o meu
pai.
Depois que saí da clínica pela terceira vez na vida em vinte e
três anos, encontrei uma espécie de equilíbrio. Eu fumava meu
baseado pela manhã, para manter a frequência dos pensamentos
tranquilos quando a carga de trabalho era pouca. Se precisássemos
lidar com coisas que demandavam muita concentração, eu fazia três
ou quatro carreiras, no máximo, e não misturava com álcool. Se eu
ficasse muito fora de controle com a raiva, procurava uma gaiola e
trocava uns socos com meia dúzia de babacas que queriam se
arrebentar de porrada. Poucos eram os que eram páreos para mim,
mas eu ainda gostava de vê-los tentar.
Dentro do carro, que Tino dirigia com Cesare no banco do
carona e eu e Nero atrás, retirei um papelote de um grama do bolso
e enrolei uma nota de cem, enfiando-a dentro do saquinho. O carro
sacolejava demais, não havia como parar para fazer as carreiras
sem derrubar todo o pó, então eu cheiraria de dentro mesmo.
Dei uma puxada, recebendo o tiro em meu cérebro. Apertei
minhas narinas, respirando pela boca, os olhos arderam um pouco e
meu coração palpitou. Nero pegou da minha mão, dando uma
cafungada longa, depois tirou um comprimido cor de rosa de um
saco com diversos e colocou na boca, mostrando-me a língua com o
seu sorriso insano. O brilho nos olhos castanho-esverdeados de
Nero me deixava um pouco fora de mim.
Eu queria aquela felicidade que ele estava tomando. A noite
seria longa.
Olhei para o retrovisor e Cesare focava os olhos idênticos
aos meus em mim, como se fosse eu mesmo me julgando pelo
reflexo. Ele era a minha mente, mas hoje, eu era só sensação.
Quando Cesare virou a garrafa de Jack nos lábios, foi quase uma
autorização. Peguei o que havia sobrado do papelote de coca que
Nero não havia aspirado e enfiei na outra narina, puxando até zerar
o conteúdo.
Grunhi pela ardência e abri um sorriso.

— Isso é M.D.[13]? — perguntei a Nero que apenas assentiu,


estalando o pescoço para relaxar e aproveitar a onda misturada.
Minha boca começou a salivar. E voltei a olhar para Cesare,
ele ainda virava a garrafa de Jack, como se fosse água. Hoje não
tínhamos limites, aquele era o recado. As vezes em que Cesare se
permitia eram raras. Ele não usava nada. Se não fossem as grandes
quantidades de álcool que consumia, sem nunca ficar bêbado como
eu, poderia dizer que meu irmão era um careta completo. Não
fumava nem cigarro.
Entretanto, estávamos em terra de ninguém. Aqui estávamos
seguros e Valentino estar conosco encorajava Cesare. Tino era o
nosso braço direito, mais velho quase dez anos, sempre cobria as
nossas costas, além dos seguranças no carro de trás. Estendi a
mão para Nero e ele colocou um dos comprimidos de amor
instantâneo na minha mão.
A heroína e a cocaína ainda eram os principais produtos que
revendíamos, mas precisávamos variar o mercado. Meu pai,
obviamente, não me deixava chegar perto dos laboratórios ou da
distribuição, mas Nero tinha livre acesso. E para ele, estava tudo
bem pegar um pouco, porque meu caçula fazia uso recreativo da
merda e papá não negava nada a ele.
A viagem de LA para a cidade de Diego Herrera durava
menos de três horas de carro, e ainda que o sol do fim de tarde
alaranjasse o cenário, mesmo através do insulfilm do SUV blindado,
os lugares que entraríamos na nossa pequena escapada de fim de
semana eram uma noite eterna, como Sodoma e Gomorra.
O pequeno comprimido se desfez em minha língua ampliando
o estado de euforia e a sensação de bem-estar que eu procurava
como se fosse o Santo Graal. Aquilo era o meu paraíso na Terra.
Meu pau pulsou, já ganhando desejos próprios e todo o meu corpo
formigava. A sensação era de estar prestes a ter um orgasmo por
todas as partes.
A mente afiada, mas as terminações nervosas
completamente relaxadas.
Perfeição.
O que eu nunca conseguia sentir quando era apenas eu. Um
equilíbrio que jamais chegava. A sensação de culpa, de irritabilidade
e inadequação passavam distantes. Agora eu era o Rocco em uma
linha reta, sem curvas ascendentes e descendentes. Uma linha reta
horizontal, como um coração parado, pronto para marcar a hora da
morte.

Depois de passarmos o início da noite em um dos puteiros de


Herrera, eu praticamente havia esfolado o meu pau de tanto foder,
mas o segundo comprimido de M.D. e mais umas carreiras ainda
me energizavam. Eu precisava de mais adrenalina.
Tino estava com os dedos enfiados na boceta de uma
morena, enquanto outra chupava o seu pau no salão do bar. Nero
tomava M.D.s como se fossem balas e eu observei alguns dos
homens de Herrera olhando para nós do outro lado do salão.
Cesare havia sumido com uma das loiras que trabalhavam ali desde
que chegamos e se ninguém fosse interrompê-lo, ele deixaria a
garota sem trabalhar por uma semana. Tomei para mim a tarefa de
ser o empata foda dele, pois era o único a quem ele não mataria por
interromper o seu processo.
Encontrei o quarto em que ele estava e bati na porta. Tentei
girar a maçaneta, mas claramente estava trancada. Ele a abriu com
o cabelo fora do lugar, sem camisa e com a calça meio aberta, a
arma apontada para a minha cara.
Seus olhos frios não demonstravam nenhuma emoção e se
não fosse pelo seu torso suado e avermelhado pelo esforço, eu não
diria que ele estava transando. A loira na cama estava com as mãos
amarradas nas costas com o cinto dele, a bunda para o alto
revelava que ele a estava comendo na boceta e no cu,
provavelmente intercalando os dois buracos, porque o ânus ainda
estava arreganhado e os globos da bunda marcados dos seus
tapas.
Cesare abaixou a arma, mas não tirou o dedo do gatilho.
— O que foi?
— Você avisou a Herrera que viríamos? Tem uns caras dele
no salão, acho que ele não gostou da surpresa.
— Tino disse que tinha avisado.
Não precisávamos de autorização para vir ao território dele,
mas era respeitoso avisar. Merda! Passei as mãos pelo cabelo
sentindo a sensação maravilhosa proporcionada pelas drogas. A
visão do cu da loira fechando aos poucos, ao passo que ela arfava
na cama estava me deixando com tesão de novo e eu sequer
gostava de foder loiras.
— Você ainda vai demorar muito?
Cesare estalou a língua no céu da boca. Entrou no quarto
para soltar a loira e reaver o cinto. Vestiu a camisa, fechando os
botões já no corredor e organizou o cabelo para trás, que ficou no
lugar, como se nada tivesse acontecido.
— Não queria interromper a sua foda.
— Você está chapado, não vou te deixar conversar com os
homens de Herrera assim. E ela não estava aguentando mais, eu já
ia mandar buscar outra.
— Você ainda vai quebrar uma delas. — Ri, agora alisando
meus braços, sentindo a pele ainda hipersensível e reverberando o
prazer por todo o meu corpo.
Eu queria foder mais, só que se eu pegasse outra garota e
voltasse para um dos quartos, eu provavelmente quebraria o meu
pau. Só havia outra coisa para fazer.
Conversamos com os homens de Herrera, na verdade foi
Cesare quem falou, eu apenas fiz mais umas carreiras com Nero e
Tino, enquanto Cesare tomava uns drinks com os caras e eles nos
indicaram o local onde as lutas de gaiola aconteciam: El
Pandemonium, o pandemônio. Eles mesmos nos levaram até lá e
quando eu disse que lutava, eles nos contaram sobre o novo
campeão de Diego, um tal de Halcón.
Pois eu quebraria as asas desse falcão.
Halcón na verdade era Hawk, um cara mais novo que eu um
ou dois anos, com o mesmo peso que o meu, perto dos noventa
quilos, exceto que ele era alguns centímetros mais baixo. Ele já
estava com os lábios sangrando da luta anterior, e a multidão gritava
o seu nome. Ele lutava várias vezes por noite, em sequência e
seguia invicto desde que aparecera por ali.
Meu pico de adrenalina subiu ao assistir a sua luta anterior:
ele quebrou o braço do cara da BRATVA e só não o matou porque
não quis, embora o público tivesse implorado por aquilo. Só que no
El Pandemonium não aconteciam lutas até a morte. Diego não
gostava deste tipo de atenção. Nós também não costumávamos ter
este tipo de gaiolas, embora houvesse, sim, algumas em Vegas. No
geral, as lutas de morte eram coisas dos russos.
Subi no octógono e as luzes estavam focadas em nós dois.
Eu apenas retirei a minha camisa por trás da cabeça, entregando-a
para Tino. Cesare não queria que eu subisse, mas ao ver aquele
cara lutando com tanto ódio, era quase como se ele me chamasse.
A chama da fúria visceral que emanava dele, dos seus olhos
sem vida e de como ele abraçava a dor a cada golpe que recebia,
rindo insano com os dentes cobertos de sangue a cada osso que
partia, chamou a minha loucura e o meu descontrole. Foi como se
alguém tivesse me dado um choque de alta voltagem e eu quisesse
explodir tudo ao redor. A euforia dele em machucar despertou a
minha.
Eu seria aquele a derrotar o Hawk.
Seus olhos castanhos focaram em mim enquanto ele limpava
o sangue escorrendo de sua boca com o antebraço suado. Meus
olhos repuxavam, um reflexo de que a minha pressão sanguínea
aumentava. A multidão berrava o nome dele: HAWK, HÁLCON,
mesclado em inglês e espanhol. Eu os faria berrar o meu nome.
Amava a sensação de ser adorado quando lutava. Ali as
expectativas eram possíveis, não havia problema se eu ganhasse
ou perdesse. Éramos dois caras dispostos a trocar porradas e
aproveitar as sensações. Eu não precisava de Cesare dentro de
uma gaiola, não precisava da minha mente sã. Podia lidar com essa
merda sendo eu mesmo.
Ergui a guarda e me aproximei dele com meus movimentos
treinados de anos de luta. Hawk não tinha treinamento algum, não
era um lutador profissional, ele era movido por outro combustível.
Ele era como eu. Só que o que me movia era o descontrole, a
tristeza eterna e a vontade de extravasar o que eu nunca soube
como.
Minhas emoções se espalharam e eu sorri em deboche,
querendo que ele fizesse o primeiro movimento, mas ele apenas me
aguardou. Parti para cima com tudo, acertando o seu rosto com
tanta força que a dor refletiu do meu punho até o meu ombro, os
lábios dele voltaram a sangrar, manchando os dentes que ele
expunha em uma espécie de sorriso demoníaco. Tornei a erguer a
guarda, mas a multidão ainda gritava o nome dele. Acertei outro e
Hawk cuspiu seu sangue, olhando para mim com desprezo. Ele
sequer estava tentando. Desferi mais uma sequência de socos em
seu tronco e no rosto. O babaca desviou de alguns e praticamente
me deixou acertar outros.
Seu comportamento condescendente estava me irritando. Ele
queria apanhar? Havia vendido a luta porque era comigo, qual era o
problema deste filho da puta?
— Qual é o seu problema?! Luta direito, caralho! — chamei-o
para a luta, colando a minha testa na dele e olhando seus olhos que
pareciam dois buracos negros.
O meu sangue pulsava agora com ódio. Não queria vencer
pela nulidade, eu queria derrotá-lo por ser melhor que ele.
— Já cansou, filhinho de papai? Agora é a minha vez. —
Hawk me pegou desprevenido enquanto eu começava a respondê-
lo e me deu uma cabeçada que me fez perder o equilíbrio. Meu
cérebro chacoalhou, deixando-me atordoado, e eu abri minha
guarda tentando me reequilibrar.
O próximo movimento que eu senti foi sua perna tirando o
apoio da minha, e seu punho explodiu no meu rim. Curvei-me com a
dor intensa do soco na região baixa das costas, um reflexo que não
havia como recuar. Recebi mais dois socos rápidos no meu nariz e
eu escutei o estalo dele se quebrando. Meu sangue escorreu morno
sobre minha boca e o gosto metálico fez todos os meus sentidos
ficarem afiados.
— Chega, porra! — Era a voz de Cesare.
Consegui me levantar e me afastar de Hawk. Ele permitiu.
Com o sangue ainda quente, coloquei meu nariz no lugar, a
dor intensa fez lágrimas se formarem instintivamente e escorrerem.
Urrei e cuspi um pouco do sangue que inundava minha boca, mas
voltei para cima daquele filho da puta.
A partir dali, a luta ficou muito mais séria e sangrenta. Eu
nunca quis tanto matar alguém com as minhas próprias mãos.
Quando consegui derrubá-lo no chão, Hawk quase mordeu um
pedaço da minha mão fora, ele literalmente me mordeu, a ponto de
seus dentes perfurarem a carne e eu o soltar. Ele lutava como um
selvagem. As lutas de gaiola não tinham regras, mas isso era briga
de rua.
Consegui encaixar um chute que era uma pisada no seu
peito, derrubando-o e chutando suas costelas, mas o bastardo
socou atrás do meu joelho, derrubando-me ajoelhado no chão e
espremeu as minhas bolas. Segurei meu saco e caí de lado no
chão, recebendo socos em toda parte. Hawk estava possuído por
um ódio muito maior que o meu.
No segundo seguinte, Cesare estava em cima de Hawk,
sendo segurado por Tino em uma gravata e Hawk ria insano,
lambendo o meu sangue de suas mãos. Diego Herrera entrou no
tatame e segurou a mão do seu campeão, erguendo seu braço onde
uma tatuagem de um lobo estava. Eu já tinha visto aquele símbolo.
Neste momento a dor era imensa. Meus olhos estavam
parcialmente inchados dos socos que ele deu no momento em que
eu caí segurando meus testículos fodidos, o nariz latejava e eu
cuspi mais sangue no tatame imundo do El Pandemonium.
O filho da puta espremeu as minhas bolas!
Aquele era o tipo de merda que Nero faria: morder, espremer
bolas, e por isso ele nunca lutava nas gaiolas. Esse babaca era um
maluco do caralho!
— Diego! — chamei o administrador do Cartel em Tijuana.
Levantei-me e Cesare me deu apoio. Eu ainda segurava meu
saco com muita dor e completamente fora de controle. Algum dos
homens de Herrera tiraram Hawk do ringue, puxando-o pelos
braços. Nero ia atrás dele, mas Cesare o parou.
Se Nero matasse alguns homens de Herrera, entraríamos em
uma guerra fodida porque eu levei uma surra. Na verdade, ele só
ganhou porque apertou a porra das minhas bolas!
— Señores Spada. Sejam bem-vindos ao El Pandemonium.
Como vocês viram, não somos uma casa de lutas regular. — O jeito
afetado de Diego nunca tinha me irritado tanto.
O fato de ele ser gay nunca me incomodou. Ele podia dar a
bunda para quem quisesse, eu só não queria que ele debochasse
de mim quando seu campeão não respeitava nenhuma regra.
— “Não somos uma casa de lutas regular” é o caralho! Ele
não seguiu as regras! Ele apertou o meu saco, porra! Eu quero a
cabeça desse filho da puta! — exigi com ódio borbulhando e
apontando o indicador na cara de Diego que fechou o sorriso na
mesma hora.
— Cuidado, garotinho, você sabe quem eu sou.
— Você sabe quem eu sou? E eu te mostraria o meu garoto,
mas tenho certeza de que você gostaria disso, não é mesmo? —
Rosnei e vi seus capangas o cercarem. Cesare se posicionou ao
meu lado e Tino atrás dele.
Eles não eram malucos de encostar em nós. O cartel da
família Herrera era imenso, mas a minha famiglia também era.
Diego trincou os dentes com a minha afronta. Na frente de seus
homens, ele fingia que era hétero, ainda que tudo nele gritasse gay
e do tipo que gostava de ser enrabado. Cesare me puxou para trás
de si e murmurou alguma coisa para Diego, que rangeu os dentes.
— Eu quero vocês fora do meu território e não voltem a
Tijuana até que eu converse com o Don. — Ele deu as costas para
nós, deixando-nos no meio do ringue.
Puta merda!
CAPÍTULO 7

Era a primeira vez que eu veria Rocco pessoalmente.


Faltavam menos de seis meses para o nosso casamento. Grazzi
estava nos preparativos finais para o dela com Vito e ela não tinha
conseguido vê-lo, mesmo que o tivesse convidado para o seu
aniversário.
A verdade é que meu pai não gostava do noivo de Grazzi,
talvez sequer tivesse entregado o convite, mas o burburinho do fato
de seu noivo a ignorar abertamente deixava minha irmã
desesperada. Grazzi foi a noiva que substituiu a que fugiu, ou seja,
Vito estava se casando com ela para abafar um escândalo.
Depois daquele dia, em que Paola me fizera ver o quanto a
minha felicidade podia ser insensível com a infelicidade de Graziella,
fiquei quieta sobre a minha paixonite pelo meu noivo, entretanto,
permanecia investigando-o. O que não era nada saudável para a
minha ansiedade e o fato de que eu não tinha com quem
compartilhar o que descobria corroía minhas entranhas. Grazzi
estava infeliz e amedrontada, com razão, e Paola me achava idiota
por sonhar com um futuro melhor do que o presente que
compartilhávamos.
O que me restaria senão meus sonhos?
Já não bastava viver o inferno, eu ainda precisava me
conformar com ele?
Não, não! Eu teria meus malditos sonhos, e neles Rocco era
o meu marido perfeito. Embora ele não fosse o noivo perfeito. Não
era nada modesto nas suas escapulidas.
Traições eram quase regra em nosso mundo. Casamentos
arranjados e sem sentimentos faziam isso. Só que os meus
sentimentos sobre Rocco Spada já não eram mais nada platônicos a
esta altura. Absolutamente. Rocco já tinha alguma parte do meu
coração e todo o meu desejo para si. Eu nunca havia sequer sido
beijada, pois quando descobri que ele era aquele com quem eu me
casaria, nenhum outro me interessou.
Grazzi tentava forjar uma espécie de liberdade furtando
beijos com os rapazes da faculdade quando conseguia, mas não
fora além por motivos óbvios. Papá resguardava o que tínhamos de
valioso na visão dele: a pureza.
No meu caso, eu me resguardava por vontade de me
entregar a Rocco. Eu o escolhera. Este era o nível de obsessão
despertada em mim por ele. Nosso casamento podia ter sido
arranjado, mas, para mim, foi um arranjo espetacular. Como se feito
nos céus, por destino. Não haveria outro, se não ele.
Já para meu noivo... Assisti diversos vídeos dele com outras
mulheres nas boates de Los Angeles, em suas redes sociais;
passeios de barco com as modelos seminuas se esfregando nele;
matérias dos escândalos em que ele estava claramente alcoolizado
ou drogado, e sentia-me afrontada. Era como se ele estivesse
mandando a mim e meu amor ao inferno.
Mas tudo isso passaria quando nos casássemos. Ao menos
eu me impunha a pensar assim ou enlouqueceria de ciúmes.
Então, no mês passado, quando papá disse que os Spada
dariam uma festa de aniversário para os gêmeos, para comemorar
seus vinte e três anos e anunciar nosso noivado para a famiglia
calabresa, toda a esperança foi renovada. Finalmente nos veríamos
pessoalmente, eu sentiria a sua mão na minha, talvez roubasse meu
primeiro beijo, eu não me importaria.
Gostaria que a festa de noivado fosse em Miami para que
todas as minhas amigas vissem como o meu futuro marido era lindo
e perfeito, contudo, como o casamento já seria em território siciliano,
os calabreses exigiram ter ao menos esta celebração no deles. E
era aniversário dos dois, não só de Rocco.
O jato pousaria em Los Angeles no fim da tarde, teríamos
apenas algumas horas para nos arrumarmos, mas mamma havia
combinado de levar a sua cabelereira e maquiadora de confiança
para me deixar linda. Grazzi não poderia ir, por motivos óbvios, e
era melhor assim. Eu não queria que minha festa de noivado fosse
manchada por absolutamente nada, embora quisesse que ela
estivesse lá.
— Não vai ter mais viagem, pode parar de arrumar as malas.
— Constanza Velacchio invadiu meu quarto parecendo furiosa.
— Como assim, o que houve? O que eu fiz? — Meus olhos
começaram a se encher de lágrimas com meu sonho roubado outra
vez.
— Para de chorar! Não foi você. Os Spada cancelaram o
evento. Aparentemente o seu noivo já comemorou o suficiente. Seu
pai não me contou o que aconteceu, mas não vai mais ter nenhuma
festa. E sem evento, não há motivos para nenhum de vocês entrar
na fronteira do outro.
Uma bola de gelo afundou em meu estômago observando a
mala que eu preparei para dali a uma semana. Seriam apenas dois
dias, mas eu me antecipei para qualquer possibilidade. E se ele nos
convidasse para um passeio no iate da família? E se fôssemos a
alguma corrida de cavalos? Eu pensei em todas as possibilidades
que meu pai permitiria que eu estivesse com Rocco.
Mas ele havia comemorado, sem mim.

Fui com minha mãe e Paola para Nova Iorque para uma das
provas do meu vestido. Era a primeira vez que viajávamos sem meu
pai para tão longe. Eu conseguia ver os ombros de Constanza
Velacchio perderem a tensão a cada quilômetro que o avião nos
distanciava de papá.
Mesmo quando era meu pai viajando para fora de casa, ela
nunca estava relaxada. Ali, dentro do jato, tomando seu drink em
uma das poltronas, finalmente pude ver o quanto mamma era jovem
e me entristeci por seu passado, presente e futuro.
Ela não era uma boa mãe, mas eu a compreendia. Pensei em
como Grazzi estaria. Um mês atrás, ela havia se casado com o
açougueiro e em nenhuma das mensagens que trocamos ela me
pareceu desesperada. Obviamente ela não me contaria, minha irmã
mais velha sempre me protegeu da feiura do nosso mundo, como se
eu não soubesse...
Nós éramos Velacchio, se havia feiura na nossa vida, ela foi
mostrada assim que tomamos consciência da vida. O que nos
restava era ter esperança e acreditar no divino de que toda a tortura
seria recompensada em algum momento.
A minha recompensa era Rocco, a de Guilly era Paola —
com quem ele ainda mantinha o relacionamento. E a de Grazzi?
O quanto do “destino de Constanza” Graziella havia obtido na
vida?
Ao contrário do que Paola pensava, eu me importava com a
minha irmã, e muito. Só não conseguia impedir-me de ansiar o meu
momento de libertação. E quem era eu para fazer algo por ela, por
qualquer um?
Eu era apenas uma mulher da máfia, um objeto vendido.
Minha sorte foi ter sido bem vendida.
Já na loja aonde viemos para experimentar meu vestido de
noiva, eu vi minha irmã e ela parecia consigo mesma; não estava
quebrada, não como a mamma. O sorriso era falso, mas Grazzi
ainda estava ali: seus olhos gelados e a sua frieza como uma
fortaleza ainda a revestiam. Fosse como fosse seu casamento, Vito
não a destruíra.
— Grazzi! — guinchei de felicidade ao vê-la e então o sorriso
se tornou real. Envolvi-a em meus braços, morrendo de saudades
em apenas um mês de afastamento.
Como seria uma vida inteira sem ela? Sempre foi Graziella a
me manter centrada na vida. Paola era muito bruta, por mais que eu
a amasse, não conseguíamos ser amigas no mesmo nível que eu e
Graziella. Interrompi este pensamento, não permitiria que nada se
sobrepujasse à minha felicidade.
— Gaia, que saudade! — Em nosso abraço a sensação era
de lar e acolhimento. E eu pude senti-la estremecer um pouco, o
que era raro.
Apertei-a um pouco mais, implorando por dentro que ela
estivesse realmente bem, que seu casamento fosse feliz de alguma
forma.
Ela forçou um sorriso tristonho, e eu fingi não ver, porque
este era o nosso papel na vida: eu era a alegria infantil e Graziella
era a racionalidade e perfeição. Mas tentei deixar que ela
percebesse que eu estaria ali para ela, sempre, nem que fossem em
memórias.
— Você está linda.
Quando ela mudou de assunto abruptamente, o nó em minha
garganta quase me derrubou. Grazzi era infeliz como a mamma.
Não, ela não merecia isso! Nem Constanza...
A culpa pela felicidade que vinha sentindo me consumiu,
mas, para a minha sorte, a senhora que atendia na loja apareceu
com taças de champanhe. Peguei uma e virei na boca
imediatamente, sorrindo e aproveitando o sabor do líquido para
contorcer o rosto em uma breve careta e ter uma resposta óbvia
para os meus olhos aquosos.
Alcancei outra taça, buscando o entorpecimento que o álcool
sempre me fornecia quando eu ficava muito emotiva, porém Grazzi
me impediu e ofereceu que fôssemos beber em sua casa depois.
Aceitei de pronto, querendo ver como ela vivia. Mamma não
podia convidar ninguém em casa sem a permissão do meu pai. Mas
o convite de Grazzi pareceu espontâneo, o que já era uma
diferença.
Talvez eu estivesse errada a respeito da relação entre eles
dois. Precisava estar, pela minha sanidade, pela dela. Saber que
deixei minha irmã feliz em Nova Iorque me faria ir para Los Angeles
em paz e aproveitar o meu sonho sem nenhuma culpa.
Chorei experimentando meu vestido. O filme inteiro de como
Rocco me veria passou em minha mente. Como o meu casamento
seria a minha libertação.
Depois fomos para a casa de Graziella.
Paola veio sendo ela mesma dentro do carro e infernizando o
soldato que dirigia e eu vim estudando Grazzi e seus silêncios.
Entrelacei nossos dedos e sorri para ela que me devolveu
novamente aquele sorriso falso. Agora que mamma não havia se
juntado, ela me contaria o que quer que fosse.
Graziella morava em uma linda mansão, até melhor do que a
nossa em Miami, e eu já a imaginava cheia de pequenos bebês
Rigori. Não queria que minha irmã ficasse ali sozinha.
Ao descermos, Vito Rigori saía de casa com um de seus
homens, Luciano Santorini, seu braço direito. Ambos eram
espetaculares, morenos como a maioria dos italianos, mas Vito me
amedrontava. O outro sorriu para nós malicioso e inconveniente,
como se não soubesse que eu estava prometida a Rocco. Ignorei-o.
O que não fui capaz de ignorar foi a forma apaixonada como
Graziella e Vito se beijaram, como se pudessem transar ali mesmo,
na nossa frente. Prendi uma risadinha ao ver Graziella se segurar
nele durante o beijo, tocando-o com desejo evidente. Ele a encarou
com intensidade, refletindo o mesmo sentimento.
Minha irmã que sempre foi feita de gelo estava derretida. E
ele não a tocava com brutalidade, havia cuidado ali. Algum
sentimento denso e quente os rodeava.
Definitivamente, não era como o casamento dos meus pais.
Ela conseguiu, saiu do inferno! Poderia não chegar ao
paraíso, mas não era mais o sofrimento em que fomos criadas.
Quase chorei emocionada assistindo-os juntos. Eles
sussurraram em segredo um para o outro. O conteúdo da conversa
não me importava, só o ato em si. Parecia tão íntimo, tão bonito,
que todo o meu corpo se acendeu e eu ansiei por um pouco daquilo.
Fantasiei eu e Rocco daquela forma.
Meu noivo envolveria minha cintura e me beijaria na frente de
quem quisesse ver daquela maneira? Eu me derreteria em seus
braços e ficaria ofegante como Grazzi ficou?
Não aguentava mais esperar.
Aperitivos e uma garrafa de vinho branco foram postos na
mesa em um pátio externo por uma governanta jovem e sorridente.
Graziella não estava sozinha naquela casa.
Então permiti que minha ansiedade falasse mais alto e
questionei:
— Conta tudo, como foi a primeira vez?!
Paola não precisava da informação, ela e Guilly estavam
transando, e eu temia pelo seu futuro, mas Paola escolheu o próprio
destino.
— A penetração dói bastante na primeira vez, mas não tem
apenas dor, se o parceiro for experiente. As preliminares são
importantes. — Eu já sabia daquilo, mas se até Vito, o açougueiro,
havia conseguido ser paciente para fazê-la ter preliminares
orgásticas que a deixaram enrubescida, Rocco certamente
conseguiria me dar o orgasmo que eu jamais obtive sozinha.
— Dizem que para algumas pessoas não dói quase nada. É
só relaxar. — Paola se meteu, confidenciando-nos de forma
subliminar como havia sido a primeira vez dela.
Eu quis rir, talvez fosse o efeito do vinho que eu bebi mais do
que estava acostumada.
— Rocco é tão lindo!! Eu já sonho com ele! Aquele tipo de
sonhos... — gargalhei escandalosa, finalmente me sentindo livre
para falar sobre o assunto com Grazzi.
Ela me direcionou aquele seu olhar de irmã mais velha,
condescendente, como se eu fosse uma menina bobinha, mas não
me importei, bebendo mais e sonhando acordada com a boca de
Rocco por todo o meu corpo.
— Bom, vá com calma e não entregue seu coração em uma
bandeja... — Grazzi começou e pensei em interrompê-la e dizer:
“tarde demais”. Só que Paola foi mais rápida que eu, atirando:
— Só a sua boceta. — Ela ergueu a taça como se estivesse
brindando, depois a virou até o final.
Nossas gargalhadas foram a trilha sonora do nosso encontro
e uma memória linda que eu levaria de nós três para a vida.
CAPÍTULO 8

Já estacionamos em casa com a certeza de que meu pai


sabia do ocorrido na viagem para Tijuana. As relações entre o cartel
Herrera e a famiglia ficaram estremecidas. Obviamente o Chacal
não deixaria Diego colocar o ego dele à frente dos negócios, como
meu pai não me deixou colocar o meu quando pedi a cabeça de
Hawk e me foi negado. Nós lidávamos diretamente com Diego, não
com Chacal, e ele não me daria porra nenhuma para me agradar.
Chacal era o líder da Família Herrera, Diego era seu irmão
mais novo, o responsável pela Mexicali e Mexizona[14]. O fato de eu
ter “ofendido” Diego ao oferecer o meu pau a ele foi considerado
retribuição suficiente por aquele cão ter esmagado as minhas bolas
em uma luta de gaiola. Eu não achava assim. Diego gostava de pau,
eu não gostava de ser humilhado.

— Você é maluco, cazzo[15]?! — Papá perguntou e me deu


um tapa na cara. Meu nariz quebrado ardeu como o inferno, mas eu
não soltei um pio.
No seu escritório de casa, estávamos apenas nós, eu e meu
gêmeo, e ele. Cesare não demonstrou nenhuma emoção, apesar de
não tirar os olhos de mim, como se implorasse que eu ficasse
quieto. Ele achava que eu estava errado.
Eu odiava quando meu pai se colocava entre nós dois e fazia
Cesare discordar de mim. Apenas senti minhas veias pulsando, o
ódio se alastrando como uma doença em mim com a traição. Então
veio outro tapa do outro lado e a punção na ponte do nariz fez meus
olhos arderem de lágrimas pela dor e meus sentimentos foram
espalhados, como se fossem bolas de gude que eu jamais
recolheria.
Era assim que acontecia. A linha oscilava e então, do nada,
ela dava um pico para cima. Segurei o braço do Don quando ele ia
me dar a terceira porrada na cara e grunhi para ele.
— Se encostar em mim, eu arranco seus dedos, porra! —
Meus olhos se esbugalharam e todos os meus músculos
tensionaram tremendo de raiva, a veia em meu pescoço pulsava
dolorida e a agonia da minha bagunça se tornou incontrolável.
Todas as memórias de todas as surras que tomei na vida
mordiam minha pele como se fossem picadas de abelhas
simultâneas, todas as vezes em que falhei em ser o que precisava
ser, em que perdi o controle e depois a culpa que eu sentia. Tudo
me engolfou em uma única onda, como um tsunami incontrolável.
— Rocco — Cesare me advertiu, colocando-se entre nós
dois. Seus olhos estavam com as pupilas dilatadas, mas o rosto não
demonstrava nada.
Por que ele não demonstrava nada quando eu era essa
confusão o tempo todo? Porra! Por que ele tinha que ser o livre e eu
o condenado a carregar o peso da coroa?
— Você vai o quê, seu moleque imbecil! — Papá afastou
Cesare e me bateu de novo.
Desta vez, fiquei encarando meu gêmeo, protegendo apenas
o meu rosto, enquanto o velho descontava a raiva pela minha
afronta socando a minha cabeça e as minhas costas.
A cada porrada que Don Lorenzo me dava, que eu merecia
— por ser um caldeirão borbulhante de merda —, culpava-me e me
enfurecia ainda mais por extrair isso dele, do meu próprio pai; por
querer desaparecer e sumir, em um estado perpétuo de infelicidade
e busca incessante de felicidades compradas; por machucar a todos
ao redor, principalmente a mim mesmo; e tentar, com todas as
minhas forças, não deixar as pessoas perceberem que eu não tinha
conserto.
Encarei Cesare, tentando encontrar algum controle e não
consegui. Ele sentiu, soltando um longo suspiro de ódio — de si
mesmo por não poder mudar as coisas, por não poder me ajudar —,
porque ele sabia, só ele sabia. Cesare era a minha mente e eu era a
sua porta para as sensações do mundo. Só que não precisávamos
ser dois. Não devíamos ter nos separado quando éramos apenas
célula, multiplicando meus erros e amplificando a sua perfeição. Não
era justo que nenhum de nós dois carregasse este fardo.
— Some da minha frente, ou eu mesmo vou matar você! —
Don Lorenzo berrou no meu ouvido, empurrando-me para longe de
si.
— Mata, porra! Mata logo! Seria um favor. — Virei meu rosto
para o de papá, encontrando seus olhos surpresos com o que eu
falei. Bati no meu peito, o som oco da porrada e dos berros ecoando
pelo escritório.
Ele não falava aquilo do coração, não era de verdade, no
fundo da minha mente, eu sabia que meu pai me amava, mas, neste
momento, a linha do ódio estava subindo e subindo, atravessando o
meu peito como uma lâmina enferrujada, transversal à da
normalidade. O nó no estômago dava ânsia de vômito, o nariz
quebrado latejava e os meus olhos ardiam por conta da fúria
esmagadora que era fisicamente dolorosa.
Havia um demônio segurando meu peito, impedindo meu
coração de bater e meus pulmões de se encherem de ar. Minha
mente não conseguia funcionar direito quando eu estava assim.
— Acaba logo com isso, manda alguém sumir comigo,
encerra os seus problemas! — Avancei para ele agressivamente,
Cesare me abraçou por trás, envolvendo meus braços com os seus
e eu permiti que ele me puxasse para fora do escritório.
Olhava a cara estupefata e aflita do meu pai ao me ver
perdendo a sanidade tão abertamente. Ele tossiu e perdeu o
equilíbrio, apoiando-se na mesa. Donna passou por nós dois, a
nossa unidade, e foi ajudar papá. O semblante aflito dela, as
sobrancelhas caídas e sua tristeza evidente me faziam sentir ainda
mais ódio de mim mesmo e de tudo ao redor.
— Mata, porra! ME MATA LOGO, CARALHO! ACABA LOGO
COM ISSO! É o que eu quero! — berrei, cuspindo as palavras e
senti minhas bochechas molhadas, meus músculos tensos
tremendo de raiva, mas Cesare ainda me segurava, levando-me
para longe da destruição que eu causava.
Ao atravessarmos a porta, meu pai tossia mais violentamente
com a mão no peito, e Donna o entregou a cânula de oxigênio para
colocar no nariz. Vi o que eu estava fazendo com ele. Eu o estava
matando. Empurrei Cesare e saí de seu aperto. Dei de cara com a
Mamma no corredor à frente do escritório, chorando copiosamente.
Eu fiz aquilo também...
— Ma... — Minha voz saiu engasgada e rouca dos gritos,
mas não me aproximei quando ela abriu os braços para que eu
fosse até ela.
Não merecia seu conforto, eu era a tristeza da minha família,
o pesadelo que eles precisavam lidar acordados. Eles me amavam
por obrigação, mas deveriam se livrar desse sentimento.
Nem todos os amores eram saudáveis, amar a mim era
destrutivo.
Tudo em mim era extremo:
extrema tristeza,
extrema euforia,
extrema raiva,
extremos em tudo e toda parte,
A. Porra. Do. Tempo. Todo!
Eu estava exausto! Saí de casa e subi na moto antes que
Cesare me alcançasse. Ele me encontraria eventualmente, mas eu
precisava despressurizar, esquecer quem era, em um redemoinho
de cores brilhantes e luzes cegantes, para fora de mim mesmo, só
um pouco.
Queria não ser. Ponto.

Senti que era Cesare sem vê-lo. Braços passaram por baixo
dos meus e minhas pernas foram suspendidas, meu corpo foi
realocado para algum lugar que eu mal conseguia discernir.
— Ele está em overdose, Cesare, temos que levá-lo para o
hospital! — Era a voz desesperada de Valentino.

— Dessa vez, não. Eu já mandei buscar o Narcan[16]. Ele não


vai morrer. Temos que sumir com ele por uns dias, meu pai não
pode vê-lo assim, não agora. — Cesare soou distante, minha mente
e concentração ficavam indo e vindo e eu vomitei outra vez.
Meu corpo tremia, gelado, todos os meus nervos pareciam
fora de lugar, sendo cutucados como se milhares de agulhas me
espetassem e não apenas a que eu havia usado. As tremedeiras, os
espasmos e as câimbras se apossavam do meu corpo, fazendo-me
convulsionar em dor extrema e eu os sentia me virar de lado para
vomitar mais.
— Ele nunca tinha usado essa merda. Heroína, porra! Ele
está se espetando agora? — Tino estava claramente preocupado.
Vomitei mais, abrindo os olhos e finalmente conseguindo vê-
los. Meu cérebro vagava distante, mergulhado na merda que eu
injetei em mim mesmo. Os olhos castanhos e arregalados de Tino
focaram nos meus, enquanto Cesare pegava algo da mão de
alguém e esticava meu braço, batendo na dobra do meu cotovelo.
As dores aliviavam e vinham em ondas, rasgando meu corpo de
dentro para fora. Preferia apanhar em uma gaiola ao que estava
sentindo agora.
— Não, ele só não deve ter conseguido cheirar com o nariz
fodido. — Cesare quase pareceu aflito. E eu senti a picada na veia.
Debati-me, tentando me afastar. Eu não queria mais drogas,
só queria que a dor parasse. Cesare me manteve preso em seu
aperto enquanto injetava o que quer que fosse em mim e então eu
parei de lutar. Que ele fizesse o que quisesse. Que acabasse com
isso de uma vez. Fechei os olhos e meu corpo ficou dormente, a dor
cessando aos poucos.
Era como morrer, o paraíso.
Acordei e avistei Cesare, na verdade eu o senti ali, mal
conseguia ver o seu perfil encurvado, sentado na varanda do
apartamento de Valentino contra a luz do sol. Ele estava
descabelado, a camisa com as mangas enroladas e descalço. O
cheiro de vômito e merda foi a primeira coisa que senti, depois a dor
no meu nariz e corpo machucados, voltando para mim em ondas,
junto à minha consciência.
— Você me deve um sofá — Tino falou comigo e eu o olhei,
de pé, mas até os meus globos oculares doíam. Agachou-se ao meu
lado e sussurrou para que Cesare não nos ouvisse. — Você não
pode fazer isso com ele, Rocco. Senão por você, faça por ele. Fica
vivo, porra! Se você morrer, Cesare vai junto!
Meus olhos arderam e eu quis chorar, mas não tinha o direito.
Eu não tinha direito de sequer querer morrer, porque isso seria
matar Cesare. Valentino tinha razão.
Eu não podia viver sem a minha mente e ele não podia viver
sem o seu fodido coração, ainda que fosse a porra estragada que
eu carregava por nós dois.

Eu tentei, realmente tentei, não fazer nenhuma merda, mas


era a minha despedida de solteiro, tinha o direito de aproveitar.
Amanheci na cama com duas morenas que eu nem sabia quem
eram e o meu pau encapado da última foda.
Papá invadiu meu quarto de hotel intempestivamente
berrando que elas fossem embora e olhando para mim como se
pudesse me matar. Nero gargalhou ao ver as garotas correndo
peladas da cama.
— Olha essa merda, figlio de una putana! — Meu pai trazia
um jornal nas mãos, que quase esfregou na minha cara.
Cesare puxou as sobras do pó com a mão da mesa de
cabeceira e foi para o banheiro dar descarga na merda. Eu estava
um bagaço, o coração acelerado por ter acordado no susto e
tentando compreender tudo o que acontecia simultaneamente.
— Papá, era minha despedida de solteiro. — desculpei-me,
arranquei a camisinha do meu pau e catei a minha cueca no chão,
cobrindo-me. Minha cabeça pesava, o que significava que eu
misturei álcool. Álcool era o pior de tudo.
— Você precisava ter transformado em um evento público,
caralho?! Isso é desrespeitoso com a sua noiva! A garota está
chorando e o pai dela está furioso! — Atirou o jornal no chão,
alisando o próprio rosto com força.
Eu estava pouco me fodendo para Tony Velacchio, mas saber
que Gaia estava chorando na porra do dia do nosso casamento me
deu um gosto amargo na boca, o corpo inteiro pesou, como se
minha massa corporal dobrasse subitamente. Peguei o jornal do
chão e vi as fotos que foram publicadas.
Porra! Porraporraporra!
Eu sequer me lembrava de ter feito aquilo, mas uma imagem
valia mais que mil palavras: minha cara estava enterrada nos peitos
de uma, enquanto minha outra mão se perdia sob a saia de outra e
havia uma cabeça feminina na altura do meu colo. Provavelmente
um boquete.
Ela tinha visto isso? Merda, Gaia, por que você viu isso?
Papá puxou meu ombro e eu achei que ele iria me bater, mas
desde o meu surto na sua frente, meses atrás, depois do episódio
de Tijuana no nosso aniversário, ele não me bateu mais. Seus olhos
decepcionados e tristes forçaram-me a sustentar seu olhar e ele
segurou meus ombros.
Eu ouviria um de seus grandes sermões, mas desta vez eu
precisava. O casamento dos meus pais não era perfeito, mas ele
era um bom marido para Cara Spada, o que eu pretendia ser para
Gaia e, como sempre, já estava errando.
— Não estou te dizendo que não pode fazer o que você
quiser, mas não foi assim que eu te criei. Não foi o exemplo que eu
te dei. — Suas palavras traduziam meus pensamentos. — Eu
respeito a sua mãe. Não vou ser hipócrita e dizer que nunca
escorreguei e ela sabe, mas ela não vê essas coisas, Rocco. Eu
não amava a sua mãe quando nos casamos, aprendi a amar com os
anos, com os filhos e a família que ela me deu. — Papá respirou
fundo ao me dar tapinhas no rosto. — Talvez aconteça para você,
talvez não, mas não maltrate a sua esposa. Nós não somos como
os malditos sicilianos! E a impressão que você causou nessa garota
é de que a vida dela será uma vergonha.
Olhei a foto de novo e senti uma vertigem atravessar meu
estômago. Era culpa e ressaca, mas também era por imaginar Gaia
chorando com aqueles olhos verdes alegres, sentindo-se humilhada.
A vida dela seria uma vergonha... Ela se casaria comigo.
Antes mesmo de colocar a aliança em seu dedo, eu havia
roubado seu sorriso, o único cravado na minha mente, o motivo pelo
qual eu a escolhi para ser a minha esposa. Ela era a felicidade
verdadeira. Antes mesmo de eu ter me aproximado dela, o meu
domo de autodestruição já a tinha machucado.
A linha desceu em um ângulo quase reto. Minha espiral
depressiva me colocaria de joelhos em breve. Era assim que
acontecia depois de uma tempestade eufórica como a de ontem.
Como quando fiquei uma semana na casa de Tino, mal saindo da
cama, aproveitando a desculpa da overdose para não ter que ver ou
falar com ninguém.
O meu arco-íris de felicidade funcionava invertido. Quando
ele aparecia: cheirado ou engolido, a tempestade era inversamente
proporcional. E era um ciclo vicioso: para cima e para baixo o tempo
inteiro.
Teria que compensá-la. Mas como? Gaia nunca havia me
visto e eu não podia lhe prometer que isso não se repetiria, eu faria
alguma merda. Não mentiria para ela como fazia com Cesare
dizendo que pararia de usar drogas, ou como mentia para o meu pai
dizendo que ia melhorar meu comportamento. Ela se cansaria de
mim, porque Gaia não era obrigada a me amar como a minha
família. E eu era cansativo pra caralho.
Por que eu tinha que ser esse filho da puta que fazia essas
merdas com as pessoas ao meu redor? Puta que pariu!
— Eu sei, papá, não fiz para magoá-la, vou me desculpar
quando conseguir conversar com ela. — Ele me deu tapinhas no
rosto e me puxou para um abraço, notando que eu realmente não
havia feito de propósito e me arrependia. — Acha que consigo falar
com ela antes da cerimônia?
— Não. Já são três da tarde, Rocco, você está atrasado! Vai
tomar banho, fazer a barba e ficar apresentável. — Sua decepção
era evidente. — Cesare, leva ele na hora, por favor. — Papá saiu do
quarto, deixando apenas Nero e Cesare lá dentro.
Sentei-me na cama, envergonhado e entrando em uma fossa
cheia de ressaca moral.
— Eu só fodi com essas duas? Nem lembro se usei
camisinha.
— Você usou, eu garanti. — Cesare respondeu, frio e
cutucou meu braço indicando o banheiro com o polegar. Eles já
estavam prontos.
— Os exames já saíram? Eu não quero passar nenhuma
merda pra ela, já não basta a humilhação... Porra! Como eu saí
tanto do controle?
— Você tomou ácido, Rocco... Você prometeu... — Cesare
não levantou a voz, mas eu sabia que estava decepcionado comigo.
Depois da minha overdose, ele vinha me tratando com
indiferença. Ninguém de fora notaria a diferença, apenas nós dois.
Nossa ligação era forte demais. Eu prometi a ele que pegaria leve,
porque já não tinha mais coragem de prometer que ficaria limpo e
falhei outra vez.
— Os exames saíram, você não vai passar nenhuma DST
para a sua esposa virgem. Isso se ela quiser transar com você
depois de ter te visto fodendo três. — Nero riu da minha cara e
trouxe o telefone para me mostrar o que o jornal em papel de Don
Lorenzo falhou em fazer.
Havia um vídeo.
PUTA QUE PARIU!
— Ela não deve acessar esses sites. Deve? — Engoli em
seco, a linha descendo cada vez mais. Deitei o corpo na cama,
sentindo a dor física me abraçar como um cobertor. Eu não
conseguiria sair do quarto. Evitei olhar para os meus irmãos,
envergonhado de mim mesmo e minha nudez evidente. Fechei os
dedos em punhos, estalando as juntas, tentando quebrar meus
próprios dedos.
— Por que você mostrou isso a ele? — Cesare tirou o celular
da mão de Nero e tentou me puxar da cama.
Meu corpo estava mole, eu me sentia desprezível, abjeto, a
vontade de desaparecer havia se apossado, meus pensamentos
entraram em um looping repetitivo e paranoico, questionando-me
por que eu havia feito aquilo, a certeza de que Gaia me odiaria era o
pior deles. Ninguém jamais seria capaz de amar um filho da puta
que só fodia tudo.
— Não me olhe assim, não fui eu quem deu o ácido para ele.
— Nero riu.
— Era você quem estava tomando. — Cesare acusou Nero e
eu lembrei.
Nero havia levado a merda para a boate, mas não me
ofereceu — por causa do que aconteceu no México —, eu tomei da
mão dele. Já tinha cheirado e misturado com álcool, o que eu sabia
que não devia fazer, e ainda tomei o ácido. Foi a receita perfeita
para o fracasso. Depois disso, minhas memórias apagaram e agora
eu despertava para o meu inferno pessoal.
— Eu não sou babá dele, este é o seu papel, Cesare. Não
tenho culpa que ele perde o controle sempre. Eu uso de vez em
quando, ele usa todo dia. Você sabe do que ele precisa para
levantar da cama. — Nero atirou um papelote de coca em mim,
então ajeitou o paletó e saiu do quarto.
Só uma carreira e eu não envergonharia Gaia ainda mais. Se
eu não conseguisse sair da cama, ela não teria um casamento.
Estavam todos esperando, eu só precisava de uma carreira, só
uma.
Cesare olhou para o teto, cansado.
Só uma.
CAPÍTULO 9

Toda a dor e angústia que eu senti quando vi as fotos de


Rocco com aquelas mulheres foram suprimidas quando percebi que
Grazzi havia se apaixonado pelo açougueiro dela.
Enquanto ela me consolava, eu pude ver o tanto de
sentimento que minha irmã tentava esconder. Grazzi sempre foi fria,
mas quando falava de seu marido, os olhos pegavam fogo.
Se ela era capaz de amar um homem como aquele, por que
eu não podia ter o meu amor por Rocco em paz? Por que tudo o
que eu sonhava para nós dois não poderia se tornar realidade?
Sim, eu já o amava, a distância, sem conhecê-lo, com todos
os seus defeitos e acima dos erros. Isso fazia de mim uma
sonhadora? Provavelmente, sim. Mas ao adentrar naquela igreja de
braços dados com o homem que fez da minha vida um inferno, só
conseguia ver Rocco e sonhar com o paraíso.
Seu olhar azul-elétrico ficou vidrado, recebendo minha mão
de papá. Ele murmurou um “me desculpa”, repetidas vezes,
angustiado, ignorando a liturgia que ocorria ao nosso redor, como se
nada mais importasse e aquelas fossem as palavras que ele queria
declarar nesta cerimônia.
O nó de nervosismo em meu peito pela incerteza do futuro se
desfez ali. Apenas aquiesci e lágrimas contentes escorreram de
meus olhos. Rocco secou uma com seu polegar, lambendo-a
indiscretamente e me fazendo sorrir.
Ele era perfeito.
Sua mão tatuada segurou a minha durante toda a cerimônia,
com os dedos entrelaçados, como se ele precisasse se segurar em
mim para conter a agitação que eu podia sentir passar dele para
mim através da sua palma suada.
Meus batimentos cardíacos eram a trilha sonora de um sonho
se tornando realidade. Mesmerizada, não conseguia parar de
observá-lo de esguelha e o pegava fazendo o mesmo, não tão
discretamente quanto eu.
Seu sorriso, a covinha, o cabelo um pouco fora do lugar, as
tatuagens...
Ele!
Sua presença transpirava uma euforia que me fazia sentir
como se estivesse prestes a descer de uma montanha-russa, como
se eu fosse Alice prestes a seguir o Coelho pelo buraco. Era como
olhar a caixinha “coma-me” e não me importar com o que
aconteceria depois.
Toda vez que nossos dedos começavam a afrouxar, ele os
apertava novamente, como se não quisesse se desprender de mim,
assegurando-se de que eu fosse sua antes mesmo de eu dizer
“sim”.
O que ele não sabia era que eu havia dito “sim” para ele
desde que ele ainda era proibido para mim. Desde que não me
pertencia.
Sua agitação era transparente, ele não conseguia se manter
parado, refletindo meu interior.
Rocco queria se casar comigo!
Guilly estava certo sobre ele ter escolhido a mim? Não
acreditei quando meu irmão dissera, achei que era uma mentira
doce. Mas Rocco estava tão empolgado quanto eu. Suas mãos
tremiam como as minhas ao colocar a aliança no meu dedo e eu
precisei morder o lábio inferior contendo o riso arreganhado. Ele
passou o indicador na minha boca para me impedir de contê-lo.
Rocco não continha o próprio sorriso de felicidade, olhando
para mim como se eu fosse preciosa, perfeita, miraculosa de
alguma forma. Seus pés ficavam trocando o peso do corpo de um
lado para o outro, frenético.
Olhava para os meus seios, levemente a mostra no vestido
um pouco decotado demais que eu havia escolhido, evidenciando
que gostava do que estava vendo. Suas pupílas dilataram ainda
mais e ele mordeu o canto da boca nervosamente, impaciente.
A minha sensação era a mesma de estar sob efeito de álcool,
embora ainda consciente. Bom, eu havia mesmo bebido um pouco
mais do que estava acostumada durante a minha arrumação. Então
eu estava alcoolizada, mas não bêbada a ponto de perder a noção
das coisas, era só aquele ponto onde as inibições afrouxavam um
pouco e tudo parecia melhor.
A melhor sensação do mundo!
Amanhecer com aquelas imagens dele farreando a noite toda
fez meu peito se quebrar em milhares de pedacinhos, mas bastou
vê-lo e ouvi-lo murmurar seu pedido de desculpas para que eles se
reunissem como se fossem imantados e eu soube que o perdoaria
de tudo e para sempre.
Eu queria Rocco, ele era para ser meu.
Era o meu destino, meu paraíso particular e meu fruto
proibido.
Todas as surras, todas as tensões do meu corpo, todo o
inferno de vida que vivi foi por este momento, para o meu “felizes
para sempre” ao seu lado. Todo o resto estava fora desta bolha de
excitação e embriaguez em que ele me colocara.
— Sim, eu aceito! — Rocco quase gritou com o padre,
excitado como eu me sentia.
— Eu aceito — respondi quando foi a minha vez. Minhas
bochechas ruborizadas imaginando como seria quando seus lábios
finalmente tocassem os meus, quando ele tomasse o que eu havia
resguardado por uma vida inteira.
Então o padre liberou para que ele me beijasse. Rocco
titubeou, porém era nítido, em seu olhar eletrificado e afobado, o
quanto ele estava desesperado para me tocar. Minha pele ansiava,
era quase uma dor física do tanto que eu aguardei este momento.
Mais um instante, uma batida de coração, uma respiração
arfada. Ele passou a língua entre os lábios e eu enxergava tudo
como se fosse em câmera lenta. Buscou a resposta em meus olhos.
Os dele com as pupilas dilatadas ao extremo, as mãos nervosas. A
direita rondava próxima ao meu o meu rosto, aguardando.
A mão onde estavam as letras L, O, S, T, perdido, em “caso
perdido” entrelaçada na minha. Só que comigo ele nunca estaria
perdido, sempre seria encontrado.
Dei um curto aceno positivo, incentivando-o a me tocar, e ele
veio com tudo para cima de mim. Era o meu primeiro beijo e seria
com Rocco, a quem eu havia escolhido para amar. O meu momento
de felicidade plena, pelo qual ansiei, apanhei e chorei. Era o fim da
tormenta, a minha terra prometida.
Senti-lo me envolver em seus braços era como o céu na
Terra, tão intenso, intoxicante, devastador. Eu me agarrei às suas
costas largas por equilíbrio, o que pareceu incendiá-lo ainda mais.
Mas era um fogo bom, que queimava ao nosso redor, de dentro para
fora e me fez gemer em apreciação. Senti o seu membro enrijecido
entre nós e meu centro se retorceu. A língua dele ultrapassou meus
lábios esfregando-se à minha com uma devassidão esmagadora.
Rocco me desfazia e me refazia a cada batida do meu
coração que o pertencia. Ele mordiscou meu lábio inferior, eu gemi
seu nome, o que o fez voltar a me beijar ainda mais voraz, sedutor,
silenciando-me e engolindo meus ofegos. Nós éramos o encaixe
perfeito. Os únicos entre milhares, o que eu jamais conseguiria
descrever ou tirar de dentro de mim.
Segurou em minha nuca, conduzindo o beijo como ele queria,
mostrando-me exatamente como me perder ainda mais nele. Eu
também emaranhei meus dedos em seu cabelo, apertando os dedos
com força, o que ele pareceu gostar, pois me correspondeu com um
som profundo que perpassou dos seus lábios para os meus.
— Rocco. — Era a voz sombria de Cesare nos trazendo de
volta à realidade. Mas meu corpo ainda estava colado ao dele, seu
braço passado nas minhas costas, e minha mente presa naquele
novo local que ele me levou enquanto nos beijávamos.
Senti a sua agonia como se fosse a minha, Cesare o estava
fazendo parar de me beijar, estávamos no meio de centenas de
pessoas. Só então me dei conta de que ele tinha razão. Rocco se
descontrolou e me levou com ele. Por mim, ele poderia continuar me
beijando por horas e horas, eu não me importaria.
— Você me desculpa? Por favor, Gaia, eu não queria te fazer
chorar no dia do nosso casamento. — Foram as primeiras palavras
que eu o ouvi dizer em sua voz rouca de desejo.
Arfei por ouvi-lo falar daquela forma, sincero, arrependido,
toda a minha pele se retorcendo e se arrepiando de dentro para
fora. Assenti e meus olhos se encheram mais, a mistura de
emoções boas me deixando um pouco fora de mim. Ele me puxou
para si, em um abraço e me beijou suave, apenas colando nossos
lábios.
Agora era um beijo cuidadoso, de adoração, como deveria ter
sido o outro. E ainda assim me acendeu, pois a pulsação constante
no meu baixo ventre não cedeu, espalhando-se fervente sob a
minha pele. Ele era lindo demais e meu.
— Rocco, chega — Cesare o advertiu e então ele me soltou,
entrelaçando as nossas mãos.
Levou a minha mão até a boca, e beijou as costas, com elas
unidas. O “lost” naqueles dedos era um paradoxo. Ele não era um
caso perdido.
Ergui o meu buquê de volta para a cintura, a pose tradicional
de uma noiva, e não fazia ideia de como estava o meu penteado
depois do beijo, mas não me importei. Meu sorriso escancarado à
mostra para todos deixava claro que meu pai não mandava mais em
mim, Rocco também estava sorrindo, espelhando a minha
felicidade, como naquela primeira foto que eu vi dele três anos
atrás.
Era o meu sonho se tornando realidade. Ele seria o amor da
minha vida.

Durante a festa, Rocco não tirava as mãos ou a boca de mim.


Sempre que não estávamos posando para fotos — até mesmo nelas
—, ele me beijava. Eu não me importava com o que pensariam, que
se danassem todos. Ele era meu marido, o que ele quisesse fazer
comigo, ele faria.
Meus lábios já estavam dormentes e agora eu já sabia um
pouco melhor o que fazer com o a minha língua na dele. Minha
calcinha ficava ensopada com seus dedos em toda parte, eu queria
acabar a festa, ir para a noite de núpcias e deixar que ele me
tocasse.
Graziella e Vito desapareceram da festa. Senti falta dela
depois da dança com Rocco, papá, Don Salvatore e Don Lorenzo.
Então finalmente eu estava nos braços de Guilly.
— Vou sentir sua falta — murmurei para ele e pela primeira
vez desde que entrei na igreja, meus olhos se encheram de
lágrimas que não eram de contentamento.
— O quanto você bebeu? — Guilly tinha o tom de voz de
reprovação que parecia muito com o de papai. Estalou a língua no
céu da boca e beijou minha têmpora. — Não é a última vez que
vamos nos ver, prometo.
Guiou-me em um ritmo lento da dança, até quase o final.
Porém, antes que a música acabasse, Rocco estava de volta,
separando-me de Guilly com um abraço por trás.
Soltei um gritinho surpreso e ele me virou em seus braços,
jogando-me sobre seu ombro. Muitos uivos e assobios por parte dos
calabreses foram ouvidos.
A outra famiglia era muito diferente da qual eu havia crescido.
No meu lar, só havia tristeza e frieza. Se não fossem meus irmãos e
Paola, eu não teria sobrevivido, mas ali, envolta por calabreses,
sentia como se toda a minha vida fosse mudar. Não havia a mesma
dureza e formalidade, muito pelo contrário.
Os calabreses eram barulhentos, incontidos, livres.
— Rocco, não ultrapasse os limites — Cesare alertou o irmão
com a sua voz fria, segurando o antebraço descoberto do seu
gêmeo.
Cesare ainda trajava o terno perfeitamente alinhado. Meu
marido já estava sem a gravata e sem o paletó. A camisa com os
primeiros botões abertos e as mangas enroladas, revelando seus
braços tatuados. O cabelo assanhado, do tanto que ele passou os
dedos entre os fios em sua agitação constante.
Meu penteado também estava desalinhado e meus cabelos
balançavam com os cachos desfeitos. De cabeça para baixo, o
enfeite cairia em breve, mas eu não me importei. Um de meus saltos
caiu e eu também não liguei, meus pés estavam me matando.
A irmã de Rocco apareceu e retirou o outro salto, segurando-
os juntos.
— Você vai querer isso depois que não estiver tão bêbada. —
Sorriu para mim e eu a adorei.
Donatella era linda! E os irmãos pareciam ter com ela o
mesmo relacionamento que Guilly tinha conosco. Não eram frios.
Nada neles era frio. Apenas Nero não havia se aproximado, na
verdade, ele mal ficou na festa.
Muitos gritos de “leva ela pra cama!” ou “arranca esse
cabaço!”, começaram a ser ouvidos e minhas bochechas
queimaram quando eu entendi o que estava acontecendo. Rocco
estava literalmente me carregando para a cama. Na frente de todos.
Don Lorenzo gargalhava, a ponto de tossir, da mesa onde
meu pai também estava e o vi vermelho, enfurecido. Não era assim
que os casamentos funcionavam entre os sicilianos. Tive vontade de
erguer meus dedos do meio para ele e berrar a plenos pulmões que
eu não era mais uma Velacchio de merda como ele.
— Relaxa, porra! Está tudo sob controle, Cesare! — Rocco
continuou, seguindo entre a multidão comigo em seu ombro.
Prensei os lábios juntos, sentindo-me um pouco enjoada por
estar de cabeça para baixo. Durante a festa, eu havia bebido mais
do que durante o dia e agora estava oficialmente bêbada. Rocco era
cumprimentado por todos enquanto saíamos do salão e entrávamos
no corredor que daria ao elevador.
— Rocco, eu acho que vou vomitar — anunciei e ele me
desceu de seu ombro, na frente das portas metálicas.
Segurou meu rosto entre as mãos, com aquele sorriso
perfeito. As covinhas indecentes em suas bochechas me faziam
fervilhar.
Por que eu bebi tanto? Não queria passar mal na minha
primeira vez.
— Nós vamos subir e você toma um ar. Chegou a comer
alguma coisa? — Apertou o botão do elevador insistentemente, e eu
queria rir ao ver o seu entusiasmo e seu cuidado comigo.
Neguei, ele apenas sacudiu a cabeça em negação, sem
perder o sorriso, esfregando a barba que a essa altura era apenas
uma sombra, envolveu meu corpo com um braço e me levou de
encontro ao seu peito, como se não conseguisse tirar as mãos de
mim.
Descalça, minha testa batia no seu peito, ele era alto, talvez
um e noventa ou perto disso. Seu cheiro era fantástico, mas estava
fazendo algo com meu estômago. Dedos brutos seguraram meu
cabelo na nuca, forçando-me a olhá-lo.
— Você é linda pra caralho! Quando eu te vi naquela foto,
quis você na hora, mas não imaginava que você ficaria tão linda,
porra. Mal posso esperar para te foder.
Suas palavras me pegaram de surpresa com a crueza.
Nenhum homem falara assim perto de mim e eu gostei. Rocco não
usava máscaras, ele era como um vidro. Em nenhum momento,
senti medo ou hostilidade vibrando dele para mim como sentia em
outros made men.
Era proibido e permitido, simultaneamente.
Fiquei confusa sobre o que ele havia dito sobre a foto, mas
minha boceta começou a pulsar novamente com a promessa de
devassidão em suas palavras. Os olhos elétricos estavam tão
dilatados que o azul era quase um anel ao redor das pupilas. Eu me
sentia excitada, intoxicada pela sua beleza libertina, entretanto, um
enjoo persistente se formava no meu estômago em ondas que me
arrepiavam e cobriam minha pele com um suor frio.
Ao entrarmos no elevador, o movimento da subida e o cheiro
dos nossos perfumes misturados no local fechado fez com que eu
ejetasse o conteúdo do meu estômago na barra do meu vestido.
— Puta merda! — Rocco praguejou em italiano e se
aproximou, segurando o meu cabelo. Meus olhos encheram de
água, enquanto eu ainda vomitava.
O elevador parou, mas era o andar errado, porque ele
pressionou o botão já aceso freneticamente. Um casal ia entrar no
elevador, mas eu permanecia vomitando. A cena foi extremamente
humilhante.
Quando paramos no andar certo, ele me pegou nos braços
sem se preocupar se eu ainda podia vomitar sobre ele. Passou os
braços atrás das minhas pernas e das minhas costas, xingando uma
porção de palavrões quando não conseguiu passar o cartão na
porta.
A movimentação rápida me fazia ficar ainda mais tonta, eu
estava perdendo a consciência.
— Não dorme, Gaia, por favor! Merda! — Colocou-me no
chão, imprensando o meu corpo com o dele na parede e encaixou o
cartão. — Filho da puta, abre, caralho!
Eu ainda vomitaria, tinha certeza, mas Rocco não se
importou, levando-me direto para o banheiro da suíte em seus
braços e foi abrindo o meu vestido com pressa. Meus dentes batiam
e eu tremia da cabeça aos pés.
— Eu vou... — Estendi a mão fraca na direção do sanitário,
ele ergueu a tampa bem a tempo de eu vomitar mais.
O som da descarga pareceu como se levasse todas as
minhas forças com a água descendente. Eu estava gelada, as mãos
de Rocco dando tapas no meu rosto para me manter acordada
quase não eram sentidas.
Não era assim que eu havia imaginado o meu conto de fadas,
o início do meu felizes para sempre.
CAPÍTULO 10

Caralho, ela deu perda total antes mesmo de chegarmos ao


quarto. Consegui manuseá-la depois que desmaiou e retirar aquele
monte de pano que a cobria.
O corpo de Gaia era perfeito, mas não foi assim que eu
imaginei vê-lo a primeira vez, merda. Sua lingerie branca escondia
quase nada de suas curvas matadoras. Ela não era magra como
uma modelo, tinha seios grandes e quadris largos como uma
ampulheta. As coxas morenas estavam amolecidas quando entrei
com ela dentro do box, tirando apenas os sapatos e ligando o
chuveiro na água morna.
Minhas roupas ficaram ensopadas, mas não me importei,
cuidar dela era mais urgente. Ela precisava se aquecer e acordar.
Não era seguro deixá-la dormir se ainda fosse vomitar. Seus lábios
perfeitos estavam esbranquiçados, já completamente sem o batom
do tanto que eu a beijei durante a festa.
Gaia entrando na igreja para vir para mim parecia como um
anjo, como se não houvesse nenhuma outra mulher no mundo,
apenas ela. E eu fiquei ansioso pra caralho. Durante a festa, bebi,
fiz umas carreiras, mas passei longe das bolinhas[17] que meus
primos estavam usando, não queria estragar tudo.
Que ironia do caralho, eu consegui me manter parcialmente
sóbrio e minha jovem esposa encheu a cara a ponto de não estar
em condições de uma noite de núpcias.
Aposto como até Cesare riria da minha cara. Nero com
certeza riria.
Acariciei o seu rosto, vendo a água morna rolar pelos seus
cílios grossos e a maquiagem escorrer preta deles. Eu só precisava
que ela acordasse. Seus olhos verdes entreabriram, as pupilas
quase fechadas, ela perderia a consciência novamente.
— Não dorme, Gaia, eu preciso que você fique aqui comigo
— sussurrei para ela, encostando minha testa a sua, sob o jato
d’água. Aquelas palavras continham uma verdade gigantesca.
Não queria ter de levá-la à emergência para tomar glicose na
veia. Nosso casamento já havia sido escandaloso o suficiente e eu
tinha certeza de que ela ficaria envergonhada se alguém mais
soubesse. Eu ficava quando era comigo. Ela não precisava ter
vergonha de mim, eu cuidaria dela e não a julgaria por ter perdido o
controle.
A forma como Gaia olhou para mim durante aquela
cerimônia, como repetiu as palavras tradicionais — que podiam não
significar nada para as outras pessoas, uma vez que elas haviam
sido ditas tantas vezes ao longo dos séculos —, entraram em mim e
eu acreditei.
Ela prometeu me amar na saúde e na doença, na alegria e na
tristeza, e eu acreditei. Precisava acreditar, já que não merecia. Só
que eu era um fodido, cobraria esta promessa como se fosse uma
dívida.
Havia uma espécie de conexão toda vez que eu a tocava.
Gaia havia se entregado para mim no instante em que seu pai
depositou a sua mão na minha. A partir dali, uma espécie de elo
começou a ser moldado. Eu sabia que ela sentia também. Na
verdade, era como se ela o tivesse instigado em mim.
Eu também prometi e faria o meu melhor para cumprir, ao
menos, alguma promessa na minha vida. Na saúde e na doença...
por ela era fácil. Ri comigo mesmo, porque eu era o fodido de nós
dois, o drogado, mas já no primeiro dia, minha pequena Gaia
mostrava a que tinha vindo.
Gaia era alegria engarrafada e eu havia aberto a tampa.
Esta era ela, estourando como um champanhe.
— Desculpa — murmurou e tentou levantar a mão para tocar
meu rosto.
Seus membros pesados indicaram que ela estava longe de
sair daquele estado. Eu a vi beber na festa, o que acompanhei
foram algumas taças de champanhe, mas talvez ela já tivesse
bebido durante o dia e não fosse acostumada. O álcool não tinha o
efeito veloz como a coca que em meia hora já se podia dar outro
tiro. Ele ia te pegando aos poucos e cada vez mais.
Eu precisava lembrar de ficar de olho nela para não beber
tanto.
— Não tem problema, você vai retribuir, pode ter certeza. —
Tentei beijar seus lábios mas ela esquivou.
— Eu não estou com nojo de você, Gaia. Para com isso! —
Ri, mas ela apenas gemeu uma negativa. — Vou te ajudar a escovar
os dentes, só fica acordada pra mim, pode fazer isso?
— Nós ainda vamos fazer sexo? — Sua voz saiu engrolada,
porém não temerosa. A cabeça pendeu para trás, batendo
levemente no azulejo, coloquei a minha mão atrás, para impedi-la
de se machucar.
— Não com você assim. — Sorri para ela, que tentou sorrir
de volta e cambaleou para o lado. Desliguei o chuveiro. — Mas nós
vamos fazer muito sexo, porque eu estou te vendo pelada e você é
tão fodidamente gostosa que eu estou tendo dificuldade em não
ficar de pau duro.
Brinquei para amenizar seu constrangimento e ela me deu
seu sorriso bêbado e até esse era fodidamente bonito.
Carreguei-a no colo, pingando pelo quarto, e a coloquei na
cama. A lingerie ensopada era tentadora. Eu havia mentido, estava
fodidamente duro. A calcinha mal cobria a sua boceta depilada e o
material do sutiã úmido permitia ver o contorno perfeito dos
mamilos. Seu rosto com a maquiagem escorrida não tinha perdido
nada da beleza e o cabelo formava uma poça no lençol, ela parecia
um sonho molhado. Literalmente.
— Está tudo girando — choramingou. Coloquei-a sentada,
apoiada na cabeceira e retirei seu cabelo da testa.
— Melhor?
— Não, acho que vou vomitar de novo — gemeu e tentou
levar a mão a boca.
— É uma forma de acabar logo com isso. Meter o dedo na
garganta e tirar o excesso, depois você vai dormir e acordar se
sentindo uma merda. Mas se acostuma. — Acariciei seu cabelo,
focando em seu rosto.
— Você é tão lindo! Eu estou estragando tudo... Eu sonhei
com isso, a nossa noite perfeita, com você... Eu sonho com você há
anos! — Gargalhei e ia beijar sua testa, mas ela me empurrou e só
teve tempo de debruçar a cabeça para fora da cama e vomitar nos
meus pés descalços. Ri por dentro para que ela não achasse que ria
dela.
Eu merecia Gaia. Na porra da saúde e na doença.
Ela vomitar em cima de mim era um recado bem dado do
universo provando que karma existia. Mas o pior de tudo era ela me
deixando de pau duro enquanto vomitava a vida para fora, porque
encheu a cara no nosso casamento.
Essa garota era perfeita para mim.

Gaia passou mal a noite toda e eu também estava bêbado.


