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1ª EDIÇÃO / 2021
Copyright © 2021 by Agatha Seravat
Todos os direitos reservados.
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios,
sem prévia autorização por escrito.
Design de capa: Agatha Seravat
Revisão: Isadora Duarte
Projeto gráfico e diagramação: Agatha Seravat
TRILOGIA WILD
WILD: Último Recurso
WILD: Megalomania
WILD: Veneno
REDES SOCIAIS
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OMERTÀ
Leis que comandam a todos os envolvidos na máfia,
homens e mulheres.
1º) Não fale com os Feds;
2º) Compromissos sempre devem ser honrados, a palavra vale mais
que o papel;
3º) A famiglia vem em primeiro lugar;
4º) Não converse com ninguém de fora sobre os negócios da
famiglia;
5º) Traidores e descendentes nunca serão perdoados;
6º) Não minta ou omita informações que são importantes para a
famiglia;
7º) Os inimigos da famiglia são seus inimigos, os amigos da famiglia
são seus amigos;
8º) Não coloque em risco a segurança da famiglia por motivos
individuais;
9º) Os assassinatos devem ser vingados, sempre.
RIGORI
Vito Rigori – “açougueiro”
Salvatore ‘Sal’ Ricci – “crudelle” (cruel)
Graziella Rigori
VELACCHIO
Anthony ‘Tony’ Velacchio
Constanza Velacchio
Guillermo Velacchio
Gaia Velacchio
Paola Constantini
SPADA
Lorenzo Spada
Cara Spada
Rocco Spada
Cesare Spada – “Rude”
Nero Spada – “Psico”
Donatella Spada
ROMANI
Mario Mancini / Raul Romani
Alessia Mancini
Mia Mancini
Bionda Romani
PRÓLOGO
— Você não está chateada por eu ter ficado com o seu antigo
noivo? — questionei a Grazzi, temendo mostrar a ela o quanto eu
estava feliz com o arranjo.
Sentia muito que para eu ter a minha felicidade, o meu sonho
realizado, Grazzi tivesse que ter o dela roubado. Mas não foi minha
culpa que Vito a escolhera. Aparentemente, Graziella era a escolha
de todos eles. Como não seria? Mas eu não me importava em ser a
segunda opção de Rocco. Ele era a minha primeira opção.
Por mais que Grazzi negasse, sua racionalidade exacerbada
a fazia ver as coisas sempre pelo lado negativo. Vito também era
jovem. Sua fama o precedia, mas ela estaria na famiglia. Agora era
eu quem iria para longe, mas enquanto a trégua durasse, nós
poderíamos continuar sendo irmãs. Nem que fosse pelo telefone.
Guilly e Paola precisavam mais dela do que de mim. E
precisariam ainda mais se levassem o relacionamento adiante
quando meu pai quisesse arrumar um casamento para ele, ou pior,
para ela. Paola era uma Constantini, seu sobrenome não tinha peso,
ela seria vendida para o primeiro que viesse pagar.
— Claro que não, Gaia. Não preferia que nossos lugares
estivessem invertidos. Antes você distante do que nas mãos do
açougueiro. — Ela me deu seu sorriso triste e eu a abracei.
Pela tristeza que eu a via sentir, sabia que não deveria
compartilhar minha felicidade. Grazzi tinha um futuro obscuro pela
frente, enquanto o meu parecia cada vez mais descortinar-se para a
luz.
Deixei-a fazer seus estudos para a prova que o noivo
demandara que ela fizesse. Vito Rigori exigiu que Grazzi entrasse
para uma faculdade. Fiquei me perguntando se Rocco teria alguma
demanda para se casar comigo. E precisaria me esforçar muito para
entrar em uma faculdade se ele me pedisse.
Cesare ou os Spada não pediram nada de mim, aliás, além
daquela pergunta, Cesare nem se dirigiu mais a mim, passando a
me ignorar durante o tempo em que meu pai e ele conversavam.
Casaríamos duas semanas depois do meu aniversário de
dezoito anos e como os humores ainda estavam abalados por conta
do que Vito fizera, roubando a noiva escolhida por Rocco, eu
imaginava que não receberia visitas do meu noivo em breve.
Imaginava-me com ele em sua moto, nas suas festas, na sua
cama.
Como seria ser beijada por ele e testemunhar o sorriso ao
vivo e em cores? Ver de perto as írises que as câmeras tinham
dificuldade de pegar e que pareceram frias em Cesare. Será que o
olhar dele era gelado como o de meu pai?
