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Copyright © 2020 J.

Marquesi

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos de imaginação do
autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Analine Borges Cirne


Capa: Layce Design

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qualquer parte desta obra, através de quais meios –
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Edição digital | Criado no Brasil


1

Júlia
Caminho segurando as caixas das encomendas que
chegaram atrasadas e que me fizeram ir até a agência dos
Correios a fim de buscá-las. Tive que parar o carro longe
de casa, porque, mais uma vez, o lugar onde moro está tão
lotado de turistas que foi mais fácil deixar o veículo e ir
andando a pé a seguir enfrentando a procissão que se
forma até o “centro”.
Confesso a vocês que, embora seja inconveniente
estacionar longe quando se tem várias caixas nos braços,
prefiro assim. Muitos turistas significam muito dinheiro
circulando, e tudo o que minha família e eu precisamos é
que, neste final de ano, as coisas melhorem e o
faturamento seja suficiente para aguentarmos até outra
grande data festiva: a Páscoa!
Respiro fundo, desviando-me de um grande grupo
de pessoas cheias de sacolas que tiram fotos sem parar
das lojinhas ao longo da rua. Sorrio para algumas crianças
que estão se deliciando com sorvete e reconheço com
orgulho a logomarca estampada nos copinhos de papel
reciclável e nos guardanapos.
Casa Virtanen, meu lar e o legado da minha família
desde quando meus bisavós chegaram ao Brasil com sua
filha pequena. Vieram em busca do sonho de melhor
qualidade de vida, clima tropical e proximidade da
natureza, e nenhum outro lugar do país apresentou tudo
isso tão bem quanto Itatiaia, mais especificamente Penedo,
um lugarzinho abençoado em todos os sentidos, no sul do
estado do Rio de Janeiro.
Aqui, neste pequeno bairro às margens da Serra da
Mantiqueira, tão perto do Parque Nacional das Agulhas
Negras, é onde estão minhas raízes e onde, junto a meus
tios, primos e irmão, sigo mantendo vivas as tradições que
aprendi com minha avó Eni.
— Ei, moça, cuidado!
Escuto a voz de um adolescente, mas não tenho
tempo de averiguar o motivo de seu aviso, pois logo
tropeço em uma mala que algum descuidado deixou na
calçada e perco o equilíbrio, fazendo com que as caixas
nas minhas mãos se mexam perigosamente, prontas para
irem todas ao chão.
Ah, não! Tento voltar ao prumo, mas a caixinha que
estava no topo da pilha desliza devagar. Assisto a cada
movimento, centímetro por centímetro, como se fosse em
câmera lenta e calculo o prejuízo que terei se as lindas
peças de cristal que estão acondicionadas nela se
quebrarem.
— Peguei!
Saio do transe causado pelo susto segundos antes
de me esborrachar no chão – espalhando as outras caixas
ao meu redor – e ser pressionada contra o cimento da
calçada por um enorme homem estranho.
Começo a rir, nervosa, não só por ele estar sobre
minha frágil encomenda, mas também por sentir sua
proximidade, o perfume delicioso que parece se
desprender de sua pele e a quentura de sua mão nas
minhas costas. Focalizo então seu rosto, grande, clássico,
enfeitado com um belo par de óculos escuros e me perco
em um sorriso perfeito de lábios cheios, uma barba bem
cuidada e dentes brancos...
— ... tentando pegar você...
Arregalo os olhos, coração disparado, sem entender
do que ele está falando, consciente apenas de sua
proximidade e das palavras “pegar você” na frase dita por
uma voz tão melodiosa e grave que combina perfeitamente
com ele.
— Bateu a cabeça? — ele continua a falar, e sinto
sua mão, entre minhas costas e o chão, se mexer. — Acho
melhor pedir ajuda... — Ele olha para os lados e grita: —
Acho que ela precisa de uma ambulância!
— O quê? — disparo de repente, balançando a
cabeça, percebendo que meu estado lastimável de total
admiração por esse espécime masculino incrível me fez
ficar sem reação e o assustou. — Eu estou bem!
O estranho franze a testa, mas depois sorri.
E que sorriso!
Concentre-se, Jules!, minha racionalidade me
repreende, e tento me levantar.
— Eu peguei a caixinha que estava caindo e não
percebi que você caía junto — explica ele, colocando-se de
pé e me estendendo a mão. — Deveria tê-la impedido de ir
ao chão.
Cavalheiro!, não consigo impedir o pensamento,
mas bloqueio o suspiro antes que ele me faça fazer papel
de boba mais uma vez.
— Tudo bem! — Sorrio de volta, e ele me estende a
caixa com os anjinhos de cristal que, graças a Deus, foram
salvos. — Ter pegado isso aqui já foi de grande ajuda.
— Falando nela... — aponta as caixas. — Posso
ajudá-la a...
Cara, você existe mesmo? Olho-o desconfiada,
achando já que tanta presteza pode esconder intenções
obscuras. Não seria a primeira vez que um turista se
aproximaria com o intuito de ter uma aventura de férias,
mesmo estando aqui com a mulher e um monte de filhos.
— Não precisa. — Corto o oferecimento antes que
fique tentada a aceitar. Raramente vejo turistas do sexo
masculino aqui sozinhos, ainda mais na época do Natal;
esse milagre natalino só acontece em filmes de fim de ano.
— Já estou perto do meu destino. Obrigada.
O homem dá de ombros.
— Por nada!
Ele se despede e segue seu caminho na direção
contrária à minha, e, infelizmente, não consigo desviar os
olhos, dando-me conta de que o resto do conjunto – o
corpo dele é incrível, mesmo vestido, pronto, falei! –
combina perfeitamente com o rosto.
— Ai, meu Deus! — A voz de uma mulher me faz
parar de comer o desconhecido com os olhos. Concentre-
se, Jules, a namoradeira é a sua prima! — Eu esqueci a
mala aqui fora!
Encaro a senhora risonha, alheia ao tombo que
tomei por conta de seu esquecimento, e, atrás dela, vejo
Glauce, minha prima. Falando nela...
— Oi, Jules! — Ela me cumprimenta ao pegar a
mala esquecida na calçada e arregala os olhos ao ver as
caixas ao meu redor. — As encomendas chegaram!
Assinto.
— Quase três semanas atrasadas, mas, ainda
assim, antes do Natal. — Rio e aponto a velhinha, que
voltou para dentro da pousada. — Veio acompanhada?
A minha pergunta tem um porquê. Algumas vezes já
aconteceu de recebermos aqui, em épocas festivas, como
o Natal e até o Dia das Mães ou dos Pais, idosos solitários,
e nós da família acabamos adotando-os e os convidando
para nossas próprias comemorações.
— Sim! Ela, o filho, a nora e os netos. — O seu
sorriso de satisfação não me passa despercebido, afinal,
pousada cheia é sinônimo de que os negócios vão bem. —
Estamos esperando só mais um casal e lotamos.
— Isso é ótimo! — digo animada.
— É, papai fica aliviado. Quer ajuda?
Olho para a grande mala na mão dela e recuso.
— Eu consigo levá-las até a loja, já consegui
sobreviver a esse baita obstáculo. — Aponto a mala, e ela
ri.
— Topa um vinho hoje à noite?
— Claro! Seremos só nós duas ou os meninos irão
participar também?
Ela faz careta.
— Noite de meninas! — Beija o ombro. — Digo e
Nato já estão com compromissos “agendados”.
Gargalho por causa da voz debochada que ela faz,
demonstrando todo o seu ciúme por nossos irmãos
preferirem companhia feminina não fraterna a nós duas.
— Nos vemos à noite, então.
— No seu chalé! — grita, entrando na casa, e
concordo. — Se for lá em casa, o papai irá querer
participar, e quero beber e falar bobagens.
Pisco para ela.
— Perfeito!
Recolho as caixas, ando mais 50 metros até a Casa
Virtanen, a loja de doces especiais que minha avó abriu há
quase 50 anos, e as entrego – sãs e salvas – para Lucinda,
funcionária da loja.
— Finalmente chegaram, hein?
Suspiro e uno as mãos em agradecimento.
— Sim, finalmente! — Olho para a rua lotada e
prevejo uma semana de intenso movimento. — Foi uma
saga que quase culminou em um desastre, mas a magia de
Joulupukki[1] enviou um milagre em forma de homem para
impedir que isso acontecesse.
— Um milagre, é? — A voz de Lucinda é cheia de
curiosidade.
— Bom, era um homem comum, mas sua boa ação
o elevou ao status de ser considerado um milagre de Natal.
— Não seria melhor dizer que o homem foi um anjo?
— ela pergunta enquanto abre as caixas com as
decorações natalinas que estávamos esperando para
terminar de deixar a loja no clima das festas.
Anjo? Tomara que não!, penso maliciosa,
lembrando-me do corpo e do sorriso másculo do indivíduo.
— Ele era quente demais para ser um anjo. — Pisco
para ela, rindo do seu rosto corado de vergonha, e entro na
cozinha, onde meu irmão, Rodrigo, está preparando uma
de suas receitas especiais. — Oi, Digo!
— Ah, enfim chegou! — Ele para de confeitar os
biscoitos que, pelo aroma, acabaram de sair do forno. —
Fiz korvapuusti[2] e estava...
— Ah... esse é o cheiro que senti! — Corro para a
bancada de descanso e suspiro ao ver a enorme assadeira
repleta de rolinhos da massa de pulla[3] recheada com
manteiga, açúcar e canela. — Você é um anjo, Digo!
Meu irmão me olha como se não entendesse o
predicado, mesmo porque geralmente o chamo de demo,
mas não explico a piada interna, deixo essa vantagem
comigo. Quando se tem um irmão, é necessário ser
esperta e pensar bem antes de dizer ou fazer algo que
possa ser usado como arma para deboches futuros e
constrangimentos!
— Longa história. — Encerro o assunto antes de
morder o pãozinho e fecho os olhos quando a massa macia
se desfaz em minha boca, causando uma explosão de
sabores com a mistura do cardamomo – ele usou um
levemente canforado – e da canela.
— Coloquei mais umas coisinhas...
— Sim, estou sentindo... — Mastigo mais. — Nozes
e passas?
— Passas, acertou, mas nozes? — Ele ri. — Eu não
seria tão óbvio!
A crocância não me engana, sei que há alguma
oleaginosa na massa.
— Amêndoas? — Novamente ele nega. — Ah, seu
demo, o que você usou?
Ele gargalha e levanta a embalagem, fazendo-me
arregalar os olhos.
— Sacrilégio! — Ponho a mão no peito, imaginando
o que mummo[4] iria achar de ele ter usado macadâmia em
uma receita tradicional. — Mas ficou deliciosa.
— Fez pouca diferença, pelo jeito, já que você
achou que eram nozes. — Ele resmunga algo sobre meu
paladar ruim e completa: — Estragado pela cachaça!
— Ah, até parece! — Jogo nele um pano de copa
que estava perto de mim. — O cachaceiro oficial da família
é você!
Ele limpa as mãos – no pano que joguei – e se
aproxima.
— Não, eu sei beber, ainda que beba muito. — Beija
minha testa. — Gostou, Jules?
O brilho nos olhos azuis cristalinos de meu irmão
não deixa dúvidas sobre como minha opinião é importante
para ele.
— Sim, você tem se tornado um padeiro incrível. —
Ele sorri e agradece. — Vai servir amanhã no café dos
hóspedes?
— Sim, cortesia da Casa Virtanen. — Pisca. —
Depois os hóspedes da pousada podem comprar aqui
conosco ou encomendar para o café da tarde.
— Você é um demo mesmo! Vicia os hóspedes com
nossas delícias e depois cobra deles para terem mais! —
Beijo seu rosto. — Vão esgotar seu estoque todos os dias.
— Tomara! Geralmente temos bons resultados.
Concordo, pois constantemente usamos a estratégia
de oferecer alguns produtos da loja de doces como cortesia
na pousada, e isso sempre deu certo, principalmente por
sermos ligados pelo pátio onde, quando o tempo está
firme, sem indícios de chuva ou garoa, são servidas as
refeições aos hóspedes.
— Glauce comentou contigo sobre o baile no Clube
Finlândia? — Rodrigo me pergunta, mas nego. — Bateu
recorde de convites vendidos, ultrapassou e muito a
quantidade do ano passado, inclusive, todos os hóspedes
da pousada vão.
Arregalo os olhos.
— Todos? — Ele assente feliz. — Isso é maravilhoso
para o clube!
— Sim, estamos bem animados para esse final de
ano. Algo me diz que será especial!
— Deus te ouça! Tudo o que mais peço é que
possamos ter um fim de ano movimentado para sairmos da
crise...
Rodrigo assente, mas não comenta mais nada,
concentrado novamente em seus doces. Termino, então,
de comer minha sobremesa e me despeço dele, saindo da
cozinha e indo para a frente da loja a fim de ajudar nas
vendas.
Precisamos de um milagre de Natal!, desejo assim
que vejo a loja cheia de turistas que olham e fazem
perguntas sobre os doces, mas saem sem comprar nada.
***
— Um brinde a nós! — Glauce ergue a taça de vinho
tinto, e toco a minha com a dela, concordando com o
brinde. — Por que sua árvore ainda não está montada?
Ela aponta para o cantinho da minha sala, no
pequeno chalé onde moro, e suspiro.
— Ainda não consegui tempo para fazer isso. Tenho
trabalhado demais, comecei a decorar a loja de doces, mas
chego tão cansada em casa que tomo meu banho e logo
durmo.
Glauce faz careta.
— Isso não é vida, não, prima! Ainda mais para uma
mulher da sua idade. — Ergue-se do chão, onde estava
sentada sobre o tapete. — Vamos abrir aquelas caixas e
começar a montagem!
Sorrio animada e reconheço que, desde que Digo
alugou um apartamento para si próprio mais na entrada do
bairro, me sinto tão só dentro de casa que desanimo para
fazer algumas coisas.
Por muitos anos, desde que nos mudamos para
morar com nossa avó, éramos ele e eu juntos o tempo
todo. Rodrigo tinha 10 anos, e eu, apenas seis quando
nossos pais sofreram um acidente na estrada. Morávamos
no Sul do país, em Gramado, onde eles estavam tocando
outra Casa Virtanen.
O sonho do meu pai, Mauri Virtanen, era expandir o
negócio da família, e por isso ele escolheu uma cidade tão
importante para as festas de final de ano e bem maior e
mais movimentada que a pequena Penedo. A vovó ficou
cuidando da loja principal, enquanto tio Matias e tia Vitória
cuidavam da pousada.
Não me lembro muito dessa época da minha vida,
apenas que sentia saudades do resto da família e que,
quando recebemos a notícia da morte dos nossos pais,
Digo e eu ficamos horas abraçados, com medo de ficarmos
sozinhos para sempre, até que a vovó chegou, fechou a
casa Virtanen que seu filho mais novo tinha aberto havia
apenas alguns meses e nos trouxe de volta.
Suspiro ao pensar no quanto ela faz falta dentro
deste chalé! Vivi mais de 20 anos com minha avó e meu
irmão. Dona Eni nos criou e ensinou tudo sobre a tradição
passada por seus pais, que deixaram a gelada Finlândia
para trás, com o sonho de se estabelecerem nos trópicos,
mas nunca renegaram sua nação e seus costumes.
Além de tudo isso, aprendemos com ela o valor do
trabalho, da superação e, principalmente para mim, o
exemplo de que uma mulher pode fazer o que quiser,
desde comandar o negócio da família, criar seus filhos e
netos e ainda ser um pilar da comunidade. Ela era incrível,
empoderada, à frente de seu tempo, carinhosa, mas sem
deixar de levar a vida com rédeas curtas. Valente, de
opinião forte, sincera e muito exigente, uma pequena
mulher de cabelos grisalhos e olhos azuis que não tinha
nada de frágil.
Suspiro com o peso da saudade e recebo um olhar
curioso de Glauce.
— Pensava em mummo. — Sorrio triste. — Será o
terceiro Natal em que enfeito a árvore sem ela.
— Sim, eu já havia pensado nisso. — Pega minha
mão. — Fomos privilegiadas por termos uma avó como ela.
— Concordo. — E ela sempre teve orgulho de nós.
— Sim! — Suspiro novamente. — Por isso é tão
importante salvar a Casa Virtanen. A pousada vai bem,
mas a loja de doces tem sofrido com a concorrência
desleal das grandes franquias. É difícil algo artesanal
nivelar preço com coisas industrializadas e produzidas em
massa.
Glauce bufa de raiva.
— E Digo é um dos melhores chefs que eu conheço!
Ninguém faz doces como ele!
Ela me olha de um jeito estranho, como se quisesse
me dizer algo, mas tivesse receio. Infelizmente, sei do que
se trata.
— Ele poderia estar trabalhando em qualquer lugar
que lhe pagasse bem melhor do que ganha aqui na loja.
Glauce dá de ombros.
— Assim como você. — Ela pega uma das minhas
criações. — Entendo que você direcionou sua profissão
para a loja, mas, Jules, olha suas ideias e seus desenhos e
projetos!
Nego.
— Eu não sairia daqui. Não quero deixar para trás a
história da nossa família. — Sinto um arrepio. — Olha o
que aconteceu aos meus pais quando...
— Não. Foi uma fatalidade, não tem nada a ver com
as ideias de expansão que ele teve! Mas, no fundo,
entendo você. Eu me formei em hotelaria porque amo este
lugar, quero construir minha própria família aqui e, daqui a
muitos anos, quando meus pais não estiverem mais à
frente do negócio, quero assumir.
— Eu sei disso.
— Mas Nato não quer ficar mais aqui. Ele fez
administração de empresas porque achava que precisava
entender da gestão do negócio, mas o que ele ama não é
isso. — Concordo com ela, pois meu primo é um músico
incrível. — A parte mais feliz da semana dele é quando
chega o sábado e ele roda pelos bares e restaurantes com
a banda.
Meu coração se aperta ao pensar que meu irmão e
meu primo se sentem em obrigação com o negócio da
família e não seguem seus próprios sonhos. Ao mesmo
tempo em que sinto tanto por Digo, tenho medo de um dia
ele deixar a Casa Virtanen, pois seria o fim da loja, sem
alguém que assumisse a cozinha e as receitas da vovó.
Glauce começa a abrir as caixas com os enfeites
para a árvore de Natal, e deixo minhas preocupações de
lado por um momento para ajudá-la a desembrulhar cada
item delicado da coleção da minha avó.
— Eu sempre amei essas bolinhas e enfeites de
vidro — ela comenta, acariciando uma estrela vermelha. —
Se lembra de quando, por acaso, esbarrávamos na árvore
e quebrávamos algumas?
Faço careta.
— Era uma correria para esconder o delito da
mummo! — Rio com a lembrança do nosso tempo de
infância. — Mas ela sempre descobria, porque percebia
que faltava algo.
— Aquela velhinha tinha uma memória fotográfica!
Continuamos a abrir as caixas, desembrulhando os
enfeites do papel de seda e pendurando-os no pinheiro
artificial de quase dois metros que toma boa parte da
minha sala.
— Ah, olha o que achei! — Ela me mostra pequenos
pregadores de roupa decorados com Papais Noéis de
resina. — Vamos fazer uma cartinha!
Gargalho.
— Já estamos meio velhas para... — Não termino a
frase, pois sou arrastada até a mesinha de centro da sala,
onde há um bloco com caneta.
— Eu começo! — Glauce bebe um longo gole de
vinho e pensa um tempo. — Querido Papai Noel...
— Clássico! — debocho, e ela me mostra a língua.
— Esse ano fui uma boa garota. — Levanto a
sobrancelha, questionando a sinceridade dela. — O quê?
Fui mesmo! Não desobedeci aos meus pais, comi todos os
vegetais do meu prato, não soneguei impostos e...
— Quebrou dúzias de corações...
— Pois é, viu só? Uma ótima garota! — Sorri
maliciosa e continua: — Não querendo pedir muito, mas já
pedindo, seria possível conseguir um homem como os dos
romances que leio?
Não aguento mais e começo a rir
desesperadamente.
— Meu Deus, agora ela vai pedir um CEO de Natal!
— Gargalho, sentindo lágrimas brotarem nos meus olhos.
— Um CEO? — Torce o nariz. — Não, esse tema já
está muito batido. — Põe a tampa da caneta na boca
enquanto pensa. — Um roqueiro, um peão e até um
mafioso, eu aceito.
— Deus do Céu, fica cada vez mais louco esse
pedido!
Ela assina o papel, dobra a carta e a leva até a
árvore, fixando-a em um galho com o pregador decorado.
— Sua vez!
Nego e vou pegar mais vinho.
— A única coisa que pediria é que as coisas com a
loja melhorassem.
Glauce rola os olhos.
— Que pedido mais xoxo! — Ela começa a escrever
em outra folha e, quando volto para perto dela, a estende
para mim. — Assina!
Franzo a testa.
— Isso vale? — Rio. — Acha que Papai Noel vai
aceitar essa sua tramoia?
— Só assina! Deixa que, com o bom velhinho, eu
me entendo! — Pisca.
— Não vale pedir intercessão para o Arthur! —
Aponto acusadoramente para ela, pois nossa família é
amiga de longa data do Papai Noel oficial de Penedo.
— Assina logo!
Dou meu rabisco no final da folha, mas, quando
tento ler o que ela pediu, arranca a folha da minha mão
abruptamente.
— O que você pediu por mim?
Glauce pendura minha carta ao lado da dela na
árvore.
— Que as coisas com a loja melhorem — ela diz
sem me olhar, e desconfio de que isso não foi tudo e
pigarreio. — E sabe aquele CEO que eu não quero mais?
— Ela sorri e me abraça. — Pedi para você!
Gargalho, e ela me segue, segurando a barriga de
tanto rir. Há muito não nos divertimos tanto com uma
bobagem e, confesso, parecemos novamente duas
meninas sonhando com pedidos realizados pelo Papai
Noel e com um CEO caído do céu em plena Penedo em
dezembro.
— Um CEO de Natal! Só você para ter essa ideia!
2

Júlia
Balanço os quadris ao som de Last Christmas
interpretada pela Ariana Grande, adorando a nova
roupagem no arranjo que foi feito em uma das minhas
músicas preferidas.
— Vai acabar quebrando pescoço aí nessa escada!
— Lucinda avisa em tom de brincadeira.
— Nada! — Aprumo meu corpo e mexo os ombros
ao ritmo da música. — Você deveria experimentar, porque
tem me parecido um tanto enferrujada...
Ela ri.
— Enferrujada está sua... — Ela aponta para o lugar
que não nomeou, e arregalo os olhos e me finjo de
ofendida. — Tem um tempo já desde seu último namorado,
né?
— Luci! — Gargalho e volto a me pendurar na
escada para colocar os enfeites de Natal na guirlanda que
enfeita o teto da vitrine. — Não é porque não tenho
namorado que as coisas estão enferrujadas. — Estico-me
ao máximo para colocar o gancho para pendurar um anjo
de cristal e, quando consigo, vasculho a caixa que deixei
no último degrau da escada para pegar a delicada peça,
mas não a encontro. — Eita! Luci, eu acho que o anjo ficou
na caixa em cima do balcão. Você pode pegar para mim?
— É este?
A voz grave me faz olhar para trás com rapidez,
fazendo a escada balançar perigosamente, e só não me
esborracho no chão porque uma enorme mão segura a
escada, estabilizando-a.
— Desta vez agi a tempo! — Ele sorri.
Ah, meu Deus! Estremeço ao perceber que o dono
da voz sexy é o mesmo turista gato que me socorreu
ontem com as caixas.
— Obrigada... — Sorrio nervosa e desço devagar. —
De novo!
O sorriso sexy se expande, ele solta a escada e
estende a mão na minha direção.
— Murilo — apresenta-se.
— Júlia. — Aperto a mão o mais rápido que posso,
ignorando o fato de me sentir tão atraída pela beleza do
desconhecido. — Posso ajudá-lo em algo? — Dou uma
olhada em volta à procura de Lucinda, mas não a vejo em
lugar algum.
— Estava passando e vi algo delicioso na vitrine. —
O jeito que ele me olha me faz questionar se ele se refere a
algum doce ou a mim.
Meu coração dispara, e uma energia diferente toma
conta do meu corpo.
— O que é?
Ele fica um tempo mudo, apenas me olhando com
flagrante curiosidade e então respira fundo e aponta algo
atrás de mim.
— Não conhecia, mas já tinha visto e parece ser
extremamente gostoso.
Sinto um arrepio, e, contrariando a reação, minha
pele se aquece.
Concentre-se, é um cliente!
Olho para onde ele aponta e sorrio.
— É um Passion-Suklaatryffelikakku[5]. — Pela sua
cara – que me faz rir descaradamente –, não entendeu
nada do que eu disse. — É nossa Torta da Paixão. Quer
provar?
Murilo assente.
— O cheiro... — Ele aspira fundo. — Com certeza é
a loja de doces mais cheirosa que já visitei.
Abro um sorriso orgulhoso e vou até o balcão-vitrine
refrigerado, que fica do outro lado da loja, servindo um
pedaço generoso para ele.
— Um expresso acompanha bem, a não ser que
deseje algo gelado.
— Um café seria perfeito! — concorda, e aponto
para a bancada de madeira com cadeiras altas feitas de
ferro fundido, onde ele se senta. — Essa torta parece um
pecado, não deveria se chamar da paixão, mas sim da
luxúria.
Engulo em seco, meu corpo reagindo
desavergonhadamente a tudo que ele fala, como se tivesse
duplo sentido. Espero a máquina de café terminar de
passar o expresso e o levo até onde ele está sentado.
— Paixão foi por causa de um dos ingredientes —
explico e lhe assisto comer uma pequena porção da torta,
mastigar devagar e lamber discretamente uma porção do
creme que ficou em seus lábios.
Quase gemo alto, perdendo o controle da atração
inconveniente.
— Sim, maracujá! — Sorri. — A combinação do
chocolate com a fruta é perfeita, e tem essa base crocante.
— A massa é feita com cookies de chocolate
amargo e alcaçuz negro. Tanto os biscoitos como os
chocolates são de produção própria. — Aponto para as
camadas da torta. — Amargo na massa, ao leite na musse
de chocolate, branco na musse de maracujá e meio
amargo na cobertura.
Ele come mais um pedaço e mastiga sem tirar os
olhos dos meus.
— Só me faz pensar em pecado, na combinação
perfeita entre o macio e o duro, o doce e o ácido. — Ele
come mais, e me sinto congelada, paralisada, ao mesmo
tempo em que pareço ferver inteira, inclusive certa parte
que há pouco foi acusada de estar enferrujada. — É luxúria
para mim, muito mais potente que paixão.
Pego o pano úmido para limpar o balcão, desejando
ardentemente experimentar a luxúria da qual ele tanto fala
– e não é a torta! – e ocupo minha mente com algo que não
esse magnetismo que ele tem e que me atrai fortemente
desde nosso primeiro contato.
— É uma sobremesa tipicamente finlandesa? — ele
indaga de repente, e noto que já terminou de comer e toma
o café devagar.
— Não, mas a receita é da minha avó. Gostaria de
experimentar um doce típico?
— Claro! — Ele termina o café. — Surpreenda-me!
Ergo a sobrancelha e me sinto desafiada. Atravesso
a loja, indo até o expositor de doces, com os pratos
repletos de chocolates, minipães, bolinhos, rocamboles e
pego um doce que, tenho certeza, irá surpreendê-lo.
— Salmiakki! — Entrego-lhe um prato com duas
balas pretas em formato de losango.
Ele olha o doce por um tempo, depois o cheira,
franze a testa e, enfim, o experimenta.
— Mas que... — Tosse e começa a rir. — Achei que
era bala de goma, mas é salgada!
Gargalho e concordo.
— É um doce típico, feito com alcaçuz, anis e cloreto
de amônio.
Ele pega um guardanapo e cospe a bala dentro
dele.
— Mastiguei... — confessa rindo. — Caralho, ficou
amargo... — Ri mais. — Desculpa o xingamento.
— Tudo bem! — Pego a balinha extra do prato e a
ponho na boca. — Salmiakki não é para todos os gostos.
— Dou de ombros. — Talvez se você a experimentar com
vodca...
Murilo nega veementemente.
— Acho mais seguro provar doces doces! A torta,
por sinal, estava muito boa!
Sorrio.
— Desculpe-me pela pegadinha!
— Sem problema! Pedi para ser surpreendido e,
pode apostar, fui! — Ele olha para o relógio e se levanta. —
Não tenho mais tempo, mas outra hora volto para me
aventurar mais nos seus doces “não doces”. — Pega a
carteira, e tiro a nota de consumo, sem cobrar a bala, claro!
— Está hospedado aqui em Penedo? — questiono,
mas logo me arrependo, afinal, nunca me intrometo na vida
dos turistas.
— Sim, na pousada aqui atrás.
— Na Luonto[6]? — Ele concorda. — É a pousada da
minha família.
Murilo me encara.
— Você é uma Virtanen?
— Sim! — Entrego-lhe o troco. — Está gostando da
estada? Meu irmão vai fazer um menu degustação de pães
e bolos típicos no café da tarde. Talvez você possa provar
mais doces finlandeses.
— Talvez... — Ele parece um tanto vago.
Sorrio em despedida, um tanto desanimada por ele
ter tido uma reação tão fria ao convite que fiz, usando
como referência as brincadeiras que fizemos um com o
outro aqui na loja. Dou de ombros e saio atrás de Lucinda,
sem querer acompanhá-lo com os olhos enquanto volta
para a ensolarada rua.
É um turista, e, mesmo não portando nenhuma
aliança – é, eu conferi as duas mãos para ter certeza! –,
não quer dizer que não esteja aqui com alguém. Durante o
verão, principalmente por causa das belíssimas cachoeiras
que temos em Penedo, é comum encontrarmos grupos de
amigos, homens que viajam sem as namoradas, esposas
ou solteiros mesmo, porém, em plena época de Natal, isso
é raridade! As pousadas estão cheias de famílias, casais,
amigos de longa data e muitas, muitas crianças. Penedo é
especial no Natal mais do que em qualquer outra época,
porque temos, bem no meio do bairro, um shopping a céu
aberto cujo destaque é a casa oficial do Papai Noel.
Sim, você não sabia? O Papai Noel mora aqui!
No final da década de 90, o bom velhinho se mudou
para Penedo e estabeleceu aqui sua casa oficial de verão.
A casa, lindamente construída por um arquiteto também de
ascendência finlandesa, foi feita toda com toras maciças de
madeira e decorada com móveis típicos da Finlândia e
temática natalina. As crianças podem mandar suas cartas
para lá ou entregá-las pessoalmente ao Joulupukki quando
vão visitá-lo. Ele guarda muitas missivas na entrada da
casa, assim como seu trenó que o trouxe para morar nos
trópicos como fizeram meus bisavós e minha avó.
É certo que a casa funciona o ano inteiro, porém a
magia do mês de dezembro toma conta de Penedo, e as
risadas e brincadeiras das crianças ecoam por todos os
lados. Por isso eu amo tanto o Natal, porque, além de
estarmos cheios de turistas, há crianças, famílias e um
clima de amor que se espalha por todas as ruas.
Por esse motivo, não é bom eu ficar tão animada
com a atração que senti por Murilo, o Salvador dos enfeites
natalinos, e, mesmo que eu consiga averiguar com Glauce
sobre ele estar sozinho ou não, prefiro não o fazer.
Rio, percebendo que matei a charada sem querer e
que ele deve mesmo estar acompanhado, afinal, Glauce
nunca deixaria passar a informação de que um gato como
ele se hospedou sozinho na pousada!
Abro a porta da cozinha e encontro Lucinda
ajudando Digo a colocar geleia de frutas vermelhas no topo
das Runebergin Torttu[7].
— Diz que são recheadas! — peço da porta, e meu
irmão ri.
— O turista “bonitão” já foi embora?
Fico imediatamente vermelha.
— O quê?!
Rodrigo aponta para o grande monitor, cujas quatro
imagens mostram ângulos diferentes da loja.
Ah, merda, esqueci o monitoramento!
— Eu quase que tive de amarrar seu irmão aqui —
Lucinda comenta rindo. — Ele decidiu que o homem estava
comendo você com os olhos e quis intervir.
Coloco as mãos na cintura e o olho com expressão
brava.
— Eu sei cuidar de mim, viu?
Ele dá de ombros, voltando a colocar a geleia como
se não se importasse mais com o assunto, mas sei que se
preocupa comigo e que acha que tem que ser meu
guardião por ser meu irmão mais velho.
— A Luci me impediu de sair e disse que, com sorte,
não seria apenas com os olhos que você seria comida.
Abro minha boca, indignada com o comentário e,
mais ainda, com a risada cúmplice dos dois.
— Eu não estou enferrujada! — falo alto. — Minha
vida sexual vai muito bem, obrigada! — Bufo de raiva
quando ela cochicha algo para meu irmão, ele concorda, e
os dois riem mais. — Não preciso ter um namorado para
dar, posso fazer isso com qualquer homem, inclusive com
o turista gato, mesmo ele não gostando da salmiakki!
Meu irmão fica sério de repente, mas não me olha.
— Ele tem bom gosto, ao contrário de vocês dois! —
Lucinda comenta, mas, percebendo a falta de reação do
Digo, franze a testa.
Abro a boca para perguntar o que está acontecendo,
mas, antes de formular qualquer palavra, escuto um
pigarrear às minhas costas.
Não!, imploro mentalmente, fazendo a promessa de
nem tocar nas Runebergin se não for Murilo atrás de mim
ou, se for, que ele não tenha ouvido o que falei. Lucinda me
olha assustada, e gemo baixo, tendo a resposta sem nem
mesmo me virar.
Dignidade, Jules! Aja como se não tivesse dito nada
constrangedor.
Viro-me e o encaro, detestando agora o sorriso sexy.
— Pois não?
Ele, que agora usa um par de caros óculos escuros,
aponta para o balcão.
— Esqueci a chave do carro, voltei para buscá-la,
mas não encontrei ninguém na frente da loja. — Ele me
mostra um aparelho que nada parece uma chave, mas que
deixa claro ser de uma BMW. — Queria avisar que fui eu
quem a pegou.
Engulo em seco e ergo minha cabeça, disfarçando
minha vergonha.
— Confesso que nem a tinha visto no balcão. —
Dou de ombros. — Mas que bom que lembrou a tempo!
Ele guarda o pequeno aparelho – a chave – no bolso
da calça.
— Meu relógio avisou. — Murilo fica sério por algum
tempo e tira os óculos de sol. — O cheiro que sinto é de
algum doce para a degustação do café da tarde?
— Sim — respondo, intrigada com a curiosidade
dele, já que pareceu tão estranho quando falei do evento.
— Meu compromisso foi cancelado... — Ele mexe
no bolso onde enfiou a chave, mas não tira nada dele. —
Você estará presente na degustação?
Meu coração dá uma agitada, e me lembro dos dois
abelhudos dentro da cozinha. Fecho a porta e ando para
um canto da loja que sei que fica em um ponto cego das
câmeras.
— Talvez — respondo vagamente como ele. — Vai
depender do movimento da loja na hora.
Murilo assente e volta a sorrir.
Fica sério, homem!, meu cérebro grita, já meio
abobado por conta do magnetismo desse simples gesto.
— Eu iria adorar saber mais sobre os doces, pães e
bolos da Finlândia.
Rio, sentindo-me um pouco malvada pela resposta
que darei.
— Meu irmão estará presente e, como chef, é muito
mais capacitado que eu para explicar essas coisas.
Murilo ri alto.
— Está certo! — Volta a colocar os óculos,
escondendo seus lindos olhos castanhos. — Foi bom vê-la
de novo, até mais.
O perfume delicioso que senti quando me ajudou
com as caixas me faz respirar mais fundo para capturar a
fragrância masculina e elegante.
— Não esqueceu mais nada? — inquiro, sem poder
me conter, e ele volta a me encarar.
— Não. — Olha para trás no momento exato em que
outros turistas entram na loja e suspira. — Mais clientes! —
Assinto, deixando o grupo transitar um pouco entre as
opções expostas. — Acho que vou voltar outra hora para
tentar de novo com a bala salgada.
Desvio a atenção das pessoas recém-chegadas e o
encaro curiosa.
— Por quê?
Ele sorri, põe as mãos nos bolsos, aproxima-se mais
de mim e sussurra:
— Para aumentar minhas chances; não quero que
isso seja empecilho.
Sinto meu rosto arder, mas minha pele reage ao
mínimo sopro do hálito dele que pega no meu pescoço,
minhas pernas se contraem e preciso respirar fundo para
não ronronar feito uma gata no cio.
Ele não se despede de novo, apenas se afasta e
passa pelos outros turistas, saindo para a calçada.
Respiro fundo várias vezes, lutando contra a atração
que agita meus batimentos cardíacos de tal forma que
parece que fiz mais de uma hora de cardio na academia.
Questiono-me se ele sente o mesmo, se seu corpo reage à
minha presença como o meu à dele e então paraliso e
deixo de respirar ao me dar conta do que ele falou antes de
sair.
Fecho os olhos, morta de vergonha.
Então Murilo ouviu o que eu disse sobre ele!,
constato consternada e tento ignorar a excitação por saber
que a sua resposta só prova que a atração não é unilateral.
Caramba!
3