Não muito, mas quando o efeito da coca passou, fiquei naquele
ponto de precisar dormir, porém, não o fiz. Não queria fazer umas
carreiras na frente dela, então fiquei a noite toda ansioso querendo
cheirar, foder ou dormir, e não podendo fazer nada disso.
Quando ela finalmente acordou, seus olhos verdes não
queriam encontrar com os meus. O quarto tinha cheiro de
desinfetante, por causa do serviço de quarto que eu convoquei
durante a madrugada, e ela me perguntou como havia sido a noite,
se foi tudo certo. Ficou mortificada quando expliquei que ela ainda
era virgem.
Tentei não ficar ofendido por ela pensar que eu a comeria
inconsciente da forma como estava. O que só me dava pistas de
como Gaia fora criada. E se eu já achava os sicilianos uns merdas,
o poço ficava ainda mais profundo.
Não quis questioná-la se ela havia bebido tanto por isso, por
medo, pois ela estava claramente envergonhada sobre a noite
anterior, então resolvi deixá-la em paz.
Pedi o café da manhã no quarto. Tomei banho e fiz duas
carreiras escondido dela. Tínhamos um longo voo de volta para
casa, ela precisava curar a ressaca e eu precisava ficar alerta.
Encontrei-a sentada em uma cadeira da varanda,
perfeitamente arrumada e composta como uma princesa, em um
vestido preto de alças que era tentador, deixando suas coxas
bronzeadas expostas. Uma camada de maquiagem encobria as
olheiras sob seus olhos, mas eu vi que estavam inchados. Ela havia
chorado.
— O que foi, Gaia? — A ansiedade de ter feito algo errado,
de que ela ainda estivesse chateada pela merda do fiasco da minha
despedida de solteiro começou a me corroer. Também a vontade de
fumar um baseado para me acalmar e ser gentil com ela.
Isso aqui não era solo comum para mim: ser agradável e
atencioso com uma mulher, mas esta era a minha. Gaia me dava
vontade de ser bom, de acertar e ao mesmo tempo, eu já sabia que
erraria. Ela precisava gostar de mim antes. Eu era um babaca deste
nível. Eu a faria me amar primeiro, para que depois, quando eu
fizesse as merdas inevitáveis, ela não pudesse mais me detestar.
— Eu estou tão envergonhada! Nunca aconteceu isso
comigo, nunca bebi assim, a ponto de vomitar. Estraguei tudo. —
Ouvi-la dizer aquilo sóbria, com o mesmo tom de voz que eu
escutava saindo dos meus lábios, quando era eu quem falhava e
decepcionava as pessoas ao meu redor, fez com que um sentimento
sombrio me revestisse. Ela nunca teria que pensar assim, não
comigo.
Agachei-me na sua frente, ficando na altura de seus olhos e
vi suas unhas longas, que ela cutucava nos cantos. Consegui
imaginá-las arranhando as minhas costas, ou cravadas na minha
bunda enquanto eu me afundava no meio daquelas coxas.
— Não estragou nada. Para início de conversa, eu não sei
com quem você pensa que se casou, Gaia, mas eu sou o rei dos
porres inapropriados se não te contaram. — Dei um riso ácido, sua
mão veio até o meu rosto com a barba por fazer.
Adorei a sensação de sua mão ali e beijei sua palma. Ela
arfou, observando a minha boca, repeti os movimentos, dando
beijos com a boca aberta na sua palma e lambendo-a, como se
fosse a sua boceta. Suas bochechas se avermelharam e a
respiração falseou. Observei a pele de seus braços, ao redor da sua
clavícula e o decote recatado que ela usava. Lembrei dos seios
lindos e de todas as curvas. Eu queria lambê-la inteira.
Estava maldormido, com tesão e as carreiras que fiz no
banheiro não haviam sido suficientes para me manter focado o
bastante.
Sabia que a minha barba estava arranhando a sua palma,
mas ela não recuou, muito pelo contrário, pressionava a palma
ainda mais. Meu pau endureceu dolorosamente e eu queria que
tivéssemos mais tempo para finalmente consumarmos esse
casamento de forma apropriada antes de partirmos. Ainda teria que
aturar algumas horas dentro do avião com o olhar afiado de Don
Lorenzo e Cara Spada sobre mim.
— Eu vi alguma coisa sobre isso. — Ela me deu o seu sorriso
lindo. — Você costuma sair muito... muitas festas, muitas
mulheres...
Ela ia fechar a mão, mas segurei seu pulso e chupei seus
dedos sem tirar meus olhos dos dela.
— Isso foi antes. — Tentaria com todas as minhas forças
honrar essa promessa. O sorriso que recebi foi incentivo o
suficiente.
Meus pais tinham um casamento de verdade. Eu tentaria
fazer o nosso ser também. Gaia era jovem, apenas dezoito, eu era
apenas cinco anos mais velho que ela, nós tínhamos tudo para fazer
dar certo também, afinal de contas, não havia divórcios na nossa
vida. Ela seria minha esposa até o fim.
— Suas festas têm pessoas legais e... parece divertido. Eu...
eu nunca fui a nenhuma festa.
— Eles só parecem legais. Se fossem, eu não precisaria
encher a cara para suportá-los, mas eu vou te levar e você verá com
os próprios olhos. — Voltei a beijar sua mão, agora as costas,
subindo para o pulso.
— Você vai me levar? — Gaia era linda e inocente olhando
para mim com surpresa, quase aterrorizada.
Não fazia ideia de como as sicilianas eram criadas, mas eu
lembrava de como o babaca do Velacchio tratava o filho homem,
imaginava como deveria ser com as meninas. Como eu queria que
ele cumprisse logo a sua parte do acordo para matar aquele filho da
puta.
— Claro...
— Era a nossa noite de núpcias... Era para ter sido especial.
— Seus olhos verdes desceram, envergonha, mas eu subi a boca
para o seu ombro, encaixando-me entre as suas pernas, que ela
abriu para mim instintivamente.
Ela era uma dessas, uma das românticas e sonhadoras. Eu
não podia dizer que eu tivera algum relacionamento decente.
Algumas mulheres ficaram um pouco mais de tempo por perto, mas
como eu sempre soube que teria um casamento arranjado, nunca fiz
questão de ter alguém.
Só que por ela, eu faria o esforço, tentaria trazer um pouco
de calmaria para a tempestade que eu era.
— Ainda vai ser... Vou fazer ser especial. — Segurei seu
queixo e a beijei lento e torturante. Aproveitando seus lábios e o
gosto de pasta de dentes.
Era para ser um beijo tranquilo, reconfortante, mas ela
perdeu o controle, envolvendo meu pescoço e me puxando para si,
fazendo-me perder o equilíbrio e ajoelhar no chão, entre as suas
pernas.
Deixei que conduzisse o beijo e sua inexperiência me deixava
um pouco fora de mim. Ela não era calculada, não era
propositalmente sensual. Era só instinto, natural, chupando meus
lábios como se fosse a cabeça do meu pau — provavelmente nunca
chupara um e aquilo me deixou eufórico, só de imaginá-la me
pagando um boquete com seus olhos verdes focados no meu rosto.
Abri suas pernas, sentindo o calor da sua boceta atravessar a
minha blusa, direto para o meu abdômen. Espalmei as mãos na sua
bunda e Gaia se esfregou contra mim, agitada, excitada, implorando
por prazer. Passeei as mãos pelas laterais das suas pernas, subindo
seu vestido, querendo comê-la assim, metendo o meu pau bem
lentamente, até que ela gemesse alto implorando para gozar e nos
ouvissem no primeiro andar.
Gaia abriu mais as pernas me dando o acesso que eu
quisesse, responsiva, entregue. Nossos movimentos coordenados,
encaixados como se já tivéssemos feito aquilo antes. Em nenhum
momento, demonstrou nenhuma trava. Quando a beijei no
casamento, ela se entregou completamente, sem qualquer
vergonha, como era o esperado. Durante a festa, eu a alisei, passei
a mão em seu corpo e ela me permitiu, não se esquivando ou
estranhando meus toques. Fodidamente perfeita. Gaia estava
sedenta, como se já soubesse o que a esperava.
— Alguém já tocou você assim antes? — A rouquidão em
minha voz a pegou de surpresa.
Só de imaginar que alguém a havia tocado antes de mim, a
linha da minha sanidade deu um pico imediato e Gaia percebeu,
querendo trancar as pernas de vergonha, mas eu a impedi.
— Alguém já meteu a mão na sua boceta antes de mim. —
Fiquei imaginando se ela era como Donna, que transava com
mulheres e dava a bunda por aí para não perder a virgindade.
Claro que não. Não com aquele pai de merda.
Os olhos de Gaia ficaram arregalados em surpresa e ela se
fechou completamente, com medo visível. Tentei afastar aquele
pensamento, porém raiva cobriu a minha visão, imaginando algum
de seus seguranças comendo o seu cu pelas costas do Velacchio e
minha Gaia gemendo para outro, com pau enterrado dentro dela.
Outro com a boca em sua boceta depilada, um filho da puta sem
forma gozando dentro dela.
— Nunca! Eu nem havia sido beijada! Eu me guardei toda
para você. Desde que meu pai disse que eu seria sua. — Fechou as
pernas, ultrajada e eu afastei meu quadril.
Merda! Estraguei o momento! Por que fui abrir o caralho da
boca?
Segurei seu queixo, querendo me desculpar. Encontrei
decepção. Ah, eu reconhecia decepção, era familiarizado em ser o
lado recebedor dela. Minha esposa abaixou os olhos e eu os vi
avermelhar. Eu a faria chorar, de novo.
Filho da puta, idiota! Isso que eu era.
— Desculpa... — pedi novamente. Pela segunda vez em vinte
e quatro horas, eu pedia pelo seu perdão. — Eu não devia nem ter
perguntado. Não me importo. Na verdade, eu me importo, mas não
brigaria com você.
— Eu não... Nunca nem... nunca nem... — Ficou
envergonhada e abaixou mais os olhos, quase fechando-os. Suas
bochechas coradas de vergonha.
Outro pico de paranoica e a linha tremulou e corroendo-me
por dentro.
— Nunca o quê? Use as palavras, Gaia. — Comecei a ficar
impaciente outra vez. A linha ainda não estava de volta no lugar, eu
precisava me acalmar.
Respirei fundo e soltei seu rosto sem querer assustá-la.
— Eu nunca nem gozei! Pronto, feliz? — Seus olhos verdes
escureceram de raiva e meu pau pulsou mais forte. Pensei em nós
dois fodendo com raiva e a imagem foi fodidamente perfeita.
— Feliz? Não, isso é uma merda para você. — Ri e ela me
acompanhou. Então levantei e acendi um cigarro. — Vou te fazer
gozar.
— Eu li que algumas mulheres não conseguem... — Ela me
deu um olhar aflito, como se já se desculpasse caso ela não
conseguisse ter orgasmos comigo.
Gaia havia sido criada para servir ao marido. Sicilianos
fodidos do caralho!
— Alguns caras não conseguem fazer as mulheres deles
gozarem, a minha vai. Vem comer. Não vou te dar seu primeiro
orgasmo em uma porra de cadeira de varanda, com você de
ressaca e depois de eu ter sido um babaca. — Estendi a mão. Gaia
prendeu o olhar na minha virilha e eu tinha certeza de que estava
reparando o contorno do meu pau.
— Vou te apresentar a um pau também, mas vem comer
primeiro, vai ajudar na ressaca, eu prometo. Rei da ressaca,
lembra? Vem.

Gaia se encolheu em mim quando enfrentamos o batalhão


Spada a caminho do aeroporto. Ela teria todo o tempo do mundo
para se acostumar. Algo que ela talvez não soubesse é que
continuaríamos morando com eles. Não havia por que nos
mudarmos. E meu pai foi taxativo quando exigiu que eu ficasse por
perto depois da merda que houve em Tijuana.
Estranhei sua família não ter vindo se despedir, mas se ela
ficou chateada, não disse nada.
— Ainda está passando mal?
— Não, os remédios funcionaram, eu só estou com muito
sono — murmurou para mim.
— Ressaca, lindona? — Donna se meteu na conversa a
caminho do jato sem ter sido convocada e entregou uma pequena
sacola nas mãos de Gaia. — Seus saltos de noiva. Imaginei que
você quisesse guardar.
Amei Donatella por ter colocado um sorriso no rosto de Gaia
tão facilmente. Donna era uma intrometida, promíscua e às vezes
uma vadia manipuladora, mas eu a amava. Passei meu braço sobre
os seus ombros, beijando a ponta do seu nariz e ela se afastou, pois
eu estragaria a sua maquiagem.
— Você vai gostar da minha irmã, vocês têm quase a mesma
idade e é uma merda pensar sobre isso, porque ela sempre foi a
caçulinha, mas eu não te vejo assim, Gaia, nem um pouco.
Ela me deu um sorriso presunçoso.
— Eu sempre pareci mais velha que Gra..., que a minha irmã.
— Notei como evitou falar o nome da irmã e desviou o olhar do meu.
— Você pode falar dela, eu não me importo. Nunca quis sua
irmã. O problema não foi ela, especificamente, foi ela ter sido
roubada. O Rigori me fez um favor, papá estava me obrigando a
casar com ela — confessei e ela estacou fazendo com que o meu
próximo passo fosse interrompido.
— Então você não queria se casar com a Grazzi? — Seus
dedos presos nos meus apertaram com força. Ela realmente
pensava que eu preferia a sua irmã e a estava recebendo um
prêmio de consolação ou coisa assim?
— Claro que não!
Não compreendi o porquê senti necessidade de reassegurar
Gaia desta forma. Talvez fosse por eu ter tantas dúvidas a respeito
de mim mesmo, o tempo inteiro.
Gaia havia demonstrado tantas semelhanças comigo, as
piores partes de mim: as inseguranças, as culpas... Eu não queria
para ela as mesmas merdas pelas quais eu passava.
Ela não era meu fodido prêmio de consolação.
Ela não era resto de Graziella, como eu era de Cesare.
Eu esperava as lágrimas felizes que se formaram em seus
olhos. O que não esperava era que Gaia pulasse sobre mim,
escalando minhas roupas e me beijasse desesperada.
Segurei a sua bunda, sendo invadido pela euforia que ela
sentia e que escalonava a minha. Felicidade pura. O sorriso entre os
beijos, suas coxas deliciosas ao redor da minha cintura e a sua
boceta quente esfregando na minha barriga. Beijei seus lábios com
violência e o tesão que eu já estava sentindo ressurgiu violento
enquanto eu a beijava.
— Rocco, sei que estão em lua de mel, mas não é hora e
nem lugar. — Cara Spada tentou nos chamar de volta. — Lorenzo!
— berrou pelo meu pai.
Gaia não me soltou, suas mãos desesperadas em meu
cabelo, todo o seu corpo tremia, os seios prensados no meu peito e
as respirações se cruzavam enquanto ela me beijava. Ela era como
uma droga que eu ainda não havia experimentado. A onda que
minha esposa me dava era um entorpecimento melhor que ácido, a
euforia melhor que da coca
Como a tudo a que me entregava, ela me viciaria
rapidamente.
CAPÍTULO 11

— E vocês achando que uma siciliana seria fria e recatada.


— Era a voz de Nero Spada, às gargalhadas, passando por nós e
subindo no avião.
Soltei o cabelo de Rocco, olhando para os seus lábios
inchados do beijo, os olhos com as pupilas dilatadas e os globos
oculares um pouco avermelhados, provavelmente pela privação de
sono, por ter cuidado de mim a noite toda.
Ele me escolhera quando havia uma opção. Guilly não
mentiu. Eu o escolhi quando ele passou a ser uma opção. Nosso
casamento já era real.
Desci de cima dele, e vi meus sogros olhando para nós dois
como se fossemos crianças levadas. Então olhei para Rocco
esperando que ele me repreendesse pelo meu impulso de tê-lo
beijado e por ter me excedido.
Não sabia o que estava acontecendo comigo. Ou melhor, eu
sabia, não conseguia conter meus impulsos ao redor dele. O que eu
sempre fui doutrinada a fazer não funcionava quando ele se
aproximava, porque Rocco levava consigo a minha racionalidade.
Ele era caótico.
Ao invés de me repreender, voltou a me beijar ainda mais
bruscamente, suas mãos na minha bunda, pressionando o meu
corpo no dele. Pude sentir seu membro rígido outra vez no meu
ventre. Havia um derretimento acontecendo sob minha pele, minha
cabeça flutuava e meu corpo inteiro pulsava. Meu centro contorcia-
se em si mesmo com seus lábios habilidosos contra os meus,
oferecendo-me ideias de onde mais aquela boca poderia estar.
Segurei-me em suas costas musculosas, querendo ver o que
havia ali embaixo. Sua língua passou sobre os meus lábios, e então
ele mordeu o inferior, depois meu queixo e minha mandíbula. O
aperto ficou ainda mais firme e eu me esfreguei nele, ondulando o
quadril, precisando de algum alívio.
— Cesare, dá um jeito nisso, parecem cachorros no cio! —
Don Lorenzo falou mais alto, rindo, e então Cesare tocou as costas
do irmão, encostando na minha mão sem querer.
Eu ainda estava perdida no beijo, mas Rocco pareceu
despertar. Era a segunda vez que ele perdia o controle e Cesare o
trazia de volta. O gêmeo sombrio olhava para mim com os olhos
estreitos, como se eu fosse um inseto indesejado. Engoli em seco,
recobrando alguma consciência.
— Sobe no avião, lá você pode sugar a cara dela o quanto
quiser, mas nem pense em ir para o quarto ou para o banheiro, ou a
senhora Spada vai mandar te castrar pela falta de respeito com
ela.
Rocco gargalhou e eu jurava ter visto uma sombra de sorriso
no rosto de Cesare. Tão diferentes... Era o mesmo rosto, feito da
mesma matéria: a mesma mandíbula quadrada e bem cortada; o
mesmo nariz, exceto que o de Rocco tinha um pequeno hematoma
na ponte, que evidenciava que fora quebrado algumas vezes; meu
marido também tinha uma cicatriz no queixo que eu só via porque
não crescia pelos na barba que ele não fez esta manhã; Cesare
mantinha uma barba perfeitamente aparada; o ponto alto da
sobrancelha direita de Rocco era um pouco mais caído, menos
simétrico que a de Cesare — talvez fosse mais uma marca de
brigas.
Rocco exalava liberdade e irreverência, também caos e
euforia. E havia aquele sorriso... Como no teatro grego: Rocco era a
máscara da felicidade constante e Cesare a da ira.
Meu marido entrelaçou seus dedos nos meus; o “perdido”
tatuado naquela mão encaixava na minha como se me encontrasse
na vida.
Depois que entrei na aeronave, vi que havia uma separação.
Eram poucos assentos, distribuídos como duas mesas e dois
pequenos sofás atrás. Don Lorenzo estava em uma mesa sozinho,
Cara e Donatella estavam na outra, olhando fixamente para mim.
Nero, com fones de ouvido no volume máximo, deitou-se no sofá
atrás do pai, e ignorava a nossa presença.
O mais novo Spada era o que me deixava mais insegura
ainda. Senti o corpo de Rocco atrás de mim, sua respiração quente
no meu pescoço deixando-me arrepiada ao sussurrar no meu
ouvido:
— Pode ir, vai ficar tudo bem. — Sua mão na base da minha
coluna me empurrou para sua mãe e irmã, então ele se sentou no
banco da janela, de frente para o pai, mas não sem antes mexer no
seu membro rígido, como se o ajeitasse antes de se sentar.
Minhas bochechas queimavam pela cena que fizemos antes
de subirmos, e eu estava envergonhada. Cesare sentou-se ao lado
do irmão, no corredor, e eu me sentei ao lado de Donatella, de
frente para Rocco, mas distante. E não conseguia tirar os olhos dos
gêmeos.
Era impressionante o quanto eles eram parecidos ao vivo,
entretanto, não havia nada de semelhante neles. Rocco vestia uma
jaqueta de couro, e outra de suas camisas brancas básicas por
dentro, com as quais eu já o vira diversas vezes nas milhares de
fotos que stalkeei ao longo dos anos. O cabelo bagunçado pelos
meus dedos, que ele apenas afastou dos olhos, jogando-os para
trás de qualquer jeito.
Cesare era a versão endurecida; vestia um terno de três
peças completamente preto, inclusive a camisa e a gravata, e
parecia ter acabado de sair do alfaiate de tão perfeitamente
alinhado; o cabelo penteado para trás chegava à nuca; seus dedos
tinham as unhas curtas e bem cuidadas, enquanto as de Rocco
eram roídas e as falanges eram tatuadas. Meu cunhado também se
movia pouco, quase calculado, servindo-se do drink da mesinha
entre eles; Meu marido balançava as pernas alternadas, para cima e
para baixo, pegando uma frasqueira de inox de dentro da jaqueta e
virando na boca.
— Como fogo e gelo — Cara Spada interrompeu minha
observação e eu fiquei constrangida por ter sido pega, abaixando os
olhos.
Donatella mexia no celular, mas ela não me enganava. Eu
sabia que estava prestando a atenção. Eles eram uma família como
Grazzi me instruíra antes do casamento. Eu estava sozinha.
Sozinha não, eu tinha Rocco.
— Não entendi — menti.
— Meus gêmeos, são como fogo e gelo. Você compreende o
que eu quero dizer? — Acreditava que sim, mas não quis
demonstrar o quanto ela me intimidava.
Cara Spada era uma mulher belíssima. Mais velha que a
minha mãe, uma beleza madura e esplendorosa. Os cabelos
castanhos escuros e os olhos azuis iguais aos dos gêmeos, como
se pudessem ser acolhedores como os do meu marido ou frios
como os do outro filho.
— Você ficou com o fogo, minha querida. E eu sei que você é
ainda muito jovem, talvez seja uma tarefa pesada demais. — A essa
altura, Donatella já tinha parado de fingir que mexia no celular e só
olhava para a tela com a respiração acelerando. Tão aflita quanto eu
sobre esta conversa. — Não jogue gasolina! Ele precisa de
serenidade.
Soube ali que ela não havia gostado de mim; que eu teria que
lutar para que ela acreditasse que eu merecia seu filho. Eles
escolheram Grazzi para Rocco, para eles, eu era o prêmio de
consolação.
— Eles já parecem um casal apaixonado em menos de vinte
e quatro horas, vai dar tudo certo, mamma. — Donatella deu o um
sorriso para a mãe, mas não parecia estar achando graça de nada.
Havia alguma tensão entre as duas. Talvez eu encontrasse
em Donatella uma aliada, entretanto, ainda era cedo. Odiei a
conversa, esse tipo de situação não estava prevista no meu “felizes
para sempre”.
Durante a viagem, Rocco e eu não parávamos de trocar
olhares e eu mal conseguia me conter em não sorrir de volta para
ele, enquanto ignorava o aconselhamento da minha sogra. Seu pai
lhe dizia alguma coisa, que ele claramente não prestava atenção, e
eu pude perceber como os gêmeos funcionavam um pouco. Cesare
repassava o que Rocco perdia, Donatella estava começando a fazer
o mesmo por mim quando eu perdia o fio da meada durante a
conversa com a senhora Spada. Recebi o sobrenome, claro, mas a
senhora era ela. Cara Spada estava estabelecendo sua dominância.
Mas não me deixei abalar, eu tinha Rocco, que não era como meu
pai.
Rocco era um pecado em outro nível.
— Tenho saudades disso — atestou Cara.
— De quê? — Voltei a encará-la e era o primeiro sorriso
honesto que ela me dava.
— Da paixão... Lorenzo é bem mais velho do que eu, mas eu
me apaixonei por ele no segundo em que meus pais ofereceram a
minha mão. Ele me cortejou por semanas trazendo presentes e
roubando beijos. — Meu sorriso se agigantou, pensando que fora
dali que Rocco havia tirado o exemplo para o seu comportamento
comigo. — Lorenzo queria que eu gostasse dele e conseguiu. Fez
quantos filhos quis em mim, e me deixa enfurecida quando procura
outras, mas eu o perdoo, porque ele tem todo o meu coração.
O quê?
Gelo me atravessou e percebi que ela me estudava
cuidadosamente. Aquilo era uma espécie de teste? Rocco disse que
aquilo não ia acontecer.
A quantidade de emoções misturadas que eu vinha sentindo
ao redor dos Spada era uma montanha-russa das mais perigosas. O
nó em minha garganta não desceria por nada. Peguei o copo d’água
na mesinha a minha frente e elas viram o quanto eu tremia. Não
ergui meus olhos para olhar para o meu marido e nem para
enfrentar o escrutínio de sua mãe.
Era quase como se ela estivesse me preparando,
oficializando que Rocco me trairia e eu teria que continuar a amá-lo
mesmo assim. Que mesmo que eu o amasse e que ele me tratasse
com respeito, zelando pelo meu sentimento, ele ainda assim seria
infiel e eu precisaria continuar amando-o, como sua mãe fazia com
seu pai.
Foi para isso que Rocco me empurrara para esta conversa?
Para que sua mãe me desse os avisos, para que ele não tivesse
que fazê-lo? Por que ele me trairia e queria que eu aceitasse?
Não percebi em qual momento a emoção passou do nervoso
para a angústia e então à raiva, mas Cara Spada tocou o meu
punho fechado sobre a mesa, obrigando-me a olhá-la.
— Rocco não é igual a outros homens, Gaia, ele não é igual
a ninguém que você conheça. — Agora ela parecia apenas uma
mãe muito preocupada. — Ele...
— Ma... — Donatella interrompeu e Cara desviou o olhar de
mim, recolhendo a mão no colo e olhando para fora.
O que estava acontecendo? O que Donatella a impediu de
me falar?
— Olha, você parece ser legal e está obviamente com os
hormônios à flor da pele sobre o meu irmão. Nós queremos que
você vire parte desta família, ok? Só... Entenda que Rocco... ele
precisa de ajuda, e se você não for ajudar, não fique no caminho.
Engoli em seco as palavras duras da Spada mais nova. Voltei
meu olhar para o de Rocco e ele parecia aflito, buscando meu olhar
com o cenho franzido para a mãe e a irmã.
Não sabia se ele ouvira o que elas me disseram, mas
claramente não aprovava. Pedi licença e fui até o fim do jato onde
havia duas portas. A primeira era um pequeno quarto, a outra era a
do banheiro, mas antes que eu entrasse no banheiro, Rocco fechou
a porta com força e abriu a do quarto, direcionando-me lá para
dentro. Não havia muito espaço para ficar de pé sem cair na cama.
— O que elas disseram para você? — Ele estava aflito,
rosnando as palavras para mim como se a culpa fosse minha, como
se eu tivesse pedido por aquela conversa desconfortável.
Meu marido estalava as juntas dos dedos, mordia o canto da
boca por dentro e suas pupilas dilatadas começavam a me dar
medo. Elas estavam sempre dilatadas.
— Elas estavam me preparando para quando você me trair!
— Arranquei meu braço de seu aperto, mas não havia muito espaço
para nos afastarmos.
Sua expressão surpresa me irritou ainda mais. Ele ficou
desarmado, como se não fosse a resposta que esperava. Seu olhar
se perdeu um pouco, então voltou para o meu com um sorriso
debochado nos lábios.
— Você ficou preparada?
Rocco riu! Esse desgraçado!
Encurtei a distância entre nós dois, ignorando o fato de que,
em minhas sandálias baixas, eu precisava erguer o queixo para
olhá-lo. Apontei o dedo no seu peito, fúria incontida rastejava como
uma serpente sob minha pele, lembrando das fotos, da humilhação,
das minhas lágrimas e da dor que eu jamais pensei que ele me
causaria.
Rocco era o meu lugar de paz, meu paraíso sagrado,
contudo, também era a promessa de queda, o fruto proibido que
seria a minha derrocada. O pecado que eu cometeria consciente.
Tudo isso em uma só pessoa, em um só olhar focado no
meu, com as pupilas dilatadas e uma intensidade alucinada que
chegava a me assustar. Assustador, mas o tipo de assustador que
era instigante, como o que levava as pessoas a fazerem coisas
arriscadas e era exatamente o que faria agora.
— Eu nunca estarei preparada para você me trair, Rocco!
Nunca! — Arrastei as palavras com raiva, pontuando-as com meu
indicador batendo em seu peito.
O som que saiu de sua garganta e a forma como ele me
envolveu e girou, colando minhas costas na porta, com um estrondo
alto, certamente deveria ter me deixado amedrontada. Rocco estava
produzindo uma energia escura, diferente de tudo o que eu havia
presenciado com ele. Mas não era o tipo de escuridão e feiura que
meu pai tinha ao seu redor, a dele era aconchegante, quente.
Sua mão segurou a minha nuca, puxando um pouco os meus
cabelos. Os olhos queimavam a minha pele, enquanto aquele
sorriso se transformava em um animalesco, um pouco fora de si.
Ameaçador, mas sem a intimidação.
Era desejo.
— Por quê?
Sua respiração acelerou aos poucos, superficial, deixando-
me sem ar só de assisti-lo. Espalmei as mãos em seu peito, a pele
estava quente e arrepiada tanto quanto a minha.
Tive dificuldade em processar alguma resposta. Vê-lo
ofegante, tão próximo a mim, embriagava-me e tirava-me o foco em
exigir que ele não procurasse outra mulher, que se satisfizesse
apenas comigo, como ele prometera fazer por mim.
A pele em seu pescoço se avermelhou com a intensidade da
sua ação, era como se ele estivesse fazendo algum tipo de força,
contendo-se, a veia ali pulsava visivelmente e eu pensei em beijá-lo
naquele local. Como se pudesse ler meus pensamentos, Rocco
expirou como um rosnado baixo que me fez latejar entre as pernas.
Colou nossos quadris, abaixando-se para ficar na altura correta e
seu membro rígido roçou exatamente onde eu precisava dele.
Os movimentos de vai e vem que ele fez sobre nossas
roupas já foram o suficiente para que eu soltasse um gemido.
— Eu quero tanto te comer, Gaia. Quero pra caralho! — Não
me deu tempo de resposta, beijando os meus lábios e erguendo
uma perna minha ao redor do seu quadril.
Puta merda! Era a perfeição.
Meu vestido subiu, apenas a calcinha e o jeans dele nos
separavam, mas era o que eu precisava. Mordi seus lábios
desesperada, esfregando-me contra ele como conseguia, até que
meu marido não aguentou mais e ergueu minha outra perna
também, sustentando-me colada à porta e fazendo os movimentos
de sexo, como se estivesse dentro de mim.
A sensação em meu corpo era uma espécie de urgência, a
cada movimento coordenado dele, repetido naquele ponto exato que
eu não saberia nomear, uma pressão crescente se formava. Fechei
os meus olhos com força, soltando o beijo e gemendo ofegante.
— Isso aí, Gaia. É assim que se goza. — Sua boca estava
em todo lugar: meu queixo, meu pescoço, sobre os meus seios.
E ele não parou, nem quando socaram a porta atrás de nós.
Eu estava no sétimo céu, sentindo-o me levar até além, esfregando
meu monte de nervos com a sua ereção. Minha calcinha
encharcava e eu me sentia cada vez mais melada. Perdi
completamente o controle, trancando as pernas ao redor de seu
quadril e convulsionando. Meu baixo ventre comprimiu, meu canal
contraiu com força, eu senti como se fosse cair, estilhaçada em
milhares de pedacinhos, mas Rocco estava me segurando.
Seus lábios encontraram os meus e meu estado ainda era
desesperado, afoito. Ele abriu um novo mundo para mim. Espasmos
ainda perpassavam o meu corpo, como se eu estivesse em mar
aberto ou em pleno voo.
— É isso, porra! Mal posso esperar para estar dentro de
você.
Mais socos atrás da porta. Rocco não me soltou, não me
deixou descer, ainda que agora eu estivesse hiper consciente do
que fizemos, do que ele havia feito comigo.
— Rocco... — falei ou gemi. Era para ter soado como um
pedido, para que ele me deixasse descer, nos tirasse dali de dentro,
mas soou apenas como um choramingo.
Seu sorriso amplo e convidativo, que prometia pecado e
redenção me atingiu no peito como uma flechada.
— Vamos sair antes que Cesare derrube a porta, ou pior, que
meu pai venha nos buscar. — Beijou minhas bochechas,
carinhosamente, e outro tipo de derretimento aconteceu. Uma batida
errada do meu coração.
Desci de seu colo e ele abriu a porta. Eu estava uma
bagunça completa. Cara Spada me olhava furiosa, mas ela
precisava compreender que eu não tive culpa.
— Senta aqui comigo, eles que se fodam. — Sentou-se no
sofá de frente para onde Nero nos olhava de rabo de olho, com um
sorriso escancarado, embora a música que ele ouvia estivesse
berrando dos fones.
Eu me sentaria ao seu lado, mas Rocco não permitiu,
colocou-me de lado no seu colo, os braços passados atrás das
minhas costas e sobre as minhas pernas, onde meu vestido estava
completamente amassado. Olhou para a mãe, mantendo alguma
conversa silenciosa, o semblante dela estava fechado.
Merda! Eu tinha uma sogra que não me aprovava.
— Eu não vou desrespeitar você, Gaia, não me propósito,
ok? Não quero mentir para você, mas eu não sou perfeito —
sussurrou para que apenas eu ouvisse. — Não vou fazer nada para
te magoar, não conscientemente. Você pode lidar com isso?
Passei um braço ao redor do seu pescoço, a outra mão sobre
seu coração e notei que seus olhos avermelhados delatavam a noite
maldormida, embora ele ainda parecesse plenamente acordado.
Alisei a sua barba, amando a sensação sob a minha palma.
Nunca tive liberdade de tocar homens, apenas Guilly e era
definitivamente diferente. Observei suas expressões faciais
ganharem vincos de preocupação, a respiração acelerar em aflição,
então deixei a mão repousada no seu peito e o coração retumbou
em minha palma.
— Eu posso lidar — prometi, mas tive medo quando vi o
tamanho do alívio que ele sentiu.
Com o que eu havia me comprometido?
CAPÍTULO 12

Sairmos da cidade todos de uma vez sempre dava merda.


Depois de aterrissarmos, nem tive tempo de trocar a calça que
estava com a mancha do gozo de Gaia bem sobre o meu pau, o que
só me deixava duro e querendo ir para casa e fodê-la.
Se ela não fosse virgem e uma romântica, eu a teria comido
ali mesmo. E só Deus sabe o quanto eu precisei de força de
vontade para não comê-la. Mas eu não queria estragar mais nada
com ela.
Minha mãe tentou adverti-la, antecipando que eu cagaria este
casamento em algum momento, mas eu, como um egoísta de
merda, impedi Gaia de pensar muito sobre aquilo. Eu não queria
dormir com ninguém, não queria magoá-la. Mas nem sempre as
coisas funcionavam como eu queria.
E fazer promessas mentirosas para a minha família já era o
suficiente.
Um made men não era nada senão a sua palavra. A minha
não valia de muita coisa. Então eu não mentiria para ela, contornaria
a verdade sempre que pudesse.
Gaia não precisava saber que eu era um viciado, nem que,
por isso, eu provavelmente faria coisas que a magoariam. Eu só
torcia para que ela não desistisse de me querer. Aqueles olhos
verdes sorrindo para mim ao prometer me amar na alegria e na
tristeza, o seu rosto lindo gemendo quando eu a fiz gozar dentro do
avião, até sua maquiagem borrada enquanto vomitava na nossa
noite de núpcias...
Eu queria Gaia em todas as suas facetas, ela só precisava
gostar de uma minha: a que eu queria mostrar para o mundo, quem
eu queria ser para ela.
— Nós temos problemas para resolver, eu volto para casa
mais tarde e nós vamos ter a nossa noite de núpcias decentemente,
ok? Depois a gente vai para Vegas! — falei para ela antes de entrar
em um carro diferente no aeroporto. Ela assentiu com os olhos um
pouco arregalados, linda demais.
— Larga esse osso, porra, vamos logo! — Nero estava à flor
da pele.
Eu quase tinha pena dos filhos da puta que encontrariam com
ele hoje. Aparentemente, alguns bandidinhos de uma gangue menor
acharam que podiam vender drogas em um dos nossos quarteirões
sem autorização, e quando meus soldatos foram cobrar o imposto,
tivemos problemas.
Realmente, não compreendia o que acontecia com essa
gente. Não era culpa nossa que o governo era corrupto e favorecia
a quem pagasse mais. Nós, da ‘Ndrangheta, entramos em um jogo
que já vinha sendo jogado há gerações. O fato de termos dominado
o local era culpa deles e não nossa. Se os outros tivessem se
organizado, não haveria espaço para nós.
Ao atravessarmos a cidade, o verde das palmeiras de L.A. ia
desaparecendo e o cenário se transformava em um amontoado de
moradores de rua, pichações e grafites malfeitos nas paredes para
demarcar territórios que eram, na verdade, todos nossos.
Deixávamos os cães soltos no quintal, mas quando eles
brigavam, alguém precisava jogar um balde de água. Nossa ida até
ali era o balde, contudo não seria de água, seria de sangue.

Precisaríamos de um fodido discurso sangrento[18].


Nero, depois de ter passado por duas festas e uma viagem
de avião com toda a família, estava espumando como um cão
raivoso. E Cesare, bem, era Cesare. Catei o papelote que havia
sobrado desta manhã de dentro do bolso da minha calça jeans e
cheirei até o final. Um tiro para me deixar no ponto.
Estacionamos os três SUVs em frente a uma loja em que
aqueles chicanos[19] babacas faziam customização de carros.
Quando viram a quantidade de homens que trouxemos, eles não
sacaram suas armas, pegos de surpresa.
— Quem é o chefe desse pardieiro? — perguntei e puxei o ar
com força, sentindo a coca entrar na minha corrente sanguínea.
Automaticamente, meu coração bombeou o sangue mais
rápido e a injeção de adrenalina me chamou para a ação e
condensou-se ao meu redor.
Um latino vestido com uma camisa abotoada apenas no
primeiro botão, mostrando a regata branca que ele usava por baixo,
se levantou. A cabeça raspada revelava as tatuagens de gangue.
Ao seu lado, outros homens e algumas vadias de gangue.
— Aqui não é seu território, hermano. Tá confundindo as
coisas, o pardieiro é lá. — Riram como hienas. Cesare deu um
toque não minha mão pedindo que eu aguardasse.
Precisei engolir em seco, eu já teria voado no pescoço dele e
começado a surrá-lo.
— Então você é o chefe? — Inclinei o pescoço para o lado,
olhando bem para o seu rosto e escolhendo qual parte dele eu
modificaria.
A energia assassina de Nero estava me deixando ligado.
Cesare e sua frieza não me enganavam de que ele faria o seu pior.
Mas aquele babaca era meu, porque ele permaneceu me ignorando
e não me respondeu. Então eu avancei para ele, surpreendendo-o,
peguei seu braço e o torci, quebrando o seu pulso. Cesare fechou
os olhos por um instante, respirando como se o meu descontrole o
tivesse atingido em ondas.
Merda, Cesare faria a sua sujeira...
Esse babaca devia ter me respondido.
— Vocês entraram no nosso território, tudo isto aqui nos
pertence. Podem alugar, mas tem que pagar. Entendido? — O filho
da puta não respondia, então continuei forçando o seu pulso
quebrado, partindo mais os ossos e seus grunhidos faziam a linha
da raiva subir.
Nero já estava perambulando de um lado para o outro, rindo
alucinado, esperando o momento em que Cesare soltaria a sua
coleira. Se Cesare demorasse demais, Nero mataria a todos.
— Vocês, vadias, aqui — Cesare chamou com o indicador.
Os outros quatro caras que pertenciam à mesma gangue do
babaca que eu quebrava a mão — agora ajoelhado no chão, aos
meus pés — não permitiram que as garotas se levantassem.
Nossos seguranças miraram os lasers no peito de cada um
deles, mas Cesare olhou para trás, repreendendo-os. A gargalhada
maníaca de Nero me tirou de mim. Dei uma banda no que era o
chefe e segurei seu pulso em suas costas, pressionando seu rosto
com meu joelho, fazendo-o ver o que aconteceria agora.
Cesare deu um curto aceno para Nero.
— As vadias não, preciso delas. — Foi a única ordem de
Cesare.
E Nero foi.
Primeiro ele os enfrentava na porrada, deixando-os no chão
após cortar tendões com as suas facas, o que impediria os
movimentos. Os berros das mulheres preenchiam os meus ouvidos
e o babaca que eu segurava no chão berrava em espanhol pela vida
dos seus quatro homens. Nero, sozinho, deu conta deles. Ele os
perfurou, barriga, axila, têmpora, jugular. Gargalhando, mas sem
perder a precisão.
Nero parecia um artista, parecia aquelas cenas de filme, que
você não acreditava serem possíveis, quase como se fossem
ensaiadas. Eu adorava lutar em gaiolas, mas jamais me atreveria
contra Nero. Muito menos se ele tivesse uma faca como agora. O
filho da puta sabia exatamente onde perfurar para causar o máximo
de dor com o mínimo de perda de sangue.
Se não fôssemos fodidos mafiosos, Nero poderia ter sido
médico, embora a ideia de um psicopata salvando vidas fosse uma
piada por si só. Ele era o único de nós que tinha, de fato, um
diagnóstico, e isso porque meus pais já estavam cansados de não
saber que merda tinha dado de errado com toda a sua prole.
Eu e Cesare fomos as primeiras maçãs podres, então veio
Nero, pior ainda. Ao menos Donna era normal...
Depois que os quatro estavam mortos no chão, Nero sentou-
se em cima de cada um deles escolhendo seus suvenires.
Psicopata de merda. Arrancou um olho, uma pálpebra, um mindinho
e uma orelha.
O tempo todo, o líder choramingava como uma vadia sob o
meu peso. E pelo cheiro, ele havia se borrado. Eu detestava os
cagões. Para a infelicidade dele, e a minha, nós ainda não tínhamos
acabado. Não. Seus homens mortos eram o primeiro pacote de
destruição.
— Vocês três, aqui. — Cesare chamou as mulheres
novamente, com o mesmo tom de voz entediado anterior.
As mulheres vieram chorando e rezando em espanhol. Essa
parte me incomodava, incomodava pra caralho. Eu não tinha
estômago para isso. Porra!
Sempre agia movido pela adrenalina, pelo ódio, gostava de
brigar, mas essa porra fria que o meu gêmeo fazia, esses jogos
mentais, esse tipo de tortura me agoniava. Cesare ordenou
calmamente que todas ajoelhassem na frente do líder.
— Isso é culpa sua! — berrei com o babaca abaixo de mim,
mas ele ainda estava desesperado demais para pensar
racionalmente.
— As mãos para frente, por favor — Cesare pediu
tranquilamente e elas estenderam as mãos, tremendo visivelmente.
Eu queria desviar os olhos, mas não podia, eu não podia
deixar que eles vissem que aquela era a minha fraqueza. Cesare
sabia, e evitava fazer quando podia. Não por elas, por mim. Eu
sempre tive um fraco por mulheres chorando, não conseguia lidar. E
nunca sequer consegui bater em uma, mesmo sabendo que aquilo
salvaria a sua vida se fosse preciso.
— Qual delas vai perder a mão? — Cesare perguntou ao
cara no chão.
— Seu filho da puta, deixa elas irem, elas não têm nada a ver
com isso. — O mexicano começou a se debater.
Por dentro, meu coração socava a minha caixa torácica,
meus olhos ardiam do tanto de força que eu precisava fazer para
mantê-los abertos e enfrentar o que me daria pesadelos esta noite.
— Ele vai matar a todas... — sussurrei para o filho da puta
em uma tentativa de... eu nem sabia bem o quê, mas de que ele
fizesse alguma coisa, além de xingar e se debater, agitando o cheiro
de merda.
— Rocco. Ele não quer escolher, deixa que eu escolho por
ele.
Três tiros precisos, berros e mãos destroçadas.
— Eu te avisei pra escolher, caralho! — berrei no ouvido do
filho da puta e me levantei pisando forte na sua mão já quebrada. —
Essa. Porra. É. Sua. Culpa!
As mulheres berravam com as mãos perfuradas contra o
peito, os rostos contorcidos em máscaras de dor e pavor rasgavam
o meu interior e eu olhava para o miserável no chão, para que ele
fizesse alguma coisa, qualquer porra!
Estávamos sofrendo juntos, eu e ele. Eu por elas, por ele ser
um incompetente que as colocou em uma situação como aquela.
Por ser um fraco cagado de medo pela própria vida e que não
conseguia protegê-las.
O líder imbecil choramingava pedindo desculpas em
espanhol. Eu não podia ser o líder da minha famiglia, porque eu
seria ele ali, no chão, chorando, sem conseguir escolher quem
viveria e quem morreria se estivesse em seu lugar. A frieza de
pensamento não cabia em mim, eu estava a um passo de surtar.
Cesare me deu um olhar que me dizia: “recomponha-se”.
Respirei fundo e me afastei do desgraçado cagão. Cruzei os
braços, tentando manter a angústia, a fúria e o pavor dentro do meu
corpo. Ainda não tinha acabado e poderia durar horas se ele não
tomasse uma decisão.
— De pé. — Cesare ordenou às mulheres. Elas mal eram
mulheres! Com certeza menores de vinte e um, a idade de Donna
ou da minha mulher, já com tatuagens de gangue. Elas escolheram
essa vida. — Qual delas vai perder um joelho? — Cesare continuou.
— ¡Por dios, yo voy a pagar!
Cesare atirou na primeira. Quando ele ia atirar na outra, o
homem gritou um nome. Meu gêmeo apontou com a arma de uma
para a outra, pedindo que o homem escolhesse. O tempo inteiro,
meu estômago revirava e a linha subia e descia. Era o nosso
trabalho. Meu irmão não parecia gostar daquilo, como não parecia
gostar de nada na vida, era só o trabalho.
Nero, no entanto, gargalhava exultante, ensandecido, como
eu ficava ao me drogar. Ele não conseguia se conter, ainda na sua
onda de êxtase pela matança. Se Cesare não tivesse ordenado que
ele as poupasse, as mulheres estariam no mesmo estado que os
homens no chão e ele teria coletado algum suvenir do corpo delas.
Para Nero, não havia diferença.
Para Cesare, era um trabalho.
Para mim, era o meu ponto fraco.
O líder apontou para a que parecia mais velha e já havia
tomado o tiro no joelho. Então Cesare perguntou:
— É essa que você escolhe para morrer? — O chicano
sentou-se sobre as pernas dobradas para trás, chorando ao
concordar.
A escolhida implorou, chorando em espanhol, mas Cesare
lhe deu um tiro na testa.
Em meio segundo, eu me transformei. Peguei o soco inglês
que andava no bolso da minha jaqueta e coloquei na mão direita.
Agora era a minha vez.
Ainda que eu entendesse o processo, sempre que acontecia,
eu ficava puto. Todos eles quebravam e escolhiam. Essas mulheres
eram deles para proteger, e eles as atiravam aos leões no final.
Todos eles escolhiam.
Eu jamais escolheria!
Chutei sua cara, derrubando-o no chão, montei em cima dele
e comecei a socá-lo com todo o meu ódio. Sua cara se transformou
em algo grotesco. Ele nunca mais conseguiria comer nada sólido
para se lembrar para sempre do que fez.
Nós precisávamos dele vivo para servir de exemplo, por isso
Valentino me tirou de cima da polpa que eu deixei no chão. Eu
estava totalmente fora de controle. Queria sentir o sangue dele entre
os meus dedos, minhas juntas ardendo e rasgadas do tanto de força
que eu empregaria para esmagá-lo, até estar exausto, até não
conseguir mais erguer os braços.
Tino conseguiu me enfiar no carro, ainda me debatendo.
Cesare sentou-se ao meu lado, olhando-me e segurando-me contra
o banco até que a linha começou a descer trepidante. Nero me
passou um M.D. para eu voltar ao normal e eu tomei sem
pestanejar. Cesare odiava que eu precisasse de drogas para voltar
ao normal. Ele entendia, mas não gostava.
Por dentro, eu jazia explodido, disforme, espalhado em todos
os cantos, como se eu fosse o próprio big bang. Sem a droga, eu
seria uma desordem. As drogas ajudavam a reorganizar, a me
colocar no lugar. Eram como imãs que me traziam de volta, que
colocavam a minha linha reta e na horizontal de novo.
Nós nos encaramos mantendo uma de nossas conversas
silenciosas de gêmeos ou qualquer merda assim, e o olhar dele me
dizia: “eu precisei fazer”; o meu respondia: “não é sua culpa,
Cesare”. Em seguida, ele abaixou os olhos, respirando fundo,
porque odiava me deixar dessa forma.
Só que era o trabalho, era a nossa vida.
Eu que não servia para ela.
CAPÍTULO 13

Papá nos convocou em um dos seus escritórios do Centro


quando soube o que havia acontecido com os chicanos. Queria me
checar, porque ele também sabia que eu não era feito de cimento
como o seu filhinho predileto. Ele queria me ver e ter a certeza de
que eu não havia quebrado.
Só que eu quebrei. Não nasci para isso.
Cair na porrada com alguém em uma gaiola, alguém que
estava ali para aquilo era uma coisa. Brigar com alguém do seu
tamanho, era diferente do que matar por prazer. Eu não sentia
prazer em matar, fazia porque fora treinado, condicionado, e depois
eu afundava. Minha família sabia, eles tentavam me lapidar para
endurecer, mas eu não era um diamante, não era sequer uma pedra
semipreciosa, eu era um pedaço de vidro lascado.
Para compensar o efeito do M.D., e me tornar apresentável
para estar na presença do Don, precisei fazer umas carreiras, mas
não mais que duas. Cesare e Tino ficavam de olho em mim para me
impedir de ir além. Depois daquele episódio com a heroína, eu
prometi que não me colocaria em um risco daqueles. Estava
cumprindo, por enquanto.
Com o meu acesso ilimitado a drogas e conexões, ninguém
sentiria falta de algumas gramas ou se eu pegasse uma porra de
tijolo. Se não fosse a vigilância constante de Cesare e Valentino, eu
já teria tido muitas overdoses. A culpa dessa realização era
esmagadora, mas eu estava aqui, vivo, tentando, porque Cesare
precisava de mim e do meu coração fodido para sentir o mundo.
Nero não veio conosco, papá conhecia o seu outro filho, e
que deveria deixá-lo em paz depois da matança. Don Lorenzo
conhecia a todos nós e sabia quando pressionar e quando não.
Infelizmente, eu era o seu herdeiro e ele precisava me pressionar
além do meu limite.
— Sentem-se. Pode esperar lá fora, Valentino. — Meu pai
não se levantou, apenas fez um gesto com a mão e ficou
observando como um gavião eu me sentar e minhas pernas subirem
e descerem alternadas.
Então virou seu rosto desgostoso para Cesare, que fechou os
olhos, seu único contato com o mundo. Meu gêmeo respirou fundo e
os reabriu, frios endurecidos, falando com nosso pai:
— Matamos a todos, o que sobrou vai deixar o recado,
problema resolvido.
Don Lorenzo assentiu e voltou a me olhar, estudando-me.
Fiquei em silêncio, detestando estar sob o seu olhar julgador e
microscópico. Ele sabia que eu estava chapado, claro que sabia.
Cocei o braço já sentindo vontade de mais um tiro. Levantei-me,
agitado, e fui para o bar do escritório.
Papá mantinha alguns escritórios pela cidade, nunca
entrando em uma rotina. Era assim que eu viveria quando me
tornasse como ele. O que eu jamais me tornaria. Enchi uma dose e
a virei.
— É o suficiente, Rocco, senta aqui que eu preciso falar com
vocês.
Enchi mais uma dose, retornando para a poltrona. Os lábios
crispados do Don não me impediram de levar o copo lentamente
para a boca e bebericar, saboreando. Eu não o estava afrontando
de propósito, precisava de alguma coisa para acalmar a mente.
— Raul Romani, da Outfit, me procurou. Eu e ele fizemos um
acordo, uma aliança. Vamos selar com um casamento. Ele vem
tendo problemas com aquela família que tem controle sobre as
fronteiras da cidade.
— Os Wild, sim, já ouvi falar deles — Cesare completou.
Eu não fazia ideia de quem eram. O nome de Romani só foi
conhecido por mim depois que ele havia se tornado o novo Don. Ele
não era de nenhuma das famílias tradicionais da Outfit. Como ele
conseguiu ser o escolhido de Mario Mancini para se tornar o novo
Don, era um mistério.
— Raul tem uma irmã. Ela é mais velha, vinte e um anos,
passou da idade de casamento. Aparentemente, Raul esperou subir
de escalão para arranjar um casamento para ela. — Agora meu pai
não estava mais focado em mim, seus olhos estavam em Cesare.
Papá conhecia os filhos que tinha, ele sabia que o que sairia
de sua boca irritaria meu gêmeo de alguma forma.
— Ela havia sido prometida pelo pai de Raul, quando criança,
para um outro rapaz, mas Raul desfez o acordo... Como eu disse,
ele queria um casamento de influência para a irmã.
— Você está fazendo rodeios — Cesare apontou. Havia algo
errado.
Virei minha dose, acompanhando a situação. Meu coração
bateu aflito, eu quase podia sentir uma atmosfera diferente. Era
como se meu coração estivesse batendo em outro peito, fora do
meu corpo, em um ritmo que não se equiparava a nenhum que eu já
tivesse experimentado. A estática que emanava de Cesare era
magnética. Algum instinto em mim dizia que eu teria que segurá-lo,
como se estivesse me preparando para exorcizar um demônio.
— Eu prometi você para a irmã de Raul. Bionda Romani é
jovem ainda, extremamente bonita... É loira como você gosta, a
garota parece um anjo.
— Por que você a está vendendo para mim, papá? Eu não
tenho escolha, ela poderia ser feia, só não poderia ser infértil, não é
isso? Qual é o problema?
— Quando soube que o casamento foi arranjado, ela se
encontrou com o ex-noivo e perdeu a virgindade.
Não tive reflexo rápido o suficiente para a reação de Cesare.
Talvez porque aquilo fosse algo inédito. Ele nunca perdia o controle.
Ele se ergueu da cadeira, chutando-a para trás com violência. Meu
coração zumbia em meus ouvidos, meu corpo ficou estacado, a
estupefação de ver Cesare fora de si daquela forma removeu
qualquer pensamento coerente da minha cabeça.
— Ela o quê?! — Sua voz saiu gélida, gutural, carregada de
emoções: fúria, desprezo, ira.
Cesare não sentia nada e a primeira coisa que eu o via sentir
era isso. Puta merda!
— Raul mandou matar o infeliz e, aparentemente, foi só
aquela primeira vez. Ele está inclusive disposto a fazer a cirurgia de
reconstrução do hímen se você fizer muita questão — Papá
continuou cuidadosamente.
— Ele... eu ainda vou me casar com ela? — A traição na voz
de Cesare foi outro soco no meu peito.
Ele nunca sentia nada! Que porra estava acontecendo?
— Nós precisamos da aliança, ninguém sabe ou precisa
saber. Raul me contou, ele foi honesto, Cesare. — Até meu pai soou
surpreso, mas tentando aparentar firmeza. As emoções de Cesare
estavam surpreendendo a nós dois.
— Eu vou saber, vou saber que ela foi usada! Que escolheu
não honrar o acordo! Eu não quero uma porra de cirurgia. Para que
eu quero um hímen? Ainda mais um falso! Era meu direito entrar
nela primeiro!
— Cesare — chamei-o, tocando a sua mão como ele fazia
comigo, então ele me olhou e se deu conta de como estava.
— Eu quero esta aliança, Cesare. Vamos precisar quando a
guerra com a Cosa Nostra começar. Você vai se casar com Bionda
Romani. — Ao ouvir papá, Cesare não disse mais nada, virando as
costas para o nosso pai e abrindo a porta do escritório
violentamente, como se pudesse arrancá-las das dobradiças.
— Vai atrás dele! — Papá me ordenou, mas eu estava
perdido.
Eu nunca havia sido aquele que precisava ir atrás de Cesare.

Trouxe Cesare para a A-Class. Ele precisava afogar a raiva.


E já que o meu irmão não usava drogas, boceta teria que fazer o
serviço. Mas para proteger as garotas, eu o faria encher a cara
primeiro, senão ele mataria alguma delas.
A versão melhorada de mim se sentou ao meu lado na mesa,
ignorando a ruiva que dançava para ele. A única que tinha a sua
atenção era a garrafa de Bourbon que ele tragava desde o gargalo.
Ele retornou para o seu estado de frieza aparente, mas a estática
entre nós, a nossa ligação ainda me dizia que ele não havia se
acalmado. E eu simplesmente não sabia o que fazer. Ele era a
mente, eu era a bagunça de nervos. Sempre funcionamos dessa
forma.
— Eu não sei o que fazer — confessei, retirando do bolso um
M.D. que havia pegado com um dos soldatos que trabalhavam para
Tino no local.
Coloquei na boca e tomei a garrafa de Cesare, engolindo o
comprimido.
— Hoje eu não vou tomar conta de você, Rocco. Hoje não. —
Cesare nunca falava assim comigo. Meu gêmeo estava fora de si.
— Sai. — Fez um gesto de queixo agressivo para a mulher e ela
quase tropeçou nos saltos ao se afastar de nós.
Bufei exasperado ao notar que Cesare virava a garrafa mais
uma vez e metade dela já tinha ido embora. Hoje era a vez dele e
eu estava tornando outra vez sobre mim.
— Eu sei que sou uma decepção para você, irmãozinho, mas
sou uma decepção ainda maior para mim mesmo... Então, é isso.
Fala o que eu preciso fazer para te ajudar, que eu farei. Não vou
usar mais drogas hoje, isso foi só para eu conseguir pensar, você
sabe.
Cruzei os braços sobre a mesa, olhando para ele e em volta
do salão onde diversos homens recebiam boquetes, lap dances ou
levavam as garotas para o andar superior.
— Não tem o que fazer... Ele não precisava ter me contado.
É desrespeitoso me oferecer uma mulher assim. — Arrastou as
palavras, quase soando raivoso novamente.
— Você a mataria se descobrisse na noite de núpcias. E é só
um pedaço de pele, porra, esquece isso! Você já fodeu tantas
mulheres que perdeu as contas! Ela fodeu um cara.
— Não é pelo hímen, Rocco. É o fato de ela deliberadamente
saber que seria minha e entregar o que era meu para outro.
Eu conseguia entendê-lo, era a mesma fúria que eu sentia
em relação a Vito ter roubado a minha ex-noiva, embora não me
importasse com a troca. E se Bionda não fosse virgem antes de
saber do casamento, não teria afetado o ego do meu irmão. O que a
garota fez foi pior. Nós, calabreses, fazíamos vistas grossas para
isso. Desde que não fosse conhecimento público, as garotas, às
vezes, não se casavam puras dentre a plebe da máfia e ninguém
realmente se importava. Mas para a Outfit, aquilo era regra.
Bionda ofendeu meu irmão, especificamente... Puta merda!
— Talvez ela pensasse que o irmão fosse desfazer o
casamento depois que ela perdesse a virgindade. — Ofereci a única
opção lógica, tentando amenizar a raiva que ele sentia.
Cesare olhou para mim com aqueles olhos azuis
congelantes, a expressão fria, mas as pupilas dilatadas de ódio
entregaram-no. Segurou a garrafa pela metade, os dedos brancos
nas juntas delatando a força, então virou a garrafa na boca, dando
goladas profundas.
Merda! Eu não conseguiria voltar para Gaia esta noite.
O olhar dele, trancado no meu, me dizia:
“Ela é minha e eu vou fazê-la pagar!”.
Bionda Romani selou seu destino quando escolheu foder com
o outro cara e Cesare ao mesmo tempo. Meu gêmeo se vingaria
dela. Agora, um casamento que já seria naturalmente um inferno,
sendo com o Rude, se tornaria o tártaro: o local onde os piores
pesadelos aconteceriam.
Eu tive pena de Bionda e da loira que Cesare chamou até a
mesa, deixando apenas três dedos de líquido na garrafa, que ele
tomou sozinho, virando para trás.
Meu gêmeo se ergueu como se não tivesse tomado quase
uma garrafa inteira de álcool e sequer segurou a mão da mulher,
indicando com a cabeça para onde ela deveria ir. As costas da
prostituta estavam rígidas sentindo meu irmão atrás dela.
Acompanhei-os com o olhar subirem as escadas para um dos
quartos exclusivos.
— Ele vai matá-la? — Valentino sentou-se ao meu lado, com
outra garrafa e dois copos.
— Eu realmente espero que não. — Segurei a cabeça entre
as mãos e Tino nos serviu doses grandes.
— Isso aqui não é um clube de BDSM, porra. Se ele
continuar fazendo essa merda, as garotas vão parar de vir para cá,
vão preferir trabalhar nos puteiros comuns, onde ele não vai.
Não consegui dizer mais nada, apenas virei a dose,
recostando-me de volta no assento e fiquei aguardando que Cesare
fodesse a sua raiva para fora, enquanto torcia para que aquela
mulher voltasse com vida do quarto. Tino encheu outra dose para si,
aflito pela garota tanto quanto eu.
— Ele me contou sobre o casamento... Isso vai dar merda,
Rocco, você precisa convencer seu pai.
— Eu?! — Ri em escárnio.
— Você é o herdeiro dele, pede pra desfazer o acordo!
Meu pai não me ouvia. Eu era o herdeiro apenas no nome.
Cesare era quem realmente decidia as coisas. E eu nunca me
importei com isso. Só que agora meu irmão precisava que eu fosse
um fodido made man, alguém que merecia o meu posto e eu, mais
uma vez, falhava.
Dessa vez, eu enchi o copo e Tino desistiu de mim, fazendo
com que eu me sentisse ainda mais na merda ao me deixar sozinho
na mesa com a garrafa e seu copo pela metade.
CAPÍTULO 14

Passei o dia e a noite organizando minhas roupas no espaço


que havia sido disponibilizado para mim no closet imenso. A
mansão dos Spada era muito maior que a dos Velacchio. Eu e
Rocco tínhamos uma espécie de ala, com uma sala só nossa, além
da suíte. Apenas os espaços comuns como sala de jantar e cozinha
eram os compartilhados. Compreendi por que ele não quis se mudar
quando havia tanto espaço.
As empregadas me auxiliaram na arrumação, embora eu
tivesse pedido para fazê-la sozinha, pois queria ter algum controle
sobre minha vida a partir de agora.
À noite, arrumei-me perfeita em uma das lingeries que havia
comprado com mamma e Paola para que Rocco apreciasse meu
corpo. Era um conjunto branco completo, com cinta-liga, meias e
corselete em renda. O meu sonho viraria realidade esta noite. Pedi a
uma das empregadas que trouxesse uma garrafa de champanhe e
morangos. Queria uma noite romântica, como havia sonhado. Meu
fracasso da noite passada não estragaria o sonho de uma vida
inteira.
Mas o que realmente estragou a noite foi que Rocco não
chegou como prometera. Liguei para o seu celular, preocupada,
diversas vezes, mas ele não me atendeu. Sequer respondeu às
mensagens. Consegui seu número com Donatella na hora do jantar,
antes que ela saísse com as amigas.
A ideia de que ela sairia de casa depois de escurecer me
pareceu estranha, mas sua mãe não se importou e se recolheu,
ignorando o fato de sua filha de dezessete anos sair. Aquilo era tão
diferente do meu lar.
Cesare bateu na porta do nosso quarto por volta das quatro
da madrugada e fez questão de se anunciar, dando tempo para que
eu me cobrisse com o robe que fazia conjunto com a lingerie. Ao
abrir a porta, vi que Rocco estava completamente bêbado, sendo
carregado pelo irmão que não estava muito melhor.
Esperei a noite toda, literalmente a noite toda, e Rocco havia
saído para beber com seu gêmeo. Ambos estavam desalinhados e
fedendo a álcool e perfume barato.
O futuro Consigliere tirou a jaqueta do corpo inconsciente do
meu marido e os sapatos, deitou-o de lado e colocou muitos
travesseiros nas suas costas para impedi-lo de rolar para fora de
cama, ou se deitar de barriga para cima; como se fosse acostumado
a fazer aquilo por uma vida inteira. O gêmeo taciturno tinha os olhos
pesados pelo álcool e não me olhou nenhuma vez, ele só via Rocco
e o que o irmão precisava.
Cesare amava Rocco, tanto quanto eu, ou mais.
— Eu posso... eu posso cuidar dele. — Minha voz saiu
rachada ao saber que ele esteve com outras mulheres, e que agora
eu cuidaria dele. O cheiro de perfume feminino e as marcas de
batom na gola da camisa de Cesare indicavam aquilo.
— Eu precisei dele... Ele não esteve com nenhuma mulher.
Não brigue com ele quando acordar, desta vez, a culpa não foi dele
— Cesare falou com a voz um pouco engrolada, deixando as botas
de Rocco alinhadas ao lado da cama.
A gravata pendia solta no pescoço do gêmeo que costumava
estar sempre composto. Não esperava vê-lo assim, tão fora de sua
persona. Era como se nesta noite algo tivesse acontecido e eles
houvessem se mesclado, foi a primeira vez em que ele pareceu
Rocco ao olhar para mim com os olhos menos gelados, todavia,
sem perder a essência de Cesare.
— Você precisou dele... na nossa primeira noite juntos, e ele
foi até você — murmurei, compreendendo e sentindo-me traída de
qualquer forma.
Eu não era a prioridade na vida de Rocco, ele já tinha a sua
metade da maçã e não era eu. Nunca seria. A realização me bateu
como uma das muitas cintadas de Anthony Velacchio.
Rocco seria o meu tudo, eu não seria o dele.
E se ele precisasse escolher, Cesare viria primeiro.
— Não é culpa dele, nós... — Meu cunhado me deu um olhar
quase agoniado por ter que me explicar qualquer coisa. Então a sua
expressão se fechou e eu vi qualquer emoção ser apagada do rosto
que era a cópia fiel do que eu amava. — Boa noite. — Saiu do
quarto, fechando a porta atrás de si.
O clique quase silencioso reverberou em minhas entranhas e
eu não consegui fazer nada a não ser abraçar meu próprio corpo e
chorar baixinho para não acordar Rocco. Sentei-me à mesa da
varanda, onde o balde com o champanhe jazia com os gelos há
muito derretidos e me servi a segunda taça da noite, depois a
terceira.
Quando me dei conta, chorava copiosamente e havia bebido
mais da metade da garrafa, sozinha.
Levantei-me com o nariz congestionado de tanto chorar, os
olhos inchados e pesados de sono e a cabeça leve, intoxicada. Não
havia mais nenhuma dor em meu corpo, nem no buraco em meu
peito, onde deveria ficar o coração que Rocco segurava com tanto
desleixo enquanto oferecia o dele ao seu irmão.
Rocco não era meu, ele pertencia à sua família, eu era a
intrusa.
Deitei-me ao seu lado, de frente para ele, o corpo
formigando, aéreo, com o álcool correndo pelas veias e aliviando a
decepção. Ele não me bater não significava que não podia me
machucar. Havia outras formas de um corpo ser ferido e eu
começava a me dar conta.

