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Copyright © 2020 Nana Simons

APRISIONADA A VOCÊ

1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser

reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou

mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: Renato Klismann (RK Editorial)

Revisão: Bárbara Pinheiro

Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos

descritos são produtos da imaginação do autor(a). Qualquer semelhança com

nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO

DA LÍNGUA PORTUGUESA.
Aviso

Glossário

Hierarquia e mandamentos

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8
Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Capítulo 20

Capítulo 21

Capítulo 22

Capítulo 23

Capítulo 24

Capítulo 25

Capítulo 26

Capítulo 27
Capítulo 28

Capítulo 29

Capítulo 30

Capítulo 31

Capítulo 32

Capítulo 33

Capítulo 34

Capítulo 35

Capítulo 36

Epílogo

Agradecimentos
“SE NÃO CONSEGUIRMOS COMPRAR VOCÊ OU TIRÁ-LO DO

CAMINHO, VAMOS MATÁ-LO”.

LEMA DA BRATVA

VORY V ZAKONE – BANDIDOS PELA LEI

“NÃO TENHO FAMÍLIA, NÃO TENHO CASA, NÃO TENHO NOME.

EU SOU BRATVA.”
Este é um romance dark.

Se você não gosta do tema ou não costuma ler com a mente aberta:

NÃO LEIA ESSE LIVRO.

Existem temas polêmicos, consentimento duvidoso, problemáticas em

relacionamentos romantizadas e anti-heróis.

Diálogos que podem conter palavrões, ofensas e preconceitos.

Conteúdo sexual descrito.

Cenas de violência, tortura e uso de drogas.

Temas tabus (se refere a uma proibição da prática de qualquer

atividade social que seja moral, religiosa ou culturalmente reprovável. Dizer

que algo é um tabu pode significar que é sagrado e por isso interdito qualquer

contato. Ou pode também significar algo perigoso, imundo ou impuro).

A opinião política e religiosa da autora não se expressa nesse livro.


A autora não concorda e não apoia os comportamentos duvidosos dos

personagens.

Leia consciente de para onde estamos indo.


DEVUSHKA - MENINA
SESTRA - IRMÃ
PAKHAN - PADRINHO
BOSS - CHEFE
TVOI SVIN'I - SEUS PORCOS
MURAVEY - FORMIGA
ZELENYYE GLAZA - OLHOS VERDES
MUDAK - IDIOTA
SHAKH I MAT - XEQUE-MATE
SPLENDIDO - LEGAL
KITTI - GATINHA
PRIDUROK - IDIOTA
YA LYUBLYU TEBYA - EU TE AMO
YA CHERTOVSKI LYUBLYU TEBYA - EU TE AMO PRA
CARALHO
MOYA LYUBOV - MEU AMOR
DRUG - AMIGO
MOYA LUNA - MINHA LUA
Não são a realidade da Bratva.

É parte da ficção criada pela autora.

Nesse livro aparecem personagens da SÉRIE NO BERÇO DA

MÁFIA, porém, eles não são o foco da história.

Aqui, o tema é a máfia russa, a BRATVA, e não é necessário ter lido

outros livros para entender. Existem referencias a outros casais, personagens,

mas caso queira ler, basta procurar na Amazon Br. Sem ter lido os livros,

você também terá um entendimento completo de Aprisionada a você.

Os DeRossi – Série no berço da máfia


Os Konstantinova – Série a Liga dos diamantes

HIERARQUIA

Pakhan

Chefe da Bratva/Irmandade

Boss

Homem de confiança que tem o poder de governar uma cidade

(geralmente os líderes e suas famílias se tornam Clãs. Chamadas de Realeza

Russa)

Konsultant: Conselheiro

Braço direito do Boss. Homem que trabalha ao lado e abaixo do chefe

da cidade, garantindo que suas decisões sejam bem pensadas e os

aconselhando no que precisar.

Strateg: Estrategista
Trabalha com o Konsultant para garantir que os planos do Clã sejam

sempre bem sucedidos.

Kaptain: Capitão

Líderes de pequenos territórios que prestam contas ao Boss da cidade.

Vory

Guerreiros/irmãos. Homens jurados na Bratva e comprometidos a

morrer e viver pela Irmandade até o fim da vida. Servem da forma que o

Pakhan e todos os homens de cargo acima deles ordenar.

MANDAMENTOS DA BRATVA

1: A BRATVA está acima de tudo e todos em nossa mente e coração.

2: Lealdade se conquista com lealdade, não com sangue. Faremos de

um homem um irmão Vory se assim ele merecer.

3: Por honra, protegeremos as nossas mulheres e crianças ou


morreremos tentando.

4: Você pode ter apenas uma esposa, mas pode ter vinte amantes.

5: Quando se tornar um Vory, será um Vory para sempre. Nunca mais

trabalhará por meios legais, nunca mais terá contato com policiais que não

sejam associados da BRATVA.

6: Nós não nos aliamos a sujos. Yakuza, Cosa Nostra, Irlandeses,

Cartel, Moto Clubes são inimigos pela vida e pela lei do submundo. Assim

como a máfia sérvia, israelita, albanesa e a jamaicana. Negociamos nossos

interesses, mas não somos iguais.

7: Nós não escondemos segredos da BRATVA dentro da Irmandade.

8: Nós aceitamos punições determinadas por nossos superiores com

orgulho seja qual for.

9: Tatuamos a nossa história em nossa pele.

10: Cumprimos uma pena na cadeia mais cruel de Moscou para provar

que somos merecedores da estrela antes de nos tornar Vory.

11: Reconhecemos nosso Pakhan como soberano.

12: Reconhecemos nosso Vor como Boss.

13: Reconhecemos nosso Kaptain como líder.

14: Nascemos para ser escravos da BRATVA. À irmandade devemos


nossa alma em vida e em morte. Que o nosso lugar reservado no inferno se

aqueça pelo o tempo que vivermos e assim, repousaremos com as

consequências de nossos atos pela eternidade.


Para todas as Maryias que vão ler.

Que eles e elas saibam dar valor quando tiverem a sorte de

serem amados por nós, mulheres loucas.


“Não há inocência mais doce do que nosso suave pecado

Na loucura e imundície desta triste cena mundana

Nós nascemos doentes

É o que eles dizem

Minha igreja não oferece absolvições

Ela só me diz: Louve entre quatro paredes

O único paraíso para onde serei enviado

Vai ser quando eu estiver sozinho com você

Posso ter nascido doente, mas adoro isso

Leve-me à igreja

Louvarei como um cão no santuário de suas mentiras

Vou lhe confessar meus pecados para você poder afiar sua faca

Ofereça-me aquela morte imortal


Deixe-me lhe entregar minha vida

Amém”

HOZIER, TAKE ME TO CHURCH

Dinheiro nunca foi problema.

Entre tantas frases que definiam a Bratva, essa poderia ser uma delas.
[1]
O Pakhan aposentado, mas que sempre seria o Pakhan nos corações dos

guerreiros e famílias fiéis, gostava de provar tal ponto, por isso, seu

aniversário de oitenta anos, no Four Seasons, no coração de Moscou, não me

surpreendeu.

Dinheiro.

Poder.

Fama.

Havia dois tipos de respeito que um homem conquistava na máfia.

Ele podia ser respeitado e temido ou respeitado e amado. Nikolai


Sharapova, meu avô, conquistou os dois. Era a razão pela qual embora

houvesse um novo Pakhan na linha de frente da Irmandade, as pessoas ainda

tinham meu avô como o absoluto em seus corações. Bukin Malkovi quase

não era lembrado. Era como se após meu avô, Roman tivesse sido o próximo

na linha de frente. Embora vovô fosse tão querido, a fidelidade do nosso povo

a Roman não mudava por isso, muito pelo contrário, meu sogro caminhava

para ter tanta consideração em suas costas quanto o meu querido avô, mas
enquanto vovô estivesse vivo, as pessoas o adorariam simplesmente por ser

ele.

— Estou orgulhoso de você, minha neta — ele me disse, quando

chegamos à porta dupla do salão. Atrás de mim, meus dois irmãos esperavam

para nos seguir, mas vovô me queria ao seu lado, como sempre foi desde que

nasci.

— Prometa-me que isso vai acontecer por mais trinta anos.

Com meu pedido, ele riu aquela risada contagiante, e embora sua idade

fosse bem avançada, qualquer um não lhe daria mais de setenta. Ele ainda era

o grande russo encantador que cuidou de mim a vida inteira.

Eu conhecia o lado do meu avô e o lado do Pakhan da Irmandade. Ele

sabia separar as duas coisas, pelo menos comigo. Meus

irmãos Evarkov e Maksim conheceram o lado mais bruto dele mais vezes do
que a delicadeza escondida. Eles precisavam se tornar homens fortes, vovô

dizia, e por isso sofreram como eu não sofri.

— Eu prometo. — Dando um olhar aos meus irmãos, ele assentiu para

mim. — Alguém tem que ficar por perto até que esses dois criem juízo.

Eu sorri dessa vez, segurando o braço que me oferecia.

Pela porta, de vidro cristalizado fechada, eu podia ouvir o homem


escolhido fazendo sua introdução lá dentro.

“Ele deu setenta anos fiéis e dedicados de sua vida à Irmandade, criou

seus filhos para nós e ensinou aos netos seus próprios passos. Ele foi o

conselheiro, o chefe e o pai quando precisávamos de uma mão amiga. Ele

sempre será lembrado como aquele que nos guiou em tempos difíceis e é a

minha honra maior ter sido escolhido para cuidar de sua

cadeira. Vory V Zakone!”

“VORY V ZAKONE!”

Todos repetiram e encerrando minhas dúvidas, assim que dois

guerreiros abriram as portas, vovô me puxou para dentro. Meu olhar seguiu
até o palco, onde meu sogro batia palmas com um sorriso direcionado ao meu

avô e meu coração acelerou.

— Eu não sabia que Roman estaria fazendo isso, vovô.

— Roman não é seu Viktor, devushka[2]. Não foi ele quem ensinou seu
filho a se comportar como o faz.

— Ele não é mais meu.

Eu baixei o rosto, não querendo que qualquer um visse o que a simples

menção dele fazia comigo. Eu trabalhei incansavelmente para tirá-lo de

minha mente, esquecer seu desrespeito, a vergonha do que fez comigo e o

fato de que não se importava o suficiente em como eu ficaria com suas

ações.

Meu marido.

O homem que jurou me amar acima de tudo e além dos tempos.

Eu o odiava.

Odiava que não tivesse percebido que algo estava errado, que eu

gritava por socorro e que quando se foi, levou a única coisa que me fazia

querer ficar.

— Eu não quero vê-lo, vovô — pedi, agarrando-me ao homem que me

criou, mesmo já tendo vinte e seis anos de idade. Mesmo não sendo mais a

menina indefesa que era quando me casei.

Senti o peso dos olhos do Pakhan sobre mim, não o meu avô, mas o

mafioso que faria tudo por sua família.

— Ele está de volta, devushka. Pela lei, você é dele, mas eu não vou

deixar que a leve até que você queira ir.


— Ele me traiu e me desrespeitou — sussurrei.

Meu avô já sabia, provavelmente sabia mais do que eu, e por um

segundo me lembrei onde estávamos, as pessoas começaram a nos olhar de

modo estranho, porque as palmas haviam cessado e ele ainda me segurava

com sua atenção totalmente focada em mim. Meus irmãos se

aproximaram. Maksim do lado esquerdo e Evarkov, em minhas costas.

Eles não se importavam com os olhares, só se importavam comigo.

Amor e lealdade governavam a minha família. E foram essas mesmas

coisas que me mantiveram em equilíbrio quando o homem que eu amava me

deixou.

Por nove anos, eu fui dele e, por nove anos, andamos numa corda

bamba de amor e guerra.

No meu próximo aniversário, faríamos dez anos. Uma longa década

que eu pensei que nunca teria fim, mas agora ele estava de volta e eu seria

arrastada para seu mundo outra vez.

— Vamos aproveitar o meu aniversário e amanhã falaremos sobre isso.

Eu assenti para vovô e tentei sorrir.

— O senhor vai tratar de negócios esta noite?

— Não, minha linda Maryia. Hoje eu vou beber, dançar e observar a

minha família.
— Ou seja... o senhor vai tratar de negócios.

Ele riu e piscou, dando um rápido aperto em minha mão.

— Você me conhece mais do que qualquer um neste mundo, devushka.

Quando ele se referia à “família” não era apenas sobre mim e meus

irmãos, mas também todas as pessoas presentes no salão. Clãs da Rússia,

Detroit, Nova Orleans e Atlanta se reuniam para comemorar mais um ano de

vida de um membro do alto escalão. Nem todos na Bratva recebiam tal

honra.

Servos e guerreiros de rua mal eram reconhecidos quando faziam

aniversário, se casavam ou tinham sua primeira criança. Eles eram

descartáveis. Um morria em missão e mais três surgiam no lugar. As ruas

estavam cheias de russos precisando de dinheiro, sem objetivos maiores de

vida e procurando por um lugar maior. Um propósito.

O processo de entrada era rigoroso. De dez, quatro desistiam, mas os

seis que perseveravam em entrar para a facção não se arrependiam. Eles

aprendiam a servir aos propósitos da Bratva como um só. Os clãs das

primeiras famílias eram a cabeça, e os guerreiros formavam o corpo.

O coração era formado por balas, pólvora, lágrimas e sangue.

— Talvez em seu próximo aniversário poderíamos fazer algo íntimo, só

nós quatro?
Ele acariciou o meu rosto e sorriu, dando um beijo casto em minha

testa.

— O que você quiser, devushka. O que você quiser.

Eu sabia que aquilo não aconteceria, mas fingi que era uma

possibilidade. Nós continuamos dançando a primeira música e, quando

terminou, ele me segurou para dançarmos uma segunda.

Eu comecei a sentir a tensão se esvaindo, pensamentos sobre Viktor e

seu pai sendo esquecidos e meu sorriso tornando-se sincero. Mas durou

pouco, porque assim que terminamos a segunda dança, ele chegou. Eu

observei sua entrada, a maneira como cada pessoa pareceu ficar ciente de que

o infame traidor entrou no recinto. Seus olhos digitalizaram o ambiente até

que parou diretamente em mim. Meu coração errou duas, três batidas.

Os olhos incrivelmente verdes de Viktor Zirkov.

Era oficial.

Meu inferno estava de volta.

Meu marido acabara de chegar.

— Vovô — mal consegui dizer, mas senti seu aperto em minha mão.

— Eu cuidarei de você, devushka. Vá para perto de seu irmão.

Eu fui rapidamente passada para Maksim. Seus olhos frios estavam


num ponto que eu conhecia muito bem: prestes a arrumar confusão. Meu

irmão cheirava à sangue, às vezes, para mim, sua colônia era medo. Ele se

alimentava do medo das pessoas à sua volta e apenas três pessoas escapavam

de tal postura. Eu, vovô e Evar.

— Eu vou matar o desgraçado filho da puta. Como ele se atreve a

aparecer aqui?

Ele mostrou os dentes, olhando por cima da minha cabeça. Eu apostava

que era onde Viktor estava. Os olhos de Maksim eram iguais aos meus.

Verdes, mas havia uma mancha no olho direito que o fazia parecer castanho

se olhasse rápido demais. Ele era tão bonito quanto Evar e igualzinho ao

nosso pai quando mais jovem.

Tatuagens cobriam seu corpo, a pele rabiscada de preto nos braços,

pescoço, alguns pontos do rosto, pernas, pé. Ele todo. Quer dizer, pelo menos

aonde eu como sua irmã podia ver, além das coisas que infelizmente ouvia

mulheres dizendo.

Suas lutas lhe deram um corpo forte, e a genética o abençoou com uma

altura além da média. Meu irmão arrancava suspiros de medo de homens e

apreciação de mulheres por onde passava. Um gigante meio louco.

— Por favor, irmão. — O abracei mais forte. — Não estrague a festa do

vovô.
— Então é melhor que esse fodido pare de te olhar.

A banda tocava Moscow nights de Ivan Rebroff e vários casais

dançavam na pista. Pais e filhas; mães e filhos; avós e netos e marido e

esposas. Meu avô não saía da pista também. Com a primeira dança sendo

minha, depois de mim viriam outras mulheres. Era uma honra dançar com

Nikolai Sharapova e eu o busquei no salão, tentando encontrar tranquilidade

ao vê-lo, depois de Maksim dizer que Viktor me encarava e sorri ao ver meu

avô de mãos dadas com duas garotinhas, rindo e as girando no ritmo da

música, como costumava fazer comigo.

— Ele morrerá, Maryia. Morrerá pelo o que fez com você, mas vou

fazer com que sofra antes.

— Eu não o quero morto. — Meu irmão ignorou meu olhar, mas puxei

seu rosto para baixo. — Não vai matá-lo, Maksim. Se fizer isso, perderei

você e não suportarei.

— Você é boa e misericordiosa, faz jus ao seu nome, assim como eu

faço ao meu.

Ele se referia ao apelido que ganhou nas ruas, graças à sua violência

incessante. Osso Russo.

Eu odiava tanto aquele apelido quanto o que colocaram

em Evarkov. Kolokol. Sinos. Quando ele chegava, era um aviso da morte.


As pessoas não sabiam que aqueles eram meus irmãos, meninos que

cresceram demais e cuidaram de mim como se eu fosse a pedra mais valiosa.

Como se eu fosse o milagre da neve que caía pela Rússia.

— Ele terá o que merece de seus guerreiros e seu pai — falei. — Se

tivesse me traído com uma russa, eu saberia que não haveria punição, mas foi

com... com...

— Diga, Maryia, diga. Com uma italiana. Com uma inimiga.

— Pare de chatear nossa irmã. — A voz de Evar parou nossa dança. —

A passe para mim.

Maksim pousou um beijo em minha testa e se afastou,

deixando Evar guiar-me na dança.

— Ele vai matar Viktor.

— E? — Ergueu uma sobrancelha castanha.

— Você tem que pará-lo, Evá. Já não basta que seu julgamento está

próximo? Vou perder meus dois irmãos de uma vez?

— Sairemos logo. Pelo menos, vai valer a pena encarar a punição.

— Do que adiantará? Quando vocês estiverem longe, Viktor me levará

outra vez.

Fogo e ódio incendiaram os olhos castanhos do meu irmão quando me


encarou. Ele era calmo por fora. Suas palavras duras eram acompanhadas de

uma postura fechada. Meu doce Evarkov, que nunca teve a chance de ser

suave.

— Ele não a tocará novamente, Maryia. Não enquanto eu

e Maksim estivermos aqui.

O peso de suas palavras era real e muito sério.

Eu encostei a cabeça em seu ombro, querendo me esconder quando

senti todos os olhos em mim. Perguntando-se se eu surtaria, se correria para

Viktor e fingiria que nada aconteceu, ou se jogaria a minha famosa loucura

em cima dele.

— Levante a cabeça. Ele nunca mais te colocará para baixo

novamente.

Eu fiz como meu irmão caçula mandou e tentei fingir que meu marido

não estava a poucos metros de distância.

Não o olhei em nenhum momento, mas senti seu olhar queimando em

mim.

Ele não era mais o Viktor que eu conheci, dez anos atrás.

E eu com certeza não era a mesma Maryia.

Será que meu marido não recebeu o memorando?


Eu finalmente enlouqueci de vez.
“Nós lutamos duramente, nós lutamos bem

Nas planícies, demos-lhe o inferno

Oh, será que algum dia estaremos livres?

Corram para as colinas, corram por suas vidas”

IRON MAIDEN, RUN TO THE HILLS

Por mais de um século, a guerra entre Bratva e a Cosa Nostra foi

lendária.
Nunca houve uma trégua, nem entendimento e, muito menos, um

acordo de paz.

Não.

Fora de cogitação.

Não gostávamos de paz. Queríamos terror. Acelerava o nosso corpo e

adrenalizava a nossa mente ver nossos estragos na TV, assistir ao pânico dos

nossos inimigos e beber cantando nossa vitória. Não seríamos a máfia mais

notória se fôssemos como um acampamento de escoteiros.

Meninos italianos nasciam para se tornarem soldados e matar russos; e

meninos russos nasciam para mutilarem italianos, fossem soldados ou civis.

Meninas italianas nasciam para casar e formar alianças entre famílias

italianas, para reforçar a força de la famiglia; e meninas russas nasciam para

servir quando a Bratva determinava que a hora de mover alguma peça

importante do tabuleiro chegava.

Foram incontáveis mortes, ameaças e família destruídas. De ambos os

lados nós matamos entre nossas duas nações primeiro e perguntávamos

depois. Mas, pela primeira vez, algo mudou. Era pura sorte que eu estivesse

vivo para ver tal coisa acontecer.

Os italianos não gostaram do acordo entre os chefes, mas a palavra

deles era lei tanto aqui quanto lá. Porém isso não impedia que sussurros
fossem iniciados, que revoltas renascessem e desejo de se levantarem contra
seus reis surgissem. Eu mesmo não havia levado bem a ideia de que por

minha irmã e Antony DeRossi, a Bratva recuaria dos ataques contra a Cosa

Nostra, não era o certo, não depois de tudo o que fizemos.

Roubamos, matamos, pegamos sem permissão e não nos importamos

com as consequências.

Nossos ideais eram egoístas, mas jamais admitiríamos isso.

Dinheiro, poder e sangue governavam os guerreiros Bratva.

Homens treinados para fazer o que lhes foi ensinado desde que vieram

ao mundo: matar carcamanos.

Quando meu pai, Roman, e Lucca DeRossi, o chefe da máfia italiana,

decidiram usar o casamento dos filhos para impor um limite na guerra, eu

sabia que era uma questão de tempo até que tudo desabasse.

O acordo era simples.

Itália não atacava a Rússia e Rússia não atacava a Itália. Dentro da

fronteira dos dois países, havia proteção. Mas fora?

Digamos que nossas unidades nos EUA não aceitaram tão bem assim.

A guerra era pelo território e tanto os soldados italianos quanto os

guerreiros russos não deixariam passar. Se alguém cruzasse a linha

estabelecida nas reuniões mensais, haveria sangue.


Eu não queria paz.

Eu queria pegar minha irmã e meus sobrinhos, Benjamin e Carmina, e

dar o inferno para fora de lá. Mas Anya tinha sua teimosia como escudo e

aquelas palavras doces como arma. Ela deveria ter sido criada em nossa casa,

na Rússia, como a princesa que era.

Ao invés disso, sua mãe, uma traidora da Cosa Nostra a levou embora

sem que meu pai soubesse de sua existência.

Luigi DeRossi fez duas coisas boas em sua vida: engravidou sua esposa

de Elena DeRossi e matou a maldita Evangeline Berlot.

Eu mesmo gostaria de ter acabado com a vida da mulher que condenou

minha irmã, mas estava feliz que ela não andava mais por aquela terra. Me

consolava saber que quando minha hora de descer ao inferno chegasse, eu a

encontraria lá embaixo.

Minha irmã não era uma “puro sangue”, mas isso não importava para

nós.

Se tinha algo em que não éramos ligados, era sangue. Família sempre

foi conquistada, não dada no nascimento.

Desviei o olhar da rua para o meu telefone, onde uma foto antiga

enfeitava a tela inicial. Os cabelos ruivos presos no alto da cabeça, curtos

naquela época, eram apenas uma lembrança. Os olhos verdes brilhantes, as


sardas enfeitando a ponta do nariz e as maçãs do rosto... tudo nela brilhava.

Até eu.

Até eu encontrá-la e colocar uma aliança em seu dedo.

— Olhe para a rua, quero chegar em casa vivo.

Olhei para o meu mais antigo e talvez único amigo, Volodya

Bazehnkov, ou como todos o chamavam, Volya, que estava comigo desde

que podia me lembrar. Eu fui um adolescente estúpido e irritadiço sem reais

razões e meu pai não deixou de me punir por isso. Em uma das noites que fui

proibido de voltar para a casa, estava vagando pela rua, quando fui parado

por um garoto da minha idade.

Entretanto, não foi a faca que ele colocou em meu pescoço que me

assustou, foram seus olhos. Só havia uma raiva incontida lá dentro, como se

ele fervesse e apenas extravasar o sentimento o deixaria menos louco.

Nossa amizade começou com um acordo. Eu lhe arranjava comida e ele

me ensinava a lutar.

Durou apenas alguns meses até que meu pai descobrisse e acolhesse

Volya na Irmandade, como se sempre tivesse sido um de nós. O tiramos da

rua e ele aprendeu que família vinha por merecimento. Volya ganhou o

respeito do meu pai, assim como sua afeição. Nos tornamos irmãos pela vida

e foda-se o sangue.
— Por que não dirige, então? — perguntei, sentindo imediatamente o

alívio de voltar a conversar com alguém na minha língua mãe.

— Porque não sou a porra do seu chofer.

— E eu pensando que, depois de meses, seria recebido com pelo menos

respeito.

— Se quer respeito, deveria ficar com sua nova família.

— Qual é a porra do problema, Volya? — Acelerei o carro, apertando

os dedos no volante para me impedir de socar o imbecil. Desde que me pegou

fora da Itália e passou comigo pela Alemanha, cumprindo as ordens que

Roman nos deu, e depois todo o caminho até a Rússia, o cara vinha sendo um

chute nas bolas.

Ele virou seus olhos escuros para mim. As tatuagens cobrindo-o do

queixo para baixo se retorceram. Marcas de uma história que nem eu sabia

todos os detalhes.

— Eu não sou idiota e, muito menos surdo. — Apontou a tatuagem

abaixo do olho. — Sempre de olho.

— Que merda isso significa?

— Não se faça de estúpido, Viktor. Você fez uma grande merda nesses

meses. Seu pai não me deixou ir te buscar e colocar um pouco de juízo na sua

cabeça fodida.
— Meu pai sabia que eu estava em uma missão, parece que você não se

atentou às coisas direito, ou não estaria enchendo a porra do meu saco.

— Sim, sua irmã, hein? Eu não a vejo por aqui.

— Ela ficou com o italiano e você sabe disso, todos nós pagamos o

preço.

Era verdade. Poucos traidores de ambos os nossos lados tinham se

unido para mandar uma mensagem a Lucca DeRossi e meu pai, por misturar

nossa gente, mas não surtiu o efeito desejado. Anya ainda se casou com

Antony DeRossi e a única ferida na história foi Elena.

— Acontece que não foi só lá que as coisas ficaram ruins. Coisas

aconteceram quando a notícia chegou aqui.

— O quê?

— Você parece ter esquecido, em seu tempo lá, que havia pessoas para

cuidar deste lado do oceano, irmão.

— Fale de uma vez, Volya. Me torture ou me encha de socos mais

tarde.

— Osso Russo e Kolokol estão lutando duas vezes mais do que faziam,

por que você acha? — Seu tom de voz me preocupou, mas tentei me acalmar

porque conhecia bem os meus cunhados.

— Eles podem ir cuidar da própria vida.


— Kolokol foi preso, Viktor. Ele estava guardado nos Estados Unidos,

esperando julgamento por ter matado um guerreiro com os irmãos de lá, mas

Nikolai interveio e o trouxe de volta, ainda assim, ele será julgado e punido

em Moscou.

Desacelerei, perturbado com a nova informação.

— Quando foi isso?

— Quando você acha, caralho? Todos sabem da sua história com a

menina italiana.

— Não existe uma história.

— Ah, não? Diga isso ao Osso. Kolokol estava prestes a entrar numa

luta quando a conversa de que você estava se enroscando com a italiana

surgiu. Ele perdeu o controle e descontou no oponente em cima do ringue,

diante de todas as malditas pessoas assistindo. Osso tentou pará-lo, mas

ninguém o deixou subir. Então, além de ver o irmão ser levado para o

subterrâneo, ainda soube que a irmã estava sendo desrespeitada pelo marido

com o nosso inimigo.

— Bem, minha esposa me expulsou de casa, não foi desrespeito.

A informação não era de conhecimento público, pois, assim que fui

expulso de casa, meu pai me convocou para ir à Itália. Eu duvidava que ela

fosse dizer a alguém o que aconteceu.


— Você se divorciou dela? A devolveu a seus irmãos?

— Você sabe que não.

— Então, a única coisa que sabemos é que você trocou a sua mulher

russa, que todos amam e respeitam por uma italiana que ninguém conhece e

dá a mínima. Depois disso, ninguém mais está surpreso por ela estar ficando

louca.

Bati no volante com força, o carro deu uma leve derrapada, antes de

retomar em linha reta.

— Não fale assim dela, porra!

Volya não insistiu. Ele sabia que era melhor não me provocar naquele

momento.

As palavras de Elena DeRossi voltaram-me como um suspiro no

ouvido.

“Eu tenho dias sombrios, Viktor. Dias que eu gostaria que houvesse

alguém lutando por mim, então, confie no que estou dizendo e, ao invés de

quebrar o coração dela, vá honrar seus votos. Mostre que ela é digna da

vida, merecedora do amor. Coloque o brilho de volta em seus olhos.”

Peguei a estrada sinalizando Moscou e entrei.

Sabia que existia uma porra de furacão para acalmar quando pisasse em

casa.
Sabia que seria mais fácil fazer sol na Sibéria do que ter minha esposa

de volta como era antes.

Sabia que minha verdadeira olhos verdes, estava afundada na loucura

que eu mesmo a coloquei.

Eu estava voltando para a casa e Maryia saberia que não estava

acabado.

Na verdade, aquele era o início de uma outra história para contar...


“Traga sua força da natureza

Traga na tempestade que está furiosa

E se você se perder nas sombras

Há um fogo dentro de você

E você sabe que eu vou te encontrar”

TORCHES, X AMBASSADORS

— Viktor! — minha prima gritou, começando a correr em minha

direção, antes de parar subitamente a poucos passos. Fechando a cara. Seu


esforço para conter a excitação era notável, mas ela não cedeu e aquilo me

fez perceber que o buraco estava mais embaixo para mim do que imaginei.

Os cabelos soltos por todos os lados balançavam pelos ombros e costas

enquanto ela saltava pelos degraus da escada.

— Dalyah.

Ela cruzou os braços, dando-me uma visão de um decote que

eu fodidamente não gostei.

— Eu não sabia que tinha resolvido voltar.

— Você não sabe de muitas coisas, priminha. Por que não me dá um

abraço? Seria bom me sentir bem-vindo, pelo menos uma vez.

— Não posso.

— Não pode?

— Sim. Estou brava.

— Comigo?

— É claro. — Dando um rápido olhar a Volya, Dalyah corou. — Você

tem nos desrespeitado.

Eu sorri, percebendo que a história correu solta e a cada boca um novo

detalhe foi aumentado. Me perguntei como chegou ao meu pai. A meus

guerreiros.
A ela.

— Você me conhece melhor do que boatos, printsessa .

— Então, não é verdade? — Esperança brilhou em seus olhos e eu me

senti ligeiramente culpado. Antes de Anya, Dalyah era o que eu mais tinha de

próximo como uma irmã e não podia fingir que seus dezesseis anos a faziam

estúpida. Muito pelo contrário. Dalyah Zirkov era mais inteligente do que eu

e meu pai gostaríamos. — Você não passou os últimos meses vivendo atrás

de uma italiana?

— Vivendo atrás é uma expressão muito forte.

— Vindo de você, eu não duvido. — Desafio brilhou em seus olhos.

Ela era mimada e a culpa não poderia cair em mais ninguém além de

mim e meu pai. Os guerreiros só estendiam a ela o mesmo tratamento que nós

a demos desde que passou a viver por perto, junto com sua mãe, minha tia

Olga, irmã do meu pai.

Quando seu pai, Yuri Izienbovi, o braço direito de Roman foi

assassinado em meio à guerra com a Cosa Nostra, por soldados italianos, nos

EUA, minha tia voltou à Rússia, recusando-se a passar mais um dia fora de

sua terra natal. Levou um tempo até Dalyah se acostumar à nova realidade,

mas o fez, concretizando seu ódio por nossos inimigos.

— Eu conheci uma italiana. — Aproximei-me, devagar, deixando a


mala no chão para dar-lhe toda a minha atenção. — Uma princesa, como
você.

— Não me chame assim.

— É o que é. Ao contrário de você, ela gostava muito do título. — Me

sentei, contendo o riso, enquanto brincava com fogo. Volya tomou um lugar

no outro sofá, observando as reações de Dalyah de perto. Assim como eu, ele

a protegia como se fosse seu sangue.

Família. Era o que éramos. Estava em nossas veias e coração.

— Não me compare a ela — cuspiu, descendo o resto do caminho e

dando-nos uma visão completa do vestido que usava, enquanto se dirigia à

porta de saída.

— Aonde pensa que vai, vestida assim?

— Volte para a Itália e vá controlar a sua principessa. — O sotaque

russo falando em italiano me fez sorrir, sabendo que ela aprendeu a palavra

apenas para me confrontar. — Pelo o que ouvi dizer, ela é tão difícil quanto

eu.

Dei de ombros.

— Ela já tem homens o suficiente em cima para fazer isso. Eu estou

falando de você, então suba e se troque. Vista algo mais além dessa

camiseta.
— Isso é um vestido e não vou trocar. Minha mãe tem plena

consciência das roupas que visto.

Movendo-me para a porta, a embosquei antes que pudesse chegar lá.

— Suba. E. Troque.

— Não sou mais criança, Viko.

— Como se eu me importasse. Suba.

A expressão fechou e quando ela pareceu recuar, surpreendeu-me

jogando um joelho para cima. Por reflexo, o agarrei, antes que encontrasse o

alvo em meio às minhas pernas. Segurando os pulsos finos, percebi a força na

resistência e como ela tentou lutar comigo. Levantei meus olhos para Volya.

— Mas que porra!

— Eu tentei falar sobre isso com seu pai.

— Deixe-me ir! — Ela se debateu, acertando o cotovelo em cheio no

meu estômago. A pancada foi mais forte do que eu esperava e, mesmo não

sendo doloroso, me deixou surpreso, a ponto de soltá-la.

— Falar sobre o quê? — me dirigi a ele.

— Eu estou lutando. — Ergueu o queixo, muito orgulhosa de si

mesma.

— Aprendendo a se defender — Volya a corrigiu, levantando-se. —


Enfiou na cabeça que quer saber se defender.

Relaxei ligeiramente.

— Bem, isso é bom. Proteção nunca é demais. Se alguém chegar a você

primeiro que nós, é bom que saiba ganhar tempo, mas não quer dizer que vai

usar suas novas habilidades em mim, muravey[3].

Pela expressão, ela não gostou da minha aprovação. Se tomar conta dos

negócios da irmandade não fosse tão divertido, apenas cuidar

de Dalyah seria. Seu temperamento era seu maior trunfo e se ela não o

controlasse, um dia seria sua queda. Embora eu a comparasse com Elena para

irritá-la e desviar dos boatos que me envolviam, minha prima era muito

diferente da princesinha italiana.

Pensar nela quase me trouxe um sorriso aos lábios. Se as pessoas

soubessem o que realmente aconteceu...

— Que bom que gostou. Em breve lutarei nos ringues.

Minha gargalhada seca foi acompanhada pelo riso sombrio de Volya.

— Não diga bobagens, muravey. Vá para o seu quarto e espere sua

mãe, então alguém as levará para a casa. Enquanto isso, fique brincando com

suas bonecas lá em cima.

— Eu não brinco de boneca, idiota! Tenho um encontro e é melhor

você sair da minha frente!


Meu sorriso se tornou sinistro. Ela deu um passo atrás, vacilando

momentaneamente sua postura.

— Você não tem um encontro.

— Eu tenho, sim, ele está vindo me buscar.

— Pare de provocá-lo e suba de uma vez, Dalyah.

— Não é provocação, Volya. — Ela lhe deu um olhar por cima do

ombro. — Eu já até lhe dei o meu primeiro beijo.

Meu sangue ferveu ao perceber por sua voz que não era brincadeira. A

fedelha de fato andou se enroscando com algum garoto.

— E não haverá o segundo, a não ser que queira beijar um corpo

morto.

Volya ficou ao meu lado, tão injetado quanto eu com aquela nova

informação.

Dezesseis.

Ela tinha a porra de dezesseis anos.

— Suba de uma vez, Dalyah, e diga a esse garoto que a menos que

queira fazer uma viagem com o barqueiro, é melhor ele ficar longe pra

caralho daqui.

— E de você — completei.
Os olhos arregalados de Dalyah eram um pequeno sinal do quão

irritada ela estava. Fechando as mãos em punhos, ela virou e começou a subir

a escada.

— Eu odeio vocês! Esperem até que eu faça 18 e essa ditadura

machista acabará, tvoi svin'i[4]!

— Que vestido é esse, afinal? — gritei a pergunta. Confusa, ela parou

no topo da escada.

— Um Valentino — respondeu, de má vontade, arrancando-me um

sorriso.

— Parece que não odeia italianos tanto assim, não é?

Com uma maldição rosnada, ela sumiu no andar superior e eu me virei

ao riso de Volya. Ele balançou a cabeça, pegando as chaves do carro para

impedir que Dalyah insistisse em sair.

— Será que ela realmente pensa que a maioridade a fará livre de nós?

— zombei.

Volya deu-me o sorriso que fazia dele o Executor da Irmandade. O

pequeno olho tatuado abaixo do seu olho esquerdo sinalizando que ele estava

sempre alerta, sempre de olho em nossos inimigos.

— Ela anda assistindo a filmes demais. — Girando a chave nos dedos,

ele acenou para dentro. — Vamos, Roman está esperando no escritório.


A primeira vez que meu pai me levou ao seu escritório do sindicato, foi

um dia de vitória, mas quando fez de mim um irmão Bratva, foi um dia de

glória. Nada podia apagar aquele sentimento, até mesmo a lembrança ainda

estava viva. Fragmentos como cheiros, vozes e sentimentos vívidos em

minha mente. Ser apresentado às tripulações como o filho de Roman Zirkov

me tirou o ar. Orgulho e devoção me incendiaram. Eu pensei que nada podia

se comparar àquilo.

Mas então ela veio e eu me casei.

E a porra do mundo começou a desmoronar.

O dia em que eu disse sim à Maryia Sharapova, uma princesa sangue

puro Bratva, foi o dia que a condenei, e todos os anos pagando a penitência

pelo o que fiz a ela, seria pouco. Até mesmo o olhar de meu pai quando me

viu entrando em seu escritório foi merecido.

Não era decepção ou raiva, mas incômodo, pois ele teria que se desviar

de coisas importantes para tirar um tempo e lidar com as besteiras que fiz.
Vulgo Elena DeRossi. Como a história chegou a Moscou era um mistério,
mas eu tinha um palpite. Uma certa velha que, por alguma razão, meu pai se

achava eternamente grato por ter cuidado de Anya e a acolheu. Bem, eu dei à

velha uma passagem para uma casa de repouso cheia de luxos do caralho e

ela agradeceu, fazendo a fofoca que terminou de me enterrar.

Anotado.

— Encontrou o caminho para a casa, meu filho.

— Já estava na hora.

— Já passava da hora. — Uma voz meio rosnada, meio surtada me

seguiu e não me surpreendi ao ver Maksim Sharapova, ou como era infame

conhecido, Osso Russo, entrar atrás de mim.

— Será que alguém vai me receber de braços abertos? — Não era

esperto fazer piada num momento como aquele, mas eu não tinha defesa.

Osso Russo não achou nada engraçado.

— Você tirou minha irmã da minha casa, sob minha proteção e de

Kolokol. Deu sua palavra de que a honraria e estaria segura com você. Queria

voltar atrás e nunca ter concordado, assim ela estaria casada com alguém que

a merece.

Maksim e Evarkov podiam me acusar do que quisessem, mas jamais

duvidar do que eu sentia por ela. Eu estava em cima dele no segundo em que
terminou de falar. Embora ele fosse anormalmente grande, construído sob
músculos de lutas sem fim, eu tinha o poder do descontrole irracional comigo

e isso me fez levá-lo a tropeçar até que estivesse apoiado na parede com meu

antebraço em seu pescoço.

— Maryia estava destinada a mim. Ela seria minha de qualquer jeito.

Fale sobre qualquer homem perto dela novamente e arrancarei sua língua.

Ele me empurrou três polegadas atrás, fechando os punhos.

— Onde estava essa determinação quando a traiu com uma italiana? —

Maksim cuspiu no chão aos meus pés. — Você não a merece.

— Eu não a traí.

Não realmente. Não fodi Elena e nem cheguei perto. Um beijo que

durou menos de dois minutos foi o mais longe que cheguei com ela, e embora

a luxúria me cegava naquele momento, os olhos de Maryia guardavam minha

mente a cada segundo.

— Chega — meu pai disse, levantando-se e se colocando entre nós.

— Com sua permissão, quero que Viktor deixe minha irmã

livre, Boss[5].

Eu dei risada do absurdo.

— Isso, eu não vou fazer — Roman declarou e, pela primeira vez desde
que entrei, olhei para meu pai. Ele estava descalço e usava um roupão de
veludo vermelho-escuro, segurando um charuto que queimava entre os

dedos.

— Você está alucinando, Maksim — concordei. Seus olhos verdes

travaram nos meus e, por um momento, eu quis desviar, sentindo uma

pontada incômoda quando pensei na semelhança com a minha esposa.

— Ela foi para uma clínica, sabia disso? — Passou pelo meu pai,

fazendo Volya avançar para segurá-lo. Ele estava em seu direito de cobrar,

mas não de passar por cima do líder da Irmandade.

— O quer dizer?

— Ninguém lhe disse? — Deu uma olhada acusatória para Volya antes

de voltar a mim. — Minha irmãzinha surtou quando soube da sua aventura na

Itália e pifou. Sua cabeça foi para algum lugar fodido que ninguém alcançava

e tivemos que interná-la.

— Não é a primeira vez, quando eu a pegar, resolverei isso.

— Você não entende, Viktor. — Seu tom sério me preocupou. Os olhos

pincelados de vermelho e o rosto com leves hematomas lembraram-me que

ele havia saído de alguma luta e estava ali, lutando com o impossível:

conseguir um divórcio.

— Eu entendo. A entendo melhor do que você ou Evarkov poderiam


em duas vidas. — Citar seu irmão não foi uma boa ideia e entendi isso
quando seu punho desceu no meu rosto, empurrando-me para trás.

— Porra — murmurei, meu pai se moveu para terminar a discussão,

mas eu ergui a mão. — Deixe-o, pai. Eu mereci.

Roman não gostou de ser parado quando estava prestes a chamar mais

guerreiros para conter a situação, mas eu podia lidar com o meu cunhado.

Osso Russo era a nossa máquina de matar. O soco violento me faria

companhia por dias, lembrando-me dele. O cara era louco, um psicótico

completo. Aliás, entre os irmãos Sharapova, nenhum saiu livre da loucura de

seu pai. Até mesmo minha Maryia tinha seus momentos dentro da própria

cabeça. A diferença era que na maioria das vezes eu estava lá com ela, mas

dessa, fui o único a causar o problema.

— Eu vou explicar à Maryia tudo o que ela me perguntar. Contarei

cada detalhe da minha viagem a ela, mas não devo nada a você, Maksim.

— Ela nem sequer quer vê-lo.

— Ela irá — garanti. Eu conhecia Maryia melhor do que ele e seu

irmão. Muito melhor. Eu dividi metade da minha vida com aquela mulher. A

escolhi como minha, como a pessoa que asseguraria o futuro da Irmandade ao

meu lado e não faria tal coisa se não tivesse certeza.

— Até que ela diga com todas as palavras, você não se aproxima.
— Ela é minha esposa, Maksim. Eu vou pegá-la e vou levá-la para a

nossa casa.

— Precisará de uma reforma antes — disse Volya.

— O que quer dizer? — Franzi o cenho.

— Maryia incendiou a casa de vocês. Espetou a cortina da sala social

com um isqueiro e subiu para o quarto.

— O quê? — Fitei meu pai, buscando a confirmação do

que Volya dizia. Ainda que o rosto atormentado e furioso de Maksim dissesse

tudo, eu precisava ouvir da boca do meu Pakhan.

— Maryia pensou que os guerreiros não teriam tempo de chegar até seu

quarto, filho. Ela se deitou na cama e... — ele fez uma pausa, tragando o

charuto e me encarando no fundo dos olhos —... demos sorte. Mais duas

cozinheiras estavam na casa com elas. Maryia passou a noite em observação

com a médica, mas tudo se resolveu.

— Tudo se resolveu? — Eu estava furioso. — Como algo assim

acontece e eu não sou avisado? É a minha esposa!

— Se fôssemos trazê-lo de volta a cada surto de Maryia, você nunca

sairia da Rússia — disse Volya.

— Cuidado. — Apontei-lhe o dedo ao mesmo tempo

que Maksim gritou:


— Você não se atreva a falar da minha irmã!

— Eu estou mentindo? — Ergueu uma sobrancelha.

— Já chega. Maksim, você pode ser irmão dela, mas eu sou seu marido.

A partir do dia em que me deu a mão de Maryia em casamento, eu sou o

único responsável por ela. Não pense que vou deixar que interfira nisso. E,

Volya... irmão ou não, eu vou cobrar de você se vê-lo falando sobre ela assim

novamente.

— Não, você é o único sem entender aqui — Maksim declarou. Ele

estalava os dedos e girava o pescoço como se estivesse se aquecendo para

entrar no ringue. — Os guerreiros vão puni-lo por suas traições, assim como

eu, meu avô e Evá teremos nossa vez com você. Eu duvido que sobrevirá ao

peso de nossa revolta. Maryia nunca mais será sua.

Eu avancei em sua direção, mas meu pai entrou na frente. Impedindo

qualquer derramamento de sangue.

— Você fez seu ponto, Osso Russo. Vá para o ginásio se aquecer. Você

luta por si mesmo e por seu irmão agora, não se esqueça disso.

— Sim, Boss. Eu não tenho como esquecer. — Ele ergueu sua mão e

acenou para meu pai. — Vory v Zakone.

— Vory — Roman devolveu.

Quando estávamos somente nós três, Roman se sentou atrás de sua


mesa, tragando seu charuto e nos observando.

— Eu deveria conceder o divórcio à Maryia.

— Se fizer isso, eu esquecerei que é meu pai e responderei por meus

atos de guerra.

Roman riu.

— E o quê? Depois de me matar, você fugiria com ela para a Itália e

viveria feliz para sempre, com um pedaço de território que Lucca DeRossi

lhe concederia?

— Eu tomaria o que é meu e não olharia para trás.

Roman bateu as mãos na mesa, amassando a brasa sob a palma.

— Você é um Vory! — gritou. — Você quebrou a porra do meu

coração, Viko. Fez o que um filho não deveria fazer com um pai. O que um

marido não deve fazer com a esposa.

— É engraçado como estamos discutindo sobre Maryia, como se eu

fosse permitir que você, Nikolai ou os irmãos dela a tirassem de mim.

— É engraçado? Você acha? Será que é engraçado o fato de que eu

facilmente poderia tirar tudo de você? Deixá-lo na rua como um peso morto

para lidar com nossos inimigos por si mesmo? O que você seria sem a

Irmandade ou os guerreiros para liderar? Lucca DeRossi não vai fazer de

você um capo.
— Eu não quero nada dos DeRossi!

— Você quer Elena.

— Eu voltei porque meu compromisso é com a Bratva. Eu nasci e

cresci Bratva e vou morrer assim. Comandando os meus homens e voltando

para a casa com Maryia, como era antes.

Roman me observou, fulminando-me. Havia tanta raiva e decepção em

seu olhar, que me peguei arrependido de ter aceitado ir para a Itália. Ainda

que minha irmã fosse preciosa para mim, eu voltaria atrás e

mandaria Volya em meu lugar.

— Você vai receber sua punição — meu pai começou a falar, enquanto

contornava a mesa e se aproximava de mim. — Cada irmão terá sua vez com

você e se ainda conseguir se levantar quando o último terminar, eu lhe

darei Maryia, independente do que os Sharapova disserem.

— Eu a terei de qualquer jeito.

— Veremos. Encare as consequências de suas ações como um

verdadeiro Vory e prove a eles que a Itália não mudou você. Você é meu

filho e eu sou seu pai, mas a Bratva está acima de tudo.

— A Itália não me mudou.

— Prove para mim. Prove para Maryia.

Eu dei um aceno curto.


— Receberei o julgamento dos meus irmãos.

Meu pai segurou meu ombro, de acordo.

— Eu sei que vai, você é um homem formado pela máfia. Jamais fugiu

de suas obrigações. Mas, Viko... Elena DeRossi e tudo sobre a família dela

deve ficar no passado. — Agora era o Pakhan falando. Os olhos que me

formaram em violência e guerra. — Ou eu trarei Anya de volta e colocarei

um fim naquela família de uma vez por todas.

Ele pensava que ameaçar a vida de Elena estava acima da perspectiva

de perder Maryia para sempre. A que ponto as fofocas chegaram a Moscou?

Meu pai claramente perdera a confiança em mim, assim como os meus

homens. E minha esposa... eu estava ansioso para lidar com Maryia, mas

começava a ver que não seria tão simples como imaginei.

— Isso é tudo?

— Por enquanto.

Eu assenti e lhe dei as costas, afastando-me com Volya atrás de mim.

— Os irmãos estão cheios de ódio e revolta, Viko. Eles farão de tudo

para matá-lo em seu julgamento.

Eu consegui rir.

— Eles podem tentar.


“Você sabe, isso costumava ser um amor louco

Então dê uma olhada no que você fez

Porque, meu bem, agora nós temos um sangue ruim”

BAD BLOOD, TAYLOR SWIFT

Dinheiro nunca foi problema.

Entre tantas frases que definiam a Bratva, essa poderia ser uma delas.

O Pakhan aposentado, mas que sempre seria o Pakhan nos corações dos
guerreiros e famílias fiéis, gostava de provar tal ponto, por isso, seu

aniversário de oitenta anos, no Four Seasons, no coração de Moscou, não me

surpreendeu.

Dinheiro.

Poder.

Fama.

Havia dois tipos de respeito que um homem conquistava na máfia.

Ele podia ser respeitado e temido ou respeitado e amado. Nikolai

Sharapova, meu avô, conquistou os dois. Era a razão pela qual embora

houvesse um novo Pakhan na linha de frente da Irmandade, as pessoas ainda

tinham meu avô como o absoluto em seus corações. Bukin Malkovi quase

não era lembrado. Era como se após meu avô, Roman tivesse sido o próximo

na linha de frente. Embora vovô fosse tão querido, a fidelidade do nosso povo

a Roman não mudava por isso, muito pelo contrário, meu sogro caminhava

para ter tanta consideração em suas costas quanto o meu querido avô, mas

enquanto vovô estivesse vivo, as pessoas o adorariam simplesmente por ser

ele.

— Estou orgulhoso de você, minha neta — ele me disse, quando

chegamos à porta dupla do salão. Atrás de mim, meus dois irmãos esperavam

para nos seguir, mas vovô me queria ao seu lado, como sempre foi desde que
nasci.

— Prometa-me que isso vai acontecer por mais trinta anos.

Com meu pedido, ele riu aquela risada contagiante, e embora sua idade

fosse bem avançada, qualquer um não lhe daria mais de setenta. Ele ainda era

o grande russo encantador que cuidou de mim a vida inteira.

Eu conhecia o lado do meu avô e o lado do Pakhan da Irmandade. Ele

sabia separar as duas coisas, pelo menos comigo. Meus

irmãos Evarkov e Maksim conheceram o lado mais bruto dele mais vezes do

que a delicadeza escondida. Eles precisavam se tornar homens fortes, vovô

dizia, e por isso sofreram como eu não sofri.

— Eu prometo. — Dando um olhar aos meus irmãos, ele assentiu para

mim. — Alguém tem que ficar por perto até que esses dois criem juízo.

Eu sorri dessa vez, segurando o braço que me oferecia.

Pela porta, de vidro cristalizado fechada, eu podia ouvir o homem

escolhido fazendo sua introdução lá dentro.

“Ele deu setenta anos fiéis e dedicados de sua vida à Irmandade, criou

seus filhos para nós e ensinou aos netos seus próprios passos. Ele foi o

conselheiro, o chefe e o pai quando precisávamos de uma mão amiga. Ele

sempre será lembrado como aquele que nos guiou em tempos difíceis e é a

minha honra maior ter sido escolhido para cuidar de sua


cadeira. Vory V Zakone!”

“VORY V ZAKONE!”

Todos repetiram e encerrando minhas dúvidas, assim que dois soldados

abriram as portas, vovô me puxou para dentro. Meu olhar seguiu até o palco,

onde meu sogro batia palmas com um sorriso direcionado ao meu avô e meu

coração acelerou.

— Eu não sabia que Roman estaria fazendo isso, vovô.

— Roman não é seu Viktor, devushka. Não foi ele quem ensinou seu

filho a se comportar como o faz.

— Ele não é mais meu.

Eu baixei o rosto, não querendo que qualquer um visse o que a simples

menção dele fazia comigo. Eu trabalhei incansavelmente para tirá-lo de

minha mente, esquecer seu desrespeito, a vergonha do que fez comigo e o

fato de que não se importava o suficiente em como eu ficaria com suas

ações.

Meu marido.

O homem que jurou me amar acima de tudo e além dos tempos.

Eu o odiava.
Odiava que não tivesse percebido que algo estava errado, que eu

gritava por socorro e que quando se foi, levou a única coisa que me fazia

querer ficar.

— Eu não quero vê-lo, vovô — pedi, agarrando-me ao homem que me

criou, mesmo já tendo vinte e seis anos de idade. Mesmo não sendo mais a

menina indefesa que era quando me casei.

Senti o peso dos olhos do Pakhan sobre mim, não o meu avô, mas o

mafioso que faria tudo por sua família.

— Ele está de volta, devushka. Pela lei, você é dele, mas eu não vou

deixar que a leve até que você queira ir.

— Ele me traiu e me desrespeitou — sussurrei.

Meu avô já sabia, provavelmente sabia mais do que eu, e por um

segundo me lembrei onde estávamos, as pessoas começaram a nos olhar de

modo estranho, porque as palmas haviam cessado e ele ainda me segurava

com sua atenção totalmente focada em mim. Meus irmãos se

aproximaram. Maksim do lado esquerdo e Evarkov, em minhas costas.

Eles não se importavam com os olhares, só se importavam comigo.

Amor e lealdade governavam a minha família. E foram essas mesmas

coisas que me mantiveram em equilíbrio quando o homem que eu amava me

deixou.
Por nove anos, eu fui dele e, por nove anos, andamos numa corda

bamba de amor e guerra.

No meu próximo aniversário, faríamos dez anos. Uma longa década

que eu pensei que nunca teria fim, mas agora ele estava de volta e eu seria

arrastada para seu mundo outra vez.

— Vamos aproveitar o meu aniversário e amanhã falaremos sobre isso.

Eu assenti para vovô e tentei sorrir.

— O senhor vai tratar de negócios esta noite?

— Não, minha linda Maryia. Hoje eu vou beber, dançar e observar a

minha família.

— Ou seja... o senhor vai tratar de negócios.

Ele riu e piscou, dando um rápido aperto em minha mão.

— Você me conhece mais do que qualquer um neste mundo, devushka.

Quando ele se referia à “família” não era apenas sobre mim e meus

irmãos, mas também todas as pessoas presentes no salão. Clãs da Rússia,

Detroit, Nova Orleans e Atlanta se reuniam para comemorar mais um ano de

vida de um membro do alto escalão. Nem todos na Bratva recebiam tal

honra.

Servos e guerreiros de rua mal eram reconhecidos quando faziam


aniversário, se casavam ou tinham sua primeira criança. Eles eram

descartáveis. Um morria em missão e mais três surgiam no lugar. As ruas

estavam cheias de russos precisando de dinheiro, sem objetivos maiores de

vida e procurando por um lugar maior. Um propósito.

O processo de entrada era rigoroso. De dez, quatro desistiam, mas os

seis que perseveravam em entrar para a facção não se arrependiam. Eles

aprendiam a servir aos propósitos da Bratva como um só. Os clãs das

primeiras famílias eram a cabeça, e os guerreiros formavam o corpo.

O coração era formado por balas, pólvora, lágrimas e sangue.

— Talvez em seu próximo aniversário poderíamos fazer algo íntimo, só

nós quatro?

Ele acariciou o meu rosto e sorriu, dando um beijo casto em minha

testa.

— O que você quiser, devushka. O que você quiser.

Eu sabia que aquilo não aconteceria, mas fingi que era uma

possibilidade. Nós continuamos dançando a primeira música e, quando

terminou, ele me segurou para dançarmos uma segunda.

Eu comecei a sentir a tensão se esvaindo, pensamentos sobre Viktor e

seu pai sendo esquecidos e meu sorriso tornando-se sincero. Mas durou

pouco, porque assim que terminamos a segunda dança, ele chegou. Eu


observei sua entrada, a maneira como cada pessoa pareceu ficar ciente de que
o infame traidor entrou no recinto. Seus olhos digitalizaram o ambiente até

que parou diretamente em mim. Meu coração errou duas, três batidas.

Os olhos incrivelmente verdes de Viktor Zirkov.

Era oficial.

Meu inferno estava de volta.

Meu marido acabara de chegar.

— Vovô — mal consegui dizer, mas senti seu aperto em minha mão.

— Eu cuidarei de você, devushka. Vá para perto de seu irmão.

Eu fui rapidamente passada para Maksim. Seus olhos frios estavam

num ponto que eu conhecia muito bem: prestes a arrumar confusão. Meu

irmão cheirava à sangue, às vezes, para mim, sua colônia era medo. Ele se

alimentava do medo das pessoas à sua volta e apenas três pessoas escapavam

de tal postura. Eu, vovô e Evar.

— Eu vou matar o desgraçado filho da puta. Como ele se atreve a

aparecer aqui?

— Por favor, irmão. — O abracei mais forte. — Não estrague a festa do

vovô.

— Então é melhor que esse fodido pare de te olhar.


A banda tocava Moscow nights de Ivan Rebroff e vários casais

dançavam na pista. Pais e filhas; mães e filhos; avós e netos e marido e

esposas. Meu avô não saía da pista também. Com a primeira dança sendo

minha, depois de mim viriam outras mulheres. Era uma honra dançar com

Nikolai Sharapova e eu o busquei no salão, tentando encontrar tranquilidade

ao vê-lo, depois de Maksim dizer que Viktor me encarava e sorri ao ver meu

avô de mãos dadas com duas garotinhas, rindo e as girando no ritmo da

música, como costumava fazer comigo.

— Ele morrerá, Maryia. Morrerá pelo o que fez com você, mas vou

fazer com que sofra antes.

— Eu não o quero morto. — Meu irmão ignorou meu olhar, mas puxei

seu rosto para baixo. — Não vai matá-lo, Maksim. Se fizer isso, perderei

você e não suportarei.

— Você é boa e misericordiosa, faz jus ao seu nome, assim como eu

faço ao meu.

Ele se referia ao apelido que ganhou nas ruas, graças à sua violência

incessante. Osso Russo.

Ele mostrou os dentes, olhando por cima da minha cabeça. Eu apostava

que era onde Viktor estava. Os olhos de Maksim eram iguais aos meus.

Verdes, mas havia uma mancha no olho direito que o fazia parecer castanho
se olhasse rápido demais. Ele era tão bonito quanto Evar e igualzinho ao
nosso pai quando mais jovem.

Tatuagens cobriam seu corpo, a pele rabiscada de preto nos braços,

pescoço, alguns pontos do rosto, pernas, pé. Ele todo. Quer dizer, pelo menos

aonde eu como sua irmã podia ver, além das coisas que infelizmente ouvia

mulheres dizendo.

Suas lutas lhe deram um corpo forte, e a genética o abençoou com uma

altura além da média. Meu irmão arrancava suspiros de medo de homens e

apreciação de mulheres por onde passava. Um gigante meio louco.

Eu odiava tanto aquele apelido quanto o que colocaram

em Evarkov. Kolokol. Sinos. Quando ele chegava, era um aviso da morte.

As pessoas não sabiam que aqueles eram meus irmãos, meninos que

cresceram demais e cuidaram de mim como se eu fosse a pedra mais valiosa.

Como se eu fosse o milagre da neve que caía pela Rússia.

— Ele terá o que merece de seus guerreiros e seu pai — falei. — Se

tivesse me traído com uma russa, eu saberia que não haveria punição, mas foi

com... com...

— Diga, Maryia, diga. Com uma italiana. Com uma inimiga.

— Pare de chatear nossa irmã. — A voz de Evar parou nossa dança. —


A passe para mim.

Maksim pousou um beijo em minha testa e se afastou,

deixando Evar guiar-me na dança.

— Ele vai matar Viktor.

— E? — Ergueu uma sobrancelha castanha.

— Você tem que pará-lo, Evá. Já não basta que seu julgamento está

próximo? Vou perder meus dois irmãos de uma vez?

— Sairemos logo. Pelo menos, vai valer a pena encarar a punição.

— Do que adiantará? Quando vocês estiverem longe, Viktor me levará

outra vez.

Fogo e ódio incendiaram os olhos castanhos do meu irmão quando me

encarou. Ele era calmo por fora. Suas palavras duras eram acompanhadas de

uma postura fechada. Meu doce Evarkov, que nunca teve a chance de ser

suave.

— Ele não a tocará novamente, Maryia. Não enquanto eu

e Maksim estivermos aqui.

O peso de suas palavras era real e muito sério.

Eu encostei a cabeça em seu ombro, querendo me esconder quando

senti todos os olhos em mim. Perguntando-se se eu surtaria, se correria para


Viktor e fingiria que nada aconteceu, ou se jogaria a minha famosa loucura

em cima dele.

— Levante a cabeça. Ele nunca mais te colocará para baixo

novamente.

Eu fiz como meu irmão caçula mandou e tentei fingir que meu marido

não estava a poucos metros de distância.

Não o olhei em nenhum momento, mas senti seu olhar queimando em

mim.

Ele não era mais o Viktor que eu conheci, dez anos atrás.

E eu com certeza não era a mesma Maryia.

Será que meu marido não recebeu o memorando?

Eu finalmente enlouqueci de vez.

Vendo a seriedade de seu tom abaixei a cabeça, sem querer que meu

irmão visse minha vergonha.

— O que foi, sestra[6]?

— Eu estava irredutível antes de ele chegar, mas...

— Mas?

— E se eu devesse ouvi-lo, Evá? — Me senti angustiada em dizer em

voz alta o que me dividia. — Foram nove anos e...


— Nove anos e bastaram alguns meses fora para que ele chamasse

Elena DeRossi para vir com ele. Ele convidou a italiana para viver com ele,

para criar uma família.

— O quê? — Fechei os olhos, sentindo as palpitações começarem. Meu

corpo tornou-se fraco para dançar e Evarkov sentiu, segurando-me mais

firme.

— Sestra? Maryia?

Sua voz ficou distante, minha respiração pesada cobrindo qualquer

coisa que meu irmão dizia, suor brotou em minha nuca e um gemido passou

por entre meus lábios cerrados.

— Evá — sussurrei, agarrando sua mão mais firme, meu corpo

tremendo por inteiro. — Tire-me daqui.

Minha visão já começava a turvar e em breve eu desmaiaria. Meu

coração saltaria pela boca a qualquer segundo e minha vergonha estaria

completa.

Ele convidou a mulher para nosso país? Nossa... casa?

Eu instintivamente virei para olhar por cima do ombro no último lugar

que o vi e ele ainda estava lá. As mãos nos bolsos escondiam suas tatuagens e

nossa aliança de casamento. Será que ele ainda usava? Será que ela viu?

— Venha. — Evá me apoiou, tentando sair discretamente do salão.


— O que houve? — Era a voz de Maksim.

— Não sei que porra aconteceu, mas aquele filho da puta está vindo e

eu preciso que você o mantenha longe, para que eu a acalme lá dentro. Se

eu o vir perto dela, a festa virará um banho de sangue.

Não ouvi o que Maksim respondeu, mas Evá me levou pelo hotel até o

segundo andar na suíte onde eu e mais algumas mulheres ajeitamos os

últimos detalhes antes de descer para a festa.

Ele me colocou no sofá da antessala, pegando um copo d’água e tentou

me acalmar. Mas assim que me sentei, meu corpo falhou, assim como minha

mente e a última coisa que vi foi uma névoa preta se fechar sob o rosto

preocupado de Evarkov.

— Maryia? Maryia!

Aos poucos, fui despertando e a névoa confusa foi dissipando,

conforme a voz de Viktorya aumentava. Ela me abanava com sua pequena

Chanel Boy, o cheiro do couro novo vindo forte em meu nariz. O penteado
tinha apenas um fio fora do lugar e seu batom um pouco mais claro do que
quando a vi na sala mais cedo.

— Sua maquiagem precisa de retoque — sussurrei, endireitando a

coluna ao me sentar. Ouvimos um estalo.

— Pensei que estivesse morta — disse ela, cheia de seus exageros,

depois franziu o nariz ao ouvir o estalo dos meus ossos. — Vou marcar uma

massagem para amanhã.

— Minha pressão caiu — menti. — E amanhã eu não posso.

— Por que não?

— Tenho um divórcio para me arranjar.

— Só nos seus sonhos, Maryia. — Balançou a cabeça e começou a

ajeitar meu cabelo, mesmo que não tivesse muito a ser arrumado. Minhas

mechas ruivas estavam curtas, propositalmente feitas para evitar trabalho

demais. Bastava uma penteada ou passada de mão e estava pronto.

— Você acha que nem meu avô me livraria do casamento?

Seus olhos verdes céticos, combinando com o narizinho arrebitado na

ponta e o rosto oval me diziam tudo: sem chances.

— Não há divórcio, Maryia, mas você pode arriscar dormir com outro

homem ou tentar matar Viktor.


— Eu jamais faria nenhuma das duas coisas! — respondi, horrorizada.

— Então se acostume à ideia de voltar com o seu marido. Não é tão

difícil. Se bem me lembro a paixão desenfreada foi o que uniu vocês uma

vez.

Eu suspirei, lamentando que a noiva do meu irmão fosse profunda

como uma piscina rasa. Não havia nada além de seu reflexo no espelho para

Viktorya. Eu sabia também que sua preocupação comigo não passava de

forma de garantir que sua amiga mais próxima não caísse em algum

escândalo.

— Há coisas que nem o amor pode curar. O que você faria

se Maksim te traísse?

— Deixaria de dividir o quarto com ele. — Deu de ombros. Simples

assim. Clínica, simples e direta.

— Maksim jamais faria isso, foi um exemplo estúpido.

— Seu irmão é um mafioso, Maryia. Eu não tenho ilusões quanto ao

caráter dele. Já o vi matar. Já o vi matar por mim.

— Você o ama?

Ela ergueu o queixo.

— Isso não é sobre Maksim e eu. — Ela se levantou e pegou minha

mão, me forçando de pé. — Voltar com Viktor não é uma escolha que você
pode ou não fazer. Finja que nada aconteceu. Finja que nunca soube de nada.

Eu afastei sua mão.

— Como pode dizer isso? Ser tão fria e egoísta? Meu coração foi

quebrado mais de uma vez, Viktorya, e você estava lá todas elas. Como pode

me falar tudo isso, quando sabe o que passei?

— Sim, eu estava. — Seu tom endureceu. — Assim como estava

quando te avisei que não tinha volta. Você escolheu Viktor e escolheu essa

vida. Você podia ter esperado fazer 18 e pedir a seu avô para ir à faculdade,

ou ir embora de Moscou. Não somos todas obrigadas a casar, mas você quis

ficar. Mesmo quando eu te alertei.

— Eu era muito nova e estava apaixonada!

— Paixão é uma estupidez que só leva a dois lugares. Coração partido e

cabeças cortadas! — Ela desviou os olhos e engoliu, puxando uma profunda

respiração.

— O que quer dizer? Maksim adora você, se apaixonar por ele não é

um perigo.

Ela abriu a boca, mas a fechou e balançou a cabeça.

— Devemos voltar lá para baixo, as pessoas vão começar a perguntar o

que houve.

— Todos sabem o que houve.


— Não, eles acham que sabem. Você não deve confirmar suas

humilhações. Guarde-as para si. É a melhor forma de encarar o resto da vida

que escolheu.

Eu voltei para o salão ao lado dela com o peso de suas palavras sobre

meus ombros. Tudo o que Viktorya disse era verdade e se eu tivesse o poder

de voltar atrás, a teria escutado, anos antes, mas não podia.

Arrependimentos e mágoas seriam minhas companhias agora. Pelo

menos, enquanto a Bratva decidia o meu futuro.

Voltamos ao salão com sorrisos no rosto e cumprimentando àqueles

que passavam por nós.

— Seu marido não está mais à vista — disse ela. — Está livre por

hoje.

Senti um misto de alívio e decepção ao constatar que ele tinha

realmente ido, mas não gostei. Eu deveria estar radiante que poderia

comemorar com a minha família sem medo de que ele pudesse se aproximar

e tentar fazer uma reinvindicação a qualquer momento. Por outro lado,

compreendi os sentimentos. Não fui eu quem o traiu, meu coração não podia

ser forçado a deixar de amá-lo só porque eu queria que assim fosse. Dez anos

de história não podia ser desligada como um interruptor.

Para a minha infelicidade, é claro.


— Seus irmãos não virão? — perguntei.

Viktorya engoliu, sorrindo amargamente.

— Meu irmão está em Miami e meu primo tem suas obrigações

como Boss em São Petersburgo.

— Mas até gente de fora da Rússia veio. Eu pensei que Alexi

considerasse o meu avô.

— Alexi considera a si mesmo e apenas isso.

Eu dei uma olhada ao redor e vi Veronika ao lado de sua irmã, Aryshia.

Acenei em sua direção.

— Eu pensei que ela estava viajando.

— Voltou hoje cedo.

Quando Veronika se aproximou com aquele sorriso aberto e sincero e

me abraçou, me senti imediatamente acolhida.

— Eu sei que você viu Viktor, sinto muito. Como está? — Me fitou

com preocupação. — Acha que vai surtar?

— Veronika — Viktorya tentou repreendê-la.

— Não sei, Nika. Espero que não. — Dei risada. — Não hoje, pelo

menos.

— Certo, então eu preciso contar algumas coisas a vocês. Onde está


Alessandra?

— Deve estar em algum canto se lamentando, como sempre.

— Viktorya! — sussurrei, porém, repreendendo o que disse.

Veronika riu.

— Eu não sei como consegue ser tão falsa, Viktorya.

— Não estou dizendo nada que nunca disse a ela. — Ela finalizou sua

taça de champanhe e pegou outra na mesa atrás de nós.

— Maryia, você teve tempo de perguntar a Viko se as tradições na

Itália são como ouvimos falar?

— Quem está sendo falsa agora? — Viktorya franziu o cenho. — Você

quer perguntar a ela se ele contou que tipo de viagens sua amante faz

também?

— Não diga essa palavra. — Veronika cerrou os olhos.

— O que você prefere? A mulher com quem ele trepava?

— Você é podre, Viktorya.

— Que eu seja, então, mas quem trouxe o assunto à tona foram vocês.

— Eu só estava curiosa!

— Então pegue um avião e vá até lá, quem sabe você e Elena DeRossi

não se tornam melhores amigas.


Eu agarrei o pescoço de Viktorya, minha visão nublando para

vermelho. Eu só via raiva, fúria e ódio. Só sentia destruição em meu sistema.

— Não repita esse nome perto de mim! — rosnei.

Os olhos claros de Viktorya arregalaram e ela apertou meu pulso, suas

unhas cravando em minha pele. Eu senti alguém segurando minhas

bochechas e de repente estava encarando o rosto preocupado de Alessandra.

— Acalme-se, estamos em público.

Eu respirei fundo, soltei Viktorya e cambaleei para trás. Ao levantar os

olhos, vi que começávamos a chamar atenção, então sorri e passei o braço

pelo de Viktorya, apertando a mão de Alessandra.

— Ok! — Veronika disse, lentamente. — Alguém quer mais

champanhe?

Alessandra sorriu para ela e inclinou-se para trocar um cumprimento

com Viktorya.

— Sinto muito — sussurrei à Viktorya, que ergueu a sobrancelha.

— Eu não devia ter dito. Não farei novamente.

Ela se inclinou para abraçar Alessandra, depois beijou o rosto de

Veronika.

— Agora, se me dão licença, eu preciso ir tirar as patinhas da filha


do Konsultant de Detroit de cima do meu noivo.

Nós a observamos se aproximar de Maksim e se levantar na ponta dos

pés para dizer algo em seu ouvido. Meu irmão imediatamente esqueceu sua

antiga companhia e enrolou o braço em volta de Viktorya, seus braços fortes

e cheios de tinta contrastando com a pele de suas costas descobertas.

— Eles são um lindo casal — Veronika disse. — Não acha, Ale?

Alessandra sorriu, desviando o olhar dos dois para o palco.

— É claro.

— O que você queria dizer antes? — perguntei à Veronika.

— Alguns homens têm se aproximado de minha irmã para discutir uma

possível união comigo.

— Eu pensei que você queria escolher alguém por quem se apaixonar.

— Sim, mas isso foi antes de Eduard Pakarovi e Luka Kurakin

demonstrarem interesse.

— Vovô disse que Roman confia em Eduard, ele pode se

tornar Boss algum dia.

— Aryshia me disse a mesma coisa. Porém eu estou dividida, você

sabe quem eu realmente queria.

— Veronika — comecei —, Volya não é o par ideal para você.


— Por que não? Ele é forte, importante e já me olhou algumas vezes.

— Ele tem uma reputação horrível, Nika. Eu sei que você acha que está

apaixonada, mas não pode ser por alguém menos perigoso?

Ela estreitou os olhos.

— Viktor é tão perigoso quanto ele e você se casou. Maksim é um

lunático e você não se importa de Viktorya estar com ele. Mas só porque eu

sou a filha de um traidor, não posso me casar com o Conselheiro?

— Não diga bobagens, Nika! — Alessandra arregalou os olhos,

tentando alcançá-la.

— Por que nós não começamos a julgar você pela sua cabeça fodida,

ou condessa por seu passado tão misterioso?

Nós apenas a encaramos. Eu troquei um olhar com Alessandra,

querendo rir da explosão de Veronika. Sua paixão por Volya sempre a

deixava meio fora da linha e honestamente, nada do que ela disse era

novidade. Depois de anos com essas mulheres ao meu lado, a sinceridade

brutal entre nós parou de ofender ou se tornar pessoal.

No fim, só tínhamos a nós mesmas.

— Sinto muito — Nika disse, por fim.

— Veja como fala comigo, Veronika — disse Alessandra. — Eu sou

uma condessa, afinal.


Eu fui a primeira a cair na risada e passei a observar Maksim dançando

com Viktorya, enquanto as duas conversavam ao meu lado. Quando os dois

giraram e o rosto da minha amiga virou em minha direção, tive a impressão

de ver uma lágrima caindo, mas a expressão em branco de Viktorya não me

permitia saber se realmente a vi ou se o champanhe começava a fazer seu

efeito.

Eu não duvidava que fosse real, afinal, o amor machucava assim

mesmo.
“Não importa o quanto eu esteja tentando

Eu quero você todo pra mim

Você é um gim e suco metafórico

Então vamos lá, me deixe experimentar o gosto

Do que é estar perto de você

Não consigo me conter”

SELENA GOMEZ, HANDS TO MYSELF


9 ANOS ATRÁS

Quando eu cheguei a Moscou, em minha cabeça havia apenas uma

confusão de nomes, termos e regras. Até que meu avô encontrasse tempo

para me introduzir ao meu novo mundo, continuei alheia à nova vida que me

fora dada. Vivendo apenas a dez meses aquela nova realidade eu já entendia

as nuances com mais clareza. Minha cabeça amadureceu em meses um

processo que talvez levasse anos.

Quando vovô me contou sem medo no olhar que era um criminoso,

meu primeiro instinto foi vê-lo como um ladrão de bancos e quando eu disse

isso a ele, sua gargalhada ecoou no restaurante onde jantávamos. Seu riso

escandaloso geralmente chamava a atenção, mas o primeiro indício de que

meu avô, Nikolai Sharapova, não se resumia em um simples ladrão de bancos

foi quando, mesmo em um restaurante lotado, ninguém piscou em nossa

direção. Nem sequer o garçom que passava por nossa mesa pestanejou.

O som era alto, vibrante, contagiante. Ainda assim, foi como se

estivéssemos sozinhos em uma sala.

Que ele se sentia seguro para me levar para jantar quando revelaria

fazer parte de um submundo de crimes e uma lista de monstruosidades, me

fez perceber que eu não tinha uma escolha para dizer “sim, eu aceito” ou
“não, isso está errado”.

Era o que era. Ele não estava me consultando, mas me comunicando

como as coisas seriam dali para a frente.

Mesmo nascendo em São Petersburgo, na segurança da minha casa, no

interior, com minha mãe e um pai distante, eu não era leiga. Conhecia as

histórias e a fama da Bratva. A Rússia conhecia. Mas jamais poderia imaginar

que meu avô estivesse nela. Que meu pai foi ausente porque dedicava sua

vida a isso. Ou que meu avô já tinha sido o homem mais poderoso na

hierarquia.

Se refletisse demais sobre o assunto me pegaria em um dilema sobre o

porquê não fiquei abalada com a revelação. Por que não fugi? Por que não

tentei voltar para a minha mãe? Por que não temi meu avô ou meus irmãos?

Eu apenas escutei meu avô em tudo o que queria dizer e nós seguimos

em frente.

Eu desconfiava que existiam dois pesos e duas medidas. Por um

lado, eu me sentia segura estando do lado ruim. Na maioria das vezes os

vilões venciam.

E do outro, onde eu poderia julgar meu avô e suas ações, eu entendia

que meu pai morreu por dedicar sua vida a uma organização criminosa. Que

amou a Irmandade acima de sua família. De mim.


O entendimento sobre o que era a Bratva, o que eu me tornava quando

aceitava que era uma parte dela e a realização de que jamais poderia sair.

Não nascer na Bratva não me tornou menos digna, mas me fez ingênua

sobre escolhas e consequências. Mesmo quando fui constantemente avisada

antes de tomá-las.

— Eu não deveria estar aqui e você também não — Viktorya disse,

assim que encontramos nossos lugares na arquibancada.

Seu cabelo loiro estava solto e os óculos escuros no rosto escondia os

olhos verdes críticos. Tão julgadores que me divertia. Ela vestia uma calça

jeans de boca larga e uma camisa branca de seda. Seu Louboutin parecia um

chinelinho de seda de tão confortável que parecia andando nele.

Ela era três anos mais nova que eu, mas não parecia. Se vestia como

sua mãe e minha tia Olga. Se comportava como uma velha mal-humorada.

— Onde mais estaríamos, Viky?

— Na escola.

— Você gosta daquilo?

— Eu não preciso gostar, só tenho que obedecer.

Eu tinha certeza de que estava revirando os olhos por baixo daquelas

lentes. Meus recém-completos 18 anos eram uma vantagem à frente

de Viktorya, mas ela não estava a fim de aproveitar isso. Aos 16, Viky estava
preocupada com escola, faculdade e agradar seus pais. E eu pensando que
estaria levando minha amiga adolescente a clubes com identidade falsa,

bebendo álcool e comprando drogas escondida.

Já eu não tinha a quem agradar. Odiava Moscou e odiava vovô por ter

me obrigado a mudar. Toda a minha vida estava em São Petersburgo. Até

mesmo o meu namorado, e eu tinha certeza de que ele foi uma das maiores

razões para vovô ter me tirado de lá. Agora eu tinha que frequentar uma

escola para garotas, andar com meninas da máfia e todos os garotos ficavam

longe de mim.

Com o tempo, estava ficando melhor.

Conhecer Viktorya e Veronika ajudava a melhorar todos os dias. Eu

precisava me acostumar com tudo, é claro. Seus estilos de vida que agora

também eram meus, festas, todo o luxo e a liberdade limitada.

Vivíamos muito bem antes de Moscou. Meu avô provia do melhor para

mim, mamãe e meus irmãos, mas assim que Maksim completou 14

e Evarkov fez 10, ainda que eu fosse mais velha que Evá e tivesse 12, vovô

disse que era algo para os meninos. Eu aceitei, mesmo que morresse de

saudade e, por vezes, sentisse que vovô não gostava de mim tanto quanto dos

dois. Só depois fui entender que ele precisava dos meninos por serem

homens. Mamãe mudou depois daquilo. Vivia preocupada, com medo,

querendo me controlar e tudo piorou quando vovô ligou e avisou que aos
meus dezessete eu seria a próxima. Meus irmãos eram protetores, mas não

me prendiam em casa como mamãe fazia quando vivíamos em São

Petersburgo.

Eu só fui entender no que estávamos metidos quando ela disse a vovô

que se casaria com outro homem. Homens enormes e armados apareceram na

minha casa naquela mesma madrugada, levando-me embora para Moscou.

“— Sua mãe traiu a Bratva e a memória do seu pai. Ela não merece

você ou seus irmãos.”

Aquelas palavras de vovô ficariam guardadas comigo para sempre.

Como eu implorei que ele a deixasse viver quando apontou sua arma para ela

e como ele me levou, sem que eu pudesse me despedir.

Se minha mãe tivesse sido melhor para mim, eu a teria apoiado. Se ela

tivesse sido uma verdadeira mãe, eu teria lutado por ela.

— Eu vou te ensinar a se divertir, Viktorya.

— Seus ideais de diversão incluem paquerar alguns caras, beber e sair

escondido.

— E os seus incluem aprendem línguas diferentes, competir

com Veronika quem usa o uniforme mais bem passado e ir à missa.

Ela sorriu ligeiramente.

— Você não faz ideia de como eu me divirto, Maryia. — Ela ergueu os


óculos para o topo da cabeça e piscou. — Nunca ouviu falar que o que é feito
escondido é mais gostoso?

Eu balancei a cabeça, rindo.

— Se seus irmãos te ouvirem falando assim, vão te internar na Suíça.

O sorriso se foi.

— Alexi não é meu irmão — rebateu, sem humor.

— Primos, tanto faz.

— Por falar em irmãos, olha o seu ali. — Ela apontou para baixo, perto

do portão onde os pilotos entravam para se prepararem antes de correr.

— Ah não, merda! Onde? — Estreitei os olhos para

procurar Maksim ou Evarkov. — Eu não o vejo.

— É Maksim, ele está de costas.

Eu finalmente o encontrei, reconhecendo meu irmão pelas tatuagens

cobrindo seus braços, costas e nuca. Eu ainda ficava impressionada em como

ele estava diferente. Vê-lo, depois de anos, pessoalmente foi um choque. Ele

estava tão alto e forte, assim como Evar, mas não mudaram comigo. Pelo

menos isso. Eu ainda continuava sendo sua irmã.

Ele apontava para a pista e, mesmo de costas, eu o via fazendo gestos

enquanto falava com um homem da mesma altura ao seu lado. Eu vi o


contorno de uma pistola em sua cintura também. O loiro ao lado dele

balançou a cabeça e cruzou os braços, virando de perfil quando fitou meu

irmão para dizer algo, então os dois começaram a rir. Eu pude ver metade de

um sorriso perfeito, uma pele bronzeada e uma barba curta, mas havia

aqueles olhos verdes tão claros que poderiam ofuscar o sol.

Ok... Aulas de poesia não estavam me fazendo bem.

— E quem é o cara ao seu lado?

— Viktor.

— Ele é russo? — perguntei, enquanto o admirava.

— Sim e é amigo do seu irmão.

— Qual deles? — Eu sorri, mais interessada ainda.

— Maksim. — Viktorya torceu o nariz e tirou um cigarro junto do

isqueiro em sua bolsa. — E ele parece imundo.

— Todos os nossos homens são assim, Viktorya. — Dei risada,

agarrando seu braço quando me inclinei, tentando ter uma visão melhor do

loiro. Ele tinha tatuagens nos braços musculosos, um pouco mais do que o

meu irmão, e seus dedos também estavam preenchidos de tinta.

— Imundos?

— Não. Grandes, brutos e loucos. — E eu amava isso. Ou pelo menos


amei nele.

— Qual parte de ele é amigo do seu irmão você não entendeu, Maryia?

— Diga-me com quem andas e te direi quem és. — Dei de ombros.

Não me importaria nem se ele fosse melhor amigo do vovô. — Me casarei

com ele até o outono.

— Ficou doida?

— É assim que funciona, não é? A gente só pode namorar se for casar?

— Não é tão rigoroso assim, mas, de qualquer jeito, se seus irmãos te

ouvirem falando isso, Maksim vai fatiá-lo enquanto Evarkov o frita.

— Eu duvido. — Sorri novamente.

Vendo que eu falava sério, Viktorya balançou a cabeça e acendeu um

cigarro.

— Ele é filho de Roman, Maryia. Roman Zirkov.

— De jeito nenhum! — gritei. — Tipo um príncipe mafioso?

Viktorya tossiu a fumaça do cigarro, engasgando-se com o riso e

revirou os olhos.

— Sim, tipo isso.

Eu a fitei, enganchando nossos braços.

— Você conhece todos eles, não é?


— Eu cresci aqui, é natural. Você também vai se acostumar em breve.

— Sim, sim, tanto faz. Por agora, a única coisa que eu quero é saber

como agarro aquele pedaço de homem. Eu quero ser a senhora Zirkov.

— Ele come toda mulher que lhe dá corda. Já trabalha para

a Bratva junto com seus irmãos. Ele será Boss em breve. Viktor não está

procurando uma esposa.

Ela estava familiarizada com o assunto. O primo de Viktorya,

Alexi Romanoff, se tornaria um Boss em breve. Eu sabia que significava

estar em uma posição elevada na máfia, sabia também que apenas homens

perigosos ocupavam aquele cargo. Mas com aquele sorriso, como Viktor

podia ser um perigo?

— Mas encontrou. Está decidido. — Peguei minha bolsa e agarrei a

mão dela. — Vamos.

— Espera, o quê?! Onde? Maryia...

— Eu preciso me apresentar ao meu futuro noivo.

— Maryia! — Ela entrou no meu caminho. — Nikolai não lhe dará

permissão pra sequer ter um jantar com Viktor.

— Vovô só vai descobrir quando o anel já estiver no meu lindo dedo.

— Ergui a mão e balancei em nossos rostos.

— As coisas não funcionam assim.


— E como funcionam?

— Nós não nos casamos por obrigação. Só às vezes, quando é muito

necessário, mas fora isso tanto você quanto ele podem se casar livremente.

Basta que a pessoa seja russa e de dentro do Sindicato.

— Melhor ainda. Nada nos impede!

— Maryia! — ela gritou, mas eu já estava caminhando para os dois

novamente. Maksim foi o primeiro a me ver, fechando a cara quando viu meu

short e camisa decotada. O salto não era tão alto quanto o de Viktorya, mas

eu percebi que nem sequer chegava perto da altura completa de

Viktor Zirkov.

— Maryia, o que está fazendo aqui?

— Viky me convidou para assistir à corrida.

Viktorya não se abalou diante da minha mentirinha, abaixou os

óculos de volta nos olhos e ficou em silêncio.

— E eu imagino que Dimitri e Alexi não saibam que você está aqui? —

a pergunta foi direcionada a ela.

— Eu não pretendia demorar.

Maksim nos avaliou. Eu podia dizer que ele desconfiava que eu fui a

única a fazê-la me seguir, mas não disse nada sobre. Ele fitou Viktor, que

tinha os olhos em mim.


— Eu vou levar as duas para a casa, cara.

Viktor sorriu. E que sorriso perfeito ele tinha!

— Que mal há nas duas verem a corrida? Estamos aqui para proteger

nossas princesas, não é?

Maksim estreitou os olhos, mas deu um aceno breve. Se ele achava que

eu não via a forma protetora como olhava para Viktorya, estava muito

enganado.

— Não saiam daqui — meu irmão decretou e saiu.

Viktor começou a segui-lo, mas parou e me fitou por cima do ombro.

— Você cresceu, Maryia.

De perto, ele era ainda mais bonito, e eu me senti vitoriosa por sua

atenção.

— Você me conhece?

— É claro. — Encolheu os ombros. — Maksim é meu irmão.

— Eu espero que isso não faça de mim sua irmãzinha postiça.

Ele riu.

— Não, zelenyye glaza[7]. Nem de longe.

Ele se foi pelo o mesmo caminho que Maksim e eu fiquei ali no lugar,

presa em seu encanto. Viktorya finalmente me despertou.


— Você realmente vai insistir nessa loucura?

— Alguém me disse que o proibido é mais gostoso. — Eu sorri.

— Não use as minhas palavras contra mim. Depois dessa, eu sou

obrigatoriamente a madrinha.

Enganchando nossos braços, deitei a cabeça em seu ombro e suspirei.

— Com toda certeza você é. Mas... — Virei-me para fitá-la. — Apenas

se prometer que serei a sua e de Maksa.

Viktorya riu, revirando os olhos.

— Sonhe para si mesma, Maryia. Eu já tirei o coelho da cartola há

muito tempo.

— O que é que isso quer dizer?

— Você sonha e eu lido com a realidade, é por isso que nos damos

bem.

— Você é o yin do meu yang. — Suspirei.

— Obrigada. Você é a bala da minha pistola.

Dei risada, observando Viktor entrar em um carro e me dar um último

olhar antes de acelerar pela pista. Eu prometi a mim mesma que lhe daria seu

prêmio em breve. Ele venceria. Viktor Zirkov, o príncipe da Bratva, não

admitiria perder.
Eu sabia disso.

— Que seja, Viky, você ainda vai se casar com o meu irmão.

Ela nada disse, mas eu não precisava de uma confirmação. Maksim a

olhava como olhava seus carros. E meus olhos estavam muito focados em

meu futuro noivo.


“Eu vou acabar com você,

eu vou te fazer implorar por misericórdia

Eu sou perigoso

Eu sou o filho da puta mais mal por aqui

E eu estou prestes a isso deixar claro

Vai para acontecer como eu te disse

Eu serei o último homem de pé aqui”

DANGEROUS, ROYAL DELUXE


Quando um Vory era acusado de traição, se fazia necessário apenas

uma prova concreta de seu crime, então arrancaríamos sua confissão e ele

morreria em seguida.

Quando um Boss era acusado, ele tinha direito a um irmão de confiança

para falar por ele.

Eu não quis.

Embora eu visse nos olhos de Volya que como meu Konsultant —

conselheiro — e amigo, ele se levantaria por mim, eu escolhi pagar minha

penitência completa como um homem e não me esconder atrás do meu cargo.

Minha importância na Irmandade havia sido declarada não porque o meu pai

era o Pakhan eleito, mas porque eu conquistei a sangue e punhos de aço. Eu

não caía. Eu não me dobrava. Eu com certeza não me acovardava diante de

cinquenta irmãos sedentos pela verdade.

Maksim foi o primeiro a me ver quando entrei no clube já vazio. As

mesas se foram, a grande TV estava coberta, provavelmente um cuidado para

não espirrar sangue se a coisa ficasse muito mais selvagem e o bar estava

vazio. Todas as bebidas tinham ido. O ringue era a única decoração aquela

noite. Um palco onde eu subiria para cair ou florescer, por assim dizer,

embora flores em nada tivesse espaço ali.


Eu lutaria com todos eles. Se eu os derrubasse, eles saíam do ringue e o

próximo entraria. Se eles me derrubassem, eu teria que levantar e aguentar o

próximo. Um por um. Não era sobre vencer a luta, mas sobre permanecer

vivo enquanto provava o meu valor. A minha força.

Eu tinha que reconquistar o respeito daqueles homens.

Nós éramos nossa própria lei. Assim como governávamos sob terror e

sangue, nossa justiça também se fazia. Sem conversinhas, sem segundas

chances. Se eu fosse um Boss digno, eu viveria para contar a história em

forma de uma tatuagem a qual meu Pakhan escolhesse, que carregaria a

mensagem de que eu fui infiel à Bratva. A prova da minha traição, a

incontestável evidência de que eu já saí da linha com a Irmandade.

Nem todos tinham tal privilégio.

Aqueles que nos roubavam, ratos e informantes tinham um destino

mais cruel.

Homens que agiram pensando com o pau, como eu fiz, precisavam

cavar seu perdão através da dor.

A Bratva era um corpo e eu machuquei o coração central quando

esqueci o Sindicato durante meu tempo na Itália.

Não aconteceria novamente.

Não porque eu tinha medo da punição que me esperava, mas porque ver
os homens que seguiam minha liderança duvidando de mim era mais do que
meu coração Vory podia aguentar. A Bratva não era apenas a máfia e

obrigações para mim. Era a minha alma.

Os homens só não cuspiram no chão quando eu passei, porque temiam

que, caso eu saísse vivo, os mataria. Embora no momento eu fosse um traidor

do Sindicato, eu ainda era Viktor Zirkov. E sob a liderança de meu pai, eu

governava Moscou.

Levante-se o filho da puta que dirá o contrário.

Eu fui para o meio do salão de frente à escada do ringue e esperei por

meu pai chegar à minha frente. Todos os homens em suas costas, ansiosos

para ver o Pakhan punir seu maldito filho. Ninguém duvidava dele, não, pelo

contrário. Todos sabiam que Roman me faria desejar a morte.

Ou tentaria.

Meu prêmio no final de tudo era grande demais para desistir.

Maryia.

— Vory V Zakone.

— Vory! — a sala ecoou.

— O Sindicato se reúne esta noite para fazer justiça.

Mais gritos de apoio. Olhares furiosos em minha direção. A porra de


um show que eu já tinha apreciado diversas vezes.

Eu sorri.

Roman torceu o lábio ligeiramente, um sinal de advertência apenas para

mim.

— Alguém na Irmandade disposto a falar em nome de Viktor Zirkov?

Silêncio completo.

Meu olhar percorreu a sala. Eu queria ver todos os rostos que tentariam

me derrubar antes de começar a perder a visão pelos olhos inchados ou a

tontura. Focalizei o rosto de Alexi Romanoff que, ao contrário de Maksim,

estava quieto. Petrificado no fundo da sala. Ainda que ele fosse tão

importante no Sindicato quanto eu, governando São Petersburgo

como Boss ao lado de seu primo e Konsultant, Dimitri, o homem se mantinha

calado na maioria das vezes. Raramente fazia aparições sociais, preferindo

estar o tempo todo trabalhando com seus Vorys na rua.

A sorte de meu pai foi ter líderes que não tinham medo de sujar as

mãos ao seu lado.

Por isso a Bratva prosperava. Por isso eu sofreria esta noite.

— Você foi acusado de traição contra o Sindicato. Como Boss em

Moscou, percebe o risco que corre. Eu poderia pedir sua cabeça, ou ceder aos

desejos de seus homens e oferecer a eles que a arranquem, ao invés de lutar


decentemente.

— Você prometeu abrigo e família a uma italiana! — Não me

surpreendi ao ouvir Maksim gritando. Ele era um fodido louco e ninguém

estava surpreso que se intrometeu. Nunca levamos as regras ao pé da letra de

qualquer maneira e a situação sendo tão pessoal para ele como era, eu

compreendi seu desespero para tentar conseguir minha morte.

Ninguém se importava se traí ou não a minha esposa, a grande questão

foi com quem eu fiz isso.

— O Sindicato nunca deu a mínima a amantes, até onde eu sei. — Ele

se aproximou enquanto eu falava, dei de ombros. — Ou na minha ausência

vocês viraram bocetas?

Não reagi ou lutei, quando meu cunhado torceu meu braço e dor

agonizante estalou em minha mão quando ele apertou meu dedo, quebrando o

polegar da mão direita. O filho da puta fez de propósito para tentar prejudicar

meus socos, mas ele me conhecia melhor do que isso, eu já lutei com o punho

quebrado, o que seria um dedo? O início de um grito começou em minha

garganta, mas o parei antes que a surpresa me fizesse parecer fraco diante da

tortura. Maksim rosnou e me soltou, voltando a andar pela sala com os olhos

sobre mim. Ele não parava quieto no lugar, seus olhos avermelhados furiosos.

Ele estava feliz ao ver minha iminente desgraça, mas ainda queria mais.
Tivemos uma espécie de amizade por anos, e eu o conhecia mais do que o

suficiente para saber que estava no limite, querendo me ver sofrer.

— Vire-se — meu Pakhan ordenou e ao seu lado Eduard Pakarovi, um

dos Kaptain mais respeitados em Moscou, lhe entregou a corrente grossa,

com algumas argolas quebradas e pontas afiadas. Havia sangue por ela toda.

Sangue de Vorys que foram punidos antes de mim. Ela estava entre nós há

mais de vinte anos. Era a minha vez de carregar não só a minha culpa, mas a
de mais de 100 homens.

Eu me virei e encarei a parede de tijolos, foquei meus olhos nos

respingos de sangue que não saíam mais, mesmo com toda a limpeza. Não

pintávamos as paredes. Aquilo servia de aviso para quem entrava

na Bloodline.

— Qual é o nosso primeiro mandamento? — Ele estalou a corrente no

chão.

Era como rezar o “Pai nosso” para mim. Foi a primeira coisa que ele

me ensinou e seria a última que eu esqueceria em minha fodida velhice. Todo

jovem garoto russo que nasce no Sindicato, ou aqueles que desejam se tornar
parte dele, aprende aquela oração.

Engoli em seco e falei:

— ”A Bratva está acima de tudo e todos em nossa mente e coração.”


Eu ouvi a corrente se afastar do chão e se levantar, e contei os segundos

até que estalou em minhas costas. Cerrei os dentes, impedindo-me de gritar.

O peso da mão do meu pai lavaria a minha traição.

— O sexto — meu pai ordenou. Ele exigiria ouvir de mim todas as

regras que eu quebrei.

Eu senti as cócegas do sangue começando a escorrer das feridas se

abrindo. As tatuagens esconderiam a maior parte das cicatrizes, mas eu sabia

que elas ficariam comigo por um longo tempo.

— ”Nós não nos aliamos a sujos. Yakuza, Cosa Nostra, Irlandeses,

Cartel, Moto Clubes são inimigos pela vida e pela lei do submundo. Assim

como a máfia sérvia, israelita, albanesa e a jamaicana. Negociamos nossos

interesses, mas não somos iguais.”

Cosa Nostra escorregou com amargura e ressentimento fora da minha

boca. Agora, de volta à Rússia, em minha casa, eu voltava a sentir o ódio que

sempre foi enraizado em mim por eles.

Ele bateu outra vez. A dor quase insuportável me fez grunhir, mas eu

fechei os olhos com força e apertei as mãos em punhos. Eu aguentaria.

— Sétimo.

Cada um dos meus irmãos mortos pelas mãos deles.

— ”Nós não escondemos segredos da BRATVA dentro da


Irmandade.”

Cada vez que nos desafiaram.

De novo.

— O oitavo.

— ”Nós aceitamos punições determinadas por nossos superiores com

orgulho seja qual for.”

Cada vez que nos fizeram pecar.

Mais uma pancada da corrente, dessa vez a ponta bateu em meu ombro,

escorregando até a nuca e descendo. Eu vacilei um passo para a frente.

— Você quebrou seus votos sagrados e por isso será punido.

Viktor Zirkov, suba no ringue e lute contra os seus irmãos Bratva. Que Deus

te ajude a permanecer vivo. — Ele cerrou a mandíbula, fazendo uma pequena

pausa. — Se morrer, que o diabo o receba para pagar pelos seus pecados.

— Amém — eu murmurei comigo mesmo. Uma tontura forte me

abalou quando abri os olhos, mas eu não podia demonstrar. Não quando cada

par de olhos esperava que eu caísse.

Eu subi e os encarei de queixo erguido, então tirei minha camisa

rasgada e molhada com sangue e a joguei em um canto. A dor dilacerava

minhas costas, mas já havia passado por coisas piores.


O primeiro a subir para me enfrentar foi um Vory. Eu não o conhecia,

então provavelmente era um dos homens de Alexi. Eu enviei um sorriso

a Romanoff, que ele devolveu com um inclinar de cabeça. Alexi era

tradicionalista, rígido, frio e correto com a Irmandade. Nunca pisou nem um

passo fora do que nossas regras ditavam.

Para ele, eu deveria ser morto sem julgamento. Não era o que eu

achava, mas o que ele me ligou para dizer na noite anterior. Ninguém podia

ser tão correto e quando eu me recuperasse daquela noite manteria meus

olhos bem abertos no russo. Uma única brecha e eu entraria, então Alexi

cairia. Se seu primo me desse motivos, seguiria pelo mesmo caminho depois.

Eu derrubei o primeiro Vory sem dificuldade, seus movimentos eram

lentos, medrosos e afobados demais, e assim foi o segundo também. Eles

estavam usando os guerreiros para me cansar. Alexi estava. Não porque ele

não se garantia em uma luta, mas porque para me matar na frente do meu pai,

sem sua aprovação, ele usaria todos os danos que os guerreiros me fizeram

antes, como forma de justificar.

Eu ergui meus punhos quando o terceiro chegou. Já estava suado, fui

atingido algumas vezes, mas nada preocupante. Quando seu punho atingiu

meu rosto, eu cuspi o sangue no chão e avancei, enganchando o braço em seu

pescoço e cortando seu ar, acertando uma sequência de socos em seu

abdômen, agora com a respiração fraca, Sergei fraquejou em uma perna e eu


chutei a outra, forçando-o a se ajoelhar. Inclinei-me para falar em seu

ouvido.

— Apenas um golpe? Você me envergonha, Serga. — Eu dei risada e

soquei sua têmpora, observando o corpo pesado de um dos meus homens

cair.

Eu passaria por isso.

Nasci um Vory e me tornei um Boss.

Malditos italianos não iam me tirar isso.

Passei por trinta homens. Sangue escorria da minha boca e eu não havia

caído nenhuma vez. Já não podia contar com meu olho esquerdo, e a

queimação em minha garganta devido a alguns golpes era forte. Lutar com os

guerreiros não me derrubaria, mas definitivamente decairia meu desempenho

quando chegasse a vez de Alexi, Maksim, Dimitri e Volya.

Volya me treinou. Ele sabia cada passo que eu daria antes que eu

fizesse. Se eu fosse cair por alguém, seria para o meu irmão e o pesar

momentâneo quando fitei seu rosto me dizia que ele não gostava disso. Me

humilhar diante dos Vorys não era de seu agrado, mas eu merecia. Ainda que

meu ego, minha confiança e meu respeito fossem provocados, eu sabia que

merecia.

Alyk Sendiov era um bom lutador. Um dos kaptain na linha de frente


ao meu lado. Ele não foi arrogante ao lutar, mas chegou revigorado quando
eu já tinha provavelmente uma costela quebrada e uma mão torcida. Eu sabia

que a partir dali meu orgulho decairia. Não havia como passar por Luka

Kurakin, Eduard Pakarovi, Alexi, Maksim, Volya e Dimitri.

Principalmente Maksim e Volya.

Não havia como ganhar, mas eu só tinha que me segurar para não

perder.

Se eu conseguisse me erguer quando Volya saísse do ringue, eu teria

meu respeito de volta.


Quando eu entrei no Bloodline não só os berros enlouquecidos dos

Vorys encheram meus ouvidos, mas também o de pancadaria. O de passos

pesados no ringue, os sinos tocando como se algo muito esperado estivesse

prestes a acontecer.

A aura do lugar foi dominada pelos russos cheios de testosterona e sede

de sangue. A Bratva era uma força brutal e eu cresci vendo tais

acontecimentos. O cheiro de cobre pesado no ar, o chão pegajoso de suor e

sangue. Se aquele fosse o meu dia a dia, a Irmandade teria que me fornecer

um cartão exclusivamente para comprar saltos, pois a cada visita naquele

lugar, eu perdia um para o lixo.

Eu acenei para alguns Vorys e ignorei os olhares mal-intencionados de

homens que não me aceitavam ali e avancei, procurando um bom lugar para

ver a luta. Deixar minha irmã em casa para vir assistir à queda ou vitória

do Boss realmente não foi meu primeiro plano da noite, mas Veronika era

crescida e entendeu quando desmarquei nosso compromisso.

Não surpreendentemente ela ficava mais chateada do que eu em não

poder comemorar meu próprio aniversário. Não que eu não me orgulhasse da

data, era apenas um número que subiria a cada ano e eu continuaria


exatamente como todos eles. Cuidaria da minha irmã, lutaria para levantar o
nome da minha família e tentaria apagar o rastro de vergonha que meu pai

deixou em nosso nome.

