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REVISÃO: Gláucia Padiar

DIAGRAMAÇÃO: Camila Oliveira

Copyright © 2020. Camila Oliveira


Esta é uma obra de ficção. Nome, personagens, lugares e acontecimentos descritos, são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
É proibido o armazenamento e/ ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer
meios – tangível ou intangível – sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9. 610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
Edição Digital | Criado no Brasil.
Essa não é uma história de conto de fadas, onde um casal se conhece e
vivem felizes para sempre. Essa é uma história onde uma garota que um dia
fora considerada uma princesa da máfia foi deixada para morrer.
Por muito tempo a podridão foi seu lar, ela não sabia mais o que era
luz e a beleza de um amanhecer. O sofrimento fazia parte dela e a dor era seu
conforto. Natalie não sabia qual era a sua história e sim o que lhe contavam.
Sua mente era um nevoeiro de lembranças distorcidas, junto com os
sentimentos conturbados que carregava consigo.
Natalie Koslov, fora treinada para ser a melhor, para não ter piedade
daqueles que não mereciam. Uma missão lhe foi dada e ela teria que cumpri-
la, mesmo que no meio desta Natalie descubra que nem tudo que foi lhe
contado era verdadeiro, que por traz de cada palavra dita existia uma mentira
plantada.
Esse livro é dedicado para aqueles que não se importam com as
diferenças, que acreditam no poder do amor, pois vocês são maravilhosos.
Também quero dedicar as minhas betas maravilhosas, Isa, Joyce,
Dani e Gláucia, obrigada por entrarem em minha vida e me fazerem
ultrapassar meus limites, esse livro só está aqui por causa de vocês. Obrigada
meninas!
Também agradeço a Deus, por ter me dado um dom tão maravilhoso
que é o de dar vida a personagens, visto que sem ele também não estaria aqui.
E, caro leitor, obrigada por estar aqui prestes a acompanhar mais uma
jornada. Espero que esse lindo casal seja recebido de braços abertos e que por
intermédio deles absorvam cada lição que eles nos propõem ao longo da
história.
Tenham uma ótima leitura.

Acho que estou perdida sem você


Eu só me sinto esmagada sem você
Eu tenho sido forte por tanto tempo
Que nunca pensei o quanto eu precisava de você
Acho que estou perdida sem você
(Lost Without You – Freya Ridings)
A mentira é falha, pois em algum momento
a verdade vem à tona — Camila Oliveira.
NATALIE

As luzes neons piscavam sem parar, vez ou outra desfocando a


imagem do homem a alguns metros de onde estou. A cada vez que a luz
piscava de cor diferente ainda continuava a olhá-lo, sem querer desviar minha
atenção do meu alvo. Não me importando com as pessoas bêbadas que
dançam ao nosso redor, que se agarram loucamente e parecendo fazer sexo
com um simples beijo.
Seguro minha bebida e dou um pequeno gole, tentando a todo custo
me manter centrada, não deixando que nada desviasse minha atenção. Houve
um tempo onde tudo isso que faço me deixava nervosa e com sentimento de
culpa, mas o passar do tempo me fez acostumar com tudo. E eu não me sinto
mais culpada pelo que faço.
Ponho o copo na bancada do bar e corrijo minha postura. Eu não
estava aqui para me divertir, como todos ao meu redor. Tinha um propósito e
teria que cumpri-lo nesta noite. Eu tinha estudado meu alvo durante duas
semanas e sabia bem como era sua rotina. Então seguindo os seus passos, vim
parar nessa boate, onde ele estava sentado sozinho a certa distância de onde
estou, mas eu sabia muito bem que em alguns lugares estratégicos estavam
seus seguranças.
Meus passos são decididos e lentos ao mesmo tempo. Passo pelos
corpos dançantes, sem desviar minha atenção dele em nenhum momento. Um
pequeno sorriso se expande nos meus lábios ao me aproximar cada vez mais
do meu alvo.
— Será que posso sentar? — Falo sedutoramente, chamando a
atenção do homem sentado, que me olhou descaradamente por vários
segundos.
— Fique à vontade — indica o lugar vago ao seu lado.
Mesmo transparecendo serenidade e doçura, no meu intimo estava
completamente alerta e atenta a qualquer perigo ao redor. Eu sabia que o
homem a minha frente era perigoso, não tanto quanto eu poderia ser, mas ele
tinha sua porcentagem e isso me instigava.
Ele abriu um sorriso de tubarão, me vendo sentar ao seu lado, faço
questão de roçar minha perna na sua.
— Percebi que você está me observando — falo num tom baixo, me
aproximando um pouco mais.
O vejo colocar o braço no encosto do sofá, fazendo sua mão raspar
pelos meus ombros nus. Sua proximidade me fez aspirar o cheiro do seu
perfume forte, fazendo-me sentir asco pelo que estava fazendo. A pior parte
de todos os serviços era estar perto dos alvos, ter contato físico.
Só mais um pouco — penso.
— Você também estava me observando — pega uma mecha do meu
cabelo, enrola no seu longo dedo e depois a leva para seu nariz, cheirando-a.
— Está só, meu doce?
Mordo meu lábio enquanto toco seu antebraço, demonstrando algum
interesse por ele. Vou subindo a mão até seu pescoço, tocando sua pele ali,
sentindo-o ficar arrepiado. E nos seus olhos vi desejo queimar.
— Não estou mais — aproximo meu rosto do dele.
Quando ele segurou minha nuca e me fazendo expor meu pescoço,
prendo a respiração e viro o rosto de lado, conseguindo visualizar alguns
homens de terno nos olhando ao longe. Seria ingenuidade minha achar que
ele não teria seguranças esta noite. E ver os homens ao longe era só fincar
ainda mais a mira de suas armas na minha testa.
Fecho os olhos e solto um suspiro, fingindo gostar da sua boca por
minha pele.
— Quer beber alguma coisa?
Afasto-me um pouco e encontro seus olhos sombrios nos meus.
— Eu adoraria — estendo a mão para a mesa e pego sua bebida,
dando um gole, fazendo-o olhar para meus lábios molhados.
Eu detinha completamente a atenção dele, isso já era um grande passo
para o meu plano. Decidida a deixá-lo enlouquecido por mim, perpasso a
ponta da língua pelos meus lábios, o deixando fissurado.
— Você é uma completa sedutora — me acusa, segurando mais uma
vez minha nuca e puxando meu rosto para perto do seu.
— Ninguém nunca me acusou disso — dou um sorriso nervoso.
Sabia muito bem que os homens adoravam serem os galanteadores e
me fazer de inocente estava sendo fácil, já tinha perdido a conta de quantas
vezes havia agido dessa forma para conseguir o que desejava.
Sou pega de surpresa quando ele me beija, não esperava que ele fosse
tão rápido assim. Mesmo querendo me distanciar, me obrigo a ficar menos
tensa. Seguro seus ombros e me forço a acompanhar seu beijo, que poderia
ser considerado imoral aos olhos de outras pessoas.
Meu corpo estava colado no dele e nos esfregávamos sem pudor
algum, conseguia ver o quanto estava excitado. Não mantenho minhas mãos
paradas, as passei pelos seus cabelos, pescoço, peito, e isso o fazia soltar
alguns sons guturais contra minha boca. Suas mãos fortes seguram minha
cintura, me puxando para seu colo, sento de frente para ele assim consigo
sentir o quanto ele estava duro por mim.
Com dificuldade afasto minha boca da dele, com a respiração agitada.
— Vamos para um lugar mais calmo? — Olho-o com expectativa.
Ele continua a me encarar, mantendo as mãos ainda em minha cintura,
me segurando com um pouco de força. Mesmo sabendo que no final desta
noite ele provavelmente não estaria mais respirando, tentei sentir algo por ele,
algum tipo de empatia, sentir culpa por estar fazendo isso, mas nada veio.
Ele desviou seus olhos de mim, olhando para algo atrás de nós, eu
sabia para onde o fazia. E quando retorna sua atenção em mim, sabia que
tinha conseguido convencê-lo a me levar para outro lugar.

Eu poderia me vangloriar, dizendo que tinha finalmente Wilson


Taylor em minhas mãos. Eu tinha um dos homens mais procurados da CIA,
FBI, INTERPOL, sob meu domínio. Ele era considerado traidor, aquele que
levava informações para dentro e fora do cartel do crime. E para muitos ele
não era mais confiável e nem leal. A lealdade de Wilson Taylor valia a quem
pagasse mais para ter suas informações e nesse momento vejo o homem tão
temido, entregue em meus braços, na verdade em meu corpo.
O sorriso que mantenho no meu rosto é vitorioso e nem por um
segundo sequer desviei minha atenção do seu rosto, enquanto movimentava
meus quadris para frente e para trás, fazendo-o gemer alto, com os olhos
fechados. Ponho as mãos no seu peito firme e aumento meus movimentos,
sentindo cada centímetro dele dentro de mim. Uma das piores partes para
mim era essa, deixa-los usarem o meu corpo, entretanto essa era a única
forma de tê-los sobre meus domínios e poder dar um fim em suas vidas.
Eu tinha amarrado os braços dele na cabeceira da cama e isso
facilitaria meu serviço. Ainda me mexendo sem parar, inclino para frente e
pego uma pequena faca, que havia colocado estrategicamente na cômoda ao
lado da cama, por baixo de um lenço. Beijo e lambo a boca dele enquanto
encosto a ponta da faca em seu pescoço.
— Que porra é essa? — Tenta se afastar quando sentiu o metal frio da
faca.
Ele mexe seus braços, mas o nó que dei não se desfez um centímetro.
Sinto todo seu tesão se dissipando aos poucos. Respiro fundo e sinto que
finalmente posso mostrar o que realmente sou. Não uma garota idiota e
inocente.
— Sabe até que foi fácil — suspiro frustrada. — Pensei que você
fosse mais cauteloso ou até mesmo precavido, mas não, você caiu facilmente
no papo “posso me sentar”.
Seu olhar de espanto poderia ser até cômico, se eu não tivesse pressa
para findar o trabalho que me propuseram a desenvolver.
— O que você quer?
Ele tenta se mexer, balançando nossos corpos e isso me faz rir.
Gostava de ver o desespero estampado no seu rosto.
— Nada — beijo levemente seus lábios. — Só preciso da sua morte.
— Você não precisa fazer isso — tenta se afastar de alguma forma,
porém era quase impossível, já que eu estava em cima dele e controlava toda
a situação.
Enfio mais um pouco a lamina em seu pescoço, fazendo um filete de
sangue brotar sobre sua pele me fascinando.
— Posso pagá-la para não me matar.
Mordo o lábio um pouco pensativa. E para deixá-lo ainda mais
incomodado, mexo meus quadris, fazendo-o dar um pulo. Não o sentia mais
duro dentro de mim e isso me fez sorrir malvadamente.
— Não estou à venda — inclino a cabeça um pouco para o lado. — E
seu pau não está mais duro, que pena, estava começando a me divertir.
— Sai de cima de mim sua vadia — ele se balança, mas não servia de
nada, na verdade só piorava a situação.
Seus movimentos faziam minha faca penetrar ainda mais na pele
sensível do seu pescoço.
— Lá vamos nós — suspiro. — Já perdi as contas de quantas vezes
fui chamada de vadia, vagabunda, verme, puta, cachorra, mas sabe quantas
vezes me importei com isso?
Seus olhos negros se dilataram mais ao sentir sua pele ser rasgada
cada vez mais.
— Nenhuma — digo com o tom de voz baixo. — Eu não me importo.
Antes que ele pudesse dizer algo, uma batida na porta chamou nossa
atenção. Rapidamente tampo sua boca, pois faz menção de gritar. É nesses
momentos que agradeço por ter sido tão bem treinada. Os solavancos que ele
dá poderia facilmente ter tirado uma mulher de estatura média de sessenta e
cinco quilos de cima dele, mas com todos meus treinamentos de luta
corporal, eu sabia muito bem como manter-me sobre ele, sem deslizar minha
mão da sua boca e a faca do seu pescoço.
— Quem é? — Uso um tom de voz despreocupada, enquanto
segurava o homem bravo em baixo de mim.
— Seu tempo está acabando, Natalie.
Respiro fundo ao reconhecer a voz do outro lado da porta do quarto.
Eu queria poder torturar mais um pouco o homem abaixo de mim, mas sabia
que não teria mais tempo disponível para fazê-lo.
— Natalie?! — O tom do homem sob mim saiu abafado e assustado.
Eu diria que em todos esses cinco anos ganhara uma pequena fama
dentro dos negócios da máfia russa. Muitos me chamavam de mercenária,
ceifadora ou coisa pior. Mas eu não ligava para os títulos que ganhei durante
esses anos e sim em sempre conseguir concluir meus serviços. Nenhuma das
minhas vítimas sobreviveu para relatar como era o meu rosto e se eu
realmente era uma mulher. Muitos comentavam e outros preferiam acreditar
que era somente um boato que uma mulher fazia os serviços sujos da Bratva.
No entanto, todos os boatos me ajudavam a manter minha identidade no
anonimato, ninguém sabia quem era realmente o mercenário da Bratva.
— Ao seu dispor — sorrio com deboche e ao mesmo tempo, sem dar
mais um segundo para ele, corto sua garganta, fazendo-o soltar um grito e se
engasgar com o próprio sangue. — Sinto muito por não ter mais tempo para
conversarmos, adeus.
Vi o homem sufocar com o próprio sangue enquanto saía de cima dele
e caminhei pelo quarto. Pego sua camisa, limpo a lamina da faca e alguns
respingos de sangue que consigo visualizar no escuro, pelo meu corpo. Não
teria tempo de tomar um banho e me limpar. Pego minha calcinha e a visto
juntamente com o vestido que estava jogado em um canto do quarto. Termino
de me vestir e me aproximo do homem ensanguentado no colchão. Procuro
alguma pulsação nele, mas não encontro.
Pego o lenço e limpo qualquer vestígio de digital minha no quarto. Ao
terminar de limpar tudo, solto os braços do homem e guardo os lenços na
minha bolsa de mão, junto com a faca. Dou uma última olhada no corpo na
cama e saio da cena do crime, carregando o celular de Wilson Taylor e alguns
papéis que precisava, onde havia algumas provas contra meu chefe.
— Você demorou — não me assustei ao ouvir sua voz ecoar por trás
de mim.
— Estava me divertindo — digo debochada e o olho, encontrando
uma carranca estampada no seu rosto. — E nem demorei tanto assim.
— Duas horas, duas malditas horas dentro daquele quarto — rosnou
me puxando pelo braço. — Tinha que passar tanto tempo trancada com
aquele desgraçado?
Abaixo meu olhar para sua mão grande e firme segurando meu braço.
Eu odiava quando alguém tentava ter algum controle sobre mim. E Ivo sabia
bem disso, não entendia o porquê dele ainda persistir em ter algum domínio
sobre mim, sendo que ele sabia que não o tinha.
— É melhor me soltar, Ivo — digo em um tom de ameaça. — E é
bom que controle seu ciúme.
Ele me soltou no momento que o elevador parou no hall do hotel.
Desde que entrei no hotel, acompanhada por Wilson Taylor não tinha visto
mais os seus seguranças e sabia que Ivo tinha cuidado dos seis brutamontes.
Andamos para fora do hotel e quando adentramos no carro blindado
que nos esperava, digo:
— Apagou as filmagens da câmera?
— Sim — ele se mantem sério e dirige velozmente pelas ruas vazias
de Sydney.
Reviro os olhos para o mau humor dele e volto a me concentrar na
paisagem que passava rapidamente por nós. Ás vezes eu tentava entender o
porquê dele ser tão possessivo quando o assunto era eu e meus envolvimentos
com os meus serviços. A cada missão que fazia, via que Ivo ficava mais
incomodado e puto quando ia para algum quarto com um homem. Ele sabia
muito bem o que eu fazia dentro de um quarto e talvez isso o incomodasse
tanto.
Mas esse era o meu trabalho e não tinha como mudá-lo.
A tensão pairava sobre nós até chegarmos á pista de voo, onde um
jatinho nos esperava para embarcar imediatamente. Sai do veículo sem
esperá-lo e subi rapidamente na aeronave, queria sair o mais rápido possível
daquele lugar. Cada segundo que me mantivesse na Austrália seria fixar uma
bala na minha testa.
NATALIE

O ar frio me recebe assim que desembarco do jatinho. Sentia meu


corpo completamente tenso e cansado por me manter na poltrona sentada
durante horas. Foram quase treze horas de voo consegui dormir somente três
horas, diga-se de passagem, muito pouco para recuperar minhas energias
gastas no dia anterior. Precisaria de uma noite completa de sono e estaria
pronta para uma nova missão.
Abraço o casaco pesado de frio e caminho preguiçosamente para o
SUV que nos esperava. Entrei no veículo já aquecido e espero por Ivo que
demora alguns minutos. Ele tinha se mantido distante por todo voo e não me
importei com isso, sabia como ele poderia ser irritante quando estava o modo
ataque de ciúmes e eu precisava mais do que tudo ter um pouco de descanso
mental, porque no momento que eu encontrasse meu chefe precisara relatar
todo o ocorrido durante as três semanas que fiquei na Austrália vigiando
Wilson Taylor. Ivo era um caso, eu resolveria em outro momento, quando
estivesse descansada e pronta para a discussão que sabia que teríamos.
O caminho até a mansão Romonov foi rápido e no momento que o
carro parou, desço do veículo e fico olhando por alguns segundos a grande
casa a minha frente. Tudo a minha volta era familiar, na verdade a única coisa
que eu poderia me agarrar em lembranças, visto que eu não recordava nada
da minha vida de antes. A Rússia é minha casa nos últimos sete anos, mesmo
que durante dois fui mantida em cativeiro. Não lembre, disso agora — digo
para mim, não é hora para isso.
Solto um suspiro e entro na casa, sou acolhida pelo ar quente do
aquecedor. O inverno estava chegando ao fim o que poderia ser um alivio já
que o frio nessa época do ano era de matar, qualquer um que não estivesse
bem agasalhado e quente certamente pegaria um resfriado. Por isso, sempre
que chegava essa época preferia me manter distante das ruas ou até aceitava
fazer qualquer serviço fora de Moscou, onde poderia sentir o clima bem
diferente daqui, que habitualmente sempre era congelante.
Tiro meu casaco e respiro fundo, sentindo o aroma de flores e de café
fresco. Eu não morava aqui na mansão junto com meu chefe e Ivo, claro que
já houve a proposta de Ivo para morar junto dele, mas eu preferia meu
cantinho e minha paz longe das pessoas. Se eu pudesse iria primeiro para
meu apartamento que ficava alguns quilômetros daqui e relaxaria um pouco.
Viro o rosto quando sinto um toque no meu braço.
— Ele a está esperando — a voz dele era mais branda que na última
vez que falara comigo, em seguida sinto seu toque em meu rosto. — Sinto
muito pelo o que aconteceu anteriormente.
Continuo a observá-lo e apenas meneio a cabeça. Esse não era o
momento adequado para falarmos sobre o ocorrido na Austrália. Ainda
precisava resolver o restante da missão.
— Irei conversar com seu pai — digo baixo e sigo para o corredor
que leva ao escritório de Andrey Romonov, meu chefe.
Não bato na porta, entro sem avisar. Não era surpresa encontrá-lo
sentado em sua cadeira de couro, atrás da grande mesa de madeira escura do
seu escritório.
— A missão foi concluída com sucesso — digo sem rodeios e ponho
os documentos junto do celular em cima da sua mesa.
Andrey que estava escrevendo algo em seu notebook levantou seu
olhar para mim, examinou meu rosto e ficou assim por alguns segundos. Seus
olhos azuis acinzentados opacos antes poderiam me incomodar, porque eu
não sabia o que ele estava pensando, mas hoje depois de tanto tempo
convivendo juntos, foi fácil saber que o homem a minha frente tinha alguma
admiração por mim.
Nunca quis me envolver com algum Romonov, mas foi inevitável
ficar com Ivo, no entanto preferia perder um dedo a que ter algo com Andrey
Romonov. Eu sabia muito bem qual era a fama do inescrupuloso homem,
todos diziam como ele era malvado, perverso e sem coração. Eu já tinha uma
conta das loucuras de um Romonov e não queria ter nada com um homem
como Andrey.
— Muito bem — ele diz por fim, pegando o celular e sorri. — Ótimo
serviço, como sempre.
Sem pedir autorização me sento na cadeira de frente para sua mesa,
espero-o verificar o celular e em seguida sua atenção retorna para mim.
— O que aconteceu nessas últimas semanas?
Relato cada passo, de Wilson Taylor, cada um de seus encontros com
alguns homens e mulheres, cada telefonema, cada jantar de “negócios”, cada
festa e de como consegui chegar perto dele e a forma que matei o homem. Eu
sabia que Andrey gostava de saber cada detalhe minuciosamente da forma
que eu matava as minhas vítimas. Sempre achei isso doentio, mas quem sou
eu para julgar isso dele? Eu tinha minhas mãos sujas de sangue e não poderia
reclamar no fundo do meu ser quebrado eu gostava de infligir dor nas
pessoas.
— A morte dele foi rápida — Andrey bufou. — Deveria ter sido mais
lenta.
— Também concordo — dou um sorriso frio. — Mas o seu filho me
apressou.
— O que ele fez dessa vez?
— Mais um ataque de ciúme — reviro os olhos. — Da próxima vez
ele não irá comigo nas missões.
— Ele pediu para ir.
— E você aceitou — concluo. — Ivo não pode ir comigo em todas as
missões, Romonov. Sei que ele sabe se proteger, lutar e atirar, mas se algo
der errado? Se as coisas saírem do meu controle e o seu filho for posto em
perigo?
— Sei muito bem me cuidar — a voz veio atrás de mim e não fiquei
surpresa por ele estar escutando a minha conversa com seu pai.
— Não quando um alvo estiver na sua cabeça e você não sabe de
onde vem o tiro — revido sem olhá-lo. — Não posso fazer minhas missões
enquanto me preocupo com você.
— Não preciso que se preocupe comigo.
Continuo a olhar para Andrey que é uma versão mais velha de Ivo,
com seus olhos azuis opacos, cabelos pretos com alguns fios brancos, barba
rala e o rosto sempre com uma expressão dura.
— OK, então — me levanto. — Quando seu filho estiver em perigo e
provavelmente levar uma bala, não jogue a culpa em mim. As consequências
estarão totalmente em cima dele.
— Não fale como eu não estivesse aqui ─ rosnou. ─ Não aja como se
eu fosse uma criança.
— Mas é o que parece quando você tem seus ataques de ciúme —
vocifero me virando para ele. — Você falou meu nome enquanto eu estava
com Wilson Taylor!
— Você estava demorando mais que o combinado e os seguranças
dele estavam indo para os seus postos — revidou, me olhando furioso. —
Estava gostando de trepar com ele?!
Não consigo me controlar e caminho em sua direção, antes que eu
pensasse muito, minha mão voou com força para face dele.
— Olha como fala comigo — rosno com ódio. — Não sou sua mulher
para você agir dessa forma comigo!
— Mas quando eu estou no meio das suas pernas fazendo-a gozar,
você não lembra, disso.
Minhas narinas dilatam de raiva e sinto meu rosto aquecer com
tamanha fúria que sinto pelo homem a minha frente. Eu não tinha planejado
“conversar” com Ivo nesse momento e muito menos na frente do seu pai.
— É melhor você parar — digo em um tom de aviso.
— Se não o quê? — Colou seu corpo no meu.
Um barulho atrás de nós, nos fez devolve a realidade de onde
estávamos. Eu e Ivo viramos o rosto ao mesmo tempo e encontramos Andrey
assistindo nossa discussão. Ele tinha uma careta nada divertida.
— Vocês resolvam os seus assuntos fora da minha sala — murmurou
sério. — E Ivo da próxima vez que interromper Natalie nas missões, será
punido pelo seu delito, estamos entendidos?
Ivo balançou a cabeça e logo voltou a me olhar. Antes que seu pai
falasse mais alguma coisa ele se vira e sai do escritório. Tento controlar
minha raiva, mas parecia impossível. Sem esperar que Andrey falasse algo
saio também do escritório e ando apressadamente atrás de Ivo.
— Da próxima vez que você falar dessa forma comigo na frente do
seu pai, você perderá a língua — digo furiosa atrás dele.
Ele parou de andar e virou para mim, soltando uma risada cheia de
cinismo.
— Vai mesmo? — Me desafia.
— Não me provoca Romonov — paro e respiro em lufadas. — Você
sabe do que sou capaz de fazer.
Ele se curva na minha direção e diz com ironia:
— E você também sabe do que sou capaz.
Nenhum de nós desvia o olhar, parecia uma batalha declarada nesse
momento e não estávamos dispostos a perder. Nesse momento desejei estar
com minha bolsa e poder pegar minha faca e cravá-la no crânio dele, fazê-lo
sangrar até a morte ou apenas arrancar a sua língua e o fazer comer.
— Babaca.
— Vadia.
Dou um tapa no rosto dele e logo em seguida sou empurrada na
parede com brutalidade. Ivo segura meu rosto com força, me fazendo sentir
gosto de sangue.
— Você está me batendo muito num único dia — rosnou contra meu
rosto.
— Você merece — dou um chute no joelho dele, fazendo-o
cambalear para trás. — É melhor ficar longe de mim, se não quer se
machucar.
— Se não o quê? — Me fita com fúria, enquanto segura o joelho
atingido.
Não querendo brigar ainda mais, me distancio dele e ando o mais
rápido possível para fora daquela casa. Entro no meu próprio carro, que tinha
deixado ali há três semanas, sigo para longe de Ivo e toda aquela confusão.
Dirigi pelas ruas cheias de neve e respirava cada vez mais devagar,
conseguindo finalmente recobrar meu controle. Ao chegar ao meu
apartamento, numa região calma de Moscou. Fui direto para meu quarto e
abri as grandes cortinas e dei um pequeno sorriso par a bela vista que tinha do
meu quarto.
Finalmente poderia dizer que estava em casa e dizer aquela frase tão
famosa “lar doce lar”. Inspiro fundo e sigo para o meu banheiro, onde tiro
minhas rupas e sigo para debaixo do chuveiro. Deixo a água morna cair pelo
meu corpo e vejo a água ser tingida por um leve tom vermelho, e descer pelo
ralo. Não imaginava que tinha me sujado tanto de sangue até agora.
Franzo o rosto e sinto um peso em meu peito. Já estava acostumada a
ver sangue e ele banhar meu corpo, mas uma parte dentro de mim, num lugar
bastante escondido parece se incomodar com toda essa sujeira em que me
encontro. Se fechar os olhos poderia me deixar levar pelas emoções, mas não
as deixaria me dominar.
Fora anos para eu conseguir lidar com toda merda que acontece
comigo. E brigar com Ivo está me fazendo desejar minhas emoções
sobreporem a minha razão e eu não posso deixar isso acontecer. Eu precisava
me manter firme.
Ivo me fazia ferver de raiva, quase perder o controle e isso é uma
grande merda, porque eu não deveria gostar de Romonov e me importar com
ele.
— Eu estou no controle — digo para mim mesma e tento ser otimista.
Eu teria que dar um jeito na minha situação quanto a isso, não poderia
deixá-lo interferir nas minhas missões, me fazendo sair do controle por causa
dos seus ciúmes, me fazendo sentir culpa por fazer o que faço. Eu preciso do
meu controle novamente.
Ao sair do banho, paro de frente ao espelho e me olho por alguns
instantes. Meus cabelos longos castanhos estavam um desastre. Meu rosto
claro estava limpo de maquiagem e pude ver o quanto aparentava cansaço,
meus olhos azuis estavam opacos e mais uma vez me pergunto como seria
minha vida há sete anos.
Toda vez que imagino como ela poderia ter sido, um grande buraco se
abre em minha cabeça querendo me puxar para o fundo do precipício. Passo
as mãos pelo rosto e suspiro, cansada. Tudo isso era cansaço, toda essa
confusão que passa pela minha cabeça era o resultado de toda sobrecarga que
tive durante essas semanas. Mas finalmente estava em casa, poderia ter um
pouco de descanso e depois estaria pronta para mais um serviço.
EM ALGUM LUGAR DO MUNDO...

NATALIE
Um homem estava em pé, com um copo de uísque numa mão e um
cigarro na outra. Seu olhar estava perdido na paisagem a sua frente. A vista
que ele tinha dava para a cidade, a qual muitos diziam que não dormia.
As luzes dos prédios estavam acesas e o barulho no lado de fora era
alto, buzinas de carros, pessoas falantes e músicas. Mas nada daquilo chegava
aos ouvidos dele. Dentro da sua sala, ele parecia imbatível, intocável.
Seus pensamentos estavam longe e mais uma vez ele se submeteu as
lembranças, as quais ainda eram bem vivas e dolorosas. Tudo parecia recente
e era como se não tivesse passado sete anos, sete, malditos e tortuosos, anos.
Se fechasse os olhos ele conseguia recordar do passado, das últimas palavras
dela, da escolha dela.
Aquilo queimava em seu peito e o machucava mais do que devia.
Cada ato tinha suas consequências e ele ainda pagava a sua.

RÚSSIA — MOSCOU

Meu corpo estava completamente suado pelo treino pesado que


acabara de ter com Troy, um dos homens mais antigos dentro da Bratva, ele
tinha na faixa dos cinquenta e cinco anos, mas estava muito bem para a sua
idade. Ele treinava alguns soldados de Romonov e há algum tempo eu vinha
participando dos seus treinos, já que cada vez me colocava mais em perigo e
preferia estar preparada para qualquer situação.
— Já está cansada? — Brinca enquanto tirava as ataduras das mãos.
— Claro que não, velhinho — chamo-o pelo apelido que muitos o
tinham dado sabendo o quanto ele o odiava.
— Do que você me chamou? — Estreitou os olhos escuros em minha
direção.
Solto uma risada enquanto termino de esticar meu corpo, sinto minha
coluna estralar e a tensão que dali diminuir. Eu precisava de uma banheira
cheia de gelo para diminuir as dores do meu corpo e relaxar um pouco.
— Velhinho.
— Garota, não me provoca que posso lhe derrubar em dois segundos
— rosnou enquanto estalava os dedos.
— Eu adoraria vê-lo tentar, mas tenho hora marcada com a minha
banheira com gelo — lanço uma piscadela para ele. — Foi bom treinar com
você, Troy.
Troy desfaz a carranca do rosto e me lança um pequeno sorriso. Era
rara as vezes que o via sorrindo, era mais fácil vê-lo com uma carranca do
que com um sorriso.
— Vê se não some garota.
Pego minhas coisas e aceno para ele. Não era o costume ver muitas
mulheres treinando no meio de vários homens que pareciam brutamontes de
tão fortes que eram. Na verdade, eu era a única mulher no meio de tantos
homens e isso inicialmente foi estranho, porque não sabia como me
comportar no meio deles, me sentia perdida. Mas desde o início fui bem
recebida por eles e assim pude me sentir sintonizada com eles. Eu fazia parte
do grupo deles, mesmo que eu fosse uma mulher, também fazia o trabalho
pesado e sujo. Não havia diferença entre nós.
Cumprimento alguns homens correndo pela esteira e marcho para fora
do galpão, onde ficava a grande academia dos soldados da Bratva. Entro no
meu carro e sigo pelas ruas, ouvindo as notícias locais. A mulher do tempo
avisava que o dia seria de bastante chuva, e que as pessoas tomassem cuidado
com tempestade.
Estaciono o carro na garagem e vou até o térreo pegar algumas
correspondências que não peguei no dia anterior. Aceno para o zelador e abro
minha caixinha de correio. Encontro algumas cartas, leio rapidamente o
remetente e vejo que não se tratar nada demais, somente contas para pagar.
Subo para o meu andar e ao abrir a porta do apartamento encontro um
corpo alto sentado no meio do meu sofá. Fecho a porta e deixo as
correspondências junto com a chave do apartamento na mesinha de entrada.
— O que faz aqui? — Olho, séria na direção dele.
— Será que podemos conversar? — Sua voz estava calma, ao
contrário do dia anterior.
— Não temos nada para conversar — digo seguindo para a cozinha,
pego um copo d’água e bebo o líquido todo.
Ivo vem atrás de mim, quando ponho copo na pia e me viro, o
encontro parado na minha frente.
— Quero me desculpar.
Levanto uma sobrancelha, nada surpresa pelas suas palavras. Sempre
fora assim. Ele tinha seus ataques, me atacava com palavras ou até mesmo
acabávamos em alguma luta corporal, mas no final eu sempre o perdoava
pelas suas besteiras. De alguma forma eu sentia a necessidade de retribuir o
que ele fez por mim e esse era o único jeito que via para poder fazer isso,
mesmo que cada vez eu saio ainda mais ferida no final.
Mas nesse momento eu não consigo sentir nenhum remorso, não
consigo sentir nada pelo homem a minha frente, somente um vazio
preenchendo meu peito.
— Não estou afim, de conversar — digo com o tom seco.
— Natalie — me segura e aproxima o rosto do meu. — Eu não queria
ter lhe chamado de vadia, não queria ter dito nada daquilo.
— Mas disse — o olho — E sabe o que é pior de tudo? Eu não me
importo.
— Querida...
— Não aguento mais isso — ponho a mão em seu peito. — O que
temos acabou.
— O quê?
— Isso é doentio demais — sinto minha garganta seca. — Não quero
mais isso.
Ivo se afasta como se tivesse levado um choque franzindo a testa,
como se tentasse compreender o que eu acabara de dizer.
— Você não pode fazer isso comigo — me olha confuso. — Eu lhe
ajudei nos seus piores momentos, estou com você durante esses cinco anos,
você não pode simplesmente terminar o que temos.
Sabia como isso seria difícil para ele, mas era necessário para nós
dois. Eu precisava disso. Eu queria ter total controle, sobre mim mesma.
— Sou agradecida por tudo que você fez por mim — respiro fundo.
— Mas não dá. Não consigo mais prosseguir com esse relacionamento que só
nos faz mal.
— Não, não, não... — Ele balança a cabeça e segura meu rosto. —
Nós vamos dar um jeito querida, vamos dar.
Sabia que isso doeria mais nele do que em mim, mas o quanto antes
isso terminasse seria melhor. Ivo teria que me deixar ir.
— Nada é como desejamos que seja — tiro as mãos dele do meu
rosto. — É melhor nos distanciarmos e seguir a nossas vidas.
— Natalie, não! — O tom dele aumenta. — Não podemos terminar
assim!
— Nós mal começamos — dou um sorriso triste. — Não somos
namorados nem nada do tipo, só transamos, então é melhor que isso pare por
aqui.
Vi o homem a minha frente andar de um lado para o outro, passando
as mãos pelos seus cabelos curtos e o vi desorientado. Eu poderia ser
considerada uma assassina ou coisa pior dentro da Bratva. E, porque eu ainda
tinha um coração? E o mesmo me dizia que essa era a coisa certa a fazer. Eu
precisava ter o controle da minha vida novamente e ter Ivo por perto era um
risco para a minha sanidade.
— Então vai ser assim? — Ivo parou e me fitou, respirando em
arfadas. — Que merda aconteceu na Austrália para você decidir terminar
tudo?
— Nada aconteceu lá — dou de ombro. — Só percebi que não
consigo fazer mais isso.
— Eu te amo — sussurrou.
O vazio que tenho em meu peito só fez aumentar. Eu sabia que ele
não sentia isso por mim. Tudo isso era a ilusão que ele criou em sua cabeça.
— Não, não ama.
— Amo sim!
— Não! — O olho com benevolência. — Você acha que me ama, mas
não ama Ivo! Você gosta de saber que me ajudou e por isso eu o agradeço
todos os dias... Você sente prazer em ver minha gratidão a você, tentando
suprir o que você me deu... Gosta de saber que estou presa a você, porque
nunca saberei retribuir o bastante por você ter me tirado daquele lugar
imundo, ter me salvado da morte e do inferno que era aquele maldito lugar...
Você gosta de me ver rastejando para agradá-lo, mas eu estou cansada disso,
não aguento mais os seus ciúmes, as ofensas e toda bagagem que vem com
você — respiro em lufadas e sentindo um peso sair das minhas costas. —
Mas não dá para continuar com isso. Quero poder respirar e não sentir que
lhe devo algo, que minha vida está em suas mãos. Que só respiro porque você
me tirou do inferno. Quero me sentir independente. Ivo, estar com você, está
me arruinando cada dia mais.
Ficamos calados por alguns segundos. Seguro na bancada atrás de
mim e tento o máximo me manter firme, porque eu não estava preparada para
tudo isso que estava acontecendo.
— Você se sente forçada — ele diz com o tom baixo. — Pensei que
você gostasse do que tínhamos.
— No início sim, mas agora — paro e balanço a cabeça. — É como se
tivesse correntes me prendendo a você e que é impossível respirar por elas.
— Eu lhe sufoco?
Somente balanço a cabeça acenando, incapaz de dizer algo.
— Eu...
— Sinto muito, mas não dá.
Ivo me encarou por alguns segundos sem dizer mais nada, o vi se
virar de costas para mim e caminhar para a porta do apartamento. Mantenho-
me no mesmo lugar e apenas ouço quando ele abre a porta e logo depois a
fecha ao sair.
Talvez eu possa me arrepender pelo o que fiz com ele, pela forma que
terminei, mas era necessário para nós dois. Precisávamos seguir as nossas
vidas sem estar perto um do outro, algo que seria difícil já que eu sempre
estaria por perto por causa do meu trabalho. Mas, a partir de hoje eu não
tenho mais nenhum vínculo com Ivo Romonov.
NATALIE

A primeira coisa que aprendi quando entrei no submundo, quando


descobri o que acontecia dentro de uma sala com vários homens e seus postos
era que nenhum homem que sentava naquelas cadeiras poderia ser bom.
Todos ali tinham seus pecados e na morte eles pagariam cada um deles.
Dentro da Bratva cada um queria mostrar o seu poder, competir em
quem tinha mais punho dentro da sem’y[1], que poderia tomar o lugar do
Golova[2]. Nenhum ali poderia ser amigo ou conhecido, não se tinha certeza
que alguém dali teria boas intenções. Sob a pele de cordeiro que eles vestiam,
cada um carregava seu lobo escondido, que só esperava o momento certo
para atacar sua presa.
A primeira lição que tive foi nunca, jamais, confiar demais em alguém
e em hipótese alguma dar informações comprometedoras, nunca se sabe qual
a intenção da pessoa ouvinte. A segunda coisa que aprendi foi que todos ali
eram sádicos, que gostavam de ver outras pessoas infligindo dor nas suas
vítimas. Gostavam de ver o sangue escorrer pelo corpo da presa e ver o
sofrimento estampado nos rostos delas.
Eu gostava de ver isso, mas havia uma grande diferença entre mim e
esses homens, eu gostava de infligir dor nos meus alvos, nas pessoas que
mereciam ser torturadas. E eu sentia enjoo por ver pessoas inocentes
sofrendo, elas não merecem tamanha crueldade, mas quem sou eu para
advertir as escolhas desses homens?
Sinto tensão da cabeça aos pés, porque essa noite seria o caos ou
como os homens dentro dessa sala gostavam de dizer da “diversão ou
perversão”, onde todas as fantasias deles, os desejos mais doentes rolam a
solta.
Uma vez ao ano a casa de Andrey Romonov, chefe da Bratva,
acontece um evento, onde várias mulheres dos bordeis e clubes do cartel são
escolhidas para participar.
Eu nunca tinha sido chamada para participar dessa merda toda, já que
Andrey me mandava para algum serviço junto com outro soldado. Mas eu
sabia muito bem o que acontecia. Já tinha ouvido muitos soldados falarem de
como essa noite poderia ser sangrenta e assustadora. Meu estômago chega a
embrulhar só de imaginar mulheres indefesas sendo machucadas e torturadas
por esses homens nojentos.
Nesse ano estava sendo diferente, eu não fui dispensada como nos
outros e Andrey fez questão que eu estivesse aqui e assistisse o que acontece
nessa sala.
Quando fui intimada para estar aqui, achei que ele estivesse brincando
e que me mandaria para fora da casa, mas quando a noite chegou e vi que ele
não me dispensaria percebi que nada tinha sido brincadeira.
Ao entrar no salão do “evento”, eu olhei para todos os lados e vi o
glamour e a sofisticação na decoração. As paredes creme estavam decoradas
com fitas douradas, havia vários sofás e divãs. Uma enorme mesa e no centro
do salão tinha um pequeno palco, que em cima tinha uma cruz de madeira de
formato em X, que me fez sentir um calafrio na espinha.
Examinei cada homem naquele lugar e não fiquei surpresa quando
avistei de longe Ivo, que ao seu lado tinha uma mulher seminua. Fazia dias
que não nos falávamos e ele me ignorava completamente, não poderia julgá-
lo, eu tinha o dispensado e era justo o seu silêncio. Mas era estranho nos ver e
agir com estranheza, como se não nos conhecêssemos.
Mantive-me em um lugar reservado, observei quando um homem
subiu ao palco e amarrou uma mulher na cruz. Senti meu corpo ficar tenso e a
vontade de intervir a aquela barbaridade gritava em minha cabeça, mas fiz-
me ficar no lugar e vi o homem açoitar a mulher que gritava, pedindo para ele
parar. Vi que todos ali estavam gostando dos gritos que a moça dava. Pude
ver pânico no rosto das outras mulheres, porque elas sabiam que seguiriam
para o mesmo caminho daquela no palco.
— Está gostando? — Tiro minha atenção do espetáculo de horror e
fito o homem a minha frente.
— Na medida do possível — forço um sorriso e tento parecer
divertida, ao contrário do que sinto por dentro.
Ele me fita de volta e bebe um pouco da sua bebida.
— Ivo achava que você seria muito fraca para ver isso, mas eu vejo
prazer em seus olhos — Andrey deu um passo em minha direção. — Sei que
você gosta de ver outras pessoas sofrendo.
Somente aquelas que merecem — quis retrucar, mas me fiz calar.
— Pelo menos alguém me conhece direito — minto e vejo o homem
sorrir. — Seu filho deve achar que sou muito delicada.
— Ele achava — vi em seus olhos cobiça e não disfarçava seu
interesse por mim. Desde quando ele sentia isso? Nunca antes foi tão
explícito como agora. — Soube que vocês não estão mais juntos.
Ignoro os gritos de dor ao meu redor e me pergunto o que Andrey
queria. Ele nunca tentou nada durante esses anos, talvez fosse pelo motivo de
que seu próprio filho estivesse interessado em mim, e nesse momento eu
tinha cortado qualquer tipo de envolvimento com Ivo Romonov, e talvez ele
quisesse algo comigo.
Dou um pequeno sorriso com isso. Nunca quis algo com Andrey,
achava ele um homem sem escrúpulos. Nós dois não daríamos certo. Erámos
completamente diferentes, ele gostava de infligir dor em inocentes, eu apenas
naqueles que mereciam sofrer.
Mas talvez eu possa...
Não sabia se eu deveria fazer isso, mas eu precisava me firmar ainda
mais dentro da Bratva, precisava ter a confiança de Andrey, sabia que ele
sempre mantinha um pé atrás comigo e talvez deixá-lo acreditar que também
gostava dele de certa forma, eu conseguiria alguma informação sobre o meu
passado.
— Sabe — digo em um tom baixo. — Ivo deveria se espelhar em
você, um homem tão experiente, centrado, imbatível nos negócios e ótimo
chefe para Bratva.
Andrey me olhava com certa admiração e eu sabia que estava
conseguindo sua atenção. Passo a língua entre os lábios e dou um leve
sorriso, sendo mais doce possível.
— Com o tempo ele aprende. — Andrey tentou não demonstrar sua
atração por mim, mas eu conhecia muito bem os homens e sabia quando eles
tinham interesse.
— Tenho certeza que sim.
Ele toca uma mecha do meu cabelo, o vi admirar meus cabelos e cada
segundo que passava eu sentia o gostinho da vitória, saber que ele não estava
percebendo que tudo isso era apenas o início do meu propósito.
Deixei que ele tocasse e algo me fez olhar sobre o ombro de Andrey,
o que meus saltos altos permitiam fazer. Olhos azuis acinzentados me
fuzilavam de longe, enquanto bebia algo. Dou um pequeno sorriso de lado e
volto a dar atenção ao homem a minha frente.
— Tem gente nos observando, acho melhor nos distanciar — seguro
delicadamente a mão de Andrey e me distancio. — Podemos nos encontrar
depois.
— Perfeito — segura minha mão e dá um beijo no dorso.
Andrey Romonov, mesmo com toda sua petulância e sadismo, poderia
ser um homem charmoso, que marcava presença em qualquer lugar, com seus
olhares calculistas, suas sábias palavras, pelo jeito de sempre ser direto no
que queria e agia na frente das pessoas. Ele é um homem alto e em boa forma
para a idade que carregava nas costas, mas isso não me importava, eu não
estava tão interessada nele. Eu só queria algo de Andrey e no momento que
eu tivesse essas informações, ele deixaria de ser interessante.
Mas, seria cuidadosa com as minhas perguntas, não seria direta, iria
sondar primeiro o terreno, faria perguntas inocentes e bestas. Aos poucos
mostraria meu interesse pelos negócios da Bratva, depois de conseguir a
completa confiança de Andrey sobre mim, finalmente poderia obter
informações sobre as pessoas do meu passado e como eu vim parar aqui,
porque algo dentro de mim vivia dizendo que eu não havia nascido na Rússia,
que eu não tinha nenhum fio de cabelo russo.

Passo o indicador pelos lábios entreabertos e sorrio despreocupada.