— Gaia... Acorda, gata, já passou da hora do almoço. —


Donatella sacudia meus pés, e eu estranhei que ela estivesse ali
dentro. Em minha casa, não entrávamos no quarto uns dos outros
daquela forma, sem nos anunciarmos. — Você bebeu demais de
novo? Vou te falar, tem que ter um limite. Se beber demais perde a
sensibilidade, não é tão bom. — Apontou com o polegar para a
garrafa de champanhe vazia sobre a mesa da varanda. Ao lado
dela, um cinzeiro.
Rocco não estava ao meu lado na cama. Ele devia ter
acordado antes de mim e me visto dormindo ao seu lado, patética,
com a minha lingerie inútil. Eu permanecia uma noiva virgem,
enquanto ele saía para beber com o irmão.
Eu não terminei a garrafa na noite anterior, muito menos
fumei o que quer que fosse que ele havia fumado e que empesteava
o ar do quarto.
— Rocco saiu?
— Como todos os dias. Ele tem que trabalhar... Você vai
passar todos os dias trancada em casa esperando por ele? —
Sentou-se na beira da cama e cruzou as pernas longas.
Donatella Spada estava sempre vestida para matar. Hoje o
seu vestido havia faixas entrelaçadas nas costas e uma saia que
mal chegava às coxas, nos pés, sandálias altíssimas.
— O que podemos fazer?
— Como assim?
— O que eu posso fazer, aonde posso ir? Não conheço as
outras esposas e as regras da sua famiglia.
A expressão de Donatella era como se ela estivesse
querendo rir e ao mesmo tempo exasperada.
— Oh, Gaia, eu tenho tanto para te ensinar. Você é uma
Spada agora, pode fazer o que quiser. Los Angeles nos pertence,
ninguém vai mexer com você.
Ela estava louca! Eu já havia notado a diferença entre ambas
as famiglias, mas não podia ser tanta assim. Eu era uma cria da
máfia, sabia bem como funcionavam as coisas. Nós, mulheres,
éramos parideiras ou putas. Uma vez que eu estava casada com um
marido que nem se dava ao trabalho de tirar a minha virgindade,
obviamente eu havia sido escalada para o time das parideiras.
Talvez quando precisasse produzir um herdeiro, Rocco finalmente
consumasse o nosso casamento.
Ela pareceu ler o meu semblante e estreitou os olhos.
Diferente dos gêmeos, ela e Nero haviam puxado os olhos de Don
Lorenzo: castanho-esverdeados. No entanto, todos os filhos eram
belos como a mãe. Até Nero, com o seu desdém direcionado para o
mundo, tinha aquela aura de beleza e poder inatingíveis.
Donatella tinha uma sensualidade latente e uma a
autoconfiança que eu só via em homens mafiosos. Tendo crescido
com três irmãos mais velhos, eu imaginava que ela seria tímida ou
hiper protegida, mas talvez eles apenas a ignorassem, como Rocco
estava fazendo comigo.
— Vocês não beberam juntos, não foi? — Seu olhar de
piedade me despedaçou mais um pouco. Neguei com a cabeça e
ela estalou a língua no céu da boca, levantou-se em um rompante e
foi até o armário. — Meu irmão é um babaca às vezes. — Voltou
com um vestido qualquer e sandálias para combinar, jogando o
cabide sobre a cama. — Vamos! Vou te apresentar a cidade, depois
vamos comprar um vestido de puta para você ir à boate comigo
mais tarde e se Rocco quiser beber com a porra da mulher dele, ele
que vá atrás dela.
— Donatella... não sei...
— Donna — interrompeu-me —, não gosto do nome
completo, só minha mãe me chama assim. — Respirou
profundamente, impaciente, e me puxou da cama. — Vai se arrumar
que eu estou atrasada. Vim te chamar porque a mamma disse que
não quer uma nora preguiçosa que dorme o dia inteiro, como se
você tivesse o que fazer dentro de casa. Como ela, que passa o dia
inteiro esperando o meu pai voltar.
Revirou os olhos teatralmente, enquanto eu ia para o
banheiro me arrumar e escovar os dentes. Eu me sentia ressacada,
mas o longo banho que eu tomei na noite anterior para que Rocco
me aproveitasse teria que ser o suficiente, eu não queria atrasar
Donna.
Quando nos viu arrumadas para sair, Cara olhou para a filha.
— Vamos sair com Danielle e Gabriella, não sei que horas
volto, estou levando os seguranças. Te amo, mãezinha. — Deu um
beijo em cada bochecha da mãe e me puxou pelo cotovelo.
Cara Spada sequer me cumprimentou. Ela não gostava do
que eu estava fazendo e o seu conselho não saía da minha cabeça:
“não jogue gasolina”. Só que se eu ficasse em casa aguardando
mais uma decepção do filho dela, eu teria meu coração ainda mais
despedaçado. E eu não imaginava que Donna fosse fazer algo
muito errado. Se eles a autorizavam a ir, por que eu não poderia?
Meia-noite. Eu nunca fiquei na rua por tanto tempo. Ou até
tão tarde.
Donatella não tinha limites. Nós nos arrumamos na casa de
uma de suas amigas, que morava sozinha. Ela não era italiana, era
maior de idade e eu não fazia ideia de como Donna a conhecera.
Elas estavam bebendo desde cedo, quando nos encontramos para
um passeio no iate do pai de uma delas.
Ao chegarmos à boate, ninguém pediu minha identidade e eu
fiquei surpresa. As portas se abriam: a da boate, a da área VIP —
da qual as pessoas que estavam saíram quando viram Donna
chegar com seus seguranças. Um deles parecia muito íntimo de
Donatella, e a vigiava como um falcão, ou como um homem olhava
para a sua mulher. Da forma que eu queria que Rocco olhasse para
mim.
Não enviei nenhuma mensagem para ele o dia inteiro e meu
telefone também não tocou nenhuma vez.
Até agora.
O aparelho tocava na minha mão, insistentemente, e o nome
de Rocco acendeu todos os meus alarmes internos. Os anos de
surra que meu pai me deu voltaram para mim em um replay infinito.
Era errado, eu sabia que não deveria ter vindo, nem deveria estar
vestida desta forma. Nós compramos um vestido branco, quase
parecia uma túnica grega, com alças trançadas e o tule era perolado
até o alto das coxas. Se eu me movesse de forma abrupta, minha
bunda apareceria. E era impossível vestir um sutiã. A calcinha
marcava na parte lateral e atrás, mas eu me recusei a vir sem, como
Donna havia sugerido. Eu tinha um limite.
Desfiz-me da taça de champanhe e fui até onde Donatella
dançava com dois homens, um na frente e outro atrás, esfregando-
se nela e passando a mão pelo seu corpo.
— Donatella! — berrei sobre a música e lhe mostrei o
aparelho. Ela o tomou da minha mão, atendendo e gritando o nome
da boate. Fiquei nervosa na hora, voltando para um dos bancos.
Meu estômago afundava nas minhas entranhas com medo de
como Rocco apareceria. Uns minutos depois, um homem se sentou
perto e ficou me observando. Não gostei da forma como ele olhava
para mim. Seu cabelo loiro arrumado à perfeição e seus olhos azul-
bebê não me passavam nenhuma confiança. Ignorei seus olhares e
sua presença, aguardando meu marido.
Fui pega de surpresa quando ele se aproximou demais.
— Calminha, gatinha. — O loiro sentou-se ao meu lado e eu
puxei o meu vestido para baixo, nervosa com a forma como ele me
olhava.
Isso estava errado, vir até aqui sem Rocco era errado. Eu
queria isso, mas com ele; todas aquelas luzes, a dança sensual, o
ambiente libidinoso, erótico; a sensação de prazer que ele me deu
na cabine do avião; os beijos que trocamos no nosso casamento.
— Eu sou casada, melhor você investir onde tem alguma
chance.
— Mas você está aqui sozinha... — Sim, eu estava.
— Não deveria. — Levantei-me para ir embora. Pediria a um
dos seguranças de Donatella que me levasse, quando senti os
dedos do homem segurando meu pulso.
Meu coração veio na boca, eu não era tocada por homens, só
Rocco podia encostar em mim. E eu não queria que outro tocasse
em mim. Cada “tum tum” que o grave do som altíssimo dava refletia
dentro do meu peito e meu estômago se retorcia.
— Só um drink — ofereceu, ainda sem me soltar. Puxei o
pulso e o seu aperto aumentou. Ele ficou de pé, invadindo meu
espaço pessoal, enquanto eu dava passos para trás.
— Não quero, me solta, por favor. — Minha voz saiu tão
trêmula quanto as minhas pernas ficaram.
— Qual é o seu problema? Eu já disse que é só um drink.
Seu marido não vai saber.
— O marido dela sabe de tudo que acontece na porra desta
cidade! Você tem um segundo para tirar a sua mão dela antes que
eu corte fora! — Rocco rugiu atrás de mim.
Vi Cesare primeiro, parado ao meu lado esquerdo. Meu
estômago desceu até os meus pés, como quando caímos e não
sabemos como vamos pousar. Todo o sangue do meu corpo parou
de circular e um medo profundo fez tudo acontecer em câmera
lenta: Cesare segurou meus ombros, ao mesmo tempo em que
Rocco socava o peito do homem que me segurava. O som oco foi
ouvido acima da música que berrava nos alto falantes.
Meu corpo convulsionou para frente, pelo aperto do homem
em meu punho, sentindo o reflexo da força da pancada que Rocco
havia acertado no outro. Cesare me amparou ao segurar meus
ombros, enquanto Rocco derrubava o homem deitado no sofá da
área VIP, derrubando copos e garrafas, depois montava sobre ele. A
partir daí tudo acelerou. Eu mal conseguia acompanhar a
quantidade de socos que Rocco desferiu em um espaço tão curto de
tempo.
Tudo o que eu via era seus cotovelos subindo e descendo
repetidas vezes e sangue, um monte de sangue. Eu tremia com a
violência vista assim, tão de perto.
— Rocco! — gritei, tentando tirá-lo dali, mas Cesare me
segurou.
Um outro homem, mais alto e corpulento que os gêmeos,
passou os braços sob as axilas do meu marido e o ergueu, como se
já tivesse feito aquilo centenas de vezes. Cesare então me soltou e
foi para frente do seu gêmeo, movendo os lábios e fixando o olhar
de Rocco no dele, parecendo trazê-lo de volta de seu frenesi.
— Puta que pariu, Tino! Por que vocês o deixaram fazer
isso?! — Donatella passou por mim e foi atender ao homem que
estava no sofá em que eu estive sentada um minuto atrás. Ele
estava desfigurado. Seu cabelo loiro completamente sujo de sangue
e seus olhos eram duas bolas roxas, inchadas e fechadas. Eu não
conseguia mais ver nada das írises.
— Vamos embora, Donna. — Cesare foi frio com a irmã,
segurando seu braço, ela se soltou, encarando o gêmeo gelado e
desviou dele.
— Desculpa, Thomas, você chegou depois, eu devia ter te
avisado que ela era minha cunhada. — Então se virou para os
irmãos. — Eu não vi, porra! Senão teria avisado a ele para não
encostar nela!
— Vamos embora, Donna. Acabou a festa por hoje — meu
cunhado falou novamente e Donatella virou seu rosto para Rocco,
que ainda estava de costas para mim, sendo segurado ao se
debater nos braços do homem imenso que eu não sabia quem era.
Meus olhos ficaram encharcados, mas o choque com o que
aconteceu havia sido tão grande que eu sequer conseguia
processar tudo para chorar, me desculpar, falar ou qualquer coisa. O
que quer que fosse que Donna havia visto no rosto de Rocco, foi o
suficiente para que ela parasse de relutar e assentisse.
— Leve Gaia com você, nos encontramos no carro daqui a
pouco — Cesare ordenou e Gaia obedeceu.
Todos naquela área estavam nos observando e eu fiquei
mortificada. Queria algo para me entorpecer, para esquecer tudo
aquilo. Entrei no carro com Donatella e ficamos aguardando que
eles chegassem. A ansiedade estava me matando, eu precisava ver
Rocco, precisava saber dele, mas foi Cesare quem apareceu.
— Donna, vá direto para casa. Não vamos ainda. — Os
irmãos se entreolharam por uns instantes e eu pensei em abrir a
boca para perguntar sobre Rocco, mas as palavras não saíram. Eu
ainda estava muito nervosa, desesperada na verdade.
Os seguranças de Donatella entraram no carro e nos levaram
para casa. Pelo caminho, o arrependimento me cobriu como um
cobertor que pesava uma tonelada, esmagando meu corpo e
estilhaçando meu sonho. Eu era uma idiota, uma sonhadora que
pensava que teria a vida diferente.
Quando fui para o quarto, Donatella me seguiu.
— Toma, isso vai te acalmar, eles vão demorar...
— Onde eles estão? — Tive medo do que aconteceria.
— Ele precisa deixar a raiva sair, você não quer ver isso,
Gaia. Vai ficar tudo bem, ok? Sempre fica. Toma. — Ela me
entregou um comprimido cor de rosa.
— O que é isso? — Minha mão tremia tanto que achei que o
comprimido cairia.
— M.D. vai te fazer sentir bem... Tá tudo bem, só não
exagera. Hoje foi estressante, você merece um pouco de paz.
Desculpa pela confusão. Se aquele babaca não tivesse colocado a
mão em você, estaríamos todos na boate nos divertindo juntos, eu
juro que não é sempre assim. — Ela parecia realmente chateada
pela confusão, mas a culpa não foi dela.
Coloquei o comprimido na boca e peguei o copo de água na
mesa de cabeceira.
— Boa noite, Gaia — despediu-se de mim. Quando pensei
em convidá-la para ficar mais um pouco, vi que aquele mesmo
segurança a esperava no fim do corredor.
Donna apenas sorriu para mim, sem me dar nenhuma
resposta verbal ao questionamento que eu fiz com meu olhar
surpreso, então ela fechou a minha porta e eu fiquei sozinha, de
novo.
CAPÍTULO 15

Minhas juntas estavam todas abertas, minha cara doía, e eu


sentia que talvez tivesse alguma fissura na costela. Era o resultado
de três brigas de gaiola depois de quase ter matado aquele filho da
puta de porrada.
Tino me tirou de cima dele a tempo. Matar filhos de
banqueiros não era a mesma coisa que matar um babaca qualquer.
Eu poderia ser preso. Uma surra o pai dele relevaria, por medo de
represália; mas uma morte? Outro departamento. Ainda que o filho
dele andasse com a realeza mafiosa por vontade própria, ninguém
queria essa manchete.
Quando eu vi aquele mauricinho de merda com as mãos em
Gaia e ela tentando se desvencilhar dele, o meu sangue subiu.
Cesare pediu para ir falar com o cara, eu deveria ter permitido. Perdi
o controle na frente dela... Sequer precisei olhar para a minha
esposa para saber que ficou com medo. Donna ficou, como Gaia
não ficaria.
Fui para casa no meio da madrugada e tomei banho em um
dos outros quartos, não queria que ela me visse com marcas de
briga, só que eu havia tomado um soco no olho, e essa merda
ficaria roxa amanhã. Minha sobrancelha ainda tinha o sangue
coagulado do pequeno corte e as juntas abertas deixavam óbvio
que eu andei brigando.
Tomei um M.D. ao invés de fazer umas carreiras para voltar
para casa o mais tranquilo que eu conseguisse. Além disso,
esperava encontrá-la dormindo. Essa manhã, quando vi que ela
havia me esperado na noite anterior com champanhe e fodidos
morangos, além de uma lingerie deliciosa e uma garrafa pela
metade, pensei em que tipo de casamento de merda eu teria para
oferecer a Gaia.
Eu era uma bagunça, só que nas nossas primeiras noites a
bagunça não havia sido minha. A primeira foi dela, a segunda de
Cesare, que nunca precisou de mim, sempre foi o contrário. Quando
finalmente chegou a vez dele, eu tinha que estar lá. Devia isso a ele.
Era minha obrigação, porra!
Entrei no quarto na ponta dos pés, mas Gaia estava
acordada, sentada na varanda com uma garrafa de vinho. A linha
dos meus sentimentos desgovernados desceu vertiginosamente
para um estado depressivo ao vê-la ali tão linda, tão perfeita, ainda
com o mesmo vestido da boate, o cabelo solto em ondas
volumosas, pesado, como se chamasse pelas minhas mãos, porém
sua tristeza espelhava a minha.
Encerrei a distância entre nós dois, com passos lentos,
tentando não a assustar ainda mais e sentei-me de frente para ela.
Gaia estudou a minha roupa: uma calça de corrida e uma regata
simples e os pés descalços, como os dela. Então voltou seus olhos
para o meu rosto, onde eu sabia que ela notava as marcas de briga,
mas não questionou nada.
— Oi. — Roubei a sua taça solitária e bebi um pouco.
— Oi. — Seu lábio inferior estremeceu e seus olhos verdes
estavam inchados. Ela esteve chorando, porra!
— Vem cá — murmurei e estendi a mão para ela, que veio
para mim e eu a coloquei de lado no meu colo, envolvendo suas
costas em um abraço.
Ela se aconchegou em mim como se fôssemos feitos para
isso, como se já houvesse feito aquilo centenas de vezes na vida.
Gaia não vacilava perto de mim, ela se sentia segura.
Eu não merecia sua confiança.
Seus seios estavam muito próximos do meu rosto e ela sem
sutiã me deixou em alerta. Um dos efeitos do M.D. era aumentar o
desejo sexual, mas nem precisava quando ela era tão perfeita. Tudo
nela era apelativo para mim. Sua beleza, a ingenuidade, a entrega,
principalmente.
— Desculpa, Gaia, não queria estragar a sua diversão, nem
perder o controle daquela forma. Eu só... Às vezes eu perco o
controle. Você me perdoa?
— Eu que não devia ter ido sem pedir permissão. — Uma
lágrima escorreu em seu rosto, catei-a com meu polegar e a lambi.
Não queria fazê-la chorar ou se sentir culpada por nada.
— Você tem a minha permissão para fazer o que você quiser,
desde que esteja segura em algum dos clubes da famiglia. Donna
sabia que eu não me importaria, por isso te levou, não se sinta
culpada.
Ela envolveu o meu pescoço com os dois braços e escondeu
o rosto. Sua respiração atravessou a minha pele e correndo direto
para o meu pau. Alisei suas costas para confortá-la. Todo o meu
corpo a desejava, mas eu não queria quebrar este contato.
— Ontem Cesare recebeu uma notícia que o abalou. Nada,
nunca, abala Cesare, eu precisava ficar com ele. Você entende? —
Enterrei minha mão em sua nuca, puxando seu cabelo para que ela
me olhasse. Recebi um gemido miado e seus olhos pesados de
tesão.
— O quanto você bebeu? — Estranhei a sua reação.
Espelhava a minha, mas, mais uma vez, minha esposa não tinha
nenhuma trava comigo. E ela confidenciou que esperara por mim
para tudo.
— Esta é a minha primeira taça de vinho, não consegui beber
muito no clube, estava muito nervosa sem você lá. — Senti que ela
se esfregava sobre mim, e a linha da euforia queria vencer. Segurei
seu queixo. — Não quero aquilo sem você lá.
— Eu vou te levar, e vai ser divertido, prometo — Seus olhos
ainda aquosos. — Eu vou te dar tudo o que você quiser.
Desceu o olhar para a minha boca e eu sorri, compreendendo
o que ela queria, o que pedia com seu pequeno gesto. Aproximei o
rosto e ela veio, afoita, mas eu me afastei um pouco antes de beijá-
la, em provocação, sorrindo. Ela focou em olhou nos meus olhos,
insegura. Suas pupilas dilatadas, como se tivesse chapada, tão
linda.
— Por favor, Rocco, por favor. — Aproximou o rosto de novo,
segurando em minha mandíbula com toques suaves.
Ah, caralho, ela estava implorando!
— O que você quer, Gaia? — Segurei seu queixo e apertei
meus dedos no seu cabelo. O pau endurecendo progressivamente
sob a sua bunda.
— Eu quero você.
— Diga as palavras, diga o que quer! — urgi e a senti
derreter sob o meu toque.
Suas pernas se entreabriram e aquele vestido indecente
subiu para o alto das suas coxas, revelando o triângulo de sua
calcinha de renda. Eu conseguia ver a divisão entre os seus lábios
vaginais e imaginava passar a língua exatamente ali. Senti-la
gozando na minha boca.
— Quero que me faça sentir prazer como fez no avião.
Aproximei os lábios novamente, mas não a beijei. Bom, ela
estava em um fodido vestido branco. Não devia ser nada do que ela
tinha sonhado, mas para mim parecia um sonho molhado.
— Eu vou te dar aquele prazer e mais, vita.
— Vita? — Seus olhos brilharam de felicidade.
O sorriso maravilhoso estava plantado em seus lábios.
Aquele que me fez escolhê-la para ser minha esposa, o que
demonstrava felicidade genuína, e que eu queria para mim. Eu
podia não ser feliz naturalmente, não inteiramente, mas eu viveria
através da felicidade de Gaia. Viveria para garantir a dela.
Levantei da cadeira e desci seu corpo na frente do meu antes
de responder olhando-a fixamente.
— Gaia, a que originou vida. — Segurei a sua nuca e a beijei.
A boca de Gaia sob o efeito do M.D. tinha um gosto diferente
que sob a coca. Era melhor. Como se eu pudesse passar uma
eternidade apenas a beijando, como se eu pudesse gozar apenas
ao beijá-la.
Meu pau concordou comigo, pulsando, babando e ardendo.
Mas Gaia não parecia achar que era suficiente, subiu as mãos por
dentro da minha camisa, alisando meu abdômen e eu vacilei quando
ela tocou a minha costela fodida. Puxei a camisa por trás e a vi
investigar meu corpo. Surpreendeu-me com seus atos desinibidos;
suas pálpebras pesadas observando meu corpo; a respiração
profunda e ruidosa, misturada com pequenos gemidos a cada toque.
Seus dedos em minha pele, nos piercings nos meus mamilos, então
contornando as tatuagens dos filmes do Tarantino nas costelas e
nos braços, a perfeição.
Só de vê-la estudando meu corpo, o tesão escalonou a um
nível superior. Então Gaia fechou os olhos, e me lambeu. Gemeu
contra a minha pele, com a língua exposta no meu esterno, indo na
direção do meu mamilo. Seus lábios quentes do vinho, a respiração
pesada como se meu cheiro a intoxicasse. Segurei a sua bunda a
trouxe para mais perto, roçando minha ereção rígida no seu ventre.
Ela subiu a exploração, lambendo o meu pescoço, mordendo a pele
e chupando em beijos molhados.
Seus atos desesperados demonstravam o tesão que eu
despertava nela. Gaia ficou rígida quando aquele filho da puta a
tocou, mas comigo ela tinha zero inibição. Eu adorava isso sobre
ela. Desde o primeiro momento, ela se abrira para mim, ansiando
por meus toques, sem temor, entregando-se a mim e só a mim.
Deitei-a na cama, encaixando-me entre as suas pernas e
voltei minha boca para a dela, busquei o zíper do seu vestido para
removê-lo. Gaia abriu a faixa que o prendia na cintura e eu puxei as
alças, revelando seus seios grandes e pesados, os mamilos
castanhos. Sua pele se arrepiava em ondas com a minha respiração
tão próxima.
A droga que eu tomei me deixava hipersensível, mas estar
com Gaia era uma onda diferente. Alisei a sua pele com o mesmo
cuidado que ela demonstrou ao alisar a minha. Só que ela não
estava disposta a esperar, aninhando-me entre as suas pernas. O
calor da sua boceta e a da parte interna de suas coxas me tirou o
pouco de controle que eu ainda tinha. Girei o quadril sobre o dela,
arrancando mais gemidos entrecortados pelo meu peso.
— Calma, vamos te preparar primeiro... você é virgem. —
Tive que dizer as palavras em voz alta, senão eu esqueceria e me
afundaria nela com força, comendo-a de uma vez, sem nenhum
preparo.
Finalmente encontrei a porra do zíper na lateral do vestido e
consegui removê-lo. Gaia estava só de calcinha sobre a cama, mas
eu removi aquilo também. Deslizando a peça em suas coxas e
deixando mordidas nas suas panturrilhas.
— Eu quero ver você, quero ver seu corpo — implorou,
inquieta, arrastando-se pela cama, como se sua pele ardesse e
pinicasse. — Quero isso há tanto tempo, Rocco.
Ouvi-la implorando para me ter dentro dela ainda ia acabar
comigo. Se Gaia não fosse virgem, eu já estaria dentro dela,
enterrado até as bolas. Mas ela sentiria dor na primeira vez, eu
sabia que sim, então eu precisava deixá-la pronta. E se havia uma
promessa que eu cumpriria na minha vida, era dar orgasmos a
minha esposa. Essa era a única promessa que eu tinha cem por
cento de certeza de que podia cumprir.
Mantendo a calça para não me afobar e fazer nenhuma
merda, ajeitei-me entre as suas pernas e beijei sua pele, tracei seu
umbigo com a língua e levei dois dedos molhados para o meio das
suas coxas bronzeadas. Separei os lábios e massageei seus lábios
internos.
— Você tem a boceta linda, eu poderia te comer a noite toda!
— anunciei, perdido na minha névoa de tesão e de efeitos da droga.
Fui lento e torturante, Gaia começou a se mover
instintivamente, ensandecida com meus toques tão suaves. Ela
estava tão ligada, tão cheia de tesão, que era como se pudesse
gozar só com a minha respiração ofegante ali perto da sua entrada.
Ela pingava. Beijei suas virilhas, deixando mordidas nas partes
internas das coxas e monte de vênus polpudo. Passei meu
indicador, para cima e para baixo, esfregando a sua excitação até
que eu mesmo não conseguisse mais me controlar e precisasse
sentir o gosto que acompanhava.
Caí de boca, chupando-a inteira. Não empurrei seu quadril
quando ela o ergueu da cama, deixando que se contorcesse e
aproveitasse a viagem, que montasse a minha cara e me mostrasse
onde era mais prazeroso para ela. Chupei a sua entrada, depois
aplainei a língua de baixo para cima e senti seus lábios incharem e
pulsarem.
Eu queria tanto comê-la! Mas só de chupá-la já poderia
gozar. Minhas bolas estavam a ponto de explodir e meu pau roçava
na cama. Mais um pouco disso e eu gozaria nas calças como um
moleque virgem. Ela era deliciosa. Eu só havia fodido prostitutas
quando tomei M.D., mas com Gaia era diferente. Sentir o prazer
dela aumentava o meu.
Seu gemido rouco, inexperiente, soou surpreso pelo tipo de
prazer abrasivo. Enfiei um dedo e ainda que sentisse a resistência
de seu hímen, ela não se contorceu de dor, muito pelo contrário,
rebolou na minha mão como se aquilo não fosse suficiente. Chupei-
a e a invadi com dois dedos. Gaia estava fora de si.
— Rocco, por favor, por favor! — Ela estava implorando,
caralho!
— Eu vou te dar, mia vita, vou te dar o alívio — prometi e
poderia cumprir.
Cumpriria todas as promessas que fizesse a ela. Ergui o
corpo e tirei a calça apressado, deitando meu corpo sobre o dela.
Gaia me abraçou com as pernas, seus joelhos na altura das minhas
costelas e os pés trancados nas minhas costas. A dor da minha
costela fodida me refreou um pouco, o que foi bom, senão eu teria
entrado com tudo.
— Segura em mim.
Beijando sua boca entreaberta, esfreguei a cabeça do meu
pau em seu clitóris, entre seus lábios extremamente melados e sua
entrada. Ela gemia descontrolada. Fui entrando aos poucos e suas
unhas grandes seguraram na minha bunda. Seu rosto revelava dor
e prazer, mas eu só queria dar prazer.
Apoiei-me em um cotovelo e enfiei a mão entre nossos
corpos, abrindo mais suas pernas e massageando seu clitóris, ela
apoiou os pés na cama e relaxou e eu senti exatamente quando a
cabeça do meu pau abriu a passagem.
Ela soltou um ofego e abriu aqueles olhos verdes. Lágrimas
verteram de seus olhos com as pupilas dilatadas de tesão.
— Eu sonhei com isso por anos. Com o momento em que eu
me tornaria a sua esposa. Por favor. — Gaia era pura felicidade, seu
sorriso produziu uma espécie de fogo vivo dentro do meu peito,
acalmando-me de forma que nenhuma droga conseguia.
Eu precisava dela em minha vida. A linha dos meus
sentimentos desgovernados nunca esteve subindo em uma perfeita
transversal de alegria como neste momento. Era pura e extrema
felicidade, um êxtase que jamais poderia ser comprado. Enterrei até
o final e mais lágrimas saíram de seus olhos. Ela tremia e sorria sob
mim, aquele sorriso da foto que me fez escolhê-la para a minha
vida.
— Você é a mia vita, Gaia. Nem faz ideia do quanto. — Iniciei
o vai e vem, beijei-a com mais força e menos controle.
Seu joelho se apoiou exatamente na minha costela ferrada,
mas não me importei. Se ela estava sentindo dor neste sexo
afobado que começamos a fazer, eu também sentiria. Tudo por ela,
sempre e para sempre. Nossos movimentos coordenaram-se depois
de algumas investidas, minha esposa estava tão fora de si quanto
eu.
As unhas arranhavam minhas costas, meus braços,
cravavam na minha bunda, exigindo que eu fosse mais fundo. E sua
boceta pulsava ao redor do meu pau, ordenhando-me. Ela já havia
gozado, mas eu não conseguia parar e ela não queria que eu
parasse.
— Você está sentindo dor? — murmurei contra os seus
lábios, sentindo minhas bolas contraírem a ponto de gozar.
— Não, está maravilhoso! É perfeito! Eu preciso de mais,
mais!
Estranhei, seus olhos reviraram nas órbitas e ela continuava
me empurrando para dentro e encontrando com as minhas
investidas, embora ao olhar para baixo, eu tivesse visto que o meu
pau estava sujo de sangue.
Travei meus movimentos e olhei para suas bochechas
rosadas do esforço. Segurei seu pescoço e a fiz me olhar,
diminuindo o ritmo. Ela gemeu em frustração. Não era possível que
ela não quisesse parar.
— Gaia, o quanto você bebeu na boate?
— Rocco, por favor, eu preciso de mais! — implorou, puta
que pariu! — Só mais um orgasmo, por favor. Só você consegue, só
você me faz gozar, nem eu nunca consegui, por favor. — Beijou
todo o meu rosto e eu perdi o controle completamente.
Fodi-a com força, ergui o corpo ajoelhado na cama e segurei
seu quadril, bombeando até que ela gemesse e convulsionasse na
cama em outro orgasmo violento e eu gozei dentro dela. Sem
precisar de uma fodida caminha. Pele contra pele...
Era a porra do paraíso!
Sua boceta e as coxas estavam um pouco manchadas de
sangue, meu pau saiu de dentro dela com sangue e porra
misturados. Ela era minha. Os olhos verdes ainda brilhavam,
enquanto ela se levantava e se ajoelhava na cama, buscando a
minha boca para me beijar com força, ainda cheia de desejo.
— Gaia, você bebeu do copo de alguém enquanto estava na
boate? — No fundo da minha mente, eu já sabia a resposta para
seu comportamento, mas meu coração quis pensar que não. Eu não
queria que a primeira vez dela tivesse sido assim. Puta merda!
— Não. Eu só bebi uma taça de champanhe e uma taça de
vinho em casa, agora com você.
— Você tomou alguma coisa, usou alguma droga? — Segurei
seu rosto lindo entre as mãos, preocupado com ela.
Minha Gaia era perfeita, ela não precisava disso.
Seus olhos culpados me deram a resposta.
— O que você usou, mia vita?
— Donna me deu um comprimido para dormir... Eu estava
muito nervosa, não sabia a que horas você ia voltar, desculpa. — A
culpa na sua voz me partiu ao meio. Eu devia ter percebido antes.
Eu tirei a sua virgindade enquanto ela estava drogada.
CARALHO!
— Está tudo bem. Você não fez nada errado. Deita aí que eu
vou te limpar. — Beijei a sua testa e queria ficar com ela a noite
toda. Minha vontade era voltar para dentro dela, mas o principal, eu
não contaria a ela o quanto eu estava puto que seu sonho havia
sido manchado.
Ela me obedeceu e eu fui para o banheiro, levando o meu
celular. Abri a torneira e aguardei a água amornar. Digitei as
mensagens para a filha da puta que estragou algo precioso.

Rocco: “Você deu que droga para ela?”


Donna: “Um M.D. para ela relaxar e dormir até
que a sua monstruosidade se acalmasse. Rlx.”
Rocco: “Vamos conversar sobre isso amanhã e
é melhor o seu segurança sumir por uns tempos,
porque vou descontar a minha monstruosidade
nele.”
Donna: “Não ouse tocar nele.”
Rocco: “Não é só Nero que pode quebrar os
seus brinquedos, Donna, não se meta com a
minha mulher.”
Donna: “Vai se foder!”

Deixei o celular sobre a pia e olhei o meu reflexo estragado.


Lavei o meu pau e avaliei meu olho roxo. Com certeza não havia
sido com isso que Gaia sonhara quando era uma garota: casar-se
com um fodido como eu, perder a virgindade drogada sem nem se
dar conta e com um marido de olho roxo para completar.
Eu não era nem de longe o sonho de Gaia. E era questão de
tempo até ela perceber quão caótico, desordenado e autodestrutivo
eu podia ser. Meu abismo era grande demais para que ela atingisse
o fundo, e nós éramos tão diversos quanto o céu e a Terra.
Quando voltei para o quarto, ela ainda estava nua sobre os
lençóis. Limpei suas coxas e a boceta com a toalha molhada. Ela
ainda estava muito elétrica e queria mais sexo, mas eu a faria
dormir.
Álcool era uma opção, mas não muito segura para ela. Então
abri a minha primeira gaveta e peguei um baseado, acendendo-o e
estendendo para ela.
— Se quiser relaxar, usa isto aqui, isso é natural e é tranquilo.
Não tome mais comprimidos. Eles não são bons.
Gaia pegou o beck dos meus dedos e me olhou com
insegurança. Peguei de volta e a ensinei a tragar, prendendo a
fumaça para que fizesse o efeito esperado em mim também. Ela me
obedeceu, porque confiava em mim. Fumamos aquele baseado
juntos, eu mais que ela, para me acalmar o suficiente para dormir e
não ir matar o segurança que provavelmente estava comendo o cu
de Donatella neste momento.
Já que eu não podia bater na minha irmãzinha por ter
drogado a minha esposa, eu mataria aquele soldato de porrada. Se
Donna fosse esperta, o cara sumiria por um longo tempo.
— O que Donna me deu, você já tomou? — Gaia acariciava
meu peito, deitada do lado oposto à minha costela fodida. Uma de
suas coxas deliciosas sobre meu abdômen e a sua boceta quente
contra o meu quadril.
— Sim.
— Você usa outras drogas, Rocco? — Meu coração acelerou
desesperado. Eu não queria que ela soubesse. Não queria que
visse o meu lado feio.
— Sim.
— Tudo bem. Eu só preciso que você me conte a verdade.
Eu nunca vou mentir para você... não conseguiria. — Segurei seu
queixo e a olhei nos olhos. Havia essa conexão fodida entre nós
dois. Suas pupilas dilatadas, os globos oculares vermelhos e os
nossos cheiros misturados ao da erva.
— Eu não sou bom, Gaia, mas eu quero ser para você. —
Seus olhos começaram a se fechar de sono finalmente — Você vai
precisar me desculpar de muitas coisas ainda...
— Não me importo com nada se você estiver comigo. —
Fechou os olhos e acomodou a cabeça no meu ombro. A respiração
se tranquilizou como se ela estivesse adormecida.
— Nunca me odeie, Gaia, por favor — sussurrei, implorando
contra a sua testa, quase certo de que ela dormia.
Meu peito doía imaginando o dia em que Gaia me veria no
meu pior, decidiria que havia tido o suficiente, e deixaria de me olhar
com aquela adoração que ela ofereceu tão gratuitamente.
— Eu já te amo, Rocco. Você é o meu paraíso depois do
inferno. — Sua voz estava tão baixinha que eu precisei me esforçar
para ouvir.
— O quê? — Mas ela adormeceu.
Eu estava chapado, era a única explicação. Fechei os olhos e
me juntei aos seus sonhos, onde eu, pela primeira vez na vida, era
um paraíso e merecia algum amor não obrigatório ou dolorido.
CAPÍTULO 16

Acordei com uma ressaca monstruosa, mas o braço de


Rocco sob o meu pescoço era tudo o que eu precisava para saber
que estava segura. O calor do corpo dele atrás do meu. Sua pele
nua aquecia a minha. As juntas machucadas onde a aliança de ouro
branco cobria parcialmente o “O”, em lost, era quase uma promessa
para o universo.
Promessa de ligação, apesar das tormentas.
Se ele se perdesse de mim, eu iria atrás, onde quer que ele
fosse.
— Você já está acordada? — murmurou nas minhas costas e
passou os dedos suaves, trilhando desde o meu ombro até o meu
cotovelo. Seu membro estava rígido, entre as minhas nádegas.
Dormimos juntos e o seu cheiro havia entranhado na minha pele.
Uma onda de felicidade incandescente me invadiu,
formigando pelo meu corpo e me deixando com o centro fervilhando
em antecipação.
— Sim... Somos oficialmente marido e mulher.
— Você já era minha muito antes de eu ter te fodido, Gaia. —
Riu e me envolveu, puxando meu corpo para ele.
Rocco sempre usava palavras cruas para se referir ao sexo e
eu gostava, gostava demais. Eu ansiei por esse momento por tanto
tempo que estava mais que preparada quando ocorreu e foi
maravilhoso. As lembranças da noite passada me invadiram,
rasgando um sorriso lânguido em meu rosto.
— Eu queria mais, mas acho que estou dolorida — confessei
entre risinhos abobalhados de felicidade genuína.
— Nós perdemos o controle ontem, por causa do M.D.,
desculpa. Mas não vai ser sempre assim, eu vou poder te comer até
mais forte e você só vai gozar, sem ficar com nenhuma dor. Eu
nunca quero que sinta dor quando estiver comigo. — Sua
sinceridade me deixou tensa e senti lágrimas formando-se em meus
olhos.
Rocco era perfeito para mim. Tão perfeito. Ele não sabia,
mas dizia as coisas certas para me reassegurar sobre quaisquer
inseguranças que eu tivesse. Tínhamos uma conexão em que ele
compreendia o que eu precisava, que eu não era perfeita, que eu
não era a melhor em nada, mas ele me escolheu.
— O que foi? — Virou-me em seus braços e olhei para o seu
rosto sonolento. Eu devia estar uma bagunça, mas ele não me
deixou cobrir o rosto quando tentei, olhando para mim inquisidor,
como se o que me afligisse, refletisse nele.
— Eu sabia que você seria assim... — Sorri e o sentimento
de paz e agradecimento em meu peito era como se eu tivesse
engolido o sol. — Sabia que não me aterrorizaria, nem... —
interrompi as palavras, engasgada com a emoção de alívio
avassalador.
Já Rocco ficou tenso, seus olhos mornos questionaram antes
que ele proferisse a pergunta.
— Você era aterrorizada na sua casa? — A mandíbula de
Rocco trancou e seus olhos ficaram selvagens. Soltei minha mão do
seu aperto e segurei seu rosto entre as mãos. — Gaia, ele batia em
você?
— Rocco, não vamos falar sobre isso, já acabou, eu estou
aqui, você acabou de dizer que...
— Acabou porra nenhuma! Ele continuou batendo em você
depois que você foi prometida a mim? — Rocco já estava de pé e
vestindo a calça de corrida que usou ontem.
Levantei-me correndo da cama e coloquei a camisa dele,
então catei um robe de seda no banheiro quando o vi sair pela porta
do nosso quarto. O que ele faria? Fui atrás dele, mas Rocco estava
descendo as escadas na direção da cozinha. Toda a família estava
lá, inclusive Nero.
— Eu quero a cabeça do Velacchio! — Rocco anunciou aos
berros e Don Lorenzo soltou a xícara de seu café abruptamente no
pires, derrubando um pouco.
Cara Spada olhou para mim como se a culpa do descontrole
de Rocco fosse minha, e era. Mas eu não sabia como evitar.
— O que houve? — Cesare em seu tom frio e controlado de
sempre não se abalou.
— Ele batia em Gaia! — Rocco apontou para mim atrás dele
e eu abaixei os olhos, ele me puxou para si. Escondi meu rosto em
seu peito, mortificada.
— Batia como? E ele era pai dela, Rocco, não posso me
meter.
— Ele bateu nela depois de a ter prometido a mim! Podemos
nos meter, sim! — Rocco teimou com o pai.
— Rocco... — Cesare novamente, sendo a voz da
racionalidade do irmão. Senti o peito do meu marido subir e descer
com mais tranquilidade, seus braços ao meu redor ficaram menos
tensos e mais acolhedores. — Nós vamos resolver isso. Gaia, não
se preocupe.
— Não pre-precisam, eu... Rocco, deixe isso para lá, por
favor! — Olhei para os olhos alucinados de Rocco e soube que ele
estava se equilibrando por uma fina linha de sanidade. Ainda estava
com ódio de papá e queria ir até lá.
Uma boa parte de mim queria que ele fosse. Que batesse em
meu pai como havia feito com o homem da boate ontem, que desse
a Anthony Velacchio o que ele merecia. Queria que ele deixasse o
Underboss deformado e com tanta dor quanto ele causava em todas
nós. Mas não queria que eles entrassem em guerra. Isso significava
nunca mais ver Guilly, Paola ou Grazzi.
— Eu te amo, papá, mas se você me batesse, a água quente
já teria encontrado o seu ouvido quando fosse dormir. — Donna
levantou-se da mesa e foi até o seu pai, beijando-lhe as bochechas.
— Vou à Santa Mônica com umas amigas, Andreas vai comigo.
— Andreas não, leve Torrentino. Andreas tem te olhado
demais, está na hora de ele lembrar que nunca poderá ter a minha
princesa. — Don Lorenzo fixou os olhos em Donna, que ficou
visivelmente chateada e Rocco soltou um riso baixinho, mas Nero
gargalhou.
— Eu quero Andreas para trabalhar comigo, tenho um serviço
para ele. — Nero pediu e o pai assentiu. Donna pareceu que queria
falar alguma coisa, seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela
apenas saiu.
O que aconteceu ali?
Cara Spada ainda olhava para nós dois, para mim e para seu
filho, meu marido, abraçados. Eu agarrada a ele como se fosse meu
salvador e ele me envolvendo como o herói quebrado que era.
Cesare e Rocco mantinham alguma conversa silenciosa com a troca
de olhares e um ciúme me invadiu. Ele podia me dar uma parte de
si, mas a outra sempre pertenceria a Cesare.
— Sentem-se, vamos tomar café. — Don Lorenzo ordenou.
Nós dois obedecemos, mas Rocco ainda estava agitado,
suas pernas balançavam, subindo alternadamente sob a mesa. Eu
não queria deixá-lo assim, não queria ter estragado nossa manhã.
Cara Spada me deu seu olhar gelado: “não jogue gasolina”.
Eu estava tentando acertar, merda!
Na nossa primeira semana de casados, Rocco já tinha me
levado para um jantar em um restaurante maravilhoso, só nós dois,
um passeio de lancha partindo de outra mansão dos Spada em
Manhattan Beach e hoje nós tínhamos o tradicional café da manhã
de domingo da família.
Fizemos algumas refeições com eles, mas nunca estava
completa e na maioria das vezes eu era ignorada pela mãe de
Rocco. Fato que ele notou, só não dissera nada.
A mesa do café da manhã de domingo parecia um brunch
digno de hotel. Don Lorenzo sentava-se à cabeceira da mesa, Cara
ao seu lado esquerdo. No direito, havia dois assentos vazios, que
deveriam ser para Rocco e Cesare, mas meu cunhado sombrio
estava sentado depois dos dois espaços vagos. Ao lado de Cara
Spada, Donatella, do outro lado da mesa, distante de toda a família,
cortando uma maçã com uma faca que não fazia parte do conjunto
de talheres, Nero Spada, exalando um péssimo humor.
Engoli em seco, observando a trivialidade da cena. Antes de
nos sentarmos, Rocco me abraçou por trás e sussurrou no meu
ouvido.
— Bem-vinda à família Adams[20]. Eles só parecem maus,
você vai ver. — Prensei os lábios juntos para não rir com ele,
enquanto éramos vistoriados por Don Lorenzo e Cara.
Eu e Rocco havíamos fumado um baseado antes de
tomarmos banho para descer, e eu não sabia se eles conseguiam
perceber. Ele fumava todos os dias quando acordava, eu já havia
me acostumado ao cheiro. Hoje, enquanto ele se afundava em mim,
bem lento, até me fazer gemer tão alto que eu tinha certeza de que
os seguranças do nosso lado da casa tinham me escutado, passou
o baseado, e a sensação de transar chapada era deliciosa.
Não era como aquele desejo desesperado da nossa primeira
vez, com o M.D., mas transar fumando maconha também era bom.
Eu ansiava por uma oportunidade de ter aquilo de novo, agora sem
dor. Na noite em que Rocco usou cocaína a primeira vez na minha
frente, na casa de praia, nós transamos a noite inteira, literalmente.
Eu precisei implorar para que ele parasse.
Eu queria aquilo. Queria estar com ele de todas as formas
possíveis, aproveitando com ele, perdendo os limites, sendo apenas
nós no mundo e ignorando todo o resto.
— Bom dia, pombinhos — Donna provocou e bebeu um de
seus sucos verdes de aparência duvidosa. Donna era lindíssima,
com um corpo que muitas modelos invejavam, mas vivia de dieta.
— Acho que estão mais para corvos, do tanto que ela grasna.
Bom trabalho, irmão — Nero provocou. Ele tinha o sótão só para
ele, ou seja, conseguia ouvir qualquer parte da casa.
Meu rosto ficou em chamas, mas até Don Lorenzo estava
rindo.
— Você só está com inveja, Nero. — Rocco puxou a cadeira
para mim, ao lado de Cesare. Eu ainda não me sentia confortável
com seu gêmeo sombrio, mas entre Cesare e Nero, eu iria com
Cesare, sempre.
Não que ele demonstrasse nenhum interesse em me
conhecer, ou sequer reconhecer a minha presença. Para Cesare
Spada, eu era alguém que ele precisava suportar.
— Inveja? Eu posso fazê-las gritar também, irmão. De forma
muito mais eficiente. — Nero cortou a maçã sem precisar olhar e eu
baixei os olhos, sentindo gelo correr na minha espinha.
Ele não estava falando sobre prazer. E eu ficava cada vez
mais desconfortável ao ter minha vida sexual discutida de forma tão
aberta. Os Spada eram muito diferentes da minha família. Na casa
dos Velacchio, só havia amor no nosso quarteto, mas não se
assemelhava em nada com esse acolhimento. Grazzi sempre foi
fechada, por mais que me amasse incondicionalmente. Guilly e
Paola eram um casal, o que sempre me deixou sozinha.
Aqui não, os Spada eram um vulcão em ebulição. Esses
irmãos se provocavam o tempo inteiro, mas eles se conheciam, se
protegiam, eram uma fortaleza contra o mundo. Todos eles
conseguiam compreender uns aos outros sem conversarem, eu
ficava perdida com o tanto de olhares que eles trocavam e com a
forma como eles pareciam uma unidade, sempre.
Os gêmeos eram um só: Rocco o coração e Cesare a mente.
Nero era a insanidade antissocial e Donna a sanidade sociável. E
todos eles eram capazes de matar qualquer um que mexesse com
um deles, como os quatro mosqueteiros. Era uma relação complexa
e eu ainda não sabia onde eu me encaixava ou se me encaixaria.
Rocco me queria por perto, lidava comigo com cuidado e
preocupação com as minhas necessidades, interessado em me ver
feliz. Donna era gentil comigo, mas mantinha uma distância, não
tendo mais me convidado para acompanhá-la. Já a matriarca, Cara,
essa me odiou a partir do momento em que me ouviu gozando a
primeira vez dentro do avião na vinda para cá.
Acredito que Don Lorenzo pensava em mim como um
brinquedo que ele havia comprado para o seu herdeiro e enquanto
eu não me tornasse um problema, ele ficava feliz com o arranjo.
Eu só queria acertar, ser perfeita, e não ser um problema.
Não jogar gasolina no fogo de Rocco, mas era muito difícil quando
ele acendia tudo em mim. Eu estava cada vez mais apaixonada.
Rocco se sentou ao meu lado e enfiou a mão sob a mesa,
subindo os dedos pela minha coxa em um aperto de reconforto.
Seus lábios tocaram a concha do meu ouvido, arrepiando-me
inteira.
— Mais tarde nós vamos a uma das novas boates e você vai
conhecer melhor os meus irmãos, ok?
Assenti e prosseguimos no café como se esta não fosse uma
das famílias mais poderosas da máfia nos Estados Unidos. Como se
eles não fossem os líderes da famiglia calabresa. Parecia um
seriado dos anos sessenta, a perfeita família de comercial.
Em nenhum momento a tensão deixou meu corpo, por mais
que Rocco acariciasse minhas costas e estivesse sorrindo o tempo
inteiro. O que geralmente costumava me comprar. Eu não me sentia
parte daquela família. Talvez jamais fosse me sentir. Mas tudo bem,
eu tinha Rocco.
CAPÍTULO 17

Duas semanas depois que nos casamos, eu não poderia


estar mais feliz, Rocco era tudo o que eu sempre havia sonhado.
Nós fomos à boate outras vezes, eu estava completamente feliz
agora. Eu e Donatella ficamos quase amigas e as amigas dela eram
gentis comigo, apesar do que havia acontecido na primeira vez que
saímos juntas.
Coloquei um dos meus vestidos mais curtos, pois queria
deixar meu marido enfeitiçado, não olhando para nenhuma outra
mulher na boate. Os scarpins fariam meus pés doerem em menos
de uma hora, mas eu compensaria a dor com álcool. Só queria
parecer perfeita.
Quando desci as escadas, encontrando Rocco discutindo
com Nero e Cesare, vi que ele colocou um pouco de cocaína na
mão e puxou, contorcendo o rosto em seguida.
— É o suficiente... E eu não acho uma boa ideia. — Cesare
soou entediado como sempre, mas Rocco escutou meus passos e
limpou o nariz com as costas da mão, eliminando qualquer resquício
de pó que tivesse ficado ali. Seu sorriso majestoso me fez sorrir
para ele em conjunto.
— Você parece um fodido sonho, vita. — Rocco envolveu a
minha cintura no degrau inferior e seus lábios grudaram nos meus,
afobados.
Eu amava quando ele me beijava assim, sem nenhum
cuidado.
Havia dois tipos de carinho vindos dele: o cuidadoso e
generoso, que me amolecia e me dava orgasmos lentos e sôfregos
e havia este lado, bruto e desesperado que me daria um prazer
depravado, sem pudores. Mas eu ainda estava hiper consciente de
seus irmãos ali, olhando para nós dois, enquanto ele esfregava a
sua ereção no meu ventre, amassando o meu vestido.
— Talvez tenhamos que jogar água para que eles se soltem.
— Era a voz de Donna, rindo. — Ei, vocês ainda estão em lua de
mel, todos nós sabemos, mas a luta tem hora. E eu não me arrumei
para ver vocês se pegando.
— Luta? — falei entre os lábios de Rocco, que me soltou e
tentou focar seus olhos em mim, mas os dele estavam agitados,
com as pupilas dilatadas, mudando o foco de um olho para o outro,
para a minha boca e meus seios soltos no vestido que só não os
deixaria a mostra por causa do adesivo que eu coloquei.
— Nós íamos a uma boate, mas tem um cara de San
Francisco que está aqui esta noite. Eu sempre quis lutar contra ele.
Quer me ver ganhar, mia vita? — Apertou ainda mais o meu corpo,
as mãos na minha bunda e sua boca foi para o meu pescoço,
lambendo o meu ponto de pulsação.
— O que você quiser fazer, Rocco — gemi em concordância,
enfiando os dedos nos seus cabelos, beijando-o de volta.
— Meu Deus, ele a deixou viciada em pau!
— Donatella — Cesare repreendeu o linguajar da irmã, mas
ela apenas riu, como se o ignorasse.
— Vamos logo, porra! Eu já deveria estar lá, é o caralho do
meu bar. — Nero foi na frente e Donna o seguiu. Cesare estava
encarando nós dois.
Eu abri os olhos, ainda beijando Rocco, e vi os olhos gelados
do gêmeo sombrio. Não havia nenhuma emoção ali, ele era vazio.
Meu marido ebulia, seu irmão congelava. Soltei o beijo como se
Cesare tivesse me ordenado a fazê-lo apenas ao me olhar.
— Rocco. — Aquele tom de comando de sempre. O tom que
tirava meu marido do transe.
Como Rocco seria o Don de Cesare quando o outro gêmeo
mantinha este tipo de controle sobre ele?
Rocco obviamente nunca falava de trabalho comigo, mas eu
percebia que ele não parecia nem um pouco interessado em sair da
nossa cama pelas manhãs. Cesare precisava ligar, ou ir buscá-lo
pessoalmente. Talvez ele estivesse realmente aproveitando a sua
lua de mel comigo. Fazendo aquilo por mim.
Entrelaçou os dedos nos meus, sua mão de perdição me
levando consigo para onde quisesse.
No carro, ao invés de me sentar ao seu lado, Rocco me
colocou em seu colo e voltou a me beijar, não me importei. Sempre
que estava em seus braços era como se estivéssemos sozinhos no
paraíso. Seus beijos eram intoxicantes, também os tragos que eu
dera no pipe que ficava em sua gaveta de cabeceira, antes de
descer para encontrá-lo, relaxaram o meu corpo o suficiente.
A maconha era mais eficiente que o álcool para tirar as
minhas inibições. E o fato de que Rocco subia sua mão pela parte
interna de minhas coxas, me deixava completamente fora de mim.
— Vocês vão transar ao meu lado?! — Donatella reclamou e
se afastou.
— Rocco, espere ao menos chegarmos no The Deep. Vai dar
tempo de você resolver isso antes da luta. — Era Cesare tirando
Rocco do turbilhão novamente. Seus olhos elétricos focaram nos
meus e aquele sorriso pecador me fez morder o lábio inferior.
Ele pretendia me foder na frente de seus irmãos? A
devassidão daquilo me deixou molhada.
Eu deveria me importar, não deveria?
Tentei sair de seu colo, porque eu estava ficando louca. O
que Rocco fazia comigo era loucura, mas ele não permitiu,
apertando seus braços com força ao meu redor e mantendo-me
sentada sobre o seu membro duro, fazendo meu centro se revirar e
se contorcer em si mesmo. Ficamos nos olhando por todo o
caminho, eu cada vez mais imersa no seu caos.
A sua respiração pesada misturava-se à minha, os pequenos
toques que ele traçava na minha pele desnuda, os nossos lábios
pairando um próximo ao outro. Meu coração socava dentro do meu
peito, eu precisava de algum alívio.
Assim que Valentino estacionou o carro, Rocco abriu a porta,
descendo comigo em seus braços, meu vestido subiu, deixando a
minha bunda exposta e diversos flashes piscaram ao nosso redor,
mas não me importei. A mão de Rocco na minha nuca era tudo o
que eu conseguia sentir. Seus lábios colaram nos meus, enquanto
ele me beijava em uma fúria áspera e Cesare nos empurrava para
dentro do prédio.
Rocco me carregou com ele para uma porta lateral que se
abriu para um vestiário e berrou para que os homens que se
trocavam lá dentro saíssem.
Eu não sabia se o vestido me cobria, mas não conseguia me
importar. Quando Rocco ficava daquela forma, eu não conseguia
pensar. Desci de seu corpo e ele pegou o papelote de cocaína,
virando-o sobre um banco. Com um cartão, separou três linhas
daquele pó e cheirou uma, antes que ele cheirasse a segunda, eu
me abaixei ao seu lado e segurei a nota em seus dedos.
— Gaia. — Ele não me deu de imediato, pressionando a
ponte do nariz e contorcendo o rosto um pouco.
— É só uma vez, com você, quero fazer isso com você. Tudo
com você — pedi e ele cedeu. Meus dedos tremiam e eu funguei a
carreira do pó branco até quase o fim.
A ardência me pegou antes que eu terminasse. Meu nariz
parecia pegar fogo por um segundo e eu o apertei entre o indicador
e o polegar. Rocco cheirou a última carreira e esfregou o que sobrou
da minha na gengiva.
— Vem aqui, mia vita! — Puxou meu braço e colocou meu
peito no dele.
Sua boca afobada na minha pele, os beijos parecem
diferentes agora, como se fogos de artifício explodissem de dentro
para fora.
Era assim que Rocco se sentia sempre que me tocava
quando cheirava?
Era fantástico! Todas as minhas terminações estavam em
alerta, minha boceta pulsava, ardente. Eu necessitava tê-lo dentro
de mim. O tipo de desejo fervilhante que eu estava sentindo não se
comparava a nenhum outro.
— Rocco, por favor! Eu preciso...
— Do que você precisa? — Seus lábios pairavam sobre os
meus, negando-me qualquer alívio.
Sem que eu me desse conta, Rocco prendeu ambas as
minhas mãos acima da minha cabeça, na parede ao lado da porta
com uma mão, e ergueu o meu vestido com a outra. Seus dedos
entraram apressados pela minha calcinha e eu abri as pernas. O
peito e a boceta em chamas.
— Preciso que você me foda, aqui e agora. Duro e com força.
Por favor.
— Eu amo quando você implora, caralho!
Consegui sentir o solavanco dele arrebentando a minha
calcinha e seus movimentos apressados para abrir o cinto, mas não
fiz muita coisa, apenas me contorcendo na parede, sentindo a onda
da cocaína varrer meu corpo, como se eu fosse morrer se ele não
enterrasse o pau em mim naquele exato momento. Eu precisava
dele ali.
A mão de Rocco que segurava meus pulsos sobre a cabeça
apertou-os com força a ponto de quase me machucar, mas tudo o
que eu fiz foi erguer uma perna e trancar seu quadril junto ao meu
com o salto, puxando-o para mais perto, enquanto ele mirava e se
afundava em uma única estocada. Os lábios abertos contra os
meus, sem me beijar. Os seus joelhos dobraram-se um pouco para
compensarem a diferença de altura. E seus movimentos ritmados de
baixo para cima esfregavam o meu clitóris de uma forma deliciosa.
Cada movimento da sua pelve encontrava aquele ponto
dentro do meu canal que tirava as forças das minhas pernas e o
meu clitóris já estava tão rígido e inchado que ondas de choques
eram enviadas para todo o meu corpo.
Suas mordidas em minha pele ficavam doloridas e deliciosas
ao mesmo tempo. Ele me fodia com força, como eu havia implorado,
mas eu queria mais, queria gozar. Conseguia ouvir o som do seu
quadril chocando-se no meu, deixando-me ainda mais alucinada.
Entretanto, eu não sentia que teria um orgasmo, embora estivesse
na beira do precipício.
— Eu quero gozar, o que está havendo?! — gemi em
frustração e prazer.
— É a coca, ela dificulta, mas quando você gozar vai ser uma
explosão, vita. — Tirou o seu membro de mim e eu senti a poça da
minha lubrificação se acumulando entre minhas coxas.
Todo o meu corpo fervia, ardido, eu precisava dele ali dentro,
fodendo-me até que eu não conseguisse mais pensar. Rocco me
manipulou, virando de costas e fazendo com que eu me apoiasse no
banco, com a bunda empinada para ele. Eu gostava quando ele se
enterrava em mim por trás.
— Você vai se masturbar.
— Rocco, eu não sei fazer.
— Você vai fazer o que eu estou mandando, Gaia! — Então
enterrou o pau de volta em mim e eu gemi desesperada, porque
assim, ele entrava mais fundo. — Agora esfrega essa boceta, você
vai saber como, é instinto, mia vita. Deixa o resto comigo.
Seu polegar rodeou o meu ânus e eu o obedeci, esfregando
dois dedos no meu clitóris. Ele tinha razão, eu definitivamente
saberia como fazer. Abri mais as pernas e senti a outra invasão.
Doeu e ardeu, mas também era delicioso.
— O que você está fazendo?
— Eu estou enterrando dois dedos na sua bunda. E você vai
gozar como nunca, mia vita. — Seu pau entrou alternado aos seus
dedos no meu outro orifício e eu não conseguia pensar, mal
conseguia manter a masturbação que ele me ordenava a manter,
enquanto berrava xingamentos e o quanto eu era apertada e
gostosa.
Eu era apenas sensação: devassidão e prazer, gemendo o
nome dele e sentindo as convulsões mais fortes que nunca. Minhas
costas arquearam e Rocco tomou isso como estímulo para socar
seu pau ainda mais forte dentro de mim. Perdi completamente o
ritmo da masturbação, apenas me segurando enquanto ele me fodia
nos dois buracos de uma só vez e eu explodi. Explodi em centenas
de pedaços, como se feita de fogos de artifício.
Quase perdi o equilíbrio, mas Rocco segurou meu corpo,
abraçando meu tronco e puxando minhas costas para o seu peito,
enquanto ele ainda bombeava dentro de mim e eu me contorcia no
orgasmo.
— Tão fodidamente apertada! Tão gostosa, tão linda com a
minha porra dentro de você... Eu nunca mais quero parar de te
comer.
Eu mal registrava as obscenidades que ele dizia, só queria a
vibração da sua voz rouca e os grunhidos que ele dava em meu
ouvido.
— Rocco. A luta é agora. — Cesare entrou e nos pegou
transando, mas Rocco não parou.
Eu ainda não conseguia me importar, perdida no emaranhado
de sensações que ele me causava. Então meu marido gemeu no
meu ouvido, gozando outra vez.
Seu irmão estava ali dentro, de braços cruzados, entediado,
como se estivesse vendo dois cachorros trepando no cio e
incomodado.
— Ah, caralho! — Rocco segurou meu quadril e eu senti seu
pau pulsando dentro de mim. — Já estou indo! Sai porra, é minha
mulher, Cesare!
— Eu estou pouco me fodendo. Estou aqui para a segurança
de vocês dois, porque se eu voltar sem você, Nero vem te buscar. E
ele só precisa de você vivo para a luta.
— Caralho! — Rocco saiu de dentro de mim abruptamente.
Seu esperma caiu no chão e eu finalmente me dei conta de que
Cesare estava bem ali.
Abaixei meu vestido e o olhar, mas o irmão não saiu
enquanto Rocco arrancava as roupas e abria um dos armários do
vestiário em que estávamos. Trocou suas roupas por uma bermuda
de luta e passou a mão no cabelo, jogando as roupas de qualquer
jeito lá dentro.
— Você tem pó no nariz. — Cesare fez um gesto para que eu
limpasse o meu nariz.
A vergonha de saber que ele me viu transando com seu
irmão foi imensa, mas eu não sabia o que fazer. Apenas limpei o
nariz incessantemente e quando o olhei, ele estava novamente
estudando o irmão.
— Quanto mais você cheirou?
— Meia grama, não é nada. Estou bem.
— Rocco.
— Eu estou bem, Cesare! Você não é meu pai! — Meu
marido saiu pela porta apenas de meias e bermuda. Os músculos
brilhando do suor do sexo que fizemos minutos atrás. Delicioso. Eu
queria mais, queria mais dele, A multidão berrou quando ele chegou
do lado de fora. Meus batimentos galopavam junto com os uivos e
as palmas.
— É melhor você se lavar, eu te espero para voltarmos para a
mesa. Rocco quer você lá.
A maneira como ele disse aquilo me deixou aflita: “Rocco
quer você lá.” Eu quase podia ouvir que ele não me queria. Rocco
aparentemente tinha uma cota para cheirar e ele a ultrapassou,
comigo. Mas Rocco era o futuro Don, não Cesare.
Ergui o queixo, e fui andando ainda com as pernas trêmulas,
equilibrando-me nos saltos, até uma das pias. Pelo espelho
conseguia ver os olhos mortos de Cesare travados em mim como
uma gárgula, como uma estátua de gelo. Escondi-me um pouco,
pegando papel no sanitário e limpando o esperma que escorria
entre as minhas pernas. Quando finalmente retornei, ele estava
parado no mesmo lugar, de braços cruzados no terno de três peças
sem a gravata que sempre usava.
Eu não ficaria envergonhada de estar transando com o meu
marido. Cesare não deveria ter entrado, sabendo o que estávamos
fazendo ali.
— Rocco precisa que alguém seja consciente ao redor dele.
Quero saber se quando eu não estiver, você vai ser esta pessoa —
atirou como se eu não fosse nada mais que uma namorada
inconveniente.
— Eu sou esposa dele, vou ficar ao lado de Rocco no que ele
decidir fazer.
— Este é exatamente o problema. — Virou as costas para
mim e foi na frente.
CAPÍTULO 18

Quando papá anunciou que Anthony Velacchio viria para uma


visita, tentei de toda forma não me contaminar com a ideia de matá-
lo. Saber que aquele filho da puta batia em Gaia me tirava de mim.
Ela também ficou aflita em saber que teria que ver seu pai
agressor do caralho, então Don Lorenzo aceitou de bom grado
quando avisei a ele que estava indo para Vegas. Eu e Gaia
estávamos casados há quase um mês e não tivemos a nossa lua de
mel — o que não era incomum em casamentos arranjados, mas eu
queria comemorar com ela.
Gaia Spada era perfeita, a melhor esposa que eu poderia ter
escolhido, a melhor para mim. Ela me completava, parecia entender
a minha merda e quando eu estava ao seu lado a linha nunca
descia. Ela era meu pote de felicidade instantânea. O Jardim do
Éden que eu nunca soube que existia.
Não gostava que ela estivesse usando drogas, mas eu não a
diria o que fazer. Eu não era um hipócrita. Tentava não cheirar perto
dela, mas quando saíamos, ela acabava fazendo umas carreiras
comigo. Convencia-me de que tudo bem se fosse só em festas.
Certo? Nero usava drogas só de vez em quando, nem todo mundo
virava um viciado de merda como eu.
Cesare tentou me persuadir de que ele deveria vir junto, mas
eu o dissuadi da ideia, dizendo que ao menos uma vez na vida ele
precisava de uma folga de mim e que se qualquer coisa desse
errado, eu ligaria. Se meu gêmeo demonstrasse algum sentimento,
sabia que preocupação era o que veria em seus olhos.
Ele não gostava de Gaia, mas jamais diria, porque sabia que
eu estava apaixonado por ela. Meu irmão só queria o meu bem. Ele
era a minha mente, sabia o que eu sentia por minha esposa e o
quanto ela era boa para mim.
— Meu Deus, eu mal consigo me manter sentada de tanta
ansiedade! — A voz dela soou abafada pelo fone. Gaia olhava pela
janela do helicóptero e de volta para mim com seu sorriso fabuloso.
Já estávamos quase chegando, as luzes do crepúsculo se
misturavam aos letreiros acesos de Vegas e faziam seu rosto ficar
ainda mais iluminado. Os olhos verdes estavam um pouco mais
escuros com as pupilas dilatadas da erva que fumamos antes de
sair da mansão, mas, ainda assim, eram lindíssimos.
Puxei-a sentada de lado no meu colo, o fone de ouvido
prendia o seu cabelo castanho e volumoso, mas havia uma fina
mecha rondando a frente do seu rosto perfeito. Gaia era linda
demais, não só por fora. Só de olhar para ela, eu vivia duro e a cada
vez que ela se dava conta do quanto eu a desejava, mordia o lábio
inferior.
Tirei a mecha da frente dos olhos e passei o indicador para
que ela não escondesse o sorriso de mim. Eu amava aquele sorriso.
Gaia me surpreendeu segurando meus dedos nos dela,
entrelaçando-os como eu costumava fazer. Então gesticulou: “você
não está perdido, eu te encontrei.” Olhei para os meus dedos onde,
L, O, S, T com o “o” cortado pela aliança estavam entrelaçados com
os dedos finos dela.
Foi exatamente ali que eu soube: eu amaria Gaia para
sempre. Ela era a única para quem o meu amor não era feio ou
destrutivo e ela me amava de volta.
“Eu encontrei você.” — gesticulei de volta, contra os seus
lábios, não querendo que o piloto ouvisse, apenas ela. Beijei-a com
muito cuidado, como se ela fosse preciosa.
Gaia era como uma bailarina de caixa de joias:
perpetuamente feliz, vivendo em seu paraíso de diamantes e pedras
preciosas. Meu maior medo era que algum dia a música parasse de
tocar.

O hotel cassino de Tiziano De Stefano, o Capo de Vegas, não


era onde eu queria ficar, mas uma vez que estávamos na cidade,
era deselegante não aparecer. Então nos hospedamos no Titã, o
seu hotel mais luxuoso. Ele tinha outros e alguns clubes nos
arredores, onde as lutas aconteciam. Mas este fim de semana seria
apenas para Gaia.
— Bem-vindos! — Amadeo De Stefano veio nos recepcionar
e eu não gostei nem um pouco.
Não gostava dele, assim como não gostava de seu pai. Os
De Stefano eram a única ‘Ndrine que não tinha nenhuma relação de
sangue com a minha. E se dependesse de mim ou de meus irmãos,
continuaria assim. Para as outras máfias isso podia não ser
importante, mas para nós, calabreses, sangue era literal.
— Amadeo. Esta é Gaia Spada, minha esposa. — Espalmei a
mão na base da coluna de Gaia. Ela se aproximou mais de mim e
estendeu a mão a frente.
Como sempre, eu estava vestido casual e Amadeo parecia
um dos bonecos do catálogo de ternos da Gucci. Gaia parou de se
vestir como se fôssemos a jantares pomposos e estava usando uma
dessas roupas que ela via as blogueiras que acompanhava usarem.
O filho da puta olhou a minha esposa de cima a baixo.
Gaia era a mulher mais bonita que ele já tinha visto,
certamente, mas não era por isso que ele fizera o gesto, ele queria
implicar comigo, deixar-me no limite.
— Olhos a frente, Amadeo, se quiser mantê-los nas
cavidades — falei com um sorriso que ele não confundiu com
qualquer outra coisa senão uma ameaça.
— Falando em cavidades, preparei uns presentinhos para o
casal na suíte especial que separamos para vocês e tem um convite
que você vai achar muito interessante... — Eu imaginava sobre o
que era o convite. — Estou de saída, nos vemos por aí, Spada.
Senhora Spada — cumprimentou Gaia novamente, desta vez com
mais respeito.
— Senhora Spada... — Gaia gemeu baixinho no meu ouvido,
tirando-me da nuvem de ódio que eu havia entrado.
Não gostei do encontro, não gostei nada desse encontro. Os
De Stefano me deixavam à flor da pele. Encontrar com Amadeo sem
Cesare para me fazer voltar à linha horizontal era um problema.
Quando fizemos o check-in e fomos levados até o quarto, eu
entendi o que Amadeo quis dizer com aquela conversa sobre
cavidades. Havia cerca de cinquenta gramas de coca em um
montinho, numa bandeja de vidro sobre a mesa de centro do grande
apartamento em que fomos levados.
Ao lado, um cartão preto com um “H” vermelho, em baixo
relevo, símbolo do clube Hell, e um horário escrito atrás. Eu
conhecia aquele esquema, eram as melhores lutas de gaiola da
cidade. O que eu costumava procurar quando vinha a Vegas com
meus irmãos. Mas desta vez, eu estava aqui por Gaia, não seria
igual.
— E só melhora! — Gaia pegou o cartão da minha mão e
separou duas fileiras, cheirando antes que eu pudesse fazer
qualquer coisa.
Meu peito acelerou, sabendo que era errado deixá-la fazer
aquilo, mas eu também não cheirava desde ontem... anteontem,
talvez? Só umas carreiras e nós foderíamos. Levaria Gaia ao
cassino, depois foderíamos mais e eu daria descarga naquela pilha,
não precisávamos de tanto. Havia trazido a minha própria merda,
não queria a droga de Tiziano.
— Vá devagar, senhora Spada. Não queremos queimar a
largada. Eu não confio naquele filho da puta. E eu tenho um plano
traçado. — Ela olhou para mim, com seu sorriso majestoso,
esfregando o nariz. — Nós vamos foder, vamos apostar, vamos
jantar, vamos foder, dormir, foder, apostar... até a semana acabar. É
isso! — Abri o sorriso enquanto a puxava para mim.
— Senhora Spada de novo... eu tenho a imagem dos seus
pais na mente quando ouço isso e mesmo assim você me deixa
excitada. Isso é muito fodido, Rocco!
Ela gargalhou, já meio chapada, mas eu a acompanhei. Seus
braços envolveram meu pescoço e seus olhos não conseguiam ficar
parados. A torção no meu peito ao vê-la drogada fazia a linha
descer um pouco, eu não queria que ela usasse drogas. Só que
aquela maldita pilha de pó branco bem ali, ao nosso lado, faria com
que eu esquecesse esses sentimentos. Gaia estava aqui, comigo,
sorrindo como se tivesse a felicidade suficiente para nós dois.
Dei-lhe um beijo rápido e separei minhas duas carreiras. Só
duas.

A próxima coisa que eu me dei conta foi que eu estava


beijando Gaia do lado de fora da gaiola do Hell, pronto para
começar outra luta. Como tínhamos ido para ali, eu não fazia ideia,
mas ela estava comigo.
Uma multidão gritava, e as luzes estavam fortes demais. O
cara já estava dentro da gaiola, socando o ar como se fosse um
campeão. Eu adorava derrubar esses babacas. O locutor me
anunciou novamente e a multidão berrou meu nome:
Spada! Spada!
A adrenalina em minhas veias subiu de forma absurda. A
minha linha da euforia atingia um ápice, deixando-me em uma onda
perfeita. A linha dele decrescia, causando seu desespero. Era a
minha vitória.
Essa expectativa eu poderia alcançar; aqui eu não era um
merda como em todo o resto da minha vida. Dentro da gaiola, eu
era um rei, digno de qualquer coisa. E este cara queria o mesmo
que eu, trocar uns socos e apostar uma vitória ou uma derrota e, no
fim da noite, eu teria me divertido, sem grandes preocupações, sem
certo ou errado. Sem falhas ou decepções.
Spada! Spada!
Desvencilhei-me de Gaia, deixando-a a beira do octógono e
subi. Eu estava extremamente afiado de coca, com certeza havia
cheirado mais que algumas carreiras, mas que se fodesse. Eu o
derrotaria e voltaria para a minha esposa, para comemorar a vitória.
Spada! Spada!
A multidão berrando meu nome deixou o filho da puta
irritadiço, assim que a sirene apitou, ele veio para cima de mim com
tudo. Um soco explodiu na minha mandíbula e a dor despertou a
minha raiva. Outro soco acompanhou e ele me acertou no olho. Dei
dois passos em falso para trás, recobrando meu equilíbrio, e vi o
rosto de Gaia contorcido em uma máscara de medo.
Eu não podia perder com ela me assistindo, porra!
Sacudi a cabeça e fui para cima dele com um chute que o
pegou desprevenido nas costelas, então sua guarda baixou e eu o
esmurrei no rosto, derrubando-o no chão. Uma sequência de socos
trocados, a cada um que ele acertava, minha raiva escalonava para
um ódio feral.
Reagi por instinto, os meus músculos registraram mais rápido
que a minha mente intoxicada e o me vi segurando-o em um arm-
lock. Ele socava as minhas costelas, se debatia, a multidão berrava,
mas eu urrava mais alto. O sangue dele pulsando preso ao meu
braço decrescia em dissonância ao meu batimento que acelerava.
Seus olhos esbugalhavam-se, e avermelhavam-se com o derrame
ocular que o meu aperto em seu pescoço causava, mas eu não o
soltaria até ter acabado.
Spada! Spada!
Era o meu nome, eu conseguia alcançar a excelência aqui.
Dentro desta gaiola, eu atingia o meu ápice. Aqui eu não precisava
de ninguém para me colocar em mim mesmo.
Rocco bastava, a minha metade fodida era a perfeição e não
o erro.
Apertei mais até que ele parou de resistir. Eu venci! Eu,
apenas eu, Rocco. Não Rocco e Cesare, não o herdeiro, apenas eu,
sem títulos, sem obrigações!
A euforia que dominava meu corpo me fazia sentir como se
eu fosse Deus, ou um de seus abençoados, pela primeira vez na
vida. Gaia segurava a grade da gaiola sorrindo para mim daquele
seu jeito perfeito. O jeito como ela me via: como se eu a merecesse,
como se fosse tão perfeito quanto ela, era a paz perfeita.
Desci do ringue e fui até a minha esposa. Eu queria lutar
mais e fodê-la agora, meu pau já começava a endurecer. O vestido
prateado de Gaia ficou manchado com o sangue que escorria da
minha sobrancelha arrebentada, mas ela não se importou,
envolvendo meu pescoço com os braços, me beijando tão afoita
quanto eu.
— O que você fez?! — Amadeo parou ao lado de Gaia,
interrompendo o nosso beijo e se ele não saísse de perto dela, eu o
encheria de porrada também. No entanto, ele estava pálido, os
beiços brancos e olhos arregalados.
— Sai de perto da minha mulher, porra!
— Você matou ele, Rocco! Puta que pariu! — Amadeo estava
completamente fora de si, meteu as mãos no cabelo e olhou para
dentro do ringue.
Atrás de mim, dois homens com tatuagens de BRATVA
subiram no ringue e colocaram a mão no pescoço do homem no
chão. Berraram em russo e eu entendi o que tinha acontecido. Eu
lutei no automático, perdi o controle e matei alguém... alguém da
BRATVA.
A linha desceu de uma só vez, era quase a sensação de
morrer. Uma ânsia de vômito e um arrepio gelado varreram todo o
meu corpo. Gaia estava ali comigo, em risco. PUTA QUE PARIU!
Nem sabia como tinha chegado naquele ponto. Eu e Gaia
cheiramos e fodemos, depois foi tudo um borrão e agora eu havia
matado um BRATVA em um clube que não tinha lutas de morte.
Porra! Porra! Porraporraporraporra!
Segurei a mão de Gaia e corri na direção da porta, a multidão
ia se abrindo para nós como se fosse o Mar Vermelho, levei-a
comigo para o lado de fora.
— O que houve, Rocco?! — Gaia estava chorando, sem
entender o que tinha acontecido ou a gravidade da situação. Seus
olhos verdes desesperados inflamavam o meu descontrole.
A minha respiração ficou acelerada e eu não queria que ela
falasse agora, ela só precisava ficar quietinha e me deixar pensar,
porque isso já era um esforço tremendo. Meu coração batia na
garganta, enquanto o sangue corria para os pés.
Eu coloquei Gaia em risco!
Porraporraporraporraporra!
— Eu fiz merda, vita! Cadê meu telefone, caralho?! — Eu
estava com a minha calça, mas não havia nada nos meus bolsos,
meus pés descalços contra o cascalho do estacionamento do Hell
doíam, mas era uma dor bem-vinda, que me deixava ligado .
— Aqui. — Gaia me passou o dela e eu digitei os números
que sabia de cor e que viriam me socorrer, só não sabia se seria a
tempo. — O que você fez, Rocco?
— Eu matei alguém que não devia morrer... Eu comecei uma
guerra, Gaia, foi isso que eu fiz!
Puxei-a comigo enquanto o barulho da discagem e das
chamadas feria meus ouvidos e nós corríamos pelo estacionamento
para outro bar.
CAPÍTULO 19

O que ele queria dizer com guerra?


