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Copyright © 2023 THAIS OLIVEIRA

Capa: Ellen Ferreira


Revisão: Leticia Tagliatelli e Lidiane Mastello
Diagramação: TG Design

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,


lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de
qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios
(tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da
autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.2018.
EPÍGRAFE
SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
EPÍLOGO
CAPÍTULO EXTRA
LEIA TAMBÉM
SIGA A AUTORA
BIOGRAFIA
UM BEBÊ PARA O HERDEIRO
SINOPSE: A EX-BAILARINA QUE AMA FLORES, UM MÉDICO
MILIONÁRIO APAIXONADO POR ELA & UMA BEBÊ
ABANDONADA
Família Montenegro, Livro I
HENRIQUE MONTENEGRO, médico cirurgião plástico e herdeiro mais
velho de uma família importante. Foi criado praticamente pela mãe, uma
matriarca incrível, que ensinou aos filhos como não ser dentro de um
relacionamento. Com isso, leva consigo a missão de ser feliz, tanto
profissionalmente como no âmbito do amor.
E quando conhece a bailarina, fica completamente encantado por ela.
ALICE SANTIAGO, ex-bailarina que parou de dançar devido uma lesão
na perna. Apaixonada por flores desde pequena, sempre amou estar em
contato com a natureza e isso a fez se formar em botânica, abandonando
assim o sonho de ser uma bailarina.
Marcada pelo relacionamento ruim dos pais, ela se agarra a chance de amar
na primeira oportunidade, se casando rapidamente com o médico que
roubou seu coração.
Cinco anos depois, Alice e Henrique Montenegro estão casados, porém, as
coisas não estão saindo da forma que os dois idealizaram e já faz alguns
meses que a união não é mais presente dentro do matrimônio.
O divórcio parece se esgueirar pelos arredores, sufocando ambos e os
deixando amedrontados com a perspectiva de perder um ao outro.
Até que em um fatídico dia, um anjo chega, abandonado na porta da casa do
casal.
Alice se vê sem chão ao ter que cuidar de uma criança tão indefesa, mas a
chegada da pequena pode ser a redenção do casamento da bailarina.
Um romance sobre amor, recomeço e maternidade.

LEIA MAIS

***
NOSSO BEBÊ INESPERADO

SINOPSE: Ela é herdeira de uma família importante...

Ele é um advogado em ascensão...

Um contrato de casamento que acabou com um divórcio conturbado,

até surgir um bebê inesperado.

Em busca de poder, RAFAEL AZEVEDO propôs um contrato ambicioso à


sua colega de trabalho. Um casamento de fachada para ambos buscar o

sucesso em sua área de trabalho...

O que eles não esperavam, era se envolverem tanto em apenas um acordo.

HELOÍSA MONTENEGRO nasceu em berço de ouro, mas procurou

sucesso na profissão que escolheu e junto de Rafael, seu marido, se tornou


uma das advogadas mais bem requisitadas da cidade onde nasceu. Só que

Rafael não amava Heloísa e ela se apaixonou perdidamente por ele.

Perdendo a razão e bagunçando toda a estabilidade em sua vida.


Até que a decisão do divórcio chegou e com isso, uma surpresa inesperada

do destino. Ela estava grávida e ligada para sempre a um homem que não a
amava.

Família Montenegro, Livro II

LEIA MAIS:

***

O HERDEIRO INESPERADO DO CEO

SINOPSE: UM CEO HERDEIRO, UMA PEDIATRA E UM BEBÊ


INESPERADO

Os dois são completamente opostos, enquanto ela é a irmã mais velha,


responsável e focada, ele é um playboy que acaba de assumir a rede de

hospitais da família, foge de relacionamentos e é o caçula dos irmãos com


pouca responsabilidade.

LILIAN SANTIAGO é uma pediatra que foca no trabalho para ignorar o


luto que está vivendo devido à perda do noivo em um acidente fatal.
Irmã mais velha, sempre teve que ser a responsável em todas as situações,

pois os pais nunca estiveram presentes para cuidar dela e da irmã, sua
melhor amiga, Alice.

Só que sua vida muda de cabeça para baixo ao encontrar o cunhado da irmã,
um homem que só tinha visto uma vez e faz seu coração acelerar de modo

que ela não aprecia nem um pouco.

CAIO MONTENEGRO é o CEO dos Hospitais Montenegro, caçula de


três irmãos, um playboy que não deseja ter relacionamentos.