Murilo
Saio da proteção do ar-condicionado da loja de
doces e sinto o sol inclemente de dezembro me aquecer
rapidamente. Não que eu precise ser aquecido, ainda mais
depois da loucura que fiz.
Eu não deveria ter me aproximado dela, muito
menos ter deixado claro que ouvi o que disse sobre dar
para mim, mesmo eu não tendo gostado das balas pretas,
amargas e salgadas. Foi irresistível, eu já estava por um
fio, inventei a história da chave só para poder ter uma
desculpa por ter voltado e fiquei aliviado ao ver que ela não
tinha retirado a xícara na qual tomei o café nem o prato da
torta, sinal claro de que não iria perceber minha mentira.
Vergonhoso, Murilo!
Eu nunca poderia imaginar que iria protagonizar um
papel desses na minha vida! Isso seria coisa para o João
Alberto fazer, não para mim.
Rio ao pensar no que meu melhor amigo diria se
soubesse que cantei descaradamente uma mulher que
estava trabalhando. Certamente eu perderia todo moral de
repreendê-lo por ser tão cafajeste.
Não que eu seja santo, longe disso, mas sigo uma
linha mais discreta e prefiro desfrutar mais da companhia
da mesma mulher a ficar trocando a cada noite. Nós não
somos mais meninos! Com a minha idade, meu pai já
estava casado e à espera de seu segundo filho com minha
mãe.
Respiro fundo, irritado por pensar nesse assunto.
Preciso me concentrar em conseguir meu objetivo aqui
neste lugar, e me distrair por causa de uma atração que me
acometeu desde o primeiro contato não está nos planos.
Por mais que eu tenha perdido a cabeça há pouco e a
provocado de maneira a deixar claro meu interesse, não
devo me envolver, mesmo que casualmente, com Júlia
Virtanen.
Virtanen! Estremeço de um jeito estranho toda vez
que penso no sobrenome dela. Tive a mesma sensação
quando pisei na pousada e fui apresentado ao dono, mas
não consigo explicar de onde vem esse reconhecimento.
— Porra, esquece essa merda!
Pego a smart-key do carro e o abro para ir até a
cidade vizinha, Resende, onde um amigo de longa data
mora desde que foi cursar faculdade e acabou se casando
com sua colega de turma. Acabei comentando com ele que
estava perto, em Penedo, e não tive como recusar o
convite para almoçarmos juntos. Não consegui ir ao
casamento, porque, na época, estava estudando fora do
país, mas vim ao batizado do seu filho há uns dois anos.
Antero e eu fomos criados juntos no mesmo
condomínio em São Paulo, e a notícia de seu casamento e,
mais tarde, a do nascimento do pequeno Edu deixou minha
mãe meio enlouquecida com a ideia de que eu deveria
casar-me e lhe dar netos.
Outro assunto que quero evitar!
Ligo o som do carro e dirijo com cuidado pelas ruas
apinhadas de gente e veículos, tentando sair da área
central para pegar a Rodovia Presidente Dutra e seguir
para Resende.
Não costumo dirigir muito este carro em São Paulo,
e, para falar a verdade, alguns dos meus amigos me
chamaram de louco quando comprei o i8[8], primeiro por
não acreditarem que um carro híbrido pudesse ter a
potência que prometia e depois porque chamava muita
atenção, e eu – mais uma vez reafirmo – sou um homem
discreto.
A questão toda com o carro foi que fiquei
deslumbrado com o design, com a tecnologia toda que ele
oferecia, e isso, posso confessar, ganhou-me na hora. Sou
vidrado em tecnologia! Ninguém nunca entendeu por que
acabei não indo para essa área quando escolhi minha
profissão, mas a resposta é simples: gosto de consumir
tecnologia, mas não tenho saco para pensar em montar
qualquer coisa.
Tanto é que faço o que faço!
Automatizei todo o meu apartamento e consigo
controlar a maioria dos equipamentos que há dentro dele
pelo telefone. Tenho vários dispositivos interligando o
escritório também, tanto à minha casa quanto à casa dos
meus pais.
Por esse motivo, trabalho de qualquer lugar, porque
levo o escritório comigo. Interajo com minha equipe mesmo
estando longe, e essa conectividade me deixa mais à
vontade para não cumprir horários e, muito menos, viver
fechado dentro de um prédio.
Meu pai nunca entendeu esse jeito moderno de
trabalhar, afinal, ele ainda comparece à sua empresa de
segunda a sexta, nos horários fixos de sempre. Nós nunca
conseguiríamos trabalhar juntos, e sinto certo alívio por ter
montado meu próprio negócio assim que terminei os
estudos.
Não que ele achasse que eu fosse muito longe! Pelo
contrário! Sempre me garantiu que, se não desse certo, eu
tinha emprego garantido com ele na investidora, mas,
como nunca considerei isso como opção, me esforcei o
dobro para fazer crescer meu negócio e garantir minha
estabilidade longe da empresa da família.
Ah, por favor, não entenda errado!
Tenho ótimo relacionamento com meu pai e o amo
muito, mas sempre acreditei que seria melhor trilhar meu
próprio caminho e não surfar na onda que ele já havia
formado. Eugênio Pontes ama trabalhar e, assim que
pensar em se aposentar, tem muitos profissionais
excelentes para escolher colocar à frente do negócio.
Em casa, tenho o apoio incondicional da minha mãe,
pelo menos sobre o meu trabalho. Andrea Pontes é
reconhecida nacionalmente – e quiçá internacionalmente
também – como uma grande jornalista. Trabalhou anos em
um famoso jornal paulistano, depois se aventurou como
âncora de telejornal em uma enorme emissora e se
aposentou há uns dois anos, mas só do jornalismo, pois
começou outra carreira: a de escritora de romances.
Foi uma surpresa até para mim quando soube que
ela ia publicar um livro, pois, apesar de intimamente ligado
ao que ela já fazia no jornal – escrever –, o tema era
totalmente diverso.
— Já trabalhei muito com a realidade, Murilo, agora
quero criar sonhos! — foi sua justificativa.
Meu pai, apaixonado como um garoto de colégio por
ela há mais de 40 anos, ficou todo orgulhoso quando a
acompanhou à Bienal do Livro e a ajudou durante suas
sessões de autógrafos. Ficou dias falando do evento e de
como os leitores amavam minha mãe.
— Você poderia imaginar que ela tem leitores
homens? — cochichou comigo uns dias depois. — Eu
jurava que só mulher lia romances de cunho romântico,
mas me enganei. — Riu de si mesmo. — Ela me chamou
de preconceituoso!
— O senhor nunca leu?
Vi-o ficar vermelho pela primeira vez na vida.
— Claro que já, mas é minha mulher... — Olhou
para os lados. — Eu a imaginava em todas as situações
descritas no livro, se é que você me entende.
— Pai! — Fiz careta, querendo encerrar o assunto
antes que ele começasse a comentar quais eram as
situações que imaginava minha mãe, e ele gargalhou. —
Vamos mudar de assunto.
Eugênio me chamou de quadrado e gargalhou.
Em minha defesa: não sou quadrado! Só não queria
ter que imaginar minha mãe fazendo certas coisas que eu
sei que faz, mas prefiro ignorar. Santa ignorância!
Amo meus pais e tenho certeza de que eles me
amam igualmente. E é por tê-los tido como exemplo de
casal que ainda não me casei. Quero aquela mesma magia
que vejo no entorno dos dois quando estão juntos. Desejo
a mesma cumplicidade, paixão e amizade. Sei que eles
também têm problemas, já os vi discutir, discordar, brigar,
mas nada disso abalou o que sentem um pelo outro.
Eles me constrangem de tão apaixonados que são!
Como posso querer menos do que isso? Quero olhar
minha mulher como meu pai olha minha mãe e vice-versa.
E o mais importante: quero que meus filhos se sintam
como eu me sinto em relação a eles. Um exemplo vale
mais do que mil conselhos e discursos. Tive ótimos
exemplos com eles, não só como pais, mas como pessoas,
cidadãos e profissionais.
Meu nível é alto com relação ao que sinto por uma
mulher. Não sei se isso é saudável, contudo, não quero
entrar em um casamento só por entrar, porque está na hora
ou para ter filhos. Permito-me amar e ser amado, só não
aconteceu ainda, e espero que aconteça um dia.
De repente uma música de Natal começa a ecoar no
carro, e, mesmo sendo na voz de Justin Bieber, começo a
rir, imaginando se meu carro sabe que estou na terra do
Papai Noel.
Será que eles têm a tradição do visco em Penedo
também? Não vi nenhum na loja de doces! É uma pena,
pois adoraria ter essa desculpa para poder beijar aquela
pequena e desastrada loira. Lembro-me de que ela ainda
estava terminando a decoração quando cheguei e que
ainda pode pendurar o galho em algum lugar.
Preciso ficar atento à decoração!
***
Novamente tenho que estacionar na rua, pois o
pequeno estacionamento da pousada está cheio e não tem
vagas para todos os carros. Isso, claro, estava na
descrição do local quando fiz a reserva on-line. Entretanto,
não achei que poderia estar tão cheia.
Como não estaria?!, penso, olhando a procissão de
pessoas que se encaminham até a Pequena Finlândia para
visitar a casa do Papai Noel. O movimento na rua onde fica
a pousada diminuiu um pouco, por isso consegui vaga,
porque, na hora do almoço, é simplesmente impossível
estacionar aqui perto.
Vim até Penedo por uma questão profissional.
Todavia, não é mais somente essa a minha motivação. Sou
um homem curioso, sempre adorei séries, livros e filmes
sobre investigação e confio muito no meu instinto. Desde
que Júlia e eu tropeçamos um no outro na calçada, senti
uma coisa diferente.
Sei que é atração e que, muito provavelmente, está
tão forte assim porque, desde que terminei meu último
relacionamento, só consegui tempo para dormir, além de
trabalhar. Voltei a treinar, algo que faço desde os 16 anos
de idade, na semana passada, e mesmo assim sob a
pressão do João Alberto.
— Quer morrer jovem? — ele me perguntou por
telefone assim que eu disse que estava sem tempo para
nada. — Não dorme direito, não come direito, não faz
exercícios e só se estressa com o trabalho. Receita certeira
para uma isquemia cerebral ou um infarto fulminante. —
Chamei-o de exagerado. — Não se esqueça de que você
tem histórico, afinal, sua mãe teve um pequeno infarto
antes de ser aposentada do jornal, lembra?
Senti meu corpo inteiro ficar tenso apenas com a
lembrança do desespero que passamos com ela e
concordei com ele, afinal, contribuiu diretamente para a
recuperação da dona Andrea e, como médico, sabia do
que estava falando.
Pedi ao meu assistente que reorganizasse minha
agenda de compromissos para que eu conseguisse um
tempo certo para as refeições e para ir até o estúdio treinar.
A vice-diretora da empresa, Érika Neubauer, assumiu
metade das minhas reuniões e conferências, e só quando
percebi que, mesmo com todos os compromissos
assumidos, ela conseguia ter o mesmo rendimento, é que
me dei conta de quão centralizador eu era.
Essa semana em Penedo foi uma junção do útil ao
agradável. Estávamos havia algum tempo interessados em
fazer negócio aqui e escolhemos essa época para
podermos medir o potencial do empreendimento em
questão. Geralmente, quem faz essas visitas é o Diogo,
analista de mercado, mas pedi para vir pessoalmente e
aproveitar para descansar um pouco em um lugar mais
calmo.
Rio da minha ideia original, achando que ia me
embrenhar no meio do mato e que não veria ninguém. Sim,
é um lugarejo, tem uma natureza deslumbrante no entorno,
mas, nesses dois dias em que estou aqui, não vi nada
calmo. O trânsito é difícil, a cidade está sempre cheia de
dia, e à noite há barzinhos com música ao vivo,
restaurantes e boates.
Nada disso me atrai, tenho muito disso tudo em São
Paulo, e o que tem me deixado agitado de verdade é a
mulher loira cujo tombo tentei evitar, mas levei um choque
tão grande que acabei indo ao chão com ela. Falamos
pouco, não nos apresentamos, ela dispensou minha ajuda,
e não insisti. Não obstante, não a tirei da cabeça.
Quando entrei na loja de doces artesanais, não a
esperava encontrar lá dentro, e o encontro foi ainda melhor
do que o do dia anterior. Descobri seu nome, conversei
com ela e me vi ainda mais mergulhado na atração
inesperada que voltou a assolar. Como não sou de ignorar
o que sinto, estou disposto a descobrir até onde vai todo o
magnetismo que nos atrai, se ela topar, claro!
Atravesso a rua e entro na pousada, sendo recebido
por uma sorridente mulher que eu ainda não havia
encontrado e que sei que é funcionária por causa do
uniforme.
— Boa tarde, seja bem-vindo! É hóspede ou veio
para o menu degustação?
— Hóspede — esclareço. — Suíte 303.
Ela consulta o computador e libera minha chave.
— Gostaria de participar do menu degustação no
pátio interno? Está sendo oferecida uma imersão na cultura
gastronômica da colônia finlandesa que formou Penedo, e
a Casa Virtanen está revisitando receitas da minha avó, Eni
Virtanen...
— Ah... você também é uma Virtanen. —
Interrompo-a, pois ela não tem nenhuma semelhança com
a Júlia. — Conheci a moça da loja de doces.
— A Júlia. — Revela o nome como se eu não o
soubesse. — Ela é minha prima. Eu sou Glauce —
apresenta-se e me oferece o panfleto com o menu do
evento que está acontecendo no pátio, e rapidamente
consulto o horário para saber se dá tempo de tomar um
banho e me trocar antes de aparecer por lá. — Gostaria de
participar? Podemos incluir na sua conta...
— Claro! — confirmo. — Vou só me trocar e apareço
por lá.
— Ótimo! Vou confirmar o nome do senhor... — Ela
olha novamente a tela do computador. — Murilo Pontes.
— Obrigado.
Despeço-me da outra mulher Virtanen, que,
diferentemente da que conheci antes, tem cabelos longos e
castanhos e enormes olhos azuis. Glauce é belíssima, tem
um rosto espetacular, e, como estava atrás do balcão da
recepção, não posso dizer muito sobre todo o resto, mas
notei que, ao contrário de Júlia, ela é bem alta.
Outra coisa que ficou óbvia na minha tosca
comparação entre as primas é que, embora eu tenha me
apercebido da beleza de Glauce, ela não gerou nenhum
tipo de reação em mim, e isso me deixa ainda mais
intrigado, porque bastou um encontro com Júlia para eu
desejá-la intensamente. Pode ter parecido superficial,
movido apenas por sua aparência, mas parece que não,
afinal, encontrei outra mulher tão bela quanto.
Escolho uma roupa mais casual para tomar o café
da tarde e comer mais especialidades da Casa Virtanen. O
clima está ficando cada vez mais quente, e, por mais que
eu esteja acostumado a portar um terno no calor do verão
paulistano, aqui eles são totalmente desnecessários. Nem
trouxe um, por falar nisso!
Não sou um CEO aqui em Penedo, embora tenha
vindo para cá com intenção de negócios. Pego uma
bermuda com corte de alfaiataria na cor verde-água e uma
camisa de tecido leve, mangas curtas e com pequenas
estampas acinzentadas que mal aparecem vistas de longe.
Simples – mesmo vestindo bermuda Ricardo Almeida e
camisa Giorgio Armani – e muito confortável.
Não demoro no banho, mesmo porque falta menos
de meia hora para o evento no pátio da pousada acabar,
coloco as roupas, meu perfume favorito e sigo para o
térreo, onde, espero, encontre orientações para ir até o
local da degustação.
— Senhor Pontes — Glauce me chama. — Deseja
ainda participar do evento?
Sorrio diante da presteza dela.
— Estava tentando achar o caminho...
Ela aponta para portas deslizantes duplas.
— Pode entrar por ali, mas temos também acesso
pelo restaurante onde servimos o desjejum.
— Obrigado.
Saio do saguão e me surpreendo com o belíssimo e
bem-cuidado jardim que eles chamam de pátio. Há uma
tenda, dessas estilo chapéu de bruxa, montada bem no
centro do lindo paisagismo, e, debaixo dela, além de várias
mesinhas e cadeiras de ferro fundido – o mesmo modelo
que tem na loja de doces –, há também uma enorme mesa
com guloseimas.
Corro meus olhos entre os presentes, tentando
encontrar o rosto já conhecido de Júlia Virtanen, mas não a
localizo em lugar nenhum.
— Precisa de ajuda para encontrar um lugar para se
sentar? — A voz inconfundível dela me faz virar para
encará-la, e quase desmonto ao vê-la em um justo vestido
vermelho.
Fodeu!, penso ao lembrar que o tecido da bermuda
é fino e que a camisa não é comprida o suficiente para
cobrir a frente dela.
4

Júlia
Meu coração quase sai pela boca quando, ao entrar
pela porta lateral do pátio, encontro Murilo parado, olhando
para o evento do meu irmão como se procurasse alguém.
Não quero parecer presunçosa, mas acho que ele
me procura, afinal, perguntou se eu estaria presente. A
verdade é que quase não pude vir, por isso só cheguei
agora e nem passei pela ligação que o pátio tem com a
Casa Virtanen, vindo direto do meu chalé e entrando pelo
restaurante da pousada.
Era para eu ter chegado mais cedo, só pude fazê-lo
depois que convenci Lucinda a ficar sozinha na loja por uns
minutos, alegando que queria ajudar o Digo.
— Hum... isso é novidade! — ela comentou,
olhando-me desconfiada. — Não é a primeira vez que seu
irmão faz uma degustação, e você nunca o ajudou antes,
pelo contrário, sempre disse que preferia não ter de lidar
com os hóspedes da pousada.
— Nunca disse isso! Eu lido com eles quando vêm
aqui para comprar doces!
— Sim, mas aqui eles são clientes; lá, são
hóspedes. — Ela apertou os olhos, o que lhe conferiu
algumas ruguinhas em volta deles. — Por acaso o turista
gato está hospedado lá?
É óbvio que me entreguei, porque senti meu rosto
queimar, sinal de que tinha ficado vermelha, e ela começou
a rir.
— Vai logo, garota!
— Te devo uma, Luci, depois compenso!
— Pode apostar que vou pensar em algo à altura do
seu turista gato para ser compensada.
Dei de ombros.
— Nem sei se ele vai... mas quero ir ajudar o Digo!
Tirei o avental e alisei minha camiseta com o nome
da loja.
— Podia trocar de roupa pelo menos, né? —
Neguei, mas ela argumentou: — Seu irmão não vai de
uniforme fazer a apresentação dos doces, está lá todo
arrumado e perfumado.
Sim! Raciocinei que ela tinha razão e que Digo iria
ficar muito mais feliz se eu aparecesse mais arrumada do
que usando calça jeans e camiseta sublimada com a logo
da loja.
— Vou só trocar a blusa!
Não sei se quis enganar a Luci ou a mim mesma,
pois perdi bons minutos na frente do armário decidindo o
que usar. Acabei por escolher um vestido mais social,
vermelho para combinar com o Natal, e sandálias em vez
de tênis. Foi por isso que cheguei depois dele, mas isso me
conferiu a vantagem de analisá-lo sem que percebesse,
devorando-o com os olhos e gravando cada detalhe de
suas costas.
Minha primeira percepção é de que Murilo também
não veste a mesma roupa com a qual esteve na loja antes
do almoço, e gosto da mudança da roupa formal para algo
mais casual. A cor da bermuda ressalta o tom bronzeado
das pernas dele – perco um tempo focada na bunda
redonda que enche a peça, me julguem! –, e a camisa
clara deixa seus pelos escuros em evidência, fazendo-me
indagar se ele só apara ou depila o tórax.
Balanço a cabeça, desviando o rumo dos meus
pensamentos, tentando tirar da mente a imagem de Murilo
nu, seu peito coberto com os pelos brilhosos e escuros ou
pelado, deixando visível todos os contornos de seus
músculos.
É melhor você se revelar antes que ele a veja
parada atrás dele e o cobiçando.
— Precisa de ajuda para encontrar um lugar para se
sentar? — disparo a pergunta, chamando a atenção dele, e
recebo um olhar tão apreciativo que meu ventre se contrai,
assim como minhas coxas.
Ele entrelaça as mãos na frente do corpo e sorri.
— Parece que vou precisar, porque, pelo que vi,
todas as mesas estão ocupadas.
Tento não parecer surpresa, pois nem tive condições
de conferir o público, ocupada demais olhando-o e o
imaginando sem roupas. Espio a tenda e abro um sorriso
ao vê-la cheia.
— É, parece que não há mesas vagas, contudo —
aponto para uma cadeira vazia em uma mesa cheia de
velhinhas — há lugar ali.
Murilo franze as sobrancelhas, e espero para saber
o que irá dizer.
— Ótimo lugar, não tinha visto. — Pisca
desavergonhadamente para mim. — Adoro a presença
feminina, seja da idade que for.
Rio e caminho com ele até a mesa.
— Senhoras, aceitam a companhia de um hóspede?
— Toco o braço de Murilo, mas logo tiro a mão, mas meus
braços desnudos não escondem minha pele arrepiada.
— Claro! — Uma das idosas, bem maquiada e com
os cabelos brancos escovados, sorri. — Será um prazer!
— O prazer é todo meu! — Ele se senta. — Murilo
Pontes.
Elas se apresentam uma a uma, e eu me afasto,
deixando-o lá, entre elas, que já são minhas freguesas de
longa data, pois visitam Penedo todos os anos.
— Oi, Digo! — cumprimento meu irmão, que
conversa com um turista.
Ele me olha curioso, mas espera que o homem volte
a se sentar para falar comigo.
— O que você está fazendo aqui? — Repara em
minha roupa. — Vai sair para algum lugar?
Cruzo os braços e o olho da mesma maneira.
— E você, vai?
— Não, mas, como dono da loja, não poderia vir
apresentar nossos...
— Eu sou dona também, não se esqueça!
— Ei! — Ele ri e levanta discretamente as mãos em
sinal de rendição. — É claro que não me esqueço. Só
estranhei porque você nunca me acompanha nesses
eventos.
— Hoje quis vir. — Dou de ombros como se não
significasse nada.
— Sei... — Ele olha para trás de mim. — Aquele lá
sendo mimado não é o turista que esteve na loja mais
cedo?
Balanço a cabeça, fingindo não ter ideia do que fala.
— Como vou saber? Tantos turistas entram na loja...
— Parece que ele tem jeito com as mulheres. Você
dispensou boa parte do seu tempo conversando com ele
de manhã, e agora a Vanessa parece hipnotizada.
Rapidamente olho para trás e vejo uma das
funcionárias da pousada e amiga de Glauce sorrindo e
conversando alegremente com Murilo.
— Ela deve estar só anotando o pedido dele.
— Então ele deve estar pedindo todos os itens do
menu, porque ela está lá desde que você apareceu aqui.
Merda! Digo sabe que fui eu quem levou Murilo até a
mesa! “Falsiano”!
— Ele é educado, só isso! — Encaro-o com
superioridade. — É você que vê maldade em tudo.
Vanessa se aproxima de nós dois e entrega o pedido
para Digo.
— Gente, que gato é aquele?! — comenta sorrindo,
olhando para mim. — Ele não usa aliança, e desde ontem
percebi que está hospedado sozinho. Raridade!
Digo ri em deboche, pois estava certo sobre
Vanessa estar babando no homem, mas não reajo à sua
provocação, pois conheço muito bem o meu irmão para
saber que, se ele perceber meu interesse, irá usar isso
para me irritar.
— Acho que, como ele chegou depois da sua
apresentação, é melhor você levar pessoalmente os doces
e explicá-los ao hóspede — aconselho com um sorriso
falso, pois sei que meu irmão odeia se repetir.
— Seria ótimo, porque ele me encheu de perguntas
que eu não soube responder — Vanessa corrobora minha
sugestão.
Digo suspira puto.
— Odeio esses retardatários!
Ele sai de perto para arrumar os doces para Murilo,
e aproveito para saber mais informações sobre ele.
— Você sabe de onde ele é? — inquiro.
— Não. Ontem ele fez o check-in com seu tio, por
isso não tive acesso aos detalhes. — Ri ao confessar que
Glauce lhe passa informações. — Presumo que seja de
São Paulo, pois não chia como carioca nem arrasta como
mineiro.
Enrugo a testa.
— Ele não tem sotaque paulista.
— Não, deve ser da capital e de família com grana.
Rio.
— Como você pode supor isso tudo só pelo jeito de
ele falar?
— Júlia, eu lido muito mais com os turistas do que
você, então pode apostar que sei do que estou falando. —
Olha-o novamente. — Não que ele precise ser rico, porque,
com a aparência e o charme que tem, ganha qualquer
mulher fácil.
Respiro fundo, detestando ter que concordar com
ela.
— Bom, vou circular entre as mesas e cumprimentar
alguns clientes.
— E eu vou me preparar para recolher a louça, pois
o evento já está quase acabando.
Assinto e começo a cumprimentar as pessoas, mas,
vez ou outra, escuto a gargalhada de uma das velhinhas da
mesa onde Murilo está. Sorrio ao constatar que ele estava
dizendo a verdade sobre gostar de companhia feminina,
pois, além de dar atenção às senhoras, está fazendo-as rir
e se divertir.
— Jules, você consegue encerrar o evento sem
mim? — Digo me pede de repente. — Eu preciso terminar
uma encomenda e acabei de receber mensagem do
freguês dizendo que vai ter que pegar mais cedo.
— Claro, pode ir!
Ele beija minha testa.
— Até que sua presença foi boa, viu? Mesmo você
tendo vindo por motivos questionáveis.
— Vai se ferrar, Digo, seu demônio!
Ele ri e volta para dentro da loja, deixando-me
sozinha para anotar futuros pedidos e encomendas.
***
— Por acaso vocês fazem algum kit especial para
presente de Natal? — Uma mulher me pergunta logo
depois do encerramento do evento. — Eu gostaria de levar
lembranças daqui e gostaria de fazer isso com alguns
desses doces maravilhosos.
— Claro que sim. Passa na loja amanhã para que eu
te mostre as opções especiais de embalagens para
presente. — Ela sorri animada. — São coisas que podem
ser guardadas ou usadas por quem as receber.
— Ah, maravilhoso! Passo lá amanhã cedo, então,
pois faremos o check-out ao meio-dia.
— Espero a senhora!
Despeço-me dela e respiro aliviada ao não ver mais
ninguém na tenda, além do belo homem sentado à mesa
tomando um café.
— Você trabalha depois disso aqui? — Olha em
volta da tenda.
— Não, a loja fecha em alguns minutos, e hoje não
funcionamos à noite, só na sexta e no sábado — explico.
— Gostou do que provou?
— Adorei, mas ainda tenho vontade de provar mais
coisas de tradição finlandesa. — Coloca a xícara sobre a
mesa.
Sinto um calor perpassar meu corpo.
— Como o quê, por exemplo?
Ele ri e se levanta. Murilo é uns bons 20 centímetros
mais alto que eu, e, quando ele se aproxima, preciso
erguer a cabeça para encará-lo. Seu olhar fixo em minha
boca diz sobre o que mais ele deseja provar, mesmo que
não tenha expressado em palavras, e fecho os olhos
instintivamente, ansiosa pelo beijo.
— Jules, você poderia me...
Arregalo os olhos e me afasto de Murilo para me
virar na direção da Glauce. Minha prima olha de um lado
para o outro, visivelmente constrangida, e eu me divido
entre a vontade enorme de apertar seu pescoço e
gargalhar.
— Eu não sabia que você estava ocupada ainda —
desculpa-se.
— Tudo bem, eu estava me despedindo do senhor...
— Não — Murilo me interrompe. — Eu tenho
algumas dúvidas sobre as tradições que ainda não foram
satisfeitas.
Glauce olha para seus tênis, e rio nervosa, pois
nunca me envolvi com um turista, muito menos com um
hóspede da pousada.
— Tudo bem, a gente se fala depois.
Minha prima bate em retirada – sim, não tem
expressão melhor que essa para o jeito que ela saiu do
pátio –, e volto a olhar para Murilo.
— O que foi is...
Não consigo terminar de falar, pois sou engolida por
uma boca completamente faminta, compartilhando seu
hálito de bolo e café, devorada com sofreguidão. Não
penso duas vezes e o abraço pelo pescoço, ficando na
ponta dos pés, correspondendo à carícia inesperada e, ao
mesmo tempo, tão esperada.
As sensações do beijo são infinitas! Eu me sinto
flutuar, mesmo estando agarrada a ele. Sinto arrepios, mas
meu corpo queima como se estivesse em chamas. Ignoro a
percepção de tempo e espaço, principalmente bloqueio a
ideia de que estou agarrada a um hóspede, no pátio da
pousada dos meus tios, onde qualquer um pode nos ver.
— É, pelo visto alguém se deu bem por aqui...
A voz maliciosa de um homem faz com que eu me
afaste de Murilo, interrompendo o beijo que gostaria muito
de continuar. A razão volta a tomar conta da minha mente,
tão sobrepujada pelo desejo, e respiro fundo.
— O que foi isso? — pergunto para mim mesma.
— Eu sinto muito se a ofendi. Eu deveria ter
perguntado antes se...
— O quê? — Encaro Murilo. — Do que você está
falando?
Ele franze a testa.
— Do beijo que roubei e...
Começo a rir.
— Roubou? Meu caro, se esse fosse um beijo
roubado, você já estaria rolando no chão com as mãos
entre as pernas. — Sorrio. — Eu consenti o beijo, não se
preocupe.
Murilo relaxa, e seus lábios deliciosamente
pecaminosos voltam a se esticar em um sorriso perfeito.
— Então por que se afastou me empurrando?
Deus do Céu, eu o empurrei?!
— Não ouviu o comentário?
Ele ergue as sobrancelhas, visivelmente confuso
com minha pergunta. Claro, ele não ouviu, e eu vou ser
tachada de doida!
— Enfim, este... — faço um gesto para onde
estamos — não é o local ideal para isso.
Por fim, Murilo parece entender e concorda.
— Para onde vamos, então?
Eita! Rio nervosa, entendendo muito bem o que está
implícito na pergunta. Bom, ele é um hóspede aqui e, com
certeza, não pensa em me levar para sua suíte. Ademais,
qualquer outro lugar de Penedo está fora de cogitação,
pois todos me conhecem, e lugares pequenos como este
têm vocação para propagar notícias, principalmente as
mais quentes.
— Eu não sei... — Sou sincera. — Não sei como
agir em uma situação dessas.
Ele para de sorrir.
— Como assim?
— Você é um hóspede na pousada da minha família
e... — bufo, sabendo que vou revelar quão provinciana sou
— todos me conhecem por aqui e sabem que não fico com
turistas.
Murilo assente.
— E você se importa com o que pensam de você?
Respiro fundo.
— Moro aqui, Murilo. Daqui a alguns dias, você vai
voltar para sua rotina, em uma cidade grande onde, aposto,
nem deve conhecer seu vizinho. — Ele concorda com um
gesto de cabeça. — Aqui, não, somos uma comunidade,
todos se conhecem, se relacionam, principalmente os
descendentes dos colonos...
— Não quero abrir mão do que você me faz sentir,
da maneira como mexe comigo, mas respeito se for sua
decisão que eu me afaste e...
Nego.
— Não quero isso também! Só precisamos...
— Jantar juntos — ele completa. — Minha proposta
é levá-la para jantar, conversarmos um pouco e deixar as
coisas acontecerem. — Ele volta a se aproximar, arrasta o
dedo pelo meu braço, causando arrepios simultâneos. —
Aceita jantar comigo?
Oh, Céus, como dizer não, se já estou aqui
repassando as roupas que tenho no meu armário?
5

