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A Obsessão de Zachary King

Mari Monni

Direitos autorais © 2022 Mari Monni Todos os direitos


reservados
Os personagens e eventos retratados neste livro são
fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do
autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou


armazenada em um sistema de recuperação, ou transmitida
de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico,
mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão
expressa por escrito da autora.

Edição: Criativa Literária

Revisão: Bárbara Pinheiro

Capa: Natália Saj

Para Luísa.

Seja bem-vinda, princesa.

E para Renata.

Porque eu te amo mais que batata frita.

Nota da autora

Querida leitora, obrigada por escolher meu livro dentre as


milhões de opções na plataforma. Espero que Zach e Gaia
consumam você da mesma forma que fizeram comigo. Eu
acordava e dormia pensando neles. Em certo ponto da
história, queria entrar no computador e viver em uma
simbiose estranha (e um tanto preocupante, confesso) com
esses dois.

Espero, também, que se apaixone pelos demais King. Ao


todo, teremos cinco. E cada um deles está aqui, com um
pequeno easter egg das próximas histórias. Não é nenhum
spoiler, também não é nada gritante. Uma fala, um
movimento, um sinal que indica o grande romance que o
personagem irá viver. Será que você consegue encontrar?
Conte-me no Instagram.

Por último, e não menos importante, apenas o prólogo é


narrado em terceira pessoa. Os demais capítulos são
intercalados — não necessariamente de forma organizada
— entre as visões de Zach e Gaia. Mas leia o prólogo! Muita
coisa só faz sentido por conta dele!

Aproveite o livro.

E cuidado com a maldição dos King.

Você pode ser a próxima.

Prólogo

Três meses atrás…

Harvey King andava de um lado para o outro da pequena


sala oculta em sua mansão. Quando tinha sete anos e
descobriu a tal

“passagem secreta”, teve a certeza de que ali seria o local


perfeito para um clube dos meninos, onde ele e seus dois
irmãos, Edmund e Walter, bolariam planos para destruir o
clube das meninas, suas maiores rivais.

Ah, como os tempos mudaram…

Desde então, mais de cinquenta anos havia se passado, só


que o clube dos meninos permanecia firme e forte —
apenas com objetivos bem diferentes. Agora, uma das
meninas do clube rival havia se casado com Eddie; Wally e
Harvey também tinham esposas, que eram os grandes
amores de suas vidas. Isso era o que acontecia com todos
os homens King.

— Desculpe a demora. — Edmund invadiu o pequeno


cômodo, que ainda trazia marcas de dias bem vividos.

Nas paredes estavam alguns porta-retratos com imagens de


momentos marcantes na vida dos três jovens King. Viagens,
formaturas, casamentos, nascimento dos filhos… tudo ao
lado de recortes de jornais, que celebravam o sucesso da
empresa. Uma sala de seis metros quadrados, no máximo,
mas que carregava a história de três dos homens mais
importantes do país.

— Ainda bem que você chegou. — Walter se levantou da


poltrona velha e preta, com o recosto já bastante surrado, e
foi cumprimentar o irmão. — Harvey estava prestes a ter
um infarto aqui. — Apontou para o mais velho, que agora
esfregava o rosto em sinal de desespero.

— O que aconteceu, Harv? — Eddie, o caçula, quis saber.

Estava na cara que seu irmão sofria com algo bem sério.

— Sentem-se. Tenho um assunto de extrema urgência para


tratar. — Porém, em vez de se sentar, Harvey foi até o
frigobar e retirou de lá três latas de refrigerante de laranja,
de uma marca antiga que quase não se vendia mais, e as
levou até os irmãos.

Aquela era a bebida preferida dos três, mesmo que eles


nunca revelassem este detalhe ao público.

Os únicos outros móveis eram uma mesinha redonda de


centro, que ficava bem no meio do círculo formado pelas
três poltronas, pequenas demais para três homens adultos,
e uma escrivaninha no canto, que não passava de uma
tábua de madeira com dois pés de ferro. Não era opulência
que eles queriam ali dentro — isso estava presente em
todos os outros cantos da mansão, que ocupava quase um
quarteirão inteiro de Manhattan. Não, não. O que eles
queriam era privacidade, a chance de se encontrarem sem
qualquer perturbação. Sem suas esposas falando
trivialidades e sem os funcionários oferecendo bebidas e
comidas caras.

Harvey surtaria se, ainda naquele dia de início da


primavera, ouvisse outro “Deseja mais alguma coisa, sr.
King?”.

No clube dos meninos, que só os três conheciam, ninguém


mais entrava. Por isso, Harvey conseguiu puxar o ar com
força e revelar a verdade que escondia há algum tempo,
sem medo de ser ouvido:

— Quero me aposentar. — Ele se permitiu tombar na


poltrona verde-escuro, tão gasta quanto as de seus irmãos,
e deu um longo gole na bebida doce e cítrica.

— Nós já sabemos disso, Harv — Eddie comentou, chegando


o corpo para frente e apoiando os antebraços nas coxas. —
Inclusive, não foi por isso que me pediu para ficar de olho
em Zach?

Zachary King era o único filho de Harvey, o primogênito do


primogênito do primogênito, e tinha o potencial de ser o
CEO das Indústrias King. O único problema era que o garoto,
que agora já tinha quase trinta anos, não demonstrava
qualquer sinal de estar maduro o suficiente. Pelo menos
quando o assunto era a vida pessoal, já que no trabalho ele
estava excedendo todas as expectativas.
— Vocês se lembram de quando combinamos a nossa
aposentadoria? — Harvey revezou o olhar entre os irmãos,
que apenas assentiram com a cabeça.

— Essa conversa aconteceu há quase dez anos, mas isso


não quer dizer que a gente não lembre. Já temos mais de
cinquenta, só que ainda não ficamos caducos. — Wally
revirou os olhos.

— Deixe de ser babaca, Walter. O assunto é sério e de muito


interesse para vocês dois — Harvey ralhou, talvez por estar
cansado, talvez por já ser onze da noite e ele ainda não ter
tido a chance de tomar um banho nem de jantar.

— Então, pare de fazer pausas dramáticas e vá direto ao


ponto.

Estou exausto, Harv. Acabei de chegar e não vejo a hora de


dormir.

Jet lag é uma merda. — Wally, que havia voltado de uma de


suas viagens para o Japão, deu um gole no refrigerante e
esperou que o irmão continuasse.

Quem visse de fora acharia que os três tinham um


relacionamento frio, o que não poderia estar mais longe da
verdade.

Harvey, Walter e Edmund eram melhores amigos, além de


irmãos.

Era por isso que o bate-boca entre eles nunca parava,


também não era levado a sério.

— Pois bem, vou direto ao ponto. — Harvey maneou a


cabeça e continuou: — Pretendo anunciar minha
aposentadoria no dia que eu completar sessenta anos.
— Mas isso é daqui a… — Eddie começou, mas logo foi
interrompido.

— Um ano, nove meses e doze dias, para ser mais preciso.


Harvey se limitou a prestar atenção na reação dos outros


dois.

Quando marcou este encontro, sabia que a conversa seria


um tanto complicada.

— Harvey, não sei se vai dar tempo —Walter foi o primeiro a


reclamar.

— Já está decidido — decretou, colocando um ponto final no


assunto. Às vezes, ser o mais velho tinha alguma
importância. — A única coisa que quero saber é se vamos
seguir com nossos planos ou se vocês mudaram de ideia.

Há quase dez anos, como o próprio Walter dissera, os


irmãos King haviam tido essa mesma conversa. O peso da
responsabilidade sempre fora alto demais e, naquele
momento, eles haviam decidido que não demorariam a se
aposentar. Afinal, de que adiantava passar a vida toda
trabalhando e não ter a chance de curtir a velhice?

Mas Harvey não queria estar velho quando se aposentasse.


Ele queria viajar com sua linda esposa, passear em Paris
sem pressa e sem compromisso marcado, igual fizeram na
lua de mel e nunca mais tiveram a chance. Todas as suas
viagens giravam em torno de reuniões e mais reuniões — e
Harvey estava cansado disso.

Fora que ele queria netos. Uma casa cheia de crianças


barulhentas, para trazer um pouco de caos à sua vida
regrada. A esposa estava louca para ser avó, e sempre que
uma amiga anunciava a gravidez da filha ou da nora,
Monica King passava uma semana chorando e reclamando.

Os cinco meninos teriam que dar conta do recado. Ele tinha


um filho só, mas Eddie e Wally tinham dois cada. A nova
geração King estava pronta para assumir a
responsabilidade. Ou estaria muito em breve, porque
Harvey não estava disposto a esperar que seu filho tomasse
vergonha na cara e decidisse que era hora de ser um
homem de verdade, não um moleque.

O silêncio fez-se ouvir no clube dos meninos. Tanto Edmund


quanto Walter não sabiam o que responder, afinal, eles
conheciam muito bem seus filhos e sobrinhos — e nenhum
deles estava disposto a largar a vida confortável que tinha
para assumir as Indústrias King.

Mas o grande problema nem era esse, e sim o combinado


que os irmãos haviam feito quase uma década antes.

— Não vai dar certo — Wally, o mais cético dos três,


afirmou.

— Tem que dar certo, se quisermos ficar seis meses no sul


da Itália, como combinamos… — Harvey olhou para o irmão.
Ele sabia que este era o ponto fraco de Wally: passar um
tempo curtindo vinhos e massas frescas, olhando o sol
nascer e se pôr.

Ninguém sabia o motivo, mas Walter King era apaixonado


pela Itália, e um de seus maiores arrependimentos foi não
ter investido na compra de uma vinícola. Mesmo que
tivessem dinheiro suficiente

para comprar o que bem entendessem, não era assim que


os irmãos King funcionavam: eles eram homens de
negócios, e nunca, nunca mesmo, investiam em algo que
sabiam que daria errado. Um ano depois de recusar a
oferta, a vinícola faliu — e Wally sabia que tinha feito a
escolha certa.

— Não é desse jeito que… — Dessa vez, foi Eddie quem


disse.

— Eles não estão prontos.

— Eu também acho — para espanto dos outros dois, Harvey


concordou. — É por isso que estamos aqui. Quero alterar um
pouco os planos.

— Harvey, presta atenção. — Walter deixou a lata vazia de


refrigerante sobre a mesa de centro e se levantou da
poltrona. —

Nós tínhamos combinado que nos aposentaríamos juntos,


certo?

— Certo — Harvey e Eddie disseram ao mesmo tempo.

— Também combinamos que só entregaríamos as Indústrias


King aos nossos filhos quando eles estivessem casados,
certo?

— Certo — os dois disseram juntos de novo.

— E como vamos fazer isso em um ano, nove meses e doze


dias? — Walter quis saber.

Era esse o grande problema. Quando abordaram o assunto


pela primeira vez, eles sabiam que não poderiam deixar as
Indústrias King na mão de cinco irresponsáveis. E, para bem
da verdade, era isso o que os cinco rapazes eram. Bebidas,
noitadas, mulheres e zero preocupações.
Foi por isso que, há dois anos, eles foram enviados para
Londres, onde ficaram sob os olhares cuidadosos de
Edmund e assumiram setores da segunda filial mais
rentável da IK. Harvey ainda não confiava neles a ponto de
deixar que tomassem conta da matriz, em Nova York. Mas a
hora havia chegado. Harvey King queria se aposentar e
queria ser avô, merda.

— Vamos trazer os cinco de volta para casa — anunciou. —

Enquanto isso, procuramos as mulheres perfeitas para eles.


Mas nada de modelos e socialites. Queremos mulheres
normais, para colocar um pouco de juízo na cabeça oca
desses idiotas. — De repente, se calou. Calou-se porque
sabia de outro detalhe. Um que talvez os irmãos tivessem
esquecido.

— É dos nossos filhos que você está falando, Harv. —


Edmund sorriu enquanto balançava a cabeça em negativa.

— Podem ser nossos filhos, mas são cinco idiotas — Harvey


argumentou, porém o pensamento ainda rondava sua
mente. Então, subiu o olhar, revezando-o entre Eddie e
Wally. — Precisamos apresentá-los ao máximo de mulheres
possível. Se a maldição não vai funcionar sozinha, temos
que fazer a nossa parte por ela.

Como previsto, os dois deram pulos em suas poltronas.

— Eu tenho que voltar para Londres — Eddie desconversou.


Não sei se vou conseguir dar atenção ao nosso plano.

Mais de cinquenta anos desde que encontraram o clube dos


meninos, mas a essência permanecia ali. Edmund fora o
primeiro do trio a sofrer com o efeito da maldição dos King,
com apenas cinco anos de idade. Wally foi o segundo, aos
quinze. Com Harvey aconteceu por último. Ele já estava
trabalhando na época. Mesmo assim, foi dito e feito.

— A maldição dos King nunca falhou. — Walter, corajoso


como o primogênito, engoliu em seco e tomou a frente. —
Tem certeza de que está disposto a passar por cima dela?

— Não passaremos por cima dela, Wally. Apenas… daremos


uma ajudinha — Harvey disse com segurança, mas, por
dentro, não estava se sentindo tão seguro assim. — Vamos
fazer dar certo.

— Tudo bem. Estou dentro. — Wally parecia resignado. Ou


talvez apenas desesperado o bastante e pensando no sul da
Itália.

— Eu também. — Por último, mas não menos importante, foi


a vez de Edmund.

— Temos menos de dois anos para isso. E depois… férias


eternas.

Harvey se levantou da poltrona com calma, caminhou até o


frigobar e retirou de lá mais três latas de refrigerante.
Estava na hora de brindar.

— Por onde começamos? — Eddie quis saber.

Nenhum deles precisou pensar muito e, com um olhar,


sabiam que o plano teria que começar por cima.

— Zachary — responderam em uníssono e um sorriso


conspiratório se formou nos rostos dos três irmãos.

Vida em Nova York


A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme
Vejo esses sites de cobertura de famosos da Inglaterra se
gabando porque têm uma família real para mostrar, mas
agora sou eu que vou esfregar na cara deles: OS KING
VOLTARAM!

Ainda não acredito que eles estão de volta a Nova York! E


sem aviso, sem nada? Isso não se faz! Preciso de roupas
novas, porque se vou sair correndo atrás do meu futuro
marido — e aceito qualquer um deles —, então tenho que
estar na minha melhor versão!

Os ingleses que fiquem com Kate e Will, já que tenho os


cinco homens mais lindos que este planeta já viu para me
esbanjar: Zachary, Trenton, Sebastian, Elijah e Jackson. Um
só não era o suficiente. Depois de anos morando na
Inglaterra, os cinco primos reapareceram na cidade usando
aqueles ternos caríssimos, com cortes de cabelo impecáveis
e sorrisos capazes de derreter uma calota polar!

Sabe quem vai se beneficiar com isso? Os cardiologistas!

Porque nossos corações não vão aguentar tanta beleza no


mesmo metro quadrado.

Capítulo 1
Zachary
Três meses depois…

O som do violino atinge o meu peito como um soco, tão


intenso e triste que paro de andar. As pessoas elegantes ao
meu redor perdem a importância. Até o salão do Waldorf
Astoria fica um pouco menos imponente. Agora, só consigo
manter o foco na mulher que toma o centro do palco. Em
pé, vestida de preto, ela apoia a cabeça no instrumento,
enquanto suas mãos guiam uma melodia triste. Mas não é
na musicista que presto atenção, e sim nas notas
arrastadas.

O som parece o vento frio do inverno, que entra pelas


roupas e te deixa com a sensação de que mil facas
minúsculas cortam a sua pele.

“Quando foi que você começou a usar metáforas,


Zachary?”, faço a pergunta na minha cabeça, ao mesmo
tempo que me sinto hipnotizado, com calafrios subindo pela
coluna e incapaz de me mexer.

A mulher mantém os olhos fechados e o rosto contraído,


como se sentisse dor, o arco em sua mão indo de um lado
para o outro —

e eu apenas observo. Não sei que música ela está tocando,


mas isso não me impede de continuar com a admiração. Há
tanta paixão ali…

tanta urgência e, ao mesmo tempo, uma calma irritante.


Tanto controle.
De alguma forma, tenho a impressão de que essa música foi
feita para mim. Os altos e baixos, o tom falsamente
tranquilo, que acelera até virar uma explosão. É como se
cada nota fizesse parte daquela história.

Uma sensação estranha ganha espaço, como se tudo


estivesse prestes a mudar. Sinto as mãos ficarem mais
geladas do que a bebida que carrego, e um aperto no peito
me deixa tonto.

Que porra é essa?

— Zach! — Uma voz masculina rompe o transe e me vejo


obrigado a balançar a cabeça para retomar um pouco da
lucidez. —

Aí está você. Tio Harvey não para de te procurar.

Atrás de mim, vejo meu primo Trenton se aproximando.

— Onde ele está? — quero saber, antes que meu pai possa
vir até mim e me apresentar a mais duzentos de seus
convidados.

— Te esperando para fazer o brinde — Trent explica e me


pego soltando um suspiro de alívio. Não que eu queira fazer
o brinde principal da noite, mas até isso é melhor do que
ficar parado por conta de uma música.

— Acho melhor encontrar o velho. — Aceno com a cabeça,


contendo a vontade de revirar os olhos, e meu primo se
limita a sorrir.

— Quando acabar, tenho uma surpresinha… — fala de


forma enigmática.
— O que você fez? — O tom desconfiado em minha voz não
passa despercebido por ele, tanto que Trenton ergue ambas
as mãos, em um sinal claro de quem está se defendendo.

— Calma aí! — Solta uma risada, que interpreto como


perigosa.

Conheço meu primo melhor do que ninguém. Ele é o mais


perto que tenho de um irmão, já que fomos criados juntos.
Por isso, apenas enfio uma mão no bolso, dou um gole na
bebida e deixo que continue. — Você sabe que odeio esse
tipo de evento — revela, e o sentimento é mútuo. — Então,
encontrei uma forma de… deixar a noite um pouquinho
mais interessante.

Quando sobe e desce as sobrancelhas várias vezes, percebo


o que a insinuação quis dizer: mulheres.

— Ótimo. Estou precisando — digo no instante que o violino


para de tocar e é seguido de muitos aplausos. Não meus,
porque odiei cada segundo daquela música.

— Vá cumprir com seu papel de futuro dono da porra toda e


depois me encontre ali. — Trenton indica o local com um
gesto de cabeça.

— Certo, mas é melhor que a oferta seja boa, porque as


consequências serão dramáticas. — Pisco para ele, que
solta uma

gargalhada.

— E quando a vida de um King não é dramática?

Não preciso responder e já começo a caminhar na direção


da mesa mais à frente, onde minha família está sentada.
Trenton sabe, tão bem quanto eu, que ser um King tem seu
lado bom e o não tão bom assim. Dou outro gole no
espumante doce e respiro fundo duas vezes. Enquanto sigo
até meu pai, várias pessoas me cumprimentam. A vontade
que tenho é de ignorar cada uma delas, só que mamãe me
deu educação. Aceno de volta, sem parar para conversar
com ninguém.

— Ah, Zachary! — A voz de meu pai soa alto. Um sorriso


largo estampa seu rosto, fazendo com que os olhos verdes
fiquem pequenos. — Onde você estava, filho? Está na hora
do brinde.

— Não sabia que precisava de mim para isso. — Acabo com


o líquido na taça e aproveito uma garçonete passando para
trocar a vazia por uma cheia.

— Não preciso, mas quero — meu pai fala, o humor


inabalável em seu tom.

— Certo…

Porque se Harvey King quer alguma coisa, ele consegue.


Pode não ser agora, nem amanhã, mas meu velho tem o
dom de fazer seus desejos virarem realidade. Sempre.

— Não se preocupe. — Mamãe vem até mim e começa a


alisar as lapelas do meu terno. — Você vai se sair bem.

Beijo seu rosto e sorrio.

— Não tenho dúvidas. — Dou uma piscadinha para ela, que


agora está revirando os olhos e balançando a cabeça em
negativa.

Então, meu pai e eu começamos a nos afastar, seguindo na


direção do palco onde, há poucos minutos, a mulher tocava
seu violino. A banda chegou para trás, liberando espaço
para nós.

— Sei que você não preparou um discurso — ele sussurra


para que apenas eu possa ouvir —, mas só precisa falar do
coração.

Assinto, deixando que comece, e ele logo está na frente do


microfone. Retira a caneta do bolso e bate gentilmente na
taça de cristal algumas vezes, chamando a atenção dos
convidados.

— Boa noite, senhoras, senhores e Wally — começa


arrancando risadas de todo mundo, porque a implicância
entre os irmãos King é lendária.

De algum lugar no salão, consigo ouvir um “vai à merda,


Harv”, que faz nossos convidados gargalharem ainda mais
alto. Nem parece que estamos em um evento para a nata
da sociedade nova-iorquina.

— Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a presença de


cada um de vocês. A data de hoje é muito especial, não só
porque as Indústrias King estão completando setenta e
cinco anos — aplausos frenéticos se arrastam por vários
segundos, vibrando a conquista suada da minha família —,
mas também porque meu filho voltou para casa, após
passar os últimos anos em Londres.

Mais aplausos e vários gritinhos femininos seguem a


declaração. Se eu tivesse um pingo de timidez, ficaria
vermelho agora. Só que não sou tímido, muito menos
inseguro. Por este motivo, aceno para os nossos convidados,
um sorriso largo estampando o meu rosto.

A verdade é que estou realmente feliz por voltar a Nova


York. A vida na Inglaterra podia até ser boa, mas nada se
compara a estar em casa. Foram anos de muito aprendizado
e, para a minha surpresa, descobertas — a mais importante
delas foi o fato de que eu gosto de trabalhar nas Indústrias
King. Pensei que iria me irritar, ficar de saco cheio da
responsabilidade…, mas o oposto aconteceu.

Por isso, quando meu pai termina o brinde, depois de falar


por mais dois minutos, e me oferece o microfone, eu aceito.

— Boa noite — cumprimento. — Estar aqui hoje significa


muito para mim. As Indústrias King começaram com apenas
uma lojinha de aparelhos de rádio. Depois, no quartinho dos
fundos, onde ficava o estoque, foi criada uma emissora.
Algo bem simples, que passava na vizinhança, dando voz
aos artistas locais e independentes. Sem patrocínio, sem
grandes investimentos… Meu bisavô era apaixonado por
música, e sempre que escutava um talento tocando pelas
ruas, fazia questão de chamá-lo para uma apresentação na
“rádio”. —

Faço o sinal de aspas com os dedos, porque, na verdade, a


estação nem era legalizada. Só que a paixão pela arte
sempre correu no

sangue dos King. — A evolução foi gradual, até meu avô


tomar conta da lojinha do pai e resolver dar um passo à
frente. Uma emissora pequena se tornou duas, e depois
uma de televisão, e duas. Chegou a vez do meu pai
assumir, junto com meus tios, transformando o que era uma
empresa em crescimento em uma das maiores do mundo.

“Para quem não sabe, as Indústrias King dominam o setor


audiovisual há mais de duas décadas. Hoje, temos diversas
produtoras, tanto musicais quanto de cinema e televisão,
um conglomerado de emissoras e, principalmente, um
legado. Ainda não sei de que forma irei contribuir com a
evolução desta empresa, mas de uma coisa tenho certeza:
sinto-me honrado em ser um King.

Aproveitem a noite.”

Ignoro as ovações e abraço meu velho, que ficou


emocionado com o breve discurso. Ou talvez pelo fato de eu
ter assumido publicamente que serei o sucessor da família.

Durante um tempo, relutei bastante em aceitar o que o


destino tinha reservado para mim. Só que percebi que não
podemos escapar do inevitável. Então, que seja. Darei o
meu sangue pelas Indústrias King, só não estou a fim de
perder a minha liberdade também.

Capítulo 2
Gaia
Sentada em um dos bancos na parte de trás do jardim,
descanso as costas enquanto crio coragem para finalmente
tomar um banho e ir para a cama. Meu primeiro dia foi
intenso, com a coronel da culinária me mostrando tudo o
que precisarei fazer daqui para a frente.

Disseram que a casa precisava de um sous chef, não que


queriam uma assistente de cozinha, o que é bem diferente.
Quando cheguei aos Hamptons, pensei que ficaria
responsável por algumas coisas, mas tudo o que Martha me
deixou fazer foi descascar legumes, lavar a louça e
experimentar algumas de suas receitas —

que ela estava testando para quando a família chegasse.

Mesmo assim, respiro fundo o ar salgado e abro um


pequeno sorriso. Não é todo dia que uma oportunidade
como esta aparece.

Principalmente para os que trabalham na bomboniere do


cinema e fazem bico de garçonete em eventos da alta-
sociedade. Mas a chance que recebi parece um presente
enviado dos céus. Trabalhar três meses na casa de praia de
uma família de ricaços pode alavancar minha carreira.

Meus dedos tamborilam no banco de madeira, ainda sem


conseguir acreditar que estou aqui. Tenho uma chance, só
uma, para provar que posso ser uma chef de verdade. As
pessoas que vêm passar o verão na casa são aquelas que
pavimentam o caminho de reles mortais como eu. Afinal,
um elogio dos King e estou feita para o resto da vida.
Fora que o dinheiro também é muito importante neste
momento, mesmo que eu seja obrigada a passar as
próximas semanas aturando as ordens de Martha. Descobri
que preciso estar na cozinha às 6h30 para preparar o café,
depois focamos no almoço.

Apesar de ter parte da tarde livre, preciso estar de volta às


17h para começar a organizar o jantar. Todas as refeições
são servidas pontualmente às 8h, 13h e 20h. A coronel
explicou que o sr. Harvey não abre mão disso, nem de que
toda a família esteja à mesa — e eu que lute para dar conta
do serviço.

— Ainda não fugiu? — Uma voz feminina me assusta e viro


para ver quem se aproxima.

Valerie, uma das meninas que trabalha na casa, está parada


ao lado da porta, olhando para mim com um sorriso. As
bochechas rosadas não escondem que ela estava atribulada
até agora, e os longos fios castanhos, presos em um rabo
de cavalo, estão desalinhados.

Além dela, de Tina e Helga, que são as responsáveis por


limpar e arrumar tudo, tem também Lottie e Derek, que
trabalham como garçons. Quando fui apresentada a todos,
mal acreditei que eles estavam aqui para servir um grupo
tão pequeno de pessoas. Foi então que me contaram que,
durante os fins de semana do verão, a casa fica lotada, com
pelo menos onze Kings e seus convidados.

— Ainda não fugi. — Sorrio de volta. — Mas confesso que


estou com um pouco de dor de cabeça.

— Ouvir Martha falar o dia inteiro pode causar isso. —


Valerie se aproxima e toma o lugar ao meu lado no banco.
Dou um aceno positivo, pensando em como deve ser triste
passar o ano inteiro sozinha nesta mansão, sem nada para
fazer.

— Ela mora aqui com o marido, né?

— Aham — Valerie confirma. — O filho dela, Spencer,


morava aqui também, mas há pouco tempo conseguiu um
emprego no centro da cidade. Acho que ele alugou um
apartamento por lá.

— E você faz o que quando não está trabalhando para os


King?

— quero saber.

— Estou terminando a faculdade. Faço fisioterapia esportiva.

Quem sabe o chefe não me dá uma carta de recomendação.


O cara conhece todas as pessoas mais importantes do
ramo. E você?

— No momento, estou juntando dinheiro para retomar o


curso de gastronomia — confesso. — Trabalho no buffet da
Christine Lowell de vez em quando.

— Ah, então é por isso que está aqui — Valerie comenta e


olho para ela com uma sobrancelha erguida. Entendendo
minha pergunta silenciosa, ela explica: — Só se trabalha na
casa dos King quem é indicado. Eu sou sobrinha da
governanta do sr. Walter. A Christine é irmã da Angela,
esposa do sr. Edmund, e é o buffet dela que sempre faz os
eventos dos King.

— Posso ser sincera? — Quando Valerie faz que sim com a


cabeça, continuo: — Não sei o nome de nenhuma pessoa da
família, a não ser o tal de Harvey.
Valerie começa a rir, os olhos castanhos brilhando ainda
mais do que o normal.

— Uma breve explicação? — pergunta e eu assinto. — A


família King é bem grande, e acho que é por isso que são
tão famosos e ricos. Tem gente em tudo que é ramo, mas
ninguém é tão importante quanto Harvey, Edmund e Walter.
Eles são os três filhos da sra.

Dorothy e do sr. Albert, que já falerceram. Hoje em dia, os


três comandam as Indústrias King. Todos são casados e têm
filhos, que são os herdeiros da fortuna. Zachary é filho de
Harvey, Trenton e Elijah são filhos de Edmund, Sebastian e
Jackson são filhos de Walter.

— Qual é a dificuldade em parir mulheres? Nunca vi uma


família tão cheia de homens — comento.

— Também não. Acho que eles só têm uma prima, que mora
em Londres.

— São eles que vêm passar o verão aqui? — questiono,


tentando anotar mentalmente a árvore genealógica.

— Isso mesmo. Os outros Kings estão em diferentes estados


e países — Valerie segue com a explicação. — Advogados,
publicitários, engenheiros… o que você imaginar.

— Acho que preciso de um caderninho pra anotar tudo isso.


Não consigo esconder o desespero.

— Que nada! Você logo se acostuma. A única coisa


impossível de se acostumar é à beleza daquele bando de
homem gato. Sério, Gaia, tem um motivo para os tabloides
amarem tanto aqueles rostinhos… — Valerie continua
falando sem parar, dizendo que todos

eles são playboys renomados e raramente aparecem ao


lado da mesma pessoa duas vezes seguidas.

Conta algumas histórias de envolvimentos com artistas e


diz que eles sabem muito bem o efeito que causam.

O excesso de clichê me faz revirar os olhos. Reviro tanto


que tenho medo de que eles nunca mais voltem para o
lugar. É claro que todos os King são ricos, lindos e safados.
Não podia ser diferente…

— Este é o meu quarto verão trabalhando aqui, talvez o


último, e não consigo me cansar deste lugar. — Quando
percebe que não me mostrei empolgada sobre o assunto,
Valerie se recosta no banco e olha para o céu, inclinando a
cabeça para trás enquanto inspira fundo.

— É realmente muito bonito — concordo. O céu está lotado


de estrelas, indicando que amanhã teremos um dia
ensolarado, e o barulho do mar ao fundo deixa tudo ainda
mais tranquilo.

— Que bom que você está aqui, Gaia. Pelo menos, vou ter
uma pessoa da minha idade para conversar. — Valerie dá
dois tapinhas no meu joelho.

— Tem a Lottie. — Lembro-me da loira estonteante que


conheci mais cedo. Ela apareceu no fim da tarde, com a
cara emburrada, e disse que não via motivos para estar
aqui, já que a família ainda não tinha chegado.

— A Lottie não se mistura com empregados — Valerie diz


em tom de deboche, gesticulando como se tivesse unhas
gigantescas.
— Mas o Derek parece ser legal — comento, me referindo ao
outro garçom e irmão de Lottie.

— É muito legal, muito lindo e muito educado. Pegava fácil.


Ela oferece uma piscadinha e é minha vez de rir.

— E por que você não tenta?

— Porque quero um homem no estilo King, amor. Nasci para


ser rica, não para limpar privadas.

É impossível conter a gargalhada.

— Não há vergonha alguma em limpar privada, Valerie. É


um trabalho honesto, como outro qualquer.

— Ah, eu sei disso, miss politicamente correta. Mas você


nunca sentiu como se fosse grande demais para a própria
vida? Porque é

exatamente assim que me sinto: presa, limitada. — O


comentário de Valerie chega como um soco. Será que eu
também estou limitada à minha realidade sem graça? Mas
antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela se levanta do
banco e me oferece um sorriso. — Já está tarde, vou entrar.
Quero tomar um bom banho e cair na cama. Se a família
chega amanhã, precisamos estar bem descansadas.

— Eu vou daqui a pouco — aviso. — Será que tem problema


se eu for para a frente da casa?

— Aproveita. — Ela indica a direção com a cabeça, vira as


costas e entra, me dando a privacidade que preciso.
Sigo pela lateral, cruzo a piscina e continuo em frente,
caminhando pelo jardim, até a grade que protege o deque.
No escuro, o mar brilha com o reflexo das estrelas. Posso
ver a areia branquinha, desejando mais do que tudo poder
estar deitada ali, nem que fosse por alguns minutos.

Algo no movimento sereno das ondas grita o meu nome e a


atração que sinto pela água me faz chegar o corpo para
frente.

Agora debruçada sobre a grade, inspiro fundo o aroma


salgado e me sinto em casa.

Não sei por quanto tempo fico aqui, completamente


hipnotizada, mas acabo fazendo um pedido ao mar: que,
neste verão, ele me traga algo novo. Algo… bom, que me
tire dessa realidade sem graça e me ajude a apagar aquilo
que merece ficar esquecido.

O pedido bobo acaba me fazendo rir.

— Gaia, você é uma idiota — falo sozinha, mas logo tapo a


boca por conta do som alto que acabou escapando.

A casa está escura e silenciosa demais. Imagino que todos


já foram dormir enquanto eu permaneço acordada, olhando
o mar e sentindo o cheiro da praia. Até então, o único
barulho que podia ouvir era o vaivém embalante das fracas
ondas, só que o nítido ronco de motor e o som de rodas
passando pelas pedrinhas da entrada rompem o feitiço,
fazendo com que eu me vire para ver o que está
acontecendo.

De um carro chique, daqueles que não faço a menor ideia


da marca, várias pessoas saem correndo, ignorando as
portas que ficam abertas. Vejo dois homens e três mulheres,
todos rindo de
alguma coisa que não sei. Eles ignoram a minha presença —
talvez por eu não ter qualquer relevância para interromper
com a diversão ou então por eu estar do lado oposto do
enorme deque — e seguem até a piscina. Roupas são
arremessadas pelo caminho, a liberdade do momento
impedindo-os de ter qualquer pudor. Até as mulheres logo
estão apenas de calcinha e sutiã; os dois homens também
só de roupas íntimas.

Fico sem saber o que fazer. Duvido que sejam invasores, já


que sabiam para onde deveriam ir. Por isso, imagino que os
dois homens sejam King, e as mulheres, suas convidadas.

As risadas ficam cada vez mais altas depois de pularem na


piscina. Os cinco brincam, jogando água uns nos outros
como se fossem adolescentes. Uma cena ridícula, ao
mesmo tempo invejável.

Assim como as ondas me chamavam, a presença deles


também me faz dar alguns passos na sua direção. Só que,
em vez de ir pela luz, opto em seguir pela sombra da casa.
Paro ao lado da porta lateral e observo por alguns minutos.
Sou uma voyeur, usando da desculpa de que preciso ter
certeza de que a propriedade não foi invadida para espiar o
que estão fazendo.

É então que um dos homens sai da piscina e, ainda de


costas para mim, vai até a jacuzzi, ligando-a. Logo depois, o
grupo se junta a ele.

— Trenton! — a mulher loira exclama quando é puxada para


o colo do outro rapaz.

Ao ouvir isso, tenho certeza de que estes dois são King.


Trenton foi um dos nomes mencionados por Valerie. E por
mais que eu não saiba exatamente quem ele é, sei que faz
parte da família.
Envergonhada por ter ficado tempo demais aqui, resolvo
voltar para dentro. Sem querer passar por eles e ter a
chance de ser descoberta, decido dar a volta pela garagem
e entrar pelos fundos.

Levo alguns minutos, de tão grande que é a casa, e assim


que me vejo na cozinha de novo, me apoio na bancada e
solto um suspiro de alívio.

A sensação não dura muito tempo, porque logo sinto a


presença de mais alguém. Viro-me abruptamente, pegando
a concha de sopa que estava sobre a ilha — como se ela
fosse capaz de me proteger

—, e encontro um par de olhos verdes me analisando com


cuidado.

Vejo um flash de surpresa passar por eles enquanto o


homem me avalia, e a intensidade com que me encara me
obriga a puxar o ar com força.

— Quem é você? — pergunta, mas toda a minha eloquência


vai embora. Não por causa do tom acusador que ele usa, e
sim porque é impossível falar quando seus olhos mantêm os
meus reféns.

Estou presa. Hipnotizada. Sem conseguir falar, respirar, me


mexer. Meu cérebro entrou em curto-circuito. O homem é
tão lindo que chego a ficar tonta e sinto os joelhos
fraquejarem.

Reunindo o máximo de esforço que sou capaz, rompo o


contato visual e deixo meus olhos descerem um pouquinho.
Grande erro. A primeira coisa que me chama a atenção é a
boca grossa e desenhada, que no momento está fechada
enquanto ele espera a minha resposta.
Há quanto tempo não penso na boca de um homem
passeando por meu corpo, provando minha pele, me
seduzindo aos poucos? Há quanto tempo não sinto desejo?
Há quanto tempo não sou inundada pela vontade de ser
tocada?

Engulo em seco, sentindo meu coração bater cada vez mais


forte dentro do peito.

Mas é só quando analiso o rosto severo, com os olhos


verdes que me encaram, emoldurados por sobrancelhas
grossas e franzidas, que percebo o tamanho do problema. O
maxilar definido, marcado por uma barba malfeita, está
tenso, como se ele estivesse prestes a entrar em uma briga.

Errar uma vez é humano; duas vezes é burrice. Só que


descer ainda mais o olhar é necessário neste momento,
porque ele tem o torso despido, com músculos definidos e
molhados, que me faz ficar com a boca seca.

Uau. Só… uau. Fico completamente admirada, tentando


decidir para onde olhar, enquanto me esforço para parecer
indiferente. Devo estar falhando de forma miserável, porque
cada centímetro que percorro com os olhos me deixa sem
ar, ofegando por qualquer contato que venha dele.

Aperto a concha com força, precisando ocupar as mãos com


alguma coisa, senão corro o risco de deixar com que façam
aquilo que mais desejam: tocar o homem à minha frente.

Ao fundo, escuto uma risada grossa e baixa, mas nem ela é


capaz de me desviar daquilo que está ao meu alcance.

— Vai ficar me comendo com os olhos ou vai responder à


pergunta? — Seu tom irônico não me escapa, mas é a
arrogância em sua postura, como se fosse o dono do
mundo, que me faz sair do transe e me dar conta do que
estava fazendo. Puta merda. — Quem.

É. Você? — repete.

Recoloco a concha sobre a bancada e respiro fundo uma vez


antes de responder:

— Gaia Denver — revelo com a voz trêmula. — Trabalho


para a Martha neste verão — apresso-me em dizer, sem
fazer referência ao comentário.

— E não achou importante avisar que eu e meus convidados


não estávamos sozinhos? — Aponta na direção da piscina, e
até seu dedão é atraente.

Como é possível um dedão ser atraente?

— Achei desnecessário. — Tento retomar o controle, pelo


menos do meu corpo, e mantenho os olhos presos nos dele
enquanto respondo: — Não queria interromper a… diversão.
Além disso, vocês não tiveram problemas em não me ver
quando cruzaram por mim no deque, não é?

Ele sorri. E, de repente, descubro que existe algum ser


superior que fez “plim” e criou a humanidade, porque não é
possível alguém ser tão bonito assim por conta de biologia,
genética e evolução.

Darwin estava errado. E Deus é uma mulher; uma mulher


bem safada, que lê meus pensamentos mais eróticos.

— Ah, mas espiar pode? — acusa, e preciso me esforçar


para voltar ao assunto.

Do que a gente estava falando mesmo? Ah, sim…


— Eu não estava espiando — defendo-me, arrependida por
não conseguir usar um tom mais enfático.

— Aham — o homem desdenha. — Se repetir isso algumas


vezes, vai acabar acreditando que é verdade.

Encaro-o, agora com mais firmeza, surpresa por sua


ousadia, também por sua eloquência neste momento. Como
ele pode estar tão calmo, enquanto eu estou me segurando
para não sair correndo daqui?

Ah, claro… não sou eu quem causa impacto devastador nas


pessoas.

Não sei o que me tira mais do eixo: se ter sido flagrada por
meu chefe ou se por meu chefe em si. Se eu abrisse o
Google e procurasse por “pecado”, era a foto dele que
apareceria como a melhor definição.

— Olha, eu só estava tentando descobrir quem tinha


entrado na propriedade. — Visto minha melhor expressão
de sonsa, como se olhos verdes e tanquinho lambível não
me afetassem, e continuo encarando-o. — Quase liguei para
polícia, até ouvir uma das meninas chamar o nome do outro
rapaz.

Por alguns segundos, ele não diz nada. Sua expressão passa
de arrogante a divertida em um piscar de olhos. Desta vez,
é ele quem me fita de cima a baixo. O sorriso aumenta a
cada centímetro do meu corpo que percorre com os olhos, e
o gesto predatório me faz dar um passo para trás,
esbarrando na porta que leva ao corredor dos funcionários.
Só que o magnetismo que ele exala me faz perder o fôlego
de novo.

Neste momento, algo muda, e a tensão entre nós dois


ganha proporções tangíveis quando ele começa a vir na
minha direção.

— E o senhor é…? — quero saber.

— Senhor? — Finge ter sido atingido por uma flecha do peito


e faz cara de sofrido. — Assim parece que tenho a idade do
meu pai.

Sou Zachary. — Dá uma piscadinha, como se o nome


significasse algo para mim.

Valerie também mencionou um Zachary. Respiro fundo,


envergonhada e, ao mesmo tempo, aliviada. Dou de
ombros, tentando não o encarar. Porque se eu olhar para ele
agora, serei reduzida a uma poça de hormônios no chão da
cozinha — e terei que limpar a bagunça depois.

— Bom, sr. King, já está tarde. Se me der licença… —


Aponto para o corredor que leva ao meu quarto.

— Sem essa de “senhor” pra cá e “senhor” pra lá. Pode me


chamar de Zachary, ou Zach. É assim que todos fazem. —
Ele dá mais um passo na minha direção.

Assinto com a cabeça e começo a sair, porém sou impedida


por uma mão no meu braço. O toque arrepia os pelos da
minha nuca, e a surpresa me obriga a fechar os olhos por
um segundo. Faço força para puxar o ar, mas tudo o que
consigo é o básico para me manter sã. A pele onde ele toca
começa a esquentar, como uma chama recém-acesa, que
faz o calor viajar pelo ombro, descendo pelo peito e indo
mais abaixo, se concentrando no meu ventre.

Viro-me para Zachary, querendo quebrar a magia do


contato.
Porém a hipnose se intensifica ao ficar presa naqueles olhos
verdes.

Ele me encara com curiosidade, sem apertar meu braço.


Seu toque apenas me mantém no lugar. Por um instante,
Zachary fica imóvel, e o silêncio entre nós é preenchido com
uma energia vibrante, que me mantém refém e me deixa
incapaz de romper o contato.

Então, ele lambe os lábios, a ponta da língua traçando o


contorno bem-desenhado da boca, como se fosse um
predador faminto pela presa à sua frente.

— Se quiser, tem lugar para mais uma na jacuzzi — fala,


estampando um sorriso malicioso, que enfatiza suas
intenções.

A mão quente segue queimando em meu braço, e o cheiro


tentador que vem dele — uma mistura de cloro e perfume
masculino

— me inebria e me obriga a fechar os olhos. Estou tremendo


com a proximidade, com o medo, e talvez com o desejo que
sinto por esse desconhecido.

Fico em silêncio, sem saber o que dizer, como agir. Até que,
finalmente, saio do transe e crio coragem. O par de olhos
mais marcantes que já vi me instiga com promessas
silenciosas. Mas há algo ali que… que… Fico parada por
vários segundos enquanto ele me olha de volta, seu rosto
sério, como se também não fosse capaz de entender muito
bem o que está acontecendo aqui, mas, ao mesmo tempo,
conseguisse enxergar algo em mim.

— Eu não sei se deveria me sentir ofendida ou honrada,


senhor King — puxo o braço —, portanto, acho melhor
recusar a sua oferta.
Minha fala não passa de um sussurro, mas a mensagem
chega alta e clara. De repente, sua expressão muda de
novo: ele diminui a distância entre nós, voltando a sorrir.
Tão perto assim, fico com o rosto a poucos centímetros do
seu peito — uma verdadeira tentação que me coloca à
prova. Antes que eu possa ser puxada novamente, escuto-o
dizer:

— Quando decidir se está ofendida ou honrada, me avise.

Sempre posso encaixar mais uma na diversão. — Pisca para


mim. —

Boa noite, Gaia.

E como se nada do que aconteceu nos últimos minutos


fosse real, Zachary King volta para a piscina. Meus pés
ficam plantados no chão por não sei quanto tempo, até que
meu coração retoma o passo normal e minha respiração
volta a ficar tranquila. Só então tenho forças para ir em
direção ao quarto, desapontada por não ouvir passos me
seguindo.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Se não fosse suficiente fazer um evento de gala em um
hotel chiquérrimo de Nova York, a família mais importante
da cidade também convidou várias celebridades para
comemorar os setenta e cinco anos das Indústrias King. Mas
como gostamos de falar daquilo que ninguém sabe, o
babado da vez é que Zachary e Trenton foram vistos
entrando na festa, mas ninguém os viu saindo.

Depois que o mais velho dos King fez seu discurso — afinal,
ele será o próximo a comandar o império —, nosso príncipe
desapareceu com o priminho. Minhas fontes disseram que
eles escaparam pela porta dos fundos antes mesmo de o
jantar ser servido, acompanhados de três modelos da
Victoria’s Secret, que estavam em Nova York para o
lançamento da nova linha de lingerie da marca.

Diferente de Jackson, que não esconde seus casinhos, os


mais velhos parecem ter aprendido a arte da discrição.
Agora, fico me perguntando se Zachary King está pronto
para mudar seu estilo de vida. Afinal, o futuro CEO de uma
das maiores empresas do mundo não pode se render à
boemia sempre que tem vontade, não é?

Será que uma das modelos terá a chance de ser a nova


princesa ou foi só uma noite de diversão?

Capítulo 3
Zachary
Fugir da festa de aniversário das Indústrias King tinha me
parecido uma boa ideia. Foi por isso que, quando a
oportunidade de vir para os Hamptons mais cedo apareceu,
nem hesitei.

Trenton está envolvido com uma modelo, que tinha mais


duas amigas “carentes” e dispostas a uma noite de
diversão. Não pensei duas vezes e trouxe todo mundo para
cá. A programação era chegar amanhã, com a família, mas
quem sou eu para recusar a companhia de duas mulheres
lindas?

Só que elas não são mais lindas. Não depois de eu ter


entrado na cozinha e visto a porra de um anjo na minha
frente. Um ser celestial que me deixou duro em segundos,
pronto para passar a noite toda pecando. O que eu faria se
pudesse venerar aquele corpo pequenininho? Por onde
começaria? Imagens de nós dois, com ela gemendo alto
enquanto eu a fodo com força, não saem da minha mente. E
agora, quando volto para a área externa da casa, só quero
me livrar da companhia indesejada e descobrir onde a
garota dorme.

— Vem, Zach — Tatiana me chama com seu sotaque


europeu.

— A água está fria sem você. — O tom manhoso, de


repente, me irrita mais do que atrai.

Os seios fartos sob o sutiã transparente não têm apelo. A


cintura fina e o corpo magro também não. A promessa de
transar com duas mulheres muito menos — porque agora
eu quero só uma, e não é nenhuma delas. O pensamento de
que poderia passar a noite inteira com Gaia, descobrindo
cada centímetro daquela pele clarinha, que mais parece de
porcelana, faz meu sangue ferver.

“Quem é ela e por que eu nunca a vi antes?”, uma voz na


minha cabeça pergunta. “Ela é a nova ajudante da Martha e
você não a viu antes porque passou anos morando em
Londres, além de não ter o hábito de conviver com pessoas
de outros círculos sociais”, outra voz imaginária responde.

Pelo visto, fui um idiota durante vinte e nove anos de vida. E

agora estou ficando maluco.

— Zach, você tá bem? — Trenton pergunta e me encara, a


cabeça pendendo para o lado. Sei que devo parecer
estranho, travado ao lado da jacuzzi.

— Estou bem — minto, porque não estou bem. Não estou


bem mesmo. Estou em ponto de ebulição por conta de uma
mulher que mal conheço, que sequer me tocou. Tudo isso é
só por causa da mera lembrança dela. — Não vou poder
entrar aí. Recebi uma ligação e preciso resolver algumas
coisas agora.

Outra mentira, mas quem está contando?

— Como recebeu uma ligação se não está com o celular nas


mãos, bobinho? — Katya, a outra modelo disponível para
mim, questiona com um sorriso no rosto.

Ergo a sobrancelha, desafiando-a a me chamar de


mentiroso —

mesmo que eu seja — de novo. É um olhar reprovador, que


aprendi com meu pai e sempre surte efeito. Vejo quando a
postura dela muda, os ombros envergando, e me sinto
aliviado por não ter que dar mais explicações.

— Divirtam-se com Trenton. Amanhã cedo, um carro levará


vocês de volta para Manhattan. — Viro-me de costas e, sem
esperar resposta, sigo para o meu quarto.

O percurso não leva mais de dois minutos, só que fico o


tempo todo tentando me controlar para não seguir na
direção oposta e bater em cada porta da ala dos
funcionários até encontrar aquela mulher de novo. É claro
que esta seria uma péssima decisão, e, por mais que tenha
visto os olhos dela brilhando com desejo, sua postura
gritava “mantenha a distância”. Era como se o cérebro
dissesse uma coisa, mas o corpo pedisse outra.

Entro no quarto e vou direto para o banheiro. Depois de um


dia como hoje, preciso de um bom banho. Tiro a boxer
molhada e a

deixo jogada no chão antes de me enfiar na água morna.


Meus músculos tensos começam a relaxar pouco a pouco.

Vir para cá e curtir uma boa noite de sexo com aquelas


modelos foi a forma que encontrei de relaxar o estresse da
semana, mas, pelo visto, nem isso eu consigo. Porque agora
meu corpo só quer… ela.

Quando a nova ajudante me chamou de “senhor Zachary”,


tive que refrear a vontade de agarrá-la ali mesmo. Nunca fui
do tipo dominador. Sexo, para mim, envolve duas pessoas
bastante participativas. Esse negócio de amarrar uma
mulher na cama e fazer com ela tudo o que eu quiser não
tem tanto apelo. Ou melhor, não tinha, já que imaginar Gaia
esparramada no colchão, cada um de seus membros
amarrados com cordas, enquanto descubro cada centímetro
dela com a boca faz meu sangue ferver.
Tocar o meu pau rígido é involuntário.

Encosto um antebraço na parede, abaixo a cabeça e fecho


os olhos, sentindo os jatos quentes do chuveiro molharem
as minhas costas. Com a outra mão, subo e desço
lentamente por toda a minha extensão, lembrando-me dos
lábios fartos, imaginando-os substituírem a minha mão. Fico
ainda mais duro.

Será que ela é tímida? Ou é do tipo santa na rua e puta na


cama? A velocidade da mão aumenta, e fico me
perguntando quando foi a última vez que bati punheta
pensando em alguém. Pelo que me recordo, era
adolescente. Só que não consigo ignorar essa vontade
súbita, não quando aqueles olhos azuis estão na minha
mente.

A cada sobe e desce da mão, penso nela. No modo como


me olhou, nas bochechas coradas, na respiração ofegante.
Tão linda e angelical…

Como ela ficaria ajoelhada aqui, com aquela boca grossa em


torno do meu pau?

Olho para baixo e imagino a cena. Meus movimentos


incansáveis enquanto fantasio com uma desconhecida. Será
que ela lamberia cada centímetro, da base à cabeça, me
encarando? Será que chuparia só a pontinha para me
atiçar?

Puta que pariu! Já sinto a porra do frio na espinha, um alerta


para a aproximação de um orgasmo. Continuo subindo e
descendo a

mão com cada vez mais força, imaginando que meu rosto
está entre as pernas dela enquanto a devoro. Quero provar
aquela mulher.
Quero sentir seu prazer escorrer na minha boca. Quero que
ela estremeça em meus braços, completamente saciada.

— Caralho! — O palavrão é seguido de um som gutural que


escapa sem que eu consiga controlar. O líquido branco se
destaca na parede escura do boxe, provando que a nova
funcionária da casa não precisa fazer quase nada para que
eu fique nesse estado.

Deixo que os efeitos do clímax passem devagar, tentando


prolongar ao máximo a sensação gostosa. Se apenas pensar
nela me deixa assim, imagina o que vai acontecer quando…

— Controle-se, homem — digo para mim mesmo, dando um


tapa na parede, e resolvo que está na hora de parar com as
fantasias.

Limpo a bagunça que fiz e termino o banho rápido. Por mais


que eu saiba que tem algumas roupas minhas no armário,
opto por apenas me enxugar e, em seguida, me jogar na
cama. A noite quente de verão é muito bem-vinda, e a
saciedade me faz soltar o ar com força, completamente
relaxado.

Só que a sensação não dura muito tempo, porque minha


mente traidora resolve repassar toda a interação da
cozinha. Meu cérebro repete o nome sem parar: Gaia. Não
foi a melhor forma de conhecê-la, isso é fato, e preciso
encontrar maneiras de fazer com que ela abaixe um pouco
a guarda. Só não sei como, ainda.

Eu quero aquela mulher. Na minha cama, gemendo meu


nome, sentindo meu pau entrar e sair de dentro dela. Quero
saber que gosto ela tem e quais sons sairão da sua boca
quando eu meter bem fundo…
— Controle-se, Zach — falo sozinho de novo, esfregando o
rosto para tentar afastar as imagens de Gaia.

O sono não vem e começo a sentir falta do meu celular, que


deve estar esquecido no bolso da calça, jogada em algum
lugar entre o carro e a piscina. Que merda. Mas, por outro
lado, é bom não ter acesso ao que a mídia está falando
agora. Com certeza, minha escapada da festa deve ter sido
noticiada de alguma forma. Que se

dane o que eles pensam e falam. A verdade é que preciso


de um pouco de tranquilidade — nem que seja durante os
fins de semana.

Nos últimos anos, tudo o que fiz foi trabalhar. Ou melhor,


trabalhar o dia inteiro e procurar uma companhia ocasional
para a noite. Sinto falta da liberdade que eu tinha antes de
me comprometer com os negócios da família.

Lembro-me do dia em que meu pai me deu um ultimato: ou


começava a levar a vida a sério ou esquecia os luxos que
ser um King proporcionam. É claro que o discurso não foi
apenas para mim, mas para os meus primos também.

Carregar o sobrenome vai muito além de festas e casos


esporádicos com mulheres lindas — isso é só a parte boa. O
que ninguém vê é o empenho para fazer um negócio de
sucesso continuar no topo, nem os problemas que sempre
aparecem ao lidar com tantas pessoas, muito menos os
contratos que assinamos por baixo dos panos ou os
processos que precisamos enfrentar sempre que alguém
acha que pode tirar o nosso dinheiro.

Para piorar, eu serei o próximo a tomar conta disso tudo —


algo que ainda não tinha admitido. Meu pai deixou claro a
sua intenção de que eu me torne o próximo CEO da IK, e foi
por isso que ele resolveu me trazer de volta a Nova York:
para me treinar pessoalmente. Não sei se devo me sentir
um cachorro no adestramento ou feliz pela oportunidade.
Um pouco dos dois, talvez.

As minhas chances de rebeldia estão ficando cada vez mais


escassas, ao passo que o cansaço só aumenta. Não preciso
ser um gênio da matemática para perceber que essa
combinação tem tudo para dar errado.

Talvez um pouco de diversão com a nova funcionária da


casa seja exatamente o que eu esteja precisando, antes de
ser obrigado a assumir maiores responsabilidades.

Capítulo 4
Gaia
Quando o despertador toca, avisando que faltam trinta
minutos para que eu esteja na cozinha, meus olhos já estão
abertos e o teto do quarto parece realmente interessante.
Fiquei olhando para ele durante horas, depois de um sonho
ter me acordado. Um tão vívido que parecia real. Nele, a
boca desenhada percorria a minha pele devagar,
espalhando beijos, lambidas e mordidas por onde passava.

Quando despertei, estava suada, com uma sensação


incômoda entre as pernas e o coração batendo de forma
acelerada.

Pegar no sono já tinha sido um problema. Repassei umas


duzentas vezes a minha conversa com o sr. King — se aquilo
puder ser chamado de conversa — e fiquei imaginando
como as coisas seriam daqui para a frente. Porque não
consigo explicar com racionalidade o que senti quando
estava perto dele. Meu corpo pareceu ganhar vida, e a cada
palavra que trocávamos era como se eu estivesse sendo
ligada à tomada.

A minha dúvida de antes — se deveria me sentir ofendida


ou honrada pelo convite — foi sanada enquanto repassava a
nossa interação. Ofendida. Claro que ofendida. Como ele
pôde pensar que eu simplesmente tiraria meu uniforme e
entraria naquela jacuzzi com ele e mais várias pessoas
desconhecidas?

Sim, ofendida é a melhor escolha. O que dificulta tudo é a


lembrança do rosto masculino, com lábios desenhados em
formato de arco, do corpo molhado e do olhar predador.
Cansada de ficar pensando nele, levanto da cama e vou
tomar um banho para me sentir mais disposta e pronta para
começar o dia.

Coloco uma calça legging preta, camiseta branca e sigo


para fora do quarto. Todos os funcionários usam essas
tonalidades, que Martha alegou ser o uniforme informal que
os King exigem.

Assim que chego à cozinha e noto que ela está vazia, fico
me perguntando se errei o horário. Não há sinal de outra
alma viva.

Também não ouço qualquer som vindo do andar de cima. Ao


mesmo tempo que quero adiantar as coisas, não sei se
tenho permissão para abrir os armários à procura de
panelas e utensílios que vou precisar para dar início ao café
da manhã. Cheguei aqui há menos de dois dias e não posso
desagradar a coronel da culinária.

Então, em vez de fazer isso, procuro um bloco de


anotações, uma caneta e começo a escrever algumas
opções de cardápio. Esta é uma coisa que adoro fazer, e
sempre me divirto enquanto imagino pratos decorados e
deliciosos. Estou quase na terceira alternativa quando um
furacão invade o espaço.

— Ai, meu Deus. Isso nunca aconteceu comigo antes. Dormi


demais! E logo hoje, que a família toda vai chegar! —
Martha está esbaforida, arrumando o cabelo enquanto pega
o avental. — E você está parada aí por quê? Vamos
trabalhar, menina!

— Desculpa, eu não sabia se podia…

— Quando eu não estiver aqui, você pode, e deve, começar


com as tarefas. A sorte é que eles só vão chegar às oito e
meia.

— Humm, na verdade, dois chegaram ontem à noite. Se não


me engano, são os rapazes mais velhos — interrompo-a, e
logo me arrependo.

Martha olha para mim e sinto que está prestes a ter um


derrame.

— Meus meninos chegaram? — Sua voz sai esganiçada,


como se ela estivesse fazendo força para falar.

— Ontem à noite — repito. — Acompanhados de três


mulheres.

— Desvio o olhar, sem querer que ela perceba o contexto


dessa companhia.

Porém, se ela conhece os “meninos” tão bem assim, já deve


saber da fama que têm. Valerie me disse que toda vez que
aparecem nos tabloides, estão acompanhados de mulheres
lindas e famosas.

— Ótimo. Era o que me faltava. Zachary e Trenton sempre


fazem isso. — Martha solta o ar pelo nariz, nitidamente
frustrada. —

Vamos trabalhar. Precisamos deixar tudo certo para o café


da manhã. O menino Zach sempre acorda cedo e precisa de
algumas xícaras de café, preto e forte, antes de começar o
dia. Vai na despensa e procura uma embalagem dourada.
Pega também a cafeteira francesa — Martha começa a ditar
ordens e eu assinto com a cabeça.

A despensa é um espaço maior do que o meu quarto no


Queens, e fica na porta à esquerda da cozinha. Sigo até lá e
começo a procurar o que preciso, no meio de uma infinidade
de mantimentos.

Acho que nunca vi algo assim antes. Aqui tem o suficiente


para alimentar um exército por dois anos! Sem contar as
entregas diárias de vegetais frescos e carnes, que Martha
explicou serem dos melhores produtores locais. Estou
focada no meu trabalho quando escuto uma voz masculina,
que me faz esbarrar na estante e quase deixar cair tudo no
chão.

— Bom dia, Tata.

— Ah, seu menino danado! Quer matar a velha de susto?

Fico parada no lugar, apenas ouvindo a conversa. Sei que é


Zachary quem está ali. A voz grossa e aveludada — cuja
lembrança me manteve acordada à noite — é inconfundível
e faz um arrepio subir pela minha coluna.

— A última coisa que quero na vida é te matar, Tata. Estou


tentando te roubar do meu pai há anos, mas você não me
quer.

Prefere ficar com o velho, não é?

— Pare de bobagem. Você sabe que não posso deixar este


lugar. — Escuto o som de um beijo estalado, e imagino que
a senhorinha deva estar matando a saudade. Por Deus, a
gente sabe que chegou ao fundo do poço quando sente uma
inveja dilacerante de uma mulher de sessenta anos, casada,
1,45m, 80kg, cabelo grisalho e completamente neurótica. —
Já vou levar o seu café. Vai ficar na varanda ou no quarto,
menino?

— Na verdade, pretendo ficar aqui e colocar a conversa em


dia.
— A declaração de Zachary faz meu coração bater mais
forte. Tudo o que não queria neste momento era ter que me
encontrar com ele, mas não posso ficar na despensa por
tanto tempo.

Encontro a tal embalagem dourada, que descubro ser uma


marca árabe de café, e a cafeteira francesa. Seguro ambas
no colo, mas me mantenho presa no lugar. Sei que preciso
sair, só que a mera possibilidade de dar de cara com aquele
homem faz com que todas as minhas forças desapareçam.

— Gaia, cadê você? Anda logo, menina — Martha chama.

— Já vou — grito de volta, respirando fundo algumas vezes


antes de voltar para a cozinha.

É claro que a primeira coisa que vejo é ele. E, à luz do dia, o


desgraçado é ainda mais bonito. O cabelo bagunçado de
quem acabou de acordar, o sorriso malicioso no rosto e os
olhos fixos em mim. Pelo menos, está usando roupas. Não
que uma camiseta branca justa e um short vermelho de
basquete façam muita diferença para esconder a perfeição
que existe por baixo. Minha boca seca na mesma hora.

— Bom dia, Gaia. Dormiu bem? — Zachary King ergue a


sobrancelha e, por um segundo, fico imaginando se ele
desconfia da minha insônia.

— Muito bem, sr. King. Obrigada — respondo da forma mais


educada que consigo, apesar do nervosismo que me
consome.

— Lá vai você com essa de “sr. King”. Já não pedi para me


chamar de Zachary?

Olho para o lado, envergonhada por ter sido repreendida, e


vejo Martha observando atentamente a nossa interação.
Sua expressão não esconde a surpresa, nem o
desapontamento, o que me faz engolir em seco.

— Vou preparar o café. — Ignoro o comentário dele e coloco


os itens na bancada ao lado do fogão. Em seguida, encho a
chaleira e começo a ferver a água.

Martha fala sem parar, o que é um alívio neste momento.


Ela está do outro lado da cozinha, retirando coisas da
geladeira enquanto revela que sentiu falta da família.

Quando começo a relaxar, acreditando que a presença da


cozinheira vai me deixar a salvo, sinto o toque suave dos
dedos na base das minhas costas. Meu corpo inteiro
estremece com o pequeno contato e me vejo obrigada a
prender a respiração.

— Já decidiu como se sentir em relação ao meu convite,


Gaia?

— A voz de Zachary é baixa, não passa de um sussurro para


que apenas eu escute. O timbre que usa é puramente
sexual, e a rouquidão me faz arrepiar.

Tão perto assim, fica impossível não sentir o calor vindo de


seu corpo. Mesmo logo depois de acordar, Zachary tem um
cheiro delicioso, que dificulta ainda mais me manter
concentrada.

— O que você está fazendo, menino Zach? — Martha


questiona, notando a mudança de comportamento do seu
queridinho.

— Só verificando se a Gaia sabe fazer café do modo que eu


gosto — ele diz para a mulher, agora em um tom bem
diferente do que usou comigo. Acho que, por estar logo
atrás de mim, deve tapar a visão de Martha. Não sei muito
bem, porque estou petrificada aqui.

— Você fez aqueles biscoitinhos?

— Claro que sim, estão na despensa — explica e Zach pede


para que ela busque alguns.

Não me atrevo a virar o rosto para Martha, ainda tentando


manter o controle sobre minhas mãos trêmulas. Despejo o
pó na cafeteira e agora os dedos de Zachary sobem e
descem em minhas costas. Preciso fechar os olhos e morder
o lábio inferior para não soltar um gemido.

— Minha resposta, Gaia? Ofendida ou honrada? — sussurra


de novo quando estamos a sós.

Levo um tempo para entender a pergunta, até que recupero


um pouco da racionalidade que seu toque havia me
roubado.

— A primeira opção — cochicho em resposta.

— Que pena. Estava torcendo para que fosse a segunda. —


Os dedos continuam traçando desenhos nas minhas costas,
queimando por onde passam. Viro o rosto, apenas um
pouco, para poder encará-lo. Só que o sorriso que estampa
deixa claro que ele não levou muito a sério o que eu disse.
— Se mudar de ideia, sabe onde me encontrar — declara
por fim e começa a se afastar.

Seus dedos não mais me tocam, porém ainda posso senti-


los, como se uma marca tivesse ficado ali — uma tatuagem
de fogo, para me lembrar de algo que nunca poderei sequer
cogitar. O silêncio
toma conta do ambiente, e sei que estamos sendo
observados com atenção.

— Vou tomar um banho e já volto para pegar o café, Tata —


diz para a cozinheira que tem um prato de biscoitos na mão,
mas sem tirar os olhos de mim. — Pode deixar que espero o
resto da família para o café da manhã.

Zachary se afasta e preciso de alguns segundos para poder


me recompor. Só a presença dele é o suficiente para me
tirar de órbita.

Ignoro o resto do mundo, principalmente o olhar que Martha


me lança, voltando a me concentrar nas tarefas. E em
respirar, porque isso parece ser impossível quando ele está
tão perto.

Fazer café nunca foi tão complicado, ou então são as


minhas mãos trêmulas que atrapalham o processo.

— Você vai ficar longe dele, garota. — Martha está ao meu


lado agora. — Não quero você se assanhando pra cima do
meu menino, ouviu bem?

— Não estou me assanhando para cima de ninguém —

defendo-me, ao mesmo tempo que me controlo para não


sair correndo daqui, me esfregar naquele homem e chocar
Martha com todo o meu assanhamento.

— Sabe, Gaia, eu amo os meus meninos. Mas quando o


assunto é romance, nenhum deles vale um centavo furado.
Para o seu próprio bem, fique longe. Mantenha a cabeça no
trabalho, as pernas bem fechadas e saiba que eles nunca
vão ficar com uma garota como você.
A última frase de Martha me tira o ar. Fecho os olhos para
absorver o impacto das palavras, que incomodam mais do
que eu gostaria de admitir.

O que tem de errado em ficar com uma garota como eu? É


claro que não tive a mesma educação nem frequentei os
mesmos lugares.

Todo o dinheiro que ganhei na vida não computa um dia de


trabalho deles. Eu sei disso tudo, mas isso não quer dizer
que eu não seja boa o suficiente para um homem como
Zachary King.

Enquanto ele é um mulherengo, que está sempre em festas


e não deve ter trabalhado de verdade um único dia sequer,
eu passei os últimos anos fazendo de tudo para me
sustentar. Não tenho uma

família milionária, não nasci em berço de ouro. O que me


resta é ser o mais esforçada possível e estar determinada a
não desistir, ignorando sempre as pedras que aparecem em
meu caminho.

Nem sei por que estou pensando nisso. Então, apenas faço
que sim com a cabeça e tento me concentrar de novo no
trabalho.

Martha não faz qualquer outro comentário enquanto


termino o café. Em seguida, avisa que irá levar a xícara
para ele, me deixando sozinha mais uma vez. Agradeço aos
céus por isso, afinal, toda vez que o encontro, a impressão
que tenho é de que sou tomada pelo instinto. Meu corpo
todo fica em alerta. Mamilos eriçados, um desconforto entre
as pernas, a pele sensível…

Zachary King é perigoso, e eu sei muito bem que preciso me


manter afastada.
∞∞∞

— Onde está aquela garota? — Martha pergunta para o


nada enquanto coloca algumas coisas na bandeja.

— Que garota? — quero saber.

— A desmiolada da Lottie. Avisei que precisava chegar às 7h


para arrumar a sala de jantar, mas ela escuta? Claro que
não.

Aquela lá só aparece quando quer.

— Minha irmã teve um compromisso ontem à noite —


Derek, o garçom loiro e de olhos bondosos, entra na
conversa.

— Você dormiu aqui, como devia. Por que ela não fez o
mesmo?

Agora, precisamos de mais alguém para servir — Martha


continua reclamando.

Quando fui contratada, deixaram claro que, de sexta a


domingo, devemos estar dentro da casa, a serviço dos King.

— Não preciso de ajuda, Martha. Posso servir sozinho. É só o


café da manhã — Derek argumenta em vão, e o olhar que
recebe da cozinheira é de matar qualquer um.

— Pare de defender a Lottie. — Aponta um dedo para ele. —

Você sabe muito bem que temos regras.

Derek se vira para mim e é impossível não notar a sua


frustração. Preciso me controlar para não sorrir, porque esta
parece ser uma atitude típica de Martha. Regras, regras e
mais regras. A mulher é regida por uma cartilha imaginária,
como se a mera ideia de se adaptar fosse impensável.

— A Valerie pode ajudar — sugiro.

— A Valerie? Você está louca? — Martha perde as estribeiras


de vez. — Ela está arrumando todos os quartos de novo.
Não permito um grão de areia nem de poeira! O sr. Harvey
odeia sujeira.

A cada segundo que passo ao lado de Martha, tenho mais


certeza de que ela se enxerga como a senhora suprema
desta casa.

Ela não é uma governanta apenas; é uma governante, que


manda e desmanda sem pena.

Preciso de paciência para aguentar tanto drama a esta hora


da manhã, principalmente porque, de dramático, isso aqui
não tem nada. É tudo neurose de uma mulher acostumada
a fazer tudo de um jeito só, incapaz de mudar um
pouquinho sequer.

Olho para Derek e sei que ele pensa a mesma coisa da


situação.

— Eu ajudo, então — digo, sendo que a última coisa que eu


queria era me colocar de propósito em um cômodo com
Zachary King. — Estou acostumada a servir nos eventos da
Christine Lowell.

Martha me encara por alguns segundos, e acho que está


avaliando a possibilidade.

— Tudo bem. Vá até o quarto da Lottie e pegue um uniforme


para você. — Martha parece resignada.
Pelo visto, calça legging e camiseta branca, mesmo sendo
informal e ideal para a cozinha, não serve para aparecer na
frente da família.

Capítulo 5
Gaia
Olho para o meu reflexo no espelho e fico me perguntando o
que diabos estou fazendo aqui. Uma saia preta — rodada,
de cintura alta, que termina um pouco acima do joelho —,
blusa branca — sem manga, de gola rolê — e as minhas
sapatilhas pretas não era o que pretendia usar hoje. Mas,
pelo visto, Lottie não tem problema em mostrar as pernas.

Ela é alta, loira, com cabelo comprido, e sabe que é muito


bonita. Já eu não sou alta nem tenho um corpo escultural. É
neste momento que a insegurança bate com força.

— Seu curso de gastronomia, Gaia — repito para mim


mesma o motivo de ter aceitado este emprego enquanto
tento abaixar um pouco a saia.

Refaço o rabo de cavalo e crio coragem para voltar à


cozinha.

Quando chego lá, percebo que o clima está ainda mais


aflito.

Sou recebida pela correria de Martha e pelo olhar curioso de


Derek, que me fita de cima a baixo, talvez notando a
diferença gritante de como a roupa fica em mim.

— O helicóptero já pousou. — Tina invade a cozinha antes


que eu consiga dizer qualquer coisa. É claro que eles viriam
de helicóptero. Carro é coisa de gente comum. — Temos
menos de cinco minutos.

Desde que fomos apresentadas, Tina nunca me dirigiu uma


palavra sequer. Apenas me olhou com ar de desaprovação e
continuou fazendo seu trabalho. De acordo com Valerie, ela
é funcionária dos King há mais de quinze anos, e se reveza
entre a

casa de praia e a de inverno — diferente de Martha, que fica


o ano inteiro por aqui.

Martha e Derek começam a se mexer ainda mais rápido. Até


Val, que acabou de arrumar os quartos, já está a postos
para recepcionar os patrões.

— Tudo pronto. Só preciso terminar de fazer os ovos e as


panquecas. Não posso servir comida fria — Martha declara e
panelas brotam de todos os cantos. Os passos acelerados
dos funcionários garantem à cozinha uma sensação de que
estamos em um restaurante, e não em uma casa. Tento me
manter útil, ajudando Martha como posso, até que ouvimos
o som de carros se aproximando.

— Eles estão aqui. Eles estão aqui. — O desespero no tom


da governanta me dá vontade de rir.

Talvez eu devesse estar tão ansiosa quanto ela, mas não


consigo deixar de achar graça nisso tudo. Sou puxada com
força pelo braço, quase sem tempo de desligar o fogo,
arrastada por Martha para fora de casa, junto com todos os
funcionários. Vamos rápido em direção à parte da frente,
quase correndo, até que avistamos quatro SUVs, que param
enfileiradas, ao lado do carro de ontem.

Posicionada em uma fila na frente da casa, tenho certeza de


que fui transportada para o século retrasado e parei em
Downton Abbey.

A cena dos empregados recebendo os patrões consegue ser


ridícula, mas mantenho a postura e finjo que estou
acostumada ao teatro.
— Martha, minha querida! — um homem mais velho, com o
cabelo cheio de fios grisalhos, exclama.

Ele é o primeiro a descer do carro, logo oferecendo a mão


para uma mulher ainda mais estonteante. Ela deve ter em
torno de cinquenta anos, mas não parece um dia mais velha
do que quarenta.

O cabelo loiro, lindamente penteado em um coque, combina


com o vestido de linho, que, apesar da viagem, não tem um
amassado.

O casal se aproxima e vejo o quanto são bonitos. O tipo de


beleza que muito dinheiro garante. O homem é alto, com o
corpo forte, o cabelo para trás e óculos escuros. Mas é o
sorriso dele que me conquista logo de cara.

— Senhor Harvey, que bom tê-lo de volta — Martha diz e


posso sentir a sinceridade em seu tom. — Senhora Monica,
mais linda do que nunca.

— Bondade sua, minha querida — a mulher responde.

Logo, várias pessoas aparecem em meu campo de visão.


Não consigo contar quantas, mas acho que pelo menos uma
dúzia. Todos lindos, exuberantes, bem-vestidos e parte de
um mundo completamente diferente do meu.

Três homens maravilhosos, muito parecidos com Zachary,


riem alto enquanto caminham na nossa direção. Eles
cumprimentam Martha e seu marido Gerald, que apareceu
de algum lugar enquanto eu estava hipnotizada.

Outros casais mais velhos também chegam, junto de


algumas mulheres mais novas e um homem baixinho, que é
o mais escandaloso de todos. Ele solta gargalhadas, abrindo
os braços e respirando fundo enquanto esfrega o peito.
Dá para ver que estão animados por passarem uns dias
aqui, cumprimentando os funcionários conhecidos e
acenando brevemente para mim.

— Gaia! — alguém chama meu nome e viro o rosto na


mesma hora, dando de cara com a pessoa que menos
esperava ver.

Christine Lowell está acompanhada de um homem de


cabelo e olhos muito escuros, apesar dos fios brancos nas
têmporas.

Ela se desvencilha daquele que só pode ser seu marido e dá


alguns passos na minha direção. Seu terninho costumeiro
foi esquecido em Manhattan, e agora ela veste algo mais
apropriado para o verão. Nunca pensei que veria Christine
de short branco e uma bata tie dye, mas quem sou eu para
saber o que os ricos usam quando vêm passear na praia?

— Oi, Christine. Que surpresa te encontrar. — Sorrio para


ela e logo sou envolvida em um abraço atípico. Minha chefe
nunca demonstrou qualquer afeição por mim. Pelo menos,
nada além de um elogio ou outro quando estava em sua
cozinha.

— Harvey, aqui está ela! — Christine diz e o homem de


óculos escuros vem até mim.

— Ah, a famosa Gaia. Seja bem-vinda, mocinha. Você não


deve se lembrar de mim, mas nos vimos em um dos
eventos de Christine

— o homem fala e fico encabulada. Ele está certo: não me


lembro de termos nos conhecido.

— Muito prazer, sr. King. Sua casa é adorável — elogio,


tentando evitar o constrangimento.
— Não precisa de formalidades. Não somos esse tipo de
família.

Há décadas tento fazer com que Martha me chame pelo


nome, mas essa mulher é mais teimosa do que eu. — Ele
finge seriedade quando encara a governanta, que, pela
primeira vez desde que a conheci, abre um sorriso tímido e
fica com as bochechas bem vermelhas de vergonha.

— Prometo que, quando ela o chamar pelo nome, eu


também chamarei.

Martha vira o olhar para mim, surpresa por minha resposta,


e eu respiro, aliviada, sabendo que ela aprova minha
postura.

— Eu disse que essa menina é de ouro — Christine comenta.

— Ou talvez teimosa. — Harvey King me oferece uma


piscadinha e o gesto me faz lembrar de Zachary.

Na verdade, tudo nele me faz lembrar de Zachary. É óbvio


que são pai e filho, porque as semelhanças são gritantes. O
formato do rosto, a altura, a postura tranquila…

— Com licença, sr. Harvey. Gaia e eu precisamos voltar para


a cozinha — Martha entra na conversa. — O café da manhã
será servido em quinze minutos.

— Ah, perfeito. Estou morrendo de fome.

— Tina, Helga, Valerie e Derek acompanharão os convidados


para os quartos. As malas estarão lá em breve. Vou pedir a
Kyle que deixe tudo nos quartos — a mulher baixinha
declara, e fico me perguntando quem é esse tal de Kyle.
Todos começam a se encaminhar para dentro, enquanto
Martha e eu vamos por fora, rodeando a casa até
chegarmos à cozinha. Ela reacende o fogo e começa a me
ditar ordens, correndo para terminar os preparos.

É essa correria dentro da cozinha que me faz sentir viva.


Parece que meu corpo sabe como se mover para dinamizar
o tempo. Com

uma mão, quebro vários ovos. Com a outra, mexo-os na


vasilha.

Martha vira as panquecas.

As frutas já estão cortadas e arrumadas em travessas de


prata.

O bacon também já está na frigideira.

Em poucos minutos, tudo está pronto para ser comido. É


quando Derek aparece e avisa que a família já está à mesa.

— Leve o café primeiro. — Martha aponta para os três bules


que acabei de preparar. Derek os coloca na bandeja, junto
com o açucareiro, o leite e o creme. — Gaia, separe os
sucos — ela ordena e vou até a geladeira, retirando de lá
três jarras grandes de suco de laranja.

Nem tenho tempo de respirar direito e já sou obrigada a


mudar de função. Lottie ainda não deu as caras, e isso quer
dizer que vou servir à mesa.

A sala de jantar dos King é grande o suficiente para receber,


pelo menos, trinta pessoas, porém alguns lugares estão
vazios.
Enquanto levo a bandeja com as panquecas e seus
acompanhamentos, tento contar quantos são, mas sou
interrompida.

— Ah, finalmente vocês chegaram! — Zachary King


aparece, acompanhado de um outro homem que ainda não
conheci. Não há qualquer sinal das mulheres de ontem à
noite, e fico me perguntando o que aconteceu com o trio.

É claro que meu olhar vai para ele na mesma hora. O filho
da mãe é como um ímã. E depois da nossa conversa mais
cedo, é ainda mais difícil ignorá-lo. Pelo visto, ele tomou
banho, porque seu cabelo está um pouco molhado e veste
uma bermuda azul-marinho e uma camiseta polo num tom
claro de cinza. Zachary sorri abertamente para a família
enquanto dá a volta na mesa para falar com o pai, que está
na cabeceira. Em seguida, beija as outras mulheres na
bochecha e dá tapinhas nos ombros dos homens.

— Teríamos vindo juntos, se vocês dois não tivessem fugido


Harvey alfineta.

— Não vamos começar o fim de semana desse jeito —


Monica, eu acho, fala para o marido, mas seu tom não
contém reprovação. É

apenas um pedido.

Coloco as panquecas na mesa, do jeito que fui instruída a


fazer, e viro de costas para voltar à cozinha.

— Gaia. — A voz aveludada me faz parar no lugar. Viro-me


para ele, tentando colocar meu melhor sorriso de
funcionária educada no rosto.
— Sim, sr. Zachary?

Em vez de me responder, ele solta uma gargalhada alta,


balançando a cabeça em negativa.

— Quantas vezes vou ter que pedir para você não me


chamar de “senhor”? — Zachary insiste, sua postura bem
diferente de quando estávamos na cozinha.

— Também pedi para ela me chamar de Harvey, mas nada


feito

— o patriarca comenta, seu tom bem-humorado.

— Você é velho e paga o salário dela, pai. Eu entendo que a


Gaia te chame assim. Ela é mais educada do que a gente.

— Mas você é o filho do velho que paga o meu salário. — É

minha vez de oferecer uma piscadinha para Harvey King.

Minha piada é recebida por gargalhadas histéricas. A mesa


toda entra em erupção, até que Harvey se levanta e vem
até mim, me puxando para um abraço inesperado. Pelo
visto, essa família não é tão tradicional quanto eu pensava.

— Gostei de você, menina. Tem senso de humor. — Fico sem


saber como reagir e acabo retribuindo o abraço. Sinto
olhares sobre mim e minhas bochechas ganham cor. —
Venha, vou te apresentar ao resto do povo.

Com o braço passado em torno dos meus ombros, o sr. King


me leva para a cabeceira da mesa e pede para que eu me
apresente.

Parece que estou no primeiro dia de aula em uma escola


nova, mas cumpro com a sua vontade.
Posso sentir Zachary observando cada um dos meus
movimentos, porém sou obrigada a me conter e não o
encaro de volta.

— Muito prazer, sou a Gaia. Estou aqui para ajudar a Martha


na cozinha.

— Isso mesmo. Ela trabalha comigo às vezes. É maravilhosa


e sabe cozinhar muito bem — Christine interrompe, me
deixando ainda mais encabulada com o elogio.

— E quantos anos você tem, Gaia? De onde você é? —


Harvey, ainda ao meu lado, pergunta.

— Tenho vinte e quatro anos e sou da Virgínia. Me mudei


para Nova York pouco depois de ter concluído a escola. Hoje
em dia, vivo no Queens. — Dou de ombros, contando por
alto o que fiz da vida.

— Ah, adoro a Virgínia. Seus pais ainda moram lá? — Monica


quer saber. O filho ao seu lado me olha atentamente. O
rosto pendendo para o lado, como se avaliasse as minhas
respostas.

— Não, eles se mudaram na mesma época que eu e vivem


no Tennessee. — Omito o fato de que são dois professores
de escola aposentados, que pararam de dar aula há dois
anos e abriram um bar de música country. Ninguém precisa
saber das paixões ocultas da minha família pouco
tradicional.

— Você gosta de dançar, Gaia? — o baixinho risonho


pergunta, me deixando confusa.

Olho para ele sem entender muito bem aonde quer chegar,
mas antes que eu consiga responder, a voz de Zachary soa
pela sala.
— Que tipo de pergunta é essa, Ollie?

— Ué, se ela gosta de dançar, então gosta de…

— Cala a boca, Oliver! — É um coro de homens. Não só


Zachary, mas também dois dos outros rapazes mais jovens.

— Acostume-se, Gaia. Esses garotos não valem nada. Ignore


que é mais fácil — Harvey diz ao meu lado.

Desta vez, não consigo segurar meus olhos, que


instintivamente buscam Zachary. Ele continua me
encarando, mas é impossível decifrar o que passa em sua
mente.

— Agora é a nossa vez — Harvey volta a falar. — Esta é


Monica, minha esposa, e o bonitão ali é o meu filho,
Zachary. Pelo que entendi, vocês já se conheceram. —
Apenas assinto, sem querer entrar em detalhes. — Estes
são meus irmãos, Walter e Edmund, e suas esposas, Leah e
Angela.

Walter é o mais franzino dos três. Diferente dos irmãos, que


têm um porte atlético, ele é magro e baixo, usa óculos e
tem o nariz fino.

Sua esposa, no entanto, é a mulher mais bonita da sala,


com cabelo e olhos muito negros, que contrastam com a
pele clara. Já Angela mantém um tom arruivado de loiro e é
muito elegante.

— Elijah e Trenton — Harvey continua e dois rapazes


acenam

— são filhos de Edmund. Sebastian e Jackson são filhos de


Walter.
Christine você já conhece, mas aquele ali é Peter Lowell,
seu marido.

Chloe Lowell — ele aponta para uma moça da minha idade,


com o cabelo loiro cortado em um long bob charmoso, que
me encara com um ar de tédio —, Dana Harrington, uma
amiga de Chloe — a garota sentada ao lado de Chloe sorri
—, o engraçadinho é Oliver Cooper e aquela é sua irmã,
Vicky. Ambos são amigos da família há anos. Os outros dois
são Sam, um dos diretores das Indústrias King, Sabrina
Coulton, e Charlie, o filho deles.

— Acho que vou precisar de algumas semanas para decorar


tanto nome. — De novo, meu comentário é recebido com
risadas.

— Só não esquece o meu, porque você vai gritar ele mais


tarde

— Oliver diz, fazendo o meu bom humor dissipar. Sinto um


gosto amargo na boca, ao mesmo tempo que meu rosto
queima com a vergonha. Porém, em vez de demonstrar
quão humilhada me sinto pela frase, apenas ergo uma
sobrancelha e o encaro.

O silêncio toma conta. É como se ninguém acreditasse que


aquelas palavras foram realmente ditas. Sinto Harvey
tensionar ao meu lado, mas me recuso a ver como Zachary
reagiu.

— O café está na mesa — Derek anuncia, me salvando de


ainda mais constrangimento.

Pelo visto, enquanto estava sendo apresentada a todos, ele


fez o trabalho sozinho.
— Bom apetite. Com licença. — Crio coragem e me viro para
Zachary, que parece não ter desviado o olhar por um
segundo sequer.

Essa atitude dele me confunde, e preciso me lembrar de


que, assim como o seu amigo mal-educado, ele também faz
parte do mesmo clube de playboys com mais dinheiro do
que juízo.

Viro de costas antes que eu possa ser interrompida de novo


e vou para a cozinha, onde é o meu lugar — e de onde
nunca deveria ter saído.

Capítulo 6
Zachary
Tudo naquela garota me intriga. Não sei muito bem o
porquê, mas algo nela me faz olhar duas vezes. A começar
pelo nome. Que tipo de nome é Gaia? Fiz uma pesquisa hoje
cedo e descobri que quer dizer terra, ou Mãe Terra. É
interessante, só que ainda não sei se combina com ela. O
fato de ser incrivelmente linda não é o único fator que
contribui para essa minha fixação. Claro que ajuda, porém a
minha necessidade de falar com ela vai além disso. E não
sei por quê. Sempre que me olha, a impressão que tenho é
de que o mundo para e tudo o que consigo enxergar é ela.

Quando entrei na cozinha hoje de manhã, quase não resisti.


Ela estava linda demais com suas roupas simples, o cabelo
preso em um rabo de cavalo e os olhos curiosos em cima de
mim. Pude sentir cada parte do meu corpo ser acariciada —
e o mais engraçado é que dava para ver que ela não fazia
ideia de que estava me encarando.

Muito menos que passou a língua nos lábios enquanto


descia os olhos, ou que prendeu a respiração durante todo o
tempo.

Posso estar acostumado a receber atenção feminina, às


vezes de forma ainda mais descarada, só que o modo como
Gaia me olha… dá para sentir a intensidade do seu desejo.
Hoje precisei usar todo o meu autocontrole para não
demonstrar reciprocidade. É claro que falhei, mesmo com
Tata no mesmo cômodo. A necessidade de encostar naquela
mulher, de sentir seu cheiro falou mais alto do que qualquer
resquício de bom-senso.

Depois disso, veio o muro, que ela ergueu tão alto que é
quase impossível de penetrar. Toda vez que tento conversar
com Gaia, sou respondido com um “sr. Zachary”. É óbvio
que ela está tentando

manter uma distância profissional entre nós, mesmo com a


minha insistência para que isso acabe. E agora, com o
comentário babaca de Oliver, suspeito que o muro vá
permanecer no lugar durante algum tempo. Tive vontade de
socar a cara do abusado depois do que disse, mas preciso
me lembrar de quem ele é filho e da importância que o pai
do moleque tem para os futuros negócios da IK. Se não
fosse por isso…

— O que vocês acham de um piquenique na praia amanhã,


na hora do almoço? — Meus pensamentos são
interrompidos pela sugestão de tio Eddie, que está mais
animado do que o vi nesses últimos anos de convivência
quase que diária.

— Uma ótima ideia. Você lembra que a gente fazia isso


quando eles eram crianças? — é a vez de tio Wally entrar na
conversa.

Troco olhares com Trenton, que, assim como eu, parece um


tanto entediado com a ideia. Depois, olho para Eli e
Sebastian, que também não mostram um pingo de
entusiasmo. Jackson, como sempre, não está prestando
atenção. A ressaca não o permite se concentrar em nada
além da dor de cabeça que deve estar sentindo.

O café da manhã termina em um clima agradável, com a


perspectiva de passar um fim de semana sem muitas
responsabilidades, relaxando na praia. A ideia do
piquenique é aceita pela maioria, e meu pai diz que vai
avisar na cozinha para prepararem algo bem gostoso para
comermos.
— Deixa que eu aviso — interrompo-o. — Preciso falar com a
Tata de qualquer jeito.

É uma mentira deslavada, mas mantenho a expressão


neutra para que ninguém perceba. Nos últimos anos,
desenvolvi a habilidade de fazer “cara de pôquer” enquanto
ouvia pessoas falando merda nas reuniões. Quem diria que
usaria isso a meu favor para poder me encontrar com a
nova funcionária da casa?

— Eu vou junto — Chloe Lowell oferece, sorrindo para mim.

Conheço esse sorriso e faço o meu melhor para ignorá-lo


sempre. Algo nela não me agrada. É linda, inteligente,
simpática…

Mas tem alguma coisa errada com essa garota. Ou comigo.

Com certeza comigo.

— Não precisa. Só vou pedir a Martha que prepare meus


sanduíches preferidos. Encontro vocês na piscina daqui a
pouco.

Saio da sala antes que Chloe possa protestar. Ou pior, me


seguir.

Assim que me aproximo da cozinha, um som quase que


melódico me faz parar no lugar. Gaia está rindo de alguma
coisa, e a risada ecoa no corredor. Dou mais um passo à
frente e espio o que está acontecendo.

— É verdade! — Derek está ao lado dela, recostado na


bancada enquanto Gaia lava a louça. — Lottie vai morrer de
ciúme do que aconteceu. Acho que terá ciúme até do
assédio daquele pomposo do Oliver.
Gaia ri de novo, balançando a cabeça em negativa como se
não acreditasse nas palavras do colega. Mas o que Ollie fez
foi assédio.

Aquele moleque nunca entendeu a consequência de seus


atos.

Sempre achou que, por ser filho de um grande executivo


que fez de tudo para o proteger, não deveria pesar suas
atitudes, nem no que elas acarretariam.

Damon Cooper precisa colocar uma coleira em Oliver o mais


rápido possível.

— Olha só pra mim. É claro que Lottie não vai ter ciúme —
ela se defende, mas o incômodo ainda continua preso na
minha garganta.

— Todos gostaram de você, Gaia. Na verdade, é impossível


não gostar de você. — A declaração de Derek me faz franzir
o cenho.

Será que ele está a fim dela?

— Vou te contar uma coisa, que talvez você ainda não saiba

Derek continua. — Quando esses ricaços vêm passar as


férias aqui, eles têm só uma coisa em mente: diversão. E
nada melhor do que se divertir com quem está por perto.

— Até os patrões? — Gaia parece surpresa.

— Não. A família King é excelente, e olha que já conheci


muita gente com tanto dinheiro quanto eles.
Duvido. Derek pode até ter conhecido gente de classe alta,
mas ricos como nós é difícil de encontrar.

— O que você está tentando dizer, Derek?

— Que os amigos da família adoram dar em cima dos


funcionários. Já perdi as contas de quantas visitas
apareceram no meu quarto de madrugada para um…
servicinho extra. — Por incrível que pareça, o comentário
dele não me espanta nem um pouco. —

Só tome cuidado, tá?

— Não vou ficar com Oliver — Gaia ri enquanto fala, como


se a mera ideia fosse ridícula.

Confesso que, de alguma forma, isso me tranquiliza. Odiaria


abrir mão do meu réu primário por ter matado um idiota
como Oliver.

Insetinho de merda. Preciso me lembrar de novo que o pai


do babaca é importante demais para que eu faça algo.

Mas então percebo para onde meus pensamentos estão


indo e resolvo que já cansei de apenas escutar a conversa.
Entro na cozinha, fazendo com que Derek e Gaia se calem
na mesma hora, assustados com a minha presença.

— Menino Zachary, em que posso te ajudar? — Tata, que


estava atipicamente calada enquanto os dois fofocavam em
horário de trabalho, aparece na minha frente.

Não consigo me controlar e olho para Derek de cara


fechada.

Um, dois segundos e ele desvia o olhar. Bom menino.


— Não é nada de mais — falo logo, antes que a senhorinha
morra de preocupação. Ela é a pessoa mais exagerada que
conheço. — A família quer fazer um piquenique na praia
amanhã.

Tem como você preparar um almoço leve?

Por mais que esteja falando com Tata, não posso evitar e
olho para Gaia. Algo nessa garota me obriga a manter o
foco nela. Não consigo entender a fixação, mas está aqui de
qualquer jeito. É só ela estar no cômodo que não posso
controlar: meus olhos encontram os dela, tão azuis que
parecem uma piscina de desejo e incertezas.

Eles me tiram da realidade e me deixam sem chão.

— Claro que preparo. — Preciso de alguns segundos para


entender o que Martha está dizendo. Também percebo que,
enquanto eu estava preso em quem não devia, Derek saiu
da cozinha.

Gaia vira o rosto e volta a se concentrar em suas tarefas


sem me dar importância, e é com muito esforço que desvio
o olhar do

dela e volto a prestar atenção em Tata.

— Ótimo. Faz aquele sanduíche que eu amo? — peço,


oferecendo minha melhor carinha de cachorro carente.

— Nem precisava pedir. Pepino, cream cheese e hortelã? —


ela busca confirmação e eu apenas aceno positivamente. —
Perfeito.

Vou fazer outras coisinhas mais caprichadas também. Não


posso deixar vocês passando fome. Sanduíche de pepino
não é o suficiente para o almoço.
— Obrigado. Ah, meu pai pediu para que Gaia nos
acompanhasse no piquenique — minto, voltando a olhar
para ela e vejo que seu corpo fica tenso com o pedido.

— Gaia? É Lottie quem serve vocês normalmente. Não sei se


isso é uma boa… — Tata começa a dizer, mas eu a
interrompo.

— Não vejo Lottie por aqui — rebato. — E meu pai pediu por
Gaia.

— Certo. Às 13h30?

Assinto com a cabeça.

— Peça para montarem a tenda.

— Vou falar com Derek. — Tata acata meu pedido.

Por alguns segundos, o silêncio toma conta da cozinha. Não


consigo parar de olhar para Gaia, que agora voltou a me
encarar.

Algo desperta em mim ao perceber que ela também não é


imune a essa energia que vibra entre nós.

Puta que pariu, a mulher é linda demais, tão linda que sinto
vontade de esfregar a mão no peito com o incômodo que
isso causa.

Estou louco para soltar o cabelo ruivo daquele rabo de


cavalo e passar meus dedos por ele, ou então puxá-lo
enquanto ela está de quatro na minha cama. A mão chega a
coçar para acariciar a pele clarinha, tão lisa que parece ser
de porcelana, até ficar vermelha com meus toques bruscos.
Meu corpo não mais consegue esconder o desejo, e quando
Gaia abre um pouco a boca, com a respiração pesada, tenho
ainda mais certeza de que o sentimento não é unilateral.
Desço o olhar, apreciando o quadril mais largo e ansiando
pelo momento em que o terei em minhas mãos.

— Posso te ajudar com mais alguma coisa? — Tata pergunta,


me obrigando a desviar o olhar.

Merda! O que estou fazendo?

— Só isso. Obrigado.

Viro de costas e saio da cozinha, determinado a não passar


mais vergonha. Porém, assim que cruzo a porta, a voz de
Martha volta a soar.

— Fique longe dele, garota. Fique bem longe do meu


menino.

O alerta apita na minha mente.

Tata está certa: Gaia precisa ficar bem longe de mim,


porque não sei por quanto tempo serei capaz de me
controlar. Esse desejo louco que estou sentindo não é nem
um pouco saudável.

Talvez essa seja a primeira vez que o ditado está errado: o


que um King quer, ele nem sempre pode ter.