Apaixonado pelos sobrinhos, acredita que sua vida está muito melhor sendo
apenas o “tio legal”.

Ele se sente atraído por ela, mas vai negar até o fim.

Só que uma viagem junto com a equipe do hospital, onde trabalham, vai
colocar os dois em situações nem um pouco confortáveis, inclusive,
mentiras podem ser contadas.

Resultando em um falso noivado entre a pediatra e o CEO playboy.

Porém, a vida dos dois vai virar de cabeça para baixo quando retornarem

para casa, e ele precisar assumir a paternidade de um bebê inesperado.

Era apenas um acordo para proteger sua amiga, mas agora ele é pai de um

menino com poucos dias de vida.


UM CEO HERDEIRO, UMA PEDIATRA E UM BEBÊ
INESPERADO

Os dois são completamente opostos, enquanto ela é a irmã mais


velha, responsável e focada, ele é um playboy que acaba de assumir a rede
de hospitais da família, foge de relacionamentos e é o caçula dos irmãos

com pouca responsabilidade.

LILIAN SANTIAGO é uma pediatra que foca no trabalho para

ignorar o luto que está vivendo devido à perda do noivo em um acidente

fatal.

Irmã mais velha, sempre teve que ser a responsável em todas as

situações, pois os pais nunca estiveram presentes para cuidar dela e da irmã,
sua melhor amiga, Alice.
Só que sua vida muda de cabeça para baixo ao encontrar o cunhado

da irmã, um homem que só tinha visto uma vez e faz seu coração acelerar
de modo que ela não aprecia nem um pouco.

CAIO MONTENEGRO é o CEO dos Hospitais Montenegro,


caçula de três irmãos, um playboy que não deseja ter relacionamentos.

Apaixonado pelos sobrinhos, acredita que sua vida está muito

melhor sendo apenas o “tio legal”.

Ele se sente atraído por ela, mas vai negar até o fim.

Só que uma viagem junto com a equipe do hospital, onde trabalham,


vai colocar os dois em situações nem um pouco confortáveis, inclusive,

mentiras podem ser contadas.

Resultando em um falso noivado entre a pediatra e o CEO playboy.

Porém, a vida dos dois vai virar de cabeça para baixo quando

retornarem para casa, e ele precisar assumir a paternidade de um bebê

inesperado.

Era apenas um acordo para proteger sua amiga, mas agora ele é pai

de um menino com poucos dias de vida.


O casamento de Alice estava lindo e confesso que fiquei
emocionada com o convite para acompanhar minha irmã até o altar.

Enquanto aguardava Jorge chegar à festa, pensava em como as

coisas estavam indo surpreendentemente bem entre mim e ele.

Não que esperasse que meu novo relacionamento fosse uma bomba
prestes a estourar, Deus sabe que estava tentando ser positiva, só que tudo

em mim, soava como um grande alarme onde a qualquer sinal ruim, era

para correr.

Acho que aquele sentimento veio dos meus pais.


Algumas pessoas herdavam dons, já outros amor por algum hobby.

Eu herdei apenas traumas.

E só podia agradecer por pensar que aquilo não respingou em Alice,

porque vê-la se casando com um homem que praticamente beijava o chão

onde ela passava, me deixava imensamente feliz.

Sabia que Henri e Alice não iriam ser sempre daquela forma, afinal,

o casamento iria avançar e as coisas poderiam acabar se modificando pelo


caminho.

Contudo, sabia que dariam um jeito de melhorar.

A forma que ele a olhava denunciava todos os sentimentos, assim

como os dela por ele.

Conheci quase toda a família Montenegro e apesar da irmã de


Henrique não ser tão agradável, não tinha muito o que falar deles.

Todos eram ótimos, inclusive, a sogra de Alice, que foi uma querida

conosco desde que nos conhecemos no hospital.

A única pessoa que não conhecia era o irmão mais novo de

Henrique, mas aquilo não era importante.

Eu sabia que sendo filho de Josiane, ele deveria ser um cara legal

também.
Bebi um gole do meu champanhe, sorrindo, quando Alice me
encarou do outro lado do salão.

Naquele instante, senti-me sendo observada e procurei por Jorge,


pensando que fosse ele, mas travei ao ver um homem caminhar em minha

direção.

Sem conseguir desviar minha atenção do estranho bonito, bebi mais

um gole da minha bebida.