Murilo
Eu não premeditei esse beijo, mas a vontade de
provar a boca de Júlia é mais forte do que qualquer outro
argumento. Sei que a prima dela percebeu o clima entre
nós, o que comprovou que não é algo que eu estava
espelhando sobre ela, mas sim, Júlia me quer tanto quanto
eu a quero.
Foi engraçado ter vindo até a degustação para estar
com ela e ser colocado em uma mesa cheia de velhinhas
assanhadas que ficavam me falando o quanto eu parecia
com alguém da juventude. Confesso que me diverti com o
grupo animado e suas histórias e me bateu uma saudade
enorme dos meus avós, que eram pessoas extremamente
de bem com a vida.
Estava ansioso, porque não sabia se teria
oportunidade de conversar com Júlia após a degustação,
mas já havia decidido que, independentemente do que
aconteceria ao final daquele evento, eu falaria com ela e a
convidaria para um programa à noite.
O sabor dela é infinitamente melhor do que imaginei,
uma mistura clássica de chocolate, especiarias e
castanhas, talvez nozes, que aguça ainda mais minha
fome. Não tenho mais dúvidas e aprofundo o beijo assim
que ela me abraça pelo pescoço, esticando-se toda e
colando seu corpo no meu.
Infelizmente, algo quebra o encanto, e ela se afasta.
— O que foi isso? — Júlia parece muito surpresa, e
isso me surpreende.
Temo ter me excedido, agindo como um homem
tóxico e machista que ataca uma mulher por confundir
simpatia com desejo. Não sou assim, nunca fui nem serei.
Murilo, você fez merda!
— Eu sinto muito se a ofendi. Eu deveria ter
perguntado antes se... — começo a explicar o que,
sinceramente, não tem explicação, mas ela me interrompe:
— O quê? Do que você está falando?
Okay, fiquei confuso agora!
Respiro fundo, meio atabalhoado, cheio de tesão,
com o pau pulsando dentro da bermuda e percebo que
esse estado de luxúria tem afetado meu discernimento das
coisas. É melhor falar claramente por que estou me
desculpando e ouvir a reação dela!
— Do beijo que roubei e... — Paro de falar quando
Júlia começa a rir.
— Roubou? — Ela realmente parece estar se
divertindo à minha custa. — Meu caro, se isso fosse um
beijo roubado, você já estaria rolando no chão com as
mãos entre as pernas. — O tesão, já alto, alcança níveis
fenomenais com essa resposta, porque, se tem uma coisa
à qual não resisto, é uma mulher empoderada e dona de si.
— Eu consenti o beijo, não se preocupe.
Acho que o consentimento dela tirou um peso tão
grande dos meus ombros que por pouco não suspiro
aliviado. Entretanto, ainda me sinto confuso, pois o beijo
estava ficando delicioso, e ela parecia gostar; sua reação
ainda é uma incógnita para mim.
— Então por que se afastou me empurrando?
Percebo um movimento sutil de surpresa, um breve
arregalar de olhos como se Júlia não soubesse que teve
uma reação tão drástica.
— Não ouviu o comentário?
Não respondo, porque não, não ouvi! Eu estava
completamente concentrado nas sensações que o beijo
estava provocando em meu corpo, no desejo e na
excitação, e nada mais naquele momento me importou.
— Enfim, este... — Júlia faz um gesto nervoso com
as mãos, abrangendo o pátio onde estamos — não é o
local ideal para isso.
Ah, porra, claro que não!
Meu coração dispara ao pensar em levá-la para meu
quarto e fodê-la até vermos o dia seguinte amanhecer, mas
é a pousada da família dela – quiçá dos seus pais –, e não
penso que ela vá aceitar fazer uma incursão à minha suíte.
— Para onde vamos, então? — A pergunta sai um
tanto brusca, mal pensada, mostrando o desespero que
estou sentindo para tê-la.
— Eu não sei... Não sei como agir em uma situação
dessas.
Situação dessas?! Minha mente encontra mil e um
significados para o que ela disse, e o mais apavorante é
que, embora ela seja adulta, não tenha experiência. Não
tenho problema algum com mulheres sem experiência, só
nunca fui o debut de nenhuma delas e não sei se gostaria
de mudar isso.
— Como assim? — Tomo coragem para fazer a
pergunta e esclarecer as coisas.
— Você é um hóspede na pousada da minha família
e... — Júlia toma ar para continuar, mas já entendi o ponto
que ela vai me mostrar — todos me conhecem por aqui e
sabem que não fico com turistas.
Entendo que ela seja conhecida, mas não
compreendo o que isso tem a ver com nossa situação.
Somos dois adultos, independentes, solteiros – até onde
sei, ela também é – e não devemos satisfação a ninguém.
Pergunto por que isso é importante e se ela se
importa com a opinião dos outros, e a sua explicação me
faz sentir vergonha da minha insensibilidade ao não
perceber que, sim, mesmo sendo algo tão comum hoje em
dia um homem e uma mulher que se desejam fazerem
sexo, o lugar é pequeno, e ela mora aqui.
Certo, hora de pisar no freio e ir devagar!
— Não quero abrir mão do que você me faz sentir,
da maneira como mexe comigo, mas respeito se for sua
decisão que eu me afaste e...
Para meu alívio, ela nega:
— Não quero isso também! Só precisamos...
— Jantar juntos. — A ideia não tinha me passado
pela cabeça, mas é a solução perfeita. — Minha proposta é
levá-la para jantar, conversarmos um pouco e deixar as
coisas acontecerem. — Aproximo-me dela e a toco,
sentindo cada pedaço da sua pele agitar meu corpo. —
Aceita jantar comigo?
Júlia suspira e fecha os olhos. Olho para longe,
disposto a resistir à tentação de tomá-la nos braços e a
beijar até perder o fôlego e a sanidade.
— Aceito. — A resposta soprada baixinho me faz
voltar a olhá-la, e me perco nos seus olhos azuis como dois
lagos límpidos refletindo a luz do sol.
— Ótimo! — exclamo satisfeito. — Vou pedir ao
concierge...
— Não! — Ela ri nervosa. — É a minha prima quem
dá dicas de lugares para turistas e, depois do que ela
quase presenciou hoje, vai estar atenta a tudo o que te diz
respeito.
Ela não quer mesmo que saibam que vamos sair
juntos!
— Júlia, como vamos jantar juntos se nem mesmo
sua prima pode me dar uma dica de restaurante? Teremos
que sair de Penedo para jantar?
Ela nega.
— Não. — Ri sem jeito. — Tenho um lugar perfeito
para irmos jantar. — Dou um sorriso completamente
esfomeado, pensando logo no que irei comer depois do
jantar. — Apenas jantar, Murilo!
Gargalho.
— Não sei o que você tem, que me faz ser tão
transparente. — Acaricio seu rosto rapidamente e me
afasto. — Dizem que sou um homem reservado, já me
acusaram de ser frio, distante, mas você me faz querer
jogar a porra da discrição pelos ares. — Olho em volta a
fim de confirmar que estamos sozinhos. — Não sou
impulsivo, poucas vezes fiz algo sem pensar muito, mas
juro que, neste momento, eu foderia você em cima de
qualquer uma dessas mesinhas sem me importar em nada
com a razão ou com a ponderação.
O peito de Júlia se expande, fazendo seus lindos
seios pressionarem o tecido do vestido, e sua face fica
completamente afogueada.
Porra, que tesão de mulher!
Além de linda, simpática, com um sorriso matador,
ela ainda consegue ser sexy e ter um ar de inocência que
baila ao seu redor e me desnorteia.
Por mais que eu tente me lembrar de que vim aqui
interessado em um negócio e que deveria já estar
sondando terreno, não consigo pensar em não viver a
experiência de uma noite com ela. Nunca pensei em algo
desse tipo, em ter uma aventura de Natal, porém não vou
me furtar do privilégio de extravasar todo o tesão e a
atração que sentimos um pelo outro.
— A que horas iremos jantar? — Decido voltar ao
assunto do nosso encontro, quando noto que minha
confissão a chocou – ou excitou – a ponto de ela não falar
nada.
— Às 20h — Júlia responde em um fôlego só, e
contenho o sorriso satisfeito ao vê-la tão ofegante apenas
por me ouvir dizer o que tenho vontade de fazer com ela.
Acompanho-a com o olhar enquanto vai até a mesa
principal, onde têm algumas plaquinhas com o nome dos
doces, e a vejo anotar algo.
— Meu número. — Sorri sem jeito. — Quando você
estiver pronto, me manda um “oi”, e aí a gente combina
onde vai se encontrar.
Ergo as sobrancelhas.
— Parece um encontro clandestino... — Encaro-a
sério. — Há alguém na sua vida que...
— Não! — exclama visivelmente ofendida. — Não
tenho ninguém no momento. — Sinto alívio por ter
entendido bem a conversa que ouvi mais cedo na loja de
doces. — E você?
Sorrio.
— É meio tarde para perguntar isso, não acha? —
Ela fica séria e dá um passo para trás. Que falta de tato da
porra! O que está acontecendo com minha sagacidade?! —
Não, Júlia, eu também não tenho ninguém no momento. Se
tivesse, não estaríamos tendo essa conversa.
— Que bom! — Respira audivelmente. — Não gosto
de pessoas dissimuladas, que fazem as coisas pelas
costas dos outros.
— Está certa — concordo com ela. — Aguardarei
ansioso pelo horário combinado.
Júlia volta a sorrir.
— Eu também!
Ela se despede, mas nem espero que entre pelas
portas do restaurante e já gravo seu número no meu
telefone e lhe mando uma mensagem:
“Oi”
Divirto-me comigo mesmo, guardo o celular no bolso
da bermuda e me sento em uma das cadeiras debaixo da
tenda, sem ter o que fazer até o horário que ela marcou.
Quer dizer... sem querer fazer mais nada, porque
coisas a fazer, eu tenho!
Meu aparelho vibra no bolso, e confiro a mensagem
que chegou no Apple Watch.
“Eu disse para mandar mensagem quando estivesse
pronto, seu doido!”
Gargalho, pego o telefone e digito a resposta:
“Estou pronto desde a primeira vez que te vi! Tão
pronto que já estou sofrendo com meu estado constante de
prontidão!”
Espero para ler a resposta e, quando ela chega,
gemo e mudo minha posição na cadeira, tentando disfarçar
o volume no meio das minhas pernas.
“Sofrendo, é? Talvez eu saiba como acabar com seu
sofrimento, mas, antes, vou adorar piorá-lo!”
Ah, porra, que tesão de mulher!
***
Olho para a pequena viela meio ressabiado, um
tanto arrependido por ter decidido vir com o carro esportivo
para cá. Não há qualquer outra pessoa aqui que não olhe
para o veículo, mesmo por entre as frestas das janelas, e,
tenho certeza, não era isso que Júlia tinha em mente
quando me mandou mensagem direcionando-me até aqui.
Ouço uma batida no vidro do carona e destravo a
porta quando a vejo, segurando um guarda-chuva,
enquanto olha admirada para o modo como meu carro se
abre para recebê-la.
— É sério? — Ela se senta no banco do carona
parecendo bastante divertida. — Foi com este carro que
você veio para cá? — Assinto, um tanto constrangido por
parecer um ostentador. — E ainda diz que é discreto!
Rio, pois sei que tem razão.
— Um dos meus atos impulsivos. — Piso no freio e
aperto o botão do motor, fazendo-o ligar.
— Desculpe-me por estar molhando tudo com a
sombrinha. — Ela olha em volta, mas, como estamos no
escuro, iluminados apenas pelos fracos LEDs de
iluminação alaranjados do painel e das portas, não consigo
saber o que ela está achando do carro por dentro. — Quem
diria que o tempo ia fechar desse jeito hoje? Estou toda
molhada!
Sei que ela está se referindo à chuva que cai lá fora,
mas meus pensamentos são levados para o lado sexual,
imaginando como seria senti-la molhada entre suas coxas,
afundar meus dedos, minha língua e, claro, meu pau dentro
de si.
Tento não me empolgar demais e assustá-la – tarefa
difícil! – e respiro fundo para tomar posse de mim mesmo e
voltar a ser o homem calmo e racional que sempre fui.
Contudo, o cheiro do seu perfume enche o carro, e mais
uma vez só penso em aspirar o delicioso aroma
diretamente de sua pele nua para compará-lo com a
fragrância que irá se criar depois que estivermos
completamente exaustos, suados e satisfeitos de prazer.
— Você está cheirosa! — Aproximo-me e respiro
fundo, capturando o perfume na memória. — Esse cheiro
misturado ao seu me deu ainda mais vontade de ser
impulsivo.
Júlia ri nervosa.
— É? Que tipo de impulsividade? — provoca-me.
Pego-a pela nuca, adorando o fato de seus cabelos
curtos não me atrapalharem sentir sua pele, e a trago para
mais perto de mim. Nossos rostos quase se esbarram, e
ela me encara, esperando uma resposta e, talvez, algo
mais.
— Nunca trepei em um carro — confesso, e ela
geme baixinho. — Disse que sou discreto, mas também
sou meticuloso e gosto de ter tudo planejado.
— Nunca deixou as coisas simplesmente
acontecerem?
Nego, meu nariz roçando o dela com o movimento.
— Até encontrar você na rua segurando um monte
de caixas, pronta para o desastre, não!
Sinto seu hálito quente quando ela sorri.
— Então por que agora?
Dou de ombros.
— Porque o tesão que sinto por você não é usual,
não é comum, e, apesar de gostar de ser como sou, sou
louco por coisas incomuns. — Esfrego meus lábios no
queixo dela e sinto todo o ambiente à nossa volta ficar
carregado de energia sexual. — E nós dois juntos seremos
extraordinários!
Júlia se agarra a mim quando minha boca toma
posse da sua e nossas línguas se encontram em frenesi. O
som de respirações arfantes, o agarrar desesperado de
mãos, a vontade pulsante que me impele até ela, a querer
sentir seu corpo e mergulhar em seu interior até me tornar
parte dele, fazem minha mente girar e esquecer qualquer
coisa que não seja o sabor especialmente sexy de sua
boca.
Minha mão avança para seu ombro, trago-a mais
para mim e me aperto no meio do largo console entre os
dois bancos para poder senti-la. Percebo que nossa
química é desmedida, explosiva, e basta apenas um
pequeno estopim, como um beijo dentro de um carro, para
entrarmos em combustão.
A chuva aumenta, o som das gotas furiosas
tamborilando sobre o teto reversível e o para-brisa do carro
se mesclando com a tormenta pessoal na qual estou preso.
A grande diferença é que, lá fora, a água açoita o carro, e
aqui, dentro de mim, sinto-me ser consumido por uma
chama que não se extingue, pelo contrário, cresce a cada
movimento de nossos lábios.
Júlia se afasta um momento, e arrasto minha boca
por seu queixo, chupando-o devagar, seguindo pela linha
do maxilar até o lóbulo de sua orelha. Os gemidos dela me
fazem ferver, ansiar por não estarmos dentro deste carro
apertado, mas sim em uma ampla cama ou mesmo dentro
de uma banheira.
Movo-me o melhor que um homem de 1,85m pode
fazer dentro de um carro esportivo, e meu joelho bate no
câmbio do veículo, ativando um modo diferente de direção
e ligando a tela de LED, que ilumina muito mais o interior.
Júlia se assusta e arregala os olhos, e eu rio,
aproveitando a deixa para me acalmar e não a devorar
como um animal dentro do carro.
— Que sensações são essas que ele me causa?
A pergunta inesperada me acerta em cheio.
— Tenho me feito essa mesma pergunta desde que
nos encontramos. — Ajeito-me no banco do motorista e
volto a função do carro para que consuma combustível, já
que o nível de bateria está baixo, e ainda não achei um
local para recarregá-la. — Para onde vamos?
Desvio o assunto, principalmente porque minha
mente está tão sexualmente nublada que não é possível
fazer qualquer análise mais profunda neste momento.
E nem quero!
— Uma amiga minha e o marido têm um trutário que
fica perto daqui. — Ela me passa o endereço, e programo o
GPS. — Eu não contava com a chuva, mas acho que
conseguiremos chegar. — Vejo a sombra de um sorriso no
seu rosto. — Isto é, se seu carro da cidade aguentar se
embrenhar no mato.
Ai, caralho, foda-se o carro! Só consigo imaginar nós
dois nus e embrenhados no mato! Sorrio enquanto sigo as
orientações para chegar ao local escondido a que ela
escolheu me levar e penso que trepar no mato seria mais
uma coisa que nunca fiz e que adoraria fazer com ela.
6

Júlia
Não era para eu estar nervosa, pois não sou uma
mulher inexperiente, mas estou! Após nosso beijo no carro,
minhas pernas não param de tremer, sinto as mãos frias, e
isso pouco tem a ver com a chuva que me pegou de
surpresa assim que fiquei pronta para o encontro com
Murilo.
Demorei mais do que pretendia para me aprontar,
porém, em minha defesa, alego que a culpa não foi minha.
Minha prima é muito esperta e, mesmo que eu tenha
tentado despistá-la, entendeu o que estava acontecendo, e
seu feeling de prima-irmã a fez aparecer no chalé com um
generoso pedaço de empadão que minha tia fez e que
adoro.
— Vai sair? — perguntou assim que abri a porta,
vestida com um roupão atoalhado e com a maquiagem já
pronta.
Suspirei, assenti e a deixei entrar.
— Vou jantar com um amigo.
— Amigo, é? — Ela me entregou a travessa com o
empadão, e quase revirei os olhos de tanta vontade de
prová-lo. — Não sabia que vocês dois tiveram tempo de
estabelecer uma amizade. — Sorriu. — O que você não me
contou? Desembucha!
Gargalhei, coloquei o delicioso preparo no forno
para comer mais tarde e me encostei no batente da
cozinha.
— Lembra da mala que quase me derrubou ontem?
— Glauce fez que sim. — Foi ele quem me ajudou e
impediu que a caixinha com os anjos de cristal caísse.
— Hum... — Ela se acomodou confortavelmente em
uma cadeira. — E...?
Ri, sabendo que, enquanto ela não soubesse dos
pormenores, não iria sossegar.
— Apareceu na loja hoje, conversamos, eu me senti
atraída, ele também, e...
— Vocês vão sair. — Concordei, por saber que seria
besteira negar. — Eu olhei a ficha dele depois que vi vocês
dois no maior clima lá no pátio.
— Glauce! — Gargalhei, pois não esperava menos
dela. — E o que descobriu?
— Não muito, reserva online não dá para tirar muitas
informações! — Balançou os ombros. — Mora em São
Paulo, bairro chique, viu? — Piscou para mim, e rolei os
olhos. — Pagou a estada à vista. Colocou o motivo da
viagem como “negócios” e, embora tenha reservado suíte
para casal, não registrou o nome da segunda pessoa.
— Informações pessoais, Glauce! — exigi, cansada
da sua enrolação. — Você tem acesso aos dados pessoais
dele, não é?
Ela sorriu triunfante.
— Claro! — Tirou o celular do bolso. — Eu fotografei
a tela. Aqui diz que Murilo Costa Pontes tem 36 anos, faz
aniversário no dia 7 de maio, é solteiro — olha-me e faz
expressão de alívio — e, o melhor de tudo, prima, é
empresário!
Franzi a testa.
— Melhor de tudo por quê?
Glauce ficou séria e bufou, balançando a cabeça.
— Papai Noel pode ter trazido seu presente mais
cedo! — Apontou para a árvore na sala de estar, e as
cartinhas para o bom velhinho me chamaram a atenção.
Arregalei os olhos e neguei. — Claro que sim! — Riu com
vontade. — Tentei pesquisar, mas tudo o que descobri é
que o pai dele é um figurão do ramo de investimentos, a
mãe dele... — suspirou — é ninguém mais ninguém menos
do que a A. C. Pontes, uma das minhas autoras favoritas!
— Mentira! — Coloquei a mão sobre o peito,
surpresa, pois eu mesma já tinha comprado um livro dessa
autora para a Glauce como presente de aniversário. —
Murilo é filho de uma autora de romances?
Glauce suspirou.
— Espero que ele tenha aprendido a ser um homem
perfeito com a mãe dele, porque, se aprendeu, querida
prima, você está bem servida!
Não falei nada, mas, mesmo sem saber quem era a
mãe dele e da influência positiva que isso poderia ter, eu
sabia que já estava com um homem especial. O jeito sutil
que ele me provoca, a forma como me olha e o desejo que
senti durante nosso beijo me disseram muito sobre como
ele me quer. Tenho consciência de que o quero tanto
quanto ele a mim. Tenho certeza de que satisfaremos muito
bem um ao outro.
Olhei para o relógio da cozinha e tomei um susto ao
ver que faltavam poucos minutos, e eu ainda precisava me
vestir.
— Vou me atrasar! — falei apressada.
— Não esqueça o guarda-chuva, viu? Está
chovendo — Glauce me comunicou. — Ah, outra coisa! —
Enfiou a mão no bolso e me estendeu um pacote. — É bom
estar prevenida.
Abri o papel pardo e encontrei uma embalagem de
camisinhas. Meu corpo se acendeu apenas com a mera
possibilidade de ir para a cama com Murilo.
— Não vou dormir com ele no primeiro encontro —
disse mais para tentar me convencer do que a ela.
— Jules, não saia de casa cheia de regras. Deixe as
coisas acontecerem. Se tiver que ser no primeiro ou no
último encontro, o importante é você querer e estar pronta.
— Eu sei, mas... mal o conheço. Vamos só jantar.
— É assim que começa! Jantar, conversa, você vê o
que sente e decide. — Glauce pegou minha mão. — A
gente sabe que não é obrigada a nada.
— Sim! — Sorri e a abracei. — Obrigada por suas
palavras e por ser tão amiga. Desculpa não ter te falado
antes sobre o que estava acontecendo.
— Jules, eu conheço você, e nós sempre contamos
tudo uma para a outra. Esconder essa situação me diz que
algo nela a incomoda. — Assenti, porque ela atingiu bem
no alvo. — É porque ele é um turista?
— Sim. — Suspirei. — Sempre vi com maus olhos
as meninas que ficavam com os turistas, pois sempre achei
que eles se aproveitavam delas e as usavam como
brinquedos de férias. Não quero fazer esse papel!
— Não existe isso! Eu não fico com turistas porque
ainda não apareceu algum que mexesse comigo da forma
como você está mexida pelo seu CEO de Natal. — Fiz
careta em razão do apelido. — Desde que seja algo entre
adultos e com consentimento de ambas as partes, qual o
problema?
Concordei, e nos despedimos.
Durante os minutos nos quais me arrumei, fiquei
martelando a pergunta retórica de Glauce. Qual era o
problema se eu quisesse satisfazer a vontade de fazer
sexo com Murilo na primeira noite? Nunca fiz isso, sempre
levei um tempo até ter intimidade com algum namorado e
nunca fiz sexo casual, mas por que não?
Eu quero, ele quer, somos solteiros e adultos.
Por que não?!
Escolhi um conjunto de lingerie mais bonito do que
eu tinha pensado a princípio e coloquei outro vestido justo,
porém mais aberto, com decote nas costas e na cor preta.
Mandei mensagem marcando nosso local de
encontro em uma rua duas quadras depois da pousada –
ainda estava ressabiada com a repercussão de um
encontro entre mim e um hóspede – e caminhei na chuva
até o carro, pensando e imaginando como seria Murilo
Pontes na cama.
O impacto de ver o carro dele me fez rir e depois
ficar nervosa. Eu nunca havia visto aquele modelo por aqui
e reconheci o mesmo símbolo famoso que vi naquele
controle que ele chamou de chave mais cedo. Mesmo
diante da iluminação fraca, percebi que o carro tinha cor
incomum – laranja metálico com preto – e que chamava
atenção de longe.
Respirei fundo e bati no vidro. Ouvi quando a porta
se destrancou e quase tive um treco quando, ao invés de
ela abrir para o lado, como qualquer carro, levantou-se e
fez quase um teto sobre minha cabeça.
Deus do Céu, parece uma versão moderna do filme
“De volta para o futuro!”
Entrei com dificuldade, tentando não molhar o carro,
mas bastaram alguns segundos ao lado de Murilo para o
fogo novamente me consumir e eu odiar o lindo carro por
causa desse treco entre os dois bancos.
Queria me atirar contra ele, no seu colo, rebolar
sobre seu membro duro e mostrar o quanto era excitante e
gostoso fazer sexo dentro de um carro. Estava prestes a
tentar fazer malabarismo e me transportar para o banco do
motorista com Murilo, quando o carro se iluminou, e me
assustei pensando que era um policial com aquela lanterna
maldita que corta o barato dos amantes desavisados que
tentam fazer os carros de motel na beira da estrada.
O que aconteceu, esse beijo tão cheio de tesão, foi
a confirmação de que eu não devo me guiar por “regras” ou
qualquer outra coisa que não meu próprio desejo. Murilo se
sente como eu, atraído de uma forma ímpar, e, se
acontecer uma oportunidade ainda nesta noite, eu a
agarrarei com força, pode apostar!
Suspiro, ainda extasiada com o beijo tristemente
interrompido.
— Que sensações são essas que ele me causa?
— Tenho me feito essa mesma pergunta desde que
nos encontramos — Murilo responde, e percebo que
questionei em voz alta. — Para onde vamos?
Fico aliviada por ele não ter aprofundado o assunto,
mas satisfeita por saber que ele também sente o mesmo
que eu.
— Uma amiga minha e o marido têm um trutário que
fica perto daqui. — Passo o endereço do sítio onde
Francisco e Maria Clara moram e têm seu negócio. Olho
para fora a fim de aliviar a tensão sexual que ainda sinto e
me concentrar em outra coisa. — Eu não contava com a
chuva, mas acho que conseguiremos chegar. —
Imediatamente penso neste carro baixo, chamativo e
inapropriado para o terreno e sinto vontade de rir. — Isto é,
se seu carro da cidade aguentar se embrenhar no mato.
Murilo não fala nada sobre a provocação, mas,
enquanto segue as orientações do GPS, vejo uma
expressão divertida em seu rosto.
— Música? — pergunta de repente.
— Claro!
Ele mexe nos comandos do carro, e logo uma
agradável e conhecida música nacional toma conta do
ambiente.
— Milton Nascimento? — inquiro curiosa.
Ele sorri e fica ainda mais sexy.
— Eu sou muito eclético, escuto de tudo, mas a
MPB é influência direta do meu pai — explica. — Ele tem
coleção de discos e não perde um show do Roberto Carlos.
— Gargalha. — Mamãe e ele estão sempre navegando
com o Rei em algum cruzeiro.
A curiosidade sobre a família dele fala mais forte, e
questiono:
— Vocês são muito unidos?
Murilo assente.
— Bastante! Foi um sacrifício quando saí de casa
para morar sozinho. — Ele me olha de soslaio. — Você
ainda mora com sua família?
Respiro fundo antes de responder:
— Não, moro sozinha.
— Hum...
O sorriso dele não disfarça nem um pouco a
satisfação que sente ao saber que moro só, e isso faz com
que minha pele se arrepie de prazer ao imaginá-lo na
minha cama. Já tive namorados que frequentaram o chalé.
Entretanto, todo eles foram na época em que mummo
ainda era viva, e eu dividia o outro quarto com meu irmão.
Então ainda não tive a experiência de fazer sexo na minha
casa.
Seria interessante a situação, não nego, porque há
quase um ano, quando Digo parou de vez de ir dormir no
chalé e se estabeleceu no apartamento que alugou, eu me
mudei para o quarto maior. Durmo na cama enorme de
madeira maciça feita à mão pelo meu bisavô, uma relíquia
de família da qual minha avó tinha muito orgulho. Meu tio
não quis ficar com a peça, alegando que ela me pertencia,
que seria a vontade de dona Eni, e fiquei feliz por poder
conservar algo que tinha um apelo tão sentimental para
ela.
Não sei como me sinto sobre levar um homem para
dormir lá, mas, conhecendo minha avó como a conhecia,
tenho certeza de que ela não se importaria e ainda me
daria uma bronca dizendo que a cama é minha agora.
— Algum problema? — Murilo me indaga, fazendo
com que eu pare de pensar se quero ou não estrear a
cama com ele.
— Nenhum. — Sorrio, e ele respira fundo.
— Já te disseram que você tem um sorriso perfeito?
— Ele não me olha ao fazer a pergunta, atento à estrada.
— Ontem, pouco antes de você tropeçar na mala, eu
estava andando pela calçada, prestando atenção às lojas,
então te vi com as caixas e sorrindo. — Ele balança a
cabeça. — Parei de andar, completamente hipnotizado por
você, e arrisco dizer que não devia ser o único nessa
situação.
Fico sem jeito, embora goste do elogio.
— Não é para tanto...
Murilo gargalha.
— É, sim, acredite! Conheço muitas mulheres que
são reconhecidamente lindas, mas você vai além da
beleza. — Ele toma fôlego como se precisasse de um
tempo para se acalmar. — Eu me senti totalmente rendido
e depois fiquei imaginando quem você seria.
— Aconteceu o mesmo comigo — confesso.
Ele me dá uma olhada rápida.
— Então por que não aceitou minha ajuda? Eu
estava contando em carregar umas caixas e puxar assunto.
Suspiro.
— Assumi que você era um turista...
— Ah, é isso! — Murilo me interrompe, a expressão
divertida. — Júlia Virtanen não sai com turistas!
Rolo os olhos diante do sarcasmo.
— Não saía! — corrijo-o. — Estou aqui, não estou?
Ele sorri e põe a mão sobre minha coxa, causando
um estremecimento instantâneo.
— Está! — Acaricia minha pele, e fecho os olhos. —
Não sei por que estou tendo esse privilégio...
— Só faça por merecer — falo sem pensar e
arregalo os olhos.
A gargalhada de Murilo enche o veículo, e me sinto
ainda mais constrangida.
— O que eu quis dizer foi... — Não consigo terminar,
pois sinto a mão avançar por baixo do vestido, seguindo
perigosamente na direção da minha virilha. Gemo e volto a
relaxar, cerrando minhas pálpebras diante do prazer.
— Tudo o que mais quero, Júlia, é fazer por
merecer. — Sobe a mão, contornando a borda da calcinha.
— Prometo dar tudo de mim nisso.
Murilo volta a colocar a mão no volante e prestar
atenção à estrada, mas não consigo me concentrar em
mais nada a não ser no potente desejo que desperta em
meu corpo apenas com um toque dele.
Eu deveria tê-lo convidado para comer o empadão
da tia Vitória! Rio do pensamento, consciente de que a
deliciosa receita salgada viraria sobremesa.
7