Capítulo 7
Gaia
Da cozinha, consigo ouvir as risadas escandalosas que vêm
da área da piscina. Achei que isso fosse impossível por
conta da distância, mas eu já deveria ter aprendido que,
quando estamos falando dos King, nada segue as regras
normais — nem mesmo a física.

Balanço a cabeça enquanto termino de enxugar os últimos


pratos. Depois, guardo tudo nos armários e puxo o ar com
força. Meu corpo cansado e as costas doloridas não
escondem o dia árduo de trabalho. Já passa das dez da
noite e ainda estou aqui… caramba, eu estou aqui! A ficha
não caiu de que estou trabalhando com uma das famílias
mais importantes do país. Se não fosse a exaustão, daria
alguns pulinhos de alegria. Mais alguns meses e terei
dinheiro suficiente para terminar o curso e começar a minha
vida. Talvez até seja contratada pela Christine de forma
permanente, e não como garçonete. Se tudo der certo e eu
tiver a chance de mostrar do que sou capaz, é possível que
os King me deem uma carta de recomendação para
trabalhar em um restaurante. Quem sabe?

Solto um suspiro e passo o pano seco sobre o mármore,


limpando as últimas gotas de água antes que eu possa
encerrar o expediente. Todos os outros funcionários já foram
se deitar, mas é claro que fiquei para arrumar a bagunça na
cozinha. Só que não posso reclamar. Se lavar louça é o que
preciso fazer para chegar perto do meu sonho, então que
seja. Farei isso com um sorriso no rosto — e dor nas costas.

O som das risadas aumenta e, por um segundo, fico me


perguntando como seria estar lá, sentada também, rindo de
nada em
especial, aproveitando a piscina à luz do luar e tomando
drinks coloridos. Sem uma preocupação em mente nem
boletos vencidos.

— Vai sonhando, Gaia… — sussurro para mim mesma.

Assim que termino o serviço, pego todos os panos de prato


sujos e levo-os para a lavanderia anexa à cozinha,
colocando-os no cesto junto com os demais. “Pelo menos
não tenho que dar conta disso aqui também”, penso quando
retorno, porém me vejo obrigada a estancar no lugar. Som
de passos se aproximando, junto com uma voz grossa, que
aumenta a cada segundo, indica que não estou mais na
solidão dos meus pensamentos.

Na mesma hora, meu coração acelera.

Não. Não. Não.

De novo não.

Toda vez que estamos no mesmo espaço, fico a um passo


de infartar. O pobre do meu corpo não vai aguentar por
muito tempo sem entrar em combustão espontânea.

— Já disse, não vou voltar. — Zachary King cruza a porta


externa e, por um minuto, seus olhos encaram o nada. Ele
esfrega o rosto com uma mão, nitidamente frustrado,
enquanto a outra mantém o celular preso à orelha. — Não
tão cedo. Talvez no ano que vem.

Não consigo me mexer. Estou presa à outra porta, ao lado


da despensa, quase às suas costas. Sei que ainda não me
viu, e fico me perguntando quanto tempo consigo passar
despercebida e apenas… olhar. Afinal de contas, esse
homem sem camisa é uma visão e tanto.
— Quantas vezes vou ter que repetir? — pergunta, seu tom
enfático e um tanto cansado. — Não! — Começa a andar de
um lado para o outro, ainda sem me notar.

Então, ele faz uma pausa e aproveito para observar os


músculos contraídos de suas costas. Cada linha é bem
desenhada e os movimentos me hipnotizam. Ao mesmo
tempo, há algo de errado com sua postura, como se
estivesse carregando um peso enorme.

— Não me importo com o que estão falando. Nunca me


importei.

— Vejo as costas subirem e descerem em uma respiração


pesada.

— Os tabloides vão dizer o que quiserem, é sempre assim.

Então, Zachary se vira. Seus olhos me encontram parada


aqui, e não tenho mais o que fazer. Se me mexer já era
difícil, agora é impossível. A surpresa lampeja em seu rosto,
e aposto que o meu também não consegue esconder o que
estou sentindo. Pela segunda vez, sou pega no flagra. A
maldita voyeur espiando o chefe.

Seus olhos ficam arregalados, mas logo relaxam e um canto


dos lábios se repuxa naquele sorriso torto. Predatório.
Perigoso.

Os passos que dá até mim são lentos, e suas falas ao


telefone se limitam a “aham”, como se toda a sua atenção
tivesse mudado de foco. Sinto o ar na cozinha ficar mais
pesado. Quente. Úmido.

Denso. A cada centímetro que se aproxima, meu coração


bate mais rápido. É uma mistura de medo, ansiedade e
excitação.
Não entendo o efeito que Zachary tem sobre mim. Já
conheci outros homens bonitos antes, mas algo nele… algo
me impede de me afastar. É mais forte do que eu.

— Já cansei de discutir isso com você. — Sua voz sai grave,


baixa, e ele está tão perto que posso sentir o calor emanar
de seu corpo.

Sou obrigada a olhar para cima a fim de encará-lo. Grande


erro, porque olhos muito verdes me fitam de volta, com
uma intensidade que me deixa desconcertada. É como se
ele estivesse buscando algo em mim, algo que não sei se
sou capaz de dar. E ao mesmo tempo que quero desviar o
olhar, não consigo. Não posso. Apenas encaro-o de volta,
percebendo minha respiração ficar errática.

Então, vem o toque suave de seu dedo no dorso da minha


mão, e conter o tremor é impossível. Para piorar, o sorriso
em seu rosto se amplia — ele sabe o efeito que causa em
mim.

Quero me afastar, empurrar esse peito maravilhosamente


definido e sair marchando da cozinha, como a mulher
decidida que sou, mas estou incapaz de me mexer. E
quando ele sobe o toque leve, acariciando bem lentamente
o meu braço, até chegar ao cotovelo, o ar fica preso na
minha garganta. Mordo o lábio para não soltar um gemido
enquanto mantenho o contato visual.

Preciso usar de todas as minhas forças para não fechar os


olhos e me deixar levar. Respirar já está se mostrando uma
tarefa hercúlea. O frio sobe por minha espinha ao imaginar
seu toque

ficando cada vez mais brusco, talvez os dedos explorando


outras partes do meu corpo.
Zachary King é, possivelmente, o homem mais gostoso que
já conheci. Ele deveria estar na capa de uma revista, em
vez de na cozinha, olhando para mim desse jeito.

— Eu. Não. Vou. Voltar — fala de forma pausada, seu olhar


descendo devagar por meu rosto, até se fixar na minha
boca. — Não há nada que me tire daqui agora.

O ar pulsa, e cada segundo ao lado dele é um ponto a


menos na minha escala de bom-senso. Existe uma linha
imaginária entre nós.

Uma que não posso cruzar.

Ele é meu patrão.

Eu sou a cozinheira.

Mas parece que a linha está cada vez mais transparente, já


que sinto meu corpo inteiro se acender quando seus dedos
sobem mais um pouco, chegando perto do meu ombro. E no
instante que ele acaricia meu pescoço, me vejo obrigada a
comprimir uma perna contra a outra.

— Odeio ter que me repetir. Não vou voltar para Londres —

decreta, seus dedos na minha nuca, entrando por entre os


fios soltos do meu cabelo. — O que eu quero está bem aqui.

Um puxão leve e estou colada a seu corpo, meu peito no


dele. A linha inexistente, minha sensatez desaparecida. Seu
rosto começa a descer, centímetro a centímetro… levando
décadas para fechar a distância que separa a sua boca da
minha. E quando apenas um fiapo de sanidade é o que me
impede de sentir seu gosto pela primeira vez, eu escuto
uma voz abafada:
— Mas eu te amo, Zachary! — O tom feminino do outro lado
da linha está quase chorando. Posso ouvir seu desespero
com tanta clareza que parece soar dentro de mim.

É então que recobro toda a lucidez que a proximidade deste


homem me impediu de ter e o afasto, empurrando-o com
toda a força que tenho. Zachary me encara, dando três
passos para trás, sabendo muito bem que ouvi aquilo que
não deveria.

Ou deveria, porque se ele tem uma mulher — seja ela


namorada, amante, noiva ou sei lá o quê — à sua espera do
outro

lado do oceano, por que está brincando comigo desse jeito?

— Quantas vezes preciso te dizer que o sentimento não é


recíproco, Sam? — Não sei se ele está falando isso para mim
ou para ela. Também não importa.

Zachary King é o tipo de homem que parte corações por


onde passa… e se eu permitir, o meu será o próximo. É
justamente por isso que cruzo por ele, esbarrando em seu
braço, e saio da cozinha.

Não vou sucumbir a esse jogo cruel. Farei o que for preciso
para ficar longe, custe o que custar.

Capítulo 8
Zachary
Merda, merda, merda!

Gaia sai da cozinha e posso ver a decepção estampada em


seu rosto.

Ela estava tão perto… e, de repente, tão longe.

— Você não pode estar falando sério — Sam continua


insistindo do outro lado, e preciso me controlar para não
arremessar o celular contra a parede.

— Samantha, me escute: nós terminamos há meses. Nem


chegamos a ficar juntos de verdade, e você sabe muito bem
disso.

Ela tem noção de que não sou o tipo de homem que tem
relacionamentos sérios. Deixei isso claro quando
começamos a ficar, de forma bem casual e sem qualquer
tipo de exclusividade. Saímos algumas vezes, trepamos
duas, fomos a alguns eventos… sem compromisso. Até
porque ela não era a única com quem eu fazia essas coisas.

— Mas vi aquele artigo! — argumenta, aos berros e com a


voz chorosa. — Eles disseram que você estava deprimido
longe de mim.

Puxo o ar com força e começo a andar de um lado para o


outro da cozinha. Onde está Gaia?

— Vou falar isso pela última vez: os tabloides não sabem da


minha vida. — Podem até achar que sabem, mas, na
verdade, não têm ideia do que acontece de verdade. Todas
as informações que soltam a meu respeito não passam de
pura imaginação fértil e tentativas desesperadas de fazer
dinheiro às custas dos King. —

Sam, por favor. Você sabe como é a mídia: se não acham


notícias, inventam. Nem por um momento fiquei deprimido.
Estou ocupado

demais para isso. Olha, você merece um cara muito melhor


do que eu. Alguém que te valorize e que esteja disposto a
ter um relacionamento saudável. Eu não sou esse cara.

— É só você tentar, Zach…

— Aí é que está, Sam: não quero tentar — declaro. — Não


tenho vontade de estar em um relacionamento. Não quero
monogamia. Não quero me casar, ter filhinhos e viver feliz
para sempre.

— Mas se você mudar de ideia, vai me procurar? —


pergunta e posso ouvi-la fungando do outro lado da linha.

— Não — falo com toda a sinceridade e ela arfa. — Não vou


mais te procurar, Samantha. Olha, eu não sou um babaca
insensível, só não quero te dar falsas esperanças de algo
que nunca vai acontecer.

Sam e eu não somos compatíveis. Ela é linda, sofisticada,


sensual… perfeita para algumas noites de diversão. Ponto
final.

— Você é, sim, um babaca insensível, Zachary King.

A linha fica muda e sei que ela encerrou a ligação.

Jogo o celular na bancada, apoio as mãos no mármore e


afasto o corpo, abaixando a cabeça até encostar na pedra
fria. Solto o ar com força, odiando cada segundo do que
acabou de acontecer.

Gaia não precisava ter escutado essa conversa com Sam. O

que deve estar pensando agora?

Tenho que ir atrás dela. Mas se eu for, será que estará


disposta a me ouvir? Ou será que precisa de um tempo
longe de mim? Tudo o que escutou e não tem ideia de como
interpretar… Caralho, que confusão da porra.

O que eu estava pensando quando me aproximei dessa


mulher?

Para isso, eu tenho resposta: não consigo ficar perto e não


querer tocá-la. Ela é tão linda… tão pura. Sei lá. Algo me
puxa, me instiga, faz com que eu simplesmente precise
chegar mais perto, como se meu corpo fosse um pedaço de
ferro e ela, um ímã.

O pior de tudo é que, desta vez, Gaia não se afastou ao


primeiro contato. Ficou parada, aceitando o meu toque,
estremecendo com o carinho. A boca entreaberta, a
respiração cortada, o coração batendo tão forte que pude
ver a veia pulsando em seu pescoço…

Gaia também me quer, e hoje pude confirmar isso.

Merda! Preciso encontrar um jeito de contornar essa


situação e fazer com que ela entenda que Sam e eu não
temos nada.

Não sei se devo ir atrás dela agora e…

“E o que, Zachary?”, uma nova vozinha pergunta dentro da


minha cabeça. “O que vai dizer? Você nem conhece a garota
direito.”

A voz tem razão, é claro. Mas desde ontem à noite não


consigo tirar Gaia dos pensamentos.

— Ei! — Trenton escolhe este momento para entrar na


cozinha.

— Está fazendo o que aqui?

Ergo a cabeça e encaro meu primo.

— Tentando consertar um erro. — Pego o celular na


bancada, um pouco aliviado por ter a chance de pensar em
outra coisa. —

Acho que preciso beber.

— Era sobre isso mesmo que eu queria falar. — Sobe e


desce as sobrancelhas, e o gesto me diz que ele tem algo
bem específico em mente.

— Onde?

— Na casa dos Millner — explica.

— Quem diabos são os Millner? — quero saber, abrindo a


geladeira e tirando de lá duas garrafinhas de cerveja.
Entrego uma a meu primo e fico com outra para mim.

— Amigos do Oliver.

— Odeio aquele babaca — nós dois falamos ao mesmo


tempo.

Estendo a garrafa e brindamos a sincronia de pensamento.


— Ainda não sei por que meu pai convidou aquele idiota
para passar o fim de semana com a gente. Quer dizer… eu
sei sim. Ele está desesperado pelo contrato com Damon
Cooper.

Oliver pode ser um babaca, mas seu pai é um executivo


importante no estúdio de cinema com o qual queremos
trabalhar em breve, e pode facilitar bastante a nossa vida
daqui para a frente.

Principalmente quando lançarmos nossa plataforma de


streaming.

— Vamos esquecer o Oliver por um minuto — Trenton


sugere, e apenas assinto com a cabeça. Afinal, já tenho
problemas suficientes para perder ainda mais tempo com
Oliver Cooper. Aquele lá não merece a minha atenção. — A
festa dos Millner…

— A festa dos Millner! — Jackson invade a cozinha, braços


abertos e uma expressão de pura felicidade no rosto.

Atrás dele, Sebastian e Elijah entram também. Os dois


balançando a cabeça, fingindo reprovar a reação exagerada
do nosso caçula. Mas todos sabemos que, no fundo, é ele
quem deixa as coisas mais interessantes.

— Não sei se quero ir à festa dos Millner. — Reviro os olhos.


Não faço ideia de quem sejam.

— Como se isso fosse um impedimento — Jackson diz,


dando um pulo para se sentar no balcão. Sem pedir, ele
toma a cerveja da minha mão e vira todo o conteúdo da
garrafa em um gole só.
— Claro, Jack, sirva-se à vontade — ironizo e ele me
responde com uma piscadinha.

— Tá com cara de quem comeu merda e não gostou… —

Jackson me analisa de cima a baixo.

— Por acaso, alguém come merda e gosta? — Elijah


pergunta, franzindo o nariz.

— Ah, Eli — Trenton dá um tapa leve no ombro do irmão


mais novo —, tem sempre um maluco no mundo.

Balanço a cabeça, rindo com a conversa estranha que


tomou conta da cozinha.

— Mas voltando à cara do Zach. — Jackson aponta a garrafa


vazia para mim. — O que aconteceu?

O silêncio impera. Olho ao redor e percebo que todos os


meus primos estão virados na minha direção. Trenton, como
sempre, tem aquela expressão relaxada no rosto, como se
não tivesse uma preocupação na vida — além da sua
próxima conquista. Elijah, o mais certinho de nós, está
recostado na geladeira, com os braços cruzados na frente
do peito e uma perna dobrada, com o pé apoiado na porta
de metal. Sebastian tem o corpo inclinado para o lado, o
antebraço deitado no balcão, ao lado de Jackson. Já o caçula
me fita com um sorriso.

É sempre assim. Nós cinco. Os King. Seja para o bem ou


para o mal, estamos juntos, prontos para enfrentar o
problema que vier.

Nunca escondemos nada uns dos outros e a lealdade que


reina entre nós fala mais alto do que qualquer
competitividade que a mídia
insiste em dizer que existe na nossa família. Tudo mentira.
Nunca precisamos competir, porque sempre soubemos que
juntos somos muito mais fortes. E é justamente por isso que
não hesito em contar o que tem me perturbado.

— Na verdade, são dois problemas — confesso.

— Sabia… — Jack joga um beijinho para mim.

— Samantha acabou de me ligar.

Na mesma hora, todos eles fazem algum gesto que indica


vômito, náusea ou qualquer outra expressão de desgosto. É

unânime: Samantha Strauss não é a pessoa preferida entre


os homens King.

— Tanto lugar bom para enfiar o pau, e você escolhe o


vespeiro

— Sebastian comenta, balançando a cabeça de um lado


para o outro de forma desaprovadora.

— Vespeiro é pouco! — Trenton se mete. — Eu preferia


invadir o território de uma matilha de lobos selvagens a
chegar perto da Samantha. Aquela mulher é louca.

É claro que um coro de concordância segue a afirmação de


Trent.

— Não sei como… — Elijah começa a falar, mas eu logo o


interrompo.

— Tá, já entendi. Ela é a versão feminina do capeta. —

Empurro-o para o lado, abrindo a geladeira, e começo a


retirar algumas garrafas de cerveja, que ele distribui. — Mas
o que não tem remédio, remediado está. Já peguei e agora
ela está se dizendo apaixonada. Quer que a gente tenha o
“felizes para sempre” de um filme da Disney.

De novo, todos os meus primos fingem vomitar.

— Mas você disse que eram dois problemas — Sebastian


comenta. — Qual é o segundo?

— Tecnicamente, não é um problema… — Ainda. Na


verdade, nem sei se vai ser. Também não faço ideia de
como explicar o que aconteceu.

Merda.

Dou um gole na cerveja, sentindo quatro pares de olhos


sobre mim enquanto volto para o meio da cozinha.

Por alguns segundos, ninguém fala nada, como se


estivessem pensando no meu predicamento.

— É outra mulher — Elijah conclui com convicção.

— Fato. E ele foi rejeitado por ela — Sebastian completa.

— Foi rejeitado porque ela é casada — Trenton sugere,


adicionando coisas à história.

— Não só ela é casada, mas seu marido é o chefe da máfia


e, possivelmente, o homem mais perigoso de Nova York —
Jackson termina a fantasia, balançando o indicador.

— Vocês deviam escrever roteiro de filmes com tantas


ideias mirabolantes. Mas seria interessante se não falassem
de mim como se eu não estivesse presente. — Dou mais um
gole na cerveja, tentando engolir o amargor da vida. Ou a
estupidez dos meus primos. — E, tecnicamente, ela não me
rejeitou.
— Continue usando a palavra “tecnicamente” para tudo,
Zach, meu amor. Porque é na tecnicalidade que você ganha
o jogo —

Jackson ironiza e, mais uma vez, me joga um beijinho.

— Vai à merda.

— Voltamos a falar de merda? — Eli pergunta com a cara


mais deslavada do mundo e os quatro começam a rir da
minha desgraça.

Puta que pariu, eu amo e odeio meus primos na mesma


intensidade.

— Tadinho do Zach. — Sebastian vem para o meu lado e


passa um braço em volta dos meus ombros. — Parem de
sacanear o pobre coitado. Não conseguem ver que ele está
sofrendo? — O tom que usa é ainda mais debochado do que
o de Jackson, o que me faz empurrá-lo para longe.

— Vocês não valem nada — acuso, mas resolvo que está na


hora de me render à correnteza ao invés de lutar contra ela.
— Na verdade, ela é uma princesa japonesa. Seu pai, um
homem muito tradicional, está nos impedindo de viver este
amor proibido —

dramatizo, colocando ênfase nas palavras e usando todo o


dom que não tenho para performar. — Só que estou
determinado a tê-la para mim.

— Não sabia que tinha princesas no Japão. — O comentário


de Elijah me pega desprevenido e não consigo conter a
gargalhada.

— Olha, todos sabem que tenho mais criatividade do que


bom-senso — Jack diz, e balançamos a cabeça em
concordância. — Por isso, acho melhor você contar logo o
que está acontecendo. Senão ficaremos aqui a noite inteira,
imaginando oitocentas possibilidades.

— Não é uma má ideia… — Puxo um dos bancos e sento-me


de frente para a bancada. Jackson nem se mexe, mas
Trenton e Sebastian repetem meus movimentos, só que
tomam o lugar do outro lado da ilha. Já Elijah se mantém de
pé, recostado de novo na geladeira.

Quanto mais tempo fico calado, pior será a reação deles ao


ouvir o que tenho a dizer. Mas a desgraça é que não sei
muito bem como explicar o fato de eu estar… sei lá,
obcecado.

— O problema deve ser sério mesmo. Nunca vi Zachary tão


inarticulado antes — Sebastian rompe o silêncio.

— Não sei o que dizer. É só que… — Respiro fundo, criando


coragem. — Não consigo tirar a Gaia da cabeça.

Um assobio longo e agudo soa dentro da cozinha, e sei que


foi Trenton que emitiu o som irritante. Porém, diferente do
que achei, ninguém faz qualquer comentário. Dez segundos
se tornam trinta.

Um minuto. Abaixo a cabeça de novo, deixando que o


mármore gelado resfrie um pouco a minha mente.

Desde que a vi pela primeira vez, não consigo parar de


pensar nela. Tão linda e angelical. Mas com uma boca
grossa e…

— Vocês já ouviram falar na maldição dos King? — Elijah


interrompe o meu raciocínio.
De repente, todos os olhares saem de cima de mim e
recaem sobre ele, que encara o gargalo da garrafa. Então,
leva-a à boca, dando um gole generoso no líquido, e se
aproxima do grupo.

— Que maldição? — é Jackson quem solta a pergunta,


erguendo um pouco as costas.

Troco olhares com Trent, que apenas dá de ombros, como se


quisesse me garantir que também é sua primeira vez
ouvindo algo a respeito disso.

— Há alguns anos, ouvi uma conversa dos nossos pais — Eli


começa a explicar. — Foi antes de morarmos em Londres,
quando tio Harv ia viajar para a filial do…

— Fala logo, Elijah! — Sebastian apressa o primo, tão


impaciente quanto o resto de nós.

— Enfim, eles estavam no escritório, mas tinham deixado a


porta entreaberta. Eu tinha que entregar um documento, só
que ouvi os três cochichando.

— E, como bom fofoqueiro, ficou bisbilhotando — Jackson


conclui.

— Óbvio. — Elijah dá de ombros. Trenton e eu fazemos o


mesmo, porque, se estivéssemos em seu lugar, não
teríamos agido diferente. — Eles estavam falando sobre nós
cinco. Tio Harv tinha aquele discurso de “eles precisam se
casar para tomarem vergonha na cara” — faz uma imitação
precisa do meu pai, o que garante algumas risadas e
cabeças balançando em concordância. — Já tio Wally falou
que seria complicado a gente se casar por conta da
maldição dos King.

— E que maldição é essa? — quero saber.


— Pelo que interpretei da conversa, todos os homens King
se apaixonam à primeira vista. E depois que conhecem a
pessoa certa, ficam obcecados. Não há mais ninguém que
possa competir. — Ele bate uma mão na outra, como se
limpasse poeira de forma enfática.

— Acabou. Sem mais putaria, sem mais festas, sem mais


orgias…

Pau fiel. Para sempre, amém.

O silêncio volta a tomar conta da cozinha, mas, desta vez,


logo é quebrado por um coro de gargalhadas escandalosas.
Rimos tanto que lágrimas escorrem dos meus olhos. Minha
barriga dói e chego a dobrar a coluna com a risada. Acho
que a última vez que ri tanto assim foi quando Jackson
resolveu que seria jogador profissional de rugby e chegou
em casa com o dente da frente faltando.

No. Primeiro. Dia. De. Treino.

— E você acha que eu me apaixonei à primeira vista pela


Gaia?

— pergunto, tentando controlar a risada. — Uma mulher que


eu não conheço direito, de quem não sei absolutamente
nada?

Elijah franze a sobrancelha, como se estivesse avaliando a


possibilidade.

Não. Não mesmo.

Gaia é linda? Sim.

Tem um cheiro delicioso? Sim.


Fico pensando nela o dia inteiro? Sim.

Bati punheta pensando nela? Sim.

Quero me enterrar nela até que o meu nome seja a única


coisa que consiga lembrar? Com certeza.

Daí a dizer que estou apaixonado? Não. Não mesmo. Nem


fodendo.

— Olha, eu não sei vocês, mas acho que todo esse humor
fez com que eu ficasse sóbrio. — Jackson pula da bancada,
parando ao lado de Sebastian. — Festa dos Millner? —
sugere.

— Festa dos Millner — Trenton concorda.

Eli e Sebastian também.

— Zach? — O caçula olha para mim.

— Não, valeu — dispenso a oferta. — Não conheço ninguém


lá, e a última coisa que quero fazer hoje é ser cercado de
pessoas interesseiras. Talvez amanhã.

Sem mais festas.

Viro alvo de vários olhares curiosos, porém ignoro todos


eles.

Não é a maldição. Só que a conversa com Samantha foi


cansativa demais. A confusão com Gaia foi… sei lá o que foi
aquilo, mas não vou pensar nisso agora. Tudo o que quero
neste momento é tomar um banho e deitar na minha cama.
Quem sabe dormir um pouco. E

não pensar nela.


Porque eu não vou pensar em Gaia. Não vou.

Não vou pensar em Gaia, porque não existe a maldição dos


King. Logo, não estou apaixonado por uma mulher que eu
mal conheço. Obviamente.

— Dá pra parar de me olhar desse jeito? — Cruzo os braços,


encarando meus primos. — Um homem não pode querer
dormir, não?

— No sábado à noite? — Trenton pergunta.

Até tu, Brutus?

— Quero ver se você tem ânimo pra qualquer coisa depois


de uma hora de conversa com a Samantha. Especialmente
para lidar com mulheres. — Aponto o dedo para ele,
desafiando-o a discordar.

Meu primo ergue as duas mãos em sinal de rendição.

— Justo. — Só que quando os outros três saem da cozinha,


ele é o único que fica para trás. — Mas qual é a desculpa
que você vai usar para ter dispensado as modelos ontem?

Trenton não diz mais nada, apenas dá dois tapinhas no meu


ombro e sai da cozinha também.

A pergunta dele fica martelando na minha cabeça. Porém


meu primo está errado. Tem que estar. Maldições não
existem.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
O verão chegou e, com ele, não vimos os King no fim de
semana. O que está acontecendo? Onde eles estão e por
que não apareceram nos lugares mais badalados da cidade?

Na verdade, o único que tem saído com mais frequência é


Jackson King, que estava na Glamour na quinta-feira.
Sebastian foi visto em Las Vegas durante a semana, na
companhia de Ian McDonnell e Christopher Walsh. Mas
Zachary, Trenton e Elijah têm estado sumidos. Será que a
Inglaterra destruiu os nossos queridinhos ou NYC não é mais
tão interessante assim?

Dizem as minhas fontes que Zach tem levado a sério a ideia


de ser o próximo chefe da família King, já que está tentando
se comportar de forma menos divertida. Trenton, que será o
segundo em comando, parece seguir os exemplos do primo.
Com isso, ambos estão se dedicando bastante ao trabalho.
Mas o fim de semana foi criado para relaxar, queridos! Por
que não agraciaram nossos olhos com suas belezas?

E Elijah? De todos os King, ele é o mais quietinho… Mas


aposto o que quiserem que é o mais safado de todos!

De qualquer forma, estarei atenta a todas as


movimentações e trarei qualquer novidade para vocês.

Capítulo 9
Gaia
Lottie mal chegou e já está discutindo com a coronel.
Enquanto a loira tenta argumentar sobre o motivo de ter
faltado ontem, explicando que vai trabalhar mais pesado
hoje, Martha nem quer olhar direito para a cara dela. É claro
que a vontade de Lottie não é acatada, porque a cozinheira
resolve que a melhor forma de punir a garota por não ter
avisado que faltaria ao trabalho é mandando-a embora para
casa.

— Volte na sexta que vem, se ainda quiser o emprego —


Martha assente. — A família chega às 17h30. O ideal é que
você esteja aqui duas horas antes. Se não estiver, nem
precisa voltar mais.

— Mas… Mas…

— Sem “mas” — Martha não quer saber. — Estou avisando,


menina: esta será sua última chance.

Lottie não recebe bem a recusa, já que sai da casa bufando


e batendo os pés. Não entendo o comportamento, afinal, ela
deveria estar aqui na sexta à noite, e não no domingo. Ela
conhece Martha há alguns anos e sabe muito bem que nada
do que disser fará com que a mulher mude de ideia. Até eu,
que só a conheço há pouquíssimos dias, não me atrevo a
contradizê-la.

— Gaia, eu ouvi quando o menino Zachary disse que o sr.

Harvey solicitou a sua presença no piquenique. Não irei


contra os desejos do meu patrão — afirma. — Vá se
arrumar. Coloque uma bermuda e uma blusa clara. Está
muito quente ao sol.
Apesar de ter tomado banho e trocado de roupa há pouco
tempo, vou para o meu quarto e obedeço. A fera já está
irritada

demais para ser contrariada. A última coisa que quero é dar


mais um motivo para ela se estressar.

Coloco um short jeans — que não é muito curto, porém mais


curto e justo do que gostaria — e uma blusa branca,
soltinha e sem manga. Nos pés, o par de chinelos que fiz
questão de comprar no posto de gasolina em que parei na
estrada, enquanto vinha para cá.

Refaço o rabo de cavalo, alto e firme, passo um pouco de


rímel e gloss de framboesa.

Não sei qual o tipo de nervosismo que estou sentindo agora


se aquele que te deixa com um friozinho gostoso na barriga


ou se o que faz com que você sinta vontade de vomitar.

Muito provavelmente o segundo.

Ainda não estou preparada para ver Zachary King de novo.


Não depois do que aconteceu ontem à noite. Também não
estou a fim de pensar no “incidente” na cozinha. Porque é
assim que vou me referir àquele lapso de julgamento. Foi o
cansaço que me fez ficar parada que nem uma idiota,
deixando que os dedos dele subissem por meu braço,
chegassem à minha nuca e me puxassem para perto. Foi o
cansaço que quase me permitiu ser beijada por aquela boca
carnuda e…

— Gaia, pelo amor de Deus, controle-se. Você não vai


pensar nele. Vai fazer a sonsa e fingir que nada aconteceu.
Fim da história
— digo para o meu reflexo no espelho do armário e afirmo
com a cabeça.

Decidida, respiro fundo e volto para a cozinha. Três enormes


cestas já estão em cima do balcão, enquanto Martha
reclama com Derek de forma bem ruidosa.

— Cuidado com elas. Não quero ninguém comendo


sanduíche amassado e frutas machucadas. Se eu ouvir uma
queixa, você vai se ver comigo, rapazinho — ameaça.

— Sim, senhora — Derek assente.

— Os pratos, talheres e taças já estão na tenda?

— Sim, senhora.

— E as bebidas?

— No cooler, também já na praia.

— Você vai levar as cestas e ficar esperando perto do


deque, apenas no caso de Gaia precisar de ajuda. Ela foi
chamada para o piquenique, não você. Entendeu?

— Sim, senhora.

Observo a cena com ainda mais nervosismo do que senti ao


sair do quarto. Os King estavam planejando um piquenique
descontraído, mas o que nenhum deles sabia era que, para
isso acontecer, seria necessário um quartel de guerra nos
bastidores.

— Estou pronta — interrompo, querendo livrar Derek de


ainda mais cobranças.

— Você carrega essa aqui. — Martha aponta para uma das


cestas.
Derek e eu saímos pelos fundos, damos a volta na casa e
vamos até a praia. Ninguém da família aparece em nosso
campo de visão, mas sabemos que todos já foram se
arrumar.

— Ela é sempre assim? — quero saber, a enorme tenda


branca já à vista.

— Martha? — Faço que sim com a cabeça. — Ela foi ficando


mais dura nos últimos anos, mas sempre foi rigorosa. Na
verdade, acho que nunca a vi tão irritadiça.

— Sorte a minha — rebato de forma sarcástica.

— Ela não está acostumada a ter estranhos em sua cozinha.


Vai levar um tempo até te aceitar de verdade.

— Por quê? Más experiências?

— Não. Na verdade, o único assistente que teve foi seu


filho, o Spencer. Ele terminou a faculdade no ano passado e
este é o primeiro verão que não está aqui. Conseguiu um
emprego em uma firma de arquitetura no centro.

— Ela colocou o filho para trabalhar na cozinha?

— Ah, sim. Spencer sempre trabalhou na casa, de uma


forma ou de outra, apesar das reclamações de Harvey. O
velho sempre gostou do moleque e queria que ele se
dedicasse aos estudos, mas Martha dizia que trabalho gera
caráter.

— Eu consigo imaginar Martha dizendo isso — confesso e


Derek me encara, um sorriso no rosto.

— De toda forma, este é o primeiro verão que ela precisou


trazer alguém de fora. Talvez seja por isso que esteja ainda
mais rígida.

— Espero que goste de mim. Sei que este é o meu primeiro


fim de semana aqui, mas tenho toda a intenção de
continuar. Eu amo trabalhar na cozinha, só queria que ela
me desse a chance de fazer qualquer coisa além de picar,
limpar e descascar — falo com sinceridade.

Neste momento, chegamos à tenda — e logo percebo que


essa palavra não define a realidade à minha frente. Na
areia, foi montado um circo! Ou quase isso. A tenda é tão
grande, com várias lonas brancas conectadas e presas em
hastes de ferro, que deve ser capaz de abrigar umas cem
pessoas. No chão, há uma enorme toalha branca de linho,
rodeada de almofadas coloridas. Uns dez metros à
esquerda, ainda na sombra, duas mesas foram montadas, e
é lá que arrumo as frutas e os sanduíches, enquanto Derek
abre as garrafas de espumante e coloca a bebida nas taças,
deixando tudo pronto para a chegada da família.

— Cuidado para não desperdiçar. Cada garrafa dessa custa


em torno de quinhentos dólares.

Olho para o cooler e sinto vontade de chorar. Ali dentro tem,


pelo menos, seis mil dólares. Dinheiro que usaria para fazer
muitas coisas, em vez de apenas apreciar um vinho branco
com bolhas.

Nem o curso de gastronomia me preparou para tanta


opulência, e olha que trabalhamos sempre com produtos de
primeira linha. Mas aqui… é outro mundo. Um que é o
oposto do meu, onde o dinheiro não importa e tudo que
querem é aproveitar a vida e a família.

— Eles estão vindo — Derek diz e, logo depois, se afasta.


Não preciso me virar para saber que disse a verdade. As
vozes aumentam, as risadas também. As duas mesas de
apoio estão prontas quando todos entram na tenda.

— Martha se superou desta vez — um dos rapazes mais


jovens diz. Acho que é Sebastian, mas são tão parecidos
que ainda não consigo decifrar quem é quem. O único dos
cinco que reconheço com facilidade é Zachary, que não está
aqui, e a noite de ontem me volta à mente.

— Gaia, que prazer em vê-la — o sr. Harvey fala, ainda mais


animado do que antes, e a sua surpresa me confunde.

Mas então me lembro da excentricidade dos ricos e imagino


que, provavelmente, deve ter esquecido que me pediu para
servir o piquenique. Sorrio de volta e abro passagem para
que ele e Monica encontrem seus lugares na tenda.

Mais e mais pessoas vão chegando, me cumprimentando


quando seguem para as almofadas. Ainda estranho a
ausência de um homem, mas estou decidida a não pensar
nele.

“Talvez esteja conversando com a mulher apaixonada ao


telefone”, é o que se passa em minha mente.

Sirvo as taças quando todos estão acomodados e, em


seguida, passo uma rodada de sanduíches, que todos
aceitam, menos uma das moças. Ela abana com as mãos e
sei muito bem o que quis dizer com esse gesto: saia com
esses carboidratos de perto de mim. Perdi as contas de
quantas vezes ouvi o mesmo comentário durante os
eventos.

As conversas animadas deixam claro que o sábado de verão


teve o efeito planejado, mesmo que à moda “ricos de Nova
York”.
Eles bebem, comem, conversam…, mas ninguém está na
água. Não entendo. Se eu pudesse, já teria ficado de biquíni
e estaria aproveitando o mar fresquinho em vez de apenas
olhar para ele.

— Gaia! — uma voz masculina me chama e, quando me viro


para ver quem é, noto que um dos irmãos do sr. Harvey está
sorrindo para mim.

— Pois não, sr. Walter?

Ele ri e fico sem entender o motivo da graça.

— Eu não sou o velho que paga o seu salário, nem o filho do


velho que paga seu salário, menina. Pode me chamar de
Wally.

— Dá pra parar de me chamar de velho? — Harvey reclama


com o irmão e arremessa um guardanapo usado, que bate
no rosto do outro homem.

A tenda cai em gargalhadas e fico me perguntando se este


tipo de comportamento é normal entre eles.

Espero que sim.

Acaba que o sr. Walter não consegue falar comigo, porque


logo é envolvido por uma conversa escandalosa sobre
algum esporte.

Acho que é futebol americano, mas não tenho certeza. Sirvo


mais uma rodada de taças cheias e sanduíches, oferecendo
sorrisos a cada um dos presentes. Depois, volto para as
mesas, onde fico de pé, esperando ser chamada mais uma
vez.
— Por que você não vem sentar com a gente? — Um dos
rapazes vem para perto, parando logo ao meu lado
enquanto procura pela garrafa de espumante.

— Deixa que eu faço isso — interrompo-o e encho a sua


taça.

— Obrigado. Eu sou o Jackson. — Ele estende a mão para


mim e eu a aperto.

— Gaia. — Dou de ombros.

— Eu sabia disso. — O comentário simples me deixa


vermelha.

Não porque ele é lindo e tem um charme jovial no olhar,


mas porque eu não fazia a menor ideia de seu nome. Odeio
não ter memória boa para pessoas. Às vezes, fico com a
impressão de que meu cérebro tem todo o espaço ocupado
por receitas. — Aceita um? — Ele me oferece a própria taça.

— Não, obrigada. Estou trabalhando. — Tento colocar o


máximo de gratidão na voz.

— Se você trabalhasse dirigindo guindastes, até entenderia.

Mas você está na praia, dentro da propriedade e cercada de


pessoas prepotentes, que se acham dádivas divinas. — Ele
ri da piada, enquanto eu fico sem saber o que dizer. —
Beber ajuda, confie em mim.

Desta vez, pega a minha mão e deposita a taça nela,


insistindo para que eu dê um gole.

— Não sei se devo, sr. King. Como disse, estou traba…


— Trabalhando, eu sei. E não sou o sr. King. Pelo amor de
Deus, não me chame assim ou vou acabar fazendo uma
loucura qualquer, só para que ninguém duvide que estou o
mais longe possível de ser considerado um “senhor”. — Ele
revira os olhos, mas o gesto termina com um sorriso
travesso, que acaba me fazendo sorrir também. Esse daí
tem uma simpatia diferente. Ele parece mais solto. Ou, pelo
menos, mais honesto.

— Ok, Jackson. — Acabo me rendendo, mas não bebo o


espumante.

Ele alcança mais uma taça, vira todo o seu conteúdo e a


enche novamente. O processo é repetido três vezes, sem
qualquer pausa.

— Você deveria pegar leve com isso — comento baixinho,


olhando para as outras pessoas na tenda. Mas ninguém
presta atenção na gente.

— E você deveria relaxar um pouco, Gaia. Isso aqui é uma


casa de férias. Ninguém vai se importar se você quiser
conversar e tomar um drink. — Ele pisca para mim, e
percebo que este deve ser um hábito entre as pessoas da
família. Porém, o modo como Jackson me encara é bem
diferente de Zachary.

— Desculpe. Não posso aceitar sua oferta. — Devolvo a taça


a ele, que apenas dá de ombros e vira o líquido borbulhante
de uma vez só.

— Azar o seu. Quem sabe não te convença na semana que


vem? — A frase sai um pouco enrolada, o que me faz
concluir que estas não foram as primeiras doses que
Jackson tomou hoje.
— Convencer de quê? — O baixinho irritante, que agora sei
que se chama Oliver, se aproxima de nós. — Tá chamando a
gata pra uma festinha particular, Jackie?

— Vá à merda, Ollie — Jackson responde sem nem olhar na


direção do amigo.

Surpresa, surpresa: o jovem King desistiu de usar taças e


agora dá um gole no espumante direto do gargalo.

— Ah, pare com isso. Você nunca teve problema em dividir.


Oliver para entre nós e me olha de cima a baixo, demorando


mais do que eu gostaria na região dos meus seios.

Na verdade, o que eu gostaria mesmo era que ele não


olhasse para mim. Pelo menos, não dessa forma, como se
quisesse me comer de sobremesa.

— Com licença. — Resolvo me afastar ao invés de


permanecer aqui. Não vou me deixar ser humilhada dessa
forma, mesmo que o cara esteja bêbado.

Porém, antes que eu consiga me afastar, a mão de Oliver


aperta o meu braço e ele me puxa para perto.

— Largue a garota, cara. Deixe a Gaia fazer o trabalho dela


Jackson argumenta, mas seu estado inebriado faz com que


a frase saia de forma tranquila.

— Gaia, Gaia, Gaia… Esse seu nome é uma delícia, sabia? —

Sinto o hálito alcoólico de Oliver tocar o meu rosto e preciso


virar a cara. Ele está perto demais, e sua boca quase
encosta na minha.

Meu instinto me diz para dar uma joelhada em suas bolas e


colocá-lo no lugar que merece. Por outro lado, não sei o que
acontecerá comigo se eu fizer isso — provavelmente
demitida, algo que não estou disposta a arriscar. Por isso,
limito-me a dizer:

— Por favor, solte o meu braço.

Mas Oliver apenas ri, o corpo cada vez mais junto ao meu,
me pressionando contra a mesa.

— Que isso, gata. Não precisa se fazer de difícil. Eu sei


muito bem o que você quer.

Como se ser um babaca não fosse o suficiente, ele segura


minha cabeça com uma mão e força meu rosto para perto
do seu. É

a gota d’água.

— Me solta! — grito, ignorando as consequências. Sem


pensar, faço o que queria desde a primeira vez que Oliver
dirigiu a palavra a mim: dou uma joelhada forte mirando a
virilha, que erra o alvo e acaba acertando a coxa. Mas isso é
o bastante para que ele se afaste.

— Gaia! — Escuto meu nome ser chamado, e acho que foi


Derek quem o disse. Porém não desvio a atenção do homem
à minha frente.

— Sua piranha! — ele grita, curvado enquanto segura o


local onde o atingi.

— Bem feito, seu babaca — é Jackson quem fala, agora do


meu lado.
Acho que ele não teve tempo de reagir.

— Você não tem o direito de me tocar sem permissão,


entendeu? Da próxima vez, não vou errar — ameaço, mas
minha voz é trêmula e não passa muita confiança.

Oliver começa a me xingar, dizendo que eu deveria ser mais


fácil, que esse joguinho não o convence e que, até o fim da
noite, estarei em sua cama. Pela fala acelerada e pelo modo
como me olha, sei que não é apenas álcool que está em seu
sistema.

Reconheço muito bem os efeitos da cocaína em alguém.

— O que está acontecendo aqui? — Desta vez, é Harvey


quem se coloca ao meu lado, uma mão protetora em meu
ombro.

— Essa piranha fica me dando mole e depois faz cu doce! —

Oliver acusa, o dedo apontado para mim.

— Vai se foder, Oliver! — Jackson vem em minha defesa. —


Ela estava trabalhando quando você apareceu cheio de
gracinha. Tio Harvey, a Gaia não teve culpa. — Ele se vira
para o tio, que parece analisar a situação.

É então que me dou conta da cena que protagonizo. Olho ao


redor e noto que todos me encaram. As mulheres estão
boquiabertas, cochichando entre si. Já os homens se
entreolham, como se conversassem em silêncio.

— Desculpe, sr. Harvey. Eu não queria… Só não aceito… —

engasgo as palavras, me sentindo perdida com a situação.


Queria poder chorar de tanta vergonha. Só não farei isso na
frente deles. —
Preciso sair daqui. Derek irá servi-los pelo resto da tarde —
declaro e, sem dar tempo de ser contestada, começo a me
afastar da tenda.

Escuto pessoas me chamando, mas não estou a fim de


conversar agora. Não quando lembranças de tempos tóxicos
voltam à minha mente.

Capítulo 10
Zachary
Samantha não me dá sossego. Ela está acostumada a ter
tudo o que quer, na hora que quer. Então, por que aceitaria
a frase que mais disse a ela nos últimos meses? “Acabou,
Sam.”

Se arrependimento matasse, eu estaria enterrado a sete


palmos.

Enquanto desço as escadas que levam ao primeiro andar da


casa de praia, tento me acalmar, respirando fundo para não
demonstrar o quanto essas conversas com ela me irritam. A
de ontem foi uma merda; a de hoje, ainda pior. Sam estava
aos prantos.

Mas já passei da fase de sentir pena. Tudo o que eu queria


neste domingo era ficar um pouco com a minha família,
comer os sanduíches que Tata fez para mim e, quem sabe,
conversar um pouco com Gaia. Talvez descobrir por que
estou tão encantado por uma garota que mal conheço,
também ter certeza de que não existe essa coisa de
“maldição dos King”. Porém, não fiz nada disso, já que
precisei ficar trancado no quarto enquanto tentava
racionalizar com a miss carência.

Maldito tio Eddie que me apresentou a ela. O pior é que


nem posso ser mais enfático no modo como a trato, porque
Samantha Strauss é a filha de um dos nossos diretores em
Londres.

Olho para o relógio no pulso e vejo que já são quase três da


tarde. Pelo menos, ainda dá tempo de curtir um pouco o
piquenique.
Assim que cruzo a porta, louco para dar um mergulho no
mar, meus pensamentos perdem o foco ao ver Gaia
correndo pelo jardim.

Desvio do meu destino e vou até ela, que nem presta


atenção na minha presença.

— Gaia! — chamo seu nome, mas ela me ignora e continua


correndo, passando pela lateral da piscina.

É claro que a sigo até estarmos na parte de trás da casa.


Antes que ela consiga entrar pela porta da cozinha, eu a
alcanço.

— Gaia — repito e consigo segurar seu braço.

— Me largue, seu… — ela grita e sou obrigado a dar um


passo para trás, espantado com a violência com que gira o
corpo, se soltando de mim. Quando me encara, o rosto
lívido me assusta. —

Ah, achei que fosse ele.

As palavras vêm acompanhadas de um suspiro de alívio, o


que me deixa ainda mais confuso — e tudo piora quando
vejo lágrimas pesadas escorrendo pelo rosto de porcelana.
Os olhos estão vermelhos e a respiração, acelerada. Vê-la
chorando causa o mesmo impacto de um tapa na minha
cara.

— Está tudo bem? O que aconteceu? Quem fez isso? —

pergunto com aflição, colocando uma mão na porta para


impedi-la de entrar.

— Nin-ninguém. Nada aco-conteceu — ela gagueja uma


resposta que eu sei ser falsa.
— Duvido. — Cruzo os braços na frente do peito e deixo que
meus olhos caiam por seu corpo. Mas Gaia não parece
machucada.

— Só… preciso ficar sozinha, está bem? — diz e puxa o ar


com força, como se fosse difícil respirar.

— Prometo deixar você sozinha assim que me disser quem


te fez ficar nesse estado. — Meu tom deixa claro que não
estou para brincadeiras.

Ela não responde de imediato, o que me faz ficar ainda mais


preocupado. Apenas olha para os lados, como se me
encarar fosse difícil. Minha curiosidade, aliada à
preocupação, não me permite relaxar. Por isso, de forma
impensada, deixo meus braços caírem para os lados e dou
um passo em sua direção. A reação dela é se afastar de
mim.

— O. Que. Aconteceu? — pergunto pausadamente, cada vez


mais tenso.

É então que seus olhos encontram os meus — e esqueço


como se faz para respirar. Porque, ali dentro, há muito mais
do que um tom azul. Há uma tristeza profunda, uma
desesperança, um pânico.

— Gaia, por favor, me conte — peço baixinho, percebendo


que uma aproximação brusca não é a forma certa de
conseguir respostas.

Ela está abalada demais. Vulnerável demais.

— Oliver…

Uma única palavra sussurrada é o suficiente para fazer meu


sangue ferver. Aquele filho da puta desgraçado!
Nem dou tempo para que Gaia continue sua explicação.

— Vá para o seu quarto e tire o dia de folga — é tudo o que


digo antes de virar as costas para ela e seguir até a tenda.

Vou matar alguém hoje!

Marcho até lá, passos apressados e cheios de raiva,


sabendo muito bem do que Oliver é capaz. Desde que
chegamos, ele ficou fazendo comentários sobre Gaia. Como
ela é linda, como é gostosa, como queria “dar uma
comidinha nela” na despensa — palavras dele. Pelo visto, foi
só beber um pouquinho que criou coragem de investir.

A conversa que escutei entre Gaia e Derek me volta à


mente.

Ele a alertou sobre os assédios de Oliver e de demais


convidados, e eu não levei a sério. Achei que ninguém que
frequenta nosso círculo social forçaria uma mulher a fazer
algo que não quisesse.

Desta vez, não há contrato na minha cabeça. Não há


executivos do cinema, nem amizade de uma vida inteira.

Quando entro embaixo da tenda, ignoro as vozes alteradas


das pessoas e vou direto até aquele idiota. Sem pensar
duas vezes, dou um soco em sua cara, levando-o ao chão.

— Zachary! — minha mãe grita atrás de mim e sinto braços


tentando me conter, mas já estou além da racionalidade.

— Saia da minha casa agora! — cuspo as palavras. — Você


nunca mais vai pisar em uma propriedade King, entendeu?
Não aceitamos comportamentos de merda sob o nosso teto.
— Ah, o príncipe no cavalo branco veio em defesa da
empregadinha? — Oliver diz em tom de escárnio, limpando
o corte que abriu no lábio.

— Tanto faz se ela é empregada ou a porra da rainha da


Inglaterra, seu pote de merda! — A expressão de raiva não
deixa o

meu rosto. — A nossa família trata todo mundo da mesma


forma, e não será um bostinha como você que vai sujar o
nosso nome. Já disse e repito: saia da minha casa agora, ou
vai detestar as consequências. — Minha ameaça não é
vazia.

Oliver sempre foi do tipo que se aproveitou da nossa


companhia para subir na vida, tudo porque crescemos
juntos. Por mais que se ache um de nós, ele está longe de
ser um King.

— Você ouviu o meu filho, Oliver. — Sinto quando meu velho


coloca a mão no meu ombro em sinal de apoio e as que me
seguravam se afrouxam. — Saia de nossa casa e não volte
nunca mais. Você não é mais bem-vindo.

Se a minha explosão e o soco não surtiram efeito, então a


declaração firme de meu pai é o suficiente para mostrar que
eu não estava brincando. É o último prego no caixão de
Oliver. Porque ninguém discute com Harvey King. Ninguém.

— Vocês só podem estar de palhaçada. Ela é uma


empregada!

— Oliver tenta argumentar.

— Como meu primo disse — Trenton entra na conversa —,


não importa quem ela é.
Olho para os lados e vejo uma parede de homens sendo
formada. Trenton, Jackson, Eli, Sebastian, Harvey, Edmund e
Walter: todos dispostos a defender o que levamos anos para
conquistar. Se tem uma coisa da qual nos orgulhamos é de
fazer a coisa certa.

Sempre. Dentro e fora do escritório, a família King vive sob


um código de conduta transmitido de geração em geração.
Nunca minta, nunca trapaceie, nunca desrespeite. Ponto
final.

Leva um tempo para que Oliver perceba que não estamos


brincando, mas ele enfim volta para dentro da casa,
xingando entredentes.

— Derek, vá com ele para se certificar de que não haja


uma…

mudança de percurso — peço ao garçom —, e depois chame


um carro para que o leve de volta à cidade. Eu pago.

Inclusive, pagaria muito mais para nunca ter que olhar para
a cara presunçosa de Oliver de novo.

O silêncio, que até então tinha se instalado na tenda, é


rompido por um sussurro de Vicky:

— Eu deveria ajudar meu irmão e…

— Você ainda é nossa convidada, Vicky. — Elijah encara a


garota, que parece encabulada com a situação. — Não fez
nada de errado.

— Mas Oliver é…

— Seu irmão, nós sabemos disso. Só que não estamos aqui


para te julgar — meu primo insiste. Dos cinco, ele é o mais
sensato.

— Oliver agrediu uma funcionária, uma mulher, e por isso


ele não fará mais parte do nosso círculo social. Simples
assim. Mas isso não se estende a você ou ao seu pai.

— Agradeço pelas palavras, Elijah. — Ela passa a mão no


braço do meu primo, em um gesto de carinho. — Mesmo
assim, ele é a minha família. Desculpe a todos. — Vicky olha
ao redor, para os demais presentes, e começa a se afastar,
seguindo os mesmos passos que Oliver fez há poucos
minutos.

— Que merda!

— Jackson! — tia Leah repreende o filho.

Troco olhares com meu pai, sabendo que a merda, na


verdade, é muito maior do que eles pensam.

Caralho, isso vai acabar com as chances de firmar um


contrato com Damon Cooper…

— O quê? É uma situação de merda e todos sabemos disso.


A Gaia estava conversando comigo. Na verdade, eu estava
tentando conversar com ela, mas a garota é tão quietinha
que nem quis trocar muitas palavras.

Não sei por que, mas a confissão de Jackson me faz soltar


um suspiro de alívio, e ignoro o outro problema por
enquanto.

— E Oliver apareceu do nada? — Sebastian quer saber.

— Aham — Jackson confirma. — Ele escutou uma conversa


pela metade e se achou no direito de entrar no assunto. É
claro que pegou o bonde andando e pensou logo em merda.
— O que você disse para Gaia, Jackson? Preciso me
preocupar com você também? — pergunto ao meu primo,
que pende a cabeça para o lado enquanto me encara. Mas
são as sobrancelhas erguidas que deixam claro a sua
desconfiança.

— Não precisa se preocupar comigo, Zach. — Ele sorri. — Só


estava oferecendo uma taça de espumante para ela. Acho
que Gaia ainda não entendeu que somos uma família
diferente.

De fato, somos. Lottie e Derek conversam com a gente


enquanto servem. Lottie principalmente, já que sempre
senta conosco e toma alguns drinks. Este é o nosso normal.
Nossos funcionários podem ser amigos também, e fazemos
questão de que saibam que são bem-vindos em nossa casa
para além de trabalhar.

— Vou falar com ela — aviso.

— Não — meu pai diz. — Eu falo com ela. Aproveitem o


resto do piquenique.

— Ninguém vai falar com ela. — A voz de minha mãe soa


mais alto do que as demais e me espanto ao vê-la em pé,
com uma mão na cintura enquanto a outra segura uma
taça, e aquele olhar que tem sempre que quer me dar uma
bronca.

— Mas, mãe, eu acho que… — tento intervir, mas é em vão.

— Você não acha nada, Zachary James King. — Nome do


meio? Definitivamente, é uma bronca. — Inclusive, creio que
já tenha feito o suficiente por hoje. Pode deixar que eu falo
com ela. A menina não precisa de mais homens a rondando.
Merda! Eu queria poder conversar com Gaia agora, saber se
está tudo bem. Mas nessa casa há uma hierarquia: Harvey
King manda em todo mundo, e Monica King manda em
Harvey. Até mesmo meu pai fica quieto e apenas assente.
Por isso, me limito a aceitar o espumante que Jackson
oferece e viro tudo de uma só vez, enquanto observo minha
mãe caminhar de volta para casa.

Paciência nunca foi meu forte, mas não vou desobedecer.


Não agora, depois de já ter fodido com tudo. Só que foi
impossível controlar meus impulsos depois de ver o estado
em que Gaia estava.

E por mais que Oliver tenha merecido muito mais do que


apenas um soco, já começo a pensar nas consequências
que minha atitude trará para os negócios da família.

Um mergulho no mar parece mais do que necessário neste


momento.

Capítulo 11
Gaia
A casa está silenciosa demais. Até Martha, que nunca para
de falar, está calada enquanto analisa com cuidado o
conteúdo da geladeira. Estamos nos preparando para a hora
do jantar e ela precisa ter tudo pronto no momento certo.

Quando Zachary me deixou sozinha, resolvi que tinha duas


opções: aceitar a folga, me esconder no quarto e chorar, ou
então enxugar as lágrimas e voltar ao trabalho. Passei dois
minutos tentando controlar o choro e voltei para o serviço.
Desde que entrei na cozinha, fiz o possível para ficar
sempre de costas para Martha.

Não quero que ela note o meu estado.

A primeira tarefa que Martha me passa é limpar a peça de


carne que será servida mais tarde. É um trabalho maçante,
mas que me dá tempo de pensar no que aconteceu agora
há pouco, e de que forma posso garantir que isso não se
repita. Repasso o momento algumas vezes na cabeça,
porém não encontro uma resposta. Só espero que a
joelhada tenha sido o suficiente para fazer com que Oliver
— e todos os outros homens presentes — entenda que não
estou aqui para ser um objeto sexual para os ricos e
bonitos.

Escuto algumas vozes na sala da frente, e fico me


perguntando o que está acontecendo lá. Porém, como ainda
tem a sala de jantar separando a cozinha do restante da
área social da casa, não consigo ouvir o que estão dizendo.
Mesmo assim, fico curiosa. Será que estão rindo? Será que
Oliver vai tentar outra coisa mais tarde?
Você poderia ir à polícia, uma vozinha em minha mente
lembra.

Mas sei muito bem o que vai acontecer. É a palavra de um


homem influente contra a de uma assistente de cozinha. Em
quem vão

acreditar? Além disso, minhas testemunhas, os King, ficarão


do lado do seu convidado, é claro.

Auxiliar nas preparações não está ajudando. Na verdade, o


que eu queria mesmo era ter a oportunidade de cozinhar.
Cozinhar de verdade, misturando temperos e fazendo
mágica em uma panela, para esquecer da vida. Ficar
perdida nos aromas, nas técnicas…, só que Martha continua
me tratando como se eu fosse um assistente de programa
culinário, que deixa todos os ingredientes prontos para a
apresentadora usar. Virei a rainha do mise en place.

— Ei, viu quem entrou correndo? Opa… O que aconteceu


com você? — Val aparece ao meu lado. Não sei de onde ela
saiu, ou talvez estivesse distraída demais para prestar
atenção no que acontece. — Estava chorando?

— Nada de mais, só cortei cebola. — É uma tremenda


mentira, porém melhor do que falar a verdade.

O que eu deveria dizer? Acabei de ser assediada


sexualmente por um dos convidados? Não consigo parar de
pensar em Zachary King? Estou com vontade de ir para
casa e implorar de volta pelo meu emprego na bomboniere
do cinema?

Nada disso vai mudar algo. Por isso, resolvo ficar em


silêncio e manter a concentração na peça de carne.
— Eu estava pensando — Val diz —, o que acha de fazermos
uma festinha no meu quarto? Amanhã, a família vai embora
e todos os funcionários são liberados. Podemos pegar
algumas bebidas, assistir a um filme, jogar alguma coisa…
— Ela dá de ombros. —

Falei com o Derek mais cedo e ele está dentro. Vamos


comemorar o primeiro fim de semana do verão.

— Posso responder depois? Tenho muita coisa para fazer


agora

— desvio da oferta.

Na verdade, não sei o que dizer. Por mais que um momento


de tranquilidade seja exatamente do que esteja precisando,
fico com medo de não ser uma boa companhia.

— Tudo bem. Mais tarde a gente conversa. — Val dá um


sorriso e eu forço um também.

— Parem de cochichar e vá buscar tomilho, Gaia. Preciso


temperar a carne ou não terá gosto nenhum — Martha diz,
antes de

retirar algumas frutas vermelhas da geladeira.

Troco olhares com Val enquanto lavo as mãos e, em


seguida, saio da cozinha. Na parte de trás da casa, tem um
quintal. É ali que os funcionários relaxam quando têm um
tempinho livre. Cruzando-o, encontra-se a hortinha.
Seguindo mais à frente, pelo caminho de pedras no jardim,
passamos por um gazebo e, mais uns duzentos metros à
frente, chegamos à casa onde Martha e Gerald moram.

Juro que esta é a maior propriedade que já vi, e o pouco que


consegui explorar parece um sonho. Porém Martha me
contou que, em vez de aproveitar todo o terreno, a família
King normalmente se limita ao deque da frente, com vista
para a praia, ou à lateral, onde fica a piscina e a área de
lazer.

O lugar é uma mistura perfeita de campo e praia, com


jardins bem mantidos, muitas plantas e flores. Tem um
jardineiro cuidando de tudo durante a semana, e isso fica
muito claro quando vejo a horta verdinha e cheia de
temperos. Começo a cheirar tudo, feliz em ver que a
variedade é grande.

— Como está sendo trabalhar aqui, Gaia? — Assusto-me


com a voz e me viro, dando de cara com Monica King.

A matriarca da família era a última pessoa que esperava ver


agora, e a serenidade em seu tom, apesar do acontecido há
pouco, me deixa um tanto preocupada.

O que será que ela quer comigo?

— Um desafio, com certeza. — Até cogito mentir, mas


minha expressão revelaria o que se passa em minha mente.
— Posso te ajudar com alguma coisa? Um refil? — Aponto
para a taça pela metade que tem na mão.

— Não, obrigada. Na verdade, queria falar com você por


outra razão — declara e indica com a cabeça a área que os
funcionários normalmente usam para descansar.

Ela toma o lugar em um dos bancos e dá duas batidinhas no


espaço ao seu lado, pedindo para que eu me sente também.

— Se isso é a respeito do que aconteceu no piquenique,


expliquei a Martha que saí de lá por conta do sol — apresso-
me em contar, com medo do que Monica queira conversar
comigo.
— Pois não deveria ter mentido. Não para beneficiar aquele
pote de merda, como diz meu filho. — Ela revira os olhos e,
mais uma vez, me espanta. Afinal, jamais imaginei ouvir
palavras tão chulas saindo da boca de uma mulher tão
elegante.

— Desculpe, sra. King. — Abaixo o olhar e encaro meus


dedos, que se entrelaçam sobre as pernas.

— Você não tem que se desculpar de nada, menina.


Inclusive, é por isso que estou aqui. — Desvio os olhos das
mãos e encaro a mulher ao meu lado.

Não há um sorriso em seu rosto, apenas a serenidade de


alguém que sabe o poder que carrega. Não preciso
acompanhar os tabloides para saber que Monica King é uma
mulher e tanto. Basta olhar para ela que qualquer um tem a
certeza de que não está lidando com uma pessoa comum.

Se a beleza estonteante não fosse o suficiente, a postura


reta e o olhar confiante garantem que estou frente a uma
mulher que não tem medo do mundo, que sabe seu lugar e
entende que pode mover céus e terra se quiser.

Fico muda diante de tanta imponência.

— Gaia, em nome da família King, gostaria de pedir o mais


sincero perdão e, ao mesmo tempo, garantir que isso jamais
se repetirá. Pelo menos enquanto estiver sob o nosso teto.
— Seu tom não dá espaço para ser contestado. — Oliver
está saindo da propriedade agora e não retornará, fique
tranquila quanto a isso.

— Obrigada, sra. King. — Não consigo conter o suspiro de


alívio.
— Pode me chamar de Monica. — Dá dois tapinhas na
minha mão e, desta vez, deixa um sorriso aparecer. — Não
quero mais falar sobre o piquenique. Quero falar sobre você.
— Ela me encara de maneira avaliadora, mas sem parar de
sorrir. Pelo visto, todo mundo aqui gosta de olhar bem para
as pessoas antes de decidirem se elas valem ou não seu
tempo. Acho que já estou até acostumada.

— O que a senhora gostaria de saber? — pergunto e ela


ergue uma sobrancelha, como se me repreendesse por
chamá-la de senhora.

— Sabe, Gaia, nós não somos uma família muito tradicional.

Não somos um bando de riquinhos metidos à besta, que se


acham superiores aos demais. Fazemos questão de tratar
todo mundo bem e nunca julgar com base no que a pessoa
tem, e sim no que ela é.

— Acho que já percebi que vocês não são o estereótipo —


solto o comentário, lembrando-me de todas as vezes que
me pediram para diminuir a formalidade.

— Não mesmo. — Ela revira os olhos, e o gesto é tão


inesperado que me faz sorrir. — Quando conheci meu
marido, eu trabalhava como babá enquanto fazia faculdade
de Pedagogia. Fui contratada para cuidar de crianças em
uma festa de Natal da empresa. Eu estava toda rabiscada e
descabelada, mesmo assim, quando Harvey me viu, foi
amor à primeira vista. Para nós dois.

Apesar de achar a história encantadora, fico sem entender


qual é o seu propósito.

— Que bom que vocês se encontraram — falo com


sinceridade.
— Dá para ver que são muito felizes no casamento.

Monica continua sorrindo, como se estivesse recordando os


bons momentos que teve ao lado do marido.

— E tudo o que eu mais quero é que meu filho seja tão feliz
quanto eu e seu pai somos. — Mais uma vez, a declaração
me surpreende.

— Desculpe, sra. King, mas não estou entendendo aonde


quer chegar.

— Monica, por favor — ela repete o pedido e acabo


ruborizando.

— Eu vi como Zachary olhou para você.

— Senhora King…

— Monica, menina. Monica. Ou então chamarei você de srta.

Denver pelo resto do tempo que passarmos juntas — ela


briga e um olhar de mãe toma conta de seu rosto.

— Certo… Monica.

— Sei que é meu filho, mas tome cuidado com Zachary. — O

alerta chega sem qualquer filtro e eu arregalo os olhos em


surpresa.

— Senhora King, Monica — corrijo-me na mesma hora —,


desculpe, mas não estou entendendo.

— Ah, Gaia… — Mais dois tapinhas condescendentes na


minha mão. — Eu posso ser muitas coisas, mas cega não é
uma delas, e meu filho não consegue ser discreto quando
está interessado em alguém ou em algo. É assim desde
criança.

A confissão me faz perder o ar. É claro que, em nossas


interações, Zachary King sempre manteve um tom de flerte.
Mas era apenas isso, não? Uma brincadeira.

— Ele não está interessado em mim — declaro com firmeza.

Muito mais firmeza do que, de fato, sinto.

— Eu até acreditaria nisso — subo o olhar para Monica, que


perdeu o sorriso durante a conversa —, se não tivesse visto
meu filho socar um homem que conhece há mais de vinte
anos e expulsá-lo de nossa casa, de nossa vida, por conta
do que fez a você.

Acho que minha expressão perplexa diz tudo o que Monica


precisa saber, porque logo ela muda de posição, se
recostando no banco e passando um braço em torno dos
meus ombros.

Encaramos o bosque verde enquanto tento recuperar um


pouco do ar que perdi ao ouvir a declaração. Quando
Zachary se afastou de mim com passos determinados,
imaginei que pudesse dar uma bronca no amigo. Sei lá,
talvez reclamar que eu fosse processar a família ou algo do
tipo. Mas jamais imaginei que o agrediria por minha causa.

Por que ele fez isso?

— Provavelmente, o sr. King não queria ninguém sujando o


nome da família — respondo em voz alta e Monica ri.

— É claro que não queria, mas meu filho é um homem


racional.
Jamais se envolveria em uma briga por algo que não o
incomodasse profundamente. — A declaração me deixa
ainda mais confusa.

Porque não faz sentido! Nada aconteceu entre mim e


Zachary.

Absolutamente nada. Também não dei a entender que


aconteceria.

— Eu não entendo — deixo escapar.

— E é justamente por isso que estou dizendo para você ter


cuidado. Zachary é um… homem saudável. — A expressão
sai em um tom baixo e irônico.

É a minha vez de rir com a analogia.

— Com todo o respeito, Monica, não tenho intenção


nenhuma de… qualquer coisa com seu filho.

Se é verdade ou mentira, ainda não sei.

— Fico feliz em saber disso. Eu gosto de você, Gaia.


Christine só me disse coisas boas a seu respeito, tanto
como pessoa quanto como profissional. Acredite em mim
quando digo: não quero que você saia daqui machucada. —
Ela coloca a mão sobre a minha, em um gesto bem materno
e sincero. — Ele pode ser lindo e rico, mas não vale a
calcinha que você comprou no mercado.

Arregalo os olhos com a honestidade bruta. Se por um lado


me sinto feliz que ela esteja tentando me proteger, por
outro, fico imaginando por que uma mãe diria isso a
respeito do próprio filho.
Talvez o intuito seja de me amedrontar para que eu não
tente alguma coisa com Zachary King.

— Estou aqui para trabalhar, Monica, não para encontrar um


homem para aquecer minha cama por uma noite só. —
Minha resposta sai um tanto mais ríspida do que gostaria, e
isso faz com que ela tire o braço do entorno de meus
ombros, como se tivesse sido atingida pelas palavras.

— Entendo… — ela diz, pensativa. — Pelo visto, meu marido


estava certo a seu respeito.

Monica me oferece um último sorriso, dá mais dois tapinhas


na minha mão e se levanta do banco. Ela não fala mais
nada, porém consigo perceber o ar triunfante que carrega
enquanto caminha de volta para sua família. Incrédula, me
pergunto o que diabos acabou de acontecer.

— Gaia, cadê o tomilho? — Martha solta um berro de dentro


da cozinha.

— Já vou! — grito de volta e corro para pegar a erva fresca.

Capítulo 12
Zachary
Flashes estouram na minha cara assim que saio do carro.

— Zachary, você veio acompanhado? — uma voz feminina


pergunta, mas eu a ignoro.

É claro que não vim acompanhado. Afinal, o objetivo de ter


saído de casa às onze da noite em plena terça-feira foi
justamente provar a mim mesmo que a maldição dos King
não existe. E jamais faria isso estando com uma mulher a
tiracolo. Hoje, não vou ficar com uma. Vou ficar com várias.
Duas, três, cinco ao mesmo tempo.

Não existe isso de pau fiel.

— Zachary, o que você está vestindo? — alguém quer


saber, mas ignoro também.

Sei lá o que estou vestindo. Calça jeans e camiseta social


branca. Não sei a marca. Por que saberia? Não fico olhando
etiquetas. Tenho uma pessoa que faz compras para mim
quando preciso, e isso é o suficiente. Contanto que as
mulheres dentro da Brush olhem para mim, o que estou
usando não importa.

A quem estou tentando enganar? Eu poderia ser a porra do


Corcunda de Notre Dame que não faria diferença. Meu
sobrenome é King, e isso já é incentivo bastante para
calcinhas caírem por onde eu passo.

Menos a única calcinha que eu quero ver arriada no chão.

Foda-se. Não estou aqui para pensar em Gaia. Na verdade,


estou aqui para esquecer que aquela garota existe e me
concentrar nas outras quatro milhões de mulheres que
vivem em Nova York. E, pelo visto, metade delas está aqui.
A boate está lotada na sua noite de inauguração, tanto que
preciso me espremer para entrar.

O segurança libera a corda vermelha e eu passo na frente


das pessoas na fila. Meus primos já estão lá dentro,
esperando por mim

na área VIP. Olhares me seguem enquanto cruzo o salão,


porém faço questão de me manter indiferente. Por
enquanto… daqui a pouco escolho as minhas presas. Antes,
quero algumas bebidas e encontrar com os outros membros
do meu clã.

A mensagem que Sebastian me passou avisava que eu


deveria subir as escadas, então, procuro por elas. Vejo que,
à esquerda, o bar se estende por quase toda a parede.
Realmente enorme, com diversos bancos cromados indo de
uma ponta à outra. Na parede oposta, um DJ toca as
melhores músicas do momento — inclusive de uma cantora
nossa —, e a pista de dança está entre ele e o bar.

Ao fundo, vejo a escada. Sigo até lá, fazendo questão de


cruzar pelas pessoas que dançam, sentindo várias mulheres
se aproximando. Mãos me puxam para dançar e, como bom
homem difícil que sou, desvencilho-me de todas elas.

Calma, meninas. Daqui a pouco terá Zachary para todo


mundo.

No andar de cima, as coisas estão menos sufocantes. O que


é um alívio, confesso. Com várias áreas separadas em sofás
circulares, vejo que o amigo de Sebastian não economizou
para garantir que os convidados VIPs fossem bem tratados.
No terceiro lounge, encontro meus primos.
— Olha quem finalmente chegou. — Jackson é o primeiro a
me notar. Com uma mulher aninhada em cada braço, ele
abre um sorriso e aponta a garrafa de cerveja para mim,
mesmo que com certa dificuldade, afinal, a loira não facilita
os movimentos. Mas Jack não parece se importar muito com
isso.

— Por que demorou tanto? — Trenton pergunta, com uma


morena sentada em seu colo.

— Porque, diferente de vocês, seu bando de desocupados,


eu trabalhei até tarde — aviso, alcançando a cerveja na
mesa de centro.

— Inclusive, fechamos contrato com…

— Pode parar! — Sebastian me interrompe. — O horário


comercial já acabou. — Ele também não está sozinho. A
mulher dele parece ter cinco mãos passeando pelo corpo do
meu primo.

Dou um gole na cerveja, enquanto dou falta de um King.

— Onde está o Eli?

— Disse que tinha outro compromisso — Trenton revela —,


mas duvido que seja verdade. Você conhece o meu irmão,
sabe que ele odeia essas coisas. — A última parte da frase
quase não sai, porque a morena decide que essa é a hora
perfeita para começar a beijá-lo.

— Elijah não odeia essas coisas — Jackson comenta. —


Aposto que está se divertindo em algum outro lugar mais
privado.

Aceno, concordando com ele, e tomo o único lugar vazio no


sofá. Mal me sento e uma ruiva aparece na área VIP.
Tinha que ser ruiva?

— Quer companhia, Zach? — ela pergunta com a voz


manhosa, enrolando uma mecha do cabelo comprido e
olhando para mim por baixo dos cílios longos, que com
certeza não são naturais.

Desço o olhar por seu corpo: seios grandes, cintura fina,


pernas enormes… perfeita. Só que Gaia tem um ar mais…
Merda. Não posso compará-las.

— Claro, por que não? — Abro o braço e deixo que ela venha
para o meu lado.

Na mesma hora, a mulher se aproxima, sentando bem perto


de mim e jogando as duas pernas sobre a minha. Sua mão
vai direto para a minha nuca, onde começa a acariciar meu
cabelo. Só que seu cheiro me incomoda — é um perfume
forte demais, doce demais.

— Ah, agora sim! — Jackson sorri para mim. — Quer um


pouco? — Indica com o queixo para uma caixinha preta
sobre a mesa, subindo e descendo as sobrancelhas.

— Quero saber o que tem ali dentro?

— Várias coisas que vão fazer você perder essa cara de


quem comeu e não gostou — ele retruca, e sei que não
estou conseguindo disfarçar a náusea que o cheiro
desagradável do perfume está me causando.

“Ainda não comi e já sei que não vou gostar”, quero


responder, mas resolvo ficar quieto.

— Quantas você já tomou, Jack?


— Quando foi que virou minha mãe, Zach? — Usa o mesmo
tom que eu, ritmando a minha pergunta.

Para enfatizar, ele se desvencilha das mulheres, chega o


corpo para frente e alcança a caixinha. De lá, retira duas
pílulas brancas e

joga-as na boca, engolindo-as com a cerveja. Revezo


olhares com Trent e Sebastian, que parecem tão
preocupados quanto eu. Ao mesmo tempo, já estamos
acostumados a esse comportamento de Jackson.

— Também quero — a ruiva diz, sorrindo para o meu primo,


e faz um malabarismo estranho. Ela está de lado no sofá,
ainda com as pernas sobre mim. Mesmo assim, se debruça
para o centro, abrindo a boca para Jack, que deposita uma
pílula em sua língua.

Se a mulher já estava me irritando antes, agora perdi todo o


interesse que restava. Não que eu seja antidrogas, mas
porque não estou a fim de ficar com alguém que esteja em
um estado alterado.

Preciso de uma pessoa sóbria e disposta a fazer tudo o que


eu quero.

Sem pensar duas vezes, levanto-me do sofá, afastando as


pernas dela com cuidado para que não caia no chão.

— Vou descer — aviso e saio sem esperar por resposta.

Estou cansado: do trabalho, de pensar em Gaia, de lidar


com meu primo inconsequente… Mesmo assim, preciso dar
um jeito de garantir que essa merda de maldição dos King
seja apenas uma história de terror para assustar os homens
da nossa família. É por isso que desço as escadas
determinado a encontrar alguém com quem passar a noite
de hoje.

Foda-se o mundo. Sou Zachary King e posso pegar quem eu


quiser.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Finalmente os King foram vistos juntos! Em plena terça-
feira, diga-se de passagem. É sobre isso que estou falando,
meninos. É

esse tipo de comportamento que adoramos.

Zachary, Trenton, Sebastian e Jackson marcaram presença


na inauguração da Brush, uma nova boate no Chelsea.
Disseram que é superexclusiva e, pasmem, caríssima. Não é
para menos que os King foram convidados.

Vários fotógrafos, que não tiveram a entrada permitida,


estavam na porta e conseguiram flagrar alguns artistas
chegando à boate. As poucas fotos que conseguimos
encontrar dos priminhos King mostram nossos príncipes
muito bem acompanhados de mulheres glamourosas. Mas
uma coisa me deixou curiosa: por que Zachary King foi o
único que passou a noite sozinho? E pior: por que ele saiu
tão cedo? Antes de meia-noite, nosso Cinderelo foi visto
deixando o local.

O que está acontecendo, Zach?!

Enquanto isso, do outro lado da ponte, no Brooklyn, Elijah


King curtiu a noite em um bar, junto com alguns amigos.
Vicky e Oliver Cooper entre eles. O grupo intimista assistiu a
um show de uma banda local, mas ninguém sabe o que
fizeram depois.

Por que será que Elijah não saiu com os primos?

Capítulo 13
Gaia
Passar uma semana sem a família é torturante. Fico limitada
a conversar com Martha sobre receitas — que ela se recusa
a usar —

e com Valerie, sendo que eu gostaria de poder deitar


naquela areia clarinha e curtir a praia. Lottie e Derek não
dormem na casa quando os King estão fora. Pelo que soube,
seus tios são donos de um bar no centro dos Hamptons, e é
lá que eles trabalham quando não estão ocupados aqui. Até
mesmo Tina e Helga, as outras mulheres que cuidam da
limpeza, ficam mais sociáveis e resolvem dar as caras de
vez em quando.

Mas o pior de tudo é passar um tempo sozinha, porque


meus pensamentos não conseguem se manter afastados de
um certo King de olhos muito verdes e sorriso perigoso. É
por isso que, na maior parte do tempo, fico longe do quarto,
buscando algo para me distrair.

— Boa tarde, Julian — cumprimento o jardineiro de cabelo


grisalho.

Durante meus passeios diários pela propriedade, acabei


conhecendo melhor o senhorzinho, que não deve ser muito
mais alto do que eu. Pelo que Valerie disse, ele nunca entra
na casa e pouco conversa com os outros funcionários,
preferindo se limitar a conversas com plantas. Sorte a dele.
Eu faço o mesmo com as comidas que preparo.

Descobri, também, que Julian aparece três vezes na semana



às segundas, quartas e sextas —, e é responsável por
manter a área externa limpa, mesmo que a família só
apareça aos fins de semana.

— Boa tarde, menina. Aqui — ele retira uma rosa branca da


roseira, entregando-a a mim —, para você.

Corto o cabo bem curtinho e prendo a flor atrás da orelha,


sorrindo para ele.

— Muito obrigada. Gostou? — Faço uma pose e o homem ri.

— Ficou ainda mais bonita. — Julian deve estar perto dos


setenta, mas continua firme e forte nos cuidados do jardim.

— Acho que a família chega daqui a pouco — observo e ele


assente com a cabeça.

— Às 17h30, pontualmente — explica. — É sempre assim


durante o verão.

— O senhor trabalha aqui há muito tempo? — quero saber.

— Ah, sim. Esta casa foi o meu primeiro emprego, sabe? Eu


tinha quatorze anos e meu pai precisava de ajuda para
cortar a grama. Naquela época, os Goodwin eram os donos
da propriedade.

Depois vieram os King. — Julian começa a narrar como tudo


aconteceu e não consigo desviar a atenção. Ele fala dos
arquitetos que vieram modernizar a casa, dos decoradores
que mudaram tudo por dentro e até reclama do paisagista
que contrataram. — Tratei de expulsar o cara no mesmo dia.
Virei para o sr. Harvey e disse que, se quisesse mudar o
jardim, então que faria isso por cima do meu cadáver. Ele
tinha acabado de se casar, e foi a sra. Monica que aceitou
minhas condições. As roseiras foram o único pedido dela.
— Realmente, são muito bonitas. — Um enorme canteiro
contém, pelo menos, vinte plantas. Todas grandes e floridas.
— Mas o senhor não fica cansado? Este jardim é enorme.
Deveria ter alguém para ajudar.

— E tenho! — ele se apressa em dizer. — Inclusive, Kyle


deve estar por aí. Veio comigo hoje, para aparar a grama.
Ele é meu neto, sabe? Mas não gosta muito do pesado. Diz
que quer trabalhar com não sei o que de computador.

Solto uma risada com o comentário, enquanto continuo


vendo Julian tirar algumas folhas queimadas e colocá-las em
uma sacola plástica. Uma a uma, o senhorzinho deixa o
jardim ainda mais impecável.

Ficamos em silêncio por um tempo, comigo seguindo o


jardineiro enquanto ele faz seu trabalho. Apenas me
concentro no aroma delicioso das flores e me permito
relaxar. É a calmaria antes da

tempestade, que chegará em pouco tempo quando o


helicóptero pousar, trazendo a família para mais um fim de
semana nos Hamptons.

Fico pensando em como gostaria de morar em um lugar


como este. Tranquilo, com o som do mar ao fundo e o
perfume de um jardim bem-cuidado. Seria um sonho…

Minha realidade é bem diferente, morando em um


apartamento minúsculo, de dois quartos, no Queens e tendo
que dividir o único banheiro com Pamela, minha amiga
bagunceira, que sempre deixa tudo espalhado. A casa em
que morava com meus pais não era muito diferente, apesar
de ter um pouco mais de espaço e um pequeno quintal na
parte de trás, com um balanço improvisado e preso à
cerejeira-negra.
Não cresci com muito, mas o que tínhamos era bem-cuidado

mesmo que aos moldes excêntricos de minha mãe. De


repente, a saudade vem com força. Não vejo meus pais há
quase dois anos, já que eles estão vivendo o sonho country
e se recusam a deixar o bar.

Infelizmente, é no caos de uma metrópole que posso


realizar o meu.

Se ficasse para sempre naquela cidadezinha na Virgínia,


jamais teria a chance de me tornar uma grande chef.

— Gaia! — O grito de Valerie me tira dos devaneios e me


viro para vê-la correr em minha direção. — Martha estava te
procurando.

Quando para perto de mim, está ofegante.

— Ela precisa de alguma coisa? — quero saber.

— Não exatamente, mas você sabe como a coronel é:


precisa saber onde cada um está e detesta quando isso não
acontece.

Balanço a cabeça em negativa. Eu estava na cozinha há


meia hora, ajudando-a a deixar tudo pronto para o jantar.
Pelo menos, aquilo que podemos fazer antes da hora.

— Já vou entrar — aviso à Val, que faz uma careta.

— Deixa a velha esperando um pouquinho. — Solta uma


risada e passa o braço pelo meu, enquanto me puxa para
passear pela propriedade.
— Até mais, Julian. — Aceno com a mão livre para o
jardineiro.

— Se cuida, menina. Nos vemos na segunda — ele diz e


logo volta a se concentrar na roseira.

— Você sabia que Julian tem um neto que trabalha aqui? —

pergunto para Val, que estanca no caminho.

— Se eu sabia? — Ela me encara com os olhos arregalados.


Vai me dizer que ainda não viu o Kyle por aí?

— Eu cheguei há pouco tempo. — Dou de ombros.

— Ô, pobrezinha. Não sabe o que está perdendo. Venha


comigo. — Valerie não me dá tempo de responder e começa
a me puxar para o lado que leva à piscina.

Não precisamos andar muito até que eu descubra o motivo


de sua pressa. Um motivo sem camisa, moreno e com
bíceps enormes, que arrasta a rede pela água, segurando
no cabo longo e de metal.

— Uau — falo baixinho para que apenas ela escute.

— Exatamente: uau — Val repete enquanto encaramos o


homem.

Alguns fios dourados se destacam ao sol forte da tarde


enquanto continua focado na limpeza. Ele não é mais bonito
que Zachary King — afinal, nunca conheci alguém que fosse
—, mas isso não quer dizer que não seja lindo. E sarado.
Muito sarado. Mesmo de longe, consigo ver o tanquinho.
Lembro-me do comentário de Julian sobre ele querer
trabalhar com computadores. Nunca conheci um nerd com
esse tanquinho.

— Venha, vou te apresentar a ele — Valerie diz e volta a me


puxar.

Eu poderia até protestar, mas seria irrelevante. Nesses


poucos dias de convivência, aprendi que Valerie faz o que
quer e ponto final.

Cruzamos os poucos metros que nos separam da piscina e,


quando pisamos nas pedras brancas do deque, o rapaz
levanta o rosto, notando nossa presença.

— Oi, Val! — Sorri para a mulher ao meu lado e, em seguida,


vira seu olhar para mim. — Acho que ainda não te conheço.

— Esta é a Gaia — Valerie faz as apresentações.

Ele deixa a rede de limpeza e vem até nós, oferecendo uma


mão para mim.

— Muito prazer, Gaia. Sou o Kyle. — De perto, é ainda mais


bonito do que imaginei, com o nariz um pouco torto e os
dentes bem-

alinhados. Tenho certeza de que ele não tem mais de


dezenove ou vinte anos.

— Ah, eu sei. Seu avô me contou tudo a seu respeito —


brinco e Kyle finge desespero.

— Poxa, então não tenho chances de fazer você gostar de


mim.

— Não mesmo — continuo com as provocações e ele solta


uma gargalhada.
— Querem pular na piscina? Acho que ainda dá tempo —
Kyle oferece.

— Tá maluco, garoto? — Val interrompe. — Martha vai matar


a gente se chegarmos perto da água.

Risadas seguem o comentário de Valerie, porque sabemos


que ele contém nada mais do que a verdade. O dia que um
funcionário entrar na piscina é o dia que Martha vai para a
cadeia, acusada corretamente de homicídio doloso, aquele
que a pessoa tem total intenção de matar.

— Mesmo assim, se quiserem curtir uma piscina durante a


semana, estou trabalhando na casa dos Clarke, e eles estão
na Califórnia até o fim do mês. — Kyle dá uma piscadinha
conspiratória.

— Lottie e as amigas dela foram lá na semana passada.

Olho espantada para Valerie, que apenas dá de ombros.

— Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa…

— E se vocês forem pegos? — pergunto, chocada.

— Nunca somos — é a vez de Kyle minimizar o problema. —

Inclusive, no domingo, tem festa na casa dos Peterson. Fica


a duas ruas daqui. Vocês deveriam aparecer.

— Que ótimo! — Valerie diz.

Ao mesmo tempo, penso “De jeito nenhum!” .

Olho para ela, que está toda sorrisos, enquanto eu sinto


medo por algo que sequer pretendo fazer. Como eles podem
ficar tão relaxados em invadir uma propriedade privada?
Porém, antes que eu consiga verbalizar minhas aflições,
escuto o barulho de rodas sobre o cascalho. Valerie também
parece espantada, mas Kyle continua sorrindo, sem
nenhuma preocupação na vida.

— Martha está esperando alguma entrega? — ela quer


saber.

— Não — respondo. — Recebemos tudo pela manhã.

Com a sobrancelha franzida, sigo até a parte do deque que


dá de frente para a praia, de onde posso ver o local onde os
carros ficam estacionados. Para a minha surpresa, é o
mesmo veículo esportivo, azul-marinho e com portas no
estilo tesoura, que vejo parado.

Dentro do peito, meu coração parece bater no mesmo ritmo


de um show de heavy metal — tudo porque estou prestes a
ver Zachary King de novo.

— Ainda são 15h — Valerie observa e eu apenas maneio a


cabeça em afirmativa. — Por que ele está aqui?

Mas o pior não é isso, porque quando Zachary sai do carro,


ele parece outra pessoa, vestido com um terno impecável
de três peças, uma gravata rosa-claro, sapatos bem polidos
e o cabelo penteado para trás. A vontade que tenho é de
me ajoelhar no chão e começar a chorar.

Puta merda, um homem não deveria ter o direito de ser tão


lindo. Chega a ser difícil respirar enquanto ele caminha na
nossa direção, com passos firmes e aquela autoridade que
sempre carrega.

Desta vez, está sozinho, sem o primo ou as modelos para


embarcar em uma festinha noturna na piscina.
— Zachary! — Valerie diz, muito mais animada e informal do
que imaginei.

— Oi, Val. Tudo bem por aqui? — ele pergunta, mas seu
olhar está preso ao meu.

— Tudo ótimo. A gente pensou que você viria mais tarde.

— Consegui sair cedo do escritório. — A resposta dele é


direta e não dá brechas para que ela continue. Fora que
seus olhos não desgrudam dos meus, e isso deixa claro para
Valerie que a conversa chegou ao fim. — Oi, Gaia.

Meu nome em sua boca faz com que coisinhas estranhas


surjam em mim. Já senti tesão, desejo, já me apaixonei…,
mas nada se compara a esta sensação de estar congelando
por fora, enquanto estou fervendo por dentro.

— Boa tarde, sr. Zachary — é tudo o que consigo dizer.

Ele puxa o ar com força e balança a cabeça de um lado para


o outro, porém um sorriso torto decora os lábios grossos.

— Um dia… — começa a falar, mas logo hesita.

— Bom, acho que ouvi Tina me chamando. Nos vemos mais


tarde. — Não sei para quem as palavras de Valerie são
direcionadas, porque sou incapaz de desviar o olhar de
Zachary, que continua parado à minha frente.

O que esse homem tem que me faz ficar sem reação


sempre que está por perto? É um inferno!

— Precisamos conversar — ele declara e, então, olha na


direção da piscina, onde imagino que Kyle esteja nos
observando. —
A sós.

Capítulo 14
Zachary
Passei a semana inteira pensando em Gaia e tentando
entender que porra de feitiço foi esse que ela lançou sobre
mim. Porque não é normal estar com a mulher na cabeça o
tempo todo! Dormindo e acordado, ela preencheu meus
dias e minhas noites enquanto eu tentava cumprir com as
tarefas mais básicas.

E o pior de tudo é que não consigo decidir se a maldição dos


King é verdadeira ou não. A terça-feira foi um fiasco
completo.

Quando desci para a pista de dança e fui cercado de


mulheres, não consegui ficar por mais de três minutos com
elas me tocando. Saí de lá às pressas, com medo de levar
uma delas para a cama e passar vergonha.

Eu, Zachary King, me tornei o que mais temia: uma piada.


Um pau fiel. E o pior de tudo é que meu pau decidiu ser fiel
a uma mulher que ainda nem o provou.

Que grande merda.

Quando a sexta-feira chegou, já não aguentava mais:


precisava encontrá-la de novo. A ansiedade era tanta — e
tão inexplicável —

que saí do escritório para almoçar e não voltei mais. Vim


direto para a casa de praia, sem ao menos passar no
apartamento para pegar uma mala de roupas. Tudo na
esperança de ter um momento com ela.

Chego aqui e dou de cara com Gaia toda derretida pelo


limpador de piscina. Era só o que me faltava. Não faço a
menor ideia do que quero falar com ela, não tinha planejado
essa parte. Só não podia deixar a concorrência continuar no
jogo.

— Tudo bem — ela aceita meu convite de conversarmos a


sós, usando aquele tom baixinho e submisso, e me sinto
como um adolescente de novo, apesar de ter quase trinta
anos na cara.

Quando começamos a caminhar, olho para Kyle, que está


atento à nossa interação.

— Da próxima vez que estiver trabalhando, coloque uma


camiseta. Não estamos aceitando processos de assédio
sexual no momento — rosno para ele, que parece
espantado com a minha rispidez.

É claro que está, já que isso nunca foi pedido antes. Creio
também que nunca fui tão grosseiro com um dos
funcionários antes, só que estou perdendo o controle — e a
culpa é toda dela.

Passar uma semana com imagens e fantasias na cabeça não


faz bem para a sanidade de um homem.

— Desculpe, Zach. Prometo que não irá se repetir — Kyle


responde e eu apenas assinto.

Direciono Gaia para dentro da casa, tentando me conter


para não pôr uma mão na base de sua coluna. Essa mulher
não é minha… ainda.

— O que você quer falar comigo? — pergunta quando abro a


porta principal, deixando que passe na minha frente. É uma
tortura estar tão perto assim e não poder tocá-la do jeito
que quero. Do jeito que preciso.
— Aqui não — é tudo o que consigo dizer, enquanto
continuo indicando para que siga em frente.

Ela obedece sem contestar e a levo até a segunda porta do


corredor do primeiro andar, que abre para a sala de jogos.
Uma enorme mesa de bilhar ocupa o centro do espaço. Ao
canto, duas poltronas estão de frente para uma tela de
plasma, equipada com videogames — a distração preferida
de Sebastian. Também há uma mesa de xadrez, que meu
pai sempre joga com qualquer um disposto a enfrentá-lo em
um duelo de mentes, e outra redonda, para carteados.

Não sei por que diabos trouxe Gaia aqui, sendo que preferia
estar com ela em meu quarto. Mas a pressa em tê-la a sós
me fez tomar decisões estúpidas. Ou talvez inteligentes,
porque duvido que

ela ficaria confortável se soubesse as milhares de coisas


que estou fantasiando agora.

— Aconteceu alguma coisa? — questiona assim que fecho a


porta atrás de mim.

É claro que não sei o que responder, e isso me irrita mais do


que consigo explicar. Afinal, o que poderia dizer? “Não
consegui parar de pensar em você por um maldito segundo
sequer, e agora estou aqui para…”, mas nem sei como
continuar a frase.

Solto um suspiro frustrado e a encaro. A janela da sala está


aberta, deixando que a luz do sol bata diretamente em seu
cabelo, que agora parecem feitos de fogo. Uma chama que
queima dentro do meu estômago e se espalha por meu
corpo, como se eu tivesse acabado de entornar uma dose
de conhaque, me impedindo de manter um pingo de
racionalidade. Talvez seja por isso que dou um passo à
frente, tentando diminuir — nem que seja um pouco — a
distância entre nós.

— Não consegui falar direito contigo depois do que


aconteceu na semana passada. Queria saber como você
ficou — solto a primeira coisa que me vem à mente e logo
me arrependo. A expressão de Gaia muda. Não que eu
consiga decifrar o que se passa na cabeça dela, mas com
certeza não estava esperando por esse tipo de conversa.

Boa, Zach. Seu idiota.

— Ah! — Gaia se mostra surpresa e talvez… decepcionada?

Porra, espero que sim. Espero que ela tenha sentido tanto a
minha ausência quanto senti a dela. — Estou bem.

Sua resposta curta me deixa sem saber como continuar e


fico imaginando quando foi que me tornei esse babaca, sem
qualquer aptidão para conversar com mulheres. Mulheres
não, porque com o gênero em si eu me dou muito bem,
obrigado. O problema é ela. É

Gaia quem me deixa pensando em coisas desconexas e faz


com que eu me sinta totalmente fora de controle.

— Que bom. Oliver nunca mais vai voltar aqui — continuo


no assunto, mesmo sabendo que é uma péssima escolha. —
Inclusive, neste fim de semana, será apenas a família. Sem
convidados.

— Por favor, não se sintam obrigados a fazer isso por mim


ela se apressa em dizer e começa a embaralhar as palavras.


— Eu vou ficar na cozinha e prometo não causar nenhum
inconveniente.
Suas bochechas assumem uma coloração rosada, o que
indica que ficou encabulada com a explicação. Preciso me
conter para não sorrir, e acho que falho miseravelmente,
porque logo ela pende a cabeça para o lado, como se
estivesse me analisando.

— Não se preocupe com isso — declaro em um tom ameno.


Não precisamos da companhia de ninguém para nos


divertirmos um pouco.

Claro que minha frase é seguida de uma piscadinha, porque


não consigo estar perto dela e não insinuar meu interesse,
nem que seja de forma discreta.

Mas será que estou sendo discreto? Ou será que estou


sendo descarado e Gaia consegue perceber que estou louco
para qualquer coisa que ela estiver a fim? Um beijo seria um
sonho; tê-la em meus braços seria a porra do paraíso;
remover cada uma das peças simples que usa me
enlouqueceria.

Gaia é pequenininha, uns trinta centímetros menor do que


eu.

Ela não tem muitas curvas, a não ser pela cintura fina, que
se abre em um quadril desenhado. Seios pequenos, braços
finos e um rosto angelical. Mas são os olhos que me fazem
promessas silenciosas —

e é neles que me perco.