Meu corpo está jogado em uma cama confortável e lençóis sedosos sobre a
metade do meu corpo completamente nu. Minha ideia inicial era somente
provocar Andrey e fazê-lo me querer cada vez mais, mas não consegui me
safar de suas próprias investidas e sem perceber acabamos dentro do quarto e
aqui estava eu tentando seduzi-lo ainda mais.
— Me conta como você conseguiu chegar aonde chegou? — Meu tom
soa despreocupado e o olho com curiosidade.
Ele fumava um charuto enquanto encarava descaradamente meu
corpo. Eu sabia que tinha um ótimo corpo e todas as horas que eu passava
treinando tanto com Troy ou sozinha valia a pena. Meu corpo chamava
atenção e eu aproveitava os benefícios disso.
— Meu pai era o chefe da Bratva e arquitetou alguns planos para
aumentar os negócios da máfia — disse soltando a fumaça do charuto. —
Mas antes que ele pudesse concluir todos os seus planos morreu.
— Eu sinto muito — digo verdadeira, me sentando na cama deixando
lençol deslizar pelo corpo — Não sei qual é a sensação de perder algum
parente.
Andrey se aproximou da cama e sentou na beirada dela, me puxando
em sua direção e fazendo-me sentar em seu colo. Pego o charuto dos seus
lábios e ponho na boca. Ele me observa por alguns segundos enquanto fumo.
— Sorte a sua.
— Ou não... — Entrego o charuto. — Não é fácil saber que você
perdeu dezenove anos da sua vida e a única coisa que recorda é de acordar
em um lugar imundo, cheirando a podridão e que estavam lhe drogando todo
momento.
Ele me olha seriamente escutava cada palavra minha.
— Lembro-me da dor, da agonia de sentir agulhas entrando em meu
corpo e a queimação que vinha com ela, era como se tivesse tirando minha
própria vida, de certa forma tirou, já que não tenho lembranças de nada da
minha vida.
— Mas você foi salva.
— Sim, fui — o olho. — Mas me pergunto o que eu era antes, se tive
família, se tive pessoas que me amavam. É um completo vazio, onde nada se
encaixa.
— Talvez as pessoas do seu passado não lhe amassem, não se
importassem com você e sua vida fosse um completo fracasso — segura meu
rosto. — Talvez perder a memória tenha sido a melhor coisa para você. As
drogas que colocaram em você, proporcionou-lhe uma vida melhor.
Sinto um nó em minha garganta e não aguentando ficar próxima dele,
saio do seu colo e ando pelo enorme quarto, seguindo para as janelas
descobertas pela cortina. Olho para a noite que reinava lá fora, com isso
sentia aquela agonia se dissipar um pouco. Eu não deveria ter dito tudo aqui
para Andrey, dessa forma ele verá que eu anseio pelas respostas que não
tenho, assim sendo ele pode me impedir de alguma forma de obtê-las, e ele é
o único que as tem.
Não consigo evitar passar os dedos pelos montinhos no meu braço,
onde as agulhas me furaram diversas vezes. Cada injeção que me deram,
fizeram-me sentir grogue e com isso as minhas lembranças se perderam em
minha cabeça. E, quando fui resgatada por Ivo, procurei saber quais eram as
drogas que injetaram em mim, mas nunca soube o real experimento, mas
sabia que todas as drogas deixaram suas sequelas e as consequências foram
as minhas memorias perdidas. Foram dois anos de tortura, me bateram até
perder a consciência, em outros momentos eu era presa numa maca e pedia
por ajuda, mas tudo somente piorava e percebi que em algum momento eu
morreria nas mãos daqueles homens.
— Natalie — a voz atrás de mim fez todas aquelas malditas
lembranças dissiparem. — É melhor dormirmos.
— Irei embora — digo me virando.
— Se quiser pode ficar.
Balanço a cabeça em negativo. Eu não estava bem para dividir uma
cama com ele. Recordar do que sofri há cinco anos me deixou com embrulho
no estômago, a melhor coisa seria eu ir para meu apartamento e tentar
descansar.
Pego minhas coisas e visto rapidamente. Não me despeço de Andrey,
sigo para fora do quarto e daquela casa. Eu precisava de tempo para fazer
toda essa merda voltar para as profundezas da minha cabeça.
NATALIE

O dia tinha amanhecido um pouco nublado, no entanto o frio cortante


dos últimos dias tinha dado uma trégua. Não tinha dormido muito bem na
noite anterior, vi o sol nascer no horizonte. Assim, fui para o galpão e gastei
minhas energias correndo pela esteira e depois treinando pesado dentro do
ringue.
Senti-me um pouco mais leve quando sai de lá e fui para a casa dos
Romonov, tomei um banho no galpão e não foi necessário ir para o
apartamento tomá-lo e depois ir para a mansão. Chegando á casa, fui recebida
pelo aroma de café e cheiro de limpeza. Cumprimentei algumas pessoas e
segui para o escritório de Andrey, onde sabia que ele estaria me esperando.
Neste momento estou olhando o relatório que recebi assim que me
sentei. Olho para homem barbudo que aparece na foto junto com o nome e
país onde se encontraria nos próximos dias. Ele aparentava ter uns setenta
anos, era de estatura média e fora de forma. Marcus Graham, esse era seu
nome, era um juiz renomado na Rússia, mas que não estava agradando
algumas pessoas fora da lei. Ele era corrupto, não se importava em seguir as
leis que eram impostas no país, o que mais importava para Marcus Graham
era o dinheiro e os benefícios que ele o trazia.
Como sei tudo isso? Porque já o vira algumas vezes conversando com
Andrey e na época eles pareciam bastante próximos, mas pelo visto me
enganei, já que Andrey o quer morto.
Bebo um pouco do café que me foi servido e escuto atentamente cada
informação que me era repassada. O homem era bem protegido, até poderia
dizer que mais do que o próprio presidente da Rússia. Eu sabia que chegar
perto desse homem não seria fácil, mas não impossível, afinal nada para mim
era impossível.
Tiro minha atenção dos papéis e examino o homem sentado à minha
frente. Ele usava apenas um roupão por cima do pijama, algo raro de se ver,
porque Andrey sempre estava impecável nos seus ternos e nunca a vontade.
— São muitos seguranças — avalio enquanto bebo mais do café. — O
cara sabe que a cabeça dele está em jogo.
— Então ele não deveria ter brincado comigo.
Coço minha testa, pois eu sabia que esse trabalho seria um pouco
mais complicado, o homem estaria rodeado de seguranças em todo o tempo e
eu teria que encontrar uma brecha para me aproximar, somente assim poderia
matá-lo. Eu só teria três semanas para concluir minha missão.
— O que exatamente ele fez para ter a sua ira?
— Ele traiu a Bratva, revelando alguns segredos para pessoas
inimigas.
Levanto as sobrancelhas interessada.
— E com isso você o quer morto?
— Sim, e quero a cabeça dele como troféu.
Deixo minha xícara sobre a mesa e encosto na cadeira, avaliando
Andrey. Já tinha se passado alguns dias desde que tivemos aquela conversa
estranha. Eu precisei ficar reclusa pelo menos um dia para conseguir voltar ao
meu normal e ter minhas emoções contidas. Eu não tinha ido atrás dele, ele
sim veio ao meu encontro, Andrey um dia simplesmente apareceu na porta do
meu apartamento e mais uma vez acabamos numa cama.
Suspiro e leio onde Marcus Graham estaria pelos próximos dias,
penso como estará o clima em Nova York. Fazia alguns meses que passei por
lá, mas não em uma missão e sim em férias, estivera acompanhada por Ivo,
onde fizemos loucuras pelas madrugadas nova-iorquinas. E, essas lembranças
pareciam ter acontecido há tantos anos e não somente há meses, porque olhar
para o homem a minha frente era completamente diferente de Ivo.
Envolver-me com Andrey era preciso, eu sentia que nesses poucos dias
que estávamos nos envolvendo tinha conseguido mais informações do que
durante esses cinco anos que trabalho para ele. Descobri como realmente a
Bratva funcionava, quais serviços Andrey fornecia por fora do cartel e como
era a iniciação dos soldados. Eram coisas pequenas, mas que já davam para
ver como tudo ao meu redor funciona.
Concentro-me no homem a minha frente e dou um pequeno sorriso.
Ele era bruto em muitas vezes, mas eu conseguia dominá-lo na medida do
possível, e ele parecia gostar disso, eu via o prazer no olhar dele quando tomo
as rédeas das situações. Via como ele se deixava ser dominado e posso
confessar que esse era o ponto alto para o meu ego. Quem poderia imaginar
que Andrey Romonov gostava dessas coisas?
Levanto-me e ando até ele, sento em seu colo e passo os braços pelo
seu pescoço.
— Irei viajar ainda hoje — digo fixando nossos olhares. — Ficarei
algumas semanas por lá, me infiltrarei no parlamento da justiça, e saberei o
que Graham irá fazer nos Estados Unidos. Quando tiver a primeira
oportunidade trarei a cabeça dele para você.
Um sorriso animalesco surgiu em seu rosto e sem esperar a boca dele
tomou a minha. O beijo dele nunca fora doce e vagaroso, sempre tinha a
sensação de poder e fúria. Eu sabia que por cada fibra desse homem exala
brutalidade e fúria, o que me deixava na maioria das vezes aturdida. Mas, em
nenhum momento perco a consciência de qual caminho seguir com ele.
As mãos de Andrey varreram minhas costas, apertando e colando
cada vez mais nossos corpos. Solto uma risada quando ele me levanta do seu
colo e me faz montá-lo. Ele solta um rugido quando faço movimentos de vai
e vem com o quadril, fazendo seu membro despertar dentro da calça de
dormir.
— Faça-o sofrer — disse ele enquanto mordiscava sem gentileza
meus lábios. — Despedace-o.
Sorrio diabolicamente para Andrey, segurando o seu rosto, volto a
beijá-lo no mesmo nível de fúria e desejo.

O ar de Nova York estava quente e completamente diferente da


Rússia. As pessoas andavam para todos os lados e o sol brilhava como nunca
no céu. As árvores estavam verdes e floridas, as gramas dos parques aparadas
e verdinhas.
Olho atentamente tudo ao meu redor, não poderia abaixar a guarda,
mesmo sabendo que aquelas pessoas não sabiam quem eu era. Com as mãos
dentro do casaco preto, caminho devagar até o prédio alto e espelhado. Ali
seria minha primeira parada.
O prédio era somente uma fachada pelo que realmente acontecia. Ali
dentro, tudo que era fora da lei acontecia. Abaixo a cabeça seguindo até a
entrada do prédio e avanço para dentro do saguão. Chego perto da recepção e
abro um sorriso encantador para o homem a minha frente.
— Boa tarde — falo alegremente. — Sou Suzana Yonk, venho fazer
uma entrevista para ser secretária temporária do juiz Marcus Graham.
O recepcionista que estava bastante concentrado em seu computador,
desviou sua atenção da tela e olhou para mim. Vi seu rosto ficar vermelho e
sua boca abrir levemente.
— É... Se...senhorita — ele gaguejou.
— Yonk — repito docemente.
Ele balançou a cabeça diversas vezes e pareceu tentar encontrar meu
nome no monitor.
— Décimo primeiro andar, lá está acontecendo á entrevista — ele diz
sem me olhar.
— Obrigada, Peter — olho para o crachá dele e pego o cartão de
visitante que ele estende em minha direção.
Ao entrar no elevador que se encontrava vazio, aproveito para olhar
minha imagem no espelho. Eu tive que pintar meus cabelos de loiro, que
quase pareciam brancos de tão claros que estavam. Eram poucas as vezes que
tive que mudar meu visual, mas dessa vez foi necessário. Desde a morte de
Wilson Taylor, eu sabia que alguém poderia me reconhecer e isso não seria
nada legal. Pintar os cabelos fora a melhor opção, dessa forma ninguém
poderia me reconhecer tão facilmente.
Ajeito meus cabelos e verifico o batom vermelho em meus lábios.
Alinho minhas roupas que são típicas de uma secretária: saia lápis preta,
blusa de seda branca, saltos pretos scarpin. Retoco meu batom impecável e
nesse exato momento as portas do elevador se abriram.
O andar onde estava acontecendo a entrevista era bem sofisticado
com sofás de couro, jarros de plantas decorativas, uma pequena mesa onde
tinha uma moça sentada.
— Boa tarde, vim para a entrevista.
A mulher me olhou e antes que voltasse a se concentrar no que fazia
disse:
— Sente-se e espere a sua vez.
Viro na direção onde tinha duas mulheres esperando e me sento um
pouco distante. Pego uma revista e folheio vagarosamente, sem prestar
atenção em nada que ali dizia. Em minha cabeça repasso tudo que teria que
fazer dentro daquela sala, quais palavras usar, gestos e jeito de agir. Nada
poderia falhar, nenhum erro poderia ser cometido, eu não poderia perder a
chance de conseguir ficar próxima de Marcus Graham. Essa era a única
chance de cumprir minha missão.
Não havia sido fácil conseguir colocar Suzana Yonk na lista de
candidatas para o emprego, tinha levado horas na frente de um computador,
em um sistema fantasma para entrar no sistema da empresa e fazer o meu
nome falso aparecer.
Passo mais uma página e fico assim durante as próximas duas horas,
as outras duas mulheres fizeram a entrevista e no momento que a última saiu,
fechei a revista, depositei-a no seu devido lugar.
— Srta. Yonk — uma voz masculina me chama.
Ajeito a saia sobre meu corpo e dou passos meticulosos na direção da
sala de entrevista e quando avisto um homem de aparência agradável, soube
que meu plano tinha acabado de começar. Quando o assunto era completar
meu serviço eu não media esforços para conseguir o que tanto almejava. Nos
meus treinamentos aprendi que a sedução era uma arma essencial quando o
assunto era homens e cada gesto que eu poderia fazer, era uma armadilha
sendo montada aos poucos.
Ao entrar na sala estendi minha mão na direção do homem e sorri
com encanto.
— É um prazer conhecê-lo senhor — meu tom sai baixo e delicado,
como tudo que exalava de mim.
— O prazer é todo meu, senhorita — os olhos dele me examinaram
rapidamente e o vi apreciar desnudando com o olhar cada parte do meu
corpo. — Sente-se senhorita.
Viro vagarosamente e lembro-me de balançar os quadris
provocativamente e me sento em uma cadeira confortável.
— Pelo seu currículo vi que tem bastante experiência em trabalhar
com políticos e juízes.
— Sim — falo ao vê-lo se sentar à minha frente. — Tento executar
meu trabalho com responsabilidade e agilidade.
Por dentro sorrio. Se ele soubesse quão boa sou em meu trabalho, não
duvidaria da minha experiência.
— Consigo ver nas suas indicações — ele olha para os papéis. — Mas
me diga senhorita Yonk, por que quer trabalhar para o juiz Graham?
— Essa é a minha chance de crescer no trabalho e o salário também é
bom, estou necessitada no momento — cada palavra que sai da minha boca
flui com perfeição. — Tenho pais doentes e que precisam da minha ajuda.
Olhos redondos e escuros me sondam sem vergonha, rapidamente
identifiquei luxúria transbordando neles. Sempre era assim, homens me
cobiçando e me querendo a qualquer custo. Nunca fui ingênua, sabia sobre
minha beleza e atributos e os benefícios que isso trazia.
Jogando os cabelos para trás, endireitei minha postura, fazendo meus
seios se empinarem chamando a atenção dele.
— Entendo a sua situação — ele desviou seus olhos dos meus seios.
— Mas há candidatas melhores do que a senhorita.
Não!
Não posso perder essa oportunidade.
Pensa, Natalie!
Pensa...
— O que posso fazer para o senhor me contratar — uso meu tom
desesperado e ansioso para ele.
Os olhos escuros brilharam com malícia, percebi que as palavras dele
foram somente para me acuar e fazer-me oferecer, como estava acontecendo.
Filho da puta.
— Tem algo que a senhorita pode fazer.
Não tinha como dizer não e sair dessa merda de sala. Teria que aceitar
o que o filho da puta queria.
— Faço o que o senhor quiser.
Ando decida para sair daquele lugar o mais rápido possível. Eu tinha
demorado mais do que o necessário dentro daquela sala e não olhei na
direção da secretária que tinha uma expressão dura na minha direção.
Dentro do elevador respiro fundo e olho para os números diminuindo.
Sinto meu corpo completamente pegajoso pelo suor e o perfume enjoativo do
homem impregnado em meu corpo. Eu desejei poder ir para o meu quarto de
hotel e tirar toda aquela sensação do meu corpo. Sinto-me podre por ter que
‘deitar’ com homens que não me atraem em nada, mas essa era a única forma
de conseguir o que queria e arriscar o meu plano estava fora de cogitação.
Saindo do prédio ando pelas ruas até um orelhão, onde ponho uma
moeda e disco o número que tinha gravado em minha mente.
— Alô — a voz grossa me recepciona
— Consegui entrar — digo enquanto olho para os lados. — Sou a
nova secretária de Marcus Graham.
— Perfeito — disse ele. — Não falhe, Natalie.
— Quando foi que falhei?
Eu estava no jogo. Agora era somente questão de tempo para minha
presa cair na armadilha e eu daria o veredito final.
NATALIE

Marcus Graham não era um dos homens mais fáceis de lidar. O


homem era sério e gostava de ver eficiência no serviço, e eu estava sentindo
na própria pele o significado do chefe carrasco. Por muitas vezes imaginei
batendo a cabeça dele na mesa e arrancando seus olhos com os dentes.
Mas quando me via saindo da razão, respirava fundo e dizia para mim
mesma que faltava pouco para eliminá-lo da minha lista. Servir cafés e tirar
cópias de papéis resumia os meus dias no escritório particular do meu novo
“chefe”. Nos primeiros dias tentei me habituar com as vozes altas que sempre
estavam presentes na sala de Marcus e com as cantadas que ele dava de vez
ou outra na minha direção. Velho tarado. E isso só confirmava o motivo dele
ter uma enorme lista de denúncias de assédio, que suas ex-funcionárias fez
contra ele. Nenhuma delas durou mais que cinco semanas.
Talvez eu fosse a mais duradoura que aquele homem asqueroso
poderia ter tido. Fazia quase um mês que estava infiltrada no escritório e aos
poucos com meus sorrisos falsos, palavras inocentes e correspondendo as
cantadas, tinha conseguido algumas cópias dos documentos que o homem
carregava em seu computador. Além de contar com minha experiência em
camuflar minhas emoções, contei também com algumas horas pelas
madrugadas a fora, para conseguir entrar no sistema do computador dele e
encontrar esses documentos que seriam bons para Andrey, para um futuro
próximo.
Essa manhã tudo parecia da mesma forma. Estava sentada atrás da
minha mesa ao lado da porta do meu chefe, revisando alguns documentos que
ele tinha me dado horas atrás. Eram apenas processos, assuntos ilegais,
contas clandestinas e, claro que pagamentos pelos ocultamentos que ele fazia.
O velho era mais podre do que tinha pensado.
— Senhorita Yonk?
— Sim? — olho para a porta aberta e vejo o homem de meia idade na
minha frente. — No que posso ajudá-lo senhor?
— Venha até minha sala.
Pego minha agenda, espero alguns segundos até entrar na sala e
colocar um sorriso ensaiado no rosto, o qual fazia com que ele olhasse para
meus lábios cobertos por um batom discreto, diferente do vermelho que
sempre usava.
— Preciso que faça uma lista de alguns conhecidos — Marcus estava
sentado em sua cadeira, atrás dele dava uma bela vista dos arranha-céus
espalhados e o sol forte permeando entre os prédios. — Nisso você irá
colocar uma pessoa específica, no topo da lista.
— E qual é o nome da pessoa?
— Enzo Sartori.
Paro de escrever e franzo a testa, esse nome não era estranho para
mim, já tinha escutado Andrey falar algumas vezes para Ivo sobre esse
homem. Mas nunca tive a curiosidade de pesquisar sobre quem ele era, mas
se estava na lista de Marcus, ele era importante e a partir desse momento
Enzo Sartori fazia parte dos meus interesses.
— Mais alguma coisa? — Retorno a escrever o nome dele no papel.
— Sim, quero que prepare um pequeno coquetel, não muito chique,
só para umas cinquenta pessoas, para a próxima noite — ele se levantou e eu
ajeito seu paletó. — Quero que convide todos desta lista que você fez.
— Alguma comemoração? — Olho-o curiosa.
— Negócios — ele sorriu. — Sempre é bom manter os amigos por
perto e os inimigos ainda mais.
Anui e pedi licença. Ao voltar para minha mesa, pego meu celular e
digito uma mensagem de texto:
A missão será cumprida em poucas horas.

Eu já tinha tudo que era necessário e que Andrey poderia usar ao seu
favor, não tinha mais nada me segurando nesse escritório e não via motivos
para não dar fim na vida de Marcus.

De quanto tempo estamos falando?

24 horas

Deixo o telefone de lado e fixo minha atenção no nome escrito no


papel.

Mais uma taça tinha sido enchida, várias horas já tinham se passado
desde o momento que tirei meus pés do escritório. Eu respirei fundo e senti
meus olhos pesados pelo cansaço, mas eu não poderia parar, tinha que traçar
todo meu plano e concluir meu serviço o mais rápido possível.
Desde o momento que tinha entrado no meu apartamento provisório,
o qual tinha arranjado alguns dias depois da minha chegada á Nova York, me
sentei no meu confortável sofá e peguei o notebook, abri meu sistema seguro
e comecei a pesquisar sobre todos os convidados de Marcus. Todos eram
políticos e empresários, mas eu deixei por último o convidado especial de
Marcus. E, confesso que fiquei curiosa para saber sobre ele.
Não consegui resistir e procurei alguma foto dele. Tinham várias
imagens dele em eventos, sempre sério e os olhos cinza sempre frios. Em
algumas tinha uma mulher de cabelos loiros escuros ao seu lado e logo
reparei na aliança que ela carregava na mão esquerda. Era a esposa dele, Ayla
Sartori. Ainda não contente procuro mais sobre ele e vejo que o mesmo é
empresário do ramo dos diamantes e seu nome era bem conhecido em toda
Nova York.
Abaixo mais a aba de pesquisa e fico surpresa ao ver os casos secretos
da polícia contra Enzo Sartori, nenhum deles tinham sido levados ao tribunal
e sido julgados, nenhum tinha acusações válidas para colocá-lo atrás das
grades. Então ele não era somente um simples empresário.
Antes que eu possa pesquisar sobre sua família e descobrir o que fazia
ilegalmente, meu celular apita.

Me liga.

Estranho a mensagem e fico dividida entre ignorar e voltar para minha


investigação, mas algo me dizia para fazer o que a mensagem pedia. Mexo no
aparelho até ligar para o número que há bastante tempo não ligava.
— O que aconteceu? — Digo no momento que sou atendida.
— Precisava ouvir sua voz — o tom dele é baixo e poderia se dizer
melancólico.
— Ivo — suspiro. — Não posso falar agora.
— Você está trepando com alguém? — Perguntou rudemente. —
Além do meu pai, é claro.
Pego a taça que estava em cima da mesinha a minha frente e viro o
conteúdo de uma vez e me pergunto por que ainda não desliguei essa merda
de celular.
— O que eu e seu pai temos não é da sua conta.
— Claro que é, porra! — Ele gritou. — Você me deixou para ficar
com ele ou será que você já estava trepando com ele enquanto estávamos
juntos?
— Nunca lhe trai, mesmo que não fossemos mais que uma transa —
suspiro me sentindo cansada. — Não lhe devo satisfação da minha vida
sexual, Ivo seu pai e eu somos adultos, sabemos o que queremos.
— Você é uma completa vadia — seu tom é de mágoa e fúria. —
Nunca deveria tê-la salvado, deveria ter deixado você naquele lugar! Deveria
ter deixado meu pai continuar a fazer os malditos experimentos em você!
— O quê? — Seguro firme o aparelho contra a orelha e sinto minha
cabeça doer. — Repete o que você disse.
— É o que você escutou, meu pai queria continuar a fazer os
experimentos, se não fosse por mim você já deveria estar morta por tantas
drogas injetadas em sua corrente sanguínea.
Não consigo dizer nada e só lembro-me da noite que divaguei na
frente de Andrey, de como queria saber como seria minha antiga vida e me
sentia mal pelo que tinha me acontecido naquela droga de lugar onde fui
maltratada. A forma que ele tentou desviar da conversa faz sentido agora, a
forma que ele me olhou. Andrey fora o culpado por eu ter vivido dois anos
dentro daquele inferno.
— Não pode ser...
— Mas é.
Sinto a dor na minha cabeça piorar e fecho os olhos soltando um
gemido de dor, deixando o celular escorregar entre meus dedos e o tremor
dominar completamente meus sentidos.
Passado (cinco anos antes)

NATALIE

Mais uma vez sinto minha garganta arder e doer pelos gritos que
saiam constantemente pela minha boca seca e ferida. Meu corpo pede por
descanso, por uma noite completa de sono, mas eu sabia que eu não teria isso.
A queimação se espalha pelo meu corpo inteiro, fazendo-me sentir em
chamas. A ânsia de vômito me atinge mais uma vez, mas nada sai pela minha
garganta dolorida. Não tinha nada em meu estômago.
— Por favor — sussurro sentindo a inquietação no corpo, minha
cabeça doe e meus pensamentos estão embaralhados. — Não aguento mais.
— Só mais um pouco, minha querida — uma mão grande e quente
toca no meu rosto molhado pelas lágrimas e suor.
Eu não tenho forças para abrir os olhos e ver o homem que ordena
todas as torturas que sofro. Eu nunca tinha visto o rosto dele, mas a voz já era
conhecida, era a mesma de todos os dias, que falava comigo depois de levar
alguma surra, ser cortada e costurada e ser furada diversas vezes.
— Por que faz isso? — Me sinto quase inconsciente, mas forço as
palavras para saírem.
— É necessário — ele pega uma mecha do meu cabelo e a coloca
atrás da minha orelha. — Você é bem resistente, minha querida.
— Meu nome é... — franzo o rosto, mas logo paro quando o mesmo
dói. Tento forçar minha mente para lembrar meu nome, mas nada vem, tudo
parece embaralhado em minha cabeça, tudo está confuso. — Eu não sei.
Ele não disse nada e me pergunto se ele tinha me deixado sozinha
mais uma vez.
— A coloquem para dormir — a voz veio e depois disso sinto uma
picada em meu braço e tudo parecia desaparecer em minha mente confusa.

Andrey.
O rosto dele aparece em minha mente, ele estava lá quando os homens
injetavam alguma coisa em mim e me via sofrer. Andrey Romonov era o
mentor daquilo tudo, eu só consigo vislumbrar o rosto dele nesse momento.
Minha cabeça lateja e o gosto amargo atinge minha boca seca.
Toco minha cabeça e me inclino um pouco para frente, solto um
gemido de dor. Tudo em mim dói, era como se cada lembrança que tive fosse
uma lâmina entrando em minha mente. Respire — digo para mim mesma.
Expiro e inspiro por diversas vezes, tentando controlar o tremor que
me atingia. Essa lembrança era tão estranha para mim, na verdade toda a
minha vida era estranha. Parece um quebra-cabeça todo embaralhado e
doloroso de se montar.
Deixo o notebook e a taça de lado e sigo para o quarto, deixo as luzes
apagadas, continuo até o banheiro em direção ao chuveiro. Precisava de um
banho gelado, talvez dessa forma eu pudesse pensar com coerência. Sento-me
embaixo do chuveiro, deixando a água fria escorrer pelo meu corpo e fecho
os olhos respirando fundo.
A raiva estava presente, ela pulsava em minhas veias e eu tinha que
controlar a fúria que queria dominar todos os meus sentidos. Eu queria largar
tudo e ir atrás de Andrey, perguntar o porquê tê-lo feito aquilo comigo, queria
saber qual tipo de prazer havia sentido ao ver-me sofrer por diversas vezes.
Mas, como não recordei da voz dele?
Isso era algo que ainda não entendo. A voz de Andrey sempre esteve
presente nos dois anos de tortura, por que não lembrei-me da voz quando o vi
pela primeira vez e ele falou comigo?
Injeções.
Era provável que toda aquela merda injetada em mim tinha me feito
esquecer a sua voz e com isso não lembrei. Aperto meus braços e sinto
minhas unhas entrarem em minha pele. A dor que sinto era bem vinda, era
melhor do que o ódio que sinto nesse momento.
A repulsa veio quando lembro que me deitei com ele, com o homem
que tinha feito barbaridades comigo. Eu havia dormido literalmente com o
inimigo.
— É só respirar — digo para mim mesma. — Respire.
Meus dedos estavam começando a ficar enrugados quando ouço ao
longe meu celular tocar. Deixo o aparelho tocar e continuo onde estou. O
barulho para, mas logo em seguida retorna. Eu sabia quem estava me ligando.
Mantenha a calma. Saio do chuveiro e pego uma toalha me enrolando, vou de
encontro ao celular que tocava insistentemente.
— Olá querido — meu tom sai calmo, mas por dentro não estava
nada.
— Tudo bem Natalie? — Consegui perceber uma nota de
preocupação vindo dele.
Ivo provavelmente teria ido atrás dele e dito que tinha falado o que
não deveria para mim.
— Está tudo perfeito — me sento no sofá e fito a bagunça a minha
frente.
— Soube que Ivo ligou para você
— Ele mesmo lhe disse isso?
— Sim — o tom dele é sério. — Natalie, o que ele disse...?
— Eu não acredito nele, Andrey — o corto. — E não lembro nada do
que ele disse, então quem pode me garantir que é verdade?
Todo meu autocontrole está sendo testado nesse momento, minhas
mãos tremem e sinto suor descer pelas minhas costas. Só consigo lembrar
quando ele tocava minha face e me chamava de querida. Queria poder gritar e
mandá-lo se ferrar, mas não iria fazer isso, não iria colocar minha vida em
risco e muito menos botar tudo que descobri a perder.
— Fico aliviado ao ouvir isso.
— Só acredito plenamente em você.
— Também acredito em você.
Um sorriso gélido se instala em meu rosto e uso o tom doce, o qual
sempre usava com todas as minhas vítimas.
— Preciso desligar, sabemos que amanhã é um dia importante.
— Faça o seu melhor, Natalie!
Não o respondo e apenas desligo a chamada. Deixo o celular de lado e
fixo minha atenção na parede de vidro, onde tenho a bela vista de Nova York.
Eu terminaria o que tinha que fazer, depois iria atrás de Andrey e
arrancaria a verdade dele.

O dia estava sendo bastante corrido e mal tinha parado no escritório.


Ás seis da manhã tinha recebido uma mensagem de um dos seguranças de
Marcus, onde continha as informações para eu organizar o coquetel de hoje à
noite.
Tive que contratar de última hora um buffet e garçons. Fui direto para
o hotel onde aconteceria a pequena festa de Graham e um recepcionista me
guiou até um salão que estava disponível para hoje.
O cômodo era bem espaçoso e com algum tempo que ainda me
restava, organizei tudo mais rápido. Com toda certeza mataria aquele velho.
Quem em sã consciência avisaria uma secretária que ela teria apenas vinte e
quatro horas para organizar uma festa?
Estava a ponto de enlouquecer, mas toda essa agitação serviu para
ocupar minha cabeça que não parava desde a noite passada. Ainda me sentia
em estado de torpor. E mal tinha conseguido fechar os olhos, pensando em
várias coisas e me perguntando como poderia conseguir respostas para as
minhas várias perguntas.
— Está ficando bonito, Suzana — uma moça alta e cabelos cacheados
diz enquanto ajeitava o bar.
Dou um pequeno sorriso e verifico se não faltava nada, ou se tinha
alguma coisa fora do lugar. Tudo estava perfeito e me sentia orgulhosa por
ter conseguido organizar tudo em poucas horas.
Talvez eu largasse a vida de assassina e pudesse ser decoradora de
festa.
Quis dar um sorriso com esse pensamento bobo, mas foi bom pensar
em algo fora da máfia, de fazer um trabalho que não fosse matar e ver minhas
mãos cheias de sangue.
— Quando você terminar de organizar as bebidas pode ir para casa e
se arrumar — digo pegando minhas coisas. — Nos vemos mais tarde.
A moça acena para mim e me despeço das outras pessoas que estavam
no salão. Não demoro muito para chegar ao apartamento e jogo todas as
minhas coisas no sofá.
Tiro meus saltos e ando para o quarto, me abaixo de frente para a
cama e puxo a maleta que tinha ali. A levo para cima do colchão e a abro.
Passo os dedos pelas minhas facas, todas reluzentes e bem afiadas. Uma coisa
que eu amava eram facas, de como elas eram práticas e fáceis de guardar. Era
só fazer um único movimento e eu acertaria meu alvo.
Pego uma pequena e outra um pouco maior. Também dentro da
maleta tem uma arma, a pego junto com silenciador. Não sei quantas pessoas
terei que matar esta noite e no fundo torço que seja apenas Marcus, mas se
fosse necessário matar outra pessoa eu faria isso.
Deixo tudo em cima da cama e guardo novamente a maleta. Vou até o
guarda roupa e pego meu vestido, salto e bolsa. Não teria muito tempo para
me ajeitar devidamente, logo teria que estar de volta ao hotel e planejar como
abordaria Marcus e o mataria.

O salão já estava cheio quando cheguei. Tinham vários homens de


terno conversando em alguns grupinhos. Também tinham algumas mulheres,
com certeza esposas dos deputados e empresários. Peguei uma taça de
champanhe e dei um pequeno gole enquanto passava meus olhos pelo lugar,
tentando encontrar quem eu queria.
Encontro Marcus Graham conversando com um grupo de homens e
ele parecia bastante à vontade. Caminho pelo lugar, sem tirar um segundo
sequer minha atenção dele. Termino meu champanhe e pego outro. Dou
alguns sorrisos para as mulheres no ambiente, todas estão com seus vestidos
caros e sofisticados, com suas joias reluzentes e cabelos bem arrumados.
Aproximei-me do bar e consegui visualizar três seguranças ao longe.
Não seria fácil despistá-los.
— O que deseja senhorita? — Viro para o homem e sorrio.
— Whisky.
Ele acena e põe um copo na minha frente, despeja a bebida junto com
dois cubos de gelo. Agradeço e dou um gole. Eu não deveria estar bebendo
tanto, mas eu precisava ficar leve. As coisas não estavam sendo muito
favoráveis e eu sentia que estava a ponto de explodir a qualquer momento.
Bebo aos poucos, volto a prestar atenção nas pessoas. Algumas já
estavam alegres e riam com qualquer coisa. Termino minha bebida e nesse
exato momento o vi se distanciar do grupo que estava e seguir por uma porta.
Passo pelas pessoas sorrindo, pego mais uma taça pelo caminho e passo pela
mesma porta que Marcus passou.
Tudo estava calmo e só conseguia escutar o barulho dos meus saltos
pela porcelana. Encontro dois seguranças escoltando uma porta que logo
identifico ser o banheiro. Aproximo-me deles e sorrio.
— Olá rapazes.
Os dois brutamontes me examinam de cima a baixo e depois se fixam
em meu rosto.
— Eu preciso falar com Marcus — mordo meu lábio inferior.
Os dois homens se entreolharam e depois acenam, me dando
passagem. Abaixo a cabeça e passo pela porta. O banheiro é bem iluminado e
espaçoso. Passo pelos reservados e olho para baixo, encontrando apenas um
par de sapatos lustrados.
Meu vestido um longo preto com uma fenda na perna esquerda, que
dava para esconder as duas facas no lado direito da perna e era prático de tirá-
las. Deixo minha bolsa de lado no balcão da pia e me aproximo no reservado
onde Marcus se encontrava.
— Senhor Graham? — Pergunto com o tom baixo.
— Senhorita Yonk? — Percebo seu tom confuso.
— Sinto muito por vim aqui, mas preciso perguntar algo — pego a
faca pequena e a escondo.
Ouço um barulho do outro lado da porta de madeira e a descarga. No
momento que ele destranca a fechadura dou um chute na madeira fazendo o
homem se jogar para trás. Entro rapidamente no reservado e fecho a porta.
— O que...
— Shhhh — coloco a ponta da faca em sua garganta. — Não faça
barulho.
Vejo pânico em seus olhos e me aproximo mais dele.
— Você achou mesmo que ao trair a Bratva, iria sair impune? —
Olho-o, debochada. — Parece que não conhece muito bem as nossas leis.
— Quem é você? — Seu tom sai arrastado e vejo que ele está com
medo.
Puxo o blazer dele e apalpo dentro dos bolsos. Ele não estava armado
e isso era o menor dos males.
— Seu pior pesadelo — sorrio. — Mas também pode me chamar de
Natalie.
— A mercenária?
— São tantos nomes né? — Reviro os olhos. — Antes que eu corte
sua garganta quer pedir alguma coisa?
Seus olhos se arregalam e o vejo respirar com dificuldade.
— Você não precisa fazer isso — disse ele trêmulo. — Você pode
abaixar essa faca e ir embora, não irei atrás de você.
Bufo e balanço a cabeça.
— Não...
— Senhor Graham?
Tampo a boca dele e o empurro até se sentar na tampa do vaso.
— Não faça barulho — rosno baixinho.
— Senhor?
— O DEUS! — Solto um grito junto com um gemido e bato
propositalmente minhas costas na porta. — Isso Graham!
O homem a minha frente arregala os olhos e para garantir que ele não
faria nada, levanto uma perna e coloco o salto da minha sandália nos seus
testículos. O vi tremer rapidamente.
— Mais forte — gemo ainda mais alto. — Você é tão bom nisso, seu
gostoso!
Marcus morde minha mão e eu prendo minha respiração.
— Sua...
Dou uma tapa no seu rosto, fazendo-o jogar a cabeça para o lado e
bater a face na madeira.
— O que está acontecendo aí dentro? — O segurança bate na porta.
— Abra a porta agora.
Marcus me empurra contra a porta e dá um soco em meu rosto, o que
me faz sentir gosto de sangue. A faca que ainda está em minha mão é cravada
no peito dele.
— Não está acontecendo nada — digo enquanto piso no pé de
Graham e o faço se sentar. — Eu vou te matar seu desgraçado.
Ele tenta me afastar mais giro a lâmina no peito dele e o mesmo solta
um grito alto.
— Eu vou arrombar essa porta — ouço o segurança dar passos para
trás.
— Nos vemos no inferno — dou uma piscadela para Graham e em um
movimento rápido, quebro o pescoço dele.
Antes que o brutamonte do outro lado destroce a porta e acabe me
atingindo a abro e rapidamente pulo em cima dele, tentando dar-lhe uma
chave de braço. Ele era bem mais alto e forte do que eu, portanto foi fácil
para ele nos girar e me jogar contra o espelho em cima da pia.
Os estilhaços me atingem e sinto a minha pele das costas se rasgarem.
Apoio-me nos meus braços e vejo o momento quando o filho da mãe se
aproxima. Mexo-me rápido e dou um chute no abdome dele, o fazendo
cambalear para trás. Pego minha segunda faca e avanço em sua direção.
Tento penetrar a faca no seu ombro, mas o mesmo desvia e dá um soco na
lateral do meu corpo, me fazendo vacilar por um segundo. Olho para o vaso
de decoração em cima de um dos lados do lavabo, o pego e jogo na cabeça do
brutamonte.
Ele tenta desviar, mas o vaso o atinge. Aproveito dou um chute nele e
acerto no seu rosto. Quando ele tenta me atingir vou para trás dele e pulo em
suas costas, dando um mata-leão. Ele anda para trás fazendo minhas costas já
machucadas atingirem a parede e me faz soltar grunhidos de dor.
Aguento firme e continuo com os braços ao redor do seu pescoço e
ele nos jogando na parede. Se ele não desmaiasse em poucos segundos eu não
aguentaria mais as pancadas na parede.
Abraço a cintura dele com as minhas pernas e ao ver que ele não iria
desmaiar mordo o pescoço, fazendo o sangue escorrer. Ele solta um grito e
rapidamente me tira das suas costas e me joga contra um dos reservados e
avança. Tiro minhas sandálias e com o salto atinjo sua coxa, envolvo sua
cintura e o jogo para o chão com todo meu peso. Mantenho-me sobre ele e
dou sequências de socos e recebo outros, mas via que o homem não
aguentaria por muito mais tempo.
Seguro a cabeça dele, bato-a no chão por duas vezes e o vejo ficar
desacordado. Bato no rosto dele para ter a garantia que o mesmo não iria
acordar. Respiro com agitação e sentindo-me fraca me levanto, vou até a
minha bolsa que tinha caído e pego a arma que estava ali dentro. Coloco o
silenciador e pelo reflexo do vidro quebrado vejo a porta do banheiro ser
aberta, antes que o homem tenha tempo de mirar algum revólver em minha
direção, miro minha arma para ele e disparo em seu peito algumas vezes.
Aproximo-me do reservado onde se encontra Marcus Graham morto e
pego minha faca que estava cravada em seu peito, com os olhos procuro a
outra e ao achá-la pego-a também, coloco tudo dentro da bolsa.
Sinto minhas pernas fraquejarem, mas forço-me a sair desse lugar que
cheira a morte. O corredor estava silencioso e aproveito para distanciar ainda
mais.
— Moça? — Paro ao ouvir a voz vir atrás de mim.
Seguro com força a arma em minha mão e me preparo para atirar se
for necessário. Respiro fundo e viro o rosto. Olhos azuis me fitam com
espanto.
— Milena?
Franzo o rosto e continuo a olhá-lo.
— Desculpe, acho que você está me confundindo — digo dando
passos para trás.
Nesse momento ele me olhou por inteiro e viu meu estado, a arma em
minha mão, depois ele olhou para o banheiro e viu os dois corpos expostos.
— Fique parada — ele deu passos em minha direção. — Vamos
conversar, Milena.
— Não sou essa pessoa — digo olhando para os lados, tentando
encontrar alguma forma de escapar.
— Você...
— Fique aí — aponto a arma na direção dele. — Não dê mais nenhum
passo.
— Lena...
Por que ele estava sendo carinhoso e não tentava me impedir?
— Se der mais um passo eu atiro — mesmo me sentindo fraca,
caminho rápido. — Fique longe.
Viro e começo a correr pelo corredor.
— Milena, espera.
Milena.
Milena.
Milena.
Entro na primeira porta que vejo em minha frente e olho para a janela,
me aproximo dela e vejo que era muito alto para pular. O que eu iria fazer?
Esse plano tinha tudo para dar certo, porque não estava dando?
MERDA!
Calma, é só ter calma.
Ouço barulho de passos vindo pelo corredor e ando até uma porta e
vejo que dava para um escritório, entro e tranco a porta. Vou até outra e
encontro um banheiro. Verifico todo lugar e encontro o tubo de ventilação.
Esse era o único jeito.
Deixo minha bolsa em cima do lavabo, subo em cima do vaso e puxo
a tampa do tubo de ventilação. O lugar era estreito, mas a minha sorte era que
eu não era tão alta e tinha um porte físico bom. Ouço o barulho de porta se
abrindo e vozes altas, me fazendo pegar rapidamente minha bolsa, entrar
dentro do tubo e fechá-lo rapidamente.
— Ela tem que estar aqui — olho pelas frestas e vejo um homem alto
e rosto conhecido.
Enzo Sartori.
Franzo o rosto e me pergunto o porquê dele estar atrás de mim. Logo
atrás dele vejo o mesmo homem que tinha visto no corredor me chamado de
Milena.
— Você tem certeza do que viu? — Sartori vira para o homem e o
fita.
— Eu sei o que vi Enzo — ele diz em um suspiro. — Era ela, só que
está com cabelos loiros.
— Loira — Sartori passa a mão pelo cabelo. — Como isso pode estar
acontecendo?
— Também quero saber.
— Se for ela mesma, por que fez aquilo tudo?
— Eu não sei.
Enzo deu passos para os lados e o vi se aproximar de onde estou.
Miro minha arma para frente, pronta para ser pega, mas ele vira de costas
para mim e diz.
— Eu quero que reúna os melhores homens, Aronne.
Aronne.
Esse nome era conhecido. Um sussurro veio em minha cabeça, me
puxando para longe e me mostrando uma imagem.
“— Eu estarei sempre ao seu lado — sussurrou contra meus cabelos.
— Vamos ficar juntos.
— Isso é impossível.
— Nada é impossível para nós — sua boca está na minha. — Eu te
amo.”
Sinto-me sufocar dentro do tubo e ao olhar para as frestas vejo que
não tinha mais ninguém ali. Atordoada, rastejo até encontrar um cômodo
vazio e desço. Verifico o lugar e vejo que era outro escritório. Caminho até a
porta e verifico o corredor. Ando aos tropeços até a saída de emergência e
desço as escadas até a garagem.
Sentindo que poderia desmaiar a qualquer momento, procuro
desorientada por minhas chaves e me guio até o carro.
— Levante as mãos!
Hoje não era meu dia de sorte. Apoio-me no carro e olho sobre o
ombro.
— Mandei levantar as mãos — o homem diz mais uma vez.
— Se eu não quiser levantar, vai fazer o quê? — O desafio.
Era o mesmo homem do corredor, do banheiro.
— Milena...
— Para de me chamar da porra desse nome! — Rosno enquanto
acionava o alarme do carro.
Ele corre na minha direção e rapidamente entro no carro e coloco a
chave na ignição. O carro liga e é no momento que ele para ao lado do carro e
bate as mãos no vidro.
— Abra a porra da porta — ele puxa uma arma e aponta na minha
direção.
Aponto minha arma na sua direção e puxo a trava. Seu olhar era de
confusão e fúria. Eu não sabia o que fazer, mas algo dentro da minha cabeça
gritava pedindo que eu saísse desse lugar.
— MILENAAA!
PARA DE ME CHAMAR DESSE NOME!!! — Quis berrar mais
uma vez.
Piso no acelerador e avanço. Ouço um tiro e o mesmo atinge o
retrovisor, outro foi dado, mas eu já estava longe. O carro derrapa quando
saio da garagem do hotel e me misturo no mar de veículos. Sinto minha
cabeça explodir e o nome que ele dizia rondando em minha cabeça.
Eu não sou a moça que ele chama. Eu não sou ninguém. Sou somente
Natalie Koslov.
Natalie que sobreviveu ao inferno.
Não sou Milena.
Eu não sou ela.
Natalie, essa sou eu.
NATALIE

Deixo minhas coisas caírem no momento que entro no apartamento e


ligo as luzes. Sigo para o banheiro e quando tudo fica claro viro de costas
para o espelho, vendo o estrago que estava ali. Tinha alguns cacos de vidros
na minha pele e cortes pelos quais escorria sangue. Meu rosto está inchado
pelos socos que levei e meu corpo também dói.
Lentamente tiro a peça de roupa junto com a calcinha. Procuro pelo
kit de primeiro socorros e jogo a maletinha em cima do balcão. Recosto-me
no granito e com certa dificuldade consigo tirar alguns cacos, ao menos os
que eram alcançáveis. Ao terminar vou até a banheira e ligo o registro,
colocando na água quente.
Vou até a cozinha, pego uma garrafa de vinho e meu celular. Volto
para o quarto e ligo para Andrey. Após três toques, ouço sua voz:
— Natalie?
— Quem é Enzo Sartori? — Pergunto sem rodeio.
Aquele homem rondava minha cabeça e eu não conseguia parar de
pensar no que ele queria comigo. Andrey se mantem calado por alguns
instantes e o ouço respirar com força.
— Onde você ouviu esse nome?
— Só responda a porra da minha pergunta — digo sem paciência e
com dor.
— Ele é o chefe da Máfia Cosa Nostra — diz por fim. — Agora me
diga o porquê de perguntar sobre ele.
Abro o vinho e dou longos goles, desejando que essa droga possa
entorpecer toda a dor que estou sentindo.
— Ele está atrás de mim.
— O que aconteceu?
Aproximo-me da banheira e entro na água quente, sentindo meus
cortes arderem e prendo um rosnado.
— Meu plano saiu do controle e tive que matar dois seguranças.
— E Graham?
— Ele está morto — tento relaxar e encosto minha cabeça na borda da
banheira. — Mas quando estava indo embora encontrei alguém.
— Quem?
— Um homem — digo evasiva, lembrando que não poderia contar
tudo para Andrey, não sabia até onde poderia confiar nele. — E depois disso
vi Enzo Sartori.
— Merda! — Ouço barulho vindo do outro lado da linha. — Natalie
você tem que sair dos Estados Unidos o mais rápido possível.
— Por quê?
— Natalie faça o que estou mandando.
— Não antes de você me dizer o motivo.
Andrey não diz nada pelos próximos segundos, a linha fica muda e até
acho que ele desligou, mas ouço a voz dele.
— Enzo Sartori é seu irmão, ele a largou para morrer — diz sério.
Sinto minha respiração ficar suspensa e minhas mãos tremerem de
repente.
— Ele a largou na Itália há sete anos, a vendeu para contrabandistas.
Contrabandistas. Vendida. Largada.
Eu tinha um irmão, eu era... Respire — digo para mim mesma.
— Eu tenho uma família? — Pergunto com a voz rouca.
— Sim — disse ele. — Mas essa família a deixou para morrer.
Fito o nada a minha frente e sinto a confusão em minha cabeça só
aumentar. Nada disso fazia sentindo. Nada que Andrey falava parecia
coerente para mim. Não sentia que o quebra cabeça da minha vida estava
sendo montando. Ainda há o vazio em minha cabeça.
— Natalie?
— Eu preciso de respostas.
— Estou lhe dando essas respostas.
— Por que ele fez isso?
— Eu não sei querida — suspirou. — Você precisa vir para Rússia.
— Não posso.
— Natalie...
— Se ele fez tudo isso comigo, se me deixou para morrer, eu o farei
sofrer por cada dia que sofri naquele lugar imundo — rosno sentindo a raiva
pulsar em minhas veias. — Não posso deixá-lo impune.
Andrey não diz nada.
— Só voltarei para Rússia quando eu fizer todos sangrarem.
Não espero ele dizer nada e desligo. Se esse Enzo Sartori me deixou
para morrer e me fez sofrer por todos esses anos, eu o faria sofrer mil fez
pior.
Mas Ivo disse que Andrey que ordenava as suas torturas — meus
pensamentos cochicham.
Andrey teria seu momento de se justificar por isso. Mas agora eu
precisava saber sobre Enzo Sartori e saber quem ele é realmente e como
poderia atacá-lo.

ARONNE

Ela está viva.