Não, Rocco não era brutal, não era um imbecil agressivo. Ele
não falaria comigo com desdém como meu pai fazia com a minha
mãe, nem me deixaria com marcas quando fizéssemos amor
durante as noites.
Eu precisava perguntar à Paola sobre o que sentiria. Se ela e
Guilly transavam, eu não sabia ou queria saber, mas eu queria
saber dos orgasmos. Já havia tentado muitas vezes e nunca
conseguira sentir o tal prazer que todos descreviam. Nem quando o
fazia pensando em Rocco.
No fim da tarde, quando Grazzi foi se arrumar para o jantar,
invadi o quarto de minha prima meses mais velha que eu.
— Paola, preciso saber, como é o ... o prazer? Não temos
muito tempo, não quero perguntar isso na frente de Grazzi, ela já
está assustada o suficiente. — Corri alegre para ela, segurando
seus ombros e sorrindo a ponto de doer as bochechas.
— Você já parou para pensar que está animada demais com
esse casamento? Chega a ser ofensivo e insensível da sua parte,
Gaia. — Os braços cruzados de Paola me lembravam exatamente a
mesma postura de Guillermo. — Graziella está sofrendo e você quer
saber como é gozar. Se manca! Pra você ter o seu príncipe
encantado de merda, ela teve que ir para as mãos do açougueiro!
A culpa que me invadiu foi intensa, mas também a raiva.
Meus olhos arregalaram-se e o sorriso morreu na mesma
velocidade com que havia nascido. Eu não estava me vangloriando
na frente de Grazzi, disfarçava a minha felicidade e exultação o
melhor que eu conseguia. Achei que Paola não se importaria.
— Você não tem o direito... não tem o direito de falar assim
comigo — gaguejei, nervosa, com as palavras presas na minha
mente. Sempre que me via em uma situação de conflito, não sabia
como responder prontamente. Eu me encolhia e me acovardava.
— Alguém tem que fazer, porque Grazzi acha que você é
boazinha, que está iludida, mas eu sei que não. Você é só uma
babaca que acha que um pau vai salvar a sua maldita vida. —
Espalmou as mãos no ar, ao lado do rosto. — Novidade,
princesinha, não vai! Cresce, Gaia!
Suas palavras me atravessaram como se ela estivesse me
dando uma surra como a de meu pai.
— Então viver um namorinho com o primo com quem eu
jamais poderei me casar é o que eu deveria fazer? A certa aqui é
você? — debochei, querendo feri-la como ela fez comigo.
— Ao menos eu vou ter o pau que eu escolhi enquanto puder,
e não vou ficar me iludindo de que um casamento arranjado vai dar
certo só porque ele é bonito nas fotos. Você... — Ela já estava
vermelha e eu com lágrimas nos olhos, o peito estufando, subindo e
descendo de raiva e tristeza. — Teu futuro marido é um inimigo.
Você foi vendida, porra! Ele te comprou! Na verdade, ele comprou a
Grazzi, mas como não pode levá-la, você é prêmio de consolação.
Então para de sonhar, para de pensar nele como um maldito
cavaleiro de armadura. Bota a porra dos pés no chão!
— Para, Paola! — Guillermo apareceu na porta do quarto de
Paola e a olhou severo. Estendeu a mão para mim e eu fui à sua
direção e o abracei.
Guilly vinha crescendo muito, agora minha testa batia no seu
peito e suas costas estavam mais largas.
— Ela precisa parar de revirar os olhinhos e achar que ele é
um príncipe! Não é justo deixá-la ir para o ninho de cobras achando
que eles são belos cisnes. — Paola enfrentou Guilly de igual para
igual.
— Fazê-la chorar é o seu plano? Conseguiu, já pode calar a
boca agora. — Então ele abaixou o rosto e beijou a minha têmpora.
— Vai, vai lavar o rosto, está quase na hora do jantar. Papá não vai
gostar de ver seus olhos inchados.
Antes que eu me afastasse o suficiente, ouvi que eles
começaram a discutir. Paola não abaixava a cabeça para Guillermo,
ela impunha as suas ideias. Não ser surrada sempre que abria a
boca fazia de você mais propensa a saber como responder quando
atacada.
Já eu levava o meu coração quebrado, minha raiva
borbulhante e os sonhos desvanecidos de volta para o meu quarto,
para cobrir meus olhos chorosos com maquiagem e forjar um sorriso
alegre que todos estavam acostumados a ver em mim.
Rocco era o inimigo, Paola dissera.
Só que o querer foi o meu fruto proibido desde o começo.