O silêncio toma conta da sala e eu me sinto cada vez mais


idiota por não ter ideia do que conversar com essa garota.
Talvez nem precisasse conversar com ela agora. Basta estar
em sua companhia que já fico mais tranquilo. Se me fosse
permitido, passaria horas apenas olhando para ela, na
tentativa de decorar cada um dos seus traços — ao menos
para entender o motivo dessa minha fixação.

— Está gostando de trabalhar aqui? Como foi a semana sem


a família? — despejo mais perguntas desnecessárias.
Qualquer coisa que me deixe ficar perto dela por mais um
momento.

— A semana foi… tediosa — ela confessa com um sorriso, e


me pego sorrindo de volta.

Cacete, o que essa mulher faz comigo? Mas, de certa forma,


sinto um certo alívio ao ter encontrado um assunto seguro
para

podermos conversar. Só que a vontade de me aproximar


dela cresce a cada respiração, e por isso resolvo que está
na hora de colocar algo entre nós.

— Por quê? — Aponto para uma das cadeiras perto da mesa


de xadrez e ela segue até lá.

Um de frente para o outro, com uma mesa no meio. Bem


mais seguro.

— Com vocês aqui, pelo menos temos algo para ocupar a


mente. — Encaro a rosa branca presa atrás da sua orelha,
que contrasta com o tom vermelho do cabelo solto. Acho
que essa é a primeira vez que a vejo assim, e a vontade que
sinto é de correr os dedos pelos fios lisos e ter certeza de
que eles são tão macios quanto imagino.

Engulo em seco.

— Quem te deu essa flor? — quero saber, e só então


percebo que minha voz soou bem mais ríspida do que o
intencionado.

— Ah, foi o Julian. — Gaia abaixa o olhar e suas bochechas


ficam vermelhas. É impressionante como o rosto dela não
esconde o que está sentindo, e me pego hipnotizado. E
cheio de ciúme de um velho de setenta anos.

— Poucos dias aqui e você já tem quatro admiradores — as


palavras saem da minha boca sem qualquer filtro e logo me
arrependo.

— Quatro? — Gaia solta uma risada melódica.

— Quatro — confirmo, meus olhos presos naqueles lábios de


boneca, que parecem mandar beijos o tempo todo. Talvez
seja por isso que acabo explicando: — Teve aquele ridículo
do Oliver. — Gaia revira os olhos. — Julian — aponto para a
flor em seu cabelo. — Não se esqueça do Kyle.

— O Kyle? Não mesmo — ela me interrompe. — Eu o


conheci dois minutos antes de você chegar.

— Eu vi o modo como ele estava olhando para você.


Acredite em mim, Kyle está interessado.

O que eu quero dizer é que não existe um homem


heterossexual nesta merda de planeta que não estaria
interessado. Gaia é linda

demais e exala uma inocência afrodisíaca, que cutuca o


lado mais primal de qualquer um.

— E o quarto? — ela quer saber.

— Hein?

— O quarto interessado. Quem é?


Desta vez, sou eu que deixo os lábios se curvarem em um
sorriso. Não um de felicidade, e sim de desejo.

— Ainda não percebeu? — sussurro a pergunta e, na mesma


hora, ela abaixa o olhar.

Quando suas bochechas ganham cor, meu corpo reage de


forma instintiva, e fico pensando em outras coisas que a
deixariam vermelha.

Esfregar minha barba rala no interior de suas coxas


enquanto provo sua doçura…

Dizer que estou louco para tê-la na minha cama…

Puxá-la contra mim, deixando Gaia sentir o quanto estar


perto dela me excita…

— Senhor Zachary, eu…

— Se me chamar de “senhor” mais uma vez, juro por Deus


que vou te dar motivos para só usar o meu nome para
sempre.

A frase não faz muito sentido, mas o que eu poderia dizer?


Que vou jogá-la em cima desta maldita mesa que nos
separa e devorar sua boca até eu não ter mais ar para
respirar?

Mesmo sem falar a verdade, ela arregala os olhos, talvez —

puta que pariu, tomara! — lendo meus pensamentos.


Levanto da cadeira de forma brusca, sem conseguir
controlar as minhas pernas.

Estou inquieto, frustrado, louco para tentar alguma coisa


com ela. Só que não sei como dar a porra do primeiro passo.
— Qual é o problema da sua família quando eu mostro sinal
de respeito?

Gaia se levanta também e cruza os braços na frente do


corpo, elevando um pouco os seios pequenos. Sou tomado
por uma vontade minimamente controlável de emoldurá-los
com a mão enquanto sugo um mamilo de cada vez. Será
que ela soltaria um gemido alto se eu fizesse isso?

— Não estou tentando ofender ninguém — ela continua e


balanço a cabeça para afastar as fantasias —, mas não vou
sair por aí chamando seu pai de Harvey, pelo amor de Deus!
— Joga as mãos para o alto.

— Por que não? É o nome dele — atesto o óbvio.

— Eu sei disso, mas é uma questão de respeito — repete. —

Vocês são meus patrões e…

Dou um passo à frente. Depois mais um. O que me deixa a


centímetros dela.

O ar ganha uma carga de energia diferente quando estamos


tão perto. Neste momento, não sei o que muda. Talvez a
minha coragem.

— Eu não sou seu patrão. Nunca serei o seu patrão —


declaro baixinho e deixo que um dedo suba por seu braço.

É a minha perdição, porque Gaia deixa os braços tombarem


e entreabre a boca, como se respirar fosse difícil. Eu
entendo muito bem a sensação, já que estou longe de ser
imune a ela. Posso ouvir o sangue correndo por minhas
veias, fervendo dentro de mim.
O rosto angelical me encara de volta e sei que se Gaia
pedisse qualquer coisa agora, eu daria a ela. Qualquer
coisa, menos uma: que eu me afastasse. Só que ela não
pede nada, apenas me olha, como se quisesse entender o
que está acontecendo aqui.

Confesso que também queria entender, mas estou tão preso


que meus pensamentos são apenas um. Ela.

— Me chame de Zachary. — É quase uma súplica.

Vejo quando suas pálpebras estremecem, e a impressão que


tenho é de que ela precisa fazer força para manter os olhos
abertos.

— Zachary… — sussurra, meu nome dançando em sua


boca.

Nunca pensei que algo tão simples pudesse ser tão erótico.

Talvez seja por isso que não consigo controlar um som


grave, que acaba escapando da minha garganta. É
involuntário, assim como me aproximar ainda mais. A ponta
do meu sapato toca o dela, e odeio cada centímetro que nos
separa.

Gaia passa a língua pelo lábio inferior e acompanho o


movimento com cuidado, meu corpo a desejando mais do
que consigo explicar. É então que cometo o pior erro de
todos e subo o

olhar, encontrando um par de olhos azuis intensos. Olhos


que prometem. Que me instigam. Que me deixam com
vontade de fazer uma loucura.

Por isso, me afasto. Quando já estou perto da porta, puxo o


ar com força antes de confessar:
— Eu sou a porra do número quatro.

Capítulo 15
Gaia
Zachary sai da sala de jogos e me deixa sozinha, tremendo,
ansiando.

Em qualquer outro momento, a proximidade teria me


obrigado a abaixar o olhar. Mas o verde em seus olhos, que
foi escurecendo até ganhar um tom acinzentado, me
impediu de fazer qualquer coisa a não ser ficar presa.

Ele disse que era o número quatro. Ele disse que era o
número quatro e foi embora. E agora, o que eu faço? O que
ele espera que eu faça? Estou tão confusa que
pensamentos não conseguem se manter em linha reta.

Meu corpo inteiro está fraco, como se todas as minhas


forças tivessem cruzado aquela porta com ele.

— Zachary… — sussurro seu nome de novo, deixando que


cada som seja pronunciado com o cuidado que merece.

Só de estar perto dele, algo parece acender dentro de mim.


Algo que eu não quero que acenda.

Não sei quanto tempo fico parada no mesmo lugar,


tentando retomar um pouco do controle que ele me fez
esquecer.

— Uh! Aí está você. — Lottie interrompe meus pensamentos


ao entrar na sala de jogos. — O que está fazendo, Gaia?
Martha está te procurando — ela diz, seu tom nem um
pouco amigável.

Eu poderia inventar alguma mentira, só que não há como


formar pensamentos coerentes agora.
— Já estou indo — limito-me a dizer e saio da sala, passando
por ela com mais raiva do que o necessário.

Basta Zachary dirigir meia dúzia de frases para mim e eu já


estou em ponto de combustão. Odeio me sentir assim.

Sei muito bem que homens como ele são perigosos,


principalmente porque sempre conseguem o que querem e,
quando se dão por satisfeitos, deixam um rastro de
corações partidos para trás. Enquanto isso, mulheres como
eu ficam perdidas no caos causado por declarações falsas e
momentos inesquecíveis.

Amor à primeira vista é muito diferente de tesão à primeira


vista.

Amor tem profundidade. Tesão é urgência. Amor é


paciência.

Tesão é apenas vontade. O corpo gritando por alguém,


clamando por um beijo, um toque ou até mesmo uma
migalha de atenção.

Qualquer coisa que traga saciedade a essa maldita pulsão.


E agora eu estou rimando, poetizando o comportamento de
um homem que claramente está interessado em mim,
apesar de não me conhecer direito. O pior é que ele talvez
esteja interessado em muitas outras mulheres. Outras que
fazem declarações de amor e são rejeitadas por
telefonemas.

— Parabéns, Gaia: você está a fim de um tremendo


cafajeste —

sussurro quando vejo a porta da cozinha. — Dane-se


Zachary King e seus olhos verdes.
∞∞∞

— Gaia, Harvey está te chamando na sala de jantar — Derek


avisa enquanto termino de bater o chantili.

Meus pulsos estão doendo de tanto mexer o fouet, até o


creme ganhar uma espessura airada. Viro o pote de cabeça
para baixo e Derek arfa com a surpresa, porém, nem uma
gota vai ao chão.

— Está pronto — aviso à Martha, que tem um sorriso no


rosto.

— Boa menina. — É o máximo de elogio que receberei dela,


por isso, apenas assinto com a cabeça e coloco o bowl sobre
a bancada.

— O que ele quer? — pergunto a Derek, que franze as


sobrancelhas e parece não entender a pergunta. — O sr.
King. O que ele quer comigo?

— Não sei. — Dá de ombros. — Só me pediu para vir te


buscar.

Olho para Martha, que não fica nem um pouco contente


com o chamado.

— Vá e volte logo. — Aponta a porta e corro para limpar as


mãos em um pano de prato antes de sair da cozinha.

Como prometido, a família chegou pontualmente às 17h30.

Diferente do que aconteceu na semana passada, não


precisamos ficar na entrada da casa para recebê-los. Acho
que esse “ritual” é só no primeiro dia mesmo. Ainda bem,
porque assim fiquei limitada ao meu trabalho e não precisei
mais me preocupar em ver Zachary.
— Ah, Gaia! — Harvey King se levanta da cadeira à
cabeceira da mesa e me toma em um breve abraço
paternal, que me pega de surpresa. — Ainda bem que
continua com a gente.

— Obrigada, sr. King. É muito bom vê-los novamente. —


Sorrio para todos, até que meus olhos encontram com
aqueles que não gostaria de ver agora.

Acho que Zachary percebe o meu desconforto, porque me


oferece um sorriso contido. A confissão dele na sala de
jogos fez com que cruzássemos uma linha, e não tenho
ideia do que vai acontecer agora. Porém estou decidida a
manter o máximo de profissionalismo possível.

— Espero que estejam gostando da comida. Martha se


empenhou bastante hoje — digo, na esperança de que o
assunto leve me faça esquecer de coisas mais pesadas.

— A Martha é uma cozinheira excepcional — é Jackson


quem fala, sorrindo para mim. Sorrir de volta é involuntário.
Tem algo nele que me encanta de um jeito fraterno. — Se eu
pudesse, carregaria aquela mulher pra cima e pra baixo.

— Você entraria em uma guerra se fizesse isso, filho —


Walter King brinca e as risadas tomam conta da mesa.

— Ah, pai, você sabe que não tenho medo de uma boa
briga.

De repente, um pedaço de beterraba é arremessado,


cruzando os demais presentes e atingindo em cheio o peito
de Jackson. A blusa branca ganha uma mancha púrpura e,
para a minha surpresa, quem o jogou foi Edmund King, que
tem uma expressão severa no rosto.

— Nem se atreva, moleque. Será uma disputa até a morte!


Enquanto a família finge uma discussão acalorada, começo
a sair de fininho, mas sou pega no flagra antes que eu
consiga dar mais do que três passos.

— Não vá embora ainda, Gaia — é Monica quem me


denuncia.

— Decidimos fazer um luau amanhã à noite e adoraríamos a


sua presença. Foi por isso que te chamamos aqui.

O convite me pega de surpresa, mas então me dou conta do


que ela quis dizer.

— Fico muito agradecida, mas a Lottie estará aqui neste fim


de semana. — Sorrio para a loira, parada à esquerda da
mesa, que parece prestes a me fulminar com os olhos. —
Acho que ela consegue servir a família.

— Ah, mas não estamos te chamando para servir — o sr.


King me corrige. — Queremos você como convidada.

Apesar da distância que me separa de Lottie, posso ouvi-la


bufar.

— Convidada? — busco esclarecimento.

— Com certeza. — Harvey deixa o braço cair em torno dos


meus ombros e me puxa para seu lado. — Queremos te
conhecer melhor. E, por favor, leve uma sobremesa bem
gostosa. Queremos provar a sua comida, já que Christine te
elogiou tanto.

Ergo uma sobrancelha, talvez um pouco desconfiada de


tanta amabilidade. Mas o que posso fazer? Negar? Claro que
não.
— Muito obrigada pelo convite. Estarei lá. — Desta vez,
sinto minha pele queimar, só que não é pela vergonha e sim
pelo olhar fervente que Zachary me lança. — Prometo levar
os melhores brownies que já comeram na vida.

A mesa vibra com a minha resposta e sinto um friozinho


subir pelas pernas e chegar até a garganta. E o pior é que,
agora, tenho dois motivos para me sentir assim: saber que
estarei perto de Zachary King de uma forma social e
confraternizar com um dos grupos mais ricos do país.

Peço licença, usando a desculpa que Martha precisa de mim


na cozinha, e sigo para onde quero estar. Posso sentir vários
olhares me acompanhando e detesto cada segundo que fico
sob o microscópio.

Martha me lança um olhar cruzado quando volto ao meu


posto.

Não digo uma palavra sequer, e ela também não pergunta.


Por isso, continuo montando as tacinhas de milkshake. Não
é exatamente um milkshake, mas o visual passa essa
impressão. Na verdade, é um creme frio de chocolate
cremoso, com nozes picadas no meio, um pouco de chantili
por cima e, para finalizar, uma cereja e raspas de chocolate
amargo.

Lembro que um dos meus professores preferidos sempre


dizia que um cozinheiro precisava ter algumas sobremesas
na manga.

Coisas simples e deliciosas, que pudessem encerrar o jantar


com chave de ouro, sem precisar de um profissional de
confeitaria para prepará-las. Desde então, os milkshakes se
tornaram parte do meu cardápio.
Termino de montar os copinhos e ajeito tudo em uma
bandeja.

Logo em seguida, Derek aparece para buscar a sobremesa.

— Você foi muito bem hoje, menina. — Viro-me para Martha


e a vejo recostada em uma das bancadas, os braços
apoiados no mármore enquanto me encara.

— Obrigada. A sua comida estava deliciosa. Espero que me


ensine a fazer aquela marinada um dia — digo, na tentativa
de amolecer o dragão.

Martha ainda não me aceitou muito bem em sua cozinha,


mas percebi que ela merece cada um dos elogios que
recebe da família.

Posso ser muitas coisas, burra não é uma delas, e por isso
estou determinada a aprender o máximo que conseguir
enquanto estiver aqui.

— Continue assim e eu ensinarei muito mais do que a


marinada

— responde de forma seca.

— Obrigada.

— Agora, me diga uma coisa. — Ela se afasta da bancada e


vem até mim, os passos curtos prolongando a expectativa.
Quando para na minha frente e puxa o ar com força, sei que
coisa boa não é.

— Eu pedi que se mantivesse afastada do meu menino.


Você não fez isso.
As palavras carregam um tom julgador e acabo abaixando o
olhar de forma involuntária.

— E-eu… — gaguejo um pouco, sem saber como me


explicar.

— A fofoqueira da Lottie disse que você e o menino Zachary


ficaram trancados na sala de jogos hoje à tarde, e eu
gostaria de saber por quê. — Não é um pedido, e sim uma
ordem.

Sinto o suor brotar nas têmporas enquanto crio coragem


para encarar a mulher de novo. Afinal, muitas coisas
aconteceram naquela sala. Na verdade, muitas sensações.
Mas como posso explicar isso à Martha?

— Ele só queria saber se eu estava bem. — Opto pela


resposta mais simples.

— Por que você não estaria bem? E por que precisaram de


privacidade para conversar sobre isso? — ela quer saber,
desconfiada.

Martha não sabe o que aconteceu com Oliver. Além de eu


não ter contado, também pedi a Derek para guardar o meu
segredo. A última coisa que eu queria era que Martha, ou
qualquer outra pessoa, pensasse que dei motivos para ele
me tratar daquela maneira. Porém, neste momento,
percebo que não posso omitir o ocorrido — não se eu quiser
que ela aceite o fato de eu e Zachary termos ficado a sós
por um tempo.

Então, começo a narrar tudo o que aconteceu no outro fim


de semana. Desde o comentário inapropriado durante o
café da manhã, chegando ao ponto em que quase fui
agarrada por Oliver no piquenique. Não deixo nada de fora,
nem a conversa que tive com Monica King.
— Foi por isso que o sr. Zachary me chamou em particular

revelo. — Para saber se eu estava bem e para me garantir


que não teríamos nenhum convidado esta semana.

Por vários segundos, Martha apenas escuta, sem dizer nada


ou esboçar qualquer reação. Até que, para a minha
surpresa, ela me envolve em seus pequenos braços e me
puxa para um abraço. Sou obrigada a curvar as costas para
receber o afeto, e só então percebo como estava precisando
disso. Não só pelo que aconteceu com Oliver — porque isso
já foi devidamente guardado em uma gavetinha no meu
cérebro —, mas pela saudade que sinto da minha família.

Então, solto um suspiro de alívio e me permito ganhar um


pouco de carinho. Mesmo que seja por pena.

— Homem nenhum tem o direito de te tratar como um


objeto.

Não importa a posição de poder que ele ocupa. Nem mesmo


se for seu namorado ou marido — ela sussurra em meu
ouvido e logo se afasta, colocando ambas as mãos nos
meus ombros e me encarando.

Encaro-a de volta e, em seus olhos, não vejo mais


reprovação.

Apenas a cumplicidade entre mulheres que sabem muito


bem o que é ser assediada.

— Obrigada — falo baixinho para ela, que assente com a


cabeça.

— Bom, agora estou cansada — Martha declara e se afasta.



O jantar já foi servido, então meu trabalho acabou. Lave a
louça, arrume a cozinha e vá descansar. Amanhã é um novo
dia.

— Pode deixar.

Ofereço um gesto positivo e deixo que se encaminhe até a


porta da cozinha.

— E, Gaia — ela me chama quando está com a mão na


maçaneta, virando o rosto para me encarar. — Nunca mais
esconda qualquer coisa de mim.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Preparem-se para a bomba nuclear: Jackson King foi preso!

Mas calma que ele já está solto. Afinal, um rei não fica atrás
das grades por muito tempo. A imprensa não noticiou e eu
não tenho como provar a veracidade do fato, mas uma
fonte me contou que ele foi levado para a delegacia durante
a semana, após ter transado em público. Sebastian King,
irmão e advogado, foi quem o liberou.

Também não sei se a família está ciente do que o caçula


anda aprontando, mas parece que está fora de controle,
meus queridos!

Após uma noite de farra, Jackson foi pego em flagrante com


não uma, não duas, mas três mulheres! Três!

De acordo com a minha fonte, ele estava bêbado e sob a


influência de drogas enquanto transava com elas em um
beco, atrás de uma boate. Com a chegada da polícia, todos
foram fichados.

Ah, as moças também foram liberadas. Afinal, estar com um


King só traz vantagens.

Capítulo 16
Gaia
Mesmo cansada, o sono me falta. Rolo de um lado para o
outro na cama, sem conseguir relaxar, e fico me
perguntando por que diabos não consigo dormir. É claro que
sei a resposta para isso, mesmo que não esteja a fim de
admitir. Olho para o relógio na mesa de cabeceira e
descubro que já passa de uma da manhã.

Resignada, resolvo me aventurar até a cozinha. Talvez um


leite morno, com açúcar e canela me ajude a relaxar. A casa
está escura a essa hora e não escuto um som sequer. Lottie
e Derek devem estar dormindo, assim como Valerie e Tina.
Todas as portas do corredor dos funcionários estão fechadas
e, quando chego à cozinha, me limito a acender uma única
lâmpada, que fica sobre a bancada. A claridade, apesar de
fraca, faz com que eu precise fechar os olhos. Assim que os
abro de novo, sigo para a geladeira e pego a garrafa de
leite.

— Também tem insônia?

A voz grave me dá um susto e acabo deixando a garrafa de


leite escapar das minhas mãos. Ainda bem que meu reflexo
é rápido o suficiente e consigo agarrá-la antes que se
espatife no piso claro.

— Zachary! — Olho para o motivo da minha falta de sono,


que está parado à porta, encostado no batente e com os
braços cruzados na frente do peito nu.

Sou tomada por flashbacks da noite em que nos


conhecemos, que ele apareceu aqui molhado, quase sem
roupas e um sorriso safado capaz de derreter qualquer
calcinha do planeta.
— Desta vez, nem precisei pedir para que usasse meu
nome.

Acho que estamos evoluindo — ele debocha e se descola da


parede, então começa a caminhar na minha direção com
passos lentos.

Meu coração bate mais forte a cada centímetro que se


aproxima, me olhando como se fosse um predador que
tivesse acabado de encontrar sua presa. Só que Zachary
para de andar, ainda mantendo vários metros entre nós, e
eu não sei se me sinto aliviada ou decepcionada — assim
como me senti no dia em que nos conhecemos.

— O que você está fazendo aqui? — pergunto, me


esforçando para não denunciar o nervosismo em minha voz.

Mas Zachary não responde, apenas pende a cabeça para o


lado e deixa que seus olhos percorram meu corpo. O calor
que sinto quando faz isso me tira do eixo, a ponto de me
fazer ficar tonta. O ar entre nós é carregado e respirar se
torna cada vez mais difícil.

Eu não sei o que esse homem tem, mas sempre que


estamos perto eu me sinto como se estivesse à beira de um
precipício, e qualquer palavra dele fosse capaz de me
empurrar para o abismo, sem que eu me preocupasse com
a queda.

— Pelo amor de tudo que é mais sagrado, me diz que você


nunca usa essa roupa em público.

É então que sigo o seu olhar e noto o motivo do pedido.

— Ai, meu Deus!


A irritação por não conseguir dormir me fez sair do quarto
sem prestar atenção no que estava vestindo. O resultado
disso é estar aqui, na frente de Zachary King, usando nada
mais do que um short de malha curtinho, roxo e com alguns
cupcakes estampados, e uma regata branca, tão velha que
o tecido já está quase transparente.

Coloco um braço na frente dos seios e a garrafa de leite na


frente do short. Meu olhar de choque enquanto tento me
cobrir de forma apressada faz com que ele solte uma risada.
Seu sorriso é largo, exibindo dentes retos e muito brancos.
Mas o melhor de tudo é a covinha que se destaca na
bochecha esquerda. Os olhos brilham com o divertimento, e
eu quase me esqueço de que estou na cozinha com uma
roupa indecente. Na verdade, eu quase me esqueço do
resto do mundo.

A sensação de que algo se acende dentro de mim está de


volta.

Algo que ficou adormecido por anos. Um desejo latente,


pulsante, combinado com uma maldita vontade de conhecê-
lo melhor. Porque se Zachary já é a intensidade encarnada
quando está sério, tudo piora quando está sorrindo.

— Pelo visto, não — ele diz, balançando a cabeça de um


lado para o outro, mas o bom humor ainda está ali.

— Hã? — pergunto, sem ter entendido o que quis dizer.

— Sobre a roupa — ele explica. — Acho que não usa isso em


público. — E eu acho que minhas funções cerebrais
resolveram tirar folga no instante que ele começou a sorrir.
— Vai fazendo o leite que eu já volto.

Zachary não me dá tempo de responder e começa a correr


para fora da cozinha. Enquanto isso, não sei se faço o que
pede ou se o sigo com o olhar. As costas musculosas
descem para uma bunda redonda e durinha, emoldurada
por uma bermuda larga, mas de um tecido fino que destaca
a perfeição.

Puta merda, esse homem é lindo demais. Talvez “lindo” nem


seja o adjetivo certo para defini-lo, já que Zachary King
pode facilmente estar na categoria de ser humano mais
atraente da face da Terra.

Sou uma confusão de hormônios por dentro, enquanto fico


parada no lugar sem conseguir me mexer. “Por que ele saiu
correndo?”, me pergunto. Não posso mais ouvir o som dos
passos e começo a debater se devo fazer o que ele pediu ou
se devo aproveitar a chance e sair logo daqui.

Porém, antes que eu consiga tomar uma decisão, escuto


barulhos na escada de novo e sei que ele está voltando. A
necessidade de ficar aqui é mais forte do que eu, apesar de
saber que deveria me manter bem longe dele.

Só que a decepção me assola assim que ele volta à cozinha,


já que agora está vestido com uma camiseta cinza-claro.

— Aqui. — Zachary segura uma outra blusa nas mãos e não


para de andar até estar bem perto de mim. — Levante os
braços.

Olho chocada para ele, que me encara de volta com uma


expressão de desafio. Zachary se inclina na minha direção e
seu

aroma masculino faz com que borboletas voem dentro do


meu estômago.

“Nossa, como ele cheira bem”, penso sozinha e logo


começo a imaginar como seria estar deitada em seu peito,
com meu rosto afundado naquele perfume delicioso
enquanto acaricio cada um dos músculos da barriga
definida.

— Gaia — ele me chama, e então percebo que fiquei em


silêncio tempo demais. Muito mais do que o aceitável.

— Desculpe. — Crio coragem, coloco a garrafa na bancada e


levanto os braços.

Ele começa a descer a camiseta por meus braços, passa a


gola pela cabeça e sinto meu corpo se arrepiar quando os
dedos de Zachary entram em contato com a minha pele.
Preciso fechar os olhos para não deixar um gemido baixinho
escapar.

— Pronto. Só não sei se ficou melhor ou pior. — Ele dá um


passo para trás e me analisa de novo.

A blusa que colocou sobre o “pijama” bate na metade das


minhas coxas, tão grande a diferença de tamanho entre
nós.

— Pelo menos não estou seminua. — Dou de ombros.

— Exatamente por isso que não sei se está melhor ou pior


ele confessa.

Arfo com a audácia, mas, quando olho para Zachary,


percebo o humor em sua expressão. Não consigo conter a
gargalhada e o empurro, só que ele nem sai do lugar.

— Para de palhaçada! — Finjo que estou ofendida, mas


continuo rindo.
— Acho que você deveria recompensar meu ato de
cavalheirismo — Zachary diz e apoia um antebraço na ilha
da cozinha.

— Ah, é? E o que vossa senhoria quer como recompensa? —

pergunto, mantendo o tom de brincadeira.

Zachary finge que está pensando por alguns segundos, e


então solta:

— Fiquei com um desejo estranho de comer cupcakes.

Sinto o calor subir pelo pescoço até atingir o rosto, e sei que
estou muito vermelha agora.

— Você não vale nada, sabia?

Meu comentário gera gargalhadas dele, o que me faz


relaxar um pouco.

— Eu estou brincando, Gaia. Mas confesso que não rejeitaria


mais um pouco daquela sobremesa que teve para o jantar.
— Ele sobe e desce as sobrancelhas.

— Ah, o milkshake — digo e vou até a geladeira. — Acho


que sobraram alguns. Só não sei se o chantili vai estar tão
bom quanto antes.

— Juro que não me importo.

Começo a procurar os três copinhos que sobraram e os


encontro na última prateleira. Então, me abaixo para pegá-
los. Meu movimento é seguido pelo som de Zachary
puxando o ar com força e acabo olhando para trás. Seus
olhos estão presos na minha bunda, mas é a escuridão
neles que me deixa ainda mais à flor da pele.
Eu deveria ficar envergonhada de novo, talvez me desculpar
pela falta de cuidado em me abaixar dessa forma, só que
não é isso o que acontece, e sim o contrário. Dou vazão a
um desejo estranho de que ele me veja. Quero que me
deseje. Neste momento, quero que ele se aproxime e me
toque, por mais irracional que esta decisão possa ser.

Ficamos presos pelo que parecem ser horas, mas um de nós


tem bom-senso, e quando Zachary balança a cabeça de um
lado para o outro, sei que o momento passou. Volto minha
atenção para os copos e retiro-os do fundo da geladeira,
levando-os até o balcão.

— Você não deveria comer doce a essa hora — digo,


alcançando uma colher para ele. — Não vai te ajudar a
pegar no sono.

— Não tem problema — ele dá de ombros —, estou


acostumado a passar noites em claro.

A confissão me faz imaginar os motivos que o levam a não


dormir, e é claro que logo visualizo Zachary na cama com
aquela que disse que o amava. Pensar nisso me faz retrair,
e então decido que uma distração é necessária. Vou até o
armário embaixo da pia e retiro de lá uma leiteira, em
seguida, coloco um pouco de leite dentro, levando-a ao
fogo.

— O que foi? — pergunta e, quando me viro, vejo-o levar um


pouco da sobremesa à boca.

O movimento da colher em contato com sua língua me faz


suar frio. Tudo o que esse homem faz é um convite para o
sexo, puta merda! Como pode?

— Nada, não — limito-me a dizer. — Só estou cansada.


É claro que estou mentindo. Ou melhor, usando uma
resposta verdadeira em um contexto errado, porque não é o
cansaço que me fez afastar, e sim o pensamento de
Zachary com outra mulher. Um ciúme descabido toma conta
de mim, apesar de saber que não tem o menor sentido de
ele existir.

— Você não está acostumada a trabalhar até tarde? Pensei


que fizesse parte do buffet da Christine — Zachary puxa
assunto, sentando em um dos bancos em torno da ilha.

Quando o meu leite já está quente, coloco um pouco de


açúcar e canela na caneca. Sento-me de frente para
Zachary, que me encara com curiosidade.

— É verdade. Estou acostumada a trabalhar até tarde, e


acho que este é o motivo para eu não conseguir dormir.

— O que você faz da vida, Gaia? Além de trabalhar no


buffet, é claro. — Ele leva mais uma colher à boca e sigo
seus movimentos com cuidado, imaginando outras coisas
que ele poderia fazer com aqueles lábios grossos.

— Estava fazendo curso de gastronomia. — Pigarreio. —

Faltavam só seis meses para eu me formar, mas precisei


trancar a matrícula.

— Por quê? — ele quer saber, um interesse genuíno em seus


olhos.

— Dinheiro. — Dou um gole no leite adocicado, deixando


que o calor me acalme. — As despesas eram muitas e não
consegui dar conta.

— Que droga. É por isso que veio trabalhar aqui em casa?


— Em parte — confesso. — Também pela oportunidade.

Quando Christine me ofereceu o cargo, ela disse que eu


seria sous chef. — Reviro os olhos. — Mas, na verdade,
estou limitada a ser uma secretária da Martha, que manda e
desmanda em mim o dia

todo e quase não me deixa cozinhar. Acho que a única coisa


que fiz sozinha até agora foram os milkshakes. — Aponto
para o copinho, já vazio, na mão de Zachary.

— Por sinal, isso está uma delícia. — Ele sorri e alcança mais
um. — Pode fazer para mim sempre que quiser. Prometo
comer tudo.

Solto uma risada e balanço a cabeça em negativa.

— Que bom que você gostou — digo com sinceridade.

Posso não querer estar no centro das atenções, mas adoro


quando elogiam a minha comida.

— É isso o que você quer da vida? Ser cozinheira? — ele


pergunta sem nenhum tom de julgamento na voz.

— É, sim. Na verdade, quero muito ter o meu próprio


restaurante. Foi por isso que me mudei para Nova York
quando tinha dezoito anos. — Nem sei por que estou me
explicando para ele, mas algo em Zachary me compele a
falar.

Neste momento, não há flerte, apesar de que meu corpo


parece estar bastante ciente da presença deste homem.
Mas, de alguma forma, é muito bom poder apenas…
conversar com Zachary.
— Que bom que você está buscando os seus sonhos — ele
diz entre colheradas da sobremesa, até que mais um
copinho está vazio.

Logo, o terceiro já está em suas mãos e sorrio sozinha ao


ver que não estava mentindo sobre ter gostado.

Faço uma nota mental de preparar mais sobremesas para a


família. Ou melhor, para ele.

— E você?

— Eu, o quê? — Zachary me encara com curiosidade.

— Qual é o seu sonho? — Não sei de onde veio a pergunta,


mas, quando percebo, ela já está ao vento.

— Não sei se tenho um. — A confissão me espanta, e acho


que Zachary nota a descrença em meu semblante, porque
logo completa:

— O que eu tenho é a obrigação de continuar com os


negócios da família. E não pense que esta é uma história de
“pobre menino rico”, porque não é. Estou gostando muito
de seguir os passos do meu pai, mas nunca cheguei a
pensar naquela coisa de o que ser quando crescer.

— Nem quando você era criança? — pergunto. — Não queria


ser bombeiro ou astronauta ou sei lá o quê?

É então que acontece algo que nunca imaginei ser possível:


Zachary King ruboriza.

— Eu queria ser cowboy — diz baixinho.

É inevitável: começo a gargalhar.


— Cowboy? Daqueles que laçam touros e acenam para a
torcida?

— Aham. Que usa chapéu e tem sotaque. Durante um ano


inteiro, tentei falar que nem cowboy. — Ele balança a
cabeça, como se a lembrança fosse vergonhosa demais.

Continuo rindo, cada vez mais histérica, até que ele se junta
a mim.

— Eu tinha sete anos! — Joga as mãos para o alto e fala em


um tom elevado, como se quisesse se justificar.

— Desculpe, mas não consigo te imaginar como um


cowboy.

A não ser que fosse um stripper, aí sim é possível. Mas


resolvo guardar os pensamentos — e talvez usá-los como
fantasia quando estiver sozinha.

— Por que não?

— Porque você é um garoto da cidade grande, que usa


terno, dirige um carro esportivo e sai nos tabloides! Nunca
vi alguém tão longe de ser um cowboy quanto você —
implico e ele ri, conformado.

— É verdade. Não dá pra montar a cavalo usando Hugo


Boss.

— Não mesmo! — Termino de beber o leite e vejo que os


três copinhos restantes de sobremesa também estão vazios.

O silêncio toma conta da cozinha, como se nenhum dos dois


soubesse o que dizer em seguida. Subo meu olhar para ele
e descubro que também está preso em mim. De novo, o ar
ganha aquela densidade incômoda. Aprendi que estar
sozinha com ele me afeta de formas que não consigo
entender, muito menos controlar.

— Acho que vou me deitar — falo baixinho, optando pela


saída mais segura, e levo a caneca até a pia.

Depois, vou até ele e começo a pegar os copinhos,


colocando um dentro do outro. Porém, antes que eu consiga
me afastar, Zachary segura meu pulso, impedindo que eu
saia de perto. Não há

qualquer força em seu toque, apenas uma energia que sobe


por minha pele e me faz estremecer com o contato. Ele se
levanta do banco e se coloca à minha frente. Preciso olhar
para cima se quero encará-lo, e descubro que fitar seus
olhos tão de perto é um erro.

Vejo quando as pupilas dilatam, e sei que as minhas


também reagem à proximidade. Estou cercada por Zachary
King, por sua intensidade e seu cheiro delicioso. Não há
forças em mim para me distanciar.

— Gaia, eu… — ele começa a dizer, mas hesita.

Os olhos descendo para a minha boca, que se entreabre de


forma instintiva. Ele puxa o ar com força e, ao nosso redor,
tudo parece desaparecer.

Capítulo 17
Zachary
Ela está tão perto que posso sentir meu corpo inteiro reagir
à sua presença. É ridículo como essa mulher consegue me
enlouquecer e me acalmar na mesma proporção. A última
meia hora que passei ao lado dela, apenas conversando, foi
o suficiente para provar que não sou imune a tudo o que
tem a oferecer. Posso sentir o cheiro do seu xampu — maçã-
verde nunca foi tão afrodisíaca — e as batidas frenéticas
que vêm de seu peito, tão ritmadas com as minhas, assim
como a respiração ofegante.

Quero me aproximar mais, e todo o controle que achei que


poderia manter vai embora quando sinto seus dedos
tocarem o meu peito. A mão que não segura seu pulso fino
encontra a cintura pequena e desliza para trás, ganhando
lugar na base de suas costas. Meus dedos flexionam,
puxando-a para mais perto.

Ela é tão pequena que mal chega à altura dos meus


ombros, por isso, inclino-me para baixo, encurtando aos
poucos a distância que nos separa. Em seus olhos, encontro
uma mistura de confusão e desejo estampada. É essa porra
de energia que parece ganhar vida quando estamos tão
perto, e não sei mais o que fazer. A necessidade de beijá-la
é mais forte do que qualquer outra coisa que senti antes.
Por isso, continuo abaixando meu rosto, deixando que a
promessa do que está prestes a acontecer nos domine.

O nariz pequeno, a língua umedecendo os lábios rosados, a


pele de porcelana e as várias sardas que decoram o rosto
mais lindo que já vi na vida… tudo é um convite para que eu
me perca de vez nessa mulher.
E o pior é que tem algo de familiar nela. Como se eu já
estivesse acostumado a estar tão perto, mesmo sem nunca
a ter tocado desse jeito antes. Um conforto de quem está
fazendo a mesma coisa pela trigésima vez, junto com uma
ansiedade sem fim pela vontade do primeiro beijo.

— Quero muito te beijar — acabo soltando os pensamentos,


e logo me arrependo.

Gaia abaixa a cabeça, como se tivesse se dado conta do


que estávamos prestes a fazer. E, quando desencosta o
corpo do meu, o frio da sua ausência me incomoda.

— Desculpe, sr. King — ela diz, erguendo o muro


desgraçado entre a gente. — Vou deixar a louça na pia,
amanhã eu lavo.

A mudança brusca de assunto me faz franzir o cenho. Gaia


vira as costas, coloca os potinhos na bancada e começa a se
encaminhar para a porta. Levo alguns segundos para sair do
estupor e, quando a vejo cruzar o batente, não me controlo
e vou até ela. Sigo-a pelo corredor sem disfarçar e sei que
ela percebe que estou aqui, já que acelera os passos. Só
que não vou embora até entender o que diabos aconteceu
agora há pouco.

Ela abre a porta do próprio quarto e, assim que entra no


espaço, vou atrás, invadindo sua privacidade. Apenas uma
luz fraquinha ilumina o ambiente e é como se ambos
estivéssemos presos na escuridão.

— O que houve? — pergunto ao encostar a porta por trás de


mim. Cruzo os braços na frente do corpo, esperando a
resposta e pouco me importando para o que tem ao nosso
redor.
— Nada — ela diz, como se isso fosse uma resposta
aceitável.

— Gaia, por favor, converse comigo. Uma hora você está


perto, sem esconder que sente por mim o mesmo que sinto
por você. De repente, tudo muda. Então, me diga: o que
houve? — O que era para ser uma simples pergunta acaba
se tornando um vômito de palavras desesperadas, porque
não posso aceitar que ela simplesmente tenha mudado de
ideia. Alguma coisa está acontecendo e eu preciso saber o
que é.

— Não posso fazer isso, sr. King.

— Porra! Pare de me chamar assim! — Jogo as mãos para o


alto e elevo o tom de voz, em um nítido sinal de frustração.

Alguns passos encurtam a distância entre nós. Puxo-a pela


cintura, colando seu corpo ao meu. Sinto quando estremece
com o contato e, definitivamente, não é medo que está
estampado em seus olhos. É desejo. O mesmo sentimento
louco que me guia neste momento.

— Zachary, por favor… — Gaia pede baixinho e sou


obrigado a me afastar. Por mais que esteja desesperado
para beijá-la, jamais irei forçar algo. Não sou esse tipo de
homem.

— É porque sou filho do seu chefe? — insisto, querendo


saber.

— Também — Gaia confessa, e isso me deixa ainda mais


curioso.

— E o que mais?
Por alguns segundos, ela apenas me encara. Odeio não
conseguir ler pensamentos. Seria tão mais fácil… inclusive,
adoraria que Gaia pudesse ler os meus, porque eu tenho
certeza de que estão em sincronia com os dela, apesar
dessa relutância.

— Gaia — chamo de novo quando ela permanece calada por


um bom tempo.

— Eu ouvi aquela mulher dizendo que te ama. Vocês estão


juntos? — joga a pergunta como se fosse uma bomba.

É sério isso?

— Claro que não estamos! — apresso-me em dizer, antes


que ela tenha mais ideias loucas a meu respeito. — De onde
você deduziu isso? — Mas a resposta vem em formato de
silêncio de novo, o que me deixa perto de um colapso. —
Gaia, por favor, me responda.

Dou um passo em sua direção, tentando diminuir a distância


física — e talvez emocional — que nos separa.

— Vocês não…?

Franzo a sobrancelha, confuso com a pergunta.

— Já disse que não. Ela era um caso, algo sem qualquer


compromisso sério nem promessa de exclusividade.
Ficamos juntos há meses, quando eu ainda estava em
Londres.

— Então, vocês não têm mais nada?

Balanço a cabeça em negativa, aproximando meu rosto do


dela.
Eu não deveria ter que me justificar para ninguém, muito
menos para Gaia, mas algo em sua expressão me obriga a
ser verdadeiro. Essa mulher desperta em mim coisas que
não consigo entender.

Silêncio de novo.

Esse maldito silêncio.

É como se ambos estivéssemos vendados de frente para um


penhasco, com medo do que pode acontecer se dermos um
passo à frente. Mas algo muda no modo como ela me
encara, um brilho diferente no olhar — e não consigo
desviar por um segundo sequer.

Estamos tão perto que Gaia precisa inclinar a cabeça para


me encarar.

Mesmo com pouca luz, posso ver seus lábios rosados, que
combinam com a coloração das bochechas quando
emolduro seu rosto com uma mão. Ela estremece com o
contato e me sinto a porra de um super-herói.

Não posso esperar nem mais um segundo — e é por isso


que deixo minha boca descer sobre a dela. No instante que
isso acontece, o mundo parece entrar no eixo.

Puta que pariu.

Sua boca macia me convida e não perco tempo, deixando


que minha língua a invada em um beijo carregado de desejo
e desespero. Com a mão livre, puxo sua cintura para mais
perto, louco para que não haja um mísero centímetro entre
nós. É então que sinto quando ela sobe os braços,
passando-os em torno do meu pescoço, e afunda os dedos
em meu cabelo, como se também não suportasse ficar sem
me tocar. Como se quisesse me manter aqui, me ancorando
no meio desses malditos sentimentos que ela tem
despertado.

Nunca pensei que um beijo pudesse ser tão… certo. É por


isso que não paro, pouco me importando se consigo ou não
respirar.

Nossas línguas perdidas em um frenesi descontrolado. É


rápido, intenso e contém promessas deliciosas.

A mão que estava em seu rosto começa a descer, desejando


percorrer cada pedacinho da pele de porcelana. Acaricio o
ombro e deslizo as pontas dos dedos pela lateral do corpo
até parar na

cintura, apertando a carne macia. Não consigo me controlar


e solto um gemido contra sua boca, imaginando-a de quatro
enquanto a puxo com força contra mim.

Meu corpo é incapaz de esconder o desejo crescente, a


ereção pressionada à barriga lisa. Sem controle, balanço
nossos corpos para frente e para trás, numa fricção
tentadora. A necessidade por ela aumenta a cada
movimento de nossas línguas. O que será que encontraria
nesse momento se deixasse minha mão entrar por debaixo
daquele short de cupcakes?

Caralho, eu quero tudo dessa mulher. Quero seus beijos, seu


corpo, seu sorriso… sou um egoísta filho da puta e preciso
que Gaia seja minha. Só minha.

É então que tomo a pior decisão de todos os tempos e


afasto minha boca dos lábios inchados. Os olhos de Gaia,
nublados pelo desejo, fitam os meus e… porra! Acho que
nunca vi uma mulher tão linda.
Mas o intervalo dura pouco quando a boca provocante
procura a minha de novo. O contato, cuidadoso no início,
ganha urgência a cada movimento. O corpo pequeno se
derrete junto ao meu e só consigo pensar no que vai
acontecer quando eu a colocar na cama.

Nós nos beijamos pelo que parecem horas, numa sincronia


inexplicável que aplaca a minha frustração e agrava o meu
desejo. O

gosto doce na boca ávida é a porra do paraíso, que continua


me conduzindo à loucura. Não consigo parar. Não consigo
me afastar.

Não consigo manter um fluxo racional quando Gaia está tão


perto de mim.

Mãos pequenas passeiam pelo meu peito, os dedos volta e


meia flexionando sobre meus músculos, sentindo cada parte
que acaricia.

Enquanto isso, a mantenho o mais colada possível ao meu


corpo, em um gesto de possessividade impensada, porém
necessária.

Um beijo nunca foi tão bom — e não sei se tenho


capacidade de parar. É uma necessidade insana, que me
consome por inteiro. É por isso que a beijo com mais força,
querendo que ela veja o quanto me afeta. Um fervor
violento, que me queima de dentro para fora ao sentir que
Gaia está tão imersa no momento quanto eu, me obriga a
erguê-la do chão. Quando sinto suas pernas envolverem
minha

cintura — seu calor encontrando a minha rigidez,


implorando para que eu a tome —, tenho certeza de que
estou completamente fodido.
Não há espaço para palavras. Na verdade, não há espaço
para mais nada, a não ser esse ímpeto de estar dentro dela.

— Gaia, eu…

O mundo para quando uma voz feminina invade o quarto,


que até então era apenas embalado pelo som de nossas
respirações entrecortadas.

Com Gaia ainda no meu colo, viro o rosto para o lado e dou
de cara com a porta escancarada e Valerie boquiaberta
enquanto tenta entender o que está acontecendo. “Empata
foda do caralho”, xingo-a mentalmente, mas revolvo não
deixar que as palavras escapem.

Respiro fundo duas vezes, tentando me controlar.

Devagar, desço Gaia pelo meu corpo, até que seus pés
toquem o chão. Porém não consigo me afastar o suficiente e
acabo permitindo que minha mão vá para sua nuca.

— Ei, olhe para mim. — Ignoro a presença de Valerie e


mantenho minha concentração em Gaia. Ela está atordoada
pela interrupção, mas os lábios inchados e os olhos
anuviados me mostram que o efeito do nosso beijo ainda
corre por suas veias. —

Depois continuamos isso, está bem?

Só que Gaia está em choque. É por isso que deposito um


selinho em sua boca e me afasto. Passo pela funcionária
embasbacada e desejo boa noite a ela, seguindo para o
meu próprio quarto.

A última coisa que quero é deixar Gaia desconfortável, e


aposto que expulsar a camareira não seja a melhor maneira
de conquistar essa mulher maravilhosa. Mas também
debato se não acabei de fazer a pior merda da minha vida.

Será que ela vai pensar que eu fugi?

Na verdade, nem sei por que saí daquele quarto. Talvez para
conseguir recobrar um pouco da minha lucidez.

No caminho até minha cama, tento fazer com que o meu


corpo retome o estado de normalidade, mas acho que ele
nunca mais será o mesmo. Não depois do que acabou de
acontecer.

Maldita maldição.

Maldita obsessão.

Capítulo 18
Gaia
Zachary King me beijou.

Ele me beijou.

Olho para Valerie, que ainda está pasma do outro lado da


porta aberta, e fico sem saber o que falar. Acho que, neste
momento, não conseguiria elaborar uma frase coerente
nem que fosse para salvar a minha vida.

— Comece a se explicar — Val comanda, entrando no


quarto, fechando de novo a porta e acendendo a luz. Pelo
menos, uma de nós já retomou as capacidades mentais.

Com certeza, não fui eu, que apenas sento no divã rosa ao
pé da cama, em silêncio. Continuo olhando para o nada, na
tentativa —

inútil — de entender o que aconteceu.

Zachary King me beijou.

— Gaia, pelo amor de todos os santos! — Valerie eleva o


tom de voz e se senta no chão, logo à minha frente.

Não há mais espanto em seu olhar, só uma empolgação —


que fica claro quando ela começa a dar pulinhos sentada.
Vejo a boca de Valerie se mexer e sei que ela está falando
alguma coisa, mas tudo que consigo pensar é que Zachary
King me beijou.

E não foi algo comum, mas sim um daqueles que tiram o


chão, que fazem com que você veja estrelas e sinta coisas
que nunca havia sentido. Era como se meu corpo inteiro
tivesse sido ligado na tomada e, de repente, nada mais
existia. Nada além dele e do nosso beijo.

— Zachary King me beijou. Na boca. De língua.

— Eu vi! Estava voltando do banheiro e ouvi uns sons


estranhos. Achei que alguém estava invadindo a casa. Errei
feio! —

Valerie continua com seus pulinhos e então percebo o que


falei em voz alta. — Foi a primeira vez? Você está gostando
dele? Ele está gostando de você? — ela solta uma
sequência de perguntas e preciso balançar a cabeça para
afastar as lembranças e me concentrar no presente.

— Sim. Sim. Puta merda, espero que sim — respondo da


forma mais sucinta que consigo, deixando as palavras
saírem num impulso.

Val solta uma risada.

Enfio o rosto nas mãos, tentando controlar os efeitos


devastadores que aquele homem causou, e respiro fundo.
Mas o cheiro dele ainda está impregnado em mim, o que
dificulta minha situação.

— Ai, que delícia! A Lottie vai ficar verde de inveja. — Val


bate palmas, como se isso fosse a melhor parte do que
aconteceu.

O comentário inesperado me faz erguer a cabeça e encará-


la.

— O que a Lottie tem a ver com isso?

— Ela sempre quis ficar com o Zachary, o herdeiro. —


Valerie abana a mão, dispensando a ideia. — Só que acabou
pegando apenas o Jackson.

— Jackson?! — pergunto, incrédula.

— Aham. Mas isso tem anos! — Val explica. — Desde então,


Lottie se acha no direito de continuar procurando alguém
com o mesmo sobrenome, mas que a leve a sério.

— Não consigo imaginar ela e Jackson juntos — comento,


porém, posso estar enganada. Não conheço o caçula dos
King o suficiente. Pelo pouco que percebi, ele está mais
interessado nas garrafas de bebida do que nas pessoas ao
seu redor.

— Mas não vamos falar dela agora. Quero saber de você e


do beijo tórrido que vi agora há pouco. — Val começa a se
abanar e não sei se está brincando ou sendo sincera.

— Não tenho o que falar. Foi… uma surpresa.

Uma bem deliciosa, que me tirou o chão e me fez sentir


coisas que nunca havia sentido antes. Eu estava prestes a
me entregar por completo. Inclusive, estava tão perdida no
beijo que teria feito o que

ele quisesse. Ainda bem que Valerie apareceu, senão tudo


seria muito mais complicado.

— Surpresa ou não, quando abri a porta do quarto, vi você


no colo de Zachary King, sendo beijada de um jeito que só
acontece nos filmes. Preciso de detalhes!

“E eu preciso entender o que fiz”, quero acrescentar, mas


fico calada. Olho para a mulher sentada à minha frente, a
expectativa por uma história fabulosa estampada no rosto,
e não sei o que dizer.
Porque só uma coisa preenche meus pensamentos: Zachary
King me beijou.

— Podemos conversar sobre isso depois? — peço, um pouco


constrangida, e Val solta uma risada.

— Ah, tadinha. Beijar um King fritou os seus neurônios, foi?


ela pergunta em tom de brincadeira, mas é a pura verdade.


Por isso, limito-me a assentir com a cabeça, levando minha
amiga a rir ainda mais alto.

Meu corpo não esqueceu o toque firme. Minha pele continua


queimando com a vontade de estar com ele de novo. Minha
boca, que deve estar inchada com a intensidade dos beijos,
precisa de mais.

Com muito esforço, levanto-me do divã e tento arrumar


meu cabelo bagunçado. Estou uma confusão de
sentimentos e hormônios, sem saber o que fazer.

— Zachary King me beijou — repito em um sussurro, pelo


que parece ser a milésima vez.

— Eu sei, gata. — Val está de pé, com ambas as mãos nos


meus ombros. Seu tom, desta vez, não contém a euforia de
antes. —

Ele é lindo, charmoso e tem mais dinheiro do que o PIB da


Serra Leoa. — Ela hesita por um tempo, sem desviar os
olhos de mim. —

Cuidado para não se machucar, querida.

As palavras me fazem lembrar dos conselhos de Martha e


de Monica, como se todas as mulheres tentassem manter
meus pés no chão. Isso me deixa ainda mais insegura.

— Preciso dormir agora. Tenho que estar de pé em algumas


horas, antes das 6h — digo.

— Tudo bem, mas depois você vai me contar tudo. Tudinho,


ouviu? — Sorrio com o pedido e acabo confirmando com a
cabeça.

Ela me dá um beijo na bochecha, solta mais um som


estranho de empolgação e começa a se afastar. Porém,
antes que chegue à porta, eu me lembro de uma coisa bem
importante.

— Val! — Ela se vira para me encarar. — Por favor, não


conte para ninguém o que viu, tá? — peço, com medo de
acordar amanhã e descobrir que a casa inteira está sabendo
do que eu fiz.

— Minha boca é um túmulo, garota. — Ela faz um sinal de


“x”

sobre os lábios e dá uma piscadinha para mim. — Ah, e


desculpe mais uma vez por ter entrado no seu quarto. —
Sua frase é seguida de uma careta e, em seguida, Valerie
sai do quarto e me deixa sozinha com a minha confusão.

Sigo para o banheiro, tentando acalmar meu coração. Só


que ele continua batendo em um ritmo acelerado, como se
dissesse que não está disposto a esquecer o que aconteceu.

Encaro meu reflexo e tudo ali parece o mesmo: o cabelo


ruivo, os olhos claros, as sardas que tanto odeio… Mas não
sou mais a mesma. Algo mudou dentro de mim, e por mais
que não consiga explicar muito bem o que foi, uma coisa
está bem clara: todo o meu ser grita que preciso beijar
Zachary King de novo.
∞∞∞

Quando me levanto, sem ter conseguido dormir direito por


mais de um par de horas, sinto meu corpo todo dolorido.
Mas é aflição que me deixa com vontade de voltar para
debaixo dos lençóis e fingir que o resto do mundo não
existe. O que vai acontecer assim que nos vermos? Posso
ficar escondida na cozinha? Não sei se quero vê-lo.

Por outro lado, não posso simplesmente ignorar meu


trabalho e ficar aqui, enquanto sonho acordada com um par
de mãos fortes e olhos verdes.

A camiseta que me emprestou ontem está a salvo sob meu


travesseiro, o perfume masculino impregnado na fronha.
Talvez

tenha sido o cheiro dele que me impediu de ter um sono


tranquilo, que me faz fantasiar de um jeito que nunca fiz…

Tudo em Zachary King grita “sexo”. Desde o modo como se


mexe, até o timbre da voz. Sem esquecer da intensidade
que carrega e da paixão com que beija. Aquele homem é
capaz de criar um furacão de desejo dentro de mim.

Não tenho ideia do que vai acontecer, de como Zachary vai


reagir quando estivermos no mesmo ambiente de novo. E o
pior de tudo é que não sei como eu quero que ele reaja. Por
isso, enquanto tomo um banho, listo mentalmente as
possibilidades do que pode acontecer.

1 – Ele pode ignorar minha presença;

2 – Ele pode me beijar na frente de todo mundo; 3 – Ele


pode me dar uma piscadinha safada e deixar claro que não
esqueceu a promessa que fez;
4 – Também pode…

— Céus, desde quando as atitudes de um homem viraram o


centro do meu universo? — pergunto em voz alta,
repreendendo meu comportamento.

Não deveria estar pensando nisso, e sim no que eu quero


fazer.

Como eu quero lidar com o que aconteceu ontem à noite.

— Uma coisa é fato — falo sozinha de novo, enquanto retiro


o xampu do cabelo —, não quero esquecer ou ignorar o que
aconteceu. Não quero que tenha sido um lapso de
julgamento.

“Algo casual, durante o verão, pode ser uma


possibilidade…”

Não tenho todo o tempo do mundo para ficar aqui,


cogitando hipóteses de algo que talvez nunca aconteça.
Finalizo o banho e me seco rapidamente, escolhendo uma
roupa adequada.

Por alguns minutos, olho para o uniforme — camiseta


branca e calça preta — e decido que, só por hoje, vou
melhorar um pouco o visual. Quero que Zachary me veja,
que me ache bonita e que me deseje de novo.

Nunca fui uma mulher sonsa, que finge estar sentindo uma
coisa quando, na verdade, está sentindo o oposto. Não
mesmo. É por isso que pego a saia de Lottie, que eu ainda
não devolvi, e coloco uma regata branca, um pouco mais
decotada do que as roupas que uso

quando estou trabalhando na cozinha. Opto pela sapatilha


preta e faço uma trança no cabelo. Passo gloss de
framboesa e um pouco de rímel. Também aplico uma
camada fina de corretivo, para esconder os efeitos da noite
mal dormida.

Quando saio do quarto, estou me sentindo bonita e pronta


para encontrar Zachary King de novo.

Chego à cozinha vazia e começo a preparar o café. Martha


deve aparecer a qualquer momento. No fundo, torço para
que Zach venha antes dela, para um cumprimento de bom-
dia. Só que isso não acontece e, no instante que o relógio
indica 6h, a cozinheira cruza a porta dos fundos.

— Bom dia, Gaia.

— Bom dia, Martha. — Sorrio para ela, notando que a água


ainda não ferveu.

A correria da manhã começa. Faço um pão de fermentação


rápida e, enquanto sovo a massa, penso em Zachary.
Depois, corto algumas frutas e penso nele. Para terminar,
separo a louça a ser posta na mesa e meu pensamento
ainda está no mesmo homem.

Porque é impossível fazer qualquer coisa sem que as


lembranças do que aconteceu ontem sejam revividas. A
cada tique do relógio, minha ansiedade aumenta e
borboletas voam com mais ímpeto em meu estômago.

Martha conversa o tempo todo, falando de receitas que


pretende fazer, da vizinha que fez uma festa, do primo do
cunhado da sobrinha que, pelo visto, está tendo um caso
com a tia da madrasta da moça da padaria. Aceno nas
horas certas, demonstro espanto em momentos oportunos e
finjo que tudo o que ela fala é do meu interesse. Só que a
única coisa que me importa de verdade é Zachary King.
Valerie aparece, lançando um olhar conspiratório quando
me vê.

Tina, Helga e Derek também chegam para o café da manhã


dos funcionários. Apenas Lottie, como de costume, está
atrasada.

— Onde está a sua irmã? — Martha pergunta em um tom


nada amigável e Derek encolhe os ombros.

— Não sei. Ela deveria estar aqui — ele diz e coça a nuca.

— Eu juro por tudo que é mais sagrado: se Lottie não chegar


em cinco minutos, vou dispensá-la do verão todo. — Martha
aponta para o relógio, que indica faltar menos de meia-hora
para que a primeira refeição do dia seja servida para a
família.

— Quer que eu vá ao quarto dela chamar? — Derek oferece.

— Não precisa. A responsabilidade não é sua, mesmo que


Lottie seja sua irmã — Martha fala, sem dar a chance de ser
contestada. —

Vá colocar a mesa. — Indica a porta da cozinha e o rapaz


mal tem tempo de terminar o café com leite em sua xícara
antes de sair apressado. — Tina, preciso que vocês
preparem três quartos de hóspedes. O sr. Harvey avisou que
os Lowell devem chegar depois do almoço e uma amiga da
Chloe vem junto. Ah, e não se esqueçam de chamar o Kyle
para ajudar Derek a preparar tudo para o luau.

Eles pediram uma fogueira! — Martha joga as mãos para o


alto em sinal de desespero. — Quem gosta de fogueira no
verão? Também temos que chamar a Julie e a Nancy, para
ajudar a servir o luau.
Derek não vai dar conta sozinho e…

Ela continua ditando ordens, como um bom coronel. Tento


me manter ocupada, separando as fatias de bacon que
serão servidas em breve. Também aproveito que Martha
está distraída e começo a preparar a massa das panquecas.

— Gaia! — Viro o rosto quando escuto meu nome ser


chamado.

— Fique pronta para servir caso a Lottie não apareça. Pelo


jeito, o sono de beleza daquela metida à dondoca é mais
importante do que as responsabilidades.

O pedido de Martha me faz sorrir por dentro. Por fora,


apenas assinto com a cabeça e finjo desinteresse. Já que
Zachary não apareceu na cozinha durante a manhã, servir o
café pode ser uma boa chance de encontrá-lo de novo e ver
qual será a sua reação.

É claro que não estou esperando que ele me beije na frente


de todo mundo. Nem que declare um amor de contos de
fadas. Mas um olhar pode dizer muita coisa, e é disso que
preciso agora.

— Estou pronta, Martha — confirmo.

— Posso ver… — Ela me olha de cima a baixo, prestando


atenção na roupa que uso pela primeira vez. Seu olhar
analítico não

esconde a desaprovação, parando por tempo demais no


decote que uso, como se perguntasse por que diabos
escolhi essa roupa.

O bom é que Martha não tem tempo de mais nada, porque o


pão precisa ser retirado do forno e fatiado da forma certa.
Os cinco minutos de Lottie se acabam, assim como a meia-
hora que nos separava do café da manhã. As vozes da
família na sala de jantar já podem ser ouvidas, fazendo com
que a correria na cozinha só aumente.

— Derek, leve as bebidas. Gaia, as frutas — a cozinheira


ordena e obedecemos na mesma hora.

Chegando à sala, vejo algumas pessoas sentadas em volta


da mesa, conversando animadamente enquanto esperam a
refeição. Os casais mais velhos já estão aqui, assim como
Elijah, Trenton e Sebastian.

— Bom dia, Gaia — o sr. Harvey me cumprimenta,


oferecendo um sorriso.

Cordialidades são trocadas entre os donos da casa e os


funcionários — no caso, Derek e eu —, até que um outro
homem aparece.

— Bom dia a todos. — Jackson King, que parece ser o mais


sonolento, toma o lugar na cadeira e logo se serve de uma
enorme xícara de café.

— Onde está o meu filho? — Monica questiona no instante


em que coloco uma fatia de melão em seu prato.

Finjo que não estou prestando atenção, mas, de repente,


meus ouvidos ficaram bem abertos.

— Esqueci de falar, titia — é Trenton quem responde —, ele


não está em casa.

A frase me pega de surpresa e acabo erguendo o olhar para


encarar o primo de Zachary. Quando faço isso, percebo que
Trenton também está olhando para mim.
Será que ele sabe?

— O que aconteceu? — Monica insiste. — Para onde meu


filho foi?

— Ontem de madrugada, Zach recebeu uma mensagem


urgente e teve que voltar à Manhattan — Trenton esclarece.
— Tem algo a

ver com Samantha.

A explicação me deixa confusa, fazendo com que meu


coração tombe dentro do peito, ao mesmo tempo que o
restante da mesa não demonstra muito espanto.

— Aquela menina ainda vai fazer uma loucura… — O sr.

Edmund balança a cabeça desalentado.

— Acho que já fez, pai — Trenton responde de forma


enigmática.

O silêncio que segue a declaração é ensurdecedor, e fico me


perguntando se é a mesma mulher que ouvi ao telefone,
dizendo que o amava. Ontem, Zachary disse que os dois
tiveram um caso sem compromisso quando ele morava em
Londres.

Será que mentiu? Se foi sem importância, por que ele foi
correndo para a cidade?

Sinto a decepção de não o ter aqui me baquear, levando


uma pequena tremedeira às minhas mãos, aliada às
inseguranças que começam a gritar dentro de mim. Então,
obrigo-me a pedir licença e voltar para a cozinha.
Minhas mãos estão mais trêmulas, as pernas, que parecem
feitas de gelatina, mal suportam meus passos. De repente,
sou tomada por um arrependimento enorme. Devia ter
ficado escondida na cama.

Afinal, Zachary King me beijou.

E me deixou.

Capítulo 19
Gaia
Depois de passar a tarde inteira na cozinha com Martha,
preparando quitutes para o luau, tudo o que mais queria era
poder deitar na cama e recuperar o sono perdido. É claro
que não tenho a chance de fazer isso, já que o evento está
começando.

Nunca fui a uma festa assim, por isso, pedi ajuda à Valerie
para escolher uma roupa apropriada.

— Você só trouxe isso? — ela pergunta, olhando para todos


os itens no armário.

— Não pensei que seria convidada para confraternizar com


os patrões. — Mordo o lábio inferior, a preocupação cada
vez mais evidente por não ter algo decente para usar.

— Eu até te emprestaria algo meu, mas não sei se vai caber


Val observa e eu balanço a cabeça em concordância. Ela é


bem mais alta do que eu, fora que seus seios são fartos e
seus quadris, bem largos.

— Não tem problema — digo com um pouco de decepção


—, posso usar isso aqui mesmo.

Aponto para a saia jeans e a bata colorida que escolhi antes


de ela vir me ajudar. Não é uma opção muito boa, mas
melhor do que usar o uniforme.

— Não tem nada mais… tchan? — ela pergunta, me olhando


de cima a baixo. — Você não trouxe um vestido ou…?

Só que Valerie para de falar e seus olhos se arregalam.


— O que foi? — quero saber, aflita com a expressão de
espanto que ela agora tem no rosto.

— Eu sou a porra de um gênio! — vibra e começa a dar seus


pulinhos típicos.

Sem oferecer qualquer outra explicação, agarra meu


antebraço e começa a me puxar para fora do quarto.

— Val! O que você está fazendo? — questiono, mas não


recebo uma resposta.

Ela apenas continua me puxando e saímos da área dos


funcionários. Passamos pela cozinha, pela sala de refeições,
subimos a escada e, quando vejo que está me levando para
o corredor dos quartos principais, é a minha vez de puxar
seu braço.

— Não mesmo! — digo em um sussurro.

— Sim! Fique tranquila que não tem erro — ela garante, os


olhos carregados de expectativas. — Confie em mim, Gaia.

O pedido é uma maldade, porque eu confio nela, mas sei


que sua empolgação pode ser a nossa ruína.

Valerie coloca um dedo sobre a boca, como se me pedisse


para ficar em silêncio, e continua andando até um dos
quartos de hóspede. Neste corredor, são mais de dez portas
— inclusive, descobri que a área dá a volta na casa, no
estilo hotel. Fora os quartos no andar de cima. Pelo que
fiquei sabendo, a casa consegue abrigar mais de trinta
pessoas.

— Entre aqui. — Ela retira um molho de chaves do bolso e


abre a porta. Mais uma vez, sou puxada contra a minha
vontade.
Valerie acende a luz e nos tranca do lado de dentro. Sem
me dar tempo para contestar, vai até um armário e retira de
lá um cabide com o vestido mais lindo que já vi.

— De quem é isso? — pergunto, boquiaberta.

— De uma mulher insuportável que passou um fim de


semana aqui no verão passado. Acho que era inglesa, pelo
sotaque. —

Apenas faço que sim com a cabeça, sem tirar os olhos da


peça.

Estou hipnotizada pelo degradê, que começa em um tom


claro de cinza no busto e vai ganhando vida até chegar ao
azul-turquesa.

Ele é reto, longo, com alças finas e sem muito decote ou


qualquer outra extravagância.

— Tem alguém apaixonada… — Valerie cantarola.

— Você acha que eu posso usar? — pergunto, revezando


olhares entre ela e o vestido.

— Claro que sim. E o melhor é que ninguém vai saber que


não é seu. — A afirmativa me faz franzir a sobrancelha, sem
entender muito bem o que quis dizer com isso. Mas então,
Val se explica: —

Ainda está com a etiqueta. Ou seja…

— Não foi usado nesta casa — concluo o pensamento.

Meu queixo cai ainda mais. Por um momento, debato se


devo ou não experimentar a peça. Será que eu estaria
roubando o vestido?
— Devolvo depois da festa — falo mais para mim mesma do
que para Valerie.

— Isso aí, garota! — Ela volta a dar pulinhos.

Minutos depois, já retirei as roupas simples e o tecido macio


cobre o meu corpo com perfeição. Encaro meu reflexo no
espelho e não consigo conter o suspiro.

— É lindo demais. — Acaricio o vestido, que marca minhas


poucas curvas, mas sem me deixar muito exposta.

De repente, sinto um puxão e vejo que Valerie removeu a


etiqueta. Olho espantada para ela, que apenas dá de
ombros.

— Agora, já foi — diz como se fosse a coisa mais simples do


mundo.

Meu coração martela dentro do peito, em uma mistura de


medo e ansiedade.

— Será que vão…? — Não consigo terminar a frase.

— Claro que não! — Val se apressa em dizer. — Fique


tranquila e vá curtir a festa, Cinderela.

Balanço a cabeça, rindo do comentário, ao mesmo tempo


que penso que um certo príncipe encantado poderia estar
aqui também.

Mas Zachary preferiu voltar para a cidade e cuidar da tal


Samantha. Minhas mãos ficam geladas só de pensar no que
eles devem estar fazendo sozinhos. Afinal de contas, se ela
não significasse nada, ele não teria saído daqui no meio da
madrugada.
— Pare de pensar no homem. — Valerie se coloca à minha
frente, bloqueando a visão do espelho. — Hoje, você vai ser
a mulher mais simpática do mundo e encantar aquela
família. Essa é a sua chance, gata. Não é todo dia que
pessoas como nós têm a

chance de socializar com os King. Pense no seu sonho de


abrir um restaurante e que uma palavra deles pode atrair
toda a clientela que você precisa.

O papo motivacional atinge um ponto certeiro dentro de


mim.

Estou aqui por um motivo: meu futuro. Posso não ser a


pessoa mais ambiciosa do mundo, mas não estou acima de
aproveitar as poucas chances que a vida me dá e fazer
delas um degrau para a minha subida.

Não quero o dinheiro dos King, quero o que vou receber com
o meu trabalho suado. Preciso terminar meu curso de
gastronomia e, um dia, terei o meu próprio restaurante. É só
isso o que desejo.

Isso e mais um pouco de Zachary, mas por motivos bem


diferentes.

— Você tem razão. Vamos lá, fada madrinha — devolvo a


brincadeira e Valerie abre um sorriso.

Saio primeiro do quarto, com Val avisando que vai arrumar


tudo para que ninguém desconfie que estivemos aqui, bem
como vai guardar a roupa que eu estava usando. Porém,
assim que cruzo a porta, estou tão distraída que quase
esbarro em Trenton King.

— Gaia, o que…? — Só que nenhuma outra palavra sai de


sua boca enquanto me varre de cima a baixo com o olhar.
Ele me analisa com cuidado, reparando em cada detalhe
quando me afasto um pouco, tentando me manter de pé. —
Meu primo é um homem de sorte.

Sou pega de surpresa com a confissão, porém ela me faz ter


certeza de que o olhar lançado por Trenton no café da
manhã era justamente o que eu imaginava ser.

Ele sabe.

— O quê? Não é isso, é… — Acabo me engasgando com as


palavras, e Trenton retribui minha confusão com um sorriso
debochado.

— Ei, calma, garota. Respire devagar. Isso… fique tranquila,


não vou contar a ninguém. Eu sei de tudo o que meu primo
faz —

Trenton explica. — Eu e Zach somos próximos demais. Elijah


pode até ser o meu irmão de sangue, mas meu primo é meu
irmão de alma.

Não consigo conter um “own”, para o qual ele revira os


olhos.

— Que tal não falarmos sobre ele esta noite? — sugiro,


fazendo com que Trenton franze a testa.

— Está dando em cima de mim, ruivinha? — pergunta em


um tom bem safado, que me deixa vermelha de vergonha.
O duplo sentido me passou despercebido e agora é tarde
demais.

— Não foi isso o que quis dizer, só… — tento me justificar e,


mais uma vez, a risada de Trenton me interrompe.
— Estou brincando com você. Posso ser muitas coisas, fura-
olho não é uma delas. — Ele me oferece o braço. — Venha.

Mesmo relutante, acabo aceitando o convite e enlaço meu


braço no dele, que começa a caminhar de queixo erguido. É
claro que solto uma risada com a pompa que finge manter.
Cada vez mais, entendo que esta família está longe de se
encaixar no estereótipo dos ricos e metidos.

— Tem certeza de que não quer falar sobre o Zach? —


Trenton insiste no assunto quando estamos descendo as
escadas.

— Tem certeza de que você não quer falar sobre ele? —


repito a pergunta, invertendo os papéis. — Talvez exista
alguma coisa que precise desabafar. Essa coisa toda de
irmão de alma pode ser algo como almas gêmeas…

— Olha como ela é engraçadinha. — Trenton esbarra em


mim com o ombro, me fazendo rir do comportamento
juvenil.

— Pare com isso ou então vou acabar rolando escada abaixo


brigo com ele, mas meu tom deixa claro que não estou
chateada.

— Meu primo me mata se eu deixar isso acontecer. Antes de


ir embora, ele invadiu meu quarto e mandou, com a voz de
lobo mau:

“cuide da Gaia” — Trenton conta, engrossando o tom das


palavras.

— Por que ele faria isso? — A curiosidade fala mais alto.


— Me diga você. — Trenton abre a porta da frente e deixa
que eu saia primeiro. Ao que parece, o cavalheirismo ainda
não morreu.

— Não faço a menor ideia…

— Pare com isso, ruivinha. O Zach me contou que vocês se


pegaram ontem. — Paro de andar e o encaro com espanto.
É claro que Trenton ri da minha expressão. — Ele não usou
essas palavras,

fique tranquila. Só estou parafraseando. Ou sendo direto


com o que entendi de tudo.

Mesmo com a explicação, não me sinto calma. Pelo


contrário: estou confusa, decepcionada e cheia de
expectativas descabidas.

Acho que meu semblante deixa isso bem evidente, porque


logo Trenton me envolve em um abraço — que não entendo
o motivo — e deixa um beijo na minha cabeça. Talvez eu
esteja carente ou precisando de alguém que me ajude a
entender essa miscelânea de sentimentos. É por isso que
deixo meus braços circularem o corpo musculoso que me
oferece apoio.

Não é a mesma coisa. Trenton também é lindo e, assim


como todos os homens dessa família, bem parecido com
Zachary. Só que ele não tem o mesmo cheiro, nem faz com
que meu coração bata de forma descontrolada. Ele não
desperta em mim aquilo que estava adormecido, muito
menos me deixa com vontade de… mais. De tudo.

— Vem, temos uma festa para curtir hoje. — Trenton se


afasta e, em um gesto bem parecido com o de Valerie, me
puxa pela mão e me guia na direção da praia.
Ainda bem que tenho em quem me apoiar, porque se eu
achava que a tenda do piquenique era um exagero, então
não estava preparada para ver o luau que foi montado.

Luzes de Natal presas a mastros de ferro criam um teto


vazado, que não nos impede de enxergar o céu estrelado da
noite de verão.

A brisa suave que corre do mar é muito bem-vinda, já que a


enorme fogueira ao centro emana um calor incômodo.

Pensei que apenas a família estaria aqui, mas, de novo, me


enganei. Pelo menos quarenta pessoas estão na praia, a
maioria usando roupas claras enquanto conversam em
grupos menores.

— Quem é essa gente toda? — questiono, talvez para mim


mesma.

— Amigos da família que têm casa por aqui — Trenton


explica e não solta minha mão por um segundo. Fico bem
agradecida pelo gesto.

Enquanto caminhamos para o centro da festa, ele vai me


explicando quem é quem. Vejo uma atriz conhecida, um
cantor pop,

um apresentador de talk show, vários empresários e até


mesmo algumas modelos. Todos lindos, ricos, bem-vestidos
e animados.

Acho que nunca me senti tanto como um peixe fora d’água.

— Gaia! — alguém grita o meu nome e, antes que eu


perceba, sou erguida do chão por braços musculosos. —
Ainda bem que você chegou. A festa estava muito feia sem
você. — Jackson me recoloca no chão e dá uma piscadinha.
Na mesma hora, lembranças de Zachary vêm com força,
mas me controlo para não deixar que isso transpareça em
meu rosto. — Eita, que ela tá gata demais hoje —

ele diz para o primo, que apenas faz que sim com a cabeça,
um sorriso conspiratório nos lábios.

— Oi, Jackson — falo enquanto tento ajustar o vestido, que


ficou torcido com a demonstração pública de carinho.

— Vou roubar a Gaia — ele avisa para Trenton. — Não sei


quando devolvo.

Sem me dar chance de concordar, ou de Trenton reclamar,


Jackson sai me puxando até o outro lado do espaço
reservado ao evento. Acho que meu tamanho pequeno é um
convite para que me tratem como uma boneca de pano. Só
pode!

— Para onde você está me levando? — quero saber.

Passamos por várias mesas improvisadas no chão, de


cangas coloridas e almofadas brancas, e seguimos até uma
mesa comprida, no estilo daquelas de piquenique que
vemos em parques.

— Quero descobrir se hoje você aceita uma bebida. —


Jackson solta uma risada e me pergunto quantas ele já
tomou. — Qual é o seu veneno? — Aponta para a seleção
multicolorida de garrafas.

Sem saber o que responder, viro o rosto para ele.

— Aceito sugestões — digo com um pouco de timidez na


voz. —

Não estou acostumada a beber muito.


Quando era adolescente, até experimentava uma coisa ou
outra nas festas em que conseguia aparecer, mas nem
sempre. E quando me mudei para Nova York, não podia me
dar ao luxo de gastar dinheiro com isso. Uma cerveja era o
limite sempre que saía com Pamela para uma noitada.

— Sugestões… — Jackson repete o que eu disse e coloca um


dedo no queixo, como se estivesse pensando. — Não sou
barman,

mas posso fazer uma misturinha bem boa para você.

Ele me olha de cima a baixo, mas não tem um pingo de


desejo em seu olhar — pelo que me sinto aliviada. Acho que
está apenas tentando me entender melhor para descobrir
qual bebida me oferecer.

Coloco as mãos na cintura e faço uma cara de indiferença,


fingindo ser uma das mulheres chiquérrimas ao meu redor.
Com isso, Jackson solta uma gargalhada estridente.

— Já sei! — Em seguida, começa a misturar o conteúdo de


três garrafas em uma taça de espumante.

— O que é isso? — pergunto quando ele me entrega o


líquido rosado.

— Prove e me diga se gosta.

Fico um pouco hesitante, mas então me lembro de onde


estou e do que aconteceu ontem.

“Quer saber? Dane-se”, falo mentalmente e dou um gole.

É forte, mas com um docinho delicioso que me dá vontade


de beber ainda mais.
— Que gostoso! — elogio.

— Eu sei que sou. Mas obrigado mesmo assim. Estava


precisando de uma acariciada no ego hoje — Jackson brinca,
e percebo que duplo sentido é a escolha preferida dos King.

Se Trenton era um anfitrião discreto, Jackson é o oposto.


Parece eufórico, falando sem parar, bebendo o tempo todo,
rindo alto e fazendo comentários sobre tudo. Ele me
apresenta a todo mundo, dizendo que sou uma amiga da
família. Em momento nenhum explica que, na verdade,
trabalho na cozinha da mansão.

Conversamos com várias pessoas sem que ele saia do meu


lado.

Não sei como me sinto em relação a essa proteção


exagerada dos primos King. Estou conseguindo me divertir
um pouco, apesar de que, volta e meia, meus pensamentos
retornam ao único homem que gostaria que estivesse
comigo agora.

“Foi só um beijo”, tento me lembrar. “Isso não quer dizer


que, se ele estivesse aqui, ficaria contigo.”

Quando Jackson e eu chegamos ao outro lado da tenda de


luzes, vejo Chloe Lowell acompanhada da mesma amiga
que veio no

outro fim de semana. Mas o que me chama a atenção é o


fato de que ela tem os braços cruzados e uma expressão de
desgosto no rosto. As duas não estão interagindo com os
demais convidados e fico me perguntando o porquê desse
comportamento estranho.

Antes que eu consiga entender um pouco mais, Jackson já


está me apresentando a outras pessoas. Mantenho o tom
simpático, me esforçando ao máximo para ficar entrosada.
O que é bastante difícil, já que não é todo dia que tenho a
oportunidade de me misturar com os ricos e bonitos.

— Gaia! — Harvey King para ao meu lado quando estou


conversando com Katrina Dawson, uma atriz de Hollywood.

Nunca pensei que diria essa frase.

— Senhor King! — Sorrio para ele, afetada pelas três taças


que Jackson me empurrou na última meia hora. — Que festa
linda.

Presa a seu braço, Monica está deslumbrante em um


vestido branco, que para na altura de sua canela. A saia
esvoaçante a deixa ainda mais jovem, e a maquiagem
suave não esconde sua beleza.

Eles cumprimentam Katrina, que é bem mais humilde do


que imaginei.

— Está tudo perfeito — Monica diz com um enorme sorriso


em seu rosto, o que me faz perguntar se, assim como eu,
ela já bebeu mais do que deveria. — As comidas ficaram
divinas.

— Isso me lembra — Harvey interrompe a esposa —, você


fez a sobremesa prometida?

— Os brownies, como falei que faria. — Sorrio para ele.

— Eu ouvi “brownies”? — Jackson se intromete e apenas


faço que sim com a cabeça.

É então que o pandemônio se instala, porque é claro que


Jackson King está longe de ser um homem comedido. Ele
sobe em cima de uma mesa, que estava sendo usada para
apoiar algumas bandejas de croissants que fizemos, mas
que agora estão vazias.

— Atenção, por favor! — grita, abanando os braços para que


todos se virem para ele. Seu estado alcoolizado o faz
tropeçar e quase cair, mas Jackson consegue se manter de
pé com algum esforço. — Está na hora de provarmos os
brownies da Gaia! Brow-

nies! Brow-nies! Brow-nies! — incentiva as pessoas, que


começam a vibrar junto com ele.

Fico vermelha ao me tornar o centro das atenções, já que o


dedo de Jackson está apontado para mim. Até Harvey King
cantarola junto com o restante dos convidados. A única que
demonstra um pouco de bom-senso é Monica, que me olha
com piedade.

Enfio o rosto na mão e respiro fundo. Em seguida, vou para


a mesa das sobremesas, um pouco à direita, só para pegar
a bandeja lotada das delícias de chocolate que preparei à
tarde. Começo a servir o doce e vejo que uma fila de
pessoas bêbadas e eufóricas se formou, todos esperando a
vez para provar a minha comida.

Um frio na barriga, tão forte que parece que engoli um


iceberg, começa a me dominar. Vozes altas, risos
despreocupados e a noite agradável… enquanto isso,
ninguém percebe que estou morrendo com a ansiedade que
corrói meu estômago. Katrina Dawson vai provar meu
brownie, pelo amor de Deus! Nunca, em toda a minha vida,
pensei que isso aconteceria.

A receita é ótima, com algumas gotas de chocolate ao leite,


trazendo um pouco de doçura à massa de chocolate
amargo, e com pedacinhos de nozes, só para dar um toque
crocante.
— Isso é bom demais! — Tom Jenkins, outra personalidade
da televisão, elogia e vem pegar mais um pedaço.

— É muito bom mesmo. — Katrina para ao meu lado e


repete a dose, retirando da bandeja o último brownie. —
Não sabia que você cozinhava — ela comenta. Claro que
não é como se a atriz soubesse qualquer outra coisa a meu
respeito, sem contar meu nome.

— Fico muito feliz que tenha gostado — digo com


sinceridade, minhas bochechas queimando de vergonha.

Atrás dela, posso ver Jackson mastigando. Ele me dá mais


uma piscadinha, com o dedão num gesto de aprovação.
Percebo então que o espetáculo foi de propósito. Do seu
jeito espalhafatoso, ele estava tentando me ajudar — me
sinto ainda mais grata por isso.

— O que você faz da vida, Gaia? — Katrina insiste em saber,


um tom de pura curiosidade na voz.

— Sou cozinheira — confesso, com certo orgulho. — Ou


melhor, quero ser uma. Por enquanto, ajudo na cozinha. —
As palavras

saem baixinho. Não tenho vergonha de ser uma mera


ajudante, mas também não é algo que queremos gritar
quando estamos de frente para uma das mulheres mais
famosas do país.

— Você tem muito talento — ela diz e coloca a mão no meu


braço, em um gesto de apoio. — Tenho certeza de que vai
fazer sucesso. Caso abra um restaurante ou doceria, me
avise. Adoraria repetir a dose desse brownie maravilhoso.

Várias outras pessoas vêm me elogiar, enaltecendo a


destreza com que criei aquela obra de arte gustativa.
Palavras dos convidados, não minhas. Só consigo pensar em
uma frase: “Foi só um brownie”. Não é como se fosse uma
criação própria, com sabores nunca provados antes. Dando
de ombros, resolvo ignorar minha incredulidade,
imaginando que deva ter mais do que um dedo da família
King nessa exaltação toda.

O resto da noite corre de forma mais tranquila — ainda bem


—, e consigo conversar com algumas pessoas. Ao meu lado,
Jackson se mantém presente o tempo todo. Trenton, que
esqueceu o que havia prometido ao primo mais velho, está
sentado em uma das almofadas brancas, com duas
mulheres lindas ao lado.

Sebastian e Elijah embarcaram em uma conversa acalorada


com um cara que descobri ser piloto de Fórmula 1,
enquanto os pais King parecem bastante entretidos com
outros homens de negócios.

Só Zachary que continua em Manhattan, com Samantha, e


duvido que esteja pensando em mim.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Será que Zachary King está namorando?

Durante a semana, algumas fotos dele com Samantha


Strauss

— filha de um executivo da filial britânica da IK — vazaram


nas redes. Os dois foram vistos em momentos intimistas,
conversando em restaurantes e parecendo bem próximos.

Sabemos que Zach e Sam já tiveram um affair quando ele


estava em Londres, então, só me resta perguntar: o que ela
está fazendo em NY? Será que reataram o romance?

Capítulo 20
Gaia
— Já chega! — Valerie invade o meu quarto na quinta-feira à
noite, enquanto estou lendo um livro que peguei
emprestado na biblioteca da casa. — Não vou deixar que
você continue aqui dentro, remoendo pensamentos
autodestrutivos enquanto aquele babaca está se divertindo.

Ela arremessa o celular, que cai ao meu lado quicando no


colchão macio, interrompendo a cena do primeiro beijo de
Jace e Clary.

— Do que você está falando? — pergunto, um tanto


atordoada ao fechar o livro.

Quase não acreditei quando vi a saga de fantasia


adolescente em uma das prateleiras da biblioteca dos King.
Claro que não podia perder a oportunidade de reler uma das
autoras que mais amo na vida. Mas minha alegria dura
pouco frente ao furacão Val. Sem me responder, minha
amiga apenas aponta para o celular na cama. Pela cara, sei
que coisa boa não é.

Pego o telefone e, ao ver a foto estampada na rede social,


meu estômago parece dar um nó. A bile sobe até a minha
boca, queimando tudo pelo caminho. Eu sei, eu sei, que
estou prestes a vomitar.

“Zachary King fora do mercado?” é a chamada do post. Mas


sei que pode ser apenas um click bait. O que me incomoda
mesmo é a foto. Nela, Zachary tem o rosto abaixado e
quase colado ao de uma mulher, que sorri de forma tímida
para a câmera.
Não sei por quanto tempo encaro os dois, tentando
controlar a vontade de colocar tudo o que comi no jantar
para fora.

É como se meu cérebro tivesse parado de funcionar, como


acontecia durante as provas de matemática na escola. Eu
estudava bastante, fazia vários exercícios, respondia às
perguntas em sala de aula e, quando colocavam a prova na
minha frente, nada.

Absolutamente nada. Meses de estudo e nada! É


exatamente isso o que acontece agora.

Nada.

Um maldito nada causado por uma foto. Só uma foto, de um


homem que mal conheço acompanhado de uma mulher que
só posso imaginar ser a tal de Samantha. Os dois parecem…
íntimos demais, e o sorrisinho que ela lança não esconde
que Zachary deve estar sussurrando coisas deliciosas em
seu ouvido.

Talvez as mesmas que sussurrou no meu.

Desgraçado!

É demais para mim. Solto o telefone na cama e corro até o


banheiro, me ajoelhando na frente do vaso sanitário e
esvaziando o conteúdo do meu estômago. Ânsia após ânsia,
sinto meu corpo rejeitar a ideia de que ele está com outra
mulher. Beijando outra boca, acariciando outra pele,
sussurrando palavras sedutoras. Meu corpo não entende
que Zachary King não é meu.

Nós apenas trocamos um beijo. Tudo bem que foi o melhor


beijo da minha vida, mas ele não sabe disso — nem saberá.
Não vou alimentar um ego já inflado. Só que ele também
não tem culpa.

Zachary nunca me prometeu nada, nunca disse que


estávamos juntos nem insinuou que tínhamos algum tipo de
exclusividade.

Foi só um maldito beijo!

Mesmo assim, outra ânsia vem, acompanhada de um líquido


amargo.

“De novo não. De novo não.”

— Ei, está tudo bem. — Sinto as mãos de Valerie segurarem


o meu cabelo, impedindo-o de entrar em contato com a
nojeira. —

Desculpe ter mostrado a foto, mas é que…

— Não precisa se desculpar — asseguro, não querendo que


ela se sinta culpada por revelar a verdade e abrir meus
olhos.

Aperto o botão da descarga e abaixo a tampa do vaso.


Sentada no chão, deixo que minha cabeça penda entre as
minhas mãos,

envergonhada demais pelo que Valerie acabou de


presenciar.

O que ela não sabe é que esse tipo de comportamento me


afeta de forma mais profunda do que à maioria. Não tenho
estômago para suportar mais traições.

Val senta ao meu lado e apoia uma mão no meu ombro em


um gesto de solidariedade.
— Não queria que você criasse mais esperanças, enfurnada
neste quarto, esperando por um babaca — ela sussurra e
posso sentir o pesar em suas palavras. — Ele pode ser um
King, mas todos sabem que esses homens são
problemáticos quando o assunto é relacionamento.

— Zachary não deveria ter me beijado — confesso e levanto


o olhar para ela.

— Não, não deveria — Val concorda. — Mas agora você já


sabe com que tipo de homem está lidando.

— Um dos piores. Porém, talvez eu não queira acreditar —


solto as palavras em um sussurro, minhas esperanças foram
embora junto com a descarga.

Valerie não responde de imediato e, para a minha surpresa,


ela se levanta do chão do banheiro e vai até o quarto.
Segundos depois está de volta, trazendo o celular nas mãos.
Ela se recoloca ao meu lado e começa a digitar coisas na
tela, até que finalmente parece encontrar o que estava
procurando.

— Esse perfil aqui, King Lover, é dedicado à família. — Ela


me entrega o aparelho, mas não olho para ele de imediato.

— Como assim? — quero saber.

— É um Instagram que fala apenas sobre fofocas


relacionadas aos King. Tem fotos de tudo o que eles fazem.
Ou melhor, de tudo que é noticiado sobre eles. Dê uma
olhada — Val me incentiva.

Quando faço o que ela pede, sinto que meu coração será o
próximo a parar no vaso sanitário. Fotos e mais fotos de
todos os cinco herdeiros King. Vejo Jackson sorrindo,
abraçado a duas mulheres lindas; Trenton saindo de um
carro de luxo; Sebastian em um cassino, com muitas fichas
à sua frente; Elijah correndo no parque sem camisa; e
Zachary… São tantas fotos dele que chego a perder as
contas. Vou rolando a tela para baixo, me deparando com

imagem atrás de imagem, até perder as forças e deixar o


celular cair no meu colo. Porque, em todas elas, ele está
acompanhado de uma mulher diferente.

— Ei, algumas dessas fotos são antigas, de quando ele


morava em Londres — Val explica, mas não é o suficiente
para me acalmar.

Pego o aparelho de novo e volto a observar as fotos dele.

Sempre sorrindo, com o braço passado pelos ombros das


mulheres, ou então abaixado enquanto sussurra coisas em
seus ouvidos —

como na primeira imagem que vi hoje. Em algumas, estão


até se beijando.

— Val, eu… — Na verdade, não sei o que dizer.

— Ele é um playboy, Gaia.

— Um homem saudável — repito as palavras ridículas que


Monica King usou para defini-lo.

— Muito, muito saudável — Val brinca, mas não há sinal de


humor em sua voz. — Cabe a você escolher o que vai fazer
agora, querida.

— Não vou fazer nada, Valerie. Na verdade, nem tenho o


que fazer. Não posso me sentir traída, porque não tínhamos
nada. Só que também não sei passar por cima do que senti.
— Isso é mentira. Você pode fazer muitas coisas, inclusive
aceitar sair comigo hoje e esquecer Zachary King.

Encaro a mulher ao meu lado e, em seus olhos, vejo um


brilho de travessura.

— O que você está planejando?

∞∞∞

Duas horas depois, entramos no Danny’s. Desta vez, pouco


me importei com o que iria usar, escolhendo uma calça
jeans, uma regata preta bem justa, e sapatilha. Val
melhorou meu visual com um cordão dourado e argolas
enormes, prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo alto
e fazendo uma maquiagem mais pesada.

Diferente dela, que optou por um vestido vermelho bastante


curto e saltos, hoje estou com uma roupa confortável, do
jeito que gosto.

Apesar de ser apenas dez da noite, o bar está lotado. O


espaço não é dos maiores, mas todas as mesas estão
ocupadas, até mesmo os bancos altos perto do balcão. O
pop rock conhecido que toca ao fundo faz com que algumas
pessoas dancem com seus parceiros, enquanto outras
balançam a cabeça enquanto conversam com os amigos.

— Vamos procurar o Derek — Valerie diz, apontando na


direção do balcão, e eu respondo com um aceno. — Só
espero não encontrar a Lottie também. — Ela faz cara de
nojo, me obrigando a rir.

— Ela não é tão ruim assim — sugiro numa tentativa de


suavizar a conversa. Val franze o cenho, como se não
entendesse o meu comentário. Também não entendo, mas a
verdade é que não gosto de falar mal das pessoas sem ter
motivos para isso.

— Ei, o que você quer beber? — minha amiga pergunta,


segurando o meu braço.

— O mesmo que você. — Dou de ombros.

Hoje, estou disposta a qualquer coisa que me faça esquecer


daquelas milhares de fotos. E se isso significa ficar bêbada,
então que seja. Amanhã é um belo dia para se curar de uma
ressaca.

— Oi, meninas! — Derek sorri atrás do balcão, um pano de


prato na mão e um copo de cerveja na outra. — Que bom
que vocês vieram.

— Aproveitamos que Martha estava com dor de cabeça e foi


dormir mais cedo — Val explica.

— Escolheram um bom dia para aparecer. A casa está


lotada. —

Ele aponta para o mar de pessoas animadas e eu acabo


forçando um sorriso.

Não temos muita chance de papear com Derek, já que,


como ele mesmo disse, o bar está cheio e os clientes
aparecem a cada segundo pedindo bebidas. Valerie escolhe
Sex on the Beach para nós duas e, assim que temos as
taças na mão, fazemos um brinde:

— Ele não sabe o que está perdendo — minha amiga diz e


me oferece uma piscadinha. Agradeço mentalmente por
suas palavras encorajadoras e dou um gole na bebida
colorida.
O líquido doce desce por minha garganta de forma suave,
tanto que sorrio e fecho os olhos para aproveitar um pouco
mais o sabor de pêssego. Nunca tinha provado esse drink
antes, e me arrependo profundamente, porque é uma
delícia. Logo penso em um prato que posso criar, usando
essa mistura de sabores como inspiração.

Bebemos, dançamos, rimos e, por alguns momentos,


consigo esquecer Zachary King. A quem estou tentando
enganar? É claro que ele não sai da minha cabeça por um
minuto sequer, e toda vez que tento me divertir, penso no
que ele deve estar fazendo com Samantha e sinto vontade
de voltar para cama e chorar.

Odeio estar tão enfeitiçada por um homem que está pouco


se lixando para mim. Mesmo assim, finjo felicidade até que
ela se torne verdade. A música está animada e não posso
desperdiçar minha vida pensando em alguém que não me
quer, por mais lindo que ele seja.

Então, bebo mais um pouco, danço mais um pouco e rio


mais um pouco. Um looping forçado para ver se consigo sair
desse sentimento ruim.

— Querem companhia? — Estamos no quarto drink quando


uma voz grossa atrás de mim me faz virar o corpo.

Dou de cara com dois homens bem atraentes, que nos


encaram de forma apreciativa. Só que a última coisa que
preciso agora é flertar com quem quer que seja.

— Adoraríamos! — Valerie diz antes que eu possa recusar a


proposta. — Eu sou a Val e esta é a Gaia — ela nos
apresenta e, com isso, os dois se aproximam ainda mais,
parando ao nosso lado.
— Dean — o que está mais próximo de mim fala. Ele é bem
interessante, com seu cabelo curtinho, no estilo militar, e a
pele bem bronzeada contrastando com os olhos cor-de-mel.