Murilo
O trutário onde Júlia me trouxe fica na Serra da
Mantiqueira, já na divisa do estado do Rio de Janeiro com
Minas Gerais. O carro sofreu um bocado para chegar aqui,
uma vez que não é o tipo de veículo ideal para a estrada,
ainda mais com a chuva que caiu quando saíamos de
Penedo.
O lugar parece ser muito bonito, mas, como é noite,
não dá para ver muito. Estaciono o carro em um pátio com
calçamento de intertravados e olho para Júlia.
— Chegamos.
Ela sorri ao concordar, e sinto meu corpo reagir.
Puta merda!
Seu sorriso mexe tanto com minha libido que nem é
necessário tocá-la para que meu pau se contorça
involuntariamente. É forte a atração que temos, e cada
detalhe me prova, mais e mais, que há algo diferente
acontecendo neste nosso encontro.
Odeio comparar situações, porque penso que cada
pessoa que passa pela nossa vida vem em um contexto
único, mas posso dizer que a experiência com Júlia está
sendo singular, e isso tem me afetado demais, me
envolvido, e estou muito ansioso para saber aonde irá me
levar.
— De dia este lugar é maravilhoso! — ela comenta,
e presto atenção nele, deixando as sensações de lado. —
Tem a casa, que é linda, o restaurante, os tanques de
trutas, a mata e — seu sorriso aumenta, e prendo o fôlego,
impactado com o tesão que me consome — uma trilha com
uma cachoeira no final dela.
— Perfeita! — exclamo, mas não me refiro à
descrição do lugar, mas à Júlia.
— De dia, fica muito movimentado, e à noite, tem
seu charme. — Dá de ombros. — Pena que não iremos
conseguir ver as estrelas hoje por causa da chuva.
— Estou vendo tudo o que quero esta noite, não se
preocupe.
Ela se aproxima de mim e toma a iniciativa de um
beijo, e – caralho! – isso me acende ainda mais. Agarro-a,
acelerado, incontido, querendo mais do que a carícia que
ela propôs inicialmente. Quero seu corpo grudado no meu,
o seu sabor na ponta da minha língua e seu cheiro
impregnando minhas narinas.
Quero-a!
É urgente e desmedido, chega a ser assustadora a
forma como a desejo. Sinto-me esfomeado, insaciado,
necessitando que cada beijo e toque que trocamos se
transforme em mais.
— Eu não vou conseguir jantar desse jeito —
confesso com a boca ainda grudada na dela. — Meu corpo
precisa de outra coisa, Júlia.
Ela geme.
— De que você precisa?
A pergunta em tom preguiçoso, deliciosamente
sensual, sai em meio a um gemido, e a afasto um pouco,
tentando respirar fundo para não perder o que me resta de
juízo, pois minha vontade é comê-la no meio de um
estacionamento de restaurante.
— De você desesperadamente! — Rio, parecendo
um menino cheio de tesão. Júlia me encara, e consigo ver
nesse olhar o quanto ela está desesperada também. —
Isso vai ser uma tortura.
Ela pisca.
— O quê?
Rio, mesmo tentando não rir, ciente do seu total
desnorteio.
— O jantar vai ser uma tortura.
Júlia franze a testa.
— A truta daqui é esplêndida. Tenho certeza de
que... — Ela suspira e balança a cabeça. — Vai, vai ser
uma tortura! — Ri de si mesma e volta a se recostar no
banco. — Já está sendo, na verdade. Tanto que não estou
nem conseguindo coordenar pensamentos para conversar.
Só penso em...
Reteso-me inteiro, meus batimentos cardíacos
acelerados, a boca seca de vontade de beijá-la novamente.
— Em que você está pensando?
A pergunta sai no mesmo momento em que faço
uma prece mental para que ela diga que quer ir para outro
lugar, onde possamos ficar a sós e liberar o desejo que
está nos consumindo.
— Em você em mim.
Puta que pariu!
Volto a ligar o carro, e ela arregala os olhos.
— O que você está fazendo?
— Indo embora — respondo o óbvio, pois não tem
como eu pensar em jantar depois do que ela acabou de
confessar. — Vamos procurar um lugar reservado e matar
essa vontade toda.
Ela se arruma no banco.
— Mas e o jantar?
Olho para ela, que começa a rir nervosa,
provavelmente percebendo que ele já foi cancelado há
muito tempo.
— Se você fizer questão de...
— Não, vamos procurar um lugar.
Nem disfarço o sorriso de satisfação e retiro o carro
da vaga o mais rápido que posso, voltando para a estrada
estreita em meio à mata da serra. Penso em pesquisar no
GPS um motel – o primeiro que ele encontrar! –, mas,
antes que eu tenha a chance, Júlia sugere:
— Há um hotel pequeno e muito bonitinho no
começo da subida. Nós passamos por ele quando viemos.
Concordo, mesmo sem ter visto nada, e continuo a
descida, notando que a chuva aumentou
consideravelmente, tanto que os limpadores de para-brisa
estão trabalhando na velocidade máxima. Desacelero o
carro, tomando cuidado, pois a estrada de acesso ao
trutário não tem asfalto, e ainda preciso chegar à estrada
principal para descer a serra e encontrar o hotel que ela
sugeriu.
A visibilidade piora, e começo a sentir o carro patinar
em alguns trechos. Os pneus dele são mais finos, próprios
para ter menos aderência e mais velocidade, o que não
ajuda nada na estrada cuidada, porém sem pavimentação.
— Está chovendo demais. Não acha melhor
voltarmos? — Júlia me pergunta com sua voz repleta de
preocupação.
— Falta muito ainda para chegarmos ao asfalto, não
é? — Olho rapidamente para a tela que mostra o GPS.
— Sim, quase não avançamos, e estou começando
a ficar com medo de acabarmos atolando. — Ela suspira.
— Eu deveria ter olhado a previsão do tempo antes de ter
marcado para virmos aqui.
— Está tudo bem, vamos devagar, que...
O carro patina levemente na estrada, saindo de
lado, e nós entramos no meio do mato alto que há na
margem. Consigo controlá-lo a tempo e pará-lo.
— Está tudo bem? — Olho para a Júlia assustado,
sabendo que poderíamos ter batido contra uma árvore ou,
pior, descido a ribanceira.
Ela balança a cabeça assentindo, mas percebo que
está tremendo. Puxo-a para mim, abraçando-a com força,
consolando-a com palavras e com as mãos, que afagam
suas costas.
— Eu achei que íamos despencar... — confessa
baixinho com a voz trêmula. — E agora?
Suspiro, vendo todos os planos de chegarmos ao
hotel para uma noite deliciosamente pecaminosa irem
pelos ares.
— Acho melhor aguardarmos a chuva parar e ligar
para um guincho nos tirar daqui. — Confiro a tempestade lá
fora. — Pelo jeito que está chovendo, se tentarmos ir, o
carro vai acabar atolando ou derrapando novamente.
Ela me abraça com força.
— Me desculpe por esse desastre de noite!
Afasto-a para poder olhá-la e sorrio.
— Não é um desastre de noite. Você está aqui
comigo, e era exatamente isso que eu queria: sua
companhia. — Acaricio seu rosto e prendo uma mecha de
seus loiros cabelos curtos atrás da orelha. — Fique calma,
vai dar tudo certo.
Júlia não diz nada, apenas fecha os olhos, e
percebo a deixa perfeita para outro beijo. Firmo-a pela
nuca, meus dedos se enroscando nos fios de seus cabelos,
e a trago até mim, devorando sua boca com sofreguidão.
Ela geme e se agarra a mim, puxando-me pela
camisa, praticamente se levantando do banco ao fazê-lo.
O desejo me consome, e a frustração por não ter
conseguido seguir até o hotel que ela indicou para
passarmos a noite juntos me faz puxá-la com força e
passá-la sobre o console no meio do carro, recebendo-a
sobre meu colo.
Júlia se encaixa perfeitamente a mim, seu vestido
sobe pelas coxas e se embola em volta de seus quadris, e
uso as mãos para lhe mostrar o movimento que necessito
sentir, um rebolado curto, mas forte, um leve esmagar de
sua bunda no meu pau.
— Isso! — gemo quando ela continua sozinha,
cabeça inclinada para trás, lábios entreabertos, por onde
escapam sons incrivelmente sedutores que me fazem ser
envolto em um clima denso de puro tesão.
Nada mais importa, nem ouço mais a chuva
tamborilando sobre a capota do carro, estou conectado
com o momento, envolvido pelo desejo, tanto que tempo e
espaço deixam de existir para apenas o sentir reinar entre
nós.
E eu sinto!
Consigo sentir o calor da boceta de Júlia, que se
fricciona contra meu pau duro, consigo sentir a umidade
dela, que exala um delicioso cheiro de mulher excitada, no
cio, pronta para ser adorada até alcançar o prazer.
O carro é apertado, restringe bastante meus
movimentos, mas, como ela é pequena, consegue se
mover sobre mim de maneira enlouquecedora. Sinto-me
sendo seduzido a cada mexida de quadris que ela dá sobre
meu colo. Seus joelhos apertados no banco do carro, um
de cada lado do meu corpo, ajudam-na a mover-se mais
amplamente.
Inclino o banco o máximo que dá – o que não é
muito, infelizmente – e ganho um pouco mais de liberdade
para tê-la como quero. Seguro-a pelos cabelos, fazendo
com que me encare, deslumbrado com o rosto afogueado e
os olhos brilhantes de desejo.
— Abra minha calça — rosno, desesperado para
sentir minha pele contra a dela.
Júlia não demora a fazer o que peço, um tanto
atrapalhada por causa da fivela do cinto, mas, assim que
abre o botão e o zíper, ergo meus quadris, levantando-a, e
ela entende que quero me livrar do tecido grosso do jeans.
Ela puxa a calça para baixo, e a peça fica enrolada
nos meus joelhos. Contudo, nem me preocupo com isso,
pois o olhar apreciativo de Júlia me prende totalmente a
atenção.
— Me toca! — exijo, meu pau contorcendo-se sob o
tecido da cueca azul-marinho.
Mesmo quando sinto os dedos curiosos de Júlia
sobre mim, ainda que sobre a peça íntima, não deixo de
olhá-la. A mulher é um livro aberto, não esconde nada do
que está sentindo, e isso é muito foda e me enche de tesão
ainda mais. O leve roçar se transforma em uma exploração
mais pesada, a mão dela percorre meu membro de cima a
baixo, apertando-o, excitando-o a ponto de me fazer ranger
os dentes.
— Eu trouxe camisinhas — Júlia balbucia quando
volta a mexer seus quadris contra os meus.
Gemo e a puxo para mais um beijo, mas acabo
capturando seu lábio inferior entre meus dentes,
mordendo-o de leve e chupando-o com vontade. Eu
adoraria chupar a boceta dela antes de penetrá-la, fazer
Júlia gozar na minha língua e sentir o sabor do seu prazer,
mas não sou um homem que fica lamentando planos não
concretizados à risca, longe disso! Só cheguei aonde
cheguei nos meus negócios porque sei improvisar e
aproveito cada oportunidade.
E essa eu nunca desperdiçaria!
Faço uma promessa mental de, quando sairmos
daqui, dedicar-me a conhecer a intimidade dela, lambê-la
devagar centímetro por centímetro, massageá-la, descobrir
como gosta do meu toque, mandar que se masturbe para
mim e observá-la dando-se prazer como um aluno atento e
aplicado.
Olho para os lados do carro através das janelas e
não vejo nada. A estrada vicinal não tem iluminação, a
chuva não para de cair, e estamos totalmente a sós neste
lugar esquecido.
Pego a barra do seu vestido e a puxo para cima,
retirando a peça sobre a cabeça de Júlia, deixando-a
apenas com sua lingerie – cuja cor, embora eu não consiga
discernir direito, sei que é sexy.
Ela, talvez incentivada pelo que eu fiz, começa a
desabotoar minha camisa e, quando termina, espalma as
mãos sobre meu peito, deslizando-as sobre meus
músculos do peitoral e do abdômen.
Júlia ri.
— Eu sabia! — Encara-me com expressão safada.
— Eu poderia apostar que, debaixo de suas roupas
chiques, havia uma montanha de músculos.
Sorrio envaidecido, pois acordo de madrugada todos
os dias para treinar.
— Gosta do que sente? — Ela confirma, então pego
sua mão e a coloco dentro da minha cueca. — E agora?
Júlia puxa meu pau para fora da peça e atrai meu
olhar para ele quando começa a me masturbar devagar,
firme e gostoso. Sua mão, de pele clara, contra meu sexo,
mais escuro, cria um contraste que nem mesmo a pouca
iluminação do carro consegue disfarçar.
— Ele não é como imaginei — confessa, e ergo a
sobrancelha. — É uma surpresa...
— Eu ter o pau mais escuro que o resto do meu
corpo? — Rio.
Júlia assente.
— Acontece, provavelmente vem de algum
ascendente.
— É poderoso. — Ela me aperta mais. — Potente...
— Gargalho, e ela me encara. — Sério! Eu mal fecho a
mão!
— Você é pequena — justifico, mesmo ciente de que
tenho um pau acima da média. Realmente nunca achei
isso relevante! Importo-me mais com o que posso fazer
com ele do que com o seu tamanho. — Eu gostaria de ver
você...
Ela suspira.
— Não sou surpreendente. — Sorri e me encara. —
Você imagina como eu seja?
Meu corpo estremece só em pensar na sua boceta.
— Deliciosa! — Volto a beijar sua boca, fazendo
movimentos com a língua que eu gostaria de fazer dentro
dela. — Não importa como é sua boceta, quero colocar
minha boca, língua, dedos e pau nela.
— É? — geme a pergunta.
— É! Faz parte de você, e eu te quero pra caralho!
— Eu também te quero!
Toco-a por cima da calcinha e sinto a umidade no
tecido.
— Está molhada, Júlia! — sussurro. — Pronta para
mim.
— Estou! — Ela delira enquanto rebola nos meus
dedos.
— Eu adoraria sentir o gosto da sua boceta. Chego
a salivar só em imaginar sua excitação escorrendo pela
minha boca. — Afasto a calcinha para o lado e finalmente a
toco, encontrando lábios cheios, salientes e totalmente
encharcados de tesão.
Não me seguro mais e afundo dois dedos em sua
cavidade, a lascívia tomando conta de cada pedaço de
mim, nublando meus pensamentos, acelerando meus
batimentos cardíacos e bombeando ainda mais sangue
para meu pau, a ponto de fazê-lo pulsar.
Júlia, talvez percebendo o estado em que me
encontro, segura-o novamente com força, masturbando-me
da mesma forma com que faço com ela. Meu polegar
explora a parte externa de seu sexo, à procura do ponto de
tensão que sei que a fará explodir em êxtase, e, quando o
encontro, pressiono-o firme, movimentando-o com ritmo
constante, e ela geme mais alto ainda.
Os vidros do carro já estão todos embaçados,
mesmo com o ar-condicionado ligado. Sinto minha pele
levemente pegajosa, suada, e o calor parece me colocar
em estado de ebulição.
Tudo é potencialmente elevado em se tratando de
Júlia, desde nosso primeiro toque. A química é tão intensa,
o tesão é descomunal, só falta descobrirmos se nosso
encaixe será perfeito e coroar a noite com a satisfação que
nossos corpos clamam desde o princípio.
Ela se reclina totalmente, encostando-se no volante
e aperta meu pau com tanta força que sei que está prestes
a gozar. Assisto-lhe atento, lamentando não ter acendido
as luzes internas para poder ser testemunha deste
momento glorioso.
Meus dedos são apertados, mordidos várias vezes
pelos músculos vaginais dela e depois deliciosamente
sugados antes de se encontrarem submersos em líquidos
quentes e escorregadios. Júlia goza entregue ao próprio
prazer, rendida à paixão que sente, e eu me sinto
privilegiado por fazer parte da maravilha que é compartilhar
seu orgasmo.
Só retiro meus dedos de dentro dela quando a noto
arfante, mas relaxada, e os coloco na boca, degustando os
vestígios de seu prazer. Quase gozo, impulsionado pelos
aromas que tomam conta do carro e incentivado pelo gosto
de mulher satisfeita em minha língua.
Beijo-a longamente, e ela volta a rebolar sobre mim,
tocando meu pau sem nenhuma pena do estado petrificado
no qual ele se encontra, louco para explodir e esporrar
como louco.
— Camisinha... — imploro.
Júlia se enverga toda para alcançar o banco do
carona e pegar sua bolsa, de onde tira um pacote. Ela não
demora muito a pegar uma, abrir o invólucro e posicioná-la
sobre a cabeça do meu pau, mas para mim parece ser um
inferno de demorado.
— Rápido! — ordeno entredentes, e seguro seus
quadris para que, assim que ela termine de me envolver
todo, eu possa penetrá-la fundo.
— Pronto, eu só queria ter certeza de que...
Ela para de falar quando a coloco sobre mim e
busco a entrada molhada, que me recebe sem resistência.
Afundo-me rapidamente em seu corpo, sendo envolvido
por seu calor imediatamente.
— Porra! — Fecho os olhos ao sentir meu pau
apertado, pressionado contra as paredes firmes da boceta
de Júlia. — Rebola como fez antes!
Ela está trêmula, percebo, e abro os olhos, temendo
tê-la machucado. Entretanto, o seu rosto demonstra o
prazer que está sentindo, e relaxo, instigando-a a se mexer
sobre meu pau, cravando os dedos sobre seus quadris e
movimentando-os.
— Isso — Júlia geme — é delicioso!
Concordo com um suspiro, mas travo os dentes para
controlar o tesão e não gozar antes dela. Preciso da
sensação que meus dedos tiveram de novo. Quero que ela
engula meu pau e o ordenhe desenfreadamente, que se
derrame sobre mim, encharcando minha virilha e minhas
bolas.
Continuo a movê-la e sinto sua boceta se esfregar
nos pelos baixos que aparei antes de vir para cá,
entendendo por que a vejo arrepiar-se. A fricção está
estimulando seu clitóris, e novamente ela está por um fio,
prestes a gozar.
Eu gostaria de ter mais mobilidade para poder socar
dentro dela, meter e arremeter com força, com velocidade,
e fazer este carro balançar todo. Infelizmente, se eu fizer
isso, é capaz de machucá-la, batendo-a contra a capota.
Vocês terão oportunidade! Minha consciência me
acalma.
Júlia se inclina sobre mim para um beijo cheio de
tesão, molhado e safado, então goza com a boca na
minha, fazendo-me absorver seus gritos, enquanto me
empapa e aperta meu pau como se o pegasse na mão.
Entrego-me a ela, com ela, à sensação única de um
encaixe perfeito, e libero toda a tensão, que se explode
liquefeita pela ponta do meu pau, enchendo a camisinha
dentro dela.
Caralho!
8

Júlia
O cheiro do café se espalha por todo o chalé, como
sempre acontece quando coo a deliciosa bebida com
coador de pano, no bule antigo da minha avó. Suspiro e
evito um bocejo pela terceira vez, tomando conta do relógio
da cozinha para não perder a hora para o trabalho.
O final de semana finalmente chegou, época em que
mais trabalho, e estou me sentindo um caco! Também
pudera, passei a noite inteira dentro de um carro, com um
homem que, mal acabava de gozar, já estava duro de
novo!
Rio de mim mesma ao pensar que, se fosse julgar
pelo espaço interno daquele veículo, ninguém adivinharia
quanto sexo nós fizemos nele!
— Deus do Céu! — Suspiro quando bocejo
novamente, meu corpo implorando por descanso, mas
minha mente responsável forçando-me a ficar acordada e a
ir trabalhar.
Lucinda não aguenta sozinha o movimento do final
de semana, e meu irmão gosta de fazer as trufas sempre
às sextas-feiras, porque elas geralmente esgotam no final
de semana, e os clientes amam senti-las frescas e
saborosas, recheadas com geleias e cremes feitos com
frutas, nozes e especiarias de verdade, não com essência,
como fazem outras chocolatarias.
Não costumo sair em dia de semana, no máximo
Glauce e eu tomamos um vinho e comemos uma pizza,
porque sabemos que precisamos estar inteiras para o final
de semana, mas quem poderia adivinhar que uma simples
ida até um restaurante na serra iria me render uma noite
inteira sendo esmagada e bem comida dentro de uma
BMW?
Meu sorriso bobo volta, algo que tem acontecido
desde que fomos resgatados por um guincho que a
seguradora de Murilo acionou ainda nas primeiras horas da
manhã.
Fiquei sem jeito por ter de sair do carro no estado
lastimável em que me encontrava, toda amarrotada,
despenteada e cheirando a sexo, mas me senti aliviada
quando Murilo informou que iríamos no carro reserva que
estavam trazendo e que o motorista iria com o do guincho
até uma oficina, onde todo o barro que se acumulou nas
rodas e nos motores – sim, aquele carro tem dois! Um
elétrico na frente e um a gasolina atrás – seria retirado.
Por sorte, o carro esportivo ainda estava sendo
içado na prancha do guincho quando o reserva chegou, e
pudemos sair daquela estrada enlameada e voltar para
Penedo.
— O carro vai ficar um tempo em Resende para
limpeza, e, enquanto isso, vou usar este aqui. — Murilo
piscou para mim. — Muito mais espaçoso, não acha?
Gargalhei, vermelha, mas concordei.
— Para quem disse que nunca havia feito sexo
dentro de um carro, você parece querer repetir a
experiência.
— Claro que quero! — admitiu. — Não só no carro,
mas, quem sabe, em alguma cachoeira, em alguma trilha
deserta do Parque das Agulhas Negras...
Comecei a rir e o chamei de louco.
— Está querendo ser preso por ato obsceno! —
repreendi-o, mas confesso que estava excitada com a
ideia. — Pretende turistar muito por aqui ainda? — Fiz a
pergunta em tom descontraído, porém senti um aperto no
peito que não deveria sentir, afinal, eu sempre soube que
ele estava em Penedo provisoriamente, resolvendo alguma
questão do seu trabalho, já que colocou na reserva que
vinha a “negócios”.
Murilo não respondeu de imediato, prestando a
atenção na estrada, ainda que o Land Rover seguisse
muito bem pelo terreno irregular e escorregadio.
— Ainda não consegui resolver o que vim fazer e,
como não tiro férias há algum tempo, decidi aproveitar mais
a estada — olhou-me esfomeado — e a companhia por
mais alguns dias.
Meu coração acelerou.
— Vai estender a reserva?
Ele deu de ombros.
— Vou tentar, embora ache que a pousada já deve
estar com as reservas fechadas. — Fiz careta, pois Glauce
comentou algo assim comigo. — Você disse que ela é da
sua família, mas não disse qual o seu parentesco com o
dono.
Suspirei.
— É meu tio. Aquela mulher que foi falar comigo
assim que a degustação acabou é minha prima.
— O chef — ele entrou na estrada de asfalto —, o
que faz as receitas da sua avó, é seu irmão.
— Isso! Além dele, há também um primo, Renato.
Murilo me olhou rapidamente.
— E seus pais?
Chegou ao assunto!, pensei, odiando que ele me
olhasse com pena ou que pensasse que eu estava
desprotegida por não tê-los comigo.
— Falecidos há algum tempo — respondi
vagamente.
A mão dele tocou a minha por cima da minha perna.
— Eu sinto muito!
— Obrigada. — Apertei a mão dele. — Eu era
criança ainda, e minha avó foi incrível nos criando.
Ele sorriu e assentiu.
— Tenho certeza de que foi. Você é incrível, Júlia!
Conversamos, durante o percurso até Penedo,
sobre nossas famílias – finalmente ele me contou que a
sua mãe era a escritora famosa –, e descobri que o irmão
dele mais velho, Maurício, morreu ainda na adolescência.
— Meu irmão amava o Natal, e, desde que ele
morreu, não comemoramos mais a data.
Isso cortou meu coração, porque sei que a perda de
um ente querido tira o brilho e o prazer de comemorar uma
data tão fraterna como o Natal, porém, para mim, mesmo
sem meus pais, sempre foi a época em que mais me senti
tocada, por ser um evento tão familiar, tão cheio de
tradições e significados.
Talvez eu tenha tido sorte em ter minha avó, meu
irmão, tio e primos por perto e por isso tenha conseguido
reestabelecer a magia das festas de final de ano mesmo
com a falta de meus pais. Como não sei como é a estrutura
familiar de Murilo, não posso julgá-lo, embora lamente
profundamente.
Chegamos a Penedo bem cedo, e indiquei o
endereço do meu chalé para ele, pois fez questão de me
deixar na porta de casa.
— É ao lado da pousada! — Murilo riu. — Ontem me
perguntei se você iria me convidar a conhecer sua casa, já
que mora sozinha. Agora a ideia de um motel de beira de
estrada faz mais sentido.
Fiquei vermelha.
— Você deve me achar boba com essa história de
não querer que ninguém nos veja...
— Não. — Ele me interrompeu, acariciando meu
rosto. — Não acho que você seja boba. Cada um tem sua
maneira de gerir sua própria vida. Eu também sou discreto
– a despeito do carro — rimos juntos do comentário — e
não me acho no direito de dizer a você como agir em sua
própria cidade.
— Obrigada — agradeci sorridente.
Murilo sorriu de um jeito estranho.
— Mas isso não quer dizer que eu não deseje
passar mais dias contigo. Quero conhecer melhor o lugar, ir
às cachoeiras, ao Parque e te quero comigo.
Meu coração disparou, e eu assenti.
— Também quero ir com você.
Não sei o que meu deu, mas o agarrei pelos ombros
e o beijei cheia de carinho, meu corpo inteiro regozijando-
se por saber que teríamos mais momentos juntos. Não
pensei na vizinhança – meus tios, por exemplo – nem em
qualquer outra coisa que não a felicidade que senti por
saber que teríamos mais tempo para nos conhecermos e
usufruirmos do prazer que sentíamos um com o outro.
E é ainda nesse clima que estou, despois de ter
tomado banho e decidido pôr café para fazer antes de ir até
a loja começar mais um final de semana agitado de
trabalho. Racionalmente estou ressabiada pela forma como
tenho me sentido em relação ao Murilo e fico me
lembrando – quando a mente viaja demais – que não devo
me apegar, que é só sexo casual, embora seja incrível.
Só que, quando estou distraída, lembrando-me de
como me sinto na sua companhia, como meu corpo vibra
de encontro ao dele, pego-me imaginando como seria uma
relação mais duradoura e questionando a natureza do que
ele me faz sentir.
— Júlia, Júlia, você já é uma mulher madura. Não se
apaixone como se não tivesse experiência em desilusões!
— advirto a mim mesma, servindo-me do café e tentando
parar de pensar em Murilo para começar mais um dia de
trabalho e cumprir a meta de final de ano, que é salvar a
loja, fazê-la voltar a ter lucro como no meu tempo de
criança.
Foi isso que pedi com fé como presente de Natal!
Embora, na minha carta, haja também outro pedido!
***
— E aí, como foi?
Pulo de trás do balcão com a mão no peito e
balanço a cabeça ao ver que a responsável pelo meu susto
foi Glauce, que chegou sorrateiramente à loja.
— Diferente do que planejei — confesso olhando
para os lados a fim de conferir que Digo não está por perto.
— Acabamos pegando muita chuva e não conseguimos
jantar no restaurante.
Ela faz careta.
— Não sei por que simplesmente não o convidou a ir
até sua casa! — Minha prima cruza os braços e respira
fundo. — Preciso ver umas coisas com você sobre o baile,
mas hoje é dia de fazer a tradicional decoração natalina na
pousada com os hóspedes. — Bufa impaciente, e eu rio,
pois sei que ela detesta o gosto duvidoso de alguns. — Vai
participar?
Imediatamente penso no Murilo, mas logo descarto
a ideia, porque ele não iria querer se envolver em um
evento tão maçante desses, ainda mais depois do que me
disse sobre haver anos que não comemora a data.
— Vou, como sempre! — Ajeito os pirulitos de
marzipan em forma de bengalas. — Sua mãe deu ao Digo
a tarefa de oferecer um curso rápido de decoração de
biscoitos de gengibre.
— Sim! — Glauce sorri. — Temos muitas crianças
esse ano, aí tivemos a ideia de fazer o “curso” nos dois
domingos que faltam até o Natal. Elas vão se amarrar.
Faço as contas.
— Já começa depois de amanhã, então? — Ela
concorda. — Vai ficar de recreadora?
— E você também! — Aponta o dedo em minha
direção. — Não dou conta sozinha.
— A loja funciona o final de semana todo! Como
você supõe que conseguirei estar em dois lugares ao
mesmo tempo?
Glauce sorri, e seu sorriso me faz ter certeza de que
tem um plano.
— A Vanessa vai vir para cá ajudar a Lucinda. Ela
não se dá muito bem com crianças e prefere ficar na loja e
lidar com turistas.
Concordo, pois ela já nos ajudou outras vezes. Fico
empolgada com a possibilidade de voltar a fazer casinhas
com biscoito, glacê, confeitos e muitos doces. O
saudosismo da infância me faz suspirar ao lembrar-me
vagamente de como os biscoitos que minha mãe fazia
eram especiais.
— Vou tentar uma receita da mamãe — conto. — É
uma massa simples, com poucos ingredientes, mas acho
que as crianças vão se divertir fazendo-a.
Minha prima me abraça apertado.
— Por isso eu amo quando você trabalha comigo!
Sempre tem ideias! — Pisca. — Se precisar de ajuda para
fugir com seu presente de Natal, me avise, sou ótima para
encobertar pessoas.
Gargalho, pois sei bem que ela é e que nossos
irmãos sempre pediram sua ajuda quando queriam sair
com alguma moça na adolescência.
— É um dom natural... — comento sarcástica, e ela
finge beijar seu próprio ombro.
— Sou multitalentos, fazer o quê?
Glauce se despede, e volto a me concentrar na
tarefa de arrumar a bancada de doces, quando escuto o
sininho da porta balançar.
— Achei que estivesse fechada — Murilo fala, e
novamente tomo um susto desproporcional, engasgando-
me com o salmiakki que acabei de surrupiar da bancada.
— Porra, quer ajuda?
Ele parece assustado quando não paro de tossir,
mas nego.
— A bala desceu direto — explico.
— Aquela bala? — Confirmo, e ele faz careta. —
Fiquei com mais dó de você agora. — Aproxima-se de
mim, dando a volta na bancada. — Posso dar algo para
você beber ou chupar?
Rio e nego, sabendo bem que ele está me
provocando de novo.
— Já estou melhor.
Sinto sua mão deslizar pela minha cintura por cima
da roupa e do avental.
— Estraga-prazer! — sussurra.
Afasto-me dele, ciente das câmeras e de que
Lucinda e Digo podem estar de olho nas imagens.
— Veio atrás de um doce pós-almoço?
Murilo nega.
— Vim ver se você consegue uma folga mais tarde
para fazermos algo.
Fico animada e não consigo disfarçar o sorriso de
alegria... até lembrar-me do compromisso com a decoração
da pousada.
— Hoje tem a decoração de Natal com os hóspedes
— lamento.
— Hum... precisa mesmo participar?
— Sim, faço isso todos os anos, é tradicional, e
meus tios contam com minha ajuda.
Ele assente.
— Nos vemos lá, então!
Arregalo os olhos.
— Vai participar?
Murilo ri.
— Não ia, mas, se você precisa estar lá e quero
estar contigo, não há outro lugar em que eu prefira ficar.
Sua resposta me desmonta, e mais uma vez tenho
que lembrar a mim mesma para não envolver o coração.
Para de olhar para ele como se fosse o homem mais
perfeito sobre a Terra!, ordeno-me, mas em seguida
suspiro. Porcaria, mas ele parece mesmo ser perfeito!
Meu sorriso fica ainda maior, e não recuo quando
ele volta a se aproximar, olhando-me de um jeito que me
faz pensar em sacanagem, pura e simples, como a que
fizemos no carro.
— Jules?
Ah, não!, penso assim que dou outro pulo de susto,
ao ouvir a voz do meu irmão.
Murilo e ele se encaram, e Digo estende a mão para
se apresentar.
— Rodrigo Virtanen.
— Murilo Pontes.
Os dois se cumprimentam.
— Tenho o visto sempre por aqui. Gostou mesmo
dos nossos doces — Digo declara, e sinto meu rosto
queimar.
— São os melhores que já provei. — A voz sincera
de Murilo o desconcerta. — Você faz um trabalho excelente
aqui.
Meu irmão só balança os ombros.
— É o meu trabalho. Aprendi a cozinhar ainda muito
novo com meus pais e depois com minha avó. — Ele me
olha rapidamente antes de acrescentar: — As receitas são
dela.
Rodrigo parece não saber receber elogios, há muito
venho percebendo isso em seu comportamento. Não é
simples modéstia, vai além disso!
— Digo incrementa todas as receitas, faz mudanças
sutis e ousadas, revisita ingredientes, e é isso que deixa
tudo tão único e especial — afirmo com orgulho, mas isso o
deixa ainda mais estranho.
Murilo permanece sério, como se analisasse meu
irmão tanto quanto eu, como se também percebesse algo
incomum em sua postura, ainda que não o conheça bem
para julgar.
— De qualquer forma, parabéns pelo excelente
trabalho. Já experimentei muitas sobremesas feitas por
grandes chefs pâtissier e encontro o mesmo nível nas
suas.
Dessa vez sou eu quem se surpreende com o que
Murilo fala, pois noto que não está puxando o saco do meu
irmão, parece estar realmente falando sério.
— Bom, foi um prazer revê-lo. Espero que
recomende nossa loja quando voltar para sua cidade. —
Digo me olha novamente, e sinto que isso foi um lembrete
de que Murilo é um turista. — Jules, quando você terminar
de atender o cliente, dê uma chegadinha na cozinha.
Meu irmão se despede, e ouço a risada baixa de
Murilo.
— Ele realmente veio aqui para me conhecer, não
foi?
Assinto, mas não rio.
— Não precisava ter tecido tantos elogios, ele deve
ter ficado desconfiado e...
— Não! — Murilo me interrompe. — Não elogiei o
trabalho do seu irmão por causa do que nós estamos
tendo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu
realmente quis dizer a ele o que avaliei ante o que
experimentei aqui e na degustação.
Sorrio.
— Fico feliz! — Suspiro. — Pena que a maioria dos
turistas preferem comer chocolates e doces
industrializados das franquias.
Ele franze a testa.
— A loja vai mal?
Não sei o que responder, pois nunca converso esse
tipo de assunto com alguém de fora da família, porém
acabo confirmando.
— O movimento caiu muito nos últimos anos, e,
embora recebamos mil elogios sobre a qualidade dos
nossos produtos, não conseguimos manter preço
competitivo com algumas franquias que abriram por aqui.
— Tento sorrir para não demonstrar o tamanho da minha
preocupação. — Mas acredito que as coisas vão melhorar,
a Casa Virtanen existe há mais de meio século e tem
tradição e nome aqui em Penedo.
Ele assente, mas muda de assunto, pelo que lhe
agradeço.
— Nos vemos mais tarde na decoração? —
Concordo. — E depois podemos fazer alguma outra coisa...
Gargalho.
— Podemos!
Murilo abre o sorriso sexy que me ganhou desde o
primeiro dia em que o vi.
— Contava com isso!
Inesperadamente, ele se aproxima e deposita um
beijo molhado, mas rápido em minha boca antes de sair da
loja e me deixar paralisada no lugar. Olho para a câmera,
apontada bem para minha cara, e imagino como devo
parecer para quem, porventura, está tomando conta do
monitor: pega em flagrante!
Culpada!
***
— Eu não me lembrava do trabalho que dava
desembolar essa coisa! — Murilo murmura, e contenho a
risada, sentindo pena dele por ter de desembolar metros e
metros do pisca-pisca mais antigo que temos. — Você bem
que poderia me ajudar, hein, Júlia?
Nego, rindo, enquanto coloco ganchos nos enfeites
que irão ser pendurados no enorme pinheiro que
colocaram no saguão.
— É a única parte que eu não gosto da decoração
natalina, e finalmente não estou fazendo este ano! —
Mando-lhe um beijinho. — Você é um herói, deixou meu
Natal perfeito!
Murilo aperta os olhos.
— Acha que vai me convencer com esse discurso?
— Inclina-se sobre a bola de luzinhas e fala baixinho: —
Vou lembrar que salvei seu Natal e cobrar
proporcionalmente por isso mais tarde.
Meu corpo se arrepia e meu ventre se contrai
apenas com uma vaga ideia do que ele me cobrará quando
o evento terminar, mesmo que não consiga cumprir a difícil
– leia-se “impossível”! – tarefa que lhe dei.
— Vamos agora fazer a última etapa da decoração!
— tio Matias anuncia, chamando a atenção de todo mundo.
— Quero a ajuda de todos para enfeitar a peça que não
pode faltar no Natal: a árvore!
Os hóspedes, a maioria compostos por família com
idosos e crianças, vibram com a ideia de deixar sua marca
no Natal da pousada neste ano e começam a se aglomerar
em volta do pinheiro cheiroso e verdinho plantado em um
grande vaso.
— Ah, você desembolou o pisca-pisca da Eni! — tia
Vitória fala animada e pega as luzes das mãos de Murilo.
— Há anos não usamos esse, porque todos têm preguiça
de desembolar. — Ri, alheia ao olhar acusador que recebo
de seu hóspede. — Vamos usá-lo agora que alguém teve
paciência de desatar todos os nós. Muito obrigada!
Glauce surge com o pisca-pisca novo,
decentemente enrolado em uma espécie de carretel que o
impede de se embolar e para em seco ao ver o antigo.
— Ressuscitaram as lampadinhas da mummo! —
diz animada e me olha agradecida.
Nego e aponto Murilo, dando crédito a quem fez o
árduo trabalho. Claro que, quando entreguei a bola de fios
para ele, não esperava que conseguisse resolver o
emaranhado, fiz isso apenas para minha diversão,
trolando-o com o pesadelo de todos os membros da minha
família, o pisca-pisca embolado da vovó.
Mas, claro, ele conseguiu!
— Vocês não o usavam mais? — Ele se levanta e
anda na minha direção.
— Não! — Rio. — Temos um novo, pois desistimos
de tentar arrumar aquele.
Murilo fica sério, e o jeito que olha para minha boca
me faz estremecer.
— Você é uma menina má, Jules! — Usa meu
apelido de uma forma tão sexy que eu suspiro. — E
merece um castigo depois dessa maldade!
Minha respiração fica mais pesada.
— É? Que tipo de castigo?
Ele olha na direção do pinheiro e, sem que eu possa
prever, me puxa para fora do saguão, arrastando-me para
o pátio, até me pressionar contra o tronco de uma das
árvores do paisagismo, longe dos olhares dos participantes
do evento de decoração.
Espero que diga alguma coisa, mas sua boca cai
sobre a minha com força, fazendo com que eu abra meus
lábios para receber sua língua exigente. Contorço-me
contra seu corpo e sinto sua excitação contra minha
barriga. Tento segurá-lo, agarrar-me a ele, mas Murilo não
tem intenção nenhuma de me dar liberdade e prende
minhas mãos com as suas no tronco da árvore.
Ele se movimenta lentamente, de baixo para cima,
esfregando seu corpo contra o meu, deixando-me sentir
sua ereção enquanto me beija sem parar. Mal consigo
respirar, sinto meu corpo ferver, minha calcinha molhar e
meu sexo latejar desejando o prazer que o beijo está me
prometendo.
Escuto sons deliciosos que escapam de nossas
bocas, o delírio contido do tesão que Murilo sente por mim,
o desenfreado desejo de me foder novamente tão
flagrantemente revelado não só pela dureza de seu pau,
mas pelo sabor de seu beijo.
Movo-me com ele e, sem pensar em mais nada
além do prazer, enrosco uma perna em seu quadril, e
Murilo segura na minha bunda, soltando uma das minhas
mãos. Aproveito para agarrá-lo, segurando-o pelos
cabelos, intensificando ainda mais as coisas entre nós.
Esqueço tudo, principalmente o local onde estou, e
só reajo à potente paixão que sinto por ele. Desejo-o
desesperadamente, ardo por ele de uma maneira que
nunca aconteceu com outro homem.
— Porra! — ele xinga contra meus lábios. — A ideia
era castigar você, mas caí na minha própria armadilha. —
Abre os olhos, tão escuros no cair da noite, e me encara.
— Eu preciso de você agora!
Assinto, incapaz de pensar em outra coisa também
e tomo uma decisão rápida.
— Vamos para o meu chalé!
9