CAPÍTULO 6
Fui com minha mãe e Paola para Nova Iorque para uma das
provas do meu vestido. Era a primeira vez que viajávamos sem meu
pai para tão longe. Eu conseguia ver os ombros de Constanza
Velacchio perderem a tensão a cada quilômetro que o avião nos
distanciava de papá.
Mesmo quando era meu pai viajando para fora de casa, ela
nunca estava relaxada. Ali, dentro do jato, tomando seu drink em
uma das poltronas, finalmente pude ver o quanto mamma era jovem
e me entristeci por seu passado, presente e futuro.
Ela não era uma boa mãe, mas eu a compreendia. Pensei em
como Grazzi estaria. Um mês atrás, ela havia se casado com o
açougueiro e em nenhuma das mensagens que trocamos ela me
pareceu desesperada. Obviamente ela não me contaria, minha irmã
mais velha sempre me protegeu da feiura do nosso mundo, como se
eu não soubesse...
Nós éramos Velacchio, se havia feiura na nossa vida, ela foi
mostrada assim que tomamos consciência da vida. O que nos
restava era ter esperança e acreditar no divino de que toda a tortura
seria recompensada em algum momento.
A minha recompensa era Rocco, a de Guilly era Paola —
com quem ele ainda mantinha o relacionamento. E a de Grazzi?
O quanto do “destino de Constanza” Graziella havia obtido na
vida?
Ao contrário do que Paola pensava, eu me importava com a
minha irmã, e muito. Só não conseguia impedir-me de ansiar o meu
momento de libertação. E quem era eu para fazer algo por ela, por
qualquer um?
Eu era apenas uma mulher da máfia, um objeto vendido.
Minha sorte foi ter sido bem vendida.
Já na loja aonde viemos para experimentar meu vestido de
noiva, eu vi minha irmã e ela parecia consigo mesma; não estava
quebrada, não como a mamma. O sorriso era falso, mas Grazzi
ainda estava ali: seus olhos gelados e a sua frieza como uma
fortaleza ainda a revestiam. Fosse como fosse seu casamento, Vito
não a destruíra.
— Grazzi! — guinchei de felicidade ao vê-la e então o sorriso
se tornou real. Envolvi-a em meus braços, morrendo de saudades
em apenas um mês de afastamento.
Como seria uma vida inteira sem ela? Sempre foi Graziella a
me manter centrada na vida. Paola era muito bruta, por mais que eu
a amasse, não conseguíamos ser amigas no mesmo nível que eu e
Graziella. Interrompi este pensamento, não permitiria que nada se
sobrepujasse à minha felicidade.
— Gaia, que saudade! — Em nosso abraço a sensação era
de lar e acolhimento. E eu pude senti-la estremecer um pouco, o
que era raro.
Apertei-a um pouco mais, implorando por dentro que ela
estivesse realmente bem, que seu casamento fosse feliz de alguma
forma.
Ela forçou um sorriso tristonho, e eu fingi não ver, porque
este era o nosso papel na vida: eu era a alegria infantil e Graziella
era a racionalidade e perfeição. Mas tentei deixar que ela
percebesse que eu estaria ali para ela, sempre, nem que fossem em
memórias.
— Você está linda.
Quando ela mudou de assunto abruptamente, o nó em minha
garganta quase me derrubou. Grazzi era infeliz como a mamma.
Não, ela não merecia isso! Nem Constanza...
A culpa pela felicidade que vinha sentindo me consumiu,
mas, para a minha sorte, a senhora que atendia na loja apareceu
com taças de champanhe. Peguei uma e virei na boca
imediatamente, sorrindo e aproveitando o sabor do líquido para
contorcer o rosto em uma breve careta e ter uma resposta óbvia
para os meus olhos aquosos.
Alcancei outra taça, buscando o entorpecimento que o álcool
sempre me fornecia quando eu ficava muito emotiva, porém Grazzi
me impediu e ofereceu que fôssemos beber em sua casa depois.
Aceitei de pronto, querendo ver como ela vivia. Mamma não
podia convidar ninguém em casa sem a permissão do meu pai. Mas
o convite de Grazzi pareceu espontâneo, o que já era uma
diferença.
Talvez eu estivesse errada a respeito da relação entre eles
dois. Precisava estar, pela minha sanidade, pela dela. Saber que
deixei minha irmã feliz em Nova Iorque me faria ir para Los Angeles
em paz e aproveitar o meu sonho sem nenhuma culpa.
Chorei experimentando meu vestido. O filme inteiro de como
Rocco me veria passou em minha mente. Como o meu casamento
seria a minha libertação.
Depois fomos para a casa de Graziella.
