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Ellie, filha do poderoso industriário farmacêutico Desmond Kane, cresceu sem

poder ter suas próprias decisões; seu futuro já estava traçado pelo pai machista
e arrogante, que casa a filha para manter a imagem da empresa intacta,
principalmente quando adoece e alguns escândalos da família vêm à tona.
De uma beleza agressiva e sotaque sedutor, Trevor Willians, o belo CEO com
quem Ellie assina o contrato de matrimônio, parece guardar seu passado a sete
chaves. Em busca de retaliação contra o homem que arruinou sua vida, Trevor só
não podia imaginar que, incapaz de negar a atração devastadora que sente pela
beleza inocente da jovem esposa, teria que lutar contra sentimentos que há
muito tempo não julgava mais possuir.
No amor, na vingança, na dor... ninguém é o que parece.
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Prólogo

Ellie, maio de 2004

— Para a marina, senhorita Ellie?


— Sim, Andrew, obrigada... — ajeito os ios de meu coque com
vontade de tirar os saltos assim que entro no carro, meus dedos
formigando dentro dos sapatos, meus pés latejam e imploram por tênis ou
sapatilhas, mas minha mãe me mataria se eu não estivesse devidamente
adequada na festa das Empresas Kane.

Andrew dá a partida no carro e eu me recosto ao banco,


esperando que o movimento do automóvel dite uma nova cadência ao meu
coração. Seco uma lágrima em meus cílios com a ponta de meu dedo,
sabendo que outra vez eles ganharam e não importaria eu ter vinte e um
anos e quisesse ter minhas escolhas, eu sempre faria o que eles mandavam.

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Meu pai estava certo, eu era uma Kane e meu destino estava
traçado.
Eu era uma covarde.
— Precisa passar em algum lugar antes, senhorita?

— Não, sem paradas. Meu destino me espera. — resmungo,


tirando minha echarpe e pensando na quantidade de maquiagem que uso,
fazendo meus olhos icarem pesados, aquele vestido feio e sem cores,
terrivelmente preto, mas de um estilista aclamado por minha mãe.

— Sim, senhorita.

— Não precisa me chamar de “senhorita”, Andrew. Já falamos


sobre isso... — rebato, quase sem voz, e ele me olha pelo retrovisor.

Alcanço seus olhos azuis e o ito pelos próximos segundos


enquanto o jovem motorista segue a rodovia silenciosa, marcando o início
da noite. Ele deveria regular com minha idade e seu tipo ísico muito me
agradava, mesmo que eu tentasse não o encarar todas as vezes que ele me
guiava pelos últimos seis meses.
Eu mal sabia o que era namorar ou estar apaixonada por alguém.
Não desde que Patrick tinha terminado há menos de um ano. O a ilhado de
meu pai era tudo, menos inteligente. Era bonito, rico, sedutor e mais um
combo completo para deixar qualquer menina de quatro. E eu sabia que
ele tinha me namorado apenas por ser a ilha de Desmond e Sophia Kane.

Se ele não era inteligente, eu era.


Meu pai havia icado animado com o namoro, inalmente eu tinha
desencalhado, como minha mãe dizia em alto e bom som, sem medo que
eu ouvisse suas palavras duras. Eles estavam cansados de me ver em meu
quarto, em cima de meus estudos, reclusa em casa, e não entendiam o que
me motivava a querer fazer faculdade de enfermagem, já que eu poderia

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ter me casado com Patrick, como indagava meu pai, ou podia me


preocupar com a beleza, como sugeria minha mãe.
Os dois já estavam pensando em meu noivado quando Patrick
terminou comigo, enjoado da chata da Ellie Kane. Sim, essas foram suas
palavras: enjoei de você, Ellie Kane, você é chata pra caralho.

E é claro que, assim como Patrick, meus pais me culparam pelo


im do namoro, eu não me arrumava o su iciente, não valorizava minha
beleza, dizia minha mãe, sim, eu era chata, dizia meu pai, o cara não me
aguentou mesmo que eu fosse bilionária o su iciente para um matrimônio
valioso entre as duas famílias.
E eu não podia ter nascido em família mais errada.

Meu coração se aperta com o pensamento e eu me recrimino por


me permitir ter raiva de meu pai quando ele estava tão mal, lutando contra
um problema sério do coração, ou sequer de minha mãe que parecia um
passarinho enjaulado numa gaiola de ouro.

Eu não era essa pessoa, eles são seus pais, Ellie, seus pais.

Outra vez o rancor arde minha garganta... como se meu pai tivesse
sido, um dia sequer em toda sua estúpida vida, um pai preocupado e
protetor ou minha mãe olhasse para alguém que não fosse seu próprio
re lexo no espelho...

Cruzo meus braços e olho pela janela, tentando dissipar o


pensamento outra vez, tentando me manter o mais longe possível de casa...
Se é que eu poderia chamar de lar aquele mausoléu. Meu Deus, Ellie, que
horror! O que está havendo com você...? Pego meu celular e procuro o
contato de Lennox, talvez eu devesse ligar para ele, eu poderia estar
surtando e... não, não... só preciso... respirar...

— Chegamos.

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Olho para o lado e não consigo evitar o suspiro que me sai por
entre os lábios. Eu estava tão absurdamente cansada que preferiria icar
naquele carro durante as próximas horas do que andar os poucos metros
até o iate onde a festa da empresa estava acontecendo há algumas horas.

E eu ainda sabia que seria recriminada pelo meu atraso.

Andrew abre a porta para mim e eu deslizo, sentindo a renda de


minha calcinha friccionar no banco através do delicado vestido. Ele pega
minha mão e eu levanto meu rosto para o seu, sério e pro issional,
emoldurado pelo quepe preto, enquanto me ponho de pé à sua frente.

Ele era um pedaço de mau caminho, ironicamente, já que era meu


motorista.

Desvio os olhos, ainda sem acreditar no luxo de meus


pensamentos, talvez se eu só desse meia-volta, ligasse meu computador e
contactasse Lennox, enchendo seu ouvido com minhas lamúrias outra vez,
a pobre menina rica que não é amada.

— Obrigada. — agradeço, ajuizando meu bom-senso, e


acompanho os leves ios de meu cabelo encostando-se a sua bochecha, a
brisa fraca vindo do mar. A ilha perfeita dos Kane. Era o que eu era e era o
que todos achavam que eu devia ser. Perfeita. Certamente aquele motorista
me olhava agora como todos os outros homens me olhavam, uma bela
vantagem.

A única herdeira da fortuna dos Kane.


O vento aperta e eu me viro, tentando segurar meus cabelos, e
então vejo um homem perto de um iate metros à frente. De longe passaria
despercebido, não fosse a ausência de qualquer outra pessoa naquele lado
do píer àquela hora, mas é praticamente impossível ingir não perceber
sua presença quando ica cada vez mais próximo.

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Olho para o iate de meu pai, as luzes acesas à sua volta, a música
clássica baixa e elegante, algumas vozes e tilintares de taças de
champanhes, a pequena ponte ligando o píer à festa lutuante e desvio
meus olhos para Andrew, que aguarda com a mão ainda repousada na
porta.

Noto que o homem vem em minha direção e puxo minha bolsa até
os ombros, içando-a em um movimento instintivo, mas assim que vejo suas
belas roupas não tenho dúvidas que dinheiro ou status não são coisas que
faltam àquele homem.

Acredito que seja algum dos convidados de meu pai, não parece
que preciso temê-lo, ainda que eu sinta um arrepio estranho em minha
coluna.
— Boa noite, Ellie Kane. — ele me cumprimenta e eu miro seus
olhos, tão noturnos como o céu, sem entender como sabe quem sou. —
Não me parece uma boa noite para uma festa no iate. Parece que vem
tempestade. — ele tem um sotaque diferente, forte, poderoso, que me leva
a prestar atenção em seus lábios, mesmo que eles por si só já pudessem
fazer isso sem esforço algum.

Meus olhos vão dos seus para sua boca e então reconheço-o das
Empresas Kane, o jovem prodígio que meu pai tanto elogiava em seus
jantares conosco. O que ele fazia longe da ostensiva celebração dos Kane?

— Combina com a festa. — seguro o vestido, que também balança


com o vento litorâneo.

— Desculpe, não entendi. — o homem levanta uma sobrancelha e


eu aproveito aquele instante para apreciar o restante do corpo, tão belo
quanto seu rosto. — “Combina com a festa”?
— Tempestade e os Kane. — respondo para ele e seus olhos se
tornam curiosos. — Quase um sinônimo.

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O homem sorri com minha resposta e é estranha a sensação que


toma todo meu corpo, como o segundo antes de pularmos de um
precipício. Ele recua um passo e desvia para a pequena ponte levadiça, sem
se despedir ou falar mais nada, a caminho da festa.
Olho o céu e não há uma estrela naquele manto negro, o mar
balança o iate e, por mais que eu estivesse convicta há um segundo..., sei
que não sou o tipo de garota que enfrenta tempestades. Rumo para o
mesmo lugar que ele, pisando os saltos inos e delicados de meu scarpin na
ponte de madeira para logo em seguida tocarem o chão do iate.

No momento em que entro na festa, alguém segura meu braço


com força e eu engulo o ardor das unhas incando minha pele quando
confronto os olhos de minha mãe nos meus:

— Por que atrasou tanto, Ellie? — ela sibila e tudo que vejo são
seus lábios num tom carmim se curvarem em desgosto enquanto me
analisa de cima a baixo. Escuto meu pai falando ao microfone, mas mal
tenho tempo de me virar para vê-lo em algum palco improvisado. — Por
que está com o cabelo preso? — seus dedos gelados vão até à franja presa
e ela solta alguns ios, tentando tapar minha testa. — Eu já te disse que
assim você não se valoriza. E a... marca... ica à mostra, Ellie, querida...

Reteso um suspiro, sorrindo sem forças para um convidado que


nos olha furtivamente antes de voltar a mirar meu pai em seu discurso. Ela
não me solta assim que termina de me ajeitar, me puxa disfarçadamente
entre todos, me levando até perto do púlpito de Desmond e eu reparo que
todos erguem suas taças, brindando à sei lá o quê.
Minha mãe sorri de maneira elegante, pegando a champanhe que
o garçom traz até ela e, por alguns segundos, me distraio vendo o
convidado misterioso do píer ao lado de meu pai. Desmond dá umas leves
batidinhas nas costas do homem e noto que procura minha mãe entre

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todos antes de voltar ao microfone com aquele sorriso que lança para ela
sempre que con idenciam segredos.
Eu nunca gostei do que normalmente precediam aqueles sorrisos.
Meu pai olha pra mim por um breve instante, mas seu rosto é
indecifrável e noto que ele parece mais velho do que sua idade, as rugas e a
pele muito branca e doente, que tenta disfarçar com alguma base, tão
arti icial quanto o sorriso que agora lança para mim:
— Agora que minha bela ilha chegou e minha amada família está
completa, inalmente posso anunciar o propósito de nossa festa.

Ele pausa, dando o suspense que lhe é característico nos


discursos, mas tampouco presto atenção em meu pai, o homem ao seu lado
é dono de meus olhos, só consigo ver a beleza que se destaca pela
iluminação do iate, ainda que fosse evidenciada mesmo na penumbra. Seus
cabelos são ondulados e a pele morena contrasta com o belo sorriso de
dentes brancos que, obviamente, anseiam o que meu pai vai falar,
provavelmente alguma promoção nas empresas Kane.

— Todos sabem o meu apreço por Trevor Willians. — meu pai


continua e eu não tenho como não sorrir ao descobrir seu nome, combina
com tudo que admiro. — E não é por menos que eu e minha esposa
estamos radiantes em anunciar seu noivado com nossa ilha.

Os aplausos iniciam quase que instantaneamente, as luzes


coloridas se misturam à minha visão turva e parecem faróis em meus olhos
e, de um jeito insano, é como se eu estivesse em uma estrada prestes a ser
atropelada e eu quero o impacto.
Eu desejo o impacto.
Meus olhos se voltam para o palco e meu pai abraça o homem
que... — meu Deus, eu escutei aquilo mesmo? — que... anunciou ser meu
noivo, e eu simplesmente não entendo o que está acontecendo, tão

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perplexa e morti icada quanto qualquer um icaria no meu lugar, mas na


mesma medida todos simplesmente me parabenizam, sorrindo e
brindando ao meu noivado, nada mais faço a não ser controlar minha
respiração.
Por mais que eu tivesse medo de tempestades, estava prestes a
entrar no olho do furacão.

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01

Uma semana depois

Olho meu marido... ele está de terno e parece mais belo do que
nunca.
É a única coisa que sei sobre ele.
Eu me sento à mesa redonda e enfeitada por rosas e observo o
salão de festas do castelo: eu não esperava menos do que aquilo, cada
centímetro daquele local ostentava a riqueza e o poder ao qual os Kane
estavam acostumados. Meus pais queriam, acima de tudo, mostrar poder, e
isso estava estampado inclusive no modo que eles se vestiam, andavam e
se portavam aos convidados e mídia presentes.
Mal podia acreditar que há uma semana eu nem sabia direito da
existência de Trevor Willians e agora eu era uma Kane-Willians. Eu nem

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sequer tive opção, estava tudo arranjado, tudo pronto, um casamento por
contrato.
Eu não tive opção, repito para mim mesma ao me lembrar das
palavras de meu pai logo após anunciarem meu noivado, quando
praticamente saí correndo para o convés do iate, buscando ar: Não me faça
passar vergonha e volte agora lá pra dentro. Eu tiro tudo seu. Tudo, sua
faculdadezinha de merda, sua casa, herança, qualquer coisa que um dia
sonhou, eu destruo. Você sabe, Ellie. Minha in luência não é só com
produtos farmacêuticos, ilha. Eu a-ca-bo com seu futuro num piscar de
olhos!
Olho minha mãe e bebo um gole de champanhe, que escorre pelos
meus lábios. Ela estava tão branca que sua pele quase parecia uma
continuidade de seu insinuante vestido nude cheio de pontos brilhantes, o
que a deixava mais deslumbrante ainda, como uma joia exclusiva de sua
própria coleção.

Ela parecia a noiva daquele casamento, o sorriso crivado em seus


lábios desenhados, tão bela e perfeita como uma debutante, os passos
elegantes e a silhueta des ilando pelo tapete vermelho, ingindo não estar
afetada com os cliques constantes sobre ela.

Como a estrela do dia.


Tenho vontade de chorar, sem acreditar em como ela pôde ter
sido capaz daquilo, de concordar com meu pai... Nós nunca fomos muito
próximas, nossas diferenças realmente nos distanciavam e eram gritantes,
mas ela me obrigar àquilo...? Estava claro que se amava muito mais que a
mim!

Ela sorri tanto, mas tanto, que tenho certeza que não é natural.
Eu conheço minha mãe e sei como são seus sorrisos quando evoca
a modelo que era antes de casar com meu pai. Sei quando ela posa para

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uma câmera ou interpreta a esposa perfeita e sei quando ela sorri


genuinamente.
Principalmente porque os sorrisos genuínos eram raros.
De qualquer modo, eu tento absorver toda a aura festiva para me
sentir pelo menos um pouco melhor, mas quanto mais eu desejo estar
melhor, mais parece que a possibilidade escorre entre meus dedos.
Eu estava com medo.

Como não estaria? Estava me casando com um desconhecido e


tudo que ouvi falar dele era que Trevor era a joia preciosa de meu pai, um
jovem promissor e milionário que só agregou à empresa nos últimos seis
anos. Foi tudo que consegui quando pesquisei sobre ele na última semana...
tudo!
Nosso casamento selaria a segurança do patrimônio de meu pai,
que decaia vertiginosamente nos últimos meses. Desmond nunca precisou
me falar isso com palavras; apesar de os dois apenas se importarem com
aparência, eu ainda tinha conteúdo.

Eu lia, eu pesquisava, eu sempre queria saber mais.


As Empresas Kane, fundada por meu avô há quase setenta anos,
não lucrava mais bilhões de dólares por ano. Os grá icos caiam
exponencialmente e eu sabia que a doença de meu pai foi de initiva para
seu descrédito, ele gerenciava com mãos de ferro e acumulava fortunas
anos após anos com a fabricação dos remédios, cada vez em mais larga
escala, abrangendo desde analgésicos de rotina à remédios que custavam
preços de carros e até casas.

Meu pai estava doente, mas isso não o impedia de me usar como
marionete, atrelando tantos pormenores ao meu testamento que icou
claro nessa última semana que, se eu não fosse a senhora Willians, não
haveria um único hospital nesse país que contratasse a futura enfermeira

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que almejo ser. Desmond Kane nunca admitia sua derrota diante do seu
quadro de saúde e tampouco me via como possível herdeira de seu bem
mais valioso, não para gerenciar pelo menos.
Não que eu quisesse gerenciar...
Bebo outro gole de champanhe e meus olhos se direcionam para
Trevor, que sorri conversando com minha mãe, entretido com ela enquanto
os fotógrafos miram a beleza latente dos dois, registrando aquele momento
para sempre.
Trevor se vira para o salão, mirando todos distraidamente, mas
quando me vê, o sorriso para no meio do rosto, tornando-se arti icial.

Como toda aquela festa. Como nosso casamento.


Minha mãe busca para onde ele olha e eu percebo que se torna,
por instantes, tensa. Seu braço envolve a cintura de Trevor e ela o guia para
o outro lado do salão, exatamente o lado contrário ao que eu me encontro,
enquanto sorri exageradamente para meu marido.

Seguro com força um pedaço do tecido de meu vestido, tentando


dissipar a raiva, e encaro meu corpo, vendo as camadas brancas da saia de
seda e renda, então me sinto zonza outra vez assim que meus olhos
alcançam a aliança em meu dedo anelar esquerdo.

É di ícil respirar, é quase impossível.

O salão parece rodopiar e não são apenas os convidados


presentes dançando, sou eu, minhas mãos icam geladas, sinto o suor
escorrer por minha nuca, a tiara em meus cabelos pesa, minhas pernas se
tornam dormentes, no entanto, antes que eu caia, mãos fortes me seguram
e eu levanto meus olhos a tempo de ver Trevor me segurando irmemente.

— Precisa de ar fresco? — ele pergunta e eu não me lembrava da


tonalidade grave de sua voz, ainda que recordasse da sensualidade de seu

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sotaque latino. Faço que sim com a cabeça e ele me guia até a pequena
sacada ao nosso lado.
Seus dedos estão entrelaçados em minha cintura e é nítido que
ele percebe que vou desfalecer caso me solte. Apoio minhas mãos à mureta
de mármore e olho o belo jardim que orneia o castelo sob a luz do luar
enquanto sorvo todo o ar que posso, segurando-o em minha boca antes de
inspirá-lo por completo.

Inspiro e expiro mais uma vez.


— Por que aceitou isso? Você nem me conhece! — exclamo com
toda força que tenho e sei que, se não fosse a música da orquestra a poucos
metros, até os convidados teriam me escutado.

Trevor se demora, me olhando por vários segundos, então seu


sorriso se expande, puxando-me para si:

— Pelo visto já se sente mejor. — ele avança com o nariz até o


meu pescoço e eu me encolho ao notar que inala o aroma de meu perfume
antes de buscar meus olhos logo em seguida. — Está se casando com um
homem guapo e rico. É mais do que merece. Não reclamaria de meu
destino se fosse você, preciosa.

Antes que eu possa respondê-lo, a orquestra para de tocar e uma


voz feminina e conhecida ecoa pelo ambiente, agradecendo a presença de
todos. Trevor pega em meu punho e me leva de volta à mesa, sentando-se
ao meu lado, olhando hipnotizado para minha mãe, que começa um
discurso sobre o quanto se sente realizada naquela noite, sua ilha amada
estava se casando com um belo homem e teria sempre a vida de uma
princesa de contos de fadas.
Sorrio ácida ao ouvir seu brinde frívolo e volto meu olhar na
direção de Trevor, sentado ao meu lado. Seu semblante seguro não me
passa muita coisa, não consigo entender o que disse para mim há segundos

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ou sequer o que pensa sobre todo aquele circo bizarro em que nos
encontramos.

Ele não poderia estar feliz casando com uma mulher que nem ao
menos conhece, e sei que nada mais sou do que um negócio rotineiro de
um CEO inescrupuloso. Sim, inescrupuloso, até negócios tinham limites,
mas a aliança em meu dedo só me provava que para aquele homem não.

Para meu marido não.


Todos brindam e sou surpreendida por um beijo rápido e sem
forças de Trevor, que me puxa entre seus braços ao depositar seus lábios
nos meus. Não sinto nada, nem ojeriza por aquele ato, é como se minha
alma tivesse abandonado meu corpo enquanto olho em seus olhos cruéis.

Sim, minha alma não só havia abandonada meu corpo.

Ela tinha sido vendida por meu pai para o diabo.

Tomo champanhe, drinks e uísque, não me importo de misturar e


entorno um copo atrás do outro, sorrindo sarcástica para minha mãe toda
vez que ela tentava me recriminar apenas com o olhar.

Eu não era mais propriedade de Sophia Kane, estava me casando,


não estava? Olho para meu marido conversando com outros homens de
terno que igualmente desconheço e agora sou propriedade dele, constato,
deixando que o álcool da bebida âmbar arda minha garganta quando a
tomo num gole só.

Apenas as mãos que controlavam a marionete Ellie tinham sido


trocadas, eu continuava sendo guiada por linhas que eu nunca seguraria,
que eu nunca arrebentaria.

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Bebo outro gole sem me preocupar se daria vexame na festa de


meu casamento ou não, e começo a dançar, me sentindo
momentaneamente tonta. Uau, o efeito da mistura de bebidas era mais
rápido do que eu poderia imaginar... Gosto da sensação, ou da falta dela, ou
do excesso dela, não saberia dizer... Parece que tudo se mistura... o som... as
cores... as luzes... os toques de minhas mãos em minha própria pele... meus
passos no piso liso... meu vestido em meu corpo... o gosto da bebida... o
cheiro do perfume das pessoas dançando ao meu lado...
Era uma explosão de sentidos e, ao mesmo tempo, toda uma
negação dela, como um buraco negro em meu peito.

Gostoso e assustador na mesma medida.


A música me envolve e eu puxo meu vestido para o alto,
suspendendo-o acima de meus tornozelos. A renda costurada à mão pinica
meus dedos, mas aquilo não me detém, quero me livrar de tudo que me
cerceia, mesmo que seja um ín imo tecido, no entanto mãos cálidas
envolvem meu corpo quando tento arrancar meu vestido de noiva.
Sensações diferentes se misturam às que já sinto: o frio que eriça minhas
pernas expostas e o calor de um agasalho que me envolve.

Eu me debato ao peito que tenta me abraçar e olho para os lados,


começando a me sentir apavorada, observando o salão quase em silêncio
me espreitando, o sufocamento di icultando o ar em meus pulmões. Mãos
me puxam novamente para um corpo másculo e eu levanto o rosto, me
deparando com olhos pretos, como diamantes negros.
Os braços de Trevor me envolvem, até que ele me puxa para cima,
meus pés levitando e então entendo que ele me carrega. Não luto contra,
minhas forças se esgotam antes mesmo que eu suspire em seu colo. Baixo
minha cabeça em seus ombros e afundo meu rosto em sua camisa,
inalando um cheiro estranho, uma mistura almiscarada de ervas e lores...
Amargo e doce.

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No segundo seguinte, não sinto mais nada.


E tudo escurece.

Acordo e a ânsia de vômito me guia quase que instintivamente


pelo quarto, minhas mãos tateando as paredes à procura do banheiro, o
cômodo está todo escuro e meu pé toca o piso frio quando abro a porta e
vislumbro o vaso sanitário. Não há um segundo no tempo que separa meus
joelhos do chão quando me jogo, agarrando a louça, e deixo que todo o
amargo saia de minha boca.

Eu ico algum tempo paralisada, me certi icando de não haver


mais nada dentro de mim antes de me levantar e entender onde estou.
Acendo a luz, abro a torneira e jogo um pouco de água fria em meu rosto,
escovando meus dentes com os dedos e uma pasta dental que encontro
sobre a pia, notando meu re lexo no espelho, o penteado se desfazendo nos
ios embaraçados e grudados com laquê.
Minha mente vai para o show que dei em meio ao casamento, a
tentativa de striptease, e então me lembro dele me puxando, seus braços
me envolvendo, a proteção de seu colo. Proteção... engulo em seco,
sorrindo acidamente, me abraçando, não, não estou completamente nua,
uso uma camisa masculina de botão... cravo minhas unhas em minha pele,
os nós dos dedos icam avermelhados com a força que ponho naquele
gesto ao juntar toda coragem atravessando o quarto.

E lá está ele, iluminado pela pouca luz que atravessa o banheiro


até a cama em que acordei.

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Seus braços estão caídos sobre seu peito nu, o lençol branco
despencando de seu corpo para o chão, o rosto virado de lado no
travesseiro, olhos muito bem fechados, o ressonar constante.
Seria possível que não tivesse acordado com todo o barulho que
iz?

Olho à minha volta procurando alguma roupa para vestir, e ando


pé-ante-pé até uma poltrona solitária perto da janela, mas não encontro
nada ali, apenas uma almofada solitária ao lado das peças do smoking que
Trevor usou na noite anterior. Estico meu pescoço até a janela e olho o
prédio de vidro do outro lado da calçada re letindo o letreiro, estou no
Four Seasons.
— Está se sentindo bem?

Eu me viro, sobressaltada, as mãos imediatamente tapando meu


corpo e encontro Trevor sentado à cama, os cabelos revoltos e o ar
sonolento, me olhando. Eu me encolho, dando um passo para trás assim
que ele se levanta. Não quero, mas meus olhos percorrem seu corpo
apenas de cueca e eu engulo o nó em meu estômago com a bela visão que
tenho, mesmo que não consiga ver detalhes ainda na penumbra.
Ele estica um lençol para mim e eu praticamente avanço até o
tecido, sentindo a seda me cobrir quando me envolvo quase que
completamente nela:

— Como me despiu?
— Está se sentindo mejor? — ele retorna a perguntar e a luz
âmbar do prédio à frente o ilumina mais cada vez que ele se aproxima de
mim. Seu sotaque é absurdamente sexy, eu agradeço ter estudado espanhol
o su iciente para compreendê-lo... e eu mordo meus lábios, sem acreditar
que estou pensando nisso em uma situação dessas.

Dou outro passo para trás:

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— Sim. — minha voz sai tremida e eu não gosto que meu medo
seja tão perceptível, quase palpável. — Por que me trouxe aqui? Ainda
estamos em Nova Iorque?

— Você desmaiou e estamos em nossa lua de mel. — ele para de


andar, deixando alguns centímetros entre nós, e eu sinto novamente o
cheiro almiscarado, me lembrando de seus braços. De meu corpo em seus
braços.
— Meus pais não falaram sobre uma lua de mel.
— Acho que isso está implícito num casamento, não está? Alguma
pergunta mais?

Todas, respondo em meus pensamentos.


— Não.

Ele avança mais um passo e agora posso ver uma pequena cicatriz
no canto esquerdo de seu rosto, quase imperceptível, assim como uma
pinta perto de seu nariz. De modo algum aquele par de detalhes o enfeia,
pelo contrário, parece mais um tipo de magnetismo para seu rosto tão
incógnito.
— Quer água ou algum remédio para enjoo?

— Não. — reforço.

Sua mão pousa em meu braço e eu seguro mais irme o lençol


entre meus dedos. Trevor respira lentamente perto de meus cabelos e eu
vislumbro os ios dançarem com o mínimo de ar que ele solta de seus
lábios entreabertos.

— Por que não descansa um pouco? — me sinto intimidada por


sua aproximação.
— Como posso descansar? Fechar os olhos ao lado de um homem
que não conheço? — as palavras saem lentamente de minha boca, o receio

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de como ele vai receber cada uma delas, eu não o conhecia, estávamos
sozinhos em um quarto de hotel.
Trevor levanta uma sobrancelha, concentrado em meu rosto, e eu
percebo que ele não baixa os olhos, mesmo que pareça tentado.

— Sou seu marido. — retorna e eu presto atenção em sua boca. —


E isso deve bastar. — ele se afasta, dando um passo para trás, me dando
espaço, e eu volto a respirar. — Pra falar a verdade, o certo é que minha
esposa se deite na mesma cama que eu. — outros passos para trás e ele se
senta novamente na cama. — E queira me agradar na noite de núpcias.
— Não vou transar com você! — reforço, percebendo que não me
movi desde que ele acordou. E ainda estava nua sob a camisa dele e agora o
lençol.
— Te garanto que se você apenas icar quietinha na cama já me
agrada, preciosa. — responde, sorrindo de maneira irônica. — Pode
dormir, se quiser. Desde que não me incomode ou faça mais perguntas.
Preciso dormir, amanhã temos muitos compromissos. — ele se ajeita na
beirada da cama e me olha de baixo para cima, as pestanas quase tapando
toda sua íris.
Respiro fundo ante a sua revelação e tudo que consigo ver é seu
rosto e seu peito nu banhados pela luz do banheiro, que irradia toda sua
silhueta. Meus dedos seguram com mais força ainda a seda entre minhas
unhas e entendo que por pouco não rasgo o tecido.

— Mas se quiser honrar seus compromissos de esposa, não me


oporei, costumo dormir melhor depois de foder. — sua voz sai mais rouca
que o habitual, sensual até, e meus dedos param nos botões, em dúvida. O
que estava acontecendo comigo? Eu realmente estava pensando na
possibilidade de...? — Não vou te obrigar a nada, faça o que quiser. —
emenda e eu desvio meu rosto do seu, mirando um quadro em cima da
cama, revidando sua fala de modo amargo:

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— O fato de eu estar aqui ou sequer casada com você já me diz


que sou obrigada a muito mais do que gostaria.
— Você está salvando o patrimônio de sus padres. E vou te dar
todas as mordomias que você tinha. Vai continuar sendo a princesinha dos
Kane. — diz secamente, contradizendo suas próprias palavras. Se a
intenção era me deixar segura, o efeito é o contrário, o tom de sua voz
refuta o conforto de sua fala. — Todos saem ganhando com nosso
casamento, Ellie.

— Não vejo o que você ganha, já que está dizendo que meus pais
beiram à falência e precisou casar comigo para salvá-los.
Trevor olha para mim, curioso:

— Vocês estão longe de irem à falência, Ellie, não sua geração ou


de seus ilhos pelo menos. Seu patrimônio é maior que o PIB de vários
países juntos. O que estamos fazendo aqui é salvando a reputación de sua
família. Seja lá de onde tirou suas conclusões, acho que é mais cega do que
eu imaginava. Não deve ganhar joias o su iciente, imagino, e acha que está
pobre... coitada da pobre chica bilionária.
Eu pisco incansavelmente enquanto o miro de volta e a
intensidade do retorno de seu olhar é desconcertante. Trevor está sentado
com as pernas meio abertas, o cabelo bagunçado e, novamente, ito todo
aquele abdômen nu para mim.

Desvio meus olhos de seu corpo e revido seu discurso:


— Pura hipocrisia vindo do homem que casa por negócios
obviamente para aumentar sua fortuna.

— Bem, então por que não misturamos o negócio ao prazer e


tornamos a experiência um pouco mais agradável para ambos? — em um
movimento rápido, Trevor alcança minha cintura com uma mão e me puxa
para entre suas pernas.

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Suas mãos descem meu lençol e eu acompanho o tecido roçar


minha pele lentamente, até chegar ao chão, aos meus pés. Ele sobe seus
dedos pela barra da camisa que uso e tapa apenas até o encontro de
minhas coxas, alisando minha pele, seus olhos focados nos meus, meu
corpo nu a um suspiro de distância de sua boca quando suas palavras,
vibrando de desejo, saem de seus lábios e arrepiam minha pele:
— Vou te foder até você implorar por ar, Ellie Kane.

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02

Eu o empurro antes que alcance meus lábios, espalmando a mão


pronta para estapeá-lo, mas Trevor segura meu punho e me puxa com
força, me girando e me jogando na cama, minha cabeça quica no
travesseiro no mesmo instante em que ele se põe entre minhas pernas, seu
rosto pairando sobre o meu:

— Eu gosto de uns tapas, Ellie. Mas normalmente sou eu quem


dou. — ele sorri, sarcástico, e sinto seu corpo rijo e pesado sobre o meu. —
E costuma ser algo consensual, sem surpresas, preciosa. E enquanto eu
estiver te comendo.

— Sai de cima de mim... — grunho, tentando empurrá-lo com as


pernas.
Num impulso único, ele se levanta e pega uma toalha enquanto eu
sugo o ar à minha volta, completamente atônita com tudo que aconteceu
nos últimos minutos. Trevor se direciona para o banheiro sem me olhar ou

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falar qualquer coisa, as lágrimas escapolem de meus olhos e pingam


torrencialmente no travesseiro, mas não emito som algum, olhando para o
teto.
Escuto o som do chuveiro sendo ligado e continuo paralisada,
apenas concentrada no entra e sai do ar em meus pulmões, deixando que
as lágrimas escorram por minhas têmporas e deslizem por meus cabelos.
Por que eu tinha aceitado aquilo...?

Por quê?
O que valeria meu sacri ício...?

Minha família...?

O vapor quente da ducha entra pelo quarto, acompanhado da luz


amarelada do banheiro, e eu inspiro fundo, fungando um pouco ao voltar a
mexer meus braços tensos e doloridos. Apoio meus pés descalços no
tapete ao lado da cama e a fragrância do sabonete me alcança, estico meus
olhos em direção ao banheiro, concluindo que Trevor nem sequer encostou
a porta, ela está escancarada.

Olho à minha volta analisando a possibilidade de fugir; não teria


sido a primeira vez que aquela ideia teria passado em minha mente desde
o anúncio de meu noivado há apenas uma semana e meu casamento; sumir
era uma ideia tão recorrente quanto respirar.

Contudo, os cartões bloqueados e a segurança que parecia


reforçada nos portões da mansão dos Kane me mostravam que a gaiola de
ouro que um dia foi meu lar era tão segura quanto as algemas invisíveis
que eu usava nesse momento ao olhar para a aliança em meu dedo anelar.

Fugir para onde? Com que dinheiro? Com a ajuda de quem?


Meu pai me encontraria num instante e a quem estou querendo
enganar? Se fosse para eu ter sido corajosa, deveria ter sido antes de dizer
“sim” para Trevor. Como ele mesmo havia dito, aquilo eram negócios de

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família — eu deveria tratá-lo como tal, me sentar cordialmente com aquele


homem e acertar alguns termos durante o que deveria ser nosso
casamento.
Apenas negócios.
Eu me levanto e, com passos leves, me direciono para a cômoda,
tentando encontrar qualquer pertence, meu ou dele, qualquer coisa que
me diga quem é meu marido ou apenas que me diga que continuo sendo
Ellie Kane... um par de brincos meus, meu celular, o broche de minha avó,
qualquer coisa que tenha minha identidade... que eu não seja apenas a
esposa vendida como subsídio para os lucros de minha família.
Contudo, nada encontro.

Por um maldito instante, meus olhos me traem e eu viro meu


rosto em direção à luz do banheiro, como um cervo hipnotizado por faróis
antes da colisão: lá está ele, sob o vidro embaçado do box, o calor úmido do
banho fervente que esquenta meu sangue ao contemplá-lo nu, ainda que
eu não veja detalhes de seu corpo.

Ainda assim o que vislumbro é poderoso.

Noto que ele deixa uma parte da porta de vidro aberta e dou um
passo cauteloso que me possibilita admirar o que revela. Não sei se é
intencional, mas sei que não posso negar que continuo assombrada com
sua beleza, desde a primeira vez que o vi, sempre envolto naquele misto de
luz e sombras, luz e... trevas.

Trevor lava seus cabelos com o rosto voltado para a ducha, quase
de per il para mim, os pingos escorrem por seu pescoço, ombros, costas,
costela e acompanho o caminho que a água faz como corredeiras em seus
músculos, deslizando pela pele bronzeada de sua bunda e coxas,
misturando-se à espuma do chão, o vapor sobe com uma calma insinuante,
tornando aquele segundo tão efêmero quanto meus sentimentos ao

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confrontar sua beleza quase agressiva ao se virar e ser surpreendido


comigo o observando.
Trevor espreme seus olhos e me encara, tão seguro e intenso que
sinto meus pés estancarem no mesmo lugar. Seus cachos se desfazem com
a força d’água e emolduram seu rosto sério e sedutor, ainda que não fale ou
não faça nada, apenas me ite sem piscar. Recuo um passo e me lanço para
o lado, o coração batendo acelerado ao compreender que, mesmo por um
segundo, não resisto e desço meus olhos, contemplando seu pau muito
duro ao acompanhar suas mãos descendo por sua barriga e o acariciando.

Volto os passos que dei e pego com força a maçaneta da porta do


banheiro, batendo-a entre nós dois.

— Vista-se.
Abro os olhos sem entender onde estou e demoro alguns
segundos, focando o rosto de Trevor a poucos metros pelo re lexo do
espelho do quarto. Não sei em que ponto consegui dormir, mas já
amanhecia e a luz fraca e branca de um dia nublado e fresco atravessava a
cortina de voil, fazendo-a balançar levemente.
— Temos que sair em quinze minutos. — ele avisa, apertando o
nó de sua gravata enquanto me olha pelo mesmo re lexo que o miro.

— Onde vamos? — pergunto e minha voz sai rouca, baixa e sem


forças. Ele não se dá ao trabalho de me responder, vestindo um casaco de
couro sobre a camisa asseada. Limpo minha garganta, não, ele não vai mais
me intimidar, não serei o cervo acuado... ao menos, não serei um cervo
acuado. Aumento o tom de minha voz: — Eu perguntei onde vamos!

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Trevor passa os dedos entre os cabelos sedosos, arrumando-os


com algum tipo de pressa e se vira para mim ao pegar uma sacola e jogar
sobre a cama ao meu lado:

— Para a nossa lua de mel, preciosa. — ele abre a porta do quarto,


se direcionando para o corredor do hotel. — Te espero no saguão, esteja
apresentável.

De imediato, vejo a caixa de presente saindo pela sacola que ele


havia jogado ao meu lado e, sem pensar, rasgo o embrulho e o grito desliza
pelos meus lábios quando corto o dedo no papel, um ilete de sangue na
mesma hora aparece, pingando no lençol branco.

Imediatamente levo o dedo à boca e meus olhos marejam.

Não é a dor ísica, muito menos estar sozinha, ainda que pareça
que o mundo me cerque. É estar sozinha e ao mesmo tempo sufocada. Um
esgotamento sem im de tudo que venho tentando ser, tentando mostrar,
tentando provar. Eu não queria herdar o sangue, embora lutasse para
herdar todo o resto. As lágrimas escapolem pelas minhas pálpebras
torrencialmente e desta vez não seguro o choro, eu o libero com força, com
toda minha alma.

No entanto, da mesma maneira que começa, cessa.

Eu havia dito o “sim”. Eu havia dito “sim” para aquilo tudo, ainda
que fosse vítima de uma chantagem de meu pai... talvez a ambiguidade
daquilo tudo fosse o que mais me torturasse.
Eu disse sim querendo dizer não, mas ao mesmo tempo era uma
opção minha... eu poderia ter dito “não” ao casamento, ainda que meu
“não” englobasse tudo que eu estava acostumada... a vida que eu sempre
tive, minha faculdade... ainda assim, eu poderia ter dito “não” e seguido
com minhas próprias pernas, não me importando com tudo que minha
família construiu ao longo dos anos... que ruísse, que afundasse...

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Mas eu não era capaz, eu não era capaz por tantos motivos que
temer tempestades era o menor deles.
Respiro profundamente e abro a caixa, não me surpreendendo
com o conteúdo: um vestido, muito provavelmente comprado na loja do
hotel. Quando o ergo à minha frente, me surpreendo com o papelzinho que
cai aos meus pés; eu me abaixo e desdobro a pequena folha, me deparando
com uma letra cursiva bem trabalhada, mas, ao mesmo tempo, obviamente
masculina.

“Não tão único quanto seus olhos, preciosa, mas incrivelmente


belo. Esteja à altura de seu sobrenome.”
Visto-o sem pressa de me atrasar, ainda tentando entender de
qual sobrenome ele queria que eu estivesse à altura, já que agora eu era
sua esposa. Prendo meus cabelos em um coque e encontro ao lado da
cômoda o scarpin de meu casamento, lindo e tão exclusivo quanto meu
vestido de noiva que, no momento, desconheço o paradeiro.

Não há nada para passar em meu rosto, nenhum estojo de


maquiagem, nenhum creme ou frasco de perfume, no entanto, quando me
ito no espelho, vestindo a escolha de Trevor, olhos avermelhados pelo
choro e cabelos não tão alinhados... gosto do que vejo:
Pela primeira vez, ironicamente, me sinto bela.

O navio é grande, mas não me surpreendo, não é a primeira vez


que faço um cruzeiro. Não que eu não goste, talvez só não... não me sinta à
vontade por estar em sua companhia e aquilo ser nossa lua de mel.

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Nossa cabine é ampla e com escotilhas que nos presenteiam com


a bela vista do mar azulado, uma cama espaçosa e que parece
aconchegante, closet, área para jantar e uma porta de vidro que nos leva a
uma varanda com hidromassagem privativa. Imediatamente procuro outra
cama que não seja a de casal, mas me frusto ao concluir que aquela cabine
é perfeita para as noites de núpcias de noivos ardentes em paixão, o que
não era nosso caso.

Trevor passa por mim, empurrando as pétalas de rosa de cima do


colchão para o canto ao se sentar na cama, e eu injo não reparar nos
outros detalhes românticos que ornamentam a cabine, certamente mimos
da empresa que gerencia o cruzeiro. Olho a mesa já pronta para o almoço,
as lores e os castiçais elegantes à espera de nossa chegada, mas me
detenho no closet ao abri-lo, surpresa.

Meus olhos se voltam para Trevor, que está concentrado em seu


celular, enviando uma mensagem, recostado ao encosto de madeira maciça
da cama. A pergunta ica detida em meus lábios e eu volto a mirar as
roupas penduradas nos cabides, deslizando meus dedos pelos tecidos inos
e cores vibrantes, elegantes e exclusivas, e não sei como saberiam o
número que visto, mas lá estavam elas: todas dispostas para minha
escolha. Aquilo poderia ser obra de minha mãe, mas diante de seu olhar no
meu casamento, tenho minhas dúvidas.
Recuo até a mesinha ao lado do pequeno sofá e pego o itinerário
do cruzeiro, constatando que icaríamos uma semana embarcados; nem
isso Trevor tinha me dito enquanto seguíamos viagem em direção ao
porto, silenciosos, calados. Ele concentrado no seu laptop e celular, falando
com algum investidor sobre números e planilhas, e eu muda, olhando pela
janela fechada da limosine, Nova Iorque icando para trás.

Estava cansada do silêncio:

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— Por que tudo isso? — aponto para o alto, mas o que quero
mesmo é englobar a baboseira toda que envolve estarmos em lua de mel.
— Se estarmos casados nada mais é que negócio, qual a intenção desse
teatro todo?
Trevor deixa o celular de lado e me olha, como se esperasse que
eu o perguntasse exatamente aquilo, não o surpreendo:

— Você já respondeu sua própria pergunta: teatro. — ele se


levanta e vem em minha direção, desbloqueando a tela de seu celular. —
Estamos encenando, Ellie. Como eu disse, não se trata apenas de dinero,
mas de reputación. Dois jovens ricos e enamorados que não aguentaram
nem sequer uma semana entre a anunciação de seu noivado e casamento.
— ele ergue o aparelho em frente aos meus olhos e eu vejo a quantidade
de links com nossos nomes na página de busca do Google. — Somos
manchetes nas principais revistas. As ações das Empresas Kane estão
valorizadas na bolsa no exato momento. — ele sorri, exultante. — Wall
Street está beijando nossos piés. — então desliga o celular e seus dedos
colocam a mecha de meu cabelo para trás de minha orelha, exatamente o
movimento contrário que minha mãe insistia sempre em fazer. — Não é
apenas estarmos casados, é estarmos apaixonados.
Meus dedos tremem ligeiramente quando tiro os seus de mim:

— Mas não estamos apaixonados.


— Ninguém além de nós precisa saber. — retruca com um sorriso
fácil nos lábios. Tão fácil que é di ícil distinguir daquele de ontem, que eu
julguei ser arti icial.

Ainda assim, nego:


— Meus pais também sabem que não estamos.

Ele guarda o celular no bolso com uma calma angustiante, me


torturando com a demora de sua resposta enquanto me olha e deixa o

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sorriso ainda em sua boca:

— Tu madre também não deve amar tu padre, mas certamente...


— ele me olha de cima a baixo. — ...ela não di iculta as coisas com ele.
Qualquer casamento nada mais é que negociação, Ellie Kane.

Eu o encaro, boquiaberta, e ele me mira de volta, sem mudar o


semblante autocon iante: olhos muito negros, como caixas de pandora,
sobrancelhas fortes marcando a pele morena, a barba por fazer e cabelos
castanhos em um corte impecável, que revelava seus cachos com maestria.
Uma calma consistente e trabalhada que eriça minha espinha, talvez mais
que sua revelação. No entanto ainda me detenho em suas palavras:
— Co-como assim? — balbucio.

Trevor dá de ombros:

— Ah, você não pode ser tão ingênua assim, Ellie. O amor de su
madre é tão ilimitado quanto seu cartão de crédito. — faz uma careta
desgostosa. — Uma joven que mal fez quarenta anos e su padre beira os
setenta. Acreditar nesse amor verdadeiro é como acreditar em cuentos de
fadas. Não me diga que é uma dessas.

Mordo meus lábios, o encarando dar a volta na mesinha de centro


e alcançar o buffet, pegando um copo e adicionando gelo e uísque. Ele bebe
um gole lentamente e eu não sei o que falar, não mesmo, meus pais viviam
se agarrando pela casa e se eu podia reclamar que as demonstrações de
afeto por mim pouco existiram, não podia negar que com eles a coisa era
diferente, minha mãe vivia rebolando para meu pai e Desmond babava por
ela.
Não que eu nunca tivesse pensado no que Trevor tinha acabado
de falar, mas... claramente não imaginava que um funcionário dele pensava
o mesmo. Ainda que não queira defender os dois, me sinto impelida a fazer
isso, principalmente porque minha intenção no momento seria tudo,
menos concordar com ele:

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— Você julga demais o que não conhece, principalmente por ser


funcionário dos Kane. E agora genro. Deveria demonstrar mais gratidão à
quem te deu não só um cargo na empresa, mas a mão da própria ilha. E
sobre diferença de idade — aponto para ele e depois para mim. —, acho
que temos uma década entre nós e estamos casados, não estamos? —
atravesso o tapete e vou para o lado contrário da cabine, tirando meus
saltos, talvez eu apenas me deitasse e hibernasse pelos próximos dias,
quem sabe quando eu acordasse não estaria em uma realidade paralela em
que eu não era a esposa de ninguém, muito menos daquele homem...?
Trevor ergue uma sobrancelha:

— E quem disse que yo não sou grato? Su padre é o homem que


mais respeito em todo o Planeta Terra. Pero isso não quer dizer que sou
cego e, justamente por conta de minha perspicácia, cheguei onde cheguei.
Sobre a nossa diferença de idade, você apenas refuerza que muitos
casamentos nada mais são que puro interesse. — ele mexe no copo e
escuto os gelos chocando-se uns contra os outros. — Mas não, Ellie. Ele
não me deu cargo nenhum, eu mereci estar onde estoy.
— Diferente desse casamento. — resmungo e ele sorri em
resposta. Reviro os olhos e Trevor se aproxima, uma mão no bolso e outra
no copo, os olhos em mim:

— E ele não me deu o cargo que eu almejava, não ainda, preciosa.


— impõe apenas poucos centímetros entre nossos corpos e eu olho para os
lados, me sentindo acuada entre ele e a parede. — Não sou vice-presidente
das Empresas Kane e fui surpreendido com esse infortúnio seis meses
atrás quando ele chamou o senhor Clark. — baixa o tom de voz, quase
sussurrando. — E eu achando que a vaga já era minha.
Ele encosta o copo em meu pescoço e o desliza um pouco pelo
meu colo, sinto o gelado do líquido e baixo meus olhos até sua mão,
notando a gotinha que se forma entre o vidro e minha pele escorrendo e

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sumindo pelo meu decote. Subo meus olhos e encontro os seus seguindo o
movimento da água em silêncio, sua respiração marcada apenas pelo
movimento de seu peito, a boca mordida por seus dentes.
Engulo em seco e ele busca meus olhos:

— Mas consegui algo melhor, não é mesmo, mi preciosa esposa?

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03

Saio da cabine estalando meu pescoço e demoro alguns minutos


apenas olhando o corredor largo que me levaria aos elevadores,
suspirando sem fuerzas.

Por mais que eu já tivesse bebido um copo de uísque, ainda estava


tentado a passar algumas horas no bar, talvez anestesiando a repulsa que
sentia por ela. Quer dizer, não exatamente por ela, Ellie Kane era tão
hermosa quanto a mãe, mesmo que obviamente ela não soubesse disso. No
entanto, ela era uma Kane e o cinismo e a prepotência que ostentava em
seu olhar me dava vontade de dobrá-la aos meus pés.
Foder el cuerpo dela era a menor das minhas intenções; na
verdade, comer Ellie Kane era só uma parte de meu plano e sim, por mais
que eu quisesse foder literalmente com ela, também não pararia por aí.
E pensar nisso já me deixava de pau muito duro.

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Ajeito minha gravata e me adianto até o elevador, as portas


fecham e eu tento não me irritar com a música insossa que envolve aqueles
poucos metros quadrados, mirando meus sapatos italianos. Esos zapatos
italianos de mierda. Minha respiração subitamente fraqueja e eu levanto
meus olhos, procurando no painel em que andar estava... carajo, engulo a
saliva amarga... minha visão embaça e tenho que me apoiar na barra de aço
atrás de mim, meus dedos agarram aquela bosta com força e vejo os nós de
meus dedos se tornarem brancos, o pânico corroendo minhas entranhas.
Miguel, tu cagón de mierda!
Engulo uma lufada de ar e o ardor atravessa minha espinha,
tornando meus movimentos quase que pausados... sorvo ar ou tento sorver
ar, meus olhos lacrimejam e eu não acredito... carajo, carajo, carajo!

Não agora, não agora, não agora, puta que parió!

Afrouxo a gravata e passo a manga pelo suor da minha testa,


fechando os olhos e contendo a dor excruciante que dilacera meus órgãos.
Subo com as mãos pelos cabelos e os agarro com força, quase arrancando
os ios, mordendo minha língua para não gritar de dor. Hijueputa! Eu me
encolho e imploro que não haja uma câmera ali onde pudessem estar me
assistindo e quase gargalho ao constatar que imploro por aquilo e não para
que a dor passe, quase me acostumando com ela.
Por um instante me sinto mais aliviado e tento voltar a icar ereto,
a música do elevador volta a entrar pelos meus ouvidos e eu reconheço o
clássico de Beethoven, tentando me concentrar naquilo. Pisco mais
algumas vezes e a porta reabre em instantes, me presentando com uma
lufada de ar... não é o andar do bar, não é o andar do bar... inspiro fundo e
aciono el botón de fechar, ansiando mais do que nunca por uma bebida
forte.

Coordeno minha respiração e, antes que a porta dupla volte a


fechar, um par de mãos delicadas a segura e uma mulher entra, sorrindo

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para mim, o vestido dourado colado en el cuerpo, os cabelos loiros em


ondas pelos ombros, forço um sorriso de volta e ajeito a gravata frouxa.
Ela desce os olhos por mim e se encosta na parede lateral do
elevador, me dando um bom ângulo de seus seios quando se abaixa para
pegar a bolsa que escorrega dos ombros, o batom rola até meus pés e eu
me ajoelho para pegá-lo, ignorando as sombras das dores que ainda
reverberam em minhas células.

Eu entrego seu batom entre seus dedos no exato momento em


que as portas se abrem novamente; ela se demora para pegá-los, roçando
sua pele com calma na minha, baixo meus olhos para seus lábios carnudos
e ela sorri de lado, piscando para mim antes de sair.

Mal noto que as portas voltam a fechar, hipnotizado por sua


bunda se distanciando de mim em direção ao bar. Então seguro-as no
último instante e vou atrás dela, concluindo que, se eu não poderia foder
minha própria esposa em nossa luna de miel, pelo menos eu ainda me
satisfaria.

A mulher enrolada ao lençol se debruça na mureta da varanda


privada de sua suíte e fuma um cigarro, olhando o horizonte enquanto eu
me visto, observando suas coxas nuas.
Eu conhecia bem aquele tipo, uma cazadora nata de homens ricos,
talvez eu desse alguns vestidos que ela escolhesse nas lojas do navio,
maquiagens ou perfumes caros, mas comigo ela certamente não
conseguira muito mais que alguns presentes valiosos; eu era casado.

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Abotoo minha camisa, mirando seus passos ao meu encontro, ela


me ajuda a fazer o nó de minha gravata e lambe meus lábios, sorrindo
manhosa para mim, os dedos escorregando para a braguilha de minha
calça:
— Já vai embora? — pergunta, roçando seus seios em mim, mas
seguro seus dedos quando ela inalmente consegue abrir o zíper de minha
calça e recuo um passo, me afastando dela e en iando minha mão no bolso
do paletó jogado em meu braço:

— Pode comprar o que quiser na minha conta. — escrevo o


número nas costas de meu cartão e o jogo em cima da cama bagunçada. —
Só não abusa, um vestido ou um perfume, no máximo... você não foi tão
buena assim.
Eu me viro de costas sabendo que ela me olha boquiaberta, talvez
apenas acostumada a elogios, mas sinceramente a coisa foi performática
demais, muitos gemidos altos, caras e bocas e parecia que ela estrelava um
ilme pornô comigo. Aquilo era tão arti icial quanto cada curva de su
cuerpo. Não que eu reclamasse de mulheres assim, normalmente.
Pero hoy estaba especialmente disgustado con todo.
— Talvez o problema seja yo. — resmungo, seguindo pelo
corredor sem nem me dar ao trabalho de fechar a porta de sua suíte
enquanto penso o que Ellie poderia estar fazendo em nossa cabine, se é
que continuaria por lá.

Quando saí, ela tinha se deitado e se tapado com a coberta


dizendo que iria dormir e que eu me arranjasse no sofá, pois só
precisávamos estar enamorados quando estivéssemos em público.
Obviamente eu não dormiria no sofá, tampouco na cama da loira.
Eu tinha pagado muito caro por aquela lua de mel ostensiva e iria
usufruir de cada pedaço dela.

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Evito o elevador e subo as escadas até os andares do convés, ainda


que eu saiba que aquilo iria me custar mais tarde. Abro a porta da nossa
cabine sem fazer muito barulho e entro pela penumbra, percebendo que
ela deixou apenas a luz de um abajur acesa.

Eu me demoro ao passar em frente à cama, observando o rosto


sereno de Ellie, seus cabelos castanhos escorridos pelo travesseiro, sua
pele alva e delicada, os cílios compridos, os lábios levemente apartados
numa respiração silenciosa, hermosos e rosados... imagino meu pau entre
eles, ela o sugando com vontade e sei que quando aquilo acontecer seus
gemidos serão verdadeiros, eu a farei arfar e sorver ar enquanto se
engasga ao engolir meu gozo.

Aquilo sim era excitante.

Olho a coberta tapando seu colo e desejo saber como é su cuerpo,


se os seios são pesados e naturais, se as costas arqueiam em uma bunda
empinada e se sua buceta tem o mesmo cheiro de todas as vezes que inalei
o perfume em seu pescoço: baunilha.

Ah, eu amava o cheiro dulce de uma mulher.


Apago a luz do abajur e caminho até o buffet, tirando a gravata e a
largando em cima da poltrona solitária de canto. Tiro meus sapatos
lentamente, olhando a luz da lua que ilumina através da porta corrediça de
vidro e solto as abotoaduras do punho da camisa, mirando o céu noturno
ao tentar sentir as ondulações do navio... imperceptíveis.

Pego outro copo de uísque, mas desta vez não coloco gelo,
bebendo-o em uma única golada. Desabotoo a camisa que minutos atrás
vestia depois de me deitar com outra mulher e ando apenas de calça até a
cama novamente, mirando Ellie quando ela se vira para o outro lado e seu
braço despenca pelo colchão, as pontas dos dedos encontrando o tapete no
chão em frente à mesinha de cabeceira.

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Uma pequena pulseira valiosa e delicada, algo como uma


correntinha ina de pontinhos brilhantes, enfeita seu punho e eu me
debruço, encarando a marca que fez em sua pele, parecia apertada, deixou
um io vermelho de lado a lado. Passo o polegar em cima, sentindo a
textura da marca e ela resmunga baixo, virando-se e jogando o braço em
cima da testa.
Eu me levanto e sigo para uma ducha rápida com o objetivo de me
livrar de qualquer vestígio da loira, no entanto, quando volto, apenas com a
toalha enrolada em minha cintura, pego a gravata caída na poltrona e ando
calmamente em direção à cama, um sorriso satisfeito em minha boca.

Talvez eu izesse uma marca mejor em seus punhos.

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Acordo sentindo minhas mãos formigarem, tento me mover, mas


entendo que meus braços estão presos antes mesmo de meus olhos se
acostumarem à penumbra.
Um desespero percorre minha garganta assim que a luz do abajur
é acesa e meus olhos focam Trevor em pé ao meu lado. Subo meu rosto e
confronto sua gravata amarrada aos meus punhos, o nó forte na cabeceira
da cama. Desvio de volta para Trevor, seus cabelos molhados, o torso nu, a
toalha envolta em sua cintura, os olhos presos aos meus.

— Trevor! O que é isso? — minha voz sai aguda e meu peito chia
de medo... ele... ele... o que ele faria comigo? Debato meus pés embaixo da
coberta, que cede aos meus movimentos, e respiro, ansiosa ao ver que
ainda estou vestida, a mesma camisola que me deitei. — Trevor, me solta!
— Não. — ele responde simplesmente, passando a mão pelos ios
molhados.
— Se você tocar em mim, vou berrar tanto que...

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— Cállate! — ele me corta e apoia uma mão ao lado de meu rosto


no travesseiro, se debruçando sobre mim, um joelho no colchão. Eu me
encolho, paralisando minha respiração. — Não vou te tocar, Ellie. — um
sorriso desenha seus lábios. — Não precisarei te tocar. Mas você vai pedir
que o faça quando implorar pelo orgasmo...

— O que... o que está dizendo?

— Apenas vou me deitar aqui ao seu lado. — num movimento


ágil, ele pula sobre mim, atravessando meu corpo e se deitando ao meu
lado, o colchão cede ao seu peso e eu me viro, vendo-o descansar sua
cabeça no meu travesseiro. — E pretendo ouvir alguma música. — ele tira
a toalha de sua cintura e eu levanto meus olhos, buscando os seus,
evitando ao máximo compreender que ele se encontra completamente nu,
tão próximo. — Pode fechar os olhos se quiser... mas sei que su cuerpo
inteiro vai sentir minha presença.

Engulo em seco observando-o pegar o controle remoto enquanto


busca, provavelmente, algum canal de música... esse cara era doente, só
podia, meu Deus... e eu era casada com ele... o que mais poderia me esperar
nas próximas noites? Tento soltar meu punho da gravata e ele levanta os
olhos para mim por um instante, me analisando, antes de voltar a focar o
celular.

— Estar de mãos atadas vai te permitir sentir tudo melhor ainda,


Ellie. — ele sussurra, a voz baixa e grave. — Estar impossibilitada de se
tocar... você não deve ter ideia de como isso é poderoso quando sentir as
vibraciones em su cuerpo...
— Você é maluco... — rebato, incrédula, forçando meu punho
contra a gravata, o ardor atingindo minha pele, mas os acordes me
distraem e eu entendo que ele ligou o som do quarto.

A voz feminina começa a cantar, baixa e sensual, e Trevor volta a


subir os olhos para meu rosto, se deitando de frente para mim. Sinto que

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algum movimento inicia lá embaixo, posso ver seu ombro direito se mexer,
os músculos de seu braço tensos em um mesmo ritmo: subindo e
descendo, subindo e descendo.
Fecho os olhos, sabendo que ele bate uma punheta, e inspiro
fundo, tentando prestar atenção à música, não deixando que o som de seus
dedos em sua pele ecoe em meus ouvidos. No entanto, sem resistir, abro
uma das pálpebras e o encontro me itando, o peito in lando e desin lando
e o leve respirar de seus lábios em silêncio é o que o separa dos meus. Ele
está me olhando ixamente, me devorando, os movimentos mais intensos
em seu braço... minha respiração fraqueja por um segundo e
involuntariamente minhas pernas cruzam.

— Se me pedir para parar, eu paro. — Trevor escorrega seus


dedos por meus cabelos, tirando-os de meu rosto. Sinto meu peito dar uma
batida forte com aquele toque. — Se me pedir para te tocar, eu te toco. —
ele revela com a voz queimando de desejo e por um segundo quero sentir a
textura de seu corpo, a irmeza de seus músculos, o mamilo eriçado pelo
meu toque. Sinto minha barriga irmar e meu ventre pulsar, encarando-o,
ainda perplexa com o que acontecia naquela cama e dentro de mim. — Se
não falar nada, vou continuar até gozar.

Analiso o formato de seu rosto, as linhas fortes, a mandíbula reta,


os olhos in lamados de desejo, os cabelos caindo sobre sua testa, ainda
molhados, e um gemido escapa por meus lábios ao sentir o tesão percorrer
minha espinha.

Seus olhos imediatamente esquadrinham minha silhueta ao


perceber que o que faz me afeta e eu me recrimino por deixá-lo saborear
sua vitória:
— O que quer que eu faça, Ellie...? — questiona, a pergunta
soprada de seus lábios e a sensação de seu desejo é mais nítida ainda.
Desço meus olhos para o que está fazendo e ele ergue a cintura um pouco,

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apenas o su iciente para que eu possa assisti-lo por completo. — Gosta do


que vê, preciosa? Dele duro assim por você? — diz, sua voz uma in inidade
de desejo e meu coração dispara.
Trevor joga sua cabeça para trás e sinto minha umidade deslizar
por minha pele, minhas coxas se esfregam com mais força e meus olhos se
fecham por um segundo enquanto anseio me tocar.

Eu preciso me tocar... eu quero me tocar... eu quero que ele... ele


me toque...
Inspiro devagar e o assisto envolver toda sua extensão,
acariciando seu pau e arfando cada vez mais alto, estremecendo sua
respiração. Sua mão desliza de cima para baixo em movimentos ritmados e
acompanho sua barriga contrair em espasmos que pulsam entre minhas
coxas em reação.

— Porra... Carajo... — ele morde a boca e eu me sinto tão excitada,


quente e molhada que pareço entrar em ebulição. — Ellie, me deixe te
tocar! — escuto sua voz poderosa e me volto para seu rosto, suas pestanas
entreabrem e fecham enquanto seus olhos oscilam e tudo que quero é que
ele me solte, eu preciso, preciso me tocar, mas nunca, nunca vou dar o
braço a torcer e por mais que eu não peça para ele parar, tampouco vou
deixar que me toque.
Não, não vou deixar, não vou!

“Mesmo que eu deseje”, a voz se in iltra em meus pensamentos e


eu volto a fechar meus olhos, mas aquilo não muda nada, consigo escutá-lo
se masturbando, seus gemidos fortes, o peso da cama me provando que ele
estoca contra seus dedos com mais força ainda... anseio não só pelo meu
orgasmo como pelo dele.
Sem conseguir refrear a vontade, volto a abrir os olhos e vejo que
ele contorce o quadril mais uma vez antes de praticamente paralisar no
exato instante em que o vislumbro gozando, a porra sendo despejada em

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seus dedos unidos, segurando forte seu pau. Ele olha para mim por alguns
segundos e desce os olhos, levando os meus com o gesto e eu nada faço
além de contemplá-lo ainda gozando, como se explodisse de desejo,
arfando baixo.

Puta. Que. Pariu.

Engulo o ar e miro seu peito subindo e descendo, a respiração


forte acompanha as mãos ainda em seu pau latejante e aquilo é o bastante
para que eu me contorça ao seu lado, minhas pernas se entrelaçam e as
vibrações sobem por meu corpo, me invadindo completamente e
explodindo entre minhas coxas.