A minha Milena está viva.
Confesso que no momento que a vi em minha frente naquele corredor
pude jurar que fosse uma visão. Um anjo de cabelos loiros quase brancos.
Mas ao ver o estado dela toda machucada e com uma arma em mãos, soube
que ela estava mais para justiceira do que anjo. Eu vi confusão em seu rosto
quando a chamei pelo nome, era como se ela não reconhecesse o próprio
nome. Ela fugiu de mim e eu deixei, mas uma vez a deixei escapar das
minhas mãos.
Pela segunda vez.
Suspiro e olho concentrado nas filmagens do hotel. Vi o momento que
ela apareceu pelo corredor e falou alguma coisa com os dois seguranças, um
deles estava morto e outro estava internado com fratura nas costelas e
concussões na cabeça.
Que merda Milena tinha virado?
Ela não parecia nada com a mulher que um dia conheci. Seus olhos
azuis pareciam vazios. Milena não parecia ela mesma, vi isso no momento
que estava parada no carro e me olhou com raiva e gritou para não chamá-la
pelo nome. Repasso toda filmagem da câmera e não consigo parar de olhar
para a imagem dela. Foram sete anos, sete malditos anos que acreditei que a
minha garota estava morta, que nunca mais a veria em minha frente.
— Encontrou alguma coisa? — Enzo parou na minha frente.
— Nada — balanço a cabeça. — Somente a hora que ela entrou no
banheiro e depois saiu.
— Deixe-me ver — ele se sentou ao meu lado e reproduzi o vídeo
mais uma vez.
Enzo ficou concentrado no vídeo e vi sua expressão mudar quando
Milena aparece toda machucada e quando a abordei.
— Por que ela não me procurou? — Disse ele baixo, parecendo falar
consigo mesmo. — Eu sou o irmão dela, por que não veio atrás de mim?
Ele se virou para mim e parecia confuso. Eu entendia tudo que ele
poderia estar sentindo ou pensando.
— Algo me diz que Milena não é a mesma — suspiro.
— Como assim?
— Eu não sei, mas...
Paro e balanço a cabeça, também sem entender nada. Ela parecia
diferente, na verdade estava diferente. O rosto de menina não existia mais e
sim de uma mulher. Sua expressão séria e madura estava presente nela, além
do corpo esguio, mesmo lembrando o de anos atrás, mas tudo estava
diferente. E aqueles cabelos antes escuros, agora claros e bonitos. Uma vez
ela tinha dito que nunca pensara em pintar os cabelos nem tinha vontade de
fazer isso. Vê-la na minha frente com os longos cabelos pintados de loiros me
deixou estupefato e me pergunto o que mais ela mudou.
NATALIE

Estava sentada na frente das grandes janelas, enquanto via mais um


dia amanhecer a minha frente. Não lembrava qual foi á última vez que
consegui fechar os olhos por mais de uma hora. Desde minha fuga do hotel
onde tirei a vida de Marcus Graham e um segurança, eu não consigo dormir
bem. Desde então, já se passaram três dias.
Meus ferimentos das costas estavam se curando e cicatrizando. E
também não falei mais com Andrey desde a nossa última conversa, onde ele
me revelou que o Capo da Cosa Nostra era meu irmão. Ainda não conseguia
acreditar que havia alguém do meu sangue por aí e que o mesmo havia me
deixado para morrer.
Fecho os olhos e sinto que nada que imaginei para a minha vida foi
real, que tinha alguém nesse mundo que poderia me amar e estar atrás de
mim. Isso não era real. Eu só tinha alguém que havia me deixado para trás,
somente isso.
E aquela lembrança? — Minha mente questiona.
Ainda não consegui decifrar o que tinha acontecido comigo dentro do
tubo de ventilação. Não sabia o que tinha sido aquela lembrança. Talvez
fosse minha mente tentando plantar uma armadilha em minha cabeça,
querendo me fazer acreditar em coisas que não existiam.
Eu não sabia quem era aquele Aronne, mas a sensação que senti ao
ouvir o seu nome foi estranha. Era como se tivesse tido um déjà vu e que já
tivesse visto-o em algum lugar, a sensação que me dominou quando ouvi
aquele nome foi arrebatadora.
Consegui visualizar o desespero dele quando entrei no carro e dei
partida, era como se eu fosse somente uma miragem para ele. Seus olhos
azuis...
Era como se estivesse sentindo-os recaindo pelo meu corpo, braços
me segurando firme e seu cheiro impregnando meus sentidos.
Que merda é essa Natalie? — Brigo comigo mesma.
Eu não sei quem ele é e não devo imaginar coisas com ele. Aronne é
meu inimigo, tentou me impedir quando fugi, além de ser alguma coisa de
Sartori, sendo assim também estava na minha lista de inimigos. Talvez ele
tenha ajudado Sartori a se livrar de mim, ter me vendido.
Não sei em quem confiar — digo para mim mesma.
Andrey era alguém que eu não poderia confiar completamente. Ele
tinha escondido de mim que era a pessoa ordenadora de minhas torturas e eu
não sabia ao certo o que fazer com ele, mas primeiro teria que me vingar dos
Sartori para depois ir atrás de Andrey e saber de tudo que ele ainda esconde
de mim.
Me levanto com um pouco de dificuldade e sinto minhas costas
doerem. Eu tinha uma ótima recuperação, mas devido ao meu “não” descanso
tudo estava se tornando muito lento. Ignoro toda a dor que sinto e vou até
meu notebook, para começar a pesquisar mais sobre Enzo Sartori e a sua
máfia. Precisava saber sobre tudo dele, os pontos fortes e fracos.
No entanto essa ideia some da minha mente quando ouço a
campainha. Travo no lugar e rapidamente percorro a sala a procura da minha
arma, ao encontrá-la pego-a e ando até a porta, coloco o cano do revólver na
madeira e fico na ponta dos pés para olhar pelo olho mágico quem era.
— O que você está fazendo aqui? — Pergunto ao abrir a porta.
Ele olha para o revólver em minha mão e depois para o meu rosto que
não está uma das melhores imagens nesses dias.
— Posso entrar?
Abro espaço para ele passar e depois fecho a porta, virando para ele.
— Você ainda não respondeu minha pergunta.
Deixo a arma na mesinha e adentro em minha sala, fechando o
notebook e pondo algumas almofadas em cima do sofá.
— Vim ver como você está.
— Poderia ter mandado uma mensagem ou ligado — digo resignada.
— Não era necessário atravessar o país para me ver.
Ivo para na minha frente e segura meu rosto entre suas mãos mornas.
Respiro fundo e tento pensar em como mandá-lo embora. Eu não esperava
por sua visita, Andrey não tinha me dito nada. A verdade era que fazia três
dias que estava incomunicável e isso provavelmente tenha deixado Romonov
preocupado.
— Não seja assim — disse ele com o tom sussurrado.
Fito o mar azul dos seus olhos e sinto-me suar com toda a sua
proximidade. Era como se cada incerteza que passa em minha cabeça poderia
ser adormecida e Ivo parecia ter o poder de fazer isso. Ele já havia feito isso
antes.
— Por favor — fecho os olhos, suspirando.
Eu não queria esquecer, não queria usar Ivo como fiz por diversas
vezes. Sentia algo dentro de mim pedindo que eu o afastasse e o colocasse o
mais longe possível de mim. Talvez ele que não fosse o lado tóxico do nosso
estranho relacionamento, eu poderia ser a destruição que espreita na
escuridão.
— O que você quer Natalie? — Seu tom sereno me fazia querer
abraçá-lo e pedir que me fizesse esquecer.
Não!
— Eu não sei — digo confusa.
Nada parecia certo. Ter Ivo aqui não era certo. Isso iria confundi-lo e
fazê-lo achar que poderíamos voltar. Isso não seria honroso da minha parte.
Não daria esperança para ele. Não mais.
— Olhe para mim.
Ivo segura meu queixo me fazendo olhá-lo e tudo que eu via nele era
esperança de reatar algo que não tinha possibilidade de dar certo. Balanço a
cabeça e suspiro.
— Estou confusa e cansada, Ivo — a distância iria me fazer
reorganizar a bagunça que eram meus pensamentos. — Não durmo direito há
três dias e a minha recuperação não está sendo uma das melhores.
Ele dá um passo para frente.
— Eu posso cuidar de você — sugeriu.
— Não posso aceitar — mordo meu lábio. — Na verdade, acho
melhor você voltar para Rússia, aqui em Nova York não é seguro.
— Nenhum lugar do mundo é seguro — ele põe as mãos em meu
ombro. — Mas eu prefiro arriscar minha vida por você, para saber que você
está bem e viva.
Ele e as suas declarações.
Fecho os olhos e tento imaginar em que merda estava me metendo. Eu
estava transando com Andrey e não poderia fazer a mesma coisa com Ivo. Eu
não poderia arriscar todo meu plano por ele. Eu precisava saber sobre minha
vida e sentia que estava quase chegando onde queria. Ivo não poderia me
atrapalhar, não poderia me confundir.
— Preciso que vá embora — isso era a melhor opção que eu poderia
fazer, por ele e por mim.
— Mas eu quero ficar — disse determinado.
— E eu quero que você saia.
A confusão dominou completamente sua fisionomia e sabia que ele
mais uma vez não aceitaria bem aquilo. Mas eu não iria pôr tudo a perder por
ele. Não iria.
— Mais uma vez você está me deixando.
Tiro as mãos dele sobre mim e recobro todo meu controle.
— Você que veio atrás de mim Ivo, você que se colocou nessa
situação — digo seca. — Então pelo menos uma vez na sua vida não se
humilhe por atenção.
Sabia que estava jogando baixo, que não deveria fazer isso, mas era
necessário. Tinha que fazê-lo ver que eu não o queria, somente sentia nojo
por ele.
Ivo ficou estático por alguns segundos e vi tudo nele ficar frio como
na Rússia. Eu tinha conseguido fazê-lo se mostrar como quem realmente era.
— Me humilhar? — Levantou as sobrancelhas. — Quem se humilha
por atenção é você, Natalie — cuspiu as palavras.
— Saia agora — fecho minhas mãos em punhos.
— Não gosta de ouvir a verdade, Natalie?
“— Você precisa saber escutar a verdade — a voz potente dele diz”.
Franzo o rosto e sinto meu coração bater freneticamente contra meu
peito, era como se já tivesse escutado o que Ivo disse, mas por outra pessoa.
— Você esqueceu-se de como rastejava atrás de mim? — Suas
palavras me tiraram do transe. — De como se humilhava para me ter?
Não consigo controlar meus instintos e dou um soco eu seu rosto, em
seguida o empurro e bato novamente nele, mas desta vez ele não recebe
calado e faz um movimento para revidar. Desvio do seu punho fechado e
também golpeio. Ivo segura minha mão e a aperta, me fazendo grunhir, chuto
a lateral do seu corpo, acertando suas costelas. Ivo me solta, aproveito e dou
socos em seu peito, rosto e costelas.
— Filho da puta — vocifero o atacando.
Ivo tentou desviar, mas via-o desorientado, ele não era acostumado
em treinar e eram raras as vezes que o via no estádio de treinamento, então
não era difícil machucá-lo. Meu lado sádico gosta de feri-lo e mostrar que eu
não era o lado fraco daquela situação.
Levanto a perna para chutá-lo, mas meu movimento não é executado
com perfeição, ele segurou-a e rapidamente me lançou contra o sofá que
virou com o impacto, nos levando ao chão. Sinto minhas costas reclamarem,
mas não me importo com a dor. Me levanto e pulo em cima dele que me
segura e bate minhas costas na parede de vidro. Grito e dou uma cotovelada
em seu rosto e mordo seu ombro por cima da camisa.
— Desgraçada — segura minha cabeça e a bate contra o vidro.
Fico zonza, sinto o impacto novamente e minha visão fica turva.
— “Eu te odeio!” — A voz grita em minha cabeça.
— “Eu não me importo” — a voz calma ressoou.
Ivo permanece segurando minha cabeça e sabia que ele a jogaria
novamente no vidro. Bato minhas mãos em seu rosto e ponho os polegares
em seus olhos e isso o faz me soltar. Ele tenta sair do meu ataque, mas
continuo presa no seu corpo.
— Me solta! — Nos balança. — Natalie!
Com agilidade o solto, pego rapidamente minha arma na mesinha e a
aponto na direção dele.
— Vá embora e não volte mais! — Digo ainda me sentindo tonta
pelas pancadas.
Com dificuldade ele me fita com os olhos vermelhos.
— Não me ameace — faz menção de andar em minha direção.
Destravo o revólver e miro em sua cabeça.
— Dê mais um passo e explodo seus miolos — rosno. — Saia agora
ou seu pai receberá seu corpo dentro de um caixão.
Ivo deu passos para trás, sem desviar sua atenção de mim.
— Bom garoto — falo com sarcasmo.
— Isso não vai ficar assim — ameaça.
Assim que ele atravessa a porta, a fecho no seu rosto e tranco. Ainda
fico parada na frente da porta, mirando a arma para ela. Não sei quanto tempo
fico nessa posição, assim que vejo a sala ser banhada pela noite, atento-me
percebendo que tinha passado algum tempo ali. Relaxo um pouco e respiro
fundo.
Meu corpo pede por descanso e sinto como se a pele das minhas
costas, estivessem abertas. Provavelmente meus ferimentos se abriram. Passo
pela bagunça que se encontra a sala e vou direto para o banheiro, ligando a
luz, tiro minha camiseta, vendo o real estado das costas. Tem alguns filetes
de sangue deslizando pelos ferimentos.
Fecho os olhos e respiro fundo. Tinha perdido o controle e precisava
recuperá-lo. Ivo era um desgraçado escroto que conseguia apertar os botões
certos e me fazer enlouquecer.
— Tenha calma — digo para mim mesma.
Teria que ficar esperta com ele, sabia muito bem o que Ivo era capaz
de fazer. Me arrastei até a cama, tentando compreender o que tinha
acontecido comigo durante a briga que tive com Ivo. O que tinha sido aquelas
lembranças? Ou seria algo da minha cabeça? Não sei o que pensar, tudo
parece tão confuso.
ARONNE

Desde o primeiro momento que vi Milena na minha frente, senti que


algo estava errado e essa intuição estava certa. Enzo tinha contratado a
melhor equipe de investigação e com isso conseguimos descobrir como os
russos pegaram-na, algo que anos atrás não conseguimos, porque com toda
certeza Gambino tinha conseguido intervir sobre as investigações enquanto
estava vivo e também não procuramos muito mais depois que ele morreu e
demos por encerradas as buscas por Milena.
Os informantes de Enzo conseguiram alguns relatórios onde mostram
algumas ligações de Piero para Romonov, chefe da Bratva, e alguns e-mails
dizia onde encontrá-la no dia do seu sequestro. Também ficamos sabendo que
Gambino havia relatado várias outras coisas para a Bratva durante vários
meses, antes e algumas semanas depois do desaparecimento de Milena. Piero
tinha ajudado a Bratva a roubar algumas das nossas cargas sempre tendo
algum benefício.
Se aquele filho da puta não estivesse morto, com toda certeza eu o
mataria com as minhas próprias mãos e não teria somente participado como
fiz anos atrás quando Enzo o matou friamente, eu teria feito tudo sozinho e
tido minha própria vingança.
Mesmo tendo essas informações que ajudava a preencher algumas
lacunas, ainda existem outras entreabertas que me fazem querer descobrir as
respostas. Piero poderia ter ajudado e dado ás coordenadas de onde Milena
estaria, mas ela estava sob minha proteção e eu falhei miseravelmente em
protegê-la do perigo. Cada vez que penso no que aconteceu naquele dia sinto
a culpa me assombrar ainda mais forte e minha consciência dizer que eu
poderia ter evitado tudo aquilo.
Se não tivéssemos brigado.
Eu poderia ter feito-a ficar no hotel.
Tantas possibilidades passaram em minha cabeça. Tantas formas de
poder ter evitado aquele ataque. Por muito tempo me martirizei pelo
desaparecimento dela e senti meu mundo ficar sem sentido quando Enzo
declarou a morte de Milena, mas tive que me manter firme pela Hope, ela
precisava de mim mais do que tudo. E com isso me concentrei
completamente nela durante esses anos e ela é tudo para mim.
Respiro fundo apoiando minha cabeça nas mãos e tento entender o
que todos esses papéis diziam. Não consigo compreender como isso é
possível. Pelo que estava escrito parecia que a Bratva faz experimentos
secretos em pessoas e que a maioria das que foram cobaias não conseguiram
resistir e acabaram morrendo com as drogas que foram injetadas na corrente
sanguínea. Diziam que quem sobrevivia não conseguia continuar lúcido por
causa das torturas que sofriam junto com as drogas que eram injetadas e uma
das consequências de sobreviver era perda da racionalidade ou ter perda de
memória.
Tudo que acabo de ler está me deixando com os cabelos em pé. Sei
que nenhuma facção criminosa é boa e que todas elas têm a sua porcentagem
de crueldade, mas o que a Bratva faz ou fazia é desumano e está muito acima
da barbaridade. Não sei ao certo como posso absorver tudo isso.
Pensar que Milena pode ter sido uma dessas cobaias faz-me desejar a
morte ao pensar nela indefesa e vulnerável para o que aquelas pessoas
fizeram o que quisesse com ela. Ainda consigo visualizar Enzo transtornado
ao ler sobre os experimentos e as porcentagens de erros sobre isso, e a
quantidade de mortes que houve. Ele destruiu seu escritório e somente Ayla
que conseguiu pará-lo e fazê-lo se acalmar.
Os dois passaram horas dentro do cômodo e quando saíram ele estava
mais contido e disse que eu poderia ficar responsável para encontrar alguma
pista de onde Milena poderia estar neste momento e é isso que estou fazendo
incansavelmente.
Eu sabia muito bem o que Sartori sentia ao saber que a própria irmã,
provavelmente, tinha passado por tudo aquilo ou coisa pior. Em minha
cabeça prefiro acreditar que nada disso aconteceu, mas se eu fechar os olhos,
consigo visualizar a confusão nos olhos de Milena, de como ela parecia
perdida.
“— Eu te amo tanto — sussurrou enquanto a embalava em meus
braços. Parecia tão errado, mas tão certo ao mesmo tempo.
— Meu amor por você não é medido e sou incapaz de demonstrá-lo
com palavras. — Vejo seus lindos olhos brilharem e ali consegui visualizar a
garota que ela era, mas que se mantinha escondida por debaixo da armadura
petulante e mimada.
Seu rosto sem maquiagem estava corado e um sorriso tímido
preencheu seu rosto.
— Isso foi fofo.”
Ainda consigo sentir seu toque no rosto, de como ela era carinhosa e
gentil nos nossos momentos íntimos.
Lembranças.
Por muito tempo vivi nelas e me agarrei em cada uma, dizendo para
mim mesmo que ela estava bem e que logo voltaria para mim. E ela voltou,
depois de sete anos senti meu peito bater fortemente e me senti vivo como há
muito não sentia. Ela voltou para mim.
— Querido — abro os olhos e fixo minha atenção na figura feminina
parada na porta.
— Sim?
— Você está há horas trancado aqui e nem apareceu para o jantar —
seu tom sereno combinava com seu jeito delicado. — A Hope perguntou por
você.
Merda.
Tinha esquecido que sempre estava presente no jantar e prezava por
isso.
— Desculpe — digo em um suspiro.
— Sem problema.
Ela dá passos delicados em minha direção e como sempre faz se
sentou em meu colo e abraçou meu pescoço.
— Você parece cansado.
Não a seguro como de costume, sinto que se eu fizer isso estarei
traindo minhas lembranças e o que prometi com minha própria vida, e essa
sensação não é nada agradável.
— Estou um pouco.
Kate olha para cima da mesa e vê os papéis espalhados.
— É melhor você descansar um pouco.
— Não posso.
— Claro que pode e deve — me fita com firmeza. — Talvez você
pegue a Hope acordada.
Imaginá-la acordada me dá ânimo para sair deste escritório e olhá-la
antes de dormir. Com esse pensamento deixo Kate me levantar e antes de sair
do cômodo, olho para os papéis onde mostravam que Milena estava viva e a
imagem dela não tinha sido fruto dos meus pensamentos.

NATALIE

Ponho minhas mãos dentro dos bolsos do casaco e olho com atenção
ao meu redor. Sei que estou me pondo em risco em estar tão exposta, mas era
necessário, precisava adentrar no sistema da empresa Sartori e descobrir
ainda mais sobre Enzo Sartori e o que ele fazia. Sabia que ele era um mafioso
e mantinha um disfarce com a imagem de empresário e bom moço perante a
sociedade, mas por trás disso tinha um homem frio e calculista que não mede
esforços para conseguir o que quer. Foi tão fácil conseguir se livrar de mim.
O que mais ele seria capaz de fazer? Entro na cafeteria e rapidamente
encontro quem procurava. Caminho vagarosamente e sorrio ao parar na frente
da mesa.
— Será que posso me sentar?
O homem que estava de cabeça baixa digitando freneticamente no seu
computador me olha com a expressão assustada e o vejo ficar pálido.
— É... é… eu não sei… — Gaguejou e o vi puxar a gola da camisa.
Sorrio ainda mais e mordo meu lábio inferior.
— Por favor, não quero ficar sozinha — toco nas mechas da minha
peruca ruiva.
Ele olhou a nossa volta e depois volta a me fitar.
— Sinta-se à vontade — ele olha para a tela do seu aparelho. —
Estava trabalhando.
Me sento de frente para ele e ponho minha bolsa de lado. Tiro minhas
luvas e casaco.
— Não tem problema, pode continuar trabalhando, eu só não queria
ficar sozinha — dou de ombro.
Ele parecia meio indeciso se voltava a digitar ou me olhava, por fim
fechou a tela do seu notebook e encostou-se na cadeira.
— Desculpe por atrapalhá-lo — murmuro sem graça. — Não tive um
dia bom, meu namorado terminou comigo.
— Eu...eu sinto muito.
— Não sinta, ele era um babaca — balanço a cabeça. — Talvez fosse
melhor assim, cada um para um lado.
O homem mexe em sua xícara e toma um gole.
— Você o amava?
— Não diria que sim, mas gostava muito dele — suspiro. — E você
tem alguma namorada ou ex?
— Não tenho tempo para namorar — deu um sorriso tímido.
— Sério? — Ele balança a cabeça assentindo. — Deve ser bem chato
não ter ninguém ao seu lado.
— Às vezes é, mas o meu trabalho toma meu tempo todo, então é
melhor não ter ninguém.
— No que você trabalha?
Ele parece incerto se deveria me responder ou não.
— Desculpe, sou muito curiosa, não deveria enchê-lo de perguntas,
você já foi legal por me deixar sentar aqui.
— Tudo bem — sorri. — Eu trabalho nas empresas Sartori.
Arqueio minhas sobrancelhas e faço a minha melhor cara de surpresa.
Eu sabia muito bem quem era ele e o que fazia, mas eu precisava de um
disfarce e me passar por uma pobre coitada que tinha acabado de levar um pé
na bunda era a melhor forma de chegar perto dele e pelo visto tinha
funcionado.
— Deve ser bem legal trabalhar nessa empresa.
— Eu amo meu trabalho, mas não é fácil trabalhar nos servidores da
empresa, sempre tenho que estar atualizando os sistemas e ficar de olho se
alguém de má índole tentar invadir o sistema.
— E alguém já tentou invadir o sistema?
— Sim, nessa semana já foram três vezes — respondeu com um
sorriso. — Mas pobres coitados dessas pessoas, não sabem que a cada três
horas mudam as senhas e os algoritmos para não existir nenhuma falha no
sistema.
Filho da mãe.
Eu havia tentado por três vezes entrar no sistema da empresa e nessas
três não consegui, agora já sei o motivo. Para não me demonstrar tão
interessada no que ele faz, chamo um garçom e peço um chá e bolinho.
— Isso deve dar muito trabalho — seguro o guardanapo e o enrolo
entre meus dedos.
— Você nem imagina, mas gosto do que faço.
Me endireitei na cadeira e estendo minha mão na sua direção. Ele me
olha sem entender.
— Não nos apresentamos — sorrio. — Você está falando sobre seu
trabalho e não falamos dos nossos nomes.
— Ah claro.
— Sou Natalie e você?
— Cássio.
— É um prazer conhecê-lo, Cássio.
Ele aperta minha mão e sorri. Cassio Hand seria minha chave para
entrar na empresa de Sartori e finalmente poder descobrir o motivo dele
querer matar a própria irmã e iria fazê-lo pagar por tudo que me fez sofrer,
todos os anos de tortura que passei e as noites em claro que fiquei
imaginando quando a hora da minha morte iria chegar.
NATALIE

O barulho do celular me faz olhar para o mesmo e fazer uma careta ao


ver o nome na tela. Não iria atender, nesse momento ou em qualquer outro,
não estava preparada para ouvir a voz dele e seus questionamentos por eu não
ter voltado para Rússia.
— Está tudo bem? — Tiro minha atenção do celular e olho para o
homem à minha frente.
— Sim está — sorrio.
Cássio deposita um prato com uma fatia de pudim e estende a colher
na minha direção. Sorrio com seu jeito simples e aceito o talher, pegando um
pedaço da sobremesa e sentindo o gosto bom explodir na boca.
— Gostou? — Me olha ansioso.
— Isso é muito bom.
Ele pega a colher e prova também. Eu ainda estava o conhecendo,
mas em poucos dias já tinha visto que por trás daquela timidez que carrega
existe um homem legal e divertido, que tenta a todo custo arrancar um sorriso
meu e confesso que na maioria das vezes conseguia.
Entretanto, em todos os momentos que me via relaxada ao seu lado e
me divertia, lembrava também do meu propósito, do porquê de ter me
aproximado dele. Eu não poderia gostar dele e me permitir sonhar ter uma
vida normal ao lado de um homem como Cássio.
Saio do meu devaneio com o celular tocando mais uma vez. Suspiro e
verifico a chamada, vendo que Andrey não desistiria de falar comigo.
— Ele está ligando novamente?
Eu havia criado uma mentira sobre a persistência de Andrey nos
últimos dias, tinha dito que ele era meu pai e que estava me pressionando
para voltar para Rússia, onde ele tinha uma empresa, queria que eu voltasse e
tomasse conta de alguns serviços. Mas, pensando por um lado eu não estava
mentindo em tudo, Andrey queria mesmo que eu voltasse e queria que eu
fizesse outros serviços, também queria que eu deixasse Enzo Sartori para trás
e seguisse com a minha vida. Eu não iria fazer isso, eu precisava saber sobre
tudo, sobre como era minha vida, de como as pessoas me viam e o porquê
dele querer me matar.
— Sim — recuso a chamada novamente. — Em algum momento ele
irá desistir.
— E você terá que atendê-lo.
Pego mais um pouco da sobremesa e gemo enquanto como.
— Devo ser muito chata mesmo — resmungo. — Você já quer se
livrar de mim. — Cássio me olha assustado, pega rapidamente minha mão
por cima da mesa.
— Não é isso, só não quero que você fique brigada com seu pai.
Aperto sua mão na minha e dou um sorriso de lado.
— Às vezes é melhor nos afastarmos de algumas pessoas — digo
divagando. — Só assim podemos conhecer outras pessoas que nos façam se
sentir melhor.
— Isso quer dizer que…
— Faz poucos dias que nos conhecemos, mas eu sinto que você foi
melhor do que outras pessoas que já passaram pela minha vida — sorrio. —
Você não se importa com o que posso oferecer ou quem realmente sou,
apenas vê a simples garota que revelo para você.
Cássio continua segurando minha mão e fitando-me por longos
segundos. Seus óculos deslizam um pouco pelo seu rosto e rapidamente ele o
coloca no lugar.
— Você não é o que você diz ser?
Olho ao nosso redor, pessoas comendo à vontade e conversando ou
simplesmente sozinhas. Tudo parecia tão normal e eu sentia que poderia
viver essa vida pacata tranquilamente, sem ter medo do que me aguardava a
cada segundo da minha vida, quem poderia ser um inimigo e me matar.
Talvez eu quisesse uma vida normal, mas os meus objetivos e planos não são
esses neste momento.
— Sim, sou — volto a olhá-lo. — Só que algumas pessoas preferem
outra versão de Natalie.
— E existe outra versão?
— Sim, só que ela decide quando aparecer — dou uma piscadela. —
Talvez um dia você a conheça.
— Eu adoraria.
Mas eu não.

Mexo freneticamente nos teclados e a cada brecha que consigo me


infiltrar no sistema dos Sartori, comemoro. Da última vez que havia tentado
entrar no sistema, não tinha conseguido passar pela primeira rede de acesso,
mas neste momento estava quase conseguindo chegar onde tanto queria.
Cássio tinha sido displicente ao deixar seu computador ligado na minha
presença e aproveitei seu deslize enquanto tinha se trancado no banheiro.
Nesses poucos dias, ele não tentou avançar no quesito sexual. Ele estava
respeitando muito meu espaço e só tínhamos trocado alguns beijos e toques
sutis, mas nada que nos fizesse ir para a cama logo de cara e na verdade eu
nem pretendia avançar este passo com ele.
Ele podia ser legal, gentil e um pouco atraente, mas não era o certo
tipo de cara que me fazia sentir o desejo avassalador crepitar por meu corpo,
me fazendo ansiar estar na cama com ele. Os beijos eram bons e carinhosos,
algo que não lembro nunca ter tido durante esses vários anos e com tantos
homens que já passaram pela minha cama. Nenhum deles foram gentis e
cordiais como Cássio e isso dava um grande ponto para ele.
Olho para a folha que estava riscada com os códigos e senhas que eu
tinha pegado do computador de Cássio. Também tinha conseguido acessar
algumas das suas redes e pude passar algumas informações para o meu e-
mail. Não senti a culpa que deveria sentir por usá-lo, pois sabia desde o início
a causa de ter me aproximado dele. E na minha vida não existia espaço para
sentimento de culpa e arrependimento.
Ao digitar a última senha solto um suspiro longo ao ver a quantidade
de páginas serem abertas em minha frente, eu finalmente tinha conseguido
acessar o que tanto almejava. As páginas estavam divididas por nomes ou
números. Meus olhos logo vão para o nome escrito Graham.
O que Marcus Graham está fazendo aqui?
Sabia que Graham tinha alguns assuntos a resolver com Sartori,
assuntos esses que eram confidenciais e que estavam guardados em uma
pasta lacrada que mandei via correspondência para Romonov alguns dias
atrás, achando que ele me deixaria em paz, engano meu. Andrey continuava a
me ligar insistentemente.
Deslizo a seta pela pasta que continha o nome de Graham e clico.
Vários documentos se espalharam pela tela e abri um por um. A maioria eram
contratos de confidencialidade, alguns casos de julgamento que Sartori estava
envolvido e todos foram arquivados. Graham sempre estava envolvido nos
casos que Sartori aparecia, sempre como o juiz que daria o veredicto no
tribunal, porém em todos os crimes ou delitos que Sartori fora indiciado,
nunca teve fundamente e por falta de provas concretas, deixaram de serem
julgados realmente. Dava para ver que Graham tinha algo a ver por Enzo
Sartori não estar por detrás das grades, ele sempre limpava a barra de Sartori.
Mas no meio de todos aqueles documentos algo me chamou atenção.
Ao abrir o documento me senti ficar sem ar. O nome grande em negrito
estava bem exposto na primeira página.
Andrey Romonov.
Ali dizia sobre as merdas que Andrey fazia, dos aliados que tinha em
Nova York, quem eram os seus informantes e a merda dos testes
experimentais que fazia com voluntários.
Então era por isso que Romonov queria Graham morto.
Agora fazia sentido. Andrey sabia que Graham tinha o entregado para
a máfia americana, sua maior inimiga e que este tinha dado informações
sigilosas sobre os testes que eram feitos pela Bratva em pessoas.
Testes dos quais participei. Porém algo ainda não fazia sentido, se
Graham tinha dado essas informações á pouco tempo para Sartori, como ele
tinha me vendido para contrabandistas e nunca soube o que aconteceu
comigo? Talvez ele nunca quisera saber o que realmente aconteceu comigo?
Nunca desejei tanto lembrar-me de como era minha relação com ele,
de como vivíamos juntos e saber se fazíamos coisas de irmãos ou se em
algum momento me amou como um irmão e não somente me descartou
quando achou necessário.
Certo tipo de pesar domina meu peito, sentia que nada disso iria me
fazer bem no final, pois existia algo que não estava se encaixando em tudo
isso. Minha mente dizia tudo isso é produto da imaginação que não quer
acreditar no que está na minha frente, no que foi me dito.
Decido procurar por mais evidências sobre a vida secreta de Enzo
Sartori e consigo acessar os documentos pessoais dele, encontro várias fotos.
Meu coração acelera gradativamente, encontro fotos de sua esposa, ela sorria
e mandava beijos, outras eram dos dois, um deles tirava a foto. Eles pareciam
felizes e apaixonados. Em outras fotos não estavam sozinhos, tinham duas
crianças junto deles, dois garotos de cabelos escuros e olhos cinza, iguais aos
do pai. Um era mais alto que o outro e estava um pouco mais sério do que o
menor, mas tinha uma expressão feliz ao lado dos pais, já o mais novo sorria
abertamente e segurava a perna da mãe e inclinava a cabeça para trás,
parecendo querer ver a mãe direito.
Eles formavam uma bela família, pareciam felizes e se amarem. Era
tudo o que eu não tinha. Não ter minhas memórias é uma merda, porque não
sei se tivera isso algum dia, se meus pais me amaram, se meu próprio irmão
me amou em algum momento ou se alguém me amou loucamente e eu
retribuí. Esse sentimento tão estranho e vazio para mim, mas que daria tudo
para mudar esses pensamentos.
Eu desejei tanto querer ter a escolha de amar ou não, ser feliz ou não,
ter uma vida comum e seguir meus próprios caminhos, mas eu não me
sentiria em paz se eu não descobrisse toda a minha história e o motivo de
Enzo Sartori ter me deixado morrer na podridão.
Sinto braços quentes me abraçando fortemente e a sensação de paz
me rodeia rapidamente. Sabia que estaria segura somente por estar ali,
naqueles braços. Não consigo evitar um sorriso que preencheu meu rosto e
parecia não querer sair. Fazia tanto tempo que não me sentia feliz dessa
forma, que ás vezes me pego pensando quando toda essa felicidade irá
acabar, porque tudo que amei um dia foi arrancado de mim e não sei se terei
capacidade de suportar perder essa felicidade que me preenche todos os
dias.
— Bom dia pássaro — a voz dele soa roucamente e baixinho.
— Bom dia.
Passo meus dedos pelo seu braço e sigo até a sua mão que repousa
em meu ventre. Amava tanto acordar dessa forma, acolhida e amada.
— Precisamos levantar.
Me mexo, me virando para ele e encontrando seus lindos olhos azuis
me fitarem com ternura.
— Não, não precisamos — faço um bico.
Ele sorri abertamente e planta um beijo na ponta do meu nariz. Seus
braços me apertaram mais contra seu corpo e solto um suspiro de
contentamento, não queria me afastar dele e perder esse contato. Eu sentia
em todos os momentos a necessidade de ser abraçada e beijada, Aronne
sabia muito bem disso e me mimava sempre que tinha oportunidade.
— Você precisa tomar seu café da manhã — seus dedos deslizaram
pelo meu braço até chegar ao meu ombro e afastar meus cabelos. — E eu
preciso averiguar se tudo correu bem esta noite com os outros soldados.
Encosto minha cabeça contra seu peito e bufando ao mesmo tempo.
Sabia que ele tinha muito que fazer e que nas próximas horas estaria colado
ao meu irmão, mas não iria negar que sentiria sua falta e da nossa pequena
redoma.
— OK — me afasto sentando na ponta da cama, fecho os olhos
esticando a coluna, espreguiçando o máximo possível.
Sinto sua presença atrás de mim e logo em seguida suas mãos
grandes passeando pelas minhas costas nuas. Dou um pequeno sorriso e
continuo de olhos fechados enquanto ele explora meu corpo com as mãos,
apertando pontos estratégicos da minha pele, me deixando mole.
— Não fique com raiva, pássaro — sussurra contra meu ombro,
beijando e mordendo aquele ponto tão sensível do meu corpo. — Mais tarde
podemos sair e aproveitar um pouco.
— Sabemos que não podemos sair, sem arriscar que alguém nos
reconheça — resmungo frustrada.
Delicadamente Aronne me vira para ele e segura meu rosto.
— Você pode usar uma peruca — brinca sorrindo.
Estreito meus olhos em sua direção e balanço a cabeça.
— Talvez uma peruca rosa Pink — entro na sua brincadeira. —
Consegue imaginar?
Aronne aproxima o rosto do meu e diz com a voz profunda.
— Eu adoraria vê-la com essa peruca.

Acordo, sobressaltada sentindo o suor deslizar pela minha testa e


costas. Olho ao meu redor e em poucos segundos consigo me acalmar. O
barulho que tinha me despertado continua insistindo até perceber que é meu
celular. Na tela vejo que é Andrey e decido que precisava atender e enfrentar
a fera.
— Oi — digo ao atender e caminho até as grandes janelas do quarto.
— Onde você se meteu Natalie?
Fixo minha atenção no mar de luzes da cidade de Nova York, os
prédios reluzentes, barulhos de carros e gritos de motoristas, mas nesse
horário tudo parecia tão sereno.
— Precisei dar um tempo.
— E você teve esse tempo?
— Não. — Sou sincera.
— Natalie…
— Não irei voltar para Rússia, se foi por isso que me ligou — sou
direta. — Não vou voltar até que eu descubra o porquê de Enzo Sartori ter me
deixado para morrer!
Andrey bufa do outro lado da linha e ouço seus movimentos, barulho
de porta se abrindo e fechando.
— O que você vai ganhar com isso, Natalie? — Ele soa irritado. —
Descobrir o que ele fez vai mudar o que lhe aconteceu?
Fecho minha mão em punho e respiro fundo.
— Nada irá mudar, mas irei preencher as lacunas vazias que existe em
minha mente.
— Eu não quero que você se aproxime dele — seu tom é exigente. —
Isso é uma ordem!
Mesmo que ele não possa ver dou um sorriso de lado. Andrey não me
conhece e não sabe que uma das coisas que mais odeio é receber ordens.
— Ele é meu irmão, Andrey e irei descobrir sobre meu passado —
digo determinada. — E você me escondeu sobre meu passado, sobre qual
família pertenço, então não me venha dizer o que devo ou não fazer.
— É melhor você não me desafiar, Natalie — ele diz.
— E você deveria repensar sobre as mentiras que me conta.
Encerro a chamada e sinto-me tremer. Posso estar sendo imprudente
por estar desafiando Andrey, mas não o deixaria ditar o que devo ou não
fazer. Eu tinha um propósito e eu iria cumpri-lo, mesmo que no final isso
cause a minha morte. Desde que no final eu descubra quem fui um dia.
Não sei quanto tempo passo olhando para o convite em minhas mãos
e não sei se pulo de alegria ou se fico preocupada se deveria ou não aceitar.
— Tem certeza de que quer me levar para esse tipo de evento?
— Claro que sim — Cássio me olha feliz. — Nunca levei ninguém
nessas festas e será a primeira vez que estarei acompanhado.
— Então você irá me exibir esta noite? — Arqueio as sobrancelhas.
— Eu… é… não…
— Irei adorar que você me exiba — seguro seu braço. — Só terei que
achar um vestido ideal para esta noite.
— Você ficará bonita até de burca.
Sorrio e beijo sua bochecha e dou um passo para trás. Hoje seria a
última vez que o veria e de certa forma me sinto aliviada, porque me
afastando dele, diminuiria o risco de algo acontecer contra ele e não quero
sentir o peso da culpa se algo de ruim acontecer á ele. Me afastar dele seria a
melhor coisa e eu já tinha conseguido o que queria e com isso ele não era
mais do meu interesse.
— Você é fofo — toco seu rosto. — Nos vemos as sete?
— Sim!
Despeço-me dele e sigo pelas ruas de Nova York. Precisava comprar
urgentemente um vestido para esta noite. Pelo que eu havia lido no convite
parecia ser uma confraternização dos funcionários da empresa e a festa
aconteceria na mansão dos Sartori. Isso seria perfeito, dessa forma eu poderia
perambular um pouco pela casa e ver se conseguia mais algumas informações
sobre o meu passado.
Passeio pelas ruas durante várias horas, provando e comprando
algumas roupas. Eu precisava de vestimentas novas e aproveitei a compra do
vestido para comprar outras peças, calças, blusas e peças íntimas. Não sei
quanto tempo vou me manter aqui em Nova York e ter roupas a mais é
sempre bom, visto que vivo em meio aos meus disfarces e ter algo se fosse
necessário fugir.
Termino minhas compras e sigo para meu apartamento, ao chegar
deixo as várias sacolas no quarto e pego meu celular dentro da bolsa. Não
tem nenhuma ligação ou mensagem de Andrey. Desde que desliguei na cara
dele no dia anterior, ele não tentou nenhuma comunicação. Ele poderia estar
furioso ou planejando algo para se vingar do meu atrevimento contra suas
ordens. Eu estaria pronta para qualquer coisa que ele tentasse.
Entro no banheiro e retiro a peruca, soltando meus cabelos do coque e
as mechas loiras deslizam por meus ombros, cobrindo até um pouco abaixo
dos meus seios. A raiz do meu cabelo já estava crescendo e precisava retocar
o loiro ou quem sabe eu poderia voltar para o castanho ou pintar de rosa.
Rosa.
Esse pensamento sobre peruca rosa ainda ronda pela minha cabeça,
era como se esse tipo de pensamento fosse real, como se um dia já tenha
usado uma peruca rosa. Sorrio com essa ideia. É talvez eu possa ter usado
realmente, talvez eu fosse uma stripper e gostasse de ser tão ousada com
meus tipos de cabelo.
Tiro minhas peças de roupa e decido tomar banho, lavo meus cabelos
e os hidrato, eu não estava dando o devido cuidado á eles. O ideal seria ficar
morena novamente, assim não seria tão complicado cuidar deles. Ao terminar
de cuidar dos meus fios, tomo meu banho e coloco a depilação em dia. Ao
terminar tudo, saio do chuveiro me enxugando e vou para o quarto, visto uma
calcinha de renda preta e hidrato meu corpo. Pego o vestido dentro de uma
das sacolas e o visto. O vestido era vermelho de caimento perfeito se
moldando a minha silhueta, o tecido de seda era confortável, as alças eram
finas e o decote era profundo nas minhas costas, detalhe que as deixavam
exposta e agradeço por elas já estarem quase que totalmente curadas e não me
importo de mostrar os arranhões que ainda estavam na pele.
Seco os cabelos com secador e faço novamente o coque nas mechas e
com cuidado coloco a peruca que ficou perfeita. Essa seria a última vez que a
colocaria e depois poderia jogá-la fora. Faço uma maquiagem simples e não
exagero em nada. Não queria chamar muita atenção. Nesta noite queria ser
discreta ao máximo, beirando a invisibilidade e dessa forma poderia
aproveitar a festa para investigar.
Concluo minha arrumação e vejo que ainda dispunha de cinco
minutos antes de encontrar Cássio na portaria. Pego minha bolsa de mão,
coloco dentro uma faca de tamanho pequeno e uma pistola. Se algo saísse do
controle estaria preparada. Saio do apartamento e sigo para a portaria, onde
espero Cássio por dois minutos. Ele era pontual e isso era bom, uma das
coisas que mais odiava era atraso. O vi sair de um SUV prata. Caminho em
sua direção e quando ele me vê sorri.
— Uau, você está belíssima.
— Obrigada — sorrio. — Você não está nada mal.
Era a primeira vez que o via vestido tão formalmente, com blazer e
camisa social. Já estava me acostumando em vê-lo com camisetas estampadas
e bermudas. Seus cabelos castanhos estavam bem alinhados e a barba sempre
presente em seu rosto não existia mais.
— Tenho que estar à altura, não é? — Se aproxima. — Queria ficar
mais tempo admirando sua beleza, mas precisamos ir ou iremos perder a
maior parte da festa.
Aceito a mão que ele estende em minha direção e seguimos para o
carro, cavalheiresco ele abre a porta do passageiro para mim. Ao me
acomodar no banco, franzo o rosto ao sentir o cheiro de carro novo.
— É novo? — Não consigo esconder minha curiosidade.
Cássio se acomoda em seu banco e vira-se para mim.
— É sim, faz pouco tempo que comprei — ele liga o carro e o põe na
rua. — Por quê?
— Não é nada, só tenho um olfato muito bom — forço um sorriso.
Sinto um frio percorrer minha espinha e isso não é nada bom, só
tenho essa sensação quando algo vai muito mal, nesse momento sinto que
algo está muito errado, só não sei o que é.
— Me conte mais sobre seu chefe — tento não parecer estranha.
— Não tenho muito para contar sobre ele — Cássio dá de ombro. —
Não o conheço muito bem, só de vista, mas o que todos falam é que ele é
bem rígido quando o assunto envolve trabalho e não aceita nada menos que a
perfeição.
— Então ele é um carrasco — brinco.
— Pode se dizer que sim — ele me presenteia com um sorriso. —
Não tenho que reclamar sobre meu chefe, ele nunca atrasou meu salário!
Rio junto com ele e ao olhar para o caminho vejo que não estávamos
seguindo pelo caminho que levava a mansão Sartori. Dois dias atrás tinha
feito o percurso até a mansão para averiguar como era os arredores da
mansão e com isso memorizei o caminho inteiro.
E minhas suspeitas de que algo estava errado é concluída e no
momento que Cássio parou o carro no semáforo aperto minha bolsa, como se
previsse o que eu iria fazer, ele segurou-a quando faço o movimento de atacá-
lo com ela e no segundo seguinte segura meus cabelos e bate minha cabeça
na janela. Golpeio seu antebraço fazendo-o me soltar e no mesmo instante
destravo o cinto, pegando a primeira coisa que vejo em minha frente e bato
contra o seu rosto.
— Quem é você? — Grito enquanto dou socos em seu rosto e tento
chutá-lo com o pouco espaço do veículo.
— Ele me pediu para não machucá-la, mas se continuar a me bater
não terei outra opção.
— Como assim “ELE”?
Será que Andrey o mandou me vigiar e agora queria que ele me
levasse de volta para a Rússia, contra a minha vontade? Se fosse realmente
isso, eu faria Andrey pagar por isso, o deixaria em pedacinhos, e ninguém iria
conseguir juntar seus restos e dá-lo um funeral.
Com meus movimentos bruscos o salto sai do meu pé e aproveito isso
para chutar seu rosto, Cássio segura meu tornozelo o torce, me fazendo
grunhir. Tento sair do seu contato, mas ele avança para cima de mim e tenta
me conter, continuo me contorcendo e bato nele sempre que consigo me
desvencilhar das suas mãos. Quando ele bate no meu rosto sinto minha visão
ficar turva e perco um pouco do foco, nesse momento sinto que algo perfura
meu pescoço, como se fosse uma agulha.
— O que foi que você injetou em mim? — Toco em minha pele,
desesperada.
— Um sedativo, logo você irá dormir.
— Filho da mãe — tento empurrá-lo, mas me sinto fraca e com a
visão escurecendo.
Ainda consciente o vejo sair de cima de mim e me ajeitar no banco.
Não consigo sentir muito bem meu corpo, era como se tivesse quilos de
concreto sobre meus ossos me tornando incapaz de mexê-los.
— Consegui capturá-la — ouço sua voz ao longe.
Antes de cair na escuridão, me pergunto o que ele iria fazer comigo e
como ele havia conseguido me enganar.
ARONNE

Colocar Cássio no caminho de Milena foi fácil, foi somente preciso


colocá-lo como chefe de IP (Internet Protocol), e pronto. Milena fora fisgada
por nossa isca. Sabíamos que ela iria de alguma forma procurar uma brecha
para se infiltrar na vida de Enzo, mas colocar Cássio no jogo foi um tiro no
escuro que acabou dando certo. Uma coisa que aprendi durante essas
semanas que averiguei cada documento que tinha sobre Milena ou Natalie,
como a chamavam, era que ela era uma caçadora e não desistia da sua presa
até fisgá-la e matá-la friamente e de alguma forma Enzo estava na sua mira,
dado isso ela não iria descansar até pegá-lo.
Enzo parecia resignado quando soube que a própria irmã estava
caçando-o. De início ele não quis acreditar, mas depois que relatei que
Milena não era mais a mesma pessoa que conhecíamos a sete anos, que os
russos fizeram alguma coisa com ela, que mexeram em sua mente e que
provavelmente ela não se lembrava de nenhum de nós, ele permitiu-se
acreditar que ela era uma pessoa totalmente diferente da Milena que
amávamos.
Foram dias para Cássio conseguir algumas informações sobre ela,
onde exatamente morava e sua rotina. Nos horários que não estavam juntos,
ele ficava à espreita a vigiando e tirando algumas fotos dela enquanto estava
distraída. Na maioria das fotos ela estava sem maquiagem e com os cabelos
loiros presos em um coque desajeitado, com calças largas e camisetas
folgadas e mesmo toda desleixada, ainda conseguia visualizar a beleza que
ela emanava. Com seu olhar perdido em alguma coisa e a dureza do seu rosto
quando verificava que não havia ninguém a vigiando.
A hora tinha chegado e precisávamos nos aproximar dela, mas não
sabíamos como. Por Enzo ele invadiria sua casa e a arrastaria de volta para
seu lar, “de onde ela nunca deveria ter saído”, palavras dele e concordo
plenamente. Mas não seria tão fácil como ele achava que seria, precisávamos
planejar uma distração e a falsa festa de confraternização tinha funcionado.
Cássio seguiu o plano como ordenamos e a capturou ainda dentro do carro.
Quando ele telefonou para Enzo e disse que tinha conseguido pegá-la,
foi como se um enorme peso tivesse saído das minhas costas, todavia em
seguida fui invadido pela incerteza pelo que viria, de como realmente ela
estava e quem eu veria em minha frente quando ela acordasse.
Enzo não demonstrou nenhuma reação quando Cássio estacionou o
carro na frente da sua casa e abriu a porta do carona e retirou Milena
desacordada.
— O que aconteceu com ela — foi Enzo que perguntou ao ver o
estado que ela se encontrava.
— Ela não facilitou e me atacou — explicou a depositando no sofá.
O rosto dela estava um pouco vermelho e tinha uma pequena ferida
no supercílio.
— Há quanto tempo ela está desacordada?
— Alguns minutos, mas recomendo que vocês decidam onde prendê-
la, porque quando ela acordar não será nada fácil domá-la — Cássio diz
olhando-a. — Ela tem uma força do caralho.
Enzo continuou a olhando, parecia não acreditar que a irmã realmente
estava viva e que ela estava ali na sua frente, desacordada.
— Vamos colocá-la no seu quarto — Enzo continua a olhando
enquanto diz.
Antes que Cássio a pegasse nos braços novamente, tomo sua frente e
a pego. Seu corpo pequeno coube perfeitamente em meus braços e sua cabeça
encostou no meu peito, sua respiração calma e olhando-a tão de perto vi
como ela tinha mudado em todos esses anos. Ela não tinha mais a expressão
jovem de antes, seu rosto tinha sofrido algumas mudanças e estava mais
maduro, seu corpo sempre em forma estava mais magro e mais tonificado.
Seus cabelos soltos e bagunçados.
A levei para o segundo andar e depositei-a em sua cama. Me afasto
um pouco e continuo a olhando, sem querer desviar por um segundo. Uma
parte de mim tinha medo de que tudo isso fosse mentira e que se eu me
afastasse ela iria desaparecer novamente.
— Ela voltou — Enzo diz parado ao meu lado.
— Sim — concordo. — Só temos que esperar ela acordar e ver com
quem exatamente vamos lidar.
NATALIE

Era como se tivesse quilos de concreto em minha cabeça e doía ainda


mais ao tentar abrir meus olhos. Inicialmente minha visão fica turva e franzo
o rosto ao encontrar a claridade invadindo o cômodo. Espera aí! Sem me
importar com o peso da minha cabeça, me sento rapidamente e olho para os
lados vendo que se tratava de um quarto e não era o meu. Eu não estava no
meu apartamento.
A briga que tive com Cássio vem em minha mente, lembro que ele
tinha injetado algo em meu pescoço e depois disso só lembro-me de ter
dormido e nada mais. Onde aquele filho da puta tinha me levado? Escorrego
pela cama confortável e ao levantar, só consigo dar um passo ao perceber que
meu tornozelo direito está preso em uma corrente presa no pé da cama.
Seguro a corrente e tento arrancá-la da cama, atitude inútil. Olho ao
meu redor, tentando encontrar algo que possa me ajudar a tirar essa merda do
meu pé. Viro a cabeça a tempo de ver a porta do quarto sendo aberta, ali vi o
homem que por algumas vezes invadia meus pensamentos e me fazia pensar
em coisas estranhas.
— Que merda está acontecendo?! — Seguro a corrente e tento
novamente me soltar.
— Você não vai conseguir tirar isso — ele me observa.
Dou um passo para trás, mas não vou muito longe, já que estava
impossibilidade de andar por causa daquela droga no meu pé.
— É melhor você me soltar — grunhi me sentindo indefesa e odeio
me sentir assim.
— Vamos conversar primeiro — ele entra no quarto.
— Não tenho nada para conversar com você! — Queria poder ter
alguma coisa para me defender.
— Sim, temos Milena.
Paro de tentar me distanciar ou de procurar algo para me defender.
Examino seu rosto e me assusto ao sentir meu peito se apertar, um nó em
meu estômago se formar, era como se já nos conhecêssemos há tanto tempo.
— Por que você insiste em me chamar por este nome? — Pergunto
paralisada sem conseguir tirar minha atenção dos seus olhos azuis.
— Porque esse é seu nome.
— Não, não é — balanço a cabeça. — Meu nome é Natalie Koslov.
Ela dá mais um passo em minha direção e sabia que logo estaríamos
tão próximos que não teria como me distanciar.
— Esse não é seu nome verdadeiro.
— Não me importo! — Vocifero sentindo a raiva tomar conta de
mim. — Esse é o nome que desejo ter e não da pessoa que me deixou para
morrer.
O homem à minha frente franze o rosto e parece confuso. Puxo a
corrente com o pé e me sento na cama, me distanciando o máximo possível
dele.
— Como assim?
Dou um sorriso de lado.
— Não se faça de desentendido, Aronne — não consigo segurar o
sarcasmo em meu tom de voz. — Sabemos muito bem que meu irmãozinho
me vendeu para contrabandistas.
— Isso não é verdade.
— Sim é — balanço a cabeça. — Eu sei de toda a verdade, ele me
vendeu.
— Não, não vendeu.
— Sim ele vendeu!
Aronne balança a cabeça diversas vezes e parecia absorto.
— Enzo Sartori, quis se livrar de mim e com isso me vendeu para a
primeira pessoa que viu pela frente — continuo ao ver que ele parecia
desacreditado.
Por que ele está tão surpreso com o que estou dizendo?
— Então é com isso que Romonov está manipulando a sua cabeça?
Quando Enzo adentra pela porta do quarto sinto como se a ventilação
de meu corpo parasse e me sentia incapaz de respirar ou executar o mais
simples movimento. Parecia que tudo tinha paralisado neste momento. Sinto-
me pulsar de raiva e era como se meu corpo não aguentasse a fúria que estava
instalada no meu corpo, parecia demais para mim, insuportável de aguentar.