Eu não era muito nova quando Roman Zirkov o matou, mas ir de filha

do Pakhan a filha de um traidor foi uma virada e tanto.

Completando 38 anos, me via obrigada a terminar o que comecei. Os

últimos tentando compensar a marca que meu pai, Bukin Malkovi, deixou.

Levando uma vida a qual eu precisava vestir minha armadura de menina

grande e enfrentar um mundo liderado por homens, a fim de dar algo bom à

Veronika. Quando eu disse a Roman que gostaria de ganhar meu lugar nos

negócios, ninguém gostou. Para eles, eu deveria ser julgada para sempre

pelos atos de meu pai. Minha irmã e eu. Porém Roman pensava diferente e eu

ganhei meu espaço.

Ganhei respeito. Ganhei dinheiro. Ganhei companhias agradáveis na

minha cama para servir ao único propósito que ainda me dava algum prazer.

Era tudo o que eu queria e precisava.

Sentei-me em um banco do bar e estiquei o pescoço quando vi um

homem cair no ringue. Dois Vorys rapidamente entraram para tirá-lo. Viktor

ainda estava de pé e deu um sorriso ensanguentado para a multidão. Ele

estava coberto de sangue, uma visão que talvez antes teria me amedrontado,
mas não mais.

— Vermelho sangue, gostei. Apropriado para a noite —

Alexi Romanoff me abordou, inclinando a cabeça num cumprimento.

Ajeitei meu vestido vermelho. O decote singelo não escondia seu

volume e ele era sexy, na altura dos joelhos. Era sempre divertido ver como

mafiosos se desestabilizavam com uma roupa provocante, principalmente


com sangue escorrendo do ringue à nossa frente.

— Não é conveniente que eu o vesti buscando sua aprovação? —

ironizei.

Alexi mostrou a sombra de um sorriso.

— Feliz aniversário, Aryshia.

— Obrigada, querido. Sua prima está comemorando na minha casa com

Veronika por mim.

Seu rosto fechou.

— Viktorya não é da minha conta. O noivo dela está bem ali. — Ele

acenou em direção a Maksim, que gritava enquanto socava a parede perto do


ringue. Sangue escorria em seu antebraço e a tinta caía junto do gesso no

chão.

Pobre garota. Embora Viktorya parecesse forte e mais madura do que

sua idade, Maksim era um homem descontrolado e imprevisível.


— Você é o guardião dela, eu apenas quis avisar onde a menina vai

passar a noite.

— Dimitri é responsável por ela e seu pai está a alguns países de

distância.

— Uou.

— Vamos falar sobre você.

— Não, vamos falar sobre você. O que está fazendo em Moscou? Pelo

o que ouvi, sua relação com Viktor não melhorou desde a volta dele.

— São Petersburgo está bem cuidada. Eu vim para garantir que nosso

Pakhan faria o que deve.

— Acha que Roman não pesaria a mão porque o traidor é seu filho?

— Acho que homens como nós tem fraquezas que nos fazem pecar —

ele olhou para longe —, principalmente tratando-se de família.

— Eu concordo.

Ele deu um aceno brusco.

— Aceita companhia para comemorar sua noite?

Minha risada fez dois Vorys virar para ver o que estava acontecendo,

seus olhos críticos me jugando por estar tão próxima de outro Boss, o dono de

outro território.
— Você é um pedaço de mau caminho, Alexi. — Segurei minha mão

de tocar aquele rosto másculo, mas eu tinha uma regra que nunca quebrava.

Não me envolver com os chefes e homens da linha de frente. — Mas até o

final da noite estará sujo e machucado da luta. Vou procurar algum

empresário rico no bar do Ritz.

Ele inclinou a cabeça em um sorriso fechado, pegando minha mão para

me ajudar a descer do banco.

— É claro. Linda como sempre.

— Eu sei, obrigada.

Eu estava muito consciente da minha beleza. Estresse, ansiedade e as

preocupações constantes de liderar parte de uma família na máfia não

chegavam gentilmente para uma mulher aos 40 anos. Eu me cuidava bem.

Me exercitava diariamente, mantinha visitas necessárias com meu cirurgião e,

ainda assim, me admirava todas as vezes que olhava no espelho. Não trocaria

meus quase 40 por 20.

Tocamos nossas bochechas num beijo rápido e eu me afastei, olhando

uma última vez para o ringue. As pernas de Viktor estavam moles, ele se

segurava nas grades, mas o sorriso torpe estava lá. Eu admirava sua força, ele

sempre foi brutal e eficiente em seu serviço, por isso os homens o

respeitavam tanto.
A sala ficou estranhamente calma quando o próximo oponente de

Viktor entrou. Maksim. Eu não fiquei para ver, não podia. Não quando sabia

que meu Boss não ficaria de pé naquela luta. Abri a porta e peguei meu carro.

A Bratva dominava a cidade e por isso eu me sentia segura de dirigir até o

Ritz. Se algo aparecesse, a minha pistola Taurus estava presa e de fácil acesso

em minha coxa.

Liguei o carro e saí.

Mas o cheiro de sangue ainda me perseguia.


“Nada de desculpas, ele nunca verá você chorar

Finge que não sabe que ele é o motivo

De você estar se afogando

E o medo mais triste chega causando arrepios

De que você nunca amou a mim, ou a ela ou a ninguém”

Eu sabia que você era problema quando apareceu

Bem feito para mim”

TAYLOR SWIFT, I KNEW YOU WERE TROUBLE


Eu desci as escadas sem passar pelo quarto dos meus irmãos ou o de

vovô. Evitá-los a todo custo seria minha missão pelo restante da semana, ou

pelo menos até que alguém tivesse misericórdia de mim e me livrasse do meu

fardo.

Ele.

— Sacha? — chamei, ao descer a escada, torcendo para que eu e a

governanta fôssemos as únicas pessoas em casa, mas assim que entrei na

cozinha, meus ombros caíram.

— Bom dia, devushka. — Vovô bebia café em sua caneca de sempre,

enquanto lia o jornal, encostado no balcão, perto de Sacha. Durante alguns

anos eu torci para que os dois se dessem bem. Eles estavam próximos em

idade e eu via como ambos se olhavam, mas depois entendi o perigo que seria

para ela.

Também entendi que alguém como o meu avô jamais poderia estar com

alguém como ela. Infelizmente.

— Bom dia, menina. — Ela me deu um sorriso gentil. Sacha era

delicada e perspicaz, diferente de Evarkov.

— Você parece doentiamente feliz em nos ver, sestra — Evá zombou,

mas se ergueu para beijar minha testa. Seus olhos estavam vermelhos e
cerrados, e tinha um prato de comida à sua frente que três Vorys poderiam
dividir.

— Você estava usando maconha! — acusei. — Vovô!

Meu avô estava entretido em alguma conversa com Sacha e não me

ouviu, ou fingiu, já que os hábitos dos meus irmãos tinham, há muito tempo,

se tornado imparáveis.

— Não, eu estava fumando maconha. É diferente.

— Continua sendo um vício, Evá.

— Existem vícios piores.

— Eu estou falando do seu vício, não de mil outros. Isso pode te

matar!

Ele deu risada, balançando a cabeça e dando uma mordida em seu

hamburguer mal feito. Sacha provavelmente preparou todos os ingredientes

com total dedicação e ele os apertou naquela gororoba nojenta.

— Acha isso engraçado?

— Acho que todo o assunto de morte no dia de hoje parece engraçado.

— E por quê?

Seus olhos lentos estreitaram mais ainda. Ele estava tão doentiamente

animado que me irritou. Tudo nele estava me irritando, assim como era
comum quando usava aquelas porcarias.

Eu não era estúpida e sabia que eles vendiam, sabia que muitos

usavam. Mas o meu irmão estar viciado em drogas não me agradava em nada.

O meu Evá. Meu Evarkov.

— Com licença — falei, ao pegar meu copo de suco e me levantar. —

Vou para o meu quarto.

— Mas você nem comeu nada, Maryia! — Sacha protestou.

— Vou comer mais tarde. — Olhei acusadoramente para Evá. Ele não

gostou. Não gostava quando nos afastávamos. Eu e meus irmãos estávamos

tão conectados que qualquer briga ou sintoma de confusão imediatamente nos

unia. Vivíamos um para o outro, mas Evarkov precisava me ouvir.

Maksim finalmente apareceu, bloqueando minha passagem na porta ao

entrar e me ofereceu um grande sorriso.

— Maryia, que bom te ver!

Eu sorri um pouquinho.

— Você me vê todos os dias, Maksa.

— Ah, mas nenhum dia é como hoje. — Ele riu e passou por mim,

pegando uma fatia de bacon do prato na mesa. Evarkov começou a rir com

ele, então os dois estavam gargalhando.


— Conte a piada, nós também queremos rir — falei, de mau humor.

Meu avô tossiu, só então percebi que ele também sorria por trás de sua

caneca.

— O que está acontecendo? — pressionei.

— Nada, querida — disse vovô. — Vá se preparar para o seu dia.

— Eu não tenho nada hoje.

— Que tal ir a São Petersburgo comigo? Tenho alguns assuntos a tratar

com Alexi.

Como aposentado, meu avô não tinha mais muito o que fazer sobre os

negócios da Bratva, mas eu entendi que podia ser de cunho social. Ele sempre

gostou de Alexi e seu primo, Dimitri. Ainda que muitos em Moscou

poderiam ver isso como uma afronta a Viktor e Volya.

— Vou me trocar, então. Podemos parar no hospital? É dia de doar

sangue e eu gostaria de contribuir.

Meu avô sorriu.

— É claro, devushka.

— Se alguém passar no Bloodline para fazer uma coleta, poderá salvar

100 vidas — disse Maksim.

Evarkov tossiu seus ovos, rindo histericamente, então os dois bateram


as mãos no ar como adolescentes irritantes.

— Cara, eu queria ter estado lá.

— Vocês podem parar?! — Me irritei. — O que aconteceu no clube? É

sobre isso que estão rindo?

Eles me ignoraram, continuando a trocar detalhes sobre alguma luta e

não me dizendo nada. Eu me enfezei de vez, me aproximei com passos

pesados e passei o braço pela mesa e toda a comida, pratos e copos foram ao

chão.

— Isso parece engraçado agora?!

Os olhos de Maksim estreitaram e ele fechou o sorriso. Irritado com

minha atitude.

— Não mais do que seu marido morto em uma poça de sangue no

ringue.

— Maksim! — vovô gritou. — Que porra eu falei para vocês dois?

Meu coração gelou.

Morto?

— Porra, nem acredito. Eu queria ter visto. — Evarkov gemeu

obscenamente, alheio ao meu terror.

— O que você disse? — sussurrei, afastando-me vários passos dos


dois.

Eles não fizeram...

Não podiam...

— Você é uma mulher livre agora. Quando os Vorys tiraram Zirkov do

ringue, ele estava um saco de ossos sangrento. Não vai viver para ver o

amanhã.

— Com quantos ele lutou? — Evá perguntou, arregalando os olhos e

inclinando-se para a frente.

Maksim levantou e começou a andar apressadamente de um lado para o

outro enquanto falava, um hábito que me deixava inquieta. Ambos estavam

animados conversando sobre a tal luta, alheios a mim. Alheios ao fato de que

eu estava ouvindo tudo.

Um estrondo soou e eu pulei para longe quando Evá jogou Maksim por

cima da mesa de vidro, suas costas quebrando o tampo e derrubando-o no

chão.

— Eu teria feito isso com ele! — meu irmão gritou, rindo. Suas

bochechas estavam vermelhas e a alegria no rosto me enfureceu. Maksim se

levantou com a ajuda de Evá, falando mais detalhes de como ele havia sido o

único a quebrar o nariz de Viktor e garantir que as costelas fossem

fraturadas.
— Vocês não têm respeito por mim? — gritei e assim que abri a boca

senti o sal das lágrimas em minha língua. Eu peguei o prato que Sacha

acabara de preparar e o atirei em Maksim. Por sua alegria ridícula e sua falta

de consideração.

Ele desviou antes que a porcelana atingisse sua cabeça, mas o purê

fervente atingiu o peito de Evarkov. Meu irmão grunhiu, cerrando os punhos.

— Porra, Maryia! — berrou.

Eu deixei os dois e voltei ao meu quarto. Precisava me vestir e ir vê-lo,

não importava o que os dois diziam. Eu queria que ele fosse punido e queria

o divórcio, mas não o queria morto. Eu o amei por metade da minha vida,

como poderia desejar sua morte?

Ouvi vovô me chamando, depois Maksim e então Evá, mas fechei a

porta e a tranquei. Eu precisava de um segundo. Minha cabeça já estava

dando voltas e voltas, eu já me via no funeral dele, me despedindo, vendo seu

caixão descer e o corpo morto lá dentro.

Foi Maksim? Ou será que havia sido Dimitri? Ele era um bom lutador.

Ou Volya? Meu Deus, Volya... Se ele foi o último a lutar com Viktor,

o Konsultant jamais se perdoaria.

Eu precisava ir até lá. Agora.

Por meses temi vê-lo, mas diante da perspectiva de sua morte, tudo o
que eu queria era encarar aqueles olhos outra vez.

Vesti-me sem prestar atenção a qual roupa escolhia e saí do quarto,

passando por vovô, Maksim e Evá. Evarkov mordia uma maçã e se apoiava

no corrimão da escada, me encarando com desafio.

— Você não vai, Maryia — disse Maksim.

— Me impeça.

— Ele vai, devushka.

Eu me virei antes de descer a escada e os encarei.

— Você jamais me forçou a nada, vovô. Não comece agora. Eu não

quero perder o respeito que lhe tenho.

— Você era a única querendo se livrar de Zirkov, Maryia.

— Não desse jeito! — Bati o pé. — Eu tenho certeza de que você

gostou de machucá-lo, Maksim. Sequer pensou no meu sofrimento!

— Se eu fiz algo, foi justamente pensando no seu sofrimento! — ele

gritou, assim como eu, e embora sua aparência ficasse ainda mais brutal, eu

não sentia medo. Nunca temi meus irmãos, mas entendia porque todo o resto

do mundo o fazia.

— Eu não sou uma prisioneira. Vou vê-lo e se qualquer um de vocês

tentar me impedir...
— O que vai fazer? Não há nada que você possa fazer que vá nos

machucar.

— Tem certeza, Maksa? — Estreitei os olhos — Eu posso me mudar.

Posso ir passar um tempo com o Clã de Detroit. Sempre quis saber como eles

lidam com as coisas. Ou, quem sabe, ir passar um tempo em Miami?

O Boss me receberia de bom grado.

— Não diga bobagens, Maryia — Maksim rosnou, elevando-se sobre

mim. — Eu rasgaria Miami antes de ter um quarto de hotel onde você

pudesse se hospedar.

— Dói que você pense em ficar na nossa cidade mais perigosa, Maryia.

Miami está infestada dos nossos inimigos — vovô me repreendeu. Sua

máscara calma, como meus irmãos não conseguiam manter.

— Isso seria bom — disse Evá, mordendo aquela maldita maçã mais

uma vez. — Eu poderia arrancar a cabeça de Romeo DeRossi em seu próprio

território. Vá para Miami, Maryia — ele desafiou. — Eu vou matar italianos

assim como os Vorys mataram o seu marido traidor.

Eu fiquei cega e corri até ele. Em um segundo, eu estava perto

de Maksim e, no próximo, empurrava Evarkov da escada. Ergui o queixo e

segurei minha bolsa mais forte enquanto observava-o se desequilibrar, prestes

a cair, mas se segurou no corrimão poucos degraus abaixo.


— A morte não é tão engraçada agora, ou é, Kolokol? — Passei por ele

e lancei um olhar a Maksim. — Não me siga. Eu tenho uma faca na bolsa.

Eu não tinha, mas facilmente conseguiria uma.

Obviamente não foi minha ameaça que o segurou no lugar, mas sim o

conhecimento de que se viesse atrás de mim, me machucaria, talvez até

fisicamente, por sua raiva descontrolada. E isso ele não se permitiria fazer.

Quando tanto Maksim quanto Evarkov perdiam suas cabeças, não

importava quem estava perto, pois qualquer um se tornava alvo. Obviamente

eu não era tão diferente deles quando provocada.

Talvez por isso Viktor escolheu uma dama italiana para me trair.

Quando cheguei à casa de Roman, foi Dalyah quem me atendeu.

— Ele está morto? — perguntei, num fio de voz, querendo empurrá-la

e entrar em busca dele, mas ela tinha aquele olhar rebelde que a fazia parecer

um pouco mais velha do que sua verdadeira idade e, no fundo, eu podia ver

que ela me culpava. Ela só não diria aquilo.


Eu abaixei meus olhos, evitando seu julgamento. Durante anos, Viktor

tentou fazer com que eu parasse tal hábito, mas eu sempre encontrava um

jeito de me esconder das opiniões. Elas machucavam demais.

— Desculpe — Dalyah sussurrou, fazendo-me levantar a cabeça.

— Pelo o quê?

— Eu estou silenciosamente te culpando, quando sei que ele procurou

isso para si mesmo.

— Você está calma. — E aquilo era a resposta sobre ele estar ou não

morto. Maksim mentiu, ou ele pensou que viu o que disse. Eu não sabia, mas

não importava.

Se Viktor estivesse morto, Dalyah estaria surtando. Ele sempre foi

como seu irmão mais velho. Ele e Volya.

Ela suspirou e passou para o lado.

— Ele está na sala. A doutora acabou de sair. Seria doloroso demais

movê-lo até o quarto.

— Alessandra cuidou dele?

— Sim.

Bom. Alessandra era muito boa no que fazia, é claro, ou Roman sequer

teria considerado tê-la trabalhando para a Bratva. A vida dos Vorys era
valiosa para ele.

Eu entrei sem esperar que me guiasse e percorri o caminho que

conhecia muito bem, imediatamente sentindo um alívio, misturado com

saudade, dor e raiva quando o vi jogado no sofá. Tanta raiva que foi difícil

me controlar de ir até lá e terminar o serviço que começaram, ainda que

segundos atrás tal possibilidade me deixava em pânico e ainda que matá-lo

me destruísse depois.

Por que ele tinha que fazer o que fez comigo?

— Vou deixá-la com ele — disse Dalyah, tocando rapidamente meu

ombro antes de subir as escadas.

Ao adentrar completamente a sala, eu me aproximei dele. Tentaram

limpá-lo, mas havia muito sangue. Precisaria pelo menos cuidar de alguns

ferimentos antes, e agora que Alessandra saiu, alguém precisaria lidar com

aquilo. Eu respirei profundamente e cheguei ainda mais perto.

Ele parecia mais magro do que quando se foi. Longe da comida de

casa, longe de sua família e as lutas com seus Vorys. Um homem mudado. E

agora, um homem que pagou por seus crimes.

Ele obviamente sofreu com sua punição, eu mal reconhecia seu rosto.

Todo o corpo onde quer que eu olhasse estava machucado. Porém... seria

suficiente?
Eu me senti egoísta por pensar que enquanto eu sofria com meu

coração quebrado e pesados olhos de julgamentos de todos à minha volta, ele

sofreria por algumas semanas enquanto se recuperava e então estaria bem.

Como se nada tivesse acontecido. Eu seria obrigada a voltar para ele. Receber

seu toque, falar com ele, cuidar dele.

Ergui meu queixo. Eu não queria isso.

Ele me traiu por meses, seu desrespeito manchando dez anos de

história. Me manchando.

Seus Vorys podiam tê-lo perdoado, mas eu não o fiz. Nem sei se

poderia algum dia.

Egoísta.

— Você está com uma cara assustadora, Maryia. — Eu pulei ao som da

voz de Volodya atrás de mim. Ele estava encostado a uma pilastra no canto,

segurando um cigarro e estreitando os olhos em minha direção.

— Eu não te vi aí.

— Eu sei. — Ele não se moveu do lugar. — Se veio aqui, na esperança

de terminar o serviço, sinto avisá-la que vou te impedir da forma que for

preciso. Ele é meu Boss. E seu também.

— Ele não é nada para mim e ele te traiu.

— Ele conseguiu seu perdão. Ainda é meu Boss.


— Então, você é um...

— Cuidado, Maryia.

Eu me repreendi internamente. Julgava meus irmãos, porém, tinha o

mesmo temperamento deles.

— Sinto muito.

Volya deu um aceno brusco. Eu podia não gostar do que ele dizia ou

fazia, mas ele era o terceiro homem mais poderoso em Moscou. Havia regras

e formas de falar com ele. Insultá-lo como eu estava prestes a fazer não se

encaixava em nenhuma delas.

— Ele vai viver. — Não foi uma pergunta, eu apenas externei o

pensamento em voz alta.

— Sim. Está feliz?

— Você se importa? — sussurrei.

Ele finalmente se moveu, aproximando-se enquanto tragava seu cigarro

e virou o rosto para jogar a fumaça longe de mim, após alguns segundos. As

tatuagens cobriam sua pele escura, mas havia uma delas que me amedrontou

desde o momento em que ele a fez. Aquela debaixo do olho. Avisando que

nada lhe passava despercebido. O boné preto em sua cabeça o deixava com

uma aparência mais perigosa do que qualquer outro Vory andando nas

ruas. Volodya era ruim, eu sabia e provei disso vendo suas lutas algumas
vezes. Quando ele matou sem piedade e rezou sobre os corpos, após
comprovar a morte.

Quando seus olhos pretos me encaravam com nada além de vazio.

— Não, não importa. Viko vai pegá-la de volta e ele vai matar Maksim,

Evarkov e até mesmo o seu avô, se ousarem ir contra.

— Isso é uma ameaça?

— Eu não preciso ameaçar, Maryia. Você sabe que é o que Viktor fará.

O que ele fez quando seu avô recusou os pedidos de casamento?

Eu virei o rosto com culpa, lembrando como Viktor tinha prejudicado

os meus irmãos de toda forma que podia, até que vovô cedeu e me deixou

casar com ele.

— Maksim e Evá não são mais tão jovens. Seu Boss não pode mais

atingi-los.

— Ele não precisa. Ele pode simplesmente quebrar a porta da casa de

seu avô, atirar em quem estiver pela frente e levá-la. É seu direito.

— Eu o odiaria — rosnei.

— Já não odeia?

Eu odiava. Sim, de fato, mas se Viktor machucasse meus irmãos, vovô

ou Sacha, ele me perderia para sempre. Eu não me importaria de sofrer


apenas para poder testemunhar algum tipo de vingança.

— Eu vou limpá-lo — falei e virei para sair. Volya segurou meu braço.

Se Viktor estivesse acordado, cortaria sua mão por isso.

— Você não chegará perto dele. Não quando eu sei que poderia ter um

de seus ataques de loucura e feri-lo permanentemente.

Eu abri a boca para negar que faria algo do tipo, mas a fechei, porque

não tinha certeza. Volya sorriu sombriamente, como se soubesse disso.

— Ele errou, Maryia, isso é fato, mas é com você, se ele vai errar ainda

mais.

— O que quer dizer?

— Se você voltar para ele, de bom grado, Viktor se acalmará, mas se

fizer com que ele lute por isso, não vai gostar das consequências, você o

conhece.

Ele estava brincando? Eu encarei seus olhos vazios e cheios de certeza.

— Viktor sabe com quem se casou. Ele me conhece melhor do que

qualquer pessoa no mundo, então sabe que se forçar a mão sobre mim, eu vou

fazê-lo pagar. Já fiz antes. Existe uma coisa que para homens como vocês,

Volya.

— Nada nos para.


Eu sorri, puxando meu braço de seu aperto e dei um último olhar a

Viktor.

— Você diz isso porque ainda não amou ou foi amado por uma mulher

louca.
“Dei ao amor umas cem tentativas

Apenas fugindo dos demônios em sua mente

Então eu peguei os seus e os tornei meus

Eu não percebi, porque meu amor era cego

Diga-me como é a sensação de estar aí em cima

Sentindo-se tão alto, mas longe demais para me abraçar

Pensando que você poderia viver sem mim”

HALSEY, WITHOUT ME
Quando eu entrei no escritório de vovô e vi Roman, quis dar a volta e

correr de lá, mas meu avô pareceu ver isso em meu rosto e se levantou,

caminhando até mim e fechou a porta.

— Entre, devushka.

— O senhor chamou?

— Sim, eu gostaria de ter uma palavra com você.

Roman nos analisava com a face em branco. Ele era um dos poucos

homens que usava roupas formais na Irmandade. Escondendo suas tatuagens

e parecendo um empresário ao invés de um mafioso. Ainda assim, era tão

intimidante que eu não aguentava encará-lo por muito tempo.

Sentei-me em frente à mesa e vovô se acomodou atrás dela. Silêncio

reinou por um minuto, eu sentia o peso do olhar do meu sogro sobre mim.

Nós sempre tivemos uma relação amigável. Eu o respeitava como

o Pakhan e como parte da minha família, e ele me protegia, porque eu

pertencia ao seu filho. Mas onde estávamos agora? De repente, senti certo

medo de que Volya pudesse ter contado sobre o nosso encontro, dois dias

atrás. Se Roman me considerasse um perigo para Viktor, nem vovô poderia

me salvar do peso de sua mão sobre mim.

— Roman me pediu que encontrasse um horário para vê-la.


Eu fitei meu sogro.

— Olá.

— Como está, Maryia?

— Estou bem. — Não havia ponto em devolver a pergunta a ele. Ele

não me diria suas verdades.

Olhei no relógio. 19h19. Que ironia. Viktor costumava dizer que todas

as vezes que eu batesse os olhos no relógio e fossem horas e minutos iguais,

eu saberia que ele estava pensando em mim.

— Seu avô me contou sobre seus anseios com relação a Viktor.

Eu quis rir do eufemismo, anseios sequer chegavam perto do que eu

sentia em relação a Viktor.

— Posso falar livremente, Pakhan?

Ele deu um aceno.

— Você nunca poupou suas palavras.

— Eu não quero voltar para ele. Não posso sequer pensar nisso.

— É claro que pode, porém, o seu orgulho está cegando-a. Você e

Viktor estiveram juntos por dez anos.

— E está muito claro para todos que esses anos chegaram ao fim.

— Quem você inclui como todos? Sua família?


— Não apenas eles. As pessoas falam, eu fui humilhada durante os

meses que ele esteve fora, não consigo suportar a ideia do que vão pensar se

eu voltar.

Os olhos de Roman escureceram.

— Então se trata de vergonha? Meu Boss a constrange, Maryia?

— Minha neta não quis dizer dessa forma, Roman — vovô intercedeu.

— Maryia não desrespeitaria a posição de Viktor.

Meu sogro não tirou os olhos de mim.

— Você vivia dizendo aos quatro ventos que o amava. Esse amor se

foi?

Ele não dava a mínima para o meu amor. Tudo o que Roman fazia tinha

um objetivo e todas as suas perguntas exigiam respostas que sempre o

levariam a um propósito.

— Infelizmente não se deixa de amar alguém tão facilmente.

— E como pretende se livrar dele em seu... coração?

— Levarei tempo, mas vou conseguir.

— E qual o seu plano? Eu te dou o divórcio, você continua a sua vida e

o observa de longe? E quando ele se casar novamente? E quando tiver

filhos?
Engoli em seco, ignorando a raiva fervente que senti quando suas

palavras formaram imagens em minha cabeça.

— Eu poderia me mudar para algum Clã nos Estados Unidos.

Roman passou a mão pela barba, havia um toque de diversão distorcida

em seu rosto.

— Eu ainda me lembro a primeira vez que Viko a trouxe até

mim, Maryia. — Ele caminhou até a janela. — Você já conhecia a

Irmandade, mas não conhecia profundamente. Aquele dia foi o seu primeiro

gosto. Eu estava na academia, lutando com dois Vorys ao mesmo tempo.

Tínhamos facas e, no momento que vocês se aproximaram, eu cortei o rosto

de um deles. — Ele sorriu, encarando a janela. — O pânico em seu rosto deu

a Viko o instinto de proteção que ele só tinha com Dalyah, até então. Vocês

nem precisaram dizer nada para eu saber que iam se casar.

Eu me lembrava. Ver meu sogro pela primeira vez de perto e falar com

ele mais do que simples cumprimentos, como havíamos feito antes em

eventos sociais, foi aterrorizante.

— Eu tive medo de que Viktor fosse como você — deixei escapar.

— Maryia — Vovô me repreendeu.

Roman sorriu sombriamente.

— Deixe-a falar, Nikolai. Isso sempre me fascinou em seus netos.


Claramente Maryia fascinou meu filho também.

— Maryia tem certas restrições quanto a Viktor.

— Mas ela deixará todas para trás, subirá e vai arrumar uma mala.

Agora — ele interrompeu meu avô.

De repente, sua diversão se foi e ele me encarava com firmeza. Não era

uma visita amigável e tanto eu quanto vovô fomos tolos em pensar que

poderíamos argumentar. Eu fiquei em choque. Meu coração bateu como

louco no peito, enquanto olhava de vovô para Roman, que agora não sorria

mais, mas me encarava com seus olhos frios e decididos.

— Roman. — Vovô se levantou.

— Meu respeito por você segue intacto, Nikolai. Não me faça fazer

algo do qual não vou gostar.

— Pakhan — sussurrei. — Viktor não me quer. Deixe-me livre, por

favor!

— O que eu lhe disse quando fui vê-la antes do casamento, Maryia?

Você se lembra?

— Sim.

Ele havia dito que não tinha volta. Que eu escolhi Viktor e nosso

vínculo seria eterno, até que a morte chegasse para um de nós. E eu

disse sim.
— Agora me pede que eu volte atrás na minha palavra?

— Eu não ousaria ofendê-lo assim, apenas penso que Viktor apreciaria

estar livre tanto quanto eu. Então ele pode fazer suas... suas... suas aventuras

sem culpa.

— Maryia — Roman balançou a cabeça —, se Viktor fosse culpado,

não reivindicaria você novamente. Ele foi à Itália, ele errou e ao voltar pagou

por seus erros. — Roman enfiou a mão no paletó e eu prendi a respiração

quando o vi levantá-la e apontar na cabeça do meu avô. — Não me faça

forçá-la a obedecer.

— Não! — gritei. — Não faça isso, por favor! Eu irei com o senhor.

Eu j-juro. — Engasguei, meus olhos arregalaram-se tanto que lágrimas

brotaram e o desespero bateu com força.

Ele destravou sua pistola e o som parecia música junto ao meu soluço

cantado. Eu podia vê-lo apertando o gatilho e acabando com a vida do meu

avô a qualquer momento.

— Cinco minutos. Não me faça esperar.

Eu olhei uma última vez para meu avô, então encarei meu sogro e

assenti. Virei as costas e corri até meu quarto.


O caminho até a casa de Roman foi demorado, principalmente porque

ele não me deixou ver vovô antes de ir. Muito menos, me respondeu se ele

estava bem. Eu tentava abafar meus soluços para esconder meu desespero

dele, mas seus olhos frios estavam grudados na direção. O carro deslizava

pelas ruas sem pressa e meu coração apertava mais a cada semáforo.

Pareceram horas, até que vi os portões e nós entramos na propriedade.

— Viktor está em seu quarto. Olga vai levá-la até lá para que

conversem.

— O senhor não vem?

— Tenho assuntos na rua e você não tem que me chamar de

senhor, Maryia. Sou seu sogro.

— É meu Pakhan também.

— Você está certa, mas somos família. Eu sou Roman e “você” nessa

família. Agora desça. Viktor quer falar com você.

— Roman, por favor — engoli em seco —, me diga como meu avô

está.
Ele me analisou com crítica.

— Vivo. Pelo menos, enquanto você cumprir suas obrigações. Aliás...

honrar sua escolha.

Eu assenti, cheia de alívio e raiva e saí do carro. Dessa vez, Dalyah não

me recebeu, foi sua mãe, Olga, quem me viu em primeiro lugar e me

cumprimentou com sua simpatia ensaiada.

— Como vai, Maryia? É bom tê-la de volta.

Na verdade, ela deveria estar profundamente incomodada com minha

presença, pois sempre me achou um mau exemplo para Dalyah, mas eu sorri

da melhor forma que pude.

— Estou bem e você? E Dalyah?

— Bem, bem, obrigada por perguntar. — A vi torcer o rosto para meu

vestido simples e sapatilha, mas também ignorei isso. — Vou levá-la

até Viko.

— Está tudo bem, Olga. Vou encontrá-lo sozinha.

— Maryia — ela hesitou —, acho melhor te avisar que Roman me

instruiu a informar qualquer coisa fora do normal para ele. Sergei está na casa

de seu avô, esperando por ordens, caso haja algum... risco para Viko.

Como se Viktor não pudesse se proteger de mim.


— Eu não vou matar meu marido, Olga.

— Eu espero que não, você é esperta.

Eu respirei profundamente.

— Posso subir agora? — A vontade de atravessar minha mala em seu

rosto esticado era grande, mas me contive, percebendo que qualquer deslize

custaria a vida de meu avô.

— É claro, é sua casa.

Não, não era, mas eu assenti de qualquer maneira.

— Uma última coisa, Maryia — a fitei por cima do ombro —, escute o

conselho de alguém que perdeu o amor de sua vida. Se eu pudesse ter Yuri de

volta, não teria sido tão ingrata com ele. Não deixe que Viktor lhe escape por

conta de um capricho.

Capricho?

Eu me virei para dar uma resposta, mas ela saiu, como se não quisesse

estragar o efeito de suas palavras sobre mim. Se sua intenção era me fazer

sentir culpada sobre Viktor, ela errou feio. Ele foi o único a me trair e me

perder. Não o contrário. Meu orgulho não era um capricho, era tudo o que eu

estava permitida a ter.

Viktor não estava em seu antigo quarto, então eu subi para o terceiro

andar, onde ele costumava me levar quando ainda não éramos casados. Onde
eu o deixei tirar minha virgindade antes sequer de ser sua noiva.

“— Eu deveria esperar até que estivéssemos casados — ele disse, ao

me soltar, beijando meu pescoço.

— Só Deus sabe quando meu avô vai deixar esse casamento acontecer.

— Toquei seu rosto. — Não quero mais esperar, Viko. Quero ser sua.

— Você já é minha, Maryia.

— Não completamente — sussurrei. — Eu quero te dar algo que

nenhuma outra garota deu.

Sua boca contraiu, como se a perspectiva de que eu fosse a primeira

menina de quem ele tiraria a virgindade fosse engraçada. Eu estapeei seu

peito.

— Me deixe fingir que você não é um prostituto.

Ele ergueu uma sobrancelha clara.

— Já fui chamado de coisas piores.

— Você está zombando de mim.

Ele segurou meus pulsos acima da cabeça, lambendo minha garganta

antes de morder meu lábio.

— As outras garotas me deram a boceta, você está me dando... — Ele


fez uma pausa, pensando no que poderia dizer.

— A boceta — completei.

Seu peito tremeu com o riso.

— Sim, mas de uma forma diferente. Eu não vou deixá-la fora da

minha vista nunca mais.

— Nunca mais é um tempo bem longo, Viko.

— Não será com você, olhos verdes.

— Só por causa da minha virgindade?

Ele começou a desabotoar meu vestido, sorrindo seu sorriso perfeito e

cheio de sacanagem nos olhos.

— Não. Porque eu serei Boss e quem se atrever a tentar tirá-la de mim,

vai pagar com a vida.”

Voltei ao presente ao ouvir um barulho no final do corredor e vi uma

porta entreaberta onde eu tinha certeza de que ele estava. Me aproximei,

devagar, não querendo me assustar com o que fosse ver lá dentro ou até

mesmo não conseguir lidar com o baque de vê-lo acordado outra vez.

Esse homem era o meu marido.

Foram quase dez anos ao seu lado.


Eu cuidei de seus ferimentos, passei noites em claro o esperando, apoiei

suas decisões e me fiz presente para criticá-lo quando não acreditava em algo

também. Foi com ele que eu dividi as últimas refeições da minha vida, de

quem acordei ao lado. Ele me conhecia melhor do que a mim mesma. Não

havia constrangimento entre nós, nem inseguranças, nunca pestanejamos ao

dizer o que sentíamos um para o outro.

Porém agora o simples conhecimento de que ele estava atrás daquela

porta, estava me levando ao limite e a única razão para eu não ter saído foi a

vida de meu avô.

Eu empurrei a maçaneta sem bater e encontrei Viktor sentado na

beirada da cama. O abajur caído e quebrado ao lado. Imaginei que tivesse

usado para se apoiar. Ele não virou com o som da porta rangendo, nem

quando meus pés fizeram barulho ao entrar. Continuou sentado, olhando para

a frente. Suas costas tinham rasgos da infame corrente da qual já ouvi falar, a

corrente com que ele já havia punido Vorys que traíram a Bratva.

A pele estava coberta de tinta preta, e eu me lembrava de quando cada

uma delas havia sido feita. A mais antiga dela estava já desgastada, mas nada

tirava seu poder. Poucos meses depois de nos casarmos, ele precisou finalizar

sua iniciação, então foi pego numa venda de drogas e ficou preso por três

anos. Quando ele saiu, se tornou um Vory e comprou nossa casa. Nove meses

depois, se tornou Boss.


Sua pena na pior cadeia de Moscou era o último passo para sua

iniciação. Ele saiu com cicatrizes, mais forte, mais homem. Três anos de

história que o tornaram o homem que ele precisava ser para se tornar

um Vory de carne, sangue e alma.

Eu o assisti governar Moscou com seu coração e alma. Então por que

havia nos traído tão facilmente?

— Entre, esposa — sua voz fez tudo dentro de mim tremer —, temos

muito o que conversar. Não acha? — Ele finalmente virou. Se ergueu da

cama, como se dois dias atrás não tivesse sido espancado e derrubado,

caminhando alguns passos em minha direção.

A cruz no meio de seu peito e as duas estrelas um pouco abaixo de cada

ombro zombaram de mim. Porque elas o perdoaram facilmente e eu não

podia.

Permaneci no lugar, ainda que exigisse um esforço doloroso encará-lo.

Seus olhos pareciam cansados, estavam inchados, assim como os lábios e a

bochecha. Um corte em sua testa me chamou a atenção e me perguntei quão

perto da morte ele havia ficado.

Mas eu ainda podia ver suas íris. Os olhos verdes que eram a minha

criptonita e a minha salvação. Tudo ao mesmo tempo.

— Eu pensei que você tivesse terminado comigo.


— Você nunca foi rancorosa, Maryia. Tudo isso por causa da nossa

última discussão?

Eu engoli minha raiva, recusando-me a lhe dar o prazer de ver meu

descontrole. Ele sabia, assim como todas as pessoas em nossos Clãs, que

nenhuma discussão seria capaz de acabar com a devoção que eu tinha por ele.

Só então eu vi sua face mais cínica. Aquela que ele usava em seu trabalho e

percebi que Viktor sabia que tinha me perdido.

— É muito baixo até mesmo para você, me forçar a vir aqui,

ameaçando a vida do meu avô.

Ele inclinou a cabeça e uma mecha do cabelo loiro escorregou na testa.

Meus olhos desviaram até seu ombro, onde os músculos trabalhados no

ringue e nas ruas continuavam firmes e até mais pronunciados que da última

vez que o vi.

Seus lábios, fora o machucado, ainda tinham o mesmo tom rosado e a

barba estava raspada. Ele nunca gostou muito. Ele continuava o mesmo

homem, impossivelmente bonito, mas ao mesmo tempo parecia um estranho

para mim.

— Eu sei que você teria vindo cedo ou tarde, mas eu tinha pressa.

— Como tem tanta certeza disso?

— Você veio quando pensou que eu estava morto. Imagino que seus
irmãos não perderam tempo em dar a grande notícia.

— Eu vim para ver se finalmente estava livre.

Ele riu, porém, não era a risada que me dava quando eu dizia algo

engraçado, era o riso reservado para quem ele via como uma ameaça. Isso me

confundiu e entristeceu ao mesmo tempo.

— Livre? — Balançou a cabeça. Ele chegou ainda mais perto, quase

tocando seu peito no meu e ergueu a mão para acariciar meu rosto. Seus

dedos rígidos e frios encostaram em minha bochecha. — Você nunca será

livre, Maryia. Você é minha. Eu te disse isso no dia em que nos casamos e

repito agora. Não há nenhum lugar para onde fugir. Vou caçá-la aonde você

for. Vou destruir quem abrigá-la, vou usar cada familiar com quem se

importa para trazê-la de volta.

— Porque você sabe que essa é a única forma de me fazer ficar ao seu

lado.

Seu riso se tornou sombrio.

— Não, porque nós jogamos esse jogo há anos e você ainda insiste em

fingir que gosta de escapar de mim. Não preciso chantageá-la, Maryia,

eventualmente você vai ceder como sempre faz. Porque está aprisionada a

mim, zelenyye glaza. — Ele se inclinou e seus lábios tocaram o meu ouvido.

— Para sempre.
“O que nos tornamos?

Eu nunca vi os sinais

Como pude ser tão cega? Eu fechei meus olhos?

Porque seu coração estava cheio de mentiras

Você foi meu raio de luz, meu guia nas noites solitárias

Você disse que estava apaixonado

Mas acho que não fui o suficiente

Você me deixou na sombra

Agora nossa luz vai desaparecer”

ARILENA ARA, I'M SORRY


Afastei-me quando ergueu a mão para me tocar novamente. Viktor viu

graça no movimento.

— Eu me perguntava como você estaria, depois de meses. — Ele

ergueu as sobrancelhas, observando meu rosto com a expressão em branco.

— Seu cabelo está menor.

— Você parece ter sido atropelado por um trem.

Ele sorriu.

— Isso te faria feliz, não é?

— Eu não sou como você, Viktor. Não me alegro com o sofrimento

alheio.

Seus olhos se tornaram suaves. Para garantir, eu dei um passo atrás,

fugindo completamente de seu toque. Aquele era o rosto do meu marido, do

homem que ele costumava ser quando dizia me amar. Como podia mudar de

um segundo para o outro?

— Maryia... você age como se não fosse aquela que sabe tudo sobre

mim. Como se eu não tivesse me casado com você.


— Não me engane — sussurrei. — Não mais.

Sua expressão voltou ao que era. Vazia e desconfiada. Eu estava no

meio de um pesadelo, era a única explicação.

— Eu não preciso enganá-la. Nunca precisei.

— Ah, não? Dizendo que pensou em como eu estaria nesses meses,

como se atreve? Eu estive aqui! — Avancei em direção a ele. Eu não podia

ser controlada naquele momento. — Eu estava no mesmo lugar, vivendo o

meu próprio inferno, enquanto você se divertia com uma das suas

prostitutas!

— Nós tínhamos terminado, Maryia.

— O que... você... — Eu enfiei os dedos em meus cabelos, puxando-os.

— Como pode dizer isso?

— Se a sua cabeça está confusa, eu não me importo de lembrá-la as

coisas que me disse antes que eu voasse para a Itália.

— Eu não estou confusa, eu me lembro. Mas brigamos antes, nos

desentendemos milhares de vezes e eu nunca corri para me deitar com outro

hom...

Ele pisou em minha frente, apertando os punhos.

— Isso é porque você não quer me ver esquartejando uma geração. —

Seus olhos pegaram fogo. — Se eu souber que você esteve com alguém,
enquanto estive fora...

— Não seria da sua conta. — Ergui o queixo. — Do mesmo jeito que

eu não pude opinar sobre sua aventura com outra mulher. Ou mulheres.

— Como quer que eu te leve a sério, se fica me contando

piadas, Maryia?

— Por que eu mentiria? Eu sou desejável.

Seus olhos deslizaram para baixo, varrendo meu corpo.

— Você é além de desejável, zhena, mas nenhum homem no país seria

louco de tocá-la.

Eu abri um sorrisinho convencido e misterioso. Nada nunca deixou

Viktor tão irritado quanto ver as atenções que eu recebia. Ele perdia a cabeça,

a ponto de se tornar violento — em alguns lugares aonde íamos juntos.

Minha virgindade foi um prêmio para ele, termos nos casado foi apenas

conveniente. Pela primeira vez, me questionei se aquele homem sequer me

amou.

— Foram dez anos e eu ainda me vejo no mesmo lugar com você. —

Abri meus braços, encarando-o naqueles olhos vagos. — Não evoluímos, não

construímos nada. Somos só a realeza russa, certo? A realeza agindo como

rei e rainha. E eu não tenho sequer a capacidade de lhe dar um herdeiro. Foi

por isso, não foi? Você foi buscar em Elena DeRossi o que eu não posso te
dar.

Seus olhos brilharam e me doeu não conseguir reconhecer o motivo

disso.

— Você me deu herdeiros, Maryia.

Soltei um riso sem graça.

— Sim, e quantos deles estão aqui?

Ele riu dessa vez.

— Vamos começar tão cedo, zhena? Você me culpa por coisas das

quais eu não tenho nada a ver, fodemos e começamos outra vez.

— Não vou te culpar, tampouco vou transar com você. Eu tive o

suficiente disso enquanto esteve fora.

Viktor sorriu.

— Retire o que está dizendo, Maryia, antes que eu a faça confessar suas

mentiras.

— Mesmo? E o que vai fazer, poderoso Boss? Me bater? É assim que

sua nova família resolve as coisas, não? Com violência e oprimindo suas

esposas. Se é disso que se trata, volte para a Itália, pois não vai me tocar

nunca mais.

— Eu não preciso tocá-la para ver a mentira em seus olhos. Você é


minha esposa, todos sabem que tocá-la seria suicídio.

Eu ergui meu queixo, inflei o peito e empurrei os ombros para trás. Me

aproximei do meu marido lentamente. Uma mecha do meu cabelo ruivo caía

ao lado do olho direito e eu vi aquilo como labaredas de fogo queimando o

rosto cínico de Viktor.

— Em uma noite, com bebidas e estranhos, em algum clube popular em

Moscou, eu não seria Maryia Sharapova Zirkov.

— Pare. — Ele cerrou os punhos.

— Eu seria apenas uma ruiva gostosa, num pequeno vestido dourado,

dançando como se eu não tivesse dado o meu coração a um homem indigno e

estivesse só procurando uma diversão casual — continuei. Menti, menti e

menti. E adorei ver seus olhos pegando fogo de raiva, desejei que ele me

batesse apenas para que eu tivesse mais um motivo para fugir. — Eu seria

livre, Viko — o provoquei pelo apelido.

Ele ergueu o queixo. Minhas palavras estavam levando-o ao limite.

— Isso seria impossível.

— E por quê?

— Porque eu mataria vocês dois.

Dei de ombros, sabendo que ele não me machucaria.


— Estar morta não mudaria o fato de que eu trepei com outro pau que

não era o seu. — Enrolei a mecha solta no dedo. — E sabe o que mais? Eu

adorei.

Viktor estava espumando de raiva. Seus olhos escurecidos e o rosto

contorcido de raiva. Ele fechou o espaço entre nós, então segurou minha nuca

e puxou-me até que estávamos colados um na frente do outro. Seu suspiro

aqueceu minha orelha e seus lábios tocaram minha pele no mesmo lugar.

— Você pagará por sua provocação, Maryia. E se for verdade... — ele

fez uma pausa —... comece a rezar.

Viktor me soltou e caminhou até a porta, a abriu e fechou com força.

Eu ouvi a fechadura travando e corri para virar a maçaneta. Trancada.

— Viktor!

Eu esmurrei a madeira, mas Roman havia construído aquela casa com

segurança o suficiente para conter os riscos que a Bratva lhe trazia. Eu não

sairia dali, a menos que ele abrisse a porta, ou pulasse a janela. O que estava

fora de questão...

Ou não.

Eu não duvidava das palavras de Viktor, ele sabia ser vingativo, cruel e

tomar atitudes repulsivas quando queria. Foi criado para isso. Eu não planejei

mentir ou despertar sua fúria, mas quando ele dizia coisas absurdas, após ter
me feito de idiota, por meses, eu queria me vingar da mesma forma que ele
fazia. Nada tirava um marido do sério tanto quanto dizer a ele que foi traído.

Se a morte por sua raiva fosse a consequência do que eu disse, aceitaria de

bom grado. Pelo menos encontraria saída de nosso casamento de mentiras. Eu

o amava, mas não precisava de mais dez anos para reconhecer nosso fracasso

juntos.

Abri a janela e me inclinei para fora, observando as possíveis formas de

escapar daquele quarto. Era alto, mas não a ponto de me manter ali. Eu tirei a

sapatilha e joguei uma perna para fora, então me apoiei, mas assim que me

preparei para apoiar a outra, um estrondo soou ao meu lado e reconheci a bala

passando, atingindo a parede. Meu grito cortou o ar. Pedrinhas voaram em

meu rosto e caíram na grama lá embaixo. Onde meu marido estava de pé,

segurando sua arma ainda apontada na mesma direção.

— Você perdeu a cabeça? — gritei, ainda pendurada.

— Vá para dentro, Maryia — ele disse, com calma.

— Eu não vou mais receber ordens de você, seu traidor imundo!

Sergei e Volya se aproximaram para ver o motivo da comoção,

mas Volya deu um aceno ao soldado quando confirmou que estava tudo bem.

Os dois se foram.

— Engraçado ouvir isso vindo de você, zhena, quando diz não ser tão
diferente de mim.

— Eu não sou nada como você. — Cuspi no chão lá embaixo.

— Isso, eu vou descobrir.

A porta do quarto foi aberta e eu observei Sergei entrar e se aproximar

de mim, com determinação.

— Ordens do meu Boss.

Ele passou um braço pela minha cintura e rapidamente me puxou para

dentro, ao me jogar a cama, Sergei levantou meu braço direito e o algemou na

cabeceira trançada. Eu chutei e me debati, mas ele era enorme e não tive

qualquer chance.

— Você, como uma boa vadia de Viktor, vai obedecer a esse absurdo?

Meus irmãos vão te matar por isso, Serga!

Ele não me olhou nos olhos.

— Não, eles não vão.

Ele saiu do quarto ouvindo meus gritos furiosos. Não era a primeira vez

que Viktor fazia algo do tipo. Quando nossas discussões saíam do controle,

restava apenas o mesmo destino para mim. Ser sedada, trancada ou o que ele

preferisse no momento. Eu sempre vi aquilo como seu modo de me proteger

de mim mesma, mas agora, quando não me dava escolha a não ser ficar ali,

fitando aquelas paredes, até que decidisse me libertar, percebia o quão errado
era.

Eu estive tão loucamente apaixonada por ele por metade da minha vida,

que não percebi sinais tão claros à minha frente.

Condenei a mim mesma por não ter ouvido Viktorya, meus irmãos e

meu avô. Por ter me casado com Viktor levada a ilusões de um coração

adolescente ingênuo.

— Não vou viver tudo isso de novo — sussurrei para o vazio.

Eu seria livre outra vez, não importava as consequências do que

precisaria fazer para isso.

A luz do dia foi embora e a noite caiu quando ouvi alguém entrar. Eu

me mantive na posição. Já não sentia nada além de uma dormência incômoda

no braço levantado, mas sabia que assim que fosse libertada, a dor se

espalharia pelo meu lado inteiro. Encontrei um ponto fixo na parede e

mantive meus olhos lá. O dia se foi, a escuridão chegou e afogou meus

pensamentos. Eu estava tão angustiada, cheia de raiva e decidida a matar


Viktor, que quando Dalyah se sentou na minha frente, meu primeiro instinto
foi avançar e tentar atingi-la de alguma forma, mas ela me conhecia bem e se

manteve distante.

Seus olhos escuros observaram-me por um momento silencioso. Ela

usava uma roupa de festa, um vestido curto, provavelmente de grife. Estava

pronta para sair.

— Eu vim ver como você está.

— Você se importa?

— É claro que sim, Maryia. Eu sei que Viko faz coisas...

— Horríveis — a interrompi. — Ele é um homem desprezível. Você o

apoia. Assiste calada. Então eu pergunto mais uma vez... do que te importa

como estou?

— Isso não é justo — sussurrou.

— Não fale de justiça, quando meu único pensamento coerente é sobre

inúmeras formas de como eu poderia matar seu primo.

— Eu estou tão presa quanto você. Eu... — Seus olhos brilharam, mas

ela piscou para longe, erguendo o queixo. — Eu tento levar uma vida normal,

enquanto nada é exigido de mim, mas não sou idiota. Sei que estou tão

enfiada na Bratva quanto você. Sem amor, sem segurança, sem nenhuma

garantia do amanhã. Então, sim, eu me importo. Me importo mais do que


você imagina.

Eu engoli em seco e me recostei na cama, prendendo um gemido de

agonia quando faíscas dolorosas explodiram em minhas costas.

— Queria poder te soltar — disse ela.

— Eu também.

— Eu ouvi o que minha mãe te disse mais cedo. Não concordo com ela.

Estar furiosa porque seu marido te traiu não é um capricho.

Suas palavras fizeram lágrimas embaçarem minha visão. Soltei um riso

amargo.

— Parece que eu e você somos as únicas a pensarem assim. — Puxei

uma longa respiração. — Eu tinha acabado de perder nosso terceiro bebê,

quando seu pai ordenou Viktor a ir à Itália.

Ela arregalou os olhos e se apressou em se aproximar de mim,

sentando-se em minha frente.

— Maryia... eu não fazia ideia.

— Depois de perder o primeiro, com cinco meses, nós decidimos não

contar a ninguém, até que estivéssemos mais avançados na próxima gravidez.

Perdi o segundo com três e o terceiro, com seis, então...

— Sinto muito. — Seus lábios tremeram.


— Eu só... — Encolhi os ombros. — Ele não pensou duas vezes. Ele

olhou para meu vestido cheio de sangue, não me encarou nos olhos e saiu. Na

época, eu me revoltei com seu pai, fiquei furiosa. Achava que era culpa dele.

Mas... eu não sou casada com Roman. Viktor era quem deveria ter ficado

comigo. Ele deveria pelo menos ter me dito que não era minha culpa.

— Mas não é. — Ela segurou minha mão livre, balançando a cabeça

em negação. — É claro que não é sua culpa!

Mas parecia ser.

— Então os rumores começaram. Primeiro, disseram que ele estava

trabalhando para Lucca, em algumas missões da Cosa Nostra. Depois, eu

recebi uma carta.

— Uma carta?

— Sim. Um envelope cheio de fotos em cima da nossa cama. Por isso

eu incendiei o lugar. Eu queria queimar aquele lugar que levou meu marido e

meus filhos junto com as imagens que ficaram gravadas na minha cabeça, dia

após dia.

— Eu não entendo, Maryia... como isso é possível? Você falou com

Roman?

— Não. Talvez tenha sido alguém que não gostava de Viktor. Ou a

amante dele pagou alguém para me mandar a mensagem.


Dalyah estava dividida entre surpresa, tristeza e raiva, mas havia

preocupação também. Eu nunca disse a ninguém como tinha tanta certeza das

traições de Viktor. Aquela carta tinha mais do que imagens. Era a prova de

que alguém, pela primeira vez, tinha me dito a verdade de algo na vida, sem

se preocupar que eu fosse enlouquecer.

— Eu não sei deveria dizer isso, mas... Elena... — Ela fez uma pausa

para observar minha reação diante do nome, depois continuou: — Ela está

casada. Ela também foi desertada de sua família e as tradições da máfia

italiana. Acho que foi um bom retorno do destino.

Eu não sabia o que pensar sobre aquela mulher. Um misto de

sentimentos me assombrava quando se tratava dela. Era como se todas as

amantes de Viktor sumissem e sobrasse apenas ela. Uma mulher tão

importante quanto eu. Mais jovem, mais educada, que nasceu em berço de

ouro, seguindo todas as tradições de sua família.

Pensar em Elena DeRossi era um gatilho sem volta para mim. Ou eu

me tornava suicida ou assassina.

— Maryia?

Eu pisquei e a fitei.

— Está tudo bem. Ela reconstruiu uma vida sem Viktor e ele voltou

para pegar o que lhe sobrou. Eu.


— Não fale assim. Eu sei o que é ser um estorvo, um peso, mas você...

todos te adoram, Maryia. Seu avô está fazendo tudo o que pode para mantê-la

segura e seus irmãos estão colocando pânico nas ruas para tentar se distrair e

não virem matar Viktor.

— Eu pedi tanto que eles esquecessem essa ideia, mas agora só penso

que deveria ter apoiado. — Forcei um sorriso.

Dalyah me soltou e ficou de pé. Ela me deu um olhar cheio de pena e

compreensão.

— Eu acho que vocês vão viver aqui por um tempo, então... saiba que

estou à disposição com qualquer coisa que precisar, ok?

Eu assenti, mas não me apoiei em suas palavras. Afinal, sabia que a

única coisa com a qual eu queria ajuda, ela não poderia fazer para mim.
9 ANOS ATRÁS

— PORRA! — Eu pulei do sofá junto com Viktorya, quando ouvimos

um estrondo vindo da cozinha. Ao ouvir a voz de Evá, corri

desesperadamente até lá. Deus sabia que momentos como aqueles podiam ser

frutos de tragédias na Bratva.

— Evá! — chamei. — Evá!

Logo mais vozes se juntaram a ele e, quando cheguei,

vi Maksim pressionando a mão ensanguentada em uma ferida no peito

de Evá. Tinham Vorys entrando e saindo pelos fundos, por onde eles

chegaram.

— Ligue para o médico! Rápido, Maryia!

Os olhos do meu irmão estavam estreitos, quase fechados e seus braços

moles ao lado do corpo.

— Maksa? — sussurrei.

— Vá, Maryia!
Viktorya me puxou para fora e começou a fazer ligações, enquanto eu

permanecia petrificada, revivendo a imagem de Evarkov morrendo no chão

da cozinha. Vovô chegou pouco depois, assim como dois médicos.

— Onde eles estão? — vovô me perguntou.

— Na cozinha, senhor. — Foi Viktorya quem respondeu. Ela segurava

a minha mão com força, apoiando-me. — Está tudo bem, Maryia. Ele vai

ficar bem. Não é a primeira vez que Evarkov é atingido.

Não, não era, mas nunca deixava de ser aterrorizante.

Eu ainda estava em pânico na sala, esperando notícias de meu irmão,

quando Viktor e Volodya entraram em minha casa. Viktorya, tendo

acompanhado todo o nosso drama dos últimos meses, se levantou.

— Agora não é um bom momento, Viktor.

Ele não lhe deu atenção. Seus braços me ergueram do sofá e ele me

segurou enquanto eu chorava por Evá. Minhas lágrimas molhavam sua

camisa, e minhas unhas cravando em seus braços deixariam marcas,

mas Viko não se importava. Ele só queria garantir que eu tivesse consolo

naquele momento difícil. Viktorya e Volodya esperaram em silêncio.

— E-eu... eu não posso perdê-lo, Viko.

— Você não vai.

— Mas ele estava cheio de sangue... e havia... havia tanto sangue em


suas roupas e em Maksa!

Ele segurou meu rosto, acariciou minhas bochechas e beijou minha

testa.

— Foi um tiro limpo. Ele está fora de perigo. Seu irmão ficará bem.

— O que... como você sabe disso?

Ele sorriu de boca fechada.

— Eu não podia matar o meu cunhado, zhelenyye glaza.

— Viko? — Eu solucei.

Ele encostou um dedo em meus lábios e balançou a cabeça.

— Agora seu avô verá que eu sou o único que pode protegê-la.

Na época, eu me recusei a acreditar no que suas palavras queriam dizer.

Eu só o soltei e deixei que entrasse na cozinha onde vovô temia pela vida

de Evá. Viktorya me olhou nos olhos. Ela provavelmente tinha ouvido e

entendido o mesmo que eu.

— Viky — sussurrei.

— Engula seu choro, Maryia. Você pediu por isso.

— Eu...

— É um dia de sorte. — Ela sorriu, com sarcasmo e olhos duros. —

Trocamos uma vida por um casamento. Seu felizes para sempre, Maryia. Que
benção, não é mesmo?

Eu desviei o olhar dela e esperei que vovô voltasse.

Evarkov estava bem, e eu estava noiva.

Ainda que ninguém tivesse dito em voz alta, meus irmãos e até vovô

continuariam sofrendo acidentes, se a permissão para nosso casamento não

fosse dada.

Eu vi isso acontecer.

E, ainda assim, me casei com aquele homem.


“Eu preciso de você, e você precisa de mim

isso é tão claro de se ver

e eu nunca deixarei você partir e irei sempre amar você

Se você pudesse ao menos ver

Seu coração pertence a mim,

Venha e me liberte,

Serei sua para sempre

Querido, você não virá e levará essa dor embora?”

DIDDY FT. KEYSHIA COLE, LAST NIGHT


Quando acordei na manhã seguinte, sozinha, no mesmo quarto,

encolhida naquela cama, a primeira coisa da qual me dei conta foi meu

estômago doendo insuportavelmente de fome. A garganta seca provava uma

noite de choro sem refrigério e meus olhos pareciam pesados, como se eu não

dormisse há uma semana, ainda que tivesse acabado de acordar.

Exaustão. Eu estava exausta emocionalmente.

Meu braço direito, antes pendurado, agora repousava em cima de uma

compressa de gelo acolchoada, assim, havia apenas um frescor em meu

braço. Eu empurrei a maldita coisa ao chão, amaldiçoando meu marido.

Viktor era ótimo em cuidar das consequências de seus atos impensados,

inclusive, quando se tratava de garantir que eu não tivesse nada do que

reclamar fisicamente, após os nossos embates. E eu me tornei especialista ao

longo dos anos em deixar que ele fizesse tal coisa. Mas não mais.

Eu me levantei, devagar, lidando com os rastros do incômodo

desconfortável em meu corpo. Ignorei a sapatilha perto da janela e me

encaminhei ao closet. Se nada tivesse mudado nos últimos meses, algumas

peças de minhas roupas estariam ali. Eu quase ri ao constatar que de fato


continham peças e mais peças deixadas.

Exteriormente tudo estava tão igual, que parecia que eu tinha perdido

meu filho no dia anterior, então Viktor saiu e voltou essa manhã. Como se só

algumas horas de pausa estagnaram minha vida e a dele continuou.

Como assistir a um filme e pausar. Mas eu era a única personagem

travada na tela.

Eu não podia deixar isso acontecer. Ele faria o possível e o impossível

para me manter perto, eu havia entendido. Sempre foi assim. Mas o quanto

ele estava disposto a lutar, até que percebesse que eu realmente não queria

mais aquilo? O que um Vory mais preza na vida é seu nome, fama e orgulho.

Se eu o desrespeitasse em frente aos seus irmãos, ele não teria escolha a

não ser me julgar e punir. Se eu traísse a Bratva, seria recompensada com

uma morte rápida. Como esposa de um Vory, um Boss, eles teriam

misericórdia.

Ou eu poderia trair Viktor. Meu nome cairia em vergonha e meus

irmãos seriam julgados, assim como vovô, pelos meus atos. No entanto,

Viktor seria humilhado. Se seus Vorys soubessem que ele não controlava a

esposa, não acreditariam que conseguiria lidar com suas questões na máfia.

Seus homens, seu território e seu cargo; tudo seria posto em dúvida.

Enquanto tomava um banho e me trocava, comecei a pensar em formas


de me vingar. Afinal, não havia muito para mim, além disso. Eu voltaria a ser
sua esposa ou voltaria a ser sua esposa. Sem terceira opção.

Porém, entre as duas escolhas, podiam vir pesos e diferentes medidas.

Ou eu voltava mansa e conveniente. Aceitava tudo como sempre fiz.

Ou voltava deixando claro que tudo havia terminado entre nós. Que

meu amor não lhe pertencia mais, ainda que fosse mentira. Que não havia

chances de ele fazer o que fez comigo e voltar agindo normalmente. Eu não

era um brinquedo, tampouco alguém sem coração.

Eu sentia e sentia muito. Passava da hora de meu marido enxergar.

Minha decisão foi tomada enquanto prendia meu cabelo firme no alto.

Caminhei pelo corredor lentamente, ouvindo as vozes escada abaixo e entrei

no quarto de Dalyah, encontrando suas maquiagens na penteadeira antiga e

desgastada.

Um pouco de pó apagou a noite mal dormida e o blush tirou minha

palidez. O batom finalizou minha imagem.

Eu desci, vestida para o dia, como fazia antes. Me senti dentro de um

flashback realista demais, caminhando em direção à minha condenação.

Minha calça larga feita sob medida era do mesmo estilista que fez a

camisa de seda rosa pastel abraçando meu corpo. O sapato alto fora um dos

primeiros presentes que Viktor me deu após nos casarmos. Dando mais do
que eu precisava e muito mais do que podia usar. Ele era exagerado quando
me mimava e eu sempre vi amor em seus excessos.

Até que não mais.

Até perceber que seu carinho era uma forma de me controlar e eu não

queria mais ser controlada.

Eu me vingaria do meu marido traidor, ainda que me tornasse uma

traidora. Iguais e opostos.

Não foi por isso que nos apaixonamos, afinal?

Lá embaixo, a sala de jantar com mesa para 16 lugares estava posta.

Lembrou-me dos banquetes que Roman gostava de oferecer sem razões

específicas e de como eu adorava ver cada lugar preenchido.

Antes. Bem antes.

Mas o que mais me estranhou, foi ver o meu irmão ali. Evarkov tomava

café da manhã com eles, e me reconheceu com um sútil balançar de cabeça,

quando o questionei silenciosamente com o olhar.

— Bom dia — falei.

Olga e Volya fitaram-me com desconfiança. Dalyah me deu um

pequeno sorriso, ainda com pena no olhar, mas pelo menos não parecia mais

achar que eu atacaria seu primo sanguinariamente a qualquer momento. E

Viktor sentado na cabeceira, comia, enquanto ouvia Evarkov falar sobre suas
lutas. Não pareciam nem de longe ter estado em pé de guerra apenas um dia
atrás. Meu irmão mais novo exalava sua atitude mais amigável, ninguém

desconfiaria do quanto desejou e planejou matar meu marido.

— Sente-se, zhena. Tome café com sua família.

— Parece delicioso. — A mesa estava farta, com certeza seus

Vorys passariam para comer quando todos nós saíssemos do cômodo.

Pelo menos, nisso eu não podia criticá-lo. Seu egoísmo não se esticava

aos homens que o serviam. Ele tratava seus Vorys como iguais.

— E foi feito para você. O chef do Turandot preparou especialmente

para o retorno da minha zhena. Então, coma, pois temos um longo dia pela

frente.

Meu retorno? Como se eu fosse quem o deixou e não o contrário.

Não era incomum ter chefs consagrados cozinhando para nós. Eu quis

ignorar sua ordem, mas obedeci. Sabendo que ideias e planos não podiam ser

realizados com rebeldia, mas com inteligência e foco. Para fazer o que eu

queria, precisaria de pelo menos um pouco de sua confiança.

Agiria com frieza, usando cada coisa que conhecia dele.

Viktor provavelmente pensaria que tive mais um surto, que já o

perdoara. Quando se desse conta da verdade, seria tarde demais.

Eu me sentei ao lado dele e sorri para o meu irmão à minha frente.


— Olá, Evá. Como estão as coisas?

Ele inclinou a cabeça enquanto destruía um pão caseiro com os dentes.

Ele acabou com seu vinho num único gole e bateu o copo na

mesa. Evarkov e Maksim não tinham classe. Bebiam cerveja em qualquer

recipiente fechado embaixo e aberto em cima e comiam em qualquer

superfície onde pudessem apoiar a comida. Selvageria pura. Era bruto, mas

tão típico dos meus irmãos.

— Tudo certo. Na verdade, vim conferir como minha sestra estava,

mas Viko deixou claro que tudo foi resolvido.

É claro que ele deixou.

Tudo foi resolvido...

— É claro que foi. Minha cabeça está um pouco mais clara esta

manhã.

Evá começou a estreitar os olhos e assentiu.

— Vovô mandou lembranças. E Maksa pediu que avisasse de sua visita

em breve. Viktorya quer vê-la.

— Eu prefiro ter um pouco de privacidade com minha esposa nesse

momento — disse Viktor, não dando a nenhum de nós seu olhar. — Acabei

de voltar de viagem e não quero interrupções até... — Fez uma pausa, me

fitou e sorriu. — Nos reconectarmos novamente.


Engoli o xingamento preso na garganta. Evarkov apertou tanto a colher

em sua mão, que o talher entortou sutilmente e eu cutuquei sua perna com o

pé para alertá-lo.

Limpei a garganta para tirar seu foco de arrancar a cabeça de Viktor.

— Ele está certo, Evá — concordei. — Diga a Maksa e Viktorya que

assim que as coisas entre mim e Viko forem resolvidas, eu a encontrarei.

Meu marido travou seus olhos verdes em mim, inclinando a cabeça. Ele

parecia estar rindo, debochando de minhas palavras, mas ainda assim

acreditou.

Tão tolo. Ele sempre foi tão consciente do meu amor, que a ideia de

que eu pudesse enganá-lo jamais lhe passou pela mente.

Sabia que meu amor era tão imparável que não havia nada que pudesse

fazer capaz de me acordar daquele sonho macabro e me dar conta do

pesadelo que vivi nos últimos anos.

— Fico feliz que também pense assim, zhena. Eu farei tudo ao meu

alcance para recompensá-la. Não só você, mas meus Vorys, meu Pakhan e

todos os Clãs que confiam em mim para cuidar de Moscou.

— Eu sei que vai, você sempre foi um grande líder.

Estremeci quando sua mão cobriu a bochecha e ele segurou meu pulso,

acariciando com o dedo em movimentos circulares.


Ele voltou a falar com Volya e sua tia, enquanto me tocava. Eu mantive

a cabeça baixa, engolindo a comida como isopor seco e empurrando com o

suco sem gosto para o estômago. Eu vi o pó no meu copo. Olhei para ele, mas

Viktor sorriu com calma.

Eu me perguntei o que era aquilo. Um calmante? Talvez um novo

remédio? Eu não sabia, mas desejei poder jogar em seu rosto. Primeiro o

líquido e depois a taça. Quebrando o vidro e enfiando cada pedacinho em sua

pele.

— O que fará hoje, Maryia? — Olga me questionou.

— Eu ia conferir com Viko se precisaria de mim, antes de fazer

planos.

— Eu gostaria de levar Maryia para conhecer o campus da

faculdade — disse Dalyah, ignorando sua mãe e falando direto com ele.

— Eu já lhe disse para esquecer essa história de faculdade.

Ela o ignorou e me fitou.

— Preciso de opiniões sobre o meu dormitório e meu curso.

Evarkov riu.

— Não sabe o que quer fazer e já está planejando o

dormitório? — Tentei repreender meu irmão com o olhar, mas ele a

encarava. — Também já se inscreveu?


— Chame de precavida — ela rebateu.

— Chame de iludida — disse Volya. — Você não vai para a

faculdade, Dalyah.

— Uau. Fico tão surpresa como você pensa que manda em mim.

— Volya fala para o seu bem, querida. Eu já lhe disse que isso não vai

acontecer.

— Mamãe, é a única coisa que pedi. Eu só quero estudar. Por que é que

vocês precisam de mais uma menina preparada para casar e se tornar um

troféu? Existem outras além de mim no Sindicato!

— Elas não são você — Volodya voltou a dizer.

— A Bratva tem mulheres e meninas mais do que suficiente que não

esperam mais do que um casamento e filhos a rodo! Ser a preciosa mulher de

um Vory ou um Boss.

— Elas não são sobrinhas de um Pakhan, não tem o peso de seu

sobrenome — Viko disse. — Ou nasceram com a responsabilidade que você

nasceu.

— Você não tem apenas a imagem de seu tio para ajudar a preservar,

mas também a de Viko, nosso Boss e a de seu pai, que descansa com

orgulho.

Ela bufou com as palavras de Olga.


— Papai sempre disse que eu merecia mais do que essa vida pode me

oferecer.

— Já chega desse assunto. Dalyah ainda tem 16 anos, ela pode

continuar sonhando. — Viktor sorriu. — Mas não diga que não avisei

quando a acordar dessas ilusões. Maryia pode ir com você até o campus.

Vocês vão levar Serga, é claro.

— Mesmo? — perguntei, com surpresa.

— É claro. Confio em você, zhena. Sei que não fará nada que eu não

aprovaria.

Ele cobriu a ameaça clara se inclinando e beijando meus lábios. Por um

momento, eu quis fechar os olhos e me entregar à sensação de saudade, amor,

ódio e desespero. Quis beijá-lo.

Desejei prolongar o toque e que se tornasse um momento em que

esquecíamos tudo e vivêssemos o que meu coração implorava, mas

rapidamente puxei meu rosto para trás e me levantei sem poupar um olhar em

sua direção.

— Vou pegar minha bolsa, Dalyah.

Passei por eles e corri pela escada, apoiando-me na parede do segundo

andar.

Eu sabia bem o que Viktor planejava com aquele jogo, era típico dele.
Agora faria de tudo para que os meses longe se tornassem apenas uma
lembrança conturbada do que houve.

Mas dessa vez eu não esqueceria de fato, ia apenas fingir.

Pelo menos, enquanto me fosse conveniente.


“Respire, profundamente

Acalme-se, ele disse pra mim

Se você jogar, você joga para ficar

Pegue na arma, e conte até três

E você pode ver meu coração batendo

Você pode ver através do meu peito

Estou apavorada, mas eu não vou desistir

Eu sei que tenho que passar por este teste

Então, basta puxar o gatilho”

RIHANNA, RUSSIAN ROULETTE


Quando nós descemos do carro, esperamos que Sergei se afastasse

alguns passos e nos desse privacidade, mas ele ficou bem atrás. Eu podia ver

no rosto de Dalyah que ela odiava a superproteção de seu primo tanto quanto

eu.

Fiz uma pausa e encarei o russo de cara fechada.

— Fique um pouco atrás, Serga. Nós queremos conversar sem o seu

sopro no pescoço.

Ele ergueu o queixo.

— Eu jamais sopraria seu pescoço.

— Sim, sim. — Revirei os olhos. — Você respeita seu Boss e blá-blá-

blá. Se afaste.

— Eu não recebo ordens suas, senhora Zirkov.

— Ah, pelo amor de Deus, Serga — disse Dalyah. — Nos dê um metro

de privacidade, ok? Tenho certeza de que você pode nos proteger a essa

distância.

Ela segurou meu braço e acelerou o passo, ficando um pouco a frente

dele.
— Porra, não vejo a hora de fazer 18.

— Dalyah...

— Não seja como Volya, não me diga que estou sonhando. Preciso

acreditar em algo, qualquer coisa. Pelo menos um pouco.

— Eu teria liberdade com 18. Nem sempre essa idade traz boas coisas.

— Eu sei. Uma amiga da escola fez 18 e sujou o nome estourando dois

cartões de loja. Seu pai não quer pagar para dar uma lição nela.

Eu sorri.

— Não é bem esse tipo de coisa a qual me refiro, mas serve.

— Você fala do seu casamento com Viko, não é?

— Sim.

— Eu vi as fotos. Pareciam tão apaixonados naquela época.

— E estávamos. Eu sempre soube quem ele era e ainda assim o amei.

— Você o amou no pior e no melhor. Eu rezo para que Viko veja isso

antes que a perca para sempre.

Eu queria dizer que ele já havia me perdido, mas fiquei quieta. Na

idade de Dalyah eu também sonhava alto. Sonhava com amores, uma vida

plena de felicidade e arco-íris a cada esquina. Mas eu cresci e no momento

certo ela cresceria também.


Havia jovens da idade de Dalyah, poucos mais velhos e alguns

aparentavam mais novos. Eles caminhavam pelo campus como nós, saíam e

entravam nos três prédios erguidos lado a lado. Era um belo lugar. O tipo de

lugar de honra para se estudar e se formar com louvor. Com certeza todos

aqueles jovens ou a maioria sairia dali com um bom emprego e as vidas

encaminhadas. Deviam ser todos muito inteligentes. Fitei Dalyah enquanto

caminhávamos e ela me falava sobre sua vontade de estar ali, sobre como

adorava aquele lugar, o clima e as pessoas.

Eu nunca tive aquilo. Nunca senti a necessidade de conhecer mais do

que já conhecia, aprender e explorar. Fui uma conformada por toda a vida.

Me conformei com a morte de papai, com o abandono de minha mãe, com as

ordens de vovô e com as ordens incessantes de meus irmãos. Eu podia

debater e teimar com Evá e Maksa, mas sempre acabava cedendo. Então me

conformei com Viko durante dez anos.

Foi culpa dele ter me transformado no que eu era, mas foi minha culpa

ter dado a ele poder para aquilo.

— Você não acha?

Sorri para disfarçar que não havia escutado uma palavra do que dizia e

concordei.

— Muito. Você fará muitos amigos.


— Eu espero que eu encontre alguém aqui.

—Tipo um namorado?

— Ou uma namorada? — Ela deu uma risadinha, mas parou ao ver que

eu não a acompanhava. — Estou só brincando, Maryia.

— Eu não me importo. Você gosta de meninas?

— É claro que não, gosto de rapazes.

— Você poderia gostar dos dois. — Bati nossos ombros.

Eu não deveria motivá-la, pois relações entre homens e mulheres eram

as únicas aceitas na Bratva, pelo menos publicamente, mas quem é que

manda no coração?

— Minha mãe me mataria se sequer pensasse nisso. Tenho certeza de

que ela me mataria se sonhasse com isso.

— Você pensa muito mal de sua mãe, Dalyah.

— Isso é porque eu a conheço.

— Então sabe que, como sua mãe, a maior função dela é tentar educá-

la, ainda que use medo para isso.

— Eu não penso assim. Quando eu digo que quer mandar em minha

vida, estou falando a verdade, mas esse não é o pior ou único defeito dela.

Eu sabia que Olga não era melhor das mulheres, mas nunca me
preocupei com ela, desde que se mantivesse fora do meu caminho quando eu

não estivesse em sua casa.

— Ela fará um inferno em sua vida enquanto estiver morando na casa

de Roman.

— Não ficarei lá por muito tempo.

Eu suspirei e olhei sutilmente por cima do ombro, conferindo que

Sergei relutantemente caminhava a uns dez passos de nós.

— Eu não perdoei seu primo, Dalyah. Como poderia? O que ele fez

comigo não se esquece. Eu jamais o aceitarei novamente em minha vida.

Ela me fitou, assustada.

— Você não pode abandoná-lo. — Balançou a cabeça, não levando

muito a sério o que eu dizia. — Vocês ficarão juntos para sempre, mesmo

que infelizes. Assim como eu. Quer dizer... sei que é estupidez ficar
sonhando com faculdade e conhecer alguém legal aqui.

— Por que você não gosta da Bratva?

— Eu gosto. Gosto do poder, da influência, da força. O que eu não

gosto é como as coisas são feitas. Por que eles mandam em nós? Por

que Aryshia é a única mulher com poder e no comando de um clã? Por que

todas as outras mulheres são apenas enfeites de braço de seus maridos? —

Ela fez uma pausa, parando de andar e me olhou nos olhos — Por
que Viko pode te trair e pegá-la de volta, mas se você fizer o mesmo, será
morta?

Inalei com força.

Parte de mim acreditava que ele me mataria, mas a outra parte se

lembrava dos últimos dez anos juntos, entre nossos altos e baixos. E como os

altos sempre fizeram os baixos parecerem insignificantes. Como ele dava

tudo de si e me fazia querer dar tudo de mim.

Ele me mataria? Eu não sabia. Não tinha ideia.

— Eu sei que você deve ter um plano — Dalyah continuou. — Eu não

vou me incluir nele, não porque sou egoísta, mas porque não quero apoiá-la

em uma besteira que lhe levaria à morte. Você é mais inteligente que

isso, Maryia.

— Pois, me sinto burra. Me sinto tão estúpida por estar aqui, estou

sufocando naquela casa, na presença dele e voltei há apenas um dia.

— E o que você quer? — ela perguntou baixinho, tentando me

entender.

— Ainda que ele não soubesse, acho que com o divórcio sendo algo

impossível, olhar para ele todos os dias e saber que eu venci, olhar para ele e

vê-lo como uma piada, já me bastaria. Ainda que só eu soubesse o que fiz.

O que seria tão doloroso para ele como sua traição foi para mim? Eu
ainda não sabia, mas torcia para que em minha cabeça louca em algum
momento uma revelação surgisse.

— Você deveria...

— Senhorita Zirkov? — Nós nos viramos ao ouvir um homem gritando

por Dalyah, ao mesmo tempo em que Sergei se aproximava.

— É apenas o reitor — explicou. — Como vai, senhor Bush?

— Olá. — O homem sorriu para mim, estendendo a mão e depois para

Sergei, que lhe deu um aceno. — Vejo que veio cedo para o tour, senhorita

Zirkov.

— Eu trouxe minha prima para conhecer e ver o que acha.

— É claro. Nós temos alguns programas disponíveis, pedi para a minha

secretária entrar em contato com uma lista de futuros alunos e a senhorita

estava nela.

— Eu não recebi a ligação, mas agradeço, gostaria de ver.

— A senhorita me acompanha em minha sala por um momento?

— Não — Sergei respondeu, ao mesmo tempo que eu disse:

— Vá, Dalyah.

O reitor nos fitou, meio confuso.

— Vá com ela, Serga, ficarei bem aqui.


Eu sorri para disfarçar.

— Ela pode voltar outro dia. Eu lhe deixarei em casa primeiro, Maryia.

— Eu vou entrar com ele, Serga. Há seguranças no portão da faculdade,

tanto Maryia quanto eu ficaremos bem.

Dalyah não esperou uma resposta. Deixando o Vory com a cabeça

prestes a explodir, ela seguiu o reitor para dentro. Não me surpreendia que o

homem enfiou Dalyah em alguma lista de prioridades. O nome dela nunca a

deixaria saber se entrou por mérito ou influência. Ainda que não importasse,

havia poucas chances de que Dalyah fosse aproveitar qualquer tempo naquela

universidade.

— Eu não gosto disso.

— Então vá com ela e a espere na porta — falei,

quando Dalyah acompanhou o reitor para dentro. — Você nunca sabe dos

perigos da faculdade não, é? Vai que o velho senhor tente algo com ela lá

dentro.

Eu estava sendo sarcástica, mas Sergei arregalou os olhos, me deu uma

encarada de quem odiava a situação.

— Não saia daqui, Maryia. Facilite sua vida e a minha também.

Sergei disparou na mesma direção que os dois.

— Como pode ter músculos enormes e nenhum cérebro, meu Deus?


Eu me sentei na mureta que se estendia pelo corredor até o final das

portas do prédio para esperar. Prendi meus olhos na grama verde e observei

os sorrisos dos estudantes. Tinha música tocando em alguns celulares, gente

sentada lendo, um grupo de líderes de torcida se arrumando —

provavelmente para treinar. Uma realidade comum, simples e tão distante da

minha vida.

— O que o poderoso Boss de Moscou diria, se soubesse dos planos

sanguinários de sua esposa?

Eu me virei pronta para gritar, mas ao ver o rosto que se espreitava por

trás de uma das grandes colunas, parei, meio em choque, antes de me

aproximar.

— Dimitri?

Merda. De todos os homens, logo ele tinha que ouvir nossa conversa?

Se ele fosse até Viko com o que sabia, eu poderia muito bem me jogar na

frente de um caminhão na avenida. Se tinha algo que Viktor não tolerava era

ser enganado.

— Em carne, osso e sangue. Direto das ruas de São Petersburgo para

você. — Ele sorriu.

— O que faz aqui?

Ele cruzou os braços, dando uma olhada em volta antes de me fitar


novamente.

— Viktor e Volodya realmente vão deixar a criança solta por aqui? É

um alvo extremamente fácil.

— O que faz aqui, senhor Romanoff? — repeti a pergunta, lembrando-

me de ser educada com o Conselheiro de São Petersburgo.

— Eu estava seguindo vocês. — Deu de ombros.

Franzi o cenho, cruzando meus braços no peito, buscando qualquer

sensação de proteção. Ainda que eu conhecesse Dimitri quase a minha vida

toda, ele continuava sendo um estranho para mim. Um estranho que agora

conhecia meus segredos.

— Por que Alexi ordenaria isso?

— Não foi por ordens dele. Eu tenho outros interesses em Moscou,

além do trabalho. — Ele sorriu de canto, inclinando a cabeça e fazendo uma

mecha curta do cabelo escapar do penteado alto.

— Viktorya — constatei, um pouco mais calma. — Ela não está

comigo, somos apenas eu e Dalyah.

— E Sergei.

— Sim.

— Ele a trata bem? — questionou, causando-me estranheza.


— Ele faz o que meu marido ordena.

— Seu marido — Dimitri riu. — Desculpe-me. É que até essa manhã

eu achava que a reconciliação nesse casamento estava acontecendo, mas

ouvindo você falar com tanto ódio para Dalyah...

— Eu não tenho ódio — o interrompi.

Ele me deu um olhar duvidoso.

— E eu não mato pessoas para viver — respondeu, ironicamente. —

Não vou te julgar, Maryia Zirkov. Se fosse, não teria te enviado as fotos,

meses atrás.

Levei um minuto para processar suas palavras, mas quando o fiz, meu

coração deu um salto.

— O quê?

— Você sabia que era alguém próximo. — Ergueu uma sobrancelha

escura. — Eu não as tirei, mas as levei até você.

— Mas... por quê? — sussurrei.

— Eu estava fazendo um favor a um amigo, só descobri o que tinha no

envelope quando ele chegou a mim, mas me senti muito bem em deixar as

fotos para você.

De repente, eu me senti com raiva. Não só por ele ter sorrateiramente


entrado em minha casa, mas por ter traído Viktor, também me desrespeitado

de tal forma. Eu quase me matei por suas ações. Dimitri nada tinha a ver com

a minha vida ou o meu casamento, se nos falamos nos eventos e festas foi

muito. Viktor detestava os Romanoff e eu sempre o respeitei, mantendo

distância de Alexi e Dimitri. Por que então me machucou daquele jeito?

— Ainda que Viktor odeie você e Alexi, ele jamais faria algo assim

com Viktorya.

— Eu te libertei, Maryia. Não há razões para ver além disso.

— Tem noção de como aquilo me magoou? O que eu fiz ao vê-las?

— Colocou fogo na linda casa de contos de fada que mantinha com seu

marido.

— Isso não é uma piada, Dimitri, eu tenho um coração. Tenho uma

vida que você quase destruiu!

— Não, eu abri os seus olhos com a verdade. Viktor te traiu, eu recebi

as provas e te dei de presente. Se serve de consolo, a casa era um lixo. Ele

deveria ter comprado uma maior para você.

Eu me virei, antes que faltasse com respeito a um homem na posição

dele, pronta para dar o fora, mas ele segurou meu pulso e me puxou para trás

da coluna onde se escondia. Ele me encostou na parede e senti as pedras

rústicas desenharem minhas costas. Estava a pouco centímetros de distância.


Eu me senti invadida.

— Você vai morrer por me tocar — rosnei.

— Eu pagaria para ver quem me presentearia com a morte, senhora

Zirkov.

— Meu marido faria com alegria.

— Seu marido tem uma única serventia e não é matar. — Dimitri se

aproximou muito mais do que um homem deveria de uma mulher casada e eu

instintivamente o empurrei, mas ele não se moveu. Minhas mãos no peito

largo eram como uma onda mansa empurrando concreto. — Ele está mais

preocupado em foder putas italianas.

Eu o estapeei. Bati no rosto de um Vory com força, seu rosto virou e

quando ele me encarou novamente, o sorriso estava maior, havia ainda uma

gota de sangue no canto do lábio.

— Essa é a Maryia de quem eu ouvi falar. Desequilibrada, louca e

descontrolada.

— Me deixe sair.

Ele desceu os olhos castanhos pelo meu corpo, sua perna direita se

enfiou no meio das minhas e dei um pulo quando encostou em minha

intimidade.

— Dimitri — sussurrei, em pânico, em choque. Tão assustada que senti


o cheiro do meu próprio medo.

— Eu não temo o seu marido, Maryia Sharapova. Eu não temo

ninguém. Quando realmente quiser se sentir vingada, venha até mim. Posso

lhe dar o gosto da vitória contra seu marido. — Ele enfiou o rosto em meu

pescoço, cheirou meu cabelo e tocou levemente minha orelha com os lábios.

— Eu adoraria pecar no templo de Viktor fodido Zirkov.

No instante seguinte, ele se afastou e eu estava deslizando até o chão.

Assisti a Dimitri ir embora, encarando suas costas cobertas por uma blusa

preta, mesmo naquele sol.

Toquei meu peito, respirei profundamente procurando acalmar minha

respiração, mas foi em vão.

“Quando quiser se sentir vingada... O gosto da vitória contra o seu

marido... Pecar no templo de Viktor.”

As palavras não paravam de rodar em minha mente.

Eu sabia que não havia amizade entre eles, Viktor sempre odiou

os Romanoff, nem mesmo minha amizade com Viktorya era bem-vista por

ele, mas a ponto de Dimitri se arriscar assim?

Levantei-me, ajeitando minha cabeça e a calça, passei as mãos pelo

cabelo e conferi no pequeno espelho meu rosto. Eu estava vermelha, suando e

com os olhos tingidos de vermelho. Vergonha, medo e uma humilhante


curiosidade ameaçavam explodir em minhas veias.

Eu me sentei novamente na mureta e fixei meus olhos na porta do

prédio de pedraria, esperando ver Dalyah e Sergei.

Porém, após dois minutos, foi inevitável não olhar para trás. E eu

jurava que Dimitri ainda estava me observando de algum lugar.


“Você me prometeu o mundo e eu caí nessa

Eu te coloquei em primeiro lugar e você adorou

Você incendiou minha floresta e a deixou queimar

Você curtiu o sofrimento quando não era o seu

Nós sempre entramos nisso cegamente

Eu precisei te perder para me encontrar

Esta dança estava me matando suavemente

Eu precisei te odiar para me amar”

SELENA GOMEZ, LOSE YOU TO LOVE ME


— O Boss não gostará de saber que ficou sozinha por tanto tempo —

Sergei continuou dizendo, mesmo quando adentramos o portão de ferro da

propriedade de Roman.

— Eu já disse que ele não precisa saber.

Sergei me olhou torto pelo retrovisor.

— Mentiras não são apreciadas na Bratva, Maryia. Eu não enganarei

meu Boss.

— Ser a cadelinha de Viko ainda cobrará sua vida, Serga. — Eu sorri,

apreciando o quanto ele odiava quando eu o chamava de tal nome.

— Morrerei com louvor, se assim for.

Com certeza havia uma lista de ofensas dirigidas a mim em sua mente,

mas ele guardava todas elas. Seu desgosto era claro no olhar, mas seus lábios

me respeitavam — pelo menos na maioria das vezes. Olhei pela janela, não

vendo nenhum Vory lá fora. Seria tão fácil fugir dali, mesmo que por um dia.

Eu podia encontrar um lugar calmo para encostar a cabeça e pensar.

“Seu marido tem uma única serventia e não é matar, ele está mais

preocupado em foder putas italianas.”

— O que você acha, Maryia? — Eu fitei Dalyah, me dando conta de

que falava comigo.


— Sobre o quê?

Revirando os olhos, abriu a porta e saiu antes de dar a volta e me

encontrar. Caminhamos em direção à casa, juntas.

— Viktorya quer almoçar amanhã. Parece que tem algo importante a

dizer.

— Será que ela e Maksa marcaram a data do casamento?

— Não. — Dalyah bufou. — Seríamos as primeiras a saber. Meu tio

não deixaria Maksim resolver algo assim sozinho.

— Se dependesse do meu irmão, eles teriam se casado assim

que Viktorya fez 18.

— É verdade. Todo mundo acha que esse noivado já durou tempo

demais. O que os segura?

Eu refleti na pergunta. Viktorya nunca deu uma boa razão para adiar as

datas que Maksim ditava. Sempre havia algo. Uma viagem importante, um

curso que ela queria terminar, um convidado importante que não poderia vir

no dia.

— Talvez Viky tenha medo.

— Medo do próprio noivo? — Dalyah franziu o cenho.

— Por que não? — Dei de ombros. — Eu temo o meu marido algumas


vezes.

Ela fez uma pausa, parando para me encarar com seriedade.

— Maryia... Viktor já lhe fez algo?

Eu sorri.

— Não se preocupe com isso.

Ela ainda era tão nova. Quando finalmente entendesse como os homens

no nosso mundo funcionavam, não estranharia a hesitação de Viktorya nem o

meu medo.

Viky era a minha melhor amiga, eu não queria nada mais do que nos

tornarmos irmãs através de seu casamento com Maksim, mas o que a impedia

nunca me foi dito. E eu sabia que ela não diria, a menos que realmente

quisesse dizer.

— Eu vou ajeitar algumas coisas no meu quarto. Nos vemos no jantar?

— Até lá.

Parei no topo da escada, decidindo se continuava subindo ou ficava ali

até cansar. Descobrir se meu corpo me levaria para trás ou para frente. Um

simples tombo de cara no chão, ou um passeio através dos degraus da escada.

Viktor apreciaria?

Olhei por cima do ombro, contemplando a altura.


Talvez ele me olhasse além daquela fachada. Talvez uma quase morte o

lembraria de quem fomos antes de tudo desmoronar.

— Continue andando, Maryia.

A voz de Volodya de algum lugar da casa me assustou e eu comecei a

caminhar novamente, fazendo uma pausa apenas para olhar em volta e ver

onde ele estava, mas não havia nada. Talvez eu tivesse imaginado? Não

duvidaria.

Segui para o quarto onde dormi na noite anterior, algemada à cama,

como um animal maltratado. A conversa com Dalyah sobre Viktorya me deu

vontade de visitar a casa do meu avô. Eu nunca fui proibida de andar

livremente, nem quando Viktor estava na Itália, então uma simples visita à

minha família não seria um problema.

O apito de um celular me chamou atenção quando entrei. Não olhei em

direção à cama, mas sabia que o maldito aparelho estava lá. Eu gostaria de

dizer que nunca mexi nas coisas particulares de Viktor, mas seria uma

mentira tão grande quanto dizer a Sergei que nada diferente aconteceu,

enquanto ele acompanhava Dalyah, mais cedo.

O rosto de Dimitri me aparecia a cada poucos minutos, e suas palavras

ficaram gravadas como tatuagem em meu cérebro.

— Marido? — chamei. — Marido? — cantarolei, dessa vez, jogando


minha bolsa no sofá próximo à janela e apoiei o joelho no colchão,
inclinando-me para agarrar o celular.

Três novas mensagens notificavam a tela, mas o que me chamou

atenção foi a imagem de fundo. Eu sorria, e me lembrava exatamente de

quando a foto foi tirada.

Meu cabelo estava ainda mais curto, uma cor acobreada vibrante,

refletia a minha felicidade. Eu estava grávida pela primeira vez,

experimentando um casamento perfeito, amada pelo o homem dos meus

sonhos e prestes a aumentar nossa família. Estava orgulhosa, completa.

Foi na mesma época em que Olga voltou ao país, Dalyah era ainda

mais jovem e seu pai tinha falecido há pouco tempo. Foi uma época difícil,

que se tornou sombria quando eu perdi o bebê, pouco tempo depois da

chegada delas. A partir dali, tudo desandou.

Aquela na foto não era eu. Não mais.

Eu deixei o celular protegido com digital no mesmo lugar e me virei,

pronta para pegar a bolsa e ir à casa de vovô, mas parei com um sobressalto

quando vi Viktor sentado na poltrona perto da porta, ajeitando sua camisa no

corpo.

— Me chamou, querida?

— Seu celular estava tocando.


Ele sorriu de canto, empurrando os fios loiros do cabelo com os dedos.

— Você podia atender, zhena. Na verdade, meus colegas de trabalho

sentem falta da sua famosa saudação. “Quem é?”.

— Pois é — eu sorri, sem ver graça —, e pensar que eu sempre tive

motivos para desconfiar e não sabia.

Viktor cruzou as pernas, entrelaçando os dedos. Me observava com

atenção, sério e divertido ao mesmo tempo.

“Posso lhe dar o gosto da vitória contra seu marido.”

— Me entregue o aparelho. Vou desbloquear para você.

Fiquei tentada. Deus, como tive vontade de fazer exatamente aquilo.

— Eu não me importo. Seu celular, sua privacidade.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Zhena, se espera que eu lhe estenda a mesma gentileza, vai chover

no Saara antes disso.

— O tempo é incerto. Vai saber o que pode acontecer.

Viktor riu.

— Como foi o passeio com Dalyah?

— Por que está mudando de assunto?

Ele deu de ombros.


— Só quero saber se algo interessante aconteceu durante sua saída.

— Não. Apenas Sergei sendo extremamente misógino e controlador,

como você pede.

— Ele é o único que pode lidar com você, zhena. Não me culpe.

— Eu te culpo por tudo de ruim que me acontece. — Dei-lhe um

sorriso doce.

— Eu mereço o crédito, admito. Então — fez uma pausa —, não tem

nada para me contar?

Meu coração deu um salto. Não era possível que Dimitri tivesse lhe

dito algo, isso o colocaria em risco ao invés de mim. Ele foi o único a me

abordar, afinal. Eu sabia que a partir dali, as paranoias da minha cabeça

ganhariam um novo rumo. A chegada inesperada de Dimitri, o modo como

me tocou, como falou comigo. Abaixei a cabeça ao lembrar como sua perna

me tocou onde apenas Viktor já tinha estado.

“Eu adoraria pecar no templo de Viktor fodido Zirkov.”

— Não. Apenas... estudantes, árvores e músicas que não conheço.

Ele inclinou a cabeça, observando-me como se tivesse um detector de

mentiras ligado a mim.

— Essa é a verdade?
Soltei um riso irônico, caminhando pelo espaço.

— Eu sou a única aqui com crédito para tal pergunta, querido. Você foi

o único a me trair.

Ele não estava preparado para me ver abordando aquele assunto tão

diretamente. Hesitou, ajeitando-se na poltrona. Ele passou os dedos pelo lábio

inferior, fitando meus saltos baterem no chão. Uma melodia do inferno. Sinos

que contavam segundos antes da destruição.

As palavras de Dimitri tão diretas, tão verdadeiras, me faziam sentir

uma coragem momentânea que parecia adrenalina. Bombeava meu sangue e

expulsava as palavras da minha boca antes que eu pudesse refletir nelas. Eu

não temia Viktor naquele momento também.

— Você não quer saber disso, Maryia.

— Eu não estou perguntando, estou afirmando o que aconteceu.

— E se arrependerá.

— Talvez — encolhi os ombros —, mas primeiro confesse. Você me

traiu.

Ele piscou, levando um momento antes de umedecer os lábios.

— Sim.

Eu precisava confessar que o impacto seria maior, se não tivesse visto


as fotos.

Ainda que a raiva borbulhasse meu estômago, eu já estava anestesiada.

Ouvi-lo dizer apenas me fazia sentir menos louca. Como se finalmente não

estivesse delirando e as teorias da minha mente fossem todas verdadeiras.

— Quantas bocas você beijou?

— Eu não contei.

— Pode não ter contado intencionalmente, mas acredito que você

guardaria na lembrança quantas vezes foi desonesto comigo. Sou o amor da

sua vida, não sou?

Ele deu um aceno curto, seus olhos claros me analisavam com um calor

diferente. Ele parecia tanto confuso, quanto instigado com minha

abordagem.

— Você é.

— Então me diga. Foram duas? Duas bocas? — Ele apenas me olhou.

— Três?

— Isso é ridículo.

— Não para mim.

— Dizer a você não vai apagar o que fiz, Maryia. Está no passado.

— Está no seu passado, mas é o meu presente cada vez que penso
nisso. Cada vez que te olho!

Ele estalou a língua e recostou na poltrona, descruzando as pernas.

Parecia tão à vontade, como se eu estivesse fazendo-o desperdiçar seu tempo

com uma conversinha de merda.

— Três — confirmou.

— Três bocas. — Assenti. — Uma delas foi Elena DeRossi?

— Por que a insistência com ela, Maryia? Você já sabe que ela é uma

mulher casada agora.

— Você falou com ela sobre construir uma família, sobre trazê-la para

cá. Para a minha casa — rosnei.

Ele não se surpreendeu que eu soubesse do fato.

— Responda a minha pergunta.

— Foi.

— E sexo? Com quantas mulheres você fez sexo?

— Maryia. — Era um aviso, ele pensava que eu não conseguiria lidar

com as informações. Para ser sincera, eu também não achava que pudesse,

mas agora... a verdade me libertaria. Simples assim.

— Cinco mulheres? — insisti.

— Um pouco mais.
— Quanto mais? Dez?

— Não. Menos que isso.

— Estou surpresa. Pensei que se transasse com você novamente,

sentiria os gostos de suas mulheres.

— Eu não tenho mulheres. Só tenho você.

Dei risada.

— Você aproveitou, Viktor? Aproveitou sua liberdade, as mulheres e

os momentos?

Seu silêncio pareceu durar horas, mas foi apenas poucos segundos. Ele

se levantou e se aproximou, parando longe o suficiente apenas para não

encostar em mim.

— Não.

— Não? E por quê?

— Porque elas não eram você.

Sua sentença foi dita tão seriamente que me chocou, mas então no

segundo seguinte eu estava rindo. Ele podia ser tão cínico? Tão mentiroso?

Realmente?

Eu me afastei enquanto gargalhava de sua tentativa de manipulação.

Viktor não sorriu, ele permaneceu onde o deixei. Acompanhando meus


movimentos com olhos atentos. Provavelmente queria estar preparado, caso

eu atirasse algo em sua direção, ou tentasse fugir. Deus sabia que eu estava

próxima de fazer uma das duas coisas. Quando tomei fôlego, balancei a

cabeça, mostrando a ele minha indignação.

— Todas elas eram italianas? Ou o seu pau fez um tour pelo

mundo? Pridurok[8]! — gritei, agarrei meus cabelos e os puxei, tentando me


impedir de agredi-lo. Quantas vezes o fiz e me arrependi depois?

O que Dimitri havia me dito só confirmou o que eu já sabia, todos me

viam da mesma forma. A louca, a desequilibrada. Viktor me fez parecer

assim.

— Não tem que ser assim, Maryia.

— Você me traiu! — apontei. — Você dormiu com outras mulheres

enquanto eu chorava a nossa perda. Não contente em fazer uma vez, você

continuou. Como se eu não valesse nada, como se a minha fidelidade e o meu

amor fossem lixo para você.

Ele ergueu o queixo, desviando o olhar por um momento.

— Não se atreva a dizer que eu não sofri também.

— Ah, não, querido, você sofreu. Sei disso agora. Sofreu e se consolou

em diferentes camas, com variadas amantes, enquanto eu me entorpecia de

calmantes e incendiava a nossa casa. — Dei risada. — Quer saber? Continue.


Faça sexo ao redor de onde eu estiver, Viko. Traga mulheres para a nossa
cama. Eu não me importo mais. O que eu sofri foi por você, e o que você

sofrer será por mim. Eu não medirei os meus atos, marido. Você vai pagar

como eu quiser.

Virei as costas, dirigindo-me à saída, mas ele correu e me segurou. Me

encontrei presa em seu peito.

— Não me ameace, Maryia. Não me faça ter que agir contra a sua

rebeldia.

— Agir contra? — Eu sorri, sentindo uma lágrima escorrer pelo o meu

rosto. — Depois dos últimos meses, a morte será bem-vinda. Se esse for o

meu destino, vou aceitar.

— Maryia — ele pressionou meu cotovelo, como se implorasse para

que eu acreditasse no que dizia —, o meu amor não é uma mentira. Quem eu

sou me obriga a agir de formas das quais não me orgulho e não honram você.

Meus atos não são guiados pelo o meu coração, mas pelo o que passo nos

momentos em que cometo meus erros.

— Então me amar é sua punição, Viko. Assim como te amar, acima de

mim mesma, será minha eterna condenação.

Puxei meu braço, deixando-o sozinho para ir encontrar um quarto e

dormir. Eu tinha muito no que pensar, se minhas lágrimas eram um sinal, eu


me afogaria naquela noite. Mas pela manhã, renasceria de meu sofrimento.

E não seria a primeira vez.


