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1º Edição – 2019
Aviso:
Esse livro tem uma continuação.
A parte 2 está prevista para Janeiro/Fevereiro de 2020.
PRÓLOGO
Marina
"Simplesmente aconteceu
Não tem mais você e eu
No jardim dos sonhos
No primeiro raio de luar
A culpa é minha
Eu tenho um vício de me machucar..."
simplesmente aconteceu, ana carolina
Eu adoro mulheres. Não, melhor, adoro seus corpos. Podem vir como
for; baixas, altas, negra com cabelo loiro ou branquinha do cabelo azul,
sardentas, estilo modelo ou aquelas gordinhas fogosas, que têm carne o
suficiente para eu agarrar em meus dedos e me enterrar bem fundo. Podem
ser das mais naturais até as adeptas a qualquer plástica. Estando dispostas a
dar e receber prazer, se chamam minha atenção, eu as quero.
Meu modo de vida não me permite muito, nem tenho tempo de sobra,
portanto, experimentar mulheres em todos os seus gostos e tipos se tornou um
dos meus passatempos.
Sou rico, solteiro e o mais importante… Poderoso. Nenhuma das
lindas beldades que desfilam pela minha cama tem motivo para resistir ou
reclamar. Gosto de variedade, de ser satisfeito e, mesmo sendo difícil me
saciar, elas entram no jogo, disputam entre as amigas quem será a sortuda que
chegará ao meu suposto coração usando a boceta.
Aprecio o desafio, curto nossas horas juntos e, de vez em quando,
mando até uma cesta de café da manhã em suas casas como agradecimento da
noite, ou da tarde, e dependendo, da manhã. Como eu disse, meu tempo é
complicado e não deixo de aproveitar quando meu pau reage a qualquer
movimento.
Se estou almoçando e gosto da garçonete, ela estará na parte de trás
do meu carro. Enquanto meu motorista dará voltas, ela se fartará comigo em
seu horário de almoço.
Se estou tomando um café da manhã de negócios e gosto da sócia da
empresa, ela com certeza também será fodida antes que eu perca o interesse.
Sexo é como um negócio; as mulheres são as assinaturas e eu sou
especialista em fechar contratos.
Por isso, em silêncio, presto atenção a cada palavra da mulher à
minha frente. Ela é bonita, não tem frescura, me chupou no elevador e me
deixou meter onde eu desejei no primeiro encontro. Com isso, conquistou um
lugar recorrente em minha agenda. Ela é funcionária do grande Humberto
Ferraz de Fontana, portanto, mesmo que saiba que não deveria estar com ela
em minha casa, eu a mantive de qualquer forma.
Conheci-a em alguma ocasião na empresa. Ela despertou meu
interesse e se mostrou interessada, mas não estava desesperada; o que era
bom, afinal, não sou um homem desesperado por atenção. Ela sabe que,
quando terminar de falar, chamarei o motorista para levá-la embora, então
continua falando para adiar o inevitável fim. Fala de negócios, o que foi
interessante de primeira. É bom saber que, às vezes, além do prazer sexual,
tenho o prazer da companhia inteligente, mas isso começou a se tornar
forçado. É como se ela esperasse que eu fique fascinado por sua visão e
linguajar inteligente.
Não vai acontecer.
Eu fodo as netas da aristocracia quando vou a Londres e nem elas me
impressionaram, então não será Marcela, uma das três assistentes do meu pai,
que conseguirá. Sei os sonhos que povoam sua mente. Provavelmente ela
pensa que, por eu tê-la chamado pela quarta vez, logo estaremos subindo ao
altar.
Porém, no fundo, ela sabe que para um homem como eu não existe
aliança. A única coisa que a mantém aqui é seu rabo apertado.
— Elas são realmente umas gracinhas, Marcus! — Ouço o elogio
quando ela segura um retrato das minhas filhas sorrindo e acredito, mas sei
que só falou para me agradar. Se uma criança bonita qualquer sentasse ao
lado dela, não receberia o mesmo comentário. Mas Charlote e Elora são as
minhas filhas, então isso as torna as crianças mais lindas do mundo na boca
das minhas eventuais acompanhantes.
— Agradeço o elogio — digo e finalizo a bebida do meu copo. É a
quinta dose no dia, mas começo a pensar que o álcool das minhas garrafas
está perdendo o efeito, pois não sinto nada.
— Eu já as vi correndo pela empresa — continua. — Mas nunca
conheci nenhuma das duas. — Dando-me um olhar cheio de expectativas, ela
pisca e se aproxima, abrindo o roupão e exibindo o corpo que, por enquanto,
ainda me atrai. — Espero poder mudar essa situação em breve.
E lá está.
Esse é o lado ruim de sair com esse tipo de mulher. Quase tira meu
tesão. Ao vê-las vezes demais, começam a pensar que fazem parte da minha
vida só pelo tempo que trepo com elas. Acham que, se fechei um negócio de
manhã e de noite fui vê-las, é porque quis comemorar ao seu lado. Se as
chamei para jantar no dia que meu time foi campeão, é porque queria dividir
uma das minhas paixões. Se trepei com elas quando minhas filhas eram
pequenas e, por alguns minutos, elas as tinham visto pessoalmente, já
começavam a fantasiar que as pediria em casamento.
Elas sempre acham que se conquistarem as duas, conquistarão a mim
também.
Mas o lado benéfico é que é muito fácil.
Escolho uma, disco um número ou envio uma mensagem perguntando
se está livre hoje — e elas sempre estão. Simples assim. A selecionada vem
correndo como se temesse que eu mudasse de ideia caso não chegasse logo.
Mais fácil, mais rápido, nada trabalhoso.
Meu tempo é dividido entre Charlote, Elora e o trabalho. Por mais que
não me orgulhe, nem sempre nessa ordem.
Não tem mulher neste mundo que faça minha cabeça mudar.
(…)
Cravando meus dedos na cintura, delicio-me com o gemido de
satisfação que lhe escapa quando deslizo meu pau para dentro outra vez. A
bunda, já vermelha dos tapas e apertões, está no alto. Os ombros e rosto estão
escorados no colchão. Ela tenta mover sua mão para me alcançar, tenta lidar
com as sensações, mas é demais. Eu sei disso. Você não aprende a fazer sexo,
você nasce sexual.
Você sabe desde sua primeira transa se vai se tornar um daqueles que
goza e sai, já caindo no sono, ou se terá pegada e vontade de foder. Nunca fui
um preguiçoso e nunca tive nojo das mulheres com quem me deito.
O cheiro de boceta não engana e eu adoro.
Sou bom nisso e Marcela, que se contorce de prazer embaixo de mim,
sabe também.
— Eu nunca fodi sua boceta, querida, talvez hoje seja seu dia de sorte.
Ela choraminga. Seu ânus aperta meu pau de um jeito que eu não
posso imaginar como ela aguenta a pressão.
— Sim, Marcus… Por favor! Eu preciso… Sou sua! Faça o que
quiser.
A camada de suor que cobre seu corpo cobre o meu também. Passo a
mão por sua pele, estalando mais dois tapas antes de alcançar seu pescoço e
segurar firme. Com meu pau perfeitamente encaixado no cu molhado e
escorregadio, estoco nela mais forte e desço a mão livre para esfregar o ponto
certeiro no meio de suas pernas. Sinto-a tão melada e inchada que, por um
momento, quero meter na boceta, mas já começo a sentir a explosão, aquele
segundo que sei que vou estourar e gozar deliciosamente. Pego-a mais forte,
segurando os cabelos da nuca, e envolvo meu braço em torno da cintura,
trazendo suas costas ao meu peito e metendo tão fundo que seus gritos seriam
ouvidos pelos vizinhos do lado se eu tivesse algum.
Ela agarra meu pescoço, gemendo em mais um orgasmo.
— Oh meu Deus! Marcus! Isso… Ah…
Mordo o lóbulo da orelha e chupo o pescoço dela, sem força
suficiente para não a marcar. Ela não é nada minha e, assim como não fico
satisfeito quando me marcam de qualquer forma, não faço isso com elas.
Apenas os tapas, que são inevitáveis de acontecer e, de qualquer forma, só
duram alguns dias. Por alguns dias, elas têm a felicidade de ver meus dedos
impregnados na pele.
— Você gosta, não é? Adora dar esse rabo guloso. Aperta meu pau,
cachorra, com força!
Ela goza mais uma vez, perdendo totalmente as forças, mas antes,
esforça-se e tensiona os músculos para fazer o que mandei. O aperto de morte
drena todo o sangue da minha mente e eu me derramo, dando-lhe o prazer de
ouvir um rosnar que vem do fundo da minha garganta.
Ela foi boazinha, merece saber que me satisfez… Por hora.
Não tenho sequer tempo de afastá-la. Ainda estou respirando com
força, retomando meu controle, quando meu telefone toca.
O som é alto e vibra perto do meu joelho. Sendo pai, aprendi que não
importa se minhas meninas estão brincando com os anjos, sempre poderá
haver uma emergência e eu tenho que estar lá.
Saio lentamente de dentro da morena enquanto pego o celular e vejo o
nome de Nina piscando na tela.
— Sim?
— Eu preciso que você venha até aqui. — A voz está hesitante, e
apenas isso é o suficiente para me acordar totalmente.
— Elas estão bem?
— Charlote está reclamando de dor. Pensei que fosse por conta dos
doces que comemos. Ia dar um remédio, mas ela está chorando agora e…
Desligo sem terminar de ouvir e corro para o chuveiro, deixando a
água cair para tirar o suor e os vestígios da mulher na cama. Saio rapidamente
e me seco a caminho do closet. Uma calça de moletom e camisa branca
simples são as primeiras peças de roupa que vejo, então as visto.
Vou saindo, esquecendo-me completamente de Marcela, mas volto ao
quarto ao ouvi-la me chamar e dou de cara com ela se ajeitando na cama.
— Vou buscar minhas filhas. Se arrume, tome um banho se quiser.
Meu motorista virá buscá-la em vinte minutos.
Seu sorriso some e ela senta, encarando-me com o cenho franzido.
— Mas, Marcus, pensei que…
— Elas não podem vê-la aqui, faça o que eu mandei.
— Mas…
Odeio isso. É a principal causa de meus encontros casuais não
durarem muito.
— Passamos um bom tempo juntos, obrigado, mas acabou. Se vista.
Pegando a chave de um dos carros no armário, saio e mando uma
mensagem a meu rapaz que sabe lidar com elas depois do fim.
“EM VINTE MINUTOS, BATA NA PORTA. VOCÊ JÁ SABE O QUE
FAZER”.
Preocupado com Charlote e irritado com Nina por não ter me ligado
imediatamente, solto um suspiro e vou para a casa dos nossos pais. A mansão
situada no condomínio de luxo na melhor área do Leblon tem as luzes de fora
acesas, mas está silenciosa; o que já estranho de cara, pois, quando Elora e
Charlote dormem aqui, é difícil ter qualquer tranquilidade.
Em meio à paz que meus pais viviam, meus dois pequenos furacões
chegaram como um raio de sol e uma descarga de energia.
Aceno para um dos seguranças que cuida da vigilância noturna, entro
sem bater ou tocar a campainha e já ouço vozes. Meus passos pesados ecoam
pelo corredor e, ao chegar à sala de visitas, surpreendo-me ao ver Charlote
sentada de pernas cruzadas no sofá e um pote de sorvete no colo. A camiseta
do pijama cheia de morangos tem uma mancha de chocolate ainda fresca e ao
redor da boca tem vestígios do doce. À sua frente, Elora segura uma segunda
colher e dá pequenos pulos no lugar enquanto divide com a irmã.
— Suponho que mais doces são o remédio para a dor? — As três se
sobressaltam e se entreolham ao ouvir minha voz.
Nina levanta e cruza os braços. Ali, quando desce dos saltos, deixa de
lado a fachada que o mundo dos negócios a força a vestir e busca um jeito de
lidar comigo. Ela parece até frágil. É pequena e a mais nova, seguida por
Christopher, depois eu. Antes das meninas, era a única princesa da família,
mas nunca se importou de entregar o posto e amou a liberdade de não ser
mais tão mimada.
Minha irmã parece mais nova do que seus vinte e seis anos. Sem
maquiagem, roupas de grife e cabelo no lugar, posso ver a menina por quem
fui expulso de duas escolas protegendo, a mesma que prometeu não namorar
antes dos trinta.
Charlote deixa o pote de lado e passa a manga da camiseta fina pela
boca, em uma falha tentativa de limpar os vestígios do sorvete, mas só
espalha mais. Elora, ao contrário da irmã, corre para dar uma última
colherada no sorvete, ficando de costas para mim para engolir, e depois vira,
ainda com a boca toda suja enquanto me dá um sorriso banguela. Os dois
pares de olhinhos de gato, que competem entre um verde claríssimo e azul
escuro, estão arregalados e as bochechas gordas estão rosadas. Eu conheço as
minhas filhas e essas são as expressões que usam quando estão tentando se
livrar de encrenca.
— Estou sentindo muita dor, papai — resmunga Charlote com um
bico. Ainda angustiado e preocupado, pego seus sapatos em um canto e a
sento novamente, vendo que estava descalça.
— Pegue a bolsa delas, Nina. — Por cima do ombro, dito ordens à
minha irmã.
— Mas ela estava bem agora mesmo, Marcus!
— Obviamente não está tão bem assim! Pedi para cuidar delas e
chego aqui e as encontro com um pote de sorvete no colo!
— Não ouse insinuar que negligenciei minhas sobrinhas! Charlote
não me disse que estava passando mal, só estou sabendo agora!
— Olhe para mim… — Seguro o rostinho murcho e faço-a olhar para
mim. — Onde dói, filha?
De súbito, ela levanta o rosto e o bico vai embora, dando lugar a uma
careta de braveza que me surpreende.
— Diz para ele, Elo — cochicha com a irmã, obviamente me
ignorando.
— Bem aqui, Maicus. — Elora bate a ponta do dedo, indicando o
coração da outra. — Quando tia Nina disse que deixou a gente para ir ficar
com uma mulher.
— Uma… — Paro com um engasgo e ergo os olhos para minha irmã.
— Eu não disse nada! — Tenta se explicar. — Papai estava falando e
aí comecei a falar também, mas pensei que elas estavam brincando em outro
lugar da casa!
Suspiro, nervoso e frustrado. Eles conhecem as pestinhas e sabem que
não há jeito de verem adultos conversando e ficarem de fora. As duas sempre
dão um jeito de se enroscar no assunto. Característica que, definitivamente,
não puxaram de mim.
— Então não está com dor nenhuma?
Ela dá de ombros, sem responder. Elora imita o gesto.
— Por que mentiu, Charlote? — pergunto com calma, mas ela sabe
que está encrencada.
Arregala levemente os olhos, lambe os lábios e olha para minha irmã,
em um pedido silencioso de ajuda, mas Nina deixa claro que não está do lado
dela desta vez ao balançar a cabeça negativamente. Portanto, como sua rota
de fuga principal não dá certo, ela recorre.
— Só queria ficar com você, papai! — Ela se joga em meus braços,
apertando meu pescoço, e não posso evitar. A vontade de sorrir é grande, mas
tenho mais um par redondo de olhos me observando de perto e vou perder
toda a razão se as deixar escapar com isso.
É difícil ser o grande Marcus Ferraz de Fontana quando elas estão
envolvidas. Preciso encontrar o equilíbrio entre ser firme e amoroso, paciente
e ágil. Elas são o meu maior contrato e eu nunca estou pronto para fechar as
negociações. As duas me dobram em dois, ou quantas mais partes quiserem,
envolvem-me em seus dedinhos e me fazem girar ao seu redor.
São ciumentas ainda por cima. Além de sua avó e tia, se veem
qualquer mulher perto de mim, dão um jeito de se enfiar no meio ou afastar a
tal. As duas farão cinco anos em dois meses, mas, pela esperteza, parecem ser
mais velhas.
Elas são exatamente iguais. Queria poder dizer que sempre as
reconheci mesmo de costas, mas isso seria mentira. No começo, usei as
artimanhas das cores. Vermelho em uma e rosa na outra. Bege e branco ou
azul e verde, lilás e salmão ou laranja e amarelo. Porém, conforme foram
crescendo, tornou-se mais fácil. A melhor notícia foi quando Elora decidiu
que queria uma franjinha e Charlote não. Agora, eu sei quem é quem com
uma simples conferida de cabelo, ouvindo a voz ou observando o jeitinho.
Sei de olhos fechados.
A aparência é onde a semelhança termina.
Charlote é sorridente, carinhosa, fala com todo mundo, porém,
seleciona a quem dar esse carinho. Elora é mais tímida, fala baixo, pede
sempre a opinião ou a ajuda da irmã e o pior para mim… Ama demais a
todos. Enquanto Charlote escolhe a dedo quem entra em seu coração, Elora
quer distribuir amor.
Outra coisa que nenhuma delas puxou de mim.
São educadas, o que agradeço a ajuda de minha mãe e de Nina, que
sempre foram presentes e cuidaram para corrigir qualquer erro que eu tivesse
cometido; claro, respeitando limites que eu empunho. Foi uma catástrofe
quando, com pouco mais de um ano, de tanto me ouvirem falar palavrões,
Charlote soltou um daputa para sua avó.
O que eu mais adoro nas duas é como se defendem. Andam de mãos
dadas, se abraçam o tempo todo e me abraçam também. A culpa, mesmo
sendo apenas de uma, é assumida pelas duas. Quando uma tem uma ideia, dá
crédito a outra também.
Seguro as mãos de Elora, trazendo seus olhos para os meus, e depois
fito Charlote. Ao longo dos anos, aprendi que não posso falar como se apenas
uma estivesse na sala.
— Não pode mentir assim, Charlote. Deixou sua tia preocupada e
preocupou a mim também.
Os olhos dela se enchem de água.
Menina terrível!
Ela sabe me engambelar como ninguém. Aliás, é a única que possui
esse poder.
— Sinto muito, papai. — Abraça-me de novo, apertando mais ainda.
— Podemos ir para casa agora?
— Marcus… — Nina fala atrás de mim. — Pode deixá-las passar a
noite se quiser. Não sei se já terminou seu… compromisso.
Seguro Charlote de um lado e engancho o braço livre pelas perninhas
curtas de Elora do outro, levantando-as comigo. Sei, pela forma como não
tiram o rosto do meu pescoço, que só vão me soltar quando chegarmos em
casa.
Nego com a cabeça ao ver minha irmã já segurando a bolsa de urso e
deixo claro que já deu meu horário.
— Tem certeza? — pergunta, acompanhando-me até a porta. Depois,
espera eu ajeitá-las no carro e tomar a direção.
— Sim, tenho certeza. Vá dormir.
Nina revira os olhos com minha ordem e sorri.
— Desculpe por estragar sua noite. Prometo não dar mais sorvete a
elas tão tarde e vou ter certeza antes de ligar outra vez.
A compreensão que Nina sempre me estende é perturbadora, afinal,
nunca lhe estendi a mesma simpatia. Por vezes, forcei minhas vontades em
sua vida e não me dei por satisfeito até que ela cedesse; o que, com o tempo,
vem se tornando cada vez mais difícil.
— Não estragou, já tinha acabado.
Ela abre a boca, prestes a dizer algo, mas para e balança a cabeça,
beijando meu rosto.
— Vá com cuidado. Quando precisar de uma babá para seus
compromissos, estou aqui.
Assinto silenciosamente e dou partida. As duas encrenqueiras no
banco de trás sabem que, às vezes, quando aprontam, precisam me deixar
esfriar a cabeça. Elas me conhecem como ninguém, então, quando estamos
quase chegando em casa, decidem que ficaram quietas por tempo suficiente e
começam a contar sobre sua noite como se nada mais tivesse acontecido.
Deixam-me saber das brincadeiras da minha irmã adulta, que perto
das sobrinhas vira criança de novo. Contam que Christopher prometeu levá-
las para tomar sorvete no novo parque da cidade. Eu não disse a elas, mas
esse passeio não vai acontecer. Meu irmão tem a cabeça de um adolescente. É
um adulto que nunca saiu da puberdade e, depois de descobrir que duas
crianças são uma boa estratégia para conseguir ainda mais ofertas de sexo,
quer levar as sobrinhas a cada passeio que pode.
Quando chegamos, elas ainda tagarelam, sem se importar com meu
silêncio. Elas preenchem sozinhas o vazio e ficam mais do que contentes em
saber que eu estou ouvindo. Pego a bolsa, enfiando no ombro, e novamente
seguro uma de cada lado no colo, atravessando a garagem até o elevador.
— Desculpe atrapalhar seu compromisso, papai — Elora sussurra, já
sendo derrubada pelo sono.
Afago suas costas devagar. O cheirinho das únicas pessoas que eu
amo no mundo infiltra no meu nariz e não tem como ficar nervoso quando
elas recorrem àquela palavrinha mágica.
Papai.
Meus únicos compromissos estão pendurados em mim.
E isso não mudará jamais.
(…)
— Eu quero ir ao zoológico depois da aula! — Elora praticamente
exige.
— Eu não! — Charlote rebate. — Os bichinhos estão presos lá dentro.
— Porque é a casa deles!
— A casa deles é na froresta, Elo!
— É verdade, papai?
Abaixo o jornal e a xícara de café e as observo. Charlote tem os
braços cruzados e me encara com um olharzinho que diz “concorde comigo
ou morra”. Ela aprendeu isso comigo. A babá, Arlete, incentiva-as a tomar o
café, mas agora me encara esperando que eu responda, pois sabe que as
meninas só voltarão a comer depois da minha resposta.
Penso em como responder sem magoar o lado ativista de Charlote e o
carinhoso de Elora e me pego pensando que nunca dei atenção a esse assunto.
Nunca fui a um zoológico e nunca as levei em algum também. Na verdade,
foram poucas as vezes que passeei com minhas filhas, afinal, Arlete foi
contratada quando elas tinham quatro meses e nunca saiu de perto. É sua
função levar minhas filhas para onde quer que queiram ir.
— O que acham de ir ao novo parque que abriu na cidade? Ouvi dizer
que tem muitos brinquedos, sem falar que a Turma da Mônica estará lá.
E assim o assunto zoológico é esquecido. Negociar com elas nunca é
fácil, mas consigo ganhar de vez em quando.
— Será que vai ter montanha-russa?
— Eu vou querer ir muitas vezes no pula-pula!
— Papai! — Elora chama. — Quando a gente chegar lá, a Lete pode
tirar fotos da gente!
— É claro, filha — respondo distraidamente, atento a uma matéria
sobre a minha família.
As duas continuam conversando, rindo e brincando enquanto comem,
e preciso de um esforço a mais para me concentrar no que leio.
O jornalismo hoje em dia não é mais sério e respeitável como
antigamente. Colunas de fofoca, sites para cuidar da vida alheia e os tais
furos de reportagem se tornaram um veneno, mas, de vez em quando, como
agora, alguém escreve algo que vale a pena ser lido. Na metade de uma
página, o jornal faz uma crítica produtiva e positiva sobre o Império Ferraz de
Fontana, contando como começamos nossos negócios em família e nos
tornamos a maior mineradora do país.
Meu tetravô chegou ao Brasil vindo da Itália com apenas uma mala
gasta e sua esposa do lado. Não tinha muitas expectativas, mas era cheio de
sonhos. Trabalhou onde arrumou serviço e conseguiu, aos poucos, conquistar
pertences. Começou com um pequeno barco, indo e vindo em viagens pelo
mar, garimpando pequenas pedrinhas até conseguir um navio. Em seguida,
montou uma pequena equipe e cada um ficava com o que conseguia, pagando
uma porcentagem a ele pelo barco e pela viagem. Quando chegou a vez de
seu filho, meu trisavô, controlar os negócios, a família Ferraz já possuía certa
riqueza e se inseria cada vez mais em um dos negócios mais rentáveis do
país.
Meu tetravô foi um homem duro e ensinou meu trisavô a ser ainda
pior, o que, por consequência, fez meu bisavô um tirano de primeira
categoria. Mas foi graças a Gregório Ferraz de Fontana que nossa família
construiu um império e se tornou uma das mais ricas do Brasil. No fim, não
importava se eles tomaram o lugar de algum brasileiro no passado, isso fez
com que nenhum futuro membro da família precisasse trabalhar. Porém, nós
fazemos questão.
Quando meu avô se aposentou e deixou tudo na mão do meu pai, eu
comecei a contar os dias até que tudo viesse para mim.
Porém, Humberto não é tão ganancioso quanto os homens no
comando de nossa família foram. Assim que aprendi cada coisa sobre os
negócios, ele me deu responsabilidades e fez de mim um homem, mas fui
jogado cedo demais na selva e precisei aprender meus próprios caminhos
para não ser devorado.