Meus olhos pareciam que sairiam das órbitas, eu torcia os
pés nos saltos e Rocco me arrastava pelo estacionamento de
cascalhos como se estivéssemos sendo perseguidos.
A sensação de paranoia me afligia de forma angustiante, eu
jamais havia passado por isso. O medo que eu sentia quando
estava indo para o escritório de meu pai receber as surras não se
equiparava a este.
Todas as minhas carnes tremiam, cada som ouvido me
paralisava e eu não conseguia me impedir de olhar sob os ombros e
ver pessoas nas sombras.
No momento em que Rocco parou abruptamente, eu soltei
um berro e ele me envolveu com seu braço forte, prendendo minha
boca com uma mão. Seus dedos pressionavam com força, contendo
meu grito. Os olhos presos nos meus estavam arregalados, e sua
expressão desesperada não me passava nenhuma segurança. O
gelo em minhas veias se apossou de toda a minha consciência.
— Shh, shh, shh, calma, para de gritar, Gaia! Para de gritar,
mia vita! — A urgência em sua voz e seu peito colado ao meu, com
seus batimentos me atravessando como marteladas, indicavam que
ele estava tão assustado quanto eu.
O que nós faríamos?
Olhei para seus olhos, o com o machucado sangrento
arroxeando e o outro. Ambos com as pupilas dilatadas, como as
minhas também estavam. Ele estava perdido e eu também. Seus
braços me apertaram ainda mais, enquanto ele parecia ouvir o
entorno, atento.
Onde nós estávamos?
Muito distantes dos cassinos luxuosos, isso era certo.
Viéramos para este clube em um carro oferecido pelo hotel quando
Rocco mostrara o cartão com o convite para a luta. Nós nos
beijamos durante boa parte do caminho e cheiramos um pouco
mais. Não vi em que direção seguimos, mas Rocco parecia
conhecer as ruas, dobrando uma esquina após outra sem parecer
muito perdido.
Ele me liberou de seu aperto aos poucos e entrelaçou os
dedos nos meus, pedindo que eu ficasse em silêncio com o
indicador sobre os lábios. Assenti, mas meus olhos marejaram. Em
seguida, encostou-me em um dos carros e se preparou para atacar
quem quer que fosse que estava vindo na nossa direção.
— Ei, calma aí, italiano. Nós somos o time da segurança, De
Stefano contratou a sua segurança por uma noite, até o seu papai
chegar.
Ao ouvir a voz grave saindo da escuridão, pavor tensionou
minha coluna e algumas lágrimas acumuladas rolaram. Rocco
puxou meu braço, afobado, colocando-me atrás de suas costas
nuas. No meio da madrugada, o ar de Vegas dava-me calafrios, ou
talvez fosse apenas o temor.
— Quê? — Rocco questionou. Eu não conseguia parar de
olhar para os homens que se aproximaram de nós com as mãos
erguidas como se oferecessem rendição.
O homem que estava falando com Rocco usava um colete de
couro sobre uma camiseta preta, com uma etiqueta com a palavra
“presidente” bordada e outra escrita “Tank” logo abaixo. A sua
cabeça era raspada desde a raiz, como se ele passasse gilete e
usava argolas pequenas nas duas orelhas. Sua estrutura física era
amedrontadora, ele era imenso como Valentino, como Vito!
Atrás dele, mais dois homens com o mesmo colete de couro
e estrutura física. Nenhum deles aparentava ser gente de bem.
Rocco não teria condições de lutar com os três e ele já estava
ferido. Sem contar que eles estavam evidentemente armados.
Eu tremia tanto que achei que fosse cair ou vomitar.
— De Stefano não vai se meter na merda que você fez,
italiano, mas não vai te deixar pra morrer. Nós somos a equipe de
segurança. Você pode vir com a gente ou pode ficar aqui, onde os
homens de Malkin vão te achar com a sua old lady[21]. — Eu quis
implorar para Rocco aceitar e ir com eles, mas ele pegou o meu
telefone novamente e ligou para alguém. O líder, presidente, sei lá o
quê, anunciou, condescendente, como se Rocco fosse estúpido: —
Nós estamos com pressa!
— Black Wolves?! Tiziano, se você estiver me mandando
para a morte, meu pai vai saber e eu serei vingado... Ah, vai se
foder! Eu não preciso ouvir o seu sermão! — Então desligou e
resmungou: — Uma porra de MC! Eles tinham que vir me buscar!
Rocco parecia furioso, o que me deixou ainda mais aflita.
Arranjar uma guerra com outra máfia era uma coisa, briga interna
era bem diferente. Eu conhecia pouco sobre a máfia calabresa, mas
Tiziano De Stefano era o Capo de Las Vegas.
O que qualquer cria da máfia sabia era: quanto mais interno
fosse o território, mais difícil de proteger. Ou seja, De Stefano tinha
que ser muito bom no que fazia. E o Capo de Vegas se recusou a
nos dar guarita.
Rocco havia feito algo gigantesco para causar essa ruptura,
para ser abandonado à própria sorte pela própria famiglia. Nós dois!
Quem era aquele cara que Rocco havia matado no ringue?
— Uma porra do melhor MC, você quer dizer... Só nós temos
colhões para proteger a tua bunda da BRATVA depois da merda que
você fez, garoto. — O tal presidente foi na frente e nós o seguimos,
sendo escoltados pelos dois caras gigantescos.
BRATVA?! Não, não, não!
Meus pensamentos mal tinham encontrado uma linha de
raciocínio e eles já estavam nos colocando em uma van. Os dois
homens foram no banco da frente, mas o presidente foi liderando o
caminho em sua moto imensa, que era ainda maior que a de Rocco.
Um dos homens jogou uma camisa com o mesmo lobo que tinha no
colete deles para que meu marido vestisse. Rocco ficou observando
o lobo por um tempo, seus lábios crisparam de raiva por algum
motivo que eu não conseguia identificar.
A essa altura, eu só tremia, aflita. Ele notou, vestiu a
camiseta e me abraçou, beijando minha têmpora e alisando meu
cabelo e costas para tentar me tranquilizar. Sussurrou desculpas
infinitas vezes no meu ouvido, como se fossem uma prece, e eu
fechei os olhos deixando as lágrimas nervosas correrem.

Eles nos levaram para um prédio que tinha o símbolo do


mesmo lobo no portão enorme. O lugar parecia uma fortaleza,
muitas câmeras de vigilância e homens armados no portão. Várias
motos estavam estacionadas na frente do prédio de dois andares
quando adentramos e eu tremi como nunca. Música alta berrava
vinda de dentro do prédio.
— Gaia, vita, para de tremer, olha pra mim... — Rocco
segurou meu rosto entre as mãos, obrigando-me a encará-lo. — Vai
ficar tudo bem. Nós vamos dormir aqui hoje. É um motoclube... Eu
sei que você não está acostumada, mas vai ficar tudo bem. Eles
foram pagos para nos proteger, não vai acontecer nada com a
gente. Fica calma. — Aquiesci, embora todo o meu corpo tremesse
de forma que eu, conscientemente, não conseguia dominar. Fui
encoberta por um desespero paranoico.
Confiava em Rocco com todo o meu coração, mas não
confiava nesses homens. Neste momento, eu não confiava nem nos
calabreses que nos abandonaram à própria sorte.
Os sicilianos teriam vindo nos buscar, só que eu não diria
isso a Rocco. Se algo assim tivesse acontecido em Miami, até Vito
Rigori viria de Nova Iorque, estripar quem quer que fosse. Depois
Rocco pagaria pelo que fizera. Na minha famiglia se mexessem com
um, mexeriam com todos.
Tiziano De Stefano lavou as mãos!
Rocco era o herdeiro, o futuro Don, e o Capo lavou as mãos!
O lugar parecia um bar daqueles que eu só havia visto em
filmes. Ter a vida privilegiada e resguardada que tive até os meus
dezoito anos fez de mim uma obtusa para a vida real. Os clubes que
eu comecei a frequentar com Rocco em L.A. não se assemelhavam
em nada com o que adentramos.
O cheiro forte de cigarro, álcool e sexo foi a primeira coisa
que meus sentidos aguçados pela cocaína sentiram. As luzes
baixas permitiram-me visualizar mulheres parcamente vestidas e
seminuas dançando em pole dances ou esfregando-se nos muitos
homens com aquele colete. Atrás do balcão, algumas outras
serviam bebidas e os homens sentados ostentavam o lobo rosnando
como se estivesse vivo.
Senti cheiro de maconha e, a essa altura, eu gostaria demais
de fumar um pouco para acalmar a mente, mas não pediria. Nós
extrapolamos. Sequer fazia ideia do quanto de pó sobrara na pilha
que Amadeo De Stefano havia nos “presenteado”.
Cavalo de Troia.
Minha paranoia escalonou. Eles fizeram de propósito,
apostando que Rocco perderia o controle e ele perdeu. Lembrei-me
de Cesare insistindo para vir junto e Rocco dispensando-o, então o
gêmeo sombrio olhou para mim como se tentasse que eu
compreendesse seus olhares, como os Spada faziam uns com os
outros.
Eu não era uma Spada.
Não era uma deles, mal era uma Velacchio.
Eu deveria ter sido a racionalidade que Rocco precisava e
falhei, miseravelmente. Agora ele havia se enrascado e tudo o que
eu conseguia pensar era no quanto eu precisava de um baseado
para esquecer que toda essa merda de noite havia acontecido.
Grazzi saberia o que fazer, Paola brigaria comigo por ter
deixado chegar naquele estágio e Guilly, ele faria o que Rocco
estava fazendo, libertando-me da culpa pelos meus erros, dando um
passe livre por ser mulher, por ser frágil e imperfeita.
Eu jogava gasolina no fogo dele.
A verdade é que Rocco precisava de Cesare e na primeira
oportunidade em que ele foi confiado a mim, exclusivamente, eu o
deixei descer em uma espiral de destruição de proporções abissais
e afundei junto, talvez até o tenha puxado para baixo.
Meu marido precisava de equilíbrio...
Como Rocco seria o Don sem Cesare?
Meu ciúme besta da relação entre os dois tinha que acabar.
— Toma. Você deve estar em choque, bebe isso. — Era uma
garrafa de água.
Eu e Rocco fomos colocados em um dos quartos do lugar no
segundo andar. Era simples, mas parecia limpo e informal, muito
diferente do luxo no hotel do cassino em que nos hospedamos no
início da noite. Queria ter uma máquina do tempo.
O ditado de que era melhor se arrepender pelas coisas que
não fazíamos mais do que pelas que fazíamos provava-se cada
mais errado. Eu me arrependia muito, de muitas coisas.
— Rocco, o que vai acontecer agora? — Odiei quão frágil e
chorosa eu soei. Só que não havia como impedir. Sempre fui a
chorona, a inútil que meu pai dizia que eu era.
— Não se preocupa com isso, eu já liguei pro Cesare, eles
estão a caminho. Pode dormir, eu vou ficar acordado esperando.
Seu sorriso falseou, mas eu fingi não ver. Se eu tomasse
consciência de que havia um problema, precisaria tomar alguma
atitude e não saberia qual. O que eu podia fazer? Eu era uma inútil
que só servia para uma coisa: ser fodida e foder tudo ao redor.
Deitei-me na cama, deixando os saltos caírem e depositando
a garrafa ainda fechada na mesa de cabeceira. Meus olhos arderam
com as lágrimas que eu mantive em meus olhos. Uma espécie de
melancolia profunda me dominou quando Rocco puxou um papelote
de coca de dentro de um bolsinho da frente da sua calça, colocando
o pó na mão e cheirando mais.
Ele só parou de cheirar quando acabou. Minhas lágrimas
rolaram e eu talvez tenha feito algum som que trouxe seu olhar para
mim, porque ele limpou o nariz freneticamente e se aproximou,
sentando-se perto de mim.
Ele era tudo o que eu precisava, mas eu não era o que ele
precisava.
O meu amado precisava de Cesare.
Precisava das drogas.
Rocco não era meu, nunca seria.
Sentei-me e o abracei, segurando-me nele e deixando a onda
de terror com aquela realização passar por mim. Rocco me apertou
forte, dizendo palavras calmantes que não faziam nada para
amenizar o meu coração partido. Ele ainda estava agitado e
precisava me soltar para encontrar o equilíbrio, então deixei-o ir.
O que eu podia fazer por Rocco era não ser um problema a
mais. Recolhi a minha dor e meu desespero, desviando o olhar da
sua figura descontrolada, perambulando pelo quarto completamente
ligado em cocaína.
Meu telefone tocou de novo e ele o atendeu, falando baixinho
para que eu não ouvisse. Seu suspiro aliviado me atingiu como uma
cintada de papá. Era Cesare do outro lado, eu tinha certeza.
Fingi dormir e puxei meus joelhos em posição fetal para me
abraçar enquanto ele recebia o conforto de onde necessitava. Ele
precisava da sua família para removê-lo do abismo, eu era uma
âncora puxando-o para baixo.
Antes de amanhecer, Nero e Cesare abriram a porta do
quarto onde estávamos e o abraço que meu marido deu em seu
gêmeo me dilacerou. Rocco não tinha condições de ser o meu
suporte, era eu quem precisava ser o dele e nunca ninguém
precisou de mim. Sempre fui a que precisava de ajuda, sempre. Eu
não servia para ser a esposa dele.
— Vamos, Gaia. — A voz fria de Cesare me colocou de pé no
automático. Calcei meus saltos e Rocco entrelaçou seus dedos nos
meus.
Casos perdidos, eu e ele.
Don Lorenzo esperava dentro de um dos carros que estavam
do lado de fora do motoclube. Assim que Rocco entrou, o patriarca
Spada segurou a gola da camisa emprestada e lhe deu um tapa na
cara tão forte que o estalo reverberou dentro de mim. Ofeguei e dei
um passo na direção do carro, mas Nero me segurou e toda a
minha pele arrepiou de terror.
O Psico não encostava nas pessoas, isso eu sabia.
— Seu moleque! Tem noção do que você fez?! — Outro tapa
e Rocco não se movia, aceitando as pancadas que o pai lhe dava.
Cesare parou ao meu lado, os olhos focados no que o pai
fazia com o irmão, nenhuma emoção em seu rosto, mas os dedos
de Nero me apertaram com força suficiente para evidenciar que ele
não gostava do que via e como ficava furioso em assistir o irmão
apanhando.
— Por favor, Don Lorenzo... — comecei a implorar, chorando,
para que ele parasse.
— Tira ela daqui, Nero — Cesare ordenou friamente e Nero
obedeceu, puxando-me sem nenhum cuidado. Enfiou-me de
qualquer jeito em outro carro.
O Spada mais novo sentou-se ao meu lado e minha pele se
arrepiou como se eu estivesse ao lado de um animal selvagem.
Então Nero tirou um saco com comprimidos de M.D. de dentro do
bolso da sua calça, enfiando um na boca. Eu olhei imediatamente
para o conteúdo, todo o meu corpo vibrou, implorando por um
descanso, por uma liberação.
Rocco estava no carro da frente, apanhando do pai, porque
ele havia cometido um erro tremendo e eu não fazia ideia da
repercussão de suas ações.
— É isso o que você quer? — Riu, debochando de mim,
sacudindo o saquinho. — Toma, porra! — Jogou o saco no meu colo
e eu o abri, pegando um comprido e enfiando na boca.
Nero me olhava com desdém, minha respiração entrou ainda
mais rasa com o choro compulsivo, então eu tomei mais um para
apagar logo de vez e só acordar quando todo esse pesadelo tivesse
passado.
— Você resolveria todos os nossos problemas se tomasse
tudo de uma vez. — Tomou o saco da minha mão e eu deitei o
corpo com a cabeça na janela. As imagens e formas foram se
embaralhando, meu corpo entorpecendo e adormecendo
progressivamente.
— Tino, tira a gente daqui, porque se eu continuar vendo
essa merda, eu vou acabar cortando os dedos de papá, mesmo
sabendo que Rocco precisa de uma surra.
Foi a última coisa que ouvi Nero dizer e o carro começou a se
mover ao passo que eu apagava.
CAPÍTULO 20

Meu pai estapeou o meu rosto e eu fechei os olhos, deixando


a dor me atravessar, embora boa parte de mim já estivesse dolorida
pela abstinência da coca. Foi então que ouvi a voz dela implorando
e a dor ampliou-se.
Porra! Gaia não tinha que ver isso.
Eu merecia uma surra, merecia todas.
— Tira ela daqui, Nero — Cesare ordenou com a sua voz
inexpressiva, mas o fato de ele estar ali, assistindo, me dizia que
estava puto.
Não comigo, nunca comigo. Ele se culpava. Assistir a minha
surra era a forma dele de se castigar por ter me deixado pensar por
nós dois e vir sozinho para Vegas. Eu conhecia o meu irmão, tinha
certeza de que ele estava se sentindo culpado por eu ter feito uma
merda de proporções épicas.

O cara que matei acidentalmente não era um vory[22]


qualquer. Ele era um Brigadeiro[23]. O Brigadeiro de Natasha Malkin,
a Obschak[24] de Igor Malkin, o Pakhan[25] que vinha conquistando e
unificando as BRATVAs do Sul do país. O morto era um maldito
Malkin. Sangue do Pakhan em algum nível.
Eu não poderia ter feito a merda mais bem-feita nem se eu
tivesse tido a intenção. Tiziano De Stefano não quis se meter
porque ele sabia o que aquilo significava. Os russos eram como nós
em relação a retaliação, por isso eu estaria jurado para sempre.
Só de pensar sobre isso, o sangue gelava, a sensação de
pavor sobre a minha vida, mas, principalmente, sobre a de Gaia,
aumentava o declínio do meu humor. Hoje a linha descia vertical e
se não fosse Cesare ao meu lado, eu não conseguiria sequer
parecer uma pessoa.
Se eu não tivesse cheirado tanto ontem no hotel, teria notado
que o outro lutador havia desmaiado cinco segundos antes e teria
saído de cima dele. Se eu não estivesse tão chapado, teria notado
que ele lutou por sobrevivência... Agora nós teríamos um vory
fodido, mas vivo, e eu não teria um alvo na testa e uma guerra
iminente para a minha famiglia.
— Papá, é o suficiente, precisamos sair de Vegas. — A voz
frígida de Cesare não me acalmou, pela primeira vez.
— O caralho que vamos! Eu não vou me esconder como um
rato! Vou encontrar com Igor Malkin e tentar resolver esta merda. E
você, seu moleque, vai para a rehab de novo, assim que voltarmos
para casa! — Meu pai me deu outro tapa na cara.
A essa altura meu rosto provavelmente estava roxo, mas eu
não me importava com a dor ardida nas bochechas e olhos.
Abracei-a, sabendo que fizera jus em recebê-la.
Não ousei dizer nada em minha defesa, porque não havia o
que ser dito. Coloquei a vida de Gaia em risco! Se os russos
tivessem nos pegado ontem, eles a teriam levado junto.
Ela estava tão assustada quando chegamos ao motoclube e
ao invés de ampará-la, eu cheirei mais, cheirei até acabar com a
meia grama que estava no meu bolso e ansiar por mais. Meu vício
me faria perder tudo na vida, e eu veria acontecer diante dos meus
olhos como se mumificado, adormecido pelo que era meu alívio e
meu algoz.
Eu precisava parar, porra!
A linha da culpa estava em uma transversal e afundava cada
vez mais. Eu só queria me entregar para os Malkin e deixar que
terminassem o serviço de vez. Toda essa movimentação para
resolver os meus problemas, como sempre, toda essa culpa,
deixava-me exausto. Eu não era uma decepção apenas para eles,
era, principalmente, para mim e não queria ser para Gaia. Não para
ela.
Foi então que Cesare entrou no carro e sentou-se ao meu
lado, segurou a minha nuca e me fez olhá-lo como se soubesse
para onde meus pensamentos me levavam. Como se soubesse
exatamente o que eu queria. O que eu não podia desejar.
Não podia querer morrer, não sem matar Cesare.
Porra! Porraporraporraporra!
Meus olhos se encheram de água, dor contraía todos os
meus músculos, e eu precisava de algum entorpecimento, porque
lidar com a minha bagunça era demais. Eu só precisava sumir, só
um pouco. A garganta se contraiu pelo ódio de mim mesmo. Não
queria ser a metade fodida de nós dois.
— Desculpa! — Foi tudo o que eu consegui murmurar e
Cesare colocou a minha cabeça no seu ombro. Sua respiração
profunda me acalmou um pouco e, ao mesmo tempo, fez com que
eu me sentisse um verme.
Ele sabia como eu estava me sentindo, não me culpava.
Culpava a si mesmo por não ter me impedido e por eu ter mais um
fardo de merda para carregar. Papá também sabia, mas isso não
eliminava o problema e agora a minha família pagaria por isso. Toda
ela.

Cesare me deu outra camisa para vestir e sapatos antes de


entrarmos na reunião. Do lado de fora, papá conversava com
Giordano, seu Consigliere, e as expressões deles não pareciam
boas. Giordano estava aconselhando meu pai e pelas veias saltadas
no pescoço de Don Lorenzo, ele não concordava.
— Rocco, prometa que não vai dizer uma palavra quando
entrarmos na reunião. — A voz gélida de Cesare me deixou em
alerta, embora fosse a mesma de sempre. Ele não olhou para mim
ao falar, mas sim para a conversa entre papá e seu Consigliere. —
Você só vai sair deste carro se prometer, Rocco. Do contrário, eu
vou te nocautear e te deixar na mala, entendeu?
A frieza dele fez uma certa raiva surgir dentro de mim.
Cesare nunca falava comigo desta forma, como se eu fosse seu
subordinado. Sabíamos que no futuro ele seria o meu Consigliere e
que, por mais que no momento dividíssemos o controle do território
de LA, eu estava acima dele na hierarquia.
— Você vai me prometer, Rocco. — O olhar dele quase
passava alguma emoção que eu não consegui reconhecer.
Minha surpresa pelo seu breve descontrole foi tamanha que a
raiva evaporou na mesma velocidade que surgiu e eu anuí. Ao me
ver concordar, ele destravou a porta do carro, descendo primeiro.
Fechou seu paletó, depois ajeitou o cabelo para trás, recolocando-
se em algum lugar emocional de autocontrole que nem eu percebi
que ele havia saído.
Nos últimos tempos, Cesare vinha perdendo o controle
engessado que sempre possuiu. E aquilo me preocupava, por mim
mesmo e por ele. Sem o controle dele, nós seríamos a destruição
completa, como um buraco negro.
Entramos na reunião com Malkin e seus homens: Papá e
Giordano na frente, então Cesare e, por último, eu — o que não era
de praxe, já que eu era o herdeiro.
Igor Malkin não costumava estar presentes nas reuniões,
pelo que eu sabia. Era costume os russos esconderem e
protegerem seu Pakhan. Enquanto Andrei Zorkin, o Pakhan do
Norte, era um presunçoso que metia a cara em tudo, como um
gavião, Malkin sempre se escondera. Mas aqui estava ele, em carne
e osso. Outro anunciador da gravidade dos meus atos.
Igor era um pouco diferente dos russos gerais que eu
conhecia, ainda que estivesse trajando um terno com o paletó
aberto, sem gravata, deixando à mostra os suspensórios e suas
armas, a camisa branca deixava transparecer que seu corpo era
coberto por tatuagens de sua BRATVA — sinal de que ele havia
feito toda sorte de coisas que mereciam crédito dentre os
criminosos, em sua trajetória até o posto mais alto. Sua barba cheia
era castanha, assim como o cabelo cortado como o meu, que
estava parcialmente descabelado, como se ele os tivesse puxado
desde o couro cabeludo.
Ao seu lado, havia uma mulher, a quem eu julguei ser a tal
Obschak de quem eu havia matado o Brigadeiro. A loira era
lindíssima, olhos azuis claríssimos, avermelhados ao redor de uma
maquiagem preta pesada, vestida com roupas de combate da
mesma cor, com o coldre na perna, ostentando uma faca de caça de
lâmina serrilhada, enquanto o do peito trazia duas Glocks[26].
— Filho da puta! Eu vou te matar! — A loira levantou-se da
cadeira em que estava sentada ao lado do Pakhan, apontando o
dedo para mim e retirou a arma do coldre.
Os seguranças de papá retiraram as armas e apontaram para
os russos, que também ergueram as suas. Eu estava
completamente desarmado, literal e figurativamente falando.
O ódio na expressão daquela mulher dizia-me que a pessoa
a quem eu havia matado era muito importante para ela. Consegui
me colocar em seu lugar. Obviamente quem eu matei não era um
inocente, mas ele não estava lá para morrer, não havia feito nada
contra mim.
Eu fui o carrasco de um crime não cometido.
— Tash, respira! — Igor segurou o punho da loira e se
ergueu, depois envolveu o rosto dela com uma das mãos,
murmurando algo em russo. Ela mordeu o lábio inferior, impedindo-o
de tremer. Sem tirar os olhos cheios de lágrimas furiosas de mim,
ela abaixou a arma.
Todo o meu corpo pesava e a aversão que ela me
direcionava entrava no meu peito como uma facada. Dar os passos
seguintes se tornou quase impossível, porque havia um punho nos
meus pulmões, impedindo-o de cumprir sua função.
— Don Spada. Agradeço que tenha vindo pessoalmente
resolver o problema — Igor falou e seu tom não parecia amigável,
mas ele estava se esforçando para soar polido.
Enquanto ele falava, reparei o dente da frente quebrado e
como suas mãos tremiam em uma raiva mal contida. A loira voltou a
se sentar, colocando os pés sobre a mesa e eu ainda conseguia ver
sua arma repousada no colo. Uma lágrima raivosa escorreu em seu
rosto, ela a enxugou com as costas da mão, tremendo de raiva, os
lábios comprimidos em uma linha. Hostilidade exalava no ar como
um maldito repelente.
— Atenção na conversa. — Cesare cutucou meu cotovelo,
sussurrando em meu ouvido e eu movi meu olhar para Igor Malkin.
Diferente da loira ao seu lado, Malkin conseguiu recobrar o controle
com mais precisão.
— Eu compreendo que houve uma situação na noite
passada, mas vim aqui tentar entrar em um consenso, resolver da
melhor forma para ambas as famílias.
— Vou tomar a liberdade de lhe chamar de Lorenzo. — Igor
sentou-se e indicou que meu pai fizesse o mesmo. Giordano
também se sentou, Cesare e eu não copiamos o gesto, embora,
neste momento, eu não servisse de muita proteção para papá.
A culpa pelos meus atos estava me levando para baixo em
uma velocidade impressionante, eu só queria ir embora ou deixar
aquela mulher ter a sua vingança.
— Tudo bem, Igor, vamos resolver. — Papá abriu o paletó e
depositou os braços sobre a mesa.
— O garoto que seu filho matou ontem era como um filho
para mim. Eu o criei desde os onze anos, desde que ele ficou órfão.
— Malkin respirou fundo e debruçou os cotovelos na mesa,
deixando as mãos espalmadas. — O pai dele salvou a minha vida
três vezes. E agora eu deixei o filho deste homem, o meu filho,
morrer em uma luta que era para ter sido apenas isso. — Os dedos
tatuados do russo arranharam o tampo e foi como se eles os
estivessem encravando sob a minha pele. — Seu filho não deu
chance ao meu garoto.
Estremeci com as palavras de Igor. Fechei os olhos e tentei
lembrar da luta. Ele bateu três vezes no meu braço? Ele me pediu
para parar? Eu não conseguia lembrar. Sequer estava lá, a luta
passou em um borrão, um lapso, como muitas vezes acontecia.
— Eu sinto muito pela sua perda, minha famiglia está
disposta a pagar qualquer coisa para que este incidente fique por
aqui — Papá falou com seu tom de Don e eu só queria me deixar
cair.
Igor fechou os punhos sobre a mesa e Natasha levantou-se
novamente com um celular em mãos, direcionando o olhar para o
meu pai antes de falar:
— A vida do seu filho tem preço?! Porque a de Slevin não
tem! — Rugiu e deu play em um vídeo. — Ele nem teve chance!
Seu filho queria matá-lo, estava rindo! Não era uma luta até a morte,
era apenas uma gaiola! — O sotaque da loira era pesado no inglês,
talvez pela quantidade de ódio entranhado em cada palavra que
dizia, falando com meu pai sem nenhum respeito. — Era para ele
estar em casa com um olho roxo, alguma perna quebrada, não em
um caralho de caixão! — Mais lágrimas escorreram do rosto da loira
e eu olhei o vídeo sendo coberto por uma ânsia de vômito ao me ver
na tela.
Eu parecia um animal, como Nero, rindo insano, regozijando-
me ao tirar a vida de quem não estava ali para morrer. Eu fazia o
trabalho quando precisava fazer, depois eu me drogava, porque
nunca aguentei a ideia de brincar de Deus e tomar vidas. Nem as
vidas que mereciam ser tiradas. Cesare sabia, ele me poupava da
maioria das mortes, eu ficava com as surras, com as partes de
corpos quebradas, com o que eu conseguia lidar depois.
— Eu não queria matá-lo, foi um acidente... — Defendi-me
parcamente. E ela quase voou por sobre a mesa para cima de mim.
— Não fala comigo, filho da puta do caralho! Eu vou te
esquartejar! Você e a sua mulher rindo do meu Slev. Nós berramos
para você parar e você riu! Filho da puta! — Um outro homem a
segurou pela cintura, a loira esperneou proferindo o que eu
imaginava serem xingamentos em russo, e Igor fez um gesto para
que a retirassem do lugar.
Ela estava lá, ela me viu matar uma pessoa que era querida
para ela.
Cesare segurou meu ombro, e me forçou a olhá-lo, como se
me lembrando da promessa de ficar calado. Mas ele estava
acostumado a me ver quebrar promessas. Minha palavra não valia
nada. Meu irmão sabia que eu descia em linha reta para o inferno e
que nada me pararia.
— Ele era meu filho, Don Lorenzo! Não existe preço para um
filho. Sangue por sangue, é o justo. — A voz grave de Malkin me
tirou dos pensamentos.
Eu quase disse “sim”. Quis implorar para papá dizer “sim”. O
sofrimento que eu havia causado, rindo, como um demônio, deveria
ser retaliado.
— Não vou te entregar o meu filho, Malkin. — Don Lorenzo
levantou-se e fechou o paletó. Ao seu lado, Giordano fechava os
olhos, aflito, e respirava fundo antes de copiar o gesto de papá.
— Nós sempre convivemos respeitosamente, Lorenzo, mas
seu filho matou o meu. Se você não me entregá-lo agora, eu vou
atrás dos seus quatro filhos. — O Pakhan também se levantou e
enfiou as mãos nos bolsos, como se para se impedir de voar no
pescoço de meu pai neste exato momento.
Cesare apertou meu ombro com tanta força que quase o
deslocou, olhei para seu rosto e seus olhos gelados estavam
trancados em mim, implorando-me para manter a boca fechada,
para cumprir a promessa ao menos uma vez. Mas eu não podia, eu
arrumara aquela bagunça... Era o justo, como Malkin havia dito. E
não me entregar a ele seria colocar Cesare, Nero e Donna em risco
por um erro meu.
— Ele é meu herdeiro! Quero ver você tentar. — Foi a
resposta de papá, então todos os seguranças o cercaram e ele
começou a se afastar. Cesare me puxou com ele, os soldatos
ficaram para trás.
— Vou sair do seu território, enquanto ele ainda é seu. Nossa
trégua encerrou, estamos oficialmente em guerra — Igor falou mais
alto, para que ouvíssemos e saiu pelo outro lado do galpão, também
cercado pelos seus homens.
Na minha mente, o vídeo ainda rodava em replay e meus pés
obedeciam aos impulsos que Cesare dava no meu corpo,
empurrando-me de volta para o carro. A culpa era como uma
bigorna em minhas costas, uma mordaça me sufocando, cordas ao
redor do meu corpo, enquanto eu andava na prancha, prestes a ser
jogado em alto mar.
Eu encerrei uma vida porque estava chapado demais para
me importar.
Ninguém deveria se importar com a minha.
CAPÍTULO 21

Depois que voltamos de Vegas, eu sequer pude ver Rocco já


que ele foi trancafiado na clínica em Santa Mônica. Há uma semana
eu estava sozinha, completamente sozinha. Não poderíamos ter
contato com ele nos primeiros vinte e um dias, então eu fiquei no
nosso quarto a maior parte do tempo, como se estivesse de castigo.
Um que era autoimposto.
A tensão na família tinha um gosto amargo, como uma maçã
podre contaminando todo o cesto. Eles pareciam diferentes sem a
presença de Rocco para intermediar a nossa convivência. Mas não
apenas isso, a sensação era de que a família havia perdido a alma.
Meu marido era a prosperidade dos Spada, também toda a
sua decadência. Duas polaridades de um todo. Todos eles o
orbitavam de alguma forma e sem ele, cada um girava em sua
própria trajetória, perdidos no vazio, sem rumo, e me culpavam por
isso.
Sempre que eu me sentava para fazer as refeições, os Spada
não falavam comigo, exceto Donna e, às vezes, o Don. Cesare e
Nero me tratavam com desprezo. O gêmeo do meu marido estava
ainda mais sombrio e amedrontador, eu mal conseguia ficar perto
dele sem ter o estômago revirado. E Nero... esse exalava cólera
através dos poros em minha direção. Eu tinha medo de ficar sozinha
com ele em qualquer ambiente.
Mas a pior era ainda era Cara. Ela fazia questão que eu me
sentisse culpada com os olhos gelados que Cesare havia herdado e
as caretas de frustração voltadas para cada movimento meu.
“Não jogue gasolina!”
Era minha culpa, minha imperfeição e inadequação em ser o
que Rocco precisava.
Perdi peso consideravelmente, fumando e cheirando todo o
estoque de drogas que Rocco mantinha no quarto. Procurando
formas de me entorpecer e fazer o tempo passar. Foi assim que bati
na porta de Donna no primeiro fim de semana e a peguei vestida
para sair.
— Já chega disso! Chega dessa carinha de pobre coitada!
Levanta essa cabeça! — Puxou-me para dentro do seu quarto. — A
culpa não é sua! Rocco sempre usou drogas e passou dos limites. O
fato de você estar junto não é culpa sua. Poderia ter sido qualquer
um de nós. Só Cesare consegue pará-lo. — Rolou os olhos,
entediada com a minha fragilidade exposta. Donatella era como
Paola, ela não aguentava ver fraqueza em ninguém. — Entra aqui,
vamos te arrumar, você vai comigo.
Foi como se Donatella tivesse quebrado o vidro frágil que
protegia meu coração e eu caí no choro diante da minha cunhada
que era o mais próximo de uma amiga que eu tinha neste momento.
Eu sentia saudades das verdades cruéis de Paola; do afeto
acolhedor de Grazzi; do colo firme que Guilly ofereceria.
Grazzi com a sua sabedoria e racionalidade saberia o que
fazer. Se minha irmã mais velha fosse a esposa de Rocco, ele
jamais teria cometido aquele erro.
— E aí, o verde ou o preto? — Donatella segurou dois
cabides para mim enquanto eu me desfazia em lágrimas.
Aparentemente, abraçar e prometer que tudo ficaria bem não
era uma das habilidades dela. Donatella Spada não se deixava
abater, ela era forte e levaria sua vida como se nada a abalasse,
como um made man. Eu queria ser mais como ela.
Enxuguei minhas lágrimas e apontei para o vestido verde
escuro que faria os meus olhos aparecerem mais. Rocco gostava
dos meus olhos, sempre dizia que eles mostravam a minha
felicidade. Eu não me sentia nada feliz sem ele. Estava em um
purgatório entre o céu e o inferno, aguardando uma sentença.
Donna atirou o vestido sobre mim, voltando para o closet
enorme recheado de roupas de designers famosos. Ela sempre
estava bem-vestida, performando sua feminilidade de modo até
hostil se levássemos em consideração a sua postura agressiva.
Fui para o seu banheiro e me troquei. A imagem no espelho
era de uma Gaia chorona, o que papá tentou arrancar de mim às
cintadas, mas jamais conseguira. Minha imperfeição estava ali, à
mostra para mim mesma, e jamais seria apagada.
Eu odiava a minha debilidade!
Precisava endurecer, livrar-me da parte de mim que
fraquejava diante das adversidades. A única coisa que sempre fez
passar essa sensação foi o álcool e agora eu conhecia outros meios
de me sentir melhor, entorpecida, livre.
Quando Rocco voltasse, eu precisava ter construído força de
vontade o suficiente para não fraquejar; não me colocar em posição
fetal chorando em um quarto de motoclube, enquanto ele
perambulava perdido.
Eu o prometera que ele não estaria mais perdido e falhei!
Sequei minhas lágrimas e me maquiei com uma Donna me
apressando, gritando que chegaríamos quando todos estivessem
bêbados demais.
— Já vou, merda! — berrei de volta para ela, terminando de
passar o delineador para aparentar a perfeição externa que sempre
obtive facilmente, em seguida, iria atrás da perfeição interna, a qual
sempre lutei para alcançar.
— Uuuh, a princesinha sabe xingar... — Donna parou ao meu
lado e retocou o batom, apenas ofereci um sorriso em
agradecimento. — Sem drogas hoje, ok? Só uma ou duas taças de
champanhe, queremos sair bonitas nas revistas.
Seus olhos castanho-esverdeados encontraram com os meus
no espelho. Escondi dela a verdade, que eu já havia cheirado antes
de vir até seu quarto. Apenas assenti.
Chegamos na festa e Donna me apresentou aos seus
amigos, desta vez deixou claro que eu era sua cunhada, para que
nenhum dos amigos homens tentassem se atrever comigo.
— Gaia Spada! O nome ficou forte. Parece nome de modelo
e ela tem definitivamente o porte. — Um dos amigos de Donna me
avaliava de uma forma que eu não me sentia nem um pouco
desejada enquanto ele falava.
Os dedos do homem estavam no ombro de um outro rapaz,
mais alto, com aparência de um desses modelos de passarela
masculino. Como se eles fossem um casal. Ambos eram bonitos,
mas o que parecia modelo era definitivamente mais jovem do que o
homem que falou comigo.
— Ela não vai cair nesse seu papinho, Roger, você não vai
agenciá-la, deixe Gaia em paz. — Donatella rolou os olhos.
Sorri para o amigo, que parecia ser uma boa pessoa,
diferente das amigas modelos dela que me olharam como
competição imediatamente.
A vida dessas pessoas era tão falsa e vazia, tão sem sentido
quanto a minha neste momento. Todos eles sorriam, mas eu
conseguia ver em seus olhos a infelicidade que eu sentia. Queria
que Rocco estivesse ali comigo. E, por mais que eu tivesse dito a
Donna que não usaria drogas, ansiava demais por uma carreira de
pó.
Só uma...
Talvez esta festa ficasse um pouco melhor e o peso no meu
peito saísse se eu fizesse apenas uma carreira.
A angústia cresceu de forma súbita. Ir até ali foi um erro fatal,
eu devia pedir a minha cunhada para voltar para casa, mas Donna
me julgaria pela minha fraqueza, por estar desamparada, em casa,
“aguardando Rocco chegar”. Ela julgava a própria mãe, comigo não
seria diferente.
Pedi licença e fui até o banheiro ganhar tempo para me
recompor. Assim que entrei, vi duas mulheres lindíssimas — com
certeza modelos — fazendo carreiras na bancada preta. Elas me
olharam como se questionassem o que eu estava fazendo ali. Minha
garganta trancou e meus lábios secaram. Passei a língua sobre
eles, olhando fixamente para o pó que elas separavam em carreiras
com maestria.
— O que é? — a morena me questionou antes de puxar uma
carreira, seu rosto se contorceu depois de cheirar e minha boca
salivou imaginando a ardência que ela sentia e o prazer que
seguiria: a dormência do corpo e da mente.
— Nada. — Até engolir se tornou difícil e meus olhos
continuavam voltando para o pó, como se fosse algo precioso, meu
Santo Graal.
— Ela está na fissura. — A loira riu e a morena ergueu a
sobrancelha oferecendo-me a cânula dela. Ao mesmo tempo, a loira
continuava partindo o pó em mais carreiras, depois cheirou duas,
uma em cada narina.
Eu só precisava de uma.
Só uma ou duas.

Charlotte, a loira que conheci na primeira festa que fui com


Donatella, acordou-me com as suas mensagens incessantes. Minha
cabeça pesava uma tonelada e meu corpo parecia ter tomado uma
surra. Era o pós-efeito do LSD que eu não devia ter tomado, nunca
acabava bem.
Durante o uso, eu fugia da realidade completamente, de uma
forma que o M.D. não conseguia, e bastava um para que eu
sobrevoasse o céu como se ganhasse asas, mas o depois... era
uma merda. Ficava ainda mais deprimida com a saudade de Rocco.
Eu poderia visitá-lo em alguns dias, mas a agonia da solidão era
demais.
Depois daquela primeira festa em que Donna me levara, fiz
uma amizade superficial com algumas das pessoas que sempre
admirei a distância. Finalmente me atrevi nas redes sociais e já
tinha algumas dezenas de milhares de seguidores.

Para eles, os outsiders[27], a minha vida de glamour mafioso


parecia um paraíso de luxo e perfeição. Entretanto, de perto, era
apenas isto: a aparência.
Eu era um globo de neve chacoalhado;
Um relicário empoeirado, amontoado a outros na estante de
um acumulador sádico;
Um brinquedo na caixa;
Uma princesa de algum dos contos de fadas mórbidos dos
irmãos Grimm, distorcida e miserável.
A minha nova família me desprezava e ignorava tudo o que
eu fazia. Até Donna desistira de se aproximar. Ela não gostava das
minhas novas amizades e quando conversávamos sobre isso,
acabávamos discutindo.
Eu não seria colocada em um cabresto, ainda mais por uma
garota que não estaria lá para enxugar minhas lágrimas. Resolvia os
meus problemas como ela me havia me ensinado: festas e drogas.
Não podia dizer que funcionava... Contudo, não sentir era melhor
que o vazio que eu sentia a porcaria do tempo inteiro!
Levantei da cama e separei duas fileiras de coca para me
despertar. A ardência no nariz já era minha conhecida agora.
Esfreguei com a palma aberta, para aliviar o ardor, enquanto
digitava para Charlotte que já estava de pé e me arrumando.
Charlie e Kate não deviam dormir, sempre enfiadas em
alguma festa ou evento. Elas tomavam drogas que eu não havia me
atrevido ainda, e eu precisava voltar para casa no fim do dia, elas
não. Para elas, a festa era ininterrupta, entre um trabalho e outro
como modelos, festas na casa de socialites e artistas, ganhando
para comparecer, usando drogas que eram ofertadas a elas e o
mesmo vinha acontecendo comigo.
Ao ser apresentada, meu sobrenome abria portas que eu
jamais sonhei que existissem. Portas que deveriam me fazer correr
na direção oposta, mas eu apenas seguia.
Conhecê-las naquela festa foi a melhor e pior coisa que
poderia ter me acontecido, assim eu não me sentia tão sozinha em
uma cidade estranha, com uma família que me odiava e sem o
marido a quem eu amava insanamente. Entretanto, elas estavam
me afundando e eu sabia. Mas a solidão nos fazia buscar conforto
nos braços de quem ofertava.
Rocco estava entranhado sob a minha pele, eu precisava
dele de volta para ter meu mundo em seu eixo, como sua família.
Não ter notícias suas estava me deixando fora de mim e, por isso,
eu não conseguia ficar ali dentro daquela casa, ou consciente.
— Aonde você vai? — Cara Spada me interceptou no hall de
entrada da mansão. Em suas mãos, uma revista de fofocas.
Eu achava uma graça que o casal Spada fosse analógico.
Don Lorenzo lia o jornal em papel todo domingo quando os Spada
fingiam ser uma grande família normal... e Cara era essa
mulherzinha que lia revista de fofocas, aparentemente.
— Encontrar amigas — respondi, seca, cansada de buscar
aprovação da senhora Spada.
— Essas amigas? — Cara abriu a revista em uma foto onde
Charlie e Kate se encontravam em uma posição comprometedora
com um dos filhos de algum banqueiro que elas haviam me
apresentado ontem, antes que meus seguranças tivessem me
trazido para casa.
Merda.
— Sim. — Encarei a matriarca Spada revestida de coragem
oferecida pelas drogas. — Não sou eu na foto, não vejo problema. A
vida sexual delas não é do meu interesse — completei e Cara
arregalou os olhos gelados, as narinas inflando, seus dedos
amassando a revista, mas eu não a temia mais.
O entorpecimento oferecido pela cocaína deixava meus
nervos e língua afiados. A falta de voz que eu tinha antes de me
casar, quando era atacada abertamente, fora sublimada e uma
rebeldia tardia tomou posse da minha nova personalidade.
Cara não era minha mãe, sequer era uma sogra decente,
pois me ignorava a maior parte do tempo. Não fez nenhuma questão
de me apresentar às mulheres da famiglia calabresa como membro,
o que demonstrava seu desprezo por mim abertamente. Ela fez de
mim uma pária dentre as italianas da Costa Oeste. Agora eu tinha
amigas fora do círculo que ela controlava na cadeia alimentar
feminina mafiosa, e ela odiava.
A mãe do meu marido não me enganava em seu jogo. Eu
sabia que era isso que ela queria fazer de mim, uma medíocre,
implorando por sua benção. Era o que a minha mãe fazia com as
mulheres em Miami.
Mamma decidia quem seria convidada para os eventos, de
quem o grupo de mulheres podia se aproximar ou não. As esposas
dos capitães e soldatos faziam qualquer coisa pela esposa do
Underboss.
Eu era a esposa de Rocco, a esposa do herdeiro, deveria ter
sido bem recepcionada por todas, mas Cara me bloqueou,
deixando-me isolada por não confiar em mim, por me detestar.
— Você está envergonhando o sobrenome que recebeu! —
rosnou e se aproximou como se pudesse me agredir.
Avancei para ela, deixando claro com a minha expressão
corporal que se ela tentasse me atacar, eu não aceitaria calada. Não
havia nada que ela pudesse tirar de mim. Meu marido já estava
distante, eu já não fazia parte da famiglia ou da família dela.
Ela me expulsaria da casa? Grandes merdas!
Eu arrumaria um emprego como modelo. Nessas três
semanas, perdi tanto peso que estava no corpo ideal para me tornar
modelo de passarela e com os contatos que eu tinha, dinheiro não
me faltaria.
Os olhos gelados se incendiaram e me lembraram de Rocco,
o que me atravessou como um punhal no peito e meus olhos se
encheram de lágrimas raivosas e angustiadas, simultaneamente.
— Vá para o inferno! — falou, rangendo os dentes, e olhou
para mim de cima abaixo.
Seu desdém doeu mais que as cintadas do meu pai. Ela não
se importava o suficiente nem para me impedir. Ninguém se
importava comigo.
Cara só não sabia que eu já estava lá. No meu inferno que
era um tormento sem fim. Sem Rocco, sem ninguém, envolta de
pessoas vazias que se entorpeciam ainda mais que eu.
O telefone apitou outra mensagem de Charlie: “traga
doces[28], os nossos acabaram”.
Mostrei a mensagem para o meu segurança, ele sabia o que
aquilo significava: passar em um laboratório e pegar drogas. Só o
suficiente para o dia.
CAPÍTULO 22

As primeiras setenta e duas horas eram as piores.


O cérebro simplesmente parava de funcionar e os espasmos
de dor se tornavam insuportáveis. Também havia o vômito, as
tremedeiras, o suor nojento e a vontade de morrer incessante. Só
que, pela primeira vez, eu queria parar. Queria verdadeiramente
cumprir a promessa.
Não queria ver Cesare da forma em que ele estava ao me
trazer para a clínica, outra vez. A mandíbula trincada, pensando no
quanto de tempo ficaríamos afastados. Esse processo não era ruim
só para mim, mas para ele também. Nós éramos um conjunto. Ficar
afastados não era saudável para nenhum de nós dois.
Nossa alma fodida e a mente distorcida precisavam da outra
metade para sermos inteiros. Ou quase.
Meu irmão estava andando por L.A. sem sua porta para o
mundo, a cidade devia sentir o peso das mãos do Rude enquanto
eu estava ali, perdendo a minha cabeça.
Meu pai e Cesare sequer me deixaram me despedir de Gaia
em Vegas, mas talvez fosse para melhor, porque depois de sair
daquela reunião, eu estava abaixo do fundo do poço. E, por isso,
queria me reabilitar. Entretanto, no dia em que a primeira psicóloga
veio, eu ainda não estava pronto e fui um babaca agressivo,
xingando-a.
Conhecia o sistema.
Eles me diriam tudo o que eu já sabia: que lá fora eu tinha
uma família esperando por mim — o que era exatamente o
problema, eu era um peso para eles; diriam que tudo o que eu
estava sentindo passaria: as dores, a confusão mental, a vontade de
mandar todo mundo à merda e quebrar a porra toda dentro da
clínica.
Isso era mentira.
Nunca passaria.
Eu conhecia o meu sistema.
Podia não ser racional noventa porcento do tempo, mas a
centelha de racionalidade que eu possuía era bastante perspicaz. E
funcionaria assim:
A primeira semana era uma vadia;
Na segunda, eu começava a parecer humano de novo;
Na terceira, vinha o desafio, o ponto de tensão, porque eu
voltava a mim mesmo e a vontade de usar aumentava.
Ser eu mesmo era o que me levava a usar drogas. Meu
descontrole interno precisava de equilíbrio, meus altos e baixos me
enlouqueciam e me tornavam inúteis para a vida real.
Era neste ponto que eu costumava quebrar. Sabia que eu
estava usando as drogas erradas, que provavelmente necessitava
de uma merda prescrita para ser “normal”. Só que entre ser o
“herdeiro drogado” ou o “herdeiro maluco” — no sentido ruim —, eu
preferia ser o primeiro.
Os transtornos mentais dos Spada tinham que servir para
torná-los aterrorizantes, não fracos. Eu fiquei com a fraqueza, que
me debilitava.
Nero era um fodido psicopata; Cesare sofria de alguma
espécie de sociopatia que o deixava insensível; já eu, alguma outra
porra veio errada na minha cabeça e piorava com os anos. Euforia e
depressão, euforia e depressão... A porra do tempo todo. Isso não
causaria medo em ninguém.
Então ali estava eu, trancafiado e preparado para outra falha.
O sistema me conhecia.
O zelador do domingo à noite vendia coca, e a enfermeira
que veio limpar meu vômito deixou um doce sob o meu travesseiro.
Eles me conheciam, sabiam que eu pagava bem quando saía. E
que eu seria um cliente fixo pela vida inteira se nunca me
recuperasse. Era quase um conflito de interesses. Nos últimos três
anos, vim parar aqui três vezes.
Cliente VIP.
Consegui levantar, cambaleante, e dar descarga no pedaço
de fita.
Ainda restariam dois meses ali dentro. Dois meses para fingir
sorrisos e dizer que “sim, desta vez eu estou limpo e preparado para
recomeçar”. Só que ao, menos uma vez, eu queria que fosse de
verdade. Queria a segurança de que nunca mais colocaria Gaia em
risco daquela forma.
Eu cumpriria pelo menos uma fodida promessa?
Conseguiria resistir?
— Como você está se sentindo? — Cesare sentou-se diante
de mim, colocando o café dele sobre a mesa onde eu cruzava os
braços e observava as minhas mãos e unhas roídas. Evitar seu
olhar foi o primeiro agravante, bastou um segundo para ele notar. —
Você está chapado.
Seu tom de voz não alterou nem um pouco, mas eu sabia,
sentia em cada fibra do meu ser, em cada pulsação acelerada em
minhas têmporas, que ele estava decepcionado. Ele estava
decepcionado, porque eu me sentia decepcionado.
Segurei a cabeça centre as mãos, pressionando as têmporas
que retumbavam em meus ouvidos e pareciam que explodiriam de
nervoso. Eu ouvia tudo como se estivesse dentro de um fodido
aquário ou no mar. As ondas da correnteza me afogando aos
poucos na minha própria culpa.
Sim, eu estava chapado. Fiz umas carreiras antes de ele
chegar, não consegui controlar a ansiedade da primeira visita. A
porra da expectativa de estar bem de novo, de ficar limpo. E eu fui
fraco, como sempre. O olhar frio de Cesare não era nada
comparado ao que aconteceria quando mamma viesse, ou papá. E
Gaia...
Eles mandaram Cesare na frente. Sempre Cesare. Eu era o
fardo dele por vinte e três anos e meio. A realização de que ele veio
me avaliar para que, então, os outros pudessem vir me ver em
segurança fez a linha mental oscilar. Para cima e para baixo ao
mesmo tempo, bifurcando em duas retas confusas, duas tangentes,
como se a minha pressão arterial estivesse se equiparando.
Eu falhara antes mesmo de eles poderem me ver.
— Só duas carreiras, como sempre. Não é nada demais. —
Evitei seu olhar, fingindo que não me importava com o seu
julgamento.
Por dentro, meu peito doía como se eu estivesse tomando
porradas de socos ingleses consecutivas no lugar de batimentos
cardíacos. Minhas palmas suavam e minha nuca ficou rígida. A boca
do meu estômago contraiu e eu precisava cheirar mais para fazer
passar.
— Sua esposa está na mesma situação, talvez pior. Gaia
está usando todo tipo de drogas agora — disse, displicente.
Olhei para os olhos do meu irmão buscando alguma coisa,
qualquer coisa, ele não sentia nada com isso. Gaia não significava
nada para ele, então ele estava pouco se fodendo se ela estava se
afundando. O choque do que Cesare jogou sobre mim com a sua
frieza inumana fez com que eu quisesse voar sobre a mesa e
enforcá-lo.
E eu nunca quis bater no meu gêmeo.
Como ele podia me dizer isso assim? Como podia não se
importar com ela da forma como se importava comigo? Gaia era
uma parte de mim agora, mas não dele.
— Por que você está permitindo isso? — questionei-o,
enfurecido, e ele notou, estranhando a minha pergunta como se a
resposta fosse óbvia.
Ele não ligava para ela. Só para mim.
Ira demoníaca se apossou do meu corpo, fechei meus dedos
em punhos, sentindo a dor nas palmas. Tremores dominaram meus
músculos e o descontrole tomou o timão do barco que me levaria
através do rio da loucura.
— Ela é sua mulher, o que eu tenho a ver com isso?
A linha interna do meu descontrole escalonou para puro ódio
e eu virei a mesa no chão, derramando o café parcialmente sobre
ele. Cesare não moveu um músculo, sentado na cadeira como se
fosse uma porra de manequim, como se não tivesse vida. Eu odiava
ser o único de nós dois a sentir.
Por que ele tinha que ser congelante enquanto eu ebulia? Por
que ele não se importava com ninguém e comigo sim, a ponto de eu
não poder me autodestruir sem machucá-lo?
— Seu filho da puta! Eu estou preso aqui e vocês a deixaram
virar uma drogada?! Eu não acredito nisso, Cesare! — berrei com
força suficiente para arranhar minha garganta. Em seguida, outra
onda de fúria escaldante perpassou sob os meus músculos e lancei
as cadeiras pela sala de visitas.
Soquei a minha cabeça, querendo obter algum controle.
Berrava, irracional e animalesco, dando passos para longe de
Cesare, ou eu mataria a nós dois.
Gaia precisava de mim, ou de alguém.
Cesare lavou as mãos.
Ele não sabia que ela era minha vida? Não sabia que eu
precisava dela tanto quanto ele e eu precisávamos um do outro?
Como ele não sentia essa merda se nós éramos uma
unidade?
A equipe da clínica entrou no ambiente. Duas enfermeiras e
um dos seguranças brutamontes que eles mantinham para controlar
as crises, mas eu me armei com uma cadeira. Se aquele filho da
puta viesse me dar um sedativo, eu o enforcaria até a morte.
— Rocco. — O tom de voz gélido de Cesare não fez nada
para arrefecer a minha ira.
Bati com a cadeira na janela, estourando o vidro, disposto a
fugir dali, nem que fosse a pé, e voltar para Gaia. Pedir a ela para
parar, para não fazer consigo o que eu fazia comigo mesmo. Para
não cair da porra do paraíso até o inferno em que eu vivia.
O som do vidro quebrando chamou a atenção de mais
funcionários da clínica. A sala em que estávamos era privativa,
apenas Cesare testemunhava a minha crise. Ele ergueu a mão com
a palma aberta, ordenando silenciosamente que todos se
mantivessem afastados de mim.
O vidro da janela estilhaçado no chão me deu armas e ideias.
Peguei um caco grande e soltei a cadeira. A borda afiada cortou a
minha palma, mas eu não me importei. Queria sangrar, acabar logo
com isso, e levaria quem tentasse me impedir.
A tentação de simplesmente passar aquela ponta lascada em
meus braços, em minhas veias, ou enfiar na minha garganta e
deixar o sangue fluir até que a vida caótica, a loucura, o descontrole,
a porra toda, fosse sugada para fora de mim, era imensa.
Meus olhos se encheram de lágrimas de fúria, minha
garganta ardeu, contraída a ponto de o ar entrar em inspirações
rasas, e minha palma agora escorria profusamente com a força que
eu fazia para me impedir de morrer. Todos os meus músculos
enrijeceram e eu tremia, visivelmente fraco, duelando comigo
mesmo sobre o valor da minha vida de merda.
A minha vida de merda valia a vida do meu gêmeo.
Ele era a minha melhor versão.
Seria tão fácil acabar com isso, tão fácil simplesmente ir
embora e parar de machucar a todos, parar de sentir essa dor
eterna, essa tristeza infinita.
Os olhos arregalados de Cesare olhando para mim sem
emitir som algum eram outra dor penetrando nas minhas vísceras
como se ele estivesse me estripando, seus dedos revolvendo
minhas tripas e repuxando-as, rasgando-as.
Seu rosto mantinha-se gelado, cravado em uma máscara,
mas suas pupilas dilatadas me deixavam observar dentro dele. Eu
assistia em primeira mão o que presenciar a minha queda fazia com
o meu gêmeo.
Cesare não me deixaria morrer.
Eu não podia fazer isso com ele.
— Não. — Sua voz não saiu fria, saiu tremida.
Ele sabia. Cesare sabia que eu queria acabar com tudo, que
não aguentava mais viver na minha pele, ser o coração fodido de
nós dois, mas ele não conseguia me deixar ter a minha libertação e
eu não podia fazer isso com ele.
Ele era o meu fardo.
Carregar a minha dor era o meu fardo por nós dois. Eu não
podia fazer isso com Cesare e meu irmão sabia que eu só
continuava por ele, não por mim. Era por isso que ele estava ali, por
isso ele me sustentava, porque eu carregava o nosso coração
fodido, enquanto ele carregava a minha insanidade.
— Rocco, por favor. — Levantou-se da cadeira e veio até
mim, segurando a outra parte do vidro e cortando também a sua
palma. Nosso sangue misturando-se. Como na nossa iniciação.
Ele se impunha a sentir a mesma dor física, mas a emocional
era e seria apenas minha.
Chorei, soltando o vidro e abraçando o meu irmão. Ele me
segurou deixando a onda de ódio passar. Então eu me debati,
socando suas costas, com meu punho ensanguentado sujando o
seu terno, perdido em uma fúria desvairada, que eu não sabia de
onde vinha ou a quem direcionar.
Cesare me segurou.
Segurou fisicamente e figurativamente.
Ele me ancorava à vida.
Apertou seus braços ao meu redor, recebeu minha dor, e
meus golpes desconexos, aguardou a maré nos engolir inteiros e
em seguida descender, e foi a força que eu necessitava. Meus olhos
vertiam lágrimas de um sentimento inominável que transbordava e
eu não sabia como controlar, como sentir normalmente.
Todas as minhas terminações nervosas doíam, eu me sentia
fora de mim, em uma experiência extracorpórea, como se eu tivesse
sido lobotomizado. Talvez fosse a solução. Se eu me tornasse um
vegetal, não magoaria ninguém, nem a mim mesmo.
— Eu estou aqui. Não vou te soltar nunca. Chega, Rocco —
murmurou no meu ouvido e sua voz foi ouvida como se ele
estivesse a quilômetros de distância, gritando em um estádio cheio
de gente.
Meus tremores o atravessavam, era a única possibilidade,
pois Cesare nunca fraquejava, ele jamais estremecia diante de
nada. Meu irmão era um polo congelado de algum planeta: estável,
estéril, com o mínimo possível para oferecer vida. Eu era linha do
Equador: irreal, demarcando os dois hemisférios diversos, quente e
frio, inventado.
Senti a picada no meu pescoço e olhei para o meu gêmeo.
Todo o meu corpo se contorcia em uma dor aguda que foi aliviando
gradualmente. Minhas pernas amoleceram primeiro e eu concordei,
afirmando para Cesare que eu o tinha escutado, deixando o
sedativo me apagar para todas essas sensações negativas e
interromper a nossa autodestruição.
— Eu te amo, Cesare. Se não fosse você...
— Não, Rocco — interrompeu-me antes que eu dissesse o
que ele já sabia, só não queria ouvir.
— Eu também amo Gaia, irmão. — O sedativo fez efeito
antes que eu pedisse a ele que cuidasse dela como cuidava de
mim.
CAPÍTULO 23

A ansiedade de chegar em casa e poder ver Gaia era


imensa. Ela não foi a clínica nenhuma vez, ninguém da minha
família foi. Só Cesare ia depois do meu surto. Eu queria ver toda a
minha família, mas minha preocupação tinha apenas um foco.
Nunca precisei me preocupar com ninguém. Cesare não
precisava de mim, ele me queria por perto, era diferente. Mas
Gaia... eu falhei com ela. Não cumpri minhas promessas, as que fiz
em nosso casamento.
Não consegui ficar limpo e Cesare sabia. Ele fez um acordo
com o zelador de me dar só o suficiente de coca para eu não
extrapolar, o suficiente para eu não sair do controle e pensar em
acabar com tudo outra vez. Esse era o tamanho do desespero do
meu irmão. Era o que eu fazia com ele e com a minha família, mas
não queria aquilo para Gaia.
Ao entrar em casa, encontrei mamma primeiro. Fui para os
seus braços e olhei sobre o seu ombro para a minha esposa, com
lágrimas escorrendo no rosto, querendo vir até mim, mas
respeitando a hierarquia da casa.
— Eu estou bem, Ma. — Ela me encheu de beijos no rosto e
a culpa pela mentira pesou no meu estômago. Eu não estava nada
bem, nunca estaria.
Depois foi meu pai. Don Lorenzo segurou meu rosto entre as
mãos e eu abri um sorriso falso para ele, que me abraçou como se
tivesse medo de que eu desistisse da vida. Não imaginava o que
Cesare contava para ele sobre as visitas, mas meu velho parecia ter
plena noção de que eu estava escapando entre os dedos.
Estava nos últimos grãos de areia da minha ampulheta.
Precisava virá-la.
— Que bom que voltou, meu garoto. — Papá bateu no meu
rosto de leve. Sua voz emocionada fez minha garganta se contrair,
mas engoli o bolo que se formou nela.
Nero no canto do hall de entrada, com os braços cruzados,
olhou para a nossa interação com o sorriso insano. Deu-me um
aceno de queixo como cumprimento e sumiu pelo corredor que
retornaria para o seu mausoléu no sótão, aonde ninguém podia ir.
Eu não esperava um abraço de Nero, ele não gostava de ser
tocado. O fato de ele ter vindo me ver chegar já dizia muito.
Atrás de papá estava a minha irmãzinha caçula. Donna
quase o empurrou para me envolver com seus braços magros em
um abraço forte. Beijei seu cabelo sem dizer nada, não precisava.
Donna gostava de se fazer de durona, mas ela era a melhor de nós.
A única normal dentre a prole dos Spada.
Então abri os braços e Gaia veio. Escalou meu corpo
enquanto eu segurava por baixo de suas pernas e a prendia a mim.
Suas pernas cruzadas em meu quadril, os braços envolvendo meu
pescoço, a respiração trepidante informando que ela chorava e eu
aspirava seu perfume.
Ela estava consideravelmente mais leve, sua cintura mais
fina, o corpo muito mais magro. As bochechas um pouco mais
encovadas, deixando as maçãs do rosto salientes e olheiras
parcialmente cobertas por maquiagem tentavam esconder o que o
excesso de drogas fez com a garota que era a minha felicidade.
A minha vida.
— Eu te amo, eu te amo, euteamo, euteamo, teamo, teamo!
— murmurou entre beijos na minha boca e lágrimas salgadas
molhavam nossos lábios.
Apertei-a contra mim, com a sua dor me atravessando e foi
felicidade e tristeza simultânea. Não foi bom para nenhum de nós
dois o tempo que passamos separados, mas para ela foi pior. Minha
esposa não estava em um ambiente controlado como eu, recebendo
cuidados de pessoas sãs.
Gaia ficou sozinha e se afundou.
Porra! Porraporraporra!
Quando nos casamos, eu prometi que cuidaria dela, que
estaria lá para amparar todas as suas necessidades e aqui estava
ela, tão fodida quanto eu.
Carreguei-a para o nosso quarto e Gaia já estava tirando as
roupas. Quase não me controlei ao ver seu corpo lindo com a
lingerie que ela vestiu para me esperar, mas precisávamos
conversar. Precisava implorar a ela que diminuísse o ritmo.
Só que assim que entrei no quarto, eu vi as carreiras já
enfileiradas na mesa de cabeceira. E ela foi para lá, puxando quatro.
Duas em cada narina e depois voltando-se para mim em um beijo
tórrido.
Aflição quase me abateu como um cachorro louco. Eu fiz
aquilo com ela, permiti que ela se afundasse. A visão me deixou
estacado, até que eu vi o que ela fez depois. Gaia pegou uma fita de
LSD e colocou na língua, então me beijou e eu senti o gosto do
ácido derretendo entre o nosso beijo.
— Não, Gaia! — falei, rígido, ela me encarou com as suas
pupilas dilatadas e o seu sorriso de felicidade imensurável nos
lábios.
— É a última, vez! Eu quero você dentro de mim! Vamos
juntos, Rocco! — Passou a língua pelo meu peito conforme
descobria minha pele, puxando minha camisa para cima, rodeando
os meus mamilos sensíveis com os piercings e eu retirei a blusa por
trás da cabeça. Abriu minha calça e meteu a mão no meu pau,
masturbando-o até deixá-lo duro.
Quando dei por mim, estava sentado na cama separando
quatro carreiras sobre o porta-retratos com a foto do nosso
casamento e puxando todas de uma vez. Meu pau na boca de Gaia,
ajoelhada entre as minhas pernas, e ela o chupava até o fundo da
garganta com gemidos que atravessavam minhas bolas e me faziam
querer esporrar.
Toda perfeita, responsiva, toda minha.
Cada parte de Gaia me pertencia.
O meu paraíso, eu estava de volta ao paraíso.
Observei-a com meus olhos alucinados, depois de ter
cheirado mais que o normal e ter tomado o doce que ela me
ofereceu. Os orbes verdes dela estavam brilhantes e com as pupilas
extremamente dilatadas. As írises eram um aro circulando o preto,
meu coração acelerava de felicidade, a comprada e a verdadeira,
porque eu estava com ela. Nós dois juntos, como deveria ser para
sempre.
Senti as fisgadas nas bolas e anunciei:
— Eu vou gozar, mia vita.
Tirei meu pau da sua boca e segurei-o, masturbando-me com
força. Gaia colocou a língua para fora, pedindo que eu gozasse ali,
mas eu não mirava em sua boca, queria dar-lhe um colar de
pérolas, a minha porra escorrendo no seu pescoço e seios. Marcar
seu corpo como meu. Fodê-la até ficar exaurido.
Era a última vez. Nós foderíamos com essa onda etérea pela
última vez.
Era uma promessa.
Meu pau não desceu mesmo depois de gozar, então Gaia me
empurrou na cama, sentando-se em cima de mim e assumindo o
controle. Nossas peles hipersensíveis arrastando-se uma contra a
outra, fornecendo espasmos orgásticos como se qualquer parte do
meu corpo fosse sensível como a cabeça do meu pau.
Adorei vê-la sobre mim, segurando meu pau pela base e
guiando-me pela sua entrada encharcada. Os gemidos sonoros, os
olhos revirando a cada centímetro que ela colocava para dentro.
Todo o meu sangue concentrado em inchar o meu pau e enrijecê-lo
para cumprir a tarefa de nos dar prazer.
Ela nunca teve inibições comigo, nós éramos perfeitos juntos,
em qualquer coisa. Meu esperma escorria entre e sobre os seus
seios lindos, os mamilos castanhos enrijecidos, a pele ao redor das
aréolas visivelmente arrepiada, seu abdômen contraído e a sua
boceta engolindo meu pau a cada vez que ela se sentava.
Observei meu sêmen liquefazer em na sua pele, deixando-a
brilhante e pegajosa, fodidamente gostosa. Antes de acabarmos, ela
estaria completamente coberta por dentro e por fora.
Entrar nela depois de tanto tempo foi maravilhoso. Meu
coração acelerou como se estivesse tomando outra droga. Ergui o
corpo, sentando-me e envolvendo seu tronco, ajudando-a a subir e
descer com mais velocidade. Segurei sua bunda com as duas mãos.
Ela perdeu o controle, rebolando descoordenada e buscando
libertação.
— Nunca mais fique longe de mim, eu não consigo... Ficar...
sem você, Rocco. — Seus olhos molharam-se em um choro sofrido,
a cada tanto que ela descia e subia no meu pau, enterrando-o
inteiro.
Enterrou as unhas nos meus ombros, nossas bocas coladas.
Minha jovem esposa me cavalgava e não parava subir e descer no
meu pau, alucinada, gemendo seu prazer e chorando sua dor. Como
eu me sentia o tempo inteiro.
Não, Gaia, não.
Você não, mia vita.
— Eu não posso ficar sem você, vita. Nunca mais, eu
prometo! Vamos ficar bem, essa é a última vez. Vamos ficar bem. —
Gaia ainda não sabia que minhas promessas eram vazias. Ou se
sabia, não se importou com a minha mentira doce.
Virei-a na cama, com os seus joelhos pressionados contra os
seios e afundei-me dentro dela, empurrando meu quadril, até que
ela perdesse o controle. Ela ainda chorava, partindo o meu coração,
e eu lhe dava orgasmos movidos a cocaína e LSD para compensar
a merda que eu havia trazido para a sua vida.
Amar a mim era destrutivo, e eu havia manchado o paraíso
de Gaia.
Eu era a sua fodida serpente, dei-lhe o fruto proibido e a
fizera cair. Só que era tarde demais para nós dois, tudo o que eu
podia fazer agora era amá-la e me agarrar a ela, porque não havia
outra escolha.