Minha respiração pausa na boca, meus gemidos icam presos em


meus lábios, a cadência de meu orgasmo me molha a pele, a pulsação de
minhas artérias descontrola meu coração e eu não quero, não quero que
ele saiba que eu... eu... que ele tenha certeza que eu gozaria... ele... não
poderia ter esse prazer. Não poderia! Fecho meus olhos com força e meus
dedos se unem em punho com raiva, a gravata quase corta minha pele.

— Ellie.
Engulo a raiva e o encaro, atônita: Trevor está paralisado, me
observando e não fala nada, não sorri, não se gaba, não muda o semblante
de poucos segundos atrás, o suor ainda permanece em sua testa e sua boca
continua vermelha pela força dos dentes que depositou em seus próprios
lábios.

Nos itamos por longos segundos enquanto controlamos a


respiração, mas não nos movemos ou sequer piscamos. Então, lentamente,
ele se ergue e eu o observo se esticar até a gravata, desamarrando-a com
calma.
Continuo quieta, apenas meus olhos se movem, acompanhando
seus movimentos, os dedos desatando a gravata da cabeceira, o tecido

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icando frouxo em minha pele até minhas mãos estarem completamente


livres.

Trevor joga a gravata no chão, mas, antes que saia da cama, eu me


ergo e rapidamente estapeio seu rosto. Mal sinto o baque, minha mão
formiga e parece dormente, mas sei que o machuco porque o tapa não só
moveu seu rosto ao pegá-lo desprevenido como ecoou por sobre a música.

Ele volta a me olhar e eu praticamente me encolho na cama,


imaginando que vá revidar dada a maneira que me encara, os olhos tão
negros quanto a escuridão lá fora. No entanto, ele apenas abre um sorriso
diabólico para mim:

— Da próxima vez que você tiver um orgasmo, vai ser na minha


boca. — eu me encolho outra vez e ele sai da cama, se afastando de mim. —
Não é uma ameaça, Ellie, não se preocupe. É uma promessa. Você vai
desejar. Y yo voy lamber seu gozo.

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04

Amanhecemos em silêncio.

Trevor toma seu café da manhã lendo notícias em seu celular e eu


me distraio com a vista da varanda privativa, acompanhando os voos das
gaivotas em alto-mar. Se não fosse sua companhia, até seria prazeroso
estar ali, a manhã está fresca, mas quente sob o sol, ideal para um banho
de piscina, ou quem sabe quieta, em silêncio, apenas desenhando aquela
bela vista, como só os rabiscos eram capazes de me relaxar.
Logo depois do tapa, quando ele saiu da cama, sumiu de minha
vista durante o resto da noite, e presumi que tivesse icado no bar ou em
qualquer outro lugar daquele imenso transatlântico. Não que eu me
importasse, pude voltar a tentar dormir, embora só tenha pregado os olhos
quando os primeiros raios de sol invadiram minha cabine, ainda
completamente atordoada com tudo que havia acontecido sobre aqueles
lençóis.

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Dou uma olhada rápida para trás, baixando meus óculos escuros
um tantinho só e o vislumbro, concentrado com os cabelos molhados e
uma camisa polo azul petróleo, aquele aroma almiscarado dominando todo
o ambiente. Volto a mirar o horizonte, sentindo minhas bochechas
queimarem pela lembrança nítida de seus músculos acentuados enquanto
se dava prazer.
No mesmo instante, dou meia volta até o closet e abro as gavetas,
procurando um biquini. Sinto os olhos de Trevor em minhas costas, mas
injo não estar afetada pela sua presença e escolho, dentre as duas dúzias
de opções de roupa de banho na gaveta, um maiô com decote cavado e
estampa étnica com cores terrosas.

Entro no banheiro, me troco com calma e saio, pegando um


chapéu elegante, desviando de sua atenção, que agora está mais óbvia; ele
nem disfarça, a xícara de café sustentada em uma mão e o celular largado
na mesa, bem longe de seus olhos.

Saio da suíte sem falar nada.

Entro na piscina deslizando com calma, a água está mais gelada


do que eu esperava, mordo meus lábios e afundo até a altura dos ombros,
sentindo minha pele arrepiada. Ainda é cedo, poucas são as pessoas na
área de lazer, algumas famílias com crianças e uns funcionários servindo
drinks coloridos com sombrinhas, mesmo que não seja nem oito da manhã.
Decido fazer a coisa direito e me aventuro, pedindo uma bebida
azul que desconheço os ingredientes, tentada a anestesiar minhas
lembranças, no entanto, o dono delas aparece pela porta de vidro e chama
minha atenção de imediato.

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Mergulho minha cabeça e molho meus cabelos, desanuviando a


visão de seu corpo de short e uma toalha branca pendurada nos ombros.
Que ridículo! Trevor poderia ter tido o bom senso de me deixar sozinha
nas próximas horas, eu não o tinha convidado para estar ali comigo e
impor sua presença era obviamente um modo de me deixar transtornada.

Ele se senta na cadeira abaixo do ombrelone amarelo ao meu lado


e eu me debruço à beira da piscina, deixando que a água dos meus cabelos
escorra sem pressa por meus seios, encarando-o:

— Veio tomar conta? — empino o nariz e reviro os olhos, vendo-o


apoiar os cotovelos nos joelhos, concentrado em mim.

— Preciso?

— Só vim me refrescar. — retruco, azeda.


— Nosso quarto estava muito caliente? — questiona, erguendo
uma das sobrancelhas, pretensioso.

— Um inferno! — rebato, irônica, e ele ri baixo:


— Bem, seria estranho minha esposa estar na piscina e eu não
aproveitar esse belo dia com ela.

Deslizo minhas mãos pelos ios de meu cabelo e os torço ao meu


lado:
— Preocupado com os paparazzi? Nós não somos o centro do
universo, Trevor.

— Não com os paparazzi, especi icamente. — ele responde,


incógnito, e, por mais que eu queira saber o que ele quis dizer com isso,
não vou dar o gostinho a ele de achar que me importo com o que ele pensa.
O garçom chega com minha bebida e eu saio da piscina, deitando
na espreguiçadeira ao seu lado. Ele me ita por alguns segundos antes de

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tapar seus olhos com os óculos de sol e cruza os braços, mirando a piscina,
obviamente cessando qualquer comunicação a mais.
Por mais que eu estivesse constrangida por ontem, gostaria de, de
alguma forma, conhecer meu marido um pouco mais e já que ele estava
impondo sua presença, seria melhor que passássemos o tempo em alguma
conversa e não ingindo que um não está na presença do outro. Mas aquilo
fazia tanto sentido quanto eu estar casada com um desconhecido para
salvar a fortuna e o sobrenome dos Kane.

En im, quem Trevor Willians também era para salvar um império?


Decerto ainda que fosse rico não era bilionário, senão não
aceitaria ser um funcionário de meu pai; o que me faz, outra vez, me
perguntar qual seria sua in luência com Desmond ou dentro das Empresas
Kane.

— Há quanto tempo trabalha com meu pai? — questiono após dar


uma bicada no canudo e sentir o gosto de suco de laranja naquela bebida
estranhamente azul anil.

— Seis anos. — ele responde sem me olhar.

— E por que você e não qualquer outro?


Minha pergunta tem sua atenção e ele posiciona os óculos entre
os cachos na cabeça, mirando seus intensos olhos em mim. Sem disfarçar,
ele admira meu corpo por longos e longos segundos, sorrindo de canto de
boca quando encontra meus lábios mordiscando o canudo:

— Se está perguntando por que razão su padre me escolheu para


casar com você, não deveria perguntar a ele?

Jogo meus cabelos de lado e sorrio de volta, teatralmente:

— Se você está casando comigo, certamente sabe a resposta.

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Trevor pega o drink da minha mão e lambe o canudo antes de


sugar o restante da bebida, batendo o copo com força na mesa de vidro:
— Não cabe a mim dizer o motivo de su padre te vender tão
barata, como uma mercadoria. — me lança uma piscadela debochada. — O
que podemos entender com isso é que, pelo visto, você não é tão valiosa
quanto acha, Ellie. — ele responde de modo áspero e se levanta da cadeira
quando dois homens entram na área da piscina, indo imediatamente
encontrá-los.

Pego o chapéu caído ao meu lado e, com raiva, o en io em minha


cabeça, sem acreditar que outra vez Trevor me humilhava com suas
palavras, como se já não bastassem seus atos na noite anterior. Penso na
possibilidade de me levantar e tirar satisfações com ele, mas sei que já
consegui questionar muito mais do que estou realmente acostumada.
Olho-o ao lado daqueles homens e sei que não teria coragem para
um embate, principalmente na presença de outros, no entanto franzo meu
cenho e ico em minha cadeira, observando-o conversar compenetrado, o
semblante sério, como um homem de negócios em meio a uma reunião.

Não gosto da sensação estranha que tenho ao observar aquilo,


como se ele estivesse à espreita da presença daqueles homens e, quando
os analiso melhor, entendo o motivo: reconheço o senhor Clark, vice-
presidente da empresa de meu pai. Ele estava mais careca do que eu me
lembrava e o short com motivos havaianos certamente me di icultaram a
reconhecer o senhor sempre sisudo de terno que jantava muito de vez em
quando em nossa casa.
Sem nem saber como tais pensamentos espreitam minha mente,
imagino como seria se meu pai tivesse anunciado meu noivado com ele.
Imediatamente tusso, quase me engasgando, e rio sozinha ao sequer
considerar essa possibilidade.

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Passeio meus olhos pelas costas de Trevor, analisando


criteriosamente os músculos de seu trapézio e o comparo com o velho ao
seu lado, a barriga caindo sobre o elástico do short, o suor escorrido em
meio aos pelos do umbigo. Uiiii... estremeço só de pensar, mas, pelo que eu
me lembrava, Milner Clark era casado e talvez por isso, só por isso, meu pai
não tivesse tratado com ele um casamento, mas sim com Trevor.
O que, de initivamente, não responde minha pergunta de
qualquer maneira.

Contudo, aquele encontro entre eles, num cruzeiro, não me


parece uma coincidência tão inesperada do destino. Mesmo que eu não
saiba o motivo em si, Trevor parecia esperar por eles enquanto me
sondava e agora, ao vê-lo se virar para mim e piscar rapidamente antes de
voltar ao assunto que está tratando com os dois, tenho certeza que está
con iante de ter conseguido seja lá o que queria.
Eu calço meus chinelos e me levanto, decidida a ir ao SPA, a inal
com total certeza depois da noite tensa de ontem, meu corpo ansiava por
uma massagem. Penso em Lennox trazendo as fofocas do dia e sinto
saudades de suas mãos certeiras em todos os nós de meus músculos,
quando ele ria de mim e comprimia meus nervos em uma bela de uma
massagem perfeita.

Meu melhor amigo sempre me relaxava com suas piadas depois


que eu e meu pai travávamos um embate por qualquer coisa. Só ele e Chloe
tinham o poder de me fazer sorrir com suas baboseiras e, pensar que não
foram ao meu casamento, somava mais um item ao absurdo que minha
vida se encontrava.
Quando eu passo em frente ao trio estranho, Trevor segura meu
braço e, sem cerimônia alguma, pergunta onde estou indo. Forço um
sorriso de volta ao perceber que não poderei ingir que não reconheço com
quem ele está conversando e me direciono ao senhor Clark, educada:

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— Bom dia, senhor Clark! — alargo o sorriso, como minha mãe


sempre me orientava. — Mas que surpresa nos encontrar no meio do
Atlântico! — pouso uma mão em seu ombro, me virando para Trevor. —
Não é mesmo, amor? Não é uma coincidência encontrarmos seu chefe-
direto em nossa lua de mel?
Vejo que as retinas de Trevor escurecem com meu comentário,
mas ele mantém o semblante relaxado e não deixa seu sorriso esmorecer
em resposta. No entanto percebo que segura meus dedos com mais força
quando os retira do ombro de Clark, levando-os em direção aos seus
lábios:

— Uma grata surpresa, minha linda. — beija minha mão e


entrelaça seus dedos aos meus. — Fomos inclusive convidados a nos
sentar com eles hoje à noite no jantar de gala com o capitão. — não o
respondo porque simplesmente não sei o que falar em resposta. O senhor
Clark se vira para nós dois, concordando com o quanto aquele encontro o
surpreendeu e me deseja parabéns outra vez pelo casamento, ainda que
tenha me parabenizado no dia do grande evento.
— Será um prazer tê-los conosco. — ele complementa, apontando
para o homem ao lado: — Esse é meu ilho, Melvin... não sei se o conhece,
Ellie.

— Prazer. — respondo de maneira forçada, pois tudo ali está


longe de me proporcionar prazer, principalmente ele com aqueles trajes,
porém não deixo de notar que o vice-presidente de meu pai desce os olhos
por meu corpo, sem disfarçar que, de alguma maneira, ele parece
confortável demais comigo usando o maiô cavado.
Claramente, o prazer é todo dele.

Trevor parece notar os olhos de abutre que ele me lança, pois


imediatamente me puxa para um beijo rápido e casto, quase em meus
lábios, e não tenho como não pensar que inge ser respeitoso na frente

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daqueles dois. Nem de longe o homem em nossa cama na noite anterior,


mas sigo o roteiro sorrindo candidamente de volta.
— Estava indo para onde? — pergunta outra vez e na mesma hora
um “não te interessa” vem em minha mente, mas me contenho até porque
sei que não teria coragem para tal, e aponto para as portas de vidro que
nos levam ao SPA ao lado da piscina.

Ele solta meus dedos e assim que saio em meu caminho ainda
escuto o velho dizer que Trevor era sortudo, não se faziam mais meninas
bonitas e obedientes como eu.
Em resposta, escuto Trevor apenas rindo.

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— Pai?
O retorno do silêncio era comum há dias, porém eu ainda insistia
em chamá-lo quando chegava em casa depois da escola, talvez mais por
costume do que por qualquer outro motivo. Olho pela cozinha e, quando
chego à sala, estranho que minha irmã não esteja vendo seus desenhos
rotineiros.
— Maria?
Avanço pelo corredor e, assim que abro a porta do nosso quarto,
meus ombros caem sem forças. Eu não estava preparado para aquilo
novamente, mas antes mesmo que eu pensasse, já estava debruçado sobre
a cama, abraçando-a:
— Bee... por que está chorando? O que houve?

Ela funga e en ia seu rosto em meu moletom, abraçando meu


peito, seus cabelos embaraçando-se aos meus dedos enquanto eu tento

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confortá-la. Alguns ios icam presos em minhas mãos e eu engulo em seco,


percebendo que seus olhos se voltam para aquela cena, horrorizados:
— É isso que está acontecendo, Mi! Meus cabelos! Meus cabelos!

Meu peito dói e parece que um bolo gigante ica preso em minha
garganta, me di icultando a respirar... Já era para isso estar acontecendo...?
Já era para isso estar acontecendo?!
Ela segura com força seus cachos e eu seguro a respiração,
assistindo aos montes de ios que caem em sua cama, não alguns ios ou
umas mechas, mas muitos e muitos deles, tufos e mais tufos... Mesmo que
eu não queira, a lembrança de seus cachos nas marias-chiquinhas que
Celeste fazia nela quando crianças invade meus pensamentos e eu me
recrimino por tê-los puxado tantas vezes quando eu queria implicar com
ela.
Outro dia a gente era criança, agora nem parecia que íamos fazer
quinze anos em poucos meses. Maria tinha adquirido uma maturidade que
não lhe cabia tão nova e eu queria ser o irmão que ela precisava, me
ingindo ser forte:
— Bee, você sabe que isso faz parte do seu tratamento... Acho que
quer dizer que está funcionando...
Maria levanta o rosto, os olhos vermelhos me itando, as lágrimas
deslizando pela bochecha. Eu odiava vê-la assim. Eu odiava vê-la triste,
cansada. Ferida. E eu odiava não poder fazer mais nada além de abraçá-la,
quando tudo que eu queria era trocar de lugar com ela.
— Você vai ser sempre linda de qualquer jeito, Maria...

— Linda? Eu estou icando careca, Mi! Careca! Eu queria sumir,


não existir! Mas pelo visto isso já acontece! Cadê papai? Ele não aguenta
nem olhar para mim! — ela choraminga, passando as costas da mão no
nariz e eu sorrio triste para ela.

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Minha irmã parecia tão menor, tão frágil, tão mais nova que eu...
Nem parecíamos gêmeos... Desvio meus olhos pelo nosso quarto e vejo
minha cama bagunçada ao lado, algumas coisas espalhadas pelo chão,
livros, maquiagens, jogos de tabuleiro... Lembranças da família que éramos
antes.

Agora meu pai vivia enfurnado no trabalho fazendo hora extra


para pagar o tratamento de minha irmã, inventando mil promessas para a
cura de sua linda ilha.
— Não é verdade, Maria. Você sabe disso. Sem contar que você
existe para mim. Mais do que qualquer outra pessoa no universo.
— Você é meu irmão, não vale. — agora suas mãos vão para seus
olhos e ela seca lágrima por lágrima, um esforço inútil já que elas não
param de brotar de seus olhos verdes... Verdes como cristais em um rio de
lágrimas. Tão translúcidos quanto os meus.
Respiro fundo:
— Deveria valer muito mais. Os irmãos costumam se odiar.
Ela sorri e eu descanso minha cabeça em seus travesseiros,
puxando-a para meu abraço novamente.
— E quem disse que eu não te odeio, Mi?

Coloco minhas mãos em meu peito e injo estar ferido


gravemente:
— Uau! Essa doeu! Golpe baixo, Bee.

Ela ri, entrelaçando seus dedos nos meus, e icamos por um


tempo apenas itando o teto. Eu percebo que sua respiração ameniza e
fecho meus olhos, pensando se um dia nossa família poderia voltar a ser
feliz, quando ela estivesse curada.

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— Dizem que os gêmeos sentem o que o outro sente. — ela fala de


repente e eu abro meus olhos, virando meu rosto de lado. Maria continua
itando o teto e brinca com meus dedos entre os seus, parecendo ansiosa.
— Seus cachos também vão cair, Mi? — ela implica e vira seu rosto no
travesseiro, me itando. Noto em seus olhos que ela tenta brincar, muito
embora apenas queira chorar.
— Com certeza. — seco uma de suas lágrimas. — Com certeza,
vão. — suspiro. — Eu odeio te ver sempre chorando, Bee.
— Eu sei. — ela pisca algumas vezes antes de voltar a me abraçar.
— Eu te amo, Mi, você sabe. Eu não te odeio de verdade.
Fecho meus olhos e engulo o nó em minha garganta, dando um
beijo no topo de sua cabeça.
— Eu também te amo, Bee. — então aperto-a mais e mais ainda
entre meus braços. — E sim, os gêmeos são capazes de sentir o que o outro
irmão sente, então, por favor, Bee, por favor... seja feliz... eu não serei se
você não for...

Abro as pálpebras e miro o oceano, meus olhos ardendo com a


lembrança.

Imagino se Maria poderia sentir como me sinto agora, desejando


imensamente que não... não sobraram muitas coisas boas em mim que eu
quisesse compartilhar com su corazón... Ah, minha Bee, meu cariño... tenho
plena consciência que você não se orgulharia de mim... o Sol se põe no
horizonte, os tons avermelhados se misturando aos alaranjados e aquilo
compõe como me sinto... trevas... in ierno... apoio meus cotovelos na

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amurada do navio e en io meus dedos em meus cabelos, fechando meus


olhos por um instante.
Ultimamente, os sueños e as memórias de conversas rotineiras
com mi hermana têm sido mais recorrentes e eu tenho me sentido mais
sufocado. Mais que o normal. Por que não consigo me lembrar dos seus
sorrisos na Colômbia? Por que não me lembro de seus verdes intensos
quando sorria para mim, mas apenas quando icavam cristalinos por causa
das lágrimas?

— Estou pronta.

Olho para trás e lá está Ellie, impecável, vestido longo em um tom


verde que acentua a pele levemente bronzeada pela manhã de sol, cabelos
presos em uma trança lateral, maquiagem elegante, saltos, brincos de
esmeralda... tudo como mandava o igurino e eu até poderia icar
impressionado com sua beleza.

Poderia.

Mas não cheguei até aqui para que uma mulher com berço de
ouro e sobrenome Kane me desfocasse de meus objetivos. Obviamente ela
icaria hermosa com tanta produção, quem não icaria? Do nada, minha
Bee aparece em meus pensamentos e eu vislumbro seu sorriso ligeiro após
meu pai prender uma margarida atrás de sua orelha, entre seus cabelos
cacheados, os risquinhos verdes de seus olhos espremidos ao ouvi-lo
chamá-la de “honey”, como ele sempre fazia.

A beleza natural de seu sorriso sempre me surpreendia, mas


agora mais do que nunca, mais do que nunca! E talvez porque eu estou
envolto em tanta arti icialidade que me prendo ao que era genuíno... sim,
seus sorrisos eram genuínos e os meus nunca mais foram depois que ela
parou de sorrir.
Quando ela gargalhava, fazia sons de borbulha e eu sempre
implicava com aquilo, Maria era luz em mi vida!

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Involuntariamente um sorriso também escapa por meus lábios e


Ellie presta atenção em mim, imagino que achando que minha reação seja
para sua presença estonteante. Fecho meus lábios na mesma hora e passo
por ela, ainda meio atordoado pelo relampejo do sorriso de Maria depois
de tanto me martirizar por sua falta. Abro a porta da suíte, ensaiando um
cavalheirismo que não gostaria e Ellie pega a bolsa, saindo pelo corredor
sem me agradecer.
Entramos em silêncio pelo elevador e eu disfarço o quanto seguro
com força a barra de aço atrás de mim. Ellie se posiciona um pouco mais à
frente, mexendo de um modo impaciente sua bolsa, e eu miro suas costas e
o decote largo que revela os ossos salientes de suas costelas... Imagino se
por acaso eu in iltrasse meus dedos por ali, poderia alcançar seus seios
soltos, já que parece mais que óbvio que ela não usa nenhum sutiã.

A ideia me agrada e eu entendo que por mais que seja di ícil


suportar sua prepotência, o mesmo não acontecia com su cuerpo. Suas
curvas delicadas me instigavam, seus gemidos baixos ontem me levaram à
loucura e se eu pudesse enterrar meu pau nela, eu o faria sem nem pensar
duas vezes.
Não era a primeira mulher que eu transaria para conseguir o que
eu queria, mas talvez fosse a última. Engulo em seco... talvez fosse a
última...

Meu pau, que estava começando a icar duro, se contrai dolorido e


em segundos o sinto brochar... rio sozinho sem acreditar na loucura dos
meus pensamentos... na verdade, eu mal sabia como conseguia mantê-los
sãos... Ellie se vira um pouco em minha direção, talvez curiosa com minha
risada, e eu levanto uma sobrancelha em resposta, incentivando-a a
perguntar o que se passava em minha mente.
No entanto ela arrebita o nariz outra vez e se vira para as portas
assim que elas se abrem.

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Não, nem que eu conseguisse transar com ela, ela seria a última!
Nem fodendo que uma Kane seria a última mulher que eu comeria nesse
carajo de vida!
“Vai se foder, sua patricinha babaca e esnobe, la puta madre que te
pariu!”, penso e sigo em frente, focado no que eu vim fazer naquela mierda
de lua de mel: se não era foder com Ellie, certamente era com o vice-
presidente das empresas Kane.

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05

O jantar segue em um papo morno sobre o cotidiano da empresa


de meu pai e não poderia ser mais chato. Na verdade, acho que nem se
conversássemos sobre tempestades em alto-mar eu conseguiria
demonstrar o mínimo de empolgação: a companhia era irritante e agora eu
me lembrava do motivo de me esgueirar para fora da mesa antes mesmo
da sobremesa toda vez que o senhor Clark ia jantar em nossa casa quando
eu era mais nova.

Eram raras as vezes, mas agora memoráveis.

Ele era insuportável e não era só porque falava muito ou fora do


propósito, mas porque a cada seis palavras, cinco eram elogios a si mesmo
e uma era nos incentivando a concordar com ele.
Nunca vi um homem com ego maior em minha vida e eu era ilha
de Desmond Kane.

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No entanto, naquela noite em especial ele se gabava mais ainda e


o fato se dava pela promoção ao cargo de vice-presidente da empresa há
poucos meses, título que inseria a cada maldita frase que discorria em seu
monólogo entre as mastigadas do ilé que jantávamos.
Trevor apenas sorria para ele, concordando entusiasticamente
com cada palavra e o ilho do velho chato, que eu nem me lembrava do
nome, parecia tão louco para fugir daquela mesa quanto eu.

Só consigo pensar que a essa hora estaria com Chloe, Abby e


Lennox jantando em algum pub perto da faculdade, como sempre fazíamos
nas quintas à noite. Nossos papos sempre envolviam muitas bebidas,
petiscos diversos e in indáveis gargalhadas.

Mais uma vez me aborreço por não ter nem meu celular ao meu
lado para me distrair, queria saber como estavam, o que estavam fazendo,
se estavam bem ou se sentiam minha falta depois de quase dez dias longe,
desde a notícia de meu noivado.
Eu tinha icado tão chocada que mal consegui sair de casa ou ir
estudar até o fatídico dia de meu casamento. Nada iz além de pesquisar
sobre Trevor, mas não tive muitas respostas além das que eu já sabia, o
prodígio estrangeiro de 34 anos que havia conquistado meus pais o
su iciente para que eles o quisessem não só na sua empresa, mas em sua
família.

Durante os poucos momentos em que eu estava sozinha na cabine


em nossa lua de mel, eu tinha fuçado suas malas e, mesmo ansiosa com seu
retorno, liguei seu laptop e tentei acessá-lo, mas me deparei com uma
senha e desliguei correndo com medo de ser pega em lagrante.

Nem remexendo suas coisas encontrei qualquer informação sobre


meu marido além das que eu tinha, elas não me diziam nada: algumas
roupas asseadas e dobradas em sua mala, que ele não guardou no closet;
uma pasta com algumas folhas que identi iquei como sendo planilhas e

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grá icos de algum fármaco novo da empresa, informações de pesquisa de


um laboratório no Brasil... nada que me indicasse a provável senha que
usava, nenhum fundo falso na mala ou bolsinho escondido, nada... nada.
Nada.

Olho o celular em sua mão, ao lado do prato de porcelana, e


Trevor dedilha em cima da tela apagada enquanto ri de alguma idiotice do
senhor Clark e eu outra vez penso se ali eu poderia encontrar algo sobre
ele que me dissesse mais do que demonstra.
Meu marido não largou aquele aparelho um segundo sequer
desde que embarcamos e eu imaginava que ali seria a única fonte de
muitos dos esclarecimentos que eu merecia.

Eu só precisava pegá-lo.

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Tenho vontade de me levantar dessa mesa e sufocar aquela boca


de rato com a carne em seu garfo até seus olhos esbugalharem, mas tudo
que faço é forçar o sorriso ouvindo o cagón do Milner Clark se gabar de
uma vaga que era para ser minha, se tudo tivesse corrido conforme meus
planos.
Aquele tinha sido o primeiro percalço numa perfeita simetria de
realizações de tudo que eu havia planejado. Mas eu tinha me saído melhor
do que eu imaginava ao me casar com Ellie, ainda que ela tivesse sido uma
saída desesperada. No entanto, conforme eu previra ao modi icar parte de
meus planos, eu voltaria para meu objetivo com mais fuerza e aliados, mas
tudo dependia de como seriam nossas próximas horas.

Sorrio para minha esposa ao escutá-la bufar baixo e observo seu


per il enquanto Clark nos dá um tempo de seu discurso impregnado de
egocentrismo ao analisar a carta de vinos com o ilho. Ela parece de saco-
cheio de tudo e simplesmente não entendo como aceita esse casamento

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sem espernear ou ter algum dos acessos que uma mulher mimada de sua
estirpe certamente teria.
Tan cobarde como eu supunha!
Ela parece engolir tudo, ainda que não digira com tanta facilidade.
Essa obediência toda para não perder a bilionária herança do
papai? Casar-se com um hombre desconocido valeria cada minuto dentro
de um matrimônio por conveniência, contrato? Sim, isso eu esperava dela e
não foi por menos que engendrei nosso casamento.

Tan domesticable e previsible cuanto tu madre.


Noto que alguns casais se levantam para dançar e me sinto
aliviado por ter chegado, inalmente, o momento. Sem pedir permissão ou
convidá-la, pego a mão de Ellie e a iço da mesa, trazendo-a para mi cuerpo.
Ela arregala os olhos, mas não tem tempo de retrucar, levo-a com meus
passos para o meio do salão no exato instante em que a loira chega à mesa
e convida Milner para uma dança... Exatamente como combinamos.

Não deixo de sorrir ao vislumbrar seu sorriso orgulhoso ao ser


surpreendido por uma bela mulher, talvez metade de sua idade, com um
vestido que lambia su cuerpo, tão rojo quanto sua própria língua depois de
saborear um vino, e acompanho os dois seguindo para o outro lado da
mesa, perto da orquestra.

Não era di ícil concluir, ao vê-lo passear suas mãos pelas curvas
da mulher, que tudo sairia conforme planejei.

— Você realmente estava gostando daquele papo furado ou seus


risos também faziam parte de alguma negociação?

Olho para Ellie, que me tira dos devaneios, e reparo que seus
olhos, naquele tom quase cinza, estão centrados nos meus. Cinzas...
intensamente gris...

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— Como você disse, ele é meu chefe. — baixo o tom de voz. — Se


digo tudo que penso sobre aquele monte de mierda, sou mandado embora
num piscar de olhos.
Ellie segura o sorriso com as pontas dos dentes nos lábios e eu
pisco para ela, guiando sua cintura com minha mão.

— Você sabe que sou ilha do chefe de seu chefe, não sabe...? —
ela responde com uma pergunta irônica, num sussurro. — Por que con ia
que eu não vá dizer o que acabou de me falar para o senhor Clark?
— Porque você pensa el mismo. — eu a giro uma vez e ela enlaça
suas mãos em minhas costas, me analisando sem disfarçar.

— E você quer realmente que eu acredite que se trata de uma


coincidência estarmos no mesmo navio?
— E por que não seria? — rebato, embalando seus passos.

— Nosso casamento não se trata de negócios? — ela afasta seu


corpo alguns centímetros. — Por que nossa lua de mel não seria?
Miro Ellie sem acreditar em sua perspicácia, mas apenas desço
minha mão por sua cintura, alisando a pele exposta no decote de suas
costas. Sinto que ela estremece ligeiramente e acredito que ela vá me
empurrar ou algo do tipo, mas ela nada faz além de mirar minha boca.

Aquilo nem de longe estava em meu roteiro, então desço mais um


pouco minhas mãos e as espalmo em sua bunda, tendo quase que
imediatamente a reação que queria.
Ellie recua os passos, tirando minhas mãos de suas nádegas e me
encara indignada:

— Porco. — ela não grita ou sequer chama atenção para si,


falando num tom de voz tão baixo que apenas eu ouço o quanto se sente
indignada com minha ousadia.

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Eu contava com isso, estávamos em público e eu imaginava que


não iria dar nenhum show, embora se revoltasse comigo. Girando e
batendo seus saltos com força no piso de madeira, ela se afasta de mim em
direção ao elevador e eu não demoro mais nenhum segundo, seguindo
seus passos com meus olhos, desvio-os em direção ao cabrón do Clark e
peço ao garçom uma dose de Bourbon ao ver o velho sair de maneira
sorrateira do salão com a loira em seu encalço.

Engulo minha bebida com calma, contando até cem duas vezes
antes de devolver o copo ao balcão do bar. Então vou a caminho da cabine
da loira, onde estive dias atrás, e dou dois toquinhos ligeiros na porta,
mirando o corredor de soslaio. Segundos depois, uma fresta da porta é
aberta e vislumbro rapidamente su cuerpo seminu quando ela estica os
dedos para mim, me entregando, sorrateiramente, cartão de acesso
daquele ratón imundo.

— Já estou indo, lindão! — ela berra em direção ao banheiro,


fechando a porta silenciosamente, e eu ainda a escuto dizer para pingar
algumas fragrâncias na banheira enquanto ela se prepara. Subo as escadas,
pegando meu celular e trans iro metade do valor que combinamos,
olhando ao mesmo tempo o número da cabine de Milner Clark no cartão de
acesso.
Agora só precisava que ela izesse o restante para que eu
transferisse o valor que combinamos.

Abro o laptop de Clark sem me preocupar com a senha, que eu já


tinha há semanas, o que me faltava era o acesso ao computador.

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Estalo meus dedos e olho outra vez a cabine bagunçada, o cheiro


de charuto queima minhas retinas, tudo ali dentro tem cheiro do maldito
cigarrillo e aquilo é muito mais repugnante que o cheiro característico em
seus ternos quando eu me reunia com ele nas Empresas Kane.

Ali parece mais concentrado e não sei como aquela garota


conseguia se deixar ser comida por ele em troca de uma grana... não
qualquer grana, claro, eu ofereci o su iciente para calar seu bico e abrir
suas pernas, mas mesmo assim... engulo uma saliva ácida ao pensar que
não era muito diferente do que fui capaz de fazer para chegar aqui...

A foto de uma família sorridente aparece na tela e eu reviro os


olhos, analisando os traços da senhora Clark antes de digitar a senha,
compreendendo que o hijo dos dois parecia com ela. Clico no e-mail e
passo meus olhos pelos assuntos da caixa de entrada até encontrar o que
quero enquanto en io o pendrive na entrada lateral do laptop. Baixo alguns
documentos, transferindo-os para o arquivamento e abro uma nova
mensagem, digitando as palavras que decorei há dias, anexando os
arquivos necessários.
Aperto o mouse em cima de enviar logo após digitar os nomes dos
destinatários com um sorriso amplo no rosto, e me levanto na mesma hora,
sentindo a adrenalina correr por minhas veias, ansioso... satisfecho.

Debruço sobre a mesa, desligo o laptop e saio da cabine.


Agora era só deslizar o cartão de volta por baixo da porta da suíte
da loira e descer para o bar outra vez, talvez eu pedisse mais uma bebida,
brindando a minha vitória, eu precisava de una comemoración!

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06

Não estranho o silêncio ao chegarmos em casa. Não esperava que


meu pai estivesse à minha espera ou minha mãe preparasse alguma festa
de boas-vindas à ilha casada e ao genro, ainda que eles mesmos tivessem
arquitetado aquele circo que era meu casamento.

Obviamente, meu pai estava nas Empresas Kane e minha mãe em


algum chá ou compras, o que de certo modo me causava alívio ao
voltarmos daquela lua de mel sem sentido. Depois do atrevimento de
Trevor ao passar suas mãos em mim durante a dança do jantar de gala, não
direcionei mais nenhuma palavra ao meu marido, procurando formas de
me distrair sozinha no cruzeiro, o que tampouco pareceu fazer diferença
para ele, que também se ocupava sempre sem mim.

Uma semana de martírio para, inalmente, voltarmos para terra


irme.

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Deixo a pequena mala de mão em cima da mesinha ao lado da


porta e não dou bola para Trevor quando me fala que vai direto para a
empresa; tiro minha echarpe e solto meus cabelos ao mesmo tempo em
que me livro dos saltos. Ele me olha uma única vez e se vira em direção aos
degraus da entrada, chamando o motorista.

Eu me jogo no sofá e fecho meus olhos, tenho vontade de chorar e


não sei nem por onde começar a enumerar todos os motivos. Valeria a
pena? Realmente valeria a pena estar passando pelo que estou passando?
Isso fazia algum sentido?

Escuto passos na sala e abro meus olhos, encontrando uma das


empregadas tirando o pó da estante. Não sei quanto tempo iquei de olhos
fechados em meio aos meus pensamentos, então desejo bom dia e ela me
responde educadamente, suspiro baixinho, pego meus sapatos no tapete e
me levanto, saindo dali, talvez eu precisasse de uma boa ducha ou... paro
em frente à porta do escritório de meu pai, escutando uma movimentação
ali dentro, e estranho, já que ele só permitia limpezas no cômodo quando
ele estivesse em casa.

Abro a porta e me assusto ao constatar que Trevor está parado


em pé ao lado da imponente mesa de meu pai. Ele descansa uma mão
sobre uma pasta, me olhando de volta e, por mais que eu queira suspeitar
de sua presença, ele não deixa transparecer muita coisa no olhar.

Entro no escritório:
— O que está fazendo ainda aqui? Não ia para a empresa? Não te
vi voltar.

— Esqueci uns papeis. — ele pega a pasta e a coloca debaixo do


braço. — Você estava cochilando no sofá, não quis incomodar, preciosa.
— Eu não cochilei, estava apenas pensando. — ignoro sua fala e o
modo irônico que sempre me chamava de preciosa e ando até a mesa,
ajeitando minha saia. Apoio minhas mãos na cadeira de Desmond e olho as

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folhas espalhadas sobre a mesa, um porta lápis com algumas canetas, o


laptop fechado e um pequeno abajur desligado.
— Cochilando ou não, não quis incomodar dizendo que voltei pra
pegar uma pasta. Ou preciso dar conta de meus passos para minha esposa?
— ele completa, parecendo levemente irritado e não gosto daquilo.

Calço meus sapatos, desviando meu rosto de seu olhar


intimidador.
— Não precisa me avisar de nada, tenha certeza que pouco me
importa o que faz com o seu tempo — respondo sem freios e não entendo
como consigo dizer coisas para ele que normalmente me incomodo apenas
em pensar. Eu não costumava falar assim, agir em reação, sem pensar
muito antes... Mas Trevor tinha um poder estranho de me levar ao limite.

Ele dá a volta na mesa, me alcançando, e eu ico estática no


mesmo lugar. Seu olhar desvia de mim e para no porta-retratos em cima da
mesa... Desmond, Sophia e eu ainda criança, em frente à Torre Eiffel... Eu
odiava aquela foto. Ela nunca quis dizer nada para meu pai além de uma
imagem de “pai amoroso” para seus clientes, investidores ou sócios.
Imagem. Apenas aquilo e nada mais.
Ela deveria estar no lixo há muito tempo.

Uma viagem que ele dizia para os que lhe interessavam que foi
um tempo que tirou para a família, mas que ele deixava de lado o fato de eu
ter icado no hotel o tempo todo com as babás enquanto ele e minha mãe
iam à jantares de negócio ou celebravam em festas... tudo sem mim... ali eu
vi o quanto eu importava para meus pais: fotos ostentando uma família
feliz, imagem.
Trevor se demora analisando-a e eu não consigo não perceber
uma sombra de emoções em seus olhos antes de ele se voltar para mim. Eu
tinha imaginado aquilo...? Ele inspira profundamente e eu não aguento
mais ser engolida por toda a estranheza daquele momento. Ele que

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voltasse para a empresa ou pegasse o que quisesse naquele escritório, não


tinha porque eu icar por ali nem mais um minuto!
Sem nenhuma educação, passo entre Trevor e a mesa, quase o
empurrando com meu ombro, no entanto ele segura meu braço e trava
meus passos:

— Ellie...? — Trevor toca com delicadeza meu queixo. Eu o ito,


sem saber o que dizer. — Não precisamos ser inimigos. Esse casamento
não precisa ser um martírio.
Ele percebe a raiva em meus olhos e me solta. Eu sugo o ar e
expiro calmamente:

— Mas já é desde que eu disse sim para você, Trevor Willians. —


rebato, seca.
— Tudo bem... — ele responde parecendo resignado e tenta
disfarçar algum sentimento. Vejo seu pomo de Adão subir e descer
enquanto engole suas possíveis perguntas. — Estou indo para a empresa.
Volto antes das sete.

— Como disse, não me importo com seu cronograma.

Trevor estanca os passos antes de chegar à porta e se vira,


ostentando um sorriso cínico para mim:

— Você acabou de desperdiçar uma chance, Ellie. Depois não diga


que não tentei ser bom com você. — me lançando uma piscadela, ele se
vira e some pela porta e eu ico paralisada no lugar, entendendo que desta
vez aquilo era um aviso.

Ou uma ameaça.

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Eu tentei, eu juro que tentei.


Talvez não com o esforço que deveria, até porque eu não
conseguia ter tanta empatia assim por Ellie. Ainda assim, dei uma chance a
ela de mostrar que não é como o resto da família, mas pelo visto era di ícil
negar seu DNA.

Olhar para aquela foto... Ellie deveria ter no máximo uns seis ou
sete anos e eu, na mesma época, meus quinze. Eu vivia o luto pela morte de
mi cariño e a família feliz de Desmond viajava para compras em Paris. Eu
me lembro dessa cena como se fosse ontem, meu pai nos contando que
tinha que ir para o trabalho porque su jefe havia ligado pessoalmente da
França pedindo que ele enviasse um e-mail importantíssimo... e aquilo
tinha que ser feito naquele dia... ainda que fosse o funeral de Maria.
Lembro que uma vizinha que cuidava da gente quando meu pai
trabalhava, Celeste, icou horrorizada, mas meu pai tinha dito que ele havia
se solidarizado com a situação e avisado que pagaria os gastos do funeral

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depois. Meu pai só voltou de madrugada e bêbado. Eu e Celeste icamos o


dia todo em casa velando mi hermana e, quando chegou a hora do enterro,
eu quem tive que consolar meu próprio choro de criança.
A família feliz de Desmond viajava enquanto a minha se partia.
Naquela noite, eu tive raiva de meu pai e mais ainda da empresa que ele
trabalhava, do homem que o obrigou a estar longe de nós dois na
despedida de Bee. Eu cuspi no emblema do jaleco de meu pai, esquecido
em cima da cadeira, e soquei sua maleta até ela se abrir e as canetas e
papeis de meu pai se espalharem pelo chão.

No entanto seus passos trôpegos naquela madrugada nem


perceberam o tamanho da minha raiva.
Mas a verdade era que mal eu sabia a minha.

Até descobrir tudo.


Até descobrir tudo.

Volto da empresa com a raiva me entalando a garganta.

Milner Clark estendeu seus dias de descanso e parece que o que


iz ainda não surtiu resultados; Desmond passou a tarde jogando golfe com
alguns investidores e eu não saí de minha sala, resolvendo algumas
questões em in indáveis reuniões com alguns acionistas e seus assessores.

O carajo de uma dor de cabeça parecia queimar minhas retinas,


irradiando pela nuca até me incomodar os ombros, entro por aquela
maldita casa espremendo meus olhos com a claridade de todas as
possíveis fontes de luz acesas e subo a escadaria central de dois em dois
degraus, louco para me jogar na cama no escuro.

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Sophia passa por mim quando alcanço o segundo andar, me


chama e eu bato a porta do quarto sem nem olhar em sua direção, mesmo
sabendo que vou ouvir suas reclamações no dia seguinte, no entanto me
surpreendo com Ellie agachada ao lado de minhas malas, suas mãos dentro
de uma das aberturas laterais.

— Que mierda é essa? — eu berro e ela dá um pulo, quase caindo


sentada no chão. Vou em direção à mala e a pego pelas alças com força,
jogando-a do outro lado do quarto, a raiva atingindo novos níveis dentro
de mim. — O que pensa que está fazendo? — eu avanço na direção de Ellie
e ela recua dois passos, assustada:

— Eu... eu... eu estava vendo o que... o que eu poderia saber sobre


voc...

— Usted já sabe o que deve saber sobre mi, su perra! Eu sou tu


esposo e isso basta, carajo! — vocifero, sentindo minha cabeça explodir, as
palavras se confundindo mais que o habitual em minha mente, não consigo
as traduzir quando estou com muita raiva. — Nunca mais toque nas
minhas coisas sem mi permiso!

— Trevor, eu...
— Eu não quero ouvir carajo nenhum! — empurro-a contra a
parede e ela arregala os olhos, apavorada. — Chega da mierda de sua voz
irritante, chega de suas respostas atrevidas! Usted vai ser para mim o que
sempre foi para essa família! — espalmo minha mão em sua garganta, mas
não a forço, apenas a mantenho no mesmo lugar, paralisada. Encaro-a nos
olhos, obrigando a não duvidar de mim: — Vai baixar a cabeça e me
respeitar, está entendendo, su perra?

Solto-a e ela leva suas mãos imediatamente para o pescoço, eu me


afasto e nego com a cabeça, minha voz soa irritada e eu esfrego meus
cabelos com força:
— Sem drama, Ellie, eu mal te encostei, carajo!

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Ela não fala nada em resposta, apenas fricciona a pele, baixando


os olhos em direção aos pés descalços.
— Você é uma mierda de uma mimada mesmo... — resmungo. —
Não sabe o que é dor, não sabe o que é sofrimento! — eu me viro e saio
imediatamente daquele quarto, me sentindo sufocado dentro daquelas
paredes.

Desço as escadas com passos incertos, meus sapatos escorregam


e eu me seguro no corrimão, estancando no último degrau. A governanta
para no meio da sala segurando uma bandeja e vejo que ela pensa em me
perguntar se estou bem, quase cai do nada, carajo, é claro que não estou
bem, mas apenas passo por ela diretamente e me lanço dentro do
escritório de Desmond, sabendo que meu querido sogro não chegaria
antes das dez naquela noite.

Bato a porta e olho à minha volta, não sei o que procuro, não sei
ao certo o que quero, estantes cheias de livros, prateleiras com troféus e
quadros ostentando os prêmios das Empresas Kane me engolem de volta,
empurro com força um monte de pastas empilhadas em cima da mesa
redonda de reuniões e elas tombam no chão, espalhadas, pego um peso de
papel de cristal de cima da escrivaninha e levanto meu braço, me detendo
no último segundo antes de lançá-lo contra a parede.

Não, não, não, carajo, não!


Eu não posso sair de mim assim, não posso, mierda!

Jogo o peso no sofá de canto e arranco minha gravata, indo em


direção ao buffet, entorno a garrafa de um uísque em um copo, enchendo-o
até a boca e na hora em que o sabor alcança meus lábios, a porta é aberta e
Ellie entra em meu encalço.
Ela parece nervosa e ansiosa, o robe de seda tem a faixa aberta e
revela a camisola preta por debaixo, seus lábios tremem tanto quanto suas
mãos quando ela levanta um dedo para mim, em um ato ousado que

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imagino que tenha juntado toda coragem em seu sangue depois do show
que dei lá em cima em seu quarto:
— Nu-nunca... — ela balbucia. — Nunca... mais... encoste em
mim...

Gargalho alto, terminando de estourar meu cérebro e ela se cala


na mesma hora.
Pego em seu punho e a puxo para mim, seu pequeno corpo bate
contra o meu e ela tenta se soltar, forço mais ainda os meus dedos em sua
pele, deixando o copo de uísque quase intocado sobre o buffet. Se ela
pensou que aquilo era dor ao segurar seu pescoço, agora eu mostrava o
que não iz em sua garganta, cravando minhas unhas em sua pele.

— Eu toco onde quiser, Ellie! Você é mi esposa!


— Não! — ela rebate, quase engolindo sua saliva e ofega,
temerosa, quando desço meus olhos sobre os seus, pegando sua cintura
com a outra mão.

— Não o que, Ellie? — deslizo meus dedos pelo robe aberto e os


in iltro no decote às costas. — Não é minha esposa ou não posso te tocar?
Porque, pelo sei, houve um casamento. — aperto sua bunda e sussurro em
seu ouvido. — E, pelo que vimos, você goza até quando não te toco,
preciosa.
Ellie tenta me empurrar, mas eu travo seus gestos, segurando-a
irme. Sua respiração está descompensada e seus olhos gélidos tornam-se
os azuis mais cinzas que já vi em toda minha vida, ela é deslumbrante com
raiva e gosto daquilo mais do que deveria, gosto de impelir o ódio dentro
dela, como um desa io a mais para ferver meu sangue.

Para me distrair do que normalmente ferve meu sangue... mi


venganza...

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— Me solta, Trevor! — ela sibila e eu a faço recuar alguns passos,


batendo sua bunda no buffet, as garrafas se chocam umas com as outras e
meu copo despenca, espatifando ao nosso lado, sinto muitos pingos
molharem minha calça, mas não desvio os olhos do rosto de Ellie.

Seus traços nem sempre são delicados, agora mesmo percebo que
seu rosto tem a forma de um diamante, as maçãs do rosto se destacam
rosadas e os lábios são grossos, carnudos, perfectos. O nariz parece que foi
desenhado para viver empinado, o que só acentua mais ainda quando ela o
revira para mim.

Inspiro pausadamente, com o único objetivo de não a esmagar


entre meu corpo e o buffet enquanto sinto meu pau crescendo
vertiginosamente.
— Eu cumpro todas minhas promessas, Ellie! — seguro seu
queixo e, bem diferente do que iz horas atrás ali mesmo no escritório,
desta vez não sou delicado. — Você não vai me enfrentar.

Deslizo meus dedos por seu pescoço e seguro sua nuca entre os
ios de seus cabelos soltos, trazendo sua boca para a minha. Eu a beijo
furiosamente, meus dentes roçam em seus lábios e a arranham, ela se
debate enquanto levo o braço que ainda seguro em direção ao volume de
minha calça, espalmando seus dedos em cima de meu pau:

— Olha como você me deixa, Ellie, olha como a porra de su cuerpo


me deixa! — encaro-a nos olhos. — Toda vez que você me deixa puto, eu
ico duro e quero enterrar meu pau em sua boca como castigo, Ellie, até
você engasgar com meu gozo! — ela engole em seco, soltando seus dedos
da minha calça. — É isso que você quer que eu faça, Ellie? É isso que você
pretende, me desa iando assim?

Eu a viro de costas repentinamente, as garrafas da bandeja de


prata caem no chão, estilhaçando-se, mas não me importo se custam
milhares de dólares ou que sejam inestimáveis, estou com raiva e tesão e

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nada vai me distrair da bunda gostosa de Ellie que forçosamente empino


para mim.
— Você quer chupar meu pau? Quer sentir meu gosto? —
pergunto, levantando sua camisola e exalando excitação ao ver a pequena
calcinha roja que ela usa en iada no rabo. Debruço sobre ela, alcançando
seu ouvido: — Porque eu quero sentir o seu gosto e prometi que lamberia
seu próximo gozo.

Ellie ofega em resposta e, mesmo que não me diga nada, quando


en io meu dedo por debaixo da calcinha, ela arqueia as costas, espalmando
a mão na parede atrás do buffet. Aquilo claramente era um sim, um sim
que arranhava o papel de parede com unhas esmaltadas de azul turquesa
enquanto eu ensaiava masturbá-la.

— Você quer que eu sinta seu gosto, preciosa? — deslizo meu


dedo por sua buceta e ela arfa, levantando o rosto e olhando em volta,
como se tivesse em dúvidas se aquilo era uma opção razoável.

Consigo ver em sua testa como ela está confusa, como passou da
raiva por mim ao tesão em poucos segundos. Vejo que mira a mesa de
Desmond e fecha os olhos imediatamente, um pequeno e fugaz sorriso
perpassa seus lábios antes de ela mordê-los.
Murmuro um palavrão, intrigado com aquilo:

— Carajo... Quer que minha língua te coma no escritório de tu


papá, Ellie?
Não deixo que ela me responda: pego-a no colo em um impulso e
recuo três passos, sentando-a na mesa de Desmond, empurro com um
braço os papéis sobre uma pasta aberta e Ellie não emite reação alguma
vendo a bagunça que faço para liberar espaço para o que pretendo fazer.

Quando meus olhos encontram os seus, ela nem pisca.

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Seguro suas coxas e a puxo para mim, sua bunda escorrega na


madeira e minha boca alcança a sua no exato momento em que enlaço suas
pernas em minha cintura, puxando seus cabelos e lambendo seu maxilar.
Volto para seus lábios e me assusto ao perceber que ela corresponde ao
beijo, mas no mesmo segundo empurra meu rosto para o lado e se joga
para trás, deitando su cuerpo à mesa ainda com as pernas entrelaçadas a
mim.

Que mierda era aquela...?

Meu pau não me deixa pensar muito, a adrenalina sobe pelo meu
peito e ico sério, apoiando as mãos em volta de seu quadril. Eu me
debruço um pouco sobre ela, notando que fecha os olhos e morde seus
lábios, quase os engolindo... Ellie parece completamente em dúvidas em
meio aos seus desejos e aquilo me impele muito mais a querer arrancar
dela tudo que mereço dos Kane!
Pego seus tornozelos, desenlaçando-os de mim e elevo suas
pernas no ar, segurando seus pés cruzados... aquela cena me alucina, a
bunda lisinha, as coxas delicadas, as pernas esticadas, a calcinha vermelha
se destacando na pele clara, carajo, carajo, passo a mão pelo meio das
pernas dela, sentindo a umidade no tecido ino e com o polegar pressiono
o clitóris, fazendo movimentos circulares antes de penetrá-la.

Ela está tensa, suas pernas duras elevadas, mas sinto


estremecerem em minha mão, que ainda a segura pelos tornozelos, meus
olhos a devoram, empurro a calcinha para o lado e meu dedo agilmente
começa o lento movimento de entrar e sair, meu pau lateja implorando
para rasgar minha calça e fodê-la com força, mas respiro fundo, inalando
seu cheiro ao descer meus lábios sobre sua buceta: hoje eu iria amansá-la.
Si... si... Era só isso, eu iria domá-la... fazê-la ver que eu a
dominaria em todos os sentidos... suas ações teriam consequências... boas

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ou ruins... eu seria dono de todos os desejos de Ellie Kane... até os seus


mais sombrios... até eu dizer im.
— Meu Deus! — ela suspira forte, os olhos cerrados, e sim, eu me
sinto bem poderoso em fazê-la se dobrar assim a mim, toco o clitóris com a
ponta da língua, ela enverga as costas e tenta abrir as pernas, mas eu as
mantenho fechadas, ainda as segurando irme, chupo sua buceta e inalo
aquele cheiro inebriante.

Eu a chupo avidamente e Ellie solta seus braços da cintura,


derrubando o pequeno abajur, xingando baixo em seguida. Eu en io minha
língua, sugando com mais vontade, lambendo, penetrando-a e ela geme
descaradamente... não entendo algumas de suas palavras entrecortadas,
aliso meu pau por cima da calça e mordisco sua virilha, lambendo sua
calcinha embolada e subindo minha língua por suas coxas, sentindo a
tensão de seus músculos.
Sorrio em sua buceta, convencido.

Eu sabia como mexer com os deseos de una mujer... não cheguei


até aqui sem usar de minha aparência ou... dotes...
Repentinamente, abro suas pernas e sorvo sua buceta, Ellie dá um
gritinho assustada, e eu a como com minha língua, en iando-a com força,
que desliza com sua lubri icação, elevo o braço até um de seus seios e o
revelo, puxando o decote da camisola.

Ellie levanta o rosto para mim por um segundo, mas tomba a


cabeça de volta mirando o teto e arfando alto conforme o envolvo,
pressionando o mamilo arrebitado. Suas coxas me apertam e ela se revira
sobre a mesa, derrubando tudo que Desmond deixava por ali, canetas,
porta-retratos, laptop, seus óculos...
— Puta que pariu! — Ellie agarra suas próprias pernas e vejo que
inca suas unhas nelas, beijo de maneira pornográ ica sua buceta, cuspindo

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e esfregando minha língua com força em seu clitóris e ela urra baixo,
tentando se conter.

Sinto que goza em meus lábios e aquilo me alucina, quero incar


meu pau em sua buceta e escutá-la gritar em resposta, ela geme e arfa sem
parar, levanto meus olhos e miro suas mãos passando por seus seios,
apertando-os, descendo sensualmente por su cuerpo, ela lambe seus lábios
e seus olhos oscilam enquanto deixa os braços penderem aos poucos na
mesa, derrubando mais alguns itens da escrivaninha.

Eu me afasto de suas pernas e vejo que ela imediatamente me


procura, os olhos assustados para mim. Meu pau lateja e pulsa cada vez
mais forte, não, aquilo não tinha acabado ainda, eu puxo seu braço, içando-
a, e a pego no colo, segurando-a pela bunda. Ellie grita assustada e eu a
giro, chocando suas costas contra a estante, alguns livros despencam, um
troféu cai de lado e eu arremato sua boca, lambendo seus lábios:
— Esse é o seu gosto, Ellie. — eu a beijo mais uma vez, ela parece
aturdida, tentando me retribuir, mas sei que imponho mais força que
deseja, estou in lamado de tesão, tão ensandecido que sinto que posso
perder minhas razões. — Como prometido, na minha boca. — eu esfrego o
volume de minha calça na sua buceta molhada pelo seu gozo e por minha
saliva e sinto que instintivamente ela aperta suas coxas em minha cintura.
— Esse é meu pau, Ellie. — eu me esfrego com mais vontade, a estante
treme, o troféu rola e cai no tapete. — Você quer que eu faça alguma
promessa para ele también?

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07

— Como assim você não vai me contar detalhe nenhum sobre


esse casamento, Ellie?
Deslizo minha cadeira para trás e miro Lennox com o copo de café
parado na altura dos lábios. Eu tinha chegado cedo à faculdade, antes
mesmo de Chloe, que sempre madrugava na sala de aula, ou de Abby, que
nunca deixava de aparecer como se fosse turista e não uma das alunas... Eu
tentava, em vão, me focar no nosso trabalho, nada luía, principalmente
porque a cena da noite anterior não me saia da cabeça.

Como pude me deixar dominar daquela forma? Como fui da raiva


ao tesão em segundos?

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Lennox tinha chegado poucos minutos depois de mim, com seu


pulôver de poá e boina francesa, e me agarrou logo que me viu, querendo
saber detalhes de minha lua de mel. Eu insistia que mal conhecia meu
marido e ele insistia dizendo que aquilo não era possível, que passamos
uma semana em um cruzeiro, não só daria para eu conhecer Trevor de
cabo a rabo, como daria para meu marido conhecer meu rabo também.
Sim, ele disse isso com essas palavras, exatamente essas. Desbocado e
safado que só ele.
— Não tenho o que contar! — respondo num muxoxo. — São só
negócios, Lennox, nada mais.

— Cruzes, parece que estou acompanhando um romance de


época. — ele assopra seu café. — Hoje em dia alguém ainda casa por
contrato? É alguma coisa que bilionários têm que fazer? — ele bebe um
gole e estala a língua, chiando que a bebida ainda está quente. — Porque
Deus me livre de casar e não poder foder meu marido a noite toda!

Tiro meus saltos e cruzo as pernas sobre a cadeira, massageando


meus pés e olhando o laboratório de computadores ainda vazio. Lennox
me olha de rabo de olho e eu desvio o rosto, mirando a tela do computador,
nosso trabalho pela metade.

— Você não me parece muito insatisfeita sexualmente. — ele me


disseca por mais um tempo e repentinamente assovia e arregala os olhos,
me chamando atenção para a boca em O que se precipita por seus lábios.
— Minha adorada deusa do Egito, Ellie... você deu para seu marido???

— Não! — respondo, mas acho que rápido demais. Lennox larga o


copo ao lado de seu teclado e desliza as rodinhas de sua cadeira, usando a
bancada do computador como alavanca para se impulsionar até mim.

— Não o quê? Não deu ou não está insatisfeita sexualmente?

— Não dei, Lennox! Não dei! — empurro sua cadeira para trás,
mas a minha desliza em conjunto. — Qual parte você não entendeu que

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nem conheço ele?

— Ah, tá. E isso impede alguém... — ele rola os olhos. — Eu


mesmo tenho um encontro hoje à noite e nunca vi o cara, só as fotos da
rola dele.

Rio baixo e ele trava minhas mãos, me puxando para perto de si,
as rodinhas guincham estridentes ao rolarem pelo piso, mas o som é
abafado pela gargalhada de meu amigo:
— Eu vi as fotos de seu marido nos sites, Ellie! Eu teria dado na
primeira fuzilada de olhos que ele me desse. Sou louca num moreno,
simplesmente loucaaaa num moreno com cara de mau!

Tenho que respirar fundo para não entrar na onda de meu amigo;
quando se tratava de homens de terno, ele saia de si e, por mais que eu
tivesse alguns momentos com Trevor que poderia compartilhar com
Lennox, saciando sua sede por safadezas, nem eu mesma conseguia digerir
aquilo. Por isso mesmo queria me manter calada, ou pelo menos na
defensiva:

— Como eu te disse, Lennox, são só negócios. Tenho uma imagem


para zelar. — dou um tapinha em seu ombro, fazendo uma careta. —
Coisas de bilionários... — zombo e ele cruza os braços, me itando. Estico
minhas pernas e devolvo meus pés para o chão, retornando minha cadeira
para frente de meu computador, sentindo os olhos verdes de Lennox sobre
mim ainda. — O que foi? — pergunto, sem olhar para ele.

— E você está bem com tudo isso? Quer dizer, Ellie... você mal nos
contou o que está acontecendo, de uma semana para outra anunciou seu
casamento, disse que não nos convidaria porque eram só negócios... que
negócios incluem não só uma lua de mel, mas o maior comprometimento
de sua vida?
Apesar de sua voz estar branda, eu sinto a tensão em cada uma
das pausas nas palavras de meu amigo. Suspiro, meneando a cabeça um

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tantinho só para ele e concluo, sem deixar que lhe restem dúvidas:
— Não, Lennox, você está errado. Um casamento não é o maior
comprometimento de minha vida. Essa faculdade é, ser enfermeira é. Você
e Chloe são.

— Eu pesquisei sobre ele durante a semana. — Chloe tamborila a


caneta em cima do caderno em seu colo, apontando para o computador
ligado à nossa frente. Ela tinha chegado minutos depois, quando outros
alunos foram ocupando outras cadeiras, à espera da aula começar e nem
me esperou dar notícias sobre mim, sentando-se ao meu lado. — Mas não
achei muita coisa, só o básico, Trevor Willians, sem qualquer rede social.
Na verdade, há pouco dele na internet. Apenas seu nome ligado à empresa
de seu pai, Ellie. — mexe negativamente a cabeça e ainda parece
apreensiva. — Acredito que ele seja bem rico, vi que é formado em
Administração pela Harvard e Farmácia pela Yale. Além de inteligente,
obviamente.

— E bonito. — Lennox complementa e nós duas o encaramos. —


Mas isso vocês sabem, é claro.

Desvio meu rosto para Chloe e ela revira os olhos, pegando minha
mão:
— Desculpe, amiga, não consegui mais nada além do que você
sabe.

— Tudo bem, Chloe, na verdade nem precisava ter se dado ao


trabalho. — deixo meus ombros caírem porque minha amiga, ilha de

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jornalista renomado do NY Times, era minha última esperança no quesito


fuxiqueira investigativa. — De qualquer maneira, obrigada por tentar...
Chloe se cala e nos itamos por alguns segundos antes que ela
desvie o rosto ao escutarmos os saltos pelo piso de madeira. Levanto meus
olhos a tempo de ver Abby se jogando no colo de Lennox, entupindo-o de
beijos estalados.

Seu cabelo loiro vira uma cortina que tapa o rosto por completo
de meu amigo durante alguns segundos antes de ele a empurrar de volta
para o chão, limpando as bochechas teatralmente. Abby ri alto e nos ita
com ar blasé antes de olhar a foto de uma manchete em que meu pai e
Trevor apareciam fechando algum negócio:

— Ah, é! Você casou, não casou? — ela pisca para mim. — Sorte
sua, Lily! Bonito e rico e sem trabalho algum, de presente do papai! —
Abby joga os cabelos para os lados e olha para Lennox: — Tenho Francês
agora, a gente se fala mais tarde, querido. — então sai pelo laboratório sem
se despedir de mim ou de Chloe e eu ico parada no mesmo lugar, ainda
meio pasma com sua atitude.

— Não liga, Ellie. Ela icou chateada porque você não a convidou
para o casamento. — Lennox cochicha para mim de olho na porta e eu
suspiro, desanimada, sem saber mais o que falar sobre esse assunto.
Chloe e Lennox tinham me entendido quando expliquei que não
os convidaria porque aquilo tudo não fazia sentido para mim, não havia
nada para comemorar ali, mas Abby pelo visto não gostou de meus
argumentos. Eu me sinto frustrada porque, de nós quatro, ela era minha
amiga de infância e deveria me entender... no entanto não se esforçava para
isso.

Olho para o professor assim que ele entra pela sala e afundo, em
algum lugar bem escondido dentro de mim, o ressentimento que me

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invade quando penso que Abby nem sempre era muito diferente de seu
irmão, Patrick.

E isso deveria me dizer alguma coisa, ainda que eu tentasse


relevar.