— Zachem yemu vra’t mne[3]?


— Fale na minha língua, Milena — ele disse me olhando seriamente,
ainda parado na entrada do quarto.

— Lzhets, ublyudok, ubiraysya otsyuda, ubiraysya[4]! — Se não


estivesse presa na corrente teria o atacado neste momento, teria feito-o
sangrar. — YA ub’yu yego, zastavlyu yego krovotochit’, no do etogo ya
zastavlyu yego smotret’, poka ya ubivayu yego sem’you[5]!
O vi fechar os olhos e sabia que se continuasse falando em russo, ele
sucumbiria não se mantendo controlado e iria explodir. Queria ver até onde a
paciência dele poderia ir.
— Se você continuar falando nessa merda de língua ei de forçá-la a
falar na minha — rosnou enquanto fechava as mãos em punho.

— YA by khotel, chtoby ty poproboval[6].


Ele deu um passo para frente e vi quando Aronne o segurou pelo
ombro.
— Eu cuido dela, Enzo — ele disse para o outro homem. — Confie
em mim.
Enzo continuou me olhando por alguns segundos e percebi que ele
não queria me deixar só com Aronne e se ele continuasse naquele quarto eu
não falaria sequer uma única palavra em inglês e isso não terminaria bem
para nenhum de nós dois.
— Eu sou o irmão dela e devo estar aqui para saber o que aconteceu
com ela! — Rugiu.
Suas palavras não faziam sentido. Como assim saber o que aconteceu
comigo? Ele só poderia ser um merda de mentiroso e um bom ator para
esconder suas mentiras com aquelas palavras.
— Se for necessário chamar um intérprete farei isso, mas só irei sair
daqui depois que ela me diga qual foi a merda que Romonov inventou!
Me levanto e ando até onde a corrente permite, o que não é muita
coisa, mas não iria me manter sentada naquela cama e parecer indefesa na
frente desse idiota que um dia chamei de irmão.
— É melhor você sair — aconselho dizendo em inglês. — Porque a
cada segundo que olho para sua cara, tenho vontade de fazê-lo sofrer por tudo
que me fez passar.
— E o que foi que eu fiz você sofrer? — Ignorou Aronne e caminhou
até mim, nos fazendo ficar cara a cara.
— Me vendeu para pessoas que me deram para Romonov — rosno
sentindo vontade de chorar de ódio. — Que me usou como cobaia durante
dois anos, injetaram tantas drogas que não posso nem contar, me bateram e
rasgaram, me fizeram sofrer da pior forma possível!
— E mesmo sabendo que Romonov a torturou ainda está do lado
dele?
— Ele está na lista — dou um sorriso frio. — O momento dele
chegará.
Enzo não se distanciou ou fez qualquer movimento que pudesse me
alertar, parecia que ele estava absorvendo cada palavra que tinha expelido de
minha garganta e isso parecia ser muito para ele.
— É ruim saber que vendeu a irmã para o diabo né? — Sorrio. — E
que ela tenha se tornado um monstro.
— Você ainda é minha irmã — disse em tom baixo. — Ou pelo
menos o que resta dela.
— Não quero ser sua irmã — me afasto e sento na beirada da cama.
— Só quero uma coisa de você.
Sua feição se tornou fria e ele parecia ser imbatível, mal ele sabia que
eu já havia derrubado homens mais implacáveis do que ele.
— E o que seria?
Dou um sorriso e digo:
— Sua morte — digo em um tom sereno e presto atenção na corrente.
— Se acha que isso aqui vai me prender por muito tempo, está enganado, irei
sair daqui e saiba que irei atingi-lo no seu ponto mais fraco, onde mais dói.
Vi a tensão emanar dele e isso me agradou, queria vê-lo coagido,
enlouquecendo, porque no momento que ele abaixasse a guarda e achasse que
estaria conformada por ficar nesse cárcere eu iria agir e quando me libertasse
o faria sentir pelo menos um pouco da dor que senti quando Romonov tirou
minha vida.
NATALIE

Enzo saiu do quarto contra sua vontade e quando me vi sozinha


novamente com Aronne, olhei para ele e fiquei o observando por algum
tempo. Seus cabelos escuros estão penteados para trás, seu rosto continha
uma barba rala que fazia um belo contraste com sua pele clara e olhos azuis
cristalinos.
Ao perceber que estou o observando, retribuí meu olhar, fazendo algo
estranho dentro de mim reverberar. Cada segundo que passo perto dele, me
traz a sensação ainda mais forte de conhecê-lo.
— Irei deixar você descansar um pouco — disse.
— Preciso ir ao banheiro — digo ainda o olhando.
Aronne franze o rosto e vejo que ele considera se deve ou não soltar-
me, se isso seria uma má ideia, mas eu não estava disposta a brigar nesse
momento, queria fazê-los acreditar que iria cooperar e no momento certo iria
agir.
— Não vou fugir — digo. — Não estou muito bem para fazer isso.
Ainda estou meio grogue e fraca, então seria perda de tempo tentar fazer
algo.
— Mas você não está desconsiderando — murmurou.
— Claro que não! — Dou um sorriso de lado. — Tenho que me
manter firme.
Se aproximando ele disse:
— Você não vai conseguir fugir.
Abraço meus joelhos ao vê-lo abrir o fecho da corrente do meu
tornozelo.
— Sim eu conseguiria — falo confiante. — Porque seria somente um
chute em seu rosto e pegar a armar no seu coldre, que está embaixo do seu
paletó, um tiro no meio da sua testa e pronto, estaria livre.
Ele dá um sorriso de lado que me faz olhar para seus lábios vermelhos
e levemente cheios.
— Você esqueceu-se dos soldados do lado de fora.
— Não, não me esqueci deles — balanço a cabeça. — Eles não iriam
machucar a irmã do Don, mas isso não quer dizer que não possa machucá-
los.
Tento controlar a agitação do meu corpo ao sentir sua mão quente
tocar meu tornozelo. Não sei se ele percebeu que estava me tocando, mas eu
sim e parecia que meu corpo lembrava bem até demais do seu toque. Isso é
intrigante.
— Eles têm ordens explícitas de detê-la — ele me puxou para ficar de
pé, o que me fez ficar zonza por alguns segundos. — Então você não irá
escapar.
— Só imaginei como seria — dou de ombro.
Aronne segura meu pulso e nos leva até a porta do banheiro.
— Não tente nada, é para seu bem — diz antes de fechar a porta e me
deixar sozinha dentro do banheiro. — Você tem um minuto.
Olho rapidamente ao meu redor e me apoio na bancada da pia, levanto
a barra do vestido e desço a calcinha. Não tem nenhum objeto cortante a vista
e percebo que eles tinham tomado cuidado para isso não acontecer. Termino
de fazer minhas necessidades e me olho no espelho. Não estou nada
apresentável, meus cabelos estão um caos e minha maquiagem está arruinada.
Lavo meu rosto para tirar toda maquiagem e enxugo-o, penteio os cabelos
com os dedos e enquanto estava fazendo um coque a porta foi aberta.
— Seu tempo terminou — ele olhou a minha volta e depois fixou a
atenção em mim.
Caminho de volta para o quarto e digo ao me aproximar da cama.
— Você poderia me arrumar alguma roupa limpa, já que vão me
manter presa aqui.
Me sento e aguardo ele me prender mais uma vez na corrente.
Agachado a minha frente, ele levanta sua cabeça e seus olhos se colidem com
os meus. Estamos demasiadamente perto e posso sentir o calor do seu corpo
emanar, tive que conter a vontade de esticar a mão e tocar em seus cabelos
escuros. Queria saber por que me sentia tão afetada por ele. E todos esses
sentimentos estranhos predominam minha cabeça toda vez que ele está por
perto ou quando lembro-me seu nome.
— Nos conhecemos?
Ele levanta uma sobrancelha e dá um sorriso de lado.
— Isso foi uma cantada?
Bufo e puxo meu tornozelo da sua mão.
— Claro que não! — Falo audaciosamente. — Só que eu sinto que
nos conhecemos.
Aronne se levanta e ajeita seu paletó e diz:
— Fui seu segurança há alguns anos.
— Somente isso?
O vi ficar tenso e a conclusão de que não fomos somente isso estava
feita. Se ele fosse somente um segurança não ficaria tão retraído como está
agora, parecendo desconfortável.
— Irei ver se consigo arranjar alguma roupa para você.
Vê-lo não responder minha simples pergunta só me fez concluir
minha dúvida e atiça-me ainda mais em busca de respostas, mas não iria
bombardeá-lo por agora, o deixaria respirar um pouco e vagarosamente iria
ter as respostas das minhas várias perguntas.
Me ajeito entre os travesseiros e fito o teto branco. Não planejava ser
pega e ser mantida em cativeiro, mas talvez ter saído dos meus planos fosse
bom, dessa forma eu iria desvendar mais rápido o mistério da minha vida.
Assim era mais fácil do que procurar respostas fora da casa Sartori e estar
aqui dentro me daria uma grande vantagem sobre isso.
Estávamos andando de mãos dadas e confesso que me sinto muito
bem por ter esse simples contato com ele. Parece que fomos criados para
andarmos assim e eu amo ter sua mão sob a minha. Sentia-me feliz por tê-lo
tão perto de mim.
— Você está feliz? — perguntou me olhando de lado.
Abraço-o enquanto continuamos a andar e digo:
— Claro que sim — beijo seu braço.
Estávamos usando bonés e óculos para nos disfarçar. Sabíamos que
isso poderia nos colocar em risco e alguém poderia nos flagrar, mas uma
coisa que temos em comum era gostar de viver no perigo e fazemos isso
frequentemente.
Andamos pelo parque, até encontrarmos um canto com sombra e nos
sentamos na grama fria. Aronne me abraça por trás e faz minha cabeça
recostar em seu peito que sobe e desce lentamente.
— Você está feliz? — Devolvo sua pergunta.
— Mais do que um dia estive.
Aronne beija meus cabelos e sinto seu nariz se esfregar em meu
pescoço, me deixando arrepiada.
Esses momentos são especiais e únicos, porque somente perto dele
sinto que sou realmente feliz e que posso ser eu mesma e não uma farsa que
criei de mim mesma para mostrar a ‘famiglia’.
Acordo me sentindo sufocada e me sento para tentar recobrar um
pouco da consciência. Apoio minhas mãos na cama e respiro fundo. Esses
sonhos estavam se tornando mais presente nas últimas noites. É como se me
manter nessa casa, nesse quarto fosse o estímulo para esses fragmentos
voltarem com tudo.
Mas nenhum desses sonhos tem a resposta que procuro, eles são
somente lembranças de algo que provavelmente vivi no passado. Onde
parecia estar feliz e satisfeita ao lado de Aronne.
Já se passaram dois dias desde que me aprisionaram nesse quarto,
onde me mantém presa na cama e só me tiram dela duas vezes ao dia, nestes
momentos posso tomar banho e fazer minhas necessidades, fora isso me vejo
deitada ou sentada no restante do tempo. Já estou me sentindo cansada por
ficar parada e sem poder respirar direito.
Minha mente é a única companhia que tenho. Ás vezes, Aronne
aparece, mas não fica por muito tempo. Ele parecia distante nas últimas vezes
que veio e o entendia, eu era o inimigo, sendo assim ele tinha que se manter
em alerta o máximo possível. Enzo não tinha mais aparecido aqui no quarto,
talvez quisesse se manter distante e fazia muito bem por ficar longe. Minha
raiva por ele não tinha diminuído e a cada segundo que passo presa aqui sinto
que no momento que conseguir sair ele seria a primeira pessoa que eu iria
atrás, para fazê-lo sangrar.
Saio dos meus devaneios ao ver a porta ser aberta e vejo Cássio entrar
no quarto.
— Olha quem apareceu — digo debochada.
Cássio me fita e vejo que ele carrega uma bandeja em uma das mãos.
— Oi, Milena — acena em minha direção.
Dou um sorriso e acompanho todos os seus movimentos.
— Sabe ainda sinto uma dorzinha na cabeça por causa da pancada —
toco no local onde ele me jogou na janela.
— Não foi tão forte assim — deu de ombro.
Ele deixa a bandeja no aparador ao lado da cama e fica ali parado,
parecendo não se importar por estar tão próximo de mim.
— O que você faz para Sartori? — Pego uma fruta do prato e
mordisco.
— Sou um soldado de Pellegrino.
Franzo o rosto e continuo a mastigar.
— Pellegrino não é mais soldado?
— Ele virou Underboss há alguns anos.
Pego o copo de suco e tomo um pouco.
— E como ele conseguiu sair de um simples soldado e se tornou um
Underboss?
— Por merecimento — a voz reverberou pelo meu corpo, me fazendo
virar na direção da porta e encontrar Aronne ali. — Fazendo perguntas sobre
mim, Milena?
Estava até me acostumando com esse nome, mas ainda é estranho
para mim.
— Curiosidade — dou de ombro e viro para Cássio, sorrindo jogo o
suco no rosto dele e digo: — Isso é por ter me drogado.
Cássio passa a mão pelo rosto e sorri.
— Pelo menos não foi o copo.
— Talvez eu faça isso — mexo minhas sobrancelhas. — É melhor
sair de perto.
— Ficou irritadinha de repente? — Me provoca.
— E desde quando você é engraçadinho? — Devolvo. — Preferia o
Cássio sem graça que conheci.
Ele levanta as sobrancelhas e ri.
— Uau, essa doeu.
— Perfeito.
— Vou sair e deixar as crianças discutirem mais um pouco — Aronne
se manifesta.
Paramos de brigar e viramos na direção de Aronne.
— Já estou de saída.
Cássio acenou para mim e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.
— O que faz aqui? — Deixo o copo vazio na bandeja e me ajeito na
cama, sentindo minha perna presa doer um pouco.
— Vim ver como você está?
— Que gentileza da sua parte — zombo enquanto me arrasto para a
ponta da cama.
Aliso meu tornozelo e faço uma careta sabendo que ele estava
observando todos os meus movimentos.
— Precisa ir ao banheiro?
— Sim.
Ele se agacha na minha frente e quase fecho os olhos ao sentir o
aroma dos seus cabelos. Isso beirava a tortura e as lembranças do meu sonho
retornam.
— Eu sonhei com você — as palavras escapam antes que eu possa
segurá-las.
Aronne para o que estava fazendo e seus olhos azuis se encontram
com os meus.
— Acho que foi uma lembrança — dou de ombro, me sentindo
desconfortável por ele estar tão perto e vendo toda confusão que estou.
— Como foi seu sonho?
Franzo o rosto e depois sorrio ao lembrar.
— Estávamos em um parque e procurávamos um lugar para nos
sentarmos.
— Você se recostou em meu corpo e ficamos assistindo o pôr-do-sol
— concluiu com o tom baixo.
— Isso — encontro seus olhos. — Foi uma lembrança?
— Sim.
Sinto os pelinhos do meu corpo se eriçarem quando ele toca meu
rosto. Quase fecho os olhos e aproveito esse toque que parecia tão familiar.
— Você lembra-se de mais alguma coisa?
Balanço a cabeça em negativo.
— Da última vez que perguntei você fugiu, mas eu necessito saber o
que fomos?
— Prefiro que você lembre.
— E se eu não lembrar?
Ele me solta e se afasta.
— Prefiro acreditar que você irá lembrar.
Apenas aceno e sigo para o banheiro onde deixo a porta aberta sem
me importar se ele iria ver ou não, tiro minha roupa e entro debaixo do
chuveiro, deixando a água morna lavar todas as incertezas que me dominam
nesse momento.
Eu precisava saber o que fui de Aronne, precisava desvendar quais
eram esses sentimentos que me consumiam por só estar perto dele. Cada vez
que paro para pensar no que minha vida poderia ter sido, eu sinto como se um
buraco se abrisse em meus pés e quisesse me arrastar para o abismo.
NATALIE

Estava sentada na cama quando a porta do quarto abriu por ela vi


surgir uma figura feminina que parou no limiar, Ayla Sartori parecia não
acreditar no que via em sua frente.
— Não posso acreditar que você está viva! — Seu tom baixo era
quase choroso.
Ayla definitivamente está em minha frente prestes a chorar. Eu não
sou sentimentalista, aprendi a não ser, então me sinto coagida ao vê-la quase
em prantos.
— Sempre tive fé de que você não havia morrido, graças a Deus não
me enganei.
Continuo calada e apenas a observo. Ela parecia nervosa e ansiosa.
Ela olha para trás e respira fundo ao entrar completamente no quarto.
— Eu precisava ver com meus próprios olhos e dizer para mim
mesma que você é real.
Estreito meus olhos e dou um sorriso de lado.
— Seu marido não sabe que você está aqui — isso explicava todo seu
nervosismo.
Ayla abraça seu corpo e encolhe os ombros.
— Ele não queria que eu a visse nesse estado.
Abraço meus joelhos e balanço o meu corpo.
— Destruída? — zombo. — Um monstro?
— Não é isso...
— Claro que é — reviro os olhos. — Não me importa o que seu
marido pense de como estou, nunca estive tão bem.
Ayla fica calada me olhando, seus olhos verdes eram tão expressivos
que poderia me assustar. Ela aparentava inocência, até poderia se dizer pura,
visto que toda a podridão que nos ronda parecia não atingi-la. Como alguém
poderia continuar assim depois de se casar com um homem que carrega
tantas mortes nas costas?
— Como você se sente ao saber que vive com um monstro? —
Pergunto.
Ela franze o rosto por alguns segundos e depois morde o lábio
inferior.
— Prefiro não pensar sobre isso — deu um pequeno sorriso. — Só me
importo com o homem que Enzo é quando está comigo e nossos filhos.
— Hipocrisia — bufo. — Como você pode fechar os olhos para toda
a maldade que ele faz?
— Eu o amo.
— Mas isso não vai apagar o que ele faz — vocifero, me sentindo
atingida por toda ignorância que ela carrega consigo. — Veja o que ele fez
comigo!
Ayla agita-se, isso a faz passar as mãos pelo cabelo e andar de um
lado para o outro no quarto.
— O que ele fez com você?
— Me vendeu para os lobos e deixou que eles fizessem o que
quisessem comigo.
— Não... — Ela balança a cabeça veemente. — Enzo não faria isso,
ele te ama.
Solto uma risada sarcástica e balanço a cabeça com o que ela diz.
— Não acredite no amor de alguém que não tem coração — continuo
a sorrir. — Mas acredito em você.
Ela me olha com dúvida por eu ter dito isso.
— Vejo em você a inocência que talvez eu nunca tenha tido.
— Eu não sou tão inocente assim.
Olho ela por inteira e meneio a cabeça.
— Seu corpo pode não ser — a fito. — Mas sua alma sim, sua
essência, o que você acredita, é considerado inocência.
Olho ao nosso redor e suspiro.
— Será que você tem como me soltar um pouco?
Ayla olha para a corrente presa em meu pé e levanta as sobrancelhas.
— Eu não tenho a chave.
— Eu preciso muito ir ao banheiro — a olho com desespero. —
Ninguém veio me levar ao banheiro ainda.
— Vou ver se consigo com algum soldado.
— Obrigada.
Enquanto aguardo ela voltar, me arrasto até a beirada da cama, alongo
meus membros superiores e estralo o pescoço. Essa era a minha chance. Sinto
a adrenalina correr pelas minhas veias quando ela volta para o quarto e vejo a
chave em sua mão. Ayla se abaixa em minha frente, no momento que abre a
corrente e se levanta, ergo-me rapidamente e dou uma chave de braço nela.
— Milena...
— Eu sinto muito.
Ayla tenta me golpear, mas a seguro com firmeza fazendo-a se
debater enquanto aperto mais um pouco seu pescoço. Forço-a á caminhar
para fora do quarto e rapidamente os dois seguranças que estavam no
corredor apontam as armas em nossa direção.
— Solte-a.
— Se atirarem, ela morre — vocifero a prendendo mais contra mim.
— Me solta Milena.
— Cala a boca — rosno. — Abaixem as armas e deixe-me passar.
Os dois homens se entreolham e abaixam os revólveres enquanto
caminho na direção deles, fazendo de Ayla meu escudo. Passamos por eles e
viro-me em sua direção, andando de costas, não dando chances para atirarem
contra mim. Descemos as escadas, enquanto os soldados nos seguem
apontando as armas. Chegamos ao primeiro andar, olho rapidamente ao nosso
redor e fico sem saber para onde ir.
— O que está acontecendo... — a voz de Enzo ecoa e o vejo parar de
falar ao ver-me com sua esposa. — Solte-a.
— Não. — Balanço a cabeça.
— Milena, solte-a ou eu juro que a mato.
Solto uma risada enquanto prendo mais Ayla contra mim.
— E você já não matou?
— Eu não lhe vendi! — Rugiu, ficando vermelho. — Não fiz nada do
que Romonov disse-lhe que fiz.
— Eu não acredito em você!
Enzo dá um passo para frente e isso me faz andar para trás.
— E você não deveria acreditar naquele que a drogou sem se
preocupar se você iria ou não sobreviver.
— Cala a boca!
Pelo meu campo de visão vejo Aronne aparecer com sua arma
apontada. Parece que eu não sairei ilesa daqui! Esse pensamento me faz rir.
— Milena solte Ayla e vamos conversar — é Aronne quem diz.
— Não. — Percebo Ayla ficar meio mole, quase desfalecida e vejo
que estava apertando demasiadamente seu pescoço, afrouxo um pouco. —
Quero que vocês me deixem ir.
— Iremos se você a soltar.
— Quem irá me garantir?
— Eu juro pela minha vida e da Hope.
Fixo minha atenção em Aronne e franzo o rosto. Esse nome não era
estranho para mim.
— O que disse?
— Hope, ela está comigo.
Hope, querida.
Não, não poderia ser.
Sinto minha cabeça girar e meu corpo ficar mole como uma gelatina.
Solto rapidamente Ayla e me apoio na primeira coisa que vejo em minha
frente. Respire, respire.
Hope.
Fecho os olhos com força e sinto como se um grito sufocado ecoasse
em minha mente, trazendo consigo toda a dor e sofrimento. E, como se em
um estalar de dedos toda a minha vida voltasse à tona e todas as lembranças
retornam sem piedade, massacrando minha cabeça e rasgando-me ao meio,
como uma lâmina afiada.
Não sou o que as pessoas falam sobre mim
Sou somente uma garota que esconde a fragilidade na escuridão
Que tem medo de ser machucada — Camila Oliveira.

OITO ANOS ANTES...


MILENA

Não lembro como tudo isso começou, quando foi que meu coração
começou a bater mais forte contra meu peito e minhas mãos soarem ao
imaginar vê-lo. Isso parece tão patético para uma pessoa como eu.
Muitos podem dizer que sou muito nova para tais sentimentos e que
eu não deveria sentir algo tão forte por “ele”, mas é inevitável, não consigo
controlar o desejo que emana de mim toda vez que o vejo ou ouço alguém
falando seu nome. Mas o que me deixa magoada é a distância que ele impõe
entre nós. Parece que nada que eu faça e todo meu esforço não surte efeito,
isso me deixa cada vez mais frustrada.
Aronne Pellegrino parece algo tão distante, um ser inalcançável, que
me sinto impotente por não conseguir tê-lo. Eu tenho tudo que quero, é só
estalar os dedos e pronto pedido atendido, mas ele não. Sabia muito bem que
ele já tinha percebido meu interesse por ele e dado meus esforços de tentar
chamar sua atenção. E, nada do que eu faça parece ser o suficiente para fazê-
lo me notar.
Frustrada, viro mais um drink e bato o copo no balcão da boate que
nesta noite está lotada. Estou na companhia de algumas amigas, se é que
assim posso chamá-las. Sei que todas essas garotas só estão próximas de mim
por causa do meu status de “princesinha” Sartori. Todas interesseiras e não
me importo, pois nenhuma delas vai conseguir algo de mim.
Mesmo com o local cheio, consigo encontrar alguns soldados e dentre
eles está Aronne. Dou um sorriso de lado. Hoje eu teria que conseguir alguma
reação dele, ou não me chamava Milena Sartori.
— Você ainda não desistiu? — Perla pergunta parada ao meu
lado.
Viro para ela e levanto as sobrancelhas.
— E você desistiu do meu irmão?
Perla era fissurada em Enzo e sempre que ele estava em casa, dava um
jeito de aparecer. Coitada dela que tem esperanças e acredita que um dia irá
casar-se com ele, entretanto não serei eu a destruir seu conto de fadas.
Perla bufa e se afasta. O barman deposita mais uma bebida em minha
frente. Agradeço com um aceno e dou um pequeno gole. Se Enzo me
encontrasse bebendo igual uma alcoólatra, com toda certeza me colocaria de
castigo. Sorrio com esse pensamento. Nunca me importei com as ordens dele
e não será agora que irei começar.
Termino mais uma vez a bebida e vou para o meio da pista de dança,
fazendo questão de que ele olhasse meu corpo se esfregando noutros corpos.
Fico o encarando enquanto balanço meu traseiro, coincidentemente um
homem segura minha cintura aumentando o atrito dos nossos corpos, além de
beijar a pele do meu pescoço. Não dou atenção para o cara atrás de mim e
sim para o homem que me encara seriamente á alguns metros de distância.
Ele não iria se aproximar se eu continuasse com essa dança inocente.
Estreito os olhos e dou um sorriso de lado enquanto viro para o homem que
dança comigo. Não tinha visto como ele era, mas agora o vendo, agradeço
aos céus por ele ser bonitinho.
Ele teria que servir para que meu plano funcione. Agarro sua nuca e
não penso duas vezes antes de beijá-lo. Seu beijo era desesperado, não
esperou muito para enfiar sua língua em minha boca e tentar me comer com
aquele beijo estranho. Seguro em seus ombros e tento da melhor forma
acompanhar os movimentos dos seus lábios molhados e desesperados. Me
afasto, encarando o homem que logo percebo estar excitado e esfregava sua
ereção em minha barriga.
— Vamos sair daqui?
Olho sob o ombro e vejo que Aronne não parecia nada afetado sobre o
espetáculo do “beijo”. Que merda!
— Claro.
Eu não iria deixar esse idiota me beijar mais uma vez, se Aronne não
fizesse nada em poucos minutos, eu daria um jeito de dispensar o
desconhecido. Iria para casa, afundar minha frustração em um pote de sorvete
e esquecer esse maldito aniversário de dezenove anos.
O desconhecido me levou para um corredor que tinha luzes
avermelhadas e proporcionava um clima sensual, mas eu não sinto nem um
resquício dessa sensualidade e sim tensão. Quando paramos na frente de uma
porta sinto uma presença atrás de mim.
— Precisamos ir senhorita Sartori.
Sinto a frustração me invadir ao ver que não era Aronne. Viro para o
soldado que sempre estava ao seu lado e sorrio.
— Por quê?
— O Don, não irá gostar de saber que a senhorita está num quarto
com um desconhecido.
— Claro meu irmão — sorrio sarcástica.
Suspiro e viro para o homem que me aguardava na porta do quarto.
Forço um sorriso triste e digo.
— Sinto muito, mas tenho que ir.
— Sério, gata?
— Sim — me aproximo dele e beijo sua bochecha. — Nos vemos por
aí.
Sem aguardar alguma resposta, me viro e sou acompanhada pelo
soldado até a saída da boate, aproximo-me e entro no veículo, vejo que no
banco do motorista está Aronne. Abraço meu corpo e viro o rosto para a
janela observando a paisagem. Não sei por que ainda tento fazê-lo gostar de
mim. Uma pequena parte de mim tem a esperança de que ele me note, mas
parece que isso nunca irá acontecer.
Não esperei que o carro parasse completamente na frente da mansão
para saltar porta afora rapidamente, subindo quase que correndo os degraus
da frente da casa adentrei-a. Passei pela escadaria pegando uma das garrafas
do meu irmão, ele não iria se importar se alguma sumisse. Não me importo
em pegar copo, beberia direto do gargalo. Vou para os fundos da casa e me
sento na borda da piscina, tiro minhas sandálias de salto, as jogando para
longe e afundo meus pés doloridos na água gelada.
Abro a garra de Whisky e viro-a na boca. Faço uma careta, mas logo
me acostumo com o gosto forte e amargo. No silêncio da noite e na
privacidade sinto que posso ser eu mesma, não aquela garota que as pessoas
esperam que eu seja ou a personificação de Milena Sartori, a mimada, víbora
e vadia. Era dessa forma que as pessoas me conheciam e não a garota vazia e
sozinha que sou.
Por trás de toda máscara de alguém malvado, existe um lado
quebrado, que é quase impossível de ser reparado.
— Você não é muito nova para beber tanto?
Saio dos meus devaneios e olho sob meu ombro e vejo-o parado há
alguns centímetros de onde estou.
— Desde quando isso importa? — Pergunto dando mais um gole na
bebida.
Ele se senta ao meu lado e percebo que tinha tirado seus sapatos e
meias. Ofereço a garrafa e ele balança a cabeça em negativo.
— Desde que você é minha irmã.
— Uma irmã que você esquece o próprio aniversário — digo em um
tom azedo.
— Milena...
— É o terceiro ano que você esquece — o corto. — Não importo mais
para você, não é Enzo?
Meu irmão vira o rosto para mim e seus olhos acinzentados me fitam
com algum tipo de carinho. Nunca fomos de demonstrar sentimentos
afetivos. Enzo aprendeu a nunca demonstrar seus sentimentos e com a
convivência aprendi a também não. Eu era uma Sartori e a frieza corria pelas
minhas veias, junto com toda a escuridão que nos ronda.
— Eu a deixei ir para uma boate e beijar um estranho.
Olho para o meu irmão com nojo.
— Tudo que eu faço é para chamar sua atenção, Enzo — confesso. —
Mas você não se importa!
— Não fale besteira.
Viro mais Whisky na boca e solto uma risada estrangulada.
— Sim, chefe — reviro os olhos. — Agora vou passar as últimas
horas, do meu aniversário, sozinha como sempre.
Me levanto com dificuldade, ao invés de entrar na casa caminho pelo
jardim, dando a volta sigo para a guarita, onde alguns seguranças ficavam.
Encontro quem eu queria e encosto-me á porta.
— Você — aponto para um soldado. — Quero que me ti... tire, daqui.
Não espero ver se ele seguiu meu comando e me siga até o carro,
marcho para este, destravo e entro no banco do carona, ignorando o banco
traseiro. Fecho a porta com certa força e fecho os olhos.
— Para onde vamos, Senhorita Sartori?
Franzo a testa ao ver que era Aronne sentado ao meu lado.
— Ao que me consta, não chamei ocê — aponto a garrafa em sua
direção.
Ele me olha de relance e suspira.
— É meu dever sempre estar disponível quando a senhorita desejar.
— É mesmo? — Levanto as sobrancelhas.
Aronne não diz nada e aguarda uma instrução minha de para onde
deveríamos ir. Não sei por que fui atrás de algum soldado e do porque estar
dentro desse veículo.
De repente sinto um nó se formar em minha garganta e como se
alguém tivesse apertado um botão que comandava minhas emoções, várias
lágrimas deslizam pelo meu rosto. Fungo e tento limpar meu rosto, mas
continuo a chorar compulsivamente, sendo impossível de segurá-las.
— Senhorita...
— Minha vida é uma merda — digo fungando. — Meu irmão não
lembrou meu aniversário e nem desejou parabéns para mim e... e... você...
— O que tem eu, senhorita?
— Não nota todos os meus esforços — libero toda a minha frustração.
— E se nota, não tem a porra de uma reação que eu desejo!
Aronne vira para mim e seus olhos azuis, mesmo no breu do carro,
pareciam tão límpidos que conseguiam aquecer meu coração, me fazendo
sentir uma garota boba apaixonada.
— Eu noto todos os seus esforços.
— Então por que nunca reage da forma que espero? — Pergunto
desesperada.
— Porque é errado um simples soldado sentir algo pela irmã do Don.
— Foda-se isso — berro e solto a garrafa no painel do carro. — Só
quero pelo menos uma vez na minha vida ser correspondida.
— Milena...
— Eu não aguento mais ser ignorada ou tratada como uma mimada —
continuo e sem me importar, me inclino na direção dele.
— Milena, o que você está fazendo?
— O que sempre quis fazer desde os meus quinze anos — sussurro
segurando seu rosto coberto por uma barba aparada. — E não ligo se você
preferir fingir que nada aconteceu amanhã, mas, me beije.
— Não podemos.
— Ninguém vai saber.
— Lena...
Interrompo seus protestos quando colo seus lábios nos meus, calando
qualquer dúvida que poderia haver sobre não poder acontecer, porque eu
nunca estive tão decidida como nesse momento e ter sua boca na minha,
sentir seu gosto de menta misturado com meu de álcool, nunca foi tão bom.
Sinto suas mãos segurarem meus ombros pequenos, mas ele não põe
pressão para nos afastar. No fundo eu sabia que ele queria isso também,
mesmo que fosse errado e nossas diferenças de idade fossem gritantes. Me
inclino mais em sua direção e aos poucos percebo que ele se rende ao nosso
beijo. Seus lábios reivindicam os meus e tomam o controle da situação.
Seu beijo foi totalmente diferente do homem da boate, mesmo que
houvesse língua em nosso beijo, Aronne sabia movimentá-la muito bem em
minha boca, com ele me senti confiante em acompanhar seus movimentos e
sorri contra sua boca quando mordiscou e chupou meu lábio inferior. Um
pouco desajeitada subo em seu colo, sem ligar para o pouco espaço que
temos dentro do carro. Seguro seu rosto entre as mãos e me sinto
completamente realizada.
Sei que amanhã as consequências desse ato podem vir, mas quem
liga? Eu só quero viver esse momento e me preocuparia com os problemas
quando viessem. Abraço-o da melhor forma que consigo e Aronne passa seus
braços fortes pela minha cintura e suas mãos grandes passeiam pelas minhas
costas, me fazendo arrepiar completamente.
Eu já havia beijado outros homens e tocada por eles, mas nenhum
conseguia arrancar arrepios como Aronne arranca do meu corpo e isso era tão
bom. Me sentia nas nuvens e meu corpo parecia ficar em chamas com cada
toque seu. Aronne afasta o rosto do meu, o vejo encostar a cabeça no banco e
ficar com os olhos fechados. Fico o fitando, acompanhando cada reação dele.
— Não deveríamos ter feito isso — diz depois de alguns segundos.
— Por que não?
Aronne abre os olhos e seus olhos azuis parecem desorientados e ao
mesmo tempo preocupados.
— Seu irmão irá arrancar minha cabeça se souber que eu a beijei.
— Lhe corrigindo — sorrio. — Fui eu que lhe beijei.
— Isso não importa — disse irritado. — De qualquer forma eu
correspondi.
Não contenho minhas mãos e toco suas bochechas, sigo para seu
nariz, lábios e barba.
— E foi bom.
— Milena!
Suspiro e sinto que todo o encanto do beijo se foi e a preocupação do
que iria vir a seguir surgir.
— Ninguém irá saber — murmuro. — Então não se preocupe, porque
meu irmão não irá descobrir.
Ele continua a me olhar e o vejo relaxar visivelmente. Saio do seu
colo e ajeito a saia do vestido que subira quando parti para cima de Aronne.
Sem espelho ajeito meus cabelos e pego a garrafa de bebida. Abro a porta do
carro e saio sem dizer mais nada.
Não queria perder ainda mais o encanto de beijá-lo, porque Aronne
conseguiu me frustrar ao demonstrar arrependimento pelo que fizemos.
MILENA

Sinto como se minha cabeça fosse explodir e meu estômago


embrulhado. Sempre digo para mim mesma que não vou exagerar tanto na
bebida, mas quando a noite chegava e a solidão, vinha junto á única coisa que
poderia me fazer companhia, o álcool, ele sempre estaria ali, mostrando que
poderia substituir o que me faltava.
— Aqui está, senhorita — Tália põe o café na minha frente.
Aceno com a cabeça, sem ter coragem de abrir os olhos. Tinha
acordado com uma tremenda ressaca e o sol parecia me ajudar a passar as
primeiras horas do dia, então tinha decidido tomar café da manhã na beira da
piscina. Fazia três dias que completei dezenove anos e do beijo que dei em
Aronne, nesses dias afundei qualquer frustração que me assola na bebida e
todas as noites estava saindo para me divertir, sempre na companhia de
alguma garota da famiglia.
Eu não havia me arrependido do que tinha feito com Aronne dentro
do carro, mesmo que fosse somente um beijo. Mas toda vez que meus olhos
cruzavam com os de Aronne, via que ele ainda pensava no que tínhamos feito
e ás vezes podia ver arrependimento passar pelas suas íris azuis.
Pego meu café e dou um gole, sentindo minha dor de cabeça dissipar
aos poucos. Não como muito e logo depois vou para a beira da piscina, onde
fico por um tempo me bronzeando, ciente de que em alguns pontos
estratégico tem seguranças me vigiando e protegendo. Não é hábito meu ficar
o dia todo na piscina sem fazer nada, mas meu corpo pedia por isso, ele
queria o descanso que não vinha tendo nos últimos dias.
Revezo entre nadar na água gelada e ficar no sol, até que me sinto
melhor e toda minha ressaca ir embora. Ao cansar de ficar pegando sol e
nadando, calço minhas sandálias e vou para dentro da casa.
— Preciso falar com você — Enzo diz assim que me vê.
Levanto as sobrancelhas e fixo minha atenção no homem atrás dele.
— Olá, Domênico — digo ignorando meu irmão. — Estarei no meu
quarto.
— Ela ainda está com raiva por você ter esquecido seu aniversário?
Ouço Domênico perguntar enquanto subo as escadas.
— Sim, mas logo isso passa.
Reviro os olhos para a confiança que meu irmão exala em suas
palavras. Se ele soubesse o quanto estou puta com ele, o mesmo não teria
tanta certeza assim.
Ao me trancar no quarto, tiro meu biquíni e fico por alguns minutos
sob o chuveiro, deixando a água relaxar meu corpo e tirar o cloro da piscina.
Me concentro em cuidar dos meus cabelos e hidratá-los como merecem. Ao
terminar, saio do chuveiro e paro na frente da bancada da pia, escovo e seco
os cabelos. Ao olhar minhas mechas escuras e pele clarinha, era como se
olhasse para minha própria mãe.
Eu não lembro muito bem da sua fisionomia, somente pelas fotos eu
conseguia ver minhas semelhanças com as dela. As únicas lembranças de
Vanessa que via em minha mente era seu tratamento comigo, como ela era
rude e fria. Lembro-me dos seus gritos pedindo que eu parasse de chorar,
dizendo ninguém iria me amar daquela forma, que eu era mimada e chorona.
Que mãe poderia ser assim com uma criança de apenas cinco anos?
Uma mãe que não amava a própria filha.
Também não tive um pai presente e posso afirmar que minha família
é uma merda. Desde os meus pais até o meu irmão, não demonstramos nossos
interesses pelos laços de sangue. Por muitas vezes escutei que aparentava
mais com meu pai, meu corpo e cabelos eram parecidos com de Vanessa e os
olhos azuis intensos eram idênticos aos do Diogo. Até dizem que a minha
forma de ser irredutível puxei dele, mas sei que isso herdei do meu irmão.
Eu amo Enzo mesmo que na maioria das vezes não nos demos bem.
Não tinha como não amá-lo, ele é meu irmão e nunca deixará de ser.
Podemos brigar e discutirmos por horas, ficarmos sem nos falar por dias, mas
no final ele estará ali por mim quando eu precisar, e eu por ele.
Termino de me ajeitar e vou para o closet, visto uma calça preta de
cintura alta e uma blusa curta branca de alças. Calço minhas sandálias preta
de salto e tiras, e ao me olhar no espelho de corpo inteiro, vejo a Milena que
todos conhecem, impecavelmente vestida e bem-educada, porém nem todos
conhecem o furacão que sou por trás dessa bela fachada.
Não sei ao todo quanto tempo demoro, para sair do quarto, mas assim
que desço sou avisada de que meu irmão ainda estava me esperando para
conversar em seu escritório.
— O que você precisa Enzo? — Decido agir com condolência.
Brigar com ele não nos levaria a lugar algum, e não preciso de
mágoas ainda maiores. As feridas precisam primeiramente cicatrizar, para
depois serem abertas novamente. É quem sabe eu poderia ser uma poetisa!
Sorrio com tal pensamento.
— Sente-se — ele indica uma cadeira à sua frente, onde ele já se
encontra sentado, rodeado de papéis que parecem não ter fim.
— Prefiro ficar em pé, senão se importar — digo caminhando pelo
cômodo.
— Então...
Ele para e ouço seu suspiro. Eu sei, não sou fácil de lidar e uma das
minhas diversões prediletas era testar a paciência dele, mas estava me
esforçando para ser compreensível com ele, ao menos por hoje.
Batuco meus dedos pelos móveis e paro na frente do aparador que
dispõe de vários tipos de bebidas. Dedilho as garrafas e escolho uma. Me
sirvo em um copo e viro para Enzo.
— Estou esperando, irmãozinho — digo enquanto bebo.
— Não está cedo para beber?
Fito o líquido escuro no copo e dou de ombro virando todo o líquido e
batendo o copo no móvel.
— Estou esperando.
Vejo meu irmão passar a mão pelos seus cabelos escuros e me olhar
seriamente. E nesse momento tento lembrar-me quando foi a última vez que
vi meu irmão sorrir, talvez nunca. Ele sempre tem esse jeito sério e
impassível de ser, seu humor frio sempre me contagiou e eu aprendi a ser
desagradável como ele.
— Sei que você ainda não superou por eu ter esquecido seu
aniversário — ele diz. — Mas está na hora de esquecer isso, Milena.
Me desencosto do móvel e ando em sua direção. Apoio minhas mãos
em sua mesa de madeira maciça e inclino-me para frente, fixando nossos
olhares.
— Não sei o que você quer com todo esse papo, mas somente eu
decido a hora de esquecer alguma coisa — meu tom é duro e decido esquecer
toda a porra de ser cordial com ele. — Se você me chamou para falar como
devo agir, só posso dizer que foi perca de tempo.
Enzo se mantem calado e somente me olha com frieza. Eu conhecia
bem esse olhar, era sempre assim que me olhava e se dirigia a mim. Enzo não
estava confortável com a minha petulância e parecia desgostoso de como ajo
quando tentam me domar.
Não querendo mais ficar naquele escritório e ficar um tempo longe
dele, me endireito e decido sair daquela sala. Mas antes que eu consiga girar a
maçaneta e deixar Enzo para trás ele diz:
— Você irá se casar.
Sinto todo meu corpo ficar tenso e minha respiração ficar suspensa.
Viro lentamente de volta para meu irmão.
— O quê?
— Você irá se casar — repetiu.
Fecho os olhos e respiro profundamente.
— Isso eu escutei — minha voz quase não sai da minha garganta
seca. — Só me pergunto como você pode dizer isso.
Enzo se encostou mais em sua cadeira e ficou me observando com
cuidado. Enquanto ele estava calmo, eu estava pronta para destruir tudo ao
nosso redor.
— É necessário — diz calmamente. — Talvez dessa forma você
amadureça.
Solto uma risada e balanço a cabeça ao mesmo tempo.
— Amadureça — repito o que ele disse. — Pelo que me lembre eu
não preciso ser madura quando você quer que eu resolva as merdas da
famiglia.
— Milena...
— Enfia a porra desse casamento no seu rabo, Enzo — vocifero
descontrolada. — Se você tocar nesse assunto novamente e pensar em me
casar sem meu consentimento, querido irmão, eu juro que faço dessa terra um
inferno e faço você se arrepender dessa decisão.
— Está me ameaçando Milena?
Enzo se levanta e me olha ameaçadoramente. Há muito tempo, já
senti medo dele, não agora.
— Entenda como quiser — murmuro. — Só não tente me casar.
— Eu sou o chefe dessa família e o Don da Cosa Nostra, você me
deve respeito e obediência — o vejo ficar vermelho de raiva. — Não tente me
ameaçar, se não vai cumpri-la.
— Não me teste — dou um pequeno sorriso. — Só fale comigo se
precisar que eu faça algum serviço, senão, finja que não existo.
Saio do seu escritório me sentindo transtornada. Não posso acreditar
que Enzo está pensando em me casar? Quem ele pensa que é?
O Don da famiglia.
Que ele enfiasse sua autoridade onde o sol não bate. Eu não vou me
casar com alguém que não gosto. Não serei mais uma esposa submissa e que
aceita todas as merdas do marido. Não serei esse tipo de mulher. Não fui
criada para isso.
Se ele quisesse alguém recatada e obediente, que tivesse me trancado
num convento ou internato. Talvez assim eu fosse o que ele queria que eu
fosse, mas eu não sou.
Eu sou alguém que ele criou e moldou para ser o que sou hoje, porque
ele me quer assim. Agora era tarde demais para me educar e me fazer ser uma
fiel garota da máfia.
Babaca.
Submersa nos meus pensamentos esbarro em alguém e quase caio
para trás, mas braços fortes e quentes me seguraram rapidamente, uma parede
de músculos.
— Está tudo bem?
Aquela voz. Respiro fundo e levanto um pouco a cabeça para
consegui visualizar seus olhos azuis cristalinos nos meus. Eles são tão lindos.
Como num passe de mágica sinto como se toda minha ira se dissipe e
somente a frustração permaneça.
— Eu pareço bem? — Não consigo controlar meu tom arrogante.
Aronne levanta uma sobrancelha e tenho um pequeno vislumbre de
sorriso em seu rosto e isso quase me fez suspirar. Nesse momento pareço uma
garota idiota.
— Não, não parece.
Aceno e relutante me afasto dos seus braços, tento a todo custo não
lembrar-me da cena protagonizada há três dias, onde estava sobre o seu colo
e o beijando loucamente, enquanto seus braços me seguravam e eu segurava
seus cabelos macios.
Não é hora de pensar nisso.
— Preciso sair dessa casa — digo em tom baixo.
— Eu posso levá-la.
— OK.
Aronne dá um passo para o lado, me dando espaço para passar.
Prendo a respiração para não sentir seu perfume e me perder em
pensamentos. Quando o assunto é esse homem me sinto uma boba
apaixonada que não consegue parar de pensar nele e de imaginar como seria
estar em seus braços novamente. Eu preciso me conter e não avançar em cima
dele como um lobo que está atrás de um pedaço de carne e no caso ele seria
minha carne.
Que eu faria questão de comer.
Balanço a cabeça com tal pensamento e tento não pensar em nada que
seja relacionada á lobos, carnes e Aronne. Mas essa última parte é difícil, já
que eu estava em um pequeno local, onde eu conseguia sentir sua presença
dominando quase todos meus pensamentos.
De vez ou outra conseguia encontrar seu olhar pelo retrovisor do
carro, fiquei tentada em desviá-lo, mas mantive nosso contato. Aronne
sempre desviava para voltar a dirigir e fiquei reparando nas reações do seu
corpo. Vi ele apertar o volante algumas vezes ou batucar os dedos na perna.
Isso resultava em nervosismo ou ansiedade, não sabia qual dessas duas
conclusões ele se encaixava e qual poderia me agradar.
Me concentro no caminho e estranho ao ver que ele está nos levando a
praia. Franzo as sobrancelhas e mesmo confusa continuo olhando os prédios
sumirem, a areia aparecer e a imensidão azul aparecer. Assim que o carro é
estacionado desço e abraço meu corpo, sentindo o vento bater contra minha
pele.
— Sabe que não estou com roupas adequadas para a praia — brinco
enquanto tiro meus saltos e deixo-os dentro do carro.
Aronne sorri enquanto tira seus sapatos e meias.
— Vem.
O acompanho e sorrio ao sentir a areia nos pés, o sol fresco batendo
em minha pele. Fazia bastante tempo que vinha aqui.
— Por que me trouxe aqui, Aronne? — Ponho minhas mãos nos
bolsos da calça.
Estamos parados de frente para o mar, vez ou outra a água bate nos
nossos pés e isso é relaxante.
— Aqui é calmo e você precisava de algo assim — me responde
dando de ombro.
Entro mais um pouco na água, sem me importar se iria molhar minha
calça. A água do mar estava um pouco gelada e isso me faz tremer um pouco.
— Obrigada — digo em tom baixo.
Sinto sua presença atrás de mim, com isso sinto minhas veias
pulsarem se agitando em expectativa. Não seja idiota, ele não irá fazer nada.
— Milena Sartori agradecendo? — Pergunta em tom de brincadeira.
Viro o rosto em sua direção e levanto uma sobrancelha.
— Ás vezes, sou educada.
— É o que percebi.
Acabo dando um sorriso e sem esperar o vejo se aproximar ainda
mais de mim, isso me deixa em alerta. Aronne não deveria estar tão próximo
assim. Ele nunca ficou tão perto, somente naquele dia dentro do carro, onde
roubei um beijo seu.
— O que você está fazendo? — Pergunto ofegante.
Quase fecho os olhos ao sentir seus dedos tocarem meu rosto e
afastarem uma mecha de cabelo. Aronne abaixa o seu rosto, ficando somente
poucos centímetros do meu. Até consigo sentir seu hálito e seu cheiro que me
deixa inebriada.
— O que estou desejando fazer desde que você me beijou.
Sem esperar, Aronne segura minha cintura, colando nossos corpos e
logo sinto sua boca na minha, tirando qualquer misero raciocínio que eu
poderia ter neste momento. Ponho minhas mãos em seus ombros e fico na
ponta dos pés, tentando ter mais do seu contato, querendo que ele me beije
ainda mais. Solto um gemido ao sentir sua língua entrar em contato com a
minha, explorando cada cantinho da minha boca e me deixando cada vez
mais a sua mercê.
As mãos dele exploram minhas costas, subindo minha blusa e minha
pele se arrepia ao sentir o contato delas em meu corpo. O puxo pela camisa e
tento abrir alguns botões, mas era quase impossível, já que estávamos perto
um do outro e não quero me afastar.
— Sei que isso é errado.
— Não venha falar sobre isso agora — resmungo enquanto mordo seu
lábio inferior e chupo.
— Deixe-me terminar — diz segurando minha nuca e puxando meus
cabelos daquela região. — Sei que é errado o que estamos fazendo, porque
seu irmão é meu chefe e se ele descobrir isso, com toda certeza irá arrancar
minha cabeça.
Fito seus olhos azuis e temo que ele queira se afastar mais uma vez.
Eu não iria deixar que ele me beijasse e fingisse que nada tinha acontecido.
— Mas eu não consigo parar de pensar em você — confessa em voz
baixa. — Mesmo que tenhamos uma diferença de idade e minha posição
dentro da famiglia não seja das melhores.
Seguro seu rosto entre minhas mãos trêmulas e tento controlar todas
as emoções que estão me invadindo nesse momento.
— Eu não ligo para nada disso — sussurro. — Não ligo por você ser
dezessete anos, mais velho do que eu, não me importa se é um soldado.
— Você não sabe o que está dizendo.
— Claro que sei.
Aronne desliza o polegar pela minha bochecha, seguindo para os
meus lábios e acaricia-os, partindo para meus cabelos.
— Provavelmente você pode se arrepender futuramente do que
estamos fazendo.
— Nunca vou me arrepender — encosto meu rosto em seu peito. —
Você pode não acreditar, mas quando digo que eu gosto de você e que
sempre quis estar assim ao seu lado é a mais sincera verdade explanada por
minhas palavras.
— Milena...
— Nada vai me fazer não desejar você, ninguém vai conseguir me
fazer deixar de gostar de você — dou um pequeno sorriso. — Então é melhor
se conformar, porque essa garota aqui é cabeça dura e não vai deixá-lo por
nada, mesmo que no final não possamos ficar juntos, mas farei o possível
para que isso nunca chegue á acontecer.
— Menina — ele diz balançando a cabeça. — Você me enfeitiçou.
Encosto nossos lábios e digo:
— É bom que esse feitiço dure para sempre — o beijo avidamente.
Ainda segurando minha nuca, Aronne traz meu rosto para ainda mais
perto do seu. Nesse momento me sentia realmente feliz, não queria deixá-lo e
nem ao menos esquecer esse “encontro”.
Quando nos afastamos para tomar fôlego, solto uma risada e balanço
a cabeça sem conseguir acreditar que isso estava mesmo acontecendo.
— Vamos com calma, OK?
Aceno, sem conseguir pronunciar qualquer palavra. Na verdade, me
sinto extasiada, como se estivesse flutuando nas nuvens.
— Não vamos atropelar as coisas — ele me toca. — Iremos nos
conhecer aos poucos e deixar que as coisas fluam naturalmente.
— Isso quer dizer o quê?
— Que isso entre nós continuará e nos deixaremos levar para vermos
no que vai dar.
Mordo meu lábio inferior deslizando minha mão pelo seu braço,
rumando em direção ao seu pescoço, para então entrelaças meus dedos por
seus cabelos.
— Então poderei beijá-lo quando quiser? — Balanço as sobrancelhas
sugestivamente.
— Sim — ele abaixa o rosto e solto um suspiro ao sentir seus lábios
passearem pelo meu rosto. — Mas teremos que ser cautelosos, ninguém pode
saber que estamos tendo alguma coisa.
— Ninguém vai saber.
— Ótimo — diz se afastando. — É melhor voltarmos para a cidade,
Sartori pode estar nos procurando.
— Vamos ficar mais um pouco?
Aronne verifica seu relógio de pulso e depois me olha.
— Podemos ficar somente por mais cinco minutos.
— Perfeito — sem que ele espere pulo em seu colo, obrigando-o a me
segurar para não cairmos. — Dá para beijá-lo como quero.
Ouço sua risada quando o beijo como quero e seguro seus cabelos
entre meus dedos. Aronne não se opõe e somente me segura em seu colo, me
deixando sanar toda a vontade que vinha carregando em meu intimo, e ele
aproveita para apertar-me contra seu corpo forte.
MILENA