— Craig — o outro também se apresenta, e acho que são da


mesma família, porque as feições são parecidas.

Que nem os King.

— Vocês moram por aqui ou só estão passando as férias? —


Val quer saber, mas permaneço calada. Minha expressão
murcha de desespero ao ter que conversar com dois
homens bonitos e, provavelmente, ricos.

Seria engraçado se não fosse triste. Eles falam, mas não


escuto nada. Na minha cabeça, tudo o que queria era poder
voltar para a minha cama, me entupir de chocolate e
esquecer que beijei Zachary King. Por isso, vejo as bocas se
mexendo, só que ignoro cada uma das palavras que saem
delas. Nada me interessa agora. Nem ninguém.

— E você, Gaia? — Dean encosta no meu cotovelo,


chamando a minha atenção de volta à conversa. Quando
franzo o cenho, sem entender muito bem a pergunta, ele
explica: — O que você faz da vida?

Um sorrisinho de lado ganha espaço no rosto bonito.

— Sou cozinheira em uma das mansões — solto a verdade e


ele se espanta.

Dá para ver que o interesse que tinha vai embora quando


descobre que não sou uma mulher rica e importante, como
a maioria das que frequentam a região nesta época do ano.

— Ah, que legal… — Seu tom é tão murcho quanto a minha


expressão.
— É ótimo. Descasco cebola e alho o dia inteiro. É o sonho
da minha vida. — Viro o rosto para Val, que está
boquiaberta. — Com licença.

Eu me afasto do grupo antes de minha amiga tentar me


impedir e sigo na direção do banheiro, desviando das
muitas pessoas no caminho. Todos riem alto e parecem
estar felizes de verdade.

Achei que poderia vir até aqui e me divertir um pouco, mas


estava mentindo para mim mesma. O que preciso é
começar a esquecer aquele homem, sem a ajuda de
ninguém.

Zachary King foi o primeiro por quem me interessei desde…

Balanço a cabeça, tentando afastar as lembranças que


continuam me assombrando. Se eu consegui esquecer ele,
com certeza farei o mesmo com Zachary. O que tivemos
nem se compara ao que tive com meu ex-namorado. Mas
que merda do caralho! Por que não tenho sorte com
relacionamentos? Por que só encontro babacas que querem
me usar? Por que nunca conheço um cara normal?

Chego ao banheiro e, para a minha sorte, não tem ninguém


na fila além de mim. Porém a porta está fechada, indicando
que tem

uma pessoa lá dentro. Só que quando escuto um gemido


masculino, seguido de outro feminino, percebo que estava
errada quanto ao número de ocupantes.

Merda, o que faço agora? Tenho duas opções: esperar que o


casalzinho apaixonado “acabe” a diversão, ou voltar para
Val e os dois homens. São todas péssimas opções, quase
torturantes para o momento. Não preciso pensar por muito
tempo até entender que chegou a hora de voltar para a
mansão.

Decidida a acertar a conta com Derek amanhã, viro as


costas para o banheiro. No instante que faço isso, a porta se
abre, revelando uma Lottie descabelada, com o rosto
vermelho e uma expressão bastante satisfeita no rosto. Ela
para de andar assim que me vê, os olhos arregalados com a
surpresa. Logo Lottie se recompõe, passa a língua pelos
lábios inchados e volta a caminhar, ignorando
completamente a minha presença.

Se fosse só isso, tudo bem, eu teria seguido meu caminho.


O

problema é que, atrás dela, está a última pessoa que


esperava ver aqui.

Jackson King.

Ele tem os olhos abaixados enquanto tenta abotoar a calça


social que usa, sem perceber que estou aqui. Quando nota
que não está sozinho, diferente de Lottie, ele abre um
enorme sorriso ao me reconhecer.

— Gaia! — Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ele me


puxa para um abraço apertado.

Não sei se me sinto feliz por vê-lo aqui ou preocupada pelo


que estava fazendo. Com certeza estou com nojo, porque
ele não lavou as mãos — e eu posso imaginar onde elas
estiveram nos últimos minutos.

— A Lottie, Jackson? Sério? — acabo perguntando, mas ele


não parece nem um pouco abalado pelo meu tom de
descrença.
— O Zachary, Gaia? Sério? — ele refaz a minha pergunta,
atingindo um ponto certeiro dentro de mim.

— Touché. Mas está desatualizado. — Aceno com a cabeça e


ele solta uma gargalhada.

— Humm… sei. Mas o que você está fazendo aqui? —


Jackson quer saber, mas não há um pingo de julgamento em
sua voz, apenas curiosidade.

— O mesmo que você. — Dou de ombros.

— Transando com Lottie no banheiro?! — Seu tom é


escandaloso. — Mas que coincidência!

Acabo rindo da situação ridícula e ele me acompanha.


Dando um passo em falso, Jackson cambaleia um pouco,
apoiando-se em mim para conseguir manter o equilíbrio.
Pelas pernas bambas e pelo cheiro, sei que está bêbado —
como sempre.

— Pensei que a família só chegaria amanhã — comento e


seus olhos nublados confirmam a minha suspeita. Mesmo
assim, ele passa um braço em torno dos meus ombros e
começa a me guiar de volta para o salão, ignorando o
motivo que tinha me levado ao banheiro.

— A família vem amanhã. Eu só… precisei fugir um pouco


mais cedo. Essa coisa de trabalhar é muito ruim, Gaia,
querida. Não estou acostumado a uma vida de
responsabilidades, nem quero isso para mim. — As palavras
saem um tanto emboladas.

Assim que chegamos de volta ao bar, ele faz um sinal de


número dois para Derek, que não parece surpreso ao ver
um de seus patrões ali.
— Me conte um pouco dessa vida — peço, tentando me
manter ocupada para não ter que voltar para Valerie e os
dois homens.

De canto de olhos, vejo que eles estão no mesmo lugar de


antes, rindo e conversando como se não tivessem uma
preocupação na cabeça. Pelo visto, minha amiga vai poder
escolher a companhia para mais tarde.

Porém, antes que Jackson possa me esclarecer sobre a vida


boa, Derek reaparece, trazendo dois copinhos pequenos de
um líquido azul.

— Beba comigo, Gaia — o caçula dos King pede, enfiando


um deles na minha mão.

— O que é isso? — pergunto enquanto cheiro o conteúdo. O

aroma forte de álcool me faz franzir o nariz.

— A solução para os nossos problemas. Confie em mim.


Você vai esquecer seus problemas rapidinho se beber a
poção mágica. —

A resposta me faz sorrir.

Já bebi quatro Sex on the Beach. Um shotzinho a mais não


vai fazer diferença. Por isso, encosto meu copo no dele num
brinde pela vida fácil antes de virarmos o líquido de uma
vez só. A bebida queima a minha garganta e sou obrigada a
fazer uma careta. É claro que Jackson ri de mim.

— Mais um! — grita para Derek, que corre para obedecer.

— Eca. Isso é muito ruim — confesso. — Mas se você diz que


funciona para esquecer problemas, acho que devo acreditar.
Repetimos o processo, só que, desta vez, Jackson também
coloca um comprimido pequenininho na boca. Não sei o que
é — e não quero saber —, mas logo o clima fica bem mais
animado.

Não sei quantos shots bebemos. Três, talvez mais. Pouco


importa. É só quando estou dançando com Jackson,
rebolando no meio do salão, que percebo meu estado de
embriaguez.

Valerie está ao nosso lado. Dean foi esquecido e toda a


concentração da minha amiga está em Craig, que dança
junto com ela.

A bebida mágica fez o efeito que eu precisava, e não há


mais Zachary King na minha mente, apenas a música e um
pouco da tontura. Jackson está comigo, empolgado como
nunca vi, por isso me forço a entrar no mesmo clima. Do
outro lado do salão, vejo Lottie me encarar com nada além
de ódio nos olhos, mas também não estou a fim de pensar
nela agora.

Danço até meus pés doerem, com Jackson se mexendo


atrás de mim, o corpo colado ao meu. Jogo meus braços
para cima e ignoro o resto do mundo, sentindo as mãos dele
envolverem minha cintura.

É… Foda-se Zachary King.

Capítulo 21
Gaia
— We are the champions! We are the champions! No time
for losers, ‘cause we are the champions… of the world! —
Jackson e eu cantamos a música a todo pulmão enquanto
andamos de volta para a enorme casa da família King.
Valerie resolveu aproveitar o restante da noite com Craig,
mas prometeu que estaria no trabalho pela manhã.

Ao longo do caminho, ouvimos gritos de reprovação, mas


nem nos importamos. Estamos tão livres, leves e soltos que
ignoramos as regras básicas da sociedade. De braços dados
e cambaleando pela praia, cantamos mais algumas músicas
e rimos com algumas pessoas tão animadas quanto a
gente, que passam em direções opostas.

— Acho que você é minha nova melhor amiga, Gaia —


Jackson diz quando a mansão aparece ao lado. Só que a
frase é acompanhada de uma gargalhada alta, tão
escandalosa que o faz ele tropeçar nos próprios pés e cair
de joelho na areia.

— E eu acho que você está bêbado — comento, rindo dele e


talvez de mim mesma também.

Em vez de se levantar, Jackson aproveita a chance e se


deita no chão, abrindo os braços e as pernas enquanto
encara o céu estrelado.

— Vem ficar aqui comigo. — Ele estica uma das mãos até
alcançar a minha e me puxa para baixo.

Não tenho tanta firmeza quanto normalmente, por isso caio


com o puxão e acabo me acomodando em seu braço.
— Eu podia morar aqui, sabia? — faço a pergunta retórica,
sem esperar uma resposta de volta. — Amo a praia, amo o
barulho das ondas e odeio Nova York.

A confissão me faz sentir uma leveza tranquilizadora.


Respiro fundo a maresia e deixo o silêncio me embalar.

— Também odeio Nova York — Jackson fala. — Odeio Nova


York, Londres, Madri, Roma, Paris… Odeio todas essas
grandes cidades. Para ser sincero, odeio a minha vida. — A
revelação me pega de surpresa e acabo erguendo o torso
enquanto me apoio nos antebraços para poder encarar o
homem deitado na areia.

A expressão de Jackson, porém, é neutra. Tão neutra quanto


o nada que senti ao ver a foto de Zachary e Samantha
estampada nas redes sociais. É então que percebo o que
quer dizer com isso. Ele não sabe o que fazer, não tem
como reagir, e então fica nesse limbo.

Mesmo com essa consciência, acabo perguntando:

— Por quê?

— Não sei. — A resposta não me espanta. — Eu tenho tudo


para ser feliz, mas não sou. Poderia dizer que é por conta
das responsabilidades, das exigências no trabalho… só que
a verdade é que não sei. Nunca fui feliz de verdade, Gaia.
Nunca chorei de tanto rir. Nunca chorei de emoção. Ser um
King é… complicado.

— Como assim? — incentivo-o a continuar.

— A gente tem que estar no controle o tempo todo. —


Jackson se senta também, seu olhar encontrando o meu. —
Não podemos fazer nada sem que uma foto nossa apareça
na mídia. As decisões são friamente calculadas.
— É por isso que você bebe tanto? — A verdade escapa da
minha boca antes que eu consiga usar aquele bendito filtro.
Mas Jackson apenas sorri para mim, sem dar sinais de estar
chateado com a minha intrusão.

— Eu bebo, fumo, me drogo, trepo… Faço tanto qualquer


coisa só para tentar trazer um pouco de ânimo para a minha
vida — ele confessa e apenas assinto com a cabeça. — Às
vezes, estou tão deprimido que nem consigo sair da cama.
Outras vezes, estou tão eufórico que não consigo me
controlar e só penso em beber, fumar, me drogar, trepar…

— Mas não dá certo, né?

— Não, não dá — ele diz em um tom seco. — Mas não sei o


que fazer. Juro por Deus que já tentei de tudo. Até a porra
da religião, só que nada me faz feliz. Todos os meus sorrisos
são falsos, Gaia.

— Nem todos — falo antes de me lançar sobre ele e


começar a fazer cócegas na lateral de seu corpo.

Jackson corresponde ao ataque, gargalhando alto enquanto


implora para que eu pare. Estou bêbada demais para
perceber o que faço, porque, de repente, tenho ambas as
pernas passadas em volta da cintura de Jackson e nossos
rostos estão a centímetros de distância.

— Viu? — Corro um dedo na lágrima que desce por sua


bochecha. — Você consegue chorar de tanto rir.

Ofereço um sorriso.

— Quer ser minha, Gaia? — ele diz, me fazendo arregalar os


olhos com a surpresa, e o sorriso em meu rosto morre. — Eu
te ajudo a esquecer o meu primo. Prometo que vou tentar te
fazer feliz e…
— Jackson — interrompo-o antes que seu discurso saia de
controle. — Não posso fazer isso com você. Não é justo com
nenhum de nós dois. Você merece uma mulher incrível e
que te ame incondicionalmente. Mas eu não sou ela.

Não há um pingo de ressentimento em seu olhar quando me


encara. Acho, inclusive, que está cheio de humor.

— Uma pena, né? A gente se daria muito bem.

— Disso, eu não duvido. — Puxo-o para um abraço.

Apesar da posição em que me encontro, não há desejo


entre nós. Não há aquele clima pesado de expectativa e
excitação. Não há nada além do sentimento fraternal que
começa a brotar.

Eu entendo, talvez melhor do que ninguém, o que Jackson


sente. Esse oco no peito, como se nada fosse capaz de
preenchê-lo, já senti também. Só que, diferente dele, eu
encontrei meu ponto de alegria — e é na cozinha que me
sinto viva, capaz de qualquer coisa.

— Vamos entrar. — Afasto-me dele e começo a me erguer.


Em seguida, ofereço uma mão para ajudá-lo a ficar de pé
novamente.

Assim que ele toma a posição, parando bem na minha


frente, um sorriso triste decora seu rosto.

— Tenho que me casar. — As palavras me pegam de


surpresa.

— Como assim?

— Tenho que me casar, ser um cara responsável, tomar meu


lugar na empresa e blá-blá-blá.
— Do que você está falando?

Ele me encara por alguns segundos e, depois, se vira para o


mar. Imito seus movimentos, parando ao seu lado e fitando
a imensidão escura. Antes que diga qualquer outra coisa,
Jackson envolve os dedos nos meus.

— Ouvi uma conversa de meu pai com tio Harvey e tio


Eddie.

Eles estavam falando que todos nós precisamos nos tornar


homens de verdade, que está na hora de pararmos de ser
moleques. —

Balança a cabeça em negativa, como se não entendesse


muito bem o que os outros disseram.

— Por quê? — pergunto, curiosa.

— Eles querem se aposentar — Jackson explica. — Isso,


inclusive, eles disseram para a gente antes de sermos
enviados para Londres. Foi por isso que nos mudamos para
lá. Tipo um treinamento.

— E você está pronto para assumir a empresa?

— Claro que não. — Ele solta uma risada triste e, por


instinto, aperto um pouco sua mão, tentando oferecer
consolo. — Mas preciso estar pronto. Sei que Zach está. Ele
é muito bom em tudo o que faz, sabe? Trenton também
gosta muito da ideia de ser o segundo em comando na IK.
Sebastian é advogado e Elijah… Bom, Eli é pau pra toda
obra. Já eu não sou ninguém, Gaia. Não sei o que gosto, o
que quero ser quando crescer, nem se quero crescer. Não
sei de nada, nem quero me envolver com os negócios da
família.
Fico sem reação. Quando Jackson me confessou que não era
feliz, eu entendi. Entendi, porque me senti do mesmo jeito
durante muito tempo. Queria saber o que dizer agora,
qualquer coisa útil para confortar esse cara tão quebrado.

Jackson é um menino perdido, mas não sei de que forma


posso me tornar uma bússola para ele, já que estou perdida
também.

— O que você vai fazer? — acabo questionando.

— Não tenho ideia. — Desta vez, ele me encara. Nos olhos


verdes, tão parecidos com aqueles que tiram o meu sono,
vejo a definição de desesperança.

Então, faço a única coisa que consigo: puxo-o para um


abraço, oferecendo meu apoio silencioso.

— Obrigado — é tudo o que ele diz, seus braços ainda


envoltos em meu corpo.

— Obrigada — falo a mesma coisa e o aperto um pouco


mais.

Não sei quanto tempo passamos assim, até que nos


separamos e seguimos juntos na direção da casa. Quando
cruzamos a porta de entrada, Jackson vai direto para o
aparador, que guarda alguns copos e garrafas de bebidas.

— Quer uma saideira? — oferece, mas eu recuso. — Mais


pra mim.

Em vez de servir o líquido no copo, ele abre a tampa e


envolve o gargalo com a boca, virando grande parte do
conteúdo de uma vez só. Faço uma careta, com medo do
que vai acontecer quando Jackson ficar ainda mais bêbado.
— Chega. — Tiro a garrafa de sua mão e a recoloco no
aparador. — Está na hora de dormir.

Antes que ele proteste, começo a arrastá-lo pela escada.

— We are the champions! — Jackson volta a cantar


enquanto passa o braço em torno dos meus ombros.

A impressão que tenho é de que estou subindo uma


catedral, e não apenas alguns degraus. O peso que deposita
sobre mim me faz cambalear, mas continuo firme na missão
de colocá-lo na cama.

Finalmente chegamos ao quarto e abro a porta. Jackson se


desvencilha de mim e, logo em seguida, se joga no colchão.

— Estou cansado — diz com um sorriso.

Se é falso ou verdadeiro, ainda não sei.

— Então vai dormir — brinco e ele estica a mão para mim.

— Fique aqui comigo.

— Pensei que a gente tinha combinado de…

— Não estou falando nesse sentido, Gaia. — Os olhos


permanecem fechados, mas a mão não desiste e
permanece

estendida no mesmo lugar. — Só não quero ficar sozinho.


Estou sempre sozinho.

A declaração faz meu coração se apertar com a pena que


sinto dele neste momento. Eu sei que pena é um
sentimento bem errado, até porque não sou melhor do que
Jackson em sentido nenhum. Só que é impossível olhar para
um homem como ele — tão lindo, rico e divertido — e não
ser tomada por uma tristeza profunda.

Então, sem contestar, vou até a cama, mas paro na beirada.

— Ei — cutuco sua perna com o joelho e Jackson abre os


olhos

—, você não está mais sozinho, ouviu?

Ele me encara de volta e noto uma certa travessura no


modo como sorri. Só então me dou conta de que estou
sendo puxada para a cama.

— Hmpf — solto um gemido de dor ao cair sobre ele.

— Você também não está sozinha. Prometo que sempre terá


a mim — declara.

Não sei se é por conta do nosso estado ou então para aliviar


o peso do momento, mas nós dois começamos a rir. Alto.

Mas antes que eu perceba o que está acontecendo, Jackson


cola os lábios aos meus. É só um selinho, acredito que sem
segundas intenções, mas o problema é que ele faz isso no
instante que a luz do quarto é acesa.

Viro o rosto para o lado, uma desculpa já preparada para


quem quer que esteja ali.

Merda, merda, merda, merda!

Parado à porta, está Zachary King.

Capítulo 22
Zachary
Ver Gaia nos braços do meu primo, um homem que eu amo
e por quem daria a vida, faz com que eu entenda a
profundidade dos meus sentimentos por ela. Porque, neste
momento, tudo que tenho é uma vontade meramente
controlável de arrancar a cabeça de Jackson fora.

O sangue ferve dentro de mim, um vulcão de ódio e


desgosto.

De ciúme e mágoa.

— E aí, mano. Quer vir brincar com a gente? — Jackson


pergunta naquele costumeiro tom bem-humorado, o que
piora ainda mais a minha situação.

Meus olhos não saem de cima dela, que me encara de volta


com um misto de medo e surpresa. E eu não sei qual dessas
emoções é a pior. Mas o que sei é que daria toda a minha
fortuna para não ver Gaia deitada sobre outro homem de
novo.

Nunca. Mais. Nesta. Vida.

Eles estavam se beijando. Consegui ouvir as vozes abafadas


enquanto subia as escadas, correndo para ver se meu primo
estava bem. Vozes de dois amantes. E risadas. Muitas
risadas.

A mensagem que ele me mandou antes de sair de


Manhattan me deixou bastante preocupado. E eu, como
bom idiota que sou, vim correndo até aqui, ignorando todas
as minhas responsabilidades para cuidar do meu primo. Pelo
visto, Jackson não precisava de mim para isso, já que tem
Gaia para fazer o serviço.

Permaneço calado, observando os dois na cama e me


permitindo ser torturado, os punhos cerrados ao lado do
corpo e um nó na garganta. Nunca mais vou esquecer esta
imagem. Gravo-a na

memória com cuidado. Meu primo deitado, Gaia sobre ele,


usando uma calça jeans que evidencia as curvas de sua
bunda empinada, uma camiseta preta, os sapatos ainda nos
pés… como se tivessem acabado de chegar e não
aguentassem mais estar longe um do outro. Mas é a
expressão em seu rosto que me mata por dentro. Não há
dúvidas de que a minha chegada foi um susto para ela, já
que nem consegue se mexer e continua com a boca aberta
e os olhos fixos em mim.

— Há quanto tempo isso vem acontecendo? — Finalmente


consigo fazer algumas palavras saírem da minha boca.

Acho que isso tira Gaia do choque, porque ela logo se


levanta.

— Não tem nada acontecendo, cara. Ela é a minha nova


melhor amiga — Jackson explica com a voz embriagada,
mas não consigo olhar para meu primo.

Foda-se ele. Todo o meu foco está nela, que parece bastante
envergonhada de ter sido pega no flagra.

— Cala a boca, Jackson — digo, já sem paciência. — Há


quanto tempo isso está acontecendo? — Meu tom é mais
baixo quando repito, porém a pergunta é direcionada a
Gaia.
Ela puxa o ar com força e cruza os braços na frente do
corpo. O

movimento faz com que seus peitos ganhem destaque e


preciso me controlar para não descer os olhos até eles.
Mesmo irritado, eu continuo atraído por essa mulher. É uma
boa merda.

— Há quanto tempo você está com a Samantha? — A


pergunta que joga de volta me faz dar um passo para trás.

— Não estou com a Samantha — respondo com rispidez,


franzindo as sobrancelhas em confusão.

— Não estou com Jackson. — Ela usa o mesmo tom.

— Se você não está com ele — aponto para o meu primo —,


por que estavam juntos na cama?

— Se você não está com ela, por que estavam juntos


naquela foto?

Desta vez, a vontade que sinto é de rir. Ou de gritar. Talvez


de socar a porra de uma parede, porque se tem uma pessoa
neste mundo maldito que não entendo, essa pessoa é Gaia.
Não entendo

ela, muito menos os sentimentos que tenho pela mulher


mais deliciosamente confusa que já conheci.

Entramos em uma batalha de comentários mordazes e


olhares desafiadores. Mas pouco importa, porque uma ideia
começa a se formar em minha mente: Gaia está com ciúme.

— Samantha e eu… — puxo o ar com força — …é


complicado.
— Jackson e eu é muito simples: somos amigos — declara.

Mas é muito bom saber que você pensa tão pouco a meu
respeito.

— Hãn? Do que você está falando?

— Estou falando de você entrar aqui e me acusar de estar


dormindo com seu primo, sendo que, na semana passada,
estava te beijando no meu quarto. Quem você pensa que eu
sou, Zachary?

— Se coloca no meu lugar, Gaia! — solto em um grito. —

Semana passada eu estava te beijando e hoje, quando


chego aqui, vejo você deitada na cama com ele! O que você
pensaria? — cuspo as palavras, cada vez mais consumido
pela raiva. Talvez pela frustração de não poder tocá-la. —
Ah, mas você pensou, não foi?

Viu uma foto minha com a Sam e começou a imaginar que


nós dois estávamos juntos.

— Claro que pensei! — ela berra. — Ainda penso, tá? Talvez


se você não tivesse desaparecido, ou tirado dois minutos
para explicar o porquê de estar indo embora, eu não me
sentiria tão…

Só que ela não continua. Seu olhar perde um pouco do fogo


quando encara as próprias mãos, as palavras engasgadas
dando lugar a um silêncio perturbador.

— Tão o quê? — Não resisto e dou um passo à frente.


Depois, mais um. Mais um até que estamos a poucos
centímetros de distância.
Toda a raiva que sinto é substituída pelo desejo ao sentir o
cheiro dessa mulher. O perfume adocicado me atiça, como
se fosse a porra de um energético. Sinto meu corpo inteiro
entrar em estado de alerta, desejando que a proximidade
entre nós seja ainda maior.

Por um momento, me esqueço de como a encontrei na


cama com Jackson, seus lábios colados aos dele. Esqueço a
semana infernal que tive, cuidando de Samantha após ela
dizer que iria se matar caso eu a ignorasse. Esqueço as
minhas responsabilidades, as

Indústrias King e até a porra do meu nome, porque nada


importa a não ser ela.

— Tão o que, Gaia? — repito a pergunta, meu coração


batendo acelerado dentro do peito com medo da resposta.

Encosto um dedo em seu queixo, encorajando-a a olhar


para mim. E quando ela o faz, perco o ar. Uma lágrima
solitária para em sua boca e tudo o que mais quero agora é
lamber suas tristezas e colocar o mundo aos seus pés.

— Tão… insegura. Tão decepcionada e triste e desesperada.

Tudo porque eu entendi que você não era meu — ela


sussurra as palavras, mas o impacto que elas causam é
devastador.

Um grito não teria surtido o mesmo efeito. Talvez sejam os


olhos azuis me encarando com tanta vulnerabilidade. Ou
talvez seja essa loucura que sinto sempre que estamos
perto um do outro. É

irracional e incontrolável.

É certo demais.
— Eu não estou com Samantha. — Limpo a lágrima de seu
rosto enquanto minha outra mão a toma pela cintura. —
Não estou com ninguém. Nem quero estar com qualquer
outra pessoa que não seja você, Gaia.

Ela inspira com força e eu não sei o que fazer. Não sei,
porque não entendo o que está acontecendo comigo. Eu
coloquei a verdade na mesa e a resposta dela vem em
forma de silêncio, me deixando apreensivo e me fazendo
relembrar do inferno que foi ter que ficar esses dias longe.
Não sei o que se passa em sua mente, mas tenho certeza
de que preciso estar com ela.

É mais do que uma vontade. É uma necessidade latente.

Gaia é minha obsessão.

— Eu não estou com Jackson. Não estou com ninguém — ela


confessa baixinho e solto o ar em alívio, porque, desta vez,
eu sei que é verdade.

Antes que consiga me controlar, estou descendo minha


boca na dela, envolvendo nossas línguas e sentindo o gosto
único da mulher que tem minha sanidade nas mãos. E o
melhor de tudo é que ela retribui meu beijo da mesma
forma: com carinho e desespero. Com uma aflição e um
medo que nunca senti.

— Vocês são muito lindos e tal, mas não tenho esse fetiche
de voyeurismo. Ou eu participo ou acho melhor vocês irem
embora —

Jackson interrompe o momento e Gaia esconde o rosto no


meu peito. — Me deixem dormir, por favor. Estou bêbado
demais para assistir ao casalzinho se acertando.
Envolvo-a em um abraço enquanto olho para ele, que está
esparramado na cama prestando atenção em nós dois.
Jackson pisca para mim, em um sinal que entendo ser
aprovação. Mesmo assim, sei que ainda preciso falar com
ele. Descobrir o que diabos os dois estavam fazendo juntos.

Quando se trata de Gaia, não sou o mesmo Zachary de


sempre.

Algo instintivo fala mais alto do que minha racionalidade.


Ela desperta em mim coisas que jamais imaginei sentir, e o
problema disso tudo é que eu nem a conheço tão bem.

— Venha comigo. — Seguro-a pela nuca e faço com que me


encare. — Acho que precisamos ter uma conversa. — Gaia
apenas assente e, de alguma forma, sei que está tão
apreensiva quanto eu.

— Você está bem? — Desta vez, a pergunta é direcionada a


Jackson.

— Tô bem, cara. Desculpe ter ligado, é que…

— Não precisa se desculpar. — Apesar de tudo o que


aconteceu desde que cheguei aqui, agora estou mais calmo.
Talvez por ter Gaia em meus braços, em vez de nos braços
dele.

Fito Jackson na cama, bêbado e com os olhos perdidos, e sei


que ele está mal. Sei que tem alguma coisa muito errada
acontecendo com meu primo. Mas está na cara que ele não
quer conversar agora.

Nem eu.

O que quero — ou melhor, preciso — é falar com Gaia e


resolver nossa situação de uma vez.
Sem pensar duas vezes, enlaço meus dedos nos dela e a
puxo para fora do quarto, apagando a luz e fechando a
porta quando saímos. O meu fica mais para o fim do
corredor, e agradeço aos céus que Gaia não protesta
enquanto é guiada para lá.

Não consigo falar nada agora. Parece que toda a minha


eloquência ficou em stand by e, no lugar, restou apenas a
vontade de

estar com ela. De entender um pouco o que está


acontecendo e o que podemos fazer daqui para a frente.

Quem diria que eu estaria tão ansioso para uma DR?

Capítulo 23
Gaia
Eu não sei se ainda estou bêbada ou se isso é uma
alucinação.

Parada no centro do quarto de Zachary, tentando colocar


meus pensamentos em ordem, sinto sua mão tocar a base
da minha coluna e milhares de arrepios brotam em minha
pele. Eu me viro na mesma hora, é claro, porque esse
homem tem algum tipo de poder sobre mim — um que me
obriga a deixar de lado o meu orgulho, as minhas dúvidas e
talvez até o meu bom-senso.

— O que você estava fazendo com Jackson? — ele pergunta,


mas, desta vez, seu tom é ameno.

— O que você estava fazendo com Samantha? — rebato,


sem desviar o olhar.

Por mais que Zachary me faça sentir coisas estranhas, não


estou disposta a ser apenas mais uma na sua lista de
conquistas baratas de uma noite. Eu não sou assim. Não
consigo separar sexo de sentimento. Deveria tentar, mas
não consigo.

Pamela sempre diz que tenho o coração na xoxota, e creio


que ela esteja certa.

— Não vamos começar com isso de novo, Gaia, por favor —


ele pede, os braços cruzados na frente do corpo,
evidenciando os músculos do bíceps.

Por um momento, desvio o olhar para seu corpo, a camisa


social branca marcando o braço forte, mas logo subo os
olhos para o rosto perfeito, o que acaba sendo um grande
erro. Porque ali vejo uma calma que me intriga. E talvez
uma dor que me assusta.

— Eu falo primeiro e depois é a sua vez, combinado? —


ofereço e ele assente. Respiro fundo por alguns segundos,
criando coragem

para começar a falar. — Valerie me mostrou uma foto sua


com a Samantha.

— Sim, eu estive com ela durante a semana. — A


confirmação faz com que meu coração diminua de tamanho,
até parecer uma uva passa.

É aquela porcaria de insegurança, que cisma em gritar na


minha mente, sempre dizendo que um homem como ele
jamais se interessaria de verdade por uma mulher como eu.
Que eu não passo de um desafio.

Acho que nunca vou superar esse tipo de pensamento.

Respiro fundo de novo, tentando controlar as lágrimas que


sinto queimar atrás dos olhos. Ao mesmo tempo, lembro-me
de que ele acabou de dizer que não estava com ela, que
não queria estar com ela nem com qualquer outra mulher.
Só comigo — e isso me deixa ainda mais confusa.

— Depois de ver sua foto com Samantha — engulo em seco


—, vi muitas outras com dezenas de mulheres diferentes.

— Certo… — Ele coça o cabelo na nuca, parecendo um tanto


incomodado. — Já fiquei com muitas mulheres, Gaia. Não sei
o que mais posso falar. É o meu passado.

— Só o seu passado? — Eu me arrependo das palavras


assim que elas escapam. Estou parecendo uma namorada
ciumenta, e nós dois nem estamos em um relacionamento.
Acho que Zachary percebe o meu choque, porque um
sorriso torto se forma em seus lábios.

— Só o meu passado — afirma, sem afastar os olhos de


mim. —

Quer ser meu presente, Gaia?

A pergunta espontânea me faz ruborizar e acabo fitando


meus pés.

Maldito homem perfeito com suas palavras que me tiram do


eixo. Por que ele tem que falar essas coisas? Será que não
sabe o efeito que tem sobre mim?

— Eu… eu… — gaguejo com a minha própria incerteza e ele


ri.

— Podemos ir com calma. — A voz grave de Zachary me faz


estremecer. É uma promessa, mas não sei se ele está
disposto a cumpri-la.

Pigarreio, tentando deixar de lado o medo, e volto a encará-


lo.

— Por que você fugiu? — jogo a pergunta, tentando entrar


em assuntos mais seguros.

— Eu não fugi — ele fala com toda a calma do mundo. —

Samantha é uma ex… — hesita, como se não soubesse


como defini-la.

— Ex-namorada? — sugiro.

— Já te disse que nunca chegamos a esse ponto. Para ser


sincero, nunca cheguei a esse ponto com ninguém. Esse
negócio de relacionamento bonitinho não é a minha praia.
Faço que sim com a cabeça, sem conseguir conter o
desapontamento.

O que será que ele quer comigo? Porque se acabou de dizer


que não gosta de “relacionamentos bonitinhos”, com
certeza não estará disposto a ter um comigo. E não é isso o
que sempre faço?

— Certo. Então, vocês ficavam? — tento voltar à conversa,


ignorando o fato de que meu estômago está prestes a se
revirar pela segunda vez no mesmo dia.

— Do jeito que você fala, parece que eu estava dando falsas


esperanças a ela. Não era assim, Gaia. A gente se pegava
de vez em quando, mas nunca fiz promessas. Muito pelo
contrário: deixei claro que era só diversão, nada mais. Não
havia exclusividade, nem sentimentos envolvidos.

— Que seja! — Jogo os braços para o alto e começo a andar


de um lado para o outro, o assunto me deixando inquieta
demais.

— Você fica linda quando está com ciúme, sabia? — As


palavras dele fazem com que eu pare de andar na mesma
hora e o encare.

Só que Zachary está sorrindo, aquele maldito sorriso safado


que me deixa com vontade de tudo, menos de conversar.

— Ah, sou eu a ciumenta? Você me viu abraçada com


Jackson e quase teve um treco — acuso, odiando ser a única
vulnerável na situação.

— Você estava beijando o meu primo, Gaia! Beijando. Nem


tente dizer que não, porque eu vi. — O desgraçado continua
parado
no mesmo lugar, em total controle de suas emoções, o que
me faz lembrar do que Jackson disse na praia.

— Foi só um selinho que ele me deu. Nada de mais — tento


explicar. — Nos encontramos no bar da cidade, bebemos
bastante, dançamos e voltamos para casa. Eu estava
ajudando Jackson quando ele me puxou para a cama, de
brincadeira — acrescento, porque não quero que tenha uma
ideia distorcida do que realmente aconteceu.

— Você foi ao bar sozinha? — A voz de Zachary se altera, e


isso me faz erguer uma sobrancelha.

— Com a Valerie. E você, por acaso, estava sozinho todas as


vezes que saiu com Samantha esta semana? — volto ao
assunto, porque ele não pode me fazer sentir culpada por
algo tão simples quanto sair com uma amiga para beber um
pouco.

Nunca mais vou me sentir culpada por viver a minha vida,


isso eu prometi a mim mesma quando tudo deu errado,
anos atrás.

Mas então encaro Zachary, que me olha de volta com uma


expressão confusa no rosto. Não sei se por frustração, mas
logo ele começa a esfregar o rosto com as mãos, como se
não soubesse o que fazer, o que pensar. Confesso que meus
sentimentos estão bem-alinhados aos dele neste momento.

— Nada aconteceu entre vocês dois? — pergunta mais uma


vez.

— Nada. Seu primo precisa de ajuda, acho que ele está em


depressão — revelo minhas suspeitas e Zachary apenas
assente.
— Ele me mandou uma mensagem mais cedo, dizendo que
não aguentava mais ficar no escritório e que viria para cá.
Estranhei quando avisou que iria ao Danny’s, e por isso vim
atrás. Demorei um pouco porque estava em reunião e
acabei vendo a mensagem horas depois.

Debato se devo contar a ele sobre o momento em que


encontrei com Jackson mais cedo, saindo do banheiro
depois de ter ficado com Lottie, mas acho melhor guardar a
informação.

— Não tenho nada com Jackson, a não ser uma amizade


esquisita. De certa forma, entendo o que ele sente — é tudo
o que

digo, sem vontade de continuar a explicação. A última coisa


que quero agora é que Zachary perceba o quão quebrada
realmente sou.

— E eu não tenho nada com Samantha — ele explica. Pode


ser a esperança de uma idiota falando mais alto, porém algo
em seu tom me diz que é verdade. — Ela estava em Londres
quando me ligou aquele dia. — Um nó se forma na minha
garganta ao me lembrar da declaração que ouvi do outro
lado do telefone, mesmo assim, mantenho minha expressão
neutra e deixo que Zachary continue. —

Depois que a gente se beijou, fui para o meu quarto e recebi


uma mensagem dela. Era uma foto. Samantha estava em
Nova York e disse que iria se matar se eu não fosse falar
com ela.

Minha expressão de choque substitui a de decepção.

— Se… se matar? — gaguejo, incrédula. — Como assim?


— Samantha é um pouco desequilibrada. Na verdade, ela só
é mimada demais. Filha única de um homem muito rico. —
Dá de ombros. — Sempre teve tudo o que quis. Aquela
mensagem não era verdade, mas ela estava, sim, na
cidade. Duvido que fosse se matar mesmo, porque ela
nunca apresentou qualquer sintoma de depressão. Só gosta
de ser o centro das atenções. Mesmo assim, fui até ela. Não
podemos ignorar quando alguém diz que vai tirar a própria
vida.

— E agora? — questiono, querendo saber mais sobre o que


ele está disposto a fazer.

— Agora ela voltou para Londres. Conversei com ela,


expliquei, pela milionésima vez, que não ficaremos juntos —
Zachary declara, como se fosse a coisa mais simples do
mundo.

— Só isso?

Ainda não consigo acreditar que uma mulher ameaçaria se


matar por causa de um homem, pegaria um voo de Londres
para Nova York, sairia com ele algumas vezes e se
contentaria com um

“não”. Tem algo faltando nessa história.

— Só isso — Zachary confirma. — Como eu disse, ela só


queria um pouco de atenção. Talvez aparecer ao meu lado
na mídia, não sei. Saí com ela algumas vezes durante a
semana e tenho certeza de que avisou aos paparazzi. Mas
eu te prometo, Gaia, que nada aconteceu. Apenas
conversamos. O pai dela é um dos diretores da

nossa filial em Londres, e expliquei a Sam que não teríamos


mais nada. Que meu lugar é aqui e que não estou disposto
a ter um relacionamento com ela. E é isso o que Samantha
quer: um homem que a tenha como um troféu.

Franzo o cenho, confusa e sem entender muito bem o que


está dizendo.

— E ela simplesmente desistiu de tudo? De você? — Não


consigo acreditar.

— Digamos que… — ele hesita, dando alguns passos na


minha direção — …apresentei um amigo a ela. Isso fez com
que o foco de Sam mudasse. Inclusive, esse meu amigo foi
para Londres também.

— Dá uma piscadinha. — Neste momento, os dois estão em


um voo particular, tomando champanhe às minhas custas.

Antes que eu possa comentar, sinto as pontas dos seus


dedos subirem devagar por meu braço. É inevitável: minha
pele se arrepia com o contato sutil, e preciso me controlar
para não fechar os olhos.

— Zachary… — sussurro, tão baixinho que seu nome mal sai


da boca.

— Eu prometo, Gaia, não tem nenhuma outra mulher na


minha vida. — Há tanta firmeza em seu tom que, neste
momento, algo dentro de mim resolve acreditar.

Talvez seja essa maldita vontade que tenho de estar perto


dele.

Talvez seja a lembrança do seu gosto. Talvez seja a saudade


que senti durante a semana. Não importa. Um tremor em
meu estômago faz com que eu apenas assinta com a
cabeça, precisando aplacar essa urgência dentro de mim.
Porque estou cansada de lutar contra o que sinto. Cansada
de dizer a mim mesma que é melhor ficar longe de Zachary
King, quando tudo o que mais quero é ficar bem perto, com
o corpo colado ao dele, sentindo o seu calor, inalando seu
perfume e me deixando ser acariciada.

Ao mesmo tempo, crio coragem para soltar uma última


súplica:

— Eu já tive meu coração estraçalhado uma vez, e foi quase


impossível emendar os cacos. Não faça isso comigo de
novo… por favor.

Zachary hesita, os olhos presos aos meus como se quisesse


entender melhor o que acabei de dizer. Mas não estou
disposta a

contar mais sobre o que aconteceu. Não quero falar sobre


ele, nem sobre todo o mal que me causou. O passado ficou
para trás e, por mais difícil que tenha sido, já superei. Neste
momento, não quero voltar para uma época em que vivia
para outro homem. Tudo o que preciso agora é aplacar a
vontade de estar com este aqui, que parece confuso e, ao
mesmo tempo, resignado.

— Você… — Zachary começa a falar.

— Não — interrompo-o. Não só com palavras, mas com


ações também. Passo os braços em volta de seu pescoço,
ficando na ponta dos pés, e colo meu corpo ao dele. — Não
quero mais falar —

sussurro, tão perto que nossas respirações se misturam.

Não quero mais nada, a não ser me entregar a ele. Não sei
o que vai acontecer daqui para a frente, e possivelmente
amanhã vou acordar com medo de tudo e duvidando das
minhas ações, mas hoje eu quero que Zachary King me
beije.

— Você ainda está bêbada? — ele pergunta, e só de ver


essa preocupação já me sinto aliviada. Por isso, balanço a
cabeça em negativa. Toda essa conversa fez com que os
últimos resquícios de álcool fossem embora.

— Acho que nunca estive tão sóbria.

Mal termino de falar e sua boca já está na minha.

Zachary me beija até que eu esteja sem ar.

Sua língua em sincronia com a minha até que eu esteja


gemendo.

Ele me puxa para mais perto, os dedos tocando de forma


provocativa a linha de pele exposta na base das minhas
costas, enquanto roça o quadril em mim, me fazendo sentir
sua ereção.

Esqueço a sanidade, esqueço a racionalidade. Neste


momento, estou resumida a hormônios e desejo, enquanto
sinto seu gosto em minha boca. Deixo minhas mãos
invadirem seu cabelo, puxando-o para mais perto. Devoro-o
na mesma intensidade, precisando de mais. É então que ele
arrasta os lábios pela minha mandíbula, continuando até
sugar o lóbulo da minha orelha. Os dedos cravando na
minha cintura com mais força.

— Você não tem ideia do quanto eu sonhei com este


momento

— ele fala no meu ouvido, a voz rouca fazendo com que


meus
joelhos enfraqueçam. Ainda bem que Zachary está me
segurando, senão eu teria ido ao chão.

Sua boca continua descendo os beijos, espalhando as


sensações, me deixando tonta e louca por ele. Sinto como
se estivesse derretendo de dentro para fora, meu corpo
inteiro entrando em ebulição.

Até que Zachary se afasta, e respirar é quase impossível.

Ele mantém os olhos presos em mim, o polegar acariciando


o próprio lábio inferior enquanto me analisa de cima a
baixo. Posso ver o efeito que o beijo teve em seu corpo, já
que ele respira pesadamente e há uma protuberância em
sua calça. Aquela que cutucava a minha barriga há alguns
segundos.

— Tire a roupa — pede em um tom autoritário, que faz meu


coração bater mais forte.

Fico sem saber como reagir. Deixo a cabeça pender para o


lado e olho para ele, incerta de como me sentir neste
momento. Na verdade, Zachary King faz com que eu me
sinta de diversas formas ao mesmo tempo.

— Você também faz com que eu me sinta assim — ele diz e,


então, percebo que falei isso em voz alta. Só que, diferente
de mim, ele parece não ter perdido todo o senso de
eloquência, porque logo completa: — A impressão que
tenho é de que estou brincando com fogo, Gaia — enrola
uma mecha do meu cabelo em seu dedo —, e não vejo a
hora de me queimar. Agora, tire a roupa.

Dá um passo para trás, me deixando sozinha em um misto


de sentimentos conflitantes: medo e desejo, vergonha e
desinibição.
Mas então eu encaro aqueles olhos verdes, que não saem
de cima de mim, e todas as minhas dúvidas desaparecem.

Esqueço-me das brigas, do passado, de que ele é o filho do


meu chefe… esqueço-me de tudo, a não ser a vontade que
sinto de me entregar a ele. De sentir suas mãos
descobrindo o meu corpo. De sentir sua boca em mim. Um
homem que fez com que um lado meu voltasse a existir
com apenas um olhar. Desde a primeira vez que o vi, eu
sabia que Zachary King seria um problema — ou a solução
dos meus problemas.

Sei que não deveria, mas confio nele.

Neste momento, vejo o desejo que sente por mim refletido


em seus olhos, reverberando por seu corpo. É por isso que
alcanço a barra da camiseta e, apesar da vergonha, começo
a erguer a peça.

Uma onda de adrenalina corre por minhas veias,


incentivando-me a continuar. Até que a brisa toca a pele
exposta da minha barriga, me deixando toda arrepiada.
Olho para o lado e vejo que a janela está aberta, mas logo a
minha atenção se volta para Zachary.

Seus olhos verdes agora estão escuros, enquanto percorre


as poucas curvas do meu corpo com cuidado. Sua
respiração é pesada, e vejo o peito musculoso, mesmo que
escondido pela camisa, subir e descer ao me analisar.

Balanço de um lado para o outro, tentando aplacar um


pouco dessa energia crepitante, mas nada é capaz de me
impedir agora.

Então, continuo. Tiro o colar e as sapatilhas; em seguida,


começo a desabotoar a calça jeans. O barulho do zíper é o
único som no quarto, ao mesmo tempo que posso ouvir meu
coração batendo rápido dentro do peito.

Nunca fiz isso antes. Nunca me despi para um homem,


apenas para que ele pudesse me observar. Mas o modo
como Zachary me olha não me deixa desconfortável. Não
me sinto um pedaço de carne exposta no açougue. É como
se ele precisasse disso, dessa minha entrega total. Porque já
me afastei tantas vezes… Agora, ele necessita da certeza. E
vou deixar claro que é isso o que eu quero.

Mexo o quadril de um lado para o outro, descendo a calça


pelas pernas, até que ela fique embolada no chão, me
deixando apenas com um conjunto simples de calcinha e
sutiã brancos. Sem renda, sem qualquer glamour.

Zachary estende a palma para mim e, com sua ajuda, dou


um passo à frente.

— Temos duas opções — ele diz, envolvendo-me pela


cintura.

Mal consigo entender o que está falando, porque suas mãos


quentes tocam minha pele, fazendo com que eu me derreta
mais um pouco.

— Quais são elas? — forço as palavras.

— A primeira é te beijar a noite inteira… e apenas isso. —


Não sei se Zachary nota a decepção em meu rosto, porque
abre um sorriso torto e completa: — A segunda é me
enterrar tão fundo em

você até que as palavras “senhor King” nunca mais saiam


dessa sua boca gostosa. — Arfo com a declaração, sentindo
as malditas borboletas levantarem voo dentro do meu
estômago, ao mesmo tempo que uma dor incômoda se
instala entre minhas pernas. — Já decidiu qual opção você
prefere, Gaia?

Da outra vez que ele me perguntou isso, eu o estava


recusando.

Mas agora não tem recusa. Não tem chance de eu voltar


atrás. Estou perdida demais nesse homem.

— A segunda — sussurro.

Capítulo 24
Zachary
— Quero ouvir você dizer as palavras, Gaia. — Um sorriso
safado toma conta do meu rosto, enquanto minhas mãos
apertam sua cintura. — O que você quer que eu faça?

Olhos muito azuis me analisam. O ar entre nós é pesado,


cheio de tesão e expectativa. Mesmo com a lingerie menos
sexy do mundo, ela continua sendo a mulher mais linda que
já vi. Eu sei o que ela quer — é exatamente o mesmo que
eu —, mas preciso ouvir as palavras saindo dessa boca
gostosa. Porque o que tenho em mente não é simples. Não
é rápido. Não é temporário.

— Zachary, eu… — Ela hesita, como se não conseguisse


mais falar.

Para incentivá-la, tomo sua mão na minha, imprensando-a


contra a minha ereção.

— É isso o que você quer?

Ela arfa com o contato, mas logo solta um gemidinho baixo.


E

sentir seu toque, mesmo que sobre a calça, já me faz pulsar


com o desejo de estar dentro dela. Para enfatizar, esfrego
sua palma por toda a minha extensão, friccionando com um
pouco mais de força.

— Fala pra mim, Gaia. Diga: “Zachary, eu quero que você


me foda bem gostoso”.

Ela morde o lábio, desviando o olhar para baixo, para onde


sua mão está posicionada. Vejo que respira de forma
pesada, como se não aguentasse mais esperar.

Eu também não aguento mais, Gaia… Estou esperando por


este momento há dias demais.

Então, ela sobe o olhar e me encara. Uma nuvem de desejo


estampando seu rosto angelical. E, de repente, seus dedos
me

apertam com mais força, ao mesmo tempo que ela se


aproxima, chegando tão perto que sua boca encosta na
minha.

— Quero que você me foda bem gostoso, senhor King —

sussurra, passando a língua nos meus lábios.

É o meu fim.

Agarro-a pela bunda, erguendo-a do chão, e ela arqueja


com o susto. Mas não dou tempo para que reaja e tomo sua
boca em um beijo desesperado. Estou cansado de ser
paciente, cansado de desejar esta mulher sem poder tê-la
do jeito que preciso. Mas agora eu posso, e não há nada
neste mundo que irá me impedir.

Com ela em meu colo e sem interromper o beijo, vou até a


porta e passo a chave. Imprenso-a contra a madeira,
deixando uma mão subir por seu corpo, até parar em sua
nuca e entrar naqueles fios macios, que sonhei tocar um
milhão de vezes. A outra mão aperta a bunda, trazendo
Gaia para mais perto de mim, enquanto mordisco seu lábio
inferior.

— Você — sussurro em um grunhido — não sai da minha


cabeça. — Devoro sua boca, sem conseguir me afastar. O
gosto é viciante, e nunca precisei tanto de uma mulher
nesta vida. Puxo seu cabelo com mais força, impedindo que
se afaste, enquanto mexo o quadril, mostrando aquilo que
estamos prestes a fazer. — Sonho com este momento desde
a primeira vez que te vi, Gaia.

Deslizo os lábios por sua mandíbula e desço para o pescoço.

Ela joga a cabeça para o lado, me dando mais acesso, e


aproveito a chance para deixar uma mordida leve ali.
Mesmo que, na verdade, minha vontade seja de deixar
marcas permanentes em Gaia. Meu lado possessivo dando
as caras.

Esses dias ao lado dela foram uma tortura, e agora que sei
como ela se encaixa perfeitamente em meus braços, não há
qualquer chance de deixá-la escapar.

Gaia é minha. Foda-se a maldição dos King.

Ela geme alto quando beijo sua clavícula, as mãos pequenas


se agarrando aos meus braços, as pernas apertando a
minha cintura enquanto deixo a língua traçar o caminho até
o outro lado do pescoço. Depois, assopro e ela estremece.

Sinto seu calor, sua necessidade, e sei que Gaia está tão
desesperada quanto eu. Cada novo contato mandando um
raio de desejo direto para o meu pau, que fica mais duro a
cada sonzinho que ela emite.

— Zach… Eu não sei o que fazer — ela confessa, o gosto


doce de seus lábios contra os meus.

— Também estou em dúvida. — Beijo-a com força. — Não


sei se me enterro de uma vez em você. Aqui, agora. — Puxo
seu lábio com os dentes, sem romper o contato visual. — Ou
se aproveito cada centímetro desse seu corpinho gostoso
com calma. — Então, começo a carregá-la para a cama,
deitando sobre ela assim que suas costas tocam o colchão.

Gaia se abre para mim e me encaixo entre suas pernas. Na


mesma hora, sinto as mãos pequenas começarem a
desabotoar minha camisa com avidez, como se ela não
suportasse a ideia de nossas peles estarem separadas. E
pensar que Gaia me quer com essa mesma intensidade me
deixa ainda mais excitado.

Assim que os botões são abertos, ela acaricia meu peito, o


toque cauteloso de início. Puxo o ar com força e fecho os
olhos, sentindo meu corpo reagir. Mas ainda não é o
suficiente. Levanto-me da cama e começo a remover todas
as peças de roupa, ficando apenas de cueca. Não consigo
parar de olhar para Gaia, que agora está apoiada nos
cotovelos, apenas me encarando de volta. Uma perna
dobrada enquanto a outra se mantém esticada na cama. A
mancha úmida na calcinha branca deixa claro que, assim
como eu, ela também não aguenta mais esperar.

— Isso não vai ser um… — começa a falar, mas logo hesita.

— Um o quê? — pergunto, alcançando um pacote de


camisinha e jogando-o sobre a cama. Gaia acompanha os
movimentos, e vejo sua garganta se mexer.

— Um “entrou, gozou, nunca mais voltou” — explica, e não


sei se tenho vontade de rir ou de dar uns tapas na bunda
dela pela audácia.

Engatinho sobre a cama, até estar em cima dela, uma perna


de cada lado de seu corpo, nossos rostos quase colados.

— Vou entrar, você vai gozar, eu vou gozar, e depois vou


voltar várias e várias vezes. — Não dou tempo para que ela
responda.
Minha sanidade está por um fio. A hora de conversar já
acabou.

Deitado em cima dela, encaixo-me entre suas pernas e


começo a simular os movimentos que farei em breve. Gaia
geme sob mim, enquanto suas mãos agarram minhas
costas, as unhas curtas cravando nos meus músculos.

Desço beijos por seu pescoço, abaixando a alça do sutiã até


que o seio esteja exposto. O mamilo rosado está durinho, e
não consigo resistir: coloco-o na boca, chupando com força
até que ela esteja se remexendo sem parar. Suas mãos
ganham lugar no meu cabelo, puxando os fios, sem me
deixar afastar a boca de sua pele.

Enquanto isso, aperto sua bunda, esfregando minha ereção


em Gaia. Ela geme cada vez mais alto, e preciso me
controlar para não gozar antes que a brincadeira comece.
Essa mulher tem um gosto doce, delicioso. Ela é a porra da
melhor sobremesa que já experimentei, e mal posso esperar
até que seu prazer esteja na minha língua. Quando já está
fora de si, parto para o outro seio e repito o movimento,
brincando com o biquinho rígido e deixando algumas
mordidas leves.

— Zachary…

— Será que você consegue gozar assim? — pergunto, ao


mesmo tempo que deixo minha mão invadir sua calcinha,
apenas para descobrir que ela está encharcada. Seu clitóris
inchado e sensível encontra o meu dedo, e Gaia solta um
gemido rouco, abrindo mais as pernas.

— Não para, não para — ela pede e eu a estimulo, mexendo


rápido de um lado para o outro, enquanto sigo lambendo
seu peito e chupando seu mamilo.
Quando percebo que ela está prestes a gozar, resolvo
atrasar um pouco seu prazer e enfio um dedo dentro dela.
Desta vez, Gaia berra, jogando a cabeça para trás. É então
que me sento na cama, de frente para ela, e puxo sua
calcinha.

— Afaste as pernas — peço e, na mesma hora, ela obedece.

Qualquer inibição esquecida e, de repente, tenho o paraíso


diante dos meus olhos. Gaia brilha de excitação, sua carne
rosada e

inchada pronta para me receber. E o melhor de tudo é que


tem alguns fios ruivos e curtinhos aqui também. Linda
demais.

Com quatro dedos, começo a estimular rápido seu clitóris,


tão molhado que nem preciso de saliva para ajudar no
processo. Gaia está esparramada na cama, as mãos
segurando os próprios seios enquanto geme alto, se
contorcendo sob os avanços, enquanto meu pau lateja na
cueca.

— Vem… Goza, gostosa — incentivo, indo cada vez mais


rápido.

Não preciso de muito mais, porque logo ela está berrando


meu nome, as costas arqueando no colchão e a pele
clarinha ganhando uma coloração avermelhada com a força
do orgasmo.

Puta que pariu, linda demais.

Antes que eu enlouqueça de vez, arranco a cueca preta e


alcanço a camisinha que deixei separada, desenrolando o
látex em tempo recorde. Mas então escuto-a arfar e a
encaro.
— O que foi? — pergunto, preocupado, e vejo que ela está
olhando para mim.

— Não vai caber. — Sua declaração é tão inocente e


espontânea que me deixa com vontade de rir. Ao mesmo
tempo, é uma injeção no ego. Não que eu precise.

— Se Deus fez, então cabe.

Subo em cima de Gaia e posso sentir que a parte interna de


suas coxas estão molhadas e grudentas, o que só comprova
que ela está pronta para mim. Saber disso me faz atacar
sua boca com um beijo ávido, que ela retribui com a mesma
pressa.

— Você é linda quando goza, sabia? — Beijo sua orelha,


desço para o pescoço e sinto suas mãos me puxarem para
mais perto.

— Não me faça esperar mais, Zach… — ela pede, e não


consigo conter o sorriso. — Só, por favor, vai devagar.

Guio-me para dentro dela, centímetro a centímetro, amando


e odiando a tortura. Gaia é quente, molhada e muito
apertada. A cada centímetro de avanço, só consigo pensar
que sexo nunca foi assim.

Tudo o que eu mais queria agora era me enterrar dentro


dela de uma vez e nunca mais sair daqui. Só que não posso
fazer isso. Então, pouco a pouco, vou preenchendo o vazio,
ouvindo seus gemidos,

sentindo seus arranhões… Encosto minha testa na dela,


nossas respirações misturadas enquanto o prazer sobe por
minha espinha.
Assim que estou todo dentro, tenho a certeza de que morri
e fui para o céu. Porque nada nunca foi tão bom. Nenhuma
boceta nunca foi tão apertada, nem tão quente, nem tão
molhada assim.

Deixo minha cabeça tombar, apoiada em seu ombro, e inalo


o cheiro delicioso que ela emana — uma mistura de sexo e
maçã-verde.

Não consigo mais me controlar e impulsiono o quadril para a


frente, ouvindo o gemido de Gaia acompanhar meu
movimento.

Repito o gesto, e ela também. Até que entramos em uma


sincronia perfeita. Cada célula do meu corpo parece entrar
em ebulição enquanto balanço para frente e para trás, louco
por alívio. Ao mesmo tempo, não quero que isso acabe.

Minhas mãos passeiam por Gaia, apertando e acariciando


por onde passam, querendo sentir o máximo dela enquanto
vou bem fundo.

— Puta merda — falo com os dentes cerrados e ela fecha os


olhos.

— Zach… — Meu nome em sua boca é uma prece.

Emolduro seus seios e rolo o bico entre o polegar e o


indicador, querendo dar a ela o máximo de prazer que
consigo. Porque não sei se vou durar muito. Para a minha
surpresa, ela empina o peito, pedindo por mais. Devoro sua
boca em um beijo, enquanto nos encontramos em cada
estocada. Vou fundo, rápido, descontrolado.

Precisando de alívio, desesperado para que nunca termine.


Sua boceta parece feita de fogo, tão quente e apertada que
me queima. Um prazer intenso me domina e não consigo
parar de me mexer. Mais fundo. Mais rápido. Mais
descontrolado. Também estou gemendo, chamando o nome
dela.

Até que sinto-a contrair, exigindo minha libertação.

— Gaia, eu… — Não consigo terminar a frase. Os jatos de


prazer preenchendo a camisinha enquanto ela se agarra a
mim, suas pernas envolvendo minha cintura e me puxando
para mais perto.

Caralho. Estou muito fodido. Muito mesmo. Virei um…

Pau fiel.

Capítulo 25
Zachary
Gaia dorme ao meu lado, tão serena que não consigo parar
de olhar para ela. A boca ligeiramente entreaberta, o cabelo
ruivo bagunçado, as sardas decorando o rosto de anjo…
Enquanto isso, fico parado que nem um idiota, com a
cabeça apoiada na mão, apenas observando a mulher mais
linda do mundo.

Ainda bem que a porta do quarto está trancada, porque se


alguém entrasse aqui agora, a reputação que criei ao longo
da vida seria destruída. Inclusive, mudariam meu nome na
certidão de nascimento: deixaria de ser Zachary King e
passaria a ser golden retriever.

Que merda.

Ao mesmo tempo, não consigo parar de sorrir. Também não


quero.

Com cuidado para não a acordar, afasto uma mecha de


cabelo do seu rosto e puxo o ar com força, sem saber o que
fazer. É

estranho — e muito melhor do que pensei — acordar com


alguém ao meu lado. Mas tenho certeza de que estou me
sentindo assim porque a pessoa que está comigo é Gaia. Se
fosse qualquer outra mulher, eu estaria arrependido e louco
para sair correndo. Meu modus operandi é sair no meio da
noite, deixando um bilhete de agradecimento pela noite
“maravilhosa”. Nunca, jamais, em qualquer circunstância,
nem que eu estivesse bêbado, dormiria ao lado de uma
mulher.
Mas, com Gaia, não quero sair daqui. Não quero que ela
acorde e se arrependa da noite anterior, nem que voltemos
ao “senhor King”.

Essa mulher desperta algo em mim, e não estou disposto a


entender,

muito menos a rejeitar, os sentimentos novos que estão


dando as caras. A única coisa que quero é passar mais
tempo com ela.

Então, como se soubesse que a estou olhando, ela se mexe


na cama, virando de costas para mim. O lençol desliza por
seu corpo, expondo parte da pele clarinha e a bunda
redonda. Gaia não é cheia de curvas, mas as poucas que
tem são capazes de me enlouquecer.

De lado, a posição é perfeita para que eu me encaixe a ela.


Sem pensar duas vezes, é exatamente o que faço — e quem
diria que ficar de conchinha pudesse ter vantagens. Meu
corpo nu contra o dela é a porra da perfeição, sua bunda
bem em cima do meu pau, que já começa a ficar duro só
por estar perto do seu parque de diversões.

Não sei se continuo aqui — e ganho o troféu de pervertido


do ano, me aproveitando de uma mulher inconsciente — ou
se me afasto e sofro as consequências. Puta merda, Gaia
ainda vai me deixar maluco.

Mas então ela começa a se mexer… e a rebolar contra mim.

— Hummm, é isso o que eu chamo de bom dia. — Sua voz


grogue de sono acompanha os movimentos, e solto um
suspiro de alívio ao perceber que não sou o único a me
sentir desse jeito. Não que eu vá falar isso em voz alta.
Beijo o local onde seu ombro encontra o pescoço e sinto-a
estremecer.

— Bom dia. — Empurro meu corpo para a frente e ela geme


baixinho.

— De novo? — Solta uma risadinha baixa, e decido que este


é o segundo melhor som do mundo. O primeiro é quando
ela grita meu nome.

— Se você alcançar uma camisinha na gaveta, sim. De


novo. —

Deixo uma mordida leve onde estava beijando e vejo-a


esticar a mão.

Só que seus movimentos são interrompidos quando meus


toques ficam mais ousados. Puxo uma de suas pernas para
cima da minha e alcanço seu clitóris, massageando bem
devagar o pontinho sensível.

— Zach… — Ela rebola no mesmo ritmo do meu estímulo,


balançando a bunda em cima do meu pau, que já está duro
e pulsando.

— Que foi, linda? Quer que eu pare? — Mordisco sua orelha,


acelerando o toque. Ela acelera também. Sua respiração
começa a ofegar e sei que não vai levar muito tempo até
gozar na minha mão.

— Pega logo a camisinha — brinco, porque sei muito bem


que ela não consegue chegar lá agora.

Vou mais rápido, sentindo sua excitação escorrer por meus


dedos, ao mesmo tempo que uma necessidade latente de
estar dentro dela começa a me fazer suar frio. Encosto a
testa em seu ombro e me mexo no ritmo também, indo e
vindo, simulando aquilo que mais quero neste momento,
tomando cuidado para não a invadir por acidente.

— Pega a camisinha — murmuro em uma súplica e tiro a


mão de seu clitóris já inchado.

Na mesma hora, como se tivesse pressa, Gaia se estica até


a mesa de cabeceira, abre a gaveta e alcança o pacotinho.
Não sei como consigo fazer isso com meu corpo colado ao
dela, mas desenrolo o látex e começo a penetrá-la devagar,
segurando sua perna para ter mais acesso.

— Puta merda, acho que vou morrer — confesso quando a


cabeça já está dentro, sendo agarrada por seu calor.

— Não pare — ela pede. — Mete tudo.

A desgraçada sabe como me destruir, porque essas duas


palavrinhas são suficientes para me fazer perder o último
pingo de sanidade que restava. Como um cachorro no cio,
monto em cima dela e deixo de lado o cuidado, entrando e
saindo com força.

Apoio as mãos na parede para dar impulso e vejo Gaia fazer


o mesmo, enquanto geme que nem uma desesperada e
empina a bunda, me incentivando a continuar.

— Mais forte! Mais forte! — E só consigo obedecer.

O suor escorre por minhas costas e, com esse ângulo,


preciso ranger os dentes para não me envergonhar, porque
a boceta de Gaia me aperta com força, como se nunca mais
fosse me largar nesta vida. Minha visão fica turva, o mundo
inteiro desaparece. Ela geme

alto, me encontrando a cada estocada e eu preciso que ela


goze agora.
Seguro seu cabelo com força, puxando a cabeça dela para
trás, e vou ainda mais rápido, mais forte, ouvindo o choque
de nossas peles enquanto chupo seu pescoço.

— Vem, Gaia. Goza bem gostoso pra mim — peço. Imploro.

Suplico.

Pelo amor de Deus, goza logo. Porque eu não consigo mais


esperar.

Essa boceta é tão quente e apertada que vai tirar o meu


juízo.

— Zachary! — ela grita o meu nome, se entregando ao


clímax, e eu finalmente consigo relaxar.

Meu orgasmo é intenso, acompanhado de um urro.


Estremeço por inteiro, deixando meu corpo tombar sobre o
dela, e tenho certeza de que a pobre coitada está sendo
esmagada. Mas, neste momento, não consigo me mexer.
Minhas pernas não têm força. Gaia roubou toda a minha
energia. Acho que morri — e o paraíso é o melhor lugar para
se ficar.

∞∞∞

— Bom dia, priminho querido. Dormiu bem? — Jackson


pergunta quando o encontro no corredor.

Diferente de mim, que já tomei banho, ele ainda usa a


mesma roupa de ontem, menos os sapatos. E apesar do
sorriso no rosto, dá para ver as evidências da noite mal
dormida não só no modo como anda, mas também nas
olheiras escuras.
— O que aconteceu com você? — desvio da pergunta,
olhando-o de cima a baixo, sem conseguir conter o tom
preocupado. É então que noto algumas manchas em sua
blusa. Na mesma hora, paro de andar e seguro-o pelo braço.
— Jack…

— Nada de diferente. — Dá de ombros. — Só não trouxe


nada para vestir e… houve um acidente.

— Acidente? — repito, odiando a escolha de palavra.

Não foi um acidente. Jackson vomitou a noite inteira,


provavelmente bêbado demais para sequer levantar e ir ao
banheiro.

O quarto deve estar uma imundície. Mesmo assim, foco


toda a atenção no meu primo, que está fedendo e tem uma
aparência tenebrosa.

— Não me olha desse jeito — ele repreende. — Desde


quando você é minha mãe?

— E desde quando você vomita a noite toda e não pede


ajuda?

— rebato.

— Você estava ocupado demais, não queria atrapalhar. —

Jackson sobe e desce as sobrancelhas. Como sempre,


minimizando os problemas reais.

— Eu perguntei se você estava bem.

— E eu estava, mas depois não fiquei tão bem assim e…


foda-se, já passou. — Abana o ar com a mão, mas logo para,
como se o simples ato de se mexer fosse difícil demais para
seu estado de ressaca. — Vou lá embaixo ver se a Tata tem
alguma roupa minha guardada. Vim direto do escritório e
acabei esquecendo de trazer uma mala.

— Deixa que eu cuido disso. Vai tomar um banho, você está


nojento. — Faço uma careta no instante que ele me encara,
porém Jackson apenas ri.

Para ele, tudo é simples demais, fácil demais. Acho que é


por isso que assente com a cabeça e volta para o quarto,
enquanto sigo para o meu, a fim de procurar alguma coisa
que possa emprestar a ele. Mas assim que cruzo a porta,
sinto o cheiro dela — e as lembranças da noite passada vêm
com força.

Gaia saiu correndo assim que se deu conta de onde estava.


Ela jurou que não estava fugindo, apenas indo trabalhar. Só
que ainda não estou convencido disso. A desculpa que ela
me deu foi de que Martha passou os últimos dias afastada
por conta de uma gripe, e como hoje a família toda chega
no fim da tarde, há muita coisa a ser feita para o fim de
semana. É claro que me ofereci para ajudar, e recebi uma
gargalhada — também um beijo rápido — em resposta.

Só espero que ela não tenha mentido para mim, nem que
esteja surtando, porque a última coisa que quero agora é
ter que convencê-

la de que não cometemos um erro. Porque não foi um erro.


Foi perfeito.

Sexo nunca foi tão gostoso. Estar com uma mulher nunca foi
tão certo.

Ela percebeu isso, né? Tem que ter percebido. Não posso ser
o único idiota da relação.
É então que paro no meio do quarto e olho para os lados,
completamente embasbacado.

— Caralho, será que estou em um relacionamento? —


pergunto para mim mesmo, e ainda bem que não tem
ninguém aqui para me responder. Meus primos ririam da
minha cara, com tanta força que cairiam no chão.

Mas a verdade é que não tenho ideia. Nunca estive com


ninguém assim, nem tive uma namorada na escola para ter
algum parâmetro.

Por um momento, esqueço que Jackson está precisando de


roupas limpas e faço a única coisa lógica que consigo. Pego
meu celular e digito no Google: “como descobrir se você
está em um relacionamento”. Não obtenho resposta, mas a
primeira coisa que encontro é uma opção bem interessante:
como saber se você está pronto para um relacionamento[1].
Passo os olhos pelo artigo e vejo que está subdividido em
tópicos. O primeiro fala que adolescentes —

reviro os olhos — geralmente começam a namorar na


mesma época que seus amigos. Se for pensar assim, estou
pronto, já que a maioria das pessoas de vinte e nove anos já
sabem o que é isso. O segundo é mais complexo, e ainda
bem que vem dividido em itens: 1) Sentir-se confortável a
ponto de expressar seus pensamentos, sentimentos,
opiniões e sonhos para a outra pessoa.

Nunca tentei fazer isso com ninguém a não ser meus


primos.

Acho que será um desafio, mas posso tentar. Mas, pensando


bem, já comentei com Gaia que queria ser cowboy. Isso
conta?

2) Tratá-la com respeito e oferecer apoio a ela.


Disso, não tenho dúvida. Posso ser um babaca de vez em
quando, mas minha mãe me deu educação.

3) Evitar violência.

Com Gaia, com certeza. Com qualquer babaca que ouse


chegar perto dela, duvido muito. Quase arranquei a cabeça
do meu primo quando vi os dois juntos ontem, sem contar
no soco que dei em Oliver, quase arruinando um contrato
importante para a IK, antes mesmo de estar com ela.
Duvido que consiga me controlar, caso veja Gaia com outro
homem. Ela desperta algo em mim… Não consigo explicar
muito bem, nem entender. É primal demais.

4) Saber resolver conflitos e brigas.

Acho que sim. A conversa que tivemos ontem foi prova


disso.

Sempre acreditei que sentar e explicar as situações é a


chave para resolver tudo.

5) Ser capaz de fazer confidências e comunicar-se direta e


abertamente.

De novo, nunca fiz isso com pessoas além da minha família.


Mas acho que posso tentar com ela. Confessar que preciso
dela, como fiz ontem à noite. É isso, certo?

6) Incentivá-la a ter seus próprios amigos e interesses.

Isso é fácil. Sou a favor de que ela continue perseguindo


seus interesses, e ter amigas é tranquilo. Quanto a
amigos… vamos ver.

Depende do tipo de amizade que eles querem.


7) Ser honesto quanto a relacionamentos ou hábitos sexuais
do passado.

Que merda! Será que vou precisar ouvir as experiências


sexuais de Gaia? Não sei se quero saber com quantos
homens ela já ficou, nem o que fez com eles. Só de pensar
nisso, já começo a sentir meu sangue ferver. E, pela reação
dela ontem à noite, não sei se Gaia ficaria confortável ao
ouvir as minhas.

Gaia é minha, e a mera ideia de ela ter estado com outro já


me deixa com vontade de socar a parede.

8) Praticar atividades sexuais sem se sentir pressionado.

Finalmente alguma coisa boa nessa lista! Inclusive, estou


louco para saber tudo o que Gaia gosta. Descobrir cada
detalhe de seu corpo, cada área sensível… Que tipo de
posições ela prefere. Estou bem aberto a sugestões.

Se a nossa primeira vez foi ótima, as próximas serão ainda


melhores.

Continuo lendo e vejo que o artigo é enorme, então resolvo


que não vou perder mais tempo aqui. Não agora, porque
Jackson está esperando por mim. Só por este motivo, e não
porque tenho medo de relacionamentos. Não tenho, sou
maduro demais para isso. Sigo até o meu armário, encontro
uma bermuda e uma camiseta, e depois volto até meu
primo.

Mas na minha cabeça, somente uma coisa se passa: será


que eu quero estar em um relacionamento de verdade ou
isso é só o efeito da maldição dos King?

Vida em Nova York


A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme
Mais um fim de semana de verão sem os King na cidade, só
que agora sabemos onde eles estão: nos Hamptons. Afinal,
é para lá que os ricos e famosos vão para relaxar e pegar
um bronzeado durante a temporada de calor.

Mas ainda resta um King na cidade, vocês sabiam? Konig


King!

Konig — que significa “rei” em alemão — é o filho de quatro


patas de Zachary. Adotado assim que Zachary voltou da
Inglaterra, o cachorro entrou para a família com tudo o que
tem direito. Inclusive, dizem os funcionários que ele tem um
quarto próprio no duplex do dono. Não é para menos, já que
possui uma equipe destinada a seus cuidados.

Temos certeza de que Konig se alimenta com uma refeição


balanceada e faz suas atividades físicas em horários certos.
Sem falar que deve receber muito carinho do seu dono.

Chegamos ao fundo do poço quando temos inveja de um


cachorro, não?

Capítulo 26
Gaia
É difícil andar quando se está toda ardida. Mesmo assim,
corro de um lado para o outro da cozinha, controlando a
careta e tentando organizar tudo para a chegada da família.
Martha ter ficado doente fez com que a noite passada
perdesse um pouco do brilho, já que, agora, eu nem posso
ficar sonhando acordada. Muito menos deitada na cama,
aproveitando os braços fortes de Zachary.

— Os vegetais chegaram — Gerald avisa, entrando pela


porta dos fundos.

— Martha deixou a lista em algum lugar para que eu


pudesse conferir os itens que encomendou? — pergunto a
ele, que apenas balança a cabeça em negativa.

— Ela não faz lista. Aquela lá sabe tudo de memória — o


marido da coronel explica.

— Aposto também que ela não deixou anotado o que tinha


planejado para o jantar — comento baixinho enquanto saio
da cozinha, indo até o estacionamento, onde uma
caminhonete me aguarda.

Assino o recibo e me entregam algumas caixas com frutas,


legumes e verduras. Ainda bem que Kyle vem me ajudar e
carrega tudo para a despensa.

— Precisa de mais alguma coisa, Gaia? — ele oferece,


apoiando os caixotes no chão.

— De mais duas mãos para me ajudarem na cozinha —


brinco e ele ergue as palmas calejadas.
Se eu não tivesse passado a melhor noite da minha vida
com Zachary, talvez até me sentisse atraída pelo gesto de
Kyle — afinal,

suas mãos são enormes, o que quer dizer que outras partes
de seu corpo também não devem ser nada pequenas. Mas,
no momento, só há um homem bem grande ocupando
minha mente. E duvido que ele saia de lá tão cedo. Não
depois de tudo o que aconteceu. E não enquanto ainda
posso sentir o efeito do que fizemos. Aperto as pernas de
forma discreta, tentando aplacar a ardência.

Preciso até fechar os olhos e respirar fundo.

— Você sabe cozinhar, Kyle? — quero saber, me obrigando a


voltar para a realidade.

— Serve miojo?

— Acho que os King não devem gostar muito desse menu


tão requintado. — Ergo uma sobrancelha sarcástica.

— Então não posso te ajudar. — Kyle ri, exibindo dentes


muito brancos, e dá de ombros.

— Vai ajudar seu avô com o jardim. Qualquer coisa, eu te


chamo

— aviso e ele me responde com uma piscadinha.

Volto para o meu serviço e começo a olhar tudo o que tenho


na cozinha. Abro a geladeira, a despensa, vejo o que acabou
de chegar… Não faço ideia do que Martha tinha pensado em
fazer, mas preciso tomar a frente agora, já que ela está de
cama e sequer pode vir me orientar. Para piorar, terei que
fazer a minha parte e a dela, sem ao menos saber quantas
pessoas estarão aqui mais tarde.
Será que os King vão trazer convidados para o fim de
semana?

Será que eles têm alguma outra festa planejada? Já fizeram


um piquenique e um luau. O que pretendem desta vez?

Ai, minha deusa…

Pego meu caderno, sento na banqueta e começo a anotar


ideias, baseadas no que tenho disponível. Sei que, se
precisar de alguma coisa, Gerald pode providenciar a
tempo, mas acho melhor deixar tudo organizado logo.
Aprendi com meus melhores professores que, para ser um
bom chef, temos que começar a cozinhar na cabeça, e
depois passar para a panela, finalizando a ideia no prato.

— Acho que nunca te vi tão concentrada antes. — Uma voz


grossa me faz pular, quase a ponto de cair do banco.

— Zachary, você me assustou — digo, colocando a mão no


peito.

— Desculpe, não era a minha intenção. — Ele dá uns passos


até mim, parando bem ao meu lado e apoiando um
antebraço no balcão da ilha. Seu rosto a centímetros do
meu. — Levantei da cama sozinho e percebi que estava
morrendo de fome.

Um sorriso torto se forma nos lábios grossos e, por um


segundo, me pego hipnotizada. Mas logo me dou conta do
que acabei de ouvir e me afasto.

— Ai, meu Deus. Perdão! — Começo a correr para a


geladeira.

— Esqueci que você e Jackson estavam na casa. Não


preparei o café da manhã e…
Sinto o calor do corpo dele às minhas costas. De repente,
braços fortes me envolvem pela cintura.

— Não era esse tipo de fome que eu estava falando, Gaia —

sussurra contra o meu ouvido, o rosto encaixado na curva


do meu pescoço. Estremeço com o contato, me sentindo
completamente vulnerável. Ao mesmo tempo que quero me
afastar, também quero chegar mais perto e descobrir o que
Zachary pode fazer comigo nesta cozinha.

Vários sentimentos me tomam quando sinto seu corpo


quente atrás de mim, contrastando com o frio à minha
frente, vindo da geladeira.

Desejo.

Necessidade.

Carência.

De repente, sinto-me vazia. A ardência esquecida. Em seu


lugar, apenas a vontade de ser preenchida de novo e de
novo, do mesmo jeito que Zachary fez ontem à noite e hoje
de manhã. Acordar com ele foi a melhor coisa que já me
aconteceu, e não sei o que vai se desenrolar daqui para
frente, quando ele despertar desse sonho e descobrir que
eu não passo de uma diversão de férias. Mas, por enquanto,
apenas aproveito.

Suas mãos subindo pela minha lateral, emoldurando meus


seios, enquanto a boca macia beija meu pescoço. É
inevitável: solto um gemido baixo e começo a rebolar contra
ele, que enrijece com meus movimentos. Isso me lembra do
que estávamos fazendo mais cedo,
e a vontade de voltar para a cama fala mais alto do que
meu bom-senso.

Apoio as mãos na prateleira fria, empino a bunda e me


entrego, desesperada para que ele abaixe a legging e me
penetre bem fundo.

— Gaia, tem café? — Uma voz masculina soa alto.

— Ai, meu Deus! — Afasto-me de Zachary em um pulo, ao


mesmo tempo que escuto um rosnado vindo dele.

— Boa, Jackie. Muito boa.

— Foi mal. Não queria empatar a foda.

Enfio a mão no rosto e corro para a despensa, incapaz de


olhar para os primos conversando. Estou morrendo de
vergonha por ter sido pega no flagra. Pelo menos foi Jackson
quem entrou, e ele já sabe o que está acontecendo. Imagina
se fosse Gerald. Ou pior, Martha. Ou pior ainda, Harvey
King! Eu morreria na hora.

Não, não, não, não, não.

Agacho-me no chão da despensa, a ansiedade me


dominando.

Isso não pode acontecer. Ninguém pode saber do meu


envolvimento com Zachary. Vim aqui com o propósito de
aprender mais sobre culinária, de mostrar do que sou capaz
e fazer um dinheiro para terminar de pagar meu curso.
Apenas isso. E por mais que ficar com o filho do patrão seja
uma excelente forma de passar o meu tempo, não posso me
dar ao luxo de ignorar todos os meus planos e
simplesmente…
— Pare de surtar. — A porta é aberta e um feixe de luz toca
os meus olhos. É então que vejo Zachary parado bem à
minha frente.

— Não estou surtando.

— Aham. E eu virei um cowboy. — Ele entra no pequeno


espaço, acende a luz amarelada, fecha a porta e se senta,
virado para mim.

— Estou falando sério, Gaia, pare de surtar. Foi só o Jackson,


e não é como se ele não soubesse o que fizemos ontem à
noite — Zachary diz.

— Tudo bem, foi só o Jackson — concordo. — Mas poderia


ser qualquer outra pessoa. E não posso me dar ao luxo de
ser exposta desse jeito.

— Exposta? — pergunta, franzindo o cenho.

— Claro! — Minha voz sai mais aguda do que intencionei.

Balanço a cabeça e puxo o ar com força, tentando me


acalmar. —

Todos sabem que… — hesito, na tentativa de encontrar as


palavras certas para explicar o que está se passando em
minha mente agora.

— Olha, Derek já havia me explicado como isso funciona. E


não estou falando de você, nem da gente…

— Então, tem um “a gente”? — Zach me interrompe, seu


tom divertido, as sobrancelhas subindo e descendo de
forma insinuativa.
— Pare de palhaçada. — Empurro seu ombro, me
controlando para não rir. — Esqueceu que estou surtando?

— É verdade. — Ele faz um bico e assente com a cabeça.


Lindo demais. — Continue, por favor.

— Derek me disse que é normal as pessoas se envolverem


com os funcionários da casa. Por diversão. Nada sério —
explico e, de repente, a expressão de Zachary muda. Ele
fica sério e até mesmo cruza os braços na frente do corpo.
— Não quero que me confundam, sabe? Preciso que as
pessoas me levem a sério. Vim passar o verão aqui com o
objetivo de conseguir dinheiro para terminar o meu curso de
gastronomia e, quem sabe, ter alguns contatos para o
futuro. Não quero que minha reputação fique manchada.

— Nós dois sabemos que isso — Zachary gesticula com um


dedo, indicando entre nós dois — não é apenas diversão.

— Nós sabemos? — questiono, sem entender muito bem


aonde ele quer chegar.

— Pelo menos, eu sei. Você não? — Abro a boca para


responder, porém não encontro palavras. Acho que Zachary
percebe o meu desconforto, porque ele solta uma risada
sem qualquer humor e começa a se levantar. — Bom saber
que é só diversão para você.

— Não foi isso o que eu disse. — Seguro seu braço e me


levanto também, impedindo-o de sair da despensa. — Eu
não sei o que está acontecendo — a última frase sai
baixinho, quase não passa de um sussurro —, mas a noite
de ontem foi…

Antes que eu tenha tempo de continuar, ele me envolve


pela cintura e me puxa para bem perto, colando nossos
corpos. A testa encostada na minha, nossas respirações
misturadas e, de repente, o

mundo deixa de existir. Não há mais problemas, muito


menos confusão. Quando Zachary está a centímetros de
distância, não consigo pensar direito, a não ser na vontade
que sinto de que ele esteja aqui para sempre. E o modo
como me olha, uma mistura de urgência e tranquilidade, só
me faz ter certeza de que eu não sou a única a me sentir
assim.

— A noite de ontem foi perfeita, e apenas a primeira de


muitas, certo? — ele busca confirmação.

— Certo — sou obrigada a responder.

Então, antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, sua


boca está na minha, roubando o meu ar e a minha
sanidade. Nossas línguas em sincronia, meu corpo sendo
acariciado. Zachary imprensa minhas costas contra as
prateleiras da despensa e tenho certeza de que os jarros e
latas tremem com o impacto, mas nada importa a não ser o
gosto que ele tem. Seus toques ficam mais ousados,
causando uma dorzinha incômoda entre as minhas pernas.
Meus seios estão carentes, com os bicos duros apontados
para ele.

Preciso usar de toda a minha força para romper o beijo e


empurrá-lo.

— Mas com uma condição — digo, ofegante.

— Que condição? — Vejo uma nuvem de desejo nublar seus


olhos. Não consigo resistir e desço o olhar por seu corpo,
notando que Zachary está tão excitado quanto eu.
— Eu preciso trabalhar. Preciso focar nos meus sonhos, que
são muito importantes e não têm nada a ver com você. —
Cruzo os braços na frente dos peitos, que estão loucos para
serem tocados. —

Quando eu estiver na cozinha e outras pessoas estiverem


aqui, você será o sr. King. À noite, você volta a ser Zachary.

Mordo o lábio inferior, pedindo aos céus para que ele aceite
a minha oferta. Por mais que eu o queira na minha cama,
não sei por quanto tempo Zachary King estará na minha
vida. E jamais deixaria que ela girasse em torno de um
homem. Já errei uma vez — o que me fez perder tudo —,
não sou burra a ponto de cometer esse erro de novo.

— Você está dizendo que… — passa o polegar pelos lábios


enquanto me analisa — …quer que eu seja o seu segredinho
sujo,

Gaia?

A frase me faz rir baixinho, e acabo assentindo com a


cabeça.

— Um segredinho muito, muito sujo — concordo.

Por alguns segundos, Zachary fica calado, apenas me


examinando de cima a baixo. Tenho que lutar para manter a
expressão firme, porque não posso titubear agora. Enquanto
eu não souber o que temos, e até que ponto ele está
disposto a ir por mim, não abrirei mão de nada por ele.
Zachary King é rico, lindo e tem o mundo aos seus pés. Eu
não tenho nada, ainda não conquistei nada, e não posso ter
minha reputação manchada por ser o lanchinho do filho do
patrão — e ele precisa entender isso.
— Temos um acordo. — Estende a mão para mim e eu a
aperto.

Desta vez, não tem toque sedutor. O que é estranho e, ao


mesmo tempo, reconfortante, já que mostra que levou a
sério o que eu disse.

— Obrigada.

— Vou para a piscina. Se puder, prepare um café bem forte


para o Jackson. Ele precisa de alguma coisa para curar
aquela ressaca —

pede, fazendo uma careta.

— Pode deixar. — Sorrio e não resisto: corro para ele,


pulando em seus braços e deixo um beijo rápido em sua
boca.

Mas assim que abro a porta da despensa, voltamos a ser


Gaia Denver, assistente de cozinha, e Zachary King, futuro
CEO da IK.

O problema é que, quando entro na cozinha, vejo Kyle


acompanhado de outro homem. Um loiro, alto e muito, mas
muito atraente.

— Você disse que precisava de ajuda na cozinha — o neto


do jardineiro diz, dando de ombros. — Este é o Spencer,
filho da Martha.

— Muito prazer, Gaia. — Ele se aproxima, mas seu olhar


muda de foco, se encontrando acima da minha cabeça. Sei
que ele percebeu que, logo atrás de mim, ninguém menos
do que Zachary King está parado. — Oi, Zach. Quanto
tempo.
— Spencer. — A voz grossa soa em um tom nada amigável,
porém não me viro para ver sua reação.

— Enfim… Kyle disse que você precisava de ajuda. —


Spencer sorri. — Resolvi ser o príncipe no cavalo branco por
um dia.

Costumava ajudar a minha mãe.

Então, me oferece a mão para um aperto.

O que será que tem na água desta casa? Alguma poção


mágica, que transforma todos os homens em possíveis
astros de filmes da Marvel?

Capítulo 27
Zachary
— Vem para a piscina, Zachary — Chloe chama naquele
biquíni minúsculo e estende a mão para mim de dentro da
água.

— Não, valeu. Estou bem aqui. — Coloco os óculos escuros e


me recosto na espreguiçadeira, fingindo estar apenas
interessado em pegar um pouco de sol. Vejo-a fazer uma
careta desapontada, mas ignoro. Minha última preocupação
no momento é Chloe Lowell. Ou as outras mulheres que
meu querido pai trouxe para passarem o fim de semana nos
Hamptons.

Estou há mais de vinte e quatro horas sem tocar Gaia e isso


tem tirado o meu sono. Porque, a poucos metros de
distância, ela está rindo com Spencer. Os dois cozinhando,
trocando histórias, convivendo em perfeita harmonia na
cozinha… e eu aqui, inquieto, morrendo de ciúme, me
contentando em fingir que está tudo bem enquanto aturo
Chloe e as Chloettes.

Tudo bem, o meu ovo esquerdo.

Tata tinha que ficar doente logo neste fim de semana? Ela
nunca passou mal em todos os anos que trabalha para a
nossa família!

Se a sexta-feira longe de Gaia foi um inferno, o sábado está


sendo ainda pior. Depois de nossa conversa na despensa, fiz
o que ela me pediu e respeitei os limites entre suas horas
de trabalho e o tempo vago. O problema é que não existe
tempo vago. Claro que fui até o quarto dela durante a noite
— e, para a minha alegria, a porta estava destrancada —, só
que a encontrei dormindo, ainda com a mesma roupa que
usou o dia inteiro, o que me fez ter certeza de que ela
estava tão exausta, a ponto de ter desmaiado sem ao
menos tomar banho. Pela primeira vez na vida, acho que
coloquei as

necessidades alheias acima das minhas. Até tirei os sapatos


de seus pés e a cobri.

Não sei se estou crescendo ou ficando azarado. Não


importa, porque o resultado é o mesmo: um Zachary King
frustrado, com ciúme correndo pelas veias, enquanto finge
que está tudo bem.

— Alguém quer uma cerveja? — Trenton pergunta. — Estou


indo na cozinha e…

— Também quero. — Levanto-me em um pulo, louco por


uma desculpa para ver o que está acontecendo por lá. —
Vou com você.

Trenton só ergue uma sobrancelha e disfarça o sorriso. Eu


sei o que ele está pensando, mas não dou importância,
apenas marcho pela lateral da casa com meu primo ao lado.

— Ah, o desespero… — ele cantarola naquele tom irritante.

— Cala a boca — rosno entredentes.

— Quem está desesperado? — A voz de Sebastian soa atrás


de nós e me viro para confirmar que o fofoqueiro veio
também.

Encerro os passos, parando na curva da casa, antes de


chegar à parte de trás, que dá acesso à área de serviço.
Não quero que ninguém escute o que estamos falando.

— Zachary, claro.
— Por quê? — Sebastian quer saber, mas fico calado.

— Porque a Gaia virou melhor amiga do Spencer — Trent


explica, o que faz o outro soltar uma risada.

Não sei se rio também, se dou um soco na cara dele, se


apresso o passo ou se volto para a piscina. Na verdade, não
sei o que faço para ficar a sós com ela. Nunca imaginei que
precisaria mendigar por alguns minutos da atenção de uma
mulher. Antes, bastava estalar os dedos que já tinha uma ao
meu lado. Mas agora… agora eu estou um tanto perdido.

— Pensei que a gente gostasse do Spencer — Jackson


comenta, me fazendo revirar os olhos.

Quando foi que ele apareceu?

— Você não ouviu a história? — desta vez, é Elijah quem diz.

Meu Deus! Isso não são primos, é um grupo de velhas que


se encontram aos domingos para jogar bingo e falar mal das
vizinhas.

— Que história? — Jack pergunta.

— Spencer está dando em cima da Gaia — Sebastian


elucida, ao mesmo tempo que Trenton começa a rir.

— E rezam as más línguas que ele já comprou o anel de


noivado e…

— Parem! — interrompo meu melhor amigo. — Só parem de


inventar histórias e de falar merda.

— Voltamos a falar de merda? — Elijah franze o cenho.

— Antes de invadirmos a cozinha… — ignoro o comentário.


— O território inimigo — Jackson corrige e esfrego a testa
com a palma da mão.

— O território inimigo — confirmo, apontando para ele —,


preciso deixar uma coisa bem claro: Gaia e eu estamos
juntos.

Os quatro se entreolham, mas nenhum exibe uma


expressão de surpresa.

— A gente já sabia disso — Trenton fala.

É claro que sabem. Falei para Trent e Jackson viu o que


aconteceu. Fora todo aquele papo da maldição dos King. E,
de novo, clube das velhotas do bingo.

— Sim, mas ela não quer que ninguém mais fique sabendo

continuo explicando. — Na verdade, ela disse que, durante o


horário de trabalho, quer ser tratada como uma funcionária
comum.

— E você está bem com isso? — Elijah questiona.

— Claro que não — respondo na mesma hora.

Se eu tivesse direito de escolha, Gaia estaria ao meu lado


na piscina, toda molhada nos meus braços, sem falar que
eu poderia tocá-la sempre que tivesse vontade. Mas a vida
é injusta e, pela primeira vez, não tenho o que quero.

— Aonde você quer chegar com essa ladainha? — Sebastian


questiona.

— Só estou pedindo para ninguém falar merda. — Cruzo os


braços na frente do corpo, mas logo desfaço o gesto e
aponto para Elijah. Se ele voltar ao assunto de merda outra
vez, juro que quebro os óculos de nerd que tanto gosta. —
Sei que a intenção aqui é boa, mas não podemos deixar
Gaia ainda mais desconfortável. Senão, as coisas vão ficar
ainda mais difíceis para o meu lado.

De novo, vejo meus primos trocarem olhares, e não sei o


que eles estão pensando.

— Concordo em não deixar Gaia em maus lençóis, mas isso


não quer dizer que precisamos facilitar as coisas para o
Spencer… —

Sebastian coça o queixo, como se estivesse formulando um


plano.

— Como assim? — Jackson se aproxima do irmão.

— Olha, eu adoro o Spencer, mas somos um time —


Sebastian diz. — E se ele está dando em cima da Gaia,
então acabou de se tornar nosso inimigo número um. Não
podemos facilitar para ele.

Balanço a cabeça de um lado para o outro e olho para


Trenton, que apenas sorri de forma conspiratória.

É por isso que eu amo meus primos. Mesmo que, às vezes,


eu os odeie.

— Vamos entrar. — Jackson me puxa pelo braço. — E


destruir a autoestima de Spencer. — Dá uma piscadinha.

De início, não entendo o que ele está dizendo. Nós nos


aproximamos da cozinha e as risadas vão aumentando de
volume, o que faz minha raiva crescer também. Mas assim
que cruzamos a porta, todos os sons param. Meus olhos
procuram Gaia na mesma hora, e o alívio me toma quando
vejo-a arfar. Ela me encara de cima a baixo, passando a
língua pelos lábios. É então que compreendo o que Jackson
quis dizer e abro um sorriso.

Tadinho do Spencer. Ele pode até ser boa-pinta, mas quando


está cercado de cinco Kings, todos sem camisa, não passa
de um menininho que ainda não atingiu a puberdade.

— Oi, Gaia — falo só com ela. Nem dirijo um olhar a


Spencer, porque ele não tem qualquer importância no
momento. Não quando Gaia está no mesmo cômodo que eu.

— O…oi, Zachary. — Pelo menos não me chamou de sr.


King, e isso já é uma vitória. Dou alguns passos em sua
direção e paro a alguns centímetros dela, respeitando seu
pedido.

— Viemos pegar algumas cervejas. O dia está tão quente,


né?

Escuto algumas risadas abafadas e sei que não estou sendo


tão discreto quanto deveria, mas foda-se. Também escuto
vozes e conversas, com a certeza de que meus primos
estão distraindo o

“inimigo número um”, mas meus olhos não saem de cima


de Gaia.

Ela respira pesadamente, e a minha vontade é de puxá-la


para perto, até nossos corpos estarem colados e eu poder
levantar a maldita saia que ela usa. Quero correr meus
dedos pelas coxas macias, talvez descobrir se apenas a
minha presença é capaz de deixá-la pronta para…

— Vou buscar as cervejas — Gaia diz, e sei que algo em


minha expressão denunciou para onde meus pensamentos
estavam indo.
Mas assim que ela se vira de costas, não consigo resistir e
seguro seu pulso.

— Fui ao seu quarto ontem à noite. — Minha voz não passa


de um sussurro. Mesmo assim, posso sentir o coração dela
acelerar com a declaração. — Só que você estava dormindo.

De lado, Gaia olha para onde a estou tocando. Quero dizer a


ela que também sinto isso, essa energia estranha que
percorre a minha pele sempre que nossos corpos se
encostam, mas mantenho os olhos fixos em seu rosto. E
quando ela olha para mim, eu a libero.