“Conte os segredos apenas para quem você confia

É melhor você não quebrar a lei do silêncio

Não nos metemos com pessoas desconhecidas

Nada de novas amizades, nada de traição”

ROSÁLIA & TRAVIS SCOTT, TKN

Quando entrei no restaurante da avenida principal de Moscou, cabeças

se abaixaram e outras se iluminaram com curiosidade. Muitos dos clientes

assíduos do Revötre já me conheciam e não estranhavam minha presença,


mas os visitantes menos frequentes ainda se perguntavam se era um

engano à primeira vista.

Eu adorava ser a novidade de suas tardes.

Em breve, o chef apareceria para cumprimentar a mim e Viky em nossa

mesa, como sempre fazia. Ele sempre estava no restaurante quando

agendávamos nossa reserva, e eu sabia que nem sempre era assim. Nem todos

os clientes tinham a oportunidade de conhecer o dono de um dos melhores

restaurantes de Moscou. Aquele era o tipo de atenção e mimo que eu

apreciava na Bratva, entre vários outros.

O respeito, o poder, a importância. Se não tivesse me casado com

Viktor por amá-lo tanto, seria para me manter com tal status na sociedade. Eu

nasci para aquilo, cresci amando ser Maryia Sharapova. Adorei me

tornar Maryia Zirkov.

Até que não amava mais tanto.

Viktorya já me esperava na nossa mesa de sempre. Retocava o batom,

parecia uma executiva de sucesso. O cabelo no alto em um coque apertado e

a camisa social listrada em cores claras. Até seu colar de pérolas fazia com

que nós duas parecêssemos de mundos completamente opostos.

Ao me ver, abriu um sorrisinho discreto, mas seus olhos maliciosos não

podiam se esconder de mim.


— Fico surpresa que veio — disse, após nos abraçarmos e eu me

sentar.

— Eu nunca recusei um almoço com minha boa amiga.

— Agora que está reconciliada com seu amado, eu esperava que fosse.

— Sua felicidade em me lembrar disso a cada minuto é

reconfortante, Viky.

— Você pode buscar conforto de minhas palavras duras nos braços

de Veronika ou Alessandra. Elas são doces e compreensivas.

— Estranhamente, eu prefiro a sua sinceridade.

Viktorya riu.

— Você cortou o cabelo — falei, inclinando-me para observá-la

melhor. Estava ainda mais loira.

— Não.

— Então, o quê?

— Adivinha. — Sorriu.

— Preencheu a boca?

— Mais? Não.

— Botox. — Ela assentiu, confirmando. — Por que, Viktorya? Se sua

pele esticar mais, vai rachar, como os vampiros em Crepúsculo.


— Botox é preventivo. — Revirou os olhos.

— Sua busca pela perfeição ainda vai deixá-la a cara de

uma Barbiezinha humana.

— Essa é a intenção.

— E seu noivo? O que ele acha dessa intenção?

— Meu noivo não tem nada a dizer sobre isso, porque é o meu rosto e o

meu corpo cheio de alterações. Ele faz um monte daquelas tatuagens e moda

naquele cabelo sem nunca me perguntar o que acho.

— Mas é ele quem beija esse rosto e esse corpo — brinquei.

— Ele nunca beijou meu corpo, Maryia.

— Ah, claro. — Dei risada do absurdo, mas ela ergueu as sobrancelhas,

encarando-me com seriedade.

— Eu não sou como você. Não abriria minhas pernas antes de dizer

“sim”.

— Você é virgem?

— Por que fala como se fosse um absurdo?

— Eu não acredito. Maksa não ficaria com você por anos sem sexo,

nenhum homem fica. Ele deve te trair.

— Ele não me trai. Maksim não faria isso.


— Ele faria e com certeza faz. Meu marido tinha sexo numa base mais

do que regular, transávamos o tempo todo e, ainda assim, ele me

traiu. Maksim não é um príncipe paciente e compreensivo.

— Eu não me importo, ainda que ele faça. Não estamos casados ainda.

— Não está falando sério. — Bufei. — Para quando vão marcar o

casamento?

— Seu irmão me ama e me entende, ele vai esperar. Não temos pressa.

— Viktorya, qual o motivo de tanta demora?

Ela bateu a taça na mesa, respirando com força ao me fitar.

— Cuide de seu próprio casamento, Maryia.

Nós nos encaramos por um longo momento. Suas palavras penduradas

no ar, junto à minha indignação. Eu estava tentada a falar mais, mas sabia que

ainda que fôssemos amigas, ela estava certa. Eu não estava na posição de

questionar os relacionamentos alheios.

— Marque a data do casamento, Viktorya, estou falando sério.

Ela desviou os olhos, olhando-me com descontentamento antes de

assentir.

— Eu sei que está na hora e vou marcar. Podemos falar sobre outra

coisa agora? — Assenti, não querendo estragar o dia que apenas começava.
— Pensei que Dalyah viria com você.

— Não, ela está muito animada com as coisas da faculdade. Nossos

almoços nesse momento não são prioridade.

— Hum, eu sinto falta de amigas leais.

Revirei os olhos e chamei o garçom, ele assentiu, sabendo sem precisar

perguntar que eu tomaria uma taça de Cabernet antes do almoço chegar.

— Você é dramática, Viktorya. Todas nós continuamos juntas, eu,

você, Veronika e Alessandra. Dalyah nunca foi muito próxima, ela é anos

mais nova do que nós.

— Poucos anos — apontou. — Não diga anos como se fosse uma

enorme diferença. Me faz sentir velha como Aryshia Malkovi.

— Viktorya — repreendi. — Aryshia não é velha.

— Ela tem quarenta, é velha, sim. — Franziu o cenho.

— Não é velha — reforcei. — Eu gostaria de chegar aos quarenta como

ela. Linda, independente, uma líder que seus Vorys escutam e obedecem. Eu

a venero. Inclusive, ela poderia te dar uma lição por tentar ofendê-la.

— Além de velha, é uma desesperada, correndo atrás de Alexi,

pensando que conseguirá algo dele.

Dei risada, percebendo aonde aquela conversa estava indo.


— Você está com raiva porque ela foi viajar com Alexi.

— Não estou com raiva, só não entendo sua necessidade em seguir meu

primo aonde quer que ele vá.

— Eles devem ter muito em comum. Aryshia sabe mais da Bratva do

que eu e vocês, juntas.

Minha amiga bufou.

— Eu não apostaria nisso.

— Ela é líder de um Clã, Viky. Assim como Alexi.

— Ela é a cota de piedade de Roman — rebateu. — Uma boa ação que

homens como ele fazem para tentar se livrar de seus pecados. Acho inútil que

ele se sinta culpado por ter matado Malkovi. O homem era um traidor, se eu

fosse Roman, teria feito pior do que um tiro rápido na cabeça.

— Eu admiro Aryshia — defendi a mulher, honestamente ela estava

melhor do que muitas mulheres da minha idade e mais novas. A quantidade

de homens salivando em cima dela não era uma surpresa. — Ela é forte,

decidida, tão poderosa.

— Pois é, tão independente e, ainda assim, fica tentando se apoiar em

meu primo. Em Alexi.

— Não seja assim, Viktorya, não sabemos os motivos de ninguém para

fazer o que fazem e, aliás, acredito que eles ficam bem juntos. Alexi já está
além da idade do casamento, Aryshia também. Poderia ser uma boa junção.

— Não diga besteiras, Maryia. Alexi jamais se casaria com ela.

— Por que diz isso?

— Porque ele não quer se casar, simples assim.

— Talvez Aryshia o faça mudar de ideia. Uma mulher como ela deve

ter seus truques.

Viktorya segurava a taça de seu rose e cuspiu um pouco, tossindo com

uma gargalhada de lhe dar água nos olhos.

— O que é tão engraçado?

Ela continuou rindo por mais alguns segundos, antes de limpar o

queixo e balançar a cabeça.

— Não há truques que façam meu primo se amarrar. Isso, eu posso te

garantir.

— Você é apenas sua prima, Viktorya. Não pode conhecê-lo tão bem

assim, para afirmar tal coisa. O coração é algo inesperado e curioso. Eu sou

quase um só com Evá e Maksa e não sei tudo sobre eles.

Ela engoliu em seco, me fitando no fundo dos olhos.

— E você diz isso porque é tão entendedora do amor, certo?

— Eu não quis dizer isso.


— Tanto faz. — Deu de ombros. — Vamos torcer para o casal,

então. Aryshia e Alexi. Ainda que ela seja velha pra caralho para ele.

— Viktorya — a repreendi.

— Vá limpar seu batom, Maryia. — Ela virou a taça, engolindo o

líquido de uma vez. — Ele está borrado.

Peguei minha bolsa e joguei o guardanapo na mesa.

— Você é deselegante quando quer.

Ela sorriu.

— Já ouvi isso antes.

Deixei-a com seu humor azedo, sabendo que quando voltasse à mesa

estaria melhor e continuaríamos nossa refeição em paz. Lidar com a

personalidade de Viktorya parecia um jogo perigoso na maioria dos dias, mas

assim como ela aprendeu a lidar comigo, eu percebi como conviver com ela.

Gostei. A amava. Era minha melhor amiga. Uma irmã a quem eu confiava

meus segredos e medos.

Então por que não contou sobre Dimitri?

O pensamento veio como um tapa ardido, me chamando de hipócrita e

falsa, mas eu não podia contar. Como faria? Eu já era julgada pelas atitudes

de Viktor, seria mais ainda se alguém soubesse do que houve entre nós.
— Não — rosnei, encarando o espelho. — Não existe um nós.

Ele me encurralou, assediou e suas atitudes eram passíveis de morte se

meu marido descobrisse. Por que eu não contei?

Lavei meu rosto, levando meu tempo para tirar toda a maquiagem e

secá-lo, decidindo usar o banheiro antes de sair. Ouvi a porta abrir e um

minuto de silêncio.

— Viktorya? — chamei, mas não tive resposta. — Viky?

A porta bateu novamente e eu senti que estava sozinha. Devia ser outra

cliente retocando o batom antes de ir embora. Saí do banheiro, lavei as mãos

e me fitei no espelho novamente, mas assim que levantei meus olhos, não foi

a mim que vi de imediato. Uma imagem colada com fita branca na porta do

reservado que havia usado.

Virei, aproximando-me para arrancá-la e meu coração doeu uma

pontada forte. Aquela dura realidade me apunhalando mais uma vez.

Reconheci meu marido de cara, vestido num terno que raramente usado,

sentado numa poltrona roxa escura, o braço apoiado e um copo entre os

dedos. A outra mão, onde meu nome estava tatuado, era segurada por uma

ruiva sentada ao seu lado, quase no colo. Ele sorria. Ela também.

Era linda. Uma das três? Uma das sete? Ou as duas coisas?

Havia uma mensagem atrás, marcado numa caneta preta e caligrafia


grosseira.

Berlim, 2020

De onde veio essa tem mais.

Ass: você sabe quem.

— Dimitri — sussurrei.

Amassei a foto entre os dedos, fechando os olhos quando tentei segurar

um grito de angústia, ódio e vergonha. Porém dessa vez não era dirigido

apenas a Viktor, mas ao remetente daquela mensagem também. Mais uma

vez invadiu meu espaço pessoal, me oprimindo a seguir sua vontade.

E assim como ele queria, decidi fazê-lo. Viktorya teria notícias de mim

mais tarde, por agora, pensaria que saí num ataque de birra por não gostar das

coisas que falou e como falou. Se eu tinha assuntos sérios para resolver com

seu primo, definitivamente, ela seria a última pessoa a saber.

Saí pelos fundos, determinada a acabar com aquilo de uma vez por

todas. Dimitri se achava muito esperto, até mesmo imortal. Estúpido. Ele não

temia Viktor, mas não me conhecia ainda. Eu não me importava de nos

colocar no meio de um escândalo, se isso o fizesse me deixar em paz.


Invadir minha casa para deixar as fotos em meu quarto, um lugar

privado, quando eu estava em casa, sozinha, foi um golpe inútil de iniciar

uma rebelião dentro da Bratva e eu fui esperta em manter as imagens para

mim. O fiz falhar, por isso ele continuava insistindo, tentando me usar como

um cavalo de troia. Se seu irmão — ou ele mesmo — estavam em busca de

subir na hierarquia através da guerra, eu não faria parte e, se fizesse, não seria

ao seu lado.

O frio me cumprimentou do lado de fora. Apertei o casaco grosso no

corpo e olhei para os lados, procurando qualquer homem de Viktor. Eu sabia

que poderia ter Vorys nas esquinas ou até me vigiando em janelas dos

prédios, Moscou estava tomada por mafiosos russos em todos os lugares, mas

decidi correr o risco.

O lado bom da minha insanidade era esse — a coragem de fazer o que

precisava ser feito, a fim de resolver meus assuntos pendentes. E por mais

que eu não gostasse de admitir, Dimitri se tornou um.

Eu precisava descobrir onde ele estava e, para isso, teria que ir atrás da

pessoa certa. Por ser médica e uma das pessoas que Roman declarou seu

apoio, Alessandra tinha a confiança de muitos Clãs, ela com certeza saberia

onde Dimitri vivia e, caso não soubesse, encontraria alguém para lhe contar.

Caminhei poucos passos até o final do beco vazio, respirando o horrível


cheiro das lixeiras do restaurante e esperei no canto, aguardando um táxi,

porém, antes que pudesse acenar para algum veículo, um Lexus preto com

vidros escuros parou ao meu lado, veio devagar, parando antes de entrar no

beco estreito.

Eu comecei a me afastar, mas o vidro do passageiro abaixou e um

homem com tatuagens familiares me fitou.

— Fui mandado para buscá-la. Ele te espera em um lugar tranquilo para

conversar.

Eu ajeitei minha bolsa, dando alguns passos atrás.

— Eu não sei do que você está falando.

O homem olhou para a frente, pisando no acelerador, sobressaltando-

me.

— Devemos ir, antes que algum dos homens de seu marido apareça,

senhora.

Aconteceu.

Bem ali, cara a cara com um guerreiro Bratva e, diante daquelas


palavras, eu senti o que só ouvi em histórias de terror. O que era dito quando

se era uma traidora. O que se ouvia quando se tinha um relacionamento com

alguém que não era seu marido.

— Eu... Eu e ele só precisamos conversar.


O homem inclinou a cabeça.

— Eu só sigo ordens, madame. O que meu chefe faz não é

meu negócio, não me importa.

Eu ainda sentia a necessidade de explicar, mas a ignorei e entrei no

carro, tomando um lugar no banco de trás, tentando afundar o máximo

possível e me fundir ao couro confortável. Queria perguntar onde Dimitri

estava, o que aconteceria a seguir, mas o homem estava certo, ele só seguia

ordens.

Ainda que, se fôssemos pegos, aquelas ordens o matassem.


“Tire minha blusa abra meus botões

Tire minha saia

Me encare pelo espelho

Me rasgue em pedacinhos

Sem sofrimentos, pressão liberada

Para quem eu estou vivendo?

Eu sou igual a você

Os meus erros me fizeram uma tola

Ou um humano com falhas?

Admito que estou perdida”

RIHANNA, QUESTION EXISTING


A liberdade da Bratva era algo da qual sempre me aproveitei. Estando

nesse mundo, ouvi falar sobre como as outras organizações funcionavam,

como suas mulheres e crianças eram excessivamente protegidas com

seguranças e soldados por perto 24 horas por dia. Como morriam de medo de

sair de casa, sempre esperando que algum inimigo fosse atacar.

Não havia tal coisa na Bratva.

Para os Clãs residentes nos Estados Unidos havia um perigo real, é

claro, não estavam em nossa terra natal. Mas na Rússia, em Moscou, São

Petersburgo, Uffa e várias outras cidades, as ruas eram dominadas por

guerreiros Bratva. Aqueles que não eram oficialmente da facção, queriam ser.

Se alguém quisesse uma posição na organização, bastava procurar por um

capitão nas ruas ou ser indicado por alguém de dentro, então aguentar os

meses ou anos de teste. Tudo dependia da capacidade do recruta.

Mesmo quem era de fora não ousaria mexer com a Irmandade. Todos

conheciam seus lugares.


Os noticiários não eram pagos para não falar de nós ou para falar.

A Bratva gostava que as histórias fossem espalhadas e o medo liberado nas

ruas. Cuidávamos da população enquanto a população cuidava de nós. Não

obrigávamos ninguém a comprar drogas ou armas, não forçávamos ninguém

a pagar por proteção, era um preço que eles pagavam para nós.

Se seu marido foi preso injustamente, a Bratva cobraria um preço para

livrá-lo. Se seu filho apanhasse ou se metesse em confusão, nós tínhamos

como lidar com isso. Se sua filha queria se casar com um homem Bratva, ela

seria honrada. Ainda que nem todos apreciassem nossa presença, eles

respeitavam. A Rússia aprendeu que era melhor nos ter ao seu lado do que

contra. Éramos uma grande e incomum família.

Antes eu tinha sempre um homem comigo, um guerreiro, às vezes dois,

mas eles não me seguiam excessivamente. Eles ficavam por perto, mas minha

liberdade era respeitada enquanto me protegiam, se fosse preciso. Agora, a

obsessão de Viktor em acreditar que eu faria algo, fazia Sergei me sufocar,

seguindo-me como um louco.

Ninguém ousaria levantar um dedo contra mim. Ninguém gostaria de

pagar o preço.

Desviei o olhar das ruas lá fora, encarando a cabeça tatuada do

guerreiro. Por baixo do boné, eu podia ver a nuca marcada de tinta preta, que
rastejava por dentro do tecido da camisa e provavelmente continuava por

todo o corpo. Seus braços enormes eram igualmente tatuados, assim como

alguns lugares no rosto. Ele devia estar na Bratva há anos e provavelmente

era um dos homens de maior confiança de Dimitri se lhe foi dada a tarefa de

me buscar.

Quando o guerreiro tatuado passou pela Tverskaya, em seguida pela

Praça Vermelha e começou a desacelerar, meu coração deu uma guinada.


Senti um medo quase paralisante. Se era ali que Dimitri encontrou lugar para

conversarmos, não ia acontecer. Havia dezenas de pessoas ao redor, era um

dos pontos mais movimentados de Moscou e eu jamais arriscaria encontrá-lo

em público. Muito menos ali.

Alívio me tomou quando continuamos e percebi que ele desacelerou

apenas para fazer uma curva estreita. Foram mais dez minutos depois disso.

O silêncio só não dominava o carro pelo som do rádio, um rap antigo falando

sobre crime, sexo e drogas. O homem balançava a cabeça relaxadamente e

vez ou outra seus lábios se moviam junto a música sem fazer som.

Será que ele sabia que se alguém me visse dentro daquele carro, sua
vida estaria acabada? Que sofreria por horas antes de morrer, por seguir uma

ordem de seu superior?

Suspirei. É claro que sabia.


Aquilo era o que fazia a Bratva a mais forte entre as máfias espalhadas

pelo o mundo. A lealdade cega. O medo incutido nas entranhas. Eles

preferiam correr o risco de morrer eventualmente, do que morrer negando

uma ordem direta. Os guerreiros preferiam morrer ao quebrar suas palavras e

não honrar um pedido de seu chefe.

Eles eram leais mesmo quando era melhor não ser.

— Quando chegarmos lá, você dará outro nome, caso alguém pergunte

— ele disse, de repente. — Se ninguém falar, não fale com ninguém.

— Eu me sentiria mais confortável se o seu superior viesse até nós.

Ele me fitou pelo retrovisor e riu.

— Não se sentirá confortável de nenhuma forma, madame. Vamos.

Estacionou o carro em frente a um albergue de aparência velha. Ele

saiu e olhou para os dois lados na rua estreita e vazia. O prédio de poucos

andares tinha apenas uma luz acesa e todo o resto tomado por escuridão. Eu

apostava a minha vida que era lá que Dimitri me esperava.

Nada na situação me parecia bom. Eu me sentia como se estivesse

passando pelo corredor da morte, onde russos enfrentavam seu último suspiro

na Prisão da Ilha Petak. Parte de mim queria exigir que o homem voltasse e

me levasse de volta para Viktorya, parte queria entrar apenas para colocar

Dimitri em seu lugar. Mas uma vergonhosa parcela no meu interior queria
saber se suas promessas eram verdadeiras. Se aquelas palavras foram reais, se
ele estava disposto a se arriscar me dando conforto e vingança contra Viktor.

Após uma última conferida, o homem abriu minha porta e me esperou

sair. Meus sapatos pesavam uma tonelada. O segui, acelerando o passo para

entrar no prédio e não ser vista. Estava vazio lá dentro, com apenas um

senhor sentado em um banco na portaria. Ele ergueu a cabeça ao nos ver,

tocando a boina com o dedo indicador quando seus olhos bateram em mim e

rapidamente abaixou novamente, voltando a ler seu jornal. Ou fingindo ler.

Viktor sempre se gabou sobre não precisarmos de tanta segurança

quanto outras famílias importantes do crime ao redor do mundo. Sempre

disse que nossa força estava na lealdade do nosso país e não de famílias

dentro da Irmandade. Eu queria ver sua cara se ele soubesse que sua

aclamada falta de necessidade com proteção estava me deixando escapar tão

facilmente para encontrar outro homem em um velho quarto de hotel.

Caminhei à frente do guerreiro seguindo para o elevador, mas fiz uma

pausa ao ouvir seu assovio. O fitei, vendo-o apontar uma porta no fim do

corredor.

— Escadas — disse ele, e de repente eu me toquei, olhando com

desespero para todos os cantos. — Não tem câmeras, madame. É só que o

elevador está quebrado. Nenhum empresário rico para investir nesta


espelunca. Talvez agora a senhora convença o meu konsultant a fazer isso.

Dirigi meus olhos indignados a ele.

— Você fala comigo como se eu fosse uma prostituta, guerreiro.

Eu o acusei com razão. Suas palavras davam a entender que ao

encontrar seu chefe, eu seria capaz de convencê-lo a fazer qualquer coisa.

Como se nossa relação fosse uma troca de favores suja.

Ele fez uma pausa com a mão na maçaneta, inclinou a cabeça

levemente e estreitou os olhos.

— Não, madame. Falo com a senhora como uma mulher corajosa o

suficiente para se aliar a nós. Você não é mais uma princesa ou a

Rainha Zirkov, é uma parceira de negócios do Clã Romanoff. Alguém a

quem seu marido deveria temer.

— Eu não estou aqui para colocar Viktor ou minha família em risco.

Ele sorriu.

— Os maiores perigos não estão na rua, estão em nossas camas.

— Você não tem que me dizer isso, guerreiro.

— Zodiak — seus olhos castanhos fixaram-se nos meus —, meu nome

é Zodiak.

— O meu é Maryia. — Eu não precisava dizer, ele já sabia.


— Eu sei. — Zodiak abriu a porta e liberou o caminho. — Tem certeza

de que quer subir?

— Eu preciso. Seu konsultant deve escutar o que eu vim dizer, depois

disso, me levará embora?

Ele ergueu o queixo.

— Sim, madame.

Assenti e subimos até o segundo andar. Eu não tinha pressa, ele

tampouco. Não falamos mais nada. Embora Zodiak tivesse me tratado com

decência, eu conhecia os homens Bratva mais do que suficiente para saber

que existia um limite que não se passava se não quisesse conhecer o lado

sombrio de cada um deles.

Havia uma única porta aberta que deixava um feixe de luz escapar para

o corredor vazio. Estava tão quieto que meu salto parecia uma metralhadora

lenta e coordenada se aproximando.

Fiz uma parada antes de entrar, rezando uma breve oração. Deus

conhecia meu coração, minha mente e meus pecados. Ele também sabia que

eu não tinha total controle de minhas ações, ainda que quisesse ter. Ele me

perdoaria pelo o que quer que acontecesse naquele quarto, mesmo que Viktor

não o fizesse.

— Nada vai acontecer — sussurrei.


— Madame, meu konsultant não tem pressa, mas imagino que a

senhora sim.

Suas palavras me incentivaram e eu avancei, entrei e fechei a porta.

Uma risada profunda rompeu o silêncio do quarto, chamando-me, me

incitando a chegar mais perto.

— Não seja tímida, Maryia Zirkov. Eu estava esperando por você.

Eu obedeci, encontrando Dimitri de pé, sem camisa, todas as infinitas

tatuagens em exibição contando sua história. Ele era um homem perigoso,

mesmo que eu não conhecesse os significados de alguns dos desenhos,

saberia disso. O que eu estava fazendo ali?

— Algo engraçado? — perguntei, parando a poucos metros de

distância.

Ele assoprou algumas balas na mão antes de colocá-las na mesa à sua

frente junto com três pistolas desmontadas. Analisava as peças com calma,

com frieza.

— O fato de a senhora estar aqui por si só já é divertido.

— Eu não tive escolha.

Dimitri fez uma pausa em sua função e me fitou.

— Essa é a verdade absoluta?


— É claro que sim. Mais uma vez você me fez fazer algo que eu não

queria.

Ele sabia bem que eu me referia ao incêndio em minha casa, ao

descobrir as traições de Viktor, ao arriscar ser pega e acusada de traição no

campus da faculdade.

— Não vou forçá-la a nada, senhora Zirkov.

— Pare de me chamar assim — rosnei, encarando-o no fundo dos

olhos.

— Como devo chamá-la, então?

— De nenhuma forma. Devemos voltar a ser meros conhecidos como

antes.

— Ainda somos só conhecidos, a não ser que queira mudar isso.

— Pare de me provocar, Dimitri. Eu não vou participar do seu jogo,

seja ele qual for.

— Não existem jogos. Eu sou só um homem querendo justiça.

— Eu não sou estúpida!

— Tem razão, não é. Uma mulher fraca ou estúpida não entraria no

carro de um empregado de outro Clã para conspirar contra o seu próprio.

— Não estou conspirando, vim com o único propósito de exigir que me


deixe em paz. Sem mais mensagens misteriosas, sem seus Vorys me seguindo

ou fotos penduradas para me atrair. Já chega!

— Só quero te ajudar, Maryia.

— Eu não pedi sua ajuda.

— E pediu a de alguém? — Ele deu a volta na mesa e se aproximou,

diferente do outro dia no campus, não me tocou, mas ficou tão perto que

ainda invadia meu espaço. — Você está silenciosamente implorando por

socorro. Ninguém viu e ninguém vai ver. Eu não poderia ignorar seu

chamado de desespero. Me sinto culpado por tê-la feito colocar fogo na casa,

se tivesse morrido o arrependimento me consumiria.

— Seria um castigo bem-vindo dado ao fato de que se meteu na minha

vida sem que eu pedisse.

— Nós somos iguais, Maryia. — Ele segurou minha mão, dando um

aperto.

— Não me toque. — Puxei de seu aperto, engolindo em seco. — Eu só

quero que me esqueça. Ambos podemos ser mortos por isso. Essa sua... —

Fiz uma pausa, não encontrando a palavra certa.

— Obsessão?

— Eu não quero ir longe e chamar assim. Isso seria pior ainda.

— Mas é o que é. — Ele deu de ombros. — Estou obcecado com a


ideia de ajudá-la a se vingar de Viktor, desde que te ouvi aquele dia.

Ele me chamou de louca, mas agora eu podia muito bem chamá-lo de

insano.

Ele falava com seriedade, não se importava com os significados e peso

de cada sentença.

Insano.

— Por quê? — sussurrei.

— Porque eu amo alguém que diariamente quebra o meu coração

escuro. Alguém com quem não posso estar junto — ele sorriu — e eu

adoraria me vingar dela, de alguma forma, mas não posso.

— Por que não?

— Porque a amo demais. Não é irônico? De uma forma ou de outra,

tudo leva ao amor.

— Se você não pode se vingar de sua amada, o que te faz pensar que eu

poderia fazer algo contra o meu?

— Todos nós temos coragem no interior. Algumas estão à vista, outras

bem escondidas, mas está lá. Minha vingança contra a minha amada — ele

colocou a mão sobre seu coração — é que ela também jamais será feliz com

quem ama.
— Como isso pode te deixar feliz?

— Te deixará também, em breve. Não sinto nada além de desprezo por

Viktor, então será uma honra ajudá-la a se vingar.

— Você é doente.

— Todos nós somos. Acontece que alguns encontram remédios e

outros não.

Balancei a cabeça em negação e ergui as mãos.

— Eu já ouvi demais e já disse tudo o que vim dizer. Me deixe em paz,

Dimitri.

— É por isso que agora estou deixando tudo nas suas mãos. — Ele

começou a dar lentos passos à frente, fazendo-me recuar com cada um. — Se

quiser conversar, falarei até que ambos estejamos roucos. Se quiser planejar

contra Viko, serei seu estrategista particular. Se quiser trepar, vou foder a

raiva que te consome para fora de você, Maryia. O que você quiser.

Eu parei, chocada com seu atrevimento. Minha mão voou em seu rosto

tão rápido que ele não teve uma reação de imediato. Eu estava indignada,

irritada e furiosa com a forma como pensava poder falar comigo. Avancei até

que meu nariz quase tocou seu queixo.

— Veja como fala comigo, Dimitri Romanoff. Eu não sou chamada de

louca à toa. Trate como prostitutas as prostitutas do seu Clã, não eu.
Virei-me, pronta para sair sem olhar para trás, mas seus dedos em volta

do meu braço me impediram.

— Dimitri, eu já...

Fui silenciada por um beijo.

Um beijo.

Seus dedos apertaram meus cabelos da nuca, pressionando nossos

lábios juntos. O toque de sua boca era quente, diferente, novo. Eu nunca

beijei ninguém além de Viktor, em dez anos. Minhas pernas estavam fracas,

medo, ansiedade, raiva e curiosidade lutando uma batalha que ele se declarou

vencedor. Adrenalina bombeou meu sangue, me senti estremecer por

completo. Minhas mãos ergueram-se, empurrando seu peito, mas não

consegui me afastar. Senti a pele quente, forte, as cicatrizes escondidas por

tatuagens. Senti seus pelos, algo tão íntimo encostando em mim que meu

coração acelerou com medo. Intimidade. Aquilo não deveria estar

acontecendo. Ele separou seus lábios, puxando os meus para mais perto. Só

consegui o controle da situação quando senti a ponta da língua do Vory tentar

invadir minha boca. Eu o empurrei com força, mordendo-o para reforçar

minha recusa.

Dimitri deu um passo atrás. Ainda segurava meu pescoço, estava

ofegante, assim como eu.


Eu não podia dizer nada, não conseguia encontrar palavras, embora

quisesse. Minha cabeça ficou em branco.

— Aceito outro tapa.

Seus olhos castanhos estavam totalmente focados em mim, esperando

uma reação, mas eu não tinha uma para dar a ele. Recuei até a porta, sem

desviar os olhos de Dimitri, esbarrando no aparador antes de sair. Eu não

podia acreditar que tivesse feito aquilo.

Ele simplesmente me beijou.

Um beijo possuído que não era seu.


“Batom vermelho, pétalas de rosa, coração partido

Eu era essa Marilyn Monroe

Noites erradas, terno, carros rápidos

Um James Dean dirigindo devagar

Você costumava ser esse garoto eu eu amava

E eu costumava ser essa garota dos seus sonhos

Quem sabe o curso dessa única estrada

Nos feriu fatalmente

Você tirou os melhores anos da minha vida

Eu tirei os melhores anos da sua vida

Senti que o amor me atingiu na noite


Eu rezei que o amor não me acertaria duas vezes”

RIHANNA, LOVE WITHOUT TRAGEDY

Eu estava muito ocupada encarando o mesmo vaso de flores pelos

últimos vinte minutos para perceber que a atmosfera havia mudado, que o

show estava prestes a começar e só fui tirada de devaneios perturbadores,

amarrados em lembranças da noite anterior, quando um braço forte rodeou

minha cintura por trás, puxando-me para seu peito.

— Olá, esposa. — Sua voz calma em meu ouvido era suave, recheada

da rouquidão familiar. Atravessou o vendaval de memórias como uma onda

ou um sopro forte, como um chute forte numa porta frágil, que precisei

trancar a sete chaves para que ele não percebesse que algo estava errado. Era

sempre daquele jeito, só que ainda mais naquele momento, quando minha

consciência pesava uma âncora.

Encarei-o por cima do ombro, fixando meus olhos em seus verdes

conhecedores.

— Sentiu minha falta?


Ele encostou a bochecha em minha testa, deslizando a mão para baixo,

até minha coxa, antes de subir novamente e pressionar o polegar abaixo do

meu seio esquerdo. Eu me empurrei para a frente, fugindo do contato.

— Tenho estado ausente, mas, estou de olho em você, Maryia. — Me

puxou de volta. — Por que decidiu vir dormir aqui?

Sair do hotel e ir direto para a casa de vovô inicialmente parecia uma

boa ideia. Eu tomei um banho, esfregando-me com força e repetidas vezes,

tentando lavar a culpa e o peso em minha consciência. Não funcionou. Me

deitei, decidida a encontrar calmaria em meu sono. Foi quando os

pensamentos perturbadores começaram. Como eu poderia encará-lo e mentir?

Não podia, então simplesmente voltei a encarar o vaso de belos hibiscos.

— Eu queria passar um tempo com vovô e meus irmãos. — Foi uma

luta não desviar os olhos e mentir, de esconder porque realmente não voltei

para a casa.

Porque fui tocada por outro homem. Meus lábios conheceram outro

gosto, meu beijo não era mais só dele. Eu estava longe da calmaria que exibia

naquele jantar.

— Aqui não é mais sua casa, zhena. Não importa se eu estou lá ou não,

você volta para a nossa casa e espera por mim.

— Aquela não é a nossa casa. É a casa de sua família. Onde recebo


olhares de reprovação de sua tia o dia inteiro e seu pai ameaça meu avô, na
outra parte do tempo. Onde seus soldados me vigiam, como se eu fosse uma

criminosa. — Eu o encarei. — Se essa é a vida para qual você vai me

arrastar, dessa vez eu vou fugir a cada segundo que puder.

— Seja paciente para que eu recupere sua confiança, Maryia. E para

que você reconquiste a minha também.

Eu dei risada, atraindo um pouco de atenção para nós.

— Eu preciso recuperar sua confiança? — Espalmei seu peito. —

Querido... em que mundo você vive?

Ele ergueu o queixo. Forte, orgulhoso... lindo. Puxou-me para si

novamente e sem que eu esperasse a ação, me beijou.

Como tudo o que vinha de Viktor, eu não esperava o beijo e muito

menos que mexesse comigo como sempre fez. Depois de saber de suas

traições e as confissões, eu pensei que meu corpo se tornaria imune a ele.

Que o nojo se tornasse maior que a atração. Que o conhecimento do que ele

fez pelas minhas costas com outras mulheres fosse maior do que as

lembranças do prazer que tínhamos juntos.

Mas não.

Meu corpo traidor se encaixou no dele quando me puxou para si e

minha língua envolveu a sua como sempre fez. Velhas amigas se


encontrando. Ódio e amor batalhando o maior espaço, tentando descobrir
qual era mais forte. Eu queria que o ódio ganhasse, ansiava por isso, mas a

forma como ele me beijava com tanto desejo, paixão e entrega, me fazia

questionar se suas emoções não eram tão fortes quanto as minhas.

Ele gemeu com a boca colada à minha, mordendo e sugando para

depois aprofundar o beijo.

Levando-me a um delírio de esquecer que estávamos na sala do meu

avô com algumas dezenas de pessoas observando.

Quando acabou, meu coração batia forte. Eu pegava fogo. Meus olhos

ardiam com a vontade de chorar, por reconhecer que não importava o que ele

fizesse, meu amor sempre seria maior do que todas as outras coisas. Quando

nos separamos, ofegantes, eu senti olhos sobre nós. Inclusive o seu, pesado e

fervoroso em meu rosto.

Nossa vontade e desejo nunca deixaria que fôssemos embora e aquilo

me aterrorizava.

— No meu mundo — sussurrou.


Eu assisti à Maryia correr com as mãos tapando a boca borrada do

batom escuro e sorri. Em breve. Muito em breve, eu teria a minha esposa de

volta. Não aquele projeto de atuação em que ela tentava se esconder de mim.

Nosso casamento podia ter sido tudo, menos teatro.

Ela foi de encontro ao seu irmão, Evarkov, que a acolheu de braços

abertos. Eu a vi ajeitar sua maquiagem virada para ele, que a fazia rir de algo

que dizia. Meu peito ardeu com ciúme. Eu odiava quando Maryia estava sob

a atenção de outro homem, ou tinha a sua atenção presa. Odiava o quão

indiferente parecia estar sobre nós dois, ainda que eu soubesse que era tudo

uma encenação. Na cabeça dela fazia sentido tentar mentir para mim, mas ela

deveria saber melhor, depois de dez anos ao meu lado. Eu não era Boss por

ser estúpido.

Eu conhecia aquela mulher há dez anos, forcei seu avô a me entregar

sua mão em casamento, matei por ela e mataria de novo. Não havia nada que

pudesse esconder de mim, não importava o quanto tentasse. Ela pensava que

eu não aprendi nada em nosso tempo juntos, a ponto de ser burro o suficiente

de não saber quando estava sendo ela mesma?

— Ela já te aceitou de volta?


Eu me virei ao ouvir Volya, não surpreso que se aproximou sem ser

notado. Aquele era um dos principais motivos que o fazia um dos melhores

Vory.

— Ainda não, mas vai.

— Uma traição confessada não se perdoa fácil, irmão.

— Eu não amei outra mulher. Só transei. Isso é tudo o que importa para

Maryia.

Ele riu, olhando para ela, na mesma direção que eu.

— Ela pode escolher devolver na mesma moeda, esperando que você

veja da mesma forma. Já pensou nisso?

Sorri com ironia.

— Maryia não me trairia jamais, seria como trair a si mesma.

— Mas você perdoaria?

— Sim. — Eu o fitei, divertindo-me com sua expressão de choque. —

Depois de colocá-la para descansar em paz para sempre.

— Você não teria coragem de matá-la, Viko. Diz isso a ela, mas eu te

conheço.

— Eu não só a mataria, como a seus irmãos, enquanto a faria assistir, e

seu amante. Só depois daria a ela a liberdade da morte.


Falei muito sério, e era o que eu acreditava com todo o coração. Eu

mataria um Vory que me traísse, por que não faria o mesmo com minha

esposa? Volya não discutiu. Primeiro, porque ele sabia que não tinha nada a

ver com o meu casamento e, segundo, porque não se importava se Maryia

estava comigo de bom grado ou não. Não fazia diferença para ele.

— Style está aqui — disse ele.

Assenti. Olhei ao redor, buscando o nosso convidado. Contabilizei as

pessoas presentes e conferi que cada um da lista estava ali.

— Ele está sozinho?

— Sim. E não veio armado.

— O filho da puta é muito burro ou muito corajoso. — Dei risada.

— Eu diria que ele é um bom aliado.

— Não se apegue, Volya — lembrei meu irmão. — Você pode precisar

se livrar dele quando terminarmos.

— Está mesmo me dizendo isso? — zombou.

— Faça uma revista milimétrica no perímetro e ao redor da casa —

falei. — Se Style traiu seu próprio país, nada o impede de nos trair também.

— Ele já esteve aqui antes, sabe que faríamos isso. Não acho que iria

arriscar.
— Ele quer provar seu valor para o novo chefe da Yakuza. Todos nós

sabemos que Katana Kurosawa é um psicopata fodido e espera lealdade cega

de seus homens.

— Você deveria ter dito isso a seu pai antes que ele soltasse Katana.

— Nós queríamos uma aliança e conseguimos, ninguém estava

pensando no futuro naquele momento. Se eu estivesse tentando ganhar a

confiança do chefe, trairia aliados, se fosse preciso — eu disse, fitando a

porta, à espera de Tieko entrar. — É assim que a Yakuza funciona. Eles são

governados por medo, não por lealdade. Nós temos que estar preparados para

tudo.

— Eu imaginei que essa fosse a última vez que veríamos Style aqui.

— Não, Volya. Enquanto Kazel não for parado, essa aliança viverá. Eu

não vou deixar que DeRossi o pegue e nem Konstantinova.

— Já falamos disso antes, mas preciso perguntar novamente, para

garantir que suas prioridades continuam as mesmas. Por que estamos tão

focados em pegar esse Kazel Maraba?

— Novas denúncias foram feitas nas pequenas cidades da Rússia —

revelei a informação que apenas eu e meu pai sabíamos. — É o mesmo

modus operandi.

— Elas têm família?


— Sim, e deram queixa.

Volodya amaldiçoou.

— Quando a mídia começar a falar das meninas desaparecidas, seus

antigos clientes e fornecedores saberão que ele está de volta, reconstruindo

seu poder pouco a pouco. Ele está chamando a atenção.

Não me surpreendia que meu irmão tivesse entendido tudo sem que eu

precisasse falar.

— Não podemos deixar que isso aconteça. Ainda que fossem

prostitutas viciadas à beira da morte — continuei. — Deixar Kazel sair

impune de seus crimes atuais e antigos de nosso país não é uma opção.

Apertando os punhos, Volya assentiu. Ele não dava a mínima para o

trabalho de Kazel, ou para nossas ações sociais. Volya dificilmente ligava

para algo. O único sentimento que já reconheci em meu irmão era sua

lealdade, que vinha de um senso profundo de honra que nós não o ensinamos,

mas o conhecemos assim.

— O que você precisa que eu faça? — perguntou.

— Fique de olho em Maryia, enquanto eu estiver falando com Tieko,

ela sabe dos riscos que corre sendo minha esposa, mas em sua cabeça nem

tudo é tão sério. Avise os outros Clãs para ficarem em alerta com suas filhas.

Não acho que Kazel atacaria diretamente a Bratva, mas não posso arriscar.
— Não duvido. Ele é um homem descontrolado, vimos isso quando ele

levou aquela garota dos Konstantinova.

— Ninguém é imparável — falei. — Ele vai descobrir isso quando me

conhecer.

— Você acha que ele ainda está com a menina?

Ele se referia à Naya, uma celebridade que vivia entre a família

Konstantinova da Alemanha.

— Sim — afirmei. — Saiu da Alemanha com ela debaixo do nariz de

todos eles.

— E se o colocarmos para baixo e a garota estiver viva?

Inclinei a cabeça para o lado, fitei Maryia rapidamente e voltei ao meu

irmão, sorrindo.

— Então, nós a pegaremos e vamos descobrir o que Stark, Siriu e

Demeron estão dispostos a dar por ela. Eu gosto de Regnar — fiz uma pausa

—, mas se ele não tiver nada interessante a nos oferecer em troca, não há

nada de valioso nela.

Volya assentiu.

— Pensaremos em alguma utilidade para ela. Agora vamos nos sentar e

beber, quero encerrar logo esse show e ficar bêbado.


Bati em seu braço.

— Eu sei que vai. — Dei risada. — Não estamos esperando mais

ninguém.

Eduard Pakarovi estava ali, assim como o seu pai. Evarkov, Nikolai e

Maksim também. Meu pai completava o círculo. Volya suspirou e sua

expressão demonstrava que ele não gostava nada do que diria a seguir.

— Alexi descobriu que estamos tratando de negócios com a Yakuza,

sem sua presença. Ele está a caminho.

— Os assuntos dele estão em São Petersburgo — me irritei. — Por que

diabos ele viria para cá?

— Talvez sinta a nossa falta — Volya brincou, mas não sorria. Ele

também não gostava nada da presença do líder do Clã Romanoff ali.

Dei risada, levando a mão até minhas costas, onde uma pistola

silenciosa aguardava a ação, caso ela fosse necessária.

— Deixe que ele venha, então.

Alexi e seu primo, Dimitri, eram membros que o corpo da Bratva não

sentiria falta. Eu faria valer a pena a perda.

— Controle-se, Boss. Não queremos nos distrair do propósito.

Volya balançou a cabeça em direção à porta que se abria, e Style Tieko


entrava com um semblante em branco, mas confiante.

— Não — concordei —, não queremos. Vamos cumprimentar nosso

convidado.
— Acha que não podemos lidar com nosso convidado? — Evarkov me

questionou.

Eu estava segurando-o desde o momento em que Style Tieko, um

notório membro da Yakuza, entrou em nossa casa. Eu não entendia o que

aquele homem fazia ali. Viktor não havia dito nada, apenas pediu que eu

estivesse presente no jantar, como de praxe, mas algo estava diferente. Havia

poucos convidados, não tinha música e nem um grande banquete.

O que estava acontecendo?

— Maksim é uma bomba relógio e você está respondendo à nossa

justiça pelos seus crimes contra a Irmandade. Pode me culpar?

— Isso é importante, irmãzinha. — Ele jogou o braço pelo meu ombro.

— Estamos todos em comum acordo nessa situação em particular.

— Então por que é que você o encara, como se fosse arrancar sua

cabeça?

Evarkov mostrou os dentes.

— Porque se ele der um passo fora da linha, eu vou.

— Viktor não deveria ter te deixado vir.


— Você pode me culpar, Maryia? Nós estamos em guerra com essa

corja há incontáveis décadas. Segurar as minhas emoções por ele não seria

tão fácil assim.

— Pois você precisa se controlar. Eu nem sei por que Viktor me pediu

para vir neste jantar, talvez fosse para colocar juízo em sua mente e de Maksa

mesmo, mas claramente não é algo para a imagem dele.

— Não — concordou. — Hoje é sobre demonstrar força e a maior força

de um Boss, além da irmandade intacta e fiel atrás dele, é sua família unida.

Viktor vai querer que você aja como se fosse a mulher mais feliz do mundo.

Ergui as sobrancelhas, voltando a fitar meu marido. Viktor apertou a

mão de Style e Volya fez o mesmo em seguida. Eles trocaram algumas

palavras em frente à porta e depois entraram. Style passou por cada um

presente, cumprimentando todos até chegar em nós.

Ele inclinou a cabeça, seus olhos incrivelmente pretos e rasgados não

se mantiveram em mim por muito tempo.

— Senhora Zirkov. — Não fez nenhum movimento para me tocar, o

que eu tinha certeza de que tanto Viktor quanto os homens da minha família

apreciaram.

Eu lhe ofereci um sorriso cortês, como estava acostumada a fazer.

— Seja bem-vindo, senhor Tieko. O jantar será servido em breve.


— A hospitalidade de vocês nunca deixa de me surpreender. — Ele

manteve as mãos cruzadas atrás das costas, o terno era bem passado e o

sapato lustroso. O único homem de terno no lugar. Eu sabia que assim como

a Bratva, a Yakuza não se escondia atrás de ternos. Aquilo ficava para os

irlandeses e italianos, que escondiam sua violência atrás da elegância.

Mas Style queria mostrar que podia ser civilizado no covil dos lobos,

por isso a vestimenta.

— Espero que goste da nossa culinária, esta noite teremos a ceia

tipicamente russa — expliquei.

— Eu amo devorar tanto quanto posso coisas russas, me deixa

renovado. — Seu sotaque saiu mais pronunciado. Intencionalmente mais

forte.

Eu senti Evarkov dar um passo à frente atrás de mim, seu rosnado

fazendo Style sorrir levemente. Viktor cerrou a mandíbula, não gostando da

insinuação do convidado.

— Volya, leve Evarkov e Style aos seus lugares. Vamos jantar e depois

falaremos de negócios.

— Eu pensei que trataríamos de nossos negócios primeiro — disse

Style. Ele não parecia preocupado, só curioso.

Viktor me puxou para seu lado, apertando os dedos em minha cintura.


Mostrava posse, segurança e fazia uma declaração clara de território.
Antigamente eu adorava, mas naquele momento, só conseguia ver flashes da

minha boca colada na de Dimitri, manchando aquela posse.

— Não. — Viko sorriu. — A prioridade é alimentar minha esposa.

Style me fitou, parecia tanto bem-humorado quanto sarcástico.

— Você é um homem esperto, Viktor. Vamos ao jantar, então.

Evarkov deu a volta em nós dois, passando por Viktor sem perder a

chance de esbarrar com força em seu ombro. Consequentemente Viktor bateu

em mim, fazendo um pouco do líquido em minha taça de vinho derramar em

minha mão. Meu irmão seguiu Volya em passos pesados e apressados.

— Imbecil do caralho — Viktor resmungou, tirando a taça da minha

mão e levando meus dedos aos lábios. Ele me olhou nos olhos e chupou um

por um, lambendo a palma da minha mão por fim, limpando o vinho tinto.

Tentei puxar, mas o aperto em meu pulso era firme, mostrando-me que

eu não tinha escapatória. A menos que ele quisesse, eu não iria a lugar algum.

— Eu não sabia que agora recebíamos nossos inimigos em casa — falei

e só assim ele me deixou ir, mas não se afastou. Minha coluna ainda estava

grudada em sua frente, enquanto observávamos os poucos convidados se

dirigindo à sala de jantar.

— Resolvi adotar uma nova postura diante de uma certa situação.


— É tão grave assim?

— Nada com que precise se preocupar, eu vou cuidar de você, zhena.

Sempre.

— Por que você queria que eu estivesse aqui? Para fazer com que seu

inimigo pense que estamos juntos e felizes? Que não existem falhas em seu

Clã?

— Porque você é minha. — Sua voz controlada era fria e feroz. Ele

piscou os olhos verdes em meu rosto. — Não há por que fingir ou mostrar.

Nós somos de verdade. Se está feliz, se mostre feliz. Se está com raiva de

mim, vá em frente e demonstre sua raiva em público. Quem se importa? Eu

não, Maryia. Sua loucura foi uma das coisas que me fizeram amá-la uma

década atrás. Contanto que ainda esteja ao meu lado, faça o que quiser.

Contanto que as pessoas se refiram a você como minha. Minha esposa.

Maryia Zirkov. É quem você é — ele sussurrou a última parte em meu

ouvido.

Eu engoli em seco.

— Por que você voltou? — sussurrei de volta. Cheia de raiva e

desconfiança.

— Pela Bratva. Você sabe que voltei pela Irmandade.

— Se o seu pai tivesse ordenado, continuaria na Itália.


— Não, eu não tinha nada que me prendesse lá.

— Vamos jantar — falei. Em minha mente, minha voz era apenas um

sussurro fraco, mas quando a coloquei para fora, foi forte e decidida, como se

eu não me importasse com sua resposta.

Tomei à frente, dirigindo-me à outra sala com os convidados, não

esperando por ele para caminhar ao meu lado.

Se Viktor voltou pela Bratva, por seu compromisso com o Clã, eu não

estava errada em firmar meu próprio compromisso com minha vingança.

Minha culpa me fazia tão estúpida quanto eu pensava. Se ele tivesse a

chance, continuaria rodando pelo o mundo sem mim, traindo-me e traindo os

nossos votos.

Por que eu estava tão preocupada com um beijo?

Eu continuava ali, presa no mesmo lugar, ainda dependendo dele.

— Você está preocupado — refleti, observando seu cenho franzido.

— Ossos do ofício, não se preocupe. — Ele tocou rapidamente o meu

pescoço, afagando. Era um costume de antes, algo que fazia naturalmente.

Me tocar, tentar me confortar, me tranquilizar.

Aquele momento não foi calculado em sua mente, porque ele não me

fitava. Os olhos verdes estavam focados no convidado à frente, analisando

cada movimento de Style Tieko.


Nosso inimigo dentro de nossa casa.

Talvez Viktor estivesse tão louco quanto eu.


“Eu sou viciado em buceta e a sua é deliciosa

Eu vou curtir a noite inteira

Porque buceta é buceta e mina, a sua é pra vida toda

Eu sei que você me vê te olhando

Eu quero te foder, você já sabe

Eu quero te amar, você já sabe”

AKON FT SNOOP DOGG, I WANNA LOVE YOU

— Ela provavelmente não vai mais — disse Alessandra, após mais


cinco minutos de espera em frente à casa de Viktorya.

— Ela virá — afirmei, porém, não tinha mais certeza.

De todas nós, Viktorya era sempre a mais pontual, odiava atrasos e

muitas foram as vezes que nos deixou para trás quando atrasamos. Ela tinha

pavor de não honrar um compromisso na hora certa.

— Alexi está na cidade, Dimitri também — Veronika lembrou, fazendo

os pelos dos meus braços eriçarem. — Talvez ela queira ficar com eles esta

noite.

— Os pais dela também vieram? — perguntou Ale, ela era a motorista

da noite e aproveitava a espera para retocar o batom no espelho.

— Não faço ideia. Faz anos que não vejo aqueles dois.

— Eu amo Viktorya, mas sua família é tão estranha.

Enquanto elas conversavam, eu só conseguia olhar fixamente para o


segundo andar, onde uma única luz acesa era o chamariz de minha

curiosidade. Não havia sombras na janela, apenas uma cortina escura sendo

iluminada pela lâmpada no interior. Eu me perguntava se era onde Dimitri

estava, ou se ele dormia em um dos quartos escuros, ou se estava tratando de

negócios com Alexi mais ao fundo da mansão.

— Maryia — Nika me chamou —, já tentou ligar para ela?

— Mandei uma mensagem. — Mas ela ainda não tinha visualizado, o


que também era estranho. Viktorya estava sempre com o celular na mão,
respondia as pessoas o mais rápido que conseguia, atendia a todas as ligações

que recebia e todos os e-mails. Lia todos, ainda que fossem automáticos.

— Nós temos uma reserva na Bloodline.

Veronika bufou.

— Quem se importa com a reserva? Nós teríamos uma mesa, de

qualquer jeito.

— Eu gostaria que não tivéssemos conseguido uma — falei. — Assim

teríamos uma desculpa para ir em outro lugar.

Tentávamos ao máximo ter noites como aquela, as quais nos

arrumávamos e saíamos em busca de esquecer nossos sobrenomes, posições e

obrigações. O peso de quem éramos. Do nosso mundo. Porém, justo naquela

noite, quando nossas agendas nos permitiram estar juntas, era o dia de uma

luta importante de Viktor e ele me queria lá.

Eu sempre odiei vê-lo lutar, ao mesmo tempo que amava.

Meus sentimentos viviam em cabo de guerra sobre a questão; detestar

vê-lo machucado e adorar admirar o quão feroz podia ser. As mesmas mãos

que antes me tratavam com tanta delicadeza e amor, também eram capazes de

atos vis e cruéis em cima do ringue. As lutas do meu marido atraíam público

de toda a Rússia.
Nas lutas envolvendo Boss e variados homens na linha de frente dos

Clãs, como os estrategistas e conselheiros, a Bratva ganhava rios de dinheiro,

reputação e fama. Tratava-se de uma exibição de poder e territorialismo que

eu admirava. Dias em que eu me vestia como a esposa de um mafioso, um

criminoso de rua e me orgulhava de vê-lo se banhar no sangue de seus

oponentes. Muitas vezes, bebi e me diverti, enquanto ele tirava vidas lá em

cima. Sempre me orgulhei.

Menos naquela noite.

Naquela noite, eu só queria poder ir a uma boate, beber até não

aguentar mais o gosto do álcool e dançar com minhas melhores amigas.

Não estar a caminho de aplaudir aquele filho da puta, enquanto ele

ganhava mais uma luta ridícula e eu desejava que fosse muito, muito

machucado.

— Finalmente. — Nika suspirou e Ale deu partida.

Eu olhei em direção à casa, vendo a porta abrir e Viktorya sair,

fechando a porta com calma, caminhando até o carro com sua elegância

clássica. Ela vestia suas roupas formais de costume, tinha o cabelo no alto e o

rosto limpo de maquiagem. O que era raro.

— Ninguém a avisou aonde vamos? — Alessandra franziu o cenho.

Nika riu.
— Eu sim, mas você já viu Viktorya vestir algo além dessas roupas de

vovó?

— Eu já. — Sorri para seu rosto travesso. — Roupas de mamãe.

Ela entrou no carro quando ainda estávamos rindo, batendo a porta e

nos encarando com a expressão amarrada, como sempre. Passaram-se alguns

segundos, até nos cumprimentar.

— Meus pais estão na cidade, assim como meu primo e irmão. Hoje é

um dia de merda — disse ela. — Eu gostaria de não ter que ir assistir àquele

espetáculo de violência gratuita.

— Vamos fugir, então. — Veronika olhou para mim, procurando apoio.

— Só hoje?

— Poderíamos, se Sergei não estivesse no carro detrás com mais dois

Vorys.

Alessandra lamentou, estudando Viktorya cuidadosamente.

— Você está bem?

— Eu vou ficar. — Ela olhou para fora da janela. — Vou ficar.


Quando chegamos em frente à Bloodline, exatamente 17 minutos

depois, só entramos com facilidade porque obviamente todos sabiam quem

éramos, porém, o lugar estava abarrotado de gente. O lugar era grande, mas,

se tratava de um ponto de encontro de toda a facção, principalmente pelas

pessoas que lutariam aquela noite.

Onde o Boss de Moscou estava, as pessoas queriam estar. Meu marido

parecia um político com seu carisma, senso de humor e coragem. Ao mesmo

tempo, conseguia ser temido. Ele era o equilíbrio perfeito para um Boss.

O mesmo acontecia quando Alexi, Volya, Luca, Eduard, Maksim e

Evarkov lutavam. As pessoas queriam estar presentes.

Eram os nomes mais poderosos da Rússia dentro da facção, talvez até

fora dela. Homens misteriosos, difíceis de ler, impossíveis de adivinhar os

próximos passos. Conquistar sua confiança exigia paciência, ousadia e

coragem. Eles tinham respeito e por isso ganhavam tanta lealdade. Pela

quantidade de mulheres na porta, não era difícil dizer que ganhavam muito

amor também. Amores de uma noite e incontáveis amantes.

Mulheres que não se importavam de serem usadas e jogadas fora,

apenas para poder dizer que conheceram o gosto de um momento com algum

deles. Passei por elas de queixo erguido, evitando focar meus olhos em
qualquer pessoa.

Sabendo das traições de Viktor, me perguntei se alguma vez ele cedeu

aos encantos daquelas meninas quando eu não estava presente. Antes de ir

para a Itália, nunca houve boatos de traições, então, a não ser que fosse algum

segredo muito bem escondido, ninguém na Rússia já havia dito que ele era

infiel a mim. Foi apenas em sua viagem para a Itália que o pesadelo se

iniciou. Agora, eu tinha motivos para desconfiar e ninguém poderia me

culpar.

Nós seguramos uma a mão da outra. Ale e eu seguimos à frente, com

Viktorya e Veronika logo atrás. Sergei estava tão perto quanto podia, mas

sem invadir nosso espaço. Assim que entrássemos, ele poderia ir para algum

lugar do bar e tomar uma cerveja, enquanto assistia à luta, mas enquanto não

estivéssemos seguras lá dentro, ele vigiava cada um de nossos passos.

Subimos direto ao mezanino, onde uma linha de oito mesas era

guardada por um Vory, no intuito de que apenas o alto escalão da Bratva

tivesse acesso. Por isso estávamos seguras, sem fiscalização constante ali,

pois mesmo se um estranho tivesse más intenções, jamais conseguiria passar

pela segurança e nos alcançar. Viktorya se sentou ao meu lado, abriu sua

bolsa e tirou os óculos escuros, colocando-os antes de tocar a campainha no

centro da mesa.
— Está sol aqui dentro, não é? — Veronika a alfinetou.

— Vocês deram sorte que vim, pois minha vontade era sequer ter saído

de casa.

Por algum motivo, quando seus pais estavam no país, seu humor ficava

pior do que já era. Ela ficava distraída, desligada até mesmo com suas

obrigações, insegura de seus próprios passos, ainda que fosse a pessoa mais

determinada que eu conhecia. Tornava-se outra mulher, o que me fazia

desejar que o senhor e a senhora Romanoff fossem embora o mais rápido

possível.

Quando Viktorya fez 19 anos, Roman enviou seu pai para cuidar de

negócios, nos Estados Unidos, e ela se negou a ir, ficando sob a

responsabilidade de Alexi e Dimitri. Ninguém viu com bons olhos que ela

passasse a viver com dois homens prestes a se tornarem guerreiros na Bratva,

mas Viky não se importava. Negou qualquer tentativa de seus pais de levá-la

para fora de Rússia, assim como declinou quando seu irmão e primo tiveram

que ir para São Petersburgo, para que Alexi tomasse à frente do Clã.

— Vocês perceberam? — disse Ale, observando a fila de Vorys lá

embaixo. — A segurança está reforçada.

— Tem algo grande acontecendo — falei. — Não sei do que se trata,

mas ontem um membro da Yakuza apareceu no jantar na casa do meu avô.


Foi a coisa mais estranha que aconteceu nos últimos anos.

E assustadora também. Eu não costumava me assustar fácil, não depois

de dez anos casada com um dos homens mais notórios da Bratva, e não

deveria falar sobre aquilo com elas, já que não estavam lá. Porém eu confiava

minha vida àquelas mulheres. Dizíamos tudo uma à outra, com exceção de

algumas poucas coisas que Viktor me confidenciava antes de sua viagem,

quando ainda éramos parceiros. Quando existia confiança.

— Roman estava lá? — Veronika perguntou.

— Sim.

Ela franziu o cenho.

— Minha irmã não disse nada sobre essa reunião. Tenho certeza de que

é algo ultra secreto.

— Alexi e Dimitri foram, certo? — Viky questionou.

— Viktor disse que apareceriam, mas eles não chegaram. — E aquilo

foi algo pelo qual agradeci por todo o jantar. Mentir na cara de Viktor seria

fácil em comparação a ter que comer estando face a face com Dimitri

Romanoff.

— Eu acho que tem a ver com aqueles desaparecimentos acontecendo

em algumas cidades pequenas — Viktorya começou a dizer. — A Irmandade

está desconfiando que foi um louco, chefe de uma seita. Você se lembra
daquela cantora desaparecida?

— Sim — Nika confirmou, estalando os dedos. — Qual o nome dela?

Naja? Kaya?

— Naya — falei.

— Parece que ela está com ele.

— O quê? — Estávamos todas chocadas com a revelação de Viktorya,

ela deu de ombros.

— Foi o que eu ouvi falar. Isso sim é ultra secreto, então não abram a

boca nem para suas sombras.

— Como sabe disso? — eu quis saber. — Não pensei que seus irmãos

falassem de negócios com você.

— Meu irmão e meu primo — enfatizou —, não falam de negócios

comigo. Nós ficamos agitados com a volta de meus pais e o assunto surgiu,

enquanto eu e mamãe ficamos na sala. Vocês têm certeza de que eles não

apareceram no jantar?

— Sim, Viktor e eu ficamos até o último convidado ir embora. Está

tudo bem?

Ela mexia seu copo lentamente, encarando o líquido fixamente.

— Sim, apenas lembrei de algo. Agora... nós vamos beber ou o quê?


Tocou a campainha novamente e a eu assisti à garota responsável por

nossa mesa subir depressa, sem nos encarar nos olhos.

— Posso anotar seu pedido?

— Nos traga uma garrafa de tequila — pedi. — E depois continue

trazendo quando estiver no fim.

— Traga uma Coca — Alessandra acrescentou.

— Você veio para beber Coca-Cola? — Viky zombou.

— Entre uma dose de tequila e outra, um doce vai bem.

— Ale adora doces. — Veronika jogou o braço por seu ombro. — Vou

acompanhá-la nessa.

— Já trago os pedidos — a mulher informou, virando-se em direção ao

bar.

— Sem pressa. — Viktorya recostou na cadeira, olhando-a se afastar.

— Nós temos a noite toda para sentar aqui e assistir a um bando de

neandertais se matarem.

— O que mais você poderia estar fazendo? — Nika lhe jogou um

guardanapo amassado.

Viktorya abaixou os óculos apenas para piscar em sua direção.

— Coisas com as quais você nem sequer sonha.


Minhas amigas passaram as próximas três horas conversando, bebendo,

falando sobre tudo e nada. Nós tínhamos tanto a dizer e tão pouco tempo para

aquele tipo de reunião. Secamos a primeira garrafa e, como pedido, a garota

trouxe mais duas. Eu não ria tanto há um bom tempo, mas eu não estava ali

apenas pelo passeio, fui lembrada disso quando Viktorya se inclinou em

minha direção, cuspindo um pouco de saliva em meu colo, o que me fez rir

novamente.

Pelo menos, até que as palavras saíram de sua boca.

— Seu marido é o próximo.

O riso foi embora e eu literalmente fiz um som de desagrado, fazendo

Viktorya deitar a cabeça em meu ombro enquanto ria. O álcool presente em

meu cérebro era um bom conforto quando meus olhos foram atraídos até o

palco, onde Mikelin, o Vory responsável por administrar as lutas, gritava aos

quatro ventos, como se o microfone não estivesse ligado. Ele apresentou

primeiro o homem que lutaria contra Viktor. E então, quando a plateia já

estava quase explodindo de ansiedade e expectativa, começou a falar sobre

seu Boss. Viktor Zirkov dispensava apresentações, mas para o efeito do show

servia bem.

Eles queriam um espetáculo sangrento e perfeito, queriam que as

pessoas apostassem dinheiro e perdessem. Algumas vezes, tinha um louco ou


outro que apostava contra o meu marido, e aqueles eram os que Viko fazia

questão de receber o dinheiro ele mesmo, ainda que tivessem Vorys para

cobrar a dívida. Ele amava olhar nos olhos de quem apostou em sua morte,

pois, sabia quem torcia por sua queda.

— Essa é a parte em que você desce e finge que está com medo por ele

— Nika zombou, virando mais uma dose da nossa quarta garrafa de tequila.

Eu perdi a conta de quantas já tínhamos ingerido, mas percebi que

nossa tolerância a álcool era inacreditável. Anos e anos de treinamento.

— Hoje eu passo — falei, erguendo meu copinho no ar. — Ele pode

fazer seu show sem minha participação.

Uma comoção se espalhou pelo lugar, gritos, palmas, vozes

ensandecidas, clamando por sangue e morte. Violência e morte. Eles

gritavam por Viktor. Não por seu nome, mas como Boss.

“Boss.” “Boss.” “Boss.” Ecoava pelo o salão e provavelmente todos na

fila lá fora podiam ouvir. Arrepios cobriram meu corpo quando o assisti

caminhar lentamente pelo corredor e parar em seu lugar, esperando apenas o

sinal da luta ser iniciada.

Ele vestia um short propício para libertar seus movimentos, deixando o

peito duro e definido todo em exibição, a aparência de Viktor sempre foi algo

surreal, ele era chocante. Se eu não tivesse me apaixonado pelos olhos, teria
sido pelas tatuagens. Quando nos conhecemos, mesmo sem saber o
significado de todas, eu as amava. Estava enfeitiçada por elas. Um caminho

de pelos loiros escuros se escondiam por dentro da bermuda, e o peito, devido

ao suor, alguns poucos podiam ser vistos através das brechas de pele que

apareciam entre a tinta das tatuagens.

Como um ímã, seus olhos voaram direto nos meus. Ele não olhou ao

redor, não. Apenas entrou, levantou a cabeça e olhou diretamente para mim.

A intensidade presente em suas íris me fez tremer e a tequila no pequeno

copo vazou um pouco. Eu era tão instável quando se tratava dele, que virava

uma piada tentar fingir o contrário, ainda que eu quisesse. Ele me olhou

durante todo o tempo de espera, enquanto o Mikelin falava e as apostas eram

finalizadas.

Seu oponente caminhava pelo ringue, animando a torcida, gritando e

mostrando uma confiança que em breve o levaria à morte.

O meu marido fitou a mim, como se eu fosse a única pessoa naquele

lugar e, como em todas as vezes que fazia tal coisa, eu me senti única,

importante. Éramos apenas eu e ele, de uma maneira torpe e insana.

— Você está com aquele olhar — disse Viktorya, pegando a tequila da

minha mão e bebendo.

— Que olhar?
— O de boba apaixonada.

— Eu não estou apaixonada por ele.

Ela fitou Veronika e Alessandra com o canto dos olhos, as duas

distraídas em uma conversa própria.

— Não faça isso, Maryia. — Baixou o tom de voz.

— Eu não pretendo ceder.

— Mas vai. Independentemente do que Viktor fez, você o ama e esse

amor é o seu passe livre para a desgraça. Algo ruim sempre acontece. É um

amor amaldiçoado.

— Viktorya, Por que diz coisas tão cruéis?

— Não sou cruel, sou honesta, se digo isso é porque conheço a

sensação.

— O seu amor e de Maksim não está amaldiçoado...

— Maryia! — Interrompendo-me, fechou os olhos brevemente,

engolindo em seco. As mãos trêmulas e olhos incertos denunciavam que

minha amiga não estava bem como queria mostrar diariamente. — Eu

conheço o peso de amar algo que não faz bem. Não importa o quanto

tentamos sair, é impossível. Não ceda facilmente, faça com que ele nunca

mais erre com você.


Eu toquei sua mão.

— O que está acontecendo, Viky?

— Prometa-me que vai se lembrar de que ele é quem deve implorar por

sua atenção e não o contrário.

— Eu prometo. Isso te da paz?

— Um pouco, mas principalmente me faz ter esperança em mim

mesma.

Eu ia argumentar, mas o sino alertando que a luta começaria tocou.

Foram oito segundos até que o juiz autorizou o início da luta. Eu precisei

desviar os olhos em alguns momentos, meu estômago era fraco quando se

tratava de ver tanto sangue. Era irônico, dado ao fato de que eu cresci naquele

meio e com quem era casada.

O homem caiu, e meu batimento cardíaco deu uma guinada quando se

levantou e, num golpe rápido, levou Viktor ao chão. Eu sabia que não

perderia, para Viko era fácil ganhar a luta rapidamente. Ele tinha treinamento

constante, lutava quase diariamente com seus Vorys, garantindo que nenhum

combate fosse perdido para o Clã ou a Bratva. Ele estava apenas dando um

show, como todos queriam, deixando que as pessoas que apostaram contra

ele tivessem um pouco de esperança. Ele gostava disso, brincar com as

emoções das pessoas presentes.


Dois corpos fortes e altamente treinados lutavam por suas vidas,

preparando-se para o ápice. Viktor desviou de um chute no estômago e

agarrou o homem pelo pescoço, acertando três socos diretamente em seu

nariz, fazendo-o cair no chão. Ele estava apoiado em apenas um joelho,

segurando-se às suas últimas forças, meu marido se aproximou, pronto para

finalizar quando de repente, o homem enfiou a mão atrás das costas e puxou

um canivete. No momento que vi a lâmina, pulei da cadeira, o alvoroço se

tornou sagaz e vários outros Vorys tiveram um segundo de surpresa, antes de

se dirigirem ao ringue. Mesmo os que estavam lá em cima conosco queriam

descer.

A lâmina foi direcionada no peito de Viktor, mas meu marido é claro,

estava ciente de cada movimento do lutador, por isso, quando a faca estava a

menos de um palmo de distância, Viktor segurou seu pulso com um sorriso

de escárnio, e pude ver seus lábios se movendo, dizendo algo antes de

quebrar o pulso do lutador e virá-lo, fazendo-o cortar a própria garganta com

força. Sangue espirrou no peito e rosto de Viko.

Um grito flutuou para fora de minha garganta, juntando-se ao de várias

outras pessoas no salão. Alguns correram e outros se aproximaram ainda

mais, tentando ficar próximos para saber o que aconteceria a seguir.

Mas eu já sabia antes mesmo de ver.


Eu caí de volta em meu assento, levando a mão ao peito, como se o

gesto pudesse acalmar meu coração desenfreado. Como se fizesse a dor do

que quase vi ir embora. Eu o odiava, sim, mas o simples pensamento de

testemunhar sua morte me levava à beira de um colapso. Me fez lembrar de o

quão próximo da morte ele vivia todos os dias, um lembrete simples e triste.

Eu desejava a sua morte, por todo o sofrimento que me causou, mas como

seria se ele realmente morresse, se deixasse este mundo?

Um barulho alto foi ouvido, o corpo caindo com força para a frente. O

lugar imediatamente acalmou. Como eu esperava, Viktor ajoelhou, levando o

polegar à testa do homem, sinalizando uma cruz. Passou a mão abaixando as

pálpebras, enquanto recitava uma oração baixa. Ainda quando tirava uma

vida, ele respeitava sua luta. Sempre foi daquela forma.

Ele se levantou sem olhar para ninguém, nem mesmo para mim e

seguiu para onde os Vorys costumavam se preparar para lutar. Havia três

chuveiros e bancos para que os homens descansassem. Goteiras em excesso

se faziam presente quando chovia, assim como as manchas de umidade no

teto. Viktor sempre se recusou a reformar, como se aquele pedaço do salão

fosse sagrado. Sempre dizia que eram mais de 50 anos de história, jamais

deveria ser alterado. A tinta descascando da parede e alguns lugares do piso

quebrados não o convenceram da reforma também.

Eu sempre achei bonito a forma como pensava.


Respeitava que foram décadas e décadas de luta, onde homens como

ele driblaram suas quedas e venceram a morte. Eu me levantei, tocando o

ombro de Viktorya para tranquilizá-la, quando me dirigiu um olhar. Acenei

para Sergei e ele inclinou a cabeça, entendendo que eu seguiria meu marido.

Antes de nossa separação forçada, eu costumava ir até ele, faríamos amor e

voltaríamos ao bar. Onde nos divertiríamos antes de ir para a casa.

Ele dirigia bêbado e tão rápido que nenhum de nós sobreviveria a uma

batida. Depois cairíamos em nossa cama, desesperados para sentir um ao

outro.

Mas agora, eu não sabia como as coisas iam acontecer. Não depois de

tudo. Não podia ser hipócrita em dizer que recusaria uma noite com ele, se

me pedisse, mas não faria por ele, e sim por mim. Para saber onde meus

sentimentos estavam, como me sentiria estando sob o controle de suas mãos

novamente. Parte de mim queria saber e a outra não.

Caminhei lentamente e de cabeça erguida entre as pessoas, recebendo

sorrisos, olhares temerosos, respeitosos. À minha frente vi uma mulher ruiva

com um vestido curtíssimo e saltos insanamente altos seguindo a mesma

direção e sabia aonde estava indo. Não era preciso ser uma gênia para

descobrir. O que eu queria saber, era se conseguiria o que foi buscar. Fiz uma

pausa, dando um tempo para que chegasse à minha frente e voltei a caminhar

lentamente. Talvez se eu pegasse Viktor no flagra, tudo se tornaria real, e eu


finalmente seria capaz de odiá-lo a ponto de realmente querer sua morte.

Empurrei a porta devagar, não querendo que parassem se estivesse

acontecendo algo e entrei, escondendo-me atrás da parede baixa que separava

os bancos das cabines. O chuveiro estava ligado e junto a água caindo, ouvi a

mulher ronronando palavras de apoio a ele.

Ao meu marido.

Olhei por cima, vendo a cortina aberta, por onde a ruiva e ele

conversavam. Por onde ela o via nu e exibia sua disposição de consolá-lo, se

quisesse.

— Eu estou bem, querida. Vá oferecer seus serviços a algum Vory.

— Foi uma noite difícil, senhor, eu posso fazê-lo esquecer.

— Eu não quero esquecer, quero me lembrar. Isso só me faz mais forte.

Ela deu alguns passos à frente, entrando na cabine com ele. Eu arfei, a
raiva borbulhando em meu sangue, ameaçando vir à tona em forma de ações.

— O senhor já é forte. É o Boss mais temido e respeitado da Bratva. Eu

o admiro tanto — falava lentamente. — Seria minha honra se pudesse aliviá-

lo de seu tormento.

Eu ouvi a risada rouca de Viktor, e raiva me inundou quando percebi

que o ordinário me trairia debaixo do meu nariz. Mesmo quando sabia que eu

estava lá, quando me procurou no meio de todas as pessoas lá fora. Quando


ele mesmo ordenou que eu fosse.

Ele estendeu a mão e ela entregou a ele. Eu só podia ver seu braço, mas

via os olhos encantados da mulher. Ela era bonita, mas será que fazia alguma

diferença para Viktor? Pelo o que eu sabia, ele não tinha muitas exigências no

que dizia respeito as suas amantes.

— Hoje não.

— Boss... — Avançou um pouco mais.

— Deixe-me! — rosnou, e assim como a mulher tropeçou para trás

com a mudança em seu tom de voz, eu também vacilei, meus saltos

denunciando minha presença.

Eu era sua esposa, estava acostumada a cada faceta dele e sua

personalidade, mas foi o suficiente para que ela fugisse, correndo pela porta

dos fundos que um Vory guardava do lado de fora.

— Não pense que eu a neguei porque sabia que estava aí.

Eu engoli em seco e reuni minha coragem para ir até ele. Para encarar

sua nudez novamente, depois de meses. Quando me encontrei cara a cara

com meu marido, fiz o possível para manter os olhos nos seus.

— Se não foi por isso, então o quê? Seu caráter correto e honrado? —

ironizei. Eu brincava com fogo, e ele sorriu como se gostasse da resposta.

— Só existe uma mulher que pode me acalmar depois de uma luta, e é


minha esposa.

Eu me preparei para mandá-lo ao inferno e correr de lá. Em um

momento estava encarando-o e, no próximo, ele saiu do box e me beijou. Fui

pressionada na parede, seu corpo molhado umedecendo minha roupa e minha

pele. Os braços fortes abraçaram-me com força, e ainda que eu tenha

empurrado seus ombros nos primeiros segundos, a língua invadindo minha

boca não me deixou resistir por muito tempo.

Se eu queria uma resposta sobre onde meu corpo estava com relação a

Viktor, já a tinha. Meus braços enrolaram-se em seu pescoço, puxando o

cabelo da nuca com força, sentindo ódio dele e de quão fácil me fazia ceder.

— Zhena — sussurrou, descendo beijos e mordidas por meu pescoço,

colo, queixo, voltando aos lábios para maltratá-los um pouco mais. Ele

pressionou sua ereção dura em meu ventre, mostrando que o desejo feroz não

partia só de minha parte.

Eu senti a excitação varrer minha calcinha, um gemido deixando minha

garganta para o fundo da sua. Ele rosnou em aprovação. Suas mãos desceram

até minha bunda, levantando-a e apertando, moendo seu pau duro em minha

frente. Meu vestido se ergueu sozinho, como se não tivesse escolha. O

membro de Viktor encontrou o caminho para o meio das minhas pernas,

sozinho, e eu sentia que começaria a implorar em breve que me levasse ali


mesmo.

Ele arrastou as mãos em minha lateral até meu rosto, segurando-o

enquanto beijava minha boca com força e rapidez, engolindo qualquer

protesto — ainda que eu lutasse contra um. Eu estava em outro mundo, no

passado, onde ele havia acabado de ganhar uma luta e precisava me foder

para finalizar sua noite. Ele precisava me comer, como precisasse para se

lembrar de onde estava e quem era ao meu lado.

Sua mão direita alcançou o topo da minha calcinha e se enfiou ali,

encontrando minha boceta encharcada, pronta para recebê-lo. Eu gemi, quase

chorosa e cravei as unhas em seu pescoço. Os dedos estavam gelados, ainda

que tomasse banho quente e as pontas ásperas encontraram a umidade em

meu clitóris como uma prece silenciosa. Ele penetrou a pontinha do dedo em

minha abertura, mordendo meu ouvido e gemendo para mim.

— Eu vou te foder. — Ele começou a empurrar minha calcinha para

baixo, encontrando o caminho de me penetrar, segurando seu pau grosso e

duro.

Eu olhei em seus olhos, vendo excitação, fúria, desejo.

“— O meu amor não é uma mentira. Quem eu sou me obriga a agir de

formas das quais não me orgulho e não honram você...”

— Vou te foder forte pra caralho, zhena.


“...Meus atos não são guiados pelo o meu coração, mas pelo o que

passo nos momentos em que cometo meus erros.”

Me foder... aquilo não era sobre nós. Era sobre seu ritual fodido. Sobre

o animal no controle de seu corpo.

Acordei para a realidade e o presente. Sobre a nossa verdadeira

situação.

— Não — empurrei seu peito —, vá se foder. — Abaixei meu vestido,

empurrando os fios do cabelo para trás.

— Maryia — rosnou, tentando me prender ali novamente. Eu bati em

seu rosto, não o surpreendendo. Não seria a primeira nem a última vez.

— Não! — reforcei, com o último fio de resistência.

Ele não me soltou, mas eu puxei de seu aperto e me libertei, correndo

meio desorientada até a porta, respirando apenas o suficiente para conseguir

caminhar para fora. Eu precisava encontrar Sergei e ir para a casa.

Cheguei tão perto de ceder a ele facilmente, como sempre fiz. Aquilo

não poderia acontecer, não se eu quisesse provar a mim mesma que não era

tão estúpida ou louca como todos achavam.


“Apenas me deixe estar em sua vida assim

Ser a sua esposa assim

Eu vou trazer a luz de volta

Eu vou fazer você querer mais

Eu serei sua nova favorita

Diga a eles que você está fechando a porta

Eu sou a única com certeza, amor”

ARIANA GRANDE, WEST SIDE


Acordei com uma ressaca gritante e o som de saltos finos no chão do

quarto. Pegadas que conhecia muito bem, então veio o arrastar no ferro da

cortina e a luz que parecia me cegar, mesmo de olhos fechados.

— Bom dia, dorogaya. — A voz de Olga era alta e vibrante, contente

consigo mesma.

Ela sempre se intrometeu em minha privacidade, aquele era mais um

dos motivos pelos quais morar naquela casa nunca daria certo. Fora todos os

outros que eu poderia citar. Me sentei, devagar, abrindo os olhos lentamente,

antes de erguer a cabeça e encará-la.

— Bom dia, Olga. — Minha voz rouca denunciou meu estado de

espírito. — Não é cedo demais?

— Não para a esposa de um Boss. — Entortou a cabeça — Parece que

o tempo de Viko longe lhe fez esquecer seus deveres.

— Eu não tenho deveres. — Era a mais pura verdade, tudo o que eu

fazia por Viktor antes, era por vontade e desejos próprios. Empurrei a coberta

para o lado, querendo levantar e mostrar a ela que eu poderia lidar com a

provável cara de morte que ostentava, antes que começasse a me dar ordens

mascaradas de sugestões.

— Que bobagem. — Caminhou até estar ao meu lado, me segurando

pelos ombros. — Eu soube da luta de ontem. O Clã está muito feliz com os
resultados.

— Imagino — murmurei, tentando abafar sua voz estridente em minha

cabeça dolorida.

— Viktor não perde uma, você deve estar orgulhosa.

— Já o vi ganhar outras vezes.

Seu olhar mostrava que não era a resposta desejada, mas naquele

momento, especificamente naquela manhã, eu não dava a mínima. Olga

precisava enxergar que meus dias de declarar amor e devoção a seu sobrinho

como uma tola acabaram.

— Eu vou ajudá-la até o banheiro.

— Não é necessário, vou apenas lavar o rosto.

Ela me deixou ir, mas não saiu do quarto.

— Você precisa se arrumar. Viktor pediu que eu lhe acordasse.

Fiz uma parada no caminho.

— Para quê?

— Ele quer almoçar em sua companhia. — Sorriu, acariciando meu

braço. — Estou muito orgulhosa do meu sobrinho, Maryia. Ele quer retornar

as coisas como eram antes.

— Isso é impossível.
— Nada que desejamos com o coração é impossível. O que eu vejo é

um homem honrado, tentando reconstruir o casamento e você relutando. Por

algum motivo, você não o...

— Você sabe que ele dormiu com outras mulheres? — a interrompi e,

de imediato, Olga me soltou, batendo as mãos na lateral do corpo.

— Por quanto tempo mais você vai chorar sobre isso, ao invés de tomar

uma atitude?

— Esta é a minha atitude. Recusar qualquer encontro social que seja

dispensável com ele. — Me dirigi ao banheiro novamente, mas sua voz me

parou pela segunda vez.

— O alerta de Roman ainda está de pé, Maryia. Eu não acho que você

quer pagar para ver, ou estou errada?

Respirando profundamente, para não descontar nela meu ódio ainda

mais vivo por Viktor aquela manhã, a ignorei e entrei no banheiro. Ao invés

de lavar o rosto, teria que tomar um banho e me preparar para o dia.

Meu marido queria brincar de casinha. Parecia ter esquecido que a

última vez que testou minha paciência eu incendiei a nossa.


Durante meu banho, ainda pude ouvir por alguns minutos Olga do lado

de fora, esperando-me para colocar pressão, caso precisasse. Eu não queria

um lembrete de suas ameaças e torci para que cansasse com minha demora e

quando saísse, não estivesse mais lá. Escolhi não lavar o cabelo, podendo

prendê-lo em um coque alto e firme. Sério. Para que Viktor visse em minha

aparência e meu humor que sua brincadeirinha de sedução não funcionaria.

Não mais.

Saí do banho vestindo o roupão e esperei que o pano felpudo secasse

minha pele, enquanto me encarava no espelho. Via os mesmos olhos verdes,

os mesmos lábios inchados, a mesma bochecha rosada e queixo empinado. A

mesma pessoa por fora, mas por dentro havia uma tempestade se formando,

dirigida ao meu marido. Era como se ele fosse um prédio que a qualquer

momento um tsunami derrubaria e ele nem fazia ideia. Ou fazia e fingia

ignorar o fato.

Voltei ao quarto, agradecendo que Olga não estivesse mais lá, tranquei

a porta. Vesti uma calça branca e uma blusa de seda rosa, calçando o mesmo

salto da noite anterior. Na minha bolsa havia apenas o celular, um cartão que
vovô me disponibilizara e as chaves de sua casa. Talvez eu fosse dormir lá
novamente à noite.

A casa estava vazia quando atravessei o corredor, desci as escadas e

encontrei Sergei do lado de fora, esperando-me na frente de um dos carros

altos.

— Meu Boss ligou. Ele tem pressa, Maryia.

— Se o seu Boss quer tanto a minha companhia assim, não se

importará de esperar. — Dei de ombros. — Ou ele pode ir embora, eu não me

importo de almoçar sozinha.

Se algum dia duvidei do cinismo de Viktor, não o faria novamente.

Quando cheguei ao Lunnyy Dom, um restaurante conceituado e muito bem

frequentado de Moscou, o avistei sentado em uma mesa no centro. Estava

consideravelmente cheio em horário de almoço. Vi o chef à sua esquerda,

conversando animadamente. Ele tinha a perna cruzada, fazendo o jeans preto

se agarrar em suas coxas grossas, assim como a camisa branca ao peito e

braços fortes. O cabelo bem penteado estava todo no lugar. Viktor parecia

relaxado e é claro que ninguém ficava encarando ou ousaria falar sobre os

ferimentos em seu rosto. Àquela altura, todos já sabiam que havia tirado uma

vida como preço deles.

Não era estranho para pessoas comuns? Comer no mesmo ambiente


que um assassino? Eu quase ri do pensamento, afinal, dormi com um durante
anos e vivi rodeada deles a vida inteira.

Imagens da noite passada ameaçaram nublar minha mente para o que

quer que fosse acontecer ali, mas eu não podia deixar, pois tinha uma coisa

em que meu marido era especialista. Tirar meu foco. A noite passada foi mais

uma prova disso.

Ele me viu e o sorriso se ampliou, acenou com a cabeça em minha

direção, fazendo com que o chef e dono do lugar desde sua fundação, Rozek

Parago, também se virasse e viesse me cumprimentar.

— Senhora Zirkov, há quanto tempo meu restaurante não é iluminado

com sua presença.

— Estive ocupada nos últimos meses, chef, mas senti falta de sua

comida.

— Ah, Maryia — sorriu —, recebê-la aqui, com todo o respeito a

Viktor, é uma das maiores graças deste lugar.

— Eu o visitaria para comer, ainda que servisse em uma padaria de

bairro.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— De você, eu não duvido, agora seu marido... — Os dois riram, e eu

sorri apenas para acompanhá-los.


Ele era um dos poucos homens com quem Viktor permitia que

brincadeiras lhe fossem feitas, mas isso se dava porque Rozek vivia na Rússia

há anos. Moscou se tornou sua casa, conquistando respeito e consideração.

Tanto empresários, quanto políticos e criminosos como o meu marido,

gostavam de ir até seu restaurante passar o tempo. Comer comida de primeira

qualidade e aproveitar a privacidade fornecida, visto que para o tipo de

clientes que tinha, ele dedicava parte de seus lucros com segurança na rua

para proteger os frequentadores de paparazzis. Nenhuma foto ou vídeo do

lugar já foi visto na imprensa, a menos que o cliente quisesse.

Ele pegou minha mão depois de puxar a cadeira para que me sentasse.

Se fosse qualquer outro homem assumindo a liderança daquela forma, Viktor

teria agido como um homem das cavernas, mas, novamente, tratava-se de

Rozek, um amigo próximo. Um dos poucos que ele permitia pensar que fosse

amigo, pelo menos.

— Eu estou testando um novo prato — falou. — Ainda não deixei que

ninguém provasse, mas sei que falta algo. Eu gostaria que você

experimentasse, Maryia.

Dessa vez o meu sorriso foi sincero.

— É claro. — Coloquei minha mão por cima da sua. — Já sei que vou

amar.
— Estou honrado. — Ele levou a mão ao peito, onde a logo do

restaurante ficava por cima do coração.

No futuro, se ele tornasse público que eu dei a aprovação final, haveria

tanto quem cuspiria no prato, quanto quem iria até o restaurante apenas

experimentá-lo. Meu nome carregava glória, poder e indignação. E eu

entendia isso.

— Há algo que você faça que fique ruim?

Ele gargalhou.

— Você diz isso porque não experimentou meus primeiros cozimentos,

quando era um novato, aprendiz de Salomón, em Roma.

A simples referência àquele país levou embora o meu sorriso e

ameaçou meu humor. Viktor percebeu, finalizando o assunto com o chef,

para que ficássemos sozinhos.

— Ninguém vai deixar de falar certas coisas perto de você, zhena. Eles

não fazem por querer.

— Não quero que excluam nomes e cidades de seu vocabulário, só

ainda não estou cem por cento recuperada para ouvir, sem que me traga

lembranças que quero esquecer.

— Se você quer esquecer, é um bom sinal. Significa que está a caminho

de me perdoar.
— Muito pelo contrário. Significa que quando eu esquecer, posso me

concentrar na raiva, não na tristeza.

Meus saltos arranharam o mármore escuro com um barulho irritante

quando me ajeitei mais perto da mesa, chamando atenção de poucas mesas ao

lado. Elevar minha postura e manter uma expressão séria, até em branco perto

dele era difícil, mas eu precisava, se quisesse que ele entendesse o recado.

Ele imploraria pela minha atenção, não o contrário. Não mais.

— Eu já confessei, já me expliquei. O que você quer que eu faça?

— Nada. Você já fez demais e a única coisa que quero não posso ter.

— O divórcio. — Ele sorriu e seus olhos contraíram, sua típica

expressão de algo que o divertia.

— O divórcio — confirmei.

— Não passamos por problemas antes, zhena? Superamos todos.

— Não há como superar isso.

— Então, não teremos mais paz, é isso o que está dizendo?

— Nunca tivemos paz, Viktor. Eu te batia e você me trancava, eu

gritava e você me mandava para a casa do meu avô. Você ameaça a minha

família, para que eu continue ao seu lado. Nunca. Tivemos. Paz — falei

lentamente, pontuando a mais verdadeira sentença de nossa vida juntos.


— Tínhamos a nossa própria maneira. Você sabe que eu farei o que

precisar para passarmos por isso e seguirmos em frente. Basta dizer. Eu

sempre fiz.

— Não, você sempre fez o que achava que eu queria. O que era errado.

Sempre se aproveitou da minha cabeça confusa, quando a única coisa que eu

precisava era de alguém são ao meu lado. Você não pode me dar sanidade e

eu não lhe cobro isso, mas deveria ser responsável, quando eu não podia ser

sozinha. — Fiz uma pausa, sentindo minha garganta secar. — Você deveria

ter me amado, como prometeu que faria.

— Eu te amo, Maryia. — Ele se inclinou, tentando pegar minha mão,

mas me afastei.

— Não o suficiente. Não o suficiente para me dar a liberdade desse

casamento, que destrói um pouco mais da minha cabeça a cada dia e, com

certeza, não o suficiente para não me trair.

— Você nunca foi uma santa.

— Eu sei e você sempre gostou de me lembrar que não teria se casado

comigo se eu fosse.

Ele apoiou as mãos na mesa, fechando os punhos. Seus olhos piscaram.

— Não estou me referindo aos meus gostos na hora de trepar.

Com o canto dos olhos, peguei o casal mais próximo nos olhando com
horror, e a mulher engasgando-se com o que quer que estava comendo. Sorte
a minha que nunca fui tímida com seu linguajar.

— Estou me referindo a tudo, toda a nossa vida, juntos — terminou.

— Eu te dei amor incondicional, tudo o que você pôde fazer por mim

foi me dar seu desrespeito.

Ele ficou em silêncio, observando-me, enquanto o garçom nos levava

vinho — com certeza uma das garrafas mais caras do restaurante e enchia

nossas taças. Seus olhos estavam mais escuros, um verde profundo.

Antigamente eu conseguia decifrar o que se passavam neles. Pelo menos, ter

uma ideia do que pensava. Eu perguntava e ele me dizia qualquer coisa que o

estivesse incomodando, assim como eu fazia com ele. E, à sua própria

maneira, ele sempre resolvia.

Uma coisa era fato; ele sempre fez tudo por mim, mas não era assim

um casamento? Dar e receber?

Eu me lembrava de minha mãe amando o meu pai, até que não pôde

mais, até que ele se foi e ela se perdeu em quem era e os problemas

começaram. Seu abandono e sua tristeza ficando à frente dos sentimentos por

mim e meus irmãos. Eu não queria ser como a minha mãe. Presa numa

tristeza eterna, cega numa felicidade falsa, perdida em meu caminho.

Enquanto eu estivesse perdida em minha cabeça, eu conseguiria lidar


comigo, mas quando me perdesse no caminho, sabia que jamais voltaria para
a casa.

— O que você quer que eu faça? — perguntou novamente, um pouco

impaciente pelo o tom de voz. Sua voz rouca combinava com o rosto

machucado, ainda belo, mas machucado. Um tipo de beleza crua. Uma beleza

feia.

Uma beleza que se encontrava apenas ao procurar.

— Eu não direi o que tem que fazer. — Coloquei minha taça de volta

na mesa após um gole. — Eu sempre descobri o que você queria e fiz,

independente do que me custava. Se você quer paz, encontre seu caminho

para ter paz comigo.

Enquanto seus olhos pegaram fogo por ser ameaçado, ainda que por

mim, seus lábios torceram num sorriso fechado. As veias dos braços saltaram

quando apertou os punhos em cima da mesa. A mandíbula tão cerrada que o

queixo contraía. Uma vez. Duas vezes. Quão controle estava exercendo para

não me tirar dali e lidar comigo da maneira como queria? Com fazíamos

antes?

Ele era bruto em sua própria natureza. Um animal preso ao corpo de

um homem.

Ele não fazia ideia de como resolver o desafio que eu lhe dava.
Viktor assentiu após alguns minutos, engoliu todo o líquido

transparente de sua taça num gole só e pegou seu telefone. Nem dez segundos

se passaram e alguém deve tê-lo atendido.

— Vá para a casa — falou, com seus olhos fixos nos meus. — Nikolai

não precisa mais de nossa supervisão.

Ele abaixou o telefone, colocando-o na mesa. Eu pude ver o nome de

Robert piscando brevemente, antes de a chamada ser encerrada.

— Eu vou achar o meu caminho de volta, Maryia. Sempre acho. Você

não deveria me desafiar quando sabe que sempre ganho.

O chef escolheu aquele momento para voltar, trazendo dois garçons

com os pratos.

Eu fitei meu marido por mais um curto momento, degustando sua

ameaça junto ao vinho.

E a parte doente de mim se deliciou com ela.

Nós almoçamos uma refeição divina e eu deixei o Rozek saber que não
havia nada de errado com o prato, o que ele divertidamente respondeu com:

— Eu sei, só queria ter a sua aprovação, antes de qualquer outra pessoa,

senhora Zirkov.

— Você me honra, Rozek — agradeci, com sinceridade.

— Bem, é o protocolo.

Franzi as sobrancelhas, sem entender.

— Protocolo? — Fitei Viktor, mas ele apenas deu de ombros. Fitando-

me com olhos conhecedores. — Eu não entendo.

— Este é o Maryia. — Acenou para o prato — Eu o fiz especialmente

para você e gostaria que levasse seu nome. Se concordar, é claro.

Eu quase não pude agradecer com palavras, mas o abracei rapidamente.

Eu já tinha tido minha cota de privilégios por meu nome e minha família, mas

aquilo era... uau. Rozek simplesmente fez minha noite. Viktor apertou sua

mão com um curto aceno antes de irmos embora e o chef lhe disse algo em

voz baixa.

Ele assentiu, então me guiou para fora, onde o manobrista já nos

aguardava com as portas abertas.

— Senhor, senhora — nos cumprimentou, seus olhos brilhavam com

respeito.
Viktor acenou, pegando a chave e deixando um enrolado de notas em

sua mão. O rosto do rapaz foi de surpresa para devoção.

— Boa tarde — falei e entrei.

Quando ele deu partida, fitei o funcionário pelo retrovisor, vendo-o

encarar as notas, como se Viktor tivesse acabado de salvar seu dia. Talvez até

o mês. O valor não faria diferença para meu marido, mas na vida daquele

jovem...

O dia estava nublado, mas a cidade como sempre se mantinha

movimentada. Vi o cartaz de uma nova peça no teatro, um novo café na

esquina de uma rua conhecida por ser perto do parque onde o circo se

instalava quando passava. Vi as pessoas vivendo e sorrindo do lado de fora.

— Você o pagou, não foi? — perguntei, depois de um momento em

silêncio, quando já estávamos no carro.

Viktor não se alterou, ele dirigia com uma mão, a outra ocupada com

algo no celular antes de bloquear a tela e me fitar rapidamente.

— Paguei o quê?

— Rozek. O prato. Toda aquela cena.

— Cena? — Deu risada. — Por que sempre duvida das intenções das

pessoas para com você?

— Aprendi que esperar o pior é melhor do que criar expectativas.


— Me pergunto quem foi o sábio a lhe ensinar isso.

— Responda-me — pedi, precisando saber se o ato do chef foi honesto

e sincero comigo.

— As pessoas te adoram, Maryia. Mesmo quem não a tem, gostaria de

um pedaço de você. Acredite quando digo que a única conversa que Rozek

teve comigo sobre isso, foi para me impedir de quebrar sua cara feia enrugada

quando me contou a ideia.

Eu reprimi um sorriso.

— Você não o deixaria fazer isso?

— É um absurdo. Posso me imaginar sentado no restaurante e causar

um banho de sangue se ouvir um homem pedir para comer Maryia ao

garçom.

Eu não aguentei, a risada veio involuntariamente, e mesmo quando

tapei a boca, o som escapava. Viktor balançou a cabeça, olhando-me de

soslaio.

— Você sempre se divertiu com meu ciúme.

Era verdade, e uma parte de mim ficava aliviada de saber que pelo

menos aquilo ele ainda sentia por mim.

— É apenas comida, fora o prato, eles estariam desejando o que não

podem ter.
— Com certeza, porra — murmurou. Ele levou a mão à minha perna,

dando um aperto. — Mesmo eu, quando não a tinha, te buscava em outras

pessoas — ele falou baixo, quase não ouvi.

— O quê? — sussurrei. Quando não me tinha?

Viktor virou para me encarar, desviando os olhos da estrada.

— Olhos verdes.

Eu não sabia o que aquilo queria dizer e ele não explicou. Eu não tive

coragem de perguntar.
“Por que você quer me ver sangrar?

Por que quer me ver desmoronar?

Tenta encontrar o pior em mim

Mas eu não vou te seguir até a escuridão”

BEA MILLER, LIKE THAT

Quando chegamos em casa, cada um seguiria seu caminho. Eu para o

quarto e ele ao seu escritório na casa anexada, mas ambos tivemos uma

surpresa nos esperando.


— Filha. — Minha mãe correu para me abraçar, assim que me viu, seu

marido ao lado dela parecia uma estátua, fitando-me como se tivesse medo de

encarar Viktor. Ele sabia o destino que quase teve ao se envolver com uma

ex-esposa da Bratva. — Que saudade!

Toquei suas costas sem devolver o abraço com tanto calor.

— O que faz aqui, mãe?

— Eu vim te ver, é claro. Soube que poderia estar precisando de mim.

Eu precisei dela outras vezes, inúmeras, mas ela nunca apareceu. Muito

ocupada com sua lua de mel interminável ao redor do mundo, ao lado do

marido perfeito.

— Meu avô te ligou?

— Não. — Ela quase não conseguiu disfarçar a careta ao falar de vovô,

recuou alguns passos até estar ao lado de Ben.

Eu nunca o conheci além de uma conversa básica quando mamãe

aparecia — raramente. Meus irmãos não podiam vê-lo, Evarkov ficava ainda

mais violento e Maksim havia desistido de nossa mãe há muito tempo, sendo

assim, seu marido era apenas mais um homem que gostaria de espancar até a

morte.

— Honestamente, mãe... — Fiz uma pausa quando senti Viktor se

aproximar, tomando seu lugar atrás de mim. Ele me deixaria conduzir a


situação como sempre fez quando se tratava dela. — Eu estou bem. Não era
necessário ter interrompido sua rotina para vir.

— Você é minha filha, não interrompe nada. — Seus olhos desviaram

de mim para Viktor, e ela os estreitou, como se não suportasse fitá-lo. — Sei

que pode estar precisando de um tempo nesse momento, eu gostaria que

viesse comigo alguns dias. Poderíamos viajar. — Seu sorriso era sincero,

uma expressão esperançosa que sempre tinha quando tentava se reaproximar

de mim.

— Maryia ficará comigo, Kristina. Eu me pergunto por mais quanto

tempo você continuará tentando levá-la de mim?

— Eu abdiquei metade da minha vida por um homem igual a você,

Viktor. Dedicar o resto dela tentando livrar minha filha é minha missão.

Viko riu, passando um braço pelo meu pescoço e puxando-me para si.

— Engraçado que ela teve dez anos para escolher você ao invés de

mim. — Ele beijou minha bochecha. — E ela continua não te escolhendo.

— Ela nunca teve a opção de fazer isso — minha mãe retrucou. Ela

geralmente não discutia com Viktor, mas algo parecia diferente hoje.

Talvez ela tivesse ouvido as fofocas também.

— Por que não fica para o jantar? — perguntei. Eu honestamente não

sabia se a convidei para encerrar a troca de farpas dos dois ou porque a queria
perto.

Quando se tratava de minha mãe, eu nunca tinha certeza sobre meus

sentimentos. Com o passar dos anos, depois que ela se foi e começou a

refazer sua vida, trocávamos mensagens, ligávamos em datas importantes e

ela aparecia vez ou outra para uma visita rápida. Ben sempre estava ao seu

lado, às vezes eu me perguntava se ele tinha medo de que ela não fosse voltar

para ele se me encontrasse sozinha.

Haveria sempre uma possibilidade de Roman ou o meu avô a

considerarem indigna de continuar buscando sua felicidade. Aos olhos da

Bratva, se ela fosse a esposa de um Vory comum, ninguém se importaria com

o que faria após sua morte. Mas ela era casada com o meu pai, o filho do

Pakhan. Todos pensavam que o resto de sua vida deveria ser dedicada a mim

e meus irmãos.

Eu costumava pensar da mesma forma. Pelo menos, até descobrir que a

Bratva não era tão fiel com as mulheres como fazia com seus homens. Viktor

foi punido uma noite, eu aguentaria nosso casamento para sempre.

Por que minha mãe deveria ter medo de viver e voltar ao seu país, só

porque conseguiu se libertar de seus laços com a Irmandade?

Por que só agora eu me permitia pensar daquela forma?

— É claro. — Ela me olhava sem jeito, estranhando o meu convite. Na


maioria das vezes, antes, eu costumava agir distante e fria, como se passar
um tempo com ela fosse um incômodo. — Eu adoraria, filha.

— Podemos cozinhar juntas — fiz uma pausa —, vou liberar as

cozinheiras primeiro.

— Eu adoraria. — Sorriu brilhantemente, então segurou a mão de bem.

— Ben faz um molho espetacular, ele pode nos ajudar.

— Ele pode dar o fo...