Júlia
Caminho com Murilo de mãos dadas, passos
apressados e muitas risadas até onde fica o pequeno, mas
charmoso chalé de madeira em que moro desde os seis
anos de idade. Eu ainda não tinha analisado a fundo a
possibilidade de dormir com ele por lá, mas a ideia já havia
passado pela minha cabeça algumas vezes.
Uma ideia de supetão era o que eu necessitava!
Sorrio, consciente de que só protelei o momento e de que o
desejo na minha cama desde que o clima entre nós
começou a esquentar.
Murilo me puxa e me imprensa novamente contra
algo, dessa vez a parede do corredor entre a pousada e a
parte de trás da loja de doces, onde fica a cozinha, então
toma minha boca com vontade, chupando minha língua de
um jeito tão indecente que me faz imaginá-lo chupando
outra coisa assim.
A sensação que tenho é de que estamos por um fio
e de que, se não der tempo de chegarmos à intimidade do
chalé, acabaremos trepando encostados em alguma coisa
no meio do caminho. Nunca passei por algo assim,
tamanho afobamento, essa vontade desenfreada que nubla
qualquer pensamento lógico. Eu me sinto apenas carne em
brasa, pulsando de desejo, buscando liberação.
Voltamos a andar – se é que pode se chamar a
marcha que empreendemos de andar –, e rio quando o
vejo ajustar seu pau, que, pelo volume na frente da
bermuda, está a ponto de romper o tecido do vestuário.
Murilo percebe que estou rindo dele e do motivo que
o está fazendo sofrer e desfere um tapa na minha bunda.
— Vamos atravessar a cidade para chegar ao seu
chalé? — pergunta em desespero.
— Estamos indo por um atalho — explico, mas a
cara de assustado dele me faz rir. — Juro!
— Porra! — Respira fundo. — Maldita lei da
relatividade!
Gargalho e aponto para a belíssima construção que
chamo de lar.
— Chegamos! — anuncio antes de levantar o
capacho – com tema natalino – e pegar a chave reserva
debaixo de uma pedra solta do calçamento. — Minha bolsa
ficou na pousada, mas sempre tenho uma reserva!
— Mulher precavida! — sussurra no meu ouvido,
abraçando-me pelas costas. — Você me enche de tesão!
Abro a porta com ele agarrado a mim e, quando
entramos, giro em seus braços e o enlaço pelo pescoço.
— E você, a mim!
A resposta de Murilo ao que digo é exatamente a
que eu tinha em mente: um beijo molhado e safado, mãos
espalmadas na minha bunda e seu corpo tão grudado no
meu que penso que sua ereção poderia ficar gravada em
meu corpo.
Aproveito o fato de me sentir segura em casa e com
as mãos dele em mim e tomo um pequeno impulso para
cima, subindo em seu colo e o abraçando com minhas
pernas. Gemo e inclino a cabeça para trás quando ele
espreme meu sexo contra o seu, relembrando meu corpo
da delícia que é ter esse homem dentro de mim.
— Isso!
Instigo-o a continuar a espalhar beijos pelo meu
pescoço e me sinto balançar quando Murilo começa a
andar.
— Me diz onde!
— Onde você quiser... — Ronrono feito uma gata
enlouquecida de prazer.
Não andamos muito mais, e sou depositada sobre
uma superfície macia e alta: o encosto do sofá. Murilo se
inclina sobre meu corpo, usando sua boca de lábios cheios
e molhados para beijar minha pele.
Lamento não estar de vestido, pois assim
poderíamos nos render ao tesão de uma vez, porque não
me importo em ir logo para a ação, desde que ele me faça
sentir a mesma coisa que fez dentro daquele carro
apertado.
Minha blusa é desabotoada enquanto ele beija e
lambe cada centímetro de pele que vai aparecendo por
baixo do tecido fino, até abrir totalmente a peça. Abro os
olhos, achando que Murilo irá parar para me olhar –
mesmo com a parca iluminação fornecida por um abajur e
as luzes da árvore de Natal –, mas continua a beijar-me
lenta e detalhadamente, cobrindo cada pedaço exposto
com seus lábios e língua, até brincar no cós da calça.
Suspiro quando ele abre o botão e depois o zíper,
gemo quando sinto sua boca sobre minha calcinha,
puxando-a para cima com seus dentes pelo pequeno
lacinho que a enfeita. A calça é puxada, ergo os quadris
para facilitar sua retirada e finalmente me encontro apenas
de lingerie, blusa aberta e caída na lateral do meu corpo,
enquanto ele está todo vestido.
— Eu quero te ver toda hoje! — Murilo fala baixo,
sua voz grave e sexy fazendo-me arrepiar.
— Atrás de você tem...
Nem termino de falar, e as luzes das arandelas na
parede se acendem, clareando todo o ambiente. Sento-me
e tiro a blusa, expondo meu corpo à apreciação dos seus
olhos castanhos.
— Perfeita! — elogia. — Você é perfeita para mim,
Júlia.
Sorrio envaidecida.
— Eu também quero te ver.
Murilo não espera um novo pedido e começa a se
despir. Tira a camisa por sobre a cabeça, jogando-a longe,
depois abre a bermuda, mas, antes de deixá-la cair aos
seus pés, retira – sem a ajuda das mãos – os tênis.
— Vou ficar com uma peça a menos. — Franzo a
testa, sem entender do que fala. E ele aponta para meu
sutiã. — Eu só estou usando a parte de baixo agora.
Retenho o fôlego ao vê-lo de cueca branca, um
contraste perfeito com sua pele bronzeada, seus músculos
deliciosamente esculpidos e os pelos tão aparados que
quase não posso vê-los, mas que consegui sentir ontem.
Devoro-o com o olhar, incapaz de acreditar que é
real, que existe um homem tão completamente masculino e
proporcional em todos os sentidos. E ele está comigo!
Suspiro deliciada, sentindo-me esfomeada, cheia de tesão,
louca para tocá-lo.
— Júlia — Murilo me chama, e paro de divagar
sobre seu corpo. — Tira o sutiã.
Assinto e abro o fecho nas costas, mas, antes de
retirar a peça, tento sensualizar, provocando-o com “tiro-
não-tiro”, e isso rende um rosnado impaciente e três
passos decididos em minha direção.
Murilo agarra meu queixo, levanta minha cabeça e
devora minha boca, fazendo-me esquecer a provocação, o
tempo e o espaço. Sinto a mão dele segurar meu seio,
apertá-lo, apalpá-lo, e me dou conta de que o sutiã
finalmente foi parar no chão.
Não fico passiva, desejo esse homem e quero que
ele saiba que é correspondido na mesma medida, então
pego seu pau por sobre a cueca e o aperto, arrancando um
gemido abafado de Murilo dentro da minha boca.
— Você me deixa louco! — Beija meus olhos, a
ponta do nariz e morde meu queixo. — Eu quero te comer
toda, Júlia, cada parte de você!
— Estou ansiando por isso!
Tiro o membro dele de dentro da peça íntima e o
sinto quente, duro, tendo deliciosos espasmos na palma da
minha mão. Masturbo-o devagar, apenas um leve deslizar
dos meus dedos por sua extensão.
— Seu pau é uma delícia!
Murilo suspira.
— É todo seu!
Sorrio e, involuntariamente, salivo e passo a língua
molhada pelos meus lábios, captando cada detalhe da
anatomia abençoada de Murilo. Não bastava o porte
elegante, o mais de 1,80m de altura e os músculos
trabalhados harmonicamente – porque, veja bem, ele não é
daquele tipo bombado só em cima, tem coxas lindas e,
tenho certeza, uma bunda durinha –, o homem ainda foi
agraciado com um belo pau!
Não sei qual o tamanho, não é pequeno nem médio,
é grande, mas o que impressiona mesmo é o calibre do
negócio! Ele é bem grosso, com veias saltadas, a pele
mais escura que a do resto de seu corpo, uma cabeça
arredondada, avermelhada e totalmente de fora, sem
aquela pele que fica igual a um capuz escondendo-a.
É um pau digno de ator pornô!, chego à conclusão,
pois tenho vasta experiência nos boys gostosos dos filmes,
principalmente o meu adorado Manuel Ferrara (as
safadinhas reconhecem o nome, não?).
— Júlia... — ele geme. — Você está me torturando
com essa masturbação tântrica!
Rio e o seguro com mais força.
— Gosta assim? — pergunto, toda trabalhada na
safadeza.
Ele nega.
— Gostaria mais se fosse sua boca chupando-o com
força.
Uau!
Não espero mais e deslizo do sofá para o chão,
fazendo exatamente o que ele quer. Murilo estremece ao
penetrar minha boca, e eu o chupo constantemente
enquanto entra. Sinto-o bater na entrada da minha
garganta. Ele rebola, e eu salivo mais, deixando seu pau
ainda mais molhado.
— Porra, Júlia! — geme e segura meus cabelos. —
Chupa esse caralho bem forte!
Movimento minha cabeça e sugo o máximo que
consigo, enquanto seguro suas bolas. Murilo emite
gemidos que me fazem enlouquecer, e sinto minha
calcinha ficando cada vez mais empapada.
Eu nunca senti tanto tesão fazendo um boquete,
geralmente era algo que fazia para o prazer alheio, mas
aqui, com ele, consigo compartilhar do seu prazer e senti-lo
em mim.
Tiro seu pau da minha boca e passo a língua nele
todo, rodeando-o, percorrendo-o de cima a baixo. Murilo
puxa mais meus cabelos, e eu o olho. Sua expressão é
feroz, o maxilar travado, os olhos fixos em mim. Ele toma
seu membro da minha mão e o esfrega com força no meu
rosto. Sua pele vibra, o clima fica ainda mais safado.
— Abre a boca! — ordena, e eu lhe obedeço.
Ele contorna meus lábios com a cabeça de seu pau,
sem entrar na minha boca, brincando pecaminosamente
como se fosse um batom. De repente sinto uma forte
batida na minha bochecha e gemo quando meu sexo se
contrai de tesão.
— Eu quero ver você toda nua!
Segura meus braços para me pôr de pé e se ajoelha
à minha frente. Mal consigo respirar ao sentir seus beijos
nas minhas coxas, a língua quente, que faz um caminho
até minha virilha, o nariz curioso, que se esfrega pouco
acima do meu clitóris e me faz arquear o corpo,
estremecendo de antecipação.
— Você tem cheiro de fruta madura... — afunda seu
rosto entre minhas pernas — e está pronta para ser
provada.
Sinto tudo girar em volta de mim quando ele
abocanha minha boceta por cima da calcinha, sugando
sem parar.
— Murilo... — chamo-o. — Por favor!
— O que você quer? Pede, e eu te dou!
Suspiro.
— Tira a minha calcinha. — Ele retira a peça, porém
não se move. — Volta a fazer o que estava fazendo antes.
Ele ri maldoso.
— O que eu estava fazendo antes?
Ele vai mesmo me fazer implorar, o filho da mãe!
— Me lambe toda... — Murilo passa a língua sobre
meu sexo, e o agarro pelos cabelos. — Me faz gozar na
sua boca como fez ontem com seus dedos.
— Seu pedido é uma ordem!
Vibro inteira quando sua boca cobre meus lábios
íntimos, beijando-os como fez antes, quando eu ainda
estava com a calcinha. Busco apoio no sofá, pois minhas
pernas estão tremendo, e meu corpo parece se desfazer a
cada investida de sua língua.
Sinto-o penetrá-la bem fundo dentro de mim,
rodando-a no meu interior como se buscasse algo delicioso
no fundo de um copinho até voltar a usá-la para me lamber.
Quase desfaleço quando Murilo fecha os lábios
delicadamente sobre meu clitóris e usa a ponta da língua
para estimulá-lo.
Minhas coxas se contraem, e acabo apertando sua
cabeça, incapaz de me controlar. As sensações que
percorrem meu corpo são imensuráveis, e tudo o que
posso dizer para defini-las é que são fortes demais. Ele
muda o ritmo da chupada, deixando-a mais pesada, rápida,
e meus gemidos se transformam em gritos contidos dentro
da sala do chalé.
Fecho os olhos, sentindo-me como se flutuasse,
como se minha alma de repente se enlevasse e toda a
matéria deixasse de existir. Sinto-me alçar voo, ser
propulsionada até o céu e depois cair em queda livre,
rendida e à mercê do prazer que explode dentro de mim.
Gozo tão forte que não consigo me manter de pé, caindo
de joelhos na frente de Murilo, que me olha extasiado.
Ainda tento recuperar o fôlego quando ele me beija
sensualmente, usando a mesma língua inquieta e
habilidosa nos meus lábios entreabertos.
— Você tem camisinha aqui? Não tenho nenhuma
comigo.
Assinto e aponto para a porta do meu quarto.
— Ganhei um saco cheio delas. Minha prima achou
que eu iria precisar ontem.
Murilo ri.
— Já gosto dela! — Estende a mão para mim. —
Vamos buscá-las?
Respiro fundo, pensando na enorme e antiga cama
que reina em absoluto dentro do quarto.
— Vamos!
Penso que vou caminhar ao seu lado, contudo
Murilo me surpreende, ergue-me em seus braços e me leva
no colo até o cômodo, mergulhado na escuridão.
Estico o braço ao passar perto do interruptor, mas
não consigo alcançá-lo.
— A luz...
Ele nega.
— Tenho uma ideia melhor! — Ele me põe sobre a
cama, vai até as cortinas e as abre, deixando a
luminosidade de fora entrar no quarto. — A lua está
minguante, mas o céu está limpo hoje.
Vira-se em minha direção e sorri.
— Você é linda, Júlia!
Deito-me na cama sem nenhum pudor e estendo a
mão, chamando-o para se juntar a mim. Murilo vem até
mim imediatamente, cobre meu corpo com o seu, mas não
me beija.
Ficamos um longo tempo apenas nos olhando,
corpo sobre o corpo, nossas peles fervendo, corações
acelerados e respirações fortes. Murilo acaricia meu rosto,
e fecho os olhos, emocionada com o contato, deslumbrada
com toda a experiência que estamos tendo.
Mesmo que eu não quisesse me apegar
emocionalmente a ele, seria impossível resistir. Temos uma
conexão tão especial que nem mesmo nos meus mais
românticos sonhos vivi o que estamos compartilhando esta
noite.
Ele é tudo o que sempre desejei, uma mistura de
romântico e safado, terno e bruto, um homem com pegada
forte, mas que entende meus desejos. E o melhor de tudo
é que nos damos bem fora da cama também! Nós nos
divertimos juntos, e, mesmo que não conheçamos a fundo
a vida um do outro, há uma sintonia tão perfeita que
parecemos nos encaixar com exatidão.
Murilo se mexe, e seu pênis ereto resvala sobre meu
sexo, descarregando uma energia potente no meu corpo.
Abro os olhos e o vejo pegar a camisinha que deixei em
cima da mesinha de cabeceira enquanto ele abria as
cortinas.
— Passei o dia inteiro desejando estar dentro de
você de novo — confessa, colocando o preservativo. —
Seu corpo viciou o meu, Júlia. Bastou uma dose, e já estou
completamente dependente.
Penetra-me com uma estocada firme, e gemo alto,
cravando minhas unhas em seus ombros. Murilo se
movimenta curto, devagar, basicamente rebolando dentro
de mim. Acompanho suas expressões, embevecida com o
quanto ele deixa transparecer o que sente, excitada por
perceber a maneira com que se entrega ao prazer.
Enlaço seus quadris com minhas pernas, permitindo
que ele vá ainda mais fundo, recebendo-o por completo,
meus músculos íntimos abraçando-o com força, conforme
entra e sai em ritmo perfeito.
Ele encosta a testa na minha, e respiramos juntos a
cada estocada mais potente. Suas mãos vão para minha
bunda e dão suporte para que eu o acompanhe nos
movimentos cada vez mais rápidos.
Suamos juntos, pois nem deu tempo de ligarmos o
ar-condicionado, mas nenhum dos dois está se importando
com o calor externo, afinal, estamos sendo consumidos por
labaredas muito mais quentes do que uma noite de
dezembro.
Murilo de repente para de meter e se deita sobre
mim antes de fazer um movimento que muda nossa
posição, colocando-me no comando, sobre ele.
Rebolo gostoso, sentindo-me bem com as mãos
dele percorrendo meu corpo, sustentando meus seios, que
balançam quando me sento e me levanto encaixada em
seu pau, ou segurando minha cintura quando me aperto
contra ele e só rebolo.
Reclino bem minhas costas, apoio minhas mãos em
seus joelhos e começo a quicar mais depressa. Minhas
coxas queimam, mas meu sangue está tão acelerado que
não sinto dor, pelo contrário, o prazer é tão foda que não
consigo deixar de me mover, principalmente quando Murilo
começa a massagear meu clitóris e a gemer tão alto que
parece que está indo à loucura.
Só paro de me mexer quando o orgasmo me atinge
novamente e os músculos das minhas coxas se contraem.
Aperto os joelhos de Murilo, perdida no prazer que
consome meu corpo, até que sou abraçada por braços
potentes, apertada contra poderosos músculos que tremem
tão forte quanto os gemidos que ecoam dentro do quarto.
Meu Deus!, penso quando deito a cabeça no ombro
de Murilo, sem ar, suada e totalmente relaxada. Que
trepada foi essa?!
10