Quando monopólios começaram a ser caçados e alguns países —
inclusive o Brasil — tornaram essa prática ilegal, eu me senti sem rumo,
afinal, tinha dedicado anos da minha vida ao legado dos meus antepassados,
cuidei de tudo o que construíram para que a ruína nunca nos alcançasse,
então não seriam papéis e leis de homens que me deviam muito que fariam
isso.
A Ferraz é, até então, a maior a comandar todas as minas do país.
Encarreguei-me de que tivesse nossas placas em cada depósito, rocha e mina.
A nova lei decretava que isso deveria acabar e que tínhamos que abrir espaço
para outras empresas entrarem no negócio.
Eu pensei por dois dias sobre o que fazer, mas nunca tive a intenção
de ceder meu poder de mão beijada. Portanto, compramos duas empresas de
médio porte e, por trás dos panos, minha família continua com controle
absoluto sobre tudo. Não estamos cumprindo a lei, mas isso não tem
importância alguma.
Colunas sociais criam teorias e ativistas desocupados muitas vezes
tentam criar caso e chamar atenção para cima de nós, mas qualquer veículo
de imprensa sabe que não é bom entrar em meu caminho.
— E a gente pode ir depois da escola! — Charlote, animada com o
passeio, encara-me com olhos esperançosos.
Deixo o jornal de lado, satisfeito com o que li, e levanto, ajoelhando
na frente da cadeira dela.
— Hoje o papai precisa trabalhar, mas prometo que vou levar vocês a
um lugar bem legal na próxima semana.
Os ombros dela caem e faz um bico de quem está prestes a chorar.
— Mas você promete todas as vezes.
— O papai precisa trabalhar, Charlote. Já conversamos sobre isso.
Fito Elora, que encara seu prato de cereais em silêncio.
— Então não prometa de novo, já sei que vai mandar a Lete ir com a
gente.
Dito isso, ela levanta e corre para o corredor, provavelmente indo para
o quarto.
— Elo… — Tento argumentar com a mais calminha, mas Elora segue
a irmã assim que começo a falar.
Frustrado, levanto e ajeito o terno.
— Vou distrair as duas, senhor — diz Arlete. — Pode ir trabalhar
sossegado.
Suspiro e dou um simples aceno de cabeça. Pego meu óculos e chaves
do carro e saio de casa. Trabalhar por um dia inteiro fará bem.
CAPÍTULO 2
Marcos
"Cafajeste,
não há homem que preste
Você finge ter amores a cada verão
E maltrata corações a cada estação..."
cafajeste, velhas virgens
Aprendi desde cedo que, da mesma forma que você sobe, pode cair.
Eu não cheguei onde estou sendo uma megera de coração frio,
tampouco humilhando aqueles que estão abaixo de mim na hierarquia. Sou
educada, atenciosa e prestativa. Ignoro tudo o que não me acrescenta —
porque se em uma empresa pequena os funcionários falam, em uma empresa
do porte da Ferraz tem fofoca em dobro. No fim do dia, quando vou para a
casa e continuo trabalhando, sinto-me agraciada, porém, quando um negócio
é severamente prejudicado por erros ridículos, sou obrigada a tomar esta
exata posição: a de bruxa.
Jogo as pastas na mesa cumprida, sem tentar esconder minha
frustração, e olho para cada um. Vejo todo um departamento que deveria
trabalhar unido, mas, ao invés disso, só está me dando uma dor de cabeça
que, no momento, não preciso. Pensando no quanto Humberto vai alugar meu
ouvido mais tarde, desconto neles. Não poupo palavras.
— Quando fechamos em uma tacada só com alguns contatos de
Portugal e Suíça, eu vivi um sonho. A empresa estava em festa e nossa taxa
de contratação atingiu um novo recorde. Lembro-me de beber champanhe por
uma semana e pensar que as coisas seriam maiores ainda, afinal,
conseguimos o contrato com a maior mineradora da Rússia e Hong Kong
estava na palma da mão.
Cada um me olha com uma emoção diferente, mas a mais presente é o
medo. Isso me incomoda. Não quero o medo deles, quero o sangue, o
arrependimento e a determinação em fazer melhor.
A concorrência no ramo de importação e exportação é pesada. Nós
temos o controle da maior entre três empresas que cuidam desse serviço
marítimo, mas por conta de erros do departamento, estamos a um fio de
perder o contrato para uma exportadora aérea.
O tetravô de Humberto começou a empresa e depois o filho deu
continuidade. A história dessa família é algo que sempre mexe comigo.
Mesmo que eu seja só uma pequena peça aqui dentro, sinto-me realizada
todas as vezes que piso neste prédio.
Nosso maior desafio é conseguir fechar o contrato com a TRK Bild, a
maior mineradora do mundo. Humberto quer tanto essa conta que eu passei a
desejar tê-la até mais do que ele. Os lucros seriam de milhões, o nome da
empresa se tornaria o maior do país e todo o esforço valeria a pena.
— Então… — continuo. — Por pensar que tínhamos esse
departamento dedicado e focado, confiei totalmente em deliberar a função
mais importante a vocês. Essa foi a pior decisão que fiz em meus anos neste
trabalho!
Eu comecei aqui pelo cargo que ninguém aguentava mais de seis
meses: escrava do dono. Humberto leva perfeccionismo a outro nível e
aprendi rápido que preciso estar sempre pronta, porque se eu pensar em
relaxar, ele virá jogar uma bomba para me manter ativa.
— Me desculpem se estou sendo muito grossa, vocês gostariam de
um pouco de delicadeza? Que tal quatro bilhões e meio de dólares no último
ano? Porque esse foi o lucro deles! Que deve aumentar no próximo e uma
parte seria revertida para nós! Vocês querem que Humberto venha aqui e
agradeça a todos por fazerem suas obrigações? Estão chateados por não
serem valorizados? Só o salário de vocês já é um agradecimento bem
generoso!
— Marina… — Letícia, a gerente do departamento, começa a falar.
— Não sei o que aconteceu, mas prometo que…
— Mas eu sei. Incompetência. Peguem suas bolsas e vão para casa.
Comecem tudo de novo. Não é um dia de folga. Quero que voltem amanhã
determinados a consertar a cagada que fizeram. Caso contrário, nem precisam
vir!
Espero cada um sair e recolho as pastas, respirando profundamente.
Sei que será um restante de dia infernal. Não posso deixar de pensar que a
culpa é minha e que, mesmo o relógio marcando quatro da tarde, como
sempre, não vou sair da empresa antes das oito.
Atravesso o quinto andar como se o chão estivesse pegando fogo,
ignorando os olhares em minha direção. Provavelmente todos ouviram meus
gritos e, neste momento, não me importo. Eu lhes dou uma festa quando
fecham um contrato, então estou mais do que no meu direito de gritar quando
cagam um dos maiores que poderíamos ter. Embora eu saiba que vou me
sentir mal no minuto em que deitar na cama e me lembrar disso.
Uma semana, isso é tudo o que tenho para voltar às boas relações com
a Austrália.
Volto à minha sala no décimo oitavo andar e, como um tic nervoso,
começo a organizar tudo à minha volta. Confiro as pastas, coloco as canetas
no porta-canetas e lápis no porta-lápis, confiro se todos os fios estão nos
lugares certos, mesmo que o pessoal do TI deixe tudo em ordem. Depois,
cogito até pegar um paninho para limpar a janela, mas percebo que estou
passando dos limites e adianto o que preciso fazer agora.
O telefone já tocou duas vezes e nem pego meu celular para ver se
está do mesmo jeito. Sei que terá mensagens e ligações que só de pensar me
fazem querer me enfiar debaixo da mesa, fugindo de tudo.
Não sou uma mulher medrosa e nem que foge da raia, mas hoje é um
dia cheio de incertezas e inseguranças. Só preciso de um momento para
colocar a cabeça em ordem.
O telefone toca outra vez, lembrando-me de que depois daquela porta
há uma guerra que preciso vestir meu uniforme de menina grande e ir lutar.
Que Deus me ajude.
— Sim?
— Marina, não sei o que fazer… — Marcela sussurra. Deduzo na
hora que as três Marias no andar de cima tiraram na sorte quem ia me ligar.
— Onde está Carla? Esse ramal não é dela?
— Ela foi ao banheiro!
— Certo. Consiga algumas aspirinas, já estou subindo.
— Devo levar para ele? — Sua voz treme só de pensar em enfrentar
Humberto daquele jeito.
— Não, vá almoçar e leve seu telefone caso eu precise de algo.
— Obrigada, Mari.
Desligo e pego celular e agenda. Com um suspiro, entro no elevador.
(…)
— Beto…
— Você não fez a porra do seu trabalho direito! — esbraveja, virando
a bebida em um único gole, e bate o copo na estante de uísques que
coleciona.
Estou mais do que acostumada a seus acessos de raiva.
— Um departamento inteiro já está sendo movido para dar um jeito
na situação.
— Dar um jeito? Eu quero todos eles se movendo ao Recursos
Humanos para receber a carta de demissão! Eles têm ideia do que esse erro
estúpido me custou?
— Eu deixei bem claro. Trouxe aspirina para você.
— Não quero a porra de um remédio! Quero aquele contrato
milionário assinado!
Ignoro sua negação, encho um copo com água e deixo na mesa com
as duas pílulas do lado. Ele fala por mais alguns minutos e, como é esperado,
toma-as e depois continua falando. Já nem presto mais atenção. Confiro meu
e-mail pelo celular e vejo se algum dos sócios da empresa ligou. Todos que
têm o número de Beto têm o meu. Se não conseguem falar com ele, tentam
comigo. Alguns já ligam diretamente para mim ao invés de perder tempo.
Humberto foi difícil de primeira, mas, com o tempo, fui aprendendo.
Sempre tive força de vontade, sempre quis aprender. Aprendi que do mesmo
jeito que não podia abaixar a cabeça quando tentavam me humilhar por ser a
“simples secretária do interior”, não podia deixá-lo me abalar. Ganhei seu
respeito desse jeito e hoje eu sei que, às vezes, ele só quer que alguém fique
aqui ouvindo seus gritos de frustração. Assim, ele chega em casa calmo e
preocupado, e não um resmungão que grita com quem está mais perto.
Conheço cada mania, cada coisa que o irrita e tudo o que ele está prestes a
pedir.
A única coisa que nunca fiz foi comprar os presentes de sua esposa.
Envio os cartões de aniversário para sua família e amigos mais
próximos, contrato os fotógrafos dos cartões de Natal, ajudo-o a escolher
entre as gravatas cinza ou azul — já que ele nunca troca essas duas cores —,
entre outras coisas que com certeza não estão descritas no meu contrato.
Como planejar a festa da filha dele. Não exatamente planejar, mas contratei
todos que planejaram. Só Deus sabe como fiquei por dias fuçando no
Instagram buscando o serviço de festas mais completo e bem feito.
Por tudo isso, sei dos boatos sussurrados e das suposições não ditas.
Viajo com ele, às vezes fico horas em sua sala, conheço sua família e aceito o
ódio gratuito deles. Isso nunca me fez querer desistir. Ele sabe também. Um
dia, quando lhe perguntei o que faríamos, ele me olhou como se estivesse
entediado e perguntou:
— Você está tendo um caso comigo?
Quando lhe disse um assustado “não”, ele insistiu:
— E quer ter um?
Eu respondi “É claro que não” e Beto deu de ombros.
— Então, não entendo qual o problema.
As pessoas falam, sempre vão falar.
Em três anos, ele me ensinou mais do que qualquer outro emprego
poderia ensinar. É um chefe duro e ferrenho, mas eu preciso dessa
chacoalhada da vida. Ele havia estreitado os olhos ao ver que a única blusa
que tive para ir à entrevista estava rasgada e o zíper da bolsa estava quebrado,
mas, ao invés de me chutar para fora, Humberto dispensou as outras
candidatas e, quando ficamos sozinhos na sala, disse:
— Está contratada. — O tédio em sua voz ainda me faz rir quando
lembro, mas é óbvio que no dia não foi engraçado.
— O-o quê?
— Você está desesperada por um emprego, o que significa que não
vai ficar tendo crises nervosas ou se esconder e chorar no banheiro quando eu
exigir demais.
Ele não sabe que nos primeiros dias realmente chorei no banheiro,
mas só no horário de almoço.
À medida que se acalma e o ataque ameniza, eu o observo. Ele tem
cinquenta e oito anos, mas faz questão de se exercitar no segundo andar, onde
fica a academia da empresa, duas ou três vezes por semana. São os piores
dias para mim, pois praticamente me obriga a segui-lo nas atividades. O
espertalhão vai embora depois de terminar, mas eu fico e trabalho toda
dolorida. E só para completar o pacote, quase me arruma um casamento com
seu personal trainer.
OK… Não um casamento. Mas nos fez sair uma vez e não parava de
me dizer: “Esse garoto é bom!”.
Beto por vezes parece um garoto, mas suspeito que nem todos têm a
oportunidade de conhecer esse lado. Em cima da mesa, vejo o quadro que
coloquei ali de seus três filhos e de Heloísa, sua mulher. Quando viu,
Humberto resmungou sobre não gostar daquelas patifarias, mas também
nunca tirou dali.
— Não pode demitir o departamento, Beto. Vai pagar multas
contratuais enormes e enfrentar alguns processos.
Posso citar também o lado social da coisa; que os empregados têm
família, dívidas e obrigações fora da Ferraz, mas ele não se importa com isso.
Quando eu quero abalar Humberto ou fazê-lo pensar de forma coerente,
envolvo dinheiro. Sempre funciona.
Mas, desta vez, só provoquei a besta novamente.
— Processos? — grita, bate na mesa e começa a andar de um lado
para o outro. — Eles que ousem me processar!
Olho meu relógio e vejo que estou aqui há vinte minutos. Vinte
minutos de gritos que poderiam ter sido bem aproveitados. Levanto e pego
minhas coisas.
— Vou descer, Beto, por que não vai para sua casa e passa o restante
do dia?
— Está vendo? É por isso que esta empresa perdeu aquele contrato,
tudo é motivo para ir descansar!
Cansei.
Decido deixar que fale sozinho até cansar e avisar as meninas para
irem trabalhar em outro andar se não quiserem ficar com dor de cabeça. Abro
a porta e preciso me segurar no batente, quase tropeçando, pois tenho apenas
o vislumbre por puro reflexo de algo à minha frente.
Uma coisinha pequena e cabeluda está parada bem aqui e me fita com
um sorrisinho maroto. Quase caio em cima dela. Foi por pouco!
— Olá, tia Malina!
Como se não tivesse acabado de quase me dar um ataque cardíaco, a
menina sorri e passa as mãos pelo cabelo, ajeitando a faixa lilás combinando
com o vestido. Fico parada olhando-a e me perguntando de onde surgiu e há
quanto tempo está aqui.
— Oi, brotinho… — O apelido me escapa facilmente, lembrando-me
daquela noite que a encontrei perdida e com os olhinhos cheios de lágrimas
junto com sua irmã.
— Vovô estava gritando, ele parece bravo. — O sorriso vai embora e,
no lugar, uma careta toda franzida aparece. — Deixe eu entrar que falo com
ele.
É o quê?
Seguro a porta fechada. Por alguma razão, quero impedi-la de ver
Humberto alterado daquele jeito. Sei que a menina é sua pupila e ela o adora,
então seria bom manter a fantasia do vovô fofo até o máximo de tempo que
puder.
— Por que não deixamos seu avô cuidar de algumas coisas e você me
diz quem te trouxe até aqui?
A danadinha estreita os olhos como se pensasse em minha proposta.
Para uma criança, eu esperava que ela simplesmente aceitasse minha palavra,
mas já vi que Charlote tem um baita gênio.
Assim como seu pai.
O pensamento vem de surpresa, mas faz todo o sentido. Só conheço o
infame Marcus por coisas que vêm de Humberto. Já vi momentos difíceis em
que ele demonstrou, mesmo que indiretamente, a falta que sente do filho mais
velho. Nunca vou entender como alguém que tem uma família que o ama
pode deixá-los assim.
Você não conhece a história toda.
Realmente… Por isso, quando Humberto cita Marcus, já fujo do
assunto. Sua vida pessoal não é da minha conta, mesmo que uma parte de
mim seja um pouquinho curiosa sobre o distante e frio Marcus Ferraz.
— Papai me trouxe — responde. — Tudo bem. Vamos, Malina.
Suspiro aliviada, mas o alívio morre no caminho quando sinto a
mãozinha pequena escorregar na minha. Tensa, ando lentamente, as pernas
duras, mas ela está saltitando ao meu lado. Os cabelos escuros saltando sobre
os ombros e os olhos verdes com azul-escuro brilhando.
Parece uma boneca.
Uma princesinha.
— Se lembra onde viu seu pai pela última vez?
— Hummm… — Segura o queixo. — Acho que lá no outro andar.
— Qual?
— Ah, não sei! — Dá de ombros. — Lá no outro.
OK. Linguagem infantil é isso. Para ela, tudo é óbvio e fácil demais.
Cogito deixá-la com um dos seguranças, ou brincando com alguma secretária
pelo prédio, mas os rapazes precisam estar sempre atentos e cuidar de uma
criança tão ativa quanto Charlote tiraria o foco de seu trabalho. E as
secretárias são tão malucas quanto eu, cheia de coisas para fazer.
— Por que fugiu dele, Charlote? Não deveria fazer isso — repreendo
em uma voz calma, compreensiva. Deus que me livre a neta de Humberto
achar que eu estou lhe dando bronca e ir reclamar com seu pai.
— Ele tava falando com uma moça lá embaixo. Ela ficava olhando
daquele jeito pra ele.
— Ah, é? Que jeito é esse?
Ela para de andar, solta minha mão e rodopia no lugar. Coloca as
mãos cruzadas embaixo do queixo e pisca os olhinhos rapidamente.
— Ai, Maicus… — fala em uma voz infantil, mas um pouquinho
cantada. — Nossa, Maiquinhus!
Então, entendo que ela está imitando o jeito da tal mulher e não me
aguento. A miniatura me faz gargalhar no meio do expediente, em um dos
dias mais infernais da minha carreira, e só fazendo suas gracinhas.
— São todas assim, ficam encostando no papai e depois ele tem um
cheiro ruim de perfume que elas passam.
— É mesmo?
Não posso me conter. A menina deve ter no máximo cinco anos e me
diverte mais do que minhas amigas na casa dos vinte e trinta.
— Simmm! — O ‘’sim’’ é arrastado e ela revira os olhos para
enfatizar.
Estou rindo quando Humberto vira no corredor e nos vê aqui. A
expressão carregada que trazia some por um minuto. Sei que ele ia me gritar
novamente, mas só de ver sua pupila, já muda completamente.
— Vovô! — Corre para ele e é recebida pelos abraços destinados a
ela.
— Lotinha… Vovô não te esperava.
— Papai precisava vir fazer uma rouni… rouni…
— Reunião — ele a ajuda.
— É!
— E onde está sua irmã?
— Ela ficou com tia Nina hoje, lá no outro emprego.
Humberto ri.
— No outro prédio.
Parada ainda em frente ao elevador, vejo que já está subindo e decido
deixá-la aqui com Humberto. Melhor que o avô cuide e a devolva a seu pai.
Estou me segurando para não pensar “pai relapso”, mas é difícil, afinal, ele
perdeu a menina duas vezes!
— Estarei na minha sala, Beto.
Ele a coloca no chão e pega minha mão ao chegar perto.
— Desculpe pelos gritos. Sabe que não é pessoal.
Sorrio, quase revirando os olhos diante de seu pedido de desculpas
malfeito.
— Nunca é.
As portas se abrem neste momento e o gritinho de “papai” é seguido
pelo olhar fulminante que recebo de Marcus Fontana. Separo minha mão de
Humberto ao ver que esse é seu foco.
— Marcus — Beto cumprimenta, curto e formal.
— Humberto. — É tão categórico quanto. A voz é mais evidente
agora que não há música alta preenchendo a conversa como no dia da festa.
Jesus, como é bonito!
Novamente, aquela sensação de inquietação de quando o vi a primeira
vez na festa de Nina me assombra. Nem sei como consegui me manter firme
aquele dia. Quando ele disse para cobrar a dívida que tínhamos agora…
Marcus tem um poder natural sobre si. É o jeito que fala, a voz, o
caminhar… Essas mãos grandes e a forma como as passa pelo cabelo. Ele é
totalmente desejável e, ao mesmo tempo, para mim, proibido.
A primeira coisa que penso ao ouvir a voz tão crua é que combina
perfeitamente com ele. O homem é realmente muito bonito. Claro que já
tinha visto por fotos, mas, em três anos, sequer nos cruzamos. As fotos não
fazem jus a ele.
É alto, não exageradamente, mas eu chuto um e oitenta e cinco, por aí.
Mesmo com saltos, minha cabeça encaixaria debaixo de seu queixo sem
sobrar nem faltar. A pele morena bronzeada me cativa, é como se tivesse
pegado muito sol, isso faz com que os olhos verdes fiquem tão destacados
que a primeira coisa que se repara ao vê-lo é a cor viva. Os cabelos pretos
estão uma bagunça que faz meus dedos coçarem para ajeitar.
Jesus!
Ele não tem um corpo de alguém que fica na academia vinte e quatro
horas por dia, mas é forte, bem construído, com braços grandes. Deus sabe
que não resisto a um braço cheio de veias, tampouco a uma mandíbula tão
bem desenhada como a dele.
Foco!
Há também os lábios com a cor natural tão linda, que combina com
sua pele. Eles são inchados em um estilo acabei de beijar muito.
Esses pensamentos não me pertencem!
— Malina me encontrou outra vez, papai! Pode acreditar?
— Vá com o vovô, filha.
— Mas a Malina…
— Agora, Charlote.
— Está bem. — Ela me dá um último sorriso e balança só os dedinhos
como adeus.
Observo-a ir, evitando a inspeção de seu pai o máximo que posso.
Quando viram o corredor, abro a boca, mas ele solta primeiro:
— Quero que fique longe das minhas filhas.
É tão grosso! Ele me pega tão desprevenida que, por um momento,
não sei o que dizer. Fala sério! Os olhos estão firmes e os lábios trancados em
uma linha fina. Franzo o cenho, confusa.
— Te fiz algo?
— Sabe bem o que fez. Aliás, o que está fazendo. Além do mais, não
preciso de um motivo para exigir que não se aproxime delas.
Entendo sua raiva imediatamente.
A reação de sua irmã na noite da festa, a forma como ele mesmo me
assistia quando Humberto nos apresentou e agora, vendo-nos de mãos unidas
quando chegou. Foi um gesto tão inocente que Beto não se preocupou nem de
fazer perto de Charlote. Porém, apenas pelo jeito desagradável como Marcus
me trata, eu não desmentirei suas acusações.
Ele que pense o que quiser.
Ademais, discutir com uma porta grossa como Marcus não me
interessa. Nem o encanto de seus olhos verdes podem me fazer tolerar seus
pré-julgamentos.
— Bem, isso será difícil se cada vez que estivermos no mesmo lugar
você as perder.
— Charlote está segura aqui dentro. Garanto que não estava perdida.
— Tampouco estava confortável!
— O que quer dizer?
— Que deveria tentar ser mais agradecido quando as pessoas te fazem
um favor, ou pelo menos cuide da sua filha ao invés de ficar paquerando
perto da menina!
Sem ouvir sua resposta ou lhe dar tempo de despejar uma, entro no
elevador e sinalizo para fechar as portas. Fito-o de queixo erguido. Posso ter
passado dos limites, mas quem começou foi ele. E, de qualquer jeito, não me
arrependo. Já passou da hora dos filhos de Humberto ouvirem umas
verdades!
(…)
Quando chego em casa, por volta das oito e quinze da noite, mal me
aguento nos saltos.
— Boa noite, Marina — deseja o motorista ao abrir a porta.
Toco seu ombro e dou-lhe um sorriso cansado.
— Até amanhã, Vicente. — Ouço a trava do portão, mas, antes de
entrar, eu o encaro. — Sua filha faz aniversário esta semana, não?
— Sim, senhorita. — Assente com um sorriso. — Fará nove anos.
— Que gracinha.
Cumprimento o novo porteiro na recepção e vou direto para o
elevador. Pego o celular para colocar um lembrete de comprar uma
lembrancinha para a menina.
O telefone toca quando estou prestes a guardá-lo na bolsa e ignoro ao
ver o número de minha mãe. Têm mensagens e notificações de e-mails e me
pergunto se será pior dormir até virar os olhos ou trabalhar e ir morrendo para
a Ferraz amanhã. Quando tenho esses dilemas, a vontade de largar tudo e ir
viver de alguma arte — não tenho talento para nenhuma — é forte demais.
Direciono os e-mails mais importantes para uma pasta de prioridade e
o restante marco como não lida, para ler e responder assim que pisar na
empresa. Mas, ao atualizar o aplicativo, mais cinco e-mails surgem. Suspiro e
me dou por vencida, bloqueando o celular e guardando-o na bolsa.