— Ele pode — interrompi a grosseria de Viktor e segurei seu braço ao

redor de mim, antecipando seus movimentos. Ele estava a um passo de chutar

Ben para fora.

— Eu vou precisar higienizar as mãos, vim dirigindo. — Ele sorriu,

sem graça, sabendo que não era bem-vindo pelo dono da casa.

— Tem um lavabo no final do corredor, porta dourada.

Esperei que minha mãe saísse, antes de me virar e encarar meu marido.

— Não — ele falou, antes que eu pudesse começar a pedir.

— Eu a quero aqui.

Viktor subiu as mãos por meu pescoço, segurando-me com dedos

firmes.

— Você a detesta.
— Eu não a entendia. Vejo as coisas diferentes agora.

— Ela é uma traidora e seu marido mariquinhas merece uma morte

rápida, pois não é digno do meu tempo para fazê-lo sofrer.

— Você sempre respeitou os meus desejos relacionados a ela.

— Isso, porque antes você não a queria aqui, agora magicamente quer.

E para piorar, ela vai passar a noite tentando levá-la de mim.

— Ainda que ela tentasse... você deixaria?

— Não. — Ele não hesitou em sua resposta, os olhos sagazes, fixos nos

meus, vibravam com a possibilidade de poder matar Ben. Matar qualquer

coisa ou qualquer um.

— Então, deixa-a. E nem pense em ligar para Evá ou Maksa. Faça isso

por mim.

— Sempre fiz demais por você, Maryia. Mas não vou deixar que ela

manche ainda mais a memória de seu pai debaixo do meu teto.

— Meu pai está morto. Ela está viva. Dormir com outro homem

quando ela o ama, não é manchar a imagem de meu pai. Ela sempre o

respeitou enquanto estava vivo.

— Ela deveria ser como tia Olga.

— Olga é uma mulher amarga, talvez se encontrasse alguém para amar,


deixaria de ser tão fria. Ela, sim, eu detesto. — Suspirei. — Ela me odeia,

Viko. Pelo menos se incomoda com isso?

— Por que o que ela sente te importa?

— Porque eu estou na casa dela, vivendo sob o mesmo teto!

Ele soltou o ar pesadamente e encostou a testa na minha, ainda

encarando meus olhos. Sua respiração misturando-se a minha quando falava.

— O que você quer que eu faça, zelenyye glaza?

— Você poderia me deixar voltar à casa de vovô.

Ele me encarou com seriedade por alguns segundos, então uma

gargalhada explodiu de seus lábios. Ele me beijou rapidamente antes de se

afastar, ainda rindo.

— Isso é porque você nunca vai me deixar, zhena. Me faz rir e me faz

querer foder. — Ele deu um tapa em minha bunda, que me fez pular quando

passou por mim. — É a porra da mulher perfeita para mim.

— Mudak[9]— murmurei, então segui até a cozinha. Tinha folgas para


dar.

Rezei para que Olga não voltasse até amanhã. O sermão que ela me

daria por estar cozinhando seria fichinha perto de como faria minha mãe se

sentir desconfortável só por estar ali.


Passar o dia fazendo coisas tão comuns quanto cozinhar com minha

mãe, embora fosse algo que em um tempo distante eu tivesse imaginado, não

pensei que poderia acontecer. Ela estava vivendo uma vida longe demais da

minha doméstica. Ainda que não fosse dentro dos padrões, eu era uma

esposa, quase uma mãe. Eu tinha obrigações com a máfia, com minha família

e com minhas amigas. Eu ainda me mantinha fiel a todas elas, exceto com

Viktor, mas passar aquele tempo com Kristina me fez almejar mais.

Que suas visitas pudessem ser mais comuns, que seu nome não fosse

uma maldição dentro da casa de vovô, que meus irmãos não a odiassem tanto.

Eu nunca a detestei, como Viktor disse, apenas tinha medo de me

entregar e precisar enfrentar seu abandono outra vez, como quando ela

preferiu não lutar por mim na época em que vovô decidiu me levar embora

com ele. Olhar para mim e meus irmãos após a perda de meu pai era tão

difícil, que ela decidiu abrir mão de seus direitos sobre nós. Talvez o tempo a

tivesse amadurecido agora, afinal, ela teve quinze anos para isso. Para

estarmos ali, de mulher para mulher, cozinhando uma típica ceia russa, com
seu marido fazendo uma torta americana de sua cidade e o molho especial de
sua família — assim disse ele.

Ben não era muito falante, quer dizer, eu imaginava que fosse com seus

amigos próximos, mas comigo, manteve uma distância segura, como se

tivesse medo de dizer algo prejudicial ao avanço que minha mãe e eu tivemos

naquele dia.

Se Maksim ou Evarkov entrassem ali, naquele momento, me odiariam.

Me considerariam uma prostituta, como a consideravam. Diriam que éramos

iguais. Por isso, enquanto colocávamos a mesa e levávamos as formas à sala

de jantar, eu rezei para que meus irmãos e meu sogro ficassem o mais longe

possível, mas também decidi abordar o assunto com Maksa e Evá. Talvez

eles poderiam reconsiderar a relação com Kristina, agora que odiavam Viktor

pelo o que fez comigo, compreenderiam por que mamãe queria liberdade e

distância da Bratva. Assim como eu conseguia entender.

— Eu já peço perdão antecipadamente, caso o meu molho seja uma

decepção — disse bem. — Sei que coloquei muita expectativa nisso.

Ben deu risada, e minha mãe o acompanhou.

— Eu pensei que fosse uma receita de gerações? — questionei.

— Na verdade, deveria ser. — Os dois trocaram um olhar ao qual

identifiquei tanto amor, que me lembrou quando eu e Viktor tínhamos o


mesmo, quando nossa sintonia nos permitia saber o que o outro pensava só
com um olhar. Uma conexão de amor e entendimento.

Como fui tão cega com minha mãe, por tantos anos? Tão egoísta com

sua felicidade? Deus... eu precisava tentar que meus irmãos e talvez até vovô

vissem o mesmo que eu.

— Deveria ser — ele continuou contando, enquanto nos sentávamos à

mesa. Viktor na cabeceira, eu me ajeitei ao seu lado e os dois se acomodaram

do outro lado, pulando uma cadeira de distância dele. Meu marido não tirava

seus olhos assassinos do homem, e eu achei Ben surpreendentemente

corajoso por conseguir falar sem gaguejar sob seu escrutínio, afinal, Viktor já

tinha espantado homens maiores com menos que isso. — No nosso primeiro

encontro, eu quis impressionar sua mãe e falei tanto sobre esse molho, que é

realmente famoso na minha família, mas acabei fazendo-o errado. Ficou tão

ruim e ela achou tão engraçado, que fomos para um segundo encontro.

Minha mãe lhe deu um leve tapa no peito.

— Nós aperfeiçoamos a receita depois, é claro. Vocês vão comer um

molho delicioso.

Sorri para ela, pouco depois constatando que de fato estava. Kristina

fez a maior parte da comida e mantivemos uma conversa leve à mesa. Ben

acrescentando poucos comentários à conversa, e todos nós tentando ignorar o


silêncio perigoso do meu marido. Minha mãe e Ben foram espertos o
suficiente para não puxar qualquer assunto com ele, e eu não o fiz porque

sabia que seu autocontrole estava por um fio.

Eu nem entendia por que Viko cedeu tão fácil a deixar os dois ficarem,

antes, para convencê-lo de algo, eram necessários dias. Não sabia se ficava

feliz ou aliviada.

Quando estávamos no segundo pedaço de torta, um silêncio caiu sobre

a mesa. Eu vi Ben segurar a mão dela e dar um sorriso encorajador, então

Kristina ergueu os olhos ansiosos para mim.

— Como estão seus irmãos?

Eu hesitei.

— Eles estão bem. — Não havia muito o que pudesse dizer. Os dois a

odiavam como se fosse uma criminosa e se sonhassem que lhe contei

qualquer coisa de suas vidas, me odiariam também.

— Eles estão bem — ela repetiu minhas palavras, num misto de

tristeza, alívio e saudade. — Que bom, Maryia. O que eles têm feito?

Hesitei novamente. Eu poderia mentir ou poderia dizer a verdade, ela

sabia que a essa altura eles seriam como o meu pai. Com certeza, piores do

que meu pai foi. Por algum motivo, eu queria protegê-la da verdade feia.

— Bem — comecei, travando novamente. Eu realmente não sabia


como responder sua pergunta. Estava me preocupando com seus sentimentos
como não fazia há muito tempo. Porém não precisei pensar muito mais. Os

talheres de Viktor pousaram na mesa com um pouco mais de força, assim

como seus punhos na mesa.

— Por onde eu deveria começar, zhena? — Eu o implorei com os

olhos, mas ele estava focado diretamente em Kristina. — Evarkov é uma

maldita máquina de matar do caralho e Maksim é louco de pedra. Dois

guerreiros letais, cruéis e brutais. Fiéis à Irmandade até os ossos. É assim que

eles estão, nenhuma surpresa, não é, mamãe? — Enfatizou o parentesco com

ironia.

Minha mãe levou a mão ao peito, engolindo com dificuldade, quando

lágrimas brilharam nos olhos.

— Eu pensei que a essa altura teriam se casado — sussurrou —

Talvez... talvez...

— Talvez o quê? — Eu apertei o braço de Viktor, tentando fazê-lo

parar, mas seus olhos cruéis mostravam que o ponto final de sua paciência foi

tê-la perguntando dos dois. Ele não pararia. — Talvez uma boceta acalmaria

suas cabeças fodidas?

— Viktor. — Tentei mais uma vez. Em vão.

— Maksim está noivo, mas não achamos que chegará muito longe.
Talvez ele acabe matando sua noiva, quando perceber que ela está com tanto
medo de subir ao altar com aquele animal, que sempre encontra uma desculpa

para não marcar a data. — Ele balançou a cabeça, recostando-se para trás. —

Agora Evarkov... está sendo uma missão difícil encontrar alguém

suficientemente corajosa para se casar com ele, considerando que todas as

pretendentes sabem que se sua morte não vier por uma overdose, será no

meio de um de seus surtos de loucura. Talvez seja gentil com ele e o mate

rápido. Na explosão de um carro ou uma bala na cabeça.

Minha mãe correu da sala, arrastando sua cadeira com pressa e

segurando a boca para não soltar o vômito. Ben a seguiu, mas antes me

dirigiu um olhar de desculpas, ao mesmo tempo que corajosamente dirigiu

todo o seu ódio a Viktor.

Eu me senti tão doente quanto a minha mãe. Suas palavras não foram

necessárias e tampouco pedidas. Ela não precisava ouvir nada daquilo e nem

eu. Num impulso de raiva e descontrole, peguei minha taça de água, batendo-

a na beirada da mesa e a quebrei, avançando em cima de Viktor, para acertar

sua garganta.

Ele segurou minha mão, rindo quando o vidro escorregou por seu

ombro e sangue manchou a camisa rapidamente. Seus dedos foram os

próximos danificados, quando agarrou a taça destruída para tirá-la de minha

mão e a jogou por cima do ombro. Ele me empurrou contra mesa, minha
bunda escarranchada na madeira antiga e aproveitou minhas pernas abertas

para se enfiar ali, pressionando sua ereção em minha intimidade.

Fúria, desejo e indignação me possuíram. Eu queria matá-lo.

— Deixe-me ir!

Tateei atrás das costas, procurando na mesa por algo, qualquer coisa

para atingi-lo. Encontrei uma faca, enrolando meus dedos ao redor do cabo e

girei meu braço para a frente, direcionando a ponta afiada em sua garganta.

— Nunca. — Ele inclinou a cabeça, seu sorriso torcido se alargando

quando interceptou meu braço no ar e o bateu de volta na mesa para soltar o

objeto. Um grito me escapou, mais de surpresa do que de dor. Eu o empurrei.

Não tinha força para fazer com que se afastasse, mas ele me deixou ir.

Eu corri escada acima, ouvindo seus passos pesados atrás de mim.

Entrei na primeira porta que vi, um banheiro. Tentei fechar a porta, mas antes

que pudesse, Viktor a segurou com o pé, abraçando-me enquanto nos levava
para dentro, deixando a porta aberta quando me sentou no balcão de mármore

da pia.

Meu coração batia tão forte, com tanto ódio, que eu queria novamente

encontrar algo para tentar machucá-lo. Olhei ao redor, desesperada. Meus

olhos acelerados buscavam todo o ambiente. Enquanto isso, suas mãos

alisavam minhas pernas, empurrando o tecido do vestido para cima. Eu


empurrava sua mão, tentando me livrar do toque que me causava tanto ódio,
quanto molhava minha calcinha. Ele não saiu, rindo e aproximando-se cada

vez mais. Ainda que nossos corpos já estivessem colados, ele conseguia

chegar mais e mais perto.

Meu rosto estava pegando fogo, a cara de pau do meu marido havia

alcançado um nível indescritível, como se aceitar deixar minha mãe e seu

marido jantarem conosco fosse o suficiente para que eu o perdoasse.

Um espelho que tomava toda a parede em suas costas me encarou de

volta. Eu mesma encarei meu rosto corado e olhos arregalados quando ouvi

Viktor baixando seu zíper.

— O que acha que está fazendo? — perguntei, incrédula, soltando um

gemido de dor, quando senti minha lombar bater contra a pia de mármore no

momento que ele me prensou contra ela.

O sorriso presunçoso que nasceu no canto dos lábios ficou bem nítido

para mim, algo que me ajudou a me recompor um pouco e tentar empurrá-lo,

suspirando abalada quando ele nem mesmo se mexeu.

— O que você acha, zhena? Vou foder você. — Foi a resposta

debochada, combinada com a certeza nos olhos que ajudou para que eu me

irritasse profundamente.

Porém, antes que eu pudesse reclamar sobre sua ousadia, tive minha
boca coberta pela dele, engolindo um ofego surpreso e não conseguindo lutar
contra aquele beijo, gemendo quando a língua habilidosa começou a dominar

a minha.

Eu queria ser mais forte, queria poder não me abalar com qualquer

proximidade, ainda mais depois de tudo o que fez comigo, mas eu não

conseguia, meu desejo e amor por ele sempre falava mais alto do que

qualquer outro possível sentimento, então eu nem mesmo percebi quando

simplesmente cedi, retribuindo o beijo com entrega e intensidade, me

lembrando de como eu estava com saudade.

Minhas mãos alisavam os braços fortes, coberto por tatuagens e

cicatrizes, enquanto as dele desciam por meu corpo, apertando com possessão

minhas coxas, encaixando-se perfeitamente entre as minhas pernas.

Eu o apertei contra mim, puxando o ar para os meus pulmões quando

Viktor levou sua boca para o meu pescoço, beijando sem reservas ali, tirando

com facilidade mais gemidos afetados de minha garganta. Meu rosto quente

evidenciava que minha excitação já não estava mais sob meu controle, cada

novo beijo ou chupão que ele deixava em minha pele, fazia com que eu o

espremesse mais ainda entre as minhas coxas, buscando inconscientemente

por alguma fricção que aliviasse a dor que o desejo trazia para o ponto mais

sensível do meu corpo. Viktor não facilitava para mim, enquanto sua boca

descia para os meus ombros, após ele abaixar as alças delicadas do vestido,
suas mãos se infiltraram debaixo da minha roupa, rasgando minha calcinha,

como se ela fosse um pedaço de papel. Agora, livre do pano, eu pude me

esfregar devidamente contra o corpo dele, sabendo que estava molhando sua

calça com a minha lubrificação, mas não me importando nem um pouco.

Meus seios foram expostos e abocanhados por ele, sem um aviso

prévio, me fazendo tremer pelo jeito delicioso que sugava meus mamilos, um

de cada vez, em meio a apertos fortes no seio que não estava sendo tomado

por sua boca, me fazendo gemer enquanto puxava os fios de seu cabelo, era

praticamente impossível pensar racionalmente.

E essa constatação apenas se oficializou quando eu vi novamente sua

boca descer por mim, negando com a cabeça de forma atordoada, quando ele

se abaixou e me fez entender muito bem o que faria a seguir. Gaguejei

palavras sem sentido quando subiu beijos por minhas pernas, apenas piscando

para mim, antes de aproximar sua boca de minha boceta, jogando no chão os
restos da minha calcinha rasgada para, em seguida, lamber da minha entrada

até meu clítoris, não dando tempo para eu me acostumar com a sensação

arrebatadora que era ter sua boca em mim depois de tanto tempo e

começando a me chupar, como se eu fosse a fruta ou o doce mais delicioso

do mundo.

Não me importei nem por um momento com meus gemidos serem altos

demais, éramos isso. Fogo, ódio, amor e guerra. Queimávamos sozinhos sem
nos importar com os rastros deixados do incêndio.

— A porta... — Tentei alertá-lo, mas ele sabia muito bem que estava

aberta. Qualquer um podia nos ouvir, ou mesmo passar e ver aquela cena,

mas como resposta, Viko forçou sua língua para dentro de mim, antes de

voltar a contornar meu clítoris de um jeito alucinante, me fazendo apenas

puxar seus fios para que ele intensificasse o que fazia, desejando com todas

as minhas forças ser devorada por ele.

Meu grito reverberou pelo espaço, enquanto eu rebolava em sua boca,

sem pudor algum, ficando mais molhada a cada nova lambida ou sugada,

sentindo minhas pernas serem separadas pelas mãos fortes, para que eu

ficasse completamente aberta, sendo em seguida fodida por sua língua com

uma velocidade que tirava completamente meu fôlego.

Eu não duraria muito com tanto estímulo, meu orgasmo já estava se

formando em meu baixo ventre, o calor se alastrando e meu clítoris pulsando


na língua do meu marido. Meu marido traidor. Eu tremi num aviso claro de

que gozaria a qualquer momento. Esse foi o sinal que fez com que ele parasse

o que fazia, me tirando tão rápido de cima da pia que nem deu tempo para

que eu assimilasse o que estava por vir.

Fui virada bruscamente de frente para o espelho e dei de cara com o

meu reflexo destruído, meu rosto estava vermelho, meus lábios inchados com
o meu batom todo borrado e meus olhos molhados, por conta do quase

orgasmo que tive.

Vi com clareza o sorriso malicioso dele tomando suas expressões

enquanto — junto da minha respiração ofegante — ecoava o som de sua

calça batendo no chão, gemendo quando tive meu quadril puxado para que

me empinasse e meu vestido amassado sobre as minhas costas para deixar

minha parte de baixo livre para ele.

Minhas pernas se separaram por livre e espontânea vontade e eu me

senti presa nos olhos dele, que encarava pelo reflexo do espelho enquanto,

num movimento lento, senti a glande esfregando por toda a minha boceta

molhada, choramingando e me empinando mais para tentar tê-lo de uma vez

dentro de mim.

— Viko… — gemi por ele, querendo de uma vez o fim daquela tortura

e ser devidamente invadida por seu pênis grosso, entreabrindo meus lábios

quando senti a ponta se forçando pela minha borda.

Fazia tanto tempo que não transávamos, que foi impossível não sentir

um pouco de dor, mas — de um jeito maluco e excitante — aquela dor não


era ruim e, apesar da minha expressão dolorosa, eu me vi me empurrando

mais ainda contra ele, desejando que aquela ardência que a breve penetração

me causava se alastrasse por todo o meu canal molhado, precisando daquilo


mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Viktor não demorou para realizar a minha vontade, me invadindo sem

tirar os olhos de mim, me devorando com a força com que me encarava pelo

espelho. Ele sabia como eu gostava, sabia como me tirar de órbita e foi o que

ele fez com a primeira estocada que deixou dentro de mim, acabando com a

habilidade de minhas pernas de me manter de pé.

Meus olhos se fecharam e eu deixei que a destra firme dele me

mantivesse erguida, enquanto minhas mãos se escoravam na pia fria, só

conseguindo pensar na ardência deliciosa que era ter o comprimento dele

indo e vindo dentro de mim, escorregando com facilidade por meu canal

apertado por conta do quão molhada eu estava, me tomando como dele de um

jeito que apenas ele era capaz.

— Abra os olhos, Maryia — meu marido mandou, ao mesmo tempo em

que usava sua mão esquerda para puxar meus cabelos, me fazendo quase

derreter em suas mãos, enquanto eu me obrigava a abrir os olhos, me vendo a

ponto de chorar com o prazer que eu senti com aquele ato. — Eu quero que

você veja como eu te fodo gostoso.

A ordem suja que ele me deu só me fez apertá-lo forte dentro de mim,

gemendo em resposta enquanto era forçada a me ver ali, rebolando,

necessitada, contra suas estocadas, completamente derrotada por ele.


Seus olhos nem piscavam enquanto ele me fodia, vidrados em minhas

expressões de prazer, como se eu fosse sua refeição favorita. No fundo, eu

sabia que era. Sempre fui. Provavelmente sempre seria.

O som obsceno que a fricção do pau dele causava dentro de mim graças

ao meu estado tão molhado só servia para me excitar mais, o desejo me

queimando de dentro para fora como um vulcão em erupção. Meu orgasmo

estava ali, novamente se anunciando, mais forte e poderoso do que antes,

como uma promessa de me deixar fraca por mais tempo que o normal,

provavelmente por conta da saudade que meu corpo estava sentindo do dele e

ele sabia que eu viria no exato momento em que a minha respiração falhou e

eu me contorci todinha em seus braços, castigando seu pau com um aperto

faminto ao mesmo tempo em que meu gemido final ecoou pelo banheiro

aberto.

Ele ainda permaneceu com seus movimentos dentro de mim, em busca

de seu próprio prazer e eu apenas pude ver, com meus olhos semicerrados,

como a expressão dele endureceu antes de me encher com o seu gozo,

apoiando sua testa em meu ombro, enquanto se mantinha dentro de mim,

sendo o responsável por me manter de pé.


“Você não sabe que não sou boa pra você?

Eu aprendi a te perder, não posso me dar esse luxo

Rasguei minha blusa para estancar seu sangramento

Mas nada impede que você vá embora

No silêncio, quando estou voltando pra casa e estou sozinha

Eu poderia mentir, dizer que eu gosto assim”

BILLIE EILISH, WHEN THE PARTY'S OVER

— Maryia, finalmente chegou. — A mãe de Viktorya abriu os braços


ao me encontrar, cumprimentando-me com dois beijinhos e um abraço

rápido. — Pensei que não poderia vir.

Eu tirei os óculos de sol, que junto da maquiagem escondia uma

semana de insônia, choros e arrependimento, então sorri o melhor que pude.

— Olá, senhora Romanoff. — Ivia era uma mulher elegante e

composta, como sua filha, mas lhe faltava a frieza de Viktorya. — Como vai?

— Bem, muito bem, agora que todas as minhas meninas estão aqui e

podemos finalmente começar.

Por “meninas” eu imaginei que estivesse se referindo à Viky, Nika e

Ale. Enganchando nossos braços, seguimos pelo corredor que dava acesso do

extenso campo para o salão do clube, onde provavelmente nos esperavam.

— Posso perguntar o motivo da reunião de última hora?

Ela sorriu brilhantemente.

— É uma belíssima manhã, com uma novidade esplêndida.

— Uau! — Forcei ainda mais o sorriso. — Está me deixando animada.

Não estava, mas ela gostava de pensar que suas visitas sempre nos

trariam motivos para comemorar por dias a fio, e os círculos sociais da Bratva

falariam sobre ela, mesmo quando já estivesse longe do país.

— Viktorya decidiu a data do casamento.


Fiz um esforço inacreditável para continuar andando, mesmo quando o

choque ameaçou me travar no lugar.

— Viky... — Soltei uma risada irregular. — Viktorya decidiu?

— Sim! Finalmente! Eu sei que você, como boa amiga e futura

cunhada, deve ter tido um papel fundamental nisso, então serei grata

eternamente.

— Eu...

— As pessoas estavam começando a falar. Mesmo na América, nós

ouvimos conversas e agora isso é passado. Eu mal posso acreditar que minha

menina vai se casar. — Ela fez uma pausa, segurando minhas mãos e me

olhando no fundo dos olhos. — Eu lhe devo uma, Maryia. Cobre como e

quando quiser.

Ao contrário do que pensava, eu não tinha absolutamente nada a ver

com aquilo, mas acenei, deixando-a pensar que tudo estava realmente

belíssimo e esplêndido.

— Agora, tudo o que precisamos é organizar um casamento digno da

minha filha única. Maksim é um homem importante na facção e Viktorya é

irmã de um Boss.

— Prima — sussurrei automaticamente, tinha sido corrigida por Viky

daquela forma por anos e me peguei fazendo a mesma coisa. — Prima de um


Boss.

— Sim, sim, é a mesma coisa. Nós precisamos fazer com que seja o

casamento do ano, notícia durante meses. A Rússia nunca terá visto um

evento tão perfeito quanto a união da minha menina com Maksim Sharapova.

Voltamos a caminhar, enquanto ela cantava sua empolgação com o

futuro evento, mas minha mente ainda girava sem parar na primeira frase.

“Viktorya escolheu a data.”

Dias atrás, minha amiga não queria nem falar naquilo, nem sequer

pensar sobre. O que aconteceu? Sua mãe parecia tão feliz e satisfeita, mas eu

me corroía de preocupação. Precisava encontrar Viky, a fim de termos uma

séria conversa a sós.

— Inicialmente, pensamos em realizar aqui no clube. — Ivia acenou ao

redor, indicando o espaço. Milhas e milhas de grama verde e céu aberto, além

do salão principal com uma cozinha industrial, que acomodava

confortavelmente no mínimo 400 pessoas. — Fica perto de uma igreja,

poderíamos ter o religioso e trazer os carros até aqui, onde uma festa de tirar

o fôlego aconteceria.

— Há um hotel perto — me peguei murmurando.

Ela acenou para o funcionário quando abriu a porta para entrarmos,

onde mesas preenchidas para o desjejum ocupavam o espaço luxuoso e


iluminado.

— Sim! — concordou. — Seria perfeito para parentes distantes. Pensei

em uma recepção de dois dias, no mínimo. O que você acha?

Eu estava zonza.

— Acho ótimo — respondi, distraidamente, pois meus olhos buscaram

Viktorya e eu a encontrei no centro do salão, ainda que não estivesse sentada

na cadeira mais próxima, seu rosto foi o primeiro que vi. Que quis ver.

Eu queria enxergar seus olhos, decifrar as emoções enquanto sentava-se

ali com pelo menos sete mulheres à mesa lhe acompanhando e todas

obviamente discutiam preparativos para seu casamento, mas não havia nada.

O rosto perfeito e em branco não demonstrou sequer um resquício do que

pensava ou sentia.

Ale estava ao seu lado, segurando uma revista, enquanto Nika se

inclinava sobre as duas, com as mãos nos ombros de Viktorya, tentando ver o

que as duas olhavam.

Eu estava tão cansada e apenas chegar ali havia terminado de sugar

todas as minhas energias, as poucas que ainda me restavam. Eu me sentia

como lixo depois de ter transado com Viktor e aproveitado cada segundo

enquanto durou, que me perguntei se perdi alguma ligação de Viktorya, me

avisando sobre aquilo. Sobre a reunião, os preparativos... sobre sua decisão.


Será que perdi algum sinal do rumo que aquela manhã estaria tomando?

— Ela não parece muito feliz, mas lhe dê algum tempo — disse Ivia.

— Eu também fiquei aterrorizada quando os preparativos para o meu

casamento começaram.

— Sim, eu suponho que seja a ansiedade — menti, engolindo em seco.

Sem querer perder mais tempo, comecei a caminhar até a mesa, mas

Ivia interceptou meu braço, antes que fosse longe.

— Maryia... eu não convivo com seu irmão, não o conheço além das

histórias. — Seus sérios e sagazes olhos azuis estavam fixos nos meus, a

empolgação tinha ido embora, deixando apenas preocupação. — Devo me

preocupar com o bem-estar de minha Viktorya?

Eu sabia que se mentisse, ela saberia na mesma hora. Anos como a

esposa de um Boss a treinaram para ser esperta, minuciosa. Assim como eu.

Ela estava confiando em mim a pergunta mais valiosa ali. Maksim a

machucaria? Abusaria de Viky? Pesaria a mão em seu casamento?

Eu não sabia o que dizer, meu irmão era tão inconstante e imprevisível

quanto eu, mas algo que eu sabia era da paixão de Maksim por ela.

— Maksim ama Viktorya, Ivia. Ela está segura com ele.

Qualquer mãe prestes a entregar uma filha a um dos meus irmãos

estava certa em se preocupar, elas deveriam negar o matrimônio em primeiro


lugar, mas já era tarde demais para Viky. Maksim não aceitaria mais um
“não” como resposta.

É claro que existia um ponto onde o amor se tornava perigoso, e a

paixão de Maksim por ela havia ultrapassado tal limite há muito tempo.

Ivia assentiu, sem demonstrar se aprovava ou não minha resposta.

— Vamos, vamos nos juntar às garotas — falou.

O Village não era uma propriedade da Bratva, mas a maioria dos

nossos Vorys frequentavam, assim como vários Boss eram sócios, e

gostavam de aproveitar o espaço neutro para esfriar a cabeça ou fazer

negócios. Sem contar que há décadas as mulheres adotaram o salão e a

piscina como um ponto fixo para seus encontros semanais. O lugar familiar

estava sempre cheio de guerreiros da Irmandade, e embora os donos fossem

abertos a todos os públicos que tivessem dinheiro para pagar, sabiam que era

melhor não deixar inimigos entrarem, se não quisessem manchetes negativas

a seu respeito.

Ale foi a primeira a tomar ciência de minha presença quando nos

aproximamos, demorando-se ao me abraçar.

— Está tudo bem? — perguntei, com preocupação, e ela sorriu, mas era

forçado.

— É claro! — Elas eram tolas quando tentavam mentir para mim, pois
eu conhecia cada detalhe de suas personalidades. — Tudo bem. — Outra
mentira.

Viktorya foi a próxima. Ela ergueu os olhos, me viu, mas continuou

sentada, fitando-me por um tempo em branco, sobressaltou-se quando Nika a

cutucou, mostrando algo na revista.

— Porra, isso é lindo, olha!

Viky não parecia entusiasmada, assentindo e analisando o que quer que

tinha na folha, antes de voltar a me olhar.

— Ela está bem? — perguntei baixinho, não querendo que Ivia ouvisse.

Ale balançou a cabeça.

— Eu não acho que “bem” é a palavra certa.

— O que aconteceu? — Franzi o cenho.

— Não quero ofender seu irmão, Maryia, mas... — Hesitou.

— Eu sei. — Suspirei. — Eu sei.

Durante todos os anos daquele noivado infinito, eu pensei que Viktorya

era apaixonada por Maksim, assim como ele por ela. Seu casamento não foi

forçado ou arranjado. Ele pediu quando ela fez 19 anos, e ela prontamente

aceitou. Se não queria uma vida ao lado de meu irmão, por que disse “sim”?

Por que aceitar, quando claramente sofria?


Por que se condenou a um sofrimento transparente, se seria como um

sacrifício para si mesma?

— Acho que Viky ainda está em choque. — Deu de ombros. — Eu

estou tão surpresa quanto você.

— Como assim?

— Acordamos com um telefonema do mordomo dos Romanoff. Eram

8h da manhã e ele agendava para o meio-dia aqui no clube. Quando cheguei,

Ivia falou sobre o que se tratava. Quer dizer... eu não sabia que Viktorya

tinha se decidido.

— Nem eu.

— Está falando sério? Porque, se vocês duas estavam guardando

segredo, eu não vou gostar disso, Maryia.

— Já guardamos segredos alguma vez?

Ela suspirou, balançando a cabeça.

— Isso é fodido. Eu não entendo por que os dois não deixam isso para

lá. Sabe? Por que Viktorya não dá um basta? Maksim superaria.

— Eu não acho.

— Ele superaria — Alessandra me garantiu. — Maksim não ficaria

preso a isso.
— Ele a ama há anos. Ou esse casamento sai ou uma tragédia vai

acontecer.

Ale revirou os olhos.

— Você acha que Maksim é um psicopata e Viktorya é sua salvação,

mas não poderia estar mais enganada, Maryia.

— Eu acho o que vejo. Você sabe como ele a adora.

— Eu vejo a fantasia que todos nós pintamos em cima disso. Talvez a

realidade não seja tão trágica assim. Todos estão tão presos à ideia de que

esse casamento tem que acontecer, que simplesmente não conseguem pensar

em outro cenário.

— O que há de errado com você?

— Nada — resmungou. — Eu só não consigo ignorar como Viktorya

está sendo egoísta, levando isso adiante.

Alessandra me deixou, voltando à mesa ao lado de Veronika. Livrei

meus pensamentos de suas palavras e fui cumprimentar as esposas já

conhecidas por mim antes de chegar às minhas amigas. Anastasia Ichenko,

Ksenia Voronkova e Vera Pankov, todas foram muito simpáticas,

perguntando como eu estava e lembrando-me que se eu precisasse de algo,

podia contar com elas. Eram mulheres que sabiam os seus lugares e se

mantinham neles sem causar problemas. Mulheres que Vorys procuravam


para se casar. A única nascida dentro da Bratva era Anastasia, por isso, as
duas a respeitavam e formavam um trio quase inseparável.

Embora nenhuma me inspirasse muita confiança, nunca tive problemas

também.

Depois, fui apresentada à Yulia Romanoff, sobrinha de Ivia, que a

acompanhava na maioria de suas viagens.

— É como minha própria filha — Ivia disse ao apresentá-la. — Ela não

é linda?

Era e eu concordei. A menina não tinha sotaque, era americana. Porém

corria sangue russo em suas veias. Uma filha distante da Bratva.

Eu me perguntei como era sua vida na América. Longe do berço da

Irmandade. Viktorya nunca tinha falado sobre ela também.

Finalmente pude me aproximar de minhas amigas, sentando-me na

cadeira livre ao lado de Viktorya.

— Finalmente chegou! — disse Nika. Tirou as revistas da frente do trio

de esposas e as empurrou para mim. — Comece a olhar, temos um longo

planejamento pela frente.

— E sobre o tema da estação? — Vera perguntou.

— Eu acho o tema da estação tão clichê, querida — Ivia descartou a

ideia.
— Deveríamos pensar em cores. O que representa esse casamento?

— Vermelho — disse Veronika, então caiu na risada, mas ao ver que

ninguém a acompanhou, limpou a garganta e voltou a prestar atenção em sua

revista.

— Eu penso em dourado — Ivia opinou. — Alguns detalhes numa cor

brilhante, chamativo, mas clássico.

— Poderia ser simples — falei. — Maksim não é um homem que gosta

de atenção.

— Ele luta com dezenas de olhos o assistindo ao vivo e nunca perdeu

— Alessandra murmurou. — Tenho certeza de que está acostumado com a

atenção.

— Eu não me refiro a isso, todos sabemos o trabalho do meu irmão,

mas isso não quer dizer que ele quer levar a mesma coisa para o começo da

vida junto da mulher que ama.

— Mas e a mulher que o ama? — Ivia questionou, erguendo uma

sobrancelha para a filha. — O que ela quer levar para o casamento?

Viktorya engoliu em seco. Pela primeira vez na vida, eu a vi

desconfortável sob o escrutínio das pessoas. Ela sempre tinha uma resposta

na ponta da língua. Era inteligente, rápida no raciocínio e inacreditavelmente

educada, nunca passou por uma situação constrangedora pública sequer. Mas
ali, pela primeira vez, eu a vi muda.

O olho direito tremulava levemente e a garganta movia-se enquanto

engolia em seco sem parar. Eu me levantei, sem poder lidar mais um minuto

com aquele show.

— Vou levar Viky para tomar um ar.

Ivia bateu palmas, sorrindo.

— Vamos todas!

— Não — recusei docemente, mas com firmeza na voz. — Preciso

falar de algumas coisas pessoais com ela. Tem a ver com o meu próprio

casamento.

Era uma mentira, é claro. Eu tinha tanta merda para falar sobre o meu

casamento, mas não abriria com Viktorya. Não quando envolvia alguém de

sua família também. Me senti hipócrita e uma mentirosa por dizer à

Alessandra que não tínhamos segredos. Nós todas éramos fodidas em algo e

guardávamos fantasmas secretamente.

— Vão — disse Ale, sentando-se ao lado de Veronika. — Nós

cuidaremos de tudo.

— Não demorem! — Nika gritou, enquanto eu levava Viktorya para

fora. — Tenho certeza de que se esse casamento demorar um pouquinho

mais, não faltarão candidatas querendo roubar o noivo!


Sua risada nos seguiu, e eu ouvi Alessandra a repreendendo. As

mulheres na mesa acharam engraçado também, levando na brincadeira. O

desconforto de Viktorya estava me corroendo, como se fosse o meu próprio.

Caminhamos em silêncio e andando devagar.

Eu não comentei quando ela começou a respirar profundamente, ou

quando segurou a garganta brevemente, tentando impedir a si mesma de

começar a chorar. Lhe dei cinco minutos para que dissesse algo, qualquer

coisa, mas ela não o fez. Ficou imóvel ao meu lado, encarando o horizonte à

nossa frente. Ela acendeu um cigarro, fechando os olhos com a primeira

inalação da nicotina.

— Acabe com isso, Viktorya.

Sua cabeça girou para mim com força, os olhos azuis incendiados,

cheios de dúvida e choque.

— Ficou maluca?

— Você não quer se casar com ele. Não o ama. Eu estou entre a cruz e

a espada, vendo a minha melhor amiga sofrer e sabendo que seu sofrimento

só terá fim se o do meu irmão começar. Mas não é melhor acabar com isso,

enquanto ninguém se machucou profundamente?

— Como pode dizer que ninguém se machucou? Estamos noivos há

anos!
— Eu sei e sempre vi vocês dois como o príncipe e a princesa do meu

conto de fadas.

— Que conto fodido. — Bufou.

— Mas é como eu via. Até que abri meus olhos e enxerguei realmente.

Viktor e eu nunca tivemos perfil para isso, éramos loucos demais para um

conto de fadas, mas eu o amo. Mesmo com tudo, eu o amo e aceito quem ele

é. Mas você... como planeja viver uma vida ao lado de Maksim, quando

levou anos para sequer subir ao altar com ele?

— Passarei por isso, Maryia. É apenas choque.

— Isso não é simples choque. Você não é uma mulher que fica

chocada. Assistiu a seus pais e seus irmãos irem embora, foi criada debaixo

de olhos atentos, olhos que buscavam incansavelmente brechas para julgá-la

e simplesmente lidou com isso. Sua armadura está caindo, Viky. Ninguém

aguenta tanto por tanto tempo.

— O que você está dizendo? — Ela balançou a cabeça, pouco a pouco

reconstruindo seu rosto em branco. Os olhos ficando calmos, a voz se

firmando. — Eu estou em choque e surpresa por, finalmente, me deixar dar

esse passo. Não vou fazer Maksim sofrer ou envergonhá-lo. Não quando ele

me amou por tanto tempo.

— Você tem uma escolha.


— Não, eu não tenho. — Bateu o pé, dizendo com os olhos frios que

aquela era a verdade absoluta. — Ou eu me caso com ele ou estou arruinada.

— Viktorya...

— Maryia, sei que me intrometi em seu casamento e sua vida mais do

que posso contar, mas... pare. Sei o que estou fazendo. Acredite em mim,

nada do que faço é por impulso. Não me deixo levar por sentimentos ou

emoções momentâneas, eu sou o que sou. Seu irmão conhece e aceita isso e

nos casaremos em cinco meses. Eu serei feliz com o homem que me

escolheu, que foi o único que me amou o suficiente para fazer de tudo para

estar comigo. Esse homem é o seu irmão. Não falaremos mais sobre isso.

Ela deu uma última tragada no cigarro, antes de jogá-lo no chão e

acenar para o salão.

— Devemos voltar.

Eu a observei voltar apressadamente para dentro, caminhei até o cigarro

e amassei a chama ainda acesa com a ponta do pé. Me perguntei se poderia

encontrar a determinação e força que minha amiga encontrava mesmo no

meio de tanta dor.

Almoçamos enquanto conversávamos sobre os preparativos, e quando

terminamos, Ivia decidiu que seria bom dar um passeio para conhecer

completamente o lugar onde a festa aconteceria. Fizemos uma caminhada


pela trilha de pedras do clube, com o vento soprando uma brisa suave e as
vozes e risadas das mulheres à minha frente flutuando no ar.

Eu tentava encontrar mais uma brecha para falar com Viktorya uma

última vez, mas ela estava rodeada das mulheres a monopolizando para falar

sobre o assunto principal: o casamento.

Alessandra e Veronika estavam tão imersas em uma conversa e

afastadas de nós. Me perguntei o que tanto as duas tinham a falar. Éramos as

quatro tão unidas há anos, que era difícil perceber que cada uma começava a

seguir um caminho diferente. Nossas verdades cruéis e apoio inabalável

sobreviveu ao tempo, ao meu casamento conturbado e aos desafios de nossa

vida diária. Mas agora, eu me via um pouco distante de todas elas, por

Viktorya em sua decisão repentina e misteriosa de se casar quando adiou

tanto; por Veronika e Alessandra, que andavam lado a lado e longe de mim.

Quando olhei para os lados, não encontrei ninguém comigo. Nenhuma

das minhas amigas. O sentimento me fez querer pegar todas elas e correr para

onde pudéssemos nos esconder e falar verdades que acabariam com o silêncio

que ultimamente nos envolvia.

— O vestido é perfeito. — Ouvi Ivia dizer à Yulia. — E Viktorya foi

uma noiva tão fácil! O escolheu em poucos minutos. Algumas lojas enviaram

catálogos, ela olhou e escolheu na segunda revista.


— Eu imagino que será perfeito.

— É um Vera Weng de tirar o fôlego. Assinado exclusivamente para

Viky, é claro.

— Combina com ela. Vera é clássica e detalhista, Viktorya vai ficar

deslumbrante.

Eu quase ri da piada. Uma noiva fácil? Não havia nada fácil em

Viktorya. Aquela era só mais uma prova de que algo estava errado. Suas

decisões sempre perfeitamente calculadas não poderiam ser descritas como

rápidas ou fáceis. Se ela escolhia algo rapidamente, se arrependia. O dia mais

importante de sua vida não seria diferente. Mas eu não disse nada, apenas

segui as senhoras ao redor do clube. Quando chegamos perto dos campos

abertos de tênis, dei uma parada abrupta ao ver Maksim dentro de uma das

quadras. Suas tatuagens e a postura não me deixariam confundi-lo.

Ele falava com o juiz Carrieri e o secretário, Timoty. Homens da

política que se estavam conversando com meu irmão, com certeza não se

tratava de um bom motivo, principalmente dada as suas expressões.

Maksim fitou seu relógio, batendo com o dedo indicador duas vezes no

vidro antes de deixar os dois homens e sair, caminhando de cabeça baixa em

minha direção. Ele ainda não tinha me visto, e eu olhei para ver que nenhuma

das mulheres o viram, estavam imersas demais.


Caminhei em direção ao meu irmão, vendo seus lábios movendo-se

enquanto falava sozinho, os punhos fechados e todo vestido de preto. Ele

ergueu a cabeça, me viu e sorriu. O sorriso era uma mistura de alegria,

sarcasmo, fúria e confusão. O único sorriso que ele tinha era tão perturbador

por carregar tantos sentimentos que se você não o conhecesse não saberia

interpretar por que ele estava sorrindo em sua direção.

Ele queria te bater? Te matar? Estava curioso a seu respeito? Estava

zombando?

Mas eu o conhecia bem, mais do que ele mesmo se conhecia. Meu

irmão estava feliz em me ver, e parecia surpreso também.

— Sestra. — Eu o abracei, fazendo o aperto durar um pouco mais antes

de soltar meus braços ao redor do corpo largo e dar um passo atrás.

— Senti sua falta.

— Nos vimos há pouco tempo.

— Eu sei, mas senti sua falta, ainda assim.

— O que está fazendo aqui? — perguntou. Seus olhos agitados corriam

ao redor numa velocidade impressionante, antes de parar em mim por cinco

segundos, depois corriam novamente. E paravam outra vez.

Sempre alerta, sempre atento. Sempre esperando perigo.

Acenei para as mulheres, que entravam no salão de inverno onde o chá


as aguardava. Que Viktorya me perdoasse, mas eu não queria estar ali.

— Parece que chegou a hora.

Maksim inspirou, alargando as narinas e socou a mão aberta com o

punho.

— Finalmente. Eu começava a me perguntar o que estava errado com

ela.

— Nada está errado com ela. Nós, garotas, demoramos a tomar esse

tipo de decisão. É um casamento, Maksa. Algo para a vida.

Seus olhos perturbados fixaram-se nos meus.

— Eu estava a ponto de forçá-la na igreja ao meu lado. Talvez ela tenha

sentido isso. Eu estou cansado de foder prostitutas, quero a minha esposa

prometida.

— Maksim! Você dorme com outras mulheres? Como pode?

— Eu não durmo, eu trepo. Gozo e saio fora. Se eu não gozar, mato.

Qual você prefere?

— Eu prefiro não ter essa imagem na minha mente, em primeiro lugar,

mas acima de tudo, pensei que depois de ver o que Viktor fez comigo, você

respeitaria Viky.

— E vou, quando nos casarmos. Eu não sou um monge do caralho,


Maryia. Viktorya sabe disso. Eu a amo, mas ela não pode pensar que ter me

deixado chupar sua boceta umas poucas vezes, iria me satisfazer.

— Argh! Eu não quero saber isso!

Ele riu, jogando o braço no meu pescoço.

— Vamos dar o fora. Eu quero comer um hamburguer do caralho antes

de voltar ao trabalho.

— Eu não posso sair ainda.

— Então, eu vou ficar aqui e falar sobre a boceta virgem da minha

noiva.

Joguei meu cotovelo em seu estômago, mesmo sabendo que não iria

calar sua boca.

— Nojento.

O manobrista trouxe seu carro logo em seguida, e eu mandei uma

mensagem rápida à Alessandra, pedindo que dissesse a todas que tive um

mal-estar e voltei para a casa.

— Você ama Viktorya?

— Que pergunta é essa?

— Só uma pergunta.

— Você tem as ideias mais paralelas, sestra.


— Vocês vão se casar em breve, de repente me peguei pensando nisso.

Ele levou um minuto para responder. Ou dois.

— Eu prezo por Viktorya. Ela é minha.

— Ok, mas e sem toda essa atitude neandertal? Há amor?

Maksim riu, bagunçando meu cabelo como se de repente eu

fosse aquela criança chata e barulhenta novamente.

— Isso é ciúme?

— Não, babaca.

— Não se preocupe, irmãzinha. Sempre terei espaço, tempo e amor

para você.

— Maksim — sussurrei —, me diga se ama.

Ele suspirou.

— Eu quis Viktorya desde que a vi no casamento de Andrea e Vatily,

mas precisei esperar um até que fizesse dezoito. Conquistei meu status para

ela, ganhei respeito e firmei meu lugar na organização.

— Para ela?

— Para ser digno dela.

— Por quê?

— Porque ela é perfeita. Uma princesa russa como você. Assim como
eu não gostaria de te entregar para qualquer vagabundo, sei que Dimitri e
Alexi não iriam dá-la de bandeja.

Deus.

Eu virei o rosto para encarar a rua, sem conseguir encarar meu irmão,
quando mentia na cara dele. Ou omitia. Tanto faz. Me sentia podre do mesmo

jeito.

— Eu a amo. Sim.

Uma lágrima me escorreu e ele suspirou, como se dizer aquilo o

deixasse leve.

— Eu amo Viktorya demais.

Mas meu coração ficou tão pesado que eu quis desabar.


“Eu só te ligo às 5:30

A única hora que eu estarei ao seu lado

Eu só amo isso quando você me toca, não quando sente algo

Quando eu estou drogado, esse é o verdadeiro eu”

THE WEEKND, THE HILLS

Eu não me intimidei quando entrei naquele quarto de hotel velho. Sem

me surpreender em como parecia podre. Ouvi Dimitri trancar a porta, mas

não virei para trás. Seus olhos ao me ver ali às três da manhã disseram tudo.
Eu era bem-vinda, ele estava ansioso para fazer um estrago.

— Alguém te viu saindo? — perguntou, caminhando lentamente até as

duas janelas do quarto, puxou as cortinas pelo canto e olhou para baixo.

— Não.

Meu coração batia devagar. Amortecido. Quando me levantei da cama,

decidindo que revirar de insônia ao lado do meu marido era o suficiente,

decidi que bastava. Não importavam as consequências do que faria a seguir,

eu precisava tirar aquilo da cabeça.

Fazia todo o sentido para mim.

Eu me sentia estúpida por me entregar a Viktor sem reservas depois do

que fez. Minha cabeça exigia que era pouco, que ele precisava pagar. Magoar

meu coração e usar meu corpo sempre que quisesse não seria algo que

deveria vir de graça. Não mais. Ainda que ele fosse um Boss. Ainda que

tivesse Moscou aos seus pés, eu não era seus Vorys. Eu não podia me deixar

cair como uma mosca em sua rede.

Mesmo que ele nunca soubesse o que fiz, enquanto eu tivesse aquele

pequeno consolo, voltaria a dormir. O consolo de que eu podia magoá-lo

como ele me magoou. Eu podia trair sua confiança e seu corpo como ele fez

comigo.

— Eu me entreguei a ele — falei. Deixei minha bolsa cair na poltrona


desgastada, tirando meu sobretudo em seguida. Apenas uma camisola restava
em meu corpo, pois não me preocupei em trocar de roupa. Qual o propósito,

se pretendia tirar?

Dimitri sorriu. Um sorriso malicioso que fez arrepios percorrerem por

meus braços. Eu devia correr. Uma parte de meu cérebro gritava isso, mas...

para onde iria?

Para onde iria com todos os pensamentos fodidos que me

assombravam, não me deixavam dormir ou pensar, não me deixavam fazer

nada além de me culpar e sentir estúpida por ter cedido?

— Não estou surpreso. É o que vocês geralmente fazem, dão segundas

e terceiras chances a quem quebrou seus corações.

Ignorei o “vocês” na frase, engoli em seco.

— Não vim para uma lição de moral — ataquei. — Principalmente, não

de você.

Ele estava sem camisa, o cabelo desgrenhado de provavelmente ter

rolado no travesseiro enquanto dormia, a calça jeans aberta. Eu podia ver

novamente aqueles pelos que ameaçavam mostrar demais. Mais do que eu

deveria ver e, ainda assim, estava olhando.

— E para o que veio, Maryia? — ele falava e se aproximava, em passos

lentos. — O que esse criminoso insano pode oferecer a uma mulher como
você? — Dimitri abriu os braços. — O que a faria vir até mim de madrugada,
sozinha, se tudo o que tenho é esse quarto de hotel imundo?

Era a pergunta que eu me fazia, e logo em seguida me dava a resposta.

Que tipo de desespero faria uma mulher deixar seu marido numa mansão

milionária e correr para um desconhecido, no meio na noite, num lugar tão

medíocre quanto aquele quarto. Um desespero sombrio que ameaçava me

levar ao limite.

O mesmo limite que da última vez, fez-me incendiar minha casa.

— Você me ofereceu uma vingança. Um conforto.

— E você me negou com um tapa desse lado do rosto. — Ele tocou a

própria bochecha.

— Mudei de ideia.

— Por quê? Seu marido não a satisfez como antes?

— Sua oferta está de pé ou não?

Dimitri chegou mais e mais perto, seu cheiro invadindo meu espaço.

— Eu não seria tão... insano assim de recusar uma noite com você,

Maryia Zirkov. Sabe que eu não sou ele, não é?

— É por isso que eu o quero. — Fixei meus olhos sérios nos seus. —

Preciso lembrar o que ele fez. Sei que vou estar com ele outras vezes, mas
preciso ter em meu coração minha própria vingança. Não posso deixar suas

traições e desrespeito baratos.

Ele me analisou com olhos frios, dilatados e cheios de ego por um

momento. Minutos de um silêncio venenoso se passaram entre nós, até que

Dimitri encostou nossos corpos, seu peito colando em minhas costas, a boca

roçando minha nuca, meu ouvido. Eriçando cada pelinho presente em meu

corpo.

— Eu não sou um bom homem.

— Eu sei — sussurrei. Não teria ido até ele se fosse.

— Vou te comer como quiser, e meu único propósito é poder rir na cara

do seu marido, sabendo que eu tive sua deliciosa esposa. — A voz rouca e

grave soprando em minha mente fazia-me sentir zonza. Proibida. Me senti

uma pecadora imunda. Tão imunda quanto as mulheres com quem Viktor me

traiu.

E eu fodidamente sorri.

Não perdi tempo em me virar para ele e agarrar a barra da camisola, a

tirando e colocando delicadamente junto a bolsa. Mantive meu olhar no

homem à minha frente. A expressão de Dimitri era uma mistura de vitória,

descrença e desafio. Ele provavelmente pensava que eu mudaria de ideia e

correria a qualquer minuto. Estava tão enganado.


Viktor me cortou por anos, era hora de repicá-lo em retorno.

— Vai ficar olhando? — perguntei, quando enfim fiquei nua, não tendo

vergonha de me expor para aquele homem. Dimitri inclinou a cabeça,

enquanto bebia meu corpo, delineava cada centímetro da pele. Eu não sentia

nada por ele, mas naquele momento senti uma gratidão torcida.

— Por um momento... sim. Eu gosto de olhar. Analiso cada arma

corretamente antes de comprar, pesquiso cada linha de coca antes de cheirar,

estudo muito bem meus inimigos antes de matá-los ou tomá-los como

aliados. Homens como eu... nós simplesmente apreciamos olhar demais antes

de tomar para valer. — O corpo musculoso se movia com firmeza, cada

músculo em evidência quando caminhou decidido até mim e me agarrando

com força, tirando um suspiro satisfeito de meus lábios. Ofeguei, surpresa

com a forma como me segurava.

Sua boca veio de encontro à minha e me afastei, segurando seu peito,

encarando os olhos dele numa espécie de aviso sobre aquilo ser, de alguma

forma não possível de explicar, demais para mim e ele, após poucos segundos

encarando meus olhos, pareceu entender o que eu estava sentindo, mas

agarrou minha nuca e sorriu, tentando forçar o beijo a acontecer.

Eu lhe dei um tapa antes que nossos lábios se tocassem.

— Não me beije!
— Eu vou meter na sua boceta e sua maior preocupação é a boca?

Suas palavras acenderam mais raiva em mim.

— Será como eu quero, ou irei embora.

— Como quiser, então, rainha.

Rainha.

Eu gostava daquela palavra. De seu sentido e de como me fazia

parecer. Ali, naquele quarto, prestes a trair meu marido, me vi desejando

sentir mais forte, mais superior. Não queria mais ser a Maryia louca que

aceitava tudo do meu esposo apenas porque ele podia.

Não.

Porque eu podia também. Só descobri tarde demais.

Ele desviou a boca para o meu pescoço, enquanto suas mãos apertavam

de forma rude minha bunda, me fazendo automaticamente relaxar e me

envolver com o momento. Seus beijos acariciavam-me com desejo, força e

brutalidade crua. Não havia amor e conexão ali. Apenas sexo faminto das

duas partes. Dimitri me provava com fome e eu apenas mergulhei nas

sensações, sentindo certo poder por estar ali, devolvendo na mesma moeda o

que meu marido havia me dado.

Seria aquela única, primeira e última vez. Mas era tudo o que eu

precisava.
Sempre ouvi dizer que a vingança era algo que corroía a alma, mas

naquele momento, não podia concordar. Fechei meus olhos, jogando de lado

meu amor por Viktor, minha amizade com Viktorya, meu respeito pelo nome

do meu Clã e deixei que Dimitri me tocasse como se fosse digno de mim.

Como se fosse seu direito.

Deixei que meu corpo pertencesse a um Romanoff. Me tornei uma

traidora.

Quando os dedos de Dimitri encontraram seu caminho para dentro de

mim, de forma rude, mas exatamente como eu precisava, me senti

deliciosamente vingada. Ele só parou o que fazia para me jogar na cama,

tirando a calça e cueca de seu corpo. Eu vi seu corpo por inteiro dessa vez,

desde as coxas musculosas e cheias de pelos escuros, até o pênis longo,

grosso. Estranhamente salivei, desejando senti-lo mais do que apenas como

forma de me vingar.

Realmente o quis.

Não demorou para que em seguida, me cobrisse com seu corpo, a

forma musculosa formando uma sombra que me envolvia, e seus olhos

castanhos me devoravam.

Eu abri minhas pernas, lhe dando espaço e autorização para se

aproximar. Ofeguei quando suas mãos envolveram meus seios, apertando


meus mamilos e girando-os, ao mesmo tempo em que sua boca beliscava,
lambia e beijava o meu pescoço e nossos corpos começaram a se esfregar.

Intimidade com intimidade. A coroa lisa de seu pau ameaçando escorregar

pela minha abertura molhada e me invadir completamente. Arranhei as costas

fortes antes de puxar seus fios longos do cabelo, empurrando

deliberadamente a cabeça para mais baixo de meu corpo. Não houve

resistência, ele sorriu, animado com a ideia de me chupar, tirando um gemido

quebrado de minha garganta quando sua língua escorregou por entre meus

seios, circulou meu umbigo e começou a trabalhar em meu clítoris.

Era estranho ter alguém me tocando, depois de anos sendo apenas de

um homem, mas ao mesmo tempo era poderoso, eu não me arrependia. Não

conseguia me arrepender. Talvez amanhã. Talvez daqui a uma semana eu

acordasse e me desse conta do que fiz, mas então seria tarde demais.

Eu beijaria o meu marido e olharia em seus olhos frios sem nenhum

pesar até lá.

Estar com Dimitri nem me longe me fez sentir como eu me sentia com

Viktor. Eu não o amava, afinal. Enquanto com Viktor eu me sentia amada,

mesmo em meio à sua brutalidade, com Dimitri, mesmo que as carícias

fossem leves, eu me sentia uma prostituta.

O sorriso de satisfação e desejo que tomou meus lábios era sincero e,


enquanto eu esfregava minha boceta na boca sedenta, só conseguia pensar em

como eu queria gozar forte com aquele homem. Tive consciência de que

gozaria forte, e acabaria logo em seguida. Fechei os olhos com mais força,

empurrando todos os pensamentos lógicos para longe. Em minha imaginação,

empurrei uma caixa cheia deles para fora do quarto e fechei a porta.

Eu o puxei fortemente pelos cabelos quando me vi quase gozando com

o ritmo insistente que ele colocou em suas lambidas, deixando minhas pernas
fracas e trêmulas apenas com sua boca e não, não chegava nem perto do que

Viktor era capaz de fazer comigo, mas era bom o suficiente para me fazer

desejar mais. Dimitri entendeu o que eu queria, assim que eu abri mais

minhas pernas, não precisando dizer nada para que se posicionasse entre elas

e afundasse seu pau dentro de mim, tirando um grito satisfeito, chocado e

sombrio de minha garganta.

Não houve tempo para que eu me acostumasse com a invasão, as

estocadas eram rápidas e fazia com que eu me agarrasse nele, sentindo prazer,

mas também estranhando não encontrar nenhuma familiaridade.

Eu estava acostumada com Viktor, mas não era um costume de


comodismo e, sim, reconhecimento de algo que me pertencia. De algo que

fazíamos além do orgasmo.

Com Dimitri, me senti cheia no corpo, vazia na mente, podre no


coração.

Minhas unhas deslizavam pelas costas e braços, o marcando para

descontar a força dos sentimentos que os movimentos brutos dentro de mim

desencadeavam.

— Dimitri... — chorei, sentindo seu membro acertando-me em lugares

tão familiares, levando-me a cada metida mais e mais perto do ápice.

Ele rosnou, agarrando meu cabelo com força e puxando-o, então apoiou

a mão na cabeceira da cama e começou a me foder com mais vigor. Parecia

furioso. Os olhos me encaravam, mas estavam em branco, olhando além de

mim.

— Ele não te faz sentir assim — rosnou. — Você é minha!

— Dimitri? — chamei, assustada por um momento com sua expressão.

Ele pegou o travesseiro e colocou em meu rosto. Por um momento, eu

paralisei, a força de seu impulso levando-me para cima e para baixo, a cama

batendo na parede, meus gritos escapando com desespero, gaguejados. Tentei

me livrar, empurrando-o, mas suas mãos não me deixaram ir a lugar nenhum.

— Você sempre foi. Eu te amo — ele sussurrou algo, um nome que foi

impossível entender. — Te amo...

Espasmos levaram meu corpo ao gozo novamente, minha boceta ardia,

meu corpo suava por inteiro. Exausto. Mas em meio à falta de ar, tentei me
agarrar ao que disse. Comecei a bater as pernas, tentando sair de baixo de
Dimitri.

Ele me deixou ir, mas rapidamente agarrou minha cintura e colocou-me

de quatro na cama, voltando a me penetrar logo em seguida. Os dedos firmes

em meu quadril para me manter empinada para ele, doíam em minha pele,

mas era uma dor boa, eu gostava de estar ali, à mercê dele, recebendo seu pau

grosso bem fundo em mim, gemendo a cada nova estocada. Minha boceta se

contorcia em torno do comprimento, apertando-o numa tentativa inútil de

mantê-lo por mais tempo dentro de mim, necessitada por cada novo

movimento bruto. Meu corpo estava quente e o som do nosso sexo sujo

ecoando naquele quarto fazia com que meu calor aumentasse, eu estava tão

molhada que não conseguia mais raciocinar corretamente.

O que ele disse?

O que falou?

Eu olhei para trás, tentando fazer suas palavras ganharem sentido, mas

só encontrei o rosto paralisado, enquanto me fodia. Seus olhos arregalados

encaravam acima da minha cabeça, a boca aberta, o cabelo grudado na

bochecha e na testa. Ele não me via.

Ele não me via e suas palavras não faziam nenhum sentido.

Arregalei meus olhos quando tive meus fios enrolados nos dedos dele
para que, num impulso inesperado, ele erguesse meu tronco num forte puxão
de cabelo, me tirando completamente o ar e eu apenas consegui apoiar

minhas mãos na cabeceira da cama, enquanto continuava a sentir cada

espasmos que meu corpo recebia quando ele socava forte seu pau em mim,

percebendo que ele estava disposto a arrancar mais um orgasmo a todo custo.

— Eu não posso mais — sussurrei.

— Quantos eu quiser. Eles são meus para tomar. Você não se lembra da

primeira vez? Dê-me mais — ele sussurrou de volta.

Isso não demoraria para acontecer, ainda que nada do que dizia fizesse

sentido, o calor que irradiava entre as minhas pernas vinha anunciando que eu

não duraria por muito mais tempo e ter meu cabelo puxado de um jeito tão

brusco mexia com meus desejos. Dimitri colou minhas costas em seu peitoral

e usou a mão que não segurava meus cabelos para manter minha bunda

colada à sua pélvis, iniciando uma sequência tão rápida de estocadas que eu

nem mesmo consegui gemer para acompanhar. Eu segurei seu pulso,

enquanto abria minha boca, revirando meus olhos e sentindo meu orgasmo

vir de uma vez só, sem ter para onde fugir da sensação esmagadora. Dimitri

saiu de mim, jogou-me de costas na cama e meus olhos cansados o

acompanharam bombeando o próprio pau de joelhos entre as minhas pernas,

me encarando, enquanto se masturbava.


Eu. Maryia. Seja quem quer que ele estava imaginando antes, não

estava mais entre nós. A respiração dele falhou segundos antes de eu sentir o

primeiro jato de seu gozo em minha barriga, os seguintes vieram rápidos e

fortes. Manchando minha pele mais do que todo o ato já havia feito.

Mesmo ofegante, eu não me permiti permanecer deitada. Fugindo de

seu olhar, levantei-me , joguei as pernas para fora da cama, me sentia meio

desequilibrada, mas vesti a camisola, coloquei o casaco por cima do corpo e

peguei minha bolsa. Os sapatos altos me dariam trabalho, mas eu não podia ir

descalça.

— Maryia.

Fiz uma pausa com a mão na maçaneta.

— Isso acabou.

A adrenalina não corria mais por minhas veias como antes, mas ainda

assim, eu me sentia muito satisfeita e devidamente vingada.

Também me senti como a prostituta mais usada da Bratva.


“Olhe para as cartas que a vida nos deu

Se você fosse qualquer outra pessoa

Provavelmente não duraria um dia

Lágrimas pesadas, um desfile de chuva do inferno”

ARIANA GRANDE, GHOSTIN

Eu acordei com uma carícia suave em minha bochecha, cheiro de café

no ar e a voz familiar de Viktor pertinho do meu rosto. Demorei a abrir os

olhos, com medo do que vê-lo faria comigo. Quando voltei para a casa, na
noite anterior, alegando que Viktorya precisava de mim, estava escuro,

portanto, não vi seu rosto quando me mandou voltar para a cama.

Ele não percebeu que tomei banho no banheiro do primeiro andar,

lavando o cheiro e os toques de outro homem de mim.

Lavei Dimitri e, com isso, foi embora a minha tristeza. Para fazer o

teste, quis foder Viktor, mas tive medo de que percebesse o quão usada

minha boceta tinha sido, menos de uma hora antes.

Senti-me cansada, com sono e dormi imediatamente. Dormi com os

braços do meu marido em volta da minha cintura, seu pau duro cutucando

minhas costas e os dedos manchados de sangue e violência agarrados

firmemente à minha pele. Minha pele dolorida de onde Dimitri tinha tocado

com sua igual violência antes.

Senti-me doente, pois amei Viktor um pouco mais. Quando fui até

Dimitri, por um momento temi que fosse me odiar, me sentiria ainda mais

culpada e tomaria atitudes drásticas guiadas pelo arrependimento.

Mas, na verdade... ter fodido outro homem parecia ter igualado tudo em

minha cabeça.

Era como se não importasse o que Viktor fez, porque eu fiz igual.

Eu cortei sua garganta, depois de anos tendo-o cerrando minha cabeça.

Abri meus olhos.


Os olhos verdes iluminados pela luz que adentrava a janela eram frios,

como sempre, distantes de sentimentos comuns, mas tinha sua possessividade

de sempre. Ele era tão obcecado por mim, assim como eu era pela ideia de

nós dois.

Querido... eu dei o que é seu.

— Bom dia, zhena.

Deslizei o dedo que carregava nosso anel de casamento de sua

sobrancelha falhada até o queixo.

— Bom dia — sussurrei.

— Como se sente? — Ele segurou meu pulso, mordendo bem onde

minhas veias batiam com calma.

— Vingada.

Ele franziu o cenho, confuso.

— Vingada?

Segurei seus ombros e me sentei, chegando meu rosto bem perto do

seu.

— Acho que te entendo agora. Entendo tudo.

— Está se sentindo bem?

Como é que, mesmo sendo um homem traído, em minha cabeça ele não
perdia a força e poder de quem era? Ele ainda exalava confiança, ego e

segurança. Dimitri era tão medíocre perto de Viktor, mesmo quando encheu a

boca para dizer que teria sua esposa.

— Sim, perfeita. — Passei a língua pelos lábios secos. — Pensei muito

em nós ontem. Na verdade, desde que transamos.

— Nós temos que começar do zero, Maryia. O passado fica no passado,

vamos nos concentrar em daqui para a frente. Não vou te perder, zhena. Não

posso.

Dei risada, sentindo-me tão livre, tão leve que me inclinei e dei um

beijo casto em seus lábios.

— Você não precisa. Eu não vou a lugar nenhum.

Viktor fez uma pausa, analisando meu rosto, meus olhos. Estreitou os

seus enquanto encostava as costas da mão em minha testa. Ele buscava os

sinais de um possível surto, mas eu não me sentia à beira da histeria. Me


sentia mais sã do que fiz em muito tempo.

— Você está perdoado. — Montei em seu colo, empurrando a bandeja

de café da manhã que sua tia devia ter preparado para que me levasse. — Está

tudo perdoado.

— Por quê?

— Porque é quem nós somos. — Segurei seu rosto de ambos os lados,


encostando a testa na dele. — Não vou mais lutar contra isso.

As íris perspicazes estavam fixas em mim, desconfiado, meio incrédulo

e um pouco convencido. Mas suas dúvidas não o impediram de circular

minha cintura com o braço.

— Você sabe que eu faria tudo por você, Maryia. Roubaria por você.

— Já roubou.

— Mataria por você.

Eu sorri contra sua bochecha.

— Já matou.

— Acabaria com ambas as nossas vidas, eu destruiria nós dois, se fosse

o melhor caminho.

Eu engoli em seco, beijando-o. Suas palavras eram um punhal afiado e

verdadeiro.

— Você já fez isso também.

Assim como eu.


Eu saí do carro que Volya dirigia e caminhei lentamente em direção ao

iate de 120 pés encorado na ponte, as ondas frias como o vento de Moscou

querendo levá-lo para longe da costa. Meu sobretudo voava, abrindo-se como

uma capa ao meu redor, e meus óculos escuros escondiam a confusão que

ainda se fazia em minha mente.

— Eu não gosto disso, porra — disse Volya, seus passos pesados sobre

o pavimento, fazendo barulho em comparação aos meus.

— Você nunca gosta de nada.

— Especialmente quando se trata desse cuzão do caralho. Se tivermos

qualquer surpresa, eu não vou hesitar em enfiar uma bala na cabeça dele,

Boss ou não.

— Estou tão curioso quanto você para descobrir o motivo da reunião de

última hora e, caso chegue a esse ponto, ficarei feliz em derramar sangue ao

seu lado. Mas, por enquanto, mantenha seu pau dentro das calças.

Volya rosnou, esfregando as mãos juntas.

— Eu anseio em tomar banho no sangue de Romanoff. Qualquer um

deles. Com uma puta chupando minhas bolas, enquanto faço isso.
Acendi um cigarro, fazendo uma pausa no lugar. Volya parou também,

encarando-me.

— Se você for gay, porra, é melhor me dar um aviso do caralho, antes

que a bomba exploda e eu tenha que lidar com isso.

Volya ficou calado por um momento, franzindo a testa para mim.

— Talvez eu dê um tiro na sua testa e me banhe com o seu sangue,

filho da puta.

— Senhor? — Sergei nos alcançou, correndo atrás de mim com o

telefone na mão.

— Eu não quero ser interrompido agora.

— É sobre Maryia, Boss.

Girando a cabeça até estalar o pescoço, suspirei.

— Diga.

— Ela saiu de casa, um carro dos Romanoff foi buscá-la na mansão.

— Viktorya está em meio aos preparativos do casamento e toda essa

merda — respondi. — Maryia obviamente vai ajudá-la com tudo.

— Devo colocar um homem atrás dela?

Eu traguei profundamente o cigarro, deixando a nicotina queimar

minha garganta, ainda que depois de anos do vício, não tivesse mais tanto
efeito.

— Você me fez mesmo essa porra de pergunta?

Ele abaixou a cabeça, dando um aceno de quem tinha entendido o

recado e recuou, voltando à sua posição de vigiar o carro.

— Como anda o desafio do casamento? — Volya perguntou, mas

pouco se fodia para o que acontecia no meu matrimônio.

— Minha esposa é louca. Isso quer dizer que sempre está bem e mal,

tudo ao mesmo tempo.

Volya balançou a cabeça, encerrando o assunto antes de entrarmos no

iate.

— E então?

— Eu não teria me casado com ela se não fosse assim — sentenciei,

jogando a última ponta do cigarro no mar.

— Loucos do caralho. — Ouvi Volya murmurar atrás de mim.

Zodiak guardava a entrada como o bom cão de Alexi, acenou para

mim, depois a contragosto para Volya. Com certeza não havia amor e carinho

perdido entre nós. Os Clãs se respeitavam e respeitavam o território alheio,

mas estavam todos focados demais em querer fazer de sua família mais bem-

sucedida que as outras, para nos deixarmos levar por carinho e fraternidade.
Porra, nem sequer havia tais sentimentos em nós.

Éramos homens moldados por violência, guerra e ódio. Amor era a

fraqueza que ninguém ali se permitia, e se permitisse, estava sempre como

eu: dividindo-me entre quem a Bratva precisava que eu fosse e quem o

resquício de humanidade em mim desejava dar à Maryia.

Na maioria das vezes, a Bratva ganhou a corrida.

Vozes no interior do barco denunciaram que havia apenas duas pessoas

lá dentro. Dimitri e Alexi.

Eu lidava com os outros Boss, mas Alexi era difícil. Nós batíamos em

nossas personalidades exatamente da mesma forma. Ele se achava melhor do

que eu, e eu pensava que ele nunca seria tão bom quanto eu no que fazia.

Moscou me pertencia, e seu maior desejo era tomá-la de mim.

Eu adoraria fatiar sua garganta quando a hora que resolvesse tentar

chegasse.

— Senhores — Dimitri cumprimentou, assim que entramos. Por trás do

bar bem abastecido, ele enchia três copos e exibia um sorriso de merda. —

Bem na hora.

Alexi, sentado no sofá, desviou os olhos do mar para nos encarar,

acenando em reconhecimento à nossa presença. Um charuto pendurado na

boca e o copo vazio apoiado no joelho.


— É bom que isso vá valer meu tempo. Moscou não dorme.

Dimitri riu, e eu o encarei com seriedade. Ele estava rindo,

deliberadamente, enquanto me fitava de volta.

— Você tem a porra de um problema?

— Não, Zirkov. Nenhum. — Se aproximou de mim e Volya,

oferecendo os copos. — Só me lembrei de uma piada.

— Por que não nos conta? Seria bom rir. — Volya aceitou o copo,

batendo o gin para dentro, numa só golada.

— Você, sombra... rindo? Eu não vejo esse cenário.

— Eu não vim para comprar ingressos para o circo. — Fitei Alexi. —

Você tem algo importante a dizer ou seu konsultant vai ficar jogando merda

ao mar a tarde toda?

Ele abaixou o charuto, jogando uma quantidade de fumaça que acabaria

com um pulmão saudável em três meses de cigarros e cruzou as pernas. Seus

ternos me irritavam, a gravata, a forma como ele parecia um empresário do

caralho e não um criminoso condenado.

Ele me lembrava a porra dos DeRossi. Eu queria matá-lo como

desejava matar Luigi, Jack Haunt e sua corja.

— Capturei três homens do seu território vendendo crack na minha

cidade. Eu não mexo com esse lixo nojento. Você, sim. Como cortesia, vim
dar os nomes e avisar que estão sob o julgamento do meu Clã. Eu vou matá-
los.

Uma risada sombria e sem humor me escapou.

— Engraçado, isso não pareceu uma pergunta para mim.

— Eu não preciso da sua autorização quando eles quebraram uma regra

clara da Irmandade. Você quis todas as drogas e prostituição. Eu fico com a

coca, armas e contrabando. É um negócio justo. Eu não vou abaixar as

minhas calças e deixar que me foda na minha cidade.

— Eu vou julgar os três e lidar com seu crime. Não é seu negócio para

resolver.

Alexi se levantou, caminhando poucos passos, ainda distante de mim,

mas claramente perdendo a paciência.

— A linha que separa São Petersburgo de Moscou diz que esse é a

porra do meu negócio para lidar. Você pode chamar seu papai e se entender

com ele, se meu cumprimento do dever te incomoda.

— Por que não chamamos o seu, aproveitando que está na cidade e o

convidamos para voltar a liderar seu Clã, se você não pode evitar que três

simples Vorys ganhem dinheiro em seu território?

Alexi avançou.

Eu avancei.
A última e única vez que deixamos nossos punhos resolver nossas

diferenças, terminou com ambos sendo cuidados por um médico em casa. Eu

não cairia para Romanoff e ele não fecharia os olhos para mim, a não ser que

estivesse morto.

Embora, eu não me importasse de lutar com ele até que suas forças se

esvaíssem e eu pudesse orar sobre seu cadáver.

— Rapazes — virei ao ouvir os saltos descendo do convés até nossa

altura —, temo termos assuntos mais importantes a resolver do que essa....

rincha.

— Pensei que já tivesse ido — disse Alexi, flexionando os punhos e

desviando os olhos de mim.

— Eu só precisava dar um telefonema em privado. — Ela me

cumprimentou com seus dois beijos secos costumeiros. — Viktor.

— Aryshia.

Ela acenou para Volya, sem demorar muito seus olhos em meu

konsultant.

— Olá, Volodya.

Ele devolveu com um balançar de cabeça brusco, sem dizer nada.

— Isso é o que precisamos — disse Dimitri, oferecendo seu próprio

copo cheio a ela. — Uma presença de encher os olhos para acalmar os


ânimos em cada reunião.

Aryshia sorriu sem mostrar os dentes, tomando o copo de sua mão e

virando a bebida num gole só.

— É claro. Afinal, que outro propósito uma mulher teria aqui, não é?

Ninguém negava a beleza de Aryshia Malkovi, sua firmeza para liderar

o Clã falido da família que carregava a mancha da traição de seu pai ou a

capacidade em negociar com homens, como eu e Alexi. Eu não duvidava

dela, por isso a permiti continuar sendo quem era sob meu comando em

Moscou.

Ela mandava em sua família, ela lidava com sua parte dos negócios e

eu nunca me arrependi de tal decisão, ainda mais vendo como lidava

diariamente com comentários como os de Dimitri.

— O que pode ser mais importante que o assunto que trago?

— Alexi, algo que tem mais a ver com a Irmandade em geral do que

apenas o seu território.

Nós todos esperamos que começasse a falar, mas ela hesitava. Com o

cabelo preso e uma franja de lado, ela conseguia ficar firme num salto

inacreditavelmente alto, e seu vestido apertado como um punho não parecia

cortar o ar. Como as mulheres conseguiam aquele tipo de merda, eu nunca

entenderia.
Alexi a encarava de cenho franzido, enquanto Dimitri apoiava o

cotovelo no bar, de cabeça baixa e um sorriso de merda no rosto. O que ele

estava achando tão engraçado, eu não demoraria a partir para a violência, a

fim de descobrir.

E Volya, ao meu lado, tinha os punhos cerrados, mandíbula flexionada

com força e os olhos fixos na mulher à nossa frente. Suas reações geralmente

eram em branco, para quem quer que fosse. Por que Aryshia o estava

irritando tanto também, me fugia à razão.

— Eu recebi um convite para uma festa na propriedade de Kazel

Maraba.

— Repita — ordenei, após alguns segundos, dando um passo à frente.

— Um rapaz me abordou no estacionamento do Teatro, na noite

passada. Eu não o vi chegando...

— Por que porra você estava sozinha? À noite e no fodido Teatro? —

Volya rugiu.

Eu me surpreendi com a explosão, assim como Alexi. Aryshia ergueu o

queixo.

— Eu posso cuidar de mim mesma.

— Eu vejo isso. Me dê o convite.

— Não posso fazer isso. Foi um convite verbal. Uma senha que apenas
eu tenho. — Ela endireitou os ombros quando desviou os olhos de Volya para
Alexi, então para mim. — Decidi ir. É uma boa forma de descobrir mais

sobre esse cara.

— Fora de cogitação — falei.

— Na verdade — Alexi começou —, se planejarmos isso bem, pode

dar resultados.

— Se eu arrancar sua cabeça e jogar no mar, também teremos

resultados. Meu Boss concorda com isso — Volya rosnou.

Eu bati a mão em seu peito, apontando para fora.

— Saia.

Ele me fuzilou com os olhos, erguendo-os para atrás de mim, antes de

acenar.

— Eu estou sob controle.

— Eu não tenho tanta certeza disso. Cale a porra da boca ou eu vou

calá-la para você.

Virei-me para Aryshia novamente.

— Você não vai. Ele tem Naya sob suas garras e a garota é uma fodida

celebridade.

— Eu tenho a Irmandade — argumentou.


Em outro momento, eu concordaria com ela, mas por enquanto,

tínhamos pouca informação e Kazel era uma bomba relógio.

— Pode ser uma armadilha, Aryshia. Com a Bratva em suas costas ou

não, eu estou ordenando que esqueça isso. Nós vamos pegá-lo, mas eu não

vou perder nenhum líder para isso.

Ela acenou a contragosto, claramente discordando da minha decisão.

— Não é porque ela é uma mulher, que não pode lidar com isso —

disse Alexi.

— Você quer jogá-la aos lobos?

— Nós somos os lobos e nunca nos importamos de jogar nossas

mulheres para quem fosse preciso, se isso fosse resolver algum problema.

— Você sabe bem — eu sorri, irritado que questionasse minhas

decisões —, jogou sua irmã nas garras de um psicopata, sem hesitar.

Eu ouvi o copo de Dimitri cair no chão atrás do bar, mas não tirei meus

olhos de Alexi, que também me encarou nos olhos, sem demonstrar nenhuma

emoção por um breve minuto, então caminhou lentamente até o bar, pousou

seu copo, apagando o charuto no último gole da bebida e começou a andar

em direção à saída.

— Entrarei em contato com o endereço para você buscar os três

cadáveres.
Eu não discuti dessa vez, embora não fosse deixar que matasse os meus

homens por conta própria. Esperei que saísse, acompanhado de Dimitri, então

me virei para Aryshia.

— Vá para a casa, terminamos aqui.

Ela assentiu, pegando sua bolsa e caminhando lentamente para fora.

Ficamos apenas Volya e eu. E eu estava dividido numa mistura de

confusão, descrença e curiosidade. Mas havia também cautela, sabendo com

o que estava lidando agora com relação a meu irmão.

— Você está fodendo Aryshia. — Não foi uma pergunta, mas ele deu

uma parada abrupta, fitando-me por cima do ombro.

— Esqueça isso.

Ele saiu e eu o segui, caminhamos lado a lado em direção ao carro do

outro lado da ponte.

— Ela é o quê? Doze anos mais velha que você?

— Cuide da sua própria boceta, porra — rosnou.

— Eu o aconselho a não continuar com esse caso, Volya.

Ele riu sombriamente.

— Você aconselha?

Assenti, percebendo que chegara o momento de dizer o que eu ensaiava


há meses. Conhecendo Volodya, a notícia não seria lida em bom tom, mas ele

aceitaria. Era um bom soldado. A Bratva era sua prioridade como a minha.

— Eu decidi que você vai se casar com Veronika Malkovi. E, tendo em

vista que está trepando com a irmã dela, sim, eu aconselho que pare.

Ele estreitou os olhos escuros, tirando o boné preto e o enfiando de

volta na cabeça.

— Não está falando sério.

— Eu preciso de homens de confiança em todos os Clãs. Maksim se

casará com uma Romanoff. Eu tenho a minha Sharapova. Você vai cuidar de

Veronika Malkovi para mim.

— Foda-se, não, Viko. Você tem um cunhado em idade de se casar. —

Ele me apontou o dedo. — Coloque Evarkov nesse ninho de merda.

— Eu não confio em ninguém como confio em você, Volya.

— É uma pena. Ela é uma criança e eu não vou me casar com a garota.

Foda-se.

— Você vai, porra, se casar. Prepare seu terno, seu melhor sorriso de

menino bonito e seu mais alto “sim”.

Eu me aproximei até estarmos cara a cara, sem espaço para desviar da

seriedade do que eu dizia. Ele me observou por um instante com a feição

séria, duvidoso, então as sobrancelhas subiram e ele riu. Sua gargalhada


tomando todo o cômodo como uma música maldita.

— Eu já disse e repito. Não. Eu mato pra você, roubo, vou para a

cadeia, se quiser, mas não vou me casar.

— Volya — respirei fundo —, se recusar o pedido, farei disso uma

ordem.

— Então você faria de mim um fodido morto.

Inclinei a cabeça, observando o homem que lutei ao lado como irmão

por anos.

— Não somos todos homens mortos quando se trata de nossos deveres

com a Bratva?

Ele ergueu o queixo, cerrando a mandíbula, descontente além do que

podia estar com o meu decreto.

— Foda-se — rosnou e saiu. Eu o observei entrar no carro e acelerar

numa curva perigosa, mas que para nós, não trazia medo algum.

Dar um ultimato a alguém como Volya poderia muito bem ser o mesmo

que condenar Veronika Malkovi a uma vida de desgraça ao lado dele. Mas

novamente... todos tínhamos devemos com a Irmandade.

E sob o meu domínio, ninguém escaparia deles.


“Eu tenho morrido esse tempo todo

Deixe-me ir onde eu pertenço

Me deixe bêbado, me deixe chapado

Me dê pílulas e me deixa viajar

Quando for a hora, só me deixe morrer

Estou tão cansado dessa vida”

LIL HAPPY LIL SAD, LET ME DIE

Depois de recusar uma carona de Viktorya de volta para a casa, peguei


um táxi e fui em direção a um dos clubes da Bratva, onde poderia beber sem

ser incomodada e espairecer a mente.

Passar o dia com minha melhor amiga em seu novo estado de distração

e depressão, fazia crescer em mim uma vontade de questionar Maksim,

questionar Viktorya, questionar Alexi e até Roman. Todos os envolvidos

naquele matrimônio. Ainda que Viky tivesse pedido que eu não me

envolvesse mais, eu queria fazê-lo. Horas ao seu lado me sugou. Verificando

assuntos da decoração e rodando pela cidade onde sua mãe deixou horários

marcados, não vi nenhum pingo de excitação de sua parte. A felicidade que

sentimos planejando o meu casamento não estava ali. Tudo para ela era

escolher a primeira opção, sem questionar nada, contentando-se com o que

quer que os profissionais recomendassem. O resto de sua vida decidido de

qualquer jeito.

Aquilo não era forma de viver, era um maldito disfarce.

“Ou me caso com ele ou estarei arruinada.”

Lembrei-me de suas palavras, que embora não fizessem sentido para

mim, pareciam significar tudo para ela. Me vi querendo entender o dilema,

como se todo o resto fosse fazer sentido para mim também. Eu entenderia sua

necessidade de firmar aquele compromisso com Maksim mesmo quando

podia voltar atrás. Era um risco lidar com meu irmão daquela forma, mas ela
podia pelo menos tentar, a fim de salvar sua vida da miséria eterna ao lado

dele.

Quando o táxi parou em frente à terceira maior boate da Irmandade, eu

paguei o motorista com uma gorda gorjeta e entrei, os seguranças fizeram

vista grossa quanto a minha presença, mas eu sabia que eventualmente

alguém ligaria para Viktor. Até lá eu esperava ter tempo o suficiente para que

a sensação esmagadora dissipasse.

Àquela hora da tarde ainda não havia garotas pelo salão. Era em sua

maioria homens de negócios tendo reuniões discretas, bebendo e conversando

após o dia de trabalho. Alguns esperavam para dali a poucas horas, quando os

shows começariam. Quando as “meninas do paraíso”, como eram conhecidas

por suas belezas estonteantes, começariam a se apresentar.

— Tequila — eu disse ao barman.

— Senhora Zirkov — disse ele, ao me reconhecer, arregalando

levemente os olhos.

— A garrafa. — Deixei uma nota em cima do balcão, mas ele hesitou

em me entregar a bebida, como se tivesse medo de que, caso eu fizesse


alguma besteira guiada pelo álcool, quem me vendeu sem autorização de

Viko seria cobrado. No caso, ele. — Eu vou apenas se sentar em uma das

cabines e passar o tempo.


— Acredito que não tenha nenhuma vaga agora, senhora. As garotas

estão lá dentro.

Eu acenei, enquanto tirava a tampa e a colocava sobre o bar.

— Obrigada pelo aviso. Vou achar um canto.

Atravessei o salão, seguindo para a porta que ainda não estava sendo

vigiada por um Vory, e adentrei ao corredor onde quinze cabines luxuosas se

escondiam. Cada uma delas tinha um espaço confortável que abrigava um

sofá, uma mesa de canto, suporte para chapéus e casacos — dos clientes — e

uma TV em tela plana na parede, onde em sua maioria passavam filmes

pornô ou clipes com mulheres dançando músicas sensuais. Ao lado do sofá

tinha um botão para ser acionado quando o cliente quisesse bebidas, drogas

ou outra coisa.

No andar de cima, havia quartos mais do que dignos de cinco estrelas,

onde a Bratva investiu o suficiente para poder cobrar uma nota dos

frequentadores. Eles pagavam pelas mulheres e pelos quartos. Por cada

detalhe de riqueza e ostentação que os rodeava. Eu nunca tinha visto um

cliente vestindo um terno que não fosse de marca ou sapatos caros. Nunca vi

uma garota sair sem a calcinha cheia de dinheiro. Nunca vi um segurança

reclamar da propina que recebia para fazer vista grossa quando os clientes

passavam dos limites.


A primeira cabine que abri não me surpreendeu, quando dei de cara

com um engravatado sentado com a cabeça jogada para trás, linhas de

cocaína na mesa e uma das meninas ajoelhada no meio de suas pernas.

Rapidamente fechei a porta, não querendo que o cliente se irritasse com ela

por minha causa.

Entrei na próxima, encontrando uma garota dormindo no sofá. Abaixei

o volume da música na TV antes de sair. A seguinte foi mais ao fundo, e

havia apenas uma garota sentada no sofá. Eu a conhecia. Era uma das

principais atrações da boate, Xenia. Ela gostava de se fantasiar e brincar com

os desejos dos homens assistindo ao seu show. Mesmo quem não

frequentava, sabia quem era, e eu a respeitava por mesmo com sua fama,

nunca tentar se sobressair.

Ela parecia apenas querer fazer seu trabalho e voltar para outro dia,

sem causar problemas com ninguém.

Entrei e fechei a porta, erguendo a garrafa.

— Se importa?

Ela arregalou os olhos e pulou fora do sofá, exibindo o belo corpo mal

coberto por uma lingerie sensual que faria os homens lá fora revirarem a

cabeça. O cabelo estava perfeitamente penteado, assim como a maquiagem.

Estava pronta para o trabalho.


— Senhora Zirkov — abaixou a cabeça —, eu não sabia que tinha

reservado a sala. Já estou saindo.

— Fique. — Toquei seu braço, dando um leve tapinha. — Se não se

importar, eu apreciaria a companhia.

— A minha? — Franziu o cenho.

— Por que não?

Ela olhou ao redor.

— Bem... eu estou... eu sou uma...

— Uma mulher da minha idade — completei, antes que pudesse falar

sobre si mesma o que homens diziam dela diariamente. — Uma mulher que

por viver com mais liberdade nesse mundo, talvez entenda meus dilemas.

Ouvi dizer que vocês às vezes são mais eficientes que um psicólogo.

Ela riu, surpresa, voltando a se sentar. Eu me acomodei ao seu lado.

— Isso é verdade. Eu já resolvi alguns problemas de clientes que só

queriam falar. Honestamente eles são um refresco no meio de tanto sexo.

— Você não gosta do sexo?

— Eu gosto, às vezes temos sorte de receber um cliente que realmente

se importa com nosso prazer, que verdadeiramente nos diverte.

— Se eu não fosse quem sou, se tivesse nascido no mundo normal,


cogitaria sua profissão.

Ela riu, balançando a cabeça.

— Não consigo imaginá-la assim, senhora Zirkov. É muito elegante,

muito fina para esta vida.

— O que é “esta vida”, Xenia? — Dei de ombros. — Eu acredito que

existam dois modos de viver. — Enchi meu copo de dose, virando-o puro. O

álcool queimou a garganta por um momento, então aqueceu meu estômago.

— Na sua linha de trabalho, você fode a vida, na minha, ela me fode.

A mulher me encarou por alguns minutos, sem saber o que dizer.

Provavelmente nunca conversou com uma esposa da Bratva, ou mesmo uma

filha, ou mãe. Mulheres em geral não visitavam os clubes da Irmandade,

principalmente para sentar-se numa cabine, escondida com uma garrafa,

buscando afogar as mágoas e desabafar com as prostitutas. A maioria das

mulheres, é claro, não as respeitavam. Não as viam dignas de serem tratadas

como gente.

Eu nunca fiz tal distinção, talvez por ter passado parte da vida fora da

Bratva. Isso me deu tempo de ver o mundo além do castelo dourado dos Clãs,

de conhecer realidades comuns, que nem todas tinham oportunidades e

famílias ricas para as bancar como nós tínhamos.

— Sei que é estranho — falei. — Parece até que eu sou solitária. Que
não tenho ninguém para ficar enchendo com meus — ergui os dedos em
aspas — problemas.

Ela se ajeitou mais confortavelmente no sofá.

— Acho que todo mundo tem um ponto de ruptura, senhora Zirkov.

Onde recorrem a comportamentos que não são comuns. Se o seu é vir até

aqui, falar comigo e beber no escuro, então que seja. Por algumas horas, eu

ainda tenho dois bons ouvidos a te oferecer.

— Não há muito o que eu possa lhe dizer, Xenia.

— Eu sei. Seria fantasioso demais de minha parte e embora eu vivo das

fantasias, tenho meu pé bem firmado no chão. — Ela hesitou. — Eu escuto

histórias, Maryia... senhora Zirkov. E sei por mim mesma que às vezes as

coisas podem ficar confusas. Mas tem amigas que parecem ser muito fiéis.

— Elas são — confirmei. — O problema das histórias que você e todo

o nosso círculo escutam, é que elas são sempre contadas pela metade. Talvez

eu tenha me cansado de ser taxada como louca. Acho que cansei de me ver

dessa forma, de pensar que é um pensamento comum quando não é. Quer

dizer... eu nunca fui diagnosticada. Meu marido apenas chegou em casa com

remédios, anos atrás, que com certeza precisavam de receitas para serem

compradas, mas eu nunca falei com ninguém, nem mesmo nas clínicas em

que fui internada me foi permitido conversar com alguém. E minhas amigas
— dei de ombros —, todas nós temos os nossos demônios. Talvez eu seja só
a mais chorona de todas elas.

Xenia balançou a cabeça, negando.

— Acho, na verdade, que é muito corajosa por voltar. Todos sabemos o

que o Boss fez. — Seus olhos tremularam, ela buscava nos meus quaisquer

sinais de que estava indo longe demais, mas eu queria ouvir. Gostaria de

saber a opinião de alguém de fora que vivia uma vida tão torta quanto a

minha. — Honestamente, não acreditei. É claro que já testemunhei muitos

homens traindo. Civis, Vorys, Boss que vêm de outra cidade para escapar dos

boatos e impedir que suas esposas soubessem. Mas... quem acreditaria que

uma mulher como a senhora poderia ser traída? Faz com que o resto de nós

sinta que não podemos conhecer ninguém e confiar nele, porque se aconteceu

com você... somos meras mortais.

— Talvez não. Eu fiz as pazes com a minha vida, então, você também

pode. Quem impede que um dia saia daqui e encontre um amor bonito como

o meu nunca foi?

— Talvez — respondeu, com certo humor na voz. — Mas eu não me

atrevo a sonhar demais. Não sendo quem eu sou. Não aqui. — Ela torceu as

mãos juntas. — E a Bratva não me deixaria sair assim. De qualquer forma...

obrigada por ser gentil comigo, senhora Zirkov. — Engoliu em seco. — É


uma bondade que vou levar até o fim da vida.

Eu abaixei a cabeça, sabendo que não estava ali completamente por sua

vontade. Que meu marido era o grande responsável por seu corpo ser a fonte

de um pagamento de dívidas, que alguém poderia tê-la vendido em troca de

sua vida. Moscou controlava o centro da prostituição da Bratva. A cidade

onde tinham mais boates, e mais ruas enfeitadas por mulheres da Irmandade.

Eu não acreditava nem por um segundo que Viktor seria um bom homem e as
libertaria algum dia.

— Eu... — comecei, mas fui interrompida quando a porta abriu e uma

sombra invadiu a sala.

Eu me sobressaltei, preparando-me para apertar o botão ao lado do

sofá, quando a sombra chegou mais perto e puxou o capuz, revelando um

rosto mais do que familiar.

— Dimitri. — Um leve pânico começou em meu peito.

— Se-senhor Romanoff — Xenia gaguejou. — Eu estarei pronta em

um minuto.

Ele não a reconheceu ali, deixando seus olhos presos a mim.

— Sente-se.

Xenia olhou entre nós dois, mas não debateu, voltou a se sentar. Seu

corpo inteiro tensionou quando Dimitri tomou o lugar ao seu lado. Apenas a
mulher separava nós dois no sofá estreito. A pequena sala de repente pareceu
menor, nos apertando, me sufocando. O que ele estava fazendo ali?

— Não imaginei que tivesse o costume de desabafar as mágoas com

nossas putas.

Ela estremeceu ao ouvir a palavra, ainda que provavelmente a escutasse

todos os dias, muitas vezes. Me senti irritada por ela.

— Isso é porque você não sabe nada sobre mim. — Firmei a voz. —

Algum motivo específico para estar me seguindo?

— Por que eu a seguiria, Maryia?

— Ultimamente tem estado mais em Moscou do que sua própria

cidade. Que outra razão seria, além de me perseguir, até conseguir o que

queria?

Ele sorriu, erguendo as mãos para acariciar o cabelo solto de Xenia. Ela

estava paralisada, seus olhos vagavam à frente e a garganta movia-se

conforme engolia em seco.

— Se conseguir você fosse a única razão para estar aqui, eu já estaria

longe. Não acha?

O peito de Xenia subiu com força, e ela me olhou pelo o canto dos

olhos ao entender o sentido do que Dimitri dizia.

— Como ousa? — rosnei.


— Eu vim dar um aviso tardio, porém, importante. Achei que gostaria

de saber. Voltarei para São Petersburgo. Talvez faça uma visita aos Estados

Unidos por um tempo.

— Eu não me importo, isso não é da minha conta.

— Ah, é sim, querida. — Ele escorregou a mão lentamente pelo o

corpo dela, acariciando as pernas bronzeadas. Seus olhos permaneceram nos

meus. — Agora que temos a nossa vingança, achei importante voltar ao

assunto.

— Eu não preciso mais de você, já consegui o que queria.

— Ah, eu também. — Ele riu. — Também já consegui mais do que eu

queria. Você sabe por que Viktor e eu realmente não nos damos bem?

— Novamente... eu não me importo.

Mas a curiosidade estava lá, eu não podia negar que tinha um pontinho

de interrogação crescendo.

— Mas eu vou contar — disse ele. — Fará sentido para você ,então. Eu

e meu primo, Alexi, crescemos juntos, portanto, era natural que meu pai

fizesse comparações dando a entender que tudo entre nós dois fosse uma

competição. Naturalmente com o tempo, passamos a correr em tudo para ver

quem seria o melhor. Dividíamos tudo. — Ele sorriu, cheio de mistério,

sinceramente era perturbador de ver a forma como seus olhos se perderam.


Exatamente como na noite passada. Como se estivesse longe dali. Eu queria
pegar Xenia e correr dali, deixá-lo em seu mundo insano sozinho, mas ele a

segurava com uma mão firme no cabelo e outra na perna, e me mantinha

presa àquele sofá, com a curiosidade borbulhando em mim.

— Dividimos nossa casa de infância, nosso primeiro carro. — Ele

tomou uma respiração profunda, o sorriso indo embora e dando lugar a uma

expressão sinistra, — Nossas mulheres. Mas ele sempre dava um jeito de tirar

as coisas mais importantes de mim. Consumido pela competição e toda essa

merda. Talvez eu devesse ter sido mais categórico, tirando algo dele também.

Quando eu decidi que faria isso, Roman anunciou que meu pai iria para os

Estados Unidos. Ficamos surpresos, é claro, ninguém esperava algo assim tão

cedo. Ele liderava São Petersburgo com punhos de ferro, mas é a Bratva e

todos aceitávamos nossos deveres. Então uma nova competição se iniciou,

mesmo que ninguém dissesse em voz alta. Em poucos anos, Roman

escolheria um novo Boss, nosso Clã precisaria de um líder para tomar o lugar

de meu pai e eu estava preparado. — Ele riu. — Meu pai nunca revelou qual

de nós dois era sua principal escolha, mas eu dei duro para isso. Fiz trabalhos

que nenhum Vory queria fazer, fui aonde nenhum homem chegou. Eu estava

determinado pela primeira vez a ter a minha conquista, sozinho, sem

divisões. Àquela altura ele já tinha me tirado a única coisa que me importava

mesmo.
— Dimitri... — Ele me fez calar a boca ao enfiar a mão no meio das

pernas de Xenia, fazendo-a saltar. Quando ela mordeu os lábios, eu soube que

a estava tocando com aqueles malditos olhos castanhos em mim.

— A espera não levou anos, depois de alguns meses, meu tio anunciou

que estava voltando à Rússia e queria uma reunião comigo e Alexi. Que ele e

Roman tinham algo importante a dizer. — Eu tentei abafar os gemidos baixos

de Xenia, mas era impossível. — O engraçado foi que a caminho da reunião,

eu fui preso. Preso, Maryia. — Seu braço se movimentou com força e ela

gritou, assustando-me, mas ele não parou de falar. — Eu nunca pude chegar à

reunião. Quando saí da cadeia, dois anos depois, meu primo era Boss. São

Petersburgo pertencia a Alexi e a mim foi deixado a posição de konsultant.

Nem sequer tive a chance de lutar pela liderança do meu Clã. Lembro-me de

beber e repassar o maldito dia em minha cabeça a cada copo, minha

embriaguez me fazendo reviver a hora em que perdi tudo. O mais engraçado

disso é que... enquanto os policiais me tiravam do carro, alegando que eu

tinha um mandado, eu vi seu marido. Ele estava em frente a um parque

naquela avenida, sentado e fumando de pernas cruzadas, com um sorriso sutil

no rosto. Observando a cena sem piscar os olhos.

Eu franzi o cenho, entendendo aonde aquilo chegaria.

— É claro que quando ele virou Boss de Moscou, tudo fez sentido.

Talvez por eu ser filho de meu pai, o líder do Clã, ele não queria um laço tão
forte. Viktor queria ser o único filho a chefiar as cidades. Isso lhe dá mais

credibilidade, fortalece seu Clã. Faz com que Moscou esteja suscetível a ser o

mais bem-sucedido na Irmandade. Alexi era sobrinho, não filho. A hierarquia

foi quebrada. Não foi passado de pai para filho como na cadeira dos Zirkov.

Desde então... eu sempre pensei o que poderia fazer para que Viktor sentisse

o gosto da derrota como eu senti. O que eu poderia tirar dele para que fosse

ao fundo do poço como eu fui? Após tantos anos, percebi que não havia nada.

Ele tinha tudo. — Um gemido cortou suas palavras, mas ambos ignoramos

Xenia, enquanto o sutil movimento de seu ombro a levava mais e mais perto

do orgasmo. Na minha frente. O cheiro de sexo chegou às minhas narinas, e

ela tremeu quando gozou forte.

A mão de Dimitri escorregou até seu joelho, onde ele a manteve.

A respiração entrecortada da mulher fazia o momento e a revelação de

Dimitri parecer ainda pior do que naturalmente era.

— Você não queria se vingar de Viko para me ajudar — constatei,

sentindo-me fria e usada.

— Não. — Sua voz era mais grave, eliminando qualquer suavidade que

havia antes, quando sua conversa fiada me levou à sua cama. — Eu queria

me vingar de Viktor para que ele sentisse o que eu senti. A perda, a

humilhação, a incapacidade. Ele tirou mais de mim do que aquele cargo. —


Seus olhos incendiaram com ódio, nojo e consternação. — Tirou-me a chance

de ter a única coisa que eu queria verdadeiramente, que eu amei.

— Você falhou. — Ergui o queixo. — Ele nunca vai saber.

— Ele vai — rosnou. — A coisa boa sobre ser um bom amante, é que

durante o seu segundo gozo, eu me derramei pela segunda vez. Quando você

ficava tão aterrorizada com o travesseiro, que não se deu conta que meu
esperma te enchia. E a segunda foi em seu rosto. — Ele inclinou a cabeça. —

Como foi que você não pensou em usar um preservativo com seu amante,

Maryia?

Eu não precisei que desenhasse ou explicasse uma segunda vez o que

queria dizer. Minha garganta secou, meus pés ficaram gelados, meu coração

bateu forte, martelar atrás de martelar jorrando pânico, descrença e um medo

absoluto como nunca senti antes.

— Você está mentindo — sussurrei.

— Não estou e você sabe. Eu não sou um homem que blefa nesse nível.