Paola veio sendo ela mesma dentro do carro e infernizando o
soldato que dirigia e eu vim estudando Grazzi e seus silêncios.
Entrelacei nossos dedos e sorri para ela que me devolveu
novamente aquele sorriso falso. Agora que mamma não havia se
juntado, ela me contaria o que quer que fosse.
Graziella morava em uma linda mansão, até melhor do que a
nossa em Miami, e eu já a imaginava cheia de pequenos bebês
Rigori. Não queria que minha irmã ficasse ali sozinha.
Ao descermos, Vito Rigori saía de casa com um de seus
homens, Luciano Santorini, seu braço direito. Ambos eram
espetaculares, morenos como a maioria dos italianos, mas Vito me
amedrontava. O outro sorriu para nós malicioso e inconveniente,
como se não soubesse que eu estava prometida a Rocco. Ignorei-o.
O que não fui capaz de ignorar foi a forma apaixonada como
Graziella e Vito se beijaram, como se pudessem transar ali mesmo,
na nossa frente. Prendi uma risadinha ao ver Graziella se segurar
nele durante o beijo, tocando-o com desejo evidente. Ele a encarou
com intensidade, refletindo o mesmo sentimento.
Minha irmã que sempre foi feita de gelo estava derretida. E
ele não a tocava com brutalidade, havia cuidado ali. Algum
sentimento denso e quente os rodeava.
Definitivamente, não era como o casamento dos meus pais.
Ela conseguiu, saiu do inferno! Poderia não chegar ao
paraíso, mas não era mais o sofrimento em que fomos criadas.
Quase chorei emocionada assistindo-os juntos. Eles
sussurraram em segredo um para o outro. O conteúdo da conversa
não me importava, só o ato em si. Parecia tão íntimo, tão bonito,
que todo o meu corpo se acendeu e eu ansiei por um pouco daquilo.
Fantasiei eu e Rocco daquela forma.
Meu noivo envolveria minha cintura e me beijaria na frente de
quem quisesse ver daquela maneira? Eu me derreteria em seus
braços e ficaria ofegante como Grazzi ficou?
Não aguentava mais esperar.
Aperitivos e uma garrafa de vinho branco foram postos na
mesa em um pátio externo por uma governanta jovem e sorridente.
Graziella não estava sozinha naquela casa.
Então permiti que minha ansiedade falasse mais alto e
questionei:
— Conta tudo, como foi a primeira vez?!
Paola não precisava da informação, ela e Guilly estavam
transando, e eu temia pelo seu futuro, mas Paola escolheu o próprio
destino.
— A penetração dói bastante na primeira vez, mas não tem
apenas dor, se o parceiro for experiente. As preliminares são
importantes. — Eu já sabia daquilo, mas se até Vito, o açougueiro,
havia conseguido ser paciente para fazê-la ter preliminares
orgásticas que a deixaram enrubescida, Rocco certamente
conseguiria me dar o orgasmo que eu jamais obtive sozinha.
— Dizem que para algumas pessoas não dói quase nada. É
só relaxar. — Paola se meteu, confidenciando-nos de forma
subliminar como havia sido a primeira vez dela.
Eu quis rir, talvez fosse o efeito do vinho que eu bebi mais do
que estava acostumada.
— Rocco é tão lindo!! Eu já sonho com ele! Aquele tipo de
sonhos... — gargalhei escandalosa, finalmente me sentindo livre
para falar sobre o assunto com Grazzi.
Ela me direcionou aquele seu olhar de irmã mais velha,
condescendente, como se eu fosse uma menina bobinha, mas não
me importei, bebendo mais e sonhando acordada com a boca de
Rocco por todo o meu corpo.
— Bom, vá com calma e não entregue seu coração em uma
bandeja... — Grazzi começou e pensei em interrompê-la e dizer:
“tarde demais”. Só que Paola foi mais rápida que eu, atirando:
— Só a sua boceta. — Ela ergueu a taça como se estivesse
brindando, depois a virou até o final.
Nossas gargalhadas foram a trilha sonora do nosso encontro
e uma memória linda que eu levaria de nós três para a vida.
CAPÍTULO 8
Senti que era Cesare sem vê-lo. Braços passaram por baixo
dos meus e minhas pernas foram suspendidas, meu corpo foi
realocado para algum lugar que eu mal conseguia discernir.
— Ele está em overdose, Cesare, temos que levá-lo para o
hospital! — Era a voz desesperada de Valentino.