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Olho toda a ostentação da sala daquele mierda, tentando engolir a


ojeriza por brindar nossos copos antes de engolir a bebida num gole só sob
seu olhar de abutre. Tudo de mais moderno e supér luo se encontrava
entre aquelas quatro paredes em sua sala nas Empresas Kane, potência e
poder misturados em obras de arte, madeira de lei, ouro e prata nos
móveis e enfeites, como se o mundo ovacionasse seus pés.
Desmond Kane era a escória da humanidade e agora eu fazia
parte não só da sua empresa como de sua família.

— Como foi a lua de mel, ilho? — ele pergunta com um sorriso


bajulador, enchendo meu copo outra vez, eu nem poderia imaginar que
falasse da própria ilha se pegasse aquela pergunta desavisado. Eu não
suportava como ele me chamava de ilho... si si, que yo seria hijo de um
ratón de mierda como ele... seu sangue nunca se misturaria ao meu...
inspiro com calma, mas sempre sorria inferindo orgulho em meus lábios
quando ele me dava a “honra” de demonstrar seu apreço.

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De qualquer maneira, era uma vitória para mim, muito melhor do


que sequer imaginei. O único sangue em mim, seria o que eu tiraria dele.
— Ainda estamos nos conhecendo, Desmond. — respondo,
tentando suprimir o máximo possível meu sotaque. Não que ele não
soubesse que não nasci nos Estados Unidos, era óbvio que eu não era
natural, ainda que tivesse a cidadania americana. No entanto, eu sabia que,
quanto mais me aproximasse dos homens que ele realmente admirava,
melhor me sairia, e meu sotaque era uma eterna lembrança do quanto eu
era diferente.

Xenofobia não fazia exatamente parte da lista de coisas que ele


disfarçava muito bem em não ostentar, não eram raras as vezes em que o
ouvi falando do motorista ou de um dos coordenadores do telemarketing,
rebaixando-os apenas pelo país de nascimento.

De qualquer maneira, na identidade que eu tinha agora e que fazia


parte de meu currículo sondado por ele anos atrás, “ter nascido na
Espanha” deu mais prestígio do que eu consideraria em qualquer outro
país de língua latina. Antes ser europeu do que de qualquer um dos países
de terceiro mundo que ele tanto menosprezava.

Fazia parte da identidade Trevor Willians: ilho de mãe americana


e pai espanhol, residente em San Francisco desde meus dez anos e aluno
número um da Havard em Administração.
De verdade no meu currículo, apenas que eu era formado em
Farmácia em Yale. Mesmo assim, não Miguel Guzmán, mas Trevor Willians.

Tão óbvio que chegava a ser risível! Bando de cagóns boludos!


— Coloque-a no lugar dela, Trevor. Uma esposa modelo... é a única
coisa que ela deve ser, não deveria ser muito di ícil, deveria? — ele aperta
o botão da secretária eletrônica e avisa algo para Sheyla, eu espero seja lá o
que for percebendo o quanto é estranho o jeito que se refere à própria
ilha.

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Não que eu esperasse muito de um homem como ele, mas... algo


não se encaixava... antes de eu me casar, ele tecia elogios sobre a beleza e
prosperidade da ilha, uma jovem que só precisava de alguém para guiá-la
e era claro que muitos dos elogios só apareciam porque ele objetivava
nosso matrimônio, no entanto era drástica a mudança no tom de sua
conversa agora.

— En im, posso contar com você outra vez nesse projeto que
acordamos, Trevor? — ele me corta o luxo de pensamentos e eu deixo
meu copo quase intocado em cima do descanso em sua mesa, sabendo que
é minha deixa para sair dali o quanto antes.

— É claro que sim, Desmond. Sempre. — respondo


imediatamente sabendo onde ele queria levar aquela conversa... os
genéricos do laboratório que esperavam minha assinatura para serem
liberados antes de serem inspecionados... viejo de mierda... hijo de uma
puta...
Sorrio, ajeitando minha gravata, concluindo que foi exatamente
tê-lo salvado uma vez de uma indenização de mais de um bilhão de dólares
com uma assinatura minha que o fez con iar em mim daquele jeito... a
ponto de me dar de bandeja a mão de su hija... e entendo que teria que
fazer aquilo outras vezes até... acabar com a raça dele de uma vez por
todas!

Eu me despeço, no entanto antes que eu saia, Sheyla entra pela


sala sem pedir licença, sua voz um guincho frenético puro e a única palavra
que entendo saindo de seus lábios inos é “polícia”.
Desmond se levanta imediatamente da mesa, derrubando pastas
ao chão ao sair da sala como uma bala de revólver, e eu me olho no espelho
ao lado da porta... olhos escuros me itam de volta e agora são esses que
sempre me encaram, me distanciando in initamente do Miguel Guzmán
que um dia fui:

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— Uno a uno, hasta que se derrumben todos ... por ti, Maria, por
ti, mi Bee.

Tento não transparecer o prazer que sinto ao confrontar aquela


cena: Milner Clark com as mãos algemadas para trás e as luzes rojas e
azuis tingindo a entrada das Empresas Kane.
Desmond está furioso, urrando como loco, e eu o encaro agora em
dúvida quanto a qual cena me era mais prazerosa. Meu sogro grita com
todos ao redor, mandando que voltem para seus trabalhos, e seus
seguranças parecem aturdidos atrás dele, que vai e volta pelo lobby da
empresa berrando com alguns funcionários o que devem fazer antes de
sumir pela porta do elevador.

Eu me demoro mais alguns minutos por ali, contemplando a cara


apavorada do velho dentro da viatura da polícia, ele olha a sua volta sem
entender de onde tudo aquilo poderia ter saído. Ele obviamente não tinha
checado a caixa de saída de seu e-mail e tinha chegado minutos depois da
empresa abrir com um bronzeado das férias que julgava merecidas depois
de mais de trinta anos servindo Desmond.

Cabrón patético...
Eu tinha praticamente forçado essas férias, incutido em sua
cabecinha oca e oleosa o quanto ele merecia aquele descanso, ainda mais
depois de conseguir o melhor cargo da Kane, somente uma cadeira abaixo
da de Desmond. Quinze dias apenas, eu havia dito em um de nossos
almoços, você merece comemorar, merece... essa empresa não seria nada
sem seus serviços, senhor Clark, nada...

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Dou uma piscadela para ele assim que o carro sai da vaga e vejo
em seus olhos o pavor ao confrontar meu sorriso, completamente perdido
com aquilo. Ele não fazia ideia do motivo de estar sendo preso, mas eu
apenas fechava o botão do meu paletó à caminho do elevador pensando
que sim... Sí! O velho havia recebido o que merecia.

Agora eu subia rumo à cadeira que ele sentava e... eu só estava


começando.

Entro no elevador e agradeço mentalmente por estar sozinho no


tempo que ele leva para subir os próximos quarenta e sete andares.
Eu não parecia sentir mais nada... e nossa, como eu estava errado!
Raiva, dor e prazer se misturavam às sensações dos últimos dias e aquilo
estava alucinando de vez com minha sanidade. Eu conseguia sentir todo
meu discernimento escorrer por meus dedos toda vez que eu a tocava,
mas, ironicamente, Ellie me fazia sentir mais lúcido quando gemia em
resposta. A ideia de fodê-la era uma linha tênue entre prazer e vingança e
aquilo era libertador!

Carajo... Eu podia fazer os dois. Eu queria fazer os dois.


Quando as portas se abrem, vislumbro o agito, con irmando
minha certeza sobre onde eu deveria me sentar a partir de agora... não que
minha sala tivesse uma vista ruim ou que não houvesse uma placa com
meu nome em frente à porta, não, nada disso.

Eu tinha uma das melhores salas da empresa, assessoras


particulares, secretária, um cargo renomado e tudo isso em pouco menos
de seis anos ali dentro. Agora, a placa de minha sala ostentava um Kane

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ligado ao meu nome, depois de meu casamento com Ellie, mas ainda
assim... não era o ”vice-presidente” que sobrepunha a ele. Ainda.

Ane nem dá tempo para que as portas do elevador se fechem atrás


de mim, me entregando um copo de café quente:

— Senhor Willians, alguns acionistas já estão na sala de espera.


Eles chegaram mais cedo, mas já os acomodei.
— Que esperem então. — respondo de má vontade, não iria para
mierda de sala de reuniões nenhuma, não se Desmond não estivesse lá, não
se não fosse para anunciarem minha promoção. — Vou primeiro tomar
meu café e ver meus e-mails.

— Mas senhor Willians, estão à sua espera. — o tom de voz de


Ane me chama a atenção e eu olho para ela antes de seguir adiante pelo
corredor, parando minhas passadas.

— O que foi desta vez, Ane? A reunião está marcada só para daqui
a meia hora!

— Eles adiantaram. Parece que a notícia da prisão do senhor


Clark chegou antes mesmo de acontecer. Para todos os acionistas, senhor
Willians. — ela praticamente sussurra e vira seu rosto, mirando através do
corredor até a sala onde os acomodou. Sua mão encosta levemente em
minha cintura e ela me incentiva a seguir a direção de seus olhos, então eu
miro o vidro que separa aquela sala do extenso corredor. — O senhor Kane
disse que tem um anúncio a fazer.
Meus olhos descem pelo decote da senhorita Ane, me lembrando
da sensação da pele macia de seus seios fartos e eu sorrio para minha
assistente, aquela dulce mulher ingênua e carente de atenção. Tão tola
quanto seus lábios ao me contar as fofocas do dia enquanto me beijava nos
encontros tórridas que compartilhamos quando eu ainda trabalhava no
andar debaixo, dois anos atrás.

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Ela já era noiva do cagón do inanceiro, mas não resistiu aos


encontros proibidos dos almoxarifados, salas de xerox ou motéis na hora
do almoço, sendo a isca inocente que eu precisava para muitos dos dados
que tive, não só sobre o dia-a-dia da empresa, quanto às situações iscais
que seu noivo fornecia, certamente con iando no pacto que mantinham na
aliança dourada que compartilhavam em suas mãos.
Pobre coitado...! Um cornudo de mierda!

Olho outra vez em direção à sala de reunião e agora sorrio ao ver


que Desmond se encaminha para lá. Ele me olha por um momento,
meneando a cabeça num movimento vigoroso, não me restando dúvidas de
que devo segui-lo prontamente
No caminho, olho para a sala aberta de Milner e sorrio ao me
imaginar ali nas próximas horas. Os planos retornavam aos eixos e, se tudo
saísse conforme o estipulado, não me faltaria muito para ver aquele
império ruir.

Nem que eu caísse junto!

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08

À noite, quando me deito em minha cama, estranho que eu ainda


esteja sozinha.

Jantei sem a companhia de ninguém, o silêncio claustrofóbico


dominando aquela casa, minha mãe sabe-se lá onde, meu pai certamente
ainda na empresa cuidando do estrago que o senhor Clark tinha feito; eu
havia visto os noticiários, as escandalosas descobertas das vendas de
dados con idenciais para a empresa de fármacos rival.
Desmond deveria estar surtando, con iava naquele velho desde
sempre, antes mesmo de eu ser nascida. Trevor provavelmente estava com
ele e aquilo soava reconfortante: eu não saberia como encará-lo depois da
noite anterior.
Fecho meus olhos e miro o teto escuro, tentando entender como
eu me sentia atraída por aquele homem. Sim, eu já tinha confessado isso
para mim mesma, era óbvio. Ele era atraente, então aquilo não era

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surpresa: bonito, cara de mau, um corpo de inido, o sotaque sensual... o


pacote completo para atrair meus olhares.
O olhar de qualquer mulher.
Tirando isso, nada.
Era aquilo e ponto, atração. Como seria mais? Eu não o conhecia.

Mas eu também tinha certeza que minha atração se devia à aura


de mistério que ele trazia consigo, sem contar toda a raiva que ele me fazia
transformar em tesão quando apertava os dedos contra minha pele e
sussurrava em meus ouvidos. Eu tinha dentro de mim uma perversidade
que eu desconhecia e a descobri dentro do escritório de meu pai na noite
anterior.

Não foi só o que aconteceu com Trevor, mas o que aconteceu ali
dentro. Ser insubordinada, inconsequente bem “debaixo dos olhos de meu
pai”... pela primeira vez eu sentia como se me vingasse, de alguma maneira,
de suas imposições. Nunca fugi quando adolescente para me encontrar
com nenhum namoradinho, nunca bati a porta na cara de Desmond
quando me senti afrontada por suas ordens, nunca pude ser uma jovem
rebelde já que todo o peso hierárquico dos Kane me envergava as costas.

Sorrio sozinha... pela primeira vez me senti livre, dona de minhas


vontades... e era irônico que isso tivesse acontecido exatamente com o
homem com quem fui obrigada a me casar.

Acordo com o peso no colchão, mas não quero abrir meus olhos...
Não de imediato. Sinto meu travesseiro se mover e o lençol desliza até

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praticamente o meu pescoço. E então o aroma almiscarado alcança meu


nariz.
Trevor.

Viro meu rosto e abro apenas um olho lentamente, vislumbrando-


o deitado ao meu lado, seu per il para mim, o rosto para o alto, o braço
jogado em cima dos olhos. Amanheceu em algum momento e eu nem havia
percebido que tinha adormecido. Suspiro e o mínimo exalar de meus lábios
chama sua atenção: Trevor se vira para mim e se mantém em silêncio
enquanto me ita.

Não falamos nada.

— Chegou agora? — pergunto em um io de voz, sem querer saber


o motivo de minha curiosidade. Aquilo não importava. Não deveria
importar.
— Não foi você mesma que disse que não queria minha agenda?
— seu olhar é frio e distante, mas sua voz é mais. — Agradeça por eu ainda
me deitar nessa cama ao seu lado, preciosa.

Engulo em seco e me viro para o outro lado. Agradecer?


Agradecer o que, exatamente? Para início de conversa quando eu tinha em
mente dividir a cama com meu marido, seria um homem que eu amasse.

Trevor respira profundamente e, surpresa, acompanho-o se


levantar da cama, sendo que mal tinha deitado. Observo-o desabotoar a
camisa e compreendo que ele ainda estava com a mesma roupa de ontem,
seja lá onde ele tenha passado a noite, não teve nem o trabalho de disfarçar
qualquer coisa para mim. Inspiro pensando que nem fazia sentido: ele
tinha deixado claro que nosso casamento eram negócios, por que se
manteria iel, não procuraria outras mulheres?

Tapo meu rosto com o lençol sem acreditar que eu estava


sentindo ciúmes daquele homem! Ellie, sua idiota! Sua idiota! Do que

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exatamente você está sentindo ciúmes? Ele te ameaçou ontem, ameaçou!


Escuto o chuveiro ligado e me levanto abruptamente, calçando
meus chinelos e vestindo meu roupão sobre a camisola. Saio do quarto,
desço as escadas desejando bom dia aos empregados, ainda que meu
semblante certamente não esteja dos melhores, e entro pela sala de jantar,
encontrando meu pai tomando café ao mesmo tempo em que berra ao
celular com algum assessor dele.

Pego um suco de laranja e não o cumprimento, tampouco ele se


importa, empurrando a cadeira para trás e se levantando na mesma hora
em que me sento. Não nos falamos desde meu casamento, porém aquilo
não era bem uma novidade, quase não trocávamos palavras, como se um
não conhecesse o outro.

— Eu quero que você resolva isso agora, seu merda!!! — ele berra
repentinamente ao celular, jogando sua xícara contra a parede. Dou um
pulo na cadeira e derramo o suco do copo, assustada com sua reação. O
café escorre pelo papel de parede e ele me encara, os cabelos bagunçados,
os olhos praticamente soltando faíscas de raiva: — Está olhando o que,
Ellie? — ele dá um passo em minha direção e eu vejo uma das empregadas
correndo com um pano até a xícara espatifada. — Acha que é fácil ser dono
de um império? — ele ri, escarnecido. — Claro que não... o que você
saberia disso? Faz aquele curso ridículo e acha que um dia vai ser alguém!
Enfermeira? Nem para ter pensado em ser médica, pelo menos?! Não
poderia me dar mais desgosto... pelo menos se casou. Ainda que eu
preferisse que Trevor fosse meu ilho!

Pouso o copo de volta à mesa, sentindo minhas mãos tremerem...


não... não era medo... era... eu... eu... eu não tinha uma palavra que de inisse
o que eu sentia agora... um engasgo me invade a garganta e eu sinto meus
olhos lacrimejarem, me recriminando por ser tão fraca... eu deveria... eu
deveria estar acostumada com aquilo... Desmond bufa alto e passa por
mim:

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— Podia ter sido pelo menos uma mulher forte como sua mãe, já
que tive a infelicidade de ter tido uma ilha mulher... — ele resmunga e
para antes de sair pela porta, voltando-se para a empregada: — Limpa logo
essa merda antes que Sophia veja! Inúteis! Todos vocês são umas merdas
de uns inúteis! — grita com a moça agachada ao chão, esfregando os
respingos no tapete, e sai pisando irme pelo corredor.

Seguro o engasgo vendo a mulher levantar os olhos rapidamente


para mim antes de volta-los à limpeza, sem conseguir falar nada para
confortá-la pelas palavras duras de meu pai, seus olhos cancelaram
qualquer palavra em minha boca quando vi que ela sentia mais pena de
mim do que eu dela.

Eu me levanto outra vez e subo as escadas rumo ao meu quarto,


era sábado de manhã e talvez eu fosse até as docas ou qualquer lugar que
fosse longe o su iciente de minha casa.
Eu... só... precisava... respirar... Respirar!

Entro pelo quarto me livrando de meu robe e encontro Trevor


vestindo uma camisa, minha visão está turva pelas lágrimas que tento
segurar e sinto minha pulsação acelerada. Consigo vislumbrar que ele me
olha curioso antes de eu começar a chorar, mas não falo nada, apenas bato
a porta do banheiro logo que entro por ele, ligando o chuveiro e entrando
de camisola e tudo sob a água congelante.
Fecho meus olhos e deixo meu corpo desabar no box molhado.

Tapo meu rosto e os soluços vêm altos. Não deveriam vir, não era
a primeira vez que ele me falava aquilo, ou que me olhava daquele jeito,
como se eu fosse um monte de estrume. Eu não deveria me sentir assim,
não deveria desejar ser amada por ele, acolhida pelo meu pai.
Não deveria!

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A porta do box se abre e eu levanto meus olhos, encontrando


Trevor em meio ao vapor do chuveiro, eu peço que me deixe em paz ali,
mas seus braços me envolvem, e ele me pega em seu colo, me carregando
para o quarto. Baixo minha cabeça em seus ombros e afundo meu rosto em
sua camisa, molhando-os com meus cabelos, ele me deita em minha cama e
some pela porta do banheiro de volta.
Eu seguro meu choro com vergonha da cena que iz, minha
camisola está ensopada e encharco o lençol aos poucos, seco minhas
lágrimas vendo-o voltar em minha direção com uma toalha nas mãos.

— Vou pedir que alguém te traga um chá. — avisa, me entregando


a toalha, e alcança meus olhos com os seus. Percebo que ele não sabe
muito bem como agir, parece receoso, recua um passo e eu seguro sua
camisa no segundo em que recua outro.
— Quem é você...? — sussurro, a voz entrecortada de mágoa. —
Quem... é você... Trevor? Por que... você? Por que ele escolheu você?

Ele solta minhas mãos de sua roupa, mas percebo que, apesar de
impor uma segurança, seus olhos vacilam por um instante.
— Preferiria que tivesse sido com Clark, preciosa? — ele me
responde de maneira debochada e eu seguro um soluço, descendo meus
olhos para o chão. — Seu pai con ia em mim. — ele reponde e eu volto a
encará-lo. — Ontem ele me indicou para ser o vice-presidente da empresa.
Sou seu genro. Os negócios sempre vão pertencer à família, à quem ele
con ia.

As lágrimas se precipitam por meus olhos novamente... meu pai


não con iava em mim nem para escolher alguém para dividir minha vida e
não por medo de eu não ser feliz, mas... por medo de perder nossa fortuna.
— E como ele con ia em você? Quem é você, Trevor? — pergunto,
segurando com força aquela toalha, os pingos despencam pelos meus
cabelos e caem em meus ombros, camisola, cama... não me importo.

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Ele se senta ao meu lado e novamente o colchão pesa, desvio


meus olhos para seu rosto, percebendo que me olha por um tempo
também. Seu rosto está tão próximo que observo mais uma vez a cicatriz,
curiosa. Quem, é você, Trevor? E como conseguiu essa cicatriz...? Seus
olhos escandalosamente negros me miram de volta e ele solta um suspiro
antes de me responder:
— Sou espanhol. Minha mãe é americana, tenho a cidadania
americana e moro aqui nos EUA há muitos anos. — ele responde, pegando
a toalha entre meus dedos e a levantando em direção aos meus cabelos. —
Se seca, Ellie, ou te enfermarás. — ordena, mas usa uma voz baixa que não
impõe tanta ordem assim. Involuntariamente sorrio, percebendo como
mistura sempre o espanhol com o inglês quando está comigo e a pego de
volta, secando as pontas de meus cabelos. — Obviamente não sou
bilionário como vocês, mas tenho grana. Muita. Meus pais morreram em
um acidente e eu herdei todo o dinheiro, sou ilho único. Mas não só isso,
sou bom no que faço, seu pai enxergou isso. Sou o pretendente perfeito,
tanto para você quanto para a empresa, preciosa. — ele passa as mãos
pelos cabelos, parecendo desconfortável com aquele assunto. Mas no
fundo sinto que não parece tão... natural. — Depois do suposto escândalo
de seu ex ano passado, Desmond precisava zelar a imagem da família.

Espremo meus cabelos, afofando-os na toalha, e tento não pensar


nos rumores que viraram manchetes nos tabloides sensacionalistas
quando Patrick terminou comigo e deu uma entrevista falando que eu era
insuportável e nunca um homem se sentiria atraído por mim o su iciente
para querer casar comigo um dia. Eu nunca seria bonita como minha mãe,
ele declarou, ou interessante o bastante como meu pai. Eu só tinha o
dinheiro como atrativo.
Apareci em uma foto horrível na capa de uma revista, os olhos
inchados de choro quando ele terminou comigo e nunca soube como um
paparazzi havia conseguido aquela foto. Eu achava que era apaixonada por

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ele, no entanto era mais um afago de meu ego: meu ex era bonito,
milionário e desejável, tinha um cargo poderoso na Kane e as meninas
caiam a seus pés.
Hoje penso que ele só quis icar comigo por causa do meu
sobrenome, queria ganhar alguma fama com isso e, na verdade, ganhou.
Nosso término teve mais holofotes que nosso namoro.

— Não tem mais nada que precise saber, Ellie. Apenas que sou seu
marido pelo tempo que for necessário. — ele conclui e não tenho como não
notar o tom amargo em sua voz. Trevor se levanta e pega o paletó que
deixou sobre a cômoda. — Tenho uma reunião daqui a pouco e... — ele se
cala abruptamente, fechando os olhos por alguns segundos, percebo que
seus passos vacilam e me levanto imediatamente, tentando ampará-lo
quando seu corpo oscila, no entanto Trevor me empurra para o lado, a
respiração forte e descontrolada.
Vejo o pavor em seus olhos antes de ele se desvencilhar de mim e
engolir em seco, assumindo uma postura distante, como se nada tivesse
acontecido.

— Trevor? O que houve?


— Nada! Sai de perto de mim! — ele vocifera de volta, outra vez
me empurrando quando me aproximo, eu tropeço em meus próprios pés e
quase caio para trás quando ele passa praticamente por cima de mim em
direção à porta, batendo-a com força atrás de si.

Ainda sinto meu corpo tremer enquanto me seco, contudo,


enquanto me visto, não poderia ter mais certeza de que preciso passar o
dia inteiro longe daquela casa.
Eu queria ser tudo naquele momento... menos uma Kane.

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Alguns dias passam, a rotina se instala, mal vejo Trevor sempre


em reuniões in indáveis, eu me en io em meus estudos, e passo os dois ins
de semana seguintes velejando sozinha, ao passo que nem percebo que
mais outra semana inda.

Depois de um dia inteiro estudando com Chloe na biblioteca,


entro em casa espantada com o corre-corre dos empregados, só me
atentando que me esqueci do evento de minha mãe quando a vejo descer
as escadas deslumbrante em um vestido preto tomara-que-caia
esvoaçante, que delineia seu corpo perfeito e longilíneo.

A meu favor, os eventos das últimas semanas tinham me


desestruturado o su iciente para não colocar os dela em prioridade no
momento.

Ela não me vê ou sequer olha para mim, falando ao telefone com


alguém e sumindo na porta lateral que a levaria até o salão de festas em
nossa “pequena mansão”. Respiro fundo e subo os degraus, desejando ter
sumido no oceano, sem acreditar que ainda teria que me arrumar e
encenar mais alguns sorrisos no lançamento da nova coleção de joias de
Sophia Kane.
Eu não era ou sequer desejava ser atriz, mas ultimamente estava
considerando que merecia ganhar um Oscar.

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09

Ligo algumas vezes para Trevor. Várias. Ele não atende e aquilo
me esgota mentalmente em um momento que preciso ter a autocon iança
inabalável, até porque iríamos representar em público outra vez e eu não
sabia se ele tinha conhecimento daquele evento.

Passo meu batom e sigo pela porta, guiando meus saltos até o
salão de festas, me mantendo pelos cantos enquanto admiro todos os
enfeites e apetrechos que ornamentam o ambiente elegantemente
adornado para o evento de gala. Modelos des ilam e posam para as fotos
usando algumas joias da nova coleção, pessoas dançam envolvidas pela
música da orquestra no palco, a cena típica das festas de minha mãe, como
sempre.

Meus dedos arrumam meu vestido longo e brincam entre a pele


desnuda pelo pouco tecido na cintura, me sentindo, como sempre,
deslocada naqueles ambientes em que meus pais insistem minha

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participação. Bem, o que poderia dar errado desta vez? Torço o nariz,
sorrindo sarcasticamente, anunciariam minha gravidez?
Mãos quentes enroscam minhas costas e descem pela minha
cintura, viro-me e Trevor está absurdamente sexy, vestido de preto dos pés
à cabeça.

— Te liguei a noite toda para te avisar deste evento.


— Eu estava em reunião com su padre. — ele entrega sua taça
vazia para um garçom e pega outra cheia, me olhando de lado; nossa
interação é tão bizarra, mal dá para acreditar no último contato que
tivemos, uma quase conversa, uma quase briga. — Viemos direto da
empresa, só deu tempo de um banho rápido.

Analiso-o outra vez e não acho que aquilo tudo seja resultado de
um “banho rápido”, no entanto ignoro o pensamento. Antes mesmo de eu
falar que hoje era sábado, ele pede licença e sai, seguindo meu pai quando
Desmond passa ao nosso lado falando com outro homem de terno, que
mais parece um assessor do que um convidado.

Eu me sento e o observo por mais um tempo, inspirando a


dualidade de tudo que venho vivenciando. Por mais que eu negue sua
presença, ela me atrai como imã. Exatamente por não querer olhá-lo, não
consigo me concentrar em mais nada que não seja ele.

E sei que tudo isso não é apenas por estar casada com ele, o que
seria por si só motivo su iciente.

Mas por como me sinto quando estou em suas mãos.

— Terei a honra de dançar com você essa noite? — uma mão


gelada alcança meu pescoço e eu me deparo com Patrick, parado em pé ao
meu lado, seus dedos roçando minha nuca. Ele está vestindo um smoking
caro e elegante, mas mesmo assim não chega aos pés da beleza instigante e
agressiva de Trevor.

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Ellie... você vai enredar mesmo por esse caminho...? Não há nada
para ser comparado ao meu marido porque simplesmente não o conheço
para tanto... sua beleza não pode ser motivo de minhas desculpas, não...
não mesmo!
Sorrio para meu ex, incrédula com sua presença naquele evento,
mas mais ainda com sua cara de pau, meus olhos me traem, buscando
Trevor logo em seguida... E não é di ícil encontrá-lo: ele não sorri,
encarando-me enquanto minha mãe fala ao seu lado, gesticulando sem
parar.

— Você está estonteantemente bela essa noite, Ellie. — Patrick


insiste quando percebe que não o respondo e eu apenas sorrio de volta,
agradecendo, sem respondê-lo quanto ao pedido de dança.

Estonteantemente bela?
A mulher que ele comparou com a beleza de minha própria mãe?
Não poderia ser mais ridículo e bajulador e certamente estava precisando
de algo.

A orquestra para de tocar e a voz de minha mãe ecoa pelo


ambiente, agradecendo a presença de todos. Patrick senta-se ao meu lado
sem que eu o convide e eu evito encará-lo, mirando Sophia Kane, sorrindo
esplendorosa no palco:

— Convido vocês a conhecerem as obras de arte únicas da nova


coleção de joias Sophia Kane. — Minha mãe sorri e imediatamente a tela
atrás de sua igura esguia parece explodir em fogos de arti ícios e ouro
derretido, mostrando a logomarca elegante da alta joalheria. — Pedras
preciosas deslumbrantes, técnica artesanal fabulosa e moderna, designs
vibrantes inspirados na sedução. Nasce assim a Black Star, a nova coleção
que promete se tornar meu novo ícone. — as modelos, que ora vagavam
aleatoriamente pelo tapete, agora des ilam entre as mesas mostrando as

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joias em seus pescoços, braços, punhos e dedos e eu desvio meus olhos


apenas por um segundo para elas antes de voltá-los para minha mãe.
Ela observa demoradamente Trevor e eu engulo em seco, não
entendendo aquele olhar. Pisco lentamente sentindo que alguma coisa ali
não se encaixa... ou talvez encaixasse completamente... eu estava
imaginando coisas...?

Black Star... Black Star... a sensação da ideia contida por trás do


nome que minha mãe escolheu para sua coleção me é familiar... Eu como
uma das delicadas barcas de lagosta em meu prato e mastigo devagar,
voltando a olhar Sophia.

— Com uma impecável combinação de fantasia e ousado savoir-


faire em ourivesaria, cada peça narra a fascinação e devoção por pedras
negras e sedutoras. Uma maravilhosa dádiva da natureza que traz seu
poderoso diamante em uma peça sob medida para exibir o mais radiante
tom de preto, uma beleza impossível de igualar. Uma arte da sedução.

Cruzo minhas pernas e, apesar da voz contínua de minha mãe, só


consigo mirar Trevor e suas reações contidas. Ele disfarça seu desconforto,
mas eu o percebo, vendo seu pomo de Adão subir e descer como se
engolisse uma bola atrás da outra.
— E como seria uma joia que re lete a sedução? — ela continua e
eu agora analiso com a inco as joias nas peças expostas das modelos. —
Atrativa, mas também misteriosa; minimalista no resultado, mas complexa
no desenvolvimento; elegante, mas também ousada; um delicioso jogo de
opostos, exatamente como o jogo de sedução no qual me inspirei.

Trevor se levanta, me deixando sem saber como reagir e eu o


observo, inquieta, sair pelo jardim da mansão. Imediatamente alcanço o
rosto de meu pai, e ele parece sorrir, inabalável, sem nem mesmo perceber
qualquer coisa que não seja a beleza de sua esposa, uma devoção contínua
de sua existência.

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No entanto nem eu mesma sei o que me fez icar alerta, o que me


fez sentir aquele arrepio ruim na espinha, novamente a mesma sensação
que tive ao ver Trevor pela primeira vez na marina.

— Com uma mescla de diamantes octogonais e lapidação


brilhante, a peça a seguir exalta o talento artístico ilimitado da Alta
Joalheria Sophia Kane e...

Não consigo ouvir mais nada.

Nada.

Nem que eu quisesse.


Meu ouvido zune profundamente e eu fecho os olhos, sentindo o
gosto acre que me consumia há dias. Volto a tomar outro gole de
champanhe e injo estar conectada a tudo que acontece a minha volta, mas
sei que minha mente e meu coração estão bem longe dali.

Mas não ouso me mover. Não posso me mover.


A única coisa que faço é o constante ir e vir da taça em meus
lábios, cada gole em uma tentativa vã de sumir com o gosto azedo de
minha vida.

Quando aquela apresentação i-nal-men-te acaba, eu me levanto


da mesa, pedindo licença à Patrick. Ele parece pouco se importar,
entretendo-se imediatamente em uma conversa com uma celebridade.
Mulher, claro.
Vejo minha mãe agradecendo algumas pessoas, beijando outras e
seguindo para o jardim; eu demoro apenas um segundo para decidir ir
atrás, levantando meu vestido ao pisar na grama.

No entanto, assim que saio do salão, não encontro ninguém do


lado de fora.

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Ando por um tempo a esmo, sem vontade de voltar para a festa ou


sequer coragem de ir para meus aposentos. Não sabia se Trevor tinha ido
para lá e não queria icar sozinha no mesmo cômodo que ele,
principalmente depois de ver suas feições transtornadas, e ainda sem
entender exatamente o motivo delas.
Não que eu soubesse muita coisa sobre meu marido.

Tenho muitas perguntas entaladas em minha garganta, no entanto


não as esboço quando entro pelo quarto quase uma hora depois e o
encontro sentado na poltrona de canto, ao lado do abajur. Trevor levanta
os olhos por um instante e respira profundamente, me olhando por vários
segundos antes de voltar a se concentrar na garrafa quase vazia entre os
dedos.

Eu tiro meus brincos e os guardo na caixinha em cima da cômoda,


liberando meus pés das sandálias apertadas em seguida, pisando com
alívio no tapete felpudo. Pouso meus dedos no zíper lateral do vestido, me
encaminhando para o banheiro quando a voz rouca de Trevor estanca
meus passos:

— Não tira.
Giro meu rosto em direção ao seu e minhas mãos soltam de meu
vestido, o zíper ainda pela metade alcançando a altura de minhas costelas.
Trevor bebe um gole lentamente do uísque diretamente da boca da garrafa
e eu me surpreendo com aquilo, imaginando se teria bebido tudo daquela
maneira e naquela última hora.

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— O que disse? — sussurro de volta e ele apoia os cotovelos aos


joelhos, me olhando demoradamente:
— Dê uma volta. — ele ordena, o rosto sério e decidido. Eu
continuo paralisada, sem entender o que me manda fazer. — Eu disse para
dar uma volta! — ele aumenta o tom de voz consideravelmente e eu mordo
meus lábios, assustada. Trevor passa os dedos entre os cabelos e ri baixo,
quase que para si mesmo. — Você não tem ideia, tem?

— Do... do que está falando?


Ele se levanta e, num ín imo segundo, está ao meu lado, seus
dedos seguram meus cabelos soltos, torcendo-os em um coque no alto de
minha cabeça, me puxando para si, não com brutalidade, mas também não
com delicadeza:

— É incrível como você não enxerga. — ele sussurra, deslizando o


nariz pelo meu pescoço. — Como não vê como é hermosa. — sinto a
umidade de sua lambida perto do lóbulo de minha orelha e o aroma do
uísque em sua língua alcança meu nariz. — Como ica perfeita com os
cabelos presos, o pescoço à mostra, a pele das costas exposta. — seus
dedos se soltam de meus ios e descem por minha coluna, me fazendo
arrepiar dos pés à cabeça.
Então ele segura minha cintura e me força a girar sobre meus
próprios pés e eu o faço, sem acreditar que o obedeço. Meus olhos se
fecham, mas sei que ele recua um passo, me apreciando, posso escutar em
sua respiração, posso sentir no ar pesado que me cerca.

— Tentadora. — ele conclui e eu abro as pálpebras, sentindo meu


coração acelerado.
Trevor se aproxima outra vez, dando outro gole na bebida, e pega
a alça de meu vestido, descendo-a um pouco por meu braço, voltando a
lamber meu ombro. Eu miro a janela à minha frente, sentindo o ar entrar

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entrecortado em minha garganta, o céu está nublado, mas ainda assim


posso ver a luz forte da lua entre algumas nuvens.
Sua língua desliza por minha pele, fresca pelo álcool da bebida e
quente pelo seu lento respirar... eu sinto os rodamoinhos entre minhas
pernas e cruzo meus braços quando ele alcança meu maxilar.

Trevor traz o gargalo da garrafa até sua boca e bebe outro gole,
deixando que escorra por meu queixo tanto quanto por sua barba rala.
Aquilo é diferente e me tira dos eixos, sinto a pulsação de meu coração no
ouvido, ansiando o que fará em seguida.

Ele não se importa que eu não me mexa, que eu não abra minha
boca o su iciente quando roça sua língua nela, me fazendo sorver o uísque
de sua língua; aparto meus lábios assim que ele os mordisca de leve,
inspirando com força o seu cheiro agridoce misturado ao da bebida.

— Você quer, Ellie. — ele murmura. — Deixe que te domine. ― seu


olhar se irma em minha boca por um segundo antes de me empurrar e me
imprensar contra a parede com o volume entre suas pernas resvalando em
meu quadril. ― Deixe se dominar pelo prazer, preciosa. ― ele larga a
garrafa em cima da poltrona ao nosso lado e desce suas mãos por minha
silhueta até a fenda de meu vestido, me esfregando por cima do tecido da
calcinha.
Minhas pálpebras oscilam entre se manter abertas para admirá-
lo, ou fechadas por vergonha por querer me subordinar àquilo.

Trevor desce mais ainda as alças de meu vestido pelos braços


enquanto me lambe e eu não acredito no quanto quero sentir tudo que me
proporciona, olhando-o apertar meus seios quando icam expostos. Ele
desliza a língua até eles e os chupa dolorosamente, elevando minha coxa
em volta de seu quadril e escorregando seus dedos até minha bunda,
tocando o encontro de minhas nádegas, me deixando alerta e nervosa.

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Tiro sua mão dali e ele sobe o rosto para o meu, sorrindo de canto
e beijando minha boca:

― Você quer isso tanto quanto eu, Ellie... O trato continua, se me


disser não, eu paro... senão continuo até você gritar meu nome em meu
ouvido. ― ele me aperta contra a parede e desce outra vez com seus dedos,
se in iltrando por minha calcinha. ― Mas dessa vez quero foder você, Ellie.
Sem tirar seu vestido.

Trevor resvala os lábios melados por minha pele, alcançando meu


pescoço, e eu agarro sua nuca, sentindo seu dedo entrar e sair de dentro de
mim. Encaro seus olhos negros e imediatamente a cena de horas atrás vem
em minha cabeça, a pergunta sai antes mesmo que eu me recrimine:
― Por que minha mãe icou te encarando durante a apresentação?
― pergunto, tomando fôlego, e ele ri em meus lábios, tirando o dedo de
dentro de mim e agarrando minha bunda:

― Está com ciúmes de mim, Ellie? ― desvio meu rosto do seu e ele
força suas unhas em minha pele. ― O que quer saber? Se eu também acho
Sophia mais hermosa que você?
Tento empurrá-lo de mim, chocada com suas palavras. Minhas
mãos escorregam em seu paletó, ele me prensa com mais força e sinto o
baque das minhas costas batendo outra vez contra a parede.

Trevor segura meu queixo e me faz encará-lo:


― Acha que estou comendo su madre, Ellie? ― ele sorri,
desdenhoso. ― Talvez eu não precisasse se você aceitasse que sua buceta
quer meu pau dentro dela.

Des iro um tapa em seu rosto e Trevor segura meus cabelos com
força, me virando de costas contra a parede:
― Seu tapa só me mostra o quanto está com tesão, Ellie. ― ele
prensa o pau contra minha bunda e posso senti-lo, ainda que os tecidos de

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nossas roupas nos separem. Trevor enrosca os ios e puxa minha cabeça de
lado, alcançando meu ouvido. ― Ainda não ouvi seu não, então o tapa não
me impede de nada, apenas me deixa com mais vontade de te foder com
força. Mucha fuerza!
Trevor rasga a parte de trás de meu vestido, revelando meu
quadril, e não se detém com minha calcinha, puxando-a e soltando-a em
um estalo em minha bunda. Dou um grito abafado e ele esfrega o dedo
outra vez entre minhas nádegas, gemendo alto em meu ouvido.

― Não, Ellie, diga não para mim... diz que não quer me sentir
dentro de você... ― ele sussurra e eu engulo em seco, cercada por seus
braços. ― E eu digo que você é muito mais hermosa que sua mãe, muito
mais, Ellie...
Eu me viro entre seus braços e o encaro ofegante, mas não falo
nada e ele nega com a cabeça antes de agarrar minhas coxas, me
suspendendo em seu colo e me levando até a cama. Sem cuidado algum, ele
me joga ao colchão e abre suas calças, tirando seu pau de dentro da cueca,
sem o trabalho de descer a roupa completamente enquanto veste uma
camisinha.

Eu penso nas pílulas contraceptivas que comecei a tomar na


última menstruação, logo depois de nosso retorno da lua de mel e, por
mais que eu dissesse para mim mesma que era para regularizá-la, no fundo
eu sabia que ansiava por perder minha virgindade... ainda que fosse com
ele...

O que me dá mais medo ainda do que se espreita dentro de mim,


a inal, por que... ele? Por quero que seja... ele...?

Eu seguro o lençol entre meus dedos, observando o meu vestido


solto e rasgado em meu quadril, e ele debruça seu corpo sobre mim,
segurando nas laterais de minha calcinha:

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― Ellie, diga que não quer... seu silêncio continua sendo um sim
para mim.
Eu o olho nos olhos:

― E se eu não quiser dizer não...?


Em um impulso, ele arranca minha calcinha, meu quadril resvala
no lençol e ele abre minhas coxas, encaixando seu corpo entre minhas
pernas. Eu espremo meus olhos, ansiando o ato, e inspiro profundamente,
pensando que não quero falar para ele que sou virgem... não, aquele
momento pertencia a mim, aquela decisão pertencia a mim...

Não cabia a Trevor decidir se era momento ou não de eu perder


minha virgindade, não cabia a ele desistir porque nunca transei ou porque
acha que devo me manter intocada... essa decisão pertencia somente a
mim e eu não daria a ele a opção de escolha.
A escolha era minha.
O ardor chega antes mesmo que eu possa expirar e eu engulo a
vontade de gritar quando se transforma em dor. Arfo quando ele pega
minha outra coxa e agarra a minha bunda, me elevando um pouco do
colchão e me empurrando contra os travesseiros.
Minhas pernas enlaçam em sua cintura e minhas costas afundam
na cama com seu peso, eu transpiro e sinto o nó em minha garganta,
deslizando minhas unhas por suas costas, debaixo de sua camisa.

Trevor se move com vigor dentro de mim e eu me sinto


arrebentar por inteira, despedaçar em seus braços, a dor de mil navalhas
incando em mim... ele afunda com força seu quadril entre minhas pernas e
eu grito, arranhando sua pele.
― Puta que pariu, Ellie! Tão apertada! ― eu arqueio a coluna e
Trevor aproveita para lamber meu queixo, sorvendo meus lábios enquanto
retorna com um gemido alto. ― Carajo, que buceta é essa?

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Eu me contorço de dor, mas não quero parar, eu quero me libertar


daquilo, quero ser dona de minhas vontades, desejos, eu quero o sexo, eu
quero o sexo completo, a penetração, eu quero tudo! Desvio meu rosto,
olhando a janela e meus olhos atravessam o céu, alcançando a lua já
destapada, as lágrimas rolam por meu rosto e então sinto que Trevor
paralisa repentinamente; não ouso encará-lo.
Ele pousa suas mãos me cercando no colchão, sua respiração ica
em suspenso e sinto que seus olhos me analisam antes de sentir que sai de
dentro de mim em um único movimento.

― O que é isso? ― sua voz é rouca e grave. ― Ellie, eu estava te


machucando?
Eu não falo nada, apenas olho a lua, em silêncio. Minhas coxas
estão úmidas e quentes, minha respiração dói.

― Ellie, que porra é essa? Me responde! Yo estaba te lastimando?


Viro minha cabeça em sua direção ao ouvir como as palavras em
espanhol escapam por seus lábios e o encontro de pé, ele me olha
parecendo chocado e eu suspiro, vendo a mancha vermelha entre minhas
coxas:

― Sou virgem, Trevor... era...


Trevor me encara parecendo atônito e faz uma careta em seguida.
Ele anda em direção à poltrona e pega a garrafa, bebendo o último gole
dentro dela, no entanto, ao invés de colocá-la de volta no lugar, ele berra,
jogando-a contra o chão.

Eu dou um pulo na cama, quase me encolhendo, e ele fecha suas


calças com raiva, as mãos tremendo:
― Você tinha que ter me falado, Ellie! ― ele vocifera e anda em
direção à porta. ― No podría haberme ocultado, mierda! Carajo!

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Eu pulo da cama e vou atrás dele, sem saber de onde tiro tanta
coragem:
― Não! Eu não tinha que ter contado nada! O que eu sei de você,
cacete?! A minha virgindade é só minha, a decisão também é! ― sinto o
caco incar em meu pé antes de continuar dizendo tudo que penso e grito
de pavor.

Trevor arregala os olhos, compreendendo o que houve e volta os


mesmos passos que deu, me pegando no colo no meio dos pedaços da
garrafa quebrada. Escuto seus sapatos estilhaçarem os cacos e fecho os
olhos, sentindo tamanha dor em meu pé, anulando qualquer sentimento
do que vivenciei nos últimos minutos.
― Não! Me solte. Trevor! Eu sei me cuidar!

― Você fazer Enfermagem não tem nada a ver com não aguentar
sua própria dor, Ellie. ― Trevor me coloca dentro da banheira vazia e
remexe nas minhas coisas espalhadas em cima da pia.
Fecho meus olhos com raiva por me sentir rendida à minha dor,
quando sinto a força de seus dedos segurando meu calcanhar, percebendo
que ele tenta tirar o caco ainda preso em minha pele.

― Não vai precisar costurar, enfermeira. ― ele me avisa num tom


baixo e eu abro minhas pálpebras, vendo-o debruçado sobre a quina da
banheira, espremendo seus olhos enquanto manuseia uma pinça e deixa o
pequeno caco cair sobre a louça da banheira.
― Eu me viro com o resto. ― aviso e vejo o ilete de sangue
escorrer pela minha perna erguida e pisco devagar, confrontando o tom
escarlate do sangue ao encontro do meu vestido vermelho na altura das
coxas.

― No, yo termino! ― Trevor pega uma gaze e enfaixa meu pé, a


cara fechada, o semblante concentrado, o silêncio em seus lábios franzidos.

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Enxugo as lágrimas que ainda estão retesadas no canto de meus olhos e


sinto frio ali, naquele banheiro com ele. ― Vou pedir que alguém dê um
jeito no seu quarto. ― ele anuncia, se levantando e saindo do banheiro.
De onde estou posso ver que arranca o lençol da cama,
embolando-o e jogando ao chão. Eu ico parada ali dentro, ainda tentando
juntar todos os acontecimentos das últimas horas e a quietude do cômodo
me assombra, só escuto minha respiração nervosa e meu coração
descompassado.

Passos ressoam de volta e lá está Trevor, retornando ao quarto e


entrando pelo banheiro:

― Você pode andar ou precisa de ajuda?

― Po... posso andar... acho. ― respondo sem nem saber, já que meu
pé ainda se encontra para o alto, apoiado à borda da banheira.
― Lúcia já está vindo limpar seu quarto. ― ele pigarreia, nervoso.
― Qualquer coisa, peça ajuda a ela. ― ele recua um passo, mas para por um
segundo, me olhando como se me observasse pela primeira vez àquela
noite. Não a mulher que quis transar, mas a que está dentro de uma
banheira vazia com o pé machucado. No entanto, quando fala, sua voz sai
amarga: ― Se eu soubesse que você era virgem, Ellie, eu...

― Você o que, Trevor? ― eu o interrompo. ― Você não teria


transado comigo? Essa decisão não cabe apenas a você, eu queria aquilo
tanto quanto você. Você mesmo disse isso para mim! Você mesmo se gabou
disso, Trevor!
Ele nega com a cabeça:

― Eu não desejava ser seu primeiro homem, Ellie.


Sorrio, complacente:

― Nem eu desejava ser sua esposa, Trevor. Mas pelo visto nem
sempre temos o que queremos.

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Ele pega meu roupão no gancho ao lado da pia, lançando-o para


mim:
― Para alguém que não quer o esposo, você mostra muito desejo.
― e sem me dar chance para que eu possa respondê-lo, sai pela porta do
banheiro. Eu grito de raiva em resposta, me levantando ao mesmo tempo
em que deixo as loções e potes na beirada da banheira caírem conforme
me lanço pelo piso, quase pulando de um pé só.

Trevor está ao lado da cama tirando seu paletó e eu vou em sua


direção, desta vez me atentando a não pisar onde os restos da garrafa
jazem, apontando um dedo para ele:
― Você também não nega o fogo, sempre tentando mostrar o
quanto consegue mexer comigo!

― Eu mexo com você? ― ele lança um sorriso irônico, abrindo as


abotoaduras da camisa social.

― Eu estou falando sério, Trevor! ― apoio meu joelho na cama e


me sento de lado, elevando o pé machucado. ― Toda vez que me tocou, to-
da, você sempre foi malicioso, sempre quis provar algo para si mesmo!

Ele espalma uma mão em cima do colchão e paira seu rosto sobre
o meu:
― Eu não preciso provar nada para mim mesmo, Ellie. Su cuerpo
sempre me dá a resposta que quero. ― segura meu queixo. ― A gente só
precisa provar algo que duvida e eu não tenho dúvidas do quanto você me
quer dentro de você. ― seus dedos escorregam pelo meu pescoço. ― Toda
vez que te toco... como disse mesmo? Maliciosamente...

― Vai se fuder... ― murmuro.


― “Me” ou “te foder”? ― ele sibila, encostando seus lábios nos
meu. ― Somos dois adultos, Ellie. Você pode ter se sentido obrigada a se
casar comigo, mas não foi. ― ele se distancia, reerguendo seu tronco e

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desabotoando a camisa. ― Você tinha opções, mas cá estamos nós dois. No


mesmo quarto.

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10

Acordo sem entender de imediato o que está acontecendo.

Trevor está murmurando ao meu lado e se revira na cama como


se estivesse tendo um pesadelo, eu acendo a luz do abajur e ito sua face
suada, os cachos presos à testa franzida, ele agarra ao lençol entre as mãos
com tanta força que posso ver os nós dos dedos avermelhados.
Minha mão paira sobre seu ombro, em dúvidas se devo acordá-lo
ou não, a lembrança do que falou para mim horas atrás antes de deitarmos
e dormirmos sem nos olhar, o silêncio palpável entre nós.
Aquilo poderia ser um castigo por como me tratou, talvez ele
merecesse estar tendo um pesadelo, não ter um sono tranquilo ou sonhos
agradáveis. Volto com a mão para meu travesseiro e me debruço um pouco
sobre ele, tentando entender o que fala entre o sotaque forte, mas mal
compreendo as frases em espanhol, quanto mais murmuradas.

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― Maria... ― ele balbucia e eu jogo meu corpo para trás, confusa. ―


Maria, mi cariño... ― Maria? Ele está sonhando com uma mulher? ― Bee, no
me ouvidé de ti...
Bee? Abelha? Ele disse abelha? Eu o encaro outra vez, confusa
com o que fala, o que teriam Maria e abelha a ver para estarem num
mesmo sonho... ou aquilo simplesmente não era para fazer sentido algum
mesmo...?

Suspiro profundamente e toco de leve seu ombro, não trazendo


nenhuma reação da parte dele, Trevor aperta seus olhos mais ainda e
geme, respirando forte. Volto a cutucá-lo, desta vez com mais força, e ele
abruptamente abre os olhos, arfando alto e olhando à sua volta, como se
estivesse completamente perdido.

Sem parecer se dar conta de minha presença, ele sai da cama


agilmente e eu vejo seu corpo forte e torneado cambalear na penumbra do
quarto até o banheiro, batendo a porta atrás de si. Escuto a ânsia de vômito
abafada e fecho os olhos, um misto de descrença, irritação e...
preocupação... bufo, sem acreditar que eu possa estar remotamente
preocupada com seu estado.

Eu me levanto da cama bem devagar, sentindo o corte de meu pé


arder um pouco, sem saber ao certo o que fazer, se espero ele abrir a porta
ou se desço e peço que preparem um chá para ele, no entanto meus olhos
se prendem ao celular na mesinha de cabeceira ao seu lado, a luzinha
verde do carregamento total me chamando atenção.

Pé ante pé me direciono para o banheiro e encosto a orelha na


porta, escutando a torneira acionada, mas identi ico que não é a da pia, e
sim da banheira. Eu paraliso não só meus passos como minha respiração e
ico algum tempo com um pé no tapete e outro no piso frio, sem saber o
que fazer, sem saber se tenho coragem o su iciente para... Meu Deus, eu
conseguiria fazer aquilo de maneira despercebida?

agosto•2021
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Olho outra vez o celular e volto a mirar a porta para depois voltar
a olhar o celular e, quase dando um bote, pulo, arrancando o celular do
carregador, revirando-o quase do avesso ao tentar liberar a tela bloqueada,
meu pé lateja de dor, mas a curiosidade é bem maior no aparelho de Trevor
que contém uma foto de uma paisagem como imagem de fundo.

Digito seu sobrenome como senha, clico em alguns números


aleatórios, esmurro a tela com raiva e assim que vou conectar o celular de
volta ao carregador, me lembro de seu sonho.

Com um sorriso ansioso, digito MARIA, mas a frustação me


preenche o peito quando nada acontece e eu me sinto derrotada por
adicionar mais um mistério à vida de meu marido, além de toda sua vasta
lista: além de não ter conseguido acesso ao seu telefone, quando eu achava
que ali eu teria muitas respostas, não sabia qual era a importância daquela
mulher em sua vida.
Devolvo o celular à mesinha escutando gemidos baixos e abafados
pela porta do banheiro e, desta vez, me surpreendo por não pensar muito,
sem temer as consequências: simplesmente abro a porta e o encontro
quase que completamente submerso na banheira, as mãos segurando
irmemente as bordas, apenas do queixo para cima fora da água cristalina,
que nada esconde seu corpo nu.

Trevor novamente está com os olhos cerrados e parece não


perceber ainda que tem companhia, franzindo a testa e segurando a louça
daquela banheira como se fosse o lençol na cama.
Não há dúvidas que sente dor, muita.

Eu avanço devagar até ele, cautelosamente, o pé me mandando


alertas de dores cada vez que piso no chão frio. Ele abre os olhos apenas
um pouco, me encontrando seguindo em sua direção, e mira o teto antes
de voltar a apertar as pálpebras, parecendo pouco se importar comigo, o

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que é ligeiramente estranho, já que eu esperava que fosse me mandar sair


dali correndo.
― Trevor...? ― eu diminuo mais um pouco o espaço entre nós e ele
engole em seco em resposta.

Dou mais um passo e alcanço a banheira, mirando a torneira


aberta, que ainda goteja ininterruptamente atrás de sua cabeça,
estranhando aquilo também... não era a torneira de água quente que estava
acionada.
Debruço uma mão na água ao lado de seu peito e meus dedos
congelam no exato instante que a toco; miro outra vez Trevor e ele aparta
os lábios, sorvendo ar enquanto respira de maneira difusa, ainda de olhos
fechados.

O que estava acontecendo? Por que ele iria querer aquele banho
extremamente frio àquela hora da madrugada? O que Trevor tinha?
― Trevor...? O que você tem? ― volto a chamá-lo e ele parece se
esforçar para me olhar, o suor desce por suas têmporas e aquilo me deixa
temerosa. ― Trevor, eu vou ligar para o hospital e...

― No! ― ele segura meu punho subitamente, me impedindo de


recuar os passos, e me olha quase que suplicando para que eu não me
mova, a água da banheira ondula e esparrama, molhando meus pés. ― No,
Ellie, no! No voy al hospital... ― ele busca ar com di iculdade e eu me
demoro observando-o, entendendo como sua língua se mistura à nossa
toda vez que parece nervoso. ― Não vou ao hospital, Ellie. ― ele repete e
compreendo que traduz para mim, percebendo que não o entendo
completamente, não quando está falando rápido daquele jeito. ― Sem
hospital... já estou melhorando... ― ele tira sua mão de mim e submerge um
pouco mais, molhando seus cabelos e cruzando os braços com força.
Trevor treme da cabeça aos pés e eu não entendo qual dor que
precise daquele choque de temperatura, então me ita com os lábios

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arroxeados e semicerrados, sem falar nada.


Eu pego uma toalha do armário e ele faz que sim com a cabeça
antes de começar a se levantar, como se precisasse reunir toda a força do
mundo para reerguer seu corpo. No entanto, assim que sai da banheira e
alcança a toalha em minhas mãos, cambaleia um pouco e eu o amparo,
ajudando-o a seguir até a cama, onde ele se senta, sem se importar de
encharcar tudo à sua volta.

Os pingos caem como cachoeira de seus cabelos por seu peito e


ele parece zonzo, mirando o chão enquanto segura com força a toalha
embolada sobre seu colo. Sua pele está arrepiada, os ios bagunçados, o
olhar completamente vulnerável e eu nunca o achei mais lindo desde que o
vi pela primeira vez.

Escondo dentro de mim essa constatação e pego outra toalha no


banheiro, me voltando para ele:

― O que você tem, Trevor? Eu ainda estou fazendo Enfermagem,


mas posso te ajudar em algo e...

― Dolor. ― sussurra e eu olho para baixo, sem saber de onde sei o


que ele quer dizer, mas sei. Dor. Trevor tem dor.

― Mas por quê? O que você tem? Eu posso te ajudar se você me


falar, Trevor. ― questiono, segurando minha respiração. ― É a mesma dor
que sentiu ontem?
Trevor não me responde e eu entendo que não vai me contar
nada, aquilo nada mais é que tempo perdido. Eu passo a toalha em seus
ombros e ele levanta os olhos para mim, me mirando. Eu o cubro com a
toalha e ele pisca lentamente, me observando como se analisasse cada um
de meus movimentos.

Meu pé se desloca para dar um passo para trás e deixar que ele se
seque no seu tempo, porém, em um movimento rápido, Trevor alcança

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minha cintura com uma mão e me puxa para entre suas pernas, levantando
o rosto e me olhando debaixo para cima, as pestanas quase tapando toda
sua íris negra.

— Por que comigo? — pergunta, quase sem voz.

Eu controlo minha respiração e sinto o nervosismo secar minha


garganta.
— O... o quê...? — quase gemo, minha voz mais baixa ainda que a
sua.

— Sua primeira vez... por que escolheu perdê-la comigo, Ellie? —


ele desvia os olhos rapidamente, parecendo brigar com alguma dualidade
dentro de seu peito. Aquilo me pega desprevenida porque eu não sabia que
ele iria dar mais importância à perda dela do que eu.

Eu nunca poderia imaginar. Nunca.

— Por que se importa? — pergunto debilmente porque sei que


ele não vai me responder, mas sua mão em minha cintura parece querer
me dizer tudo que eu precisava saber, mesmo que minha razão relutasse,
me obrigando a entender que aquilo nada mais era que fruto de minha
imaginação.
Eu estava entendendo tudo errado, era óbvio que eu estava
entendendo tudo errado.

— Não deveria, não é mesmo...? — sua voz rouca sai baixa e ele
parece consternado, suas ações tão ambíguas que quase dá para perceber
que até ele mesmo se surpreende com elas.
Trevor inspira profundamente e continua me itando, sem tirar
seus olhos dos meus um segundo sequer. Faço que não com a cabeça,
quase que imperceptivelmente, mas Trevor suspira baixo e suas mãos
forçam mais em minha pele.

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— Não deveria, preciosa. No deberia. — ele conclui, respondendo


a si mesmo, e me solta, jogando as toalhas no chão e deitando-se na cama.
Eu o acompanho puxar o lençol e se cobrir ainda molhado,
virando-se para o lado contrário que eu estava no exato instante, mas o
lado que eu costumava me deitar. Vejo que mira meu travesseiro vazio por
um tempo antes de fechar os olhos e solto todo o ar que meus pulmões são
capazes de expirar antes de me deitar ao seu lado.

Não fecho os olhos, tampouco acalmo meu coração acelerado.

Sei que amanhece, pois posso vislumbrar a parca luz invadindo as


cortinas de meu quarto. Trevor esteve em silêncio durante todas essas
horas, mas eu não saberia dizer se dormiu, ainda que mantivesse os olhos
fechados enquanto eu encarava o teto.
Meu corpo in lama e, de alguma maneira — eu não saberia dizer o
motivo —, eu só conseguia pensar no que não terminamos. Apesar da dor
que senti, relembrar de como ele me pareceu selvagem entre minhas
pernas me excitava.
Ele havia rompido meu hímen completamente? A minha segunda
vez doeria tanto quanto a primeira? Engulo em seco sem acreditar que já
penso na segunda vez e sim, é com Trevor que eu penso. Eu me viro para
ele e sei que está nu sob aqueles lençóis, fecho meus olhos e imagino o seu
corpo por completo, rememoro ele se masturbando no navio e enrosco
minhas pernas, desejando ele entre elas.

Não penso mais, sabendo que quando se trata dele eu não queria
pensar, só fazer: em um movimento, tiro o lençol de cima de seu corpo e

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monto em seu colo, acariciando seu pau adormecido.


Trevor abre os olhos, me encarando, e eu nem posso imaginar o
que se passa em sua cabeça, mas sei o que tenho na minha.

— O que está haciendo, Ellie? — me questiona com a voz


sonolenta e gosto tanto que misture o espanhol dessa maneira que me
sinto mais atraída ainda por ele naquele momento. Era perceptível quando
não conseguia pensar na tradução das palavras em sua mente; ele, sem
nem mesmo saber, me entregava sua vulnerabilidade toda vez que falava
tanto em espanhol comigo.
— O que não terminamos, Trevor. — tiro minha camisola pela
cabeça e meus cabelos caem sobre meus seios desnudos.

Trevor olha de meu rosto para eles e parece engolir em seco antes
de sussurrar:
— Estoy com dor, Ellie.

Espalmo minha mão em seu peito e prenso seu quadril entre


minhas coxas:
— Sim, eu sei, mas não é justo que só eu a sinta, não é verdade,
Trevor?

Trevor me mira, franzindo a testa, seus cabelos estão revoltos e


ele se demora, me analisando por completo, descendo seus olhos por meu
corpo nu e subindo de volta para meu rosto. Ele sobe com suas mãos pelos
meus braços e me força a abaixar até sua boca, sua língua umedece meus
lábios, me beijando com tanta força que eu seguro seu rosto e retribuo
ávida.

— Então faz ele icar duro pra você, Ellie. — ele murmura e guia
minhas mãos pelas suas curvas másculas, levando meus dedos até seu pau,
onde ele começa uma punheta, me ditando o movimento que gosta. Eu
subo meus olhos procurando os seus quando ele geme baixo, cerrando os

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lábios com força, não sei se geme de dor ou prazer, mas o som selvagem,
quase como um rosnado, faz meu ventre pulsar em resposta.
Trevor espalma as mãos na minha cintura, me fazendo roçar de
suas coxas até suas bolas e eu sinto minha lubri icação me ajudar a
deslizar em sua pele. Ele morde seus lábios, fechando os olhos com força e
urra baixo, eu arregalo meus olhos para seu pau quando o sinto pulsar em
minha mão, crescendo cada vez mais.

Trevor desce com as mãos pelo meu quadril, aperta minha bunda
e me faz esfregar em seu pau, molhando-o completamente, então coloca
suas mãos sobre as minhas, apertando-as, e eu ico impressionada com a
força que ele impõe, quase estocando seu pau com brutalidade.
— Carajo... — escuto o som rouco e gutural saindo de sua
garganta e ele morde seus lábios, encarando o teto, cada estocada mais
forte que a outra, minha mão quica em seu pau e seu corpo se revira abaixo
do meu.

Ele se estica, pegando a camisinha de cima da mesinha de


cabeceira e rasga a embalagem com os dentes, cuspindo um pedaço dos
lábios e en iando o preservativo com agilidade em seu pau, como se não
pudesse perder tempo.
— Senta em mim. — ele ordena, tirando meus dedos dele e eu me
debruço sobre os joelhos, erguendo meu quadril e me sentando devagar
onde ele pede.