Estou quase chegando ao meu apartamento quando ouço um barulho
vindo do apartamento da frente e sorrio. Hoje é quarta-feira, dia que dona
Lacir e dona Giza se reúnem na casa de uma das duas para passar a tarde
juntas. Uma tem setenta e seis e a outra tem oitenta e três anos, mas são as
melhores amigas que já vi na vida. Nunca vejo uma sem a outra. Moramos
nós três neste andar e mais um cara que quase não aparece.
Quando me mudei, elas já estavam aqui há alguns anos e me
acolheram sem fazer perguntas. As duas me tratam como se fosse família.
Como sempre faço dia de quarta, dou uma batida na porta e espero
pacientemente que uma das duas venha atender. Andam bem devagar e sei
que discutiram para ver quem ia levantar do sofá. Elas cuidam uma da outra
carinhosamente, parecem irmãs. Encrencam-se, mas se divertem, e eu me
divirto de tabela.
Fito meus pés, que já começam a ficar vermelhos devido ao salto; este
é um dos mais desconfortáveis, porém, lindíssimo. Eu o uso pelo menos uma
vez ao mês só para justificar o valor que paguei, pois sei que, se usar mais do
que isso, meu tornozelo vai quebrar e meus dedos explodirão em agonia.
— Ah, minha fia! — Desta vez, é dona Lacir quem me recebe. Ela dá
um sorriso fofo. É gordinha e tem os braços curtos. Automaticamente, um
sorriso toma meu rosto quando me abraça.
— Oi, dona Lacir. — Seguro suas mãos. — Como a senhora está?
— Bem, minha linda. Vem, entre aqui. Giza fez pasteizinhos e tem
café fresco.
— Hoje eu estou super cansada, então vou precisar recusar o convite.
— Quem está aí, Lacir? — Ouço dona Giza perguntando, sua voz um
pouco distante.
— É a Marina, comadre!
— Mande-a entrar! Diz que tem pastel e café fresco!
Sorrio. Devo ser tachada como a mais esfomeada do prédio, mas é um
fato que as duas me convencem a fazer qualquer coisa quando falam de
comida.
— Vamos, menina — dona Lacir insiste. — Você é igual porco no
chiqueiro, come tudo o que te oferecem.
Desta vez, gargalho e cedo, seguindo-a para dentro.
— O que as senhoritas estão fazendo hoje? — pergunto.
Dona Giza sorri ao me ver e a impeço de levantar do sofá para me
cumprimentar. Inclino-me para abraçá-la e sento ao seu lado.
— Está passando uma reportagem que a gente queria ver hoje, né
Lacir?
— A gente viu, minha fia, mas achei uma porcaria.
O sotaque do interior das duas é bem carregado. Os cabelos brancos
de dona Giza contrastam com a pele negra e os de Lacir combinam com sua
pele branquinha.
— Se a senhora está dizendo, deve ser mesmo. — Dou risada e pego
um pastel. — Isso aqui é tão bom, dona Giza! A senhora tem as mãos
mágicas para cozinhar.
— Essa receita veio lá da roça, minha preta. Minha avó fazia, depois
minha mãe e agora eu faço também. Meus netos adoram.
Ela tem uma família grande, e os filhos a visitam de vez em quando.
Na minha opinião, não tanto quanto deveriam. Dona Lacir tem só um filho
que não mora mais com ela e o marido falecido a deixou uma fazenda no
interior de São Paulo.
— E você chegou mais tarde hoje, minha fia? — dona Lacir indaga.
— Estava com algum namorado?
Quase bufo. Namorados definitivamente estão longe da minha vida.
— Estava trabalhando. Às vezes, fico presa no escritório até tarde.
— E nesse trabalho você não conheceu nenhum homem direito para
casar ainda, menina? — Dona Giza é uma defensora ferrenha da família.
— Tenho tantas coisas para fazer lá que não penso muito em namorar
alguém da empresa. — Dou um gole no café. — Sem contar que misturar
trabalho e vida pessoal pode dar problemas futuros.
— Está certa, menina. Devem ser todos ricos. Eu espero muito que
você fique rica um dia, mas seja uma rica direita. — Dona Lacir aponta,
balançando um pastel no ar enquanto fala.
— Que rica direita, Lacir? — dona Giza observa.
— Rico que nasce rico já é chato, mas pobre quando enriquece é uma
merda. Fica metido, enjoado e um cu.
Caio na gargalhada e dona Giza balança a cabeça enquanto as duas
começam a discutir sobre gente rica e enjoada. Eu me ocupo de comer meus
pastéis e beber meu café, aproveitando a única diversão do meu dia com as
duas senhoras antes de ir para casa e voltar ao mundo real.
CAPÍTULO 4
Marina
"Se um dia eu pudesse ver
Meu passado inteiro
E fizesse parar de chover
Nos primeiros erros
Meu corpo viraria Sol
Minha mente viraria Sol
Mas só chove, chove..."
primeiros erros, capital inicial
Marcus
Minha paciência é testada diariamente. A cada vez que isso acontece,
lembro-me de como ela é curta a ponto de eu querer esmurrar qualquer coisa
à minha frente. Porém, faço o que todos esperam de mim: mantenho o
controle.
Nunca deixo nada ao acaso e não gosto de pontas soltas. Enfurece-me
pensar em alguém dizendo que Marcus Ferraz de Fontana não sabe o que
fazer, que está confuso, se perdeu ou descontrolou, por isso, nunca deixo que
isso aconteça. Estou sempre no domínio de mim mesmo e de qualquer
situação que aconteça ao meu redor.
— Devemos pagar — Alfredo me incentiva. O advogado parece uma
mosca irritante pendurado no meu ouvido, dando opiniões burras que não
estou pedindo e falando sem ser questionado.
— Não devemos fazer nada.
— Marcus… — Ele engole em seco, provavelmente pensando em
como falar comigo sem parecer estar me dando ordens. — Trabalho com o
seu pai há alguns anos e já vi muito disso, sei que esse tipo de situação só se
resolve de uma forma: pagando o que eles querem.
Fito-o com meu habitual olhar entediado e severo.
— Você trabalha para o meu pai, não com ele. Eu já vi situações
assim também e não paguei, então, não irei pagar novamente.
Alfredo retira seu óculos de grau, limpando na camisa amassada, e
limpa o suor da testa, olhando-me com desespero.
— Eles vão caçar a empresa. Vão fechar a Ferraz, já estou até vendo.
Sorrio com suas palavras ridículas.
— A Império Ferraz de Fontana não é um puteiro de beira de estrada
que eles fecham se o cafetão não pagar a propina. Se alguém ousar me enviar
mais uma convocação dessas, vou atrás de quem assinou.
Amasso o papel e jogo aos pés do advogado. Volto minha atenção à
tela do computador.
Saio de casa sempre ciente de que terei um dia cheio, mas hoje não
imaginava o quanto até dar de cara com minha secretária entregando-me uma
multa do governo pelos prejuízos causados com a apreensão de alguns
homens trabalhando sem autorização e registro no Pará. Os bilhões de reais
que minha empresa paga a eles são mais do que suficientes para encher o
bolso de cada um que recebe uma fatia e os filhos da puta ainda dão um jeito
de arrancar mais.
— Nós acabamos, Alfredo.
— Marcus, acho que devemos falar com o seu pai.
— Fique à vontade para ir até lá e contar tudo nos mínimos detalhes,
mas avise que, se qualquer quantia acima de cem mil sair da empresa, vou
tomar providências contra você e contra ele também.
— Você não processaria seu pai!
Dou-lhe um sorriso torto, cínico.
— Me teste.
Uma batida na porta nos interrompe e fito Andréa, minha secretária.
— Senhor Fontana, precisa de algo? Estou saindo para o almoço.
— Preciso que ligue para Christopher e mande um e-mail informando
sobre essa carta. Ligue também para o meu advogado de confiança e diga a
ele para vir até aqui o mais rápido possível.
Ela assente para cada palavra.
— Peço o seu almoço?
— Não. Acompanhe Alfredo até o elevador e, depois de fazer o que
pedi, pode ir almoçar.
Sei que a atrasei por pelo menos quarenta minutos, mas ela é muito
bem paga para atender às minhas necessidades. Sei que, se dependesse dela,
faria até mais do que isso, mas enquanto fizer seu trabalho bem, vou lidar
com seus olhares de cobiça e desejo.
Quando ambos saem, não me permito parar. Ignoro todas as ligações
e analiso contratos antes que o advogado possa finalizar tudo. Vinte minutos
passam até que Andréa entre novamente. Por sua expressão e inquietude, sei
que está insegura de abordar o assunto, seja lá qual seja.
— O que foi? — pergunto, desviando o olhar dela e voltando ao
computador.
— Senhor Fontana, ligaram da mansão de seus pais.
Meus dedos congelam no teclado e eu a fito, já pegando meu celular e
mandando uma mensagem rápida para Fábio. Heloísa havia avisado que
buscaria Elora e Charlote na escola e passaria o dia com elas na mansão.
— Disseram alguma coisa? Quem ligou? — indago, saindo da sala, e
ela me segue.
— A governanta disse que a senhora Fontana recebeu uma
encomenda e surtou. Está chorando e assustando as meninas.
Entro no elevador e fito a ruiva à minha frente.
— Não diga uma palavra sobre isso a ninguém e termine de fazer o
que eu mandei.
Estou furioso com a ousadia da governanta, que, assim que eu chegar
à mansão, será dispensada. O mínimo que deveria ter feito era pedir que
Andréa passasse a ligação para mim, não sair fofocando assuntos pessoais
que acontecem lá dentro com qualquer um por telefone. Para isso os nossos
empregados assinam um termo rigoroso de responsabilidade e
confidencialidade.
Já posso imaginar a história vazando e minha mãe sendo tachada
como louca nas colunas sociais; lugares em que ela mais tem cuidado para ser
adorada e reverenciada. A alta sociedade carioca é especialista em ser fina
por fora, mas sabe ser podre por dentro.
Fábio me espera com o carro ligado na entrada do prédio e logo
seguimos para o Leblon.
Eu prefiro trabalhar no escritório menor em Botafogo do que na sede,
no Centro. Na realidade, costumo ir lá raramente. Isso dá ao meu pai uma
sensação de poder que ele não tem mais e me deixa uma margem maior de
descrição para trabalhar. A parte bonita do trabalho fica com ele, ser o dono
de um império, mas quem mantém toda a coisa de pé sou eu. Christopher e
Nina têm parte nisso, porém, nenhum dos dois gosta de mexer com os lados
obscuros de nossa herança. Lado esse que eu criei quando me recusei a abrir
mão de ser o único no comando do nosso poder.
Tento ligar no telefone da casa pela terceira vez, mas novamente
chama até cair na caixa postal.
— Eles pagam dez funcionários naquela casa e nenhum incompetente
atende a porra do telefone! — rosno.
Fábio me encara pelo retrovisor, mas não diz nada. É um pouco mais
novo do que eu, talvez três ou quatro anos, mas foi de longe o melhor
motorista que tive. Eu o escolhi como meu segurança quando dei uma
atenção maior ao currículo, vendo que foi do exército durante anos e tem uma
longa experiência em empresas do setor de segurança privada. Contratei-o
como um teste para se juntar à equipe de segurança da família, mas ele teve
um destaque maior por quase não falar e, principalmente, por parecer
entender cada maldita coisa que penso sem que eu precise explicar quinze
vezes.
— Algum problema, senhor?
— Heloísa recebeu alguma encomenda na mansão e parece ter ficado
desestabilizada.
— Elora e Charlote estão com elas hoje, certo?
— Sim.
Isso é o que mais me preocupa. O que tinha no maldito pacote?
Fábio pega o telefone, mantendo os olhos atentos ao trânsito, e não
me preocupo com isso, afinal, o cara é um piloto de primeira. Depois de
alguns minutos, ele deixa o aparelho no banco do carona e me fita pelo
retrovisor rapidamente.
— O pacote estava limpo, senhor. O que quer que tivesse lá dentro,
não machucou as meninas e nem a senhora Fontana. Pelo menos não
fisicamente.
Dou um aceno curto e decido dar um aumento ao homem, porque ele
tirou pelo menos um pouco da minha preocupação.
(…)
Mal passamos pelos portões da mansão e já estou segurando a
maçaneta da porta. Pulo do carro assim que Fábio estaciona em frente e vejo
alguns funcionários na varanda. A porta está fechada e, ao chegar mais perto,
percebo mais alguns em outro canto.
— O que está acontecendo aqui?
Posso jurar que cada um empalidece ao me ver. Minha fama me
procede. É a primeira vez que eu falo diretamente com alguns deles.
— Se-senhor Fontana… — A governanta é a única a vir um passo a
frente, segurando o avental. — Ainda bem que chegou.
— Por que estão todos aqui fora como se estivessem no meio de um
passeio? São pagos para trabalhar!
— Dona Heloísa nos colocou para fora, patrão. Não sabíamos o que
fazer.
Suspiro e subo os poucos degraus até a porta. Eles saem do caminho
como se fugissem do diabo.
— E minhas filhas?
— No segundo andar assistindo um desenho.
— Sozinhas?
— Com a babá, senhor.
Entro e sigo pelo corredor, mas não demoro a ouvir um choro baixo e
alguém fungando — alguém não, minha mãe. Debato comigo mesmo sobre
passar reto por ela e ir ver minhas filhas, mas, ao entrar na sala de estar e
deparar-me com a cena, não posso evitar e vou direto para Heloísa.
— Ah não, Marcus! — choraminga. — Não deveria me ver assim!
Seguro seus braços finos, ajudando-a a se levantar do chão e a sentar
no sofá, e sento ao lado dela.
— O que aconteceu?
Minha voz é impaciente e ríspida. Se for algum drama, vou ficar
realmente irritado. Seu rosto está vermelho, os lábios trêmulos e as lágrimas
não param de cair.
— Não é na-nada. — Soluça e tenta levantar, mas a seguro no lugar.
— Interrompi meu dia porque pensei que estava machucada, que algo
grave tinha acontecido, então me diga o que houve.
Ela me fita insegura, com um lenço já todo molhado nas mãos.
— Não posso dizer — sussurra. — Se eu disser em voz alta, vai
tornar real e eu não estou pronta para admitir isso. De jeito nenhum!
Passo as mãos pelos cabelos.
— Heloísa, diga de uma vez!
— Não vou dizer, veja por si mesmo. — Ela aponta para onde estava
quando cheguei e olho na direção, vendo um envelope pardo no tapete creme
e algumas fotos espalhadas em cima.
Franzo o cenho e a olho novamente para garantir que não vai fugir.
Inclino-me e pego uma das fotos. Quando vejo o que é, não posso acreditar,
então pego outra. Ainda cético, pego mais uma e tenho minha confirmação.
— É horrível! — Minha mãe se lamenta, voltando a chorar em alto e
bom som. Sei que não está gritando apenas porque minhas filhas estão por
perto, mas se gritasse, eu a entenderia.
Reúno todas as fotografias e olho uma por uma, analisando cada
cenário, expressão e situação. Em todas elas vejo duas pessoas: meu pai e
Marina de Castro. Em restaurantes de mãos dadas, entrando e saindo de
hotéis, sorrisos apaixonados, toques íntimos, abraços e até mesmo ele saindo
de uma casa de classe média baixa e ela na porta, de roupão, fitando-o
enquanto ia embora.
As palavras de Nina me voltam com tudo ao mesmo tempo em que
Heloísa começa a passar mal. Seu choro é tão sofrido que chego a sentir por
ela. Não apenas raiva e indignação pelo desrespeito de Humberto e pela
atitude desprezível de Marina. Cínica e cara de pau! Colocando uma música
para os dois dançarem, abraçando minha mãe enquanto cravava uma faca em
suas costas. Os dois provavelmente davam risada da cara dela.
Ela toca meu ombro e encosta a testa em meu peito. Passo um braço
em volta dela e enfio as fotos no bolso interno do paletó.
— Por que ele fez isso comigo, Marcus? Por que, meu filho?
— Eu não sei, mãe.
— Sei que não sou mais bonita como ela e nem sou jovem, mas estive
ao lado dele nos momentos mais difíceis. Abri mão de tantas coisas por ele
— fala e soluça ao mesmo tempo. — E agora ele vai me deixar por uma…
uma… uma menina!
— Ele não vai deixá-la.
— Ela é mais jovem que Nina. Essa garota é mais nova que a sua
irmã!
Respiro profundamente.
— Acalme-se. Vou resolver tudo, não se preocupe.
— Você não pode resolver isso! — Ela balança a cabeça. — Não
pode curar esse buraco no meu coração. Viu a foto em que estão quase se
beijando? E aquela que estão dançando colados em um evento?
Sim, eu vi todas. Cada uma é mais repugnante que a outra.
— O que você quer que eu faça? — Seguro seu rosto e a olho no
fundo dos olhos, que são iguais aos meus.
— Não quero vê-la nunca mais — sussurra e segura minhas mãos. —
Se eu vir aquela menina outra vez, vou enlouquecer, Marcus. Sei que estou
pedindo muito. Você não deveria ter que consertar as burradas do seu pai,
mas…
— Não está me pedindo nada de mais.
Ela não sabe da metade das coisas que faço no meu dia a dia. Lidar
com uma interesseira que aparece eventualmente não é nada.
Heloísa tenta me dar um sorriso, mas sai triste. É o sorriso mais triste
que já vi em seu rosto e quero esmurrar Humberto por isso.
— Quem quer que tirou essas fotos tem cópias — verbaliza o que
pensei desde que vi tudo isso.
— Sim.
— E o que faremos?
— Não se preocupe com nada. Eu vou cuidar de tudo.
— Mas, Marcus…
— Eu vou falar com todos os veículos grandes de imprensa
pessoalmente. O seu nome não será manchado pela sujeira de Humberto.
— Mas e a menina?
— O que tem ela? — pergunto com frieza.
— O que… O que fará com ela? — A nota de receio na voz é clara.
Ela é minha mãe e espera o melhor de mim, mas não é ingênua sobre
quem eu sou. Só se faz de desentendida. A verdade é que, como esposa
traída, ela quer o pior para Marina de Castro, porém, não quer esse peso em
sua consciência.
— Vou mostrar a ela que há pessoas com quem não se deve mexer —
digo.
Isso é tudo o que ela precisa saber.
(…)
— Então, você vai comer ou não? — pergunta meu irmão quando me
encontra no escritório na mesma noite.
Proibi os funcionários de dizerem qualquer coisa sobre o
acontecimento do dia tanto a Humberto, quanto aos meus irmãos. Só que isso
não impediu Elora de ligar para o tio e dizer que vovó passou mal, assustando
ela e sua irmã. Christopher apareceu em minha casa no final da noite e ficou
com elas assistindo televisão enquanto eu trabalhava.
— Elas dormiram? — pergunto.
— Sim. Não mude de assunto. Vai comer?
— Comer o quê?
— Não é o que, é quem! Marina gostosa de Castro.
— Não, eu não vou fazer sexo com a garota.
Sem paciência para pensar no meu maior problema, não quero deixar
que a imagem da morena de lábios grossos e sexo na mesma frase comece a
vagar pela minha cabeça.
— Ah, para, Marcus. Vai dizer que não quer?
— Quantos anos faz que paramos de falar sobre nossas relações
sexuais?
— Não tenho certeza, mas acho que foi quando passei a comer mais
mulheres do que você. — Ele ri da própria piada. — Mas estou só
respeitando o código. Onde come um, só come outro se o primeiro deixar.
Suspiro.
— Não, Christopher, não pretendo. Fique à vontade.
— Me pergunto como papai ainda não teve um infarto. Viajar e passar
os dias com aquela delícia são emoções fortes demais para aquele pobre
coração.
— Christopher — repreendo e, pelo meu tom de voz, ele já sabe o que
vem. Abre aquele sorriso de quem adora ficar provocando até arrumar briga.
— Sim, irmão?
— Você pensa como a porra de um adolescente na puberdade. Se
Humberto está tendo um caso com a garota, Heloísa vai sair destruída dessa
história.
Ele fica quieto, olhando-me com as mãos cruzadas atrás da cabeça.
— Então realmente devo comer ela, assim vai largar o velho e prestar
atenção no novinho aqui.
Não respondo e volto a analisar meus papéis. Christopher pega o
celular, rindo de uma coisa ou outra.
O que não digo a ele é que comer Marina, em breve, será uma coisa
impossível tanto para ele quanto para o nosso pai.
CAPÍTULO 5
Marina
"Um jeito meigo de olhar
Um modo simples de falar
Cada marca no seu rosto
Conta a sua vida
Ninguém conhece o seu sofrer
Seus sonhos, segredos
Seus medos, desejos..."
floresce, rionegro & solimões
Esta noite irei para a casa ligeiramente mais leve, pois sei que resolvi
um problema grande e, por conta disso, minha família não será atingida.
Decisões estúpidas que Humberto tomou e consequências que eu precisei
lidar. Assisti Marina de Castro ir embora me sentindo vitorioso. Admito que
não a ver mais perambulando pelo Império será um alívio físico e foi mais
por isso do que por Heloísa que fiz o que fiz.
Sei que se ela continuasse trabalhando para mim, seria questão de dias
até que eu a tivesse curvada sob a minha mesa. Repugnância e tesão se
misturam quando eu penso nela, mas não posso deixar de sorrir quando a
imagino ligando para Humberto, exigindo que seu amante a envie dinheiro ou
até lhe devolva seu emprego. Uma pena para ela que desta vez meu pai não
terá tempo.
Suspiro com o quão clichê tudo isso parece.
— Humberto está com um número de telefone novo, mas apenas por
precaução garanta que o antigo seja bloqueado — digo a Daniel quando
terminamos nossa breve reunião sobre os prejuízos no Pará.
— Sim, senhor.
— Fique de olho nos e-mails dele também porque ela pode tentar
entrar em contato por lá.
— Você acha?
— É claro, o senso de justiça não a deixará. Vai tentar provar que é
inocente até que provem o contrário.
— E ela é. — A voz um pouco irritadiça me faz erguer a sobrancelha.
Eu quase sorrio.
Parece que não ter mais a morena para ficar batendo papo pelos
corredores está fervilhando um nervo nele. Outro estúpido que cai no
joguinho de qualquer boceta experiente.
— Isso importa? — pergunto, incisivo, meus olhos firmes nos seus.
Ele desvia e suspira, passando as mãos pelos cabelos.
— Olha, Marcus, concordei com tudo isso em consideração à sua
mãe, mas Marina trabalhou feito louca nesta empresa. Eu penso que…
— Pensa? — Franzo a testa. — Você não é pago para pensar, a não
ser que esteja pensando em números. Fora isso, seus conselhos e opiniões são
irrelevantes.
Ele franze os lábios, contrariado, e sei que quer me dar uma resposta à
altura. Eu bem que gostaria disso, de ser desafiado pelo menos uma vez na
vida, mas ao contrário disso, Daniel apenas assente.
— E sobre a carta de recomendação? Márcia não sabe o que fazer.
— Não existe carta de recomendação. Qualquer empresa que se preze
no Rio de Janeiro já está ciente que contratar Marina de Castro será virar as
costas para qualquer contato com minha família.
Dando um passo hesitante em minha direção, arregala os olhos.
— Marcus, ela nunca vai encontrar outro trabalho se você fizer isso.
Sirvo uma dose de grappa e viro de uma vez, sem encarar Daniel.
— E quem disse que essa não é a minha intenção?
(…)
— Papai! — É a primeira coisa que escuto quando abro a porta de
casa. Em seguida, ouço os pés batendo com força no piso de porcelanato. A
sala está escura, apenas o brilho da grande TV em cima da lareira ilumina o
ambiente. Sinto cheiro de doce no ar e sou atingido pela familiaridade e alívio
que sempre encontro quando volto todos os dias.
— Papai, papai! Lete, ele chegou! — Charlote grita, avisando a babá.
Sorrio para as duas pequeninas correndo em minha direção, uma com
pantufa de vaca e a outra com uma de porco. Ambas estão de rosa e
novamente apenas o corte do cabelo as diferencia.
— Oi, meu amor. — Elora é a primeira a pular em cima de mim. Sua
irmã vem logo em seguida, acrescentando mais dois braços em volta do meu
pescoço. Arregalo os olhos, fingindo que não estou aguentando seus pesos.
— O que Arlete está dando para vocês comerem, hein?
Elas dão risada e me abraçam mais forte.
— Comemos tisamiru!
— Tiramisù — corrijo o nome do doce italiano que tanto adoram.
— É! E depois a gente comeu de café da tarde um cia… ciabi…
— Ciabatta? — pergunto e aceno para Arlete, que se mantém
afastada timidamente.
— É!
— E como foi a aula de italiano?