Murilo
Acordo sentindo uma estranha sensação de
relaxamento, algo que só consigo em minha própria cama,
e me surpreendo quando abro os olhos e lembro que estou
na casa de Júlia. Viro para o lado à procura dela e a
encontro dormindo de bruços, o rosto de lado no
travesseiro, a face tranquila e a boca levemente aberta.
Sinto-me um pouco clichê por ficar parado na cama,
apenas a admirar o quanto ela é bonita, com suas feições
delicadas, os espessos cílios alguns tons mais escuros que
seus cabelos loiríssimos, que destacam ainda mais suas
íris azuis quando seus olhos estão abertos.
A despeito de ela ser linda, isso não é o que me faz
ficar em chamas quando a vejo. O conjunto todo me
chamou a atenção, essa é a verdade. Quando a encontrei
na rua, fui atraído pela beleza, principalmente de seu
sorriso. Depois, quando a reencontrei na loja, em cima
daquela escada, fiquei excitado por seu corpo miúdo e
perfeito. E, nos encontros seguintes, ela me fez querer vê-
la mais e mais por causa da sua personalidade.
Júlia é uma mistura tão homogênea de menina-
mulher que eu nunca posso prever uma reação dela. É
moleca, brincalhona, mas tem opinião, é responsável, tem
um senso de família incrível, e a cereja do bolo de sua
personalidade é que ela consegue transitar entre a timidez
e a total falta de vergonha.
É por isso que não consigo me controlar perto dela!
Quando está tímida, preocupada com a opinião de seus
parentes ou de seus conhecidos, sinto vontade de beijá-la
no meio da rua, e, quando rebola no meu pau, sorrindo
feito uma feiticeira que sabe que tem todo o poder, preciso
travar os dentes e me concentrar em outra coisa para não
gozar.
Até o momento, não há nada sobre Júlia Virtanen
que eu não tenha gostado ou que não tenha me deixado
totalmente encantado.
Lamento que meu tempo aqui em Penedo precise
ser curto, já que o alonguei mais do que poderia – ou
deveria –, e o que me trouxe até aqui não agradou tanto
quanto achei que faria, sinal de que não terei desculpas
para vir mais para este lugar.
Confesso que tenho pensado bastante em uma
solução viável para que eu não perca o contato totalmente
com Júlia, mas, levando em conta nossas rotinas, é quase
impossível achar um meio-termo. Eu viajo muito e trabalho
muitas horas seguidas, porém consigo os finais de semana
para fazer coisas pessoais e por puro prazer; já ela
trabalha mais nesses dias do que nos outros, pois é
quando Penedo está cheia de turistas.
Não tenho experiência com relacionamentos à
distância, mas mesmo eu entendo que, para funcionar, o
casal precisa se ver pessoalmente de vez em quando.
Murilo, Murilo... é só um caso aleatório!, tento
pensar racionalmente, mas, desde o começo, sinto uma
certa conexão com Júlia que não consigo explicar. Desejo
estar mais com ela, conhecê-la e me dar a chance de ver
até onde consigo ir nessa relação.
No entanto, será que ela sente o mesmo? Não dá
para saber, mesmo ciente de que sou um caso excepcional
para ela, que não fica com turistas. Nossa química é
fabulosa, difícil de resistir, e isso pode ser tudo, afinal, não
sei se ela está pronta para se relacionar com alguém ou se
quer isso.
Suspiro, um tanto irritado com o rumo dos meus
pensamentos, e me levanto para ir ao banheiro.
Ontem à noite, quando chegamos afoitos para
trepar, mal pude reparar nos detalhes do chalé de madeira
onde ela mora. A construção fica no meio do quarteirão,
espremida entre a loja de doces, a construção vizinha e a
pousada. Não é grande, mas tem uma sala ampla e uma
cozinha acolhedora, e o quarto onde dormimos é espaçoso
e confortável.
Entro no banheiro e sou recebido pelo delicioso
cheiro do sabonete que usamos quando tomamos banho
juntos depois de gozarmos. Fico excitado imediatamente,
as lembranças fazendo-me reviver a experiência de fodê-la
em pé no boxe, enquanto nossos corpos ensaboados
deslizavam um no outro.
Nunca mais vou conseguir sentir esse cheiro de
aveia e mel sem pensar em sacanagem! Rio ao jogar água
no rosto e pegar a escova de dentes que ela me emprestou
para que eu escovasse os dentes antes de dormir, já que
declarei que não tinha intenção alguma de voltar para a
pousada, pois ainda queria mais sexo, e ela adorou a ideia.
Trepamos na cama, devagarzinho, sem afobação,
sentindo mais os movimentos, as sensações, saboreando o
prazer. Gozamos juntos de novo, e eu percebi que usamos
o último preservativo que ela tinha.
Nada de trepada matinal!
Volto para o quarto e a encontro na mesma posição,
ainda de bruços, só que praticamente descoberta, com seu
rabo firme para cima e as pernas entreabertas, dando-me
uma visão sexy de sua boceta delicada e suculenta.
Foda-se!, penso sobre a camisinha ao me ajoelhar
devagar entre suas panturrilhas e me inclinar para beijar
sua bunda gostosa. Seguro-a pelas nádegas, separando-
as levemente e deslizo a língua no meio da fenda que
guarda seu pequeno e, aparentemente, apertado cu.
Meu corpo estremece de um jeito que parece que
sou eu a receber uma boa linguada, e volto a chupá-lo com
mais afinco.
Júlia se mexe devagar na cama e solta um
gemidinho de prazer e preguiça. Sorrio malicioso e, desta
vez, quando volto a lamber seu botãozinho, esfrego os
dedos sobre sua boceta macia.
— Hum... — Outro gemido, agora mais forte.
Separo mais suas coxas, e ela coopera, mostrando-
me que já está acordada, embora continue como estava
enquanto dormia. Enfio minhas mãos por baixo dela e a
faço arrebitar a bunda um pouco, facilitando meu acesso
ao seu sexo.
Brinco de longe com a língua, apenas resvalando o
órgão molhado sobre os lábios vaginais e passando perto
de sua entrada gostosa. Mudo de posição, deitando-me de
costas na cama e me desloco para debaixo dela, fazendo-a
se sentar sobre meu rosto.
Júlia rebola com vontade, esfregando sua boceta já
úmida e excitada na minha cara. Noto que ela está
praticamente de joelhos sobre mim, totalmente desperta,
gemendo alto quando sugo mais forte ou a lambo mais
amplamente.
Os mesmos dedos que antes a massagearam
buscam agora a outra entrada, que molhei com a língua, e
pressionam para entrar no cuzinho apertado como
imaginei. Consigo inserir o indicador e, pela reação dela –
demonstrada pelo aumento de seus gemidos –, percebo
que ganhei sua aprovação ao penetrar seu rabo enquanto
chupo sua boceta.
Júlia se move mais, e suas coxas comprimem os
lados da minha cabeça. Meu pau dói de tão duro, mas não
busco alívio para ele, totalmente concentrado e dedicado à
mulher que me desconserta, desarma e põe de quatro
diante do seu prazer.
— Continua... — Ela delira, sua respiração
entrecortada, a voz baixinha e rouca. — Continua...
Chupo seu clitóris com força para que ela entenda
que não vou parar enquanto não receber na minha língua o
delicioso sabor de seu gozo, e ela se senta totalmente,
segurando-se na cabeceira de madeira da cama. Olho-a da
posição em que estou, seus peitos pequenos e
arredondados balançando enquanto ela se mexe, sua
cabeça jogada para trás e o abdômen contraído.
— Murilo... — Júlia olha para baixo no exato
momento em que diz meu nome e se entrega ao prazer,
gozando na minha boca.
Suas coxas tremem, sua expressão é tão linda
quanto uma bela pintura, e a força de seu orgasmo é tão
intensa que acaba nocauteando-me. Gozo junto a ela sem
nem ter me tocado e sinto minha porra inundar meu próprio
abdômen como quando era adolescente e tinha sonhos
eróticos.
Júlia rola para o lado, saindo de cima de mim e
começa a rir.
— Que delícia! — Olha para minha barriga. — Isso
sim é um bom-dia bem dado!
Concordo, olho para a bagunça que estou e
gargalho.
— Com direito a desjejum... — Pisco para ela. — Vai
um leitinho quente?
Ela fica vermelha, ri e me beija.
— Bobo! Vou pegar algo para te limpar antes que
escorra tudo para o lençol.
— Isso é culpa sua, viu? Nem precisei tocar uma!
Ela arregala os olhos.
— Não?
Nego, sorrindo feito um fanfarrão envaidecido.
— Seu orgasmo me fez gozar. — Acaricio-a. — Que
conexão é essa que nós temos? Você sente isso?
Júlia assente.
— Totalmente! — Sorri. — Nunca vivi nada
semelhante até você.
— Nem eu — confesso, e ela me beija de forma
suave, um carinho tão gostoso que faz meu peito se
aquecer.
Definitivamente preciso dar um jeito de vê-la mais
depois que voltar para São Paulo!
***
Desço do veículo alugado próximo ao local que me
indicaram e olho para o pitoresco clube com sua placa
anunciando sua origem. Não tinha intenção de vir ao baile
no Clube Finlândia, mas acabei mudando de ideia quando
descobri que é onde Júlia está nesta noite de sábado.
Sinceramente, não me importo de parecer estar
correndo atrás dela, porque não faço tipo, quero estar com
ela durante o tempo que passar aqui e, se para isso terei
de enfrentar uma noite de músicas e danças típicas, não
me importo.
O negócio que vim averiguar aqui talvez não se
concretize, e não dá mais para eu esticar os dias longe de
São Paulo, ainda mais em uma época agitada como o final
de ano. Posso trabalhar de qualquer lugar, mas é
necessário que eu tenha algum contato com minha equipe
de vez em quando, e há inúmeros projetos para
averiguarmos além desse que me trouxe a Penedo.
Hoje mesmo perdi mais de uma dúzia de ligações e
mensagens do escritório, porque decidi aceitar a proposta
que Júlia me fez depois do delicioso orgasmo matutino, e
fomos até uma famosa cachoeira.
— Eu avisei ao meu irmão que não poderei ficar na
loja agora de manhã — ela anunciou assim que
terminamos o desjejum – o verdadeiro – sentados à mesa
de madeira da cozinha. — Pensei em fazermos algo caso
você esteja disponível.
Não titubeei em deixar claro que eu faria o que ela
quisesse, desde que passássemos um tempo juntos.
— Tem roupa de banho? — perguntou de repente, e
neguei. — Tudo bem, podemos resolver isso em alguma
lojinha da rua, mas não podemos demorar mais, porque
preciso estar no trabalho na hora do almoço.
Comprei a primeira sunga que achei, e seguimos
para a Cachoeira de Deus, através de uma trilha com uma
estrada que meu i8 certamente não aguentaria, mas que o
4X4 alugado tirou de letra.
O lugar, além de lindo, com muito verde, águas
cristalinas e uma queda d’água que, se eu ainda fosse
moleque, iria querer arranjar um jeito de escorregar na
pedra desde o topo, estava relativamente vazio.
— É o horário — Júlia explicou, pegando uma bolsa
térmica que arrumou enquanto eu comprava a sunga. — A
água deve estar um gelo, e o pessoal prefere vir mais
depois do almoço, quando o sol está mais forte.
E ela tinha razão, puta que pariu! Parecia que eu
estava entrando na água de degelo de alguma geleira.
Aguentei o quanto pude pelo bem da minha saúde e saí
correndo na direção dela, que me esperava com uma
toalha gigante e bem felpuda.
— Como vocês aguentam isso?!
Ela riu.
— Quem disse que eu entro? — Gargalhou e me
beijou. — Quer ajuda para esquentar?
Meu corpo, gelado como se eu tivesse entrado na
câmara fria de um matadouro, acordou imediatamente e se
aqueceu.
— Quero!
Ela olhou em volta, e entendi por que montou nosso
“piquenique” em um lugar mais dentro da mata do que no
entorno da cachoeira. Tirou o vestido que usava, ficando só
com o biquíni minúsculo e terrivelmente sexy, e se embolou
comigo dentro da toalha.
Foi um jeito fenomenal de voltar a temperatura do
corpo ao normal, e aproveitei cada instante que ficamos
naquele nosso casulo improvisado, tocando-a sempre com
a desculpa de estar tentando aquecer as mãos.
— Sabe como é, as extremidades do corpo sofrem
mais com o frio...
Ela ria e se remexia dentro da toalha, pressionando-
se contra meu pau totalmente duro.
— Tem uma extremidade aqui que está bem quente
já.
Gargalhei e beijei aquela mulher incrível que me
fazia relaxar e sorrir mais em alguns dias do que nos
últimos anos.
Comemos sentados sobre uma colcha, uma
deliciosa salada de grãos de bico – que ela disse que já
havia deixado pronta para o almoço corrido que faz na loja
– e peito de frango assado e frio.
— Não se importa em comer carne gelada, não é?
— Nem um pouco, eu gosto. Peço sempre algo de
um desses restaurantes que montam saladas, e as carnes
sempre são frias. — Sorri. — Nada se compara à sua
salada. Ser bom na cozinha é um dom familiar?
Ela riu e negou.
— Eu sou péssima, sei fazer apenas algumas
receitas básicas. O frango veio da pousada, e a salada, só
juntei os ingredientes e temperei.
— Então qual é o dom de Júlia Virtanen?
Ela ficou vermelha.
— Eu desenho. — A resposta me surpreendeu. —
Sempre desenhei, mas não apenas paisagens e essas
coisas mais artísticas, eu desenhava roupas, brinquedos e,
depois, quando fui para a faculdade de Design, descobri
que gosto de criar produtos únicos e logomarcas.
Fiquei bem interessado, porque, no meu trabalho,
lido diretamente com esse tipo de profissional que
desenvolve conceitos para marcas, embalagens, padrões
de exposição de produtos etc.
— Que tipo de produtos cria?
Ela sorriu orgulhosa.
— Todas as caixas de presente da loja foram
criações minhas, desde a concepção de tamanho, forma,
até as estampas. Gosto de criar embalagens, e os clientes
gostam de ter algo diferente e exclusivo para
presentearem.
Confesso que fiquei muito surpreso e ainda mais
admirado pelo fato de que uma mulher com tamanho
talento – porque vi e achei uma sacada muito esperta as
embalagens de presentes para colocar cada tipo de doce
da loja – ainda trabalhasse em um pequeno negócio
familiar em uma cidade do interior.
Conversamos mais sobre o seu trabalho, e percebi
que, embora ficasse atrás de um balcão o dia todo, ela
amava criar e, quando tinha tempo, fazia alguns trabalhos
freelance para outros lojistas.
Deixei-a perto da Casa Virtanen, mas não na porta,
porque ela ainda estava receosa com a questão de expor
nossa relação, depois segui para a pousada, onde, além de
dormir à tarde – algo que eu não fazia desde a
adolescência –, percebi as ligações do trabalho e adiantei
alguns assuntos com minha equipe.
— Conheci uma designer de produtos talentosíssima
aqui — falei com Diogo Gusmão, meu assistente, por
telefone. — Gostei do estilo dela!
— Se você achar conveniente, podemos contratá-la
para os próximos projetos, já que nossa equipe anda
sobrecarregada desenvolvendo o conceito para a nova
rede de restaurantes.
Gostei da ideia e pensei que, se Júlia aceitasse,
essa poderia ser uma forma de mantermos contato, mesmo
que profissional.
Dois coelhos, uma só cajadada!, como diria meu
avô.
Mais tarde mandei mensagem para ela a fim de
saber o que faríamos à noite. Ela me respondeu que teria
que ir até o baile do Clube Finlândia, porque era um evento
tradicional de que toda sua família participava.
“Não te ofereceram ingresso aí na pousada?”, ela
perguntou, e tentei lembrar, mas não consegui recordar,
porque, sempre que eu passava pela recepção, alguém me
oferecia um roteiro ou algo para fazer, e eu recusava.
“Eu não tinha intenção de ficar no final de semana”,
justifiquei e emendei uma pergunta: “Até que horas dura o
tal baile?”
“Às vezes até de manhã!”
Merda, eu preciso de um ingresso!, pensei. Liguei
para a recepção, e quem me atendeu foi o tio dela.
— Ingresso para o baile? — Ele repetiu minha
pergunta. — Estão todos esgotados já... — Fechei os olhos
e, como bom empreendedor que sou, já fui pensando em
outros caminhos para poder ir até o clube e ficar com Júlia.
Talvez eu possa comprar de algum hóspede... — Ah,
tivemos uma desistência! Reservo para...
— Sim! É meu, pode reservar — respondi afoito,
sentindo-me um sortudo da porra.
E foi assim que acabei por parar aqui, na porta do
clube – que mais parece uma casa –, disposto a passar a
noite ouvindo músicas folclóricas típicas da Finlândia.
Entro no recinto e já sou impactado com a música e
com as vozes das pessoas, que conversam sem parar. Há
muitos turistas, percebo, alguns tiram fotos, outros bebem
e assistem às danças, e alguns – tento evitar, mas caio na
risada – se aventuram a dançar.
Procuro Júlia ou qualquer um de sua família que
acabe por me levar a ela e paro em seco quando
reconheço uma das dançarinas em trajes típicos.
Deus do Céu!
Ela dança com aquele sorrisão enorme que me
chamou a atenção desde o primeiro momento em que a vi,
junto a sua prima, seu irmão e um outro homem que, pela
semelhança com a outra mulher, presumo ser seu primo.
Eles seguem juntos, com passos rápidos que
exigem muito fôlego, no centro do salão do clube. Não sei
o nome da dança, mas certamente é alegre, e Júlia se
diverte muito dançando-a. Espero até o final da
apresentação – não sem antes notar os olhares cobiçosos
de vários outros homens – e caminho até onde ela está
para cumprimentá-la.
— Jules! — Um homem alto e magrelo grita o nome
dela antes mesmo de que eu consiga alcançá-la e a ergue
nos braços como se fosse uma menina.
Júlia gargalha e bate no ombro do grandalhão
desengonçado, mas, quando ele a abaixa, os dois se
abraçam.
Eu paro.
Não é um simples aperto, mas um abraço de
verdade, daqueles que só se dão em quem realmente se
ama e sente falta. Respiro fundo, porque nunca fui um
homem ciumento, mas vê-la trocando esse tipo de carinho
com outro me deixa com uma sensação estranha e um
incômodo sem sentido.
Observo os dois conversarem alegremente e, de
repente, vejo o esquisito beijá-la! É um selinho e bem
rápido, mas me pega tão desprevenido que simplesmente
me materializo ao lado deles sem nem mesmo me dar
conta de que vim até onde estão.
Porra, eu devo ter corrido!
— Murilo? — Ela parece surpresa com minha
presença e franze a testa. — Eu não sabia que vinha!
Percebi!
— Eu tinha um ingresso — respondo seco e encaro
o “magrelão”. — Murilo Pontes.
Estendo a mão para cumprimentá-lo, e ele
corresponde apertando-a firme.
— Lino Heikkinen.
Júlia olha de um para o outro visivelmente confusa.
— Murilo é hóspede na pousada. — Olho-a com a
sobrancelha erguida. — E meu amigo.
— Se é amigo da Jules, é meu também! — O
homem sorri e pisca para mim. — Eu trouxe um amigo
também! — Ele faz sinal para alguém, e um rapaz mais
novo, meio com cara de nerd, aparece ao seu lado, e os
dois se dão as mãos. — Esse é o Kleber.
— Finalmente a tão falada Jules! — O outro homem
a cumprimenta com dois beijinhos. — Lino não parava de
falar que eu precisava vir conhecer a terra dele e seus
amigos!
— Que bom que vieram! — Ela sorri encantada. —
Eu já sei muito de você também, viu? Cuida bem do meu
amigo, nos conhecemos desde crianças!
Sério, eu realmente quero um buraco para me
esconder!, penso divertido, acompanhando a conversa
entre o casal e Júlia.
Que atitude mais ridícula eu tive! Ainda que o
homem não fosse gay, ele é amigo dela, e os dois têm o
direito de se cumprimentarem como quiserem!
Que porra aconteceu contigo, Murilo?
Claro, eu sei a resposta, mas admitir que senti
ciúmes a ponto de agir como um macho-alfa marcando
território é demasiadamente desconcertante. Nunca senti
ciúmes, nem mesmo quando namorava alguém há algum
tempo, então por que agora?
— Ei! — Júlia chama minha atenção. — Lino e
Kleber já foram, mas você parecia tão concentrado em algo
que nem os ouviu se despedir.
Fecho os olhos.
— Desculpe-me.
— Pelo quê? — Põe a mão na cintura. — Sua
rudeza com meu amigo e o namorado dele ao não se
despedir ou a forma como apareceu aqui, parecendo que ia
chamar o Lino para a porrada? — Franze a testa. — O que
houve, afinal?
Rio de mim mesmo.
— Acho que a água da cachoeira congelou meu
cérebro! — Faço a piada, mas ela não ri. — Perdoe-me por
tudo, não sei o que deu em mim.
— Não?
— Não. — Suspiro. — Não sou assim e lamento ter
passado a impressão de truculência ao seu amigo. —
Encaro-a. — Eu senti ciúmes quando ele beijou você.
Júlia arregala os olhos.
— Ciúmes? — Assinto sem jeito e dou de ombros
como se não fosse nada. — Por quê?
— Estou me fazendo a mesma pergunta, Júlia. Mas
o fato é que eu vim até aqui para te ver e, quando o vi te
beijar...
— Somos amigos de infância.
— Percebi, mas não sabia. — Bufo. — Enfim, não
justifica. Você é livre para beijar quem quiser e...
— Não estando com você, ainda que somente
enquanto estiver aqui — ressalta.
Acaricio seu rosto, uma coisa que gosto muito de
fazer e sei que ela adora que eu faça, pois fecha os olhos e
esfrega o rosto na minha mão.
— Eu a quero demais! — sussurro bem perto de seu
ouvido. — E quero aproveitar cada instante que temos...
— E depois? — Ela faz a temida pergunta.
Abraço-a, mesmo diante de todos os seus familiares
a amigos que estão aqui, e beijo o topo de sua cabeça.
— Precisamos conversar e achar um jeito.
Ela balança a cabeça, mas sinto, contra o meu peito,
que está sorrindo, e isso me enche de esperança.
Eu quero essa mulher e não penso em renunciar a
esse querer tão intenso!
Vamos dar um jeito!
11

Murilo
Mais uma vez amanheço na cama antiga de Júlia
Virtanen e fico observando-a dormir.
Chegamos de madrugada, e ela estava tão exausta
de dançar – confesso que até eu arrisquei uns passos –
que tomamos um banho e ela dormiu assim que se deitou
na cama e comecei a massagear seus pés.
Foi uma noite pitoresca, diferente de qualquer
programa que eu já tenha feito antes, mas, nem por isso,
menos divertida. Bebi e comi muito bem, interagi com a
prima dela – Glauce – e, embora não tenha conversado
com o irmão e o primo – um estava com uma mulher o
tempo todo, e o outro foi tocar em uma banda de música
brasileira, nos intervalos das danças típicas –, gostei de
não ter de ficar pisando em ovos perto deles.
Beijei, abracei, dancei e dei uns amassos em Júlia
sem que me importasse com a opinião das outras pessoas
sobre ela estar saindo com um turista. Isso a deixou mais
solta, relaxada, e me deixou ainda mais envolvido por ela.
Dançamos uma valsa – sim, uma valsa! – juntos
antes de ir embora e demos carona para Glauce, que
estava tão destruída fisicamente quanto sua prima.
— Já não temos mais 18 anos! — disse divertida. —
Parece que um rolo compressor passou sobre meus pés.

— Lembra quando íamos ao Pikkojoulo[9] e


dançávamos o tempo todo? — Júlia suspirou. — Não
danço o Tip-Tap há anos, e esse ano as crianças estavam
lindas!
— Sim! Essa é a única desvantagem de eu ainda
não ter encontrado um homem para me casar. Eu iria
adorar ver meus filhos dançando!
Fiquei atento ao comentário de Júlia sobre o que
sua prima disse e, quando ela o fez, senti uma pressão no
peito e mais sensações estranhas, como se fosse uma
vontade que eu mesmo desconhecia.
— Ah, eu também quero ter uns pequenos para
vestirem os gorrinhos com sininhos e se divertirem no
começo de dezembro em volta do Papai Noel!
— Vocês curtem mesmo essas coisas todas de
Natal, não é? — perguntei, achando divertido.
— Sim! — as duas responderam juntas.
— E eu pensando que só criança era encantada
com isso.
Glauce gargalhou.
— Eu acho que você deveria rever seus conceitos,
mesmo porque está devendo uma ao Joulupukki.
Franzi a testa, sem entender do que ela estava
falando, mas não disse nada, porque as duas explodiram
em gargalhadas dentro do carro, como se desfrutassem de
uma piada interna.
Deixei o carro na rua em frente à pousada e segui
com Júlia pelo mesmo corredor do “atalho” que usamos na
outra noite para chegar ao chalé dela.
— Hum, bom dia!
Seu cumprimento me tira das lembranças, e me
perco nos seus olhos claros e inchados de sono, achando-
a a mulher mais linda que já conheci.
— Bom dia! Conseguiu descansar?
— Hu-hum. — Espreguiça-se. — Quer um café?
— Depois — respondo sorrindo.
Ela morde o lábio e se esfrega em mim.
— Depois de quê?
Afasto seus cabelos e aproximo minha boca de sua
orelha.
— De comer você. — Passo a língua no lóbulo e a
sinto ficar arrepiada sob minhas mãos. — Comprei
camisinhas.
Ela geme.
— Já estou no ponto, pode comer à vontade.
Deita-se de bruços como estava na manhã de
ontem, e desfiro um tapa em sua bunda gostosa, antes de
virá-la na cama e me posicionar sobre ela, só que ao
contrário, em um clássico 69.
— Vamos comer um ao outro hoje!
***
A vida é feita de oportunidades que surgem
inesperadamente e que podem mudar o rumo de todo o
planejamento de uma pessoa. Sei disso porque sou do tipo
oportunista, não no sentido pejorativo da palavra, mas sim
daquele que aproveita todas as oportunidades que
aparecem, ainda que não deem certo.
Vim a Penedo para verificar um negócio que minha
equipe tinha relegado e que, por algum motivo, meu feeling
dizia que era bom. Acontece que nem sempre minha
intuição está certa, e percebi que, embora tivesse muito
potencial, não se encaixaria bem no nosso padrão.
Acabei ficando aqui, pura e simplesmente, por
motivo pessoal: Júlia Virtanen.
Desde o começo, quando conheci a família dela e
posteriormente descobri que a mulher que me atraía tanto
também tinha esse sobrenome, tive sensações estranhas.
Não sou do tipo sensitivo, como minha mãe, por exemplo,
que parece sentir as coisas antes de acontecerem e que
tem um faro incrível para procurar notícias no lugar certo, o
que a ajudou muito em sua carreira como jornalista e a
ajuda sobremaneira agora, como escritora. Definitivamente,
não posso ser acusado de ter premonições. Entretanto,
acredito que minha vinda até aqui pouco teve a ver com o
negócio que vim observar de perto e tive essa certeza há
alguns minutos, antes de descer para a cozinha da
pousada e tomar posse de um avental, uma vasilha e uma
colher de pau.
Durante a manhã, enquanto Júlia foi para o trabalho,
fiquei na pousada, em videoconferência com minha equipe,
passando minhas impressões sobre o negócio que vim
pesquisar. Isso foi bom, porque, de certa forma, me deixou
mais produtivo – andei um tanto preguiçoso nesses dias
aqui – e fez a hora do almoço chegar rápido, já que eu iria
encontrar-me novamente com Júlia nesse horário.
Fomos até um restaurante de comida alemã, onde
ela me fez experimentar a costela de porco com molho e
queijo, e fizemos planos para a segunda-feira, dia de folga
de Júlia e meu último dia em Penedo, já que teria que
voltar a São Paulo na terça-feira de manhã para chegar a
tempo de uma reunião à tarde.
— Hoje tem o evento dos biscoitos, mas é muito
mais voltado para famílias com crianças — ela disse
enquanto caminhávamos juntos na calçada, de mãos
dadas, indo de volta para a loja de doces depois da
deliciosa refeição que partilhamos.
— Evento dos biscoitos? — inquiri, já sabendo que
iria novamente me meter em alguma programação de
Natal.
Ela assentiu, sorrindo.
— Sim! Algo que Glauce pensou este ano. Vamos
oferecer uma oficina de biscoitos com tema natalino para
os hóspedes, e eles poderão comer ou levar para casa o
que fizerem.
Franzi a testa, olhando-a divertido.
— Você vai participar? — Ela concordou. — Mesmo
depois de dizer que é terrível na cozinha?
Júlia gargalhou.
— A primeira coisa que aprendi a fazer, ainda muito
menina, foram os biscoitos. Minha mãe os fazia todo Natal
e toda Páscoa, com receitas variadas, e eu adorava ajudá-
la.
Meu coração se apertou ao pensar na pequenina
Júlia ao lado de sua mãe e ao perceber o quanto devia ter
sido difícil para ela tê-la perdido em tão tenra idade. Outra
coisa que notei, durante a conversa, foi que o tal evento
era muito mais importante para ela do que o do dia em que
montamos a árvore, uma vez que lhe trazia memórias e
matava um pouco da saudade da infância passada com
sua mãe.
— Estarei lá! — confirmei ao entrar na Casa
Virtanen. — Mas que fique claro que nunca fiz uma única
bolacha em toda minha vida!
Júlia cruzou os braços.
— Não são bolachas, são biscoitos!
— Serão recheados? — Ela negou. — Bolachas!
Júlia bufou.
— Por que vocês cismam com isso?! Bolacha é o
tapão que vou te dar se continuar chamando os meus
biscoitos de gengibre assim! — Ela parecia enfezada, mas
a expressão matreira e debochada desfazia totalmente
essa impressão.
Aproximei-me mais, abraçando-a pela cintura, e
sussurrei em seu ouvido:
— Vou adorar receber uma bolacha sua,
principalmente quando estiver enterrado bem fundo na sua
boceta.
Ouvi quando respirou fundo e prendeu a respiração,
com a face vermelha, porém com os olhos brilhantes de
desejo.
— Depois dos biscoitos, podemos providenciar as
bolachas.
Ri e beijei seu pescoço.
— Vou contar os minutos!
Acabamos por tomar um sorvete artesanal, receita
do irmão dela, e depois segui para a pousada pelo pátio
interno que liga os dois estabelecimentos.
Acontece que, antes mesmo que eu chegasse ao
meu quarto, fui abordado por Rodrigo Virtanen.
— Murilo! — chamou-me no corredor, e o encarei. —
Precisamos conversar.
Estranhei a princípio, mas concordei, e a conversa
não foi bem o que eu esperava, embora tenha sido muito
interessante.
— Está ouvindo a receita? — Júlia me cutuca,
fazendo-me voltar à aula de biscoitos de gengibre em
formato de boneco. — Ainda não vi nada na sua vasilha.
Sorrio sem graça e pego a farinha de trigo.
— Estava distraído pensando em outra coisa.
Ela fica séria e me olha como se tentasse adivinhar
algo.
— Algum problema?
Meu coração acelera ao ouvir sua pergunta, e meu
abdômen se contrai.
Espero que não!, respondo-lhe mentalmente, mas
só me limito a balançar a cabeça negando e finjo voltar a
prestar atenção nos biscoitos.
***
O cheiro do sabonete líquido de Júlia é único, e já
tentei ver a embalagem para comprar um igual para mim
em São Paulo, mas no frasco não tem nada escrito.
— Onde você compra esse sabonete? — Saio do
banheiro do chalé com uma toalha enrolada na cintura e
esfregando outra em meus cabelos. — Ele tem um chei...
Interrompo-me ao vê-la vestida com uma calcinha
minúscula e sapatos de saltos altíssimos.
Puta que pariu!
Tudo o que eu ia falar desaparece, e solto a toalha
que segurava, sentindo-me completamente enfeitiçado por
essa mulher vestida de preto.
— Eu gostei de fazer sexo em pé no chuveiro e
queria tentar algo aqui no quarto. — Pisca. — Acho que
agora nossa diferença de altura diminuiu.
Puxo a toalha enrolada em meus quadris para
mostrar a ela o que achei de sua ideia.
— Só saberemos se testarmos!
Ela gargalha e vem ao meu encontro, agarrando-me
pelo pescoço até juntar nossas bocas. Seguro-a pela
bunda, apertando-a contra mim e desfrutando do delicioso
contato de suas nádegas redondas e firmes, enfeitadas
com a pequena calcinha, que se enterra entre elas como
eu gostaria de fazer com meu pau.
Viro-a, colocando suas costas contra meu tórax e
beijo sua nuca, enquanto minha mão desliza por seu corpo,
apertando seus peitos, até encontrar a calcinha. Insiro-me
dentro do tecido delicado, sentindo na ponta dos meus
dedos a pele macia de sua pélvis sem pelos, indo em
direção à deliciosa fenda molhada e quente de sua boceta.
Molho meus dedos para facilitar a massagem sobre
seu clitóris e, quando sinto que está perfeito, volto em
busca do ponto tenso.
— Isso! — Ela rebola contra mim, esfregando sua
bunda no meu membro enquanto geme. — Me faz gozar
assim, Murilo!
— Faço o que você quiser! — rosno, enlouquecido
com a vontade de penetrá-la.
Continuo a fricção com uma das mãos, e a outra
puxa a calcinha de dentro de suas nádegas, afastando-a.
Pego meu pau, já com a ponta úmida de tesão, e o esfrego
contra seu delicioso botãozinho rosado, forçando-o um
pouco até sentir a incrível pressão exercida por sua
entrada apertada.
— Sou louco pelo seu rabo! — sussurro.
— Eu sou louca por você! — ela responde, e me
animo ainda mais.
Escorrego meu membro para baixo e o encaixo bem
na portinha da sua boceta. Sou atacado por vários arrepios
simultâneos, estremeço, e o sangue começar a correr mais
rápido pelas minhas veias.
— Sua boceta é uma delícia! — Minha voz soa
lamentosa, porque, embora eu esteja pronto para afundar-
me no delicioso buraco quente e úmido, sei que não posso
fazer isso sem proteção. Mas eu queria!, penso ao sair.
— Precisamos de...
Júlia simplesmente se curva para pegar os
preservativos em cima da mesinha de cabeceira,
arrebitando a bunda contra mim, e gemo alto, dolorido,
desesperado de tesão. Pego a camisinha, coloco-a no meu
pau e rapidamente volto para onde estava, só que desta
vez não paro na entrada, mergulho até o fundo.
Ela soluça, eu rosno. Sua pele arrepiada diz muito
sobre o nível do tesão que estamos compartilhando, e
estoco como um louco, firmando-a contra meu corpo com
um braço sob seus peitos e com a mão esfregando seu
clitóris.
Os saltos facilitam muito a trepada, e não ter retirado
a calcinha é um plus, já que o tecido fica roçando no meu
membro e enviando mais e mais estímulos ao meu corpo.
Júlia aumenta o ritmo de seus gemidos, como
também a altura deles, e, de repente, minha mão se
encharca, e as estocadas ficam mais barulhentas,
resultado do orgasmo que escorre de sua boceta.
Faço-a se dobrar, e ela apoia as mãos na mesinha.
Firmo-a pelos quadris e não contenho mais a vontade de
fodê-la com força. A cada investida, ouço o som alto da
colisão de nossos corpos. A mesinha range, sai do lugar e
fica imprensada contra a parede. O abajur em cima dela
balança tanto que sinto que irá cair no chão a qualquer
momento.
Vejo as marcas dos meus dedos nas nádegas de
Júlia e não resisto a tentar um tapa firme. Ela geme, rebola
mais contra mim, e eu desfiro mais um.
— Como eu queria comer seu cu nesta posição! —
Aumento as estocadas. — Entrar devagarzinho, enquanto
você se masturba; rebolar curto dentro dele até que você
se acostume com meu tamanho; e então... — meto com
força — foder você até te ouvir gritar.
Separo suas nádegas, expondo o objeto do meu
desejo, e a saliva se acumula em minha boca. Cuspo sobre
ele e espalho a umidade com o dedo médio, alargando a
entrada, sonhando em afundar-me nela.
— Murilo...
— Goza para mim, Júlia! — imploro, sentindo-me à
beira da explosão. — Goza enquanto fodo sua boceta e
brinco com seu rabo.
Insiro o dedo todo e imito os movimentos que faço
com meus quadris, um entra e sai rápido e profundo, e
Júlia goza forte, estremecendo, resfolegando e chamando
meu nome.
Sinto o gozo se aproximar, mas, desta vez, não
pretendo me derramar dentro da camisinha, então puxo
meu pau e arranco o preservativo, vertendo minha porra
onde ainda estou com o dedo.
— Porra!
Fecho os olhos, incapaz de conter o prazer, as
pernas bambas e o coração prestes a explodir. Pego-a pela
cintura, levantando-a no colo e caio na cama com ela por
cima. Nós dois estamos exaustos, apesar da trepada
rápida, suados e sem fôlego. Abro os olhos e a encontro
olhando-me, quietinha, e algo dentro de mim se aquece.
— Como vai ser quando você for embora? — Júlia
pergunta baixinho.
Abraço-a apertado.
— Vamos dar um jeito para continuar nos vendo —
prometo. — Eu quero você ainda mais agora do que no
começo.
— Eu também!
Sorrio.
— Então está combinado! — Seguro-a pelo rosto. —
Teremos um namoro à distância.
O sorriso dela parece iluminar tudo ao redor, mesmo
o quarto, que mergulhou na penumbra do cair da noite sem
que percebêssemos.
— Teremos!
A felicidade que sinto é algo que nunca senti, não
desse jeito ou por esse motivo. Saber que ela aceita ser
minha, que estamos firmando o compromisso de, mesmo
longe, tentar dar certo, mexe comigo de um jeito
inexplicável ou... a única explicação talvez seja uma
situação inédita para mim.
Eu estou apaixonado!
12