Me pergunto agora... qual será a reação de nosso Viko? Como será assistir à

sua esposa dar à luz uma criança que não é sua? — Ele inclinou-se para a
frente. — Ainda que não saiba quem é o pai... eu imagino o que ele vai sentir.

— Dimitri sorriu lentamente, abrindo o maior sorriso que já vi enfeitando

aquele rosto demoníaco. — Eu espero que ele sinta tudo o que eu senti. Que
seja ainda pior.

— Não — sussurrei, incapaz de acreditar em suas palavras —, é uma

mentira. Você mente!

— Faça um teste, um exame ou qualquer merda. Não precisa me

comunicar, eu saberei de tudo, é claro. — Ele tocou minha bochecha. — Eu

gostaria de dizer que sinto muito tê-la usado assim, mas não sinto. Também

não serei culpado quando não a forcei a nada. Você estava mais do que

disposta quando abriu as pernas e gritou como uma prostituta desesperada por

pau.

Ergui a mão, tendo forças para fechar o punho e tentar acertar seu rosto,

mas ele o segurou com força, torcendo meu braço.

— Sem mais tapas, senhora Zirkov. — Ele se levantou. — Cuide bem

de meu filho, quem sabe um dia apareço para pegá-lo.

— Oh, meu Deus. — Eu ouvi Xenia sussurrar, então, quando virou o

rosto em minha direção, foi como ver um espelho da minha própria reação.

Comecei a balançar a cabeça, mas não havia nada a dizer. Ela ouviu

tudo. Cada detalhe do meu pecado. A prova inegável que muito

provavelmente começaria a crescer dentro de mim.

— Eu não... — comecei, mas antes que pudesse concluir meu

raciocínio, um disparo soou no ar.


A última coisa que vi além dos olhos arregalados de Xenia nos meus,

foi uma bala atravessando sua cabeça, um buraco abrindo-se imediatamente

na lateral. Sangue, carne e pedaços daquela mulher gentil voando pelo chão,

caindo no sofá, atingindo a parede e lavando meu rosto. Eu senti o líquido

quente escorrer por meus braços e pescoço, minha pele fria abrigando sua

morte prematura. Assisti à vida esvaindo dela, senti cada gota do

arrependimento amargo batendo-me imediatamente.

Mas não tinha volta.

Não havia chance alguma na terra de voltar atrás.

Eu queria ter tido forças para olhar e ver se Dimitri ainda estava lá, se

seria a próxima, mas estava em choque e, acima disso, o sangue de Xenia, a

prostituta me congelou no lugar.

Não poderia haver testemunha para o que dissemos naquela cabine. Eu

deveria saber que quando Dimitri entrou e ela o viu, jamais sairia viva. Meus

olhos bem abertos acompanharam cada movimento de seu rosto se

desintegrando. A cabeça, agora apoiada no encosto do sofá, não se parecia

em nada com alguém que há poucos minutos ria e conversava comigo.

O cheiro da morte infiltrou-se no ar.

Os olhos bem abertos estavam fora do lugar, a boca torta, o sangue

levando sua pele bronzeada para o vermelho. Eu podia me afogar em tanto


sangue.

Dor. Era tudo o que sentia.

Ao mesmo tempo me senti fria, vazia. E o entorpecimento começou dos

meus pés, subindo e alcançando meu peito apertado, meu coração dolorido e

minha mente fodida, que já começava a cogitar maneiras de me livrar do

problema que Dimitri me enfiou.

Quando batidas surdas começaram a tocar em meu ouvido, eu sabia que

seria um daqueles momentos. Quando minha visão começou a escurecer e

deixei de sentir meus dedos, passando a ouvir apenas tum tum, tum tum, tum

tum... tum... tum... tum do coração desacelerando, dei boas-vindas à

dormência. Ao momento em que passaria a não ver e ouvir nada, nem

ninguém.

Eu não estava morta como Xenia, mas com certeza me sentia como ela.

A ausência de qualquer sentido aliviou minha alma pesada. Desejei

trocar de lugar com a mulher.

Seu sangue estava em minhas mãos.


“Me odeie, tentando me substituir

Me persiga, diga-me como você me odeia

Me esqueça, deseje nunca ter saido comigo

Mentiras, me diga mentiras, baby, me diga como você me odeia”

ELLIE GOULDING, HATE ME

Ninguém ousou me segurar quando entrei na porra da boate. Espertos.

Se tentassem, eu tinha uma arma carregada e facas por todo o corpo. Eu

precisava chegar à Maryia, sentia meu corpo tremer como se o fogo do


inferno me consumisse, após saber por uma breve ligação de um Vory o que

tinha acontecido.

Prostituta morta. Maryia paralisada. Sangue por toda a maldita cabine.

O que a minha esposa fazia ali era um mistério para mim. Me senti

culpado por um momento, como sempre acontecia, perguntando-me se ela

deu sinais que não reconheci ou se mesmo sem perceber ignorei. Quando sua

mente fodida entrava em parafuso, não havia muito que pudesse ser feito, eu

só tinha que estar lá. Deus sabe que das últimas vezes eu não estive e foi

quando toda a merda foi para o inferno de vez.

Maksim e Evarkov latiam e gritavam atrás de mim. Os dois psicóticos

do caralho tão descontrolados quanto eu para saber o que diabos tinha

acontecido.

— Saiam — rugi, passando por um homem sentado no bar e

arrancando o copo de sua mão, antes de jogá-lo na parede atrás do bar. — Eu

disse, todos fora, porra!

Maksim tirou sua pistola do coldre, erguendo-a e atirando para o alto.

— Desliguem a música, seus fodidos! — ele gritou, e quando o som foi

desativado, os gritos das mulheres e alguns dos frequentadores apavorados

encheram o ambiente. Uma fila desorganizada se formou, enquanto todos

tentavam sair.
— Recolha os pagamentos — avisei a Eduard, que segurava a porta de

acesso à cabine aberta. — Ninguém sai sem pagar toda a merda que

consumiu hoje.

— Bocetas, drogas e bebidas! — Evarkov gritou. — Seus paus não

foram chupados de graça! Vou arrancar algumas porras de cabeças, se notas

não começarem a se empilhar na saída!

Eu ignorei os dois psicopatas, ainda que me seguissem de perto e

avancei para dentro. Abri porta atrás de porta, encontrando algumas ainda

sendo utilizadas.

— Ponha todos para fora ou eu vou enfeitar as paredes com o sangue

dos filhos da puta — rosnei. — Onde está minha esposa? MARYIA!

Uma prostituta saiu de uma das cabines segurando um terno na frente

do corpo, ela arregalou os olhos ao me ver e tentou fugir. Por que tentaria

fugir? Apressei meus passos até ela, agarrando seu rosto e pressionando uma

faca na garganta.

— Diga-me onde ela está.

— E-ela?

Apertei um pouco mais a lâmina na pele pálida.

— Minha Maryia.

— E-eu n-nã-o sei, senhor Zirkov!


— E por que tentou correr?

— Eu não se-sei! Só ouvi um disparo e esperei até ouvir algum sinal de

que era seguro sair. A música parou e eu pensei...

— Saia. — A empurrei fora do meu alcance. — MARYIA!

Chutei a porta em frente à que a mulher saiu, encontrando-a vazia.

Olhei para trás, vendo Maksim e Evarkov chutando alguns paus e putas para

fora.

— Ninguém ouviu a porra do disparo, a música parando ou esses gritos

do caralho? — gritei.

— Nós fornecemos a droga mais pura da cidade. — Evarkov jogou a

cabeça para trás, pressionando o lado sem corte de sua faca Kunai dentro da

bochecha e fazendo o movimento de corte antes de puxá-la para fora. —

Todos estão fodendo e rindo pra caralho na onda da coca e do uísque puro de

Moscou, porra!

— Eles podem todos irem se foder, eu quero

encontrar Maryia! — Maksim empurrou Evarkov de seu caminho,

começando a revistar as portas ao meu lado.

Eu cheguei a uma onde, de fora, podia ouvir os gemidos do filme

passando na TV. Mirei na maçaneta e atirei, empurrando a madeira pesada

que guardava a cabine antes de entrar. Meu corpo levou um choque ao


acender a luz e analisar o que encontraria lá dentro, e quando o fiz, senti a
porra dos meus pés perderam o chão.

— Porra, não — Maksim murmurou atrás de mim.

Eu caminhei até ela, empurrando o corpo da cadela morta para longe da

minha Maryia e ajoelhei em sua frente. Ela tinha os olhos arregalados,

vidrados na mulher, fixos em seu rosto sem expressão.

— Maryia — chamei, mas sabia que não haveria resposta. Ela sequer

piscava. Havia tantos pingos de sangue em seu rosto e braços, assim como

pedaços de carne da cabeça estourada de Xenia em seu cabelo. — Tudo

bem, zelenyye glaza, vou levá-la para a casa. Segure-se em mim. Apenas

segure firme em mim.

Envolvi meus braços em sua cintura, mas antes que pudesse levantá-la,

fui puxado para trás. O braço de Maksim enrolado em meu pescoço e a faca

de Evarkov pressionada em minha bochecha me impediam de fazer a única

coisa que eu queria: segurar Maryia.

— Minha irmã vai voltar para a casa conosco — Maksim sussurrou em

meu ouvido.

— Isso é culpa sua — disse Evarkov, seus olhos arregalados corriam

por todo o meu rosto, sem parar num só ponto fixo. — Você fodeu com nossa

irmãzinha. Vou arrancar sua cabeça — terminou, num sussurro cantado. —


Vou arrancar a porra da sua cabeça e enfeitar meu quarto com ela.

Eu fiquei louco.

Havia poucas coisas na vida que me tiravam o foco, depois de tantos

anos fodidos lutando e perdendo pouco a pouco de juízo pela Bratva, uma

coisa ainda me mantinha em equilíbrio. Maryia.

Eu me lembrava de já ter matado por simplesmente tocarem no nome

dela. Ameaçar tirá-la de mim? Irmãos ou não, eu os lembraria porque era seu

Boss.

Num movimento rápido, joguei a mão aberta no nariz de Evarkov e lhe

tirei a faca da mão, jogando a lâmina afiada na bochecha do filho da puta,

então me virei para Maksim, chutando-o no peito até que colidiu com a

parede. Enfiei a faca através da camisa branca, um pouco abaixo do baço,

vendo o sangue manchá-la imediatamente. A torci levemente antes de soltar,

empurrando-o para cima de Evarkov, que segurava o corte no rosto e se

preparava para me atacar novamente.

— O ferimento parece feio. — Apontei com um sorriso. — Você pode

lutar comigo, sabendo que perderá de um jeito ou de outro, Kolokol, ou pode

levar seu irmão para o doutor costurá-lo.

Ele pressionou perto do corte de Maksim, os dois me encarando com

fogo e ódio nos olhos, então fitou Maryia, lutando com a escolha que
acreditava ter que fazer.

— Maryia é minha, Evá. Nem você, nem seu avô, foda-se, nem Deus

descendo na terra pode tirá-la de mim. Faça as pazes com isso e eu dou

minha palavra que não vou matar você. Agora continue tentando levá-la de

mim e eu vou transformar sua vida num inferno pior do que já é. Vory ou

não. Família ou não.

Ele rosnou, jogando uma maldição no ar antes de correr

com Maksim para fora.

Eu me voltei para Maryia, amaldiçoando a mim mesmo quando toquei

sua bochecha e deixei uma impressão do sangue de seu irmão na pele já suja.

— Vamos para a casa, moya lyubov[10]. Eu vou cuidar de você.

Passei os braços pelas pernas finas e as costas, agarrando minha esposa

ao peito. Quando saí, dei de cara com Volya.

— Que porra aconteceu aqui?

— Mande alguém para fazer a limpeza.

— Viko?

— Ainda não sei — rosnei. — Pretendo descobrir em breve. — Fitei o

rosto paralisado de Maryia, os olhos ainda abertos. — Não é minha

prioridade no momento.
Ele analisou Maryia, irritando-me quando seus olhos a secaram de cima

a baixo, depois deu uma olhada no interior da cabine por cima do meu

ombro.

— Merda.

— Quando ela acordar, terei respostas.

— Você tem respostas. Ela provavelmente surtou e matou a garota,

cara. Você sabe disso.

— Sem um motivo? — Bufei. — Maryia já chorou por ter matado uma

abelha acidentalmente. Ela não tiraria a vida de uma mulher que não lhe fez

nada.

— Não sabemos se não fez. É uma puta, não uma santa.

— Essa era Xenia. — Apontei o cadáver ainda quente. — Ela era a

mais tranquila de todas as meninas da casa. Qualquer merda que tenha

acontecido aqui não é tão óbvio, mesmo que pareça. Controle as coisas por

um tempo, eu tenho que ir para a casa.

— Você vai voltar?

Eu hesitei, parando após dar alguns passos. Olhei no fundo

das íris verdes vazias.

— Não — engoli em seco —, eu vou cuidar da minha esposa.


Quando afundei Maryia na banheira cheia, a água quente

imediatamente começou a derreter o sangue seco grudado na pele. Esfreguei

suas costas, o pescoço e a nuca, então comecei a passar um pano molhado

pelo rosto, tirando o vermelho do sangue e do batom nos lábios cheios.

Antes da minha fatídica viagem, não existiam banhos individuais. Se eu

estivesse no chuveiro, ela invadia, e todas as vezes que eu a via relaxando na

banheira, transformava o momento numa sessão de sexo que só acabava na

cama, horas depois.

Éramos insaciáveis.

Agora eu voltava àquela mesma posição, mas diferente de minha

esposa sorridente e provocadora, eu tinha uma boneca nos braços. Uma

boneca suja e quebrada. Suja com o sangue que não lhe pertencia, quebrada

porque eu a fiz assim.

— Eu nunca tive a chance de te contar que conheci minha irmã. A

única coisa russa em Anya Katerina é seu nome e o sotaque. — Eu sorri ao


me lembrar dela, mas o humor morreu quando pensei que escolheu o maldito
italiano acima de sua verdadeira família. — Você provavelmente gostaria

dela. Ela me bateu, me xingou e foi corajosa o suficiente para dizer algumas

verdades. Ela não sabia da minha posição aqui, meu nome ou meu poder. —

Fiz uma pausa com a bucha em seu joelho. — Algo me diz que ela teria se

levantado para mim, mesmo se soubesse. É o sangue russo falando mais alto

do que o italiano.

O rosto de Maryia não se alterou. Os olhos fixos no azulejo à sua frente

pareciam uma pintura aterrorizada. Ela parecia aterrorizada. Todas as vezes

que Maryia se trancou em sua própria cabeça, foi por presenciar algo que não

podia lidar na hora, então ela se fechava, como uma pequena pérola na

concha e esperava. Quando saía, tudo parecia mais fácil de lidar.

Eu nunca entendi o real sentido daquilo.

Sempre lidei com meus problemas fodendo, bebendo ou lutando. Eu

matava para aliviar o estresse e quando estava calmo demais matava para

sentir alguma emoção. Qualquer coisa.

Maryia não.

Ainda que sentisse demais, ela escolhia se desapegar de suas emoções.

Envergonhava-se de sua cabeça. Eu amava o quão fodida ela era, porque foi

feita exatamente para mim. Linda demais, com uma boca esperta, coragem de
sobra e ousada o suficiente para me amar. E, ah, como me amava.

— Eu te deixei friamente, minha Maryia, te deixei como um covarde

do caralho. — Beijei o anel em seu dedo. Ainda me surpreendia o fato de ela

usá-lo sem que eu tivesse que ordenar tal coisa. — Vou te dar outro bebê, se

quiser. Te dou quantos quiser — sussurrei. — E não vou sair do seu lado.

Não importa o quão fodidas as coisas fiquem... Nós não nos separaremos

mais.

Inclinei-me, segurando sua cabeça e beijando o cabelo ainda sujo.

— Já faz um tempo, moya lyubov. Faz tempo pra caralho que não te

vejo assim.

Segurei a mangueira e liguei devagar, deixando a água escorrer por seu

cabelo curto.

— Vamos cuidar de você, enquanto isso, vou te contar sobre os seus

sobrinhos.
“Eu quero me amar

Do jeito que você me ama

Por toda a minha beleza

E todos os meus lados feios também

Eu quero confiar em mim

Do jeito que você confia em mim

Porque ninguém nunca me amou como você ama

Eu adoraria me ver do seu ponto de vista”

ARIANA GRANDE, POV


Comecei a tomar consciência dos cheiros. Primeiro, veio o café, e eu

sabia que foi Viktor quem fez, porque costumava colocar rum, e o aroma do

álcool misturado à cafeína impregnava no ar. Depois veio sua colônia, a

coleção cara que ele buscava na França pessoalmente e me levava para

acompanhá-lo nas viagens, então costumávamos passar alguns dias em Paris,

fazendo amor e tomando café na cama, brincando de tirar férias, enquanto a

Bratva esperava-o voltar.

Senti o estofado em minhas costas, minha mão direita apoiada nas

pernas. Um casaco grosso pendurado em meus ombros.

Pisquei os olhos abertos. Estava em frente à janela da sala, a cortina

totalmente aberta, mostrando o exterior coberto de neve. Os carros, o chão, as

árvores. Uma vista tão bonita de ver que parecia o paraíso. Pisar sobre a neve

de Moscou era uma das melhores sensações que um homem podia ter,

principalmente se tal neve o pertencia.

Os barulhos começaram pouco a pouco, primeiro os passos pesados,

depois uma certa quantidade de vozes embaralhadas, então a dele. Viktor.

Pisquei novamente, sentindo a dor familiar em meu pescoço e virei

lentamente a cabeça, encontrando-o sentado ao meu lado. Ele ria, ouvindo

algo que meus irmãos diziam a ele, e vi meu sogro passando ao fundo,
fumando e sorrindo do que quer que estivessem dizendo. Volya estava num
canto, observando lá fora, como eu me encontrava antes.

Viko soprou a fumaça do cigarro e o frio a levou em direção ao meu

rosto. Inalei. Ele bebeu seu uísque, batendo o copo na mesa redonda à frente.

Maksim balançava as mãos enquanto falava, e Evá fumava um cigarro de

maconha, assistindo ao noticiário na TV. Fitei a tela, vendo a manchete sobre

a Bratva e imagens de um prédio em chamas. Carros parados formando uma

fila interminável de trânsito em duas vias da avenida principal de Moscou.

Dalyah entrou, eu ainda não a ouvia completamente, o zumbido em

meus ouvidos escondendo o motivo de sua irritação, mas foi apenas até que

se colocou em frente à TV e começou a apontá-la. Seus lábios moviam-se

rapidamente, e o rosto furioso acompanhava cada movimento.

O ombro de Viktor bateu em mim quando se recostou, observando

Dalyah como se tirasse sarro de sua irritação.

Ela passou os olhos por mim, conforme falava, então parou. Suas

palavras morrendo no ar.

“Maryia?” reconheci o que seus lábios diziam, mesmo sem som. Meus

irmãos imediatamente me fitaram, ouvindo-a me chamar. O calor quente de

suas mãos suadas me envolveu, puxando minha atenção para seu rosto cheio

de expectativa.
“Zhena” — disse ele, virou-se para o restante da sala e gritou algo,

então não havia nada além do silêncio absoluto e o zumbido, que aos poucos

diminuía. Eu prendi meus olhos nos seus, sentindo o peso da atenção de todos

no ambiente. Seus dedos acariciavam minhas bochechas, esperando, tratando-

me com a gentileza que não me oferecia há muito tempo. Como da primeira

vez.

Exatamente igual a primeira vez que aquilo aconteceu.

Ele começou a falar baixinho, esperando o momento em que eu

começaria a escutar. Fechei os olhos, concentrando-me em deixar todo o

resto de lado de focar em sua voz. O zumbido irritante desenfreou até que se

tornou um sopro leve, e por trás do véu, pude ouvir a voz de Viktor.

— ... E sem pressa, nós temos a porra do dia todo, zhena.

— Eu te ouço — sussurrei, sentindo minha garganta arranhar com

força.

— Tragam água — disse ele, analisando meu rosto. — Você acordou,

finalmente.

— Não tenho certeza se realmente acordei.

— Parece um sonho do caralho, mas sim, acordou. Eu vou dar uma

festa para você. Vamos celebrar. Minha Maryia voltou.

— Xenia. — Minha voz quebrou, lembrando-me do rosto da mulher, de


nossa conversa... de sua morte.

“Obrigada por ser gentil comigo, senhora Zirkov. É uma bondade que

vou levar até o fim da vida.”

— Ela realmente o fez — gaguejei, dando um aperto na mão de meu

marido.

Meu marido traidor que me levou a traí-lo, e como consequência,

aquela mulher inocente perdeu a vida.

— Sestra. — Maksim moveu-se com dificuldade e ajoelhou em minha

frente, entregando-me um copo cheio de água gelada. — Você voltou para

nós. Eu estava a ponto de abrir essa cabeça para ver onde se enfiou. — Ele

beijou minha têmpora.

— Preciso organizar um velório, e o enterro. — Ignorei suas palavras,

tentando me levantar, mas o braço de Viktor me impediu. Tentei empurrá-lo.

— Preciso garantir que sua família esteja cuidada. Me solte, eu tenho que ir.

Eu preciso cuidar das coisas de Xenia!

Senti uma lágrima deslizar pela bochecha, mas ainda assim, ele não me

soltou.

— Maryia...

— Tenho que fazer isso, Viko — implorei, mesmo sabendo que ele não

devia dar a mínima para sua morte, eu implorei. — Mostrar a ela gentileza e
bondade para que saiba que... que no fim alguém se importou.

— De que porra ela está falando? — Evá gritou, batendo na própria

cabeça. — Foda-se, ela enlouqueceu até o fundo do cérebro. Já era. Já era!

— Cale a boca! — disse Dalyah, empurrando-o para chegar perto de

mim. — Maryia, você se lembra do que aconteceu?

Sim.

— Não. Eu apenas sei que preciso cuidar de Xenia.

Olhei por cima do ombro de Viktor, onde Volya ainda não tinha se

movido. Ele era como um falcão, sempre atento, imóvel. Não sairia de sua

posição, a não ser que Viktor ou Roman estivessem em perigo. E havia tanta

desconfiança em seus olhos quando me encarava de volta. Embora tivesse

conseguido criar uma boa relação com a maioria dos Vorys e relações

cordiais com outros líderes, entre mim e Volya simplesmente nunca

aconteceu. Ele não me achava digna de seu irmão, é claro. Muitas vezes, no

passado, eu mesma duvidei de que fosse.

Apenas até perceber que eu era boa demais para qualquer homem que

me tivesse. Viktor teve sorte.

— Xenia está morta e enterrada há dias, sestra. Supere — disse Evá,

tossindo fumaça no ar. — Você não pode dar um tiro na cabeça de alguém e

esperar que continue vivo para quando se arrepender.


— O que você disse?

— Isso. Sergei a enterrou no cemitério onde ninguém fará perguntas,

então não teremos que esperar família ou qualquer merda querendo saber o

que houve.

— Vocês a enterraram como indigente? Junto aos traidores e corpos

descartáveis?

— Eu não podia correr o risco quando você estava naquela cabine. Não

sei se a tocou ou se ela tocou você. O assunto tinha que ser encerrado e eu o

fiz. Como sempre faço.

— Por quantos dias... — Engoli em seco. — Quantos dias estive fora?

— Sete dias — disse Dalyah. — Você não perdeu nada importante. —

Seu sorriso gentil tinha a intenção de me acalmar, mas não funcionou.

— Você esqueceu sábado e domingo na cabine sangrenta, senhorita

universitária? — Evá perguntou, jogando seus olhos franzidos em mim. —

Foram nove dias.

— Então ela já foi enterrada — assumi, em voz alta o que diziam,

mesmo que eu não quisesse. Era a última coisa que desejava ouvir. Fitei

Viktor. — Eu pensei que tivessem sido apenas um ou dois dias, Viko —

murmurei. — Não nove. Nunca tanto assim.

Ele encarou Evarkov como se fosse matá-lo a qualquer instante.


— Tire esse fodido da porra da minha frente — rosnou.

— Ela é minha irmã, ficarei aqui. Você pode ir se foder.

Nem sequer me surpreendi quando Volya agarrou o pescoço do meu

irmão por trás, chutando suas pernas, enquanto o arrastava para fora. O rosto

vermelho furioso de Evá foi a última coisa que vi antes de cruzassem o

corredor em direção à saída.

— Como Dalyah disse, você não perdeu nada importante.

— A não ser que conte o fato de estarmos em toda a porra de lugar —

Maksim apontou para a TV.

— O que vocês fizeram? — perguntei.

— Não me lembre disso — disse Dalyah. — Está ficando impossível

me controlar para não voar em seu pescoço.

Maksim riu e deu dois tapinhas na cabeça dela, como se fosse uma

garotinha ingênua.

— Não se preocupe com nada, criança, os adultos estão cuidando de

tudo.

— Vocês explodiram um prédio Federal!

— Na verdade — Viko falou, a fumaça do cigarro escapando a cada

palavra —, essa informação era secreta. — Ele balançou as sobrancelhas para


Maksa. — Não pensei que estariam divulgando. Tornou nossa mensagem

muito mais fácil de ser espalhada.

— Eles anunciam para que fique mais fácil pegá-los, idiota! — Dalyah

gritou.

— Não há provas de nada. Os únicos envolvidos queimaram junto com

cada papel naquele prédio.

— O que quer dizer? — perguntei a ele.

— Quando eu estive fora, alguns homens decidiram que seria uma boa

ideia nos atacar por discordar de decisões políticas de Roman. Quando eu

voltei minha primeira corrida foi para caçá-los. — Ele deu de ombros. —

Perguntei se gostariam de ir em uma missão para ganhar o perdão da

Irmandade e concordaram de bom grado.

— Pelo amor de Deus. — Dalyah bufou. — Você quer dizer que não os

avisou que a missão incluía entrar naquele lugar e agir como homens bomba!

— Eu gostaria de ter visto o elevador subindo e explodindo seus rabos

a cada andar. — Maksim ergueu as mãos. — Bum. Bum. Bum.

— Pare com isso — disse a Maksim, então fitei Viktor. — Que ataque?

— Falaremos disso em outro momento, zhena. Não quero traumatizá-la

novamente. Eu acabei de pegá-la de volta.

— Me traumatizar? — Eu estava chocada e incrédula demais. E ele


como sempre, era a personificação da calma e tranquilidade. — Vocês
acabaram de matar dezenas de pessoas!

— Centenas — me corrigiu numa só batida, amassando a ponta do

cigarro no cinzeiro. Então me puxou para seu colo, acariciando minhas

pernas. — Eu acabei de matar centenas. Mas eram todos policiais. — Torceu

o nariz. — Quem dá uma foda para todos eles?

— E por quê?

— Tinham materiais demais sobre nós. Até então, não nos

importávamos, mas decidi mandar uma mensagem quando ficaram ousados

demais, garantindo-se atrás de suas fardas e pensando que seu governo podia

protegê-los de tudo.

— Você quer dizer a Bratva.

— Eu sou a Bratva. — Seus olhos verdes eram frios e calculistas

enquanto detalhava o crime hediondo que acabara de cometer, mas suas

mãos... suas mãos me seguravam com firmeza, garantindo que não importava

o que dissesse, eu não fugiria.

— E essa é a mensagem que mandam? — Dalyah indignou-se. Seus

olhos cheios de lágrimas quase transbordando.

— Você questiona meus métodos porque não presenciou os fodidos

entrarem aqui e levarem Roman, eu, Volya e até sua mãe. Você não viu o que
Luka Kurakin viu, três dias atrás. Quando toda a família dele foi levada,
como assistiu à sua irmã de sete anos ser atingida pela bala perdida desses

animais. Meu único lamento é ter feito isso tarde demais.

— Vocês são animais! Só vão se contentar quando estivermos todos

mortos, ou forem todos para atrás das grades. Quem ficar, continuará

pagando por seus pecados até o fim da vida.

Ela virou as costas, saindo em passos apressados.

— Deveria ser atriz, Dalyah — Viko gritou. — Esqueça a faculdade e

pegue um voo para a porra de Hollywood!

— Ela vai voltar. — Maksa fungou, batendo palmas e se levantando.

Dividido entre me contar o que estava acontecendo e acompanhar o caos que

provocaram na televisão.

— Nada disso é importante. Xenia é.

— Por que está tão obcecada com uma prostituta? Temos mais cem. —

Maksim franziu a testa, genuinamente confuso. — Farei um tour com você

pelas ruas e boates para escolher um novo bichinho de estimação, se esse é o

problema.

Estreitei meus olhos em sua direção, cerrando a mandíbula tão forte

que meus dentes rangeram.

— Você vai fazer um tour comigo, sim, irmão. Vai desenterrar o corpo
de Xenia, para que eu dê a ela uma homenagem digna. Ela não era apenas
uma prostituta, mas uma mulher boa e que diferente das esposas da Bratva,

não me via como uma louca a ponto de surtar.

— No entanto, foi o que aconteceu, sestra. Você surtou. Eu sei que

consciência pesada é uma cadela, mas precisa deixar isso para lá. Passado no

passado.

— Eu não estou com a consciência pesada.

— Não?

— Não! Eu não a matei!

— Como sabe? — Volya questionou, falando pela primeira vez. —

Disse que não se lembrava o que aconteceu.

— Não me lembro — engoli em seco —, mas sei disso. — Segurei o

rosto de Viktor, olhando-o no fundo dos olhos. — Eu não a matei.

Ele esfregou minhas costas, dando um sorriso fechado.

— Descanse e em breve se lembrará.

— Minha cabeça está começando a doer — menti, eu precisava me

afastar de todos eles. Do escrutínio de Volya, da loucura que parecia ser

passada no ar e do peso dos olhos conhecedores de Viktor em mim.

Uma única mentira começava a me levar numa espiral delas.


Ele segurou meu pescoço, sua palma quente parecendo segurar todo o

meu corpo. Confortando-me, ainda que eu não merecesse. Eu jamais podia

dizer a ele o que houve na cabine, nem o conteúdo das conversas ditas lá

dentro, menos ainda o porquê de Xenia ter morrido. Seria um segredo

imundo que carregaria comigo para sempre. A não ser que desejasse que meu

próprio marido me matasse, de forma ainda mais cruel do que Dimitri fez

com Xenia.

Viktor não era um homem que perdoava, mesmo que fosse eu a

pecadora. A partir do momento que descobrisse o que fiz, tornaria a minha

vida toda um inferno. Ele seria o próprio diabo ateando fogo e chamas numa

tortura criada apenas para mim.

Ainda que o que Dimitri disse fosse verdade, deveria ser uma verdade

nunca dita. Minha para carregar sozinha.

Beijei seus lábios levemente, mantendo-me ali por alguns segundos.

— Eu preciso falar com o seu pai por um momento.

Ele franziu a testa, mas assentiu.

— Te levarei até ele.

— Não. — Toquei seu peito, pedindo que continuasse sentado. — Se

importa de subir e preparar um banho para mim?

— Dei um banho em você há vinte minutos.


— Mas eu não me lembro, não é? — lamentei.

Ele deu um aceno curto, apertando minha perna uma última vez.

— Maksim, leve Maryia até meu pai. Aproveite e se despeça, você sai

em seguida.

Meu irmão bufou.

— Eu ainda não perdoei aquela facada, para aceitar que fale comigo

assim. Celebrar nossa vitória na guerra não é perdoar, Viko. Não é perdoar.

— Facada? — questionei, analisando Maksim de cima a baixo, mas

ambos me ignoraram.

Viktor sorriu de lado, sem ver humor na situação.

— Encontre o perdão no caminho para fora, osso russo. — Direcionou-

se à escada depois de me dar um beijo na testa e nos levantar. — Garanta que

ele saia, Volya.

— Vamos. — Puxei o braço de Maksim, apoiando o peso de minhas

pernas um pouco vacilantes nele.

— Como está se sentindo?

Não respondi sua pergunta até que estávamos longe da sala, já no meio

do corredor para a sala de Roman.

— Preciso que faça um favor para mim. — Olhei por cima do ombro.
— Vá até aquela boate e questione se alguém viu ou ouviu algo. Qualquer

coisa.

Maksim franziu o cenho, segurando-me pelos cotovelos.

— O que está errado?

— Eu me lembro. — Segurei meu pescoço, sentindo um leve pânico se

iniciar com o simples pensamento do que diria a seguir: — Me lembro de

tudo e garanto... garanto que se Viktor descobrir não fará ameaças. Meu

marido vai me matar imediatamente, Maksim.

Ele rosnou, o olhar enlouquecido piscou em suas íris.

— Ele não vai!

— Você sabe que vai. — Segurei suas mãos. — Por favor,

simplesmente faça isso. Não me faça perguntas, só vá até lá e cheque tudo,

ok? Considere um favor.

— Eu não vou cobrar um favor de você, sestra. Se há algo errado, você

pode me dizer.

— Se precisar de qualquer coisa, mesmo que seja o meu silêncio, ele é

seu. Qualquer coisa.

Maksim balançou a cabeça, tentando buscar em meus olhos alguma

pista do que estava acontecendo, mas nem mesmo em seus sonhos meu irmão

consideraria a verdade trágica.


— Você fodeu as coisas dessa vez, não foi?

— Eu nem sequer saberia começar a explicar o quanto — sussurrei.

Ele não hesitou, puxou-me em seu peito e me abraçou com força,

beijando minha testa.

— Maryia... ainda somos nós. Certo? Sempre seremos nós.

— Eu sei. Mas agora eu pertenço a ele. — Eu fiz uma pausa quando me

lembrei do assunto na sala. — Ele te esfaqueou?

Maksim riu, mas não havia humor em seu riso.

— Sim, o fodido fez seu ponto, afirmando a mesma coisa que você

disse agora. Não importa, se precisar levo quantas facadas for necessário,

mas te tiro daqui. Entendeu?

Acenei, mesmo sabendo que a única coisa que conseguiria se tentasse

me levar de Viktor seria uma facada mais profunda e fatal.

— Sestra?

— Sim, eu entendi — confirmei. — Agora vá, se Volya vier te buscar

será pior.

— Eu acabaria com o filho da puta — rosnou, mas me soltou e

começou a caminhar de volta para a sala.

— Eu sei que iria, osso russo.


Ele olhou por cima do ombro, piscando um olho e sumiu.

Eu tomei uma profunda respiração antes de bater duas vezes e esperar

pela voz do meu sogro, convidando-me a entrar em seu escritório.

Quando me viu, Roman ergueu as sobrancelhas, sem esconder sua

surpresa ao me ver de pé, consciente e acordada.

— Agora isso também é motivo para comemorar.

— Roman. — Lhe dei um sorriso polido.

— Minha nora. — Ele levantou-se da cadeira, caminhando até mim

com o cigarro pendurado no canto dos lábios e aquele ridículo roupão.

Segurou meus ombros e levou um momento me observando de perto, antes

de se inclinar e beijar um lado do rosto, depois o outro. — Estou feliz em vê-

la de pé. Meu filho queria explodir mais alguns prédios em frustração, acho

que pensava que o barulho a despertaria.

Eu não duvidava que o fizesse.

— Eu não acho que teria funcionado.

— Eu também não. — Ele riu, tragando seu cigarro com força e

voltando para atrás da mesa. A poltrona antiga rangeu quando se sentou. —

Nós temos uma longa história, Maryia. Não vou questionar o que aconteceu

naquela cabine, não é meu trabalho.

— Eu não me lembro.
— Como eu disse... não vou questionar. Você já viu Viko matar?

— Sim — respondi, sem entender o motivo da pergunta se ele já sabia

a resposta.

— Já o viu torturar alguém?

— Não porque ele permitiu, mas eu estava curiosa, então, sim.

Ele assentiu.

— Você sabe quem é seu marido, aquele sorriso de merda que carrega

pertence a um animal que a Bratva criou. Um monstro. Eu estou orgulhoso

dele.

— Eu sei. — E algumas vezes ficava fodida de ódio por ele ter

permitido tal coisa a seu filho.

— Hoje ele explodiu um ninho de ratos, deixando todos com o rabo

pegando fogo, as chamas queimando suas canetas chiques e papelada velha.

— Ele riu, apontando o celular. — Tem vídeos na internet, dá para ver alguns

em chamas e correndo por através do vidro, as roupas em chamas. Eles caíam

do décimo, do quinto, do oitavo andar. Todos fodidamente mortos. Sabe o

que foi isso?

— Uma mensagem.

— Foi justiça. Justiça pelo o nosso menino Luka Kurakin. E então

tivemos as duas vias fechadas, toda a merda de caos no trânsito. Enquanto os


policiais e imprensa mantinham suas atenções no fogo, os seus irmãos,
fodidos loucos, faziam uma visita ao banco de Moscou. Roubando joias,

milhões e milhões, papeladas confidenciais guardadas nos cofres. Eles

confiam seus segredos em cofres, Maryia. Quem faz isso?

— Homens confiantes demais?

— Sim — ele me apontou o cigarro —, homens que se acham

inteligentes, mas, na verdade, são burros. Estavam todos tão distraídos que

foi tudo uma brincadeira de criança. Prédio em chamas, quem liga para

dinheiro roubado? Foi o novo 11 de setembro do caralho. E novamente... meu

Viko fez isso. O seu marido.

— Ele fez. — A comparação era desrespeitosa e terrível de fazer, mas

aquele era Roman e ele não se importava com quem suas palavras

machucavam ou ofendiam.

— Sim. Ele fez. E fez tudo isso com um bom planejamento, estratégias

e ordens bem comandadas. Seu nome o procede. O que eu quero dizer,

Maryia... é que a morte de Xenia não é nada para ele. Você não se lembra? É

uma pena. Viktor vai caçar a memória perdida para você, e então ele fará o

que faz de melhor. Será o Boss. Por isso, um dia será Pakhan. A não ser que

um dia, e eu duvido, alguém me mate e tome meu lugar primeiro que...

— Eu estou grávida. Acho que estou.


Nem de longe eu planejava dizer a ele. Não ali, daquela forma ou antes

de falar com seu filho, mas Roman era um homem transparente. Suas

ameaças eram feitas de formas que faziam a pessoa ficar paranoica por

semanas, pensando e refletindo em cada sentença. Eu não podia lidar com

aquilo agora, sua desconfiança e os medos por trás do que faria se resolvesse

investigar as circunstâncias da morte de Xenia. Eu precisava dele ao meu

lado, que me visse como sua nora frágil, fraca e inocente. Que me chamasse

de louca outra vez.

Ainda que em minha cabeça, eu estivesse preparada para lidar com os

danos e controlar as consequências dos meus atos.

Ele piscou e piscou os olhos, seu peito expandiu, uma risada rouca

escapando quando deixou o cigarro no canto da mesa e se apressou em me

alcançar novamente. Seu abraço forte era sincero como não foi em muito

tempo. Lembrou-me do dia que me casei com Viktor.

— Um neto. — Balançava a cabeça como se não pudesse acreditar.

Depois de comemorar três anúncios de gravidez e vê-las serem perdidas,

devia pensar que jamais veria uma quarta.

A felicidade da novidade fez o que eu queria, o levou a esquecer toda a

conversa de um minuto atrás. Xenia, o prédio em chamas e o roubo ao banco.

Tudo o que importava era eu e o possível bebê.


— Onde está Viko? — Abriu os braços. — Vamos abrir um

champanhe. Não! Abriremos uma caixa inteira deles. Chame Viktor e os

rapazes, a Bloodline receberá uma festa. Vamos lutar, beber e foder. Porra —

murmurava, passando as mãos pelo cabelo.

— Não — o parei imediatamente, impedindo que se animasse demais

antes de interrompê-lo. — Não pretendo contar a ninguém. Eu sei que vocês

querem viver esse momento, mas não vou saber lidar com uma quarta perda.

Os olhares de pena, a decepção de Viktor... seria demais para mim. Eu estou

te contando porque preciso. Você é meu Pakhan, mas peço que guarde o meu

segredo, pelo menos por alguns meses. Direi a Viko em breve, mas não

agora.

Por sua expressão, ele não gostou do pedido, mas entendia. Foi a

primeira verdade que eu disse a noite toda. Se o bebê não fosse uma

possibilidade por Dimitri, seria por Viktor, eu teria que viajar para fazer um

exame e confirmar futuramente, mas até lá, todas as dúvidas precisavam ser

esquecidas. Nem sequer cogitadas por ele.

Adaptei-me ao frio que congelava minhas espinhas, ao gelo que correu

por minhas veias, a insensibilidade envolvendo a dor que causaria ao meu

marido se existisse uma criança e ela fosse fruto de minha traição, tudo para

não me permitir ser vulnerável outra vez.


Eu conhecia a dor de perder três crianças. Meus três bebezinhos. Não

haveria uma quarta.

Roman me abraçou mais uma vez, comemorando a notícia.

— Vamos deixar entre nós, por enquanto, mas não guardarei segredo

para sempre, Maryia. Seu marido é o chefe de sua casa, não demore a contar

a ele.

— Eu não vou.

— Bom — ele assentiu e me soltou, dando alguns passos atrás. — Vou

protegê-la até lá, sim?

E isso era tudo o que eu precisava ouvir.

Virei-me e saí, sentindo o peso de seus olhos cheios de esperanças e

expectativas em mim e voltei ao quarto. A casa estava vazia, Olga

provavelmente dormindo, e Dalyah que parecia cada vez mais ausente. Eu

não sabia se era sua completa aversão à Bratva ou a vontade de ficar longe de

Olga, mas simplesmente encontrava outros lugares para estar. Eu não podia

julgá-la. Antes Viktor não permitiria a distância, mas estava tão ocupado

comigo, que parecia não perceber sua prima afastando-se cada vez mais.

Quando entrei em nossa suíte, Viktor estava começando a desabotoar

sua calça. Ergueu uma sobrancelha loira para mim, fitando-me dos pés à

cabeça, então expirou com força, como se junto ao ar, deixasse uma tonelada
aliviá-lo.

— Sinto muito — falei, o que ele não sabia era que não me referia

apenas ao tempo que fiquei apagada, mas todo o resto.

Por não conseguir perdoá-lo sem devolver sua traição na mesma

moeda, por colocar sua reputação e orgulho em risco, por colocá-lo numa

posição onde se descobrisse meus erros, seria obrigado a me fazer escolher a

criança se não fosse sua, ou ele.

Ele se aproximou, erguendo-me pelos quadris e sentando-se na cama,

minhas pernas enroladas firmemente em sua cintura.

— Me conta sobre o ataque.

Ele inalou, acenando a porta aberta do banheiro.

— Sua água vai esfriar.

— Você já foi melhor em fugir das minhas perguntas do que isso.

— Eu não fujo. Estou nos precavendo de qualquer violência, embora eu

adore as nossas.

— Você foi atacado quando estava com alguma amante? — A pergunta

foi dolorosa de fazer, mas eu precisava saber do que se tratava seu assunto

anterior com Maksim. — Esse é o único assunto que me faz cair recorrer a

agressões.
— Já te disse que não tive amantes. E não, não se tratava disso.

Coincidentemente falei com você sobre isso no dia que te tirei daquela

cabine. — Ele inclinou a cabeça, fazendo círculos em minha cintura com os

dedos. — Quando vamos falar sobre isso?

— Minha cabeça dói.

— Corte a merda, Maryia. Sou eu. Por pior que seja, você pode e vai

me dizer o que aconteceu lá.

— Vou me esforçar para lembrar os detalhes, por agora... me distraia.

Você sabe que eu gosto de ouvir suas histórias de trabalho.

— Não acho que vai gostar de ouvir sobre meu tempo na Itália.

Eu respirei profundamente quando o baque veio, mas engoli minha

raiva e dei de ombros.

— Faça o teste.

Ele me observou por um momento, tirando alguns fios de cabelo da

bochecha e os envolvendo atrás da orelha. Eu esperei que falasse, queria que

me contasse. Ele era inteligente o suficiente para tirar os detalhes que

envolviam a tal Elena e me contar apenas o necessário.

Para mim, saber algo que era importante para ele, ajudaria a tampar o

buraco que eu sentia em nossa relação. O barco estava afundando, lentamente

enchendo de água após dinamites que nós dois explodimos dentro, mas pouco
a pouco, a cada passo dado, eles iam se fechando. Eu queria que o barco
voltasse a navegar. Mesmo sabendo que instáveis como éramos juntos, daqui

a meses naufragaria novamente.

Diferente de outros negócios que eu já tinha ouvido falar, os quais

homens não compartilhavam detalhes com suas esposas, a Bratva não tinha

isso. A não ser que fosse algo estritamente secreto, maridos conversavam

com as mulheres. Quantas vezes eu virei a noite ouvindo Viko falar sobre

planos que tinha para a Irmandade. Quando chegou em casa irritado por algo

que tinha dado errado e até me permitia opinar e ajudá-lo, caso tivesse

alguma ideia.

Uma vez, quando perguntei a Viko logo no começo de nosso noivado

se ele podia me contar detalhes de seus crimes e planos, sua resposta foi curta

e objetiva.

— Por que não poderia? Quando eu gozo na sua boceta, me sinto a

porra do homem mais poderoso do mundo. A sensação é indescritível. Se

você tem esse tipo de poder no meio das pernas... penso sobre o que vou

encontrar em sua cabeça.

— Muitas coisas, eu sou inteligente.

— Mulheres são subestimadas. — Ele acenou com seu cigarro. — Não

é à toa que foi uma que fez o mundo inteiro virar o inferno que é e nem Deus
a impediu.

Lembrava-me de achar engraçado na época, mas concordar.

— Me conte — pressionei, apertando os joelhos em seus lados e

cutucando seu peito. — Se eu começar a ficar meio louca, você me prende no

banheiro. É especialista nisso.

Ele bufou uma risada, alisando os cabelos para trás, antes de me

segurar e nos virar. Um grito escapou da minha garganta quando se colocou

em cima de mim, prendendo-me firmemente de costas para a cama.

— Prefiro te conter assim.

— Fale logo, Boss. Eu acabei de acordar, mas já estou exausta.

— O que você quer saber? — Havia um brilho divertido em seus olhos,

como antes. Como bem antes da viagem.

— O ataque — falei, mas ele não precisava da lembrança. Viktor

queria apenas testar minha paciência.

— Ah... o ataque. — Ele deu de ombros, ajeitando as pernas debaixo

das minhas. — Eu tenho uma irmã na Itália.

— Eu ouvi falar. — Engoli em seco, lembrando-me de como foi

receber aquela notícia.

Tudo começou como um boato, mas então Roman confirmou para os


mais íntimos, depois todos acabaram sabendo. Sua filha com uma amante

italiana. Muitos diziam que ele tinha matado a mãe da menina, outros que ela

fugiu e voltou para a Itália. Meu sogro nunca confirmou ou negou nenhuma

das versões.

— Ela é minha irmã, de fato. Fala quando não é chamada, intrometida e

curiosa. Casou-se com um filho da puta italiano.

— Por isso você foi à Itália. — Franzi o cenho, descobrindo o real

motivo que o tirou de mim naquela época.

— Sim. Roman acreditava que ela estava em perigo com aquela

família.

— Os DeRossi? Eles são como nós?

— Não. — Viko riu. — Eles são mais parecidos com políticos do que

bandidos. As mulheres são todas calminhas e submissas. Talvez uma ou duas

sejam exceção.

— E sua irmã é uma delas?

— Minha irmã... — Ele ergueu os olhos, como se de repente estivesse

vendo-a em sua frente. — Anya Katerina não é nada como elas. Ela é mais

russa do que qualquer outra coisa, com certeza.

— Conhecendo o seu pai, imaginaria que ele a obrigaria a vir.

— Passou por nossa cabeça, mas então esse ataque veio. Uma outra
pessoa levou um tiro que foi dirigido a ela e nós resolvemos esperar as coisas
se acalmarem.

— Uma outra pessoa?

Ele mordeu o interior da bochecha, segurando-me um pouco mais firme

na cama.

— Maryia.

— Foi ela. — Passei a língua pelos lábios secos. — Elena a salvou. Sua

irmã deve adorá-la, então.

— Elas são muito amigas, sim.

Eu nem conhecia Anya, mas senti uma pontada dolorosa no peito, um

incômodo que não sabia explicar. Viktor viu, e entendeu.

— Ela adoraria você também, zhena.

— Quem sabe — dei de ombros, como se não me importasse —, ela

estaria mais segura aqui. A Cosa Nostra não tem tradições sobre sangue e

toda essa baboseira?

— Sim, e ela sofre por isso. Algumas pessoas não sabem disfarçar

olhares, mas... ela tem filhos com o homem com quem se casou. Isso

complica tudo.

— Ele poderia vir com ela.


Viktor gargalhou, seus olhos piscando com a emoção perversa que eu

conhecia bem.

— Eu cortaria sua garganta no momento que passasse a fronteira. Ela

sabe disso, então... não há nenhuma chance de que minha irmã venha para cá.

Seus filhos nasceram na Itália, eles acham que têm direitos sobre Benjamin e

Carmina.

— Ela deu nomes italianos a eles? — perguntei, com choque na voz.

Não conseguia ver Roman levando tal coisa tranquilamente.

— Ela não teve escolha.

— Como não? — Estreitei os olhos. — Você deveria tê-la tirado de lá à

força. Passado por cima de seu marido.

— Ela o ama. Eu a tiraria daquele país retrógrado com prazer, se fosse

uma escolha dela. A protegeria como protejo Dalyah, mas ela está feliz.

— Feliz, sendo obrigada a viver longe de sua família? Feliz num lugar

onde as pessoas a olham torto por quem ela é? Sem direitos sobre os próprios

filhos? — Bufei. — Com um marido que parece um pesadelo... como ela

pode ser feliz?

Sua expressão se fechou, o canto do lábio subindo melancolicamente.

Seus olhos verdes focados totalmente nos meus.

— Você está mesmo me perguntando isso, zhena? — Ele beijou meus


lábios, sua respiração engolindo a minha e o cheiro envolvendo-me ainda
mais forte. — Olhe para nós — sussurrou em meu ouvido.

Engoli em seco com suas palavras, percebendo que aquilo era

provavelmente o que qualquer pessoa sã diria ao conhecer o nosso

casamento.

No entanto, agarrei seu pescoço e o puxei para mais perto de mim. Eu

encontrava conforto em cada toque de Viktor, ainda que fosse errado.

Provavelmente era a mesma coisa que Anya sentia quando se deitava

com seu marido.


“Eu não tenho preferencia, não

Vagabundas malvadas são a única coisa que eu gosto”

RAE SREAMMURD, NO TYPE

As reuniões semanais com os líderes de Moscou aconteciam

religiosamente. Meus capitães, conselheiro, e Vorys guerreiros se reuniam

para falar livremente sobre negócios, dar boas e más notícias gerais. Aquele

dia em especial, a reunião foi marcada em um dos clubes, porque eu

precisava da falsa privacidade para falar com meus homens. Alguém


escutaria demais e levaria o assunto, até que todos nas ruas estivessem cientes
do meu aviso velado.

Por isso, Adrian Sabarak, um dos capitães de rua falava de seus

negócios, focado em cada palavra, enquanto os homens ao redor tinham seus

paus chupados, moídos e usados pelas prostitutas livres.

— Nós terminamos, Adrian. Você pode ir aproveitar a noite e

falaremos amanhã.

— Mas isso é importante, Boss. Eu continuo dizendo que...

— Você está bêbado pra caralho e falando mais do que deveria, vá

foder uma puta ou entupir o nariz do pó que você gosta.

Ele estava chapado pra caralho, mas continuava me encarando com

aquela cara de quem queria falar de negócios. Eu não dava a mínima para

seus Vorys se casando com mulheres da rua ou viciados batendo em sua

porta.

— Dê conta da sua fatia do negócio, Adrian, ou eu vou colocar alguém

que pode cuidar disso em seu lugar.

Engolindo em seco, ele se levantou e foi em direção ao bar, agarrando

uma das meninas antes de puxar uma garrafa da mão do barman e sumir no

corredor das cabines.

Ao meu lado, Volya fodia uma puta sem levantar-se do sofá,


observando tediosamente a mulher pular sobre seu colo, como se estivesse na
porra de um pula-pula encantado. À minha frente, Maksim recebia um

boquete de uma loira nova no clube, ele costumava gostar de ser o primeiro

das novatas. Ao meu redor uma orgia do caralho acontecia com bebidas à

vontade, drogas sendo distribuídas em bandejas e fumaça de cigarro

intoxicando o ar.

— Mil cairão ao meu lado, dez mil à minha direita, mas eu não serei

atingido — murmurei, sorvendo o último gole de uísque, antes de bater o

copo na mesa e me recostar no sofá.

Senti dedos finos envolvendo meu pescoço por trás e imediatamente

segurei as mãos, dando um aperto de aviso. Todas elas sabiam que eu não

estava a fim de nada e continuavam tentando. Eu estava ficando farto daquela

merda. O uísque fodia com a minha cabeça, porém, eu sabia que não queria

estar com ninguém ali. Deixar Maryia foi uma necessidade e ela entendia.

Para negócios, não para foder.

— Não me toque, porra.

Ela correu para o próximo da fila.

Uma área inteira do clube foi fechada para nós, e os olhos dos curiosos

estavam atentos aos nossos movimentos. Cezak, meu capitão de elite, cuidava

das áreas centrais, garantindo que não haveria prostitutas nas ruas. O lucro
era certo, mas eu não gostava da estética, Moscou não foi feita para abrigar
desespero e sexo barato. Os clientes podiam encontrar toda a putaria que

buscavam dentro dos clubes. As mulheres que ousavam se esconder para

vender o corpo nas esquinas eram mandadas para Maksim cuidar. Se não

tivessem aparência e saúde para serem enviadas aos clubes, ele ficava feliz

em cuidar de suas punições. Conhecendo meu cunhado, eu não perguntava

como diabos ele lidava com elas. Os castigos chegavam para todos que iam

contra os mandamentos da Irmandade. Homem ou mulher.

Evarkov era meu melhor lutador. O campeão de Moscou e uma boa

fonte de lucros. Lutas nos rendiam muito dinheiro, e Eva adorava ser aquele

que no final das lutas importantes acabava de pé, respirando enquanto seus

oponentes jaziam em poças de sangue. Mortos.

Eu acenei para uma das meninas se aproximar e peguei um copo de

uísque de sua bandeja cheia. Ela arrastou uma linha de pó para a frente em

minha direção.

— Está servido, senhor?

— Não. — Ela assentiu e rapidamente passou para o próximo.

O lugar no sofá ao meu lado foi ocupado por Cezak e, com olhos

desconfiados, ele se inclinou para mim.

— Qual a chance de os Romanoff estarem bloqueando a passagem dos


nossos caminhões? — Eu me virei para ele, estranhando a abordagem do
assunto após o fim da reunião.

— Boa pergunta. O que o faz pensar isso?

— Eles são competitivos, Boss. Acho que os Romanoff estão

interceptando nossas entregas. Alexi fará de tudo para tentar te

descredibilizar. Os homens vão perguntar “se Viktor não consegue controlar

caminhões de entrega, como conseguirá controlar uma cidade inteira?” É o

terceiro caminhão que não atravessa o rio.

Inclinei a cabeça, contemplando-o.

— Eu estou pensando em organizar uma luta no dia da próxima

entrega. Teríamos muitos homens seguindo o mesmo caminho para São

Petersburgo, e eu saberia o que acontece com meus caminhões. Se seguirem

viagem de São Petersburgo à frente, saberei que estão sabotando as jornadas,

mas caso passem do território Romanoff e, ainda assim, não cheguem ao

destino, posso riscar Alexi da lista, ciente de que o problema ocorre além da

fronteira.

— Boss, você sabe como fazer as coisas, Moscou não ficaria em dúvida

com você. Mas... por que não lidamos com os Romanoff de uma vez? —

questionou, franzindo o cenho. — Se algo acontecesse a Alexi e Dimitri,

você teria grande poder ao influenciar a escolha do próximo líder daquele


Clã. Quando o Pakhan e... se juntassem para discutir, o senhor poderia votar
em um dos nossos. Alguém forte e capaz, mas de nossa inteira confiança.

Olhei de canto dos olhos para Volya, vendo que embora a puta se

dedicasse a fazê-lo perder a cabeça com a boceta, a atenção de meu irmão

estava completamente voltada a mim e a Cezak. Engolindo suas palavras.

Tirei o cigarro pendurado do canto da boca e me levantei, sentando-me

mais próximo do capitão.

Cezak encarava-me cheio de esperanças, como se tivesse me dado a

porra da ideia do ano e fosse ser promovido. Eu via a ambição em seus olhos,

mas não era o tipo de ambição que eu apreciava em meus homens. Aquela

nos olhos de Cezak muito provavelmente me faria matá-lo antes que

resolvesse se rebelar e me causar problemas.

Os guerreiros de rua e Vorys podiam ser burros, descuidados e fazer

qualquer merda que quisessem. Seriam punidos e seguiriam em frente ou

partiriam dessa para uma melhor, dependendo do delito. Mas os meus

capitães, líderes e homens próximos tinham que seguir a minha ideologia.

Precisavam ser formigas da porra do meu exército.

Seguindo a mesma linha de pensamento que eu seguia para que não

tivéssemos contratempos e erros no percurso.

Ofereci a ele um cigarro e acendi quando pendurou na boca. Esperei


que desse a primeira tragada com seus olhos ansiosos em mim.

— Agora, Cezak... por que eu jogaria sujo assim? Hum? Eu já sou o

chefe, acima de mim só meu pai que, em breve, irá embora. Estará velho

demais para dar conta da Bratva e do poder que ela tem. Eu sou um ladrão,

sim, mas não esse tipo de ladrão. Por que eu descartaria um adversário com

Alexi, que faz meus dias mais desafiadores? —Acenei ao redor. — Isso me

faz pensar que se estivéssemos numa luta eu e você, você facilmente me

drogaria para ganhar. Ou se disputássemos a mesma mulher, você fugiria

com ela antes que pudéssemos duelar para decidir quem levaria o prêmio

final. Eu não tenho força se trapaceio para vencer meus inimigos. Eu sou

forte quando os derroto. Quando venço sobre eles e rezo em seus corpos

mortos. Corpos que eu mutilei e matei. Quando me banho com seu sangue,

não porque trapaceei, mas porque sou melhor do que eles. — Traguei meu

próprio tabaco profundamente. — Alexi não terá uma queda fácil. Ele vai se

contentar em seguir minhas ordens, a estar sempre abaixo de mim. Porque eu

sou melhor, não porque o passei a perna — inclinei a cabeça —, você

entende o raciocínio?

— Eu entendo, Boss. — Engoliu em seco.

— Agora... depois de ter me dito isso, como quer que eu não pense que

você está sabotando minhas entregas para que a culpa caia nos Romanoff,

tirar Alexi do caminho e talvez ser promovido a Boss de São Petersburgo. É


sua cidade natal, não?

— S-sim... — Ele balançou a cabeça. — Mas eu não...

— Então você seria um nome na lista a ser cotado. E você é meu

capitão. É responsável pelas embarcações e caminhões que saem com as

drogas e as mulheres. — Apaguei o cigarro e cruzei as pernas, olhando-o nos

olhos. — Eu diria que você, Cezak, tem todas as razões para me trair e

desejar não ser descoberto.

— Viktor! — Ele pulou, ficando de pé. Os olhos estavam a ponto de

explodir.

Maksim riu, empurrando as duas mulheres de que se ocupava e

caminhou até Cezak, embrulhando os dedos em seu pescoço por trás.

— Dê a ordem, porra. — Ele sorriu doentiamente, fitando-me cheio de

expectativas.

— Vamos garantir que ele está limpo, antes de chegar aos próximos

suspeitos.

— Se precisar me chame — Evarkov gritou. — Eu lhe arrancarei a

cabeça! — Ele soprou a fumaça do baseado de dez centímetros de espessura.

— Você vai ter um ataque cardíaco. — Lancei um olhar na mulher que

ele fodia deitada no sofá de couro.

— Ou uma DST — disse Volya, fazendo os todos gargalharem.


Eu me sentei onde estava, acenando para a garota sentada no colo de

Luka.

— Vá me buscar uma garrafa de vodca. — Ela correu para obedecer a

ordem.

Fitei o rosto desesperado de Cezak, ele estava pronto para começar a

implorar, então acenei para Maksim.

— Leve-o. Chegarei até vocês em breve, preciso ficar bêbado antes.

— Boss... — Virei-me ao ser chamado por um dos seguranças do

clube, ele acompanhava um rapaz desconhecido à sua frente, que me

encarava numa mistura de nervosismo, medo e determinação. — Esse aqui

diz que tem um horário com o senhor.

Minhas sobrancelhas subiram em surpresa e as risadas de meus

homens, inclusive do segurança, se fez presente.

— Bem, olhe só — ajeitei-me no sofá —, estou em outro nível agora,

hein? Hora marcada para falar comigo em um dos meus puteiros.

O engravatado muito bem vestido nos olhou sem entender. Havia medo

em seus olhos, mas também algo que eu conhecia e já vira muitas vezes.

Desespero.

— O deixe passar — falei e indiquei que se sentasse ao meu lado. Ele

caminhou lentamente, e quando parou à minha frente abriu o paletó.


— Estou desarmado.

Eu sorri.

— Imagino que sim. Eu teria que matar uma sequência de homens, se

tivessem te deixado entrar carregando uma arma.

Engolindo em seco, o rapaz assentiu e se sentou.

— Eu não tenho hora marcada, senhor — admitiu o que eu obviamente

já sabia.

— Também sei disso. Eu não costumo ser tão inacessível assim. —

Acenei ao redor. — Você pode me ver na rua diariamente falando com os

moradores da minha cidade.

Eu tinha, sim, a minha cota de reuniões com hora marcada, terno e

gravata e toda aquela merda formal, mas apenas para forasteiros. Na Rússia,

nos tratávamos tudo como família.

Já tive pais de família desesperados batendo à minha porta de

madrugada, oferecendo tudo o que tinham em troca de um empréstimo,

enquanto Maryia alimentava seus filhos e esposa com sanduíches e suco na

cozinha.

— Obrigado por me receber. — Ele tinha um acento diferente no

sotaque, com certeza vinha do interior.

— De onde você é?
Dando uma rápida olhada nos homens se divertindo com sua segurança,

ele me fitou.

— Sou do interior, senhor. É minha primeira vez em Moscou.

— Devo me sentir especial, deduzindo que veio especialmente para

falar comigo ou veio por outras razões?

— Vim com outras motivações, mas a principal era conseguir pelo

menos cinco minutos com o senhor ou alguém de sua... sua...

— Minha? — pressionei.

— Organização.

Eu estiquei o braço, dando um tapa nos ombros de Volya e acenando

para Luka.

— Viu isso? Somos uma organização, de acordo com os bons meninos

do interior. — Eles riram mais alto. — Qual o seu nome?

— Nakiel.

— Nakiel? — perguntei.

— Nakiel Tchekovi.

Estendi a mão, sacudindo a dele firmemente.

— É bom conhecê-lo. Como vai?

— Muito bem, senhor. É um prazer conhecer você. Sua Irmandade é


muito famosa onde moro.

— Alguma coisa certa esses bêbados estão fazendo, então, não é? —

Chamei a garçonete outra vez. — Já que veio para me ver, aceita algo? Uma

bebida, uma mulher, algum entorpecente?

— Isso vai ser divertido — Volya resmungou, fitando o garoto como se

fosse uma aberração, empurrando sua puta para baixo até ela engolir seu pau.

Eu estava curioso. Não era todo dia que meninos do interior viajavam

todo um caminho para me ver, apareciam de terno e mentiam sobre ter

horário para falar comigo. Ele tinha bolas.

Os próximos dez minutos me fariam decidir se eu ia fazê-lo engolir as

duas ou chutá-lo para fora com sua miséria intacta.

— Você cheira? — pressionei. — É por conta da casa.

— Não, obrigado — respondeu rapidamente. — Eu sou casado.

Os homens se engasgaram com as gargalhadas, amaldiçoando alto.

— Eu também. E se metade do meu juízo está comprometido, é por

causa dela.

— Eu entendo, senhor. Também tenho problemas em casa.

— E veio me procurar para que eu o ajude a resolver? — zombei.

— Não — franziu o cenho —, muito pelo contrário. Eu... eu preciso de


outro tipo de ajuda. Uma que eu soube que o senhor concede às vezes.

— Dinheiro — chutei.

— Um investimento. Preciso de alguém que invista em mim.

— Muito bem. Que tipo de investimento seria esse?

— Por que estamos dando uma foda maldita para o mauricinho?

— Cale a boca, Evarkov — ordenei, sem tirar os olhos do rapaz.

Era preciso ter no mínimo coragem para entrar no meu estabelecimento

e me propor algo do tipo sem ser convidado. Ou ele era a porra de um louco.

Eu entendia bem deles, estava rodeado.

Ele se ajeitou para começar com sua proposta, mas eu o parei antes que

pudesse.

— Vou deixar meu secretário imediato te dar alguns recados, antes que

me faça a sua... proposta. Kolokol?

Meu cunhado riu, e esfregando as mãos uma na outra, empurrou o

enxame de mulheres de cima dele e se aproximou do homem.

Completamente nu, ele não se envergonhava, tampouco se importava que

todos pudessem vê-lo. Aquilo, na verdade, parecia lhe deixar ainda mais à

vontade. O cara literalmente não tinha nada a esconder. Todos sabiam de sua

fama, assim como conheciam sua forma como veio ao mundo. Evarkov tocou

o pescoço de Nakiel e arrastou de uma orelha a outra a ponta. O rapaz


estremeceu, mas não recuou. Ponto para ele.

— Se você falar sobre o que viu, ouviu ou pensou aqui, se for um

jornalista engraçadinho e publicar qualquer parte dessa conversa, eu vou te

achar. Se eu descobrir que seu nome não é Nakiel fodido Tchekovi, vou te

achar. Se entrou aqui com a intenção de foder a Bratva, vou te achar e vou

arrancar sua cabeça.

— Já chega — falei, sinalizando que se afastasse. Pisquei para Nakiel.

— Não leve tão a sério a parte de arrancar a cabeça, eu raramente deixo que

ele chegue a esse extremo. Minha esposa está preocupada com sua alma e

consequentemente eu fico responsável sobre ele não cair no abismo do futuro

no inferno. Não é fodido?

— Ele já... já arrancou a cabeça de alguém?

— Ah, já — desdenhei. — Tiveram vezes que não cheguei a tempo de

impedi-lo. Ou não quis, confesso. Mas isso é bom. Faz bem para sua

reputação. Não faz bem aos meus limpadores, os rapazes da faxina não

apreciam a bagunça que Evá costuma fazer.

Ele tremia e para tentar esconder, cruzou as mãos. Eu tinha torturado

homens o suficiente em minha vida para reconhecer sinais, mesmo que bem

escondidos. Ele entrou ali assustado, mas agora estava aterrorizado. Seu

desespero tornou-se ainda maior.


— Diga, Nakiel. Qual sua proposta? Estou verdadeiramente intrigado.

— Meu pai é um homem conhecido em minha cidade, portanto, não

pode se envolver com nenhum tipo de polêmica — seus olhos piscaram nos

meus —, menos ainda com atos criminosos.

Eu nem precisava terminar de ouvir para saber aonde aquilo estava

indo, mas decidi deixá-lo concluir.

— Algo aconteceu com minha família, dois meses atrás, e pela posição

de meu pai, não podemos buscar justiça. Ele não quer ter seu nome e carreira

envolvidos em sujeira.

— Quem é seu pai?

— O prefeito da cidade.

— Está ficando interessante — disse Robert. Nakiel o fitou.

— Ele tem uma questão particular com o governo — expliquei

vagamente. — Continue.

— Meu pai não vai deixar que eu busque justiça para o horror que

acometeu minha família, então preciso de alguém que faça isso por mim.

Estou disposto a pagar o que for preciso. Como for preciso.

— O que for preciso? — perguntei, num tom perigoso. Homens como

ele não deveriam dizer tais coisas para monstros como eu.
Ninguém o avisou que entrar ali e falar comigo, tentando apelar para o

meu coração, era um caminho fadado ao fracasso?

— Por que não chama a polícia? — perguntei, mesmo já sabendo o que

ouviria em resposta.

— A polícia não vai nos ajudar nisso.

— Por que não?

Ele suspirou, empurrando o cabelo para trás, num gesto nervoso,

ansioso e irritado.

— Porque foi um homem da lei que cometeu esse crime.

— Cada vez mais interessante — refleti. — Continue.

— Minha irmã... — Ele fez uma pausa, a voz falhou. Parecia ter

dificuldades em falar sobre o assunto. — Minha irmã foi a um encontro com

esse policial. O que ela não sabia era que o delegado estava de olho nela há

um tempo e convenceu o policial a levá-la até ele como um presente em troca

de uma promoção no departamento.

— Sua irmã é uma prostituta?

— Não — rosnou, cerrando os punhos.

— Não precisa rosnar — disse Volya. — Nós todos amamos boas

putas.
— Ela não é uma prostituta. É uma menina ingênua e honesta.

— O que há de errado com as minhas putas? — Acenei ao redor com

um movimento do pulso. — Elas não podem foder e serem honestas?

Cheio de seguranças e sem perceber o tom provocativo em minha voz,

ele engoliu saliva seca e dura.

— Não há nada de errado com elas. Minha irmã só não é uma.

— Se não há nada de errado, você foderia uma delas?

Ele hesitou, sem saber o que responder.

— A minha esposa...

— Você me disse que faria qualquer coisa. E se para ajudá-lo, eu quiser

que foda uma de minhas putas, na frente de sua esposa?

Olhando para baixo, ele só percebeu que eu estava lhe zombando

quando Evarkov começou a rir, sendo acompanhado pelos outros.

— Continue — falei, curto e grosso.

— Sua irmã deve ser muito boa para chamar atenção assim — Volya

provocou.

Suas narinas inflaram e se Volodya não fosse um gigante, Nakiel talvez

tentaria a sorte para acertar um soco.

— Ela é uma mulher muito bonita, mas agora está quebrada e


traumatizada. Não foi apenas o delegado que fez coisas com ela. Outros

homens da policial local também se envolveram. Eu a encontrei no quarto de

hotel, quase irreconhecível. Meu pai não vai fazer nada porque senão esses
homens não vão apoiá-lo na próxima candidatura, ele quer tentar para

Governador, enquanto isso minha irmã revive seu pesadelo dia após dia. Com

medo de sair de casa, sem conseguir se olhar no espelho.

— História interessante, mas não ficou claro para mim qual o

investimento. — Dei de ombros. — Não temos nada a ver com a desgraça

que aconteceu com sua irmã. Honestamente, temos as mãos cheias.

— Eu sou o investimento — se apressou a dizer. — Peço que façam

justiça por ela e farei o que quiser.

Eu dei risada, forte e alto, então limpei a garganta. Inclinei-me para a

frente em sua direção.

— Nakiel... por que eu precisaria dar algo a você, para conseguir os


seus serviços, se tenho homens diariamente batendo em minha porta,

querendo jurar sua lealdade a mim em troca de nada? Para simplesmente

estarem ao meu lado.

— Eu posso lutar. Sou muito esperto com computadores, posso fazer

contas complicadas. Qualquer coisa que quiser. Eu não tenho como pegá-los

sozinho, ainda que tivesse uma arma, levaria tempo para aprender a usar.
Estou sozinho buscando justiça para ela. Vim implorar, desesperado!

— Bem, bem... — Suspirei. — O que farei com você, Nakiel? Vamos

ver. — Pensei por alguns segundos. — Nos entregue sua irmã e eu acabo

com todos eles. Ficarei feliz em incluir seu pai na lista por ser um covarde.

— Não — respondeu de imediato, sua voz continha uma indignação

que não entendi.

— E por que não?

Ele olhou para mim, Volya, Luka, Robert, Evarkov, então para mim

novamente.

— Você não me ouviu?

— Eu ouvi, ela está fodida. Todos estamos. Mas você quer justiça e o

tipo de justiça que a Bratva faz não vem de graça.

— Ela já passou por um inferno!

— Ela me parece ser uma mulher bonita, ou o tal delegado não se

esforçaria tanto para pegá-la. Logo ela, do nada.

— Ela foi brutalmente atacada!

— Ouvi isso também. Se veio disposto a jurar sua lealdade em troca de

justiça por ela, deve estar aberto à minha contraproposta. Seu pai é um

político, o que quer dizer que você pode fazer carreira também. Eu preciso de
bons políticos ao meu lado. Quantos anos sua irmã tem?

Ele franziu o cenho, confuso.

— Fará dezessete daqui a dois meses.

— Perfeito. Quando ela fizer 18, você a trará para mim. — Apontei

para o meu cunhado. — E ela se casará com Evarkov.

— O quê? — Nakiel gritou, fitando Evá com horror.

Evarkov soltou uma risada alta, pensando que eu continuava

provocando o garoto. Gargalhadas, tosses e engasgos foram ouvidos por

todos os lados. Não dei atenção a nenhum deles, estava muito ocupado com a

fúria de Nakiel voltada para mim.

— Um casamento por quantas mortes você quiser e o deixarei assistir a

cada uma delas. Ninguém jamais saberá que esteve envolvido.

— Eu nunca aceitaria algo assim, minha irmã sofreu o suficiente.

— Sua resposta é não?

— Minha resposta é um enorme não, óbvio! — gritou.

— Então vá para a casa. — Acenei em direção à saída com meu copo

no alto. — Durma e acorde de madrugada, sabendo que quando sua irmã

começar a gritar, é porque sabe que seus abusadores continuam livres e

impunes. Talvez eles voltem para ela. Talvez façam outras vítimas. Tudo
porque você é fraco demais para ir até o fim com as coisas que começa. Você

me procurou, não o contrário.

Ele se levantou, bufando, soltando ódio por todos os poros.

— Disseram-me que eu conseguiria justiça ao seu lado, que os Vorys

eram diferentes da polícia e da justiça comum. Estavam enganados.

— Eu tenho certeza de que colocaram um “mas” em tudo o que te

contaram, mas você provavelmente só prestou atenção e quis ouvir o que te

beneficiava. Eu não sou um bom samaritano fazendo favores em troca de um

simples “obrigado” ou a porra de Jesus sendo seguido por santos. Eu sou tão

criminoso quanto os homens que atacaram sua irmã. Você aceitando ou não a

minha proposta, não muda absolutamente nada em minha vida ou meus

negócios. Se essa é a sua resposta, pode sair agora, antes que eu deixe

Evarkov cumprir seu desejo de arrancar cabeças.

Hesitando, Nakiel virou as costas e sumiu pela multidão. O garoto

estava cheio de ódio e indignação. Eu era bom em fazer isso, trocar uma

emoção por outra nas pessoas. Ele empurrou quem quer que estivesse em seu

caminho na direção da saída.

A mesa à minha frente foi empurrada, derrubando garrafas, copos e

estrondando por cima do som da música. Evarkov apareceu em minha frente.

— Você ia me vender como se eu fosse uma puta do caralho!


— Eu ia — confirmei, sem me alterar.

— Eu não recebo sequer um aviso antes?

— Todos nós temos obrigações, Kolokol. Se eu não te casar, em breve

você se tornará inútil. Preciso de sua força e rapidez nos ringues, sim, mas

também preciso dos seus filhos para serem treinados e lutarem ao lado dos

meus no futuro. Você vai se casar uma hora ou outra, assim como todos, e se

não pode encontrar uma noiva para si mesmo, eu farei isso.

— E você quer me dar para uma mulher quebrada?

— Tão louca quanto você. — Dei de ombros. — Na minha cabeça, fez

sentido. — Fitei Luka. — Não fez na sua?

— Total sentido, Boss.

— Você é engraçado — Evarkov rosnou, desgosto preenchendo sua

face. — Ainda bem que o mariquinhas disse não.

— Mas ele voltará e dirá sim.

— Como tem tanta certeza? — Volya perguntou.

— O olhar em seu rosto. O ódio está acima do orgulho. Ele pode se

arrepender em alguns anos, mas vai vender a irmã para nós.

— E você vai jogar uma garota que acabou de passar pelo o que ela

passou para... isso? — Volya acenou em direção a Evá.


— O que Kolokol fará com ela não é da minha conta.

Recostei-me e peguei a garrafa de vodca quando a garota do bar a

trouxe para mim, conforme pedi. Tirei a tampa e dei um longo gole. Apreciei

o líquido queimando minha garganta. Então assisti ao meu cunhado agarrar a

garçonete que já ia saindo pelos fios de cabelo e a levou para um sofá atrás de

nós, num canto mais escuro.

— Porra. Porra. Porra — murmurava, sem parar, até que a música alta

engoliu suas reclamações.

— Boss — o segurança da porta voltou, chamando-me —, tem mais

um querendo vê-lo.

Assenti, deixando a garrafa de lado.

— Mande entrar.
Ok.

O alívio que eu sentia só não era maior que a decepção. Condenei-me

por estar triste, ao mesmo tempo que consegui ficar feliz. Quando fui ao

banheiro e vi a pequena manchinha de sangue na minha calcinha, poderia ter

dado pulos de alegria, mas em seguida, a decepção veio e bateu forte.

Ainda estava muito cedo, sim, mas para quem já esteve grávida outras

três vezes, qualquer sinal negativo confrontando a vontade ensandecida de ser

mãe fazia a tristeza ser ainda maior, mesmo com a possibilidade de o bebê

não ser do meu marido.

Após sair do quarto de Dalyah e, como sempre ultimamente, não a

encontrar, corri para o de Olga. Embora eu odiasse pedir qualquer coisa a ela,

eu não tinha absorventes. Quando Viktor foi embora, tudo ficou em nossa

casa. Aquela que eu queimei e restava penas um monte de madeira preta e

cacos. Era uma piada que os absorventes estivessem lá quando eu a queimei,

pouco depois de perder meu filho, e agora que precisava deles, não estavam

aqui.
Assim como um bebê também não.

Olga era uma mulher precavida, e embora eu duvidasse que ainda

tivesse seus ciclos, ela provavelmente guardava tudo o que uma mulher

precisava em seu banheiro. Bati na porta uma, três vezes, e sem ter uma

resposta, entrei — dizendo a mim mesma que pediria desculpas e explicaria

que se tratava de uma emergência.

Fiz o meu melhor para não olhar ao redor do quarto, sentindo que

invadia mais do que sua privacidade ali, mas a foto na mesa de cabeceira me

chamou atenção. No retrato, ela tinha o braço sobre o ombro de Viktor, que

segurava uma Dalyah pequena. O sorriso enorme das duas demonstrava

alegria, enquanto Viktor não olhava para a câmera, talvez nem soubesse que a

foto estava sendo tirada. Meu marido nunca foi muito sorridente para as

câmeras, embora adorasse exibir suas várias facetas em meio a uma conversa,

e o sorriso e risadas marcassem presença nos momentos mais desnecessários

e inoportunos.

Corri até o banheiro, abrindo o armário e surpreendendo-me ao ver que

tinha mais remédios do que eu costumava ter. Soníferos, tarja preta,

calmantes, havia até mesmo um vidro de pílulas que, meses atrás, foi

noticiada na TV como proibida por causar alucinações nos pacientes.

Reconheci, pois o vidro era meu. O apertei na mão, lembrando-me da última

vez que o tinha visto.


Num momento difícil, usava para tentar ver meus filhos quando Viktor

não estava lá. Mas um dia simplesmente sumiu, e deduzi que havia sido

Roman, controlando-me, já que seu filho estava ausente, ou meus irmãos

como sempre, privando-me de tomar minhas próprias decisões com a

justificativa de que queriam o melhor para mim.

Mas estava ali, com a mesma marca de esmalte que eu havia feito. Às

vezes ficava tão dopada e confusa de outros remédios que não conseguia ler

ou raciocinar o que era cada coisa, e as cores me ajudavam a lembrar os

efeitos que cada vidrinho me causaria. Uma vontade de levar embora comigo

me bateu, mas ao perceber a possível e forte recaída, que até tremulava

minhas mãos, empurrei para o fundo do armário e bati a porta fechada.

Empurrei o cabelo para trás, respirando fundo. Joguei uma água no

rosto. Se voltasse com um, imediatamente cairia no vício de todos os outros.

Voltaria a comprar clandestinamente remédios que os médicos só davam

controladamente para pacientes impossíveis de tratar em clínicas

psiquiátricas. Onde eu já estive e era tratada daquela mesma forma. Procurei

nas gavetas, frustrando-me ao não encontrar o maldito absorvente.

Olhei uma por uma, encontrando tudo, alfinetes, linha, agulha, lenços e

até mesmo cola permanente. Estava quase voltando ao quarto, desistindo e

pedindo a Viktor ou um dos meus irmãos levassem para mim, foi quando me

abaixei para fechar a porta que vi uma caixinha bem lá no fundo, escondida
atrás das toalhas. Eu a puxei para a frente, sabendo que se não estivesse ali,

Olga realmente não tinha guardado. Abaixei a tampa da privada e me sentei,

apoiando a caixa no colo. Era uma daquelas que se fechava com cadeado,

mas não estava trancado.

Tirei a tampa e... travei.

Simplesmente parei ali, sem conseguir me mover ou falar.

Havia veneno de ratos, vidrinhos etiquetados à letra de mão com nomes

que eu nunca tinha ouvido falar, teias de aranha e formigas andando por

debaixo de tudo. Mas a primeira coisa que vi, que me fez perder o ar, eu

conhecia muito bem. Engoli em seco, perguntando-me por que a tia do meu

marido teria guardado em seu banheiro remédios e chás abortivos, venenos e

produtos altamente tóxicos.

Não quis pensar na resposta para a minha própria pergunta.

Com as mãos trêmulas, a tampei e empurrei de volta para o fundo do


armário, tentando deixar exatamente como tinha pegado.

Abri gaveta por gaveta outra vez, conferindo se não tinha deixado nada

fora do lugar antes de fazer o mesmo no armário de parede. Peguei o frasco

do remédio que me foi roubado e o coloquei de volta na frente. Saí na ponta

dos pés, como se ela fosse surgir do nada e me pegar no flagra. Como se eu

estivesse errada. Meu coração martelava o peito, chegava a doer.


Eu não queria pensar logicamente, não quando considerar as razões me

faria enlouquecer. Cheguei ao quarto que dividia com Viktor me apoiando as

paredes, minha visão turvando e uma tontura nublando meus sentidos.

Pontadas dolorosas se iniciaram na nuca, e subiram até as têmporas. A

imagem daquela caixinha e seu conteúdo ameaçavam, me fazer cometer uma

loucura.

Eu precisava sair daquela casa, tinha que encontrar Viktor e sair dali.

Eu simplesmente não podia enfrentar Olga novamente. Não agora. Não com

aquela descoberta batendo no fundo da minha mente. Não aguentaria um café

da manhã em sua companhia, sem que o impulso de ameaçá-la ou machucá-la

a me dizer se foi capaz de fazer algo tão horrível me dominasse. Chamei seu

número na discagem rápida, pronta para implorar que voltasse e me tirasse

dali.

Caixa de mensagens. Tocou, tocou e tocou e novamente caiu naquele

limbo onde ele nunca ouvia o que as pessoas deixavam lá. Liguei mais quatro

vezes, desistindo por cinco minutos antes de tentar outra vez.

Sem resposta, subi na cama, bem no meio dela e agarrei os joelhos,

apoiando o queixo numa posição protetora. Protegendo-me.

Levantei num pulo e bati a porta fechada, procurando a chave para

trancá-la, mas não encontrei. Minha respiração acelerada começava a falhar,


meu coração batia tão forte, como nunca. Corri para o canto do quarto, bem

embaixo da janela e me sentei, fechando os olhos, mas assim que tudo ficou

escuro, a imagem da caixinha me voltou à mente. Peguei o celular e liguei de

novo. Quando foi para a caixa de mensagens, senti uma lágrima escorrer pelo

o rosto. Não era de tristeza, parecia mais com a lembrança de quando ele foi

embora e me deixou.

Embora agora eu soubesse que a urgência se tratasse de salvar sua irmã,


não importava, não quando eu estava revivendo aquele horror mais uma vez.

A raiva começou a crescer, transformando-se numa fúria diferente de

tudo o que já senti. Ameaçava me fazer sair daquele quarto e quebrar tudo o

que visse pela frente sem nem ter a confirmação antes. Olga me odiava, havia

a possibilidade do que eu pensava estar certo. Ao mesmo tempo, Viktor era

seu único sobrinho, pois ela era fria demais para considerar Volya sua família

sem ser do seu sangue.

Podia me odiar tanto a ponto de tirar algo assim de Viko?

Seus filhos, seus bebês?

Seu ódio por mim justificaria uma ação tão condenável? Eu precisava
de Viktor, tinha que dizer a ele o que vi e descobri, mas ele não me atendia.

Sete ligações viraram 15, que viraram 20 e quando entrei no registro de

chamadas, vi que já tinha ligado mais de 90 vezes.


Com o coração na boca, deixei o celular de lado e encarei a porta.

Deixei aquela fúria invadir cada poro, correr por cada veia e se assentar

em meu coração. A parte louca de mim reconheceu que se Olga tivesse me

feito perder meus três bebês, eu a mataria. Eu tiraria a vida da tia do meu

marido sem pensar duas malditas vezes.

Apoiei a testa nos joelhos e esperei.

Sem olhar para o relógio, esperei que meu marido passasse pela porta.
Quando entrei menos bêbado do que gostaria em meu quarto escuro,

tateei a parede para encontrar a luz, mas não tive tempo, pois uma sombra se

moveu rapidamente em minha direção. Só tive tempo de puxar a arma da

cintura antes que me batesse e eu pudesse pressioná-la na cabeça do invasor.

— Viktor! — ela gritou, girando o interruptor por mim. Quando Maryia

iluminou o quarto, eu fitei seus olhos vermelhos e inchados, então abaixei a

pistola.

— Que porra, Maryia!

— Você está cheirando a uísque e vodca — murmurou, se

aproximando para cheirar minha camiseta — e vagabundas — rosnou.

Eu travei a arma e a joguei sobre a cômoda, onde os perfumes caros da

minha esposa estavam, e segurei seus ombros.

— Não me receba em casa desse jeito... nunca. Deus sabe que se eu

estivesse bêbado, não teria pensado duas vezes e explodiria sua cabeça.

— Talvez você devesse, ou eu deveria explodir a sua. — Ela começou

a enfiar as mãos nos meus bolsos. — Onde está seu celular, não viu que te

liguei?
— A porra da bateria acabou, eu fiquei sem telefone na metade da

reunião.

— É mentira — sussurrou. — Você me abandonou de novo, justo

quando eu preciso de você. Você some, sempre some! Eu quero o divórcio,

mudei de ideia. Você não conseguiu a porra do meu perdão, filho da puta. Eu

vou embora e levar tudo o que é meu.

Ela gritava, começando a desferir tapas em meu peito e braços. Quando

senti suas unhas deixarem uma marca ardida em meu rosto, a segurei.

— Pare quieta! — rosnei, fitando seus olhos torturados. Todo o álcool

pareceu evaporar. Eu não a via daquele jeito há muito tempo, desde o dia em

que ambos recebemos a notícia de que nosso primeiro filho foi perdido. —

Eu estou aqui agora.

— Do que adianta? Você nunca está quando importa. — Lágrimas

escorriam de seus olhos, mas ela não parecia perceber. Maryia sempre foi

sensível, embora os anos ao meu lado a tiveram tornado forte, muito forte, ela

ainda tinha toda a merda em sua cabeça.

Eu só piorava tudo. Nunca fui um homem bom.

Era o melhor nos negócios, porque sou ruim o suficiente, mas sempre

fui um péssimo marido, porque não faço ideia de como ser bom para ela.

Podia atuar, fingir ser alguém que não era, mas Maryia Sharapova nunca quis
meu fingimento, ela sempre quis minha verdade nua e crua, e eu dei. Dei até
que isso quebrou a nós dois.

Eu podia caminhar e seguir a vida quebrado, mas ela rachava a cada

passo.

— O que houve, zhena? — sussurrei, empurrando seus cabelos para

atrás da orelha. — Você estava bem quando te deixei mais cedo.

Os olhos injetados piscaram nos meus e ela me empurrou. Eu era um

fodido por querer me inclinar e beijar seus lábios molhados de lágrimas.

— Bem? Eu não estava bem. Nunca estive bem! — Ela ergueu a mão e

acertou meu rosto, gritando na minha cara. Eu deixei. Ela precisava descontar

a raiva de sabe Deus o que, e eu deixaria, como sempre. Ela me acertou de

novo.

Quando ergueu a mão para me bater uma terceira vez, eu perdi o

controle.

— Já chega.

— Foda-se! — gritou, sacudindo-se para sair do meu aperto.

Suspirei.

— Inferno, Maryia — rosnei. — Eu vou dar o que você está

procurando.
Minhas costas atingiram a parede quando ele me jogou contra ela, mas

meu gemido de protesto pela dor foi engolido logo em seguida. Eu sentia o

gosto do álcool em sua língua, enquanto tentava batalhar pela dominância do

beijo. As mãos dele percorriam meu corpo com brutalidade, tirando minha

roupa sem cuidado algum, me deixando mais irritada e molhada ao mesmo

tempo.

Minha raiva se mesclou à excitação quando me vi nua em seus braços,

sendo tocada pelos dedos ásperos ao mesmo tempo em que sua boca me

beijava com vontade. Não pensando duas vezes, forcei minhas mãos em seu

peito, o empurrando até que caiu no sofá.

Ele sorriu.

— Vai me dominar, zhena?

Eu queria o controle daquela vez, me sentia forte o bastante — e sóbria,

diferente dele — para conseguir isso. Devolvendo o favor, não fui nada

delicada ao abrir sua calça, expondo seu pau num toque ríspido, que fez com

que ele gemesse num misto de surpresa e dor, mas eu não me importava com

isso, não me importava com mais nada. Minha intenção era apenas usá-lo
para me satisfazer e era isso que eu iria fazer.

Para tirar aquela raiva do meu sistema, ainda que soubesse que ele

desfrutaria do momento junto comigo. Então eu abordaria o assunto que

estava me deixando louca.

Sentei-me em seu colo e gemi quando as mãos fortes e maltratadas

apertaram minha bunda, ao mesmo tempo tive meus seios tomados pela boca

dele, fechando meus olhos e me esfregando em Viko, sem pudor algum. O

jeito que ele me apertava e beijava iria deixar marcas, mas eu não ligava,

estava ocupada demais buscando meu próprio prazer.

Viktor puxou meus cabelos com uma de suas mãos com força o

bastante para me fazer arquear meu tronco e — ao abrir meus olhos para

encará-lo — vi quando ele usou sua outra mão para esfregar seu pau duro

pela minha boceta, forçando a glande diretamente em meu clítoris. Gemi com

a sensação, envolvida pela raiva, o pesar, o choque da minha possível e muito

provável descoberta, a vontade de jogar tudo em sua cara e fugir daquela

casa.

Eu estava tão molhada que foi fácil fazê-lo deslizar para dentro de mim,

e apenas alguns segundos para que eu me recompusesse da invasão

desleixada para começar rebolar, cravando minhas unhas nos ombros dele

quando, enfim, dei início a quicadas certeiras, deixando meus olhos nos dele,
enquanto subia e descia por seu pau.

Eu ainda sentia aquelas malditas lágrimas deslizando pelas bochechas

até meu peito, onde ele se inclinou e lambeu, fechando os olhos quando o

sabor bateu em sua língua.

— Você é doente.

— Eu sou — confirmou, estapeando meu quadril. — E você me ama.

Eu amava, Deus, como amava. E esperava que ele me amasse o

suficiente para ir embora comigo, ou, não importavam as consequências, eu

iria sozinha. Esposa da Bratva ou não, eu não ficaria debaixo do mesmo teto

que a mulher que matou meus filhos.

Minhas coxas tremiam por conta da força que eu usava em meus

movimentos, mas não me importava, eu precisava senti-lo duro e firme

dentro de mim o mais fundo que pudesse, deixando o desejo me consumir

com a sensação deliciosa de que apenas o pau dele poderia me trazer. Eu

sentia minha bunda arder com a força com que Viko apertava minha carne.

— É tão melhor. — Fechei os olhos, sussurrando quando joguei a


cabeça para trás. — Você é melhor.

Melhor que Dimitri, sem dúvidas. O homem que me fodeu, usando-me

como vingança e matou uma mulher inocente na minha frente.

Viktor puxou meu cabelo para que eu o fitasse, os olhos estreitando-se


no meu.

— Repita.

Engoli em seco, sorrindo ao perceber que aquela seria minha vingança

pessoal, já que Dimitri não teve a sua.

— Você é melhor do que meus dedos.

Ele ainda me encarou por alguns segundos, desconfiado, mas então me

soltou e recostou-se.

— Me foda, Maryia.

Ele me tirou de seu colo sem nenhum aviso e eu tentei lutar para voltar

ao que fazia, mas Viktor não deixou. Puxando novamente o meu cabelo ele

não teve cuidado algum em me jogar no chão, me obrigando ficar de joelhos

enquanto fazia meu couro cabeludo arder tamanha a força. Eu gemi pela dor,

vendo nos olhos dele que não estava preocupado sobre aquilo me machucar

ou não, ele só queria mostrar que o comando era dele e eu não tive como

desmentir o fato. Era assim que devolvíamos. Eu lhe batia, ele perdia a

paciência e me punia com sexo.

Sexo sujo e perverso.

Nunca cansávamos disso.

Ele aproximou minha cabeça de seu pau e eu me debati para me afastar,

ignorando a sede que tomou minha boca quando encarei tão de perto a glande
inchada e molhada com a minha própria lubrificação. Eu sabia o que ele
queria — e o que eu queria também —, mas eu não iria ceder tão fácil, não

com a raiva toda que ainda estava sentindo.

A ordem estava explícita nos olhos dele e eu a ignorei como pude,

fechando minha boca quando ele esfregou seu pau em meus lábios, tentando

a todo custo me desviar dele. O puxão em meus cabelos se tornou mais forte

ao mesmo tempo em que eu senti uma das pernas dele se alojar entre as

minhas e foi impossível não gemer quando o tecido áspero da calça entrou

em contato com o meu clítoris sensível, fazendo com que eu me esfregasse

ali em busca de mais contato e, graças aos gemidos que começaram a sair da

minha boca contra a minha vontade, não pude evitar que enfim ele enfiasse

seu pênis inchado.

O gemido que ele soltou me fez gemer também. Perdi o ar quando ele

começou a foder minha garganta, segurando minha cabeça no lugar para que

eu não pudesse fugir. Minha mente girava em meio à excitação e falta de ar,

não tendo trégua nem mesmo quando meu engasgo piorou graças a uma

estocada mais forte e profunda na entrada da minha garganta.

Meus olhos se encheram de lágrimas e eu o encarei, derrotada, apenas

tendo minha boca sendo usada por ele, enquanto tentava me satisfazer em sua

perna, apertando as coxas dele numa tentativa falha de tentar me livrar

daquilo.
Eu me sentia uma confusão de desejo e rancor quando ele me libertou

de seu pau, não me deixando raciocinar devidamente, antes de me trazer

novamente para seu colo e me fazer sentar com tudo em seu pau coberto pela

minha saliva. Meus punhos foram segurados com uma das mãos dele,

enquanto sua outra mão mantinha meu quadril completamente colado ao seu

e meu gemido agudo saiu quebrado quando ele começou a se mover contra

mim, usando seus pés como forma de impulso para me foder forte e sem

piedade alguma.

Minha voz havia sido danificada pelas estocadas dele, fazendo meus

gemidos seguintes saírem falhos, mesmo que meu corpo implorasse para que

eu colocasse para fora todo o desejo que estava sentindo. Minha boceta ardia

pelo prazer, sua mão me mantinha parada, apenas recebendo tudo o que ele

queria me dar.

O olhar dele era predatório, eu sentia como se ele estivesse me

comendo com os olhos e com seu pau ao mesmo tempo. Estar imobilizada

parecia contribuir para meu prazer ser potencializado, a ideia de que ele

poderia — e faria — o que quisesse comigo me incendiava de dentro para

fora.

— Por que esses olhinhos de cachorrinha abandonada, Maryia? Seu

dono está aqui, zhena. Você me bate e eu te fodo. Vai me dizer por que

estava louca, porra?


Sem aviso prévio, nos virou no sofá, soltando meus punhos de trás de

minhas costas para segurá-los acima da minha cabeça, não perdendo o ritmo

com que me fodia por nenhum segundo sequer.

— Cale a boca — resmunguei, segurando sua camisa com força.

Eu enrosquei minhas pernas em torno da cintura dele para forçá-lo mais

ainda contra mim, conseguindo enfim me mover contra seus movimentos e

rebolando com velocidade e desespero. Ele pulsava deliciosamente dentro de

mim, parecia ainda maior. O olhar dele permaneceu feroz e eu não tive outra

saída além de me render a toda aquela dominância de vez, fechando meus

olhos e gemendo a cada nova estocada.

Meu orgasmo iria explodir a qualquer segundo, meu corpo todo

anunciava que eu não duraria por muito mais tempo, sendo comida tão bem.

Ele precisou apenas levar a mão livre dele até meu pescoço e apertá-lo — me

impedindo de puxar o ar para meus pulmões — para que eu gozasse forte.

Numa luta falha para respirar e me soltar ao mesmo tempo em que perdia o

controle de meu próprio corpo, misturando o prazer e o desespero.

Meus olhos voltaram a se abrirem quando comecei a me sentir

desnorteada pela falta de ar e eu pude sentir quando — com uma última

estocada — ele gozou dentro mim, deixando um breve apertão em minha

garganta, antes de me soltar, permitindo que eu voltasse a respirar finalmente.


Meu rosto estava coberto por lágrimas, toquei suavemente minhas bochechas

quando meus punhos foram soltos sem deixar de olhar meu marido. Viktor

parecia ainda entorpecido pelo orgasmo e simplesmente se deitou sobre mim,

ainda enterrado em meu interior.

— Ya lyublyu tebya[11]. Ya chertovski lyublyu tebya[12].

— Eu também — sussurrei.

Ele se inclinou e eu fechei meus olhos aos sentir seus lábios tomarem

os meus com calma. Suas mãos passeando por meu pescoço, rosto e costas.

— Minha Maryia.

Busquei normalizar minha respiração, enquanto ele me acariciava,

acalmar meu corpo e me desligar do que havia acontecido nas últimas horas.

Então conversaríamos.

Envolvi meus braços em seu pescoço, pedindo silenciosamente que ele

não me desse mais motivos para deixá-lo. Porque eu o faria dessa vez, sem

nenhum arrependimento.
Um pouco mais calma, depois de descontar na cama a raiva, frustração

e indignação sobre a descoberta que fiz mais cedo, deixei Viktor e me enrolei

num lençol, direcionando-me ao banheiro. Tranquei a porta quando o vi

acompanhar meus movimentos, sabendo que em algum momento me

seguiria.

Lembrei-me tarde demais que estava no meio do meu período e não o

parei. Aliás, nem que quisesse poderia tê-lo parado.

Durante nossos dez anos juntos, eu podia contar nos dedos todas as

vezes que concordei em fazer sexo durante o meu período menstrual,

simplesmente não funcionava para mim. Embora ele fizesse piadas de que já

tinha visto sangue o suficiente para não se importar, aquela sempre foi uma

barreira que eu não cruzava, salvo as vezes como essa noite, quando a lógica

não governava minha cabeça e eu acabava me deixando levar. Eu precisava

de um banho quente, depois um frio e me concentraria em abordar

firmemente o assunto de que deveríamos deixar aquela casa.

Quando nos casamos, ele mandou construir uma casa do jeito que eu

quisesse, acompanhei a obra enquanto morávamos em um loft luxuoso e

pequeno. Na época, eu pensava que foi um milagre tudo ter ficado pronto em

muito menos de um ano, depois entendi melhor quem era o meu marido e as

coisas para ele funcionavam além da rapidez.


Dessa vez eu não queria uma grande casa, uma mansão planejada de

forma que eu amasse cada cômodo e tudo tivesse um pouco de mim.

Eu só queria estar longe o suficiente para não ser suspeita quando Olga

fosse encontrada morta. Eu a mataria, bastava decidir se contaria a Viktor ou

não.

Sem conseguir provar o que ela fez, ele não poderia condená-la

publicamente. A Bratva não aceitaria sua punição. As coisas teriam que ser

feitas escondido e eu era a única capaz de fazer justiça por meus bebês. Os

filhos que ela tirou de mim.

Quando tirei a toalha não vi sangue, tampouco o senti em minha

intimidade. Provavelmente era a tensão travando meu organismo por inteiro.

A água lavava meu rosto, mas eu sentia lágrimas silenciosas e até

automáticas escorrendo junto.

Eu sempre vislumbrei coisas boas para mim. Sempre torci pelo melhor

e tentei ser positiva, mas ultimamente, a vida vinha fazendo questão de

colocar minhas expectativas abaixo do chão. De onde eu tirava força para

resgatá-las era a grande pergunta.

Viktor não estava na cama quando saí do banho já seca e enrolada

novamente no lençol. O encontrei de pé em frente à janela, fumando. Seus

cabelos loiros espetados para todos os lados me tiraram um sorriso que


rapidamente escondi, era uma mistura de saudade com melancolia que me
fazia querer voltar para a cama e fingir que nada de ruim aconteceu entre nós.

Que continuávamos os mesmos jovens recém-casados pisando nas nuvens.

Que vida fodida.

Havíamos despencado do topo há muito tempo, estávamos colhendo os

retalhos e pedaços de nós no mais profundo de nossas almas.

Às vezes, eu pensava que nos mantínhamos juntos porque sem ele, eu

não podia parar em pé, incompleta e sem mim, ele não respirava, sua

minúscula parte humana se apagava por inteiro.

Eu me sentei na cadeira em frente à janela, com ele de pé ao meu lado e

olhei para cima. Ele era alto, torci meu pescoço para vê-lo.

— Você nunca ligou para cumprir promessas ou manter acordos.

Sempre gostou de guerras, de caos. Mas sempre que deu sua palavra, a

honrou. — Ele olhou para baixo, em meus olhos. O cigarro pendurado no

canto da boca soltando uma fumaça levemente amontoada.

— É o meu charme — murmurou, seu humor ácido fazendo-se

presente.

— É — concordei. — Por isso, não vou te pedir para me prometer

nada, ou jurar e nem fazer um acordo para oferecer algo, pois sei que não

cumprirá. Vou pedir sua palavra como mais um passo para o meu perdão.
Ele franziu o cenho, pegando o cigarro com a ponta dos dedos e

segurando meu queixo, mantendo nossos olhos grudados.

— O que há de errado?

Encolhi os ombros.

— Quero minha própria casa. Isso aqui... este lugar... eu não estou bem

aqui.

Ele me estudou por um momento.

— Não. — Acariciou minha bochecha e se preparou para entrar no

banheiro, eu o puxei de volta.

— Eu quero me mudar. Não posso continuar vivendo nesta casa.

— Você colocou fogo em nossa última casa, Maryia. Eu não confio em

deixá-la sozinha outra vez.

Engoli em seco, segurando-me para não levantar a voz. Havia coisas

que eu conseguia com Viktor no grito, mas outras precisavam ser

conquistadas por outro caminho. Diálogo, calma, paciência. Ainda que eu

fervesse por dentro.

— Isso não vai acontecer novamente.

— Quem me garante?

— Eu. Eu garanto.
— Nós estamos bem aqui. Protegidos. Você nunca está sozinha e vive

perto de sua família. Se o quarto não te agrada, podemos pegar o quarto andar

inteiro para nós.

— Não é sobre o quarto. Isso é diferente. Eu havia acabado de

descobrir coisas que fariam qualquer mulher descer do salto.

— Você não desceu do salto, zhena, perdeu completamente a sanidade.

Colocou fogo nas cortinas e se deitou para queimar junto delas... — Ele fez

uma pausa, fechando os olhos. — Você sabe o que fez. Se meu Vory não

tivesse aparecido, você estaria morta. — Ele apertou meu queixo, abaixando

o rosto para perto do meu. — Como eu teria ficado se seu plano desse certo?

— Você estava ocupado e teria tido consolo de sobra — falei, sem

pensar, mas era a verdade.

— É isso o que pensa? Que eu estaria ocupado demais para não me

importar se minha mulher, aquela com quem passei os últimos dez anos dessa

porra de vida se matasse?