O café da manhã do dia seguinte era o “de domingo”,


estávamos todos juntos e o humor que nunca era dos mais
equilibrados na minha casa parecia uma bomba de TNT em um
daqueles desenhos animados ensandecidos: a ponto de explodir na
cara de qualquer um.
Minha mãe e Gaia obviamente não estavam em bons termos,
pois Cara Spada sequer olhava na nossa direção e eu sabia que
não era por minha causa. mamma nunca ficava com raiva de mim
por nada.
Donna e Gaia também não estavam se falando e Nero e
Cesare não tinham motivos para falarem com ela. Meus irmãos
estavam silenciosos demais para o meu gosto.
Foi assim o tempo todo? Minha família isolou a minha esposa
enquanto eu estive fora?
— Ma, você brigou com a tia de novo?
— Rocco, de onde você tirou isso?!
— É que ontem, conversando com a minha esposa, eu
percebi que Gaia ainda não conheceu meu tio Bruno. Imaginei que
em três meses fora, ele teria vindo até L.A. em algum momento.
Logo, Gaia o teria conhecido.
Acendi um cigarro na mesa, pouco me fodendo se alguém se
incomodaria, o ambiente já estava nublado o suficiente. Fingir
ignorância para ver o que a senhora Spada diria nunca era uma
jogada inteligente, mas mamma pediu pela provocação.
Bruno Moretti, Capo de San Francisco, a cidade mais
próxima de nós depois de Vegas, era irmão da minha mãe. Com
uma guerra iminente, com certeza a porra do Capo veio em Los
Angeles tratar algo como meu pai. E se eles não conheciam Gaia,
era porque minha família não fizera questão de apresentá-la como
minha esposa.
— Ele esteve, mas a sua esposa estava muito ocupada em
festas —respondeu com desprezo.
Primeiro olhei para minha mãe, detestando que ela sequer
usasse o nome de Gaia e falasse como se ela não estivesse
presente. Depois a informação me atingiu no fundo do estômago.
Virei-me para Gaia.
Festas?
Ela estava indo para festas enquanto eu estava internado?
— Ninguém me disse que haveria um jantar de família. —
Gaia enfrentou minha mãe. — Aliás, ninguém se importa se eu
estou na casa ou não, muito pelo contrário, parece que preferem
quando eu não volto. Eu só soube do seu retorno ontem, porque
Donna me mandou uma mensagem uma hora antes. Senão eu nem
estaria aqui para te ver chegar.
Papá olhou para a minha mãe com o cenho franzido. Ele não
sabia o que estava acontecendo sob o seu teto?
— Onde você estava? — questionei um pouco enciumado,
mas compreendendo que ela tivesse se afastado da minha família
quando eles a tratavam como merda.
— Com minhas amigas. Os seguranças estavam comigo o
tempo inteiro, não me coloquei em risco em nenhum momento ou
me aproximei de nenhum homem — murmurou para mim, com
medo de que eu fosse brigar com ela.
O olhar assustado de Gaia fez a linha da raiva e da paranoia,
que começava a subir, descer. Lembrei-me de suas lágrimas ao
fodermos quase a noite inteira e pensei no inferno que ela havia
passado sendo hostilizada em sua própria casa.
Não podia reclamar, eu havia dito a ela que podia ir a festas
se estivesse em segurança. Não agiria como um babaca opressor,
embora ainda estivesse puto. Só precisava redirecionar a raiva para
não a jogar em Gaia.
— Você não ia avisá-la? — Virei-me para Cesare. Ele olhou
para Gaia com desdém evidente.
Meu gêmeo a detestava.
Como ele não enxergava que ela era exatamente como eu,
tão frágil quanto, tão necessitada de cuidados quanto o único irmão
com quem ele tinha algum zelo, se não mais?
Cesare sequer me respondeu. Virei meu questionamento em
um olhar para minha mãe, que ergueu o queixo, desafiando-me a
proferir a pergunta a ela. Então para papá, que pareceu culpado,
mas eu imaginava que houvesse muito em seu prato, lidando com
as merdas que eu fazia para tomar conta da minha esposa.
Perguntar a Nero era o mesmo que falar com uma porta.
Antes que eu fosse para ela, Donna começou a falar:
— Eu avisei, não avisei? Não sei pra que esse estardalhaço.
— Levantou-se da mesa e jogou o longo rabo de cavalo sobre o
ombro revelando suas roupas decotadas. — Aliás, eu a avisei sobre
muitas coisas...
Então saiu da sala. Que porra estava acontecendo?
Ao meu lado, Gaia murchava e coçava o braço como se
precisasse fazer umas carreiras para relaxar. O amor que a minha
família oferecia a mim, mesmo quando eu era um merda
autodestrutivo que os envergonhava e fazia tudo errado, era
inversamente proporcional ao sentimento que ofereciam a Gaia.
Eles descontaram nela a raiva que jamais depositaram em mim.
Ela deve ter passado o inferno enquanto eu estivera na
clínica. Eu precisava compensá-la.
— Vamos, vita. — Apaguei o cigarro no prato cheio com a
comida intocada e me levantei da cadeira, estendendo a mão para a
minha esposa.
Talvez devêssemos nos mudar afinal de contas.

À noite, Gaia me convenceu a acompanhá-la a uma das


festas com as suas novas amigas, duas modelos de quem ela falava
com carinho. Não avisei a ninguém, queria ficar apenas com ela.
Conseguimos passar o dia apenas fumando alguns baseados, o que
eu achava uma vitória. Sua alegria continuava a me contagiar,
mesmo sem o efeito das drogas.
Aquela Gaia feliz não estava completamente quebrada, eu
não a havia estragado totalmente.
Colocou um vestido preto sensual e saltos altos que me
faziam querer fodê-la de pé. Questionei-me se ela saía daquela
forma sempre, até quando eu não estava presente. Só que não faria
diferença. E eu confiava na minha mulher.
Sua beleza era fantástica, obviamente ela era desejada. Mas
era minha e apenas minha. Até o seu fodido primeiro beijo me
pertencia. Gaia era tudo que eu desejava e mais.
Ela me convenceu a usar um fodido paletó, ao invés de uma
jaqueta, sobre a camisa que eu havia escolhido, fiz uma concessão,
porque ela dissera que haveria celebridades. Minha esposa ficava
facilmente encantada com o mundinho de Hollywood.
Às vezes, eu esquecia que Gaia tinha apenas dezoito anos.
O tanto de merda que essa garota já tinha passado na vida com um
pai abusivo e castrador não era justo. Ela era linda e perfeita
demais. Não seria eu, um fodido estragado, que faria da vida dela
ainda pior, sendo ciumento e dizendo o que ela podia vestir ou não.
Ela vestiria o que quisesse, e eu surraria quem me desafiasse
olhando para a minha esposa com desrespeito.
Gaia Spada era uma princesa em Los Angeles. Ela era a
celebridade, eles que tinham sorte de conhecê-la, não o contrário.
— Eu não tenho nenhuma foto com você — reclamou antes
de subirmos no meu Mercedes Class G, eu precisei ajudá-la a subir
com os saltos.
— Vamos resolver isto agora. — Peguei o meu telefone e tirei
algumas fotos com ela. Sua felicidade quase infantil por esse
simples gesto ficou ainda mais resplandecente quando ela postou
as fotos em sua rede social.
Era tão fácil agradá-la. Eu não merecia essa porra, não
mesmo.
— Viralizamos, Rocco! — Gargalhou enquanto eu guiava o
carro com uma mão em sua coxa, deixando meus dedos subirem
para a sua boceta. Ela abriu as pernas e subiu a saia um pouco,
para facilitar o meu acesso.
Olhei para o seu rosto corado de tesão, e talvez um pouco de
vergonha, mas meu carro era tampado no insulfilm, ninguém a veria.
— Vem cá, chupa meu pau um pouco antes de chegarmos a
essa festinha de merda. Quero saber que ele vai ter manchas de
batom enquanto conversamos com aquela gente escrota. — Só de
imaginá-la me chupando enquanto eu dirigia, minha boca se encheu
de água.
Seus olhos brilharam e a respiração ofegante não atrapalhou
o sorriso. Reduzi a velocidade, parando no sinal vermelho e mia vita
obedeceu, abrindo meu cinto e retirando meu pau de dentro da
cueca. A cabeça já estava inchada e soltando pré-gozo como um
maldito adolescente.
Ela o punhetou algumas vezes, em provocação. Jogou o
cabelo cheio e volumoso por cima do outro ombro, cheguei o banco
para trás o máximo que consegui para lhe dar espaço e ainda
alcançar os fodidos pedais. Olhando de lado para mim, ela o
abocanhou, manchando a extensão com o seu batom vermelho.
Puta que pariu!
A sensação era perfeita. A linha em transversal firme para a
felicidade instantânea. Xinguei alguns palavrões conforme ela
lambia as veias e sob a cabeça do meu pau, ofegando grunhidos de
prazer.
Segurei a sua nuca, empurrando-a mais para baixo, mas
Gaia queria me torturar, abrindo a boca e estendendo a língua para
lambê-lo, ao invés de chupar com força como eu precisava para
gozar. Subiu por baixo, onde eu a havia ensinado sobre aquele
ponto, o freio, bem embaixo da cabeça e chupou ali, depois lambeu
a fenda, gemendo ao sentir o gosto das gotas de líquido pré-
ejaculatório. As buzinas ao nosso redor me despertaram. Seus
olhos brilharam e ela conseguiu sorrir com meu pau na boca,
sabendo o que fazia comigo.
Todo o meu sangue corria para o meu membro, mas
administrei algum controle para mover a marcha de volta para drive
e pisar no acelerador.
Não era a primeira vez que eu recebia um boquete dirigindo,
mas tudo com Gaia era melhor, tudo!
Consegui enfiar a minha mão entre o seu corpo até chegar
com ela para a sua calcinha e ela estava melada, tão melada.
Gemeu no meu pau, indo mais fundo. Aquela era a chave. Eu a faria
se derreter ao redor dos meus dedos enquanto ela me chupava.
Das duas uma, ou eu pararia no acostamento para fodê-la ou nós
sofreríamos um acidente. Eu estava pouco me fodendo.
— Tá bom assim? — questionou com a sua voz doce e
maliciosa, sequer a respondi, apenas enterrei dois dedos até as
juntas na sua boceta como resposta.
Não havia como eu ir mais profundo, mas aquilo a deixava
ainda mais sedenta pelo meu pau. Seu canal se contorceu em meus
dedos o que me fez pulsar em sua boca.
Gaia me tirava o controle e eu o dela.
Meu paraíso.
CAPÍTULO 24

Quase não chegamos à festa. Depois de sermos buzinados


em todos os sinais e eu propositadamente não deixar Rocco gozar,
ao que ele retribuiu com excelência, fiquei elétrica quando
desembarcamos no estacionamento da mansão onde a festa
vibrava com os graves ressoando pelos ares, dando aquela
sensação de ter nós no estômago.
Era a casa de uma das blogueiras que eu seguia antes de me
casar e que havia me convidado para vir. Ela me conheceu em uma
festa e entrou em contato comigo na caixa de mensagem da rede
social para que eu comparecesse. Fiquei muito eufórica em receber
o convite dela, de sua assessoria na verdade. Mas o fato de ser
lembrada e convidada? Isso era demais!
Viver em L.A. era uma nova vida. Na escola, éramos
respeitadas e temidas, mas nunca conseguíamos nos misturar. Em
Miami, a minha famiglia era receada dentre os ricos. Só que aqui
era Hollywood, a máfia e os famosos andavam lado a lado desde o
nascimento do mundo do entretenimento.
— Eu acho que já estive aqui — meu marido anunciou, ao me
ajudar a descer de seu carro na entrada da mansão, onde um valet
aguardava.
Rocco não devia se lembrar da tal blogueira, mas eu vira
fotos dele com ela anos atrás, quando ainda era o prometido de
Graziella. Um ciúme súbito corroeu minhas veias como veneno,
imaginando que eles tivessem transado. Mordi os cantos da boca
por dentro, impedindo-me de gritar um palavrão que rondou a minha
mente.
Agora que eu conhecia os prazeres carnais, Rocco me
pertencia e prometera, ou quase, que não haveria outra mulher para
ele no presente, as de seu passado me atormentavam. Respirei
tentando engolir a cólera súbita que se alastrou, mas não fui capaz
de me impedir de falar:
— Claro que já esteve! — Soei ácida, em um humor
destoante do que estávamos segundos atrás.
— O que houve? — Suas sobrancelhas, um pouco
assimétricas pelas cicatrizes das lutas, vincaram no centro e eu
olhei para os seus olhos azuis acolhedores imaginando que
nenhuma mulher o recusaria.
Como alguém não o quereria para si? Ele era perfeito!
Apaixonei-me por Rocco apenas pelas fotos, a quantidade de
seguidoras que ele tinha nas suas redes sociais era imensa. Ele era
adorado, e isso me deixava fervendo como se toda a minha pele
estivesse queimando de dentro para fora, escaldando como óleo
fervente.
— Você foi para cama com ela? — Praticamente rosnei as
palavras.
— Sinceramente, eu não me lembro... Mas talvez? — Ele
teve a displicência de rir.
Seu sorriso lindo irritou cada fibra do meu ser. Aquela
covinha, a barba de um dia que ele não barbeou, o ar de quem
dominava o mundo apenas por existir, sua presença... Odiei que
Rocco fosse o meu tudo: o primeiro, único e último.
Caminhei para longe dele, em direção à entrada, batendo os
saltos nos degraus até o hall de entrada. Rocco me agarrou por trás,
o braço firme, envolvendo minha cintura, imprensando minhas
costas em seu peito. Debati-me um pouco, mas sua respiração na
minha nuca, os pelos arranhando-me de forma bruta, conforme
esfregava o seu rosto em mim, e a sua mão espalmada no meu
baixo ventre, bem como o membro rígido entre as minhas nádegas,
pulsando contra o tecido fino do meu vestido deixaram-me fervendo
em outro sentido agora.
Um calafrio de raiva e luxúria perpassou em minha pele,
deixando-me arrepiada. Minha calcinha já estava completamente
molhada de toda a estimulação no carro. Não consegui conter o
gemido. Rocco me dominava, dominava meu corpo e alma. Eu lhe
pertencia, ele era o meu tudo.
Se nem quando a sua família, que me detestou desde o
primeiro segundo, podia nos ouvir dentro de um avião, ou quando
Cesare entrou naquele vestiário e nos pegou transando, eu resisti,
esse monte de gente desconhecida e vazia não tinha chance
alguma de me impedir de ceder a ele.
— Eu tenho um passado, mia vita, mas você é o presente e o
futuro. Vou te mostrar o quanto. Vou te comer aqui e agora e depois
vamos ficar nessa festinha de merda com você pingando a minha
porra entre as pernas. — Rocco girou meu corpo e me beijou.
Seus beijos tiravam minha sanidade, eu não conseguia
pensar quando ele colocava suas mãos em mim daquela forma.
Nossas línguas mesclando-se, acariciando-se, eram a onda perfeita
que droga nenhuma conseguia replicar.
Quando me soltou, eu já não lembrava sobre o que me
deixou chateada, apenas disse “sim”. Diria para ele em tudo o que
propusesse. Entrelacei meus dedos na sua mão de perdição, onde o
“lost” estava tatuado nas falanges e ele abriu porta atrás de porta de
um corredor, até encontrar algum quarto com uma cama.
Sequer chegamos ao pátio externo, onde a festa acontecia e
de onde o som alto vinha retumbando pelas paredes. Rocco fechou
a porta e retirou o paletó que detestava usar, mas que colocou por
minha causa, para me agradar, como sempre fazia. Seu cuidado
comigo era uma lembrança constante de que eu havia saído do meu
inferno, que ele nunca seria para mim o que meu pai foi.
Rocco era a minha paz na Terra.
Seus olhos selvagens me encararam, como se ordenassem
que eu fizesse o mesmo. Meu sorriso se agigantou ao vê-lo puxar a
camisa por trás da cabeça, ignorando os botões de sua camisa
social como se não aguentasse esperar para ficar nu e dentro de
mim.
As mangas ficaram presas aos seus punhos, rimos em
conjunto, como se bêbados de amor e felicidade genuína. Desci as
alças do meu vestido, revelando meus seios para ele, ao passo que
observava os mamilos dele com os piercings, e as tatuagens que
desciam do seu braço pela lateral das costelas.
Rocco não aguentou esperar que eu encontrasse o zíper
lateral para descer o vestido completamente. Encerrou a distância
entre nós com a sua mão possessiva em minha nuca e desceu com
a língua pela minha mandíbula até meu pescoço e esterno. A
respiração afobada atravessava minha pele como em uma sauna.
Então lambeu e mordiscou os meus seios, segurando-os juntos,
sugou os mamilos para o céu da boca, deixando-os rígidos e
inchados. Minha cabeça deitou-se para trás e um breve gemido
escapuliu de meus lábios.
— Se você tivesse um piercing em um deles, os deixaria
ainda mais lindos e sensíveis — murmurou contra a minha pele,
mas consegui escutá-lo. Não acreditava ser possível sentir mais
prazer do que estava sentindo com ele chupando meus seios
daquela forma.
A cada chupada ali, eu sentia o meu clitóris pulsar em
preparação, ansioso. Meu baixo-ventre se contorceu e minhas
pernas falsearam. Imaginava a boca dele em outro lugar e um
gemido choramingado, junto às minhas mãos em seus ombros,
empurrando-o para baixo, indicaram onde eu o queria.
— Pede, mia vita, o que você quer que eu faça com o seu
corpo gostoso?
Estremeci inteira com a sua voz rouca atravessando minha
pele e as dentadas que ele deu na carne ao redor dos mamilos.
Minha boceta se contorcia em si mesma, com espasmos tão
violentos que eu sentia como se pudesse gozar apenas por essas
ações.
— Me chupa, por favor, por favor.
— Eu fico fodidamente duro quando você implora assim! —
Girou meu corpo e me manuseou até a beirada da cama, onde subi,
de quatro, com a bunda empinada para ele.
Meu marido ergueu o meu vestido amontoando-o na minha
cintura e desceu a minha calcinha até os joelhos. Ergui uma perna
de cada vez, desesperada para que ele retirasse a peça. Minha pele
inteira sensível, onde quer que ele tocasse, eu incendiava. E ele
voltou a me torturar com a sua língua. Lambendo as minhas
nádegas, a fenda entre elas, então as abriu, passando a língua
desde o meu anel até a minha entrada. O tempo inteiro com a língua
suave e molhada.
Lento, torturante, pecaminoso e embriagado, coagindo-me a
implorar pela libertação.
Convulsionei para frente, perdendo um pouco o controle, mas
Rocco me segurou pelo vestido, mantendo-me de quatro e
obrigando-me a suportar a sua doce tortura. Ele chupava o meu
clitóris e o lambia simultaneamente, como eu fazia com ele ao
chupá-lo. Como ele me ensinara a fazer.
— Rocco, eu não aguento, por favor, me deixa gozar!
Seu polegar começou a esfregar meu ânus, e meu clitóris
pulsou ainda mais forte, entregue às investidas da sua língua
experiente. Ao escutar o som do zíper, quase agradeci a Deus em
voz alta. Ele me soltou por um instante, cuspindo na minha entrada
e eu o olhei sobre o ombro.
Rocco era magnífico, esguio, entalhado, tatuado,
descabelado, com os lábios brilhantes dos meus sucos e todo meu.
— Você vai gozar com o meu pau dentro de você, quero
sentir você me espremendo, vita. — Seu sorriso era a perfeição e
aqueceu meu coração, bem como fez minha boceta se contorcer
com a promessa de preenchimento.
Seu membro longo saltou, completamente enrijecido quando
ele desceu a calça e cueca até as coxas, as veias rígidas
mostravam quão pronto ele estava. Cuspiu na palma da mão e
espalhou no seu pau, subindo e descendo com força. Só a imagem
já me fez gemer outra vez. Ele apontou a cabeça inchada na minha
entrada, esfregando-a meu clitóris algumas vezes, enviando
choques de prazer por todo o meu corpo, depois enfiou de uma só
vez no meu canal, em uma estocada profunda.
— Eu queria filmar isso, porra! Você é linda demais
recebendo o meu pau, Gaia. Puta que pariu!
— Filma — gemi, sentindo-o inteiro dentro de mim. Apertei a
roupa de cama daquele quarto desconhecido. A devassidão de seu
pedido me deixou com ainda mais tesão sobre o que faríamos
agora.
Ele saiu por um instante de dentro de mim e pegou o seu
telefone no bolso. Deu-me mais uma chupada, agora filmando a si
mesmo com a cabeça entre as minhas pernas por trás. O celular em
suas mãos, direcionado para a minha parte mais íntima. A
perversão de fazer algo proibido com ele, deixou meu sangue
fervendo ainda mais. Era quase como se estivéssemos usando
drogas juntos.
— Deixa eu chupar você também — falei, ou gemi, e virei-me
na cama, sentando-me na beirada e segurando seu membro.
Os olhos de Rocco estavam em mim, o celular pegando a
lateral do meu rosto, mas a nossa conexão permanecia a mesma.
Ele dividia a câmera entre o meu rosto com o seu pau em minha
boca e o dele na máscara linda de prazer e seus gemidos graves.
Seu pescoço avermelhado, as sobrancelhas grossas unidas
do centro, os olhos semicerrados e os lábios entreabertos
delatavam o seu prazer que ficaria gravado para a posteridade. A
nossa forma de expressar fisicamente o quanto nos amávamos e
éramos apaixonados um pelo outro.
— Mete em mim, Rocco!
Deitei-me de costas na cama, as pernas abertas, e ele me
filmou inteira. Imaginei-nos depois, revendo o vídeo e transando
outra vez ao assistir o nosso próprio pecado. Enfiei dois dedos na
minha boca e me masturbei para ele, enquanto seu membro voltava
a me invadir.
— Você é tão apertada, vita, tão fodidamente apertada! —
Entregou o telefone na minha mão para que eu o filmasse.
Ele segurou minhas pernas para cima, lambendo meus
tornozelos, onde as sandálias ainda estavam presas, e eu o filmei
inteiro. Filmei seu corpo entalhado, as tatuagens e os mamilos com
os piercings, seu abdômen contraído e a forma como ele me
tomava: com força, entrando e saindo de mim, girando o quadril e
arrancando gemidos.
Filmei até não conseguir mais. Perdi o controle e deixei o
celular cair. Ele desceu o tronco, encaixando-se entre as minhas
pernas e voltando a chupar meus seios, fodendo-me com força.
Meus gemidos reverberavam pelo quarto, a sensação da minha mão
esfregando o meu clitóris, entre nossos corpos. Meus pés calçados,
trancados atrás da sua bunda, sentindo seus movimentos por dentro
e por fora, seu pau acertando-me naquele ponto dentro do meu
canal, o conjunto completo fez com que o orgasmo se construísse
rápido e eu gozei violentamente.
Mas Rocco continuou, continuou até gozar dentro de mim
para me deixar pingando sêmen durante toda a festa como
prometera.

Chegamos em casa bêbados e felizes. Não usamos


nenhuma droga durante a festa. Conseguimos resistir. Só que o
pelotão de fuzilamento Spada estava nos aguardando: Cara, Cesare
e Don Lorenzo.
— O que está acontecendo aqui? — Rocco fechou o sorriso,
olhando, apreensivo, para seus pais e irmão. Eram quatro da
madrugada, não era normal que eles nos esperassem.
Não avisamos a ninguém, mas estávamos com os
seguranças. Não havia motivos para aquilo. Principalmente, para
eles estarem em trajes que indicavam que sequer foram dormir.
Cesare, como sempre, vestia seu terno de três peças perfeitamente
alinhado, o terno do Don sem a gravata, mas com o paletó fechado
e minha sogra ainda estava sem a maquiagem de sempre como se
tivesse sido acordada e não tivesse se arrumado completamente.
— Onde está o seu telefone, Rocco? — A voz fria de Cesare
injetou sobriedade em mim.
Rocco bateu nos bolsos do paletó e nos da calça. Olhei a
minha pequena clutch onde levara o batom e o meu telefone, o dele
não estava lá.
O vídeo!
Não!
O telefone dele tinha o nosso vídeo!
O meu celular não parava de vibrar na minha mão, refletindo
a tremedeira que começou delas e logo se alastrou por todo o meu
corpo. Eu recebia notificação atrás de notificação.
Ao destravar o aparelho e olhar minhas redes sociais o
vermelho com o número máximo de notificações em todas elas me
deixou ainda mais alarmada. Minha pulsação era um incômodo, um
enjoo contínuo que eu queria que cessasse.
Abri uma rede social e vi que tinha aumentado
significativamente de seguidores, centenas de milhares. Centenas.
De. Milhares.
Na última foto, a primeira que postei com meu marido, havia
milhares de comentários falando sobre meus peitos, minha boceta e
de como eu gemia como uma vadia, como queriam gozar na minha
cara e dentro de mim e que Rocco fodia bem.
Não!
Humilhação varreu meu corpo, interrompendo meu fluxo
sanguíneo, meus ouvidos zumbiam como se houvesse alguém
apitando ao meu lado. Minhas vistas não conseguiam mais fazer
seu trabalho e deixei meu telefone cair sem sentir mais os meus
dedos. Eu estava dormente, gelada, vazia.
— Vita... — Rocco segurou meu rosto entre as mãos. —
Vamos dar um jeito nisso! Eu prometo!
Meus olhos se encheram de lágrimas, mal conseguia escutar
as palavras dele. Olhei para Cara Spada e Don Lorenzo com medo
do que veria ali. Porém, pela primeira vez, minha sogra não me deu
um olhar de ódio. Parecia piedade. E eu não sabia o que era pior.
Meu estômago retorceu como quando a onda do LSD
passava e eu me sentia miserável. Só que agora eu não tinha nada
para me entorpecer. O álcool que consumimos parecia prestes a se
rebelar contra mim em um enjoo que tinha mais a ver com a
vergonha do que com o efeito biológico.
— Os jornais não vão publicar. Já derrubamos o vídeo dos
sites pornôs mais famosos, e estamos trabalhando com alguns
hackers pela deep web, só preciso que você apague o vídeo da sua
nuvem, senão vai continuar aparecendo... É como enxugar gelo —
Cesare explicou.
— Centenas de milhares de pessoas assistiram! E se alguém
tiver salvado o vídeo?! — berrei, chorando copiosamente enquanto
catava o telefone com a tela rachada do chão, cortando meu polegar
ao deletar as minhas redes sociais.
A paranoia me agrediu quase fisicamente, imaginando que
meus pais tinham visto... ambas as famiglias haviam visto aquilo: a
mim, nua, com o pênis do meu marido na boca, masturbando-me
para ele, gemendo e implorando... sendo fodida como uma cadela
no cio.
Guilly e Grazzi, meu Deus!
Pensei em ligar para eles, mas a vergonha foi tamanha que
eu não consegui.
Meu cérebro bêbado não conseguiu me fazer correr a tempo
de ir para algum banheiro e acabei vomitando a minha vergonha na
frente da família que me detestava e sempre soubera que eu, além
de decepção, usuária de drogas, ainda era uma atriz pornô.
Eu envergonhara o sobrenome que havia recebido, assim
como o que eu ganhei ao nascer.
Jamais seria perfeita, e permanecia falhando.
Eu jogava gasolina no fogo que queimava a tudo como o
inferno.
CAPÍTULO 25

Gaia chorou até dormir, humilhada. Eu fiz umas carreiras


escondido dela para me manter acordado e cortar o efeito do álcool,
sabia o que me aguardava quando amanhecesse. Enquanto meu
pai e Cesare passaram a noite abafando o que aconteceu: tentando
impedir que o vídeo se espalhasse na internet; contratando hackers
para invadirem os computadores de todos os que visualizaram o
vídeo para que não houvesse mais traço dele pela internet —
embora soubéssemos que seria um trabalho eterno —; eu vim fazer
minha esposa dormir.
Fiquei orgulhoso que ela não pediu por drogas, cumprindo a
sua promessa a mim de que aquela seria a última vez que usaria.
Gaia era tão melhor que eu. Sua palavra valia muito mais que a
minha.
Jamais apagaríamos a memória das pessoas que a viram
nua, mas eu faria o impossível para que a vergonha que a corroía
não fosse um peso em seu coração tão jovem. Não me importava
com a minha exposição, apenas com a dela. Eu era acostumado a
ser motivo de fofocas e desprezo, mas não ela. Ela nunca, porra!
Que porra eu estava fazendo com a vida de Gaia?
Não foi a minha intenção que algo assim acontecesse. Devo
ter esquecido o telefone no quarto que invadimos e algum
empregado daquela mansão o encontrou. Eu descobriria e mataria o
infeliz. Só que o estrago estava feito. Mais uma vez, eu era algo que
a minha família precisava manejar como resolver: minha
irresponsabilidade, impulsividade e burrice.
Mais uma vez, machuquei Gaia.
Jamais seria o paraíso dela, eu era o seu inferno, seu
demônio pessoal, corrompendo-a e transformando-a em algo
deturpado como eu. Amar a mim era nocivo. Até quando eu
pretendia fazer o bem, o mal nos encontrava.
— Como ela está? — Mamma me deu uma xícara de café
quando me sentei à bancada da cozinha.
Cara Spada era uma esposa italiana tradicional, arrumada
para sair, mesmo que fosse ficar em casa. Ela não cozinhava
sempre, mas sua cozinha não era um enfeite apenas para os
empregados utilizarem. Muitos dos nossos bolos de aniversário
enquanto crianças foram feitos por ela. Mamma gostava de cuidar
da casa e sua grande família. Motivo pelo qual ela e Donna viviam
brigando.
Minha irmãzinha odiava que minha mãe não tivesse um
emprego, eu a entendia. Era a vontade dela. Meu pai não a impediu
de nada. Cara Moretti foi criada para se tornar a esposa do Don,
Cara Spada, uma matriarca italiana — com cidadania americana.
Por isso, ela não dormiu, virou a noite acalmando meu pai, estando
presente nos momentos de crise, e preparando o café da manhã
que eu não tinha estômago para comer.
Sua expressão de pesar era sincera. Ela não acusou Gaia de
nada, mas seu olhar agora me dizia que ela encontrava formas de
me perdoar e apontar outros culpados pelas minhas ações. Era o
modus operandi da família Spada. Proteger o herdeiro de si mesmo.
— Foi minha ideia, minha culpa, Ma... Pare de detestar a
minha esposa — pedi e ela me encarou sob os cílios maquiados ao
levar a sua xícara fumegante à boca e assoprar. — Eu sou um
péssimo marido para ela, Gaia é muito nova. Ela tem a idade de
Donna, tenta entender.
— Donna não te colocaria em tantos problemas, Rocco. Eu
sei que ela é jovem... Este casamento não deveria ter acontecido.
Eu deveria ter escolhido uma noiva inteligente para você, alguma da
nossa famiglia. Parece que eles fizeram de propósito, mandaram a
mais despreparada...
— Eu escolhi, Gaia, mamma! Eu, não vocês ou eles. E não
fale dela assim! Gaia é a minha felicidade! — interrompi-a,
enfurecido.
Ouvi-la falar mal de Gaia fez a minha linha interna oscilar
para cima e eu precisava me controlar para não explodir como uma
bomba na cara da minha mãe. Comecei a apertar os dedos nas
falanges como se para retirá-los do lugar, para sentir dor e
direcionar a fúria para algum lugar que não a mamma.
Porra!
— Fale baixo com a sua mãe! — Papá entrou na cozinha
acompanhado de Cesare. Os dois prontos para o dia, em ternos
escuros, compostos, enquanto eu vestia minhas roupas de sempre:
camisa, jeans e a jaqueta com as mangas puxadas para cima.
Como eles não viam que nós éramos de espécies diferentes?
— Desculpa, Ma. — Olhei para Cesare enquanto falava,
buscando por calma e tranquilidade nele.
Tudo em mim estava desordenado. Privado de sono, irritado,
humilhado e desesperado por aprovação merecida. O roteiro da
minha vida inteira. Olhar para Cesare era bom e ruim
simultaneamente, ele era o meu objetivo na vida, também o
parâmetro que eu jamais alcançaria.
Meu gêmeo parecia cansado, com olheiras sob os olhos,
como as minhas, só que até nisso, divergente. Diferente de mim,
Cesare não se drogava para aguentar a privação de sono. Talvez
estivesse sem dormir desde que foi me buscar na clínica, dois dias
atrás.
Em dois dias eu já havia fodido as coisas novamente. Eles
deveriam me jogar em alguma cela, onde eu não pudesse fazer mal
a ninguém a não ser a mim mesmo. Agora eu tinha Gaia chorando
até dormir, minha família decepcionada e mais uma vergonha.
Por dentro, meu sangue corria em todas as direções,
dolorido, como se não soubesse fazer seu trabalho, minhas mãos
estremeciam em um frio repentino, visível e risível. Um suor nojento
começou a se formar em minha testa e a linha desceu
progressivamente, em uma curva côncava.
Eu era um fodido de merda!
Precisava de mais umas carreiras para focar em não
enlouquecer, o nó na boca do estômago e a vontade de vomitar o
que eu sequer tinha ingerido eram as piores sensações.
A cocaína não segurava mais a minha necessidade de
autocontrole.
Saí da cozinha e fui para um lavabo no corredor, colocando o
pó na mão, entre o indicador e o polegar, e cheirando até acabar
com o papelote de uma grama que estava no meu bolso. Encarei-
me no espelho, meus olhos arregalados e alucinados, meu nariz
sujo de pó como se eu tivesse chafurdado na merda, as narinas
avermelhadas, feridas, de tanto cheirar.
A imagem do fracasso.
O gêmeo errado!
Lavei o rosto e passei a mão molhada pelo cabelo tentando
me aprumar. Cesare bateu na porta do banheiro e abriu sem
aguardar autorização. Olhar a sua imagem no espelho era apenas a
confirmação de todos os meus pesadelos acordados.
Não era possível que alguém em sã consciência escolhesse
a mim ao invés dele. Raiva tornou a escalonar, uma vontade de fugir
de desaparecer me dominou. Seria tão mais fácil para todos se eu
simplesmente sumisse.
— Temos um encontro com os Capos agora. Vamos, Rocco.
Dê descarga no que tiver sobrado, e mantenha a boca fechada,
papá já está no limite — falou e eu segurei o mármore da bancada
até as mãos doerem.
A linha não estava descendo, a cocaína não me deixou
concentrado, não equilibrou. Eu me sentia em combustão como uma
fornalha, onde algum sádico abastecia com carvões já
incandescentes.
Cesare me olhou de cima a baixo, na certa medindo se eu
estava em condições para ir a uma reunião. Nós sabíamos que a
resposta era não. Contudo, eu nunca tinha opção. Ele poderia não
comparecer, mas eu não. Eu nunca. Como herdeiro, tinha que estar
lá e aguentar aquele bando de gente que sempre me julgava. Todos
estavam certos. Eu não deveria ser o herdeiro.
Só de comparecer, já envergonhava meu pai.
— Vou fazer o meu melhor para me comportar como uma boa
moça. — Trinquei os dentes odiando ser aquele a carregar a coroa.
Cesare era o certo, ele era o filho perfeito para o cargo.

Só quando chegamos ao encontro que eu entendi do que se


tratava. Chacal e Diego Herrera, com seu bando de sicários[29]
vieram para a reunião. Esta era mais uma das reuniões em que
papá tentava fazer alianças. Sempre suas alianças...
Os mexicanos eram os nossos fornecedores de armas e
drogas por anos, mas não precisavam ser. Embora eu tivesse fodido
tudo com a BRATVA do Sul, de Igor Malkin, havia outras fontes. E
eu ainda estava atravessado com Diego pelo que seu cão de briga
havia feito comigo naquela gaiola em Tijuana.
Entrei com meu pai e Cesare, os outros já estavam reunidos
lá dentro, cochichando como moscas sobre uma fruta podre. Meu tio
Bruno, o Capo de San Francisco, ofereceu-me um olhar de
repreensão. Seria risível, se não fosse o momento. Os filhos dele
não eram melhores do que eu. Nicolo Grasso, de Seattle, trocava
figurinhas com Tiziano De Stefano, o filho da puta que achava que
Vegas era maior que L.A.
Grasso podia ser primo do meu pai, mas não havia amor ali,
assim que farejasse sangue, ele atacaria a carcaça como uma
hiena. Eu era a fraqueza exposta de papá e as outras ‘Ndrine
podiam farejar o sangue Spada. Só de pensar que eles estavam se
amotinando contra meu pai, a pulsação retumbou em meus ouvidos
e meus punhos fecharam.
A tensão dos meus músculos ficou evidente, também os
tiques da minha mandíbula trincando, demonstrando a todos que eu
estava tão cheirado como quanto qualquer viciado de merda para
quem eles vendiam seus produtos. Minhas omoplatas se uniram
com a crise em meu corpo se alastrando como uma praga. Cesare
tocou minha mão com dois dedos, mas eu já estava muito além do
que seu adestramento podia fazer.
— Don Lorenzo, é um prazer vê-lo pessoalmente, ainda mais
depois do ocorrido entre as nossas famílias — Chacal
cumprimentou meu pai e os olhos de todos focaram na arrogância
do líder da família que havia conseguido isolar a fronteira mexicana
com os EUA.
Depois que Diego conseguiu, de alguma forma, armar para o
antigo babaca que fazia tráfico humano no México e cortou a linha
com os antigos Pakhans do Sul — antes de Igor Malkin unificar tudo
—, os Herrera ficaram muito poderosos e proporcionalmente
arrogantes.
— Depois que eu fui desrespeitado por um babaca qualquer,
você quer dizer! — rosnei para Chacal enquanto ele ainda apertava
a mão de papá.
— Rocco — Cesare me chamou, colocando-se ao meu lado.
— Depois que você desrespeitou meu irmão. — Chacal virou-
se para mim, soltando a mão do meu pai e Diego pairou ao seu
lado.
Eu e o babaca nos encaramos. Seus olhos enviavam adagas
na minha direção. Ele também não estava disposto a deixar para lá
como havíamos sido ordenados a fazer. Por mim, podíamos resolver
aqui e agora.
— Rocco — Cesare tentou me acalmar, segurando meu
ombro desta vez.
Só que não adiantou. O relógio virou para zero no cronômetro
da minha bomba interna e o sorriso debochado no rosto de Diego
fez a linha subir transversal e meu ódio tomou posse. Segurei a gola
da camisa do mexicano e o sacudi. Ele era pelo menos uma cabeça
mais baixo que eu, embora fosse parrudo.
— Eu só disse a verdade, que ele gosta de pau! Não é
segredo para ninguém! — Ri, insano, depois de dizer as palavras.
Assim que terminei de falar, Diego armou um soco com uma
velocidade impressionante e me atingiu bem no queixo com um
gancho de direita tão forte que pareceu que eu havia quebrado
todos os dentes inferiores. Dor explodiu outra onda de adrenalina
furiosa em minhas entranhas.
Na sequência, eu o acertei um soco no olho, os ossos da sua
face fizeram as minhas juntas arderem, a sensação da minha pele
se rompendo junto a dele e o sangue pulsando na euforia de luta me
deixaram como um fio desencapado.
Fomos separados antes de fazermos mais danos um no
outro. Cesare envolvia meu tronco, pronto para me dar um mata-
leão se eu não me acalmasse enquanto eu ainda me debatia.
— Eu vou te matar, seu filho da puta! — urrei, sendo afastado
de Diego.
Todos os homens presentes se levantaram, dividindo-se em
dois grandes grupos ao redor da mesa. Notei que De Stefano e
Grasso não vieram para o nosso lado. Eles ficaram no meio, como
se quisessem demonstrar que não tomariam partido. Perdi a cabeça
completamente, xingando-os e querendo avançar naqueles dois
traíras do caralho. Papá berrava que me removessem do local antes
que eu fizesse mais estragos.
Tino apareceu e auxiliou Cesare a me levar para fora do
prédio onde a reunião acontecia. O mesmo prédio onde, anos antes,
havíamos nos encontrado com aquele desgraçado do Velacchio.
Aquele local de reunião era maldito. Nada dava certo ali dentro ou
talvez fosse a minha presença.
— Que merda você pensa que está fazendo?! — Valentino
segurou a minha jaqueta e me sacudiu. Tentei socá-lo, atormentado
e descontrolado, mas ele segurou meu punho, transformando meu
soco em uma chave de braço e me prendeu em um mata-leão.
Tino era grande pra caralho, embora o meu ódio desmedido
fosse páreo para o seu tamanho, a raiva dele neste momento foi
suficiente para me conter.
— Tino — Cesare o chamou com a voz gelada, tentando
conter quem tinha mais chance de conseguir êxito. Se nós dois
perdêssemos a cabeça, Cesare não teria como parar a nós dois.
Valentino o ignorou e me levou, arrastado, para dentro do
carro, um dos SUVs blindados com os quais andávamos pela
cidade. Jogou-me no banco de trás como se eu fosse um
delinquente e ele a polícia.
Bateu a porta com tanta força que se o vidro não fosse
blindado, teria trincado. Do lado de dentro do veículo e das minhas
entranhas, eu me debatia no banco, ainda sentindo a dor
reverberando nas minhas juntas dos dedos e no queixo. Do lado de
fora, Tino tinha uma conversa acalorada com Cesare.
Bom, acalorada da parte de Valentino Bonetti, porque meu
irmão apenas passou a mão no cabelo reposicionando-o no lugar e
moveu os lábios com tranquilidade, respondendo a um Tino de veias
saltadas no pescoço e andando de um lado para o outro.
Logo em seguida, o pelotão dos Herrera deixou o prédio,
entrando em seus carros e foi embora cantando pneu. Por mais que
eu ainda estivesse com ódio, a paranoia da culpa e do looping
infinito de questionamento começava a se formar na minha mente.
Por que eu fiz aquela merda?
Por que não fiquei calado como Cesare mandou que eu
ficasse?
Por que eu não sabia sequer obedecer? Por quê?
Porra, porra, porraporraporra!
Olhei o meu reflexo no vidro, meus olhos ainda alucinados da
coca, mas eu precisava de outro tiro. A culpa era demais, além da
raiva que digladiava por seu espaço na minha mente fodida.
Pulei para o banco do motorista e girei a chave que Tino
havia deixado na ignição com o ar-condicionado ligado. Eu
precisava de algo mais forte, algo desfazer a confusão que eu era.

Senti quando Tino me jogou sobre os ombros, atravessando


meu corpo em suas costas e prendendo um braço e uma perna
minha à frente do seu pescoço como se fosse um bombeiro.
Eu não havia exagerado desta vez, foi só um pico. A heroína
tinha a onda rápida, mas efetiva. Ela zerou a confusão mental,
apagou a minha bagunça interna e colocou a linha de volta ao lugar,
plana como se houvesse um nível medindo a angulação perfeita.
Meu corpo não estava presente e a minha mente finalmente
ganhara a paz que eu precisava. Eu flutuava em um mar de
insensibilidade que buscava desde que comecei a me entender por
gente.

— Descobre quem vendeu H[30] pra ele. Eu o quero morto,


Nero. Use a sua imaginação. E espalhe a notícia: ninguém em L.A.
deve vender nada além de coca para Rocco Spada ou nós vamos
retaliar. Pesado.
Eu sequer conseguia pedir para eles não fazerem isso, minha
boca jazia flácida, minha mente era uma piscina de paz e felicidade
comprada. Neste momento, nenhum problema podia me atingir,
nenhum sentimento além de plenitude e entorpecimento eram
sentidos. A minha vida não valia nada e ao mesmo tempo, tudo.
— Leva ele para casa, Tino, a mulher dele vai tomar conta
por hoje. Eu tenho problemas para resolver com o Don. — Cesare
deu as ordens e consegui escutar passos se afastando. Certamente
Nero e o seu bando.
Meu gêmeo passou a mão no meu cabelo, quase como uma
carícia, mas bruto, como a raiva que ele sentia de mim por me
arriscar. Ele estava tentando que eu focasse meus olhos nos dele,
só que tudo o que eu via era a minha versão perfeita, o que eu
buscava em subterfúgios, até me entorpecer e me tornar patético.
— Amanhã... Conversamos amanhã.
Eu não queria que houvesse amanhã.
As pupilas dele se dilataram ao ler minha expressão. Não
precisei dizer nada, no entanto, Cesare sabia. Ele era a minha outra
metade e me conhecia, talvez mais que eu mesmo. Meu gêmeo
sabia que eu preferia não existir.
CAPÍTULO 26

Rocco chegou em casa carregado outra vez. Cesare tentava


não demonstrar, mas ele ficava furioso. As veias dos braços de
Rocco estavam feridas. Ele usou o mesmo que Charlie e Kate
usavam e que eu tinha medo: heroína.
Elas persistiram em manter a amizade após o ocorrido, mas
isolei-me socialmente depois que o nosso vídeo de sexo foi exposto.
Ficava trancada na mansão, esperando que ele voltasse para casa
e cheirando como nunca. Sentia as minhas narinas feridas, meus
nervos estavam sempre ansiosos e a onda durava cada vez menos.
— Vira ele de lado, não o deixe morrer. — A fala intensa de
Cesare me manteve alerta.
Ele não olhou para mim nenhuma vez, sua preocupação
voltada completamente para o irmão. Cesare tinha olheiras
profundas, estava um pouco mais magro do que o normal, assim
como Rocco, que vinha perdendo peso consideravelmente.
O gêmeo soturno sequer se importou com os papelotes de
cocaína expostos na mesa de cabeceira e algumas carreiras
prontas para serem consumidas assim que ele saísse. Ele sabia que
me manteriam acordada para velar o sono autoinduzido pela
heroína correndo nas veias de seu irmão.
Assistir à autodestruição de Rocco nesses meses em que
estávamos casados era realmente duro. O amor da minha vida se
culpava por tudo e descontava em si mesmo, castigando-se
pesadamente. Não sabia o que fazer e, apesar de todo o seu
desprezo por mim, Cesare Spada era o único que me compreendia.
Era em seus ombros que jazia o maior peso sobre o seu gêmeo
mais velho. Ele amava Rocco tanto quanto eu. Dependia dele tanto
quanto eu.
Meu cunhado estava segurando ambas as marés cheias
sozinho. Seu irmão e Los Angeles em pé de guerra. Depois que saiu
da clínica, Rocco arrumou ainda mais problemas com outras máfias
e entrou em alguma espécie de espiral de autossabotagem no qual
eu não conseguia alcançá-lo. Tudo isso equilibrado em uma corda-
bamba que provavelmente exauria Cesare. Além dos russos, agora
os mexicanos estavam atrás da famiglia calabresa por algo que
Rocco fizera.
— Não vou deixá-lo, Cesare, pode confiar.
Não houve resposta, meu cunhado apenas saiu do quarto
deixando-me para cuidar de Rocco. Sentei-me na cama ao seu lado,
acariciando seu rosto, pelo qual eu era extremamente apaixonada, o
que me fez amá-lo desde os meus quinze anos. Ele podia tentar
converter-se em outro, fugir de si mesmo, mas sua essência era a
mesma.
— Eu te amo tanto, Rocco, tanto... Volta para mim, amore
mio, por favor. Não posso passar por tudo isso sem você. Não
consigo viver sem você... Não se perca de mim. — Acariciei a testa
com o suor gelado. Meus olhos marejaram e lágrimas caíram sem
piedade, ardidas, partindo-me aos poucos, como se cada gota
jorrada formasse outras milhares em seu lugar.
— Não chora, vita mia — murmurou, despertando um pouco
e se colocando em uma posição parcialmente sentada. — Quem foi
que te contou?
Estranhei sua pergunta e me aproximei dele imaginando
diversas coisas. Ele havia me traído, ficou com outra mulher e
estava me escondendo? Uma fúria incineradora subiu pelas minhas
vísceras, queimando meu coro e secando as minhas lágrimas na
mesma velocidade em que elas se formaram.
— Quem me contou o quê, Rocco? O que você fez?! — A
urgência em minha voz o colocou em alerta. O máximo que ele
conseguia ficar, ainda sob o efeito das drogas.
— Eu não fiz nada! Por mim já tínhamos matado seu pai
fodido! Se não fossem aqueles Rigori desgraçados, ele já estaria
morto pelo que fez com você. — Segurou meu rosto entre as mãos,
mas elas tombaram de volta para seu colo, sem forças, as pupilas
quase fechadas. Ele tornaria a desmaiar. Segurei seu rosto, batendo
em sua face para fazê-lo me responder, para que me contasse o
que havia acontecido.
— Do que você está falando, Rocco? — Meu coração
congelou de medo instantaneamente.
— Tony machucou a sua irmã para conseguir a atenção do
Rigori... Eu briguei com meu pai. — Um ofego choroso, culpado. —
Sei que você ama Graziella... Sinto muito, vita.
— É o quê?! — Afastei-me dele, assustada. Senti as
palpitações na minha garganta como se pudesse vomitar meu
coração. — O que aconteceu com ela? Você sabia que meu pai
faria isso?
Foi a primeira vez que olhei para Rocco com raiva e talvez
isso o tenha despertado um pouco mais, mesmo assim ele não
conseguiu se levantar da cama, ainda muito drogado. Rastejou de
lado, puxando os lençóis, sem forças para chegar até mim. Era
excruciante vê-lo daquela forma, mas era Grazzi do outro lado.
Tudo o que ele conseguiu fazer foi murmurar milhares de
desculpas como em nosso casamento. Como quando me fizera
prometer perdoá-lo de tudo.
A promessa valeria para este tipo de coisas? Para que ele
tivesse passe livre para machucar minha família, meu sangue?
Tentei não sentir o que estava sentindo, o desolamento que
me abateu, a nuvem negra carregada de julgamento para Rocco,
pela primeira vez. Ele sabia, mas foi fraco para se impor, ou não se
importou o suficiente com a minha dor, com a minha família, como
eu me importava com a dele.
Imaginava que eles retaliariam o fato de terem roubado a
noiva do herdeiro, mas jamais esperei que o fizessem em Graziella.
Muito menos que receberiam ajuda do meu pai, a pior pessoa.
Os Spada não me viam como família, isso eu já sabia. Mas
Rocco era tudo o que eu tinha. Desde que eu me casara com ele,
alienei-me da minha família, deixando de responder às mensagens
de Paola e raramente respondia a Guillermo. Grazzi então... Eu
estava completamente sozinha, acreditando que Rocco seria o
suficiente, mas se nem ele lutaria para me poupar, eu não tinha
ninguém.
— Como você pôde? — Fui me afastando dele com meus
músculos liquefeitos e sem forças. Vi sua expressão assustada,
compreendendo que eu o culpava.
— Não fui eu, Gaia... — Tentou se levantar, mas seu corpo
pesou e bamboleou, até que ele tornou a cair deitado e eu o odiei
por sua fraqueza naquele instante.
A fraqueza dele causava a minha dor, a de Graziella. Ele
poderia ter impedido se tivesse se imposto sobre as vontades do
pai. Rocco se impunha contra o pai para usar drogas, para provocar
guerras, mas não sobre as decisões da famiglia. Como ele seria o
Don se não tivesse voz ativa nas decisões? Ele era o Capo de Los
Angeles e agia como um menino mimado, um soldato de Cesare,
seguindo o irmão e não o contrário.
Se ninguém me defenderia, eu teria que fazer por mim
mesma. O que de pior eles poderiam fazer comigo? Até Rocco, os
Spada estavam tirando de mim.
Saí do quarto com lágrimas raivosas manchando minha
visão, indo direto para o escritório da casa. Todo o meu corpo tremia
em fúria e dor, fechei o agasalho que coloquei para dormir e ajeitei
meu cabelo bagunçado antes de enfrentá-los.
Encontrei Don Lorenzo, Nero e Cesare reunidos dentro do
aposento. Ainda não havia entrado ali, mas parecia com o escritório
do meu pai. Não me deixei abater pelas memórias ruins, eu não me
silenciaria quando a vida de Grazzi corria risco. Eles podiam me
maltratar, me colocar em uma posição de insignificância, mas não
fariam aquilo com o meu sangue.
O mais jovem Spada, de pé, próximo a porta, com os braços
cruzados, focava a janela e ignorou a minha entrada intempestiva.
Cesare, sentado com a perna cruzada, o tornozelo sobre o joelho,
virou o rosto, dando-me parte de sua atenção e Don Lorenzo com
uma cânula de oxigênio no nariz, atrás de sua mesa de madeira
escura, olhou diretamente para mim.
A visão do patriarca Spada tão evidentemente fragilizado me
fez perceber que apesar de ter a idade de meu pai, sua saúde
estava muito prejudicada. Ele deveria ter passado o bastão para
Rocco, mas aquele menino-homem, que era uma poça de confusão
sobre a nossa cama, não tinha condições de assumir seu posto,
ainda mais quando todos os problemas que a ‘Ndrangheta
enfrentava neste momento eram culpa de suas ações nos últimos
meses.
Meu peito se apertou em um nó, quase não consegui abrir a
boca, então lembrei-me de que Graziella estava machucada e eles
sabiam. Eles concordaram...
— Como vocês puderam fazer a vingança de vocês em
Graziella?! É assim que são os calabreses?! — berrei em um choro
sentido e vi os olhos de Don Lorenzo se fecharem e ele soltou uma
respiração pesada, parecendo culpado. — Depois vocês me
acusam de envergonhar o nome que ganhei, mas pelo visto, eu sou
a melhor de todos aqui, porque, mesmo que vocês me odeiem, eu
jamais os machucaria desta forma! Graziella é meu sangue! — Bati
no peito e o som oco reverberou no ambiente silencioso. — Vocês
fizeram um acordo com o meu pai?! Deixem-me contar para vocês
quem é Anthony Velacchio: um estuprador, abusador e um homem
fraco! Meu pai estupra a minha mãe desde o dia do casamento! Ele
batia em nós por ser um sádico, estúpido... — Minhas palavras
foram perdendo a força ao lembrar das surras por coisas medíocres,
para as quais sermões e reprimendas teriam sido suficientes. — Ele
é... ele é uma víbora que vai morder a mão de vocês se a
estenderem.
Ao observá-los, agora com total atenção dos três, pensei se
valia a pena o esforço de continuar falando. Imaginei que se eles
faziam acordos com homens como meu pai, minha “nova família”
não era muito melhor.
— Ninguém estendeu mão alguma para o seu pai. Ou o
Rigori vai descobrir o que ele fez e matá-lo, ou nós o faremos, assim
que ele acabar. Você será vingada de uma forma ou de outra —
Cesare respondeu e eu pude ver que, pela primeira vez desde que
eu entrara na família, ele finalmente parecia me dar alguma
atenção. — Você é uma Spada, desde que eu fui à sua casa te
conhecer no lugar do meu irmão. Ele não devia mais ter batido em
você. Eu falei aquele dia e volto a repetir: vamos resolver. Seu pai
não vai viver por muito tempo, pode ficar tranquila.
Ainda que ele soasse sem emoção e calmo, algo sujo e
obscuro vibrava em seus olhos. Como um animal enjaulado. Dentro
de mim, minha ira gostou de imaginar Cesare trucidando meu pai. A
fama dos irmãos do meu marido os precedia. Cesare “Rude” e Nero
“Psico” torturariam meu pai como ele merecia. Ou isso ou Vito, o
açougueiro de Nova Iorque, faria.
Meu pai morreria dolorosamente e eu não conseguia sentir
nada além de ansiedade por isso.
— E Graziella, o que ele fez com ela? — Foquei toda a minha
atenção no gêmeo sombrio, buscando sobriedade como Rocco fazia
quando se sentia perdido.
— Ela foi atacada na faculdade. Está hospitalizada, mas não
é nada grave, vai ficar tudo bem. E nós não sabíamos que era parte
do plano dele machucar a sua irmã.
Puxei o ar com força, abraçando minha cintura por equilíbrio.
Queria agradecer por Cesare ter se importado o suficiente para me
dar qualquer explicação, só que o olhar dele já estava de volta no
pai, ignorando-me outra vez.
— Vai para a cama, menina. Mas não ligue para a Graziella
Rigori... o caso foi abafado, não era para você saber de nada disso
— Don Lorenzo ordenou com a voz soando frágil e rouca demais.
Não era para eu saber...
Ele devia ter ordenado que Rocco escondesse o ocorrido de
mim e o fato de eu ter vindo confrontá-los era mais um indício do
despreparo do meu marido.
Esconder de mim foi o que gerou os gatilhos de sabotagem
em Rocco. Por isso meu marido precisou fugir de si mesmo e usou
heroína outra vez. Ele se viu em uma situação de conflito por me
esconder segredos e sabia que a informação me magoaria.
Eu era mais uma fraqueza para o herdeiro.
A expressão do Don não era de culpa, era de decepção.
Rocco não podia ter feito nada por Grazzi, mas ele foi contra sua
família, contra seu Don por mim.
Ele me amava.
Culpa por ter sentido a raiva que senti dele me invadiu e me
vi outra vez armada para defender aqueles a quem eu amava.
— Rocco também é meu sangue e eu sou o dele. Não o
coloquem nesta posição novamente, não se coloquem entre nós se
não quiserem quebrá-lo ainda mais — anunciei, convicta, em defesa
de Rocco, limpando minhas lágrimas e fungando. Ganhando a força
que jamais tive para defender a mim mesma.
Don Lorenzo apenas assentiu e me deu um breve sorriso,
dispensando-me com um aceno de mão.
Sai do escritório e voltei para o quarto, encontrando Rocco
puxando as carreiras de cocaína que eu deixei na mesa de
cabeceira. Meu coração se partiu e eu fui para seus braços,
impedindo-o de continuar.
— Desculpa, vita. Eu tentei falar, mas não consegui. Eu ia
atrás de você, só precisava me colocar de pé novamente. — Limpou
o pó do nariz, prendendo as narinas avermelhadas para fazer
passar a ardência da coca.
— Eu prometo não me perder de você. Você nunca precisará
ir atrás de mim, eu estou ao seu lado. Para sempre, Rocco. — Seus
olhos alucinados tentaram focar nos meus enquanto eu acariciava
seu rosto e o olhava com todo o amor dolorido que sentíamos um
pelo outro.
Ele era o meu paraíso e eu o seu fruto proibido, a sua
fraqueza, que o estava levando a cair ainda mais.
Passei a mão na cocaína que restou e desfiz as duas fileiras
que restavam, jogando o conteúdo dos últimos papelotes na pia.
Precisávamos parar de cair.

Todo o meu corpo doía. Já fazia alguns dias que eu havia


decidido parar de usar drogas e Rocco ficou comigo o tempo todo,
embora ele não estivesse sentindo os efeitos da abstinência como
eu, ou seja, ele não havia parado.
Racionalmente, sabia que seria impossível nós dois
passarmos por aquilo juntos, sem intervenção médica, e quando eu
estivesse bem o suficiente, conseguiria fazê-lo parar
definitivamente. Contudo, meu cérebro agonizante o culpava pela
minha dor e por não a sentir comigo.
Era a serpente entre nós tentando nos separar.
Ele me amparava quando eu precisava vomitar, dava-me
banho, aturava meus destemperos, meus choros e gritaria
implorando por um tiro, e depois dizia o quanto se orgulhava de mim
por fazer aquilo. Prometia que já estava acabando, que eu me
sentiria melhor em breve, mas eu ainda sentia muitas dores, era
como se minha vida estivesse no fim.
Nada melhorou quando Guilly apareceu fugido em Miami.
Ele me contou o ocorrido, como fora manipulado por papá a
acreditar que Vito maltratava Grazzi, baseando-se em informações
de Luciano Santorini, o filho do Consigliere de Don Salvatore, que
fora assassinado.
Anthony Velacchio quase conseguiu levar o plano a cabo,
assassinando o Don em um atentado a todos os Rigori de uma só
vez e vendendo Graziella para Luciano. Entretanto, Vito não morreu
no ataque armado contra ele e nem seu irmão mais velho, o
crudelle. Guillermo chorou muito ao me contar o que Luciano fizera
com Grazzi e que ele precisou fugir para ajudar nossa irmã.
Seu rosto estava todo arrebentado da surra que meu pai
havia mandado darem nele antes que ele fugisse e entregasse a
localização deles para Vito Rigori, que encontrou Graziella e matou
papá. E eu fiquei extremamente surpresa com a notícia que Rocco
ofereceu, de que a própria Grazzi havia matado o braço direito de
seu marido, que tentou estuprá-la.
Fiquei surpresa, mas não deveria. Grazzi sempre foi a mais
forte de nós, mais até que Paola que era grosseira e desbocada
como um made man.
— E a mamma e Paola, Guilly? — A ansiedade em minha
voz alertou Rocco e ele se aproximou, segurando meus ombros em
um aperto de conforto.
Nós três estávamos na sala interna da minha ala com Rocco
na mansão. Eu não via os outros Spada desde o dia em que Grazzi
fora machucada na faculdade. Agora minha mãe e prima eram parte
da família traidora da Cosa Nostra, ser um Velacchio significava ter
um alvo na testa. E os sicilianos não perdoavam.
Vito mandaria matar a mãe de sua esposa?
Guillermo enfiou as mãos no cabelo, bagunçando-os,
claramente atormentado. Ele era apaixonado por Paola desde que
ela viera morar conosco. Para livrar Graziella, ele teve que fazer a
escolha de deixá-la para ser alvo da ira siciliana.
— Vito não vai matá-las... Elas serão reféns até que
Guillermo faça algum movimento. Mesmo o açougueiro sabe que
elas são um trunfo, matá-las agora seria burrice. — Rocco tentou
me tranquilizar, mas o “ainda” suspenso em sua fala me deixou
aflita.
Guilly também ouviu o complemento que faltou, pois me
encarou e eu soube que ele se sentia da mesma forma. Aquele “até
quando?” pendia sobre nossas cabeças.
Dependíamos da sobriedade do açougueiro para que o nosso
sangue não fosse derramado. Não conseguia imaginar que espécie
de vida mamma teria agora, livrando-se de seu agressor, mas sendo
colocada no fogo ainda assim. E Paola? Eles sequer a poupariam?
Ela não era uma Velacchio.
— Grazzi vai...
— Grazzi é uma Rigori agora, Gaia — Guilly me interrompeu
e eu me ergui, irada.
— Ela não vai deixar que ele mate a nossa mãe! — Só que
ao dizer as palavras, eu mesma fiquei em dúvida. Grazzi detestava
a mamma. — Nem Paola. — Cocei o braço, o corpo inteiro
pinicando por um tiro.
Duas carreiras e tudo isso acabaria. Toda essa dor e meu
desespero. A vontade de me entorpecer e fazer passar foi imensa.
Como se vozes me dissessem que aquilo era quem eu realmente
era: a fraca, que precisava encontrar saídas fáceis. Como uma maré
violenta que subia repentinamente, a ânsia pela droga me invadiu,
dominando todos os meus pensamentos.
Rocco me abraçou por trás, murmurando um “está tudo bem”
baixinho no meu ouvido. Ele conhecia a sensação, era como se
lesse a minha mente.
— O que está acontecendo com você? — Guillermo
questionou, observando meu comportamento e então pareceu
compreender, olhando furioso para Rocco.
— Não se meta! — Apontei meu dedo para meu irmão mais
velho.
— Você está usando drogas?! — Guillermo questionou a
mim, olhando para meu marido e levantou-se com os punhos
fechados.
Meu irmão e marido tinham a mesma estrutura corporal,
entretanto Guilly estava todo machucado e eu já vira Rocco lutando.
Não queria que Guillermo se ferisse.
— Não é da sua conta, Guilly. Não esqueça que está
recebendo abrigo desta família sem nada a oferecer em troca. —
Fui severa para que Rocco não precisasse ser e partisse meu
coração no processo.
Se fosse ele a ameaçar Guilly, eu não imaginava como me
sentiria, então não nos permiti entrar em uma situação como aquela.
Só que, para isso, tive que magoar meu irmão, meu sangue. O olhar
magoado de Guillermo na minha direção me quebrou por dentro,
terminando de cimentar a minha derrota. Eu tornei a me sentar,
desviando o rosto de seu escrutínio.
— É melhor você sair, ela não está se sentindo bem... —
Rocco ordenou, gélido, soando como Cesare.
Era a primeira vez que eu via meu marido como um made
man. Rocco era bom para mim o tempo inteiro, mas fora de casa ele
devia ser outro e a animosidade entre ele e Guillermo ficou evidente.
Este momento moldava a relação entre os dois e ela não seria
pacífica por minha causa, por causa da minha fraqueza. Guilly
culpava Rocco e meu marido não gostava que ele se metesse no
que não lhe dizia respeito.
Rocco nunca me deu drogas, nunca me ofereceu. Eu me
afundei nelas por mim mesma. O fato de ele estar sempre usando
provavelmente foi o estopim, mas a minha predisposição para
buscar saídas fáceis era minha culpa, não dele. Aquela era a única
fraqueza no nosso relacionamento, a nossa falta de autocontrole
nos puxava para baixo. Juntos, éramos a receita do fracasso,
embora isso jamais me fizesse desistir de amá-lo.
Assim que ficamos sozinhos, Rocco me colocou de pé e se
sentou na poltrona em que eu estava antes, realocando-me no seu
colo. O calor do seu corpo fez com que eu me encolhesse nele,
apoiando minha cabeça em seu ombro. Ele entrelaçou nossos
dedos, a sua mão perdida encontrando com a minha.
— Eu te encontrei, vita — murmurou e eu soube que aquela
era a sua forma de dizer que me amava. Eu sabia que sim, embora
ele raramente dissesse as palavras.
— Você não está mais perdido. — Encostei nossas testas e
sua respiração quente me tranquilizou.
Rocco era a minha paz quando todo o resto parecia em um
turbilhão. Ele era a minha âncora, o que me impedia de ir para mar
aberto, por mais que eu jamais fosse ser a dele.
Nosso amor era desequilibrado, mas imenso.
Eu fui feita para ele.
E aqui estava eu, tentando não voltar a comer da maçã para
nos manter no paraíso.
CAPÍTULO 27