Trevor força minha cintura para baixo e eu ofego conforme o sinto


me penetrar aos poucos, tortuosamente, seus dedos vão para meus seios,
apertando-os forte, tão forte que me faz gemer seu nome antes de ele subir
sua mão pelo meu colo e apertar minha garganta.
Desta vez não é com força, mas a pressão é su iciente para que eu
desça meus olhos para os seus e os veja semicerrados me encarando, a
boca mordida em meio a outro gemido. A cada estocada forte que ele me

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dá, sinto di iculdade em respirar, seus dedos apertam com mais força em
volta de meu pescoço enquanto murmura palavras incompreensíveis em
espanhol, mas quando penso em me livrar de suas mãos, ele me puxa para
um beijo, espirando entre meus lábios.

Eu sorvo o ar que ele assopra em minha boca e ele aproveita para


dar uma estocada forte dentro de mim, me fazendo gritar.

Trevor me abraça, me pressionando contra seu pau, me fazendo


afundar na penetração, eu grito outra vez e ele me rola no colchão, se
debruçando sobre mim e segurando meus braços acima da cabeça. Eu o
enlaço com as minhas pernas, o forçando contra mim, seu corpo suado
escorrega entre minhas coxas e ele impulsiona o quadril novamente,
beijando minha boca e sufocando outro de meus gritos.
— ¿Tú también estás sufriendo, preciosa? — ele mordisca meus
lábios. — ¿Te gusta el dolor, también, Ellie?

Eu o encaro sem entender tudo que pergunta e ele enlaça nossas


mãos, espalmando-as nos travesseiros acima de minha cabeça, seu corpo
se move para cima e para baixo, para fora e para dentro de mim, meus
seios são esmagados por seu peito e ele se curva e os chupa, roçando os
dentes nos mamilos, sem disfarçar o quanto quer me fazer sentir a mesma
dor que sente.
Sim, era isso que ele me perguntava... eu compreendo... se eu
também estava sofrendo... se eu também gostava da dor...

Quando volta a me encarar, noto que o prazer se mistura à dor em


seu corpo tanto quanto ao meu, ele sorri de um modo sensualmente
perverso e me beija com força, arranhando meus lábios, me sugando com
desejo e raiva, seu pau se aprofunda em mim outra vez e eu sinto que
minha buceta o aperta, sinto os espasmos contraindo e forçando seu pau
para dentro de mim.

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Trevor ofega muito alto, quase urrando, e o sinto pulsar em


resposta no mesmo segundo que o vejo tentar tirar o pau de mim, se
impulsionado para trás num gesto abrupto. Eu o detenho com minhas
pernas enlaçadas e ele me encara em meio ao seu orgasmo dentro de mim,
sorvendo ar e expirando quase que ao mesmo tempo, o cenho franzido, me
olhando por tantos segundos que meu corpo amolece sob o dele.
Então, sem falar nada, ele solta minhas pernas já sem forças de
sua cintura e se joga ao meu lado, tirando a camisinha e a jogando ao chão,
tapando o rosto com o antebraço.

Eu ainda ico por alguns segundos o encarando antes de me


levantar e me trancar no banheiro.
Desta vez tenho certeza que girei o trinco da porta antes de ligar o
chuveiro para abafar meu choro.

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11

Deitei no sofá me en iando entre as cobertas, pronto para estudar


um pouco toda a matéria da semana, mas fui interrompido por Maria, que
outra vez passou por mim na sala, toda sorrisos, toda serelepe, e eu já não
aguentava mais aquilo.
Já era lá para a décima vez que ela saltitava pela sala me olhando,
o gorro afundado em sua cabeça, tentando esconder que ali não restava
mais nenhum de seus cachos, o cachecol de coraçõezinhos rosa enrolado
no pescoço e o conjunto de moletom largo em seu corpo magro. Ainda
assim, estranhamente, ela sorria sem parar e nada me lembrava a garota
que consolei há menos de um mês.
— Caramba, Bee! Fala logo o que você quer! É uma nova onda de
seus remédios?
Ela se sentou ao meu lado num pulo, ignorando minha cutucada
ácida. Hoje eu tinha recebido uma prova com uma nota baixa — a primeira

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em toda minha vida! — e ainda por cima levado um fora da garota que eu
estava a im há meses... eu não estava muito bom para qualquer coisa a não
ser icar quieto na minha, e até minha irmã estava me tirando do sério, o
que revelava meu péssimo humor.
— Você ainda é muito amigo do Mathias, Mi?
— Somos sim... E daí? — continuei a ler o livro, já sabendo o que
vinha por ali, não era nenhuma novidade, Mathias, assim como eu,
costumava massacrar alguns corações no colégio e não era nenhum
segredo que minha irmã sempre espichava os olhos para ele quando ele
vinha em casa, o que não acontecia mais muito nos últimos meses.
Bem, se ela queria falar sobre aquilo, tinha me encontrado num
dia errado, pela primeira vez eu tinha levado um toco de uma garota e não
estava muito a im de papo, quanto mais sobre garotos ou garotas.
— “E daí”? — perguntou ingindo estar chocada com meu
desdém. — Ele é um gato, Miguel!
— Não sei, Maria, é?!
— Muito, Mi, não é pouco não. — ela bateu os cílios, apaixonada, e
eu revirei meus olhos. — Olha só, estava pensando que podíamos fazer um
programa juntos, não sei, ir ao cinema ou você chamá-lo aqui... — ela jogou
suas pernas para cima das minhas enquanto recostava no braço da
poltrona. — Sei lá, ele podia conhecer sua irmãzinha aqui melhor, hein?! —
sugeriu maliciosamente enquanto bocejava.
— Maria, não estou gostando do rumo que essa conversa está
tomando... Cai fora que quero continuar estudando, você está me
atrapalhando.
Ela riu descaradamente e, quando achei que ela ia me obedecer,
começou a cutucar minhas pernas, puxando meus pelinhos. Lá vinha mais
e eu simplesmente fechei meu livro, a encarando de volta.

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— Ah, vaaaai... Miguel, tenha dó de mim! Deixa sua irmã dar uns
beijinhos na boca antes de morrer!
O livro escorregou de minhas mãos e imediatamente me senti
zonzo, eu me ajeitei entre as almofadas e tentei focar o rosto de minha
irmã, sem aparentar o quanto sua revelação doeu minha alma. No entanto,
antes de eu conseguir formular algo em resposta, ela pegou uma almofada
e a jogou em meu rosto:
— Eu não quero morrer virgem, Miguel!
Eu acompanhei apenas com o olhar a almofada rolar pelo meu
peito e cair no chão, sem esboçar qualquer reação, ela deu um muxoxo e
fez um beicinho:
— Daqui a dois meses vai ser minha quinceañera e eu nem nunca
beijei um garoto! Vou morrer virgem de tudo!
— Nunca mais fale isso, Maria... — minha voz saiu tremida.
— Ah, larga de ser ciumento, Miguel. Eu mesma sei que você não é
mais virgem! Nós temos a mesma idade, Mi, acha que não tenho vontade
de trans...
— Nunca mais fale que você vai morrer! — interrompi-a,
aumentando o tom de voz e a encarei, desejando que ela tenha me
entendido de uma vez por todas.
Ela se aquietou por um segundo, piscando lentamente para mim.
Então, deu de ombros:
— Mas eu vou, Mi... A cada dia pioro mais...
— Não, Maria, não! — não queria ouvir. No entanto muito mais do
que isso, não queria que ela falasse. Não queria que ela falasse nunca mais
aquilo, nem para mim, nem para si mesma.

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Maria joga outra almofada ao chão, desta vez me olhando com


cara de poucos amigos:
— Não importa então, Miguel, simplesmente não importa se eu
vou morrer ou não! Eu quero beijar na boca, eu quero sentir tudo isso que
eu vejo nas novelas. Todas as minhas amigas já transaram, eu vou fazer
quinze anos e nem nunca fui beijada!
Empurrei as cobertas para o lado, pegando em seu braço:
— Isso não se força, Bee, simplesmente acontece. Não tem que
apressar as coisas, Maria! Vai acontecer quando tiver que acontecer e vai
ser especial.
— Aconteceria se eu não estivesse doente, Miguel! — ela fechou a
boca, segurando o choro. — Os meninos me olhavam antes porque me
achavam bonita, agora me olham porque têm pena e eu não sou idiota,
Miguel! Mathias é um deles, Mi! Ele vivia aqui em casa e do nada
desapareceu, você não percebeu? Ele vivia soltando cantadas para mim e
agora... nem consegue me olhar direito quando estamos sozinhos! — ela
reprimiu um soluço e eu engoli minha saliva, sem saber o que falar em
resposta. — Eu sonhava que seria especial, eu acreditava nisso, de contos
de fadas... mas sério Miguel, sério?! “Quando tiver que acontecer”?
“Quando”? Eu não tenho tempo sobrando, caso não tenha reparado,
Miguel! Nunca vai ser especial... eu só... só queria saber como seria... não
queria morrer sem saber como é... mesmo que não seja como sonhei...
Ela tirou as pernas de cima de mim, sorrindo de maneira triste, e
se levantou, pegando meu livro no chão e o atirando de volta para meu
colo:
— Deveria ser especial para toda garota, Mi. — ela balbuciou. —
Deveria ser bonito e especial... A gente deveria se sentir amada, sabe...? —
outro engasgo interrompeu suas palavras e ela tirou o gorro, revelando a
cabeça lisa. — Mas como vou saber?

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Sem que eu pudesse respondê-la, ela saiu da sala batendo a porta


do nosso quarto atrás de si e eu me senti o pior irmão do mundo, todo
revoltado porque uma garota tinha dito “não” para mim, sendo que eu
tinha a vida toda para conquistar mais um monte delas...
Engulo em seco, socando minha cabeça, não, Miguel, não! Bee
também terá toda a vida para isso, toda a vida para quebrar o coração de
muitos babacas, de encontrar o cara certo para tudo aquilo que ela
desejava, não... não seria assim como ela falou, porra, não!
Pulei do sofá, enterrando meus joelhos no chão e soquei as
almofadas com uma raiva que consumia toda a minha alma, condenando
Deus por toda a tristeza que acometia minha família, mas principalmente
pelo linfoma que crescia cada vez mais no pequeno corpo de Maria. Como
Ele ousava fazer isso com uma garota tão doce e delicada como ela, por que
não tinha escolhido a mim? Por quê? Nós éramos gêmeos e dividíamos
toda uma carga genética, por que ela que tinha que ter sofrido com
qualquer merda e não eu?
En iei minha cara nas almofadas e solucei, tentando abafar meu
choro, eu não queria que minha irmã me ouvisse, eu não queria que
ninguém além de Deus soubesse como eu me sentia em pedaços, como Ele
tirava minha metade dia após dia, lentamente, como um castigo do qual eu
não fazia a mínima ideia do motivo de merecê-lo! Eu O odiava tanto que
não podia mais ouvir Celeste rezando, implorando dEle a salvação de
minha irmã!
Eu O odiava com todas minhas forças, mas me odiava mais ainda
por não acreditar mais nEle. Se existia realmente um Deus, Ele nunca
machucaria minha Bee. Eu odiava Deus por me tirar minha crença e ainda
por cima querer me tirar minha irmã... enxuguei minhas lágrimas e olhei
para o cruci ixo pendurado em cima da televisão da sala, as palavras
deslizando por meus lábios, sem refreá-las:

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— Se você realmente existir, me leve no lugar dela... se tirar ela de


mim... nunca mais acreditarei em você...
O silêncio me retornou como sempre e eu funguei, me levantando
do chão sem forças.
Olhei para o relógio e levei um susto quando vi que já eram quase
onze horas da noite. Passei pelo quarto de meus pais e vi a cama vazia, meu
pai outra vez trabalhando horas a io, sem hora para voltar para casa... para
sua família.
Bebi um copo d’água me sentindo completamente sozinho
naquela casa... todo dia parecia que eu precisava sustentar os laços daquela
família... ainda que aquilo me tirasse as forças.
Eu só não sabia que tinha perdido minha família muito antes
mesmo da partida de Maria.

Acordo percebendo a cama vazia, mas não me importo de verdade


com aquilo; não esperaria outra coisa, ter Ellie nunca foi ter a cama quente.
Eu não tinha intenção de confundir as coisas, por mais que toda a
revelação de ontem tivesse mexido comigo de alguma maneira, ainda mais
somado ao pesadelo que tive com Maria.

Aquilo seria enterrado dentro de mim, invariavelmente. Bien


enterrado en mis entrañas... Eu não estava ali para ter empatia por
qualquer um dos Kane. Nem cogitava isso.
Tomo um banho demorado sentindo meus membros tensos e
doloridos, visto não só um terno limpo, como o escudo que preciso para
me manter em meu objetivo. Ignoro a sensação estranha que senti em meu

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sangue ontem, quando Ellie “cuidou” de mim, perplexo em como uma


garota como ela poderia nem sempre soar esnobe como um Kane.
Desço as escadas já percebendo a movimentação estranha em um
domingo, olho meu relógio constatando que não eram nem oito horas da
manhã, mas antes mesmo que eu pergunte a qualquer um dos empregados
o que está havendo, Desmond sai do seu escritório, colocando seus óculos
escuros:

— Pronto para irmos para os Hamptons, Trevor?


Franzo meu cenho para ele, sem entender o teor de sua pergunta,
e ele, na mesma hora, percebe o estranhamento, apontando para um dos
empregados que carrega sua mala porta afora:

— Ellie não te falou que sempre passamos o 4 de julho na nossa


casa nos Hamptons?
Continuo com a sobrancelha erguida, avistando Sophia des ilando
em um vestido curto reclamando sobre alguma coisa enquanto sai pela
porta ao encalço de alguma de suas muitas malas sendo carregadas pelos
empregados.

— Vamos hoje porque temos um jantar e amanhã


comemoraremos com alguns amigos. — ele complementa, seguindo pelo
corredor. — Arrume suas coisas, Trevor. Não gosto de me atrasar e você
sabe disso. Saímos em quinze minutos.

Ellie entra pela sala na mesma hora em que o pai sai e vejo que
está com os cabelos despenteados, vestindo um robe sobre a camisola
ainda, Desmond reclama mais alto, berrando que não acredita que ela não
está pronta, e vislumbro que sua ilha revira os olhos ao mesmo tempo em
que sobe os degraus ao meu lado, se adiantando pela escada até o quarto.

Eu a sigo, encontrando a porta da suíte fechada, o barulho do


chuveiro ligado. Arrumo uma meia dúzia de roupas dentro de uma mala

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pensando no motivo que a fez não me contar sobre essa pequena viagem,
imaginando se iria sem mim caso eu não acordasse, se inventaria uma
desculpa para minha não presença ao pai, no entanto quando ela sai do
banho, nem dez minutos depois, vestindo um short e camiseta, cabelos
molhados e sandálias rasteiras, eu me calo, sem saber se queria arrumar
outra briga.

Apenas um dia de descanso, mi cuerpo e minha mente precisavam


de um descanso.

Contudo, como se o destino quisesse me fazer entender que nada


era mais importante que acabar com aquela família, meu telefone toca em
cima da mesinha e antes mesmo que eu apague a tela, o nome de Abby
Gabner aparece na chamada e os olhos de Ellie rapidamente se direcionam
do celular para mim em interrogativa.
Ignoro sua pergunta antes mesmo de ela fazê-la e saio do quarto
carregando minha mala.

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Trevor não quis ir com o motorista de meu pai ou com o meu,


então seguíamos viagem em seu Porsche, a capota destampada e o vento
fresco daquela manhã ensolarada secando meus cabelos, porém o nome de
Abby em seu celular me revirava o estômago, eu não podia imaginar como
se conheciam ou o que o contato de minha amiga fazia na agenda de seu
celular.
Tiro minhas sandálias e apoio meus pés no painel do carro,
prendendo meus cabelos, tão curiosa com aquilo quanto com a Maria que
apareceu em seus sonhos.

— Em que mais você está mentindo para mim?


Trevor vira seu rosto imediatamente e seus olhos analisam os
meus em busca do motivo de minha pergunta.
— Mentindo...? — suas mãos se apoiam ao volante, mas Trevor
continua dividindo sua atenção entre mim e a estrada. — Do que está
falando?

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— Abby é minha amiga. Ela nunca me falou de você, Trevor. E se


você a conhece, obviamente sabe que ela é minha amiga, e de qualquer
maneira é estranho que nunca tenha falado dela para mim. — ele abre a
boca para me responder, mas eu interrompo. — E quem é Maria?
Trevor cala qualquer desculpa que lhe venha à mente antes
mesmo de ousar dizê-la, mas percebo os nós de seus dedos apertarem com
força o volante.

— Conheço Abby de uma reunião com Desmond e o pai dela, Ellie.


E não sei de quem está falando, não conheço nenhuma Maria. Ninguna
Maria.
— Eu mereço algumas respostas, Trevor. — devolvo rapidamente.

— E por que acha que merece algumas respostas, preciosa? Só


porque me entregou sua virgindade? — ele me olha rapidamente e eu vejo
o sorriso debochado em seus lábios.
É como se eu recebesse um tapa, dói como se eu recebesse um
tapa, e aquilo me impressiona, as palavras dele nunca deveriam surtir esse
efeito em mim e não entendo o motivo de me sentir tão ofendida.

— Porque sou sua esposa. — respondo secamente para que ele


perceba que falo muito sério e ele acelera um pouco o carro, voltando a se
concentrar na estrada.

— Pergunte o que quiser, então. Vou te responder.

— Não, esquece. — volto o rosto para a janela e desço meus pés


do painel, tão cansada que mal me lembro do corte marcado em minha
pele, nem a dor nele era uma lembrança de que Trevor era um bom
homem quando queria. Tirar o caco do meu pé deveria apenas ter sido um
re lexo do qual ele estava arrependido, depois de tirar, a contragosto,
minha virgindade.

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Ele devia ter pena de mim, sim, era isso, mais um que devia ter
pena da coitada da Ellie Kane, e imediatamente me lembro do olhar
complacente da empregada antes de limpar a xícara espatifada por meu
pai.
Tiro a franja que açoita meu rosto e tento prendê-la atrás de
minha orelha, pensando no homem que parecia vulnerável naquela
banheira ontem... aquele homem era o mesmo que se encontrava ao meu
lado? Trevor não era um bom homem, eu não estava casada com um bom
homem, apenas com um homem numa busca implacável por poder ao se
casar com uma Kane com a benção de meu pai.

Um ilho perfeito para Desmond, mais parecido impossível!


— Anda, Ellie, vamos, faça suas perguntas! Pode começar la
inquisición!
— Não, muito obrigada... algo me diz que não vai ser sincero,
outra vez... — eu me viro para ele, desviando minha atenção da janela, e
paramos em frente à uma placa de PARE, uma senhora atravessa com
algumas crianças e só então percebo que já chegamos nos Hamptons.

— Vamos passar dois dias na aclamada casa de veraneio de su


padre, Ellie. Vai ter a honrosa chance de conhecer su esposo mejor. Não se
preocupe, — ele pisca para mim. — vou mostrar um lado meu que ainda
não conhece, preciosa. — diz somente e volta seu rosto para frente. E eu
injo não aparentar que não gostei do modo como anunciou aquilo, como
se... como se... inspiro fundo, tentando afugentar minhas caraminholas.

Não... aquilo não era uma ameaça...

A rua ica livre e ele acelera, seguindo em frente.

Nós dois em silêncio.

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12

Eu me sento à espreguiçadeira na varanda de casa e olho o mar, as


ondas baixas e a espuma em tom terroso.
Desmond e minha mãe conversam com alguns amigos na sala e eu
coloco o fone em meus ouvidos, querendo icar só com meus pensamentos.
Trevor passa em meu campo de visão, caminhando lentamente pela praia,
seus pés descalços levantando a areia, a camisa branca de botão aberta
revelando sua costela conforme o vento o atinge, os cachos desformes para
um lado de sua cabeça, uma bela bermuda cargo cáqui.
Eu ainda não o tinha visto com roupas mais informais, tirando, é
claro, a manhã na piscina no cruzeiro e, se ele tirava meu fôlego de ternos e
gravatas, eu entendia que assim, como ele está agora, que realmente
revelava sua beleza, o contraste de sua pele morena naquela roupa clara,
seus cabelos dançando ao vento... eu me levanto e me debruço na cerca de

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madeira que margeia o deck da casa e tiro meus óculos escuros, colocando-
os em meu decote.
Ele se senta, trazendo os joelhos para o peito e cruza os braços
nas pernas, olhando o oceano. Tínhamos chegado na casa de veraneio da
família há pelo menos duas horas e minha mãe só falava de um jantar à
noite com amigos, meu pai ao telefone tratando de negócios, eu subi para
nosso quarto com Trevor, que observava cautelosamente cada cômodo que
nos encontrávamos, até sair pela varanda do quarto e icar muitos minutos
mirando o mar, me fazendo desistir de estar em sua companhia.

Eu achava que ele ainda estava no quarto.


Espero mais um pouco por ali até decidir pegar uns cachos de uva
e seguir pela praia ao seu encontro. Eu me sento ao seu lado, ele me olha
rapidamente antes de voltar a itar o horizonte, eu como uma uva e ofereço
o cacho a ele, que nega, sem falar nada. Olho os veleiros no mar e enterro
meus pés na areia, deixando que uma uva gelada e saborosa exploda entre
meus dentes:

— Tirando Enfermagem e desenhar, é uma das coisas que mais


amo.

Trevor vira um tantinho de seu rosto para mim e percebo que


quer perguntar do que estou falando, mas seu orgulho não deixa. Por que
ele tinha que ser assim? Custava muito se abrir um pouco?

Continuo:

— Velejar... ter meu destino em minhas mãos, eu mesma guiar


meu caminho, enfrentar a força do oceano... isso é poderoso.

Ele passa os dedos entre os cabelos e o vento trata de bagunçar


tudo de novo.

— Está me dizendo que gosta de desa ios...? Isso não parece


combinar com você, Ellie.

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Limpo minha garganta e engulo outra uva, umedecendo meus


lábios em seguida:
— Bem, estamos casados, não estamos? Acho que isso por si só é
um desa io constante... conhecer meu marido. — resmungo e um sorriso
indisfarçável ilumina seus olhos negros. Eu o ito de volta, franzindo o
cenho. — Você podia facilitar um pouco e não viver na defensiva, Trevor.
Não sou sua inimiga.

Seus lábios se curvam sutilmente como se ele não quisesse que


nem eu mesma percebesse que continuava sorrindo:

— Quem disse que não, preciosa? — fala em resposta ao meu


olhar interrogatório e eu pego outra uva, mastigando-a, a lita.

— Estou tentando ter uma conversa séria, Trevor. Isso pode ser,
de alguma maneira, comum para você ou para o mundo dos negócios, o
que eu realmente duvido muito, no entanto estar casada é um desa io e
tanto para mim, mas não mais que estar casada com você. É como se eu
desse um passo e recuasse três, sempre.

Ele não fala nada em resposta e parece me analisar em silêncio.


Eu en io duas uvas ao mesmo tempo em minha boca e suspiro, resignada.
Trevor volta a olhar o mar e eu bato uma mão na outra, secando-as, os
questionamentos fervilhando em minha cabeça.

— O que você precisa saber sobre mim, Ellie? — Trevor pergunta


de repente. — Se gosto de macarrão ou sorvetes, se gosto de loiras ou
morenas, mar ou campo...? — ele se vira para mim. — Acha que realmente
vai conhecer uma pessoa sabendo desses detalhes? Acha que me
conhecerá porque sabe que gosto de foder com força e não fazer amor? —
ele rebate e sou sugada por minhas inquietações. — Você acha que
realmente conhece uma pessoa ou o que ela quer que você conheça? —
Trevor se volta para o mar outra vez. — Você pode viver anos com alguém
e mesmo assim se surpreender com elas, preciosa.

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Descanso minhas mãos na areia e pego um punhado delas com as


mãos, vendo os grãos escorrerem entre meus dedos. Olho os barcos
passando pelo horizonte, algumas crianças entrando no mar, uns casais
namorando perto das ondas, suspiro baixo... meus pais não me
conheciam... não me conheciam de verdade e talvez eu mesma não os
conhecesse.
Nem Lennox sabia tudo de mim... nem eu mesma sabia tudo de
mim, constato, me lembrando de como eu mesma me surpreendi na noite
anterior, montando no colo de Trevor.

— Talvez as coisas fossem mais fáceis se você simplesmente me


deixasse conhecê-lo... — reforço ainda assim, não era possível que
seguiríamos sempre por aquele caminho. — Ficaremos casados até
quando, Trevor? “Até que a morte nos separe”? Vamos ser sempre assim
um com o outro? — comprimi os lábios, me surpreendendo com a saída
fácil de meus questionamentos. Qual poder de Trevor me desa iava tanto a
ser quem eu não me reconhecia ser?
Ou novamente, eu não me conhecia o su iciente...?

— Estamos em um matrimônio por negócios, Ellie. — ele retorna


e parece cansado. — Gostar um do outro não está no “contrato”.
Inspiro com di iculdade:

— Então é isso? Meu destino é nunca me casar com alguém que


eu ame porque estou presa a você?

— Talvez você se livre de mim antes do esperado. — ele


murmura, voltando seu rosto para o mar.

— O que quer dizer com isso? — debruço sobre meus joelhos e o


encaro. Ele sorri sem ânimo e nega com a cabeça:

— Apenas que os negócios podem voltar aos eixos e... você siga
seu caminho e eu o meu. — me responde, mas não acho que tenha sido

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convincente o su iciente, não sei, algo em suas palavras, no modo como as


diz, na escolha pensada em cada uma delas antes de falar, não sei...
relembro de quando esteve vulnerável e o espanhol escorreu por seus
lábios com naturalidade... aquilo contrastava grotescamente com a
arti icialidade de seu inglês.

— Pelo menos Patrick foi sincero quando disse o que achava de


mim... — bufo, começando a me levantar, mas sou retida no mesmo lugar
quando Trevor segura meu punho:

— O moleque que deu uma entrevista dizendo o quanto você é


sem graça? Ainda acreditando em aparências, Ellie? Acha mesmo que ele
não via sua beleza, como és hermosa? Tudo que ele queria com você era
status, Ellie, não se engane.

— Não muito diferente de você, Trevor. Ou se casou comigo por


amor?

— Pelo menos estou dizendo por que me casei, Ellie.

— Não. Não é tudo. — tiro seus dedos de mim. — Você diz que é
tudo, mas sinto que não é tudo.

— É tudo que precisa saber.

— E ser surpreendida como fui por Patrick quando ele me bateu?


— nem eu mesma sei como aquilo sai de meus lábios... eu... eu nunca tinha
falado sobre aquela noite, nem com Lennox, com ninguém mais, eu nem
ousava pensar, me lembrar. Trevor me encara e eu desvio meus olhos para
a casa de meus pais, vendo minha mãe beber um drink no deck em um
minúsculo biquini, nos observando de longe.

— Ele... — Trevor hesita e se interrompe, absorvendo a


informação. — Ele te batia?
Suspiro e seu olhar consternado se deposita em suas mãos
segurando com força meu punho.

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— Uma única vez, um soco no rosto. Fui direto para a polícia e


denunciei. — fecho os olhos e inspiro profundamente o ar. — Mas meu pai
me obrigou a retirar a denúncia.

— Você não pode estar falando sério... — o esfregar de seus dedos


em minha pele trai seus sentimentos, apesar de ele se manter calado
quando a irmo com a cabeça o quanto estou falando sério. — Nunca mais
ele te bat...

— Não. — interrompo-o, sem saber se digo toda a verdade, mas


quando vejo, mesmo envergonhada, conto do que fui capaz. — Eu... eu
continuei namorando ele pelas próximas semanas... e então, então... ele
terminou comigo, disse aquele monte de coisas, você sabe... você leu a
matéria.
Trevor ainda se demora me olhando e percebo que segura as
palavras, mas não as emoções, que transbordam disfarçadamente pelos
seus olhos, ainda que relute.

— Por quê? Por que icou com ele? Por que retirou a queixa?
Baixo meus olhos em direção aos meus pés enterrados na areia,
tentando dizer em palavras o que não consigo nem sequer entender em
meu coração:

— Meu pai... Desmond disse que um escândalo desse abalaria a


reputação da Kane, a inal Patrick é um dos conselheiros da empresa e... e...
— sinto os grãos arranhando meu corte, mas não ligo, quase gosto daquele
incômodo em minha pele, me lembra que sou real, que minhas dores são
reais. — ...e ele disse que se eu não fosse assim — aponto para mim
mesma. — teria evitado aquilo.
— “Assim”? Assim como, Ellie?

— Se eu fosse mais como minha mãe e menos como... eu.

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Trevor continua me mirando, um olhar diferente, eu não sabia


reconhecer o que queria me dizer... Não entendia qual sentimento era
aquele que seus olhos me diziam e na verdade nem tentava ousar
adivinhar. Trevor era uma incógnita desde a primeira vez que nos vimos e
não seria diferente agora, nem quando levanta a mão em direção ao meu
rosto e passa os dedos pelos meus cabelos, parecendo me analisar
profundamente em seu silêncio.
Em seguida, entrelaça seus dedos no meio de meus ios
bagunçados e puxa meu rosto, me fazendo aproximar do seu:

— Você não é como eles, é, preciosa...?


Abro minha boca para responder, mas uma lufada de areia me
atinge os ombros, me fazendo recuar assustada. Desvio meus olhos em
direção à sombra que nos tapa e encontro minha mãe com uma mão na
cintura, o azul turquesa do biquíni minúsculo deixando pouco para a
imaginação:

— Você é muito branca para esse sol, Ellie. Sua pele vai icar
horrível, devia ter icado na varanda sob a sombra. — ela joga os cabelos
fartos para trás de seus ombros revelando o maxicolar combinando com o
biquíni, Trevor sobe os olhos por seu corpo e esse movimento não me
passa despercebido. — Vai icar com manchas avermelhadas no jantar,
Ellie!
Imediatamente cruzo meus braços, como se pudesse fazer um
escudo imaginário, mas Trevor estreita os olhos para minha mãe, pegando
em meu braço novamente:

— Estou cuidando de minha esposa, Sophia, mas agradeço a


preocupação. — ele se levanta e me iça no movimento seguinte, minha mãe
olha de mim para ele, que a ignora, sorrindo para mim: — Quer entrar e
beber algo, preciosa?

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Faço que sim com a cabeça, não conseguindo deixar de notar o


olhar amargurado que minha mãe lança para a mão de Trevor quando ele
entrelaça seus dedos nos meus e seguimos pela areia em direção à casa,
deixando-a falando sozinha.
Não posso negar que, apesar de me sentir culpada, um sorriso de
contentamento cresce em meus lábios.

O sorriso morre logo em seguida quando entramos em casa e


Trevor me larga para se reunir com Desmond, os dois somem no escritório
pelas in indáveis horas seguintes e eu retorno para a varanda, levando um
caderno de desenhos comigo, passando o restante do dia sozinha.

Começo um esboço reunindo tudo que sei de meu marido: sua


descendência espanhola e americana, duas faculdades, um acidente que
matou seus pais... qual? Encosto a ponta do lápis em meus lábios e tento
me lembrar se ele havia me dado alguma informação... Acho que ele não
entrou em detalhes, não sei se morreram em um acidente de carro ou...
não, não fazia ideia.

Será que que Trevor estava nesse acidente e por isso as dores
insuportáveis? Teria afetado sua coluna ou algo do tipo?
Volto com o lápis no papel e o vento tenta virar as páginas
enquanto esboço um desenho grosseiro e mal feito, ico tentada a arrancar
a folha e amassá-la, mas apenas fecho o caderno e me levanto, calçando
minhas sandálias quando o pôr do sol desponta no horizonte, seguindo
para meu quarto com o intuito de me arrumar logo para o tal jantar e
receber os convidados que passariam o 4 de julho conosco.

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Não consigo sustentar o sorriso em meu rosto enquanto vejo


Patrick e Abby entrando pela nossa sala com seus pais.

Richard e Barbara Gabner me cumprimentam polidamente, como


sempre, e seguem para a sala de jantar ao lado de Desmond, Patrick me
olha de cima a baixo e sorri antes de ir atrás deles, ajeitando sua gravata
com um andar presunçoso, como se minha casa fosse sua.
— Amei seu vestido!

Olho para o lado e dou de cara com Abby, sentando-se ao meu


lado no sofá.
— Alex Perry. — passo os dedos pela alça e levanto minha
sobrancelha, me gabando por usar uma coleção exclusiva que nem fora
lançada ainda pelo estilista. Normalmente não tenho esse tipo de atitude,
mas ver seu nome no celular de Trevor me impelia a querer me posicionar
um pouco diferente naquela noite.
— Jura? — ela sorri, incrédula, a inveja destilando em sua boca.
Abby Gabner nunca conseguia disfarçar suas emoções e, por mais que
fosse minha amiga mais antiga, não se dava ao trabalho nem de tentar
refrear a sensação que eu tinha que ela queria tudo que eu possuía. — Alex
Perry? De qual coleção?

Respiro fundo, me levantando do sofá e me encaminho para a sala


de jantar, pensando no paradeiro de Trevor, não o tinha visto desde que
desci arrumada de meu quarto e encontrei Desmond pronto para o jantar.

Eu me sento à mesa e noto que minha mãe também não está ali,
meu pai fala sobre negócios com Patrick e Richard, Abby pega uma taça de

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vinho e estica os olhos pelo cômodo, parecendo procurar algo, ou alguém,


aliso o guardanapo, desconfortável com o rumo de meus pensamentos.

Minha mãe chega na sala esbaforida, prendendo o colar de


pérolas em seu pescoço e noto que alguns ios escapolem por seu
penteado, ela abre um grande sorriso ao nos ver e emenda uma desculpa
sobre seu atraso, dizendo que não encontrava sua joia, que estava em uma
mala esquecida pelos empregados no carro, revira os olhos ao falar mal da
governanta e todos sorriem para sua bela presença, mesmo que ela os
izesse esperar por horas.

Deslizo meus dedos pela seda de meu vestido em um tom de ouro


envelhecido e coço minha coxa, minhas unhas arranhando minha pele,
cruzo minhas pernas e me remexo na cadeira, olhando para a porta da sala
em expectativa à chegada de Trevor logo que escuto o ressoar de sapatos,
no entanto a governanta entra com uma bandeja de prata e meu peito
encolhe em desassossego.
Desmond olha o relógio e Richard comenta algo em voz baixa,
Sophia e Barbara riem alto de alguma gracinha que Abby fala e Patrick
limpa a boca arroxeada pelo vinho, me olhando com calma, sua língua
passa vagarosamente pelos lábios esboçando um sorriso malicioso em
seguida.

— Desculpe pelo atraso!


Viro meu rosto em direção à porta e encontro Trevor, vestindo seu
paletó ao entrar pela sala, as maçãs do rosto avermelhadas, o nó da gravata
visivelmente torto e feito às pressas. Desmond o encara em desagrado e,
sinceramente, quem o olha agora não acredita que esse é o homem que
disse para sua própria ilha que queria Trevor Willians no lugar dela.

Parece que sua paciência se limita apenas à perfeição de Trevor e


não gosta nem um pouco de ver que seu pupilo tem defeitos como um
mero mortal. Sorrio disfarçadamente ao beber um gole de vinho, sem

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acreditar no quanto me era prazeroso presenciar àquela cena... saber que


eu não poderia chegar à posição perfeita que meu pai almeja nem que eu
quisesse... que nem seu pupilo amado poderia... ninguém poderia... nada no
mundo era tão perfeito quanto a si próprio e a mamãe... e no fundo aquilo
era reconfortante.
— Eu estava falando ao teléfono com um posible investidor. —
meu marido avisa, falando rapidamente, e se senta sem demora ao meu
lado, meu pai amassa o guardanapo em cima da mesa e crava seus olhos
em Trevor:

— Sem essa maldita língua aqui, Trevor! — vocifera, empurrando


sua taça para frente, ela oscila e derrama um pouco de líquido tinto na
toalha, eu o ito, assustada com sua reação. — Acha que somos obrigados a
entender alguma coisa do que disse?
Trevor se empertiga na cadeira e vejo seu maxilar tenso, as mãos
pairam por um segundo em cima da gravata antes de ele consertá-la quase
que mecanicamente, os olhos presos ao meu pai. Todos estão calados, mas
ainda assim consigo ouvir a risadinha baixa que Patrick nem se preocupa
em disfarçar, meus olhos vão de seu rosto distorcido em júbilo para os
olhos negros de Trevor, que o encara antes de limpar a garganta e se
direcionar de volta para meu pai:

— Desculpe, Desmond. Não vai se repetir. — entoa sem qualquer


emoção e meu pai nada fala em resposta, voltando-se para Richard e
começando algum assunto de negócios. Olho Trevor e ele ainda parece
nervoso, a mão sobre a gravata ainda, seus dedos apertam o tecido, posso
ver as veias do punho saltadas, a raiva estampada em seu semblante.

Imagino se alguma vez foi o foco da raiva desmedida e sem


sentido de meu pai e como deve estar se sentindo agora... decepcionado,
talvez...? Ou ainda idolatraria Desmond Kane a ponto de engolir seu
orgulho?

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A janta é servida e o silêncio subserviente de Trevor me


responde... uma resposta tão conhecida por mim durante todos os meus
anos de vida.

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13

Todos estão na varanda com drinks e minha garganta fecha, a taça


de vinho intocada em minha mão. Raiva é pouco para o que estou sentindo,
a ira in lama mi sangre e tenho que segurar todos meus instintos para não
pular em cima de Desmond e degolá-lo ali mesmo, em frente à sua família e
seus convidados.

Deslizo a faca no bolso de meu paletó e meus dedos escorregam


pelo lado cego da lâmina, inspiro fundo e expiro com força, fechando meus
olhos por um segundo antes de devolver a faca à mesa, aquilo nunca
aconteceria, nunca.
Ando em direção à varanda, mas Abby me intercepta no caminho,
suas mãos pegajosas seguram meu paletó e eu desço meus olhos para seu
rosto patético, os olhos estão amuados e piscam lentamente no show
sensual e particular que interpreta para mim:

— Por que não me atendeu?

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— Não tenho que te atender, Abby... — retorno, bebendo um longo


gole da taça, olhando através da porta, o receio que qualquer um nos
lagrasse naquele exato instante.
— Atendia até se casar com ela. — retorna em desagrado, fazendo
beicinho, e minha raiva volta a crescer exponencialmente.

— Pois é, Abby. Que pena para usted — rebato na mesma hora,


impaciente. Deixo o copo em cima do buffet e passo por ela, dando as
costas para toda aquela pieguice. Mas Abby vem atrás, me segurando pela
barra do paletó:
— Vai ser assim agora? — ela agarra minha nuca e eu a empurro
para trás, soltando suas mãos de mim. — Ela é melhor que eu? É isso que
está querendo me dizer?

— Não “estou querendo dizer” nada, Abby! Estou dizendo


claramente e sem ser na minha maldita língua! Entenda de uma vez por
todas: a-ca-bou! — passo as mãos pelos meus cabelos, nervoso, e olho à
minha volta, concluindo que ainda estamos sozinhos, mas aquilo estava
passando do limite. — Acabou, carajo!

Desta vez me afasto rapidamente, no entanto, quando saio pela


varanda, me deparo com Patrick ao lado de Ellie, ela parece encurralada
entre ele e a amurada da varanda, eu viro meu rosto em direção a seu pai,
sem acreditar que aquele mierda nem sequer se a lija ao ver su hija perto
de homem que a espancou: o cabrón fala ao telefone enquanto Richard o
assiste em algo, Sophia e Barbara bebem drinks, fofocando, e eu engulo em
seco, puto.

Sem nem pensar, saio em disparada na direção de minha esposa,


passos irmes e fortes retumbando o deck, a pego pelo braço e a puxo para
mim, Ellie leva um susto, deixa sua taça cair no chão, o vidro se espatifa e
gotas tintas mancham a calça clara de Patrick.

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Ele esboça reclamar algo, eu irmo meus olhos nos seus,


apertando el pequeño cuerpo de Ellie contra o meu, e a arrasto da varanda
sob os olhos de todos, as duas tagarelas se silenciam, Desmond tira o
telefone da orelha, boquiaberto, e Richard não se move.
— Trevor...? — Ellie balbucia, perdida, eu a seguro mais irme,
meus dedos a apertam, ela quase tropeça em seus saltos, eu a puxo pela
cozinha, pegando duas garrafas de vinho da bandeja de uma das
empregadas e saímos pela porta lateral, descendo o caminho de pedras até
chegarmos às dunas onde a solto, bebendo quase um terço da garrafa em
um só gole sob os olhos apavorados de minha esposa.

Num movimento só, ergo meu braço e lanço a garrafa contra a


rocha, urrando a plenos pulmões ao vê-la espatifar, Ellie solta um grito
estridente, mas antes que tenha chance de me questionar, saco a rolha da
outra garrafa e a entrego para ela:
— Sua vez! — ela me olha como se não tivesse me entendido,
pego sua mão e coloco a garrafa ali, apontando para sua boca e para a
rocha em seguida: — Sua vez, Ellie!

Minha esposa me encara, os seios subindo e descendo em sua


respiração ansiosa, aquele ín imo pedaço de pano que ela usava como
vestido, suas coxas de fora, os pequenos pés em delicadas sandálias
trançadas em seus tornozelos, hermosa como se esculpida por anjos.

Mierda! Mierda!
Bufo ao pensar naquilo e forço a garrafa entre seus dedos, meus
pensamentos só poderiam estar desconexos com minha raiva, eu não
sentia nada por ela e não era porque sofria nas mãos daquele puto que eu
teria empatia por uma Kane! Não, não teria! Não teria!
Ellie me olha por um segundo ainda antes de encaixar a boca da
garrafa em seus lábios e eu miro aquela cena, sentindo meu mau humor se
desfazer em um olhar safado, in lamado pelo tesão daquela cena, alguns

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pingos caindo em seu colo desnudo, deslizando pelo encontro dos seios e
sumindo no decote.
Carajo... Meu pau enrijece e sinto arrepiar todos os pelos da
espinha, Ellie arfa ao afastar o gargalo e, num gesto impetuoso, me imita,
atirando a garrafa contra a rocha, gritando com todas sus fuerzas, os dedos
enterrados nas próprias mãos em punhos.

Assim que ela se vira para mim, pego em sua cabeça e tomo sua
boca, ainda sentindo o gosto de viño em sua língua, apertando seu quadril
em meu pau, hmmm, aquela mulher me excitava de maneira insana, só
podia ser isso, só podia! Exploro suas costas com minhas mãos e desço,
apertando sua bunda, não lhe dando tempo de respirar, sorvendo com
raiva o ar que ela expira... Ellie era minha quando eu a quisesse! Ellie era
mia y de nadie mas!
Deslizo meus dedos até sua buceta molhada de desejo, liberando-
a de sua calcinha de renda e a viro de costas, obrigando seu corpo a ceder
até que ela ique de quatro na duna, lambo sua lombar e desço minha
língua por sua bunda, sentindo a textura arrepiada de sua pele, o gemido
sedutoramente reprimido. Ah, su perra...!

Abro o zíper de minha calça e rapidamente me encaixo nela, Ellie


arqueia a coluna e vejo suas mãos enterrarem na areia, meu pau lateja,
engolido por sua buceta apertada e molhada, aquilo era alucinante, eu a
tinha na hora que queria, era apenas isso, eu estava provando que tinha
Ellie para mim, que ela não pertencia a Patrick, nem seus medos
pertenciam mais a Patrick! Ellie gozou para mim, eu era o único pau que
ela gozaria novamente e... cravo minhas unhas em sua bunda, não
acreditando naquilo, era apenas raiva, raiva e desejo, e sexo, apenas isso,
Miguel, su mierda!
O que está pensando, carajo?!

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Penso em Abby, penso em sua boca em meu pau, penso nas tantas
vezes que fodemos, todas as vezes que precisei foder com ela para saber
tudo de Ellie, tudo que Desmond nunca me contava. O quanto ela era
introspectiva, como ela nunca conseguia dizer não para su padre, como ela
sempre tentava almejar o patamar imposto pelos Kane... penso em como
todas aquelas informações foram importantes para que eu soubesse que o
casamento com Ellie sairia conforme eu planejava.

Desvio meus olhos para o mar, aquele horizonte negro, as estrelas


brillantes re letindo na água escura, penso no quanto foi fácil conseguir
atenção da mulher que Ellie considerava sua melhor amiga, Abby falava de
Ellie com tanto desdém que não era di ícil acreditar no quanto a hija de
Desmond era insuportável e... penso em Desmond... na facilidade que ele
deu a mão de sua ilha por causa de um acordo sórdido e mútuo nosso...
olho para Ellie de quatro ali na minha frente e o suor frio escorre por
minhas têmporas, não tenho como não pensar no que Patrick fez a ela e no
fato de ela ter continuado com ele ainda assim.

O que tinha de errado com aquela mujer? Por que era tão
submissa?
Fecho meus olhos com raiva e me concentro no aqui e agora, na
pele caliente que cravo meus dedos, nos gemidos baixos que sua boca
cerrada insiste em segurar, sua bunda redonda e sua cintura desenhada...
por Dios, o que era aquela mujer? Quem era Ellie Kane?
Ela afunda seus ombros e o topo de sua cabeça se encosta na
areia, empinando sua bunda ainda mais para mim, eu sinto sua
lubri icação escorrer por meu pau, e não posso acreditar que Ellie seja tão
perfeita assim, tão intocada, no era posible... penso em Patrick a lambendo,
ele a chupando, penso nela chupando aquele maricón, desvio o rosto para
o céu e meto meu carajo até o fundo:

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— Fale meu nome, Ellie! — exclamo alto enquanto puxo seus


cabelos, forçando a penetração mais e mais, é apenas isso, eu a tenho na
hora que quero e ela nada mais é que sexo, Ellie é minha agora e será todas
as vezes que eu quiser e nada mais! En io meu pau com força, me sentindo
frustrado por todas as sensações que tentavam me vencer naquele
momento. — Mi nombre, Ellie! Dime, Ellie, dime mi nombre!
— Tre...tre...vor... Trevor... — Ellie engasga, eu sinto minhas mãos
suarem enquanto agarro sua cintura, arremetendo-a contra meu pau cada
vez mais forte e mais rápido.

— Fale que nunca vai deixar que ele chegue perto de você, Ellie!
— vocifero e quando sinto o gozo em minhas bolas, empurro-a e Ellie cai
sentada de lado, seus olhos me procuram, eu mordo meus lábios enquanto
seguro meu pau, a porra jorrando na areia e não dentro dela.
Inspiro profundamente, meus dedos tremem, meu peito dói, ela
ica paralisada, os espasmos continuam, eu a encaro enquanto gozo, ela
nem pisca, limpo minha mão na barra de meu paletó, ela estica seus dedos
para mim, eu me levanto, dando as costas para ela.

Eu a deixo sozinha en la playa.

As horas passam, não durmo, apesar de ingir ao lado de Ellie.

Fingia estar dormindo quando ela entrou no quarto uma hora


depois de tê-la deixado sozinha, continuo ingindo depois de horas sob o
mesmo lençol. Quando acho que já deixei tempo su iciente entre o recostar
de sua cabeça no travesseiro e seu ressonar, me levanto com calma e em

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silêncio, saindo do quarto e descendo as escadas na penumbra da


madrugada.
Abro a porta e me esgueiro pelo quarto sem fazer ruído algum, a
luz de la luna entra pelas frestas da persiana e ilumina el cuerpo em cima
da cama, eu sorrio sozinho ao ver seu sono profundo, andando devagar
pelo piso de madeira, meus sapatos deslizam sem emitir som e eu debruço
um joelho sobre o colchão, fazendo-o acordar apavorado e arregalar os
olhos para mim no instante em que aperto sua garganta:

— Ri agora, su mierda... ri! Quero ouvir sua risadinha de cabrón!


Patrick engole lufadas de ar e eu espremo meus dedos em seu
pescoço, afundando-o no colchão:

— Me ouça com atencíon, su hijoputa: nunca mais olhe ou sequer


encoste em Ellie, está me ouvindo? Ela é minha esposa, mi-nha, não de um
cobarde como tu! — chego meu rosto perto do seu e vejo que tenta
respirar, ele reluta com o corpo, mas o seguro facilmente. — Eu acabo com
você num piscar de olhos, jogo seus restos ao mar, carajo!
Ele abre a boca, tentando sorver ar, seus braços amolecem, desço
meus lábios até perto de seu ouvido:

— Você vai não só aceitar que eu seja vice-presidente da Kane,


como vai incentivar o restante do conselho, está me ouvindo? Ou digo para
todo mundo que come uns culos por aí... — solto minhas mãos dele e
Patrick leva as suas até o pescoço, inspirando com força, as lágrimas
escorrendo de seus olhos. — Sí, eu tenho algumas fotos, e, por mais que
tudo bem para mim sua bandeira arco-íris, tu papá e tu padrino não icarão
felizes, não é mesmo... — sorrio jocoso, me levantando. — preciosa...?
Tiro de meu bolso as cópias das fotos de alguns encontros
fortuitos daquele bosta e as jogo em sua cama:

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— A intolerância é uma mierda, não é? — sorrio irônico. — Não


faz muito sentido logo você ser xenofóbico, faz...? — levanto uma
sobrancelha, revirando os olhos. — Bueno, para minha sorte, tu padre e mi
sogro não te passaram certos valores e... — dou de ombros. — cá estamos,
mais um mierda corrupto que comprarei barato. Conto com você na
reunión do conselho. — vou em direção à porta, mas, antes de sair, lanço
uma piscadela para ele e sussurro: — Espero que tenha entendido todos os
termos, senão farei questão que não tenha pelotas para serem chupadas
por tu machos.
Naquela noite, duermo como un angel.

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Acordo e dou de cara com Trevor ressonando ao meu lado. Sua


cabeça está pendente para mim e seu corpo nu embolado aos lençóis.
É uma bela visão e, por um momento, tenho vontade de acordá-lo
para questionar o que havia acontecido naquela praia ontem, eu havia me
sentido... humilhada e desejada...? Isso seria possível? Desejada quando vi
em seus olhos o ciúmes que sentiu de Patrick e em seguida a humilhação
de ter me largado ali sozinha na praia naquele estado...

Eu me demoro apenas observando-o.


É estranha a sensação que tenho de que ele me esconde mais
coisas do que posso supor. Não só porque ele é fechado e tem um escudo
protegendo suas reações, ou porque nos casamos apenas por conta dos
negócios de minha família... mas... é como se Trevor não fosse real.
— O que está fazendo, Ellie?

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Levanto as sobrancelhas e ele abre os olhos, passando as mãos


pelos cabelos. Eu me distraio momentaneamente com seus músculos
lexionados, mas sorrio desdenhosa quando ele me encara.
— Nada.

— É normal encarar alguém enquanto dorme, preciosa? — ele se


espreguiça, ajeitando-se nos travesseiros. — Não deveria fazer isso, não é
muito agradável.
— Não estava fazendo nada. — rebato na mesma hora, orgulhosa,
e me levanto da cama, vestindo um roupão.

— Desculpe por ontem. — ele fala de repente e eu me viro para a


cama, encarando-o. — Não deveria ter te deixado sozinha.

— Não sou problema seu, não se preocupe. Sei meu lugar.

— Você é mi esposa, Ellie. — ele se espreguiça e tira o lençol


revelando seu corpo nu, inspiro fundo. — Ainda que seja por contrato, é
minha mulher. — ele conclui se levantando, ignorando outra vez minhas
respostas, e eu me demoro, novamente analisando-o enquanto ele anda até
o banheiro.
Músculos na medida certa, nada exagerado mas altamente
explosível aos olhos, ao toque, e era perceptível como Trevor era vaidoso e
sabia que chamava a atenção das mulheres, mesmo que parecesse à
vontade com isso, e ingisse não ligar.

Era óbvio que ligava e sabia usar o corpo a seu favor.


Abby Gabner estava aí como prova.

— Qual a programação de tu padre hoje? — ele pergunta ao voltar


do banheiro, já vestindo uma bermuda. — O que engloba o famoso 4 de
julho dos Kane? — ele vem em minha direção e eu miro seu corpo, sem
disfarçar. — Ou terei mais algum tempo à sós com minha mulher?

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— Como se preferisse estar comigo a estar com ele. — eu o


interrompo, denunciando no meu tom de voz todo o deboche que meus
lábios poderiam suportar. — Você casou com a empresa, Trevor, e não
comigo.
— Sim, me casei. — ele diz, sério, como se me desa iasse a
duvidar dele, colocando uma mão em minha cintura. — Mas você se casou
comigo, Ellie, e seus olhos em mi cuerpo só me dizem que não fez um mal
negócio... ou você discorda, preciosa...?

A mão de Trevor se aperta em minha pele e a sinto me puxando


vagarosamente para ele. Engulo um nada e mordo meus lábios, já me
sentindo excitada, e toda uma raiva percorre meu coração por me sentir
assim com apenas um toque seu.

Eu estava cansada de me subjugar aos homens.

— Me solta, Trevor. — sussurro quando ele passa os dedos pela


faixa de meu robe e contorna o tecido, deslizando sua mão pela minha
cintura, sua pele quente tocando a minha. Sugo o ar e repito, entredentes:
— Trevor, me solta!

No mesmo segundo, ele recua um passo e eu fecho meu robe com


raiva, saindo do quarto e o deixando sozinho, certamente espantado com
minha reação... eu mesma estava espantada com minha reação. Sorrio,
ainda que me sinta intimidada por meus sentimentos, no entanto engulo o
asco quando vejo Patrick e Abby descendo as escadas.

Eu ainda teria um dia inteiro para lidar com eles e o dia mal tinha
começado.

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14

Depois do constrangimento que foi o café da manhã silencioso


daquela casa, Richard e Barbara têm a brilhante ideia de velejarmos. Eu
aceito na mesma hora, concluindo que seria uma ótima maneira de me
distrair àquela manhã, no entanto Patrick, que passou os últimos minutos
amuado e com os olhos esbugalhados para Trevor, diz que vai ao centro
fazer umas compras.

Não tive como não reparar que toda vez que meu marido se
dirigia para ele, fazendo alguma pergunta pertinente à empresa, meu ex
parecia tremer, a xícara de chá vibrava em suas mãos e tiritava toda vez
que ele a repousava no pires, mal conseguindo formular uma frase
coerente em resposta, deixando todos à mesa curiosos com seu jeito.
De qualquer maneira, ninguém ousou perguntar se ele estava bem
e eu me limitei a pouco ligar para aquilo, já que pouco me importava
mesmo.

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Desmond e Sophia declinaram o convite e eu me levantei da mesa,


pronta para ir para o cais, no entanto, quando Trevor disse que não iria
pois não sabia velejar, Abby prontamente se convidou para ajudá-lo,
dizendo que poderiam ir em seu barco à vela; meu humor mudou na hora
outra vez.

Assisto àquela garota que tantas vezes dormiu em meu quarto


quando criança praticamente roçar seu corpo de biquini em Trevor
enquanto íamos em direção à marina, ele sorri para ela, desviando vez ou
outra seus olhos para mim e aquilo me enerva absurdamente.

— Você vai ver, Trevor, como é fácil e...


— Ele vai comigo. — eu a corto, pegando a mão de Trevor, que
sorri convencido para mim, tenho vontade de estapear aquela cara bonita,
mas me limito a tentar parecer coerente e não uma ciumenta no cio. — Ele
é meu marido, Abby, cabe a ele estar no mesmo veleiro que eu. — sem
esperar que ela responda ou continuar vislumbrando o sorriso metido de
Trevor, pulo graciosamente no barco e sorrio para mim mesma quando o
sinto bordejar para um lado com o peso de Trevor me seguindo.

Veri ico os cabos no aparelho de labor que içam e controlam as


velas, e con iro se todas elas têm o nó em oito na ponta para evitar que
escapem do mastro ou das roldanas, então retiro todos os cabos dos
cunhos e molinetes.
— Cuidado com a cabeça. — aviso, de cara amarrada, soltando o
amantilho até que a retranca desça sozinha e amarrando-o no molinete
novamente. Observo que a retranca balança e Trevor se abaixa quando a
vela mestra é completamente içada. — Diferente do que a Abby disse, não,
não é tão fácil assim velejar. — desta vez eu que sorrio, sabendo que agora
eu tinha em minhas mãos o domínio da situação.

Posiciono o barco na direção do vento e essa parte nem sempre é


fácil, pois é di ícil manobrar um barco parado, contudo, meus anos de

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prática me deixaram habilidosa e faço tudo sozinha com um Trevor curioso


me olhando quieto.
Viro o barco à bombordo de acordo com o vento e continuo o
trabalho com as velas até estarmos velejando. Olho Trevor parecendo
receoso, parado no mesmo lugar. Rio baixo e pego o leme, mantendo o
curso.

— As velas têm que estar perpendiculares ao vento para


velejarmos melhor. — aponto para a linha central da proa. — Estamos em
popa rasa, só guiados pelo vento.

— Então isso é velejar? É disso que você gosta? — ele pergunta e


eu faço que sim com a cabeça, sim, aquela era uma sensação indescritível.

— É porque é sua primeira vez, mas con ie no que digo: é


relaxante.
Seus lábios tentam conter um sorriso nervoso quando ele suspira:

— Não me parece.
Rio alto:

— Mas sim, é e... — eu calo minhas palavras, apavorada quando


vislumbro o que acontece antes mesmo de poder berrar avisando-o: a
retranca muda de lado de repente, atravessando o convés com muita força
e atingindo as costas de Trevor, jogando-o da embarcação na água.
Eu atravesso o barco e me esgueiro pela borda, meus olhos
abarcam toda a linha do mar em pânico, até que ele emerge tossindo e
parecendo ainda atônito.

—Trevor, aqui! — estico minha mão para ele que a segura irme,
mas ao invés de eu içá-lo, ele me puxa e, boquiaberta, me vejo tombar na
água. Eu me debato sob o mar, engolindo um pouco de água e emerjo quase
que no mesmo instante, xingando-o. Trevor ri alto, seus olhos se
comprimem e os cabelos pingam, molhados. Ele mantém uma mão no

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barco e a outra se estica para mim quando nado em sua direção, minha
camiseta branca enxarcada.
— Isso foi um troco por ontem, preciosa...? — ele pega em meus
dedos e me puxa para seu corpo, miro surpresa um sorriso zombeteiro em
seus lábios. — Queria me ver muerto?

Dou de ombros:
— Acidentes acontecem.

Ele sorri:
— Digo el mismo, foi sem querer quando você caiu no mar — ele
me cerca com seu braço, me colando a seu corpo, a água ondula à nossa
volta. —, sou muito pesado, não foi mi intencion te fazer cair. — seus dedos
espalmam em minhas costas e deslizam com facilidade na minha pele, olho
o barco ao lado de nossas cabeças e, ainda que queira subir de volta
imediatamente, me sinto tentada a icar onde estou, mesmo que seja
boiando no meio do oceano.

— Qual é a história dessa marca? — ergo a ponta de meu dedo e


encosto em sua cicatriz, os pingos deslizam por sua pele e ele parece se
arrepiar por um segundo antes de fechar o semblante.
— Eu não pergunto sobre a sua e você não faz o mesmo, Ellie.

Engulo em seco:
— Eu te contei a história da minha... ontem... — balbucio e Trevor
fecha os lábios e parece engolir algum sentimento enquanto sua icha cai...
se ele não tinha se dado conta ontem, quando contei sobre Patrick, agora
ele podia ter certeza que o soco que recebi marcou mais que minha alma.
— Minha mãe sempre tenta escondê-la... eu sempre tento...eu não
precisava de uma cicatriz para me lembrar, mas... — respiro fundo. — Nem
uma base esconde o tipo de mulher que sou.

— Ellie? — ele parece confuso.

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— Covarde. — sussurro. — Uma mulher covarde.


Trevor tira mão do barco e seus dedos encostam em meus
cabelos, ele tira os ios molhados de minha testa e os prende atrás de
minha orelha, passando o dedão com calma e suavemente por minha
cicatriz, desenhando a pequena, mas profunda marca.

— Eu me machuquei tentando salvar meu pai quando ele


morreu... — sua voz é baixa e serena. — Eu achei que ainda dava tempo,
que ele estava vivo e... me cortei... Me corté con la hoja... — não entendo
desta vez o que diz e olho em seus olhos, descobrindo alguns tons claros
naquela manhã ensolarada, talvez não fossem tão negros quanto eu
pensava, quase posso ver matizes esverdeadas, mas antes que eu observe
melhor Trevor desvia o rosto, mirando o barco um pouco distante, poucos
centímetros apenas.
Não entendo o motivo, mas desta vez sinto tanta sinceridade em
sua voz que compreendo que ali vejo mais do que ele queria me mostrar.

— No acidente? Você tentou salvar seu pai no acidente...? —


questiono, quase sem voz, mas seu rosto se volta para mim e Trevor pisca
com força seus olhos, parecendo voltar a si:
— Sim. — responde apenas e me solta, indo em direção ao
veleiro. — Vamos, Ellie, antes que a gente não consiga mais subir no barco.

Eu murcho outra vez, entendendo que o momento tinha acabado.

Saio do banho vestindo um macacão solto de seda, leve e trançado


nas costas, sem saber se tranço também meus cabelos úmidos. No entanto,

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dou de cara com Trevor segurando meu caderno de desenho, sentado em


minha cama.

— Você desenhou isso, Ellie? — ele pergunta sem virar o rosto e


me lanço no colchão ao seu lado, na ânsia de arrancar meu caderno de suas
mãos. — Você me desenhou...?

Suspiro, rendida à sua curiosidade sincera, e me ajeito, encarando


os rabiscos em traços leves e esboçados de seu rosto. De qualquer maneira,
evito seu olhar quando o respondo:

— Foi o que eu disse na paria... gosto de desenhar e... — não


inalizo meu pensamento, Trevor se vira para mim e seus olhos se movem
enquanto ele analisa meu rosto. Eu também o faço. Ele assumia feições
completamente diferentes quando me olhava daquela maneira... como se
quisesse ver através do que enxerga.

— Não imaginei que fossem desenhos assim. — ele fala baixo e


olha minha boca. Respiro fundo e tento concentrar no caderno entre seus
dedos. Ali não tem apenas meus desenhos, mas meu coração.
É como me sinto liberta quando não tenho o mar embaixo de meu
barco e normalmente me soltava nos rabiscos quando não sabia como
fazê-lo em palavras.

Trevor não fala mais nada enquanto vira suas páginas. Eu tento
ajeitar meu cabelo, consciente de que outra vez me enxerga mais do que eu
tento mostrar... só Chloe e Lennox admiravam meus desenhos, tão íntimos
e privativos como segredos meus.
— Você é incrivelmente boa no que faz, preciosa. — ele comenta
sem tirar os olhos do caderno e eu me sobressalto, sem saber o que
responder ao seu elogio. — Deveria se desenhar. — seus olhos percorrem
meu corpo de cima a baixo, demorando-se em meus lábios. Por im, ele me
entrega a pasta. Estendo a mão e ele deixa seus dedos tocarem devagar em

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mim. Sinto meu pulso acelerar. — Ficaria belíssima se você se visse com
esse mesmo olhar que vê as outras coisas, Ellie.

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Pego a mão de Trevor e o levo pelo caminho de pedras, nos


distanciando da festa de meu pai. Não aguentava icar mais um minuto
sequer na presença de seus convidados, mas mais ainda, de Patrick e Abby.
E é por isso mesmo que não conto para ela que vou encontrar Lennox e
Chloe na praia, ansiando um momento à sós com eles e... Trevor.

Os dois também estavam na casa de veraneio dos pais de meu


amigo naquele feriado e, por mais que meu pai não gostasse nada da
minha amizade com Lennox por razões óbvias para um homofóbico
enrustido, não poderia reclamar do que não via, não é mesmo?

Meu marido não me pergunta o que tenho em mente e por mais


que eu ache que suspeite que estou o levando para uma rapidinha em
meios às dunas, simplesmente não me questiona quando encontramos
meus amigos sentados em uma canga lorida, olhando o pôr do sol, que
nada mais é que um risco laranja quase que completamente coberto pela
manta azul marinho do oceano.
— Achei que aqui seria mais agradável que lá — aponto para o
deque de casa. — para vermos os fogos.
Trevor disfarça outro daqueles sorrisinhos cheios de mistérios,
lançando mão de uma covinha em apenas uma das bochechas e eu me
perco naquela visão, ainda que a vista do espetáculo ao mar queira gladiar
com ele. Não, o pôr do sol perdia feio.