Se eu dissesse que em algum momento da minha vida já fui feliz


realmente, estaria mentindo, pois nunca fui. Talvez, em algum momento
tenha tido algum lampejo de felicidade, mas nada comparado ao real
sentimento.
Mas senti-lo nesse momento é tão estranho, que ás vezes me vejo
como uma boba por acreditar que cada momento que passo ao lado de
Aronne, mesmo que sejam tão poucos e raros, realmente me sinto feliz. Por
alguns momentos esqueço quem realmente sou, posso ser uma garota
apaixonada e que aproveita a vida ao lado da pessoa que gosta.
Depois de Aronne confessar que queria passar algum tempo ao meu
lado, que queria ver aonde daria, sempre que podíamos nos beijávamos e
ficávamos a sós. Há dois dias eu não o via e sentia um pouco de saudade
dele, aplacava esse sentimento somente por poder olhá-lo, pois desta forma
poderia ver que ele estava bem.
— Você está muito pensativa hoje.
Perla que estava calada até agora diz e me olha com curiosidade.
— Só estou pensando em como matá-la e desovar seu corpo — reviro
os olhos enquanto bebo meu café.
Perla arregala os olhos e me olha assustada.
— Que horror, Milena — diz em tom baixo.
Escondo um sorriso que permeia por meus lábios com minha xícara e
tento não parecer divertida. Algumas vezes gostava de ser malvada com as
pessoas, mas a maioria delas era somente para manter meu status de víbora e
garota mimada.
— Se não quer que eu pense nessas coisas, não faça comentários
idiotas — pego um cookie e mordo.
— Eu só quero puxar assunto.
Deixo meu café de lado e me recosto na cadeira.
— Então vamos conversar — digo. — Como você veio parar aqui?
Perla deixa seu chá de lado e repete os meus movimentos, se
recostando em sua cadeira.
— Seu irmão e eu dormimos juntos.
— Então transaram?
— Sim.
Solto uma risada e olho para o céu brilhante pelo sol.
— Você sabe que é somente uma foda para ele, né?
Perla desvia sua atenção de mim e se concentra em qualquer coisa ao
nosso redor. Sabia que ela estava pensando sobre o que eu tinha dito.
— Desde o começo da nossa amizade, eu disse que meu irmão não
quer compromisso.
— Em algum momento ele terá que se casar.
— Mas não será com você, Perla.
— Por que você tem que ser tão malvada? — Me fita com censura.
Pego novamente meu café e dou um gole.
— Sou realista — dou de ombro. — Mas se você quer se iludir e
achar que meu irmão vai lhe pedir em casamento, tudo bem, não serei mais
realista e irei embarcar concomitantemente com você nesse seu conto de
fadas mixuruca.
— Quem precisa de inimigo se tem você como amiga — brada
enquanto volta a comer.
— Obrigada.
Terminamos nosso café da manhã, com minha visão periférica vejo
perfeitamente a porta do jardim ser aberta e meu irmão aparecer.
— Venha comigo, Milena — ele diz, ignorando completamente Perla.
A mesma parece chateada por ele não lhe dirigir nenhuma palavra.
Me levanto e reviro os olhos ao ver que ela está a ponto de chorar pela falta
de atenção do meu irmão.
Acompanho meu irmão até o escritório. Vale ressaltar que ainda não
estou falando com ele, mesmo que já tenha se passado cinco dias. Eu não era
obrigada a aceitar suas ordens e me sinto no direito de querer deixá-lo no
gelo por mais algum tempo.
Estranho ao ver Aronne dentro do escritório, e meu irmão caminha
até sua mesa e se senta. Ajo naturalmente e não me prendo muito em Aronne,
sento-me de frente a sua cadeira, sabendo que ‘ele’ o homem dos meus
pensamentos está alguns metros atrás de mim.
— O que deseja Don? — Pergunto secamente.
Enzo me fita por alguns segundos, logo depois pega um documento e
o estende em minha direção. Pego e abro a pasta, onde vejo algumas
informações.
— Deputado estadual — leio. — O que você quer que eu faça com
alguém desse tipo?
— Faça-o falar o que fez com as verbas que deveriam vir para nós.
— Isso alguns dos seus soldados poderia fazer.
— Mas eu quero que você faça.
Olho a imagem do homem que não era nada atraente. Ele era careca,
baixinho e tinha uma barriga enorme.
— Sim, chefe.
Me levanto e jogo a pasta sobre a mesa.
— Onde e que horas terei que estar para encontrá-lo?
— Hotel Royale, ás dezenove horas.
Aceno e me encaminho para fora do escritório. Não sei por que Enzo
faz questão que eu faça esses serviços, sei que ele tem pessoas capacitadas
para fazê-los. Eu não aguento mais fazer isso, me sinto mal toda vez que
algum homem asqueroso tenta se aproveitar de mim, passando suas mãos
nojentas pelo meu corpo, enquanto eu tenha que fingir que gosto.
Mas por sorte nunca tive que chegar as vias de fato e ter que transar
com algum desses vermes, pelo menos isso Enzo não me obriga a fazer.
Poucas pessoas sabem o que eu faço pela famiglia, que eu ajudo a deixar essa
merda de cartel em ordem. São somente Enzo, Domênico e Aronne que
sabem. Aronne sempre esteve por perto enquanto executo esses serviços, ele
é a pessoa que me tira das enrascadas, quando alguns dos homens tentam me
obrigar a transar.
Eu posso ser conhecida como a vadia, trocar beijos dignos de atentado
ao pudor, mas o que ninguém sabe verdadeiramente é que me mantenho
intacta lá embaixo, que nunca deixo que qualquer um ultrapasse os beijos e
sempre que tentam me tocar além de onde permito, acabam com algum
membro do corpo quebrado.
— Milena — ouço sua voz, vindo atrás de mim.
Paro de andar e viro para ele.
— O que foi?
— Você está bem?
Tento controlar minha frustração, mas parece quase impossível.
— Não quero falar agora — digo seca. — Quero ficar sozinha e
pensar como vai ser nesta noite.
Antes que eu me vire e siga meu caminho, ele segura meu braço me
forçando a aproximar nossos corpos.
— Vai dá tudo certo.
— Eu sei que sim — digo convicta. — Nunca falhei.
— Porque você é perfeita no que faz.
Balanço a cabeça assentindo, querendo poder ficar sozinha com ele
para abraçá-lo com força e sem medo.
— Preciso ir — digo me soltando. — Tenho que escolher o que usar
esta noite.
Com isso Aronne me solta, sabendo que era arriscado ficarmos perto
demais dentro da casa. Alguém poderia nos ver assim e não seria nada bom
meu irmão descobrir que seu soldado está tocando ternamente sua irmã.
— Vista algo confortável.
— Por quê?
Aronne dá um sorriso misterioso e me lança uma piscadela.
— Depois de conseguir o que seu irmão quer, vamos num lugar.
— Aronne.
— Só faça o que estou pedindo.
— OK.
Antes de me deixar ir, ele se aproxima rapidamente e beija minha
testa com ternura.
— Estava sentindo sua falta.
— Eu também.
Ele segura meu rosto e sorri.
— Mais tarde poderemos fazer o que quisermos.
— Tudo o que quisermos? — Pergunto sugestivamente.
Ele balança a cabeça e se distancia.
— Não pense besteira, menina.
— Eu não estou pensando em nada.
Percebo que estou sorrindo e que meu aborrecimento desapareceu por
ora. Somente ele consegue me fazer sentir essa leveza, antes me sentia
apreensiva e tensa agora não mais.

Me encaro através do espelho e tento encontrar qualquer falha minha,


algum amassado em meu vestido negro de tamanho mediano, que chega um
pouco abaixo dos meus joelhos. As alças grossas do vestido e o decote
retangular me deixam um tanto sóbria, com um ar mais sério e ao mesmo
tempo sensual, o vestido que é colado ao corpo, marcando cada curva que
tenho. Meus saltos scarpins combinam com o vestido me deixa mais
longilínea. Meus cabelos estão presos em um coque bem ajustado e em meu
rosto fiz uma leve maquiagem, somente exagerando no batom vermelho vivo.
E, verifico se a escuta que tenha plantada entre meus seios está bem
escondida. Sempre que faço algum serviço para Enzo, ele me faz usar essas
coisas. Ele diz que poderá me proteger se alguma coisa sair do controle, e
usar a escuta ajuda.
Viro de costas para o espelho e encaro a roupa por trás. Era bastante
discreto e comportado, perfeito para a ocasião desta noite. Sei que Aronne me
pediu para vestir algo confortável, mas eu não poderia fazer isso. Eu estaria
dentro de um hotel luxuoso e se fosse de calças e camiseta não conseguiria
chamar atenção de Pablo García, meu alvo da vez.
Borrifo mais um pouco de perfume e antes que ficasse mais alguns
minutos me admirando no espelho decido sair do quarto, não posso perder
mais tempo, por mais alguns minutos me atrasaria e ainda não saíra de casa.
No andar inferior encontro meu irmão sentado na sala de visitas,
agarrado com Perla que estava em seu colo e puxava seus cabelos. É, parece
que ela está realmente conseguindo ter meu irmão. Saio da casa sem
interrompê-los e encontro Aronne encostado no carro.
Ao me ver, o vejo observar cada centímetro do meu corpo e isso me
deixa extremamente feliz, pois me vesti exclusivamente para ele e ver sua
reação positiva me agrada.
— Isso tudo é para Pablo García? — Me olha com certa malícia e
curiosidade.
Decido provocá-lo e antes de entrar no veículo digo:
— Quem sabe ele seja a pessoa que procuro.
Fecho a porta do carro, o vejo ficar parado por alguns segundos e isso
me fez sorrir. Se ele soubesse que toda a minha produção é para ele.
Aronne logo entra no carro, encontro seus olhos pelo retrovisor e as
íris azuis me fitam com intensidade. Mordo meu lábio e me acomodo direito
no banco traseiro.
— Você terá somente uma hora para conseguir as informações que
seu irmão deseja.
— É tempo suficiente — verifico minha bolsa de mão, olho o frasco
de veneno e uma pequena faca.
Aronne para o carro na frente do hotel e me analisa.
— Tome cuidado.
Apenas aceno e saio, entrando no hotel sigo pelo enorme saguão, indo
de encontro ao restaurante que estava praticamente vazio devido ao horário, o
que me facilita encontrar Pablo García. Seguro minha bolsa com as duas
mãos na frente do corpo e sigo para o bar onde ele estava. Me sento no banco
ao seu lado e pouso minha bolsa no balcão.
— Gim tônica por favor — digo para o barman.
Passo os dedos pelo meu coque arrumado e pela minha visão
periférica vejo que chamei sua atenção. Isso é mais que perfeito.
— Noite solitária? — Pablo pergunta.
Viro o rosto para ele e levanto as sobrancelhas.
— Nem tanto.
Pablo vira-se completamente para mim e por estarmos tão próximos
consigo sentir seu perfume enjoativo.
— Esperando alguém?
— Sim, mas acho que a pessoa me deu um bolo — solto uma risada.
— Que pena — ele me avalia descaradamente. — Quem lhe deixou é
um completo tolo.
— Talvez sim.
Controlo a vontade de puxar minha mão quando ele a toca, fazendo
uma carícia nos dos meus dedos e subindo os seus pelo meu braço.
— Aceita jantar comigo?
Olho para trás de nós, ao longe encontro Aronne sentado numa mesa
discreta e isso me deixa um pouco mais calma. Volto minha atenção para o
velho e aceno.
Ele nos guia até uma mesa fazendo questão de puxar a cadeira para
mim e apenas sorri em agradecimento. Pablo faz questão de me tocar
enquanto se dirige para sua cadeira e tento não demonstrar repulsa daquele
maldito toque.
— Desculpe, ainda não sei seu nome — ele diz assim que se senta a
minha frente.
— Milena.
— Você não é estranha para mim.
— E você também não é para mim.
Pablo dá um sorriso de lado, achando que está sendo charmoso ou até
mesmo sedutor, mas mal sabe ele que isso o deixa ainda mais asqueroso.
— Sou deputado.
— Claro! — Digo entusiasmada. — Você ganhou a última eleição
com mais de trezentos votos de diferença do seu concorrente.
— O povo acredita no meu potencial.
— Com certeza — é um babaca mesmo e completamente corrupto,
visto que nesses últimos dois anos em que ganhou não tinha feito nada do que
havia prometido. — Mas surgiram boatos de que você ganhou verbas.
Pablo toma o restante do seu drink enquanto o barman põe o meu na
mesa e traz outra dose de Whisky para Pablo. Quanto mais ele bebe melhor
será, assim ele abre a boca e eu posso sair o mais rápido possível.
— Sim, foi de um empresário metido à inteligente.
— Qual é o nome dele? — Me inclino um pouco para frente,
demonstrando meu interesse.
— O que eu disser aqui, fica entre nós docinho?
— Minha boca é um túmulo — mordo meu lábio e sorrio.
— Enzo Sartori — diz bebendo mais. — Ele patrocinou minha
campanha e em troca eu devolveria o dobro do que ele me deu, mas o idiota
falhou, visto que acreditou mesmo que eu devolveria o dinheiro.
— E ele aceitou de boa isso?
— Claro que não! — Revira os olhos. — Ele é um mafioso de merda
e está me ameaçando para devolver o dinheiro.
— Ai que horror — pego minha bebida e tomo um pequeno gole. —
Você não tem medo do que ele pode fazer?
— Não, tenho seguranças em toda parte e o babaca não é tão
poderoso como diz ser.
Está ficando cada vez mais interessante. Pablo deveria estar muito
bêbado por ainda não ter me reconhecido. Não sei o quanto ele bebeu antes
de eu entrar nesse restaurante, pois somente comigo ele já estava na sua
segunda dose de bebida.
Movo minha mão por cima da mesa e seguro a dele, fazendo-o me
fitar com interesse.
— Podemos jantar em um lugar mais reservado? Assim podemos
ficar mais à vontade.
— Ótima ideia.
Levantamo-nos e Pablo faz questão me tocar, pondo a mão na base da
minha coluna. Discretamente olho na direção de Aronne que parece irritado
com algo. Será que sua irritação é devido à mão que Pablo mantinha em
mim?
Seguimos pelo saguão do hotel em direção aos elevadores. Ao longe
vejo dois homens de terno nos seguindo. Eram os seguranças de García.
— Será que podemos ir somente nós no elevador? — Pergunto em um
tom doce e sensual olhando para ele.
Pablo olha para os homens atrás de nós e dá um aceno, fazendo-os se
distanciar. Assim seria mais fácil e não correria o risco de meu plano ir por
água abaixo.
Entramos no elevador e rapidamente aperto o botão do segundo andar.
— Você apertou o botão errado docinho — ele diz rindo.
— Não apertei docinho — viro para ele e abro minha bolsa. — Sabe
dentro da máfia temos um código de honra, que com toda certeza deveria
servir para os associados.
— O quê?
Vejo confusão assumir seu rosto, o que só me faz desejar não precisar
fazer o que fui incumbida nesse momento.
— Traidores não vivem — pego o frasco e abro. — Eles morrem
lentamente.
Pablo olha para o frasco em minha mão e o vejo tentando se afastar.
— Aquele filho da puta mandou você?
— O filho da puta é meu irmão — respondo. — E sim, ele me
mandou.
Compreensão assume seu rosto e ele solta uma risada.
— Agora me lembro de você — balança a cabeça. — Você é a
gostosa da irmã dele, Milena Sartori.
Paro a sua frente encosto meu joelho em seu pau, pressionando-o cada
vez mais, fazendo-o soltar um gemido de dor e tentar se distanciar, mas
estava tão bêbado que não conseguia fazer algo simples, como que me
afastar.
— É, essa gostosa vai levá-lo ao inferno.
Abro a sua boca com certa dificuldade e despejo o líquido. García me
empurra para longe, me fazendo bater as costas na porta de metal.
— O que você me deu?
— Veneno.
— Desgraçada — ele avança, mas nesse momento a caixa de metal
para no segundo andar e abre as portas.
Dou um passo para trás e o vejo cair de joelhos em minha frente.
— É melhor você poupar as palavras querido — digo sarcástica. —
Em poucos segundos irá lhe faltar ar e depois disso irá morrer.
— Me de o antídoto — sussurra, ficando vermelho meio arroxeado.
— Até logo, Pablo García.
Empurro-o para dentro do elevador e aperto o botão para o último
andar. Eu teria alguns minutos de vantagem, para conseguir sair do hotel, se
não tivesse nenhum contratempo ou ninguém entrasse nesse elevador pelos
próximos andares.
Assim que as portas do elevador se fecham, corro para as escadas de
emergência e desço os lances. Tinha pouco tempo para sair e não ser pega.
Abro a porta de emergência já no térreo e finjo que nada aconteceu. Ajusto o
vestido em meu corpo e ando com calma pelo saguão. Saio do prédio e vejo o
carro de Aronne parar na minha frente. Abro a porta do carona e entro.
— Conseguiu? — Pergunta assim que fecho a porta e ele dá partida.
Enfio minha mão entre meus seios e arranco a escuta jogando-a no
banco de trás.
— Sempre consigo — digo em um tom baixo.
— E como você está? — Me olha com preocupação por alguns
segundos, antes de voltar a prestar atenção na estrada.
— Como sempre fico quando faço algo desse tipo — sou verdadeira.
— No início era bom ajudar meu irmão nessas coisas, mas agora eu sinto o
peso das mortes que carrego.
Aronne estende a mão e toca meu joelho e dá um leve aperto naquela
região.
— O que você vai fez com as câmeras do hotel?
— Nenhuma estava funcionando no horário que você estava lá dentro
— me dá um pequeno sorriso. — Não se preocupe você não será descoberta.
— Ótimo, sou muito nova para ser presa — brinco com a situação.
Aronne me olha no momento que o carro para no sinal e o vejo me
analisar por inteira.
— Você está linda.
— Obrigada — sorrio feliz. — Você não está nada mal.
— Faço o possível para estar á sua altura — me lança uma piscadela.
— Estava planejando levá-la em um parque, mas suas vestes pedem por outra
ocasião.
— E qual seria essa ocasião?
— Você irá descobrir — sorri maliciosamente e volta a dirigir.
Sinto a ansiedade me dominando por saber que ficarei algumas horas
na presença dele, somente nós dois. O que me faz querer flutuar de alegria.
Eu posso ter acabado de matar alguém, mais um para a minha lista extensa,
mas Aronne tem o dom de me fazer sentir bem depois das merdas que faço,
mesmo que antes ele fosse distante, sua presença já valia para mim. E agora
tendo toda a sua atenção era algo bem melhor, pois assim tenho seu carinho e
preocupação estampados em todos os seus gestos.

ARONNE

Sei que me envolver com Milena pode ser um risco, que cada segundo
que passo ao seu lado a tendo somente para mim, é como sentenciar minha
morte, pois se Enzo Sartori descobrir que sua irmã tem estado em meus
braços, me presenteará com toda sua fúria me fazendo pagar por obter sua
irmã para mim.
Tentei evitá-la, me afastar e reprimir tal desejo que me incendeia por
dentro, cada vez que a vejo. Se me perguntarem quando comecei a sentir
esses sentimentos por ela, não sei explicar. Ele veio como um sopro de vento,
que se instalou em mim e é como se cada segundo que passo longe dela fosse
uma penitência, visto que o ar me falta e necessito tocá-la para me sentir
completo.
É proibido, mas estou disposto a pecar para ficar com ela. Basta
somente um olhar, um sorriso que todas as minhas barreiras se desfazem e
como num feitiço ela me tem em suas mãos. Como uma “garota” pode
conseguir tal fascínio?
Muitos dizem que ela é uma garota mimada e venenosa, mas ninguém
sabe o quanto Milena pode ser perfeita por dentro e aos poucos, nos seus
pequenos gestos venho descobrindo que toda a pose de mandona e víbora é
só uma fachada para esconder uma garota frágil, gentil e claro determinada,
personalidade esta que ela carrega por dentro trancafiada a sete chaves.
Eu percebi todos os joguinhos dela sobre mim, seu interesse e suas
investidas incansáveis, no entanto consegui resistir até que ela me beijou. Eu
não deveria ter aceitado e gostado, não deveria ter sentido aquele fogo me
envolver e não deveria ter correspondido, entretanto claro que meu desejo
falou mais alto e acabei correspondendo ao seu beijo e quando dei por mim a
tinha sobre meu colo e seu corpo em meus braços. Ela era pequena e frágil,
tive medo de apertá-la e machucá-la. Milena era delicada e se eu fizesse um
movimento bruto poderia desmontá-la e marcá-la.
Tentei me afastar dela e esquecer o beijo, mas foi impossível. Tentei
ignorá-la de todas as formas para esquecê-la. Mas, no momento que a vi
confusa e prestes a se perder na bagunça que é sua vida, não consegui mais
me manter longe, senti a necessidade de protegê-la. Daquela vez, fora eu a ter
a iniciativa, claro que senti culpa por estar a arrastando para um caminho que
não teria volta, mas qualquer duvida que ainda para havia pedindo para
mantê-la distante sumiu no instante que a tive em meus braços e sua boca na
minha. Também há a diferença de idade, mas Milena parece não se importar
com isso, na verdade ela parece tão madura para sua pouca idade e isso me
agrada. Um dos motivos pelos quais tentei me manter distante era por sempre
achá-la mimada demais, imatura em alguns momentos. Mas, a conhecendo
vejo que ela parece decidida sobre o que deseja e isso é bom.
Sei que em algum momento ela irá querer mais, irá querer construir
uma família e casar-se, provavelmente eu não poderei dar isto á ela. Sou um
simples soldado e mesmo ganhando consideravelmente bem para um homem
solitário e sem família, eu não posso manter os luxos que ela tem e isso me
frustra.
Quero poder dar o mundo para ela e ser alguém melhor. Pode ser cedo
para pensar nessas coisas, mas eu não tenho mais tempo e nem idade para
querer somente um romance passageiro, almejo construir uma vida com
alguém e mesmo Milena sendo nova, sinto que ela se encaixa muito bem no
que eu preciso; sinto que ela também gosta de mim na mesma intensidade.
— Aronne? — Saio dos meus pensamentos quando ouço sua voz
dentro do carro.
Seus lindos olhos azuis me fitam com entusiasmo e parece ansiosa
para saber onde estou nos levando. Eu planejei passar algumas horas com ela,
pensei em levá-la num parque, mas mudei de ideia ao vê-la com esse vestido
que me faz querer estar com ela em meus braços, tirando a peça do seu corpo
lentamente e sentindo sua pele em minhas mãos.
— Estamos quase chegando — dou uma piscadela.
Alguns minutos depois, entro em uma estrada de terra e sigo morro
acima, ao chegar no local desejado paro e deixo os faróis ligados. Milena me
olha confusa e ainda mantém um sorriso.
— Então será aqui que vai me matar e desovar o corpo? — Pergunta
rindo e saindo do carro.
Acompanho-a e sigo para a parte traseira do carro, de onde tiro uma
cesta de piquenique e mais alguns acessórios, dentre os quais uma toalha
xadrez e alguns aperitivos. Inicialmente iria levá-la ao parque, com intuito de
fazer um piquenique na luz do luar, mas isso seria muita exposição com
pessoas ao nosso redor e depois do que Milena fez esta noite, percebi que
precisávamos de calmaria e privacidade.
Milena se mantém parada olhando para a cidade ao longe com suas
luzes acesas, era uma bela visão para se contemplar daqui de cima, parecia
que tínhamos todos ao nosso domínio.
— Aqui é lindo — diz se virando e encara a cesta em minhas mãos.
— Isso é o que estou pensando?
— E o que você está pensando?
Milena balança a cabeça disfarçando um sorriso, me ajuda a estender
a toalha na grama seca e depositar alguns potes com lanches.
— Nunca fiz um piquenique — revela baixinho e verificando um dos
potes. — Isso é tortilha de morango?
— Sim — pego uma garrafa térmica que contém suco.
— Eu amo essa sobremesa.
— Sei que sim.
Ela solta uma risada e pega um pedaço do doce com as mãos.
— Claro que sabe, você me segue vinte e quatro horas por dia.
— É o meu serviço.
Ela não diz nada e quando está perto de terminar o doce, se inclina em
minha direção e beija minha boca, me fazendo sentir o gosto bom do
morango misturado com o seu próprio. Seguro seu rosto com uma mão e
movimento nossos lábios, fazendo-a soltar um suspiro de contentamento e
com as mãos sujas, segura meu rosto e se aproxima ainda mais.
— É melhor pararmos — digo ao ver que estamos ultrapassando um
limite estipulado por mim.
— Por quê?
— Porque se continuarmos nos beijando desse jeito, não irei
conseguir me controlar e iremos acabar fazendo algo que não devemos.
Milena me fita frustrada e revira os olhos.
— Sabe que em algum momento podemos acabar transando, não é?
— Sim, mas não será aqui e nem agora — pego copos descartáveis e
encho-os de suco.
Estendo um copo na sua direção e Milena toma um pouco.
— Me sinto como uma garota que está aprendendo sobre a
sexualidade — resmunga enquanto come.
— E você já foi além de alguns beijos senhorita Sartori? — Pensar
que alguém a teve dessa forma, me faz sentir o sangue ferver por minhas
veias e desejar matar o filho da puta que o fez.
— Claro que não! — Revira os olhos. — Ainda não achei a pessoa
certa.
Um alívio me toma e sinto um peso sair das minhas costas. Não seja
idiota, talvez você nem seja o primeiro dela. Isso é contra as regras, lembre-
se disso Aronne!
Sem perceber Milena se ajoelha em minha frente e descansa as mãos
em minhas coxas, ato que me deixa em alerta, pois Milena é uma caixinha de
surpresas e não sei o que está tramando.
— Sempre pensei que você poderia ser o meu primeiro.
— Existem regras dentro da máfia e uma delas é que as mulheres
devem se manter virgens até se casarem.
Milena joga a cabeça para trás e solta uma risada.
— Pobre coitado do meu futuro marido — diz sarcástica. — Pois eu
não irei casar virgem. E nem sei se irei casar.
Em suas palavras vejo sinceridade e isso me deixa surpreso. Toda
moça dentro da famiglia deseja se casar e formar uma família, mas parece
que isso não faz parte dos pensamentos de Milena.
— Mesmo assim é contra as regras a mulher se entregar antes do
casamento.
— Então se eu não casar irei morrer virgem? — Solta uma risada. —
Nem fodendo.
Milena sobe um pouco seu vestido e se rasteja até meu colo, passando
suas pernas pelos meus quadris. Ponho minhas mãos em sua cintura e ela
sorri ao ver-me ficar tenso. Ela era uma pequena provocadora e faltava pouco
para jogar todo meu discurso sobre as regras da família e virgindade para o
alto, e beijá-la como quero e tocá-la como desejo desesperadamente fazer.
— Não vou desperdiçar nosso tempo falando o que devemos ou não
fazer — segura meu rosto. — Sabe o que podemos fazer?
— O quê? — Me sinto inebriado pelo seu cheiro de lavanda.
— Dar uns amassos.
Milena me beija com fúria e sinta todo seu desejo sendo depositado
em seu beijo. Aperto mais sua cintura e tento tomar o controle da situação,
mas Milena parece não querer facilitar. Ela segura meus cabelos com força,
me deixando louco para acompanhar seu beijo delicioso. Aperto-a contra meu
corpo e o fio de raciocínio some no instante que a sinto mexer os quadris,
sobre meu membro que já não se encontra adormecido como antes, pois eis
que dá sinal de vida quando ela se mexe.
Grunhi contra seus lábios e nossas bocas começam uma disputa
contra o controle o que nos faz ofegar e gemer contra a boca um do outro.
Seguro seus cabelos da nuca e a prendo ali, tomando o controle do beijo.
Chupo, mordo e lambo seus lábios deliciosos e gostosos de serem beijados.
Milena ofega contra minha boca e com a voz manhosa pede por mais
e não me faço de rogado, despudorado beijo-a como quero, mordendo a carne
gorda do seu lábio inferior e penetrando minha língua em sua boca, buscando
cada vez mais seu gosto e deixando-a mole e cativa em meus braços.
Deixo sua boca e vou descendo pelo seu pescoço, lambendo sua pele
cheirosa e gostosa. Mordo a curva do seu pescoço e isso a faz soltar um
lamento enquanto segura meus ombros com força. Milena não para de
movimentar seus quadris contra os meus, fazendo-me ficar ainda mais duro.
Teríamos que parar em algum momento, senão nada seria capaz de nos
separar.
— Isso é tão bom — diz enquanto deslizo minha língua pelo seu colo
e sigo para o decote do seu vestido.
Ela puxa meus cabelos e me faz olhá-la. Milena cola sua boca na
minha e beija-me com fervor, fazendo nossos corpos se esfregarem sem
pudor. Milena desliza as mãos pelo meu peito e abre alguns botões da minha
camisa e gemo contra sua boca ao sentir suas mãos delicadas contra minha
pele.
— Sempre quis fazer isso — sorri enquanto desliza os lábios
entreabertos contra meu queixo e vai descendo até meu pescoço onde morde
com força.
Puxo seus cabelos para trás e ela solta uma risada.
— Gosta de coisas brutas?
Milena passa a língua entre os lábios e olha para o meu peito e suas
mãos pequenas vão explorando meu peito até onde pode. Aproximo nossos
rostos e mordo com força seu queixo e lambo em seguida, retorno para seus
lábios inchados e com a mão livre deslizo uma das alças do seu vestido,
libertando um dos seus seios durinhos, que logo se arrepiam com o vento frio
da noite.
Deixo sua boca e logo abocanho seu mamilo intumescido, chupo sua
auréola com gosto, fazendo-a gemer alto e segurar minha cabeça contra seu
peito, pedindo por mais. Seguro seu seio com a mão, o chupo com força e
lambo sua pele imaculada, cheirosa.
Sua cabeça está jogada para trás e por seus lábios ela sussurra meu
nome em formato de gemidos lamuriosos.
— Não para — diz enquanto mordisco seu mamilo com certa pressão
e isso a faz se esfregar ainda mais contra meu pau duro coberto pelas calças.
Se ela continuar se mexendo desse jeito acabarei gozando na cueca e
o estrago seria grande.
Seguro sua cintura e num único movimento faço-a se deitar sobre a
toalha. Sem me importar se faríamos sujeira ao nosso redor, empurro os potes
e copos. Me ponho entre suas pernas abertas e me esfrego em seu ponto
sensível, o que a faz delirar segurando meus ombros, soltar gemidos altos e
acompanhar meus movimentos.
Liberto seu outro seio e o aperto enquanto dou a mesma atenção que
dei ao outro. Não deveria estar dessa forma ao ar livre, mas era impossível
me controlar com Milena me provocando, a cada segundo, e ela tinha
conseguido me tirar do eixo.
Lambo o meio dos seus seios e sigo para seu pescoço delicado,
chupando e beijando. Nessa altura do campeonato seu vestido já está
embolado em sua cintura e querendo ver a parte inferior de seu corpo, afasto-
me, por ter mantido os faróis do carro ligado visualizo perfeitamente cada
contorno de sua silhueta. Mesmo que Milena seja jovem, ela tem um corpo
que com toda certeza causa inveja para qualquer mulher. Seus seios são
firmes e levemente cheios, sua cintura é fina e barriga plana. Seus quadris são
levemente largos e isso deixa qualquer homem louco. E suas coxas são
roliças e firmes.
— O que está olhando? — Pergunta arrastando as mãos pela minha
camisa que neste momento já saiu de dentro das calças e estava toda
amassada.
— Estou somente a admirando — toco em sua coxa e deslizo os
dedos pela sua virilha fazendo-a se contorcer.
Me inclino sobre seu corpo e com uma mão deslizo pelo tecido da sua
calcinha rendada e seguro um grunhido ao senti-la molhada, ou melhor
encharcada.
— Não vamos ultrapassar as carícias — digo beijando levemente seus
lábios. — Você não merece ter sua primeira vez desse jeito.
— Não me importo, só quero ter você.
— Mas eu me importo — retruco. — Chegará o momento em que a
farei minha, mas não será hoje ou amanhã, mas esteja certa de que a farei
minha.
— Aronne, não faz isso — pede manhosa.
— Shhhhh.
Afasto sua calcinha para o lado, deslizo meus dedos pela sua
excitação, toco em seu clitóris inchado e pronto para ser chupado, mas não
farei isso agora. Quero fazê-la gozar na minha boca em cima de uma cama,
onde eu poderei tê-la em meus braços depois, não aqui em um chão duro e
um lugar onde não nos traz proteção e conforto.
Com isso na cabeça dou um último beijo e ponho sua calcinha no
lugar, logo depois lambo meus dedos, sentindo seu gosto meio salgado.
Milena me encara ofegante e vejo um lampejo de indignação por eu não ter
feito o que ela queria.
— Não me olhe assim — acaricio seu rosto delicado.
— Eu vou arranjar alguém que possa me dar o que você não pode! —
Diz petulantemente.
Estreito meus olhos em sua direção e aproximo nossos rostos.
— Não diga algo que não irá fazer, pássaro — digo rude. — E nem
pense em me deixar com ciúmes.
— Senão o quê? — Me olha desafiadora e aperta meu pau sobre as
calças. — Pelo menos não sou somente eu que irei ficar frustrada.
— Não me teste, Lena — beijo seu nariz. — Agora temos que juntar a
bagunça que fizemos e ir embora.
Milena me empurra e se levanta arrumando seu vestido, o pondo no
lugar e me fita com raiva enquanto ajeita a parte de cima.
— Temos que estabelecer uma regra — diz ela.
— E qual seria essa regra?
— Você não poderá se envolver com mais ninguém enquanto estiver
comigo.
— Isso serve para você também.
— Tudo bem.
Me levanto e ajeito meu membro pulsante dentro das calças e isso faz
Milena olhar para o meio das minhas pernas.
— Que peninha.
Tento beijá-la, mas ela se afasta, começa a juntar as coisas e pôr
dentro da cesta, pega a toalha sacode e dobra.
— Você vai me pagar, Pellegrino — diz se aproximando e pega meu
pênis com certa força. — Se você vai ser somente meu, então sinto em dizer
que seu pau irá ficar roxo de tanto tesão reprimido.
— E você vai ficar louquinha.
Milena se afasta e me lança um sorriso convencido.
— Se eu fosse você não teria tanta certeza disso.
— O que você quer dizer com isso?
— Há outras formas de se dar prazer, meu querido.
Sinto o sangue chegar intensamente no meu membro, sabendo muito
bem o que ela queria dizer com aquilo. Milena Sartori iria testar meu
autocontrole e sei que não vou suportar por muito tempo mantê-la intocada.
Que o homem lá de cima tenha piedade de mim, pois Milena será minha
ruína.
MILENA

Precisei me enfiar debaixo d’água fria quando entrei no quarto


naquela noite. Precisei me controlar para não pular em cima de Aronne e
terminar o que tínhamos começado. Nunca tinha visto um homem com
tamanho autocontrole como Aronne teve esta noite. Se fosse outra pessoa
comigo, com toda certeza teria me possuído, tirado minha virgindade sem
pestanejar. Mas Aronne se mostrou um cavalheiro e um ser bastante paciente.
Meu sono fora agitado com sonhos um tanto ‘quentes’, pela manhã
acordei suada e pela primeira vez excitada como nunca. Claro que antes já
havia sonhado com Aronne, imaginando como poderiam ser nossos beijos e
carícias, porém dessa vez o sonho foi mais real, senti a intensidade dos seus
beijos e dos seus toques pelo meu corpo, me fazendo tremer antecipadamente
só por imaginar o que poderia rolar entre nós na próxima vez em que
ficarmos sozinhos.
Estou feliz nesta manhã e não consigo tirar o sorriso que se faz
presente no meu rosto. Me encaminho até a sala de jantar, onde está sendo
servido o café da manhã e estranho não encontrar meu irmão no cômodo,
entretanto logo minha atenção vai para outra pessoa na mesa.
— Você se tornou membro da família e não fiquei sabendo? —
Questiono ao olhá-la.
— Bom dia, Lena — Perla diz sorrindo.
Estreito meus olhos enquanto sento, sentindo minha felicidade
evaporar. Pego um pedaço do mamão cortado e sirvo-me do café fresco.
— Conseguiu realmente fisgar meu irmão? — Não ligo para ser
cordial.
Tudo bem eu ter visto os dois se esfregando na noite passada, mas já é
a segunda vez que ela toma o café da manhã em minha casa.
— Estamos nos entendendo — diz num sorriso. — Talvez em breve
sejamos cunhadas!
Não controlo a risada que sai da minha boca e praticamente não
consigo parar de rir. Coitada de Perla, se ela souber que meu irmão não iria se
prender a ela e que logo iria arranjar outra diversão. Perla iria cair na real em
breve e, claro, seria da pior forma.
— Que maravilha — murmuro com falso entusiasmo.
Não demoro muito no café e logo me despeço dela, pronta para ir à
minha sessão de massagem. Precisa de um tempo para mim, relaxar e sentir-
me eu mesma.
— Senhorita — um soldado me cumprimenta e estranho não ser
Aronne. — Senhor Sartori pediu para que eu a leve ao clube.
Verifico meu relógio de pulso e vejo que me atrasarei, era só o que
me faltava!
— Não posso demorar muito.
Não sei o que Enzo quer comigo. Tinha concluído o serviço que me
fora dado e estava tudo gravado... não, não, não. Sinto um frio percorrer pela
minha espinha. A escuta. Ontem eu a joguei no banco de trás e esqueci-a
completamente. Será que Enzo havia escutado minha conversa com Aronne e
queria nos punir pelo...
Merda, merda, merda!
Passo a mão pelo meu rosto e sinto-me agitada repentinamente. Eu
não posso deixar meu irmão fazer nada contra Aronne, não irei suportar vê-lo
machucado. Bato meus pés em claro sinal de nervosismo e assim que chego
ao clube de sexo, saio sem esperar o soldado estacionar e me escoltar até lá
dentro. Não ligo para nada ao meu redor e só sinto a necessidade de encontrar
meu irmão e saber qual queria minha punição pelo que fiz.
Meus pés estacam ao ver alguém conhecido no bar. Qualquer merda
que estivesse perpassando em minha cabeça some e dá lugar a outra coisa
talvez ciúmes, não sei. O que ela está fazendo aqui?
Desvio meu caminho e vou até o bar, onde está a pessoa que detinha
minha atenção. Deixo minha bolsa de lado e me apoio no bar.
— Não sabia que tinha condições para frequentar um clube desse tipo
— soo cínica.
— Oi, Milena — ela me cumprimenta com sorriso.
— O que faz aqui Katherine? — Pergunto a fitando seriamente.
Seus olhos castanhos eram tão doces e gentis que sempre me fazia
pulsar de raiva. Por que ela tinha que ser tão gentil?
— Vim preencher uma vaga de garçonete.
Levanto uma sobrancelha e dou um pequeno sorriso.
— Claro — toco em uma mecha do seu cabelo. — Mas por que tem
que ser nesse clube?
Katherine revira os olhos e ainda mantém um sorriso no rosto.
— Ainda revivendo o passado?
É minha vez de sorrir.
— Um passado bem fresco em minha mente — a puxo para perto,
chamando atenção de algumas dançarinas que estão ensaiando durante este
horário. — Ainda não esqueci o que você fez.
— Eu não tive culpa! — Ela tenta se soltar, mas aperto minha mão em
seu cabelo, forçando-a a ficar parada.
— Claro que não! — Ironizo. — A pobre coitada da Katherine é
indefesa.
— Me solta Milena!
— Olha aqui — pego seu rosto em minha mão. — Você pode ter
trepado com meu irmão, o que eu aceito sem problema, mas ao ter dado em
cima de Pellegrino, você sentenciou sua morte!
Vejo medo brilhar em seus olhos castanhos e sua pele morena ganhar
um tom pálido.
— Ele também quis.
— Não me importa! — Brado, sentindo o ódio tomar conta de mim
cada vez mais. — Você era minha amiga! Você me traiu!
— Eu sinto muito.
— Mentirosa.
Antes que eu possa fazer algo ou dizer mais palavras de ódio para ela,
sou interrompida.
— Milena, em meu escritório!
Ouço meu irmão ordenar em minhas costas. Solto o rosto dela e
demoro um pouco para soltar seus cabelos. Ela mais uma vez está se livrando
da minha fúria, mas eu me assegurarei para que não haja uma próxima vez.
— Isso ainda não terminou, Kate — dou um tapinha no rosto dela.
Ela parece prestes a desmaiar e isso seria ótimo de se ver, no entanto
minha prioridade é me acertar com meu irmão que me espera ao lado do
palco no topo da escadaria que dá acesso para seu escritório. Ao me virar
para ele, vejo Aronne em um corredor perto do bar, este parece ter assistido
meu espetáculo com Katherine.
Reluto em deixá-la ali perto dele, pois sabia bem que os dois já
haviam tido um caso meses atrás. Aquela filha da mãe tinha me apunhalado
pelas costas, da pior forma possível. Ela era minha amiga de infância mesmo
sendo alguns anos, mais velha, entretanto isso não nos impediu de criar laços
de amizade. Compartilhávamos tudo, segredos, experiências, paixões bobas e
corações partidos, mas em algum momento da nossa amizade ela começou a
ter inveja de tudo que eu tinha. Não sabia o motivo do seu rancor e de querer
me machucar da pior forma.
Primeiro foi meu irmão, quando os peguei transando na cozinha, foi
como romper nosso laço de amizade e depois disso ela se envolveu com
Aronne, mesmo sabendo que eu nutria sentimentos por ele e tinha esperanças
de que algo se tornasse concreto.
Depois da sua traição, nunca mais consegui confiar completamente
em alguém que se diz ser meu amigo. Eu não deixaria mais ninguém me
apunhalar pelas costas e me fazer de boba novamente.
Olhando fixamente para Aronne caminho até o escritório do meu
irmão e logo recordo meu temor de ter vindo parar aqui. Se Aronne estava no
andar de baixo ileso, então o que estou fazendo aqui?
— Por que estou aqui, Enzo? — Pergunto assim que adentro em seu
escritório.
— Arrumando confusões novamente? — Ignora minha pergunta.
Rapidamente reparo que não estamos sozinhos e fixo minha atenção
no homem bem vestido e apresentável.
— Ela que começou — dou de ombro. — Não vai me apresentar ao
seu amigo, irmão?
O homem que até então estava sentado e observando-nos, se levantou
e caminhou em minha direção.
— Álvaro de Castro — diz estendendo a mão.
Sem desviar minha atenção dele aperto sua mão e dou um sorriso.
— Prazer, Milena — digo amigavelmente. — Com o que trabalha,
Álvaro?
— Sou advogado criminalista — se afasta, me dando espaço para
sentar.
Levanto as sobrancelhas sem entender e viro para o meu irmão.
— Por que precisamos de um advogado desse ramo?
— Sempre é bom expandir nossos conhecimentos — Enzo diz dando
de ombro. — E Álvaro é bastante conhecido no país dele.
— Você não é daqui da América?
— Não. — Me lança um sorriso. — Sou brasileiro e vim passar uma
temporada aqui nos Estados Unidos com minha família.
— Claro — cruzo minhas pernas e batuco meus dedos. — E meu
querido irmão o contratou para que serviço?
Álvaro olha para meu irmão por alguns segundos e depois diz.
— Seu irmão está sendo acusado de encomendar a morte do deputado
Pablo García.
Tampo minha boca com a mão, me fazendo de assustada e sinto até
meus olhos se enxerem de lágrimas.
— Ele morreu?
— Na noite passada — ele acena. — Foi encontrado morto dentro do
elevador.
— Que trágico — digo com pesar. — Ninguém merece morrer dessa
forma, sozinho.
— Sim — ele concorda. — Algumas testemunhas dizem que seu
irmão tinha algumas desavenças com o falecido político.
Continuo calada, tentando compreender que meu irmão era o
principal suspeito da morte de Pablo e realmente era o mandante, já que fora
eu que matei o idiota na noite passada, mas não existe nenhuma pista que
possa nos incriminar realmente.
— Mas não existe nenhuma pista concreta que possa incriminar seu
irmão — ele diz o que já sei. — O Sr. Sartori é um cidadão americano sem
ficha criminal e um simples homem trabalhador, que não tem desavenças
com ninguém.
Seguro um sorriso. Homem trabalhador. Álvaro realmente não sabe
quem meu irmão é, se soubesse ao menos um terço do que ele já fez em seus
trinta e três anos ficaria aterrorizado e com toda certeza ajudaria a colocá-lo
atrás das grades e não mantê-lo fora delas.
— Então não há riscos do meu irmão ser preso?
— Claro que não. — Diz sorrindo. — Só estou aqui para assegurar
ainda mais isso.
— Fico aliviada — toco em meu peito. — É bom saber que meu
irmão está em ótimas mãos.
— Farei meu melhor, Srta. Sartori.
Me levanto e estendo a mão para ele.
— Foi um prazer Sr. De Castro — digo. — Agora tenho que ir, há
muitas coisas para eu resolver.
— O prazer foi meu.
Viro para Enzo.
— Me acompanha irmão?
— Claro — Enzo para ao meu lado. — Logo volto para acertamos
seus honorários.
Enzo me acompanha para fora da sala e ao pararmos no topo da
escada viro para ele.
— Por que me pediu para vir aqui?
— Precisava que você ficasse a par do que está acontecendo — diz
ele. — Mas estou feliz que você tenha conseguido matar aquele desgraçado.
— O que eu não faço pela famiglia — digo em um suspiro. — Há
algo que quero de você.
— E o que seria?
— Não contrate Katherine.
— Milena — ele me olha por alguns segundos. — Ela precisa do
emprego.
— Não me importo.
Fico tensa ao senti-lo tocar meu rosto. Não somos de demonstrar
carinho um com o outro e vê-lo desse jeito comigo me faz sentir um aperto
no peito. Queria poder ser diferente, queria poder ter meu irmão de verdade e
não somente os fragmentos dele.
— Eu lhe acostumei mal — suspira. — Tudo bem, não irei contratá-
la.
— Obrigada, irmão — seguro sua mão em meu rosto. — Está
perdoado pelo que quis fazer comigo.
— O casamento?
— Sim — aceno. — Mas isso não quer dizer que irei aceitar me casar.
— Em algum momento você vai ter que aceitar.
— Mas não agora.
Enzo se distancia e dá um leve aceno.
— OK — ele anui. — Saberei esperar, agora pode ir.
Espero ele se virar e voltar para seu escritório e somente assim
murmuro.
— Eu te amo, irmão.
ARONNE