— Eu sinto muito — murmurei. — Me arrependi no momento que

Sergei me tirou da casa e a vi pegando fogo. Juro que me arrependi, sei que

não faria algo assim novamente. Quis voltar atrás, mas não tinha como. O

fogo se espalhou muito rápido e...

— Já chega — disse ele, suspirando. — O passado está no passado e


não posso mudar isso. Eu errei e, por consequência, quase perdi você para
sempre. Não vou errar de novo. Mas também não posso te dar a chance de

sair do controle e repetir suas ações.

Levantei-me, mesmo que não chegasse perto de sua altura quis me

sentir mais alta para discutir e debater.

— O que isso quer dizer? Que ficaremos aqui para sempre? —

Levantei a voz, não de propósito, mas o simples pensamento fazia meu

sangue borbulhar.

— Não. Vamos para outro lugar, se é o que quer. Se é um passo para o

seu perdão. — Ele segurou meu pescoço, levando-me mais perto de seu

corpo. — Você quer privacidade e sua própria casa, te darei isso. Mas como

eu disse... não posso te deixar sozinha. Dalyah vem conosco.

— Não! Eu não quero sua tia lá!

— Eu não falei sobre Olga. Deus sabe que minha paciência para seus

chiliques é rasa demais, eu a enviaria de volta na primeira noite. E Dalyah...

eu sei que você percebeu a ausência dela por aqui, o que inclusive deveria ter

me dito.

— Eu não notei — menti.

Ele inclinou a cabeça, passando o polegar pelo meu lábio inferior.

— Não minta para um mentiroso, Maryia. Você sabe que isso nunca
deu certo para nós. Minha prima está passando por uma idade complicada, é
um caminho difícil a seguir. Onde eu estava, vi meninas como ela, se

rebelando contra a família e nessa fase de revolta. Sei como tratá-las.

— Ela só quer um pouco de liberdade enquanto pode.

— Ela não pode — me interrompeu. — Nunca pôde. Mas vou deixá-la

pensar que tem direito a isso, a uma vida fora da Bratva. Ela não quer

continuar vivendo aqui, onde negócios acontecem o tempo todo e sua mãe

não a deixa respirar sem conferir seu pulso.

— Ou seja... vai dar o doce e tirar depois.

— A vida fora da Irmandade para uma filha da máfia é um parquinho

cheio de brinquedos quebrados. Sem o status, a facilidade que seu sobrenome

traz, a proteção que damos a ela apenas por saberem quem é. Quando ela se

der conta de que não pode viver sem tudo isso, retornará ao seu juízo.

Enquanto isso, podemos lhe dar um quarto numa ala separada, teríamos nossa

privacidade e ao mesmo tempo tenho alguém para manter um olho em você.

— Eu não preciso de uma babá.

— Não, eu concordo. Só precisa de alguém para lembrá-la tudo o que

tem, caso caia na tentação de fazer alguma besteira como aquela novamente.

Dalyah não será sua babá. Será uma companhia.

— Você tenta fazer as coisas do seu jeito parecerem bonitas e poéticas


na teoria, mas na prática é só uma maneira de controlar a mim e a ela ao
mesmo tempo. Se alguém vai viver em nossa casa, é com o único intuito de

me vigiar e reportar a você cada passo que eu der.

Ele me puxou, beijando meus lábios.

— Exatamente. Você me conhece melhor do que qualquer um neste

mundo, zhena.

Segurei sua mão, dando um beijo nas costas antes de soltá-lo. Ficando

na ponta dos pés, segurei seu rosto e o puxei para baixo, selando nossos

lábios.

— Não importa se você vai colocar Dalyah, Maksim ou Sergei para

morar conosco. Eu só preciso estar fora daqui.

— E você irá.

— Dê-me sua palavra.

Seus olhos estreitaram levemente e ele arrastou as mãos do meu quadril

pelas costas e segurou firme minha nuca, pressionando os dedos em minha

pele.

— Te dou minha palavra suja criminosa e condenada. — Sugou meu

lábio inferior em sua boca, soprando sua respiração em meu rosto.

— Você pode ser um mentiroso, mas eu também te enganei bem. —

Dei risada, arregalando os olhos e tapando a boca.


Minhas palavras atrevidas agora tinham mais verdade do que nunca.

Dimitri, Olga, a esperança de uma gravidez — mesmo sem ter certeza sobre a

paternidade. Eu nunca consegui mentir para ele, mas dessa vez, iniciei uma

teia que rapidamente se tornou uma rede de mentiras. Se eu quisesse algum

dia revelar a verdade, não saberia nem mesmo por onde começar.

Minha estratégia para perdoá-lo, devolver na mesma moeda e dormir

com outra pessoa assim como ele fez, não faria sentido na cabeça de

ninguém, eu tinha certeza de que se dissesse em voz alta, em frente ao

espelho, não faria sentido para mim também, mas em minha mente, era tudo

o que eu entendia.

— Que porra isso quer dizer?

Eu o soltei e me afastei.

— Eu não sei, Boss. — O fitei por cima dos ombros ao deixar cair o

lençol. — Por que não tenta vir descobrir?

Ele ergueu o queixo, pegando uma garrafa de água em nosso mini

frigobar e a bebendo inteira, amassou a garrafa e jogou no chão, então

arrancou a camisa e começou a caminhar predatoriamente em minha direção.

— Isso é o que eu recebo pela casa nova? — Balançou a cabeça. —

Preciso te dar minha palavra mais vezes.


“Usando meus anéis de ouro e diamante

Todas essas coisas não significam nada

Acompanhantes e limousines

Comprando coisas caras

Estou nas telas de cinema

Nas revistas e na alta sociedade

Não sou inocente, não sou santa

Ah, o glamour...”

FERGIE, GLAMOROUS
Quando eu entrei no maior salão disponível de Moscou de braços dados

com Viktor, imediatamente precisei assumir minha postura de sua esposa.

Sorrindo, comecei a acenar para as pessoas que pararam o que estavam

fazendo para nos ver chegar. Todos os olhos estavam em meu vestido, meu

cabelo, meu sapato. Eu cumprimentei aqueles que falaram conosco e os que

não falaram também. Embora conhecesse todos os convidados, havia os de

dentro da Bratva, com quem eu convivia e aqueles de fora, que fui

apresentada em algum momento em eventos ou festas e não conhecia

profundamente. Ainda assim, minha cortesia foi igual para todos.

Viktor não fazia tanta questão. Assim que pisou no salão, Sergei estava

ao seu lado, falando baixo em seu ouvido, enquanto caminhávamos

lentamente. Ocasionalmente ele acenava para algumas pessoas, mas toda a

simpatia recaía para minha obrigação. Eu não me importava.

Parte do encanto daquela vida era o quão amada e aclamada as

mulheres podiam ser. Uma das coisas que eu aprendi a aproveitar no status de

esposa do Boss de Moscou.

O aniversário de Roman para a Bratva, assim como os de todos os

Pakhan aposentados eram grandes eventos do ano. Para a celebração de meu

sogro em especial, havia três vezes o tamanho da festa. Pessoas de fora, a


polícia local que estava no bolso da Irmandade, empresários de televisão e

guerreiros de rua sem muita importância estavam presentes.

Era a forma de Roman mostrar para todos que acima dos crimes e toda

a violência, preservávamos um espírito de família, ainda que fosse a família

mais disfuncional e brutal do mundo. Todos sabiam que ele era temido e

respeitado, mas meu sogro apreciava reforçar isso. Sua festa luxuosa tocando

rap e música clássica alternadamente provava isso. A Bratva o amava porque


amava, não porque eram obrigados.

Pakhan e Boss eram eleitos na hierarquia por merecimento, por isso, se

as pessoas não gostassem do líder, ele nem sequer permaneceria no poder. Se

ele não pudesse convencer um número de pessoas de que era capaz do

serviço, podia dar adeus ao cargo de comando.

Lutar, matar, tudo isso era importante, mas todos podiam lutar e matar.

Motins já aconteceram antes e podiam acontecer novamente. Roman

preservava seu poder no respeito, medo e simpatia. Não apenas violência.

Era o que Viktor fazia em seu próprio cargo também. Por isso,

conforme caminhávamos entre o mar de pessoas, eu reconhecia a admiração


das mulheres, o que me forcei a fingir não ver nos olhos de cada uma, e o

temor nos olhos dos homens.

Meu marido seria Pakhan um dia. Com seu pai morto ou não. Viktor já
estava pronto e era apenas uma questão de tempo.

À nossa frente, Roman caminhava com Dalyah e Olga, cada uma em

um braço.

Enquanto eu me arrumava mais cedo, ela ousou entrar no quarto e me

comunicar que marcou um horário para nós três num salão, onde faríamos

unhas, maquiagem e cabelo. Eu não acreditei naquela vagabunda. Antes, eu

teria aceitado e a seguiria até o salão, onde a ouviria por horas em seus

intermináveis devaneios. Até os funcionários se segurariam para não revirar

os olhos.

Mas me vi apenas caminhando em direção à porta em passos pesados e

batendo-a em sua cara com toda a força em meu braço. Eu tinha nojo de seu

rosto estúpido e seu botox exagerado. Não dei a mínima para o que faria

depois. Estranhei o fato de não ter revidado minha afronta, afinal, ela nunca

deixou nada do que fiz e lhe desagradava passar batido. Fiquei irritada por

não ter me confrontado, eu adoraria enfeitar seu rosto com minhas unhas

afiadas, mas ela deixou para lá.

Depois, Viktor chegou vestido à perfeição e me levou para o carro.

Decidi afastar meu ódio por apenas aquela noite, para que não me

envergonhasse na frente de todos ou estragasse a festa do meu sogro. Seria

difícil, mas no salão tinham pessoas o suficiente para que eu me distraísse e


esquecesse sua presença suja.

A empresa contratada para organizar a festa tinha sido bem orientada,

fazendo um show de brilhos pelo chão, paredes e teto. Músicas variadas e

comida para todos os gostos. Mesas para que os convidados se servissem de

petiscos, doces ou salgados. O bar à esquerda estava cheio, com garçons

saindo em todas as direções providos de bandejas cheias. Eu sentia o cheiro

de vodca no ar.

O traje era de gala, o que eu achei divertido. Roman tinha uma fixação

por filmes antigos e não renunciava a isso, mesmo sabendo que seus homens

preferiam jeans e boné. Cada elemento fazia com que parecêssemos pessoas

civilizadas. Monstrinhos escondidos em roupas assinadas.

Bonito de ver.

Perigoso de tirar as camadas.

Éramos um show de horror atrás das cortinas douradas.

Eu amava aquela vida.

Meu vestido Carolina Herrera chegava a um palmo acima do joelho,

com um tule cheio de pedras caindo por cima. Todo preto. O colo tinha um

decote aberto, exibindo uma das joias mais caras que Viktor já tinha me dado.

A sandália Dior era prateada e se enrolava num fio de cristal até minha

panturrilha.
Quando Viktor me presenteou com ela, mais cedo, fazendo questão de

ajoelhar em minha frente e colocá-la em meus pés, disse que eu estava

pisando em centenas de dólares muito bem gastos, que estava linda.

— Uma pequena joia de Paris para a minha joia russa — sussurrou,

antes de me beijar.

Meu marido adorava me exibir, era uma de suas formas de me

compensar por tudo o que aguentava ao seu lado diariamente. Fora os nossos

problemas, mas nossa parceria.

Fomos direto para a nossa mesa, onde meu avô, Maksim e Viktorya

estavam. Cumprimentei cada um deles, enquanto Viktor acenou. Quando me

sentei ao lado da minha melhor amiga e futura cunhada, ele se inclinou na

altura do meu ouvido.

— Fique por aqui, eu já volto.

— Aonde você vai?

— Falar com algumas pessoas.

— Eu irei junto. — Fiz menção de me levantar, mas ele tocou meu

ombro, mantendo-me sentada e deu um beijo lá.

— Maryia, faça companhia para a sua futura cunhada. Com o

casamento chegando, tenho certeza de que vocês têm coisas a discutir.

Eu me virei antes que ele saísse e segurei sua gravata. Acariciei sua
bochecha, mas meus dentes cerrados eram sinal suficiente para que
entendesse meu recado.

— Olhe duas vezes para qualquer uma dessas mulheres te despindo

mentalmente e eu vou armar o barraco do ano. Me ouviu bem?

Ele sorriu, segurando minha cabeça e batendo a boca na minha, num

beijo de faltar o ar. Vagamente ouvi um resmungo de vovô, reclamando sobre

a demonstração pública de afeto, mas ninguém ligava. Ele só não queria me

ver daquele jeito com Viktor. Quando se afastou, Viko me olhou nos olhos.

— A mulher mais gostosa da noite tem a minha aliança no dedo, zhena.

Eu sou seu. — Ele se endireitou e ergueu o queixo para meu irmão. —

Maksim, vamos.

Maksa balançou a cabeça com desgosto antes de jogar seu guardanapo

— que provavelmente Viktorya o tinha obrigado a colocar no colo — e

levantar.

— Não faça essa merda na minha frente, filho da puta.

— Maksim — vovô chamou sua atenção, provavelmente temendo que

meu irmão começasse uma briga, o que não era impossível.

— Está tudo bem, Nikolai. — Viktor enfiou as mãos nos bolsos. —

Maksim anda sensível ultimamente. Mas eu sugiro que recupere suas bolas

da bolsa da sua noiva e preste atenção nos negócios que temos a tratar esta
noite.

Os dois saíram lado a lado, deixando-nos na mesa.

Eu sorri para vovô.

— Como o senhor está? Eu ia ligar, mas fiquei tão cheia de coisas para

fazer, que decidi passar em casa depois.

— Não se preocupe, devushka. Você está linda esta noite, Maryia.

Ambas estão. O Clã Sharapova agora tem as mais belas russas da Irmandade.

Dei-lhe um sorriso genuíno, inclinando-me para segurar sua mão.

— Sinto saudade, vovô.

Viktorya estava mais corada, com uma expressão simpática e paciente

no rosto. Podia ter melhorado, sim, mas eu apostava mais na ideia de que

estávamos em público e todas tínhamos certo papel a cumprir. Principalmente

ela. Ninguém nunca viu Viktorya além da perfeição. Não seria diferente

agora.

— Em breve, a casa estará menos vazia — disse vovô. — Você deveria

falar com o seu marido para se mudarem, conseguir uma casa mais perto.

Viktorya precisará de ajuda no início do casamento, o ajuste para a vida nova

é difícil.

Os ombros dela tensionaram e se vovô percebeu, não disse nada.


— Viktor e eu vamos nos mudar, vovô, mas não acho que ele vai

querer ir para perto.

— Sim, sim, veremos isso. — Ele estreitou os olhos além de nós,

levantando-se. — Se me dão licença, agora que Viktorya tem companhia, eu

preciso falar com um velho amigo.

— Não coma muitos doces, Nikolai Sharapova — brinquei, mas falava

sério.

— Claro que não, devushka — disse ele, mas quando um garçom

passou ao seu lado, ele pegou um copo de uísque da bandeja e acenou em

minha direção. — Eu estou tentando cuidar da minha saúde.

Dei risada, balançando a cabeça enquanto se misturava com os outros

convidados. As pessoas o paravam, querendo iniciar conversas ou apenas

cumprimentá-lo e ele só tinha sorrisos a oferecer.

Fitei Viktorya.

— Finalmente a sós.

— Finalmente? Faz apenas alguns dias que conversamos sozinhas.

— É, mas no clube você tinha para onde correr.

Ela suspirou.

— O que quer que eu diga, Maryia? Não estou dando pulos de


felicidade e todos sabem disso, mas o que você quer de mim?

— Quero que fale comigo! Não somos melhores amigas à toa. Já disse

que não vou me meter em seu casamento como pediu, ainda que eu não goste

disso, mas não vou aceitar seu silêncio. Não sou uma estranha.

Ela me encarou. Duas mechas loiras soltas de seu rabo-de-cavalo alto

balançaram em frente ao rosto com o movimento.

— Eu falo com você, só não tenho o que dizer agora. Honestamente

estou me acostumando à ideia de que vou me casar em breve. Serei uma

esposa. A porra de uma esposa chata e tediosa.

— Ei — bati levemente em seu ombro —, existem exceções. —

Apontei para mim mesma e ela sorriu um sorriso muito pequeno, triste, mas

verdadeiro.

— Você sempre é exceção, Maryia. Embora eu não fale muito e

prometo que vou falar mais, você tem facilitado esse processo para mim.

Você é minha irmã. Se eu tivesse escolhido Yanka como melhor amiga, seria

insuportável.

Bufei.

— Pelo amor de Deus, eu não deixaria meu irmão se casar com você.

— Ela é um castigo — Viky olhou ao redor. — Onde ela está?

— Tentando foder alguém de posição alta, talvez? — Tomei um gole


da água na mesa, balançando as sobrancelhas.

Viktorya riu.

— Eu gostaria que Luka a entregasse em casamento para alguém nos

Estados Unidos.

— Não em outra cidade? — perguntei, rindo.

— Não.

— Tem razão. Quanto mais longe de Viktor, melhor. Ainda que ele não

dê uma foda para ela.

— Você pode culpá-la, Maryia? Roubou o noivo da menina e se casou

com ele.

— Ah, cale a boca. Eles eram noivos apenas em sua imaginação e ela

escolheu infernizar minha vida por puro capricho. Ele nunca se comprometeu

com ela.

— Eles dormiam juntos desde que eram mamãe e papai patos na escola.

— Não me lembre disso — rosnei. — Ela precisa se conformar. A sua

sorte é que Maksim nunca deu esperanças a ninguém fora você.

Ela piscou, olhando para a pista de dança.

— Eu estou considerando deixar que ele tenha uma amante — falou, de

repente.
— O que?! Viktorya!

— Seu irmão deve ter um apetite sexual de outro mundo. Ele vai me

causar uma hemorragia em nossa primeira vez — falava sério, sua expressão

séria e vaga. — Ele vai destruir minha boceta diariamente.

Tapei sua boca, meus olhos estavam arregalados.

— Viktorya! Por Jesus Cristo!

Ela empurrou minha mão, segurando-a no colo.

— Ele tem um pau enorme, você sabe.

— Não — respondi, indignada. — Eu obviamente não sei.

— Ele me convenceu a pegar uma vez. Meu primo e meu irmão não

estavam, ele entrou quando eu estava sozinha, tirou a roupa e me mostrou o

pênis.

— Merda, eu não quero ouvir sobre isso!

— Mas vai — franziu o cenho —, você queria que eu falasse, isso é o

que tenho a dizer.

— Não isso. Quero que fale o que está sentindo, suas expectativas e

decepções.

— Estou sentindo medo pela minha linda bocetinha. — O canto dos

lábios dela contraíram, denunciando o quanto se divertia à minha custa. —


Tão apertada e delicada. Seu irmão vai destroçá-la.

— Ah, meu Deus. Que horror. — Empurrei a cadeira, levantando-me.

— Preciso urgentemente ir ao banheiro. Vou vomitar.

Rindo, Viktorya me seguiu.

— Eu te acompanho.

Nós caminhamos pelo salão sem pressa, parando para falar brevemente

com alguns convidados. Após os grandes eventos, sempre se seguiam duas ou

três semanas de fofocas e para que pudéssemos testemunhar algo, caso fosse

preciso, ficávamos atentas, eu, por ser esposa de Viktor, principalmente.

— Olha só ela ali — Viktorya fez uma parada abrupta, acenando

discretamente para a direita.

Seguindo seu olhar, vi uma roda onde estavam Viktor, Robert, Aryshia

e mais três homens desconhecidos.

— Quem são? — perguntei, estreitando os olhos para ver melhor.

— Juízes e um delegado que a Irmandade está tentando comprar. Vi

fotos deles no escritório de meu pai. Foram convidados porque Viktor

conseguiu material suficiente para chantagem. Os três vão sair desta festa

devendo à Bratva a reputação e a carreira, três cachorrinhos da Irmandade.

— Eu não sabia disso.


— Você precisa voltar a falar de negócios com o seu marido, Maryia.

— Às vezes, eu prefiro não saber.

— Mas deveria, pois ficamos desprotegidas quando não sabemos o que

está acontecendo ao nosso redor. Se não fosse para sabermos, eles não nos

dariam armas e falariam sobre negócios na nossa frente. Mas não é deles que

estou falando. Olhe atrás, onde Evarkov está com Yanka.

— Não brinca comigo — desacreditei, mas ao mudar o ângulo, pude

ver direitinho. Yanka estava encostada em um pilar, com Evarkov à sua

frente. Os dois próximos demais para uma simples conversa social. Ela sorria

e enrolava uma mecha do cabelo, fitando meu irmão como se ele fosse um

prêmio. — Ela vai tentar um homem por evento, até que consiga se casar?

— Provavelmente. Acha que Evarkov cai na conversa?

Bufei uma risada.

— Não. Evá não se casará nem que lhe ofereçam cem cabeças para

arrancar.

— Se oferecessem um sítio disponível para plantar erva, ele se casaria

— Viktorya zombou.

— Não — dei risada —, ele já tem isso.

— Falando em cabeças, ele realmente já arrancou alguma?


Dei-lhe um olhar cético.

— Você conhece meu irmão, Viktorya. O que acha?

— Eu preferiria pensar que não, já que vou morar debaixo do mesmo

teto que ele, mas vou fingir que ele é um pouco normal.

— Eu admiro o meu irmão — falei, quando voltamos a caminhar em

direção às escadas duplas. — O jeito que ele não se importa com nada e

como um simples baseado resolve todos os seus problemas.

— Que problemas você tem, Maryia? Isso ainda é sobre Viktor e as

traições?

— Não, não mais. Eu superei isso. Uma parte de mim sempre vai odiá-

lo por ter feito o que fez, mas segui em frente. — Engoli em seco. — Eu o

amo demais para deixar-me travada nisso.

Engoli em seco, fingindo que não vi o olhar de soslaio que me lançou.

Viktorya conhecia tudo de mim a ponto de eu não precisar falar para que

soubesse quando algo estava errado.

— Então, o que é?

Eu pensei sobre como responder aquilo, enquanto subimos o primeiro

lance de escadas e caminhávamos para o próximo. Quando chegamos ao topo

do terceiro andar, a puxei para um canto afastado.

— Eu acho que fiz uma descoberta. A música, o brilho, as pessoas e


tudo isso estava me distraindo do choque do que vi, mas sei que quando
voltar para a casa de Roman, a informação não vai me deixar dormir. —

Puxei uma longa respiração. — Eu preciso dizer a alguém. A você. É a

pessoa em quem mais confio na vida.

Viky olhou ao redor, garantindo que estávamos sozinhas.

— Isso parece sério. — Franziu o cenho. — Me conte o que está

errado. Você não está chorando, nem surtando, está só... indiferente. Isso me

preocupa.

— Por quê?

— Porque você é extrema, Maryia. Sempre muito para cima ou muito

para baixo, quando fica no meio é de se estranhar.

— Eu acho que Olga provocou meus abortos.

Alguns segundos passaram, enquanto nos encarávamos, sem piscar.

Ela, atordoada com o que eu acabara de dizer e eu, esperando que me

dissesse que eu estava enganada. Que me garantisse que tal horror era

impossível, mas Viktorya estava sem palavras. Balançou a cabeça e fechou os

olhos, antes de me encarar novamente.

— O que quer dizer com... com Olga provocou os abortos?

Dei de ombros, sem saber se o tom agudo em sua voz era de medo

igual a mim ou indignação por eu cogitar tal coisa.


— Eu encontrei uma caixa cheia de coisas em seu banheiro. Venenos,

produtos tóxicos, pílulas e um remédio específico para abortos. Quer dizer...

não é estranho que a minha primeira gravidez estava indo bem até ela sair da

cidade e, depois, eu passei a perder todos os bebês, convivendo com ela?

— Quando os abortos aconteceram?

— Eu não quero pensar nisso, Viky. Você sabe o que isso faz comigo.

Ela esfregou meus braços, seus olhos simpáticos começaram a arder

com uma emoção diferente. Ela acreditava nisso, acreditava que era uma

possibilidade.

— Eu sei, eu sei. Não pense nisso. Eu me lembro de todos eles, só

preciso confirmar as datas. Farei isso. Só preciso que você me diga onde

estava quando sentia que algo estava errado com os bebês.

— E se for isso? — sussurrei. — E se... não é possível, ela é a tia do

meu marido. Ainda que não me aprovasse cem por cento, eu não posso

acreditar que faria algo assim com Viktor.

— Mulheres como Olga, como minha mãe... — ela suspirou —... como

eu... nós não vemos limites. Fazemos o que for preciso para alcançar nossos

objetivos.

— Que objetivo doente ela poderia alcançar matando os meus

bebezinhos?
— O marido dela está morto, ela nunca teve um filho homem para lutar

pelo poder da Bratva. Quando Yuri morreu, ela perdeu sua relevância e se

tornou apenas uma viúva abandonada, vivendo de favor na casa de Roman.

Não te deixar ter os seus filhos, lhe daria tempo para casar Dalyah e ter um

neto. Assim sua filha se tornaria a mulher mais importante da Irmandade.

— Ser a criança mais próxima em parentesco com Roman não

garantiria que ele fosse se tornar Boss.

— Não — Viktorya concordou. — E graças a Deus por nossa

hierarquia funcionar assim, mas... ele seria prioridade sempre. O mais

importante, o sangue mais puro. Ainda que sangue não seja a coisa mais

importante para nós, as pessoas ligam para isso. Veja Viktor. As pessoas

enchem a boca para falar dele, mas quando falam de Volya, algumas vezes há

certo desprezo, porque ele não é daqui. Ele se mostrou merecedor e capaz e a

Bratva o acolheu, mas ele não tem o sangue puro de um Pakhan ou um Boss.

— Eu esperava que você me dissesse o contrário, Viky. Que eu estou

ficando louca de vez, não que me desse ainda mais razões para acreditar

nisso.

Ela apertou minhas mãos.

— Você é jovem demais para já ter perdido três filhos sem nenhuma

explicação. Se encontrou essas coisas no banheiro de Olga, eu não penso nem


por um segundo que está louca.

— Ok — sussurrei. — E o que é que eu faço agora? — Meus lábios

tremularam. — Porque eu quero matá-la. — Minha risada saiu trêmula, junto

a um soluço seco. — Quero descer, encontrá-la e esfaquear aquela vadia!

— Acalme-se. — Seus olhos escureceram, as narinas inflaram e ela me

puxou para si, abraçando-me. — Não posso imaginar alguém fazendo isso

com bebês inocentes. Crianças que ainda nem conhecem a podridão desse

mundo. — Quando se afastou tinha lágrimas nos olhos, mas olhou para

longe, evitando que caíssem. — Você não fará nada.

— Mas eu...

— Maryia — me interrompeu. — Não precisamos de mais esse

pesadelo em sua cabeça. Vingança é algo duro e cru, independente das razões

serem justas e merecidas. É um peso que não vai embora.

— Eu sinto tanto ódio e sei que a única forma de me livrar disso seria a

felicidade de vê-la destruída.

— Você não é o tipo de pessoa que se vinga, Maryia. Não está em

você. As pessoas nesse mundo, no nosso mundo estão corrompidas. Todos

nós fomos tocados pela escuridão, mas enquanto você foi só tocada, pessoas

como eu e Viktor mergulhamos fundo. Isso não nos afeta como afetaria você,

então... não faça nada.


— Você não pode cuidar disso para mim, Viky.

Balançando a cabeça, Viktorya tocou o próprio pescoço e limpou a

garganta.

— Nós vamos ao banheiro, ajeitaremos nossa maquiagem e depois

voltaremos para a festa. O que acontecer amanhã, na próxima semana ou no

próximo mês, serão apenas golpes do destino. Ele chega para todos.

— O destino é confiável. Não posso deixar a justiça dos meus filhos ao

acaso.

— Destinos decididos pela Bratva são confiáveis. Nós o fazemos. Ok?

— Ok — sussurrei em seu ouvido, quando me abraçou mais uma vez.

Nós nos afastamos quando a porta do banheiro se abriu.

— Vamos — disse ela, e abriu sua bolsinha de maquiagem.

— Ah, droga. Esqueci minha bolsa lá embaixo.

— Use o meu batom, devo ter essa cor por aqui.

— Estou naqueles dias, preciso da minha. Vá indo, eu te encontro em

dois minutos.

— Você só não esquece a cabeça porque Evarkov ainda não a arrancou.

— Ela riu, deixando-me quando entrou. A única coisa boa daquela conversa

toda foi vê-la sorrir, mesmo não estando bem. Ela se esforçava por mim.
Desci até o segundo andar e virei o corredor para descer o próximo,

mas fui parada no meio do caminho quando vi uma sombra entrando na

direção contrária. Eu conhecia aquele cabelo e o terno roxo listrado. Maksim

o havia usado apenas para irritar, deixando claro que odiava as roupas

formais. Viktorya me esperava, mas meu irmão era instável demais para ser

deixado solto numa festa daquelas.

— Droga Maksim — murmurei e corri na mesma direção que ele. Eu

só precisava levá-lo para baixo e impedir que fizesse alguma besteira. Virei

no mesmo corredor que ele, mas ao vê-lo, parei.

O corredor cheio de adornos dourados que se assemelhavam a ouro —

ou poderiam ser — tinha três portas de distância uma da outra de cada lado, e

na terceira e última do lado direito, encontrei meu irmão. Mas o que vi estava

longe de ser o que esperava.

Por Deus.

Nem em mil pesadelos eu imaginaria aquilo.

A música alta ecoava lá em cima, portanto, não podia ouvir o que meu

irmão dizia quando se aproximou de braços abertos das duas mulheres, mas o

que vi a seguir me fez voltar os passos atrás e me esconder, fitando com

apenas um olho aquela cena, como se visse algo proibido.

Algo extremamente proibido.


Meu coração bateu forte e desejei que fosse uma alucinação.

Fechei os olhos brevemente e os abri, mas meu desejo de estar no meio

de um surto vendo coisas que não existiam foi para os ares quando tudo

piorou. Encostada no batente da porta aberta estava Alessandra, e com as

mãos em sua cintura, Veronika a segurava, enquanto distribuía beijos em seu

pescoço e subia para os lábios. As duas se beijaram com os braços do meu

irmão as rodeando. O corpo de Maksim pressionado no corpo de Veronika e

seu rosto enfiado no pescoço.

Quando as duas se afastaram, Veronika desceu as mãos até o quadril de

Alessandra e a puxou ainda mais para perto, virou o rosto deixando que meu

irmão a beijasse e quando se afastou, Maksim se inclinou para beijar

Alessandra.

Eu me recostei onde não podiam me ver, deixando a cabeça cair com

um baque na parede. Tapei meus olhos. Olhei novamente.

Não imaginei, eles ainda estavam lá, mas dessa vez Maksim as

empurrava para dentro enquanto os três riam. Se aquilo era um quarto, uma

despensa, um banheiro eu não sabia, mas suas intenções estavam claras e

pelos toques íntimos, com certeza não era a primeira vez que faziam algo

assim. Meu irmão fez sinal de silêncio com o indicador nos lábios, fechando

a porta com um tapa na bunda de Alessandra.


Ele passou a mão pelo cabelo, ajeitou o terno e começou a caminhar na

direção que eu estava. Ele não me via porque olhava para baixo, encarando

seus passos, mas quando cruzou o corredor e me viu ali de pé, imaginei que

meu rosto mostrava todo o meu choque.

Eu esperava que ele ficasse pálido, que imediatamente pedisse

desculpas, se dissesse arrependido ou até mesmo usasse a ridícula e clichê

frase “não é nada do que está pensando”.

Só que era Maksim e ele não disse nada. Ele apenas me encarou como

se eu fosse uma abelha irritante inesperada, um incômodo que ele não

precisava em seu caminho.

— Maryia — enfiando as mãos nos bolsos, inclinou a cabeça e me

estudou —, eu pensei que este tipo de evento servia para ficar grudada em

seu marido.

— Não seja um idiota, não agora e depois de eu ver o que vi!

— E o que você viu? — Ergueu as sobrancelhas.

— Maksim — sussurrei, exasperada. — Negue isso. Negue agora! Dê

uma explicação furada, qualquer coisa é melhor do que o silêncio que está

fazendo essa cena virar uma realidade na minha cabeça.

Ele suspirou.

— Nós nunca mentimos um para o outro, sestra. Por que começaríamos


agora?

— Não. — Minhas pernas trêmulas ameaçavam me derrubar ali

mesmo, e eu queria escorregar até o chão e me encolher, esperando que

aquele pesadelo acabasse logo. — Meu Deus! O que você está fazendo? —

Apontei em direção à porta onde as duas entraram. — Elas são minhas

melhores amigas!

— Somos todos adultos, Maryia. Sabemos de nossas ações.

— O que você fez com elas? Elas não são suas putas, Maksa! Você não

pode pegar duas mulheres como elas, honradas e com vidas planejadas, e

transformá-las em um brinquedinho!

Ele avançou em minha direção como avançava em homens que estava

prestes a agredir, mas não levantou a mão, apenas me acuou na parede. Seus

olhos irritados estreitaram-se nos meus.

— Que porra você sabe?

— Eu não sei de nada, aparentemente, mas estou aqui perguntando e

você não diz nada. Me deixa pensando besteiras que eu não preciso no

momento. — Eu o empurrei com as duas mãos. — E não me acue desse jeito!

— Empurrei novamente, meus tapas fortes o fazendo dar dois passos atrás.

— Eu não sou um rato que você pega na rua para levar ao ringue, sou sua

irmã, a melhor amiga daquelas duas mulheres!


— Aquelas duas mulheres — repetiu —, gostam de fazer o que fazem.

Então, por que não cuidamos todos de nossas próprias vidas, Maryia?

— Sabe o que é engraçado? — Bufei. — Vocês todos se intrometem na

minha vida o tempo todo, mas quando sou eu, vocês me mandam ficar na

minha, como se eu fosse uma intrometida inconveniente.

— Você não sabia de nada e tudo estava bem. Vamos manter desse

jeito. Finja que não viu.

— Você está se ouvindo? — Franzi o cenho — Viktorya está no andar

de cima, me esperando, como é que eu volto para ela e finjo que...

— Você finge — me interrompeu, seus olhos inquietos começando a

mostrar aquela agitação. — Finja, assim como eu finjo. Você me prometeu

que faria qualquer coisa por mim, se eu não fizesse perguntas sobre aquele

dia no clube. Honre a sua palavra agora.

— Você disse que não me cobraria o favor.

— Apague esse momento da sua mente, Maryia. Volte para Viktorya,

vou encontrá-la e dançar com ela. Nos casaremos em breve e ninguém

precisa saber disso.

— Enquanto isso o quê? Você a trai com as nossas amigas?

— Enquanto isso, eu farei o que quiser fazer.

— Não posso fazer isso, Maksim, não vou fazer isso.


Ele riu, encolhendo os ombros.

— Tudo bem, eu não me importo. Viktorya se casará comigo de

qualquer jeito. Suas amigas continuarão comigo enquanto eu quiser, mas

vamos todos nos reunir e falar a verdade, já que você está tão comprometida

com a honestidade de seu coração. — Ele abriu os braços. — Vamos chamar

Viktor, entrar todos naquele quarto e você diz a ele que se lembra do que

aconteceu na boate, por que Xenia morreu. E eu digo à Viktorya que passo

meu tempo livre fodendo suas amigas.

— Está me chantageando.

— Não, irmãzinha. Estou pedindo o silêncio que me prometeu. Você

vive dizendo que é uma adulta responsável, que está bem e que não quer ser

tratada como louca. Prove. Faça como todos nós fazemos. Todos nós temos a

nossa porcentagem de culpa e mentiras para carregar. Enfie essa na sua

bagagem e leve-a consigo. — Ele apontou o dedo. — Se Viktorya souber que

algo aconteceu aqui, Viktor saberá que você se lembra do que aconteceu lá.

— Eu...

— Maryia! — Viktorya descia as escadas segurando no corrimão.

Parecia uma princesa com seus cabelos loiros e o vestido azul claro. Ela se

aproximou e segurou meu braço, dando um sorriso fechado a Maksim. —

Onde está sua bolsa?


— E-eu... — gaguejei, engolindo em seco. Não conseguia desviar os

olhos do rosto do meu irmão, enquanto era obrigada a mentir. Minutos atrás,

estávamos dizendo uma à outra coisas sobre confiança e irmandade.

— Está tudo bem? — Ela procurou meus olhos.

— Eu encontrei Maksim e ficamos conversando. Ele queria saber dos

três homens lá embaixo.

— Oh — ela o fitou —, eles provavelmente ainda estão aqui, devem ir

embora apenas no final da festa. Aproveite para se apresentar, eu posso ir

com você, se quiser.

Deus.

Eu me sentia um lixo por mentir na cara dela, mas pela primeira vez

Maksim me ameaçava de verdade. Não se tratava uma brincadeira entre

irmãos, mas uma questão de traições que envolvia mais do que ele e eu.

Viktorya seria, sim, obrigada a se casar, mas ficaria destruída pela

humilhação. E se ele a amava, por que é que trepava com duas de nossas

amigas? Fitei a maldita porta onde Veronika e Alessandra se escondiam.

Agora eu entendia os segredinhos, os olhares, os risos, as mudanças de

assunto quando alguém se aproximava. Quando eu me aproximava. Eu não

me importava se elas gostavam de foder uma com a outra, mas o fato de

mentirem sobre isso e traírem Viktorya daquela forma era uma facada que eu
não conseguia entender.

— Maryia — sobressaltei-me, fitando os olhos azuis esverdeados de

Viky —, você está bem?

— Estou, claro. Vamos voltar para o salão.

— É isso que estou te dizendo há dois minutos. Você vem, Maksim?

Ele tirou os olhos de mim e avançou para ela, segurando seu rosto e a

beijando delicadamente. Eu não desviei os olhos, assisti à cena como se visse

um acidente de trem.

Destruição, fogo, tragédia e morte.

Isso era o que aquele beijo causaria, se verdades fossem reveladas.

Engoli em seco.

— Descerei em um minuto e vou dançar com você.

Ela sorriu, assentindo.

— Então vou negar todos os convites para que minha primeira dança

esta noite seja sua.

Maksim devolveu o sorriso, embora o dele fosse meio louco e deu um

único aceno. Seus olhos deslizaram para mim num tom de aviso que eu não

ousaria ignorar.

Ela falava sobre a decoração enquanto descíamos de volta ao salão.


Algo tinha mudado em Viktorya desde o dia no clube, quando ela parecia

estar prestes a entrar na forca. Agora ela não estava feliz, mas parecia

conformada. Se esforçando.

Meu irmão era um traidor e não merecia sua dedicação, eu queria que

ela o odiasse, pois teria uma razão. Meus lábios estavam selados e me senti

tão egoísta, sabendo que a deixaria seguir em frente apenas para que os meus

erros não fossem revelados.

Fomos abordadas por Zodiak, assim que pisamos no salão de volta, e

eu me desesperei só de bater os olhos nele.

— Senhorita Romanoff. Uma palavra.

— Meu irmão está aqui?

Ele me fitou por um segundo, mas pareceu que tinha sido a porra de um

dia inteiro.

— Não, apenas eu. Tenho uma mensagem de seus pais. Se pudermos ir

até um lugar mais silencioso.

— É claro. Maryia, se importa?

— Não. — Engoli em seco, desconfortavelmente. — Vá. Eu voltarei

para a mesa.

— Certo, quando eu voltar, vamos pedir ao DJ que toque algo desta

década. — Ela riu e eu fiz o meu melhor para devolver o sorriso.


Quando se foi, me forcei a caminhar até a mesa vazia. Meu marido

estava longe de ser visto, assim como o meu avô. Evarkov estava na pista de

dança, segurava Yanka numa mão e uma garota na outra. Eu quis ir até lá e

fazê-lo soltá-la, pois apenas dois meses atrás tínhamos recebido o convite de

seu aniversário de 18 anos dali a um mês de acontecer.

Conhecendo o meu irmão, ele atraía problemas o suficiente para deixá-

lo dançar com uma virgem que provavelmente não lhe diria ser menor de

idade. Mas não encontrei em mim forças para ir até lá. Desabei numa cadeira,

torcendo para que algum garçom passasse servindo tequila.

Observei a multidão dançando, conversando e se divertindo. Em breve

cortariam o bolo e as garrafas de vodca começariam a ser distribuídas

livremente. Ficariam na festa apenas aqueles com desejo de ficarem bêbados

e ter amnésia pela manhã. O tipo de festa que homens como Roman

gostavam.

Eu esperaria o bolo para celebrar a idade nova de meu sogro e chamaria

um carro. Viktor provavelmente ficaria até o fim.

A festa acabou para mim no momento que descobri o tipo de homem

meu irmão era e o caráter das mulheres que andaram ao meu lado metade da

minha vida.

A cadeira ao meu lado foi arrastada para trás e Sergei se sentou.


— Ah, que bom que é você. Eu quero ir embora. Sabe onde Viktor

está? Preciso ver se ele te libera para me levar ou chamará outro Vory.

— O Boss está cuidando de uma situação em um de nossos clubes aqui

perto. Eu aproveitei porque preciso falar a sós com a senhora.

— Não, sem mais surpresas por hoje. Eu juro que vou surtar se...

— Eu sei o que aconteceu aquele dia no clube — me interrompeu. Seus

olhos fitando-me com vergonha e pesar.

Eu puxei o ar com força, meu peito inflando e caindo quando o ar

pesado me abandonou. Meu sangue gelou e os olhos arderam de tão

arregalados.

— O quê? Do que está falando?

— A morte de Xenia. — Ele lançou um olhar em volta. — Eu sei que

Dimitri a matou. As pessoas falam, principalmente quando eu sei a quem

perguntar. Alguém o viu entrando na mesma cabine que Xenia entrou. — Ele

limpou a garganta. — Por que a senhora passaria quinze minutos trancada

com Dimitri Romanoff, em um dos clubes do Boss, e a única testemunha

desse encontro terminaria morta?

— Sergei — meu tom de voz era tenso e trêmulo —, você não sabe o

que está dizendo. Tem ideia do que aconteceria se Viktor ouvisse isso?

— Sim, eu tenho. Ele provavelmente mataria Dimitri e depois você. Eu


não preciso ou quero explicações, não sou nada para você, senhora, mas a
minha fidelidade está com o Boss. Essa é uma situação suspeita demais. Meu

primeiro dever é protegê-lo, mesmo que seja de sua própria esposa. Eu lhe

darei um tempo para contar a ele o que quer que aconteceu lá dentro, mas se

não abrir o jogo, eu mesmo falarei.

— Sergei...

— Isso era tudo, senhora Zirkov. Voltarei ao meu posto agora e direi ao

Boss que a senhora gostaria de ir.

Eu fiquei ali, imóvel, pensando, refletindo, contemplando maneiras de

fugir ou acabar com a minha vida. Vultos passeavam à minha frente

conforme as pessoas se moviam e dançavam, vozes enchiam meus ouvidos e

o vento soprava meu rosto, mas eu quase não sentia.

De repente, uma mão segurou meu ombro e dei um pulo, afastando-me,

mas me acalmei quando Viktor abaixou ao meu lado.

— Ei, acalme-se — ele riu —, chega de álcool por hoje. — Viktor

afastou um copo que estava perto de mim, mas não fazia ideia de quem

pertencia e segurou minha mão. — Serga disse que está pronta para ir.

— Estou cansada.

— Nós nem chegamos, zhena.

— Parece que estou aqui há horas — lamentei, encostando a testa na


dele.

Ele riu, e os olhos franziram. Os dentes alinhados, perfeitos e aquela

cicatriz bem abaixo da narina esquerda. Tudo no rosto dele combinava. O

rosto que eu conhecia há anos e amei incondicionalmente. Provavelmente

seria o último que veria antes que ele me desligasse daquele mundo. Eu sabia

que Viktor me mataria, ele era capaz disso depois do que fiz. E pela lealdade

cega de Sergei, eu não duvidava nem por um segundo que aquilo aconteceria.

Se eu não contasse, ele contaria, e então seria o meu fim.

— Dance comigo, zhena. Dance antes de ir embora. Eu mesmo vou

levá-la depois.

— É o aniversário de seu pai, você precisa estar aqui.

— Eu preciso estar onde minha Maryia está, cansei de deixá-la jogada

por aí. A partir de agora você não sai da minha vista. — Ele me puxou para

cima, nossos peitos colados. — Vou colocar um rastreador em você.

Dei risada, sentindo-me emotiva de repente.

— Você é cheio de charme, Viktor Zirkov. — Lhe dei um tapinha no

peito. — Essas palavras bonitas não me enganam mais.

Conforme ele me levava para o meio do salão, no centro da pista,

olhares de admiração e orgulho nos eram lançados de todas as direções.

Éramos o casal mais jovem e mais famoso da Bratva, as pessoas olhavam


para nós como exemplos, nem sequer desconfiavam do que se passava em
privado.

— Eu tenho uma surpresa para você.

— Ah, é? O quê?

— O que você acha? — Ele me girou, fazendo-me bater de volta em

seu peito.

— Não sei, outro sapato chique?

— Não. Você pode ter mais quantos quiser, mas não é isso.

— Eu não preciso de outro, não agora. Me dê um daqui a alguns dias,

até lá já terei enjoado deste aqui.

— O que eu seria se não fosse um criminoso, Maryia? Homens

honestos raramente ficam ricos. Como é que eu sustentaria uma mulher como

você?

— Eu poderia me sustentar sozinha.

— Poderia, mas provavelmente gastaria o seu salário com compras das

quais não precisa realmente. — Diversão brilhava em seus olhos. —

Enquanto o seu marido honesto e trabalhador daria tudo de si para colocar

comida na mesa.

— Pelo menos, ele poderia apreciar um show de meus vestidos novos a


cada dia durante o jantar.

— Tem razão. Eu comeria o jantar e depois você, celebrando cada

centavo gasto.

Ele me fez esquecer tudo sobre Maksim, Veronika e Alessandra,

minhas mentiras para Viktorya e até mesmo o ultimato de Sergei. Me fazia

esquecer tudo ao nosso redor quando sorria para mim daquele jeito, sem

mostrar suas máscaras, mas seus olhos verdadeiros. Foi uma das razões pelas

quais me casei com ele.

— Eu estou me apaixonando por você outra vez.

— Isso é bom, zhena. Eu não dei a sorte de conseguir me desapaixonar

por você.

— Paixão e amor não são a mesma coisa, te expliquei sobre isso

quando nos casamos.

— Eu sei, e ainda assim digo que não deixei de estar apaixonado por

você. Eu te amei e fui apaixonado desde que nos casamos, mas sou um

homem ruim, todo errado.

— Você sabia que me reconquistaria quando voltou à Rússia.

— Não sabia, mas você nunca teve a chance de me dizer não. Eu teria

te perseguido nesta vida, talvez na próxima se ela existir. Sendo um homem

rico ou um camponês que planta para comer. Eu iria atrás de você.


Engoli em seco, desviando os olhos dos seus e olhei por cima de seu

ombro, minha atenção captando Maksim descendo a escada, fechei os olhos e

encostei a cabeça no peito de Viktor. Eu não queria ver nada além de Viktor e

o nosso momento.

— Me fale sobre a minha surpresa?

— É um segredo absoluto.

— Ok. — Eu sorri.

— Está preparada?

— Você sabe que eu não consigo manter minha boca fechada.

— Vai conseguir dessa vez. Está pronta? — Seu peito tremeu com o

riso.

— Diga-me — sussurrei.

— Minha irmã está na Rússia. Especificamente em Moscou, nos

esperando para que ela te conheça.

Levantei a cabeça de supetão, encarando-o em choque.

— É sério? Como... como isso é possível?

— Digamos que Antony foi mais esperto do que negar a ela de ver o

pai em seu aniversário.

— A máfia italiana sabe?


— Nem a Cosa Nostra e nem a Bratva. Embora ninguém vá agir sob o

meu comando, eu tenho inimigos mesmo dentro da Irmandade, por isso a

presença dela deve ser mantida em segredo absoluto. Quando ela for embora,

amanhã à noite, você pode se vangloriar sobre a sua cunhada para quem

quiser. Ela já estará segura na Itália novamente.

Minhas amigas... Senti um aperto no peito ao pensar nelas. Aquelas

para quem eu mentia, e mentiam para mim. Eu parei de dançar e segurei os

ombros de Viktor.

— Eu tenho que te dizer algo.

Ele inclinou a cabeça e beijou bem abaixo do meu olho.

— Sou todos ouvidos.

— É um segredo também.

— Boss... — Ele olhou por cima da minha cabeça ao ser chamado, e eu

reconheci a voz de Volya. Como sempre, ele aparecia como uma

assombração. — Você precisa vir.

— Agora?

— Imediatamente.

— Inferno fodido — murmurou, então segurou meu rosto. — Volte

para a mesa e me espere um pouquinho, sim? Em cinco minutos estarei de

volta.
— Levará mais tempo que isso.

— Volya — rosnou.

— Tudo bem, Viko. Ficarei para cortar o bolo, então você tem tempo.

Qualquer coisa Evarkov me leva. Eu te espero acordada.

— Evarkov está bêbado pra caralho, você não vai sair com ele. Me

espere aqui.

— Viktor — Volya o apressou, então se foi.

Meu marido me soltou para segui-lo, mas parou, voltou e me beijou

outra vez.

— Juntos, sim? A partir de agora estamos juntos.

— Juntos — confirmei, jogando todos os meus segredos para o lado

quando menti em seu rosto.

Fomos tão perfeitamente feitos um para o outro.


— O que é tão importante para me tirar dela assim?

— Você vai ver.

— É o aniversário de meu pai, Volya, porra. Você não podia resolver?

— Não — rosnou.

Nós saímos do prédio e demos a volta, virando a esquina. Vorys

parados do lado de fora se juntavam a nós, e quando entramos na viela na

estreita rua sem saída que dava para as portas dos fundos do salão, éramos

cerca de quinze homens.

— Que porra está acontecendo, Volya? Esse seu silêncio me tira do

sério, filho da puta.

Ele não disse nada, mas não precisou, porque quando chegamos ao

final, onde a curva escondia lixeiras cheias, o cheiro foi a primeira coisa que

senti. Fiz uma parada abrupta ao fitar o chão.

— Porra. — Eu olhei atrás de mim e falei com o primeiro Vory que vi:

— Não deixe nenhuma mulher vi aqui, nem mesmo Aryshia. — Fitei outro.

— Tranque essas portas com correntes e cadeados, Roman não precisa saber

disso hoje.
— O que você acha? — Volya perguntou.

— O que eu acho? — Ri, sem humor. — Eu acho que queria ficar

bêbado e foder a minha esposa do caralho, mas vou ter que lidar com essa

merda. É o que eu acho. — Olhei para cima, abrindo os braços. — Deus,

fodido, nem um dia de paz para mim, hein? Nem uma hora, porra!

Eu caminhei entre as mulheres nuas jogadas no chão, reconhecendo

cada rosto. Sangue cobria seus corpos, pernas abertas escorrendo sêmen e

gargantas cortadas.

— O que você já sabe? — perguntei a Volya.

— Todas foram estupradas, nenhuma foi deixada viva. Nenhum recado

ou mensagem.

— Chame a limpeza — falei.

— Espere, você vai querer ver isso.

Ele cuidadosamente segurou uma das mulheres, manchando sua camisa

branca com o sangue que a cobria e a virou, levantando o cabelo comprido.

Esculpido numa ferida fresca e sangrando na nuca havia um símbolo que

conhecíamos desde que Style Tieko, um membro do alto escalão da Yakuza

nos visitou e informou tudo o que sabia sobre Kazel Maraba.

— Kazel. Essa porra de sol e vênus. Ele sabe que Tieko veio até nós,

que estamos atrás dele.


Volya assentiu.

— Quando é que alguém vai pegar esse fodido? Ele escapou da Liga,

escapou do governo, todas as organizações que tentam pôr as mãos nele

acabam dentro do negócio ou fracassam.

— Sim. — Me abaixei para poder olhar de perto o rosto da garota. Era

aquela que tinha me servido vodca na última reunião. — Mas dessa vez, ele

errou, porque eu ainda não fui atrás dele. Não sou a porra de um homem

fardado como a Liga dos Diamantes e não trabalho limitado por acordos

como a Cosa Nostra e o governo. A Bratva faz suas próprias leis — me

endireitei —, eu vou caçá-lo até a porra do inferno.

— Ah, merda — disse Evarkov ao se aproximar, empurrando os Vorys

de seu caminho. Ele caminhou entre as mulheres, desviando-se para não pisar

em nenhuma até chegar a uma ruiva escondida debaixo do corpo de uma

loira. — Eu tinha o meu pau em sua boca ontem, como foi que isso

aconteceu? Inferno, fodi essa daqui também. — Ele abriu os braços ao me

fitar. — Alguma de nossas putas ficou viva?

— Você tem o meu aval para ir investigar, Kolokol — falei, sem

nenhuma paciência com aquele psicopata. — Sinta-se livre para sair da

Rússia e ir em busca do culpado.

Ele riu doentiamente e parou ao passar por mim.


— Eu sou louco, não burro, porra. Mas quando pegarmos esse fodido,

eu vou arrancar sua cabeça.

Quando ele se foi, eu fitei Volya.

— Quero saber como ele teve acesso aos clubes, como conseguiu os

nomes das meninas. — Havia pelo menos quinze ali. — Feche os clubes por

esta noite e amanhã também, ele deve ter o nome de todas elas. Redobre a

atenção nas fronteiras, aeroportos e embarcações, não me importa se quem

estiver entrando e saindo tenha um crachá do presidente. Verifique o carro

inteiro. Se alguma das minhas saírem daqui, você pagará o preço.

Ele bufou.

— Como sempre.

Deixando Volya, voltei ao salão. Essa noite perdemos pelo menos uma

menina de cada clube. Amanhã seria dia de me reunir com os Boss de outras

cidades e descobrir o que fazer. Eu devia ter escutado Aryshia. Anter de tratar

minhas desavenças dentro da Irmandade, eu precisaria lidar com um inimigo

de fora.

Era hora de fazer algumas alianças.

Quando voltei para dentro ladeado de dois Vorys, encontrei a multidão

cantando as felicitações e batendo palmas, a música tinha sido pausada e o

bolo de dois metros de altura estava sendo arrastado para o meio do salão.
— Você garantiu que não sairia nenhuma prostituta nua dali de dentro?

— perguntei a Volya.

— Sim, a maioria das pessoas não apreciariam e seu pai sabia disso.

Foi por isso que ele passou os últimos dois dias fodendo em uma suíte do

Hitz, para que sua festa parecesse civilizada.

Observei Roman de longe. Ele parecia um completo cavalheiro por

fora. Ajeitando seu terno e empurrando o cabelo lambido para trás.

— Volte para fora e garanta que nenhuma gota de sangue fique naquele

chão, Volya. Eu vou manter meu pai aqui dentro.

Ele assentiu, saindo com um Vory em seu encalço.

Essa noite eu beberia com os meus irmãos.

No dia seguinte eu me prepararia para a guerra.

Encontrei Maryia na mesa com Viktorya, as duas conversavam

próximas, sempre foram assim. Embora o Clã Romanoff inteiro fosse um

peso para mim, quando conheci Maryia passei muito tempo observando

Viktorya, buscando sinais de que sua relação com Maryia não seria algo a ser

levado à frente. Isso mudou depois. Ela esteve com minha esposa quando os

dias ruins deixavam Maryia alguém impossível de conviver. Mesmo sua

família teve dificuldade em lidar, mas Viktorya esteve lá, forçando-se em

nossa vida e nosso casamento.


Fora Aryshia, era a única mulher que me olhava de cima, sem

demonstrar medo ou filtrando palavras.

Eu me aproximei, puxei uma cadeira para perto de minha esposa e me

sentei, ela deu um pulo de surpresa ao me ver, sorrindo. Segurou meu rosto,

me beijou. Aos poucos começava a se soltar, demonstrando o mesmo tipo de

carinho de antes da minha viagem à Itália.

Agarrei sua cintura e a levantei, sentando-a em meu colo.

— Viko!

— Ninguém liga, continue me beijando.

— Peguei a dica, vocês são muito sutis. — Viktorya se levantou,

pegando na mesa uma minúscula bolsa que cabia na palma da minha mão,

muito parecida com a de Maryia. Eu me surpreendia em quanta coisa minha

esposa conseguia tirar de dentro. — Hora de ir para a casa.

— Fique para comer bolo. — Maryia agarrou sua mão.

— Como vou caber em um Vera Wang depois?

— Maryia comia sem parar e coube — eu disse, sem a intenção de

provocar a mulher, mas ela não levou assim.

— Talvez porque você a deixava tão louca que, na mesma medida que

comia, emagrecia?
— Touché — zombei.

— Vou procurar meu noivo. Boa noite para vocês.

— Viky, espere! — Maryia deu um pulo do meu colo, tentando

alcançar a amiga, com isso, suas pernas bateram debaixo da mesa, quase a

virando. — Ah, merda!

— Maryia! —Viktorya arregalou os olhos. — Ficou doida?!

— Você não disse que ia para a casa? — Minha esposa continuava

tentando se levantar, mexendo-se em meu colo.

— Sim, Maksim vai me levar.

— Mas...

— Você está deixando meu pau duro pra caralho, porra. Pare quieta.

Viktorya ergueu as mãos, soprando um beijo para Maryia.

— Lide com o seu marido. Vocês dão certinho. Até amanhã, meu bem.

Minha esposa me olhou, segurando minhas mãos para tentar tirá-las do

aperto em sua cintura.

— Deixe-me ir, eu preciso pará-la!

— Ela vai até o noivo e você vai ficar com o seu maridinho.

— Viko, você não entende! Ela não pode encontrar Maksim.

— Maryia — falei, numa voz firme e cortante —, não se meta nisso.


Ela parou de se mover imediatamente, os olhos entendedores

estreitando-se em mim.

— Você sabe — sussurrou.

— Eu sei de muitas coisas.

— Como pode deixar que isso aconteça? Maksim vai se casar com

Viktorya, como não me disse?

— Do que adiantaria? A informação só ia servir para que você ficasse

tentando resolver um assunto que não te cabe.

— São as minhas amigas e o meu irmão!

— Todos adultos, sério, essa merda vai estourar a qualquer momento e

eu não quero você envolvida.

— Viko — sussurrou. — Eu... Eu estava me sentindo tão mal por

Maksim, porque Viktorya claramente não o ama, mas agora que sei disso, eu

só consigo pensar em como a situação toda é horrível para ela!

— Esse casamento é uma troca de interesses, zhena. Para ambos. Não é

porque nós nos casamos por amor que todos serão assim.

Ela me fitou com olhos torturados.

— Preciso fazer algo, por favor. Me deixe.

Segurei seu rosto, beijei seus lábios e puxei sua cabeça para meu
ombro, sentindo-me a porra do dono do mundo quando ela me abraçou de

volta, deitando. Aconchegando-se em mim.

— Não.

Soluços baixinhos irromperam sua garganta, mas eu esperava que meus

beijos ajudassem, porque ao contrário do que ela pensava, eu estava

monitorando a situação. O circo de Maksim não chegaria a um espetáculo

completo.

Não quando isso arriscava colocar em risco o resto de reputação de

Aryshia e Veronika, mandar de volta Alessandra para o inferno em que vivia

antes e anular o casamento de Volya com uma Malkovi.

Acariciei os cabelos da minha esposa.

Enquanto ela chorava em meu ombro, procurei seu irmão no salão e

quando o encontrei levando Viktorya para a pista de dança, comecei a

planejar o que faria a seguir.


“É difícil admitir que

Tudo apenas me leva de volta

Para quando você estava lá

E uma parte de mim ainda se segura a isso

Só no caso de ainda não ter desaparecido

Eu acho que eu ainda me importo

Você ainda se importa?”

ADELE, WHEN WE WERE YOUNG


No dia seguinte, eu acordei um pouco mais animada, decidida a deixar

todos os fantasmas da noite anterior esquecidos pelo menos por um dia, para

que conseguisse receber a irmã de Viko sem parecer uma paranoica

desvairada.

Viktor chegou tarde da festa, e sem dizer muito, me pediu para fazê-lo

esquecer o mundo por alguns minutos. Dormimos duas horas depois,

satisfeitos e agarrados um ao outro como se o mundo fosse acabar a qualquer

momento. Algo tinha acontecido, eu podia sentir, mas ele não estava

preparado para falar, assim como eu.

Eu queria aproveitar os últimos dias ao seu lado, antes de Sergei fazer

de sua ameaça uma realidade.

Acordamos juntos, tomamos banho juntos e enquanto eu me arrumava,

ele fumava olhando para fora da janela, pensativo, quieto. Quando falei com

ele, precisei chamá-lo duas ou três vezes para que me escutasse.

— Está pronta?

— Sim — hesitei —, quer falar sobre isso antes de ir?

Ele suspirou, seu peito delineando a camisa apertada quando me puxou

para si.

— Não. No momento, só quero esquecer e passar um tempo com a

minha menina e minha irmã.


— É algo sobre nós? — Tentei não parecer suspeita ao perguntar.

— Não, Maryia. Tudo entre nós está perfeito.

— Ok — sussurrei, pousando um beijo em seu peito.

Perfeito não era a palavra, e ele jamais a usaria se soubesse o que

passava em minha mente.

— Pronta para conhecer sua cunhada?

— Pronta e ansiosa. Ela vai gostar de mim.

— Vai.

— Eu sei.

— Ela vai adorar você.

— Eu sei — confirmei novamente.

Ele sorriu, e a tensão dissipou levemente de seu rosto.

— Como é que sabe disso com tanta certeza?

— Você conhece alguém que me conheceu e não gostou de mim?

— Tem razão, é impossível não te amar. Vamos lá.

Ele dirigiu naquela manhã. Uma mão no volante e a outra em minha

perna. Uma playlist de Wiz Khalifa estrondava no rádio, as janelas fechadas e

o ar-condicionado resfriava minha pele quente. Eu observava o movimento

nas ruas.
— Você se lembra quando me levava a diversos lugares na cidade?

— Foi o nosso primeiro ano de casados. Tudo era mais calmo naquela

época.

— Sinto falta disso.

— Faremos novamente.

— O Bolshoi?

— O que você quiser.

Eu sorri encarando o lado de fora.

— Turistar pela nossa própria cidade — refleti. — Era divertido.

Passamos por um grupo de garotos sentados na calçada com uniformes

do colégio e quando um deles viu nosso carro, pulou e gritou para os outros,

então começaram a correr ao nosso lado na calçada. Viktor abaixou o rádio,

diminuiu a velocidade e tirou um bolo de notas debaixo de seu banco.

— Jogue para eles.

Rindo, peguei o dinheiro, descartando o elástico e abri a janela. Dei um

sorriso aos meninos que não podiam ter mais de 14 anos e joguei as notas no

ar. Seus gritos e agradecimentos podiam ser ouvidos mesmo quando Viktor

acelerou o carro e fechei a janela novamente.

— Você facilmente seria um dos meus Vorys.


Gargalhei, batendo em seu braço.

— De jeito nenhum. Não tenho vocação para te obedecer sem

perguntar duas vezes.

— Você não me obedece nem perguntando dez, Maryia. Sabe que, na

verdade, quando eu descobri que precisaria me casar algum dia, disse a

Roman que só faria isso se minha esposa fosse obediente e submissa?

— Deus — bufei —, te deram o pacote todo errado.

— Não me arrependo nem por um minuto fodido.

Meu coração aqueceu e entrelacei nossos dedos pelo o resto do

caminho.

— Eu também não.

Quando estacionamos em frente ao Hitz, um manobrista abriu minha

porta, pegando a chave com Viktor em seguida. Nós entramos e

imediatamente fomos atendidos como a realeza. Típico. Há muito tempo eu

não precisava me apresentar para ter acesso a qualquer lugar.

— Vou acompanhá-los até a suíte, senhor — disse o gerente.

— Não é necessário. — Viktor o dispensou com um aperto de mão,

deixando uma nota generosa com o homem. Nós seguimos em direção ao

elevador, sozinhos. — Então, você vai conhecer uma russa italiana. Ansiosa?
— Ela é muito importante?

— Ciúme da minha irmã? — Ele riu.

— O quanto ela é importante? — Eu falava sério, não achava

engraçado.

— Ela é minha irmã, Maryia, não seja absurda. Tem a mesma

importância de Dalyah.

Aquilo não significava nada para mim, antigamente eu costumava ter

ciúme de Dalyah e o quão grudada ela insistia em ficar nele.

— Irmãs frequentemente destroem relacionamentos — falei,

acompanhando os números subirem conforme avançávamos andar por andar.

— Só quero saber qual o poder de influência dela.

Antes que me torne simpática demais, completei mentalmente.

— Zero poder de influência, zhena. Não estamos discutindo isso.

— Eu quero discutir isso.

— Você tem dois irmãos e eu lidei com eles pelos últimos dez anos. O

que é um café da manhã com a minha irmã comparado a isso?

Estreitei meus olhos, afundando o dedo em seu peito.

— Não se esqueça que eu ainda não te perdoei cem por cento, Viktor

Zirkov. Você está no caminho para isso, não estrague tudo.


— Corte a sua merda, perdoou, sim. — Ele segurou meu dedo e me

puxou para si, beijando-me. Eu o empurrei antes que aprofundasse, assim que

o elevador apitou e as portas abriram, saindo em sua frente.

— Vai bagunçar todo o meu cabelo — murmurei. — Eu ainda não caí

totalmente nas suas graças.

— Você sempre cai nas minhas graças, assim como eu caio nas suas.

— É por isso que somos tão fodidos.

— Shakh i mat[13].

— O que eu posso e não posso falar perto dela?

Ele se deteve, puxando-me para um canto a fim de falarmos antes de

seguir em frente.

— Nada. Cuidado com o que fala sobre nossa vida pessoal e nem por

um deslize mencione nossos negócios. Ela é fiel ao seu marido. Ao contrário

da Bratva, a Cosa Nostra não deixa que as mulheres saibam de negócios.

Você está bem informada e ela vive no escuro, se ela fizer alguma pergunta,

apenas mude de assunto.

— E, ainda assim, você a trouxe para a casa.

— Ainda que eu a queira aqui, não confio totalmente nela. Não quando

nossas máfias estão envolvidas.


Assenti.

— Tenho certeza de que eu e ela vamos nos dar bem.

— E se não?

— Eu vou fingir por você e por Roman. Ela vai embora rápido de

qualquer forma, não vai?

— Sim.

— E sobre seu marido, qual o nome dele? Ele está aqui?

Viktor grunhiu, puxando-me para perto. Seus olhos eram duros ao me

observar.

— Seu nome é Antony. Você não vai falar com ele mais do que o

necessário. Aliás, não fale com ele de jeito nenhum.

Eu segurei um sorriso, reconhecendo em sua voz o mesmo ciúme que

tinha na minha, minutos atrás.

— Eu vou apenas cumprimentá-lo.

— Não — rosnou. — Ele não precisa de seus cumprimentos.

— Se vocês se odeiam tanto, como é que vão passar as próximas horas

no mesmo ambiente?

— Anya me garantiu que ele ficaria em outra suíte.

— E os filhos dela? — Minha pergunta lhe fez sorrir de novo. — Eles


vieram?

— Sim, você conhecerá Benjamin e Carmina. São as duas crianças

mais lindas que já coloquei os olhos. As duas únicas que me importam, de

qualquer maneira.

Eu senti como se um punho esmagasse meu peito por um minuto, mas

empurrei a sensação, respirando fundo. A emoção não fazia sentido. Viktor


não quis dizer literalmente, é claro que amava as crianças que perdemos, mas

se referia àquelas que estavam no mundo, que cresciam e viviam.

— Estou ansiosa para conhecê-los. — Mantive minha voz tranquila,

percebendo que não tinha pensado sobre o momento em que os veria de

perto. Seriam parecidos com ele? Teriam seus olhos?

Depois de perder os nossos filhos, eu evitei contato com crianças o

máximo que pude, e quando as vi, foi de longe. Aqueles anjinhos delicados e

puros eram o meu maior gatilho. É claro que mulheres na Irmandade ficaram

grávidas, eu participei de chás de bebê e aniversários infantis, mas entregava

os presentes que Alessandra comprava e embrulhava para mim às mães e me

sentava o mais longe possível de onde as brincadeiras aconteciam.

Mas aquilo... aquele momento seria íntimo. Eram os sobrinhos do meu

marido.

— Vamos esperar que eles estejam de bom humor. Benjamin é um


diabinho temperamental e Carmina é uma surpresa. Ela pode estar doce e
amorosa ou afiada como sua mãe, depende do dia.

— Ok. — Dei risada. — Já estou avisada. Sua irmã sabe que você o

chama de diabinho?

— Ela foi a única a apelidá-lo assim.

— É realmente sua irmã. Roman está aqui?

— Ele só pode vir mais tarde, já teremos ido embora até lá. Agora

vamos.

Ele segurou minha mão e nos levou através do corredor, havia dois

homens de costas, um deles era Volya, eu reconheci pelas tatuagens e a

estrutura corporal de um gigante, e o outro era um Vory. O carpete

acolchoado silenciava meu salto, mas Volya pareceu ter nos sentido chegar, o

que eu não duvidava, pois nada passava batido por aquele homem.

A primeira coisa que o konsultant do meu marido fez ao se virar e nos

encarar, foi apontar a porta, balançando a cabeça.

— Isso vai dar fodidamente errado. É meu último aviso.

— Volya, relaxa. É só a minha irmã.

— Sim, sua irmã e a porra de um capo. O herdeiro da máfia italiana.

Você sabe que ele não teria concordado em trazê-la aqui pela bondade de seu

coração.
— Eu pensava que minha esposa era paranoica, mas você dá um novo

sentido à palavra.

Eu o belisquei.

— Estou bem aqui, seu porco.

Ele riu e segurou o ombro de Volya.

— Você se preocupa demais. Antony está em outra suíte.

— É, eu sei, no final do corredor. Que grande distância, uma porta de

vocês.

— Anya veio para ver meu pai e deixará o país de madrugada. Tudo vai

terminar antes de sequer começar, não há motivos para preocupações.

— Sempre há motivos para preocupações, Viko. Ela é sua irmã,

embora eu não entenda o apego, vocês acabaram de se conhecer, mas isso é

da sua conta. Porém o marido dela vai tomar o lugar de Lucca DeRossi

quando o fodido morrer ou decidir se aposentar. Eles não são como nós, é ele

e apenas ele.

Viktor soltou minha mão e agarrou o rosto de Volya dos dois lados,

aproximando o rosto do dele.

— Irmão, por que porra você está me dando uma aula sobre o crime

organizado? — Sua voz foi aumentando conforme ele empurrava Volya para

trás, até que as costas bateram na parede. — Eu sei tudo isso, eu sou o crime.
Talvez eu o mate antes — sussurrou, os olhos exibindo um brilho perigoso.

— Viktor — chamei, mas me ignorou. Os dois ignoraram.

— Já pensou nisso? Não, não pensou, porque eu sou a porra do Boss.

Eu tomo as decisões do caralho. Agora — ele encostou a boca no ouvido de

Volya —, saia da porra da minha frente e vá cuidar das ruas, enquanto eu

brinco de casinha com a minha família.

Volya se endireitou e encostou na parede em frente à porta, cruzando os

braços.

— Eu não vou sair daqui, filho da puta.

A canto do lábio de Viktor subiu, exibindo um sorrisinho convencido.

— Fique à vontade, irmão. — Ele voltou a pegar minha mão e bateu na

porta com murros fortes e desnecessários.

Eu observei Volya por cima do ombro, seu olhar estreitando-se em

mim quando percebeu que eu o encarava. Eu me virei quando ouvi a porta

abrindo, mas ao contrário do que esperava, quem nos recebeu foi um

garotinho de olhos incrivelmente azuis, pareciam duas pedras de diamantes e

cabelos castanho-escuros.

— Tio Viktor! — gritou, e correu para agarrar as pernas de Viktor.

Ele pousou as mãos na cabeça do menino.


— Ei, garoto. Tenho certeza de que sua mãe já te disse para não fazer

isso.

— Sim, eu disse! — Veio uma voz feminina do interior da suíte, então

a porta foi completamente aberta e uma loira de tirar o fôlego apareceu. Ela

sorriu brilhantemente para Viktor, antes de fazer uma cara séria e pegar o

filho. — Benjamin! Você quer ficar de castigo pelo próximo ano inteiro?

— Mas, mamãe, é o tio!

Ela revirou os olhos.

— Sim, é. O tio e seu mau exemplo. — Ela sorriu, jogando o braço

livre pelo pescoço de Viktor. O pé do garotinho acertou meu estômago

conforme se aproximou, mas não me importei, principalmente quando ele me

fitou e deu um sorriso banguela.

— Não fode, Anya. — Viktor a abraçou de volta por um curto

momento e se afastaram.

— Olha a merda da boca! — repreendeu, então deslizou os olhos para

mim. — Bem, finalmente!

— Olá, Anya. — Ela tinha os cabelos loiros compridos, com as pontas

pintadas de lilás e azul, os braços tatuados dos ombros ao pulso. Vestia um

vestido de couro curto, e tinha os pés descalços, exibindo as unhas pintadas

de vermelho.
Um gritinho agudo chamou atenção do lado de dentro e ela indicou

com a cabeça.

— Uma ajuda seria bem-vinda, entrem.

Viktor apoiou a mão em minhas costas, empurrando-me para dentro e

fechou a porta. A última coisa que vi foram os olhos vazios de Volya fixos no

rosto de Anya.

Eu entrei, desviando dos brinquedos no chão, sentindo o cheiro de café

e baunilha no ar. O garotinho ainda me encarava pelo ombro da mãe, e uma

vontade incomum de pegá-lo, conhecê-lo e brincar com ele me pegou. Ainda

que eu não fizesse ideia de como brincar com uma criança.

— Quantas malas só de bugiganga você trouxe? — Viktor perguntou,

parando para tentar tirar uma gosma colorida que grudou em seu sapato.

— Nenhuma. Nós compramos tudo aqui. Anto... — Ela parou antes de

terminar, desviando os olhos. — Pagamos um funcionário do hotel para ir

buscar algumas caixas que comprei pela internet, assim que chegamos.

Pensei que tudo isso pode ficar na casa do vovô para a próxima visita.

— É claro, apesar de que se a visita ao vovô for uma vez ao ano, esses

daqui não vão servir para a próxima — Viktor disse, sarcasticamente.

Ela estreitou os olhos para ele.

— Por favor, não comece. Você prometeu.


— Eu não cumpro minhas promessas, pergunte à minha esposa.

Ela me fitou e sorriu tristemente.

— Ele é seu castigo para o resto da vida. Por que é que nós casamos?

— Não tive tempo de responder, mas nem precisava. Ela abaixou e colocou

Benjamin no chão, segurando os ombrinhos dele. — Não abra a porta

sozinho, mocinho. Nunca. Papai e eu já conversamos com você. Lembra?

— Mas eu abro na casa da vovó!

— Aqui não é a casa da vovó.

— Mas é a casa do vovô. Você disse! Disse que é a cidade dele!

— Sim, eu disse, mas as coisas não funcionam assim.

— Por que não?

— Benjamin — disse ela, exasperada.

Viktor se aproximou e o pegou, olhando nos olhos do menino.

— Não abra a porra da porta, esta é a cidade do vovô, garoto, mas tem

pessoas ruins lá fora. E não abra a porta na casa de sua avó também.

Ele arregalou os olhos azuis.

— Lá tem pessoas ruins, tio?

— Um monte delas. Deixe que seu pai e sua mãe façam isso, certo?

Você pode olhar pela janela e avisá-los sobre quem está chegando.
— Sério?!

— Sério, mas olhe escondido. Não deixe quem está do lado de fora te

ver. É mais divertido assim, como pique-esconde e essa merda toda.

— Splendido[14]!

Viktor rosnou e encarou Anya.

— Que porra ele disse?

— Legal.

— Ensine russo ao garoto, Anya. Russo!

— Ele está aprendendo. E pare de falar palavrão na frente dele, o que

está errado com vocês todos?! — Ela suspirou e girou os olhos para mim. —

Agora podemos nos apresentar devidamente. Eu sou Anya.

— Maryia. — Eu ia estender a mão, mas decidi, por fim, me aproximar

e dar um beijo de cada lado de seu rosto.

Afastei-me e, embora silenciosa, Anya me recompensou com um

sorriso, fitando Viktor com alívio no rosto.

— Ok, eu vou levar isso como um sinal de que as coisas vão ser boas

entre nós duas.

— O que você esperava? — Viktor perguntou, com um sorriso torto. —

Pensou que minha esposa louca fosse te atacar?


Ela piscou os olhos em mim.

— Não! Juro que não pensei isso, só... tentei manter as expectativas

baixas. As pessoas aqui geralmente me tratam como Volodya faz. Estou

acostumada ao tratamento dele.

— Não se preocupe — desdenhei. — Não sou nada como Volya. Na

verdade, ele também não gosta muito de mim.

— Então vamos nos dar muito bem. — Ela riu. — Roman virá agora?

— Não. Ele tem negócios a tratar, virá para o almoço.

— Certo, enquanto isso, por favor, venha comigo, Maryia. Eu preciso

conferir Carmina no quarto. — Dei um último olhar a Viktor antes de segui-

la. — Hoje é um dia bom, eu só surtei umas dez vezes e estamos só no

começo do dia. Venha conhecer Carmina, ela vai ficar apaixonada pela cor do

seu cabelo.

— Eu pensei que ela fosse pequena.

— É sim, mas fica doidinha com cabelos diferentes. Eu pinto os meus

especialmente para ela.

Olhei ao redor do quarto, vendo bolsas, mamadeiras vazias e roupinhas

infantis por todo o cômodo. Um sentimento de vazio e saudade daquilo que

nem provei me pegou de jeito. Ali estava o que eu perdi, testemunhar de

perto como a vida mudava após a maternidade — que eu quase tive — era
mais doloroso do que a lembrança do sangue em minhas roupas e a dor dos
abortos.

Ela levantou uma garotinha idêntica a Benjamin, porém, bem menor, e

a colocou no ombro, dando tapinhas leves em suas costas. Ela tinha os olhos

pesados de sono, mas resmungava, agarrando o cabelo de Anya com os

dedinhos gordos.

— Você parece ter tudo sob controle — falei, com simpatia.

— Eu já fui uma babá. — Ela riu. — Meus avós de consideração

tinham uma floricultura, mas para tirar um dinheiro extra, eu olhava algumas

crianças da vizinhança. E quando se tem filhos... você aprende ou aprende.

— Ela é linda.

— Eu sei. É perfeita. — Ela riu, virando Carmina de frente para mim.

— Olhe só, filha. Dê oi para a tia Maryia. Ela veio especialmente para te ver.

— A menina me fitou com curiosidade, tentando manter os olhinhos abertos,

mas sua mãe a balançando parecia tornar a tarefa difícil.

Um sorriso genuíno brotou em meus lábios ao ouvi-la se referir a mim

como “tia”.

— Eu imagino que os dois se pareçam com o pai?

— Sim — revirou os olhos —, são a cópia de Antony. Aqui eu posso

falar o nome dele, porque Viktor não vai ouvir e ficar todo cão rosnador pra
cima de mim. Queria que você pudesse conhecê-lo.

— Tem coisas que é melhor evitar. Nenhum laço poderia ser

aprofundado, de qualquer maneira.

— Eu sei. Odeio essa guerra e todo o ódio que eles vivem em função,

mas o que posso dizer? Não fui criada nesse mundo, embora pertença a ele,

mas me parece tão inútil. Morrer por poder. Por drogas e armas e dinheiro.

Tem viciados o suficiente no mundo e bancos o bastante para que eles

roubem, sem que cruzem o caminho um do outro.

Eu não pensava da mesma forma que ela. Como Anya disse, ela não foi

criada no submundo, suas ideias sobre a Bratva eram rasas, mas eu não tinha

por que discutir, não estávamos ali para tratar de negócios.

— Não há nada que possamos fazer — falei suavemente, então apontei

seus braços. — As tatuagens são lindas. Te faz parecer um membro da

Bratva. — Dei risada, e ela me acompanhou.

— Você gosta?

— Acho lindo. Viktor tem quase todo o corpo pintado, e a maioria dos

Vorys também. É muito comum para nós.

— Essa é uma das poucas coisas que admiro na organização, sem

ofensas, mas o fato de meu pai conseguir criar cada vez mais liberdades

dentro da Bratva... quer dizer, tem uma mulher como líder, não é?
Lembrei-me do que Viktor falou sobre não falar de assuntos da

Irmandade, mas responder uma simples pergunta não faria mal.

— Sim. Ela é uma fodona como Volya e seu irmão.

— Eu conheço uma fodona da máfia — Anya sorriu. — Bem, conheço

algumas, na verdade. Minha sogra é provavelmente a mulher mais delicada

deste mundo, e as tias do meu marido são como soldados, sabe? Elas são

damas na rua e soldados em casa. Daí tem uma das minhas melhores amigas.

— Ela riu com saudade. — Ela está afastada da máfia por várias razões, mas

quando vivia na Itália, Elena era capaz de fazer até mesmo o chefe do

negócio todo perder a cabeça.

Eu inalei profundamente, sem saber o que dizer. Anya parou de falar

imediatamente, fitando-me como se soubesse o que passava na minha cabeça

naquele momento.

— Merda — disse, colocou uma Carmina novamente adormecida no

berço antes de me encarar. — Eu nem sei o que dizer agora.

— Você sabe?

Ela deu de ombros.

— É difícil não saber. Ela é minha melhor amiga e ele vivia grudado

em mim, então...

Deslizei meus olhos para a porta, antes de ir até lá e fechá-la. Anya


cruzou os braços, observando cada movimento. Talvez agora ela pensasse
que eu ia atacá-la.

— Ele se apaixonou? Por ela?

Anya bufou.

— Não. O máximo que aconteceu foi um beijo rápido e sem emoção de

ambos os lados. Elena estava fodida da cabeça naquele tempo, é uma longa

história e Viktor... ele não parecia quem é hoje. Havia todo um personagem

sendo interpretado. Quando ele foi embora, eu sempre mantive na cabeça de

que algo devia estar acontecendo para que meu irmão estivesse tão confuso.

— Eu tinha acabado de perder o nosso terceiro filho, quando ele foi

ordenado a viajar pelo seu pai. Talvez esse fosse o motivo.

Seus olhos mudaram de insegura e arrependida por falar de sua amiga

para tristeza imediata, como se ela conhecesse o sentimento, mas eu

duvidava. Provavelmente era só a aterrorizante perspectiva de se ver

perdendo Benjamin ou Carmina. Fiquei grata que não foi pena ou

julgamento, daqueles que eu muito já havia recebido como se fosse menos

mulher por não poder trazer meu filho ao mundo.

— Maryia... eu sinto muito.

— Não foi culpa sua, não há o que sentir, mas agradeço.

— Você é jovem — disse, hesitante — Está tudo bem, certo? Ainda


podem tentar?

— Quando você sofre três perdas assim, às vezes o medo se torna

maior do que o desejo, mas vamos ver. Não posso dizer que estou evitando,

então... quem sabe.

— Nós podemos trocar telefones. Eu quero ter contato com você a

partir de agora, e quero que saiba que torcerei para que consigam dar a volta

por cima, não só com relação a uma criança, mas todo o resto.

Ela se referia à Elena. Novamente.

Eu já tinha passado por cima daquilo, graças a mim mesma e a Dimitri,

mas se não confidenciei tal coisa nem à Viktorya, não diria para Anya nem se

entornasse três garrafas de tequila.

Ela estendeu a mão e eu a peguei, demos um aperto e trocamos um

sorriso reconfortante.

— Você deveria ficar aqui — falei, de repente. — Tenho certeza de que

se divertiria mais do que na Itália, com o bônus de fazer mais quantas

tatuagens quiser, sem ninguém encarando feio.

Ela gargalhou.

— Se eu não fosse louquinha pelo meu marido, pensaria na proposta.

— Carmina escolheu aquele momento para soltar um gritinho, e ouvimos

Viktor chamando da sala. — Ok, ok, hora de ir — disse ela, batendo palmas
antes de pegar a filha. Nós seguimos em direção à porta, mas antes de
sairmos, ela me fitou por cima do ombro. — Estou realmente feliz que isso

deu certo. Eu não queria odiar a minha cunhada e conviver com isso.

— Se tivéssemos nos odiado, eu nem estaria aqui agora e você, com

certeza, não conviveria com o meu marido também.

Estreitando-me os olhos, Anya bufou um riso sarcástico.

— O que há de errado comigo, que só atraio vocês, vadias loucas, para

a minha vida?

— Nada de errado. Você está melhor assim do que rodeada de

entediantes mulheres comuns.

Voltamos à sala, depois do momento tenso, e eu encontrei Viktor

sentado no sofá de pernas cruzadas, assistindo, com um sorriso no rosto,

enquanto Benjamin lhe mostrava brinquedos atrás de brinquedos. Me

perguntei se teria sido assim com nosso filho, se ele sentaria no chão com o

menino ou a menina e brincaria também.

— Ele odeia toda essa merda — Viktor desdenhou. — Aviões e

bonecos não são diversão para meninos como nós. — Ele fitou Benjamin, e o

garoto ria cheio de diversão. — Vou te comprar um carro.

— Ah, pronto. Não faça esse tipo de promessa a ele, Viktor, quando eu

voltar para a casa, ele vai falar disso noite e dia.


— Eu não estou mentindo. Dou minha palavra. — Ele estendeu a mão

para o sobrinho, e o garotinho a pegou. — Seu primeiro carro será meu. Se

alguém ousar te dar um antes de mim, vamos queimá-lo. Podemos até chamar

Maryia para ajudar. — Ele me deu um sorrisinho cheio de ironia. — Ela

entende disso.

— Vai dizer que Maryia já queimou um de seus carros, irmãozinho? —

Anya perguntou, rindo.

— Não — respondi, suavemente, ao me sentar do lado dele. — Eu

incendiei a nossa casa.

Anya olhou entre nós dois, meio duvidosa, mas em algum ponto devia

ter visto a verdade em minhas palavras.

— Eu não vou perguntar.

— Então — disse Viktor, quando ela se sentou no chão ao lado de

Benjamin e o puxou para seu colo. — Eu estou com fome, você vai pedir a

comida ou o quê?

— O telefone está bem ali, por que você mesmo não pede?

Dei risada ao finalmente perceber que alguém além de mim ousava

falar com ele daquele jeito. Anya piscou para mim.

— Que ideia de merda juntar vocês duas — resmungou, levantando-se

para pegar o telefone e ligar na recepção do hotel.


— Nada de doces para Benjamin essa hora — avisou. — Enquanto

isso... Maryia, por que não me conta como o meu irmão era quando mais

jovem? Eu não consigo arrancar uma única história dele.

Eu caí na risada, me recostando mais confortável no sofá.

— Isso vai ser divertido.


“Sei que estou agindo feito louca

Estou presa, me sentindo confusa

Com a mão no coração, estou rezando

Para sobreviver a isso tudo

Você me deixou em pedaços

Brilhando como estrelas e gritando

Mas então você desaparece e me deixa esperando

E cada segundo é uma tortura

Mas não imagino minha vida sem os momentos de tirar o fôlego

acabando comigo

O futuro que temos é tão incerto


Mas eu não vivo enquanto você não me ligar

E vou apostar, contra tudo, que dará certo

O coração quer o que ele quer”

SELENA GOMEZ, THE HEART WANTS WHAT IT WANTS

As semanas se passaram numa rapidez impressionante, talvez fosse o

final do ano chegando, aquela época deixava todas as pessoas mais ansiosas e

embora eu e minha família não fôssemos tradicionalistas do Natal e Ano

Novo, eu sempre gostei de montar árvores, enfeitar a casa, compras garrafas e

garrafas de champanhe e viver aquele conto de fadas por alguns dias.

Viktor e eu continuávamos vivendo o nosso pé de guerra particular,

cada um em seu campo de batalha, porém, havia aquela divisão onde nos

encontrávamos e selávamos a paz temporariamente. Honestamente, era

divertido. Sempre foi.

Ao mesmo tempo em que as coisas se ajeitavam, outras mudaram. Eu

nunca tive problemas em dizer a ele as verdades que pensava, mas isso tinha

mudado também. Eu estava me impondo mais, falando mais sobre minhas


vontades, deixando claro quando não queria fazer algo e controlando-me
mais do que fazia antes.

Viktor adorava.

Há quase dois meses nos mudamos. Um mês e 22 dias para ser exata.

Eu contei porque o alívio de estar longe de Olga foi tão grande que parecia

um sonho. Eu tentava não pensar nela também, pelo menos, enquanto não via

como me livrar de sua presença definitivamente. Talvez quando Viktor

viajasse, eu conseguisse pensar em algo com clareza. Nem sequer voltei

àquela casa para buscar as poucas coisas que tinha lá quando voltamos ao

nosso antigo loft. Era um duplex no último andar de um prédio na avenida

Tverskaya, a poucos metros do Ritz, portanto, a movimentação era intensa

pelo turismo e hóspedes diariamente passeando.

O Kremlin ficava perto, assim como a Praça Vermelha e o Bolshoi. O

que me fascinava. Morar perto de tantos lugares fantásticos e importantes do

meu país, ouvir música, vozes e carros o tempo todo. Tudo era incrível.

Bastava abrir a janela e o mundo estava literalmente aos meus pés. Nós dois

gostávamos de passar as noites observando tudo da nossa piscina na área

aberta.

Meu marido não sabia viver com pouco e eu não podia criticá-lo, pois

também nunca me esforcei para aprender.


Fiz compras com Viktorya para renovar a decoração antiga da “nova”

casa e consegui evitar Alessandra e Veronika desde a festa de aniversário de

Roman. Respondi as mensagens o mais vagamente possível, e não as

encontrei para nossos almoços semanais, sempre inventando alguma

desculpa. Também fiz com que Viktorya não fosse, o que deve ter feito

milhões de questionamentos surgirem na cabeça de ambas, mas eu não me

importava. Assim como elas não se importavam quando traíam a mim e a

Viktorya.

Também não falei com Maksim, o que estava deixando Evarkov louco,

já que sempre que queria me ver, eu exigia não levar nosso irmão.

— O que acha desse?

Virei-me ao ouvir Evá chamar, ele abriu a cortina do provador e abriu

os braços, mostrando um dos possíveis ternos de padrinho de casamento.

Embora o meu desgosto por Maksim parecia crescer a cada dia mais, devido

à data do casamento estar se aproximando, eu não deixaria de ir e nem podia

deixar Evarkov aparecer de qualquer jeito.

Sua má vontade por estar ali fazendo compras era nítido, já que para ele

estava tudo bem ir com algum terno antigo ou uma camisa social e jeans

escuros. Em suas palavras “não era o seu casamento, então todo mundo podia

ir se foder”.
Mas não, não funcionava fácil assim.

— Lindo.

Ele estreitou os olhos.

— Como o seu marido cai nessa baboseira de olhinhos de cachorro sem

dono?

— Como assim?

— Me poupe, Maryia. Eu não vou a lugar nenhum com este museu. É o

tipo de coisa que Roman ou o nosso avô usaria. Eu pareço aquele fodido do

filme O Irlandês.

— Você parece sofisticado e decente, se é isso o que quer dizer. Se

trata de um casamento, não uma luta até a morte na Bloodline.

Segurando as lapelas do paletó, as abriu e puxou o bolso interno para

fora.

— O que eu deveria guardar aqui? Meu absorvente, porra?

Revirei os olhos, aproximando-me e enfiando o bolso para dentro

novamente.

— Um isqueiro, um lenço, eu não sei... balas.

— Qual o propósito de carregar um isqueiro, se não posso fumar lá

dentro?
— Você pode fumar cigarro como todos os outros. Deixe seus

enrolados de maconha e o quer que você enfie naquilo para quando chegar

em casa.

Ele me fitou por um momento, como se eu tivesse feito um discurso

onde só ouviu “blá-blá-blá”, colocou a mão em minha testa e me empurrou

para trás.

— Sai fora, careta. — Ele assoviou, chamando a atenção da funcionária

da loja ao mesmo tempo que eu lhe dava um tapa para tirar sua mão de mim.

— Vejo que serviu — disse ela, engolindo em seco. Havia medo e

insegurança em seu olhar. Ela reconheceu Evarkov assim que entramos. — O

senhor vai levá-lo ou gostaria de ver ou...

— Isso aqui parece a merda que meu avô usaria, eu não vou ao Oscar

do caralho — disse distraidamente, tirando o terno, então a camisa sem

delicadeza nenhuma e eu jurava que vi um botão cair no carpete. — Traga-

me algo no estilo Denzel Washington em O Gângster.

A garota me fitou como se esperasse uma explicação e só eu pudesse

salvá-la.

— Você tem algo mais... — Dei uma olhada rápida em Evarkov, vendo

que ele estava desfazendo o botão da calça e prestes a descer o zíper bem ali,

para que a sala dos provadores inteira visse. — Descolado?


Ela arregalou aos olhos quando viu que Evá realmente ficaria pelado e

se virou rapidamente.

— Vou trazer imediatamente.

Observei-a correr como o diabo fugindo da cruz e fitei meu irmão.

— Evarkov, eu juro que se você se atrever a ficar de cueca na minha

frente...

— Eu não faria isso. — Abriu os braços e piscou. — Estou sem nada

por baixo.

— Sério? Que nojo... argh!

— Não é isso o que a população feminina russa diz, sestra.

— Bem, elas são todas cegas ou estão tão chapadas de respirar o

mesmo ar poluído de tóxicos com você, que não pensam direito.

Ele segurou o arco da cortina com as duas mãos, fazendo cada mulher

presente prender os olhos em seus músculos flexionando e estreitou os olhos

em mim.

— Esse mau humor tem algo a ver com o seu marido, o fodido fez

algo?

— Não. Viko e eu estamos bem.

— Então é Maksa. Me diga qual o problema, antes que eu arranque


algumas cabeças para fazê-la falar.

— Por que acha que tem algo errado?

— Ele está estranho, você me pergunta se estou com ele antes de me

ver. Eu não gosto dessa merda, se resolvam.

— Não há nada para resolver. — Encolhi os ombros, fitando a porta

para ver se a garota voltava a fim de fugir do assunto.

— Homens traem, Maryia — disse de repente, fazendo-me encará-lo

em choque. — Você sempre gostou de me ver como um menino que a

qualquer momento vai tomar um rumo decente e Maksim como um herói

perfeito, quando, na verdade, eu já estou no meu rumo, todo fodido, mas foi o

que eu escolhi e Maksim é um vilão.

É claro que ele sabia que Maksa era infiel à Viktorya. Provavelmente

os dois riam disso e fodiam mulheres aleatórias juntos.

— Eu perdoei Viktor por uma traição, essa não é a questão.

— É pelas suas amigas que gostam de chupar boceta? Por que ele

montou um circo com elas e o espetáculo está rolando solto?

— Evá! — gritei, recompondo-me em seguida. — Evarkov!

— Vocês todos acham que eu sou cem por cento músculos e zero

cérebro.
— Isso não é verdade.

— Claro que é — falou despreocupadamente. — Estão todos

preocupados com tudo, de cabeça cheia e distraídos demais para prestar

atenção nas coisas claras como a luz do dia. Eu me sento, fumo meu baseado,

e olho em volta. Eu sei de tudo, sestra. Tudo. Se você acha que o que

Alessandra e Veronika fazem é errado... — Deu risada. — Não tem ideia do

que acontece ao seu redor. Bem perto de você.

— Eu não acho o que elas fazem errado. Acho que erraram ao fazer

pelas costas de Viky. E o que é que você quer dizer com “bem perto de

mim”?

Ele encolheu os ombros.

— Só dando uma dica de um drogado com músculos e sem cérebro. Já

que está se livrando de amigas mentirosas e sem moral... se livre de todas.

— Evá...

— Encontrei esses aqui. — A garota voltou, interrompendo-me quando

tudo o que eu queria era mais cinco minutos a sós com o meu irmão.

Evarkov deu dois pulinhos no lugar e esfregou as mãos, o mesmo

movimento de quando estava no ringue prestes a assassinar brutalmente seus

oponentes.

— Tudo bem, kitti[15], me dê Denzel Washington aqui. Se eu gostar,


será recompensada.

A garota ficou vermelha, mas ofereceu o primeiro terno e ficou ao meu

lado quando Evá fechou a cortina. Eu bebi minha água e me sentei, esperando

que saísse para mostrar. Conhecendo Evarkov, ficaríamos ali um bom tempo.

Quando saímos da loja sem nenhum terno em mãos, quatro horas

tinham se passado e eu queria matar o maldito. Ele jogou o braço por cima do

meu ombro.

— Bem, aonde vamos agora?

— Você é um idiota, não ia comprar nada. Só fez com que eu perdesse

meu tempo e a garota também.

— Isso não é verdade. Ela vai chupar meu pau sexta à noite. — Ele

tirou um papel do bolso e levantou à nossa frente, onde tinha um número de

telefone.

Empurrando-o, me livrei de seu abraço.

— Você é um sexista rude e nojento. Eu não sei como consegue


transar.

— Sestra, com esses olhos, esse corpo e toda a tinta espalhada pelos

músculos, eu não preciso de palavras doces. Elas simplesmente caem

matando.

Eu fiz uma pausa e apontei o dedo em seu rosto.

— Um dia, Evá, guarde minhas palavras. Um dia você vai se apaixonar

fortemente por alguém e ela não vai te dar um fodido minuto do dia.

Ele estreitou os olhos, parando de sorrir.

— Praga de família pega mais forte do que de inimigos, retire o que

disse agora, Maryia.

Eu gargalhei.

— Sobre ela não te dar bola?

— Sobre eu me apaixonar! — rebateu, horrorizado.

Eu ia fazer mais uma piadinha, mas de repente o rosto de Evarkov ficou

turvo, meu corpo amoleceu e eu não podia ver mais nada à minha frente.
Quando acordei novamente, o cheiro de álcool, a claridade e os

barulhos familiares foram a primeira coisa de que tomei consciência. Eu

estava deitada numa cama de hospital, meu irmão me observava de perto,

com os braços cruzados e um papel na mão.

— O que houve?

— Você desmaiou no meio da rua, do nada.

— E você me trouxe ao hospital por isso? — Eu sorri carinhosamente,

sabendo que embora as ofensas entre nós fossem constantes, sua preocupação

sempre viria em primeiro lugar.

Evá não sorriu e nem me provocou. Ele só ficou me olhando por alguns

minutos de silêncio.

— Evá?

— Você está grávida. — Ele colocou o papel em cima da minha barriga

coberta pelo lençol e suspirou, passando as mãos pelo rosto. — Está grávida

de novo, Maryia.
“Me engana uma vez, me engana duas vezes

Você é a morte ou o paraíso?

Agora você nunca me verá chorar

Simplesmente não há tempo para morrer”

BILLIE EILISH - NO TIME TO DIE

Quando voltei para a casa naquela mesma noite, não tive coragem de

dizer a Viktor. Meu primeiro instinto foi pedir para refazerem os exames no

hospital e após obedecerem, eu recebi um segundo diagnóstico positivo. Sem


dizer nada relacionado, pedi a Evarkov que me levasse de volta para a casa,

que estranhamente calado, não tentou brincar com a situação. Ele sabia que

aquele era um tema complicado para eu lidar, o tipo de possibilidade que eu

não acreditava mais. Ainda que fosse jovem e saudável, quando perdi meu

último filho, prometi a mim mesma que não engravidaria outra vez, porém,

sempre foi por pensar que algo estava errado comigo, que era incapaz de

gerar uma criança saudável.

Mas agora, sabendo a dolorosa verdade por trás dos abortos que só fui

capaz de dizer à Viktorya, sabia que meu corpo não tinha nenhum problema,

que meus filhos foram forçados para fora de mim por Olga. A revelação de

que eu tinha uma quarta chance e poderia fazer tudo diferente me deixava

tanto animada quanto aterrorizada.

O som atravessava a porta de casa, e encontrei Viktor socando um saco

de box na sala, próximo à sacada. As luzes lá fora iluminavam a avenida

principal e o chão tremia com o grave do rap agressivo. Eu tinha certeza de

que não éramos expulsos apenas por nosso sobrenome, porque todos os

moradores estavam aterrorizados demais para reclamar.

Geralmente, ele treinava em um ginásio com outros Vorys, então

estranhei. Seus movimentos eram espontâneos, rápidos, tão fixados na mente

que não se esforçava mais. Os socos e chutes tão rápidos que me deixavam

cansada apenas de olhar.


Ele não me ouviu chegando, por isso, tomei um momento para assisti-

lo e refletir sobre como seria quando eu contasse. Já tinha visto de perto sua

interação com crianças naquela manhã no Ritz com Anya e seus filhos. Mas a

nossa criança era um cenário completamente diferente.

Nas outras vezes, após a primeira perda, ele escondeu o seu medo e me

mostrou apenas felicidade, mas veria as coisas do mesmo jeito de novo?

A música acabou, e antes que pudesse iniciar outra, Viktor pegou o

controle e desligou o aparelho acoplado à parede. Virou-se, e não demonstrou

surpresa ao me ver, o que queria dizer que estava ciente da minha presença o

tempo todo.

Caminhei lentamente em sua direção, envolvendo meus braços em seu

pescoço. Beijei seu peito, respirei seu cheiro, suor, homem, masculinidade

exalando dele.

Beijei bem abaixo do nariz, depois desci aos lábios. Ele segurou minha

cintura, tirando minha bolsa do ombro e a jogando no chão. A respiração e o

peito ofegante demonstravam a adrenalina pulsando em seu corpo.

Eu me afastei antes que as coisas pudessem ir longe.

— Boa noite, senhor Zirkov.

Ele estreitou os olhos, me observando dos pés à cabeça.

— Conseguiu um terno para seu irmão?


— Não, ele obviamente não quis escolher nada. Então eu imagino que

vá aparecer de jeans e uma camisa qualquer.

— Ele não nos envergonhará, não se preocupe.

— Propositalmente, não.

— Não nos envergonhará de qualquer jeito, zhena. Lidarei com isso.

— Você sempre lida com tudo — brinquei.

— É por isso que sou quem sou. O que sou. — Ele franziu a testa,

fazendo mais suor brotar ali. — Você parece tensa. Quer dar um mergulho

comigo?

— Eu... — Hesitei. — Não sei como falar isso. Quer dizer... sei, mas

estou pensando maneiras de te dar a notícia. Já fiz isso outras vezes, mas

nenhuma é...

— Você está grávida — interrompeu-me.

Arregalei os olhos, fitando-o com desconfiança.

O ditado sobre “quem deve, teme” nunca foi tão verdadeiro.

— Como é que sabe disso?!

— Eu tenho olhos e ouvidos ao redor de você 24 horas por dia, Maryia.

Principalmente depois do que houve no clube.

— E então o quê? Está me espionando?


— Sim — disse, sem nenhum pesar ou constrangimento. — Você foi

ao hospital e eu pedi para que meu homem entrasse e verificasse o que

aconteceu. Eu estava numa reunião inadiável, mas teria corrido até lá. Porém

meu Vory ligou, dizendo que foi informado sobre seu marido já estar te

acompanhando.

— Evá deve ter dito isso.

Entendi por que ele teve acesso ao exame de gravidez, que era

confidencial até que a gestante dissesse a alguém. Antes de saber aquele

pequeno pedaço de informação, eu estava imaginando que meu irmão usou

da violência. O que também não seria uma surpresa.

— Eu sei que foi o seu irmão, Maryia. Se a situação fosse diferente, eu

estaria socando alguém, não um saco.

A imagem de Dimitri sendo espancado me piscou não cabeça, e ao

lembrar-me da possibilidade de meu filho ser dele, desejei que Viko fizesse

isso.

— Ok. Quando o choque da gravidez passar, eu terei tempo para me

revoltar sobre você colocar homens me seguindo sem que eu soubesse.

Ele inclinou a cabeça ligeiramente.

— Isso só teria sido um problema se fizesse algo errado. Resolvi que

era melhor assim, desde a noite no clube. Farei tudo para evitar que se
machuque novamente e se para isso tenho que colocar um time de Vorys ao
seu redor, não me importarei.