— Zachary, eu…

— Não precisa falar nada — interrompo-a. — Vou tentar de


novo.

E acho redundante dizer que quero muito que esteja


acordada.

Dou um passo à frente e a respiração dela fica mais curta,


enquanto seus olhos não conseguem esconder o quanto
essa proximidade a afeta. Ao mesmo tempo que quero
encorajá-la a esquecer essa ideia de me manter afastado no
horário de trabalho —

e sei que, se eu desse mais um passo, ela não me


empurraria —, preciso ser o mais forte da relação. Gaia tem
que confiar em mim, se eu tenho qualquer intenção de
que… Porra, nem sei como terminar este pensamento.

— Pegue umas cervejas para a gente, por favor — limito-me


a pedir, minha voz quase um rosnado.

Ela leva alguns segundos para sair do transe, balançando a


cabeça várias vezes, mas por fim assente, como se
entendesse que meu pedido vai muito além da vontade de
beber alguma coisa.

Gaia tem toda razão: preciso manter a distância, porque


sempre que estamos perto sou tomado por uma vontade
minimamente controlável de arrastá-la para a primeira
parede e ter certeza de que a noite que passamos juntos
não foi uma alucinação.

Mas então vejo-a abrir a geladeira e se abaixar para pegar


algumas long necks na última prateleira — e ela está
usando a porra de uma saia. Sem pensar duas vezes, corro
para proteger sua retaguarda.

Minha retaguarda.

— Tá maluca? — sibilo, olhando para trás, a fim de ter


certeza de que nenhum pervertido, inclusive aqueles com o
mesmo sobrenome que eu, está olhando.

— Do que você está falando… — Ela vira o rosto para mim,


por cima do ombro, a bunda empinada, e então nota a
posição em que estamos. Um sorriso safado se forma em
seu rosto.

— Gaia… — alerto.

— Zachary. — A falsa inocência que coloca na voz ao


pronunciar meu nome faz com que minha palma queime
com a vontade de estapeá-la aqui mesmo, tanto que fecho
os olhos e respiro fundo.

— Você é um teste para o meu autocontrole, mulher.

Só que, assim como na primeira vez que ela fez isso, agora
também não recua. Apenas empina mais a bunda, a ponto
de roçar em minha perna. Se ela fosse mais alta, roçaria em
outra parte do meu corpo, uma que preciso manter relaxada
agora, senão a família toda irá perceber o quanto esta diaba
ruiva me afeta.

Mas se ela pode me atiçar assim, eu também posso ter uma


cota de satisfação. E é por isso que deixo uma mão subir
lentamente pela lateral de seu quadril, até a cinturinha fina,
e a puxo para trás.

Garrafas tintilam dentro da geladeira e Gaia arfa com o


contato. Eu deveria me abaixar um pouco, rebolar nessa
bunda gostosa, talvez pedir licença aos inconvenientes
atrás de mim e acabar logo com essa tortura. Porém não
faço nada disso.

— Hoje à noite, Gaia. Hoje à noite. — É uma ameaça, e a


porra de uma promessa.

Capítulo 28
Gaia
Os King não convidaram apenas três amigos para ficarem
na casa durante o fim de semana; eles convidarem três
casais, além de Chloe, Dana e mais cinco jovens. Todas
lindas, bem-vestidas, ricas, piscadoras de cílios e aposto
meu fouet da sorte que são cheirosas.

Por falar em fouet da sorte, se ele estivesse aqui comigo,


nada disso estaria acontecendo. Ou, pelo menos, eu não
estaria me sentindo tão inadequada neste momento,
enquanto tento desembaraçar os fios do cabelo e ajeitar o
vestido preto e um pouco sujo de farinha.

Merda. Preparar um menu de quatro pratos, para vinte e


quatro pessoas, não é fácil. Muito menos quando se tem a
ideia brilhante de se inspirar nas estações do ano, só
porque a bonita aqui quis se mostrar capaz.

E agora que a sobremesa foi servida, Harvey King disse que


gostaria de dar suas felicitações à chef.

À chef.

Estou tremendo por dentro. Minha barriga parece feita de


gelatina, enquanto dá voltas em uma montanha-russa sem
freio.

— Eles estão esperando, Gaia — Derek avisa, como se eu


não soubesse disso.

Mordo o lábio, com tanta força que quase tiro meu próprio
sangue. Minhas mãos estão congeladas e sei que vou
desmaiar a qualquer momento.
— Certo. — Tento controlar minha respiração, mas não
consigo.

Estou hiperventilando.

— Calma… — ele diz, acariciando o meu braço. — Tenho


certeza de que amaram o que fez. Estava tudo delicioso.

Por um lado, concordo com Derek. Tenho um bom paladar,


sei quando a comida está boa, harmônica e bem
apresentada. Só que os King têm um padrão alto demais, e
não sei se o meu é suficiente para agradá-los. Não quero
felicitações por pena.

Mas esta é a minha chance. Foi por isso que vim. Então,
reunindo todas as minhas forças, ergo o queixo e sigo para
a sala de jantar.

Enquanto saio, sei que Spencer, Kyle, Val e Derek farão a


pior parte do trabalho. A segunda melhor parte de ser a
chef do dia é não precisar arrumar toda a bagunça depois
que o jantar é servido. Hoje, desde que cheguei aqui, não
precisei lavar a louça.

— Gaia! — Harvey King pula da cadeira assim que me vê.


Um enorme sorriso estampado em seu rosto me faz soltar o
ar em alívio, ao mesmo tempo que deixa meu coração
acelerado. Ele vem para o meu lado e, como de costume,
me envolve em um meio abraço, passando o braço por
meus ombros. — Não sei por onde começo a te elogiar,
menina.

Sinto as minhas bochechas ficarem quentes e sei que não


estou conseguindo disfarçar a vergonha. Tento não olhar
para todas as pessoas à mesa, porém uma delas merece a
minha atenção. Nem preciso procurar por ele, porque é
como se meu corpo soubesse onde Zachary está, mesmo
que eu não o tenha visto ainda. Ele está com o queixo
apoiado nos dedos entrelaçados e um sorriso torto nos
lábios. Mas é o modo como me olha que revela um outro
sentimento que eu ainda não tinha visto ali: orgulho.

— Espero que tudo tenha ficado ao agrado de vocês. —


Obrigo-me a manter a firmeza na voz. — O menu foi
pensado com muito carinho.

— Eu poderia me esbaldar com a sua comida todos os dias,


ruiva

— Jackson diz, e o comentário faz com que ele receba uma


cotovelada de Trenton.

É claro que, imediatamente, a mesa inteira cai na


gargalhada. Ou melhor, quase todo mundo, porque as
mulheres mais jovens parecem bastante incomodadas.
Também posso jurar que Zachary

fecha a cara e solta um rosnado baixo, só que as


gargalhadas não me deixam ter certeza.

— Jackson, meu filho, modos — Leah repreende, mas não há


seriedade em seu tom, apenas um carinho genuíno. Ela olha
para mim e completa: — Estava divino, Gaia. Nem me
lembro quando foi a última vez que provei um jantar tão
delicioso.

Minhas bochechas devem estar roxas agora, e o aperto de


Harvey fica mais forte. De certa forma, é como se ele fosse
um pai vaidoso.

— Eu disse que ela era espetacular. — Christine Lowell me


oferece uma piscadinha. — Adorei essa sua ideia de cada
prato ser uma estação do ano. Foi isso o que fez, não é?
— A senhora percebeu?! — pergunto, espantada por alguém
ter notado a minha inspiração.

— Ganhei a aposta, meninos — ela comemora, me


ignorando, e levanta-se da cadeira com a palma estendida
sobre a mesa. —

Quero o meu dinheiro agora!

— Um dia, essas apostas vão me custar caro demais… —

Sebastian comenta, balançando a cabeça de um lado para o


outro enquanto retira a carteira do bolso a contragosto.

Os outros quatro primos também ficam de pé e colocam


várias notas na mão de Christine, que parece radiante por
ter feito uma pequena fortuna às custas dos King.

— Mas nos conte sobre os pratos, Gaia — Walter pede. —

Queremos detalhes.

— Bom, como a própria Christine disse, fiz um menu


inspirado nas estações do ano, começando, é claro, pelo
verão — explico. —

O primeiro que vocês provaram foi um pequeno aperitivo:


ceviche de salmão com pimenta rosa e manga. — Servi em
uma porção bem pequena, apenas para dar início ao jantar
de forma leve. — Depois, a entrada foi um canelone de
camarão com aspargos, pensando no outono. — Investi na
massa fresca e no molho bem vermelho para trazer as cores
da estação, com os aspargos bem dourados fazendo o
contraste. — O prato principal foi um filé mignon ao molho
de queijo, para lembrar o nosso amado fondue de inverno,
acompanhado de mil-folhas de batatas. E, para a
sobremesa…
— Um sorvete de rosas — é Monica King quem termina a
frase.

— Um sorvete de baunilha, aromatizado com rosas, sim. Fiz


pensando na senhora… em você — corrijo-me. — E coloquei
pétalas muito finas de chocolate meio amargo. — Ela abre
um sorriso doce e apoia as mãos sobre o peito em um gesto
de agradecimento. —

Julian disse que você fez questão de ter roseiras aqui, então
imaginei que eram as suas flores preferidas.

— Tinha toda razão. — Não sei se é impressão minha, mas


posso jurar que vejo os olhos dela brilharem com lágrimas
não derramadas. — Muito obrigada pelo jantar maravilhoso,
minha querida. Espero que seja apenas o primeiro de
muitos.

Quando ela diz isso, meu coração quase pula para fora do
peito.

A impressão que tenho é de que todo o cansaço, todo o


trabalho e todo o estresse valeram a pena, porque, ao fim
do jantar, as pessoas que comeram a minha comida estão
sorrindo.

É assim que os chefs se sentem todos os dias?

Automaticamente, meu olhar busca Zachary, que sorri de


volta para mim.

— Concordo com a minha esposa — Harvey interrompe o


momento. — O primeiro de muitos, Gaia.

— Estou às ordens, sr. King — consigo dizer com muito


esforço.
O senso de dever cumprido entalado na garganta. A
vontade de sair pulando em comemoração tentando
dominar minhas pernas.

— Ah, ainda sou o velho que paga o seu salário?

— Sim, senhor — confirmo. Mas, de forma impensada, viro o


corpo e o envolvo em um abraço, deixando um beijo rápido
em sua bochecha. — Obrigada pela oportunidade. Foi uma
honra poder cozinhar para a sua família — sussurro em seu
ouvido e ele me aperta com força.

— Em breve, você fará mais por ela do que imagina. —


Afasto-me dele, sem entender muito bem o que quis dizer
com isso, mas Harvey apenas me dá uma piscadinha. —
Agora, que tal uma saideira lá no escritório, rapazes?

Vejo todos os homens se levantarem da mesa. Também


escuto as mulheres dizendo que vão para o deck aproveitar
o resto da noite.

— Querem mais alguma coisa da cozinha ou posso


dispensar os funcionários?

— Estão todos liberados. O serviço de hoje foi… — Edmund


começa a falar, mas não termina. Em vez de usar palavras,
ele passa a bater palmas, sendo seguido por todos na sala.
Até mesmo as garotas, que estavam olhando para mim de
cara feia, acabam me aplaudindo, mesmo que com certa
antipatia e só para não desapontarem os anfitriões.

— Viu, ruiva? Eu disse que você era demais. — Jackson corre


até mim e me toma nos braços, rodando comigo no colo.
Não consigo conter uma gargalhada.

Seguro firme em seus ombros enquanto a sala de jantar gira


ao nosso redor. Várias pessoas riem do comportamento
dele, mas parece que Jackson pouco se importa com o que
os outros pensam a seu respeito.

— Solta. Ela — um rosnado interrompe, fazendo com que eu


pare de rodopiar.

Sou colocada no chão e preciso me apoiar em Jack para não


cair.

E quando consigo fixar os olhos, vejo Zachary encarando a


cena com uma expressão sombria no rosto. Ele pega a taça
de vinho e vira o conteúdo de uma vez só.

— Obrigado — diz, vira as costas e começa a caminhar para


fora da sala de jantar, sem me dirigir um sorriso sequer.

Sei que ele está frustrado, talvez um pouco decepcionado


comigo, e ver a forma como Jackson tem liberdade de me
tocar não facilita nem um pouco as coisas.

Merda.

— Você precisa dar logo pra ele, senão meu primo vai
explodir.

— Jackson! — Bato em seu ombro quando cochicha no meu


ouvido.

— Estou falando sério, ruiva. — Cruza os braços na frente do


corpo e fica calado, esperando a sala esvaziar. Quando
estamos a sós, continua: — Você tinha que ver o estado de
calamidade do pobre coitado. O cara está perdendo a
sanidade, e a culpa é sua.

— Mas eu não…
— Shhh, minha vez — Jackson me interrompe. — Você tem
duas opções: a primeira é esquecer o meu primo e ser
minha. — Ele balança as sobrancelhas de forma insinuativa.
Reviro os olhos, fingindo estar entediada.

— Não, Jackson.

— Que pena. Mas já que prefere o segundo melhor dos King,


então engula esse seu orgulho e diga para ele como se
sente, porque Zach está bem caidinho por você. Meu primo
não merece ficar no escuro. — O modo como Jackson me
olha diz que, pela primeira vez desde que o conheci, ele não
está bêbado. Que toda a felicidade que demonstrou durante
o jantar não foi efeito de álcool nem de drogas. Talvez seja
por isso que eu o esteja levando a sério agora.

— Acho que tem razão — confirmo.

— Claro que tenho. E odeio dizer o óbvio, mas…

— Mas o quê?

— Mas se você não o quiser, opções não faltam, Gaia. — A


declaração vem como um soco. Um soco que dói, e muito.

Será que é isso o que as mulheres à mesa eram? Opções?


Será que Zachary trouxe elas até aqui no caso de eu o
rejeitar?

— Que cara é essa? — ele quer saber.

Por alguns segundos, fico em dúvida se deixo ou não


minhas dúvidas escaparem da mente, mas então decido
que é melhor colocar tudo às claras logo, antes que as
inseguranças me corroam de dentro para fora. Pensar que
ele estava, de alguma forma, ligado à Samantha foi o que
me impediu de me aproximar quando o conheci. E se quero
ficar com ele agora, não posso perder mais tempo.

— As cinco convidadas novas. Elas eram… opções?

— Claro que sim. — Jackson abana o ar, como se fosse a


coisa mais simples do mundo. — Não é segredo nenhum
que tio Harvey quer que Zach se case logo. — Ele pigarreia
e, então, força a voz para imitar o tio: — Zachary, meu filho,
você precisa tomar jeito na vida se quiser assumir as
Indústrias King.

Começo a rir, porque ele parece um comediante acertando


exatamente a entonação.

— Perfeito, Jack — elogio, batendo palmas. — Mas isso é


sério?

Ele quer que Zachary se case? Com qualquer uma?

Acho que tivemos essa mesma conversa na praia, só que a


bebida em excesso e o que aconteceu depois acabou
fazendo com que me esquecesse do “pequeno detalhe”.

— Não só o Zach — corrige. — Todos nós. Eu, inclusive. —


Coça a nuca, parecendo bastante desconfortável. — É um
dos pré-requisitos para que a gente fique no controle das
empresas.

— Eles podem exigir isso?

— Não é nada contratual. Nossos pais não são monstros,


Gaia. É

só que… — hesita, como se procurasse as palavras certas —


…eles querem que a gente pare com tantas festas, que os
tabloides não tenham motivos para duvidarem da nossa
capacidade. Por isso, criar família, ser bonzinho e blá-blá-blá
é a opção mais lógica. Os três velhotes querem se
aposentar. Para isso, nós cinco temos que estar em
condições perfeitas de temperatura e pressão. — Faz uma
careta, fingindo vômito.

— Pare com isso — brigo com ele e empurro seu ombro de


novo.

— Então, aquelas são pretendentes? — busco confirmação e


Jackson assente.

Sinto meu estômago embrulhar com a possibilidade de


Zachary se envolver com qualquer uma delas.

Na verdade, com qualquer mulher que não seja eu.

Por mais que me casar com ele hoje não seja uma opção,
também não quero que ele vire as costas para mim e se
envolva com outra. Não sei o que temos, muito menos o
que estou sentindo, mas de uma coisa tenho certeza:
Zachary King e eu estamos apenas começando.

— Você me faria um favor, Jackson? — pergunto, mordendo


o lábio.

— Só pedir que será feito, milady. — Ele se curva em um


gesto teatral.

— Peça a Zachary para me encontrar em uma hora na


cozinha.

— Na cozinha, sua safada?

— Jackson! — reclamo em um gritinho, mas ele apenas solta


uma risada e começa a se afastar.
Ainda bem, porque não quero desistir da ideia que acabei
de ter.

Capítulo 29
Gaia
Ando de um lado para o outro da cozinha, eufórica demais
para conseguir dormir. Nem um banho quente, depois de
um dia tão cansativo, foi capaz de me relaxar. Na verdade,
sei que preciso de mais uma coisa hoje… e essa “coisa” tem
nome, 1,90m e olhos verdes.

Jackson disse que o chamaria aqui, mas já passa das onze


da noite e ele ainda não apareceu. Ele também tinha
prometido que viria, quando falou comigo na cozinha. Será
que desistiu? Será que achou que eu estaria dormindo de
novo? Será que não recebeu o recado? Será que se
encantou por uma das pretendentes batedoras de cílios?
Será que simplesmente não quer mais me ver?

Droga! Minha mente não para de se fazer um milhão de


perguntas, ao mesmo tempo que não escuto passos nos
corredores ou na sala de jantar — e isso está começando a
me preocupar.

Então, sem pensar duas vezes, resolvo que está na hora de


tomar uma iniciativa. Zachary é sempre quem deixa claro
que está interessado. Já fugi demais, já impus limites
demais… Jackson tem razão: agora está na minha vez de
mostrar que também quero isso.

Saio da cozinha na ponta dos pés e fecho a porta que dá


para a sala de jantar com cuidado para não ser ouvida.
Ninguém precisa saber que estou indo para o segundo
andar da casa, para o quarto do filho do meu chefe, com a
total intenção de passar a noite inteira usando aquele corpo
enorme para o meu prazer. Não só isso, mas estou com
saudade do seu toque, da sua boca, do jeito que ele me
olha e do que me faz sentir.
Não gosto de admitir, mas Zachary King mexe demais
comigo, e não vou me fazer de sonsa e fingir que sou
indiferente a ele, muito menos aos sentimentos que têm se
desenvolvido dentro de mim.

A sala de jantar está vazia. Passo para o próximo cômodo, a


sala de estar, que tem vista para todo o mar pela parede de
vidro.

Ninguém por perto também. Ouço vozes femininas na parte


da frente e imagino que algumas mulheres ainda devam
estar pelo deque externo, bebendo, conversando e curtindo
a noite quente de verão.

Lembro-me de Harvey chamando os homens para uma


saideira.

Será que foram para a sala de jogos? Zachary disse que o


pai gostava de xadrez. Talvez estejam no meio de uma
partida, talvez no carteado ou jogando sinuca… “Tomara
que sim”, penso, indo na direção das escadas, “e que
Zachary tenha ido para o quarto”. E, por todos os deuses
que existem, que ele esteja sozinho lá. Imagina se abro a
porta e dou de cara com ele junto de outra mulher?

Eu despenco no chão. Morro. Tenho um treco.

Mesmo assim, finjo que esses pensamentos não me abalam


e sigo em frente, chegando ao meio da enorme sala de
estar, sentindo a ansiedade me dominar. Meu coração bate
mais forte a cada passo, como se me alertasse da loucura
que estou prestes a cometer. Mas não é loucura se Zachary
já deixou explícito que deseja estar comigo, não é? Claro
que não.

Aperto com força as minhas mãos e chego à escada


deslumbrante. Desde a primeira vez que entrei nesta casa,
sei que isso é o mais perto que chegarei de uma escadaria
de castelo, porque isso aqui é gigante! Quando ergo os
olhos para o topo, estanco no lugar ao ver o bendito fruto
do meu desejo nos degraus, como se não tivesse uma
mísera preocupação na vida. Pelo menos, ele está sozinho.

— Gaia? — A confusão estampa seu rosto. Então, desço o


olhar por seu corpo. Quase livre das roupas, com a exceção
de um short preto soltinho, que aparentemente não tem
nada por baixo, Zachary é o tesão encarnado. — O que você
está fazendo aqui?

É claro que ele perguntaria isso. Mas imaginei que o


questionamento viria quando estivéssemos lá em cima e eu
pudesse

dar uma resposta atrevida — mesmo que ainda não tivesse


pensado em qual seria.

— Eu… eu…

Isso, menina. Boa hora para perder as suas habilidades


vocais.

— Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa? — Zachary


desce os últimos degraus correndo, o rangido me deixando
alerta para o fato de alguém ter escutado. Preocupado, ao
que parece, com a minha falta de eloquência que fica mais
intensa a cada centímetro que se aproxima, ele me alcança
e segura pelo braço.

— Nada aconteceu — luto para dizer. Quero completar com


um

“ainda”, mas não posso soar desesperada a esse ponto. —


Só…
estava indo te ver.

— Me ver? — Ele ergue uma sobrancelha, no mesmo


instante que estico um dedo. Cuidadosamente cedo ao
impulso e percorro o vale entre os músculos da barriga
definida, traçando cada linha com calma.

— Te ver. Te tocar. Tanto faz… — Dou de ombros, contendo


as outras informações. É então que escuto, e sinto, um
rosnado.

Sempre que esse desgraçado faz isso, desperta algo novo


em mim.

E que todas as feministas neste mundo me perdoem, mas,


puta merda, minha calcinha quase ganha vida e tomba no
chão. —

Jackson não deu o recado? — pergunto, meu dedo ainda


fazendo o percurso do pecado.

— Que recado? — Sua voz soa rouca e baixa.

— Eu pedi que…

Antes que eu termine a frase ou possa traçar os seis


gominhos que ele tem na barriga, sou puxada para baixo da
escada, onde ficamos escondidos sob os degraus de
madeira. E isso é tudo o que eu preciso para ter certeza de
que tomei a decisão certa vindo aqui.

Numa sequência de gestos rápidos, logo estou com o rosto


pressionado contra a parede, o peito firme de Zachary
colado às minhas costas.

Antes mesmo que eu consiga respirar, sinto o hálito quente


tocar meu pescoço quando ele inala meu cheiro com força.
As mãos passeando pela lateral do meu corpo, meus pelos
se erguendo, arrepios brotando por onde ele deixa traços
com os lábios.

— Diga que sentiu minha falta, Gaia. — O modo como fala


indica que não é um pedido.

— Senti sua falta, Zachary… — solto em um murmúrio, mais


do que feliz em obedecer. Porém as poucas palavras e o
som baixo são suficientes para fazê-lo roçar a ereção contra
a minha bunda.

— Diga que me quer aqui. Agora. — Não consigo conter o


arquejo, ouvindo o grunhido baixo. Uma ordem e uma
súplica. —

Fale, Gaia.

Ele imprensa mais o corpo contra o meu e perco o total


controle sobre o que estou fazendo. Se me perguntassem o
meu nome agora, não saberia responder. A única coisa que
sei é…

— Eu te quero, Zachary. Aqui. Agora.

Sou virada de novo, ficando cara a cara com um homem


tomado pelo desejo, as íris escuras. Assim que me empurra
para trás, minha boca é invadida por um beijo, como se ele
precisasse disso para sobreviver. Uma mão emoldura meu
rosto e a outra aperta minha cintura com necessidade.
Zachary me pressiona mais ainda contra a parede, me
devorando.

Meu Deus, o gosto desse homem é viciante — e não quero


parar de prová-lo nunca mais. O beijo é explosivo. Só que
não o suficiente.
Por isso, coloco mais fogo, imitando seus movimentos e me
entregando à necessidade na mesma moeda. Deixando
tudo queimar.

Agarro-me a ele com força. Se eu pudesse, escalava esse


monumento e nunca mais sairia daqui.

Estou ofegante quando Zach desce os lábios para o meu


pescoço, lambendo e mordendo por onde passa, me
deixando ainda mais louca e precisando de algum alívio. Só
que ele, ao mesmo tempo que tem pressa, parece que não
quer parar.

Sem conseguir ficar parada, minhas mãos ganham caminho


para o seu cabelo, depois descem para os ombros largos, as
costas firmes, e ainda bem que ele está sem blusa, porque
não sei se teria coordenação motora suficiente para
desabotoar uma camisa agora.

Aproveito e corro as unhas por sua pele quente, louca para


deixar algumas marcas. Só para poder mostrar ao mundo
que estive aqui, que ele tem a mim. Como se cravasse uma
bandeira. Porque

mulheres também gostam de marcar o território e foda-se.


Mas meu gesto faz com que Zachary realmente comece a
perder todo o senso de controle. Seus beijos ficam mais
fortes, os movimentos do quadril também. Quando os
dentes raspam minha pele, sei que ele está tentando fazer
o mesmo comigo.

— Isso. Me marca — encorajo, apertando os braços


musculosos.

Não sei de onde vem essa nova necessidade, também não


vou pensar nisso agora, mas a verdade é que quero acordar
amanhã e ver no espelho tudo o que ele fez comigo. Quero
ver as evidências de que nada disso é um sonho. Quero ver
minha pele branca marcada com seu toque brusco, com
seus beijos descontrolados, com suas mordidas
desesperadas. Quero que ele precise de mim.

Que sinta necessidade de me possuir.

Porque é esta a minha realidade agora.

E no instante que ele segura com força a barra do meu


vestido, sei que estamos indo por um caminho sem volta.

— Puta merda, Gaia — diz com o rosto enfiado no meu


decote.

— Só você me deixa desse jeito.

Jogo a cabeça para trás e me entrego. Nada mais importa,


apenas ele e o que estamos fazendo aqui. Os passos que
escuto vindo do deque ao fundo não são relevantes. As
vozes masculinas que soam pelo corredor distante também
não. Muito menos as risadas finas que entram pelas grandes
janelas da frente.

— Preciso de mais — sussurro. — Preciso de você. Agora.

De repente, meu vestido é rasgado ao meio, permitindo que


nossas peles se encontrem sem qualquer barreira. O
contato me queima da forma mais prazerosa possível.

— Veio sem nada? — Ele rosna de novo ao notar que não


estou usando lingerie alguma.

Encolho os ombros para remover os trapos do que era a


minha roupa. Então, encaro-o, sorrio e assinto. Na mesma
hora, sem qualquer humor em seu rosto, Zachary toma
meus seios com as mãos e minha boca com a sua. O beijo
também não tem qualquer controle. É um encontro de
línguas e dentes. De tesão e desejo. De urgência e pressa.
Nós nos beijamos como se nossas vidas dependessem
disso. Como se há anos não nos víssemos.

As vozes ficam mais próximas. As risadas também. Mas


nada é importante, a não ser o que estou vivendo com ele
neste momento.

Zach rola o bico do meu seio entre os dedos, porque o


desgraçado faz de tudo para me deixar ainda mais cheia de
tesão. Tudo o que sinto é uma vontade louca de gemer.
Então, é o que faço. Gemo baixinho em sua boca e puxo-o
pela bunda, rebolando contra sua ereção, implorando para
que Zachary aplaque essa carência e preencha o vazio que
estou sentindo.

— Caralho, você ainda vai me matar, mulher… — Ele abaixa


o rosto, sugando com força um mamilo enquanto tapa
minha boca para que ninguém descubra o que estamos
fazendo aqui. — Eu não tenho camisinha.

Não quero me lembrar de onde estamos, do perigo que


corremos.

Só preciso desse homem dentro de mim. Tento avisar que


tomo anticoncepcional, mas o som sai abafado contra a
mão forte.

Zachary nota e olha para mim, com os lábios ainda


prendendo meu biquinho sensível.

— Anti… concepcional — ofego.

— Tem certeza? — pergunta de forma enrolada, sem tirar os


olhos de mim nem parar de me estimular com a língua.
Neste momento, não quero pensar. Quero apenas sentir. Se
não tiver Zachary logo, acho que serei capaz de morrer. E
não estou exagerando. É por isso que apenas faço que sim
com a cabeça, tentando colocar o máximo de confiança no
gesto.

Mais uma vez, sua boca invade a minha, e qualquer


resquício de sanidade que restava vai embora. Estou nua
embaixo da escada, ouvindo passos se aproximarem.
Seremos pegos a qualquer momento e não terei nem como
disfarçar. Meu segredinho sujo virá à tona, e não me
importo nem um pouco com isso. Quero mais é que as
outras opções vejam que ele está comigo.

Não sei se é o medo ou o desespero em ter Zachary dentro


de mim, mas alguma coisa me obriga a enfiar a mão dentro
de seu short e senti-lo. Por. Inteiro. Tão duro e grosso que
chego a salivar com a vontade de tê-lo em minha boca.
Zachary espalma as mãos no meu quadril, me puxando
para mais perto.

Então, ouço-o rosnar quando o aperto com um pouco mais


de força, porém logo nossas posições mudam e sou virada
de frente para os degraus, as mãos apoiadas na madeira
que cobre os espaços entre um e outro.

— Só você para me fazer esquecer do juízo — ele sussurra


grave ao pé do meu ouvido.

Não tenho tempo de contestar, já que sua mão volta a tapar


minha boca no instante que ele abaixa um pouco o próprio
short .

Sinto seus joelhos dobrarem para ficarmos na mesma altura


e logo Zachary está escorregando para dentro de mim.
Estou tão molhada que não há qualquer resistência.
Então, passos começam a soar, subindo a escada.

Ele entra e sai devagar, com a testa apoiada no meu ombro,


uma mão segurando meu quadril e a outra me impedindo
de gemer. É o inferno e o paraíso. Zachary vai com calma,
como se quisesse me torturar. Tirando quase tudo e depois
indo até o fundo de novo.

Minha cabeça tomba para a frente, meus lábios abertos em


formato de O, os olhos fechados para absorver o prazer. Se
alguém der a volta na escada, pode nos pegar no ato.
Porém o perigo de sermos vistos só deixa tudo ainda mais
gostoso.

É a melhor sensação de todas.

Espalmo as mãos na madeira em diagonal, empinando a


bunda.

Mais passos ecoam na escada. Rangidos de pessoas


subindo.

Mais Zachary dentro de mim. Indo e vindo, cada vez mais


devagar. Ele me aperta com força, e sei que está deixando
as marcas que tanto quero. Encontro-o em cada um de seus
movimentos, tentando manter o ritmo lento para que
ninguém ouça o que estamos fazendo aqui embaixo. Mesmo
assim, meus peitos balançam com o impacto de cada
estocada. Meu corpo pede por libertação.

Escuto as mulheres se despedindo, os saltos batendo contra


a madeira a cada passo, tudo sincronizado com os avanços
de Zachary. Alguém se despede, outros desejam boa-noite.
Enquanto isso, tudo o que eu quero é gozar.

Uma porta se fecha. Depois outra. Várias. Por fim, o silêncio.


— Não vou conseguir parar — Zachary fala… e cumpre com
a promessa.

Sua mão sai da minha boca e chega ao meu cabelo,


puxando-me para trás. Então, ele começa a se mexer. A
realmente se mexer. Um vaivém rápido, o barulho estalado
das nossas peles se chocando.

Começo a ofegar, o mais baixo que consigo, e ele também


não se controla, indo cada vez mais fundo, mais forte.

Sinto a pressão se formando no meu ventre enquanto


mordo o lábio para não gritar. Zachary aperta minha bunda
com força, me puxando para mais perto, impulsionando
seus movimentos.

— Não para, não para — imploro, começando a ver tudo


embaçado.

— Caralho de boceta gostosa.

Os sons dos nossos corpos se chocando, a voz rouca, o


cheiro de sexo desenfreado… tudo é intenso demais, a
ponto de eu não conseguir mais me segurar.

— Ai, meu Deus!

— Não é Deus quem está te fodendo, Gaia. — Zachary dá


um tapa na minha bunda. — Diga meu nome, linda.

Não consigo obedecer, porque suas palavras despertam o


orgasmo mais intenso que já tive em minha vida. As pernas
fraquejam e Zachary precisa me envolver pela cintura para
que eu não caia no chão. O rosto afundado em meu
pescoço, enquanto meu corpo inteiro treme.
— Aaah! — solto em um suspiro, os espasmos me fazendo
contrair em torno dele.

— Porra, Gaia. — Zachary vem junto, crescendo e latejando


dentro de mim.

Capítulo 30
Gaia
— Isso foi…

— A melhor surpresa de todas — Zachary termina a frase,


depois da terceira rodada, enquanto acaricia o meu braço.
Agora não há mais o medo de sermos pegos, já que
estamos aninhados em sua cama, seguros e saciados.

Foi preciso que ele me carregasse escada acima depois da


foda espetacular na sala de estar, junto com o trapo que
virou o meu vestido. Finalmente conseguimos um pouco de
privacidade para continuar nossa diversão.

— Nunca imaginei que você tivesse um lado exibicionista. —

Apoio a cabeça em seu peito, deixando os dedos roçarem os


músculos que tanto amo. — Nem o maratonista.

— A culpa é toda sua, mulher. — Não consigo conter a


risada, nem a vermelhidão que toma as minhas bochechas.

É então que me dou conta da loucura que fizemos lá


embaixo e me sento na cama.

— Meu Deus! — Enfio o rosto na mão. — E se tivéssemos


sido pegos? Eu sabia do perigo, mas… não me importei na
hora.

— Agora você se preocupa com isso? — Ele solta uma risada


gostosa, fazendo com que eu suba um pouco o olhar para
encará-lo e ver a resposta. — Eu não teria parado.

— Zachary! — Pego o primeiro travesseiro que vejo e miro


em seu rosto. Mas os reflexos dele são ótimos e não consigo
atingi-lo, que pega o travesseiro e me puxa de volta para
seus braços.

— Fique mais um pouco, Gaia. Ainda não estou pronto para


te deixar ir embora.

— Não pretendia ir — confesso. — Na verdade, estou bem


confortável aqui. — Jogo uma perna por cima das dele e me
permito ser apenas uma garota normal por alguns
momentos.

Aqui e agora, somos Gaia e Zach. Nada de futuro CEO da IK


e funcionária da casa. Não há diferença entre nós. Não há
pretendentes esperando por ele do lado de fora, nem
expectativas.

Apenas uma sensação gostosa de companheirismo e


saciedade.

— No que você está pensando? — ele quer saber, seus


dedos acariciando levemente os fios do meu cabelo.

— Em duas coisas, na verdade — confesso.

— E quais seriam elas?

— A primeira é por que você não foi me ver. Na cozinha,


você disse que iria e…

— Meu pai me chamou para uma conversa. Acabei


demorando mais do que o esperado — ele explica. —
Depois, fui tomar um banho. Quando desci, dei de cara com
você na escada.

Tento conter o suspiro de alívio, ao mesmo tempo que não


consigo esconder o sorrisinho bobo que se forma em meu
rosto.
Ele não ia me ignorar…

— E a segunda? — pergunta, me puxando para mais perto.

— Nas convidadas que seu pai trouxe. Tenho certeza de que


elas dariam tudo para trocar de lugar com essa cozinheira,
neste momento — solto em tom de brincadeira e aproveito
para deixar uma mordidinha em seu peito, agora me
sentindo bem mais relaxada.

Zachary ri alto.

— Imagina o desastre que seria o jantar — ele também faz


piada e não consigo conter a gargalhada. — Inclusive,
estava delicioso. E

não estou falando isso porque você está na minha cama,


nem porque já provei outras coisas também. É a mais pura
verdade. Você tem muito talento, Gaia.

Subo o olhar para encontrar o dele. E ali, refletido em todo


aquele mundo verde, não há nada além de sinceridade.
Tanto que meu peito infla, fazendo meu coração errar
algumas batidas.

— Você não tem ideia de como é bom ouvir isso.

— E sobre as mulheres quererem ser você agora… — Seu


rosto vem para bem perto, o nariz roçando o meu. — Elas
podem até

tentar, mas ninguém jamais será você, Gaia.

— Você não pode dizer essas coisas. — Minha voz é tímida e


não passa de um sussurro.

— Por quê?
— Porque senão eu acabo acreditando — confesso, mais
baixinho ainda. O medo de me expor é enorme. Ao mesmo
tempo que não quero parecer a mocinha emocionada,
também não estou a fim de soar indiferente a tudo que tem
acontecido entre nós. Até porque não tenho mais como
fingir que não sinto aquilo que meu corpo já deixou bem
claro para ele.

Só que, por vários segundos, Zachary apenas me encara de


volta, como se buscasse as palavras certas para dizer o que
está em sua mente. O silêncio domina o quarto, preenchido
apenas por respirações hesitantes. Por um segundo, fico
com medo de ter falado besteira, talvez trazido à tona um
assunto que não deveria fazer parte deste momento. Há
uma tensão estranha no ar, como se não soubéssemos ao
certo o que está acontecendo. Algo está mudando agora. De
um lado da moeda, há o desejo. Do outro, há aquilo que
nenhum de nós está pronto para olhar e descobrir o que é.

— Se eu te dissesse que não minto, você acreditaria em


mim? —

A pergunta é tão inesperada que acabo enrugando as


sobrancelhas.

— Como assim?

— Todos dizemos mentirinhas bobas, é claro, mas eu me


lembro quando tinha doze anos e contei uma mentira séria
na escola.

Coloquei a culpa por uma janela quebrada de um carro de


luxo em um menino bolsista. Ele era metido, insuportável e
tinha ficado com a menina que eu queria. — Solta uma
risada sem qualquer humor. —

É claro que todos acreditaram em mim.


Zachary se ajeita nos travesseiros, desviando o olhar do
meu, e encara o teto. É como se, ali em cima, um filme
estivesse passando e ele pudesse enxergar a cena.

Ou talvez só não queira que eu veja seu rosto agora. Mesmo


assim, me puxa para perto, fazendo com que eu deite em
seu peito.

— O menino era um Smith. Zachary Smith, de todos os


nomes…

Eu, um King — continua narrando. — De alguma forma, meu


pai sabia que eu não estava sendo honesto, mas não me
contestou na

frente de todo mundo. Ele ficou do meu lado e deixou que


os diretores da escola tomassem as atitudes necessárias. —
Com a cabeça sobre seu coração, enquanto traço círculos
nos músculos da barriga, escuto-o bater acelerado. Sei que
a parte ruim está por vir.

— Expulsaram Smith no mesmo dia.

Absorvo o impacto da história, só que não consigo ficar


calada.

— E o que aconteceu depois?

— Cheguei em casa, achando que tinha me safado, e meu


pai estava lá, sentado no escritório, esperando por mim. —
Seu braço me aperta com um pouco mais de força, o que
me deixa preocupada com o que vou ouvir em seguida. —
Quando entrei, pensei que fosse levar uma surra por ter
mentido, mas não foi o que aconteceu. Meu pai nunca
levantou a mão para mim. Nem uma única vez. Ele apenas
olhou em meus olhos e disse, naquele tom firme de quem
sabe mais da vida: “Um King de verdade entende que
mentiras ajudam um lado e condenam o outro. De agora em
diante, você será obrigado a dormir com esse peso na sua
consciência para sempre. Parabéns, meu filho, foi brincar de
rei e se tornou um carrasco”.

A frase me faz estremecer.

— Mas…

— Ele estava certo, Gaia — Zachary me impede de


continuar. —

Durante meses, só conseguia pensar em Smith e na merda


que eu tinha feito. Eu era orgulhoso demais para voltar
atrás e consertar o meu erro. Não falei para ninguém que
tinha sido eu o culpado pelo estrago na janela do carro, mas
encontrei outra solução. — O

coração dele bate mais rápido, acho que de forma animada


pela lembrança positiva, e suas mãos me acariciam com
mais firmeza. —

Fui atrás de vários colégios, até encontrar o segundo melhor


de todos, e fiz uma doação generosa em nome de Zachary
Smith. Tirei o dinheiro da minha poupança pessoal e paguei
a mensalidade dele até o fim da escola. Não contei para o
meu pai, mas, de novo, ele sabia o que eu tinha feito. E, de
novo, me chamou ao seu escritório.

Dessa vez, ele estava de pé. Quando entrei, tudo o que fez
foi estender a mão para mim. “A partir de hoje, você não é
só um King, mas o meu herdeiro também. Porque, nesta
família, nós não temos

medo de nos sacrificarmos pelo que acreditamos ser o


correto”, ele disse.
Meus olhos ficam marejados quando termino de ouvir a
história.

Não só pelo que aconteceu, mas por saber que, embaixo de


tanta pose e atitude, há um homem de verdade.

Não sei por que me surpreendo ao ver que Zachary King


tem princípios.

— É por isso que você está trabalhando tanto para ser o


próximo CEO da IK? — solto a pergunta. — Para honrar o seu
pai?

— Também — ele confirma, virando-se para mim. — Harvey


King é o homem mais correto que já conheci na vida. Dentro
e fora do escritório. Quero muito ser o herdeiro que ele
precisa, mas… —

hesita, fechando os olhos e puxando o ar com força.

— Mas? — incentivo-o a continuar. Aproveito e traço


levemente seu nariz. Depois, contorno a boca com a mesma
leveza, descendo o toque para seu pescoço enquanto
mantenho os olhos presos em seu rosto, até que meus
dedos chegam ao peito forte e ele toma a mão na minha,
impedindo-me de seguir.

— Quero isso por mim — declara com firmeza, beijando a


palma da minha mão. — Eu quero ser capaz. Por mim, Gaia.
Quero provar a mim mesmo que posso ser metade do
homem que meu pai é, nem que seja apenas como
profissional.

— Não sei se vale para muita coisa — deixo um beijo rápido


em seu pescoço —, mas acredito em você. Sei que vai ser
um excelente chefe.
É então que seu rosto muda, e algo novo aparece ali. Algo
que não consigo decifrar. O modo como Zachary me encara
é… não sei.

Como se estivesse procurando algo em meus olhos, talvez


na minha alma. Tão lá dentro que fico desconfortável e sou
obrigada a romper o contato visual, balançando um pouco a
cabeça.

Às vezes, ele é intenso demais para mim.

— Não foi por isso que contei aquela história, sabe? — ele
diz, aliviando meu incômodo.

— Ah, é?

— Só estava tentando te dizer que não minto. — Solta uma


risada, mas a frase me faz lembrar do que havia falado
antes, e é

claro que fico vermelha de novo. — Meu Deus, mulher!


Quando você vai parar de ficar com vergonha?

— Não sei! — Começo a rir também, agora sem graça pela


minha vergonha descabida.

— Trabalhe nisso, porque há meia hora eu estava te


chupando e…

— E se você não parar agora, vai ter que me chupar de


novo —

ameaço, só para calar a boca mesmo.

— Olha — finge uma expressão séria, porém logo relaxa —,


prometo que não será um sacrifício.
Então, nos encaramos. Os olhos buscando alguma coisa nos
meus, só que não há mais palavras sendo ditas. Não
precisamos falar nada. Apenas sentimos.

O desejo.

A necessidade.

Logo sua boca encontra a minha. E, desta vez, o beijo é


calmo, sem a urgência de antes, mas isso não quer dizer
que não cause o mesmo efeito devastador. É sempre assim,
e não entendo o porquê.

— De novo? — pergunto, alcançando sua rigidez.

Um sorriso estampa o rosto atraente e Zachary me puxa


para cima, me fazendo montar sobre ele.

— Já perdemos muito tempo.

∞∞∞

Nem mesmo uma festa é divertida sem os King por perto.


Ou talvez seja a saudade que eu esteja sentindo de Zachary.
Ele foi embora no domingo e mal tive chance de me
despedir. O máximo que conseguimos foi uma troca de
olhares. Pelo menos, ficamos até as cinco da manhã juntos,
sem conseguir parar de conversar. Uma sequência de
risadas, toques, beijos, orgasmos…

Acho que foi a melhor noite da minha vida.

Primeiro, o sucesso do jantar. Depois, Zachary. No domingo,


eu estava mais destruída do que meu vestido. Porém,
quando o sol nasceu, tudo voltou ao normal: eu era a
cozinheira, e ele era o filho
do meu patrão. Mas cada segundo valeu a pena. Não só o
sexo, as conversas que tivemos também.

Agora estou olhando para o mar enquanto tento refletir


sobre o que vou fazer daqui para a frente. Porque a verdade
é que me sinto cada vez mais envolvida por Zachary, e não
sei se devo me permitir ter esses sentimentos de novo.

Já me iludi uma vez. Entreguei minha alma.

Se eu fizer isso de novo, e não der certo, não sei se vou


conseguir me reerguer.

“Mas será que não passamos do ponto de questionar o que


estamos fazendo?”, um Zachary imaginário pergunta em
minha mente. E por mais que eu odeie admitir, ele tem
razão.

Ficar questionando se devo ou não me envolver quando já


estou envolvida é a mesma coisa que chorar o leite
derramado. É tarde demais para isso.

— Gaia! — A voz de Valerie interrompe meus pensamentos.

Desencosto da grade e olho para trás, vendo-a acenar para


mim. —

Vem logo — ela chama, apontando para o grupo de pessoas


em volta da piscina.

— Só mais um minuto.

A vista na mansão dos Callihan é diferente da dos King, que


fica em uma área bem limitada de Southampton. A caminho
de Havens Beach, com alguns conhecidos de Valerie e Kyle,
tive ainda mais certeza de que a propriedade dos King faz
parte do 1% do 1% dos ricos e famosos. E que ninguém tem
algo tão exclusivo quanto eles.

Até nós, que somos os funcionários, somos tratados de


forma diferente que os demais invasores.

Quando viu meu estado de total apatia, Val insistiu para que
eu viesse a essa festinha. Mesmo minha vontade sendo de
ficar em casa lendo um livro e comendo pipoca, aceitei. Só
que ela tinha razão: eu merecia uma folga agora que Martha
está recuperada.

Depois de todo o esforço para cuidar da família no fim de


semana, nada melhor do que um pouco de diversão. O
problema é que não estou achando nada para me alegrar,
porque não consigo tirar um certo homem da cabeça.

— Gaia… — Kyle se aproxima.

— Desculpe. — Viro-me para ele. — Sou uma péssima


companhia hoje.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não — apresso-me em mentir. — É só que… não estou


muito a fim de ser sociável. E como não conheço a maioria
das pessoas aqui — aponto para o grupo —, fico meio
desconfortável. Nada de mais.

— Se você quiser, podemos ir embora — Kyle oferece, um


sorriso carinhoso estampando seus lábios.

— Imagina. Fique com seus amigos e aproveite a noite. Eu


estou bem. — Abano o ar, dispensando a ideia. — Daqui a
pouco apareço.

Só estou vendo o mar.


— Tem certeza?

— Absoluta — garanto.

Não vou dizer a ele que minha bateria social é limitada.


Muito menos que preferia estar nos braços de um
determinado homem agora. Por isso, apenas forço um
sorriso e afirmo que vou ficar legal.

Kyle assente e volta para o grupo animado. Todos estão


rindo em volta da piscina, tomando cerveja e parecem
bastante alegres por curtir a noite do mesmo jeito que os
ricos e famosos.

Os Callihan, pelo que soube, estão passando o verão no sul


da Itália.

Ah, a vida difícil.

— Gaia! — Val me chama de novo.

— Prometo que já… — começo a dizer, virando-me para ela,


porém estremeço ao ver o celular em sua mão.

Da última vez em que ela veio até mim com o aparelho, não
foi para me trazer boas notícias. Acho que minha amiga
percebe para onde meus pensamentos vão, porque sua
expressão fica murcha na mesma hora. Há uma raiva
contida ali também.

— Olha, eu não queria ser portadora de más notícias de


novo, mas… — Valerie nem consegue me encarar direito.

Puta merda, a coisa deve ser feia mesmo.

— Me mostra logo. — Estendo a mão, sem querer adiar o


inevitável.
Minha respiração é pesada e a coragem vacila no instante
em que ela coloca o aparelho na minha palma. Sinto o corpo
inteiro gelar antes mesmo de ver o que está ali, porque eu
sei, eu sei, que vou me decepcionar. A expressão de Valerie
já diz tudo.

Então, fecho os olhos, tentando conter as batidas


descompassadas dentro do peito.

Contei a ela parte do que aconteceu entre mim e Zachary


no último fim de semana. Disse que o nosso envolvimento
está cada vez maior e que não estou conseguindo conter o
avanço dos meus sentimentos. Falei que estou me
apaixonando, mesmo que eu tenha certeza de que a
recíproca não é verdadeira.

Zachary King, todos sabem, não é um homem que se


apaixona.

Ele mesmo me disse que não tem relacionamentos


bonitinhos, que não se envolve com mulheres e que nunca
namorou. Por que seria diferente comigo? Tudo bem que
fizemos mais do que sexo. Ele se abriu comigo. Contou
histórias de sua infância, me mostrou um lado mais…
humano. Só que isso não significa amor. Sei disso, mesmo
que precise repetir essas frases algumas vezes ao dia para
não afundar na besteira de acreditar em finais felizes de
novo.

Crio coragem, abro os olhos e vejo o que ela tem a me


mostrar.

Na tela, há uma postagem do Instagram. A primeira foto é


de Zachary ao lado de Trenton. Os dois de terno, rindo, no
que parece ser um evento da alta-sociedade.
— Isso é de hoje? — pergunto, minha voz não passa de um
fiapo.

Val faz que sim com a cabeça. Fico me questionando quem


diabos vai a uma festa em plena terça-feira. Só então me
lembro de que também estou em uma festinha e ignoro o
ciúme. Pelo menos, por enquanto. Então, passo para a foto
seguinte — e meu coração para de bater.

Porque Zachary está abraçado a duas desconhecidas. Duas


mulheres lindas, com certeza modelos. Altas, magras, com
vestidos elegantes que devem custar mais do que meu
salário anual, maquiagens impecáveis e sorrisos de milhões.
O pior de tudo é que ele também está sorrindo. Sem
suportar olhar mais para a imagem, passo para a próxima.
Zachary cochicha no ouvido de uma delas, enquanto a outra
tem a mão espalmada em seu peito.

O mesmo peito em que me deitei há poucos dias.

Engulo em seco, tentando conter a vontade de vomitar. Sigo


para a última foto e meus joelhos perdem as forças. Preciso
me apoiar na grade do deque para não cair. Ali, estampado
para o mundo ver, Zachary King está beijando a boca da
acariciadora de peitos masculinos.

— Ei, ei, ei! — Valerie me chama. — Presta atenção: essa


última foto é antiga, viu? — Não tenho como encarar minha
amiga. — Leia o que está escrito na postagem.

— Não consigo — confesso, sentindo minhas mãos


tremerem.

— Então eu vou ler. Ele foi a um evento da gravadora. Essas


aí são duas cantoras. A da direita, Janice Blue — diz em tom
acusador, se referindo à mulher com quem ele estava
cochichando —, é a superfamosa do momento. A da
esquerda é Kirsten Heart. Ela já é antiga na King Records e
um ex-casinho do Zachary. Esse perfil de fofoca colocou
essa foto e perguntou se os dois estão juntos de novo. —
Forço-me a desviar o olhar da tela para minha amiga. Posso
ver no rosto de Val que ela está tão preocupada quanto eu.

Aquele cachorro! Eu podia jurar que ele estava a fim de


você, Gaia, de verdade. Desculpe, eu jamais imaginei que…

— Não precisa se desculpar. O erro não é seu, Val —


interrompo-a, cansada de ouvir explicações.

Meu olhar encontra o dela enquanto tento conter as


lágrimas.

Mas não vou chorar agora. Não vou. Não posso me permitir
chorar por um homem que está se divertindo com outras
mulheres, enquanto fico aqui, pensando nele que nem uma
idiota. Onde está o meu senso de autovalorização?

— Talvez tenha sido algum engano. Você sabe como são


essas fofocas de internet… — Ao notar as lágrimas que
lutam para cair, Val tenta me acalmar, mas é em vão.

É impossível me tranquilizar agora, porque, a cada segundo


que passa, tenho mais certeza de que não sou nada além
de uma diversão de temporada para aquele homem.

Um romance proibido.

O sexo embaixo da escada.

Um desafio para Zachary King.

Vida em Nova York


A sua fonte de informações sobre a cidade que
nunca dorme
Kirsten Heart reconquistou o coração de Zachary King?

Sabemos que os dois tiveram um caso anos atrás, mas


parece que a chama do romance foi reacendida com
sucesso.

Os dois se reencontraram na festa de vinte anos da King


Records e a química rolou solta! Durante o tempo quase
todo, eles ficaram juntinhos, conversando e talvez
relembrando tudo o que viveram.

Confesso que shippava muito o casal e agora estou


empolgada para ver como essa história vai se desenrolar.

O possível casal não saiu junto do evento, mas aposto que


só fizeram isso para despistar os fotógrafos e jornalistas,
que estavam em cima deles como um enxame de abelhas.

Uma pergunta importante: se Zachary está todo encantado


com Kirsten, quer dizer que ele não está envolvido com
Samantha Strauss, certo? Como será que ela está se
sentindo em relação a tudo isso? Será que foi outra que
teve seu coração partido pelo nosso príncipe?

Fiquei sabendo que Sam voltou para Londres logo após a


semana que passou junto com nosso King preferido, em
Nova York.

De repente, foram só alguns dias para matar a saudade.

Ah, como eu queria saber detalhes dessa história…

Capítulo 31
Zachary
Quando tudo dá certo, só consigo pensar nela. É com Gaia
que quero comemorar.

Quando tudo dá errado, só consigo pensar nela. É com Gaia


que quero conversar e, talvez, encontrar as soluções.

Essa mulher não sai da minha cabeça por um maldito


segundo, a ponto de eu já ter desistido de tentar. Até
quando fecho um dos maiores contratos da minha carreira,
penso nela e no quanto queria comemorar com Gaia. Uma
celebração que envolveria seu gosto, seu cheiro, seu sorriso
doce… Penso na sua boca, nas mãos me puxando para mais
perto, na expressão que faz quando goza e em como briga
sempre que acha que estou fazendo alguma coisa errada.

Gaia só tem um defeito: não está comigo agora. Hoje ainda


é quarta-feira e já estou enlouquecendo de saudade. Como
isso é possível?

Sentado no meu novo escritório, em um dos últimos


andares do prédio da IK, na Lexington Avenue, tenho uma
vista esplêndida para Manhattan, só que nada disso
importa. Frustrado, esfrego o rosto, tentando aliviar o
sentimento. A remodelagem do espaço ficou perfeita, do
jeito que eu sempre quis, com as enormes janelas
iluminando o ambiente e o piso claro deixando tudo ainda
mais amplo, só que nem isso tem me animado. Porque Gaia
não está comigo.

Olho ao redor, percebendo que tudo está como eu queria:


os sofás confortáveis para as conversas com meu pai e
meus primos. A mesa de reunião enorme para encontros
mais sérios e para
videoconferências; o bar ao fundo, uma exigência de
Jackson para vir aqui. Sem falar na extravagante parede de
vidro que separa a minha sala da de Trenton, com uma
enorme estante de livros — que nós dois jamais leremos —
entre o espaço, impedindo que vejamos o que acontece um
do lado do outro.

Porém o que mais gosto é da minha mesa. Enorme, de uma


madeira muito escura, quase preta, com uma base
retangular e fixa, que lembra mármore. Sei lá do que essa
porra é feita, mas quando a designer me mostrou a foto,
sabia que era a escolha perfeita. Foi a partir dela que deixei
a mulher decidir os outros tons do escritório.

Até algumas semanas atrás, isso era minha ideia de paraíso


no trabalho. Agora, tudo parece sem graça e vazio, como se
eu tivesse deixado passar algo importante e não
conseguisse saber o quê.

Irritado, minha testa tomba sobre o tampo da mesa, mas


nada treme.

Viro a cabeça de um lado para outro, tentando descobrir o


que está acontecendo.

É então que noto o que está faltando e me sinto um idiota


por sequer pensar nisso. Afinal, só fiquei com Gaia poucas
vezes, apesar de terem sido intensas. Então, não é normal
um homem saudável, de vinte e nove anos, trepar com uma
mulher e querer ter porta-retratos de momentos felizes no
escritório.

— Golden retriever do caralho! — xingo alto, na mesma


hora que Trenton está cruzando a porta.

— Quem?
— Eu! — grito, erguendo-me da cadeira. — Eu sou um
maldito golden retriever. Eu era um lobo, Trent. A porra de
um lobo solitário, uivando para a lua. Um pitbull. Igual a
você. Alto, forte, marrento, piruzudo, macho alfa. —
Gesticulo sem qualquer controle. — E agora sou esta
porcaria de golden retriever. Daqui a pouco, viro um
yorkshire, daqueles de ser levado numa bolsa. E o que vai
restar da minha dignidade, hein? Nada! — Faço um sinal de
encerramento com as mãos. — Absolutamente nada.

— Do que você está falando, Zach? E desde quando o


tamanho do meu pau virou pauta de discussão?

— Estou falando daquela demônia ruiva. — Aponto o


indicador para a porta. — E o problema não é o seu pau, e
sim a boceta

mágica que encontrei. Aquela lá… Aquela lá é perigosa,


Trent. —

Minha voz chega a tremer. De raiva, de medo, de nervoso.


Não sei.

Estou completamente desnorteado, sem conseguir mais


manter meu amor-próprio em vista.

Nos últimos momentos — porra, nos últimos dias —, alguma


coisa mudou. Um interruptor foi ligado dentro de mim e, de
repente, uma enxurrada de merda escapou. E já dizia o
velho ditado: diarreia cagada não volta pro cu.

— Meu primo, você está bem?

— Não, não estou bem. Trenton — vou até ele com passos
apressados e, ao mesmo tempo, hesitantes —, eu acho que
estou…
“Enlouquecendo” deveria ser a melhor forma de terminar a
frase, porém não era isso o que estava prestes a dizer, e
sim algo muito mais perigoso.

Então, sigo até a janela e fecho as persianas. Sei que


Trenton deve estar observando cada um dos meus
movimentos, mas o que preciso contar não pode ser dito
tão abertamente assim. Paredes —

e janelas — têm ouvidos. E se meu pai souber disso… vou


matar o velho de orgulho e não estou pronto para ser o filho
de ouro neste sentido.

É por isso que, logo depois, abro a porta do escritório e


verifico se não tem um futriqueiro do outro lado. Não posso
correr o risco.

— Estamos bem — aviso.

— Você não olhou embaixo da mesa. — Ele ergue uma


sobrancelha e sei que está ironizando.

Mesmo assim, acho melhor garantir. O que será dito não


pode ser ouvido por ninguém. Ninguém. Nem mesmo
Jackson pode ficar sabendo disso. Balançando o dedo para
ele em confirmação, vou até minha mesa linda e, como bom
idiota que sou, verifico se tem alguém ali, ou alguma
escuta.

— Limpo. — Meu coração acelera quando volto à área de


reuniões.

Vejo meu primo sentado, um braço aberto sobre o encosto


do sofá e a perna cruzada. A postura relaxada contrasta
com a testa franzida, que deixa claro o quanto está
preocupado — comigo ou com meu comportamento insano,
tanto faz.
— O que foi? Fala logo — ele me apressa.

Ando de um lado para o outro, sem conter o nervosismo que


percorre o meu corpo. As palmas das mãos suadas, o tremor
por conta do medo.

Meu Deus do céu, o que foi acontecer?

— A maldição, Trent. A porra da maldição. — Sinto como se


eu tivesse sido ligado na tomada e não mais consigo impor
controle aos meus movimentos.

— O que tem ela?

Olho para meu primo, que me encara de volta como se não


conseguisse entender o que diabos está se passando. É
claro que não entende, afinal, não é ele quem está…

Sem forças para me manter de pé, acabo deixando meu


corpo cair em uma das poltronas, o rosto enterrado nas
mãos frias como gelo. Não consigo acreditar nisso. Não
posso.

Não. Não. Não.

Não é verdade.

Não pode ser.

Não é.

— Zachary? — ele chama.

Minha respiração falha, parece que alguém está apertando


a minha garganta. Ou então que engoli um pedaço de
iceberg. Afrouxo a gravata, mas nem isso me ajuda a puxar
o ar com facilidade.
Que merda.

Estou tendo um ataque de pânico pela primeira vez na vida.

Vivendo uma espiral de sofrência sem tamanho, tudo por


conta de uma maldição.

Não pode ser.

Claro que não.

Por outro lado, é a única explicação.

— A maldição dos King é real — confesso de novo,


incrédulo, vendo algumas sombras se mexerem à minha
frente.

— Calma, Zach. Aquilo era só uma piada do Elijah.

Subo o olhar e encontro Trent agachado à minha frente.


Posso notar a preocupação genuína no modo como me fita.

Talvez ele pense que estou ficando louco.

Talvez ele esteja certo.

Ou talvez — e só talvez — nada disso faça sentido.

Mas a questão é que…

— Não, Trent — corrijo-o. — A maldição dos King é real,


porque estou apaixonado pela Gaia. — As palavras escapam
da minha boca e vejo meu primo dar um pulo para trás, se
recostando no sofá de novo. Uma expressão estarrecida no
rosto, que até então só estampava a angústia por conta do
meu comportamento.

— Não… — ele diz, prolongando a sílaba.


— Sim — insisto. E, quando confirmo, uma calma estranha
começa a me dominar.

Sim.

Sim.

Sim.

Eu estou apaixonado por Gaia.

Que coisa mais estranha.

— Não… — Trenton repete, balançando a cabeça de um lado


para o outro, o lábio inferior esticado para a frente.

— Entendeu o meu pânico agora?

Volto a respirar no ritmo normal, absorvendo aos poucos o


impacto da informação, que se repete em looping na minha
mente.

— Mas como?

— É o que estou tentando te contar, Trent: a maldição…

— Existe mesmo isso de maldição? — pergunta em um


sussurro, agora também em pânico e olhando para os lados.

Aponto um dedo em sua direção.

— Eu. Não. Sei. Mas é a única explicação. Isso ou…

— Ou…? — insiste para que eu continue com a hipótese.

— Ou boceta mágica. As duas opções são ridículas demais.


E se eu for ser honesto, prefiro acreditar em uma maldição
do que em…
— Concordo com você. Muito mais crível. — Assente com a
cabeça, parecendo um tanto resignado. — Fora que os
riscos são menores.

— Bem menores — sou obrigado a concordar.

— Que merda.

— Que merda — repito.

— E agora, o que você vai fazer?

— Não tenho ideia — confesso.

— Vai fugir? Fingir que nada aconteceu? Nunca mais


aparecer nos Hamptons, pelo menos até ela ser demitida
depois do verão?

Porque, cara, você está apaixonado. — A última frase não


passa de um murmúrio, como se ele estivesse dizendo que
sou impotente.

Então, penso nas opções que acabou de oferecer. Fugir é


uma delas. Inclusive, uma bem viável. E talvez a mais
segura.

Fingir que nada aconteceu. Bem… não tem muito sentido.


Só quem sabe do meu envolvimento com Gaia são meus
primos, ou seja, não teria muita diferença no fim das contas.
Aquele bando de enxeridos jamais me deixaria esquecer.

Nunca mais aparecer nos Hamptons até ela ser demitida…


Não.

Não consigo. Não consigo ficar longe daquela mulher. Na


verdade, preciso ficar o mais perto possível. De preferência,
sem nada entre nós. Já passamos desse ponto.
— Caralho, já passamos desse ponto! — digo em voz alta,
cada vez mais estarrecido com a minha própria falta de
autoconhecimento quando o assunto é sentimento.

— De que ponto? — Trenton quer saber.

Olho para ele e dou graças aos céus por meu primo ainda
não ter desenvolvido a habilidade de ler a minha mente. Se
Trenton soubesse que transei sem proteção com alguém
que mal conheço, com certeza me daria um sermão mais
longo do que o meu…

— Esquece. — Abano o ar com a mão, dispensando o


comentário.

Será que tem um mini King a caminho? Puta merda! Ela


disse que tomava anticoncepcional. Só espero que seja
verdade. Eu até consigo admitir que estou apaixonado —
mesmo que isso venha às custas de um ataque de pânico.
Por isso, nem quero imaginar o que aconteceria se eu
descobrisse que estou prestes a ser papai.

Mas isso é só um outro fator contribuinte para que eu tenha


certeza de que a maldição está a pleno vapor. Porque eu
nunca, em todos os meus anos de trepância, fiz sexo sem
camisinha. E foram muitas mulheres na estrada da vida. A
vontade era sempre menor do

que o meu bom-senso. Só que Gaia me fez esquecer de


tudo. Foi só aquela desgraçada dizer “anticoncepcional” e
pronto.

Entrei no parque de diversões sem comprar o bilhete.

Que. Grande. Merda.


Pior do que isso. A cada segundo, a ideia de um mini King se
torna mais e mais atraente. Pelo menos a ideia de como
fazer um.

Puta que pariu.

— Que cara é essa? — Vejo o dedo de Trenton apontado


para mim. — Eu te conheço, Zachary James King, sei o que
isso significa.

— Não, você não sabe. E não vou falar sobre isso agora —

decreto, levantando-me do sofá. Começo a andar de um


lado para o outro, a inquietude me impedindo de ficar
parado.

— Então, já decidiu o que vai fazer?

“Não”, respondo mentalmente, enquanto esfrego o rosto


com as mãos, porém logo finjo que me acalmo e enfio os
punhos cerrados no bolso.

— Claro que sim. Preciso ver a Gaia. — É o que sai da minha


boca.

Mesmo que meu lado racional diga que eu não posso me


jogar de cabeça nessa relação, outras partes já se jogaram.
Não há nada que eu consiga fazer neste momento para
conter os meus impulsos.

— Quer ficar com ela, né? — o idiota pergunta. — Tipo, ficar


de verdade.

Meu Jesus Cristo, nunca pensei que teria essa conversa de


quinta série.
— Claro que eu quero. Posso ser louco, mas não sou burro.

Paro de andar e encaro meu primo.

— Como você vai conseguir isso? Da última vez que nós


conversamos, disse que ela não estava disposta a assumir
que…

— Eu sei, eu sei. — Solto o ar com força.

Tenho plena noção do meu status de lanchinho da


madrugada.

Sou bom para algumas trepadas, mas não o suficiente para


que ela me apresente como algo mais.

E é assim que se destrói o ego de um homem. Até ontem,


não tinha problema. Mas hoje… Hoje não posso mais aceitar
essa humilhação.

Gaia vai ter que entender que estou disposto a mudar tudo
entre nós. Daqui para a frente, ela terá um homem em sua
vida. Só preciso me acalmar, retomar um pouco do controle
e encontrar uma forma sensata de contar isso a ela. Porque
se eu aparecer deste jeito nos Hamptons, Gaia com certeza
vai fugir de mim — e com razão.

— Preciso de um grande gesto — digo.

— De um… o quê?

— Um grande gesto — repito. — Sabe aquelas coisas de


filmes?

Quando os caras vão fazer declarações de amor…


— Das formas mais estúpidas possíveis? — Trenton termina
a minha frase. — Sei. Sei, sim.

— Exatamente. Preciso de um grande gesto.

— Você é bilionário. — Ele dá de ombros. — Compre um


restaurante para ela — sugere de forma descabida.

— De jeito nenhum! — Tiro as mãos do bolso e ergo as


palmas.

— Gaia arrancaria minhas bolas se eu fizesse isso.

Ela deixou claro que quer conquistar as coisas com o seu


trabalho — algo que respeito e admiro. Por mais que eu
possa comprar um restaurante num estalar de dedos, se
fizesse isso, eliminaria todas as minhas chances com ela.
Gaia enxergaria o

“grande gesto” como uma afronta, não como algo


romântico.

— Então, não faço ideia.

— Nem eu. Mas se a maldição existe mesmo, ela vai


encontrar uma forma de me ajudar.

Porque da próxima vez que eu encontrar Gaia Denver, direi


a ela que estou apaixonado.

Capítulo 32
Gaia
Eu odeio Zachary King.

Quando a quarta-feira começa, todos os sites de fofoca


estão falando do relacionamento dele com a tal de Kirsten
Heart. Pelo que vi, ela é um dos nomes mais famosos da
música pop, e seu possível reatamento com o queridinho da
América é o assunto número um nas redes sociais. Twitter,
Instagram e até videozinhos de montagens fofas deles no
TikTok enchem a minha timeline. Fotos dos dois juntos no
passado reaparecem como um enxame de vespas
assassinas, me injetando com o veneno verde da inveja.

Quando a noite chega, estou tão cansada de ver o casal


feliz que sinto vontade de arremessar meu celular contra a
parede. Quem sabe a minha cabeça não possa ir junto?
Talvez usar esta faca aqui para ajudar no meu processo de
autodecapitação.

Mas não posso sujar a cozinha, senão Martha me mata.


Então, continuo picando cebola, como a boa assistente que
sou. Por que Zachary não me ligou ao saber das notícias
que estão saindo? Ele viu como fiquei da última vez. Isso só
mostra que não sou realmente mais do que o caso do verão.

— Essas mulheres são o meu passado. Quer ser o meu


presente, Gaia? — debocho, forçando uma voz esganiçada,
porém baixinha para a coronel não ouvir.

Que piada!

Quem ele acha que sou? Uma delas? Que é só estalar


aqueles dedos ricos e vou correndo? De jeito nenhum!
Pico a cebola bem rápido, em pedaços minúsculos, usando
tanta força que a tábua de madeira acaba sofrendo com a
minha ira.

— Maldito. Desgraçado. Filho de uma…

— O helicóptero dos King acabou de pousar! — Val entra


esbaforida na cozinha e me encara com os olhos
arregalados. — É

ele, Gaia. Gerald mandou avisar.

Não consigo me controlar e começo a rir.

— O que aconteceu com ela? — Martha, que estava quieta


enquanto testava uma receita, aponta para mim.

— Nada, não — Val garante, mas não consigo parar e passo


a rir ainda mais alto.

Tenho certeza de que elas devem achar que estou surtando.

Qualquer um que me visse neste estado acharia a mesma


coisa, porém a verdade é que estou rindo de ódio. Uma ira
intensa dele, que se acha no direito de aparecer aqui — de
helicóptero —, quando bem entende, para uma rapidinha no
meio da semana. Ah, se for isso… Juro que darei outro uso à
faca na minha mão: tornar Zachary o primeiro King eunuco.
Corto o pau dele fora e coloco numa moldura bem bonita no
meio da sala.

Se ele pensa que vai encostar um dedo em mim, está muito


enganado. Não sem antes contar tim-tim por tim-tim do que
andou fazendo com a esfregadora de peitos masculinos.

Posso ser louca, mas não sou burra. Talvez um pouquinho


ciumenta.
Darei a ele uma única chance de explicar por onde seu
órgão reprodutor andou desde a última vez que esteve
dentro de mim —

sem camisinha, diga-se de passagem. E se gaguejar… vai


daqui direto para o caixão.

Tenho plena consciência de que não serei mãe, porque as


injeções de anticoncepcional estão em dia, mas não estou a
fim de fazer tratamentos contra infecções sexualmente
transmissíveis, muito obrigada. Nem de ficar transando por
tabela com outras pessoas, só porque o bonitão não tem
controle sobre os próprios impulsos.

Lembro-me de Monica dizendo que seu filho é um homem


saudável. Será que ela vai achar a mesma coisa quando ele
for

servido à la frango xadrez[2] no próximo jantar em família?


Duvido muito.

Ignorando os comentários das duas outras mulheres na


cozinha, paro de rir subitamente, lavo as mãos e apenas
revezo olhares entre as portas, sem saber por onde ele vai
entrar. Com isso em mente, preparo-me para a briga.
Porque, ah… vai ter uma briga. Um dedo pronto para ser
apontado na cara dele, a faca pronta para qualquer
gracinha.

Modo tóxica on.

Então, pela porta dos fundos, ele entra. De terno cinza-


escuro, com um buquê enorme de rosas vermelhas nas
mãos e um sorriso devastador no rosto. Filho da puta. Para
piorar a situação, a primeira vontade que tenho é de sentar
nesse sorriso, me esfregar em sua boca e não sair de sua
cara até ter gozado duas vezes. Só que não é isso o que vai
acontecer.

— Oi, Gaia — o disgramado tem a audácia de dizer, olhando


para mim com aquela carinha linda de modelo. Depois,
como se recobrasse a educação que a mamãe lhe deu, ele
cumprimenta as demais pessoas na cozinha: — Oi, Tata. Val.

Enquanto isso, a cólera passeia por minhas veias, corroendo


a minha sensatez e me fazendo ver tudo nublado. Porque
ninguém tem o direito de ser perfeito dessa maneira, com a
mandíbula definida, os lábios carnudos e os olhos verdes…
os malditos olhos verdes, que, é claro, já estão presos em
mim de novo. Só que Zachary percebe o meu estado. O
meu peito subindo e descendo com a respiração acelerada.
O fato de eu não estar sorrindo de volta.

Minhas mãos se fecham com mais força ao redor do cabo da


faca e sei que não irei matá-lo. Seria um desperdício para o
mundo — e aprendi no curso de gastronomia a não
desperdiçar comida boa —, mas não facilitarei as coisas.
Mesmo assim, aponto a lâmina afiada em sua direção e
ouço Martha arfar. Zachary também se assusta, os olhos
arregalados enquanto engole em seco e dá um passo para
trás.

— Boa noite, senhor King — falo bem devagar, deixando-o


absorver a mudança entre nós. — Está precisando de
alguma coisa?

Apesar de manter o buquê na mão, ele esfrega o rosto,


nitidamente abalado, e, em seguida, respira fundo.

— Gaia! Abaixa isso! — Martha pede, porém finjo que não a


escuto. De algum lugar, posso ouvir a risada baixa de Val e
um “é isso aí, garota”.
— Foram as fotos, não é? — Zachary pergunta baixinho,
agora erguendo uma palma em sinal de rendição.

Solto uma risada sem qualquer humor.

— É… — Cravo com força a ponta da faca na tábua de


madeira, fazendo alguns pedaços de cebola caírem no chão.
— Foram as fotos — confirmo.

— Vai me deixar explicar ou…?

— Não sou louca. Claro que vou te deixar explicar. Agora,


inclusive. Você tem um minuto. — Aponto para o relógio na
parede e, depois, cruzo os braços na frente do corpo,
encarando-o de queixo erguido.

Eu não vou ceder. Eu não vou ceder.

Zachary King tem tudo o que quer, na hora que quer, do


jeito que quer.

Se o reizinho me quer, então será nos meus termos. Jackson


falou a verdade: o que não falta a ele são opções. Que vá
procurá-las se não estiver satisfeito comigo. Meu coração
jamais será estraçalhado por um maldito traidor de novo. Eu
me recuso a ter uma carteirinha de otária.

É por isso que respiro fundo e me dou o valor que mereço.

— Por que um minuto? — pergunta. — A gente pode sair


daqui, conversar em outro lugar e…

— Você prefere gastar seu pouco tempo entendendo a


minha matemática? — Dou um passo à frente. — Agora,
tem cinquenta segundos — ameaço.
— Está bem, está bem — ele se apressa em dizer. — Kirsten
Heart era uma… — engasga-se com as palavras, como se
não soubesse definir o tipo de relacionamento que os dois
tinham. Ah, tadinho.

— Uma trepada ocasional — termino a frase por ele,


ganhando um arquejo de Martha.

Ótimo, temos plateia.

— Uma ficante — Zachary me corrige.

— No seu dicionário, isso dá no mesmo — censuro e ele


franze o cenho.

— Certo — acaba concordando e chega dois passos para a


frente. Não recuo. — De qualquer forma, não tínhamos algo
sério.

Isso foi no início da carreira dela, quando ainda não era tão
famosa assim. Meu pai não se importou muito na época, até
porque ajudou bastante com a mídia. Nada melhor do que
se envolver com um King para ganhar os quinze minutos de
fama que ela precisava para decolar. — Zach dá de ombros,
uma expressão resignada estampa seu rosto agora.

Isso faz com que um pouco da minha raiva seja aplacada.


Só um pouco. Posso ser ligeiramente tóxica, mas ainda
tenho empatia. E

imagino que não deva ser fácil viver com um alvo nas
costas para todos aqueles que queiram subir alguns
degraus na carreira às suas custas.

— E o que vocês estavam fazendo juntos ontem? — quero


saber, meu tom com a mesma firmeza de antes.
— Ontem, fizemos uma festa para comemorar os vinte anos
da King Records, a gravadora da IK — ele explica. — Há
meses, estamos tentando fechar contrato com a Janice Blue,
que é um novo nome da música country.

— E está crescendo muito rápido — Val entra na conversa.


— Há várias trends de vídeos com ela.

— Exatamente — Zachary confirma. — Estava acontecendo


uma batalha acirrada entre várias gravadoras para ver
quem iria ficar com o próximo álbum dela. Eu queria provar
para o meu pai que era capaz de fechar esse acordo
sozinho. Por isso, pedi ajuda para Kirsten, que é uma das
melhores amigas dela. Mas foi só isso, Gaia, eu prometo.

— Isso aqui — estendo a mão para Val, que, como boa


amiga que é, lê meus pensamentos e corre para me
entregar o celular com as fotos — parece um encontro de
negócios para você?

Estico o aparelho, mostrando uma imagem dos dois


conversando lado a lado, os rostos bem próximos, os
olhares de cumplicidade, os

sorrisos…

— Esta foto foi tirada dois minutos depois de Blue ter


concordado em assinar com a King Records.

O impacto das palavras me atinge em cheio.

A lembrança da conversa de domingo volta.

— Ela concordou? Parabéns! — Cubro poucos passos que


me separam de Zachary com um sorriso tímido,
envolvendo-o em um abraço apertado. Por um segundo,
esqueço os motivos que me levaram a ficar cheia de ciúme
e foco apenas na conquista dele. —

Você conseguiu, seu grande CEO! — Ele me segura com


força, deixando o buquê cair no chão. — Seu pai deve ter
ficado orgulhoso.

Eu também estou… — sussurro, resistindo à vontade de


enfiar o rosto em seu pescoço e sentir aquele perfume que
tanto adoro.

É por isso que logo me afasto e o encaro. A expressão dele


chega a ser cômica: uma mistura de choque e alívio, como
se não conseguisse compreender de onde veio essa minha
mudança de humor. Sei que Zachary precisava dessa
vitória. Sei o quanto tem se empenhado pela IK e o quanto
quer seguir os passos do pai. E

mesmo sendo apenas um contrato, já é prova de que tem


capacidade de chegar aonde quiser. Claro que a
comemoração poderia ter sido outra se ele tivesse
mostrado o mínimo de consideração e me ligado.

Quando Zachary está prestes a me beijar, saio de seu


alcance e volto ao modo brava. Talvez não tão brava assim.
Porque, na verdade, eu sou uma frouxa — e talvez precise,
sim, daquela carteirinha de otária.

— E isso aí? — Aponto para as flores, agora com pétalas


faltando. Ele se abaixa e as toma de volta nas mãos,
tentando ajeitar o plástico amarrado com um enorme laço
vermelho, para que fique menos amassado. — É um pedido
de desculpas?

— Não exatamente, porque eu não sabia que precisava me


desculpar — diz, parecendo um tanto inseguro, o que me
faz amolecer ainda mais. — Nunca fiz isso antes, Gaia.
Nunca estive em um relacionamento. Não faço ideia de
como essas coisas funcionam.

— Então, o que você está querendo dizer?

Ele hesita por vários segundos, revezando olhares entre


mim, Martha e Val. A impressão que tenho é de que há algo
preso em sua garganta, porém nada sai. Zachary apenas se
aproxima, envolvendo minha cintura com a mão livre, e cola
a testa na minha. Desta vez, não recuo, não me afasto.

Não consigo.

Como sempre, essa proximidade mexe comigo. Tem algo no


cheiro deste homem que me deixa tonta, que nubla meus
pensamentos e me transforma em um monte de hormônios
desorganizados e pulsantes. É uma desgraça, a ponto de
quase não conseguir manter a minha sanidade intacta. E no
instante que seus olhos procuram os meus, também procuro
os dele.

Há algo ali, um sentimento não dito. E os não-ditos são


perigosos, me dão medo, porque me deixam no escuro. Mas
também são eles que me garantem que Zachary não
mentiu. Que ele não estava com outra mulher, enquanto eu
passava a minha noite pensando no que fizemos, no que
compartilhamos.

Em seus olhos, não vejo nada além de entrega. A mesma


que espero estar demonstrando. O toque de seus dedos fica
mais forte, apertando a curva do meu quadril, e só posso
imaginar que esse sentimento todo é equivalente à
saudade.

Apesar da plateia, há muito que quero falar… Porque eu sei


que jamais sentiria tanta raiva se não houvesse outra coisa
aqui dentro também, mesmo que ainda não tenha coragem
de verbalizar. Às vezes, não conseguimos pôr em palavras
aquilo que apenas somos capazes de sentir. E eu sinto. Com
uma força que me assusta.

Algo novo, intenso, que me faz ser tomada por um frio na


barriga toda vez que ele se aproxima. Isso acontece desde o
primeiro momento em que nos vimos. Uma vontade de
estar em seus braços, de me perder em seu corpo, de me
aninhar em seu peito e senti-lo dentro de mim. Mas também
de fazer nada ao lado dele, de rir e, quem sabe, de me
permitir ser feliz. Pode parecer insensatez da minha parte,
mas é sincero: estou me apaixonando por Zachary King. Só
que odeio estar tão vulnerável assim, na iminência de ter o
meu coração partido, por mais que eu tente me proteger.

Neste momento, me esqueço de tudo. Porque só há uma


coisa que preciso: que ele sinta o mesmo por mim.

— Gaia… — Meu nome não passa de um sussurro grave.

— Zachary, o que estamos fazendo? — pergunto de volta,


bem baixinho, com meus lábios quase colados ao dele,
desejando algum tipo de confirmação.

— Também não tenho ideia. — Em sua voz, só há dúvida. —


Mas sei que não posso ficar longe de você. — Então, há
também a certeza, solidificando aquilo que eu já sabia.

Que Zachary King não me traiu. Este maldito não estava


com outra. Mas ele também não pode dizer essas coisas e
esperar que eu…

Por isso, não espero.

Não consigo.
Fico na ponta dos pés e encerro qualquer distância que
havia entre nós. As flores esquecidas, o ciúme deixado de
lado, a insegurança ignorada por agora, assim como a
plateia. Sei que Martha desaprova o meu comportamento,
mas não estou aqui por ela. Estou aqui por mim, pelo meu
trabalho e, de agora em diante, por Zachary King.

Maldito seja o momento que ele entrou em minha vida e se


tornou uma obsessão.

— Você tem certeza de que isso é uma boa ideia? —


questiono, sendo afivelada ao banco.

— Claro que tenho. — Ele pisca para mim, ao mesmo tempo


que deixa os lábios descerem sobre os meus para um
beijinho rápido.

Porém, quando faz menção de se afastar, não permito que


isso aconteça e o puxo para mais perto. A verdade é que
estou com medo: nunca andei de helicóptero na vida. Acho
que Zach nota o meu nervosismo, porque o beijo ganha
uma nova intensidade, apesar de eu estar tremendo.

Minhas mãos invadem seu cabelo, os dedos entrando pelos


fios sedosos, colando-o cada vez mais em mim. Até
estarmos ofegantes.

Nossas línguas duelando. Meu corpo gritando por mais.


Qualquer coisa que me distraia do que estamos prestes a
fazer.

Então, Zachary ri e se afasta um pouquinho, ainda


respirando o mesmo ar que eu.

— Por mais que eu não me importe com o que o piloto vá


pensar, não sei se você compartilha da minha falta de
decoro, querida. —
Seu tom é brincalhão, mas me deixa vermelha de vergonha.
E isso só faz com que a risada dele fique mais alta.

Zachary termina de me prender no cinto de segurança e


entra também, sentando-se ao meu lado.

— Não sabia que faziam tão grandes assim… — comento,


olhando ao redor.

— Obrigado — ele fala, me obrigando a encará-lo com uma


expressão nada divertida.

— Agora não, Zach, por favor. Tenho medo de altura —


acabo revelando e tomo sua mão na minha, o que dificulta o
processo quando ele tenta colocar o próprio cinto.

— Não sabia disso — confessa, no instante que o clique da


fivela se faz ouvir. — Senão, teria vindo de carro. Só queria
agilizar as coisas. Eu estava — pigarreia — ansioso para te
ver.

Mordo o lábio com a revelação, deixando a cabeça tombar


no ombro dele.

— Há muitas coisas que não sabemos sobre o outro — falo


baixinho.

— Vamos descobrindo aos poucos.

— É uma boa ideia. — Não consigo conter o sorriso tímido,


imaginando se teremos mesmo um futuro juntos.

Menos de uma hora atrás, estava pronta para arrancar o


pau dele fora com uma faca. Agora, depois de ele ter
conversado a sós com Martha e dito para mim que tinha
uma surpresa me esperando em Nova York, estou sentada
no banco de couro bege de um helicóptero caríssimo. Pelo
visto, a Terra não gira, ela sai capotando, destruindo todos
os nossos planos e mostrando que não temos qualquer
controle sobre o que está bem à nossa frente.

É claro que eu disse que não iria, mas a coronel só faltou


me expulsar da casa. Ela me arrastou para o quarto,
começou a enfiar minhas roupas na mala e disse que eu não
tinha escolha. Pelo visto, por trás da carranca, há uma
romântica escondida. E como Zachary

prometeu que eu estaria de volta na sexta de manhã,


acabei aceitando o convite.

— Mas sobre os helicópteros… — ele volta a falar. — A IK


tem vários. Alguns pequenos, como este, que só cabem oito
passageiros.

Outros menores ainda, para quatro. E temos uns enormes,


que cabem mais de vinte. Ah, e a nossa frota também tem
alguns aviões

— explica, como se estivesse mencionando a variedade de


maçãs no supermercado.

— Que chique… — solto em uma mistura de surpresa e


sarcasmo.

— É necessário, principalmente quando temos que fazer


viagens curtas em um dia só, o que acontece com bastante
frequência. O

trânsito de Nova York é uma merda.

Não consigo me controlar e solto um risinho. Enquanto ele


“luta”
com helicópteros e aviões, eu tenho uma lata-velha que mal
anda. O

carro já quebrou algumas vezes e foi do meu avô, que


morreu há quinze anos, durante duas décadas.

— Você deve ter noção de como as diferenças entre nós são


gritantes, né? E, por favor, não se faça de sonso. —
Desencosto-me de seu ombro e subo o olhar para ele, que
não parece nem um pouco incomodado com o meu
comentário.

— Eu tenho noção, Gaia, só não me importo mesmo. Tem


coisas mais importantes do que dinheiro nesta vida.

— É fácil falar assim quando se tem muito dinheiro.

— Não estou contestando este fato, até porque, como você


mesma disse, não quero me fazer de sonso. — Zachary
entrelaça nossos dedos com uma das mãos, estendendo-me
o headset com a outra.

Meio desengonçada, coloco-o na cabeça, ao mesmo tempo


que hélices começam a girar. Ele abafa o som quase que
por completo.

Só ouço um leve ruído agora. Meu coração acelera dentro


do peito e, desta vez, o nervosismo não tem nada a ver com
a presença do homem delicioso ao meu lado, e sim com o
fato de que, em poucos minutos, precisarei enfrentar um
dos meus maiores medos por ele.

— Está me ouvindo bem? — ele pergunta pelo fone e me


limito a acenar com a cabeça. — Voltando ao assunto, veja
Jackson, por

exemplo.
Olho para Zach, que agora carrega uma preocupação nítida
em sua testa franzida. De forma instintiva, estico o dedo e
massageio o vinco que se formou entre suas sobrancelhas,
ajudando-o a relaxar.

Ele pega meu indicador, levando-o à boca, e deixa um


beijinho na ponta, me oferecendo um sorriso logo em
seguida. Repito o gesto dele, sentindo um calor gostoso
aquecer minhas mãos, até agora frias pelo pânico.

— O que tem o Jackson? — incentivo-a a continuar.

— Ele sempre teve dinheiro, mas não sei se é feliz. Pelo


menos, não feliz de verdade — comenta baixinho. Olho para
trás, aflita com a possibilidade de os pilotos estarem
ouvindo a nossa conversa. A última coisa que quero é expor
os segredos da família King.

— Ninguém escuta o que estamos falando. Pedi que


sintonizassem em uma frequência diferente para que
tivéssemos privacidade aqui atrás — Zachary me
tranquiliza, como se pudesse ver minhas preocupações em
balõezinhos, e nossas mãos voltam a se entrelaçar.

— Não conheço seu primo o suficiente, mas talvez ele esteja


em depressão — sugiro, tentando não mostrar que Jackson
fez uma confissão a mim sobre o assunto. Não acho certo
comentar isso, se o próprio não falou nada para os primos.
Apertando-o com um pouco mais de força, sinto o
helicóptero se mexer.

— Também não sei se é depressão ou algo…

— Podemos não falar sobre o Jackson agora? — interrompo-


o assim que vejo a parte de trás do helicóptero se erguer,
nos deixando inclinados. — Desculpe. Não quero falar nada.
— Fecho os olhos com força, sentindo meu corpo ser
erguido do chão, mesmo que eu ainda esteja presa ao
banco.

Já andei de avião antes e foi horrível. Péssimo. Pânico total.


Mas isso… isso é diferente. Parece que estou em um
elevador turbulento.

— Abra os olhos, Gaia — Zachary encoraja.

— Não! Tá maluco? — Mantenho-os bem fechados, enquanto


aperto a mão dele com força. Muita força. Tanto que ele me
solta, possivelmente achando que estar ao meu lado é um
risco para sua vida. Não o culpo. Estava prestes a quebrar
seus dedos.

Finco a palma no banco, tentando me segurar enquanto


continuamos subindo, apenas para cima. Diferente do avião,
que é para frente, aqui parece que estou sendo erguida por
uma mão invisível. Mas logo outra mão toca a minha coxa
por baixo da saia.

Uma quente, levemente calejada e… Abro os olhos, virando


o rosto para encontrar o de Zachary me analisando com
cuidado.

— O que você está fazendo? — pergunto, ouvindo minha


voz arrastada no fone.

— Tornando sua primeira viagem de helicóptero


inesquecível.

Capítulo 33
Zachary
A surpresa no rosto de Gaia a deixa ainda mais linda. Os
lábios entreabertos, a respiração ofegante, os olhos
nublados. Ela nem se mexe direito. Não sei se é o medo, se
está excitada… porém não me pede para parar. E no
instante que descruza as pernas, sei que está disposta a
entrar no meu jogo, apesar do pavor.

Não consigo conter o sorriso predatório.

Se não fosse a porra do cinto — bem como os pilotos às


nossas costas, fechados na cabine —, me ajoelharia na
frente dela e a relaxaria com a boca, em vez de apenas usar
os dedos. Porém um homem usa as ferramentas que tem ao
alcance. Pelo menos o assento duplo permite a proximidade
que preciso para fazer o que quero.

Bem devagar, traço o percurso para baixo, descendo da


coxa até o joelho. Não desvio o olhar do dela por um
segundo sequer, precisando ver aqueles olhos azuis
escurecerem com a necessidade.

Como sempre, Gaia não desaponta: as pupilas dilatam e ela


ofega, tanto que posso ouvir o ar saindo com força de sua
boca pelo fone.

— A viagem é curta… — falo baixinho. — Não leva muito


mais do que quarenta e cinco minutos. O que será que
podemos fazer para te acalmar nesse tempo?

Meus dedos rondam o joelho com suavidade, uma, duas


vezes, e subo de novo, agora pelo interior da coxa. Mas paro
quando cruzo a barra da saia, descendo de novo e repetindo
o processo. Mantenho os olhos fixos nos dela, não só porque
preciso ver suas reações a mim, mas também porque não
consigo parar de encarar a mulher mais linda que já esteve
na minha frente.

A verdade entalada na minha garganta, louca para sair.

O grande gesto esquecido.

O sentimento guardado.

O toque cada vez mais ousado quando invado a área


coberta pela saia — e Gaia afasta um pouco mais as penas.

Quero dizer a ela tudo o que sinto, mas não sei o que estou
fazendo. Isso aqui é fácil. Sexo é fácil. Prazer é fácil. Já
amor… amor é complexo demais. E nunca senti isso antes.

É uma necessidade constante de querer estar junto, de


proteger, de sonhar o amanhã. É estar à beira do precipício,
implorando para ser arremessado, sem saber a
profundidade da queda. Só não sei se Gaia está pronta para
me empurrar, ou para cair comigo. Mas estou disposto a
tudo para mostrar que isso vale a pena. Que eu valho a
pena. Eu, Zachary. Não o Zachary King. Porque há uma
enorme diferença entre os dois. E, a partir de agora, estou
determinado a mostrar essa dualidade.

Também não faço ideia da diferença entre amar e estar


apaixonado por alguém. Nem se há diferença. Isso importa?

No momento, só quero estar com Gaia. Apenas com ela.


Talvez permitir que essa mulher seja a única que enxergue
além do que sempre me permito mostrar. Que sinta o
mesmo que estou sentindo.

É uma urgência que grita dentro de mim, precisando ser


externalizada, mesmo que seja através de ações. Sem
pensar duas vezes, deixo minha mão subir mais um pouco
por baixo da saia, fazendo círculos na parte macia da coxa.

— Zach… — Gaia geme meu nome baixinho, sua voz um


murmúrio no headset.

— O que você quer de mim? — Minha pergunta não poderia


ser mais vulnerável, mas ela não sabe disso.

— Tem certeza de que…? — Gaia nem consegue terminar,


fechando os olhos e mordendo o lábio inferior enquanto
tenta controlar a respiração.

— Que ninguém está vendo nem ouvindo? — busco


confirmação e ela faz que sim com a cabeça. — Tenho
certeza.

Subo os dedos, esbarrando de propósito no tecido da


calcinha.

Atiçando, do mesmo jeito que ela me atiça sempre que


respira perto

de mim. Sempre que me olha. Sempre que existe. Gaia arfa


e dá um pulinho no banco. Desço de novo para parte de
dentro da coxa, sentindo sua pele arrepiar. Não consigo
conter o sorriso.

A pele esquenta sob meu toque e, neste momento, tudo o


que quero é puxar essa mulher para mim e beijá-la até não
ter mais ar.

Não entendo a necessidade que sinto dela, essa loucura que


me consome quando penso na sensação de estar enterrado
até as bolas em seu corpo quente e apertado, sem nada
entre nós. Mesmo que isso seja impossível agora.
Então, continuo tocando-a de leve, distraindo-a do medo.

Protegendo-a do jeito que posso. Se as coisas daqui para a


frente forem do meu jeito, ela irá se acostumar a andar de
helicóptero. Se forem do jeito dela, só andaremos de carro.
A logística pouco importa, porque é a companhia que faz a
porra da viagem valer a pena.

Arranho a unha, subindo na pele sensível, e Gaia geme mais


alto.

Sei que, por trás da cara de anjo, existe uma diabinha que
gosta de brincadeiras mais safadas — obrigado, Deus —, é
por isso que continuo, cada vez mais forte, querendo deixar
algumas marcas ali.

Um maldito cachorro delimitando o seu território.

Gaia afasta mais as pernas e começa a se remexer no


assento, descendo um pouco o corpo. Está inquieta. De
olhos fechados.

Apenas sentindo o que posso oferecer.

— Olhe para mim enquanto te toco — peço, subindo de


novo com os dedos pela coxa, até chegar à calcinha.

Agora, a surpresa é minha, porque a peça está úmida com


os indícios de seu desejo. E assim que a toco por cima do
algodão barato, ela obedece e as pálpebras destapam as
íris azuis, que brilham com a intensidade da sua excitação.
Que me mostram exatamente aquilo que eu queria — e
temia — ver.

Merda.
Fico tão duro que meu pau chega a incomodar. É nisso que
dá não pensar direito antes de fazer o que queremos. Agora,
vou ter que passar os próximos quarenta minutos de uma
forma bastante desconfortável, e só espero conseguir
manter um pouco de controle para não gozar na calça.

Mas se terei que lidar com as consequências dos meus atos,


melhor aproveitar. Passeio com o dedo por cima da fenda,
bem devagar, sentindo Gaia estremecer sob meu toque. Os
olhos presos aos meus. A boca ligeiramente aberta. A
respiração acelerada.

Aquele brilho no olhar que não consigo entender. Sigo com o


toque lento, até mesmo torturante. Ela começa a rebolar no
banco, cansada de esperar. E quando estica a mão para me
tocar, impeço-a com aquela que está livre.

— Não — declaro com firmeza. — Só você agora.

Preciso mostrar a ela que não sou um babaca egoísta.

— Mas…

— Sem “mas”. — Trago sua mão à minha boca, beijando a


palma com calma. — Quero entrar neste maldito helicóptero
outro dia e me lembrar do seu rosto quando goza —
confesso, colocando a ponta do dedo mindinho entre meus
lábios e chupando-a devagar, porém com força. A resposta
de Gaia vem na forma de um murmúrio de prazer. —
Ninguém mais vai saber o que fizemos aqui, mas eu vou.

Minha mão invade a calcinha, encontrando sua boceta


molhada e carente. Escorrego pelos lábios inchados, pela
brecha entre eles, e me deparo com seu clitóris
intumescido.
— Zachary — ela arqueja quando eu o estimulo uma, duas,
três vezes. Bem devagar. De um lado para o outro.

