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Copyright © 2021 Laís Olly

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autorização por escrito da autora.

Revisão: Lidiane Mastello


Capa: Hórus Editorial
Diagramação: Laís Olly

Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
AVISO: ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO DESTINADA A MAIORES DE 18 ANOS!

Este é um romance dark contemporâneo, nada tradicional. Ele contém assuntos polêmicos como
estupro, tortura, linguagem imprópria e conteúdo sexual gráfico. Esta é uma obra de ficção. A autora
não apoia e nem tolera esse tipo de comportamento. Não leia se não se sentir confortável com isso.
Índice

Índice
Sinopse
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Catorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Agradecimentos
Redes sociais da autora
Sinopse
Você só dá valor àquilo que tem, depois que perde.
Kleber sentiu na pele as consequências de seus erros quando Gabriela desapareceu e rapidamente foi
dada como morta. Sua surpresa maior aconteceu quando ele teve que assumir a responsabilidade da
irmã mais nova da garota, com a saúde extremamente fragilizada.
Aos 32 anos de idade o homem que sempre teve o mundo aos seus pés está sendo arrebatado pelo
sentimento que até então ele não que acreditava que existia:
O amor.
E é por esse amor que ele fará tudo para ter de volta, viva ou morta, Gabriela, o grande amor da sua
vida.
Um

Kleber
— Tio, quando a gente vai passear de novo? — O par de olhinhos castanhos reluziram
durante a pergunta.

— Em breve princesa. Pelo visto você gostou do passeio no zoológico aquele dia.
— Sim! Aquela gilafa tinha o pescoço maior que esse plédio, ela era linda! — Não me
contive com o exagero da menina ao descrever o animal e acabei caindo na gargalhada.
— Àquela girafa nem era tudo isso. Gigante mesmo é a baleia que iremos conhecer no
próximo passeio.
Estava acontecendo uma excursão no mar para apreciar as baleias de barco. Essa época do
ano elas costumavam migrar e por sorte passavam pelo nosso litoral, onde tínhamos o privilégio de
avistar e apreciar esse tão famoso animal aquático. Com certeza Malu iria gostar, na verdade, ela não
era uma menina difícil de agradar. Desde que a trouxe para morar comigo tínhamos saído bastante, eu
mesmo ficava pensando o tempo todo numa maneira de distraí-la para evitar que ela voltasse a
chorar e clamar pela irmã. Vê-la sofrendo pela perda de Gabriela doía demais em mim, causava um
rebuliço em minha mente, nos meus planos, mexia com tudo à minha volta e droga, isso me deixava
destruído.
Não queria pensar mais nisso, me sentia imobilizado toda vez que me recordava do mal que
causei em sua vida. Porém, era impossível.
A consciência pesada me alarmava o tempo inteiro.
O tempo inteiro...
— Vamos conhecer uma baleia?! — Malu soltou um gritinho, eufórica, abrindo aquele
lindo sorriso banguela para mim.
— Vamos sim, amanhã mesmo, você vai adorar!
— E ela é bava que nem o tubarão?
— Isso nós iremos descobrir juntos, porque também será a primeira vez que verei uma
baleia, mas creio que elas sejam um pouco mais simpáticas que os tubarões devoradores. — Fiz cara
de mau para Malu que sorriu cheia de deboche. Droga, ela tinha muito de Gabriela desde a aparência
até o jeitinho de se comportar.
— A Gabi também ia gostar muito de conhecer uma baleia. — O sorriso se desfez do rosto
da doce garotinha que ficou cabisbaixa ao lembrar da irmã mais velha.
Meus ânimos também desapareceram e, naquele mesmo instante, a imagem de Gabriela
tomou conta da minha mente, mais uma vez.
Lembrei-me da última vez que a vi, que ouvi sua voz, olhando dentro dos seus olhos. Ela
estava desesperada... Porra! Como pude ter sido tão babaca, tão covarde?
Tudo que aconteceu foi culpa minha. Fui eu quem mandei Gabriela sumir do mapa, e
praticamente a coagi para desaparecer do meu caminho e abandonar a própria vida sem ter muitas
alternativas.
Quando finalmente resolvi tomar uma atitude era tarde demais, Gabriela já havia partido sem
deixar rastros... Aliás, eu preferia acreditar que foi assim. Que ela conseguiu fugir ao invés de ter
sido sequestrada e assassinada da maneira mais brutal como as evidências indicavam.
Naquele dia, depois de ter pegado Malu, mesmo com os nervos à flor da pele eu não resisti
em ir atrás de Helô e colocá-la contra a parede. Sempre soube que ela não passava de uma
mulherzinha vulgar, sem escrúpulos, mas receber a notícia de que àquela maldita tinha uma ligação
com Estevam fez o sangue ferver enquanto corria por minhas veias.
— Eu já estava à sua espera — ela disse séria, abrindo a porta e dando passagem para que
eu entrasse.
— Há quanto tempo você e Estevan estão tramando contra mim? — fui direto, sem ousar dar
um passo à frente, olhei dentro dos olhos da mulher e perguntei.
— Não há ninguém tramando contra você Kleber, é justamente o contrário, estou apenas
tentando me defender de você e do mal que você faz!!
— Do mal que eu faço...
Ela não esperou para me interromper.
— Exatamente. De todo mal que você e o desgraçado do seu pai provocaram em minha vida!
Não se faça de ingênuo, você sabe muito bem do que estou falando. — Helô estava em total
desvantagem, coagida. Ela sabia que nessas circunstâncias o poder e o dinheiro pesavam mais, e isso
eu tinha infinitamente a mais que ela. Porém, surpreendentemente a cafetina não parecia intimidada
com minha presença, muito pelo contrário, parecia disposta a me enfrentar com unhas e dentes. — Eu
nunca vou me esquecer do que você fez com a Aurora! — Os olhos firmes se dispersaram e logo
foram tomados por lágrimas.
Senti-me arrebatado com suas palavras, era como se alguém estivesse me cravando um
punhal pelas costas.
Aurora.
Aurora... A mulher que amei, que me entreguei por inteiro. A mulher que marcou minha vida
definitivamente.
Respirei fundo saindo da armadilha que era suas lembranças. Me recompus antes que ela
percebesse o quanto fiquei abalado ao ouvir o nome da sua filha, se é que aquilo era possível.
— Você não pode me culpar pelo que você mesma fez com sua filha! Também não vou
permitir que você descarregue todas as suas frustrações na Gabriela!
— Gabriela? Você está querendo dizer Leona, a puta não é?
Furioso, cerrei os dentes, chegando mais perto da mulher e bruscamente a segurei pelos
ombros, antes de lhe perguntar:
— O que você fez com a Gabriela? Me conte agora!
— O mesmo que vocês fizeram com minha filha... — As lágrimas transbordavam das suas
pálpebras, mas isso não impediu que um sorriso fino estampasse seus lábios. — A essa hora o corpo
da sua putinha já deve estar fedendo!
O mundo parou, congelou à minha volta, me deixando preso num plano junto com minhas
dores mais profundas e todos os meus traumas. Senti meu coração palpitar. Foi como despertar de um
pesadelo e acordar em outro. Até então eu não tinha confiado naquela ligação onde um desgraçado
dizia que Gabi estava morta, mas, agora, com essas mesmas palavras saindo da boca de Helô, ficava
difícil me fazer de cego.
Ela está morta.
Eu preciso aceitar...
Eu preciso aceitar que mais uma vez uma mulher por quem fui apaixonado está morta.
Eu queria mesmo saber lidar com a situação, mas não me contive. Explodi como uma
dinamite, agarrando Helô pelo pescoço e pressionando sua garganta contra a parede. Ela abria a
boca para gritar, mas só saía murmúrios enquanto eu descarregava minha raiva.
— Eu vou acabar com você sua desgraçada! — Com força bati sua cabeça contra a parede
deixando-a desorientada, grogue. Soltei-a dando um passo para trás assistindo-a ir de encontro ao
chão.
— Isso! Faz comigo o que você fez com ela! Mostre quem você é! O monstro que você é!
Raivoso mordi o lábio inferior, com o corpo inteiro tremendo, pulsando em ódio. Chutei a
cadeira, a mesa, tudo que vi pela frente, até finalmente sair da sala e me deparar com os meus
seguranças discutindo com os dela. Ignorei-os e sem olhar para trás segui meu caminho até o carro,
lutando para não deixar aquelas malditas lembranças invadirem minha cabeça outra vez e me causar
um devaneio como já aconteceu várias vezes.
— Tio Kleber, tá tudo bem?
Caí em mim. Nervoso, sem graça por Malu ter visto minha reação enquanto me lembrava
daquele maldito dia.
— Tá sim, princesa. — Fitei-a ali, tão inocente, tão linda que acabei me sentindo pesado
diante de uma energia tão leve e pura. — Acho que você precisa descansar, recarregar as energias
para o nosso passeio de amanhã. Vá para o seu quarto, a tia Cléo está te esperando para tomar um
bom banho.
— Tá bom tio. — Delicadamente ela deu dois passinhos para frente e beijou a minha
bochecha. Malu era muito carinhosa, eu ainda estava me acostumando com suas manias, e a cada
dia conseguia entender mais o porquê de Gabi ter sido tão apegada e dedicada a essa menininha.
— Voxê também tá precisando de um banho! — ela disse antes de me dar as costas e seguir a
passos largos até o pé da escada onde Cléo a aguardava de braços abertos.
Ela realmente era muito parecida com a Gabriela. Pensei sorrindo.

[...]

Já era manhã e o remorso junto ao peso na consciência não me deixava dormir


tranquilamente. Desde que tudo aconteceu estava para baixo me sentindo agoniado com tudo.
Pesadelos se tornaram frequentes, minha compulsão sexual que até pouco tempo era uma distração,
uma das poucas maneiras que tinha de me aliviar, hoje havia se tornado uma tortura, um grande
dilema entre o certo e o errado. A culpa me remoía todas as vezes que me excitava, que pensava em
procurar alguma mulher para me aliviar e até mesmo me masturbar. Eu não passava de um doente, um
louco sádico, não iria demorar para que eu me entregasse a luxúria e os prazeres carnais por inteiro
assim como papai que se envolvia com qualquer um, independente se fosse homem, mulher,
transexual. Que não via diferença entre dominar e ser dominado, que sequer se importava que seu
filho que na época não passava de uma criança, um menino, estava ali de plateia assistindo aquele
circo de horrores, com tudo muito explícito.
Fiquei de pé e segui para o banheiro onde fiz minha higiene matinal, onde em nenhum
momento deixei de pensar em como as coisas estariam hoje se eu não tivesse feito tudo errado no
passado, ou até mesmo há alguns dias. Era impossível tirar Gabriela da cabeça e a culpa por ter sido
um puta de um egoísta. Ela era só uma menina desesperada por ajuda e eu como o covarde que fui me
aproveitei disso.
Ela era tão nova, e mesmo diante de tantos problemas ainda tentava levar a vida de uma
maneira honesta, inocente… Ela era diferente, ela não queria nada além de paz, de ter a liberdade e a
tranquilidade de poder levar uma vida feliz ao lado da irmãzinha que tanto amava.
Agora acabou.
Não tinha como ela levar uma vida feliz, porque ela já não tinha mais vida e, eu contribuí
para isso.
Respirei fundo sabendo que precisava ser mais forte do que tudo que vinha me perturbando.
Principalmente porque depois de Helô me dar aquela infeliz notícia, decidi que daria meu melhor
para criar e educar Malu. Ela havia perdido a irmã, mas havia ganhado alguém que estava disposto a
fazer dela a menina mais feliz do mundo todos os dias.
Depois de me aprontar desci e fiquei aguardando Malu para o café da manhã, logo ela
chegou à mesa usando um vestido amarelo combinando com uma tiara de lacinho, estava radiante,
parecendo uma princesinha.
— Bom dia, Kleber! Malu está ansiosa, não fala de outra coisa que não seja essa baleia.
Tenho certeza de que quando ela chegar vai falar desse passeio pelo resto do mês.
— Pelo resto da minha vida! — corrigiu a menina, animada.
— Uau! Você realmente está empolgada! Mais um motivo para a gente tomar esse café logo e
chegar rápido lá, o guia está à nossa espera.
Dito e feito. Malu e eu nos apressamos com o café. Tratei logo de pegar meu carro e seguir
para a marina, como sempre acompanhado de seguranças e de Cléo, que fazia questão de cuidar da
menina.
Nem tínhamos descido do carro e Malu parecia deslumbrada com a paisagem que via através
da janela. A imensidão azul se mesclando entre as ondas calmas, chamava os olhares de qualquer um,
era hipnotizante. Quando finalmente chegamos ao destino fomos recebidos pela brisa fresca do mar e
claro, do guia que havia marcado o nosso passeio.
Subimos no barco pequeno que percorreu alguns quilômetros até chegar ao ponto onde
aguardaríamos a aparição do gigantesco animal aquático. Estava distraído quando um barulho
parecido com um grunhido fez meu coração disparar, quase pular da minha boca para fora, mas não
tão alto quanto o salto que o peixe preto e branco deu a poucos metros de distância, fazendo uma
chuva cair sobre nossas cabeças.
Engoli em seco, aterrorizado, amargamente arrependido de ter me submetido junto com uma
criança a tanta adrenalina. Foi quando olhei para o lado e vi Malu vibrando, batendo palminhas
extasiada com a performance do animal.
— Eba! Ela vai pular de novo! Ela vai pular! — Malu estava eufórica nos braços de Cléo,
que aparentemente também apreciava o espetáculo.
E realmente, o animal pulou novamente, dessa vez com a boca enorme aberta, podendo
devorar o que tivesse pela frente. Tive medo, confesso, recuei para trás tentando me proteger e evitar
mais um banho indesejado, mas acabei me esbarrando em algo, me desequilibrei e quando pensei que
não fosse possível já estava escorregando para fora da embarcação.
— Seu Kleber! — O guia veio correndo na minha direção.
— A BALEIA VAI COMER O TIO KLEBER! — Ao ouvir a voz da menina soube que ali
seria meu fim. Depois de tudo que vivi e passei na vida esse seria o meu fim: Destroçado no
estômago de uma baleia.
— Me dê a mão seu Kleber! — O homem me puxou de volta. Em estado de choque, fiquei
paralisado, ainda desacreditado no que havia acabado de acontecer.
Malu ficou ouriçada, assim que Cléo a desceu do colo, a menina veio correndo na minha
direção.
— A baleia quase te comeu! — A garotinha vibrava como se estivesse comemorando o
ocorrido. — Será que ela ia te cuspir de volta que nem fez com o pai do Pinóquio?
— Duvido muito disso… — Forcei um sorriso ainda imerso na adrenalina. — Acho melhor
irmos embora, se eu continuar aqui vou acabar devorado ou sofrendo um ataque cardíaco.
— Que vergonha tio, voxê tá com medo da baleia?
— Não, claro que não…
— Tá sim! Voxê tá com medo da baleia! Ele não tá com medo da baleia tia Céu?
Cléo se aproximou tentando esconder o deboche por trás do sorriso.
— Tá parecendo. — Cléo se descontrolou e gargalhou alto me fitando de cima para baixo.
— A Malu com 4 aninhos é muito mais corajosa que você!
— Não posso negar. — Ri conformado, com os batimentos descompassados, mas me
sentindo leve. Feliz, agradecido pela manhã agradável apesar de tudo que estava acontecendo.

[...]

Após o passeio paramos para almoçar num lugar nada convencional, fomos no MC Donald's
e nos fartamos de hambúrgueres e fritas. Malu estava amando cada segundo do dia e não fazia
questão de esconder sua alegria. Vê-la sorrindo, brincando com a embalagem da batata me fazia
relaxar e tirar um pouco daquela horrível sensação de culpa. Estava quase terminando meu lanche
quando meu telefone tocou.
Assim que vi o nome de Jorge na tela senti um fio passando pela minha espinha. Um forte e
péssimo pressentimento.
— Jorge?
— Boa tarde Kleber. Saiu o resultado da autópsia do testamento.
Nervoso. Engoli em seco antes de perguntar.
— E qual foi? Era verdadeiro?
— Venha até a delegacia, quero que veja com seus próprios olhos.
Balancei a cabeça, assentindo, me preparando internamente para aquilo.
Dois

Kleber
Malu e Cléo foram para a casa de táxi, a ansiedade para saber o que realmente havia por
trás daquele documento era tanta que eu não estava disposto a esperar um segundo a mais para saber
toda a verdade. Eu tinha certeza, algo me dizia, gritava. Eu estava sendo vítima de um golpe e estava
aceitando tudo tranquilamente, como se não estivesse sendo afetado. Mas o buraco era bem mais
embaixo.
Não fui criado para perder. Não podia falhar de nenhum modo.
Cheguei à delegacia, Jorge estava à minha espera em sua sala, onde fui acompanhado por um
policial.
— Sente-se Kleber. — Jorge estava sentado à uma mesa de madeira, aconchegado na
poltrona confortável enquanto os olhos grandes e escuros se mantinham fixos sob a pasta em suas
mãos. — Pegue.
Sentei-me de frente para ele, tomando a pasta com documentos para mim. Corri os olhos
sobre o texto cordialmente escrito e não pude conter minha raiva quando li.
— Me enganaram! Estavam armando contra mim bem debaixo do meu nariz e só agora fui
descobrir! — Furioso, fiquei de pé e joguei o documento sobre a mesa do delegado que também fez
questão de se levantar rapidamente.
— Se acalme!
— Não! Não posso me acalmar! Soraya… Aquela vagabunda me aplicou um golpe. Vai
saber se ela mesma não facilitou a morte do meu pai?
— Isso não podemos afirmar.
— E nem me interessa. Tudo o que eu quero agora, é que o nome dessa vadia desapareça de
tudo que me pertence. E que ela vá presa e apodreça na porra desse xadrez!
— Já estamos com o mandato da Soraya aqui. Vou convocar os soldados e iniciar a operação
para prendê-la imediatamente.
— Posso acompanhá-lo? Quero ter o gosto de ver aquela piranha sendo pega e
desmascarada! Preciso estar presente no momento em que ela estiver saindo algemada da casa que
ela ousou me roubar. — Passei a língua pelos caninos, imaginando a cena como um grande
espetáculo: A vadia que tentou me roubar caindo aos meus pés, derrotada, fracassada, sem
absolutamente nada. Não valeu de nada ela ter se submetido a todos os caprichos e humilhações do
desgraçado do Célio.
Jorge saiu na frente acompanhado de algumas viaturas, eu o segui junto com meus
seguranças. Não demoramos para chegar ao meu antigo condomínio e parar diante da mansão que até
pouco tempo me pertencia. Soraya apesar de surpresa não quis entrar em confronto com a polícia e
acabou abrindo as portas de sua casa para nos receber.
— Boa tarde… Eu… Eu realmente não estou entendendo o que está acontecendo… —
Soraya olhou para baixo, tentando se esquivar da realidade. Quem a via de longe, jamais diria que
uma mulher elegante e tão bela seria uma vadia sem escrúpulos, uma verdadeira usurpadora de
velhos com doenças terminais.
Ali diante daquela enorme e luxuosa casa me senti mal.
Quando recebi a notícia de que Soraya havia herdado aquilo tudo senti um grande alívio,
impossível negar isso. O luxo, a elegância do ambiente não eram o suficiente para cobrir as
lembranças trágicas impregnadas em cada canto, em cada cômodo daquele lugar. As obras de artes,
os móveis caros, tudo remetia a impureza, orgias, crueldade.
Ver Soraya como “anfitriã” da casa que nasci e fui criado era uma das provas de que Célio
deixou sua compulsão falar mais alto. Por isso minha desconfiança imediata desde a leitura do
testamento. Não havia afeto da parte dele, Célio não tinha sentimentos e por mais que a vadia
realmente tivesse passado os últimos e dolorosos dias ao seu lado eu sabia que ele não tinha um
mísero resquício de gratidão por ela.
— Senhorita Soraya de Oliveira? — Jorge perguntou num tom rígido, expressando uma
frieza que até então me era desconhecida.
— Sou eu mesma... O que está acontecendo?
— A senhorita está presa por crime de estelionato e falsificação de documento!
— O quê? Não... Impossível! Não tem como...
— Guarde suas justificativas para quando estivermos na delegacia. — Ele a fitou com
desconsideração e apenas com o olhar ordenou a um dos policiais que nos acompanhavam para
algemá-la e acompanhá-la até a viatura.
— Não chore Soraya — debochei, quando ela se deu conta do que estava acontecendo, as
lágrimas começaram a rolar de seus olhos. — Não me diga que você estava confiante de que poderia
me aplicar um golpe e ficaria por isso mesmo?
Ela desviou o olhar do meu e inclinou a cabeça para baixo. Rendida, sem ao menos se
esforçar para negar a verdade.
— Não vai dizer que estou mentindo? Que estou fazendo isso porque sou a porra de um
“enteado” inconformado? — Ela continuou muda, cabisbaixa, acompanhando com as mãos algemadas
o soldado que a levava até a viatura policial. — Porra! Eu tenho certeza de que você não está
sozinha nessa! Eu sei que você não teria inteligência para algo desse nível, você não passa de uma
laranja! De um fantoche nas mãos daqueles merdinhas que querem me derrubar a todo custo!
— Chega! Cale a boca! Você não sabe o que está dizendo! Me deixe em paz!
— Chega Kleber! Ela está detida, a partir de agora deixe comigo e com a justiça! — Jorge
exclamou alto, se impondo contra mim enquanto fazia seu trabalho. — Já pedi uma investigação mais
aprofundada dos outros nomes citados no testamento. Por favor, mantenha a calma. Paciência.
— Isso é uma das coisas que mais tenho tido ultimamente, paciência…
Jorge não disse mais nada, aguardou a viatura com Soraya partir para fazer o mesmo em
seguida. Eu fiquei para trás, ainda balançado, em transe com tudo isso.
Três
Kleber

Era muita coisa acontecendo, muita notícia ruim para processar e a pior delas era saber por
Jorge que, Estevam desapareceu sem deixar rastros. Aquele filho da puta tomou um chá de sumiço e
só deixou Soraya, sua marionetezinha de quinta.
O lado bom disso era que o desgraçado praticamente se entregou, ele deixou claro que tinha
algo a esconder e iria se foder por isso.
A máscara de todos eles caíram e, em breve começarão a pagar por tudo que cometeram.
Apesar de todo estresse, Malu era minha prioridade. Sempre quando tinha tempo saíamos
para passear, fazer algo diferente. De certa forma aquilo me tranquilizava, me trazia uma paz
tremenda e necessária diante do inferno que estava vivendo. Saí mais cedo do trabalho, aproveitei a
tarde fresca e ensolarada para passear no parque do condomínio com Malu. Lá tinha um balanço e um
escorrega que ela gostava muito, por isso sempre que tinha algum tempo parava lá para refletir e
assisti-la brincando um pouquinho.
— Uhull! Mais alto, tio!
— Dessa vez vou te empurrar até o céu!
— Ebaa! — Ela sorria e soltava gritinhos animada enquanto eu a empurrava o mais alto
que podia. Depois de longas balançadas Malu desceu e juntos fomos passear pelo parque com o
gramado verde. — Eu goxto muito daqui tio. — ela disse sorrindo com os olhinhos concentrados
na baleia de pelúcia que lhe dei após o passeio de barco. — Quero subir naquele escorrega! —
Ela apontou para o escorregador que tinha uma plataforma de madeira sobre, onde outra criança
brincava.
— Ótimo, vamos lá, quero ver você escorregando lá de cima!
Empolgada, ela sacudiu o brinquedo exibindo o sorriso banguela e logo começou a correr na
direção do escorregador. Ela parou perto dele, exausta, ofegante, estranhei aquilo principalmente
quando a menina precisou se apoiar na escada de madeira que levava a parte de cima.
Rapidamente fui até ela, preocupado.
Quando cheguei mais perto fiquei de joelhos e apoiei a costa da mão em sua testa para medir
sua temperatura. Estava tudo bem… Mas por que ela estava tão ofegante?
— Está tudo bem, Malu?
— Tô sim tio… Já passou, eu quero subir ali em cima e descer no escorregador! —
Rapidamente seu semblante pálido se transformou, sua voz também parecia mais animada quando
ela apontou para cima.
Suspirei aliviado, tirando mais um pouco da sensação de culpa dos meus ombros. Cléo e eu
levávamos Malu em consultas periodicamente, o médico receitava um coquetel de remédios e fazia
uma lista de restrições, dentre elas a que mais me tocou era que Malu não estava preparada para
sofrer fortes emoções, por isso o doutor me recomendou que eu evitasse o máximo falar com ela
sobre a irmã.
No momento ela estava passando por uma bateria longa de exames que não parecia ter fim, o
médico disse que doenças cardíacas era algo muito complexo, ainda mais quando se tratava de
crianças, porém, de uma coisa já tínhamos a certeza: em breve Malu teria que passar por uma
cirurgia, pois foi diagnosticada com cardiopatia congênita e uma estenose pulmonar. O que me
deixava extremamente ansioso e com receio. Vez ou outra ela reclamava das dificuldades de respirar,
porém com a influência dos remédios aquilo apesar de frequente, era sempre rapidamente
passageiro.
— Ok. Você é quem manda princesa — afirmei dando apoio para ela subir.
Malu teve que aguardar um pouco, pois havia um menino à sua frente pronto para escorregar.
Educada, ela aguardou o menino que antes de pular fez questão de tomar a baleia de pelúcia da sua
mão. Como era de se esperar Malu se exaltou, não deixou barato e logo estava escorregando e caindo
na areia fofa assim como o menino arteiro.
Eles pareciam estar se divertindo com aquilo, correndo de um lado para o outro, competindo
por um simples brinquedo. Mas a brincadeira acabou quando vi as pernas de Malu amolecerem e seu
corpo ir de encontro a grama verde abruptamente.
Meu coração disparou e antes mesmo que eu pensasse em qualquer coisa, minhas pernas já
estavam correndo em sua direção. Quando cheguei mais perto o menino ao seu lado ficou cabisbaixo
e amedrontado.
— Desculpa… Eu só estava brincando, eu não fiz nada, eu ia devolver a baleia…
Não consegui lhe dar uma resposta, bufei tentando conter o desespero enquanto a colocava
nos braços desacordada. Numa luta contra o tempo corri com ela na direção do prédio enquanto
olhares de espanto e preocupação nos varriam. Assim que colocou os olhos em mim, o porteiro saiu
da recepção me oferecendo ajuda para tirar o carro da garagem. Eu estava apavorado, cada minuto
era uma eternidade e o medo parecia um carrossel de emoções dentro de mim.
— Malu… Você tá bem princesa? Diga que você está bem… — As palavras mal saíam da
minha boca. O medo era perverso e naquele momento estava me dominando. Porém, inesperadamente
vi suas pálpebras tremendo e os olhos castanhos se revelando vagarosamente. — Ufa… Ainda
bem… Você está bem…
Ela apesar de lúcida não disse nada, estava muito pálida e fraca na mesma proporção. Além
disso, estava começando a ficar com o aspecto meio azulado, o que me deixou ainda mais apavorado.
Eu estava ciente da sua doença e sintomas, porém era a primeira vez que presenciava uma crise dela,
sozinho, com seu corpo mole e fraco nos meus braços. Fiquei desnorteado.
— Cadê a Gabi? — perguntou baixinho pela irmã, com a voz embargada, mas o suficiente
para formar um nó em meu estômago.
Balancei a cabeça em negação, sem palavras. Foi quando Cléo surgiu desesperada ao meu
encontro.
— Meu Deus Kleber, o que houve? A vizinha me contou que a menina estava desacordada
nos seus braços!
— Estava… — afirmei.
O porteiro buzinou em meu carro próximo a calçada. Naquele momento não pensei em outra
coisa que não fosse levar a garotinha para o hospital. Depois de presenciar tudo aquilo eu já não
tinha mais certeza sobre a estabilidade do seu estado.
— Cléo, vamos para o hospital!
Minha amiga e governanta assentiu com a cabeça e depois de entrarmos no carro ela cuidou
da menina enquanto dirigia em direção a uma unidade de saúde o mais rápido que conseguia.