Guillermo Velacchio era tão babaca quanto seu pai fora, com
a exceção de não ser um sádico e eu saber que ele queria o bem da
irmã, mas ainda assim ele me irritava. Seus olhares de julgamento
sentado à mesa de jantar da minha casa, fazendo a refeição que era
provida pela minha família e me hostilizando a porra do tempo todo
deixavam-me revirado em ódio.
Minha linha interna sempre oscilava para cima quando ele
estava presente e se não fossem Donna e Gaia intermediando a
relação, nós teríamos caído na porrada diversas vezes nos últimos
dias.
Eu me mantinha no controle usando o mínimo possível de
coca e fumando maconha para equilibrar, sempre escondido de
Gaia que estava limpa pela primeira vez desde que nos casamos.
Nem álcool ela estava consumindo e a sua felicidade só não estava
plena por não saber o destino de sua mãe e prima.
Conseguimos a informação com algum capitão que era fiel ao
Velacchio de que ambas eram mantidas trancadas em casa, mas
não foram agredidas. O que tranquilizara Gaia de alguma forma,
entretanto, as cordas de enforcamento com o nome das duas
Velacchio estavam suspensas o tempo inteiro. Vito não era
conhecido por sua paciência e Guillermo sozinho, não era páreo
para ele.
Os Rigori estavam mais fortes que nunca, agora que Vito
havia assumido como Don e seu irmão era seu Consigliere. Em
algum lugar, no fundo da minha mente, eu admirava Vito por ter
tomado a frente, por ter sido o que eu jamais seria, como Cesare. E
a situação da liderança da Cosa Nostra me deu esperança. Vito era
o mais novo, mas tomou para si o domínio. Eu queria que meu
gêmeo fizesse o mesmo, mas não podia dizer, embora ele
soubesse.
Cesare considerava o pensamento traição da parte dele, meu
pai não queria admitir derrota para a famiglia por orgulho, embora
fosse óbvio que eu não tivesse condições ou interesse em me tornar
o Don. O precedente siciliano nos servia ainda melhor que a eles.
Só que eu podia sentir a tensão toda vez que eu apontava aquilo.
Permitir que eu abdicasse do meu dever era uma fraqueza
que papá não queria demonstrar para as outras ‘Ndrine, ainda mais
quando eles pediam a minha cabeça desde que ele me anunciara
como seu herdeiro, quando nos tornamos made men.
Aos quatorze, eu não era tão descontrolado quanto agora:
não havia feito nenhuma das merdas que colocaram todos os
calabreses em guerra; não havia um Malkin atacando nossos
territórios em Vegas e em Los Angeles; nem a necessidade de
entrar em uma aliança com a Yakuza por armas e drogas, já que o
cartel Herrera nos cortou completamente.
Tudo o que a minha família e famiglia sofriam estava em
meus ombros e eu sequer tinha o poder para aquilo. Meu
desequilíbrio nos colocou em guerra antes mesmo de eu me tornar
o Don.
Se meu pai cedesse agora, oferecendo Cesare em meu
lugar, ele pareceria fraco, como se estivesse se resignando às
vontades de Tiziano e Nicolo. Giordano, o Consigliere de papá, e
meu tio Bruno, o Capo de San Francisco preferiam Cesare, mas
concordavam que agora não era o momento de fazer a troca.
Então eu permanecia carregando a coroa de espinhos.
— Malkin enviou uma célula para o território de Tiziano. Ele
perdeu a área onde ficava o clube em que você matou o Brigadeiro
da Obschak
Todas as vezes que meu pai falava daquela mulher, meu
peito se contraía e a linha oscilava para baixo. A dor dela me dava
pesadelos. Eu queria me entregar, mas, mais uma vez, não era uma
opção minha.
Nós passamos a andar com segurança redobrada, porque
Malkin foi taxativo, se papá não me entregasse, ele mataria a toda a
prole Spada, não apenas a mim. Donna ficou emburrada comigo por
ter passado a ter um toque de recolher como se este fosse o maior
problema e ela não trouxesse a diversão para dentro de casa.
Nero se recusava a deixar os seguranças se aproximarem,
embora soubesse que eles estavam por perto. Cesare era o que
mais estava na rua, sendo, de fato, o Capo de Los Angeles,
enquanto eu passei a tomar conta da rehab da minha esposa. Meu
pai aprovou, por eu ser o maior alvo e era essa a justificativa que ele
dava a si mesmo pelo meu desinteresse nos negócios da famiglia.
Ninguém se incomodava, desde que eu estivesse em segurança e
longe de problemas.
Assumir a sobriedade de Gaia como minha missão me
deixava mais controlado do que eu nunca estivera em toda a vida.
Ter alguém para tomar conta, alguém que realmente me importava,
era algo novo. Cuidar dela não era o mesmo que decidir quem
morreria, montar estratégias com as quais eu mandaria homens
arriscarem suas vidas em apostas que eu planejei.
Ser o Don era jogar dados com o destino dos outros. Eu não
podia lidar com aquela responsabilidade.
Só de saber que minha segurança custava a paz da minha
família já era horrível o bastante. Se não fosse Gaia e a certeza de
que estava fazendo algum bem a ela, pela primeira vez, eu teria
fugido e negociado com Malkin pela paz em troca da minha vida.
Eu faria qualquer coisa pelos meus irmãos, jogaria quem quer
que fosse no fogo, inclusive a mim mesmo.
— Tiziano precisa de ajuda? — questionei papá no escritório
de casa, onde nós cinco estávamos: eu, Cesare, Nero, o Don e
Guillermo Velacchio.
Eu não gostava da presença do Velacchio, mas sabia o que o
Don estava fazendo. Alianças, sempre alianças.
— Talvez, mas não vou mandar nenhum de vocês. É isto que
Malkin quer, ele quer os meus melhores, os meus filhos. Tiziano
receberá o reforço necessário, mas vocês não sairão de Los
Angeles. — Papá usava a cânula com o oxigênio o tempo todo
agora. Só em falar essa frase completa, ele já parecia cansado.
A enfisema pulmonar estava acabando com ele, e nem assim
meu velho parava de fumar. Talvez eu tivesse puxado a
autodestruição dele. Minha linha desceu e eu quis me afundar na
poltrona em que estava sentado. A culpa de ele estar tão mal, ainda
fazendo o trabalho, era minha, porque eu não conseguia assumir a
minha parte. Mas também era dele e de sua teimosia em não
realizar o óbvio: Cesare bem ali.
— Não há nada que possa ser oferecido para Malkin? —
Guillermo se meteu na conversa e papá apenas negou com a
cabeça.
— Há, sim, mas aparentemente não é uma opção —
resmunguei e o jovem Velacchio me deu atenção com uma
expressão de questionamento. — Ele quer a minha cabeça.
— E você não está disposto a morrer pela sua famiglia,
entendi. — Deu um sorriso em escárnio. Mais uma vez o
julgamento, meu sangue borbulhou. Eu detestava Guillermo!
— Vai se foder, seu babaca! — Levantei-me e agarrei a gola
da camisa dele. Nenhum dos meus irmãos interferiu, porque eles
sabiam que eu estava certo.
— Solta ele, Rocco! — Papá falou comigo, mas estava
encarando Cesare. Pedir controle para mim era besteira e meu pai
sabia. — Cesare! — Ele brigou com meu gêmeo, mas, pela primeira
vez em muito tempo, meu irmão o ignorou.
Cesare não concordava com meu pai, então ele não se
oporia, não tentaria me parar. Minha coleira estava solta e eu
morderia.
— Você tem sido um babaca o tempo inteiro! Está dentro da
minha casa, recebendo guarita da minha família e me julgando fraco
sem saber. Eu morreria pela minha família, seu idiota!
— Você fez dela uma drogada como você, seu filho da puta!
— Ele segurou a frente da minha camiseta, amassando-a em seus
punhos. Os olhos furiosos, as narinas infladas delatando sua ira. —
Eu vi o vídeo, todos os sicilianos souberam a vergonha que você fez
a sua esposa passar! Você expôs a minha irmã pelada, sendo
fodida como uma prostituta! — Guillermo Velacchio rugiu para mim e
me deu uma cabeçada.
Eu realmente não esperava essa reação dele. Meu crânio
explodiu de dor, mas ainda assim consegui manter meus olhos
abertos. Devolvi um soco no rosto ainda fodido do jovem Velacchio,
esperando encerrar por ali, mas o moleque parecia acostumado a
apanhar e sequer titubeou a dor que sentiu antes de se voltar contra
mim e me derrubar no chão.
Fiquei surpreso com os golpes que ele acertava e tanto, que
mal conseguia revidar, mas eu era experiente em brigar e a minha
linha de ódio em relação ao Velacchio era equivalente a que eu
direcionava ao seu pai.
— Cesare, separe-os, porra! — papá gritou e eu escutava as
risadas insanas de Nero ao fundo.
Fui puxado de cima de Guillermo por Nero e Cesare, o
Velacchio mais novo ia avançar para me bater, mas Nero entrou na
sua frente e chiou para ele como se estivesse falando com um
cachorro. Velacchio cerrou os punhos, mas não fez nenhum
movimento, claramente dominado pelo meu caçula.
— Afaste-se! — O Psico rosnou e papá se levantou, tossindo,
mudando o nosso foco enquanto começava a falar:
— Nero, por favor, filho, acalme-se.
Todos na sala ficaram tensos. Como se alguém tivesse
pisado em uma mina terrestre.
Eu perdendo o controle era uma coisa, Nero era um nível
completamente diferente. Consegui reunir minha bagunça e até
mesmo temer pela vida do irmão de Gaia. Cesare se aproximou do
nosso caçula e sussurrou algo em seu ouvido que fez Nero começar
a rir em deboche para o meu cunhado.
— Peça a algum soldato para trazer gelo para eles dois, a
nossa conversa ainda não acabou. E chega de brigas e acusações,
somos uma família agora, Rocco! Guillermo é irmão da sua esposa
e temos negócios a tratar com ele.
Eu estava perdido na situação, mas a gargalhada eufórica de
Nero me fez entender que Cesare contou o que quer que iria
acontecer para ele.
— Sua mãe e irmã estão presas em Miami, certo, Velacchio?
— Ela não é minha irmã, é minha prima, mas, sim —
Guillermo respondeu, ainda soando arrogante e raivoso. Sentou-se
na poltrona em que estava anteriormente respirando fundo para se
acalmar. Não fiz o mesmo, acompanhando a conversa de longe ou
eu deixaria as emoções atrapalharem outra vez.
— Você veio aqui pedindo abrigo, filho, mas eu sei que está
movimentando as coisas com os poucos que ainda são fiéis ao seu
pai em Miami. Don Salvatore conquistou Miami por último, muitos
não concordavam em abaixar a cabeça para um Don de um
território tão distante, estou certo?
Como sempre, os sicilianos e seus modos de fazer as coisas
não funcionavam. As famílias e territórios que formavam o cinturão
do Rigori na outra costa foram conquistados com violência, por um
ignorante que se considerava um rei, fazendo vassalos dos chefes
das outras famílias. Eles fingiam uma democracia, mas não era bem
assim que funcionava.
— Meu pai entregou o território com o acordo de se manter
como Underboss, mas a Flórida é um problema por si só. Estamos
nas rotas dos colombianos para Nova Iorque, haitianos, e toda a
merda que passa pelo Golfo do México. Os Herrera controlam a
fronteira por terra, mas boa parte da fronteira marítima nos pertence.
Salvatore era um arrogante e Vito não é diferente.
Guillermo me surpreendeu ao falar como gente grande na
reunião. Mesmo com a boca inchada e sangrando do meu soco,
ainda com marcas das porradas que tomou dias atrás pelos homens
de seu pai, ele era mais preparado do que eu para assumir a sua
posição no lugar do antigo Underboss.
A inveja que senti dele me enfureceu ainda mais.
Aparentemente, apenas eu era o herdeiro errado. Vito seguiu os
passos do pai, assim como o bastardo do velho. Cesare e Nero
eram made men respeitados, até Guillermo estava preparado.
Apenas eu era uma aberração.
Os olhos de Don Lorenzo brilharam ao notar o potencial de
Guillermo. E lá estava, um ciúme doentio dentro de mim. Meu pai
nunca me olhava daquela forma como se eu tivesse potencial.
Desde a minha iniciação, eu o decepcionara.
— Os homens sabem que você é o herdeiro, certo?
— Se Vito não os encontrar e matar a todos que eram leais
ao meu pai, sim — respondeu, frio.
— Eu soube o que ele fez com o seu tio, sinto muito.
— Não sinta, Constantini era um babaca com a própria filha e
jamais interferiu na forma como meu pai tratava a minha mãe, sua
irmã. Eu não teria deixado. — Velacchio teve a coragem de virar
para trás e olhar para mim, comparando-me com seu pai
estuprador.
— Rocco — Cesare pediu, entrando na minha frente e
cortando o contato visual. Cerrei os punhos enquanto o meu gêmeo
virava para o jovem Velacchio e o enfrentava por nós dois de forma
mais diplomática. — Se você continuar a falar merdas assim,
Guillermo, vai voltar para a sua fronteira com uma mão a menos e
sem as bolas para garantir que será o último Velacchio a comandar
Miami. É melhor fechar a boca e apenas escutar a partir de agora.
O medo que ele não tinha de mim ficou estampado no rosto
de Guillermo ao ouvir as ameaças do Rude. Elas não eram vazias.
Eu jamais mataria o meu cunhado, por Gaia, mas se ele
continuasse a provocar, meus irmãos fariam o trabalho por mim.
— Vocês vão me ajudar a recuperar o território? — Ele voltou
a pergunta para o Don.
— Sim.
— O que vocês ganham com isso? — Outra vez ele se
provava preparado para ser o que eu jamais seria.
— Aliança. — Papá sorriu. — Mas não será gratuita, e nem
inspirada na boa-fé, sabemos o que o seu povo faz, o que o seu pai
fez... então vamos fazer um arranjo duradouro.
Não!
Ele não a merecia!
— Casamento?! — A voz tremida de Guillermo me
surpreendeu. Em nenhum momento, ele ficou inseguro na conversa,
mas isso o pegou de surpresa. Qual era o problema?
— Minha Donna faz dezoito em alguns meses. Você fica aqui
até ela ter idade para se casar. E então nós o ajudamos a recuperar
o seu território. Se quiser salvar sua mãe e voltar a ser o chefe da
sua ‘Ndrine, é o que fará.
— ‘Ndrine... Como vocês.... Eu serei o Capo de um território
calabrês? — ele rosnou como se estivesse ofendido.
Cesare segurou meu ombro, impedindo-me de avançar sobre
o siciliano de merda outra vez. Donatella era boa demais para ele.
Minha irmãzinha não merecia ser vendida em troca de terras
daquela forma, embora eu tivesse notado o seu interesse no jovem
Velacchio, ainda não achava que casá-la com ele era bom para ela.
Velacchio não a maltrataria, ele não parecia ser como o pai,
uma vez que o traiu para salvar Graziella e brigava comigo por
causa do que eu fizera a Gaia, mas eu não o queria com a minha
irmã.
— Se quiser salvar sua mãe e sua prima... — O Don arrastou
a palavra dando uma conotação diferente. Então o problema era
esse? Ele e a prima eram envolvidos?
O casamento seria um fracasso!
Meu casamento era diferente, mas eu sabia que a maioria
dos casamentos arranjados não eram assim. Cesare já odiava a
noiva por exemplo, e os meus pais tinham seus momentos de
traições durante os muitos anos de casamento. Eu não queria aquilo
para Donna, queria que ela tivesse a felicidade que Gaia me
proporcionava.
Só que não era meu papel dar opinião sobre o assunto.
Cesare estava de acordo e Nero não se importava, pois ria do
desespero evidente do Velacchio.
— Eu aceito.
Saí da sala puto pra caralho que meu pai tivesse feito aquilo
e encontrei Donatella do lado de fora do escritório com um sorriso
na boca.
— Já contaram a ele? — Quase quicou enquanto falava,
demonstrando uma felicidade genuína.
— Você sabia que papá ia te prometer para ele?
— Ele me perguntou se eu estava disposta a ir para Miami,
senão ele mandaria a Pietra. — Donna deu de ombros e alargou o
sorriso. Pietra era a filha de Giordano, o Consigliere.
— Donna, você vai para a linha de frente em um território
inimigo e ele é um fraco como o pai dele! — Segurei os ombros
dela, preocupado, e minha irmãzinha me abraçou, envolvendo meu
pescoço com força.
— Eu gosto dele, Rocco, ele é uma boa pessoa. E a minha
outra opção seria casar-me com Amadeo De Stefano... O que você
preferiria? — Ela riu baixinho, mas senti seu sofrimento me
atravessar.
Nós éramos a realeza calabresa, não tínhamos escolha.
Papá deu uma escolha a Donatella e ela escolheu Guillermo, eu
respeitaria. Apertei as costas magras dela, odiando que ela tivesse
que partir. Imaginava que ela acabaria saindo da mansão para
morar com seu marido, mas jamais imaginei que seria para tão
longe. Ainda mais com um marido a quem eu desprezava.
— Ao menos lá você vai ficar longe dos problemas que eu
causei. — Sorri amargo.
— Não é por isso e você sabe, Rocco. Eu te amo, você é o
meu irmãozinho. — Beijei o seu cabelo pensando o mesmo. Donna
me protegia ainda mais que eu a ela.
— Eu também te amo, Donna. — Mantive meu aperto ao seu
redor pensando em quanto tempo ainda teria para estar assim com
ela. — Gaia está limpa, seja amiga dela novamente, agora vocês
serão cunhadas duas vezes.
— Vou tentar... Você a ama e vou tentar fazer o mesmo. E
espero que se algum dia eu amar Guillermo, você retribua o favor.
— Não vou prometer. — Rimos juntos e meu peito se encheu
de felicidade e tristeza simultaneamente.
Donna era a melhor de nós e estava partindo. Eu sempre
soube que aconteceria, mas não estava preparado.
CAPÍTULO 28

Estávamos a caminho do casamento de Raul Romani com a


sua noiva ninfeta. Ele era um emergente, um soldato que galgou
seu posto e conseguiu se infiltrar na nata da Chicago Outfit. Eu
quase admirava a ganância do Romani, não fosse o fato de ele me
oferecer espólios estragados no processo.
Sua fodida irmã se achava boa demais para mim e preferiu
dar a boceta para um soldato a um Spada. Mas eu a faria pagar.
Sua vida seria um inferno e eu foderia toda a minha raiva dentro
dela.
Raiva, o único sentimento que eu costumava sentir por conta
própria. E era o único que me movia. Para frente, sempre para
frente, atropelando quem entrasse no caminho.
Pessoas que pensavam com o coração não ganhavam o meu
respeito. O que significava que a maioria das mulheres não o
recebiam. Elas eram movidas a sentimentos inúteis, que as
colocavam em situações de risco. Como Gaia Spada, como as
vadias que eu fodia sem piedade e que, apesar de irem com medo,
gozavam toda vez. Como Bionda Romani e seu suposto amor pelo
soldato a quem ela matou por abrir as pernas fora de hora.
Os sussurros apaixonados de meu irmão com Gaia, sentados
no sofá atrás da mesinha onde eu estava sentado no jato, me
irritaram. Pelo menos, eu achava bom que ela finalmente tivesse
criado alguma compostura para deixar de ser uma garotinha e
começasse a virar uma mulher de verdade, para ser o que meu
irmão precisava.
Rocco era uma bagunça de emoções e, por mais
contraditório que pudesse parecer, a bagunça dele me pertencia.
Fundamentalmente. Era como se toda a parte emocional de nós
dois tivesse sido removida do meu corpo e depositada nele
enquanto estávamos no útero de Cara Spada. Os sentimentos
espalhados dele eram os únicos para os quais eu tinha paciência.
Meu gêmeo era um quebra cabeça com peças diversas, que nunca
se encaixariam, mas eu persistia.
Nunca desistiria dele.
Já Gaia... Eu não cuidaria da bagunça dela, nem por ele. Só
ele me importava. Se a porra da mulher dele queria se matar de
usar drogas, eu estava pouco me fodendo.
A desordem autodestrutiva da minha outra metade atraiu
Gaia desde o primeiro momento. Talvez ela fosse uma daquelas
pessoas que gosta do que lhe faz mal, sem se dar conta de que é o
que busca. Autossabotagem. Aqueles dois eram um par perfeito
selado pelo diabo em pessoa.
— Eu sei que você está com raiva aí dentro, Cesare. Eu
conheço os meus filhos — Papá sussurrou para que apenas eu
ouvisse, embora não fosse necessário.
Mamma estava no quarto se arrumando, Gaia e Rocco se
beijavam como se fossem transar na nossa frente, e o resto do
batalhão Spada ficou em casa, não se colocando em risco
desnecessariamente.
Depois que Donna foi prometida ao moleque Velacchio, uma
semana atrás, ela vinha em uma cruzada para levá-lo para cama,
mas o garoto parecia que não gostava de trepar e fugia dela de
todas as formas. Ela faria bom uso da casa vazia, deflorando-o.
Donatella era uma mulher que eu gostaria de ter ao meu lado
nas ruas, assim como Nero, menos a loucura. Se Don Lorenzo não
fosse tão retrógrado, eu teria feito dela alguma porra importante.
Quando Rocco fosse o Don, eu o convenceria a nomear
Donna Capo de Miami no lugar de Guillermo. Ele se provou não ser
de todo inútil, mas não era nosso sangue e Rocco precisava de
Capos fiéis a ele.
— Se conhecesse, não teria me dado uma noiva usada. —
Contive o meu ímpeto de fúria, como fazia com maestria a essa
altura.
Passar a vida inteira segurando uma bomba atômica
adestrava qualquer um para se tornar calmo e sereno. Rocco era o
meu fardo e eu era o dele. Sem ele, eu me perderia deste mundo, o
animal que me habitava ganharia da parte sensata. Eu precisava
dele, talvez mais que ele de mim.
— Eu posso te arrumar uma virgem para deflorar, é sobre
isso?
— É sobre a afronta. — Minha voz soou tranquila, mas
ambos sabíamos que eu estava longe disso. Virei meu rosto na sua
direção e papá respirou fundo puxando o oxigênio pela cânula. Ele
não a usaria na festa, mas a altitude do avião o deixava com ainda
mais falta de ar.
— Tente se controlar quando a vir e não diga nada a Raul. Eu
já tenho um filho problema para tomar conta em nosso passeio no
parque.
Eu odiava quando ele se referia assim a Rocco, embora
soubesse que era a verdade, por isso eu tomei meu gêmeo como
meu problema desde que me entendi por gente. Desde cedo, eu
controlava Rocco e sua impulsividade, garantindo o máximo que eu
conseguia que ele fosse funcional, que ambos fôssemos.
Não era uma relação saudável, mas a opção era deixá-lo à
própria sorte. Isso jamais aconteceria.
— Diga isso a mulher dele — falei frio, olhando para trás e
vendo que Gaia estava tomando champanhe.
A porra da mulher estava limpa há quase um mês e achou
que era hora de comemorar com álcool! Ela era burra ou o quê?
Foda-se, ela não era meu problema! Rocco não conseguia dizer não
a sua mulher, ainda mais quando ele estava mais cheirado do que o
seu regular.
Eu precisava ficar muito perto dele esta noite, ou seria um
fiasco. Chicago era uma bagunça: cheia de gangues que não se
dobravam à Outfit; aqueles irmãos Wild, que achavam que
comandavam a cidade; a proximidade com a terra morta; a BRATVA
de Zorkin com o braço nojento da Irmandade de Sangue e os
canadenses...
Rocco já tinha ido ao banheiro duas vezes durante a viagem
e eu sabia que não tinha a ver com uma súbita diarreia. Contudo,
tirar a cocaína dele era um tiro no pé. Sem a coca, ele funcionava
ainda menos, mas a sua esposa tinha que ficar sóbria, ou teríamos
Vegas e Tijuana outra vez. O México foi minha culpa, quis
comemorar o último aniversário em que ambos estávamos solteiros
e o deixei sem coleira, mas o fiasco de Vegas foi culpa dela. Eu
deveria ter ido e foda-se que era a porra da lua de mel deles.
— Ela tem dezoito anos. — Papá sempre defendia a garota.
— Donna tem dezessete, Nero tem vinte. — Apontei o óbvio.
— Rocco tem quase vinte e quatro...
— Rocco não é igual às outras pessoas. Você é duro demais
com ele.
— Você é leniente... — Don Lorenzo debochou de mim.
Leniente não era um dos adjetivos que se adequariam a mim.
Rude não foi um apelido escolhido ao acaso.
Minha relação com meu pai era respeitosa, embora ele fosse
genioso, sempre me ouvia, mais até que ao seu Consigliere.
Giordano Tattaglia me detestava por isso. Principalmente por saber
que assim que Rocco assumisse, eu tomaria o seu lugar.
— E você está levando esta conversa para o rumo errado. Se
a intenção é me manter calmo, debochar e falar sobre a minha
futura esposa não é o caminho.
— Ela também é jovem e estava apaixonada.
Estalei a língua no céu da boca demonstrando meu tédio.
Papá acreditava em casamentos arranjados. O fato de Rocco ter se
apaixonado perdidamente pela Gaia não era uma regra. Quando eu
fui conhecer a garota no lugar do meu gêmeo, vi a felicidade que ela
demonstrou, achando que eu era ele. Ela já o adorava antes mesmo
de se casarem. E Rocco se apaixonaria por qualquer uma com
tamanha devoção a ele. Meu irmão jogava-se nas coisas de cabeça,
sem se preocupar com a profundidade da queda. Ele sequer se deu
conta de que ambos caíram de cabeça e fraturaram os crânios.
Eu não cometeria o mesmo erro. Meu casamento com Bionda
era apenas um negócio e um no qual ela tentou me foder.
Beberiquei meu uísque e o piloto anunciou a descida. Mamma
voltou para o assento ao lado do meu pai e eles me deixaram em
paz.

Durante toda a cerimônia, não consegui tirar os olhos dela.


Minha futura esposa era a representação de um anjo
renascentista. O cabelo loiro claríssimo, quase platinado, os olhos
azuis reluzindo contra a pele de porcelana em suas feições
angelicais. Minha sorte era estar sentado, ou a ereção intensa que
ela me causou me faria passar vergonha.
De longe, eu via suas lágrimas acumuladas nos cantos dos
olhos grandes. O perfil de seu nariz com a ponta levemente
arrebitada, o queixo quadrado delicado, e a linha de sua mandíbula.
Todos os traços davam a ela a aparência de um pássaro, como uma
bailarina. Bionda era linda quase além da compreensão e meu pai
tinha razão, ela era exatamente o que eu gostava: a idealização de
fragilidade, sua magreza, as lágrimas de tristeza...
Como alguém que tinha a aparência dela podia fazer algo
como o que ela fizera comigo, contra mim?
Minha futura esposa era um passarinho tentando lutar contra
uma águia. Em nosso mundo, ela não tinha chance alguma, mas
ainda batia suas asas buscando liberdade.
Eu cortaria suas asas.
Ela não voaria nunca mais!
Durante boa parte da festa, ela ficou sentada na mesa dos
noivos, ao lado de seu irmão e eu não consegui afastar meus olhos
dela, nem quando os irmãos Wild fizeram a sua aparição para irritar
Raul.
O novo Don da Outfit era um fraco, eu já teria matado os
infelizes. Papá queria o máximo de alianças que conseguisse, mas
pelo que eu via, a Outfit não tinha força nem para lidar com os
próprios problemas.
Só que eu o entendia. Um aliado fraco era um grão de areia a
menos na praia vizinha. A Outfit ao nosso lado significava que não
estavam ao lado dos Rigori.
Por um grão de areia, eu teria que desposar uma mulher que
se deu para outro, para me afrontar.
Depois de se recompor do ataque que foi a presença dos
Wild em seu casamento sem serem convidados, Raul trouxe a irmã
até a nossa mesa e a apresentou a minha família. Bionda não fez
questão de ser simpática ou educada, não deu um sorriso, nem para
Cara Spada que lhe ofereceu um. O que era extremamente raro.
Mamma não abaixava a cabeça para ninguém.
Aquilo era um indicador de rebeldia. Eu podia ver Raul fechar
o punho, ainda que mantivesse a máscara polida ao lado da irmã.
Já Bionda exalava hostilidade.
Uma passarinha batendo as asas, despertando todos os
meus alarmes de caça.
— Este é Cesare Spada, seu prometido — meu pai
apresentou e nossos olhares trancaram um no outro.
De perto, consegui ver que as bochechas dela coraram,
deliciosas, mas seus lábios prensados indicavam que não era o
mesmo tipo de embevecimento que as mulheres costumavam
demonstrar para mim. A minha figura costumava atrair mulheres do
tipo dela: frágeis, pequenas, como se buscassem proteção de um
predador maior. Só que não era isso que estava acontecendo.
Eu tinha dificuldade em ler emoções, mas as de Bionda
ficaram evidentes como se ela acendesse uma lâmpada.
Ódio. Desprezo. Irritação.
O leve estreitar de olhos e as sobrancelhas delicadas
vincadas a denunciaram. A cena me lembrou o mito de Afrodite
sendo prometida a Hefesto. Só que eu lhe provaria errada. Eu não
era um deus menor, um ferreiro corno, eu era Ares e minha futura
esposa não sabia que comprava briga com o deus da guerra.
— Vocês deviam conversar um pouco, se conhecer. — Raul
ofereceu e Bionda o olhou imediatamente, seus olhos lançavam
adagas para o irmão, enfrentando-o. Don Romani manteve sua
expressão severa na irmã, desafiando-a a contestá-lo na presença
de outros, mas ela não o fez.
Levantei-me devagar, controlado, fechei o paletó fingindo
frieza, embora ela me fizesse ebulir. Segurei o antebraço dela e a
levei para outra mesa, longe dos ouvidos do meu pai. Ele
desaprovaria a conversa que eu queria ter com a passarinha
abusada. Se ela não respeitava o irmão e achava que faria o
mesmo comigo, eu já a deixaria preparada para obedecer e atender
às minhas demandas.
— Você está me machucando — sibilou, arredia, tentando
soltar-se do meu aperto. Ignorei-a, puxando uma cadeira em um
comando simples de que ela se sentasse.
Bionda fez o mesmo que fizera com o irmão comigo, sua
expressão em óbvio desgosto na minha direção. Aproximei meu
corpo do dela, aliviando o aperto quando senti sua pulsação
acelerar.
Medo, muito bom.
— Sente-se. Vamos conversar e colocar as coisas em pratos
limpos.
Sua respiração pesada me atingiu no pescoço e eu engoli
com força, pois a vontade que tive era de amarrá-la àquela cadeira
e enfiar meu pau em seus lábios, até fazê-la engasgar com a minha
porra e ficar bêbada com ela, preenchida em todos os buracos.
Só de visualizar o momento em que eu apagaria dela o outro,
a quem ela permitiu que tomasse o que me pertencia, uma ereção
completa tornou a se formar dentro da minha calça.
Ela finalmente obedeceu e se sentou, então a soltei. As
marcas avermelhadas no seu punho, onde eu a segurei, fizeram o
meu pau pulsar. Ela marcava fácil... Raspei os dentes sobre o lábio
inferior contendo as minhas emoções e vontades, em seguida
sentei-me do outro lado da mesa, para olhá-la de frente.
O burburinho do salão, com a música orquestrada de fundo,
era um entrave para manter uma conversa silenciosa, mas algo me
dizia que Bionda não falaria muito. Debrucei-me sobre a mesa,
cruzando os braços e senti o seu perfume, outra surpresa. Ela não
usava nada floral ou doce demais, era algo mais selvagem, que me
deixou com vontade de mordê-la.
— Você sabe que eu sei o que você fez e odeia que eu não
tenha desfeito o acordo — constatei o óbvio.
Seus olhos se alargaram novamente e tudo o que ela me
permitiu ver foi um leve arquear de sobrancelhas surpreso. Seria
muito difícil conviver com Bionda se ela sempre se escondesse
daquela forma. Eu era o mestre em conter emoções, mas a mulher
à minha frente era quase tão boa quanto eu.
— Eu sou estragada, se você acha que é o que merece,
quem sou eu para desmentir? — Sorriu, debochada e meus punhos
se fecharam. As palmas coçando para segurarem seu cabelo e
dominá-la, remover o sorriso e o deboche.
Dentro de mim, a fúria me incinerava, mas meu rosto não
entregava absolutamente nada. Eu não a permitiria me quebrar. O
objetivo desta conversa era o contrário.
— Você se estragou, é diferente. Mas eu concordo, não é o
que eu mereço, só que não tenho opção já que você é a única irmã
do Don.
— Tem a outra filha do antigo Don, Mia está mais que
disposta a se casar com você. — Sua voz soou quase esperançosa.
Olhei para a menina ao lado da noiva na mesa principal. Mia
Mancini seria um par aceitável para eu negociar com meu pai e a
garota era bonita. Loira como eu gostava, entretanto, uma garota
sorridente do tipo de Gaia, olhando para mim como se soubesse o
que Bionda estava fazendo. Minha futura esposa e a jovem Mancini
deviam ter conversado sobre aquilo, ela tentaria vender a outra em
seu lugar.
Ela estava tentando me manipular?
A ousadia do ato era, ao mesmo tempo, irritante e
surpreendente. Quase sorri quando compreendi seu desespero. Ela
não queria se casar comigo, isso era óbvio, e permanecia lutando.
Batendo suas asas.
— Não. Você... é você que eu quero.
— Por quê?! — Fechou os punhos sobre a mesa, sem medo
algum de demonstrar sua raiva. Meu pau pulsou novamente e a
minha vontade era deitá-la sobre esta mesa, dominá-la às dentadas,
e torturá-la por horas, fodendo-a inteira, sem deixar que gozasse.
— Eu gosto do seu desespero. Vou gostar mais ainda quando
estiver fodendo-o para fora de você. Pode me odiar, Bionda, olhar
para mim com todo esse desdém, mas em alguns meses, nós
vamos nos casar e eu vou arrancar as suas penas, a cada estocada
do meu pau em todos os seus buracos. E a nossa primeira vez não
vai ser suave, ainda bem que você cuidou disso para mim.
Os olhos dela se encheram de lágrimas, mas não eram as
mesmas lágrimas que eu costumava ver quando fazia minhas
ameaças. Era ódio, puro ódio e impotência.
Mais uma vez, a minha passarinha se levantou, ergueu o
queixo e respirou fundo, suavizando a expressão.
— Veremos. — Fez um gesto de cabeça como se estivesse
se despedindo, encerrando a conversa sem a minha autorização e
saiu da mesa, deixando-me sozinho.
Filha da puta!
Observei-a se distanciar e negar com a cabeça para Mia, que
deixou o sorriso morrer e voltou a me olhar, mas Bionda se
aproximou de um dos soldatos em uma outra mesa e ambos
sumiram pelo corredor lateral.
Que porra estava acontecendo?
Raul disse para o meu pai que havia matado o filho da puta
que a desvirginara. Levantei-me e fui atrás deles, sem dar
explicações a Rocco quando me chamou alto, alertando a parte do
salão sobre a minha saída.
Quando cheguei no corredor, Bionda chorava nos braços do
tal soldato e ele beijava o seu rosto, cobrindo-lhe de um carinho que
fez o meu ódio explodir. Não me controlei e avancei sobre ele,
empurrando-a para longe e esmurrando o infeliz. Segurei seu
pescoço na parede, socando-o repetidamente, seus ossos da face
quebrando sob meus dedos e ferindo-me no processo, mas abracei
a dor que alimentava a minha fúria.
O sangue arrancado de sua carne, escorria entre meus
dedos, meu punho e juntas ardiam, mas eu não parava, possuído.
Bionda gritava para eu parar, estapeava meu braço, acertou
meu rosto, mas não lhe dei atenção. Ela tentava proteger seu
amante, e eu direcionava a ele o ódio por ela. Escapar com ele para
um corredor na minha frente era um insulto absurdo. Esta mulher
não conhecia o limite do desrespeito, eu mostraria a ela como as
coisas seriam.
Cada um que se aproximasse dela de hoje em diante
receberia este tratamento, ela se manteria afastada de todos os
homens se não quisesse que eu os matasse com as minhas mãos.
— Isso é culpa sua, Bionda!
Olhei para trás, e vi o medo estampado em seus olhos
enquanto eu tornava a bater no babaca que parecia uma boneca de
pano a essa altura, com o rosto transformado em polpa, até que ele
chiasse, mal conseguindo respirar.
Eu não o mataria no casamento, mas o levaria comigo para
terminar o serviço.
— Não foi ele! Este é meu primo! — Ela segurou o punho do
meu paletó, implorando, sem implorar.
Era a verdade, notei em seu olhar que ela dizia a verdade,
mas eu pouco me fodi.
— Se outro homem encostar em você assim, eu vou matá-lo.
Você já tirou o bastante de mim. Não force a minha mão outra vez.
— Seu troglodita! — Empurrou meu peito e se abaixou para
verificar o estado do homem que eu havia surrado.
— É melhor você se calar enquanto ele ainda está
respirando. A vida dele está no seu silêncio e distanciamento. A
partir de hoje, você terá seguranças meus, não quero mais nenhum
homem se aproximando. Você é minha, seu irmão te vendeu.
Estragada ou não, eu aceitei. — Rearranjei meu cabelo no lugar e a
maquiagem borrada de lágrimas, enfeitavam seu olhar de ódio.
As asas ainda estavam abertas, mas eu as quebraria aos
poucos.
Deixei-a no corredor com o imbecil ensanguentado no chão e
voltei para o salão, procurei por um dos meus homens para que
ficasse de olho nela e para anunciar que moraria em Chicago até o
casamento. Na mesa da minha família, meus pais estavam
sozinhos.
Onde estava Rocco, porra?!
CAPÍTULO 29

Fugimos daquela festa sem graça, saindo pela noite de


Chicago. Rocco escapou dos seguranças e nós pegamos um táxi.
Quando eu peguei um táxi na vida? Nunca!
Mas nada mais importava. Eu estava tão feliz em estar com
ele, apenas nós dois, sendo um casal normal. As últimas semanas
vinham se provando as mais felizes de toda a minha vida, embora
eu soubesse que ele não estava livre das drogas, nunca mais tinha
voltado para casa com furos nos braços. Hoje eu me permiti
algumas taças de champanhe e sentia-me flutuando.
A imagem de Rocco em um smoking, tão lindo, deixava-me
completamente apaixonada como se eu tivesse quinze anos outra
vez, descobrindo que me casaria com ele.
Passamos pela frente do teatro com o letreiro de Chicago. As
luzes amareladas acesas me fizeram colocar metade do corpo para
fora da janela e puxar o ar enregelante da cidade dos ventos.
Depois, Rocco pediu ao motorista que nos levasse ao Millenium
Park, uma grande praça onde havia a escultura Cloud Gate,
apelidada como o Feijão de Chicago, e foi lá que descemos.
As luzes azuis eram como um tapete e esquadrinhavam o
chão perfeitamente. Parecia um filme de ficção científica e eu não
conseguia parar de sorrir exultante. Agarrei-o para tirarmos fotos e
registrar nosso momento.
Não voltaria para as redes sociais, não precisava daquele
lugar tóxico, mas não era apenas para provar aos outros que
éramos felizes que tirávamos fotos. Era para guardar os bons
momentos para nós mesmos. Ou deveria ser.
— Vem aqui, vita. — Rocco me puxou para os seus braços,
filmando um beijo com o meu celular. Sorrimos para a câmera e nos
beijamos mais, bêbados e felizes.
Os beijos de Rocco eram viciantes. Ele me seduzia com seus
lábios nos meus, a língua massageando a minha e roubando
gemidos entrecortados que me deixavam amolecida em uma poça
fumegante de pecado.
Observei-o, lindo, seu rosto perfeitamente simétrico com
algumas cicatrizes que contavam histórias de quem ele era. O amor
que eu esperei, os sonhos e as preces que tive e fiz. Ele era meu
tudo.
Um tempo depois, eu quis comer e ele me levou até uma
barraquinha de cachorro-quente de rua, coisa que eu jamais havia
comido. Minha vida hiper protegida não me permitiu ter muitas
experiências mundanas. A realidade na máfia era invertida,
castradora.
Agora mesmo, eu estava em um vestido de gala em um
simples passeio com meu marido, em uma praça cheia de pessoas
e parei para comer de pé uma comida simples. O traje era mais
comum para mim que para “as pessoas reais, do mundo normal”, e
aos dezoito anos, a maior parte das meninas pensava em qual
faculdade entraria e não em casamentos. Mas ali estávamos nós,
mesclando ambas as realidades, simplesmente porque queríamos.
Meu marido era perfeito, até com mostarda manchando seus
lábios. Seus olhos brilhavam com as pupilas dilatadas e um braço
me envolveu. Eu já estava completamente infectada pelo cheiro de
sua pele incrustado no paletó que ele vestiu em mim quando
descemos do táxi, mas agora eu só sentia Rocco em todo o lugar.
Por dentro e por fora.
— Você é a minha felicidade, Gaia — confessou com um
sorriso ameno. — Antes de você chegar, eu jamais achei que fosse
possível ser feliz, mas agora eu acredito.
— Rocco... — Engasguei com a potência de suas palavras e
o abracei ao redor de sua cintura, colando meu rosto em seu
pescoço.
De salto, eu alcançava os beijos ali mais facilmente e seu
carinho maravilhoso era como outra droga, mas uma que eu jamais
largaria. Claro que eu ainda sentia vontade de voltar a cheirar
cocaína, mas momentos como este me faziam querer estar desperta
e presente. Eu não precisava me entorpecer para ser feliz com ele.
Rocco subiu a mão para a minha nuca, fazendo-me tornar a
olhá-lo, mas ele não me puxou para outro beijo, apenas manteve o
olhar no meu e parecia angustiado. Fiquei ansiosa sabendo que
algo entre nós mudaria agora. Algo mais profundo, mais intenso e
visceral.
— Eu não quero ser o Don, Gaia. Não sirvo para isso. Eu,
eu... Eu estrago tudo, só faço merda, perco o controle. A minha
cabeça não funciona como a das outras pessoas, eu sou uma
bagunça... — Apertou-me contra si, seu corpo inteiro tremia.
Declarar a sua fraqueza, mesmo para mim, que o amava
imensamente, era algo difícil para ele e eu apenas o ouvi,
acariciando suas costas. Respirei fundo, conduzindo a respiração
dele com a minha, para acalmá-lo. Ainda assim, a angústia que via
em seus olhos tão lindos, mornos, deixou-me um pouco entristecida
por ele carregar aquele fardo.
— O que você quer dizer com a sua cabeça não funcionar
direito? É por causa das drogas?
— Eu uso as drogas para me controlar, sem elas eu fico pior.
Tem alguma coisa errada aqui dentro, Gaia. Você se casou com um
fodido...
— Não fala isso! — Segurei seu rosto entre as mãos,
puxando-o para baixo e beijei os seus lábios e suas maçãs do rosto,
acalmando-o. — Fala para mim, o que acontece?
— Eu sinto uma tristeza o tempo inteiro, então vem a raiva
por me sentir dessa forma... Eu não gosto de matar, não gosto de
ter o controle sobre a vida das outras pessoas. Não posso fazer o
que eles querem que eu faça porque faço merda, faço escolhas
erradas... a única escolha certa que fiz na vida foi você. A maioria
dos meus impulsos são de destruição.
Beijei-o com tremores perpassando meu corpo. Rocco abria o
caminho para a sua alma, ele me oferecia o coração para eu
segurar. Eu o protegeria com cuidado e ternura. Era aquilo que eu
tentava passar com meus lábios, que meu amor por ele seria eterno,
independentemente de qualquer cargo, de qualquer erro.
— Eu te amo tanto, Rocco. Você não gostar de matar é uma
coisa boa, não se sinta mal por isso... — Ele me olhou como se eu
fosse inocente, mas depois de ter o meu pai como exemplo, eu
amava Rocco ainda mais por não ser sádico. — Você não é como
eles, eu fico orgulhosa de ser sua esposa exatamente por isso. Meu
pai era um sádico cruel, amore mio, ele não merecia felicidade...
Você é o extremo oposto dele. Eu te amo ainda mais por isso, confia
em mim.
Um suspiro aliviado dele me encheu de dó do sofrimento que
ele carregava dentro de si. Será que ele já havia confessado aquilo
a alguém? Cesare devia saber, ele parecia ler o irmão como se
fosse um livro aberto. Mas Rocco havia dito as palavras?
— E Cesare pode assumir, não pode? Vito Rigori não é o
mais velho e assumiu a Cosa Nostra, o irmão mais velho virou o
Consigliere.
— Papá não quer mostrar fraqueza para as outras famílias,
eu não sei o que fazer. Só de pensar em ter esta vida para sempre,
tudo desmorona... — ele tirou as mãos de mim, passando-as em
seu cabelo, bagunçando-o ainda mais, soltou a gravata borboleta do
smoking como se o enforcasse, mas eu o apertei em um abraço
novamente, não permitindo que se afastasse.
Uma parte de mim, a que pertencia a ele, soube que eu
precisava ser a rocha para ele. Talvez para a vida inteira. Todos
aqueles anos tentando ser perfeita não me prepararam para ser
como Cara Spada, toda a minha falha me preparou exatamente
para compreender a dor de Rocco.
Ele era imperfeito, como eu. Subestimado, como eu. Com um
tipo de força diferente da que seu irmão e a minha demonstravam.
Cesare e Graziella eram gelados, firmes, eu e Rocco éramos
resilientes. Superar as adversidades apesar das limitações era uma
força também. E o homem que eu via havia encontrado o seu limite,
mas permanecia suportando.
A minha preocupação era o que ele realmente queria fazer
com a sua vida. A profundidade do que ele me dizia ia muito além
do que não assumir o posto como Don. Rocco não conseguia lidar
com as outras máfias, não gostava de matar, ou seja: não servia
para ser um made man.
— Você não seria o Don, mas continuaria sendo um made
man, Rocco. — Ergui a cabeça olhando em seus olhos, sem julgá-
lo, deixando que ele visse meu amor e suporte.
— Eu sei.
— Você não queria ter esta vida... Eu sinto tanto, amore mio.
— Apertei-me contra ele e uma respiração pesada o atravessou.
Nossos corações batendo fortes, um contra o outro, a ligação que
eu sentia ficou ainda mais forte.
Dividir comigo seu medo fazia dele melhor que todos os
homens que eu conhecia. Saber que ele confiava em mim para
tanto aquecia tudo dentro de mim e ampliava o sentimento que eu já
considerava imenso.
— Podemos sonhar, eu e você, filhos, uma casa em qualquer
lugar do mundo, talvez um cachorro.
— Cavalos, embora eu quisesse morar perto da praia. —
Sorriu comigo, entrando na brincadeira para aliviar toda a tensão.
— Uma ilha deserta? — ofereci e desfiz o aperto, segurando
a sua mão perdida com nossos dedos entrelaçados.
— Uma ilha privada... deserta parece meio selvagem e eu
quero uma cama quente e conforto. — Beijou as costas da minha
mão, sorrindo em felicidade plena e eu acariciei seu rosto liso,
admirando-o.
— Seu pai vai voltar atrás... Cesare já assume a maior parte
do trabalho de vocês como se fosse o Capo, não é? — Eu não me
metia nos assuntos, mas a frequência com que Rocco ficava em
casa comigo, enquanto Cesare saía todos os dias, provava que ele
já não era o líder no território.
Rocco se anulava como made man. Cesare o carregava nas
costas. Eu precisava agradecer a Cesare em algum momento.
— Eu espero que sim, não tenho saída... — Sua expressão
ficou muito sombria, o que fez meu coração palpitar com um
pressentimento ruim.
— Sempre tem saída! E você tem a mim, não se perca de
mim! — implorei, agoniada e ele chiou voltando a me abraçar.
— Eu te encontrei — murmurou no meu ouvido. — Quantos
filhos você quer ter?
— Minha família era grande a sua também... gosto da ideia
de um filho só, para ser mimado por todos.
— Eu sou o mais velho, mas você é a caçula... se seus pais
tivessem parado em Graziella não haveria Guillermo ou você, seria
um grande desperdício. — Ele passou o braço sobre os meus
ombros e voltamos a caminhar.
— Também não haveria Nero ou Donna... — Refleti e ele
assentiu. — Você ainda não gosta da ideia de Guillermo com ela,
não é?
— Ele ama a sua prima, vai fazer a minha irmã infeliz.
— Jamais, Guilly é bom, confie em mim.
— Ele é fraco, vita. Eu sei que ele é seu irmão e você o ama,
mas se ele fosse um homem de verdade, um made man, você, sua
irmã e sua mãe não teriam passado pelo que passavam. Se fosse
meu pai fazendo aquilo com a minha mãe ou Donna, eu o teria
matado na primeira oportunidade.
Tentei pensar em como defender Guilly, mas não consegui
pensar em uma resposta rápida o suficiente, porém, fui interrompida
no meio do pensamento. Alguns carros cantaram pneu na pista
próxima à calçada onde estávamos e meu coração quase saiu pela
boca, bombeando com força em meu esôfago. Todos os meus
músculos tensionaram e Rocco se colocou a minha frente, tive
medo de que algo acontecesse com ele, desarmado em praça
pública.
Só quando vi Cesare foi que me tranquilizei, então ele
segurou a camisa do irmão e eu notei uma espécie de selvageria no
irmão plácido e sombrio.
— Que porra você pensa que está fazendo?! — Cesare
berrou com Rocco na frente de homens que eu não conhecia e eu
estranhei a sua atitude.
Cesare nunca berrava, muito menos com Rocco. Ele
idolatrava e amava o irmão e esta era a única certeza que eu tinha a
seu respeito. Notei suas mãos com as juntas abertas e sangrentas e
soube que ele estava descontrolado, havia entrado em alguma
briga.
— Cesare? Calma. Eu não fiz nada — Rocco sussurrou para
ele, preocupado. Segurando o rosto do irmão entre as mãos e
aproximando-se dele, com os olhos trancados um no outro.
Eu podia ver a ligação entre eles como se fosse feita de aço.
Neste momento, eles estavam invertidos, coisa que não acontecia e
me deixou ainda mais aflita. Cesare era o controlado e Rocco, o
caótico. Ou costumavam ser.
Eles respiraram juntos. Meu marido desarrumado e
descabelado, porém, contido, já Cesare, a imagem da perfeição, o
terno e o cabelo alinhados, a barba cerrada bem-feita, mas em claro
descontrole.
Ambos precisavam um do outro... Talvez para sempre. E eu
começava a me conformar em sempre haver essa terceira parte
entre nós.
— Entrem no carro. O Don está furioso, Rocco, furioso. —
Soou um pouco mais tranquilo, mas o tom grave de sua voz ainda
mantinha certa tensão aparente.
— Papá está sempre furioso. Eu só vim passear com a minha
esposa e comer um cachorro-quente de Chicago. Nada demais. Não
fiz nenhuma arte. — Rocco sorriu e o irmão o soltou, ainda
claramente chateado, mas não parecia ser com o meu marido, que
acendeu um cigarro e cumprimentou os homens que cercavam um
perímetro ao nosso redor e chamavam a atenção para nós. Como
se estarmos vestidos em trajes de gala em praça pública já não
fizesse o serviço por si só.
Meu cunhado olhou para mim, questionando-me como fez
naquele dia no vestiário. Mantive meu queixo alto, deixando a
resposta para a sua pergunta silenciosa estampada na minha
expressão.
Eu vou acompanhá-lo aonde quiser que eu vá.
Era a verdade mais certa na minha vida. Eu iria com Rocco,
nem que fosse para o inferno.
CAPÍTULO 30

O casamento de Donna com Guillermo aconteceu em


segredo, pois amanhã teríamos que viajar para Nova Iorque e
assustar Vito Rigori no dia do segundo casamento dele com
Graziella.
Como se tripudiar por roubar a minha noiva uma vez não
fosse o suficiente. Vírus filho da puta, siciliano de merda!
Eu estava pouco me fodendo por ele ter ficado com Graziella
Rigori, o problema era o desrespeito, o roubo. Embora agora, depois
de meses casado com Gaia, eu só pudesse agradecê-lo por ter feito
o que fez. Ainda queria me vingar e nós precisávamos garantir que
todos os homens importantes dele estivessem no mesmo lugar para
que o plano de Cesare, em que Nero e Guillermo tomariam Miami
de volta, funcionasse.
Mamma fez meu pai prometer que eles fariam uma cerimônia
depois, porque Donna era sua única filha mulher e papá tirou dela a
chance de fazer os preparativos como qualquer mãe italiana, mas
Donna não pareceu se importar. Minha irmã estava fascinada com o
marido e a ideia de ir para outra costa não a assustava.
Donna era feita de aço e eu sentiria muita saudade dela. Eu
tinha um mau pressentimento sobre ela ir para longe de nós, eu não
confiava em Guillermo Velacchio, seu sobrenome dizia muito a seu
respeito. Ele foi criado por aquele abutre, foi iniciado como um
membro da Cosa Nostra e havia traído.
Nós não dávamos guarita a traidores, mas Don Lorenzo
achou que por ele ser jovem, poderia manipulá-lo como o pai fizera.
Eu não queria apostar a vida de Donatella nisso, ainda mais
sabendo sobre os sentimentos do seu marido pela prima.
— Vou sentir sua falta — anunciei para ela quando tivemos
um breve momento a sós na pequena reunião dos Spada, um jantar
em família em comemoração à união dos dois.
— Prometa que vai se cuidar... De você e dela, por favor. —
Donna passou um braço nas minhas costas, eu passei o meu sobre
os seus ombros e eu beijei o seu cabelo.
— Ela está bem, Donna. Eu sou o que sou. — Ri amargo,
apertando os dedos no seu braço para pressioná-la contra a lateral
do meu corpo. — Nem consigo mais fazer promessas.
— Rocco... — Minha irmãzinha revirou os olhos em
repreensão.
A verdade é que Gaia havia voltado a fumar maconha e a
beber vinho durante os jantares, mas não estava exagerando. Eu
pedia a ela para se controlar, mas seria hipócrita da minha parte
exigir que ela parasse quando eu não parava. Aquilo acabava
comigo e eu me sentia culpado sempre que a via fumando, o que
me fazia cheirar um pouco mais para me manter sob controle.
Eu previa onde iríamos parar, mas não conseguia interromper
a queda.
Gaia se aproximou de nós e ela e Donna se abraçaram, já
Guillermo se mantinha distante da minha irmã. Eu detestava que
Donna estivesse saindo de casa para um casamento fracassado.
Ele casou para salvar a garota por quem era apaixonado. Não
contei a minha irmã, mas algo me dizia que ela sabia.
— Ele será bom para ela, Rocco. Eles vão encontrar alguma
forma de fazer dar certo. Donatella é a mulher mais forte que eu
conheço. Talvez até mais que Grazzi. E olha que eu comparo Grazzi
a Cesare em muitos pontos.
Olhei-a estranhando o que dizia. Não ouvia Gaia falando de
Cesare. Meu irmão a detestava, embora não a destratasse, as
poucas interações que ambos tiveram foi de enfrentamento
evidente.
— Como?
— Cesare é estável, ele é confiante, gelado e ao mesmo
tempo sereno. Ele tem essa força implícita, como Graziella. Eu
cresci a sombra de uma irmã perfeita, ambicionava ser ela, era
comparada com ela. Eu te entendo, ainda que não seja uma
comparação justa. As pessoas não são iguais.
Engoli em seco sentindo a linha descer horizontalmente. Sem
querer, ela fez o que todos faziam comigo. Por mais que eu
soubesse que Gaia era apaixonada por mim, ainda assim, ela havia
notado que Cesare era a melhor versão de nós dois. Todas as
minhas inseguranças ficaram em alerta máximo e meu corpo não
conseguia relaxar.
Se eu continuasse nessa descendente, não conseguiria sair
da cama para fazer a missão que estava programada para amanhã.
Apenas anuí em concordância e desvencilhei-me dela, indo
para o banheiro social na área comum da casa e puxei um papelote
de um grama. Esvaziei-o diretamente do plástico e antes que me
desse conta, estava puxando outro.
Tentei me conter, mas as palavras de Gaia rondaram a minha
mente como um pesadelo acordado. Eu precisava estar pronto para
amanhã...

Eu não dormi. Eu e Gaia fodemos a noite inteira e meu pai


socou a porta no início da manhã quando eu ignorei Cesare. Nero e
Guillermo já haviam partido, Donna iria depois.
Ao sair do quarto, eles viram o meu estado e papá me xingou
entredentes, mas Cesare apenas averiguou se eu tinha condições
de ir. Eu precisava de mais umas carreiras para aguentar a privação
de sono. Mal lembrava como interagi com a minha família depois
que saí do banheiro, só o que eu lembrava era de ter levado Gaia
para o quarto e cheirado mais, na frente dela. Porra!
Fomos em silêncio todo o caminho até o aeroporto e dentro
do jato, eu consegui tirar um cochilo. Quando despertei, as
lembranças me fizeram querer morrer.
Gaia havia cheirado comigo na noite passada.
Eu estava tão chapado que não a impedi, e nós fodemos até
a exaustão. Ela estava limpa havia meses, só que eu praticamente
esfreguei a porra na cara dela. Caralho! Eu era um merda fodido!
— O que está havendo? — questionou e segurou o meu
joelho que subia e descia sob a mesinha à frente da poltrona que eu
acabara de colocar de volta na posição sentada.
— Gaia voltou a cheirar por minha causa — murmurei para
meu gêmeo. Papá estava distante, com Tino e outros homens.
— Você ordenou que ela voltasse a cheirar? — O cinismo na
voz dele me irritou.
— Não é assim que funciona, porra! Deixa de ser um escroto,
Cesare.
Eu me levantei, pois sabia que ele estava me julgando e fui
para o banheiro cheirar mais e me colocar de volta ao lugar, antes
que eu fizesse alguma merda como brigar com meu irmão pela
primeira vez na vida.
Meu coração batia descoordenado, eu estava trincado, não
conseguia pensar em linha reta e a interna oscilava entre raiva e
desespero. Além da culpa, sempre a culpa. A minha escuridão
rondava meus pensamentos, como um passageiro sombrio,
sussurrando promessas de felicidade se eu procurasse mais drogas,
só que Cesare ficou me observando como uma águia, impedindo-
me de ir cheirar mais.
Chegamos ao local de encontro e a nata da Cosa Nostra já
estava lá. Todos os meus nervos ficaram aguçados e o ódio ao ver
Vito Rigori e sua postura arrogante me deixaram com vontade de
cair na porrada com o açougueiro.
Ele era grande como Tino. Mais alto que eu pelo menos dez
centímetros e pesava muito mais também. Ao seu lado, o irmão
mais velho, crudelle. Precisávamos ganhar tempo para Guillermo.
— Don Rigori. — Papá não conseguia mais ficar sem a
cânula de oxigênio e Vito e aquele irmão dele, observaram a
fragilidade de meu pai com desprezo. Meu ódio subiu em linha reta.
Eu mal conseguia ficar parado. Minha pele pinicava por mais
um tiro e a concentração se tornou muito difícil. A única coisa que
eu conseguia fazer era me impedir de pular no pescoço do Rigori.
Nero e Guillermo precisavam de tempo!
— Don Lorenzo. O que os calabreses estão fazendo no meu
território sem autorização, marcando reuniões como se fossem a
porra dos donos do lugar? — questionou, ácido, exalando uma fúria
incontida que alimentava a minha.
Perdi-me em pensamentos, pensando nas merdas sádicas
que Nero e Cesare gostavam de fazer e nos vídeos que eu via do
próprio butcher. Por que eu não conseguia fazer aquele tipo de
coisas? Eu fui criado para matar, ensinado desde cedo. Era um
made man há dez anos, tinha a minha cota de mortes nas costas,
mas nunca me acostumei ou gostei. Nunca consegui.
Eu queria conseguir quando olhava para Vito Rigori.
— Meu tempo é curto, filho... Eu tenho urgência nas coisas.
— Papá se apoiou no carro e me cutucou, fazendo-me voltar a
realidade.
Engoli em seco, com a boca já sem produzir saliva. Quando
tinha sido a última vez que eu bebi água? Uma espécie de vertigem
me atingia ao ver aquela situação. Eu não tinha que estar ali, não
era o meu lugar no mundo.
Troquei o peso do corpo de lugar, e respirei fundo, voltando
ao meu papel.
— Viemos tratar de negócios. — Cesare tomou a frente. —
Não vamos nos demorar, afinal a sua noiva está aguardando. — A
expressão de tédio do meu irmão não negava o deboche.
Um sorriso maldoso se formou em meus lábios quando vi que
meu irmão acertou um nervo. O açougueiro tinha uma fraqueza na
sua esposa. Ninguém era tão inabalável assim.
— Espero que ela tenha gostado do pornô caseiro que você
nos fornecia. Nós faríamos melhor, mas era o que Luciano tinha pra
mandar... — Cesare também notou a fraqueza e trouxe à tona a
minha piada de merda, infernizando a minha cunhada antes de seu
casamento.
Vito avançou contra Cesare, enforcando-o, mas meu irmão
manteve a calma e puxou o seu bisturi de dentro da manga do
paletó.
Meus irmãos eram doentes fodidos. Cesare não usava a
merda, geralmente, ele fazia as pessoas usarem para ele. Nero era
o que brincava de médico com as vítimas.
Os homens do Rigori mantiveram as armas apontadas para
nós, como sabíamos que aconteceria. Tino ficou tenso dentro do
carro blindado, enquanto o Don estava do lado de fora, era o que
ele precisava fazer para que o plano desse certo.
Foi nessa hora que eu recebi a mensagem de Nero no celular
descartável barato que trouxe para a ceninha. Eles já tinham
recuperado Miami, podíamos acabar com esse showzinho de
merda.
— Nero está em casa, o sangue vai seguir. Talvez eu tenha
enfiado um Spada dentro de Gaia, vai saber... Você pode dizer o
mesmo, Vito? Toda a linhagem Rigori está aqui dentro... — apontei
o óbvio para o babaca que ainda enforcava meu gêmeo, com um
largo sorriso de deboche em meu rosto.
Mostrei o cronômetro de porra nenhuma para ele. Ninguém
acreditou que aquilo funcionaria, mas Vito ficou com medo e o fato
de Tino estar tenso com uma mola repuxada fez com que
passássemos ainda mais credibilidade.
Vito Rigori acreditou que eu explodiria a todos nós. Na
cabeça dele, nós éramos loucos e desajustados. Não estava muito
longe da verdade, mas tínhamos limites.
— Tire a sua faca do meu pescoço e eu te solto. E então
vamos falar sobre que merda vocês vieram fazer na minha cidade,
filhos da puta! — rosnou como o cão que era.
— Funciona para mim — Cesare respondeu, frio, descendo o
pequeno bisturi, deixando-o cair no chão.
O crudelle apareceu ao lado do irmão, puxando-o para trás,
em defesa do seu Don. Ele era o mais velho e eu o invejei. Eu
protegeria Cesare com a minha vida, só não queria o inverso.
— Como é, Salvatore? Como é ser o filho mais velho e seguir
o mais novo, ver tudo o que você tem direito nas mãos de outro? —
Cesare instigou, procurando mais pontos de tensão, mas aquilo era
um gatilho para mim.
— Como é seguir um viciado de merda? Pior, como é limpar
a bunda dele depois de todas as cagadas e saber que será assim
para o resto da vida? Saber que você será uma cadelinha correndo
atrás da diva e que por mais que você tente controlar os incêndios,
ele sempre vai destruir tudo ao redor? Como é ter um sonho que
nunca vai alcançar, Cesare?
Sal tocou na minha ferida e eu fechei o sorriso, engolindo em
seco com a linha oscilando para cima e para baixo
simultaneamente. Ele estava certo. Eu era um peso morto para a
minha família.
Papá ficou tenso, puxando o ar com força, mas a reação de
Cesare foi pior! Ele nunca se mostrava afetado por nada, mas eu o
sentia. O ódio que emanava dele era visível. Os maxilares do meu
gêmeo trincaram levemente, delatando seu sentimento. Um ponto
fraco.
Vito Rigori riu, ele riu do meu irmão!
Enfiou a mão esquerda no bolso, onde o volume de uma faca
estava e caminhou para trás puxando o bisturi de Cesare com o pé.
— Nós queremos Miami para não entrarmos em guerra —
meu pai atirou.
As narinas infladas de Vito e seu pescoço com as veias
saltadas indicavam o quanto ele queria nos matar, mas não
arriscaria morrer no processo. Voltei a rir da sua estupidez. Só que
eu provavelmente não arriscaria a minha vida se fosse ele com a
ameaça sobre nossas cabeças.
— Queremos Miami e Atlanta — falei e gargalhei com a visão
deles recuando.
— Vocês não vieram negociar! — Vito acusou e olhou para
trás, buscando a opinião de seus Capos.
Então se deu conta do que estávamos fazendo, roubando
tempo, e saíram correndo para os seus veículos. Eu e papá rimos
ao ver o plano dando tão certo. Os Spada estavam em Miami.
Fique com a sua noiva, filho da puta, eu peguei o seu
território.
CAPÍTULO 31

Mal voltamos para Los Angeles e meu pai convocou uma


reunião com os Capos. Entramos em um de seus prédios em West
Hollywood e a depressão do pós-efeito da coca, privação de sono
com a linha descendente estavam tomando conta da minha mente.
Nós fodemos com o Rigori, mas o coice que ele nos deu
também foi grande. Cesare ficou mexido, o que me deixou tenso
durante toda a viagem. O silêncio do meu irmão gritava, nós
precisávamos conversar.
Ele jamais quis que eu deixasse de ser o Don, por mais que
eu praticamente implorasse por isso nos últimos tempos. Meu irmão
era leal a mim e isso era um problema, porque a sua lealdade vinha
condicionada à ideia de ele acreditar que sabia o que era melhor
para mim. Mais que eu.
Ser o fardo de Cesare a vida inteira também fez de mim
dependente das vontades dele, tanto quanto das do meu pai, e só
agora eu me dava conta. A aprovação que eu não buscava do meu
pai ou dos outros membros da famiglia era estimada quando vinha
do meu gêmeo.
Eu havia aceitado viver com a certeza de que não servia para
o cargo que foi imposto a mim quando nos tornamos made men com
quatorze anos, ele não. Para Cesare, aquela era a lei da vida e o
fato de eu fracassar representava a ineficiência dele.
Nossa codependência não era saudável para ninguém. Ele
me forçava para cima e eu o puxava para baixo.
Ao mesmo tempo que nos completávamos, também nos
destruíamos. Ele precisava me soltar e ter sua própria vida. Sempre
seríamos irmãos e eu o amava mais do que conseguia mensurar, só
que chegamos a um momento no qual ele não era a minha única
metade e eu conseguia ver o corte da matéria que sempre nos
conectou.
— Papá vai te dar o que você quer. Ele vai anunciar a troca
de herdeiro. — Cesare não olhou para mim, seus olhos trancados
na conversa murmurada de Don Lorenzo com o seu Consigliere.
Suas palavras fizeram meu coração voltar a bombear de
felicidade. Minha bagunça de sentimentos deslocou-se em um domo
para todos os lados. Não consegui conter o sorriso e os olhos de
Cesare se fecharam, cortando sua ligação com o mundo e
trancando-o lá dentro.
Eu estava pronto para deixá-lo ir, ele que não estava pronto
para me deixar...
— Isso é bom, Cesare, você sempre foi o melhor de nós dois.
— Segurei seu antebraço e senti como ele estava com os músculos
tensionados, por mais que sua expressão não demonstrasse nada.
— Você nunca sequer tentou, Rocco. É culpa minha, que
sempre te coloquei em uma redoma... — Virou seu rosto com a
expressão em uma máscara de frieza que eu quase conseguia ver
derreter. Meu gêmeo estava novamente com aquela atmosfera de
raiva como no dia em que descobriu sobre seu casamento
arranjado. — Você nasceu herdeiro, eu nasci para fazer o meu
trabalho e estar lá para você. Isso é antinatural.
— E você está com raiva porque as coisas não estão sendo
do seu jeito... Exatamente como um Don pensaria. — Tentei mostrá-
lo o óbvio, mas ele apenas se levantou da cadeira ao meu lado e foi
até o bar, enchendo uma dose dupla de uísque.
Observei seus ombros rígidos. Cesare estava muito fora de
si. Este não era seu habitual, meu irmão não demonstrava emoções,
mas desde que ouviu Salvatore Rigori falando sobre mim, algo
mudou. Foi como se ele tivesse tomado um choque de realidade e
finalmente se desse conta do óbvio.
Quando vinha de mim, ele pensava que era besteira, coisa de
um irmão drogado que precisava de cuidados, mas ouvir de nossos
inimigos como eu era visto o fez perceber que eu estava certo.
Rocco Spada jamais deveria ser o Don. Eu não nasci
primeiro, fui retirado primeiro, havia uma diferença. O peso da coroa
sempre foi leve para ele, o meu peso é que era demais. Só que ele
me carregaria com coroa e tudo, sem jamais se importar.
Eu não saberia fazer o mesmo por ele. Só o que eu podia
fazer era eliminar o peso extra que eu representava, manter-me a
distância e oferecer alguma paz. Não atrapalhar já era ajuda o
suficiente. Ao menos da minha parte.
— Eles chegaram — Giordano Tattaglia anunciou e
posicionou-se à direita de onde meu pai se sentaria.
Mudei-me de cadeira, deixando o lugar do herdeiro para
Cesare. Os olhos castanho-esverdeados de papá focaram em mim
pesarosos, mas eu apenas sorri e aquiesci. Era uma desonra,
anunciar a minha remoção do posto de herdeiro para os demais,
mas eu não me importava, eu merecia.
Ao mesmo tempo, a minha linha interna alcançou um pico de
alívio como eu jamais senti e precisei conter a ansiedade
esfregando as palmas nas pernas da calça para evitar demonstrar o
quanto eu estava nervoso com a troca. Meu peito parecia explodir
consecutivamente no lugar de batimentos cardíacos e minha
audição estava comprometida pelo retumbar em minhas veias. Até
respirar se tornou dificultoso, mas não mais que prender o sorriso de
satisfação.
— Grasso, Moretti, De Stefano — Don Lorenzo
cumprimentou seus Capos e anuiu para os filhos deles que os
acompanharam também.
Meus primos, Marco Moretti e Vicenzo Grasso, os herdeiros
de San Francisco e Washington, respectivamente, observaram a
minha troca de lugar com Cesare com olhos estreitos. Já Amadeo
De Stefano abriu um sorriso debochado que tentou manchar a
minha felicidade, mas não permiti.
Cesare seria o Don dele e o faria aprender respeito do modo
antigo: juntas sangrentas e um sorriso no rosto.
— Sentem-se, temos assuntos a tratar. — Papá fez um gesto
de mão e sentou-se, tossindo um pouco e puxando o ar pela cânula
de oxigênio. — Pensando no futuro desta famiglia, tomei algumas
decisões recentemente.
— Vejo que decidiu remover o seu herdeiro para o território
de L.A. — Tiziano De Stefano atirou, olhando diretamente para mim.
Amadeo prendeu uma risadinha.
Fechei os punhos sobre a mesa e Cesare tocou a minha
perna, mas a sua mandíbula estava trincada, como quando o
crudelle de Nova Iorque falara de mim. Fechei os meus olhos e
tentei me controlar para não estragar ao menos uma reunião na qual
eu comparecia. Poderia muito bem ser a última, eu torcia muito para
que fosse.
Este momento precisava acontecer. Eu já sabia que seria
provocado e ofendido. Só que o fato de Cesare também estar
sentindo emoções violentas tão perto de mim começava a fazer a
minha linha de tranquilidade tomar uma curva convexa para a raiva.
Não daria nada certo.
Ao menos uma vez, eu precisava manter a calma, só uma
vez, porra!
— Esta é uma delas, sim. Qualquer filho meu serviria para
comandar a ‘Ndrangheta, mas Rocco não tem interesse em ser o
Don. Cesare ou Nero podem assumir o seu lugar. Eu escolhi
Cesare.
Papá foi benevolente em seu discurso. Nem eu e nem Nero
tínhamos condições de sermos o Don. Eu era uma bagunça e Nero
era extremamente agressivo, nós viveríamos em guerra se algum
dia ele precisasse assumir.
Apenas Cesare servia. Ele era perfeito para liderar.
— Se é assim, se qualquer um pode assumir, meu filho tem
condições também. — Tiziano continuou a perturbar.
Os olhos de guaxinim do babaca, com olheiras pretas ao
redor; seu cabelo com as mechas brancas nas laterais e o terno
caro não lhe davam aparência de um Capo. Ele parecia apenas um
carcamano do tipo que deveria servir para sempre. Amadeo ia pelo
mesmo caminho, a cara da plebe, e eu conseguia imaginar o
desespero de Donna, casando-se com um potencial inimigo, o
Velacchio, ao invés de ir parar naquela família.
— Nós somos os líderes da famiglia, Tiziano. O que a sua
‘Ndrine tem para oferecer? — O tom condescendente de papá não
passou despercebido e tio Bruno riu alto o suficiente para todos
ouvirem, o que fez o Capo de Vegas virar o rosto para o Moretti,
irritado.
— Para início de conversa, o meu herdeiro não causou a
quebra do acordo com os nossos fornecedores mexicanos por
pirraça, e nem nos causou uma guerra com a BRATVA de Malkin
por um erro, enquanto estava drogado.
Levantei-me, enfurecido, mas Cesare me segurou pela
jaqueta, impedindo-me de voar no pescoço daquele miserável. Se
eu fosse um cão raivoso, estaria espumando pela boca neste exato
momento. Meus punhos cerrados coçavam para serem lançados
repetidamente na cara daquele filho da puta.
Eu não confiava em Tiziano, cães de rua eram mais leais que
ele. Eu conseguia sentir a vibração ruim. A qualquer minuto o céu
fecharia e a chuva de merda cairia sobre esta mesa.
— O seu herdeiro ofereceu as drogas e a luta com a qual a
guerra com a BRATVA se iniciou. Se ele fosse o Don, seria o
mesmo que nos jogar no fogo... consegue compreender aonde eu
quero chegar? — A voz sombria de Cesare passava longe da
calma, mas provavelmente ninguém além de mim e meu pai notaria
a diferença.
Aceitei a defesa do meu irmão, eu precisava me controlar,
precisava suportar e passar por esta última provação. Minha mente
sóbria, pela primeira vez em muito tempo, soava como um alarme,
exigindo que eu mantivesse a boca fechada.
— E a minha ‘Ndrine ainda tem mais a oferecer que qualquer
outra. — Papá retomou a palavra e a atenção para si. Eu me sentei,
estalando minhas juntas dos dedos ao ponto de doerem, as pernas
agitadas alternadamente para cima e para baixo. Implorei por
dentro: “só mais um pouco...” — Nós temos a aliança com a Outfit e
hoje pela manhã, conquistamos o território de Miami para esta
famiglia. O que você fez, além de perder parte do seu território para
Malkin, Tiziano?
— Miami? — Grasso arregalou os olhos enrugados ao redor.
Nicolo Grasso era ainda mais velho que meu pai, mas não
largava o osso. Vicenzo teria que arrancar o cargo dele às
dentadas, em seu túmulo. Algumas pessoas simplesmente não
sabiam a hora de passar o bastão, poder as consumia ainda em
vida.
— O garoto Velacchio está ligado a mim, ele é minha família.
Enquanto conversamos, minha filha está indo para a sua nova
residência, na costa Leste, para se juntar ao seu marido, o Capo de
Miami, o novo território da ‘Ndrangheta. Em breve, Cesare se casará
com a irmã de Raul Romani, selando o acordo que fiz com a outra
famiglia. O que vocês estão fazendo pelo bem da ‘Ndrangheta, além
de apontar erros?
Ao ouvir papá falar de sua noiva, Cesare apertou os dedos no
tecido da minha jaqueta ainda mais. Eu sequer tinha notado que ele
ainda me segurava. Desta vez, ele não me segurava para que eu
não fizesse algo errado, ele se segurava em mim para que ele não
perdesse o autocontrole. Toquei a sua perna sob a mesa e meu
gêmeo virou o rosto para mim. Os olhos dele estavam com as
pupilas dilatadas de ódio.
Cesare tinha um ponto fraco na sua futura esposa. Aquilo não
era nada bom.
“Calma”, era o que o meu olhar pedia a ele, e essa foi a
segunda vez na vida em que nós invertemos os papéis por um
breve segundo.
— Você realmente confia em um siciliano, Lorenzo? —
Nicolo, Capo de Seattle e primo do meu pai, riu em deboche. Don
Spada puxou o oxigênio com força pelas cânulas.
— Ele é um traidor para eles, por conta do que o pai fez. Os
sicilianos nunca o perdoariam. E ele não ficará sozinho por lá...
Todos os meus filhos têm condições de comandar... — Giordano, o
Consigliere, abriu um sorriso e ele e meu pai trocaram um olhar.
Eles estavam falando de Donna? Ela era uma
manipuladorazinha, mas estava fascinada pelo Velacchio. Meu pai
devia ter tomado alguma precaução para garantir que o Velacchio
continuaria fiel.
— Então é isso, senhores. Acredito que parabéns seja a
palavra que vocês falharam em dizer, mas não vou guardar rancor.
O futuro Don será Cesare Spada, a minha ‘Ndrine permanecerá no
poder.
— Não acredito...
— Chega, Tiziano! — meu tio Bruno Moretti, o Capo de San
Francisco, interrompeu. — O garoto tem a minha lealdade e a de
meu filho. Você quer tentar a sorte sem as nossas fronteiras?
De Stefano teve a ousadia de olhar para Grasso como se
esperasse suporte. Grasso estava isolado, envolto pela terra morta
onde a Yakuza, Tríade e toda a sorte de gangues e máfias faziam
seu trajeto de drogas pelo Oregon e Idaho. Se tentasse contornar
por cima, teria que passar pelos canadenses e seus impostos, para
depois acertar precisamente na Outfit, que era aliada a nós. Grasso
estava cercado e o território do De Stefano vinha sendo alvejado por
Malkin. Ele não tinha força agora.
No fim das contas, a guerra que eu arrumei foi um benefício
para a minha família. Malkin nos fez um favor quando colocou o alvo
na minha testa, ele mantinha a minha famiglia na coleira dos Spada.