— Me deixe te fazer gozar aqui? — Coloco seu dedo do meio


na boca, chupando-o da base ao topo, e termino com uma
mordidinha na ponta.

— Aaaah… — Gaia se remexe na minha mão, como se


pedisse por mais. Então, é isso o que dou.

Esfrego seu clitóris mais vezes, enquanto chupo o indicador,


fazendo-a rebolar contra mim e jogar a cabeça para trás no
banco.

É a entrega por completo.

É a visão perfeita.

É a certeza de que Gaia é minha.

O helicóptero segue o curso, e eu também. Coloco seu


dedão na boca, mantendo-o ali com os dentes sem usar
força, mas sugando com intensidade enquanto brinco com o
clitóris. Essa mulher é um teste para minha coordenação
motora, mas foda-se, porque ela não

para de gemer. Então, também não paro de me mover. Vejo-


a levar a mão até um seio, mesmo que sobre a blusa, e
apertar o próprio mamilo.

Talvez seja por isso que eu decida intensificar um pouco as


coisas, tanto para ela quanto para a minha sanidade. Coloco
seu anelar na boca, onde muito em breve colocarei um anel,
ao mesmo tempo em que enfio um dedo em sua boceta
apertada. Entro e saio algumas vezes antes de inserir o
segundo dedo.
Gaia solta um gemido mais alto, arqueando as costas.

Coloco o terceiro dedo e vou mais rápido, metendo com


força, sentindo minha mão encharcar com o seu prazer.
Precisando desesperadamente substituir os três por outra
parte do meu corpo que também pede por alívio.

Tremo inteiro, querendo estar sobre ela, sentindo o contato


de nossas peles, o deslizar do ato. O calor do que podemos
fazer juntos. Só que, neste momento, preciso me contentar
com isto.

Então, continuo… e Gaia não consegue controlar os gritos.

Puta merda. Ainda bem que os pilotos estão usando os


fones, porque esses sons são meus. Só meus. Sou um
egoísta do caralho e não estou disposto a dividir minha
mulher com ninguém. Muito menos quando ela está prestes
a gozar desse jeito.

Vou mais rápido. Minha mão molhada, meus dedos sendo


esmagados. Meu dedão agora estimulando seu clitóris
bastante inchado. Ela me encontra nos movimentos, mas,
de repente, para.

Olha para mim.

— Zachary… — E relaxa, começando a estremecer logo em


seguida. O corpo inteiro sentindo o reflexo dos espasmos.

Puxo-a com força pela nuca para um beijo, minha língua


invadindo sua boca, mas acabo esbarrando no microfone do
headset. Afasto o filho da puta e logo beijo-a de novo,
precisando sentir seu gosto enquanto goza. Meus dedos
ainda dentro dela, sendo apertados pela intensidade de seu
orgasmo.
As mãos de Gaia invadem meu cabelo, como se ela também
não conseguisse ficar longe. Como se precisasse de mim.
Como se sentisse o mesmo que eu.

Caralho, eu amo essa mulher.

E o pior de tudo: estou bem com isso, mesmo que ela não
me ame de volta.

∞∞∞

Gaia precisa me amar de volta.

Precisa. Porque a diaba ruiva está destruindo tudo o que


tenho de melhor. Primeiro, a minha autoestima. Depois, a
casa nos Hamptons. Sempre adorei passar férias lá, e será
impossível voltar se ela não estiver comigo. Serei o velho
chato, que fica entocado na biblioteca enquanto reclama do
barulho que as futuras crianças da família farão enquanto
brincam na piscina. Não satisfeita, ela destruiu meu
helicóptero preferido gozando lindamente na minha mão. E,
neste momento, está destruindo a minha casa — e até o
meu cachorro.

— Konig! — solto um grito, seguido de um assobio de


comando, pedindo para o vira-lata descer de cima dela. Mas
o bicho é tão animado que nem me escuta. Fora que ele
assistiu a um total de duas aulas de adestramento e não
aprendeu porra nenhuma.

— Calma, lindão… — Gaia acaricia o carente, que não para


de esfregar o rosto nela, depois de tê-la jogado no sofá. —
Eu tenho quase o seu peso. Assim você vai me sufocar.

Tento puxá-lo para longe, mas o audacioso me ignora. Tão


forte e estabanado que mantém o foco em cheirar seu rosto
e lambê-la o máximo que consegue.
— Desculpe — arrasto-o para o chão, apenas para que o
monstro suba de novo no sofá e volte a ser acariciado —,
daqui a pouco ele se acalma.

Ou não. Konig nem falou comigo direito, e sou seu humano


preferido. Logo que sentiu o cheiro dela, parece que o
mundo deixou de existir. O mesmo que o idiota aqui sente
toda vez que Gaia está por perto. Dizem que os cachorros
são reflexos dos donos, porém o meu, além de ser parecido
comigo, também é um traidor de primeira instância.

— Por que você nunca o levou para a casa de praia? — Gaia


pergunta, virando a cabeça de um lado para o outro
enquanto tenta desviar dos mil beijos caninos.

— Porque ele tem medo de carro — confesso, fazendo-a


soltar uma gargalhada. — Na verdade, Konig tem medo de
tudo.

Absolutamente tudo.

Isso me faz lembrar…

Pego o primeiro objeto que vejo, um porta-copos de papel


que Jackson roubou de um bar qualquer, e o solto no chão.
Na mesma hora, Konig dá um pulo e corre para debaixo da
mesa de centro, ficando encolhido, com o rosto entre as
patas dianteiras.

— Você não estava mentindo — Gaia comenta, olhando


espantada para o cachorro.

— Não, já disse que não gosto de mentiras. — Com passos


leves, vou até o meu cão e começo a acariciá-lo devagar. —
Calma, garoto, é só um porta-copos. Isso não vai te fazer
mal.
Mostro o objeto a ele, colocando bem perto de seu nariz
para que possa cheirá-lo. Depois, amasso o papel e mostro
de novo. Só então Konig começa a sair de baixo da mesa, a
passos hesitantes, e vem falar comigo.

— Por que ele é assim? — Gaia quer saber enquanto o vira-


lata deita a cabeça no meu joelho para ganhar um pouco de
carinho. Dá para ver que ele ainda está assustado.

Odeio ter feito isso, mas o bicho estava prestes a sufocar


Gaia, completamente fora de si.

— Adotei Konig de um abrigo há alguns meses e ainda


estamos em fase de adaptação. Ele é um filhote, por incrível
que pareça. Tem oito meses. — Aponto para o seu tamanho
gigantesco. — O

veterinário disse que ele é uma mistura de Pastor Alemão


com São Bernardo. Como o cruzamento deu certo, é um
mistério…

Já divaguei demais sobre o sexo dos cães, não aguento mais


pensar nisso.

— E o resultado foi um companheiro medroso desse? —


Gaia vem para o chão também, sentando ao meu lado, e
segue meus movimentos para acariciar Konig.

Encaro-a com assombro ao ver a maldita destruir o meu


cachorro. O nariz pequeno e reto, os olhos redondos, as
sardas que decoram a pele clara… e o cabelo vermelho,
emoldurando tudo com algumas ondas soltas. Tão linda que
faz meu peito doer. E eu odeio muito me sentir assim.
Porque ao mesmo tempo que quero seu amor de volta,
quero foder sua boca com força.

Isso não faz sentido.


Passei os últimos vinte minutos beijando-a no helicóptero,
louco para entrar na cobertura e poder trepar com ela até
ficar desidratado.

Então, assim que cruzamos o batente, ela virou o novo amor


da vida de Konig. Sentou no meu sofá. Espalhou seu cheiro.
Largou os sapatos no tapete.

Cinco minutos na minha casa foi o que precisei para, dentro


de mim, admitir que não posso deixá-la ir embora.

Nunca. Mais.

Por outro lado, tenho total consciência de que não posso me


declarar agora.

Cheguei aos Hamptons determinado a dizer como me sentia


e o pandemônio se instalou. Além de Gaia estar puta da
vida por conta das fotos que viu, Tata e Val estavam na
cozinha. Mas o buquê nem era o grande gesto que eu
estava planejando. Só ia chegar com flores e convidá-la
para passar uns dias comigo em Nova York. Aqui, e a sós,
contaria a verdade.

Só que é difícil demais explicar a porra da maldição. Não sei


por onde começar.

Como ela vai se sentir quando souber que estou obcecado?


Que não posso mais ficar longe? Que, daqui em diante,
nunca mais serei capaz de olhar para outra mulher? Que
sou a porra de um pau fiel?

Eu poderia ter explicado que seu ciúme era completamente


infundado, mas ela jamais teria acreditado. Ninguém em sã
consciência levaria a explicação a sério.
Porque se maldições funcionam, então magia também é
real. Só que não é. Mas a dos King é real, sim. Eu sou a
prova viva disso.

— Zachary? — ela chama o meu nome, porque, é claro, eu a


estava encarando que nem um psicopata.

— Venha. — Levanto-me do chão e estendo a mão para ela.


Por um milagre, Konig fica quieto no lugar. — Quero te
mostrar o motivo de eu ter comprado este apartamento —
mudo de assunto.

— Não foi o heliporto no telhado? — pergunta em tom


debochado e eu finjo rir, revirando os olhos.

— Não, não foi. — Beijo sua têmpora, puxando-a para a


varanda toda fechada por vidros grossos. Melhor assim, pois
não importa o tempo lá fora, a vista sempre é espetacular.
— Daqui a pouco a gente faz um tour e eu mostro o resto,
mas, por enquanto, preciso que veja isso…

Deslizo a cortina e, em seguida, a porta de vidro.

Gaia arfa com a vista, ao darmos alguns passos para frente,


ficando no meio da varanda. Mesmo que eu ame esse
skyline, ele só não é mais bonito do que ela. Ótimo, agora
eu virei um idiota ainda maior.

— Olhe, Simba, tudo isso que o Sol toca… — começo a falar


em um tom grave e Gaia solta uma risada alta,
acompanhada de um tapa no meu peito.

— Seu palhaço. Está de noite.

Posiciono-me às suas costas, inclinando um pouco para


frente, e a envolvo em meus braços, ambos de frente para o
vidro que nos protege da imensidão.
— Foi por isso que resolvi morar aqui — explico. — A selva

aponto para o Central Park abaixo de nós — e a pedra.

Olho para os muitos prédios à nossa frente, um mais alto e


importante que o outro, sentindo a pressão de estar em
uma das cidades mais imponentes do mundo. Em carregar
um dos sobrenomes mais influentes. Em saber que não falta
muito para que várias dessas luzes acesas sejam minhas.
Engulo a tensão, ignoro a agonia e aperto um pouco mais a
mulher em meus braços.

— É muito lindo — Gaia sussurra, tombando a cabeça no


meu peito enquanto aprecia a vista.

A primeira coisa que fiz ao me mudar para cá foi pedir que


remodelassem a enorme varanda, que acompanha a sala
inteira do duplex. Porque é o modo que me sinto aqui em
cima que me fez escolher este como o meu lar: no topo do
mundo, porém

insignificante. À vista de todos, mas sem que ninguém me


veja. Com vidros me cercando, oferecendo aquela falsa
sensação de segurança. Porque vidro quebra. E quando isso
acontece, ele se estraçalha em milhões de pedaços.

É exatamente isso o que significa ser um King: qualquer


tropeço pode colocar tudo a perder.

— Eu moro para… — Ela começa a gesticular com o


indicador para todos os lados, como se não soubesse ao
certo para onde deve apontar.

— Para cá. — Estico o braço rente ao dela e tomo seu dedo,


depois, viro-a para mim. Na posição que estamos agora,
passo sua mão por cima do meu ombro, indicando a direção
atrás de nós. Para dentro da minha casa.

Nossos olhos se encontram quando faço isso, e minha


respiração falha. Talvez esse seja o momento certo de falar
tudo o que está engasgado, só que o medo me paralisa,
porque não posso correr o risco de estilhaçar o que estamos
construindo.

— Bem longe — Gaia atesta baixinho, como se quisesse,


mais uma vez, dizer que nossos mundos não se encontram.

“Só se você quiser”, respondo na mente, porém não tenho


coragem de colocar essas palavras para fora. Ainda não.

Limito-me a descer os lábios, encontrando com os dela no


meio do caminho. Essa é a única forma que me permito de
mostrar o que sinto: através de toques. Só espero que isso
baste por enquanto.

Capítulo 34
Gaia
Zachary me beija sem explicação — e não faço ideia do que
isso significa. Mas também não preciso entender agora.
Apenas beijo-o de volta, levando a mão até sua nuca
enquanto me entrego sem qualquer resistência. A fase de
resistir passou. A de duvidar também.

Neste momento, só me resta ver onde essa loucura vai dar


e torcer para que eu sobreviva quando esse homem se
cansar de mim.

De alguma forma, estou enfeitiçada, completamente viciada


e sem forças para me afastar. Talvez seja por isso que eu o
beije de volta com tanta vontade, tentando usar minha boca
para dizer aquilo que não sei ao certo como explicar. Ou
talvez eu o beije porque é gostoso demais. É certo demais.

Estou navegando em alto-mar sem bússola e sem destino,


perdida em Zachary King. Mas o modo como ele me
envolve, firme e determinado, garante que eu não estou tão
perdida assim, porque ele sabe o caminho. Nossas línguas
dançam em uma sincronia calma enquanto fico na ponta
dos pés. As mãos redescobrindo o que já conhecem. O
coração pedindo o desconhecido.

— Por que me trouxe aqui? — pergunto entre ofegos,


sentindo os dedos se enfiarem pelos fios em minha nuca e
puxarem minha cabeça para trás.

— Já disse — Zachary desce para a clavícula, os lábios


deixando uma marca quente por onde passam —, tenho
uma surpresa. Mas preciso que confie em mim.
A outra mão me agarra pela cintura, trazendo-me para mais
perto de seu corpo. Seguro-me em seus braços, precisando
de apoio, porque minhas pernas já perderam as forças.

— É loucura dizer que confio em você?

Sinto-o sorrir contra minha pele, e então, de forma brusca,


ele me ergue pela bunda e me coloca sobre a mesa, que
fica de frente para a parede de vidro.

— Por incrível que pareça — começa a desabotoar a própria


camisa, sem tirar os olhos de mim —, é a coisa mais
sensata a se fazer no momento.

Apoio as mãos no tampo de madeira, chegando o corpo um


pouco para trás enquanto Zachary termina de se livrar da
camisa. E

mesmo que o sorriso ainda estampe seu rosto, não há sinal


de divertimento. Também não é só desejo o que estou
vendo. Há algo diferente no modo que me fita, como se
Zachary estivesse em uma missão.

Ele começa a descer os olhos por meu corpo, talvez notando


minha respiração acelerada, porque leva um tempo
admirando meus seios sob a blusa branca. Em seguida,
continua indo para baixo, para a saia florida que usei no dia
que fui para os Hamptons. Roupas simples demais para uma
cobertura como esta. Mas o que estou vestindo não faz a
menor diferença quando afasto um pouco as pernas,
convidando-o a se aproximar. Como se fosse atraído,
Zachary encurta a distância entre nós.

— Eu prometo que ainda te fodo de novo em uma cama,


linda.
Mas agora… — ele passa o polegar pelos lábios, sem
desviar o foco de mim — …agora eu quero você aqui. Para
que o mundo todo saiba que estamos juntos, mesmo que
você ainda não esteja disposta a admitir isso.

As palavras de Zachary cravam em mim como uma faca.


Mas é o entendimento do que seu olhar quer dizer que
realmente me machuca. Seus olhos pedem, imploram para
que eu dê algo em retorno. Só que não sou capaz de
entregar o que sei que ele quer.

Não agora. Por isso, faço a única coisa que consigo: abro
mais as pernas. De certa forma, preciso que Zachary
entenda que isso, que o sexo, também é uma forma de
aceitá-lo no meu íntimo. Um rosnado baixo deixa seus lábios
e reverbera em meu peito no instante que ele ataca,
tomando minha boca em um beijo sem controle e aceitando
o que posso oferecer.

Uma mão me puxa pela nuca. A outra me chega para a


beirada da mesa, fazendo meu corpo ficar colado ao dele.
Posso sentir seu desejo, tão intenso quanto o meu. A ereção
contra a minha calcinha, que ainda contém os resquícios
daquilo que fizemos no helicóptero.

Enquanto ele me beija, envolvo-o com as pernas, puxando-o


pelo quadril, querendo mostrar minha necessidade de tê-lo
mais perto.

Acaricio seu peito, chupo sua língua e deixo que Zachary


me guie para onde quiser.

Pelo jeito, ele quer ir para debaixo da mesa, já que vai se


ajoelhando enquanto sua boca desce, explorando meu
corpo… me excitando cada vez mais. Fricciono uma perna
contra sua ereção, enorme e dura, e a vontade de senti-lo
dentro de mim só aumenta.
Pouco importa se estamos sendo vistos por um vizinho — ou
por todos.

Neste momento, somos apenas Zachary e Gaia — e títulos


não têm qualquer relevância quando chamo seu nome. Uma
mão em meu seio, puxando um bico com força. A outra me
prendendo pelo quadril enquanto ele volta a atacar meu
pescoço, o corpo imitando movimentos de vaivém. Sou
deliciosamente torturada, a impaciência crescendo, o tesão
começando a molhar minha coxa.

Louca para senti-lo inteiro dentro de mim, tento alcançar os


botões de sua calça, mas ele não me permite.

— Puta merda, Gaia — diz ao segurar meus pulsos junto à


mesa, prendendo-os. — Se você me tocar, juro que… —
Zachary me encara, os olhos ebulindo com a mesma
vontade que sinto. — Você vai ficar quietinha, sem se
mexer. Quero sentir seu gosto agora.

— Depois — interrompo-o, libertando meus braços. — Deixe


para depois, por favor. Não aguento mais esperar. — Cravo
as unhas em sua mão, colocando mais força do que deveria
no aperto e fazendo-o chiar baixinho. — Por favor, Zach,
mostre a esta cidade o que só você consegue fazer comigo.

Aproximo um pouco o corpo, desesperada para alcançar sua


boca. Ele percebe isso e me encontra no meio do caminho,
emoldurando meu rosto com as mãos, devorando a minha
boca com urgência. Afobada, me concentro no cós de sua
calça,

desabotoando-a e descendo o zíper. Colocando a mão por


dentro da cueca. Sentindo-o. Masturbando-o. Para cima e
para baixo.
Ter esse homem literalmente na palma da mão é o mais
perto que já cheguei do poder. Saber que os gemidos que
ele solta são por cada movimento que faço me excita ainda
mais. O que só melhora quando Zachary tomba a cabeça no
meu ombro, como se meu toque fosse sua perdição. A
respiração ofegante. A boca deixando beijos na minha pele
enquanto se mexe sob o meu toque.

— Abra mais as pernas para mim, Gaia — pede com a voz


rouca, as mãos apertando cada uma de minhas coxas.
Apenas meneio a cabeça, obedecendo. — Me coloca para
dentro, linda. Me guia para onde você precisa de mim.

Hesito por um minuto, meu coração acelerado ao saber que


o terei de novo onde mais preciso. Só que, agora, por mais
que haja a necessidade, não precisa haver a
inconsequência.

— Precisamos de camisinha? — pergunto, engolindo o


nervosismo. — Meus anticoncepcionais estão em dia, mas…

— Olhe para mim, Gaia. — Seu tom é firme, o que me faz


subir os olhos e encontrar os dele me encarando de volta. —
Vou falar só mais uma vez e preciso que acredite: esqueça o
meu passado. —

Ele puxa a minha calcinha com força, arrebentando as


laterais.

Então, a arremessa para trás de mim, para um canto


qualquer.

Sem barreiras entre nós, Zachary toma o controle,


segurando seu pau, esfregando a ponta no meu clitóris, me
estimulando e deixando ainda mais molhada. Abro a boca e
ofego. Só que é o modo como me olha, sem qualquer
reserva e com total confiança, que me faz acreditar no que
está dizendo.

— Desde que te conheci, Gaia, não consegui olhar para


outra mulher. Não beijei outra mulher. Não toquei em outra
mulher. Não senti vontade de estar com outra mulher. —
Com um único empurrão, ele desliza, entrando em mim por
completo. Conter o grito de prazer é impossível. É como se
ele finalmente chegasse em casa.

— Você é a única que eu quero, Gaia.

Tudo isso é perfeito demais.

Perdida no prazer, sinto seus movimentos ficarem rápidos,


um frenesi descontrolado enquanto entra e sai de dentro de
mim.

Gememos juntos e Zachary apalpa um seio, brincando com


o mamilo escondido sob a roupa, me fazendo jogar a cabeça
para trás e arquear um pouco as costas.

Queria estar nua, para que ele pudesse brincar comigo com
tudo que tem: lábios, língua, dedos e mãos, como só ele
sabe fazer. Mas estamos expostos demais assim, na
varanda, para que Manhattan inteira veja.

— Era isso o que você queria comigo aqui? — Olho para a


vista, imaginando se tem alguém com um binóculo virado
para cá.

— Não… — Zachary acelera o passo. — Mas já é um


começo.

Ele aperta meu mamilo com mais força e não consigo conter
o grito. Tentando me firmar, estico uma mão e arranho seu
peito.
Preciso me segurar em algo para não despencar no
precipício de prazer. Só que meu movimento apenas
contribui para atiçar ainda mais o animal que habita em
Zachary. Ele solta um grunhido, dobrando o corpo para
frente, e me envolve com um braço pela cintura, puxando-
me até que eu fique sentada na beirada da mesa, quase
saindo dela. Então, cola os lábios aos meus, tomando-me
em um beijo apressado.

Suas estocadas ficam cada vez mais rápidas e


descompassadas.

Odeio ter que ficar vestida e não sentir o contato de sua


pele suada contra a minha. Por isso, aproveito o que posso,
deixando minhas mãos acariciarem as costas musculosas,
as unhas raspando na pele quente enquanto tento encontrá-
lo em cada um dos movimentos de entra e sai. A mesa
range contra o chão. O cheiro forte de sexo preenche o ar. É
delicioso demais e sei que estou prestes a perder o controle
também.

— Estar dentro de você é… — Zachary sussurra entre beijos,


mas não consegue terminar a frase.

— Eu sei — garanto. — Sinto a mesma coisa. É tão…

Contraio em torno dele, sem saber explicar o que estou


sentindo neste momento. Só que meu gesto faz com que
Zachary esqueça as restrições que tentava manter.

— Caralho, mulher. Não brinca comigo.

Com um impulso, ele me tira da mesa, gira o corpo e me


pressiona contra a parede de vidro da varanda. Rodeio sua
cintura
com as pernas, ao mesmo tempo que suas bombeadas
ficam mais fortes. Os gemidos saem mais altos.

Zachary espalma uma das mãos no vidro acima do meu


ombro enquanto a outra me segura pela bunda. Ele entra e
sai com força —

e apesar do medo que sinto de cair daqui de cima, sei que


já tombei por ele há muito tempo.

Enfio minhas mãos em seu cabelo, puxando-o com força


para um beijo, enquanto subo e desço por sua extensão
dura. Zachary não para, vai sempre mais fundo — e sei que
o desespero em seus movimentos é o mesmo que estou
sentindo agora. O calor se espalha em meu ventre, junto
com o frio na espinha, denunciando meu estado de
proximidade do gozo.

— Mais forte, Zach… me fode com força — imploro,


beirando a incoerência, e escuto-o rosnar baixinho.

Ele não contesta, apenas faz o que peço, metendo


gloriosamente bem, a ponto de eu começar a gritar com as
estocadas bruscas e duras. Sinto o corpo cada vez mais
imprensado contra a parede. O

prazer aumenta, sobe, arrepia. Meus peitos estão duros,


meus dedos dos pés começam a se contrair. Então, envolvo-
o em um abraço apertado, afundando o rosto em seu
pescoço, os lábios grudados na pele suada… e gozo. Não
consigo emitir um som sequer, porque meu corpo inteiro
treme agarrado a Zachary, que está urrando e latejando
dentro de mim. Suas mãos firmes em minha bunda,
trazendo-me para ainda mais perto, como se quisesse me
fundir a ele neste momento.
— Caralho… — Zach murmura um tempo depois, a cabeça
tombada em meu ombro. — Acho que você me matou desta
vez, mulher.

Não consigo conter a risada baixa, mas logo paro, porque


isso faz com que eu o sinta voltar a pulsar em mim.
Deslizamos até o chão, eu ainda no colo dele, preenchida
até a completude, uma perna minha de cada lado do corpo
dele. Nossas respirações voltam ao normal devagar, assim
como os batimentos, mas não conseguimos nos afastar.
Apenas ficamos abraçados, saciados, cansados e, talvez um
outro “ados” também.

Acaricio seu peito em silêncio, minha cabeça aninhada na


curva entre seu ombro e o pescoço, enquanto ele sobe e
desce as pontas dos dedos em minhas coxas. Sorrio com o
carinho calmo, oposto ao que aconteceu há pouco. Estamos
em um silêncio confortável, mesmo que num lugar nada
convidativo. Só que não sei se estou pronta para sair daqui
agora.

— Queridos, cheguei! — A voz de Jackson, tão nítida como


se estivesse ao meu lado, faz com que eu dê um pulo. O
movimento tira Zach de dentro de mim, junto com um
pouco de sêmen que escorre.

Com pressa, me levanto quase tropeçando nos próprios pés.

— Ai, meu Deus! — solto em um grito, ao mesmo tempo


que as mãos de Zachary apoiam minha cintura e impedem
a minha queda.

Já de pé, ele começa a fechar a calça, mas não se dá ao


trabalho de procurar a camisa, que está jogada no chão do
outro lado da porta de vidro.
— Timing perfeito, de novo, priminho — ironiza em um
rosnado.

— Quando foi que te dei a chave da minha casa? — Olho


para a sala e vejo Jackson caminhando até nós. Sua
resposta é apenas um erguer de ombros, como se a
informação fosse irrelevante. — E

quando foi que eu convidei todo mundo para uma festinha?

Porque, logo atrás de Jackson, três outros King também


começam a entrar. Trenton e Sebastian não parecem muito
afetados pela cena que encontram. Talvez esta não tenha
sido a primeira vez que entraram aqui e viram Zachary
acompanhado, saindo de um momento íntimo. Odeio
admitir que o pensamento me incomoda um pouco — ou
muito. Elijah é o único que coça a nuca e evita me encarar,
preferindo dar atenção ao monte de pelos que segue até ele
abanando o rabo.

— Trent contou que Gaia viria passar uns dias na cidade —

Jackson começa a se justificar. — Achei que…

— Seria uma ideia excelente entrar aqui sem ser


anunciado? —

Zachary termina a frase, uma expressão assassina no rosto


enquanto sua mão segura a minha em um gesto possessivo.

Fico só imaginando qual é o meu estado agora. Devo estar


toda descabelada, com as roupas tortas e uma expressão
atordoada no rosto. Acho que nada podia ser pior, até sentir
o sêmen começar a

escorrer por minhas pernas. Que merda. Aperto as coxas


para evitar que todos vejam, mas não é como se eles não
tivessem percebido o que estava acontecendo segundos
antes de chegarem. Só que admitir isso me mataria de
humilhação.

Saber que os homens King têm plena consciência do que eu


estava fazendo não me impede de ficar vermelha da cabeça
aos pés.

Preciso de um lugar para enfiar o rosto e não entrar em


combustão.

O peito de Zachary é o único lugar seguro no momento.

— Tenho que ir até o banheiro — digo baixinho, os lábios


roçando contra a pele ainda quente. Na mesma hora, ele
beija o topo da minha cabeça, acariciando os fios do meu
cabelo. Junto mais minhas coxas, tentando a todo custo não
me envergonhar mais do que já fiz.

— Não precisa ficar assim, ruiva. Trouxemos pizza. — Afasto


o rosto do corpo musculoso e viro-me para os homens na
sala.

Sebastian sorri, segurando uma pilha de caixas quadradas


na mão e oferecendo-as para mim.

O gesto é tão inesperado que me faz rir — e isso piora a


minha situação.

— Banheiro — sussurro de novo para Zachary, que


finalmente entende o que está acontecendo.

— Vocês, cozinha, agora. — Ele aponta para os primos. — Eu


disse agora. — A última palavra sai em um rosnado grosso,
garantindo que seja logo obedecido.
Quatro homens se apressam para fora da sala, indo na
direção oposta à que Zachary começa a me puxar. Vejo
Konig seguindo-os

— talvez atraído pelo cheiro da comida — enquanto Zachary


se abaixa ao lado do sofá e pega a minha pequena mala.

— Vamos, vou te levar até o meu quarto para resolvermos o


problema. Depois a gente lida com esses… — Ele não
termina o insulto, porém vejo em seus lábios o esboço de
um sorriso quando me toma no colo e começa a subir as
escadas.

— Não demorem! Ou vão comer pizza fria! — alguém grita e


preciso me controlar para não rir.

Capítulo 35
Zachary
O dia de hoje foi longo demais, só que, de alguma forma,
não me sinto cansado. Na verdade, com Gaia sentada no
chão entre as minhas pernas e meus primos falando alto,
acho que “sono” é a última coisa que sentiria agora.

— Toma essa, ruiva — Sebastian grita, o sorriso triunfante


em seu rosto quando vence mais uma partida de Mario Kart.

— Eu desisto! — Gaia se recosta no sofá, apoiando a cabeça


no meu joelho enquanto joga o controle ao seu lado no
chão. Está tão relaxada que nem parece que esta é a
primeira vez que colocou os pés em minha casa, nem que
está cercada pelos homens da minha família. — Não nasci
para jogar essas coisas. Mas aposto que te venço em uma
batalha de cortes, Sebastian. — Ela olha para meu primo e
balança as sobrancelhas, desafiando-o. — Que tal?

— O que você tem em mente? — ele pergunta.

— Acho que…

— Eu acho que você já usou facas demais por um dia —

interrompo-a, lembrando a nossa discussão nos Hamptons,


antes de virmos para cá.

Gaia vira o rosto para mim e suas bochechas ficam rosadas


na mesma hora, como se não acreditasse no que tivesse
feito. Seus olhos se arregalam e ela enfia o rosto nas mãos.
Não resisto à cena e puxo-a do chão para o meu colo, rindo
que nem um idiota. Ela é tão pequena que vem com
facilidade.
— O que tem a ver facas com a disputa? O que aconteceu?
Por que não entendi o comentário? — Jackson quer saber,
trocando

olhares com os outros. O videogame foi ignorado, assim


como a competição acirrada de antes.

— Também não faço ideia. — Trent dá de ombros.

Gaia, agora parecendo uma pimentinha, afunda mais ainda


no meu colo, tentando se esconder em meus braços. É
impossível controlar a risada.

— Acho que todos nós já ouvimos o mito de que as


baixinhas, principalmente as ruivas, são as mais bravas —
começo a contar em tom de suspense. Meus primos se
empolgam. — Só que não é um mito. Hoje eu fui vítima da
ira desta mulher aqui. — Olho para cada um deles com
calma, e todos exibem expressões bem-humoradas.

Sebastian no chão, virado para nós; Elijah na outra ponta do


sofá, com um pé no estofado e o outro no tapete; Jackson
sentado no bar; e Trenton na poltrona, com a última fatia de
pizza a caminho da boca. Quatro Kings entretidos com a
história, revezando olhares entre mim e Gaia. — Quando
cheguei à casa dos Hamptons para buscar a bonita aqui,
com um enorme buquê de rosas vermelhas, fui recebido
com uma faca apontada na minha direção. Gaia estava
ameaçando a minha vida por conta de algumas fotos que
apareceram nos tabloides. Como se isso não fosse o
bastante, em um gesto bem desproporcional para alguém
que não deve pesar mais do que cinquenta quilos — para
reforçar a ideia, ajusto-a em meu colo como se não pesasse
nada —, esta enviada do mal cravou a faca na tábua de
madeira sem a menor dificuldade, me dando apenas um
minuto para explicar tudo.
Um coro de “não”, com sílabas prolongadas e falsos gestos
de surpresa, segue a narrativa. Não é segredo que meus
primos adoram dramatizar as coisas, e estão fazendo isso
com o único propósito de testar a mulher no meu colo. Será
que Gaia aguenta a brincadeira sem surtar?

Inclusive, tenho certeza de que foi este o motivo que os fez


invadir o meu apartamento sem serem convidados. Apesar
de já terem conhecido Gaia, nenhum deles teve a chance de
nos ver interagindo, ou de saber como ela é fora do
ambiente de trabalho.

— Como você sobreviveu, Zach? — Jack pergunta em um


tom falsamente espantado.

— Podemos processar a ruiva por tentativa de agressão,


sabe?

— Sebastian usa seu melhor tom de advogado para sugerir.

— Processar por tentativa de agressão e por danos morais!

Nunca, em toda a minha vida, fui tão humilhado. Tenho


testemunhas.

Tudo isso aconteceu… — faço uma pausa dramática,


encorajando a brincadeira e apertando Gaia em meus
braços — …na frente da Tata.

Sons arfantes são seguidos de risadas histéricas. Quatro


homens quase rolam no chão de tanto gargalhar e Gaia só
falta querer cavar um buraco no chão para se esconder.
Deixo um beijo no topo de sua cabeça, mas sinto-a rir
também, como se tivesse se dado conta da cena que
protagonizamos há algumas horas.

Foi há tão pouco tempo, mesmo que pareça dias atrás.


— Em minha defesa, não queria agredi-lo… meus planos
envolviam remover uma parte bem importante e que tinha
tudo a ver com a situação — ela começa a falar, tirando o
rosto do meu peito.

Quando dá uma rebolada, percebo do que está falando.


Engasgo, não acreditando no que ela pensou em fazer. Puta
que pariu, a situação foi muito mais perigosa do que eu
imaginava. — Bom, não preciso revelar a vocês os motivos
que me levaram a ficar puta da vida com aquelas fotos. Mas
fiquei, e não volto atrás nas minhas atitudes. — De repente,
vira-se para mim e aponta o dedo bem no meio da minha
cara. — E se você aprontar outra daquelas, Zachary King,
aviso logo que a faca não será cravada apenas na tábua.

— Apoiado! — Elijah começa a bater palma, como se


estivesse adorando tudo isso. — Se precisar de ajuda, eu
seguro e você corta.

Arregalo os olhos com a oferta. Menos de duas horas na


companhia de Gaia e Eli já está no time dela? Não é
possível.

— Ei, espere um pouco! — Jackson pula do bar, caminhando


até o meio da sala. — Gaia é a minha nova melhor amiga.
Eu cheguei primeiro. Inclusive, se não fosse por mim, os
dois pombinhos aí não estariam juntos agora. — Aponta o
indicador para nós, porém seu olhar é restrito aos outros
homens, como se os desafiasse a contradizê-lo.

— Do que você está falando? — Gaia se ajeita em meu colo,


mas não faz menção de se afastar. Deixo a mão repousar de
forma firme

em sua cintura. Enquanto isso, apenas observo o


comportamento de todo mundo.
Nunca pensei que estaria nesta posição, literalmente. Na
sala de jogos da minha casa, com uma mulher em meu colo,
meu cachorro dormindo no chão e meus primos por perto. É
tudo tão… familiar.

Tão simples e, ao mesmo tempo, tão novo.

— Estou falando de não ter passado o seu recado para ele,


ruiva

— Jackson diz, dando de ombros. Na mesma hora, Gaia arfa


e endireita as costas.

— Seu… seu filho da… — Com um dedo apontado de volta


para o caçula, o rosto dela começa a se contorcer de raiva.
É muito bom ver que Gaia pode ter esse tipo de sentimento
direcionado a outra pessoa para variar.

— Gênio? Homem brilhante? — Jackson oferece opções de


resposta, mas minha ruiva apenas nega com a cabeça.

— Por que você não fez o que pedi? Era uma coisa simples.
Eu fiquei esperando um tempão e…

Não sei do que eles estão falando. Troco olhares com


Trenton, que também não parece entender muito bem a
conversa.

— Deu certo, não deu? Você teve que tomar uma iniciativa.

Jackson dá uma piscadinha irritante para Gaia, que fica sem


saber o que responder. A boca aberta, os olhos fixos em
meu primo, a respiração pesada. De alguma forma, sei que
ela está absorvendo o impacto. — Talvez o meu nome do
meio deva ser Cupido daqui para a frente — ele encerra a
conversa, parecendo bastante satisfeito consigo mesmo.
— Melhor do que Reginald — Sebastian solta baixinho,
olhando para os lados enquanto tenta se fazer de inocente.

É claro que todo mundo ri da informação já conhecida e


sempre ridicularizada.

— Seu nome do meio é Reginald?! — Gaia é a única que


parece incrédula, afinal, ela ainda não conhece nossas
piadas internas.

— É um nome de família — Jack tenta se justificar. — Nosso


tio-bisavô se chamava assim e…

— Isso mesmo, Reginald. Defenda sua honra — Elijah


implica.

— Falou o Rei Arthur — Jackson revira os olhos, retrucando.


Você sabia, Gaia, que Elijah Arthur King tem esse nome
porque nosso querido tio Edmund é fã…

Só que ele não consegue terminar a frase. Uma almofada é


arremessada em sua cara, o que faz Konig levar um susto e
sair correndo da sala, esbarrando na mesinha e derrubando
as caixas vazias de pizza. Cascas e guardanapos se
espalham pelo chão numa bagunça que não me incomoda.
É um milagre que o pobre cachorro tenha mais medo do que
fome.

— Tadinho… — Gaia diz, se levantando do meu colo para ir


até Konig. Só que, neste momento, não quero que ela se
afaste.

— Ainda não — peço, puxando-a de volta para os meus


braços.
Outra vez, Gaia não resiste, apenas sorri e se aconchega de
novo, o que só me deixa estupidamente feliz. A discussão
com Jackson é esquecida quando ela apoia a cabeça na
curva do meu pescoço e se aninha.

— Só porque estou cansada… — diz baixinho, se ajeitando


mais um pouco.

O silêncio toma conta da sala. Sinto vários pares de olhos


sobre nós dois, porém não me mexo, apenas mantenho meu
foco em Gaia, que não parece se importar em ser o centro
das atenções. Ou talvez não tenha percebido que meus
primos estão hipnotizados neste momento.

Mas o melhor de tudo é o fato de ela não notar que,


finalmente, suas barreiras estão abaixadas. Pela primeira
vez, Gaia não está fingindo que não somos nada um para o
outro. Pode ser o cansaço, o susto, o efeito pós-sexo… não
importa. Ela está em meus braços.

Beijo o topo de sua cabeça e sinto uma esperança estranha


me dominar. Se Gaia está aqui, há a chance de ela não sair
mais. De sentir o mesmo que eu. Maldição ou não, meu
sentimento só aumenta a cada dia, e não sei o que fazer
daqui para a frente —

apesar de ter certeza de que preciso dela comigo.

— Eu não sei vocês, mas fiquei com vontade de comer algo


doce

— Jackson sugere, quebrando meus pensamentos. — Bem


açucarado.

— Posso tentar fazer uma sobreme… — Gaia começa a


oferecer, mas a frase é interrompida por um bocejo.
— De jeito nenhum. Chega de comida por hoje. — Levanto-
me do sofá com ela no colo. Na mesma hora, seus braços
envolvem meu pescoço. — Vou te levar para a cama. E
vocês, seu bando de inúteis, arrumem a bagunça e
tranquem a porta antes de sair.

— Não precisa expulsar seus primos, Zachary. Podemos ficar


mais e… — Outro bocejo.

— Relaxa, ruiva. Nós estamos aqui quase todos os dias —

Sebastian tenta tranquilizá-la, mesmo assim não paro de


andar.

— Por quê? Moram aqui perto? — ela pergunta quando já


estamos próximos da escada. — Você pode me botar no
chão, sabia? Consigo andar até o quarto. — A última parte
sai em um sussurro, que resolvo ignorar.

— Moramos no mesmo prédio — Trenton explica. — Eu moro


na outra cobertura.

— Na verdade — Eli entra na conversa —, este prédio era da


nossa família, mas o bonitão aí resolveu com…

— Por hoje já deu — interrompo-o antes que comece a falar


coisas que não deve. — Arrumem a bagunça e até amanhã.
Eli, Trent, não se esqueçam do jantar com Damon —
relembro.

— Sim, senhor — os dois dizem em uníssono, batendo


continência de forma exagerada, mesmo que ainda
sentados.

Gaia se despede com um aceno de mão, desistindo de sair


do meu colo enquanto subo a escada que leva ao segundo
andar do duplex. Pelo contrário, parece bem tranquila em
ser carregada.

— Eu pensei que você morasse com seus pais — ela diz


assim que entramos no meu quarto. Só então, e com
cuidado, deixo que apoie os pés no chão.

— Saí de casa quando comecei a faculdade. Nunca mais


voltei —

conto. — Dividi um apartamento com Trenton durante um


tempo, até que nos mudamos para Londres. Lá, morei em
um hotel por dois longos anos… — confesso, sem conseguir
tirar os olhos dela.

— Em um hotel? — Gaia parece incrédula enquanto começa


a tirar os sapatos, deixando-os no canto da cama.

— Era uma suíte bem grande. — Dou de ombros. — Eu sabia


que não ficaria por muito tempo em Londres, então não vi
motivos para ter uma casa de verdade. Quando voltei de
férias, resolvi comprar este duplex.

Vejo-a segurar a barra da camiseta, se preparando para tirá-


la.

Quando ela para por um momento, fico pensando se Gaia


está encabulada por ter vindo para o quarto comigo. Será
que a ficha de que está na minha casa finalmente caiu e
agora ela quer ir embora?

— Mas seu primo disse que o prédio é da família, o


apartamento já não era seu? — questiona e eu engulo as
dúvidas, decidido a dar as explicações que Gaia procura.

— Comprei o lugar sem minha família saber que era para


mim.
Tudo parte daquele meu plano de “mostrar que posso
conseguir as coisas sozinho”. — Faço o sinal de aspas com
os dedos. Não revelo que gastei uma parte mínima das
minhas economias, porque ela não precisa saber o quanto
tenho no banco. A última coisa que quero é assustá-la
agora.

— Ah, sim… — Gaia olha ao redor, e não sei se é a


decoração masculina ou o tamanho do quarto, mas algo no
modo como se comporta a faz parecer ainda menor do que
o normal.

— O que foi? — pergunto, chegando um passo para a frente


e envolvendo-a pela cintura.

— Só estava… Queria saber de verdade por que estou aqui?


A frase sai tão baixinho que mal posso ouvir.

A forma como Gaia me encara, com aqueles olhos muito


azuis implorando por explicações honestas, faz com que eu
me esqueça dos meus motivos para surpreendê-la. Eles não
são tão importantes quanto a vontade que tenho de que ela
saiba qual é o seu lugar na minha casa. Na minha vida.

— Eu só iria te contar amanhã, mas… — Puxo o ar com


força, temendo sua reação. — Você deve ter me ouvido
mencionar um jantar agora há pouco. — Gaia faz que sim
com a cabeça. — Era para ser servido por Christine. Algo
simples, aqui em casa, para alguns executivos. Preciso
fechar um contrato e não quero que seja feito no prédio da
IK — explico, começando a me enrolar com as

palavras. — Só que o buffet cancelou de última hora.


Ligaram para mim mais cedo e…
— Zach, diga logo — ela pede, sua mão acariciando meu
braço.

— Queria muito que você cozinhasse para a gente amanhã.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Extra! Extra!

Samantha Strauss está namorando! Fiquei chocada com a


notícia que saiu no maior jornal de fofoca da Inglaterra
ontem. De acordo com o The Sun, a jovem milionária está
em um relacionamento sério com Drew Taylor, que é —
pasmem! — amigo de Zachary King.

Será que houve uma traição?

Não estou entendendo mais nada!

Inclusive, Drew está passando uma temporada na Inglaterra


com a nova namorada e foi visto saindo do prédio da IK
londrina.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, ainda estamos


esperando mais fotos de Zach e Kirsten, ou um comunicado
explicando essa repentina aproximação. Por enquanto, nada
mais saiu sobre os dois. Será que não será dessa vez que
Zach se comprometerá?

De qualquer forma, Elijah King foi visto esta semana com


Oliver Cooper novamente. Os dois almoçaram juntos em
TriBeCa, acompanhados de mais quatro homens
desconhecidos por esta coluna. O que será que estavam
fazendo?

Capítulo 36
Zachary
Trazer Gaia até a minha casa para preparar o jantar foi a
melhor e a pior ideia de todas. É uma tortura tê-la tão perto
e não poder agir do modo como quero, como preciso.
Porque, no instante que ela entrou na cozinha e colocou o
avental, minha diaba ruiva ergueu um muro tão alto entre
nós, que nem meu melhor sorriso foi capaz de penetrá-lo.

Agora estou aqui, recostado na parede, com as mãos no


bolso enquanto vejo-a andar de um lado para o outro,
fazendo mil coisas ao mesmo tempo. Gaia é uma máquina
de eficiência — e, ao mesmo tempo que isso me excita,
também fico preocupado que ela possa desmaiar de
cansaço a qualquer momento.

— Tem certeza de que não posso ajudar? — Ela levanta o


rosto para me encarar, enquanto pica alguns vegetais com
tanta rapidez que me dá medo de que possa cortar o dedo
fora. Gaia é realmente boa no manejo de uma faca.

— Já disse que não. — Seu tom é ríspido. O olhar que me


lança é gélido.

A chef Denver não é a mesma mulher com quem dormi a


noite passada, muito menos a que estava gritando o meu
nome hoje de manhã. Não é uma pessoa angelical e
carinhosa, nem uma tremenda safada. Quando Gaia entra
em modo profissional, parece que adota uma outra
personalidade.

— É sério, posso pegar algumas coisas e… — começo a


oferecer, porém logo sou interrompido.
— Se você der um passo para dentro da minha cozinha —
aponta a faca para mim —, não me responsabilizo pelos
meus atos.

— Só estou querendo ajudar — tento me defender, tirando


as mãos do bolso e erguendo-as em sinal de rendição.

— Vai ajudar se sair daqui e me deixar fazer o meu trabalho.


Teria ajudado se tivesse me dado mais tempo, ou
concordado em trazer Spencer para servir de auxiliar. — Ela
ergue uma sobrancelha e, na mesma hora, fecho a cara.

— Sem Spencer — falo com os dentes cerrados. Ver a


interação dos dois na casa dos Hamptons foi torturante. Se
tiver que ouvir risadinhas sob o meu teto, não acho que
serei capaz de controlar o meu ciúme. — Você poderia ter
escolhido qualquer outra pessoa. Eu teria dado um jeito de
trazê-la.

— Não conheço muitos auxiliares do ramo. Além disso, é


difícil ter química com alguém dentro da cozinha — ela se
justifica e sou obrigado a revirar os olhos.

Química? Com aquelezinho lá?

Química ela tem comigo, desde o dia que nos conhecemos!

— Dá pra desfazer essa cara? — Gaia interrompe os meus


pensamentos. Deixando a faca de lado, vem até mim com
passos calmos. Mordendo o lábio. Avaliando o meu rosto.
Sorrindo.

Maldita mulher linda, que mexe com a minha sanidade e me


deixa à beira de um colapso. Não sei o que fazer quando
estou perto dela, talvez por nunca estar perto o suficiente.
Mas assim que apenas um passo nos separa, não consigo
resistir e puxo-a pela cintura, colando seu corpo ao meu.
Gaia envolve meu pescoço com os braços, porém as mãos
não invadem o meu cabelo, como sempre acontece.

— Odeio quando não podemos ficar juntos do nosso jeito —

confesso, colando nossas testas e deixando as palavras


morrerem na respiração entre as bocas.

— Foi você quem me chamou para trabalhar — Gaia diz


baixinho, e o esboço de um sorriso se forma em seus lábios.
— Inclusive, obrigada por isso. Estou me esforçando para
oferecer o melhor jantar que já cozinhei na vida. Nada como
uma boa comida para deixar as pessoas mais felizes e
dispostas a assinarem contratos milionários.

— Sua ingenuidade me faz rir, ao mesmo tempo que me dá

esperança de que esta não será a primeira vez que


preparará um evento meu.

Nos próximos, não quero que Gaia fique apenas nos


bastidores.

Só não sei como pedir isso a ela sem fazê-la sair correndo
para nunca mais voltar. Estou andando em uma corda
bamba, e qualquer passo em falso pode estragar tudo o que
temos.

“Uma coisa de cada vez, Zachary”, tento lembrar a mim


mesmo.

— Tem certeza de que não tem nada em que posso ajudar?


Resolvo navegar em águas mais seguras.


— Tenho. Por favor, só fique longe da cozinha. Ter você tão
perto me distrai demais. Principalmente quando está
usando esse terno. —

Ela encerra a distância entre nós, pousando os lábios sobre


os meus por um breve momento. O gesto foi curto demais
para aplacar a vontade que sinto, mas o suficiente para
mostrar que ela não está querendo me afastar. Apenas…
precisa fazer o seu trabalho.

É por isso que tomo o que Gaia está disposta a dar, mesmo
que a minha vontade seja de mandar esse jantar se foder e
arrastá-la para o quarto. Se eu pudesse, deixaria bem claro
que odeio essa linha que ela insiste em manter entre a
profissional que trabalha para os King e a mulher que tem
ocupado cada vez mais a minha mente — e a minha cama.

— A equipe de serviço chega em vinte minutos. Os


convidados devem aparecer em menos de uma hora —
aviso com um suspiro, sabendo que jamais iria contra algo
que Gaia me pediu. Deixando mais um beijo rápido em sua
boca, me afasto. — Vai lá terminar o jantar.

Por mais que eu tente, não consigo manter minha expressão


neutra. É impossível não deixar transparecer a agonia que
me consome quando olho para ela antes de virar as costas
e sair da cozinha. Gaia percebe minha aflição, porque vejo
em seu rosto o mesmo desconforto. Hoje, cruzar a porta da
cozinha para a sala é a mesma coisa que transpor a linha
que separa nossas realidades.

Uma que não deveria existir.

Gaia não só pode, como deve estar ao meu lado daqui para
a frente. E não existe nada de mundos diferentes. Nosso
lugar é o
mesmo. Agora, só preciso encontrar um modo de fazer com
que ela enxergue isso também.

“Parabéns, Zachary, sua obsessão por essa mulher já


passou do limite do aceitável”, uma vozinha soa na minha
cabeça. Resolvo ignorá-la, afinal, tudo é culpa da maldição
dos King.

∞∞∞

— Pare de andar — Elijah pede pela terceira vez. — Você


não quer receber os convidados suado feito um porco.

— Não sabia que porcos suavam. — Olho para ele, que


estica o pescoço e vira a cabeça de lado, antes de começar
a refletir sobre o que acabei de falar.

— Essa expressão não faz sentido, Eli. Animais não suam —

Trenton me apoia no argumento. — É por isso que cachorros


ficam com a língua para fora. Também ouvi dizer que tem
algo a ver com as almofadinhas nas patas e…

— E agora vamos conversar sobre glândulas sudoríparas? —

interrompo-o, fazendo como Elijah pediu e me sentando ao


seu lado no sofá da sala.

— Melhor do que ficar tendo crise de ansiedade à toa —


oferece.

— Não é à toa e você sabe bem disso. A IK está em uma


bifurcação agora. O resultado dessa reunião vai definir o
caminho que vamos tomar daqui para a frente.

Apoio os cotovelos nos joelhos e enterro o rosto nas mãos,


preocupado com a merda que estou prestes a fazer. Ou
talvez já tenha feito, porque deveria ter me preocupado
com o futuro da IK no dia que soquei Oliver Cooper. Mas é
claro que ignorei minhas responsabilidades e agredi o filho
de um aliado no instante que vi Gaia chorando. Não tenho
culpa se meu instinto falou mais alto.

Também não me arrependo, e faria de novo dez vezes, se


fosse necessário.

Agora que estou aqui, prestes a tentar resolver a merda que


fiz ao minar as chances de fechar um contrato com o apoio
de Damon Cooper, não posso deixar o medo — nem a
ansiedade — me

dominar. Meu pai não tem ideia do que estou planejando. Se


eu contasse, me diria para ficar quieto e deixar que ele
mesmo resolvesse o impasse. Só que não posso fazer isso;
não quando o peso da IK recairá sobre meus ombros em
pouco tempo. Tenho que provar a ele, e a todos os olhos em
cima de mim, que posso contornar os problemas enquanto
defendo aquilo em que acredito.

— Você deveria se preocupar menos com esse contrato —

Trenton aconselha em um tom calmo, que me faz erguer a


cabeça e encará-lo. Quando o faço, vejo um sorriso
triunfante em seu rosto. —

Somos os King, cara. Damon Cooper não é o único nome do


mercado. Se ele não quiser, tem quem queira. — Dá de
ombros, como se a declaração fosse a coisa mais simples do
mundo.

É então que a ideia me vem.

Sim, somos os King. E isso, na maioria das vezes, é o


bastante para resolver qualquer merda. Afinal, o que um
King quer, um King tem.

— Interessante avaliação, Trent… — Coloco a cara de


pôquer no lugar, imaginando a melhor forma de fazer minha
vontade ser feita.

Porém, antes que eu consiga falar qualquer outra coisa para


os meus primos, alguém bate na porta do escritório.

— Senhor King — uma mulher loira, que não deve ser muito
mais velha do que Gaia, coloca a cabeça para dentro —,
seus convidados estão subindo.

— Certo. — Levanto-me do sofá e fecho o paletó. Depois,


ajeito a gravata, vendo Trenton e Elijah imitarem os meus
movimentos. —

Hora do show, rapazes.

— Ah, esqueci de dizer — Eli interrompe antes de


chegarmos à porta. — Fechei contrato com aquela banda de
indie rock. Eles ainda não são famosos, mas…

Olho para o meu primo, que apenas dá de ombros.

— Porra, Elijah! — Vou até ele, envolvendo-o em um abraço


rápido. — Parabéns.

Sei que meu primo tem se interessado cada vez mais pelo
lado musical da IK. Por isso ouvi-lo dizer que fechou seu
primeiro contrato me enche de orgulho.

— Espero que dê certo — ele diz, retribuindo o abraço.

— Já deu. Se você diz que são bons, então não há dúvidas.


Afasto-me e ofereço uma piscadinha.


— Parabéns, meu irmão — é a vez de Trenton cumprimentá-
lo pela conquista. — Depois você conta os detalhes, porque
agora temos um outro contrato para fechar.

— Certo… — Elijah retoma a postura, assim como eu.

Saio do escritório fingindo não estar nervoso, muito menos


com medo do que o resultado desta transação possa
significar para o futuro da empresa. Também tento não
pensar em Gaia e no que teremos que enfrentar quando as
pessoas souberem que o próximo CEO das Indústrias King
está em um relacionamento com uma cozinheira.

A sorte foi lançada.

Se a maldição dos King existe e quer que Gaia e eu


fiquemos juntos, então preciso de uma ajudinha. Darei o
meu melhor para trazer Damon Cooper para o nosso lado do
jogo. Se ele aceitar, convencerei Gaia a ser minha. Sem
reservas. Sem ficarmos nos escondendo.

É por isso que, quando entro na sala e vejo quatro homens


cruzando a porta, meus passos carregam mais
determinação do que o normal. Meu futuro está em cada
gesto e decisão que tomarei hoje.

— Damon — cumprimento com mais animação do que


realmente sinto, indo até ele com a palma estendida —,
obrigado por ter aceitado o meu convite.

O homem que lidera o grupo aperta a minha mão, porém


não há qualquer alegria em seu rosto, apenas a curiosidade
de um empresário experiente. Confesso que sinto um certo
alívio ao ver que ele não foi burro o bastante a ponto de
trazer Oliver até aqui para tentar forçar uma reaproximação
entre nós.
— Zachary — diz com calma, revezando olhares entre mim
e meus primos —, confesso que seu convite foi um tanto
inesperado.

— Não sei por quê. — Finjo indiferença. — Temos vários


assuntos a tratar, e você sabe muito bem disso. Por favor,
entre e fique à vontade.

Gesticulo para a sala, deixando que ele passe na frente do


grupo.

Cumprimento cada um dos homens que vem atrás,


oferecendo a

minha melhor cara de anfitrião — aquela que aprendi com


mamãe

—, apresentando Trenton e Elijah. Aproveito e aceno para a


moça loira, indicando que ela pode começar a servir
algumas bebidas.

— Antes de entrarmos nos assuntos que os trouxeram aqui,


Damon, eu gostaria de dar uma palavrinha com você, a sós.
— Viro-me para os demais convidados antes mesmo de
obter minha resposta. — Tenho certeza de que meus primos
conseguirão manter os senhores entretidos por alguns
breves minutos.

A sala se enche de risos forçados, inclusive de Elijah e


Trenton, que me olham sem saber ao certo o que estou
fazendo. Apenas dou uma piscadinha para que confiem em
mim. Sei que nem precisava pedir, a confiança é mútua.
Fomos criados para isso. Nós nos apoiamos sempre, não
importam as circunstâncias.

— Claro, Zachary — Damon concorda com certa


desconfiança.
Mantenho a postura reta enquanto levo-o até a porta de
madeira escura do escritório. Assim que a fecho atrás de
mim e sei que estamos a sós, decido não prolongar a
agonia. atacando o problema de uma vez.

— Vou direto ao ponto, Damon. — Posiciono-me atrás da


mesa, indicando a cadeira do outro lado para que ele se
sente. Porém, não tomo o lugar, mantendo-me de pé
enquanto apoio os punhos no tampo e chego o corpo um
pouco para a frente. — Você deve ter ouvido falar sobre o
que aconteceu entre mim e seu filho.

Apenas vejo-o menear a cabeça em afirmativa enquanto se


recosta na cadeira e cruza as pernas. Com os dedos
entrelaçados na frente da barriga, penso se esta sua
postura falsamente relaxada é uma forma de se mostrar
indiferente ao comentário. Entretanto, pelo que conheço do
modo protetor como lida com sua família, sei que Damon
está me avaliando.

— Foi por isso que me chamou aqui? Para se desculpar por


ter batido em Ollie? — ele pergunta, erguendo uma
sobrancelha.

— Só peço desculpas quando cometo erros. — Às vezes nem


assim. — Achei melhor esclarecer as coisas para que você
não tivesse uma visão deturpada do que aconteceu, já que
não estava lá para presenciar a cena.

— Pelo que soube, você também não estava presente


quando a empregada da casa assediou o meu filho —
Damon ataca e acabo sorrindo. Um gesto carregado de
raiva, porque é a única forma que tenho de não socar a cara
dele também.

— Não precisei estar lá, porque os homens da minha família


estavam e disseram o que aconteceu. Inclusive, dois deles
estão na sala agora e podem provar que o assédio foi
cometido por Oliver. —

Mantenho meu olhar preso ao dele, sem desviar por um


segundo.

Damon o sustenta, como a boa raposa velha que é. — É a


palavra do seu filho, um rapaz de histórico complicado,
contra a nossa. Se eu fosse você, escolheria muito bem em
quem acreditar, Cooper, porque você não vai querer estar
contra os King. Principalmente agora, que decidimos entrar
em Hollywood de vez.

Meu blefe é calculado. A expressão fria em meu rosto


também.

Ainda não sei se vamos investir muitas fichas no mercado


cinematográfico, quando temos muito a conquistar no
universo dos streamings. Nossa plataforma será lançada em
alguns meses, mesmo que ninguém saiba disso, porém
estamos apenas expandindo nossos horizontes. Com Damon
ao nosso lado, a ascensão dos King no cinema pode juntar
esses dois objetivos da melhor forma possível — e é por isso
que não posso desistir dele agora. Não quando estamos tão
perto deste acordo.

Sei que esse é um sonho antigo de meu pai, que vinha


plantando isso há anos, aos poucos, sendo sutil. Quando
tudo estava pronto para ser realizado, fui lá e arruinei suas
chances com um soco.

— Por que você está defendendo tanto essa empregada,


garoto?

— ele quer saber. O homem perdeu um pouco da segurança


ao ouvir meus planos. As mãos que seguram o braço da
cadeira é mostra disso.
Diferente de seu filho, Damon Cooper não é burro.

— Não tem nada a ver com ela — minto da melhor forma


que consigo. — Tem a ver com você e com o contrato que
quero firmar com o estúdio. Sabe, Damon — chego o corpo
para trás, assumindo toda a minha altura e olhando de cima
para ele —, eram três da tarde e o seu filho já estava
chapado de cocaína. Bêbado. E

assediando mulheres. Em um evento de família. Creio que é


melhor

você colocar uma coleira naquele moleque, porque não


queremos que ele atrapalhe os nossos negócios daqui para
a frente. —

Resolvo que está na hora de inverter a jogada e partir para


o ataque.

— Estamos empolgados em fechar essa parceria, mas não


queremos nosso nome manchado por Oliver Cooper. Espero
que você entenda. — Enfio as mãos no bolso e ofereço meu
melhor sorriso. — Todo mundo quer um King ao seu lado,
mas quem vai te querer se o seu filho é um risco grande
demais para a reputação do negócio em vista?

Por vários segundos, Damon apenas me encara, como se


não acreditasse no que acabou de ouvir. Os nós dos dedos
brancos indicam seu estado de espírito. Só não sei se ele
quer matar a mim ou ao filho.

Talvez Damon não pensou em me levar a sério por nunca


acreditar que eu fosse capaz de abandonar meus dias de
vagabundagem. Talvez nunca tenha achado que eu pudesse
ser o homem à frente da IK. De qualquer forma, estava
errado. Enquanto Ollie manteve seus hábitos de merda, eu
cresci.
— Eu te chamei aqui para que nós dois pudéssemos colocar
aquele… incidente para trás. Afinal, sei que as atitudes de
Oliver não devem manchar a sua reputação. — Ofereço o
ramo de oliveira como uma saída diplomática. —
Apresentaremos a nossa proposta para a diretoria e, se
vocês tiverem interesse, ficaremos felizes em nos
considerarmos seus parceiros daqui para a frente. — Damon
me encara, ainda sem reação. Ótimo, era isso o que eu
queria. — Agora, que tal um jantar? Chamei uma das
melhores chefs da cidade para cozinhar especialmente para
vocês.

Não digo a ele que a chef é a mesma mulher que seu filho
assediou, muito menos que estamos envolvidos. Isso será
uma surpresa no momento apropriado. Por enquanto, limito-
me a apontar para a porta e dou esta conversa por
encerrada.

O que acontecer nas próximas horas será decisivo — tanto


para a IK, quanto para mim e Gaia.

Capítulo 37
Gaia
A sobremesa saiu da cozinha há três minutos e, desde
então, não paro de tremer. Sei que fiz o meu melhor com
esse jantar, mas ainda não obtive qualquer resposta de
Zachary sobre a comida. Não sei se as coisas estavam boas
o suficiente para impressionar seus convidados. Afinal, só
tive um dia para pensar em tudo, fazer as compras e
cozinhar sem ajuda um serviço para sete pessoas.

Eu queria ajudar o meu King a conseguir o contrato, por isso


pensei em um jantar nostálgico que trouxesse à tona o lado
sentimental das pessoas. Tentei colocar elementos que
despertassem alguma memória afetiva dos convidados em
cada prato, mas com um toque de elegância. Só espero que
tenha conseguido.

Abri o jantar com um velouté[3] de tomate, servido com


azeite de manjericão e acompanhado de bolinhos de siri[4].
O prato principal foram bifes em tiras, com molho barbecue,
purê de batata com óleo de trufas e vegetais bem dourados.
Para fechar com chave de ouro, um combo de chocolate em
torre: base fina de bolo de chocolate, uma camada de
mousse de chocolate meio amargo, outra mousse de
chocolate branco, ganache de chocolate na cobertura e,
para decorar, um pouquinho de chantili e chips de banana.
Claro que a porção foi pequena, para ninguém sair daqui
direto para o hospital, mas não consigo parar de duvidar
das minhas escolhas. E se algum deles for alérgico a algo?
Ou tiver algum ingrediente que desgoste?

Que droga!

Sei que as intenções de Zachary foram as melhores ao me


pedir para cozinhar, até porque a desculpa que deu de
Christine ter

desistido de última hora não colou. Ele é um King, caramba!


Bastava estalar aqueles dedos lindos para o Le Bernadin ou
o Per se se disporem a preparar o melhor jantar para seus
convidados. Mas Zachary me chamou, e sei que estava
tentando mostrar que confia em mim e no meu trabalho. A
última coisa que quero é decepcioná-lo.

Dane-se a ideia de impressionar os King para ter uma


referência no futuro. Eu quero dar orgulho para o homem
por quem estou cada vez mais apaixonada.

Esfrego o rosto com as mãos, tentando manter alguma


calma, só que a demora deixa tudo ainda mais difícil. A
cozinha já está quase toda arrumada, porque eu tinha feito
as sobremesas mais cedo —

deixando apenas a montagem para a última hora. A única


coisa que falta é lavar a louça, e Zachary garantiu que eu
não deveria me preocupar com isso. Amanhã, uma equipe
de limpeza virá arrumar tudo.

Nunca pensei que eu fosse precisar tanto de uma boa faxina


para me acalmar. A que ponto cheguei, minha deusa?

Mas antes que eu possa enlouquecer de vez, a porta da


cozinha se abre e, por ela, uma das meninas que vieram
servir entra com uma expressão assustada.

— O que foi? — corro até Debbie e pergunto, segurando


seus ombros.

— Não sei. Ninguém fala nada naquela mesa — ela explica.



Aquele povo não sabe aplacar a ansiedade dos fofoqueiros.
É um horror.

Solto o ar com força, afastando-me.

— Eles devem ter gostado, Gaia — Julie, a outra menina que


veio servir, comenta. — Os ricos geralmente reclamam
quando a comida está ruim.

— Isso acontece em festas e restaurantes, não na casa dos


King

— aponto o óbvio, voltando a esfregar o rosto com as mãos.


— Não teve nem um “hummm” de aprovação? — pergunto
com um olhar desesperado. Ambas balançam a cabeça em
negativa.

Acho que nunca me senti tão agoniada na vida. Porém


preciso me lembrar que esse jantar não é sobre mim, mas
sobre Zachary e o

contrato que ele quer fechar.

— Os homens ficaram falando de negócios o tempo todo —

Debbie revela e eu apenas assinto. Não que isso me deixe


mais tranquila.

— Certo…

Antes que eu possa continuar no looping de preocupação, a


porta da cozinha volta a ser aberta, desta vez, de forma
brusca. Nós três olhamos assustadas para a esquerda, onde
Zachary aparece em toda a sua glória.

— Fiquem na sala — é tudo o que ele diz, lançando um olhar


rápido para Debbie e Julie.
As duas nem respondem, apenas correm para obedecer às
ordens do patrão, parecendo mais preocupadas do que eu.

— Zachary, o que…? — Mas não consigo terminar a


pergunta.

Assim que a porta se fecha novamente, ele já está em cima


de mim.

Os dedos pressionando a base da minha coluna, tocando a


linha de pele por baixo da blusa, me puxando para mais
perto. Nossas testas coladas enquanto ele apenas me olha.

— Você tem ideia do que fez com a minha vida? — Sua voz
é rouca quando pergunta, mas é a respiração pesada que
me deixa ainda mais aflita. Algo de errado aconteceu, só
pode ser isso.

Apenas me limito a balançar a cabeça em negativa.

Não sei o que está acontecendo. Em seus olhos, há uma


mistura de sentimentos que não consigo decifrar. Porém um
deles, com certeza, é raiva.

Ao mesmo tempo que fico com medo, também relaxo em


seus braços, porque essa proximidade sempre nubla meus
pensamentos.

É impossível me manter racional quando estamos assim.


Quando sinto a evidência do seu desejo contra a minha
barriga, toda a minha aflição desaparece.

— Zachary… — falo baixinho, confusa com o


comportamento dele desde que entrou na cozinha.

Ele respira fundo algumas vezes, seu peito subindo e


descendo contra as minhas palmas. Quero dizer que está
tudo bem, que pode falar o que estiver em sua mente, mas
não consigo manter uma linha organizada de raciocínio,
porque seus olhos continuam buscando

algo em mim. Ao mesmo tempo, sinto seu perfume gostoso,


que atiça as memórias do que fazemos quando estamos a
sós.

— Eu pedi um sinal, Gaia. Um maldito sinal. E é claro que


me deram — ele finalmente diz, mas suas palavras não
fazem muito sentido.

— Do que você está falando? Eu…

— Estou falando do contrato — solta de forma ríspida, como


se odiasse as palavras.

Ouvi-lo dizer isso me traz um fiapo de esperança, tanto que


contraio os dedos, apertando seu peito de leve.

— Conseguiu o contrato? Deu certo? — pergunto, meu


coração acelerado com a possibilidade de ele ter tido mais
um sucesso em sua carreira.

— Claro que consegui. Barganhei com a maldição para


isso… —

Zachary está fora de si. Não entendo o que uma suposta


maldição tem a ver com isso. Neste momento, a pressão em
minha cintura fica mais forte, e não consigo conter um
gemidinho.

Empino meu corpo um pouco para a frente, querendo estar


ainda mais colada a ele, mesmo que o lado racional do meu
cérebro diga que esta não é a hora certa de comemorar.
— Eu sabia que você conseguiria. — Ofereço meu melhor
sorriso, que desaparece quando sua boca desce sobre a
minha em um beijo duro.

É delicioso e estranho ao mesmo tempo. Um lado de


Zachary que eu não tinha visto. Mas nem por isso desisto
dele. Subo minhas mãos por seu peito, envolvendo-o pelo
pescoço até que meus dedos segurem com força os fios
sedosos do cabelo, puxando de leve.

Zach geme comigo, nossas línguas duelando, nossos corpos


colados enquanto sou imprensada contra a bancada da
cozinha.

Assim como começou, ele se afasta de repente, dando dois


passos para trás e me deixando ofegante. Encaro-o, a
confusão estampada em meu rosto, sem a menor ideia do
que se passa em sua mente agora.

— Não posso mais fazer isso, Gaia. — As palavras saem


arrastadas da boca que, há um segundo, estava me
beijando como se dependesse de mim para viver. E o
impacto que a frase causa faz

com que minhas pernas fraquejem. Preciso apoiar as mãos


na bancada para não cair.

Apenas observo-o com atenção, sentindo como se uma das


minhas facas preferidas estivesse cravada no meu peito
agora. Eu deveria sentir dor, mas não há nada aqui. Nada.
Estou oca por dentro, sem as batidas ritmadas para me dar
vida.

Zachary King acabou de me tirar tudo.

Pisco algumas vezes, tentando absorver o impacto do que


aconteceu enquanto engulo a vontade de chorar. Quando foi
que as coisas mudaram tanto?

— Você… não… — gaguejo, sem saber como organizar as


palavras.

— Não posso, Gaia. Não posso mais ser o seu segredinho


sujo.

Tudo o que mais quero agora é gritar para a porra do mundo


inteiro que estamos juntos, mas não posso — ele continua
explicando e franzo o cenho, mais confusa ainda.

O coração parado dentro do peito, como se não tivesse mais


forças para bater. Olho para ele e tento decorar cada
detalhe de seu rosto, porque esta pode ser a última vez que
o verei pessoalmente.

— Sei que você precisa conquistar as coisas por conta


própria, e respeito demais a sua independência — ele
continua, como se não tivesse me dilacerando a cada frase.
— Mas não posso ignorar tudo isso que sinto.

Ele está terminando comigo ou…?

— Zachary, você está me deixando com medo — confesso.

Então, ele para de falar e me encara. A cabeça inclinada


para o lado. O humor de volta aos olhos.

— Não aceito mais os termos daquele acordo que fizemos


na despensa, Gaia — decreta e dá dois passos à frente, me
envolvendo de novo pela cintura. Quando faz isso, parece
que injeta uma onda de calor em meu corpo e reativa meus
batimentos, me permitindo respirar outra vez. — Eu não
tenho vergonha de você, nem quero esconder o que temos.
Então, se você me quiser também, encontraremos uma
forma de fazer isso dar certo. Meus primos sabem, Martha
sabe, Val também. Só falta…

— O resto da sua família — termino a frase por ele, sentindo


meu estômago tremer com a possibilidade.

— E o resto do mundo também, mas isso a gente vê depois.


Zachary sorri.

Não, ele não está terminando comigo. Ele só quer mais.

— O que passou pela sua cabeça para achar que este era o
momento perfeito para me falar isso? No meio de um jantar
de negócios importante, com seus convidados esperando do
outro lado.

Quando eu estou apreensiva querendo saber se tudo deu


certo. —

Sorrio de volta, sentindo o alívio correr por minhas veias


enquanto seguro-o pelos braços.

— Não me importo com essa gente. Já consegui o que


queria deles. — Sua voz sai rouca e baixa enquanto mantém
os olhos presos aos meus.

— Quase infartei, pensando que tinha estragado tudo.


Desculpe, mas eu vim aqui para cozinhar, senhor King. A
comida não estava boa? — Deixo que a frase saia em um
tom bem-humorado, sem parar de tocá-lo por um momento
sequer.

— Sua comida estava perfeita, como sempre — responde,


sua respiração misturada com a minha. — E eu prometi que,
se me chamasse de “senhor” mais uma vez, te daria
motivos para usar apenas o meu nome para sempre, não
foi?

Então, antes que eu me dê conta do que está acontecendo,


Zachary se coloca de joelhos à minha frente. Na mesma
hora, arregalo os olhos e minha boca ganha o formato de O.

Ai, meu Jesus! Será que ele vai…?

— Ainda não — Zachary afirma, como se pudesse ler minha


mente, e dá uma piscadinha sacana. Suas mãos alcançam a
lateral da calça que estou usando, puxando-a para baixo
bem lentamente.

— O que está fazendo? — murmuro assustada, quando sinto


minha pele quente começar a ficar exposta.

Subo o olhar para a porta, esperando que alguém entre a


qualquer instante e me veja desse jeito: com a legging
enrolada nos calcanhares e o homem mais lindo do mundo
aos meus pés.

— A comida estava deliciosa, Gaia, mas o que eu quero


jantar está bem aqui, na minha frente. — Sua declaração
me deixa sem ar,

tanto que volto a encará-lo, sem acreditar no que estou


ouvindo.

Ao mesmo tempo, meu corpo reage às palavras


sussurradas. O

calor de sua voz bem em frente à minha calcinha só


amplifica as sensações causadas pelas carícias de suas
mãos, que sobem lentamente por minhas panturrilhas.
— Zachary, não podemos… Os convidados, as meninas do
serviço… — balbucio, porém os beijos que ele começa a
espalhar por minhas coxas me impedem de ter coerência.

— Todos estão do lado de fora. Ninguém tem permissão de


entrar aqui — declara, sem tirar os olhos de mim enquanto
continua me beijando.

Minhas pernas estão presas pela calça, não consigo me


mexer.

Também não sei se quero, porque agora a língua dele


começa a passear por minha pele exposta, deixando traços
quentes e promessas do que está por vir.

— Eu não consigo me cansar de você — ele sussurra com o


rosto bem perto da minha boceta carente. — Quero você o
tempo todo, Gaia.

E vê-lo assim, de joelhos à minha frente depois de dizer que


não aguenta mais manter nosso relacionamento em
segredo, só me faz ficar ainda mais molhada. Preciso de seu
toque com urgência.

— Ainda bem, porque eu quero você agora — digo, enfiando


os dedos em seu cabelo e esfregando-me em seu rosto.

Zachary solta um rosnado baixo, que faz um tremor violento


de pura necessidade reverberar por meu corpo. Então,
como se quisesse me atiçar ainda mais, ele morde minha
carne sensível por cima do tecido fino da calcinha. É
impossível conter o gemido, que se arrasta com rouquidão
para fora da minha garganta.

Tento me mexer, mas a calça ainda prende a minha perna.


Vendo meu estado de desespero, Zachary me ajuda a tirar a
peça, removendo primeiro as sapatilhas. Assim que o faz,
apoia uma das minhas coxas em seu ombro, aproveitando
para morder a pele sensível da parte interior.

— Quis te chupar o dia inteiro, sabia? — pergunta,


revezando beijos e lambidas que apenas servem para me
atiçar ainda mais. —

Só que você não gosta quando misturamos trabalho e


prazer… — A

frase termina com ele apertando minha bunda com força,


me mantendo longe apenas para torturar. Preciso me
controlar para não soltar um grito. Por mais que estejamos a
sós aqui dentro, tenho certeza de que as outras pessoas lá
fora são capazes de me ouvir se continuar gemendo alto.
Mas elas não importam.

Mordo meu lábio inferior, tão excitada que mal consigo


formular uma frase. Meu corpo implora para que Zachary
acabe logo com essa tortura. A ardência entre as pernas
aumenta a cada segundo.

Mas ele continua com os beijos, passeando com a língua,


sem nunca chegar aonde realmente o quero. A demora me
deixa cada vez mais dominada pelo tesão. E no instante que
sinto seus dedos afastarem minha calcinha para o lado, sei
que ele não vai precisar de muito esforço para me fazer
gozar.

— Diga que aceita os novos termos, Gaia. — A voz é firme,


assim como a língua que invade minha fenda e alcança meu
clitóris bem devagar. — Diga que não precisamos mais
esconder que estamos juntos.

Zachary não espera por uma resposta, que não conseguirei


dar.
Ele enfia seu rosto em minha boceta, como se estivesse
faminto por dias. Meu quadril salta para frente em reflexo,
pedindo por mais.

Puxo seu cabelo com força enquanto a maciez da língua


aveludada estimula meu clitóris já intumescido. Revezando
sugadas e lambidas, Zachary me devora como se eu fosse o
melhor consommé. Não consigo me conter e jogo a cabeça
para trás, aproveitando cada uma das sensações.

Ele varia a intensidade dos movimentos, e tenho a


impressão de que faz isso de propósito para que eu não
goze tão rápido. Maldito.

Em resposta, agarro seu cabelo com força e começo a me


esfregar em sua cara, tentando buscar o alívio que preciso.
A risada baixa que ele solta ao entender meu desespero só
deixa tudo ainda pior, porque as vibrações ecoam por meu
corpo, fazendo com que meus mamilos fiquem ainda mais
duros, querendo transpassar pela camiseta branca.

Quando abaixo o rosto para pedir por mais, encontro um par


de olhos verdes safados me encarando. Apenas lá, me
observando com atenção. Aos poucos, paro de me mexer.
Zachary também para de

me estimular. Ficamos dessa forma, só nos encarando com


profundidade, e é tão intenso que quase gozo.

Percebendo que estou muito próxima, meu carrasco resolve


me enlouquecer de vez com sua língua, que desce para a
minha entrada. A tortura não é lenta, mas começa
circulando primeiro e, em seguida, penetrando bem
devagar. Estou tão sensível que estremeço com a invasão.
Cada centímetro da minha pele queimando.
Zachary me fode com a língua do mesmo jeito que faz com
o pau: rápido e forte, sem tirar os olhos de mim. Tudo é uma
exigência para que eu me entregue por completo. Aceito o
desafio com um balançar de cabeça, perdida nas sensações.
Com as mãos, seguro firme em seu cabelo, enquanto subo e
desço em sua cara, buscando o meu prazer. A mão grossa
me agarrando pelo quadril, em uma mistura perfeita de
carícia e brutalidade, só me deixa ainda mais à beira do
precipício.

Sinto meu ventre se contrair quando ele solta um grunhido


contra minha carne molhada. Como se lesse os sinais do
meu corpo, Zachary tira a língua de dentro de mim apenas
para que a boca envolva meu clitóris, chupando-o com força
uma vez, antes de usar a língua para chicotear o monte de
nervos de um lado para o outro.

Rápido. Incansável. Tudo é demais… E as sensações se


sobrepõem até que não aguento e me derramo em seus
lábios. Pelo menos, me lembro de tapar a minha boca para
não gritar.

Só que Zach não para o tormento de vez, apenas diminui a


intensidade dos movimentos, agora suaves e lentos, até
que meu orgasmo passe. Quando meu cérebro volta a
funcionar, percebo que estou tremendo, praticamente
sentada nos ombros de Zachary, pois minhas pernas
viraram gelatina. Acho que preciso deitar na cama e dormir
por uns três dias para me recuperar.

Homens não deveriam chupar tão bem assim, muito menos


olhar pra você dessa forma, como se soubessem do estrago
que acabaram de fazer. E, para piorar, ele lambe os lábios e
sorri, satisfeito. Desgraçado.
— Isso foi… — começo a dizer, mas não encontro a palavra
certa para concluir.

Zachary devolve minha perna ao chão e se levanta devagar,


o rosto ainda brilhando com o meu prazer. Conforme se
ergue, deixa beijos por onde passa e uma mordida no meu
mamilo, ainda coberto pela blusa.

— Mais tarde a gente continua — ele diz e me beija rápido,


fazendo com que eu sinta meu próprio gosto em sua boca.
Depois, pega o pano de prato e limpa o rosto da melhor
forma que pode. —

Preciso voltar para os meus convidados.

Com um último puxão na minha cintura, Zachary me dá


mais um beijo e vira de costas. Esse homem é impossível:
ele entrou na minha cozinha e fez um estrago, só para me
deixar aqui, parada no lugar, sem calça e sem conseguir me
mexer.

E sem a chance de dizer que aceito os novos termos.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
PAREM TUDO!

Zachary King é visto com ruiva misteriosa!

Quem é ela? Por que estava no conversível com ele? E,


antes de mais nada, POR QUE OS DOIS ESTAVAM SE
BEIJANDO?

Sim, meus amigos, se beijando! Em plena sexta-feira de


manhã!

Estou em choque!

De onde essa mulher apareceu e por que ninguém ouviu


falar dela antes? Pedi ajuda ao FBI, mas acabei eu mesma
investigando as redes sociais do nosso King. O problema é
que não a encontrei. E

se você procurar por aí, não vai achar nada sobre a ruiva
misteriosa.

Nenhum site, jornal, rede social conseguiu identificar o novo


interesse de Zachary King.

Estamos todos surtando!

O alvoroço é tanto que quase esqueci de mencionar o


vexame que Oliver Cooper deu durante a semana. Na
quinta-feira à noite, ele foi a um restaurante, onde ficou
bêbado, começou a gritar com outros clientes e, no fim,
ainda se recusou a pagar a conta. Disseram que copos e
pratos foram quebrados. Depois disso, o filhinho de papai foi
levado para a delegacia.
Mas nada disso importa. O que todos querem saber é: quem
era a ruiva sortuda beijando Zachary King?

Capítulo 38
Zachary
— O que você queria falar comigo? — meu pai pergunta
assim que entramos no escritório da casa nos Hamptons.

A família acabou de chegar e eu nem dei tempo para ele


descansar da viagem antes de pedir essa conversa. O
assunto que temos a tratar não pode esperar.

— Fechei contrato com Damon Cooper na quinta-feira —


aviso e vejo seus olhos arregalarem em surpresa. Antes que
ele possa dizer qualquer coisa, continuo: — Eu tinha noção
de que vocês dois estavam no caminho para isso quando
criei aquela confusão com Oliver. E, mesmo que meus
motivos tenham sido justificáveis, sei que não podemos nos
dar ao luxo de deixar nossas vidas pessoais interferirem nas
decisões da empresa — solto o discurso que venho
planejando desde o jantar de uma forma clara e rápida.
Torço que seja o suficiente para convencê-lo de que foi uma
boa ideia agir por trás de suas costas.

Por vários segundos, meu pai não diz nada. Ele se recosta
na mesa, uma perna passada sobre a outra enquanto me
analisa com cuidado, como se quisesse entender todos os
motivos que me levaram a agir dessa forma. A impressão
que tenho é de que voltei ao passado e estou prestes a
levar uma bronca por ter feito merda na escola. Nunca sei o
que meu pai pensa, porque Harvey King não esboça
qualquer reação de agrado com a minha conquista. Como
sempre, ele vai analisar a informação antes de revelar o que
acha de tudo.

Seu olhar é firme, porém não rompo o contato visual.


Encaro-o de queixo erguido, tentando mostrar confiança nas
minhas atitudes.
Certas ou erradas, fiz o que achei ser o melhor para o futuro
da nossa empresa. Fiz pensando em mim e em Gaia.
Arrisquei de forma calculada, corrigindo o meu erro, mas
sem me desculpar pelo meu acerto.

— Damon Cooper não recebeu minhas ligações depois do


que você fez a Oliver no início do verão — meu pai
finalmente diz. — Ele considerou a sua agressão como um
total descaso dos King ao laço de amizade entre nossas
famílias.

— Imaginei que algo assim pudesse ter acontecido. Por isso,


no início da semana, enviei uma nota de próprio punho a
ele, convidando-o para um jantar na minha casa, junto com
outros membros da diretoria do estúdio de cinema. Trenton
e Elijah também estavam presentes — começo a explicar e
resolvo não deixar nada de fora.

Conto como chamei Damon para uma conversa particular


antes das negociações e que coloquei a culpa em cima de
Oliver, o que é a verdade. Também digo que, nas
entrelinhas, deixei claro que ele não pode ser um problema
para a imagem da nossa futura relação, caso Damon
aceitasse a nossa proposta.

— Você tem razão, Zachary. Aquele rapaz tem passado dos


limites. Viu as últimas notícias? — ele pergunta e apenas
assinto com a cabeça. O herdeiro dos Cooper pode começar
a ser uma pedra bem chata no sapato do pai dele.

— Oliver não será um problema — garanto.

— Espero que não. — Meu pai se afasta da mesa e se


aproxima, parando bem à minha frente. Seu olhar continua
impassível, até que ele estende a mão para mim, o canto da
boca querendo se erguer. —
Você agiu bem, filho. Estou orgulhoso de mais essa
conquista.

Aceito o aperto e sou puxado para um abraço, sentindo um


enorme peso ser erguido das minhas costas.

Puta merda, deu certo.

Quando me afasto, vejo um sorriso estampar seu rosto,


provando que as palavras não foram em vão.

— Garoto, já estou sentindo o cheiro da minha


aposentadoria no ar — meu pai diz, dando alguns passos
para trás enquanto empina o nariz.

Não consigo conter a gargalhada.

— Do jeito que você fala, parece que trabalhar na IK é um


martírio. — Sento-me em uma das poltronas, agora menos
ansioso.

— Claro que não, só é… — ele faz uma pausa, como se


pensasse na melhor forma de descrever — …desgastante —
conclui, recostando-se à mesa mais uma vez. — Mas por
que esperou que estivéssemos aqui para me contar sobre o
contrato? E por que não foi ao escritório ontem?

A mudança de assunto é inesperada, e me faz hesitar por


alguns segundos. Mas é a brecha perfeita para puxar a
próxima revelação.

Gaia tinha razão em estar nervosa. Merda, agora eu


também estou. Não é todo dia que revelo para a minha
família — para o meu pai — que estou em um
relacionamento. Porque agora é oficial: aquela mulher é
minha e não estamos mais escondendo.
Não fui ao escritório ontem de manhã, porque saí com ela
do meu apartamento para voltarmos aos Hamptons de
carro. Dirigi por Manhattan com o teto do carro abaixado
para que todos pudessem ver minha companhia — escolhi o
conversível de propósito para a ocasião —, e ainda fiz
questão de beijá-la a cada sinal fechado. E o melhor de tudo
foi que Gaia não protestou. Foi até bem ávida em participar.

Mas isso aqui é diferente. Parece oficial demais, a ponto de


eu estar me sentindo mais ansioso do que quando abordei o
tópico do contrato com Damon Cooper.

— Eu queria esperar para contar depois do café da manhã,


quando a família estivesse reunida — começo a explicar.

— Do que você está falando? Preciso me preocupar? — Olho


para o meu pai e vejo que ele tem a testa franzida enquanto
me encara.

— Não… — A negativa soa um pouco incerta, o que só


aumenta o vinco entre as sobrancelhas de Harvey King. —
Pelo menos, não deveria. Na verdade, acho que você vai
ficar feliz em saber.

De preocupada, sua expressão muda para divertida quando


me vê enrolado com as palavras. Meu pai chega o corpo um
pouco para trás, cruza os braços e me encara, deixando que
eu me embaralhe enquanto tento explicar o que está
acontecendo.

— Zachary James King — chama meu nome completo, a voz


carregada de humor, me obrigando a calar a boca —, vá
direto ao ponto.

Respiro fundo. Harvey King é meu ídolo, meu exemplo, e se


ele não aceitar o fato de que estou apaixonado por uma
mulher fora do nosso círculo social, toda a imagem que
tenho dele irá se desfazer.

Honestamente, não sei se estou preparado para isso.


Mesmo assim, não posso hesitar agora.

— Estou em um relacionamento sério, pai — encaro-o de


queixo erguido —, com a Gaia.

Acrescentar a última parte faz meu coração parecer que vai


pular para fora do peito. Então, percebo que nunca quis
tanto a aprovação de meu pai para alguma coisa nesta vida
como preciso agora.

Como sempre, a primeira resposta dele é o silêncio. Meu pai


e o maldito hábito de absorver a informação antes de reagir
a ela. Odeio a tensão que sinto ao procurar alguma reação
em seu rosto enquanto ele apenas me analisa.

— O que você quer dizer por “relacionamento sério”? —

pergunta, nem um músculo do rosto se movendo.

— Quero dizer que estou apaixonado por ela — afirmo,


desta vez colocando o máximo de firmeza na voz.

— Casamento? Filhos? Quais suas intenções com aquela


menina, Zachary?

— Não deveria ser o pai dela a me fazer esse tipo de


interrogatório? — Fico confuso.

— Gaia é uma boa moça. Já você… Bem, como diria a sua


mãe, é um homem saudável, que não tem a melhor das
reputações.
Levanto-me da poltrona indignado, sem saber para onde
essa conversa está indo.

— Isso significa que você não aprova o nosso


relacionamento? —

questiono.

— Depende. Se for para você colocar alguns pares de


chifres nela, não, não aprovo — meu pai decreta, me
olhando com seriedade.

Não sei o que dizer. É tudo muito novo e um pouco


ofensivo…

— Pela primeira vez na vida, digo a você que estou em um


relacionamento sério, apaixonado, e a sua mente logo
imagina que eu irei traí-la com a primeira que aparecer na
minha frente? —

defendo-me, ultrajado com o pouco que meu pai faz de


mim.

— Você ainda não respondeu à minha pergunta — ele


aponta. —

Pretende se casar com ela? Ter filhos?

O pior de tudo é que, em seu rosto, a expressão continua a


mesma. Não há qualquer esboço de reação — positiva ou
negativa

— ao fato de que Gaia e eu estamos juntos.

— Ainda não pensei no nosso futuro — minto, porque a


primeira coisa que imaginei quando Gaia entrou no meu
apartamento foi a minha vontade de que ela nunca mais
saísse de lá. Eu tenho certeza de que vou continuar
sentindo a mesma coisa amanhã, ou daqui a um ano ou
trinta. Só não penso muito nisso agora para não correr o
risco de enlouquecer.

Meu pai semicerra os olhos na minha direção. Ele sabe


exatamente quando estou sendo sincero e quando estou
sendo um mentiroso de merda.

— Eu gosto da Gaia — ele declara, se afastando da mesa. —


Só espero que você seja digno de uma mulher como ela.

Dá dois tapinhas em meu ombro e, finalmente, o sorriso


volta para seu rosto, me deixando um pouco mais tranquilo.

— Eu também, pai. Eu também — confesso, soltando um


suspiro de alívio. Então, ele faz menção de sair do escritório,
só que resolvo aproveitar a oportunidade e perguntar mais
uma coisa a ele antes de nos juntarmos ao resto da família.
— Pai, pode esperar um minuto.

Queria perguntar o que você sabe sobre a maldição dos


King?

∞∞∞

Há cinco minutos, Gaia não para de ser envolvida por


abraços.

Minha mãe é uma que não consegue manter as mãos longe


dela, revezando entre as demais pessoas, como se não
conseguisse acreditar na novidade que contamos. Pelo
menos aquela preocupação de “não seremos aceitos”
deixou de existir. Só estou

com medo de ela ser aceita demais, porque a coitada quase


não consegue respirar.
— Se vocês não pararem com isso, a Gaia vai acabar
fugindo desta casa. E a culpa, por incrível que pareça, não
será minha —

ameaço, olhando para minha mãe, que a puxa para outro


abraço.

— Mas é que eu estou tão feliz, meu filho… — ela diz, a


bochecha colada com a de Gaia enquanto sorri feito criança
no Natal. — Nunca pensei que esse dia fosse chegar.

Reviro os olhos, odiando admitir que compartilho o


pensamento.

— Zachary tem razão, Monica — meu pai intervém,


puxando-a pelo braço e trazendo-a para o seu lado. — Deixe
a menina respirar.

Só que ele também parece bem animado, tanto que beija a


têmpora de sua esposa enquanto dá um aceno para mim.
Ofereço a mão para Gaia, que aceita sem hesitar e vem
para o meu lado, como se quisesse fugir da loucura.

— Eu disse que não teria problema — falo baixinho,


passando o braço em torno de seus ombros.

— Mas não imaginei que seria… isso tudo. — O rosto dela


deixa claro o espanto. Não consigo conter o sorriso, ao
mesmo tempo que sinto vários pares de olhos sobre nós.

— Bem-vinda à família. — Ignorando todo mundo, dou uma


piscadinha e Gaia fica vermelha. — Com a gente, nada
segue os padrões normais.

— Percebi.
— Precisamos de uma festa! — mamãe solta em um grito,
fazendo com que todos na sala de jantar olhem para ela. —
Sim, para exibir a namorada do meu filho para o mundo. Ah,
já posso até ver a cara daquelas insuportáveis do clube.
Qual é mesmo o nome da bruxa, Angela? — Ela estala os
dedos algumas vezes, tentando se lembrar.

— A Gillian? Ou a Amelia? — minha tia oferece.

— As duas! — Mamãe gargalha de forma quase maligna. —


Elas estão querendo colocar as garrinhas em Zachary há
anos. Tive que fazer malabarismos para proteger o meu
garoto, lembram?

Troco olhares com meus primos, que parecem mais


assustados do que eu com o rumo que as coisas tomaram
nos últimos minutos.

Trenton é o mais espantado, tanto que mal tocou em seu


café da manhã. Ele sabe, melhor do que ninguém, que a
pressão de sossegar recairá sobre ele, agora que eu parei
com meus dias de putaria.

Puxo Gaia para mais perto e sinto seu corpo gelado junto ao
meu.

— Só ignora que é mais fácil — sussurro para que só nós


escutemos.

A resposta dela é me encarar, com pânico estampado em


seus olhos. Tenho vontade de rir, mas sei que, em breve, a
minha ruiva irá se acostumar com o jeito extravagante
desta família.

— Achei uma excelente ideia, Monica — tia Leah concorda


—, mas precisamos pensar na desculpa perfeita. Isso ainda
não é uma festa de noivado. Não queremos deixar a Gaia
encabulada.

— Como se eu já não estivesse… — a mulher abraçada a


mim murmura, apertando as minhas costas enquanto tenta
manter a postura firme. Não resisto e deixo um beijo no
topo de sua cabeça, adorando vê-la manter a pose. Sei que,
por dentro, ela deve estar morrendo de medo.

— Não precisamos de uma festa, mãe — tento argumentar


para salvar Gaia, porém sou ignorado.

— Christine, o que você acha? Consegue fazer algum evento


amanhã, na hora do almoço?

Os olhos de Gaia triplicam de tamanho. Na mesma hora, sei


que preciso retomar o controle da situação.

— Chega! — solto em um grito. — Sem festa! Sem loucura!

Senão a gente se casa amanhã e nenhuma de vocês estará


convidada.

Evito olhar para baixo e ver como Gaia reage ao


comentário.

Provavelmente deve estar pronta para sair correndo daqui.


Sei que minha mãe e tias estão com os olhos arregalados,
só não sei se assustadas com a minha explosão ou com o
fato de que usei a palavra com “c”.

Escuto meus primos rirem baixinho, mas finjo que não


percebo e continuo mantendo meu olhar sobre as loucas. As
mulheres King ficam estáticas por alguns segundos, sem
conseguir acreditar na
minha ameaça. Como não suavizo o olhar, elas percebem
que há um fundo de verdade no que falo. Por fim, acabam
cedendo e apenas assentem com a cabeça.

— Sem festa — mamãe concorda —, mas adoraria fazer um


almoço para os nossos amigos mais próximos no fim de
semana que vem.

— Se a Gaia não se incomodar… — Dou de ombros e olho


para ela, que continua com o rosto vermelho de vergonha.

Porém, em vez de se esconder atrás de mim, ela dá um


passo à frente.

— Não me incomodo com um almoço para alguns amigos,


mas queria deixar uma coisa bem clara, Monica. — Reveza
olhares entre mim e minha mãe. Neste momento, sei o que
está prestes a dizer.

Por isso, apenas balanço a cabeça em afirmativa, a


encorajando a seguir em frente. — Eu vim para esta casa
com o propósito de trabalhar, e é muito importante para
mim que isso não mude. Seu filho e eu… — Gaia hesita,
virando-se para mim e me oferecendo um sorriso tímido —
…espero que o nosso relacionamento tenha um futuro, de
verdade. Só que não nasci para viver à sombra de um
homem, e o que eu quero conquistar independe dele. Então,
se vocês não se importarem, continuarei cozinhando
durante as próximas semanas, até meu contrato acabar.