Guillermo Velacchio era tão babaca quanto seu pai fora, com
a exceção de não ser um sádico e eu saber que ele queria o bem da
irmã, mas ainda assim ele me irritava. Seus olhares de julgamento
sentado à mesa de jantar da minha casa, fazendo a refeição que era
provida pela minha família e me hostilizando a porra do tempo todo
deixavam-me revirado em ódio.
Minha linha interna sempre oscilava para cima quando ele
estava presente e se não fossem Donna e Gaia intermediando a
relação, nós teríamos caído na porrada diversas vezes nos últimos
dias.
Eu me mantinha no controle usando o mínimo possível de
coca e fumando maconha para equilibrar, sempre escondido de
Gaia que estava limpa pela primeira vez desde que nos casamos.
Nem álcool ela estava consumindo e a sua felicidade só não estava
plena por não saber o destino de sua mãe e prima.
Conseguimos a informação com algum capitão que era fiel ao
Velacchio de que ambas eram mantidas trancadas em casa, mas
não foram agredidas. O que tranquilizara Gaia de alguma forma,
entretanto, as cordas de enforcamento com o nome das duas
Velacchio estavam suspensas o tempo inteiro. Vito não era
conhecido por sua paciência e Guillermo sozinho, não era páreo
para ele.
Os Rigori estavam mais fortes que nunca, agora que Vito
havia assumido como Don e seu irmão era seu Consigliere. Em
algum lugar, no fundo da minha mente, eu admirava Vito por ter
tomado a frente, por ter sido o que eu jamais seria, como Cesare. E
a situação da liderança da Cosa Nostra me deu esperança. Vito era
o mais novo, mas tomou para si o domínio. Eu queria que meu
gêmeo fizesse o mesmo, mas não podia dizer, embora ele
soubesse.
Cesare considerava o pensamento traição da parte dele, meu
pai não queria admitir derrota para a famiglia por orgulho, embora
fosse óbvio que eu não tivesse condições ou interesse em me tornar
o Don. O precedente siciliano nos servia ainda melhor que a eles.
Só que eu podia sentir a tensão toda vez que eu apontava aquilo.
Permitir que eu abdicasse do meu dever era uma fraqueza
que papá não queria demonstrar para as outras ‘Ndrine, ainda mais
quando eles pediam a minha cabeça desde que ele me anunciara
como seu herdeiro, quando nos tornamos made men.
Aos quatorze, eu não era tão descontrolado quanto agora:
não havia feito nenhuma das merdas que colocaram todos os
calabreses em guerra; não havia um Malkin atacando nossos
territórios em Vegas e em Los Angeles; nem a necessidade de
entrar em uma aliança com a Yakuza por armas e drogas, já que o
cartel Herrera nos cortou completamente.
Tudo o que a minha família e famiglia sofriam estava em
meus ombros e eu sequer tinha o poder para aquilo. Meu
desequilíbrio nos colocou em guerra antes mesmo de eu me tornar
o Don.
Se meu pai cedesse agora, oferecendo Cesare em meu
lugar, ele pareceria fraco, como se estivesse se resignando às
vontades de Tiziano e Nicolo. Giordano, o Consigliere de papá, e
meu tio Bruno, o Capo de San Francisco preferiam Cesare, mas
concordavam que agora não era o momento de fazer a troca.
Então eu permanecia carregando a coroa de espinhos.
— Malkin enviou uma célula para o território de Tiziano. Ele
perdeu a área onde ficava o clube em que você matou o Brigadeiro
da Obschak
Todas as vezes que meu pai falava daquela mulher, meu
peito se contraía e a linha oscilava para baixo. A dor dela me dava
pesadelos. Eu queria me entregar, mas, mais uma vez, não era uma
opção minha.
Nós passamos a andar com segurança redobrada, porque
Malkin foi taxativo, se papá não me entregasse, ele mataria a toda a
prole Spada, não apenas a mim. Donna ficou emburrada comigo por
ter passado a ter um toque de recolher como se este fosse o maior
problema e ela não trouxesse a diversão para dentro de casa.
Nero se recusava a deixar os seguranças se aproximarem,
embora soubesse que eles estavam por perto. Cesare era o que
mais estava na rua, sendo, de fato, o Capo de Los Angeles,
enquanto eu passei a tomar conta da rehab da minha esposa. Meu
pai aprovou, por eu ser o maior alvo e era essa a justificativa que ele
dava a si mesmo pelo meu desinteresse nos negócios da famiglia.
Ninguém se incomodava, desde que eu estivesse em segurança e
longe de problemas.
Assumir a sobriedade de Gaia como minha missão me
deixava mais controlado do que eu nunca estivera em toda a vida.