Júlia
Eu me apaixonei!, penso assim que caímos juntos,
abraçados na cama.
Claro que já desconfiava que sentia por Murilo muito
mais do que tesão, mas não conseguia admitir que, em
menos de uma semana, pudesse sentir algo tão forte por
alguém.
Parece coisa dos livros da Glauce!
Olho para ele, e seu semblante satisfeito me faz
pensar se o que sinto pode ser correspondido. Um homem
como ele, um executivo de São Paulo, deve conhecer
mulheres muito mais bonitas, influentes, ricas e modernas
do que eu.
E ele vai voltar para lá depois de amanhã! Meu
coração se aperta ao constatar que temos apenas mais
duas noites e um dia juntos.
— Como vai ser quando você for embora?
Ele me abraça, e eu retenho um suspiro.
— Vamos dar um jeito para continuar nos vendo. Eu
quero você ainda mais agora do que no começo.
Ouvir isso me faz ter esperança de que, mesmo a
quilômetros de distância, nós consigamos levar o que
temos e ver se fica ainda melhor.
— Eu também! — digo animada.
— Então está combinado! — Murilo me segura pelo
rosto e me faz encará-lo. — Teremos um namoro à
distância.
Namoro?! Sorrio ao perceber que ele quer mais do
que deixar rolar. Murilo quer tentar construir uma relação
séria comigo, e isso é exatamente o que eu quero também!
— Teremos!
Murilo me aperta ainda mais contra si, e vejo um
brilho de felicidade em seu olhar. Estou disposta a deixar
as coisas progredirem entre nós, a conhecê-lo melhor e a
deixar que ele faça parte da minha vida. Nunca devemos
começar um relacionamento achando que não vai dar
certo, ainda que saibamos que dificuldades surgirão pelo
caminho. Em contrapartida, nunca se tem garantia de
sucesso, ainda que seja aparentemente fácil estar juntos.
É isso que me consola sobre a questão da distância!
Eu sei que será mais difícil estarmos sempre juntos, porém
imagino que, quando estivermos, vamos querer apenas
matar as saudades e aproveitar um ao outro.
São Paulo não é do outro lado do Brasil, fica apenas
a algumas horas daqui de carro, e tanto eu quanto ele
poderemos nos revezar nas visitas ou mesmo nos
encontrar em qualquer outro destino.
Vai dar certo, Jules!, meu coração parece gritar,
motivando minha consciência a esperar pelo melhor e
pensar positivo. Há algo diferente entre mim e Murilo,
sentimos isso desde que nos vimos pela primeira vez, e,
tenho certeza, nosso encontro não foi ao acaso.
— Você precisa mesmo voltar na terça? —
questiono com um fio de esperança de que ele possa ficar
mais.
Murilo não responde de imediato. Sinto seu coração
acelerar, e ele puxa o ar para dentro dos pulmões mais
demoradamente que o normal.
— Sim, tenho uma reunião importante e outro
assunto que surgiu para resolver. — Ele passa a mão
sobre minha cabeça, deslizando os fios dos meus cabelos
entre seus dedos. — Mas eu vou voltar, Júlia.
— Quando?
Mais uma vez um suspiro.
— Provavelmente só depois das festas. — Olho-o
surpreendida por não podermos nos ver no Natal nem no
Ano Novo. — O Natal é uma época complicada para os
meus pais, e preciso estar lá para lhes dar suporte. —
Assinto, pois ele me disse sobre a morte do irmão. —
Maurício amava o final de ano, muito mais que eu, era
completamente apaixonado pela decoração e pelo clima de
Natal. Desde que ele se foi, minha mãe não monta mais a
árvore nem comemora a data.
— Eu lamento muito. Meus pais também amavam o
Natal e morreram bem próximo da data. Se não fosse por
mummo, talvez meu irmão e eu nunca conseguiríamos
superar e continuar a amar as festas.
Murilo acaricia meu rosto.
— Você é muito especial, Júlia! Minha mãe ficará
encantada quando te conhecer.
Novamente minha pulsação dispara, e tento não
perguntar a ele quando a conhecerei, para não parecer
ansiosa e pegajosa demais.
— Ela deve ser incrível. — Beijo a ponta do seu
nariz. — Você é incrível!
Murilo ri.
— Ela ficará feliz pelo elogio. — Ele rola na cama e
fica por cima de mim. — Vou te levar para o banho,
ensaboar esse seu corpo gostoso e depois te comer de
novo.
Gargalho, já excitada.
— Não vejo a hora de começarmos!
***
Terça-feira..., penso aborrecida, abrindo a loja,
consciente de que Murilo está na pousada fazendo o
check-out para ir embora antes do almoço. Dói-me vê-lo ir,
mas sei que é necessário e que tenho que me acostumar a
tê-lo distante, conversar por telefone e contar os dias para
nos encontrarmos novamente.
Não vou mentir e dizer que não acho que os dias em
que estivemos juntos passaram muito depressa. Eles
voaram! E ontem fizemos de tudo para criar lembranças e
laços que nos manteriam unidos mesmo durante as
semanas que ficaríamos sem nos ver pessoalmente.
A segunda-feira amanheceu, para nossa decepção,
nublada, e tivemos que cancelar a ida até as outras
cachoeiras do Alto Penedo. Não podíamos ir até o Parque
Nacional do Itatiaia, porque não estava aberto nesse dia,
então decidimos ficar no chalé.
Fiz nosso café da manhã, e, no almoço, Glauce
trouxe para nós um cardápio especial da pousada.
— A coisa anda séria por aqui, não? — ela
comentou comigo, enquanto Murilo arrumava a mesa do
almoço.
Ri.
— Ele me pediu em namoro — confidenciei.
Glauce ficou boquiaberta.
— O quê? Não é justo, nem chegou o Natal, e você
já ganhou o presente pedido!
Ri.
— Bom, se deu certo a cartinha para o Papai Noel
para mim, talvez ainda dê certo para você.
Ela fez careta.
— Ouviu o talvez na sua frase? É nele que está o
problema! — Rimos juntas. — Papai Noel realizou um
pedido este ano. — Apontou na direção de Murilo. —
Quem sabe ano que vem realiza o meu?
— Ou você pode recorrer a outras figuras
comemorativas! — Eu tentava não rir enquanto listava: —
O Coelho da Páscoa; Santo Antônio, logo depois do Dia
dos Namorados...
— Você pulou o Rei Momo no Carnaval! — Ela
entrou na brincadeira, mas então ficou séria e me abraçou.
— Eu já estou muito feliz por ver esse sorrisão em seu
rosto. De verdade, você merece que ele seja um homem
muito especial, nada menos do que isso.
— Ah, Glau, você merece também!
Interrompemos a conversa quando Murilo apareceu
e, abraçando-me pelos ombros, convidou minha prima a
almoçar conosco.
— Eu até ficaria, mas preciso ajudar minha mãe lá
na pousada. — Piscou. — Espero que desfrutem do
almoço!
Ela se despediu, e nós dois comemos uma deliciosa
moqueca de peixe que meu tio mandou fazer
especialmente para nosso almoço. Foi legal perceber que
eu estava com tanto receio à toa de minha família saber
sobre nosso envolvimento.
Ficamos juntos no baile de sábado e passamos todo
o evento de biscoitos de Natal como um casal, e não vi um
só olhar reprovador de quem quer que fosse.
Claro que ainda não tive oportunidade de conversar
com Digo sobre o assunto, mas já fiquei feliz de ele não ter
se metido ou interferido na minha decisão de ficar com
Murilo. Ele reconhece meu espaço, mas é meu irmão mais
velho e se preocupa, porém nem as normais questões que
sempre me fazia quando eu começava a namorar alguém
ele fez dessa vez.
Depois da deliciosa sobremesa que surrupiei na
cara dura da loja de doces, ficamos sentados no tapete da
sala, assistindo a um filme, enquanto, fora do chalé, chovia
e a temperatura baixava muito.
— É sempre assim no começo de dezembro —
comentei. — Vem essa frente fria, e mummo dizia que, se
chovesse no dia de Nossa Senhora da Conceição, era
certo termos um Natal chuvoso.
— Choveu nesse dia este ano?
Neguei.
— Vai ver se a teoria funciona? — Murilo fez que
sim, e eu ri. — Minha avó era muito sábia.
— Não duvido. — Apertou-me mais contra ele. —
Como ela era?
Apontei para um enorme porta-retratos de prata com
uma foto dela, e ele se desvencilhou de mim para alcançá-
lo.
— Linda, não?
Na foto, minha avó, ainda jovem, estava sentada
sob uma árvore com um lindo vestido e os cabelos soltos.
— Linda! Você teve a quem puxar. Tem mais fotos?
Foi então que passamos boa parte da tarde vendo
as fotografias que eu guardo com muito carinho em álbuns
dentro de uma enorme caixa de madeira feita pelo meu
avô. Mostrei a ele meus ancestrais e lhe contei toda a
história da minha família, desde a chegada até aqui até
quando vovó ficou viúva e decidiu montar a Casa Virtanen.
— Você ama realmente essa loja, não?
— Sim, porque é parte do legado dela, e eu gostaria
de não deixar morrer nunca — respondi com orgulho. —
Ela sustentou os dois filhos, ajudou a criar os netos e foi
um pilar na comunidade, e a loja tem muito dessa força
feminina que me inspira e me prova que posso fazer
qualquer coisa que queira.
Murilo não comentou nada, apenas assentiu e
explicou que não trabalhava com seu pai e que isso foi um
ponto de atrito entre os dois no começo, mas depois
Eugênio Pontes compreendeu que ele só queria trilhar o
próprio caminho.
— E o que exatamente você faz? — perguntei.
— Eu sou um tipo de investidor. — Franzi a testa,
porque ele tinha acabado de dizer que não trabalhava no
ramo de investimentos como o pai. — Mas não especulo
em bolsas de valores, eu invisto em pessoas.
— Interessante!
Ele deu de ombros.
— É maçante para a maioria. — Riu. — Mas não
vamos perder nosso dia falando de trabalho. Tenho algo
melhor em mente!
Deitou-me no tapete e acariciou meu corpo, e,
depois que começamos a fazer sexo na sala, deixamos
memórias em cada cômodo do pequeno chalé, até que
dormimos exaustos e acordamos hoje com uma sensação
amarga de despedida.
— Bom dia! — Lucinda me cumprimenta na porta da
loja, e deixo de me concentrar no fato de que Murilo está
indo embora.
— Bom dia! — Tento parecer animada, mas ela
mesma percebe meu estado de espírito e suspira.
— Ele vai voltar, Jules!
Rio.
— Sou patética, eu sei! — Ligo o computador do
caixa. — Por onde anda nosso querido chef?
Lucinda amarra o avental na cintura e põe a touca
nos cabelos.
— Não sei, ele só me pediu para vir mais cedo e
adiantar as coisas na cozinha para ele.
Balanço a cabeça.
— No mínimo está com alguma moça cujo coração
será partido em breve. — Suspiro, temendo que eu tenha o
mesmo destino. — Dói ter o coração partido. Ele deveria
experimentar isso pelo menos uma vez na vida para ter a
experiência e não fazer mais!
— Concordo! — diz, acenando um tchau e entrando
na cozinha.
Um turista parecendo ser alguém de cidade grande,
um pouco perdido e com roupas formais, para em frente à
loja, olha para cima – provavelmente para ler a placa – e
entra.
— Bom dia! — cumprimento-o com bom humor. —
Já conhece nossos doces?
Ele fica um tempo me olhando, sorri e nega.
— Acabei de chegar — explica. — Mas adoraria
conhecer!
Conto a ele a história da Casa, a origem da maioria
de nossos doces, pães e bolos. Dou-lhe alguns chocolates
de degustação e mostro nossas opções de embalagens
para presentes e composições.
— É tudo muito organizado para um negócio local.
— Novamente sorri, fazendo contraste entre seus dentes
muito brancos e sua pele negra. — Isso é ótimo, parabéns!
O homem exala charme, é bem-vestido, cheiroso e
bem alto.
— Obrigada! — agradeço.
Ele aponta para a máquina de café perto do balcão
com as banquetas.
— Um expresso seria ótimo e... — olha em volta —
talvez uns biscoitos de nata.
Espero que ele se acomode e realizo seu pedido,
servindo-lhe com o capricho com que sempre servi
qualquer outro cliente, ciente de seus olhos perscrutando
cada movimento meu.
— Acho que a ideia do seu patrão é maravilhosa —
comenta de repente, e franzo a testa. — O padrão de
vocês é realmente excelente, tanto nos produtos quanto no
serviço. — Sorri animado. — Já consigo ver a Casa
Virtanen dentro dos mais luxuosos shoppings do país e,
claro, acho que você terá a oportunidade de trabalhar em
qualquer uma das unidades.
Fico tensa por um minuto, sem entender do que ele
fala.
— Desculpe-me, quem é o senhor?
Ele estende a mão.
— Diogo Gusmão, da rede Dominus.
Meu coração dispara, pois já ouvi falar na grande
rede que engloba desde restaurantes famosíssimos a
bares, lojas e, principalmente, franquias do ramo
alimentício.
— A rede Dominus está interessada na Casa
Virtanen?
Ele assente.
— Interessada, não, o negócio já está praticamente
concretizado! — comemora. — Eu vim pessoalmente trazer
os contratos para que Rodrigo Virtanen avalie nossa
proposta.
Puta que pariu! Fico tonta e seguro no balcão, sem
poder acreditar que meu irmão esteja fazendo algo desse
tipo sem me consultar. É uma traição enorme, ainda mais
por ele saber o que eu penso sobre franquiar nosso
negócio.
Vamos perder a essência, a autonomia e... Engulo
em seco, incapaz de completar o pensamento acerca de
nossos pais terem morrido por quererem, contra a vontade
de mummo, expandir a loja.
Ela nunca quis sair de Penedo!
— Está tudo bem? Você ficou um pouco pálida! Não
precisa ficar preocupada, meu chefe é um homem muito
consciente e dificilmente mexe no pessoal que já trabalha
nos lugares que ele integra à rede, seu emprego está
garantido — consola-me. — Ele teceu inúmeros elogios a
todos da equipe daqui e...
Fico gelada de repente, com uma sensação
estranha, um aperto no peito e na garganta ao mesmo
tempo.
— Seu chefe esteve aqui nos sondando?
Diogo franze a testa, o sorriso morre, e ele termina
de tomar seu café.
— Tudo perfeito, como esperado. — Pega sua
carteira. — Quanto...
— Quem é seu chefe? — insisto na questão.
— Provavelmente você não o conheceu, porque ele
é muito discreto. — Tenta novamente pagar a conta, mas
não deixo de encará-lo. — Murilo está conversando
diretamente com o Rodrigo, então...
— Murilo Pontes é o seu chefe?!
O tremor em minhas mãos não passa despercebido
a ele, porém, antes que possa falar qualquer outra coisa,
deixo-o sozinho na loja e marcho em direção à pousada,
imaginando que vou não só encontrar o traidor do meu
irmão, como também o oportunista mentiroso por quem me
apaixonei.
13

Murilo
— Você ainda não falou com a Júlia, não foi?
Rodrigo Virtanen fica rubro e nega.
— Ainda não, afinal, ela passou todos esses dias
ocupada com assuntos pessoais. — Encara-me sério. —
Mas não se preocupe, iremos conversar, e eu vou explicar
toda a situação, mesmo porque preciso da aprovação dela
para concretizarmos o negócio.
Bufo, não gostando nada de ela ser a última a saber,
porém respeitando a decisão do seu irmão em ser o
portador da notícia.
— Você entendeu tudo direito, não foi? — Aponto o
contrato. — Sugiro que leve a minuta até um advogado
para analisar, converse com Júlia, e aí voltaremos a nos
encontrar para formalizar o contrato e a integração da Casa
Virtanen à rede Dominus.
Rodrigo assente e pega a pasta com o contrato que
Diogo trouxe de São Paulo. Inicialmente, fui contra a vinda
do meu assistente para Penedo, mas, conhecendo a
expertise de Diogo para o negócio, achei que seria bom ele
analisar com olhar de cliente o potencial da Casa Virtanen,
por isso ele ficará mais alguns dias aqui para auxiliar
Rodrigo e Júlia no que for necessário no concernente ao
contrato.
Se não fosse meu compromisso já previamente
agendado, eu mesmo ficaria, mas confio em Diogo para
explicar e dirimir quaisquer dúvidas. Minha única
preocupação come ele é que se distraia com as lindas
mulheres que moram aqui e acabe embolando o lado
pessoal com o profissional – como eu mesmo fiz.
A Casa Virtanen não foi o que me trouxe a Penedo,
mas sim um bistrô de um chef que há algum tempo tenta
se integrar à rede e receber investimentos para ampliar seu
negócio.
É isso que eu faço na maioria das vezes, invisto em
negócios já formados, com potencial para se tornarem
maiores e melhores, e me torno sócio de uma porcentagem
dos lucros, integrando-os à rede que criei.
Crescemos muito nos últimos anos, começamos
apenas com bares e franquias de alimentos. A princípio,
íamos atrás dos possíveis investimentos, porém, quando
fizemos nosso nome, passamos a receber as propostas
dos próprios donos.
A rede Dominus conta com vários restaurantes,
bares e botecos em São Paulo e uma infinita variedade de
franquias espalhadas por todo o país. Como eu disse para
a Júlia, invisto em pessoas, nos sonhos e nos negócios
delas, e, como é o meu trabalho, ganho dinheiro com isso.
O restaurante que pleiteou integração à rede, aqui
em Penedo, é ótimo, só que não vi potencial no dono para
que eu arriscasse dinheiro e o nome da rede com ele. O
homem é um tanto arrogante e achava que só entraríamos
com a grana, sem interferir em mais nada, e, quando
conversamos sobre os padrões da rede, ele ficou
demasiado reticente, e isso já me deixou receoso.
Invisto muito dinheiro, e isso é alto risco, porque
nem sempre o negócio atende as expectativas que
prevemos para ele. Na maioria das vezes, minha equipe
precisa entrar para “arrumar a casa”, treinar funcionários,
criar protocolos e até redecorar. Anos atrás, quando
começamos, nós comprávamos também estabelecimentos,
como fizemos com um famoso pub na Vila Mariana, cuja
proprietária nos vendeu o ponto e nos alugou o imóvel.
Hoje já não fazemos isso, pois é muito mais
vantajoso apenas participarmos do lucro a gerirmos todo o
negócio. Percebemos isso quando investimos em um chef
francês; seu restaurante foi um sucesso, e nós usufruímos
do sucesso dele também.
Todos ganham, principalmente um negócio pequeno
e com potencial que nunca se expandiria sozinho. Nós
impulsionamos, ajudamos a decolar e, quando isso
acontece, recebemos em troca parte do lucro.
É simples, é quase a mesma coisa que meu pai faz
com sua cartela de investidores, mas no ramo alimentício.
Adoro comer bem, fiz várias viagens a fim de conhecer a
gastronomia de lugares diferentes e, sentado em um
famoso restaurante em Paris, pensei em trabalhar
investindo no ramo, já que isso é muito comum na Europa.
— Eu acho que conseguimos ajustar todos os
pontos que poderiam causar desconforto à Júlia — Rodrigo
volta a falar sobre o contrato, girando a pasta em sua mão.
— Vou conversar com ela essa noite durante um jantar que
irei preparar para tentar...
— Não!
O grito de Júlia, irrompendo furiosa no restaurante
vazio da pousada, faz-me ficar de pé no mesmo instante e
sentir uma dor no peito que não consigo classificar.
— Fodeu! — Rodrigo murmura, e o olho sem
entender. — Alguém deve ter contado para ela.
Merda!
— Júlia, eu posso...
Ela me olha, seus olhos cheios de lágrimas, a
expressão magoada, e sinto que já tirou todas as
conclusões erradas possíveis.
— Eu vim falar com meu irmão. — Corta-me e
encara o Rodrigo. — Eu não sei o que te levou a querer
fazer essa bobagem, mas saiba que, ainda que tente me
excluir, eu possuo a metade da Casa Virtanen e não aceito
transformá-la em uma franquia qualquer!
— Jules, não é bem...
— A resposta, Rodrigo, é não! — Ela é enfática. —
Não sei o que ele te ofereceu nem me interessa, porque
minha decisão não vai mudar.
Ela me olha furiosa.
— Sua estratégia de sondar possíveis negócios
quase funcionou aqui, com os caipiras do interior. — Abro a
boca para tentar explicar, porém ela não deixa. — Você
pode até ter me usado, mas não vai usar o legado da
minha família, Murilo Pontes!
Dá meia-volta e, do mesmo jeito que entrou, como
um furacão inesperado, sai do restaurante. Penso em ir
atrás dela, mas, antes, encaro Rodrigo.
— O que eu não sei? — questiono-lhe. — Por que
essa reação à simples ideia de fazer o negócio de vocês
crescerem?
Ele suspira.
— Ela acha que nossos pais morreram porque
tentaram isso. — Rodrigo põe a mão na cabeça. — Eu vou
conversar com ela e...
Não espero mais nenhum segundo e disparo
pousada afora, indo pelo mesmo caminho que percorremos
entre amassos até o chalé dela, onde espero que esteja.
Bato à porta.
— Júlia, por favor, me deixe explicar as coisas!
Não há nenhuma resposta. Bato novamente, mas
não ouço um só ruído no interior do chalé e decido ir
embora, presumindo que ela não está em casa, porém
paro e me lembro da chave reserva escondida sob uma
pedra solta embaixo do capacho.
Pego a chave, abro a porta e a chamo dentro do
interior escuro do chalé de madeira:
— Júlia!
Ela aparece na porta do quarto.
— Vai embora!
— Por favor, me deixa explicar! Eu não estou
comprando o negócio e...
— Não me interessa o que você pretendia fazer com
a loja! — grita. — Você me usou! Achei mesmo que
estivesse interessado em mim, mas todas as perguntas
sobre o negócio, sobre minha família, era tudo parte do seu
trabalho!
— Não! — nego e me aproximo dela. — Nem sou eu
quem faz esse tipo de trabalho, eu vim aqui por outro...
— Não interessa, Murilo! Vocês dois estavam
fechando acordo pelas minhas costas, como se eu não
representasse nada, como se minha opinião não valesse
nada!
Sei que ela tem razão e que errei ao não insistir que
ela fizesse parte de todo o processo junto ao seu irmão.
Confiei em Rodrigo e achei que ele a conhecia melhor e
que saberia como e quando conversar com ela, porque o
meu maior medo, quando ele me procurou na pousada no
domingo, era de Júlia pensar exatamente o que está
pensando agora.
— Eu sinto muito, mas uma coisa não tem nada a
ver com a outra, acredite. Eu não usei você...
— Não é o que parece! — Sua voz magoada me
estilhaça por inteiro. — Vá embora, não tenho interesse na
sua proposta, não há mais nada que te prenda a Penedo.
O quê?! Ela não pode estar falando sério!
— Júlia, você e eu...
— Isso não existe! Vá embora da minha casa, por
favor!
Não adianta mais discutir, e assinto, consciente de
que ela está chateada e que precisa de um tempo para
digerir as coisas.
— Eu não desisti de nós dois, e, quando você
estiver pronta para conversar e me ouvir, basta me chamar.
Despeço-me, mesmo que internamente eu não
queira partir, e sigo para a pousada a fim de pegar minhas
malas, já prontas.
— Tudo certo? — Diogo me pergunta assim que nos
encontramos no saguão.
— Não — respondo sério. — Você volta comigo para
São Paulo, e a questão da Casa Virtanen está suspensa.
Diogo coça a cabeça.
— Eu acho que fiz merda! — Sorri sem jeito. — Eu
fui até lá, tomei um café, tinha uma loira linda que me
atendeu, e eu acabei falando demais. — Bufo, puto por
saber de sua indiscrição. — Mas eu achava que o negócio
estava certo e nunca imaginei que a atendente bonita era a
tal Júlia Virtanen!
Não sei se estou mais puto por causa da língua
grande dele ou por ele ter se exibido para Júlia.
— Controle sua língua, Diogo! — Entro no carro
alugado, pronto para ir buscar o meu. — Ela fez mais
estrago do que o normal.
Suspiro ao ligar o veículo, apavorado não por ter
perdido um negócio, mas com a possibilidade de ter
perdido Júlia para sempre.
***
Entro na cobertura onde meus pais moram há quase
um ano, desde que venderam a enorme casa que tinham e
se mudaram para algo menor, e a primeira coisa que vejo é
o enorme pinheiro no centro da sala.
Paro em seco, sem acreditar no que meus olhos
veem, e minha mãe toma um susto, dando um grito ao me
ver parado como uma estátua na entrada do apartamento.
— Murilo! — Ela ri. — Que susto!
Franzo a testa.
— O que é isso? — Aponto para o pinheiro.
Ela gargalha.
— Árvore de Natal! — Põe a caixa, cheia de bolas e
enfeites, na mesinha de centro e vem em minha direção. —
Eu estava com saudades, não te vejo há semanas!
Retribuo seu abraço, ainda assustado por encontrar
decoração natalina, e assinto, pois não venho aqui desde
antes de ir para Penedo.
— Fui ver um investimento e acabei por tirar uns
dias de férias.
Ela me olha desconfiada e ri.
— Férias? Você? — Aperta meu nariz como fazia
quando eu era criança e mentia. — Qual o nome dela?
Suspiro, incapaz de sorrir ao falar deste assunto.
— Júlia — respondo ao me sentar no sofá e olhá-la,
abismado, colocar um laço na árvore. — Por que isso?
Minha mãe entende a pergunta, mesmo ela não
sendo muito clara.
— Seu pai e eu percebemos que cometemos um
erro — confessa sem me olhar. — Seu irmão amava o
Natal, e isso era tão intenso nele que, quando faleceu,
estava exultante por ter ido até Gramado e feliz demais em
Nova Iorque...
— Tudo para ver a decoração natalina... —
completo, pois ainda me lembro da euforia de Maurício
com o Natal como se fosse hoje.
— Ele era apaixonado pelas luzes, pela neve e pelo
espetáculo natalino. — Ela suspira. — Lembra-se de como
ficava nossa casa?
E como eu poderia esquecer? Nossa casa antiga
parecia uma daquelas casas de filme americano, toda
iluminada, decorada, com enfeites no jardim e uma enorme
árvore montada no meio da piscina.
— Foi um duro golpe o que aconteceu com ele e
seus amigos lá nos Estados Unidos.
— Foi, sim! Por isso a gente se desfez de tudo,
porque nos doía não o ter conosco ao montar a árvore ou
fazer uma ceia. — Ela me olha de um jeito diferente. —
Estávamos sofrendo tanto que esquecemos que tínhamos
outro filho que precisava manter a normalidade e que
também adorava o Natal.
Balanço a cabeça em sinal negativo.
— Eu nunca me ressenti de não ter comemoração,
eu entendia.
— Você era um garoto, Murilo! Perdeu seu irmão e
tudo o que ele amava.
Respiro fundo, extremamente tocado com as
palavras dela, percebendo que tem razão.
— Por que decidiram voltar a comemorar agora?
— Não sei! Acho que ter saído da casa, vindo para
cá, nos renovou, e aí sentimos tanta falta dele que
decidimos ressuscitar o Natal. — Ela ri. — Não há
lembranças de Maurício aqui e não queríamos que elas
morressem porque mudamos de casa. Então decorar o
apartamento como ele gostava, com muitos enfeites e
luzes, nos deixou mais próximos dele.
Assinto, entendendo o que ela diz, pego uma caixa
que conheço de longa data e a abro.
— Eu pensei que vocês não tivessem mais essas
fotos. — Pego uma imagem do meu irmão fazendo um
boneco de neve. — Eu me lembro de quando os filmes
chegaram...
— Sim, ele já havia sido enterrado aqui, e, de
repente, suas coisas que estavam no hotel chegaram e,
com elas, os filmes fotográficos. — Mamãe acaricia o rosto
do meu irmão, um garoto de 16 anos imortalizado por uma
foto. — Nos sentimos tão culpados por termos autorizado o
intercâmbio.
— Mãe, foi uma fatalidade!
— Eu sei... — Ela pega outra foto e sorri. — Ele
fazia amizade tão fácil, não é?
Sorrio também, lembrando-me do sorriso fácil, da
piada sempre pronta e do bom humor inabalável de
Maurício.
Ela me passa a foto que ele tirou em Gramado,
semanas antes de morrer em Nova Iorque em um acidente
de carro, e o vejo ao lado de um garoto quase de seu
tamanho e de uma menininha loira e sorridente segurando
um pirulito preto.
Por algum motivo, não consigo tirar os olhos da
menina, e meu coração acelera de tal maneira que tudo se
agita dentro de mim.
— Mãe, têm mais fotos com essas pessoas?
— Claro, você não lembra? — Ela mexe na caixa. —
Ele telefonou para cá e ficou te contando sobre a bala
salgada que tinha comido, e você ficou rindo...
Deus do Céu!
As memórias de 22 anos atrás me assaltam, e me
lembro perfeitamente da conversa com Maurício.
— ...é horrível o sabor, mas eu comprei um saco
cheio delas.
— Por quê, seu louco? — perguntei sem entender.
— Para sacanear o grupo do intercâmbio! —
Gargalhou. — Imagina todos eles indo para o banheiro do
avião cuspir a bala!
Nós então rimos de doer a barriga, imaginando a
traquinagem dele.
— É uma pena eu ter ficado doente e não poder ir
contigo! — lamentei, com o corpo todo coberto por
cataporas.
Maurício suspirou.
— Eu sei, Lilo, mas, quando eu voltar para casa em
fevereiro, poderemos nos abraçar à vontade! Vou levar
muitas dessas balinhas daqui para Nova Iorque, mas vou
guardar a maioria para você experimentar e fazer
pegadinhas com seus amigos.
— Promete?
— Claro!
Começo a tremer, meus olhos se enchem de
lágrimas, e minha mãe aperta minha mão.
— O que foi, filho?
— Eu não me lembrava mais da última vez que nos
falamos — admito emocionado. — Lembrei-me agora.
Mamãe me entrega outra foto, e, mais uma vez, a
lembrança perfeita se forma em minha mente.
Casa Virtanen!
— É daqui que reconheço o sobrenome!
Na foto, meu irmão aparece com seu grupo de
viagem e mais as duas crianças loiras – Rodrigo e Júlia –
em frente a um estabelecimento com uma placa igual à da
loja de Penedo. Olho para minha mãe, um tanto apavorado
com a coincidência, e aponto a menina sorridente.
— Mãe, essa é a Júlia.
Andrea Pontes franze a testa, visivelmente confusa,
mas de repente parece entender o que eu disse.
— A sua Júlia das férias? — Arregala os olhos
assustada.
— Ela mesma. — Volto a olhar a fotografia,
reconhecendo os traços que tanto admirei enquanto ela
dormia. — A mulher por quem me apaixonei.
14