[...]

Fitei Malu vestida apenas de calcinha sobre a maca. O corpo pálido marcado por manchas
azuladas assustava, enquanto o doutor media sua pressão com o endoscópio.
— O que tem a me dizer,Doutor?
— Kleber, na última consulta eu disse para você que o caso da Malu requer cuidados.
— Lembro, mas se tem uma coisa que você pode ter a absoluta certeza, doutor, é que eu
tomei os devidos cuidados. Você disse que ela poderia continuar brincando e fazendo atividades
físicas em um ritmo moderado. Nunca imaginei que ela viesse a ter uma crise apenas por correr no
parque.
— Não estou desconfiando de suas responsabilidades Kleber, mas Malu é uma criança e está
em constante crescimento e evolução. O quadro dela, por exemplo, que até semana passada estava
estável, hoje foi identificado uma alteração. No último exame que fizemos a gradiente dela estava 60,
certo?
— Sim. — Assenti com a cabeça concordando.
— Hoje, nesse mesmo exame, a gradiente dela subiu e está marcando 120, o dobro. Juntando
isso mais às outras decorrências, o que tenho para dizer para você é que Malu, precisa passar pela
Angioplastia via catéter o quanto antes.
Desde as primeiras consultas o doutor tem nos explicado detalhadamente como funciona esse
procedimento. Através do cateterismo — um procedimento que até alguns anos era usado como um
exame de monitoramento cardíaco —, seria inserido um balão para desobstruir as artérias da Malu,
em seguida, por esse mesmo catéter seria também inserido uma válvula que chegaria no coração
desobstruindo de maneira efetiva a artéria principal, facilitando assim a circulação e a oxigenação
sanguínea. Fiquei muito feliz em saber que nos dias atuais apenas 5% das crianças cardiopatas
tinham a necessidade de passar pela cirurgia mais invasiva, onde era aberto o peito da criança para a
realização da cirurgia.
Mas não era tão simples quanto parecia, já que o acompanhamento médico desde exames,
remédios e a cirurgia era algo completamente fora de alcance para a maioria das famílias no Brasil.
O que para mim era superacessível levou a irmã dela a passar por dificuldades e se prostituir, já que
pelo SUS era um processo longo e muito burocrático.
Eu estava mesmo tentando melhorar e parar de olhar só para o meu próprio umbigo, cheguei
a conversar com ONGs e hospitais especializados em cardiopatias infantis para me tornar padrinho e
ajudar outras crianças que passavam pelo mesmo problema, mas que não tinham condições
financeiras de serem tratadas de uma maneira digna.
— O quanto antes… Mas quando doutor? — Cléo estava ao meu lado, quando perguntou
preocupada.
— Se eu tiver a autorização de vocês, posso iniciar o preparativo para o procedimento a
partir de agora. Preciso ser sincero e coerente. Essa menina provavelmente nasceu com uma má
formação no coração, uma artéria dela está praticamente obstruída o que está dificultando a
oxigenação no sangue e consequentemente no corpo inteiro. Normalmente as cardiopatias nos bebês
são identificadas no nascimento, ou até mesmo na barriga da mãe, que com certeza não foi o caso
dela. O que eu quero dizer com isso, minha senhora, é que o tratamento dessa menina já foi adiado
demais. Ela está viva por um milagre. Numa doença onde o tratamento tem como foco buscar a
longevidade do paciente já perdemos alguns pontos importantes. Nós não podemos perder mais
tempo.
— E quanto aos riscos, doutor? Desde que você tocou no assunto tenho ficado muito
preocupado sobre isso — questionei.
— Qualquer procedimento carrega um certo risco. Mas a Malu irá passar por uma
angioplastia via cateterismo, é um procedimento minimamente invasivo. É uma metodologia rápida,
com tudo ocorrendo bem a criança pode ter alta em até 48h.
— Que maravilha, Doutor! Eu tenho certeza de que tudo vai ocorrer bem, Deus não vai
deixar que aquele anjinho continue sofrendo com essa doença. Ela não merece. Vou orar muito para
que tudo ocorra bem. Eu posso orar com você? — Cléo perguntou para o médico. Ela estava falando
sério e isso foi mais que o suficiente para sentir vergonha alheia e um certo constrangimento. Nunca
fui muito religioso, assim como nunca fui homem de fé. Sempre acreditei que somente a inteligência e
a força eram capazes de solucionar um problema. Não um Deus criado pelas pessoas.
— Cléo, por favor…
— Claro, minha senhora, sem problemas. Você não é a primeira que me faz esse pedido.
Cléo e o médico deram as mãos, ela também pegou na minha e meio que no automático
formamos uma roda de oração para que tudo ocorresse bem com Malu, que chegou em nossas vidas
como uma verdadeira anjinha. Eu não acreditava em Deus, mas, naquele momento, pedi
silenciosamente que se ele realmente existisse cuidasse daquela menininha risonha incapaz de fazer
mal a uma formiga. Ainda não tinha superado a morte de Gabriela, por isso estava disposto a fazer o
possível e também o impossível para não perder sua irmãzinha. Eu devia isso em sua memória. Era o
mínimo.
Quatro
Kleber
Malu foi internada para se preparar para o procedimento. Cléo e eu viramos a noite na
clínica e naquele período a menina já havia passado por alguns exames e ainda teria que passar por
outros até o dia que fosse realizado a Angioplastia. Apesar do médico sempre fazer questão de nos
tranquilizar, eu ainda tinha aquela pontinha de receio no peito. Não era fácil vê-la ali no leito,
tomando soro. O que me intrigava de verdade em Malu era que apesar de toda aquela situação ela
ainda conseguia sorrir e tirar sarro da minha cara como a menina alegre e espontânea que era.
— Tio, por que voxê não vai dormir? Tá com carinha de sono.
— Eu estou esperando sua tia Cléo voltar, estamos revezando para não te deixar aqui
sozinha.
— Bigada. Voxês são muito bonzinhos comigo, minha irmã também era assim. Será que ela
vai vim me visitar?
Odiava ficar sem palavras e Malu tinha uma grande facilidade de me deixar nesse estado
sempre que me lembrava de Gabi. Respirei fundo, ignorando-a e forçando as pálpebras para
conseguir continuar acordado até Cléo voltar para que eu pudesse descansar um pouco.
— O que importa Malu é que eu estou aqui com você — disse desviando do assunto. —
Vamos pensar mais na sua saúde, princesa.
— O médico disse que vai consertar o meu coração e que eu vou ficar boa logo. Eu
acredito nele. E quando eu sair vou brigar com aquele menino que tentou roubar minha baleia.
Ela é minha! — esbravejou com o olhar estreitado enquanto apertava o brinquedo carinhosamente
contra o rostinho.
— Nada disso. Imagina, uma menina linda como você brigando com aquele pirralho
medroso, nem pensar.
— Mas ele tentou roubar minha baleia...
— Mas ela já está aí com você. — Bocejei e esfreguei os olhos depois de dizer.
— Tio, voxê tá com muito xono, quer dormir aqui comigo?
— Com você?
— É, aqui — ela disse se afastando no leito, dando um mísero espaço para que eu me
acomodasse. Não recusei. Estar há mais de dez horas cochilando sobre aquela cadeira dura como
uma pedra não fez bem a minha coluna. Deitei-me ao seu lado, apoiando-a em meus braços
sentindo sua ternura, um aconchego inexplicável. — Isso, agora dorme com os anjinhos. — Ela me
deu um beijo na bochecha antes de dizer e, eu só conseguia me lembrar de agradecê-la antes de
cair no sono ao seu lado.

[...]

Arregalei os olhos assustado com o barulho estridente do meu celular.


— Está tocando há um bom tempo. — Reconheci a voz de Cléo, quando olhei para o lado
tive certeza de que era ela. Estava conversando com a enfermeira que praticamente de hora em hora
entrava no quarto para verificar a gradiente da Malu.
— Deveria ter desligado —disse ainda sonolento. — Esse barulho irritante vai acabar
acordando a Malu.
— Duvido. Esses remédios que estão dando para ela faz a menina dormir como uma pedra.
— Como uma pedra… Droga, dormir na beirada dessa cama foi literalmente como se eu
estivesse dormindo sobre uma pedra. Parece que todos os ossos do meu corpo estão fora do lugar.
— Faz um alongamento, senhor — a enfermeira baixinha que aparentava ter uns 40 anos
disse de maneira tímida para mim.
Estava pronto para respondê-la quando mais uma vez meu celular voltou a chamar. Não me
lembrava dele ter um toque tão insuportável. Enfurecido levantei-me da cama sentindo meus ossos
estalarem, fiquei surpreso quando vi o número de Magda, minha secretária na tela do celular.
— Magda?
— Senhor Kleber, desculpe te ligar, sei que estou sendo inconveniente, mas acontece que o
advogado da senhorita Soraya…
— Magda, por favor, não há necessidade nenhuma de chamar aquela mulherzinha
desclassificada de senhorita. Diga para esse advogado que não estou disposto a colaborar com nada
referente a um caso onde eu sou o grande e único prejudicado.
— Eu imaginei que o senhor fosse dizer isso, mas o advogado disse que Soraya tem algo
muito importante para conversar com você. Disse inclusive que é algo revelador, por isso pensei que
fosse do seu interesse. Mais uma vez peço desculpas por incomodá-lo.
Involuntariamente a curiosidade começou a pairar sob minha cabeça.
Algo revelador.
Mas o quê?
O que aquela vadia poderia me revelar.
Deveria ter continuado indiferente ao recado de Magda, mas infelizmente não consegui e
antes de desligar o telefone pedi para que ela transferisse a ligação para o advogado da golpista que
acabou me convencendo a lhe fazer uma visita no presídio. Soraya, apesar de sem escrúpulos, sabia
muito sobre Célio, muito mais do que eu, seu único filho, o que inevitavelmente me deixava intrigado
sobre seus feitos.
— Kleber, você vai sair? — Cléo perguntou com as sobrancelhas grossas arqueadas.
— Vou sim, mas volto antes do procedimento da Malu. Pode ter certeza.
— Você está cansado, se quiser pode ir para a casa dormir. Eu fico com Malu durante a
cirurgia, o médico garantiu que o procedimento não passará de 3 horas.
— Não Cléo, eu faço questão de estar aqui com ela. Não se preocupe comigo, irei voltar a
tempo e também não estou tão cansado a ponto de não conseguir resolver meus problemas. Enquanto
isso fique com ela. Cuide-se.
— Tudo bem.
Dei um beijo na testa da minha governanta que era a pessoa a quem eu considerava como se
tivesse meu sangue e, parti, acompanhado dos meus seguranças em direção ao presídio onde Soraya,
a mulher que usou o meu pai e tentou me dar um golpe posteriormente estava detenta. Passei por uma
revista um tanto constrangedora, fiquei me perguntando o tempo todo se realmente valeria a pena me
submeter àquilo. Mas, eu não estava ali à toa, ou unicamente para saber um pouco mais sobre o
passado escroto do meu falecido pai. O advogado de Soraya disse que ela sabia algo sobre o
paradeiro de alguém a qual eu me importava muito. Imediatamente Gabriela veio na minha cabeça
trazendo uma avalanche de sentimentos dentro de mim.
Eu não queria me importar com aquela garota. Não queria me sentir culpado mais uma vez.
Mas agora era diferente, Gabi não me fez nenhum mal e toda vez que a irmã dela tocava no seu nome
me sentia um lixo, um covarde. Droga. Não tinha mais como fugir disso. Eu precisava encontrar a
Gabriela, por mais que eu estivesse ciente de que tudo que iria achar fosse a carcaça do seu corpo.
Eu conhecia pouco sobre aquele submundo, mas o pouco que sabia sobre aquilo era que na
maioria das vezes a palavra daqueles vermes não tinha volta. Ainda mais depois de uma oferta
irrecusável de dinheiro.
Agentes penitenciários me fizeram companhia até chegar numa sala escura e claustrofóbica.
Entrei em um lugar onde um agente se acomodou ao lado da porta e passou a me devorar com os
olhos sem nenhuma discrição. Pouco tempo depois Soraya surgiu com as mãos algemadas para frente,
vestida com uma roupa larga de cor cinza. Não havia resquícios de maquiagem em seu rosto, suas
olheiras nunca estiveram tão evidentes a ponto de fazer seus grandes olhos negros ficarem com
aspecto caído e profundo.
Ela engoliu em seco, me fitou de soslaio enquanto caminhava na direção oposta da mesa a
passos lentos.
— Kléber... — ela disse sem conseguir olhar diretamente nos meus olhos enquanto se
sentava.
Cinco
Kleber
Quando ela se sentou à mesa de frente para mim, cerrei os dentes tentando me controlar para
não explodir de ódio ali, naquele maldito depósito de rejeitos. O guarda me fitou e em seguida
afastou-se dela ficando colado à parede, concentrado em cada um dos nossos movimentos.
— Espero de verdade que você realmente tenha algo importante para me falar. Tomara que
você não esteja me fazendo perder meu precioso tempo. — Fui frio quando disse.
— Isso vai depender somente de você. Eu te chamei aqui para falar sobre algo que acho que
você deveria saber. É sobre o relacionamento nojento que tive com o desgraçado do seu pai.
Abaixei a cabeça balançando-a de um lado para o outro em negação, enquanto evitava olhar
nos olhos daquela víbora. Respirei fundo, fiquei de pé pronto para lhe dar as costas, mas, quando
estava prestes a fazer isso, Soraya gritou o meu nome como um alarme.
— Kleber, espera! Não vá! O que tenho a lhe dizer não é apenas sobre mim, tem a ver com a
sua ex-ficantezinha, Gabriela...
Quando ouvi o nome de Gabriela dei um passo à frente, quase avançando sobre ela.
— Vadia! O que você sabe sobre a Gabriela!?
— Sei que ela está na mesma situação que estive há alguns anos. — Olhei para o lado e vi
que o guarda estava em alerta devido a maneira que estava próximo a Soraya. Por isso contive meus
nervos e sentei-me novamente sobre a cadeira dura olhando dentro dos seus olhos. — Há alguns anos
eu era apenas uma professora de educação física que ganhava pouco mais de um salário-mínimo. Até
que conheci um homem que me fez uma proposta um tanto tentadora para trabalhar como garçonete na
Espanha. — Ela forçou um sorriso. — Eu aceitei sem pensar duas vezes, odiava a vida que levava,
por mais que hoje o meu maior sonho fosse tê-la de volta. Continuando, quando cheguei lá, no
estabelecimento para trabalhar, descobri que a maneira que eu tinha que servir a clientela era
totalmente diferente da convencional. Me transformaram numa prostituta, pior, numa escrava sexual,
já que as prostitutas têm o controle do seu dinheiro e o mais importante: liberdade.
— Você está querendo me dizer que a Gabriela foi traficada? — perguntei com a revolta
crescendo no meu peito. Apesar daquela notícia ser um pouco esperançosa, não me deixava
completamente feliz.
— Deixe-me continuar. Estou falando sobre mim no momento. — Sendo sincero, eu não tinha
o menor interesse na história dela, até me dar conta de que aquilo poderia ser um ponto chave para
que eu encontrasse a Gabriela. Estava começando a ficar extasiado e empolgado para resolver logo
essa situação desastrosa. — Depois de anos e anos sendo explorada, eles me deram como velha e me
leiloaram da mesma maneira que fazem com os cavalos de raça. Já ouviu falar?
Fiquei em silêncio, curioso e atento para o que ela tinha a me dizer.
— Naquela noite eu fui arrematada por ninguém menos que Célio Galvão, seu pai. O amigo
dele, Estevam, estava bem ao seu lado. Eles se divertiram muito comigo, afinal de contas, eles me
“compraram”... Me trouxeram para o Brasil de novo — ela bufou num misto de tristeza e alegria. —
Eu finalmente pude ver minha família, meus amigos... Mas infelizmente sob as ameaças de que todos
eles seriam mortos se eu abrisse o bico... Então, eu continuei com o seu pai, infelizmente... Eu era
quase uma espécie de brinquedinho sexual para ele… Ah Kleber, eu também ficava com Estevam,
inclusive por um bom tempo acreditei que éramos amantes apaixonados. Quando o seu pai descobriu
que estava com um câncer terminal eu me senti a pessoa mais feliz desse mundo. Porra, eu pensei que
finalmente fosse ter a minha liberdade. Estevam também ficou superanimado, fizemos planos, muitos
planos. Ele me jurou tantas coisas, dentre elas a minha tão sonhada liberdade… O desgraçado me
prometeu o mundo e eu, a idiota acreditei cegamente nele... Mas depois que o traste do seu pai
morreu eu descobri que Estevam só estava me usando para roubar o dinheiro do seu melhor amigo.
Como eu fui burra... É incrível minha capacidade de só me foder nessa vida miserável. — Lágrimas
escorreram dos seus olhos, mas ela secou rapidamente, tentando não demonstrar a fraqueza que
estava mais que evidente.
Para mim não era bem uma novidade que ela estava sendo usada pelo Estevam, mas nunca
imaginei que fosse dessa maneira. Por um momento tive empatia por ela e pelo que estava sentindo
depois de ter passado por esse turbilhão de coisas, mas aí me lembrei que o meu foco era Gabriela.
Foi por ela e por Malu que me dispus a vir aqui.
— O que você sabe sobre a Gabriela?
— A Helô, sócia do Estevam, disse para ele que você estava se apaixonando por uma das
meninas da casa dela que, provavelmente, devia ser essa tal Gabriela. Ela com certeza foi
sequestrada.
— Sequestraram ela e não me pediram nenhum centavo de recompensa, mesmo sabendo que
estou disposto a pagar o que for preciso para que ela volte para irmã?
— Parece que o problema que a Helô tem com você vai muito além do dinheiro. Mas, ainda
assim, eu acredito que ela esteja viva, dificilmente aqueles abutres teriam coragem de dar um fim
nessa menina que é como se fosse um ímã para te atrair. Ela é uma isca perfeita e Estevam está com
ela. Eu tenho certeza de que na hora certa ele usará isso contra você.
— Desgraçado — bufei explodindo por dentro —, se ele tiver tocado um dedo na Gabi eu
acabo com ele! — exclamei com sangue nos olhos, e a pulsação acelerada enquanto Soraya me fitava
profundamente.
— Uau! Você parece mesmo apaixonado… Acho que nenhum homem nunca sentiu isso por
mim…
— Não mude de assunto Soraya. Você sabe onde está Estevam, me fale.
— Não. Não sei. Por mim ele estaria queimando no inferno junto com o merda do seu pai.
Mas olha, se há alguém que pode saber do paradeiro dele com certeza é a própria Helô… Enfim
Kleber, nosso tempo está acabando, espero ter ajudado pois não tenho mais nada a dizer.
— Eu tenho. — Ergui a cabeça olhando diretamente nos olhos negros que imploravam por
socorro e brilhava desespero. — Sendo direto, sinto muito por tudo que meu pai te fez passar. Não
estou surpreso com isso, ele nunca me passou a imagem de ser um homem exemplar. Mas, saiba que
independentemente do que aconteceu estou disposto a te livrar dessa merda que você foi enfiada.
Estava mais do que na cara que você não passava de uma laranja.
— A laranja mais podre e descartável que você já viu em toda sua vida… — Seus lábios
começaram a tremer e ali ela não resistiu, desabrochou em lágrimas, ficando aos prantos,
completamente desolada diante de mim. — Você acha que eu posso sair daqui? Você acha que
finalmente vou poder voltar a ser livre de verdade? Sem prostituição, sem ameaças, sem
sacrifícios… — Suas palavras me levaram imediatamente para Gabriela, por mais que tentasse
esconder, ela tinha aquele mesmo clamor em seu tom de voz e aquele mesmo pedido de socorro
camuflado nas lágrimas. Esse era mais um dos motivos para não subestimar Soraya. Ela errou. Eu
errei. Meu pai errou como ninguém. Mas ela, especialmente ela, deveria seguir em frente.
— Eu acho Soraya. E pode contar comigo, eu te devo isso.
— Obrigada Kleber, eu não esperava que você fosse se dispor a me ajudar mesmo depois de
tudo que fui obrigada a fazer contra você.
— De certa forma eu estou apenas retribuindo o que você acabou de fazer por mim. Graças a
você eu voltei a ter esperanças de que Gabriela esteja viva. Agora eu sinto que vou encontrá-la, nem
que para isso eu tenha que revirar o mundo do avesso!
Vagarosamente Soraya me aplaudiu, emocionada.
— Eu vou estar aqui na torcida por vocês… Espero de verdade, que ela não passe por um
terço do que eu passei.
— O tempo acabou! — o guarda alertou se afastando da parede. — Hora de voltar para a
cela. — Sua voz soou fria, mas a alegria que irradiava da expressão de Soraya era tão grande que ela
não se abalou com aquilo, porém voltou a chorar quando disse:
— Muito obrigada, Kleber, você está salvando a minha vida.
Seis
Kleber
Quando saí da penitenciária ainda era cedo e por isso acabei não resistindo em passar no
meu apartamento para descansar um pouco para a hora da cirurgia de Malu.
Já era tardinha quando voltei para a clínica, dessa vez animado e mais esperançoso do que
nunca. Assim que o procedimento de Malu fosse realizado iria começar a mexer os pauzinhos para
encontrar Gabriela aonde quer que ela estivesse. Empolgado, não resisti em ligar para Jorge e contar
para ele sobre o que estava acontecendo.
— Você tem certeza de que pode realmente acreditar nessa Soraya mesmo depois de tudo
que ela te fez? Vai que ela ainda esteja em acordo com este Estevam e os dois estejam armando
alguma emboscada para você!
— Eu também pensei nisso, meu amigo, mas a história que ela contou me parece ser
coerente e faz total sentido, principalmente se eu colocar na balança a maneira que meu pai a
tratava. Às vezes eu sentia pena, juro para você. Outro ponto é que se ela ainda estivesse com
Estevam dificilmente ela estaria dependendo de um defensor público.
— Kleber, eles sabem o seu ponto fraco, eles sabem que se tocasse no nome dessa menina
você iria ficar mexido. Você acha mesmo que o drama na penitenciária e essa coisa de defensor
público também não faz parte de mais uma emboscada deles contra você?
— Jorge, sinceramente, eu prefiro acreditar que não seja e que a garota realmente esteja
viva. Na boa, todos os dias eu fico pensando em como teria sido melhor se eles tivessem pegado a
mim ao invés dela. A Gabi era só uma menina, mas, eu nunca conheci uma mulher guerreira,
batalhadora como ela…
— Não coloque seus sentimentos na frente da razão! —meu amigo alertou.
— Eu não estou colocando nada…
Mais uma vez Jorge me cortou:
— Está sim! Essa é primeira vez desde que te conheci, que vejo você disposto a fazer
qualquer coisa por uma mulher. Você está até criando a irmã dela!
— E você queria que eu fizesse o quê? Que eu deixasse aquela menininha sozinha, à
deriva, largada por aí com uma doença grave no coração? No meu lugar você seria capaz de fazer
isso?
— Não Kleber, claro que não. O que eu quero dizer é que nunca te vi tão solidário,
preocupado, apaixonado…
— Eu não estou apaixonado, caralho! A garota foi pega por minha culpa. Você tem noção
do que é ter a vida transformada num inferno por alguém que você mal conhece e que ainda te
tratava como uma puta?
— Mas tecnicamente ela era um puta…
— Não. Ela não era. Nunca foi. E tratá-la daquela maneira foi um dos meus maiores
erros. Eu preciso urgentemente consertar isso e outras coisas, por isso serei direto com você.
Posso contar ou não com a sua ajuda?
— Sempre irmão. Você sabe que pode contar comigo sempre.
— Obrigado. Era isso que queria ouvir desde o início.
Desliguei o telefone, agora desconfiado depois de tudo que Jorge havia dito. Talvez ele
estivesse certo, pela primeira vez estava deixando meus sentimentos agir por mim. E isso não era
bom. Isso não era eu. Porra! Que merda estava havendo com minha cabeça? Esse turbilhão de coisas
estavam me impedindo de pensar direito. Eu não podia ir com muita sede ao copo, caso contrário
seria pego.
O que mais me pegava era não saber o motivo do porquê o desgraçado do Estevam ainda não
ter agido.
— Kleber, anda, vem comigo. A Malu já está sendo encaminhada para a sala de
hemodinâmica, em breve vão começar o procedimento. A coitadinha precisou ficar 6 horas em jejum
e ainda vai ter que passar por isso. Tomara que seja essa a solução — Cléo afirmou enquanto me
puxava pelo braço em direção ao quarto onde alguns enfermeiros transferiram Malu para a maca.
Quando a menina me viu ela abriu um sorriso esperançoso e disse olhando para mim e Cléo
com um sorriso confiante estampado no rosto:
— Tio Kleber e tia Céu, não se preocupem comigo. Eu vou ficar bem, vai dar tudo certo.
Cuida da minha baleia para mim — ela disse tirando o brinquedo de pelúcia do colo e
entregando-o para mim.
Malu estava visivelmente nervosa, mas fazia de tudo para não deixar transparecer, até nisso
ela conseguia me fazer lembrar a irmã dela, por mais que eu estivesse lutando para tirá-la da minha
cabeça.
— Pode deixar princesa, eu vou cuidar dela para você.
— Vai com Deus minha filha, estamos aqui na torcida por você.
— Bigrada — ela disse baixinho deixando uma lágrima escapar de seus olhos.
— Ei, fique calma. Vai dar tudo certo. — Tentei confortá-la, mas a verdade era que por
dentro me via numa corda bamba. Eu tinha medo e esperança na mesma proporção, mas não podia
deixar que isso transparecesse. Precisava ser forte por mim e por ela. Ali tudo que pude fazer foi
respirar fundo e assisti-la sendo levada pela equipe médica para a sala de hemodinâmica.
— Eu estou confiante — Cléo afirmou acariciando meu ombro.