— Placer. — ele os cumprimenta em espanhol e eu me delicio


com aquilo, sabendo que está relaxado a ponto de não levar o que meu pai

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falou ao pé da letra. Entretanto, ele limpa a garganta e traduz o gesto,


esticando a mão para Lennox: — Prazer.
Lennox, sem qualquer tipo de mesuras, se levanta na mesma hora
e o agarra pela goela, abraçando-o apertado:

— Que isso, sem cerimônias, você é marido de minha irmã! Se


tem intimidade com ela... vai ter que ter comigo. — ele pisca o olhos para
Trevor e se vira para mim, escancarando um “O” em seus lábios e se
in iltrando em meu ouvido aos cochichos: — Menina do céu, muito mais
gato ao vivo, puta que pariu!
Sorrio ainda embevecida de orgulho e miro Chloe um pouco
reticente enquanto o cumprimenta. Fecho meu sorriso, não sabendo ao
certo o que sentir, uma luta interna me tira dos eixos e me deixa atônita,
tão dúbia quanto tudo que conhecia sobre Trevor.

Estar atraída por ele era igualmente, em absoluto, estar atraída


pelo desconhecido.
— Você que é a ilha do jornalista da Times, não é? — escuto-o
perguntar quando Chloe volta a se sentar e ela con irma que sim ao mesmo
tempo em que Lennox puxa a champanhe de sua bolsa de praia; minha
amiga praticamente se joga ao seu lado, tirando o gargalo à centímetros de
sua boca, servindo a todos nas taças que trouxe, coisa que não me
surpreendia.

Bato minha taça contra a de Trevor, talvez um pouquinho mais


forte que o normal e minha mãe logo vem à minha cabeça me
recriminando, sorrio mandando-a se foder em pensamento e Trevor me
olha curioso, desta vez sorrindo abertamente para mim:
— O que está pensando, preciosa? — questiona quase em um
sussurro e meus olhos itam os seus, sem conseguir falar nada em
resposta; ele ri: — Eu disse que você iria conhecer um lado meu que não

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conhecia, mas tenho que dar o braço a torcer... eu que estou me


surpreendendo.
Eu me sento à canga e bebo outro gole para molhar meus lábios,
que ressecam com minha respiração forçada encontrando Lennox se
entupindo de champanhe parecendo entoar alguma música, levemente
bêbado. Presto atenção e noto o som vindo da festa de meu pai, Chloe ri do
amigo, mas tudo que vejo é a mão de Trevor ao meu alcance.

Subo meus olhos, tirando os cabelos que voam sobre eles,


mirando-o e ele sorri, estendendo seus dedos para mim:

— ¿Baila conmigo?

Nem pisco quando minha mão alcança a sua e ele me ergue, me


movimentando com ele no ritmo da música, acompanhando a batida, me
deixando ser levada pelo momento e por ele. Eu solto meu corpo e o
acompanho, as vibrações da melodia pulsando em meu coração, ele me
segura forte e volta a debruçar seu corpo sobre o meu em algum passo,
meu sorriso preenche meu rosto quando en io a mão sorrateiramente no
bolso se seu paletó e ele não percebe.

Suas mãos dançam em minha cintura, costelas, costas, quadril,


sobem de volta por minha silhueta e descem pelos meus braços até se
entrelaçarem aos meus dedos. Não sei o que me invade, mas tomo-lhe a
boca, beijando-o com todas minhas forças e, assim que ele me solta,
respirando ruidosamente, sussurro em seu ouvido:

— Minha calcinha está no seu bolso.

Ele me mira e seus olhos sorriem para mim com uma sinceridade
que mal acredito estar presenciando, Trevor ri e parece perplexo:

— Como... como fez isso?

— Também tenho meus mistérios... — brinco, sorrindo de volta e


ele me beija sussurrando que aquilo era muito sensual, seu sotaque

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roçando tortuosamente em meu ouvido.


A queima de fogos começa por sobre nossas cabeças e eu miro o
céu acima de Hamptons, emocionada, as cores vermelhas e azuis tingindo
o 4 de julho. Trevor pega em minha mão e eu congelo o movimento da taça
que quase encosta em minha boca, o céu ilumina a praia, música, risadas
de Chloe e Lennox aquecem meu coração e... por um segundo... por mais
que seja fugaz... acredito que eu possa... um dia... ser amada...

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Recolho as canetas e as guardo na gaveta, dando todo o tempo


possível que John precisa para sabe-se lá o que ele tenha vindo me falar.
A tensão está estampada em sua testa e já a sinto em meus poros.
Eu tinha passado o restante do feriado tentando o máximo possível me
manter neutro, sem acreditar que tinha revelado tanto para Ellie. Dios...
como pude falar para ela que havia me cortado com a faca ao tentar salvar
mi padre? Que acidente teria uma faca?
Mas mais que isso... eu não podia acreditar que tinha admirado
tanto a herdeira dos Kane... olhando-a fascinado sob os fuegos...

E aquilo era um erro imperdoável.


Eu havia me esquivado o máximo possível de Ellie durante o
restante da festa ostensiva dos Kane na piscina quando tivemos que voltar
da praia — como um lembrete claro de que uma hora eu tinha que voltar à
realidade — e, na verdade, apesar de ter dormido bem por duas noites

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seguidas, agora ali com John a minha frente, parecia que eu não havia
pregado meus olhos um segundo sequer.
Não adiantava. Era só entrar na mansão ou na empresa que
minhas forças eram sugadas instantaneamente e o olhar reticente do mais
antigo membro do conselho da empresa não ajudava em nada.

— As notícias são boas. — John inalmente fala, sentando-se na


cadeira atrás da mesa e eu seguro o sopro de alívio. — O conselho vai
acatar sua vice-presidência, Trevor. — ele tira os óculos e retorna a limpá-
los e eu sei que está nervoso porque não sabe muito bem lidar comigo,
pelo menos não depois que mostrei as provas de que eu sabia que desviava
alguns fundos da empresa para os fundos de seus próprios bolsos. Com ele
e Patrick em minhas mãos, eu tinha certeza que essa seria a notícia, ainda
que algo em mim temesse que não desse certo. — Devemos dar a notícia
até o im do dia. — ele conclui, mas não se levanta, como se tivesse algo a
mais para falar e não arrumasse coragem.

Culhões, lhe faltavam culhões para me enfrentar.

— O que mais, John? Estou preparado para o que for. — digo,


sabendo que estou mentindo. Não estou preparada para mierda nenhuma.

— Tivemos um problema com nosso laboratório no Brasil.

— Um problema?

— Com nossos testes clínicos. — ele pigarreia. — O teste de


campo com o novo antibiótico.

Tento coordenar meus pensamentos, mas repentinamente tudo


parece desconexo. Cerro meus olhos para o computador, respiro fundo e o
acre invade minha boca. Engulo o gosto de sangue e a irmo com a cabeça
antes de falar:

— Me mande o relatório por e-mail, John.

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— Senhor? — pergunta em dúvidas e é claro que está em dúvidas,


nunca deveria produzir provas contra a empresa e me mandar os dados
por e-mail era claramente um tiro em meu próprio pé.
— Meu e-mail, John Bennet! Agora vá, quero todos os dados em
menos de uma hora!

— O-o senhor vai... vai me entre-tre-gar? — ele gagueja e eu bufo:


— Se izer o que peço, não. Eu cumpro minhas promessas, John.
— aponto a porta, com raiva. — Anda, me deixe sozinho!

Ele sai de minha sala e eu não me movo na cadeira pelos próximos


minutos, tentando controlar o acesso de tremedeira que toma meu corpo...
Vou surtar, tenho certeza que vou surtar, carajo! Minhas mãos abraçam
meus próprios braços e sinto a vibração, o frio congelando minha pele, o
coração se desritmando, as batidas doendo meu peito, cavando um buraco.
— Porraaaaaaaa!!! — berro, empurrando as folhas planilhadas, as
pastas organizadas, os grá icos coloridos debochando de minha cara.
Hijosputa, hijosputa! Levanto da cadeira e pego um copo de uísque na
bandeja, virando-o de primeira, rasgando minha garganta com a ardência
do choro retesado sob o álcool. Ignoro a dor e seco outro copo em único
gole, deixando meus olhos marejados.

Fungo um pouco, viro a garrafa e adiciono alguns gelos, tentado


tornar a bebida mais tragável. E então me jogo de volta à cadeira,
desejando que aquele dia termine logo.

Que mi mierda de vida termine logo!

— Ane. — chamo minha assessora pela secretária eletrônica. —


Não quero receber ninguém mais, hoje. Ninguém, entendeu? Nem você.
Peço que não me incomodem pelo restante do dia. Só me deixem trabalhar
em silêncio, sem interrupções.

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Desligo sem esperar sua resposta e afundo meu rosto entre


minhas mãos respirando sem forças. Eu tinha que me concentrar no meu
objetivo, tinha! Acontecimentos como os de ontem nunca mais poderiam
existir! Nunca más! Eu não poderia deixar que outras... outras crianças
tivessem o mesmo destino que mi Maria... esses... esses testes clínicos de
campo no Brasil...? Eram crianças...?
E eu perdia meu tempo velejando ou me preocupando com una
mujer que tinha tudo num piscar de olhos??? Enquanto testes clínicos
davam errado nos laboratórios dos fármacos Kane???

Soco a mesa, afundando o tampo de madeira e encaro a silhueta


de meu rosto na tela do desktop apagado, segurando meu ímpeto de
arremessar tudo aquilo longe.

Ellie era apenas um meio, um acordo, nada mais. Eu não queria


saber nada sobre ela, eu não queria conhecê-la, não queria saber de seu
passado, de suas vontades, de sus deseos! Eu não queria saber quem era
Ellie Kane porque ela era uma Kane e isso bastava para mim!

Hoje eu seria vice-presidente da empresa e agora só precisava


continuar trabalhando ali dentro com excelência, mostrando que sou
capaz, gerando con iança... con iança o su iciente para que quando eu
matasse Desmond, sua cadeira fosse minha sem questionamentos.
E quando houvessem... eu já não me importaria mais.

Eu não estaria aqui para asumir la culpa.

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15

Mais de quinze dias se passaram desde que voltamos dos


Hamptons e Trevor parece mais fechado que nunca; mal falou comigo
quando me viu nas esparsas horas em que esteve em casa, limitando-se a
deitar a uma distância segura de mim na cama.

Seu semblante fechado me parecia doente, na verdade, como se


carregasse alguns quilos nos ombros ainda que visivelmente tivesse
perdido algum peso. No ritmo que ele bebia toda vez que voltava do
trabalho não me surpreendia o fato de estar emagrecendo, até porque,
como Desmond, ele parecia viver para o trabalho e nada mais.
Eu me concentrei no projeto inal da faculdade e me limitei à
poucas palavras com Abby nas raras vezes em que a vi nos corredores da
faculdade, ainda chateada com suas atitudes no feriado e encucada com
seu nome no celular de Trevor. Ainda que ela soubesse que era um
casamento por negócio, minha amiga me desrespeitava agindo como agiu.

agosto•2021
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Eu olho mais uma caixinha de contraceptivos aberta em minha


bolsa antes de jogá-la na poltrona ao lado de minha cama e me sento no
colchão, um pouco desanimada com aquela sexta-feira à noite, sem saber
se ligava para Lennox e Chloe ou se me afundava na cama, pensando em
Trevor.

Sem nem mesmo saber como enveredei por aqueles


pensamentos, me pego analisando se deveria tomar uma injeção
contraceptiva logo de uma vez ou se seguia tomando regularmente as
pílulas à noite, como havia me acostumado rotineiramente após o jantar.

Minha menstruação estava vindo como um reloginho, e, apesar de


estar na metade de outra cartela e termos nos prevenido sempre — ou
quase sempre, me lembro com desgosto da cena da praia, mas respiro com
um certo alívio, me recordando do coito interrompido, ainda que nada
cienti icamente seguro — queria evitar qualquer surpresa indesejada.

Tamborilo os dedos no queixo, concluindo que pílula e camisinha


era um combo seguro, mas que no próximo ciclo eu iria dar uma chance
para a injeção e, repentinamente, a porta do meu quarto se abre e minha
mãe entra pelo cômodo, seu perfume se espalhando pelo ambiente
reforçando sua presença:

— Querida. — ela sorri, sentando-se na poltrona e colocando


minha bolsa em seu colo.
— Oi, mãe. — me levanto, andando até a poltrona e ela ergue um
pouco o rosto, simulando um beijo jogado ao vento. Pego minha bolsa de
suas mãos, sem saber como ela reagiria ao ver a caixinha da pílula,
obviamente já imaginando como Sophia iria me incentivar a engravidar,
claro, estava farta das histórias que ela contava sobre ter sido mãe tão nova
e que agora era ótimo aparentar ser minha irmã e não uma mãe velha e
caquética. — Precisa de algo?

agosto•2021
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— Há quanto tempo não conversamos, Ellie, querida. — ela


desliza as mãos pelo vestido justo em um tom esverdeado, e eu me demoro
invejando suas curvas. Eu era tão “reta” que entendi o motivo de Trevor tê-
la encarado de biquini... quem não a admiraria? — Queria ver como você
está.

— Queria ver como a Ellie Kane-Willians está ou a Ellie está,


mamãe?

— Oh, Ellie, vai começar o drama... — ela umedece os lábios


amargurada.

— Não teria um drama para ser iniciado se eu pudesse ter minhas


escolhas. — rebato novamente e percebo que ela se incomoda.

— Nós te privamos de algo? Te falta o que exatamente, Ellie? —


ela levanta sua sobrancelha perfeitamente delineada e seus olhos me
miram. — Casou com um homem lindo e rico, continua morando em nossa
mansão, seu pai continua pagando sua faculdade e — ela sorri para mim.
— o curso não é de sua escolha, Ellie? É um curso que seu pai não queria,
mas mesmo assim paga de bom grado?

Seu sorriso sonso se amplia e tenho vontade de revirar os olhos,


ela sabe que não me foi dado de bom grado e que eu e Desmond tivemos
um embate e tanto e ele quase ameaçou tirar minha herança, mas teve seu
primeiro ataque cardíaco, icando alguns meses internado e, quando
voltou para casa, eu já estava matriculada.

Tenho certeza até hoje que ele aceitou somente para evitar ter
outro ataque do coração e não porque queria o meu melhor. Ou isso, ou sua
amada empresa precisava de sua atenção depois de tanto tempo fora e não
quis se dar ao trabalho de prestar atenção em mim outra vez.
Minha mãe faz um muxoxo e eu volto a olhar para ela, que
continua o que eu penso ser uma lição de moral:

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— Custa retribuir um pouco tudo que lhe proporcionamos, ilha?


Se tivesse tido a vida que tive... — ela murcha os lábios e começa a ladainha
enfadonha de sempre quando tentava me convencer de algo. — Seu pai
mudou minha vida, Ellie. Eu ainda seria uma modelo em busca de meus
quinze minutos de fama se ele não tivesse me visto, ilha. Me visto de
verdade, não só minha beleza. Você já tem isso tudo aqui de mão beijada,
Ellie. Manter o patrimônio da família na família é o mínimo que você pode
fazer.

Eu me surpreendo com essa última parte, paralisando minha


resposta no último segundo. Aquilo nunca tinha feito parte da história
triste que ela contava sobre seu destino ser insólito se meu pai não a
tivesse proposto em casamento, então realmente me surpreendo e a
confronto:

— Então esse casamento se trata apenas disso? Manter a empresa


na família? — minha voz não passa de um leve assombro.
— Oh, Ellie... quisera eu viver no seu mundo, ter sua idade... poder
começar a vida com um homem como Trevor... — ela destila, quase como
um veneno escorrendo de seus lábios, mas repentinamente me mira muito
séria. — Seu pai sofre do coração e você sabe disso. Não lhe passa pela
cabeça que quando ele morrer os acionistas vão pular naquela empresa
como ratos em um corpo fétido?

Engulo minha surpresa e peso minhas próximas palavras, antes


de proferi-las com cuidado.
— Meu pai quis que eu casasse com Trevor para que ele fosse
presidente da empresa e, como meu marido, a herdasse e mantivesse na
família? — eu não deixo a conexão de nossos olhares se perder, nem
quando sinto meu coração doer absurdamente em meu peito. Decepção
doía assim? — É isso que está me dizendo? Nada tem a ver com...
reputação?

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— Claro que tem a ver com reputação também, ilha. — ela se


levanta da poltrona e se senta ao meu lado, soltando a presilha de meu
cabelo e deixando que os ios caiam na lateral de meu rosto. Insatisfeita,
ela ajeita as mechas, tapando minha cicatriz, o que apenas reforça e prova
sua fala: reputação, imagem. — As ações caíram quando Patrick fez aquela
entrevista sobre você, Ellie. Seu pai quase o demitiu e qua-se terminou a
amizade com Richard. Mas as coisas se acertaram. — ela sorri como se
realmente acreditasse que as coisas se acertaram, como se seu ex-genro
tendo me socado não fosse nada demais e aquilo se apagasse num passe de
mágica. — No entanto, icamos na corda bamba com a doença de seu pai.
As ações subiram com seu casamento, Ellie, subiram como há muito não
faziam.
— Mas nada disso responde minha pergunta, mãe! Se Trevor não
tivesse casado comigo... eu... eu ainda estaria aqui, eu sou sua ilha, eu sou
ilha dele! — minha voz falha e eu sinto meus olhos marejarem. — Por que
eu não poderia ter herdado a empresa? Ela continuaria na família!

Finalmente percebo um traço de insegurança passar por seus


olhos, mesmo que sua voz ainda não a traia.
— O que posso dizer, Ellie...? — morde os lábios, desgostosa, e
eu... eu sei o que ela quis dizer.

— Por que eu sou... sou mulher? — minha garganta se fecha, ouço


o celular tocando em minha bolsa, mas não pego, apenas encaro minha
mãe. — Foi por isso?
— Seu pai con ia no Trevor e há um testamento com muitas
cláusulas, não se preocupe, a empresa ainda será nossa mesmo que ele se
divorcie de você e...

— Não fala mais nada! — me levanto e minha voz aumenta um


tom, pego a bolsa e volto a calçar minhas sandálias. — Eu não quero saber
de mais nada!!!

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Meu celular volta a tocar e o atendo quando alcanço o corredor, as


lágrimas já deslizam por meu rosto e escuto a voz de Lennox do outro lado
da ligação:

— Ellie, amor, é melhor vir aqui na boate, tem um babado que lhe
pertence aqui. — ele anuncia sem nem mesmo esperar meu alô e a bola
presa em minha garganta parece me di icultar a respondê-lo. Limpo meus
olhos e desço a escada de dois em dois degraus, por que aquilo estava me
afetando tanto? Era tão diferente assim do motivo anterior para que eu
tivesse me casado com Trevor? Tão pior assim? — Ellie, você me ouviu?
Boate Lounge, você sabe qual. Vem logo! Seu marido está bêbado aqui e...
as mulheres estão gostando...
Jogo o celular contra a parede e dou um berro, assustando a
governanta que atravessa o corredor, eu a ignoro, avançando pela casa em
direção à porta. Meus pés nem tocam direito as pedras do pátio quando
Andrew agarra meu braço e me vira para ele de modo abrupto, me
segurando ao lado do carro.
— Senhorita Ellie! O que houve?

— Me leva daqui, Andrew! — eu engulo o choro e miro


diretamente dentro de seus olhos. — Só me leva daqui!

— Mas... para onde, senhora?

Eu respiro fundo e não acredito no que respondo, mas minhas


palavras saem antes mesmo de eu negar que não preciso vê-lo... Que não
quero vê-lo:
— Para a boate Lounge.

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Entro pelo ambiente e vou direto para a área do bar, olhando à


minha volta à procura de Trevor. A boate está cheia, homens e mulheres
pulando ao som do DJ, uma música techno bombando em meus ouvidos,
cheiro de suor misturado à cigarros e vários tipos de perfumes, algumas
pessoas me empurram enquanto dançam e eu consigo um pequeno espaço
no balcão, entre um homem gigantesco e um casal se pegando em uma
banqueta.
Coloco a franja atrás de minha orelha e o encontro no meio do
movimento. Trevor está um pouco mais distante, em uma área reservada,
sentado à uma mesa quase na penumbra, algumas mulheres dançam perto
dele e eu me pergunto se a intenção delas era chamar-lhe a atenção.

Eu conhecia esse tipo.

Abby era uma delas, desse tipo em questão. Minha amiga, se é que
eu poderia ainda considerá-la uma, apesar de possuir bens o su iciente
para não trabalhar por seu sustento, era obcecada em encontrar um
partido à altura que lhe bancasse uma vida ainda melhor do que a que lhe
era proporcionada pelos seus pais.

Minha mãe foi outra, penso com desgosto, me lembrando da


conversa de poucos minutos.
Encaro meu marido entre as mulheres insinuantes ao seu lado, no
entanto, a cara amarrada de Trevor destoa daquela aura hipotética de
felicidade que a boate remetia. Peço uma bebida qualquer com uma
sombrinha de enfeite e começo a bebericar bem devagar, o olhando de
soslaio.

Trevor repentinamente se levanta, pedindo ao garçom outra


bebida e aponta ao seu redor em seguida. As pessoas urram e o aplaudem
e eu entendo que pediu doses para todos ali naquela área supostamente
VIP.

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Uma mulher rebola em sua frente e desliza sensualmente seu


corpo no dele, indo até o chão e voltando. Trevor bebe um gole de seu
copo, a olhando, uma mão descansando em seu bolso, ele não se move,
nem para afastá-la, nem para tomá-la entre as mãos.
Mexo o canudinho de meu drink, desconcertada com aquela
cena... o que eu estava fazendo ali? Por que eu estava ali, me humilhando
desse jeito?

Antes que eu decida mandar uma mensagem para Andrew,


pedindo que voltasse para me buscar, a mulher se vira e agarra o pescoço
de Trevor, praticamente se jogando aos seus pés. Num movimento rápido,
ele pega a mão dela e a tira de seu peito, empurrando-a novamente para
trás, um segurança se aproxima e a segura irme, puxando-a para uma
porta lateral enquanto Trevor move negativamente a cabeça, assistindo-a
ser distanciada à força, até sumir pela porta.
Não sei o que fazer, muito menos o que pensar e parece que as
meninas tampouco se importam com a cena que acabei de presenciar,
sorrindo para Trevor, que entorna uma bebida pelos lábios, como se nada
tivesse acontecido a poucos metros de seus corpos dançantes.

Tomo aquela bebida de uma vez e quase imediatamente peço


outra, precisando de álcool em minha corrente sanguínea e não me
surpreendo quando Lennox se joga na banqueta ao meu lado, suado e
esbaforido; ele praticamente morava na Lounge nos inais de semana.
— Há quanto tempo ele está aqui? — aponto para o local onde
elas estavam e vejo que Trevor sumiu de minha vista.

— Oi, tudo bem com você? — ele ri, implicando, e eu giro meu
pescoço à procura de meu marido. — Não te deram educação no berço de
ouro, não, diva?
Sorrio amarelo, mas eu não estava com o espírito para o humor de
Lennox hoje, ainda que ele fosse meu melhor amigo e merecesse todo meu

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carinho... desta vez, eu estava arrasada... eu precisava de carinho.


— Oi, como vai, Lennox? — a voz sai mecanicamente. — Por
gentileza, você saberia me informar há quanto tempo meu marido está se
engraçando com aquelas mulheres?

— Desde que cheguei aqui. — ele puxa meu drink e analisa o


líquido rosado. — O que você pediu? É uma daquelas bebidas doces e
enjoativas que você gosta? — seus lábios envolvem meu canudo e eu
decido pedir um uísque, empurrando a minha taça para suas mãos. Ele
sorri. — Ele está oferecendo bebida pra área VIP há mais de hora! Já devem
ter bebido metade do estoque da boate! E todas se sentaram no colo dele
em agradecimento, Ellie.
— Filho da puta... — balbucio e pisco uma centenas de vezes.
Lennox cai na gargalhada, como se minha perplexidade fosse, de alguma
maneira, engraçada. — Não tem graça, Lennox. — resmungo, ainda
irresoluta.

— Até que tem um pouco sim, Ellie! É a primeira vez que te vejo
xingar e por causa do homem que casou por negócios. Acho que você não
me contou tudo, contou, Ellie? — ela baixa o tom de voz, obviamente doido
pela fofoca. —Está se apaixonando por seu marido de contrato, amiga?
— Não!

Lennox sorri maliciosamente e suga com força o restinho de


minha bebida. O garçom chega com um copo de uísque com gelo e ele faz
uma careta para minha bebida.
— Porque sua resposta rápida e monossilábica não foi nada
convincente, pre iro acreditar no palavrão que soltou ao vê-lo atracado nas
modelos. — ele completa, jogando uma echarpe de pele para trás dos
ombros. — Você está apaixonada pelo seu marido, Ellie. — ele bate sua
taça vazia em meu copo, como se brindasse, e dá um leve pulinho da
banqueta. — Essa frase não deveria soar estranha, Ellie. É o que todos

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esperam de um casamento. — faz uma careta e sorri para mim. — Só que


com você a ordem foi inversa, se apaixonou depois de se casar, mas tá
valendo, vai ser uma boa história para contar pros netos! — ele recua um
passo e me olha. — Vai lá e tira ele de lá, garota! Pega seu homem de volta!

Virando em meio a um passinho de dança, vejo Lennox andar em


direção ao banheiro. Bebo meu uísque, mentalizando se seria prudente
simplesmente sair dali sem que Trevor sequer me visse, mas todo o
blábláblá de Lennox reverbera em meus ouvidos, me deixando na
defensiva.

Volto a olhar para a área VIP e me surpreendo com Trevor de


volta, sentado em uma cadeira, seus olhos ixos em mim enquanto bebe
direto de uma garrafa. O homem ao meu lado me pergunta se aceito outro
drink e eu desvio minha atenção para ele, notando que mira diretamente
meu decote com seu rosto alguns centímetros acima de mim.
— Claro. — respondo, voltando a olhar rapidamente Trevor, seus
olhos cerram em minha direção e ele coloca a garrafa na mesa. — Acabei
de beber uísque, mas peça o que quiser. — sorrio para o homem, ainda que
meus olhos continuem mirando Trevor. — Me surpreenda!

Obviamente, o homem gosta de minha resposta e eu reparo em


seus traços bonitos, ele é atraente, forte e está interessado em mim, o que
me leva a compreender que não preciso saber de mais nada. É o su iciente
para que meus lábios se curvem em um sorriso para ele, surpresa com seu
interesse e grata por ser na melhor hora possível.
Solto a franja de minha orelha e retorno a olhar Trevor enquanto
tomo o drink que o homem me estende.

Meu marido se empertiga na cadeira e no instante em que acho


que vai se levantar, uma ruiva se senta em seu colo, esfregando seus fartos
seios em seu rosto. E é o su iciente para mim, deixo meu copo pela metade
no balcão e pego no braço do homem ao meu lado:

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— Aqui está muito claro, não acha?


Ele concorda imediatamente com a cabeça e segura minha
cintura, me encaminhando entre as pessoas dançando no meio do salão,
deixo que me guie, usando seus fortes braços para me distanciar o máximo
possível do tumulto, e miro sua boca quando me gira e me prensa contra a
parede perto da saída de emergência da boate, o letreiro da porta deixando
seu rosto com vários tons avermelhados.

Ele não pede permissão, tomando meus lábios com força, sua mão
desce pela lateral de meu quadril e segura minha coxa, me fazendo
envolver sua cintura com minha perna. Enlaço suas costas com minhas
mãos e estranho a textura de sua boca, aprofundando minha língua em
nosso beijo, ainda que eu não tenha certeza do motivo de estar fazendo
aquilo com ele.
O homem desce seus dedos por minha lombar e agarra minha
bunda, apertando com vontade minhas nádegas, me puxando com força
para seu quadril e me fazendo sentir que está muito excitado com aquilo.
Eu solto minhas mãos de suas costas e não gosto da velocidade nem da
intensidade que ele está levando aquele momento... o que ele estava
achando? Que iriamos transar em público?

Espalmo minhas mãos em seu peito e tento me soltar dele, mas


ele me segura e me força entre seus dedos, roçando seu pau em mim e
arranhando sua boca na minha enquanto tento desviar meu rosto do seu:

— Ei, chega! — eu reclamo, tentando empurrá-lo, no entanto levo


um susto quando solta meus lábios abruptamente, e assisto, confusa, a ele
cair estatelado na mesa ao nosso lado, quebrando-a e fazendo as pessoas
se levantarem assustadas, bebidas entornadas em seus colos, copos
estilhaçados no chão.

Trevor passa por meu campo de visão e o soca no rosto, não


dando tempo nem para que o cara se levante, completamente perdido com

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o que aconteceu nos últimos segundos, assim como eu. Um casal à minha
frente berra quando Trevor pega o colarinho do cara e soca a cabeça dele
na mesa quebrada ao mesmo tempo em que algumas pessoas tentam tirá-
lo de cima do cara.
Um soco direto no nariz do homem, e a boca que há poucos
segundos me beijava é banhada por sangue, eu grito apavorada e Trevor se
levanta, ajeitando o paletó bagunçado, empurrando os homens que
tentaram segurá-lo em vão. Ele me olha por um segundo, levantando sua
mão em direção à minha nuca antes de me agarrar o cabelo e puxar minha
cabeça para si, dou outro berro assustada e meu salto cambaleia,
quebrando.

— O que pensa que está fazendo, carajo? — ele pergunta


entredentes e seus dedos forçam nos meus ios, não o respondo e ele
estreita os olhos para mim. — Você ia dar para esse mierda, Ellie?
Eu o encaro e ele bufa, abrindo a porta ao nosso lado e me
empurrando pela saída, eu tento me soltar de suas mãos, mas ele me
agarra com força, eu o empurro, ele me segura, eu grito de raiva, ele tapa
minha boca e me empurra contra a parede do beco, cravo meus dentes em
um de seus dedos.

Trevor xinga em espanhol, soltando meus lábios e segurando meu


queixo com força, me forçando a olhar em seus olhos:

— Você não quer me ver com raiva, preciosa!

— Vai me bater? — sibilo e ele volta a xingar, me empurrando e se


soltando de mim, retrocedendo seus passos e se afastando. No mesmo
segundo ele soca uma placa de “sem saída” do beco e urra, agarrando seus
próprios cabelos. Eu sigo em sua direção e paro em sua frente, olhando sua
face transtornada.
Trevor me encara e parece que seus olhos se resumem à
escuridão de onde estamos, iluminados pela parca claridade de um poste

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ao longe:
— Yo no soy así. —ele murmura tão baixo que mal posso ouvir. —
Eu não sou assim! — repete, desta vez mais alto, e eu me aproximo,
pegando com força no colarinho de seu paletó e o encarando tão de perto
que nada mais vejo além de seu rosto.

Trevor respira profundamente e o ar que solta levanta alguns ios


de minha franja, desço meus olhos para sua boca e ele me observa mirar
seus lábios, aperto mais ainda seu colarinho e subo de volta meus olhos
para os seus, percebendo que me ita, concentrado, exalando tanta
masculinidade que meus dedos tremem em seu paletó. Fecho meus olhos
antes de me aproximar mais, no entanto é ele quem me beija primeiro,
sorvendo meus lábios como se nunca tivesse experimentados eles antes.

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16

Trevor me empurra outra vez e minhas costas colidem contra


uma caçamba com restos de obras, ele lambe minha boca e eu desço meus
dedos por sua calça, apertando o volume sob o tecido, Trevor retrai um
gemido e eu me viro de costas, imitando o que a garota tinha feito com ele
na área VIP, deslizando meu corpo pelo seu até o chão, voltando
languidamente enquanto ele delineia minha silhueta com suas mãos.

Trevor me cerca, me fazendo imprensar contra a caçamba e


empinar meu quadril quando se debruça sobre mim. Ele lambe meu
pescoço e eu me surpreendo ao ver nosso re lexo em um pedaço de
espelho entre os destroços; miro sua mandíbula quadrada sob a barba rala,
os olhos fechados, a língua em minha pele... ele desce com a mão em minha
cintura e, não satisfeito, desliza os dedos pela bainha do meu vestido, se
in iltrando pelo elástico da minha calcinha no momento em que seus olhos
se abrem e me encaram pelo re lexo... ah, meu Deus...!
— Trevor...

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Ele baixa o rosto, desviando os olhos de mim e apoia a testa em


meu ombro enquanto o sinto abrir suas calças. Inspiro todo ar que posso,
descendo minha calcinha melada e encontrando sua mão entre minhas
pernas. Sua língua contorna minha nuca e eu levanto meus olhos, voltando
a mirar seu re lexo, sentindo-o esfregar a cabeça de seu pau em mim.

— Ahhh. — gemo, espalmando minha mão na borda da caçamba.


Escuto o barulho do pacote sendo rasgado e logo ele joga a embalagem
vazia da camisinha no meio dos entulhos. Seu pau se aprofunda em mim, e
eu sinto o calor misturado à dor quando me inclino mais ainda, recebendo
suas investidas, que me penetram com força sob seus gemidos em meu
pescoço.

Eu o sinto grosso e muito duro, deslizando em mim, as bolas


batendo em minha bunda... ah, meu Deus... Trevor eleva a mão e a espalma
sobre a minha na quina da caçamba, entrelaçando nossos dedos, beijando
meu pescoço, sugando minha pele com a saliva melada de prazer.

— Ellie... besame... — ele geme e eu viro meu rosto para o seu. —


Preciosa... me beije! — ele pede e eu alcanço sua boca, quase me
contorcendo para que nossos lábios não se soltem naquela posição. Trevor
não me ajuda, indo para o lado ou se ajeitando, ele me mantém presa a seu
corpo, me comendo com brutalidade, como se fôssemos nos desfazer caso
ele me soltasse.

— Tú pensaste en mí quando se agarrou com ele...? — pergunta,


me fazendo encará-lo através do espelho, seus olhos crivados nos meus, o
movimento de vai e vem de nossos corpos. — No mierda da boate...?

— Trevor...?

— Você quis que fosse eu ali, não quis, preciosa? — pergunta, a


acidez destilando nas sílabas. Tento sair daquela posição, mas ele impõe
mais força nos movimentos, me segurando entre os braços. — Você
desejou que fossem meus dedos em sua bunda, não desejou?

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— Trevor?

— Me responde, Ellie, porra! — tento me desvencilhar, mas seus


dedos deslizam por meu braço e ombros e ele agarra minha nuca,
passando as unhas em meu pescoço e subindo pelos cabelos, bagunçando-
os todos enquanto me beija outra vez, fervorosamente. — Tú quis que
fosse mi carajo forçando em seu quadril, não quis, Ellie? — pergunta em
meus lábios e logo em seguida empurra meu rosto para longe do seu,
mordendo minha nuca, socando seu pau em mim com força. — Eu te excito
mais, Ellie? ¿Soy más guapo que él?

Engulo minha saliva, tentando respirar quando impõe o ritmo


mais intenso, entrando e saindo de mim, deslizando com força da cabeça à
base, até que sorvo todo ar que posso e o orgasmo explode em seu pau, a
pulsação em todo meu corpo.

Trevor volta a me cercar completamente enquanto se debruça


mais ainda sobre mim, as suas mãos agarrando as minhas, seu pau me
estoca de maneira selvagem, escuto Trevor me chamar de hijaputa
algumas vezes enquanto lambe minha orelha, não passa de um sussurro,
mas ele está com a boca em meu ouvido e não tem como não escutar as
várias vezes em que ele repete o xingamento até gozar, que é quando
balbucia um o que está haciendo conmigo quase, quase, quase inaudível.

Eu tento me virar, mas ele me mantém na mesma posição


enquanto esfrega a cabeça do pau na minha pele arrepiada e respira forte
em minha nuca, tão forte que acho possível que esteja buscando por ar. Eu
descolo meu corpo do seu e desço meu vestido, assistindo-o apoiar uma
mão na caçamba, a outra ainda em... em seu pau... os olhos ixos no chão, o
peito in lando e desin lando.
— Trevor...

— No. — ele me corta, tirando a camisinha e fechando as calças,


sem me olhar nos olhos. Sinto as lágrimas vindo, mas as seguro quando ele

agosto•2021
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levanta os olhos para mim: — Necessito um poco de aire...


— Você está passando mal?

— Por que fez aquilo, preciosa? Aceitou bebida de um estranho?


Se agarrou com ele? — sua voz é um engasgo e eu me assombro com
aquela tonalidade. — Queria se vingar de mim?
Eu não respondo de imediato porque nem eu mesma sei o que me
impeliu, acho que a soma de tudo, mas principalmente os últimos quinze
dias sozinha e... minha mãe agora há pouco e ele com aquelas mulheres
lindas.

— Eu também deveria ter socado elas? — aponto para a porta da


boate. — As mulheres que estavam com você na área VIP? Assim que você
gostaria que eu tivesse reagido?
— Eu soquei el mierda por ele ter te obrigado! — Trevor berra, se
exasperando. — Las mujeres estavam dançando, Ellie!

— Não! Aquilo não era uma dança, Trevor, não ache que sou
idiota! Você estava bebendo e se insinuando para elas e... — eu me calo
quando ele passa por mim, seguindo em direção ao seu carro estacionado
na esquina do beco.
Trevor aperta o controle e a porta do carona sobe verticalmente,
ele atravessa pela frente do carro e segue para o lado do motorista, se
jogando ao banco, as mãos tapando seu rosto, os cotovelos apoiados ao
volante. Eu o sigo, me sentando com cuidado ao seu lado, as portas
continuam abertas e o ar fresco da madrugada sobe pelas minhas pernas.

— Eu só quero apagar! — sua voz sai grossa e imponente, mesmo


abafada pelos dedos. Eu apoio minha mão em sua perna e ele não se move,
a cabeça afundada naquela posição.

— Trevor, olha, eu...

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Ele se vira para mim e as lágrimas despencam de seus olhos


injetados de ódio:
— São niños, Ellie! Crianças, carajo! — ele berra e eu dou
instintivamente um pulo no banco. — Um laboratório de mierda no Brasil!

Ele tira minha mão de sua coxa e eu mantenho meus braços


cruzados, sem me mover mais enquanto ele se aproxima, ainda berrando:
— Estão todos condenados como ela! — gotículas de seu suor
batem em meu rosto quando ele impõe seu corpo sobre o meu e eu levanto
meus olhos, encarando os seus. Eu sinto meus nervos tremerem, mas me
mantenho parada enquanto ele me olha com nojo e ódio. — ¿Tu sangre
está tan sucia como la de él, Ellie? — apesar de me esforçar, não consigo
entender novamente o que me pergunta, é uma frase inteira em espanhol e
ele fala tão rápido que me perco tentando decifrar seus questionamentos.
— Você é um deles? Você é como eles?

— Eles? Eles quem? As crianças? As crianças no Brasil? Do que


você está falando, Trevor? — mordo minha língua quando ele segura meu
braço com força, seus dedos incando em minha pele. Ele quase me agita,
tentando me fazer respondê-lo, mas continuo sem entender do que se
trata.
Trevor me solta e soca o volante uma vez, voltando-se para mim
em seguida:

— Eu fechei o laboratório, Ellie! — as lágrimas caem uma atrás da


outra. — Mas você acha que foi a tempo, acha??? Acha que os niños não
estão condenados???
Sem acreditar que ainda possa me mover e, muito mais, ser capaz
do que vou fazer, pego em seu braço e o puxo para mim, praticamente
agarrando Trevor, que nem sequer reluta quando o abraço e afundo sua
cabeça em meus ombros, suas unhas quase me arranhando as costas, os

agosto•2021
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soluços altos escapando por seus lábios, como uma tormenta que sai de
seu peito e inunda o meu.

Antes mesmo que eu me dê conta, ele me empurra e se joga para


fora do carro, caindo de joelhos no chão e convulsionando as costas. Eu me
esgueiro pelo banco do motorista e vejo que vomita em uma poça d’água,
voltando-me para o painel à procura de seu celular, me recriminando por
ter espatifado o meu em casa.

Meus dedos tremem quando o encontro e eu sinto minha visão


turva pela lágrima assim que saio do carro e dou a volta até ele, apoiando-o
quando tenta se levantar e recostando-o no banco do motorista. Passo
meus dedos por seus cabelos suados enquanto ele limpa a boca com o
antebraço do paletó, seus olhos muito além de mim.
Mostro seu celular e aponto para a tela:

— Preciso ligar para que Andrew venha nos buscar, Trevor. —


acaricio seu rosto e ele fecha os olhos, visivelmente enjoado. — Qual é a
senha?
— Bee2106. — ele responde num sopro e eu paraliso meus dedos
por um momento me lembrando do que falou em seu pesadelo. Ainda que
houvessem mil questionamentos dentro de mim, no momento apenas me
limito a ligar para meu motorista pedindo que venha nos buscar.

Trevor respira com di iculdade e eu volto a me sentar no banco ao


seu lado, um olho em seu rosto e outro em seu celular, os dedos tentados a
mexer nele. Contudo, não tenho tempo de seguir com meus instintos,
levando um susto ao ver Trevor se encolher ao meu lado, gemendo de dor.
— Trevor? — levo minha mão aos seus cachos e ele espreme os
olhos, cerrando a boca com força. — O que está acontecendo?

Ele põe seus dedos em cima da barriga e se encolhe mais ainda,


batendo com as costas no encosto do banco, abrindo os olhos e mirando o

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teto do carro, puxando ar entre seus lábios apartados, a testa franzida,


piscando lentamente, as lágrimas banhando seu lindo rosto cheio de dor, o
olhar mais quebrado que já vi em minha vida... o celular escorrega
imediatamente de minhas mãos e eu me ajoelho sobre meu banco,
pegando em seu rosto.
— O que você tem, Trevor? — pergunto, me sentindo assustada, o
suor em suas têmporas escorre entre meus dedos, sua pele está gelada e
ele mal parece saber que estou com ele. — Trevor?

— Miguel. — me responde com seu sotaque inconfundível e eu


levanto minhas sobrancelhas sem entender nada.
— Miguel? Quem é Miguel? — ele fecha os olhos e morde seus
lábios com força. — Trevor, me responde, por favor... como posso te ajudar?
O que você tem?

— Voy a morir... — ele balbucia e eu engulo em seco, descendo


meus dedos por seus ombros, puxando-o para mim, ele tenta se manter
encolhido, não se move, pesa mais que uma tonelada, se esquiva de meus
olhos, eu peço que me escute, que vai icar tudo bem, ele olha minhas mãos
em seus braços, fecha os olhos novamente, espreme com força, deixa que
as lágrimas despenquem, não emite som algum.
Eu o puxo para mim e encosto sua cabeça em meu peito, sentindo
sua testa bem quente e compreendendo que está com febre, meu coração
se mingua e eu não entendo por que razão estou com tanto medo ali ao seu
lado, mas pela primeira vez sei que não é por sua companhia... mas por
temer perdê-la.

agosto•2021
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Trevor está no banho há mais de uma hora.


Eu já chorei tudo que podia e não podia naquele momento,
enxugo minhas lágrimas incessantemente, mas mesmo assim sei que ainda
não chorei o bastante para me sentir mais reconfortada. Na verdade, acho
que nunca vou chorar o su iciente, mesmo que me desidrate em litros de
lágrimas.

Eu nunca fui do êxtase ao medo em tão poucos segundos e saber


que Trevor era quem me levava a todas sensações me deixava a lita, meu
corpo todo doía, minha cabeça explodia de dor. Abro a porta do banheiro e
novamente parece que sou levada para um mundo do qual nunca vivi, mas
que agora não me vejo sem pertencer.
A água cai gelada e com força, golpeando o chão e talvez um
pouco dos pés de Trevor, encolhido no canto do chuveiro, sua cabeça
en iada entre os joelhos lexionados. Ele está úmido, quase seco e eu me
pergunto há quanto tempo está assim enquanto avanço o pequeno espaço
e abro o box, fazendo-o levantar os olhos perdidos para mim, muito mais
molhados que qualquer pedaço de seu corpo.

Um de seus braços sai do aperto que mantém nas pernas e ele


ergue a mão para mim, seus dedos tremendo. Pego-os com força e entro no
box, não me importando de estar de roupa quando ele cruza as pernas e eu
me sento em seu colo, abraçando-o completamente. Trevor treme por
completo, o rosto en iado no meu decote molhado e eu agarro sua pele,
quase incando minhas unhas, o trazendo mais para mim, minha cabeça
em cima da sua, seus cabelos em meu queixo, ele me espreme entre os
músculos de seus braços, parecendo implorar pelo conforto de meu corpo
e eu o escuto arfar, os sons de seus lábios abafados por meu peito...
— Por favor, Trevor... — balbucio entre meu choro. — O que... o
que você tem...? Está me assustando... Eu... eu estou com medo, Trevor...

agosto•2021
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Ele deixa as mãos caírem e tomba o rosto para trás, recostando o


topo da cabeça no azulejo e ica algum tempo assim, só me olhando
enquanto as lágrimas caem tortuosas de seus olhos e estilhaçam minha
alma.

Trevor não fala nada toda aquela noite, mal fecha os olhos. Eu
também. Apenas o mantenho entre meus braços na cama, como se eu
pudesse protegê-lo de seus piores pesadelos, mesmo acordado.
— Precisa de mais algum analgésico? — pergunto quando vejo
que amanhece, ainda que meu quarto se mantenha escuro. Posso ouvir os
passarinhos cantarem e imagino que o dia tenha amanhecido azul e
ensolarado, ainda que aqui dentro esteja frio e fechado. — Você precisa me
dizer o que precisa, Trevor... — pego em sua mão e seguro seus dedos,
fazendo-o me olhar de relance antes de voltar a ingir que dorme.

— Eu bebi... tenho úlcera no estômago... — é o que ele responde,


então puxo sua mão para meus lábios e a beijo com calidez, apenas um leve
toque.
Trevor se vira para mim, olhando aquele movimento, e desliza
seus dedos por meus cabelos. Ele fecha os olhos e morde seus lábios com
força:
— Por que cuidou de mim?

Eu me debruço sobre ele e pairo meu rosto sobre o seu, fazendo-o


me olhar:

— Por que não cuidaria...? — devolvo a pergunta. — Você... você


não teria feito o mesmo...?

agosto•2021
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— Ellie Kane... — sua voz falha e sinto as mãos que me apoiam


acima dele fraquejarem, mas me sustento naquela posição, esperando que
ele termine. — ¿Quién eres tú? — engole. — Quem é você, preciosa...? —
ele sorri pequeno, um sorriso sem alma e eu aperto seus dedos:

— Também estou tentando descobrir...

Trevor inalmente dorme e eu pego seu celular debaixo de meu


travesseiro, meus dedos tremem e eu teclo a senha que me falou no carro,
sentindo o nervoso tomar conta de meu corpo. Penso em levantar, me
esconder no banheiro, mas seu sono é tão pesado que posso ouvir sua
respiração difusa e forte, me assegurando que terei alguns minutos de
privacidade mesmo ali ao seu lado.

A tela se abre e eu pesquiso alguns contatos, vendo que são


poucos em sua lista, o número da empresa, o meu, de meu pai, entre outros
que não reconheço. Clico no nome de Abby e vejo as ligações recentes dos
dois, três datadas no feriado nos Hamptons e mais cinco não atendidas
dela nas últimas semana. Seguro com força a vontade de chorar e mais
ainda o desejo que tenho de acordá-lo e colocá-lo contra a parede, o que
minha amiga poderia querer tanto com ele se nunca nem sequer havia
falado sobre meu marido comigo?
Olho os torpedos e a caixa de mensagens está vazia, futuco mais
um pouco e mordo meus lábios quando quero exclamar o assombro de
encontrar uma foto solitária na pasta de imagens. Abro-a imediatamente e
a primeira coisa que vejo é uma fotogra ia antiga, é uma foto de uma foto
manchada, a imagem preta e branca, duas crianças abraçadas e sentadas a
um balanço de madeira em um quintal.

agosto•2021
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Estreito meus olhos e admiro a menina de cabelos presos no alto


da cabeça, belos cachos caindo como cascata por seus ombros, um sorriso
divertido e torto que me assombra ligeiramente ao me parecer familiar. Ela
é bonita, tem a pele morena e parece ter em torno de uns doze ou treze
anos, um conjunto de short e camiseta lorido. Ao seu lado, o garoto parece
agarrá-la, seus rostos estão colados e é nítido como se parecem e muito,
meu coração dá um solavanco e entendo por que ela me é familiar... é
Trevor ali ao seu lado... um Trevor criança e de cabelos mais enrolados
ainda, os cachos revoltos por causa da mão da menina em seus cabelos,
bagunçando-os.
Há algo diferente no modo em que ele olha em direção à câmera,
uma felicidade que nunca vi em seu rosto, uma completude... tento abrir
mais a imagem e percebo que não é apenas isso que vejo de diferente...
forço minha visão e tento compreender o que o tempo daquela foto não me
ajuda em qualidade... seus olhos parecem mais claros que os que
reconheço em seu rosto e estranho esse detalhe, mas de qualquer maneira,
mal posso ter certeza do que vejo, já que a mancha amarronzada cobre
metade da foto.

Olho a casa atrás do balanço, uma casa simples de janelas


pequenas, algumas lores ao lado da porta fechada, miro a foto por
completo outra vez e volto a atenção ao garoto sorridente, ele tem uma
bola de futebol suja no colo e parece vestir a camisa de algum time, joelho
ralado, luvas de goleiro caídas na terra. Trevor se ajeita ao meu lado e eu
desligo o celular no mesmo segundo, escondendo-o sob meu travesseiro.
Escuto as vozes de meu pai e minha mãe no andar debaixo e sei
que a vida recomeça naquela manhã de sábado, mas não sei se terei
condições de sair daquela cama no im de semana... não sem algumas
respostas de Trevor, certamente.

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17

Trevor apoia seu braço em minha cintura e sinto sua respiração


em minha nuca quando ele ajeita sua cabeça entre meus cabelos, quase na
curva de meus ombros, mas me reteso, notando o seu corpo se aconchegar
ao meu, moldando-se em minhas curvas.

É pouco, mas é o bastante para que eu admita para mim mesma


que estou completamente entregue àquele homem... que mal conheço, mal
tínhamos um convívio para tal sentimento tão avassalador em meu peito.

— Trevor... — engulo o engasgo em minha garganta, porém


quando vejo já estou o chamando, mesmo que baixinho. Eu não sei se ele
está acordado ou se ainda dorme, mas seu corpo inteiramente moldado às
minhas costas, seus braços sobre mim... era assim que eu queria
adormecer ao seu lado toda noite e queria muito, muito que ele estivesse
ciente do quanto estávamos próximos.
— O que foi...? — pergunta com a voz baixa em meu ouvido e a
rouquidão em seu tom pode ser confundida tanto com o restante de

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alguma dor como com sono, eu não saberia dizer.


— Quem é Maria, Trevor? Miguel? Bee? Por que abelha é a senha
de seu celular? — eu viro meu corpo para o seu, suas mãos não soltam
minha cintura assim que icamos de frente e é nítida a perturbação em
seus olhos. — Você me perguntou quem sou eu... mas... que é você, Trevor?
E quem são essas pessoas que habitam seus sonhos, seus devaneios?

Trevor aperta minha cintura e me surpreende com um beijinho


estalado em minha testa.
— Me deixe descansar, preciosa. Apenas, me deixe descansar...

— Eu não aguento mais... — inalmente choramingo, mas


imediatamente me sinto constrangida por dizer aquilo quando é ele quem
está doente, mas... não sei sentir diferente, aquela sou eu agora, apenas eu,
arrasada, cansada, sem forças para continuar lutando.
— O que houve, Ellie? — suas mãos buscam meu rosto novamente
e eu o encaro, no entanto me calo. Eu não o conhecia o su iciente para
con iar em um estranho minhas histórias, meus medos. Não quando ele
mesmo me escondia tudo de si. Não, eu não iria me abrir enquanto ele não
izesse o mesmo.

— Trevor... — guincho por dentro, como se uma faca dilacerasse


minhas entranhas. — Me responda... quem são essas pessoas? — eu o
confronto, olhando em seus olhos. — Por que tem pesadelos com elas?

— Porque todas elas estão muertas, Ellie. — ele se afasta,


levantando o lençol com seu corpo. — Eu sonho com los muertos, Ellie... —
ele suspira. — Maria, mi cariño, minha Bee... Miguel... todos morreram...

Umedeço meus lábios, atônita com sua revelação, mas me


mantenho em silêncio, esperando que aprofunde sua fala, que me conte
mais detalhes, que não me deixe no limbo novamente.

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— Maria era mi hermana... minha irmã, preciosa. — ele se ajeita


nos travesseiros e eu reteso qualquer movimento, olhando-o sem piscar.
Trevor continua, ainda que demonstre di iculdade em olhar em meus
olhos. — Eu a chamava de Bee, uma bobeira que inventei para implicar
com ela porque mi padre a chama de Honey... cachos de mel, ele dizia e ela
rodopiava pela casa como uma boba, toda metida com suas marias-
chiquinhas. — ele ri baixo, sem ânimo, em meio às suas lembranças. — Eu
implicava com ela dizendo que não tinha nada de mel, mas sim de abelha,
sempre com respostas engraçadinhas para mim, como ferrões.
Sorrio com sua resposta sincera e bonita, me lembrando da foto
em seu celular. Claramente aquela menina era a Bee.

— Achei que fosse ilho único. — sussurro, em alusão ao que ele


sempre me deu a entender.

— Maria morreu com quatorze anos, éramos gêmeos. Metade de


mim morreu com ela. — ele levanta os olhos para mim e eu deixo meus
ombros caírem, sem forças. — Es muy doloroso falar dela, Ellie.

— ... e Miguel...? — pergunto, ainda no tom mais baixo que posso,


e Trevor fecha os olhos, a voz sem entoar qualquer emoção:
— Morreu com ela.

Morreu com ela? Era um outro irmão? Um amigo? Teria sido num
acidente? Alguém que causou o acidente? O mesmo que matou os pais
deles?

— Trevor, quem é...

— Sua vez. — ele me interrompe. — Sua vez de me responder,


Ellie. — seus olhos se voltam para mim e ele me encara, sério. — Por que
aceita isso?

— Isso?

agosto•2021
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— Esse casamento...? As imposições de seu pai? Por que,


preciosa?
— Não tenho escolhas, Trevor! — minha voz sai estridente e ele
desvia o rosto, o semblante fechado. — Nunca tive chance de ser diferente!
Meu pai é um homem arrogante que sempre colocou minha mãe ou a
empresa acima de tudo! — puxo o lençol até meus quadris e me ajoelho na
cama, sem saber exatamente como agir, já que a vontade é simplesmente
de me esconder debaixo da coberta covardemente. — Eu nunca pude ser
eu, mostrar o que eu queria, impor minhas vontades. Eu fui sua ilha
mulher e isso bastava para que ele me colocasse em um mundo à parte,
como se eu desmerecesse qualquer mérito. — suspiro, diminuindo meu
tom de voz. — A empresa é sua, Trevor, um homem que ele desejava ter em
meu lugar. O ilho que ele nunca teve. Ele nunca cogitou que eu herdasse a
empresa, nunca, preferiu me casar com seu pupilo para ter certeza que seu
patrimônio icasse na família, mas com quem ele con iasse. Entende como
isso é doentio e ofensivo?

Trevor vira seu rosto para mim e morde seus lábios.


— E você se preocupa com a empresa, Ellie?

Faço que não com a cabeça, resignada.


— Eu a amaldiçoo. Meu sobrenome é minha prisão.

Ele se ajeita na cama, parecendo levemente incomodado, mas


mesmo assim pergunta o que tem em mente, como se aquilo fosse o mais
importante de tudo que lhe dissera.

— Você vive numa redoma de ouro, Ellie... como amaldiçoa o que


a sustenta, o que compra tus joyas, paga seu motorista particular?

Reviro os olhos, me jogando de volta aos travesseiros.

— Sim, claro, porque sou rica não tenho o direito de ser infeliz,
tenho, Trevor?! E é isso que você não entende! Meu pai acha que, no

agosto•2021
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máximo, eu deveria ser uma socialite preocupada com moda e joias, assim
como minha mãe! Eu nunca seria boa o su iciente para qualquer coisa
além! E pelo visto, você acha o mesmo!
Ele me encara, perplexo, e eu continuo, minha voz venenosa com
a raiva repentina que sinto ao de lagar os con litos sempre adormecidos
em meu coração:

— Muito diferente de tudo que meu pai almeja para o brilhante,


maravilhoso, perfeito e incomparável Trevor Willians! — aponto para ele.
— Mi empresa, su empresa, mi casa, su casa, mi vida, su vida! — imito sua
língua de maneira sarcástica e ele nega com a cabeça. Me exasperando: —
Está decepcionado comigo, Trevor? Pois essa sou eu. Ellie Kane. Como eu
disse, a vida nunca me permitiu ser diferente.

— No, no es! Essa é a Ellie que você quer que os outros acreditem
que seja! Você diz ser medrosa, mas montou em mim e me ordenou que a
izesse mulher mesmo sabendo que eu poderia machucá-la! Você casou
com um homem que não conhecia, e isso requer coragem, Ellie, muita! —
suas mãos estão agora em minha cintura e ele me olha de modo sério,
como se quisesse convencer não apenas a mim. — Você mantém um barco
de quase uma tonelada na direção do vento, sob seu domínio! E o comanda
hermosamente, Ellie! Você faz Enfermagem numa faculdade conceituada
mesmo que tu padre seja contra! Você se diz ser covarde, preciosa, mas a
mujer que eu vejo ahora é mais forte que pensa!
Respiro profundamente, puxando o lençol de volta para mim, mas
não deixo de olhá-lo enquanto ele faz o mesmo, como se tentasse escanear
meus sentimentos, minhas veias, meu coração.
— Basicamente, você quer acreditar ser quem não é para agradar
tu padre y tu madre. E o seu namorado da época, alguns amigos, talvez. —
ele para por um segundo, parecendo em dúvida, mas quando continua

agosto•2021
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parece muito seguro de suas conclusões. — Você não tem medo de tu


padre, Ellie... Você tem medo da mujer que você é.
Eu seguro o travesseiro com força e encaro o homem à minha
frente, sem acreditar que ele podia me ver... me ver de verdade. Meus
dedos enrolam a fronha como se o constante movimento pudesse aliviar
todo o horrível sentimento que me consumia... como se ele me conhecesse
mais que... eu mesma.

— Você poderia ser quem você quisesse, preciosa. — ele fala num
tom amargurado. — Mas prefere ser infeliz na redoma de tu padre...? Só
por... segurança... segurança inanceira?

— Não fale sobre o que você não sabe! — mesmo que eu não
queira, minha voz se altera um pouco, eu me sinto na defensiva e nem sei
bem o que quero defender. — Você também é rico, mal completou seus
trinta anos e está a um passo de ser CEO na maior empresa de fármacos
dos Estados Unidos! Eu vi como ele te humilhou, Trevor, como ele falou de
sua língua... da língua do país onde você nasceu! A língua que eu vejo que
se orgulha em falar ainda! E você... você engoliu tudo para continuar
beijando o chão que ele pisa! Não me venha falar de segurança inanceira
ou emocional, você está casado comigo, Trevor! Casado por causa de uma
negociação! É tão culpado de seu destino quanto eu do meu! — sibilo,
tentando conter a raiva, e ele me encara de volta.

Eu não consigo confrontar os sentimentos que passam em seus


olhos. Mas é óbvio que Trevor está com raiva. Muita.
Então ele desvia os olhos e ita o lençol, suspirando, resignado:

— Você está certa... eu não sei de nada... y soy el único culpable de


mi destino...
Bufo para ele e pego meu roupão ao seu lado na cama.

agosto•2021
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— Onde você vai? — ele me pergunta quando me adianto pelo


quarto.
— Vou tomar um banho! — digo, nervosa. — Posso? Ou você
também quer comandar os meus passos? — elevo minha voz em um tom
irônico e bato a porta do banheiro.

Tesão, raiva, incredulidade, excitação, curiosidade, vontade... tudo


se explodia dentro de mim ao mesmo tempo. E aquilo me assusta
absurdamente. Talvez até mais do que saber que eu nunca alcançaria as
metas de me pai, ou que eu teria a vida que eu desejasse independente das
metas de meu pai.
Talvez estar apaixonada por Trevor me assustasse mais do que
qualquer outra constatação.

agosto•2021
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— Essas são as únicas evidências? — meus olhos passeiam da


papelada espalhada à mesa para o senhor à minha frente. Eu havia
chegado ao Brasil não tinha nem metade de um dia e já estava naquele
laboratório, sentindo o asco crescer dentro de mim, como uma tormenta
sem im.
Por mais que eu não quisesse me lembrar do cheiro, da luz
luorescente, dos ecos dos corredores... as sensações não saiam de meu
peito e estar ali, de volta a um laboratório insuportavelmente igual ao que
mi padre trabalhava, só me fazia lembrar com mais raiva de tudo que vivi.
— Eu já te disse algumas vezes que sim... — ele retorna,
parecendo cansado, e eu bufo ante sua fala.
— Eu sei que já falou! E quero que fale mais quantas vezes eu
achar necessário, mierda! — rebato, nervoso, alterando meu tom de voz,
empurrando com força a cadeira para trás. Francisco me olha, um pouco

agosto•2021
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assustado com meu rompante e eu me levanto, andando de um lado para o


outro naquela pequena sala.
— Nada mudou depois de nossa última análise, infelizmente,
senhor Trevor. Não há tantas provas assim, o senhor Clark sempre pedia a
nossa... discrição... — ele suspira, tirando os óculos, limpando-os em um
lenço. Paro meus passos e o encaro, derrotado.

— Desculpe, senhor Francisco. — abrando minha voz e me sento


novamente, recolhendo a papelada. — Eu não deveria ter berrado com
usted. Estou no meu limite e já não sei mais o que fazer.
Francisco me olha de lado, a compreensão em seu rosto. Eu o
tinha contratado para che iar aquele laboratório e, por mais que o senhor
Clark tivesse insistido no uso do antibiótico que estávamos desenvolvendo,
Francisco sempre nos alertara que o resultado não estava nem próximo do
que a Kane queria. Se aquele bosta não estivesse preso, certamente o
laboratório ainda estaria aberto e as crianças ainda estariam reféns dos
tratamentos “placebos”, com o vírus se agravando cada vez mais, podendo
levá-las ao óbito.

— O senhor fez o certo, senhor Trevor. Se tivéssemos continuado,


elas teriam morrido. Pelo menos um terço delas.

Faço que sim com a cabeça, evitando seu olhar. Eu havia


comandado que dessem o medicamento certo e parassem com os testes,
ainda que precisássemos concluí-lo para a validação do medicamento pela
FDA.

Mas não, no así, não desse jeito. Desse jeito, nunca más!
— E culparíamos a progressão da doença e não a falha de nosso
antibiótico... — sussurro, derrotado. Eu tive tanto medo por aqueles
niños... achei que tivesse fechado o laboratório tarde demais, que não
tivesse impedido os testes a tempo... eu temia chegar ao Brasil e descobrir

agosto•2021
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que alguma criança tivesse morrido em decorrência do estudo ou do


avanço do vírus em questão.
Eu conhecia como Desmond agia, não só ele como várias das
indústrias de fármacos pelo mundo... 70% dos testes estavam a cargo de
empresas terceirizadas e este laboratório em questão era apenas mais uma
das dezenas compradas pela Kane, ou seja, os resultados obtidos e o
protocolo de testes foram, como sempre, estipulados por Desmond. A
escolha dos países de terceiro mundo não era à toa, quase a metade de
todos os testes clínicos inanciados pela indústria farmacêutica estavam
acontecendo em países emergentes por razões óbvias.

Por suerte, eu tinha conseguido acabar com os testes daquele


laboratório antes do pior acontecer, e só consegui compreender esse fato
quando cheguei e vi in loco a situação alarmada por John duas semanas
atrás, o que tanto me afetou e me levou ao extremo, culminando na
bebedeira que Ellie presenciou.
Por um segundo meu pensamento me leva ao olhar de mi esposa
e ao silêncio que retornamos depois de nossa discussão, mas me atenho no
aqui e agora, mirando o senhor Francisco, suado e cansado à minha frente.
Eu precisava desabafar com alguém, mas não sabia se o farmacêutico
brasileiro seria a melhor pessoa para me ouvir. Por mais que eu con iasse
em seus julgamentos e em seu trabalho.