Júlia
A decepção ainda me dói, e ter visto o dia
amanhecer, depois de passar a noite sem dormir e
repassando todas as conversas e momentos com Murilo,
não ajuda em nada o meu ânimo.
Desliguei o celular logo que ele saiu da minha casa,
assim como peguei a chave reserva para que ninguém
mais invadisse minha reclusão. Eu precisava pensar,
chorar e entender tudo para tomar uma decisão definitiva.
Foi tudo muito de repente, tanto meu envolvimento
com Murilo, a paixão que explodiu entre nós, o sentimento
que nasceu de forma tão espontânea e avassaladora,
quanto a decepção por descobrir que ele estava aqui
sondando e tramando com meu irmão pelas minhas costas.
Suspiro irritada por ainda pensar nisso, por ainda me
sentir tão chateada com tudo, ciente de que posso ter
parecido irracional, mas compreendo os motivos que me
levaram a agir daquela forma.
Primeiramente, não gostei de ser a última a saber,
como se eu não fosse parte do negócio, e Digo ter agido
daquela forma me magoou demais. Até entendo que ele é
quem produz as receitas, quem as melhora e que o
potencial da Casa Virtanen se deve ao seu trabalho, mas
também faço parte da história da loja desde muito
pequena. Cresci atrás do balcão, sou eu quem lida com os
fornecedores e quem mexe com a questão financeira, além
de ter criado toda a identidade visual, as embalagens
exclusivas e personalizadas e até a concepção da
apresentação do produto, ainda quando a mummo era viva.
Por isso, ser colocada para escanteio me machucou.
Por outro lado, entendo o motivo que o levou a fazer
isso. Não estamos avançando sozinhos, a carreira dele
está estagnada, o dinheiro está curto, mesmo assim eu
rechaçaria a ideia de um investidor de pronto, porque não
quero perder nossa autonomia. Se ele tivesse me dito que
iria procurar ajuda, provavelmente eu não teria concordado.
Será que sou tão cabeça-dura assim?
Fecho os olhos e penso em meu pai. O sonho dele
era levar o negócio da família para além de Penedo, por
isso arriscou em outra cidade com tradição natalina, mas a
mummo sempre dizia que foi aqui que a Casa Virtanen
começou e que não havia necessidade de abandonar o
local onde nasceu. Eu era pequena, mas ficou claro que a
decisão do meu pai não tinha o apoio de minha avó, que
ele deu um passo maior do que as pernas, por isso
mesmo, assim que a tragédia aconteceu e eles morreram,
dona Eni viajou para o Sul, fechou a loja, que estava há
menos de um ano aberta, e nos trouxe para morar consigo.
Ela não gostaria que entregássemos o negócio nas
mãos de estranhos e que perdêssemos o poder de
decisão. Fazer isso com a loja é como trair sua confiança,
e eu nunca me perdoaria por traí-la.
São muitos motivos para eu ter agido como agi, e o
mais dolorido de todos foi a dúvida que se instalou em mim
sobre as reais intenções de Murilo.
Realmente achei que não tínhamos nos encontrado
por acaso, que a ligação que tivemos, a química, o
encaixe, fosse fruto de algo inexplicável, talvez duas
metades que se encontram. Sei que foi pouquíssimo tempo
para avaliar profundamente essa questão, mas senti isso
em todo o meu corpo e dentro do meu coração.
Achei, sinceramente, que ele sentia o mesmo, mas,
depois da descoberta de que estava aqui nos sondando,
que veio com interesse no negócio, as dúvidas se
instalaram sobre o motivo de sua aproximação.
— Você é uma Virtanen...
O jeito que ele disse meu sobrenome, como se o
conhecesse, demonstra que sabia muito bem o que fazia,
que tudo foi de caso pensado.
Será que ele achava que me seduzir era o caminho
para eu aceitar sua proposta?
Fico irritada comigo mesma por ainda estar na cama
e me levanto, decidida a continuar minha vida, batalhar
pela loja, provar ao meu irmão que conseguimos sozinhos
e que não precisamos de ninguém!
Entro no banheiro, e o primeiro impacto sobre a
partida de Murilo – a forma como ele partiu – me atinge
como um tiro. A toalha que ele usou, a escova de dentes
junto à minha, os chinelos que esqueceu no canto do
banheiro.
Soluço e choro, sem poder mais conter minhas
lágrimas com a barreira da raiva. Ainda não entendo por
que tudo aconteceu da forma que foi e nem como ele pôde
ser tão cruel envolvendo-me, fazendo promessas, como se
estivesse tão apaixonado quanto eu.
Entro debaixo da água quente do chuveiro e deixo
as lágrimas rolarem. Não é minha primeira decepção com
um homem, mas a dor é inédita. Os outros
relacionamentos que tive não deram certo, sem grandes
tumultos, sem envolver tanto sentimento e emoção. Esses
dias com Murilo foram intensos, então a desilusão não teria
como ser amena.
Arrumo-me para ir ao trabalho ainda tentando tirar
do meu rosto a melancolia que ele demonstra. Faço uma
maquiagem leve para disfarçar as olheiras causadas pela
noite insone e as lágrimas, penteio meus cabelos e coloco
a roupa básica de sempre – camisa e calça jeans – e
confortáveis tênis.
Pego minha bolsa, deixando o celular ainda
desligado para trás e abro a porta da frente, dando de cara
com meu irmão.
— Eu tinha certeza de que você iria para a loja hoje!
— ele diz sorrindo sem jeito. — Precisamos conversar,
Jules.
Concordo.
— Devíamos tê-lo feito muito antes de você aceitar
qualquer proposta de Murilo Pontes — acuso-o e o deixo
entrar. — Você é meu irmão, Digo, minha única família, e
eu não esperava que agisse daquela forma.
Ele respira fundo.
— Eu sei. Confesso que fui covarde ao não ter
conversado contigo antes.
— Covarde, traiçoeiro, dissimulado...
Rodrigo assente.
— Eu queria conhecer a proposta dele antes de
conversarmos e, somente se ela fosse boa, iria arriscar
falar contigo.
Rio sarcástica.
— Nota o quanto isso é desleal? Porque você sabia,
desde sempre, que eu não aceitaria, mas fez mesmo
assim!
— Jules, eu estou insatisfeito — Digo dispara. —
Não é uma novidade minha insatisfação, e, para piorar,
estou frustrado. — Cruzo os braços para ouvir os
argumentos dele. — Recebi várias propostas para trabalhar
em grandes restaurantes e recusei todas. — Fico tensa,
pois não sabia disso. — Recusei não porque eu não queria
ir...
— Por mim — chego à conclusão, mas Digo nega.
— Por nós. Eu amo trabalhar no negócio que a
mummo criou, amo saber que segui o caminho do papai,
mas...
— Nós estagnamos.
— Sim! — Digo se senta. — É ruim ser ambicioso?
É ruim querer fechar o mês sem aperto? Jules, eu mal
pago meu aluguel!
Engulo em seco, com o coração apertado.
— Podia voltar a morar com...
— Droga, Júlia, não dificulta! Eu tenho 35 anos, pelo
amor de Deus! — Ele geme e fecha os olhos. — Mummo
nunca quis que eu ficasse na loja.
— O quê?
Digo dá de ombros.
— Nunca te contei isso, porque sair da Casa
Virtanen nunca foi uma possibilidade para mim. Vovó
pagou minha faculdade, eu aprendi a cozinhar e me
descobri com ela. — Concordo com ele. — Eu nunca a
abandonaria, mas ela me dizia que eu deveria tentar algo
por mim mesmo.
Engulo em seco, porque eu mesma ouvi isso dela
quando terminei a faculdade e continuei a trabalhar na loja.
Não que ela não me quisesse no negócio, mas achava que
eu deveria ter outras experiências antes de me decidir.
— Não é como se você não tivesse opções, Jules.
Quero que, ao se decidir por ficar, decida isso porque é sua
vontade, não apenas para me agradar.
A voz dela me dizendo isso assim que me formei é
nítida em minha mente, mas, como meu irmão mesmo
disse, não trabalhar na Casa Virtanen nunca foi uma
possibilidade.
— Por que nunca me contou sobre as propostas de
emprego?
— Não queria assustar você. Sei que conta comigo
para tocar a loja e, acredite, também quero tocá-la contigo.
Respiro fundo.
— A mummo não gostaria que entregássemos a loja
para estranhos. Ela não queria que saíssemos de Penedo
e...
— Por que você acha isso?
— Porque ela não apoiou o papai quando ele foi pro
Sul e porque, mesmo com a loja indo bem, ela a fechou
assim que teve oportunidade.
Rodrigo se levanta.
— Jules, ela te disse isso?
— Não, mas supus pelas conversas que ouvi.
Rodrigo passa a mão na minha cabeça.
— Eu achei que você tinha medo por causa do que
aconteceu com nossos pais, não por achar que mummo
não queria crescer. Ela queria! Acha que papai foi para o
Sul contra a vontade dela? Não! Ela o ensinou, o
incentivou, o ajudou a montar a loja e escolher o lugar. — A
voz dele fica triste. — Ela se sentiu culpada quando eles
morreram, por isso fechou a loja.
Soluço, incapaz de conter minhas lágrimas, porque
sempre imaginei o contrário. Pegava uma ou outra frase
solta dela e entendia que culpava a ambição de papai por
tê-los tirado de nós, mas, na verdade, ela se culpava!
— Por isso ela nunca mais tentou abrir outra loja? —
inquiro, e Rodrigo assente.
— E por isso ela queria que testássemos outras
profissões ou outros lugares para trabalhar, porque, no
passado, ela decidiu que papai ficaria na loja, e tio Matias,
na pousada. Ela não queria mais ser responsável pelas
escolhas dos outros. — Digo se senta ao meu lado e me
abraça. — Você era muito pequena, Jules, e nós tentamos
proteger você de todas as formas, mas erramos ao não
conversar sobre o assunto, e você criou mil suposições.
— Eu não quero perder a loja, realmente amo
aquele lugar independentemente de qualquer coisa.
— Eu também! Foi por isso que busquei ajuda.
Franzo a testa.
— Buscou? Foi você quem chamou Murilo a
Penedo?
Ele nega.
— Ele veio por causa do bistrô do Rio das Pedras.
— Encaro-o sem poder acreditar. — O dono entrou em
contato há algum tempo, e ele veio para ver o negócio de
perto, mas decidiu não investir nele. Fui eu quem o
procurou, quando a Hélia, a gerente do bistrô, me contou
quem ele era e o que fazia.
— Nem sou eu quem faz esse tipo de trabalho, eu
vim aqui por outro...
Gemo ao me lembrar que Murilo tentou explicar,
mas que eu, cega por causa da raiva, não o deixei falar.
— Fui eu quem o abordou, quem contou a ele a
situação da loja de doces e quem pediu ajuda. — Fecho os
olhos, sentindo um bolo na garganta que me impede de
falar qualquer coisa ao Rodrigo. — Murilo queria conversar
contigo também, mas pedi a ele que me deixasse fazer
isso sozinho. Eu queria te contar tudo isso antes de te falar
da oportunidade de integrarmos a rede Dominus.
Levanto-me e ando de um lado para o outro,
sentindo-me extremamente infantil e exagerada. Eu nem o
quis ouvir, apesar de achar que, assim que a raiva
aplacasse, eu o procuraria para conversar. Começo a
temer ter feito besteira.
— Deus do Céu, Digo! — Estremeço. — Eu fui tão
dura com ele e o acusei de me usar...
— Você estava puta, ele vai entender! — Ele tenta
me consolar, mas não sei o que pensar. Rodrigo se
levanta. — Jules, vou deixar os papéis aqui. Por favor,
pense com carinho, mas não se sinta obrigada se não
gostar. Nunca foi minha intenção impor minha vontade a
você.
Assinto e o abraço apertado.
— Eu vou pensar, prometo.
— Quer ajuda para resolver as coisas com ele?
Nego.
— Vou resolver isso sozinha, de um jeito ou de
outro.
Rodrigo sorri, e eu disfarço meu nervosismo, pois
não me sinto nada confiante sobre a forma com que tratei o
assunto com Murilo, sem nem ao menos deixá-lo explicar,
acusando-o sem defesa.
***
— Já decidiu o que vai fazer? — Glauce me
pergunta de noite, enquanto repasso com ela os
ingredientes para o próximo curso de biscoitos que iremos
promover no final de semana, já que o primeiro foi um
sucesso.
Respiro fundo, enchendo-me de coragem e
confesso:
— Já que ele não atende às minhas ligações, vou
até São Paulo.
Glauce arregala os olhos.
— Quando?
— Amanhã bem cedo. Já avisei ao Digo que preciso
de uns dias longe da loja. Sei que não é um bom momento
para deixá-los sozinhos, mas...
— Foda-se a loja, Jules! — ela praticamente grita e
dá pulinhos como fazia na época em que éramos
adolescentes e trocávamos confidências. — Vá atrás do
seu presente, mulher! Do seu CEO de Natal!
Gargalho e assinto.
— Eu vou! Não vou desperdiçar um presente do
Joulupukki de jeito algum!
— É assim que se fala!
Suspiro e deixo transparecer um pouco do meu
medo.
— E se Murilo não quiser mais me ouvir, assim
como fiz com ele?
— Ele que lute, porque você vai se desculpar nem
que seja gritando! — Ela franze a testa. — Por falar em
gritar, já sabe onde vai fazer isso? Eu tenho o endereço
dele!
— Eu contava com isso! — Sorrio. — Além disso, há
também o endereço da empresa no contrato. De qualquer
maneira, eu o acho.
Glauce me olha curiosa.
— Já tomou uma decisão sobre a proposta?
— Já, sim. Espero só estar fazendo a coisa certa.
Glauce sorri apoiadora e então vai procurar algo no
armário da despensa.
— Jules, você sabe se aqueles cortadores em forma
de rena estão lá no chalé?
— Não estavam aqui no dia do curso?
— Não, só o de estrela e o de boneco.
Assinto, lembrando-me de só ter visto biscoitos
nesses formatos.
— Vou olhar na arca da mummo e, se achá-los,
trago-os para você.
Pego a lista de ingredientes que precisaremos para
o evento a fim de encomendá-los com o fornecedor da loja
de doces e me despeço de Glauce, indo para minha casa,
já cansada do dia de trabalho, da aflição de não ter
conseguido falar com Murilo e da ansiedade para que as
horas passem até amanhã.
Seguro as chaves do chalé no bolso do meu jeans,
mas, como estou distraída, o chaveiro cai no chão.
Merda!, penso ao me abaixar no escuro, tateando o
chão para ver se encontro as chaves, até que, de repente,
uma luz ilumina tudo, e olho para cima.
— Quem está aí? — questiono, pegando o chaveiro
e levantando-me.
A luz – de um celular, ao que parece – se apaga, e,
quando meus olhos se acostumam novamente com a
penumbra, encaro Murilo parado na porta do chalé.
15

Murilo
Ouço o barulho de passos e logo o tilintar de chaves
batendo uma contra a outra, e meu coração acelera,
consciente de que é Júlia quem vem pelo atalho até o
chalé.
Estou cansado, porque vim dirigindo direto de São
Paulo, assim que saí da casa de minha mãe hoje, após
descobrir que meu irmão conheceu a família Virtanen antes
de falecer.
A constatação me deixou sem chão diante da
coincidência, e minha mãe, sensível e sensitiva como é,
logo decretou que eu não havia ido até Penedo a negócios,
mas tão somente para encontrá-la.
— Maurício indiretamente cumpriu sua promessa —
Andrea falou emocionada. — Te fez ir até a loja dos
Virtanens. Você experimentou a tal bala salgada?
Chorei como uma criança e assenti.
— Foi o primeiro “doce” típico que Júlia me fez
experimentar. — Olho a foto, onde ela aparece com um
pirulito preto na mão, toda sorridente. — Ela adora essa tal
de salmiakki.
Mamãe mexeu mais na caixa de recordações, tirou
mais algumas fotos da excursão que meu irmão fez para
Gramado e acabou encontrando mais uma foto de Maurício
em frente à Virtanen, e, nela, ele está gargalhando junto a
Júlia e o Rodrigo, segurando um saco com o nome da loja.
As balas que comprou para mim!
— Será que ela se lembrará dele? Era tão pequena!
— Provavelmente não, mas o irmão dela, sim.
Concordei com minha mãe.
— Os pais dela ainda eram vivos nessa época. —
Apontei para o casal, que reconheci das fotos que ela me
mostrou. — Eles morreram quase na mesma época que o
Maurício, e foi por isso que Júlia e o irmão voltaram a
morar em Penedo. A avó os criou.
Mamãe lamentou com um gemido.
— Nossas famílias foram afetadas ao mesmo tempo
pela perda de entes queridos. — Ela sorriu triste. —
Quando vou conhecê-la?
Dei de ombros.
— Tivemos um desentendimento ontem, e não saí
de lá em bons termos. — Ela me olhou surpresa, porque
sabia que raramente entro em confronto com alguém sem
tentar de tudo para resolvê-lo. — Estou dando um tempo a
ela para pensar com mais clareza.
— E como você está?
— Chateado por ela não ter me dado chance de
explicar e por desconfiar de mim na primeira oportunidade
que teve.
— Você não teria feito o mesmo? Lilo... — Ela usou
meu apelido de infância. — Vocês se conheceram há
pouco tempo, e, quando é assim, qualquer mal-entendido
pode virar conflito, porque confiança é conquistada com o
tempo.
— Eu só estou esperando a poeira baixar um
pouco...
— É isso que você quer ou é isso que o homem de
negócios acha que é o sensato a se fazer? Você é ótimo
negociador, filho, mas nem tudo na vida é feito com
estratégias. Às vezes, deixar o coração falar mais alto é a
atitude certa.
Fechei os olhos e concordei com ela.
— Eu gostaria de poder me explicar, detesto coisa
mal resolvida.
— Então vá atrás dela! — Ela me deu um tapa na
nuca que pareceu me despertar. — Você nunca foi pessoa
de esperar as coisas caírem do céu ou se resolverem por si
só, sempre foi atrás do que quis, e, se ela é quem você
quer, não entendo por que ainda está sentado aqui no meu
sofá. — Ela olhou para as fotos. — Ainda mais depois
disso tudo que descobrimos. Não desperdice o presente
que você ganhou e que, tenho certeza, tem um pedido
especial de seu irmão nele.
Levantei-me, recolhi as fotos, beijei-a e saí do
Morumbi rumo à minha casa, onde arrumei uma mala
pequena, disposto a acampar em Penedo até que Júlia
quisesse me ouvir, então parti para encontrá-la.
Acabei pegando um acidente na Via Dutra, o que
atrasou minha chegada em mais de três horas. Pensei em
ir até a pousada tentar um quarto, mas a urgência em vê-la
falou mais alto, e, como a loja já estava fechada, vim até o
chalé.
Bati várias vezes, chamei-a e, quando peguei o
celular para ligar para ela, vi que tinham várias ligações
que entraram direto para a caixa postal devido ao baixo
sinal da estrada em alguns pontos, mas todos notificados
pelo sistema da operadora, que manda um SMS avisando
da chamada perdida.
Senti um fio de esperança por saber que ela estava
me ligando, foi quando ouvi o som das chaves conforme
ela andava.
Júlia deixa o chaveiro cair no chão. Ligo a lanterna
do telefone e, além de confirmar realmente ser ela, a ajudo
a pegar o objeto que deixou cair.
— Quem está aí? — ela pergunta temerosa, e eu
apago a lanterna.
Júlia demora a me ver, mas, quando consegue, sua
expressão de incredulidade a deixa pálida, e corro em sua
direção.
— Sou eu, Murilo! — Alcanço-a. — Desculpe-me por
tê-la assustado.
Ela ainda parece um tanto amedrontada.
— O que você está fazendo aqui?
Gelo, temendo ter entendido errado o motivo que a
levou a me ligar tantas vezes.
— Nós precisamos conversar, Júlia.
Ela assente.
— Vamos entrar!
Espero que abra a porta do chalé e acenda a luz da
sala.
Ficamos parados, um olhando para o outro, sem
saber bem o que dizer. Minha vontade é ir até ela, pegá-la
em meus braços e demonstrar o que apenas dois dias
longe fizeram comigo.
Acalme-se, Murilo, e tente conversar primeiro!, meu
cérebro manda, ao mesmo tempo em que meu corpo age
e, em uma fração de segundos, Júlia está entre meus
braços, bem apertada em um abraço cheio de saudades.
— Eu queria me desculpar... — falamos juntos.
Ela sorri, e preciso respirar ainda mais fundo para
não a levar para a cama só por causa desse sorriso.
— Júlia, eu te devo desculpas por não ter dito que...
— Digo conversou comigo. — Ela me interrompe. —
Explicou tudo. Eu fui injusta e, além disso, não te deixei
explicar. Sou eu quem pede perdão.
Nego, o coração mais aliviado, a vontade de tê-la
ainda mais pungente.
— Foi um mal-entendido — sentencio. — Quero que
saiba que negócio nenhum vale mais a pena que estar ao
seu lado. Vou conversar com seu irmão e retirar a proposta
que fizemos...
— Não! — Mais uma vez ela me interrompe. — Não
faça isso, por favor. — Ela se afasta um pouco para
conseguir me olhar no rosto. — A Casa Virtanen realmente
tem aquele potencial que está descrito na proposta?
Sorrio e assinto.
— A proposta é só uma projeção, e eu acredito que
a loja de doces de sua avó pode ir muito mais longe.
— Sem perder a qualidade nem os princípios que
temos? — Concordo. — E o Digo vai ser o chefe geral da
cozinha que vai produzir para todas as lojas?
— Essa é a proposta! — Eu rio. — Se seu irmão
quisesse, eu mesmo financiaria um negócio só para ele,
Júlia. O homem é um chef confeiteiro incrível!
Ela fica emocionada.
— Ele é, e eu tenho sido egoísta esses anos todos
mantendo-o aqui. — Acaricio seu rosto como gosto de
fazer, e ela fecha os olhos. — Eu ainda não disse a ele,
mas aceito fazer parte da rede Dominus.
— É maravilhoso ouvir isso, mas não foi o que me
trouxe até aqui — deixo claro. — Não vim pela Casa
Virtanen, vim por Júlia Virtanen. — Sinto-a soluçar contra
meu corpo, e ela esconde o rosto no meu peito. — Vim
porque você me chamou a atenção desde nosso primeiro
encontro, e, a partir dali, a sensação de reconhecimento
não passou mais.
— Eu também a sinto, Murilo.
— Eu sei. — Beijo sua testa. — Eu te contei sobre a
morte do meu irmão, não? — Ela assente. — Sobre como
o Natal perdeu o sentido depois da morte dele. — Suspiro.
— Hoje, quando fui visitar meus pais, encontrei a casa toda
sendo decorada.
Júlia levanta o rosto e me olha surpresa.
— Por quê?
— Eles superaram e perceberam que manter o que
Maurício gostava era uma forma de também manter a
memória dele.
— Sim! Como eu me senti em relação aos biscoitos
da minha mãe.
Afasto-a e a sento na poltrona confortável perto do
sofá grande da sala, e Júlia parece confusa com meu
afastamento.
— Eu preciso te mostrar algo. — Entrego-lhe a
fotografia.
Júlia fica boquiaberta, os olhos arregalados como
pratos.
— Como você... — Seus olhos se enchem de
lágrimas. — Somos meus pais, meu irmão e eu!
Aponto para o garoto de cabelos escuros na foto.
— Esse é o Maurício, meu irmão.
Vejo as mãos dela tremerem, as lágrimas rolarem
por seu rosto, e me abaixo para ficar bem próximo a ela.
— Eu não me lembro desse dia — lamenta. —
Quando...
— Umas semanas antes de ele morrer nos Estados
Unidos. Ele foi com um grupo de amigos até Gramado para
assistir ao show das luzes e depois seguiu direto para
Nova Iorque, onde faria um intercâmbio até o início das
aulas do próximo ano. Ele não voltou, porque, com apenas
duas semanas na cidade, o carro onde estava se envolveu
em um acidente de trânsito, e ele e dois amigos morreram
na hora.
— Meus pais morreram em janeiro, um mês depois
de esta foto ser tirada. — Entrego as outras duas imagens
para ela, e Júlia sorri. — Eu imagino já o motivo da risada
aqui! — Seus olhos brilham. — Esse era o saquinho onde
colocávamos as balas antigamente, antes de eu reformular
a embalagem.
— Meu irmão prometeu guardar balas salgadas para
eu experimentar. — Contar isso para ela é surreal, e fico
extremamente emocionado. — Ele não conseguiu cumprir
a promessa, mas acabei vindo para cá, e você me deu as
balas para provar.
Júlia assente, entendendo o que quero dizer.
— É por isso que sentimos essa ligação tão forte!
— Eu tinha que te conhecer, Júlia. — Encosto meu
rosto no dela. — Eu amo você!
— Eu também te amo!
Beijo-a com o coração leve e a alma feliz, sentindo-
me um garoto na véspera de Natal esperando o presente
quando o relógio soar à meia-noite. Júlia é o meu presente!
Puxo-a para o chão, sobre mim, sinto seu corpo se
moldar ao meu perfeitamente e, mais uma vez, tenho a
certeza de que fomos feitos um para o outro.
Almas gêmeas.
Duas metades.
Não importa como chamem, acho mesmo que o que
há entre nós nem precisa ser nomeado. O fato é que ela e
eu somos um e, juntos agora, estamos completos.
Epílogo

Júlia

Dois anos depois.

Mais um Natal que chega, e de novo estamos na


correria para organizar uma ceia para a família, que, nos
últimos anos, cresceu muito! Antes, a pousada ficava
aberta na véspera e no dia do Natal, porém agora, nesta
época, ela volta a ser a casa antiga da minha família, lugar
de reunirmos todos os membros, amigos e agregados dela.
— Alguém viu a louça da mummo? — Glauce passa
por mim, andando meio desconjuntada por causa da
barriga enorme, agitada como sempre.
Paro de arrumar a mesa principal e nego.
— A última vez que vi essa louça foi em um jantar
na casa do Nato. — Aponto para o irmão dela, que está
afinando o violão que trouxe para tocar na ceia.
Ele escuta a acusação e a refuta de pronto:
— Eu a devolvi, mas seu irmão pegou para receber
uns amigos.
Glauce e eu gritamos ao mesmo tempo:
— Digo, cadê a louça da mummo?
Meu irmão aparece com uma torta linda, e minha
boca saliva ao vê-la. É verdade que ainda não sei cozinhar
bem, mas sou ótima em comer! Quase profissional!
— Pergunta para a Glau, ela a usou no chá de bebê
mês passado!
Olho para minha prima, que parece confusa e
pensativa.
— Glau, cadê a louça?
— Que louça? — Minha sogra entra no pátio da
pousada, onde estamos decorando tudo para a ceia de
Natal, carregando um belo peru assado. — Ju, seu tio nos
pediu para trazer. — Ela aponta para meu sogro, trazendo
outro assado também, uma leitoa. — A mesa já está
pronta?
— Não! Falta a louça da vovó! — Olho para a minha
prima. — Glau, você devolveu a louça?
Ela abre a boca para responder, mas seu marido é
quem responde:
— A entreguei para o Murilo assim que o chá de
bebê acabou! — explica e coloca duas champanheiras na
mesa. — A decoração está atrasada. Já viram as horas?
Bufo.
— Murilo! — grito pelo homem que se tornou meu
marido há um ano.
— Ju, passei por ele há pouco, e estava dormindo.
— Andrea ri. — Ele está exausto!
Ele?!
Olho para o pátio, onde fiquei o dia todo pendurando
luzes, bolas, guirlandas, juntando mesas, e sinto uma
inveja enorme de meu marido, que, apesar do trabalho que
está tendo, ainda tem tempo de cochilar.
— Que gritaria toda é essa? — Minha tia aparece
com a caixa de louças da vovó nas mãos. — O que está
acontecendo?
— Onde a caixa estava, mãe? — Glau pergunta
assim que ela apoia o objeto na mesa e começa a tirar as
travessas.
— No lugar de sempre!
Glauce sorri sem jeito, e eu a fuzilo com o olhar por
ter me feito agir como uma louca, gritando para todos os
lados e investigando quem tinha afanado a preciosa louça
da nossa avó.
— Acho que não consegui me abaixar direito para
enxergar no fundo do armário — justifica-se e sai de
fininho, alisando sua enorme barriga de grávida.
Respiro fundo e volto a me concentrar na belíssima
e enorme mesa posta que arrumei para nossa ceia.
— Sabe se o João Alberto já chegou? — minha
sogra pergunta pelo melhor amigo de Murilo e seu afilhado.
— Ainda não, pelo menos ninguém me avisou aqui.
Ela assente e volta a me ajudar a arrumar os itens
sobre a mesa, arranjando espaço no meio do tampo para
as comidas que estão vindo da cozinha.
— A mesa de sobremesas está um escândalo, seu
irmão se esmerou!
Sorrio orgulhosa.
— Ele está a cada dia melhor no que faz!
— Assim como você! — Pisca. — Meu filho não
ganhou só uma esposa e companheira, mas uma ótima
designer para a Rede Dominus.
Assinto, sem nenhuma modéstia, pois venho
recebendo muitos elogios acerca das embalagens, padrões
e produtos que tenho desenvolvido para cada tipo de
negócio integrado à Rede.
— Eu amo meu trabalho, mas confesso que não
estou sentindo falta dele — falo baixinho para que só ela
escute. — Espero que esse início de ano passe bem
devagar.
Ela ri.
— Por que você não trabalha de casa? Isso é tão
comum hoje em dia!
— Porque, se eu ficar em casa, acha que vou querer
passar horas na frente do computador? — Sorrio feito
boba. — Já combinei com meu chefe – e marido – que vou
cumprir apenas meio período.
— Ótima decisão, e você já sabe, no que precisar de
mim, terei enorme prazer em ajudar!
— Sua ajuda é sempre bem-vinda, Dea!
Um som alto e estridente me faz largar a louça na
mesa de qualquer maneira e me virar para o local de onde
ele está vindo.
Murilo aparece, roupa toda amarrotada, cabelos
desgrenhados e um olhar assustado de quem foi acordado
no melhor de seu sono. Em seus braços fortes, de
músculos bem proporcionais e firmes, nosso filho, um
pequeno pacotinho de apenas dois meses, berra exigindo
seu alimento.
— Já se passaram três horas? — meu amor indaga,
um tanto perdido. — Júlia, você deve ser uma supermulher
por conseguir cumprir os horários do Dom e ainda ter
tempo para si mesma e para mim.
Beija-me, feliz em me entregar nosso pequeno
esfomeado.
— Ah, mas até o choro dele é lindo demais! —
Andrea diz, encantada com o neto.
— Ele é todo lindo! — Meu sogro chega perto para
vê-lo melhor.
Dom Virtanen Pontes foi concebido propositalmente
durante nossa lua de mel. Murilo e eu conversamos sobre
a ideia de termos um filho ainda durante nosso namoro –
que começou à distância, até eu me mudar para São Paulo
a fim de fazer um curso de especialização na minha área –
e depois de eu me estabelecer de vez na cidade.
A loja daqui de Penedo ficou a cargo de Glau, que
passou a administrá-la como parte da pousada até que
todas as adequações para que virasse a matriz de muitas
filiais ficassem prontas. Nesses dois anos desde que
assinamos o contrato, a Casa Virtanen já conta com mais
de 30 lojas espalhadas pelo Sudeste e pelo Sul do país,
nas capitais e nas principais cidades de cada estado
dessas regiões.
Meu irmão assumiu uma cozinha grande e
profissional em São Paulo e, se antes já era um safado de
mão cheia, na cidade grande está se fartando sem
moderação. Apesar de não parar com mulher nenhuma,
Digo é um tio incrível e um parceiro de negócios
competente.
O namoro com Murilo se tornou noivado, e, até o
casamento, foram apenas algumas semanas. Não
quisemos festa ou cerimônia, apenas nos casamos e
seguimos em viagem para passar o Natal em Nova Iorque.
E foi lá, na cidade onde Maurício deu seu último suspiro,
que concebemos o Dom.
Olho para meu filho, um menino de cabelos
castanhos – uma mistura do meu com o do pai –, olhos tão
azuis quanto um céu de verão e a boquinha perfeita
encaixada no bico do meu seio, fazendo movimentos fortes
de sucção que me enchem de sentimentos de amor e
criam um laço indestrutível entre nós.
Murilo me abraça pelas costas, observando nosso
filho mamar, e beija minha nuca.
— A cada Natal, um presente melhor! — sussurra.
— Ano passado, nosso casamento, este ano, nosso filho. E
o melhor de todos, aquele em que conheci você!
Esfrego a parte de trás da minha cabeça em seu
peito, e ele beija minha testa, afastando-se para ajudar sua
mãe.
— Jules! — Glau anda depressa em minha direção.
— Olha só o que achei!
Ela me mostra, disfarçadamente, o pregador com
enfeite de Papai Noel da nossa avó, e eu arregalo os olhos,
sorrindo, pois o jogo havia sumido misteriosamente no
Natal passado.
— Só achou um? — questiono.
— Sim, vamos ter que tirar no palitinho! — Mostra a
outra mão com dois palitos de fósforo, um com a ponta
queimada, e o outro com a ponta intacta. — Um é o Nato, e
o outro é o Digo, ok?
Concordo, ela embaralha os palitos nas suas costas
e me pede para puxar um sem ver a parte com a pólvora.
Seguro Dom com um só braço, puxo o palito com a ponta
sem queimar e abro um enorme sorriso.
— Digo! — Glau declara e sorri conspiradora. —
Assim que você terminar aí com essa delícia de garoto —
faz aquela voz fininha que todo mundo faz para bebês —,
nós vamos escrever a cartinha e pendurar lá na árvore!
— Acha que vai funcionar? — pergunto divertida.
— Jules, tudo funciona! — Aponta para seu marido,
um fazendeiro que a conquistou durante o Carnaval do ano
seguinte ao que conheci Murilo. — Até pedido para o Rei
Momo!
Gargalhamos juntas, achando tudo uma grande
brincadeira, ainda que, às vezes, pensemos que pode ser
real e que, de alguma forma, estamos tendo nossos
pedidos atendidos.
Um CEO de Natal para mim.
Um bonitão no Carnaval para Glau.
O que estará reservado ao meu irmão?
FIM
Agradecimentos
Este ano teremos um Natal diferente, quando muitas famílias não
poderão estar com todos os seus entes queridos, celebrando o
nascimento de Cristo. Mesmo à distância, vale lembrar que o maior
ensinamento que o aniversariante dessa data nos ensinou foi sempre o
amor!
Reduzir a festa este ano é um ato de amor; celebrar on-line é um ato
de amor; se você, que leu essa história, vai ter um Natal atípico, sem
poder estar presente ou perto de todos que ama, deixo aqui meu
abraço e meu desejo de que, em breve, possamos vencer o vírus e
voltar a nos reunir.
A todas às minha Jujubas, desejo um Natal repleto de amor, paz e
harmonia. Muito obrigada por estarem sempre me apoiando e vibrando
com os livros que escrevo. Vocês são um dos meus maiores presentes!
Às minhas amigas que estiveram comigo para que essa pequena
novela acontecesse:
Wilka Maria, a Kika, eu te amo demais! Obrigada por ser essa irmã que
a vida me deu, me encher de conselhos e puxar minha orelha de vez
em quando (sempre!).
Analine, a Ana, seu trabalho como sempre é especial. Obrigada por ser
amiga e profissional incrível! Te amo, Pretinha!
Layce Design, obrigada pela capa. Lai, eu sei que peço quase um
milagre, mas você é MÁQUINA e consegue fazer (hahahahaah).
Obrigada!
Feliz Natal!

[1]
Nota da autora: Papai Noel, em finlandês.
[2]
Nota da autora: pão doce com especiarias (cardamomo e canela). A
tradução literal do nome desse doce é “tapa na orelha”.
[3]
Nota da autora: massa de pão levemente adocicada aromatizada
com cardamomo.
[4]
Nota da autora: vovó em finlandês.
[5]
Nota da autora: bolo trufado de maracujá (tradução literal: bolo de
trufa de chocolate da paixão).
[6]
Nota da autora: natureza, em finlandês.
[7]
Nota da autora: Runebergin Torttu é uma torta tipicamente
finlandesa, cujo nome homenageia o poeta Johan Ludvig Runeberg.
[8]
Nota da autora: o personagem se refere ao modelo i8 da BMW.
[9]
Nota da autora: Pikkojoulo é uma festa que celebra o pequeno Natal
Finlandês, onde as crianças dançam vestidas de duendes.

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