[...]

Depois de algumas horas de muita ansiedade, o médico veio ao nosso encontro. Sua
expressão séria me deixou em alerta.
— Aconteceu alguma coisa, Doutor? Como foi a cirurgia?
— Fiquem tranquilos, ocorreu tudo bem com o procedimento, foi um verdadeiro sucesso.
— Ah meu Deus, eu sabia. Obrigado, Doutor. — Cléo afirmou, suspirando aliviada. —
Apesar do sucesso eu preciso dizer algo para vocês: Durante o procedimento minha equipe e eu
descobrimos que Malu não tinha apenas uma estenose pulmonar, ela tem uma estenose no ramo
pulmonar. Não era apenas uma única artéria que estava obstruída. Infelizmente esse problema não foi
identificado no eletrocardiograma. Eu fui preparado para realizar um determinado procedimento, mas
durante eu descobri que o problema ia além do previsto. Na hora eu precisei ser rápido, por isso
optei por realizar apenas a angioplastia em uma artéria com havia planejado.
— E isso quer dizer…
O médico completou antes mesmo que eu terminasse:
— Quer dizer que hoje conseguimos solucionar 30% do problema. Daqui adiante Malu
continuará realizando exames periodicamente, continuará tendo que evitar exercícios e brincadeiras
extremas, como essa última que a levou a ter uma crise e, manterá o coquetel de medicamentos
também.
— Então tudo isso foi pra nada. A Malu passou por tudo isso e nada vai mudar!
— Senhor Kleber, como lhe disse anteriormente, a cardiopatia é uma doença que não tem
cura. Existe o tratamento para buscarmos a longevidade do paciente e em casos mais graves como o
da Malu existem cirurgias e vários procedimentos que podem melhorar sua qualidade de vida.
— Quer dizer que ela nunca será uma criança normal? — Cléo perguntou com os olhos
cheios d’água.
— Ela é uma criança normal como qualquer outra, porém requer cuidados. Vamos continuar
o tratamento para que ela possa ter uma vida com menos restrições.
— Droga! — Revoltado balancei a cabeça, puto comigo mesmo e com tudo que aquela
menina estava passando. Me afastei do médico e de Cléo, saí da sala de visitas caminhando para fora
do hospital até parar num ambiente em que finalmente pude respirar ar puro para tentar amenizar toda
aquela tensão.
De repente comecei a sentir meu celular vibrando no meu bolso. Minha cabeça que já
parecia estar no centro de um redemoinho, agora estava doendo o dobro. Não estava a fim de falar
com ninguém, mas ao ver o número de Jorge na tela soube que era sério. Ele nunca foi de ligar
durante o horário de trabalho.
— Kleber, desculpa meu amigo, mas eu tenho uma péssima notícia para você.
— Uma péssima notícia? — Sorri sabendo que nada mais naquele dia conseguiria me
surpreender.
— Sim. Soraya está morta. Acabei de receber a notícia de que ela cometeu suicídio dentro
da sua cela na penitenciária.
— Não pode ser… Caralho, não acredito!
— É complicado…
— Complicado Jorge? Essa história está muito mal contada, parece uma queima de
arquivo.
— Parece não. Com certeza é. Pedi meus homens para irem até o cabaré daquela tal de
Helô envolvida nesse caso, e adivinha: ele não está funcionando mais e, detalhe, a cafetina
desapareceu do mapa.
— Que nem o Estevam…
— Eles viram que o circo está fechando.
— Fechando ainda? Que porra é essa Jorge? Agiliza isso! Todos eles já fugiram! Estão
todos fora de rota! Você precisa fazer alguma coisa pra ontem, porque se você não fizer eu mesmo
irei fazer com minhas próprias mãos!
Sete
Kleber
Revoltado e ainda desacreditado com tudo que estava acontecendo voltei para a sala de
espera onde Cléo estava sentada em um dos bancos batendo o pé ansiosamente. Quando a vi ofeguei
alto me protegendo de mais notícias ruins. Ela me fitou pouco animada e logo ficou de pé vindo na
minha direção.
— Nem dá pra acreditar que não valeu de nada essa cirurgia da Malu. Eu tinha fé, eu tinha
certeza de que ela voltaria a viver bem depois disso!
— Eu também, mas o médico disse que resolveu 30% do problema. Já é alguma coisa, tenho
certeza de que ela está muito melhor do que antes. A partir de agora teremos que ser mais
restritivos…
— Isso é. — Cléo arqueou as sobrancelhas me fitando de cima a baixo, como se estivesse
tentando decifrar algo que eu não queria expor. — Está tudo bem, Kleber? Você está estranho.
— Estranho está a minha vida. Toda hora acontece alguma coisa.
— O que aconteceu?
— Tem certeza de que quer que eu diga?
— É tão grave assim?
— Soraya está morta — fui direto e disse sem mais delongas. — Jorge acabou de me ligar
para dar a notícia.
— Mas como isso? Você não estava na penitenciária com ela mais cedo. O que houve?
— Nem eu sei… Bom, na verdade, eu suspeito. Soraya me disse muitas coisas, eu até tinha
mudado minha visão sobre ela, mas, poucas horas depois eu recebo a notícia de que ela se suicidou.
Não dá para acreditar nisso.
— Não dá mesmo. Aquela mulher bonita, pozuda, cheia de vida… Não consigo imaginar ela
cometendo suicídio, apesar de que uma pessoa que se submete a ser tratada da maneira que seu Célio
a tratava não tinha como estar bem consigo mesma.
— Mas ela estava esperançosa, Cléo. Ela só queria ficar livre, ter a sua liberdade de volta.
Voltar a viver a própria vida. Ela não iria desistir assim tão fácil, não depois que eu a ofereci ajuda.
— Mas porque você ofereceu ajuda para a Soraya?
— Porque ela me disse algo que é quase uma pista da Gabriela…
— A Gabriela está morta Kleber. Pare de se iludir e ficar alimentando falsas esperanças.
Você não é nenhuma criancinha de quatro anos que ainda não sabe lidar com a perda de alguém… —
Ela piscou os olhos, entediada, e depois me fitou como se estivesse pronta para me fuzilar. — A irmã
da Malu também era uma prostituta que nem a Soraya, as duas devem ter sido mortas da mesma
maneira.
— Cléo, a Gabriela não está morta.
— E quem garante que não? Kleber, você precisa parar com isso, porque acreditando nessa
loucura você involuntariamente estará alimentando falsas esperanças na Malu também. E uma hora ou
outra ela vai precisar saber e lidar com a verdade por mais difícil que seja.
— Acredite no que quiser, Cléo. Não quero ficar aqui discutindo com você, estamos em um
péssimo momento.
Ela iria dizer algo, mas guardou para si quando avistou uma das enfermeiras que cuidavam
de Malu vindo em nossa direção.
— Tenho uma boa notícia, Malu já está no quarto e ansiosa para ver vocês dois.
— Que ótimo!
Cléo e eu acompanhamos a enfermeira até o quarto onde nos deparamos com Malu deitada
confortavelmente sobre a cama. Ela ainda estava no soro e com o aspecto um pouco pálido, mas
visivelmente mais confiante do que antes de entrar na sala de hemodinâmica e passar pelo
procedimento.
— Eu estou melhor! Muito melhor, quando eu sair quero brincar muito e ver a baleia
outra vez — ela disse empolgada enquanto um fio de tristeza atravessava meu peito. Malu
realmente parecia estar melhor, mas não a ponto de sair correndo, brincando por aí. Ela ainda
não sabia da gravidade da sua doença e eu ainda não havia encontrado uma maneira de dizer
para uma criança que ela não poderia correr, pular, se divertir como as outras ao seu lado.
— O médico comentou comigo mais cedo que você só vai precisar fazer mais alguns exames
para receber alta. Provavelmente amanhã mesmo você vai estar em casa, mas nem pense em ficar
correndo por aí.
— Porque não tia Céu, o tio mexeu no meu coração e consertou tudo. Eu estou boa.
— Você está ótima, mas não o suficiente para fazer essas brincadeiras mais bruscas.
— Por que não? — Malu perguntou preocupada, com o cenho franzido. Malu insistiu com
Cléo, que aparentemente não fazia questão de ser mais maleável.
— Porque da última vez você desmaiou e veio parar aqui.
— Cléo! — exclamei em alerta tentando mudar o rumo daquela conversa. — Não se
preocupe Malu, a gente ainda vai poder assistir animes, filmes na Netflix, brincar com sua nova
coleção de bonecas…
— Eu não vou poder bincar no parque mais… Eu não tô boa… Ele não consertou meu
coração… — Malu abaixou a cabeça e rapidamente as lágrimas começaram a cair como gotas
sobre o lençol que a cobria.
— Isso não é verdade princesa, você está bem melhor…
— Por que voxê tá mentindo pra mim? Eu não tô boa! Eu sei que não tô! Eu vou morrer
que nem a minha mamãe… — Ali ela não aguentou mais segurar o choro, desesperada ficou aos
prantos tentando secar as lágrimas que não cessavam. Eu a envolvi em meus braços, lhe
aconchegando com um abraço fraterno, apertado, enquanto olhava seus batimentos disparar no
monitor acima do leito.
— Malu fica calma, em breve você vai ficar bem… — disse enquanto tentava controlar a
dor que me apunhalava.
— Tio… eu quero ver a Gabi… Quero falar pra ela que goxto muito dela e que não quero
que ela sofra quando eu for pro céu…
Estava me sentindo como um escudo no meio de uma batalha de espadas. Eu era o mais forte,
mas ao mesmo tempo o mais atingido e dilacerado.
Eu era o mais forte, mas não forte o suficiente para não ser ferido, machucado…
E era por isso que agora estava me sentindo fraco, duvidando se eu realmente aguentaria
continuar sendo um escudo sem desmoronar no final.
Na verdade, eu não tinha certeza se conseguiria resistir até o final.
— Você vai falar com a Gabi, meu anjo, mas você não irá para o céu. Pelo menos não agora,
porque eu só vou deixar você ir quando estiver velhinha e já tiver se divertido muito nessa vida.
Você confia em mim?
— Confio… — Não havia verdade no seu tom, então insisti.
— Você precisa confiar Malu, não só por mim, mas por você, e também pela Gabi que com
certeza deve estar morrendo de saudades de você.
Malu arregalou o par de olhos castanhos que irradiou enquanto me fitava.
— E quando ela vai voltar?
— Em breve meu bem. Eu prometo —disse apertando-a com mais força entre meus braços
quando um grito inesperado de Cléo me deixou alarmado.
— Kleber! Enlouqueceu?
— Cléo! Por favor, fique quieta! — supliquei para ela que ainda me fitava com descrença.
Cléo não disse nada, simplesmente saiu do quarto me deixando a sós com Malu. A atitude de
Cléo era compreensível, ela não conhecia Gabi como eu e não tinha motivos e nem paciência para
crer que ela ainda estava viva.
Não demorou muito para Malu começar a cochilar e pegar no sono de vez, dormindo como
uma anjinha que ela realmente era. Foi melhor assim, ela havia acabado de passar por um
procedimento invasivo e precisava descansar para ficar boa logo.
Pensativo, caminhei na direção da janela preocupado com tudo que estava havendo. Soraya
não teve a oportunidade de ter sua liberdade, passou boa parte da vida sendo escravizada
sexualmente. Não dava para acreditar que em pleno século XXI pessoas como ela, obrigadas a
fazerem sexo sob ameaças ainda existiam e estavam camufladas na sociedade. Talvez eu não tenha
me dado conta disso porque até pouco tempo eu estava preso numa bolha impenetrável. Mas hoje, via
que era justamente por causa de homens como eu que mulheres como ela eram sodomatizadas,
escravizadas e vendidas no mercado negro todos os dias. Preferia não imaginar o número de
mulheres ou até mesmo meninas que eram vendidas e negociadas como mercadorias, tudo isso para
satisfazer os fetiches de quem tem poder e dinheiro como o meu pai e eu, infelizmente… Pela
primeira vez eu estava reconhecendo um vício que até pouco tempo parecia ser algo íntimo, mas
agora com as evidências não dava para negar que era algo grave e que as consequências não me
atingiam com exclusividade.
Sexo era sinônimo de prazer. Não devia ser usado para humilhar e fazer mal para ninguém.
Mas, eu mesmo já fiz isso, várias vezes…
Eu estava lutando contra isso, mas era impossível não pensar que Gabi estava sendo usada e
humilhada por desgraçados como meu pai e eu, assim como fazíamos com outras mulheres.
Ela não merecia isso…
O que ela fez de tão ruim para ter parado em meu caminho?
Porra! Revoltado soquei a parede, me odiando por tudo, me sentindo algo radioativo capaz
de afetar um mundo à minha volta.
Meu coração pulsava dolorosamente quando mais uma vez a porra do meu celular vibrou em
meu bolso. Respirei fundo para controlar a vontade insana que tinha de lançá-lo contra a parede.
Decidi não atender, não estava a fim de ouvir mais uma fatalidade da boca de Jorge, mas as
insistências foram tantas que quando peguei o telefone e vi uma chamada de vídeo de um perfil fake
da qual nunca tinha visto antes meu coração disparou de uma maneira que nunca aconteceu antes.
Engoli o bolo em minha garganta e aceitei a chamada de vídeo. Quando a imagem se formou
meu coração deu pulos dentro de mim, senti-me destruído.
— Olá Kleber, sei que sentiu a minha falta. — Ela sorriu do outro lado da tela. — É isso
mesmo que você está vendo eu estou com ela. Com a garota por quem você é apaixonado, mas, não
tenho muitas expectativas já que você já se livrou de alguém que amava em outra oportunidade…
Com o peito tremendo gritei interrompendo-a:
— Cale a boca!
— Você tem razão. Eu preciso me calar… Vou deixar ela falar por mim.
— Kleber… Por favor, me ajude… Eu não aguento mais isso aqui… — Meu corpo inteiro
ficou paralisado, quando depois de tanto tempo pude ouvir a voz de Gabriela.
Oito
Gabi

Alguns dias antes…


Meu corpo balançava dolorosamente, não estava conseguindo respirar direito, o cheiro ali
dentro era forte, o suficiente para fazer meu estômago se revirar e me deixar enjoada. Por algum
motivo não conseguia abrir meus olhos. Minhas pálpebras estavam pesadas demais, e sinceramente
talvez fosse melhor assim. Talvez fosse melhor não enxergar a realidade.
— Gabriela. — Aquela voz… O meu nome…
Não aguentei, lutei contra a fraqueza do meu corpo e forcei minhas pálpebras até confirmar
minhas desconfianças.
— Jurandir…
— Sou eu Gabi… Me perdoe, me perdoe por tudo! — Ele rapidamente me envolveu em seus
braços, aos prantos, completamente desesperado. Assim como ele, eu também não estava bem
comigo mesma, principalmente depois de perceber que estava presa no baú de um caminhão com
várias mulheres e crianças que nunca vi antes. Ali era escuro, abafado e desorganizado, porém o que
realmente chamava minha atenção era o pânico brilhando nos olhos de todas aquelas pessoas. Era
como se fôssemos bois indo para o matadouro.
— Onde eu estou? Que lugar é esse?
— Tudo que sei é que estamos no contêiner de um caminhão seguindo direto para o inferno.
— Inferno… Do que você está falando, só lembro de estar tentando fugir quando dois
homens me pegaram e me jogaram dentro de um carro… Agora estou aqui…
— Você também fez algo contra a Helô?
Naquele momento senti um peso no coração. Lembrei de quando fiquei entre a cruz e a
espada quando tive que escolher em participar das artimanhas de Helô contra o Kleber, ou contar que
tudo aquilo que ele estava vivendo não passava de uma armadilha. Droga! Por que eu sou tão boa?
Agora ele estava lá, bem, a salvo, se divertindo com várias mulheres como sempre fez e eu estava
aqui, com a vida por um fio.
Tudo isso porque tive medo de perdê-lo…
Não dava para acreditar que me sacrifiquei tanto para salvar a vida de um homem que só
queria me usar. Fui uma escrota de tão egoísta, fiquei cega a ponto de não pensar nas consequências,
de não pensar em Malu que era completamente dependente de mim e que agora estava sozinha. Meu
Deus, o que fiz com minha vida?
Na medida que o caminhão ia seguindo eu me sentia cada vez mais enjoada e com medo. Me
escorei em uma das muitas caixas de madeira que tinham ali dentro e ergui a cabeça para controlar o
vômito. Enquanto isso, foi impossível não notar a menininha linda que estava deitada no colo de uma
mulher de longos cabelos lisos, com certeza eram mãe e filha ou se amavam de maneira parecida.
Era visível que a mulher estava lutando com todas as forças para não deixar que seu desespero
ficasse em evidência. Ela queria parecer forte para que a menina ficasse forte também.
Ali éramos como animais enjaulados, nossos sentimentos e instintos estavam aflorados.
Enquanto algumas seguravam o choro e o vômito, outras rasgavam o pulso com a própria unha ou
com os dentes.
Senti um baque quando o veículo parou de andar e seu motor também parou de rugir. Todas
arregalaram os olhos, todas estavam pensando o mesmo que eu naquele momento: fugir.
— Assim que eles abrirem a porta vamos correr feito duas lebres. Você vem comigo, Gabi?
— Jurandir perguntou determinado, com o olhar estreitado cheio de coragem.
Não respondi porque sabia que se eu abrisse a boca tudo que estava dentro de mim sairia,
mas assenti concordando com ele.
Logo as portas do contêiner se abriram, mas ninguém ousou a mover um único dedo,
provavelmente porque pelo menos cinco homens armados com fuzis estavam fazendo a recepção
mais assustadora que já tinha visto.
Descemos. Uma por uma. Cada passo era uma apunhalada dentro do peito, quando pisei em
terra firme não resisti em cair de joelhos e jogar tudo para fora.
— Pelo visto a viagem até aqui foi um pouco desconfortável. Ande logo com isso e limpe-
se! — o homem que me disse isso foi o mesmo que me jogou para dentro do carro, o mesmo que
esfaqueei para defender minha irmã. Por Deus, ele estava aqui e com certeza faria tudo para tornar
minha vida ainda mais insuportável.
Ouvi o que ele disse e com as pernas tremendo fiquei rapidamente de pé e segui às outras
mulheres e crianças para dentro de uma espécie de galpão no meio do nada. Não havia nada ao redor
do lugar onde estávamos, com a exceção de um trilho de trem que pelo aspecto enferrujado com
certeza já havia sido abandonado há muito tempo. O galpão também não era muito diferente do
interior daquele contêiner. Era sujo, tinha um péssimo cheiro e no meio daquele amontoado de
coisas, rastros de sangue e buracos do que parecia ser tiros chamava atenção me deixando ainda mais
amedrontada.
Agora estávamos alinhadas de frente para eles esperando que dissessem o óbvio ou que
aquilo não passava de uma trollagem. Mas, infelizmente, nem o mais inocente dos seres conseguia
enxergar algo bom naquilo, as crianças estavam tremendo agarradas nas pernas de suas mães.
Silenciosamente agradeci aos céus por Malu não ser uma ali no meio daquelas menininhas e meninos
inocentes.
Quando achei que não podia piorar, capangas começaram a tirar as crianças de suas mães
fazendo com que elas se desesperassem, gritassem e berrassem com todas as suas forças. Algumas
não cederam fácil e lutaram pelo filho, mas segundos depois ficou mais claro o que já era óbvio para
todos: lutar contra eles era uma péssima e infeliz escolha.
— Agora sim, somente os adultos por aqui. Comecem logo a tirar a roupa!
Engoli em seco deixando uma lágrima cair dos meus olhos. Já havia passado por algo
semelhante, mas tudo por livre e espontânea vontade, por mais que no fundo existisse uma certa
motivação e necessidade. Mas diante disso tudo, aquilo não era nada. Pelo contrário, comparado a
isso aqui até pouco tempo eu vivia e desfrutava de um sonho.
— Eu disse para você tirar a roupa. Não me faça perder a paciência, estou me segurando
para não arrancar um por um de seus olhos! — o homem gordo e ruivo com praticamente o dobro da
minha altura disse de forma rude e ameaçadora. Seu hálito era horrível, o amarelado em seus dentes
denunciava que ele não parecia ter o hábito de escová-los com frequência. Mais uma vez senti meu
estômago se revirando e a fraqueza pairar sobre meus ombros.
Comecei a tirar a roupa e logo estava nua como cada uma daquelas mulheres. Pouco tempo
depois outro homem surgiu com uma mangueira grossa e disparou a tensão da água gelada contra
nossos corpos. A sensação era de estar sendo chicoteada sem piedade. Em seguida, cada uma de nós
recebeu um conjunto formado por uma calça e uma blusa cinza. Rapidamente tivemos que nos vestir e
mais uma vez seguimos em fila indiana para uma van.
Eram umas 20 mulheres contando com Jurandir, pouco menos da metade entraram naquela
van. Notei que as que não tinham uma aparência tão boa foram levadas para outro canto. Mesmo
ciente do que poderia estar acontecendo me perguntei o que eles fariam com elas e torci muito para
que minhas intuições estivessem completamente erradas.
Enquanto seguiam notei através do vidro da janela que todos os letreiros estavam escritos
em espanhol.
Não estávamos no Brasil, isso era certo.
Não levou muito para pararmos num restaurante de frente para BR. Nós não entramos no
estabelecimento, fomos coordenadas a descer uma escada que levava para o subsolo dele e lá
descobrimos um outro lugar. Para algumas das mulheres era novidade, mas eu sabia muito bem o que
era aquilo e como funcionava.
Eu queria me manter calma, fingir que tudo aquilo não passava de um pesadelo, mas, quando
vi homens vestidos em ternos elegantes se aproximando comecei a tremer, principalmente porque um
deles não me era tão desconhecido assim.
Aquele homem alto de cabelos grisalhos, nariz arrogante e olhar ameaçador estava bem
gravado na minha memória.
Ele também parecia se lembrar perfeitamente de mim. Isso ficou claro quando começou a
trocar passos marcados na minha direção.
A maneira com que ele me olhava parecia uma sentença de morte.
Se nós éramos bois e ali era o matadouro, com certeza seria ele o homem que iria fazer o
meu abate.
— Olha que maravilha Estevam, finalmente chegaram! — O senhor ao seu lado, com a
aparência um pouco mais acabada disse com um sorriso sarcástico estampando seus lábios.
— Estão todas em perfeito estado e sem nenhum arranhão assim como você pediu, senhor
Estevam.
— Ótimo. Assim podemos nos divertir bastante com elas antes de entregá-las para nossos
clientes. — Ele chegou mais perto, tentou colar os lábios nos meus, mas eu desviei rapidamente.
Estevam não deixou barato e forçou meu pescoço até meu olhar parar na direção dos seus olhos.
— Ei garota, não tente se fazer de difícil. Nem para mim e nem para nenhum outro homem
que for meter o pau em você. Você é uma vadia e precisa estar pronta para nos atender. Aqui você
não é uma putinha exclusiva do Kleber.
— Quero deixar claro para todas vocês — o colega mais velho de Estevam chamou a
atenção para si. — Temos seus endereços, sabemos quem são suas famílias, maridos, namorados,
amigos… Conhecemos todos e mantemos cada um deles por perto. Por isso saibam que se resistirem
ou tentarem algo imediatamente todos eles serão mortos.
A expressão de choque e pânico nos olhos não era uma exclusividade minha, todas ficaram
assim, com um bolo na garganta quando ouviram o que aquele velho nojento disse.
— Porém — Estevam cortou o amigo —, não quero que pensem que aqui é o fim da rota
para vocês ou que estão destinados a isso até o último dia de suas vidas. Nós temos coração e
compaixão. Vocês poderão ser livres, tudo que precisam fazer é pagar a dívida que tem com a gente.
— Mas que caralho de dívida é essa? — Jurandir perguntou com os punhos tremendo.
— É um valor um tanto significativo, mas se vocês fizerem o trabalho direito não levarão
tanto tempo assim para quitá-la. 500 programas será tudo que irão precisar para terem sua liberdade
de volta.
— 500 programas… 500 homens… Eu vou ter que transar com 500 homens… — murmurei
com as lágrimas brotando em meus olhos.
— Sim e, começando por mim. — Quando ele me puxou pelo braço resisti, me afastando,
tentando ir para longe, mas rapidamente aquele segurança nojento me pegou por trás, ajudando aquele
escroto a me levar para um dos quartos.
Chegando lá ele me empurrou para dentro e trancou a porta.
— Eu não quero! Eu prefiro morrer do que me deitar com você! — gritei apavorada,
colando meu corpo contra a parede para não ter que chegar perto dele. — Me mata! Tá esperando o
quê para me dar um tiro bem no meio da minha cabeça? — Enquanto gritava e me desesperava ele se
despia, me fazendo ficar com nojo do que eu estava vendo.
— Entenda de uma vez por todas que aqui você não manda em porra nenhuma. Tire logo essa
roupa e mostre o porquê daquele desgraçado do Kleber ter ficado viciado na sua boceta!
Nove
Gabi

Alguns dias antes...