— O que faz aqui, Kate? — Me encaminho para a morena que força


um sorriso ao ver- me.
— Só vim atrás de emprego — diz dando de ombro. — As coisas
dentro de casa não estão indo muito bem.
Me sento no banco ao seu lado e abro o meu paletó, olho-a por mais
alguns segundos. Ela é uma mulher bonita, com seus vinte e seis anos, olhos
castanhos escuros sempre risonhos e gentis, cabelos encaracolados e escuros.
Corpo esguio e magro, pele morena. Kate é uma boa pessoa e sempre que
podíamos conversávamos.
— Tenho certeza de que irá conseguir.
— Vamos torcer para que sim — balança a cabeça. — Mas acho meio
complicado, pois Milena não vai muito com minha cara.
Balanço a cabeça. Lembro-me que elas eram muitas amigas há algum
tempo, mas de repente cada uma foi para um lado e Milena começou a
repudiar qualquer coisa que fosse relacionada a Katherine.
— O que aconteceu, vocês eram tão amigas? — Pergunto curioso.
— As diferenças sempre aparecem — dá de ombro. — E com isso as
amizades se vão.
— As verdadeiras amizades sempre ficam.
— É, mas eu e Milena temos nossas desavenças — ela vira para mim
e toca em minha mão. — Sabe sinto sua falta.
— Kate...
— Você nunca mais me procurou.
— Foi somente uma vez — digo afastando nossas mãos. — E não irá
se repetir.
Seus olhos escuros ficam lacrimejados e ela respira fundo.
— Entendo — limpa o canto do olho. — Fui somente uma distração,
não é?
— Não foi assim.
— Claro que foi — lágrimas caem em seu rosto. — Sirvo somente
para distrair os homens e nenhum deles querem nada comigo.
Seguro seu rosto e limpo as lágrimas que caem.
— Você só não encontrou ainda alguém que te merece — digo gentil.
— Que não a veja como alguma distração e sim algo duradouro.
Kate me abraça de repente e diz em um sussurro.
— Queria que você fosse essa pessoa — funga. — Mas sei que você
não me pertence.
Não retribuo seu abraço, espero ela se desvencilhar de mim e depois
se levantar.
— Milena gosta de você — diz por fim. — E foi por isso que nossa
amizade acabou, pois tive algo que ela não tem.
Fico assustado com o que ela diz e Kate parece bem em dizer isso.
— E mesmo sabendo que ela gosta de mim, você...
— Eu precisava pelo menos uma vez na minha vida me sentir
superior — ela murmura. — Sinto muito dizer algo desse tipo. Eu gosto
muito de você, Aronne e queria muito que pudéssemos ficar juntos.
— Ficamos somente uma vez e isso...
— Não irá se repetir — ela conclui. — Por mim tudo bem, sei que
você pertence á ela de alguma forma.
— Eu e Milena não temos nada.
Kate toca em meu rosto e sorri.
— Não engane a si mesmo — me aconselha. — Já percebi como você
a olha.
Sem esperar que eu replique, ela se vai, me deixando atordoado com
sua revelação. Katherine ficou comigo sabendo que sua ex melhor amiga
gosta de mim e isso faz todo sentido, a raiva que Milena sente dela e todo
desprezo que despeja em cima de Kate quando estão no mesmo ambiente.
E, Kate perceber que eu gosto de Milena é algo que tenho que me
preocupar, mesmo que ela seja uma boa pessoa não sei se posso confiar nela.
Não quero que ela diga para alguém alguma coisa sobre mim e Milena.
E como se compartilhasse dos meus pensamentos, Milena surge em
minha frente, agindo normalmente como sempre. Se senta ao meu lado e
pede água para o barman que limpa as prateleiras de bebidas.
— Tudo bem? — Pergunto me virando para frente.
Sentir sua presença ao meu lado era como reviver o que fizemos na
noite passada. Se eu fechar os olhos consigo sentir o gosto dos seus lábios
dos meus, a textura da sua pele em minhas mãos e boca, poderia ouvir seus
gemidos manhosos soando em meus ouvidos.
— Sim — ela pega seu copo e dá um gole. — O que ela queria com
você?
— Kate?
— Ela mesma — bufa me olhando de relance.
— Só conversamos sobre algumas coisas.
— Sei — ela estreita os olhos. — Lembre-se do que combinamos.
— E o que exatamente combinamos? — Pergunto, me divertindo com
a carranca que se forma em seu belo rosto.
Milena me chuta discretamente e em seus olhos cristalinos vejo um
aviso de perigo. Não sabe como pode ser tão bom provocá-la. Aquela garota
era fogo puro e era necessária somente uma faísca para que ela incendei tudo
ao nosso redor.
— Não me provoque se não tem intenção de terminar — ela termina
sua água e se levanta. — Nos vemos por aí, Pellegrino.
Disfarçadamente olho para onde ela se encaminha, vendo seus quadris
balançarem sutilmente e mesmo assim conseguindo arrancar reações minhas,
fazendo-me querer pegá-la nos meus braços e arrastá-la para algum lugar,
fazê-la pagar por me deixar louco dessa forma.
Solto uma lufada de ar e tento colocar algum pingo de juízo em minha
cabeça. Não posso cair em tentação. Milena merece algo melhor do que uma
rapidinha em qualquer lugar, ela merece corações e declarações de amor.
Neste momento para aplacar meu desejo bastaria uma foda momentânea,
porém não é o que ela merece. Sua primeira vez deve ser digna de não cair no
esquecimento.

MILENA

Sinto-me nova em folha ao terminar minha sessão de massagem e


esfoliação de pele. Passar um tempo cuidando de mim mesma foi bom para
relaxar e pensar em algumas coisas. Ainda não consigo parar de pensar no
que Katherine falava com Aronne, ele pareceu disposto a não me dizer o que
estavam conversando.
Se ela estivesse dando em cima dele.
Só de imaginar isso, sinto que posso esganá-la a qualquer momento.
Sei que posso estar parecendo possessiva e até mesmo insegura, mas eu não
quero da brecha para que Katherine se aproxime ainda mais de Aronne.
— Senhorita — Tália me recebe assim que entro em casa. — O
senhor Sartori, mandou avisar que passará dois dias fora.
Franzo o rosto e lembro-me de que ele não tinha avisado nada
enquanto estávamos no clube. Talvez tenha surgido assuntos de última hora.
— Obrigada — digo deixando minha bolsa no aparador da entrada. —
Irei jantar na cozinha.
— Não quer que eu sirva na sala de jantar?
— Não é necessário — balanço a cabeça. — E pode se retirar assim
que terminar os seus afazeres.
— Sim, senhorita.
Vou até meu quarto, onde troco minhas roupas por um baby doll de
cetim que tem detalhes de renda no busto. Pego meu robe e o visto. Essa
noite eu seria uma garota normal, iria jantar, assistir algum seriado ou filme
que estivesse passando na TV e depois iria descansar. Somente nesses
momentos lembro que ainda sou uma garota e que preciso apreciar minha
juventude de alguma forma.
Faço um coque em meu cabelo enquanto desço as escadas e sigo para
a cozinha, encontro meu jantar em cima da ilha e vou até a geladeira, procuro
pelo suco de laranja e me sirvo de um copo.
— Milena Sartori se servindo?
Levo um susto e ao mesmo tempo viro-me na direção da voz,
encontrando Aronne parado na entrada da cozinha.
— Não sou tão imprestável assim — faço uma careta e balanço a jarra
de suco em oferecimento. — Quer um pouco?
— Não, obrigado — ele olha ao nosso redor. — Só vim ver se Tália
está por aqui.
Ele não se aproxima, sabia que não faria isso. Não podemos ficar tão
próximos como desejo, aqui é arriscado, algum soldado pode nos pegar e isso
não seria nada bom.
— Veio atrás do seu jantar? — Pergunto enquanto pego outro copo no
armário e sirvo-o, mesmo que ele tenha negado eu o faria beber.
— Sim, mas vou ver se os outros não acabaram com a pizza.
Antes que ele se saia, e não querendo ficar sozinha novamente, digo.
— Acho que ela deixou outra porção do meu jantar — indico meu
prato em cima da ilha. — Ela sempre deixa.
Aronne me olha por alguns segundos e vejo-o lutar para recusar
minha oferta e estranho a forma reservada que ele está agindo comigo. O que
será que havia acontecido?
— É melhor eu voltar lá para fora.
— Por que está agindo assim?
Ele põe as mãos dentro dos bolsos da calça e suspira.
— Existem câmeras na cozinha — ele indica com a cabeça para um
canto. — É arriscado.
Olho para onde existe uma câmera escondida, somente assim consigo
controlar a vontade de pular nos braços de Aronne e tirar a carranca que está
instalada em suas feições. Vou até o, micro-ondas, e lá encontro uma travessa
com o escondidinho de frango que Tália tinha feito para o jantar. Tiro-a de
dentro dele, vou atrás de prato e talheres.
— Sirva-se — ordeno. — É melhor comer isso do que uma fatia de
pizza.
— Não sei se...
— Eu não estou pedindo Aronne — o interrompo. — Coma.
Volto para meu assento, pego meu talher e dou uma primeira garfada
no meu jantar. Fecho os olhos e solto um gemido baixinho. Não imaginava
estar com tanta fome até começar a comer essa maravilha. Continuo comendo
até olhar para Aronne que havia se servido e está parado me olhando com os
olhos azuis famintos.
— O que foi? — Pergunto sem entender por qual motivo está me
olhando dessa forma.
— Você não sabe como mexe comigo, com esse simples gemido —
seu tom sai rouco e isso faz um leve arrepio passar pelo meu corpo.
Deixo minha comida de lado e viro-me em sua direção, fazendo
questão de cruzar minhas pernas, deixando o tecido do robe deslizar por
minha pele, evidenciando minha coxa. Isso não passa despercebido por ele,
que engole em seco e inspira com força.
Ele está se controlando e isso só me instiga mais. Pego meu copo e
deslizo um dedo pelo suco, em seguida o levo aos meus lábios, chupo-o
levemente, soltando um pequeno gemido no processo.
— Merda — solta um grunhido.
Mordo meu lábio inferior e me levanto do banco, dando pequenos
passos em sua direção.
— Se não tivéssemos uma câmera nos registrando, deixaria você me
deitar nessa bancada e o faria experimentar o suco pelo meu corpo.
Aronne solta um pequeno palavrão e desvia sua atenção de mim,
fixando seus olhos em nossos pés.
— Você não imagina o quanto estou me segurando, Milena — seu
tom é de aviso.
Toco discretamente em seu abdome coberto pela camisa e desço
lentamente até o meio das suas calças, onde encontro seu pênis duro como
pedra. Dou um leve aperto, fazendo-o pular no mesmo lugar e sorrio.
— Talvez isso o instigue a terminar o que começamos na próxima vez
que ficarmos a sós — sussurro.
Aronne fecha os olhos quando contorno seu membro por cima da
calça, fazendo-o imaginar como seria se realmente estive em minha mão. Eu
posso ser jovem e inexperiente em alguns aspectos, mas quando tudo se
ressume á seduzir e provocar sei muito bem quais botões apertar e como
instigar a outra pessoa.
Ele está prestes a soltar seu prato e perder completamente o controle
quando me distancio, voltando para o meu lugar.
— Aproveite seu jantar — digo bebendo meu suco.
Seus olhos azuis me olham com frustração e tenho vontade de sorrir
vitoriosa, mas apenas como enquanto ele se encaminha para fora da cozinha,
voltando para seu posto no lado de fora da casa.
Estou gostando das provocações, das etapas que eu e ele estamos
percorrendo, mas não sei quanto tempo mais iremos nos segurar, com calma
necessária para esperar o momento certo. Não sou romântica e não desejo
flores, luz de velas e declarações de amor, mas se Aronne quer isso, eu o
deixarei fazer, pois quero vê-lo feliz fazendo algo tão simples como essas
coisas.
MILENA

Forço minhas pernas á correrem ainda mais sobre a esteira, tentando


ultrapassar meus limites, mas meus pulmões pedem por ar e minhas pernas
mostram que chegaram ao seu limite e que logo iriam falhar. Olho para o
visor, analisando por quanto tempo estive correndo. Uma hora e meia, sem
descanso, eram quase trinta quilômetros percorridos. Aperto o botão de
desligar e acompanho a esteira até que ela pare definitivamente, me seguro
nas suas bordas para não cair no chão.
Inspiro com força o ar para meus pulmões e solto lentamente,
tentando estabilizar minha respiração. Com as pernas tremulas caminho até
um banco próximo e me jogo, sentindo-me esgotada. Tento enxugar o suor
que escorre pelo meu corpo.
— Já vi você permanecer mais tempo — ouço seu tom zombeteiro.
Viro o rosto em sua direção e dou um sorriso de lado, sem a mínima
de vontade de fazê-lo, sinto que poderia adormecer ali mesmo. Meu peito
sobe e desce com força e meus braços estão largados na lateral do corpo.
— Estou fora de forma — justifico ainda o olhando. — Mas foi um
bom tempo.
Ele caminha em minha direção, com as mãos dentro dos bolsos das
calças e um sorriso provocante estampado em seu rosto.
— Se você não estivesse cansada iria convidá-la para ir a um lugar —
diz mexendo os ombros.
Levanto uma sobrancelha e fico curiosa para onde ele poderia nos
levar. Não tinha visto Aronne desde ontem a noite depois da nossa pequena
provocação na cozinha, que resultou ele saindo frustrado da cozinha, o que
me deixo bastante satisfeita. Quando acordei hoje não o tinha visto em
nenhuma parte da casa e tomei o café da manhã sozinha na sala de jantar e
tinha decidido por última hora vir a academia da casa, querendo passar um
tempo na esteira.
— E se eu aceitasse sair com você para onde iriamos? — ponho meus
pés em cima do banco e sinto que minhas forças estavam voltando para o
corpo.
Aronne me olha por inteiro, descendo pela minha legging rosa claro
de cintura alta e sua atenção vai para os meus seios que estão somente
cobertos pelo top de corrida rosa. Não gosto de usar blusa enquanto me
exército e ficar sozinha proporcionar esse direito de ficar à vontade e treinar
como quero.
— Iriamos visitar alguns pontos turísticos de Nova York.
Sorrio com sua proposta, era algo tão simples e aparentemente
agradável.
— Nós moramos em Nova York, Aronne — digo rindo. —
Provavelmente conhecemos todos os pontos turísticos dessa cidade.
— Nem todos — discorda. — Depois do passeio, iríamos almoçar em
algum lugar e poderíamos ver o pôr-do-sol no parque.
Me levanto e caminho em sua direção. Toco em seu braço e aceno;
— Adorei essa programação — me estico até ele e sussurro. —
Estarei pronta em quarenta minutos.
— Estarei lhe esperando ansiosamente — me dá uma piscadela.
Controlo minha vontade de beijá-lo aqui e agora, coloco em mente
que assim que ficarmos sozinhos irei matar minha vontade e não sairei de
cima dele por nada desse mundo. Com isso em mente me afasto e caminho de
volta para dentro da casa, subo correndo para meu quarto e me enfio debaixo
do chuveiro. Lavo meus cabelos, hidratando-os e depois faço o mesmo
processo em meu corpo usando alguns óleos perfumados, ao terminar me
enxugo e vou para frente do espelho, ligo o secador e começo a escovar meus
longos cabelos castanhos.
Quando eles estão secos e brilhosos, pego minha nécessaire e alguns
produtos para o rosto, aplico alguns cremes e opto somente por colocar
protetor solar, não vou usar nenhum tipo de maquiagem hoje. Aplico gloss
em meus lábios e vou para o closet, parando de frente as minhas diversas
araras.
Fico em dúvida se coloco algo mais sofisticado ou mais casual,
decido pela segunda opção. Pego uma calça de lavagem escura e cintura alta,
uma blusa branca de alcinhas e uma jaqueta jeans por cima, por fim um par
de botas sem salto de cano alto. Esse é o mais casual que consigo ser. Visto
tudo rapidamente e paro de frente ao espelho, colocando meus cabelos por
cima dos ombros, vendo que eu pareço uma jovem normal.
Antes de sair do quarto pego minha bolsa verificando se meu celular
está ali dentro e vejo que já posso encontrar Aronne. Desço animada e vou a
sua procura, ansiando para sair dessa casa e poder passar um tempo,
sozinhos.
O encontro junto de outros soldados, parecendo dar ordens e ao ver-
me apenas acena e se mantem á certa distância, em seguida se aproxima nos
levando até o carro.
— Seremos somente nós dois, não é? — Pergunto o olhando de lado.
— Sim.
Ele abre a porta traseira para mim e entro. Aronne rapidamente toma
seu assento como motorista saindo com o carro, quando estamos fora dos
grandes muros da mansão Sartori, salto para o banco da frente virando-me
para ele.
— Qual será nosso primeiro ponto turístico? — Não consigo controlar
a ansiedade em minha voz.
— Estátua da Liberdade — me lança um sorriso e segura minha mão
com a sua que está livre.
Dou um leve aperto e coloco o cinto de segurança. Mexo no sistema
de som do carro, vou passando pelas rádios locais até encontrar uma música
agradável e começar a cantarolar. Nunca tinha tido esses momentos normais,
onde escolho algum tipo de música no carro e passeio despreocupadamente
pela cidade que tinha nasci.
ARONNE
O sorriso que está estampado no rosto de Milena, aquece meu coração
de uma forma que não sei explicar. É algo bom e gostoso. Finalmente depois
de dois dias sem poder tocá-la como queria e pude segurar em sua mão como
um casal de namorados fazem. E percebi que Milena tinha gostado de ter
minha mão na sua, sua felicidade estava estampada em seu rosto.
Era nesse momento que eu via como que Milena precisava de
pequenas coisas para ser feliz e demonstrar seu carinho. Sua armadura de
arrogância não ficava presente quando estamos somente eu e ela, mas já tinha
presenciado o quanto ela pode ser dominante, como ontem, ela só faltou
estapear Katherine por vê-la perto de mim, mas ela se controlou muito bem e
apenas descontou seu ciúme em mim, me provocando, fazendo-me chegar ao
limite, quase esquecendo a maldita câmera na cozinha. Por um segundo quase
sucumbi á vontade de pôr ela em cima da ilha da cozinha e tomá-la ali
mesmo, sem me importar com as consequências.
Milena sabe apertar os botões certos e me fazer quebrar qualquer
regra que eu impus para nós. A espera para tê-la era necessária e sei que cada
segundo que pudermos controlar o desejo carnal, fará o momento da nossa
entrega ser especial e inesquecível.
Quem poderia imaginar que um simples soldado da Cosa Nostra,
pode ser romântico.
Por Milena serei isso. Serei a parte romântica do nosso
relacionamento e a racional.
Milena me abraça quando entramos na balsa que nos levará até a
Estátua da Liberdade e encosto a cabeça em meu peito. Abraço-a pelos
ombros e dou um pequeno beijo em seus cabelos cheirosos. Tiramos fotos
quando chegamos ao nosso destino. Sempre com ela colada ao meu corpo e
sorrindo lindamente. Numa das, nossas fotos juntos, ela pediu para que algum
turista a tirasse e me surpreendeu quando me beijou, me fazendo segurar sua
cintura e devolver seu beijo arrebatador, que me fez querer muito mais do que
aquilo.
Tiramos mais fotos e ela sempre que podia arrancava um beijo meu e
sorria quando nos afastávamos sem folego. Esse momento parecia tão
especial para ela, que fico olhando-a a todo instante, querendo eternizar esse
momento em minhas lembranças. Ficamos mais um tempo naquele lugar,
prestando atenção no que o guia turístico falava sobre a Estátua e depois
disso voltamos para a cidade onde, a levei para outro ponto de turismo que
era o museu de arte moderna, onde a vi ficar maravilhada com cada pintura
retratada naquele lugar. Sua mão está agarrada na minha, ela sempre vira para
mim e sorri lindamente, me fazendo ficar ainda mais bobo por ela.
— Sua filha é bonita — uma mulher para ao meu lado, enquanto
observo de longe Milena ao telefone.
Viro para a mulher sorridente e levanto minhas sobrancelhas, não
conseguindo evitar minha surpresa por ela achar que eu sou o pai de Milena.
Claro que sei, da existência da grande diferença de idades entre mim e
Milena, e tento abafar esse peso em minha cabeça cada vez que olho para ela
e vejo que não deveríamos estar juntos. Mas ver essa mulher dizendo algo
que provavelmente poderia ser, sinto-me um pervertido e um merda total.
Como se pressentisse ser o centro da atenção, Milena vira para nós e
seu rosto antes leve, fica tenso e ela olha de mim para a mulher ao meu lado.
— Obrigado — decido seguir pela mesma linha de raciocínio da
mulher, não iria discordar dela.
— Eu sou agente de modelos e sua filha tem as características que
estou procurando — ela tira um cartão da bolsa e estende em minha direção.
— Entregue isso a ela, por favor. Se ela estivesse interessada é só me ligar
nesse número e poderemos marcar uma sessão de fotos.
Apenas agradeço silenciosamente e me despeço da mulher, sentindo
toda a leveza que sentia até então sumir como num sopro. Me aproximo de
Milena que guarda seu celular e me olha com suspeita.
— O que aquela mulher queria? — Pergunta quando caminhamos
para a saída do museu.
— Ela ficou interessada em você — murmuro em tom neutro.
— Interessada? — Me olha com dúvida. — Como assim?
— Ela disse ser uma agente de modelos e que você é algo que está
procurando.
Milena me olha surpresa. Estendo-a o cartão onde contém o número
da mulher e algumas informações.
— Foi somente isso que ela disse? — Milena pega o cartão.
— Sim — decido não falar sobre a mulher achar que ela era minha
filha, isso era demais para mim. — Vamos almoçar.
Por não ter pegado a mão dela, Milena pega a minha e sentir sua mão
macia parece errado nesse momento, é como se tudo que estamos tentando
viver esteja fora da nossa realidade, que em algum momento iremos acordar e
veremos que tudo isso passou de um erro.
MILENA

Percebo Aronne distante quando decidimos almoçar em uma


lanchonete. Eram raras ás vezes em que eu vinha parar num lugar desse tipo,
com mesas pequenas, cheiro de fritura e pessoas falando alto ao nosso redor.
Não era do meu costume, comer hambúrguer no horário de almoço e beber
Milk-shake de caramelo servido em copo grande.
Confesso que fiquei parada por alguns segundos olhando para minha
refeição e não pude evitar olhar para Aronne que comia tudo aquilo com
muito gosto. E nesse momento, vi que somos totalmente diferentes em alguns
aspectos, mas isso não seria capaz de me impedir de ficar ao seu lado. Eu
poderia com toda certeza me acostumar á comer essas coisas vez ou outra e
com os locais barulhentos como essa lanchonete.
Dou uma primeira mordida em meu almoço e me surpreendo ao sentir
o gosto bom explodir em minha boca. Não me contenho e devoro o
hambúrguer em questão de minutos. Enquanto estou tomando minha bebida,
lanço toda minha atenção para o homem em minha frente que parece bastante
entretido com seus próprios pensamentos.
Seu rosto que antes tinha um sorriso e parecia relaxado com nosso
passeio, agora estava sério e uma carranca nada agradável estava instalada em
suas feições. Aronne não parecia disposto a dividir comigo o que lhe afligia.
— Está tudo bem? — Pergunto deixando meu copo de lado e pegando
um guardanapo, limpo meus lábios.
Como se somente agora percebesse que ainda estávamos em um lugar
público e, que eu ainda estava ali ao seu lado.
— Precisamos voltar — ele não me responde e isso me deixa ainda
mais preocupada. — Tenho que fazer algumas coisas.
— Aronne — seguro seu braço antes que ele possa se levantar e fugir
de mim. — O que aconteceu naquele museu?
— Nada.
— Não minta para mim — peço sentindo que ele pode se afastar a
qualquer momento e irei perdê-lo.
Ele olha para minha mão em cima do seu braço e suspira
profundamente.
— Irei pagar a conta e vamos embora.
Sinto meu peito se apertar, pois sabia que nada estava bem, pois algo
o afligia e ver que ele não confiava em mim para dizer o que há de errado, me
machucou. Eu esperava que nessa altura do campeonato ele falaria a verdade
e não esconderia nada.
Espero-o voltar e assim que tenta pôr a mão em minhas costas, me
afasto, não querendo que ele me toque. Se ele continuaria a me esconder o
que tinha acontecido no museu, eu me manteria afastada. Não irei pressioná-
lo e arrancar a verdade, quando ele estiver pronto eu estarei ali para ouvir,
mas até que isso aconteça era melhor manter certa distância.
No caminho de volta para casa, permaneço calada e pensando no que
aquela mulher poderia ter dito a Aronne, pois sinto que ela comentou algo
com ele. Me sinto agitada e quando ele para o carro na frente da casa, desço e
vou direto para dentro, não sigo para o meu quarto como de costume, preciso
me entreter com alguma coisa, senão criarei justificativas para o que estava
acontecendo e no final poderia acabar me machucando.
Entro no escritório de Enzo e caminho até o seu aparador de bebidas.
Há longos dias não colocava bebida alcoólica na boca, mas nesse momento
sinto que preciso entorpecer minha maldita consciência que insiste em
martelar minha cabeça a cada segundo.
Faço meu caminho de volta para a entrada da casa e esbarro em Tália
que estava com o aspirador de pó.
— Senhorita — ela me cumprimenta. — Deseja que eu sirva seu
almoço?
— Não é necessário — digo subindo alguns degraus. — E não é
necessário ajeitar a mesa do jantar.
— Sim, senhorita.
Entro no meu quarto, jogando minha bolsa no chão. Tiro minha
jaqueta e blusa. Chuto minhas botas e caminho até a poltrona que fica ao lado
das janelas do quarto. A vista que tenho dá para uma parte do jardim bem
cuidado. Abro a garrafa de Bourbon e faço uma careta ao dar o primeiro gole.
A bebida desce rasgando, balanço a cabeça ao me sentir meio zonza devido
ao primeiro gole.
O dia tinha começado perfeitamente. Eu estava me sentindo feliz
como nunca e agora só sinto o maldito vazio me preenchendo mais uma vez.
Provavelmente eu não servia para ser feliz. Dou mais um gole e no momento
ouço meu celular tocar.
Levanto-me de onde estou e pego o aparelho dentro da bolsa. No
visor vejo que é Perla.
— O que foi? — Atendo.
— Oi, para você também — diz bufando.
Bebo mais um gole do Bourbon e digo.
— Se você ligou para saber se meu irmão está, sinto muito em
informá-la que ele viajou — digo seca.
— Falando assim, parece que só me importo com seu irmão.
— E isso não é a verdade? — Falo sarcástica.
Perla fica por alguns segundos, calada, e até penso em desligar,
querendo voltar para meu momento solitário.
— Liguei, porque quero saber se vai sair comigo e algumas amigas.
Isso não é nada ruim. Era melhor estar na companhia de Perla do que
sofrer por algo que não iria me levar a lugar nenhum.
— Para onde iremos hoje?
— Estava pensando na Sensazione.
Solto uma risada quando Perla cita uma das boates mais badaladas da
famiglia. A Sensazione é conhecida por ter suas maiores festas e DJ’S
famosos, é também porque no andar inferior da boate é encontrado o clube de
sexo, onde só participa quem tem dinheiro suficiente para bancar as
brincadeiras nada convencionais que rolam lá dentro, ou seja, somente
associados á boate tem acesso ao andar inferior.
— Pensei que você estivesse com meu irmão — digo com cinismo.
— Seu irmão não está merecendo minha total adoração por ele — diz
petulante. — Nos encontramos lá?
— Com toda certeza.

Decidi não beber mais até chegar á boate, onde disse para mim
mesma que iria encher a cara e ninguém iria me segurar. O convite de Perla
veio num bom momento, precisava me distrair e sentir que poderia retomar a
minha vida.
Aronne pode continuar a mentir o quanto quiser, eu não iria me
importar. Não fale o que você não sabe — minha consciência retumba em
minha mente. Eu estou magoada e esse é o principal fator por estar aqui na
frente do meu espelho terminando de colocar meus saltos altíssimos e tiras
pretas.
Estava bonita. Tinha feito questão de exagerar na maquiagem,
fazendo um esfumado preto nos olhos, exagerando no rímel e batom
vermelho, que combinam bastante com o tubinho que vai até minhas coxas.
O vestido se agarra em meu corpo, marcando todas minhas curvas e
acentuando meus seios no decote de coração. Me aprecio mais um pouco no
espelho até que pego minha bolsa de mão prata e somente coloco meu celular
ali dentro.
Hoje iria ser uma noite de diversão e estava ansiosa para isso. Desço
para o andar inferior e me encaminho para fora da casa, encontro alguns
soldados patrulhando a casa.
— Preciso que me leve a Sensazione — digo para um soldado,
ignorando completamente Aronne que estava há alguns metros.
Não iria pedi-lo para me levar a boate nesta noite. Não queria ficar
perto dele e sim esquecê-lo ao menos por hoje.
— Sim, senhorita — ele se encaminha até a garagem para buscar o
veículo.
Mantenho minha atenção para frente e ignoro-o ao senti-lo se
aproximar. Seguro com força minha bolsa e controlo a vontade de olhá-lo. Se
eu encontrasse seus olhos azuis, iria me lembrar do dia perfeito que tivemos e
também irei recordar como ele terminou. Mantenha o controle.
— Não sabia que iria sair — ele diz em um tom neutro.
Lambo meus lábios secos e digo sem olhá-lo.
— Pelo que eu saiba não tenho que lhe informar para onde vou —
meu tom sai rude.
De relance o vejo pôr as mãos dentro dos bolsos da sua calça, com
isso queria dizer que estava incomodado de como as coisas estavam
seguindo.
— Sei que pode estar irritada...
— Poupe suas palavras — murmuro calma. — Quando você estiver
disposto a dizer o que aconteceu, poderá me procurar, mas até lá irei me
divertir.
Nesse momento o carro parou em minha frente e entrei rapidamente.
Somente dentro do veículo me permito olhá-lo. Sua expressão estava sombria
e dava para ver que ele não estava nada contente com minha forma de agir.
O caminho até a boate foi feito com calma e ao entrar no local, o
mesmo já estava lotado. O soldado que me trouxe, misturou-se entre as
pessoas, sabia que ele me vigiaria ao longe. Tinha combinado de encontrar
Perla no bar e foi para lá que fui, enquanto a espero peço a primeira rodada
de tequila. A primeira dose desceu rasgando, mas as seguintes desceram
facilmente.
— Oi! — Perla para ao meu lado e vejo outras duas moças com ela.
— Essas são Tessa e Nora.
Cumprimento-as e volto minha atenção para Perla.
— Parece que já começou a festa sozinha — ela continua e olho para
os copinhos vazios a minha frente.
Dou um sorriso bêbado. Talvez fosse necessário parar um pouco de
beber como uma desvairada.
— Peçam o que quiser, é por conta da casa — solto uma risada no
final.
— É você já está meio alta — Perla constata e em seguida pede um
drink colorido, sendo seguida por suas amigas.
Depois disso fomos para a pista de dança e começamos a dançar no
ritmo da música. Balanço meu corpo, sentindo-me leve como nunca e sei que
essa sensação se dá por causa de tanto álcool que já havia ingerido até agora.
A cada música que toca, me animo mais e sinto-me suar e ofegar no meio dos
outros corpos. Vez ou outra retorno ao bar e bebo outra rodada de tequila.
Perla e suas amigas estavam em seus drinks coloridos.
— Você não está exagerando? — Perla me observa virar mais uma
dose.
— Estamos aqui para nos divertirrrrr — digo meio bêbada.
Ela segura minha mão quando vou virar mais um copinho.
— É melhor você se controlar.
Levanto as sobrancelhas e olho para sua mão que está fechada em
meu pulso.
— Eu...sei o que...estou fazendooo — digo meio arrastada e ao
mesmo tempo desvio sua mão do meu pulso. — Não se preocupe.
— Milena...
— Vamos nos divertir!
Termino mais uma dose e volto para a pista de dança, sem me
importar por estar completamente bêbada. Só quero me divertir esta noite e
ninguém irá me impedir de ter isso. Não sei quanto tempo passo dançando.
Sinto somente uma mão deslizar pelo meu corpo e me puxar para trás. Solto
um sorriso bêbado e continuo a movimentar meus quadris, sentindo a pessoa
atrás de mim ficar dura.
Levanto meus braços para cima e passo minhas mãos pelo seu
pescoço.
— Mexe mais esse rabo gostoso — ele diz em meu ouvido e mordisca
minha orelha.
Faço o que ele manda e cada vez mais o estranho fica excitado,
apertando minha cintura. Me viro para ficar de frente para o homem e por
causa das luzes néons, não consigo ver direito seu rosto e seus olhos. Pelo
pouco que o vejo até que é atraente, mas não é quem eu queria que fosse.
Ainda segurando minha cintura, ele põe a outra mão em minha nuca e
tenta puxar meu rosto para o seu. Ponho minhas mãos em seu peito e consigo
desviar minha boca da sua. Algo ao longe chama minha atenção e sinto-me
ficar tensa completamente.
Aronne está parado há alguns metros de mim e ele não parece nada
contente com o que vê. Mantenho meus olhos nele e continuo a dançar com o
homem que me agarra. Isso parece fazer Aronne ferver de raiva e quase
tremo ao vê-lo andar em minha direção.
Em um movimento rápido Aronne me puxa para longe dos braços do
estranho e isso me faz rir. É estou completamente bêbada.
— Está louco? — O estranho nos olha.
— Fica longe dela — o tom que Aronne usa é ameaçador.
— Ela está dançando comigo — o estranho me olha sem entender.
— Ela é minha namorada — fico surpresa com o que ele diz.
O estranho desiste de insistir e vai embora. Aronne me puxa para fora
da pista de dança, nos levando até um corredor que dá acesso para os
banheiros e me empurra na parede.
— O que você tinha na cabeça? — Rosna perto do meu rosto.
Mordo meu lábio e toco em seu rosto. Ele fica tão bonito com raiva.
— Eu só queria me divertir.
— E isso inclui um homem a tocando?
Aproximo meu rosto do seu e roço nossas bocas. Queria tanto beijá-
lo, mas antes que eu fizesse isso. Aronne segura meus ombros e me afasta.
— Você está bêbada — ele diz me olhando com raiva. — O que está
acontecendo com você, Milena?
Solto uma risada e ponho minhas mãos em seu peito forte.
— Você é o motivo.
— E o que foi que eu fiz para você beber e deixar um estranho tocá-
la?
— Você está mentindo para mim — digo amargamente. — E eu odeio
mentiras.
Como se soubesse do que estou me referindo, o vejo respirar fundo.
— Hoje no museu me confundiram como sendo seu pai — ele
finalmente diz.
Franzo o rosto e tento entender o que ele diz, mas minha mente
bêbada quase me impede de raciocinar.
— E isso o fez agir daquela forma? — Pergunto incrédula.
— Isso me fez perceber que todos vão achar o que aquela mulher
achou — tenta se justificar.
— E você se importa com isso? — Bato em seu peito.
— Não, mas não quer dizer que não me deixou pensativo sobre a
nossa situação.
— E qual é a nossa situação?
Aronne se afasta e passa as mãos pelos cabelos desgrenhados. Ele
parece não saber o que dizer e isso me deixa apavorada.
— Eu não...
— Se você disser que o que temos é um erro — balanço a cabeça. —
Eu vou me sentir destruída, porque eu gosto de você e sei que também gosta
de mim, então não vamos viver pensando no que é certo, nem sempre o
correto é o ideal para nós.
— Seu irmão irá nos matar.
— Eu não me importo — dou um passo em sua direção. — Não me
importo que as pessoas nos olhem torto por você ser mais velho, não me
importo que meu irmão queira nos matar se descobrir que temos uma relação.
— Talvez um dia você se arrependa do que está dizendo.
— Talvez não. — Seguro seu rosto. — Porque o que sinto por você é
muito forte e farei de tudo para que daqui alguns anos eu continue sentindo
isso.
Aronne segura meu rosto e aproxima sua boca na minha.
— Garota! Não sei o que faço com você — confessa rindo. — Se a
esgano por ter se esfregado em outro homem ou se a beijo por querer ficar
comigo.
— Eu escolho a segunda opção — mordisco seu lábio.
Aronne me beija sem pensar duas vezes e me prende contra seu corpo,
me fazendo sentir aquele desejo tão conhecido se instalar entre nós. O abraço
como posso e deixo que ele tome minha boca na sua. Somente assim poderia
demonstrar o quanto gosto dele, que nada nem ninguém iria nos afastar.
MILENA

Sinto uma tremenda dor de cabeça ao tentar abrir os olhos. Solto um


resmungo e afundo ainda mais meu rosto no travesseiro, inspirando o cheiro
maravilhoso que vem dele. Espera. Esse cheiro...
Abro os olhos rapidamente me sentando na cama e isso faz minha
cabeça girar. Toco em minha testa e me concentro no local que estou. Esse
não é meu quarto, nem minha cama. O que está acontecendo?
Tento me recordar nitidamente do que tinha acontecido ontem á noite.
Bom, fui para a boate e bebi como se não houvesse amanhã, dancei com um
desconhecido, Aronne me encontrou e me arrastou até um corredor,
discutimos e depois nos beijamos. Depois disso, lembro-me que ele me
convenceu á vir embora. Pegamos minha bolsa, pois ele disse que havia
dispensado o soldado que me levou para a boate. Entramos, no carro e depois
disso vomitei nos meus próprios pés. O restante da noite passa num borrão
em minha cabeça. Eu não deveria ter bebido tanto. Olho para baixo e vejo
que não estou com minha roupa e sim com uma camisa masculina.
Rapidamente levanto o lençol que me cobre e vejo que ainda estou
com meu lingerie. Ele não viu nada demais. Enquanto saio da cama, fico
admirando o quarto completamente masculino, as paredes cinza e brancas,
cama de casal e guarda-roupas, durante meu escrutínio a porta do quarto é
aberta revelando um Aronne somente vestido com calça de moletom e nada
mais, me dando uma bela visão de seu corpo musculoso. Sua barriga com
alguns gominhos evidentes, uma leve pelugem em seu peito e abaixo do seu
umbigo que some para dentro da sua calça. Ah! O caminho da felicidade!
— Bom dia — me cumprimenta com um sorriso brilhante.
— Bom dia — digo passando as mãos pelo meu cabelo que deveria
estar um completo caos.
Preciso urgentemente encontrar um banheiro, para realmente ver
como está minha aparência nesta manhã.
— Como está sua cabeça? — Pergunta se aproximando.
— Uma merda — bufo e abraço meu próprio corpo. — Estamos na
sua casa?
Aronne para em minha frente e toca meu rosto, pondo uma mecha de
cabelo atrás da minha orelha.
— Sim — examina meu rosto. — Não queria levá-la para sua, no
estado em que estava.
Sinto meu rosto esquentar ao lembrar que vomitei na sua frente.
— Desculpe pelo vômito — murmuro envergonhada.
— Sem problema — dá uma piscadela. — Só me prometa que não irá
beber como ontem novamente.
Passo minhas mãos pela sua cintura e encosto minha testa em seu
peito e suspiro. Queria voltar para a cama e só acordar quando essa maldita
ressaca passasse.
— Prometo — digo baixinho. — Preciso de um banho.
Suas mãos passam pelas minhas costas, como se quisessem me aparar
de alguma forma. Fico abraçada á ele por algum tempo até que me afasto um
pouco.
— Obrigada por cuidar de mim.
— Disponha pássaro — beija minha testa. — Irei levá-la até o
banheiro.
Segurando minha mão, nos leva para fora do quarto e seguimos por
um corredor estreito de paredes brancas, sem nenhuma decoração. Era
perceptível que Aronne é bem simples. Totalmente diferente da vida que
levo.
Paramos na frente de uma porta que ele abre revelando um banheiro
mediano, com lavabo, sanitário e box. É tudo branco e estranhamente
organizado.
— Tem escova nova no armário debaixo da pia e toalha limpa — diz
dando-me espaço para entrar.
Viro para ele inclino a cabeça de lado.
— Podemos tomar banho juntos? — Balanço as sobrancelhas
sugestivamente.
Aronne dá um sorriso de lado e balança a cabeça negativamente.
— Irei preparar o seu café da manhã — beija mais uma vez minha
testa.
O vejo seguir pelo corredor e digo emburrada em alto e bom som.
— Você não sabe o que está perdendo.
Ouço somente sua risada como resposta, o que me deixa ainda mais
frustrada. Aronne está me evitando, isso é visível. Mas por quê? Se nos
acertamos ontem á noite. Por que ele não queria me tocar?
Com esse pensamento entro no banheiro tirando a camiseta que chega
até a metade das minhas coxas, e também minha calcinha e sutiã. Deixo tudo
em cima da pia e sigo para o chuveiro. Lavo meus cabelos e corpo, sentindo-
me melhorar um pouco. Fico um tempo debaixo d’água, me sentindo humana
mais uma vez. Na prateleira dentro do box encontro somente condicionador,
o qual passo em meus cabelos para não deixá-los secos, os penteio com os
dedos mesmo. Em seguida, pego o sabonete e passo pelo corpo.
Esse é o cheiro dele, isso me faz sorrir. Termino de me ensaboar,
volto para debaixo do chuveiro e tiro todo sabão, juntamente com o creme em
meus cabelos. Saio do banheiro e pego uma toalha debaixo da pia, e uma
escova de dente. Me seco e prendo a toalha contra meu corpo para escovar os
dentes. Depois de terminar todo meu ritual, me sinto novinha em folha.
Olho para minha roupa e decido não usar a mesma calcinha. Caminho
de volta para o quarto e abro o guarda-roupa de Aronne, procurando nas
gavetas por alguma cueca. Ele não irá se importar por eu usar alguma. Pego
uma de cor cinza e visto, aproveito e também pego uma camisa limpa, da
mesma cor. Seco meus cabelos com a toalha e decido procurar Aronne.
O cheiro de café da manhã invade minhas narinas o que me leva até a
cozinha, onde o encontro preparando algo no fogão. Ao me notar, vira o rosto
em minha direção e sorri.
— Gostei da sua roupa — brinca enquanto pega um prato para
colocar os ovos mexidos e uma fatia de pão.
— Obrigada — me sento na banqueta da cozinha e ele põe o prato em
minha frente.
Aronne se senta em minha frente e começamos a comer. Meu
estômago recebe muito bem o desjejum, em pouco tempo termino tudo e
levanto-me para levar a louça até a pia. Arregalo os olhos ao me virar e
deparar com Aronne parado a minha frente. Ele parece tão grande e
imponente nesse momento. Eu não me considero alta e me sinto ainda menor
na sua frente sem salto.
Seguro a respiração quando sua mão toca na lateral da minha boca e
dá um pequeno sorriso.
— Está sujo — sua voz sai rouca.
Ofego ao vê-lo levar o dedo a boca, depois abaixa a cabeça e engulo
em seco ao sentir sua língua se insinuar perto da minha boca. Seguro as
laterais da pia e tento me apoiar da melhor forma possível. Aronne está me
provocando e não sei se irei conseguir resisti-lo por muito mais tempo. Eu
não quero resistir, mas ele prometeu esperar o momento certo.
Todavia, se continuarmos a nos provocar, a frustração sexual que nos
ronda irá crescer e chegará um momento em que será impossível parar o que
começarmos.
Perco qualquer resquício de raciocínio quando sua boca vem para
cima da minha, jogo para o alto qualquer pensamento de não prosseguir o que
estávamos fazendo. Seguro seus cabelos entre os meus dedos e o beijo, sinto
seu gosto em minha boca, fazendo-me suspirar e querer ainda mais de seu
beijo.
Aronne segura minha cintura e cola nossos corpos, fazendo-me ofegar
ao sentir sua ereção contra minha barriga. Puxo seus cabelos em deleite
mordendo seus lábios e chupo sua língua que explora minha boca. Nossas
mãos deslizam pelo corpo um do outro. Sinto sua pele quente sob minha mão
e vou descendo pelo seu peito, barriga e sigo para suas costas fortes.
Ele nos vira ainda com nossas bocas coladas uma na outra, nos faz
andar até a ilha da cozinha e, num movimento, me pega nos braços me
fazendo sentar no mármore da bancada. Solto uma exclamação ao sentir o
frio do mármore em contato com minha pele.
Aronne afasta o rosto do meu, o azul dos seus olhos estão escurecidos
de desejo, seus lábios estão levemente inchados e posso imaginar que os
meus estão da mesma forma. Passo as mãos pelo seu pescoço e sigo até a
nuca.
— Isso foi bom — digo mordendo meu lábio inferior.
Ele levanta as sobrancelhas e ao mesmo tempo desliza as mãos da
minha cintura até as minhas coxas.
— Foi somente um beijo — brinca enquanto afasta minhas pernas e
ficando no meio delas.
É minha vez de levantar as sobrancelhas e sem pensar muito o puxo
para perto. Ele rosna contra minha boca, sinto a excitação dominar cada fibra
do meu corpo, me deixando cada vez louca. Aronne segura meus cabelos e
puxa levemente, me deixando ainda mais a mercê do seu beijo, enquanto a
outra mão desliza até minha bunda e aperta a carne. Solto um gemido sôfrego
em sua boca e tento puxá-lo para mais perto, querendo mais do contado.
Eu preciso dele.
Como se percebesse, Aronne desliza a boca pelo meu queixo,
pescoço, mordendo a junção deles e depois chupando. Continuo com os olhos
fechados, ofegando com cada beijo e lambida que dá em minha pele sensível.
Estou a ponto de enlouquecer e implorar por mais. Aronne se afasta por
alguns segundos e rapidamente levanta a camisa que estou vestindo, o ajudo a
tirá-la e ele despreza jogando no chão.
O olho desejosamente não me contendo beijo seu peito, mordisco sua
pele e vou para o seu pescoço, onde chupo e mordo. Isso o faz rosnar ainda
mais e segurar-me com força. Sorrio contra sua pele e sigo até sua orelha.
— Eu preciso sentir você — sussurro mordiscando o lóbulo da sua
orelha.
Aronne solta um praguejar incoerente e puxa meus cabelos da nuca.
Ele fixa seus olhos nos meus e eu consigo ver que está perdendo todo seu
controle. O instigo ainda mais, descendo a mão até seu pênis já
evidentemente ereto em sua calça de moletom.
— Milena... — grunhe fechando os olhos. — Decidimos esperar.
Aproximo meus lábios dos seus e sussurro.
— Não precisamos mais esperar — digo sofregamente. — Você me
tem completamente Aronne.
Suas íris azuis brilham em deleite, como se isso fosse o suficiente, sua
boca volta para a minha. Ciente de que qualquer resistência que ainda esteja o
segurando tinha caído nesse momento. O abraço pelas costas me esfregando
na sua protuberância e solto um gemido contra seus lábios.
Deixando mais uma vez meus lábios, ele desce até meus seios. Seguro
um gemido ao sentir sua boca se fechando em meu mamilo duro para chupá-
lo com ganância e mordiscá-lo, depois rolando a língua vagarosamente.
Firmo-me em seus ombros e sinto uma leve pressão em meu baixo ventre,
que cresce cada vez mais.
— Dessa vez irei fazê-la gozar — diz perverso enquanto desliza a
mão para dentro da cueca que uso.
Gemo alto ao sentir seus dedos dedilhando minha vagina molhada,
pingando por ele e encontrar meu clitóris inchado. Meu corpo treme e sinto
meu desejo aumentar cada vez mais enquanto sinto sua boca em meu seio e
sua mão no meio das minhas pernas.
Seus dedos deslizam pela minha vagina, rodeando minha entrada e
voltando para o nervo pulsante clamando por seu toque. Tento afastá-lo ao
sentir gozo se aproximar. Essas sensações estão sendo intensas demais, quase
insuportáveis.
— Aronne... — digo roucamente enquanto meu corpo convulsiona ao
sentir o desejo se apossar de mim.
— Goze — ele captura minha boca na sua e movimenta seus dedos
ainda mais em minha vagina.
Tremo enquanto me seguro nele e gemo seu nome enquanto o
orgasmo atinge meu corpo. Sinto-me mole, mas percebo quando ele se afasta.
Me apoio na bancada e o olho com desejo, mesmo tendo acabado de ter um
belo orgasmo, ainda o queria insanamente.
Passeio meus olhos pelo seu corpo e encontro seu pênis ereto
demonstrando sua virilidade evidente em sua calça. Sem esperar que ele
comande algo, desço da bancada e fico de joelhos na sua frente.
— O que você está fazendo? — Me olha confuso.
Mordo meu lábio e ponho minhas mãos nos cós da sua calça.
— Minha vez de lhe dá prazer.
— Milena...
Ignoro o seu protesto e puxo sua calça para baixo, revelando seu pênis
duro como rocha. Nunca vi um em minha frente antes, mas o de Aronne é
longo e grosso. Inclino a cabeça um pouco para o lado e tento compreender
como caberá em mim. Escondo um sorriso e olho para cima, onde Aronne
parece se controlar para não mexer.
— Acho que vai gostar de saber que nunca fiz isso — digo com as
mãos em suas coxas fortes.
A sua mão vem para meu rosto, movimenta seu polegar em meus
lábios entreabertos.
— Fico feliz em saber disso — me lança uma piscadela. — Mas
também quero que saiba que não é necessário fazê-lo.
— Eu quero fazer.
— Tudo bem — suspira. — Só tome cuidado com os dentes.
Meneio a cabeça em concordância. E, devagar pego seu pênis em
minha mão, que parece pequena em torno no seu membro. Caralho. Me
concentro em fazer movimentos para cima e para baixo, aplico um pouco de
pressão, que o faz fechar os olhos com força.
— Está doendo?
— Não. — Grunhe. — Continue assim.
Isso me satisfaz e aproximo minha boca da cabeça bulbosa do seu
pênis, dou uma lambida. Aronne segura meus cabelos e concluo que também
gostou disso. Decido ser mais ousada e ponho seu pênis em minha boca. Dou
uma leve chupada e o ouço diz algo baixo, mas não tento entender. Continuo
a movimentar minha boca junto com minha mão.
Percebo que ele fica cada vez mais duro e as veias do seu membro
ficam cada vez mais evidentes. Deslizo a mão livre por sua coxa e sigo até
seus testículos, o aperto levemente, ato que o faz tencionar e mexer o quadril
para frente. Sinto-me ficando cada vez mais excitada e uma pressão no meio
das minhas pernas emanando. Deslizo minha boca pelo seu pênis, evitando
usar os dentes como ele instruiu a não fazer.
Aronne segura meus cabelos como um rabo de cavalo e me deixa
estacada, enquanto movimenta os próprios quadris, deslizando seu membro
para dentro e fora da minha boca. Seguro com um pouco mais de pressão
seus testículos e assim sinto-o se liberando em minha boca, percebo que
realmente tinha acabado de gozar ao revelar um gosto salgado preenchendo
meus lábios. Me concentro em receber seu gozo, quando termina alivia a
pressão em meus cabelos e o vejo respirar rapidamente. Afasto meu rosto e
para provocá-lo mais um pouco, dou uma lambida em seu pênis semiereto.
Limpo os cantos da minha boca com ele me observando, chupo meu
dedo que continha resquícios do seu sêmen. Aronne estreita os olhos para
mim e dou um sorriso.
Ele me levanta e não espera para me beijar, sem se importar com seu
gosto presente em minha boca. Aronne termina de tirar a calça que está
amontoada em seus calcanhares e depois puxa a última peça de roupa que me
resta, que é sua cueca. Eu estou completamente nua em sua frente e por
incrível que pareça não me envergonho.
Aronne me olha com adoração, o que me faz sentir ainda mais
confiante. Suas mãos grandes deslizam pelos meus calcanhares subindo até
meus quadris.
— Eu havia planejado um jantar perfeito, como você merece —
sussurra enquanto beija meu colo seguindo para meu pescoço. — Mas não
consigo mais esperar.
Seguro seu rosto e aproximo nossos lábios.
— Eu não preciso de declarações ou flores — falo com sinceridade.
— Eu só desejo ser sua.
Seus olhos azuis que estão tão claros e brilhantes fitam- me com tanta
paixão que me sinto extasiada.
— Depois de hoje, você não poderá mais voltar atrás com a sua
decisão.
— Para mim o que importa é ser sua — digo ansiosa.
Aronne me pega em seus braços e desliza seus lábios nos meus,
sussurrando.
— Vamos para o quarto.
Quando chegamos ao quarto ele me deposita sobre a cama, caminha
até o criado mudo para pegar um preservativo, retornando para junto de mim
deposita a embalagem ao meu lado. Sinto meu coração bater com força
contra meu peito e a ansiedade me predominando cada vez mais. Aronne
segura meu rosto e me beija com carinho, me faz deitar no colchão e vem
para cima do meu corpo.
Abraço suas costas e envolvendo seus ombros num carinho latente,
percebo que meu desejo finalmente iria realmente acontecer. Eu seria de
Aronne, finalmente seria dele. Acompanho seu beijo lento. Ele me acaricia
com reverência, sinto cada uma de minhas fibras relaxando e o desejo mais
uma vez aflorar. Ficamos por alguns minutos somente nos tocando e
beijando, em mais um ato de tortura ele deixa meus lábios e desce para os
meus seios, os beija, me fazendo delirar mais uma vez.
Movimento meus quadris contra os seus, sentindo seu pênis mais uma
vez duro, sei que em breve estará dentro de mim me reivindicando como
desejo. Concentro-me em seus toques e não percebo quando pega o
preservativo, abre a embalagem e cobre seu membro.
Ofego ao sentir a cabeça do seu pênis em minha entrada deslizando
até meu clitóris, é impossível controlar minhas reações para não ficar tensa.
Senti-lo deslizando aos poucos para dentro de mim é doloroso, mas
inebriante. Seguro seus ombros e franzo o rosto, sentindo minhas paredes
vaginais se esticando.
— Aronne...
— Relaxe — sussurra contra meu rosto, me envolvendo pelos
ombros.
Tento acatar seus comandos, mas quando o sinto deslizando ainda
mais para dentro, é involuntário não contrair minha vagina ao sentir um
lampejo de dor. Fecho os olhos tentando procurar algum ponto de prazer, mas
só sinto meu canal ardendo e doendo.
Aronne para de me penetrar e fico um pouco aliviada. Não imaginei
que seria tão doloroso. Deduzia que doesse a primeira vez, mas sempre achei
que não fosse tão incômodo. Aronne toca meu rosto, com esse gesto me faz
olhá-lo. Em suas íris encontro preocupação e receio.
— Podemos parar.
— Não ouse fazer isso — estreito meus olhos. — Vai ficar tudo bem.
— Você está com dor, pássaro.
Inclino um pouco a cabeça em sua direção e roço nossos lábios.
— Dizem que dói somente na primeira vez.
Aronne fica calado e depois de alguns segundos balança a cabeça.
Levanto minhas pernas, as pendurando em seus quadris e sinto-o invadindo-
me ainda mais, o que foi estranho. Passo minhas mãos pelo seu pescoço e
toco em seus cabelos da nuca.
— Não tem como voltar atrás — provoco. — Agora termine o que
começamos.
Ele segura meu queixo e saqueia minha boca com a sua, me concentro
em beijá-lo e esquecer a dorzinha chata e insistente em minha vagina. Aronne
volta a movimentar seu quadril assim que está completamente dentro de mim,
neste momento, tomo consciência de que não sou mais virgem e que sou
completamente dele.
A ardência persiste durante os primeiros movimentos que Aronne faz
em meu interior, entrando e saindo devagar. Mas, com seus beijos
combinados com toques em meu corpo, me estimulando com carícias nos
meus seios e apertos com posse me fazem delirar de prazer. Fazendo-me
soltar gemidos que o faz perceber que estou gostando do momento.
Aronne não aumenta os movimentos durante suas investidas. Ele
continua com um entra e sai devagar, prolongando ainda mais meu prazer.
Ele está sendo gentil, e eu tive certeza escolhera muito bem por tê-lo como
meu primeiro. Aronne está respeitando meu momento, a minha primeira vez
sem me forçar a nada. Ele é realmente um cavalheiro.
Movimento meus quadris junto com os dele e assim buscamos nosso
orgasmo. Meu corpo fica tenso ao sentir o gozo me dominar, o aperto contra
mim, soltando um gemido contra seu ouvido e como se me ouvir fosse o que
ele precisa, Aronne treme contra meus braços e, assim também atinge seu
orgasmo.
Não há forma melhor para ter perdido a virgindade. Não terei medo
das consequências dos meus atos, porque foram eles que me trouxeram
Aronne e nossa relação. Eu sou dele, assim como ele também é meu.
Sinto que agora estamos completamente conectados e nada pode nos
separar.
MILENA