— Você não pode colocar a minha segurança acima da minha

privacidade.

— Já fiz, zhena. Não vou pedir desculpas e não vou voltar atrás.

— É sempre assim com você, qual a novidade?

— Pois é — ele se aproximou em passos rápidos e me beijou —, fico

feliz que já está acostumada.

— O que você acha? — Meu queixo tremeu ao perguntar, seu polegar

acariciou minha bochecha, enquanto os olhos verdes acalmavam-me de

dentro para fora.

— Acho que é mais uma chance.

— Não tem medo de que aconteça outra vez? A quarta? — sussurrei.

— Não tenho medo de nada, Maryia. O que acontecer... aconteceu.

Você ainda estará aqui. Uma criança não é a coisa mais importante que pode

acontecer para nós.

— Como não?

— Você voltou para mim, mesmo depois do que fiz, e isso é mais do

que eu poderia pedir. Um filho é um milagre.


Um filho que talvez não seja seu.

— Se algo acontecer de novo, não terei forças para tentar uma quinta

vez.

— Nada vai acontecer, mas trabalhando com uma possibilidade vaga...

se acontecer, podemos adotar. Eu consigo bebês para você facilmente.

— Não comece com isso novamente, Viktor — o repreendi.

— Eu poderia procurar grávidas que não queiram as crianças, viciadas

ou mercenárias. Mulheres com histórico de violência e que já tem muitos

filhos, elas nem dariam falta de um.

— Eu já lhe disse antes e repito: não vou roubar um bebê. Nem

comprar.

— Você não iria fazer nada, eu iria.

— Tudo bem, você não vai roubar e nem comprar um filho para mim.

Existem outros métodos de fazer isso dar certo. Eu sei que você quer um filho

e sempre falamos sobre isso, mas existem outros métodos além de caminhos

errados.

— Sempre falei sobre filhos porque era natural que pensássemos nisso

após o casamento. Um noivado, uma casa, um tempo de convívio sozinhos,

juntos... e então uma criança. Mas a criança não aconteceu e, honestamente,

Maryia, eu tenho você. Não tenho muitas coisas com as quais me importo e
você está no topo delas. Uma criança sempre virá em segundo lugar para
mim, eu nunca vou amá-la como amo você.

— Não diga isso, é seu filho.

Talvez.

— Eu sei. Vou me orgulhar dela e amá-la, mas você é a minha vida,

Maryia. De você, eu não suportaria uma decepção, uma traição, um coração

partido. Só você.

Meu coração bateu forte, e eu o puxei para baixo, abraçando-o com

força.

— Eu quero este bebê — sussurrei em seu ouvido. — O quero mais do

que tudo.

— Então farei de tudo para que o tenha. Comece a ver especialistas,

procure os melhores médicos do país novamente e, se necessário, podemos

buscar opiniões fora. Eu estarei ao seu lado como nunca estive antes. Você

quer o seu filho e o terá.

As palavras ditas com tanta certeza em meu ouvido me deram

esperança, fizeram-me sentir a mulher mais mentirosa e condenável do

mundo. Mas eu não ia contrariá-lo, não quando aquele bebê podia reconstituir

tudo o que perdemos juntos.

Confiança, tempo, amor e paz.


— Eu quero o nosso filho. Ele será a nossa paz.

— Você quer ter paz? — perguntou, com um tom de zombaria na voz.

— Talvez seria bom tê-la de vez em quando.

— Eu não acho, e espero honestamente que essa criança — ele desceu

a mão até minha barriga, espalmando a palma em meu estômago —, não

traga paz de jeito nenhum. Meu filho trará caos, fogo e desordem ao mundo.

— Pare! — Dei risada, estapeando seus ombros.

— Deixe-me terminar. — Ele riu roucamente. — E muita felicidade

para você.

— Para nós.

Ele balançou a cabeça, beijando as costas dos meus dedos, demorando-

se naquele que tinha nossa aliança e o anel de noivado.

— Já te disse, zhena. Se mesmo depois de tudo o que já fiz e que sou,

eu possa ter um pouco de felicidade, sei que ela não virá de um recém-

nascido nesse mundo podre. Virá de você, que mesmo depois de tudo o que

passou, não se corrompeu.

Eu sorri sem graça, com medo, vergonha e começando a me arrepender

de minha escolha com relação a Dimitri.

— Vamos brindar. — Ele se levantou e me pegou no colo. — Essa é


uma notícia a ser celebrada e eu vou recebê-la da mesma forma que recebi as

anteriores. — Ele me levou para o bar perto da piscina, enquanto eu ria em

seus braços, sentando-me em um dos bancos. — Nada nesta vida acontece à

toa, nossos filhos estão observando e esperando a irmãzinha chegar ao

mundo.

Senti-me aquecida com suas palavras.

— Ainda não sabemos o sexo. Vai demorar um pouco.

— É uma menina — garantiu, procurando algo atrás do bar até que

achou uma garrafa de vodca e a abriu.

— Você consegue se imaginar pai de uma menina?

— Não, mas sei o quanto você quer isso. — Ele apontou para mim. —

Você sempre quis uma garotinha, então, será uma menina para você e uma

mini Maryia para mim.

— Você tornará a vida dela um inferno.

— Com toda a certeza e provavelmente vou errar mais com ela do que

errei com você. Que droga de pai.

— Será um trabalho difícil — respondi, rindo de seu bom humor.

— Eu sou Boss da Bratva em Moscou. — Abriu os braços. — Difícil

não é mais um desafio para mim, é diversão. Dê-me uma missão impossível e

trabalharei com isso. — Ele fez uma pausa, antes de pegar uma água com gás
no frigobar e colocá-la numa taça, empurrando-a para mim. — Está feliz?

— É claro.

— Com medo?

— Não desta vez. — Porque eu sabia que não havia nada de errado

comigo. — Mas quero esperar para que as pessoas saibam, podemos deixá-

las saber quando não tiver mais como esconder a barriga.

— Eu imaginei que gostaria de celebrar. — Franziu o cenho, sem

entender minhas reservas.

— Eu vou, mas com meu avô, com Viktorya e Evá. Ele provavelmente

já contou para todos em casa.

— Provavelmente. Volya precisa saber desde já, eu só confio sua

segurança nele, se algo acontecer comigo.

— Nada vai te acontecer. — Estreitei os olhos. — Cuide-se ainda mais

agora, Boss, você tem um bebê a caminho.

— Eu não ousaria perder isso. — Ele me observou por um momento,

tirou uns fios de cabelo de meu rosto, empurrando-os para trás e me ergueu

em seus braços, abraçando-me com força. — Obrigado, Maryia. Mesmo

depois de tudo. Obrigado.

Envolvi minhas pernas em sua cintura, sentindo um aperto no peito.


— Não erre mais — sussurrei.

— Não. Não mais.

Senti um estranho novo peso na consciência em saber que ele estava

me agradecendo, mas havia uma chance real de que eu estivesse lhe

empurrando um filho que não era seu. Dizer a verdade estava fora de

cogitação.

Os olhos verdes brilharam em excitação quando me fitou novamente,

totalmente alheio ao que eu sentia. Havia também amor ali, um amor todo

errado, feio, mas verdadeiro, assim como o meu.

Por que a vida nos condenou juntos, era uma pergunta para qual nunca

teríamos resposta, mas nenhum de nós tinha pressa de terminar isso.

Ele se inclinou para me beijar e eu sabia que aquele beijo terminaria em

nossa cama, na piscina ou comigo inclinada sobre o bar, talvez em todos

esses cantos, mas antes que pudesse aprofundá-lo, seu telefone tocou. Eu o

segurei pela gola da camisa, enrolando minhas pernas com força em sua

cintura.

— Ignore — murmurei nos seus lábios, fazendo-o gemer como se fosse

um alívio ouvir aquilo.

Embora eu realmente não precisasse dizer nada para que ele

continuasse. O toque continuou por mais um minuto até parar.


— Pessoa esperta — disse ele, começando a levantar a barra do meu

vestido colado. Ele mal terminou de falar o toque voltou.

Puxei a cabeça para trás.

— Atenda. Eu vou te esperar nua na piscina.

— Porra, Maryia — rosnou. Ele foi em direção à sala, ajeitando a calça,

em passos pesados.

Fiquei rindo sozinha, abaixei o vestido novamente e toquei minha

barriga. Era bobo procurar por alguma mudança tão cedo, só havia meu

estômago plano, sem qualquer sinal de vida crescendo ali dentro. Eu já

esperava ansiosamente pelo momento em que começaria a aparecer. Minha

genética não me deixou vê-la muito grande, mesmo quando consegui chegar

aos seis meses, mas agora, eu tinha certeza de que isso mudaria.

Um barrigão, lindos vestidos, eu faria até um ensaio fotográfico.

Seria lindo.

Quando ouvi Viktor se aproximando novamente, eu me levantei pronta

para mostrar a ele como estava feliz. Segurei a cintura da saia para abaixá-la,

mas parei ao ver a expressão em seu rosto.

— Viko? O que foi? — O medo em minha voz era transparente, assim

como sua feição assustadora. — Aconteceu algo? Alguém se machu...

Ele avançou em minha direção, interrompendo meu raciocínio e minhas


palavras quando segurou meu rosto com uma mão e atrás da minha cabeça
com a outra. Seus olhos fixos nos meus estavam escurecidos. Enlouquecidos.

— Eu vou fazer uma pergunta. Se você mentir, eu saberei.

— Ficou louco, Viktor? — Espalmei seu peito para afastá-lo, mas ele

me segurava com firmeza, sem me deixar sair do lugar.

— Uma única vez, Maryia. E então eu vou começar a trazer sua família

para cá, até que só reste você.

— Você acabou de dizer que não erraria mais comigo — sussurrei,

enraivecida.

— Uma. Vez — grunhiu. — Quem era o homem com você e Xenia

naquela cabine?

Eu ouvi suas palavras.

Elas me bateram.

E eu parei de respirar, senti o impacto de sua pergunta em meu peito.

Meu coração solavancando. Minhas pernas fraquejaram e Viktor me

empurrou para trás com o corpo grudado ao meu, me apoiando entre a grade

da sacada.

— Viktor... e-eu...

— Antes que pense em mentir, eu recebi de uma fonte segura que tinha
alguém lá. Um homem. Diga-me quem era.

— Quem é sua fonte segura? — perguntei, em desespero. — Sergei?

Seus olhos congelantes, tão frios, estavam totalmente focados em

minhas íris. Como se fosse detectar qualquer mentira dita por mim.

— Por que está falando de Sergei? Eu não toquei no nome dele.

— Foi ele que te ligou, não foi? Ele está mentindo!

— Por que está dizendo isso, Maryia? — Ele me sacudiu uma vez. —

Acusando um homem que confio de mentir para mim?

— Porque ele não queria que você soubesse a verdade!

— Que verdade? — rosnou.

— Ele estava me perseguindo... ele... ele — gaguejei, com falta de ar.

— Xenia era uma testemunha das coisas que ele me disse aquele dia, por isso

a matou.

— Você me disse que não se lembrava de nada.

— Eu estava com medo — sussurrei, agarrando seu pescoço com

súplica nos olhos.

Eu menti. Deus... menti tão facilmente, que se alguém visse a cena,

diria que eu a planejei por meses, mas a verdade era que Sergei estava pronto

para me denunciar, e se não fora ele quem falou com Viktor ao telefone, em
breve seria. Eu não tinha para onde correr. Dizer a verdade levaria Viktor a

Dimitri, e então sua vingança estaria completa.

O plano do meu amante de uma noite deu certo. Perfeitamente.

Ele diria a Viktor o que fizemos, o que eu fiz e meu filho pagaria o

preço. Pela quarta vez.

— Ele me queria... como mulher. Quando eu o neguei, na frente de

Xenia, ele sabia que deveria eliminá-la, pois eu não diria nada. Por medo!

— Serga... — Viktor repetiu. — Meu guerreiro mais leal.

— Sim — confirmei, num sussurro, sem encarar seus olhos. — Eu não

queria que se sentisse traído.

Isso era verdade.

Seus olhos acelerados pareciam vivenciar uma tempestade, mas ainda

assim, o aperto foi diminuindo aos poucos, ele deslizou as duas mãos para

minhas bochechas e encostando a testa na minha. Manteve nossos olhos

fixos.

— Se tivesse mentido para mim, Deus me perdoe, mas eu a mataria,

Maryia. Se qualquer homem... eu o mataria lentamente. Mas sei que não está

mentindo, pois vejo o medo em seus olhos. — Ele deu um passo para trás,

soltando-me. — Embora ele seja o meu melhor homem, não vou deixá-lo

escapar com o que fez. Cobiçar o que é meu foi seu maior pecado e agora ele
pagará por isso.

— Ele vai negar — me apressei em dizer. — Talvez tente enganá-lo.

— Provavelmente, é o que todos os homens culpados fazem. — Ele

começou a se afastar, indo em direção à porta para sair, mas fez uma pausa.

— Vamos.

— O quê? Aonde nós vamos?

— Ver como a Bratva castiga um traidor.

— Eu já vi isso antes, Viko — solucei, balançando a cabeça. — Prefiro

ficar aqui, por favor.

Condenar Sergei para me salvar era uma coisa, mas assistir à minha

injustiça acontecer e causar danos irreparáveis... Eu era covarde demais para

isso.

— Não, você não viu como eu faço isso. Está prestes a conhecer o

homem com quem se casou.


“Mas e se eu tropeçar?

E se eu cair?

Então eu serei o monstro?

Apenas me avise

E se eu pecar?

E se eu desmoronar? Pois é

Então eu serei o monstro?”

JUSTIN BIEBER & SHAWN MENDES, MONSTER


Quando ele entrou no carro, ignorando um Vory falando com ele e

empurrou o outro que parou em sua frente, eu percebi que deveria tentar pará-

lo, mas sabia que àquela altura, nada tiraria da cabeça de Viktor que

precisava fazer o que achava.

Como eu o impediria sem dizer a verdade? O estrago já estava feito.

Como eu o faria não cometer uma injustiça, sem o peso de sua cruel justiça

em mim e em meu filho?

Eu era egoísta por colocar Sergei naquela situação? Talvez, mas ele não

pensou duas vezes antes de ameaçar me denunciar para Viktor, mesmo

sabendo o quão sanguinário e impulsivo meu marido poderia ser.

Ele abriu a porta do passageiro e sem encontrar meus olhos, esperou

que eu entrasse, assustando-me ao bater a porta com força. Em seguida,

entrou e acelerou o carro, fazendo-me segurar onde pude. Seus olhos

enlouquecidos fixos na estrada nem sequer desviavam para o retrovisor ou o

espelho, a fim de verificar se algum carro estava ao nosso lado ou atrás. Ele

acelerou, fez curvas perigosas, sem ver nada além da estrada à frente, nos

levando a um caminho: vingança.

— Viktor, vá devagar! Lembre-se do...

— Eu me lembro. — Sua voz era firme e fria. — Não vou colocar meu

filho em risco. Muito pelo contrário, estou prestes a protegê-la. Sergei —


murmurou. — Porra! O que estava pensando, fodido? — A cada xingo, ele
socava o volante. Eu fechei meus olhos quando o carro deslizava rápido, a

buzina disparando.

A vontade de descer daquele carro era incontrolável, mas eu sabia

também que só conseguiria quando chegássemos à casa de Sergei.

— Você está me assustando! — gritei e sua cabeça virou com força

para mim.

— Maryia, não me faça foder tudo agora. Eu estou me controlando

aqui!

— Você está se controlando? Eu não quero vê-lo descontrolado, então

— cuspi, olhando para a frente.

De repente, ele parou o carro bruscamente, enfiando o pé no freio de

modo que eu seria lançada à frente se não fosse pelo cinto, que ainda assim,

pressionou meu peito dolorosamente. Ele se apoiou no volante, segurando-se.

Minha cabeça sacudiu e bateu contra o banco. Lá fora, os carros buzinavam e

vozes alteradas chamavam nossa atenção. Enquanto alguns conseguiam se

desviar de última hora, um deles bateu na lateral.

— PORRA! — Viktor abriu a porta com força, empurrando-a e tirando

a arma do porta-luvas antes de sair.

Eu me desesperei, temendo pela vida de mais um inocente. Tentei tirar


o cinto para ir atrás dele e segurá-lo, mas minhas mãos tremiam tanto e minha
visão estava tão borrada com lágrimas que simplesmente não conseguia.

— Não, Deus — sussurrei, soluçando. — Por favor... Viktor!

VIKTOR! Eu m-menti, eu menti! — gritei, com desespero, batendo no vidro

da janela, mas ele não me ouvia com todo o caos acontecendo lá fora.

Os disparos da arma soaram como sinos do inferno, no mesmo

momento em que o carro que havia batido em nós deu ré e virou

imprudentemente, direcionando-se para longe na contramão da avenida.

Quando ele voltou para o carro, travou a arma e a colocou na cintura.

Eu o ouvi sugar uma respiração profunda antes de me fitar.

— O que você disse?

— Você acertou alguém?

Franzindo o cenho, ele negou.

— Atirei para o alto, Maryia. O filho da puta ia descer e eu não podia

lidar com essa merda agora.

— N-nada — respondi, enquanto alívio me fazia respirar novamente e

lágrimas deslizavam por meu rosto. — Eu nã-ão disse n-ada.

Ele inclinou-se e segurou meu rosto.

— Zhena.
— O que você vai fazer? — Fitei seus olhos. — Diga-me o que vai

fazer quando chegarmos lá.

— Vou assassinar a família de Sergei em sua frente, e então vou matá-

lo — respondeu, sem qualquer resquício de emoção na voz. — Ele vai para o

inferno e sabia que isso aconteceria se me traísse. Nunca deveria ter sequer te

olhado como algo além da minha esposa. Ele é um escravo, um funcionário.

Ele é meu e pagará o preço do que fez pelas minhas mãos.

— A família dele?

— Uma esposa e um filho adolescente. — Ele me soltou e deu partida,

acelerando novamente. — Quem dá uma foda? Não são ninguém no Clã.

— Viktor — eu segurei seu braço livre —, a família dele? São

inocentes!

— Se as pessoas souberem que você estava na cabine com outro

homem, vão duvidar de mim, não pode haver testemunhas.

— Eles não dirão nada, tenho certeza. A mãe vai proteger o garoto,

ainda que ame Serga! Se ela souber que a vida do filho está em risco, vai

ficar quieta para protegê-lo e...

— Não vou arriscar, Maryia.

— Não posso deixar que faça isso, eles são inocentes!

— Nem todos são inocentes a vida toda. Você já deveria ter aprendido
isso no tempo que está comigo. O garoto vai crescer e nunca conseguiria me
atingir, mas pode se planejar para cobrar sua vingança em nossa filha. Eu não

vou deixá-lo tentar.

— Isso é insano, você não pode matar uma criança agora, baseado

numa teoria do que aconteceria em anos! Ele pode tomar outro rumo na vida

— argumentei. — Ele pode esquecer isso e te perdoar.

— Não questione as minhas decisões, Maryia. Todos são inocentes até

certo ponto, mas se tornam culpados uma hora ou outra. Você não tem que

ver isso, fique no carro enquanto eu cuido da família. Levarei Sergei para que

você veja eu colocar um fim em sua vida miserável.

Eu não tentei continuar discutindo, enquanto ele dirigia o restante do

caminho. Eu já tinha visto Viktor em todos os humores, mas não assim. Ele

nunca esteve tão louco e furioso como naquele momento. Não havia temor

em mim para Sergei, apenas para sua família. Me aterrorizava pensar no que

Viktor faria com a mãe e o garoto inocente. Inocente.

Sergei só estava recebendo o meu castigo por ter falado demais, mas eu

nunca imaginei aquele cenário. Desejei que tivesse ido até Viktor sem me

dizer, isso não condenaria sua família como eu fiz.

Como foi que, ouvindo as histórias e convivendo comigo durante anos,

ele não imaginou que eu faria algo? Simplesmente pensou que eu ouviria sua
ameaça, enfrentaria aquele tipo de ultimato que tinha o poder de condenar a
minha vida e agradeceria a honestidade?

Ele foi confiante demais em seu laço com Viktor, pensando que meu

marido acreditaria mais nele do que em mim, mas eu precisava fazer algo

pela mulher e o filho.

Quando paramos em frente à portaria do condomínio, a mulher na

guarita deu apenas um olhar no motorista antes de abri-lo. Sem perguntas,

sem desconfiar, apenas medo absoluto que a fazia ir contra as regras de seu

emprego e permitir que um assassino entrasse ali.

Será que passava por sua cabeça que acabara de facilitar o ato de um

psicopata?

A maioria das pessoas via a máfia como um conto de fadas, ou histórias

para contar e fazer as crianças comerem legumes. Ninguém de fora nunca viu

a realidade do que acontecia e saiu vivo para espalhar o terror. Moscou

estaria vazia e falida, se Viktor soltasse sobre ela a fera que habitava seu

interior.

A fera que dirigia em direção à casa de uma família para condená-la à

morte.

Controlando minha tremedeira, tirei o cinto e o segui para fora quando

ele desceu. A luz da frente foi acesa e a cortina da janela se abriu por uma
brecha. A casa era grande e parecia segura, havia um lote de distância entre
cada residência, todas diferentes. Não era tão luxuoso quanto o condomínio

onde meu avô morava, mas ainda era bom. Mostrava que Sergei se importava

com sua família e o tipo de vida que lhes oferecia.

O peso em meus ombros dobrou de tamanho.

Eu corri até ele e espalmei seu peito, tentando pará-lo.

— Viktor, por favor. Pense no que...

— Eu pensei. Pensei o caminho inteiro, vou fazê-lo sofrer, zhena. E

então ele morrerá pelo o que fez com você.

— A mãe e o garoto...

— São parte do sofrimento dele.

Eu ouvi a porta ser aberta e os punhos de Viktor cerraram ao lançar um

olhar por cima da minha cabeça.

— Boss?

Viktor fez um movimento para avançar, mas eu continuei tentando

pará-lo, tentei fazê-lo me ouvir e poupar quem não merecia seu destino cruel.

Ele olhou para baixo, franzindo a testa.

— Maryia, entre no carro até que eu a chame para finalizar isso.

— A mãe e o garoto NÃO!


— Efeitos colaterais — rosnou. — Faço isso diariamente, a Bratva lida

com isso, você sabe. Nunca viu, mas sabe que acontece.

— Viktor — eu peguei sua mão e a coloquei em minha barriga,

pressionando-a —, imagine que sou eu no lugar dela e nossa filha lá dentro.

Imagine que um dia você fique fraco e alguém viesse para nos fazer pagar por

um erro seu. — Engoli em seco, sofrendo com aquele cenário. — Você não

pode condenar a mãe e o filho.

Ele inclinou a cabeça para o lado, observando-me com olhos frios e

decididos.

— Não tente me manipular, Maryia — falou ameaçadoramente baixo,

seu polegar acariciou minha barriga onde a mão estava antes de tirá-la. —

Não quando eu estou prestes a fazer justiça.

— Você deveria fazer justiça a ameaças reais.

— Isso é uma ameaça real, ou você quer que ele saia livre do que fez

com você? E com Xenia, ela não era inocente também?

Ele não dava a mínima para Xenia, só queria provar o ponto de seu

argumento, justificar o que faria lá dentro.

— Viko — tentei pela última vez —, a mãe e a criança... por mim...

Não.

Ele balançou a cabeça ligeiramente, impaciente e irritado, então


agarrou minha cintura, erguendo-me em seus braços e me levou de volta ao
carro. Eu me debatia e tentava me soltar de seu aperto — em vão.

— Viktor! Viktor, não! Por favor!

Ainda que eu chutasse e implorasse, ele conseguiu me colocar no banco

e me trancou lá dentro, deixando apenas uma fresta da janela aberta.

Encontrou meus olhos através do vidro, espalmando a mão antes de se virar e

caminhar em direção à casa. Eu encontrei os olhos temerosos, porém, firmes

de Sergei e ele deve ter visto a lágrima silenciosa escorrendo em meu rosto,

pois começou a recuar para dentro.

Quando meu marido chegou perto, agarrou seu pescoço e o bateu

contra a porta. Sergei não lutou contra, mas falava algo com seus olhos

arregalados. Medo.

Medo absoluto torturava sua feição.

— Sinto muito — sussurrei, batendo no vidro, eu não podia parar. —

Eu sinto tanto...
Ao levar Sergei para dentro, encontrei sua esposa e o filho sentados na

mesa, e ambos se levantaram ao me ver entrar.

Eu já tinha dado dinheiro àquele garoto tantas vezes, já tinha visto

aquela mulher tantas outras vezes, que o primeiro instinto deles foi me

encarar com expectativa, como se eu estivesse aparecendo para uma visita

social, mas os olhares caíram em minha mão firme no pescoço de Sergei e

tudo mudou.

Myrna correu para agarrar o filho, pálida, fechou os olhos quando

soluços lhe explodiram a garganta.

— Boss... senhor Zirkov... eu imploro pela vida de meu filho!

Ela conhecia a máfia. Me conhecia. Suas palavras não foram uma

surpresa, então. Um Boss não visitava a casa de um Vory de noite e a invadia

daquele jeito se fosse para dar boas notícias. Eu fitei seus olhos desesperados

e não senti absolutamente nada.

— Ajoelhe-se — eu disse a Sergei.

O garoto me olhou com olhos castanhos aterrorizados, inseguros,

confusos. Eu sempre tinha sido como um tipo fodido de herói para ele e os
garotos de sua idade, mas não mais. Minha missão ali era outra e ele veria o
lado feio do mundo cedo, através de mim.

— Senhor, me escute, por favor...

— Cale a boca, Myrna — Sergei gritou, ajoelhando-se à minha frente

— Boss, o que quer que tenha acontecido...

— Não perca seu tempo — respondi.

— Eu não fiz nada, lhe dou a minha palavra!

— Sua palavra vale um punhado de policiais para mim, Sergei. Vale

nada.

— Eu não sei do que fui acusado, mas...

— Maryia. — Foi a única coisa que precisei dizer para que

reconhecimento brilhasse em seus olhos. Tive certeza do que estava fazendo,

então.

— Boss — começou a balançar a cabeça —, eu não sei o que ela te

disse...

Eu avancei, rosnando, segurei sua cabeça e a bati em meu joelho

dobrado. Ele caiu para a frente com o nariz jorrando sangue. Os gritos de sua

esposa começavam a me dar dor de cabeça.

— Ela é a minha esposa, mostre respeito!


— Eu quis dizer a senhora Zirkov — gaguejou, ajoelhando-se

novamente. — Por que eu estou sendo punido? — Hesitou na pergunta, a voz

mudando com a falta de ar.

— Em todos os anos que me acompanhou, já me viu cobrando alguém

injustamente?

— Não, Boss... mas eu simplesmente não entendo.

— Engraçado o acusado contestar o seu destino, não é? Parece cena de

filme. Quantas vezes eu cedi a pedidos desesperados? — Agarrei seu cabelo,

fazendo-o me olhar nos olhos. — Você foi estúpido em pensar que poderia

me trair assim e sair impune. Como pensou que eu não fosse vir atrás de você

e destruir sua vida de merda, depois que ela me contasse o que fez?

— Boss... sei como é louco pela senhora Zirkov, mas nem sempre as

nossas mulheres estão certas. Algumas delas mentem para se livrar de algo

que fizeram. Se me deixar falar...

Meu dedo coçava em cima do gatilho quando apontei a arma em sua

testa. A vontade de estourar seus miolos era grande demais, e eu não

permitiria que tivesse um fim tão fácil e rápido.

Principalmente quando se atreveu a mexer com Maryia.

— Boss, em toda a minha vida na Irmandade, eu jamais faria algo que

desrespeitasse o senhor assim.


— Você queria Maryia.

— Eu não a queria e eu juro que não! Sei quem ela é para o senhor, eu

não seria estúpido assim. Ela esteve com outro homem aquele dia no clube e

na festa de seu pai eu a disse que se não te contasse, eu contaria. Eu disse a

ela que não podia levar essa mentira longe e eu contaria ao senhor.

Foi o suficiente.

Eu desviei a arma dele e a apontei para sua esposa, fazendo-o parar de

falar imediatamente. Ele sabia o quanto eu odiava quando imploravam na

hora da morte.

— Encontre coragem em seu fim, guerreiro — cuspi. — Não tente

culpar outra pessoa por seus erros. E pare, porra, de implorar!

Eu ouvi o gemido sôfrego de Myrna enquanto se afastava do filho

completamente silencioso e ficava a frente dele. Protegendo-o, como Maryia

disse que faria.

Maryia.

Eu faria tudo por ela.

Sergei precisava morrer para que estivesse segura novamente.

— Não, não, não, Boss! Eu imploro não por minha vida, mas por eles

dois! — Ele ergueu os braços, implorando, fechando os olhos como os

homens que costumava torturar sob meu comando faziam.


O amor era capaz de enfraquecer um homem forte, mas nada deveria

fazê-lo demonstrar isso.

— Você pensou em tirar Maryia de mim, matou Xenia por isso.

— Boss...

— Como cortesia por todos esses anos, vou lhe conceder um último

desejo. — Mudei a arma de Myrna para Alyosha. — Escolha.

Seus olhos arregalaram-se, olhando naquela direção.

— O quê?

— Sua esposa ou o seu filho. Um deles poderá seguir com a vida

quando você for embora. Escolha. Dê a um deles uma chance.

— Boss! — ele clamou, eliminando meu último fio de paciência.

Mirei em seu joelho esquerdo e atirei, deliciando-me ao ouvir o urro de

dor do filho da puta. Myrna gritou e ameaçou avançar para ele, mas eu

apontei a arma para ela novamente, a fazendo parar.

— Escolha — rosnei. — Eu não tenho a porra do dia inteiro!

Ele se esforçou para ficar apoiado nos dois braços e me encarou de

baixo, de onde sempre pertenceu. Aos meus pés. Sergei finalmente

reconheceu que era o fim, que não importava o que aconteceria ali, ele não

veria o sol nascer outra vez.


Por mais que eu gostasse de momentos como aquele, quando eu olhava

nos olhos de quem me fodeu ou tentou me foder e os enviava para o inferno,

não aproveitei plenamente seu fim. Eu sempre lhe dei tudo. Um trabalho

quando ele não era ninguém, um lugar ao meu lado, privilégios e benefícios

facilmente concedidos e só pedi uma coisa em troca: lealdade inabalável.

Não era difícil, mas ele não conseguiu.

Eu girei a arma no indicador e apontei para ele, depois para seu filho.

— Sergei.

— Myrna — gritou, fechando os olhos. — Eu escolho Myrna.

Minhas sobrancelhas ergueram-se em surpresa. Eu conhecia a história

de seu casamento. Eles estavam juntos há anos, Sergei costumava venerar o

chão que ela pisava. Pelo menos era o que eu pensava. A notícia de um filho

não foi recebida com total felicidade, ele nunca acreditou que homens como

nós deveríamos criar crianças, mas aceitou por ela, porque na época dizia

amá-la.

Mas eu não esperava isso.

— Essa é a sua escolha? Sua esposa ao invés de seu filho?

— Boss, Maryia está mentindo! — Eu disparei.

Um segundo de silêncio se fez quando o corpo de Myrna desabou no

chão, fazendo um barulho alto e perturbador para ouvidos sensíveis.


Enquanto isso, ouvi o choro de Sergei, arrastando-se em direção a ela e
pensei que se fosse eu em seu lugar, também escolheria Maryia.

Ela me odiaria se soubesse disso, mas eu não costumava mentir para

mim mesmo.

— Não, não, não! — ele gritava e pela primeira vez o ouvi chorar.

Olhei para a minha direita, encarando o rosto pálido do garoto e puxei minha

faca das costas, jogando-a aos pés de Sergei.

Ele abraçava o corpo morto de sua esposa, chorando

inconsolavelmente. Uma poça de sangue se formava abaixo dele, manchava a

camisa branca do meu Vory traidor e sinalizava sua partida imediata deste

mundo. Eu não me arrependia.

Eu não senti absolutamente nada.

— Não te julgo. Eu escolheria da mesma forma.

— Você me mandou escolher! — berrou, a apertando em seu peito.

— Eu mandei, mas você me conhece bem demais para achar que eu lhe

concederia um último desejo, Sergei. Não sou o gênio da lâmpada do caralho,

eu sou a porra de um assassino. Pegue a faca e corte sua garganta.

Eu prometi à Maryia que ela poderia estar presente, mas eu duvidava

que seu estômago aguentasse aquela cena. Já havíamos derramado sangue

entre nós dois, mas nada assim. Nada tão brutal. Eu não podia fazer isso
quando garanti que faria de tudo para que ela tivesse a criança.

— O quê? — Ele lançou um olhar para a faca no chão, agora banhada

em sangue.

— Você vai para o inferno de qualquer jeito, mas quero que entre

direto pelos portões da frente. — Apontei para a minha companheira, que já

tinha matado muito em minhas mãos. — Pegue a faca. E corte. A sua.

Garganta.

Ele engoliu em seco, erguendo o queixo.

— E meu garoto?

Eu ri sombriamente.

— Está realmente preocupado?

Alyosha estava imóvel no mesmo lugar desde que entrei, seus olhos

arregalados e vazios fixos no corpo da mãe.

Eu puxei uma cadeira e me sentei bem em sua frente. Esperando que

fizesse o que mandei. Dei a ele um momento para se despedir de sua mulher,

mas ele não parecia querer aproveitar aquilo. Ter tirado a vida de Myrna

pareceu o suficiente para que não quisesse mais viver.

Se a amava tanto, por que foi atrás de Maryia? A única explicação era

que suas motivações fossem com outro propósito. Talvez ele não quisesse

Maryia daquele jeito, mas estivesse trabalhando com alguém para prejudicá-
la. Não adiantava perguntar, ele não diria agora que matei Myrna.

Sergei estreitou seus olhos claros em mim, todo o seu ódio me era

dirigido quando alcançou a faca, lavando as mãos no sangue dela.

— Quando você descobrir a verdade e vai descobrir, eu estarei rindo no

inferno pela injustiça que cometeu esta noite. — Então olhou para o filho. —

Vingue-se.

Eu o assisti quando puxou a faca de uma orelha a outra, engasgando-se

com seu sangue, mas não tinha sido o suficiente. Eu me levantei, empurrando

a cadeira longe e me aproximei, minhas botas pesadas ecoando pela casa,

segurei sua mão e afundei do jeito certo.

O olhei nos olhos, para que a última coisa que visse fosse eu. Quando

finalmente caiu, seu corpo convulsionou por alguns minutos até ficar imóvel.

Sangue lavou minha camisa, mas era o menos importante.

Eu peguei minha faca, a limpei e joguei aos pés do garoto. Ele

finalmente reagiu, dando um pulo para trás, os olhos assustados fitando os

meus, mas ainda assim, ele não correu, não chorou, não me disse uma maldita

palavra.

— Se quiser cumprir a vontade de seu pai, planeje-se. Esperarei.

Enquanto isso, fique aqui, alguém virá buscá-lo.


“Eu fiz as pazes com o meu caminho

Agora você me tirou dos eixos

Eu nunca tive tanto medo antes

Sentimentos que não posso ignorar

Não sei se devo lutar ou fugir

Mas eu não me importo

Sempre que você sentir algo diferente

Nunca me deixe fugir”

ARIANA GRANDE & TY DOLLA, SAFETY NET


A lenda dizia que em 1475 um italiano foi preso e assassinado no

Kremlin, pois um russo não queria deixá-lo voltar para a casa a fim de que

ele não revelasse segredos de Estado. A lenda também dizia que, desde então,

soldados russos costumavam ver o fantasma do homem vagando pelas ruas

próximas ao local de sua morte, pouco antes de algo ruim acontecer.

Por isso, quando um traidor morria na Bratva, seus corpos eram

queimados e as cinzas jogadas num poço dentro do Kremlin, um acordo em

comum entre administradores de poder lá dentro e a Irmandade.

Era simbólico.

Se nosso maior inimigo e um dos primeiros a pisar no país teve uma

morte tão marcante, todos os seguintes deveriam ter o mesmo destino. Seu

primeiro nome, apenas o primeiro, era esculpido nas paredes que guardavam

o poço, assim, apenas ele seria culpado. Sua família não deveria carregar o

peso de seus erros apenas porque sangue os unia.

A tradição da Bratva não falhava, mas não foi o que aconteceu com

Sergei. Não só porque ele não era um traidor de verdade — mesmo que

Viktor não soubesse disso. Ele não podia ser jogado no poço dos traidores

porque as pessoas fariam perguntas e se fizessem perguntas, teriam respostas,

levantariam possibilidades.
Quando a morte de Sergei foi anunciada na manhã seguinte de seu

assassinato junto de sua esposa, Viktor mandou Aryshia cuidasse do enterro.

Ele seria enterrado ao lado de sua esposa e homenageado como um Vory, que

viveu e morreu pela Irmandade. Era o que ele era.

Viktor não o queria ali, tinha até mesmo levantado a possibilidade de

voltar pela noite e queimá-lo para fazer a cerimônia do poço, mas o que faria

se alguém abrisse o caixão futuramente e ninguém o encontrasse lá?

Naquela manhã, todos estavam lá por consideração a Viktor, por

imaginar a perda que meu marido devia estar sofrendo. Se Viktor não tinha

Volya ao seu lado, tinha Sergei. Sempre foi assim e agora, todos queriam

observá-lo, ver como seria assistir ao seu melhor guerreiro se despedir do

mundo. O que nenhum deles sabia é que Viktor foi o único a causar aquilo.

Nós dois levávamos de mãos dadas aquela culpa. Eu mais ainda,

porém, ao contrário de mim, ele não se arrependia ou se sentia mal. A única

vez que meu marido mostrou um mero sinal de arrependimento foi quando

me traiu, quando me olhou nos olhos com desespero e disse que me amava,

que seus erros foram apenas erros.

Então eu pequei como ele, me deitei com outro homem e condenei dois

inocentes à morte.

Os Clãs foram chegando pouco a pouco, ninguém estava atrasado. As


palavras do padre seriam ouvidas com atenção por olhos e ouvidos muito
atentos. Viktor não tirou os olhos do primeiro caixão, nem mesmo quando foi

fechado e abaixado na terra. Eu mantive meus olhos longe, em transe e isso

apenas mudou quando senti algo, como um sinal sonoro em minha cabeça.

Ergui meus olhos, e com o meu coração na boca, assisti a Alexi caminhando

entre as pessoas até se aproximar. Ele usava um sobretudo preto, sua bengala

e uma boina oitavada que em qualquer outro homem pareceria ridículo, mas

apenas o fazia parecer perigoso.

Talvez fossem os olhos pretos ameaçadores, o fato de ninguém nunca o

ver com uma expressão diferente daquela, a maneira como ele falava e olhava

sob a borda do chapéu. Logo atrás dele avistei Dimitri, que caminhava com

confiança e com olhos fixos em mim. Ele vestia um terno cinza, sendo o

único destoando da roupa preta que todos usavam.

Eu desviei os olhos, mas podia sentir o peso de sua atenção em mim.

Meus olhos teimosamente desviavam-se para cima e eu o pegava me

encarando obsessivamente cada uma das vezes. Franzi o cenho, desejando

que aquela tortura fosse encerrada de uma vez.

Cruzei os braços na frente do estômago, como se de repente, ele fosse

capaz de ver minha filha. Eu queria esconder o fato dele. Queria que aquele

homem sumisse.
Ele não devia estar ali, nem eu. Mas ele principalmente!

Eu queria gritar, expulsá-lo, agredi-lo. Queimá-lo até que restassem

apenas cinzas para jogar no poço do Kremlin.

Desviei os olhos para ver quem mais estava lá, Alessandra ao lado de

Veronika, Aryshia segurando sua mão. Esposas, Vorys de rua, meu avô,

Maksim atrás de Viktorya com a mão possessivamente em seu ombro, mas os

olhos de minha amiga estavam fixos na mesma direção que antes eu

encarava, talvez ela estranhasse o fato de os dois estarem ali, assim como eu.

Eu me aproximei de Viktor e me coloquei atrás dele, agarrando seu

braço. Estava tentando me esconder atrás dele e não tinha vergonha de

admitir. Eu podia mentir para qualquer um, menos para mim mesma. Ao

mesmo tempo que ele era a fonte de minha inquietação se descobrisse o que

fiz, também era a minha única segurança. A pessoa para quem eu corria no

medo, na alegria, na fúria e na paixão.

Encostei a testa em seu braço, suspirando quando o senti enrolar o

braço livre em volta de mim.


Amortecido, eu observei os caixões descerem, prestes a serem cobertos

e esquecidos. Quis sair andando.

Não era apenas o aperto de Maryia que me segurava no lugar, mas

também, a consciência de minha posição na Irmandade. Olhos atentos e

curiosos me observavam de todas as direções. A história que todos sabiam

era que Sergei havia ficado louco, matou a esposa e depois se matou.

A história oficial.

Para a Irmandade, para jornais que quisessem escrever sobre e para

quem mais se atrevesse a me perguntar.

Apenas eu, Maryia e Volya sabíamos a verdade.

Embora eu tivesse o direito de matá-lo pelo o que fez com Maryia, ou

planejava fazer, eu não podia levantar possibilidades e pontos de

interrogação, principalmente não depois da confusão que a visita de Anya

causou.

Sergei podia ser enterrado ali com sua esposa, eu não dava a mínima.

Ele seria esquecido no momento que as pessoas tirassem os pés daquela

grama morta. Tinham muitas pessoas ali, muitas que nunca tinham sequer
olhado para Sergei. Eu joguei no fundo do esquecimento a consideração que
tinha por ele, a gratidão por todos os serviços prestados e foquei apenas na

ameaça que era para Maryia e nossa filha.


Nas horas seguintes, comemoraríamos todos o novo caminho de Sergei

em um famoso restaurante no centro, como era tradição. Ainda que Viktor

não quisesse, tudo tinha que ser feito como de costume, a menos que quisesse

dizer a verdade do que aconteceu.

Eu aguentei os olhares de Dimitri em mim e tentei distrair Viktor o

máximo que podia para que não notasse. Eu não teria conseguido se não

tivesse a ajuda da quantidade de pessoas chamando sua atenção, afinal,

mesmo naquele momento quando se despedia de um “amigo fiel” as pessoas

queriam falar com ele. Em sua maioria, sobre coisas que não tinham a menor

importância diante do evento trágico, mas agradeci por cada uma delas.

Eventualmente, Alexi também começou a me encarar e eu não sabia se

era numa tentativa de descobrir por que Dimitri estava tão fissurado em mim

ou outra coisa. Seus olhos escuros me observaram, até que eu entrei no carro

e segui até o restaurante com o meu marido.

Não era nada muito exagerado como teria sido, caso se tratasse da

morte de alguém mais importante, mas ele foi um soldado dedicado à Bratva

e ganhou o que merecia.


Cada Clã ocupou uma mesa, organizada e separadamente. Apenas

Alessandra sentou-se conosco, enquanto Viktorya estava entre seu primo e

irmão, parecendo discutir com Dimitri. Alexi tinha sua atenção voltada ao

que um Vory dizia confidencialmente para dele. Veronika falava baixo com

Aryshia, mas seus olhos voltavam-se constantemente para a minha mesa, e

agora eu sabia o motivo.

Meu avô, Evá e Maksim ocuparam uma mesa próxima da porta, porque

Evarkov era extremamente paranoico, insistindo que alguém entraria para

matá-lo a qualquer momento e no centro do salão ele seria um alvo fácil.

Sempre foi assim. Quando éramos crianças, logo que nós três começamos a

demonstrar sinais de ansiedade, comportamentos obsessivos e tendências

violentas, ele sempre se sentiu perseguido. Uma vez na escola, cismou que

um professor estava disfarçado de um agente do governo e planejava prendê-

lo, torturar e conseguir informações sobre a Bratva. O que acarretou Evá

sendo expulso após quebrar a cadeira na cabeça do professor, deixando o

homem com sequelas da violência e uma aposentadoria prematura.

Eu fiz questão de sentar de costas para a mesa de Roman, onde ele

dividia o espaço com Dalyah e Olga.

— Você está bem? — Ale segurou meu ombro, fitando-me

atentamente. Seus olhos claros e preocupados buscavam uma resposta em

meu rosto.
Eu estava tão perturbada, confusa e chateada comigo mesma, tão cheia

de culpa que decidi não me importar com suas mentiras naquele momento,

quando eu mesma estava cheia das minhas. Inclinei-me e a abracei, a ouvindo

suspirar em meu ouvido.

— Ah, Maryia — ela esfregou minhas costas, e apenas aquele gesto de

carinho quase me fez desmoronar —, pensei que tivesse feito algo, você tem

me evitado ultimamente. E Veronika também.

— Esqueça. Hoje eu só preciso das minhas amigas comigo. — Talvez

fosse egoísta pedir, mas eu pediria, ainda assim. — Sem explicações,

perguntas, apenas nós. Ok?

— É claro. Me dê dois minutos e eu vou reunir as meninas lá fora.

— Não posso ir agora.

— Então nós iremos ao andar de cima. Tem dois banheiros femininos,

podemos usar um deles por alguns minutos. Eu quero ter certeza de que você

está bem, se precisa de nós, estamos aqui. Certo?

Eu assenti, e virei-me para Viktor, interrompendo sua conversa com

Volya.

— Preciso dar uma volta com minhas amigas.

— Você ainda não comeu — disse, ao olhar meu prato.

— Não vou demorar.


— Coma primeiro, Maryia.

— Viko, eu já volto. — Fiz menção de me levantar, mas ele me

pressionou para baixo com a mão em minha perna.

— Coma — ordenou. — Sei que não está de acordo com o que fiz

ontem, mas foi para a segurança de nossa filha. Coma e poderá ir com suas

amigas. Pelo menos um pouco.

Eu sabia que sua preocupação era genuína, comigo e com o bebê. Eu

não tinha fome, mas precisava comer. Engoli alguns pedaços do pão da casa

ao molho russo, empurrando com um suco adoçado.

— Eu já volto. — Ale levantou e foi até a mesa de Viktorya,

inclinando-se para lhe dizer algo no ouvido. Ela me fitou e assentiu.

Enquanto Viky deixava seu primo e irmão, e subia pela escada para o

segundo andar, Ale caminhou até a de Veronika, que ao ouvi-la, não fez

nenhum movimento para se levantar.

Alessandra pareceu insistir, dizendo algo que a fez jogar o guardanapo

na mesa e seguir na mesma direção de Viktorya.

— Eu comi o suficiente — disse a Viktor. — Vou ao banheiro e

termino quando voltar. As torradas com queijo estão deliciosas. — Beijei o

canto da boca antes de levantar, sentindo seus olhos em mim.

Dei uma volta maior que o necessário, evitando passar pelos Romanoff.
Eu não queria vê-lo me afrontando, mas meus olhos pegaram pelo canto
Dimitri tentando esconder um sorriso com a mão nos lábios.

Ele que fosse idiota de me seguir, dizer alguma coisa ou sequer tentar

algo e veria que eu diria algo a Viktor capaz de fazê-lo matá-lo, sem pensar

duas vezes nas repercussões com a Irmandade.

O que não era muito difícil. Meu marido apenas não o tinha matado

ainda por falta de motivos considerados justos pela Bratva para eliminar um

konsultant.

Subi as escadas devagar, segurando o corrimão por toda a subida,

afinal, enjoos matinais podiam começar a qualquer momento.

O medo de tropeçar, fosse pelo nervosismo, minha ansiedade ou a

tremedeira, era grande.

Encontrei Viktorya do lado de fora, acendendo um cigarro. Os olhos

perspicazes bateram em mim assim que apareci.

— Onde elas estão?

Ela deu uma tragada profunda antes de abrir a segunda porta e entrar.

Eu a segui de perto, vendo Alessandra e Veronika em cantos distantes.

Ale parecia confusa, meio insegura, mas Veronika tinha toda uma

postura de confronto, como se estivesse esperando por aquele momento.

Eu podia imaginar o porquê.


— É proibido fumar aqui dentro — Alessandra disse a Viky, que riu.

— Acha que vão me repreender?

— Então — disse Veronika, olhando para mim. — Sua greve acabou?

— O quê?

— Sua greve. As respostas secas, monossilábicas. O que foi — apontou

para Viktorya —, sua melhor amiga te cansou e agora precisa de nós?

— Vá se foder.

— Vá você, Maryia. Nos ignorou por semanas e agora convoca uma

reunião como se tudo estivesse bem!

— Eu não convoquei nada — falei, ao mesmo tempo que Alessandra

me defendeu:

— Ela não pediu por isso, eu quis trazê-las aqui.

— Pior ainda. Você sabe como eu me sinto ao ser ignorada e depois

ordenada como se fosse minha obrigação estar aqui para ela.

— Todas nós não estivemos lá quando você precisou? — perguntei,

sentindo uma louca vontade de lhe dar um soco.

— Você pode ser um pouco mais dramática? — Viktorya ironizou. —

Acho que isso não é suficiente para um Oscar.

— Ah, me desculpe se eu não consigo ser uma pedra de gelo como


você. Eu tenho sentimentos, eu sinto e sinto demais. Vocês deveriam saber

disso. Sempre sou a única a sofrer enquanto todas vocês fingem indiferença

quando algo acontece. — Encolheu os ombros, cruzando os braços. — Não


tenho o direito de me cansar disso? Decidi que estou melhor sem vocês duas.

— Algo mais? — Viky cuspiu.

— Sim. Essa amizade não é saudável e quero que você e Maryia vão

para o inferno. Vou sofrer no começo, mas depois vai passar.

Viktorya riu, balançando a cabeça e murmurando algo

incompreensível.

Veronika tentou passar por mim para sair, mas bloqueei a porta.

— Fique, vamos conversar — pedi suavemente.

— Qual a parte do “eu estou cortando vocês” não entendeu, Maryia?

Ou é a única que pode tomar decisões aqui? Não sou uma pecinha descartável
da sua cabeceira. — Ela sorriu forçado, tentando passar novamente.

— Veronika, por favor, cale a boca e me escute. — Respirei

profundamente, tentando encontrar palavras certas. — Há muito tempo não

temos sido verdadeiras umas com as outras. Nossa amizade cresceu rápido

demais. Nenhuma de nós tinha pais presentes, uma família exemplo ou boas

figuras para se espelhar. Eu cresci louca...

— Você não cresceu louca. Seu marido te deixou assim.


— Veronika — Alessandra a repreendeu.

— Viktorya é uma pedra de gelo, como você mesma disse.

Alessandra... eu nem sei o que dizer, porque às vezes sinto que não a

conheço. E você... Deus, você é a pessoa mais cruelmente sincera que

conheço. Não tem filtro. É como se não se importasse com o que as pessoas

vão pensar ou sentir.

— Isso é porque eu não me importo.

— E está errada. Já me magoou muitas vezes.

— Assim como você, Maryia. Qual é a desse papo agora?

— Não temos sido sinceras e quero que isso mude agora. Vocês não

são figuras descartáveis da minha cabeceira. São as únicas amigas que tenho,

as únicas pessoas em quem confio plenamente. A Bratva está acima de todos

para a minha família, mas nós nunca fomos assim, sempre estivemos juntas,

mesmo que existisse algo entre nós.

— O que quer dizer? — Veronika questionou.

— Eu estou perdendo um brunch delicioso em um dia de merda, então

por que é que não estamos comemorando a morte de Sergei? Você ainda não

percebeu o fato de que até Viktor encontrar alguém de confiança o suficiente

para ser sua sombra, você estará livre para ir aonde quiser comigo?

— Viu só! Vocês duas, sempre! — Veronika explodiu novamente.


— Você nunca está disponível. O que é que eu vou fazer sobre isso? —

Viky deu de ombros. — Sua agendinha é lotada demais para nós.

— Isso não é verdade. Eu só tenho coisas a fazer.

— Tipo? — perguntei, e ela se calou. — Não podemos fazer junto com

você?

Ela ergueu as sobrancelhas, contemplando minha pergunta, mas não

respondeu.

— É disso que estou falando! Não confiamos mais uma na outra?

—Eu confio a minha vida a vocês. É que tem coisas demais

acontecendo para todas. Vocês têm segredos assim como eu e nunca pedi que

disséssemos tudo, porque sei que algumas coisas são difíceis de serem ditas.

Todas nos calamos.

O peso de mentiras e segredos envolvendo-nos dolorosamente.

Eu queria gritar cada um dos meus.

— Nossas diferenças construíram essa amizade — falei —, mas eu

simplesmente sinto que não posso mais confiar em vocês, então, vamos fazer

como antes. Jogar verdade e desafio, apenas com a verdade desta vez.

— Não somos mais adolescentes.

— Eu sei, Ale, mas ainda somos as mesmas. E esse jogo estúpido ainda
serve ao propósito. — Estendi a mão para Viktorya. — Me dê.

— O quê?

— Seu isqueiro.

— Você não vai tentar colocar fogo em nós, né? — Viky zombou, mas

entregou como pedi.

Eu coloquei no meio de nós quatro, girando-o com a tampa levantada.

A pequena chama subindo automaticamente. Rodou e rodou até parar em

mim.

— Ok — Veronika bateu o pé —, revele um segredo.

— Devemos rodar novamente.

— Não, você quer revelações, faça a sua primeiro.

Fitei Viktorya, olhando nos olhos. Girei minha atenção para

Alessandra, e por último, observei Veronika.

Minha intenção voltou para morder minha bunda.

Ok.

O que eu tinha a dizer seria dito em breve, de qualquer maneira.

— Estou grávida. Próxima. — Coloquei o isqueiro de volta, sem

levantar os olhos para nenhuma delas e o girei. A maldição rodou até que

como uma piada sórdida, apagou em mim outra vez.


Um minuto de silêncio se fez.

Então explodiu.

— Que porra você disse?! — Veronika gritou.

Ergui meus olhos, vendo Viktorya fumar em silêncio. Ela já sabia, mas

implorei silenciosamente que não dissesse.

Veronika virou meu rosto para encará-la.

— É sério, Maryia?

Meu queixo tremeu, denunciando o choro que estava por vir.

— Conte um segredo — murmurei, quase implorando.

— Eu rasguei meu vestido de casamento ontem — disse Viktorya,

chamando nossa atenção, então fitou Ale. — Conte o seu.

— Esse é seu grande segredo? Comparado à gravidez de Maryia, você

rasgou seu vestido?

Viky a ignorou e encarou Veronika.

— Cuspa.

O canto do lábio de Veronika subiu ao olhar Ale por cima do ombro, e

minha esperança de que fosse dizer aquilo que eu já sabia cresceu.

Que fossem confiar em mim, como eu pedia.

— Cuidado, Nika — Alessandra falou, olhando para ela. — Não


queremos assustá-la em seu estado.

Ela deu uma risadinha nervosa, como se estivesse apenas brincando e

mesmo se eu não soubesse, diria que havia algo ali.

Empurrando a franja para trás da orelha, Veronika assentiu.

— Acho que minha irmã vai se casar, eu não sei com quem ainda, mas

parece que não é de dentro da Bratva. Ela está vendo um homem.

Meu coração murchou.

Elas não me diriam. Não importava o quanto me amassem, as duas

simplesmente não admitiriam.

E eu queria tanto perguntar...

— Sua vez, santa — Viktorya provocou Alessandra, que lhe deu um

olhar cortante.

— Eu estou pensando em voltar para o Reino Unido. Resolver alguns

assuntos de família. É temporário.

— Isso é um lixo de segredo. Se é temporário, todas nós saberíamos em

breve. Vocês duas são uma piada.

Nenhuma delas rebateu.

Nem eu.

Recuei até encostar na parede atrás de mim e deslizei por ela, sentando-
me no chão.

As três se aproximaram, formando um círculo em minha volta. Mesmo

com suas máscaras e atos, eu via preocupação em seus olhos.

Nos olhos frios de Viktorya, nos olhos venenosos de Veronika e nos

olhos cheios de medo de Alessandra.

— Então — Ale começou —, seremos titias.

Veronika segurou meu joelho.

— Já escolheu a madrinha? Acho bom que seja eu, vadia.

Elas riram.

— Eu sou a melhor opção.

Veronika revirou os olhos para Viky.

— Vai ensinar a criança a não se importar com os sentimentos de

ninguém.

— Eu serei uma madrinha melhor. Vou ensinar compaixão e empatia.

— Alessandra piscou para mim. — Você sabe que é verdade.

— Relatos de uma freira — Viky a provocou e eu dei risada, não

porque era engraçado, mas porque ela não poderia estar mais longe da

verdade.

Ouvimos passos se aproximando, então uma batida na porta.


— Vá embora! — Veronika gritou, depois me olhou. — Como você

está se sentindo com a descoberta? Dizem que a quarta vez é certeira. —

Tentou brincar.

— Dizem isso da terceira vez — Viky a corrigiu.

— Não vamos ficar lembrando Maryia do passado doloroso. —

Alessandra puxou meu rosto para a encarar. — Essa é uma nova fase. O que

você precisar, Maryia... falando por mim, não prometo muitas revelações. —

Franziu a testa, olhando para baixo. — Mas toda a minha disposição e amor

são seus. Sou sua amiga. Qualquer coisa que você precise, eu faço. Ok?

— Segure esse bebê aí dentro até o fim. — Viktorya tocou minha

barriga, piscando.

— Agora podemos finalmente voltar lá para baixo sentarmos juntas e

fingir que esse período sombrio de “não me toques” foi um surto coletivo? —

Veronika riu, o que de repente me causou uma crise de risos.

Elas passaram os próximos cinco minutos tentando me levantar.

Eu não conseguia parar de rir.


Acendi um cigarro do lado de fora do restaurante, na companhia de

Volya e assisti às pessoas saindo.

O almoço havia acabado, as sociais foram feitas e eu precisava voltar

para a casa, precisava foder Maryia.

— Maryia está grávida — eu disse a Volya. Se ele ficou surpreso, não

demonstrou.

— Parabéns. Vamos esperar que dê certo desta vez.

— Eu quero um filho, mas também quero minha esposa viva e lúcida.

Se ela perder mais um, se perderá junto.

— O que precisa que eu faça?

— Fale com Deus, em uma de suas visitas à igreja.

Ele assentiu.

— Pedirei por seu filho.

— E pela minha esposa.

— E pela sua esposa.

— Você foi buscar o garoto em casa ontem? — A pergunta me veio à


cabeça quando vi um Vory sair com sua esposa e dois filhos.

— Você conhece a cidade inteira e não me deu uma sugestão. Eu tive

que dar um jeito no garoto.

— O que significa dar um jeito? — Ele ficou quieto. — Volya, você

não matou o menino.

— Não. Deveria?

— Não. Deixe que viva, ele não deve ser culpado pelos erros de seu

pai. Acho que estou no meio de uma crise de consciência do caralho, já teve

isso?

Ele suspirou com irritação.

— Eu o deixei na casa de Nikolai, a governanta estava lá.

— Na casa de Nikolai? — Olhei de soslaio, conferindo se falava sério

ou apenas me fodendo.

— Sim.

— Você conhece a cidade inteira e o deixou na casa, porra, de Nikolai?

— Qual a minha outra opção?

— Levá-lo a um internato. Eu não sei, porra. Eu não quero pensar no

que vai acontecer com aquele garoto debaixo do mesmo teto que Kolokol e

Osso russo. Vá buscá-lo e o deixe em alguma casa dessas famílias que


cuidam de crianças abandonadas, dê dinheiro e o mande seguir com a vida.

— Quantos anos ele tem?

— Eu pareço uma assistente social? Assassinei seus pais em sua frente,

Volodya, ele estava aterrorizado para dizer a idade.

De repente, ele olhou por cima do meu ombro, sua mandíbula cerrou

com força e aquele foi o único sinal que tive antes de uma presença se

colocar atrás de mim, vi a mão com três anéis de ouro e reconheci. Mordendo

um sorriso de escárnio, vire-me para encarar Alexi.

Eu era apenas um pouco mais largo que ele, resultado de lutas e dias

trabalhando nas ruas, mas tínhamos a mesma altura.

— Sinto muito por sua perda — disse ele, sem qualquer emoção na

voz. — Vory V Zakone.

— Não sinta. — Segurei seu antebraço, e demos um rápido aperto antes

que recuasse um passo. — Veio de São Petersburgo até Moscou para se

solidarizar com minha perda?

— Vim almoçar com Nikolai. — Alexi ergueu a mão livre, enquanto a

outra segurava a bengala. — A não ser que eu esteja proibido de visitar

Moscou socialmente.

— Venha à vontade. Só não se esqueça — acenei com o cigarro em sua

direção —, esta é a minha cidade.


— Ah, eu não esqueci. — Ele deu o máximo que podia de um sorriso, e

mais pareceu que estava bebendo vodca cristalizada do que simpatia. Alexi

era tão ruim quanto eu, mas enquanto eu escolhia demonstrar ao mundo tudo

o que tinha, ele escondia. — Devo ir agora. Até logo, meus irmãos.

Ele acenou para Volya ligeiramente, me deu uma última olhada e se

virou, encontrando Dimitri no meio do caminho, foram juntos em direção ao

carro que os esperava na rua.

— Lembre-me por que ainda não matei o filho da puta.

— Esse é um mistério que ainda não solucionei.

Dei risada, jogando o cigarro no chão e o esmagando em meus pés,

assim como um dia faria com Romanoff.

— Lembrei, Volya. — Ele ergueu a sobrancelha, esperando pela minha

resposta. — Porque o jogo de poder é divertido de jogar.

— Vamos fatiar os corações — falou, com a sombra de um sorriso

cruzando seu rosto, citando o maldito bordão de Evarkov.

— Fatiar, torturar até jorrar sangue dos corações — assenti. — É

divertido. Principalmente quando vou ganhar no final. Tire todos daqui.

Voltei para dentro, deixando um bolo de dinheiro com o gerente,

pedindo que tirasse todos lá de dentro e prometendo brevemente que não

causaria estragos. Encontrei Maryia descendo as escadas devagar,


provavelmente tinha ido ao banheiro outra vez, a gravidez se fazendo notável
e caminhei até o meio do salão, onde ela me alcançou.

—Estamos prontos para ir? Meus pés estão acabando comigo.

Puxei uma cadeira, a sentando e tirando seus saltos. Depois a ergui, nos

levando até um minúsculo espaço ali mesmo, no meio do salão.

— O que está fazendo?

— Ontem, quando você chegou em casa, eu ia te foder, depois ia

dançar com você.

— Dançar? — Franziu o cenho, o nariz arrebitado fazendo-a parecer

inocente. Coisa que Maryia há muito não era mais.

— Dançar — assenti. — Quando me falou sobre ir ao Bolshoi, me

lembrei de quando comprávamos champanhe no teatro.

Ela riu.

— Garrafas caríssimas.

— E dançávamos na rua, sem música, porque eu me recusava a dançar

aquela porra de música chata.

— Eu adorava as sinfonias.

— Você aprendeu a gostar porque era o tipo de lugar que precisava

estar, sendo casada comigo.


— Me adaptei. — Ergueu o queixo, com orgulho na voz.

— Eu sei, mas poderia não ter. Poderia ter ignorado todos os pedidos

que fiz, todas as razões que dei para que comparecesse a festas e eventos,

mas você foi para estar ao meu lado.

— Eu sabia de tudo isso quando me casei com você.

— E agora você vai me dar uma filha. — Ela abaixou a cabeça, como

se lembrar disso a fizesse pensar nas outras três tentativas falhas. — Você

abriu mão de muito por mim, Maryia. Muitas vezes, até de seu orgulho. Eu

deveria ter feito mais por você.

— Deveria — concordou, fazendo-me rir.

— Cobre de mim. Eu não sou um homem gentil que se tornará um

cavalheiro para te conquistar, na verdade, vou te dar ainda mais motivos para

insistir no divórcio. Então... cobre de mim. Cobre idas ao Bolshoi, almoços

caros, danças como essa, sem música. Cobre sapatos de Paris e joias

importadas. Eu te amo, mesmo quando não demonstro isso, mas me cobre

para que eu demonstre. A minha cabeça está tomada por mortes, crimes e

sangue que derramei. Há muita dor, não minha, mas dos outros. Dor que eu

infligi. Que você seja capaz de me amar é um milagre. Cobre de mim para

que eu me lembre disso todos os dias.

Seus olhos encheram de lágrimas, embora eu não estivesse tentando


fazê-la chorar. Ela segurou meu pescoço, puxando-me em sua direção quando
ficou na ponta dos pés para me beijar. Só então me dei conta de que

estávamos balançando levemente para os lados. Dançando sem música.

Como fazíamos em frente ao Bolshoi. Bêbados, loucos. Apaixonados.

Lembrei-me de quando me dei conta de que estava não só obcecado,

mas apaixonado por ela e me tornei mais consciente do pecado que cometia

ao prendê-la a mim.

Luz na escuridão.

Maryia estava lado a lado comigo. E eu a condenei a um perverso

julgamento final.

Segurei-a mais forte.


“Quanto mais você fala, menos eu sei

Aonde quer que você vagueie, eu seguirei

Estou implorando para você pegar minha mão

Arruinar meus planos, esse é meu homem”

TAYLOR SWIFT, WILLOW

Quando meu telefone tocou, eu deixei meu creme de pele para hidratar

a barriga na pia e corri até o quarto, apoiando o joelho ao lado do vestido bem

passado que usaria, e atendi a chamada ao ver o nome de Alessandra na tela.


— O que foi? Se estiver ligando para cancelar, eu cancelo você da

minha vida — falei, antes que pudesse dar qualquer justificativa.

Estávamos tentando marcar uma saída há dois finais de semana, mas

ela sempre aparecia com uma desculpinha, fazendo com que todas nós

remarcássemos.

— Estou ligando para cancelar.

— Adeus. Foi bom ser sua amiga por esses anos.

— Maryia, espera, sério. Estou cancelando, mas pedindo que vocês

cancelem também e venham me ajudar com uma situação.

— O que houve?

— A tempestade dessa madrugada foi feia. Estava passando por aqui a

caminho da sua casa e passei por uma vila da esquina da Avenida Sokrodo,

um prédio de três andares caiu acima de duas casas, a maior parte das coisas

já foram feitas, mas eu ainda estou ocupada com os feridos. Se vocês

pudessem vir para ajudar a servir comida e me auxiliar com os primeiros

socorros, ajudaria muito.

— É claro, vou ligar para Viktorya e Veronika agora.

— Veronika já está aqui comigo. Ligue para Viktorya e venham, por

favor, toda ajuda é bem-vinda.

— Claro, claro.
Assim que desligamos, eu corri para colocar uma roupa quente. Me

apressei a sair e encontrei o Vory, que agora estava encarregado da minha

segurança particular, fumando na outra calçada. Atravessou a rua assim que

me viu.

— Maryia.

— Eu preciso ir até a esquina da avenida Sokrodo. É urgente, então,

sinta-se livre para desobedecer ao trânsito.

— Eu soube. O Boss terminará uma reunião e está a caminho. A

tempestade fez estragos em toda a cidade.

— Qual a previsão do tempo para hoje? — perguntei, olhando o céu

quando entramos no carro e ele deu partida, acelerando como pedi.

— Eu não sei, minha senhora. — Dei risada de seu tom hesitante, como

se estivesse sem graça de admitir.

— Você não é obrigado a saber a previsão do tempo, Nikki. Eu estava

brincando.

— Anotado, mas vou me atentar a isso, senhora.

Eu não podia pedir a um Vory que ficasse vendo jornal o dia todo a fim

de acompanhar o clima e nem fazia questão. Mas sua clara vontade de me

agradar era um caminho para fazer o certo com Viktor e tentar conquistar sua

confiança.
Nikki esteve comigo nas últimas duas semanas. Eu o conheci assim que

chegamos em casa do velório de Sergei. Ele era mais novo que Serga, mas

construído como os lutadores da Irmandade, por isso eu não duvidei que

pudesse me proteger, se fosse necessário.

Antes de Dimitri, eu não achava preciso alguém vinte e quatro horas

colado em mim, mas agora, depois de como me perseguiu com os olhos

obsessivamente no enterro, eu comecei a pensar o contrário.

Nikki realmente foi rápido e assim que chegou à esquina, pedi que

parasse.

— Vou ficar por aqui. — Coloquei meu chapéu de lã e entreguei a ele

um cartão de crédito. — Use isso para comprar qualquer coisa que alguém

precisar. Medicamentos, comidas, roupas, suprimentos. Qualquer coisa. A

senha está na parte de trás, eu sempre a esqueço.

Desci e o ouvi me acompanhando alguns passos atrás. É claro que

primeiro se certificaria de que eu estava com Alessandra e bem cercada de

muitas pessoas, antes de me deixar longe de vista.

Eu a encontrei numa tenda improvisada, onde uma ambulância estava

sendo encostada e as portas foram deixadas abertas, à disposição dela.

— Eu soube que estão precisando de voluntários aqui, doutora.

Assim que me ouviu, ela abriu os braços, abraçando-me.


— Ei, obrigada por vir.

— Mandei mensagem para Viktorya no caminho para cá. Ela deve

chegar em breve.

— Obrigada, Maryia. — Sua expressão se tornou torturada. — Você

pode acreditar que estávamos planejando uma noite de farra e bebidas e essas

pessoas estavam cavando neve para achar os parentes?

— É trágico, muito triste, mas não é culpa nossa — falei suavemente.

— Eu sei — ela limpou a garganta —, mas devemos fazer nossa parte

até que a situação esteja controlada.

— É claro. Faremos o que estiver ao nosso alcance. Deixei meu cartão

com Nikki para comprar qualquer coisa necessária, agora só preciso que me

diga o que fazer.

— Veronika foi comprar casacos de tamanhos variados, você pode se

sentar e fazer algo que não exija esforço.

— Não comece, doutora. — Eu sorri carinhosamente — Estamos

ótimas para ajudar com os escombros.

— Não se atreva. — Arregalou os olhos, empurrando-me

delicadamente para sentar atrás de sua mesa. — Sério, Maryia. Separe tudo

para que eu faça os curativos mais facilmente. Tem álcool em gel e

antisséptico ali atrás. As caixas estão abertas, separe pedaços variados de


gaze e fitas, ok?

— E depois?

— Mais tarde, quando todos estiverem cuidados, vamos servir sopa e

chá, e chocolate quente para as crianças.

Eu comecei o trabalho fazendo exatamente o que ela pediu.

— Teve uma vítima fatal?

— Até então, não, mas um senhor foi para o hospital em estado grave.

Sua filha ficou entre ir junto ou ficar e esperar que o filho fosse tirado de

baixo de madeira e neve. Foi surreal assistir ao desespero dela.

— Coitadinhos — lamentei, pensando na criança. — E o menino, está

bem?

— Sim, eles o levaram para o restaurante ali na frente. O dono fechou

para que abrigasse os feridos até que a comida fique pronta. Estamos

esperando notícias do senhor agora.

— Ele ficará bem. — Forcei um sorriso.

— Eu espero. É fim de ano, época de comemorar. Ninguém merece

viver uma fatalidade dessas agora.

— Maryia. — Me assustei ao ouvir a voz de Viktor e corri para

alcançá-lo.
Ele me segurou quando bati em seu corpo, abraçando-o com força.

— Olá, moya lyubov. — Vi três Vorys atrás dele, eu não os conhecia,

mas reconheci pelas tatuagens. — Veio ajudar?

Ele sorriu, ajeitando meu chapéu.

— Não acho que sou necessário, você está fazendo um bom trabalho.

Bufei.

— Estou cortando gaze e separando tiras de fita.

Ele riu e segurou meu pescoço, puxando-me para um beijo. Sua língua

acariciou a minha antes de sugar meus lábios, nos envolvendo e me fazendo

sentir saudade imediata. Se não fosse uma urgência, eu o faria me levar de

volta para a casa.

Puxei a cabeça para trás, fitando-o nos olhos.

— Nikki te avisou que eu estava aqui?

Ele me analisou da cabeça aos pés, como se fosse uma máquina de

raio-X. E eu aproveitei para observá-lo também. Suado, ele era de outro

mundo, com os músculos flexionando e todo cheio de adrenalina, mas Viktor

agasalhado para o frio, com a ponta do nariz vermelha, os olhos verdes

parecendo ainda mais claros e bochechas coradas... Deus, tirava meu ar.

Ele parecia um príncipe.


Os cabelos loiros penteados, mas com vento balançando as pontinhas

do topete. O casaco escuro aberto, mostrando apenas uma camisa por baixo.

Perfeito.

Simplesmente perfeito.

— Eu estava por perto e soube que minha esposa veio ajudar os

necessitados. A primeira-dama de Moscou. Mas não deveria estar no frio, vá

para a casa e descanse.

— Estou bem e descansada até demais. Deixe essa preocupação para

quando eu mal conseguir andar com o tamanho da barriga.

— Quantas blusas está usando?

Dei risada.

— Duas, e este casaco é quente. Acredite, está o inferno aqui embaixo.

— Isso eu gostaria de provar por mim mesmo. — Enquanto eu sorria,

ele tirou um par de luvas do bolso e as vestiu em minhas mãos. — Proteja-se

do frio. Proteja a minha filha.

— Aonde você vai? — perguntei, quando começou a se virar.

— Dar ordens. Adoro fazer isso. — Ele piscou, deixando-me para falar

com seus Vory.

— Você está tão apaixonada. — Ale bufou.


— Você acha?

— Maryia, me poupe. — Deu risada. — Vocês dois são como uma

espécie primitiva. O macho e a fêmea. Se odeiam e se amam, se devoram e se

acariciam, se estapeiam, se casam e se acasalam.

Eu caí na gargalhada.

— Essa é a melhor comparação que já tive em meu casamento.

— Provavelmente é a mais cabível.

— Concordo com você.

Eu voltei ao trabalho.
— Alguma coisa? — perguntei, aos três guerreiros de rua tirados da

periferia de Moscou para me acompanharem naquele trabalho.

— Procuramos na Street, ao redor das casas e verificamos as câmeras

ao redor, mas não temos nenhuma novidade.

— Continue procurando. Esse prédio não caiu com a força da neve e do

vento. Os vizinhos não viram nada?

— Não chegamos a perguntar ainda, queríamos manter a situação entre

a Irmandade.

— Procure na neve, nos lixos ao redor. Eu quero que tudo seja

conferido, todo o material achado, mesmo que danificado, é uma pista.

Levem tudo até meu escritório. Tem alguém esperando lá com Luka.

— Sim, Boss.

Dois deles se afastaram, mas um continuou em minha frente.

— Boss. Posso fazer uma pergunta?

Acendi um cigarro, assentindo.

— Por que alguém iria destruir um prédio desses, caindo aos pedaços?
Eu soprei fumaça, refletindo se deveria dizer a verdade ou mandá-lo ir

fazer o que instruí junto com os dois. Decidi pela primeira opção.

— Porque este é o lugar onde eu costumava beber com meu pai, depois

do meu treinamento para me tornar um Vory. Porque eu ia vir aqui essa

manhã para uma reunião de compra do prédio. Acabei ficando preso em outra

reunião.

Ele não precisava saber que o motivo de meu atraso foi, em primeiro

lugar, o enjoo matinal de Maryia. Minha filha e minha esposa me salvaram.

Eu seria parte dos escombros, se não fossem pelas duas.

Depois, ao sair de casa, recebi uma chamada de vídeo de Ileav

Romanoff, o chefe da Bratva em Miami, na América. Romeo DeRossi estava

expandindo o negócio da famiglia para territórios além dos que lhe

pertenciam de forma violenta. Ninguém nunca viu a Cosa Nostra trabalhar de

tal maneira, a Itália nunca se atreveu a arriscar que atos de guerra como

aqueles manchassem suas reputações.

Romeo não puxou seu pai ou tios, ele estava ficando ousado, quebrando

regras, firmando acordos perigosos e se aliando a organizações que os

DeRossi nunca se misturaram antes. O pai de Viktorya queria saber o que eu

sabia sobre ele, já que a Bratva Miami lhe pertencia e Romeo estava

chegando perto de seu território.


Eu não sabia nada sobre ele, pois foi o único que não conheci em minha

estadia na Itália.

Não o conhecia e já odiava o filho da puta.

Assim como ele também me odiava, já que suas invasões recentemente

costumavam deixar tipos de mensagens para mim.

“Vieni da me ciò che è mio.”

Venha para mim o que é meu.

Bastardo do caralho.

Eu lhe daria o que lhe pertencia, em breve.

— Vão — o dispensei e fitei Maryia por cima do ombro. Ela abraçava

Veronika Malkovi, que chegara com várias sacolas.

Minha esposa era linda pra caralho. Se não houvesse trabalho a ser

feito, eu a levaria para a casa e tiraria folga o resto do dia.

— Viktor. — Voltei minha atenção à frente, onde vi Volya surgindo de

Deus sabia onde.

— Eu não te mandei a São Petersburgo essa manhã?

— Sim e eu estava a caminho. — Ele hesitou, demonstrando um

nervosismo que eu nunca, jamais vi em seu rosto. — Surgiu uma coisa que

precisava falar com você pessoalmente.


— Então me diga. Transborde o pote de merda já cheio.

— Eu honestamente... — ele deu mais alguns passos em minha direção

—... não sei como dizer. Então só vou cuspir, porra.

— O que há de errado, Volya?

— Evarkov me ligou...

— Porra, Volodya, fazendo esse suspense para falar das merdas de

Kolokol? Mande o psicopata para alguma cidade por uns dias, caralho. —

Passei por ele, mas Volya segurou meu braço, impedindo-me de seguir em

frente.

— Me escute. Irmão... isso é muito sério. — Ele olhou por cima do

meu ombro, dando-me a sensação de que fitava Maryia.

— Olhos em mim — rosnei, tanto por ele estar testando minha

paciência com a demora em falar o que queria, quanto como a forma como

lançava olhares desagradáveis à minha esposa sempre que podia.

— Kolokol me chamou essa manhã. Disse que o menino de Sergei

estava estranho, que tinha algo errado.

— Isso me dá a entender que você não fez o que eu mandei e deixou o

garoto na casa dos Sharapova.

— Viktor.
— Estou ouvindo.

— Quando eu cheguei, o menino estava com o celular na mão,

deslizando o dedo sobre a tela e essa merda. Quando me viu, se empolgou em

mostrar fotos da família, disse que a última tinha sido um dia especial.

— Volya — reclamei, jogando o cigarro na neve, impaciente para seu

monólogo.

— Fotos de manhã até à noite do mesmo dia em que Xênia morreu.

Sergei estava em todas. Todas as fotos que os mostravam em um parque de

diversões.

— Isso é besteira — cuspi.

— Viko — falou, com dificuldade, parecendo tão travado em falar o

que precisava quanto eu em registrar e reconhecer o que queria dizer. Ele

enfiou a mão no bolso, pegando um aparelho celular que não era o seu. —

Sergei estava com a esposa e o filho no dia em que Maryia esteve no clube.

Sergei nunca esteve lá. Posso te mostrar.


“Eles não te disseram que eu era uma selvagem?

Foda-se seu cavalo branco e a carruagem

Aposto que você nunca poderia imaginar

Nunca te disse que você poderia ter isso

Você precisava de mim”

RIHANNA, NEEDED ME

Viktor estava estranho.

Eu reparei porque ele estava calado, e geralmente, era falante. Cheio de


ironias, gracinhas, destilando seu humor ácido e com um monte de conversa

fiada na ponta da língua. Cantava os raps que ouvia no carro dirigindo pela

cidade e as músicas não saíam de sua cabeça, ele gostava de se comunicar


comigo, mas nos últimos quatro dias não havia nada.

Ele me fodia com força quando chegava em casa, sempre tinha jantado

na rua, ignorando quando eu cozinhava e sempre fugia de mim. Mesmo

quando, na noite passada, eu o confrontei, pedindo que me beijasse antes de

me penetrar.

— São negócios, Maryia. Apenas negócios — ele dizia, dando uma

desculpinha que eu não acreditava de jeito nenhum. Os negócios nunca o

tinham deixado daquele jeito, e principalmente, nunca o tinha afastado de

mim.

Eu era Maryia. Sua Maryia.

Mas ultimamente podia muito bem ser uma estranha vivendo em sua
casa.

Eu queria que tudo voltasse ao normal, queria descobrir o que estava

acontecendo com o meu marido, mas trancada em casa, o esperando voltar,

eu não conseguiria. Por isso, quando sexta-feira chegou, eu convoquei

minhas amigas logo cedo, avisando que as três tinham um compromisso

inadiável comigo, pois eu precisava provocar Viktor até receber uma reação
que me explicaria seu novo humor.

— Estão reinaugurando uma nova boate no centro — Viktorya deu a

ideia. — Poderíamos ir até lá.

— Boa ideia — Nika concordou. — Eu ouvi falar, dizem que é animal.

Eu me encarava agora em frente ao espelho, admirando o microvestido

lilás cintilante. Meu plano era que assim que Viktor pisasse em casa, não me

encontraria e quando descobrisse onde eu estava, fosse me buscar. O vestido

era apenas a cereja no topo do bolo quando ele perdesse a cabeça. Nada fazia

mais efeito em meu marido do que seu ciúme.

Se ele não voltasse ao normal essa noite, não voltaria mais.

Após vinte minutos o meu novo Vory-sombra parou o carro ligado do

outro lado da rua de uma boate com a frente lotada. A fila dobrava a esquina,

mas eu sabia que era só dizer meu nome que passaria facilmente.

— Ok, estou indo. Você já sabe, fique longe de mim, não venha com

essa sua atitude de homem das cavernas. Quero me divertir com minhas

amigas.

Nikki franziu o cenho, fitando-me com dúvida.

— É este o endereço certo?

— Sim, e pelo amor de Deus, não comece com seu sermão de Boss isso

e Boss aquilo. Fique à vontade para dizer a ele onde estou quando ele ligar.
— Isso não será necessário, senhora. — Ele balançou a cabeça,

pegando o maço de cigarros, arma e isqueiro. — Esse clube é do Boss.

Nikki desceu do carro, deixando-me alarmada enquanto dava a volta

para abrir minha porta.

— O que disse? Eu acho que não ouvi bem.

Ele acenou para a grande balada a pleno vapor.

— Boss comprou semana passada. Ele deve estar aqui hoje, tinha

reuniões com fornecedores e essas coisas que nós não entendemos.

O filho da puta!

E eu não fazia ideia?

Abaixei meu vestido para não mostrar demais quando desci, e me virei

para o Vory.

— Esse safado, como ousa? — gritei e ele recuou um passo, alarmado.

— Se isso aqui é dele, estará cheio de guerreiros da Bratva lá dentro. Não me

siga!

— Ainda ficarei perto para protegê-la, até que o Boss ordene o

contrário, senhora.

— Sim, sim, eu sei — murmurei, enquanto atravessava a rua. Ele me

seguia de perto. — E, Nikki, você é muito boca aberta, eu espero que não fale
dos negócios do meu marido assim à toa para todo mundo.

Ele estreitou os olhos, mostrando-se ofendido.

— Eu sei do meu lugar, minha senhora. Só lhe disse porque é esposa do

Boss e sei que não tem problema saber disso.

— Acho bom que seja assim. — Tirei meu celular da bolsa, enviando

uma mensagem rápida às meninas.

Entrei no grupo e digitei um rápido:

“S.O.S essa merda pertence à Irmandade.”

NÃO BRINCA! — Veronika respondeu.

Viktorya enviou um emoji furioso e Alessandra só visualizou.

Agora eu sabia que meu marido estava lá dentro e meu plano seria

adiantado. Os dias de me ignorar acabaram para Viktor, ou eu ficaria feliz de

fazer suas malas e o colocaria para fora.

Quando me viram, o segurança na porta abriu a corrente sem que eu

dissesse nada.

— Senhora Zirkov.

— Boa noite. Está muito cheio?


— Sim, senhora.

— Acha que eu consigo uma mesa lá dentro? — Era mais uma ordem

velada do que uma pergunta. Eu queria uma mesa. Só que eu conseguia ser

mais educada que meu marido para demonstrar minhas vontades.

— Imediatamente, senhora — ele assentiu, acenando para um

segurança mais longe. — Consiga uma mesa para a senhora Zirkov.

— E para minhas três amigas — completei.

— Como quiser, a senhora prefere a pista ou área VIP? — Aquele que

me acompanhava para dentro questionou.

— Pista, por agora, mas subirei para a área VIP depois.

— Certo. Pode dizer os nomes de suas amigas para que eu deixe

avisado na porta?

Dei um sorriso irônico.

— Você vai reconhecê-las.

Reconhecimento piscou em seus olhos quando percebeu que todas

pertenciam à Bratva. Ele deu um aceno que mais parecia uma reverência e

rapidamente me levou à mesa, deixando-me para voltar ao seu posto. Não

demorou até que um bartender se aproximasse da mesa, questionando meus

pedidos de bebida.
Com certeza aquele serviço não era oferecido a todos os clientes.

— Uma garrafa de tequila, espumante e coca.

— Sim, senhora.

— Traga água também. — Seria lamentável não poder beber a minha

amada tequila. — Meu marido está aqui?

— Sim, em seu escritório, senhora. No segundo andar. Há uma porta

vermelha com um segurança guardando-a. Fica naquele corredor.

— Ele está com alguém?

— O vi entrando com Volya mais cedo.

— Você é um Vory?

— Não, mas meu pai foi.

Eu assenti, e abrindo minha bolsa, tirei uma nota para ele. O rapaz

tentou negar, mas insisti. Ele aceitou depois de um momento e voltou para o

bar. Eu estava despejando minha água na taça quando as vi.

Veronika e Alessandra caminhavam lado a lado, e Viky atrás, mexendo

no celular.

— Uau — Ale me abraçou —, você está linda, mama!

— Este lugar é incrível. — Veronika me deu um abraço de urso, bem

apertado. — Seu marido está ficando ousado.


Luzes piscavam por todos os lados, e a decoração era luxuosa,

moderna, feita para impactar.

— Eu ainda estou surpresa pelo fato de ter comprado, em primeiro

lugar.

Viktorya colocou o braço em meu ombro, desviando os olhos da tela de

seu telefone.

— Vai dizer que não sabia?

— Nosso casamento está por um fio, amiga. Acredite em mim, eu não

sabia.

Veronika riu.

— Vocês me forçam a beber, cretinas. — Ela abriu a tequila, quase

salivando em cima da garrafa, Viktorya deu uma olhada no espumante antes

de abrir e despejar na taça.

Alessandra colocou a bolsa no cantinho da mesa.

— Pediu seu suco?

Ergui minha água.

— Vou ficar nessa vibe por hoje. Sintam-se à vontade para encher a

cara.

— O que houve com Viktor? — Viky perguntou.


— Boa pergunta. Só Deus sabe por que meu marido é do jeito que é.

Ele não fala comigo, simples assim.

— Não fala como?

— Chega tarde, na maioria das vezes já estou dormindo e sai quando

ainda estou dormindo. Me evita, está sempre trabalhando em casa.

— Acha que é por causa da gravidez? — Nika inclinou a cabeça. — Se

for, ele devia saber que bebês são feitos quando se goza dentro. — Ela virou

uma dose de tequila, balançando a cabeça e dando um gritinho. — Jesus

Cristo.

— Se fosse pela gravidez, eu cortaria seu pau. — Viktorya revirou os

olhos.

— Não acho que é por isso — justifiquei. — Aconteceu pouco depois

da festa de Roman. Eu me lembro que ele saiu com Volya por um tempo.

— Mas voltou normal.

— Eu sei. Porém eu sinto, sério, tem algo errado. Não é coisa da minha

cabeça. Mas... enfim! A pauta não é meu marido. Vou me resolver com ele

em breve, enquanto isso. Vim curtir com vocês!

— Acho que vou usar nosso nome para entregar minha playlist ao DJ

— disse Nika. — Assim ele toca algo que preste.

— Eu gosto da música. Gostei de tudo, na verdade.


— Querida, se tem gente sentada logo que a balada abre, é porque ela

não está boa o suficiente.

Veronika começou a se agitar, ficando na ponta dos pés, tentando ver a

cabine do DJ.

— Se ele estiver sozinho, vou lá dar umas dicas.

— Deixe-o fazer seu trabalho. — Dei risada. — Eu quero dançar, já

que não posso beber. Vocês fiquem perto de mim, sou a babá da vez.

— Você era a única a se deitar na calçada, Maryia — Viktorya lembrou

um dos meus piores momentos. — E começar a divagar, recusando até

mesmo um copo de água.

— “Eu vim para o rolê com a minha mãe, caralho?” — Alessandra

gritou, me imitando.

Elas caíram na risada, virando mais bebida alcoólica.

— Isso foi num passado muito distante.

— Nem tão distante assim. — Viktorya me fitou pela borda da taça.

Cheia de humor.

— Cale a boca. — Segurei sua mão e a puxei para a pista, ela agarrou a

de Ale, que puxou Nika. Nós deixamos nossas bolsas na mesa sem nenhuma

preocupação.
Afinal, sabíamos que ninguém seria louco de tocar nossas coisas.

Chamamos atenção, conforme fomos abrindo caminho até a pista.

Queríamos dançar no meio, nos exibir, brilhar.

E quando uma música de Dua Lipa estourou no ar, gritamos em

uníssono.

— Viu só, bastou eu chegar e o bastardo começou a trabalhar direito!

— Veronika brincou, rindo, quando Ale tapou sua boca.

A intimidade gritante entre as duas me fez sorrir, mas deixei o sorriso

morrer ao lembrar que Viktorya estava presente.

Houve apenas um convite para dançar. E veio de um rapaz que não era

dali, ou estava bêbado demais para nos reconhecer.

Ele chegou direto em Viktorya, que negou, mas continuava insistindo.

Eu via minha amiga lhe dando as costas, perdendo a paciência, mas o cara só

foi embora quando seus amigos correram para levá-lo dali.

Continuamos dançando em nossa pequena bolha, distraídas demais com

a música e o momento. Eu não conseguia parar de observar Veronika e

Alessandra dançando juntas. Os sorrisos, os olhares, as risadinhas e os toques

discretos. Tudo era tão transparente.

Só desviava delas quando dirigia minha atenção ao segundo andar,

conferindo se meu marido aparecia.


— O que você está olhando? — Ale perguntou. — Quer subir?

— Viktor está lá em cima.

— Ele já desceu. Ele sabe que você está aqui?

— Não. Você o viu?

— Sim, mas foi rápido. Perdi de vista. Pensei que viria até você. — Ela

balançou a cabeça, sorrindo para mim. — Maryia, tire Viktor da cabeça.

Você precisa aproveitar a farra enquanto essa barriga não te deixa pregada na

cama.

— Não seja louca, eu me exercito justamente para que isso não

aconteça.

— Diga isso aos enjoos matinais.

— Eu te amo como uma irmã, Ale — falei de repente, admirando seu

sorriso perfeito e os olhos brilhantes cheios de honestidade e doçura.

Ainda que as circunstâncias de sua chegada à Rússia, anos atrás,

fossem um mistério, mesmo com seu título de nobreza em seu país de

nascimento, a fazendo tão fechada, eu nunca deixei de amá-la ou mostrar meu

apoio a ela.

— Eu sei, também amo você.

— E sabe que pode confiar em mim com tudo.


Ela franziu o cenho, diminuindo os movimentos da dança.

— Sei disso e eu confio. Agora vamos dançar.

Continuei a encarando. Minha descoberta estava na ponta da língua, eu

estava quase dizendo, mas então Veronika chegou por trás dela, a abraçou

pela cintura e apoiando o queixo em seu ombro, sorriu para mim.

— Vocês vão dançar ou o quê?

Ale tirou seus braços e pegou minha mão, segurando a de Nika do

outro lado.

— Vamos dançar. Enquanto você ainda aguenta ficar nos saltos.

Rindo, acompanhei as duas.

Encontramos Viktorya com uma mão acima da cabeça segurando o

cabelo, e a outra firme na taça de vinho.

Ela abriu os olhos, sorriu para mim, já brevemente embriagada e

balançou a cabeça, girando o corpo no lugar. Veronika segurou as duas mãos

de Alessandra, a incentivando a dançar para valer.

Ale tentava fugir, mas Nika não deixava. Eu esperava que um dia

pudessem me dizer a verdade e que se sentissem livres para viver seu amor

sem ser em segredo.

Nunca tivemos um caso na Bratva, mas eu queria acreditar que Roman


as deixaria viver como quisessem.

Eu estava tão entretida com meus próprios pensamentos e reflexões,

que me sobressaltei quando cercaram minha cintura, mas me acalmei quando

senti o cheiro de Viktor, recostando o corpo contra seu peito.

Mesmo sabendo que havia algo errado, apreciei sua proximidade, pois

nos últimos dias aquilo foi o máximo que me deu.

Cobri suas mãos com as minhas, sentindo a respiração calma em meu

pescoço e comecei a me mover um pouco mais contra ele, mas Viko estava

parado, imóvel, apenas deixando-me senti-lo ali.

Ficamos daquele jeito por vários minutos, duas músicas. Minhas

amigas lançavam olhares, mas não se aproximavam.

Vi de longe dois Vorys se posicionando perto, atentos à proteção do

Boss num espaço tão aberto.

Estiquei a mão para trás, querendo agarrar seu pescoço, mas ele

segurou meu pulso, impedindo-me.

Virei meu rosto, a fim de encará-lo, mas ele pressionou o rosto no meu,

forçando-me a continuar olhando em linha reta.

— Eu sei o que você fez.

As palavras eram baixas e roucas, num tom perigosamente sinistro.


As mãos apertaram minha cintura, grudando-me mais a ele.

— Eu fiz muitas coisas enquanto você me ignorava — gritei por cima

da música, sabendo que só ele me escutaria.

— Você mentiu sobre Sergei. Mentiu sobre a cabine. Mentiu.

Todo o meu corpo paralisou.

Tensão e pânico inundando-me dos pés à cabeça. Minha visão turvou e

eu tentei me virar, mas ele me pressionou no lugar com os lábios

pressionados em meu ouvido.

— O que você fez... Não. Tem. Perdão.

Ele me virou bruscamente, segurando meu cabelo com uma mão e

pressionou o polegar em minha traqueia, encarando o local como se sua

maior vontade fosse apertá-la até me tirar o ar.

Ele desejava isso e eu via em seus olhos.

Aquele era o momento.

Quando ele me prometeu morte, quando disse o que aconteceria se

alguma vez eu o traísse... Morte.

— Confiei em você e você me traiu.

Eu comecei a sentir olhos sobre nós, as pessoas começavam a perceber

que algo estava errado. Pelo canto dos olhos, vi Viktorya tentando se
aproximar, mas um Vory a segurou, levando-a para longe, assim como

Alessandra e Veronika.

Fixei meus olhos nos seus, pensando em qualquer coisa que pudesse

dizer, que faria minhas justificativas parecerem aceitáveis.

Mas não havia nada.

Eu fiz não apenas um, mas dois inocentes morrerem para encobrir meus

erros.

Viktor me mataria.

— Viktor — sussurrei, mas minha voz não podia ser ouvida sob a

música alta.

— Por quê? — perguntou, balançando minha cabeça. — Por que, porra,

Maryia? Nós estávamos bem, tudo se ajeitava e você... — Fechou os olhos

brevemente, e quando os abriu, todo o questionamento foi embora. A dúvida,

o ressentimento, a tristeza pela descoberta do que fiz. — Você acusou Sergei

para proteger alguém. Quem?

— Não foi assim. — Solucei, tentando tocá-lo, mas ele virou o rosto,

indicando que meu toque não era bem-vindo.

— Quem é o seu amante? Eu quero o nome.

— Eu não tenho um. Aquilo não era... — Fechei os olhos com força.
— Fale a verdade e alivio o seu julgamento. Minta para mim

novamente e vai sofrer até seu último suspiro.

— Por favor — implorei, com nossos olhares fixos. — Não pode fazer

isso, sou eu... Maryia.

— Você é Dalila, me traiu por nada. Se deitou comigo como se fosse

inocente, mentiu diariamente na minha cara e me fez de idiota. Fez de mim

Viktor Zirkov, um tolo! Fale a verdade, Maryia. FALE!

Pelo o canto dos olhos vi as pessoas se afastando, o lugar esvaziava,

mas ainda tinha muita gente. Ele estava me humilhando em público.

Como se eu não fosse nada.

Como se não tivesse sido quem traiu primeiro.

Fazendo-me de tola.

Esfregando meu nome nas paredes da Irmandade, quando todos me

viam como a verdadeira idiota traída por ele com o nosso inimigo.

— DIMITRI — gritei. Provavelmente ninguém além dele me escutaria,

mas assim que o nome saiu da minha boca, Viktor congelou.

Seus olhos pegaram fogo e ele me soltou, empurrando-me um passo

atrás e agarrando meu pescoço. Eu me engasguei com o aperto, segurando

seu pulso. Os olhos verdes arregalados de Viktor não me viam, só sua Dalila.

A traidora que ousou fazer o que ele nunca esperaria de mim: me deitar com
outro homem.

— Foi sua culpa! — falei, com dificuldade, cravando minhas unhas em

sua pele. — Olho por olho... d-dente por dente-e. — Lágrimas de tristeza, dor

e ódio escorriam pelo o meu rosto. — Agora ambos estamos cegos.

Ele me soltou imediatamente. Eu tossi, inclinando-me para a frente em

meus joelhos. Minha garganta arranhava e meus olhos não paravam de liberar

as malditas lágrimas.

Nós nos encaramos por um século a cinco passos de distância. Ele

jamais me perdoaria, assim como eu nunca o perdoei verdadeiramente.

Mas estávamos condenados a nos amar até a morte.

— Volte para a casa do seu avô, Maryia.

— O quê?

— Não vou matá-la, seria pouco. A Bratva vai saber as razões pelas

quais eu a expulsei do meu Clã. A verei novamente, no dia em que Dimitri

for levado ao meu julgamento. Até lá — ele apontou para mim com seus

olhos vazios —, fique longe de mim. Fique fora da porra da minha vista. Ou

eu vou mudar de ideia.

Ele se virou, deixando-me para encarar suas costas sem dizer mais

nada.

Doeu.
Doeu mais do que ser morta por ele.

— NÃO! — gritei, correndo para alcançá-lo e espalmei seu peito. Ele

não me olhou — Você não vai me expulsar e não vai me humilhar assim. Eu

queria ir, você não me deixou, agora eu não quero. Sou sua para sempre,

lembra? Presa a você!

— Isso foi antes de eu descobrir o quão traidora você é, eu te desprezo,

Maryia. Agradeça por não receber a punição que deveria, eu a faria sofrer

mais do que faria com o seu amado.

— Eu não o amo. — Bati com meus punhos fechados em seu peito,

descabelando-me. — Eu amo você. Só você!

Ele finalmente abaixou os olhos, cravando aquela imensidão verde em

chamas em mim.

— Pois viva com o seu amor e sua liberdade. Com o seu nome

manchado e a perspectiva de que eu vou me casar de novo, e você será a

convidada de honra. Vou tirar o meu filho de você...

Ele parou de falar, como se de repente, tivesse pensado na mesma coisa

que me torturava desde que descobri a gravidez. Viktor afastou os olhos de

mim novamente.

— Se a criança for dele, será criado para ser meu mascote de luta. E

você pode ir se foder, Maryia Sharapova.


— Não diga isso. — Solucei, e me joguei de encontro a ele, abraçando-

o com força. — Pense em tudo o que nós vivemos, tudo o que já passamos

juntos. Eu te perdoei, é tão difícil fazer o mesmo por mim?!

— Tire essa mulher daqui — disse, então, no segundo seguinte, eu fui

tirada de cima dele, sem nenhuma delicadeza. — Ela não me pertence mais.

O homem me agarrou, bruscamente arrastando-me para fora. Metade

das pessoas deviam ter visto meu vestido subir, ele tocando partes do meu

corpo que antes não teria, se Viktor não tivesse dito aquilo.

“Ela não me pertence mais.”

Eu chorei com todos os sentimentos borbulhando em meu interior, e,

numa parada para fora, me inclinei para vomitar, meu estômago parecia estar

sendo torcido e retorcido em nós.

— Deixe-me ir — sussurrei, tentando afastar o homem de mim, mas ele

não me soltou até me jogar numa van e tomar o assento do motorista.

Acelerou e fazia curvas sem cuidado, precisei me agarrar onde pude para não

correr riscos com o meu filho.

“Ele será meu mascote de luta.”

Eu me deitei em posição fetal, protegendo minha barriga com os braços

e chorei.

Chorei não só por tudo o que me disse, mas por perceber que não
importava o quanto eu o amasse, ele nunca seria capaz de me amar da mesma
forma. Não quando seu orgulho era maior.

Não quando me apaixonei por um homem que aprendeu a amar a morte

e vinganças antes de seguir seu coração.


“Eu posso te amar mais do que amei antes

Estava em um lugar escuro naquela época

Eu era tóxico

Eu era assombrado pelas colinas

Eu não pude te dar tudo de mim, mas irei

Se você me deixar em seus braços

Se você me deixar entrar em seu coração

Eu não acho que o amor está completamente fora de questão

Você estará lá?

Eu ainda posso te amar?”

ARIANA GRANDE & THE WEEKND, OFF THE TABLE


Com o rosto banhado em lágrimas, eu me levantei do sofá e corri até a

porta, assim que a campainha tocou. Só podia ser ele, Nikki não teria deixado

ninguém passar.

Eu estava pronta para implorar por perdão, se sua intenção era me dar

uma lição sobre o que houve, eu estava preparada para receber. Eu já tinha

pegado o recado, eu entendi o recado.

Fui maltratada por seu Vory, fui olhada como se fosse uma bruxa

condenada à morte, fui tratada como uma leprosa.

Se ele queria que eu me sentisse um lixo, conseguiu, agora era hora de

voltar para a casa, pois nosso filho não deixaria de crescer e eu não aceitaria

ser expulsa. Não quando ele não me deu a liberdade assim que pedi. Seu

divórcio poderia ir para o inferno.

Mas assim que abri a porta, tentei empurrá-la de volta no mesmo

instante. Dimitri a segurou com o antebraço, sorrindo com o pânico em meus

olhos.

— Maryia, eu não esperava que logo você fosse me receber dessa


forma. Um pouco de simpatia seria bem-vinda.

— Saia daqui. Agora!

— Temos assuntos a tratar, minha linda traidora.

Ele esticou a mão em direção à minha barriga e eu dei um pulo para

trás, dando assim a brecha para que ele entrasse e fechasse a porta de

imediato, ele deu uma rápida olhada ao redor.

— Seu marido e as casas medíocres que ele costuma te dar. —

Balançou a cabeça, suspirando. — Tenho uma notícia que talvez a faça

querer se livrar dessa também.

— Dimitri, saia daqui, agora. Viktor já sabe o que aconteceu.

— Eu sei que você mentiu para ele, arriscando a morte do pobre Sergei,

certo? E da esposa dele. Viktor matou a esposa também, inocente, cem por

cento inocente, era uma boa mulher. Vocês pretendem pegar o garoto órfão

para criar juntos?

— SAIA DAQUI!

— Se você está preocupada com o Vory lá embaixo, eu trouxe uma

garota que é ótima em chupar paus. Ele deve estar nas alturas agora.

— Dimitri...

— Eu vou ser rápido, tenho negócios a tratar nos Estados Unidos, como
você bem sabe, eu dei um jeito para que minha viagem fosse adiada até que

tivéssemos notícias sobre nossa tentativa de concepção. E agora que temos

certeza, vim para exigir meu direito como pai.

— Você não é o pai!

— Você já sabe? Tem um exame para me mostrar?

— SAIA!

— Maryia, essa criança... é minha vingança. Eu não vou deixá-la. É o

meu bilhete da sorte! — Ele riu como se estivesse maravilhado. — Eu

engravidei a porra da mulher do Boss de Moscou!

— O meu filho é de Viktor.

— Bom, não temos como ter tanta certeza. Sabe que agora eu entendo

por que você se compadecia tanto de Xenia, indo até os clubes bater papo

com ela, como se fossem velhas amigas. Você se identificava com ela.