— Ei, não fique assim. Daqui um tempo você se acostuma. Parece difícil, mas você se
acostuma…
Depois que aquele nojento colocou as mãos em mim me levaram para uma espécie de
alojamento, lá me encontrei com outras mulheres. Algumas delas vieram comigo no caminhão, outras
pareciam estar ali há mais tempo.
— Me acostumar a ser estuprada, é sério isso?
— Melhor do que ser estuprada, torturada, morta e ter todos os seus órgãos distribuídos pelo
mercado negro. Você escolhe o que quer. — A morena de olhos castanhos parecia ter uns 25 anos, ela
tinha traços finos, seu rosto poderia ter um aspecto angelical, mas infelizmente havia um traço de
agonia muito grande passando por ele. — Droga! Desculpe te falar essas coisas sem ao menos me
apresentar. Prazer, meu nome é Eudite, mas pode me chamar de Eudi.
Ela estendeu a mão e, eu mesmo extremamente desanimada, apertei de volta.
— Meu nome é Gabriela, pode me chamar de Gabi. Você se importa de contar como veio
parar aqui?
— Eu tinha acabado de fazer 18 anos quando recebi uma proposta para trabalhar como
garçonete na Espanha. O salário parecia ser algo tentador, daqueles que eu não ganharia mesmo se
tivesse faculdade lá no Brasil.
— Espanha… Estamos na Espanha?
— Não. Estamos no México. A Espanha é apenas uma das muitas mentiras que usaram para
me iludir e outras meninas. Mas e você, o que disseram para você vir parar aqui?
— Bom, sendo sincera, eu já fazia programas. Eu trabalhava num cabaré de luxo, cheguei lá
por falta de alternativa. Logo na primeira noite tive a virgindade leiloada e esse cliente que a
arrematou pediu exclusividade. Durante todo o tempo que trabalhei lá só tive relações com ele.
— Mentira? — ela perguntou boquiaberta, desacreditada. — Você só tinha que ficar com
ele?
— Sim. Ele pagava uma grana preta para minha cafetina. Mas acho que a gente acabou se
envolvendo demais. Na verdade, eu é que acabei me apaixonando por ele…
— Imagino. Quem não se apaixonaria por um cliente que te pede exclusividade e ainda te
enche de dinheiro? Esse com certeza é o sonho de toda mulher que trabalha com sexo.
— O problema é que minha cafetina se deu conta do que estava acontecendo e começou a me
usar para sabotá-lo. Ela queria que eu o envenenasse, mas não consegui. Droga! Eu não consegui! Na
hora me senti uma traíra, culpada, uma garota baixa e sem escrúpulos e… eu não sou nada disso. Por
isso acabei contando tudo que estava acontecendo e…
— Por isso você está aqui.
— Exatamente.
— O amor é uma praga, ele só fode com a gente.
— Literalmente. — Assenti e prossegui com a conversa: — Você disse que chegou aqui com
18 anos, agora você tem quantos?
— Quase 21. Estou aqui há mais de dois anos e estou quase pagando minha dívida. Já fiz 488
programas.
— Uau… Só falta mais 12!
— Estou ansiosa.
Respirei fundo, cansada e pensando no quanto seria horrível meus dias daqui adiante
transando com vários homens. Cada um deles despejando um pouco deles no meu corpo. Como
aquele nojento do Estevam fez comigo.
Ele me agrediu, me forçou, me machucou o tempo inteiro. Por causa dele estava com nojo de
mim mesma. Nem mesmo o banho demorado foi o suficiente para tirar os resquícios dele de mim. Era
como se cada segundo que estivemos juntos tivesse ficado impregnado na minha alma, deixando-me
adoecida.
— Te conheço há pouco tempo, mas já te acho incrível. Não deve ser fácil transar com todos
esses homens e ainda manter esse sorriso lindo no rosto.
— Obrigada, mas, é como eu te disse. Tudo é questão de costume. De esquecer que existe
uma vida melhor que essa.
— Gabi, posso falar com você? — Mais uma vez Jurandir estava tentando falar e se
reaproximar de mim. Não gostava de guardar mágoas, mas o que ele fez comigo e com minha irmã foi
cruel demais, não dava para apagar com uma borracha e fingir que nada daquilo tinha acontecido.
— Licença. — Estávamos em uma beliche, Eudi ocupava a cama de cima e assim que se deu
conta da presença de Jurandir ela se deitou deixando-nos à vontade.
— Eu acho que não vou durar muito tempo aqui. Sou o único “homem”, por isso quero te
pedir perdão por tudo, principalmente por ter te metido nessa vida e ter sequestrado sua irmãzinha
tão fofa. Fui falso, insensível, um grande filho da puta. Pode me chamar do que quiser, mas por favor,
me perdoe.
— Isso é tão difícil… Até hoje não consigo acreditar que você tentou contra minha irmã.
Cara, ela é uma criança, só tem 4 anos, como você pode ter pensado em fazer mal a uma criança?
— Eu estava completamente fora de mim. Eu sou viciado… Arrumei dívidas com a Helô,
com pessoas da rua. Me vi num beco sem saída…
— E a única solução pra você foi sequestrar minha irmã. Logo a minha irmã que sofre de
cardiopatia, que desde quando veio pra droga desse mundo nunca mais teve um minuto de sossego.
Sinceramente Jurandir, me poupe! Não tenho nada contra você, mas também não dá para fingir que
sou sua amiga depois de tudo que aconteceu. Espero que pelo menos aqui nesse inferno seja cada um
no seu canto, cada um por si, vai ser melhor assim.
— Tudo bem. Te entendo perfeitamente, mas quero que saiba que estou arrependido de tudo
que fiz… — Sua voz estava embargada quando ele se afastou da beliche.
— Jurandir, eu te perdoo por tudo. Não vou guardar mágoas, não se preocupe. Mas quero
distância, entenda isso, por favor.
— Obrigado, de verdade. — Ele se afastou e seguiu para a beliche do lado oposto do quarto.
Percebi que estava inquieto e super preocupado, assim como qualquer um ali, porém, com a
diferença de que ele era o único Drag Queen e de quebra viciado e sem o que queria naquele
momento.
Dez
Gabi

Alguns dias antes…

— Acho que consigo bater os 500 hoje. Estou empolgada e cheia de gás! — Eudite disse
enquanto se maquiava de frente para o espelho.
Assim como na casa de Niterói, aqui também tinha um camarim, com maquiagens, lingeries
sensuais, perfumes e tudo que precisávamos para ficarmos impecáveis para nossos clientes. Passei o
batom vermelho finalizando a make com desgosto, Jurandir estava bem atrás da gente ajeitando a
peruca volumosa e loira.
— Aqui tem tantos clientes assim para você conseguir fazer 12 programas numa única noite?
— Jurandir perguntou para Eudi.
— Hoje é um dos dias mais movimentados dessa imundice. Basta ter disposição que você
consegue até mais que isso.
— Disposição e estômago, né, só de pensar em um daqueles homens nojentos dentro de mim,
já sinto vontade de jogar tudo para fora — afirmei ajudando Jurandir a ajeitar a peruca.
— Você realmente tem o estômago muito sensível, te vi vomitando mais cedo no banheiro.
Tem certeza de que está tudo bem?
Quando ela perguntou senti um frio passar pela barriga, mas logo dei uma desculpa:
— Está sim. Àquela noite de ontem, o Estevam… Tudo isso fez muito mal para mim, mas
como você disse, em breve estarei adaptada a essa merda de vida. Hoje vou usar o seu truque de
esquecer o mundo lá fora e me entregar por inteira a isso aqui.
— É isso que eu queria ouvir. Toca aqui garota!
— Eu também, quero bater os 500 em dois anos que nem você. Vou virar uma máquina de dar
nessa merda. A concorrência que se cuide!
— E você ainda tem a vantagem de ser uma Drag! Aposto que aqui tá cheio de pai de família
conservador esperando para você arrombar o cu deles! — disse debochando, fazendo as meninas
caírem na risada.
— Isso é verdade! Você vai ser a primeira Drag aqui da boate, pelo menos durante o tempo
que estou aqui. Vai ser um sucesso total!
— Imagina se eu fosse paga! Iria ficar milionária.
Quem nos via nos divertindo daquela maneira enquanto nos arrumávamos nem imaginava que
por dentro estávamos completamente despedaçadas, sendo usadas, coagidas e ameaçadas.
Minha primeira noite nem tinha começado, mas eu já odiava os próximos dias que teria que
enfrentar.
Depois de prontas seguimos para o salão onde vários homens nos aguardavam ansiosamente,
cheios de fome e loucos para nos devorar como se fôssemos uma ceia.
Eu não gostava de olhar nos olhos deles e quando tinha que ir para a suíte com algum sentia
o asco purgando por todo meu corpo. Logo depois do primeiro programa daquela noite fui para o
banheiro onde vomitei e chorei muito enquanto controlava a vontade louca que tinha de me matar
depois daquilo. Eu queria fingir que era normal, mas não era. Não dava para mentir para mim mesma
e nem fingir que um dia iria me adaptar àquela merda.
Pensei na minha irmã, na loucura que fiz quando saí do apartamento e deixei ela sozinha com
dona Geralda que, apesar de ser uma senhora de bom coração e muito carinhosa, ainda não me
deixava com certeza absoluta sobre os cuidados e a segurança de Malu. Ainda mais com ela sendo
portadora de uma grave doença cardíaca. Me senti uma grande covarde por ter pensado na ideia de
abandonar um ser humano tão inocente. Mas eu realmente não tive muitas escolhas, estava com um pé
no precipício e caso não pulasse logo, acabaria levando Malu junto…
A noite no salão foi tensa e movimentada. A música alta era uma excelente distração e
ajudava o tempo passar mais rápido, eu focava nela sempre quando estava entrando e saindo dos
quartos. Diferente de Eudite, eu não estava desesperada para ir para a suíte com o maior número de
clientes possíveis, tudo ainda era muito novo e doloroso demais para mim.
Já era quase o final do expediente e eu só tinha conseguido fazer dois programas.
Eu desconhecia tortura pior que aquela, quanto mais tocavam em mim mais nojo eu tinha.
Dessa vez tudo era mais difícil e lento. Com Kleber nunca foi um mar de rosas, mas eu conseguia
sentir prazer, conforto e até desfrutar do momento. Agora tudo era diferente, cada cliente era uma
adaga cravada no meu peito, era uma parte de mim se desfazendo.
Era final de noite e agora todas nós estávamos exaustas e reunidas frente ao caixa do salão.
Estevam parecia orgulhoso dos números que via. Eudite era a única entre nós que parecia estar
pronta para dar pulos de alegria, afinal de contas ela bateu a meta dos 500 programas. Ela foi para a
suíte 12 vezes com 12 homens diferentes em menos de 8 horas. Antes de nos reunir estávamos
comemorando aquilo, ela foi a primeira a bater esse número em tão pouco tempo na casa, se formos
olhar bem os fatos aquilo estava longe de algo a ser comemorado, mas, naquele caso, era sinônimo
de liberdade. Eudite estava explodindo de felicidade e todas nós também estávamos muito felizes por
ela.
Estevam estava pronto para dizer algo quando um cliente apareceu de maneira inesperada
puxando Eudi pelo braço.
— Desculpe pelo atraso. Só agora consegui sair de casa. Tem como liberar essa aqui para
mim? — Num arranque Eudi soltou o braço do homem e gritou furiosa:
— Não tem como! Eu não trabalho mais aqui e nunca mais vou botar minha boca nesse seu
cu imundo!
Engoli em seco sabendo que aquilo não era bom. Eudi estava tão feliz que nem sequer estava
pensando nas consequências do que estava falando. De longe avistei o olhar de Estevam se
estreitando assim como o do homem ao seu lado que parecia extremamente ofendido com o que ela
havia dito.
— Eudite, cale a boca! — Estevam gritou furioso, fazendo sua fala ser mais que o suficiente
para que o cliente entendesse que Eudi continuava sendo a mesma prostituta de sempre.

Sem autonomia de sua voz e si mesma. Ele não demorou muito para pegá-la pelo braço e
começar a arrastá-la rumo a uma das suítes. Eudi tentou lutar contra o imbecil, mas além dele ser
muito mais forte, Estevam e os seguranças da boate o apoiaram totalmente. Teve um momento em que
aos prantos, Eudi cuspiu na cara do cliente que lhe acertou um soco no meio do nariz, jogando-a
violentamente contra o chão. Ele lhe acertou alguns pontapés antes de lhe puxar como uma boneca
para cima.
— Mas isso é um absurdo! — Jurandir, que agora estava transformada em Michelle, arqueou
as sobrancelhas sinuosas e afirmou com a voz grossa, com sua voz de homem: — Ela fez a porra dos
500 programas! Ela não tem que dormir com mais nenhum desses homens imundos!
— Alguém aqui pediu sua opinião? Viado desgraçado! — Estevam falou do outro lado do
caixa quando Jurandir avançou nele, agarrando-o pelo colarinho, trazendo bruscamente metade do
seu corpo para fora do caixa.
— Olha como você fala comigo! Eu vou arrebentar sua cara, velho arrombado! Maldito!
Desgraçado! Eu quero minha liberdade! — Jurandir vibrava enquanto gritava contra o rosto de
Estevam e o sacolejava simultaneamente, cheio de rancor e maldade.
— Me solta viado desgraçado! Me solta!
Jurandir não resistiu em começar a distribuir socos na cara daquele abutre. Para mim era
uma cena linda de se ver, cada gota de sangue que escorria do rosto daquele escroto me deixava mais
leve. Porém, não levou muito tempo para que os seguranças da casa o contivessem.
— Mate-o! Mate-o! — ordenou Estevam.
— NÃO! POR FAVOR, NÃO! — gritei desesperada, em pânico, com o coração quase
explodindo no peito.
Mas meus gritos não serviram de nada para eles. Um dos capangas de Estevam sacou a arma
e descarregou todas as balas na direção do seu peito. Jurandir caiu abruptamente no chão, ele ainda
estava vivo enquanto seu sangue deixava vermelha a lingerie clara que estava usando.
Eu me joguei no chão junto com ele, e com os olhos cheios de lágrimas só consegui me
lembrar de todos os momentos bons que tivemos. De quando nos conhecemos, de quando num dia
chuvoso ele tirou eu e minha irmã da rua, por mais que não tivéssemos intimidade alguma.
Ele não merecia morrer assim, Jurandir tinha coração bom, só foi mal lapidado pela vida.
— Jurandir…
— Gabi… Eu tô morrendo, mas quero que saiba que eu me arrependo muito por tudo que
fiz… Mais uma vez me perdoa…
— Esquece isso! Eu te perdoei faz tempo… Não vá, por favor, aguente… Um dia isso aqui
vai acabar e nós vamos sair por aí rindo de tudo que está acontecendo agora… — Meu rosto estava
completamente molhado e ainda assim as lágrimas continuavam caindo incessantemente.
De repente Jurandir começou a sorrir e ao mesmo tempo sangue começou a escapar de seus
lábios se mesclando com o batom vermelho que usava.
— Eu já estou rindo agora… Gabi, se cuide… Quero que saiba que de onde eu estiver
estarei na torcida para que você e todas as meninas consigam sair dessa vida… Seja… Seja forte,
meu bem… — Essas foram as últimas palavras que Jurandir conseguiu dizer antes de fechar os olhos
definitivamente.
Respirei fundo e ergui a cabeça orando silenciosamente para que sua alma fosse bem
encaminhada e que Deus o perdoasse independente do que ele tenha feito.
— Leve esse saco de lixo daqui antes que seus órgãos sejam afetados! Porra! Como fui burro
por ter colocado um homem entre essas putas! Que ódio! — Estevam levou a mão no rosto
ensanguentado, em seguida socou o balcão descontando a raiva e frustração que estava sentindo. — E
você? Levanta logo desse chão! Estou me cansando de você garota! Como você me passa a noite
inteira no salão e só me faz dois programas? Pelo jeito Kleber te deixou muito mal-acostumada, mas
aqui não tem ele. Aqui não tem nada dele!
Estevam deu a volta do balcão e parou na minha direção enquanto me levantava ainda
abalada demais pela perda. Não conseguia conter as lágrimas e o desespero vendo aqueles homens
levando o corpo de Jurandir como se ele fosse um mero objeto, um lixo descartável.
— Seque essas lágrimas agora! Vou te ensinar a trabalhar. A partir de hoje toda vez que você
não bater a meta de programas terá que pagar comigo no fim da noite.
— Não… Me deixe em paz! — gritei apavorada, recuando cheia de medo e nojo daquele
desgraçado me tocar outra vez, ainda mais depois dele ter feito tudo aquilo com Jurandir.
— É melhor você obedecer e ficar quietinha se não quiser acabar que nem o seu amigo. Me
acompanhe, não me faça te forçar a fazer o que você sabe que tem que fazer. — Ele apertou minha
mão, sem muitas escolhas eu o segui para a suíte, mas dessa vez eu não estava em mim.
Não senti seu toque. Seu cheiro. Sua brutalidade.
Preferi resguardar meu espírito de um momento tão covarde.
Mas depois eu senti e sofri com cada uma das marcas que ele e outros homens deixaram.
Eu tinha plena certeza de que essa noite me atormentaria pelos próximos dias da minha vida.
Onze
Gabi

Alguns dias antes...

— Se você não parar de chorar eu também não vou conseguir!


— Porra Gabi! Eles disseram que eu tinha que fazer 500 programas… Eu estou há dois anos
fazendo essa merda pra ter minha liberdade e aí quando eu consigo, descubro que tudo é uma mentira
e que terei que ficar aqui pelo resto da minha vida. Isso não é vida! Eu vou me matar, mas não vou
continuar assim.
Bufei balançando a cabeça. Depois da noite de ontem eu não tinha muito o que dizer para
Eudite.
— Eles mataram o Jurandir com tanta frieza… Ainda bem que consegui perdoá-lo. Ele fez
umas coisas erradas, mas eu sei que não foi por mal…
— Por mal são o que esses estrumes fazem com a gente aqui! Droga!
— Nesse tempo que você está aqui, você já viu alguém fugindo, conseguindo sair?
— Já sim, várias vezes, mas nenhuma delas sobreviveram.
— Está aqui é o mesmo que estar morta. É melhor eu morrer tentando escapar do que passar
o resto da minha vida vivendo nesse inferno.
— Depois de ontem eu acho que vou concordar com você. A gente não tem nada a perder.
— Você que está aqui há mais tempo, sabe por onde começar?
— A única coisa que sei é que no final do expediente, de manhãzinha, os seguranças ficam
tão cansados quanto a gente. Aquele gordo ruivo por exemplo vive dormindo por aí, sei disso porque
seu ronco é inconfundível.
Nós rimos. Era engraçado o fato da gente conseguir sorrir mesmo quando deveríamos estar
aos prantos, desesperadas, mas nós duas sabíamos que lágrimas e reclamações não resolveriam nada.
— Se a gente conseguir chegar à parte de cima, no restaurante, já vai ser um ótimo começo.
Tenho certeza de que lá não é tão vigiado quanto aqui embaixo.
— Não mesmo.
— Mas e aí, quando vamos fazer isso?
— Hoje é claro. Hoje vai ser a nossa última noite nesse inferno. Talvez devêssemos avisar
as outras meninas…
— Não! Vai chamar muita atenção. Quando conseguirmos, vamos denunciar esse lugar e
todas elas serão salvas, mas, por enquanto, será só nós duas. Vai ser tudo ou nada.
— Tudo ou nada — ela disse me dando a mão, eu apertei de volta e lhe dei um abraço.
— Vamos conseguir — afirmei confiante.
Doze
Gabi

Alguns dias antes…

A noite estava movimentada, era sábado, final de semana. Dia perfeito para vários imundos
deixarem suas esposas em casa e virem aqui, para se divertirem com a gente. Havia homens de todos
os tipos, brancos, negros, gordos, magros, baixos… O que mais me preocupava era que ali eles
tinham a opção de escolher transar ou não com camisinha. E adivinha só, bêbados nem sequer se
lembravam de colocar a droga da camisinha no pau sujo. Por isso a sensação de nojo só crescia, eu
poderia engravidar de algum daqueles urubus, pior, eu poderia contrair uma doença fatal, sem cura.
— Gabi, está quase na hora, vou fazer só mais um programa, e a gente se encontra no
alojamento antes da reunião com o Estevam no final do expediente.
— Certo.
— Boa noite, você é nova aqui na casa? — Estranhamente o cliente estava falando muito
bem em português. Muitos ali estavam cientes que a maioria das meninas eram brasileiras e isso era
um dos atrativos daquele inferno maldito. — É a primeira vez que te vejo.
O homem era da minha altura, tinha cabelos aos ombros e usava um par de óculos que
conseguiam deixar sua aparência ainda menos interessante. Mas eu era obrigada a ser profissional,
sorrir e tratá-lo da melhor forma, como éramos instruídas.
— Boa noite, sou nova sim.
— Que morena deslumbrante. Me diga minha linda, qual é o seu nome?
— Leona.
— Uau… Espero que você seja tão selvagem quanto esse nome, Leona… — O cliente me
guiou até uma das suítes, lá ele tirou a roupa, mas por algum motivo preferiu apenas se deitar sobre a
cama. — Você vai ficar no chão, sua vaca imunda! — ele disse me deixando assustada. — Pelo
menos aqui eu vou ter uma cama espaçosa só para mim, nada de dormir na beirada. Estou cansado
disso!
Alguns clientes tinham fetiches estranhos, o que para mim não era nenhuma novidade. Mas o
que me chamou realmente a atenção naquele cliente era que ele dormiu, apagou muito rápido.
Deixando suas roupas e até mesmo a carteira cheia de dinheiro espalhada pelo chão da suíte. Olhei
para o seu relógio sabendo que já estava quase na hora de Eudi e eu fugirmos, talvez fosse melhor
escapar enquanto a boate estava movimentada e nós não fôssemos o foco total daqueles homens
malditos que faziam a guarda. Peguei a carteira do cliente que tinha uma quantia significativa de
dinheiro e sorrateiramente saí do quarto, seguindo para o alojamento.
O gordo ruivo estava lá embaixo, fazendo a guarda próximo à porta de entrada para os
quartos. Ele era o único segurança que ficava ali naquele horário, os outros estavam lá em cima se
prontificando que não fugiríamos com um dos clientes como acontecia nos filmes de romance. No
lugar de Estevam eu demitiria aquele gordo, ele não trabalhava nada bem, prova disso era o fato de
estar dormindo na cadeira enquanto deixava um fio de baba escorrer da sua boca; as chaves que
Eudite e eu precisávamos para ter acesso a parte de cima e fugir estavam penduradas no molho de
chaves em seu bolso.
Era agora.
Não tinha ninguém ali.
Só nós dois.
Eu quase o matei uma vez, lembro perfeitamente, como se fosse agora…
Não tinha que ter medo de alguém que não poderia fazer nada comigo sem a autorização de
Estevam que por algum motivo me queria viva.
Então era isso…
Eu precisava apenas dar mais alguns passos à frente, pegar o molho de chaves e correr para
o final da escada onde abriria a porta de cima.
Vagarosamente troquei passos e quando fiquei próxima a ele, me abaixei tomando cuidado
para pegar o molho de chaves sem fazer barulho. Não queria ter uma segunda experiência de ter que
enfrentá-lo de novo. Foquei no meu objetivo, estendi a mão e sorrateiramente, agarrei as chaves,
porém, no único momento em que me descuidei suas mãos já estavam enroscadas em meu cabelo.
— Você de novo sua vagabunda! Dessa vez você não me escapa! — Ele ficou de pé me
arrastando pelos cabelos enquanto eu me esforçava e lutava com todas as minhas forças, mas não o
afetava, ele parecia uma muralha. — Quando Estevam ver o que você está fazendo não vai ter
perdão. Finalmente vou poder me vingar pela facada que acertou nas minhas costas. Vadia traiçoeira!
Uma chama de esperança acendeu quando vi Eudi surgindo pela porta. Ela colocou o
indicador entre os lábios pedindo para que eu ficasse em silêncio enquanto era arrastada por aquele
brutamontes. Eudite pegou a cadeira que o gordo estava sentado, ergueu-a e bateu com força sobre a
cabeça dele, repetidas vezes até seu corpo ir de encontro ao chão e ele me soltar de vez.
— Garota, você é um anjo! Obrigada! — exclamei me segurando para não dar um grito de
alívio e felicidade.
— Só me agradeça quando estivermos fora daqui.
Concordei plenamente com ela enquanto pegava o molho de chaves do bolso do segurança
desmaiado. Ali não perdemos mais tempo, cuidadosamente subimos a escada que levava para o
segundo piso até pararmos na porta onde ficamos uma eternidade tentando encaixar a chave correta
na fechadura. Quando conseguimos respiramos aliviadas contando os segundos para estarmos fora
dali o mais rápido que podíamos.
O que até algumas noites parecia uma missão impossível, agora era real. Estava acontecendo
para salvar nossa vida e a de todas mulheres obrigadas a se prostituírem ali.
O segundo piso, o restaurante, estava fechado e consequentemente vazio com as cadeiras
debruçadas sobre as mesas. Passamos por ela e seguimos para a porta. Dessa vez não foi difícil
encontrar a chave certa.
De primeira girei a maçaneta e consegui abrir.
Era o destino.
Por isso estávamos livres, Deus queria isso.
Treze

Gabi

Alguns dias antes...