Elas nasceram no Brasil, mas têm sangue da Itália. Morrem de
vontade de visitar o país, mas nunca encontro tempo para fazer essa viagem.
Desde pequenas, decretei a importância de aprender sobre suas outras raízes.
— A gente aprendeu a falar os números de quatro!
— Ah, é? Então, se eu pedir para contar de mil até mil e quinhentos,
vocês conseguem?
— Eu acho que já esqueci, papai — Elora confidencia.
— Sua irmã vai te ajudar a lembrar.
— Vou sim, Elo. — Charlote abraça a irmã antes de voltar a atenção a
mim. — A prô disse que quer te ver, papai.
— É mesmo? Onde estão as agendas de vocês?
Charlote corre para o sofá, onde as bolsas estão.
— Papai — Elora sussurra. Acaricio os cabelos castanhos e depois
sua bochecha.
— O que foi, amor?
— Não quero mais ir para a escola.
— Mas precisa, filha. Você não quer ser inteligente como a tia Nina?
Ela encolhe os ombros.
— Não vou conseguir.
— Você ainda é muito pequena, Elora. Você e sua irmã ainda vão
aprender muitas coisas e serão mais inteligentes que a tia Nina, mas precisa ir
à escola.
Ela coloca as mãos no meu rosto e sorri, mostrando o dente da frente,
que começa a ficar mole.
— Ainda somos dois brotinhos, né?
Fecho a cara na hora e me controlo para não mandar que Arlete
coloque as duas na cama. Para piorar, Charlote estava perto e ouviu. Seus
olhos brilham imediatamente.
— Papai, eu quero ver a tia Malina! Ela pode vim aqui?
— Aquela moça não é tia de vocês — falo o mais gentilmente que
consigo.
Escuto Arlete organizando algumas bagunças pela sala, fingindo que
está ocupada com algo enquanto estou com as meninas.
— Mas ela deu um anel pra gente, papai — Elora reclama, afastando-
se um pouco e ficando ao lado da irmã.
— A gente quer ver a tia Malina, Maicus!
— Já disse para não me chamar assim, Charlote!
Ela encolhe os ombros em um gesto de “não estou nem aí”. O gênio
dessa garota é uma coisa de outro mundo e com certeza não bate com a idade
que tem.
— Eu quero ela na nossa festa — Elora continua insistindo e cruza os
braços. — Na nossa festa que vai ter no outro dia.
— Parem com isso agora. — Minha voz desta vez é severa e
instantaneamente os bicos são formados.
Como pode duas pessoas que não têm nem tamanho direito ficarem
tão irritadiças? Nina está mimando-as demais e Heloísa nem se fala. Sem
contar que não há nenhuma possibilidade de Marina ser convidada para o
aniversário de cinco anos das duas. Aliás, é bom que a esqueçam rápido, já
que nunca mais vão ver a mulher.
— Nossa, Maicus, você só vai chamar aquela mulher que fica te
paquelando no prédio do vovô — Charlote diz, completamente irritada, vira
as costas e sai batendo o pé como se fosse adulta.
Estou de boca aberta, tentado a gritar e esbravejar com as duas como
faço com os funcionários que me tiram do sério. Elora segue a irmã, mas vira
algumas vezes para me fitar e lançar um olhar bravo. Junta as sobrancelhas e
aperta a boca como se estivesse me repreendendo.
São nestes momentos que fecho os olhos e respiro profundamente,
lembrando-me de que são fases. Elas estão crescendo e os humores são
inconstantes. Hora feliz, hora triste.
— Senhor… — Ouço Arlete chamar e a encaro. — Precisa de algo?
— Grappa — murmuro. — Depois pode colocá-las para dormir.
Ela pega a bebida e fica parada, encarando-me e mexendo nos dedos
nervosamente.
— O quê? — pergunto de uma vez.
— É que Elora disse que o senhor prometeu contar uma história hoje
antes de dormirem.
Suspiro, lembrando-me de quanto trabalho me espera no escritório a
algumas portas de distância.
— Elas não vão se lembrar disso. Diga que vou contar amanhã.
— Amanhã elas vão dormir na casa da dona Heloísa, senhor.
— Então não diga nada! — vocifero, irritado com o quão engajada em
me questionar ela está hoje. — Leia a maldita história até que caiam no sono.
— Sim, senhor.
Ela continua parada, encarando-me com aquela expressão
amedrontada. Quase reviro os olhos.
— Isso é tudo, Arlete.
Quando ela sai, agracio-me do silêncio do andar de baixo. Fecho as
cortinas das duas portas da varanda com vista para a área mais luxuosa do
Leblon e sento-me no sofá. Fito as paredes cinzas pela borda do copo, os
poucos retratos espalhados e alguns desenhos que as meninas gostam de
pendurar pela parede. Um deles foi o primeiro que fizeram na escola. Como
foi o dia dos pais, a professora propôs que as duas se unissem para desenhar
algo especial para mim. Com quase três anos, elas desenharam um palito que
ocupava quase a folha toda e duas bolinhas, uma de cada lado dele.
Hoje em dia, os desenhos são mais avançados.
“Papai é meu herói”, “Papai é meu maior amor”, “Papai, nós te
amamos” são apenas algumas das frases que povoam a parede dos desenhos.
Ninguém, além de meus pais e irmãos, costuma me visitar. Este é meu
lugar de paz e refúgio. É onde posso sentar no sofá largado e encher a cara de
conhaque, grappa ou uísque. Onde tiro o terno, abro os botões da camisa,
arregaço as mangas e coloco uma música para tocar bem baixo.
Aqui, não preciso ameaçar ninguém, gritar ou exercer esforços para
me controlar.
Pergunto-me o que as duas garotinhas no andar de cima pensariam do
homem que veem como seu herói.
Minha consciência não está pesada, não me arrependo e nem voltarei
atrás no que fiz, mas conforme a garrafa de grappa vai se esvaziando como
se fosse água, uma imagem clara se forma em minha mente.
Uma morena de olhos verdes e lábios vermelhos me encara de volta.
CAPÍTULO 10
Marina
“A dor do amor só dói quando é verdadeira.”
Nana Simons
Marina
Marcus
Marina
Não sou uma garotinha inocente e nem uma cínica que faria qualquer
coisa por uma noite na cama de Marcus Ferraz de Fontana. Seu pênis não é
de ouro e, mesmo se fosse, eu preferiria passar fome do que depender dele
para ter minha próxima refeição.
Sinto raiva dele. Dele, de mim e de não ter pesquisado mais a fundo
os donos desta maldita festa. Servimos em tantas que nem me importei. Não
me interessa quem vai comer minha comida, contanto que não faça uma
reclamação e eu seja dispensada. Meus horários de sono estão uma bagunça e
sinto dores no corpo que não tinha antes, porém, não tenho outra opção.
Mesmo com minha experiência, nenhum escritório me contratou. Todas as
entrevistas foram em vão. Por enquanto, o buffet quebra um galho, um que eu
realmente gosto mais a cada dia, mas eu nunca esperei ver Marcus Ferraz de
Fontana em uma dessas recepções.
Menos ainda servir na festa de suas filhas.
— Nunca mais encoste em mim, seu desgraçado! — murmuro quando
termino o último botão, em pânico com a possibilidade de que Charlote possa
presenciar essa cena. Sei o quanto ela odeia mulheres que ficam perto de seu
pai, afinal, ela mesma me confidenciou. A última coisa que preciso é de uma
criança com seus recém cinco anos completados me odiando.
Ele ainda me olha, quieto e imperturbado. Como se não tivesse
acabado de me agarrar e falar tantas baixarias em meu ouvido. Os olhos de
diamante estão cravados em meu rosto enquanto estampa um sorriso fechado
e sensual.
Abre a boca, prestes a dizer algo, mas Charlote invade o cômodo.
Vem correndo com uma bexiga amarrada em uma cordinha rosa e os cabelos
já esvoaçando de uma trança frouxa.
— Papai! Papa… — Ela me vê e abre a boca em surpresa. Os
olhinhos brilham e me sinto culpada. — Malina? Malina, você veio!
Solta a bexiga e, sem que eu espere, a garotinha corre para me
abraçar.
Marcus tenta pará-la no caminho, mas ela vem com uma rapidez
impressionante. Ainda bem que estou apoiada na parede ou teria cambaleado
com o impacto de seu corpinho em mim. Ela me abraça na altura das coxas,
onde alcança, e olha para cima, sorridente.
— Olá, brotinho — digo suavemente. Não consigo fingir que não
sinto nada.
Ouvi falar dessa menina durante anos e me apaixonei por ela e por sua
irmã ouvindo as histórias de Humberto sobre as netinhas.
— Você convidou a tia Malina, papai?
Ele franze a testa, dando-me um olhar mortal.
— Vim dar um beijinho em você e em sua irmã, mas preciso ir
embora agora.
Charlote faz um bico, segurando a barra da minha saia.
— Mas por quê? Você não quer ficar com a gente? — Ela olha seu
pai, como se pedisse ajuda, e um segundo depois se volta para mim. — Mas
Erora nem está aqui!
— Você pode entregar meu beijo a ela, o que acha? — Sorrio,
acariciando seus cabelos. — Queria vê-la, mas…
— Eu vou buscar Erora e já volto! Fica aqui, Malina! — Aponta para
o chão, explicando onde devo ficar exatamente, e corre para fora.
É o tempo de Charlote sair para Marcus estar em cima de mim
novamente, mas desta vez não há provocações ou tesão, ele é firme nas
palavras ácidas.
— Minhas filhas estão fora dos limites. Isso aqui… — ele balança a
mão entre nós dois — não as envolve. Eu já disse que não te quero perto
delas.
Rio sem humor e balanço a cabeça em descrença por sua arrogância.
— Isso? Não há “isso”. — Imito o gesto de mãos. — Você não pode
me humilhar e pensar que está tudo bem me segurar, tocar em mim ou até
me… me…
— Excitar? — provoca.
— Me beijar contra a minha vontade todas as vezes que nos
esbarremos. Você gostando ou não, moramos na mesma cidade e eu não vou
me mudar!
— Contra a sua vontade? — Ele me prende entre seus braços e a
parede. — Não me faça levantar sua saia e puxar essa calcinha toda melada
para o lado, Marina, apenas para provar que não há nada acontecendo contra
a sua vontade aqui. Sei bem o tipo de mulher que você é e adoro isso, mas
joguinhos não funcionam comigo e certamente não vai ganhar usando as
minhas filhas.
Não tenho a chance de responder, pois ele se afasta novamente ao
ouvirmos passos rápidos e pesados. As duas pequeninas entram respirando
com força, sinal de que abusaram do corpinho para chegar até mim.
— Parem de correr. Onde está Arlete? — Marcus inquire.
Incomodo-me com sua atitude fria mesmo na festa de aniversário das
duas. Só tinha o visto ser carinhoso quando as perdeu, mas logo que o alívio
chegou, tornou-se distante. É como se ser visto dando amor às duas
criaturinhas que colocou no mundo fosse um pecado.
Elora para no comando de seu pai, mas Charlote finge que não o
ouviu.
— Olhe, Elô! — Charlote aponta para mim e corre para segurar
minha mão. — Eu disse que era a Malina!
Elora fita seu pai, depois sua irmã e depois a mim. Mexe as
mãozinhas nervosamente e me dá um sorriso pequeno.
— Olá, tia Malina.
A voz fina e suave a diferencia de Charlote.
— Oi, menina bonita. — Sorrio para ela, mas não me aproximo. —
Vocês têm uma festa muito legal acontecendo hoje.
— Obigada. — A pequena me dá um sorriso maior. — A gente tá
fazendo cinco anos de aniversário de vida.
Dou risada de sua explicação. Elora parece mais suave que sua irmã, é
tímida e delicada. Charlote é mais puxada para o lado do humor, toda
engraçadinha, tagarela e sorridente. Tão pequenas, mas já mostram
personalidades marcantes e diferentes uma da outra.
— Uau… Cinco anos de aniversário de vida é muito maneiro!
— Eu disse pro papai que queria tudo rosa, mas a Elo queria
vermelho — Charlote começa a contar. — Daí eu gostei mais do amarelo e a
Elô falou que podia ser rosa, mas eu não queria mais o rosa, queria o
amarelo.
— E o que decidiram?
Ela conta tudo com uma expressão séria, então me esforço para não
rir.
— Ah… — Dá de ombros. — A gente deixou corolido mesmo.
— Colorido — corrijo suavemente. Nesse meio tempo, quase me
esqueço de Marcus ali, de pé, observando-nos como um falcão, garantindo
que eu não farei nada com suas filhas. A ideia é absurda, mas vai saber o que
se passa na cabeça desse homem.
— Ela fez igual o papai agora. — Charlote ri, contando a Elora.
— Fiz o quê?
— Ensinou a falar direito quando falei errado.
— Isso é coisa de pai — Elora conclui e se aproxima. Seus olhos
estão fixos em mim com uma curiosidade nova. — Você é pai, tia Malina?
— Não né, Elo! — Charlote pega a mão da irmã e a encara de perto
como se fosse explicar algo muito sério. — A Malina é menina igual a gente,
então ela é uma mãe, não um pai.
Elora fica mais curiosa ainda.
— Você é uma mãe? — sussurra. — Cadê o seu bebê?
OK, isso definitivamente foge do rumo.
— Já chega. Vão lá fora brincar agora.
Charlote encara o pai e finca os punhos na cintura. Arregalo os olhos
com a ousadia da pessoa minúscula diante desse homem enorme.
— Para com isso, Maicus. Malina é a convidada — aponta, dando
ênfase em sua ideia.
Ele franze o cenho e, pela primeira vez, vejo Marcus Ferraz de
Fontana sem reação. Duas garotinhas simplesmente o tiraram do eixo, do seu
tão amado controle.
— Marina é uma empregada e ela tem que trabalhar. Vocês vão lá
para fora. Agora.
Elora me encara por mais alguns minutos e sei apenas olhando nos
olhinhos claros que ela quer dizer algo, mas seu pai dá mais uma ordem e ela
pula no lugar, arregalando os olhos enquanto corre para fora. Charlote bate de
frente com ele, com as mãos na cintura, as bochechas vermelhas e gorduchas,
porém, para ao ver que sua irmã se foi, ela corre atrás dela.
Ver uma assustada e a outra correndo para acalmá-la me irrita. O que
esse imbecil pensa que está fazendo? São só duas garotinhas!
— Você não pode falar assim com elas, que merda está pensando?
Ele finaliza nossa distância com passos determinados e aponta o dedo
em meu rosto.
— Não abra a boca para falar sobre como eu as crio. Sou o pai delas.
Bato em sua mão.
— Um pai que, quando não sabe como lidar com elas, grita e as
manda para longe. É assim que lida com as duas? É por isso que Elora se
assusta ao ouvir sua voz?
— Cale a boca — exige, mas não me importo.
— Belo pai você é. Critica tanto Humberto, mas ele pelo menos criou
os três filhos sem qualquer tipo de violência.
Ele estreita ligeiramente os olhos diante das minhas palavras. O rosto
se fecha completamente. Ergue o braço direito e, por um segundo, penso que
vai me atacar e me retraio, mas ele segura meu rosto, a mão fechando em
uma concha em meu queixo. O que me assusta mesmo é a suavidade da voz.
— Você entende tão bem do Humberto, não é? Conhece meu pai tão
bem… Mas eu não sou ele, cordeirinho. Siga um conselho que não costumo
dar para muitos… Não me teste. Não se intrometa em assuntos que não são
seus, menos ainda se for falar de Elora e Charlote. Se você ousar…
— Marcus! — Viramos ambos para ver Nina entrando na sala. Ela
olha de um para o outro e por fim se aproxima, tocando o braço dele, que
ainda me mantém em um aperto firme. Não machuca e sinto que se tentar
sair, consigo, mas de alguma forma ele me prende ali. — O que está fazendo?
Solte-a!
Ele pisca algumas vezes enquanto a encara, então me solta e se afasta,
virando de costas.
— Saia daqui. — A voz é grave e rouca desta vez.
Sei que está falando comigo. Fito Nina, confusa com sua atitude.
— Vá, Marina — ela diz por fim, olhando as costas de seu irmão.
Não perco tempo. Sentindo o toque áspero de sua pele em meu rosto,
volto à cozinha e peço para sair. Aliviada, descubro que só preciso ficar mais
quarenta minutos.
Passo cada um deles olhando o relógio e implorando que nenhum
deles passe pela porta que me mantém segura.
Marcus
Marcus
É muito fácil responder a pergunta. Já não quero mais vingança, nem
que pague pelo sofrimento que causou a Heloísa. Até porque, sendo bem
honesto, não me importo. O que quero é… ela. Quero que meu desejo que
pega fogo seja saciado, que essa inquietação quando estou perto dela vá
embora de vez. Sei que há apenas uma maneira de que isso aconteça.
Quero você. Na minha cama, no Palace, até mesmo nos fundos desse
bistrô. E quero dizer isso, mas reprimo as palavras.
— Quero conhecê-la.
Ela vira o rosto com tudo, encarando-me com olhos confusos. Há uma
fragilidade ali que me dá certo sabor do que está por vir. Ela não será difícil.
Passar por essa barreira do “você me humilhou” será a parte mais
complicada. Mas, depois disso, tenho certeza de que a vontade que nos rodeia
cega tanto a mim quanto a ela.
O meu problema é que, quando quero algo, só consigo pensar nisso.
Incomoda-me que nunca foi assim. Nunca me descontrolei por uma mulher a
ponto de segui-la até um bistrô de média qualidade e insistir que ficasse
apenas para tomar um café comigo. Não quero o café. Eu a quero. Se fosse
possível, servida nessa mesa.
Levará um tempo, pois terei que passar pelas etapas.
Fito os lábios que estão me fazendo perder a concentração nas
reuniões e decido que farei o que precisar para saciar essa gana. Já não existe
mais Humberto, nem Heloísa, muito menos o Império Ferraz. Só ela, essa
boquinha vermelha e eu.
— Não quer me conhecer, quer transar comigo porque eu te disse
não.
Rio de sua sinceridade e me surpreendo ao notar que eu ri de verdade,
com vontade.
— Bem, é verdade, mas não é apenas isso.
— Você deveria me deixar em paz, Marcus. Ir embora e me deixar em
paz de vez! — A voz treme, assim como o lábio inferior. Para me impedir de
ver, ela crava os dentes nele e passa a pontinha da língua depois.
Respiro profundamente, louco de vontade de eu mesmo morder essa
boca. Fito seus olhos.
— O que aconteceu no Império ficou para trás.
— Porque não foi com você. É muito fácil dizer que ficou para trás.
Acha que vou me esquecer de tudo o que me disse desde que me viu com sua
filha a segunda vez? — Estreita os olhos.
— Eu queria você.
— E por isso me destratou?
— Estava sendo pressionado de todos os lados. Minhas filhas,
Humberto, minha mãe com problemas que ela acha que são graves. Coisas da
empresa. Você se lembra de que isso foi bem quando tudo explodiu de uma
vez? A situação com a polícia na mina do Pará e o departamento ferrando o
contrato com a Austrália?
— Sim — sussurra, abaixando a cabeça. — Eu lembro.
— Sou assim, Marina — justifico com a voz calma e seguro seu
queixo, trazendo os olhos claros de volta para mim. — Falo merda e faço
mais merda ainda, mas sou sincero quando digo que sinto muito pelas coisas
que te disse. Quero uma chance.
Ela inspira fundo e tenta virar o rosto, resistir, mas mantenho
segurando a atenção dela em mim.
— Eu… É coisa demais. Até essa manhã eu odiava você. Ainda
odeio. — Rapidamente se corrige.
— Ódio e amor caminham lado a lado — brinco, sabendo que amor
jamais estará envolvido no que acontecerá entre nós.
Sorrio e ela me olha como se admirasse um céu cheio de estrelas. Há
uma infinidade de conflitos nesses olhos, eles são expressivos demais. Ela
nunca poderá esconder algo de mim.
Tão bonita. Marina é fodidamente linda. Cheirosa e linda.
Sorte a minha que, em pouco tempo, eu a terei para mim enquanto
desfrutar da sua companhia.
— Nossa comida chegou — sussurra, olhando para longe.
O rapaz serve, mas não faço nenhum esforço para me afastar. Ela está
nervosa. Mexe na colher, adoça a bebida, corta o pão. Em cada movimento,
vejo como morde os lábios e como as mãos tremem, mesmo que tente
disfarçar.
— Deixe comigo — digo e pego a faca, empurrando o brioche e
pegando o pão italiano no lugar. — Se vamos dividir nossa primeira refeição,
então que seja o melhor tipo de pão.
Isso resulta em um sorriso pequeno no canto do lábio.
— Convencido.
— Todo mundo sabe que a Itália faz os melhores pães. Assim como
massa, pizza, vinhos e o principal.
Ela me olha, curiosa.
— Qual é o principal?
— Homens.
Marina
Homens.
Bem, mentira não é. Italianos têm um quê a mais, uma coisa que não
se explica. Ou é apenas ele? Não sei. Só sei que essa simples conversa antes
do café da manhã está me fazendo ter os sentimentos mais confusos que já
experimentei na vida.
Vontade de dizer “sim, faça o que quiser comigo” e ao mesmo tempo
“não, nunca vou ter nada com alguém como você”. As duas respostas lutam
uma batalha ferrenha, por isso não respondo nada. Tomo meu café como se o
homem mais lindo, arrogante e prepotente que já conheci na vida não
estivesse ao meu lado. Como Marcus consegue deixar tudo para trás? É claro,
nada foi com ele. Sua vida continua exatamente do jeitinho que estava seis
meses atrás e como estará daqui um ano.
Ele nunca foi afetado e dificilmente será.
Não quero sentir coisas, nem falar nada que me arrependa depois. Por
isso, como em silêncio e ele me acompanha só bebendo o café puro que pediu
para si mesmo. Sinto seu olhar em mim durante o tempo que ficamos aqui.
Quando termino de comer, ele joga uma nota de cem na mesa. É três
vezes mais do que gastamos, mas obviamente dinheiro não é problema para
que fique deixando por aí.
— Eu vou pagar meu café.
— Não há nenhuma possibilidade de você pagar alguma coisa quando
estiver comigo. Nem gaste saliva discutindo.
Suspiro e assinto, mesmo não concordando. Não tenho nenhuma
disposição de entrar em mais uma discussão com ele agora. Na verdade, tudo
o que preciso é estar o mais longe possível.
— Preciso ir. Tenho algumas coisas do trabalho para organizar —
minto.
Não sei se ele percebe, mas assente.
— Claro, também vou ao escritório.
Ficamos os dois sentados, olhando um para o outro. Ninguém toma a
iniciativa de sair.
— Então, tchau — falo.
Ele sorri e, antes que eu possa fazer qualquer outra coisa, envolve
meu pescoço em uma mão e traz os lábios aos meus. O aperto é firme o
suficiente para que eu não escape nem que eu queira, mas vergonhosamente
percebo que não quero. Não é um beijo extravagante como o que ele me deu
na mansão no dia da festa. É leve, só um toque, mas me deixa ardendo como
se tivesse ateado fogo em cada pedaço do meu corpo.
— Até breve, cordeirinho — sussurra e acaricia minha nuca com o
polegar uma última vez antes de levantar.
Assisto-o sair do bistrô e entrar em um carro preto do outro lado da
rua. Simples assim, qualquer vestígio de Marcus Ferraz de Fontana vai
embora. Menos o cheiro, que fica e me rodeia cada vez que respiro.
CAPÍTULO 16
Marcus
"Esse coração
Não consegue se conter ao ouvir tua voz
Fazer silhuetas de amor à luz da lua
Saciar esta loucura
Dentro de ti..."
borbulhas de amor (quem dera)
— Venha até a minha sala — digo a Marcela assim que passo pela
recepção e vejo que está sozinha.
Não paro, mas nem preciso. Imediatamente ouço seus saltos
praticamente correndo atrás de mim. Sirvo eu mesmo uma dose dupla de
conhaque e abro as cortinas da enorme janela de vidro do chão ao teto. A
claridade invade o espaço e o cheiro do mar se infiltra imediatamente.
— Senhor?
Bebo ainda de costas, observando as ruas e os enormes prédios lá
fora. Imagino quantos homens assim como eu estão no meio de um dilema.
— O que você mais quer nesta vida, Marcela?
— Hã… — gagueja, confusa. — Não acho que entendi, senhor.
Encaro-a, deixando meu copo na mesa e pegando outro. Sirvo uma
dose e seguro.
— Dinheiro, carros, propriedades, viajar e gastar pelo mundo todo. O
que é? Se pudesse ter qualquer coisa agora, o que seria?
Ela me olha pensativa, como se contemplasse o que eu disse e
refletisse muito antes de responder, tentando mais uma vez me impressionar.
— Quero ser bem-sucedida. Ter uma carreira de sucesso.