É neste momento que escolho olhar para o meu pai, e sua


expressão diz tudo o que queria saber quando estávamos
no escritório: com o peito estufado e os olhos brilhando, o
orgulho estampa seu rosto. Ele também me encara, agora
com firmeza, acenando com a cabeça. Um único
movimento, quase imperceptível, mas o suficiente para me
dizer que aprova a mulher que escolhi.
— Sabe, Gaia — tio Wally começa a falar —, tem duas coisas
que levamos muito a sério nesta vida: a família e o trabalho.
Então, querida, fique à vontade para agir da forma que
achar correta.

— Querer conquistar os próprios sonhos através do trabalho


é uma virtude. Só que eu tenho uma condição para esse
namoro. —

Meu pai interrompe os sorrisos. — De agora em diante, não


sou apenas o velho que paga o seu salário, mocinha. Ou
seja, você vai ter que me chamar de Harvey.

Capítulo 39
Gaia
Martha está à beira de um colapso. Tenho certeza de que
não falta muito para me matar, mesmo que eu não tenha
culpa pelo número de convidados desse almoço para
amigos. Monica havia prometido chamar apenas os mais
íntimos da família para este fim de semana. Então, como eu
poderia imaginar que, nessa lista, oitenta pessoas estariam
incluídas?

Corro de um lado para o outro, tentando cumprir com todas


as ordens ditadas pela coronel, só que ela parece mais
perdida do que eu na balbúrdia que está este lugar. Afinal,
não é todo dia que sua cozinha é invadida por um buffet —
muito menos o de Christine Lowell, que vem totalmente
equipado e com um time que é pura eficiência.

— Você deveria estar lá fora — Valerie comenta, me tirando


do caminho de um cozinheiro, que passa com uma travessa
de salmão.

— Eu sei, mas se sair daqui, Martha tem um ataque de


pânico.

Veja o estado dela. — Aponto para a senhorinha, que olha


para tudo o que acontece como se assistisse a uma partida
de pingue-pongue, agarrada em algumas baixelas de prata.
— Ela odeia invasores.

— Não importa, Gaia. O almoço de hoje é para apresentar a


nova namorada de Zachary aos amigos dos King, mesmo
que a desculpa seja a de ajudar uma ONG de animais de
rua. Você já deveria ter se arrumado, em vez de ainda estar
aqui, de uniforme. — Val me fita de cima a baixo,
observando a blusa branca e a saia preta que peguei
emprestada de Lottie semanas atrás e nunca devolvi.

Se por um lado eu sei que ela tem razão, por outro estou
tentando me manter fiel àquilo que disse à família no fim de
semana

passado: não posso misturar minha vida pessoal e


profissional. Nos dias em que os King não estão nos
Hamptons, isso é bem mais fácil.

Por exemplo, quando Zachary apareceu na quarta-feira à


tarde e me obrigou — depois de ter feito muito pouco
esforço — a ficar com ele na piscina. É claro que aceitei sem
reclamar. Depois, fomos parar na jacuzzi, para compensar o
convite da noite em que nos conhecemos.

Porém, na quinta de manhã, ele precisou voltar a


Manhattan, e eu voltei a ser a ajudante de cozinha.

Ontem à noite, a família chegou em peso, avisando que o


buffet de Christine viria hoje cedo, trazendo todo o
necessário para o almoço. É claro que insistiram para que
eu participasse do evento como convidada, e eu aceitei,
contanto que pudesse ajudar com os preparativos pré-festa.
Só que ver o estado de Martha não está ajudando muito,
por isso continuo aqui, enquanto os convidados já começam
a chegar.

— Só mais dez minutos — aviso à Valerie, que balança a


cabeça em negativa, reprovando o meu atraso. — Se quiser
me ajudar, vai separando a roupa que compramos durante
a semana. Aproveite e escolha alguns acessórios também.
Do seu guarda-roupa, claro, porque eu não trouxe quase
nada. — Deixo um beijo em seu rosto e corro até a minha
chefe, que continua parecendo uma barata tonta na própria
cozinha.
Homens e mulheres vão de um lado para o outro. Ordens
são gritadas. Panelas são mexidas e legumes são picados.
Parece uma sinfonia perfeita, e amo cada segundo. Já
trabalhei com várias dessas pessoas, por isso me sinto um
pouco mal por estar só observando agora. Para mim, esta é
a melhor parte de uma festa —

e prefiro mil vezes estar aqui dentro do que lá fora, onde


todas as pessoas ficarão me julgando e se perguntando por
que diabos um homem como Zachary King escolheu uma
mulher como eu, fora do seu círculo de ricos e famosos.

Até agora, também me faço essa mesma pergunta. Porém


engulo as dúvidas e corro junto com as demais pessoas,
separando os pratos e organizando os talheres que serão
usados daqui a pouco.

Não faço nada que interfira diretamente nos preparos,


porque não posso atrapalhar o ritmo que o chef impôs aos
seus cozinheiros.

— Eles estão bagunçando as minhas panelas, Gaia. —


Martha me puxa de lado, choramingando sua dor.

— O que acha de tirar o dia de folga? Talvez seja melhor do


que ficar aqui — sugiro. — Você está se torturando, Martha.

— Não vou abandonar a minha cozinha. Trabalho nesta casa


há mais de vinte anos e nunca… — Um soluço escapa por
sua boca e sei que ela está prestes a chorar.

O exagero não me passa despercebido, mas quando me


coloco em seu lugar, imaginando como me sentiria se a
minha cozinha fosse invadida por um grupo de estranhos, o
sentimento não é dos melhores. Talvez eu voltasse a pegar
minha faca e ameaçasse os invasores. Cozinheiros parecem
frios à distância, seres sem alma e rígidos demais, mas isso
só acontece porque é a disciplina que mantém o serviço em
ordem. Sem ela, o caos tomaria conta.

— Venha, vamos sair daqui. — Passo um braço em torno dos


ombros de Martha e começo a puxá-la na direção da porta
dos fundos.

Assim que estamos ao ar livre, começo a ouvir os sons que


vêm da parte da frente da casa: as risadas, conversas, a
música — e sei que não poderei consolar a minha chefe por
muito tempo.

— Tudo está mudando, Gaia — Martha lamenta, me fazendo


parar perto dos bancos. — Spencer não está mais aqui. Você
apareceu este verão, mas não vai voltar no próximo. O
menino Zachary está namorando, Jackson está muito
estranho, o sr. Harvey quer se aposentar… O que será de
mim? — Ela me encara ao perguntar, os olhos brilhando
como se realmente esperasse por uma resposta.

— Nem sempre mudanças são ruins, Martha.

— Você parece meu Gerald, sempre vendo o lado bom das


coisas. — Passa os dedos embaixo dos olhos, afastando
algumas lágrimas. — Ele diz que não somos árvores para
criarmos raízes.

Mas estou aqui há tanto tempo que… — Uma fungada me


diz que ela não é capaz de continuar a frase.

Apenas puxo-a para um abraço, tentando consolá-la.

Entendo muito bem como se sente. Por outro lado, não


tenho medo de novos caminhos, por mais amedrontadores
que sejam. Só
que mudanças às cegas são complicadas mesmo,
principalmente quando não temos uma rede de segurança
para nos apoiar no caso de queda.

— Posso ser sincera? — pergunto baixinho, empurrando-a


levemente pelos ombros para poder encará-la. — Não sei se
as coisas vão mudar tanto assim.

— Eu vi como o menino Zachary olhou para você quando


veio te buscar no outro dia. Em breve, Gaia, você será uma
King. — A firmeza no modo como Martha fala é o contraste
perfeito ao tremor que toma minhas pernas.

— Uma coisa de cada vez, tá bom? — Forço um sorriso. Até


porque não tenho estrutura para lidar com esse tipo de
afirmação.

Zachary e eu estamos juntos, oficialmente, há dez dias. Só


dez dias. Tudo bem que muita coisa aconteceu antes disso.
Mesmo assim, não posso pagar de emocionada agora,
escolhendo vestido de noiva e pensando se ele vai querer
Reginald como nome do meio de um dos nossos futuros
filhos.

— Só para constar, acho que vocês formam um belo casal —

Martha comenta, para a minha surpresa.

— Eu me lembro de uma época em que você dizia para eu


não me assanhar para cima dele, dona Martha — falo em
um tom debochado.

— Era para o seu próprio bem, menina. Estava tentando te


proteger, pois conheço bem a forma que moldou o garoto.
— Recebo dois tapinhas carinhosos no rosto. — Agora, vou
fazer o que me recomendou e tirar o dia de folga. Amanhã
vejo o estrago que esses incompetentes causaram na minha
cozinha — ela bufa e vira as costas, seguindo na direção do
caminho que leva à sua casa.

Por alguns segundos, apenas observo-a se afastar enquanto


penso no que disse. Assim como Martha, Monica também
tinha me pedido para ficar longe de Zachary. Ambas
preocupadas comigo.

Meu lado mulher apaixonada diz que as duas estavam


erradas, porque ele jamais seria capaz de me magoar. Só
que o lado mulher sensata berra que homem nenhum
consegue se manter fiel por muito tempo.

Se até a linda e maravilhosa da Gisele Bündchen já tomou


um chifre, o que impede o resto das mortais de sofrerem a
mesma sina?

Nada. Absolutamente nada.

Mas não é com uma galhada na cabeça que estou


preocupada, e sim com o meu coração, que talvez nunca se
recupere depois de tudo o que passou. Sei que não vou
aguentar descobrir que Zachary King não sente por mim o
que sinto por ele. Só o pensamento já faz pequenas
rachaduras surgirem no meu peito.

— Gaia! — Como se meus pensamentos o conjurassem,


Zach aparece vindo da lateral da piscina. — Por que ainda
não está pronta? — Ele vem até mim, apressado, e me
envolve pela cintura.

Sem qualquer preocupação e ignorando o fato de que


estamos em público, me puxa para perto e desce a boca na
minha em um beijo rápido. É apenas um oi, mas que
significa muito mais do que ele imagina.
— Martha estava surtando na cozinha — explico, mordendo
o lábio para conter o sorriso. — Precisava de ajuda para sair
de lá e tirar a tarde de folga. — Zach apenas olha para mim,
mas sem esconder o humor em sua expressão. — Me dê dez
minutos e já apareço.

— Não temos dez minutos — ele diz, balançando a cabeça.


Minha mãe está impaciente. E as amigas dela não param de


me perguntar sobre você.

Fecho os olhos e encosto a testa em seu peito, respirando


seu perfume para tentar me acalmar.

— Tem certeza de que eu não posso fingir que estou


doente? —

pergunto com a voz abafada.

Zachary apenas ri e me abraça mais forte, deixando um


beijo no topo da minha cabeça. Em seguida, começa a me
puxar por uma mão para a frente da casa.

— Não. Agora é tarde demais. — Cambaleio junto a seus


passos rápidos, e só então me dou conta do problema.

— Espera, espera! — peço, travando no caminho. — Eu


estou vestida… assim.

Com a mão livre, gesticulo para a minha roupa de trabalho.

— E daí? — Zach dá de ombros.

Então, indico meu rabo de cavalo bagunçado, não de um


jeito proposital e sexy, mas no estilo “passei a manhã
inteira correndo de um lado para o outro que nem uma
maluca, e agora parece que coloquei o dedo na tomada e
levei um choque”.

— Vou encontrar com todos os amigos da sua família pela


primeira vez. Queria… — hesito, abaixando os olhos.

— Ei — ele coloca dois dedos sob meu queixo, forçando-o


para cima —, o que está acontecendo?

Encaro-o por alguns segundos, sendo absorvida por aqueles


olhos verdes que sempre me hipnotizam e me mostram
muito dos sentimentos de Zachary. Depois de todas essas
semanas, ainda não sou imune a eles, nem sei se um dia
serei. De qualquer forma, no momento, tudo o que vejo
refletido ali é uma preocupação genuína.

É por isso que fico na ponta dos pés e deixo meus lábios
tocarem os dele.

Na mesma hora, mãos grandes me seguram pela cintura,


trazendo meu corpo para perto dele, enquanto uma boca
faminta me devora. Porque um toque suave não é o
suficiente. Nunca foi, e não é agora que isso vai mudar,
mesmo com a iminência de uma catástrofe.

Permito-me ser beijada do jeito que ele quer, sua língua


dançando com a minha até que nossas respirações estejam
ofegantes. Mesmo assim, continua não sendo o suficiente.
Pelo jeito, nunca será.

— Só você para me fazer entrar sorrindo numa jaula cheia


de leões, Zachary… — confesso baixinho quando ele
encosta a testa na minha e solta uma risada baixa. — Não
queria ser apresentada a todos os amigos da família vestida
desse jeito, só isso — explico minhas ressalvas. — Talvez, se
eu estivesse na minha melhor versão, as pessoas não
implicariam com o fato de que o herdeiro dos King está
namorando uma cozinheira.

Zachary fica em silêncio, porém seus dedos começam a


traçar um caminho perigoso por minha pele. Os toques
começam na cintura, subindo pelo braço, contornando a
curva do ombro, até emoldurar meu rosto. Os olhos nunca
saindo de cima de mim, o calor

do toque deixando arrepios para trás. Engulo em seco,


presa no momento, sentindo meu coração acelerar dentro
do peito.

— Você sempre está na sua melhor versão, Gaia. E eu


namoro uma chef que um dia terá muito renome — ele
sussurra, porém com tanta firmeza na voz que não consigo
contestar. Sua mão vai para trás da minha cabeça e, de
repente, sinto um leve puxão. Só percebo o que ele fez
quando mechas cobrem meus olhos: Zachary acabou de
soltar meu cabelo. — Se quiser se arrumar, é só fazer
aquela coisa que mulheres sempre fazem. Joga o cabelo pra
baixo e pronto.

— Sorri, me deixando um pouco mais derretida.

Odeio que esse homem seja tão perfeito assim.

Não há necessidade disso.

— Assim? — pergunto, dando dois passos para trás e


jogando a cabeça para frente, apenas para subi-la de novo.

Passando os dedos pelos fios, o cabelo cai em ondas por


minhas costas até ajeitá-lo de lado.

— Viu? — Zach dá uma piscadinha. — Linda, como sempre.


Mas se você precisar daqueles dez minutos, posso distrair
minha mãe e…

— Não... não precisa — interrompo-o, reunindo toda a minha


coragem. — Tem certeza de que não se importa com o que
as pessoas vão falar de verem você comigo vestida desse
jeito?

— Eu só me importo com você, Gaia, e com a minha família.

Aquelas pessoas lá fora são irrelevantes. Seus julgamentos,


menos ainda. Já disse que não tenho vergonha de quem
você é. Muito pelo contrário — ele declara, o cenho franzido
com o peso dos olhos presos em mim. — Estou pouco me
fodendo para o que os convidados da minha mãe acham
sobre a minha escolha de namorada. Eles são apenas isso:
convidados. Um bando de aproveitadores, que adoram estar
perto dos King por interesse e fama. Não são amigos. Sabe
quantos amigos eu tenho, Gaia?

Amigos de verdade? — Sei que sua pergunta é retórica, por


isso limito-me a balançar a cabeça em negativa. — Quatro
— Zach diz —, e todos carregam o mesmo sobrenome que
eu. Então, entenda: essa gente não tem importância
alguma. Agora, vamos lá. Quero te exibir para o mundo.

Antes que eu possa reagir, Zachary já está me puxando pela


lateral da casa. Volta e meia, ele se vira, olhando para mim
e sorrindo. A cada passo, sinto que meu coração vai sair
pela boca.

Mas não posso recuar. Não se eu quiser um futuro ao lado


dele.

Capítulo 40
Gaia
Zachary mantém um braço protetor passado em volta da
minha cintura durante a primeira hora da festa, como se
quisesse me garantir que está ao meu lado e não sairá
daqui. É só isso que me traz um pouco de alívio. Ofereço o
melhor sorriso que tenho para todas as pessoas a quem sou
apresentada. Porém, consigo notar que os que recebo de
volta são tão falsos quanto a bolsa “Chamel”

que ganhei de Pamela no Natal passado.

Ninguém parece tão feliz assim em me conhecer, apesar do


entusiasmo na voz — forçado, com certeza — e das
conversas que duram vários minutos. Faço a minha parte,
tentando não hesitar quando perguntam como conheci
Zachary. Só que, em todas as vezes, vejo os olhos se
arregalarem com surpresa ao ouvirem a história.

— As amigas da Monica devem pensar que só estou contigo


por conta do dinheiro — sussurro para Zachary quando
conseguimos um minuto a sós. Paramos perto do balcão de
bebidas para ele pegar uma taça de espumante para cada
um de nós.

— Iludidas. — Balança a cabeça, me estendendo a bebida.


Mal sabem elas que você aceitou ficar comigo por conta da
minha beleza estonteante e do meu charme irresistível. —
Ele dá uma piscadinha, que quase me faz engasgar com o
líquido borbulhante.

— Pare com isso. — Bato em seu peito, fazendo-o rir


também. —
Estou falando sério. As pessoas não param de olhar para
mim como se eu fosse uma aproveitadora de primeira
categoria.

— Você é? — ele pergunta e franzo o cenho. — Uma


aproveitadora. Você é?

— Claro que não — defendo-me na hora, olhando em volta


para ver se não tem ninguém ouvindo a nossa conversa. —
Você sabe muito bem que…

— Então, por que está preocupada? — Zach me interrompe.


Não podemos controlar o que os outros pensam e falam a


nosso respeito, Gaia.

Sua declaração chega em um tom neutro, acompanhada de


um menear de ombros. Para ele, parece que a ideia é a
coisa mais simples do mundo.

— Você está acostumado a ser o centro das atenções —

esclareço. — Eu não. — Dou um gole na bebida, tentando


usar o álcool para me dar um pouco de coragem. É claro
que não vai funcionar, mas, pelo menos, vai fazer o impacto
do dia doer menos.

— Olha isso aqui. — Ele me estende a taça e, em seguida,


retira o celular do bolso. Vejo-o digitar na tela algumas
vezes, como se estivesse procurando por algo, até que vira
o aparelho para mim.

— “O romance secreto de Elijah King” — leio em voz alta o


título da matéria principal de uma página de fofocas. — É
sério isso? —
pergunto, incrédula, e Zachary apenas assente, dizendo
para que eu continue a leitura.

“Dizem por aí que o filho mais novo de Edmund King está


envolvido há anos com alguém. Só que Elijah, além de ser
uma pessoa bastante discreta, também não quer revelar
sua orientação sexual. De acordo com nossas fontes, ele
está em um relacionamento monogâmico, há anos, com seu
melhor amigo Scott Hendrix.”

Termino o primeiro trecho do artigo e olho para Zachary,


com a boca escancarada e sem saber o que comentar.

— Essa matéria saiu hoje — ele explica. — As pessoas


pensam o que querem. A imprensa fala o que quer. Não
adianta tentar controlar.

— Eu não sabia que Elijah é gay — confesso.

— Nem eu, talvez nem ele. — Zachary sorri. — A questão


não é essa. Só estou dizendo para você não acreditar no
que falam a nosso respeito, mesmo que as fotos pareçam
verdadeiras. Neste caso — balança o aparelho —, Scott é
amigo de Elijah desde a

época da faculdade. E, se não me engano, ele tem uma


namorada.

— Minha expressão confusa faz seu sorriso aumentar ainda


mais. —

Está vendo? As pessoas falam o que querem, quando


querem, porque querem. E 99% do que é publicado não
passa de mentira para faturarem às nossas custas.

— O que vocês fazem quando coisas assim aparecem? —


Estendo a taça de volta para ele, que a aceita e termina o
conteúdo todo em um só gole.

— Nada — diz de forma simples. — Temos uma equipe de


relações públicas que monitora tudo o que sai sobre nós.
Quando é algo sério, respondemos à altura. Quando é fofoca
barata, ignoramos. Nosso tempo vale mais do que isso.

Solto uma risada sem qualquer humor, balançando a cabeça


de um lado para o outro enquanto tento entender a
complexidade disso tudo. Zachary faz esse tipo de coisa
parecer tão… mundana. Já eu acho que morreria se alguém
me expusesse na internet.

— Pelo visto, vou ter que me acostumar a isso… — solto em


um murmúrio.

— São as desvantagens de ser um King. — Ele me encara,


retirando a taça da minha mão e deixando-a sobre a mesa
de apoio ao nosso lado. Então, antes que eu possa dizer
qualquer coisa, nossos corpos estão colados de novo. —
Vamos dançar — sussurra, abaixando o rosto para bem
perto do meu.

Nem finjo que vou resistir. Passo os braços em torno do seu


pescoço, ficando na ponta dos pés para diminuir um pouco
a nossa diferença de altura, e começo a me mexer no ritmo
que ele impõe.

Algo lento, ao som da música suave que toca ao fundo, mas


o que importa mesmo é que estamos juntos — e, pela
primeira vez, em público.

Zachary tem razão quando diz que não posso controlar o


que os outros pensam ou falam. Assim como não posso
controlar o que sinto quando estou com ele. E esse
sentimento parece ficar mais intenso a cada segundo, como
se a necessidade de estar perto fosse sempre maior.

Enquanto me perco em seus olhos, me permitindo ser


levada pela música e pelo momento, a convicção de que
não posso me

afastar dele só aumenta. Dificuldades virão. Pessoas falarão.


Minhas inseguranças aparecerão. Mas se ele continuar me
segurando assim, acho que consigo superar o resto.

— Você tem sorte por possuir essa beleza estonteante e


esse charme irresistível. Só assim para valer a pena todo o
estresse. —

Reviro os olhos, irônica. — Senão seria muito difícil ser sua


namorada.

— Ah, é? — ele pergunta, entrando na brincadeira e


erguendo uma sobrancelha, sem parar de dançar.

— Com certeza. Porque, até agora, quase não desfrutei da


sua fortuna, sabe? Você ainda não me levou para jantar em
locais caríssimos, não ganhei um banho de loja, nem joias…
Mas se você me desse joias, não poderia andar de ônibus
com elas.

— Você quer joias, Gaia?

— Só se for do tipo que rainhas usam. Aqueles colares bem


cafonas e com pedras enormes, que valem milhões. Não
aceito pedrinha mixuruca, não. Sou uma mulher de
ostentação pura.

— Podemos providenciar algo do tipo. Acho que William não


se importaria de me passar o contato do joalheiro da família
real —
Zach assente em um tom bem-humorado.

— Faça isso. Porque se for para pagar de interesseira, então


quero ter motivos para isso — declaro.

— E o que mais minha interesseira preferida precisa?

— Estou pensando. — Deixo meus dedos entrarem em seu


cabelo, arranhando devagar a nuca. Zachary fecha os olhos
e tomba a testa na minha, os passos da dança ficando mais
lentos. — Pode ser um jogo de panelas de ouro com
diamante. Não… seria impossível usá-las. Que tal aquelas
luzes em casa, que você bate palma e elas acendem?

— Já tenho isso no meu apartamento — ele murmura.

— Mas não moramos juntos — sussurro de volta e, então,


ele abre os olhos, parando de dançar.

— Não moramos juntos.

Por vários segundos, apenas nos encaramos. Há uma


mudança no ar, um peso novo. Com nossos corpos colados,
sinto-o respirar mais forte, suas mãos apertando minha
cintura. Meu coração acelera

dentro do peito enquanto me perco em seus olhos, sabendo


muito bem o que eles querem dizer nesse silêncio.

— Por favor, não faça isso — peço. — Estamos namorando


há dez dias. Só dez dias.

— Eu sei. — Zachary abre um sorriso torto, como se o


tempo fosse insignificante para ele.

— Nem nos conhecemos direito — argumento.

— Eu sei.
— Não podemos.

— Eu sei.

— Ainda estou trabalhando aqui pelo resto do verão.

— Eu sei.

O sorriso no rosto dele fica ainda maior. Desta vez, um frio


sobe do meu ventre, me fazendo arrepiar até a nuca, tanto
que estremeço em seus braços.

— Preciso torrar todo o seu dinheiro antes disso. — Mordo o


lábio, tentando usar o humor ácido como uma defesa.
Afinal, o modo como Zachary me encara agora não me
ajuda em nada a relaxar.

— E como você vai torrar meu dinheiro, Gaia? — Ele quer


saber, erguendo uma sobrancelha divertida.

— Vou comprar um chihuahua e passear com ele na bolsa o


dia inteiro, fazendo compras com o seu cartão de crédito
preto.

— Konig tem medo de outros cachorros — Zach lembra e,


na hora, eu amoleço.

— Ah, tadinho… Não podemos fazer isso com ele.

Só que antes de eu dizer qualquer outra coisa, a boca de


Zachary já está cobrindo a minha. Não há mais burburinho
ao nosso redor. A música também parou de tocar. O mundo
deixou de existir. Como sempre acontece, restamos apenas
nós dois e nosso beijo.

As mãos passeando pela lateral do meu corpo, as minhas


emaranhadas em seu cabelo. As línguas unidas e a
respiração se tornando uma só. Se eu pudesse, ficaria aqui
para sempre. O gosto do espumante potencializa o sabor
único desse homem, me deixando com ainda mais vontade
dele. Tanto que empino meu peito, tentando esfregá-lo em
Zachary, completamente esquecida de onde estamos.

Zach me agarra com força pelo quadril, como se também


não fosse capaz de se controlar, e então sinto sua rigidez
contra a minha barriga.

— Desculpe interromper o casal apaixonado. — Uma voz


interrompe o momento e, na mesma hora, abaixo a cabeça,
escondendo o rosto no peito largo à minha frente.

— Obrigado, pai. — Ouço Zach dizer, enquanto passa a mão


no meu cabelo e me abraça, protegendo-me da vergonha.
— Obrigado mesmo.

Minha deusa, eu estava me agarrando com ele em público…

Onde foi parar o meu bom-senso?

— Gaia, querida, se meu filho pudesse parar de monopolizá-


la, eu gostaria de te apresentar a um amigo — Harvey diz,
lançando um olhar sério ao Zachary. Respiro fundo duas
vezes, criando coragem para sair do casulo que os braços
dele formaram ao meu redor.

Afasto-me um pouco e passo a mão pelo rosto, tentando me


recompor. Só então viro-me para trás, dando de cara com
Harvey, Walter, Edmund e um outro homem que nunca
tinha visto, mas que me é familiar.

— Boa tarde, senhor…

— Cooper — Zachary apresenta, estendendo a mão para


ele. —
Seja bem-vindo, Damon. Esta é Gaia Denver, a minha
namorada.

Repito os movimentos de Zach e cumprimento o homem,


que deve ter a mesma idade de Harvey. Alguma coisa no
sobrenome dele me chama a atenção. Reconheço-o de
algum lugar.

— Muito prazer, sr. Cooper.

— O prazer é todo meu, Gaia — ele diz, oferecendo-me um


sorriso.

— Foi ela a responsável por aquele jantar maravilhoso que


comemos lá em casa, Damon — Zachary diz, se
posicionando às minhas costas, com as mãos em meus
ombros. — Gaia é uma chef extraordinária. Tenho certeza de
que ainda ouvirá falar muito dela.

Sinto meu peito inflar com o elogio, porém me forço a


permanecer com uma expressão neutra no rosto. Pelo
menos, o máximo que consigo.

— Não tenho dúvidas disso — Damon concorda. — O jantar


que você serviu estava esplêndido, minha cara. Há muitos
anos não comia um bolinho de siri tão gostoso.

Desta vez, não consigo conter o sorriso.

— Fico muito feliz que tenha gostado, sr. Cooper — falo com
sinceridade, sentindo as mãos de Zachary me apertarem de
leve, ao mesmo tempo que ele deixa um beijo no topo da
minha cabeça.

— Ah, aí está você, minha nora querida. — Monica King


aparece ao nosso lado, e o enorme sorriso em seu rosto não
esconde o quanto está se divertindo com a festa. — Venha
comigo um minutinho, precisamos conversar.

Ela estende a mão para mim e, na mesma hora, fico me


perguntando o motivo do convite. Sinto Zach tensionar, me
segurando pela cintura, e sei que ele está pensando a
mesma coisa que eu.

— Mãe, o que…

— Conversa de mulheres, meu filho — ela o interrompe. —

Prometo que devolvo sua namorada em um piscar de olhos.

Antes que eu possa argumentar, Monica começa a me puxar


pelo jardim com um passo acelerado, cruzando pelas mesas
que foram dispostas para a festa. Ela ignora os convidados
que tentam chamá-la, como se estivesse em uma missão.

— Para onde vamos? — quero saber.

— Você já vai ver — diz, enigmática.

Entramos na casa pela porta da frente, passando pela sala


de estar com a mesma pressa que tivemos no jardim. Ainda
sem entender os motivos dela para agir de forma tão
estranha, não contesto até entrarmos na sala de jogos. Em
vez de conversarmos, Monica fecha a porta com muito
cuidado e sem fazer barulho, o que me deixa ainda mais
confusa. A situação piora quando ela coloca um dedo em
riste sobre a boca, me pedindo silêncio.

Monica não acende a luz nem abre as cortinas, apenas me


guia até a janela, parando escondida no canto. É então que
me dou conta do que estamos fazendo aqui: bisbilhotando.
— Eu não acredito que ele está namorando aquelazinha. —
Uma voz feminina e esganiçada soa do terraço.

— Ainda por cima veio vestida de garçonete. Será que não


tem roupas decentes?

— Você viu a sapatilha? Deve ter comprado na promoção da


Macy’s!

Várias risadas seguem o comentário, fazendo com que um


nó se aperte em minha garganta.

— Não sei o que deu na cabeça da Monica para aceitar que


o filho trouxesse uma qualquer para dentro de casa. Com
tantas opções maravilhosas, Zachary foi logo escolher a
serviçal. Se a garota está grávida por um descuido, não
precisa desse circo todo, é só pagar que ela desaparece.

As palavras cruéis e preconceituosas me machucam, porém


engulo-as com força, como se fossem areia. Arde, arranha e
me deixam com vontade de chorar, mas mantenho o rosto
estoico e fico firme. Monica não me traria aqui só para
torturar. Tem que haver algum sentido nisso tudo.

— Grávida ela não está, mas bem que gostaria. — O


comentário mordaz vem acompanhado de risadinhas. —
Você precisava ver, Amelia. Gaia se jogou em cima dele o
verão inteiro. Todo mundo conseguia ver isso, menos o
pobre Zachary.

Essa última voz me é familiar. Olho para Monica, que


apenas sorri e murmura, sem som, “Chloe”. Fico em choque.
A garota passou vários fins de semana aqui, sabe que sua
declaração é mentira.

— Duvido que dure muito, minha querida. Ela é só a


novidade da vez, e aposto que tem aquele gostinho proibido
que homens adoram.

Garotas como ela aproveitam as férias para arrumar algum


dinheiro, se é que me entendem.

— Só não imagino como Zachary pode aguentar, mesmo por


uma diversão passageira. A caça-dotes deve ter gosto de
cebola, isso sim. Já que passa o dia inteiro cozinhando. É
quase uma gata borralheira. Bem que podiam tê-la prendido
numa torre. Não suporto olhar para a desmazelada.

A frase me faz arregalar os olhos. Encaro Monica, que tem


uma expressão neutra no rosto enquanto apenas escuta. Só
que, quando ela se vira para mim, não consigo mais conter
as lágrimas.

— Preciso sair daqui… — sussurro e dou um passo, mas logo


sou impedida.

— Não — ela diz, tão baixo quanto eu. — Você vai ficar e
ouvir tudo o que essas víboras têm a dizer.

Sempre achei que Monica era uma boa pessoa, que me


tratou bem. Por isso não entendo o motivo de estar me
torturando desse jeito. Se não queria aceitar meu namoro
com Zachary, que tivesse me dito. Só que isso que está
fazendo é crueldade demais. Quando desengasgo do choro,
ergo a cabeça para avisar que estou indo embora e vejo
uma resolução no modo como a mãe de Zachary me olha,
como se exigisse de mim uma força que não sei se eu
tenho.

Ela mantém as costas eretas e o olhar firme. Talvez por já


estar acostumada, ou talvez por ter sangue de barata, não
sei. Mas ficar parada, ouvindo mulheres que nunca me
viram antes dizerem coisas tão absurdas a meu respeito faz
com que eu me sinta menor do que um grão de arroz.
Minhas mãos estão congeladas. Meu estômago parece
prestes a se revirar. Não sei por quanto tempo vou
conseguir ficar aqui. É o olhar altivo de Monica que me dá
forças para permanecer e escutar.

Ouço cada uma das ofensas. Sobre minhas roupas, minha


postura, meu cabelo, minha falta de dinheiro e má criação.
Escuto que não sou boa o suficiente e que não passo de
uma interesseira qualquer.

Escuto que, em no máximo um mês, darei o golpe da


barriga.

Fico calada. Cada uma das palavras vis tem o impacto de


um soco. O gosto amargo escorrendo pela minha garganta.

As lágrimas não param de deslizar por meu rosto, até que


começo a tremer. De tristeza, de raiva, de medo.

Mantenho-me no lugar até Monica se dar por satisfeita e me


levar para uma das poltronas, onde desabo com o rosto
enfiado nas mãos.

— Enxugue as lágrimas agora — ela diz em um tom


autoritário, sentada ao meu lado. Subo o olhar e vejo-a me
fitar de volta. —

Agora, Gaia.

Só consigo obedecer, bem a tempo de ver a porta que leva


ao terraço ser aberta. Por ela, o grupo de mulheres cruéis
entra na sala de jogos, logo estancando no lugar, como se
jamais esperassem nos ver aqui. É então que começo a
entender o plano de Monica King.

— Boa tarde, senhoras. Estavam se divertindo? — pergunta,


porém não espera por uma resposta. — Serviremos a
sobremesa em alguns instantes. — Ela sorri, indiferente.
Linda. De queixo erguido.

— Inclusive, meu marido disse que teremos uma


apresentação musical ao vivo daqui a pouco. Uma banda de
rock, vocês imaginam?! Recém-contratada da King Records.

Mas as mulheres permanecem mudas, paradas como


estátuas, os olhos arregalados. Revezando olhares entre nós
duas. O medo estampado em seus rostos, enquanto Monica
é a plenitude em pessoa.

De todas elas, Chloe é a mais pálida. Se eu estou vermelha


de chorar, a filha de Christine parece que perdeu todo o
sangue do corpo, encarando a anfitriã em pânico.

— Monica, eu… — ela começa a gaguejar.

— Podem ir na frente, meninas. Já iremos também. Só


preciso conversar com a minha nora um momentinho —
Monica diz, dispensando-as com um aceno de mão.

Ninguém é burro o bastante para contestar. Em questão de


segundos, estamos a sós novamente. Tento buscar dentro
de mim um fiapo de energia para dizer qualquer coisa,
porém tudo que encontro é mais desesperança.

Há poucos minutos, estava nos braços de Zachary,


dançando, me sentindo apaixonada e convencida de que os
comentários alheios não iriam me afetar. Mas eu ainda não
tinha escutado o quão cruéis poderiam ser.

— Quando eu comecei a namorar com Harvey, as coisas não


foram fáceis — Monica começa a dizer, cruzando as pernas
nos calcanhares e posicionando as mãos sobre os joelhos. É
a postura perfeita da realeza. — Sinceramente, queria que
alguém tivesse feito isso comigo — confessa, indicando o
lugar onde estávamos escutando antes. — Teria me
poupado muito aborrecimento.

A frase me pega desprevenida, tanto que olho para ela com


o cenho franzido.

— Desculpe, Monica, mas não sei se isso é verdade. —


Respiro fundo e balanço a cabeça, afastando as palavras
nocivas daquelas mulheres.

— Ah, Gaia… Durante anos, achei que várias delas eram


minhas amigas, que estavam por perto porque gostavam de
mim. — Ela chega para frente e apoia uma mão sobre a
minha. — Aprenda uma coisa agora, querida: os King não
têm amigos. Só uma lista de pessoas que querem estar ao
nosso lado por conveniência, porque sabem o que podemos
proporcionar.

O que ela diz vai de encontro ao que Zachary falou sobre os


únicos amigos serem os primos. A constatação só me faz ter
mais certeza das dificuldades que eles enfrentam
diariamente, apenas por carregarem este sobrenome e uma
fortuna.

— Então, por que convivem com essas pessoas? Como


lidam com isso? — questiono, sem entender como
aguentam.

— Sabemos exatamente quem é quem neste mundo.


Mantemos por perto aqueles que precisamos e antecipamos
seus movimentos.

Foi por isso que a trouxe aqui, Gaia. Você está namorando o
herdeiro das Indústrias King, o próximo chefe da família. Era
óbvio que as serpentes iam destilar um veneno. E eu queria
saber o que elas estavam falando de você. Afinal, tudo isso
que ouvimos estará nos tabloides amanhã. — Monica dá de
ombros, em um gesto bem parecido com o do filho. — Nós
lidamos com o previsível, mas não podemos deixar que
nada, absolutamente nada, manche o nome da nossa
família.

— Como assim?

— O fato de você ser uma cozinheira, por exemplo. — Puxo


o ar com força ao ouvi-la dizer isso. — Não, fique calma. Isso
não importa. É só um fato. Já sabemos disso e em nada
interfere com a nossa reputação. O que tem de errado você
ser uma cozinheira?

Uma futura chef de cozinha?

— Diga-me você. — Encaro-a, sentindo a apreensão me


dominar.

— Já te contei que era estudante de Pedagogia quando


conheci Harvey, mas não falei que fui vendedora de
sapatos. Eu estudava à noite e passava os dias ajoelhada na
frente de pessoas — Monica explica com um sorriso no
rosto. — A imprensa caiu em cima de Harv sem piedade,
dizendo que eu não era digna de um homem como ele,
porque passava o dia cheirando chulé.

Faço uma careta, sem conseguir acreditar que Monica King,


a epítome da elegância, era alvo de críticas como essa.

— E o que aconteceu?

— Nada. Ignoramos, seguimos com nosso relacionamento,


nos casamos, tivemos Zachary e vivemos felizes para
sempre, esmagando um inseto de cada vez. Porque, no fim
das contas, todos eles são insetos, Gaia. Querem
transformar os fatos mais simples em coisas absurdas. Não
podemos permitir isso — ela decreta, sem um pingo de
hesitação na voz. — Agora, o problema é se você estiver
escondendo algum segredo. Um… esqueleto no armário,
como eles chamam.

— Não, Monica, claro que…

— Minha vez de falar, querida — ela me interrompe. —


Vamos te defender até o fim, porque você é importante para
o Zachary e, em breve, será uma King também.

A frase me faz perder o ar por um segundo. O que há com


essa família de sempre colocar a carroça na frente dos bois?
Monica está falando em casamento, Zachary estava falando
em morarmos juntos… Será que nenhum deles consegue ir
devagar? Qual o problema em namoro de dois ou três anos,
mais um noivado, para então pensar em casamento?

— Os seus segredos virão à tona, querida — ela continua. —

Todos eles. Não duvide disso por um segundo. O que estou


perguntando é: você tem algo podre que precisa me contar?
Se tiver, esta é a hora para nos anteciparmos.

Engulo em seco, lembrando-me dos quase dois anos da


minha vida que perdi por achar que meu mundo girava em
torno de um homem que não me merecia.

— Eu tive um relacionamento merda, com um completo


babaca.

Isso conta?

— Todas tivemos relacionamentos merdas. Isso não é nada.

Estou falando de filhos abandonados, crimes cometidos, se


esse relacionamento merda foi com um homem casado…
qualquer coisa que possa manchar o nome da minha
família.

— Não, isso não. — Balanço a cabeça em negativa. — Ele


era um idiota que me chifrou várias vezes, e eu era uma
iludida, sempre

fazendo o que ele queria. Achei que fosse amor eterno.

— Bom, querida — ela dá dois tapinhas na minha perna —,


quem nunca?

Não sei se a pergunta deveria me fazer rir ou chorar, mas a


verdade é que a maioria das mulheres já acabou se
ferrando nas mãos de um homem que não a merecia. No
início, eles se mostram príncipes encantados, apenas para
descobrirmos depois que são sapos cheios de verrugas
venenosas. E, para deixar a minha história ainda mais triste,
o sexo nem foi tão espetacular assim, para ter alguma
lembrança boa quando acabou. Porque, lá no fundo, sempre
soube que não é um pau mágico que parte corações, e sim
a dor de não ser amada de volta.

— Bem, agora que já sabemos o que nos espera amanhã,


precisamos aparecer na festa — Monica interrompe meus
pensamentos. — Levante a cabeça, vista uma armadura, e
saiba que os King estarão sempre ao seu lado, querida. Os
outros são só os outros, e muito menos importantes do que
a gente. — Ela estende a mão para mim, e não hesito em
segurá-la, saindo da poltrona também.

— Como você consegue? Tudo isso — aponto para o jardim


—, todos os dias?

Por alguns segundos, Monica fica calada, mas então sorri.


— Por ele, querida. Meu Harvey faz tudo isso valer a pena. E
a vida que ele me deu é a melhor do mundo. E não estou
falando sobre o dinheiro. O importante, como imagino que
você sabe, é que tenho um marido que me ama
incondicionalmente, um filho maravilhoso e uma família
louca… — Neste momento, seus olhos ganham um brilho
diferente. É como se várias lembranças estivessem
passando por sua mente. — Acredite em mim: vale a pena.
Principalmente quando vemos todas as víboras beberem do
próprio veneno. Um segredo, Gaia: todas elas vão acabar
com um homem que não presta, num casamento infeliz só
para terem dinheiro. Se soubessem que o amor verdadeiro
vale muito mais…

Ela não me dá chance de argumentar antes de sair da sala,


me puxando pela mão. Enquanto caminho de volta até o
jardim, digo

para mim mesma que preciso ter coragem. Mas também


fico me perguntando se terei forças para enfrentar tudo isso
por muito tempo.

Já estou exausta e hoje é apenas o dia um.

Capítulo 41
Gaia
Com certeza não terei forças.

E não por conta das fofocas cruéis ou de pessoas que me


odeiam sem me conhecerem direito, mas sim pelo balde de
água fria que acabo de levar bem no meio da minha cara.
Porque assim que piso no jardim, vejo que o palco que
haviam montado já está ocupado.

Bem no centro dele, a última pessoa que eu esperava ver


aqui.

— Vamos dar as boas-vindas aos novos contratados da King


Records: Red Law. — Elijah está apresentando a banda, mas
quase não escuto o que é dito. Meus olhos estão presos no
homem ao seu lado, que sorri como se tivesse acabado de
ganhar na loteria.

Na minha cabeça, várias perguntas se passam ao mesmo


tempo.

Quando? Como? Onde? Por quê?

Por quê?

Por que Jamie está aqui?

Eu não o vejo há… sei lá, quase quatro anos. Por que agora,
quando minha vida finalmente está se acertando?

De onde foi que ele saiu?

Não sei quando Monica King me deixou sozinha, também


não faço ideia de para onde ela foi. Quando olho para os
lados, ninguém está por perto — e ainda bem por isso. A
última coisa que eu queria que acontecesse está prestes a
explodir: meu passado acaba de invadir meu presente como
uma bola de demolição. E o pior: sem qualquer aviso.

Mas como Jamie veio parar aqui? Por quê?

Meu ex fala alguma coisa no microfone, porém não consigo


discernir uma palavra sequer. Só ouço um zumbido agudo
nas

minhas orelhas, como se uma bomba tivesse acabado de


estourar bem à minha frente. Elijah ri, os convidados
aplaudem, e eu fico parada. Estática. Encarando o nada
enquanto tento entender o que diabos está acontecendo.

Então, lembro que Monica mencionou para aquelas cobras


que, depois da sobremesa, uma banda de rock iria se
apresentar.

E, pelo que entendi, se Jamie Lawrence está aqui com sua


banda, significa que acabaram de assinar um contrato com
a King Records.

Puta que pariu.

— Gaia, está tudo bem? — Sinto alguém tocar meu ombro,


mas não me viro para ver quem é. — Gaia? Ei, ruiva. Ruiva!

Só quando sou chacoalhada é que finalmente saio do transe


e consigo desviar o olhar do palco. Assim que me viro para o
lado, dou de cara com Jackson, que me observa de forma
preocupada.

Esforço-me para dizer alguma coisa, mas parece que uma


mão invisível está apertando minha garganta. Impedindo o
ar de entrar e as palavras de saírem.
Memórias de um tempo em que eu me odiava voltam com
tudo.

Imagens, cheiros e música… muita música. Se eu escutar


uma delas agora, não sei o que vai acontecer.
Provavelmente começarei a chorar, e não posso me dar ao
luxo de desabar na frente de tantas pessoas. Não de novo;
não com tantos olhos em cima de mim, esperando que eu
falhe. Não vou chamar mais a atenção do que já estou
fazendo.

Fora que podem entender tudo errado.

— Gaia, o que está acontecendo? — Jackson insiste,


segurando o meu ombro enquanto tenta acompanhar meu
olhar. — Você conhece a banda?

É claro que ele iria perceber. Qualquer um que prestasse um


pingo de atenção notaria, mas ainda bem que todos estão
focados no que acontece à frente, já que Elijah saiu do palco
e a primeira música começou a tocar.

É uma balada que não conheço — ainda bem, porque


odiaria ouvir uma daquelas que Jamie costumava cantar
quando ainda estávamos juntos. As que ele compôs para
mim, por exemplo. Ou

talvez para as muitas outras mulheres com quem se


envolvia ao mesmo tempo, enquanto jurava me amar.

— Gaia! — Jackson sacode o meu ombro mais uma vez.

— Me tira daqui… — é tudo o que consigo dizer a duras


penas, sentindo minhas pernas amolecerem com o impacto
de estar na presença do meu ex.
A voz dele soando, a guitarra de Trevor acelerando, a
bateria de Justin fazendo o chão tremer, o baixo de Luke
dando o compasso.

Noites e noites em claro, ouvindo os quatro comporem seus


sonhos.

Ignorando os meus próprios enquanto me deixava levar


pelas promessas daquele que tinha o meu coração.

— Vem comigo. — Sou puxada pelo braço até perdê-los de


vista quando entramos em casa, porém Jackson só para de
andar quando chegamos ao corredor que leva à sala de
jogos. O lugar está vazio, por isso não entramos em cômodo
nenhum, apenas ficamos ali, enquanto tento entender o que
diabos está acontecendo com a minha vida.

O som agora está abafado, mas ainda consigo ouvir Jamie


cantando. Não quero prestar atenção na letra, por isso me
apoio na parede e deixo a cabeça tombar para trás,
sentindo o leve baque.

— De onde eles saíram, Jackson? — solto a pergunta de


olhos fechados, tentando recuperar o ritmo da respiração.

— São os novos contratados da King Records — ele diz


aquilo que já deduzi. — Mas por que você está assim, Gaia?
O que aconteceu? De onde você conhece a banda?

A sequência de perguntas me incomoda, mas não posso


negar que faz todo o sentido. Eu também perguntaria a
mesma coisa se estivesse no lugar dele. E, por mais que eu
odeie falar sobre este assunto, sei que não poderei fugir por
muito tempo.

— Jamie e eu… — hesito, odiando o fato de que, um dia,


existiu um “Jamie e eu”.
— Vocês namoravam, é isso? — Jackson pergunta e
finalmente crio coragem para encará-lo.

Quando faço isso, não vejo nada além de empatia e


preocupação em seu rosto. Ele me encara sem qualquer
julgamento, pelo que me sinto muito grata.

— É, namoramos há algum tempo — confirmo. — Quando


pus um fim à nossa relação, eu tinha acabado de completar
vinte anos.

Ficamos juntos por quase dois anos.

— Pela cara que está fazendo, o término não foi muito legal

ele supõe, mas acabo negando com a cabeça.

— O relacionamento não foi legal — elucido, sem querer


detalhar todas as merdas que vivi quando estávamos
juntos. — O término foi… apenas uma consequência. Uma
libertação.

Esfrego as mãos geladas no rosto, tentando entender como


foi que tudo mudou em um espaço tão curto de tempo. Se
não bastasse ter que ouvir as palavras cruéis das “amigas”
de Monica, agora tenho que ficar no mesmo ambiente que o
homem responsável pela destruição da minha autoestima.

— O que você vai fazer? — Jackson pergunta, me fazendo


encará-lo de novo.

— O que eu posso fazer? — Inverto o jogo, dando de


ombros. —

Não sabia que eles estariam aqui, não fazia ideia de que
tinham assinado com uma gravadora… com a King Records,
dentre todas as possibilidades! — Minha voz sai esganiçada
enquanto me esforço para não chorar.

Que merda. Que grande merda.

— Nem eu sabia — ele diz. — Na verdade, nunca tinha


ouvido falar nessa banda até agora. Foi o Elijah que fechou
o contrato, e aposto que nem ele imaginou que você e o…
cantor? — Jackson busca confirmação, que respondo com
um meneio de cabeça. —

Que vocês dois costumavam esconder o salame.

Dou uma risadinha com a analogia, um pouco sem graça.


Porém, nada é capaz de melhorar o meu humor neste
momento.

Por que o passado tinha que me assombrar logo agora?


Como se eu não tivesse problemas o suficiente com os
quais lidar.

— Não posso voltar lá para fora, Jackson — confesso,


sentindo meu estômago embrulhar só em pensar na
possibilidade de encarar Jamie justo hoje.

Ficar frente a frente com ele seria o inferno. Ainda mais


quando todas essas pessoas que não conheço estão
esperando qualquer

erro meu para mostrar a Zachary que sou tudo o que elas
acham de mim.

— Quer que eu traga meu primo aqui? — Olho assustada


para Jackson. — Você tem que contar pra ele o que está
acontecendo. —
Sem saber o que dizer, só o encaro, não querendo pensar
nas consequências que meu passado pode trazer. — Vai me
dizer que você não pretende falar a verdade pro Zach?

— C-claro que vou contar. Mas tem que ser agora? —


pergunto, virando a cabeça de um lado para o outro. —
Logo no meio da festa?

— Gaia, pelo amor de Deus! — Jackson joga as mãos para


cima, exasperado. — Se Zachary descobrir isso por outra
pessoa, ele vai ficar…

— Eu sei. Vou contar pra ele, de verdade — interrompo-o. —

Óbvio que vou. Só… não agora. Não enquanto a casa estiver
cheia de convidados. Já imaginou a reação dele na frente
dessas pessoas?

Jackson apenas balança a cabeça, em um nítido sinal de


desaprovação.

— Isso vai dar merda, ruiva. E olha que minha mãe sempre
diz que nasci com o “merdômetro” quebrado. Mesmo assim,
sei que você precisa contar para o Zachary agora, antes que
seja tarde demais. Não é como se você e o tal de Jamie
ainda estivessem envolvidos. Certo? — Ele observa minhas
reações com as sobrancelhas franzidas, como se quisesse
ter certeza de que a minha resposta será não.

— Nem se ele fosse o último homem do planeta e a


perpetuação da raça humana recaísse sobre nós! —
garanto, colocando o máximo de convicção na voz. Até
porque é a mais pura das verdades. — Entraríamos em
extinção antes que eu encostasse um dedo em Jamie de
novo.

— Então, que mal há em revelar tudo, nesse minuto? —


questiona.

Merda. Merda. Merda.

Se dependesse de mim, nunca iria contar para Zachary


sobre tudo o que passei com Jamie. Na verdade, se eu
tivesse escolha,

jamais lembraria o que vivi. O que fizemos. A pessoa que


fui. O que senti. Mostrar esse lado meu a Zachary não
estava nos planos.

Muito menos agora.

O que acontece com essa família que as coisas sempre se


atropelam? Eu mal comecei um namoro e já preciso contar
todas as desgraças da minha vida?

Mas Jackson tem razão. Se eu não contar a ele, Zach pode


achar que a omissão é por causa de sentimentos que ainda
tenho por Jamie — o que está longe de ser verdade.

Merda infinita!

— Tudo bem, eu vou contar — acabo falando. — Você pode


me fazer um favor e avisar ao Zachary que vou esperar na
parte de trás da casa, na porta dos fundos? Não quero que
ninguém ouça a nossa conversa.

— Pode deixar, ruiva. Prometo que, desta vez, darei o


recado. —

Jackson dá uma piscadinha, sorrindo, antes de deixar um


beijo na minha têmpora. Em seguida, se afastar com
rapidez.
Quando não posso mais ouvir seus passos, respiro fundo
algumas vezes e ergo o queixo, decidida a não ficar ainda
mais abalada com o que está prestes a acontecer. Mesmo
que, por dentro, eu seja uma pilha de nervos tensos e
travados.

Com passos duros, como se tivesse desaprendido a


caminhar, volto pelo corredor até a sala de estar, a visão da
escada trazendo as imagens da noite em que eu e Zachary
transamos embaixo dela.

Assim que cruzo a área de jantar, penso na satisfação que vi


no rosto de todos os King ao provarem meu jantar das
estações. Na cozinha movimentada, quase posso sentir o
calor do corpo molhado de Zachary na primeira vez em que
nos encontramos.

“Gaia, isso não é hora para esse tipo de recordação”, digo a


mim mesma, desviando e evitando atrapalhar a correria dos
funcionários do buffet. Finalmente saio pelos fundos,
respirando o ar puro, perfumado pelas rosas do jardim.

Ainda bem que não encontro nenhum dos funcionários dos


King, porque odiaria ter que dar explicações para Valerie ou
Derek sobre o meu sumiço da festa. Minha cara deve estar
denunciando o estado de pânico em que me encontro.

Com o medo já mais controlado, admito que Jackson tem


razão: Zachary precisa saber a verdade sobre o meu
passado. E antes de qualquer pessoa. Só assim vamos estar
preparados para enfrentar o que vier. Monica sabia o que
estava fazendo quando me disse isso.

Afinal, não é nada de mais. Assim como ele, também tive


relacionamentos antes de nos conhecermos — e não posso
ser julgada por isso. Fora que eu não tinha ideia que a King
Records assinaria um contrato com a Red Law. Foi só uma
coincidência, que apareceu na pior hora possível.

Mesmo aqui, na parte de trás da casa, a música soa com


clareza.

E, desta vez, reconheço a canção. Era uma das que,


teoricamente, foi feita para mim. Engulo em seco, tentando
impedir meu estômago de se revirar. É horrível pensar que,
em um determinado momento, meu mundo girava em torno
de Jamie e do que sentia por ele.

— Olha só quem eu achei… — Uma mão encosta em meu


ombro, me fazendo virar com o susto. Fico ainda mais
espantada quando vejo quem está à minha frente.

— Oliver? O que você está fazendo aqui? — pergunto, dando


dois passos para trás. Como ele conseguiu entrar na
propriedade dos King? Zachary não tinha proibido?

— Você realmente acreditou que eu nunca mais voltaria,


Gaia? —

Ele sorri para mim, mas não há um pingo de felicidade no


gesto. —

Mesmo depois do showzinho que você fez, ainda tenho as


minhas cartas na manga.

— Do que você está falando? Não fiz showzinho nenhum —

começo a me defender. — Foi você quem…

— Shhh, quietinha. Não precisamos relembrar o passado


quando o futuro é bem mais interessante. — Oliver se
aproxima, diminuindo a distância entre nós. Recuo na
mesma hora, odiando estar tão perto dele de novo.
Meu Deus, quantas surpresas terei em um dia?

— O que você quer? Por que está aqui? — pergunto,


cruzando os braços na frente do corpo e olhando para os
lados.

Preciso ter certeza de que não tem ninguém nos


observando agora. A última coisa que quero é ser pega em
uma situação constrangedora com esse idiota.

— Você não sabe? — Oliver pende a cabeça para o lado,


colocando uma expressão inocente no rosto. — Aquela é a
minha banda. — Aponta na direção do jardim, onde Red Law
continua tocando.

Enrugo a testa, sem entender muito bem aonde ele quer


chegar com esse papo.

— Do que está falando?

— Eu sou empresário da banda, querida. — Oliver abre um


sorriso amarelo e predatório. — Foi por isso que vim, mesmo
depois de ter sido escorraçado por sua causa.

— Por minha causa? — Não consigo conter a risada. — Acho


que foi por conta das suas atitudes, isso sim — rebato.

— Sempre fui o mesmo Oliver, e os King sabiam disso. A


única coisa diferente na situação era você, meu bem. A
família me conhece desde criança e, mesmo assim, se
prontificou a defender uma empregadinha qualquer. A
matemática não é difícil, Gaia — ele diz, como se fosse a
coisa mais simples do mundo. A vontade que tenho é de
revirar os olhos.

— Olha, Oliver, sinceramente, não estou com paciência para


discutir. — Viro-me de costas, pronta para me afastar. Antes
mesmo de dar um passo, ele volta a agarrar meu braço,
agora com força, impedindo-me de seguir.

— Preste atenção, sua vadiazinha de merda — ele sussurra


ao pé do meu ouvido, o peito colado nas minhas costas —,
eu sei que você e o Jamie namoravam. Na verdade, conheço
muito mais do que você imagina.

Puxo meu braço com força, cansada de ser tocada sem


permissão. Com raiva, viro-me para encará-lo. Se um chute
na coxa não foi o suficiente, desta vez vou acertar o lugar
certo.

— Não sei onde você pretende chegar com isso, Oliver. Na


verdade, pouco me importa. O meu passado não interfere
em nada com o meu presente ou o futuro — atesto,
encarando-o, olhos nos olhos, para demonstrar que não
tenho medo de ameaças vazias.

— Ah, mas pode interferir sim… — ele diz, e um sorriso


estampa seu rosto. — Sabe, eu já conhecia a banda há um
tempo, mas nunca soube da conexão de Jamie com você. Só
descobri recentemente, e

que surpresa deliciosa… Meu vocalista fala sobre a ex-


namorada com muito entusiasmo, sabe? Foi então que vi a
chance perfeita de resolver dois probleminhas de uma vez
só. Depois do que fez comigo, sua piranha de merda, perdi
minha conexão com os King.

Você não sabe o que precisei fazer para conseguir esse


contrato com Elijah. Tive que me humilhar e apelar. Então,
não vai ser uma mulherzinha como você que vai estragar
com tudo.

— Por que eu estragaria o seu contrato? — pergunto, dando


um passo para trás. É claro que Oliver me segue, não
permitindo que eu imponha uma distância segura entre nós.

— Porque eu tenho certeza de que você vai correndo contar


para o seu namoradinho que teve um relacionamento com
Jamie. E, no momento que fizer isso, Zachary vai ficar
morrendo de ciúme.

Possivelmente, vai fazer de tudo para dificultar a vida da


Red Law na King Records. Talvez até cancelar o contrato. É
por isso, Gaia, que você vai manter esse seu biquinho bem
calado. Do contrário, eu mostro para todo mundo o tipo de
putinha que você era alguns anos atrás. Estamos
entendidos?

Não sei se é o modo como fala ou como me encara que me


deixa paralisada. De qualquer forma, não consigo responder
de imediato.

Fico parada como uma estátua, apenas olhando para Oliver,


que me encara de volta como se tivesse acabado de vencer
a guerra.

— Você está blefando. Não tem nada contra mim — digo, a


voz soando mais baixa e quebradiça do que eu queria.

— Então, tente a sorte, querida. Vá e conte para o Zachary


sobre o seu passado. Se algo acontecer com a minha banda,
amanhã teremos várias fotos suas na internet. Talvez alguns
vídeos interessantes também… — Oliver respira fundo,
fechando os olhos e virando o rosto para cima em um gesto
puramente teatral. — Fico me perguntando se os King vão
gostar de saber com que tipo de pessoa estão se metendo.
Acho que um escândalo dessas proporções pode acabar
com o prestígio deles, mesmo sendo tão ricos.

— Não sei do que você está falando — digo com toda


sinceridade. — Que vídeos, Oliver? Que fotos?
— Quer descobrir, boneca? — Ele sorri para mim e sussurra:

Por favor, diga que sim. Vou adorar ver a cara de Zachary
quando

souber que sua namoradinha perfeita não passa de uma…

— Cooper, o que está fazendo aqui?

Antes que as ameaças possam continuar, Zachary se


aproxima, o rosto franzido e a voz grossa como um trovão.
Solto um suspiro de alívio, louca para me aninhar em seus
braços e ver se esse pesadelo acaba logo.

— Zachary King, o homem que eu estava procurando —


Oliver diz, seu tom de voz bem diferente do que usou para
falar comigo. —

Por favor, cara, não me mate antes de ouvir, pode ser? Eu


sei que as coisas entre nós ficaram complicadas por conta
de tudo o que fiz e…

— E eu bani você das nossas propriedades. Das nossas


vidas.

Nada disso mudou. Mas, pelo visto, alguém não me


obedeceu —

Zach declara com firmeza, chegando até mim e me


puxando para um abraço.

Vou sem qualquer resistência, encaixando-me ao seu lado


quando ele passa um braço protetor em volta do meu
ombro. Estar assim, tão perto dele, me sentindo segura, faz
com que eu consiga respirar de novo.
— Olha, não é culpa de ninguém. Eu sei dos problemas que
causei — Oliver volta a falar. — Meu pai conversou muito
comigo.

Vicky e Elijah também. Depois daquele dia, eu…

— Não quero saber — Zachary o interrompe. — Saia da


minha casa agora.

— Mas… Eu vim com a banda, Zach. Sou o empresário deles


o outro explica. — Juro para você que estou aqui em paz. —


Sua expressão é tão ingênua que quase acredito. — Prometi
ao meu pai que ficaria limpo, que investiria meu tempo no
trabalho, e que me desculparia pelas mancadas que cometi.
É exatamente isso o que estou fazendo. Red Law é o meu
primeiro cliente, mas terei outros em breve.

Sinto o aperto de Zachary ficar mais forte e sei que ele


também não acredita muito no que Oliver está dizendo.
Queria poder alertá-lo do que estávamos falando há menos
de dois minutos, mas tem alguma coisa nas expressões de
Oliver que insistem em levantar bandeiras de ameaças na
minha mente. Será que ele não estava blefando?

Eu não sei que fotos e vídeos ele pode ter, mas também não
me lembro de várias coisas que aconteceram na época em
que estive com Jamie. Será que são nudes? Mas nunca me
coloquei nessa situação! Jamie não seria tão canalha em
fazer algo assim, né? Sem o meu consentimento, ainda por
cima?

Por outro lado, não sei se posso pagar o blefe. Há pouco


tempo, Monica estava me alertando para escândalos que
poderiam arruinar o nome da família King. Se o que Oliver
disse é verdade, então eu menti para ela — mesmo sem
saber.

— De qualquer forma, vim aqui para me desculpar


pessoalmente com vocês dois. Em especial com você, Gaia.
— Oliver me encara com olhos tristes, as mãos sobre o
peito, como um pecador arrependido. Meu Deus, como ele
pode ter duas caras ao mesmo tempo? — O que eu fiz foi…
— Vejo-o engolir em seco, como se dizer as palavras fosse
difícil. — Imperdoável. Eu nunca quis te humilhar. Achei que
estava brincando, mas…

— Basta, Oliver — Zachary não o deixa continuar.

— É sério. Eu juro que mudei, que estou tentando ser um


homem melhor. Prometo que, daqui em diante, vocês só me
verão em eventos profissionais, quando meus clientes forem
convidados. Não estou tentando voltar às boas graças da
família, Zachary, porque tenho noção da besteira que fiz. Só
peço que me deixem fazer meu trabalho. Que me deem
uma chance para provar do que sou capaz.

— Os olhos de Oliver se fixam nos meus, como um lembrete


de sua ameaça.

Abraço Zachary com mais força, porque não sei como


responder ao comentário. Também não sei o que fazer
agora.

O chantagista deixou claro que, se falar sobre meu passado,


ele irá jogar muita merda no ventilador. E por mais que eu
não tenha ideia do que está falando, não sei se estou
disposta a arriscar. Por outro lado, se eu não contar ao
Zachary tudo sobre meu envolvimento com Jamie, arriscarei
o que construímos até agora.
Sinto como se estivesse em um quarto trancado, com o teto
se abaixando para me sufocar. A única porta que vejo está
trancada, e quem tem a chave é Oliver.

Sem muito tempo para pensar, repasso os anos que vivi ao


lado de Jamie, procurando algo que me dê uma pista da
situação. Tudo o que fiz, todas as festas que fui… Não me
lembro de fotos comprometedoras ou vídeos escandalosos.
Muito menos se Jamie foi capaz de gravar algo íntimo nosso
sem o meu conhecimento. Mas uma coisa é certa: meu ex
sempre se colocou em primeiro lugar, e duvido que isso
tenha mudado. Não sei até que ponto ele está envolvido
nesse esquema de Oliver, só que também não quero saber.
Isso não é importante agora.

As ameaças podem ser vazias, ou então podem ser


certeiras. E, se eu for exposta, perderei não só Zachary,
mas as minhas chances de criar um nome de respeito no
mercado culinário.

“Seus segredos virão à tona. Todos eles”, Monica disse há


menos de uma hora.

Há menos de uma hora, eu nem sabia que tinha segredos.

Merda.

Não posso estragar o que tenho com Zachary, nem minhas


chances de um futuro profissional. Também me recuso a
destruir a reputação da família que, até agora, só me
ajudou.

— Nunca mais quero te ver na minha frente, Oliver —


começo a dizer, mantendo minha voz firme. Vejo um brilho
de desafio passar nos olhos daquele desgraçado, que
ameaça levar a mão até o bolso onde vejo o celular —,
porém acredito em segundas chances. — Na mesma hora,
ele suaviza a expressão e solta o braço ao lado do corpo.

Agora, Olivier tem um sorriso satisfeito e vitorioso no rosto.

Pelo visto, acabei de assinar meu contrato com o diabo.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Será que o rei finalmente encontrou sua rainha?

Calma que essa história é complexa demais para ser


explicada em poucas linhas.

Na sexta-feira da outra semana, vimos Zachary aos beijos


com uma ruiva, agora não tão misteriosa assim. Gaia
Denver, 24 anos, é uma cozinheira e moradora do Queens.
Sim, meu povo, Zachary King está namorando uma
cozinheira. Do Queens!

A mulher é gente como a gente! Podia ser eu, podia ser


você! E, por incrível que pareça, isso me fez ficar ainda mais
apaixonada por Zachary, viu?

Nascida e criada na Virgínia, Gaia se mudou para Nova York


depois de terminar a escola, em busca do seu sonho de ser
uma chef. No verão deste ano, começou a trabalhar na
mansão dos King, nos Hamptons, onde encontrou nosso
príncipe encantado.

Olha só! Era por isso que o querido Zach não saía de lá. Ele
estava com ela!

Pelas histórias que ouvimos, os dois começaram a se


envolver em segredo, só revelando o romance há pouco
tempo. Agora, estão namorando de verdade! Com o
conhecimento — e aprovação — da família. Inclusive, dizem
que Monica King ama a nova norinha. Os primos de Zach
também só têm elogios para a ruiva, que conquistou todo
mundo não só pelas comidas maravilhosas que prepara,
mas por ser bem-humorada e ter pé no chão.
É claro que um bando de recalcadas vai falar mal da
menina.

Todo mundo quer o coração de Zachary King. Mas vou ser


sincera: vocês não têm chance, queridinhas. Nunca tiveram.

Aposto o que quiserem que várias fake news sobre Gaia vão
brotar daqui para a frente. A imprensa vai cair em peso
sobre a coitada.

Força, Gaia! Zachary King é o Everest das mulheres! E você


foi a primeira a chegar ao topo dessa montanha. Não deixe
qualquer um te derrubar daí de cima.

Capítulo 42
Zachary
— Que cara é essa? — Trenton pergunta assim que o avião
começa a levantar voo, saindo de Washington DC.

A reunião desta manhã foi cansativa, principalmente porque


meu pai fez questão de não vir junto, deixando tudo nas
minhas costas.

Mas não é por isso que estou parecendo um zumbi.

— Aposto que é a Gaia — Elijah sugere, cruzando as pernas


enquanto me encara.

— Ela fugiu com outro homem e… — Sebastian vem com


aquele hábito maldito de inventar histórias, só que não
estou com paciência para essa brincadeira.

— Nem comece — interrompo-o, erguendo uma mão.

— Ela ainda não respondeu às suas mensagens? — Jackson


quer saber.

— Não. — Balanço a cabeça, enfatizando. Mas é o tom sério


que ele usa que me deixa mais preocupado. Encaro meu
primo, sentado na poltrona de frente para mim, e chego o
corpo um pouco para frente. — Você sabe alguma coisa que
eu não sei, Jack?

Por vários segundos, apenas trocamos olhares, enquanto o


silêncio preenche o avião. O único som vem das turbinas
que nos levam para a próxima reunião em Boston, depois de
horas negociando a fusão de um novo canal para a nossa
emissora.
Mas nem o sucesso da manhã é capaz de melhorar o meu
humor. Não quando Gaia mal falou comigo desde que fui
embora dos Hamptons, no domingo à noite. Já é quarta-feira
e suas mensagens são monossilábicas — isso quando ela se
digna a me responder.

Estou sentindo como se Gaia estivesse escapando por entre


meus dedos, e não sei o que fazer para mantê-la comigo.
Será que foi algo na festa? Ou a presença de Oliver mexeu
com ela? Não importa, a questão é que tem alguma coisa
acontecendo e não sei o que é.

Antes do evento, tudo estava bem. De repente, as coisas


mudaram da água para o vinho. Gaia ficou distante, não
parava de olhar para os lados e até pediu para ir embora
mais cedo. Passamos o resto do dia no meu quarto, na
cama, com ela perdida em pensamentos, mas sem
compartilhá-los comigo.

Só que, se minha namorada não se abriu para mim, pode


ter feito com meu primo caçula. Afinal, Jackson e Gaia têm
alguma conexão que não entendo. Sei que não preciso ter
ciúme, mas isso não quer dizer que não posso usar o
relacionamento dos dois a meu favor.

Principalmente neste caso, quando estou prestes a


enlouquecer.

Ficar longe dela nesses últimos dias têm sido mais difícil do
que pensei, ainda mais depois de como Gaia estava no
domingo.

Então, uma coisa que nunca imaginei, acontece: Jackson


permanece quieto, desviando o olhar de mim, como se
estivesse escondendo alguma coisa.
— Fala logo, cara — ordeno, porém meu tom não carrega a
mesma autoridade de sempre.

— Não tenho o que falar, Zach — ele diz. — Só acho que


vocês precisam conversar. — Dá de ombros, removendo o
cinto de segurança assim que a luz acende sobre nós.

— Deve ter algo a ver com Oliver — exponho minhas


suspeitas e vejo meus primos reagirem ao comentário.

Trenton me encara com as sobrancelhas erguidas. Sebastian


solta um assobio longo e agudo, enquanto Jackson arregala
os olhos, mais espantado do que todos os outros. Pelo visto,
ele nem imaginava isso.

Mas é a reação de Elijah que me surpreende ainda mais.

— O que Ollie tem a ver com isso?

Só pode ter sido a presença dele na festa que abalou Gaia


daquele jeito. Talvez a lembrança do assédio no dia do
piquenique a tenha abalado demais. O rosto dela estava
pálido quando me

aproximei, e não acreditei, por um mísero segundo, naquele


pedido esfarrapado de desculpas que Oliver ofereceu.

Então, outra dúvida me bate: será que ele assediou Gaia de


novo antes de eu aparecer?

— Ele estava na festa, conversando com a Gaia na parte de


trás da casa — explico, sendo discreto com minhas
suspeitas.

— Não, não estava — Elijah rebate na mesma hora, a


certeza estampada em seu rosto. — Foi ele quem me
apresentou à banda, mas…
— Pois é, explique melhor essa história, Eli — peço,
querendo saber mais detalhes da interação que ele teve
com Oliver e de como conseguiu o contrato com a banda.

É muito suspeito o modo como ele está tentando se


reaproximar de nós.

— Não foi nada de mais, Zach — ele começa. — Depois do


que aconteceu no piquenique, liguei para Vicky em algum
dia da semana, para ter certeza de que ela estava bem. Por
mais que Ollie seja um babaca, a irmã dele é uma garota
tranquila, que não merece sofrer as consequências por
conta dos erros alheios — Elijah diz e acabo concordando.

— É verdade — Trenton assente. — Vicky sempre foi nossa


amiga. A menos interesseira de todas elas.

— Fora que tem algum tipo de parentesco com a Brooke.


Acho que são primas por parte de mãe, não tenho certeza
— Eli comenta, como se todos soubessem do que está
falando.

— Quem é Brooke? — quero saber.

— A namorada do Scott — Elijah esclarece, fazendo


referência ao seu melhor amigo. — De qualquer jeito, a
Vicky me convidou para ir a um show no fim de semana, e
eu aceitei. Brooke e Scott foram com a gente. Mas quando
cheguei ao pub, para a minha surpresa, Ollie também
estava no local.

— Aquele lá é uma doninha ardilosa — Sebastian comenta,


balançando a cabeça de um lado para o outro em
desaprovação.

— Um tremendo patife — Jackson completa, fazendo uma


cara tão séria que me deixa com vontade de rir da
expressão ridícula. —

Aposto que foi tudo orquestrado.

— Não importa — Elijah corta —, porque a banda era muito


boa.

Ignorei Ollie durante as primeiras horas e me concentrei


apenas no show e nos meus amigos. Mas depois ele veio me
pedir desculpas.

— E você, com esse coração de ouro, aceitou — Trenton diz,


sinalizando para a comissária de bordo trazer algumas
bebidas.

— Me dê um pouco de crédito, Trent. Sou bonzinho, mas não


sou otário. Mandei ele à merda e disse que os King não
queriam mais nada com ele — Eli declara com firmeza,
porém algo me diz que a história ainda não acabou. — Só
que eu gostei demais da banda. A Red Law se encaixava
perfeitamente no que estávamos procurando.

E Ollie era o agente deles.

Escuto calado, apenas absorvendo as informações e


tentando entender de que forma tudo isso está relacionado
à Gaia. Porque, de algum jeito, tem relação. Ela ficou
estranha depois que Oliver apareceu. Ainda não sei o
motivo, mas pretendo descobrir.

— Na semana seguinte, Ollie me procurou e disse que


estava começando uma nova carreira, que estava mudado e
que queria uma oportunidade de se provar.

— E você, com esse coração de ouro, aceitou — Trenton


tenta de novo.
— Mais ou menos — Elijah cede e sinto vontade de rir. —
Disse a ele que nada havia mudado, que ele continuava
banido das nossas vidas, mas que eu tinha interesse na
banda.

— Ah, Elijah… — Sebastian e Jackson falam ao mesmo


tempo, enquanto Trenton e eu trocamos olhares.

— Vi o material da Red Law e as músicas eram muito boas,


tanto que apresentei aos nossos produtores e eles
adoraram. O show lá em casa foi um teste, para saber como
as pessoas reagiriam. E, como vocês mesmos viram, todo
mundo adorou. Nossos pais, principalmente.

Isso é verdade. Por mais que o dedo podre de Oliver possa


estragar tudo, não dá para negar que os moleques têm
talento.

Mesmo assim, meu primo deveria ter contado que


estávamos fazendo um acordo com aquele desgraçado.

Talvez tenha sido justamente por isso que não me disse


nada, pois sabia que eu seria contra. Jamais teria aceitado
lidar com Oliver

Cooper de novo, por melhor que fossem seus clientes.

Não acredito que Elijah agiu pelas minhas costas e trouxe


aquele pote de merda de volta para as nossas vidas,
principalmente depois das ameaças que fiz a Damon.

— Me diga que, pelo menos, fez uma checagem no pessoal


da banda? — Jackson pergunta, cortando meus
pensamentos. —

Pesquisou os podres? Viu se eles estão envolvidos com


coisas que podem sujar o nome da King Records?
— A equipe faz isso sempre, Jack — Eli confirma. — Eles são
uma banda de indie rock, então álcool e drogas já é
esperado. Mas isso foi anos atrás. De acordo com o nosso
pessoal, todos estão limpos agora. Inclusive, antes de
assinarmos os contratos, os membros da banca fizeram
exames de sangue e urina.

— E o que mais você sabe sobre eles? — finalmente


questiono.

— Banda de garagem, nascidos e criados em Nova York.

Brooklyn ou Queens, se não me engano. Escola pública,


tocaram em bares a vida toda. Nada de mais… Alguns
foram presos por coisas pequenas, como urinar em público,
brigas quando estavam bêbados.

Como eu disse, tudo dentro do esperado.

Assinto com a cabeça, sabendo que já tivemos que


esconder coisas muito piores de outros cantores. As pessoas
não fazem ideia de quem realmente são seus ídolos, e é
nossa função garantir que isso nunca aconteça.

A comissária escolhe este momento para chegar com


alguns copos de cerveja, estendendo-os para cada um de
nós.

— O almoço será servido em dez minutos — ela informa. —

Querem mais alguma coisa agora, senhores?

— Não, obrigado — agradeço, dispensando-a.

— Olha, eu não sei vocês, mas acho muito estranha essa


reaproximação de Oliver — Sebastian comenta. — Todo o
esforço que fez. E por que escolheu…
Só que meu primo não tem tempo de continuar.

— Puta merda! — Trenton solta em um grito, me fazendo


virar para ele. Vejo que está com o celular em mãos, mas é
a expressão de pânico em seu rosto que revela o tamanho
da merda que vem por aí. — Acho que já sei por que a Gaia
estava tão estranha, Zach.

Ele me entrega o aparelho. Antes mesmo de ler o que está


escrito ali, sinto meu coração acelerar com o medo, ao
mesmo tempo que vários olhares recaem sobre mim.
Quando bato o olho na manchete da página, o aperto no
peito piora. “Negócios em família” é o título do artigo. Se a
informação estivesse num post nas redes sociais, o
problema seria menor. Porém, é a página seis[5] do The
New York Post, um jornal conhecido por revelar os piores
segredos das celebridades.

“Quem nunca sonhou em fazer parte da família King que


atire a primeira pedra. Ricos, lindos, famosos e donos de
metade de Nova York, eles ganham cada vez mais
proeminência no mundo da música e da televisão. Apesar
de ficarem nos bastidores, os King são a máquina que
movimenta a indústria do audiovisual neste país.

Nas últimas semanas, o herdeiro desse conglomerado,


nosso solteiro mais cobiçado, escandalizou o país ao
assumir publicamente seu relacionamento com Gaia
Denver, uma simples cozinheira.

Afinal, o amor é cego — e não estamos aqui para julgar


ninguém por suas escolhas.

A paixão entre esses dois foi fulminante. Em menos de dois


meses, Gaia, uma jovem de vinte e quatro anos, nascida na
Virgínia e que sonha em ser uma chef de cozinha,
conquistou Zachary King.
Agora, se isso se parece com um conto de fadas ou um
romance estilo Nora Roberts, não importa. Afinal, creio que
todos fomos enganados, pois estamos falando de uma
trama mais parecida com os livros da finada Agatha
Christie.

Uma pesquisa mais a fundo sobre a vida de Gaia Denver,


revelou um plano muito bem elaborado para conquistar o
mundo. E não estamos brincando. A jovem invejada por
todas as mulheres deste país, já esteve envolvida com o
vocalista da nova banda descoberta pela King Records, a
Red Law. Vejam se não é uma coincidência interessante?

A questão é que, logo que o Zachary King se descobriu


apaixonado, o ex de Gaia Denver consegue um contrato
muito vantajoso com uma grande gravadora, depois de
anos tentando e

não conseguindo. Talvez, os negócios agora fiquem em


família, com a tão elogiada moral dos King sendo
corrompida…

Paro de ler a matéria e olho para cima. Jackson e Trenton


me encaram de volta, enquanto Elijah e Sebastian têm seus
celulares nas mãos, provavelmente lendo o artigo até o fim.
Coisa que não tenho coragem de fazer.

— Você sabia disso? — obrigo-me a perguntar, mantendo os


olhos presos em Jackson.

Ele apenas balança a cabeça em afirmativa.

Puta que pariu. Como Gaia pode ter escondido isso de mim?

Solto o celular no banco vazio ao meu lado, e enterro o


rosto nas mãos, sem saber ao certo o que pensar agora.
Não consigo entender mais nada. Na verdade, tento colocar
algum sentido em tudo o que está acontecendo, mas são
tantas dúvidas que meu cérebro parece ter reiniciado. E
ficado em tela preta.

Por que ela não me contou? Será que acha que sou
irracional a ponto de não aceitar que ela teve outro
namorado? E por que Jackson sabe sobre isso?

Então, sem que eu consiga controlar, uma imagem se forma


na minha mente. Uma que fiz de tudo para esconder em um
lugar bem escuro. Aquela que jurei nunca mais permitir que
chegasse à superfície.

Gaia e Jackson na cama, se beijando.

No mesmo dia em que ficamos juntos pela primeira vez.

— Estão dizendo que foi tudo planejado — Sebastian


comenta, desviando meus pensamentos nocivos.

— Do que você está falando?

— Da matéria. — Ele aponta para o celular. — Estão dizendo


que ela só se envolveu com você para que o ex tivesse uma
chance com a King Records.

Engulo o ódio que começa a se formar na minha garganta.

— E o que mais? — pergunto, porque duvido que tenham


parado aí.

— Melhor do que ninguém, você sabe que isso é mentira,


Zach

— Elijah comenta baixinho, porém não consigo olhar para


ele agora.
Primeiro, sou obrigado a falar com Oliver. Depois, descubro
que Elijah agiu pelas minhas costas e fez um acordo com
aquele desgraçado.

Agora,

tomo

conhecimento

por

um

jornal

sensacionalista que minha namorada escondeu o fato de


que teve um relacionamento com alguém que está se
beneficiando às nossas custas. Escondeu de mim, porque
não hesitou em contar a verdade para Jackson.

— O. Que. Mais? — insisto.

— Falaram que os dois ainda estão juntos — é a vez de


Trenton responder, fazendo meu peito se apertar. — Que o
seu relacionamento com ela é só fachada.

— Cara, você sabe que isso é mentira, né? — Jackson entra


na conversa, usando aquele tom de quem não tem uma
preocupação na vida.

— Sei, Jack? — jogo a pergunta de volta.

— Claro que sim. Você conhece a Gaia, sabe que ela jamais
faria uma coisa dessas.

— Eu não sei de nada… — Recosto-me no assento, mais


cansado do que consigo explicar.
Tento me lembrar de tudo o que Gaia disse sobre o ex, e
então uma frase me vem à mente.

“Eu já tive meu coração estraçalhado uma vez, e foi quase


impossível emendar os cacos. Não faça isso comigo de
novo… por favor.”

A ironia dessa frase não me escapa, mas as dúvidas


parecem se acumular dentro de mim.

“Há muitas coisas que não sabemos sobre o outro”, ela


também disse, quando estávamos no helicóptero. E eu,
como idiota apaixonado, achei que era só uma questão de
tempo até que isso não passasse de um detalhe
insignificante.

Mas, neste momento em que tudo isso está vindo à tona,


não sei mais no que acreditar. Minha racionalidade nunca
funciona quando Gaia está envolvida. Ignorei o que sempre
fui, me joguei de cabeça no que sinto, me entreguei à
maldição… Porra, dei um soco na cara

de Oliver e quase pus os planos da nossa empresa em risco


por conta daquela mulher! Transei sem camisinha com ela!

Meu cérebro e meu corpo não trabalham juntos quando


Gaia está por perto, isso é fato. E, para piorar tudo, ela foi
incapaz de me contar uma verdade simples. É por isso que
me pergunto: por que a mentira?

Se ele é só um ex, por que Gaia não disse nada?

Eu contei sobre Samantha. Contei sobre as mulheres com


quem me envolvi — muito superficialmente —, então por
que ela não fez o mesmo? Porra, o ex dela estava na minha
casa, caralho! Custava ter apontado e dito: “Tá vendo
aquele babaca? Então, ele era meu namorado”. Claro que
eu não iria dar pulinhos de alegria, mas também não
tomaria nenhuma atitude impensada. Muito menos no meio
da festa.

Só que o silêncio de Gaia, junto à sua atitude suspeita nos


últimos dias, só me faz ter certeza de que ela está
escondendo algo sério de mim. E, pela primeira vez na vida,
talvez o artigo tenha um fundo de razão. Principalmente se
eu levar em conta o fato de que o empresário da banda é o
maior filho da puta que conheço. Será que a armação dela
envolvia o Oliver? Que o assédio foi uma forma de
conquistar a simpatia de algum King?

— Posso servir o almoço? — A comissária aparece, um


sorriso irritante estampando seu rosto.

— Pode — Trenton diz.

— Não — falo mais alto. — E avise ao piloto que precisamos


fazer uma mudança no plano de voo. Vamos para Nova York.

Não vou conseguir passar o resto do dia pensando sobre


esse assunto sem a chance de fazer algo a respeito.

A primeira providência que preciso tomar é pôr um fim


àquele contrato, antes que tudo saia do controle.

E, mais tarde, terei uma conversinha muito importante com


a minha namorada.

Capítulo 43
Gaia
Desde domingo à noite, não tenho nada para fazer, por isso
estou sentada aqui, vendo Julian cuidar do jardim, sem
pressa.

Também não tenho ânimo para cozinhar, nem disposição


para ajudar Martha com receitas novas. Minha cabeça é um
turbilhão de pensamentos, sempre imaginando o que vai
acontecer se Oliver cumprir com sua promessa.

Fiz o que ele pediu e mantive a boca fechada, mesmo tendo


que mentir para Zachary. Ou melhor, omitir. Eu estava
pronta para contar a verdade e explicar sobre o tipo de
relacionamento que tive com Jamie, só que não consegui.

Como Zach precisou voltar a Manhattan, achei melhor usar


os dias em que ficaríamos afastados para pôr minha cabeça
em ordem.

Talvez encontrar uma forma de dizer tudo sem atrapalhar os


planos de Oliver. Porque, no fim das contas, era isso o que
ele estava pedindo: que Zachary aceitasse a Red Law na
King Records.

Nesse meio tempo, percebi que não posso manter meu


namorado no escuro. Não se eu quiser que as coisas entre
nós continuem bem. Os últimos dias foram complicados
demais, simplesmente porque não sou capaz de esconder o
que sinto. A cada mensagem que Zach me manda, tenho
vontade de contar toda a verdade, mas preciso fazer isso
pessoalmente para que não haja nenhum mal-entendido. Já
demorei demais para fazer o certo.
— Gaia! — Olho para o lado e vejo Valerie correndo até
mim. De novo, ela tem o celular nas mãos e uma expressão
de conflito no rosto. Sempre que isso acontece é sinal de
más notícias.

“De novo não”, é o que penso antes de ela se aproximar.

— O que foi desta vez? — pergunto, controlando a tensão


que começa a se formar dentro de mim.

— Você não vai acreditar… — ela sussurra, revezando


olhares entre mim e o jardineiro. — Vem comigo. — Val
segura a minha mão e começa a me puxar em direção à
casa.

Vou atrás dela aos trancos e barrancos, mesmo que minha


vontade seja de ir na direção oposta. Quero me esconder
em algum canto onde não haja fofocas a meu respeito nem
pessoas que querem saber da minha vida.

Desde que Zachary e eu paramos de esconder nosso


relacionamento, vários sites de fofoca têm noticiado coisas
sobre mim. Faço o melhor para ignorar, até porque as
informações não têm importância. Ninguém sabe muito a
meu respeito, simplesmente porque não há muito o que
saber. Na primeira semana, foram só as fotos de nós dois no
carro, enquanto vínhamos para cá. É claro que as imagens
acompanhavam várias perguntas de “Quem é a mulher
misteriosa?” e “Será que Zachary King está namorando?”.
Mas, desde domingo, as coisas mudaram de tom.

Como Monica havia previsto, notícias de quem eu sou


começaram a aparecer, além de fotos minhas com Zach na
festa, abraçados, dançando, conversando e nos beijando.
Algumas fontes anônimas — ou seja, os convidados que não
quiseram ter seus nomes revelados — disseram que eu era
uma garota comum. Outras sugeriram que eu só tinha me
aproximado dos King por interesse, para alavancar a minha
carreira. Independente do que diziam, em todos os veículos
havia uma verdade: Zachary King estava namorando a
cozinheira da casa de férias.

Só que pelo modo como Valerie me puxa, sei que a notícia


da vez carrega muito mais do que simples fatos. Sua mão
está suada, como se ela também estivesse aflita. E isso só
piora o meu estado de nervosismo.

— Val, por favor — digo assim que ela fecha a porta do meu
quarto —, me conte o que aconteceu.

— Ah, Gaia… deu merda. Merda das grandes. — Ela me


encara, mas não por muito tempo, porque logo começa a
andar de

um lado para o outro do cômodo.

— Do que você está falando? — pergunto, mas na mesma


hora minha mente volta para a ameaça de Oliver.

Será que ele jogou alguma coisa do meu passado na


internet?

Será que tem minhas fotos íntimas rolando nas redes?

— Estou falando do seu relacionamento com Jamie


Lawrence —

Val solta a bomba. — O The New York Post anunciou que


você e ele namoraram. Está na Página Seis! A matéria saiu
perto da hora do almoço, mas só vi agora. Estava ocupada
arrumando a casa. Só que isso nem é o pior… — ela hesita,
olhando de mim para o aparelho em suas mãos.
Por um momento, fico com medo do que vou ouvir. Só que o
acúmulo dos últimos dias já me deixou anestesiada. Além
disso, essa era a informação que Oliver não queria que
vazasse, então não deve ter sido ele a passar a dica para a
imprensa. Oliver parece ser do tipo ganancioso, não burro.

— Fala logo, por favor — peço, sentando-me na beirada da


cama para receber o impacto.

— Estão dizendo que você e Jamie armaram tudo. Que o seu


envolvimento com Zachary é uma farsa para ajudar na
carreira do seu ex.

Minha primeira reação é rir. Rir de desespero, pois não há


espaço para humor dentro de mim. Só de pensar na
possibilidade de eu fazer qualquer coisa para ajudar Jamie a
se dar bem na vida, sinto vontade de vomitar. Porque não
há hipótese mais ridícula neste mundo.

— É sério isso?

— Seríssimo. Disseram também que vocês ainda estão


juntos e que seu namoro com Zachary é fachada — Val
acrescenta.

— Claro que sim. Por que não seria? — Apoio as mãos ao


lado do corpo e abaixo a cabeça, encarando o chão.

Bem que Zachary avisou que a imprensa publicaria


qualquer coisa para ganhar dinheiro às custas dos King.

— Mas, Gaia… — Valerie chama e acabo olhando para ela.


Se fosse só um site de fofoca qualquer, eu também teria


ignorado.
Mas quem publicou esse artigo foi o The New York Post, e
eles têm

uma certa credibilidade. Não dariam a informação sem


verificar a fonte. Ainda mais na página de mais destaque.

— Tá bom… Só que nada disso é verdade, Val. É só um


bando de mentiras — defendo-me.

— Eu sei, querida. Mas será que os King sabem?

A pergunta dela é o último prego no meu caixão. Porque,


mais do que a opinião dos King, o que me preocupa são as
consequências deste artigo. Afinal, se a família acreditar
nele, pode quebrar o contrato com a Red Law. Se isso
acontecer, Oliver irá vazar qualquer informação que possa
ter a meu respeito, o que vai gerar um escândalo ainda pior.
Isso tudo é uma maldita bola de neve. Agora, preciso
descobrir exatamente o que esse filho da mãe tem contra
mim — e me preparar para a catástrofe.

Merda!

Quando foi que minha vida virou esse caos completo?

“No dia que você assumiu estar apaixonada por Zachary


King”, uma voz responde dentro da minha cabeça. Por mais
que eu tente ignorá-la, é impossível.

Antes dele, tudo era mais fácil: não tinha fofocas a meu
respeito, ninguém me ameaçava, meu ex-namorado estava
vivendo em um canto qualquer… Mas assim que Zach
entrou na minha vida, as coisas viraram de cabeça para
baixo — em todos os sentidos. Mais uma vez, parei de
pensar apenas em mim e no que eu queria conquistar.
Abaixei a guarda. Cedi.
Agora, estou aqui, com pessoas me chamando de tudo o
que têm direito, enquanto preciso me preocupar em ter
vídeos meus vazados — e eu nem sei o conteúdo deles.

Suspiro, lembrando-me do conselho que recebi da coronel e


de Monica. Eu deveria ter ouvido quando tive a chance e
ficado longe de Zachary King.

Por outro lado, eu não teria a chance de ficar com ele.

— O que você vai fazer a respeito disso tudo, Gaia? —


Valerie pergunta, sentando-se ao meu lado na cama.

— Sinceramente? Não sei. Não faço a menor ideia. A


impressão que tenho é de que estou vivendo um pesadelo
nos últimos dias e não consigo acordar.

Semana passada, tudo era um sonho. Estar nos braços dele.

Ser beijada e tratada como uma princesa pela primeira vez


na vida…

Só que as coisas saíram do controle em um piscar de olhos.

— Preciso falar com Zachary — aviso à Val. — Explicar a ele


que isso não passa de um grande mal-entendido. Talvez
provar que não fazia ideia do contrato da Red Law. Não sei…

— Acho que é uma boa ideia — minha amiga concorda,


tomando minha mão na sua e apertando-a em um sinal de
apoio. —

Ligue para ele e avise que precisam conversar. Zachary vai


acreditar em você.

— Espero que sim.


Porque não sei o que vou fazer caso ele escolha a verdade
do artigo. Principalmente depois de todo aquele discurso
durante a festa.

Jackson tinha razão quando disse que esconder meu namoro


com Jamie daria merda. Maldito Oliver! Ele precisava ter
aparecido logo naquela hora? Cinco minutos depois e nada
disso estaria acontecendo.

— Hmmm, Gaia? — Valerie me chama, seu tom ainda mais


preocupado do que antes. — Você vai querer ver isso.

Olho para o lado e vejo-a encarar o aparelho nas mãos com


a boca escancarada.

— O que foi?

— Puta merda! — ela diz, sem desviar o foco do celular. —


Puta merda, puta merda! — repete, os olhos ficando cada
vez mais arregalados.

Consigo ouvir uma música tocando e várias risadas, além de


uma voz rouca:

Agora tira a blusa, amor!

Meu coração acelera na hora, porque eu sei o que vou ver.

Chego o corpo para o lado, olhando por cima do ombro de


Valerie.

Na tela do celular, está o meu maior pesadelo: eu mesma.

Dançando, rindo, completamente bêbada em cima de uma


mesa. Quase não dá para ver meu rosto, de tanta fumaça
que há na pequena sala do apartamento de Jamie. Só que
tudo no vídeo é reconhecível para mim. E pela posição que
ele é gravado, sei que

meu ex-namorado está sentado no sofá, enquanto danço na


mesinha de centro. Como a idiota que fui, é claro que faço o
que ele pede e tiro a blusa, ficando apenas de saia jeans e
um sutiã preto, que já tinha visto dias melhores. Meu cabelo
está uma zona. Minha pele parece macilenta.

A Gaia do vídeo não se parece em nada com a mulher que


sou hoje.

“É isso aí!”, os outros integrantes da banda vibram quando


me veem só de sutiã. Eu não paro de me balançar, uma
garrafa de vodca na mão e um cigarro aceso na outra.
Trevor está tocando guitarra em um canto, Justin batuca no
braço da poltrona, porém não dá para ver seus rostos. A
câmera muda de foco e ouço Jamie fungar. Sei que deve
estar cheirando, apesar de não conseguir ver na imagem,
que logo volta para mim.

“Agora tira a saia!”, Justin pede e Jamie solta uma risada


alta, apoiando o amigo. Coloco o cigarro na boca antes de
levar uma mão ao botão na cintura.

Abaixo a cabeça, sem querer assistir à minha própria


desgraça.

E o pior de tudo é que nem me lembro desse dia. Algo assim


deve ter acontecido milhões de vezes quando eu e Jamie
estávamos juntos, simplesmente porque eu fazia tudo o que
ele me pedia.

Mesmo me humilhar para seus amigos.

— Pare, por favor. — Aperto com força a mão de Valerie, que


interrompe o vídeo.
Não consigo encará-la, meu rosto queimando com a
vergonha.

— Acabou de sair no TMZ — ela diz baixinho. — Tem


algumas fotos também.

Val coloca o celular na minha frente, mostrando cada uma


das imagens. Em todas meu estado é pior: deitada no sofá,
usando lingerie, sempre bêbada ou beijando Jamie…

— Meu Deus. — Meu estômago se revira, ao mesmo tempo


que me esforço para não sair correndo deste lugar.

— Pense pelo lado positivo: quase não dá para te


reconhecer —

Val comenta, afagando minhas costas.

Só que isso não é o suficiente para me acalmar agora. Nada


é, porque Oliver cumpriu a promessa. Ou talvez nem tenha
sido ele.

Não sei o que pensar, muito menos o que fazer.

O que será que os King estão achando de mim?

O que será que Zachary está achando?

Enfio o rosto nas mãos e começo a chorar de desespero,


sentindo o peso dos meus atos voltarem com tudo. Mais do
que isso, sinto a humilhação correr em minhas veias,
sabendo que tudo isso foi por conta de um homem que
nunca mereceu os meus sentimentos.

Jurei a mim mesma, quando me livrei daquele inferno, que


jamais cometeria esse erro de novo, e olha onde estou
agora: minha vida foi virada de cabeça para baixo por conta
de Zachary King. Eu nunca deveria ter me envolvido com
ele. Se tivesse mantido as pernas fechadas e o coração
trancado a sete chaves, meu passado teria ficado quieto.