— Eu teria ido à público se fosse necessário. — ele confessa e eu


confronto seus olhos, impressionado com sua coragem. — Mas não
deixaria que continuassem com o estudo. Nunca deixaria que...
— Você estaria acabado em dois segundos! — interrompo-o e
Francisco ri um riso nervoso, cruzando os braços:

— Antes minha carreira que levar mortes de crianças inocentes


em meus braços, senhor Trevor.

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— Sua carreira seria o menor dos problemas, Francisco. — eu me


ajeito na cadeira e o seu pequeno escritório fechado e abafado parece me
engolir. — Esse experimento se trata de um caso claro de fraude! Ele
estava sendo manipulado para produzir o resultado desejado. Vidas seriam
perdidas por isso. — pego a pasta e recolho-a entre meus braços, sentando
na ponta da cadeira. — Você realmente acha que Desmond solo acabaria
com sua carreira se levasse isso à público?

— Senhor Trevor, eu...

— Isso não é só fraude, Francisco. É assassinato. Los niños do


grupo de controle tomaram a droga concorrente em doses menores do que
as adequadas para garantir o melhor resultado do antibiótico que estamos
produzindo. — coço meus olhos, buscando tempo para respirar, buscando
ar. — Desmond explora o fato de que seus testes clínicos podem provar
qualquer coisa que ele queira. Ele não deixaria um farmacêutico de
terceiro mundo desmascará-lo, Francisco. — não deixou mi padre,
completo em pensamento, cidadão americano e com Phd... por que
deixaria ele, um ratón do submundo? Eu odiava Desmond com todas as
minhas forças, mas olhando Francisco a poucos centímetros de mim, do
outro lado da mesa, penso que não estou sozinho.
— Ele não pode continuar impune... — ele bufa.

— Não icará.

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18

A única coisa que faço nos dias em que Trevor está no Brasil pode
parecer tudo, menos desencanar e conseguir desfocar das informações que
tenho sobre ele agora. Meus dedos desenfreados no teclado remetem a um
trabalho intenso, talvez Chloe e Lennox pensem que estou super focada no
projeto inal de minha faculdade, ou lendo algum blog de fofocas ou moda,
mas tudo que faço é procurar o que posso sobre Trevor na internet.
Olho Lennox ouvindo alguma música em seu fone, mexendo nas
roupas em meu closet, e Chloe mordisca a ponta dos lábios enquanto
cantarola baixo, afundada entre minhas almofadas em meu sofá perto da
janela.

Prendo minha franja atrás da orelha e penso quais palavras posso


digitar agora no buscador. Um acidente envolvendo uma Maria e um
Miguel, talvez. Talvez seja esse o caminho que devo seguir: digito Maria
Willians e aquilo me soa tão bizarro quanto um Trevor ser irmão de uma
Maria, mas penso que, pelo fato de os pais de Trevor serem de países

agosto•2021
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diferentes um do outro, tenham decidido colocar suas raízes na escolha


dos nomes dos ilhos.
No entanto, por mais que eu digitasse todas as informações que
eu tinha, obviamente não eram su icientes e não encontraria nada.

E não encontrei.
— Chloe? — eu a chamo e minha amiga, distraída com uma
matéria no seu laptop, descruza as pernas e se estica sobre a almofada,
olhando a tela de meu computador em meu colo na cama. — Acha que
seria possível esse Miguel ter ocasionado o acidente que matou a irmã de
Trevor? Isso faz sentido para você? A família dele ter morrido nesse
acidente?

— Pode ser que sim... — Chloe me responde e se concentra no


caderno que deixei na mesinha de cabeceira. Noto que agora ela se demora
analisando as poucas anotações que concentrei em esparsas linhas na
página. — Mas sinceramente seria estranho, não seria? Você me disse que
eles eram irmãos gêmeos e que Trevor te falou que ela morreu com
quatorze anos... então se isso for verdade, ele foi morar com quem? Porque
obviamente teria que ter ido morar com alguém, não teria? Por que ele
nunca fala dessa pessoa? Por que não foi ao seu casamento?

— Hmmm... — coloco a caneta na ponta dos lábios e analiso


minha amiga e suas perguntas investigativas, tão parecida com os pais. —
E se foram em dois acidentes diferentes? A Maria pode ter morrido ainda
criança e ele se envolveu em outro acidente com os pais anos depois.

— Duvido muito. — ela fala, sem tirar os olhos das minhas


anotações. — Seria coincidência demais. — Chloe se levanta, pegando o
caderno, e se senta ao meu lado. Lennox se joga do meu outro lado,
vestindo um sobretudo peludo e pink de meu armário e algumas canetas
rolam pelo colchão, caindo no tapete aos pés da cama. — O que é isso aqui?
“Crianças”? “Brasil”?

agosto•2021
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— Trevor estava arrasado por causa de algo envolvendo crianças


no Brasil, não sei... não consegui entender, ele estava misturando com
espanhol e falando rápido demais...
— Ele não deu nenhuma informação a mais, Ellie? — seus dedos
deslizam pela página, como se ela tentasse contornar meus rabiscos,
buscando-os em sua memória. — Apenas isso? Crianças no Brasil?

— Seriam órfãs, de repente? — Lennox pergunta. — Ou alguém


da família dele?
— Trevor não é brasileiro. — Chloe rola os olhos e ele faz
beicinho.

— Acho... — eu me ajeito na cama, desconfortável, aquele tinha


sido um momento complicado, absorver tudo que ele falou foi
praticamente impossível, mas sim, ele tinha dito sobre um... —
Laboratório! — eu quase grito e apoio meu laptop de volta no colo,
avançando para o teclado, abrindo a página da internet novamente. — Ele
falou sobre um “laboratório de merda no Brasil”!

— Um laboratório de seu pai, Ellie? Mas ele falaria assim de um


laboratório da empresa de seu pai? — Lennox questiona e eu teclo, ávida
em descobrir qualquer informação.

— Não sei... — resmungo e olho alguns links aleatórios,


pouquíssimos. Clico em alguns, lendo rapidamente do que se tratam, e
avanço por outros quando concluo que nada têm a ver com crianças.

De qualquer maneira, digito “Empresas Kane” em seguida e


esquadrinho a tela quando vejo o nome de Desmond Kane em uma das
manchetes em azul. Clico no link e chego a arfar quando leio a reportagem
sobre algumas indústrias farmacêuticas que estavam fazendo testes
clínicos em moradores de rua nos anos 90, e a Kane era uma delas.

agosto•2021
Clube SPA

Meus olhos passam pelas palavras e eu não consigo acreditar no


que estou lendo até encontrar uma entrevista com Desmond.
— Seu pai diz que os “voluntários” eram motivados pelo
altruísmo em prol do saber cientí ico. — a voz de Chloe chega aos meus
ouvidos e eu demoro a discernir sobre o que ela me fala, percebendo que
ela está debruçada sobre mim, lendo a entrevista. Ela se vira para nós dois,
transtornada: — Eu sei que as pessoas se voluntariam para esse tipo de
coisa, óbvio... mas isso aí me parece realmente errado. — aponta para a
tela. — Testar a segurança de medicamentos em pessoas fragilizadas que
certamente aceitariam qualquer valor para ter dinheiro pra comer?

— Eles recebiam menos que qualquer outro voluntariado, Chloe.


— suspiro ao ver que a reportagem frisa que, além de tudo, os moradores
de rua recebiam menos que a média do mercado. Leio sem absorver mais
nada, tudo se remete a linhas simples que, resumidamente, narravam que
em um acordo para encerrar o caso, que terminou na justiça, a Kane
desembolsou meio bilhão de dólares.
— A reportagem é do meu pai! — Chloe exclama, mirando o nome
do jornalista no im da matéria e eu respiro fundo antes de clicar no último
link e saber um pouco mais sobre como a indústria farmacêutica resolveu
solucionar seu problema com a FDA, instalando laboratórios em outros
países. Países do terceiro mundo, suspiro, indignada.

— “Os produtos da indústria farmacêutica são especialmente


di íceis e caros de serem fabricados.” — Chloe lê em voz alta ao meu lado.
— “Até um remédio chegar à farmácia, são consumidos cerca de quinze
anos com pesquisa e um investimento quase três vezes maior que a média
da indústria, tornando-o um negócio de alto risco. E é por isso mesmo que,
apesar de gerar muito lucro, há também muito gasto.”
É simples. E absurdo, mas simples.

agosto•2021
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Meu pai ganhava com a mão de obra barata em países de terceiro


mundo e muito mais com o pouco investimento nos laboratórios depois da
autorização de venda. Desmond tinha encontrado ali outra maneira de
aumentar seu domínio no mercado inanceiro dos EUA.

Os fármacos Kane eram necessários e a roda da fortuna girava


com nosso crescimento. E não era di ícil concluir que crianças no Brasil de
alguma maneira sofriam as consequências, mesmo que eu ainda não
soubesse ao certo o motivo.

O pavor no semblante de Trevor me respondia muito mais do que


qualquer matéria.

— Santa Madonna, dona de meus quadris! — Lennox guincha ao


nosso lado e nós duas nos viramos ao mesmo tempo, vendo que ele está
com o laptop de Chloe no colo e os olhos arregalados para a tela.

— O que foi? — minha amiga se debruça sobre mim, pegando seu


laptop de volta, mas Lennox a intercepta, virando-o para mim:

— Sua mãe, Ellie! Sua mãe está no site da Radar Online! Eu estava
procurando mais notícias sobre os Kane e... bem, acho que você deve ler
por si mesma...

Não leio. Não consigo ler nada, é impossível que meus olhos
vagueiem pelas palavras quando uma imagem diz muito mais que elas.
Minha mãe aparece em algum tipo de imagem desfocada, como se fosse
uma foto de um vídeo e, ainda que eu não possa vislumbrar muitos
detalhes, claramente é ela. O close está em seu rosto e é di ícil ignorar seus
lábios mordidos na expressão de prazer que faz enquanto um homem
chupa um dos seus seios.
Meus olhos apreendem que ela está completamente nua, mesmo
que a imagem desfoque propositalmente todas suas partes íntimas.

agosto•2021
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— Tem um vídeo. — Chloe murmura e Lennox solta um gritinho


nervoso antes de me cutucar:

— Clica nele, Ellie!

Desço meus olhos pela tela lendo as letras garrafais da fofoca


pseudonotícia: Sophia Kane em um momento íntimo com homem que
claramente não é o Rei dos Fármacos. Não penso duas vezes e não sei nem
como tenho coragem, mas clico no vídeo, me levantando da cama e
lançando olhares rápidos pela tela. Minha mãe beija o homem e as cenas
são fortes demais para que eu consiga sequer conceber em assistir.

— Sua mãe está traindo seu pai, Ellie? Quem será o cara? Ele não
aparece direito. — Lennox pergunta, mas antes que eu possa responder,
escuto o grito no andar debaixo.

Olho para os dois uma vez mais antes de me lançar pela porta e
descer as escadas, ouvindo meu pai e minha mãe discutindo na sala.
Desmond berra com Sophia, que anda pelo cômodo desesperada atrás
dele. Ele grita que não consegue compreender como ela pôde se deixar ser
ilmada e eu paro no degrau antes de ele concluir que ela desmoralizou a
família, sem acreditar no que escuto.

É isso mesmo que ouvi? Meu pai estava mais furioso pelo vídeo
ter sido vazado na internet do que pela traição em si? Assisto a porta se
abrindo e Trevor entra na sala segurando uma pasta no instante em que
meu pai joga um enfeite da prateleira ao chão. Trevor tenta circundar pela
mesa e alcançar meu pai, acalmando-o, mas Desmond o empurra, se
virando para minha mãe:

— Que você dava para todo mundo eu sabia! Não sei como você
não dá para ele! — meu pai aponta para Trevor e eu aperto o corrimão da
escada, estupefata pela escolha absurda de palavras de meu pai e muito
mais por incluir Trevor naquilo.

agosto•2021
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Meu marido encara os dois e sua perturbação ica estampada em


seus olhos, eu imagino que não faz a mínima ideia do que está
acontecendo, deve ter acabado de voltar do aeroporto depois de dez dias
longe e quando volta encontra aquela cena em casa.
— NÃO BASTOU O OUTRO QUE TIVE QUE ENCOBRIR, SOPHIA? —
meu pai volta a berrar e eu olho sua esposa encolhida no sofá. — Aquele
homem não foi su iciente para você?

Minha mãe não o responde e eu não entendo como não se


defende... como... como se... como se aquilo tudo fosse verdade.
— Você não ama meu pai...? — minha pergunta sai mais alta do
que eu gostaria e todos se voltam para mim. Desço o restante dos degraus
tão vagarosamente que mal entendo como sei andar enquanto presencio
aquele absurdo.

Meu pai xinga e sai em direção à porta da sala berrando sem


parar.
No segundo em que a porta bate atrás de si, minha mãe me mira,
um olhar que já dizia tudo. Um olhar de desprezo... de nojo... de
repugnância... e naquele momento eu entendo... mesmo que eu não queira,
eu entendo... minha mãe não tem salvação.

Sophia era uma narcisista nata, seu ego estava acima de tudo...
nada do que eu izesse em toda minha vida, por mais perfeita que eu tente
ser, eu nunca me compararia a ela... ela se amava mais que tudo.

Meu pai amava a empresa e minha mãe... minha mãe amava a si


mesma... e eu nunca existira para nenhum dos dois.

agosto•2021
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Ellie sobe as escadas de volta, seus pés ágeis praticamente pulam


de dois em dois degraus enquanto Sophia volta seu olhar para mim, sem
falar nada.
Eu a encaro, calando-a antes mesmo que ela abra a boca.

A mujer se levanta, ajeitando o vestido que usa — uma


tranquilidade estranha em seus olhos — e me mira demoradamente. Sinto
que quer falar alguma coisa, mas se detém quando nego com a cabeça e
desvio o rosto para a porta, ignorando-a. Ouço seu suspiro melodramático
e em seguida os saltos ressoando no piso de madeira em direção ao
corredor.
Alcanço a maçaneta e não deixo de sorrir, impressionado com a
velocidade daqueles jornalistas de plantão à espera da próxima capa para
seus tabloides. Eu havia mandado o vídeo ainda no aeroporto brasileño e
não poderia esperar que tão maravilhosa recepção me aguardasse.
Si... la venganza puede ser... plena.

agosto•2021
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Giro a chave do carro em meu dedo e desço a escadaria de pedra


assoviando Enjoy the Silence baixo e satisfeito... talvez eu tivesse que ter
esperado mais alguns dias, talvez eu tivesse sido um pouco afoito e
prematuro no envio do vídeo... talvez sim.
Tal vez no.
Não consegui, não depois da visita ao Brasil. Não depois de ver
que se não fosse eu disposto a pará-lo, talvez outro o izesse... e não da
maneira certa.
Da maneira que planejo há mais de dez anos.
Penso em Francisco e na sua suposta grande ideia de ir à público,
como se eu mesmo nunca tivesse pensado naquilo. Apesar de
compreender suas intenções, era um plano limitado demais, simples
demais e fácil demais de Desmond se esquivar.
As vísceras precisavam icar expostas, abertas para todos, o
cheiro pútrido da Kane tinha que se espalhar pelo mundo de modo a nunca
ser esquecido... nunca ser perdoado... nem que ele desembolsasse toda sua
fortuna.

A destruição de um Kane tinha que começar de dentro de sua


família, quebrando, um a um, todos os alicerces que o sustentavam.
A traição de sua amada esposa? Ponto para mim. Pisco para o
motorista de Ellie quando passo por ele e Andrew sorri em resposta,
meneando a cabeça quase que imperceptivelmente em retorno. Ele abre a
porta do meu carro e eu en io a chave na ignição, ligando o som
instantaneamente, sem acreditar que a mesma música que assovio toca no
carro.

Não, não existem coincidências, olho no retrovisor os meus olhos


castanhos, escuros demais, arti iciais demais, e coloco o cinto de
segurança. O som me abraça por completo, aumento-o e fecho os vidros,

agosto•2021
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acelerando o carro na estrada de pedra, os pneus levantam poeira e


deslizam, eu volto a sorrir mirando o portão da mansão dos Kane, o
impacto a poucos metros.
Piso com mais força no acelerador e aciono o botão, passando
com o Porsche a milímetros da grade de ferro quando se abre para minha
passagem. Giro à esquerda mirando rapidamente o vidrinho caído no
banco do carona bater contra a garrafa de um vinho brasileiro exclusivo de
um dos estados ao sul do belo país.

Pego o pequeno frasco e o guardo em meu paletó.

Ainda que parecesse pouco provável que Desmond tenha um


coração, o dele batia para uma única coisa no mundo: poder. Não só o
poder de ser dono da maior empresa de fármacos existente, mas o poder
que tinha sobre meio mundo. E isso incluía la hermosa mujer ao seu lado e
a imagem poderosa que passava para seus iguais quando estava
acompanhado por ela.

Ele descobrir a traição de Sophia? Perceptível que esse não era


exatamente o ponto da questão, ainda que deva doer su pobre corazon. O
que meu querido sogro realmente temia era a sua reputação. Ser corno era
tolerable. Os outros saberem que era corno... aí sim era o ponto alto de
meu sorriso ao olhar a estrada à minha frente.
Talvez fosse cedo para envenená-lo, o certo era ter um pouco mais
da con iança dos acionistas. Mas nada poderia ser mais perfeito que o
presente momento. Canto o refrão da música a caminho das Empresas
Kane:

— Pleasures remain, so does the pain! Words are meaningless


and forgettable... — sim, talvez... talvez eu precisasse de mais tempo, mas
não hoje. Hoje meu sogro está com o coração despedaçado por causa da
traição da mujer.
O momento perfeito para ele parar de bater.

agosto•2021
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19

— Você acha que eu não imaginava que ela me traia? — Desmond


vocifera, contornando a mesa em seu escritório na empresa. Eu me
aproximo, deixando a garrafa de viño em seu buffet, e o encaro em silêncio,
pois sei que seu questionamento é retórico.

Eu tinha chegado há cinco minutos e todas as pessoas do andar


pareciam assustadas com os berros que meu sogro dava dentro de sua
sala. Sua secretária nem me anunciou ou sequer me olhou quando abri a
porta, seu rosto branco de medo, ainda que acostumada com as grosserias
de su jefe.
Mas nada como aquilo.
Desmond Kane estava vermelho como o diabo, os olhos
esbugalhados de ódio, a ira em sua boca nas atrocidades que grita:

— É claro que eu sabia! Olha aquela mulher! — ele espalha as


folhas em cima de sua mesa e amassa algumas aleatoriamente, jogando-as

agosto•2021
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no lixo. — Eu tive que contornar uma vez! Mas nada assim, nada veio à
público, era outra época, eu comprava o jornalista e tudo se acertava! —
ele afrouxa o nó da gravata, cada vez mais vermelho. — Agora, outro
escândalo! Como se não bastasse aquela merda da Ellie há poucos meses!
— o suor escorre pelo pescoço. — Era diferente quando não tinha internet,
Trevor! Eu conseguia dar conta, eu desembolsava a grana e pronto, mas
agora... Você acha que é o primeiro escândalo? Não! Claro que não! Quase
sucumbimos por causa de um erro daquela idiota da Ellie! — ele fecha os
dedos das mãos em punho e soca a mesa uma vez. — Ela quase foi à polícia
denunciar um membro do conselho! Eu estou rodeado de putas burras,
PUTAS BURRAS!!!
Ele se joga à cadeira e passa as mãos pela testa suada, agora
abrindo o botão do colarinho; eu continuo onde estou, a mão en iada no
bolso de meu paletó, o pequeno frasco rodando entre meus dedos. Eu
seguro meu punho, forçando minha mão a icar onde está e não esmurrar a
cara dele, como ousava falar assim da Ellie, chamando sua própria hija de
puta e burra... que tipo de padre era ele?

O mesmo homem que pagou ao meu pai o silêncio das


atrocidades do laboratório da Colômbia, claro... Desmond era pior do que
eu um dia supus imaginar e seus argumentos apenas me in lamavam mais
ainda a fazer o que eu devia fazer.

— Ela me trai desde antes de casarmos! — ele baixa o tom da voz


e pela primeira vez parece consternado por causa da traição em si. Suas
pálpebras se fecham e ele aperta os olhos, com raiva. — Mas sempre foi
discreta, sempre! Ela é linda e eu a amo... quem não amaria? — ele bufa e
eu sigo de volta para o buffet, abrindo o viño. — QUEM GARANTE QUE
AQUELA GAROTA É MINHA? — paro com a garrafa e a taça em minhas
mãos o encarando:

— O que... o que disse?

agosto•2021
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— Eu sempre quis um ilho homem, Trevor! E a porra da Sophia


me dá uma mulher? E ainda... uma mulher como a Ellie? Ela não tem nada
meu! É claro que tenho o direito de ter minhas dúvidas se aquilo teria meu
DNA! — ele berra, se dirigindo à porta do banheiro e chutando a lixeira ao
lado da mesa.

Meus dedos apertam com tanta raiva a taça que ela estilhaça em
minha mão. Desmond entra no lavatório e eu olho o sangue escorrer por
meu punho, mas ainda assim não consigo me mover, completamente
pasmo com o que Desmond destila como veneno, mas... seria... seria
possível que la sangre dos Kane não corresse nas veias de... Ellie...?

Abro a mão, olhando os cacos da taça enquanto ando até a lixeira,


colocando-a de pé outra vez, e deixo que os pedaços de vidro caiam entre
os papeis amassados. Volto para o buffet e aperto alguns guardanapos em
cima do corte, mirando a porta trancada do banheiro enquanto sirvo o
vinho em uma nova taça e adiciono calmamente alguns pingos do líquido
do vidrinho.

O celular em cima da mesa toca e Desmond sai de dentro do


banheiro correndo, apavorado e suado, eu sei que espera aquele
telefonema com todo o temor de sua vida. Ele o atende e não fala nada, o
ouvido colado ao aparelho por segundos antes de desligá-lo e jogar ao
chão, com um braço, tudo que estava em cima da mesa.

— AS AÇÕES DESPENCARAM! — ele berra e eu tenho certeza que


o andar inteiro o ouviu também.
Era a hora.

Não era um veneno comum, eu havia conseguido extrato de


acônito, a toxina da planta raramente era identi icada por deixar o corpo
da vítima em menos de 24 h. Para um velho que já sofria do coração e
acabara de descobrir a traição da esposa e as ações em baixa de sua
empresa? Perfecto, ninguém descon iaria.

agosto•2021
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— Acalme-se, Desmond, nós vamos conseguir resolver isso. —


interpreto o melhor genro e funcionário que ele poderia ter e ofereço a
taça sem nem precisar insistir; meu sogro a arranca de minha mão e a bebe
toda praticamente num gole só, como se fosse água e estivesse muriendo
de sede.
Pego a taça de volta e a guardo no bolso de meu paletó,
retornando para a bandeja e servindo outra enquanto ele aciona a
secretária eletrônica e berra com Sheyla, exigindo uma reunião com os
acionistas, a xingando de incompetente quando a secretária pergunta qual
hora deveria marcar. Eu abro a porta do escritório, encontrando-a
tremendo ao telefone e a conforto, dizendo que marque para o começo da
tarde, então deixo a porta aberta e retorno para a mesa de Desmond; ele
arranca a taça de minha mão e bebe a metade do vinho, tirando o paletó,
visivelmente suado.

Sua secretária entra pelo escritório quase colada na porta e me


pergunta algumas questões referentes à reunião; pelo canto do olho vejo
Desmond apoiar a taça na mesa e cambalear. Eu pego delicadamente o
braço de Sheyla e a viro em direção à sua mesa, andando ao seu lado
enquanto a respondo e, antes mesmo de ela voltar a se sentar, escutamos o
baque dentro da sala.
A secretária me olha em dúvida rapidamente antes de se
direcionar para o escritório e, como música em meus ouvidos, escuto-a
berrar.

agosto•2021
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Há uma semana, meu pai sofreu um infarto.


Há uma semana minha mãe anda pela casa como uma moribunda,
entupida de calmantes e tarjas pretas. Não por causa do ataque cardíaco de
meu pai, claro que não, eu sabia que parecer um zumbi em nossa casa só
tinha a ver com o fato de ser ainda pivô das notícias de fofocas,
principalmente agora que as manchetes diziam que era culpada pelo
infarto do marido.

Há uma semana, Trevor vivia do trabalho, icando na empresa


quase todas as horas do dia, tendo as atribuições de meu pai como suas. As
ações despencavam cada vez mais, o jornal só falava disso e eu entendia
que nossa fortuna estava escoando como água pelo ralo.
Trevor não me dizia o que estava fazendo ou como estava
contornando aquilo, na verdade mal falava comigo ou me olhava, voltando
para casa de madrugada ou indo trabalhar antes de eu acordar. Mas,
diferente do que todos pensávamos naquelas primeiras 48 h fatídicas, meu

agosto•2021
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pai não havia morrido e agora estava em casa, sendo cuidado por
enfermeiros 24 h por dia, acamado.
Entro em seu quarto e olho-o por alguns segundos. Minha mão
segura a maçaneta da porta e não sei o que sentir ao ver o maquinário
ligado a ele, ressoando um bipe constante. Ele abre os olhos e me ita de
volta, seu olhar sobre mim não acompanha a mudança quase sutil no ritmo
do som mecânico.

— O que está fazendo aqui? — ele pergunta e sua voz sai baixa e
rouca, como se não falasse há séculos, e eu me pergunto por que razão
acha estranho eu estar ali em seu quarto, como se minha presença o
deixasse desconfortável. Por que ele sempre fazia aquilo comigo? Por que
era tão di ícil me amar?

— Vim ver se precisava de algo, pai. — respondo sem encará-lo.

Não sei por que sinto medo, mas sim, sinto, mesmo com sua débil
saúde me garantindo que não consiga se aproximar de mim ou me tocar.
— Sai daqui. — ele rebate, começando a tossir e a enfermeira
entra com uma bandeja de medicamentos. — Sai daqui, sua idiota! — o
tom aumenta e a tosse seca se torna um engasgo, misturando-se ao som,
agora frenético, do bipe.

Abro a porta de mogno impulsionando meu corpo para fora


daquele quarto no mesmo instante em que outro enfermeiro entra
correndo, quase colidindo comigo. A porta se fecha atrás de mim e eu corro
até o lavatório, me jogando em frente ao vaso e vomitando tudo que comi
durante o dia.
Ainda assim, a tristeza perdura em meu peito.

agosto•2021
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O mierda do Desmond tinha sobrevivido!


Engulo el odio pensando na ironia daquilo tudo, o coração do
hijoputa era fuerte como aço, sobrevivera a dois ataques cardíacos
enquanto o meu parecia que iria parar a qualquer momento, com todos os
sentimentos que gladiavam em minhas artérias.

Medo, raiva, pavor, insegurança, sede de vingança... tudo


misturado à ponto de ebulição e era provável que eu morresse antes
daquele bosta.
Com Desmond vivo, ainda que acamado, minha permanência
como CEO na Kane não passava de provisória, no entanto eu já adiantava o
que podia, recolhendo dados e transferindo investimentos, cancelando
algumas contas... tudo de maneira con idencial, mas que não alarmasse os
acionistas... não ainda pelo menos.
Eu me sento na cadeira do escritório de Desmond na Kane e
enterro meu rosto em minhas mãos, com raiva de mim, medo de perder...

agosto•2021
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eu não acredito que estou pensando nisso, mas sim, Ellie... Como eu a
perderia se ela nunca me teve de verdade... não o homem que sou agora,
mas... Miguel.
Ela nem me conhecia!

Eu no era así, no así! Soco o mouse do computador, que espatifa


sob meu murro; um pedaço do plástico entra por minha carne. Olho o
sangue pingar na mesa e ico ali parado, vendo-o verter aos poucos,
pingando, formando uma pequena poça sobre alguns rascunhos.
Engulo o engasgo, deslizando os dedos de minha outra mão por
minha barba... uma barba que não tive nem tempo de fazer, afundado
naquele escritório nos últimos dias desde que assumi a empresa. Eu quase
nem tinha falado com Ellie, me limitando às frases super iciais quando a
via em casa... eu não queria admitir para mim mesmo o quanto estava
afetado por ela.

Mierda!
Por que não? Por que vou acabar com tudo que ela conhece por
sua vida e me sentia culpado ou... por que me sentia culpado por mentir
para ela? Ou... por que sentir algo por ela poderia me fazer desistir de tudo
que planejei por tanto tempo?

Como ela icará depois que a Kane decretar falência... sem seus
estudos... sem sua mansão... sem a vida a qual foi acostumada?

Fecho meus olhos e penso em seu sorriso tímido, nas mãos


sorrateiras que insistem em esconder uma cicatriz que violou sua alma,
mas que de maneira alguma a torna menos bonita... Seus olhos daquele
tom entre o cinza e o azul, os gestos delicados e ao mesmo tempo... fuertes.

Eu me levanto da cadeira e ela tomba, tampouco ligo, pego meu


paletó e as chaves do carro, precisando entender uma coisa de uma vez por
todas! No entanto, quando chego em casa não encontro ninguém, está

agosto•2021
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vazia, apenas os empregados com suas tarefas diárias, volto pela entrada e
dou de cara com Andrew estacionando o carro no pátio.
— Onde ela está? — questiono, dando a volta no meu Porsche e
ele tira o quepe, passando as mãos pelos cabelos:

— Na boate Lounge.

Aceno e me jogo de volta ao banco do motorista, indo direto para


a boate, imaginando se ela estaria icando com alguém, a imagem de Ellie
se atracando àquele cara me vem na cabeça e estranhamente não sinto
raiva, não, não é esse exatamente o sentimento... o que me espreita parece
medo... tristeza...

Ellie não era uma Kane, apesar de ser uma Kane... e por mais que
a vingança me cegasse... eu estava enxergando-a...
Entro pela boate sem nem saber como dirigi os quilômetros até
aqui, focado nas perversidades que iz àquela mujer... como eu podia
condenar Desmond agindo como ele próprio, condenando um sangue
como se aquilo signi icasse tudo...?

Eu era igual a Desmond?

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20

Pego um copo de alguma bebida quando um garçom atravessa


meu caminho e desço os degraus até a boate, olhando-a socada como
sempre, as luzes baixas e em tons avermelhados.

Eu me recosto ao balão e pego um guardanapo, molhando-o no


copo e aplicando sobre o corte em minha mão e então a vejo. Agradeço por
estar recostado porque aquela visão me atinge como uma mierda de uma
bala perdida.
Ellie ri abertamente com um cara colado ao seu corpo, os dois
dançam e se esfregam entre tantas outras pessoas. A boate explode em
uma música techno e eles se afastam, voltam, se esfregam e se afastam
novamente, mexendo os corpos, voltando para se esfregarem mais uma
vez.
Ellie está visivelmente bêbada. Mas visivelmente feliz.

agosto•2021
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O cara fala alguma coisa em seu ouvido e meus olhos


acompanham a mão que ela espalma sobre o peito dele e sobe por seu
pescoço até alcançar a nuca, que ela puxa para si em outro movimento
assim que começa a música latina.
Yo merecia icar vendo aquilo durante toda a noite e nem mil
pedaços de plástico incados em minha mão poderiam doer mais do que
compreender que eu não a fazia sorrir daquela maneira.

Agora outro qualquer sentiria seu gosto e memorizaria a textura


de sua pele arrepiada quando icava excitada.
Eu não tinha direito a nada ali, mas mesmo assim queria tirá-la a
força daquela espelunca e fechar o sorriso de sua face. Ou pior... ir embora
e deixá-la ser feliz.

Minha respiração se acalma quase que contraditoriamente


quando seus olhos me alcançam e ela para a dança escrota e pausa os
movimentos, os lábios retorcidos como se engolisse o mundo. Coloco
minhas mãos nos bolsos e a encaro de volta, vejo seus passos em minha
direção e me amaldiçoo por não conseguir me mover, assistindo-a se
aproximar cada vez mais, meu coração martelando a cada passo.

— Não era para você estar trabalhando outra vez?

— Hola, Ellie. — noto de relance o homem que ela dançava nos


encarando da pista.

— O que está fazendo aqui, Trevor? Veio tomar conta? — sua voz
me faz centrar seu rosto e eu limpo minha garganta, me lembrando da vez
que me perguntou a mesma coisa no navio. Tento manter um sorriso em
meu rosto, ainda que pequeno, do tamanho de como estou me sentindo ali
ao seu lado:

— É necessário, mi preciosa?

agosto•2021
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Ellie encolhe os ombros, cruzando os braços, e eu vejo seus olhos


rolando para o alto.
— E você não era para estar na faculdade? — pergunto, tentando
entender o que ela faz ali.

— Não tivemos a última aula, vim com Lennox. — ela aponta para
trás, mas não o vejo. No entanto, o cara que ela dançou ainda está em meu
campo de visão:
— E quem é seu amigo? — meneio a cabeça para ele.

— Um amigo. — ela me responde sem me responder e eu me


pergunto no que Ellie pensava para estar ali, durante a semana em uma
boate. Aquilo não fazia muito o tipo dela, não era muito... Ellie.
— E ele sabe dançar música latina?

— Não muito.

— E você sabe dançar música latina, preciosa?

— Não muito. — ela tenta refrear um sorriso, mas seus lábios


arqueiam sutilmente. Solto o copo no balcão e me aproximo dela:

— Seu amigo vai se importar se usted dançar com su marido?

Seu olhar curioso me mira e meus olhos percorrem seu corpo,


percebendo como mi esposa estava hermosa. Ellie usava um vestido solto e
lorido na altura de suas coxas, e sandálias leves de pequenos saltos inos,
seus cabelos estão presos em um coque despenteado, denunciando as
horas que ela já se encontrava dançando naquela boate.
Talvez não menos que o brilho acetinado de sua pele levemente
suada ou de suas bochechas avermelhadas. Não importa qual detalhe é
mais belo, sua nuca está exposta com alguns ios inos descendo pelo seu
pescoço e quero tanto tocar ali que mal compreendo como essa sensação
me invade.

agosto•2021
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— Me permite, preciosa? — peço outra vez, eu poderia ser aquele


cara que a fazia sorrir, mas mais que isso... eu queria ser aquele cara.
Ellie faz que sim com a cabeça e eu a puxo para mim, embalando-a
nos passos logo que entramos na pista; penso que há poucos dias dancei
vagarosamente com ela na praia e aquilo havia mexido comigo de um jeito
que parecia que Ellie fervia mi sangre... o que ela faria comigo com uma
música latina?

Meu corpo suado se cola ao dela e é quase impossível não conter a


ereção, contudo, é impossível que a essa hora ela não saiba como me deixa
louco. Seguro irme seus dedos e a puxo mais ainda pra mim, envolvendo
su cuerpo ao meu e a girando, deixando-a de costas para mim, pegando
suas mãos e as trazendo para sua cintura junto às minhas.

— Gosta desse ritmo, Ellie? — pergunto ao pé de seu ouvido.

— Gosto... — ela vira o rosto e eu vejo seu per il, o nariz


arrebitado e... a cicatriz... cerro meus olhos com força por um segundo, sem
acreditar que Ellie teve apenas dois caras em sua vida... Patrick e eu... e nós
dois... bufo, sem querer confessar, mas sim, eu a machucava de outra
maneira.

Eu a viro de volta para mim e beijo rapidamente seus lábios


úmidos, ela levanta o rosto e me ita enquanto suas pernas se enroscam às
minhas; deixo que minha coxa bata entre elas e Ellie exala um suspiro
profundo fechando suas pálpebras.

Eu sorrio e beijo seu pescoço, o som reverbera pela boate, seguro


sua cintura e a levo no ritmo latino, o meu ritmo latino:
— Eu amo la fuerza que tanto esconde, preciosa. — digo de
repente e ela abre os olhos, parecendo assustada. Mordo seus lábios e
intensi ico minhas mãos em sua cintura, su cuerpo vibra, o coque solta e
seus cabelos caem pelos ombros.

agosto•2021
Clube SPA

Ellie desliza suas mãos pelas minhas costas, moldando-se a mim,


e volto a beijá-la em meio à nossa dança. A música continua, eu a puxo para
mim, protegendo-a dos encontrões com as pessoas que dançam ao nosso
lado:

— Mi padre ensinou a mi e mi hermana a dançar... quer dizer... mi


madre ensinou a ele... ele gostava de bailar pela casa se lembrando dela
enquanto cozinhava pra gente...

— Parece uma lembrança feliz. — ela sussurra e eu faço que sim


com a cabeça e beijo a ponta de seu ombro esquerdo, subindo com meus
lábios até seu pescoço, Ellie ri e se encolhe.

Eu sorrio para seu jeito encantador.

— Você tem algumas delas, preciosa? — ela se vira e pousa as


mãos em meus ombros, me mirando debaixo para cima, seus cílios longos
e delicados, as pálpebras esfumaçadas com alguma maquiagem colorida,
deixando seus olhos mais translúcidos do que nunca. Encosto minha testa
à sua e a ito. — Você tem alguma lembrança feliz, Ellie?

Ela pisca algumas vezes e parece pensar um pouco. Quando sua


voz inalmente sai de seus lábios, parece envergonhada:

— Talvez com Lennox e Chloe.

Meus dedos tremem em sua cintura, talvez mais por tudo que sua
resposta me responda do que a resposta em si.

— Você gostaria de um dia pensar no dia de hoje como uma


lembrança feliz, preciosa? Eu poderia ser alguém que... como Lennox ou
Chloe... pudesse te deixar uma lembrança feliz?

Ellie desce seus dedos por meu peito e parece tentar me olhar
através de minha pergunta. Eu seguro meus olhos nos seus e aguardo sua
resposta, como se fosse possível não desejar que eu não fosse apenas uma
lembrança no futuro... inspiro profundamente e ela dá um passo para trás,

agosto•2021
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me soltando um pouco, meus joelhos cedem na mesma medida, o medo


que ela se vire e me deixe para trás:

— Algumas horas não apagam tudo que falou ou fez... Trevor... ou


inclusive o que me esconde. — ela me solta completamente. — Vamos. Já
deu por hoje. Quero ir embora. Você me leva ou ligo para Andrew?

Meus ombros caem em derrota, mas eu merecia sua resposta.


Engulo não só meu orgulho como a frustação e pego minha chave no bolso,
guiando-a pela boate até a porta de saída, sua pele mais gelada que o vento
que nos encontra lá fora.

agosto•2021
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Quando acordo no dia seguinte, Trevor já foi para a empresa.


Eu me levanto já pegando um analgésico e indo direto para minha
suíte para tomar um banho fresco e revigorante.

De súbito, sob o chuveiro, me lembro de nossa dança e sim, ainda


que tenha passado somente algumas horas... aquela era uma lembrança
feliz... que eu arrematei no segundo em que ele me fez aquela pergunta.
Como assim ele achava que tudo estaria resolvido por me dar valor depois
que me viu dançar com um cara?
Eu não havia ido dançar porque não tinha a última aula. Eu havia
matado aula. Eu estava cansada de minha rotina pér ida, de ir para a
faculdade, para casa, para a faculdade e casa, o enfarto de meu pai, a
encenação de minha mãe... eu fugi da minha realidade.
Porém minha realidade me encontrou e quis dançar comigo.

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E foi bom... e foi tão bom que me deu medo. Medo que no segundo
seguinte que eu novamente me entregasse a Trevor, ele me machucasse
outra vez.
Como a dança em que nos cadenciava, eu decidi guiar os passos,
não cedendo à sua vulnerabilidade daquela vez.

Demoro mais do que realmente preciso no banho e, quando saio


do banheiro, escuto as vozes dos enfermeiros pelo corredor. Enrolo com
mais força a toalha em meu corpo e dou passos leves para a porta,
tentando passar despercebida, mas ao mesmo tempo ouvir sobre o que
falavam, no entanto o retorno do silêncio me atinge de maneira
desagradável.
Eu não sabia dizer o porquê. Mas eu sentia que tinha algo
diferente.

Abro a porta, decidida agora a saber o que acontecia, mas me


deparo com uma enfermeira no corredor, parando os passos ao me
encontrar:

— Seu pai está sendo transferido para o hospital, senhora Ellie.

— Ele piorou? — pergunto, olhando à minha volta à procura de


minha mãe.
— Uma leve piora, mas o quadro ica mais estável sob os cuidados
hospitalares.

— Minha mãe sabe disso?


— Eu não a encontrei, mas uma das empregadas disse que ela foi
para um spa.

Eu a vejo sair e depois de algumas horas, sem saber ao certo o que


fazer, decido que vou visitar meu pai, mesmo que minha presença fosse
outra vez preterida por ele. Tento ligar algumas vezes para Trevor, mas ele
não me atende, então saio de casa naquela manhã indigesta, com meus

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nervos à lor da pele, a tensão me deixa com olheiras profundas e me sinto


nauseada durante todo o trajeto em que Andrew me leva ao hospital.
Subo o elevador segurando um vasinho de lor e sei que aquilo é
patético, eu mesma con litava meus sentimentos por estar ali, sem saber
ao certo o que meu coração me dizia, ainda que meu cérebro entoasse a
racionalidade de eu estar ali, visitando meu pai doente.

Eu era sua ilha. Iria visitar meu pai.


Ele não me amava. Preferia me ver longe.

Atravesso o corredor com meus saltos vacilantes e o vasinho


entre meus dedos treme, algumas pétalas da lor delicada caem na terra e
avanço direto para o quarto de meu pai, segurando o susto em uma
exclamação alta quando abro a porta: não há um enfermeiro ali, nem
movimento... apenas o bipe constante dos aparelhos ligados ao senhor
Desmond Kane.

E Trevor.

A cena é absurdamente estranha e ele não percebe a minha


presença de cara. Meu marido está de costas para a porta, ou seja, para
mim, e olha, praticamente estático, para meu pai deitado na cama de olhos
fechados.

Como se contemplasse o sono de meu pai.

Como se velasse o sono de meu pai.


Como se espreitasse o sono de meu pai.

— O que você está fazendo aqui? Como sabe que ele veio para o
hospital? — inquiro, incrédula, e minha voz sai ina e desagradável.
Trevor se volta para mim, parecendo desconcertado por alguns
segundos, mas logo a segurança volta para seu semblante e ele me olha,
tranquilo.

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— Bom dia, Ellie. — sua voz sai estranha e ele limpa a garganta
antes de continuar. — Eu que assinei a transferência de su padre. A
enfermeira me ligou e vim direto da empresa para o hospital.
—Como ele está? — pergunto, descon iada, e ele dá de ombros,
olhando para o monitor cardíaco antes de se voltar para mim novamente.

— Ele está descansando. — ele se vira, indo em direção à porta.


— Vou pegar um café para mim. Quer?
Faço que sim e ele mantém a distância entre nós dois, me olhando
por breves segundos antes de sumir pelo corredor. Cruzo meus braços
sobre meu peito e tenho vontade de me abraçar, já antecipando todo um
escudo quando escuto meu pai me chamar às minhas costas.

— Ellie. —a voz é severa e contrasta o seu estado de saúde. Meu


pai está sentado na cama, recostado aos travesseiros e seu olhar duro me
penetra como raios. — Ellie!
— Pois não, pai? — pergunto, ainda mantendo distância de sua
maca.

— Cadê sua mãe, Ellie? Onde está Sophia?


Engulo uma lufada de ar, tentando me manter de pé, sem saber
como responder que sua esposa estava em um spa tentando se recuperar
das manchetes. Em outros tempos, eu não entenderia como poderia pensar
nela em primeiro lugar e cuidar de si quando meu pai estava doente,
entretanto o que eu poderia esperar de uma mulher mentirosa, traidora e
egocêntrica?

— Pai...?

— Eu te iz uma pergunta! Você não me ouviu, garota? Cadê sua


mãe? Eu a chamei a manhã inteira!

— Pai... — gaguejo, insegura. — Ela está resolvendo uma sit...

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— Ela está com aquele cara? Sua mãe está me traindo outra vez?
Vai engravidar de outro merda? — ele me interrompe, sua voz grossa e
distorcida e todas aquelas perguntas me dilaceram o estômago, tenho
vontade de vomitar e eu simplesmente me apoio à uma mesa de canto,
respirando devagar. — Ellie! Olha para mim enquanto falo com você! Você
e sua mãe querem que eu morra, é isso que vocês querem! Ficar com meu
patrimônio, claro! Eu vou mudar essa merda de testamento, se é para meu
patrimônio icar com alguém que não tem meu sangue, que seja o Trevor!

— O... o quê-ê?! — minha voz sai esganiçada e eu sei que não


deveria considerar o que ele está falando, obviamente a doença avançara
de uma maneira que afetara seu cérebro, suas memórias. Mas ainda
assim... ainda assim... o que ele me fala...

Miro seu rosto e os seus olhos, tão arregalados quanto minha


boca, e eu quero me encolher em um canto e sumir todo o tempo que ele
ica quieto, apenas me olhando, como se odiasse minha existência, como se
desejasse que eu estivesse naquela maca em seu lugar.
— Você só me trouxe desgosto! É claro que não é minha ilha, não
pode ser! — ele inalmente diz e joga no chão, com uma mão o copo d’água
que estava parado cima de sua mesinha de cabeceira. — Não pode ter meu
sangue, não pode! Chama o Trevor! Eu quero o Trevor agora, aqui! Agora!

— Pai...
— Você não vai icar com nenhuma herança! — ele anuncia, sua
voz me afrontando, quase gritando. — Nem você nem a puta de sua mãe!
Você é uma ingrata, Ellie, uma ingrata, eu te criei como se fosse minha!

— O-o-que eu iz-z...? — sussurro, sentindo meus olhos


marejarem e me afasto dele, andando para trás, começando a chorar. Eu
não quero chorar. Não quero. Mas não aguento mais.
Não aguento mais!

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— Eu dei uma vida para vocês duas, que não mereciam! — meu
pai berra e eu esbarro em um cabideiro, quase o jogando no chão. Seguro
uma bengala e a apoio de volta ao gancho, observando minhas mãos
tremerem. Tapo meus olhos e enxugo as próximas lágrimas que me
invadem. — Vocês não mereciam nada que é meu!

— Pai, eu sou sua ilha... — eu digo entre lágrimas e soluços


lembrando que em seu primeiro ataque cardíaco, Desmond precisou de
sangue e eu doei, eu me lembro e... e... mas o que isso queria dizer...? Isso
nada tinha a ver e... eu poderia não ser ilha dele...?

— Sai daqui! Sai daqui! Eu quero meu ilho! Eu quero meu ilho!
Eu não quero você aqui! Eu não quero você em minha casa! — Filho? Casa?
Nós estávamos no hospital e ele não tinha nenhum ilho e... — Trevor!
Chama o Trevor, meu ilho! — ele berra quase arrancando meus tímpanos
no mesmo segundo em que eu me viro e saio praticamente correndo de
seu quarto. — Você sempre teve inveja de mim, da sua mãe! Sempre! Eu
não duvido que você tenha jogado ela nos braços daquele motorista e
agora esteja querendo me matar, sua puta!
Aperto o botão do elevador uma, duas, dez vezes e quando as
portas se abrem, me surpreendo com meu marido ali dentro, quase
colidindo com seu corpo. Trevor une as sobrancelhas, me olhando sem
entender, ao mesmo passo que tento empurrá-lo do elevador, a raiva me
consumindo de dentro para fora:

— Anda, vá icar com tudo! Você conseguiu o que queria!


— Ellie? O que houve?

— Não era o que você queria desde o começo? Que meu pai o
colocasse em sua cadeira? Pois bem, aí está o bônus! Você é o ilho que ele
sempre desejou, o império dos Kane é seu!
— Ellie, do que ele está falando? O que aquele mierda te fez?

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Giro meu rosto para o seu, absorvendo que chamou meu pai de
merda e o encaro, ele segura meus braços e eu começo a chorar, Trevor me
mira e olha as portas do elevador se fechando um segundo antes de me
soltar:
— Chega! Basta! — ele tenta se en iar por elas, empurrando-as de
volta. — Ele nunca mais vai te tratar assim!

Pego em seu braço e o puxo para mim de volta:


— Não, por favor, não, Trevor... só... só me leva daqui... só me leva
daqui...

Trevor me abraça, me aninhando fortemente em seu peito e as


portas inalmente se fecham.

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21

Acordo sentindo braços me envolverem por trás e por um


segundo me esqueço que estamos nos Hamptons, que Trevor praticamente
me carregou até seu carro e dirigiu velozmente até minha casa de veraneio
e deitei em minha cama com o corpo tão pesado e a cabeça dolorida que
mal percebi quando fechei os olhos, aninhada em seu colo.

Afundo no travesseiro com Trevor colado em meu corpo, suas


mãos entrelaçadas a mim quase em um abraço desesperado.
Engulo em seco, sem saber como agir, o que falar, eu não sabia se
ele estava acordado, se estava adormecido, mas suas mãos me envolviam
como se eu fosse desparecer num passe de mágica. Olho para a escuridão
do quarto, concatenando os pensamentos... ou talvez como se ele fosse
desaparecer... suspiro e parece que esse ín imo gesto trava seus músculos,
sinto-os retesados sobre mim.

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— Yo no soy así, preciosa. Mas nem você é, Ellie. Não seja como
yo, não se esconda atrás de uma máscara.
Pisco algumas vezes, respirando profundamente, a náusea
avançando por meu corpo, o tremor. Fecho minha boca e tento respirar
pelo nariz, soltando pela boca, uma vez e outra até me acalmar.

Trevor me aperta mais entre os braços:

— Eu não sou um monstro por completo... mas también não tinha


mais um corazón batendo dentro de mim até te conhecer, Ellie. Eu não
quero mais ser um monstro... eu... eu não quero te machucar mais...

— Por que me machucou, Trevor? — minha voz treme, segurando


seu braço que passa por meus seios, os olhos presos à parede pensando se
ele acha que não tem mais coração por causa da morte de sua irmã ou pela
morte de seus pais. Ou tudo. — Por que acha que tem que ser um monstro?
— E por que acha que não merece mais, Ellie...?

Suspiro, en iando o rosto no travesseiro, minha voz saindo


abafada de vergonha quando o respondo:

— Porque sempre desejei ser amada por eles...

— Mas você os ama?

Eu me viro entre seus braços, que ele afrouxa um pouco, somente


para que me mova, mas não desfaz de modo algum o abraço, seus olhos
intensos em expectativa:

— Não sei... acho que não mais... acho que... sempre quis tentar
entender por que não me amam e tentei ser tudo que eles desejavam para
me amar, mas... a verdade é que não, não importa o que eu faça, é como se
eu não existisse ou quando existo só dou desgosto.

Trevor afunda seu rosto entre meu pescoço e ombros, me puxa


mais e mais para si, voltando a moldar seu grande corpo no meu.

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— Você está existindo para mí, preciosa.

Enxugo minhas lágrimas, tão cansada por derramá-las, ele me


olha com carinho e seus dedos passam por meus cabelos até pairarem em
minha cicatriz, Trevor desenha a pequena marca com a ponta do dedo e
suspira, desviando os olhos:

— Eu te disse que eu não tinha mais pais... mas não sei o que é
pior... não ter os meus, ou você ter os seus...
Não o respondo porque simplesmente não consigo respondê-lo,
sem acreditar, mas ao mesmo tempo acreditando, naquelas palavras que
saem de sua boca. Outra vez, Trevor parece me mostrar que toda a suposta
aura de genro e empregado perfeito de Desmond Kane rui quando se deixa
levar pelas emoções.

É desse Trevor que tenho certeza estar me apaixonando, não o


racional que parece calcular todos seus passos e falas. Trevor me
surpreende dando um beijo em minha cicatriz e eu quase não respiro,
olhando-o me olhar de volta:

— Se eu prometer ser mais yo, você me promete ser mais mi


preciosa e fuerte Ellie?
Minhas mãos atravessam suas costas e eu o seguro em mim, como
se ele pudesse realmente desaparecer, como se a presença daquele Trevor
na cama pudesse ser uma visão, um sonho:

— Sei que você costuma cumprir suas promessas. — volto a me


virar para o outro lado, colando minha bunda em seu quadril. — E... só
para constar, o cara que eu dançava na boate... é namorado de Lennox.

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Trevor saiu há algumas horas dizendo que tinha que pegar


algumas coisas na empresa para passarmos alguns dias nos Hamptons,
disse que precisava de uns documentos para continuar trabalhando de
casa enquanto meu pai estava no hospital, mas não queria me deixar
sozinha e passaria o restinho da semana comigo.
Depois de ler um pouco na sala, eu me levanto, desejando boa
noite à governanta e volto para meu quarto, vestindo meu robe sobre a
camisola, mas paro meus passos ao ver o celular de Trevor acendendo a
luz em meio aos lençóis na cama.

Olho para os lados, como me certi icasse estar sozinha, e miro o


aparelho outra vez, imaginando que meu marido havia esquecido seu
celular na pressa ao sair. Eu me sento entre os travesseiros e deslizo meus
dedos pelo colchão vagarosamente... e se ele tivesse mudado a senha?

Abro o celular e ico olhando para a tela por um instante, respiro


fundo e teclo a senha, mordendo meus lábios. A tela se abre e
imediatamente vejo que recebeu uma mensagem do hospital que meu pai
está internado com o título: seus exames estão prontos, no aguardo da
consulta.

Meneio a cabeça sem entender ao certo aquela mensagem, meu


dedo paira sobre o aparelho com o intuito de responder, mas não tenho
coragem. Coloco o celular de volta no lugar, concluindo que se tratava de
exames de meu pai, que certamente Trevor colocara seu contato como
correspondência.
Mesmo sabendo que eu teria mais direito de saber sobre os
exames de Desmond, quero icar o mais distante de tudo que ele
representa e compreendo que faço a melhor escolha ao tapar o celular com
lençol e levantar da cama.

Muito longe nunca era longe o su iciente.

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Fecho meus olhos com força e soco a parede uma vez e outra até
sentir os nós dos meus dedos se esfolarem, a raiva ainda in iltrada em
meus poros, a adrenalina me queimando os músculos.
Carajo, carajo!
O que eu estava fazendo? O que eu deveria fazer?
Contar tudo para ela e apostar que me amasse e quisesse ser feliz
ao meu lado nos poucos meses de vida que me restavam...?
— O que a parede fez contra você?

Eu me viro e encontro Andrew em minha sala nas Empresas Kane.


Ele está me espreitando com um sorriso cínico nos lábios, quase penso em
transferir minha raiva para su cuerpo inútil, mas eu o quebraria no
primeiro segundo.
— Não me testa, Andrew. — respondo, avançando pela sala e indo
até o banheiro atrás da toalha. Enrolo-a em meu punho, vendo o sangue

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tingir o tecido branco e miro Andrew bebendo um copo do uísque,


recostado em minha mesa.
— Você ainda não me pagou essa semana, Trevor. — ele en ia uma
mão no bolso do seu uniforme de motorista e me mostra o fundo vazio,
sorrindo de maneira debochada. — Se quer que eu continue comendo a
patroa, tenho que manter tudo isso em forma para continuar garantindo o
interesse e você sabe — ele aponta para o próprio cuerpo. — isso tudo
custa dinheiro.

— Se quiser continuar fodendo Sophia, o problema é seu, Andrew.


— pego minha carteira e a jogo em suas mãos, ele quase deixa o copo cair,
equilibrando-o enquanto tira um grosso maço de dólares de dentro dela.
— Já tive o que eu queria, você cumpriu nosso trato. Se continua trepando
com ela, é escolha sua, não minha.

— Você já viu o corpo dela? É quase uma obrigação, meu caro. —


ele ri, deixando minha carteira vazia sobre a mesa e eu penso em minha
sogra, no quanto ela era movida pelo egocentrismo; eu sabia porque eu
mesmo havia me aproveitado disso logo que entrei na Kane.

Apesar de eu possuir os diplomas perfeitos para o cargo do


mesmo andar que Desmond, Patrick ou Milner, tive que contar com uma
ajuda extra e ser seduzido pela esposa de meu patrão caiu como uma luva.
Sophia Kane não focou em nada mais naqueles meses em que seu
objetivo era conseguir me conquistar. Não que eu, de fato, não iria para a
cama com una mujer como ela, caso não tivesse como objetivo deixá-la tão
louca por mim, que faria tudo para ter mi cuerpo entre seus lençóis.

Não, não era isso, eu foderia Sophia naquela época sem


problemas, mas ser fácil estava longe de ser um bom plano. Por isso
mesmo neguei suas investidas até deixá-la louca o su iciente por mim para
fazer o que eu pedisse achando que assim eu a foderia.

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Eu apostei em seu ego e ganhei. Quem era louco de dizer não para
uma mujer como Sophia Kane?
Eu fui.

E só ganhei com isso.

Através de Anne, minha secretária ingenuamente fofoqueira,


soube que Sophia e Desmond tinham algumas discussões acaloradas
dentro do escritório e os pivôs sempre eram os supostos pulos de minha
atual sogra. Através desse juego de conquista com Sophia, deixei escapulir
algumas vezes o quanto merecia um cargo melhor na Kane e... ela teve que
fazer o jogo dela, convencendo seu marido cego de amor o quanto eu
merecia aquela vaga.

Para me ganhar, eu deveria ganhar o cargo.


Como eu já disse, aquela loira no cruzeiro não era muito diferente
de mim; a arte da sedução era minha aliada e brincar com o ego de uma
esposa joven e insaciable foi mais fácil que forjar minha identidade.

Chica burra!
Em menos de dois meses eu alcançava o mesmo andar que
Desmond e, um pouco depois, ganhava sua con iança com uma assinatura
minha que o livrou de uma indenização bilionária. Eu não me gabava
daquela assinatura, não mesmo. Mas tive que fazer para chegar onde
cheguei. E o mesmo se dava às tantas outras decisões que me izeram
escalar aos poucos, riscando ponto a ponto de meu plano
milimetricamente calculado.

Eu sabia que Sophia ainda mantinha uma paixão por mim, era
visível em seus atos, inclusive quando deixou claro que eu me casava com
Ellie para estar mais perto dela e, por isso mesmo, incentivou o marido à
nossa proposta de matrimônio. Ahh, Sophia, o que usted tinha de beleza,
sofria em inteligência...

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Pero ter minha sogra sustentando uma paixão por mim era um
trunfo, principalmente naquele feriado nos Hamptons quando transou com
Andrew na varanda de seu quarto, mesmo sabendo que seu marido e
convidados a aguardavam para jantar. Seus olhos cravados em minha
janela enquanto era fodida pelo motorista me diziam tudo... ela sabia que
eu poderia vê-la... e queria que eu assistisse, achando que me enciumaria...
só que ela não sabia era que eu ilmava aquela cena, um deleite para minha
ilmadora.

O que ela achava se tratar de uma cena de ciúmes, tinha sido e


muito bem pago por mim a Andrew.

No entanto, quando cheguei no jantar e vi que ela havia retornado


instantes antes de mim iquei com receio do que aquilo poderia parecer e
deixei minha fraqueza me ganhar quando usei minha língua materna ao
inventar uma desculpa para Desmond sobre a ligação, quando, na verdade,
passava o ilme para meu laptop.
Obviamente eu não sentia nada além de asco por aquela mujer
que se amava acima de tudo... acima da própria ilha... pela Sophie Kane, eu
seria seu amante, mesmo casado com sua ilha.

Aquela família não merecia a ilha que tinha... inspiro dolorido...


eu também não merecia.
Olho Andrew e ele conta nota por nota, tão saciado com o
pagamento quanto com o sexo com Sophia Kane. Ele guarda o dinheiro no
bolso e me olha antes de seguir pela sala em direção à porta:

— Ah, já que me paga também para saber todos os passos de


Ellie... ela está nos Hamptons.
— Yo sei, estoy com ela, Andrew. — abro a porta para ele. —
Ahora, ique longe dela, compreende? — ele passa por mim e eu o chamo.
— Só se eu precisar. Quanto a Sophia, faça o que quiser, mas não pagarei
mais pelo sexo.

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Eu o observo andar pelo corredor e deixo que desça pelos


elevadores antes de fazer o mesmo trajeto. Saio pelo corredor vazio da
empresa, tão tarde a ponto de os poucos seguranças no saguão estarem
entediados com minha presença solitária e rotineira das últimas noites.

Eu me despeço deles e desvio meu rosto para as portas de vidro,


mirando meu carro estacionado à minha espera.

Empurro a porta, descendo os dois degraus em um pulo e me


en iando no carro no mesmo segundo em que o abro. Seguro o volante com
força e en io minha cabeça nele, sentindo ardor com o baque. Olho meus
pés, aqueles malditos sapatos italianos que valeriam mais que um mês de
salário de um dos guardas e entendo que tenho que adiantar o plano, eu
não aguentaria mais um mês enredado naquilo, eu tinha chegado ao meu
limite.
Ellie era meu limite... aquela linha tênue e intransponível...

Giro a chave e engato a primeira, olhando o trânsito com uma


calma repentina... como se eu compreendesse que inalmente tinha
chegado a hora... ligo o som e aumento o volume até o ponto de me
incomodar, mas deixo assim pelos próximos longos quilômetros até entrar
na rua e parar longe, metros de distância entre meu carro e a entrada da
casa dos Kane nos Hamptons.
Abro as portas do Porsche e pego um dos charutos cubanos de
Desmond, rindo com o quanto aquele mierda era hipócrita, acendendo-o e
olhando a luz da janela de Ellie acesa. Solto uma baforada e apoio a mão
com o charuto entre os dedos no volante, observando a cortina leve dançar
sob o vento da madrugada.

Como uma fugaz lembrança, me recordo da noite em que cheguei


em casa, depois de passar o dia na Ocean Beach chorando a falta que sentia
de minha irmã em mais um dos nossos aniversários.

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Estava tão fresco quanto agora e eu me aproximava da imensa


casa comprada pelo dinheiro sórdido dos Kane, sem imaginar que nada...
nada da minha vida tinha o dedo sujo de Desmond, inclusive nossa
mudança da Colômbia para os Estados Unidos e o dinheiro repentino que
nos abastava.

De súbito nós éramos ricos e a vida simples e feliz na Colômbia


antes da morte de minha irmã tinha icado para trás.

Junto com Miguel... eu só não sabia ainda.

Eu me lembro de deixar a moto na calçada e estranhar que a luz


do quarto de meu pai estivesse acesa tão tarde da madrugada; abri o
portão e segui pelo jardim, imaginando que ele pudesse estar lendo ou
tentando se distrair de alguma maneira, mas quando entrei pela porta e o
chamei, não tendo resposta, imaginei o pior, mas nunca... nunca o que
presenciei quando entrei em seu quarto.

A carta ao lado de seu corpo inerte e pendurado pela corda ditou


meus passos até hoje. Derek Marshall, meu pai e herói de minha irmã,
havia se enforcado por culpa do que escondeu desde a morte de Bee, que
partira em consequência do que acontecia dentro daquele laboratório.

Eu estava vivo.

Eu estava sobrevivendo.
E para mim era óbvio o motivo, ele estava em sua carta: vingar
minha família.

Eu me recosto ao banco e fumo o charuto calmamente até o im,


vendo a hora passar e a luz acesa inalmente apagar. Somente então saio do
carro e sigo em direção à casa.
Mas sei que o que me espera desta vez é bom... é amor.

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22

Eu me sento na cama, olhando pela janela, meus dedos afastando


a cortina do vidro.

Minha pele se arrepia com o frescor do outono chegando e eu


descanso meu cotovelo na quina da janela, apoiando meu queixo à minha
mão vendo Trevor sair de seu carro e se recostar à porta do automóvel,
olhando a lua por vários segundos.
Ele passa as mãos pelos cabelos e parece cansado, abatido...
frustrado.
Olho meu relógio e vejo que já passa das onze, fecho as cortinas e
me levanto, saindo do quarto e descendo as escadas rumo ao pátio dos
fundos. Abro a porta de vidro e atravesso o jardim, tirando minha camisola
pela cabeça e mirando a piscina, as luzes acesas subaquáticas a deixam
mais linda, um tom azulado quase bruxuleante em contraste com o
delicado vapor que sai de suas águas aquecidas.