— Uma carreira? — Estou surpreso. Eu a imaginei pedindo algo mais
fútil. — Podemos dar um jeito. Vou te dar o cargo que quiser aqui dentro.
Boquiaberta, ela franze o cenho. Está chocada demais para dizer
qualquer coisa.
— Perdão, senhor, mas está se sentindo bem?
— Perfeitamente bem. Quero sua ajuda, Marcela. Preciso de certas…
informações que creio que apenas você pode me dar.
— Não sei como… — Cruza os braços. — Mas com certeza estou
disposta a ouvir a oferta.
Sorrio como um leão que acaba de agarrar o pescoço de uma zebra e
ofereço o copo a ela, que aceita de prontidão.
— Ótimo. — Dou a volta na mesa e sento, cruzando as mãos no colo
enquanto a encaro com seriedade. — Quero saber tudo e mais um pouco
sobre Marina de Castro.
As sobrancelhas escuras sobem e os olhos se arregalam de
incredulidade, creio eu. Sei o risco que estou correndo ao oferecer tal coisa,
sei que isso poderia se virar contra mim a qualquer momento, mas existem
muitas formas de garantir que nosso acordo nunca saia desta sala caso seja
realmente arranjado.
— Marina? Mas…
— É pegar ou largar.
Ela pensa, senta à minha frente e encara o lado de fora da janela. Bebe
o conhaque e bate o copo na mesa.
— Quero a gerência de um dos departamentos. Estudei muito para
isso e sou mais do que capaz.
— A gerência? — Sorrio, cínico.
A filha da mãe não brinca em serviço. Sabe que a diretoria está fora
de questão e mira no mais próximo que pode ter disso.
— Valerá a pena.
— Eu espero que sim, caso contrário…
Não termino a frase. Ela engole em seco, pois me conhece e sabe que
o que dizem sobre mim não é exagero.
— Farei o que quiser. Eu menti quando disse que não era amiga dela.
E, se tiver algo que eu mesma não saiba, vou descobrir. Mas que mal me
pergunte… Por que o interesse?
— Isso não vem ao caso para você. Não está em discussão. Sinta-se
grata que vai subir vários degraus de mão beijada.
Contendo um sorriso, ela ergue as mãos e assente.
— Entendido. Então, quando começo?
Levo uns segundos observando-a, pensando sobre o que estou prestes
a fazer, mas não me prendo muito em pensar nos detalhes. O que quer que
aconteça, posso lidar depois, porém, não há possibilidade das coisas saírem
do meu controle. Dominar Marcela nunca foi um problema quando eu mal
me esforçava para isso, imagine agora que precisarei manter as rédeas.
— Você nunca me enganou, Marcela — divago enquanto a observo.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que conheço as pessoas. Vejo através delas. Você é
parecida comigo. Essa fachada de mulher responsável, prestativa, tudo isso é
balela. Eu não me importo com isso, pelo menos não enquanto você cumprir
nosso acordo nos meus termos.
Ela sorri. Os lábios que eu bem conheço desenhados em um rosa
claro. É o sorriso que ela usava enquanto tentava me convencer a deixá-la
ficar para dormir na minha casa.
— Assine o contrato do meu novo cargo, imperador. O senhor vai ver
que não há parceira melhor para trabalhar do que uma mulher ambiciosa e
determinada.
— Assim espero. Terei uma reunião com Márcia e Alfredo amanhã e
cuidarei dos trâmites. Enquanto isso, veja se há alguém capacitado para ficar
no seu lugar. Cuide das entrevistas caso seja necessário contratar uma
funcionária nova.
— Carla dará conta de ficar no meu lugar, mas precisaremos de uma
pessoa para substitui-la.
Levanto-me e aliso o terno, pegando meu celular e a pasta com os
documentos que acabara de assinar.
— Providencie tudo. Falo com você quando quiser saber de algo…
além.
Deixo-a na sala e rumo ao elevador. No andar inferior ao meu
escritório fica a sala de Nina. Christopher não tem um espaço fixo. Como o
engenheiro responsável da empresa, inclusive por todos os outros
profissionais dessa área, ele acaba não passando muito tempo nos escritórios.
Quando fica, é sempre em Botafogo, onde dividíamos um único andar sem
nenhum incômodo.
Pego o elevador junto com duas funcionárias e imediatamente
percebo os olhares. Não precisa ser um gênio para deduzir que como
Christopher dá abertura para qualquer mulher aqui dentro, elas imaginam que
eu sigo pelo mesmo caminho. Como eu já disse, amo essas criaturas
fenomenais que Deus criou, mas não sou uma puta desesperada por sexo
como o meu irmão é.
Desço, arrependido de não ter usado a escada. Charlote sentirá o
cheiro desses perfumes misturados em mim e fará um pequeno show mais
tarde.
Encontro minha irmã em sua sala, procurando por algo na estante de
livros, rindo de algo que a mulher que reconheço como Carla diz. Ela está
encostada, de frente para a porta, e, ao me ver, rapidamente ajeita a postura e
pede licença, mas não sem antes de sair me dar um olhar desagradável.
— Irmão! — Nina sorri ao me ver, beija meu rosto e fecha a porta. —
Eu já ia subir.
— Precisa de algo?
— Ué, não posso ir ver meu irmão e desejar um bom dia de trabalho?
— Claro que pode. — Sorrio. — Trouxe isso, pois sei que vai querer
dar uma olhada antes.
Deixo a pasta na mesa e me sento no sofá.
— São os papéis de autorização?
— Sim.
— Angola, né?
Assinto.
— Christopher estará presente para vistoriar tudo. Ele acha que se não
estiver lá o pessoal sempre vai deixar algum canto intacto e podemos perder
algo.
Ela ri, revirando os olhos.
— E se o senhor perfeito for, tudo sairá magistralmente — brinca.
— Não vai me doer dizer que concordo um pouco com ele —
defendo. — Seu irmão pode ter mil defeitos, mas pelo menos profissional
quando quer ser, ele é.
— Nosso irmão, senhor Marcus Ferraz de Fontana. Aliás, tenho
pensado em ir nessa viagem também.
— De jeito nenhum! — decreto prontamente. — Você fica aqui.
— Não me venha com essa. Você sabe que fico entediada. Quero ir e
acompanhar como eles fazem tudo.
— Você já faz mais do que o suficiente, Nina.
Nina odeia rotina, nunca fica em um lugar só, mas se tornou nossa
especialista em minério. Quando o ouro ou as pedras de diamante chegam até
nossos armazéns, ela é a primeira a explorar pedaço por pedaço. Em
conjunto, porém, com seus conselhos e estudos, decidimos o que é viável
fazer com cada coisa.
Sua última proeza foi uma pedra que acabou sendo vendida
exclusivamente para a Cartier. Confio plenamente em seus olhos, mas nem
com o inferno congelando vou deixá-la sair de perto de mim, onde posso vê-
la e protegê-la caso seja necessário.
— De jeito nenhum você diz para Elora, Charlote e para os seus
funcionários. Para mim, meu irmão, você deseja boa sorte e diz tchau. Vamos
brigar feio, mas eu vou nessa viagem!
— Tente, Nina. Só tente sair do país no dia — respondo
tranquilamente.
Ela me fuzila com os olhos incrivelmente azuis, os punhos cerrados
lado a lado.
— Você está mal-acostumado. Acha que porque ninguém te diz um
não, eu vou ficar sentadinha enquanto decreta algo na minha vida? Sai fora,
Marcus!
— Não vou discutir com você. — Levanto e sigo direto para a porta.
— Não me dê as costas, pois essa conversa ainda não acabou!
Ah, acabou sim. Além do mais, tenho urgência em voltar à minha sala
e tornar essa viagem impossível.
Marina
— Gosto quando você vem me pegar, tia Malina — Cody diz depois
de me abraçar.
— É mesmo? E eu adoro vir.
— É sim! — Assente. — Assim posso comer sovlete.
— Sorvete, bebê. Então é só por isso?
— Pipoca também.
Dou risada e bagunço os cabelinhos. Tento pegar a mochila do Buzz,
mas ele diz que consegue levar sozinho, já que é um homem como seu pai.
Não discuto. Sei como é importante para as crianças terem essa sensação de
independência. Danielle quer morrer, dizendo que está perdendo o espaço na
vida dele, mas eu vejo como algo bom. James adora, diz que assim não terá
problemas em insistir por muito mais tempo para que tenham um bebê.
— Então vamos lá comer o sorvete do dia. Ou hoje você quer pipoca?
— Pode ser os dois? — Reforça, mostrando-me dois dedos.
— Sua mãe vai arrancar meus cabelos.
— A gente faz segredo, tia.
Esse garoto é esperto demais para o próprio bem.
— Marina! — Ouço atrás de mim. — Que coincidência!
Viro lentamente, encarando os olhos de Marcela. O que ela faz aqui?
Não é possível. Será que o Império fez algum tipo de parceria com a escola
para os filhos dos funcionários? Primeiro Marcus, agora ela. Pensando bem,
Marcela não tem filhos.
— Ei, olá — digo, surpresa e meio sem saber o que fazer. — Que
surpresa.
— Maravilhoso, não é? — Ela ri. Usa um vestido super elegante,
óculos na cabeça e saltos pretos maravilhosos. Continua bem arrumada como
quando trabalhávamos juntas. Enquanto eu uso um short jeans rasgadinho,
tênis e uma camisa simples escrito “Tia do ano”.
— Não sabia que você tinha… — Hesito, apontando a escola.
— Ah, não, Deus me livre! — Gargalha, colocando a mão no peito.
— Fiquei encarregada de vir buscar as duas filhas do senhor Ferraz. Você
conhece, né? Charlote e Aline.
— Elora — corrijo automaticamente.
Ela ergue as sobrancelhas com minha reação rápida, assente e depois
fita Cody.
— E essa gracinha? — Tenta apertar a bochecha dele, mas Cody se
afasta e franze todo o rostinho para ela.
— Desculpe, ele é tímido.
— Sovlete — resmunga, já impaciente para ir.
— Eu entendo — Marcela diz com um sorriso, mas a vejo torcer o
nariz discretamente enquanto o observa.
O que ela quer? Um abraço? Isso só acontece em filmes. Crianças não
são educadas, gentis e amorosas só porque você quer. Elas sentem isso. Cody
odeia que fiquem mexendo nele, não gosta de estranhos, mas adora receber e
dar carinho para as amigas mais próximas de sua mãe.
— Nós já vamos indo. Muito bom te ver, Marcela. Você está ótima.
— Queria ter tempo de conversar mais, Mari, mas preciso esperar
as…
— Tia Malina! — Ouço duas vozes fininhas gritando e só tenho
tempo de ver os cachos pulando antes de cada uma agarrar uma perna minha.
— Ei, brotinhos! — Meu coração aperta ao ver as duas me segurando
firme e me olhando com sorrisos nos rostinhos.
— Nossa, tia Malina! Nem vou discreditar que você tá aqui!
Rio da confusão com as palavras de Elora.
— Ela que veio pegar a gente, Elo. Né, tia Malina, que você veio
pegar eu e a Elo?
Como ainda seguro a mão de Cody, com a outra livre, acaricio as
cabeças antes de negar.
— Hoje vocês vão para a casa com uma amiga do seu papai.
Charlote vira lentamente para olhar por cima do ombro, onde Marcela
ainda mantém o sorriso forçado no rosto, e depois nega veementemente com
a cabeça ao me encarar.
— Não — determina e sinto seus braços apertarem mais ainda minha
perna.
— Charlote… — tento falar, mas Elora puxa a barra da minha
camiseta e me chama. — O que foi, preciosa?
— Vem cá — sussurra. Faço como pediu e, quando estou cara a cara
com ela, dou-lhe um sorriso sincero, espelhando o próprio que ela me
oferece. — Eu tava com sodadis.
Meu coração derrete e engulo em seco.
Fito a linda menininha de olhos idênticos aos do pai e cabelinhos
escuros, com um laço no topo da cabeça e uniforme escolar. Depois olho sua
irmã, de braços cruzados como se tivesse idade para ficar brava com alguém.
Charlote usa um rabo de cavalo preso em um pompom rosa e olha a mulher
bem vestida atrás dela. E, por último, encaro Cody, que olha as duas. Suas
bochechas ficam vermelhas e, quando me pega analisando-o, disfarça,
olhando o relógio de brinquedo do Toy Story no pulso.
Quero pegar os três, entrar no primeiro táxi que ver pela frente e
sumir com essas coisinhas. Nazaré Tedesco me ensinou direitinho.
— Olha só, a tia Marcela vai levar vocês para ver o papai, vocês não
querem?
— Ela é doida — Charlote murmura, fazendo bico.
— O que foi, Charlote? — pergunto, confusa e tentando não rir do
desabafo.
— Ela quer ficar namolado com o meu papai.
Prendo o riso que quer escapar e fito Marcela. Por que Marcus mesmo
não veio? Sei que não vão me soltar para ir com ela.
— Sovlete — Cody diz novamente.
Tenho a sensação de que essa é a única coisa que vai dizer enquanto
eu não o levar até a sorveteria na esquina. Suspiro, sem ter muita ideia do que
estou prestes a fazer, mas faço mesmo assim.
— Alguém quer sorvete? — Charlote e Elora dão um grito, pulando de
empolgação. Encaro o olhar matador de Marcela. — Ligue para o seu chefe.
CAPÍTULO 17
Marcus
"Tá viciando outra boca como fez com a minha
Esse frio na barriga já me pertenceu
Ele só tá te amando desse jeito porque ainda não te conheceu direito
Mas o fim dessa história é sempre o mesmo
Ela vai dar sorrisos durante o beijo
Vai planejar a vida deitada em seu peito
Vai te amarrar de um jeito
Vai usar o mesmo beijo que usou pra te ganhar
Pra se despedir sem se explicar..."
quarta cadeira, matheus & kauan
Marina
— Vamos de novo, por favor, Malina!
— Queria mais sovlete.
— Eu faço um aposto que como uma mais maior que a sua, Chalote!
Eles conversam sem ter noção de que a diversão está prestes a acabar.
Marcus anda cada passo com calma e, quando sobe o último degrau,
finalmente ficando à minha frente, bem perto, prendo a respiração.
— Marcus… — começo.
— Será que tem sorvete para mim também? — diz e imediatamente
as duas reconhecem a voz.
Franzo o cenho, confusa e cheirando a suspeita. Não é o que esperava
que fosse dizer.
As meninas gritam e ficam de pé na cadeira para ver o pai e abraçá-lo.
Elora se desequilibra, o que me faz dar um pulo, mas por reflexo Marcus a
segura. Solto o ar quando ele me dá um olhar tão compenetrado e levo alguns
segundos para me estabelecer no lugar novamente.
Olho para baixo, sem saber o que dizer.
A cadeira ao meu lado, onde há pouco Marcela ocupava, é arrastada e
ele a ocupa. Não sei o que fazer.
— Passeio interessante esse que você resolveu fazer, cordeirinho.
A voz dele é séria, tão visceral que me sobe um arrepio na espinha.
Soa como um aviso, uma ameaça.
— Na frente deles não, Marcus. — Finalmente o encaro, esperando
que meus olhos demonstrem a franqueza do apelo.
A última coisa que quero é que os três presenciem o tipo de absurdo
que pode sair de nossas bocas em meio a uma discussão acalorada. Marcus
me fita com uma estranheza que não reconheço, as sobrancelhas levemente
franzidas, os olhos estreitos. Ele é poderosamente lindo, mas me amedronta,
isso é inevitável negar. A direção que meus pensamentos tomam quando ele
está perto me deixa em pânico.
— Claro que não. Vamos deixar que as crianças se divirtam, só então
eu e você conversaremos.
— O que tá falando baixinho aí hein, Maicus? — Charlote se estica
para tentar ouvir, o que faz o cabelo agora solto e todo bagunçadinho entrar
na casquinha do sorvete e sair todo melecado.
Não aguento quando ela o chama assim, principalmente com a reação
dele quando isso acontece. É de frustração, como se não soubesse o que
fazer. Procuro me aproveitar desses momentos de fraqueza do poderoso
Imperador Ferraz de Fontana.
— Para, Chailote, deixa ele falar com a tia — Elora repreende,
sorrindo para mim e dando um joinha que ela pensa ser discreto, mas tanto eu
quanto seu pai vemos.
— Você gosta de sovlete, Chailote? — Cody pergunta e me derreto
novamente.
A pimentinha não é tão coração mole quanto eu.
— Lógico né, minino, tô comendo. Dãr.
Mas Cody não se abala facilmente e sorri, deixando uma banguelinha
aparecer.
— Elo, você gosta de pipoca?
Elora fica vermelha, toda tímida.
— Eu gosto, mas só da rosa.
— Merdinha pervertido — Marcus resmunga enquanto observa a
conversa acontecendo na mesa.
— Pare com isso — repreendo-o, tentando com tudo de mim segurar
a gargalhada. Se soubesse que uma tarde com crianças pudesse ser tão
divertida, teria sido professora.
Os três continuam conversando e comendo, vez ou outra jogando
mais tipos de cobertura no sorvete. Não deixo de notar Charlote nos lançando
olhares rápidos.
— Quem é o garoto?
— Por quê? Vai ameaçá-lo? — provoco.
— Posso simplesmente fazer o pai dele mudá-lo de escola.
Rio só de pensar ele e James batendo de frente. Está aí alguém que eu
imagino podendo desafiar esse homem de igual para igual.
— Está brincando, né?
Ele passa o braço pelas minhas costas e puxa a cadeira para mais
perto da sua.
— Não. Nenhum olhar masculino está permitido perto do que é meu.
Diz isso me olhando tão intensamente que me pego desviando o olhar
e dando mais uma colherada no doce.
— Deixe de ser controlador, é só um bebê. Esse é o Cody, filho de
uma amiga.
— Então você gosta de crianças?
Não vou mentir. Gosto dessas três à minha frente. Não sou uma
grande fã de todas as crianças que vejo.
— Aprendi a gostar depois de conviver com Cody. Ele é uma criança
incrível.
— E as minhas filhas?
— São dois anjinhos, Marcus. Mal me conhecem, mas são tão
carinhosas. Sinceramente, não imagino de quem puxaram isso.
Um sorrisinho irônico toma o canto do lábio dele.
— Ah, cordeirinho, posso ser muito romântico quando quero.
— Não consigo nem imaginar.
Marcus vira o rosto como se olhasse para algo além de mim, mas
estamos tão próximos que seus lábios roçam minha orelha.
— Vá imaginando, pois logo vamos colocar na prática.
— Marcus… — Engulo em seco, tentando me manter compenetrada
em evitar qualquer coisa que as crianças não possam ver.
— Se os três não estivessem aqui, eu pegaria esse sorvete, te levaria
até o carro e ali mesmo derramaria na sua boceta. Seria a melhor degustação
da porra do ano.
Ofego, afastando-me dele em um pulo desajeitado.
— Deu nossa hora, Cody. Se despeça das meninas.
— Ahhhh Malina! — Elora reclama, ficando de pé na mesa desta vez.
Charlote encosta na própria cadeira e dá um sorrisinho sabichão para
a irmã.
— Calma, Elo. A gente ainda vai ver super muito a Malina.
— É? Quando?
Charlote ri e a imagino como uma daquelas vilãs maléficas de
desenhos animados. A pestinha bem que combina com o papel! Se não fosse
tão fofa…
Marcus permanece sentado, olhando-me com toda a serenidade do
mundo. Como se não tivesse acabado de jogar um galão de gasolina no meu
corpo. Sei que se eu permitisse, ele não hesitaria em acender o fósforo.
Despeço-me das duas com um aperto estranho no coração, uma
sensação que não me agrada. Não me despeço dele, mal o olho. Cody ainda
vai até ele e estende a mão.
Marcus sorri, erguendo as sobrancelhas em surpresa, e aceita o aperto.
— Tchau, senhor.
Só ouço o suspiro de Elora e um murmurado “filho da putinha” vindo
de Marcus enquanto saímos. O motorista de James nos espera na frente. Ele
ficou assistindo um jogo no barzinho ao lado. Dispenso a carona do motorista
de Marcus e percebo que ele não gosta, mas não dou trela.
Deixo Cody em casa e fico até Dani chegar com James. Ele não é de
conversar muito, mas fica na sala com a gente até Cody pedir comida. Então,
os dois se despedem e saem. Resolvo ir para a casa enquanto o meu lindo
sobrinho não começa a tagarelar sobre nossas companhias para o sorvete. Ele
fica animadinho quando James chega, então, de imediato, seu pai tem toda a
sua atenção.
Entretanto, quando isso passar, tenho certeza de que ele se voltará
para mim e sei que eu não sairei desta casa até Danielle ter todas as respostas
para suas perguntas.
Eu só não tenho como responder a ela o que não sei esclarecer nem a mim
mesma.
CAPÍTULO 18
Marina
"Coração na boca e um sorriso no olhar
O suor na pele e a música no ar
Nós dois em nosso ninho, entregues ao sabor de amar
Nosso amor é sangue, coração
Sonho que eu jamais quero acordar
Apaixonadamente apaixonados como o peixe e o mar
Somos a semente e o chão
Somos como a arca e o tesouro
Nosso amor é forte, é diamante
Nosso amor é ouro..."
nosso amor é ouro, zezé di camargo & luciano
Marcus
O ovo dela? E o meu, porra?
Caralho, meu pau está tão duro que não consigo nem pensar.
Ela escapa dos meus braços, correndo para a cozinha, e eu pego um
minuto para respirar profundamente. Fecho as mãos em punhos e apoio-as na
porta. Quero agarrar meu membro e apertar para dar um pequeno alívio, mas
se fizer isso, vou gozar como a porra de um adolescente.
Finalmente sei como Christopher se sente e me arrependo de todas as
vezes que o julguei por pensar com o pau.
Eu estou pensando com o pau agora e a única coisa que ele me manda
fazer é tirar aquele shortinho transparente que ela usa e me afundar
profundamente na boceta dela. Até que o único que vai falar “meu ovo” seja
eu.
Quando minha mente clareia pelo menos um pouco, abro os olhos e
viro para encará-la. Marina não me olha de volta, pois está fazendo alguma
coisa no fogão. As mãos tremem, posso ver enquanto me aproximo. Ela tenta
disfarçar os olhares fugazes que me manda, mas é evidente que está tão ou
mais afetada do que eu.
Inferno, como ela consegue cozinhar como se aquele tsunami não
tivesse acontecido apenas dois minutos atrás?
— Tentando me ganhar pelo estômago? — brinco.
Minha voz está tensa. Ainda estou me controlando para não atacar a
morena. Meu cordeirinho… Minha perdição dos infernos.
Ela engole em seco, sorri e dá de ombros.
— Te convidaria para comer, mas duvido que goste de ovo frito.
— Tenho certeza de que você consegue fazer uma omelete.
Ela franze o nariz e sorrio com o gesto. É todo arrebitado e a deixa
parecendo alguns anos mais nova quando faz isso.
— Fiz cinco tentativas de um poché, então, vai por mim, hoje não
estou com a mão boa. É capaz de esse ovo frito sair um mexido.
— Duvido muito. A comida da festa das meninas estava incrível.
— Não fui eu que fiz.
— Então, quem?
— Neiva, a minha superior. — Percebo que sorri quando fala.
— Qual é a graça?
— Nada — Dá de ombros. — Só um vídeo, nada demais.
Deixo para lá. Não me interesso por nenhum vídeo, a não ser que
tenha ela.
— O que você faz no buffet?
— Confeitaria.
Dou a volta na ilha bem decorada, mas não reparo muito no
apartamento. Só quero chegar mais perto dela. Como se percebendo minha
intenção, Marina tenta fugir, encolhendo-se no canto. Seguro o riso. Já a
avisei que não adianta tentar fugir, mas ela parece não ouvir.
Tiro a espátula de sua mão, coloco uma panela do escorredor para
ferver com água e, enquanto isso, trabalho o ovo frito. Quando a água ferve,
faço um pequeno furo em cima dos dois últimos ovos na bancada e coloco na
água.
— Isso é mollet, não poché.
— Olhe e aprenda com o melhor.
Ela ri, mas cruza os braços com o desafio e fica olhando.
Dez segundos depois, tiro os dois ovos e só então os quebro. Jogo na
panela um por um, fazendo o redemoinho e esperando a clara grudar em volta
da gema. Quando vejo que está no ponto, tiro e sirvo no prato.
— Como? Isso não é possível.
— Tudo é possível na culinária, cordeirinho. — Encaro-a. — Por que
não faz nosso acompanhamento enquanto termino o segundo?
— Essa técnica é muito boa — admite com um bico, como se até
doesse dizer isso. — Obrigada por me ensinar.
— Isso é só o começo, Marina. Você vai descobrir que sou um ótimo
professor.
Marina
Confito tomates cereja e alguns aspargos frescos. Ele pega um vinho
já há muito esquecido pela minha cozinha, duas taças e me ajuda a levar os
pratos à mesa.