Eu tentei resistir, juro que sim, mas algo sempre me puxou


em direção a ele — e fui incapaz de me controlar. Acabei me
entregando, me permitindo sentir de novo. Tudo para ver
minha vida ir por água abaixo.

Agora, eu deveria estar preocupada com as consequências


desse vídeo vazado, mas só consigo pensar nele. Em como
Zachary deve estar se sentindo traído, em como deve estar
me odiando.

Porque eu sou uma idiota mesmo.

Enquanto o mundo cai em ruínas ao meu redor, o único pilar


que preciso para me manter de pé é ele. E não entendo o
porquê! Essa obsessão toda que tenho por Zachary King
não faz o menor sentido.

Sei que amor deixa a gente meio estúpida, mas o que sinto
vai além disso. É como se eu precisasse dele para viver.

— Gaia — Val cutuca a minha perna —, chegou uma


mensagem no seu celular. — Ela aponta para a mesinha de
cabeceira, onde o meu aparelho ficou esquecido o dia
inteiro.

Um fio de esperança surge dentro de mim. Talvez Zachary


esteja tentando me ligar para saber se estou bem. Desta
vez, irei responder da forma como ele merece. Porém,
quando vejo que a mensagem na tela não é dele, meu
coração acelera ainda mais. E ao notar que é de um número
desconhecido, fico com medo de clicar.
Era sobre esse tipo de segredo que eu estava falando. Você
tem ideia do que causou quando não me contou a verdade?
Eu te dei todas as chances de ser sincera, Gaia. Agora,
estamos no meio de um furacão, tentando controlar os
danos que esses vídeos e fotos vão causar. Nos falamos
mais tarde. MK.

MK. Monica King.

Merda, merda, merda!

Fico debatendo se respondo ou não à mensagem, dizendo a


ela que não fazia ideia da existência desses vídeos. Mas
será que ela vai acreditar em mim? Provavelmente não.
Talvez acreditasse, se o artigo não tivesse saído mais cedo.

Mais uma vez, me vejo entre a cruz e a espada: ficar e lutar


por Zachary ou voltar para a minha realidade e tentar, de
novo, esquecer que meu coração é capaz de ser de alguém?

Só que essa não é uma pergunta simples de responder. O


que está em jogo é complexo demais, principalmente se
levar em conta tudo aquilo que sinto por ele.

Por um lado, tem a dor. O constrangimento. O medo de me


perder em um homem. Por outro, tem a certeza de perder
aquele que eu amo. Porque a verdade é que eu amo
Zachary King.

Amo o modo como me toca, como olha para mim e como


me faz sentir. Amo que não se importa com nossas
diferenças e que sorri sempre que me encontra. Amo sentir
aquele friozinho na barriga sempre que ele está por perto.
Amo quem ele é, mesmo sem saber se ele me ama de volta.

E é essa incerteza que me mata.


Ao mesmo tempo que estou disposta a arriscar tudo, queria
muito ter alguma prova de que minha entrega não é em
vão. Fora que não sei se ele vai me querer depois de
descobrir sobre o meu passado.

Merda!

— Preciso ir até Manhattan e conversar com Zachary.

Pessoalmente — aviso à Valerie.

Uma ligação não vai resolver nossos problemas; uma


mensagem menos ainda. É por isso que sigo até o armário e
alcanço

a primeira bolsa que vejo, colocando-a em cima da cama.


Depois, começo a catar algumas roupas e as enfio lá dentro.
Não sei quanto tempo ficarei fora, mas essa bagunça não
vai ser resolvida de um dia para o outro.

Enquanto me organizo, fico pensando em quais palavras


usar para fazer com que Zachary escute o que tenho a dizer
sem me enxotar de sua casa. Porque agora que a merda já
foi jogada no ventilador, não tenho mais razões para
esconder as ameaças de Oliver. Por um lado, isso é bom.
Muito bom. Terei a chance de contar toda a verdade para
quem realmente me importa.

Falarei do meu relacionamento com Jamie, do susto que


levei ao vê-lo na festa e não deixarei de fora a interação
que me levou a ficar calada durante esses dias. No fim,
espero que ele entenda meus motivos e aceite as minhas
desculpas.

— Ah, Val… O que eu faço? — pergunto à minha amiga,


mesmo sabendo que ela não tem ideia do que se passa em
minha mente agora.
— Os King vão te ajudar — ela diz, vindo até mim com um
olhar empático no rosto. — Eles têm contatos e dinheiro.
Com certeza vão mexer os pauzinhos e fazer essas coisas
desaparecerem em um piscar de olhos.

— A gente até poderia fazer isso — uma voz chega da porta,


me fazendo levar um susto, tanto que me viro na sua
direção e me espanto ainda mais ao ver quem está parado
ali —, mas tudo depende de você, Gaia. Na verdade,
depende do que você vai me contar agora.

Diferente de todas as vezes que eu o vi antes, Trenton King


não está sorrindo nem parece relaxado. Acho que sua
aparência nunca esteve tão séria, o que só me faz ter
certeza de que o peso do dia, de alguma forma, recaiu
sobre ele também.

— É a minha deixa… — Valerie diz, depositando um beijo na


minha têmpora antes de se afastar. — Boa noite, Trent —
ela o cumprimenta antes de desaparecer pelo corredor,
porém não recebe uma palavra de volta. Parece que a
cordialidade também não está aflorada hoje.

Ouço a porta do quarto ser fechada e sei que estou a sós


com ele. Só não tenho ideia do que vai acontecer agora.
Pelo modo como Trenton me encara, aposto meu fouet da
sorte que nossa conversa não será nada agradável.

— O que você está fazendo aqui? — questiono, mas


mantenho o tom manso. Não quero piorar ainda mais a
situação.

— Jura que é essa a sua pergunta? — Trenton dá um passo


para dentro do quarto, seus olhos parando na mala ainda
aberta sobre a cama. — Que tal começarmos com a minha.
— Ele aponta para as minhas roupas jogadas. — Está
fugindo?
Assim que as palavras saem de sua boca, Trenton começa a
rir, balançando a cabeça de um lado para o outro.

— Não estou fugindo, só… — começo a falar, porém sou


interrompida.

— Só indo embora por uns dias, para esfriar a cabeça? —


ele ironiza, sem tirar o sorriso do rosto. — Juro que esperava
mais de você, Gaia. Talvez uma explicação, um pedido de
desculpa, mas não… isso. — De novo, ele aponta para a
mala, sem me dar a chance de dizer que, na verdade, só
estava indo até Manhattan para conversar com o meu
namorado. — Você sabia que Zachary está vindo para cá?
Depois de passar o dia inteiro tentando controlar a
imprensa, cancelando contratos, movendo mundos e fundos
para essa merda não feder ainda mais, ele ainda está vindo
para cá, porque o cara está tão cego de amor que está
disposto a conversar.

A te dar uma chance de se explicar. — Trenton balança a


cabeça, como se não acreditasse no que o primo é capaz de
fazer. — Ele pegou o carro depois de ter arcado com a multa
quase milionária no contrato da Red Law. Zachary está tão
desnorteado que esqueceu que o meio mais rápido para
chegar aqui é de helicóptero, assim como fiz. Ainda bem,
porque eu precisava falar com você antes dele.

O tom de voz que Trenton usa me dá certo medo. Não


parece o mesmo cara simpático que jogou videogame
comigo numa noite de semana. Nem o que me acompanhou
até um luau, quando eu estava insegura.

— Sabe, Gaia — ele continua —, eu faço tudo pelo meu


primo.

Tudo. Sei que te disse isso uma vez, mas você não me levou
a sério:
Zachary é meu irmão, e não posso permitir que ele não
enxergue o que está bem à frente de seu nariz. A verdade é
que você colocou um feitiço nele. “Amaldiçoou” talvez seja o
verbo certo, neste caso.

Mas não importa, porque o resultado é o mesmo: Zachary


perdeu o rumo desde que te conheceu.

Trenton me observa, atento às reações que tenho ao ouvir


seu desabafo. Só que não sei como reagir, por isso fico
estática, esperando a tempestade que vejo se formar em
seus olhos.

— Zachary sempre teve um lado despreocupado, mas


nunca foi burro. As responsabilidades com a família vinham
em primeiro lugar, do jeito que aprendemos desde cedo.
Mas foi só você aparecer que tudo mudou. Ele parou de
pensar no que era certo e passou a agir de forma irracional.
Primeiro, colocou o contrato com Damon em risco ao socar
Oliver. Até entendi, dadas as circunstâncias. Só que agora
ele foi longe demais…

Assim que começa a falar, não para mais. Como se


estivesse despejando uma enxurrada de informações que
ficaram guardadas por muito tempo, e agora finalmente
estão livres, Trenton joga o que julga ser verdade em cima
de mim, sem se preocupar com a consequência do que diz.

Enquanto isso, engulo tudo, absorvo cada palavra,


acrescentando-as à dor que já estava sentindo antes de ele
chegar.

— Você sabia que meu primo está entrando em guerra com


a imprensa por conta do que falaram sobre você? Que a
família inteira foi contra isso, mas que ele peitou até mesmo
o pai? Sabia que ele cancelou o contrato com a Red Law?
Que brigou com Oliver de novo, deixando o acordo com
Damon por um fio? Você tem noção do que isso representa
para a IK? — ele joga as perguntas como se fizessem algum
sentido para mim. Apenas balanço a cabeça, negando. —
Pois é, você não tem ideia. É claro que não tem ideia.

Por que teria? Não é você quem está com o julgamento


alterado por conta de uma maldição de família. Admito que,
no começo, achei que tudo era mentira, uma história de
terror para colocar medo em meninos malvados. — Trenton
solta uma gargalhada, andando de um lado para o outro no
quarto. Ele perdeu totalmente o controle das palavras,
soltando-as sem qualquer sentido, como se falasse consigo

mesmo. — Pois essa merda de maldição existe, e não vou


deixar que ela chegue perto de mim. Porque eu me recuso a
agir que nem meu primo. Zachary perdeu a noção. E o pior
é que ele nem consegue enxergar isso. Está brigando com
todo mundo por sua causa sem nem te perguntar se tudo
isso é verdade ou não. Ele acredita piamente que você é a
vítima nessa história toda.

Não sei se Trenton percebeu, mas esse monólogo virou uma


tortura para mim. A cada comentário e pergunta, mais a
faca enfiada no meu coração se torce. Eu só queria a
chance de amar e ser amada, mas estou destruindo a vida
de pessoas que não mereciam isso.

— De início, imaginei que fosse tudo uma tremenda


mentira, é claro. — Ele não me encara mais, só fala olhando
para as mãos, que gesticula sem parar. — Raramente a
imprensa fala verdades a nosso respeito. Eles só querem
faturar às nossas custas. Só que então me bateu. — Dá um
tapa na própria testa e continua com o monólogo: —

Você não é uma de nós. Ainda não. Então, por que eles
inventariam tantas mentiras a seu respeito? A troco de quê?
Ninguém sabe…

Nem Zachary, mas ele não se importa. Disse que quer


conversar contigo. De repente, meu primo virou um homem
maduro e equilibrado emocionalmente, com aquele discurso
de que é conversando que resolvemos os problemas.
Enquanto isso, está destruindo tudo no caminho para te
proteger. Não faz sentido nenhum. Nenhum! É por isso que
não podemos deixar que essa maldição continue seguindo
seu curso, Gaia. Você consegue me entender?

Trenton finalmente para de falar e me encara. A respiração


pesada, os olhos desesperados. As mãos paradas no ar,
entre um gesto e outro.

— Que maldição? — pergunto, mais confusa do que antes.

Nos últimos dois minutos, recebi uma tempestade de


informações e ainda não consegui assimilar todas elas, a
não ser o fato de Zachary estar me protegendo à distância.

— Ah, então você não é a única que guarda segredos… —

Trenton balança a cabeça e dá alguns passos na minha


direção. —

Sei que não era meu trabalho, mas deixa eu lhe avisar,
Gaia: meu

primo não está apaixonado por você. Ele está sob os efeitos
da maldição dos King — declara, mantendo os olhos presos
em mim.

Por mais que Trenton pareça um louco neste momento, suas


palavras atingem um ponto certeiro dentro de mim.
— Do que você está falando? — questiono mais uma vez,
ouvindo minha voz sair trêmula.

Sinto uma náusea começar a subir pela garganta, mas


esforço-me para permanecer composta e não demonstrar o
efeito causado pela declaração.

— Também não acreditei no início, até ver o estrago que


você causou em Zachary. Ele mudou demais desde que te
conheceu, e isso só tem uma explicação: a maldição dos
King é real — começa a dizer, fazendo o meu coração bater
ainda mais forte dentro do peito.

— Ela obriga todos os homens da nossa família a se


apaixonarem à primeira vista. E, de acordo com o que ouvi,
ficamos obcecados, perdemos o bom-senso e não
conseguimos funcionar direito. Mas isso não é amor, Gaia, é
só o efeito da maldição.

Por vários segundos, apenas encaro o homem à minha


frente, sem saber como responder. O primeiro pensamento
gira em torno do quão ridículo tudo isso é. Maldição… quem
acredita em maldição?

Depois, penso no modo como me sinto quando estou perto


de Zachary. Neste momento, é como se uma luz se
acendesse na minha cabeça.

Não penso direito. Sempre fico hipnotizada. Parece que o


mundo deixa de existir e ele é a única coisa que me
mantém presa ao chão.

Se isso não fosse o suficiente, também tem o fato de que as


palavras “eu te amo” nunca saíram da boca de Zachary.
Também não saíram da minha, mas não por falta de
vontade. Eu só… não achei o momento certo para dizê-las,
ou talvez tivesse medo de não as ouvir de volta. Afinal, por
que um homem como Zachary King se apaixonaria por uma
mulher como eu? Ele tem tudo, inclusive opções melhores e
mais adequadas.

Por que ele se contentaria com uma cozinheira do Queens,


se pode ficar com uma artista linda e rica?

“Por causa da maldição”, respondo mentalmente, sentindo


meu peito arder com a compreensão.

Não sou bonita o suficiente, não tenho dinheiro, não tenho


nada a oferecer… Zachary jamais olharia para mim duas
vezes se não fosse obrigado por uma força maior.

— Eu tenho que sair daqui… — falo para mim mesma,


minha voz sussurrada enquanto tento me manter de pé.

Apoio-me na cama e começo a tacar todas as roupas dentro


da mala, pouco me importando se tenho tudo o que preciso.

A verdade é que não preciso de mais nada. Nada além de


distância disso tudo.

Capítulo 44
Zachary
Assim que estaciono o carro na frente da casa, percebo que
falta pouco para as sete da noite. O dia passou voando, o
trânsito para chegar até aqui não ajudou muito, mas
finalmente vou poder conversar com a Gaia. Está na hora de
colocar essa história toda a limpo, porque não aguento mais
ouvir de outras pessoas tudo o que ela fez ou deixou de
fazer.

Tive algumas horas para me acalmar — o que não fez muita


diferença — e tentei colocar meus pensamentos em ordem.
A primeira coisa que preciso é saber por que ela mentiu
para mim. A segunda é se ainda está envolvida com aquele
cantorzinho de merda.

Já aceitei que sou um golden retriever, só não quero ser


corno ao mesmo tempo. Aí já passa de todos os limites. Mas
até Gaia olhar na minha cara e se explicar, darei a ela o
benefício da dúvida. Porque não é possível que essa mulher
tenha me enganado tanto assim.

Não depois do que passamos juntos…

Ao mesmo tempo, sei que ela está escondendo algumas


coisas e não sairei daqui até descobrir tudo.

Cruzo as portas de vidro e não sou recebido pelo silêncio,


como esperei, e sim por alguns gritos abafados que vêm da
cozinha. A voz feminina pode ser de Gaia. Meu corpo inteiro
tensiona, já se preparando para defendê-la.

Será que Oliver não ouviu meu alerta para ficar longe dela?
Sigo até lá com pressa, cruzando primeiro a sala de estar,
passando pela de jantar enquanto as vozes femininas e
alteradas ficam mais altas, discutindo com alguém. Porém,
quando paro ao

lado da porta, a cena inesperada que me recebe faz com


que eu franza o cenho e estanque no lugar.

— Por que você deixou ela ir embora? — Valerie está aos


berros, apontando o dedo para Trenton como se ele não
fosse um dos donos da casa.

Fico quieto, sem ser notado, apenas observando o que


acontece ao meu redor.

— Foi muito errado da sua parte, menino. Muito errado —


Martha diz, parecendo uma mãe brigando com o filho.

— Ela estava arrumando as malas quando conversamos e…

— Para ir até Manhattan! — Valerie o interrompe, soltando


em um grito. — Ela queria conversar pessoalmente com
Zachary! Mas, por sua causa, não sabemos para onde ela
foi.

É então que entendo do que estão falando e sinto meu


corpo gelar por dentro.

— Como assim, vocês não sabem onde Gaia está? O que


aconteceu? — Entro na conversa. — E o que você está
fazendo aqui, Trent? — Olho para o meu primo, que parece
assustado ao me ver chegar de repente.

Três pares de olhos me encaram, trazendo silêncio à


cozinha.
Neste momento, seria possível ouvir um alfinete cair no
chão, se não fosse meu coração batendo acelerado nos
ouvidos. Volto minha atenção para Valerie, erguendo uma
sobrancelha e pedindo que ela explique o que diabos está
acontecendo aqui.

Por alguns segundos, ela hesita, cutucando a unha como se


não soubesse o que dizer.

— Val… — incentivo-a, dando alguns passos para dentro da


cozinha.

— A culpa não é dela, Zach — Trenton garante.

— Eu sei que a culpa não é dela. Pelo que pude ouvir, a


culpa é sua. — Não viro o rosto para ele, mantendo meu
foco na camareira, que ainda não relaxou. — Me conte o
que aconteceu, Valerie. Onde está Gaia?

Ela olha para mim com uma expressão preocupada e solta o


ar com força.

— Mais cedo, vimos o artigo que saiu no The Post. Ela


começou a rir do que estavam falando, dizendo que era
mentira e que os últimos dias mais pareciam um pesadelo.
Foi então que o vídeo e as fotos apareceram no TMZ.

— Que vídeos? Que fotos? — quero saber, interrompendo-a.

— Você ainda não viu? — Val me encara com os olhos


arregalados.

— Eu estava dirigindo… — Viro-me para Trenton. — O que


aconteceu?

— Mais merda — ele diz, dando de ombros, e pega o celular


do bolso. Em seguida, procura alguma coisa no aparelho e o
estende para mim. Antes que eu o alcance, Trenton puxa o
celular de volta e me encara. — Só… se prepara, tá bom?
Você não vai gostar nada disso.

Arranco o telefone de sua mão, mas logo me arrependo.


Porque, na tela, as fotos que vejo me fazem querer tacar
fogo no mundo. Na primeira, Gaia está deitada no sofá,
usando nada além de uma lingerie preta enquanto dorme.
Ou talvez esteja desmaiada, não sei.

A imagem é de péssima qualidade, embaçada e um pouco


desfocada, mas eu reconheceria a mulher por quem estou
apaixonado em qualquer lugar, apesar de seu cabelo cobrir
a maior parte do rosto. O que me assusta é que, na mesinha
de centro, há algumas fileiras de cocaína.

Engulo em seco e passo para a próxima. Nessa ela está de


costas, usando um vestido minúsculo enquanto dança
abraçada a um homem. As mãos dele estão em suas coxas,
quase alcançando a bunda.

Passo logo para a terceira, porque a consciência de que


outro a tocou desse jeito faz com que a raiva me consuma e
eu comece a ver tudo vermelho. Só que a próxima foto é
ainda pior, e muito parecida com a primeira: Gaia está
deitada no sofá, virada para o lado, o cabelo também
cobrindo seu rosto, mas é a poça de vômito no chão que me
preocupa.

Quem é essa mulher?

O que aconteceu com ela para que ficasse desse jeito?

Só que tudo piora ainda mais quando aperto play no vídeo


que aparece em seguida. Gaia está quase irreconhecível,
dançando sobre uma mesa enquanto segura uma garrafa de
bebida quase vazia. O cigarro em sua mão é outro indicativo
de que nada disso é recente. Mas é o modo como se
comporta que me irrita. Ela obedece quando alguém pede
para tirar a blusa. Depois, a saia. Sempre dançando,
bêbada, no meio de homens que estão claramente
drogados. Não consigo ver seus rostos, apenas ouço as
vozes.

A filmagem é turva, e isso me diz que a sala onde tudo está


sendo gravado é uma nuvem de fumaça. Maconha,
provavelmente.

Mesmo que a imagem dela não seja tão nítida assim, eu sei
que é mesmo a Gaia ali. Já decorei cada curva daquele
corpo, cada movimento.

Essa mulher tem sido minha obsessão desde o dia que a vi


pela primeira vez. Sei que é ela, e isso só me deixa ainda
mais consumido pelo ódio.

Por que não me contou de seu passado? Por que não falou
nada sobre o tipo de pessoa que era ou das amizades que
tinha?

Cada segundo assistindo ao vídeo faz meu sangue ferver


um pouco mais, até que toda a pressão do dia explode, me
fazendo arremessar o aparelho contra a parede. Peças voam
pela cozinha, parando até na porta da despensa.

— Caralho! — solto em um grito, abaixando a cabeça sobre


o tampo de mármore do balcão.

Se eu pudesse, quebraria a porra da casa inteira agora,


porque eu acho que nunca me senti tão… impotente. Sei
que não tenho como protegê-la do passado, mas me destrói
ver a prova do quanto ela já sofreu. Uma avalanche de ódio
toma conta do meu corpo, ao mesmo tempo que a
preocupação com ela me invade.
— Cara, eu disse que era ruim. — Sinto Trenton ao meu
lado, mas não quero falar com ele agora. Na verdade, só
tem uma pessoa com quem quero conversar. E ela não está
aqui.

Puxo o ar com força, tentando manter o último pingo de


sanidade que me resta intacto, e ergo a cabeça.

— Resolva essa merda, Trenton — ordeno, usando um tom


de voz que não admite recusa. — Tire esses vídeos do ar,
diga que não

é ela, compre os sites de domínio, processe o mundo — digo


em um rompante, encarando-o com seriedade. — Não me
importo. Muito menos quero saber como você vai fazer isso.
Só faça. Agora.

Trenton arregala os olhos, parecendo confuso.

— Vamos entrar em guerra com quem para…?

— Você é o segundo no comando da IK, certo? — pergunto e


ele apenas faz que sim com a cabeça. — Quando eu não
estou, você resolve, certo? — pergunto mais uma vez e, de
novo, ele assente. —

Pois eu não estou disponível agora. Então, resolva essa


merda.

Encaro meu primo, implorando em silêncio para que me


ajude, para que faça essa matéria desaparecer, porque não
posso aceitar que o amor da minha vida tenha esse tipo de
vídeo vazado na internet. Não sei quem foi o imbecil que fez
a postagem, mas isso não importa agora. Depois, lidarei
com esse problema. Nesse instante, só preciso que Trenton
desapareça com tudo.
— Vou falar com o jurídico. Sebastian pode ajudar — ele diz.
Dou dois tapinhas em seu ombro e começo a me
encaminhar para a porta dos fundos.

— Você sabe para onde Gaia foi? — direciono o


questionamento à Valerie.

— Ela pegou o carro e saiu há uns vinte minutos. Aposto


que foi para casa — explica. — E que pegou a estrada de
trás.

Agradeço com um aceno e, no instante que minha mão toca


a maçaneta, uma voz me interrompe.

— Zach, você precisa saber de mais uma coisa — Trenton


diz, de uma forma meio insegura. Viro-me para trás e
encaro meu primo, que agora parece ainda mais tenso do
que antes.

— Fala logo, preciso encontrar a Gaia.

Ela deve estar surtando com tudo o que aconteceu nos


últimos dias.

— Eu… É… — hesita, como se não soubesse como


continuar.

Ele encara o chão, as mãos, as panelas no fogão, mas em


nenhum momento seus olhos encontram os meus. E isso só
me deixa ainda mais preocupado.

— O que você fez, Trenton? — Mantenho o tom brando, sem


querer piorar seu estado de nervosismo.

Dá certo, porque ele finalmente me encara e diz:

— Contei a ela sobre a maldição.


Suas palavras me fazem cambalear, e ainda bem que estou
apoiado à maçaneta, porque correria o risco de cair quando
o chão é tirado de sob meus pés.

— Puta que o pariu, Trenton! Como assim, contou da


maldição?

O que você disse? — Ignoro a porta e vou até ele, parando


bem à sua frente.

Ele se encolhe com o meu rompante, talvez por conta do


olhar assassino que lanço em sua direção, ou talvez por eu
ter as mãos na lapela de seu paletó. Mas já passei do meu
limite de ser paciente. O

mundo todo parece estar contra mim hoje, e não aguento


mais lidar com tantas merdas ao mesmo tempo.

— Não sei, não lembro. Eu estava preocupado com você,


comigo, com tudo que vem acontecendo e…

— E? — Sacudo-o um pouco, tentando forçar as palavras a


saírem de sua boca.

— E acabei falando que você não estava apaixonado por


ela.

Que tudo isso era por causa da maldição.

Puxo-o para mais perto, quase colando meu nariz ao dele.

— Você não tem ideia do que essa maldição significa, seu


idiota.

— Minha voz não passa de um sussurro. — Mas um dia terá,


e eu serei o primeiro a rir na sua cara, primo.
Empurro-o, fazendo com que cambaleie alguns passos para
trás.

Só que não tenho tempo para ver se ficou bem, apenas


corro para fora da cozinha, seguindo pela lateral da casa até
o meu carro.

Minha preocupação está toda nela. Porque se ela ficou


sabendo da maldição…

Não. Não. Não.

Gaia vai entender tudo errado agora.

E depois de ter visto aqueles vídeos, de ter lido o artigo…

Mas que caralho!

Preciso falar com Gaia. Agora.

Não sei o que está passando em sua cabeça neste


momento, mas ela deve estar confusa, assustada e, se eu a
conheço minimamente bem, duvidando do que aconteceu
entre nós. Tudo

porque meu primo querido não conseguiu ficar de boca


fechada por um maldito minuto.

A conversa que tive com meu pai no escritório sobre a


maldição me vem à mente, só que não vou pensar nisso
agora. Também não me dou ao trabalho de explicar a
Trenton o verdadeiro significado do destino dos King. Vou
deixar que ele descubra — e se foda —

sozinho. Assim como aconteceu, e vai acontecer, com todos


os homens da minha família.
Entro no carro às pressas e começo a dirigir na direção que
Valerie indicou. Ela disse que Gaia não saiu há muito tempo,
então talvez consiga alcançá-la. Dirijo feito um maluco,
ignorando a estrada esburacada.

Não sei o que vai acontecer quando eu finalmente encontrar


com ela, mas muitas coisas precisam ser explicadas. Tanto
da minha parte quanto de Gaia. Os últimos dias separados
foram uma tortura, e tenho plena consciência de que não
posso continuar assim. Já me livrei do maior problema hoje
— Oliver e o contrato com a Red Law

—, e continuarei me livrando de todos eles até que Gaia e


eu tenhamos um pouco de paz.

Talvez ela tivesse razão quando preferiu não assumir nosso


relacionamento. Por outro lado, eu não posso mais esconder
o fato de que estou apaixonado. Mesmo com fofocas, com a
mídia caindo em cima da gente, não importa. O que eu sinto
por ela não vai mudar

— e isso não tem nada a ver com a maldição.

Agora, só preciso ter a chance de explicar isso a Gaia.

Sinto como se eu fosse uma contradição ambulante: puto


com as mentiras e, ao mesmo tempo, preocupado com o
que ela está passando. Mas alinhar meus sentimentos é
quase impossível. Até porque eles não são lineares, assim
como não somos uma constante. Estou com raiva dela por
ter escondido tanta coisa de mim, ao mesmo tempo que
quero matar o desgraçado que liberou aquele vídeo e as
fotos. Também gostaria de quebrar um dente de Trenton —
só um, porque ele ainda é o irmão que nunca tive — por ter
aberto a boca para falar do que não sabe. No fim das
contas, virei um poço de confusão, porque esta é a primeira
vez na minha vida que me sinto inclinado a mover céus e
terra por uma mulher.

Só que, por Gaia, todo esforço é pouco.

A estrada afina um pouco mais, as árvores se juntando ao


meu redor. Atrás de mim, sobe uma nuvem de poeira, que
esconde os malditos buracos nessa estrada. O caminho da
frente é pavimentado, por isso é mais fácil e o preferido por
todos que vêm de carro. Este aqui, que sai alguns
quilômetros à frente na rodovia, é privado e malcuidado, já
que quase nunca o usamos.

Claro que tudo isso é uma vantagem. As más-condições me


dão esperança de que o fato de Gaia ter optado por esta via
tenha atrasado um pouco sua viagem. Talvez eu ainda a
alcance antes de chegar à estrada principal. Ou talvez meu
azar tenha triplicado nas últimas horas, o que não duvido
muito, e o carro dela seja mais rápido do que o meu, algo
bem impossível.

Pressiono o acelerador, passando por cima de um buraco


maior, e ouço algumas peças quicarem com força, o fundo
do carro raspando no chão de terra. Foda-se. Se quebrar,
compro outro. Ser rico tem que ter alguma vantagem nessa
merda.

Então, duzentos metros à frente, logo depois de uma curva,


eu vejo a minha garota. E se a cena não fosse tão trágica,
eu com certeza começaria a rir. Porque Gaia está do lado de
fora do que parece ser o carro mais velho do estado,
chutando uma das rodas enquanto esbraveja o que imagino
serem os piores palavrões que aquela boquinha linda
consegue soltar.

Estaciono antes de chegar até ela, para que não possa fugir.
Assim que desligo o motor e abro a porta, confirmo aquilo
que já sabia.

— Eu. Não. Aguento. Mais. Essa. Porra — ela diz,


descontando a raiva na lata velha. — Puta que pariu. Por
que não posso ter um minuto de paz nesse caralho de vida?

Fico me perguntando se ela ainda não me viu ou se está me


ignorando propositalmente, já que toda a sua atenção está
em chutar o pneu — que agora vejo estar furado. Devagar,
sigo até ela, observando cada um de seus movimentos.
Quando estou perto o suficiente, percebo que algumas
lágrimas escorrem por seu rosto, já vermelho de tanto
chorar.

— Precisa de ajuda? — pergunto, enfiando as mãos no bolso


da calça para controlar minha vontade de ir até Gaia e
envolvê-la em um abraço. — Também não me incomodaria
em dar uns chutes para extravasar. — Dou de ombros.

— Zachary? O que você está fazendo aqui? — Ela


finalmente olha para mim, depois para os lados, como se
esperasse mais pessoas.

Só que ninguém vai aparecer. Talvez ela não saiba, mas


essa estrada ainda está dentro da nossa propriedade.

— O que você acha? — devolvo a pergunta, decidindo se


devo ou não dar alguns passos à frente.

— Depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, pensei


que você nunca mais fosse querer olhar na minha cara —
Gaia comenta, dando uma trégua à roda e se apoiando na
lataria.

— Não sei de onde você tirou essa ideia — rebato. — Tudo o


que eu queria fazer nos últimos dias era justamente
conversar com você, mas não consegui. Por que fugiu tanto
de mim? — Vou direto ao ponto, cansado de fugir dos
assuntos importantes.

Só que Gaia não responde. Ela apenas me encara por


alguns segundos, respirando fundo várias vezes antes de
olhar para cima, na direção do céu.

— Oliver…

Uma palavra. Uma maldita palavra e já sinto a raiva, que eu


achei estar sob controle, voltar ao meu corpo. Vou matar o
desgraçado!

— O Oliver, Gaia, jura? O que tem aquele filho da puta? —

pergunto, meu tom deixando claro o quanto odeio falar


sobre ele.

— Ele estava me ameaçando na festa. Ele me encurralou


para avisar que, se eu contasse sobre o meu
relacionamento com Jamie, iria vazar coisas minhas na
internet. — Quando diz isso, Gaia não olha para mim. Ela
apenas encara o chão, como se não conseguisse aguentar o
peso da culpa.

— E você não pensou, por um momento sequer, que eu


podia te ajudar a resolver o problema? — solto a pergunta,
sem conseguir controlar meu temperamento.

— Falou o homem que sempre me disse a verdade, não é?


Ela desencosta do carro, assumindo uma postura ereta e me

encarando.
— Nem comece a inverter essa discussão — interrompo-a.

Precisamos falar sobre o que aconteceu com você. Depois, a


gente fala sobre outros assuntos menos importantes.

— Menos importantes?! — questiona em um tom agudo,


cruzando os braços na frente do corpo, parada no meio da
estrada.

— Desde quando o fato de você estar comigo por causa de


uma maldição é menos importante do que eu não ter
conversado sobre um relacionamento merda que tive há
quatro anos, Zachary? Eu posso ter omitido algumas coisas
que me envergonham sobre o meu passado, mas você me
deixou no escuro quanto ao nosso presente

— ela me acusa, seu peito subindo e descendo com a


respiração acelerada.

Não consigo mais manter a distância e dou três passos em


sua direção. Porém, na mesma hora, Gaia recua outros três.

Ah, então vamos brincar de gato e rato agora? Ótimo.

— Quando foi que eu te deixei no escuro? Sempre fui muito


claro em relação ao que eu queria, nunca menti ou omiti
porcaria nenhuma. Fiz questão de te mostrar o que estava
sentindo a porra do tempo todo! — jogo algumas verdades
na mesa.

— Mas nunca falou, não é? Em todo esse tempo, nunca ouvi


você dizer o que sente por mim. E isso só me faz ter certeza
de uma coisa: você também não sabe o que sente. Tem
dúvidas, porque essa tal de maldição estava confundindo a
sua cabeça!
É impossível não rir do absurdo que estou ouvindo.

— Nunca estive confuso, Gaia — falo a verdade. — Sempre


soube o que sentia por você, mesmo que não soubesse
explicar.

Tá, é uma meia-mentira. No início, não conseguia entender


muito bem essa fixação. Mas as coisas foram ganhando
clareza. Quanto mais tempo passava ao lado dela, mais fácil
era perceber que o que eu sentia ia além da atração. Era
algo que me consumia de dentro para fora, e que não iria
embora depois de uma noite de sexo.

— Então, por que nunca me disse nada? Por que não falou
da maldição? Por que não…?

— O que você queria que eu dissesse? — pergunto em um


tom acalorado, removendo as mãos do bolso. — Que me
apaixonei à

primeira vista? Que fiquei obcecado por uma mulher que


nunca vi antes? Que não conseguia te tirar da minha cabeça
por um maldito minuto? É isso?! Você iria fugir de mim,
Gaia! E com razão. Porque não existe nenhuma
racionalidade no modo como eu me sinto quando você está
por perto. Parece que…

— Que o mundo deixa de existir — ela completa a minha


frase com um tom de assombro.

Chego mais uns passos para a frente e vejo-a se afastar de


novo.

— Não. Por favor, não fuja de mim — peço, deixando a


vulnerabilidade atingir a minha voz.
Gaia trava por um segundo, me dando tempo para alcançá-
la.

Assim que estou próximo o suficiente, seguro-a pelos braços


e a trago para perto, deixando nossos corpos quase colados.
Na mesma hora, sinto mãos hesitantes tocarem o meu
peito. Ela encara o local onde nos encostamos, os olhos sem
alcançar os meus. Ao mesmo tempo que quero sacudi-la e
pedir que me encare, sinto sua tensão.

— Nada disso faz sentido, Zachary. O fato de você gostar de


mim…

— De amar você, Gaia — corrijo-a, cansado de fingir que


sinto qualquer outra coisa por esta mulher. — Eu te amo.

Assim que as três palavras escapam da minha boca, ela


estremece e fecha os olhos, puxando o ar com força. Então,
balança o rosto de um lado para o outro, como se não
conseguisse acreditar que tudo isso é real.

Daria qualquer coisa para saber o que se passa na cabeça


de Gaia agora. Ou talvez para que ela pudesse ver o que se
passa na minha.

— Eu te amo tanto que fiquei desesperado quando vi aquele


artigo hoje — volto a falar baixinho, minha mão subindo e
descendo por seu braço. Agora que a tenho tão perto de
novo, não consigo parar de tocá-la. — Mesmo antes de ouvir
o que você tinha a dizer, precisei tomar providências.
Porque não importa se aquele jornal publicou a verdade,
nada era mais importante do que impedir você de sair da
minha vida. É esse tipo de idiota que me tornei.

— Mas você sabe que aquilo tudo era mentira, né? Eu


jamais te usaria daquele jeito, Zachary. Como pôde duvidar
disso por um
minuto sequer? — ela pergunta, magoada com a minha
desconfiança. Os olhos azuis se erguem para encontrar os
meus, implorando para que eu acredite no que me diz.

Não consigo conter o suspiro de alívio e acabo deixando


minha testa tombar sobre a dela.

— Você estava escondendo algo de mim. Eu tinha certeza


disso, só não sabia o que era. Na hora, pensei que…

— Que pudesse ser verdade. Que eu ainda estava com


Jamie —

Gaia sussurra, fechando os olhos como se dizer a frase lhe


causasse dor.

— Preciso que você me conte essa história, amor. O que


aconteceu entre vocês dois? Que vídeo era aquele? E por
que você disse que Oliver estava te ameaçando? — quero
saber, cansado de segredos.

De agora em diante, não vou aceitar que mais nada fique


entre a gente.

Capítulo 45
Gaia
— Tem certeza de que você quer ouvir? Meu passado é algo
que eu preferia deixar para lá, Zachary. Não é uma história
bonita —

aviso, antes que ele se arrependa.

Ou talvez eu me arrependa, porque ainda não sei se tenho


coragem de ver a cara de decepção dele quando souber
tudo o que fui capaz de fazer.

— Quero saber. Você deveria ter me contado antes, Gaia.

— Assim como você deveria ter me contado da maldição? —

devolvo, cansada de ser posta contra a parede. Os últimos


dias foram difíceis demais.

Tudo o que ouvi, tudo o que foi dito…

— Não comece com esse jogo de rebater minhas perguntas


com outras, por favor. Se quiser descontar suas frustrações,
volte a chutar o carro — ele fala com um sorriso debochado.
Vendo que não amoleço, Zachary suspira e passa a mão no
cabelo. — Tudo bem, nós dois estamos irritados com o
mundo. Só que agora preciso entender tudo o que
aconteceu desde aquela festa.

Puxo o ar com força, debatendo internamente o que fazer


agora.

Por um lado, Zach está certo: ele merece saber cada


detalhe da verdade. Por outro, eu também mereço um
pouco mais de explicações.
O problema é que meu coração amoleceu depois que ele se
declarou, deixando bem claro que me ama.

Ele disse as palavras que esperei ouvir durante as últimas


semanas e, mesmo assim, continuo duvidando de tudo.
Claro que,

estar com ele aqui, de novo ao meu alcance, faz com que
muitas das dúvidas desapareçam.

Eu amo e odeio esse efeito que Zachary causa em mim:


quando estamos juntos, nada mais importa. Quando
estamos longe, todas as minhas inquietações aparecem.
Porém, se quero uma chance real de estar com ele, preciso
tomar a iniciativa e revelar aquilo que mantive preso dentro
de mim por tanto tempo. Mais do que isso, preciso mostrar
um lado meu que preferia deixar escondido: a minha
vulnerabilidade.

— Eu tinha dezoito, quase dezenove anos quando me mudei


para Nova York — começo a contar, tentando manter um
pouco de firmeza na voz. Mesmo que tenha decidido falar,
não consigo encará-lo enquanto faço isso. — Tinha acabado
a escola e fui morar com a Pamela. Ela é a filha de uma
amiga da minha mãe, e já estava na cidade há um tempo.

Afasto-me de Zachary e volto a me recostar no carro.


Preciso manter um pouco de distância entre nós se quiser
ter lucidez suficiente neste momento. Assim que me apoio
na lataria, ele vem para o meu lado, enlaçando a sua mão
junto à minha, como se quisesse demonstrar apoio.

Maldito homem maravilhoso.

— Foi através da Pamela que conheci Jamie. Eles não eram


próximos, mas tinham alguns amigos em comum. Um dia,
ela me levou a um barzinho, onde a banda estava tocando.
Vou pular os detalhes sórdidos, mas posso dizer que fiquei…
deslumbrada —

confesso, os olhos ainda grudados nas pedrinhas


espalhadas pelo chão. — Jamie era lindo, popular e estava
interessado em mim, que nunca fui mais do que uma garota
comum do interior. Enquanto isso, todas as meninas se
jogavam em cima dele. O vocalista da Red Law, com uma
voz perfeita, jaqueta de couro e muitas tatuagens. —

Balanço a cabeça, me sentindo uma idiota. — Não demorou


muito para começarmos a namorar.

Conto que, durante alguns meses, Jamie fez questão de me


buscar em casa todos os dias antes dos shows. Ele me
tratava como uma princesa, nunca ficava com outra
menina, me dava flores e fazia

de tudo para conseguir a minha atenção. No fim, acabei


cedendo e concordei em ir a um encontro com ele.

— Eu estava cursando gastronomia na época — explico —,


por isso ele fez questão de me buscar depois da aula e me
levou para jantar em um restaurante bem legal. Aos poucos,
as coisas foram evoluindo… e mudando.

Sinto a mão de Zachary apertar a minha. Ele já sabe que a


história não tem um final feliz. Preciso respirar fundo
algumas vezes para não deixar as lembranças me
sobrecarregarem.

— Ele foi abusivo com você, Gaia? — Incentivado pelo meu


silêncio, Zachary solta a mesma pergunta que já me fiz
duzentas vezes. Nunca consegui encontrar uma resposta
certa para isso.
— Não sei — limito-me a dizer, mesmo que pareça um tanto
louca. — Hoje em dia consigo enxergar Jamie como um
narcisista.

Claro que não sou psiquiatra para confirmar o diagnóstico,


mas talvez não seja exatamente isso o que ele é. Só que
tinham mais coisas de errado com ele. No início, fez de tudo
para me conquistar e, no momento que conseguiu e o
desafio acabou, o foco do seu interesse também mudou.
Jamie começou a ter prazer em me manipular. O mundo
começava e terminava nos desejos dele. Era tudo sobre ele.
Os sonhos dele. O que ele queria fazer. E eu era uma
menina cega, apaixonada, que se deixou levar. Aquele vídeo
que você viu… — hesito, sentindo um bolo de humilhação
se formar em minha garganta.

— Ei, está tudo bem. — Zachary me sente tensionar e passa


o braço em torno do meu ombro, me puxando para perto.
Não resisto e vou na mesma hora, aninhando-me em seu
peito, simplesmente porque preciso do seu calor agora.
Lembrar-me daquele tempo, e de como tudo mexeu comigo,
faz com que eu me sinta nua, sendo julgada por uma
multidão. Por isso, tê-lo aqui é como se houvesse uma
âncora garantindo minha permanência na realidade.

— Jamie sempre foi muito carismático. Era fácil demais ficar


envolvida por ele e por aquele mundo de fantasia que criou.
Cada vez mais, eu queria fazer parte daquilo. E ele me
mostrava, todos os dias, como eu era sortuda por ser sua
escolhida. Afinal, tinham tantas outras esperando a
oportunidade.

A ironia do comentário não me passa despercebido. Zachary


tinha tudo para ser igualzinho a Jamie. Só que isso não pode
estar mais longe da verdade. Acho que nunca conheci duas
pessoas tão diferentes, mesmo que as circunstâncias sejam
parecidas. Enquanto Jamie sempre quis ser alguma coisa —
e usava do seu carisma para se consolidar —, Zachary não
precisa fazer nada para que as pessoas queiram estar perto
dele.

— Foi por isso que você resistiu a nós dois por tanto tempo,
não é? — ele pergunta, lendo meus pensamentos, enquanto
acaricia as minhas costas. Apenas assinto com a cabeça e
repouso o rosto em seu peito.

— Naquele tempo, eu larguei tudo para ficar com Jamie,


inclusive meu curso de gastronomia. Deixei de lado meus
sonhos, minha vida e a mim mesma. Estava tão envolvida
que acabei ignorando o resto do mundo. Na verdade, tornei
ele o meu mundo… e só ele. Depois que consegui me
libertar de tudo isso, jurei para mim mesma que nunca mais
faria esse tipo de sacrifício por homem nenhum —

confesso. — Acho que, de certa forma, o Universo decidiu


me punir.

Ou talvez tenha sido carma, mas, depois que terminamos,


eu não consegui mais juntar dinheiro para voltar ao curso.
Precisei trabalhar e acabei deixando os estudos de lado. Até
voltei por um tempo, mas tive que parar de novo. Sempre
aparecia algo que me impedia de alcançar meu sonho,
sabe?

— O vídeo que vazou foi daquela época? — Zach pergunta.

— Hu-hum. Eu não sabia que ele existia, nem as fotos. Mas


não duvido que tenha feito algo assim. Eu queria fazer parte
do mundo dele. Se Jamie me pedisse para beber, eu bebia.
Se me pedisse para dançar, eu dançava. Tinha medo de
que, se não fizesse isso, ele me deixaria.
As palavras trazem um gosto ruim à minha boca. É difícil
aceitar quão burra fui durante todo esse tempo. Tem uma
parte dessa história toda que ainda não conseguirei contar a
Zachary: Jamie foi meu primeiro amor… e meu primeiro
homem.

Dentro de mim, após a separação, a ideia de que eu jamais


seria amada de novo criou raízes, afinal, Jamie era tudo o
que sempre precisaria para ser feliz. Não consigo descrever
o ódio que senti de

mim mesma quando tudo acabou. Na verdade, me senti um


lixo.

Insignificante. Não digna de receber qualquer tipo de afeto,


porque eu não era boa o suficiente. Nem para mim mesma.
Afinal, que tipo de mulher se anula tanto por causa de um
homem? Que tipo de mulher abandona tudo para seguir os
sonhos dos outros?

E até agora carrego um pouco desse trauma comigo.

— Quando foi que vocês terminaram? — Zachary questiona


de forma tranquila.

— Um pouco antes de fazermos dois anos. Quando eu


descobri que Jamie dormia com todas as suas fãs. A verdade
jogada na minha cara de que nunca fui especial, que ele
não me amava, acabou me destruindo. Tudo era um jogo —
solto a verdade que mais dói. Também aquela que me
libertou.

— Ele era um idiota, Gaia. Um imbecil por ter te usado e não


ter percebido a mulher incrível que tinha ao lado. —
Pressiono meu corpo ao de Zachary, abraçando-o com força.
Posso ouvir seu coração batendo acelerado, e não sei se ele
consegue sentir a mesma raiva que eu neste momento.
Talvez ninguém consiga. Porque só vivendo aquela situação
para saber o quão horrível ela é. Se foi ou não um
relacionamento abusivo, não sei. Afinal, eu queria fazer as
coisas para agradar, foi minha decisão satisfazer os desejos
do meu namorado. Jamie nunca me ameaçou, me bateu, ou
disse que eu era isso ou aquilo. Mas a ideia de que ele me
largasse me causava tanto medo, tanto pavor, que eu
estava disposta a qualquer coisa para não arriscar perdê-lo.

Só que, quando perdi, me libertei.

— No dia da festa, muitas coisas aconteceram — volto à


história, dando um passo para trás a fim de encarar
Zachary. Paro bem à sua frente, passando um dedo embaixo
dos olhos e secando as lágrimas que começaram a escorrer.
— Primeiro, sua mãe me fez ouvir comentários muito
maldosos de algumas mulheres que não conseguiam
compreender como foi que você me escolheu. — Engulo em
seco, lembrando-me daquele momento que me fez ficar em
pânico. Mas como estamos na hora da verdade, resolvo
colocar tudo para fora. — Uma delas, inclusive, era Chloe
Lowell.

— Eu sei — Zach diz, me surpreendendo. Quando ele vê


minha expressão espantada, completa: — Foi ela uma das
fontes do artigo do The Post.

— Mas como ela sabia sobre mim e Jamie?

— Não sei se sabia. Acho que só falou uma parte para a


Página Seis. O resto, eles buscaram sozinhos. — Faço que
sim com a cabeça. — Christine está furiosa. Minha mãe
também. Você não tem ideia do caos que foi esta tarde. —
Ele coça a nuca e, pela primeira vez, noto como seu rosto
está cansado.
Os olhos verdes não carregam o mesmo brilho de sempre,
talvez por conta dos círculos escuros que começam a se
formar sob eles.

Há também um vinco permanente entre as sobrancelhas.


Até a postura altiva não está tão ereta quanto
normalmente.

Saber que sou a causadora disso tudo só me deixa ainda


mais culpada.

— Depois dos comentários humilhantes, voltei para a festa


e dei de cara com a banda no palco. E eu juro, Zach, juro
que não sabia que eles tinham sido contratados pela King
Records. Desde o dia que terminamos, nunca mais falei com
Jamie. Por favor, acredite em mim. Eu jamais teria ajudado
qualquer um deles a…

— Eu sei, Gaia — Zachary me interrompe. — Depois de tudo


o que você me contou, não faria sentido você ajudar
aqueles desgraçados. Mas por que escondeu isso de mim?

— Não ia esconder. Só espero que entenda que, assim que


vi a banda tocando, fiquei em choque — confesso,
lembrando-me do susto que levei. — Jackson apareceu
naquele momento e viu o meu estado.

— E você conversou com ele em vez de ir atrás de mim? —


Zach solta uma risada sem qualquer humor, balançando a
cabeça.

— Não foi bem assim — começo a me explicar. — Eu não


conseguia pensar direito. Foi um choque. Uma hora tinham
mulheres falando um mundo de coisas horríveis a meu
respeito; em seguida, sua mãe fez um puta discurso sobre
ser cordial com quem só quer nos ferrar, antes de me
perguntar se eu guardava algum segredo obscuro. Então,
quando parecia que as humilhações tinham acabado e eu
estava disposta a correr para os seus braços, dei de cara
com

meu passado. Eu fiquei paralisada! — desabafo, soltando


tudo em uma torrente sem qualquer contenção. — Jackson
me achou e me levou para um lugar onde ninguém mais me
veria dar um vexame, porque a sua mãe deixou claro que
isso não é comportamento de um King. Mas seu primo me
incentivou a contar a verdade para você, e eu concordei,
mesmo relutante.

Zachary arregala os olhos, incrédulo, e começa a andar de


um lado para o outro.

— E você não pensou em me contar a verdade. Por quê?

— Eu só não queria contar no meio da festa! — falo em um


tom elevado. — Até expliquei isso para o Jackson: que iria
falar quando todos fossem embora. Já tinha gente demais
ali, esperando que eu fracassasse, que cometesse uma
gafe. Minha ideia era esperar que o circo acabasse para que
a gente pudesse conversar. Mas Jackson me convenceu de
que era uma péssima ideia. Então, pedi a ele que te
chamasse para um lugar mais calmo. Foi nesse meio tempo
que Oliver apareceu.

— Isso. Me explique o que ele tem a ver com essa história


toda.

— Zach para a centímetros de mim. Sua altura imponente


fazendo com que eu me sinta ainda mais insignificante. É
por isso mesmo que eu o empurro, até que esteja
novamente encostado no carro.

Não quero me sentir inferior, especialmente agora. Não


mais do que já me sinto por todos os erros que cometi ao
longo da minha vida.

— Oliver me chamou de puta e vagabunda, para começo de


conversa — revelo, envolvendo-me com meus próprios
braços. É

uma tentativa inútil de me proteger. — Falou sobre como eu


atrapalhei a conexão dele com vocês, de que foi por minha
causa que os King cortaram relações com ele. Então, contou
que era o empresário da banda, e que eu não iria atrapalhar
esse negócio. Ele percebeu que eu podia contar a você
sobre o meu passado e que, se você soubesse do meu
envolvimento com Jamie, iria quebrar o contrato.

— E qual foi a ameaça? — Zachary quer saber, apoiando


uma mão em cada lado do corpo na lataria do carro.

— Se eu abrisse a boca ou se você interrompesse os planos


dele, Oliver soltaria alguns vídeos meus na internet. Vídeos
e fotos que eu não sabia que Jamie tinha feito. Na hora em
que Oliver me chantageou, não soube o que fazer.

Antes que eu perceba o que está acontecendo, Zachary se


vira e começa a agredir meu pobre carro, revezando murros
no capô e chutes no pneu já rasgado.

— Filho da puta, desgraçado! — ele grita sem parar,


descontando todas as suas frustrações na única lembrança
física que tenho do meu avô.

— Pare com isso! — peço, puxando-o pelo braço. — Não


destrua meu carro.

— Foda-se o carro. Eu compro outro — Zachary diz.

— Não quero outro. — A declaração faz com que ele me


encare, uma sobrancelha erguida em descrença. Mas logo
começa a rir.

— Você quer essa lata velha? — Assinto. — E o que


aconteceu com aquela ideia de torrar todo o meu dinheiro?
Podemos começar comprando um carro decente para você.

— Meu carro é decente. Só… furou o pneu. — Aponto para a


roda, ignorando o resto. — E agora tem uns amassados,
mas a culpa não foi minha. Ele é a última lembrança que
tenho do meu avô.

Então, pode deixá-lo em paz?

— Ah, Gaia, o que eu faço com você? — Assim que as


palavras saem de sua boca, sou puxada para um abraço
apertado. Zachary me envolve, apoiando o queixo sobre
minha cabeça, e na mesma hora passo os braços em torno
de sua cintura. Inalo seu perfume e me permito relaxar por
alguns segundos. — Você consegue perceber que a culpa foi
minha por seus vídeos terem vazado na internet?

A pergunta me faz dar um passo para trás e encará-lo.

— Como assim?

— Quando vi o artigo do The Post, fiquei tão puto que a


primeira coisa que fiz foi cancelar o contrato com a Red Law.
Não por causa do seu passado, mas pela ligação que eles
têm com Oliver. —

Observo a cara de pau de Zachary com uma sobrancelha


erguida. —

Tá bom, também foi por causa do babaca ser seu ex. Mas
aposto que isso levou Oliver a cumprir com a ameaça. — O
modo como ele
me encara não esconde a raiva nem o arrependimento que
sente. E

isso só me faz ter vontade de sentar no chão e chorar.


Talvez rir um pouco, porque nunca pensei que estaria em
uma situação parecida com essa. — Ele foi até o escritório
hoje à tarde. Falei todas as verdades que estavam entaladas
na minha garganta e prometi que ele jamais teria outro
contrato com a IK, seja com a King Records, com a King
Videos ou qualquer outra plataforma nossa. Um soco ou dois
podem ter acontecido no processo.

— Ele mereceu — falo com sinceridade. — Mas e agora, o


que eu faço?

— O que nós fazemos, você quer dizer — Zach me corrige,


fazendo com que eu o encare. — Você deveria ter me
contado tudo desde o início, Gaia. Se tivesse, nada disso
estaria acontecendo. Eu teria…

— Pode parar! — interrompo-o, colocando as mãos na


cintura. —

É muito fácil para você me julgar assim, mas lembre-se que


nunca precisei me preocupar com esse tipo de coisa até
você aparecer na minha vida. Não conheço os protocolos,
não sei do que a imprensa é capaz… Caramba, eu nunca fui
ameaçada! De repente, todos os olhares estão sobre mim, e
você espera que eu aja racionalmente?

— solto as acusações sem medir meu tom de voz. — Sua


mãe me mandou uma mensagem amedrontadora. Até seu
primo veio me intimidar, Zachary.

— Isso não importa, Gaia — ele diz, como se fosse a coisa


mais simples do mundo.
— Claro que importa! — Jogo as mãos para o alto, querendo
argumentar. — Eu não pertenço a esse mundo. Não sei o
que fazer direito, não tenho dinheiro, não sou o tipo de
mulher com quem você deveria estar e…

— E é a mulher que eu amo — Zachary me interrompe,


puxando-me pela cintura. Paro entre suas pernas, enjaulada
em seu abraço e presa em seus olhos. — Se você quiser,
lidaremos com tudo isso.

Mas só se você quiser e achar que vale a pena. Não posso


te obrigar a ficar, muito menos a aceitar essa loucura que é
o meu mundo. A única coisa que posso fazer é te proteger
de tudo o que estiver ao

meu alcance, enquanto tento te mostrar todos os dias o


quanto te amo.

Não há qualquer hesitação em sua voz. Porém a


vulnerabilidade no modo como me encara faz com que eu
estremeça por dentro.

Zachary está me entregando seu coração, me oferecendo o


que tem

— o que é. Há também uma apreensão em seu rosto, como


se estivesse por um fio.

Ele não é o único a se sentir assim. Estou prestes a cair de


um precipício escuro, sem saber a altura da queda. Mas é
impossível olhar para esse homem maravilhoso e não
querer arriscar. Não querer enfrentar todos os meus medos
e me deixar levar pelo que sinto. Porque, no fundo, sei que
Zachary King é alguém por quem vale a pena lutar.

— Eu vou ser a pior namorada de todas — digo com


convicção.
— Ah, é? Por quê?

— Porque sou insegura e tóxica. Sou um perigo ambulante,


que usa facas diariamente. Sem falar que não sei se vou
conseguir lidar com a imprensa noticiando coisas a meu
respeito o tempo todo —

solto a verdade e recebo um sorriso em resposta.

— Isso quer dizer que, pelo menos, você não vai fugir? —

Zachary pergunta, me puxando mais um pouco e deixando


nossos corpos colados um ao outro.

Balanço a cabeça em negativa, sem conseguir desviar o


olhar do dele.

— Só para constar, eu também te amo, Zachary. Prometo


não esconder mais nada de você. — Fico na ponta dos pés e
encerro o resto da distância que nos separa.

Ele me encontra no meio do caminho, seus lábios tocando


os meus enquanto solta um suspiro de alívio.

— Pensei que nunca ouviria essas palavras de você —


sussurra contra a minha boca, os olhos abertos enquanto
me beija devagar.

— E eu pensei que não seria capaz de dizê-las novamente.


Enfio os dedos em seu cabelo e aprofundo o beijo, cansada


de me manter longe do homem que amo.

Quando Zach se entrega ao momento, a impressão que


tenho é de que ele nunca mais vai me soltar. Uma mão
emoldura meu rosto
enquanto a outra aperta a minha cintura com força. Eu
também me deixo levar, nossas línguas se entrelaçando, e
permito que ele tome tudo o que quer. Porque tudo é dele.

Zachary me tem desde o primeiro olhar. Cansei de lutar e


de fingir o contrário.

Depois do que passamos, a última coisa que quero é impor


mais barreiras entre nós. O muro que ergui para proteger
meu coração foi derrubado. Agora, só nos resta este
sentimento louco — talvez mágico —, que me faz querer
mais e mais dele.

Deixo minha mão acariciar seu peitoral, descendo para o


abdômen definido, até alcançar o cós da calça. Sinto-o
rosnar baixinho contra a minha boca, a vibração
reverberando dentro de mim, antes que ele inverta nossas
posições e me impressione contra o carro.

Só que em vez de continuar me beijando, Zachary dá um


passo para trás e apenas me analisa de cima a baixo,
esfregando o polegar no lábio enquanto balança a cabeça.

— Você me deixa louco, sabia? — Ele fixa os olhos nos


meus, como se quisesse ter certeza de que estou prestando
atenção.

Apenas ofego, sentindo meu corpo queimar com o efeito do


beijo. —

Não sei quanto do mundo eu teria queimado se você tivesse


ido embora.

— Não quero ir, nunca quis — sussurro, esticando a mão


para puxá-lo de volta enquanto mantenho o contato visual.
— Descobri que é impossível ficar longe de você.
Assim que a verdade escapa, ele esmaga nossas bocas de
novo, retomando o beijo, agora com mais urgência. Zachary
me ergue pela bunda, colocando-me sentada sobre o capô
do carro. Para não deixar espaço entre nossos corpos,
envolvo-o com as pernas, trazendo-o para perto. Ele enfia a
mão no meu cabelo, puxando-me pela nuca enquanto me
devora — e só consigo me render.

O desespero de sentir sua pele quente junto à minha fala


mais alto, tanto que ignoro o fato de estarmos no meio de
uma estrada e começo a tirar seu terno. Primeiro, vai o
paletó para o chão. Foda-se se for caro, ele pode comprar
outro. Depois, desabotoo a camisa

com pressa, deixando meus dedos acariciarem os músculos


quando finalmente estão ao meu alcance.

Zachary solta um murmúrio baixo no instante que passo as


unhas pelos desenhos de sua barriga, a boca consumindo a
minha enquanto ele mexe o quadril. Posso sentir sua ereção
cutucar onde mais preciso dele. Mais ainda, posso sentir a
mudança entre nós.

Porque agora que as verdades foram libertadas — não


aquelas sobre o meu passado, e sim as sobre o nosso
presente —, há uma intensidade nova no modo como nos
beijamos. É a primeira vez de novo. A primeira de todas,
porque nunca mais vou deixar que mentiras e intrigas
fiquem entre nós.

Durante todo esse tempo, Zachary fez questão de mostrar


que me aceita do jeito que sou. Agora, está na minha vez de
fazer o mesmo. É por isso que o empurro.

— O que…? — Zachary começa a perguntar, mas logo para


quando nota o que estou prestes a fazer.
Há duas semanas, ele se colocou de joelhos à minha frente
e me ofereceu seu mundo. Disse que não queria que
fôssemos um segredo. Está na hora de provar que aceito, de
fato e sem reservas, os novos termos. É por isso que repito
seu gesto de antes, abaixando-me no chão da estrada.

Se ele sempre me mostrou o que sentia através de atitudes,


nada mais justo do que eu fazer o mesmo agora. Porque é
isso o que eu quero: ser dele. Quero me entregar ao que
sinto, me permitir ser amada e não ter essa insegurança o
tempo todo — mesmo que eu saiba que não será fácil
superar todas as dúvidas constantes que ficam rondando a
minha mente.

Por Zachary, eu vou tentar.

Para ele. Com ele.

Já de joelhos, minhas mãos procuram o botão da calça


social, sem desviar o olhar por um segundo sequer dos
verdes que sempre me cativam. Assim que meus dedos
invadem a cueca, abaixo o tecido até o meio de suas coxas,
permitindo que sua ereção pule para fora.

Não consigo conter o sorriso no instante em que ele grunhe,


e logo passo a língua pelos lábios, desejando sentir seu
gosto. Zach

toma o próprio pau com a mão, segurando-o pela base e


bombeando-o algumas vezes. Sinto minha boca aguar com
a vontade de prová-lo, de fazer com que ele se derrame em
mim.

Com a mão livre, ele move meu cabelo para o lado, com
tanta gentileza que mal sinto seu toque. Mas são suas
palavras que me destroem, enquanto mantém os olhos
presos em mim:
— Acho que nunca quis tanto algo nesta vida quanto sentir
você me chupando agora. — Ele contorna minha boca com
a cabeça rosada, e preciso apertar as pernas com a dor que
começo a sentir, causada pelo vazio de não o ter dentro de
mim. — Abra a boca, Gaia.

Faço o que ele pede e seu pau desliza entre meus lábios, ao
mesmo tempo que o aperto em meu cabelo se intensifica.
Eu o encaro enquanto sugo a ponta com força, para relaxar
um pouco e deixar que ele entre mais fundo. Passeio com a
língua devagar, seguindo a veia protuberante, até minha
boca encontrar com sua mão, que agarra a base. Substituo
a dele pela minha, masturbando-o devagar enquanto o
chupo ao mesmo tempo.

Os cascalhos no chão machucam meus joelhos, mas eles


não importam. Nada importa a não ser o homem à minha
frente, que agora fecha os olhos e mexe o quadril para
frente e para trás, entrando no mesmo ritmo que eu. Sinto
suas pernas tremerem um pouco e sei que ele também está
se deixando levar.

Subo e desço mais rápido com a boca, revezando sugadas


leves e gentis. Mas Zachary não quer gentileza agora,
porque logo está fodendo minha boca com força, a cabeça
jogada para trás e uma expressão de puro êxtase no rosto.

Então, antes que eu possa pensar mais, uso a outra mão


para envolver suas bolas com cuidado. E o grunhido grave
que ele solta indica que estou fazendo o certo.

— Caralho, que boca gostosa da porra — Zach diz, olhando


para mim. Rolo a língua ao redor da cabeça e ele aperta
ainda mais o meu cabelo. — Se você fizer isso de novo, vou
gozar em dez segundos — avisa, mas não para de se mexer,
indo até o fundo da minha garganta duas vezes, até que eu
engasgo com o reflexo.

Quando isso acontece, ele sai da minha boca e me puxa


para cima, me devorando em um beijo rápido e forte. Sou
empurrada de volta para o carro, sentindo minha bunda
bater na lataria com mais violência do que esperava.

Zachary não para de me beijar, suas mãos passeando por


meu corpo sem qualquer pudor. Dane-se que estamos no
meio da estrada, que podemos ser vistos. Nada nesse
momento importa mais do que nós dois. Ele precisa disso
tanto quanto eu. Então, para deixar claro a minha
necessidade, alcanço sua mão e levo-a até o meio das
minhas pernas, fazendo-a escorregar para dentro da minha
calcinha.

— Preciso de você aqui — sussurro contra seus lábios —,


agora.

Ele puxa o ar com força ao ver como estou molhada. Pronta.

Precisando de mais. No instante que a boca de Zachary


volta a tomar a minha, seus dedos afastam meus lábios
inferiores e começam a brincar com o ponto mais sensível.
O tremor que toma meu corpo faz com que eu precise
segurá-lo com força, senão corro o risco de ir ao chão.
Minhas pernas ficam bambas quando ele me estimula
rápido, oscilando meu clitóris de um lado para o outro
enquanto eu solto gemido atrás de gemido.

Minhas unhas cravam com força em seus braços, ainda


cobertos pela camisa semiaberta. Preciso apoiar a cabeça
em seu peito e fechar os olhos. As sensações são fortes
demais, principalmente quando Zachary enfia dois dedos
em mim, impedindo-me de manter o foco em qualquer coisa
que não seja ele e o som molhado dos efeitos que causa em
meu corpo.

— Por favor… — começo a implorar, sentindo aquele


formigamento gostoso começar a percorrer minha coluna. —
Eu vou…

Mas antes que possa dizer que estou prestes a gozar,


Zachary tira os dedos de dentro de mim de forma rápida.
Em um movimento brusco, sou virada de costas para ele e
forçada a me inclinar contra o carro. Com a cabeça
descansando na lataria do capô, sinto quando Zach puxa a
minha legging até embaixo, antes de estalar um tapa na
minha bunda. A ardência de sua palma queima minha pele.

— Gostosa pra caralho — ele diz, com uma mão de cada


lado do meu quadril, enquanto afasta uma nádega e passa
a língua por meu ânus. Solto um gritinho com o susto, mas
logo relaxo e me deixo aproveitar da sensação nova que o
estímulo causa. — Ainda vou te comer aqui, Gaia. Mas não
agora. Talvez quando a gente chegar em casa.

A língua aveludada desce mais, me lambendo com pressa.

Zachary enfia o rosto na minha boceta, chupando,


devorando, sugando, me fazendo gritar de prazer no meio
da estrada deserta.

Apoio as mãos no carro e rebolo em sua cara, louca para


senti-lo por inteiro dentro de mim.

— Zach, por favor… — é tudo o que consigo dizer, e sei que


ele me entende, porque logo se coloca de pé novamente e
pressiona as minhas costas para baixo.

— Fique assim — ele ordena e, neste momento, é impossível


não obedecer. — Linda demais.
A mão que me pressionava agora acaricia minha bunda,
descendo para minha coxa, deixando uma trilha de arrepios
por onde passa. O caminho de volta é ainda mais
torturante, já que ele o traça pelo interior da perna,
molhando o dedo com a minha excitação e circulando meu
ânus devagar.

— Zach — peço de novo, desesperada para que ele acabe


logo com isso e me foda do jeito que preciso. Do jeito que só
ele sabe.

— O que você quer, Gaia? — pergunta, como se já não


soubesse a resposta.

— Você. Dentro de mim. Agora. — É uma súplica e uma


ordem.

Mas não preciso pedir duas vezes, porque logo sinto seu
pau brincar na minha entrada, acariciando o clitóris bem
devagar.

Atiçando. Indo e voltando. Me enlouquecendo.

— É isso o que você quer? — o desgraçado pergunta.

Chego o corpo para trás, apenas para receber um tapa na


bunda como punição. Olho para ele, sem conseguir
esconder minha raiva

— e talvez meu tesão.

— Agora!

— Sim, futura senhora King. — Não tenho tempo de reagir


ao comentário, porque com uma única estocada, Zachary
me preenche
por completo. A invasão deliciosa me faz soltar um grito,
que ecoa pela estrada, enquanto tento me manter com os
pés firmes no chão.

— Apertada pra caralho. Tão quente e… Puta que pariu!

Com um grunhido mais alto, Zachary parece gostar quando


contraio meu interior. Assim que se recupera da surpresa,
começa a acelerar o ritmo, entrando e saindo de mim com
força.

Perdemos o controle juntos, enquanto tento acompanhar


seus movimentos. Não consigo parar de gemer, ouvindo o
som de nossas peles se chocando.

É por isso que empino a bunda, sentindo seu aperto ficar


ainda mais intenso em meu quadril. Ele vai cada vez mais
rápido, mais forte, mais fundo… saindo quase todo e me
invadindo de novo com força.

Meu nome é como um mantra em sua boca, enquanto eu só


consigo soltar gritos incoerentes, sentindo o prazer escalar
a cada estocada.

— Porra, Gaia, isso é bom demais — ele diz, se deitando


sobre mim, a mão serpenteando até alcançar meu clitóris. E
assim que começa a massageá-lo, sei que é uma questão
de segundos até eu gozar.

— Diz que é meu, Zach. Que você é meu. Que me ama —


peço, deixando a minha vulnerabilidade escapar.

Mas preciso disso agora. Preciso dele por completo.

— Eu te amo, Gaia — sussurra no meu ouvido, o rosto


molhado de suor colado ao meu. — E sou seu, só seu. Assim
como você é minha, só minha.
Ele mete com mais força, me estimula mais rápido, até que
eu esteja gritando e me desfazendo em um orgasmo
incontrolável.

Minhas pernas perdem as forças, meu corpo fica jogado


sobre o carro. Perdida em meio aos tremores, sinto o pau de
Zach inchar quando ele solta um grunhido rouco, latejando
dentro de mim.

∞∞∞

Nunca pensei que veria Zachary King deitado no banco


traseiro do meu carro velho. É uma cena ridícula, para dizer
o mínimo. Mas aqui estamos, comigo sobre ele, em uma
posição muito desconfortável, enquanto aproveitamos os
últimos minutos de calmaria antes da tempestade.

Mesmo assim, eu não mudaria nada desse momento. Nem


um único segundo do que aconteceu na última hora.

— Você já sabe o que vai fazer? — pergunto, lutando para


manter os olhos abertos enquanto ele afaga meu cabelo.

— Claro que sim. Primeiro, vou levar você de volta para


casa, onde posso ficar de olho. Em seguida, chamar um
guindaste pra rebocar essa lataria. Depois, vou me livrar
deste carro. Quem sabe tacar fogo, porque…

— Não se atreva a destruir o carro do meu avô. — Dou um


tapa em seu peito, mas ele logo pega minha mão, deixando
um beijo na palma antes de devolvê-la para onde estava.

— Então vamos dar o uso que ele merece, de relíquia da


família.

Coloco esse calhambeque na garagem e a gente finge que


coleciona antiguidades, pode ser? Compro até outro para
este aqui não se sentir sozinho — Zach sugere, e o fato de
ele estar fazendo planos para nós faz um quentinho tomar
conta de mim.

— Não quero torrar seu dinheiro com carros que nunca vou
dirigir.

Acho um desperdício — comento, controlando o sorriso. —


Ainda prefiro o chihuahua. Talvez se pegarmos um
filhotinho, o Konig possa se acostumar com a companhia.

Zachary não perde o intuito do meu comentário, tanto que


ergue um pouco as costas e olha para mim. Por vários
segundos, apenas me encara. Uma expressão surpresa
toma conta de seu rosto, como se não acreditasse no que
estou dizendo. Eu também não acredito.

— Pode ser providenciado — ele diz, receoso, porém logo


um sorriso começa a se formar nos lábios avermelhados.

— Que bom. — Acaricio seu queixo devagar, sentindo os


pelos da barba começarem a crescer de novo. — Mas minha
pergunta inicial era em relação a todo o caos que se formou
hoje.

Volto ao assunto chato.

— As providências já foram tomadas antes de eu chegar


aqui.

Como falei, quebrei o contrato com a Red Law e,


consequentemente, com Oliver. Não quero fazer negócios
com aquele pote de merda, muito menos depois de tudo o
que você me contou. — Assinto com a cabeça. — Só espero
que isso não prejudique os negócios com Damon Cooper.
Porém, só terei certeza quando isso acontecer.
Então, nada a fazer agora. Quanto ao vídeo e às fotos,
mandei que Trenton resolvesse o vazamento. Assim que
voltarmos, vou avisá-lo de que a fonte é o Oliver, para que
meu primo decida como agir. É o mínimo que ele deve
depois de falar tantas merdas pra você. Pelo que vi do vídeo
e das fotos, não dá para garantir que é você. Então, temos
duas opções: negar até a morte ou processar Oliver por
vazar conteúdo íntimo sem o seu consentimento. De
qualquer forma, não ficaremos quietos.

— E se tudo isso prejudicar a reputação dos King? — quero


saber.

Zachary não responde de imediato, apenas se senta no


banco, mantendo-me no seu colo. Agora, com uma perna de
cada lado de seu corpo, encaro-o com interesse.

— Gaia, nós vamos resolver tudo. A influência da família não


vai ser arruinada por algo assim. A questão é que segredos
trazem aborrecimentos, e preferimos evitar isso. Agora,
você tem mais algum segredo problemático que eu precise
saber? Um filho perdido, uma postagem de cunho político
questionável? — ele pergunta com uma sobrancelha
erguida.

— Não. Sem filhos… ainda. E nunca fui muito ativa nas


redes.

Ah, tem meus pais. — Zachary me olha de forma


preocupada, já esperando alguma bomba. — Apenas a nível
de esclarecimento, preciso avisar que eles eram professores
de escola pública, de anos iniciais, antes de se
aposentarem. Como se não fosse loucura o bastante
pegarem todas as economias e se mudarem para o
Tennessee, também resolveram abrir um bar country —
revelo. —
Não que isso seja problemático o suficiente. Só que, como
eles não sabem dançar direito, sempre estão passando
vergonha. Sem falar que forçam sotaque para fingirem que
são locais, o que eu acho um tanto complicado.

— Seus pais são cowboys falsos? — Assinto de leve, vendo


um sorriso se abrir na boca que amo. — Já sei que vou
adorá-los, Gaia

— ele fala com os olhos presos aos meus. — Mas nem se


eles fossem toureiros isso iria importar. Nada vai mudar o
que sinto por você, nem o que estamos construindo.

A frase faz meu coração flutuar dentro do peito. Sem


conseguir resistir, me aproximo ainda mais de seu rosto,
encostando meus lábios aos dele.

— E o que estamos construindo, senhor King? — pergunto


baixinho.

— Uma vida.

Vida em Nova York

A sua fonte de informações sobre a cidade que


nunca dorme
Isso não é um treinamento. Repito, isso não é um
treinamento!

Zachary e Gaia estão noivos!

Um ano depois de terem assumido publicamente o


relacionamento, meu casal preferido confirmou os rumores
de que há um casamento em vista. Após ser fotografada
com um anel de diamante azul — enorme, por sinal —,
todos os veículos de imprensa se perguntaram se Gaia
havia dito “sim”. Os dois mantiveram silêncio durante
algumas semanas, mas ontem finalmente confirmaram
nossas suspeitas.

Só que, para a tristeza geral da nação, o casamento se


limitará a uma cerimônia íntima, reservada apenas à
família. A data e o local também não foram revelados, muito
menos os planos para a lua de mel.

Vale relembrar que Zach e Gaia sofreram bastante com a


pressão da mídia no início do namoro. Acusada de estar com
nosso queridinho apenas para beneficiar seu ex-namorado,
a atual funcionária do Le Bernadin foi vítima de vários
ataques on-line, que a chamaram de interesseira, caça-
dotes, aproveitadora e outros sinônimos.

Durante todo o tempo, Zachary defendeu sua amada e


rebateu os comentários, alegando que tudo não passou de
uma grande armação de Oliver Cooper. O filho do executivo
do ramo de cinema tinha uma vendeta com o herdeiro dos
King. Por isso, fez o que pôde para manchar o nome de Gaia
e, assim, prejudicar o relacionamento dos dois.
E depois dizem que nós somos as barraqueiras…

De qualquer forma, sempre estive do lado de Gaia! Afinal,


se ela conseguiu agarrar um King, por que nós, mulheres
comuns, não podemos ficar com os outros primos ainda
disponíveis?

Então, vamos manter aquele velho ditado em mente: a


esperança é a última que morre.

Epílogo
Zachary
Um ano e meio depois…

— Eu não vou me casar com você, Zachary! — Gaia diz pela


terceira vez, andando de um lado para o outro do bar
country.

Olho para o meu pai, que parece tão bem-humorado quanto


eu, enquanto bebe um gole do seu whisky. Ao lado dele,
Gavin, o pai de Gaia, faz a mesma coisa, tão relaxado
quanto nós dois.

— Meu amor — falo com a voz mansa, recostado no bar e


apoiando a cabeça na mão —, se não tiver casamento, o
que você pretende dizer aos quarenta convidados que virão
amanhã? Que desistiu?

— Claro que não — ela rebate, parando de andar e


colocando as mãos na cintura. Mas é o modo como me
encara que me faz ter vontade de rir. — Vou falar a verdade:
que me recuso a casar com um louco. Não quero que meus
futuros filhos herdem esse gene problemático. Sem ofensa,
Harvey.

— Não fiquei ofendido, querida. Mas não vejo loucura na


proposta do Zachary. — Meu velho dá seu apoio, pelo que
me sinto muito grato.

— Monica, pelo amor de Deus, me ajuda! — Gaia apela para


a minha mãe, mas ela também não parece inclinada a
ceder. Apenas dá de ombros.

— Ah, querida… — Mamãe se levanta da cadeira do bar, se


aproximando de Gaia, segurando-a pelos braços de forma
carinhosa.

— Você e Zachary estão juntos há um ano e meio. Até


parece que não conhece o homem com quem vai se casar.

— Com quem eu ia me casar — Gaia frisa o verbo, olhando


para mim de cara feia. — Já disse que não vou dizer “sim”
para um homem mentalmente instável. Mãe? — Ela olha
para Doris, que também parece mais interessada em dobrar
os guardanapos de pano em formato de cisne do que
contribuir com o rompante da filha.

— Acho que você está fazendo tempestade em um copo


d’água, meu bem. Nunca ouvi ninguém reclamar por não
assinar um pré-nupcial antes.

Gaia abre e fecha a boca algumas vezes, como se não


tivesse uma resposta na ponta da língua.

— Mas a imprensa… — ela começa a falar, querendo nos


convencer do que pensa. Está na hora de encerrar a
discussão boba, por isso me levanto e me aproximo da
minha noiva.

Minha mãe se afasta, deixando um tapinha leve no meu


rosto antes de voltar para junto de Doris e para a tarefa de
dobrar guardanapos.

— A imprensa vai continuar falando, amor. Por que está tão


preocupada? — pergunto, envolvendo-a pela cintura.

— Porque não quero que todos pensem que estou com você
por conta dos seus milhões — ela declara, franzindo o
cenho.

— Bilhões. — Deixo um beijo rápido em sua boca. — E não


faz diferença. Você nunca vai me deixar mesmo… — Dou de
ombros.

— Além de louco, é convencido. Onde fui me meter? — Gaia


apoia a testa em meu peito, soltando o ar em resignação.

— Isso significa que você vai se casar comigo amanhã?

— Claro que não! — Ela se afasta, colocando as mãos no


quadril de novo. — Já disse que só me caso com você se
tiver um contrato pré-nupcial assinado, garantindo que não
vou roubar todo o seu dinheiro.

Escuto meu pai gargalhar atrás de nós e preciso me


controlar para não fazer o mesmo. Porque, se eu fizer, corro
o risco de parar na ponta de uma faca.

Não vou negar e dizer que o último ano foi fácil. Na


verdade, foi uma montanha-russa de altos e baixos, lidando
com a imprensa e

com as loucuras da minha família. Mesmo assim, Gaia e eu


permanecemos juntos durante todo o processo, enfrentando
os problemas e fazendo aquilo que prometemos:
construindo uma vida juntos.

Assim que o verão acabou, ela se mudou para o meu —


agora nosso — apartamento. E, como prometido, comprei
um chihuahua filhote, o Prinz. Konig levou algumas semanas
para se acostumar com o invasor, mas acabou relaxando
quando percebeu que não precisava mais ser o cão de
guarda da casa.

Enquanto minhas funções na IK aumentavam, Gaia também


foi crescendo profissionalmente. Ela conseguiu terminar o
curso de gastronomia que tanto sonhou — usando o
dinheiro que conseguiu por ter trabalhado nos Hamptons.
Depois, garantiu um estágio em um restaurante famoso,
onde tem se saído muito bem. Inclusive, minha noiva foi
efetivada na semana passada, como sous chef do lugar.
Gaia deveria voltar a trabalhar lá assim que voltássemos da
nossa lua de mel.

Mas eu mudei os planos. Ela ainda não sabe, porém, meu


presente de casamento será um restaurante só dela. Tenho
certeza de que enfrentarei uma briga enorme pela frente
para que Gaia aceite, então, resolvo ceder às maluquices
dela por enquanto.

— Tudo bem, meu amor, você tem razão — digo, fingindo


estar convencido.

— Sério? — Gaia me encara, sem acreditar que venceu a


briga tão fácil.

— Só tenho uma exigência. Duas, na verdade — acrescento.


Pai, pode anotar para passar aos nossos advogados? —


Recebo um aceno de cabeça antes de continuar. — A
primeira é que, se nós tivermos filhos, o contrato será
anulado na hora.

— Justo. Se for pelas nossas futuras crianças, aceito ser


bilionária — ela diz, revirando os olhos.

— E a segunda é que, se você passar os primeiros cinco


anos de casamento sem usar uma faca contra mim,
também anularemos o contrato.

Desta vez, Gaia solta uma gargalhada sonora. Então, passa


os braços em volta do meu pescoço e fica na ponta dos pés,

aproximando nossas bocas.


— Não posso prometer nada, cowboy. — Ela dá um peteleco
no meu chapéu, fazendo a aba se afastar um pouco do meu
rosto.

— Eu posso prometer muitas coisas — digo baixinho, para


que apenas ela ouça. — Uma delas é que vou te fazer muito
feliz daqui para frente.

Desde que a conheci, Gaia me deu tudo o que eu sempre


quis.

Por isso, quando a pedi em casamento, ela só teve uma


exigência: que nos casássemos aqui, no bar de seus pais.
Dessa forma, eu poderia realizar meu sonho de infância.
Nem que fosse por um dia.

— Você já me faz a mulher mais feliz do mundo, senhor


King.

— Ainda não é o suficiente, futura senhora King — garanto.


Quero te dar tudo, Gaia. Colocar o mundo a seus pés.

— Já tenho tudo o que quero bem aqui.

Ela cola a boca na minha pela milionésima vez desde que


nos conhecemos. Mas ainda não é o suficiente. Nunca será.
Porque Gaia é muito mais do que o amor da minha vida. Ela
é a minha obsessão.

Agradecimentos

Senta que lá vem agradecimento pra caramba.

A você, que acabou de ler este livro, muito obrigada por


chegar até o fim. Espero que tenha se apaixonado por Zach
e Gaia.

Às minhas betas — Jess, Andressa, Mel e Dany —, que


aturaram meus surtos de ansiedade, vocês são
maravilhosas. Não sei o que seria de mim sem vocês,
meninas. Obrigada por tudo! Amo muito vocês.

Tábata, minha vinhadinha, te encontrar foi um dos maiores


presentes que esta vida me deu. Obrigada por estar sempre
ao meu lado, me segurando quando as coisas estão difíceis
e fazendo piada quando tudo está tranquilo. Mais do que
uma sócia, você é uma das minhas amigas mais queridas.
Ainda bem por você estar no meu time.

João, obrigada pelo vibecheck quase que diário e por


sempre se despedir dizendo que me ama. Não tenho
palavras para explicar a importância que você tem na
minha vida. Mas quero seus abs em uma capa futura!

Sajica, obrigada por sempre fazer as melhores capas.


Ninguém me entende como você! E a melhor parte das
nossas reuniões criativas é quando não falamos de trabalho
e só fazemos fofoca.

Obrigada por não deixar o Hitchcock aparecer no vídeo!

Bah, só você pra revisar um livro com mais de 120 mil


palavras em tempo recorde. E obrigada por ser tão chata
quanto eu. É tão bom ter alguém com quem desabafar, né?

Às minhas parceiras, muito, muito, muito obrigada! Vocês


são maravilhosas demais! Obrigada por cada postagem,
cada resenha, cada story… Vocês fazem toda a diferença.

Ao meu grupo de leitores, amo muito vocês! Obrigada pelo


carinho e pelo apoio de sempre. Vocês são incríveis!
Esta parte aqui não é um agradecimento, e sim uma
reclamação

— como eu havia prometido. Marcela, minha querida


psicóloga, você está dificultando a minha vida. Meus
personagens estão emocionalmente estáveis, e a culpa
disso é sua! Escrever clímax é difícil quando todos querem
sentar, conversar e expor os sentimentos de forma madura!
Assim não dá, querida. Assim. Não. Dá. Daqui a pouco todos
os meus livros vão ter que acabar em acidentes trágicos,
porque tá difícil.

Às minhas amigas — Cássia, Crys, Lucy, Gisa e Vall —,


obrigada por ouvirem meus surtos, por compartilharem o
peso da minha ansiedade, por me ajudarem quando tudo
parece prestes a desmoronar e por não desistirem de mim
quando eu passo semanas em isolamento. Obrigada por me
ouvirem sempre. Amo vocês, meninas.

Agora, espero vocês no próximo lançamento.

Ainda não tenho certeza de qual será. Veremos…


Sobre o autor
Mari Monni
é escritora de romances, colecionadora de canecas e
amante de batata frita. Em 2018, abandonou sua vida de
professora para se dedicar às palavras escritas em vez das
faladas. Nascida no Rio, mas apaixonada pela vida no
interior, é mãe solo de uma filha princesa e de um filho
canino.

Desde que criou coragem e lançou sua primeira obra, não


para de escrever histórias com humor, que fazem com que
os leitores sintam coisinhas gostosas lá embaixo e sempre
encontrem um final feliz.

Hoje, tem mais de vinte romances publicados.

Aprendeu que os livros podem ser bons companheiros em


tempos difíceis e brinca que seu Kindle é seu melhor amigo.
Leitora de carteirinha, está sempre em busca de um novo
crush literário –

enquanto lê, também quando escreve.

Viciada em café, Coca Cola, livros e sorrisos, Mari é uma


capricorniana workaholic, que não para de ter ideias para as
próximas histórias.

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Instagram: @marianamonni

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Twitter: @marimonni

Livros deste autor


Com amor, Cat

Querida leitora,

Preciso de ajuda, porque não aguento mais resistir. Estou


completamente apaixonada por um homem que nunca vi na
vida. Há meses nós trocamos e-mails e mensagens. Sério, o
Senhor Sem Nome domina meus pensamentos. Acordo
pensando nele, durmo pensando nele e suas mensagens
são a melhor parte do meu dia.

Mas agora ele quer me conhecer pessoalmente. É claro que


eu também quero saber quem ele é, só que não posso
arriscar perder a única coisa boa que tenho na vida. Nós
últimos meses, Senhor Sem Nome se tornou essencial.
Como é possível que apenas algumas palavras sejam
capazes de fazer com que você fique apaixonada por
alguém? Acho que estou enlouquecendo… O que eu faço?

Com amor, Cat.

Uma Chance Para Amar

Foi em uma festa que a vida de Laura mudou. Em meio a


comidas gostosas, risadas e taças de champagne, ela o viu
do outro lado do salão. Seus olhos não se desgrudavam, a
tensão estava no ar… e, então, se encontraram no banheiro.

Uma loucura, daquelas que nunca havia se permitido fazer.


Sem oi, sem trocar nomes, sem nada. Apenas o desejo
incontrolável.

Ela só não esperava que ele fosse Eduardo Müller, o chefe


de sua melhor amiga.

Mas agora aquele homem maravilhoso está decidido a


conquistá-la de qualquer jeito, mesmo que Laura seja mãe-
solo de gêmeos,

esteja desempregada e tenha mais traumas do que a


maioria das mulheres de vinte e seis anos.

Seu passado não foi gentil, mas Eduardo veio para provar
que seu futuro pode ser tudo aquilo que ela sonhou. Basta
apenas que Laura se permita uma chance para amar.

Aquele Beijo

Quando se tem uma vida inteira planejada à sua frente,


nada pode interromper o que está por vir.

Certo?

Lola estava realizando seu sonho de conhecer a Irlanda,


tinha acabado de completar dezoito anos e estava
começando a faculdade.

Mas então veio aquele beijo...

Um beijo capaz de fazer com que ela perdesse o chão e


sentisse, pela primeira vez, a sensação gostosa de
finalmente estar completa.

Só que sua família já tinha decidido o que seria melhor para


ela.

Carrick Griffin sabia como seria sua vida e não estava nada
feliz com o que havia sido posto em seu caminho. Porém, já
estava conformado. Afinal, ele era o herdeiro de um
império.

Mas então veio aquele beijo...

Um beijo capaz de fazer com que ele se sentisse diferente.


Todas as suas convicções e responsabilidades perderam
foco e ele só conseguia pensar naquela brasileira.

Um momento.

Um desencontro.

Um destino já traçado.

E nenhum dos dois consegue esquecer aquele beijo...

Nunca Vou Me Apaixonar

Todo mundo já sofreu por amor. Comigo não foi diferente. Só


que, em vez de ficar sofrendo, resolvi fazer um pacto com
meus dois melhores amigos:

Nunca vou me apaixonar.

Desde então, levo minha vida de forma descomplicada:


muitas mulheres, zero envolvimento.

Prazer, me chamo clichê ambulante.

Mas não desista de mim ainda. Não sou tão superficial


assim… As coisas começam a mudar radicalmente quando
conheço minha nova vizinha. Ela é linda, inteligente e sexy
até o último fio de cabelo ruivo.

O único problema é que Clara é virgem. Ou seja, minhas


táticas de sempre não funcionarão com ela.

Agora, só me resta sofrer, porque esta será a história de um


cafajeste apaixonado sendo obrigado a levar uma vida
celibatária.

Não sei quanto tempo vou aguentar.

ATENÇÃO:
Não leia este livro em público se você não quer passar
vergonha. Ele vai te fazer gargalhar alto e sentir as famosas
borboletas no estômago. A autora não se responsabiliza
caso você fique completamente apaixonada por Dante e
Clara.

Aquiles

“Parabéns, você é papai.”

Em poucas palavras, o mundo de Aquiles virou de cabeça


para baixo.

Até agora, seu único objetivo era deixar de ser apenas um


Herói e se tornar um Deus do Olimpo. Os treinos eram
exaustivos e as horas, longas: não é fácil ser um lutador
profissional de Jiu-Jitsu.

Se ele achou que essa seria a maior dificuldade de sua vida,


então terá uma surpresa.

Para Ana Júlia, aquele era apenas mais um dia de trabalho.


Porém, quando seu consultório foi invadido pelo homem
mais lindo que já viu na vida, tudo mudou. Não só por conta
dele, mas pelo fato de que trazia um recém-nascido no colo.

“Ele foi abandonado”, era tudo que aquele “deus grego”


conseguia dizer.

Como médica, ela não pode se apegar. Mas quando a sua


vida e a de Aquiles se entrelaçam, nada mais é garantido.

Dionísio

Eles se odeiam, mas é impossível controlar a atração.


Foi em um casamento que se conheceram. Flora era a
madrinha.

Dionísio, o segurança.

Se o primeiro encontro já não foi amigável, tudo piora


quando ele é contratado para ser o guarda-costas dela.
Agora, Dionísio vai aonde ela for. De terno bem-alinhado e
sempre com um sorriso safado no rosto, Flora tem vontade
de enforcá-lo com a própria gravata, ou então de arrastar
aquele maldito para o quarto e obrigá-lo a fazer melhor uso
da boca. Ela ainda não se decidiu.

Por outro lado, Dio sabe muito bem o que quer: irritar a
princesinha a todo custo. Ela é mimada, chata e
possivelmente a mulher mais linda que já conheceu. Só que
isso não importa.

Nenhum dos dois quer se envolver, mesmo que resistir


esteja cada vez mais difícil. E quando a vida de Flora fica
em perigo, Dionísio será o único capaz de mantê-la em
segurança.

Casada Por Acidente

É possível ser casada e não saber?

Se tem uma coisa que Alice Warrington vai descobrir é que


esse tal de Inferno Astral realmente existe. Ela nunca foi
uma mulher supersticiosa. Seu trabalho exige muita lógica e
atenção para perder tempo com coisas tão banais quanto o
destino.

Até que tudo em sua vida parece desmoronar no espaço de


uma semana e ela se vê frente a frente com uma situação
que nunca pensou que aconteceria: ela é uma mulher
casada.
Como assim, casada? Ela não entrou na igreja e disse
"aceito" para ninguém, nunca esteve em um
relacionamento por mais de duas semanas, nem mesmo foi
a Las Vegas. Como ela pode estar casada e sequer saber
quem é seu marido?!

Com sua vida em ruínas, ela vai atrás do homem que pode
ter as respostas para suas perguntas. O que não esperava
era encontrar aquele espécime de um metro e noventa,
tatuagens pelo corpo todo e um sorriso de derreter
calcinhas.

De repente, estar casada pode não ser tão ruim assim...

Alerta: fique longe desse livro se você não gosta de


personagens femininas fortes nem de homens lindos,
tatuados e cheios de amor pra dar.

Para Sempre Vinte e Nove

Ah, a crise dos trinta... Quem nunca?

Se você ainda não chegou lá, prepare-se: vai acontecer.

Antes de completar trinta anos, todo mundo surta. No meu


caso, foi muito mais do que isso. Fui tomada por uma crise
existencial que mudou minha vida. Por isso, faltando alguns
meses para o tão temido dia, resolvi fazer uma lista de
trinta coisas a fazer antes dos trinta.

Com a ajuda de Nicholas, meu melhor — e único — amigo,


irei riscar cada um desses itens. Só que a minha história não
para por aí.

Esses meses são intensos, cheios de descobertas e altas


revelações.
Afinal, não é todo dia que você percebe que está
completamente apaixonada pela única pessoa que não
deveria.

Minha Ruína

Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o


destino parece estar de sacanagem com a minha cara.

Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas


para ver minha mãe ser assassinada na porta de casa e
descobrir da forma mais inesperada possível que o meu pai
é um Don da máfia italiana.

Não só isso: ele quer que eu e meus dois irmãos entremos


para a família.

Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma


de suas exigências é que eu me case com uma mulher que
mais parece uma freira.

A Família Rossi é cheia de segredos e tradições, mas eu sou


Sage Wilder, e nunca soube muito bem como seguir
regras...

Meu

Cinco livros.

Cinco casais.

Cinco romances quentíssimos e de tirar o fôlego.

A série Meus Amores traz as histórias das meninas da Banda


Estrogenium. Cinco mulheres determinadas e muito bem
resolvidas, que vão se permitir viver algo intenso e
inesperado.
Mika e Henrique se conhecem da forma mais estranha
possível: através de uma janela. Sem conseguir desgrudar
os olhos do vizinho da frente, eles começam um
relacionamento diferente e voyeurístico, mas tudo começa a
ficar ainda mais intenso quando se veem pela primeira vez.

Quando Sissi se vê no meio de uma estrada deserta e com o


ônibus da turnê quebrado, a solução é chamar um
mecânico. Mas o que aparece na sua frente é o homem
mais irresistivelmente safado que ela já conheceu na vida.
Por uma semana, eles vão ter que conviver, e não há nada
que irá conseguir controlar a paixão avassaladora entre a
patricinha da cidade grande e o homem mais indecente da
cidadezinha do interior.

Baby tem tudo planejado. Perder o controle nunca esteve


nos seus planos. O problema é quando ela conhece
Alexandre e todas as suas “faces”. Porque ele não é apenas
um professor, ele é insaciável e tem fetiches que farão com
que ela descubra um lado novo, que nunca imaginou ter.

Malala sempre quis ser passista de uma grande escola de


samba, mas quando se vê forçada a passar o carnaval em
família, seus sonhos parecem ir por água abaixo. O que ela
não esperava era que seu “priminho” pudesse despertar
nela vontades nunca antes sentidas. Só tem dois
problemas: ele é o melhor amigo de sua irmã… e virgem!

Quando Bertha e Cauê anunciam para a família Estrogenium


que irão se casar em três dias, todo mundo surta!
Principalmente porque acreditam que ela está grávida.
Porém, há muita coisa no relacionamento dos dois que
ninguém nem imagina. E eles estão

prontos para conquistarem o sonhado “felizes para sempre”.


Venha conhecer essa série engraçada, romântica e quente.
Cuidado com as calcinhas, meninas, porque elas vão pegar
fogo!

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