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Em um mergulho de cabeça, deixo meu corpo submergir


completamente, e atravesso em um fôlego só até o outro lado da piscina.
Então deixo meu corpo lutuar e permaneço boiando por vários minutos
enquanto contemplo a mesma lua que Trevor observa do pátio. O silêncio
me acalma e apenas o barulhinho da água batendo em meu corpo é
relaxante, sinto meus nervos abrandarem a tensão e deslizo meus dedos
pela água, contando as estrelas, desejando estar em mar aberto no
momento, velejando em meu barco.
As palavras de meu pai ainda retumbam em meu coração, mas eu
as ignoro com todas as minhas forças e volto a contar as estrelas,
imaginando uma bela paisagem para desenhar pela manhã.

A água ao meu redor tremula e eu me levanto imediatamente,


vendo Trevor entrar na piscina, vestido apenas com sua calça. Eu enxugo
meu rosto, itando-o se aproximar e ele não fala nada até estar a
centímetros de mim, a borda d’água em sua cintura, seu peito, rosto e
cabelos secos, ao contrário de mim. Eu não falo nada e ele inclina a cabeça
um tantinho, me analisando enquanto tira meus cabelos encharcados de
meu rosto, prendendo-os atrás de minha orelha.
Eu me reteso completamente, observando-o me observar.

— Como seguimos se eu estiver me apaixonando por você,


preciosa...?
Minha respiração pausa e eu nem pisco:

— Você... você está se apaixonando por mim...?

— Por que me pergunta como se não pudesse... ser posible, Ellie?


— ele sussurra e eu sinto as mordidinhas em minha orelha, ao mesmo
tempo em que ele me abraça ao seu corpo gelado.

— Você está, Trevor? — questiono, sentindo o seu pau roçar por


meu quadril enquanto ele beija meus ombros com carinho, deslizando os

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dedos por minhas costas, lombar e nádegas por debaixo d’água.

— Tu piel arrepiada com meu toque... certamente estoy


apaixonado por isso, Ellie. — ele sorri em meus lábios, a respiração
excitada em minha boca, seu dedo escorrega minha calcinha pelas coxas.
— Pero por ti también, preciosa. Por você toda.

— Trevor... — gemo baixinho quando ele eleva minhas coxas com


facilidade, a água ajudando-o a se deslocar pela piscina até minhas costas
baterem contra a quina. Estico meus braços na borda, sentindo-o me
penetrar com calma, lentamente, centímetro a centímetro, seu quadril indo
e voltando, pequenas e delicadas ondas dançando em volta de nossos
corpos.

— E você, Ellie? O que sente por mim? — eu seguro a mão que ele
agarra meu seio por cima de meu sutiã, olhando o jardim silencioso, alguns
postes iluminando a noite. Volto meu olhar para a casa, me certi icando
que nenhum dos empregados esteja nos observando pelas janelas e abafo
meu gemido, compreendendo que pouco me importa se estão.

Eu gostava da brutalidade de Trevor, mas me rendo ao delicioso


martírio daquele sexo lento e carinhoso, um ritmo que eu ainda não havia
experimentado. Ele sorri, segurando minha cintura e me olha enquanto
prendo meus cabelos.
— Quer me torturar ao não me responder, Ellie? — ele agarra
minha bunda e se afunda mais dentro de mim. — Ou está com pena de me
magoar?

— Eu me apaixonei por você no momento em que te vi na marina,


Trevor. — espalmo minha mão sobre seu peito e ele geme baixo quando
movimento um pouco meu quadril em consonância com o seu. — Belo,
misterioso e sedutor. — olho em seus olhos. — Nada mudou.
Trevor parece se desestabilizar e por um momento sequer pisca,
me confrontando. Sua voz não passa de um leve sussurro trazido aos meus

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ouvidos pelo vento:


— Talvez... se me conhecesse de verdade... não se apaixonaria... —
ele fecha os olhos.

Paro meu movimento.


— O que você quer dizer?

Ele abre os olhos e me encara, sorrindo desanimado:


— Eu me apaixonei por você porque te conheci... você se
apaixonou por mim porque não me conhece.

Continuo o encarando, mas ele me puxa até sua boca, sugando


meus lábios. Eu penso no que falou e tento me soltar, mas ele se aprofunda
em mim e eu jogo minha cabeça para trás, sentindo-o me espremer entre o
azulejo e seu corpo. Sua língua se contorce em meu queixo, bochecha,
pescoço e volta muito molhada para meus lábios e minhas mãos por
debaixo da borda d’água deslizam até sua bunda, quando a aperto e trago
mais para mim.
Sorrio para o nada quando vejo suas mãos pegarem a borda da
piscina, usando-a para investir seu quadril entre minhas pernas... ahh,
uau... Trevor abafa seus gemidos em meu pescoço, a água agitando-se à
nossa volta, levantando algumas bolhas e pequenas ondas o su iciente para
molhar bastante o piso da piscina à nossa volta quando intensi ica.

No instante em que sinto meu ventre pulsar e o orgasmo começar


a percorrer meu corpo, ele toma minha boca, não afrouxando seus dedos
cruéis em mim e eu gozo como nunca com seus olhos crivados nos meus.
— Trevor... Trevor... — eu agarro sua nuca, passando as unhas em
seu pescoço e subindo pelo cabelo, bagunçando todo enquanto ele me
beija fervorosamente, percebendo que seus músculos também se
contraem.

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— Sí, preciosa, sí... — ele usa uma mão como apoio na borda e
com a outra agarra meu cabelo, puxando meu rosto de novo para si,
tomando minha boca para ele, dominando meus lábios, sugando minha
língua. —... minha Ellie... minha esposa... mi preciosa.

Trevor dá leves estocadas, mas mesmo que aquela sensação seja


maravilhosa, eu ofego porque, acima de qualquer tesão, a sensação de
ouvi-lo me chamando de sua... sua preciosa... é deliciosa.

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― Tem certeza que não quer tomar um banho enquanto preparo a


janta? ― pergunto vendo seus cabelos molhados pingarem sobre o roupão,
o cheiro de cloro da piscina sobrepondo o aroma de baunilha.
Ellie faz que não com a cabeça, se debruçando sobre a banqueta
da ilha enquanto me vê preparando ajiaco, um prato tradicional de Bogotá
que mi padre havia aprendido com mamá.

Coloco a batata para cozinhar e penso em tudo que tenho


entalado em minha garganta. Miro seus olhos curiosos enquanto descasco
uma cebola e tento arranjar coragem, sem entender como pude fazer tanta
coisa para chegar até aqui e ahora, justo ahora, me sentir amedrontado por
Ellie.
Corto as cebolas na tábua e umedeço meus lábios, não, não agora,
agora não era a hora, o dia já tinha sido demais para ela, eu não poderia
fazer mais isso. Mas de amanhã... de amanhã não poderia passar...

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― Espero que goste, não sei cozinhar muita coisa além disso. ―
tampo a panela, deixando a água ferver e ela me olha de rabo de olho.
― É um prato típico da Espanha? ― Ellie debruça sobre o balcão e
eu desvio meus olhos dos seus, fazendo que sim com a cabeça. Às vezes eu
achava que dava alguns indícios porque eu queria que ela me pegasse no
lagra, descobrisse tudo... outras vezes achava que simplesmente queria
ser mais eu mesmo ao seu lado, sem medo.

De qualquer maneira, é di ícil ser totalmente verdadeiro quando a


consequência é que ela nunca mais queira me ver.
― Ajiaco é uma sopa feita à base de milho, batatas, frango, creme
de leite, cebola, alho e alcaparras. ― explico, ouvindo a tampa da panela
vibrar atrás de mim, o som de um juego qualquer de futebol na televisão.

― Hmmm, parece delicioso... ― mexe o nariz empinado e aquela


cena me deixa de quatro, seu sorriso genuíno e confortável, sem medo, sem
receios, Ellie sendo Ellie... Ah, caramba, Miguel, você está muito fodido!
Impulsiono meu corpo para trás e abro a panela, mexendo com
um garfo o milho cozido, uma pontada repentina em meu estômago me tira
dos eixos e eu sugo o ar, me sentindo zonzo. Seguro o garfo com mais força
e foco na água fervente, vendo os milhos voltarem a tomar forma.

― Eu não sei cozinhar nada... me condene pelos chefs renomados


que minha mãe contrata. ― Ellie ergue o olhar na minha direção, sorrindo
de modo irônico e eu sorrio de volta, segurando minhas dores, engolindo-
as completamente, não, não hoje, não hoje, não agora, carajo.

― Espero que yo esteja à altura. ― escorro as alcaparras em uma


travessa, vendo meus dedos tremerem. ― Quer beber algo? ― vou até a
geladeira e procuro alguma bebida forte, qualquer coisa que alivie de
imediato a bomba em meu estômago, ainda que amanhã eu esteja pior.

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― Um vinho. ― Ellie me olha, piscando devagar e eu entrego uma


taça entre seus dedos, sem conseguir disfarçar como me deixa fora de mim
com a intensidade que me ita. — Você disse que seu pai dançava enquanto
cozinhava receitas de sua mãe... não está faltando nada aqui, não...? ―
pergunta em um sorrisinho cheio de intenções enquanto encho sua taça
com o vinho, mas ela levanta os dedos e segura meu braço. ― Que tal
desligar a TV e ligar o som?

― Usted está querendo um show particular meu, preciosa? ― eu


encosto meu nariz no seu, inclinando um pouco o rosto antes de voltar a
itá-la. — Não está satisfeita com o que iz na piscina? — eu pergunto e ela
exala um pequeno suspiro contido. — Ou está apenas querendo um bis? —
escorrego meus dedos por seus cabelos, tirando-os de seu rosto.

— Estava mais era a im de rir mesmo.

— Dios mío! — solto-a e seguro meu peito, rindo afetado. — Un


tiro directo a mi corazón dolería menos!
Ellie gargalha e eu engulo seu sorriso com meus lábios, beijando-
a, passando minhas mãos por seus ombros, deslizando-as pelas costas e
alcançando sua bunda, impulsionando-a para meu colo. Ela sorri em meio
aos beijos e se aquela não fosse uma lembrança feliz para ela... seria
eternamente para mí.

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— Hoje é meu aniversário.


Eu congelo a colherada na boca e o encaro, Trevor mexe em sua
sopa e parece ansioso ao revelar aquilo. Já passava de meia-noite, eu estava
deliciada com a comida que preparara e jantávamos depois de nos
pegarmos outra vez no sofá da sala.

— Por que só está me dizendo agora?


Ele levanta os ombros, me olhando sem graça e eu penso no peso
daquela data, apesar de tudo. Sua irmã.
— Não comemoro há um bom tempo, preciosa... — sussurra e eu
suspiro, entristecida com sua revelação.

— Quer fazer alguma coisa amanhã? — empurro meu prato para


frente. — Sair, jantar?
— No, está perfecto aqui. — ele sorri de lado, se esticando sobre a
mesa, buscando minha mão. — Vamos tomar um banho e deitar? — ele

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sugere, me erguendo e me levando para o banheiro em meio a alguns


beijos bem provocantes. — É bom só nós dois, não? — pergunta, tirando
seu roupão e eu concordo, sim, só nós dois.
— Quente ou frio? — pergunto, abrindo o chuveiro.

— Tanto faz, se for frio, su cuerpo me esquenta, se for caliente,


certamente não será tanto quanto você.

— É o sotaque ou vocês já nascem prontos com essa aura de


sedução? — implico, mas lá está ele se molhando, olhos vidrados no robe
que abro bem devagar enquanto as gotas despencam de seus cabelos em
seu peito.

— No meu caso, é um pacote completo. — responde sem


nenhuma vergonha do tanto que se acha, e eu entro no box, sendo puxada
por ele até debaixo da ducha, rio mordendo seus lábios e ele me gira no
box, me colocando entre seus braços. Minha bunda congela no azulejo, mas
aplaco qualquer sentido que não seja minha barriga sentindo o seu pau,
encostado em minha pele, enrijecer.

Trevor sorri, me levantando uma sobrancelha e meneando a


cabeça para baixo:

— Acho que ele também gosta de shows no chuveiro, além de


piscinas.

— Quem sou eu para não o aplaudir?

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23

Acordo com a imagem em minha mente sem nem saber de onde


veio.

Olho para Trevor e ele dorme encolhido, segurando com força seu
travesseiro, a respiração entrecortada. Miro o teto e a imagem do jogo de
futebol me vem claramente, a camisa da seleção em campo, a bola rolando
e os jogadores goleando. Não preciso nem pegar o celular de Trevor para
conferir, sei que a camisa que ele vestia naquela foto quando criança era da
Colômbia.

Minha respiração pausa.


A dança, a dança latina... engulo uma lufada de ar e me levanto da
cama, descendo as escadas e encontrando Mirian na cozinha, arrumando
nossa bagunça de ontem. Desejo bom dia e pego uma maçã, olhando-a de
soslaio:

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― Ajiaco é da culinária espanhola, Mirian? ― aponto para a panela


descansando ainda no fogão, metade cheia.
― Hmm, não saberia dizer ao certo, senhora, mas acho que não...
Talvez da América do Sul? ― ela tamborila os dedos em cima de seu
avental. ― Quer que eu ligue para a governanta de sua casa para saber? Ela
pode perguntar ao chef.

― Não, não precisa. ― rolo a maçã pelos dedos e subo de volta as


escadas, compreendendo que, no fundo, eu sabia a resposta. De imediato,
me pego pensando no que Trevor me disse quando dançávamos na boate e
talvez ali eu estivesse bêbada demais para absorver a incongruência
daquilo, mas ontem mesmo ele havia me con irmado e outra vez eu sabia
que o pegava em outra mentira.

“Mi padre me ensinou a dançar... ele gostava de bailar pela casa se


lembrando dela enquanto cozinhava pra gente...”

Trevor não havia me dito que sua mãe e seu pai tinham morrido
em um acidente? Ele dançava pela casa enquanto cozinhava, se lembrando
dela e não era possível que isso acontecia porque ela se ausentava da casa,
não, não foi o que ele quis dizer... sua mãe morreu primeiro que seu pai!

Entro pelo quarto e jogo a maçã longe, ela bate na estante e rola
em pedaços pelo chão, despertando-o com o barulho, Trevor se levanta
abruptamente e me mira, sem entender, no entanto quando o encaro ele
deixa os ombros caírem e sei... sei que sabe que eu sei.

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― O que mais você mentiu para mim? ― ela berra, não dando
tempo nem que eu assimile a sua raiva. ― Você é da Colômbia! Sua mãe era
colombiana e seu pai americano!
Eu não movo um músculo, a confrontando e ela me encara,
visivelmente transtornada. Respiro profundamente, fechando os olhos e os
reabrindo com calma, eu estou tão absurdamente apaixonado por ela que
não me reconheço. Ou... pela primeira vez... esse sou eu... um homem
apaixonado por uma mulher...

Um homem qualquer apaixonado por uma mulher qualquer...

Miguel e Ellie.
— Você está certa, eu menti sobre tudo, preciosa. Ou sobre quase
tudo.

Ellie parece ter levado um soco com minhas palavras e seu olhar
indignado me quebra mais uma vez:

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— Por que mentiu para mim, Trevor?


Eu queria contar para ela hoje. Ela descobriu antes.
Tiro o lençol de cima de mim, buscando tempo e não a olho
quando a respondo, quando inalmente a respondo:
— Sí, você está certa, mi padre era americano, não minha mãe...
mi madre morreu em nosso parto... — minha voz treme e eu pauso minha
respiração, ouvindo tudo que eu mesmo revelo, como se um peso saísse de
meus ombros. — Ele foi trabalhar na Colômbia e conheceu mi madre. Ele
era químico no laboratório de seu pai, Ellie. Chefe do laboratório das
empresas Kane na Colômbia.

— Trevor, eu...

— Nunca foi você, Ellie. — interrompo-a. — Eu não ligava para o que


você acharia de mim ou sequer te via como alguém que não fosse um
trampolim para o que eu almejava. — eu olho para minhas próprias mãos.
— Eu seria capaz de fazer tudo, tudo para me vingar dele, preciosa. — Ellie
abre a boca para questionar, mas eu me adianto, levantando da cama: —
Eu só não sabia que apesar de existir você... existia você, compreende?

— Se vingar dele...? — ela balbucia, eu me aproximo mais, ela se


afasta, alterando a voz: — É de meu pai que está falando, Trevor? É de
Desmond que você quis se vingar esse tempo todo?! Você se casou comigo
para se vingar dele? Era isso? O que, o que ele fez?

Passo as mãos pelos meus cabelos, era agora, simplesmente seria


agora, meu corazón dói, hoje seria aniversário dela, ela teria minha idade,
meu sorriso, meus olhos... Encaro Ellie, sentindo a dor pulsar, ela diminui a
distância de antes e aponta o dedo para mim, quase encostando em meu
rosto:

— Não ouse mentir, Trevor, não ouse mais mentir para mim!

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Eu tiro seu dedo de minha cara e cerro meus olhos, minha voz
denunciando a raiva contida, tremida, o medo latente, todas as emoções
misturadas:
— Tu padre matou minha família, Ellie! Você quer saber os
detalhes? Quer saber como ele encobriu tudo? Como não fechou o
laboratório imediatamente quando soube dos dejetos cancerígenos que
lançava no poço que abastecia minha vila? Como pagou o silêncio do meu
pai quando o câncer tomou a saúde de mi hermana?

Ellie me mira apavorada, suas mãos vão para sua boca e ela tapa a
expressão de horror, eu não me seguro mais, não mais, nunca mais:

— Dejetos, Ellie, mierdas de dejetos porque su padre não quis


gastar dinheiro com o descarte adequado, não numa vila do submundo,
carajo! — bato em meu peito com raiva. — Terceiro mundo, é isso que ele
faz com os laboratórios nos países de terceiro mundo, como se fôssemos
ratos! — meus dedos arranham minha pele e é pouca a dor que me in lijo,
pouca perto do que sinto dentro de meu peito, do que sinto na porra de
meu corazón de mierda. — Maria nadava naquele poço quase todo dia...
Era a água que bebíamos... mas ela... ela nadava naquilo todo santo dia no
verão e... O câncer a levou em meses! Meses, Ellie, meses... um dia minha
Bee estava sorrindo para mim, no outro eu rezava em cima de sua tumba!

— Meu Deus... mas... mas...

— “Mas” o que, Ellie? Não existe “mas”! — eu a corto, sem


paciência para suas defesas, e na verdade eu sabia que su padre era
indefensável e ela com certeza se calaria. — Quando a coisa começou a sair
de controle e outras crianças começaram a ter os mesmos sintomas que
Maria, tu padre foi pessoalmente com Milner Clark à Colômbia resolver. —
bufo, enojado, me recordando daquele dia como se fosse ontem. — Eu me
recordo dos dois em nossa casa, poucos meses depois da morte de mi
hermana. A conversa foi entre quatro paredes e eu só conseguia olhar a

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cruz acima da televisão, sem saber o que acontecia ali dentro. Em menos
de um mês estávamos morando em San Francisco, em uma mansão... eu
estudava em uma escola particular e nunca me faltou nada... a não ser tudo.
Tudo.
Ellie praticamente se joga sentada à cama me olhando, seu robe
aberto, a camisola amassada entre suas mãos, ela esfrega o tecido sem
saber o que fazer, eu engulo não só a raiva, mas o choro que entope minha
garganta:

— Eu nunca mais quis nada da minha vida a não ser me vingar de


su padre, Ellie. — minha voz sai baixa e eu inspiro fundo, se as comportas
estavam abertas, tudo tinha que sair, tudo. — Eu fui capaz de tudo, como
pode imaginar. — sorrio sem forças, piscando lentamente. — Nossa lua de
mel? Eu sugeri ao Milner a viagem de navio, ele não parava de reclamar da
esposa, eu sabia que ele estaria sozinho. E precisava de alguns dados em su
computador. — Ellie se abraça, me olhando, e eu sigo em frente: — Ele não
vendeu as informações da empresa. Eu vendi. Com o nome dele. Pero ele
merecia, Ellie, como merecia... — baixo meus olhos para os seus. — Não
parei por aí, preciosa.
Ellie está paralisada sentada à cama, sei que é muito a absorver,
mas o que me impedia agora? Se ela me mandasse embora por qualquer
um dos motivos, por que não todos? Pelo menos ela saberia, pelo menos
ela saberia quem sou, do que eu fui capaz, pelo menos ela saberia!

— Andrew, seu motorista, eu o pago para saber seus passos. Ele


também é o amante de su madre.
Ellie nem pisca, ela meneia a cabeça discretamente, como se já
pudesse imaginar, e eu continuo:

— Eu transei com Abby.


Ellie segura todas as emoções, me encarando em seguida. Minha
voz treme, minhas mãos tremem, eu tremo por inteiro, mas, assim como

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ela, me mantenho irme:


— Abby foi um meio que achei para saber tudo de você. Mas não
porque eu queria você, Ellie. Eu queria me casar com a hija de Desmond. E
sua amiga con irmou tudo que eu precisava para saber que não teria
problemas nesse casamento. — eu bufo pensando em que tipo de amiga
Ellie tinha. — Ela não é boa para você, Ellie.

— Nem você. — responde quase sem voz e eu concordo com a


cabeça, movendo-a devagar, sentindo o peso de concluir que também não
era bom para ela. — Sai daqui. — ela pede em voz baixa, eu não me movo.
— Sai daqui, Trevor! — sua voz aumenta vários tons e ela se levanta,
abrindo a porta do quarto. — Vai embora, me deixa sozinha!

— Eu me apaixonei por você, Ellie. — mordo meus próprios


lábios, tentando segurar o choro, e suspiro devagar antes de ela continuar
se afastando de mim quando vou em sua direção.

— Você não merece nada do que sinto por você, nada!


— Ellie...

— Vai embora! Sai de meu quarto! SAI DA MINHA CASA!


— Ellie, eu...

— VAI EMBORA DA MINHA VIDA, PORRA!

A porta bate em minhas costas e eu vou embora, desço as escadas,


atravesso a casa, sigo pelo portão olhando o oceano à minha frente, meus
pés escorregam nas pequenas dunas e eu caio de joelhos na areia.

E então inalmente começo a chorar.

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Meu pai tinha matado a irmã de Trevor.


Trevor queria se vingar.
Eu abraço meu corpo e volto para minha cama sem saber como
tenho forças para respirar, mas lá estou eu, me encolhendo entre os lençóis
e travesseiros, as lágrimas in indáveis que eu tanto queria negar
deslizando por minhas bochechas enquanto encaro suas malas abertas em
cima do tapete por horas a io, vendo o dia ir embora e a noite chegar.
Sentindo meus nervos em frangalhos, me refugio na varanda
olhando o mar platinado pelo luar, ainda tentando entender todas as
informações que Trevor havia me dado. Seu pai trabalhava para o meu...
laboratório na Colômbia... ele havia nascido na Colômbia e não na
Espanha... seu pai era químico... meu pai havia matado sua irmã com a
negligência que imperava sua indústria em prol de seus lucros.
A faculdade que eu fazia, a mansão que eu morava, a casa que eu
estava, o barco que eu velejava... todo o dinheiro era manchado com o

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sangue da irmã de Trevor.


Maria. Sua Bee.

Volto pelo quarto e me sento à cama, pegando meu laptop e agora


digitando “laboratório Kane na Colômbia”, e apenas encontro a mesma
reportagem que li com Chloe e Lennox semanas atrás, mas desta vez me
atento a essa parte especí ica, que pareceu ignorada na primeira leitura:

“Alguns laboratórios Kane foram fechados por conta de falta de


mão de obra especí ica na Colômbia e no México.”, meu pai disse ao
jornalista, “Não valia a pena inanceiramente manter nossos funcionários
nesses países e, por sua vez, ainda que a mão de obra nativa fosse barata,
eles nunca eram capacitados o su iciente para trabalhar em uma empresa
de renome como a Kane.”

Dou uma risada seca fechando meu laptop, aquilo era a cara de
meu pai, o menosprezo... a prepotência... não era de se admirar que teve
que desembolsar tanto em ações judiciais por suas falas em entrevistas. Eu
me recosto ao travesseiro, imaginando que os motivos não eram poucos
para que meu marido odiasse meu pai, não se Trevor Willians estava em
nossas vidas como meu marido.

De qualquer maneira, doía demais me sentir traída.

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Os dias passam.

Não os sinto passar.

Visito Desmond em seu quarto e ele sempre está dormindo,


aquele sono ferrado, fodido, el diablo nunca vinha pegar su alma
moribunda. As enfermeiras me informam que ninguém o visita além de
mim e eu não imaginava que seria diferente.
Sophia não estava nem aí, nunca esteve. Mi preciosa... mi preciosa,
ito minha aliança e fungo, olhando o chão... Ellie não merecia esse peso
morto.

Muitas vezes me espreito até seus aparelhos, a vontade é quase


doentia de desligar qualquer coisa que o ajude a suportar o que está
vivenciando. Miro o cruci ixo em cima de sua maca, se ele saísse impune
dessa eu não responderia por mim.

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Olho a lor que Ellie deixou em cima da mesinha e ela murcha, as


pétalas ressecadas, o médico me diz que tenho que ver meus exames, eu o
olho e sei que fala mais alguma coisa, não ouço nada; ele me conhece, ele
era socorrista quando mi padre se matou e foi ele o primeiro a vê-lo
quando chamei a ambulância, cuidando do corte perto do meu maxilar
quando eu sem querer deslizei a lâmina da faca em meu rosto ao tentar
cortar a corda que sustentava o cuerpo de Derek Marshall.
Mi padre.
Saio do quarto com o médico falando, eu não deveria deixá-lo
para trás, deveria ser eternamente agradecido por nunca ter contado quem
sou, o mais perto que tive de um amigo durante todos esses anos e nem sei
seu sobrenome, não o conheço, ele não me conhece de verdade, não sabe
da minha vingança, apenas acha que me naturalizei e segui os passos de mi
padre.
O homem que ele disse não ter mais vida quando chegou em
minha casa, as sirenes ainda ecoando em nossas cabeças. Agora tenta, de
qualquer modo, salvar a minha vida... o que ele não sabe é que não tenho
salvação... minha alma não tem salvação.

O médico tenta colocar os exames entre meus dedos, me forçando


a olhá-los, eu os deixo cair no chão e apenas sigo em frente, sem olhar para
trás.

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24

Olho para as pessoas dançando ao meu lado, a boate ferve, sábado


à noite, tento controlar o acesso de tremedeira que toma mi cuerpo e me
deixa alucinado. Vejo o copo vibrando entre meus dedos, o líquido quase
escapando pela borda, tapo meu rosto e inspiro, contando até vinte,
voltando a expirar.
Desta vez a dor não é ísica... sinto saudades... saudades dela...
Corro com a mão pelo balcão e minhas unhas arranham a
madeira, olho as mulheres dançando e vejo Ellie em todas elas, meus
membros amortecem, a dor me domina por completo, o álcool tenta fazer
seu efeito. Minhas mãos abraçam meus próprios braços e sinto a vibração,
o frio congelando minha pele, o corazón descompassado, as batidas
doendo meu peito, cavando um buraco.

Aumentando o buraco.

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Não deixo que as lágrimas escorram por meu rosto, me


impedindo de chorar, minhas mãos tremem tanto que mal consigo colocar
o copo em minha boca, ou beber o líquido transparente sem que ele não
escorra por meu queixo, esfrego com força meu maxilar e subo com os
dedos pelas minhas têmporas.

— Ela está matando as aulas.

Levanto o rosto de supetão e vejo Andrew ao meu lado, inspiro,


adquirindo forças, e cruzo os braços no balcão:
— Eu já disse que não é mais para segui-la.

— Sophia está num spa, não me atende mais. — ele segura um


sorriso escroto. — Por que não me paga para distrair a ilha? Eu bem que
traçava aquela garotinha, mesmo sendo mais sem-graça que a mãe. Não
tem a mesma bunda e ainda tem aquela cicatriz horrorosa no rosto e...
Com um soco, jogo-o no chão.

Andrew mal tem tempo de compreender que o nocauteei, monto


sobre seu peito e des iro um golpe atrás do outro, mesmo com mãos
tentando me parar ou erguer. Eu me debato e ainda quero avançar em cima
do hijoputo, mas me seguram irme e eu cuspo sangue no chão sujo, as
mãos ainda seguram meus músculos e eu olho o motorista caído mais à
frente, o garçom tentando acordá-lo.

As mãos inalmente me soltam e eu caio sentado, recostado ao


balcão, me mantenho olhando aquele homem, o sangue espalhado por sua
camiseta. Vejo agora o movimento fraco que faz quando desperta, tentando
se levantar enquanto o içam.

Respiro de maneira entrecortada ouvindo as pessoas atônitas ao


nosso redor, gritos de pavor e excitação me preenchem os ouvidos
enquanto observo Andrew se erguer.

Eu me levanto e o encaro.

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Ele passa o antebraço pelo rosto e sai andando no meio das


pessoas, sumindo no meio da boate. Meu estômago dói e eu passo a palma
da mão nos meus lábios tentando entender da onde era aquele sangue. A
dor aumenta em minha barriga e eu inspiro fundo, alcançando o meu copo
no balcão, mas sou surpreendido quando um homem me cutuca e me
pergunta por que não arrumo alguém do meu tamanho.

Rio para ele, sentindo o gosto de sangue em minha boca:

— Vai se foder. Você não tem culhão. — eu digo entredentes e


percebo que ele fecha os dedos em punho. Volto meus olhos para seu rosto:
— Ou quer chupar o meu?

O soco vem exatamente como eu espero: o punho fechado e


erguido de debaixo para cima, pegando em minha mandíbula. Exatamente
como eu esperava, como eu queria, como eu invejei Andrew abatido, como
eu desejava estar em seu lugar, caído, inerte.

Cambaleio alguns passos para trás, mas ainda não é o su iciente


para que eu caia, apenas sorrio e gesticulo com os dedos para que ele o
repita, sim, eu queria o soco, eu queria a mierda do soco, eu queria a dor,
eu merecia a dor.
— Ainda não estou deitado.

Uma ajoelhada em minha barriga me pega de surpresa e eu sinto


o ar me faltar, inalmente, ele se impõe sobre mim no exato momento em
que me encolho, desferindo agora as ajoelhadas em meu rosto.

Sorrio, sentindo meu nariz parecer quebrar e o sangue escorrer


até meus lábios, pensando em Ellie me mandando ir embora de sua vida,
dizendo que eu não merecia seus sentimentos. Lambo o sangue sentindo
um golpe atrás do outro, o suor do cara se misturando ao meu a cada vez
que aproxima seu joelho de meu rosto, suas mãos agarrando minhas
costelas...

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Por favor, acabe comigo, hasta que no tenga más sentidos...


Eu tombo para trás vendo o cara berrar indignado quando não me
levanto, caído no meio da boate, o olhar de Ellie aterrorizada quando a
contei sobre o motivo de estar em sua vida se espreitando entre minhas
visões... me chutam o estômago e eu me contorço, meus pensamentos
presos naqueles olhos cinzas.

Alguém grita pedindo que parem, eu imploro em silêncio pedindo


o meu im.
Meu sangue escorre por minha boca, tão condenado quanto o de
um Kane.

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Acordo com a campainha.


Olho à minha volta assustada, percebendo que me encontro
sozinha... Mais um dia... quantos foram mesmo?

Eu havia dispensando os empregados, queria icar apenas em


casa, dormindo, olhando o teto, pensando... dia após dia. Visto meu robe e
desço as escadas em direção à porta, suspirando ao ver Lennox, Chloe e...
Abby à minha espera.
― O que estão fazendo aqui? ― sorrio, tentando não me sentir
incomodada com a presença de minha amiga mais antiga, ela tira os óculos,
escorregando-os para o alto da cabeça, e noto que seus olhos não sorriem
de volta como os de Chloe e Lennox.

― É assim que nos recebe? ― Lennox questiona, entrando pela


sala e jogando sua pequena mala em cima de um dos sofás. ― Seu marido
ligou para mim ontem. Disse que você precisava da gente e que estaria
aqui no im de semana.

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― Cá estamos. ― Chloe complementa, deixando a mochila deslizar


pelos ombros, soltando os cabelos presos e eu sorrio, dando espaço para
que as duas entrem. Abby não fala nada, me olhando de cima a baixo e
fecho meu robe, incomodada com o tanto que me analisa. Vaca.
― E aí? O que está acontecendo? ― Chloe me pergunta e eu não
consigo formular uma resposta de imediato, não quando nem eu mesma
sei por onde começar. Principalmente ao entender que ele havia ligado
para Chloe ou Lennox para me fazer companhia.

Meus olhos não disfarçam a incredulidade daquela situação e


muito menos a presença indesejada de Abby, não... com certeza ela deve ter
se convidado, no mínimo achando que Trevor também estaria aqui. Ela tira
sua camiseta mostrando o pequeno biquini em seus seios fartos e ignora
toda a aura estranha da casa, voltando a colocar os óculos sobre seus
olhos:

― Por que não vamos velejar? Ou vamos icar dentro de casa com
esse dia lindo, mimando Ellie como sempre?

― Abby Gabner! ― Lennox a repreende, mas ela pouco se importa.


Olho-a, nada assustada com sua resposta, analisando-a como se fosse a
primeira vez que eu via Abby Gabner.

A garota era bonita, nada demais, tudo que tinha de belo, ela
realçava com muita maquiagem ou decote. Era o tipo de mulher que
poderia ser uma caixinha de surpresas ao acordar pela manhã, apenas de
pijama e cabelos bagunçados.

Desde nova ela sempre foi assim, se alimentando de minha


insegurança. Eu não era pior que ela, tampouco ela era melhor que eu!
Mas de uma coisa eu sabia: ela me desrespeitava como mulher e
amiga estando em minha casa depois de dar descaradamente em cima de
meu marido. Que eles tenham transado antes de sequer nos envolvermos

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era uma coisa, mas ela continuar agindo pelas minhas costas era bem
diferente!
Respiro profundamente e miro meus amigos, entretanto, antes
que eles digam qualquer coisa tentando apaziguar os ânimos, eu
simplesmente concordo com ela, sim, eu precisava e muito velejar, mesmo
que fosse na companhia de uma âncora enferrujada como Abby.

E talvez essa âncora precisasse ser despejada de volta ao mar!


― E não é que é uma ótima ideia? ― sorrio arti icialmente e subo
para vestir meu maiô e...

... em menos de meia hora estamos em meu barco olhando a praia


a uns 3 km de distância.
Lennox tira sua camisa e passa protetor nos braços, dizendo o
quanto ica gato bronzeado naturalmente, Abby retoca seu batom pela
milésima vez e Chloe me olha, curiosa; eu acerto o leme e descanso em
uma banqueta, mirando o horizonte, o vento está forte e um pouco frio
para aquela hora da manhã.

― Por que Trevor pediria que icássemos com você no im de


semana, Ellie? ― ela me pergunta e eu dou de ombros, até parece que eu o
conhecia o su iciente para respondê-la sobre suas intenções. Eu nunca
soube de suas reais intenções até... dez, quinze dias atrás.

Eu queria muito falar para eles o que estava acontecendo, mas


não sem antes eu mesma absorver tudo.

― As últimas semana foram intensas. ― respondo, tentando sair


pela tangente. ― Com meu pai no hospital e Trevor trabalhando dia e
noite... Você sabe, minha mãe está no spa e eu... ico sozinha em casa. Ele
deve estar preocupado com isso.

― Tive impressão de tê-lo visto perto de minha casa quando o


motorista de Lennox me pegou. ― Chloe abre um botão de sua camisa polo

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de listras vermelhas e azuis. ― Mas não sei se era ele, estava de óculos
escuros. Mas parecia, estranhei.
Vislumbro Abby rolando os olhos, entretanto a ignoro outra vez,
sem cabeça para suas ceninhas, a hora dela estava chegando. Lennox se
adianta até mim e me abraça, murmurando um “oownnn Elliezinha de meu
coração” e eu rio, soltando seus braços de mim.

Ele me olha nos olhos e pisca para mim:


― Você sabe que apesar de isso ser verdade, não é tudo. Nós te
conhecemos, amiga. Anda, desembucha.

― Aiii, mas que saco! ― Abby tenta ajeitar, com raiva, os cabelos
que voam com o vento. ― Podemos só pegar sol e aproveitar o dia sem
dramas? Eu vim aqui pra isso, não pra icar ouvindo as lamúrias de Ellie
mais uma vez.
Nós três a encaramos.

― O quê? Estou mentindo? Não aguento mais Ellie reclamando de


tudo! Olha a vida que ela tem, olha o marido! Não precisou se esforçar isso
aqui ― ela cola o dedo indicador ao dedão. ― para se casar com um homem
rico e bonito! E viiiveee reclamaaaandoooo! ― ela revira os olhos e Lennox
joga o frasco de protetor solar em seu braço:

― Cala a boca, Abby, larga de ser uma vadia invejosa!

― Inveja? ― ela se vira para o amigo e eu rio alto, já esperando por


essa, sim, sim, eu ansiava seu ataque. ― Inveja do que se ela ica com meus
restos?
― Restos? ― intervenho, mas Chloe se põe entre nós:

― Vamos acalmar os ânimos que não viemos para brigas. Trevor


nos ligou pedindo que izéssemos companhia, Ellie. Eu estranhei que...

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― Está chamando meu marido de seus restos? ― atravesso o


pequeno espaço entre mim e Abby, ignorando a interferência de Chloe. ―
Tenha dó de si mesma uma única vez, Abby, já que nunca teve decência!
― Decência? Você vem me falar de decência? Aquele namoro de
meu irmão com você era patético, Ellie. ― ela se apoia na beirada do barco.
― Ele só te namorou pra conseguir a posição dele na Kane com seu pai.
Você ingia que não via isso pra mendigar um pouco de amor, como
sempre! ― eu abro a boca para respondê-la, Lennox começa a reclamar da
falta de empatia da amiga, Chloe chama a sua atenção, mas ela nos cala
abruptamente com o que fala em seguida: ― Trevor Willians era para ser
meu marido!

Acho que demoro alguns bons segundos a encarando, com Chloe e


Lennox ao nosso lado, nos olhando em silêncio também.
— Do que está falando? — Lennox pergunta.

— Que eu transava com o marido da Ellie antes de ele ser


entregue para ela como um troféu! — ela berra, a cara de inveja estampada
em seu rosto, um misto de raiva e incredulidade. — Como se você
merecesse um homem como aquele! Logo você, Ellie, que não sabe nem o
que é um homem! Meu irmão vivia dizendo o quanto você era patética com
essa ingenuidade toda!
— Abby? Do que você está falando? — Lennox pergunta
perturbado.

— O que vocês não estão entendendo aqui? O que é tão di ícil


assim de entenderem?? — Abby gesticula apontando para mim. — Era
para eu estar casada com Trevor! Eu! Eu era digna daquele homem e não...
ela!
— Abby, por favor, se recomponha... — Chloe a puxa com calma,
falando baixo. — Você não sabe o que aconteceria se...

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— É claro que eu sei! Ele era louco por mim, vivia atrás de mim!
Nos conhecemos numa reunião de Patrick e meu pai com Desmond e ele, e
desde então não nos largamos. — o sol ilumina seu rosto e eu vejo como
ela me olha com nojo. — Algumas semanas antes do anúncio do noivado,
ele sumiu e... eu soube por Patrick que ele se casaria com essa ameba!

— Cala a boca!!! — eu grito de volta e o vento golpeia a vela com a


mesma força que meu coração bate em meu peito, confrontando-a
inalmente.

— Você tirou ele de mim! A gente se encontrava em segredo, mas


eu achava que era por causa de alguma coisa da empresa... mas... ele nunca
me deu explicações de nada! Simplesmente casou com você e hoje eu só
posso chegar à conclusão que foi obrigado!
— Você é uma merda de uma amiga invejosa! — eu vocifero e ela
me retorna, gritando:

— Para se casar com você só mesmo por um contrato! Forçado!


Ele era meu! Você o tirou de mim! — sem que eu espere, ela se joga sobre o
velame, esticando a mão e agarrando meu cabelo. — Só assim para você
segurar um homem, sua idiota!! — grita, exaltada, e eu me assusto com a
ira de seus olhos enquanto tento tirar seus dedos de meus cabelos.

Sem nem pensar duas vezes, eu solto a retranca, que muda de


lado atravessando o convés e golpeando o braço que ela me segura.
Assisto-a cambalear seus passos e sorrio vendo seu corpo tombar para
trás, as pernas para o ar antes de afundar na água de cabeça.

Eu me debruço na borda acompanhada de Lennox e Chloe, que


murmuram apavorados; sorrio para os dois e peço que se acalmem quando
Abby emerge gritando, os cabelos encharcados sobre os olhos, exigindo
que eu desça a escadinha para ela enquanto apenas sorrio para seus
apelos:

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— A praia está ali. — aponto para as dunas de areia. — Pode ir


nadando já que é tão fodona. Ah, e quando chegar, peça um táxi. Nunca
mais você vai pisar ou... tocar... no que é meu! — sem nem esperar que me
responda, me volto para o leme e mudo a direção do barco, nos
distanciando imediatamente daquela sanguessuga enquanto meus dois
amigos ainda me encaram, abismados.

Lennox e Chloe dormiram comigo aquela noite.


Mesmo que eu não quisesse me sentir insegura, sim, eu me sentia.
Não conseguia parar de pensar no que Abby havia falado, ainda que Chloe
e Lennox tentassem me distrair naquele resto de sábado e início de
domingo.

Sem conseguirem negar o escândalo de Abby, amanheceram


tentando argumentar o que sua revelação implicava.
Lennox divagava, enquanto tomava seu café da manhã, que eles
podiam ter se atracado uma vez ou outra sim, ele estava disponível na
época e nada o impedia que eles tivessem algo, mas que como Abby mesma
dissera, semanas antes ele sumiu, o que só frisava que nada havia
acontecido depois que nos casamos. Já Chloe reforçava, enquanto
mordiscava as torradas com geleia de morango, que aquilo poderia ser
mentira, não era a primeira vez que nossa amiga nos surpreendia com
atitudes como aquela.

E por mais que tivessem sido encontros de uma época em que eu


sequer soubesse da importância que ele teria em minha vida, ou que
soubéssemos de nosso acordo matrimonial, eu amargava os ciúmes que
sentia, pensando em tudo que ele foi capaz de fazer para chegar até onde
chegou.

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No entanto, no fundo eu sabia que aquilo nem se comparava com


o restante das suas revelações e assim que meus amigos terminaram de
tomar o café da manhã, eu comecei a contar todo o restante da história, a
parte mais di ícil de digerir.

Depois de passar outro dia olhando o mar, volto para casa


sentindo saudade de Lennox e Chloe.
Eles tinham partido há dois dias, tinham que voltar para suas
rotinas e eu não podia mais ignorar a minha, matava aula desde que fui
para os Hamptons e tentava não pensar em nada, velejando ou desenhando
sem parar.

Olho o sol atravessando o oceano e não quero admitir para mim


mesma, mas... sinto a falta dele... imagino o que está fazendo, se continua
espreitando meu pai no hospital e tento entender o que deve passar em
sua mente enquanto o confronta, vivo ainda... se seu desejo é a morte de
Desmond... sua falência... ou as manchetes com todas as atrocidades
escancaradas para o mundo.

Pensei em todas essas possibilidades durante esses dias, todas.


Pensei em realizar todas elas também, os sentimentos se bagunçando
dentro de mim e me levando ao desespero... eu não poderia ignorar aquilo
mais, por mais que eu desejasse.

Quando era ignorante, eu queria saber tudo sobre ele; agora que
sei, como pre iro ignorar?
Penso em voltar para casa no dia seguinte, procurá-lo, no entanto
quase tropeço meu pé um no outro vendo Trevor sair do portão da casa
com uma pasta em mãos e óculos escuros. Atravesso a rua com ele me

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olhando enquanto se dirige ao carro estacionado em frente, abrindo a


porta e jogando a pasta no banco.
Não sei como reage me vendo, não consigo ver seus olhos, mas
quando desvia o rosto, sei que espera que eu o evite.

— O que está fazendo aqui?


Ele recosta o cotovelo no teto do carro e apoia a lateral da cabeça
na mão, os dedos in iltrados nos cabelos, me encarando:

— Precisava de uma pasta que deixei aqui.


Abro a boca para respondê-lo sem saber ao certo quais seriam
minhas palavras, porém paro qualquer questionamento quando vejo os
hematomas. Não são poucos e cobrem a pele de seu braço e a lateral do
rosto. Posso ainda ver um maior escondido pela metade no decote da
camisa polo.

— O-o que é isso? — aponto para os machucados e Trevor apenas


ri de modo seco, beirando o sarcástico:
— Vingança. — sua voz sai tão ácida quanto seus olhos quando
ele tira os óculos e me mira. — Não a minha, claro. De um cara qualquer de
um bar. Causa estragos, não, preciosa?

— É isso? Vai me responder com deboches, vai simplesmente


evitar...? — minha voz sai quase um chiado rouco e ele fecha o sorriso,
suspirando. — Qual é o seu próximo passo, o que está planejando? Vai
esperar ele morrer para apontar todas as merdas?
Ele abre a porta do carro:

— Ellie, acho que você não vai querer saber.

Seguro seu braço e o faço me olhar antes que entre e sente no


banco do motorista:
— Não pense por mim, Trevor Willians.

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Ele baixa os olhos e olha para meus dedos em sua pele, piscando
de maneira dolorosa como se qualquer contato meu o izesse sentir muita,
muita dor.

— É óbvio que prefere assim, preciosa... — ele se senta e en ia a


chave na ignição. — Porque, no im das contas, tem mais raiva de mim do
que compreende meus motivos. Você não quer saber. Você prefere não
saber. Você prefere no ser fuerte.

Eu o solto. Ele continua:


— Nos últimos dias eu iz transferências do fundo da empresa,
Ellie. Su padre não tem mais nada. Você não tem mais nada para herdar. O
número da conta está no meu celular em seu quarto, a senha você já sabe.
É só transferir para as contas das Ilhas Cayman. — ele aponta para a janela
no segundo andar. — Você pode devolver todo o dinheiro à empresa e as
coisas continuarão sendo como sempre foram. Agora você sabe quem su
padre é. Quem soy yo. A decisão é sua. O destino da Kane está em suas
mãos.

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25

Inspiro buscando ar e bato a porta entre nós dois.

Eu não sabia o que ela escolheria, estava nas mãos de Ellie decidir
o que faria, minha vingança estava em suas mãos. Mi padre, mi Bee...
Desmond tinha matado todos eles.
Pero la decisión não era mais minha.
Ligo o carro e olho para o mar através da calçada à frente... Eu...
eu... só não poderia mais perder meu corazón, me sentir muerto enquanto
ainda estoy vivo... Ellie tinha o poder de decidir, o destino da Kane era dela,
não meu.

— “O destino da Kane está em minhas mãos”?! É assim, seu


covarde, é assim? Vai deixar essa bomba na minha mão? Passar essa merda
toda para minha responsabilidade?

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Olho para Ellie, seu olhar é mordaz, os cabelos caem pelos


ombros, o leve casaco de linho aberto, o peito sob a camiseta, subindo
descendo.
Eu estilhaço meu coração mais um pouco, ansiando quando ele
inalmente parasse de bater. Qualquer morte doeria menos que... aquilo...
doeria menos que ver o medo em seus olhos.
Volto a sair do carro pegando em seus braços:
— Você queria saber de tudo, não queria, Ellie? Saber é poder,
mierda! — me aproximo de seu rosto, encarando-a com ferocidade: — Não
pode se esconder para sempre, preciosa! Já passou da hora de se impor, já
passou da hora de saber que su padre é um assassino, já passou da hora de
ser a mujer fuerte que é!

Ellie parece ter levado um soco com minhas palavras e seu olhar
indignado me quebra mais uma vez:
— Eu te odeio. — sibila.

— Eu imagino. — respondo, mas ela não se move, não entra em


casa novamente. Eu sabia que ali era meu im. Sim, la muerte não era meu
im, Ellie era meu im.
— Eu nunca devia...

— Ter se apaixonado por mim? — interrompo-a e ela desvia o


rosto, olhando os próprios pés. — É, não deveria.
— Vai se foder, Trevor Willians. — sussurra e eu a irmo que sim
com a cabeça, ainda parado em sua frente. Entretanto, suspiro e sussurro
de volta:

— Miguel Guzmán.

Ellie levanta os olhos rapidamente para mim e eu repito meu


nome:

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— Miguel Guzmán. Eu me chamo Miguel. Você está mandando


Trevor se foder, mas deveria mandar Miguel também... Porque foi ele quem
se apaixonou por você.

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Inspiro da maneira mais calma que posso conseguir. Expiro.


— O-o que disse?

— Que mi nombre es Miguel. — ele me responde em espanhol,


mas pausadamente, me dando tempo de absorver toda e qualquer sílaba.
Eu rio; um riso nervoso, mas rio.
— Isso não faz sentido... Miguel morreu... ele não é você...

— Si, ele é. — ele me corta. — E morreu no dia que mi hermana


morreu. Ou eu achei que tivesse. Você me faz senti-lo de volta em meu
coração, quando estou ao seu lado.
Tenho vontade de me encolher em um canto, mas apenas espalmo
as mãos em seu carro e apoio minha cabeça em um braço, o olhando de
lado, mordendo meus lábios, retesando o choro.

Não consigo.

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— Você quer me deixar maluca, Trevor. — encaro-o. — Ou... ou


Miguei, ou... ou seja lá quem é você! — tapo meu rosto e começo a chorar,
os ombros tremendo, sem acreditar que horas antes eu tinha prometido
não sucumbir aos meus sentimentos na sua frente, mas simplesmente...
não aguento mais, não aguento mais! — Desmond é horrível, é
inescrupuloso... mas você... olha o que você fez para chegar até aqui,
Trevor... Miguel... se escondeu sob uma nova identidade!
Trevor suspira e escuto que anda em minha direção, as pedrinhas
do pátio se espatifando sob seus sapatos.

— Como você acha que eu entraria na Kane sendo quem eu era,


Ellie? — ele bufa. — Mi padre queria que eu me chamasse Trevor. Mas mi
madre ganhou. Pero yo assumi a identidade para entrar na empresa sem
que me reconhecessem.

Escuto sua revelação e, suspirando sem forças, enxugo meus


olhos, itando-o.

— Você me usou! — eu o empurro e ele leva um susto com meu


gesto. — Você transou com Abby! — outro empurrão e ele cambaleia para
trás. — Me manipulou! — outro empurrão e eu noto que ele me deixa fazê-
lo, as mãos em riste para os lados de seu tronco. — Você não merece nada
do que sinto por você, nada! — repito o que disse naquele dia, impondo
mais força e ele bate com as costas no carro.
Trevor ou... ou Miguel... me segura entre os braços com força, suas
mãos me agarram, seus dedos me contêm, eu o miro, confrontando-o; ele
umedece os lábios e não me solta:

— Eu te chamei de preciosa sem saber que um dia... sí, um dia


usted seria a coisa mais preciosa de mi vida, Ellie Kane. — ele retorna
segurando meu braço. — E se você algum dia ainda me perdoar por tudo,
outra verdade é que você... somente você, mi preciosa... fez meu coração
voltar a bater. — tento me soltar dele, mas ele aperta seus dedos em mim.

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— Mas sí, eu não mereço nada do que você sente por mim, pero mereço
qualquer destino que você me a lija.
— E se eu devolver o dinheiro às empresas? — murmuro, quase
sem voz, ele pega em meu queixo e eleva meu rosto até o seu:

— Yo mereceré morir sabiendo que no cumplí mi promesa y que


te perdí.
— Morir? — limpo minha garganta e ele desliza o dedão sobre as
lágrimas em meu rosto.

— Eu aceitarei o que decidir, preciosa.

— Não me coloque mais no meio de sua vingança, Trevor! Nem


para me usar, ou me manipular!

Entro em casa, subindo até meu quarto e começo a en iar algumas


roupas aleatórias em uma mala e não sei bem o que pretendo, mas
pretendo algo, sim, pretendo algo! Eu estava cansada, farta de ser essa
barata tonta e sem forças, mas não, não, não manipulada!
Aquela vingança era de Trevor... ou da porra do Miguel, mas não
minha, eu não tinha que decidir porra nenhuma!

Uma raiva desgovernada e praticamente tangível sucumbe meus


nervos e eu entro no banheiro, me debruçando no vaso a tempo de
vomitar. Minhas bochechas se aquecem, como se estivessem em ebulição e
eu lavo meu rosto e boca, me olhando no espelho, a face acabada.
Eu estava acabada. E estava ferida. E estava com raiva, muita!

Trevor abre a porta e, na mesma hora, posso ver seus ombros se


encurvarem, quando se depara comigo parada em frente à pia, emanando
ódio.
— Ellie?! — sua voz sai confusa, mas não dou tempo para que ele
sequer pense.

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— Eu não tenho culpa do que meu pai fez! — berro e dou um


passo em sua direção. — Ele é um criminoso e apesar de eu ter icado
assustada com o que confessou, acho que eu poderia esperar tudo, tudo
daquele homem! — levanto os braços teatralmente. — Mas você não pode
me pedir que qualquer destino, que não seja o meu, esteja em minhas
mãos! — empurro-o e sigo em direção às malas vazias em cima de minha
cama, mas Trevor se antecipa colocando seu corpo entre mim e o móvel. —
Ele merece que você acabe com ele, é isso que você quer ouvir, é isso que
quer de mim? Anda, pode ir, você já tem tudo que sempre quis!

— Não, Ellie, você está redondamente enganada. Eu não tenho


nada do que sempre quis. — ele avança até mim e eu dou um passo para
trás, receosa com o modo que me olha. — Estou muito longe de ter tudo
que siempre quis.

— Eu o odeio, é isso que quer ouvir?! — eu olho o teto, segurando


minhas lágrimas e volto meu olhar a ele. — E... eu ... eu nem sei se sou ilha
dele... e, Trevor? Você sabe a sensação de inalmente entender os motivos
de nunca ter sido amada...? — suspiro piscando incansavelmente enquanto
ito a janela. — Eu... eu me sinto acima de tudo... aliviada.
— Ellie, eu...

— Se quer meu aval, você o tem, faça o que quiser, não há nada
nessa família que valha a pena, não há nada que não seja ruínas! — eu me
viro para ele chorando. — Eu estou pouco ligando. Finalmente estou pouco
me fodendo pra isso. Ele merece perder tudo, ele merece a prisão, ele
merece que tudo saia no jornal.
— Ellie, me escuta... ... — ele sibila, sem paciência, passando a
mão nos cabelos.

— O que mais você tem para me revelar? — rebato irme, o


encarando nos olhos. — Não tem mais nada que eu precise saber, Trevor!
Permaneci por vinte e um anos numa casa que nunca tive amor. Me casei

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com um homem que queria o contrato do matrimônio por causa de


vingança! — levanto minhas mãos, indignada comigo mesma. — E
sinceramente? Você foi a pessoa mais sincera nisso tudo, sempre falou que
eram só negócios, nunca me prometeu nada que não tive! — eu aponto
para mim mesma. — O quão carente uma pessoa tem que ser para se
permitir ser assim, Trevor, me diz? O quão patética uma garota deve ser
por mendigar amor aos pais que nunca viram nada além de seus próprios
umbigos? Ao marido que a vê como espólio ou marionete?

— EU NO TE VEJO ASÍ, ELLIE! EU TE AMO, CARAJO!

Eu me calo e Trevor levanta os olhos e me encara sob os cílios. Eu


o olho através das lágrimas que embaçam minha visão.

— Yo te amo, Ellie, mierda, yo te quiero, preciosa! Quando disse


que o destino da Kane está em suas mãos é porque acima de tudo não
posso te ver mais sofrer! A herança é sua, chega! Eu não posso continuar
com essa vingança se tudo que me restar for su odio! Eu entrego minha
vingança em sus manos, Ellie, eu entrego mi corazón en sus manos.

Minha visão escurece e eu sinto a vertigem me dominando os


sentidos, meus pés tropeçam neles mesmo e eu cambaleio, quase caindo.
Trevor tenta me segurar, mas eu me desvencilho de seus dedos e parto de
volta para o banheiro, vomitando outra vez no vaso sanitário.
Deixo que meu corpo se escore no azulejo às minhas costas e me
sento ao chão sentindo o suor frio escorrer por meu pescoço.

— Ellie? — a voz forte de Trevor me faz olhar para cima por


alguns segundos, antes de vislumbrá-lo no batente da porta, mas outra
ânsia me domina e eu me projeto de volta ao vaso, deixando claro que nada
mais resta dentro de mim além do vazio.
Seus dedos me amparam, seguram meus cabelos e escorregam
por minhas costas enquanto vomito uma vez atrás da outra antes de me

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ajudar a me erguer e me bordear enquanto escovo meus dedos e enxaguo


meu rosto suado.

Trevor me guia de volta para a cama e me ajuda a recostar nos


travesseiros à cabeceira, me olhando com uma calma arti icial, que não
condiz com seus olhos alarmados:

— Ellie... há a possibilidade de...? — ele não completa a frase e eu


o miro já negando com a cabeça, não, claro que não, claro que não, eu
tomava minhas pílulas toda noite religiosamente e... abruptamente, me
levanto da cama, me lançando em direção à bolsa caída em meu sofá, meus
dedos em pânico procuram a caixinha de pílula e eu a pego me deparando
com a cartela pela metade.
Engulo o horror em minha garganta fazendo um cálculo mental
que é cortado pela memória de minhas últimas noites desde que meu pai
havia sofrido o infarte. Eu... eu havia me esquecido de tomar...

Meu Deus, quantas, quantas pílulas?

Olho a metade de um lado cheia, declarando que pelo menos


quinze delas jaziam intactas e penso no tanto de tempo que meu pai havia
sofrido o ataque do coração, sem acreditar que poderia ser o mesmo
tempo que havia esquecido delas.

Quase tombo para trás quando Trevor se adianta para mim


pegando a cartela de meus dedos ao mesmo tempo que me fuzila com os
olhos. Eu percebo como segura suas palavras, mas não consegue fazer o
mesmo com o olhar, as faíscas em seus olhos projetam sua descrença e
pavor enquanto engole em seco uma vez atrás da outra.
— Não... nós sempre nos protegemos... — ele sussurra e seu peito
desin la estrondosamente: — A piscina... o sexo na piscina. — Trevor
avança até a porta e a escancara, abrindo espaço para mim.

Eu o olho em interrogativa e ele passa pela porta.

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— Eu não estou grávida! Não tem nada con irmando que estou
grávida!! — eu berro para suas costas e ele para se virando,
completamente incrédulo!
— Por supuesto que esta, Ellie! Carajo, claro que está! Porque é
óbvio que o destino vai ser um ilho da puta e foder comigo, claro! — ele
berra me calando, mas minha próxima reação é quase gargalhar na sua
cara.

— Porque para mim, está sendo divino, óbvio!


— Yo voy a murir, Ellie! E vou te deixar com um bebê e sem
nada?!

Não me movo, sem acreditar no que ele me fala.


No momento em que ele fecha a porta atrás de si em um baque
surdo, minha incredulidade se transforma em engasgo. Não! Eu não
poderia estar grávida, não, não, não, não... não!

E... o que ele havia dito? Que... que ia morrer?

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26

Positivo.

Ellie me mostra o resultado e lá estão los dos traços.


Desço meus olhos por su cuerpo e percebo que ela segura a
vibração dos seus membros com todas as suas forças. Seus olhos estão
inchados de tanto chorar, mas ali, agora, estão tão secos como minha alma.
Parece que ela quer me entregar o resultado, mas eu não o pego; ela o
deixa cair no chão e olha pela janela, parecendo querer esconder seus
sentimentos.

Eu a olho por longos segundos, a pele branquinha, a cicatriz perto


de seu olho esquerdo, seu pescoço ino, os cabelos presos em um coque no
topo da cabeça, alguns ios soltos pela nuca, ombros... o que eu iz?
O que... eu me permiti fazer...? ¿Qué me permití hacer, Dio?
Ellie coloca a mão em seu próprio peito ainda encarando o luar,
mas eu sinto mi próprio corazón ecoando em meu ouvido.

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Tenho que desistir de tudo, tenho. Como posso deixá-la sem


nada...? Ainda que eu separe algo para ela, quem me garante que os abutres
não voariam até sua conta exigindo o que eles lhe achavam de direito?
Eu não sabia nem o que sentir com sua gravidez, além de revolta
com meu destino. Eu teria um hijo... e morreria sem conhecê-lo.

Mi sangre con la sangre de un Kane.


Um bebê meu e de Ellie.

Eu a amava.
Ellie Kane se vira para mim e pega minha mão, seus dedos
tremem levemente nos meus e seria imperceptível se os meus também não
tremessem de volta.

― Você vai morrer...? É... é o mesmo câncer que... ela...?


― No... no, mi preciosa, no hoje... não quero falar disso, no... ―
beijo-lhe e ela agarra meu colarinho com força, me puxando para si, me
beijando como se pudesse tirar todo meu ar ou... respirar por mim.

Eu me deito sobre su cuerpo, sentindo-a toda, seu cheiro de


baunilha, suas curvas, a textura de sua pele... beijo-a com cariño, descendo
meus dedos em seu quadril perfeito, sentindo como estremece ao meu
toque...

Ellie morde os lábios assim que meu dedo encontra seu ponto
sensível entre suas pernas, deslizo-o e ela volta a fechar os olhos ao beijar
sua boca, levantando seus cabelos, penetrando-a com indicador.

― Eu quero fazer amor com você, preciosa... ― digo em seu


ouvido, empurrando meu quadril entre suas pernas, roçando meu pau
sobre sua buceta. Ela geme baixo arqueando as costas e empinando um
pouco mais ao meu encontro e vejo seus braços relaxarem ao lado de seu
corpo. Lambo sua orelha. ― Miguel e Ellie.

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Ela abre seus olhos me encarando e vejo o prenúncio de um


sorriso em seus lábios, escutando um gemido muito longo como resposta.
― Vai machucar o bebê...? ― pergunto em um sussurro e ela faz
que não com a cabeça, con io em sua resposta e en io a cabeça de meu pau,
somente a cabecinha, bem devagar.

Ellie eleva seus braços sobre a cabeça e seus dedos apertam o


travesseiro.
― Por favor, não me deixe... ― me pede, a voz numa tonalidade
delicada e ao mesmo tempo percebo que segura o choro, e eu me forço
mais um pouco para dentro dela, mirando em seus belos olhos cinzas,
implorando que seu pedido vire realidade por alguma ação divina. ― Não
me deixe... Miguel...

― Eu estarei siempre com você, preciosa. ― respondo pousando


meus dedos em seu ventre, entregando meu coração para ela da mesma
maneira que o entreguei para a vingança que me manteve vivo nos últimos
anos. Entrelaço meus dedos nos dela, que ainda agarram o travesseiro e a
puxo até meus lábios, beijando as costas de suas mãos. ― Perdón por todas
las cosas que te disse, Ellie...
Forço mais um pouco e ela geme, forço outro pouco e seu gemido
aumenta, colo minha boca na dela e sufoco seu arfar quando me afundo
mais, uma mão acariciando sua nuca, a outra agarrada a sua bunda.

― Não... sem pedidos de desculpas, agora... ― ela responde, eu


desço meus lábios até sua cabeça de per il e beijo sua têmpora, voltando a
me afundar nela, completamente, todo o meu comprimento.

Ela inspira ar sentindo a pressão que imponho dentro dela, eu


recuo e volto um pouco mais fundo em movimentos lentos, uma vez atrás
da outra, me sentindo zonzo ao contemplar as lágrimas que despencam em
seu travesseiro.

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― Perdón por todas as coisas que te magoaram, Ellie... elas foram


ditas por alguém que deixou que as trevas sucumbissem su corazón...
Ellie abre os olhos, me itando de lado e eu beijo agora sua
bochecha, sorrindo para ela enquanto me movimento morosamente em
seu quadril.

― Trevor ― ela pausa e suspira, segurando meu rosto rente ao


seu. ― Não me deixe sozinha... eu te amo...
Engulo em seco outra vez, quase mordendo minha língua olhando
seu rosto contorcido, ouvindo sua voz dizendo que me ama enquanto eu a
penetro, aquilo me deixa completamente louco, nem sei exatamente o que
sentir.

Prazer e receio, não sei.


Só sei que continuo indo e vindo, beijando-lhe toda vez que me
afundo em sua carne. A cada investida, parece que um pedaço de minha
alma é desnudado, ela sorri pequeno para mim e, ao mesmo tempo, as
lágrimas molham seu rosto, eu tremo debruçado a ela, sem saber se paro
ou não... se deixo a luz entrar ou não.