Depois que chegamos em casa, eu me sentia pisando em


ovos ao redor de Cesare e meu pai. O que eu faria agora que já não
tinha o peso do mundo nas costas? Eles não precisavam de mim
para absolutamente nada!
Meu pai poderia finalmente se aposentar e entregar o bastão
para Cesare, Tino seria um Consigliere muito melhor que eu, Nero
conseguiria lidar com o território de L.A. Eles não precisavam de
mim! Eu não precisava continuar levando esta vida que odiava.
— Preciso conversar com vocês.
A expressão surpresa do meu pai ao me ver sóbrio pela
primeira vez em anos foi a força que eu precisava para dizer as
palavras que sabia que ele não gostaria.
Eu estava tomando esta decisão sóbrio, com calma e uma
certeza profunda em meu peito. Fechei as mãos em punhos
controlando as tremedeiras da abstinência e nervoso, engoli em
seco um pouco inseguro e olhei para Cesare buscando a
tranquilidade que eu jamais teria.
No entanto, Cesare não me passou tranquilidade. Meu irmão
não era nada senão um estrategista, um maldito jogador de xadrez
que antecipava jogadas e sua irritação impulsiva me colocava em
um caldeirão fervente. Mesmo sem ele, consegui encontrar força
para prosseguir com meu intento.
Adentramos o escritório, apenas nós três e eu aguardei que
meu pai estivesse sentando-se para começar a falar.
— Eu quero sair. Quero deixar de ser um made man.
— Não! — Papá socou a mesa do escritório e se deixou cair
na cadeira atrás dela. Cesare comprimiu os lábios, demonstrando
mais uma vez a sua ira.
Ele já sabia que era isso que eu realmente queria. Meu irmão
me conhecia mais que a mim mesmo. E hoje era o dia em que eu
me libertaria de todo o meu inferno em vida.
— Papá, eu nunca fiz nada bom para esta famiglia, sequer
para a nossa família. Vocês precisam se livrar do peso morto que eu
represento.
— Você não é um peso morto! — Cesare rosnou para mim.
A atmosfera animalesca rodeava meu gêmeo. Hoje era o dia
que testaria todos os seus limites, eu sabia. Era o pior pesadelo de
Cesare, o meu sonho de liberdade.
Aparentemente, ele não sabia lidar com a minha segurança.
Cesare só conseguia se manter centrado quando eu estava uma
bagunça. Aquele era o nosso equilíbrio e um leve movimento na
balança o desestabilizava. Pela primeira vez em nossas vidas, eu
estava tomando uma decisão coerente que não partia dele e ia
contra tudo o que ele acreditava.
Ele não queria me deixar partir. Não conseguia. Só que para
ser o Don, ele não podia continuar me carregando por aí. Ele teria
problemas o suficiente com duas organizações em guerra contra a
famiglia. Um irmão desajustado e incompetente não tinha que vir no
pacote.
Precisávamos cortar esse cordão umbilical, deixarmos de ser
os gêmeos siameses que sempre fomos. Na verdade, eu era o
tumor dele, como um câncer.
— Cesare. Você não precisa de mim como eu precisava de
você. Admita. Valentino é melhor que eu para ser seu Consigliere e
Nero pode assumir L.A. Esta família não precisa de mim. Vocês
tentaram me proteger a vida inteira e eu só falhei. Chega...
— Não! — Foi a vez de Cesare gritar. — Como seu futuro
Don, eu não autorizo você a sair da famiglia. Você fez um
juramento, está ligado à omertà como qualquer um de nós.
Meu irmão avançou para mim, segurando a lapelas da minha
jaqueta e seus olhos arregalados me deixaram temeroso do que eu
estava fazendo com ele e, ao mesmo tempo, a sua ira levava a
minha racionalidade pelo ralo.
— Você não é meu Don! Eu vou sair, Cesare! — Empurrei
seu peito, mas ele não me soltou, colando a testa na minha. Os
dentes à mostra, a respiração pesada em meu rosto e uma raiva
espiralando entre nós como eu jamais imaginei.
Estávamos prestes a brigar fisicamente!
Nós nunca brigamos ou sequer discutimos. Nunca!
— Você. Não. Vai. Sair! Vai ficar, até morrer, como qualquer
um! — A fala saía em lufadas furiosas e a ordem direta, agressiva,
conduziu minhas mãos para seus ombros, tentando afastá-lo de
mim.
— Parem vocês dois! — meu pai berrou, mas nós estávamos
fora de controle.
Empurrei-o com toda a força, fazendo-o me soltar. Meus
músculos tensionaram-se para a luta, os punhos dele cerrados.
Então Nero entrou na sala, sua expressão diferente da maníaca de
sempre. O humor sombrio que emergia do meu caçula entranhava
sob a minha pele e observar o dedo em riste de Cesare apontado
para o meu rosto era como pólvora jogada no fogo.
— Que porra está acontecendo? — Nero olhou para nós dois,
as sobrancelhas vincadas no centro.
Isso ficaria muito pior. Olhei para meus irmãos, para o meu
pai e compreendi. Eu não passava de um objeto ali. Um projeto
familiar para me manter ligado a esta família. Preso, contra a minha
vontade. A redoma de proteção que sempre me envolveu também
era minha prisão.
Livre-arbítrio foi oferecido por Deus, mas não era para os
Spada. Nós nascíamos e morríamos por esta família.
— Vai se foder, Cesare!
Saí do escritório batendo as portas e fui direto para a minha
parte da mansão buscar Gaia.
Não pediria autorização. Pedi a vida inteira, forcei-me a tentar
ser o que eles queriam por uma vida inteira! Agora era hora de fazer
o que eu sabia ser o certo.
CAPÍTULO 32

Rocco apareceu no nosso quarto esbaforido, frenético, os


olhos arregalados e a respiração rasa. Bateu a porta atrás de si,
despertando-me. Esta manhã, quando ele saiu, parecia bem, apesar
de não ter dormido nada.
Depois que saímos do jantar com a sua família, para
comemorar o casamento de Donatella com Guilly, nós viemos para
o quarto comemorar como se a lua de mel fosse nossa.
Acabei fazendo umas carreiras com ele e mais algumas
durante o dia. Culpava-me por ter cedido, por não ter resistido à
mare cheia e ter me deixado cair novamente. Mas não podia
demonstrar na frente de Rocco ou ele se culparia. Estava exausta,
física e emocionalmente, só que ao vê-lo daquela forma, todos os
meus nervos ficaram em alerta, despertos e prontos para reagir a
qualquer situação.
— O que aconteceu?! — Levantei-me da cama, apavorada,
uma onda gelada desceu pela minha espinha, observando-o vir até
a mesa de cabeceira, retirar um papelote de cocaína e virá-lo sobre
a bandeja espelhada onde costumava ficar a garrafa de água, mas
que agora era usada apenas para aquele fim.
Rocco enrolou uma nota que retirou de seu bolso e puxou as
carreiras que ia distribuindo até que abriu outro papelote, repetindo
o processo, deixando-me aflita. Ele raramente cheirava tanto de
uma só vez.
— Vá fazer as malas, estamos indo embora!
— Embora?! Para onde?! — Minha voz saiu tremida ao vê-lo
direcionar-se, impaciente, para o closet, puxando as malas dos
compartimentos superiores e jogando-as no chão com estrondos
altos.
— Não sei, Gaia! Você vem comigo ou não?! — Virou-se para
mim, encontrando-me assustada. Segurou meu rosto entre as mãos
com um pouco mais de rudeza que o seu habitual. O nariz com pó
ao redor de ambas as narinas avermelhadas, as pupilas dilatando-
se e um desequilíbrio interno que perpassava dele para mim em
ondas cruas. — Vem comigo, mia vita, eu preciso de você. Por
favor, Gaia! — Beijou minha boca com ferocidade a ponto de fazer
meus lábios arderem.
Segurei os cabelos de sua nuca, oferecendo-lhe o que
precisava: meus lábios, meu corpo para abraçar, meu coração que
sempre o pertenceu e a minha vida. Naquele beijo, eu lhe prometia
ir até o inferno ao seu lado. Estaríamos juntos para sempre no que
quer que fosse. Para a vida ou para a morte.
Nós nos encontramos na vida.
— Eu vou.
Saímos de casa com apenas duas malas pequenas contendo
uma boa quantia em dinheiro e roupas para alguns dias. Rocco não
me contou seu plano, mas nos guiou em um caminho saindo de
Beverly Hills como se fôssemos para o centro de L.A.
Era um caminho que eu havia feito pouco nos meses em que
morava na cidade. Atrás de nós, um carro com os seguranças nos
seguiu até entrarmos em Chinatown. O carro piscou algumas vezes,
como se ordenasse que ele parasse, mas Rocco apenas acelerou,
avançando um sinal.
O som das buzinas e a celeridade das ações, somada à
aceleração do veículo em que estávamos fizeram meu coração
bater como pequenas explosões. Só então a realização me bateu:
Estávamos fugindo!
— Rocco, para onde estamos indo? — Minha voz saiu
ofegante e tremida. Comecei a olhar para trás, observando que o
SUV que nos seguia não estava mais à vista.
As luzes de outros faróis se misturavam, vermelho e amarelo
era a única coisa que eu enxergava com as lágrimas que se
formavam em meus olhos. Todos os carros passaram a ser
possíveis perseguidores. Meu nível de paranoia se elevava a cada
batida acelerada do meu coração, pulsando em minha garganta.
— Ainda não, vita. — Segurou minha mão com força por um
instante, antes de tornar a segurar o volante e girá-lo em uma
velocidade impressionante, como um piloto de corrida faria.
Os olhos de Rocco estavam brilhantes e eufóricos, dobrando
esquina após esquina, despistando quem quer que pudesse estar
nos perseguindo. Paramos em um beco estreito, atrás de um
restaurante com um cheiro gorduroso que me deixou enjoada.
Rocco pegou as malas sem me dizer mais nenhuma palavra. Sua
agitação deixava os meu pelos eriçados e a tensão em meu corpo
não aliviava, muito pelo contrário.
Apenas desci, sem que ele precisasse pedir, e nós
praticamente corremos até uma outra esquina. Ele fez sinal para um
táxi, sequer colocou as bagagens no porta-malas, jogou uma no
banco da frente, embora o motorista tivesse protestado, e a outra
atrás conosco. Foi indicando um caminho aleatório para o motorista.
Pegou o celular de seu bolso e atirou pela janela, então pediu o
meu. Minhas mãos tremiam tanto que ele teve que arrancá-lo dos
meus dedos enrijecidos.
Seu rosto transformado em uma máscara de nervosismo não
me acalmava e o pós-efeito da cocaína deixando meu corpo,
levando-me em um redemoinho de desespero.
Eu precisava de um tiro.
— Vai ficar tudo bem. Você confia em mim? — Aqueles olhos
frenéticos, com as pupilas dilatadas ao extremo pertenciam ao amor
da minha vida.
Embora todos os meus instintos de sobrevivência me
dissessem o contrário, todos os alarmes e bandeiras vermelhas
estivessem estendidas diante dos meus olhos, aquiesci e recebi um
beijo na testa.
A cada quilometro de cidade que nós nos afastávamos das
partes bonitas e glamourosas de Los Angeles, o cinza e a escuridão
encobria tudo o que víamos nos arredores. As paredes ganhavam
pichações e grafites, o verde das plantas foi substituído pelas cores
vibrantes de luzes artificiais coloridas e as casas esparsas tinham
grades de metal como cercas, ao invés dos grandes muros altos das
mansões de Beverly Hills.
Moradores de rua e homens com aspectos aterrorizantes
eram as únicas pessoas nas ruas na parte da cidade em que ele me
levava. Eu não fazia ideia de onde estávamos, mas o taxista reduziu
a velocidade quando Rocco o ordenou que dobrasse uma esquina
específica.
— O senhor tem certeza de que é aqui? — A voz trêmula do
motorista me deixou em agonia. Minha pele se arrepiava de pavor
inconsciente, mas eu confiava em Rocco.
— Não vou te roubar, nem eles. Eu vou pagar o dobro para
que você engula o seu medo e me leve até a porra do lugar que eu
estou te dizendo para ir! — meu marido rosnou, debruçando-se
entre os bancos da frente e encarando o homem pelo retrovisor.
— Rocco, calma — pedi, segurando seu antebraço rígido
pela tensão. As veias saltadas de seu braço tatuado pulsavam sob a
minha palma, em conjunto com os meus batimentos acelerados.
Mas se faríamos isto, fugir da máfia, ele precisava que eu
fosse a sobriedade que ele sempre buscou em Cesare. Não fazia
ideia de onde eu tiraria forças para sê-lo, mas precisava tentar.
Muitos homens latinos com tatuagens no rosto e pescoço,
além de cabeças raspadas em alguma parte, observaram o táxi
parar em um local que parecia uma loja automotiva falida com
diversos carros estacionados na entrada e próximos à calçada.
Nós descemos e assim que Rocco retirou a mala da frente,
entregou o dinheiro ao taxista, que sequer fez o retorno, foi embora
de ré, em velocidade. Engoli em seco, observando a nossa chance
de sair dali com o coração apertado.
— Você está muito longe de casa, Spada. — Um dos homens
veio até Rocco, encontrou-se conosco no meio-fio.
— Eu quero um carro que não possa ser rastreado e uma
passagem livre para o México. Fale com seu chefe, estou com
pressa.
O Rocco diante de mim era diferente do que sempre vi. Ali
ele parecia um made man, olhando para aqueles homens com
arrogância, como se pudesse ordenar suas mortes em um piscar de
olhos. Vê-lo daquela forma não me assegurou de nada, apenas me
fez estremecer.
Isso era um pesadelo, estava mesmo acontecendo?
O homem deu um sorriso zombeteiro e começou a falar em
espanhol rápido demais para que eu compreendesse qualquer coisa
ainda que eu falasse a língua. Eles usavam gírias que eu
desconhecia e o sotaque de alguma região específica dificultou a
compreensão.
Pelo pouco que eu compreendi, ele dizia a um de seus
homens que arrumasse um carro, o resto passou despercebido. O
que não passou despercebido foi quando Rocco comprou mais
drogas. Entre elas, heroína, além de cocaína e M.D. Em questão de
minutos, um carro apareceu e um garoto, mais novo que eu, sem as
tatuagens que os outros tinham, desceu do banco da frente
entregando a chave do carro na mão de Rocco.
— Entra no carro, vita, deixa eu resolver isso. — Rocco
entregou as drogas na minha mão e colocou as malas no porta-
malas, terminando a conversa com o homem aos sussurros.
De dentro do carro, eu olhava para trás, pelo vidro traseiro. O
homem fez alguma ligação, enquanto Rocco colocava coca na mão
e fungava com força. Olhei para o monte de drogas que eu joguei no
porta-luvas e peguei um comprimido de M.D., eu precisava relaxar
ou esta noite nunca teria fim. Engoli um, como se fosse bala,
torcendo para fazer efeito depressa.
Ao fim da ligação, o homem pegou um embrulho com um
valor considerável de dinheiro de Rocco e então meu marido
contornou o carro e bateu a porta com força ao se sentar no
motorista. Eu ainda estava tensa, mas tomar outro M.D. me
desligaria a ponto de eu não estar presente para ele. E eu precisava
estar.
A pessoa caótica que Rocco havia se transformado desde
que chegou em casa esta noite enfiou a chave na ignição, girando-a
e acelerando automaticamente.
— O freio de mão, Rocco... — Lembrei-o, pois o som do
motor forçando a si mesmo a andar apesar de preso, agitava os
meus sentidos mesmo que eles estivessem começando a ficar
dopados.
— Eu não posso mais, Gaia. Não posso mais viver desse
jeito! — Socou o volante e me assustou. Soltou o freio de mão e o
carro cantou pneu com a aceleração que ele impunha.
— O que aconteceu? — Acariciei seu ombro e pescoço,
tentando fazer com que ele se acalmasse. Não estava funcionando.
— Assim que chegamos de Nova Iorque, meu pai fez uma
reunião com os Capos, Cesare é o novo herdeiro. Eu pedi para sair,
eles não precisam de mim...
Sua voz estremeceu como se ele fosse chorar, mas a
mandíbula trincada exalava fúria. Ele brigou com a família. Os
Spada podiam ser caóticos, um vulcão em erupção, mas eles se
amavam e isso era uma verdade absoluta. Aquela família não era
como a minha. Cada um dos irmãos Spada levaria uma bala pelo
outro.
Eu amava Graziella e Guillermo com toda a força que eu
tinha dentro de mim, mas nós nos separamos. Cada um seguiu seu
rumo. Rocco nunca pretendeu deixar sua família, seus irmãos...
Cesare.
— Você queria continuar sendo o herdeiro?
— Não, vita. Nunca quis. Sempre foi Cesare. — Respirou
fundo e acelerou ainda mais, entrando em uma pista interestadual
que eu não consegui ler nenhuma placa.
Rocco dirigia como um homem louco, cortando a todos,
ziguezagueando entre os carros e me deixando temerosa pela
nossa segurança física.
— Coloca o cinto, por favor — pedi, torcendo para que ele
não notasse a tensão em minha voz.
— Coloca você. Eu não me importo. — Ele estava falando
sério.
Já não era a primeira vez que eu o ouvia insinuar que não se
importava em viver. Ouvir aquilo era como uma das surras de papá.
Eu não conseguia compreender.
— Eu preciso de você, amore mio, diminui, por favor. — Foi a
primeira vez que ele me olhou desde que entrou neste carro.
Inspirou profundamente e tornou a olhar para a pista. — Nós vamos
para onde você quiser, eu e você. Teremos um futuro juntos.
Faremos qualquer coisa. Você não precisa mais viver da violência,
não precisa mais ser um made man. Vamos ficar em paz em
qualquer lugar do mundo. Eu e você.
Acariciei sua nuca e senti quando a tensão aliviou um pouco.
Subi os dedos pelo seu cabelo, com delicadeza, comprando-o com
meu carinho, com meu amor. Ele reduziu para a velocidade dos
outros carros. Fechei os olhos por um instante, aliviada, pensando
que pela primeira vez eu era a sobriedade que ele precisava.
— Nós vamos encontrar uma casinha, perto da praia, vamos
ter filhos juntos e eles vão ser lindos e amados — continuei a falar,
acalmando-o, tirando seu foco da raiva, do nervosismo e trazendo-o
para os meus melhores sonhos. A mão perdida de Rocco encontrou
com a minha, entrelaçando os dedos nos meus. — Você não está
perdido, eu te encontrei.
— Eu te encontrei — repetiu.
Ao atravessarmos a fronteira, sequer fomos questionados.
Fora isso que Rocco havia comprado com aquele mexicano quando
pegamos este carro. Os homens na baia entre os países avistaram
o carro e Rocco apenas os olhou por uns instantes, então eles nos
deixaram passar.
México. Eu nunca havia ido até o país vizinho do meu novo
lar. Quer dizer, meu antigo novo lar. Agora meu lar seria onde Rocco
estivesse.
— Por que o México?
— Não podia ir para o Norte, é território do meu tio Bruno, o
Capo de San Francisco. Eles nos reportariam para meu pai. E o
Leste é pior ainda. Nevada é território de Tiziano, e está cheio dos
russos que querem me matar, assim como o Arizona, que é território
de Malkin, chefe da máfia do cara que eu matei naquela luta,
lembra? Ele que vem atacando a minha família por minha causa,
vita. Eu devia me entregar...
— Não, Rocco! Não diga isso, por favor! — interrompi-o,
aflita. Então recordei o pouco que eu sabia sobre a situação dos
calabreses nos últimos tempos. — Mas os mexicanos também não
estão atrás de você?
— Eles apenas cortaram relações. E eu vou me encontrar
com Diego Herrera amanhã. — Então foi isso que ele quis dizer com
“ligue para o seu chefe”.
— Ele não vai nos dedurar para Don Lorenzo? — Um medo
irracional subiu pela minha espinha.
— Eu vou pedir desculpas e eu só quero uma passagem.
Meu pai não vai entrar em guerra com ele por ter me deixado
passar. Não vou colocá-lo em uma posição que precise me abrigar,
até mesmo por causa do nosso histórico ruim.
Eu não acreditava naquele plano. Depender de um inimigo
para encontrar uma saída era complicado. Mas, aparentemente, era
a única saída. Ninguém deixava de ser parte da máfia, ainda mais
alguém como um Spada. A Omertà que todos seguíamos nos
prendia a esta vida desde que nascíamos.
— É a única saída possível. Vou conversar com Diego, tentar
desfazer parte da merda que eu causei para a minha família antes
de ir, e pegaremos um jato para a Europa, de lá você decide onde
vamos morar, vita. Onde você quiser.
Assenti e uma lágrima escorreu. Iríamos para o nosso
paraíso particular.
Já era madrugada alta quando Rocco estacionou em frente a
um hotel luxuoso em Tijuana. Os vidros espelhados do arranha-céu
me lembravam de Las Vegas e um arrepio desceu pela minha
espinha com as más lembranças. Desta vez, seria diferente.
Precisava ser. Desta vez, seríamos nós dois em um sonho
acordados.
Fizemos o check-in e Rocco usou o nome de Diego Herrera
para não precisar de identificação. Minha animação ao ver as portas
se abrirem para nós sem perguntas feitas foi tranquilizando meus
nervos.
Rocco estava certo. Ficaria tudo bem.
CAPÍTULO 33

Assim que entramos no quarto, Rocco largou as duas


pequenas malas que trouxemos e foi para a mesa com o pacote de
drogas. Ele pegou um papelote de cocaína e virou-o, separando e
enfileirando com o cartão do quarto. O pó branco espalhado ali me
deixou aflita, ansiosa. Cocei meus braços e pescoço, contendo a
vontade por pouco. Eu queria um pouco daquilo, o frenesi, a
ardência... Ele fez duas carreiras e fungou, separando mais duas e
repetiu o processo até acabar com dois papelotes.
Eu peguei mais um comprido de M.D. e tomei para aliviar
completamente a tensão. Nós nos encaramos ainda um pouco
frenéticos da corrida desenfreada desde a mansão Spada até o
quarto de hotel em que estávamos. A noite inteira parecia um borrão
e ao mesmo tempo infinita.
Realmente faríamos aquilo? Realizaríamos o sonho de
sermos apenas nós dois contra o mundo?
— Estamos indo atrás dos nossos sonhos, Rocco? Isso é
real? — Abri um sorriso de orelha a orelha, sem prendê-lo como fora
doutrinada a fazer por grande parte da minha vida.
— Meu sonho é você, o que vier é lucro. — Então meu
marido levantou da cadeira e abriu o seu sorriso com a covinha para
mim. Era aquele sorriso que eu amava, o que fez com que eu me
apaixonasse por ele ainda uma menina, quando ele era proibido.
Rocco sempre me pegava desprevenida quando me dizia
aquelas coisas. Minha insegurança sobre a codependência de seu
gêmeo era um passageiro sombrio em nosso casamento, mas aqui
estávamos nós, sozinhos.
Gaia e Rocco.
O efeito da droga alastrou-se pelo meu corpo, acentuando a
minha libido e fui para ele como se imantada, como se minha vida
dependesse daquilo.
— Você é o meu paraíso, o que me tirou do inferno e eu não
mudaria nada, Rocco, absolutamente nada em você! Vou contigo
para onde for necessário, nada pode nos separar — prometi
veemente.
Minhas mãos foram diretamente para a sua jaqueta,
removendo-a pelos ombros musculosos. Rocco a deixou cair no
chão e eu tracei caminhos conhecidos pelo seu abdômen definido
sob a camisa, erguendo-a ao mesmo tempo em que o acariciava.
Em seguida, foram meus lábios que encontraram sua pele.
Rocco removeu a camisa por trás da cabeça, sibilando
audivelmente quando rodeei a língua nos mamilos com os piercings.
Ele segurou meu rosto entre as mãos por um instante, sugando
meus lábios em um beijo eufórico, direcionando-nos para a cama.
Sem demora, desceu o zíper lateral do meu vestido e eu abri o
botão do seu jeans.
Sentei-me na beira da cama, observando-o seminu, tão lindo,
sensual, agigantando-se diante de mim. As tatuagens, os olhos
azuis acolhedores, em brasa. Meu centro contorceu-se em si
mesmo, enviando espasmos concêntricos através do meu baixo
ventre.
A forma como eu desejava Rocco não era natural. Senti seus
dedos contornando minha mandíbula e descendo pelo meu
pescoço, um pouco mais rudes que o seu comportamento regular
comigo. Nossa conexão de sentidos era fantástica. Eu o trazia para
o limiar como ele fazia comigo.
Entre o bem e o mal. Em queda livre, disformes e
desconexos, ansiando por mais.
Rocco removeu os tênis com os pés e eu me arrastei pela
cama, ajoelhada, retirando o vestido pela cabeça e lançando-o no
chão daquele lugar desconhecido. Apenas a fricção do tecido contra
a minha pele já me deixou preparada. Abri o sutiã sentindo as alças
deslizarem pelos meus braços hipersensíveis pelo M.D.
Meus mamilos já intumescidos e as aréolas formigavam,
ansiando pela boca de Rocco ali. Seu olhar frenético acompanhava
cada movimento meu, enquanto eu deslizava as mãos pelo meu
corpo, arrastando os dedos lentamente sobre os meus seios e
gemendo para ele. Então pelo meu abdômen e baixo ventre.
Naquele momento, toda a minha pele revolvia em antecipação,
aguardando-o perder o controle e vir para cima de mim com tudo.
Nós ganharíamos o mundo, mas todo o meu universo era ele,
era este momento, nós dois.
— Mostra essa boceta pra mim, vita. — A sua voz grave,
soou como uma onda de cocaína, ampliando a minha euforia e
disparando meus batimentos ainda mais.
Deitei-me de costas sobre os lençóis macios e apoiei os pés
na cama, erguendo o quadril para remover a calcinha. Rocco
desceu a calça, enfiando a mão dentro da boxer preta que vestia e
envolveu o membro com a sua mão, masturbando-se lentamente. A
tensão de seus músculos, contendo-se, observando-me, admirando,
enquanto se tocava, fez com que eu gemesse.
Eu me sentia umedecer, mesmo assim levei dois dedos na
boca, melando-os e saliva, e até o meio das pernas, esfregando
meu clitóris em círculos excruciantes, lentos. Rocco soltou um
rosnado gutural e desceu a cueca, fazendo seu membro saltar com
as veias à mostra e a cabeça inchada.
— Eu vou te foder até que todos os nossos sonhos se
realizem, Gaia. — Subiu na cama como um felino, colocando-se
entre as minhas pernas e encontrando a minha boca coma sua.
O restolho de barba arranhou o contorno dos meus lábios e
minhas bochechas, mas a delícia de seus movimentos, do seu pau
roçando sobre os meus lábios vaginais enviava prazer por todas as
minhas terminações nervosas.
Os piercings de seus mamilos roçavam nos meus conforme
ele se movia, tentando encaixar-se dentro de mim sem mirar. Eu ia
segurar seu membro para encaixá-lo, mas Rocco segurou meus
braços acima da minha cabeça, sobre os travesseiros. Seus dedos
segurando as dobras dos meus cotovelos.
— Eu vou te encontrar, vita, relaxa. — E esfregou-se mais,
roçando a cabeça entre as minhas dobras, inchando-me, fazendo
com que eu estremecesse e ondulasse o quadril sob seu corpo
perfeito.
Não conseguia produzir um pensamento coerente sequer
para implorar por alívio. A droga que eu havia tomado fazia a sua
parte, deixando-me submersa em uma constante de prazer, mas
isso ia além, eu estava drogada de Rocco. Ele era a onda perfeita,
meu êxtase completo.
Eu precisava dele como se eu estivesse sangrando e ele
fosse a minha única salvação, precisava senti-lo em minhas veias
como se fôssemos feitos para pecar. Todas as minhas falhas e as
dele se encontraram na vida.
— Por favor, amore mio. Por favor.
— Eu amo quando você implora pelo prazer que só eu posso
te dar, mia vita. — Então, sem as mãos, seu membro rígido
começou a me invadir, de uma só vez, alargando-me ao redor de
sua grossura.
Gememos em uníssono e Rocco continuou a sua penetração
lenta e torturante. Soltou um dos meus braços erguendo meu joelho
até a altura de suas costelas e aprofundando a primeira estocada.
— Tão linda recebendo o meu pau, Gaia, tão fodidamente
linda! — gemeu sobre os meus lábios e começou o vai e vem
acelerado.
Sua pélvis roçando o meu clitóris me colocou em um êxtase
imediato. As convulsões em meu corpo não eram conscientes, eram
espontâneas como uma combustão. Meu corpo ganhou vida própria.
Meu prazer o pertencia, seria dele para sempre, apenas dele, assim
como meu coração.
Rocco era o meu tudo e este momento declarava que eu me
tornava o dele. Este homem abriu mão de tudo o que conhecia na
vida, mas eu fui escolhida para permanecer.
Lágrimas de felicidade e prazer inundaram os meus olhos. Os
sons que produzíamos, o cheiro do seu corpo, nossos suores
mesclando-se, os gemidos ecoando pelas paredes do quarto. Era
tudo intenso, tão intenso que meu coração falseou, como se me
avisasse que aquele tipo de felicidade não deveria vir gratuitamente
assim.
A felicidade que eu sentia com Rocco não era proporcional
ao inferno que meu pai me fizera passar, era como se eu estivesse
roubando algo que não merecia obter. O que eu realmente fiz para
merecê-lo?
Tentei afastar aqueles pensamentos, e as penetrações
profundas, alcançando aquele ponto de prazer no meu interior,
removeram a maior parte das minhas preocupações.
Alcançamos o paraíso juntos, gozando ao mesmo tempo,
mas ele não parou. Com o tanto de cocaína que havia cheirado, não
pararia até estarmos exauridos e o tesão não arrefeceu. Ambos
estávamos sob o efeito de drogas, perdidos em queda livre para o
um abismo. Ao amanhecer, nós encontraríamos uma forma de
tornar o nosso sonho realidade.
Eu e ele fugiríamos pelo mundo, encontraríamos um
lugarzinho em que seríamos apenas Rocco e Gaia, sem
sobrenomes, sem erros, sem expectativas.
Rocco me virou de costas, lambendo a minha pele suada e
deitou seu peso sobre mim, abrindo minhas pernas com as suas
coxas firmes. Então encaixou-se outra vez sem mirar. Seu quadril
esfregava na minha bunda e eu arqueei minhas costas, empinando-
me para que ele chegasse ainda mais fundo. Mais e mais,
incessantemente.
Nunca mais pararíamos.
Olhei-o por cima do ombro, meu cabelo descabelado caiu
sobre os ombros e rosto, colando em minhas costas suadas. Um
punho fechado sustentava o seu peso e o outro apertava o meu
quadril com os dedos que deixariam marcas em minha carne.
Que me marcasse, fizesse de mim sua para sempre.
Rocco impulsionava contra mim e o barulho me fez perder a
concentração. Eu o olhava, sabendo que a expressão de prazer que
ele demonstrava refletia o meu prazer imensurável. Fui invadida por
mais um orgasmo fulminante e meus olhos se fecharam, perdidos
nas órbitas com a sensação do clímax abissal por toda aminha pele.
O líquido quente de seu gozo escorreu da minha bunda para
as minhas costas, ele havia gozado sobre mim. Mas tornou a
enterrar o membro ainda rígido, terminando de ejacular dentro de
mim.
Desceu o corpo e beijou minha bochecha com delicadeza,
deixando os dentes rasparem sobre a maçã do meu rosto, então eu
encontrei a sua boca com a minha e ele segurou meu pescoço,
empurrando-se mais para dentro do meu canal.
— Fodidamente minha.
— Para sempre, Rocco, desde sempre.

— O que você está fazendo? — questionei-o com as narinas


em chamas, depois de fazer algumas carreiras.
Meu cabelo molhado do banho raspava em minha pele,
deixando-a sensível pelos nervos afiados. Ele estava nu, como eu,
sentado do outro lado da mesa com uma colher nas mãos. No
braço, um garrote apertado fazia suas veias saltarem e as pedras
amarronzadas liquefaziam na colher que ele segurava com uma
mão, enquanto a outra segurava um isqueiro aceso.
O cheiro me deixou enjoada, bem como a visão e a sensação
incômoda sobre este momento. Meu coração perdeu uma batida ao
visualizar a seringa e a habilidade dele em puxar o embolo, levando
o líquido para dentro do objeto.
Era a primeira vez que eu assistia Rocco usar heroína. Eu já
tinha visto Charlie e Kate, as amigas modelos que eu fizera
enquanto ele estava na rehab, usando. Elas injetavam no pé, entre
os dedos, para não deixarem as veias dos braços marcadas nas
fotos. Algumas vezes elas erguiam o vestido e perfuravam perto da
virilha. Rocco injetou na dobra do braço e pressionou lentamente até
que todo o líquido estivesse em suas veias.
Separei mais algumas carreiras, observando-o caminhar
cambaleante para a cama. Eu mal conseguia respirar, aflita. Meus
pulmões queimando e a sensação ruim não passava.
— Eu preciso dormir um pouco, senão não terei condições de
me encontrar com o Herreira em algumas horas. Com o tanto que
cheirei, não conseguiria nem fodendo. — Apesar da piada, eu não
consegui sorrir.
Fiquei tensa, como um arco prestes a ser disparado. Puxei
mais algumas carreiras para tentar remover as ideias ruins da minha
cabeça. Ele tinha que estar certo. Tinha que estar. Rocco apagou na
cama em questão de segundos. A expressão tranquila em seu rosto
não conseguia me fazer sentir o mesmo. Um mau pressentimento
me deixava agoniada, como um gato escaldado.
Esfreguei meu nariz ardente das carreiras que fiz e o olhei
novamente. Separei mais duas carreiras para ficar desperta,
preparada para vigiar seu sono, cuidaria dele até que acordasse.
Funguei a... sexta, décima carreira? Eu já não sabia mais.
Só o que eu sentia era como se meu cérebro fosse feito de
fogos de artifício e minha visão ficou afunilada, estranha. Mas
julguei estar apenas muito pilhada, por isso fiz mais uma carreira
para me trazer e volta à consciência.
As duas garrafas de champanhe que tomamos rolaram da
cama quando eu me deitei ao seu lado. A tranquilidade em seu rosto
naquele instante o fez parecer o menino que deveria ter sido antes
de ser imposto àquela vida que ele não conseguia suportar. Eu
precisaria tomar conta dele, como Cesare fazia, mas meus olhos
pesavam demais. Alguém tinha que ficar de olho para que ele não
perdesse a hora do encontro com o Herrera, para que
conseguíssemos a nossa passagem para o paraíso longe de tudo.
Nós encontraríamos paz longe de todo esse mundo de
violência e então ficaríamos limpos para sempre. Eu já tinha
conseguido uma vez, conseguiria de novo.
Minha cabeça parecia que arrebentaria de tanta dor. Mas
minha preocupação com ele me fez usar toda a minha força para
virá-lo de lado. O esforço fez meu peito doer e eu mal conseguia
respirar. Tentei chamar por Rocco, mas meus músculos pararam de
funcionar.
Neste exato momento, a porta abriu e dois homens
gigantescos, com a pele branca, roupas pretas e tatuagens no
pescoço invadiram o quarto com armas apontadas para nós. A
última coisa que meu cérebro registrou foi eu me virar e cobrir o
corpo de Rocco com o meu.
Ele era a minha vida também, eu o protegeria com tudo de
mim.
CAPÍTULO 34

Todo o meu corpo doía e eu despertei no susto, com o


coração palpitando dolorosamente. Meus membros ainda estavam
amolecidos e a mente um pouco nublada. As luzes fortes do quarto
de hotel em que eu e Gaia estávamos fez meus olhos semicerrarem
e eu demorei a conseguir focá-los em quem estava ali dentro,
berrando instruções para mim, sacodindo meu braço.
Havia dois homens vestidos de preto e dois de terno. O
quarto foi invadido. Eu havia perdido a hora do encontro? Herrera
mandou que viessem me buscar?
Não... eles não eram mexicanos.
Minha visão e os outros sentidos voltaram aos poucos. Senti
o cheiro de vômito e urina. Ouvi os homens em preto falando em
russo, um deles estava ao telefone e os dois de terno riam olhando
de mim para Gaia na cama. Minha mulher estava nua, na frente
daqueles homens. Fui cobri-la e notei que o vômito que eu sentia o
cheiro era dela.
Meus olhos arregalaram-se ao observá-la. A sua pele estava
coberta por um suor frio e seus lábios tremiam, assim como as suas
pálpebras. Ela estava convulsionando ao meu lado. Pavor me cobriu
inteiro, despertando-me como uma injeção de adrenalina.
Segurei seu queixo, tentando fazê-la abrir os olhos, mas a
sua respiração já estava fraca. Os lábios azulados e a pele pálida
me deixaram em total desespero. A sensação de impotência
— Gaia, mia vita, abre os olhos! — berrei e os homens riram
mais.
Aqueles mexicanos de merda nos venderam! E tudo isso era
minha culpa. Minha incompetência em ser diplomático, em lidar com
a minha mulher e com meus vícios, com o meu descontrole.
Gaia estava tendo uma overdose diante de meus olhos.
Minha vita, amolecida em meus braços e correndo risco de vida
duplamente. Eu apaguei depois de tomar H., ela deve ter cheirado
mais, misturando com o M.D. e a bebida.
Não, não.
Porra! porraporraporraporra!
O que eu faria da vida sem ela?
— Eu preciso de adrenalina! — gritei e me levantei da cama,
avançando contra um dos russos. Segurei a gola da sua camisa em
descontrole e desespero total.
— O chefe quer falar com você. — Ele ignorou meu estado,
nu e descontrolado, e me passou o telefone. Segurei o telefone com
a mão trêmula.
“Sua esposa vai morrer diante dos seus olhos, e eu vou
mandar a sua cabeça para o seu pai, Spada.” — Era a voz de Igor
Malkin do outro lado da linha.
Olhei para a cama, o corpo trêmulo, lágrimas manchando a
imagem de uma Gaia contorcida, caótica, perdida no inferno que eu
trouxe para a sua vida. Assistir Gaia convulsionar outra vez e
vomitar mais, sufocando no próprio vômito, despertou-me do meu
devaneio de autopiedade.
Corri para ela, largando o telefone na mesa de cabeceira e
virando seu corpo para que ela não morresse. Sua respiração
entrava com dificuldade e a pulsação estava fraca. Eu precisava
trazê-la de volta.
A linha desceu transversal, colocando-me em uma espiral de
desordem e aflição. Meus olhos arregalados ardiam ao vê-la
naquele estado, no estado que eu a coloquei com a minha bagunça.
Eu a matei. Não foram os russos ou os mexicanos como quem eu
iniciei uma guerra.
Se Gaia morresse, a culpa seria apenas minha.
Tudo o que eles fizessem comigo era consequência das
minhas próprias ações, era merecido, como cada surra do meu pai
ao longo da minha vida. Mas Gaia não merecia isso. Ela era
perfeita, sonhadora e eu não podia mais levá-la comigo para o meu
inferno.
Assim como Cesare se agarrava a mim, sem se importar com
as consequências, Gaia fizera o mesmo. Meu domo de
autodestruição valia para qualquer um...
Segurei o telefone com a decisão tomada.
— Você pode enviar cada pedaço de mim para a minha
família, sem retaliação, eu prometo, mas por favor, me deixe salvá-
la. Ela não fez nada para você!
“Natasha quer os dois e vou te dizer que overdose é uma
morte mais limpa do que a que minha irmãzinha pretendia para a
sua esposinha.”
— Malkin, eu imploro. Eu faço qualquer coisa. Minha família
não vai retaliar. Você terá a sua vingança. Sangue por sangue, é o
justo. Mas Gaia não fez nada.
“Garoto, nós dois sabemos que isso não vai acontecer. Seu
pai vai manter esta guerra até o fim dos tempos.”
— Eu vou fazê-lo prometer, Malkin. Por favor, eu imploro!
Faço qualquer coisa! — Chorei, assistindo Gaia ter outra convulsão
e seus lábios azularem de forma preocupante.
As respirações entravam em haustos e todo o seu corpo nu
tensionava em dor evidente. Eu precisava convencer o meu inimigo
a matar apenas a mim e salvar a vida da minha mulher. Nossas
vidas estavam na dependência da boa vontade do Pakhan brutal
que unificou o Sul do país.
“Vou pagar para ver, garoto, mas não esqueça de que você
prometeu ‘qualquer coisa’... Você pediu por isso, Rocco Spada.”
— Qualquer coisa — repeti.
Se havia alguma promessa que eu cumpriria na minha vida
seria essa. Se havia alguém que merecia todo o meu esforço, acima
de qualquer descontrole e da minha vida, era Gaia.
Ela era a minha vida. Minha Gaia, que me deu o máximo de
beleza pura e genuína que eu jamais obtive sozinho. Ela deveria ter
sido o bastante. Se eu conseguisse largar a vida, me dedicar
apenas a ela, meu interruptor de sentimentos ficaria ligado para
sempre na felicidade.
Olhar para ela desta forma: flácida em meus braços,
morrendo... De uma forma ou de outra, eu a libertaria do tormento
que eu causava. Assim como eu fizera com a minha família, eu
protegeria Gaia.
Eu a amava acima de mim mesmo.
“Passe o telefone para o meu Brigadeiro.”
Fiz o que ele pediu e abracei o corpo amolecido dela,
tentando passar o calor do meu corpo. Fiquei parcialmente atento
ao que eles diziam, por medo de Malkin não cumprir a parte dele no
acordo.
Eles conversaram por uns instantes enquanto o outro russo
preparava alguma solução na seringa para injetar na minha mulher.
Vesti calças e a cobri com a minha camisa e o lençol. Então ele
espetou sua veia do pescoço e Gaia abriu os olhos por um instante,
em uma dor aguda. Segurei-a em meus braços, abraçando seu
corpo, enquanto ela tornava a respirar melhor e desfalecia.
Nunca mais, mia vita. Eu prometo e desta vez é real.
Eu nunca mais faria mal a ela. A espiral de culpa me
afundava, mas a certeza de que ao menos um erro eu conseguiria
consertar, mantinha-me seguindo.
Minha morte asseguraria que Gaia estaria livre de sua
perdição. Entrelacei nossos dedos, observando a minha aliança
cortando o “o” em “lost”. Eu já estava perdido, tê-la encontrado foi
um sonho, um bem que eu não merecia. Para ela, foi a pior coisa
que poderia ter acontecido na vida.
— O chefe mandou você ligar para o seu papai e é melhor
que ele venha, porque senão, ela vai direto para Tash. Você não
quer isso para a sua mulher, acredite em mim. Os Malkin não fazem
reféns. — O sotaque pesado do russo e seu deboche não me
afetaram. Não com minha linha descendo em uma transversal de
tristeza e certeza. Nada do que ele me dissesse me afetaria. Meus
impulsos furiosos haviam morrido, desfalecidos em meus braços,
como Gaia.
Ao segurar o aparelho, olhei para os dois homens de terno
com a tatuagem da caveira mexicana nas costas das mãos,
indicando que eles pertenciam aos Herrera, e assenti para o
Brigadeiro de Malkin. Eu havia prometido ao Pakhan do Sul que não
haveria retaliação para os russos. Afinal, sangue por sangue era o
justo, mas para o cartel haveria.
Nero e Cesare me vingariam, e eu os aguardaria no inferno
para finalizar o trabalho. Não era um impulso, era uma certeza.
Disquei os números de Cesare, ele me atendeu no primeiro
toque como se estivesse com o celular em mãos aguardando-me
ligar.
— Eu fui pego pelos russos, acabou para mim. Preciso que
você e papá venham até Tijuana.
“Tijuana? Diego te entregou?” — A ira incontida na voz de
Cesare não me afetou como faria antes.
— Como gado. Conversaremos mais pessoalmente. Gaia
precisa de assistência médica, traga alguém com vocês, por favor.
“Diga a eles que chegaremos em uma hora.”
— Cesare, não é uma guerra. Eu preciso que você venha
depressa.
“Já estou a caminho.”
O som agudo da ligação sendo encerrada foi como a linha
dos meus sentimentos, pela primeira vez, eles estavam em linha
reta e eu conseguia pensar direito. A ira que me dominou a vida
inteira não estava presente. Eu iria para a minha morte sob controle.
Que grande ironia, encontrar equilíbrio a dois passos da
morte.
Deitei-me na cama, abraçando o corpo desfalecido de Gaia.
A respiração sôfrega dela no meu pescoço era o que me dava
garantia de que o meu sacrifício era válido.
— Eles estão a caminho, uma hora, no máximo — avisei a
eles e a mim.
Era o tempo que eu tinha com Gaia antes de partir.
Finalmente o nosso tormento acabaria. Eu me sacrificaria para que
ela sobrevivesse e encontrasse a paz necessária. Ela ficaria
protegida da nossa vida caótica para sempre, eu garantiria aquilo,
com meu último suspiro.
— Eu te amo, Gaia. Você foi a minha vida — murmurei em
seu ouvido, implorando a Deus que ela me ouvisse.
Eu havia dado um banho em Gaia e ela devaneou algumas
vezes, quase chegando à consciência. Nos pequenos momentos
que tivemos, eu reafirmei o quanto a amava e prometi que ela seria
feliz, mas então ela retornava para o estado de inconsciência e meu
coração se partia outra vez.
A culpa digladiava com a raiva...
Raiva de mim mesmo, principalmente.
Eu a levara para aquele mundo, para a sua destruição.
Cesare e papá anunciaram a sua chegada e foram permitidos
a entrarem no hotel e na suíte que havia sido limpo pelo serviço de
quarto. Junto a eles, um médico da famiglia que trouxe consigo o
que precisava para colocar minha esposa em segurança física.
Os remédios que ele injetou em suas veias a deixaram
completamente apagada e o soro intravenoso pingava lentamente.
Os russos nos permitiram uns instantes a sós e eu deixei Gaia no
quarto sendo cuidada pelo médico de confiança, enquanto eu ia
com meu irmão e meu pai para a sala. Os mexicanos que
acompanharam os russos partiram logo assim que eu terminei a
ligação, sabendo que minha famiglia iria atrás deles.
— Eu vou acertar as coisas... convoquei vocês dois aqui para
garantir que o meu acordo com Igor Malkin fosse respeitado.
— Seu acordo? Em nome de que você acha que tem o direito
de fazer um acordo pela famiglia com aquele russo filho da puta?! —
Cesare se descontrolou. O maxilar trincado em raiva, os lábios
prensados. Nunca fomos tão parecidos quanto neste momento.
A imagem desordenada do meu irmão era o que eu via no
espelho quando me sentia uma fraude. O terno aberto, sem gravata,
os primeiros botões da camisa amassada estavam abertos e a
barba sem fazer, com olheiras profundas sob os olhos.
Dar um fim a mim mesmo era necessário para ele também.
Menos um fardo.
— Irmão, eu sei que você é o futuro Don, mas isto não é uma
guerra entre máfias, isto é pessoal. O problema dos Malkin é
comigo. Eu estou tomando a liderança e você vai me obedecer. —
Cesare não gostou das palavras que eu dizia, mas a sua surpresa
foi a maior emoção que ele demonstrou. — Eu cavei esta cova,
chegou a hora de entrar nela.
Papá tossiu, sentando-se em uma das poltronas da sala
adjacente ao quarto. Busquei seu rosto, vendo seus olhos
marejados e ele assentir. Parecia aprovação. A que eu nunca obtive,
mas ganhava seu respeito neste momento. Cesare também viu e se
descontrolou ainda mais.
— Não! Porra, não! — Meu gêmeo segurou minha nuca,
colando nossas testas e meu crânio doía como se ele fosse parti-lo.
Cesare sempre se agarrou a minha vida como se fosse a
dele, era hora de fazê-lo compreender que não éramos mais uma
unidade, que ele podia viver sua própria vida sem carregar um fardo
pesado, sendo o líder que nasceu para ser e sem o entrave
gigantesco que a minha loucura trazia para a sua vida.
Ainda que a única saída para isso fosse a minha morte.
Sempre foi a única saída.
— Eu jurei que não entregaria o meu filho! — Papá puxou o
ar pelas cânulas, tossindo com força.
Desvencilhei-me de Cesare, que começou a perambular pelo
quarto, na certa tentando encontrar uma saída. E ajoelhei-me diante
do meu pai. Não conseguia compreender o tamanho da sua dor,
permitir que um filho morresse não deveria ser fácil. Mas ele
também era o Don da famiglia, e eu era um made man. “Levar uma
pela famiglia” era parte do meu trabalho de vida.
— Don Lorenzo, eu estou levando uma pela famiglia, fazendo
o que qualquer made men faria. Eu quebrei as regras vezes demais
arrumando animosidade com pessoas que não precisavam ter se
tornado inimigos. E eu fiz uma promessa a Malkin, de que a
‘Ndrangheta não retaliaria a minha morte. Deixe que esta guerra
morra comigo. Honre a minha palavra, ao menos uma vez a minha
palavra tem que valer de alguma coisa.
Meu pai negou, embora eu visse o duelo interno em seus
olhos: amor, compreensão, aflição... Neste momento, ele não era o
Don, ele era o meu pai. Abraçou-me e seu corpo estremeceu contra
o meu, em um aperto fraco, o que sua saúde debilitada permitia.
Fui invadido por uma tristeza e saudade imensuráveis,
porque eu fiz aquilo com ele, eu o matei lentamente, forçando-a a
permanecer no poder sem poder me entregar o peso da coroa, por
ser um fraco. Tudo isto chegaria ao fim. Este era o nosso fim, a
nossa despedida.
— Diga a mamma que eu a amo, que ela foi uma mãe
maravilhosa para um filho imperfeito... Donna e Nero... diga que eu
os amo e estou fazendo isso para o bem de todos nós. Pela primeira
vez, estou são o suficiente para ser aquele que lida com os
problemas e não aquele que os causa. Permita que eu seja, papá.
Os olhos castanho-esverdeados do meu pai olharam para
mim orgulhosos e ele assentiu, dando-me tapinhas no rosto. Então
beijou minhas bochechas duas vezes, e se afastou. Levantei-me e
virei-me para aquele a quem seria mais difícil de convencer.
Meus olhos tentaram conversar com a mente conturbada do
que costumava ser uma pedra de gelo: “Deixe-me ir, irmão.”
— Não! Eu não permito! Você não vai se entregar para
aquele filho da puta! Eu tenho homens infiltrados na cidade, vou
matar Diego Herrera e tomar seu território, vamos...
— Cesare — interrompi-o e fui até ele, abraçando-o. Cesare
começou a se debater no meu abraço, mas eu não o soltei. — Papá,
deixe-nos a sós, por favor.
Era a primeira vez na vida em que invertíamos os papéis e eu
sabia o que fazer. Cesare era a bagunça e eu a sua sanidade. Mas
minha decisão estava tomada e era a única saída.
— Não, porra! Não vou deixar, Rocco! Não! — Ele se debatia,
a voz trêmula, o mais perto de um choro que eu já o tinha visto em
toda a vida. Sua dor me atravessava como facadas. Seus punhos
socavam minhas costas e ele me apertava contra si, impedindo-me
de soltá-lo, como se eu fosse fazê-lo antes que ele se acalmasse.
Chiei e prometi que tudo ficaria bem, prometi que ele ficaria
bem, segurei Cesare até que a sua respiração voltasse ao regular.
Ele finalmente me abraçou de volta, com os punhos cerrados em
minhas costas, pressionando minhas costelas e pude sentir seu
coração socando meu peito através de sua caixa torácica,
reverberando em meu corpo, como se fôssemos um só. Ainda
soltando expirações pesadas em meu ouvido.
— Rocco, eu não vou saber... — A fragilidade exposta do
meu irmão não era real. Ele reencontraria o próprio equilíbrio. Eu
precisava acreditar que sim, pois precisava dele para uma última
tarefa.
— Vai sim! Vai sim! — interrompi-o. — Eu ainda preciso de
você. É você quem vai terminar de consertar os meus erros. — Ele
começou a negar e a insegurança na voz de Cesare me alarmou, só
que não tínhamos mais tempo. Os russos retornaram para o quarto,
informando que Malkin havia chegado para me buscar
pessoalmente.
Cesare não me soltou, a fúria que costumava ser minha
exalava de dentro dele como um gás tóxico, em contrapartida, havia
uma paz rondando minha mente.
— Herrera é terreno livre para você depositar a sua raiva,
mas não hoje. Eu preciso que ela fique em segurança... e Cesare...
— Segurei seu rosto entre as mãos, forçando-o a me olhar. Meu
irmão respirava como um animal selvagem engaiolado, as narinas
dilatadas, o descontrole à mostra como se fosse uma fraqueza que
ele jamais havia se permitido. Seu peito subia e descia
violentamente, os olhos avermelhados, injetados de pura fúria e dor.
Eu não tinha mais tempo... — Eu quero que você se case com Gaia
e a faça feliz.
Cesare me empurrou, irado.
— Eu não autorizo! Não vou permitir!
— Não cabe a você, irmãozinho. — Quase sorri, pois jamais
o havia visto daquela forma, como alguém a quem eu precisava
dominar, sempre fomos iguais. — E eu sinto muito nunca ter sido o
irmão mais velho que você precisava que eu fosse. Agora eu estou
te pedindo o último favor. É meu último desejo, Cesare. Corrija os
meus erros. Não deixe a minha mulher afundar! Cuidar dela será
muito mais fácil do que foi cuidar de mim. Gaia é maravilhosa, ela
merecia a melhor versão de nós dois. — Ofereci-lhe um sorriso
amargo e o vi fazer força para não berrar comigo. As veias saltadas
em seu pescoço indicavam que ele perderia a cabeça em breve. Só
que eu não estaria ali para assistir.
Não dei tempo para que ele processasse a informação,
abraçando-o e prendendo seus braços. Os russos estavam
prosseguindo para coletar a dívida que eu os devia: minha vida.
— Prometa — murmurei no seu ouvido. Os russos me
separaram de Cesare antes que ele dissesse qualquer coisa, mas
eu confiava no meu irmão.
Olhei para seu rosto transtornado até que me removeram do
quarto.
Quando eu atravessei as portas sendo levado pelos
capangas de Malkin, escutei o urro furioso de Cesare e barulhos de
coisas quebrando.
Nosso coração fodido estava sendo levado para longe da
nossa insanidade.
Ele precisaria encontrar a sua outra metade em si mesmo.
Pela primeira vez na vida, precisávamos ser dois inteiros, e
era injusto com meu irmão fazer a separação quando eu tinha os
minutos contados e ele teria que viver a vida inteira pela metade.
CAPÍTULO 35

Acordei no quarto do avião com um soro intravenoso na


dobra do meu braço e dor pelo corpo inteiro. Parecia que eu havia
levado a pior das surras de papá. Não conseguia recordar como eu
chegara ali, mas eu reconhecia aquele avião. Era dos Spada. O que
significava que eles tinham nos encontrado.
A última coisa que eu recordava era entrar no quarto do hotel
com Rocco, nós dois naquela banheira, bebendo champanhe e
fazendo carreiras juntos. Depois disso, tudo se transformava em um
borrão disforme de desordem e escuridão. Abri os olhos um pouco
mais e meus globo oculares protestaram, latejando como se fossem
saltar para fora das cavidades, e minha cabeça estava prestes a
explodir.
Arranquei o soro da minha veia, uma fina trilha de sangue
escorreu pelo meu braço e me deu ânsia de vômito, que me forcei a
controlar com muito esforço. Eu vestia uma das roupas que pusera
na mala antes de sairmos da mansão Spada e não lembrava de tê-
la colocado. Além disso, a cama não parecia que havia sido usada
por ninguém além de mim.
Onde estava Rocco? Meu peito doeu com uma sensação
aguda de perda, uma aflição inexplicável.
Levantei-me cambaleante, todos os músculos protestaram
com câimbras em toda a perna, mas as venci, querendo encontrar
meu marido. Alguma parte dentro de mim me dizia que ele não
estava bem e que precisava de mim.
Não me importava com o que tinha acontecido comigo para
precisar de intervenção médica, queria saber dele. Um bolo no
fundo do meu estômago se formou quando segurei a maçaneta da
porta que daria para o resto da nave. Foi naquela mesma porta que
Rocco me dera o meu primeiro orgasmo, foi naquele avião que ele
pediu para prometer que eu o perdoaria de qualquer erro que
cometesse.
Eu havia prometido. Não me arrependia.
Qualquer que fosse o erro, nós poderíamos consertá-lo,
juntos.
Acordar sozinha não era um bom sinal. Um zunido baixinho
apitava em meus ouvidos, crescente, como se me avisasse para
não sair dali.
Girei a maçaneta com as duas mãos trêmulas, meu corpo
ainda muito fraco. A visão foi se acostumando com a luminosidade
do fim do crepúsculo do lado de fora, que invadia o avião e atacava
as minhas retinas, tudo aquilo parecia um mau presságio.
Vasculhei todas os assentos com o olhar. Nos bancos da
frente, meia dúzia de seguranças, as mesas onde Cara Spada me
alertara para não jogar gasolina no fogo de Rocco estavam vazias.
Em um dos sofás, lado alado, Don Lorenzo e Cesare com
expressões vazias, encarando o nada.
O gêmeo sombrio estava sem a gravata e o paletó, com as
mangas roladas, deixando os braços sem tatuagens expostos. A
barba cerrada malfeita, como se não se importasse com a sua
imagem sempre contida. As olheiras escuras e profundas me
assustaram. Sua cabeça pendia entre os ombros e os dedos
estavam avermelhados tamanha força que ele fazia ao segurar o
copo cheio de uísque.
Don Lorenzo olhava para a janela com a expressão vazia,
derrotada e nenhum deles se virou para reconhecer a minha
presença, embora eu soubesse que eles tinham me visto.
Novamente a náusea de antecipação fez meu corpo inteiro
estremecer, como se me preparasse para o pior.
Onde estava Rocco?
— Senta aí, Gaia. Você ainda está sob efeito dos
medicamentos e nós precisamos conversar. — Foi Don Lorenzo
quem falou, Cesare apenas virou o líquido âmbar na boca e se
serviu mais, com as mãos tremendo e finalizando a garrafa.
Cesare não tremia, ele exalava uma espécie de desespero e
desolação que eu sentia vibrando dele para mim. Seus olhos azuis
encontrando com os meus não eram quentes de ira como agora.
Cesare era o gelo, mas agora parecia líquido, disforme.
Obedeci, pois o tom duro do chefe da famiglia não permitia
discussão. E meus lábios se recusaram a proferir a pergunta que
estava rondando minha mente como uma hélice. Como um triturador
prestes a me despedaçar.
Onde estava Rocco? Onde. Estava. O. Meu. Marido?
Cambaleei até o assento, já com os olhos marejados. Os
olhos azuis oceânicos de Cesare encontraram com os meus e um
ódio selvagem foi tudo o que eu consegui sentir. Atravessando-me
como um punhal, sua aversão a meu respeito tinha ganhado
proporções estratosféricas.
Onde estava Rocco? Onde estava Rocco?
OndeestavaRocco?
Meu coração palpitava a pergunta, até se tornar apenas o
seu nome, retumbando em meus ouvidos: Rocco, Roc-co,
R.O.C.C.O!
As lágrimas silenciosas que escorriam dos meus olhos
sabiam a resposta, mas eu precisava ouvir as palavras. O coração
partido que batia acelerado em meu peito se preparava para
interromper seu trabalho assim que eles me proferissem a sentença.
— Onde está Rocco? — sussurrei, perdendo o ar em meus
pulmões quando finalmente fiz a pergunta.
— Rocco ficou... para morrer. Ele se entregou a Igor Malkin.
Vocês foram pegos, porque Rocco é... era um idiota que achou que
conseguiria fugir passando pelo território do desgraçado do Herrera!
— Cesare se levantou e jogou o copo de uísque na parede do avião.
O som do vidro estilhaçando era o mesmo que o meu
coração. Ofeguei e abracei meu corpo, instintivamente, tentando
segurar a onda de dor imensa que me invadiu como se precisasse
segurar minhas partes juntas, impedindo meu coração de voar para
fora do meu corpo e voltar para Tijuana onde meu marido estava.
— Não, não é verdade... — Minha respiração falhou, senti a
visão afunilar com a dor intensa. Se antes meu corpo já estava
dolorido, nada se comparava a esta dor. — Vocês não permitiriam...
Não mintam para mim.
Senti-me tombar para o lado e o couro do assento encontrou
a minha face molhada. Um vazio tentava anuviar meus
pensamentos como se meu sistema nervoso estivesse tentando me
proteger daquele nível de dor.
Meu coração desacelerou, lutando contra a minha vontade de
que ele simplesmente parasse:
RO-CCO! RO-CCO! RO-CCO!
Era o que eu escutava no lugar dos batimentos. O tempo
suspendeu por um instante e eu já não via mais nada, olhando para
dentro de mim, relembrando nossos momentos, seu sorriso, nosso
amor imenso.
— Você teve uma overdose. Ele só nos chamou para te
buscar. E você vai direto para a rehab, garota, porque o meu filho
não vai morrer em vão! Você vai se tratar, nem que tenha que
passar a vida inteira internada. Meu filho não morreu por nada! —
Então Don Lorenzo começou a xingar em italiano e o seu sofrimento
de pai ampliou o meu.
RO-CCO! RO-CCO! RO-CCO!
Gemi no sofá, chorando convulsivamente, todo o meu corpo
em agonia e eu não conseguia parar com as tremedeiras, até
vomitar no chão da aeronave.
Rocco, não, ele não!
Meu paraíso perdido, o amor da minha vida.
A aliança enforcava o meu dedo e eu entrelacei os meus
dedos, tentando recordar a sensação de quando era a mão dele na
minha. Sua mão de perdição me encontrando na vida, oferecendo-
me o céu, após me resgatar do inferno.
Rocco não, meu Rocco.
RO-CCO! RO-CCO! RO-CCO! Meu coração pulsando em
meus ouvidos, acima do som dos meus vômitos.
Senti quando alguém se aproximou e uma picada no pescoço
me deixou entorpecida. Não foi o suficiente para que eu dormisse,
apenas dissipou os pensamentos confusos e removeu a dor do meu
corpo, deixando apenas a angústia pulsante do meu luto.
RO-CCO! RO-CCO! RO-CCO!
As lágrimas ainda escorriam quando Cesare me ergueu,
agora recomposto, com o terno no lugar, suas mãos geladas em
meus ombros enrijeceram todo o meu corpo, mas era apenas uma
reação de sobrevivência, na realidade, eu não me importava. Que
ele fizesse o que quisesse comigo. Aliviasse a ira expostas em seus
olhos, vingasse a morte do irmão em mim.
— Chegamos. Você vai para casa fazer as malas e depois eu
vou te levar para a clínica de reabilitação. — Sacolejou meu corpo,
obrigando-me a olhar para os seus olhos idênticos aos que minha
mente clamava. — Nem pense em desistir de viver, Gaia Spada. Eu
não vou deixar. Ouviu?
Aquela promessa era uma verdade entalhada em pedra.
Cesare seria o capataz do meu novo inferno. Ele me impediria de
encontrar alívio, e eu precisaria dele justamente para aquele fim.
Merecia sofrer por Rocco, pela sua vida desperdiçada.
Meu paraíso foi o pouco tempo que tive ao lado do amor da
minha vida. Agora eu estava em queda livre direto para o inferno.

Los Angeles estava nublada como se estivesse prestes a


chorar pelo herdeiro caído. Como se o céu soubesse que Rocco
jamais tornaria a pisar naquele chão. Pela primeira vez, vi a cidade
exatamente pelo que era: seu calor úmido e as árvores que
ladeavam os caminhos das ruas cinematográficas, que pareciam
vazias do glamour forçado.
Minha sobriedade física e emocional foi o primeiro indício de
que algo fundamental em mim havia sido perdido, havia morrido.
Todos os meus sonhos e imaturidade, toda a minha esperança... a
ingenuidade em acreditar que eu merecia felicidade.
Quantas pessoas passavam a vida inteira sem merecer nada.
Por que eu me achava melhor do que elas? Minha arrogância em
cair de cabeça, minha irresponsabilidade em não ter previsto a
derrocada de destruição em que fomos atirados. Rocco me avisou
que tomava decisões equivocadas, eu fui uma delas.
Agora eu compreendia as verdades nuas e cruas de Paola,
os olhares condescendentes de Grazzi e a vontade de Guilly de me
proteger daquilo tudo. Meu espírito jazia estraçalhado em um estado
pós-morte, enquanto o corpo era empurrado por um Cesare
segurando meu braço, levando-me a reboque para o SUV que nos
aguardava no aeroporto.
O silêncio sepulcral não fez nada comigo. Não havia castigo
suficiente que eles pudessem me dar. O isolamento que foi me
oferecido gratuitamente desde que eu chegara àquela família era
bem-vindo agora. Que me deixassem em qualquer sarjeta, que me
mandassem para onde quisessem, tratassem como a um animal
indesejado, uma dívida herdada. Tanto faria.
A saudade já era desmedida e eu mal havia registrado que
ele se fora.
Rocco ficou para morrer, eu quase morri...
Ele deveria ter permitido, se era para me deixar vagar em
vida desta maneira, eu preferia a morte.
Qual era o valor da vida de quem não quer viver, de quem
ninguém sentiria falta quando se fosse?
Se houvesse alguma forma de trocar de lugar, tinha certeza
de que todos gostariam. E foi exatamente com esse mesmo
pensamento que eu fui recepcionada por Cara Spada.
Seus olhos lavados de maquiagem, avermelhados e inchados
de tanto chorar, mostravam uma mãe que sofreu por seu filho; uma
mãe que jamais o veria novamente. Olhos de sofrimento, de dor
explícita que eu já não conseguia demonstrar. Havia chorado
copiosamente em meu entorpecimento dentro do avião, agora eu
era apenas um vazio de sensações, no qual apenas a angústia
imensurável e cristalizada assumiu o controle.
A mãe do homem que eu amava avançou contra mim e me
deu um tapa na cara tão forte que toda a minha cabeça doeu. As
cintadas do meu pai doíam mais, só que apanhar no rosto trazia
uma humilhação intrínseca, principalmente quando, desta vez, era
uma desonra justificada.
Antes, quando era meu pai espancando-me, eu podia me
esconder naquele lugar da minha mente onde havia promessa de
libertação e felicidade, podia me cobrir com a certeza de que sua
agressividade era infundada, era reflexo da maldade que o
carcomia, era o monstro sendo horripilante.
Desta vez, a agressividade de minha sogra era reflexo da
minha inadequação e meus atos.
Papá sempre esteve certo. Eu era uma inútil.
Cesare puxou-me para trás de si e segurou os ombros da
mãe com firmeza em um pedindo silencioso para que ela se
controlasse. Cara abraçou o gêmeo sombrio e a imagem me doeu.
Quando era meu marido abraçando aquela mulher, ele era terno,
cuidadoso. Eu sabia o que era ter os braços de Rocco ao meu redor
e eu havia roubado aquilo dela, havia roubado os braços do homem
que Cara Spada gerou.
Rocco era o filho adorado, a alma de toda a família, não
apenas de Cesare.
— Eu mereço, Cesare. Deixe-a descontar sua raiva em mim.
— Meus olhos se encheram novamente de lágrimas.
— Acredite em mim, Gaia Spada. Eu gostaria. Gostaria de
poder te dar eu mesmo a surra que você e meu irmão sempre
mereceram; até te dar o mesmo destino que ele teve. Só que não
posso. — Cesare sequer se virou para falar comigo. Segurou o rosto
da mãe antes de continuar. — Ela está gravida, mamma, ele não foi
embora completamente. Encontre algum conforto nisso, ok?
Cara guinchou de dor e sua tremedeira visível refletia a
minha.
Eu estava grávida?
RO-CCO! RO-CCO! RO-CCO!
Meu coração voltou a bater e minhas mãos seguraram minha
barriga ainda plana. Ele não havia ido completamente...

Cesare segurou meu braço com um pouco mais de gentileza,


guiando-me para o seu carro. Colocou ele mesmo as minhas malas
no banco de trás do seu carro e deu a volta.
Não fossem os dedos com as juntas brancas segurando o
volante, eu não saberia que ele estava fora de si. E eu só olhava
para seus dedos porque não havia letras tatuadas ali. Cesare não
estava perdido, precisando que alguém o encontrasse. Ele não era
Rocco, nunca seria.
Quando ergui os olhos para os seus congelantes, ele já
olhava para mim com as pupilas dilatadas em algum sentimento que
eu não saberia nomear, porque ele não era familiar para mim.
Tudo o que eu sabia era que Cesare sentia o mesmo que eu:
“Eu sinto a mesma dor”, era o que seus olhos me diziam. Este era o
nosso único ponto em comum: ambos amávamos Rocco Spada
acima de nós mesmos. Éramos metades sem ele. E peças que não
se encaixavam.
Eu não me enganaria de que agora Cesare passaria a gostar
de mim como uma cunhada, ele não sentia piedade ou empatia por
ninguém. Se qualquer coisa, ele garantiria que eu jamais
esquecesse seu irmão, como ele jamais esqueceria, impedindo-me
de casar-me outra vez.
Mas não me importei. Eu poderia agradecê-lo por isso. Rocco
seria o meu único para sempre.
— Vou te levar para a clínica e segurar o funeral até que a
desintoxicação tenha passado e você possa comparecer sem
envergonhar a nossa família. Então você comparecerá ao evento,
sóbria e voltará para a clínica. Nem pense em se machucar...
— Eu estou grávida dele! Jamais machucaria meu filho,
principalmente um filho dele. Sei que me detesta Cesare, mas não
pense que sou má...
— Não penso, muito pelo contrário. Você é estúpida,
irresponsável. Rocco era e veja onde isso o levou. Só que você não
vai ser, porque eu... eu prometi a ele!
Socou o volante com força, repetidamente, até seu cabelo
sair do penteado perfeito, seu pescoço avermelhar como o de
Rocco fazia e eu me encolher na porta, estremecendo de medo,
aflita por mim e meu filho. Alguns socos atingiam a buzina e
despertavam um desespero latente em meu peito ao observar o
descontrole furioso que Cesare nunca permitiu que alguém visse...
Meus ouvidos zuniam, o coração batia na garganta e a
vontade de vomitar se tornou maior que tudo. Abri a porta do carro e
só tive tempo de colocar metade do corpo para fora antes de ejetar
a bile em meu estômago.
Eu fiz aquilo com Cesare também.
A atmosfera animalesca vibrando dentro dele naquele carro
era quase insuportável. Ouvir seus rosnados de ódio, um grito no
escuro, uma tentativa de extravasar a sua dor, a que se
assemelhava a minha, seria um dos castigos que eu merecia
passar.
Limpei minha boca com as costas da mão e fechei a porta
novamente.
Ele não me ajudou, não segurou meu cabelo como o irmão
fazia, não acariciou minhas costas ou prometeu que ficaria tudo
bem. Ele estava ali, compartilhando a sua dor comigo e assistindo a
minha. Era isto que eu podia esperar da vida. Rocco garantiu que eu
não ficaria sozinha, nem que fosse para ter alguém para observar a
minha dor e alguém para amar crescendo em meu ventre.
— Eu vou ficar limpa para sempre. Não quero me entorpecer
nunca mais, nem esquecer Rocco em nenhum segundo da minha
vida. Qualquer que seja a dor, eu a suportarei acordada. — Eu
suava frio, os tremores da abstinência começarem a dominar meus
sentidos, mas minha voz saiu firme o suficiente para que ele
acreditasse.
Era a força que eu nunca tive, uma força real, resiliente,
capaz de me refazer das cinzas que se tornaram a minha vida. Pela
memória de Rocco que se tornava vida dentro de mim, eu faria
qualquer coisa.
— Bom pra você. — Tirou o cabelo da frente do rosto,
jogando-o para trás, prendendo-o atrás das orelhas e deu a partida
no carro.
Levei minhas mãos para a barriga, desejando que meu filho
nascesse depressa para ter alguém para me importar novamente.
CAPÍTULO 36

Enterramos um caixão vazio. Aquele pedaço de madeira


descendo na terra com um monte de flores em cima não tinha o
corpo do meu irmão dentro. O corpo dele havia retornado à matéria
em alguma sarjeta suja do território dos Malkin que se recusavam a
nos enviar o corpo.
Eu os faria pagar por isso.
Papá não queria ouvir falar sobre retaliação, ele tinha orgulho
da única vez em que Rocco agiu como o herdeiro que sempre
mereceu ser. Rocco era a melhor parte de nós dois. Ele era a minha
metade que equilibrava a maldade em mim.
Se antes havia alguém nesse mundo que abria uma porta
para a luz e me fazia ver que nem tudo no mundo era a escuridão
da minha mente, agora não havia mais.
Esta cerimônia inútil declarava para o mundo que Rocco
Spada morrera e com ele, Cesare.
Apenas o Rude restava na carcaça que eu carregava, o meu
lembrete eterno de que estava incompleto. Cada vez que eu me
olhava no espelho, era um lembrete, cada vez que os olhos dela
buscavam os meus, eu me conectava a Gaia em sua dor.
Ela me usava para infringir a si mesma a dor física que
merecia. E os olhos desolados da outra metade do meu irmão, da
sua vita, seriam o meu castigo para sempre.
Rocco estava dentro de mim e dela, de forma que jamais
estaria em ninguém mais. Gaia olhava para mim, mantendo a
lembrança dele viva em tudo o que nos diferenciava. Ela sempre
nos diferenciou, vendo que éramos opostos. Tudo de bom que meu
irmão tinha me faltava e seus olhos verdes buscando os meus toda
maldita vez eram uma mensagem clara: “Eu nunca vou esquecê-
lo.”, eu devolvia o olhar para ela, respondendo: “nós não vamos
esquecê-lo, eu jamais tomarei o lugar dele.”.
Ela ainda não sabia do último pedido do meu irmão... Eu não
tinha encontrado forças para contar para ninguém, só papá sabia do
pedido, mas não da minha decisão. Tudo o que eu recebia com a
morte do meu irmão fazia eu me sentir um usurpador:
Seu cargo, sua mulher. Eu não queria nada daquilo. Não
queria ser único.
Eu odiava Gaia na mesma proporção em que amava Rocco.
Cumprir a promessa silenciosa que fiz a ele em sua morte seria o
meu castigo, um lembrete de que eu não era ele, e que nada disso
deveria ser meu.
Eu não nasci para ser o Don no lugar dele;
Não queria a sua mulher como minha.
Ódio borbulhou como piche descendo pela minha garganta
em uma espécie de tortura quando a direcionei para o carro em que
Tino a levaria de volta para a clínica. Uma semana após a morte do
meu irmão, todos os Capos estavam presentes em Los Angeles,
prestigiando o sepultamento do herdeiro caído.
Honrando o tratado de paz pago com seu sangue.
Era engraçado de uma forma mórbida: “honrar os mortos”,
principalmente quando eles sempre o odiaram, sempre o
menosprezaram e tornaram sua vida um inferno.
Nero era tão propenso a cometer loucuras quanto Rocco,
mas ninguém se importava, porque ele estava distante na linha de
sucessão. Ser louco não era o problema, o problema era o poder
que estava nas mãos de quem eles não queriam. Agora eu ganhava
aquele poder e eu os provaria que deveriam ter apoiado Rocco
quando tiveram a chance.
Eu faria todos pagarem. Todos.
As pessoas sempre acharam que o fato de eu cuidar para
que Rocco não perdesse o controle era algo unilateral. Só que não
era bem assim. Meu gêmeo era o único motivo de eu manter o meu
autocontrole, agora eu não tinha nenhum.
Não havia nada para impedir que o animal em mim
descongelasse e atacasse quem se aproximasse demais. Eu
recairia sobre eles como uma peste, e não haveria sangue em
umbrais o suficiente para protegê-los do que viria.
— Onde está Nero? — papá sussurrou para mim, depois que
o carro que levava a minha cunhada e futura esposa de volta para
aquela maldita clínica de desgraçados, que sempre ajudaram meu
irmão a voltar para o fundo do poço.
Desta vez, eles fariam o serviço bem-feito ou eu mataria a
todos eles e suas famílias. Gaia Spada não usaria drogas nunca
mais em sua maldita vida, ela estaria consciente de todos os seus
atos para sempre, para sofrer, para buscar meu olhar e lembrar
dele, como eu me lembraria. Nós dois carregaríamos o fardo juntos.
Ela foi sua vita e nossa morte, eu não a deixaria esquecer.
— Seu outro filho louco foi trabalhar. A cidade está uma
bagunça com a morte do herdeiro. Os chicanos estão achando que
podem crescer contra nós, porque Diego entregou Rocco aos
russos. Todos sabem. Nero os lembrará com quem estão lidando.
— Você mandou Nero resolver isso? — Lorenzo Spada não
aprovava. Papá sempre foi diplomático, resolvendo as situações de
conflito com punho forte e alianças estratégicas.
— Ovos e omelete... Temos que quebrá-los. — Olhei para o
meu pai e vi quando a surpresa o atingiu. Ele conseguia sentir
quando eu estava com raiva, mesmo que eu fizesse um bom
trabalho em esconder. Só que eu não escondia mais. — Um
discurso sangrento sempre funciona para reestabelecer a ordem
das coisas. Enquanto o Psico lida com a plebe, eu vou lidar com a
realeza. Essa porra de cerimônia já deu o que tinha que dar. Vou
reunir os Capos, estou tomando o controle a partir de hoje. — Saí
de perto do meu pai antes que ele dissesse qualquer coisa.
Com um aceno de queixo, chamei meus seguranças e entrei
em meu carro, sozinho. Apenas Tino dirigia para mim. Eu não
confiava em mais ninguém. Dentro do veículo, soquei o volante até
que minha mão doesse como se eu tivesse quebrado os dedos. O
grito preso em minha garganta era abissal, esmagador. Se eu o
deixasse sair, não terminaria jamais.
Hoje era o dia em que eu assumia o lugar de Rocco na vida,
o descontrole vinha no pacote. Não tinha mais motivos para
esconder do mundo o meu próprio desgoverno, não havia mais
motivos para que eu me obrigasse a manter a máscara. Eles veriam
quem eu era pela primeira vez.
Saí do cemitério cantando pneu e meus seguranças tiveram
dificuldade de me manter à vista. Que se fodessem, se eles não
eram capazes de fazer o simples serviço de me seguir, eu os livraria
de suas vidas.
Aparentemente, vida era um termo superestimado.
Eu não tinha mais a minha, Rocco não tinha mais a dele.
Minha famiglia precisava que eu fundisse as duas em uma só.
Bom, o fodido óvulo separou, não foi? Tinha um motivo para
aquilo.
Agora nós lidaríamos com a consequências.