Enterro meu rosto mais em seu peito, não querendo nunca mais sair
dos seus braços. Seu cheiro me invade e com isso suspiro em deleite. Há
algumas horas estou em seus braços e não saímos da cama por nada. Parece
tão certo estar aqui.
Seus dedos longos movimentam para cima e para baixo, numa carícia
magnifica, ao longo das minhas costas e isso me faz relaxar cada vez mais.
Passo minha mão pelo seu peito e toco levemente sua pele.
— Estou feliz — sussurro levantando um pouco a cabeça,
encontrando suas íris cristalinas.
Aronne dá um sorriso de lado e sua mão que está em minhas costas
vai para meus cabelos tirar uma mecha do rosto. Ele gira-a no dedo e depois
põe atrás da minha orelha.
— Também estou feliz — abre ainda mais o sorriso. — Muito.
Mordo meu lábio e inclino a cabeça para perto da sua encostando
nossas testas.
— Queria que isso durasse por mais tempo — confidencio. — Mas
em algum momento tenho que voltar para casa.
Em seu rosto vejo compreensão, pois ele sabe bem que eu não posso
ficar por mais tempo.
— Que tal um banho e depois a levo para casa? — Diz por fim,
tocando em minha bochecha.
— Acho perfeito.
Aronne se levanta da cama e estende a mão para mim. Faço uma
careta ao me levantar, sentindo um leve incômodo em minha vagina.
Percebendo isso, me pega em seus braços, fazendo com que eu o envolver
com pernas e braços. Solto uma risada quando nos carrega para o banheiro.
— Eu sei andar — digo acariciando seus cabelos desgrenhados.
— Gosto de tê-la em meus braços — diz beijando a ponta do meu
nariz e me põe sentada sobre o mármore da pia.
O vejo abrindo o box e ligar o chuveiro. Por estarmos nus, ele apenas
me pega em seus braços novamente e nos põe sob a água morna. Fecho os
olhos e inclino o rosto um pouco para trás, sentindo a água cair sobre nós.
Para tomarmos um banho descentemente ele me desce do seu colo, o
ajudo a ensaboar o corpo enquanto repete o mesmo processo em mim. O
nosso banho foi permeado por carícias e beijos. Aronne não tentou nada,
estava respeitando meu tempo após perder a virgindade e agradeço á ele, pois
não sei se aguentaria mais uma rodada de sexo.
Só espero que seja menos dolorido na próxima vez, porque com toda
certeza teria uma. Terminamos nosso banho e seguimos para o quarto, coloco
minhas roupas da noite anterior e ajeito da melhor forma meus cabelos
molhados.
— Seus sapatos, senhorita — Aronne dá uma piscadela maliciosa ao
entregar meus saltos.
— Obrigada — me sento na ponta da cama e calço-os.
Aproximo-me de Aronne que está vestindo um dos seus ternos pretos
e mordo meu lábio. Sempre gostei de vê-lo vestido dessa forma, mas prefiro
vê-lo com calça jeans, camiseta e jaqueta. Abotoo os últimos botões da sua
camisa social e pego o paletó.
Ao nos ver vestidos e prontos para sair da nossa pequena redoma,
sinto um leve aperto em meu peito. Não estou pronta para terminar isso
ainda, queria poder ficar mais algumas horas e aproveitar nosso pequeno
momento.
Aronne segura em minha mão enquanto nos leva para fora do
apartamento e seguimos para a garagem do prédio. Tento não me sentir triste
por ter de voltar para casa. Assim que paramos na frente da minha casa, ele
vira para mim e vê a melancolia estampada em meu rosto.
— Pássaro, não fique assim — toca em meu rosto. — Logo teremos
mais tempo para nós.
— Eu sei — beijo a palma em sua mão — Irei sentir sua falta.
— Eu também, pássaro — aproxima o rosto do meu. — Agora
preciso que entre e seja a Milena que todos conhecem.
Dou um pequeno sorriso contra seus lábios e digo com jubilo:
— Será quase impossível, já que fui bem fodida.
— Milena — seu tom soa em aviso. — Não seja tão arrogante.
Planto um beijo em seus lábios e me afasto.
— Não consigo evitar — dou uma piscadela. — Foi uma ótima foda
Sr. Pellegrino.
Aronne balança a cabeça enquanto pego minha bolsa e saio do carro,
com um sorriso presunçoso no rosto. Meu dia tinha começado
definitivamente bem e não quero perder a leveza que estou sentindo.

Enzo voltou para casa naquela tarde. Não nos falamos sequer nos
cumprimentamos, somente o vejo passando e seguir para seu escritório. Estou
na sala de visitas lendo uma revista e continuo a fazer isso enquanto espero o
tempo passar.
Eu preciso fazer algo, não quero ficar parada. Então decido ir para a
cozinha onde encontro Tália trabalhando.
— Precisa de ajuda?
Eu não sou de interagir com os empregados da casa. Mas oferecer
algum tipo de ajuda é melhor do que ficar parada olhando para as paredes
sem graça. Tália me fita com surpresa, até eu estaria surpresa comigo mesma.
Nunca ofereci ajuda, na verdade eu sempre fiz as confusões dentro da casa
para a pobre mulher limpar.
— Não é necessária senhorita — ela diz em tom baixo.
Suspiro me recostando na bancada vendo-a cortar os legumes.
— Com quantos anos começou a trabalhar, Tália?
A mulher me olha por alguns segundos, com toda certeza ela deve
estar achando que enlouqueci, mas eu só estou me sentindo solitária e quero
ter algum tipo de companhia.
— Aos treze — me responde.
— Muito nova — constato. — Mas você é feliz com seu trabalho?
Tália se movimenta entra a bancada e o fogão, pondo os legumes em
uma panela e depois virando para mim.
— Não tenho de que reclamar, senhorita — dá de ombro. — Minha
mãe trabalhou a vida toda para sua família e para mim é uma honra continuar
o trabalho dela.
Apenas aceno e me aproximo do fogão, olhando o que ela está
fazendo.
— Ás vezes não é fácil viver nesse mundo, não é?
Vejo-a pôr algumas coisas na panela e depois mexer com uma colher.
Ela é bem ágil e vejo que tem bastante prática.
— Fomos feitos para suportar qualquer tipo de coisa, senhorita.
Sigo para a banqueta e me sento cruzando as pernas, me fazendo
sentir uma leve dorzinha em meu sexo, lembrando-me do que fizera há
algumas horas. Me forço a não lembrar de Aronne e do seu maravilhoso
corpo em cima do meu, dando-me prazer.
— Sabe — toco em meus cabelos. — Eu não aprendi a cozinhar ou
costurar, como muitas garotas da famiglia aprenderam.
Na verdade eu só havia aprendido uma coisa em minha vida, matar,
mas não pensem que faço isso desde sempre. Não! Meu irmão quis que eu
aprendesse a me defender, saber usar uma arma e a usasse quando me
sentisse coagida ou ameaçada. Fui treinada por ele, não tive a mesma
iniciação dos homens dentro da máfia, mas fui iniciada, aprendi a lutar, atirar
e matar quando fosse necessário. Aos meus dezoito fiz o primeiro trabalho
pra famiglia, era para ser apenas um serviço simples, apenas uma informação
que eu deveria descobrir, mas que acabou em sangue. O homem que deveria
ser meu informante era um traidor e tentou me acertar com um tiro, mas fui
mais ágil e atirei primeiro, fazendo a bala atingir sua cabeça. Não me senti
culpada nem tive remorso pelo que fiz. Eu havia me protegido, atirei por
legítima defesa.
Mas isso resultou em meu irmão vendo que eu não era frágil como as
outras garotas da máfia, que eu sabia agir em meio á pressão e não recuaria
quando ameaçada. Eu era diferente e não tinha medo de me arriscar, por isso
ele me deu outros trabalhos, mas somente quando era restritamente sigiloso,
portanto para muitos eu era vista como uma pessoa frágil e leiga sobre a
podridão da famiglia. Mal sabiam essas pessoas que em muitas vezes fora eu
a salvar os seus malditos rabos. Era bom saber que muitos me deviam as suas
vidas, até mesmo meu irmão.
— Tenho certeza de que a senhorita sabe fazer muitas coisas.
— É, quem sabe — dou de ombro. — No final sempre seguirei o
caminho das outras garotas.
Tália apenas acena. Eu não sei muito sobre ela e não fazia questão de
saber. Somente sei que ela trabalha há anos para minha família, assim como
sua mãe trabalhou. Não sei se ela é casada ou tem filhos. Eu não conheço
muitas pessoas, dava para ver isso.
ARONNE

— Você parece nervoso — Aiden que está ao meu lado diz em tom
debochado.
Ponho minhas mãos dentro dos bolsos da calça e olho de relance para
ele, que tem um sorriso cretino no rosto. O idiota adora me testar e ás vezes
consegue uma reação minha, no entanto hoje eu me manteria no controle,
porque é preciso.
— É impressão sua — falo em tom neutro.
— Então porque aparenta querer arrancar a qualquer momento a
cabeça daquele homem que está na companhia da Sartori? — Debocha ainda
mais.
Viro de costas para onde Milena está sentada em uma mesa
conversando com Álvaro de Castro. Sei que ele é um bom advogado e que
está fazendo um serviço para Enzo, nada mais que isso.
— Você está vendo coisas.
Está sendo quase impossível me controlar, quero fazê-la se afastar
daquele homem, mesmo que ele não esteja próximo á ela, a tocando, mas
sinto a necessidade de tirá-la da vista de qualquer homem que a olhe por mais
de dois segundos.
— Sim, sei — ele se encosta, no balcão, onde estamos e continua a
olhando. — Como é vigiá-la?
— Como assim? — Olho-o sem entender.
— Toda essa arrogância, soberania.
Volto a olhar para Milena e penso no que Aiden diz. Antes eu
pensava a mesma coisa que ele, mas agora eu vejo que Milena não é tudo que
as pessoas dizem. Milena é apenas uma pessoa que tem sonhos, vontades e
necessita de atenção. Mas ela esconde toda a sua fragilidade e bondade atrás
de uma personalidade que não condiz com o que realmente é.
Dou de ombro, para não demonstrar que conheço bem aquela garota.
Preciso ser ainda mais neutro com meus sentimentos e não demonstrar o
quanto gosto dela.
— São muitos anos trabalhando para os Sartori — olho para ele. —
Estou acostumado com tudo isso.
Aiden solta um resmungo e ao mesmo tempo uma careta.
— Ás vezes da vontade de dar um corretivo nessa garota — diz
frustrado.
Tenho vontade de dar um soco na cara dele, só para esse idiota
esquecer a ideia de querer encostar, nela. Aiden é muito petulante e imaginá-
lo batendo em Milena, só me faz ver o quanto é sem caráter.
— Se o Don, ouvir o que disse, tenha a certeza de que não irá ver o
dia amanhecer mais uma vez.
Aiden solta uma risada, como se não acreditasse no que digo. Mal
sabe ele que Enzo Sartori pode fazer qualquer coisa para proteger a irmã.
Um movimento a nossa frente me faz desviar atenção de Aiden e vejo
o momento que Milena se levanta e o homem estende a mão na sua direção,
se despedindo. Ela dá um sorriso para ele e concorda com algo que diz.
Fecho meus punhos por vê-los apertando as mãos e conto até dez para me
controlar.
Milena vira em minha direção e dá um aceno. Não me despeço de
Aiden e caminho na direção dela, acompanhando-a para fora do restaurante.
Não consigo evitar olhar para o traseiro dela, que está bem marcado pelo
vestido azul claro, que contorna muito bem sua bunda. Engulo em seco, é
impossível meu pau não vibrar dentro da calça. Se controle.
Já se passara uma semana desde que a tive em meus braços, que tirei
sua virgindade. Parece tanto tempo, mas não podemos ficar nos encontrando
em todos os momentos, deixaria muito evidente que temos algo, é facilitar
para que Enzo descubra sobre nós.
Respiro fundo por diversas vezes até que entrarmos no carro, assim
que dou partida, Milena se transfere para á frente virando para mim.
— Senti sua falta — se inclina para cima de mim e beija meus lábios
levemente.
Tento me concentrar na estrada, mas sentir seu cheiro é hipnotizante,
fico tentado a pegá-la em meus braços e tê-la aqui mesmo.
— Milena, assim bato o carro — digo com o tom rouco.
Ela solta uma risada e se afasta, pondo o cinto de segurança, e
mexendo no sistema de som do carro.
— Vamos para um lugar — sugere.
— Para onde a senhorita quer ir? — Olho-a de relance.
Milena fica calada por alguns segundos até dizer.
— Para o seu apartamento — diz com provocação.
Aperto um pouco o volante e tento pensar no que ela quer fazer lá,
mas é impossível não pensar nela nua sob meu corpo. Minha boca em sua
pele, sentindo seu gosto e seus gemidos deliciosos soarem pelas paredes do
apartamento.
— É isso que quer?
Milena morde o lábio inferior e acena vagarosamente. Engulo em
seco e forço-me a manter o controle. É difícil manter a concentração na
estrada, e quando estaciono o carro na garagem do prédio, mal tenho tempo
de desafivelar o cinto de segurança, que logo Milena está sobre mim,
beijando-me loucamente, segurando meus cabelos e me puxando para perto
de si.
Seguro em sua cintura, tentando ter algum controle da situação.
Milena mexe seus quadris em cima dos meus, fazendo-me grunhir contra sua
boca, puxo seus cabelos da nuca, inclinando um pouco sua cabeça e tomando
o controle da situação. Ela solta uma risada quando mordisco seu queixo e
deslizo minha língua por sua pele.
— Senti tanta falta disso — confessa com os olhos fechados e o rosto
cheio de desejo.
Beijo sua orelha, mordendo o lóbulo e ao mesmo tempo digo com
desejo.
— Sentiu falta do meu pau? — Rosno apertando seu traseiro tentador.
— Da minha boca sobre sua pele, dos orgasmos que lhe proporciono?
Milena segura meu rosto entre suas mãos pequenas e fixa seus olhos
nos meus.
— Senti falta de você — beija o canto da minha boca. — O que me
dá, é apenas um brinde.
Ela sabe ser gentil e isso me fez querê-la ainda mais. Seguro seu
cabelo e capturo sua boca na minha, mordendo e sugando seus lábios. E,
Milena não fica parada. Chupa minha língua e mordisca meu lábio enquanto
suas mãos deslizam pelo meu peito e vai abrindo os botões.
— Vamos sair do carro — digo, tentando raciocinar direito, o que se
torna uma tarefa difícil.
Tento tirá-lo do meu colo, mas suas mãos me empurram no banco e
ela me olha ofegante.
— Não! — Beija meu rosto e vai descendo até meu pescoço,
deslizando a língua por minha pele até meu peito desnudo.
— É arriscado, Milena.
— Não me importo — diz com a voz abafada.
Olho para os lados, vendo se tem algum movimento na garagem do
prédio e tudo aparenta calmaria. Eu não seria omisso e ingênuo para dizer que
nunca fiz sexo dentro do carro, mas estar aqui com Milena é outra situação.
Ela merece um lugar mais privado e confortável, não um carro apertado e
uma trepada rápida.
— Vai ser sua segunda vez e ainda não estará preparada para ficar por
cima — tento argumentar, mas é como se eu não dissesse nada.
Milena termina de abrir minha camisa e desliza a peça pelos meus
ombros. Fico tenso ao perceber que ela realmente quer fazer isso aqui, em um
lugar público.
— Milena...
— Shhhh — ela põe o indicador sobre meus lábios. — Relaxa e
aproveita.
— Não tenho camisinha.
Ela mordisca o próprio lábio e se inclina na direção da sua bolsa que
está jogada no banco ao lado. De dentro da bolsa ela pega um pacotinho de
preservativo e o balança em minha frente. Balanço, a cabeça, e ela sorri,
segurando meu rosto e voltando a me beijar.
Tento relaxar o máximo possível e passeio minhas mãos pelas suas
costas, sentindo todo seu corpo que senti tanta falta. Milena se afasta um
pouco, subindo a saia do seu vestido, com isso abaixo meu olhar e olho para
sua calcinha branca rendada.
— Gostou? — Morde o lábio inferior.
Desço minha mão até o meio das suas pernas e sinto-a molhada por
cima da calcinha. Milena fecha os olhos e suspira enquanto continuo a
tocando por cima da peça. Com uma mão seguro seu rosto e tomando todo o
controle, afasto sua calcinha para o lado e dedilho sua bocetinha que está
completamente encharcada, fazendo-me enlouquecer.
Ela movimenta o quadril sobre minha mão que toca seu clitóris e
desce para sua entrada que está quente e escorregadia. Penetro um dedo em
sua abertura apertada. Milena se segura em meus ombros abaixando a cabeça,
liberando leves gemidos por sua boca.
Passo minha boca por sua mandíbula e vou descendo até parar no seu
colo, onde desço uma alça do seu vestido, revelando seu peito nu. Não espero
muito e o levo em minha boca, mordiscando seu mamilo e chupando em
seguida. Milena arqueja enquanto a penetro com meu dedo e dou atenção
para seus seios.
— Aronne... — geme, tencionando o corpo e logo a vejo jogar a
cabeça para trás, empinando os seios em minha direção.
Seu corpo fica tenso por alguns segundos, sei que ela acabara de
atingir seu orgasmo. Ela continua um pouco trêmula sobre meu corpo, não
paro de chupar seu seio e movimentar meu dedo em seu canal encharcado.
Logo a vejo voltar a gemer ciente de que seu desejo está voltando. Quero
fazê-la gozar mais uma vez. Quanto mais estiver molhada, melhor seria a
penetração. Mais fácil dela me receber nessa posição.
Milena puxa meus cabelos e quando a olho, bate sua boca na minha e
morde meu lábio com força, não ligo para a picada de dor que sinto com sua
agressividade e retribuo seu beijo esfomeado e furioso.
Retiro meu dedo do seu canal envolto em sua lubrificação, levo o
dedo até seu brotinho duro e faço pequenos círculos naquele ponto. Ela geme
cada vez mais e sua pele se arrepia cada vez que se aproxima mais uma vez
da sua libertação. Suas pernas se tencionam e antes que ela goze paro de
masturbá-la e num movimento rápido, afasto o banco para trás, dando um
pouco mais de espaço para nós.
Milena me encara ofegante e desce a outra alça do vestido, me dando
a bela visão dos seus seios durinhos e perfeitos. Ela se recosta no volante e
como se quisesse me levar ao ápice do tesão, aperta seus seios e solta um
suspiro de satisfação. Fecha os olhos e ao mesmo tempo aperta seus mamilos
entumecidos e dá um pequeno sorriso de lado.
Sinto meu pau empurrar cada vez mais o tecido da cueca e da calça,
me fazendo sentir uma leve dor nas bolas. Essa filha da mãe está me
deixando puto de tesão. Tiro uma das suas mãos dos seus seios e aperto a
carne dura, esfrego o mamilo fazendo-a se agitar, buscando atrito entre
nossos corpos a fim de sua liberação.
— Você quer meu pau? — Pergunto com a voz grossa.
Ela balança a cabeça acenando e faz círculos, rebolando os quadris,
tentando alguma fricção em minhas pernas. Belisco seu mamilo e ela arqueja
com a dor que a causo.
— Quero ouvir sua voz.
Milena abre os olhos e vejo os azuis brilhantes bêbados de desejo e
ela está a ponto de entrar em erupção de tesão, assim como eu.
— Sim — mia descendo a mão para sua bocetinha ensopada e
desejosa.
Antes que ela atinja seu ponto de prazer, seguro-a pelo pulso, e ela me
olha sem entender.
— Você vai sair desse carro e seguirá até o elevador como se nada
estivesse acontecendo.
— Aronne...
Seguro seu rosto entre as mãos e raspo nossas bocas.
— Quando chegarmos ao apartamento irei fodê-la como merece.
Ela solta um gemido de frustração e logo depois acena. Tiro-a do meu
colo e a ponho no banco ao lado. Nossas respirações estão pesadas, mas fixo
em minha cabeça que reprimirmos esse desejo descomunal tem um proposito
melhor, pois assim que atingirmos nosso objetivo, será muito mais prazeroso.
Milena sai do carro, ajeitando o vestido no corpo e caminhando na
direção do elevador. Seus passos são vagarosos e sei que nesse momento ela
está me xingando de todos os nomes possíveis. Porém, tenho que ser racional
não posso, transar, com ela dentro do carro, é perigoso demais, exposto
demais.
Ajeito meu membro dentro da calça e sinto-me mais controlado para
sair do carro, aciono a trava do veículo e vou em direção á ela, que está
parada na frente do elevador, batendo o pé freneticamente, certamente ela
deve estar raivosa por eu ter interrompido nosso momento no carro, mas logo
a recompensarei, e ela tirará essa carranca do rosto.
Entramos no elevador e continuamos calados, mas é possível sentir a
tensão entre nós dois, era quase impossível controlar o desejo que nos queima
loucamente e é preciso usar cada fibra do meu corpo para não puxá-la para
mim e terminar o que começamos. Nunca agradeci tanto por morar no
terceiro andar e logo chegamos ao meu apartamento.
Milena se controla até o momento que abro a porta e fecho. Ela solta a
bolsa no chão e segura meu pescoço com as duas mãos, me puxando para ela,
grudando sua boca na minha. Ela puxa minha camisa para fora da calça, abre
mais uma vez os botões e tira a camisa do meu corpo a jogando de qualquer
jeito no chão.
Desço minhas mãos pelas suas costas e as espalmo em seu traseiro
redondo e durinho. Aperto-os com força e faço um movimento para levantá-
la em meus braços, com isso suas pernas se entrelaçam em minha cintura e
ela me devora em seu beijo esfomeado.
Caminho para o quarto beijando-a, encontro a porta semiaberta, ao
entrar fecho com um chute, jogo-a sobre a cama. Milena se apoia nos
cotovelos e me fita enquanto tiro o resto da minha roupa, ficando
completamente nu em sua frente. Toco em meu pau que está muito duro e
seus olhos azuis esquadrinham até ele, Milena morde os lábios, fazendo-me
lembrar de quando tive sua boca quente ao redor do meu mastro e ela chupou
perfeitamente, me levando a loucura.
Milena logo chuta os saltos e se senta na cama tirando o vestido pela
cabeça, com uma expressão travessa tira lentamente a calcinha e a joga em
minha direção. Pego a peça e a levo para o meu rosto, sentindo seu cheiro
íntimo, sua excitação.
Solto a peça e vou na sua direção, subindo na cama e ficando no meio
das suas pernas escancaradas. Milena me toca na cintura e beija minha
barriga e vai subindo até encontrar meus olhos, fixando-os aos seus. Quando
me inclino para pegar a camisinha no criado mudo, Milena segura meu pulso.
— Estou tomando pílula — diz com o tom baixo.
Nunca tinha feito sexo sem proteção e imaginar entrar nela sem
nenhuma barreira, foi como ir ao céu e voltar.
— Nunca fiz sexo sem camisinha — digo para assegurá-la de que
estou limpo e sem nenhuma doença.
Milena dá um pequeno sorriso e me beija, me puxando para cima do
seu corpo e suas mãos correm pelas minhas costas e param em minha bunda,
que ela aperta e me puxa para ainda mais perto. Sinto sua bocetinha molhada
contra meu pau e isso me faz ranger os dentes, controlando a vontade de
invadi-la nesse momento.
Aos beijos guio a cabeça do meu pau para sua entrada e sinto o
quanto ela está molhada e faço-me lembrar que essa ainda era apenas sua
segunda vez, não posso pegar pesado como quero. Suspiro contra sua boca e
entro lentamente em seu canal estreito e molhado. Milena solta um gemido
contra minha boca e mexe o quadril em minha direção, fazendo-me entrar
ainda mais.
Seguro seu quadril e faço os movimentos de entrar e sair, sentindo o
tesão crepitar cada vez mais por nossos corpos. Milena geme mais a cada vez
que me movimento dentro da sua boceta que me acolhe tão bem. Ela arranha
minhas costas e acompanha os meus movimentos com os quadris, fazendo-
me gemer contra sua boca.
Aos poucos vou aumentando meus movimentos, até que me seguro na
cabeceira acima de nós e só conseguimos ouvir minha pelve batendo contra a
sua. Me afasto um pouco do seu corpo e vejo seus peitos pularem com meus
movimentos bruscos. Ela parece gostar do meu tratamento meio bruto.
Seus gemidos são altos e suas súplicas por mais são música para mim.
Fico de joelhos entre suas pernas e seguro sua cintura com as mãos, me
movimentando com força. Milena abre os olhos, me olhando languidamente e
isso me faz quase gozar. Tenciono meu maxilar e respiro com dificuldade,
querendo que ela goze mais uma vez antes de me dar por satisfeito.
Milena espalma as mãos em minha barriga e sinto sua bocetinha me
sugando com força e seu corpo tremer com o orgasmo que a atinge no
momento. Ela geme meu nome e com isso me deixo despejar em seu interior.
Meu corpo treme com cada jato de sêmen que solto, me deito em cima do seu
corpo suado e tento recobrar o raciocínio.
Saio de dentro dela e me deito ao seu lado, puxando-a para cima do
meu corpo relaxado. Ela deita a cabeça em meu peito e seus cabelos se
espalham com leveza sobre meu braço. Sinto seus lábios em meu peito e
depois ela levanta um pouco a cabeça me fitando.
— Isso foi melhor que a primeira vez — sorri.
— E prometo que irá ficar melhor — beijo sua testa.

DOIS MESES DEPOIS...


MILENA

Sinto braços quentes me abraçando fortemente e a sensação de paz me


rodeando rapidamente. Sei que estou segura por somente estar aqui, nesses
braços. Não consigo evitar um sorriso que preenche meu rosto e parece não
querer sair. Faz tanto tempo que não me sinto feliz dessa forma, que ás vezes
me pego pensando quando toda essa felicidade irá acabar, porque tudo que
amo um dia é arrancado de mim e não sei se terei capacidade de suportar
perder essa felicidade que me preenche todos os dias.
— Bom dia pássaro — a voz dele soa roucamente e baixinho.
— Bom dia.
Passo meus dedos pelo seu braço e sigo até a sua mão que está
repousando em meu ventre. Amo tanto acordar assim, me sentindo acolhida e
amada.
— Precisamos levantar.
Mexo-me virando para ele, encontrando seus lindos olhos azuis me
fitando com ternura.
— Não, não precisamos — faço um bico.
Ele sorri abertamente e planta um beijo na ponta do meu nariz. Seus
braços me apertam mais contra seu corpo e solto um suspiro de
contentamento, não quero me afastar dele e perder esse contato. Eu sempre
sinto a necessidade de ser abraçada e beijada, e Aronne sabe bem disso.
Todos esses carinhos ele me dá sempre que tem oportunidade.
— Você precisa tomar seu café da manhã — seus dedos deslizam
pelo meu braço até chegar ao meu ombro para afastar meus cabelos. — E eu
preciso averiguar se tudo correu bem nesta noite com os outros soldados.
Encosto minha cabeça contra seu peito e bufando ao mesmo tempo.
Sei que ele tem muitos afazeres e que nas próximas horas estará colado ao
meu irmão, mas não posso negar que sentirei sua falta e da nossa
campânula[7].
— OK — me afasto e sento na ponta da cama, fecho os olhos e estico
os braços para cima alongando a coluna, espreguiçando o máximo possível.
Sinto sua presença atrás de mim e logo em seguida suas mãos grandes
passeando pelas minhas costas nuas. Dou um pequeno sorriso e continuo de
olhos fechados enquanto ele explora meu corpo com as mãos, apertando
pontos estratégicos da minha pele, me deixando mole.
— Não fique com raiva, pássaro — sussurra contra meu ombro,
beijando e mordendo, um ponto tão sensível do meu corpo. — Mais tarde
podemos sair e aproveitar um pouco.
— Sabemos que não é possível, sem arriscar que nos reconheçam —
resmungo frustrada.
Delicadamente Aronne me vira para si e segura meu rosto.
— Você pode usar uma peruca — brinca sorrindo.
Estreito meus olhos em sua direção e balanço a cabeça.
— Talvez uma peruca pink — entro na brincadeira. — Consegue
imaginar?
Aronne aproxima o rosto do meu e diz com a voz profunda.
— Adoraria vê-la com essa peruca.
Dou um pequeno sorriso contra seus lábios que me beijam
carinhosamente. As semanas haviam passado rapidamente, cada uma delas
foram mais que especiais para nós dois. Conseguimos burlar a vigilância do
meu irmão para ficarmos juntos e mal nos afastávamos. Na noite passada ele
dormiu em meu quarto, mesmo arriscando nos pegarem, todavia foi tão bom
tê-lo em minha cama.
— Talvez hoje seja seu dia de sorte.
Lanço-me em seu colo e abraço seus ombros, continuando a beijá-lo e
sentindo todo o desejo que nos ronda crescer mais uma vez. É impossível
resistir á vontade de tê-lo novamente e como se lesse meus pensamentos,
Aronne nos deita na cama desarrumada e vem para cima de mim, beijando
cada centímetro do meu corpo. Gemidos escapam dos meus lábios e passo
minhas mãos pelo seu corpo, sentindo seus músculos se moldando em minhas
mãos e seus suspiros misturados com meus gemidos.
Por sabermos que não podemos protelar por muito tempo, logo o sinto
me penetrar vagarosamente, fazendo meu corpo convulsionar de desejo e
meus ofegos ficarem cada vez mais audíveis dentro do quarto. Suas mãos
seguram as minhas firmemente sobre minha cabeça e seu quadril vem cada
vez mais rápido de encontro aos meus.
O envolvo com minhas pernas, buscando mais de contato e aperto sua
mão nas minhas. Jogo a cabeça para o lado e mordo seu braço, controlando
minhas reações para não nos delatar. Não quero chamar atenção de algum
empregado que poderia estar passando pela porta do quarto. Aronne desce a
cabeça até a curva do meu pescoço e assim sinto sua respiração pesada e seus
gemidos, me fazendo ficar ainda mais molhada e contrair minhas paredes
vaginais engolindo seu pênis.
— Eu não vou durar muito — sussurro sentindo aquele formigamento
surgir no meu baixo ventre, avisando que logo iria explodir num belo
orgasmo.
Aronne solta uma das minhas mãos e segura meu rosto, alinhando sua
boca na minha e sufoca qualquer barulho com um beijo que é esfomeado,
possessivo, quase que agressivo. Mordo seus lábios ao sentir meu orgasmo
tomando conta do meu ser, meu corpo treme contra o seu, a sensibilidade dos
meus seios sendo esfregados contra seu peito é somente um acréscimo para
atingir meu orgasmo.
Seus movimentos continuam até que o sinto se derramando dentro de
mim e logo a calmaria nos acolhe. Ele continua a segurar minha mão e seu
rosto permanece colado ao meu. Seu corpo grande sobre o meu é acolhedor e
me sinto confortável com seu peso. Meu coração parece querer explodir de
satisfação por tê-lo comigo e no fundo eu sei que subimos mais um patamar.
Eu sou completamente apaixonada por ele e sei que essa paixão está se
transformando noutra coisa, algo que jamais pleiteei sentir por alguém.
Eu amo Aronne Pellegrino e isso é um risco.

Mantenho o sorriso em meu rosto enquanto cumprimento as pessoas


no salão de festa. É mais uma festa da famiglia e como irmã do Don da Cosa
Nostra é minha obrigação estar ali participando do evento. Eu poderia ter
inventado algum tipo de desculpa para não vir. Poderia ter dito que estava
doente e indisposta, mas não cairia bem, utilizar esses subterfúgios. Portanto,
forcei-me a encontrar um belo vestido a tempo e vir acompanhando meu
irmão.
Meu vestido preto de tule e renda vai até meus tornozelos, me sufoca
um pouco e tento o máximo possível respirar, dentro do vestido que parece
ter encolhido, pois está um pouco apertado. Não entendo por que aquela peça
de roupa está a me sufocar, visto que ele é de minha numeração correta.
Passo as mãos pela saia de tule e pego mais um canapé.
O que sei sobre esta noite? Absolutamente nada, ao não ser o que
acabo de ouvir ao meu lado.
— Daniela vai ficar noiva esta noite.
Não presto atenção na conversa, só consigo olhar ao meu redor
tentando encontrar alguém especial.
— Ela é uma garota de sorte — outra garota fala.
— Sim, ela acaba de completar dezoito e está noiva! — A garota que
revelara a notícia, exclama como fosse algo maravilhoso.
— Parece que os pais dela estavam negociando há bastante tempo o
casamento — outra suspira sonhadora. — Eu queria ter sido a felizarda, me
casando com Benicio Ricci.
Bebo mais um pouco do meu champanhe e franzo o rosto ao ver Perla
adentrar no salão. Era incomum vê-la nos eventos da famiglia, mas logo
lembro que seu pai é um associado e que em quase todas as festas o vejo
perambulando entre alguns homens da máfia, sempre tentando fechar mais
negócios. E vê-la aqui é só a constatação de que está mais uma vez atrás do
meu irmão.
— O que acha Milena?
Saio dos meus pensamentos e viro para as garotas ao meu redor.
Levanto as sobrancelhas e tento focar no que estão dizendo.
— Sobre o que estão falando?
— O casamento de Daniela.
— Ahhh — bebo o restante da minha bebida e ponho a taça na mesa.
— Fico feliz por ela e espero que seja feliz em seu casamento.
— Você não ficou com inveja?
Dou um sorriso de lado e despreocupadamente pego a taça da mão de
Nádia.
— Não preciso ter inveja — digo com petulância. — Basta somente
eu estalar os dedos para ter o que quero.
As garotas ficam caladas com o que digo e sem dizer mais nada me
retiro da mesa. Cansada de participar daquela conversa tediosa. Transito pelo
salão e cumprimento algumas pessoas. Sempre sorrindo e dizendo palavras
agradáveis, as quais esperavam que saíssem da minha boca. Fico andando até
a hora do jantar ser servido e me acomodo ao lado do meu irmão.
Como Nádia disse que seria Daniela fica noiva de Benicio Ricci.
Todos aplaudem o pedido de noivado e Daniela parece feliz por ter
conseguido um noivo. Garota tola. Quem aos dezoito anos quer se prender
num casamento?
Todas as garotas da famiglia. Exceto eu!
Eu quero fazer tantas coisas em minha vida. Conhecer o mundo, viver
novas experiências e depois disso estaria pronta para casar, mas nunca sendo
uma submissa.
Meu irmão espera que seja como as garotas criadas dentro da máfia,
aceitando um casamento. Porém ele sabe que a submissão é quase impossível
de acontecer. Tenho meus propósitos e opiniões, não vou deixar um homem
ditar o que falar, vestir e com agir perante as pessoas. Sou uma Sartori e não
fui criada para abaixar a cabeça para homem nenhum. Enzo se assegurou de
moldar dessa maneira e sabe bem que sou incapaz de ser submetida a alguém.
Fui obrigada a parabenizar os noivos e desejar as devidas felicitações
á eles. Tive que dizer palavras bonitas e falar que também espero arranjar um
ótimo pretendente como Ricci. O que apenas inflou o ego de Daniela.
As comemorações continuam e com isso decido passear pelos
corredores da mansão Petroni. Verifico os quadros pendurados nas paredes e
sigo até o jardim, onde posso respirar fundo ao sentir o ar fresco da noite.
Meus saltos não ajudam no gramado, entretanto não tiro.
Caminho pelo jardim até encontrar alguns soldados e dentre eles
quem eu mais queria ver. Fazia algumas horas que o vira pela última vez,
quando saiu do meu quarto sorrateiramente. Tento não demonstrar que estou
feliz por vê-lo ou revelar-me como uma boba apaixonada, portanto somente
me aproximo.
— Preciso que me leve para casa — digo assim que paro na frente dos
homens.
Aronne que está entretido numa conversa vira em minha direção e
posso ver que quase não consegue disfarçar a satisfação em me ver.
— Vou pegar o carro — diz se afastando dos homens.
Não olho para os outros homens, apenas o sigo de volta para a casa.
Quando nos afastamos dos soldados, paro e seguro seu braço, fazendo-o parar
e me olhar. Me inclino em sua direção e beijo-o com saudade.
Aronne segura minha cintura e corresponde da mesma forma. Passo
meus braços pelo seu pescoço e colo nossos corpos que se encaixam com
perfeição.
— Vamos passar a noite num lugar qualquer, somente nós dois? —
Peço com a voz baixa, contra sua boca.
Aronne alisa meu rosto com carinho e dá um pequeno aceno quando
nos afastamos. Pego meu celular dentro da minha bolsa de mão e digito uma
mensagem para Enzo, dizendo que estava indo, para casa, dada uma súbita
dor de cabeça.
Assim, sigo Aronne até o carro e dentro dele, tiro meus saltos,
fazendo-me suspirar pelo alívio. Eu conseguia suportar várias horas em cima
do salto, mas hoje meus pés estão doloridos e quase não suporto ficar em pé.
Me inclino para frente buscando o zíper do vestido que desço e finalmente
posso respirar normalmente.
— Você parece agitada — ele me olha de relance quando me
acomodo direito no banco.
— Estou com fome.
Eu não comi muito na festa e ao abrir o vestido pude finalmente ouvir
minha barriga roncar e mostrar que todos os petiscos que comi não foram
suficientes para satisfazer.
— Podemos passar num drive thru — ele sugere.
— Perfeito.
Sinto água na boca ao imaginar um enorme hambúrguer com milk-
shake e batata frita. Quem poderia imaginar que eu iria gostar de comer essas
coisas. É Milena, você está mudando.