O dia estava começando a raiar, os primeiros raios de sol iluminavam o caminho que
percorríamos para algum lugar que não fazíamos a menor ideia de para onde iria.
O foco era chegar o mais longe possível daquele boate ridícula.
Eudite e eu corríamos feito duas lebres, estávamos seguindo o caminho da BR, porém
optamos por não fugir por ela. Tudo que não queríamos era ficar em evidência e sermos pegas de
volta, por isso decidimos trilhar o matagal bem próximo à rodovia, assim ninguém conseguiria nos
ver e também não ficaríamos perdidas no meio do mato.
— Amiga, espera — pedi fazendo com que Eudi desacelerasse os passos. — Acho que
estamos correndo demais, eu estou meio tonta… As coisas estão balançando…
— Caralho Gabi, você tá grávida! Primeiro os enjoos, agora isso…
— Não, não exagera. Estamos correndo rápido demais, é normal eu ter tonturas…
— Estamos correndo rápido demais porque estamos fugindo, e se formos pegas podemos dar
bye, bye, a isso que chamamos de vida, querida. — Ela piscou os olhos vagarosamente canalizando
energias para ficar mais calma. — Mas, você está bem, consegue continuar?
— Estou sim, foi uma coisa passageira, viu? Nem precisava você ter me aterrorizado com
essa coisa de gravidez.
— Você está com os mesmos sintomas — ela disse enquanto seguíamos, dessa vez mais
devagar, mas, de uma coisa ela tinha razão, por mais que eu negasse para mim mesma os sintomas
eram idênticos e meus seios já estavam começando a não caber mais dentro do sutiã tamanho M.
— Gabi, eu sei que você está com medo… Afinal de contas a gente não sabe nem o nome
dos homens que transam com a gente…
— Já tem um tempo que estou com esses sintomas…
— Isso quer dizer que se você estiver grávida seu filho pode ser daquele seu cliente… Vocês
transaram sem camisinha alguma vez?
— Uma única vez. Na noite do meu aniversário, estávamos na cozinha do apartamento dele e
na hora não pensamos em nada… Acabou acontecendo...
— Acabou acontecendo… Droga! Eu tinha 17 anos quando tive uma transa com essa
intensidade do, “acabou acontecendo”. Saudades da época que eu dava com gosto.
Nós rimos olhando uma para outra e, foi no meio da gargalhada que ela acabou tropeçando
na raiz de uma árvore, caindo com tudo sobre as folhas do mato.
— Ai! — Quando Eudi soltou aquele grito de agonia meu coração gelou. Eu sabia que algo
de errado havia acontecido. — Acho que torci meu pé… Está doendo pra caralho!
— Droga, Eudi!
— Não se preocupe comigo! Pode ir correndo na frente, não perca seu tempo. A essa hora
todos os seguranças do Estevam devem estar atrás da gente. Se nos pegam…
— Eu não vou te deixar sozinha — eu disse me abaixando, passando o braço de Eudi ao
redor do meu ombro para ajudá-la a ficar de pé novamente.
Conseguimos, porém ficou visível sua dificuldade de andar novamente. Ela estava
lacrimejando de dor, e o hematoma com certeza não iria sarar do dia para a noite, muito menos num
estalar de dedos.
— Gabi, valeu pela intenção, mas isso não vai dar certo. Pelo menos você tem que conseguir
fugir…
— Eu não vou sem você! Pra tudo nesse vida tem um jeito.
— Acho que pra mim não… Tem muito tempo que estou longe de casa, minha família já deve
ter velado meu corpo pensando que estou morta, ninguém nem deve lembrar mais de mim Gabi…
Não vale a pena você se sacrificar por mim…
— Lealdade não é sacrifício. Se fosse o contrário você me deixaria largada aqui no mato?
— Mas é claro que não!
— Então sem mais conversa.

[...]
Estávamos caminhando há algumas horas, mas a impressão que eu tinha é que não
estávamos tão longe do lugar onde Eudi torceu o pé.
Estávamos tão devagar... Passamos de duas lebres para duas tartarugas.
O barulho de carros indo e voltando na BR me trazia uma certa esperança. Por mais
arriscado que fosse, pedir carona para um deles agora parecia ser nossa última salvação.
— Eudi, vamos ter que ir para a BR pedir carona.
— Com essa roupa? Vão achar que somos prostitutas! Ops! Quase me esqueço que é
isso é o que nós somos.
Nós rimos.
— Tenho certeza de que rapidinho vai parar um carro ou então um caminhão para dar carona
para a gente.
— E se não parar?
— Você sabe: estamos fodidas. Mas se não tentarmos vamos continuar fodidas da mesma
maneira.
— Vamos tentar.
Assenti segurando Eudite com mais força. Ela também estava dando o seu melhor para
chegarmos na estrada mais rápido. Conseguimos e como já era esperado bastou colocarmos os pés
no asfalto para carros, caminhões e qualquer veículo que passasse buzinasse para a gente. Não
podíamos entrar em qualquer um, porém, sabíamos que não poderíamos ficar ali muito tempo. Tenho
certeza de que a essa altura Estevam já estava sabendo do nosso paradeiro.
Tínhamos que ser mais rápidas que ele se quiséssemos sobreviver.
— Caralho! Não acredito!
— Meu Deus! Uma viatura da polícia! Estamos salvas amiga! — Com os olhos cheios
d’água e com o corpo pesado de emoção eu pulei e chacoalhei os braços até a viatura policial parar
no acostamento, ao nosso lado.
Emocionada, Eudite caiu de joelhos no asfalto. Chorosa, sem acreditar que o que estava
acontecendo pudesse ser verdade.
— O que houve meninas? — um dos policiais perguntou em espanhol quando chegou mais
perto.
— Eles nos sequestraram! Nos prostituíram! Nos tratavam feito escravas! Por favor, nos
ajude… — Parecia que toda raiva, mágoa e dor que Eudi estava guardando durante todo esse tempo
foi colocada para fora assim que ela viu a dupla de homens fardados.
Eu a compreendia, conseguia compartilhar da sua dor.
Diferente de mim, ela não estava apenas alguns dias vivendo naquele inferno, Eudi estava há
mais de dois anos naquela situação.
Ela realmente era uma mulher forte e muito resiliente.
— Vamos levar vocês para a delegacia!
— Obrigada! — Dessa vez fui eu que não resisti e me desmanchei em lágrimas enquanto
Eudi e eu entrávamos na viatura.
Finalmente a liberdade que tanto ansiamos estava a um triz de deixar de ser apenas um
sonho.
Eudi e eu nos abraçamos enquanto o carro da polícia seguia para a delegacia.
— Não dá pra acreditar… Será que estou sonhando?
— Não Eudi, é real. Você está livre, nós estamos livres! — exclamei empolgada já pensando
em como seria voltar para o Brasil e poder abraçar minha irmã com aquela sensação gostosa de
saber que nós duas estávamos bem e fora de perigo.
A viatura fez o contorno e passou a seguir pelo caminho que com muito sacrifício usamos
para chegar até ali. Estávamos retrocedendo, indo para o mesmo lugar de onde saímos. E por mais
que agora estivéssemos seguras, sentia um frio cortar minha espinha só por saber que estávamos
perto do lugar onde não tínhamos voz e os nossos corpos eram servidos como um banquete para
aquele bando de “animais” famintos. Respirei fundo me controlando, contendo minha emoção para
que tudo desse certo e esse pesadelo acabasse agora.
— Por que estão parando aqui? Nós preferimos ir para a delegacia primeiro! Não queremos
pisar nesse lugar nunca mais!
— Vocês não tem que querer nada!
— O quê…
— Vocês acham mesmo que vamos ajudar duas putas a fugirem? — O policial gargalhou alto
e maquiavelicamente. — O lugar de vocês é aqui, servindo a gente.
— Não! Não! — Eudi começou a gritar desesperada quando Estevam, acompanhado de seus
seguranças, surgiu na porta do restaurante — que era apenas um disfarce para o cabaré no subsolo —
seguindo até nós com passos marcados e um olhar fulminante no rosto.
Catorze
Gabi

Agora
— Vocês foram as que mais chegaram perto de conseguir fugir. Foi por pouco, muito pouco...
— Estevam não conseguiu segurar o riso, fitando Eudi e eu com desprezo. — Não dá para acreditar
que vocês foram pedir ajuda logo para a polícia da cidade! Nossa maior aliada! — Ele gargalhou
alto contagiando seus capangas e outros aliados.
Assim que fomos pegas, Eudite e eu não voltamos para a boate. Eles nos enfiaram no porta-
malas de um carro e nos levaram como duas malas, apertadas, amassadas, até chegarmos no galpão,
onde tive contato com aquele bando de vermes pela primeira vez. Porém, agora eles estavam muito
mais raivosos, seus olhos faiscavam e nenhum deles tiveram piedade quando nos jogaram contra a
parede e nos prendeu com coleiras de ferro no pescoço e no tornozelo.
Foi como na primeira vez que pus os pés ali. Eles pegaram a mangueira de alta tensão e
atiraram contra nossos corpos que já estavam fragilizados, mas, agora não foi com a intenção de nos
lavar, foi para torturar, machucar, sufocar. Entrei num estado de agonia, tentava respirar, mas não
conseguia, gritava suplicando para que eles parassem, mas aí que aumentavam a pressão, como se
tivessem felizes por me ver naquele estado deplorável de desespero, agonizando. Foram minutos que
mais poderiam ser chamados de horas ou senão dias, de tão eternos. Quando acabou, Eudite e eu
estávamos exaustas, ofegantes e com pouca disposição para encará-los. Precisei erguer a cabeça
mais uma vez, para conter o vômito ao mesmo tempo que lágrimas involuntárias traçavam o caminho
do meu rosto.
Como fui ingênua a ponto de imaginar que havia uma maneira de escapar daquele lugar? Era
para ser óbvio o fato de que para existir um prostíbulo debaixo de um restaurante, em frente a uma
rodovia super movimentada, lotado de mulheres trazidas de outro país clandestinamente, fosse
necessário algum acordo com as autoridades de toda aquela cidade. Havia pessoas influentes e
poderosas envolvidas naquela máfia. Não éramos ninguém ali, não tínhamos peito para bater de
frente com nenhum deles. Estávamos presas e não havia saída. Devíamos ter nos conformado com
isso antes de chegar aqui.
Doía reconhecer, mas, infelizmente, nossa fuga não passou de um tiro no pé.
— O que não dá para acreditar é que você iria fugir antes que eu chegasse. — Minha
respiração ficou falha no momento que reconheci aquela voz que, foi o suficiente para me causar
náuseas e aumentar ainda mais a sensação de enjoo no meu estômago; quando ergui a cabeça e tive a
certeza de quem realmente era, um fio de desespero preencheu meu peito se espalhando pelo meu
corpo inteiro. Quando me dei conta já era tarde demais, eu estava jogando tudo para fora diante de
todos aqueles abutres, inclusive do pior deles: Helô, que passou a me fitar com bastante curiosidade
enquanto vomitava tudo que tinha dentro de mim. — Que recepção calorosa, Gabi! Uma garota como
você vomitando assim do nada. Estranho... Ou talvez não! Se eu tiver muita sorte você pode estar
grávida. Seu filho pode ser de qualquer um, mas isso não importa. Sabe por quê? Porque o Kleber
está completamente apaixonado por você! E um homem apaixonado é capaz de fazer loucuras por
uma mulher. Sabia que quando você me traiu tudo que estava planejando foi por água abaixo? Tive
que fechar minha casa, me esconder, fugir... Mas antes disso eu vi o Kleber, você acredita que ele foi
até mim? Estava furioso, arrasado, mas, ele não teve coragem de fazer nada comigo, não depois do
que ele fez no passado. — Ela abriu um sorriso de lado enquanto trocava passos marcados na minha
direção. — No entanto, isso serviu para que eu pudesse constatar uma coisa: ele realmente te ama.
Acho que ele faria uma loucura se visse você nesse estado, machucada, descabelada, grávida.
— Eu não estou grávida! De onde você tirou isso, sua maluca? — gritei em pânico, temendo
o que aquela mulher poderia fazer caso eu realmente estivesse grávida..
— Não está? Será mesmo que não está? — De repente ela enfiou a mão na bolsa e tirou uma
caixinha com o que parecia ser um teste de gravidez. — Olha que coincidência, ainda bem que eu
sempre carrego isso comigo. Faz parte da vida de uma cafetina! Tire logo a roupa e faça esse teste
para mim.
— Eu não estou grávida!
— Faça logo a merda desse teste!
— Você quer que eu urine na frente de todos esses homens? Nem se eu estivesse com
vontade iria conseguir!
— Não seja por isso. Vocês! — Ela estalou o dedo chamando a atenção de todos. — Virem-
se de costas! Perfeito — ela comemorou quando eles acataram seu pedido. Engoli em seco, revoltada
por estar sendo submetida a mais uma das muitas humilhações que tive que passar por causa dessa
desgraçada. Mas ali não tinha para onde correr, ela estava sob o controle total da situação.
Peguei o teste, levantei o vestido, afastei a calcinha para o lado e com muito constrangimento
urinei e entreguei aquela merda para ela, torcendo para que para minhas desconfianças e de Eudi não
passasse de uma paranoia coletiva. Até porque aqueles sintomas também poderiam muito bem ser de
uma pessoa depressiva, atormentada que vinha de uma sequência longa de humilhações, abusos, maus
tratos.
— Vamos esperar alguns minutinhos para termos certeza. No seu lugar eu torceria muito para
esse teste ficar positivo, porque senão eu vou ficar com raiva, e se eu ficar com raiva vou acabar
fazendo algo que não gostaria com sua amiguinha.
Eu não estava conseguindo pensar em mais nada, era como se apenas meu corpo estivesse ali
naquele calabouço enquanto minha alma vagava desesperadamente em busca de uma saída. Uma
maneira de escapar das mãos daquela bruxa e do desgraçado do Estevam. Por Deus... Eu não estava
mais suportando aquilo tudo.
— Olha que maravilha! Meus instintos não falham nunca! Eu sabia! Reconheço uma grávida
a quilômetros! — Ela sorriu e até se livrou dos óculos escuros para poder olhar diretamente nos
meus olhos. — Se você fosse outra eu faria seu aborto aqui e agora, mas, como é uma peça
fundamental no meu jogo, vamos tentar fazer isso de outra maneira. Colabore comigo garota, vai ser
melhor para nós duas.
A presença, a voz, a postura dela... Tudo era intimidante, ela conseguia me deixar mais
assustada que Estevam que me enchia de pancadas e abusava de mim continuamente. Ela tinha o
controle absoluto, estava no poder e por esse motivo todos incluindo Estevam e seus capangas a
reverenciavam sem nenhum tipo de contestação.
Helô tirou o celular do bolso, se abaixou a minha altura e fez meu mundo congelar quando vi
que era para Kleber que ela estava ligando.
No momento em que vi a imagem do seu rosto se formando no vídeo meu coração explodiu
num misto de emoções que até então nunca tinha sentido. Ele estava lindo com aquela barba mal
aparada, o nariz arrogante e aquele par de olhos escuros impenetráveis. Ofeguei perdendo o controle
da respiração e de tudo que estava sentindo.
— Olá Kleber, sei que sentiu a minha falta. — Ela sorriu para ele. — É isso mesmo que
você está vendo eu estou com ela. Com a garota por quem você é apaixonado, mas, não tenho
muitas expectativas já que você já se livrou de alguém que amava em outra oportunidade...
Kleber parecia completamente em choque, seus olhos vibravam me olhando.
— Cale a boca! — ele gritou furioso interrompendo-a, fazendo Helô concordar
sarcasticamente.
— Você tem razão. Eu preciso me calar... Vou deixar ela falar por mim. — A desgraçada
me fitou com maldade. Ela não precisava dizer nada, tudo estava muito claro. Seu olhar, aquele
lugar, aqueles homens, tudo ali remetia a ameaça
— Kleber... Por favor, me ajude... Eu não aguento mais isso aqui... — Falar com ele era
confortante, mas ao mesmo tempo desesperador. Não queria colocar a vida dele em risco, mas não
conseguia mais ficar ali.
— O que fizeram com você?
Quando ouvi aquela pergunta uma enxurrada de lembranças passaram como um furacão,
embaralhando tudo que tinha na minha cabeça.
O que fizeram comigo?
Não era mais fácil perguntar o que não fizeram comigo?
Minhas pálpebras começaram a tremer, disfarçar a dor dos momentos tortuosos que tive
até agora era algo que ainda não tinha aprendido a fazer. A aflição não deixou as palavras saírem
da minha boca, mas eu tinha certeza de que naquele instante minhas lágrimas conseguiram
expressar tudo que eu sentia.
Doía demais afetar outras pessoas com meu sofrimento.
Mas não estava dando para continuar guardando tanta coisa ruim dentro do peito.
Eu precisava de ajuda. Eu precisava dele.
De repente o que era minha perdição se tornou minha esperança, minha única salvação.
Quinze

Kleber
Estava tremendo. Não sabia distinguir se aquilo era um sonho ou um pesadelo.
Ver Gabriela depois de tanto tempo me desestabilizou por completo.
Me enchi de ódio e revolta porque ela estava viva, mas não bem como eu gostaria.
Vê-la naquele estado, machucada, descabelada, deprimida era a maior prova de que eu
havia perdido o controle. Na verdade, eu perdi o controle desde o momento em que pedi a
exclusividade dela num puteiro. A partir dali os lobos à minha volta farejaram minha
vulnerabilidade e encontraram nela meu maior ponto fraco.
Agora estava encurralado, preso na emboscada deles sem avistar nenhuma rota de fuga.
— Coitada, ela está sofrendo muito Kleber, ela precisa da sua ajuda, ainda mais agora
estando nesse momento tão delicado para uma mulher.
— O que houve com ela? — perguntei preocupado, sentindo um nó se formando no peito.
— Gabriela está grávida.
— O quê...
— Está marcando aqui no teste 6 semanas — ela fez questão de exibir o teste para que eu
pudesse ver detalhes —, então acho que o filho pode ser seu.
— Não pode ser... — Minha respiração ficou falha por alguns segundos, era coisa demais
para processar, Gabi grávida, de um filho meu...
— Tem certeza de que vocês não transaram sem camisinha nenhuma vez? — Helô tinha
certeza de que sim, não era à toa que suas sobrancelhas estavam arqueadas num ar provocativo.
Tentei, mas não consegui pensar em nada. Eu tinha muito o que dizer, mas nada saía pela
minha boca. Olhar para Gabi naquele estado era um gatilho tremendo para toda tristeza que
acumulei durante todos esses dias que ela desapareceu e que inclusive me fez acreditar que não
estava mais nesse plano. Era como se depois de todas as merdas que fiz na vida o destino estivesse
me dando uma nova oportunidade, uma segunda chance de tê-la de volta e fazer as coisas como
deveria ter feito desde o início.
E eu faria. Por ela estava disposto a tudo.
— Diga logo o que você quer, Helô? — Fui direto.
— Você quis dizer, o quanto eu quero, não é? Mas essa, por incrível que pareça, é uma
pergunta extremamente difícil, principalmente porque você tem um patrimônio de bilhões. Eu não
quero uma quantia Kleber. Eu quero uma fatia, quero fazer parte deste império contigo. Quero as
ações que aquela vagabunda da Soraya não conseguiu manter por muito tempo, senão me engano
era 40% não é mesmo?
Engoli em seco, assentindo, concordando com aquela louca mesmo sabendo que o que ela
queria era praticamente impossível. Ela levava bem a sério aquela velha frase de: suas ambições
não devem ter um limite. Mas comigo era bem diferente, para mim tudo tinha um limite, inclusive
minha paciência que já havia se esgotado há muito tempo.
Eu queria tanto continuar na minha melhor face, mas, infelizmente as circunstâncias não
estavam colaborando. Meu pai sempre me ensinou que, com o nosso dinheiro, poderíamos ter o
que quiséssemos e que as pessoas também fariam o que quiséssemos. No fundo eu sempre soube
que isso era verdade, por mais que durante muito tempo eu estivesse travando uma luta comigo
mesmo para provar que eu não era só mais um herdeiro destinado a assumir o legado porco que
Célio deu continuidade. Porém se fosse necessário eu faria isso, como já fiz outras vezes sem o
menor arrependimento.
— Ok. Tudo bem. Vamos fazer isso, mas quero deixar claro que não quero que toquem
nenhum dedo em Gabriela, caso contrário, o trato será desfeito.
— Perfeito. Mas não pense que vou te dar a vantagem de resolver as coisas a distância.
Quero negociar com você pessoalmente e quero um adiantamento, um bom adiantamento.
— Tudo bem, vamos nos encontrar onde?
— Aqui, no México.
— Vocês estão no México? Que porra a Gabriela tá fazendo no México?
— Não se preocupe, Kleber, sua amada está bem e vai continuar se você chegar rápido o
suficiente para fecharmos acordo. Está tudo bem, não é mesmo Gabi? — Helô acariciou os fios
úmidos de Gabi quando perguntou.
Não vi sinceridade nos olhos de Gabi quando ela assentiu. Provavelmente ela estava
sendo coagida, humilhada, obrigada a fazer muitas coisas das quais eu preferia não mentalizar
nesse momento. Eu tinha que manter a calma para que meu cérebro continuasse trabalhando bem.
Eu queria tanto dizer para Gabi o quanto estava feliz por vê-la depois de tanto tempo. De
poder ficar mais tranquilo por saber que Malu agora reencontraria a irmã, mas ali não era o
lugar nem o momento de deixar transparecer o que estava sentindo. Helô era uma vadia cínica,
ela só estava uma brecha para acabar de vez comigo.
Helô me mandou um beijo e encerrou a ligação. Poucos minutos depois recebi um e-mail
com data, e instruções do local onde aconteceria nosso encontro. Obviamente ela pediu para que
eu não entrasse em contato com ninguém, caso contrário Gabi perderia sua vida. Mas, não me
intimidei com aquilo. A primeira coisa que fiz foi ligar para Jorge, ele era da polícia, tinha vários
contatos e poderia até mesmo desenvolver uma estratégia juntamente com a polícia federal e
internacional para me livrar de toda essa merda.
Sozinho eu seria só mais uma presa fácil na toca do lobo.
Eu não seria tão ingênuo de entrar lá e cair na armadilha dela.

[...]

A ansiedade sugou todas as minhas energias depois de ter falado com Helô e conversado
com Jorge em seguida.
Apesar de tudo continuei no quarto fazendo companhia para Malu, tinha certeza de que se ela
estivesse ouvido a voz da irmã teria acordado num pulo mesmo estando caidinha devido ao
procedimento.
Resolvi sair para comer alguma coisa e quando voltei me reencontrei com Cléo na sala de
espera. Estava feliz e ansiosa, mas nada se comparava a minha felicidade de saber que Gabriela
estava viva e que em breve estaria com a gente.
— Cléo, acabei de receber uma chamada de vídeo e adivinha quem apareceu nele? A Gabi!
Ela está viva!
— O quê... Não pode ser...
— Eu vi com meus próprios olhos. Eu conversei com ela Cléo, a Gabi está viva!
— Que maravilha! — Cléo exclamou radiante, rapidamente fez questão de levantar do banco
e vir até a mim empolgada. — E onde ela está?
Engoli em seco, murchando, sem saber ao certo o que dizer para Cléo. Por fim, bufei
tomando coragem para contar.
— Infelizmente ela foi sequestrada, mas, eu vou trazê-la de volta...
Rapidamente Cléo me interrompeu:
— Sequestrada? Não vai me dizer que foi pelo Estevam? Ele é muito mais perigoso do que
nós achávamos que era. Olha aí o que acabou de acontecer, você não quer acabar igual a Soraya, não
é?
— Não! Não quero! Mas também não posso deixar a Gabi nas mãos daquele desgraçado! Ela
foi sequestrada por minha causa, portanto, é minha obrigação fazer o possível e até mesmo o
impossível para tê-la de volta!
— Meu Deus, Kleber, mas o que você vai precisar fazer para resgatá-la?
— Já estou começando a esquematizar tudo. Amanhã mesmo, se tudo der certo viajarei para
o México.
— Você vai ter que viajar para fora do país para resgatá-la, está mais que na cara que isso é
uma emboscada. Não vou deixar você fazer isso. É loucura!
— Loucura é deixar ela lá no meio daqueles abutres! Ainda mais grávida.
— Ela está grávida?
— Sim...
— Você sabe que esse filho pode não ser seu. A irmã da Malu é uma prostituta, não é uma
mulher confiável.
— A partir de hoje Cléo, você nunca mais vai se referir a Gabriela dessa forma. — Ela
arregalou os olhos um pouco chocada com minha postura de enfrentá-la. — E sobre a gravidez da
Gabi, mesmo que não seja meu filho, eu tenho por obrigação resgatá-la e deixá-la em segurança com
a Malu.
Ela abriu um sorriso forçado, cheio de deboche.
— Você é muito parecido com o seu pai. Parece que está no sangue esse vício por mulheres
da vida. Mas você não é nenhuma criança, já tem quase 33 anos, sabe o que é melhor para você. Não
vou dar mais palpites.
— Melhor assim.
Respirei fundo tentando relaxar e aguardar calmamente uma ligação de Jorge. Apesar das
complicações eu estava determinado e muito confiante.
Nada mais me pararia agora que eu tinha certeza de que Gabi estava viva.
Dezesseis
Kleber
Malu havia acabado de acordar e também de receber alta. Ela não estava empolgada como
eu gostaria de vê-la para voltar para casa. Ainda estava muito abalada com a notícia de que não
poderia mais correr e brincar como uma criança normal. Aquilo também partiu meu coração, não era
justo um ser tão doce e inocente não poder se divertir livremente enquanto pessoas infelizes, mau
caráter como Estevam e Helô estavam por aí destruindo vidas e com a saúde perfeita.
— Eu não quelo ir embola — Malu disse fazendo bico enquanto apertava sua baleia de
pelúcia sem ânimo.
— Por que não querida, quem é que gosta de ficar no hospital? — Cléo perguntou
demonstrando estar preocupada.
— É que eu só quelo sair daqui quando meu coração estiver consertado.
— O que o médico disse para você? Que vai dar só mais um tempinho para você se
recuperar e depois voltar para finalizar o procedimento. Em breve você vai estar ótima, correndo e
pulando por aí.
— Eu não acredito...
— Ei... — cheguei mais perto e sentei ao seu lado na cama. — No seu lugar eu iria fazer
tudo para colocar um sorriso nessa carinha linda. O tio vai viajar e vai trazer uma pessoa que você
ama muito.
Antes mesmo de terminar a frase Malu me interrompeu, surpresa, radiante:
— A minha irmã? Você vai trazer a Gabi pra mim?
— Vou sim! Estou indo buscar ela e tenho certeza de que a Gabi também está morrendo de
saudades de você!
De repente os olhos de Malu se encheram d’água, ela inclinou a cabeça para baixo e usou a
baleia para tentar disfarçar a emoção.
— Não chora Malu, você deveria ficar feliz porque ele vai buscar a sua irmã. Não era você
que estava morrendo de saudades dela? — Cléo chegou mais perto acariciando o cabelo da menina.
— Eu tô... Mas é que... A Gabi foi embola por minha causa! Eu só fazia ela sofrer! Ela se
cansou de mim e eu sei que vocês também vão se cansar porque eu só dou trabalho! — Ali a
garotinha não conseguiu se conter mais, nem mesmo seu brinquedo favorito foi o suficiente para
disfarçar o quanto ela estava triste e arrasada.
— Isso não é verdade! Você é a pessoa mais legal e sincera que conheci na vida. Por que iria
me cansar logo de você, que é a coisa mais linda e fofa do mundo? — Eu lhe envolvi com um abraço
depois de dizer. Eu realmente gostava muito de Malu, muito mais do que podia medir e descrever.
Agora dava para entender perfeitamente o porquê de Gabi ter se empenhado tanto para ajudá-la.
— Nunca mais diga isso Malu, você é maravilhosa! Você é a nossa alegria e, eu tenho
certeza de que sua irmã te ama e jamais pensou nessa loucura que você está falando. Então mocinha,
vamos erguer a cabeça, aproveitar que ganhou alta e ir para casa para fazer uma festa maravilhosa
para a chegada da sua irmã, que tal?
Fiquei surpreso com Cléo falando tão bem de Gabriela, era nítido sua implicância com ela,
porém não era maior que o carinho e o afeto que ela desenvolveu por Malu durante esse tempo que
estava com a gente. Cléo, assim como eu, era completamente encantada pela garota e capaz de tudo
para vê-la bem.
— Eu tenho certeza de que a Gabi vai amar! Ela merece uma recepção de primeira —
afirmei sorrindo enquanto via o brilho no par de olhos castanhos.
— Verdade! Quelo fazer uma festa linda para ela, com tudo rosa que é a cor preferida
minha e dela!
— Ótimo! Então vamos sair daqui logo antes que a gente pegue alguma bactéria hospitalar!
Malu agora sorria alegre, vibrante. Eu não poderia ter dado a ela uma notícia melhor. A
garota parecia ter se esquecido de tudo, nem mesmo os analgésicos conseguiria deixá-la tão feliz e
aliviada dessa forma.
Agora mesmo que eu tinha o dever de cumprir com minha palavra e trazer Gabriela comigo,
por mais que eu estivesse ciente de que não seria tão simples quanto esperava.
Enquanto íamos para casa, Cléo não trocou nenhuma palavra comigo, ela evidentemente
estava me dando um gelo, com certeza não estava tão satisfeita quanto estava tentando demonstrar
com minha ida ao México para resgatar Gabi.
Quando chegamos em casa Malu não esperou para ir para a sala de brinquedos e se divertir
com tudo que tinha lá como se fosse seus amigos de verdade. Era legal vê-la daquela maneira,
porque era um sinal que ela já não estava mais insistindo tanto em correr no parque como no hospital.
Fui para minha suíte e depois de tomar um bom banho me joguei na cama com os
pensamentos voando longe. Em Gabriela para ser mais exato.
Quando foi que ela escapou dos meus braços para virar refém daqueles miseráveis? Ela era
tão linda, tão autêntica, um sorriso dela era o suficiente para fazer meu dia valer a pena. Não tinha
como negar, com ela foi muito mais que sexo. Nós flutuamos e nos encontramos um no outro. Por ela
eu estava fazendo e também estava disposto a fazer coisas que nunca imaginei que faria por uma
pessoa. Ela despertou um lado meu que nem mesmo eu conhecia. E, eu até que estava gostando disso,
de me sentir mais leve, de não ter medo de baixar a guarda quando se trata de sentimentos.
Era por isso que amanhã cedo iria viajar.
Tudo para encontrá-la.
Tudo para salvá-la.
Dezessete
Kleber