Sentei-me na cadeira de Don, aguardando a chegada dos


Capos. Bebi duas doses duplas antes que eles entrassem no
escritório que eu havia escolhido para o encontro. Papá semicerrou
os olhos quando me viu em sua cadeira, mas não disse nada.
Apenas sentou-se ao meu lado direito, puxando a cadeira para que
dividíssemos a cabeceira da mesa em seu escritório na Avenida
Central. Era o que eu passaria a utilizar.
Não me importava com nada. Estávamos em guerra e se
meus inimigos quisessem, eles que viessem até mim. Eu os
desafiaria a fazê-lo.
— Então está é uma reunião de sucessão? — Tiziano teve a
displicência de ofertar aquele sorriso nojento de dentes amarelados
com tártaro preto de nicotina.
— Eu acho melhor você guardar o seu sorriso para outro
momento, e ao menos fingir o luto pelo meu irmão. E, Tiziano... Seja
convincente. — Foquei toda a minha atenção em seus próximos
movimentos.
A boca flácida murchando o sorriso enquanto ele sentava me
deu uma onda de adrenalina de poder que eu sabia que seria um
poço sem fundo. Sem Rocco para me fazer sentir, eu beiraria a
tirania, mas a culpa disso era deles. Eles permitiram que Rocco se
sacrificasse como um fodido cordeiro.
Todos pagariam de alguma forma.
Observei Amadeo De Stefano, o herdeiro dele, fechar os
punhos para a minha ordem direta. Como se pudesse me intimidar
de alguma forma. Nunca funcionáramos assim, sempre houvera um
respeito velado, embora nós, os Spada, fôssemos os líderes.
Meu pai utilizava-se do método socrático de ensinamento
para manter a diplomacia, lidando com esses babacas como
crianças, explicando o óbvio de forma paciente. Permitindo que eles
pensassem que os calabreses funcionavam em uma democracia,
enquanto os manipulava até que os líderes das outras ‘Ndrines
chegassem às mesmas conclusões do meu velho.
O respeito que Lorenzo Spada nutria por mim se devia ao
fato de eu chegar às suas conclusões sem que ele me manipulasse
e muitas vezes quem manipulava as ordens era eu. A mente
perspicaz dele e as estratégias coincidiam com as minhas próprias
ideias e ideais, mas o método não passava nem perto do que eu
empregaria a partir de agora.
Se os Capos não tivessem condições de acompanhar o meu
raciocínio, eles seriam substituídos até que eu encontrasse o grupo
correto de mentes fortes para levar a minha famiglia para frente,
como um tubarão, no topo da cadeia alimentar. Para que jamais
acontecesse novamente o que houve com Rocco.
Nós faríamos o que quiséssemos, quando quiséssemos e
com quem quiséssemos.
Eu traria um pouco de Esparta para uma família que sempre
foi ateniense.
— Cesare... — tio Bruno começou a falar quando notou o
meu humor.
— Don Cesare — corrigi o Capo de San Francisco. — A partir
de hoje, estou assumindo a liderança desta famiglia. Na ausência do
meu irmão, eu sou a escolha óbvia, acima das vontades, é a nossa
diretriz e não haverá discussão sobre o assunto.
— Talvez seja hora de mudarmos as diretrizes — Amadeo De
Stefano ousou se pronunciar, ainda de pé.
— Senta — ordenei, estendendo a mão na direção da cadeira
e a sua obediência rebelde me divertiu. Eu gostaria de pisar em sua
cabeça.
Todos os olhos estavam em mim. Giordano sentou-se à
minha esquerda, como se ele fosse continuar tendo algum lugar
nesta mesa. Os Tattaglia não eram sangue. Ele não tinha a
sagacidade que eu precisava. Nem Valentino, meu braço direito, a
possuía, mas Tino era de confiança. E se eu colocasse Nero
naquele posto, nós implodiríamos. Eu precisava de alguém com
algum senso de bondade.
Nero só queria ver o mundo queimar.
— De onde eu estou vendo, você não se diferencia muito de
Vito Rigori, Don Cesare, aparentemente estou de volta aos
sicilianos. — Meu novo cunhado abriu o paletó e sentou-se na outra
cabeceira.
Guillermo era inteligente, só que, assim como o Rigori, ele
tinha fraquezas: sua mãe, a prima por quem ele era apaixonado...
eu não tinha nenhuma. Não mais.
— Você está me comparando a um garoto mimado que
iniciou uma guerra por uma mulher qualquer. — As narinas infladas
de ódio e os olhos arregalados, pela ofensa gratuita, do jovem
Velacchio ao me ouvir falar de sua irmã mais velha quase me
fizeram sorrir. — A grande diferença entre mim e o seu outro
cunhado é simples: Vito Rigori tem o que perder e ele já deixou
claro para todos o quanto ama Graziella Rigori. Se quisermos atingi-
lo, é onde eu vou atacar, com certeza. Espero que não seja um
problema para você... Afinal de contas, agora você é minha família.
— Nunca fomos atrás das mulheres primeiro, Don Cesare. —
Nicolo Grasso apontou e pigarreou, delatando a sua fraqueza.
Encarei-o por um segundo de silêncio diplomático e para fazê-lo
compreender seu lugar na cadeia de comando.
Ele pensaria duas vezes antes de tentar me contradizer
novamente se não quisesse a minha atenção para si.
— Os Rigori estão em contato com a BRATVA de Malkin, são
automaticamente nossos inimigos. Rigori, Herrera e Malkin, todos
eles são nossos inimigos.
— E quem são os nossos aliados? — Guillermo deitou o
corpo na cadeira com um risinho debochado.
Se eu não precisasse dele vivo para reestabelecer a ordem
em Miami, até que o território fosse oficialmente da ‘Ndrangheta,
cortaria seus lábios fora para que ele mostrasse aqueles dentes
permanentemente. Donna faria bom uso de sua viuvez para
finalmente foder quem quisesse em paz e eu a oficializaria como
Capo de Miami.
Engolir emoções era algo que eu já estava acostumado, mas
desde que Rocco se fora ficava cada vez mais difícil controlar os
impulsos de fúria e a vontade de infringir dor aumentava.
— A Outfit... — papá falou, mas eu o interrompi:
— Não vou me casar com Bionda Romani. — Dizer as
palavras foi um tormento.
Eu queria aquela passarinha para quebrar suas asas. Bionda
foi a única coisa que eu quis para mim e apenas para mim em toda
a minha vida.
Seus olhos azuis, desafiadores e cobertos de lágrimas eram
um sonho acordado. Eu a desejava, submetida, dominada, mais que
qualquer outra coisa em minha vida. Porém, todos estávamos
pagando pelo que minha metade boa havia feito por esta famiglia.
Sacrificar a minha única vontade era o preço.
— Como é? — papá perguntou, deixando claro para todos
que eu o estava contrariando.
Movimento errado, Lorenzo... você deveria sair do posto em
uma posição de força, meu velho. Já não basta a fragilidade física,
ainda tinha que dar mais armas a eles?
Prendi o estalar de língua e a vontade de repreender meu
próprio pai por seu despreparo. Eu ainda o respeitava, mesmo com
o seu deslize. Afinal, tudo o que eu era foi ele quem me preparou
para ser.
Virei o rosto para ele, enquanto terminava a dose que havia
servido antes de eles chegarem. Papá fechou os olhos
compreendendo o que eu estava realmente fazendo: cumprindo o
último desejo do meu irmão. Não era uma afronta pessoal ao antigo
Don, meu pai respeitaria.
— Eu prometi ao meu irmão que me casaria com a sua
esposa e a assumiria. Gaia Spada está grávida de Rocco, eu vou
assumir a criança como minha e se for um menino, será o meu
herdeiro, como dita a regra. Se for uma menina, eu a usarei para
forjar as alianças futuras que precisaremos.
Levantei-me e fechei o paletó, a sensação de triunfo ao ver
as faces perplexas deles era quase como estar ébrio.
Eu me viciaria rapidamente.
Nunca deveria ter sido eu... Eu que não servia para
comandar. Dar poder a um sádico como eu era receita para o
fracasso e minha famiglia sonharia com o dia em que seus maiores
problemas eram meu irmão.
— A Outfit já sabe? — Tiziano voltou a sorrir como se
acreditasse que havia me pegado pelas bolas.
— Romani não pode se dar ao luxo de arrumar outro inimigo,
é melhor que ele mantenha a aliança apesar dos entraves... aposto
como a famiglia dele vai compreender. — Forcei um sorriso
sarcástico, encaminhando-me para a saída.
— Então os motivos para você ser o herdeiro caíram por
terra. — Tiziano se levantou, interrompendo a minha saída.
Observar a sua figura me irritava. O autocontrole que eu
vinha me impondo desde que Rocco se foi balançava como um
pêndulo prestes a perder a força. Os músculos em minhas costas
tensionaram. Este seria o exato momento em que eu tocaria o
punho de Rocco, impedindo-o de fazer alguma merda. Só que não
havia ninguém ao meu lado para fazer o mesmo por mim. E jamais
haveria...
Rocco se foi.
— Miami ainda faz parte da nossa ‘Ndrine, o acordo com a
Outfit se mantém, não vejo onde a sua família contribuiu para esta
famiglia mais que a minha, Tiziano — rosnei para ele, tentando que
ele visse a minha loucura e recuasse sob a dominância que eu
exalava de cada poro.
Minha ira empesteava o ar ao meu redor, eu conseguia
farejar o medo nele, convocando o animal dentro de mim para
brincar. Não era o momento nem o lugar, eu precisava de uma foda
para aliviar. Infelizmente, ou felizmente, Tiziano era burro o
suficiente para continuar falando.
— O acordo com a Outfit é com esta famiglia, não com a
‘Ndrine e o território da Flórida ainda não pertence a ‘Ndrangheta.
Talvez a sua aliança com um siciliano não seja tão valiosa assim
para os calabreses!
O filho da puta teve a ousadia de me desafiar.
Ele implorou por isso!
Segurei a sua nuca e empurrei-o para a mesa batendo o seu
crânio com força. O tecido que a revestia ficou vermelho com a
mancha do sangue sujo do filho da puta. Seu corpo caiu sentado de
volta na cadeira que ele arrastou.
— Você fala demais! — Peguei o bisturi que eu sempre trazia
no punho do meu paletó, adorando a sensação de leveza da lâmina
entre meus dedos. Meu coração pulsava em um batimento feral,
injetando adrenalina de caça em todos os meus músculos.
Ah, o prazer de liberar o animal finalmente, de abrir minha
própria jaula e ficar diante do holofote a primeira vez...
Amadeo foi segurado por um de meus soldatos atrás de mim.
Urrando ameaças que eram combustível para o que eu faria neste
exato momento.
Eu abri a boca flácida do De Stefano mais velho que não
conseguia se defender, ainda atordoado do golpe, cacei a sua
língua naquela boca suja, puxei-a para fora com as pontas dos
dedos e enfiei a minha faca precisamente no meio. Tracei uma linha
perfeita, abrindo a bifurcação e dando-lhe finalmente o formato
bífido para representar a cobra que ele sempre foi.
Os urros de dor e as tentativas de me morder durante o
processo só amplificaram a minha ira. Todos estavam de pé,
assistindo à atrocidade que eu fazia com o Capo de Las Vegas.
Ninguém se atreveu a me parar.
— Você falava demais, Tiziano. — Ri, insano, como Nero
soava e segurei a testa do Capo, parando atrás dele.
Sua boca sangrava manchando o queixo barbado e seus
dentes sujos de nicotina, descendo pelo pescoço e manchando a
camisa dentro do paletó. Foquei meu olhar em todos os meus
Capos antes de continuar.
— É isso o que acontece com quem não compreende como
as coisas serão a partir de agora. — Passei a lâmina afiada pela
garganta dele, o sangue esguichando sobre a mesa na mesma
velocidade do som produzido pelo choramingo de Amadeo, que se
debatia nos braços dos meus soldatos ao me ver degolar seu pai.
Meu tio Bruno prendeu o sorriso e Nicolo, o primo do meu
pai, arregalou os olhos sabendo que aquilo era um recado para ele.
Guillermo semicerrou os olhos, e os punhos sobre a mesa. Ele sabia
que era melhor manter a boca fechada.
Soltei o corpo de Tiziano, que tombou para frente com a testa
na mesa e a garganta jorrando sangue para o chão. A poça
carmesim sujou meus sapatos, os punhos da minha camisa também
estavam manchados e eu sentia as gotas do sangue morno
escorrerem na minha testa e pelas maçãs do rosto. Minha mão com
o bisturi pingava, lavada em sangue.
Removi o lenço do meu paletó e limpei as mãos e a lâmina
grosseiramente, atirando o tecido no colo de Amadeo em seguida.
Fixei meu olhar no seu rosto coberto de lágrimas.
— Você vai obedecer, senão o seu fim será pior. Eu não
esqueci o que você fez com meu irmão em Vegas. Rocco está morto
por sua causa, Amadeo. E nós dois vamos todos ter que conviver
com isso. Sangue por sangue, é o justo.
CAPÍTULO 37

As primeiras semanas foram muito difíceis, principalmente


porque os medicamentos que eles me dariam para aliviar as dores
físicas não podiam ser ofertados na minha condição. Entretanto, eu
já passara por aquele inferno de desintoxicação uma vez e toda dor
que meu corpo sentisse era bem-vinda.
Algumas vezes, durantes as tremedeiras, eu via Rocco
sorrindo para mim, quase podia sentir seus dedos nos meus, seu
corpo me rodeando e prometendo que tudo aquilo passaria, que me
amava e estava orgulhoso.
O Rocco dos meus delírios me dizia para aguentar, pelo bem
do que eu trazia em meu ventre. E eu o prometia não falhar mais,
ser forte e desta vez eu seria. A força que eu nunca senti
naturalmente havia me encontrado de forma avassaladora.
Pela primeira vez na vida, eu não quis entorpecimento para a
dor. Poderia ser masoquismo da minha parte, mas busquei sentir
tudo, enfrentar minhas dores e guardar meu luto. Meu marido
merecia que a dor de sua partida fosse sentida.
Então eu a senti.
Pesada, densa, excruciante.
A primeira semana foi um borrão de vômitos e tremedeiras,
dores no corpo, suores e terrores noturnos, além de choro, muito
choro. Culpa, negação, e qualquer outro estágio de luto
transpiravam de mim junto aos resquícios das toxinas e de nossa
irresponsabilidade e do comportamento destrutivo que nos levaram
até aquele fim.
Rocco pagou com a morte, eu pagaria com a vida que
precisaria continuar vivendo.
Meus bebês precisavam de mim!
Antes mesmo de terem nascido, perderam o pai. Eu
precisaria ser uma boa mãe para ambos. Uma mãe forte e refeita.
Preparada para assumir o controle de mim mesma.
Meus gêmeos, com seus corações acelerados batendo tão
forte e alto dentro do meu ventre, um presente que Rocco me
deixara para que eu nunca mais ficasse sozinha na sua ausência.
Um motivo para não desistir, para não me entregar à dor e ao
inferno. Um lembrete de que eu precisava fazer valer seu sacrifício.
A dor que eu sentia com a sua partida se convertia em amor
incondicional por ele e pelos nossos filhos, a prova física de que nós
dois existimos juntos e amamos um ao outro loucamente. Que o
nosso casamento foi trágico e sublime, na mesma medida, mas
gerou belos frutos.
“Era sempre mais escuro antes do amanhecer”, como dizia a
música. Eu precisava ser forte por alguém além de mim. Agarraria
forças que nunca tive com às dentadas. Rocco não se foi em vão.
Ele não sabia da minha gravidez, mas ele nos salvou da morte,
agora era a minha vez de recompensar, pela vida inteira.
— Como estão os bebês? — Era a primeira visita, apenas
Cesare viera. Lorenzo e Cara Spada me odiavam certamente.
Nero nunca gostou de mim e Cesare apenas cumpria a
promessa que fizera ao irmão. Eu não me importava. Pediria ao
novo Don, Cesare, para ir para Miami ficar com a minha família e
criar meus filhos lá, já que era território da ‘Ndrangheta agora.
Eu precisava ser realista, nunca fui uma Spada, continuava
sendo uma Velacchio fracassada, mas com a morte de papá, talvez
conseguíssemos nos converter em alguma espécie de família
funcional.
Ainda que sem Grazzi.
— Eles estão bem. A obstetra disse que apesar do uso de
drogas ainda era cedo e eu não fiz mal a eles... ao menos isso.
Abaixei os olhos do rosto dele, mal conseguia olhar para
Cesare, ainda que eles fossem tão diferentes enquanto pessoa, a
aparência física era um punhal no meu peito. Obrigava-me a olhar
em seus olhos para garantir que não teria ilusões de quem estava
ali diante de mim, mas, às vezes, ficava pesado demais. Os olhos
de Cesare sempre foram horripilantes, como observar um felino, os
de Rocco eram promessa de paz.
— A culpa não é sua. Sobre Rocco. Não foi culpa sua. — Foi
a vez dele de desviar os olhos do meu rosto. — Não foi você quem
ofertou meu irmão para os russos. Precisa parar de achar que
Rocco se foi por sua causa. Rocco sempre foi... problemático. A
combinação entre vocês dois é que foi um fracasso para início de
conversa. Era questão de tempo até a bomba explodir.
Ouvi-lo falar do nosso amor daquela forma era uma verdade
cruel que eu precisava engolir.
— Eu o amo, sempre amarei. Se pudesse, se houvesse
alguma forma de eu morrer e meus filhos ainda estarem vivos,
trocaria de lugar com ele, Cesare. Eu sei que você também preferia
isso...
— Bom para você... — Cesare respirou fundo. Ele mostrava
as emoções de forma quase clara agora. Desde que Rocco se foi,
eu o via perdendo o controle pouco a pouco. Não daria em nada
bom quando ele perdesse o autocontrole, ninguém o pararia agora
que era o Don. — Eu preciso conversar com você, sobre o último
pedido de Rocco para mim, em Tijuana.
Assenti, já com meu pedido pronto na mente.
Donatella estava lá, ela ficaria de olho em mim para seu
irmão, não havia motivos para Cesare negar meu pedido.
— Eu também tenho um pedido... Se você for benevolente o
suficiente para me conceder... — Atropelei-me nas palavras,
sabendo que apelar para a bondade dele era um ato desesperado.
Cesare abriu a boca, como se fosse continuar falando, mas a
fechou.
A expressão de desprezo no rosto do gêmeo do amor da
minha vida me partia o coração. Rocco nunca olharia para mim
daquela forma. Cesare Jamais olharia para mim de forma diferente.
Eu era a lembrança constante de que seu gêmeo não estava mais
ali.
— Fale.
— Eu gostaria de voltar para Miami. Minha mãe, minha prima
e Donatella estão lá. Eu sou persona non grata na mansão Spada
e...
— Não! — interrompeu-me e retirou as mãos de cima da
mesa, como se escondesse de mim seus punhos.
Estremeci inteira com o pensamento de que ele pudesse me
agredir se eu dissesse a coisa errada. Cesare não era Rocco e eu
reconhecia homens maus. Fui criada por um. O tanto de bondade
que meu marido exalava, Cesare o contrapunha. Como polos
divergentes de um planeta.
Ele havia perdido a sua metade e agora orbitava em si
mesmo com insanidade à espreita.
Não me atrevi a questioná-lo, seus olhos fecharam-se para
mim, enquanto ele se refazia de sua pequena explosão. Inspirei
profundamente buscando calma. Esperei por alguma explicação,
mas essa não veio. Cesare apenas se levantou e afirmou que
retornaria em quinze dias. Apenas agradeci, amuada.
Rocco amava Cesare e ver o gêmeo sombrio caindo aos
pedaços era de partir o meu coração.

Cesare me visitou periodicamente durante a minha estadia na


clínica. O fato de eu ter ficado, de fato, limpa, parecia agradá-lo. A
única coisa que o desagradava era quando eu tentava retomar o
pedido de voltar para Miami.
Ele não me deu justificativas, mas sempre parecia ter algo a
me dizer, ainda que relutante. Seu modo de lidar comigo não se
modificou em nada. Ele se preocupava com os sobrinhos apenas e
aquilo já era o suficiente para mim.
Esperar por alguma empatia de Cesare era como esperar
que um rio mudasse o seu curso. Sua casca exterior de plenitude
estava cada vez mais distante da figura que ele vinha se
transformando.
O primeiro indício era o cabelo: agora parcialmente
desgovernado, com uma mecha sempre rondando perto dos olhos e
o novo hábito de prendê-los atrás da orelha. A barba cerrada um
pouco maior do que costumava manter anteriormente, as juntas
sempre sangrentas e movimentos bruscos que me deixavam à flor
da pele ao redor do irmão do meu marido.
Este era um novo Cesare, uma espécie de fusão entre as
duas metades dos gêmeos Spada. Algo antinatural, como
Frankenstein.
Don Cesare Spada era um animal enjaulado prestes a atacar
o domador, que era ele mesmo. Era como se o descontrole de
Rocco houvesse passado para seu gêmeo com a sua morte.
— Está pronta? — questionou, antes de pegar a mala da
minha mão.
Minha pequena barriga de quatro meses ainda não havia se
pronunciado demais, mas eu a segurava recorrentemente. Havia se
tornado uma espécie de amuleto de sorte, uma lembrança do
porquê eu continuava. Para quem eu continuava.
— Sim. Obrigada por ter vindo me buscar.
Ele apenas assentiu, jogando minha mala no porta-malas e
batendo-o com força. Foi para o lado do motorista sem se importar
em abrir a porta para mim. Cesare jamais seria Rocco. Eu sabia
disso. Conviver com ele por toda a minha vida seria um inferno.
Um que eu estava disposta e preparada para lidar, pelos
meus filhos, meus meninos.
Entrei no carro e prendi o cinto, tentando não olhar para ele e
não me lembrar do amor da minha vida. Eu e Cesare só
estivéramos tão próximos em um lugar fechado na primeira vez em
que ele me trouxe para a clínica. Seu perfume me deixou um pouco
enjoada pela gravidez e por me fazer lembrar que eu nunca mais
sentiria o cheiro de Rocco.
Era loucura querer que Cesare fumasse, apenas para
misturar um pouco de tabaco ao cheiro que vinha de sua pele?
— Eu preciso conversar com você. Mas não tinha certeza se
era uma boa ideia com você trancada lá dentro. Não quando eu não
podia te vigiar para te impedir de fazer alguma merda.
— Do que você está falando, Cesare? Don, Don Cesare... —
corrigi-me a tempo.
— Você não precisa me chamar de Don. Não se... Rocco me
fez um pedido antes de morrer. — Todo o meu corpo estremeceu.
Em primeiro lugar porque sua voz ficou mais grave, irritadiça, e em
segundo porque ele aumentou a velocidade consideravelmente,
indicando que aquela conversa não lhe agradava em nada. — Ele
me incumbiu de cuidar de você. Ele... Ele... — O soco que ele deu
no volante fez o carro sair da pista por um segundo e eu me segurei
no console à frente com medo.
— Você está cuidando de mim, muito obrigada por isso. —
Tentei soar calma e firme para tranquilizá-lo, mas o meu timbre
deixou claro meu temor.
— Eu vou me casar com você, seus filhos serão meus
herdeiros como deveria ter sido desde o princípio. Foi esse o pedido
que o meu irmão me fez.
Meu coração parou de funcionar por meio segundo. A dor
que atravessou o meu peito foi imensa. Cesare jamais poderia
substituir meu marido. Eu não queria me casar novamente, nunca
mais. Muito menos com o gêmeo do meu marido, o que se parecia
tanto com ele, mas não podia ser mais seu oposto.
As lágrimas que rolaram de meus olhos foram impossíveis de
impedir. Mas consegui conter o pranto audível.
— Eu nunca vou consumar esse casamento. Você sempre
será a mulher do meu irmão para mim neste sentido. E a você,
caberá não se importar que eu tenha amantes. Não haverá um
relacionamento para constrangê-la, você também não terá nenhum.
Se um dia quiser resolver as suas... necessidades, carência ou
qualquer porra, dará o seu jeito de eu não ficar sabendo. E os filhos
do meu irmão serão os únicos que sairão da sua barriga, entendido?
Agora eu entendia o motivo de ele ter esperado até o final da
reabilitação para me dizer aquilo. Também o motivo de não me
deixar voltar para Miami. Cesare também estava se sacrificando,
como Rocco fizera. Rocco salvara a família e a famiglia ao se ofertar
para a BRATVA, consertando o erro que cometeu, e aqui estava
Cesare, ofertando a sua vida a cuidar de mim e dos meus meninos.
Eu seria grata a Cesare para sempre, como sabia que meu
marido gostaria. Rocco amava Cesare incondicionalmente. Apesar
de eu e seu irmão não termos absolutamente nada em comum, essa
era a única verdade de nossas vidas. Nós amávamos Rocco.
— Você terá filhos fora do casamento? Não me importaria de
criar seus filhos como você fará com os meus — ofereci um
pensamento racional para aquele que costumava não ter
sentimentos.
— Eu não vou ter nenhum filho. Esse nunca foi o meu plano
de vida. Nada disso. — As lágrimas em meu rosto corriam por
Cesare também.
Nós três, fodidos para sempre na vida: eu, Rocco e Cesare.
Nem a morte partiria o laço entre eles dois.

Assim que entramos na mansão, fui surpreendida por um


ataque de Nero. Valentino viera em um outro carro, junto aos
seguranças do Don, e entrou conosco na casa. Sendo o Consigliere
de Cesare, ele estava sempre por perto, inclusive nas visitações a
mim. Entretanto, nem ele foi capaz de ser rápido o suficiente para
impedir as mãos do caçula Spada de envolverem o meu pescoço
em um aperto de morte.
Meus olhos quase saíram das órbitas olhando para os
castanho-esverdeados ensandecidos do irmão mais novo do meu
marido. Nero mordia o lábio inferior até deixá-lo esbranquiçado e
arrancar seu próprio sangue. Eu não conseguia respirar e a visão
me fez entrar em pânico.
Ele não estava matando apenas a mim. Havia dois bebês em
meu ventre, os filhos de Rocco. Eu não podia morrer! Não podia
deixar meus filhos órfãos. Debati-me, mas isso só fez as coisas
piorarem. A cada vez que eu tocava nos braços de Nero, ele
apertava mais e eu mal conseguia tragar ar algum.
Todos os meus músculos tensionaram de pavor e falta de
oxigenação.
— Nero! Para! — Era a voz fria de Cesare ao lado do irmão.
— Se você não a soltar, eu vou colocar uma bala na sua cabeça.
Ela é a viúva de Rocco e minha futura esposa, está grávida dos
filhos de Rocco, tem a próxima geração Spada dentro dela.
Eu vi Valentino se aproximar por trás de Nero, mas Cesare o
impediu com a mão no peito largo do Consigliere. Minha visão
afunilava com a perda da consciência, com a minha vida escorrendo
nos dedos do irmão psicopata.
Então Nero me soltou e Cesare amparou a minha queda,
enquanto eu tossia, levando as mãos para o pescoço dolorido,
buscando por ar e sentindo como se meus pulmões pudessem
explodir a qualquer segundo.
Lorenzo e Cara observavam a tudo. Minha sogra com
lágrimas nos olhos e Lorenzo de olhos arregalados, apoiando-se na
parede com o carrinho de oxigênio servindo-o de bengala.
Toda a cena era o pesadelo da família que costumava ser
unida. Eles se amavam, não morriam, não se separavam pelo país,
não faziam ameaças de colocarem balas nas cabeças uns dos
outros. Aqueles irmãos se amavam e eu era, mais uma vez, o pivô
da angústia.
— Ela é parte desta família, quer você goste ou não. Agora
mais que nunca. E todos nós vamos honrar a merda que Rocco
pediu! Ele morreu por você também, Nero.
— Eu não pedi que ele fizesse isso! Mataria todos aqueles
filhos da puta! Entraria em guerra até que não sobrasse nenhum
deles! — Nero aproximou a testa do Don, urrando as palavras com
os dentes expostos, ensandecido. Então virou seu olhar para mim,
com um sorriso macabro nos lábios, espalhando o sangue do seu
lábio cortado nos dentes, a língua passando de um lado para o
outro, os olhos arregalados em uma máscara horripilante. — Eu te
avisei que faria um favor tomando todos aqueles comprimidos, Gaia.
Ainda bem que não me ouviu. — Nero apontou o dedo para mim. O
sangue ainda escorrendo em sua boca.
— Foi a escolha de Rocco. Sangue por sangue, era o justo.
Ele tirou uma vida e entregou a dele. O acordo foi esse. — Cesare
passou os braços atrás do meu corpo flácido e me levou em seus
braços de volta para o meu quarto na mansão.
— Foda-se, Cesare! Coloque essa vadia onde eu não possa
ver! Ouviu?! Depois que os moleques saírem, ela morre, estou te
avisando!
Eu estremeci inteira com a verdade nua e crua que Nero
oferecia. No entanto, os braços de Cesare me carregando pelos
corredores da mansão me davam quase a mesma sensação de ser
carregada por Rocco. Só que as discrepâncias eram a pior parte.
O gêmeo sombrio era bruto nos toques, cumprindo a sua
tarefa com rapidez para se livrar de mim. Não havia o cuidado que
ele demonstrava quando carregava Rocco para aquela mesma
cama.
Meu corpo fragilizado, carente de um conforto desde que
Rocco se fora, tentou se aconchegar, mas recebeu um empurrão de
seu ombro para que eu não deitasse a minha cabeça ali.
— Não espere nada de mim, Gaia. Eu não sou meu irmão,
jamais se esqueça disso. — Rangeu os dentes ao repousar meu
corpo na cama e me olhar de cima, devolvendo o cabelo para o
lugar com os dedos agitados.
— Eu nunca confundi vocês, Cesare. — Minha voz saiu rouca
pelo enforcamento e meus olhos marejados quase me impediram de
vê-lo.
— Eu lembro. Desde a primeira vez que eu te vi, soube que
ele te amaria de cara. Eu te odiei um pouco por isso... Uma parte
minha soube, ali, que você o tiraria de mim. O que eu não sabia era
que seria para sempre.
Deixou as palavras no ar e foi embora. Deixando-me na cama
que já não tinha mais o cheiro do meu marido. Apenas lembranças
doloridas do meu paraíso. Acariciei minha barriga e menti para mim
mesma e para os meus filhos de que seríamos muito felizes ali. Que
seríamos amados.
Eu os amaria de verdade, faria qualquer coisa para que eles
me amassem de volta. E seria forte o bastante para resistir a
qualquer inferno por eles. Meus garotos precisavam da força que eu
sempre almejei e, por eles, eu a encontraria.
A Gaia sonhadora e tola havia morrido com Rocco. Esta era
uma outra, uma que lutaria pela vida, que não fugiria mais.
Que Nero ou qualquer um tentasse, ninguém me destruiria!
CAPÍTULO 38

Papá nos levou até o galpão perto do aeroporto. Eu tremia


como se estivesse levando choques, mas Cesare estava
completamente fechado. Meu irmão nunca demonstrava nada. Ele
sabia que eu estava com medo, não me julgava, nem me olhava
com pena. Apenas me dizia o que fazer e me ajudava sempre que
eu fazia alguma merda grande. Cesare acobertava tudo, até
assumia a culpa algumas vezes.
Ele seria o melhor Consigliere que eu poderia querer.
Principalmente porque eu só fazia merda.
— Não os deixe ver a sua mão tremendo. Só dê o tiro na
testa, ok, deixa o resto comigo, pense que você o dará alívio. E,
faça o que fizer, não desvie o olhar.
Cesare sabia que eu não aguentaria ver. Ele me ajudaria.
Nós entramos lado a lado. Tino, o Don, Tio Bruno e Giordano,
o Consigliere do meu pai, estavam nos aguardando para serem
nossos homens de honra. Aqueles que nos introduziriam à
‘Ndrangheta.
Dois caras estavam sentados em cadeiras, com as cabeças
encapuzadas. Fiquei desconfortável e ajeitei a maldita gravata que
meu pai me obrigou a usar, afrouxando um pouco o nó. Cesare não
se abalou, nem olhou para eles. Focou direto nos homens, me guiou
até a mesa; fez seu juramento comigo; estendeu a mão firme para
ser cortada, enquanto a minha tremia; não soltou um pio quando
cauterizaram o corte, eu sibilei; então apertei a mão ensanguentada
do meu gêmeo e éramos, mais uma vez, irmãos. Até a morte.
Cesare apertou firme, fazendo minha mão doer e me prendeu
com o olhar: “não os deixe te ver estremecendo.”, foi o que seus
olhos me diziam. “Não vou deixar.” Foi o que eu respondi.
— Qual deles comeu a mamma? — Cesare perguntou sem
tirar os olhos de mim.
O quê? Meu coração galopou, furioso, e eu virei para o meu
pai, mas Cesare não soltou minha mão, agora apertando mais forte.
A dor na palma cortada e cauterizada ampliou a minha ira. Os olhos
de Don Lorenzo refletiam o que eu sentia e ele confirmou o que
Cesare disse, brigando com meu irmão por ter aberto aquilo para os
outros.
Eu sabia que meu pai traía a mamma, soube quando ele nos
levara a um puteiro para perder a virgindade, no nosso aniversário
de quatorze anos, algumas semanas atrás e ele também escolheu
uma puta. Mas Cara Spada era a minha mãe. E mães não eram
fodidas por ninguém a não ser os pais.
Esse forçou minha mãe? Ela fez porque quis?
Cesare apertou minha mão e eu quase vi um sorriso
malicioso em seu rosto. Ele sentia a minha ira, ela passava de mim
para ele por meio do nosso sangue misturado, o sangue que
dividíamos.
— O da direita. — Papá rangeu os dentes e Cesare me
soltou.
Avancei como um cachorro louco para cima do filho da puta,
socando a sua cara encapuzada, derrubando-o da cadeira.
Arranquei o capuz e vi quem era. Um dos fodidos seguranças da
mamma.
Permaneci socando-o até as minhas juntas abrirem. E urrei
para ele:
— Ninguém fode a minha mãe! — Chutei suas costelas até
que ele cuspisse sangue, então voltei a montar sobre o seu corpo já
desfalecido, atirando socos como granadas naquela cara de traidor.
Todos os meus músculos estavam retesados, eu não
conseguia parar, o descontrole interno se apossou e meu corpo só
respondia aos impulsos, exalando agressividade de cada poro. O
chiado baixinho que deixou os seus lábios arrebentados me irritou.
Eu o queria morto.
Levantei-me de cima dele e saquei a arma do cós da calça,
olhei para os seus olhos inchados e desesperados, então apertei o
gatilho estourando os miolos daquele desgraçado que desrespeitou
minha mãe e o Don.
Então olhei para o lado e vi Cesare passar uma navalha no
pescoço do outro. Seus olhos presos no desgraçado também sem
capuz, o sangue esguichando sobre o terno limpo do meu irmão,
como o meu estava, mas ele não desviou o olhar, observando a vida
escorrer entre os dedos e os olhos do infeliz ficarem opacos como
de um peixe morto.
— Esses são os meus garotos! — Papá comemorou e veio
até nós, passou os braços sobre os nossos ombros.
A imagem ensanguentada de Cesare não era diferente da
minha, nossas mãos cobertas de sangue, de morte.
Eu havia matado alguém!
A arma caiu dos meus dedos flácidos e eu vomitei. A bile do
meu estômago vazio se misturou ao sangue no chão, o que fez
outra náusea puxar mais um vômito. Catei a minha arma, limpando
a boca com as costas da mão e olhei para o meu pai.
A decepção óbvia em seu olhar me fez compreender que eu
jamais serviria para aquilo. Só que era tarde demais. Eu matara pela
famiglia, eu era um made man.
Até a minha morte.
Naquela mesma noite, eu cheirei a primeira vez, até que meu
cérebro se tornasse uma nebulosa de esquecimento. Havia
encontrado algo que me faria suportar ser quem eu era e no que me
transformaria.
Compraria paz e felicidade, e se morresse no processo, era
apenas um bônus. Um bem que eu faria à humanidade.
As três primeiras semanas sempre eram infernais.
Só que ali não havia esquema.
Cada dia era um inferno diferente.
Eu fui jogado em uma jaula, acorrentado pelo pescoço e
pernas como um animal, envolvo pela minha própria merda, mijo e
vômito, até que eu me desse conta de que era isso o que estava
acontecendo.
Quando entrei naquele avião com Igor Malkin, não entendi o
que ele pretendia fazer comigo. Mas não resisti. O acordo era que
eu o entregasse a minha vida. Eles não seriam gentis comigo.
Imaginei que eu seria levado para Natasha Malkin. Para que
ela me torturasse até a morte. A fama da Obschak neste sentido era
imensa. Ela era a pior vory na BRATVA do Sul.
Eu seria humilhado, esfolado vivo, esquartejado acordado.
Estava preparado para sofrer as consequências de meus atos. Mas
eles apenas me trouxeram para esse lugar, sem nenhuma luz, e me
largaram ali dentro. Não havia outros, era apenas eu, em uma
prisão solitária, amarrado por correntes chumbadas em uma parede
de pedra, aguardando a minha sentença.
A abstinência das drogas manteve a minha mente distraída
da minha bagunça interna pela primeira semana. Na segunda,
Natasha apareceu e me deu uma surra que me deixou
convalescente e me fez esquecer qualquer coisa que não fosse a
dor.
A vadia quebrou minhas costelas e eu não consegui enxergar
nada por longo período. Não havia como contar o tempo ali dentro.
Eu o media pela minha abstinência. Pelas vezes em que os ratos
saíam e voltavam no buraco da parede, pela única vez que eles me
davam alguma comida e água.
Morte por inanição levaria semanas, por desidratação, dias.
Mas eles não queriam me deixar morrer. E o instinto de
sobrevivência era maior que a minha vontade de resistir ao que era
ofertado.
Que fodida ironia!
Passei boa parte da minha vida desejando morrer, agora que
a morte se apresentava, eu me agarrava à vida. A esta sobrevida
nojenta e asquerosa. Havia algo no profundo da minha mente, uma
espécie de esperança, que me dizia para resistir, para suportar.
Podia ser a loucura finalmente tomando conta, mas segui
meus instintos. Minhas decisões lúcidas, as últimas, foram as mais
acertadas. E eu jamais me senti tão lúcido quanto neste calabouço.
— Você está finalmente ficando louco, Rocco — falei comigo
mesmo e ri da mesma forma como eu recordava das risadas de
Nero.
Quando dormia, sonhava com a minha família e tentava
acreditar naquela merda de céu. O céu de verdade, não o céu que
eu encontrava quando usava drogas. Deveria ser verdade, já que o
que eu estava passando, era como o fodido inferno.
Não sabia quanto tempo havia se passado comigo preso ali,
só o que eu sabia era que a linha se encontrava em uma espécie de
plenitude natural. Eu não precisava me preocupar com ninguém.
Gaia e minha família estavam a salvo. Meu tormento garantiria isso.
O barulho da tranca de metal pesado abrindo a porta aguçou
os meus sentidos, preparando-me para outra surra. Eu só escutava
ratos e passos por um longo tempo, então aquele som deixou todos
os meus nervos à flor da pele. A linha oscilou para cima, ira e
desespero simultaneamente.
Era agora?
Eu não queria mais morrer, mas precisava. Para salvar meus
irmãos e Gaia, eu jogaria a qualquer um no fogo do inferno,
inclusive a mim mesmo.
— Melhor que a rehab, não é? — Natasha Malkin abriu a
porta, e a luz cegante me impediu de vê-la.
Minhas pupilas doeram como se perfuradas, tentando se
acostumar à luminosidade que me foi negada por semanas, ou
meses. E, sim, eu estava limpo pela primeira vez desde o dia da
minha iniciação, quando me provei uma vergonha e usei cocaína
aos quatorze anos de idade.
Cobri os olhos, diminuindo a luz e observando a silhueta
disforme que era Natasha. Seu cabelo loiro estava solto como ela
costumava usar. Calça de combate com o coldre na perna, sem a
faca, coturnos e sua jaqueta aberta, revelando que não estava
armada.
Eu odiava loiras, e essa vadia era a prova viva do motivo.
Mas eu devia isso a ela, Natasha era inteligente em não me
oferecer nenhuma arma para que eu roubasse a sua diversão
tirando minha própria vida. Mas, outra vez, havia algo errado com a
minha cabeça, mais errado do que sempre houvera, porque eu me
recusava a simplesmente morrer.
O instinto selvagem dentro de mim se agarrava à vida como
nunca. Era como se eu tivesse motivos para viver. Nem que fosse
para desagradar àqueles russos desgraçados.
— Agora que você já não está se cagando todo e parece
sóbrio o suficiente para se importar com alguma coisa, eu vou te
apresentar o seu futuro, Spada. — Ela sorriu em deboche. Observei-
a por um instante, avaliando suas palavras. Eu tinha que admitir, ela
era bonita como um diabo disfarçado. Contudo, suas palavras me
deixaram nervoso com o significado. Eu não deveria ter um futuro.
— Tirem as correntes e algemem, vamos lavar esse monte de
merda, que ele está fedendo mais que uma lixeira, depois levem-no
para o andar de cima. Já vai começar.
Dois brutamontes da BRATVA do Sul entraram e suas
cabeças raspadas desde a raiz me deixaram ver as tatuagens. Meu
pescoço estava em carne viva, depois de tanto tempo em contato
com o metal, bem como meus tornozelos, mas eu não me importei
com essa dor, sabia que mais dor viria quando eu fosse para o
andar de cima. Só não entendi o porquê de toda aquela cerimônia
para me matar.
Por que eles estavam se dando aquele trabalho todo?
Qualquer filho da puta desse podia simplesmente me matar
esmagando minha cabeça contra a parede. Eu estive fragilizado
durante a desintoxicação, Natasha foi muito bem-sucedida em me
quebrar na surra que me dera.
Qual era o motivo de eu ainda estar respirando?
Os vory da Obschak me arrastaram até um outro local que se
assemelhava a um banheiro nojento. Um deles prendeu a minha
algema na parede, enquanto o outro ligava uma mangueira tipo de
bombeiros e mirava o jato d’água no meu corpo. A pressão
congelante sobre a minha pele me fez esquivar, me contorci, mas os
filhos da puta apenas riam, tentando acertar a minha cara ou meu
pau, fazendo-me engolir e aspirar aquela água fétida.
Minha tosse de semiafogamento os divertia. Minha ira
escalonava como há muito tempo não acontecia. A vontade de
matar alguém, sem estar sob o efeito da cocaína, não era natural
para mim, mas aqueles dois russos despertaram o desejo de dentro
de mim, como se um novo ser adormecido acordasse.
A minha loucura intrínseca, que foi entorpecida por quase
metade da vida, finalmente me possuía.
Ainda algemado, fui forçado a vestir uma bermuda de
taekwondo preta e as gotas pingavam do meu cabelo, enquanto
eles me puxavam pelos punhos aprisionados, forçando-me a subir
escadas com degraus irregulares e escorregadios. Natasha nos
aguardava fumando um cigarro no alto do último lance de escadas,
que descortinava para um ambiente lotado de pessoas.
Era uma gaiola de luta.
— Este é o seu futuro, Rocco Spada. Você vai morrer como
meu Slevin. — O sotaque pesado da loira me revestiu de ódio.
Abri um sorriso maníaco para ela, que me acompanhou e se
aproximou. O brilho alucinado em seus olhos me deixou puto pra
caralho. Eu queria tirar aquele risinho do rosto da vadia.
— Só que quando você morrer, eu vou atrás da sua esposa...
e dos seus filhinhos.
Choque percorreu minha espinha. Não foi aquele o acordo
que eu fizera. Eu havia prometido a minha vida em troca do
Brigadeiro dela. Só a mim. Avancei contra a loira querendo morder
seu sorriso fora do seu rosto belo e diabólico, mas um dos seus
homens me prendeu em uma gravata, espremendo o meu pescoço
a ponto de eu não conseguir respirar. Mesmo assim, eu me forçava
para frente, estendendo os braços na direção daquela filha da puta.
Natasha deu apenas um passo para trás, ficando a um
centímetro de onde eu poderia alcançá-la. Sua risada de escárnio
eliminando qualquer pensamento são da minha mente.
— Você vai lutar até a morte sempre que eu quiser. Meu
cavalo premiado. E o dia em que você perder, eu coletarei a minha
vingança completa.
Urrei já quase sem ar, debatendo os braços à frente,
observando a loucura daquela mulher.
— Ela está grávida, dois meninos... Acabou de sair da
reabilitação, seu irmão anunciou para os Capos que vai casar com
ela... — Sua voz soou doce, enquanto ela voltava para o seu
alcance. — Gaia pode ter uma vida boa... Depende de você. —
Consegui segurar a sua camisa. Os olhos azuis dela não saíram dos
meus enquanto dava a sua cartada final. — Não morra, cachorro!
Este é o seu futuro, todo ele.
Eu ia ser pai! Gaia ainda precisava de mim. Meus filhos,
precisavam de mim... Meus filhos! Mia vita estava grávida de
gêmeos, como eu e Cesare...
Eu precisava sobreviver.
— Não foi esse o acordo.
— Slevin morreu em uma luta na qual morte não era o
acordo. Por que eu devo cumprir algum acordo com você? Agora
vai, cachorro! Vença a luta, sua esposinha e seus futuros bebês
dependem disso.
Acendeu outro cigarro, tranquila, como se ameaçar crianças
no ventre de sua mãe não fosse nada para ela. Aquela mulher era o
demônio, cobrando-me em vida.
Este era o meu futuro. Minha família acreditava que eu havia
morrido para protegê-los, só que eu viveria para protegê-los. Para
sempre. O cara do outro lado do ringue teria que morrer, toda
maldita vez.
Matar nunca mais me daria culpa, se tornaria o meu objetivo
de vida. A linha não oscilou, ela se estabeleceu na ira. Eu podia
viver com isso. Sem tristeza, sem medo de falhar. Na gaiola, eu era
um deus, aquelas eram expectativas que eu sempre alcancei com
louvor, o lugar onde sempre triunfei.
Por Gaia, pelos meus filhos. Eu viveria no inferno por eles.
CAPÍTULO 39

Diego Herrera virou fumaça e eu não aguentava mais


procurá-lo. Aquele covarde de merda! Certamente Malkin o estava
resguardando e o território dele era proibido para mim pelo acordo
de Rocco.
Nós entramos em uma guerra pesada com os Herrera.
Tijuana agora era território calabrês, o que deixava Chacal
enfurecido. Eu fiz acordo com os colombianos para tomarmos o
território da Mexicali e Mexizona. E eles não poderiam estar mais
interessados.
O que foi um ganho duplo para mim, porque Vito Rigori ficou
sem fornecimento de drogas. Os colombianos ganharam força sobre
a costa Leste, descendo de Nova Iorque para Miami e a IRA não
tinha lealdade com quem não era aliado. Rigori estava fodido, no
colo de Igor Malkin, cercado por mim. Só que, para a sorte do
butcher, eu não tinha tempo para ele agora. Meu foco era vingar
meu irmão onde eu podia.
Diego Herrera tinha que morrer!
Ele e o cartel de merda que nos traiu. Se Chacal quisesse
paz, ele que entregasse o irmão como o dele fizera com o meu!
Eu ainda era assombrado com pesadelos de Rocco. Era
como se ele estivesse me chamando, pedindo ajuda, e eu não
pudesse estender a mão para alcançá-lo.
Gaia tentava aparentar que estava bem, ficar saudável pelos
filhos e ao menos nisso, ela ganhara meu respeito. Meus sobrinhos,
as últimas partes vivas do meu irmão, não teriam uma mãe fodida
da cabeça, usuária de drogas. Ela estava limpa, longe de problemas
e tentando entrar na famiglia calabresa.
Minha cunhada estava diferente de alguma forma. Enquanto
eu descongelava o animal em mim, ela ganhava sobriedade no
sentido literal e figurativo. Pouco falava com ela, mas o pouco que a
via pela casa era o suficiente para ver seus ombros erguidos e
queixo alto, finalmente se assemelhando com a Spada que sempre
deveria ter sido.
Ela jamais seria uma força da natureza como Donatella, mas
alcançaria a frieza e sagacidade de Cara Spada. O que já era o
mínimo para viver na selvageria de nossa vida mafiosa.
Todos sabiam que nos casaríamos e, desta vez, eu fiz
questão de que ela fosse respeitada. A cerimônia só aconteceria
depois do nascimento dos gêmeos para que não houvesse
nenhuma dúvida de quem era o pai daqueles moleques. E eu não
teria filhos meus para que eles fossem os herdeiros.
Eu fui forçado a usurpar a vida de Rocco, meus filhos não
seriam.
— Cesare, Romani e Zorkin chegaram. — Valentino abriu a
porta da sala do meu escritório oficial, da Avenida Central.
Como meu Consigliere, ele até tentava conter o animal
furioso que eu estava me tornando, mas ambos sabíamos que ele
não seria bem-sucedido. Minha sede de sangue andava beirando a
loucura, a tomada de Tijuana foi o meu dia feliz. Eu e Nero
mergulhamos na lama e voltamos banhados em sangue para casa.
O tempo da diplomacia acabara. Eu seria como Alexandre, o
imperador aristotélico, e já conhecia o fim da minha história de vida.
Só que eu não me importava. Meu legado seria entalhado em
corpos empilhados e territórios batizados com o meu sobrenome.
Spada seria sussurrado com temor, seguido pelo sinal da cruz em
um pedido de proteção que não viria.
— Mande-os entrar. — Soltei o corpo para trás na cadeira,
balançando-a suavemente. O som suave do metal rangendo
despertou a minha audição.
Valentino parou ao meu lado de braços cruzados, entrando
no seu papel de Consigliere e guarda-costas. Eu apenas fechei a
expressão, anulando qualquer vestígio de emoção como treinei a
mim mesmo para fazer por uma vida inteira.
Romani entrou na frente. Claro que entrou, arrogante de
merda. Eu ainda não esqueci do que ele fizera. Nem ele, nem a sua
irmãzinha, de quem eu não conseguia esquecer, a que havia se
livrado de mim.
Desfazer o acordo de casamento com Bionda foi uma das
decisões mais difíceis que eu tive que tomar desde que me tornei o
Don. Eu desejava aquela passarinha abusada, queria quebrar suas
asas, fazê-la implorar por misericórdia.
Por mim!
O Don da Outfit abriu o botão de seu terno cinza claro e se
sentou em uma cadeira à frente da minha mesa sem que eu o
autorizasse a fazê-lo e sem me cumprimentar. Zorkin foi mais polido,
mas ele não me enganava.
Um Pakhan da Irmandade de Sangue, a pior das BRATVAs,
não tinha educação e polidez. Eu jamais confiaria neles. Não
compreendia o motivo de Raul ter se aliado a eles, mesmo com
aquela família Wild infernizando a sua vida, com o apoio dos Rigori,
a Outfit ainda tinha o nosso suporte.
Talvez o problema fosse a guerra civil em que ele se
encontrava...
— Raul, Andrei... — cumprimentei-os, seco. — A que devo a
honra? Vieram oferecer ajuda que eu não pedi?
Tino, ao meu lado, ficou tenso, mas eu sabia com quem
estava falando. E eles também sabiam com quem estavam falando.
Em alguns meses, eu assumi Idaho como território dos Spada e o
próximo seria Montana, o que fecharia todas as fronteiras do
Canadá para Zorkin. Ele não poderia mais sequer se atrever pela
terra morta.
Andrei Zorkin veio me pedir alguma coisa.
O que ele tinha para me oferecer era que me interessava.
— Cesare, você costumava falar menos e ouvir mais quando
o seu irmão era o herdeiro. — Raul atirou e meus dedos se
fecharam em punho automaticamente.
Era um novo reflexo maldito que eu não conseguia conter.
Desci a mão da mesa, flexionando os dedos. Debrucei os cotovelos
sobre o tampo, cobrindo uma mão com a outra para me impedir de
demonstrar emoções novamente. Mantive meu olhar trancado no
rosto de Raul Romani. Era ele quem não sabia a hora de se calar.
Por sua culpa, a cidade central da Outfit estava se partindo.
— Ainda chateado por eu ter rejeitado a sua irmãzinha
usada? Ou por ter recebido uma mulher estragada?
Zorkin finalmente se sentou, largando-se na cadeira,
impaciente, como se a conversa fosse ser longa. Eu não tinha
tempo para conversas longas. O que eu tinha era uma guerra para
arquitetar: estratégias para organizar e inimigos para matar.
Eles ainda não estavam no meu radar, mas talvez eu
devesse manter minhas orelhas de pé.
— Vamos direto ao ponto. O que vieram fazer aqui, ainda
mais juntos?
— Nós temos um inimigo de interesse mútuo. Na verdade, é
um efeito dominó. Nossa aliança é o martelo que vai pregar esse
caixão. — Raul começou a explicar, circulando o dedo para indicar
nós três e explicando como se eu fosse um idiota que não via a sua
tentativa de manipulação. — Zorkin e eu odiamos os Wild de
Chicago, você e ele odeiam Igor Malkin. Malkin e Wild são aliados
entre si e da Cosa Nostra... Você compreende aonde eu quero
chegar?
Sim. Norte e Oeste contra Leste e Sul. Com ambos os
territórios invadidos por células inimigas. Chicago e Miami. Só que,
neste momento, a minha guerra me puxava para o Sul, abaixo do
território de Zorkin. Eu queria o México e não podia atacar Malkin.
Não enquanto ele não fizesse o primeiro movimento.
Rocco prometera a não retaliação de sua morte.
— Não posso atacar Zorkin. Foi a promessa de morte do meu
irmão e a última ordem do meu pai como Don.
— E se a promessa do seu irmão não valesse? — Zorkin
abriu o sorriso reptiliano dele. Seus olhos azuis translúcidos me
davam nos nervos, bem como o cabelo platinado.
Raul fechou o semblante e olhou para Valentino, então se
ajeitou na cadeira, deixando claro que não entregou todas as armas
conforme fora instruído a fazer. Ele devia ter alguma arma entocada
e se preparava para usá-la. Eu sabia reconhecer os movimentos,
porque o meu bisturi estava sempre na manga dos meus paletós
costurados especificamente para facilitar o uso.
— Acho melhor você dizer o que veio dizer, Zorkin. Não me
importo em comprar guerra com uma BRATVA que não pode entrar
no meu país sem autorização e ajudar a equilibrar a balança do
poder em Chicago — ameacei ambos e, diferente de Raul, eu tinha
culhões para segurar o meu problema sozinho.
— Você realmente falava muito menos quando seu irmão
fazia o papel de babaca sozinho. Agora que não precisa mais
controlá-lo, está deixando a sua própria loucura transparecer,
garoto. Já vi acontecer... homens que vão fazer missões e nunca
mais retornam. Fode a mente. Mas, para a sua sorte, sua missão
não acabou. — Zorkin puxou um charuto do bolso e cortou a ponta
com o cortador, acendendo-o com um isqueiro maçarico.
A cada segundo desta conversa, o animal começava a
vencer. Trinquei meus dentes, impedindo-me de falar por meio
segundo, controlando a voz para só então, atirar:
— A próxima vez que você me chamar de garoto, ou que
desmerecer a memória do meu irmão, eu vou cortar todos os seus
dedos com esse cortador. — Minha frieza não foi confundida com
qualquer outra coisa do que uma ameaça verdadeira. Eu não fazia
promessas vazias. Minha palavra era lei. — O que você quer dizer
com “a missão não acabou”?
— Malkin não matou Rocco. Ele o entregou para Natasha, ela
o usa como um cão de rinha em gaiolas de morte. E devo dizer, pelo
que eu soube, ele tem uma motivação extra para continuar
ganhando... Se ele perder, ela prometeu vir atrás dos seus
sobrinhos ainda não nascidos — Raul falou com cautela, mas no
momento em que as palavras atingiram o fundo da minha mente, eu
me ergui e arrastei as mãos espalmadas sobre a mesa, derrubando
tudo no chão.
O som do vidro da garrafa e do meu copo de uísque
estilhaçando no chão, junto ao notebook, meu telefone e os papéis
voando refletiam a minha turbulência interior.
Um berro animalesco deixou a minha boca e Valentino se
colocou na minha frente antes que eu virasse a mesa. Zorkin e
Romani se ergueram e a porta do escritório se abriu com cinco
soldatos apontando armas para as cabeças deles.
Rocco estava vivo! Lutando por sua vida como um fodido cão
de briga. Eu mataria Igor e Natasha Malkin!
— Abaixem as armas! — Valentino berrou a ordem e os
homens saíram. — Quando vocês ficaram sabendo disso?
— Exatos três dias. Quando liguei e você disse que estava
muito ocupado para nos atender. — Zorkin sorriu, apontando para
mim com o charuto entre os dedos. Eu avancei na sua direção, mas
Tino me segurou.
— Sentem-se! — meu Consigliere ordenou. — Cesare,
vamos ouvi-los. A vida de Rocco depende disso. — Tino sussurrou
no meu ouvido, trazendo-me de volta à realidade.
Nós não tínhamos contatos dentro da BRATVA de Malkin. Eu
precisava desses filhos da puta como eles apontaram no início da
reunião. O que os unia eu não sabia, mas o que me unia a eles era
mais importante que qualquer cargo, que qualquer território. Era a
vida do meu gêmeo, que continuava lutando para nos salvar.
Literalmente.
— O que vocês querem? — Não me sentei, agoniado demais
para fazê-lo.
— Aliança. Quando a hora chegar, vamos derrubar Malkin
juntos. — Zorkin tragou o seu charuto, soltando a fumaça para cima.
— Eu quero que você se case com Bionda. O acordo
desfeito, rejeitando-a, não pegou bem, mesmo com a desculpa de
ter o pedido de morte do seu irmão. E uma vez que ele não está
morto, não vejo motivo para desposar sua cunhada. — Raul exigiu e
se remexeu novamente, como se estivesse prestes a puxar a arma
que contrabandeara para dentro do meu escritório.
Euforia me consumiu. Ainda que a parte racional do meu
cérebro me dissesse que parecia um acordo fácil demais e que me
misturar com a Irmandade de Sangue não seria bom para a minha
famiglia a longo prazo, eu não tinha escolha. Rocco era prioridade.
E eu teria Bionda de volta... a única coisa que quis para mim
mesmo em toda a vida.
Seus olhos azuis com as lágrimas escorrendo voltaram para
mim como em um sonho acordado. Seus tapas em meu braço,
lutando contra mim, tentando resistir a minha animosidade,
implorando-me para não machucar aquele infeliz, ainda queimavam
a minha pele.
A sensação de formigamento, de antecipação da caçada,
quase me colocou de joelhos. Sentei-me e respirei fundo, com o
coração galopando como um cavalo selvagem em disparada.
Eu recuperaria Rocco e teria Bionda de volta.
— Acordo fechado.
— Eu quero matar Malkin. — Zorkin anunciou.
— Mas nós ficamos com Natasha — avisei-o, e ele ergueu as
mãos em rendição, segurando o charuto entre os dentes.
Meu irmão estava vivo, e eu iria até o inferno para recuperá-
lo. Só precisava que ele continuasse lutando para sobreviver. Ele
finalmente conseguiu encontrar sanidade o suficiente para querer
viver.
Gaia era sua vida.
— Obrigada por ter vindo comigo, Cesare. Eu sei que você é
muito ocupado. — Parei ao lado da maca onde ela estava deitada
depois do exame que mostrou meus sobrinhos dentro de sua
barriga protuberante da gravidez pela metade.
Meu irmão podia estar aqui!
Ele teria chorado junto com Gaia, teria beijado a sua esposa
inapropriadamente, exalando felicidade, como sempre fizera, e eu
teria que separá-los. Farejaria as endorfinas que os rodeariam como
no casamento deles, ou nas demais vezes em que eu os
acompanhava. Quando estava com ela, Rocco parecia outro. Se
não fossem as drogas, ele seria verdadeiramente feliz.
Se não fosse a máfia, a agressividade que a nossa vida
impunha ao meu gêmeo, Rocco seria apenas feliz. Ele amaria Gaia
e seus filhos, teria uma vida simples sem se importar com poder,
territórios ou cargos.
Meu gêmeo não tinha ambição, nem maldade como os outros
Spada. Ele tinha uma consciência que o atropelava como um fodido
trator, isso sim, fazia-o sofrer a cada vez que se descontrolava.
Aquele tipo de sentimento não era compreendido por mim.
Eu nunca amei nada na minha vida. Apenas Rocco. E nunca
foi esse amor comum que as pessoas diziam sentir. Sempre foi
denso, pesado como o chumbo que eu carregava no lugar do
coração que não possuía. Rocco sempre foi a minha única
preocupação, e continuaria sendo, até que eu o trouxesse de volta
para a família. Agora ele tinha a própria família.
Se eu o tivesse apoiado, se tivesse permitido que ele saísse
da vida de made man, ele estaria ali para assistir. Desde a nossa
iniciação, eu o guiei, tentei fazê-lo ser o que nunca seria. Ele me
pediu, praticamente implorou, que eu o deixasse ir e eu o prendi a
mim.
Lancei meu irmão em um caminho sem volta. Todos nós
sabíamos do que ele realmente precisava, mas ficamos confortáveis
com o fato de ele se tornar funcional, mesmo que para isso se
autodestruísse usando drogas, lutando em gaiolas...
Gaia achava que eu a culpava, mas a verdade é que eu me
culpava. Manipulei Rocco a vida inteira, controlando-o, usando-o
para não me deixar ser o monstro que realmente era.
— Ele me pediu para sair da ‘Ndrangheta, eu não permiti. Foi
por isso que ele fugiu, por isso foi pego e se entregou. Eu nunca
culpei você... — Quando foquei meus olhos nos dela, Gaia sequer
piscou. — Eu te odiei por puxá-lo para baixo, depois te odiei porque
você tirou de mim o controle sobre ele. E te odiei por ter sobrevivido
quando achei que ele estivesse morto.
Ela arregalou os olhos, estarrecida. Gaia não era
manipuladora, não sabia esconder emoções, não mordia de volta
quando era atacada, não era como Bionda. Minha cunhada era
perfeita para Rocco. De todos nós, ele era o único
fundamentalmente bom. E apenas ela servia para o meu irmão. O
tipo de lealdade que Gaia tinha com Rocco não era comprável.
Ela morreria por ele.
Ela viveria por ele.
— Como assim? — Ela cobriu a boca com as mãos trêmulas.
— Como assim, Ce... — Sua voz quebrou e as lágrimas que antes
eram felizes se tornaram desesperadas. Segurei seu ombro,
deitando-a na maca para o caso de ela desmaiar.
Tive medo de lhe dar a informação ontem, depois da reunião
com Romani e Zorkin, e ela passar mal, por isso a trouxe ao hospital
com a desculpa de acompanhá-la na ultrassonografia.
— Ele está vivo. E eu te prometo que vou resgatá-lo, nem
que para isso eu tenha que matar todos os russos que encontrar
pela frente. Você me ouviu? Eu vou trazê-lo de volta.
Gaia demonstrou uma força física surpreendente e se
colocou sentada, puxando-me pelo paletó em um abraço estranho,
pela sua barriga de cinco meses. Abracei-a de volta, amparando-a
para que não caísse quando se jogou de cima da maca, aos
prantos.
— Pare de chorar, não faz bem para os bebês. — Minha
frieza não a assustava mais. Muito pelo contrário, ela me apertou
mais forte no seu abraço constrangedor.
— Muito obrigada, obrigada! — E lá estava, o choro irritante.
— Gaia, pare de chorar!
Ela não estremeceu com a minha ordem séria, soltou-me,
com um sorriso imenso nos lábios e as lágrimas ainda escorrendo.
Puxei o lenço do paletó e entreguei a ela. Minha blusa estava suja
com o gel que passaram na barriga dela e com sua maquiagem,
mas eu não me importei. Naquele momento, Gaia representava a
felicidade que eu não sentia. Uma muleta, como Rocco sempre foi.
— Eu vou trazê-lo de volta e vocês serão livres, eu prometo.
Você só precisa cuidar dele, Gaia.
— Eu vou cuidar, vou cuidar muito bem dele. Pode confiá-lo a
mim, Cesare. Eu estou pronta. — A certeza em seus olhos era real.
Gaia Spada finalmente conquistara algum respeito meu.
Rocco ficaria bem. Eu só precisava recuperá-lo. Não conseguia
imaginar no que os russos o transformaram nesses meses, mas
uma coisa eu tinha certeza:
Ela aguentaria qualquer coisa que viesse.
EPÍLOGO

Encontrar a sua alma gêmea é uma raridade. Muitas pessoas


sequer acreditam na existência do conceito.
Ou sequer na alma.
O conceito de alma é debatido através dos milênios, por
religiões diversas e pela Filosofia. Platão deixou o Mito da
carruagem alada para explicar e ele se adequa a vocês,
indissociáveis. Cada alma humana possui dois cavalos liderados por
um cocheiro: um cavalo bondoso e obediente, temente e respeitoso;
o outro mau, insolente, irascível. Cabe ao cocheiro liderar o caminho
com seus cavalos dispares.
Vocês são essa alma única, Rocco. Você e Cesare. Um,
único, partido... Uma alma em dois corpos.
Nós, no entanto, somos outro mito sobre as almas, o que é
contado no Banquete, no qual os humanos, que eram dois seres em
um só, se rebelaram contra os deuses e, como castigo, foram
partidos ao meio, buscando a metade que lhe pertencia para
sempre, em vida.
A maioria nunca se encontra.
Nós já nos encontramos, Rocco. Nossas almas pela metade
se encontraram. Mas desafiamos o divino, brincando com nossas
vidas e fomos separados.
Mas eu tenho certeza de que nós nos encontraremos
novamente. Desta vez, humildes, obedientes e temerosos. Lutando
por nossas vidas e pelo que há de precioso nela: as almas que
traremos para este mundo.
Nós somos resilientes, amore mio.
Somos almas gêmeas.
Fique agora com uma degustação do próximo volume da série,
MADE MEN III:
CESARE SPADA
PRÓLOGO

Dizem que o amor e o ódio são duas faces da mesma


moeda. Sentimentos passionais, acalorados, como o fogo, que
dominam a mente, o corpo e a alma; consomem tudo, mas também
remodelam.
O aço endurece, a areia vira vidro... nós viramos cinzas...
Amor e ódio são os impulsos vitais, não há para onde correr.
Ao menos para alguns seres, aqueles que têm consciência de si
mesmos. E, apesar de tudo, falta de consciência nunca foi o
problema, muito pelo contrário.
O amor é como um vulcão, cheio de magma derretido, que
queima lento, precisa entrar em erupção e vai deixar marcas no
solo. Já o ódio é uma queimada devastadora, destruindo tudo ao
redor, eliminando a vida.
Vê? Ambos representam destruição no fim.
Só que ninguém é atraído pela beleza de uma queimada. O
fogo precisa ser controlado, dominado. Já o vulcão recebe cartões
postais e os seres humanos permanecem construindo sociedades
ao redor deles, como se Pompeia não tivesse ensinado nada.
Quão insignificante somos diante do fogo? Seja amor ou
ódio, vamos queimar. Qual o sentido de resistir?
Cara ou coroa?
[1]
Referência ao uso de cocaína.
[2]
Gíria para uso de cocaína.
[3]
Tradução livre: “Filho da puta”.
[4]
Beck é gíria para cigarro de maconha.
[5]
Festa semelhante à de 15 anos brasileira.
[6]
Abreviação de Mamma. Lê-se: “má”.
[7]
Gíria para cachimbo para fumar maconha.
[8]
Família de sangue.
[9]
Termo utilizado para tomada de território pela máfia calabresa.
[10]
Referência ao grupo de homens da lei que prendeu Al Capone, líder da
Chicago Outfit, nos anos 1930. E que conseguiram prendê-lo por não ter pagado
os impostos sobre as fortunas ilegais.
[11]
Relação entre pessoas do gênero feminino.
[12]
Filho da puta.
[13]
Droga apelidada de “droga do amor”, pois dá uma sensação de prazer e bem-
estar.
[14]
Fronteiras entre California e México e Arizona e México, respectivamente.
[15]
Tradução livre: “porra”.
[16]
Remédio que pode anular os efeitos de overdose de heroína.
[17]
Gíria para metanfetamina.
[18]
Discurso sangrento é uma prática entre os mafiosos onde eles usam a
violência para mandar recados.
[19]
Descendentes de mexicanos que são americanos de nascimento. Também um
termo pejorativo.
[20]
Família popular pela excentricidade e gosto pelo obscuro, famosa por
programas televisivos e filmes.
[21]
Termo respeitoso utilizado por motoclube para se referirem às esposas e
namoradas.
[22]
Equivalente a made man na máfia russa.
[23]
Cargo de importância na BRATVA, como capitão (no universo de Made Men).
[24]
Cargo equivalente a Consigliere na Bratva.
[25]
Cargo equivalente a Don.
[26]
Arma.
[27]
Pessoas de fora da máfia.
[28]
Referência para LSD.
[29]
Cargo dentro dos cartéis.
[30]
Apelido para heroína.

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