Porque, afinal, tem um filho sem um DNA concreto, sem uma paternidade

concreta, será um escândalo. A vadia Sharapova. Seu Clã será chacota

quando isso vazar ao público.

Sem dar um segundo de tempo, eu avancei em sua direção, esmurrando

seu peito, arranhando o rosto enquanto soluços explodiam da minha garganta.

— Você se aproveitou de um momento em que eu estava fragilizada!

Você...
Ele agarrou meus cotovelos, me chacoalhando de forma que minha

cabeça ficou zonza.

— Maryia, você me deu porque quis, você foi até mim, a única coisa

que precisei fazer foi te propor um acordo uma vingança e você quis, não

diga que eu sou o culpado por isso. As escolhas são suas, as consequências

são nossas.

— Não há nenhuma consequência aqui para você, é o bebê de Viktor,

eu tenho certeza.

— Eu não, mas quero ter. Quero que seja uma criança forte, talvez eu

vá até tirar o seu nome. O meu soa melhor.

Ele me empurrou para trás, dando uma pequena volta ao redor de mim.

— Mas nós também podemos evitar um escândalo, assine os papéis do

divórcio que ele te deu. — O encarei com espanto, ao saber que ele estava

ciente do papel que chegou naquela manhã. Nem eu conseguia sequer cogitar

que ele falava sério sobre se separar de mim. Dimitri sorriu. — Eu sou muito

bem informado sobre o que se passa dentro desta casa. Aproveite que ele te

deu o divórcio, se livre dele e case-se comigo.

— Você ficou louco.

— Eu imagino o que ela pensaria ao me ver casando com outra mulher,

quando percebesse que não terá nenhum de nós.


— De novo essa mulher da sua imaginação, eu consigo entender por

que a sua amada não está ao seu lado — cuspi, fervendo de ódio.

— Oh, Maryia, você não entende um por cento do assunto, mas vai

entender em breve. Enquanto isso, vou deixá-la com a minha proposta.

— Eu nunca vou deixar Viktor.

— Ele não te quer mais.

— Ele está bravo, eu o magoei. Eu o traí. Também precisei de um

tempo quando descobri o que ele fez.

Eu nem sabia por que estava dando explicações a ele, talvez fosse para

dizer em voz alta e tentar convencer a mim mesma de que Viko voltaria. De

que me perdoaria.

— Não, ele é um Vory. Ele nunca vai perdoá-la.

— Eu não vou deixá-lo! — gritei. — Principalmente não por você!

— Nem mesmo se soubesse que ele está na Austrália agora, correndo

como um cachorrinho maltratado atrás de Elena DeRossi?

Eu senti um soco em meu peito, e minha respiração travou por um

minuto.

— Isso é mentira, mais uma de suas mentiras. — Tapei meus ouvidos.

— Não quero ouvir mais nada de você!


Ele ergueu as sobrancelhas, puxou um lado da jaqueta e tirou um

envelope, jogando-o em cima da mesa.

— Vá e certifique por si mesma, eu te comprei uma passagem. Está no

envelope, onde você também vai encontrar o endereço de Elena e seu marido

Jack, essa será uma ótima oportunidade para que você e Elena se conheçam,

para que entenda por que ele sempre corre para ela.

— É mentira — gritei, então peguei o vaso de flores em cima da mesa e

joguei nele, Dimitri nem se mexeu, deixou que batesse em seu peito,

quebrando aos seus pés. Água o molhou desde a camisa até os pés, mas ele

apenas sorriu.

Eu peguei o envelope da mesa e rasguei, esfregando em sua cara

nojenta.

— Vá para o inferno, seu maldito desgraçado.

Ele tirou um pedaço de papel grudado em sua bochecha, cuspiu no chão

e levou a mão atrás das costas. Eu pensei que me mataria depois da ofensa,

mas ele apenas tirou a passagem real e a balançou no alto.

— Eu sabia que faria algo assim, sua psicótica do caralho. Não vou te

matar porque você carrega o meu filho.

Ele me observou por um momento, um curto momento que pareceu

longo demais, então quando fui me afastar, ele segurou meu braço e me
puxou para si, tirando o celular do bolso. Dimitri mexeu na tela antes de virá-
lo para mim.

— Um Vory do meu Clã está seguindo seu Viko desde ontem, e aqui

você vê claramente seu marido entrando no avião.

Eu não consegui desviar meus olhos da foto, não enquanto ele não tirou

o celular da minha frente e guardou de volta.

— Não estou aqui para mentir para você, Maryia, vá veja por si mesma

onde o seu marido encontra consolo quando você o trai. Quando voltar, eu

estarei esperando uma resposta sobre meu pedido de casamento. E então, nós

vamos criar nosso filho juntos.

Eu não tive sequer forças para me afastar quando as costas de sua mão

direita acariciaram o meu rosto. Minha mente ainda estava girando em volta

daquela foto, aquele pequeno pedaço de informação capaz de me paralisar

outra vez.

— Vou deixá-la agora, mas eu sugiro que se apresse, o avião sai em —

ele fitou o relógio de pulso — três horas e eu paguei o preço da prostituta lá

embaixo por apenas uma hora e meia. Se quiser fugir de seu Vory, é a sua

grande chance.

Ele puxou o decote da minha blusa, colocou a passagem dobrada no

meio dos meus seios e beijou minha bochecha. Eu tremi de nojo, repulsa e
arrependimento.

Como foi que deixei aquele homem me tocar?

Eu o observei sair, enquanto meu coração se desfazia em pedaço.

Feridas antigas abriam-se e uma tempestade foi crescendo dentro de mim.

Meu amor era para poucos, mas quando eu entregava, entregava tudo,

sem reservas e sem hesitação. Uma última chance foi dada a Viktor e ele

estava me traindo mais uma vez, mas ele não encontraria perdão agora, não

quando voltou a repetir seu pecado.

Toquei em meu ventre ainda plano, controlando-me, segurando-me,

lembrando o porquê eu não deveria fazer nenhuma besteira. Não era apenas

eu agora, havia alguém com quem sonhei dias e noites.

Sentei-me, fechei os olhos e agarrei aquela passagem como se ela fosse

a única coisa sobrando de tudo que já construí nesta vida. Quando os abri

novamente, eu não precisava de um espelho para saber que determinação

brilhava neles, também a fúria.

Eu era Dalila para ele, mesmo quando me virava as costas para ir atrás

de seu pecado principal.

As pessoas costumavam dizer que meus irmãos eram bestas assassinas,

loucos sem consciência. Algumas já disseram que eu fui salva do sangue

poluído. Eu duvidava, porque naquele momento me senti tão doente quanto


meus irmãos.
Sentado num bar à beira mar, eu girava a garrafa para ver todo o rótulo

enquanto esperava a minha companhia. A viagem foi longa, ainda mais

porque eu havia pegado o maior percurso para que pudesse pensar, havia

muito para pensar.

Meus erros do passado, meus erros do futuro que com certeza

chegariam a acontecer, erros que faziam parte de mim e que não queriam ir

embora. Tentar entender os pecados dela e compreender que do nosso fim

não haveria nenhum novo começo.

Dar permissão à Maryia para me deixar havia sido a coisa mais difícil

que já fiz em anos, assistir à sua descrença e vê-la se desfazer em minha

frente era uma cena que se repetia em minha memória, muito de mim estava

com ela, assim como tudo dela estava impregnado em mim.

Eu a traí, ela me traiu da mesma maneira.

Maryia fez meu homem de maior confiança morrer. Antes disso, fez

um discurso sobre deixar sua família em paz, agora eu entendia o choro

desesperado, seus pedidos de misericórdia e vi que não havia culpa nos

ombros de Sergei.
Suas palavras de despedida martelavam minha mente e o meu coração

escuro.

Eu nunca me perdoaria do que fiz com Serga.

Por ela, por Dalila.

Minha esposa traiçoeira em quem confiei cegamente, e que amava

acima das leis da Bratva, acima do meu próprio julgamento.

Minha mente confiava em Serga, mas meu coração estava com ela,

portanto, eu destruí uma família que não tinha culpa por Maryia.

Dos pecados capitais, eu era uma mistura de todos eles. Que minhas

vítimas me perdoassem, que meus inimigos temessem a mim. Que minha

própria sombra tivesse dois passos atrás dos meus.

— Maldito é aquele que rouba vidas para o inferno e descansará no

fogo junto a elas quando a hora chegar. Então... amaldiçoe o meu caminho

enquanto eu roubo a sua alma — murmurei as palavras que estalavam em

minha mente desde o avião. Decorei cada uma delas, as torci e as preguei em

meu coração ferido. Tornei-me forte acima delas. Encontrei conforto.

Sabia que as repetiria pelo o resto da minha vida solitária.

Enchi metade do copo mais uma vez e o ergui.

— A você, Serga. Que me desejou o inferno que estou passando.


Se havia algo que eu poderia fazer depois de minha injustiça, era cuidar

de seu único familiar vivo. O único que eu deixei vivo, ainda que o garoto

provavelmente não quisesse ver minha cara pintada de ouro, eu tinha que

fazer algo por ele.

— Nem me esperou?

Ao me dar conta da presença, ergui meus olhos e fitei um rosto que não

via há muito tempo. O rosto do homem que cheguei a odiar por pensar que

estava roubando uma mulher de mim. A mulher que por um curto período me

fez olhá-la como se fosse a única saída para o meu inferno, aquela que

cheguei a ver como substituta quando pensei que meus erros com a minha

esposa eram grandes demais para consertar. Aquela que fez de mim um

covarde, mesmo quando eu ainda me mostrava forte e orgulhoso.

Aquela que nunca me pertenceu de verdade, porque eu nunca poderia

amar alguém além de Maryia.

— Jack — falei, com um aceno, a rincha entre nós havia ficado para

trás, pelo menos do que dizia respeito a Elena DeRossi. É claro que ainda

estávamos em lados opostos e não hesitaríamos a levantar armas e facas um

para o outro quando nossas máfias estavam envolvidas.

Ele ajeitou os óculos escuros que nunca tirava no rosto e se sentou.

— Visita inesperada, Zirkov. Não é todo dia que estou tomando café
com a minha esposa e recebo um convite desses.

— Não foi um convite amigável. Não vim para tomar uma e bater papo.

— Ergui a garrafa. — Embora a vodca seja boa.

— Agora eu estou desapontado. — Ele sorriu.

— Não vivemos assim? Você me desaponta e eu te decepciono.

— Parte dessa birra é porque nunca teve uma chance com ela, não é?

— Você conheceu Maryia. — Foi a única coisa que precisei dizer. Seu

sorriso alargou e eu quis avançar em seu pescoço.

— Infelizmente não a conheci, mas soube que é uma mulher

inspiradora. Meu sogro gostaria dela. É exatamente seu tipo de mulher.

— Luigi vai conhecer uma cova profunda antes de poder pensar em

minha Maryia.

Contrariando minhas palavras de que ela não me pertencia mais, ouvir

Jack falar sobre ela me subia um fogo que nem Deus podia controlar. Ouvi-lo

envolver mais de sua corja familiar piorava ainda mais.

— Se não a conheceu, alguém passou sua mensagem.

— Agora estou confuso, mio amico.

O sorrisinho em seu rosto estava prestes a sumir.

— Eu sou um homem de palavra. — Girei meu copo, encarando o


fundo vazio. — Então vou lhe dar isso. As histórias do que houve na Itália

chegaram à Rússia de forma irreal e fantasiosa. Histórias que fizeram a minha

esposa se rebelar contra mim.

— Ah, você está vivendo essa fase — disse ironicamente. — Todas

elas ficam rebeldes em algum momento. Compre um buquê de flores.

— Minha esposa perdeu três filhos e colocou fogo em nossa casa,

então, se deitou na cama para dormir e morrer queimada. Esse foi o impacto

dessas notícias, agora, eu não te culpo, Corleone, tudo vale na guerra. Seja

por poder, seja por amor. Você não conhece Maryia e não devia nada a ela,

mas de alguma forma era o único a dizer a ela o que aconteceu na Itália.

Elena, minhas traições.

Jack pegou o copo que eu bebia, serviu uma dose e a virou, batendo-a

na mesa. Ele ergueu as mãos.

— Eu estou confuso, nós estamos aqui para discutir a sua relação?

Eu o observei por dois minutos cronometrados. Nós nos encaramos de

igual para igual. Eu queria que ele sentisse o impacto do que eu diria a seguir.

Queria que sua cabeça explodisse pensando dias e noites, até que eu decidisse

tirá-lo de seu inferno.

— Se você me disser quem levou sua mensagem até Maryia, eu te digo

algo que os DeRossi pensaram ter resolvido há anos, mas passaram longe.
Algo que tem o poder de destruir sua família. Você sabe o que é.

Como eu esperava, o sorriso desapareceu.

— Bernardo levou a culpa pelo o que Evangeline fez, mas não foi ele

quem a deixou livre. Assim como não foi meu pai quem a chutou da Rússia,

fui eu. Eu estava cansado de suas tentativas de dormir comigo. E olha que eu

era um garoto e podia ter cedido, mas desde novo eu tinha pré-requisitos.

Jack me observava atentamente, e era assim que eu o queria. Eu

precisava saber quem era a sua ponte na Rússia, não apenas culpado por ter

falado com Maryia, mas talvez por outras coisas que aconteciam na

Irmandade.

— Você não tem como saber disso — rosnou.

— Eu tenho. — Foi a minha vez de sorrir. — Tenho, porque essa

pessoa esteve em minha casa quando meu pai estava fora tratando de

negócios. Bagunçou o meu cabelo, me chamou de garoto. Evangeline estava

sempre ao telefone com a pessoa também, e eu me pergunto se até hoje ela

ainda tem a mesma importância no meio da família de vocês. Eu sei que a vi

no meu tempo na Itália. Estamos todos cercados por inimigos, sempre. Mas

nunca imaginamos alguém tão perto. Me diga o nome do seu mensageiro e eu

te direi quem é o traidor entre a sua família, te direi quem verdadeiramente

condenou Anita à crueldade de Evangeline, anos atrás.


“Palmas viradas para o universo

Enquanto bebemos e ficamos ligados

Sentimos o calor, nós nunca morreremos

Você é uma estrela cadente, eu vejo

Uma visão de êxtase

Quando você me segura, sinto-me viva

Nós somos como os diamantes no céu”

RIHANNA, DIAMONDS
Comunicando-me em inglês, peguei um táxi dentro do aeroporto e

entreguei o papel ao motorista, sem ter certeza se aquele era realmente o

endereço da mulher. Sorri para os funcionários que me atenderam, sorri para

o motorista, observei a rua, mas nunca prestando a atenção. Nada ali me

instigava a querer ver e conhecer aquela cidade.

Talvez a culpa fosse do fato de saber que ali vivia a mulher que meu

marido preferia e sempre escolhia acima de mim. Por saber que estava prestes

a me dar conta de que chegou ao fim a nossa história.

Nunca fomos perfeitos, mas jamais pensei que veria aquilo

acontecendo.

Ouvir falar era um faz de conta, mas ver... tornava doloroso respirar.

Vê-lo com ela seria a facada final para que eu desistisse daquele casamento

fadado ao fracasso. Começou errado e nunca daria certo.

— A senhora tem certeza de que é aqui? — perguntou ele, quando o

carro parou na avenida, onde algumas casas se distanciavam na faixa de areia.

Eu não esperava aquilo.

— Não, é esse o endereço do papel?

— É esse, sim, senhora. O número é o da mansão preta.

Eu observei a casa. Elena tinha bom gosto. Péssimo para homens, mas

bom para coisas materiais, assim como eu.


— Ficarei por aqui — lhe respondi. — Obrigada. — Entreguei uma

gorjeta generosa por força do hábito. Ele me olhou com surpresa pelo

espelho.

— Uau! Muito obrigado!

— Aproveite seu dia. — Forcei um sorriso antes de sair.

Não havia nenhum sinal de Vorys... soldados, na verdade, como eu

sabia que eles chamavam. Me pareceu muito estranho, pois eu não conhecia

Elena, mas sabia que ela era importante na Cosa Nostra. Porque ela vivia

desprotegida ainda que morasse com o seu marido — outro membro

importante na organização, de acordo com o que Viktorya me contou —, era

algo que eu também não entendia.

Quando pisei nas pedras que me levavam até mais perto do mar, senti o

vento, areia e pinguinhos disfarçados de água me batendo no rosto. Aquela

era uma das melhores sensações para se sentir, ainda que meu dia tivesse sido

um lixo, e a noite pior ainda.

A casa ficava literalmente na cara da areia, havia apenas mansões ali.

Um lugar bonito, deveria ser caro. Provavelmente muito caro. Pacífico e

tranquilo. Gostei da ideia, eu podia pensar em algo assim para viver com

minha filha, já que se eu estava sendo expulsa da Bratva e por minha culpa o

Clã da minha família seria humilhado, não haveria motivos para viver na
cidade, nos olhos do furacão.

Fosse Viktor ou Dimitri, nenhum dos dois chegaria perto dela.

Toquei minha barriga como se o gesto fosse fazer com que ela ouvisse

meus pensamentos. Eu queria que soubesse que eu lamentava profundamente,

que sentia muito por não ser perfeita como ela merecia e principalmente por

não ter conseguido escolher um bom pai. Tive minha quantidade exagerada

de erros, mas queria fazer certo por ela. Apenas para ela.

Continuei seguindo o meu caminho, andando devagar enquanto sentia a

brisa do mar me dando a falsa sensação de calma.

Ao chegar perto da casa, fiz uma pausa, perguntando-me se deveria

seguir em frente, mas caso contrário, o que faria? Ir para a casa sem respostas

de jeito nenhum era uma opção. Existia apenas um caminho para mim e

Viktor ali: ele me afogaria naquele mar ou eu daria um jeito de roubar sua

arma e lhe daria um tiro.

De um jeito ou de outro, estávamos terminados, se ele estivesse

realmente com ela.

Eu não hesitaria no fim.

Minha mão pesou quando a ergui para tocar a campainha, e embora a

frente da casa fosse quase por inteira de vidro, uma cortina escondia a vista.

Eu hesitei mais um minuto, o suficiente para que alguém me visse de forma


suspeita e chamasse a polícia, mas finalmente bati.

Esperei, esperei e esperei ansiosamente.

Esperei que os dois me atendessem ou pelo menos um deles, mas não

tive respostas.

Toquei a campainha dessa vez e bati logo em seguida.

Nada. Me senti estúpida quando ninguém saiu.

Então, quando me virei para ir embora, vi algo que definitivamente não

esperava.

Uma mulher de longos cabelos castanhos, uma saia comprida e apenas

a parte de cima do biquíni corria pela areia branca, como se tivesse corrido

por toda a faixa de areia, e atrás dela, a seguindo com enormes sorrisos no

rosto, havia duas crianças. Dois bebês.

Eles tinham cabelos castanhos, assim como elas, e ainda que nunca

tivéssemos nos visto, eu sabia. Simplesmente sabia que aquela era Elena.

Ela levantou a cabeça com um enorme sorriso no rosto, eu podia ouvir

sua risada, mas então ela me viu e o riso morreu. A alegria foi embora, como

se eu fosse a pior imagem que já viu na vida, dando lugar a um choque e

quase horror, puro instinto a dominou, pronta para proteger os filhos de mim.

Era uma surpresa que ela os tivesse, mas o que é que eu sabia da vida daquela

mulher ,fora que ela era um porto seguro para o meu marido?
Ela pegou seus filhos sem tirar os olhos de mim, carregando um em

cada braço com destreza e elegância. Eu tentei manter minha expressão

neutra, como se aquilo não me afetasse, não queria que ela visse o quanto

momentaneamente invejei sua vida.

Talvez o sentimento fosse tão gritante que não poderia ser disfarçado,

mas tentei, ainda assim. Ela se aproximou e ao chegar a um metro de mim, já

na varanda de sua casa, parou. Fitou-me como se já me conhecesse e talvez o

fizesse.

Perguntei-me se foi Viktor quem falou de mim para ela ou se assim

como eu senti quem ela era, ela sentiu o mesmo de mim. Não havia simpatia

da minha parte para Elena, e com a expressão em seu rosto eu podia ver que o

sentimento era mútuo.

— Maryia — disse ela, confirmando que realmente sabia quem eu era.

Tinha um sotaque forte, assim como eu. — Não sou mais parte da máfia,

então se isso é alguma tentativa de prejudicar minha família, eu vou matar

você.

— Eu pareço equipada para sequestrar uma mulher e duas crianças? —

perguntei, conseguindo esconder bem o tremor em minha voz.

— Não, mas acredite quando eu digo que sei melhor do que ninguém

que às vezes nem tudo é o que parece.


Ela tinha olhos verdes. Não eram tão claros quanto os meus, estava

mais para um verde selva, verdes mais profundos enquanto os meus pareciam

rasos, vazios.

Comecei a me sentir pequena, inferior.

Olhei novamente para seus filhos, eles tinham ambos os olhos

castanho-escuros. Um menino e uma menina.

— Mama? — disse a garotinha, escondendo o rosto no pescoço dela

após me dar uma olhada rápida.

— Tutto bene, piccola. Stiamo per entrare. Vamos convidar a amiga da

mamãe para tomar um café — disse lentamente, passou por mim e abriu a

porta com sua digital e uma senha. Não fez questão de esconder nenhum dos

dois, talvez agora ela se mudaria dali, assim que eu fosse embora.

Ela deixou a porta aberta e me encarou de dentro, esperando para ver se

eu aceitaria o convite, o que fiz, após um minuto de hesitação. Percebi

imediatamente que Viktor não estava ali.

Se Viktor estivesse ali, ela não me deixaria entrar. Viktor não era o tipo

de homem que se esconderia no armário. Ou Dimitri mentiu ou o meu marido

já estava longe.

Elena fechou a porta e colocou os filhos no chão. A menininha me

encarava timidamente, mas o menino tinha grandes olhos curiosos fixados em


mim. Ele mexeu no bolso, pegando um tapa olho de pirata e o colocou. Elena
bateu palmas, chamando suas atenções.

— Va bene. Vocês dois vão ganhar uma folga do banho, porque mama

tem assuntos a resolver com a minha amiga. Sim? Podem ir brincar lá em

cima. Não abram as cortinas. Mama subirá em breve.

— Mama, pode colocar tia Tina na banheira?

— Não, Lucy, não mexa na banheira sozinha, eu já disse.

— E o meu carro no corredor?

Eles pareciam pequenos demais para falar tão certinho, mas eu não

estava ali para reparar em como seus filhos eram criados. Na verdade, agora

que sabia que Viktor não estava, minha vontade era sair e voltar para

Moscou.

— Não, Jacob II, suba e brinque no quarto de brinquedos. Sem carros,

sem correr pela escada, sem banho nas bonecas.

O garotinho ergueu o queixo, parecendo querer protestar, mas apenas

assentiu e, pegando a mão da irmã, subiram a escada, segurando ambos os

seus lados do corrimão.

Eu desviei os olhos fechando-os brevemente ao ouvir os pezinhos

descalços se afastando. Quando os abri, ela me encarava.

— Eu estou sentindo uma terrível vontade de matá-la agora. Você viu


demais.

— Justo — respondi tranquilamente. — Eu já quis te matar por menos.

— Imagino. — Elena suspirou e acenou ao fundo da casa. — Vamos

até a cozinha. Estou com sede.

Na cozinha, ela se ocupou de pegar uma garrafa na geladeira, copo e

uma xícara, depois voltou para nos trazer o bule de café até a pequena mesa.

— O que posso fazer por você? Tenho certeza de que não veio da

Rússia até aqui para bater papo e conhecer meus filhos.

— Eu teria vindo antes, apenas para vê-la — admiti, sem pensar.

— Eu também já fiquei curiosa sobre você — disse, surpreendendo-me.

— Quando pensei que podia sentir algo por Viktor e depois... bem, descobri

você... — Meu sangue ferveu e devo ter indicado isso em meu rosto, pois ela

franziu o cenho. — Era uma ilusão. Sou apaixonada pelo meu marido. Temos

dois filhos, como você viu. Não há nada sobre Viktor aqui.

Ela me serviu café.

— Não vou beber isso, não se incomode.

Elena riu.

— Acha que eu te envenenaria?

— Eu te envenenaria — respondi, sem humor. — Então não duvido.


— Justo — repetiu o que lhe disse antes —, mas não tenho experiência

em esconder corpos, portanto, você está segura.

— Eu vim porque recebi informações de que o meu marido estava aqui.

— Seu informante é um lixo, mas não estou surpresa, ele é russo. —

Ela fechou os olhos brevemente, pressionando os lábios juntos. — Estou

trabalhando no meu filtro. Não queria ofendê-la.

Ergui minhas sobrancelhas.

— Não me surpreendo, ouvi histórias sobre você. Rebelde sem causa,

expulsa da máfia, renegada pela família. Entendo Viktor, ele sempre gostou

de mulheres descontroladas.

— Você é aquela que colocou fogo na própria casa e deitou para morrer

por causa de um homem.

— E você é aquela que continuou com o marido, mesmo quando ele te

amarrou numa coleira e ameaçou explodir sua cabeça fodida.

Ela se levantou.

Eu me levantei.

Tratava-se de um acordo entre damas. Não éramos amigas e jamais

seríamos.

Os meus olhos verdes.


Os seus olhos verdes.

Frente a frente.

Jamais pensei que aquele momento chegaria, mas ali estava.

Senti-me ferver. Em seguida, estava pronta para destruir.

— Diga se o meu marido esteve aqui e eu vou embora, antes que essa

visita acabe numa tragédia.

— Eu sou casada, qual parte você não ouviu?

— Mulheres casadas pecam como qualquer outra. Viktor esteve aqui.

Me diga a verdade!

Ela avançou em minha direção.

— Eu vou chutar você e a sua loucura para fora da minha casa, se não

começar a falar baixo.

— Faça isso, eu não tenho mais nada a perder.

Ela balançou a cabeça, estreitando os olhos.

— Viktor via em mim o que perdeu em você, não o vejo há muito

tempo. Nunca houve chance para nós dois. Uma Elena do passado se

divertiria com o seu desespero, mas a Elena que tem dois filhos e é casada

com o homem por quem sou loucamente apaixonada, está te dizendo

claramente e bem transparente: nunca houve e jamais haverá algo entre


Viktor e eu.

— Você é uma mulher melhor do que eu — sussurrei, apoiando-me na

mesa quando de repente fiquei tonta. — Por isso ele te quer.

Eu a vi se aproximando pelo canto dos olhos, e senti suas mãos em

meus braços.

— Maryia...

— Não me toque! — A empurrei, mas de repente me vi caindo, e Elena

à minha frente, com a boca aberta num grito silencioso, caía na mesma

direção. Nossos olhos estavam fixos uma na outra.

Um zumbido ensurdecedor vibrou em meus ouvidos, e ao cair de costas

no chão, senti cacos de vidro nas costas, braços e pernas.

Ela falava algo, alcançando uma faca do faqueiro caído da ilha junto a

frutas, pratos e copos e se arrastou em minha direção.

Aos poucos, seus gritos se tornaram compreensíveis.

— ... Você fez? O que você fez?! Os meus filhos estão nesta casa, você

vai morrer por isso!

Ela ergueu a mão e, com a visão turva, vi a lâmina se aproximando,

mas de repente passos pesados vieram da porta. Seus olhos arregalaram-se e

ela tentou se levantar, escorregando no sangue dos ferimentos causados pela

queda em nós duas.


— Nós temos que correr — sussurrou.

Eu tentei me levantar, fiz o meu melhor, mas a dor em meus joelhos,

ombro esquerdo e cabeça era demais.

— Nós temos que correr, Maryia! Meus filhos estão lá em cima!

— Eu não fiz... nada — falei lentamente, sentindo pontadas dolorosas

se alastrando por todo o corpo ao conseguir me sentar, os passos se

aproximavam, apenas uma porta nos separava dos invasores.

— Eu tranquei. — Ela fechou os olhos brevemente, e quando os abriu,

estavam cobertos de pânico. — Tranquei a porta. Eu não sabia o que faríamos

aqui sozinhas... eu... eu sei que não foi você agora. O sotaque... escute as

vozes, estão falando inglês, mas não são italianos nem russos.

Eu não podia ouvir bem nem de perto, quanto mais de longe, ela se

ajoelhou e eu me forcei para fazer o mesmo, olhando em direção à porta

como se pudesse vê-los através da madeira.

Ela jogou o braço em minhas costas.

— Venha. Jack vai chegar. Ele não ia demorar tanto.

— Tem certeza?

Ela engoliu em seco.

— Preciso ter — sua voz falhou —, não posso perder os meus filhos.
Eu toquei minha barriga, pensando em meu próprio bebê e em como fui

estúpida ao sair da Rússia sozinha, quando não era apenas eu para me cuidar.

Minha imprudência a colocava em risco como colocou seus irmãos

fatalmente antes. Eu não podia perdê-la.

— Se pudermos alcançar o escritório, estaremos bem. Jack tem armas

no escritório. Você sabe atirar?

— Sim. Você?

— Sei.

Nós nos apoiamos uma na outra para ficar de pé, e caminhamos através

da dor e sangue para chegar ao corredor que levava ao escritório. Eu prendia

gemidos de dor na garganta, e piscava os olhos constantemente para limpar as

lágrimas insistentes.

Nunca passei por algo como aquilo, era mil vezes pior do que ficar

presa em minha cabeça. Duas mil vezes pior do que acreditar que seria

expulsa do Clã e abandonada por Viktor.

Ouvimos um barulho alto e Elena parou.

— Jacob — sussurrou. Eu precisei segurá-la, ou ela teria corrido

naquela direção.

— Elena, não podemos ir. Não desarmadas!

— São os meus filhos — rosnou, tentando passar por mim, mas eu a


empurrei na parede, gemendo com o impacto em meu próprio corpo.

— Eu sei. Sei o que está sentindo, porque estou grávida, mas não

seremos de nenhuma ajuda se formos lá com gritos e desespero.

Eu jamais deveria ter dito aquilo a ela, assim como ela nunca podia ter

me deixado ver seus filhos, mas nenhuma de nós tinha escolha.

Éramos agora ambos alvos fáceis para nossas famílias, ainda que ela

não fosse mais parte da Cosa Nostra, eu duvidava que seu pai a deixaria ser

prejudicada, assim como o meu avô, mesmo humilhado por minha traição,

não me deixaria também. Éramos amadas o suficiente para não sermos pegas

no meio da guerra entre as organizações.

E agora mais do que nunca... estávamos presas uma à outra com aquele

segredo.

— Não vou dizer a ninguém — sussurrou. — Contanto que você não

diga também.

Eu não colocava a vida de seus filhos em risco e ela não ameaçava o

bem-estar dos meus.

— Nunca — garanti. — Agora vamos pegar as armas, subir e garantir

que seu menino e sua garotinha estejam seguros.

— Isso, tudo bem. — Engoliu em seco, tirando o cabelo do rosto e o

amarrando acima da cabeça, enquanto nos apressávamos.


A conversa sobre nossos filhos nos lembrou por que tínhamos que ser

imparáveis, mulheres criadas pelas organizações mais perigosas existentes.

Eu não fui feita para ser uma vítima, ela tampouco.

Filha da Bratva.

Filha da Cosa Nostra.

Seríamos inimigas até nossa morte, mas naquele momento tínhamos

um elo em comum a proteger: nossos filhos.

— É aqui. — Ela abriu uma porta no final do corredor, e avançamos.

As solas dos meus pés estavam cortadas, tornando quase impossível caminhar

e sua perna estava mancando, com um filete de sangue escorrendo pela saia.

Ela foi direto para o bar em frente à janela, abrindo a última porta,

puxou algumas garrafas para fora e as colocou no chão, deixando uma ou

outra cair no tapete. Eu me aproximei ao ver que tremia muito. Meu filho

estava comigo enquanto os seus estavam no andar de cima, desprotegidos e

vulneráveis, eu imaginava como sua cabeça estava naquele momento.

Eu a tirei do caminho, encontrando seus olhos antes de empurrá-la sem

agressividade para o lado, então tirei o restante das garrafas agilmente e ao

avistar uma fechadura, puxei, abrindo uma gaveta comprida embutida na

parede. Armas, facas, munição... havia até uma granada lá dentro. Ela a

pegou.
— Nunca se sabe — murmurou.

— Seria a minha primeira opção também.

Passos pesados ecoaram pelo o corredor e nos olhamos por um breve

momento, com olhos arregalados. Ela tremia, tentando ativar a granada, e eu

peguei uma faca, tirando a capa. Porém, como a porra do fogo do inferno

invadindo as águas, eles apareceram na porta.

Correram para ela, enquanto eu tentei acertar o meu atacante, mas de

pé, ele chutou meu rosto de forma que me fez desabar para trás, batendo a

cabeça na porta do bar. Outro homem tirou a granada de sua mão, dando

risada e a levantou pelo cabelo, aproximando o rosto do dela.

— Olhe o que a vagabunda tem aqui. Nós vamos nos divertir com

vocês duas, antes de finalizar o serviço.

Ela cuspiu em seu rosto.

— Não me toque!

Ele limpou o cuspe com a mão e enfiou os dedos na boca dela.

— Vadia, vou retalhar você inteira como fizeram com a sua mãe.

O mesmo homem que havia me chutado, me ergueu com força pelos

braços, sacudindo-me para que o encarasse. Ele enfiou a mão atrás das costas

e quando a trouxe à frente, segurava uma faca. Eu prendi a respiração quando

a pressionou em minha barriga.


— E eu vou ficar feliz em eliminar mais uma de sua escória antes que

venha ao mundo.

Eu me debati, tentando me libertar, o chutei, bati o cotovelo em seu

peito, mas o aperto de morte era impossível de soltar. Ele me arrastou de

volta para a sala com a faca pressionada firmemente em meu pescoço, e o

outro levou Elena, a puxando pelo o cabelo.

Elena ainda lutava, mas quando eu vi que era impossível me livrar dele,

parei de tentar. Passei a fazer o possível para proteger minha barriga e deixei

que ele desferisse sua violência em lugares que não atingiriam a minha filha.

Ainda que — eu não soubesse como — ele tinha consciência de que eu

carregava um bebê.

Eu fitei seu rosto, e ela olhava aterrorizada para a escada, onde os filhos

estavam.

— Suba — o que me segurava mandou, falando com aquele que apenas

observava. — Vá encontrar as crianças italianas da vagabunda.

— Eu já fui, não tem ninguém lá em cima.

— Disseram que a vadia chegou com duas! — O careca agarrando seu

cabelo a balançou, puxando os olhos de Elena para ele. — Onde estão as

pequenas desgraças?

— Fora — cuspiu —, com o meu marido. Aquele que vai te cortar em


pedaços. — Ela riu e ele atingiu seu rosto com um tapa forte, cortando o lábio
inferior na hora.

— Vamos ver, quando ele chegar aqui, já restará apenas o pó de nossos

sapatos no chão.

— Não há canto escuro o suficiente para se esconder da Bratva — falei

e aquele que me mantinha de pé com a faca no pescoço me virou e deu um

soco forte o suficiente para me fazer dobrar.

Vi Elena tentar avançar em minha direção, mas foi puxada novamente.

— Não toque nela!

— Então devo tocar em você? — Ele riu. — Italianinha, devo acabar

com você no lugar da russa? — Ele forçou-me a encarar seus olhos. — Quem

nos pagou, prometeu ainda mais dinheiro se fizermos as duas implorarem

pela morte, puta russa. Não somos burros, sabemos que veio sozinha e

sabemos que o Corleone viajou a negócios.

Elena franziu o cenho, me dando um rápido olhar.

— Procure as duas pestes direito. Eu vou me encaminhar do serviço

principal aqui embaixo — aquele que segurava Elena disse, a jogou no chão e

começou a desfazer seu cinto.

Quando percebi a origem de suas intenções, comecei a lutar

novamente.
— O que está fazendo? — gritei, eu não podia deixá-los fazer aquilo.

Ela gritou, tentando se cobrir, tentando se arrastar para longe, mas ele

puxou seu pé.

— Venha aqui. Você vai aguentar, as duas vão!

— Espere — aquele que me segurava mandou, e eu quase chorei de

alívio. Se não quisesse negar o gostinho de minhas lágrimas a eles, teria

chorado. Mas não durou muito tempo, pois, ao se virar para mim, vi seus

olhos assombrosos se dirigirem à minha barriga. — Vamos começar com

essa, o trabalho será mais longo aqui.

Ele então me jogou no sofá, e sem demoras, agarrou a frente da minha

camisa, a rasgando no meio, não hesitando em fazer o mesmo com a calça de

seda que vestia. Eu me debatia, chutava, arranhava seu rosto descoberto.

— Segure essa vagabunda ou eu vou matá-la de uma vez!

Seguindo ordens, aquele que foi encaminhado a encontrar os filhos de

Elena me prendeu, sua força me impedindo de continuar me movendo,

enquanto o meu abusador se enfiava no meio das minhas pernas abertas. Eu

ouvia os gritos de Elena e desejei mais do que nunca poder me trancar em

minha mente, desejei não sentir nada.

Eu olhei para Elena, vendo o homem que a segurava a agarrar com

força contra seu peito, cheirando seu cabelo e passando a mão livre pelo o
corpo dela. Seus olhos aterrorizados e ao mesmo tempo, furiosos, estavam
presos a mim, como se estivesse se obrigando a assistir ao que me acontecia.

Talvez fosse para se distrair do que lhe acontecia.

Deus sabe que eu a encarava pelo mesmo motivo.

Eu estava aliviada que de alguma forma não encontraram seus filhos,

pelo menos os pequenos estariam seguros. Meu olhar foi atraído de volta para

aquele em minha frente, quando ele pegou um canivete grande demais e ao

destravá-lo, uma lâmina de dez centímetros se revelou.

— Não — sussurrei. — NÃO!

Apenas a calcinha cobria a minha intimidade, mas quando ele a rasgou,

nada mais me protegia. Em seguida, a encostou em minha pélvis com o lado

da lâmina deslizando para baixo. Eu cerrei os lábios para não gritar, quase

falhando, mas se morreria, seria com o meu orgulho. Quem lhe pagou queria

nossa derrota, não daríamos isso.

Sangue quente deslizou direto em minha abertura pelo corte pequeno,

talvez sua intenção fosse apenas me assustar antes de começar os danos reais.

Ele se inclinou para observar o que tinha feito, passando a mão do meu

pescoço e deslizando pelos seios. Quando tocou minha barriga, fixou seus

olhos nos meus.

— Agora vamos ao que de fato interessa. — Ele pressionou a palma em


meu ventre e, ao virar a lâmina para si, começou a enfiar o cabo de metal em
minha abertura.

Eu não pude impedir o grito, não quando sua crueldade se expressava

em força bruta. Quando eu estava seca, aterrorizada e momentaneamente

paralisada pelo o que me acontecia. De repente, ele puxou, cortando sua

própria mão com a força com que a tirou de dentro de mim. Meu corpo deu

um solavanco automático, e eu vomitei ao vê-lo lamber o cabo com meu

sangue.

— Delicioso gosto, Maryia. Me dá vontade de mais.

Deixei a cabeça cair para trás, sabendo que por minha culpa perdi meu

quarto filho.

Nada resistiria a tal brutalidade.

— Deixe-a em paz — Elena pedia, sua voz fraca e rouca. — Por favor!

Pagaremos mais do que seu contratante!

— Eu nunca deixo um serviço inacabado. Abra mais as pernas dela,

vamos fazer o parto prematuro do herdeiro do Clã Zirkov. — Eu assisti à

lâmina se aproximar novamente da minha intimidade, mas dessa vez, o lado

afiado estava prestes a me invadir. — Nós poderemos então...

Ele não teve a chance de terminar, pois no segundo seguinte, sangue

espirrou em cima de mim e seu corpo sofreu um espasmo bruto, ergui meus
olhos para ver uma estrela ninja cravada em seu pescoço.

— Mas que porra é essa!

O canivete aberto caiu ao meu lado no sofá e eu aproveitei o momento

em que aquele que me segurava me soltou para pegar sua arma e olhar ao

redor, para me arrastar para trás, saindo das garras dos dois. O homem que

me violou caiu para trás com um baque.

— Cara, traga a vadia e vamos conferir o... — Ele foi o próximo. Um

tiro soou no ar, se alojando em sua nuca.

A arma caiu de suas mãos no chão.

Ele caiu de joelhos. Desabou de cara no chão.

Era Jack, tinha que ser.

Nunca me senti tão aliviada por estar na presença de um homem da

Cosa Nostra.

Eu ignorei as dores dominando meu corpo e a tontura ameaçando me

fazer desmaiar. Fitei Elena, que agora tentava mais do que nunca se

desvincular do homem, mas ele não a deixava, com uma arma apontada em

sua cabeça.

— Deixa-a ir. — Eu me virei ao ouvir a voz de Viktor, meu coração

expandindo até que fez o peito arder. O homem também se virou, arregalando

os olhos quando viu o meu marido.


Viko tinha as mãos erguidas, o rosto em branco, os olhos vazios para

qualquer um que visse, mas não para mim. Havia sede de sangue, de

vingança, de destruição naqueles olhos que eu conhecia tão bem.

Ele não os desviou para mim, e eu não podia pensar que estava ali por

mim, ele nem sabia da minha presença. Veio por Elena, assim como Dimitri

avisou. Eu a fitei, e ela olhava para Viktor com tanta gratidão, que eu

finalmente deixei as lágrimas escorrerem pelo o meu rosto.

Eu o perdi. Finalmente o perdi.

Aquele era o nosso fim.

Aceitar isso foi fácil dessa vez. Perdi meu filho, perdi Viktor.

Perdi minha dignidade e meu orgulho.

Perderia a minha família.

Perdi tudo.

— Farei o que você quiser — disse ele —, mas deixe a minha esposa e

Elena fora disso.

O homem engoliu em seco, mas ao fitar seus dois cúmplices mortos,

balançou a cabeça.

— E-escolha. Escolha a sua amante ou a sua esposa. — Ele mal podia

fazer sua voz ser ouvida, mas disse, ainda assim, como se estivesse em
posição de exigir algo.

Viktor deslizou os olhos em mim, fazendo-me me encolher ainda mais

no canto do sofá. Eu tentava esconder minha nudez com os trapos da roupa

rasgada. Eu nem sequer esperei que me escolhesse, não quando senti um

líquido quente escorrendo de dentro de mim.

— Levarei essa daqui comigo — o homem continuou, esperando que

suas ameaças fossem levadas a sério.

Ele fitou o único invasor vivo.

— Não pode fazer isso, drug[16]. Eu te dou dinheiro, uma passagem


segura. Mas tire a arma da cabeça dela.

— Está mentindo!

— Eu não minto. Pergunte à minha esposa.

— Nós matamos o seu filho.

Viktor fez uma pausa, olhando-me por cima do ombro novamente, sem

demonstrar o que pensava daquela sentença e voltou a fitar o homem.

— Mas não matou minha esposa. Tire a arma da cabeça dela e vamos

conversar.

— Eu não vou... — Ele não teve a chance de terminar, pois no segundo

seguinte um machado caiu sobre sua cabeça, rachando-a no meio.


Seus olhos arregalaram quando foram separados do lugar, e sangue

voou pela sala, atingindo o chão, a cabeça de Elena e o tapete branco à sua

frente. Ele caiu para trás e assim eu pude ver um homem de cabelos

compridos e óculos escuros, ele empurrou o homem com o pé, chutando-o

longe. Seu marido. Jack Corleone.

Os passos pesados de Viktor avançaram e eu quase desviei o olhar,

temendo que ele fosse ignorar a presença do homem ali e demonstrar seu

alívio, abraçando Elena.

Porém, demonstrando por que Viktor era o Boss da cidade mais

importante da Rússia, temido de leste a sul, ele tirou o machado das mãos do

marido dela e virou o homem recém-assassinado com o pé, então se inclinou

para atingir sua cabeça novamente.

E de novo. De novo. De novo.

Eu desviei os olhos quando a cabeça era apenas um punhado de ossos,

carne e cérebro esmagados no chão, com apenas o corpo inteiro. Enquanto

isso, Elena abraçava seu marido. Ao mesmo tempo que Viktor passava o

antebraço pela testa e soltava a arma brutal, Elena soltou Jack e se aproximou

de mim, pegando uma manta infantil de trás do sofá e a enrolando ao meu

redor.

Um entendimento silencioso passou por nós.


— Você está bem? — Assenti, sem conseguir falar. — O que eles

fizeram... eu sinto muito.

Assenti novamente, desviei meus olhos dela para assistir aos três

homens no chão. Um por um.

— Sua missão foi iniciada, mas não tiveram a chance de terminar —

murmurei, com minhas últimas forças, sentindo-me cada vez mais fraca.

— Eu preciso ver minhas crianças, preciso ver o que houve com eles.

Ela se segurava ali como se precisasse da minha permissão para ir.

Como se a culpa fosse sua pelo o que aconteceu, mas não era. Nem sua, e

nem minha.

— Vá vê-los. Vá ver seus filhos.

Aproveite que ainda os tem.

Ela correu escada acima, ignorando tanto Jack quanto Viktor em seu

caminho. Seu marido parou com a cabeça virada em minha direção, ainda que

eu não visse seus olhos, sabia que estava me olhando. Ele ficou ali por um

momento, deu um aceno quase imperceptível e a seguiu.

Agora éramos apenas nós.

“— Fique fora da porra da minha vista!”

Viktor caminhou em minha direção lentamente, mas em passos firmes.


Passou um braço pelas minhas costas e outro pelas pernas e me ergueu

devagar, como se soubesse o quão ferida eu estava. Ele me olhou nos olhos

antes de encostar a testa na minha e respirar profundamente.

— E-eu ach-cho que... sinto muito. — Tentei dizer. — Sei que ficará

aliviado por ter que lidar com isso — sussurrei. — Por favor, me mate agora.

Eu não tenho você e não tenho mais a minha filha, estou pronta para ir.

Ele apenas me encarou. Me encarou por um longo momento, antes de

começar a caminhar para fora, o senti chutar o corpo do homem que havia me

violentado. A claridade do sol fez meus olhos arderem e eu os fechei, quase

cedendo à escuridão que ameaçava me levar. O vento forte e a brisa vindo do

mar arrepiaram o meu corpo dolorido, parecendo repuxá-lo.

Fui deitada em um estofado e uma porta bateu, depois, acelerou para

longe.

Embora ele me odiasse, meu coração estúpido não podia parar de sentir

aqueles puxões de amor, segurança e pesar.

Pesar pelo o que fizemos um com o outro. Segurança, porque ele

sempre me protegeu, e minha mente o associava à minha casa. E um amor tão

profundo que me fez aceitar o meu destino, fosse qual fosse.

Nada de bom podia vir depois disso. Não quando eu sentia o meu

quarto bebê indo embora, antes que pudesse ter uma chance real.
Não quando o amor da minha vida me odiava.

E, Deus... eu o odiava igual.


“E eu vou gritar a plenos pulmões por aquilo que amo

Sou intensa, mas não dou a mínima

Eu admito que sou um pouco problemática

Mas eu consigo esconder isso quando estou toda arrumada

Sou obsessiva e amo demais

Sou boa em pensar demais com meu coração

Como você acha que chegamos tão longe, tão longe?”

ARIANA GRANDE, NEEDY


Quando sua mulher se deita com outro homem e você descobre que há

chances de que o filho concebido seja dele, em minha posição se faz uma

coisa. Você o mata na frente dela e depois a mata em público, para que assim

ela sirva de exemplo.

Já vi Boss fazendo isso, já vi Vorys agindo da mesma maneira. A regra

não falha a ninguém, não há exceções. Homens orgulhosos, poderosos e

cruelmente forjados pela Bratva não hesitavam em punir quem os traiu. Fosse

filho, fosse irmão, fosse esposa.

Não havia segundas chances para o amante e, menos ainda, para a

traidora. Por um momento me passou à cabeça levar Maryia até a rua das

condenações, em um vilarejo abandonado de Moscou onde todos os meus

Vorys, Vorys de outras cidades e todos os Boss da Rússia me veriam castigar

minha esposa, fodendo com ela como eu quisesse, até que estivesse pronta

para matá-la.

Em seguida, queimaria o seu corpo e a jogaria no poço do Kremlin.

Como os traidores.

Mas nenhum deles foi casado com Maryia.

Eu me sentia fraco e inútil, pelo simples pensamento de fazê-la passar

por tais brutalidades, me gelarem o sangue. Não podia me ver fazendo tudo

aquilo com ela. Seu rosto torcido de dor era algo que não me saía da cabeça,
era como se eu já tivesse a imagem pintada de como ela ficaria se eu a
levasse a julgamento.

O que aquilo me traria, fora a certeza para os outros de que eu faria

qualquer coisa escrita nos mandamentos da Irmandade, até mesmo matar a

mulher por quem sempre fui louco?

Quando ela me traiu da mesma forma que eu a traí.

Mataria uma criança que talvez fosse de Dimitri Romanoff, sim, mas

talvez fosse minha. Quando sugeri tal coisa, ela não negou, o que me

confirmou que a possibilidade existia.

Mas seria tudo para que o meu ego se inflasse outra vez.

Eu sabia que Maryia não o amava, que a traição partiu de um desejo de

vingança pelo o que eu fiz com ela, por todas as minhas traições, mas ainda

assim, era difícil aceitar que tivesse sido capaz de fazer tal coisa, mesmo

quando eu fiz com ela.

Eu a amava e a fiz me dar outra chance repetidamente, por isso, por que

eu tinha que matá-la e não dar a ela uma segunda chance?

O divórcio veio como uma saída simples. Eu poderia dizer a todos que

estava cansado dela e escolhi lhe dar a liberdade, que queria outras mulheres

ou me casar outra vez. Facilmente encontraria alguém disposta, mas o

pensamento de não ter Maryia ao meu lado todos os dias era torturante, como
uma faca torcendo o meu estômago e um punho pesado socando o meu peito.

Pensei por um momento em levar a vida sem ela, dedicar meus dias à

Bratva, fazer um exame de DNA quando a criança nascesse e cumprir com as

minhas obrigações se fosse minha, assim como a esqueceria se fosse de

Dimitri.

Uma criança de Maryia com Dimitri... Eu me levantei, balançando a

cabeça quando uma imagem pronta nublou meus pensamentos, cegando

minha visão.

Mas tudo mudou quando Jack se levantou da mesa em meio a mais uma

de minhas ameaças e correu para seu carro, dizendo que Elena estava em

perigo. Eu ia deixá-lo para resolver sozinho, mas, no segundo seguinte, Jack

se virou e me mostrou câmeras pela casa em seu telefone, que mostravam

Maryia entrando.

Como ela sabia que eu estava ali, era um mistério que eu pretendia

desvendar mais tarde. Coloquei na cabeça que ia salvá-la, levá-la de volta à

Rússia e sem olhar em seus olhos iria embora outra vez, deixando Maryia

sozinha.

Só que entrar na casa e ver aquele homem a tocando... ver a esperança

em seus olhos quando me avistou... Senti como se agarrou ao meu pescoço

quando a segurei...
Minha Maryia.

Minha louca, obcecada, confusa e perturbada Maryia.

Vingativa, agressiva, que amava a ponto de sofrer sozinha e impulsiva

a ponto de se deitar com outro apenas para me fazer sofrer.

Amava-me demais e me perdoava fácil. Não importava o que fiz e

quantas vezes fiz.

Eu não poderia me perdoar, não me olharia no espelho outra vez, se ela

perdesse aquela criança por ter ido atrás de mim. Vê-la ali, perto de ser

assassinada por aqueles homens me despertou para o fato de que eu não podia

viver sem ela. Não, nem por um maldito segundo.

Eu não podia viver sem a filha da puta com quem me casei, dez anos

atrás.

Quando a vi sangrando naquele sofá, sua traição foi jogada para trás,

Dimitri foi esquecido — ainda que eu planejasse fazê-lo sofrer por dias

inteiros quando colocasse as mãos nele, a possibilidade de que o sangue no

meio das pernas de Maryia fosse daquela criança inocente... Inferno, a

perspectiva sobre de quem ela pertencia se tornou banal.

Só havia Maryia deixando esse mundo e eu a carregando sem vida de

volta para a Rússia.

Se ela passou por cima do que fiz, eu deveria tentar.


Esquecer... perdoar... não.

Mas eu garantiria que jamais me traísse daquela forma ou qualquer

outra.

Muitas pessoas diriam que eu merecia sua traição e eu não podia julgar.

Muitos me afastariam do meu cargo na Bratva e não estariam errados.

Mas viver sem ela não era uma possibilidade.

Agora Dimitri... o inferno seria pouco para o que eu faria com ele. Ele

estava fora da Rússia e longe de ser encontrado, mas eu o caçaria até os

confins do mundo. O faria se arrepender do dia em que se aproveitou da

cabeça fodida de minha Maryia.

Ele conheceria a minha verdadeira face, e o peso das minhas mãos na

própria pele.

— Você pode vê-la agora, senhor. — Ergui a cabeça quando a médica

que a atendeu falou comigo, na sala de espera do hospital.

— E então?

— Ela está estável. A limpamos para que pudéssemos ter uma visão

geral e não há ferimentos graves. Escoriações principalmente nos pés, braço

esquerdo e costas, mas a pior parte infelizmente se trata do relato breve que o

senhor nos deu. A violência que ela sofreu foi algo horrível. — Ela engoliu

em seco, desviando os olhos dos meus para sua prancheta. — A vagina estava
bem machucada, mas a maior parte do sangramento se deu pela intromissão
do objeto quando não havia lubrificação. O bebê está bem e daqui a um mês,

se assim decidirem, vão poder saber o sexo. De qualquer forma, nós

gravamos as batidas do coração. — Ela me entregou um pen drive, o que foi

totalmente inesperado. — Está aqui.

— Ela está consciente? — Eu queria saber se Maryia não tinha se

trancado em sua mente outra vez.

— Sim, dei um resumo para ela sobre o que houve, embora eu prefira

ser delicada com a vítima. Esse momento é muito importante para a sua

recuperação. O estresse pós-trauma às vezes pode ser pior do que o momento

em si, ela precisa de orientação médica. E, por favor, a aconselhe a procurar

um psicólogo.

— Isso é tudo — falei bruscamente, e ela se sobressaltou, assentindo.

— Nem todos os homens permanecem firmes quando veem a parceira

passar por algo assim, se posso dar um conselho... não a abandone agora. Ela

falou de você sob o efeito da anestesia, muito. Algo sobre... não te ter mais.

Mas ela estava errada, vendo que o senhor passou a noite aqui. — Ela me deu

um sorriso que tinha a intenção de ser reconfortante antes de ir embora.

Sua intromissão não era bem-vinda.

Eu caminhei em passos decididos até o quarto em que ela estava. Os


preparativos para irmos embora daquele lugar de merda já estavam prontos.
Um jato particular nos pegaria em uma hora, e ela teria atenção do nosso

médico durante todo o caminho até Moscou.

Quando abri a porta que nos separava, ela virou a cabeça lentamente,

encarando-me com a expressão afundada em pesar, medo e conformidade,

coisa que nunca vi em Maryia.

Nós nos olhamos por um momento sem dizer nada, mas sabíamos que

existia muito a ser dito.

Eu fechei a porta atrás de mim, tirei uma das mãos do bolso do meu

casaco e parei ao lado dela. Maryia evitou meus olhos, encarando o meu

peito. As íris verdes que eram um poço profundo de honestidade e uma

loucura que eu amava tanto estavam arregalados, cheios de insegurança.

Odiei aquela merda.

Odiava o que aconteceu conosco. Que nossas escolhas, principalmente

as minhas, tivesse nos colocado naquela posição.

— O bebê está bem.

— Eu sei — disse baixinho, após alguns segundos. — É por isso que

ainda estou aqui.

— Não seja trágica.

— Pelo menos, tenho um de vocês agora, não é? — Ela riu forçado,


sem graça. — Sinto muito que você precise estar aqui lidando com isso.
Quando voltarmos à Rússia, eu não serei mais um problema. Sei o que fiz e

vou me arrepender todos os dias, mas... podemos fazer um exame quando

nascer. Se você quiser, para ter certeza se quer fazer parte disso ou não. —

Ela engoliu em seco, deixando uma lágrima deslizar do olho direito. —

Quando você se casar novamente, a sua esposa deve querer outros filhos,

então... eu vou entender, se quiser ter certeza.

— Você fez todo um planejamento da minha vida pós-Maryia?

Seus olhos brilharam ao me fitar.

— Acho que esse é o meu castigo — sussurrou. — Ver você seguir a

vida, conquistar coisas sem ser ao meu lado. Um castigo pela minha ridícula

tentativa de me sentir melhor por ter te perdoado, mas agora eu só me sinto

um lixo e te perdi, de qualquer jeito.

— Eu já matei centenas, já torturei dezenas e já explodi cidades,

lugares. Planejei atentados bem-sucedidos, sei que tenho o meu lugar

reservado no inferno — inspirei com força —, mas isso é apenas para quando

eu morrer, não vou viver minhas trevas prematuramente, deixando o meu

orgulho à frente do que sinto por você.

Os olhos dela se arregalaram quando balançou a cabeça.

— Eu-eu não entendo.


Após um momento de hesitação, espalmei sua barriga e seu corpo

contraiu com força, surpreendendo-se com o meu toque.

— Esse é o meu filho e você é minha. Embora eu já tenha feito tudo o

que fiz, não há força o suficiente em mim para puni-la ou deixá-la ir. Estou

me forçando, mas há força suficiente para engolir o meu orgulho e aceitar que

não posso seguir meu caminho sem você. Te ver daquele jeito, ver sua vida

por um fio, me abriu os olhos para isso. Para o que seriam mais cinquenta

anos sozinho. Eu não quero. — Balancei a cabeça, limpando a garganta. —

Meus cinquenta anos pertencem a você.

— Não brinque comigo, Viktor. Não brinque com isso — sussurrou,

soluçando. — Se é algum tipo de vingança... eu desisto. Cansei dos jogos e

da nossa guerra.

— Estamos voltando para a Rússia, para a nossa casa e nossa família.

Temos um chá de bebê para organizar.

Ela fechou os olhos, pegou minha mão e a beijou repetidamente.

— Obrigada... obrigada, eu amo você. Eu juro que te amo tanto! Ele

será meu arrependimento para sempre.

— Não há ninguém e não há nada entre nós. Não fale ou pense sobre

isso novamente. Acabou.

— Eu vou reconquistar você, e a sua confiança também.


— Isso será um longo caminho, mas por agora, eu vou aceitá-la ao meu

lado. Você é a minha esposa e a mãe do meu filho, mas não confio em você.

Não vou deixá-la fora da minha vista. Minha decisão é por puro egoísmo,

você precisa entender, Maryia, que eu não teria me importado se apenas você

fosse sofrer com isso, mas eu não quero sofrer. E por isso o nosso casamento

permanece.

Ela franziu o cenho, afrouxando o aperto em minha mão, sentindo o

impacto das minhas palavras ao perceber que não havia perdão genuíno.

Não havia redenção em mim.

Apenas a decisão de um homem incapaz de viver sem ela.

Eu me inclinei e beijei sua testa, passando a mão pela cabeça.

— Vamos para a casa.


“Eu estou lá do seu lado

Sou parte de todas as coisas que você é

Nas palavras de um coração partido

Isto são apenas emoções tomando conta de mim

Presa à tristeza, perdida nesta canção

Não sabe que eu fico perdida sem você?”

DESTINY'S CHILD - EMOTION

— Os carregamentos devem chegar amanhã pela manhã. — Apontei no


mapa, indicando uma rota alternativa recém-descoberta em São Petersburgo.

— Temos um desvio para pegar dois Vorys.

— Quem? — meu pai perguntou.

— Dois do Clã Romanoff.

— Viko.

— Preciso que essas drogas estejam lá o mais rápido possível, agora

que sabemos que Dimitri foi o culpado por desviá-las, as coisas ficaram mais

fáceis. A demanda é crescente e não posso deixar que algum traficantezinho

comece a pensar grande demais pela falta dos nossos fornecimentos por lá.

Não vai acontecer novamente, nem que eu mesmo tenha que ir fazer as

entregas até que tudo se normalize.

— O que você fez para que dois Vorys Romanoff aceitassem?

— Cheguei a um acordo com Alexi. Vou deixá-lo ter 3% mais dos


lucros sob suas armas no meu território, e ele fará vista grossa para as minhas

drogas atravessando sua cidade.

Volya me encarava sem deixar de demonstrar seu desgosto pela

novidade.

— Eu não sei que porra estou fazer aqui, se canso de dizer que isso vai

dar merda e você não me escuta.

— Essa é a intenção — murmurei, analisando o mapa novamente.


Eu precisava estar o mais perto possível de Alexi para alcançar Dimitri,

depois que o filho da puta sumiu, não tive escolhas. Ninguém sabia onde o

bastardo morto estava, eu o cacei por semanas, enquanto Maryia se

recuperava, recebia visitas e voltava aos poucos à sua rotina normal.

Eu o cacei com sede de vingança chamuscando minha mente, mas não

podia alcançá-lo. Eu apostava que estava na América, escondendo-se sob as

asas de seu pai como o rato que era. Não podia deixar que ninguém soubesse

o que ele fez para que meu nome não fosse humilhado, para que Maryia não

sofresse as consequências de seu ato contra mim.

Por isso, emitir um alerta geral dentro da Irmandade era impossível. Eu

não tinha provas de que ele me roubou, apenas me convenci disso, depois de

descobrir o que ele fez com Maryia, convenci meu pai e meu konsultant sem

citá-la no meio da história. Mas Alexi não levaria bem, se eu não tivesse algo

concreto contra seu primo e konsultant.

Minha única escolha foi ordenar aos meus meninos nos Estados Unidos

que procurassem por ele, como se suas vidas dependessem disso, pois

dependia.

E eu me aproximava de Alexi, o que também facilitava o momento de

sua queda. Estar perto para conquistar a derrota de meu inimigo.

Eu não seria Boss apenas de Moscou, mas de São Petersburgo também.


Como perdedores, todo o Clã estaria sujeito às minhas ordens, e Alexi seria o
meu cachorrinho, carregando um colar feito da pele e pequenos ossos de seu

primo no pescoço.

— É uma jogada perigosa — meu pai refletiu. — Gosto disso. Quero

lucros para toda a Bratva, ao contrário de você, eu não viso apenas Moscou,

não viso só São Petersburgo, só Novosibirskd ou só Ecaterimburgo.

Nenhuma cidade é apenas uma cidade para mim. Estou atento sobre a Bratva

em todo o mundo, na América, na Europa e aqui, no meu país. — Ele apertou

meu ombro, e lançou um olhar para Volya. — Cuide da honra que vocês

receberam para que recebam honras maiores ainda.

— Estou fazendo isso.

— Ótimo. Precisarei me ausentar por um tempo.

— Para onde vai?

— Alemanha. — Ele sorriu perversamente. — Stark Konstantinova e o

governo alemão me convidaram para uma reunião altamente sigilosa.

Minhas sobrancelhas ergueram-se em surpresa.

— Você vai negociar com amigos da Cosa Nostra?

— Vou negociar com quem tiver benefícios a me oferecer, tenho

certeza de que eles estão apenas atrás de alguém que possa parar aquele

Kazel. O homem é uma praga solta no mundo.


— Não se envolva demais, Roman — Volya o alertou.

— Eu terei. Temos escutado de sua seita migrando para países latinos,

o que é inesperado, vendo que eles são racistas de merda.

— Vermes — Volya rosnou.

— Sim, filho — Roman concordou com ele. — É o que são.

— Cuide-se — eu disse a ele. — Eu vou ser Pakhan, mas não em cima

de sua morte. Volte para a casa.

Ele levou o charuto aos lábios.

— Você tem uma boa equipe aqui, Volya é seu braço direito e

esquerdo. Serga se foi, mas você tem seus cunhados, embora sejam loucos,

são devotos de Maryia, por isso farão qualquer coisa por você. Saiba jogar

com isso.

— Eu sei — assenti.

— E, Volya, fale com a menina Malkovi de uma vez, da? Vamos

acelerar esse casamento.

Volya não disse nada, mas aproveitou a deixa para me encarar, como se

fosse me matar assim que meu pai saísse da sala.

— E como está Maryia?

— Bem — respondi vagamente, vendo a tensão tomar conta do corpo


de Volya na menção de seu casamento arranjado.

— E meu neto?

— Neta. Ambas estão bem, se cuidando em casa.

— Já sabemos o sexo? — Meu pai riu.

— Não, mas sei que é uma menina.

— Que boa notícia! Uma garota vai adoçar a nossa vida, da? Vamos

cuidar para que ela não seja confusa igual a família da mãe. — Ele me

abraçou, derrubando cinzas em minha camisa preta, depois a limpou. —

Cuide de Maryia, quero que essa criança chegue ao mundo.

— Todos queremos. — Inclinei a cabeça respeitosamente. Ele era o

único homem para quem eu chegava perto de me curvar.

— Muito bem, minhas malas estão prontas. Fique de olho em Dalyah e

em sua tia enquanto estou longe. Quando eu voltar, não terei escolha senão

arranjar um marido para controlar essa menina.

— Posso começar a procurar — sugeri.

— Boa ideia.

Ele assentiu e começou a sair, mas parou na porta, fitando-nos por cima

do ombro.

— Se eu souber de vocês, filhos da puta, fodendo o meu negócio,


voltarei e farei Evarkov arrancar suas cabeças.

Volya esperou que ele saísse e se virou para mim.

— Eu já disse que não vou me casar com a garota, mas você se faz de

surdo, então serei ainda mais claro. Se eu for forçado a isso, ela sofrerá um

acidente fatal.

Ele falava sério, e eu sabia, porque já vi ameaças como aquelas se

cumprirem por parte dele antes.

— Ah, sim, ficará sem noiva e sua amada o perdoará por matar sua

irmãzinha?

— Eu não tenho uma amada.

— Não? Então, todo esse show não é porque não quer se casar com a

irmã de Aryshia?

— Não — rosnou. — Você sabe o quanto minha liberdade é

importante. A Bratva tem homens mais do que suficientes para amarrar a essa

porra de missão inútil. Faça. Com. Outro.

— Volya... somos irmãos — me aproximei lentamente ao falar —,

seremos sempre. Matarei por você, te cobrirei em tudo o que precisar e sei

que fará o mesmo por mim, mas recentemente você anda com uma mania

irritante de esquecer quem eu sou aqui.

— Eu não me esqueço de nada.


— Então, quando eu digo para pular, pule, quando eu digo para foder,

apenas goze, quando eu mando puxar o gatilho, mire. Se eu disser que vai se

casar com Veronika Malkovi, vá até a joalheria, encomende um anel bonito e

caro, porque ela é uma vadia cara. Vá até Aryshia e peça sua irmãzinha em

casamento. Só saia de lá quando ela disser sim. Caso contrário, o único

acidente fatal acontecendo será o de Aryshia, e eu prezo muito por sua

liderança nos negócios para querer matá-la, mas se passar a ficar na frente

dos meus planos, eu irei. Principalmente sabendo agora que ela é a fonte

recém-descoberta de sua rebeldia.

— Ela não é fonte de nada, não me importo com a mulher.

— Não tente me enganar, não eu, que o conheço a vida toda.

Toquei meu rosto abaixo do olho, no mesmo lugar que sua tatuagem

com o pequeno olho vigilante estava desenhada.

— Sinta seus sentimentos, Volya. Seja fraco dentro de si mesmo, se

permita ser um inútil internamente, mas não demonstre isso. Porque eu não

vou tolerar. Amar Maryia me faz ser fraco todos os dias, mas isso me torna

forte por fora.

Ele me encarou sem dizer nada, com o rosto vazio. Eu servi uma dose

de vodca e a virei garganta abaixo, então peguei a chave do Jeep na mesa.

— Evarkov tem uma luta esta noite e armas são permitidas, estou
ansioso para ver como ele arrancará cabeças desta vez.

Assim que pisamos na Bloodline, eu entreguei meu casaco ao

administrador junto às notas da minha aposta.

— Evarkov.

— É claro, Boss. — Me deu um sorriso amarelo. — O que será que

nosso menino fará hoje?

— Torço para que algo chocante. Estou entediado.

— Há algo que possamos fazer para ajudar?

— Não. Vou assistir a Kolokol ganhar, e daqui a quarenta minutos

pularei de alegria ou quebrarei este bar. Quem sabe? Enjoei da porra da

decoração.

Dei-lhe um tapa nas costas, fazendo-o engasgar. Volya foi direto para o

bar, separando-se de mim. Passei sem falar com ninguém, mas vendo os

olhos em mim. Os homens me chamavam com suas prostitutas penduradas no

braço. Boss para lá, Boss para cá.


Eu precisava ver Evarkov ganhar. Sentei-me na última mesa do bar,

cruzando os braços, observei o ringue, as paredes, os gritos. A mesma porra

de coisa dos últimos anos. Eu estava realmente entediado.

A luta que acontecia era monótona. Me irritava, e eu queria subir lá e

matar os dois com um torcer de garganta rápido.

Meu casamento andava na corda bamba. Maryia estava bem, de repente

estava mal.

Enjoava.

Queria chupar meu pau.

Vomitava me chupando.

Chorava enquanto eu a fodia.

Ria quando alguém ia até o meu escritório contar alguma tragédia.

Chorava, porra, de rir.

Ficava enlouquecia com a simples menção de outra mulher.

Surtava, estava ainda mais desequilibrada do que antes.

Eu cheguei ao extremo de falar com Alessandra, e por ser médica achei

que me ajudaria, mas tudo o que tinha a dizer era:

— Hormônios da gravidez.

Além de minha mente estar focada em caçar Dimitri, eu ainda tinha que
encontrar o responsável pelo ataque à Maryia. Jack e eu não falamos sobre

trabalhar juntos, e eu tinha certeza de que a próxima vez que eu fosse ouvir

dele, seria para concordar em me dizer quem era seu informante — embora

eu tivesse um palpite de que já sabia de quem se tratava.

Dimitri.

Sempre aquela porra daquele filho da puta.

Por isso, tudo ao meu redor parecia mecânico. Muito automático. Eu

amava assistir às lutas, sentir as forças me enchendo, adrenalina exalando de

mim, minhas veias bombeando com ansiedade para subir no ringue e

destroçar meus oponentes, ainda que não fosse meu dia de lutar.

Tudo porque eu estava no meio de uma caçada.

E enquanto gostaria de estar lá fora, farejando o meu inimigo, tinha que

ficar aqui dentro, lidando com isso, o que no momento, parecia pouca bosta

para mim.

Levantei-me, puxei a garrafa do primeiro homem que vi perto de mim e

ele deu um pulo, com medo do que eu faria a seguir e se seria direcionado a
ele.

Subi na mesa e joguei a garrafa na parede mais próxima. A música

parou imediatamente, olhares temerosos e ansiosos se voltaram a mim.

Silêncio se fez, pegadas no vidro quebrado se aproximavam para ver o


que aconteceria a seguir.

Até mesmo Volya se virou para ver.

Evarkov apareceu vindo do vestiário, e eu gargalhei sombriamente ao

ver sua arma do dia.

Era a porra de uma picareta.

Pulei de volta para o chão, pegando a garrafa de outro homem.

— Vamos para fora. Esvaziem o comércio local.

Eles olharam um para o outro. Rostos confusos sobre o que fazer.

— AGORA! — gritei, o que fez todos despertarem do transe. Eles

começaram a pegar garrafas do bar e das mesas, saindo em fila para fora. Um

empurrando o outro para passar.

— Vão, porra, vão! Vão! — Evarkov gritava, ameaçando bater com sua

picareta na cabeça de quem estivesse andando lento demais.

Volya observava encostado no bar, bebendo sua cerveja. Eu passei por

ele quando metade já tinha saído.

— Te aconselho a sair, irmão.

Havia poucos comércios na rua, grande parte eram casas sobre as lojas,

e os donos moravam lá. Pessoas que não podiam pagar lugares mais caros em

ruas mais abastadas e nobres, então acabavam ali, no berço da Bratva. Onde
nossa violência dominava as ruas.

Crianças corriam para a casa sob os gritos de seus pais, mas queriam

ficar. Meus homens gritavam, mandavam que todos entrassem e fechassem as

cortinas.

Homens e mulheres abaixavam as portas com pressa, com medo.

Temendo o que faríamos a seguir.

Eu peguei uma garrafa de vodca de outro homem próximo e puxei a

tampa com o dente, tomando vários goles, quase não sentindo a queimação.

Aquela merda já não me afetava há muito tempo, beber desde criança fez

minha tolerância subir 99%, e meu corpo se acostumar. Vodca parecia água e

uísque se assemelhava a um suco doce demais.

Eu bebia do mesmo jeito.

Depois de mais dois goles, virei a boca da garrafa para baixo,

começando a andar até virar numa curva redonda, dando uma volta e

iniciando o desenho de um círculo molhado no chão.

Quando a garrafa acabou, alguém rapidamente colocou outra em minha

mão, continuaram fazendo com mais três garrafas, até que eu parei em frente

à Bloodline.

Acenei o dedo ao redor, mostrando que era o que eu queria, então, eles

continuaram o serviço, derramando álcool em linhas conjuntas e formando


uma grossa linha enorme de álcool na rua.

Eu peguei mais duas garrafas e joguei na porta da Bloodline, o que

paralisou todos eles.

Os homens estavam em choque, perguntando-se o que diabos eu estava

fazendo.

Olhando tranquilamente o prédio velho, tirei um cigarro do bolso, o

acendi com o isqueiro automático e dei uma tragada profunda.

Puxei a tampa para cima novamente e, sem hesitar, joguei o isqueiro

aceso no chão, onde vodca escorria da porta.

Chamas imediatamente crepitaram, e observamos por um momento o

fogo engolir o lugar que tinha sido nossa casa por anos.

— Não tem mais Bloodline. Me encontrem uma casa com um grande

terreno. A nossa nova casa e no quintal... — Traguei meu cigarro uma última

vez e o joguei no chão, uma linda linha subiu dos dois lados e formou uma

bola no chão, fazendo todos eles pularem para trás. — No quintal teremos o

círculo de fogo, onde lutaremos até a vida e a morte.

Eles urraram, gritos extasiados com a ideia nova encheram o ar. Eu fitei

meu clube por cima do ombro, dizendo adeus.

Fitei Evarkov, dando um aceno. Ele riu, jogando a cabeça para trás,

então correu e pulou pela linha de fogo, gritando como se tivesse acabado de
gozar ao entrar. Rodeou o espaço, fumaça subia, o fogo esquentava nossas
peles, estaríamos todos cobertos de suor assim como Kolokol e seu oponente

quando a luta acabasse.

Quem dava uma foda?

Ele batia no peito com a mão, e o ferro de sua picareta no chão.

— Venha! Venha, venha para mim, morto! — gritou, então, o homem

que lutaria com ele surgiu, empurrando todos de seu caminho e pulou para

dentro, tentando esconder uma careta de dor quando o fogo agressivo beijou

suas pernas e pés.

Evá apontou um dos lados da arma para ele e sorriu seu melhor sorriso

psicopata.

— Vou arrancar sua cabeça!

Eu bati palmas, cruzei os braços e acenei para Volya, que com a

sombra de um sorriso em seus lábios, atirou para cima.

E a porra da luta começou.


— Meu Deus, olhem isso. — Alessandra correu da cozinha com o

celular na mão, e entregou para mim. Viky e Veronika se inclinaram para ver.

Havia uma foto da Bloodline em chamas e, na frente, Viktor com os

braços cruzados observava... fogo?

— O que é isso? — perguntei.

— Seu marido ficou louco.

— Aqui diz que ele incendiou a Bloodline e agora eles vão lutar num

tal Círculo de fogo.

— Círculo de fogo? — Viktorya franziu o cenho. — Que tipo de filme

ele anda vendo?

— Qual é a de vocês dois com fogo, afinal? — Veronika ergueu as

sobrancelhas, genuinamente curiosa.

— Ele claramente não está bem — disse Ale. — Fique aqui em casa

por um tempo, pelo menos até que o bebê nasça.

Dei risada, descartando sua sugestão sem nem pensar. Eu nem sabia o
que tinha acontecido.

— Viktor pode estar cem por cento desequilibrado, mas isso nunca se

voltará contra mim.

— Não tenha tanta certeza, Maryia — disse Veronika. — Homens são

imprevisíveis.

Eu sabia disso, aprendi. Mas também aprendi que não havia nada que

eu fizesse que levasse Viktor para longe de mim. Eu o traí, desrespeitei e

carregava um filho que tinham chances iguais de ser de outro homem. Ele

sabia disso, e ainda que não tivesse me perdoado, estávamos juntos.

Viko não me condenou pelo o que fiz.

E aquilo era algo que eu não esperava de jeito nenhum, não dele.

— Quero fazer uma viagem — Viktorya mudou de assunto. — Tipo

uma despedida de solteira.

Alessandra engasgou com a Coca, e Veronika riu, lhe dando tapinhas

nas costas.

— E aonde pensa em ir?

— Algum lugar quente, já que meu casamento vai acontecer na neve.

Quero um clima tropical, drinks, sol, mar e danças até varar a noite.

— Piscinas com borda infinita. — Sonhei junto com ela.


— Será ótimo — Nika concordou, rindo. — Vamos fazer isso.

Ela tinha olhos sagazes e despreocupados, enquanto Alessandra não

dizia nada.

Eu queria cruelmente provocar Veronika, tirá-la do eixo por seu

deboche, mas engoli e honestamente senti pena de Alessandra, porque agora

era claro para mim que amava meu irmão. Se não amava, sentia algo muito

próximo disso.

Nada ficava oculto para sempre, portanto, aquela bomba alguma hora

explodiria e eu só precisaria estar pronta para estar com Viktorya na hora de

choque, ajudá-la a se reerguer.

— Animada para o chá de bebê? — Ale mudou de assunto, fazendo-me

sorrir.

— Muito. Minha mãe vai vir de Dubai e disse que comprou

presentinhos que eu não encontraria de jeito nenhum em outro lugar. Ela está

muito animada com a ideia.

— E seu avô?

— Ele insiste que é um menino, mas sei que quando nossa garotinha

vier ficará doido!

— Não entendo como tem tanta certeza — Viky refletiu, tocando em

minha barriga, um costume que todas elas tinham adquirido.


— É muito estranho, mas... eu sinto. Não me conectei assim com os

outros bebês, eu os amava, é claro, não me entendam mal. Eu só não podia

dizer o que eles eram, mas ela, minha Kisha. Uma russinha de olhos verdes

para ser mimada por tios loucos, um pai psicopata e uma mãe... — Fiz uma

careta, sem saber como completar.

— Fora da mansãozinha? — disse Veronika, e nós todas caímos na

risada.

— Acho que isso se encaixa.

Aos poucos, eu aprendia a brincar com a situação, com minhas

condições. Descartei completamente a ida ao psicólogo que Viktor sugeriu,

dias depois de voltarmos da Austrália. Decidi que o tempo seria meu

conforto. Talvez eu precisasse de um psicólogo, um psiquiatra, se tivesse

perdido o meu filho, mas ele estava ali comigo. Seguro, saudável e eu faria de

tudo para que fosse feliz. Além do mais... Eu não tinha como ficar pior.

Jamais confiaria em alguém naquele nível para contar tudo o que havia me

acontecido.

Se nem para as três mulheres à minha frente eu contei, não diria a

ninguém mais. Enquanto elas conversavam e riam, não pude deixar de pensar

em como gostaria de aproveitar aquele momento pacífico para jogar minhas

bombas, mas as engoli junto do suco de goiaba — que recentemente tinha


passado a ser meu favorito — e prestei atenção nas conversas.

Minha mente vez ou outra viajava para Elena, a mensagem que recebi

dias atrás e precisei apagar para não correr riscos. Eu sonhava com o seu

desespero ao me ver sofrer e acordava com os braços de Viktor em volta de

mim. Me perguntava se ela também tinha pesadelos, se os rostos dos nossos

atacantes tinham ficado gravado em sua memória.

Se a resposta fosse sim, será que podia desenhar para mim? Eu

simplesmente esqueci cada traço dos rostos deles. De cada um. E embora os

três estivessem mortos, eu não queria esquecê-los. O momento que mudou a

minha vida e o meu casamento não deveria ser tão facilmente apagado, mas

aquela era a forma como o meu cérebro trabalhava.

Privava-me de coisas que machucavam.

“Entendi por que Viktor te buscou em mim, Maryia. Ontem à noite

me olhei no espelho e desejei poder te ver outra vez. Você sofreu para

que eu e meus filhos não precisássemos. Jamais vou esquecer.”

Eu a apaguei, mas Viktor viu de qualquer jeito e sua única palavra

sobre o assunto foi:

— Esqueça.

Eu não podia.

Elena não me machucou. Ela me deu algo que eu nem sabia que
precisava.

Paz.

— Nós vamos adorar ter uma nova integrante no nosso clubinho. —

Alessandra sorriu, trazendo-me de volta ao aqui e agora. — E se quiser fazer

o parto em casa, eu conheço obstetras incríveis.

— De todas as médicas que procurei, a que você me indicou foi a que

mais gostei. Onde a conheceu?

Ela acenou com a mão no ar.

— Por aí, mas sabia que vocês se dariam bem. Ela é muito perspicaz.

— Também achei. E, na verdade, eu já conheci uma médica bem

perspicaz antes — brinquei, girando o dedo em frente ao seu rosto.

Ela riu, e Veronika se levantou do sofá, indo em direção à cozinha.

— Quem está pronta para mais uma rodada?

— Eu! — Viky gritou, erguendo a taça.

A campainha tocou de repente, e tanto Ale quanto Veronika,

paralisaram.

— Está esperando alguém? — perguntei.

Alessandra hesitou, olhando entre mim e Viktorya.

— Não... eu... fiquem aqui. Eu já volto.


Ah não...

Comecei a rezar silenciosamente para que não fosse Maksim.

Quando ela se foi, Viktorya sentou mais perto de mim.

— O que acha da viagem? Má ideia?

— Não. — Forcei um sorriso, lançando olhares na direção que

Alessandra saiu. — Acho ótimo. Vamos fazer. A bebê ainda não vai estar

muito grande e eu não vou ser a chata, enjoando e impedindo vocês de fazer

longos passeios.

— Maryia, eu não me importaria com isso. Podia só te deixar no quarto

do hotel e sair — disse sarcasticamente, bebendo o último gole do vinho e

piscando sobre a borda. — Estou brincando.

— Você não está, cretina.

— Não mesmo. — Ela riu.

— Maryia.

Virei para atender ao chamado de Alessandra, mas ela não estava

sozinha. Viktor acenou para a porta.

— Pronta para ir?

Eu precisei ficar sentada por um momento, recuperando-me da

sensação que meu corpo recebia toda vez que o via. Estava vestido todo de
preto, com um casaco chumbo de botões grossos destoando da cor. Nos pés,

botas pretas pesadas das quais ele tinha uma coleção na despensa, já que dizia

“não ter tempo para a merda do closet”.

— Nós ainda não terminamos — Viktorya o dispensou, mas eu me

levantei, tirando a manta que aquecia minhas pernas, feliz em ir embora.

Amava passar o tempo com minhas amigas, mas ultimamente, estar

com Viktor era um calmante particular e infalível.

Ou ele me acalmava em seus braços fortes, ou me colocava para cima

num nível que só parávamos quando eu desmaiava de exaustão.

Alguns chamavam de hormônios da gravidez, outros de fogo, eu

chamava apenas de nós dois.

— Vou levá-la, mesmo assim — disse ele. — Tenho planos. — Esticou

a mão e seus olhos aquecidos caíram em mim. — Vamos, moya luna[17].

Sorrindo, fui quase salteando segurar sua mão, virando-me apenas para

mandar beijo para elas, inclusive, Veronika, que veio da cozinha correndo

para ver o que acontecia.

— Falo com vocês amanhã!

— Aproveite!

— Fogo, Maryia! — Nika gritou. — Fogo nele!


Saímos ouvindo suas risadas, enquanto ele me levava para fora. Ele

mascava um chiclete, algo que não o via fazer há muito tempo.

— Aonde vamos?

— Você verá.

— Você está muito misterioso, senhor Zirkov.

Ele piscou, empurrando os fios loiros para trás.

— Descobri que esse é o meu charme.

Quando chegamos lá embaixo, ele entregou algumas notas a um

homem parado em frente ao seu Audi, que deu um aceno curto antes de ir

embora apressadamente. Deduzi que estava protegendo o carro enquanto ele

subia.

— Sem Vorys? — perguntei, estranhando.

— Só eu e você. — Ele abriu a porta, esperando que eu entrasse, e

inclinou a cabeça quando hesitei. — Está com medo de mim, Maryia? — A

voz era profunda e grave, o que tornou um pouco difícil respondê-lo sem ser

com um “sim”.

— Eu soube que você queimou a Bloodline.

— Sim — assentiu, observando-me bem de perto. — E fiz os lutadores

lutarem dentro de um círculo de fogo queimando suas bolas.


— Evá?

— Ele amou, é um monstro. Um pequeno animalzinho adestrado.

— Não fale assim dele, Viko.

— Não se preocupe com isso, você tem outras coisas a pensar. — Ele

deu uma olhada rápida em minha barriga, dando-me mais uma empurradinha

para entrar.

— Ele se machucou?

— Ele não se machuca, zhena. Só o bastante para nos entreter com um

show e, no fim, rachou a cabeça de seu oponente com uma picareta.

— Eu não precisava saber desse detalhe — murmurei.

— Entre. — Bateu em minha bunda, sorrindo. — Estamos perdendo o

espetáculo.

Ambos entramos, e, quando ele começou a dirigir, vi os flocos de neve

começarem a cair. As árvores já estavam ficando cheias de neve, o chão em

breve seria um grande parque de diversão para as crianças brincarem.

Minha linda Rússia chorava neve branquinha. Bonito de se ver e

especial de presenciar.

Seguimos o caminho em silêncio, sem necessidade de dizer coisas para

preencher o vazio, pois, já havia muito ali. E nenhum de nós nos


importávamos. Ele segurava a minha mão, com os olhos verdes fixos na

estrada. Quando parou o carro, estacionou em frente ao Bolshoi e me ajudou

a descer, mas travei meus saltos no chão para que não me puxasse.

— Você não vai arrombar.

— Não.

— Mas está fechado.

— Apenas me siga, Maryia. Você está muito questionadora esta noite.

— Eu sempre sou questionadora, você que nunca responde minhas

perguntas — resmunguei.

— Porque sou esperto, continuarei fazendo isso.

O vento estava mais forte na avenida aberta e, quando paramos em

frente à grande porta principal, meu casaco estava cheio de salpicos de neve,

assim como o cabelo. Rindo, passei a mão para tirar, e Viktor estendeu a

mão, puxando um da minha cabeça e fingindo comer.

— Até seu cabelo é gostoso — murmurou. — Você é a porra de um

anjo da neve, Maryia. Serei condenado.

Assustei-me quando a porta foi aberta e um homem todo uniformizado

fez uma reverência, deu um passo atrás e com a postura reta, olhando para a

frente de queixo erguido nos deu espaço para passar.


Assim que fechou a porta, “Fly me to the moon” começou a tocar por

todo o Teatro. As cadeiras vazias faziam o lugar parecer ainda maior. Eu

nunca tinha visto o Bolshoi deserto, era uma das coisas mais assustadoras e

bonitas que já vi.

— Você não fez isso.

— Você ainda nem viu o que fiz. — Ele olhou por cima da minha

cabeça. — Deixe-nos.

Ouvi o homem se afastando em passos rápidos, então, Viktor segurou

minha mão direita, levando-me através das cadeiras.

— Eu pensei que podíamos renovar nossa tradição de dançar bêbados

na frente do Bolshoi, mas como está frio, dançaremos aqui dentro. O que

acha?

Eu sorri, quando de repente me puxou em seus braços, girando-me.

Minha risada encheu o ar, misturando-se à música.

— Ficou maluco?!

— Vamos dançar uma música de cada lugar que já fomos.

Então começamos a dançar, dentro do Bolshoi, mas com música dessa

vez.

— É bonito — sussurrei, com o rosto grudado em seu peito.


— Não tanto quanto você, mas concordo, é bonito. Tenho pensado em

organizar uma luta aqui. O que acha?

Rindo, o encarei.

— Consegue imaginar aqueles selvagens sentados nessas cadeiras

chiques?

— Para tudo tem uma primeira vez.

Fitei seus olhos por um momento. Feliz. Realizada. Sentindo-me cheia.

— Por que está fazendo isso?

— Porque, Maryia — suspirou —, essa é a questão da minha vida.

— Fale comigo. — Segurei seu rosto, ainda dançando.

— Tenho vivido dias perturbadores, moya luna. Te amo, te odeio, te

amo mais do que odeio... é um dilema. Quero matá-la, quero beijá-la, quero

ver o rosto de nossa filha... Quero levar você para conhecer o mundo, cada

lugar que já teve vontade de ver. Quero me tornar Pakhan com você ao meu

lado, quero esquecer o que fez e que esqueça o que eu fiz. — Ele me girou,

puxando-me em seu peito em seguida.

— Você pode fazer tudo isso.

— Posso?

— Não seria bom se tivéssemos uma máquina do tempo? Você voltaria


ao momento que beijou outra mulher que não era eu, se vestiria e sairia do

quarto antes de se deitar com outra, assim as próximas não aconteceriam

também. E eu não teria...

— Não. Fale — rosnou, fechando os olhos. — Não fale. Como eu

disse... eu a amo acima do meu ódio.

Deslizei a mão livre de suas costas para seu peito, encontrando as

batidas fortes do coração.

— E o bebê?

— Inocente, como eu já disse muitas e muitas vezes. Uma criança

nunca deve ser condenada pelos erros de seus pais.

— Me perdoe, moya luybov — sussurrei, ficando na ponta dos pés para

beijar seu pescoço. — Eu já te perdoei.

Ele sorriu com o canto dos lábios.

— Mentirosa.

— Se não tivesse perdoado, faria isso?

Puxei seu rosto para baixo, encontrando nossos lábios e deixando que

nossas línguas deslizassem juntas. Uma música de um lugar que nunca ouvi

antes tocou, e franzi o cenho, o encarando.

— Vamos para lá também?


— Indonésia, sim.

— Será que quando chegarmos lá, estarei perdoada? — murmurei, com

a boca colada a dele.

Viktor agarrou meu cabelo num aperto firme, puxando meus olhos para

os seus.

— Pare de falar sobre isso.

— Sim, Boss.

Eu o empurrei na cadeira mais próxima, ajoelhando-me antes de

avançar e me enfiar no meio de suas pernas. Alisei as coxas musculosas. Ele

estreitou os olhos, apoiando os cotovelos no apoio da poltrona confortável.

— Será que tem câmeras aqui? — perguntei, abrindo sua calça.

— Quem nunca viu um boquete?

Fiz uma pausa.

— Você deixaria que me vissem? Te chupando? Nua?

— Eu arrancaria a cabeça de cada um. — Alisou meu rosto,

acariciando meu lábio inferior com o polegar. — Não tem câmeras ligadas.

Continue.

— Você sabe que de primeira eu odiei o seu pau — murmurei, minha

boca encheu d’agua quando o puxei para fora. — Pensei que fosse me
destruir na nossa primeira vez.

— Mas aprendeu a gostar dele com o passar dos anos.

— Eu já o amava no meio da primeira vez. — Acariciei lentamente de

baixo para cima, de cima para baixo. Passando as costas das mãos, vendo-o

ficar duro sob meu toque.

— Eu amava sua boceta antes mesmo de vê-la.

— É claro, eu a esfregava na sua cara a cada oportunidade, até que me

pediu em casamento.

Diminuí mais ainda o ritmo da masturbação. Com um sorriso perverso,

estiquei minha língua e envolvi a glande, deixando algumas lambidas antes

de chupá-la lentamente, mantendo nossos olhos fixos o tempo todo.

— Nada foi tão bom quanto você a esfregando em outros lugares.

O som de satisfação que ele soltou me fez aumentar o ritmo em minhas

sugadas, levando o máximo que eu conseguia na garganta, minha língua se

esfregava por sua carne quente e sensível. Enorme. Deus, eu realmente amava

seu pênis. Tanto, tanto.

— Concordo. — Puxei a boca de seu membro, ficando de joelhos para

arrancar a calça e minha calcinha, então voltei ao que comecei. — Eu fugia

de casa louca pra te dar. Louca pra te sentir de novo.

— A pequena vagabundinha abriu as lindas pernas pra mim, antes de


dizer “sim” ao casamento — murmurou, inclinando-se para pegar minha
calcinha no chão e deixar uma série de beijos em meu pescoço, enquanto eu

acariciava seu pau.

— Eu estava loucamente apaixonada, como agora. Como sempre. — O

abocanhei novamente, e após mais algumas chupadas, senti o gosto forte

do pré-gozo no exato momento em que Viko agarrou meus cabelos no alto

com as duas mãos, e eu apenas deixei que fodesse minha boca, seus olhos

estreitos fixos em mim.

Eu sabia que ele me deitaria naquele chão e me foderia sem hesitar,

assim que jogasse seu sêmen no fundo da minha garganta.

Como sempre, estava ansiosa por isso.


“Estou começando a ser um mal exemplo

Mas ninguém conseguiria ficar um dia na minha pele

Ninguém tem o coração que eu tenho

É um mistério que eu ainda esteja aqui

Pensaram que eu já era mas eu continuo aqui”

JA RULE FT. R. KELLY, ASHANTI - WONDERFUL

No começo de janeiro, nós nos reunimos em minha nova casa para

celebrar o Natal. Havia enfeites explodindo de dentro para fora, luzes

coloridas piscantes, pinheiros pequenos por todo o canto e uma grande árvore

no centro da sala, onde a maioria da minha família e amigos mais próximos


se reuniam. Estávamos aproveitando, após um longo jejum e, para isso,

mesas de comida estrategicamente posicionadas em círculo nos cercavam.

Havia carnes para todos os gostos, saladas e acompanhamentos.

Petiscos para quem quisesse apenas beber por um tempo e todos os tipos de

drinks preparados no bar na antessala.

Last Christimas na voz de Mariah Carey tocava nas caixas de som

recentemente instaladas, pois tanto eu, quanto Viktor amávamos ouvir música

alta. O condomínio era tranquilo e eu tentava fazer Viktorya comprar uma

casa no mesmo lugar quando se casasse, mas ela não desistia da ideia de uma

cobertura luxuosa no centro. Eu entendia, também amava o clima do centro,

tanto que se não fosse a ideia de dar algo mais doméstico para Kisha, eu não

sairia do nosso loft.

Eu via crianças correndo por todos os lados e ao tocar minha barriga

enorme, senti uma alegria tomar conta de mim, sabendo que em breve a

minha menina se juntaria a eles.

Viktor desceu as escadas ajeitando seu terno, com Volya de um lado, e

Maksim do outro. Escutava algo que meu irmão dizia e parou no último

degrau, olhando ao redor até que seus olhos me encontraram, ele então sorriu

e batendo as costas da mão no peito de Maksa, falou algo rápido e começou a

caminhar em minha direção.


Eu o observei sorridente, pois nunca estive tão feliz em toda a minha

vida. Esperei pacientemente enquanto apertava as mãos de alguns homens e

acenava para suas esposas e acompanhantes, até que me alcançou.

Sem se importar com a plateia, como sempre, Viktor me agarrou pela

cintura.

— Você está deslumbrante, moya luna.

Quando nossos lábios se tocaram, provei vodca, tabaco e pela ereção

em minha coxa... empolgação.

— Tão deslumbrante assim? — sussurrei, ajeitando sua gravata. Ele

raramente usava e quando o fazia, era unicamente para me agradar, embora

eu realmente não fizesse questão.

— Demais. Esse vestido — rosnou —, porra. — Sem timidez, Viktor

ajeitou o membro na calça. Eu dei um tapa em seu braço.

— Se comporte!

Ele agarrou a gravata e a puxou até tirar, então jogou em cima de uma

das mesas.

— Vamos dançar.

— Você anda um dançarino de primeira ultimamente — brinquei,

enquanto me abraçava mais perto e começava a dançar comigo totalmente

fora do ritmo da música.


— Meu trabalho me estressa, dançar com você me alivia. — Ele me

beijou rapidamente. — Vamos subir, eu quero transar.

Dei um tapa em seu peito.

— Você sabe que agora eu só quero fazer amor.

— Quando minha filha nascer... — Ele segurou minha bunda de ambos

os lados, nos esfregando juntos quando uma parte da música acelerou apenas

em notas de piano. Eu caí na risada. — Você vai me pedir pra te foder forte e

eu vou negar. Só por essas gracinhas de agora.

— Você está animadinho demais, Boss. — O observei de perto.

Percebendo que quando o deixei para que subisse de encontro a meu irmão e

seu konsultant, não estava tão feliz assim, pois, de acordo com ele, receber

todos aqueles filhos da puta em sua casa o deixava puto.

— Isso é porque tenho novidades.

— Conte-me. — Eu sorri, mas de repente, a expressão sombriamente

feliz em seu rosto fez meu sorriso murchar.

Ele não estava simplesmente feliz, estava preparado. E eu sabia antes

mesmo que dissesse do que se tratava.

— Eu o encontrei.

Engoli em seco, quase parando de dançar, mas ele continuou nos

levando.
— O que você vai fazer?

— Vou pegá-lo, fazê-lo falar se sabe algo sobre o ataque na Austrália E

depois vou me divertir. — Ele sorriu, piscando e me girando, batendo palmas

antes de me pegar de volta.

— Simples assim?

— É claro que não. — Bufou. — Eu vou dizimar o Clã inteiro. Se

Viktorya estiver casada com o seu irmão até lá, sorte a dela, mas se estiver

junto, vai dançar a coreografia diabólica que ensaiei para todos eles.

Eu precisava avisá-la. Agora, mais do que nunca, aquele casamento

precisava acontecer. Apenas ser minha amiga não impediria Viktor de matá-

la, se ele desse sua palavra de que faria isso.

Eu engoli em seco, apertando meus braços ao seu redor, observando

nossos convidados por cima de seu ombro.

— E quanto a nós?

— Nós somos nós, Maryia. No nosso próprio mundo de loucura fodido.

Seremos sempre nós.

Sempre nós.

Sem nenhuma escapatória e se houvesse uma, de que adiantaria, se nós

dois tivemos chances de sair e não quisemos?


A verdade é que Viktor e eu estávamos aprisionados um ao outro por

nossa espontânea instável vontade.

Eu segurava minhas próprias correntes em uma mão, apenas as

guardando para ele como uma prisioneira apaixonada por seu captor e, na

outra, amparava seu coração escuro e nefasto.

Enquanto ele, segurava Moscou.

Segurava-me.

Segurava nós dois. Eu sabia que ele nunca me deixaria ir.

— Eu te amo, moya lyubov — sussurrei, beijando bem abaixo de seu

ouvido.

Ele segurou meu queixo, virando meu rosto bem devagar de um lado

para o outro para me observar como quisesse, então abaixou a cabeça e me

beijou.

Minha barriga forçou-se entre nós, o impedindo de me dar um de seus

abraços indecentes em público — o que ele adorava fazer por alguma razão.

— Vamos subir e...

Gritos vieram de todos os lados de repente, cortando a música no rádio

e minha risada. Viktor pegou sua arma, sendo seguido por vários Vorys no

mesmo movimento.
— Fique aqui!

Ele passou pelas pessoas, e de onde eu estava pude vê-lo parando,

então olhei para cima e vi uma corda pendurada do corredor da escada para

baixo.

Avancei na mesma direção, temendo o que encontraria, mas nem

mesmo um treinamento teria me preparado para o que vi.

Ao mesmo tempo que uma alegria doentia se apossava de mim, choque

e horror também me dominavam.

Dalyah correu em nossa frente, caindo de joelhos e agarrando o corpo

da mãe.

— Cortem isso! Tirem isso dela! — Ela chorava, apontando para a

corda amarrada no pescoço da mãe. Chamava por Olga, como se os gritos

fossem fazê-la ser escutada, mas os olhos arregalados, quase saltados para

fora eram um sinal de que a mulher não estava mais ali.

Enquanto Dalyah gritava sem parar, eu me aproximei em passos

hesitantes. Viktor estava dando ordens aos homens próximos, provavelmente

ordenando que fossem encontrar o culpado ou subissem e descobrissem se

sua tia realmente se jogou de lá de cima.

Eu caminhei até um pequeno pedaço de papel no chão, e abrindo-o, li a

única curta frase escrita em letra de mão.


Uma letra que eu conhecia muito bem.

Feliz Natal.

Olhei ao redor, amassando o papel em meu punho, e a procurei pela

sala. Não foi difícil encontrar. Num longo vestido vermelho, com o cabelo

loiro amarrado num coque apertado no topo da cabeça, Viktorya encarava a

cena encostada perto da árvore de Natal. Seus olhos deslizaram para mim e

nos encaramos por um momento.

Ela ergueu a taça de forma sutil, virando o champanhe elegantemente.

Virou-se e caminhou para fora da sala.

— Zhena — Viktor me chamou, puxando-me para seus braços. —

Fique perto de mim. Vou levá-la para longe, até que limpem isso.

Sua voz era fria e clínica, embora os olhos me observassem com

cuidado. Ele estava tenso, o corpo todo o duro.

Afundei o rosto em seu pescoço quando os braços fortes me apertaram

e... Sorri.

De onde os meus filhos estavam, eu tinha certeza de que estavam

sorrindo também.

Abracei meu marido de volta.

Agora eu tinha tudo o que precisava.


Meu bebê. Minha família. Amigas que matariam por mim.

E o amor da minha vida.

No fim, eu estava aprisionada a ele, mas Viko jamais poderia viver sem

mim.

A grande consequência de amar e ser amado por uma mulher louca.


Para as minhas mulheres loucas... não, sério.

Este vai ser grande.

Eu comecei a escrever este livro do nada. Fui escrever um bônus de No

berço da máfia e simplesmente não vivi até me convencer a voltar para esse

mundo. Mafiosos são um caminho sem volta, eu sempre digo isso.

Afastei-me da Itália — que eu amo violentamente, e me aventurei na

máfia russa. Foi um longo caminho (na minha cabeça, porque, na realidade,

foram só 4 meses).

Durante esse tempo, tive o apoio das minhas Monstrinhas (no

Instagram, no Facebook, no grupo — das loucas — do Whatsapp), de amigas

que aguentavam minhas crises de ansiedade e paranoias constantes, minha

mãe que lia um livro a cada dois dias e ficava me atentando tipo “AMEI

AQUELA HISTÓRIA” e eu ficava só na vontade, porque quando estou

escrevendo não leio.

Obrigada.

Mila e Jana, principalmente, porque vocês seguram uma barra pesada


que eu não aguentaria por um dia inteiro.

Anny, obrigada pelos memes que me fizeram rir e me distrair dos

momentos de pânico que o desespero de escrever essa história causavam.

Zoe, agora posso voltar para você com a carência num nível 1000. Tá

pronta?

Na verdade, eu li uma história enquanto escrevia Aprisionada a você e

foi “Sangue real” da Jas. Eu sou fã assumidíssima e ela sabe, então aqui vai

um agradecimento por ter me bloqueado de escrever meu próprio livro por

umas duas semanas depois de ler o seu.

Às meninas do @romancesnanasimons no insta (Gi, Celeste, e Mila, e

Jana de novo) meu coração é de vocês. Eu ainda nem acredito que isso tudo

realmente é para mim.

17 livros e mais uns 20 na cabeça, lá vamos nós. Espero vocês nos

próximos.

Obrigada por ler!

Por favor, avalie este livro! Eu nunca peço, mas estou pedindo de

coração: AVALIE!

É muito importante!
Seja com 1 ou 5 estrelas.

Mil beijos,

Nana

[1]
Padrinho.
[2]
Menina.
[3]
Formiga.
[4]
Seus porcos.
[5]
Chefe.
[6]
Irmã.
[7]
Olhos verdes.
[8]
Idiota.
[9]
Idiota.
[10]
Meu amor.
[11]
Eu te amo.
[12]
Eu te amo pra caralho.
[13]
Xeque-mate.
[14]
Legal.
[15]
Gatinha.
[16]
Amigo.
[17]
Minha lua.

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