— Não faça nada antes que eu chegue. Tudo está sendo feito em um curto período de tempo,
todo cuidado é pouco. Não se precipite por nada meu amigo. — Jorge me deu dois tapas nas costas
antes de dizer, estávamos fazendo uma breve despedida em frente ao meu jatinho que em minutos
estaria de partida para o México. Não dava para descrever o quão ansioso eu estava para colocar um
ponto final em toda essa merda.
— Pode ficar tranquilo, não farei nada que possa colocar a vida de Gabriela em risco.
— Ótimo. Se cuide.
— Deixa comigo.
Apesar das palavras, por dentro não estava me contendo de emoção, meus pensamentos não
me davam trégua. A todo instante ficava pensando em Gabi grávida no meio daqueles desgraçados, e
no próximo procedimento que Malu faria para dar a ela uma vida normal e digna. Tudo parecia estar
prestes a explodir simultaneamente e eu estava lutando para lidar com isso.
Quando o jato taxiou minha ansiedade estava a mil, meu coração parecia estar
acompanhando as turbinas. E em nenhum minuto daquele voo deixei de pensar no quanto aquilo era
perigoso. Eu literalmente estava saindo da minha zona de segurança, e por mais que estivesse na
companhia dos meus seguranças e em breve receberia o reforço da polícia internacional, eu não
podia depositar a minha segurança por completo em outras pessoas. Ainda bem que desde cedo
aprendi a me virar.
Meu sangue corria mais rápido toda vez que a imagem do merda do Estevam preenchia meus
pensamentos. Ele iria pagar caro por ter me visto crescer, me tornar um homem e, ainda assim, me
apunhalar pelas costas. Seja lá qual for o pacto dele com Helô, as coisas iriam começar a ficar
perigosas para aquele traíra, filha da puta.
Foram mais de 8 horas até chegarmos na Cidade do México a qual fiquei hospedado num
hotel luxuoso e bastante aconchegante, ansiando pelo contato de Helô.
Quando meu telefone chamou, mais uma vez em um número desconhecido, soube que era ela
e que finalmente estava chegando o momento de ficarmos frente a frente.
— Kleber?
— Ele mesmo.
— Espero que já esteja no México, de preferência com meus 5 milhões de adiantamento.
— Está tudo aqui. Onde vamos nos encontrar?
— Não se preocupe com isso querido, já vou te enviar as coordenadas. Cuidado, se estiver
alguém com você a vida da sua putinha particular vai ter um fim no mesmo momento.
— Estou sozinho, pode confiar.
— Você é a última pessoa desse mundo que eu vou confiar, porém espero que realmente
esteja dizendo a verdade, até porque você está mais que ciente das consequências.
Concordei com Helô temendo que ela descobrisse algo e descontasse em Gabi. Estava
tomando cuidados, nunca estive tão precavido, mas o receio de algo ruim acontecer ainda existia.
Depois de encerrar a ligação recebi um novo e-mail com a localização e a hora exata do nosso
encontro.
Horas se passaram até Jorge finalmente chegar. Segundo o próprio tudo já estava
esquematizado, nós teríamos apenas que executar bem o plano, pois qualquer falha seria fatal.
Helô tinha muitas vantagens, começando pela localização. Ela escolheu justamente uma
cidadezinha a pouco mais de 30km da Cidade do México, as instruções caíam exatamente em um
terreno baldio onde ficava localizado uma espécie de galpão. O horário que a vadia escolheu
também a favoreceu bastante, meia-noite, em ponto, num lugar onde ela e provavelmente todos os
seus comparsas conheciam como a palma da mão.
— Meus homens com o apoio dos investigadores da polícia mexicana passaram próximo ao
local para ter uma noção melhor do lugar. É um galpão abandonado no meio de um terreno baldio.
Não há nada por perto, o perigo é muito grande — Jorge disse sentado à mesa de frente para mim,
mas com os olhos vidrados no notebook.
— Minha vontade de tirar Gabriela das garras daquela vagabunda é muito maior do que meu
medo de morrer. Estou ansioso para esse encontro.
— Aparentemente essa tal Helô está associada a uma organização internacional de tráfico
humano. Sua namoradinha é só a ponta do iceberg no meio dessa merda toda. Por isso a polícia
internacional e mexicana está nos dando tanto apoio, é uma oportunidade única de termos mais pistas
sobre os demais integrantes desta quadrilha. As pessoas traficadas são vistas como mercadorias.
Mulheres e crianças são prostituídas, escravizadas e em muitos casos tem seus órgãos vitais
vendidos por uma fortuna no mercado negro.
— Eu andei pesquisando sobre o assunto, essa máfia movimenta uma fortuna todos os anos.
Ano passado, por exemplo, eles faturaram mais de 100 bilhões de dólares. Você tem noção de que
esse valor é superior ao faturamento anual de grandes multinacionais como a Intel, Microsoft, Nike,
Google e Starbucks juntas? É surreal. Não dá para acreditar que em pleno século XXI ainda se dê
para ganhar dinheiro comercializando e escravizando pessoas.
— Mulheres e crianças principalmente. As menininhas muitas vezes são transformadas em
Lolitas. Durante esses anos como delegado vi vários casos nojentos. Homens que compraram essas
meninas já transformadas, sem a língua, os dentes e parte dos membros inferiores e superiores
também. Elas realmente viram uma espécie de bonecas humanas que, depois dessa transformação, se
tornam completamente indefesas. Não conseguem falar, gritar, se defender, são criadas como animais
de estimação. Algumas depois que crescem engravidam e seus filhos, quando meninas, passam pelo
mesmo processo e também se tornam escravas.
— Bizarro... Fico pensando se o meu pai teria sido capaz de fazer uma barbárie dessas.
Presenciei tanta coisa quando eu era criança, até hoje tenho pesadelos.
— O que importa Kleber é que você não é nada parecido com ele. Você é muito melhor,
irmão.
Respirei fundo, lembrando das minhas taras, sadismos e outros vícios. Me senti mal porque
no fundo eu sabia que não era assim tão superior a Célio Galvão, muito pelo contrário, herdei muito
de seus defeitos. Mas estava determinado a mudar, queria ser diferente e o mais distante possível das
lembranças que me perturbavam todos os dias.

[...]

Tinha um rastreador no meu carro.


A lua e o farol eram os únicos pontos de luz à minha vista. A estrada naquele horário estava
praticamente deserta, a sensação era de estar vagando a caminho de um submundo. Talvez essa não
fosse somente uma sensação, eu estava indo como um ratinho indefeso para a toca dos meus inimigos,
tão ferozes e sedentos por mim como lobos sanguinários e famintos. Poderia ser esse o meu fim,
minha ruína, mas isso não tinha tanta importância quanto tirar Gabriela daquele lugar imundo.
O silêncio pela estrada era quase uma tortura, principalmente quando entrei por uma trilha
estreita cercada por árvores e mato que a todo instante arranhavam a lataria do veículo. Respirei
fundo, olhando de soslaio para a maleta cheia de dinheiro do meu lado. Aquilo era a minha garantia,
pelo menos nesse momento.
Na medida que ia ganhando caminho pude notar dois carros à frente, piscando, chamando a
atenção para mim. Logo comecei a segui-los, seguindo pelo caminho que a cada minuto parecia mais
apertado e sinistro. Minutos depois parei em frente a um grande galpão, de alguma fábrica
abandonada provavelmente, mas que agora estava se deteriorando, com as paredes descascando,
lodo por todo canto, tudo muito escuro. De longe parecia um lugar mal-assombrado, mas graças a
uma lâmpada amarelada que havia ali por perto pude ver algo como um vulto de mais homens, todos
armados.
Os que me guiaram pararam e saíram de seus carros, poucos minutos depois estava
caminhando na minha direção como quem não queria nada. Mas eu sabia exatamente o que eles
queriam quando parei o carro.
Com a maleta lotada de dinheiro saí, indo com coragem ao seu encontro.
Eu sabia que Helô e Estevam não só queriam, como também precisavam de mim vivo,
inteiro. Caso contrário eles nunca conseguiriam a parte que tanto almejavam do meu império.
Esse era um dos motivos para que eu não temesse nenhum daqueles capangas desgraçados.
Um deles me guiou para dentro enquanto os outros me fitavam com o olhar duro, me fuzilando à
distância como se estivessem prontos para me destruir a qualquer instante. Fui levado para uma sala
que estava longe de ter o mesmo luxo que o escritório onde trabalhava. Foi no instante em que o
capanga deles girou a maçaneta, revelando o que havia por trás daquela porta que o mudo inteiro
parou. Congelou a minha volta.
Gabriela.
Ela estava lá.
Completamente diferente de quando a conheci. Magra, malvestida, despenteada e suja. Mas
isso não era nada se comparado aos seus grandes e suplicantes olhos castanhos. O olhar deles foi o
suficiente para me desnortear e fazer meu coração pulsar tão forte como a explosão de uma bomba.
Chocado e inconformado com aquilo tudo joguei a maleta contra o peito de Helô e corri até Gabi que
estava no canto da parede tremendo de medo.
Dezoito
Kleber
— Gabriela... Me perdoe por isso, me perdoe por tudo... Eu nunca, nem por um momento
devia ter duvidado de você. Eu nunca deveria ter deixado você sozinha — disse olhando dentro dos
seus olhos, por onde lágrimas grossas caíam livremente.
— Kleber... Obrigada por ter vindo. — Isso foi tudo que ela disse antes de se jogar em meus
braços e me envolver no abraço mais apertado e caloroso que alguém já me deu. Meu coração
disparou, se enchendo de alívio, paixão, amor e felicidade por tê-la aqui comigo de novo.
Respirei fundo, ofegante, quase sem ar quando ela colou os lábios nos meus arrancando o
pouco que havia me restado de fôlego. Sua língua quente dançando com a minha, me aquecendo, me
deixando mais leve naquele reencontro que mais parecia um sonho e que eu, não estava disposto a
acordar nunca.
— Obrigada! — Sem nenhum aviso ela descolou os lábios dos meus e disse com a voz
embargada. — Não dá para acreditar que você está fazendo isso por mim... Kleber, você está
salvando a minha vida. Você está me tirando do pesadelo que é ser tratada como um lixo nesse
inferno! — Gabriela desabafou e mais uma vez me envolveu com seus braços, como se eu fosse
realmente sua salvação.
— Lindo! — Helô gritou extasiada, aplaudindo enquanto um sorriso largo cobria seus
lábios. — Bravo! Tá parecendo até um Déjà vu! Kleber, eu já vi isso antes, porém foi com a minha
filha. Mas, naquele dia, minutos depois você deu um fim na vida dela!
— De novo essa história.
— Uma mãe jamais se esquecerá do dia que perdeu um filho. Carrego essa lembrança
comigo todos os dias.
Fiquei furioso, com a cólera correndo como ácido por minhas veias. Aquela lembrança
também era dolorosa para mim. Aurora foi minha primeira paixão, não posso dizer que a amei
porque eu não era um homem feito ainda, porém, não há como negar que nós tivemos uma história.
Uma história nojenta e tóxica.
Nascida das taras e promiscuidades do meu pai. Que temia imensamente que eu me tornasse
gay depois que um de seus amigos tentou me estuprar em uma de suas festas regadas a bebidas e
muita orgia.
Se antes daquilo papai já agia estranho comigo, depois do ocorrido ele deixou de ser pai
para mostrar o ninfomaníaco escroto que sempre foi. Lembro como se fosse hoje, o primeiro dia que
pisei num cabaré.
Justamente o cabaré de Helô.

Alguns anos antes...

Estava ansioso e um pouco nervoso, confesso. Essa seria a primeira vez que papai me
levava para sair à noite. Na maioria das vezes ele me deixava em casa na companhia da Cléo,
brincando ou assistindo algum filme. Agora com os pés na porta de uma boate tão barulhenta e
iluminada senti calafrios, percebi que as coisas por ali eram bem mais intensas do que as festas
que Célio dava com frequência na mansão. As mulheres seminuas sensualizando em barras de
ferro e outras com sorrisos provocantes e fáceis para quem entrasse era a prova disso.
— Doutor Célio, quanto tempo. Você sabe que é sempre uma honra recebê-lo aqui na
minha casa. Ah, e esse menino, que lindo — ela dobrou os joelhos ficando a minha altura —,
minha menina irá adorar cuidar de você gracinha.
Continuei sério e sem pronunciar uma única palavra, tudo ali era novo demais para
processar. Não demorou para que uma das mulheres surgisse oferecendo um drink para o meu pai.
Ele aceitou e pediu outro para mim. A bebida era amarga, tinha um gosto horrível, mas eu tomei
tudo num único gole. Não queria decepcionar Célio, pelo contrário, tudo que eu queria era provar
para ele que eu era um bom filho.
— Kleber, minha amiga Helô disse que foi buscar alguém especial. Fiz questão de pedir
para que ela trouxesse a mulher mais exuberante para você aproveitar cada momento. — Os olhos
negros de papai brilharam para mim enquanto ele saboreava o drink sentado em uma banqueta ao
meu lado. — Ei! Traga mais um drink para meu filho, esse menino vai precisar relaxar um
pouquinho. — Papai sorriu para mim. Eram raras as vezes que Célio sorria para mim e esse
modesto gesto fez meu peito estufar de felicidade.
O drink que ele pediu para mim chegou e era tão ruim quanto o outro. Diferente do que
papai estava pensando aquela bebida não me tranquilizava nem um pouco, cada segundo naquele
ambiente eu ficava mais nervoso, mas minha ansiedade aumentou mesmo no momento em que uma
garota ruiva vestida numa camisola branca transparente veio na minha direção, sorrindo de
maneira sexy e usando os lindos olhos verdes para me fitar profundamente, era como se ela
pudesse ver através de mim e compartilhar dos meus pensamentos. Meus batimentos dispararam
quando ela sorriu delicadamente, parecia um anjo que caiu do céu para me salvar daquela noite
chata.
A amiga do papai estava ao lado dela e não demorou para nos apresentar.
— Klebinho, essa aqui é Aurora, minha filha. Essa é a primeira vez que a deixo descer
aqui. Linda, não? — a mulher perguntou com muita certeza do que estava falando e, eu não tirava
sua razão, sua filha era a mulher mais linda que já vi, jamais passaria despercebida independente
do lugar que fosse. Mas, infelizmente ela era bem mais velha que eu... Eu ainda tinha 7 anos...
— Olá, Klebinho, é um prazer conhecê-lo e estar aqui com você, um menino tão lindo. —
A voz dela era angelical, tão doce quanto seu rosto delicado e olhar discreto que irradiava.
Engoli em seco sentindo meu coração bater tão forte como uma bateria de escola de
samba. Mordi o lábio inferior, nervoso, sem saber o que fazer, foi aí que Célio apoiou a mão sobre
meu ombro e afirmou com sarcasmo:
— Conversa com a moça, filho. Olha que menina linda, esse ar de inocência, timidez.
Perfeita para você. Cumprimente-a.
— Oi.
— Olá de novo! — Ela sorriu, em seguida acrescentou com muita franqueza: — Não
precisa ter vergonha de mim, estou aqui para conversar, quero muito ser sua amiga.
Assenti, enquanto discretamente suspirava aliviado, porém a sensação de leveza acabou
quando papai se meteu entre nós.
— Aja que nem homem Kleber! Uma mulher linda dessas! Olha só para isso... — Papai
mediu da cabeça aos pés a garota vestida na camisola que deixava o seu corpo curvilíneo
praticamente todo à mostra. Na verdade, ele não a olhava, Célio a devorava com os olhos. — Suba
com ela e faça o que te ensinei mais cedo.
Minhas bochechas coraram, e a situação só piorou quando papai colocou algumas
embalagens de camisinhas sobre o balcão do bar para eu pegar. Meu corpo inteiro endureceu,
fiquei rígido como um robô e por nada conseguia erguer a cabeça para olhar dentro dos olhos de
nenhum deles. Mas, Aurora rapidamente apanhou as camisinhas guardando-as consigo e logo me
estendeu a mão, me convidando para acompanhá-la. Ela parecia ser legal e compreensível, uma
válvula de escape diante de toda pressão que papai estava me colocando no meio de tantas
pessoas desconhecidas.
— Isso, vá. Ensine o meu filho o melhor da vida — Papai disse para Aurora que sorria
enquanto me levava consigo.
Me senti completamente perdido quando entramos na suíte enorme, onde uma cama
redonda coberta por lençóis vermelhos se destacavam. Havia também um frigobar e um espelho
gigante que cobria todo o teto, refletindo a cama.
— Não precisa ficar nervoso. Não se preocupe, não irei fazer nada que você não queira.
Que tal a gente começar se conhecendo melhor, me fale mais de você, do que gosta de brincar com
seus amigos...
A cortei um pouco sem graça.
— Eu não tenho amigos, papai não gosta que saio e nem converse com estranhos. Ainda
não estou acreditando que ele me deixou sozinho com você. — Aurora abriu uma garrafa de suco e
despejou o líquido roxo em duas taças. Ela me entregou uma e gesticulou docemente para que eu
sentasse na cama ao seu lado.
— Percebi que você não se dá muito bem com álcool, o que acha de tomarmos suco de uva
fingindo ser vinho. Amigos fazem coisas desse tipo, você disse que não tem nenhum amigo. Bom,
nesse caso estou disposta a ser sua primeira. — Aurora abriu um sorriso inocente, jogando os fios
acobreados para o lado.
Ela também me perguntou sobre o que eu gostava de fazer e assistir. Coincidentemente ela
também era fã de Dragon Ball, eu gostava mais do Goku e ela do Vegeta. Até brincamos de fazer
aqueles ataques que faziam no anime. Me diverti muito e depois de tomarmos todo suco de uva ela
me deu um selinho.
— Você nunca beijou ninguém?
— Não.
— Não se preocupe, eu vou te ensinar. Sou sua melhor amiga não sou?
— Sim.
— Você confia em mim, Kleber?
— Sim, confio.
— Obrigada. — Ela sorriu contente pela minha resposta e vagarosamente abaixou as
alças finas, se livrando aos poucos do tecido fino da camisola clara que usava. Aurora ficou só de
calcinha, se sentou ao meu lado e começou a tocar os seios até seus biquinhos ficarem inchados.
— Toque-os.
Olhei admirado para os seios pequenos com bicos rosados, graças a papai aquela não era
a primeira mulher que via nua, mas, era a primeira que via de perto, que sentia uma atração e um
desejo infame de ter mais intimidade. Encantado, toquei seus seios vagarosamente, conhecendo,
descobrindo enquanto ela suspirava para mim como um chamado. Ela me puxou para mais perto e
ali senti meu corpo inteiro inflamar, eu estava ebulindo, sentindo o que nunca senti. Aurora era
primeira pessoa na minha vida que parecia disposta a me ouvir, ficar comigo, me dar carinho. Me
entreguei por inteiro, sem medos e reservas deixei que ela me guiasse pelo seu corpo e me
ajudasse a descobrir mais sobre o meu também.
Aquela noite foi incrível e, depois dela, aquela ruiva dos olhos verdes nunca mais saiu da
minha cabeça, nem da minha vida.
Dezenove
Kleber

Aurora não era muito diferente de mim, ela tinha 15 anos, frequentava a escola e fazia
tudo que a mãe lhe pedia. Ela me contou que já teve envolvimento com outros homens,
principalmente quando sua mãe mandava, mas, agora, ela era só minha.
Somente minha.
Papai pagava Aurora e ela estava sempre na minha casa, brincando comigo e também
passando a noite juntos. Eu ainda não era um homem completo, mas a cada dia que passava, a
cada noite que dormia com ela meu interesse por sexo aumentava. Quando não transava me sentia
estranho, pesado, por isso estar com Aurora era tão importante.
Eu a amava.
Numa das noites que a gente se via na minha casa, estávamos no quarto assistindo um
filme. Foi quando papai abriu a porta e disse que iria dormir com a gente, me senti mal,
desconfortável. Nada a ver meu pai dormir com a gente. Mas ele dormiu, não do meu lado, mas,
sim, do dela.
Naquela noite não consegui fechar os olhos e, talvez fosse por isso que eu tive que assistir
meu pai fazendo com ela o que fazíamos juntos quando estávamos sozinhos.
Ela parecia estar gostando... Muito mais do que comigo.
Meu pai não teve vergonha. Ele me viu acordado, com os olhos arregalados, mas duro
como uma pedra. Eu não conseguia mover um único dedo. Mas senti as lágrimas escorrendo pelos
meus olhos. Enquanto eles gemiam, se tocavam cheios de tesão, algo estranho acontecia dentro de
mim.
Era como se estivesse uma faca rasgando o meu coração.
Devia ser aquela a dor de uma traição.
Mas, quando a traição partia da menina que você amava, com o seu pai, o homem que
devia ser o seu herói, era tudo mais intenso. Tudo doía mais do que deveria.
Eu estava me despedaçando de dentro para fora.
Vinte
Kleber
Passou um tempo. O que antes foi uma mágoa de uma noite se tornou uma dor de sempre.
Eu poderia dizer facilmente que papai havia roubado a minha namorada, até porque depois
daquilo eu passei a ter nojo dela. Eu a odiava e se dependesse de mim ela nunca mais pisaria na
minha casa. Porém, não dependia de mim, por isso ela continuou indo lá, quase todas as noites.
Ela nem sequer me olhava, Aurora nunca me pediu perdão, nunca conversou comigo para
me pedir desculpas. Ela me ignorava de uma maneira como se eu não existisse. Para ela eu não
era nada, nem ninguém, mas acontece que para mim ela já foi tudo. Eu não conseguia esquecer
nenhum dos momentos que tive com ela, porque foi com ela que eu tive os melhores momentos da
minha vida. Não dava para acreditar que ela me trocou pelo meu pai que era umas 4 décadas mais
velho que ela, não dava para acreditar que ela me via como se eu fosse invisível.
Será que ela nunca sentiu nada por mim?

[...]