Notei que ele vestia um terno perfeitamente alinhado no corpo alto,

pernas longas e os ombros marcados.

Parecia até ser modelo.

Realmente, muito bonito.

Ele parou para falar com alguém, sorrindo de algo que a pessoa
falou.

“Que homem bonito...”

Eu me virei antes que continuasse secando o cara, desviei das

pessoas e saí de onde estava.

Não poderia me culpar por achar um homem bonito quando estava

noiva de outro...

Estava noiva, mas não cega!


Cheguei atrasado ao casamento de Henrique, exatamente quando

Alice já estava no altar.

Só que não deixei de notar a moça de preto que estava na primeira

fileira da igreja. Ela era tão bonita, se movia com elegância e se


emocionava com a cerimônia.

Passei todo o evento observando-a de longe e quando a vi na festa


não pensei duas vezes em decidir me aproximar.

Foi quando deixei Sabrina sozinha na nossa mesa e me afastei,


caminhando em direção à mulher que me atraía de alguma forma.

Era um homem de muitas mulheres, já tive a minha cota e ouso

dizer que a de muitos caras por aí.

Só que a diferença entre mim e um canalha era que não pisava nos

sentimentos de ninguém. Gostava de deixar minha calçada bem limpinha


para o carma não me pegar no futuro.

A mulher sumiu em questão de segundos em que fiquei conversando


com uma amiga da família e quando pus meus olhos nela novamente, estava
perto da mesa de doce, comendo um bem-casado com o olhar curioso em

direção aos convidados.

Eu me aproximei dela.

— Boa noite — sussurrei, parando em suas costas.

Ela demorou para se virar, mas quando fez, senti como se estivesse

levando um soco no estômago, ficando rapidamente sem ar.

Ela era tão linda que chegava a ser um absurdo.

— Sou Caio — falei, estendendo a mão para a mulher.

Eu já sabia o nome dela, mas queria que ela falasse comigo.

— Lilian — sussurrou, apertando minha mão.

Senti o toque por todo o meu braço, só que meu sorriso sumiu

lentamente quando vi o anel solitário com uma pedrinha azul em cima no


anelar da mão direita que significava apenas uma coisa.

— Noiva... — ela murmurou como um aviso.

Encarei seu rosto, precisando engolir em seco algumas vezes, pois


não sabia explicar o motivo de me sentir tão decepcionado com aquilo.

— Posso só te elogiar? — indaguei sorrindo, bebendo um gole do


meu champanhe para finalmente respirar.

Ela sorriu suavemente.


— Claro — respondeu, balançando a cabeça.

— Você é linda e eu te chamaria para sair — comecei jogando

minha sinceridade sobre ela. — Só que também acho bonito a troca de


olhares apaixonados, como os dos noivos essa noite. Espero que seu noivo
também a olhe dessa maneira.

Aquela era a única forma que sabia falar as coisas, ou brincando


demais, ou sendo sincero e intenso demais.

Ela suspirou, encarando-me com um sorriso de lado.

— Obrigada. E sim, ele me olha da mesma maneira.

A afirmação deveria me deixar feliz, porém, me trouxe um sabor


amargo.

Senti a mão da minha amiga em meu braço quando Lilian se afastou

e continuei encarando a mesa de doces, pensando no motivo de que quando


me interessei por uma mulher, que não fosse apenas atração, acabou assim.

Algo que nunca tinha me acontecido.

Já estive com muitas mulheres e algumas se apaixonaram por mim,

mas nenhuma conseguiu me fazer achar o sorriso bonito ou ficar


hipnotizado apenas porque ela se movia com tanta elegância que me atraía.

— Quem era? — Sabrina questionou, parando ao meu lado para


pegar um docinho da mesa.
Suspirei e contrariando minha repentina irritação com o fim de tudo.

— Minha futura esposa — falei em tom de brincadeira, recebendo

um olhar assustado da minha amiga.

Eu sabia que Lilian nunca seria minha esposa, porque ela estava
noiva. Só que também não a veria mais, e Sabrina nunca iria saber que levei

um fora.

“Acho que nunca vou me acostumar com isso, amor”, pensei

enquanto abraçava o travesseiro de fronha azul que ainda tinha o perfume

do meu noivo.

Encarei o vestido branco impecável pendurado na porta do meu

closet e pensei em todos os planos, preparativos e expectativas.