Ter alguém para tomar conta, alguém que realmente me importava,
era algo novo. Cuidar dela não era o mesmo que decidir quem
morreria, montar estratégias com as quais eu mandaria homens
arriscarem suas vidas em apostas que eu planejei.
Ser o Don era jogar dados com o destino dos outros. Eu não
podia lidar com aquela responsabilidade.
Só de saber que minha segurança custava a paz da minha
família já era horrível o bastante. Se não fosse Gaia e a certeza de
que estava fazendo algum bem a ela, pela primeira vez, eu teria
fugido e negociado com Malkin pela paz em troca da minha vida.
Eu faria qualquer coisa pelos meus irmãos, jogaria quem quer
que fosse no fogo, inclusive a mim mesmo.
— Tiziano precisa de ajuda? — questionei papá no escritório
de casa, onde nós cinco estávamos: eu, Cesare, Nero, o Don e
Guillermo Velacchio.
Eu não gostava da presença do Velacchio, mas sabia o que o
Don estava fazendo. Alianças, sempre alianças.
— Talvez, mas não vou mandar nenhum de vocês. É isto que
Malkin quer, ele quer os meus melhores, os meus filhos. Tiziano
receberá o reforço necessário, mas vocês não sairão de Los
Angeles. — Papá usava a cânula com o oxigênio o tempo todo
agora. Só em falar essa frase completa, ele já parecia cansado.
A enfisema pulmonar estava acabando com ele, e nem assim
meu velho parava de fumar. Talvez eu tivesse puxado a
autodestruição dele. Minha linha desceu e eu quis me afundar na
poltrona em que estava sentado. A culpa de ele estar tão mal, ainda
fazendo o trabalho, era minha, porque eu não conseguia assumir a
minha parte. Mas também era dele e de sua teimosia em não
realizar o óbvio: Cesare bem ali.
— Não há nada que possa ser oferecido para Malkin? —
Guillermo se meteu na conversa e papá apenas negou com a
cabeça.
— Há, sim, mas aparentemente não é uma opção —
resmunguei e o jovem Velacchio me deu atenção com uma
expressão de questionamento. — Ele quer a minha cabeça.
— E você não está disposto a morrer pela sua famiglia,
entendi. — Deu um sorriso em escárnio. Mais uma vez o
julgamento, meu sangue borbulhou. Eu detestava Guillermo!
— Vai se foder, seu babaca! — Levantei-me e agarrei a gola
da camisa dele. Nenhum dos meus irmãos interferiu, porque eles
sabiam que eu estava certo.
— Solta ele, Rocco! — Papá falou comigo, mas estava
encarando Cesare. Pedir controle para mim era besteira e meu pai
sabia. — Cesare! — Ele brigou com meu gêmeo, mas, pela primeira
vez em muito tempo, meu irmão o ignorou.
Cesare não concordava com meu pai, então ele não se
oporia, não tentaria me parar. Minha coleira estava solta e eu
morderia.
— Você tem sido um babaca o tempo inteiro! Está dentro da
minha casa, recebendo guarita da minha família e me julgando fraco
sem saber. Eu morreria pela minha família, seu idiota!
— Você fez dela uma drogada como você, seu filho da puta!
— Ele segurou a frente da minha camiseta, amassando-a em seus
punhos. Os olhos furiosos, as narinas infladas delatando sua ira. —
Eu vi o vídeo, todos os sicilianos souberam a vergonha que você fez
a sua esposa passar! Você expôs a minha irmã pelada, sendo
fodida como uma prostituta! — Guillermo Velacchio rugiu para mim e
me deu uma cabeçada.
Eu realmente não esperava essa reação dele. Meu crânio
explodiu de dor, mas ainda assim consegui manter meus olhos
abertos. Devolvi um soco no rosto ainda fodido do jovem Velacchio,
esperando encerrar por ali, mas o moleque parecia acostumado a
apanhar e sequer titubeou a dor que sentiu antes de se voltar contra
mim e me derrubar no chão.
Fiquei surpreso com os golpes que ele acertava e tanto, que
mal conseguia revidar, mas eu era experiente em brigar e a minha
linha de ódio em relação ao Velacchio era equivalente a que eu
direcionava ao seu pai.
— Cesare, separe-os, porra! — papá gritou e eu escutava as
risadas insanas de Nero ao fundo.
Fui puxado de cima de Guillermo por Nero e Cesare, o
Velacchio mais novo ia avançar para me bater, mas Nero entrou na
sua frente e chiou para ele como se estivesse falando com um
cachorro. Velacchio cerrou os punhos, mas não fez nenhum
movimento, claramente dominado pelo meu caçula.