— Vamos lá, chef — provoca. — Faça as honras e me diga se ficou à
altura.
— E se não estiver?
— Vou deixar que escolha o restaurante onde vamos jantar a próxima
vez.
Meu garfo fica parado no ar quando o encaro, incerta do que ouvi.
— Quem disse que vamos jantar uma próxima vez?
— Eu disse.
— Você nem me convidou, Marcus.
— Se você não for, vou trazer o chef até aqui e ele cozinhará para
nós. — Serve o vinho como se estar me dando uma série de ordens fosse a
coisa mais comum do mundo. — Agora experimente.
— Primeiro me peça — desafio.
— Para jantar comigo ou experimentar?
— Você sabe qual.
Ele deixa as taças cheias nos lugares e encara o prato. Em seguida,
sobe o olhar lentamente para mim, encarando-me como se fosse me atacar a
qualquer momento.
— Saia e jante comigo, cordeirinho?
— Vou pensar. — Rio e espeto o ovo, admirada quando a gema
explode no prato. — O ponto está perfeito.
Marcus dá um sorriso torto e toma um gole do vinho.
— Assim como tudo o que faço.
— Porque está aqui, Marcus?
— Eu te quero — Ele diz com uma tranquilidade perversa. O homem
se sente à vontade para falar tudo e qualquer coisa que lhe vem a cabeça, ele
simplesmente não se importa.
— Até algumas semanas atrás você me repudiava, o que aconteceu? –
Pergunto cheia de desconfiança. Ele não pode seriamente achar que sou tão
idiota.
— Não a repúdio, Marina. Suas primeiras impressões estão
equivocadas.
— Sei reconhecer quando alguém me olha como se eu fosse
indesejada.
— Indesejada? – Ele ri, jogando o braço por cima do meu ombro e
começa a fazer círculos na pele exposta. – Te olho com tesão, com vontade
de te chupar e te foder. Todas as vezes que vejo você balançando essa bunda
perto de mim, quero te curvar em cima de alguma coisa e te comer até
desmaiar. Isso parece indesejado para você?
O calor subiu aos poucos, com cada palavra. Mas quando ele termina
de falar não me movo, não digo nada. Sei que se o fizer, pularei no colo desse
homem e vou implorar que faça tudo o que deseja, porque eu desejo também.
Sou estúpida e idiota, mas desejo sentir o que ele promete, pois sei que será
tão bom quanto diz.
Marcus
Não quero comer a comida. Não vim para isso. Se minha intenção
fosse jantar, a teria levado ao melhor restaurante do Rio, ou chamado o
melhor chef até sua casa. Inferno, até mesmo a deixaria a vontade com
serviço de quarto em um hotel cinco estrelas.
Mas com Marina as coisas precisam ir devagar a primeira vez. Ela
não confia fácil por mais que deseje fazer isso.
— Como estão Charlote e Elora? — Fico tenso. Por mais que tenha
aceitado o passeio na sorveteria sem reclamar, não quer dizer que aprove uma
aproximação. Disfarço e afasto o prato sem dar uma terceira garfada, mas
continuo com o vinho.
— Muito bem. Estão com Christopher essa noite.
— Uau — Ela ri. — Me surpreende que você as deixe com ele. A
convivência de vocês não parece ser exatamente das melhores.
O que ela quer com esta merda? Pescando como chegar até o meu
irmão depois de mim?
— Me mostre o seu quarto.
Marina bufa, revirando os olhos.
— Sonha, imperador.
— Não — Levanto e a ergo pela cintura, recebendo o olhar tanto
surpreso quanto ansioso. Mas a orgulhosa tenta mascarar — Você vai sonhar
com isso.
— É hora de você ir.
— Definitivamente é hora de eu ficar.
Beijo aquela boca faminto novamente. Como louco, a aperto forte nos
braços, despejando cada gota que guardei de desejo. Ela toma sem reclamar,
sem hesitação. Me segura perto, colando o corpo ao meu tanto quanto eu a
puxo, então em segundos estamos nos movendo pela casa. Ela ri quando
perco a noção do espaço e bato contra o sofá, caindo sentado. Tenta fugir,
aproveitando-se da situação, mas a pego no mesmo instante.
— Diga não e eu paro. É só dizer não que irei embora.
Ela continua olhando. Os olhos descem para onde meus dedos
abaixam seus shorts, e eu sigo o olhar, vendo uma calcinha minúscula,
amarela, com renda dos lados.
Santa porra.
Inclino-me para dar um beijo no osso público e a fito novamente. De
pé na minha frente, só com sua camiseta e calcinha e não parece querer ir
embora.
Ela está ofegante, com os olhos grudados nos meus e solta um
gritinho quando não vê meu movimento chegando, então, no segundo
seguinte, eu a tenho deitada no sofá. Eu me inclino enquanto deslizo as mãos
da cintura até a barriga, subindo a camisa até deixa-la completamente
exposta, com o pano enrolado perto do pescoço.
— Isso é uma péssima ideia — Sussurra.
— Não posso concordar.
Meus dedos deslizam pelos seios e a barriga plana, macia, e abro suas
pernas. O cheiro de boceta me faz revirar os olhos, principalmente sendo a
dela, que desde que coloquei os meus olhos comecei a desejar.
Enterro meu rosto sem cerimônia e dou uma lambida forte, intensa,
deixando a ponta da língua deslizar da entrada até o clitóris e voltar atrás,
penetrando a intimidade dela com fervor. Marina tenta conter os gemidos,
mas necessitado de impedi-la, fecho meus lábios no brotinho duro, tenso e
chupo. Cada chupada, lambida, mordida que dou faz meu pau crescer,
ficando mais e mais duro e ela tenta me aproximar com mais força, tornando-
se bruta.
Dou risada.
— Você está desesperada, querida.
— Maldito! — Geme, gritando. — Ah, meu Deus, Marcus... Assim,
só continue!
Eu não pretendo parar. Não até que ela goze na minha boca e esteja
pronta para o que vai receber depois. Encharcada, ela empurra contra mim,
tentando alcançar o prazer que quero dar, mas ao mesmo tempo, me delicio
ao vê-la implorando.
— Cordeirinho... — Dou um beijo no buraco enrugado lá embaixo,
onde apenas de ver, posso dizer que nunca foi tocado. Está todo melado e
diante de seu olhar atento, desço a mão de seus joelhos, passando pela boceta
aberta e levemente encosto lá. Marina dá um pulo que só confirma minha
teoria.
Agora... isso me tira da razão.
— Nunca foi tocada, em?
Ela respira fundo, vermelha, tremendo. O suor já começa a escorregar
pela pele escura, começa a brilhar. Quero leva-la para seu quarto e descobrir
como ela ficará deitada completamente nua e rendida a mim sob seus lençóis.
— Não sou virgem, Marcus — Sussurra com a voz rouca.
Não. Não é.
E por algum motivo me pego incomodado com isso. Nunca considerei
a virgindade de uma mulher importante, mas de alguma forma, me enfurece
pensar que ela tenha tido outro, que não sou o primeiro a afundar na pequena
bocetinha quente. Tenho vontade de meter no buraquinho enrugado, e sei que
vou, mas não agora. Talvez isso comprove que sendo uma verdadeira
devassa, ela não seja tão Santa quanto parece e eu deixaria essa obsessão de
lado.
Levanto.
— Toque seus seios — Sussurro contra seus lábios e ela se contorce,
querendo alcançar lá embaixo, onde acaricio seu clitóris lentamente, a
torturando.
— Marcus...
— Sim?
— Por favor!
— Estou ouvindo.
— Por favor, por favor! — A respiração dela sopra em meu pescoço
suado. Tremo. Merda. Também a quero demais, a ponto de quase ceder.
Mas isso não é apenas sobre prazer, é sobre criar uma necessidade.
— Então toque seus seios para mim — E ela faz.
Ela alcança os mamilos rijos e os aperta, rodeia, joga a cabeça para
trás, depois me olha com desespero. Enquanto isso, gradativamente vou
aumentando a velocidade dos meus dedos. Enfio um dedo, dois, e acelero
mais. Inclino-me quando aplico a pressão certa para fazê-la cair de vez e
abocanho seu seio, dando uma mordida no mamilo que é o fim.
Ela cai. Cai lindamente.
A observo gemer e tentar escapar do meu alcance e finalmente deixo.
Marina se recosta no canto do sofá, longe de mim. Respira profundamente
várias vezes, então levanta os olhos para mim.
Ela alcança a barra da camisa acima dos seios e a arranca do corpo,
ficando completamente nua a minha frente. Num rompante ela se joga em
meus braços, tomando minha boca num beijo que faz minha cabeça rodar.
Agarra meus cabelos, puxando os fios e geme em minha boca.
Segura sua bunda, apertando e amassando a carne gostosa.
— Marcus — Ela sussurra em minha boca com uma voz tão baixa,
tão doce, que por um momento paro e a observo.
Cabelos selvagens, corada, brilhando de suor. Cheirando a porra do
céu e sexo.
— Bem aqui.
— Me leve para o quarto.
Eu a beijo de novo. Seguro suas pernas com firmeza e levanto.
Lá está a necessidade.
Marina
Ele me joga na cama e cai por cima de mim, mas não me importo. Os
roxos amanhã valerão a pena. Inferno, eu estou gemendo como se fosse
realmente uma virgem e cada vez que ele me insulta meus olhos reviram. Eu
sinto isso. Sinto em primeira mão o que é Marcus Ferraz.
Não consigo soltar sua boca. Cristo, é tão gostosa! Ele todo é, mas
aquela boca... o jeito que ele beija...
Arranco sua camisa com mais violência do que tirei a minha própria e
grudo nossos lábios novamente. De costas na cama, não tiro as pernas de sua
cintura, mas ele não reclama. Não quando está concentrado em meus seios.
Aparentemente Marcus é um cara de peitos. Ou talvez, do jeito que ele ficou
com o meu... não. Nem quero pensar nisso, pois não existe a possibilidade de
acontecer.
A sensação de estar nos braços dele, com sua língua solta e as
palavras chulas, tudo é novo. E eu gosto. Desejo. A parede de músculos que
ele é não me deixa ver nada além dele.
Marcus levanta e tira suas mãos de mim para abrir a calça. Eu observo
com água na boca quando ele abaixa, sem nenhum pudor libertando o
membro duro. Meus olhos arregalam diante da visão. Ele é todo grande.
Moreno, lindo e proporcional em todos os sentidos. Talvez até demais ali em
baixo.
— De quatro, cordeirinho.
Já transei com alguns caras, não é novidade. Mas o tamanho dele é
algo novo. Grosso, as veias parecem até deixa-lo maior, a pele morena seguiu
para lá, e a cabeça meio roxa, meio avermelhada parecia um cogumelo.
Irritado, talvez. Cheio de tesão. Posso ver uma gota escorrendo para fora e
minha boca saliva.
— Você não quer...? — Aponto seu pênis e ele sorri.
— Teremos tempo — Segura meu cabelo, enrolando-o numa mão e
aproxima a boca do meu ouvido. — A única coisa que quero agora, é que
você faça o que eu mandei.
Dou uma última olhada naquilo e viro, meio hesitante. Ouço sua
risada rouca, tão sensual.
— Você olhando para o meu pau desse jeito eu não vou durar muito
tempo.
Não me importo. Só quero senti-lo de uma vez. Não sinto vergonha
do quanto o quero. Sou crescida e estou plenamente consciente do que está
acontecendo. Se não o quisesse, não estaria ali.
— Depressa — Olho para traz, e vê-lo ajoelhado atrás de mim
desenrolando um preservativo naquele mal, me faz tremer, a antecipação é a
pior e melhor parte.
Com a força que tem, Marcus segura meu pescoço, trazendo minhas
costas ao seu peito e encaixa seu pau no meio das minhas pernas, a cabeça
roça meu clitóris e a entrada encharcada. Apenas o movimento certo já o faria
deslizar para dentro.
Mas ele não faz isso. Fica num vai e vem torturante, me provocando
até que eu esteja gritando e implorando novamente.
— Ao seu dispor — É a última coisa que ele diz antes de num
impulso para a frente, está dentro de mim.
Abro a boca num grito silencioso, fechando os olhos. Ele não me dá
um tempo e não peço por isso. Marcus me abaixa, deixando meu peito no
colchão e desliza as mãos dos ombros, pela costela e agarra minha cintura
com um domínio que nunca senti. A realização do corpo enorme sob o meu
me derrete ao mesmo tempo em que ele me lança para a frente e puxa de
volta, batendo seu pau dentro de mim de uma força que me tira o ar.
É delicioso.
E ele continua, eu não quero que pare. Ele beija minhas costas, bate
na bunda, puxa meu cabelo, fala as sacanagens que não tem vergonha
nenhuma em meu ouvido e continua me fodendo como se não tivesse
vizinhos do lado. Como se quisesse me fazer gritar cada vez mais alto.
— Deus!
— Não, querida. Sou eu.
CAPÍTULO 19
Marina
"Será que dentro do seu peito não tem coração
E a sua cabeça só pensa em traição
Sai pra lá com esse seu amor bandido..."
mundo de ilusões, gusttavo lima
Marcus
É uma declaração inesperada, mas me deleito com ela.
Não, eu não precisava voltar depois de conseguir tão rápido tê-la
subjugada. Voluntariamente, ela se entregou a mim. Isso é algo que admiro
em mulheres. Serem capazes de aceitar quando querem algo e ignorar a
razão, seguindo apenas o desejo. O que tivemos foi uma das melhores noites
de sexo da minha vida, afinal, há muito tempo não almejava uma mulher
tanto quanto Marina.
Tivemos apenas um encontro e ela foi capaz de perceber algo que
mulheres que eu saí frequentemente não foram. Eu pego o que quero e não
volto mais, a não ser que queira de novo. Não existe em mim uma
sensibilidade e senso de responsabilidade e dever dizendo-me que devo ir
atrás obrigatoriamente das mulheres com quem me envolvo. E Marina, sem
precisar ouvir isso em palavras, já sabia e esperava essa atitude.
Um ponto a mais para ela.
Não nego que voltaria, mas agora vim com um propósito
completamente diferente do que teria vindo antes. Não quero mais apenas seu
corpo para acalentar meus desejos, quero tê-la para que essa seja a maior
lição de Humberto.
Não se arranca algo de alguém e espera que isso seja esquecido. Não
de alguém como eu.
Quando vou responder, percebo que os olhos verdes, que antes me
encaravam, agora estão fechados. Marina se torna mole. Os braços
escorregam do meu pescoço e automaticamente se aninha em meu peito
enquanto eu a amparo.
— O senhor pode deixar, Arthur estava mesmo dizendo que passaria a
noite — Edgar me informa com um sorriso.
Pobre coitado. Acha mesmo que depois de tê-lo subornado para me
deixar subir sem autorização, vou embora deixando Marina com outro
homem?
— Não será necessário — rebato, sem me dar ao trabalho de fitar o
outro ao lado dele, mas sinto-o me analisando, farejando, tentando descobrir
quem é que já mijou no território que ele estava prontinho para invadir.
Minhas palavras não são necessárias, afinal Marina saiu dos braços
dele e correu para os meus. Suas palavras soaram altas e claras para que nós
ouvíssemos. Eu a tive, ainda tenho e a terei enquanto quiser.
— O senhor tem certeza? — Edgar insiste. — Quer dizer, posso ligar
para uma de suas amigas e informar do acontecido. Sei que dona Mari Louise
chegará em dez minutos.
Dou ao porteiro enxerido um olhar cortante, daqueles que faz meus
funcionários andarem de cabeça baixa.
— Ela está comigo, Edgar — falo incisivo e, pela primeira vez, olho o
bonitinho ao seu lado com atenção. — Por que não mostra ao cavalheiro a
saída?
— Moro no final do corredor. — Ele se dirige a mim com uma
coragem que poucos homens têm. Ombros retos, queixo erguido e olhar
afiado. — Conheço Mari e sei que se sentirá melhor se acordar com um
conhecido por perto.
Um sorriso lento se espalha em meu rosto ao me inclinar e passar o
braço pelas pernas de Marina. Regozijo quando ela se aperta em meu peito e
o corajoso olha cada movimento.
— Mais próximo do que eu, impossível. Abra a porta, Edgar. Esqueci
minha chave.
O porteiro nos olha atentamente, meio aflito, talvez se perguntando a
quem deva obedecer, mas meu levantar de sobrancelhas exigindo que faça o
que mandei não lhe deixa escolha.
Antes de entrar, encaro o tal Arthur.
— Cuidarei muito bem dela.
Escuto-o resmungando algo quando fecho a porta, mas não volto para
tentar entender o que disse. Já tirei a dúvida sobre ele ser um relacionamento
dela, afinal, ele não deixaria que a namorada se agarrasse a outro e passasse a
noite.
— É só mais um na sua lista, não é, cordeirinho? — sussurro,
deitando-a no sofá e observando o rosto sereno enquanto dorme.
Por isso não há peso na consciência por fazer o que planejo. Ela não
se importa em usar os homens que fazem fila na porta. Pelo menos terá
consolo quando eu terminar.
Pela roupa de festa de ambos, imagino que saíram juntos.
— Sua agenda nunca para, menina. — Arrasto a mão da coxa desnuda
pela seda do vestido até o calcanhar. Solto a sandália de salto alto preta e
depois faço o mesmo com a outra. Vejo uma tatuagem pequena na lateral do
pé dela, a tinta está desbotada, parece antiga. Chego mais perto para ler e me
surpreendo quando Marina se movimenta. Logo sinto a mão segurando
frouxamente meu braço.
— Pode tirar o resto se quiser — diz com a voz risonha, os olhos
franzidos da bebedeira. Está lutando com o sono.
— Pensei que tivesse dormido de vez.
— Como vou dormir sabendo que tem um imperador na minha sala?
Aproximo-me, seguro a pontinha do queixo e sorrio para ela.
— Quem disse que eu pretendia ficar na sala?
Marina ri e se espreguiça, tirando cada vez mais o vestido de onde
cobre o corpo. Desta vez, os seios ficam quase descobertos. Ela me
pega olhando e sorri com segundas intenções.
— Pode tocar, se quiser.
— Você está bêbada, cordeirinho.
— E você se importa? — Ela senta desajeitadamente, mas é sexy ao
mesmo tempo. O cabelo tem só uma presilha segurando alguns cachos do
lado esquerdo e ela coça a cabeça como se o item a incomodasse. Ao arrancar
sem delicadeza, as ondas caem no rosto e Marina levanta os olhos verdes
para mim com a cortina de cabelos negros na frente. — Vamos, imperador —
sussurra. — Esta noite, eu serei a sua escrava.
Marina sorri e eu fantasio mil formas de fazê-la pagar com a língua
por me tentar.
Tudo o que quero é me enterrar nesse corpo quente. Se Marina estava
solta ontem enquanto estava sóbria, hoje ela tiraria meu juízo. Porém, ainda
existe em mim um resquício de responsabilidade, algo que me diz que não
devo ir em frente com isso mesmo querendo, mesmo tendo vindo até seu
apartamento esta noite só para isso.
— Marcus Ferraz de Fontana, você está negando fogo? — Tenta
levantar, mas cambaleia, caindo de volta no sofá. Corro para segurá-la antes
que bata a cabeça e Marina aproveita para segurar a abertura da camisa social
e tentar abrir, o que me faz rir.
— Sim. Aproveite, pois essa é a única vez que me verá fazer isso.
— Não te quero negando, te quero aceitando. Sei que quer isso
também. — Ela escorrega a mão pela minha barriga, descendo diretamente
para o meu pau e o segura. — Olha como seu pau está duro só de me ouvir
falando sobre isso.
Afasto sua mão e a viro de costas, encaixando as costas no meu peito.
Não posso negar o fogo que me consome quando estou perto dela, por isso
respiro fundo várias vezes antes que eu acabe tirando nossas roupas e
cedendo. Só então a levo para o quarto. Sob seus protestos, coloco-a na cama
e a cubro, deitando ao seu lado para fora da coberta.
— Vai perder a melhor noite da sua vida, cretino — murmura de
olhos fechados, as palavras saindo lentas.
— Talvez eu concorde com isso, mas não se preocupe, pois teremos
outras.
— Se está pensando que vai me comer, vai passar mal.
— Ah, é? — Dou corda, sabendo que ela não se lembrará dessa
conversa pela manhã. — Por quê?
— Porque não vou te dar.
Dou risada, mas não respondo. Logo sua respiração acalma e Marina
dorme de vez. Decido ficar mais um pouco, afinal, sei dos perigos de deixar
alguém dormir tão alcoolizado quanto ela está. Irei embora antes de clarear o
dia.
Tiro os olhos dela e me pergunto quantas vezes Arthur e Humberto
velaram seu sono. E outros homens?
Você nem deveria estar deitado nessa cama.
Ignoro a razão dos meus pensamentos e viro na cama, encarando o
teto. Só mais um pouco e vou sair.
Marina
Não acredito no que vejo mesmo estando observando-o por mais de
dez minutos. Espero que seja um delírio pós-bebedeira, que esteja sonhando e
de repente acorde com a realidade de estar na minha cama sozinha mais uma
vez. Porém, quando passam quinze minutos e ele continua dormindo ao meu
lado, com uma mão enrolada em minha coxa, sei que é a realidade crua.
Meu vestido não está presente e só uma calcinha minúscula e o sutiã
me protegem de estar nua enquanto Marcus continua vestindo a camisa e a
calça. Está até de sapatos. Reviro em minha mente os acontecimentos da
noite anterior, mas a última coisa que me lembro é de levantar da mesa e
tentar negar que Arthur me acompanhasse até nosso prédio.
Onde ele foi parar?
Em que momento essa troca aconteceu? De Arthur para Marcus. É
uma reviravolta que eu, com certeza, não esperava. Não me lembro de
quando ou como encontrei Marcus, nem de me despedir de Arthur.
Não posso me enganar que acordar e vê-lo ao meu lado me dá uma
sensação que não consigo explicar. É como acordar no deserto morrendo de
sede e ter um copo de água gelada trincando à minha disposição.
Inclino-me, desejando ter um momento de intimidade e apego que não
posso ter quando ele está acordado, e beijo os lábios entreabertos levemente.
Só um gosto do que seria ter o lado carinhoso ao invés dos beijos selvagem.
Será que ele pelo menos tem um lado carinhoso? Sorrio com o pensamento e
me afasto.
O imperador Marcus Ferraz de Fontana não brinca em serviço. Esse
homem é incapaz de criar um elo com alguém e não importa o quão bonito
ele fique pela manhã na minha cama, não posso me apegar a coisas que nunca
vão acontecer.
Levanto e faço minha higiene antes de ir à cozinha. Não sei como ele
chegou aqui, mas vai ser bem tratado de qualquer forma. Só de saber que não
me deixou sufocar em vômito já é muita coisa.
Tiro algumas frutas, pão e suco da geladeira, massa de panqueca e
ingredientes para uma calda de chocolate. Marcus Ferraz vai receber um café
da manhã na cama, mesmo não merecendo muito. Eu quero fazer isso para
ele.
Sei que a visão daquele espécime se alimentando em minha cama vai
me perseguir pelos próximos meses.
Marcus
Acordo em um silêncio incomum, mas o mais estranho é estar sendo
tocado por mãos que não pertencem a nenhuma das minhas filhas. Ainda de
olhos fechados, sinto o sopro da respiração dela e um perfume adocicado que
já conheço. Um beijo depositado em meu rosto, depois nos lábios e o
sussurro suave.
— Acorda, bonitão. Tem algumas explicações para dar.
Abro os olhos, pisco e a encaro, curvada em cima de mim, o quadril
pousado quase em cima do meu pau e os cabelos roçando meu peito pela
abertura da camisa. Os olhos verdes estão brilhando com a luz do sol que
entra pela janela do quarto dela. Sinto o cheiro de café fresco.
— Bom dia.
Marina tem um sorriso discreto, mas sensual no rosto. Bufo e esfrego
o rosto, pensando que, se ela consegue ser uma visão do caralho quando
acorda, como foi que resisti a versão safada da madrugada?
— Que horas são? — pergunto, sentindo a garganta seca. Como se
adivinhasse, ela me oferece um copo de suco.
— Dez e meia. Não olhei, mas seu telefone não para de tocar.
Sento-me e pego o copo, bebendo todo o líquido em poucas goladas.
Deixo-o na bandeja digna de um café da manhã do Palace e me inclino,
beijando-a.
— Obrigado, linda. — Pego o celular no criado-mudo ao lado e
observo as ligações de Nina, de casa e de Heloísa. — Se lembra de algo?
Chegou alta como uma pipa ontem. Seu vizinho não estava afim de cuidar de
você, ainda bem que cheguei na hora. Fiquei para garantir que estaria bem.