Era noite. Cléo estava preparando um jantar especial, sinal de que hoje os amigos de
papai viriam aqui em casa e depois de falar sobre negócios começaria mais uma orgia.
Desde que um deles tentou abusar de mim, papai me proibiu de ficar entre eles. Eu me
sentia aliviado por isso, porque eu realmente odiava estar entre eles.
Mas quando chegaram me surpreendi por ser apenas Aurora acompanhada de sua mãe,
Helô. Me perguntei o porquê da mãe dela estar ali, afinal de contas ela sempre vinha sozinha, mas
quando o jantar começou a ser servido descobri o porquê.
— Célio, Aurora tem uma notícia maravilhosa para você.
— Uma notícia? — Depois de engolir o alimento, papai perguntou curioso, com as
sobrancelhas grisalhas arqueadas.
— Sim, uma ótima notícia. Conte para ele filha.
Aurora jogou o lindo cabelo ruivo para trás e concentrou os grandes olhos verdes em
papai. Mas ninguém, muito menos a sua mãe imaginava que o que ela diria me deixaria ainda
mais quebrado e Célio ficou furioso como nunca tinha visto.
— Eu estou grávida, de você Célio.
Papai congelou, mas seus olhos estavam vibrando, tremendo, o ódio que transparecia da
sua íris era tão intenso que fez o sorriso de Helô desaparecer completamente. O clima ficou ainda
mais tenso quando me levantei e derrubei tudo que havia sobre a mesa antes de sair correndo
enquanto lágrimas dolorosas saltavam dos meus olhos.
Sem olhar para ninguém deixei a sala de jantar e corri transbordando em mágoas na
direção da escada. Tudo que eu queria era me trancar no meu quarto e nunca mais sair de lá.
Queria esquecer que um dia eu existi.
Estava no último degrau, quando aos gritos, Aurora pediu para que eu parasse me
agarrando pela camisa.
— Kleber me desculpe... — Ela estava chorando, seus olhos estavam avermelhados, assim
como suas bochechas. — Eu não queria que isso acontecesse... Eu nem queria estar grávida...
Porra! Eu não queria estar aqui!
Suas palavras me acertaram como açoite. Como ela não queria estar aqui vindo dormir
todos os dias com o meu pai? Impossível!
Ela estava mentindo.
Mais uma vez ela estava mentindo para mim.
Girei meu corpo bruscamente, ignorando-a, voltando a seguir meu caminho, mas Aurora
me puxou de volta aos gritos:
— Seu pirralho nojento! Eu odeio você e aquele velho que é seu pai! Vocês dois poderiam
morrer! — Ela era mais alta que eu e quando começou a distribuir socos pela minha cabeça tive
que me defender. Até porque ela estava errada. Completamente errada.
Eu a odiava com todas as minhas forças e tudo que eu queria era que ela saísse do meu
caminho para correr para o meu quarto e me trancar nele para sempre.
Foi por isso que comecei a chutar as suas pernas.
Eu juro que não imaginava que ela escorregaria tão facilmente e descesse rolando como
uma bola pela escada. Quando ela chegou ao chão estava imóvel e uma poça de sangue começou a
formar debaixo de sua cabeça. Papai e Helô estavam lá embaixo, assistindo tudo como se
estivessem hipnotizados, em choque.
Eu fui o primeiro a socorrer Aurora. Desci os degraus correndo, cheio de arrependimento
e torcendo para que ela se levantasse e ficasse bem logo. Papai veio ao nosso encontro, ele tocou
em Aurora e disse com frieza:
— Ela está morta. — Pela primeira vez papai acariciou minha cabeça. — Bom garoto,
menos um problema pra gente.
— Não é possível! A minha filha não! A minha filha! — Helô caiu de joelhos, começou a se
debater, arrasada, aos prantos.
Papai ficou de pé e foi ao encontro dela:
— Se você amasse tanto a sua filha nunca teria a colocado nessa vida. Você tentou me dar
um golpe Helô, apenas tentou. Porque mesmo se meu filho não tivesse matado essa putinha, eu
mesmo teria dado um jeito nisso.
A mãe de Aurora continuou chorando e se debatendo desesperadamente.
Eu estava completamente em choque, não dava para acreditar que minha melhor amiga e
a garota que um dia chamei de namorada estava morta.
Ela estava imóvel. Sem vida.
O sangue vermelho agora emoldurava seu rosto e se misturava ao seu lindo cabelo
acobreado.
Aurora estava morta.
Eu a matei.
Eu tirei a vida de uma pessoa que amava.
Como eu poderia viver daqui para frente?
— Kleber, pela primeira vez estou orgulhoso de você meu filho. Você agiu como um homem
de verdade tem que agir. Agora eu confio em você, sei que será um grande e bem-sucedido homem.
Talvez até melhor que eu — Papai disse enquanto eu desmoronava em lágrimas.
Vinte e um
Kleber
Essa lembrança me acertava como um tiro à queima-roupa, sempre fiquei atordoado depois
dela e agora não era diferente.
Aurora não era a melhor pessoa, mas não tinha como não me sentir culpado pela sua morte.
Por mais que minha intenção nunca fosse machucá-la eu tirei sua vida e nada, absolutamente
nada mudou depois daquilo.
Por mais bizarro que pareça, papai continuou frequentando o cabaré de Helô. Foi como se
aquele passado tão doloroso tivesse sido completamente excluído.
Mas, toda vez que meu olhar e o de Helô se encontravam, eu sabia o que ela estava
pensando. Eu também via algo por trás de todo aquele esforço que ela fazia para fingir que gostava
de mim, quando, na verdade, ela estava apenas me tolerando e por muito tempo arquitetando tudo que
estava acontecendo nesse momento.
— Vocês dois são realmente lindos! Imagina o que aconteceria se eu desse um fim nela como
você deu um fim na minha filha? — Nervoso, passei a língua pelos caninos quando a vi arrancar uma
pistola da cintura e mirar contra Gabriela.
— Não faça isso, Helô! Você sabe que na época eu era só um menino, eu não passava de um
menino! Eu fui mais uma vítima do meu pai!
— Tão vítima que hoje age exatamente como ele. Aquele ditado do tal pai, tal filho faz total
sentido quando o assunto é vocês! — A mulher deu um passo à frente com a arma empunhada e
engatilhada.
— Ele já te deu o dinheiro, o que mais você quer? — Gabriela questionou furiosa, se
contendo para não fazer nenhuma merda.
— Helô, pare já com isso, vamos manter o foco que é o dinheiro porra! — Estevam
esbravejou frustrado pela atitude da sócia.
— Não grite comigo! Você teve a vida inteira para arrancar dinheiro daquele escroto, mas
não fez nada porque você era uma cobaia e hoje continua sendo um bosta! — Ela desviou o olhar
duro dele para mim e continuou: — Você sabia Kleber que, praticamente todas as noites esse aí
estuprava seu amorzinho? — No momento em que ela fez aquela pergunta Gabriela jogou o rosto
para baixo como se estivesse desabando. E ela estava. — E se esse filho que ela está esperando for
dele? Você vai amar isso, não vai? — perguntou num tom provocante, sorrindo cheia de sarcasmo.
— Cale essa maldita boca! — Estevam rapidamente deu um sacode em Helô que fez questão
de empurrá-lo para longe dividindo a mira da pistola entre nós dois.
Olhei para Gabriela ao meu lado. Ela estava envergonhada, não conseguia olhar em meus olhos
depois do que aquela vadia disse. Estevam a estuprou, machucou e a humilhou com o único objetivo
de se sentir superior a mim. Gabriela foi usada para me ferir, quanto a isso ele acertou em cheio
porque eu realmente estava ferido, explodindo de ódio, contendo toda minha fúria para destruí-lo e
não deixar nenhum vestígio.
— Você precisa decidir se está aqui por esse sentimentalismo barato ou pela grana que
vamos ter daqui pra frente. Pensa no quanto ralamos para chegar até aqui. Com a ajuda de Soraya
antecipamos a morte daquele doente do Célio, depois nos livramos dela também — ele sorriu antes
de dizer —, mas antes disso usamos essa garota, e graças a ela o Kleber está aqui, aos nossos pés,
pronto para entregar de bandeja tudo que almejamos a vida inteira. Tudo que precisamos fazer é
deixar essa vagabunda viver! — ele esbravejou na última frase.
Helô abriu um grande sorriso no rosto. Não demorou muito para que as gargalhadas suaves
se tornassem algo fora de controle, principalmente quando a arma tremia acompanhando suas
emoções.
— Estevam, meu caro, nós dois sempre tivemos objetivos diferentes. — Foi quando ela
firmou a arma na direção dele, fazendo seus olhos arregalarem e um bolo lento descer por sua
garganta.
Ouviu-se um disparo.
Um estrondo.
Sangue.
Vinte e dois

Gabi
Não acreditei quando me soltaram das correntes e me deram água para beber. Ele realmente
viria. Kleber iria mesmo arriscar sua vida por mim? Eu não tinha certeza, mas era nisso que Estevam
e Helô acreditavam quando mandaram me soltar.
Antes de abandonar o cativeiro eu olhei para Eudi, cansada, derrotada naquele chão e disse
com toda minha sinceridade:
— Eu só saio daqui com você.
— Não Gabi, vá, essa com certeza será sua última oportunidade. Faça o que estou te
dizendo. Não se arrisque de novo, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.
Assenti, sabendo que mais uma vez não lhe daria ouvidos. Se eu realmente conseguisse sair
dali, eu faria questão de tirar não só Eudi como todas as meninas que estavam presas naquele inferno.
Caso contrário eu não conseguiria seguir minha vida fingindo que nada disso aconteceu.
[...]
Fazia quase uma hora que eu estava trancada naquela sala, com cheiro forte de cigarro sob a
ameaça de uma pistola. Meu coração bateu mais forte quando Helô, toda classuda, atravessou a
porta. Estevam estava ao seu lado.
Eu tinha nojo dos dois e os odiava na mesma proporção.
— Kleber realmente gosta de você — Helô afirmou como se estivesse com raiva.
— Gostar é pouco, ele a venera. E eu entendo por que, essa vadia é muita gostosa. Nunca
irei esquecer as noites que estive dentro de você, aliás, Helô, me dê uns minutinhos com essa garota
para que eu tenha meu momento de despedida.
— Não! De novo não! — exclamei com a voz trêmula, colando meu corpo contra a parede
tentando escapar da ameaça que era o aquele escroto, nojento.
— Chega, Estevam! O Kleber irá chegar em minutos e eu faço questão que essa garota esteja
inteira para ele. Não ouse tocar um dedo nela até que a gente tenha se acertado!
— Ok. Ok. — Ele levantou as mãos em sinal de rendição enquanto recuava.
Respirei aliviada, com meu coração batendo rápido como um cronômetro ansiando o
momento que toda essa dor e humilhação fosse ter um ponto final.
Quando a porta abriu mais uma vez, meu peito quase explodiu.
Era ele.
Lindo, corajoso, com os olhos negros brilhando em chamas na minha direção, enquanto seu
perfume marcante inebriava cada canto daquela sala. Minha vontade era correr em sua direção, me
jogar nos seus braços e nunca mais perder o contato de nossas peles. Foi isso que ele fez. Veio ao
meu encontro, deixando a saudade gritar mais alto. Quando ficamos juntos eu me derreti por
completo, me senti salva, segura, era como se eu estivesse no céu.
Não resisti em tomar seus lábios e matar toda a minha saudade, minha sede. Ali eu me desfiz
dos nossos erros e falhas. Eu só queria ele e mais nada.
Porém, tudo acabou no momento em que Helô abriu aquela boca maldita.
Tudo que ela dizia era uma desgraça. Quando Estevam entrou na discussão o clima ficou
mais tenso, principalmente no momento em que ela me expôs ao ridículo, contando para Kleber que
Estevam me estuprava.
Me senti suja, baixa, um completo lixo descartável.
A reação de Kleber não foi muito diferente, eu pude ouvir sua respiração entrecortada, senti
suas mãos tremendo de raiva. Logo elas estavam próximas demais a cintura onde notei um volume.
— Você precisa decidir se está aqui por esse sentimentalismo barato ou pela grana que
vamos ter daqui pra frente. Pensa no quanto ralamos para chegar até aqui. Com a ajuda de Soraya
antecipamos a morte daquele doente do Célio, depois nos livramos dela também — ele sorriu antes
de dizer —, mas antes disso usamos essa garota, e graças a ela o Kleber está aqui, aos nossos pés,
pronto para entregar de bandeja tudo que almejamos a vida inteira. Tudo que precisamos fazer é
deixar essa vagabunda viver! — Estevam exclamou como sarcasmo, como se fosse imune a qualquer
coisa. O desgraçado não tinha medo de nada.
Helô o fitou de soslaio, sua arma ainda estava na minha direção. Ela me odiava, eu não sabia
bem o porquê, mas ela me odiava com todas as suas forças e parecia não estar mais conseguindo
conter esse ódio todo.
— Estevam, meu caro, nós dois sempre tivemos objetivos diferentes. — Foi quando ela
desviou a arma da minha direção para ele.
Estevam ficou pálido, parecia ter congelado. A reação dela era uma surpresa para todos, mas
o que ela faria depois mudaria definitivamente o rumo das nossas histórias.
Ela atirou.
Mas não foi em Estevam.
Ela apertou o gatilho na minha direção.
Kleber pulou na frente, ele foi atingido à queima-roupa. O impacto da bala contra o seu
corpo fez com que respingos de sangue me acertasse e seu grunhindo desesperado deixasse aquela
sala pequena demais.
Kleber caiu de joelhos no chão. Ele usou a pouco força que restara para se manter erguido,
arrancar a pistola da cintura e com os grandes olhos negros faiscando disparar na mira de Estevam e
Helô.
Ela revidou e os dois trocaram tiros até aquele ambiente pequeno e apertado se tornou um
mar de sangue. Eu me afoguei com tudo, fui engolfada pela dor que só senti no dia que minha mãe
amanheceu morta. Agora a história estava se repetindo, depois de tanta luta e sofrimento, depois de
um breve momento de paz Kleber estava ali, estirado, baleado e coberto de sangue aos meus pés.
— Gabriela... Saia daqui... Fuja daqui imediatamente! — ordenou, aos murmúrios, ele gemia
de dor, mas conseguia se manter imponente e frio.
O líquido viscoso e avermelhado já havia se alastrado pela camisa clara. Uma bala estava
cravada no ombro, a outra na região da costela. Ali era grave. Ele precisava ser socorrido com
urgência.
— Saia daqui, Gabriela! — ele gritou muito alto, perdendo o fôlego, fazendo suas pálpebras
se fecharem.
Meu Deus! Ele estava morrendo!
Me desesperei e saí correndo daquele gabinete passando por cima dos corpos do nojento do
Estevam e da cretina de Helô. Eu ouvi Kleber, mas se eu saí era porque sua única chance era
conseguindo socorro.
De repente o barulho de disparos começou a ecoar novamente. Dessa vez mais intenso, em
maior número. Me desesperei, chorei e bebi das minhas lágrimas, porque por um minuto cheguei a
acreditar que não teria mais jeito. Aquele seria meu fim, e o fim do homem que se arriscou para
salvar a minha vida. Travei como uma estátua quando uma bala atingiu a parede oposta a que eu
estava. Me joguei no chão e segui rastejando pelo lugar sujo, escuro, com a aparência macabra.
— É a polícia federal do México! Se entreguem ou caso contrário serão mortos! — Uma voz
grave ecoou em espanhol, mas eu consegui entender por ser um idioma parecido com o qual a cada
dia eu me sentia mais familiarizada.
Quando ouvi que era um policial não perdi mais nem um segundo, corri na sua direção e caí
aos seus pés implorando por ajuda.
— Ei! Você é a Gabriela? — um homem alto e forte perguntou em português, enquanto me
fitava de cima para baixo. Como ele sabia o meu nome?
— Sim... Sou eu...
— Onde está o Kleber?
— Naquela sala! — Girei meu corpo apontando na direção do corredor que tinha uma sala
com a porta aberta em destaque. — Por favor, ajudem ele! Ele foi baleado, precisa ser socorrido
com urgência.
— A ambulância já está a caminho! — um dos policiais disse em espanhol, e como um
milagre a esperança que havia morrido em mim começou a brotar em meu peito.
Respirei fundo ficando de pé novamente, corri para a sala, mas chegando lá fui impedida de
entrar. Um policial me disse que conseguia sentir os sinais vitais de Kleber. Me acalmei, engolindo
em seco todo meu de perdê-lo.
Eu queria tanto que tudo isso não passasse de um pesadelo.
Vinte e três

Gabi
A ansiedade me corroía como ácido. Já haviam se passado várias horas desde que Kleber
foi trazido para esse hospital.
— Não se preocupe Gabi, ele vai ficar bem. O médico disse que o projétil ficou alojado
entre as costelas e por isso não afetou nenhum órgão gravemente.
— Ainda bem amiga, foi um milagre o que aconteceu, mas, ainda assim, fico ansiosa.
Hospital me deixa nervosa, a última vez que pisei em um estava com a minha irmã... — A lembrança
de Malu invadiu minha cabeça e foi impossível não me emocionar. Ela estava sozinha, doente,
abandonada... Onde eu estava com a cabeça quando resolvi fugir e deixá-la sozinha com dona
Geralda, uma senhora de idade, quase sem recursos?
— Você sente falta dela, não é?
— Eu fui irresponsável. Do início ao fim.
— Não fica assim Gabi, eu sei que a sua vida não foi fácil. Vamos rezar para que sua irmã
esteja bem.
— Vamos rezar para que tudo fique bem logo. Não aguento mais isso aqui. Quero voltar para
o Brasil, recomeçar a minha vida.
— E eu, recuperar a minha vida... — Eudi pendeu a cabeça para baixo, fitando o pé
imobilizado, enquanto lágrimas grossas transbordavam de suas pálpebras.
Acariciei seu ombro, compartilhando do mesmo que ela sentia e disse baixinho:
— Vai dar tudo certo. Se nós conseguimos chegar até aqui, se nós sobrevivemos a tudo
aquilo é porque daqui para frente virá coisas muito boas.
— Tomara... — Não havia ânimo em sua voz, também pudera, o que eu vivi por alguns
meses ela viveu por mais de dois anos. Ela não tinha notícias da família, assim como a família não
tinha notícias dela.
Eu ainda estava consolando Eudi quando a médica responsável pelo Kleber veio até mim.
Garantindo que a cirurgia que ele havia feito para retirar os projéteis do corpo havia sido um
sucesso. Respirei aliviada contando os minutos para vê-lo, conversar sobre tudo ouvindo sua voz
rústica até resolvermos a nossa história. Sabia que os momentos que tivemos juntos no passado me
marcaram de uma maneira não tão legal assim, mas depois de tudo que aconteceu eu tinha plena
certeza de que Kleber não se arriscaria daquela maneira para continuar sendo o mesmo.
Ele saiu do Brasil para me salvar. Ele se jogou na frente de uma bala para me livrar. Nem
mesmo meu pai faria isso por mim. Eu devia muito a ele, porque naquele segundo ele não salvou
apenas a minha vida, ele também salvou a vida do nosso filho. Suspirei empolgada acariciando
minha barriga. Ainda não havia volume, mas eu conseguia sentir o bebê ali dentro, era como uma
conexão de almas, estávamos interligados e evoluindo juntos.
Quando finalmente entrei naquele quarto, frio, com Kleber estirado na cama, meu coração
estremeceu e começou a pulsar abruptamente no momento em que nossos olhares se encontraram e
não desgrudaram mais um do outro.
— Kleber... Eu... Nem sei como te agradecer... — afirmei, contendo minha emoção diante do
leito onde seu corpo quente marcado por hematomas se acomodava.
— Shh... — ele disse. — Não tem do que me agradecer. Tudo que fiz foi para tirá-la da
furada que eu mesmo a botei. Gabriela, queria dizer que lamento muito por tudo que passou nas mãos
de todos aqueles canalhas. O que faziam com você e todas aquelas meninas que foram resgatadas, foi
de uma crueldade descabida. A minha vontade maior era que aqueles dois malditos, pagassem em
vida por tudo que fizeram. Mas infelizmente tive que agir em legítima defesa, poupando-os de
apodrecer na cadeia.
— Foi melhor assim. No Brasil a lei não funciona como deveria, caso eles fossem presos
não ficaram mais de 5 anos atrás das grades. Agora me sinto segura, aliviada de uma maneira que
nunca me senti antes. E eu tenho certeza de que nesse momento aqueles dois desgraçados e todos os
outros que compactuaram com eles estão queimando no inferno. — Respirei fundo, olhando para
Kleber, me preparando para entrar em outro assunto não menos delicado. — Tive que fazer uma
bateria de exames. Durante o tempo que trabalhei naquele lugar fiz vários programas sem nenhuma
proteção, fui usada por vários deles como um objeto, uma válvula de escape...
— Sinto muito. — Sua voz era penosa, assim como seu olhar.
— Tudo que aconteceu ainda está mexendo muito comigo, mas eu sei que vou vencer, eu sei
que vou superar... Porque... — Engoli o bolo em minha garganta e rapidamente sequei as lágrimas
que ousaram a cair sem permissão. — Porque daqui para frente é um novo caminho, uma nova vida.
Kleber, você sabe que estou grávida. Esse filho é seu. Antes mesmo de chegar naquele prostíbulo eu
já estava com os sintomas de gravidez, mas, por precaução na bateria de exames que fiz, vai apontar
o número exato de semanas. Porém, eu quero que saiba que você não é obrigado a assumi-lo. Somos
de lados opostos. Mundos diferentes. Nos encontramos por acaso e em todos os nossos encontros
tudo que fizemos foi sexo. Nunca existiu nenhum sentimento da sua parte. Eu sei que tudo que fez foi
porque no fundo se sentiu culpado, mas não quero que se prenda a isso, você não precisa se
sacrificar.
— Me sacrificar? Você está enganada Gabriela. O que eu fiz por você não foi por culpa.
Sacrifício seria te perder, sacrifício foi a sensação que tive quando me disseram que eu nunca mais
iria te ver. Eu juro que todas as noites eu ficava imaginando uma maneira de voltar no tempo e
consertar cada momento que ficamos juntos. Porque eu sei que eles foram bons para mim,
inesquecíveis, porque com você eu ia muito além do sexo, nosso contato não era só mais uma coisa
carnal, com você eu me sentia um homem, não um sádico desesperado para bater, gozar. Com você eu
me senti... Amado. Pela primeira vez eu tive essa sensação e por mais que não fosse isso...
Com o coração disparado, o interrompi imediatamente.
— Mas era isso. Ainda é isso. Eu criei um sentimento por você... Não sei se foi correto, mas
é algo que eu nunca consegui esconder, muito menos controlar. Quando estava em seus braços, por
mais rude e bruto que fosse eu me sentia conectada a você de uma maneira avassaladora,
principalmente quando olhava nos seus olhos e via que, você é muito mais do que deixava
transparecer. Eu sabia Kleber que por trás dessa muralha de pedra ao redor do seu coração, você era
esse homem que estou vendo agora. Você é o meu herói. E eu te amo. Te amo muito.
Não resisti em inclinar meu corpo para baixo e tomá-lo com mais um beijo. Seus lábios
macios pareciam ter o poder de me levar para o céu todas as vezes que se encontrava com os meus.
Ofegante, Kleber se afastou, olhou em meus olhos e segurou forte a minha mão como se
estivesse prestes a ter uma parada cardíaca.
— Eu também te amo, Gabriela. Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo, até
você entrar no meu caminho e chacoalhar a minha vida de uma maneira que ninguém tinha feito, mas,
foi graças a essa bagunça que hoje entendo o valor de muitas coisas. Depois de você tudo se
encaixou. Agora eu entendo o quanto eu preciso de você. Quero que seja a mulher da minha vida. A
mulher com quem eu vou formar uma família. A partir de agora será só nós e esse bebê que está aí
dentro — ele tocou minha barriga carinhosamente —, e a Maluzinha, é claro.
— Você viu ela? Você sabe como ela está? — perguntei preocupada sentindo meu coração
fisgar.
— Vi, ela está comigo. Desde o dia que você sumiu eu senti que ela era minha
responsabilidade.
Não resisti. Desmoronei em lágrimas quando o peso da preocupação deixou de existir em
meus ombros. Kleber superou todas as minhas expectativas.
— Não acredito... Obrigada... — O envolvi em um abraço cheio de sentimentos, tomando
cuidado para não o machucar. — Agora só falta a gente voltar para casa.
Vinte e quatro
Gabi
— Eu te ajudo. — Kleber recebeu alta três dias depois, mas ainda estava fragilizado. Na
maior parte do tempo sua mão tocava a costela, como se quisesse segurá-la de alguma forma. Ele mal
movia o braço esquerdo devido ao tiro no ombro, mas os médicos garantiram que em breve ele
ficaria bem.
Eudi e eu tivemos que prestar depoimento na delegacia do México. Em breve faríamos o
mesmo no Brasil, inclusive ela já estava lá. Eu estava super ansiosa por notícias, queria muito saber
como ela foi recebida pela família depois de tanto tempo. Tínhamos muito o que comemorar, nossos
exames não acusou nenhuma doença sem cura, ou letal e, felizmente meu tempo de gestação também
era compatível com o meu relacionamento com o Kleber.
Preferi ficar por aqui fazendo companhia para ele.
Fomos incluídos no serviço internacional de proteção à testemunha. Aparentemente
estávamos seguros, mas eu só me sentiria bem de verdade depois que estivesse em casa, em paz, com
a minha irmã e com minha vida sem preocupações.
— Não se preocupe, coisa linda, eu consigo subir os degraus sozinho. — Estávamos de
frente para o jatinho que em breve faria partida para o Brasil.
— Eu sei disso, mas quero te ajudar só por garantia.
Kleber sorriu para mim e não fez desfeita quando cruzei meu braço com o dele. Subimos a
escada e quando finalmente entrei na aeronave fiquei surpresa com o luxo, tudo impecável. Desde as
poltronas de couro superconfortáveis com acabamento banhado a ouro até o serviço de bordo que
estava o tempo todo ao nosso dispor.
O único problema naquilo tudo era que apesar do luxo, aquilo ainda era um avião. Era a
minha primeira vez dentro de um avião. Estava ansiosa, não conseguia parar de pensar no momento
em que alguma coisa pudesse dar errado.
— É sua primeira vez num avião? — ele perguntou com as sobrancelhas arqueadas, o
sarcasmo mais que evidente no seu tom.
— Sim. Estou tremendo de medo. Vamos mesmo ficar mais de 8 horas voando nisso... E se
ele não aguentar? Pior, e se a gente cair no mar logo agora que as coisas estão começando a dar
certo?
Kleber começou a gargalhar alto como se o que acabei de dizer fosse uma piada. Eu
continuei séria, fitando-o enquanto ele tentava controlar o riso espalhafatoso que consequentemente
lhe causava dores. Apesar disso ele ficava lindo naquela posição, super à vontade com a poltrona
levemente inclinada para trás, com as pernas abertas de frente para mim. Nem mesmo o braço
imobilizado e a sua cirurgia recente impedia que pensamentos pecaminosos entrassem em minha
mente.
Lembrei da forma com que ele me dominava na cama, me fazia mulher com o seu jeito
rústico, cruel e eu gostava... Na verdade, eu adorava. Adorava o jeito que ele me usava e me enchia
de prazer. Mordi o lábio excitada, sentindo minha intimidade contraindo lá embaixo. Mas procurei
respirar fundo e focar no que estava acontecendo.
— Pode ficar tranquila. A manutenção do jato está em dia e o meu piloto tem décadas de
experiência. Vai ser um voo excelente. Se você quiser fique à vontade para beber alguma coisa, o
serviço de bordo está aí para isso.
— Você tem razão, vou aproveitar que os remédios estão aliviando meus enjoos para tomar
alguma coisa. O que você me recomenda?
— Alguma coisa quente, com certeza. Daqui a algumas horas isso aqui congelará..
Alguma coisa quente...
Mordi o lábio inferior me contendo ao máximo. Eu sabia que essa excitação repentina
poderia ser coisa dos hormônios da gravidez. Mas, de uma coisa eu sabia, quando estava com ele,
sozinha, eu não era a mesma. Me tornava um animal, com desejos e instinto. Tudo aflorando em
minha pele, principalmente quando vagamente lembranças quentes dos nossos momentos juntos me
pegavam desprevenida.
Kleber fixou os grandes olhos negros em mim, e logo seu olhar media cada centímetro do
meu corpo como se a qualquer segundo fosse me devorar de uma vez só.
— Você disse que adorava tudo que eu fazia com você. É verdade? — ele perguntou, me
surpreendendo.
— Sim... Sinto falta, inclusive, mas... Não precisa se preocupar com isso, sei que você está
mal...
Kleber me cortou rapidamente:
— Meu pau está inteiro. — Sua voz soou como uma onda quente em meus ouvidos, fazendo o
que já estava rompendo meus limites ficar fora de controle.
A luxúria me devorou num único golpe, pude sentir meus mamilos enrijecendo enquanto o
clima parecia crepitar a nossa volta.
— Está mesmo? — indaguei já deixando minha poltrona, ficando de joelhos entre suas
pernas.
— Verifique você mesma — ele afirmou. E eu não esperei mais um mísero segundo para
abrir o zíper e descer sua calça, revelando a cueca volumosa, preenchida. Também não esperei para
cuidadosamente deslizar para baixo o tecido que cobria meu alvo.
De repente o pau ereto, grosso, traçado por veias marcantes pulou para fora.
Eu segurei sua base com ambas as mãos e me pus a apreciá-lo enquanto o cheiro exótico de
macho excitado me inebriava.
Coloquei a língua para fora, me lambuzando com a glande volumosa. Devagar passei a ponta
da língua na sua abertura; nossos olhares se encontraram e foi naquele momento que tive a certeza de
que estava segura, de que poderia dar e receber prazer sem medo, receios.
Comecei a devorá-lo por inteiro, sem reservas. Engolindo cheia de desejo cada centímetro
dele, saboreando tudo enquanto minha calcinha molhava entre minhas pernas. Kleber usou o braço
bom para pressionar minha cabeça para baixo. Senti seu membro rompendo os limites da minha
garganta, lágrimas caíram dos meus olhos ao mesmo tempo em que Kleber grunhia, uivava de prazer,
luxúria. Fui mais além, sugando, entrando e saindo com ele da minha garganta, sentindo ele puxar
meus fios brutalmente.
Ele estava tendo espasmos na minha boca.
Eu estava extasiada, sem conseguir continuar prendendo toda aquela avalanche de sensações
que me engolfava, foi quando levei a mão entre minhas pernas, enfiando por debaixo da calcinha, e
sentido com dois dedos minha vulva quente, molhada pelo prazer, pela luxúria que ele me causava.
Involuntariamente toquei meu clitóris e comecei a fazer movimentos circulares, que me
tiravam de órbita enquanto devorava aquele pau enorme com sede, minha boca salivando junto com a
essência que aos poucos ele despejava.
Eu contraía, pulsava sem controle, sentindo o tesão crescer avassaladoramente a ponto de
espasmos começarem a brotar pelo meu corpo.
Kleber firmou a mão na poltrona para sustentar o corpo, enquanto comia minha boca,
mordendo o próprio lábio revirando os olhos cheio de desejo.
Meti um dedo, depois o outro no meu canal e estoquei até uma enxurrada de espasmos varrer
meu corpo dos pés à cabeça.
Eu estava gozando.
Ele também.
Ele estava esporrando sua essência quente e cremosa na minha boca.
— Engole tudo, sua cachorra! Não era isso que você queria? — Seu olhar me fulminava do
alto. Não ousei discutir, engoli tudo que ele tinha a me oferecer. Tudo que ele tinha para me dar.
Ofegante, deixei seu pau. Quando vi, ele já estava puxando a cueca e a calça para cima.
— Me acompanhe — ordenou num tom impositor enquanto ficava de pé —, quero te mostrar
uma coisa.
Rapidamente me recompus e comecei a segui-lo. Andar dentro de um avião que estava a
milhares de metros de altura, fazia meu coração bater mais rápido. Mas com Kleber à minha frente,
dominante daquela forma, eu só conseguia pensar no que ele tanto queria me mostrar.
Caminhamos até uma porta, quando ele a abriu revelando uma cama aconchegante com um
frigobar ao lado e uma TV de led suspensa à frente fiquei ainda mais surpresa com as coisas que o
luxo podia proporcionar.
— Eu queria te mostrar mais tarde, mas já que você adiantou as coisas...
— Uau — o cortei —, uma suíte no jatinho. Surreal.
— Surreal é o jeito que você me faz gozar, gostosa — ele disse sentando sobre o colchão
macio com cuidado. — Tire a roupa, quero ver você. Estou com saudades das curvas do seu corpo,
da sua pele macia na minha, do seu cheiro.
Rapidamente tranquei a porta e atendi o seu pedido. Tirei o vestido floral e longo que usava,
ficando apenas com uma lingerie simples a qual a vontade tremenda de fazer amor não me deixou
continuar usando-a por muito tempo.
Minha autoestima foi às alturas quando vi o brilho nos seus olhos no momento em que olhou
para os meus seios que ficaram maiores depois da gravidez. Com uma das mãos ele me puxou para si
e começou acariciar minha barriga, apertando minha cintura, passando a língua no meu umbigo a
ponto de me causar arrepios e fazer com que os bicos dos meus seios ficassem enrijecidos.
Abri as pernas e apoiei meu quadril sobre suas coxas. Com a mão livre Kleber acariciou
meu mamilo, apertando-o vagarosamente enquanto roçava o nariz arrogante sobre ele, como se
estivesse venerando-o apreciando em cada detalhe. Mas eu literalmente perdi o chão quando ele
beliscou meu biquinho com os dentes, fazendo minha intimidade contrair loucamente, implorando
para tê-lo por inteiro.
Ele começou a sugar ali, enquanto usava a mão livre para apertar o outro seio eu acariciava
os cabelos escorridos, me inebriava com o seu cheiro. Kleber fez sinal para que eu ficasse de pé,
quando acatei o seu pedido rapidamente ele me virou de costas e deu um tapa quente no meu
bumbum. Não demorou para que seus lábios e a língua experiente voltassem a entrar em contato com
minha pele. Com a diferença de que dessa vez eu estava extasiada, trêmula, tendo que tocar meus
seios para conseguir domar a onda de prazer que cruzava meu corpo da maneira mais intensa.
Quando ele me puxou para cama novamente já estava despido. Estirado sobre o colchão com
o pau enorme, ereto, à minha espera, pronto para mim enquanto os olhos negros me sugavam a
distância.
— Senta de costas, mas devagar. — Sua voz firme, rude, me deixava ainda mais animada.
— Não se preocupe, eu não vou te machucar — afirmei olhando sensualmente para ele.
— Não é só por isso, também quero aproveitar ao máximo cada segundo com você. —
Kleber tocou seu pênis e me fitou maliciosamente. — Estou cheio de saudades.
— Eu vou te esvaziar. — Abri um sorriso atrevido para ele enquanto me acomodava sobre a
cama, entre suas pernas. Me encaixando sobre o membro duro e quente que entrou deslizando,
queimando, causando combustão em contato com a minha pele. Rebolei de quatro, com o pau
delicioso todo encaixado, fitando-o de soslaio enquanto o tesão tirava o que me restava de sanidade,
me fazendo perder o controle e começar a sentar rapidamente, com força.
Sentindo-o por inteiro. Meu. Agora mais que nunca ele era meu, assim como eu era todinha
dele.
Com Kleber eu me sentia mais mulher, com ele eu me sentia amada, cuidada.
Com ele eu sentia um prazer tremendo, imensurável.
Quando nossa pele, nossa carne entrava em contato, o mundo parava para a gente se amar.
Queimar naquele fogo, se entregar àquele momento curto, mas único, marcante e profundo.
Ele rosnava alto, gemia como um leão ferido. Ao mesmo tempo que eu sentia cada milímetro
dele dentro de mim, me consumindo, me enchendo, dando o que me faltava.
A lascívia me dominava por inteira, me varria como uma lava fervente porque meu corpo
agora era como um vulcão que diante dos espasmos que estavam estalando da minha intimidade até o
meu abdômen, em breve entraria em erupção.
— Ahhh.... Ahhh... — Kleber grunhiu alto, seu pau tremendo dentro do meu canal. Quando
me dei conta, ele já estava esporrando tudo em mim novamente, fazendo com que sua essência me
deixasse ainda mais louca, ensandecida.
Ali não me contive mais.
Explodi.
Me contorci, deixando as ondas do prazer me dominar, me tirar de órbita como se aquele
avião estivesse caindo.
Eu estava fraca, ofegante e me cuidei para sair de cima dele vagarosamente.
Deitei ao lado de Kleber, encaixando minha cabeça debaixo do seu braço bom.
— Eu te amo — falei sentindo-o brincar com os meus cachos.
— Eu te amo mais.
— Impossível — afirmei sorrindo.
Ele sorriu para mim e logo me deu um beijo carinhoso no cenho.
— É sério, você não tem noção do quanto eu te amo. Quero você na minha vida todos os
dias...
— Para sempre. Quero ficar aqui, com você para sempre...
— Nesse avião? — Ele arqueou as sobrancelhas grossas com sarcasmo.
— Não! Talvez... Porque eu quero ficar no lugar que você esteja. Quero cuidar de você, te
amar todos os dias. Quero você para sempre.
— Para sempre, bebê.
Ele me abraçou mais forte, me enchendo de mais amor e carinho. Estar com ele era tão
mágico que o passado, meus problemas, se tornavam inexistentes, esquecíveis.
Daqui para frente seria só nós dois e a família que estávamos reconstruindo e construindo.
Vinte e cinco