— Afaste-se! — O Psico rosnou e papá se levantou, tossindo,
mudando o nosso foco enquanto começava a falar:
— Nero, por favor, filho, acalme-se.
Todos na sala ficaram tensos. Como se alguém tivesse
pisado em uma mina terrestre.
Eu perdendo o controle era uma coisa, Nero era um nível
completamente diferente. Consegui reunir minha bagunça e até
mesmo temer pela vida do irmão de Gaia. Cesare se aproximou do
nosso caçula e sussurrou algo em seu ouvido que fez Nero começar
a rir em deboche para o meu cunhado.
— Peça a algum soldato para trazer gelo para eles dois, a
nossa conversa ainda não acabou. E chega de brigas e acusações,
somos uma família agora, Rocco! Guillermo é irmão da sua esposa
e temos negócios a tratar com ele.
Eu estava perdido na situação, mas a gargalhada eufórica de
Nero me fez entender que Cesare contou o que quer que iria
acontecer para ele.
— Sua mãe e irmã estão presas em Miami, certo, Velacchio?
— Ela não é minha irmã, é minha prima, mas, sim —
Guillermo respondeu, ainda soando arrogante e raivoso. Sentou-se
na poltrona em que estava anteriormente respirando fundo para se
acalmar. Não fiz o mesmo, acompanhando a conversa de longe ou
eu deixaria as emoções atrapalharem outra vez.
— Você veio aqui pedindo abrigo, filho, mas eu sei que está
movimentando as coisas com os poucos que ainda são fiéis ao seu
pai em Miami. Don Salvatore conquistou Miami por último, muitos
não concordavam em abaixar a cabeça para um Don de um
território tão distante, estou certo?
Como sempre, os sicilianos e seus modos de fazer as coisas
não funcionavam. As famílias e territórios que formavam o cinturão
do Rigori na outra costa foram conquistados com violência, por um
ignorante que se considerava um rei, fazendo vassalos dos chefes
das outras famílias. Eles fingiam uma democracia, mas não era bem
assim que funcionava.
— Meu pai entregou o território com o acordo de se manter
como Underboss, mas a Flórida é um problema por si só. Estamos
nas rotas dos colombianos para Nova Iorque, haitianos, e toda a
merda que passa pelo Golfo do México. Os Herrera controlam a
fronteira por terra, mas boa parte da fronteira marítima nos pertence.
Salvatore era um arrogante e Vito não é diferente.
Guillermo me surpreendeu ao falar como gente grande na
reunião. Mesmo com a boca inchada e sangrando do meu soco,
ainda com marcas das porradas que tomou dias atrás pelos homens
de seu pai, ele era mais preparado do que eu para assumir a sua
posição no lugar do antigo Underboss.
A inveja que senti dele me enfureceu ainda mais.
Aparentemente, apenas eu era o herdeiro errado. Vito seguiu os
passos do pai, assim como o bastardo do velho. Cesare e Nero
eram made men respeitados, até Guillermo estava preparado.
Apenas eu era uma aberração.
Os olhos de Don Lorenzo brilharam ao notar o potencial de
Guillermo. E lá estava, um ciúme doentio dentro de mim. Meu pai
nunca me olhava daquela forma como se eu tivesse potencial.
Desde a minha iniciação, eu o decepcionara.
— Os homens sabem que você é o herdeiro, certo?
— Se Vito não os encontrar e matar a todos que eram leais
ao meu pai, sim — respondeu, frio.
— Eu soube o que ele fez com o seu tio, sinto muito.
— Não sinta, Constantini era um babaca com a própria filha e
jamais interferiu na forma como meu pai tratava a minha mãe, sua
irmã. Eu não teria deixado. — Velacchio teve a coragem de virar
para trás e olhar para mim, comparando-me com seu pai
estuprador.
— Rocco — Cesare pediu, entrando na minha frente e
cortando o contato visual. Cerrei os punhos enquanto o meu gêmeo
virava para o jovem Velacchio e o enfrentava por nós dois de forma
mais diplomática. — Se você continuar a falar merdas assim,
Guillermo, vai voltar para a sua fronteira com uma mão a menos e
sem as bolas para garantir que será o último Velacchio a comandar
Miami. É melhor fechar a boca e apenas escutar a partir de agora.
O medo que ele não tinha de mim ficou estampado no rosto
de Guillermo ao ouvir as ameaças do Rude. Elas não eram vazias.
Eu jamais mataria o meu cunhado, por Gaia, mas se ele
continuasse a provocar, meus irmãos fariam o trabalho por mim.
— Vocês vão me ajudar a recuperar o território? — Ele voltou
a pergunta para o Don.