Ela engole um soluço ou um gemido quando eu paraliso o ritmo e


parece ansiosa enquanto permaneço onde estou, dentro dela... dentro dela,
apenas parado sobre su cuerpo, a olhando... olhando Ellie, de verdade,
como se fosse a primeira vez.

― Yo también te quiero, Ellie... ― respondo com ela me itando de


lado, as lágrimas retesadas em seus olhos. ― Mi preciosa...Mi corazón é seu.

agosto•2021
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Mal havia fechado meus olhos quando sinto o peso em cima de


minhas mãos repousadas em meu ventre. Abro minhas pálpebras a tempo
de ver Trevor... Miguel... olhando seus dedos entrelaçados aos meus e
espalmados bem em cima... de... meu útero.
Olho para ele, que me olha de volta, sereno; a luz da lua cheia
cintila em sua íris e ilumina meu coração.

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Quando acordo pela segunda vez naquela noite, entendo que é a


voz de Trevor pela casa que me chama a atenção. Ele está falando ao
telefone, noto que é madrugada, uma tempestade retumba lá fora e eu não
consigo escutá-lo mais.
Fico um tempo parada na cama, tentando ouvi-lo, contudo, o que
escuto me surpreende e eu me levanto indo até a janela, vendo os faróis de
seu Porsche acenderem, o ronco alto do motor quando ele acelera e sai à
toda velocidade pelo portão.

Desço correndo as escadas, pego o telefone e ligo para ele, caixa


postal; ligo para Andrew e não sou atendida, me encolho no sofá ligando
para Lennox, eu sabia que ele viria por mim, a qualquer hora ele viria por
mim.

— Alô. — ele atende sonolento.

— Lennox, preciso que me busque. — balbucio.


— Ellie? O que houve? — pergunta.

— Por favor, venha me buscar, eu te conto no caminho. — desligo


sem esperar que ele me responda, subo e me visto com a primeira roupa
que encontro, voltando para a sala e olhando pela janela, desejando que
meu amigo não demore.

Depois do que pareceram horas sem im em seu carro naquela


estrada sob a tempestade, inalmente subimos pela escadaria de pedra de
minha casa, quase de dois em dois degraus, no entanto, antes que eu entre,
Lennox me segura:

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— Ellie, eu iz o que você me pediu, vi se aqueles exames eram de


seu pai ou de... — ele faz uma careta e os primeiros raios de sol da manhã
tentam brigar contra as nuvens pesadas. — de Miguel.
Eu quase peço que me conte depois, todos meus sentidos me
dizem que devo entrar naquela casa naquele minuto, mas meu amigo me
olha demoradamente e sinto que preciso saber o que tem a me dizer,
principalmente quando eu mesma o pedi para investigar por mim, com as
conexões que seu namorado tinha no hospital.

— Os exames eram de seu marido, Ellie. Ele tem câncer no


estômago — quase desfaleço, mas ele complementa. —, mas não houve
metástase. O médico disse que tenta conversar com Trevor, mas ele o
ignora... ou Miguel, ah, Trevor! Miguel!

Meus olhos lacrimejam, mas sinto que não é hora de me sentir


aliviada, não mesmo, eu me viro abrindo a porta e, no segundo em que
entramos, nos deparamos com meu pai sendo amparado pelas enfermeiras
em direção ao corredor.

Vejo uma pequena mala sobre o tapete da sala e volto meu olhar
para seu corpo fraco e visivelmente cansado, concluindo que, mesmo que
não tivesse que ter recebido alta do hospital, a persuasão de Desmond era
inegável.
O que ele queria, ele tinha.

Meu pai me olha rapidamente e bufa ao ver meu amigo ao meu


lado, claramente em desagrado. Ele trava seus passos e mesmo que uma
enfermeira tente ajudá-lo a se movimentar, ele praticamente a empurra e
me encara:

— Onde está seu marido, Ellie? — como não o respondo


imediatamente, ele descia sua atenção para Lennox, sorrindo sarcástico. —
Se Trevor te deixar por causa dessa sua companhia, não será surpresa
alguma. Já te falei que se quer amigos afeminados, se limite às meninas

agosto•2021
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delicadas como Abby Gabner, Ellie. — ele aponta para a porta enquanto
olha ixamente para Lennox. — Anda, saia de minha casa, já tenho
escândalos demais para resolver, não quero minha reputação manchada
por estar envolvido com gente... — ele olha meu amigo com desprezo. —
como você.
Eu me reteso sem acreditar que mesmo mal se mantendo de pé,
Desmond ainda tenha forças para ser repulsivo. Lennox nem o responde,
se vira e sai da minha casa em disparada me desejando boa sorte.

— Senhor Desmond. — a enfermeira mais velha intervém e eu


envolvo meu corpo com os braços sem acreditar que estava de volta àquele
pesadelo! — Como o médico disse, o senhor não pode se exaltar, a estadia
em casa é para continuar o tratamento e requer descanso e...

— Te perguntei alguma coisa, sua idiota? — ele solta as mãos dela


de seu braço. — Só me ajude a ir para cama e se limite ao seu lugar!

Andando com muito esforço, meu pai desdenha da ajuda das


enfermeiras, ainda que seja visível como precise delas. As duas o cercam
enquanto ele sobe as escadas e eu olho ao meu redor me perguntando
onde minha mãe estaria àquela hora, se ainda estava no SPA ou se sabia
que meu pai tinha se dado alta do hospital.
O mal estar se espreita por minha goela e penso em simplesmente
sair porta afora atrás de Lennox, porém, sinto que tem algo errado naquela
casa e não sei dizer exatamente o motivo. Não há um empregado
circulando pelos corredores. Ninguém nos recebeu... Nenhum barulho,
nenhum ruído... como se a casa não tivesse mais ninguém além de mim,
meu pai e as enfermeiras que vieram com ele... o que não era
absolutamente nada normal.

Sigo praticamente pé ante pé até meu quarto, mas antes mesmo


que alcance minha porta, noto a mala largada no corredor; passo sobre a

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bagagem com cuidado para não encostar nela e entro, parando o passo
pela metade e deixando minhas pastas caírem no chão.
Ele está virado para mim e tenho certeza que me vê, seria
impossível não me ver.

Trevor está parado em frente à minha escrivaninha, uma arma em


suas mãos.

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27

— Trevor? Por que está aqui? — pergunto, perturbada, e ele fecha


os olhos por um segundo, suspirando lentamente. Contemplo-o deixando,
sem pressa, a arma em cima da escrivaninha e me sinto um pouco menos
nervosa.

Um pouco menos.
— Por que você veio atrás de mim, Ellie? — sua voz é baixa e
contida e eu ico estancada no mesmo lugar, sem me mover.

Ignoro sua pergunta quando vejo um papel dobrado em sua mão


esquerda.
— Por que está armado? — aponto para o papel quando ele ita
sua arma. — Você ia deixar um bilhete para mim? — ele sobe seus olhos
ixando-os nos meus e eu não deixo minha coragem morrer, não, chega,
chega! — O que pretende fazer? Vai matar Desmond? — tapo meus olhos,

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esfregando-os e o encaro: — Meu Deus, vai matar e fazer... fazer o que


depois...?
Ele larga a folha dobrada entre os dedos, que cai lentamente no
tapete, então, suspira, parecendo rendido.

— Meu Deus, isso... isso é um bilhete de despedida? Você, você iria


se matar depois?
— Por que você está aqui...? — ele repete, mas parece que mais
para si mesmo do que para mim, pegando sua arma novamente. Estanco
toda a minha raiva dentro de mim e me limito àquele momento, ao que ele
estava fazendo em minha casa armado. — Você não podia estar aqui, Ellie...
Não hoje, não aqui...

— Miguel? — minha voz treme e eu quase engasgo com minha


própria saliva. — É por causa do seu câncer? Você acha que não tem
tratamento... que terá a mesma morte que Maria...? — ele me ita, sem falar
nada e parece completamente desolado. Eu me aproximo, seus olhos estão
apertados, me itando, sua testa está franzida e seus lábios comprimidos.
— É isso. Miguel? — coloco, delicadamente, minha mão em seu casaco,
percebendo que ele está molhado da chuva.
— Recebi uma ligação, Ellie. — ele morde seus próprios lábios,
tentando segurar o choro e suspira devagar antes de continuar, se
afastando de mim ao mesmo tempo. — O senhor Francisco... o químico do
laboratório do Brasil... ele foi assassinado.

— Trevor...? — eu cubro o espaço que ele abriu, mas ele se


desvencilha de mim, indo para perto da porta. Eu o ito. — Miguel? Você
acha... você acha que foi meu pai?

— Liguei para o hospital, ele recebeu alta ontem, Ellie. Eu tenho


certeza que ele descobriu que eu fechei o laboratório e mandou... — ele
não inaliza a frase, mas não há nada ali que ele precise completar, estava
dito, estava dito nas entrelinhas, meu pai mandou matar um químico

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responsável por um de seus laboratórios. — Eu... já estou condenado


mesmo. — um soluço alto escapa de sua boca quando eu o alcanço e o
envolvo num abraço. — Meu sangue está misturado ao seu em seu ventre...
— ele apoia os dedos em minha barriga. — E quando eu me for...
continuarei vivo em teu sangue...
— Não, Miguel, não! Você não está condenado! — eu engasgo. —
Está me ouvindo? Você não está condenado! — seguro-o irme entre os
dedos, mas ele parece em outro mundo, seus olhos muito além de mim. —
Me escuta Miguel, não há metástase, não há... — minha voz suplica que ele
me ouça.

— Me perdoa por tudo que iz... — ele fecha os olhos como se


relutasse contra a dor interna que o invade. — E pelo que ainda tenho que
fazer.

— ...”fazer”? — é apenas um sussurro e nem ao menos sei se


algum som saiu de meus lábios quando o vejo se desvencilhar de mim e
avançar até a porta, fechando-a atrás de si, me trancando por fora.

Eu congelo no mesmo lugar.

— Miguel?

Eu caio de joelhos no chão.

Eu escuto Miguel berrar o nome de meu pai e continuo imóvel por


vários segundos. Muitos. Talvez minutos. Coloco a mão em meu peito e
começo a engolir o ar em lufadas, as lágrimas inundando meu rosto antes
mesmo que eu perceba que estou gritando.

— Miguel! Miguel! — grito mais ainda com raiva e medo e não sei
de onde tenho forças para me levantar novamente. Mas me levanto
correndo até a porta, tentando forçá-la a abrir, socando-a. — Miguel! O que
está fazendo???

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Encosto minha orelha na porta e tento ouvir qualquer som.


Qualquer som!
Nada!

Guincho, voltando pelo cômodo, lembrando-me de uma chave


reserva, mas não faço ideia de onde a guardei. Remexo as caixinhas de
joias, as gavetas de calcinhas e meias, a mesinha de cabeceira e, então me
recordo do chaveiro largado no porta-lápis, praticamente me atirando
sobre a escrivaninha.
Meu coração desacelera e eu sinto o ar escapar de dentro de mim
quando abro a porta e saio pelo corredor rumo à porta fechada do quarto
de meu pai.

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— Que ideia foi essa de fechar o laboratório do Brasil, Trevor??? O


que estava pensando quando fez essa merda?
Desmond nem repara na arma que eu carrego em uma das mãos
quando entro em seu quarto. O viejo hijoputa está deitado em sua cama, as
parafernálias médicas ligadas a ele, monitorando sua pressão e frequência
cardíaca. Tenho vontade de rir do modo que me inquire, ainda achando
que tinha poder, que tinha dineiro... que podia exigir algo de alguém... um
monte de trapo... era isso que ele era...

— Se está tão preocupado com o laboratório do Brasil, acredito


que não deva ter visto o que iz com o resto de seu império, Desmond.
Meu sogro para até de se remexer na cama, ixando seus olhos de
abutre em mim:
— O que disse?

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— Sério que não me entendeu? — rio, desdenhoso. — Não podia


ter sido mais claro, Desmond Kane, eu falei na merda da tua língua! — o
idiota continua me olhando, sua respiração em suspenso e os níveis na
máquina um pouco alterados. Sorrio satisfeito. — Enquanto esteve no
hospital, reorganizei as inanças da Kane. Até amanhã os acionistas já
perceberão as contas vazias, mas não se preocupe, meu sogro, eu não
roubei o dinheiro para mim... — levanto a arma e ela praticamente re lete
nos olhos daquele verme. — Eu não sou como você, eu não tenho sede de
poder... distribuirei o dinheiro entre as famílias que você usou para chegar
onde chegou. — olho para sua maca e levanto uma sobrancelha, jubiloso.
— Se bem que... para um poderoso dono de império farmacêutico, o lugar
que está agora não me parece muito confortável. Sem contar que não há
remédio nenhum no mundo que te salve do mierda que é. — destravo a
arma. — E do im de mierda que vai ter.

— Trevor? Do que está falando? Eu te trouxe para minha família


como um ilh...

— Ah, cala a boca, Desmond! Não inja que tem um corazón —


aponto para a máquina. — ainda que o seu esteja desesperado em seu
peito! — eu dou um passo em sua direção e Desmond se encolhe
involuntariamente. No entanto, sua prepotência fala mais alto e ele me
encara, o semblante retornando a ser mordaz como sempre. — Ele é podre
como usted, Desmond, podre!

— Você vai se dar mal por...

— Eu me dar mal? O que você vai fazer contra mim? Você não se
enxerga? Não vê que está no seu im? Que tudo que almejou em toda sua
existência fodida está sendo roubado por mim... um nino de mierda do
terceiro mundo? — ele arregala os olhos e eu sorrio. — Um colombiano?
— Trevor, eu... — ele tenta se impor novamente, mas eu o
interrompo:

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— Eu não me chamo Trevor, seu idiota! Sou ilho de Derek


Marshall! — os bipes da máquina se sobrepõem ao urro que ele dá quando
falo o nome de meu pai, mas não aos murros que alguém in lige à porta
que tranquei ao entrar em seu quarto.
Eu havia garantido que nenhum funcionário estivesse em casa,
quando soube que Desmond tinha se dado alta do hospital, mas não podia
imaginar que Ellie tinha retornado, e sua voz berrando contra a porta me
tirava dos eixos.

Firmo minha atenção em Desmond e ixo meus olhos nos seus:

— Sim, Derek Marshall, Desmond... sei que se lembra dele... seu


melhor bioquímico, o homem que comprou o silêncio com milhares de
dólares. — minha voz alcança um tom de cólera e eu seguro a vontade que
tenho de apertar o gatilho, não, não, não ainda! — Ele se matou por causa
da culpa, seu hijoputa!

— Não, não, não, não pode ser verdade... — ele geme e é jubiloso
ver o pavor em seus olhos crescer na mesma medida que compreende
quem sou e o que faço em sua empresa, em sua casa...

— Oh, si, si si, si... soy yo, Desmond... el diablo que veio levar sua
alma ao in ierno que es tu lugar.

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28

Esmurro a porta.

— Miguel, abre essa merda! O que está fazendo aí? — não. Não.
Não. Não. Não. Não! Sinto-me as ixiada e acho que vou morrer ali mesmo.
— Trevor, porra!

Encosto-me à porta e minha respiração ica suspensa, a tensão


atingindo brutalmente cada nervo e músculo do meu corpo, meu coração
se torna um tambor de tão poderoso e rápido que bombeia o sangue em
meus ouvidos e eu sinto que estou prestes a desmaiar e não há nada mais
que eu ouça além de meu batimento cardíaco.

Um clique baixo e oco me faz virar repentinamente e sei que


Miguel girou a chave. Seguro a maçaneta e engulo um soluço de lamento.
Eu tento controlar minha respiração e olho para o corredor para constatar
que estou sozinha ainda.
Então, abro a porta.

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De imediato vejo Miguel em pé, olhando para mim, e ele está


estático.
Desvio minha atenção para Desmond, que está sentado à maca,
seu rosto é aterrorizado e, mesmo de longe, vejo raiva misturada ao medo
latente. Miguel espalma a mão no ar, me pedindo para não me aproximar
demais; eu paraliso com o corpo na metade do caminho e meu marido se
vira novamente para meu pai.

— Por que não conta para sua ilha o motivo de eu estar aqui,
Desmond?
Encaro meu pai e seus olhos estão vidrados para Miguel.

— Por que não conta para tu hija como acabou com a mierda da
minha vida??? — Miguel berra mirando a cabeça de meu pai com o
revólver e ele se sobressalta, encolhendo-se na cama. — Ou você acha que
ela não sabe, que eu não contei? Prefere que acabe com su vida logo?
— Miguel! — berro involuntariamente e ando mais alguns passos
em sua direção, mas ele se volta para mim e me olha aterrorizado:

— Fica aí, Ellie! Não se mexa! Meu assunto agora é com tu padre,
carajo!
Eu permaneço estática, tremendo, o coração acelerando e
desacelerando, desorientado.

— Anda, Desmond! — Miguel me aponta com a outra mão e olha


para meu pai. — Conta para Ellie com sua própria boca, sua própria língua
maldita, que você mandou matar um homem, ontem, Desmond!
O olhar do homem que se dizia meu pai parece mais doentio que
o normal, sua voz sai tremida quando ele inquire Miguel:

— O que você quer? É dinheiro? Eu tenho muito! Te pago o quanto


for!

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— E você acha que sua vida vale alguma porra? — Miguel


responde, destravando a arma. Eu não penso. Meu corpo reage: em um
quase pulo, me coloco entre os dois e Miguel dá dois passos para trás se
afastando de mim.
— Não, Miguel, não, não assim! — urro, quase explodindo minha
garganta. Giro meu corpo para ele quando meu pai se cala, encarando-me
sem falar nada, o bipe descontrolado denunciando sua pressão cada vez
mais alta. — Miguel, abaixe essa arma... — suplico, cambaleando. — Por
favor... vamos conversar... nós vamos à público, nós fugimos, mas não... não
deve ser assim que você deve enfrentar...

— Eu não tenho mais nada para conversar com tu padre, Ellie! —


Miguel vocifera e eu vejo seus olhos encharcados de lágrimas. — Você
acabou com a minha vida, Desmond, e eu só não acabo agora com a sua
porque você já é um moribundo. — ele fala da maneira mais sarcástica que
consegue e eu me reteso completamente. — A vida vai fazer isso por mim.
E você não vai poder fazer nada enquanto eu acabo com seu legado. Acabo
com a porra da empresa que você pôs acima de tudo!!!

Miguel continua o encarando e parece impassível. Então, ele se


aproxima e seu maxilar está tenso.

— Seu pai agora sabe quem eu sou, Ellie! E antes dele morrer, eu
quero que tenha a certeza de quem lhe tirou a empresa! Esse ilho da puta
tem que saber que Trevor Willians é o novo dono das Empresas Kane!
Miguel, Miguel Guzmán! Todo seu dinheiro, tu-do, vai para as famílias que
você ferrou, Desmond, acabou, acabou, você não tem um centavo mais,
nenhum!
Desvio meu olhar, apavorada, para meu pai e ele parece alucinado,
o rosto vermelho beirando o roxo, os olhos vidrados em Miguel.

— Mi padre me falava que havia recebido por uma patente no


laboratório. Eu quis acreditar, mas no fundo sabia que tinha algo errado.

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Ele bebia dia e noite... quase não saia de casa, nem de seu escritório. No dia
seguinte que iz vinte e um anos, ele se matou. — ele vira seu rosto para
mim e seu olhar é triste enquanto continua. — E deixou uma carta para
mim... com todos os detalhes... não só do que foram capazes... mas do que
eu deveria fazer para estar onde estou agora... quem eu deveria chantagear,
com o que eu deveria chantagear, quem tinha costas quentes, quem devia...
tudo, tudo.

Não consigo pensar em nada. Sequer consigo respirar. Engulo


todas as minhas perguntas e me direciono para o homem ligado às
máquinas. A única coisa que ouço ainda é o som desgovernado do bipe.

Ele nos olha, sério, e não entendo o que se passa em sua mente.

Ele deveria estar surtando mais do que eu!

— Desmond...? Como... como você pôde? — meus olhos


lacrimejam e eu quase não consigo escutá-lo enquanto continua
explicando o impensável, sinto um ardor em minha garganta com o
descaso dos argumentos que ele escolhe para se defender:

— Estaríamos arruinados! Estaríamos arruinados se


descobrissem mais essa falha! — ele exclama, perplexo, e eu arregalo os
olhos para ele. — Eu tinha acabado de enfrentar a justiça por causa
daqueles mendigos de merda! — seus olhos projetam raiva enquanto me
miram friamente. — Gastei bilhões por causa de moradores de rua, quem
se importa com eles, Ellie?! Quem se importa?!?! — Miguel dá um passo
para frente, mas não se move quando Desmond conclui: — Não colocaria
tudo a perder por causa de fedelhos do terceiro mundo!

— Cala sua boca! — berro, chegando ao meu limite! — Cala sua


maldita boca!!!
O grandioso Desmond parece realmente assustado com minha
reação, e por vários segundos sua boca ica inerte enquanto eu tento me

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recompor, mas antes mesmo que ele ouse falar, eu aproveito minha súbita
coragem e o inquiro, furiosa:
— Você é horrível, um homem horrível! — minha mente me leva
às suas palavras quando estava no hospital e, por um instante, eu as tomo
como verdade. — Eu espero que eu não seja sua ilha, eu desejo não ser
sua ilha, ter seu sangue correndo em minhas veias!

— Você é uma vadia como sua mãe! — ele grita, exasperado. — Eu


nunca quis você!
— Bem, não é nenhuma novidade. O senhor sempre deixou isso
bem claro... mas quer saber? Eu não me importo mais! — suspiro, tentando
me acalmar. — Eu simplesmente não me importo mais. Quero mais é que
sua aprovação vá para a puta que pariu.

— Se você falar mais uma palavra, pode ter certeza que não estará
em meu testamento.

Dou de ombros.

— Eu não quero seu dinheiro sujo, pai.


— Todo mundo tem um preço, Ellie, querida. Até o pai de Miguel
teve e olha que comprei o seu bem mais valioso. Ou não.

Prontamente eu olho para o lado e encaro Miguel em silêncio nos


últimos segundos, seus olhos estão semicerrados e ele parece segurar todo
o tipo de dor em seu semblante.
— Trans ira. — ordeno e meu marido me olha em expectativa. —
Trans ira o dinheiro, agora, todo! Para a conta das ilhas. Trans ira, Miguel.
Se o destino do império Kane está em minhas mãos, eu decido que o lugar
dele é com as pessoas que Desmond destruiu. — pego o laptop da cômoda
e o empurro entre seus dedos: — Trans ira!

Ele olha para mim com um pequeno sorriso de satisfação em seu


rosto por um segundo antes de se virar para meu pai:

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— Eu pensei em mil maneiras de te matar, Desmond! — sua voz


está baixa, mas não menos imponente.

Olho meu marido e ele está acabado, suas mãos tremem e o


revólver pende de um de seus dedos enquanto abre o laptop e começa a
digitar rapidamente alguns números. Ele olha Desmond e parece tentar
não sucumbir à vontade de aniquilá-lo ali, agora mesmo. Com um olhar
cansado, aponta com a arma para a máquina ligada ao meu pai, que parece
pirar agora:

— Mas não vou precisar mover um dedo. Tu propio corazón não


te quer vivo. E eu vou apenas assistir a tu muerte enquanto relembro que
você não tem mais nada, dinheiro, poder, saúde... Eu te tomei tudo. —
Desmond começa a tossir, parecendo se engasgar. Ignoro o bipe muito
alterado e tampouco me espanto por não ter medo que ele morra. — E a
última coisa que vai ouvir antes de seu último suspiro é minha maldita
língua te dizendo que seu império morre com usted.
Como em um passe de mágicas, dois enfermeiros simplesmente
entram pelo quarto me empurrando para trás. Não quero entender como
agora eles aparecem do nada e assisto a Miguel avançar até Desmond:

— Olhe para mim, Desmond, olhe para Miguel Guzman, hijo de


Derek Marshal, hermano de Maria! E escute em minha MALDITA LÍNGUA!
Seré la última persona que escuchará antes de morir! Todo tu dinero es
mío y las familias que destruiste, tu mierda!
Meu corpo é pressionado contra a parede fria e eu percebo que
estou colada ao armário, enquanto os dois enfermeiros usam o quarto
inteiro para auxiliar meu pai.

— Saiam dessa casa! Vocês dois! — Desmond ainda consegue


berrar mesmo quando uma máscara cobre seu nariz e maxilar. — Não
voltem! Não voltem nunca mais! Eu te odeio! — ele olha para mim. — Eu te
amaldiçoo!

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— Você é um monstro! — grito de volta, já chorando, e uma


enfermeira pega meu braço, tentando me acalmar ou me direcionar para
fora do quarto. Empurro-a para longe. — Eu nunca vou te perdoar!
— Vão para o inferno! Vão para o inferno! Vocês dois! VÃO PARA O
INFERNO !!! — ele urra e se joga para trás quando o som de vários bipes,
como alarmes, ecoam pelo cômodo até se tornarem apenas um.

Um estridente e uníssono grito da morte.


— Des ibrilador! — grita um enfermeiro e eu me apoio à cômoda
ao meu lado. Um som oco. Miguel não se move encarando a cena. — De
novo! — grita novamente, mas parece que tudo que fazem é em vão.

— Acho que quem va ao in ierno eres tu, Desmond. — Miguel


retorna e pega minha mão me puxando do quarto.
No entanto, uma pontada no ventre, oscila meus passos de forma
cruel.

agosto•2021
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Mi corazón martela contra minha caixa torácica e,


contraditoriamente ao que achava que sentiria ao ouvir aquele som agudo
e único das máquinas ligadas a Desmond, é como se meus pés ainda não
tocassem o chão.

Nada daquilo parece, realmente, estar acontecendo.

Agarro com mais força o braço de Ellie tentando tirá-la dali,


querendo deixá-la o mais longe possível da morte iminente de Desmond,
alcançando o Porsche, em poucas passadas; ela se joga no banco ao lado e
eu acelero, deixando toda aquela mierda para trás.

Dirijo pela estrada sob a tempestade que retorna mais impetuosa,


mas mi mundo congela ao ouvi-la chorar meu nome e eu desvio meu rosto
da direção para ela por dois segundos, tempo o su iciente para que o
desespero me tomasse conta.
— Preciosa? — eu paro o carro no acostamento e ela me olha
atônita.

agosto•2021
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— Não estou bem... Migu-gueel... não estou bem...


— Ellie? O que está sentindo? — pergunto, envolvendo-a em
meus braços e a trazendo para meu colo. — Ellie, me responda! — ela
fecha os olhos e geme, en iando o rosto em meu peito e segurando sua
barriga entre os dedos, carajo, carajo, carajo...

— Uma cólica muito forte. — responde sem forças e eu deslizo su


cuerpo de volta para o banco, fechando seu cinto de segurança e passando
meus dedos entre os ios de cabelos suados em sua testa:
— Vai icar tudo bien, vai icar tudo bien...

Acelero e percorremos os próximos quilômetros em silêncio,


apenas entrecortado pelo choro dolorido e abafado de Ellie, mi corazón
sangra, mi corazón sangra... eu estico meus braços, aninhando-a da melhor
forma que posso e ela agarra meu paletó, tremendo su cuerpo, parecendo
menor que é, um pequeno cuerpo frágil e delicado entre meus dedos,
pequena... pequena... uma mujer tão pequena e tão fuerte... mi preciosa...
Assim que chegamos ao estacionamento do hospital, eu a pego em
meu colo atravessando o calçamento sob a chuva incessante, segurando-a
irme entre meus braços, berrando para que alguém nos atendesse,
pedindo ajuda... implorando ajuda.

O mundo pausa.

Não sinto mais nada, ou sequer ouço quando Lennox e Chloe


entram pelo corredor do hospital e não sei como estão ali, se eu liguei para
eles, se mandei mensagem, não sei... deixo as lágrimas escorrerem,
tentando, de alguma maneira, não ruir.

agosto•2021
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― Não era para se así, Miguel... ― eu fecho meus olhos tentando


respirar, choro baixo. ― No, no era... su mierda, Miguel, su mierda...
Lennox passa os braços por mim e deixo minha cabeça afundar
em seus ombros, chorando ruidosamente.

― Eles não falam nada... ― busco ar, afastando-o de mim, me


sentindo nauseado.
― Vai icar tudo bem... ― Chloe me ampara e andamos em silêncio
pelos poucos metros até a sala.

Eu me sento na cadeira de plástico e enterro meu rosto em


minhas mãos com raiva de mim, medo de perder Ellie... medo de perder
nosso... nem tínhamos comemorado a gravidez... nem tínhamos absorvido
a importância daquela gravidez... só sabíamos há um dia, um dia...
Engulo o choro, deslizando os dedos por minha mandíbula tensa,
a televisão noticia alguma manchete urgente e eu levanto meus olhos sem
acreditar no que vejo escrito em vermelho: Morte de Desmond Kane em
mansão do império farmacêutico.

Como... como... já sabiam...?


Chloe segura minhas mãos encontrando-as geladas e eu seguro
seus dedos sem força, inalmente eu tinha conseguido o que queria e... eu
tinha conseguido...? Desmond morrera... Ellie levava uma parte minha com
ela dentro daquela sala enquanto não me davam notícias e a dor de perder
aquele brilho de vida apagava qualquer regozijo por minha vingança.

Maria estaria feliz em su tumba? Faria... faria diferença...?


Chloe limpa a garganta, passando os dedos nos cabelos que caem
na testa e suspira baixo, se sentando ao meu lado. Ela ica por muito tempo
em silêncio até me itar.

Seguro a conexão de seus olhos, sem sentir nada mais bater em


meu peito.

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― Meu pai falou que você o contactou esses dias. ― ela diz de
maneira irme. ― Era você perto de minha casa quando fomos para
Hamptons, não era? ― mordo meus lábios e minha mão solta a de Chloe.
Ela continua: ― Meu pai disse que você queria que ele lançasse uma
matéria, que você entregaria tudo no devido tempo... Assim que cheguei
em casa depois de Hamptons... eles estavam loucos, ligando para tudo
quanto é conhecido, averiguando todas as suas provas... Era tudo uma
vingança e meu Deus, você tinha todos os motivos, mas... ― sua voz treme
um pouco e eu percebo que o que vai dizer a deixa com receio, no entanto,
ela diz mesmo assim. ― Você não esperava amar Ellie, esperava...?

― Ellie tem mi corazón, ele bate por ela... ― exalo um suspiro e


meus braços me abraçam, estou tremendo. Desmond morreu, no máximo
em dois dias, toda a crueldade da Kane seria capa dos principais jornais, eu
seria procurado... Trevor Willians teria roubado todo o dinheiro da
empresa...

Chloe se levanta:
― Faça por merecer seu perdão. ― ela anda um passo para trás,
mas para, me olhando de lado. ― Eu e Lennox sempre fomos a família que
Ellie nunca teve... se sua irmã morreu por causa dos tóxicos da empresa
Kane, saiba que Ellie cresceu em meio à toxidade da família Kane. Ela não
merece sofrer mais... Miguel.

― Entiendo. Demorei para perceber isso, a raiva me cegava, mas


ahora, entiendo... ― respondo quase sem voz, sem acreditar como ela até
sabia mi nombre.
Ela volta a sorrir:

― O mais estranho nisso tudo? ― seus olhos correm por meu


rosto. ― O cara que mais mentiu para ela foi o mais verdadeiro em seus
sentimentos. A vida é irônica, não é mesmo?

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Lennox a abraça e os dois me olham por mais um tempo antes de


se sentarem no sofá à frente, suas palavras martelando minha cabeça e
reverberando em mi corazón, me dando forças e me tirando todas elas ao
mesmo tempo.

Um médico anda em minha direção e eu travo minha respiração


até estar completamente em minha frente; eu me levanto e seu semblante
já me diz tudo.

― Sua esposa está bem, senhor Willians. ― engulo com raiva


aquele sobrenome, tudo que eu queria agora era ser Miguel para mi Ellie.
Ele respira fundo e já antecedo toda a desgraça que preciso ouvir. ― Ellie
teve uma gravidez química. ― eu não compreendo suas palavras e ele me
elucida: ― O óvulo fecunda, cai no útero, mas não implanta completamente.
Ellie me contou que fez um exame de farmácia que apontou o positivo. Mas
infelizmente isso ocorreu por conta do hormônio ainda em seu organismo.
Fecho minhas mãos em punho sem conseguir reagir como
deveria, ele suspira e ameniza a tensão meneando a cabeça de modo gentil:

― É mais normal do que imaginamos, senhor. Se ela não tivesse


percebido o atraso, a menstruação viria e ela nem saberia pelo que passou.
Ela é jovem e fértil, a gravidez vai ocorrer naturalmente quando desejarem
tentar outra vez. ― ele mexe na prancheta em mãos olhando seus rabiscos.
― Ela está bem, útero limpo já que não houve um “aborto propriamente
dito”. ― ele sorri me encorajando e eu me encolho sob minha pequeneza. ―
Ellie Kane já tem alta para voltar para casa.
Ele sai da sala e eu engulo como aquilo soou, gravidez química...
químico... tóxico... afundo minha cabeça entre meus braços, percebendo
que não só os pais de Ellie eram tóxicos em sua vida... eu também o era.

Eu morreria e... e o que Ellie teria além de desilusão e destruição?

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29

― Vamos levá-la para casa?

Deslizo meus dedos por meus olhos e vejo entre ele, Lennox e
Chloe parados à minha frente:

— Que casa? Aquilo deve estar cheio de repórter...

— Vocês podem ir para Hamptons e depois pensar o que vão


fazer. — Chloe responde e eu levanto uma sobrancelha, segurando minhas
mãos uma com a outra, sentindo que não paro de tremer. Ela continua: —
Meu pai deve entregar a reportagem amanhã ao im do dia. Antes disso,
acho que conseguem algum período de paz e...
— E então? — eu a corto. — Antes disso tudo, eu não dava a
mínima para como ela icaria, eu não a conhecia, achava que era igual a su
padre, que se desgraçasse como Desmond, mas agora... o que ela tem...? O
que eu iz?

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— Dinheiro não é tudo! — Lennox intervém e eu rio amargo para


ele:
— Sou a última pessoa no mundo que precisa de lição de moral
quanto a isso, Lennox. — eu me levanto. — Eu estou dizendo o óbvio, Ellie
tem vinte e um anos apenas, nem terminou a faculdade, foi acostumada a
uma vida... que nunca poderei dar. — olho minhas mãos, perdido. — Sem
contar, que não tenho uma vida para compartilhar, meus planos se
limitavam sempre a ver o império Kane ruir, entregar tudo às famílias e
passar meus últimos dias em qualquer lugar desse mundo, longe o
bastante para morrer em paz.

— Morrer? — Lennox segura meu braço. — Por que acha que seu
único destino é a morte?

— Não tenho o que achar, terei o mesmo destino que Maria. Bebia
da mesma água. — respondo, meus olhos cravados nele. O silêncio retorna
e talvez ele já saiba tudo que tenha que saber. — Tem quase seis meses que
tive o diagnóstico.

— Mas você não sabe que...

— Tenho câncer, Lennox. Por isso apressei as coisas, por isso não
pude esperar que Desmond demorasse para me colocar como vice-
presidente. Por isso precisei que ele con iasse mais rápido em mim do que
se não fosse seu genro. Por isso me casei.

— Eu tenho seus exames. — ele retorna e eu cerro meus olhos


para o amigo de Ellie. — Ela me pediu para averiguar com meu namorado
de quem era os exames que você recebeu por mensagem. — minha testa se
vinca, incrédulo com a audácia daqueles dois e com a falta de
pro issionalismo daquele médico, mas bien, quem sou eu para falar sobre
ética no momento. — Não houve metástase, seu tumor está localizado,
Miguel. Ainda que houvesse, gato, não é preciso ser pessimista, você não
está fadado a ter o mesmo im que sua irmã.

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— Maria morreu nem seis meses depois que descobriu.

— E mesmo assim só apareceu em você agora... o que te faz


pensar que tudo tem que ser igual, se nada é?

— Eu comecei com as dores, enjoos, recebi o diagnóstico e...

— E nunca procurou mais saber o que está acontecendo aí dentro.


— ele aponta para minha barriga e não, não é uma pergunta. A irmo com a
cabeça, ainda tentando compreender suas informações, as mesmas que o
médico deveria estar tentando me dar:

— Não até... iz outro exame... quando voltamos de Hamptons... o


exame que você tem...

Ele sorri, mas fecho meus lábios, desesperançado:

— Ellie passou por muita coisa. Quando a icha inalmente cair, mi


preciosa vai ver que não deixei nada além de destruição e... — inspiro sem
fuerza. — Radiação... toxidade... ruínas...
Ele me olha nos olhos, a postura do amigo que Ellie sempre disse
ter, a família que envolvia muito mais que laços sanguíneos:

— Do mesmo modo que sempre acreditou em vingança, Trevor...


ou Miguel... Ellie sempre acreditou em perdão.

Levo um suco para Ellie, meio sentada, meio deitada na


espreguiçadeira da varanda de seu quarto em Hamptons.

Nós tínhamos chegado há pouco mais de uma hora e ela não tinha
falado nada desde que recebeu alta e viemos pela estrada, uma viagem
pesarosa que me doía mais que qualquer coisa no mundo.

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Tudo que eu queria era abraçá-la logo e arrancar cada fragmento


de dor em su corazón transportando-o para o meu.
Ela olha para o mar e bebe pequenos goles como se retesasse o
choro, eu me sento ao seu lado e a puxo para meu colo, mi preciosa se
aninha e eu apoio meu rosto em sua cabeça, mirando o mar com ela por
longos minutos até ela erguer os olhos para mim, mas desviá-los quando
eu ixo os seus.

Seco as lágrimas em sua bochecha e ela tomba a cabeça em meu


peito, olhando o mar entre suas pálpebras semicerradas. Meus dedos
colocam a franja úmida de volta atrás de sua orelha, e demoro meu polegar
em sua bochecha, acariciando seu rosto.

Limpo outra lágrima que desliza por seus cílios, ela suspira baixo,
sem forças e eu a ito, completamente rendido, apertando-a mais para
mim.

— Perdón por não ter te protegido, mi preciosa... — engulo o nó


em minha garganta, ela levanta os dedos e toca meu maxilar, mas baixa a
mão e se levanta, indo em direção ao quarto.

Acompanho seus passos, ainda sentado no mesmo lugar e congelo


naquela posição, pois apesar de saber que tenho que ir embora em poucas
horas, não sabia se conseguiria sem mi corazón.

Assistimos ao noticiário na cama, os olhos de Ellie atentos à


televisão.
As notícias nos silenciam, morte de su padre, desfalque da Kane,
acionistas da empresa em polvorosa, crueldades nos laboratórios

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terceirizados, eu não sabia o que falar, ela não falava nada, entretanto seu
semblante dizia tudo, os nós retesados de seus músculos, seus dedos
segurando a coberta.
— Dime lo que estas sintiendo, mi preciosa. — eu peço, mas ela
fecha seus olhos.

Eu me levanto e entro no banho, me demorando sob o chuveiro.


Eu tinha me vingado, inalmente tinha acontecido, uma década
vivendo para aquele momento e... nada... eu não conseguia sentir nada.
Tento esvaziar a mente junto à água que desce pelo ralo, olhando os pingos
deslizarem pela minha pele, todo o tremor que seguro, apenas
amortecendo qualquer sentimento.

Saio da ducha e me olho no espelho embaçado, mi cuerpo ainda


molhado, os olhos escuros me itando de volta:

— Por que ainda estou com isso...? — pergunto sussurrando para


mim mesmo, pensando que não havia tirado as lentes desde a última vez
que as tinha colocado. Meus olhos estão vermelhos, não sei se de cansaço
ou do choro e é di ícil ver a tonalidade dos verdes quando deixo as lentes
irem embora pelo pequeno ralo da pia.

Cerro as pálpebras com fuerza e quando as reabro, os olhos de


Maria me itam de volta.

Paraliso.

Eu evitava vê-los quase que rotineiramente, tirando ou colocando


as lentes sem precisar de um espelho e agora, vendo meu re lexo, admito
para mim mesmo que o uso delas era muito mais que um disfarce idiota
que não enganaria a ninguém além do próprio Trevor Willians.

Meus verdes eram de Maria.

Meus olhos eram os seus.

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Eu me aproximo do espelho, me debruçando sobre a pia e olho


para eles, confessando que apesar de ter que me acostumar com sua
tonalidade novamente, eu tinha orgulho de ter algo de mi Maria em mim.

Apago as luzes e volto para o quarto, encontrando Ellie


adormecida.

Eu me deito sob as cobertas e a abraço, ela abre os olhos por um


instante e não sei se consegue ver os meus, com a parca iluminação do
abajur ao meu lado, mas ela se demora por um tempo me itando sem falar
nada, até afundar o rosto de volta no travesseiro.

— Perdón por não ter te protegido de mim, mi preciosa... —


sussurro e fecho meus olhos, ouvindo a chuva fraca cair lá fora, mi corazón
gelado aqui dentro.

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Acordo abruptamente e estou sozinha na cama, apenas o cheiro


almiscarado de Miguel entre os lençóis.

Agarro minhas pernas e apoio meu queixo em meus joelhos,


deixando que o choro alcance toda e qualquer profundidade de minha
alma, os verdes de Miguel invadindo todo e qualquer pensamento.

A governanta me informa que minha mãe ligou avisando sobre o


funeral de meu pai e eu a olho por um segundo antes de voltar a procurar
nas coisas da casa, qualquer pista do paradeiro de Miguel.
Quando inalmente compreendo que ele havia partido sem avisar,
entendo que meu coração partiu com ele.

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30

A casa está praticamente vazia.

O corpo de meu pai está sendo velado na sala principal e poucas


pessoas conversam entre cochichos, como se revelassem ou escondessem
segredos. Não duvido que suas palavras se limitem ao escândalo que
estampa todos os jornais, que ecoa em todas as televisões e enchem as
casas de assuntos para o jantar.
Todas as pistas que Miguel tinha coletado, todas as provas, tudo,
tudo estava sendo revirado pelos principais canais de notícias, inclusive o
desfalque na empresa e as ações inexistentes. O rosto de Trevor abrilhanta
algumas reportagens sensacionalistas como um Robin Hood moderno, o
que soa absurdamente super icial; ainda assim ele é procurado pela polícia
por vários delitos incluindo falsa identidade furto, roubo, chantagem e
ameaça.

Logo, eu teria que testemunhar ou pior, poderia ser indiciada.


Eu não me importo.

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Aliso meu vestido preto e ouço um investidor antigo que sumira


desde que meu pai adoeceu dizer que já imaginava que tinha algo errado
atrás das portas sempre fechadas da sala de Desmond; ele me olha
rapidamente e tampouco disfarça quando sussurra que também achava
muito fantasioso esse meu matrimônio à jato.

Eu me demoro analisando a foto que escolheram para colocar ao


lado do caixão, ironicamente a mesma que enfeitava a mesa de meu pai: eu,
ele e minha mãe em Paris. Concentro-me em meu rosto infantil e percebo,
pela milionésima vez, na falta de meu sorriso; eu ito quem tira nossa foto
como se desejasse estar em qualquer lugar, menos ali com os dois, ao lado
de meu pai, seus braços envolvendo a esposa de diamante.

Dou a volta no caixão e olho minha mãe cumprimentando as


pessoas, o chapéu com um pequeno véu negro tapando seus olhos, o
sorriso entristecido em seus lábios e eu só conseguia pensar o que
motivava a arti icialidade de todos eles.

Ela mal havia falado comigo quando cheguei de Hamptons, a


cabelereira escovando seus cabelos enquanto ela falava ao telefone com
Milner Clark, agora divorciado e cumprindo sua sentença em prisão
domiciliar.

Sua voz manhosa me fazia ter dúvidas de que realmente esteve


em um SPA todo esse tempo ou se... buscava em outro velho os anseios que
Desmond não poderia mais lhe proporcionar.
Ela vem ao meu encontro e desta vez não interpreta a mãe zelosa
na frente de todos, somente mira minha barriga e nega com a cabeça num
movimento de desagrado:

— Foi bom você ter perdido essa gravidez, seria uma derrota
estar grávida de um homem procurado. — sem esperar que eu a responda,
ela dá um tchauzinho para o padre ao lado do púlpito e sai em seu encalço,
o colar de diamantes que usa no pescoço reluz contra a manhã de sol e eu

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desço minhas mãos por minha barriga, pensando nos olhos verdes de
Miguel me mirando, como duas esmeraldas.
Abruptamente, o nome da coleção de joias de minha mãe vem em
minha mente e exclamo um palavrão ao concluir o quanto aquela mulher
era louca.

Black Star. Black Star!


Suas palavras no dia do lançamento me vêm à cabeça como uma
bomba e eu miro minha mãe com seu discurso ecoando dentro de mim:
“cada peça narra a fascinação e devoção por pedras negras e sedutoras.” ...
os olhos de Trevor... Atravesso a sala indo ao púlpito, não que eu não
imaginasse, não que eu não soubesse, estava claro, eu só não queria ver,
Sophia dava em cima de meu marido, só via a si mesma, não pensava em
ninguém... era perfeita para meu pai, sua cara-metade.

Mas aquilo já tinha bastado para mim.

Pego o microfone sobre a Bíblia aberta e cutuco Sophia; ela se vira


para mim, revirando os olhos:

— Não vê que estou ocupada, Ellie?


— Padre, o senhor nos dá licença um minutinho? — ele desce o
degrau, con irmando com a cabeça e eu não dou tempo que me ignore
outra vez: — Mãe, você não tem vergonha de ter feito uma coleção
inspirada em meu marido, mesmo com meu pai vivo? — minha voz ecoa
pela sala e todos param o que estão fazendo, nos olhando em expectativa.
— Quais são seus planos agora com ele morto: dar para o próximo velho
milionário que sustente seus cartões ilimitados ou vai continuar fodendo
com meu motorista mesmo?

Ela arregala os olhos, apavorada, e eu sorrio para os lashes dos


repórteres:

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— Ah, sim, era meu motorista naquele vídeo, anotem aí o nome


dele: Andrew Cox. Ele vai adorar fazer uma entrevista, ter seus 15 minutos
de fama e... ahhh. — pauso fazendo o mesmo suspense característico de
meu pai em seus discursos. — Falando em quinze minutos da fama, o que
meu ex esqueceu de falar em sua entrevista é que além de eu ser chata e
sem graça, também fui seu saco de pancada. Sim, Patrick Gabner me socou
e fui impedida pelos meus pais de prestar depoimento porque isso
mancharia a imagem da empresa e família perfeitas. — dou de ombros,
sorrindo sarcasticamente. — Essa mesma empresa e família que tanto
aparecem na televisão pelos escândalos que vocês já estão cansados de
ouvir. — dou uma piscadela para a câmera de um dos repórteres. — Mas
pelo que vocês podem ver... ninguém é o que parece.

Saio da sala, lançando-me pela escada, o nó se tornando cada vez


mais forte em minha garganta, perturbada com minha constatação tão
tardia do quanto eu poderia ser essa mulher há muito... há muito mais
tempo.
Eu sempre quis ser amada por eles, me mostrar a melhor atrás de
um nível de perfeição que meu pai impunha em seus olhares atravessados
para mim, como se ele mesmo fosse um deus mitológico. A falta de amor e
atenção com que eu já me acostumara, eu compensava em notas excelentes
e comportamento exemplar como se isso fosse algum dia elogiado por eles.

Independentemente de ter o sangue Kane correndo por minhas


veias ou não, eu não queria ser um deles.

Eu não era um deles.


Eu não seria mais um deles.

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Meus olhos percorrem meu quarto como se meu coração


soubesse o que procuro e antes mesmo de eu entender, encontro o bilhete
caído no tapete. Soco meus joelhos no chão no afã de pegar aquele papel
dobrado como se a salvação de minha alma dependesse daquilo e o abro
quase rasgando, meus dedos afoitos escorregando suados pelos cantos.

Leio as letras rabiscadas de Miguel em voz alta:

Preciosa,
Eu te amo tanto que não me sinto eu mesmo quando não estou
com você. Eu, Miguel Guzmán. Ele só existe porque você existe em mi vida.
E o meu maior medo não é que eu não me reconheça, mas que você não
ame o homem que revelo ao seu lado, pois só ele é de verdade.
E yo quiero ser ele para sempre, sem mistérios, sem planos, sem
estratégias... apenas Miguel para su Ellie.
Mi corazón mudou completamente quando te conheci, mi
preciosa, porque ele te reconheceu como su outra metade. Se ele não batia
antes, ahora bate por você, só você.
Mas não sei se meu amor pode ser o bastante para que você
suprima tudo que iz. Não sei se entregar minha vida a você pode ser o
bastante para que você me perdoe.
Contudo, eu vou entender se não for. Eu vou entender sua escolha,
seja qual ela for.
Eu estarei no hangar de Hamptons às 12h do dia 19. E estarei
pronto para qualquer decisão que tomar: me perdoar e vir comigo para
que meu destino seja acordar todos os dias ao seu lado; ou não me perdoar
e me entregar para a polícia, porque eu não merecerei qualquer destino
senão esse, sem você ao meu lado.
Não importa qual escolha você tomar... você es fuerte para tomá-
la, mi preciosa.

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Mi destino está em suas mãos.


Te amo.
Miguel Guzmán.”
Seguro o bilhete contra o peito e sinto meu coração golpear
olhando o relógio em minha mesinha, minha visão turva não consegue
focar os ponteiros no primeiro momento; eu me levanto e con irmo que é
quase onze horas da manhã, meus joelhos tremem, olho à minha volta, não
preciso de nada, não preciso de nada, não quero nada dali, nada.

No entanto, dou uma passadinha rápida no quarto de meus pais,


um sorriso de contentamento ganhando meu rosto.
Assim que tenho tudo que quero em uma pequena mala de mãos,
me precipito pelo quarto, praticamente me jogando pelo corredor,
escorrego meus saltos na escada me segurando no corrimão, pulo os dois
últimos degraus e atravesso a sala, empurrando as pessoas à minha frente,
esbarrando nos garçons, não olho para o caixão de meu pai, não olho para
minha mãe sendo abanada pela empregada no canto, não olho para mais
nada a não ser a porta de saída daquele mausoléu.

Eu... respiro... eu respiro!


Tiro meus saltos atravessando o jardim e assim que alcanço o
pátio, vejo Lennox estacionando sua Mercedes convencível ostensivamente
rosa choque e aceno, berrando que não desligue o carro. Chloe se debruça
sobre a porta e o vento frio joga seus cachos para o lado, ela me olha sem
entender o que eu peço e meu amigo tira os óculos escuros me encarando:

— Não! Não pare! Eu... eu preciso que me levem para Hamptons!


— corro sentindo o piso escorregadio e gelado contra meus pés e deslizo
algumas vezes, a mão para o alto, meu fôlego se perde no meio das batidas
em meu peito, eu sussurro para mim mesma. — Eu sou forte, eu sou forte!

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Lennox morde a ponta da perna de seus óculos e faz uma de suas


caretas quando me jogo no banco traseiro de seu carro, as pernas para o
alto, as costas diretamente no couro branco:
— Meu faraó reluzente... essa mona icou louca de vez!

— Pisa no acelerador! — grito enquanto tento me ajeitar no


banco; Lennox pisa fundo e quase voo para trás caindo na gargalhada,
Chloe debruça sobre o encosto:
— O que está acontecendo? A gente ia icar com você no velório,
te dar um apoio e...

— Miguel deixou um bilhete — busco fôlego. —, ele vai sair ao


meio-dia do hangar.
— Você está indo se despedir?

— Claro que não, Chloe, sua besta! — Lennox ri alto me olhando


pelo retrovisor. — Vê se isso é cara de alguém que vai dizer adeus a um
homem como aquele?! Ela vai é dar eternamente para ele!
Chloe me puxa para um abraço e eu quase que ico
completamente erguida no carro, envolvida por seus braços, seu banco
entre nossos quadris. Ela me solta sentando-se novamente e eu seguro o
encosto ainda de pé, sentindo o vento forte golpear meu rosto, açoitar
meus cabelos, me lembrando nitidamente da sensação quando estava
chegando à marina para a festa de celebração da empresa que na verdade,
era meu noivado... olho a estrada à minha frente, Lennox acelerando,
minha amiga ao seu lado... solto meus dedos e lentamente abro meus
braços.

Meus ios soltos dançam ao vento, minha barriga formiga de


nervoso, meus pés libertos dos sapatos de salto, o movimento do carro dita
uma nova cadência ao meu coração. Eu me lembro da estranha sensação

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que tive ao ver Miguel pela primeira vez, como o segundo antes de
pularmos de um precipício.
Sim, eu estava pulando!

— Eu vou dar um jeito de ter notícias suas, da gente se falar... —


me solto dos braços dos dois, as lágrimas de felicidade e saudade já em
meu rosto, Lennox funga, Chloe diz que vai me achar, eu não duvido, sorrio,
dou alguns passos para trás. — Eu amo vocês... vocês são minha família!

— Vá! — Lennox levanta um braço de modo exagerado. — Não


posso manchar meu rímel, Ellie, peloamordedeus. — ele ri nervoso e
segura o choro. — Vá, antes que ele decole!
Eu mando um beijo estalado com a mão, que ele pega e coloca
sobre o peito, Chloe o abraça e eu giro rapidamente meus calcanhares
passando pelo portão baixo de ferro, atravessando correndo o galpão de
aço e madeira, deslizando meus dedos pelo pequeno monomotor
estacionado.
O silêncio do local me assusta, só escuto meus próprios pés, mas
respiro aliviada quando vejo mais à frente a aeronave de modelo pelicano,
portas abertas e hélice girando devagar, minhas pernas tremem no
instante em que o vislumbro, cachos bagunçados pelo vento, óculos
escuros, mãos nos bolsos, parecendo tão ansioso quanto eu.

No segundo que ele me vê, meus joelhos irmam e eu saio


correndo ao seu encontro. Miguel sorri de volta e seus passos apressados
vêm até mim. Não falamos nada no curto espaço que nos separa e quando

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nossos corpos colidem um contra o outro, ele procura minha boca com a
sua, seus dedos me agarram e ele me eleva, me girando enquanto me beija.
— Você veio, mi preciosa... — ele murmura em meus lábios e eu
sorrio nos seus:

— Você é meu precipício, Miguel... — ele busca meus olhos,


curioso, e eu alargo o sorriso: — Minha tempestade, meu mistério... meu
destino.

Ele me escorrega por seu corpo e meus pés voltam ao chão, no


entanto, seus dedos seguram meu rosto:

— E você é minha Kane favorita.


Rio alto e ele pega minha mão, beijando seu dorso.

— Tudo bem, acho que estamos quites. — faço beicinho e ele me


ajuda a entrar no avião, coloco a pequena mala aos meus pés.
— No, preciosa — ele me gira para si quando me sento ao banco.
— Nunca estaremos quites e eu vou viver minha vida tentando
recompensá-la de todas as formas.

Sorrio para sua resposta e o observo enquanto ele dá a volta no


avião e sobe ao meu lado ligando os controles:
— Então para onde vamos?

— Primeiro temos uma parada para um certo tratamento que


tenho que fazer para garantir a tal vida tentando recompensá-la. — ele diz
em meio a um sorriso torto e vacilante e eu retruco:
— Quer dizer que a versão Miguel é mais piadista do que a versão
sarcástica de Trevor?
— Ah sim — ele me entrega os fones pesados. —, bem, vamos ter
que ver, Miguel é um cara que estou querendo conhecer tem um certo
tempo, mas gosto muito dele quando estou ao seu lado.

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— Eu também. — sussurro, colocando meu fone e ele tira seus


óculos aviadores me presenteando com aqueles olhos verdes incríveis....
bem, seja lá quem Miguel for, eu simplesmente espero que ele saiba pilotar
um avião.

O motor parece roncar e eu olho o horizonte, o tempo não está tão


claro, as nuvens têm uma cor chumbo e o vento aperta. Miguel pisca para
mim e eu seguro sua mão olhando meu destino.

A tempestade vinha... e... mesmo não sendo o tipo de garota que


enfrenta tempestades... eu estava indo de bom grado para o olho do
furacão.

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Epílogo

Agosto de 2017

Saio de casa e Dulce Maria agarra minhas pernas, rindo ao me


fazer cosquinhas com seus pequenos dedos; eu me sento ao degrau da
porta e ela pula em meu colo recostando os cabelos encaracolados em meu
peito, me olhando com aqueles olhos negros de jabuticaba, como as
frutinhas do pé que plantamos no quintal.

A árvore crescia devagar nesses últimos cinco anos, desde que


trouxemos algumas sementes do Brasil; Miguel havia duvidado que ela
crescesse tão forte em terras colombianas, mas eu já tinha lido algumas
vezes que aquele país era o paraíso das frutas, e não era por menos que
estalávamos aquela frutinha preta na boca, ecoando “plocs” deliciosos em
meio à sorrisos tranquilos nos inais das tardes.
Maria pula na grama assim que avista Pringles saindo da casinha
de madeira e corre até ele, afagando suas orelhas peludas, sorrio vendo os

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dois brincando sob o sol fraco e estico minhas pernas sobre a terra
quentinha. Minha barriga está grande e eu deslizo meus dedos por ela,
vendo o umbigo meio saltado, o chute forte de Lara comprovando o quanto
aquela bebezinha me daria trabalho.
Não tenho feito muita coisa ultimamente desde que a gravidez
avançara e, por mais que estivesse tudo bem, como era a primeira desde a
gravidez química há mais de dez anos, eu ainda me sentia insegura com
todas as novidades e medos de uma gestação pela primeira vez.

O pequeno portão de ferro é aberto e eu miro Miguel entrando


por ele, testa suada e roupa amassada, depois de um dia inteiro fora; ele
me vê, sorri para mim, mas agacha ao lado de Maria e Pringles, rolando
com eles pela grama baixa.

Rio alto, mirando aquela cena, apaixonada.

Foi assim, exatamente assim, que vimos nossa ilha pela primeira
vez: Dulce Maria brincava com o pequeno vira-lata sozinha, no triste e
solitário orfanato de uma vila vizinha a de Miguel quando era criança. Nós
tínhamos acabado de chegar do Brasil, depois de alguns anos em Porto
Rico e pensávamos em ixar morada no país natal de Miguel, mas não
sabíamos se era cedo ou não.

Ali tivemos nossa resposta, naquela garotinha miúda de cabelos


tão cacheados quanto os de Miguel e uma pintinha como um pequeno
molde de abelha pertinho dos lábios desenhados em forma de coração.
Dulce Maria era seu nome e demos a ela o nosso amor e com ela tivemos
um lar que chamávamos de nosso nos últimos cinco anos, num cantinho
único da Colômbia, onde vivíamos e tentávamos fazer diferença — mesmo
que as malas prontas escondidas nos armários sempre estivessem à mão
no caso de precisarmos fugir mais uma vez.
Meu marido agora se dedicava a construir casas sustentáveis e
mais baratas; nos últimos meses havia criado com os moradores um

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sistema capaz de abastecer seus lares com água limpa. Eu trabalhava num
posto de saúde da vila ao lado de outras mulheres, em um atendimento
que envolvia acompanhamento psicológico, educação, amor e carinho e
não só meu trabalho como enfermeira... Aquilo era muito mais, signi icava
muito mais.

Ressigni icava tudo.

Nós havíamos construído aquele posto de saúde, como pequenos


hospitais em várias vilas dos países que tínhamos morado nos últimos
anos e eu só poderia agradecer às joias de minha mãe... se aquela coleção
havia sido inspirada em meu marido... nada mais justo que desse
continuidade aos seus planos de reconstruir a vida dos que minha família
tinha, de algum modo, afetado.

Além disso, o dinheiro da Kane tinha sido transferido no dia da


morte de Desmond, anonimamente para muitas famílias, ONGs e
voluntariados, mas agora, fazíamos nós mesmo nosso trabalho,
colocávamos a mão na massa e recebíamos muito amor em troca.

Era o su iciente para transbordar meu coração.

— Estoy muerto! — Miguel se joga ao meu lado e reviro os olhos


para o que fala, não, não gosto nem um pouco dessa expressão ainda que
ela seja apenas uma expressão.

Passo as mãos pelos seus cachos suados e ele sorri para mim,
meus dedos deslizam por seus ios eu ito seus olhos verdes, me
lembrando que uma vez ele havia me dito que aquela cor era a da
esperanza.
Sorrio mais um pouco ao me lembrar que ele havia me falado
aquilo depois de o médico dizer o protocolo de tratamento para seu câncer,
quando nos deitamos naquela noite e eu disse que seus olhos eram meus
faróis em qualquer escuridão.

agosto•2021
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— Você sabe que não gosto que fale assim. — bronqueio, mas
beijo seus lábios logo em seguida.
Miguel estava curado.

Ele havia feito algumas sessões de quimioterapia, uma cirurgia


para retirada completa de seu estômago e mais outras sessões de
quimioterapia após a cirurgia e sim, ele vivia bem sem o estômago, o que
não me surpreendia, meu marido era fuerte. O comprometimento da
qualidade de sua vida foi praticamente zero, emagreceu um pouco mais, o
que compensou em alguns músculos no trabalho voluntariado dos últimos
meses.
Beijo ternamente sua boca outra vez e ele me abraça, acarinhando
a mim e Lara ao mesmo tempo, olhando Maria jogando alguns
brinquedinhos para Pringles, então a chama e ela vem correndo com o
peludo atrás, os dois saltitando.

Nossa pequena pula em suas pernas e Miguel abafa uma risada,


fungando sua nuca:

— Esses cachos de mel precisam de um banho... — ele en ia o


nariz no pescocinho dela e ela solta uma gargalhada esfuziante, Pringles
lambe seus pés e nossa ilha balança os dedinhos, agora rindo de nervoso.
— No estás tão Dulce Maria así, pequena, está azeda...
Maria en ia uma jabuticaba na boca de Miguel e ele a estoura,
mostrando os dentes, ela volta a rir e eu não posso imaginar sensação
melhor no mundo.

— Papá não me peeegaaa! — ela cantarola se levantando e


dobrando os bracinhos nas laterais do corpo, como asas de galinha. Miguel
faz uma careta em resposta, mas no segundo seguinte está correndo atrás
dela, com Pringles atrás como uma sombra por todo nosso quintal.

agosto•2021
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Meu celular bipa e eu sorrio ao ver a foto de Lennox e Chloe em


San Andrés, os dois tomando água de coco na belíssima praia com um mar
de azul degradê logo atrás. Suspiro antecedendo a alegria que seria
reencontrá-los depois de tanto tempo, a suposta viagem de férias para
locais paradisíacos que haviam tirado com o intuito de passarmos um
tempo juntos.

Em alguns dias eles estariam aqui e mataríamos toda a saudade


dos últimos anos. Não que não tivéssemos nos falado, sempre dávamos um
jeito, mas era a primeira vez que nos veríamos e meu coração batia numa
sinfonia feliz à espera desse reencontro.

Olho as últimas notícias rapidamente e não tem como retesar um


sorriso irônico ao ver as notícias do im do casamento de minha mãe com o
senhor Clark.
Ela sorria para a foto depois de alguma aplicação de Botox e eu
tenho que abrir a foto um pouco mais para ter certeza do que estou vendo,
mas sim, era ele, Andrew um pouco mais atrás, perto de um poste, como
se... como se a aguardasse... reviro os olhos sem acreditar, imaginando se
estariam juntos todo esse tempo ou... bufo, mas desta vez eu não queria
saber o que estava por trás de seus dentes arreganhados.

Não leio a pequena reportagem de menos de cinco linhas,


demonstrando claramente que Sophia não era mais tão interessante assim.
Também não o era para mim.
Nada que um dia remetera ao meu sobrenome o era.

Deixo o celular no degrau e penso que eu nunca soube ou quis


saber se eu realmente era ilha de Desmond. Acho que no im das contas,
não me importava, eu poderia ser quem eu era independente do sangue
que corria em minhas veias, agora misturado ao de Miguel e nutrindo
nossa Lara.

agosto•2021
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Miro aquele quintal, meu Miguel com nossa Maria e os latidos do


bolotinha peludo... A família que formávamos era a prova disso.

Eu me levanto e sigo eles, correndo aio lado de Miguel enquanto


Maria acha que se esconde atrás da jabuticabeira... envolta por tanta
felicidade... os quatro amores da minha vida...

Minha família.

agosto•2021
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