Encaro-a. Os olhos arregalados, a boca entreaberta e seu silêncio
repentino me fazem pensar no que fiz nos segundos atrás. Inferno. Desvio os
olhos dela ao perceber que não foi fingimento. Ser acordado com beijos, café
da manhã e toda a gentileza do cardápio de Marina de Castro me
deixou à vontade demais. Agi por impulso.
Ou está ficando mesmo à vontade.
Não disse nada de mais. Só agradeci. Mas pelo que? E o “linda”? E o
beijo? A cena toda parece íntima demais. Familiar. Natural.
O problema é que nada nela é natural. Como é que me contento em
não saber se até mesmo as atitudes de ontem não foram um teatro? Será que
ganhou meu pai desse jeito?
Ah, Marina… Não.
Não comigo.
Levanto-me rápido demais, fazendo a jarra de suco na beirada da
bandeja virar, molhando todo o lençol onde eu estava deitado.
— Marcus! O que…
— Charlote e Elora estão sozinhas, tenho que ir.
Pego meu terno, coloco o relógio e enfio o celular no bolso.
— É claro. — Vejo-a engolir em seco. — Eu devia ter te acordado
mais cedo.
Encaro-a por mais alguns segundos em silêncio e depois saio, batendo
a porta sem conseguir retomar o controle de mim mesmo. Das vontades e dos
pensamentos. Quero voltar naquele apartamento e tirar tudo a limpo, obrigá-
la a parar com os jogos e viver comigo o que ambos queremos; a aventura
que esse desejo mútuo pode nos proporcionar.
Porém, ao mesmo tempo, quero colocá-la em um limbo do meu
cérebro e me lembrar dela apenas quando for importante dar algum passo
contra Humberto.
Entro no primeiro táxi que vejo e pego o telefone, procurando na
agenda o nome que nestes momentos sempre consegue me proporcionar
algumas horas de alívio do que quer que eu esteja enfrentando. Sou atendido
no quinto toque.
— Gia, preciso de alguém. Mesmo hotel e quarto de sempre — digo
em italiano.
— Gia se aposentou, quem fala? — responde uma voz feminina em
um italiano carregado.
— E quem ficou no lugar dela?
— Ninguém por enquanto, mas me diga seu nome e o hotel que envio
alguém.
Era só o que me faltava. Até o único puteiro italiano da cidade vai me
tirar do sério hoje.
Sou um patriota. Não canso de dizer que a Itália é o melhor país em
muitas coisas e isso se encaixa quando se trata de prostitutas de luxo também.
Os níveis são altos, assim como os clientes. Gia nunca decepcionou.
— Quero você. Pago quanto quiser.
Ela gargalha.
— Ah, mio caro, não deixe que meu marido te ouça dizer isso.
— Ele pode participar também.
— Vou ignorar as gracinhas porque você deve estar na merda para
pedir uma garota a essa hora da manhã, mas não fale assim comigo
novamente.
Sorrio. Eu realmente pagaria qualquer preço por uma língua afiada
dessa. Provavelmente me faria tirar Marina da cabeça por algumas horas.
Digo a ela o hotel e o quarto.
— Va bene. Temos uma menina nova que precisa ser testada, então
vou te enviar. Por favor, nos dê o feedback.
— E para quem devo dar esse feedback? — Pesco mais uma vez,
tentando descobrir com quem falo. Desta vez, ela ri, cedendo.
— Você retorna para Anita DeRossi. Ciao e bacio, caro. — Ela
desliga sem dizer mais nada e eu dou o endereço ao motorista.
(…)
A campainha do quarto toca quando estou saindo do banho. Enrolo
uma toalha na cintura e atendo, abrindo a porta para uma mulher
deslumbrante que não sorri ao me ver, como a maioria delas faz. Ela me
encara em silêncio. Não costumo pagar por mulheres, apenas quando não
quero socializar ou até mesmo quando ir a algum lugar possível para
encontrá-las dispostas não está em meus planos. Mesmo assim, não quero que
me bajulem só porque estão sendo pagas. Quero a realidade. Ambos
ganharemos.
O olhar apreciativo da jovem é a única sugestão de que é realmente a
garota para o serviço.
— Olá, imperador.
— Entre.
Abro espaço e ela o faz. Os cabelos são de um louro escuro, natural.
Ela é alta, o corpo desenhado em um vestido que a coube perfeitamente. É
linda.
Linda.
Linda.
Linda.
Uso essa palavra em cada momento possível, dizendo a mim mesmo
que é banal e natural de se dizer. Assim como eu disse sem pensar a Marina.
— Tire a roupa.
Ela me encara silenciosamente, demorando a fazer o que mando.
Antes de obedecer, pega a taça de champanhe que a esperava e vira de uma
vez, olhando-me pela borda da taça, só então desfaz o laço do vestido no
pescoço e deixa-o escorregar. A calcinha fio dental é rosa. Isso me dá água na
boca.
Graças a Deus.
Desejar outra mulher é tudo o que preciso agora.
— Já esteve com alguém hoje?
— Não. — Ela dá de ombros, fazendo os seios generosos sacudirem
um pouco.
— Então seu banho pode esperar. — Tiro a toalha da cintura e agarro
a base do meu pau, que sem surpresa está babando. Tesão pela Marina e pela
puta à minha frente se misturam. Ela é quem vai aguentar pelas duas. — Me
chupa.
Ela não hesita, caminha nos saltos até onde estou e ajoelha, arrastando
as unhas pelas minhas pernas ao mesmo tempo em que deixa a taça no chão.
Envolvo a mão em seu cabelo, segurando os fios com força, e ela geme uma
reclamação.
— Seja uma putinha obediente e chupa bem gostoso. Não gosto de
ficar repetindo. Entendeu?
Ela respira profundamente e vejo a pele arrepiar. A menina pode estar
sendo paga, mas vai sair duplamente feliz deste quarto.
— Sim, senhor. — A língua de veludo deslizando pelo meu membro é
deliciosa, macia e me recuso a fechar os olhos. Quero ver quem é que está
diante de mim.
— Qual o seu nome?
Ela dá uma chupada rápida, tirando-me da boca com um estalo antes
de falar.
— É Lorena, senhor.
— Muito bem, Lorena. Continue.
E ela o faz. Permito-me fechar os olhos desta vez.
CAPÍTULO 21
Marina
"Será que dentro do seu peito não tem coração
E a sua cabeça só pensa em traição
Sai pra lá com esse seu amor bandido..."
mundo de ilusões, gusttavo lima
Marina
Se não o conhecesse, diria que Marcus ficou atordoado com minha
resposta, mas não poderia ter sido mais honesta. Eu me aceito, me admiro,
me respeito e me amo. Claro que cabelo penteado e saltos altos não são
requisitos para isso, mas gosto de levantar às vezes e me arrumar como se
fosse meu último dia de vida. Gosto de me admirar todas as vezes que passo
pelos espelhos do apartamento, ver em mim o que sou: alguém que se ama e
ama a vida.
Mesmo com tudo.
O homem diante de mim talvez não entenda isso.
O sorriso que carrego já sofreu baixas por coisas que ele foi
responsável; como me demitir sem investigar o que realmente aconteceu em
sua empresa ou deduzir, assim como todos, que estive com seu pai, mas não
posso ficar guardando rancor.
O sexo é incrível, conseguimos conversar sem querer matar um ao
outro e nos respeitamos. Ele só precisa entender que, se quiser frequentar
minha cama, precisa de regras. Como se despedir se sair de madrugada e
agradecer por um eventual café da manhã na cama.
Se não quiser mais, basta ir. Eu nunca sonharia em me iludir com uma
ideia de compromisso com Marcus Ferraz de Fontana. Ele não é disso. Só
quero sinceridade e me divertir. Enquanto não mentir e me fizer bem,
estaremos de acordo nessa amizade colorida.
— É vaidosa. Soube disso quando a conheci.
— E soube apenas pelo meu vestido bonito? — brinco.
— Não, por você inteira. É charmosa até no jeito de falar,
cordeirinho.
Não quero me aprofundar nessa pauta. Lembrar-me de quando nos
conhecemos pessoalmente seria voltar na noite em que Nina mais uma vez
tentou me humilhar publicamente e isso traria os sentimentos do que disse
nessa manhã em frente ao prédio do Império de volta.
— Você poderia ter vindo de noite, por que tão cedo?
— Senti saudades.
Ele diz isso com uma cara tão cínica que me faz rir. Não acredito e ele
sabe disso, pois dá um sorrisinho de lado e mais uma vez tenta me agarrar.
— Marcus… — Tento ficar longe, afastando-me de suas mãos.
— Não tem para onde ir, cordeirinho. Quer adiar algo que já está
escrito.
— Você fala como alguém que acredita em destino.
— E acredito.
Dou-lhe um olhar cético, mostrando que não acredito no que ele diz.
— Pensei que o imperador Ferraz de Fontana fosse o Deus do seu
próprio mundo.
— Acontece que para chegar onde estou… — Ele arrasta a mão do
meu pescoço à cintura, os dedos apertando a área com uma leve pressão. —
Precisei ter fé em algo. Se até Alexandre O Grande acreditava em algo, quem
sou eu para não acreditar?
Fito-o surpresa. Não esperava uma resposta tão sincera. No mínimo,
pensei que mudaria de assunto ou diria alguma baixaria como sempre faz.
— Eu não imaginava que você fosse religioso.
— Não são muitas coisas que protegem homens como eu.
— Por isso você se apega à fé?
— Me apego à esperança de que há um Deus que vai me absolver
quando a hora chegar.
— Tem tantos pecados assim? — sussurro, passando o dedo pela
mandíbula cerrada.
— Você nem imagina — diz baixinho, olhando-me no fundo dos
olhos.
Como se uma tesoura tivesse cortado o fio apertado que nos envolve,
ele se desliga. Afasta-se e olha ao redor. Está sério agora. Nada de sorrisinhos
e brincadeiras.
— Vem cá… — Estendo a mão, esperando que aceite e o clima
estranho se dissolva. — Deixa eu te mostrar minha receita nova.
— Mostre-me outra coisa, cordeirinho.
— Como o quê? Você já conhece a casa.
— Sim, conheço a casa.
— Então?
— Então que quero ver você. Me mostre você, no melhor cômodo da
casa, como eu realmente quero ver.
Sorrio, mas não nego o quão tentada fico.
— Boa tentativa, imperador.
Dou-lhe as costas, encaminhando-me à cozinha, mas ele é mais rápido
em me alcançar, grudando o peito em minhas costas e segurando-me sobre o
peito com um braço. Os lábios sopram meu ouvido antes de falar:
— Quantas vezes tenho que repetir que não adianta correr, linda?
Vou responder, mas minhas palavras tornam-se um grito assustado
quando sou levantada no ar e jogada sob seus ombros. Vejo tudo de cabeça
para baixo enquanto ele começa a se encaminhar para o quarto.
— Marcus!
— Continue falando o meu nome assim e não sairemos desse quarto
pelas próximas horas.
— Esta é a minha… Ah! — grito novamente quando sou atirada na
cama. Antes que possa levantar, ele se instala em cima de mim.
— Você dizia… — instiga. No segundo seguinte, meu short começa a
deslizar para baixo, a calcinha seguindo o mesmo rumo. — Continue,
cordeirinho.
— É a minha casa! Não pode me jogar sobre os ombros como um
homem das cavernas e fazer o que bem entender.
Ele se desfaz da própria calça enquanto eu falo. Marcus sorri,
mostrando os dentes perfeitos, e vai aproximando o rosto lentamente do meu.
O joelho encosta na minha intimidade, fazendo-me dar um pequeno salto, e
seu pênis arrasta pela minha coxa.
— Você é toda dona de si, não é, linda?
Ergo o queixo, mesmo que minha boceta já encharcada de ansiedade
diga o contrário da minha boca.
— Sim, eu sou.
— Mas a verdade é que toda mulher assim quer ser completamente
dominada. — Dito isso, ele rasga minha camisa.
Ofego. Meus seios descobertos arrepiam na hora, os bicos ficam
rígidos sob o olhar desse homem, revolto-me com o que diz. Tento escapar,
mas ele rapidamente segura meus braços, sentando em minhas pernas para
evitar que eu saia.
— Admita, Marina — sussurra bem perto do meu ouvido. — Você
adora sentir o meu pau dentro dessa boceta. Adora que eu dê ordens e ama
quando te xingo.
— Não — resmungo, presa no encanto dos olhos dele.
— Ama quando bato lá no fundo te fazendo esquecer toda a porra do
mundo. Você se lembrando só da gente fodendo igual louco aqui dentro.
Antes que possa responder, ele tira minhas palavras novamente, mas
não é um por motivo ruim. Deus, não. Solto um grito, abrindo as pernas
inconscientemente para recebê-lo mais perto e fazer exatamente o que ele
disse: receber seu pau que investe fundo, com força, no fundo do meu
interior.
Sinto-o com uma picada de dor. É tão fundo, tão grosso. Marcus fode
como um animal que vê a liberdade depois de anos enjaulado.
— Isso, cordeirinho — incentiva, mordendo meu pescoço, lambendo
o local e mordendo novamente mais para baixo. — Geme, grite. Quero te
ouvir.
Realmente amo quando ele faz isso.
Inferno.
Não me envergonho de gostar do sexo selvagem, necessitado.
Envergonho-me por ele conseguir arrancar isso de mim tão facilmente. Mas
aproveito. Aproveito o pênis mais gostoso que já senti, a língua mais
experiente e os dedos mais certeiros.
Chamo por ele de olhos fechados. Em minha mente, estamos voando,
subindo cada vez mais. Merda. Sei que quando ele começar a metralhar lá
dentro e atingir meu ponto mais certo, vou cair desse voo sem paraquedas.
Sei que o gozo será tão intenso que talvez dona Lacir ouça e, quando
terminar, ele vai me mandar ajoelhar e chupá-lo até engolir seu gozo. Sei que
lágrimas vão escorrer dos meus olhos e vou ansiar pela próxima vez.
Ele sabe disso também, por isso sempre diz. Por isso é tão
convencido.
Ele sabe o que faz.
Sempre soube que eu amo ser dominada.
(...)
— Fica — peço, segurando seu braço quando ele senta e pega a calça
no chão, preparando-se para sair.
Marcus me olha por cima do ombro. Sua atenção dirige-se ao meu
corpo. Mesmo minha pele escura ele consegue marcar. Há chupões nos seios,
suas mãos levemente sinaladas em minha cintura e a vermelhidão dos tapas
nos quadris. Estou suada, o cabelo todo emaranhado e um pouco sem ar.
Marcus me olha com atenção. Admira e, por fim, dá um sorrisinho.
— Não usamos preservativo.
— Eu sei — sussurro, murchando um pouco.
Ele franze o cenho, ficando sério outra vez.
— Vamos fazer exames — diz. — Mas até que saiam os resultados,
preciso me preocupar?
— Nunca fiz desprotegida com ninguém. — Ninguém me tirou de
órbita antes mesmo de o sexo começar a ponto de eu esquecer o mais
importante. Só ele. Mesmo assim, eu me sinto burra. — Tomo remédio.
Ele demora a dizer algo e fica só me olhando, mas quando o faz,
levanta e me estende a mão.
— Vamos tomar um banho.
— Vai ficar? — pergunto sorrindo antes de aceitar.
— Tenho escolha quando você me pede exibindo esse par de peitos,
pretinha?
Meu coração treme um pouco. O uso do termo é dito tão
carinhosamente. Como se me chamasse assim, tão intimamente, o tempo
todo. Isso me faz engolir em seco. Pergunto-me se fez propositalmente ou se
apenas saiu. Tentando manter meu espanto escondido, aceito sua oferta e
vamos para o banheiro.
Ele parece enorme aqui dentro, meio perdido. É claro que não tem os
luxos que sua cobertura provavelmente deve ter, mas é um banheiro
aconchegante de uma mulher solteira. A quantidade de maquiagens na pia o
assusta e ele me dá um olhar engraçado.
— Vai se acostumando, bonitão — brinco. — Daqui uns dez anos, os
banheiros da sua casa serão assim também, só que pior.
— Inferno — resmunga ao ligar o chuveiro. — Não me lembre das
minhas meninas crescendo quando estou com você pelada nos braços,
mulher. Me faz pensar que logo serão elas com algum merdinha na mesma
situação.
Rio do ciúme bobo e pego o sabonete, colocando na esponja.
— Acostume-se. Vira, vou lavar suas costas.
— Não são minhas costas que precisam ser lavadas. — Ele me
envolve nos braços, fazendo o membro, que já está espantosamente duro,
aconchegar-se em meu estômago. Ele o esfrega em mim, mostrando quem é
que tem que ser limpo.
— Marcus, acabamos de fazer…
— É, acabamos. Agora temos que começar de novo.
— Não, eu…
Perco o total discernimento do que ia dizer quando ele enfia um dedo
dentro de mim, mordiscando a pontinha da minha orelha. Chupa meu
pescoço, enfia outro dedo e aperta seu corpo junto ao meu… Empurro-o,
suspirando quando os dois dedos escorregam para fora.
— Você vai pagar por isso.
Ele encosta na parede e nem se abala com o azulejo frio.
— Ah, é? Como, cordeirinho?
Ajoelho lentamente, arrastando as mãos que estavam em seu peito até
as pernas, e seguro seus tornozelos quando alcanço o chão. Ele cerra a
mandíbula, resmungando algo que não entendo, mas não demora em alcançar
alguns fios de cabelo quando abocanho seu membro.
Minha garganta está levemente sensibilizada por já o ter forçado
antes. Na hora da empolgação, nem sentimos, mas não me importo. Chupo-o
e lambo hora ou outra, masturbando o mastro grosso, moreno e cheio de veias
saltadas.
— Filha da puta! — esbraveja quando o levo mais fundo.
Sem esperar mais, Marcus me bate na parede. Meu corpo leva um
choque pelo contraste da água quase fervendo e o piso congelando, mas não
reclamo. No segundo seguinte, ele ergue minha perna e penetra-me
novamente.
— Ah meu Deus! — As sensações são tão fortes que meus olhos
lacrimejam e tento me afastar. Estou tão sensível no meio das pernas que
quero que ele tire, mas ao mesmo tempo quero que continue e vá mais forte.
Ele percebe. Segura meu rosto com a outra mão, encostando os lábios
na minha testa.
— Droga — choramingo.
— Sim, é uma droga. A porra de uma droga viciante.
— Marcus…
— Estou aqui, linda. Estou aqui. Sou todo seu.
(...)
— Venha viajar comigo — fala enquanto se veste, para valer desta
vez. Sua irmã tinha ligado e, pela forma abrupta como se afastou, deduzi que
algo tinha acontecido, mas não perguntei e ele não falou nada.
— O quê? — Rio. — Não, você tem suas coisas para fazer e eu
preciso…
— Precisa o quê? São só alguns dias. — Marcus chega perto,
segurando meu pescoço para fixar meus olhos nos seus. — Pense nisso como
férias adiantadas. Dois ou três dias de sexo gostoso com o cara mais gostoso
que conhece.
Depois do que compartilhamos hoje, a forma como aconteceu, sinto-
me mais do que tentada a aceitar. E o pior é que ele está certo. O que eu farei
aqui além de ficar em casa e me estressar mais com minha mãe? Facilmente
conseguiria alguns dias de folga no buffet depois de tantas semanas
trabalhando em todos os eventos. Neiva não se importaria.
— Eu não sei… — Hesito.
— Você quer.
— Eu quero — sussurro, recebendo vários beijos nos lábios enquanto
falo. — Mas não é muito rápido?
— Você pensa demais, linda. Já te disse para parar de negar com a
boca o que está implorando com o corpo. São férias.
— É meio da semana, Marcus.
— Mais um motivo para ir.
Sorrio, balançando a cabeça em negação. Ele revira os olhos.
— Se te faz se sentir melhor, será uma viagem de trabalho. Tenho
duas reuniões em dois dias, então ficarei bastante com você. Mas quero sua
companhia.
— Para onde?
— São Paulo.
— Podemos experimentar alguma pizza? Dizem que as de lá são
melhores que as do Rio.
Ele me dá um olhar zombador.
— Isso é porque não conhecem minha Itália pessoalmente.
— Você não tem jeito.
— E por isso você virá comigo? — insiste, beijando as costas da
minha mão direita.
Respiro profundamente, mas é impossível pensar demais fitando as
profundezas desse olhar.
Eu sou uma batalha perdida contra o exercito de um homem só que é
Marcus Ferraz de Fontana.
— Sim — digo finalmente. — Irei com você.
CAPÍTULO 24
Marina
"A mulher em mim
Vai então pedir;
Fala de amor
Me faz ser feliz
Porque é assim que eu sou
Ah, eu preciso dizer
Que a mulher em mim
Precisa de um homem
Que é você..."
a mulher em mim, roberta miranda
Marcus
— Imperador! — A voz do Paulista me recebe com um tom estridente
quando entro no restaurante vazio.
Há uma única mesa ocupada, que é onde ele e mais quatro homens
ocupam as cadeiras, deixando só uma livre.
— Paulista — respondo em um tom não tão animado quanto o dele,
afinal, a mensagem de Marina deixou meu pau tão duro que a única coisa que
passa pela minha cabeça agora é finalizar isso de uma vez e voltar ao hotel.
Preciso superar esse desejo de uma vez. Já está virando obsessão. Se
tenho autoconsciência disso, então algo está errado. Maldito pau filho da
puta!
Paro antes de alcançá-los e cogito ligar para Arlete e pedir para falar
com as meninas só para que os pensamentos cheios de sexo e Marina saiam
da minha mente, mas não tenho tempo. E pior, o efeito seria temporário.
— Grande homem, Ferraz! — Ele me puxa pela mão, batendo em
minhas costas com um grande sorriso. — Esperei ansioso por essa reunião
durante meses, meu caro.
— Então vamos fazer valer a pena.
— Esse… — Paulista me aponta, fazendo um gesto aos outros
presentes. — Esse é o cara, rapazes!
— Corte a ladainha, Nivaldo. Tenho pressa em voltar ao hotel. —
Sento-me, cumprimentando com curtos acenos de cabeça os homens na mesa.
Ronald, ou Paulista, como é mais conhecido pelos trabalhos ilícitos que faz,
apresenta seus colegas a mim, mas não reconheço nenhum homem
importante. Ainda assim, decoro todos. Provavelmente não usarei, mas gosto
de memorizar nomes e rostos que me veem fazendo esse tipo de negócio.
Ele ganhou o apelido porque só fazia negócios em São Paulo, nunca
saía da cidade. Tem algo a ver com o que uma cigana disse ao ler a mão dele
enquanto passava pelo centro, que quando saísse da cidade seria preso e
morreria com poucos meses na cadeia.
Eu tenho fé, mas não a ponto de acreditar em algo que uma estranha
diz na rua e basear minha vida inteira nisso. Porém, não o crítico. Cada
homem sabe o peso que carrega, e assim, tem consciência do que sofrerá se
um dia cair.
— Pressa, hein? — brinca, acendendo um charuto. — Vocês podem
esperar no bar, rapazes.
— Muita — respondo, vendo os quatro se retirarem e indo até o bar
enquanto batem papo. — Quem são?
— Aprendizes.
— Precisa de tantos?
— Não, só um deles ficará no meu lugar.
— Ainda é novo, por que já procura alguém para nomear no
testamento? — Ele bufa, enfia a mão no bolso do paletó laranja-escuro e tira
um saquinho grosso, cheio de pó dentro. Sem demora, desembolsa um cartão
de crédito e espalha o pó na mesa, formando três linhas.
— Eu sinto que vou embora cedo, meu caro. Por isso venho me
precavendo em todos os sentidos.
— Sua esposa deveria ser sua única herdeira, não?
— Aquela vadia não ficará com um centavo meu, porra. — Ele cheira
duas carreiras, uma seguida da outra.
Tomo a frente fazendo o que faço de melhor, dominando a situação.
Aceno para o garçom e ele se aproxima prontamente.
— Senhor?
— Sirva a grappa e conhaque. — Fito-o. — Vodka?
Ele assente, rindo.
— Você me conhece bem.
— Por mais que eu adore ficar sentado em um restaurante vazio te
assistindo cheirar até corroer o nariz, quero ir logo ao que interessa.
— É claro. — Ele engole a dose de vodka e cheira a terceira carreira
de uma vez, dispensando o garçom e acenando para um de seus seguranças
mais antigos, que está parado em frente à porta.
— Pelo amor de Deus, se tiver uma overdose na minha frente, cancelo
nossos negócios e procuro outro. Pelo menos não terei que viajar para tratar
de coisas simples.
Ele gargalha, aceitando o segundo saquinho das mãos do segurança.
— Suas meninas te deixaram mole, imperador. Não sente falta dos
dias de glória?
— Ao. Trabalho — rosno.