Solto um gemido de contentamento ao terminar meu lanche e me


deito ao lado de Aronne. Decidimos vir á praia, pois é calmo e podemos ficar
juntos sem nos preocupar que em alguém nos veja. Fico de lado e examino
seu perfil.
Aronne olha para o céu que continha algumas poucas estrelas, vira o
rosto para mim e dá um pequeno sorriso, que faz meu pobre coração bater
mais forte contra o peito.
— O que você seria se pudesse escolher? — Pergunto
despretensiosamente.
Ele me puxa para perto de si e fica um tempo pensando.
— Eu não sei — diz com sinceridade. — Nunca paro para pensar
nisso.
Deito a cabeça em seu ombro e olho para o mar calmo, observando as
ondas quebrarem na areia.
— Ás vezes sonho poder ingressar numa faculdade, poder conhecer
pessoas novas — sussurro, pensativa. — Sempre tive os melhores professores
que puderam me ensinar o que era necessário, mas de vez em quando me
pego pensando em como minha vida poderia ser diferente.
Aronne não diz nada, apenas continua abraçado ao meu corpo e sei
que ele deve também estar pensando sobre isso.
— Eu consigo imaginá-lo como dono de um empreendimento — me
apoio no cotovelo e o fito.
Ele segura uma mecha do meu cabelo e a põe atrás da orelha.
— Não consigo imaginar uma vida, que não seja essa — deu de
ombro. — Porque somente nessa vida posso tê-la para mim.
Ele se senta e segura meu rosto.
— E estou feliz por ter você, Milena.
Encosto nossas testas e sorrio feliz.
— Também sou feliz por ter você — confesso.
Voltamos a nos deitar na toalha que Aronne estendeu para nos
acomodar.
— Eu gosto daqui — digo. — É calmo e posso nos imaginar morando
numa casa na beira da praia.
— Com cerca branca e tudo? — Levanta as sobrancelhas e me olha
em expectativa.
Balanço a cabeça afirmativa, e se fechar os olhos consigo nos
visualizar vivendo nessa calmaria, sem problemas ou preocupações nos
atingindo. É uma vida perfeita. Uma vida que poderíamos viver noutras
circunstâncias.
— Um dia quem sabe — beijo sua bochecha. — Agora quero fazer
outra coisa.
— E o que seria?
O olho com malícia e me levanto, tirando meu vestido que está aberto
em meu corpo e caminho de costas para o mar, o fitando desejosamente.
— O que você está fazendo? — Olha para meu corpo, somente
coberto pela calcinha branca.
— Irei nadar — dou de ombro.
— Está de noite — diz o obvio.
— Eu sei disso — paro perto da água e deslizo a calcinha pelas
minhas pernas, jogando-a em sua direção.
— Milena!
Solto uma risada entrando na água fria e mergulho, sentindo a água
envolver meu corpo. Nado por alguns segundos e emerjo para a superfície.
Viro na direção em que Aronne está e o encontro de pé, me olhando
abismado.
— Vem! — Falo alto.
— Você é maluca!
Sorrio ainda mais e o vejo tirar sua roupa e vir ao meu encontro
completamente pelado. Aronne nada em minha direção, o abraço pelos
ombros quando para na minha frente.
— Iremos ficar doentes — resmunga enquanto beijo seu rosto
molhado.
— Deixa de ser chato.
Suas mãos passeiam pelo meu corpo, e para na curva dos meus
joelhos. Ele me suspende, fazendo com que o abrace utilizando as pernas. Ele
me aperta mais contra o seu corpo, me fazendo sentir sua ereção abaixo de
mim. Mordo meu lábio e me mexo, tentando controlar a excitação que cresce
no meu íntimo. Aronne rosna contra a minha boca ao perceber o que estou
fazendo.
Uma das suas mãos passam pelo meu corpo até chegar na minha
vagina, ofego contra sua boca, quando seus dedos brincam com meu nervo
pulsante, fazendo-me ficar cada vez mais excitada.
— Vamos sair da água.
— Não. — Seguro com força os seus ombros.
— Milena...
— Não estrague o momento — resmungo contra sua boca.
Desço uma das mãos e paro ao sentir sua ereção. Aperto seu pênis,
fazendo-o rosnar mais uma vez. Não quero dar tempo para que ele pense e
nos faça parar o que estamos começando.
Sem conseguir controlar minha vontade de tê-lo ali, nm um
movimento rápido alinho seu pênis em minha entrada e o sinto entrar
completamente dentro do meu canal escorregadio.
Fecho os olhos com força e mordo meu lábio inferior, sinto cada
centímetro seu dentro de mim. Isso é muito bom. Aronne segura minha nuca
e me força a olhá-lo nos olhos.
— É isso que quer? — Pergunta com a voz rouca.
Assinto sem conseguir pronunciar nenhuma palavra. Encosto a minha
testa na sua e tento controlar minha respiração que está demasiadamente
acelerada.
Com a sua ajuda me movimento para cima e para baixo, sentindo cada
vez mais aquele desejo alucinante subir pelo meu corpo. Os seus movimentos
aumentam e sinto que está cada vez mais próximo nosso clímax. Mordo seu
ombro quando meu orgasmo rompe meu corpo, fazendo-me tremer.
Aronne se movimenta por mais algumas vezes, antes de se libertar
dentro de mim. Ele me segura firme contra seu corpo. Encosto minha testa
em seu ombro e sinto-me extasiada.
— Você e suas loucuras — segura meu rosto e me beija.
Solto uma risada e correspondo seu beijo apaixonado, sentindo aquele
sentimento aflorar ainda mais em meu peito e quase me sufocar. Quando ele
afasta o rosto do meu vejo paixão transparecendo, desejei tanto que ele
sentisse a mesma coisa por mim e, finalmente meu desejo está sendo
atendido.
MILENA

A manhã esteve silenciosa, como de costume, mas algo no fundo me


dizia que alguma coisa aconteceria. Esse sentimento se intensificou cada vez
mais enquanto o dia passava e me sentia apreensiva dentro de casa.
Tentei me entreter com alguma coisa. Fui para a esteira e corri por
algumas horas até sentir meu corpo completamente molhado pelo suor.
Peguei um livro para ler, mas a cada página que passava, não conseguia me
prender.
Quando vi Enzo entrar em casa, soube que realmente algo havia
acontecido. Seu olhar sempre frio, estava incendiando raiva. Ele caminhou
em minha direção e puxou meu braço com força, me fazendo levantar do sofá
e segui-lo para seu escritório.
— Enzo, você está me machucando — digo tentando tirar meu braço
do seu aperto.
Ele não se importa em me machucar, me joga dentro do escritório e
logo depois fecha a porta abruptamente, provocando um estrondo.
— O que está acontecendo? — Pergunto sem entender sua forma de
agir.
O vejo andar de um lado para o outro dentro do cômodo, a cada vez
que ele para, me olha, ciente de que estava tentando controlar sua raiva. Só
não sabia o porquê estava dessa forma.
— Você tem algo para me dizer? — Seu tom é rude, transparecendo o
quanto está raivoso.
Franzo a testa com a sua pergunta e fico ainda mais confusa.
— Não.
— Milena.
— O que está acontecendo? — Repito minha pergunta, sentindo a
apreensão me dominar.
Enzo caminha para o outro lado da sua mesa e aperta com força nos
teclados do seu computador. Longos segundos se passam até que vozes
preenchem o local.
“Queria poder passar mais tempo com você.
Eu também queria, mas você precisa entrar e ser a Milena de sempre.
Não quero ser essa Milena.
Não fique assim. Será apenas algumas horas.
Tudo bem. Me beija, antes de sairmos.”
Sinto meu corpo gelar completamente e o ar faltar em meus pulmões.
Me apoio em algum móvel do escritório.
— É isso que está acontecendo — seu tom é furioso. — Minha irmã,
você tem algo para me explicar?
Um nó se forma em minha garganta e com isso não consigo dizer
sequer palavra alguma para amenizar a situação. Ao receber meu silêncio,
Enzo solta uma risada seca e balança a cabeça, quase incrédulo.
— Você e Aronne estão tendo um relacionamento?
Sem conseguir falar apenas aceno, confessando o que deveria ser um
segredo.
— Bem debaixo do meu nariz — ele passa as mãos pelos cabelos. —
O que foi que eu fiz para merecer tal desonra?
— Eu o amo — digo em voz baixa.
Enzo ri ainda mais, e vejo como o estopim para qualquer tipo de
sentimento que guardo dentro de mim. Ele não acredita em minhas palavras e
isso quer dizer que também não acreditaria nas próximas que posso dizer.
— E ele a ama? — Me olha com deboche. — Quem lhe garante que
aquele filho da puta gosta realmente de você?
Sinto meus olhos lacrimejando e respiro fundo, tentando conter as
lágrimas para não deslizarem pelo meu rosto.
— Você está sendo usada por ele, Milena — Enzo me olha com certa
pena.
— Eu não me importo — balanço a cabeça. — Fui eu a fazê-lo ficar
comigo.
Ele balança a cabeça e parece não querer acreditar no que digo. Enzo
caminha em minha direção e segura meu rosto entre as mãos.
— O que fez Milena?
Sufoco a vontade de chorar e olho atentamente para o meu irmão, que
parece ter nojo do quem sou.
— Eu não me arrependo do que fiz.
— Nosso nome irá para a lama se alguém descobrir o que você fez —
diz com o tom baixo, mas ameaçador.
Tiro suas mãos do meu rosto e dou alguns passos para trás.
— O que irá fazer?
— Terei que matá-lo.
— Enzo — falo com desespero. — Você não pode fazer isso!
— Sim, eu posso.
Balanço a cabeça em negativo por várias vezes.
— Não, eu sou a culpada por tudo isso, não ele.
— Não tente suavizar o que ele fez.
Seguro em seu braço e digo em desespero.
— Fora eu a forçá-lo para me beijar — falo ofegante. — Eu forcei, o
ameacei e seduzi.
— Minha irmã — toca em meu rosto. — Pellegrino, terá a punição
pelo que fez.
— Então me puna também.
— Não fale o que não quer realmente.
— Eu quero — digo determinada. — Se você matá-lo, me mate
também, porque ao nos separar já estarei morta em vida. — Digo chorando
descompassadamente.
Enzo solta um suspiro e se afasta.
— Não seja dramática.
— Enzo.
— Ele a tocou, merece a morte por isso.
— Não! — Falo alto. — Eu juro que se você fizer algo contra Aronne
por minha causa, eu lhe mato meu irmão.
Enzo me olha com frieza e indignação.
— Você irá escolher um soldado ao invés do seu próprio sangue, seu
irmão?
Minha respiração está descompassada e descontrolada, posso estar
sentenciando minha própria morte, mas nunca tivera tanta certeza de algo
como agora.
— Eu escolho-o.
Ficamos calados por alguns segundos, que mais parecem minutos. A
tensão paira sobre nós e Enzo não desvia sua atenção de mim.
— Afaste-se dele e não o matarei.
Franzo o rosto e fico sem entender a sua mudança de argumentos.
— Não vai mais matá-lo?
— Se você ficar longe dele, não! — Deu de ombro. — Essa é a
condição que lhe imponho, acate ou o mato.
— Eu não...
— Sem argumentos, Milena — me corta friamente. — Você merecia
punição por me ameaçar e escolher um soldado ao invés de mim. Deveria ser
jogada num prostíbulo por ter se envolvido com um reles soldado, entretanto
ainda é minha irmã! Tem meu sangue correndo pelas suas veias e por isso
estou tendo piedade de você e de Pellegrino.
Eu não tinha opção e não poderia argumentar para que mudasse de
ideia. Era me afastar do homem que amo ou a morte? E, definitivamente
viver longe de Aronne, é melhor do que vê-lo morto por minha causa.
Senti meu coração murchar em meu peito e toda felicidade que senti
nas últimas semanas evaporar com a decisão que fora tomada. Eu ficaria
longe do meu amor, para o bem dele.
— Prometa-me que não irá tocá-lo — digo com um fio de voz.
— Milena...
— Prometa!
— Tudo bem — suspira. — Juro pelo meu sangue.
Dou um pequeno aceno caminhando desnorteada até a porta do
escritório e antes de sair viro para o meu irmão.
— Só espero que encontre alguém que o faça amar loucamente, que
sinta que nada mais importa além de vê-la feliz — digo roucamente. — Que
seu coração derreta e sinta o amor mais puro do mundo. Que somente ao vê-
la feliz e segura, lhe trará paz.
Sem esperar alguma resposta saio do escritório, sentindo minhas
pernas bambas e meu coração dilacerado pela dor. Eu perdi a pouca
felicidade que tinha. Enzo Sartori havia tirado isso de mim e cada vez mais
eu via que meu irmão era realmente o homem sem coração e bondade que
muitos dizem que ele é.

ARONNE
Milena estava estranha e há dias que tinha se afastado. Mandei
algumas mensagens para ela e até liguei, no entanto não me atendeu nem ao
menos respondeu as mensagens. Também estranhei a atitude de Sartori ao
fazer Domênico trocar meus turnos dentro da propriedade, me alocando para
alguns galpões da máfia; transferindo a vigilância de Milena para Aiden.
Alguma coisa estava estranha nisso tudo, mas sabendo bem o meu lugar não
questionei sua decisão. Quando estava esperando Domênico dentro da casa
de Sartori, vi Milena saindo da casa e parar em minha frente. Seus olhos
azuis me fitaram por alguns segundos e logo desviou.
— Aiden, me leve para a empresa do meu irmão — diz com a voz
seca.
Aiden dá um pequeno aceno, apenas a sigo com o olhar, estranhando
sua frieza. Milena entra no carro e antes que Aiden a acompanhasse, saio
quase que correndo, tomo seu lugar entrando no carro e sem esperar dou a
partida. Milena me olha assustada.
— O que você está fazendo? — Vocifera.
— Levando-a para onde quer ir — digo concentrado na estrada.
— Aronne!
— Por que está me ignorando?
Ela parece agitada, se mexe por várias vezes no banco me olhando
pelo retrovisor põe o indicador sobre os lábios, me pedindo silêncio. Franzo o
rosto com isso e volto a minha atenção para o caminho. Quando menos
espero vejo seu celular estendido em minha direção e vejo uma mensagem
escrita.
Precisamos conversar.
Dou um pequeno aceno e sigo até uma cafeteria perto da empresa
Sartori, onde estaciono o carro e saio. Milena sai antes que eu possa abrir sua
porta seguindo para dentro do estabelecimento. Fomos até uma mesa distante
e nos sentamos de frente um para o outro.
— O que está acontecendo? — Sou o primeiro a falar, não
aguentando mais o seu silêncio.
— Não podemos ficar mais juntos — ela é direta.
Suas palavras me atingem de uma forma que não consigo explicar e
seus olhos azuis agora opacos eram um completo vazio, como se as suas
palavras não fossem nada.
— O quê?
Milena respira fundo, entrelaça os dedos sobre a mesa e diz.
— Foi bom enquanto durou, mas percebi que mereço algo melhor —
vejo-a vacilar por um segundo, mas logo recobra a máscara de arrogância.
Sinto como se houvessem agulhas perfurando minha pele e me
machucando com cada palavra que ela profere. Como ela consegue ser tão
fria?
— Milena, eu não entendo — falo incrédulo. — Estávamos bem.
— Sim, estávamos — concorda. — Mas percebi que tudo que tivemos
foi um erro.
— Não diga isso.
Como se não fosse nada ela continua.
— Você estava certo, eu não deveria me relacionar com alguém mais
velho, isso é um erro — solta uma risada seca. — Também estava certo
quando falou que um dia eu iria me arrepender por ter me envolvido com
você.
Não consigo dizer nada, é como se as palavras tivessem me
abandonado, elas insistem em não vir á minha boca, com cada palavra dita
por ela sinto que estou sendo sepultado vivo, sem nada poder fazer.
— Acabou — ela se levanta. — Não quero que você seja mais meu
segurança, para o seu próprio bem.
Como assim para o meu próprio bem?
Era minha obrigação cuidar dela sob qualquer circunstância. Se, estou
me sentindo acabado por dentro, claro que sim, mas é meu dever protegê-la.
— É meu dever cuidar de você.
— Não mais — revida. — Conversei com meu irmão e ele concordou
que Aiden substituirá você como meu protetor.
— Eu não admito isso!
Ela olha para os lados, põe uma mão sobre a mesa e se inclina a
frente.
— Não desobedeça, uma ordem, soldado — diz com frieza. — Não
me ligue mais ou mande mensagem, acabou.
— Milena...
— Siga com a sua vida — se afasta. — Vai ser melhor assim.
Continuei sentado enquanto a vejo virar, indo embora e junto consigo
levando parte do meu coração que já a ama loucamente. Aquela garota
conseguiu se infiltrar em mim, derrubou minhas barreiras, pegando para si
uma parte de mim. Parte essa que ninguém havia conseguido antes e no final
estava me arruinando completamente.
MILENA

Fecho os olhos mais uma vez e tento dissipar o mal-estar que me


assola enquanto acordo nesta manhã. Não deveria ter bebido tanto, na noite
passada, junto com Perla e outras pessoas. Tinha mais uma vez saído e
extrapolado no álcool, extravasando toda minha infelicidade. Quem olha
assim pode achar que sou uma alcoólatra, mas não sou.
Não está sendo fácil me manter firme nesses dias. É quase impossível
conviver com Enzo. Não falo com ele há dias e, ele também não tenta
aproximação. Meu irmão é completamente insensível.
— Você parece mal — olho para Perla a minha frente e suspiro mais
uma vez.
Tento beber mais um pouco do meu café e sinto meu estômago
embrulhar novamente. Não estava conseguindo comer muita coisa e isso
vinha acontecendo há dias, o que era estranho, já que meu apetite sempre era
enorme.
Talvez toda carga emocional, que venho tendo esteja fazendo minha
fome sumir.
— Só estou com um pouco de dor de cabeça — digo baixo. — Já
você nem parece ter virado vários shots de tequila na noite passada.
Perla dá um pequeno sorriso.
— Tenho uma ótima cura para ressaca.
Reviro os olhos e logo me arrependo por isso, sentindo minha cabeça
girar. Que merda está acontecendo comigo?
— Não fale sobre, Enzo — peço, recostando na cadeira. — Me dá
repulsa só de falar nele.
— O que está acontecendo entre vocês?
Cruzo minhas pernas e pouso minhas mãos sobre meu colo e olho
para qualquer lugar do jardim. Lembrar, do que ele me forçou a fazer, me
fazia querer gritar e extravasar minha raiva, frustração e indignação. Ele me
obrigou a desistir de Aronne.
— Brigamos mais uma vez — forço um sorriso.
— Mais uma vez?
Dou um pequeno aceno e olho para ela.
— Preciso descansar — falo me levantando.
— Vamos sair hoje novamente?
— Não sei — não me sinto muito bem para sair e beber mais uma
vez. — Provavelmente ficarei em casa.
— Tudo bem — ela pega seu suco. — Podemos marcar para fazer
outra coisa então?
— Claro.
Entro na casa e subo para o meu quarto, sentindo-me fraca e enjoada
novamente. Quero somente dormir e recuperar minhas forças que
desapareceram há dias. A vontade de chorar volta e me controlo para não
entrar em desespero como dias atrás, onde fiquei trancada em meu quarto e
chorei pela perda da pessoa que eu realmente amo.
Ao entrar no banheiro me apoio na bancada da pia e respiro fundo por
várias vezes. Decido tomar um comprimido para o enjoo, com isso abro o
armário abaixo da pia e em seguida sinto o chão sumir debaixo dos meus pés.
Em minha frente vejo o pacote de Tampax lacrado.
Não pode ser.
Rapidamente calculo em minha cabeça qual era data que minha
menstruação deveria ter dado o ar da graça, constato que deveria ter decido a
duas semanas. Eu estava atrasada e o maldito frio na barriga se apossa do
meu corpo. Eu não poderia... Respire, respire.
Não irei me martirizar sem antes ter certeza. Mas se eu realmente
estiver grávida? O que vou fazer?
MERDA!
Passo as mãos pelo rosto e tento pensar em algo que resolva a
confusão que provavelmente tinha me metido. Uma gravidez não estava em
meus planos e isso só irá complicar minha situação. Mas o que está
martelando em minha cabeça é que estava tomando regularmente a pílula.
Não esqueci sequer um dia. Como isso pode acontecer?
O enjoo sumiu dando lugar a incertezas e preocupação, quanto ao que
faria se realmente existisse uma criança em minha barriga. Ando rapidamente
para o quarto, pego minha bolsa e a primeira sandália que vejo em minha
frente e praticamente saio correndo escada abaixo. Tenho que tirar essa
dúvida da minha cabeça. Confirmar que eu não estava grávida, e que é coisa
da minha cabeça.

Isso só pode ser um pesadelo.


Encosto minha cabeça na parede atrás de mim e tento me convencer
para não entrar em pânico. O que eu faria? Estou completamente perdida. A
morte seria bem melhor do que isso.
Os testes de gravidez estão espalhados pelo chão a minha frente e os
três palitinhos marcavam duas linhas, confirmando o que mais temia. Eu
estou grávida! Que bela merda. Encaro os testes como se fosse um bicho de
sete cabeças, que iriam me atacar a qualquer momento.
O que irei fazer com essa criança? Não posso tê-la, mas também não
terei coragem de tirá-la, não sou um monstro. Tenho que pensar no que iria
fazer, mas não há a mera opção de ficar com a criança. Se Enzo descobrir que
estou grávida, com toda certeza voltará atrás na sua promessa, matará
Aronne, sem pestanejar.
Enzo não pode saber disso, é a única certeza que tenho. Mas como irei
esconder a barriga?
Essa é uma questão que ainda terei de pensar. E tem Aronne. Ele
merece saber sobre a criança — minha consciência alerta. O que ele irá fazer
se souber da gravidez? Existem duas opções, a primeira é ele querer que eu
tire a criança, já a segunda é querer ficar com ela.
São tantas coisas para pensar e a maioria parece que não existe
solução. Primeiro teria que saber como engravidei mesmo tomando a pílula e
depois, pensaria o que fazer com a descoberta.
Recolho os testes, jogo-os na sacola e a levo comigo para o quarto.
Abro uma gaveta e jogo dentro, fechando em seguida. Deito na cama e
encaro o teto.
Uma criança.
Sabia que muitas mulheres dentro da máfia eram forçadas a ter filhos
e criá-los, mas nunca pensei em realmente ter uma criança e ser mãe. Eu nem
sei o que é ter mãe realmente, como poderia ser uma? Provavelmente seria
pior que a minha e só daria desgosto para o feto.
Solto uma risada e penso em como vim parar nesse abismo que minha
vida está. Cada vez caio mais e parece que o chão está longe do meu alcance,
só prologando minha ruína. A certeza que tenho é de que essa criança virá ao
mundo, mas ela não será minha. Eu não sou capaz de cuidar dela e de ser
mãe, mas alguém melhor será o que ela precisar e irá amá-la como merece.
Fecho os olhos e digo para mim mesma que essa é a melhor alternativa para a
criança que acabo de descobrir a existência em meu ventre, pois não terei
coragem de tirá-la e nem de ficar com ela.
Vai ser melhor assim
Enxugo minhas mãos suadas em minha calça e continuo a bater meu
pé no porcelanato do chão da clínica. Olho para os lados e vejo mulheres com
todos os tamanhos de barriga, enormes e pequenas, isso é assustador. Protelei
o máximo que pude não me sentia pronta para saber mais sobre a criança,
mas sabia que em algum momento teria que enfrentar o elefante branco e
tenta domá-lo.
Já se fazia dias que descobri sobre a gravidez e era um pouco difícil
esconder meus enjoos no café da manhã. Em uma manhã tive que fingir uma
gripe para Enzo não desconfiar de uma tontura que tive na sua frente e isso só
me mostrou que teria de agir rápido, caso contrario ele descobriria sobre a
gravidez e não consigo imaginar o que ele seria capaz se soubesse.
— Senhorita Sartori? — A recepcionista me chama.
Me levanto e pego minha bolsa. Decidi ir á uma clínica fora da
famiglia. Dessa forma não traria suspeitas para mim e Enzo não iria ficar
sabendo o motivo de eu estar numa clínica para gestantes. Não trouxera
nenhum soldado, mesmo sabendo do perigo por fazer isso, todavia era a
única forma de sair e não levantar suspeitas.
Acompanho a recepcionista até a sala da doutora Sloan. Dou um
pequeno aceno de agradecimento e entro, encontro a médica em pé e ao ver-
me estende a mão para me cumprimentar.
— Seja bem vinda, Srta. Sartori — diz num sorriso alegre.
— Obrigada — aperto sua mão e me sentando na cadeira de frente
para sua mesa.
Ela olha para a minha ficha, que fora preenchida quando cheguei.
Colocando o motivo da minha consulta.
— Vejo aqui que está grávida.
— Sim, preciso saber de quanto tempo.
— Você não veio com companhia? — Me olha meio estranha.
Franzo a testa com sua pergunta.
— É necessário ter um acompanhante? — Não consigo evitar meu
tom rude e sarcástico.
A médica fica constrangida, mas logo se recompõe e sorri.
— Claro que não. — Balança a cabeça. — Só pensei que o pai do seu
bebê viria na primeira consulta.
É minha vez de ficar constrangida. Aronne. Pensar nele era como
cravar uma faca em meu peito e girá-la. E, lembrar como fui uma vadia com
ele, falando aquelas coisas sinto um bolo se formar em minha garganta,
respiro com dificuldade, evitando chorar na frente da médica.
— Eu e o pai do... — suspiro. — Não estamos juntos.
A doutora Sloan fica por alguns instantes me olhando e parece
compreender minha tensão ao citar o feto em minha barriga.
— Você está em negação — conclui. — Isso é compreensível na sua
idade.
Claro que é. Tenho apenas dezenove anos e carrego uma vida dentro
de mim. É uma responsabilidade que não estou pronta para ter.
— Sim — concordo, cruzando minhas pernas.
— Milena — ela apoia as mãos na mesa — recomendo que esteja
nessa jornada com o pai do seu bebê e pense no que realmente deseja fazer.
Fico apenas calada a escutando. Eu não quero Aronne envolvido
nisso. Não quero.
— O pai do bebê, não precisa saber sobre sua existência. — Digo
sucinta.
— Você precisa de apoio para enfrentar essa etapa da sua vida.
Olho fixamente para ela e não contenho as lágrimas que descem pelo
meu rosto. Rapidamente ela estende alguns lenços em minha direção, que
aceito, agradecendo.
— Eu não sei o que fazer — confesso. — O meu irmão irá se
decepcionar comigo, se souber.
— E ter essa criança sozinha vai fazê-la se sentir melhor?
— Eu não irei ficar com ela — balanço a cabeça. — Terei a criança e
colocarei em alguma casa de adoção.
Ela dá um pequeno aceno e um sorriso discreto.
— Você precisa contar para alguém, Milena. — ela diz. — Sabemos
que existem muitas pessoas que querem ter filhos e não podem, mas também
precisamos saber se alguém da sua família ou o pai dessa criança não quer
ficar com ela.
Enxugo meu rosto e concordo.
— Ninguém sabe sobre minha gravidez — fungo. — Mas acredito
que exista uma mãe melhor do que eu posso ser — sussurro. — Não tive um
bom exemplo na minha infância.
— Sinto muito.
— Não sinta — recobro minha postura. — Ela foi uma merda de mãe.
Doutora Sloan suspira e se levanta.
— Entendo muito bem isso — me olha com atenção. — Irei fazer
alguns exames em você e depois podemos ver como está o bebê.
Apenas aceno e acompanho-a até uma salinha ao lado do seu
escritório, ali ela começa a fazer perguntas sobre os enjoos, tonturas e
alimentação. No final, recomenda algumas vitaminas e alguns remédios que
para ajudar com os mal-estares e também recomendou uma psicóloga, que
poderia me ajudar no processo de aceitação para me auxiliar em prol a
mudança de ideia sobre a adoção. Ela pede para me deitar na cama e levantar
a blusa.
Sinto-me tensa quando ela passa o gel frio pela minha barriga e logo
depois esfrega um aparelho. Ela fica alguns segundos mexendo até que para,
vira o monitor e aponta.
— Esse aqui é seu bebê.
Vejo apenas um borrão, tento encontrar alguma evidência da criança e
com certa dificuldade encontro uma pequena mancha. É tão pequeno.
— Posso dizer que você está entre sete a oito semanas — murmura
concentrada. — Já podemos ouvir o coração, quer ouvir?
— Não. — Digo rapidamente. — Só quero ter certeza de que está
tudo bem.
— Está tudo perfeito — diz terminando o exame.
Limpo minha barriga e levanto da maca, colocando a blusa no lugar.
— Eu engravidei tomando pílula — digo para ela.
— Isso não é normal acontecer — diz anotando em minha ficha. —
Visto que há margem de erro ao utilizar esse método contraceptivo, a
porcentagem chega á 2%.
— Então fui premiada — bufo.
— Podemos dizer que sim — volta a me olhar. — Lhe passarei alguns
exames para ter certeza de que realmente está saudável e já deixei agendado a
nossa próxima consulta.
Despeço-me da doutora Sloan e sigo para fora da clínica, sentindo
certo alívio por saber que a criança que cresce dentro de mim está bem.
Agora é somente seguir meu plano, no final ninguém saberá que a tive e
poderei seguir minha vida como antes.
MILENA

Tento me concentrar no que Álvaro diz, mas é quase impossível


deixar de pensar ou sentir o enjoo que está presente nesse momento. Pensei
que ao iniciar os remédios que a doutora Sloan me receitou, iria passar todos
os mal-estares que sinto. Ledo engano. Estou nesse momento dividida entre
correr para o banheiro mais próximo e me debulhar em lágrimas enquanto
vomito a pouca comida que ingeri mais cedo ou me concentrar no que ele
fala.
— Está tudo bem, Milena? — Álvaro me lança um olhar preocupado.
Saio da minha luta interna e fixo minha atenção nele. Já faz algumas
semanas que ele vem trabalhando no caso do meu irmão e está se mostrando
muito competente no seu trabalho. Falta muito pouco para que o caso de
Pablo Garcia seja arquivado, por não haver evidências que incriminem meu
irmão, fico feliz, mesmo Enzo merecendo passar um longo tempo atrás das
grades. Álvaro não sabe quem realmente é meu irmão, ele acha que Enzo
Sartori é apenas um empresário.
— Sim — pego minha água e dou um gole, tentando aliviar a pressão
em minha garganta.
— Você está pálida — ele diz. — E parece desconfortável.
— Eu estou bem — tento parecer convicta.
Álvaro continua a me olhar e abaixa os olhos para minhas mãos
torcendo o tecido da toalha da mesa.
— Sabe — ele sorri. — Minha esposa ficava da mesma forma que
você quando estava grávida.
Se eu não estivesse pálida o bastante, com toda certeza nesse
momento perdeira toda e qualquer gota de sangue presente em meu corpo, o
que me levaria a desmaiar. Será que está tão evidente meu estado?
— Estou bem — repito. — E, não estou grávida.
Vendo meu desconforto ele balança a cabeça.
— Sinto muito se a deixei desconfortável — diz cortês.
Ajeito minha postura e volto minha atenção para a documentação que
ele trouxe para Enzo verificar. Documentos que compõem todo o hall do
caso, mas meu querido irmão não pôde vir e me mandou no seu lugar e assim
cá estou prestes a suplicar aos céus para que o mal-estar passe e não aumente
as suspeitas de Álvaro, assim posso ir embora o mais rápido possível.
— Você acha que levará mais quanto tempo para encerrar o caso? —
Pergunto mudando de assunto.
Álvaro volta a prestar atenção nos papeis.
— Mais uma semana — ele diz. — O juiz precisa averiguar mais uma
vez o andamento do caso e perceber que não há como relacionar Sr. Sartori
sendo o mandante do assassinato de Garcia, assim arquivará o caso e seu
irmão estará livre da acusação.
— Perfeito — me levanto. — Você é um ótimo advogado, pena que
logo voltará para o Brasil.
— Tenho um escritório para colocar em ordem — ele sorri. — Mas
sempre que precisarem dos meus serviços estarei disponível.
— Obrigada por seus serviços — estendo a mão na sua direção. —
Foi um prazer conhecê-lo.
— O prazer foi meu, Milena.

Mais um serviço.
Enzo me incumbiu de mais um serviço e eu não pude recusar, mesmo
não me sentindo bem. Também tive de fingir que nada estava acontecendo,
agir friamente como sempre e meu irmão parece acreditar no que eu
demonstrava, diga-se de passagem, era bom.
Sei que a cada vez mais o elefante está crescendo, em breve será
impossível dele não ser visto. Mas eu ainda tenho algum tempo para decidir
como contar para ele sobre a gravidez, porque no fundo eu sei que alguém
precisa me apoiar. Só estou imensamente confusa, pois não sei para quem
contar sobre a gravidez, porque em breve a minha barriga irá crescer e será
impossível não revelar que estou grávida. E eu sei muito bem que a doutora
Sloan está certa sobre eu precisar de apoio.
Termino de me ajeitar, vou para fora da casa, não encontro Aiden e
sim Aronne.
— Onde está Aiden? — Pergunto seca.
Seu olhar é frio em minha direção, sinto como se meu coração
estivesse se congelando apenas com seu olhar.
— Sabemos que quando faz algum serviço para famiglia, é minha
obrigação estar ao seu lado.
A merda do choro quer romper nesse momento, mas seguro cada
partícula da minha fragilidade, apenas aceno e entro no carro, por todo trajeto
evito olhá-lo e apenas me concentrar no que devo fazer esta noite.
Normalmente eu sempre tento arrancar informações dos homens e no final
mato-os, mas hoje seria diferente. Iria encontrar uma mulher, uma informante
que age entre o submundo e as agências secretas. Recentemente Enzo ficou
sabendo que sua própria informante está traindo-o repassando informações
para máfias inimigas, fato que o deixou furioso. E aqui estou mais uma vez
limpando a sujeira que ele faz e eliminando seus traidores.
No momento que Aronne para na frente do restaurante, desço sem
esperá-lo e vou para dentro do prédio sofisticado. Seguro com firmeza minha
bolsa de mão e tento encontrar forças para me manter firme sobre minhas
pernas. Espero poder terminar rápido esse trabalho, poder me isolar dentro do
meu quarto e desejar que tudo que estou vivendo seja apenas um pesadelo
que logo irei acordar.

ARONNE

Consegui perceber que Milena não estava bem. Seu rosto pálido por si
só já confirmava, além de ostentar um olhar perdido e expressão cansada.
Queria poder pegá-la em meus braços e abraçá-la fortemente, dizer que tudo
iria ficar bem, mas eu havia perdido esse direito. O direito de amá-la. Eu não
poderia mais fazer isso.
Só posso continuar observando-a e nesse momento estou sentado no
bar do restaurante, bebendo água enquanto preferia na verdade uma garra de
Bourbon para afogar a merda das minhas mágoas, ao ver Milena se afastar
cada vez mais de mim. Ainda não entendi o motivo por ela ter se afastado,
mesmo dizendo que tinha caído em si e visto que nosso relacionamento era
um erro.
Ela não é essa garota arrogante que gosta de revelar, ela não é a porra
de uma mulher sem coração. Algo havia acontecido e todos os dias durante
essas semanas que se passaram tento compreender o que realmente aconteceu
para obriga-la a se afastar de mim.
Saio dos meus devaneios quando a vejo se levantar da mesa em que
está sentada com a informante, dizer algo e caminhar rapidamente para os
fundos do restaurante, onde fica os banheiros. Estranho essa atitude e decido
intervir.
Aproximo-me calmamente da mesa onde está a mulher, traidora de
Enzo e discretamente retiro a seringa do bolso do meu paletó e aplico no seu
pescoço, fazendo-a saltar em sua cadeira.
— O que...
— Tenha bons sonhos — digo fazendo-a se sentar direito na cadeira e
me olhar assustada.
Em poucos segundos ela estará morta, mais uma na vasta lista de
inimigos de Sartori a serem eliminados. As pessoas não dão atenção para
minha interação com a mulher e aproveito para seguir Milena, querendo saber
o que ela está fazendo. Paro na frente do banheiro feminino e dou uma batida.
Estranho ela não abrir a porta e forço a maçaneta, vendo que não está
trancada e isso me deixa em alerta. Abro lentamente a porta e corro na
direção de Milena quando a vejo, prostrada, na frente de um vaso sanitário e
parece estar desesperada.
— Milena — a chamo, me abaixando atrás dela segurando seus
cabelos.
Vejo-a vomitar mais e em seguida chorar. Seguro seu corpo e espero-
a se acalmar, o que demora alguns minutos. Permaneço ali com ela,
segurando-a e mostrando que não sairia do seu lado.
Milena endireita o corpo e vira o rosto para mim. Encontro seus olhos
vermelhos e inchados, seu rosto ainda mais pálido do que poderia me
lembrar.
— O que aconteceu? — Pergunto em tom baixo, mas preocupado.
— Acho que foi a comida — diz fechando a tampa do vaso, dando
descarga e se levanta. — Já estou bem.
— Claro que não está — acompanho-a até a pia, para limpar a boca.
Encontro seus olhos através do espelho, toda fraqueza e
vulnerabilidade que ela demonstrara segundos atrás some, desvendando a
Milena fria e insensível que conhecia muito bem.
— Já falei que estou bem — diz rude. — Preciso voltar e terminar o
que comecei.
Solto um suspiro e digo:
— Já conclui seu serviço.
Ela caminhava para a porta, no momento para e vira para mim.
— Não era necessário.
— Você estava prestes a desmaiar na frente da mulher.
Seu rosto franze, ela diz em tom baixo e ameaçador.
— Você acha que sou incapaz de concluir o que começo?
— Eu não disse isso.
— Mas é o que parece — fala raivosa.
— Milena...
Ela levanta a mão e percebo que mesmo tentando parecer fria e
inabalável, não está bem. Vejo pela forma que fraqueja e dá um passo
cambaleante para trás. Acontece tudo muito rápido, por instinto e reflexo
avanço para cima dela e a pego em meus braços, antes que seu corpo se
chocasse contra o chão.
Seguro-a contra meu corpo, andando rapidamente para fora do
restaurante, sigo pelas portas dos fundos, sem querer enfrentar a comoção que
com certeza estará acontecendo na parte central do restaurante, devido á
algum garçom já ter percebido que a mulher está morta.
Sinto-me em desespero, sem saber o que está acontecendo com
Milena, o porquê do seu desmaio e por que ela está com aspecto de doente.
Rezo para os céus, pedindo que nada de ruim esteja acontecendo com ela.

Não sei quanto tempo passo olhando-a sobre a maca hospitalar,


desacordada. Nesse estado, ela parece tão frágil e a vontade de protegê-la de
tudo é gritante. Respiro fundo e me sinto completamente tenso e perdido.
Como ela pode ter escondido isso?
Tentei encontrar várias justificativas, mas nenhuma foi o bastante para
me fazer compreender o motivo dela ter guardado uma notícia dessas
somente para si.
Um movimento dela, me faz sair dos meus pensamentos e ficar em
alerta, vendo-a abrir os olhos lentamente e franzir o rosto em seguida. Logo,
seu rosto fica calmo ao ver-me sentado na poltrona ao lado da sua cama.
— O que aconteceu? — Seu tom é rouco e cansado.
— Você desmaiou — digo pacífico.
Ela desvia seu olhar, olhando para cima e solta uma longa respiração.
— Quando iria me contar?
Consigo visualizar o momento que ela fica tensa e aperta o lençol que
a cobre.
— Eu...
— Por que, Milena?
— Não era para você saber — sussurra com a voz embarga.
— Eu não tinha o direito de saber que teremos um filho?
— Esse filho não é nosso! — Ela vira o rosto para mim.
É minha vez de franzir o rosto e não entender o que ela quer dizer
com isso. Mas como se uma luz se acendesse em minha cabeça. Aperto os
braços da poltrona.
— Você não vai tirar meu filho!
Milena me olha chocada e vejo uma lágrima cair pelo seu rosto.
— Eu não teria coragem de fazer isso — fala chorosa. — Não sou um
monstro.
— Então o que vai fazer com o bebê?
— Adoção — ela diz. — É a melhor opção que temos.
— Não, não é.
— Aronne...
— Essa criança também é minha!
Milena se senta na cama e começa a balançar a cabeça freneticamente
por vários segundos.
— Ela não é nossa — sussurra — não é.
Não consigo ficar sentado e ando para frente dela, fazendo-a me
olhar.
— O bebê ficará comigo.
— Não!
— Por que não?
Ela solta uma risada e olha para um ponto invisível na parede.
— Você não entende — mais lágrimas caem pelo seu rosto. — Se
você ficar com a criança, será como se ela fizesse parte da minha vida.
— É seu filho, Milena!
— Eu não pedi por isso! — Brada. — Eu só queria viver uma vida
com você, sermos felizes.
Seguro o rosto dela, tentando fazê-la se acalmar e raciocinar direito.
— Eu estou do seu lado, Lena.
— Você não pode ficar do meu lado — lamenta. — Enzo sabe sobre
nós.
Fico tenso no mesmo segundo que ela diz isso, é como se todos os
segredos da nossa separação se revelassem nas entrelinhas, os motivos dela
estar arredia e insensível.
— Então é esse, o motivo do seu afastamento?
— Ele disse que iria matá-lo se eu não me afastasse — abraço-a com
força, ela não repele esse contato. — Eu não quero que ele lhe machuque.
— Ninguém vai me machucar — sussurro, prometendo algo que não
sei se posso cumprir.
Milena segura em meus braços e levanta a cabeça.
— Não podemos ficar com essa criança, Aronne — diz em tom baixo.
— É um risco.
— É nosso bebê.
— Eu não serei uma boa mãe.
— Você não está nem tentando — ralho.
Ela balança a cabeça e funga.
— Não tive um bom exemplo materno e tenho certeza que também
não serei — diz irredutível. — Que exemplo serei para essa criança?
— De uma mulher forte, guerreira e maravilhosa.
Milena passa as mãos pelos cabelos, nesse momento nota o acesso em
seu braço e faz uma careta.
— Não posso correr o risco de fracassar com essa criança — diz
determinada. — Será melhor para ela ter alguém que possa amá-la e dar-lhe o
lar que não podemos.
— Nós somos os pais.
— Uns pais fodidos — rebate. — Que vida podemos dar para essa
criança, Aronne?
— Uma vida de amor...
— Uma vida onde será apontada como um erro — diz. — As pessoas
serão malvadas com essa criança, irão falar dela quando a olharem e irão
rechaçá-la. Não quero isso.
Fico calado e no fundo sei que Milena está certa. As pessoas dentro
do submundo são malvadas e mesmo que não falem, apenas com um olhar
iriam recriminar o que eu e Milena tínhamos feito, ato que arruinaria a vida
de Milena juntamente com a criança. Não gosto nem de imaginar o que
poderia acontecer com ela e a criança.
— Vamos pensar sobre isso.
— A decisão já está tomada, Aronne — ela suspira. — Nunca desejei
ser mãe e não tenho coragem de tirá-la, mas isso não quer dizer que não irei
dá-la para adoção.
Milena pode ser tão irritante e cabeça dura quando quer, que tenho
vontade de bater sua cabeça em uma parede para tentar colocar algum pingo
de raciocínio nela.
— Essa conversa ainda não terminou.
— Sim, terminou.
Eu tinha tempo para fazê-la mudar de ideia e só poderia torcer para
que no final ela me escutasse e visse que tinha outra forma de ficarmos com o
bebê, que já sinto afinidade.
MILENA

Sinto meu coração bater fortemente contra meu peito e a sensação que
a qualquer momento iria sair pela minha boca. Aronne descobriu sobre a
gravidez e isso não estava em meus planos. Não era para ele ficar sabendo.
Eu tinha tudo planejando e agora com Aronne sabendo, começava a intervir
nos meus planos.
Há dois dias parei no hospital e o médico disse que estava ficando
desidratada, uma das reações dos mal-estares. Disse para ele que estava
tomando alguns remédios para controlar os enjoos, mas que não estava
resultando em nada. Ele relatou que isso poderia acontecer e me aconselhou a
parar de tomar os medicamentos e somente continuar com as vitaminas, me
indicou que seria melhor optar por comer coisas leves e sempre ter alguma
garrafinha d’água ao meu lado.
Aronne escutou tudo atentamente, assim que tive alta e saímos do
hospital, ele nos levou num pequeno bistrô e me fez comer algo leve, diga-se,
salada e suco. Tentei dizer que não era necessário e que ficaria bem, que não
precisava me fazer comer. Mas com apenas um olhar dele, soube que não iria
sair do meu pé até que me visse comendo e que mantivesse o alimento no
estômago.
— A minha médica disse que pílula tem dois por cento de erro —
digo enquanto como e sinto a necessidade de falar sobre isso, mesmo ele não
tendo perguntado em nenhum momento. — Mesmo eu tomando
religiosamente todos os dias.
— Isso era para acontecer — ele dá um pequeno sorriso. — Talvez
seja algum tipo de propósito para nós.
Bufo enquanto bebo meu suco e limpo a boca com guardanapo.
— Não existe propósito — resmungo.
— Não iremos falar sobre isso agora — ele me corta. — Você precisa
de descanso.
Depois disso tentei ao máximo evitá-lo, o que resultou em não sair
dentro da casa, eludindo[8] até mesmo olhar para Enzo, temendo que também
soubesse sobre a gravidez. Aproveitei o silêncio que me rondava, decidindo
que não poderia ficar por muito mais tempo dentro dessa casa. Logo, minha
barriga iria aparecer e não teria como escondê-la, sendo assim, tomo a
decisão de que seria bom passar um tempo na casa dos meus pais, há uns
quilômetros da cidade.
Fazia muito tempo que não ia lá, mas seria minha melhor opção. Não
sei se Enzo concordaria, mas iria mesmo assim. Nunca fui de acatar as ordens
dele e não será agora que acatarei. Com esse pensamento monto minha mala,
colocando várias roupas, tanto de frio quanto de calor, sabia que logo teria
que optar por roupas um pouco mais largas. Depois de fazer minha mala,
decido descer e ir atrás de Enzo, comunicar que passaria um tempo longe.
Não foi surpresa encontrá-lo na mesa do café da manhã, junto com
Perla, que está se fazendo muito presente na casa.
— Então decidiu se juntar a nós? — Diz ao me ver.
— Precisamos conversar — ignoro o que ele diz.
Perla que está calada tomando seu café olha-me e dá um pequeno
sorriso. Há algum tempo não saíamos ou passávamos um tempo juntas,
conversando, fazendo compras ou qualquer outro tipo de coisa que fazíamos
antes.
— E tem que ser agora? — Pergunta me olhando sobre a xícara de
café.
— Sim.
Ignoro a comida a minha frente, evitando sentir o aroma das
panquecas doces e dos cookies. Essa manhã tinha amanhecido sem enjoo,
mas eu não iria me gabar da sorte e comer tudo que está a minha frente.
— Tudo bem — ele deposita a xícara na mesa e me encara. — O que
exatamente precisamos conversar?
— Irei viajar.
A fisionomia do rosto dele não se altera um centímetro sequer, mas os
seus olhos cinza demonstram levemente a confusão que seu semblante não
revela.
— E você quer minha permissão para isso?
Não controlo a risada que sai e balanço a cabeça ao mesmo tempo.
— Você sabe muito bem minha resposta.
Enzo pega novamente sua xícara e enquanto a leva para os lábios diz.
— E quanto tempo irá passar fora?
— Um tempo — sei que sou evasiva, mas ainda não tinha calculado
muito bem quantos meses iria precisar para parecer eu mesma novamente.
— Você não está sendo específica.
Dou um sorrisinho de lado.
— Bom, irei viajar hoje — pego um copo de suco, dou um pequeno
gole e fico aliviada ao ver que o enjoo ainda está distante.
— Tão em cima da hora? — Perla que estava calada diz.
— Sim — sorrio. — Já tenho tudo esquematizado.
— Irei comunicar alguns soldados para ir com você.
— Não é necessário! — Falo rápido.
— Não irei deixá-la desprotegida.
— Eu sei me cuidar — falo, torcendo por dentro para que ele não
insista em colocar soldados atrás de mim.
— Milena.
— Enzo.
Ficamos nos olhando por vários segundos. Ele sabia que não iria
aceitar seguranças atrás de mim, se fosse noutras circunstâncias eu poderia
aceitar sua ordem, mas agora, nesse momento, não posso correr o risco de
algum homem de Enzo me flagrar com a barriga protuberante e contar a
“novidade” para ele.
— Nos deixe a sós, Perla — Enzo pede sem deixar de me olhar.
Sem dizer nada Perla se retira da sala de jantar e no instante que
estamos sozinhos, Enzo se recosta na cadeira e entrelaça os dedos.
— Para onde você vai?
— Irei viajar por aí — suspiro. — Sem destino algum.
Ele parece não compreender minha decisão, mas também não quero
que ele entenda.
— Por que isso agora?
— Eu não sei — sinto um nó se formar em minha garganta. —
Preciso de férias, Enzo.
Meu irmão fica calado, somente me observando e em seguida dá um
pequeno aceno.
— Me acompanhe até o escritório — diz se levantando e sem esperar
para ver se eu iria acompanhá-lo, some da sala de jantar.
Sinto minhas mãos suarem e minhas pernas ficarem tremulas só por
imaginar que ele iria me impedir de sair dessa casa. Se ele fizesse isso tudo
estaria arruinado. Todo meu plano.
— Você não poderá viajar sem proteção — ele diz. — Sei muito bem
que você sabe se cuidar, mas há regras dentro da máfia e temos de segui-las.
— Enzo, por favor...
— Eu sou seu Don, Milena — me interrompe. — Você não pode
chegar de repente e dizer que irá viajar, sonhando que eu a deixarei ir como
se não houvesse inimigos em nossa cola.
Respiro fundo, sabendo que interrompê-lo, não iria fazê-lo parar seu
discurso.
— Você é minha irmã e tenho que protegê-la — continua.
Cruzo meus braços e digo:
— Eu estou cansada disso tudo — sussurro. — Cansada dessa merda
toda. De não poder fazer o que quero, de viajar por aí e conhecer coisas
novas. Estou cansada de fazer os serviços para famiglia e não ser reconhecida
por isso. Estou cansada disso tudo.
— E o que você quer? — Estreita os olhos. — Que eu deixe você sair
por essa porta e que faça loucuras, mais do que já fez?
— Eu sei que errei! — Rebato. — Mas eu não me arrependo, droga!
Enzo dá um sorriso irônico e inclina levemente a cabeça para o lado.
— Você é imprudente e não sei o que você vai fazer quando sair por
essa porta.
Dou um passo em sua direção, sentindo que preciso apelar ao seu lado
emocional, mesmo sabendo que não existia nenhum dentro dele. Mas eu tinha
que tentar.
— Eu não irei fazer nada para desonrar nosso nome.
— Seria impossível fazer algo que você já cometeu — bufa.
Seguro em suas mãos, tendo esse contato de carinho, ele franze o
rosto e olha para as nossas mãos juntas.
— Eu prometo pelo meu sangue que irei me comportar, só preciso de
um tempo para mim — sussurro com a voz embargada. — Preciso me
descobrir e quando eu voltar você procurar um noivo para mim, serei o que
você quer que eu seja.
Enzo passa alguns segundos, me olhando fixamente e depois do que
parece ser uma eternidade apenas acena.
— OK — diz relutante. — Mas somente com uma condição.
— E qual seria?
— Preciso que me dê sinal de vida uma vez por semana, pois dessa
forma saberei que está bem.
— Tudo bem.
— Então pode viajar — balanço a cabeça freneticamente. — Só não
faça besteira, Milena.
Antes de sair da sala, não me controlo e abraço meu irmão, que fica
surpreso com meu gesto, mas não retribui. Sorrio e me afasto.
— Não precisa sentir minha falta.
Enzo apenas revira os olhos e volta sua atenção para sua mesa cheia
de documentos. Mais uma vez estava tomando o controle da minha vida e
sentia que realmente estava fazendo o certo.
FIM.
EM BREVE PARTE 2
Fora uma decisão minha e das minhas betas em dividir esse livro em
dois, então caro leitor, não se preocupe que em breve teremos a segunda parte
do livro, vocês saberão o desfecho desse casal e o que a história ainda nos
revelará.
Espero que tenham gostado do desenvolvimento dele até aqui e
prometo que a segunda parte virá ainda mais emocionante. Milena e Aronne
ainda têm muito para nos contar.
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[1]
família
[2]
chefe
[3]
Por que ele mentiria para mim?
[4]
Mentiroso, bastardo, saia daqui, saia!
[5]
Vou matá-lo, fazê-lo sangrar, mas antes disso o farei assistir enquanto mato quem você mais ama!
[6]
Gostaria de vê-lo tentar.
[7]
Redoma.
[8]
Evitar.

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