Gabi
— Meu Deus! Estou muito ansiosa, Kleber! — As lágrimas caíam como uma cascata dos
meus olhos. Eu não conseguia me controlar, nem poderia, mesmo se quisesse. Estava diante da porta
da casa que viveria, mas o que me deixava mais ansiosa era saber que Malu estava ali, do outro lado
à minha espera.
— Calma. — Ele roubou um beijo rápido em meus lábios. — A Malu está morrendo de
saudades de você. Eu avisei para Cléo prepará-la da melhor maneira possível para o reencontro de
vocês, já que ela não pode ter fortes emoções.
— Tá bom... — murmurei secando minhas lágrimas, quando ele abriu a porta Malu estava lá.
Linda, sorrindo, com um balão do seu tamanho em formato de coração escrito “mana, eu te
amo”.
Não me contive, não vi mais nada. Apenas corri ao seu encontro e quando cheguei mais perto
a envolvi com um abraço apertado, pegando-a no colo cheia de saudades enquanto nossas lágrimas
se misturavam.
— Meu amor, eu estava com tanta saudades de você... Você não tem noção do quanto é bom
te encontrar assim, cuidada, mimada por pessoas de bem.
— Eu também estava com muita saudades de você... Brigada tio Kleber por trazer minha
maninha de volta! — Kleber sorriu de longe para nós. — Mas aonde você tava? — ela perguntou
ficando ainda mais fofa com a testa pequenina franzida.
Senti uma fisgada no peito, mas não me deixei me levar por aquilo. Respirei fundo, e com
toda sinceridade do mundo disse olhando dentro dos seus olhos.
— Isso não importa. Daqui para frente vamos falar só de coisas boas e tem mais, eu tenho
uma novidade para você: Estou grávida!
Malu arregalou os olhos levando a mão à boca sem acreditar no que eu tinha acabado de
dizer.
— Grávida! Você vai ter um neném?
— Vou sim, meu amor!
— Eba! — Ela bateu palminhas exibindo seu lindo sorriso banguela. — Mas... Cadê a sua
barriga?
— Vai crescer ainda, tá muito cedo.
— Pois eu acho que já está crescendo. — Kleber chegou por trás, me abraçando e tocando
meu ventre. Eu amava o jeito que ele me tocava.
— Acho que vai ser uma menina bonita que nem eu — Malu afirmou alto, arrancando risadas
da gente.
— Pois eu acho que vai ser um menino lindo — Cléo disse chegando mais perto.
— Seja lá o que for, será bem-vindo à família. — Kleber sorriu, e depois de respirar fundo
continuou: — Como é bom poder dizer isso, eu finalmente tenho a minha família. Vocês são tudo para
mim — Kleber olhou com carinho para mim e Malu —, você também Cléo, vem para cá! Quero
abraçar todas vocês!
Cléo chegou mais perto e juntos nos unimos em um abraço conjunto.
Um abraço de família.
Em seguida Malu fez questão de me mostrar os detalhes da decoração da surpresa toda cor
de rosa que fez para mim. Estava tudo muito lindo e os aperitivos também estavam uma delícia,
principalmente os docinhos.
Enquanto degustava um deles Cléo chegou mais perto dizendo:
— Eu preciso pedir desculpas para você. Eu não aprovei muitas das coisas que Kleber fez
por você, mas agora que está aqui com a gente consigo ver o quanto você o faz bem. O conheço
desde criança, ele é como um filho para mim e posso te falar com toda certeza do mundo que eu
nunca o vi tão feliz. Obrigada por ter mostrado a ele esse outro lado da vida. Esse lado mais leve,
mais saudável...
— Ah Cléo, eu é que tenho que te agradecer, Kleber me disse o quanto você cuidou de Malu
quando eu não estava aqui. Muito obrigada. E quanto ao que você disse primeiro, diante das
circunstâncias que você estava eu faria exatamente o mesmo. Por mim está tudo bem.
— Está mesmo?
— Está sim.
— Obrigada, minha linda. E como tem sido a gravidez? Como descobriu?
Contei para Cléo sobre minha gravidez e sobretudo, tudo mesmo. Ela me abraçou e me
prestou palavras de consolo.
Eu sabia que o que aconteceu no passado nunca seria esquecido e me marcaria para sempre.
Porém, eu não iria me resumir àquilo.
Eu ainda tinha muito o que viver, experimentar.
A sensação que eu tinha era que a vida havia acabado de começar.
Recomeçar.
Vinte e seis
Gabi

Eu estava ansiosa, tão ansiosa que não consegui esperar para fazer o ultrassom convencional
e acabei optando pelo transvaginal.
A tarde estava chuvosa.
Enquanto passávamos pela avenida a caminho da clínica lembrei que foi ali, bem ali que nos
encontramos pela primeira vez.
Naquele dia eu fiquei furiosa com ele.
Nos outros eu não estava tão feliz também.
Nós tínhamos tudo para dar errado, mas agora estávamos aqui. Bem, felizes como nunca
estivemos em nossas vidas a caminho da ultrassom do nosso primeiro filho.
— Você acha que vai ser o quê?
— Sinceramente: Não sei...
— Sério? Ouvir dizer que as mães costumam sentir e não erram na intuição.
— Eu só consigo sentir felicidade — disse acariciando minha barriga, que já estava
começando a tomar forma.
Estar grávida era algo indescritível. Mágico. Todos os dias era uma emoção diferente e eu só
estava no começo da gravidez.
— Eu também. Não dá para acreditar, papai vivia me dizendo para ter um herdeiro. Ele
nunca dizia um filho. Eu sempre tive medo de ter um filho e tratá-lo apenas como um herdeiro como
fui criado durante toda minha vida. Mas agora estou confiante, porque sei que meu filho será criado
como um filho. Com todo amor e carinho que eu puder dar.
— Você vai ser um ótimo pai, Kleber. A Malu te ama, e é justamente pela maneira que você
cuida dela. Isso é ser pai.
— Ela é como se fosse minha filha.
— Minha também. — Sorri para ele.
— Estou ansioso para saber ouvir os batimentos do irmãozinho dela — ele disse segurando
minha mão sobre sua perna.
— Estamos — concordei e quando chegamos à clínica meus batimentos já estavam a mil por
hora.
Fiz como a obstetra pediu, coloquei a roupa e me deitei sobre o leito, enquanto Kleber
passava a língua pelos caninos, ansioso para ouvir pela primeira vez o barulho do coração do nosso
filho.
Minutos depois o aparelho já estava em mim, não doeu quanto eu imaginava, até porque eu
estava totalmente focada em conhecer mais daquela coisinha que estava crescendo em meu ventre.
Estava atenta às imagens que passavam no monitor, a médica detalhava tudo. Era só um
pontinho, mas ao mesmo tempo uma vida que estava se formando.
De repente os batimentos começaram, parecia uma britadeira.
Ouvir o coraçãozinho dele pela primeira vez foi o suficiente para as emoções me tomarem
por inteira. Kleber apertou minha mão, ele também estava super emocionado, mas não demonstrava
em lágrimas como eu.
Através do monitor percebi o gesto estranho e insistente que a médica estava fazendo. Na
hora meu coração apertou. Lembrei de Malu e da doença que ela era portadora e não contive o meu
espanto.
— O que foi doutora? Tem alguma coisa de errado?
Kleber ficou apreensivo enquanto ela continuava manuseando o aparelho.
Ela olhou para nós dois completamente séria.
Mas abriu um grande sorriso em seguida.
— São dois!
— Dois? — Kleber perguntou ainda desacreditado.
— Dois... Quer dizer que são gêmeos... Eu vou ser mãe de dois bebês?
— Sim, você vai. Parabéns, papais!
Kleber e eu nos abraçamos, emocionados. Sem acreditar que aquilo tudo estava
acontecendo.
Depois da tempestade vem o sol.
E ele estava nos irradiando, nos contemplando de coisas boas e muita positividade.
Vinte e sete

Gabi
Resolvi fazer um chá de revelação na área de lazer da cobertura. Seria uma coisa simples,
apenas para nossos amigos mais íntimos.
— Você está uma grávida linda, Gabriela. Tenho certeza de que seus bebês serão tão lindos
quanto você.
— Obrigada, dona Geralda, estou tão feliz por ter vindo.
— Que nada menina, quando tiver alguma festa pode me chamar. Estarei sempre lá, no meu
lugarzinho. — A senhora sorriu exibindo a feição madura, mas alegre. Eu achava lindo a maneira que
ele levava a vida de um jeito sossegado e leve.
— Qualquer dia desses vou passar lá para te fazer uma visita.
— Passa mesmo, só não se esqueça de levar a Maluzinha. É inacreditável o quanto ela está
crescendo, qualquer dia desses já vai ser uma mocinha.
— Eu já sou uma mocinha! — Malu retrucou a senhora enquanto chacoalhava o vestidinho
florido pelas bordas.
— É mesmo! Uma mocinha ativa e muito linda!
— Brigada! — Malu abraçou a senhora pelas pernas depois de dizer.
Me afastei deixando dona Geralda mais à vontade para matar as saudades de Malu. Elas
viveram bons momentos juntas, criaram um laço, um vínculo, por isso fiz questão da sua presença e
também de que ela se mantivesse próxima a nossa família.
Fui de encontro a Eudi, mas logo avistei-a conversando com Jorge. Preferi não interromper
os dois, até porque era uma honra tê-lo ali.
Ele nos ajudou muito. Salvou as nossas vidas.
Infelizmente, enquanto ele fazia isso, sua mulher sofreu um acidente de carro com os seus
dois filhos.
Foi fatal.
Não houve sobreviventes.
Kleber disse que insistiu muito para que ele viesse. Essa era a primeira vez que ele saía
depois de ter perdido a família, dava para notar pela sua feição que ele não estava feliz.
— Você nunca esteve tão linda — Kleber afirmou com a voz grossa, me medindo de cima a
baixo enquanto se aproximava todo lindo vestido num smoking off white.
Meu vestido combinava com o seu traje, era da mesma cor, longo, caindo soltinho pelo meu
corpo. As costas nuas eram marcadas por um cruzamento de tiras. Minha make era leve e eu usava
uma trança única, grossa, caindo abaixo da cintura.
Eu realmente estava me sentindo linda.
Mas naquele momento meu maior sentimento era a ansiedade de saber o sexo dos bebês.
Estava na décima terceira semana, àquela altura Kleber e eu já havíamos feito todas as combinações
de nomes existentes.
— Obrigada, amor. Linda e ansiosa!
— Eu também. — Ele riu.
— E aí casal dez? — Quando reconheci a voz de Eudi ela já estava muito perto, Jorge fazia
companhia para ela. — Vocês estão lindos demais! Ai amiga, será que ainda dá tempo de me matar e
me encarnar aí dentro? — Ela tocou minha barriga sorridente.
Nós rimos.
Porém, Jorge murchou e isso fez com que o clima não fosse mais o mesmo. Kleber se
aproximou do amigo, Eudi e eu resolvemos não ficar no meio daquela conversa e caminhamos para o
outro lado da cobertura, onde juntas podíamos apreciar a linda imagem da praia contrastando com o
mar no fim de tarde.
— Ai Gabi, é tão bom te ver feliz depois de tudo que você passou.
— Nem fala, às vezes parece que estou vivendo um sonho, mas, e você, como está?
— Um pouco perdida ainda. Não tem nada pior do que voltar cheias de expectativas e
encontrar meu ex por quem eu ainda era apaixonada, casado com minha melhor amiga. — Ela fez
aspas quando falou “melhor amiga".
— Talarica! Que vadia! Mas esquece! Isso é passado, agora vão surgir novas
oportunidades... — disse olhando para Jorge de soslaio. Eudi também acompanhou o meu olhar. —
Ele é um partidão! Lindo, corajoso, elegante e ainda por cima é delegado.
— Verdade, mas se você soubesse o quanto ele está triste não diria isso.
— Ele lamentou alguma coisa com você?
— Não. Mas ele foi seco, tipo: só faltou um aviso na testa dele dizendo: nem pense em
flertar comigo!
— Também pudera, só tem dois meses que ele perdeu a família. Imagina a barra? Vai levar
um tempo para ele superar tudo isso...
— Mas amiga, eu tô me sentindo muito mal. Primeiro porque quando o conheci eu não sabia
que ele era casado e tinha filhos. Só me lembro dele me carregando nos braços, me salvando...
Quando eu descobri que ele era casado fiquei péssima, e logo em seguida recebo a notícia de que ele
perdeu a família... Eu juro Gabi, por tudo que é mais sagrado que apesar de ter sentido uma atração
por ele logo de cara, eu não desejei nada disso! Eu jamais pensei que isso pudesse acontecer!
— Calma, garota! Tudo bem. Você não é culpada de nada, na verdade, ninguém é. Dê tempo
para ele e tudo vai se resolver...
— É que eu tô muito afim dele... Tipo, eu não paro de pensar nele desde o dia que ele me
carregou nos braços. Você não viu, mas se tivesse visto veria o quanto aquilo foi especial.
Assenti, sem palavras e um pouco surpresa com o quanto Eudi estava encantada por Jorge.
Ela estava visivelmente apaixonada por ele.
— E tem mais: você sabia que mesmo passando por toda essa barra em nenhum dia ele
deixou de perguntar como eu estava? Ele é perfeito amiga, eu sei que ele não é homem para mim. Eu
não sou boa o suficiente para ele.
Fiquei sem graça quando Kleber se aproximou junto com Jorge e aparentemente ouviu uma
parte da nossa conversa.
Para tirar minha amiga daquele clima constrangedor eu comecei a bater palmas reunindo
todos para o tão aguardado momento da revelação.
Com o pôr do sol emoldurando os fundos, Kleber e eu subimos num pequeno palco claro
como as roupas que vestíamos.
Cléo e Malu jogariam a tinta com a cor indicando seus respectivos sexo.
— Estão prontos? — Cléo perguntou empolgada, toda feliz.
— Vamos! — Malu gritou pronta para jogar o baldinho de tinta em mim. — É 1, 2,3 e já!
De repente Kleber e eu estávamos completamente cobertos de tinta.
Azul e rosa.
Teríamos um casal.
Eudi e dona Geralda começaram a gritar espalhafatosamente. Todos estavam felizes, mas
nenhum deles como a gente.
Kleber e eu nos abraçamos emocionados, Malu veio devagar ao nosso encontro. Ela era
esperta, estava respeitando suas limitações que já estavam com os dias contados.
Marcamos a nova cirurgia dela para antes do nascimento dos bebês. O médico deixou claro,
que dessa vez o procedimento traria uma melhora significativa para ela. Em breve ela poderia viver
livremente, como uma criança normal. É claro que minha irmãzinha nunca deixaria de tomar cuidados
e fazer visitas com frequência ao médico para monitorar seu quadro, mas teria sim uma vida com
mais qualidade e menos restrições.
Eu não podia estar mais feliz.
Eudi e Jorge também vieram ao nosso encontro.
Em nenhum momento ela parou de olhar para ele.
E em nenhum momento ele deixou que ela notasse que ele sabia, justamente pela maneira que
ela o olhava.
— Gabi — estava tão feliz olhando para minha barriga que nem acreditei quando Kleber
ficou de joelhos diante de mim e abriu uma caixinha com um anel —, eu já devia ter feito isso antes,
mas esperei hoje, porque eu queria que todos meus amigos e todas as pessoas que gostam de você
soubessem o quanto te amo e o quanto me faz feliz. Você aceita se casar comigo?
— Meu Deus — eu estava em choque —, assim os bebês irão nascer antes da hora! —
exclamei emocionada, não contendo as lágrimas.
Os convidados gargalharam alto e rapidamente iniciaram um coro:
— ACEITA! ACEITA!
— Mas é claro que eu aceito! — Deixei-o colocar o anel em meu dedo. Antes de ficar de pé,
Kleber deu dois beijos em minha barriga. Um para cada bebê. Depois foi minha vez de receber os
lábios macios, quentes e cheios de amor que eu tanto adorava. — Eu te amo muito!
— Eu também te amo.
E assim ficamos, com os olhares conectados compartilhando a energia gostosa que emergiu
daquele momento.
Eu estava diante do homem da minha vida.
Estaria junto com ele sempre, para o que desse e viesse.
Assim como ele esteve comigo.
Kleber era mais que o amor da minha vida .
Ele era a minha alma gêmea.
Vivendo momentos bons ou ruins eu sabia que independente das circunstâncias e do que
acontecesse nosso destino seria conectado sempre.
Nós éramos uma parte do outro.
Só ficávamos inteiros juntos.
E agora com ele, esperando os filhos dele, estava vivendo o meu melhor momento.
Nos abraçamos e seguimos em frente sabendo que seríamos felizes como nunca fomos.
Fim
Agradecimentos
Pensa num desafio...
Primeiramente gostaria de dizer que estou muito grata por cada leitor que tirou um tempinho
para mergulhar na história pela qual me dediquei de alma coração.
Logo no primeiro livro eu soube que Kleber e Gabriela iriam muito além daquilo que eu
previa.
Já nesse livro eu senti junto com o protagonista o que amor é capaz de fazer. Não só pela
gente, mas por quem a gente ama também.
É a primeira vez que trabalho com uma redenção e um amadurecimento tão lindo de um
personagem.
Foi incrível desenvolver esses dois.
Agora estou ansiosa para continuar contando a história de Eudi e Jorge.
Atraída pelo Delegado será o próximo livro da série Paixões Avassaladoras.
Espero que vocês continuem acompanhando e, muito obrigada por terem lido Salva pelo
CEO, se não for muito incômodo deixe uma avaliação para a autora ficar feliz.
Bjs e se cuidem nessa pandemia.
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