— Certo, certo! — Ergue as mãos em rendição, virando o saco aberto
e deixando o pó cair em seu terno. — Ah, merda!
Tanto ele quanto os quatro idiotas no bar caem na risada. Eu fito o
relógio, perguntando-me o que Marina está fazendo agora.
— Ronaldo — chamo uma última vez, alertando-o pelo meu tom de
voz que acabou a brincadeira.
Todas as vezes é do mesmo jeito, o imbecil não sabe se controlar.
— Certo, vou chamar alguém para me ajudar com isso. Por enquanto,
podemos prosseguir. O que vai querer desta vez? — Ele acena para o
segurança novamente, mas desta vez o homem passa por nós, indo para os
fundos.
Entrego-lhe a pasta com os documentos.
— Precisamos de acesso a uma mina em Rondônia, mas não querem
ceder. Você precisa estourá-la de impostos atrasados e multas, não importam
quais. O terreno precisa ir a leilão nas próximas semanas.
— E você vai comprar?
— Sim.
— Será caro. E se perder o dinheiro? — Ele se inclina para mim. —
Meu caro, preciso trabalhar, mas você é meu amigo. Não quero te ver
no preju.
— Já tive alguém visitando a área, é um bom negócio. A receita está
no meu pé com aquela questão da mina no Pará. Veja os registros deles e
apague o essencial que poderia prejudicar o Império. Não faça a limpa, pois
seria muito suspeito.
— Marcus Ferraz de Fontana… — Balança a cabeça, sorrindo. —
Retiro o que disse sobre suas filhas te deixarem mole.
— Me solta! Eu sei andar sozinha! — Ouço uma voz feminina atrás
de nós e viro-me, sem interesse, mas no momento em que bato os olhos na
loira que vem arrastada pelo segurança do Paulista, fico tenso.
Ronaldo começa a rir e bate na mesa, derrubando a garrafa de grappa
no chão.
— Merda! — Tento salvá-la, mas não há tempo.
— Tinha que ver a sua cara! — Ele gargalha mais ainda, agarrando a
menina quando ela é praticamente jogada em seu colo. Os olhos estão tão
arregalados que poderiam saltar para fora. — Acha que eu não sabia que se
divertiu com a minha pequena cunhada?
— O que está acontecendo, Ronaldo? — pergunto, mas não me abalo
por fora. Tubarão que treme na frente de tubarão vira comida. Não tem
nenhuma chance de eu mostrar minha surpresa a ele.
— Eu soube que ela foi enviada para você. — Ele passa o rosto pelo
pescoço da menina e ela continua me olhando fixamente. — Lorena é a
melhor foda que eu já tive, é sempre bom compartilhar o pão. Não é, gatinha?
— Sim, senhor — a menina responde em um tom de voz fraco. Bem
diferente da voz animada e do sorriso que me deu naquele quarto de hotel.
— Anita DeRossi a enviou para mim.
— Sim, mas eu a enviei à Anita primeiro. Lore precisa trabalhar. E
mais do que trabalhar, ela consegue informações para que eu feche um novo
cliente. Quero Luigi DeRossi trabalhando comigo e a minha gatinha aqui vai
conseguir isso.
— Se ele descobrir que infiltrou alguém na casa, vai te matar. Pode ir
perdendo o seu medo de sair da cidade, porque os DeRossi vão te fazer
querer fugir.
— Eu sei dos riscos. Sei quem eles são, mas preciso alcançar metas e
Lorena sabe que confio nela com todo o meu coração. — Ele a empurra de pé
e dá um tapa na sua bunda. — Agora vá sentar no colo do imperador, vai,
gatinha. Mas antes, puxe a calça dele para baixo e levante sua saia. — Ele ri
alto e os outros seguidores, já bêbados no bar, fazem o mesmo.
A menina o obedece, sentando de frente para mim, os olhos
amedrontados nos meus.
— Lorena… — O tom dele é de aviso. — Esse é um homem que você
não vai querer bancar a selvagem, gatinha. Marcus Ferraz de Fontana não é
tão bonzinho quanto eu.
Mais risos. Nessa frase dele, capto um olhar de pânico surgir no rosto
de Lorena.
— Ferraz de Fontana? Daquela empresa no Rio? Filho de Humberto?
— sussurra e eu assinto lentamente. — Oh, meu Deus! — Engolindo em
seco, vejo seus olhos lacrimejarem.
— O único.
Não nego que quero foder a mulher. Já o fiz e ela entra para a lista
daquelas que eu repetiria, mas a situação toda é bizarra. Ronaldo é bizarro.
Não sei como ainda não acabou morto.
— Por favor, não vamos… Não me toque…
Franzo o cenho e imediatamente tiro as mãos da perna dela. Vejo algo
em seus olhos, não sei o que, mas a coitada parece estar a ponto de surtar.
Pergunto-me o motivo. Mesmo que eu não tenha dito meu nome quando a
contratei, ela não me reconheceu? E mesmo se tivesse reconhecido, por que
tanto pânico?
— Saia — digo em alto e bom som. Ronaldo fecha a cara e a fita
ameaçadoramente.
— O que ela fez?
— Nada. Ela é uma boa foda para uma única vez, mas não quero a sua
prostituta.
— Bem… — Ele apaga o charuto e vira mais uma dose de conhaque.
— Os rapazes vão fazer bom proveito então.
Como se não pudessem ver a hora de fazer isso, os quatro no bar se
aproximam, cada um já tocando partes diferentes do corpo dela. Merda…
Maldita consciência.
— Espere. Eu a quero. Vou levá-la para a noite, quanto é?
— Meu caro, acabou de dizer que não a queria.
— Sim, mas só me lembrei dos peitos dela agora que ficou de pé.
Mande seus homens saírem, pois eu a quero.
— Certo, acertamos nossas contas depois. — Ele ri e pega o braço de
Lorena, puxando-a para si. — Obedeça. Você sabe que ele está lá em casa
com a sua irmã, então faça tudo certo para que eu faça tudo certo também.
Ela acena freneticamente.
— Vou me comportar.
— É assim que se fala. — Paulista a solta e me estende a mão. —
Meu caro, como sempre, é ótimo fazer negócios com você.
Viro o que sobrou da grappa no meu copo e indico a porta para
Lorena.
Fábio me espera do lado de fora e abre a porta traseira do carro ao me
ver. Franze levemente o cenho para Lorena, mas não diz nada.
— Para o hotel — digo quando me acomodo atrás, um banco de
distância entre mim e ela, mas ainda sinto seu olhar em mim.
Ela pega o celular, olha, depois olha para mim e para o celular de
novo.
— Qual a porra do problema? — pergunto impaciente. Ela pula ao me
ouvir e vejo uma lágrima escorrer de seus olhos.
— Senhor, eu não o reconheci aquele dia no hotel. Eu… Isso não
pode acontecer!
— Algum problema comigo? — Ergo uma sobrancelha. Minha fama
com as mulheres sempre foi boa, pelo menos quando ainda não me
conheciam. O horror dessa em especial me estranha.
— Não, eu… Por favor, não me faça dizer. Só não me leve ao seu
hotel. Eu pago o que Ronaldo vai te cobrar, mas me deixa em outro lugar e…
— Já chega! — digo com afinco e ela se cala na hora. — Já falei que
não vou foder com você de novo. Ronaldo é um problema que não preciso
lidar agora. Vou deixá-la em outro quarto e de lá você se vira.
— Muito obrigada! — Ela vira para mim, juntando as mãos e
agradecendo repetidamente.
— Porra! — murmuro. — Pare com essa merda. Se você falar para
uma alma viva que me conhece, Ronaldo vai virar um sonho lindo em
comparação a mim, entendeu?
— Si-sim, senhor! Jamais direi nada! Prometo.
Suspirando, encaro o olhar de Fábio pelo retrovisor. É preocupado e
confuso, alterna entre mim e a loira, mas ninguém diz mais nada até chegar
ao hotel. Quando chegamos, saio do carro e, quando ela segura a maçaneta,
eu a paro.
— Você vai entrar pelo estacionamento e Fábio te acompanhará até a
recepção. Lembre-se, nem um pio sobre o que aconteceu entre nós.
Ela assente e encosta no banco de novo. Saio e dou um aceno curto ao
gerente. Há uma única pessoa que quero dar atenção agora. Porra, eu tenho
horas de uma ereção infeliz para descontar.
Marina
Estou desligando o chuveiro quando escuto a porta do quarto fechar.
Sorrio involuntariamente sabendo que ele voltou. Tirei um tempo para
acomodar minhas coisas no quarto e desempacotar o essencial das malas. Em
seguida, resolvi tomar um banho e aproveitar o luxo que o hotel me oferecia
de graça. Não imaginei que voltaria tão cedo, mas fico feliz. Enxugo-me
passando um óleo corporal antes de sair e, como prometido para realizar o
que ele espera, visto apenas o robe.
Com um sorriso, abro a porta e preparo-me para me jogar em seus
braços, mas minha surpresa e o horror não poderiam ser maiores quando vejo
Christopher ali. Agarro os dois lados do tecido, apertando-o com força, e dou
passos tão rápidos para trás que bato as costas com tudo na
parede, tropeçando no fio do abajur.
— Droga!
Christopher corre em minha direção com o cenho franzido, me dá um
olhar preocupado e abaixa em minha frente.
Meus quadris doem pela queda e derrubo o abajur de pé no caminho.
Isso será mais caro do que Marcus espera. Aposto que quando me mandou
aproveitar as regalias, quebrar o hotel não estava incluso.
— Cuidado, gata! — Ele envolve meus braços com as mãos e me
olha nos olhos. — Você está bem? Foi um tombo e tanto.
— É claro! O que diabos você está fazendo aqui?
Christopher balança a cabeça.
— Eu deveria fazer a mesma pergunta — murmura baixo.
— O quê?
— Esquece, vem, deixa eu te tirar do chão.
Ele começa a enrolar os braços em minha volta, mas tento afastá-lo.
— Posso ir sozinha.
— Não seja teimosa. Só vou te colocar na cama e estou saindo fora.
Hesito, mas assinto.
— Sim, isso é bom. — Refiro-me a ele sair rápido. — Quer dizer, o
quarto é do seu irmão, mas não te conheço o suficiente para ficar aqui
sozinha com você. E confortável até que ele volte.
Christopher me coloca na cama, ajeitando o travesseiro nas minhas
costas doloridas, e eu gemo uma reclamação.
— Não é de mim que deveria ter medo de ficar sozinha, linda. — Ele
ri com o rosto próximo ao meu, olhando-me fixamente.
Neste momento, a porta é aberta e Marcus entra. Parece ansioso,
apressado, mas seus passos pesados mudam para um caminhar lento quando
bate a porta com força e nos encara.
Então, vejo como a cena parece. Eu deitada com os braços no pescoço
de seu irmão e ele segurando minhas pernas.
OK. Não é meu melhor momento.
— Marcus… — falo, desvinculando-me de Christopher, tentando
levantar.
Ele me dá um olhar frio, congelante. Como naquele dia no Império
quando me mandou ficar longe de suas filhas.
— Quietinha, Marina. — Ele encara o irmão. — Você, vem comigo.
— Cara, a ajude primeiro. A menina caiu e…
— Se pode se jogar para você no minuto em que te vê, também pode
se cuidar enquanto falamos na outra sala.
Uau! Eu penso. Mesmo sabendo da sua fama e até ouvindo coisas
dele dirigidas a mim, eu não esperava um tratamento como esse depois do
que temos dividido nos últimos dias, mas, como sempre, espero demais de
quem não devo esperar nada. Christopher me encara uma última vez com um
olhar de desculpas. Reconheço até certa pena. Em seu irmão vejo apenas
raiva.
— Você fique aqui, falaremos quando eu voltar.
— Me deixa explicar que…
— Não precisa explicar o que há muito tempo já foi esclarecido,
Marina. Meu pai, meu irmão. Quem diabos for! Faça o que quiser, mas não
quando está hospedada aqui às minhas custas. Você deveria ser minha esses
dias, mas parece que só um Ferraz nunca é o suficiente para você, não é?
Estarrecida, observo-o sair do quarto sem conseguir dizer nada em
resposta. Não acredito no que disse. Seu pai? Deus… Ele realmente ainda
pensa que tive algo com Humberto? Ainda acreditando nisso me levou em
uma viagem com ele para passarmos tempo juntos?
Foi atrás de mim a cada oportunidade que teve?
Espero até que a porta esteja fechada para me esticar e garantir que
está tudo bem. Sentindo apenas o corpo um pouco dolorido, levanto-me e
com pressa guardo de volta as minhas coisas. Não me preocupo em ter
qualquer consideração para deixar um bilhete a ele. Voltar e encontrar o
quarto vazio falará por si mesmo.
No caminho para o elevador, procuro o nome da única pessoa que
pode me ajudar neste momento. Ela atende três toques depois.
— Ei! Você não sabe da última.
— Dani… — chamo e, apenas pelo meu tom de voz, ela percebe que
tem algo errado.
— O que você precisa?
— Cobain tem um apartamento aqui em São Paulo, né? Você acha
que ele se importaria de me deixar passar uma noite por lá? Vou embora
amanhã cedo, só preciso comprar uma passagem, mas não posso me dar ao
luxo de comprar passagem e pagar um hotel de última hora então… — digo
tudo de uma vez, atropelando as palavras. Estou à beira das lágrimas e
qualquer um pode ver isso.
— Ei, calma! Respira! O que aconteceu?
Aciono o térreo e fito o teto do elevador.
— Fiz a maior burrada da minha vida. Só isso.
— Ah, meu amor, todas nós já fizemos. Graças a Deus estou mais
perto do que você pensa.
— Como assim?
— Cobain precisou vir para cá de última hora. Como Cody não
estava bem ontem de manhã, Cobain insistiu para que a gente viesse junto.
— Você está aqui? — sussurro, aliviada a ponto de as pernas
fraquejarem.
— Sim, meu bem. Resolvemos ficar na fazenda do Danilo desta vez,
mas você vai vir direto para cá. Pegue um táxi e pagamos quando chegar
aqui, OK? Ou melhor, me dê o endereço que o motorista vai te buscar!
— Não, o táxi é melhor. Se eu esperar, Marcus pode me alcançar na
porta.
— Espera… Marcus? Aquele Marcus?
Suspiro.
— A maior burrada, já falei.
— Inferno, agora eu acredito.
Não brinca, cacete.
— O pessoal do hotel vai me conseguir um táxi deles, mas me fala…
Como o Cody está?
Marcus
— Cara, que porra é essa? — Christopher grita quando entramos no
quarto onde ele está hospedado apenas um andar abaixo.
— O que está fazendo aqui?
— O que eu estou fazendo aqui? Essa é boa! Vim porque não
aguentei até que resolvesse voltar ao Rio para tirar a limpo a história que
papai me contou.
— É claro — ironizo. Sabia que o velho não ficaria calado muito
tempo.
— Chego aqui e vou ao seu quarto na intenção de encher sua cara de
porrada e descubro o motivo disso lá contigo! Cara, você perdeu a noção?
— Não é da sua conta.
— Caralho, Marcus, está se ouvindo? Nós fodemos ela! Você fodeu
literalmente, mas porra, ela sabe?
— Não há nada para saber.
— A pobre coitada está dormindo com o inimigo e nem faz ideia.
— Já disse e repito que não é da sua maldita conta!
— Mas é da dela e eu vou contar! Você pode derrubar o hotel no
peito, mas não vou compactuar com isso mais do que já fiz.
— Ela mereceu.
— O quê?
— Não sabe o que Heloísa passou quando descobriu.
Christopher me encara incrédulo.
— Então é sobre isso? Você e Nina envolvidos em uma vingancinha.
— Ele ri e passa as mãos pelo cabelo. — Está de sacanagem.
— Você sabe da história.
— Sei da história porra nenhuma! Isso é coisa da cabeça da Nina. Eu
só concordo com ela para encher o saco!
— Não, é verdade. Ela está com Humberto e quer saber… Não
demorou nada para cair nos meus braços.
— É claro que ela está com Humberto, estúpido! Ela trabalhava para
ele, vivia para ele! Sabe quem pagava as faturas do cartão da mamãe? Quem
ligava na escola das meninas quando você estava fora do país? Pense um
pouco, idiota. Ela nunca trepou com ele. Nosso pai até mesmo arrumou
encontros para ela.
— Não, não faz sentido.
— Você não faz sentido! Já chega dessa merda. A melhor coisa que
ela faz é ficar longe dessa família fodida de loucos. — Ele passa por mim e
tento segurá-lo, mas recebo um soco no queixo, cambaleando para trás.
Ele vai pelas escadas e sigo logo atrás.
— Christopher! — grito, atraindo a atenção de um funcionário que
ameaça vir atrás, mas ergo a mão, parando-o no caminho.
Não alcanço o meu irmão e, quando o vejo abrir a penúltima porta do
corredor, vacilo nos passos. Estranhamente, sinto certo receio de não saber o
que vai acontecer, da situação sair do meu controle e principalmente por
saber que precisarei acabar aquilo com Marina mais cedo do que esperava.
Entro no quarto esperando ver meu irmão contando tudo o que
descobriu no Rio de Janeiro, mas não. Vejo-o olhando ao redor do quarto
com uma expressão confusa e, quando seu olhar encontra o meu, fecha-se de
raiva.
— Feliz?
— Onde ela está? — pergunto mais a mim do que para ele.
Sozinha, provavelmente sem dinheiro. Por que diabos ela saiu? Só
porque estraguei sua chance com Christopher?
— Depois das coisas que você disse, imbecil. Até eu que sou mais
filho da puta sei o que não dizer a uma mulher.
Ignoro-o, procurando no banheiro e na antessala por qualquer sinal de
que teria ido espairecer e já voltava. Não encontro nada. Começo a revirar os
móveis por um papel, um recado, qualquer merda.
— Pelo menos ela foi embora sem estragos maiores.
Cansado de ouvir sermões do cara mais irresponsável que conheço,
agarro-o pelo colarinho.
— Vou encontrá-la. Se falar algo, Christopher, juro por Deus que
Charlote e Elora serão completamente excluídas da sua vida. O que deu na
porra da sua cabeça para pensar que poderia me ameaçar?
Ele franze o cenho.
— Não faria isso comigo.
— Você me conhece, irmãozinho. Porra! — Solto-o e pego minha
carteira, mandando uma mensagem rápida para Fábio, avisando que deve
preparar o carro.
— Tudo isso por uma vingança ridícula e injusta?
Paro no limiar da porta, mas não viro para encará-lo.
— Meus motivos são meus.
Saio do quarto.
Preciso encontrar meu cordeirinho.
CAPÍTULO 25
Marina
"Será que eu me enganei o tempo todo com o seu olhar?
Apesar de tudo que vivi eu me deixei levar
Ilusão
Foi te amar..."
te amar foi uma ilusão, gusttavo lima
Marcus
Crianças têm facilidade em perdoar. Foi só pedir desculpas — e eu
pedi sinceramente — que elas me receberam de volta. Voltei a ser o papai, o
herói delas. Agora, depois de tomadas banho, as duas tiveram a ideia de
dormirmos na sala juntos.
— Você não quer ir para o quarto, Lote? — pergunto, tentando
prender o cabelo dela.
Marina ri das minhas tentativas, mas não se move para ajudar. Indico
a cabeça de Elora, mas ela balança a cabeça.
— Já dei banho, papai. Você ficou com os cabelos.
— A gente não vai pro quarto, porque se não a Malina vai embora.
— Ela vai ficar esta noite, Elo — explico.
— Não, papai. Ela vai sim.
Desisti de lutar contra. Esta noite, Marina pertence às duas
menininhas de cinco anos e pijama colorido.
Ao invés de deitar e dormir, pois sabem do compromisso na escola
amanhã, as duas decidiram mostrar a dança para Marina. Foi ordenado que eu
ficasse no sofá e elas me mostrariam. Marina, com as bochechas rosadas e
sem saber muito bem para onde ir com aquela coreografia, e as duas
garotinhas bravas quando ela erra. Marina tentou e tentou, mas, por fim,
Elora diz que a perdoa pelos erros.
— Mas olha só, Malina — A menina explica muito séria. — Você
tem que aprender, tá bom?
Segurando o riso, ela assente.
— Tudo bem, me desculpe.
— Ah, não tem problema.
Não sei o que fazer com aquela situação. Principalmente quando
Elora a abraça, confirmando que está de fato tudo bem. Ela me ajudou com as
meninas, então apenas por essa noite não vou pensar nas consequências do
que tê-la aqui tão perto podem trazer.
(...)
Mais tarde, naquela noite, quando Marina está tentando fazer as duas
dormir em uma cabana que as meninas improvisaram para ela na sala e a
agarram como se a mulher fosse fugir a qualquer momento, vou ao escritório.
Tenho um negócio importante para tratar, algo do tipo que ela não pode
saber, pois se trata dela. Fecho a porta e sento atrás da mesa, pegando o
telefone.
Daniel me atende rápido, como sempre.
— Qual a emergência? — pergunta, sonolento. — Olha o relógio,
Marcus.
— Você recebe por cada hora que trabalha, então considere como
extras.
Ouço um suspiro.
— O que precisa?
Abro a gaveta, tirando o envelope com as fotos, e distribuo uma por
uma na mesa. Pego meu cinzeiro e o isqueiro, pois nos momentos de
irritação, fumo um ou outro cigarro.
— Preciso que destrua os documentos que fizemos contra Marina.
— O quê? Como assim?
— Limpe tudo. Garanta que quem forçou as assinaturas não tenha
nada registrado também.
Enquanto falo, começo a queimar as fotos. Queimo uma por uma.
— Mas por que isso agora? O que fez com ela, Marcus?
Está se exaltando. Sorrio, sabendo que ele é só mais um que deseja o
que não pode mais ter.
— Faça isso.
Minha próxima ligação é para alguém que vai virar o mundo de ponta
cabeça, mas vai descobrir quem armou contra a minha família usando
Marina. Então depois, só depois, voltarei para as três mulheres que me
esperam lá embaixo.
(...)
Quando volto, Marina está no meio da sala com o controle do som na
mão e descalça em cima do tapete grosso de pelos, dança sob dois pares de
olhos atentos. Não reconheço a música, mas Elora e Charlote cantam junto,
saltitando em passos descoordenados, divididas entre rir e dançar.
— Vai, tia Malina! — Charlote grita, rindo quando Marina a gira de
novo e depois passa para Elora, fazendo a mesma coisa. — Olha, papai!
— Estou vendo, princesa. — Sinto-me aliviado.
Com uma única conversa, essa mulher conseguiu fazer com que
minhas filhas me perdoassem.
— Ela é tão bonita — Elora diz quando deixa as duas dançando e fica
ao meu lado.
— Sua irmã?
Ela balança a cabeça.
— A tia Malina.
— Ela é mesmo.
— Papai, agora que ela tá aqui, quanto tempo vai demorar até a gente
ter um bebê?
Fito Marina. É óbvio que essas perguntas apareceriam. Ela é a única
mulher que eu permiti chegar perto das duas.
— Vamos dançar. — Evito a pergunta, porque honestamente não sei o
que vai acontecer.
Não sei o que sinto. Só sei que quero isso por mais algum tempo, seja
lá o que “isso” for.
— Tá bom!
Começo a dançar com ela, mas Elora fica parada e balança a cabeça,
apontando para Marina.
— Não comigo, né!
Sorrio e me inclino para dar um beijo na cabecinha dela. Cabecinha
inteligente. Ela chama sua irmã, focada na missão de me ver junto a mulher
mais velha. Charlote nem hesita, pegando a mão da irmã e levando-a para
sentar na cabana.
A música muda, assim como a expressão no rosto dela. Eu reconheço
a antecipação. Não faço ideia do que está passando por sua cabeça, mas ela se
torna tímida, hesitante.
— O que foi, cordeirinho?
Ela se prepara para dizer algo, mas muda de ideia e balança a cabeça,
olhando-me fixamente nos olhos.
— Nada. — Dá de ombros. — Eu só amo essa música.
Aproximo-me. Estendo a mão e sorrio para ela.
— Então dance comigo.
— Como eu diria não, imperador? — Sussurra quando a alcanço.
“Eu já não sei mais o que faço com meu coração,
Eu não tenho mais o controle da situação,
Todo caminho que eu sigo me leva a você
E quanto mais tento fugir eu me aproximo mais
Não tem mais jeito, já se foi, razão ficou pra trás,
Eu já não sigo meus instintos, medo de sofrer”
Gosta de máfia? Leia minha série dark romance (No Berço da Máfia).
Gosta de drama? Leia “Por você, Cobain James”. A história de Danielle, seu
bebê Cody e Cobain.
Gosta de uma dose de mistério, erotismo e novela mexicana? Leia “O
Governador”.
Gosta de mais mistério ainda? Leia minha outra série dark romance (A Liga
dos Diamantes)