— Sim.
— O que vocês ganham com isso? — Outra vez ele se
provava preparado para ser o que eu jamais seria.
— Aliança. — Papá sorriu. — Mas não será gratuita, e nem
inspirada na boa-fé, sabemos o que o seu povo faz, o que o seu pai
fez... então vamos fazer um arranjo duradouro.
Não!
Ele não a merecia!
— Casamento?! — A voz tremida de Guillermo me
surpreendeu. Em nenhum momento, ele ficou inseguro na conversa,
mas isso o pegou de surpresa. Qual era o problema?
— Minha Donna faz dezoito em alguns meses. Você fica aqui
até ela ter idade para se casar. E então nós o ajudamos a recuperar
o seu território. Se quiser salvar sua mãe e voltar a ser o chefe da
sua ‘Ndrine, é o que fará.
— ‘Ndrine... Como vocês.... Eu serei o Capo de um território
calabrês? — ele rosnou como se estivesse ofendido.
Cesare segurou meu ombro, impedindo-me de avançar sobre
o siciliano de merda outra vez. Donatella era boa demais para ele.
Minha irmãzinha não merecia ser vendida em troca de terras
daquela forma, embora eu tivesse notado o seu interesse no jovem
Velacchio, ainda não achava que casá-la com ele era bom para ela.
Velacchio não a maltrataria, ele não parecia ser como o pai,
uma vez que o traiu para salvar Graziella e brigava comigo por
causa do que eu fizera a Gaia, mas eu não o queria com a minha
irmã.
— Se quiser salvar sua mãe e sua prima... — O Don arrastou
a palavra dando uma conotação diferente. Então o problema era
esse? Ele e a prima eram envolvidos?
O casamento seria um fracasso!
Meu casamento era diferente, mas eu sabia que a maioria
dos casamentos arranjados não eram assim. Cesare já odiava a
noiva por exemplo, e os meus pais tinham seus momentos de
traições durante os muitos anos de casamento. Eu não queria aquilo
para Donna, queria que ela tivesse a felicidade que Gaia me
proporcionava.
Só que não era meu papel dar opinião sobre o assunto.
Cesare estava de acordo e Nero não se importava, pois ria do
desespero evidente do Velacchio.
— Eu aceito.
Saí da sala puto pra caralho que meu pai tivesse feito aquilo
e encontrei Donatella do lado de fora do escritório com um sorriso
na boca.
— Já contaram a ele? — Quase quicou enquanto falava,
demonstrando uma felicidade genuína.
— Você sabia que papá ia te prometer para ele?
— Ele me perguntou se eu estava disposta a ir para Miami,
senão ele mandaria a Pietra. — Donna deu de ombros e alargou o
sorriso. Pietra era a filha de Giordano, o Consigliere.
— Donna, você vai para a linha de frente em um território
inimigo e ele é um fraco como o pai dele! — Segurei os ombros
dela, preocupado, e minha irmãzinha me abraçou, envolvendo meu
pescoço com força.
— Eu gosto dele, Rocco, ele é uma boa pessoa. E a minha
outra opção seria casar-me com Amadeo De Stefano... O que você
preferiria? — Ela riu baixinho, mas senti seu sofrimento me
atravessar.
Nós éramos a realeza calabresa, não tínhamos escolha.
Papá deu uma escolha a Donatella e ela escolheu Guillermo, eu
respeitaria. Apertei as costas magras dela, odiando que ela tivesse
que partir. Imaginava que ela acabaria saindo da mansão para
morar com seu marido, mas jamais imaginei que seria para tão
longe. Ainda mais com um marido a quem eu desprezava.
— Ao menos lá você vai ficar longe dos problemas que eu
causei. — Sorri amargo.
— Não é por isso e você sabe, Rocco. Eu te amo, você é o
meu irmãozinho. — Beijei o seu cabelo pensando o mesmo. Donna
me protegia ainda mais que eu a ela.
— Eu também te amo, Donna. — Mantive meu aperto ao seu
redor pensando em quanto tempo ainda teria para estar assim com
ela. — Gaia está limpa, seja amiga dela novamente, agora vocês
serão cunhadas duas vezes.
— Vou tentar... Você a ama e vou tentar fazer o mesmo. E
espero que se algum dia eu amar Guillermo, você retribua o favor.
— Não vou prometer. — Rimos juntos e meu peito se encheu
de felicidade e tristeza simultaneamente.
Donna era a melhor de nós e estava partindo. Eu sempre
soube que aconteceria, mas não estava preparado.
CAPÍTULO 28