“Eu queria tanto subir ao altar com você, Jorge. Queria tanto

dividir uma casa, ter o mesmo que Alice e Henrique têm.”

Só que nada daquilo seria possível.


E, naquele momento, tudo o que tinha era um vestido de noiva,

pessoas sentindo pena de mim e um coração destroçado.

“O destino não é justo, o destino é uma merda.”

Enquanto chorava mais doloroso aquilo se tornava.

Não podia ficar daquela forma para sempre, uma hora teria que me
levantar e seguir em frente.

Porém, não era o momento.

Não me sentia pronta em simplesmente dar as costas para anos de

um relacionamento que não era perfeito, mas era meu.

Ninguém me amou como ele.

Além de Alice, ninguém se preocupava comigo, ninguém precisava

saber se havia comido bem ou se estava dormindo muito tarde.

Jorge era meu tudo e o perdi...

Por culpa dela.

Eu me levantei, peguei a peça branca e a encostei em meu peito,

observando meu reflexo no espelho.

A pouca maquiagem que passei naquela manhã para esconder o


rosto vermelho estava toda borrada.

Meu rosto estava vermelho e manchado de preto pelo rímel.


Sorri triste, pois aquela bagunça era a realidade do meu coração.

Sentei-me na cama e coloquei a peça sobre meu colo, alisando com

delicadeza as inúmeras pedrinhas de pérolas que ali estavam.

Sorri, lembrando-me do nosso primeiro encontro, e em como ele me

conquistou naquele momento, mesmo eu tentando negar a todo custo.

Mesmo com medo, meu melhor amigo conseguiu fazer com que me

apaixonasse por ele.

Inspirei e busquei a tesoura na minha mesinha de cabeceira,


deslizando a lâmina primeiramente pelas duas alças finas, em seguida por

cada costura lateral, enquanto os soluços escapavam de mim.

E a cada parte cortada mais doía e me sentia sufocada.

Por que não parava de doer?

Por quê?

Desmoronei no chão sem forças em cima de todo aquele pano, que

se espalhou por meu quarto e fez camadas no chão. Abracei meu corpo e
senti quando uma segunda pessoa fez o mesmo.

— Eu tô aqui. Ei, não chore, estou aqui.

A voz da minha irmã foi minha âncora naquele momento, a que me


resgatou, que me trouxe de volta quando me sentia cair.
E, graças a Deus, tinha a Alice, pois ela era parte do que mais amava

e sabia que nunca soltaria a minha mão.

— Não chore, meu amor. Não chore — pediu diversas vezes,

deitando-se na cama, chamando-me para me deitar ao seu lado.

Obedeci, deitando-me pertinho da minha irmã, sentindo sua carícia


lenta em meus cabelos.

Aquilo me lembrou das inúmeras vezes em nossa infância, quando

Alice chorava por passar horas sozinha, sem nossos pais e quando eu

chegava da escola, dava comida a ela, banho e, no fim de tudo, me deitava


ao seu lado sussurrando que tudo ficaria bem.

Sempre fomos o porto seguro uma da outra.

Sempre deixávamos tudo caso a outra precisasse, e era o que Alice

estava fazendo, deixando tudo, o marido, a filha, seu trabalho, apenas para
ficar comigo.

Aquilo era algo que Jorge faria.

Só que a partir daquele instante, não faria mais...

Eu teria que me acostumar com sua falta eterna.


Estava sentindo meu peito apertado desde que me levantei da cama
naquela manhã e conforme meus passos ecoavam pelo corredor mais
apreensivo eu me tornava.

Abri a porta do apartamento, jogando as chaves sobre o aparador

enquanto seguia rumo à cozinha.

Sentia como se minha cabeça fosse explodir a qualquer momento só

de pensar no cansaço que seria a viagem para São Paulo no final de semana.

Eu teria negado a minha presença no congresso de medicina que o


hospital estava participando como convidado, porém, Leon me colocou de

frente com os lobos, marcando uma reunião da nossa empresa que coincidia

com a data.
Aquele Diabo de terno que não tinha amor ao seu melhor amigo.

Sinceramente, estava cada vez mais próximo o dia em que iria

chutar a bunda dele.

Porém, não fiz aquilo, pois tinha afilhados lindos demais para serem

deixados à sorte do pai.

Isso sem falar de Gabriela que precisava dos conselhos que eu dava

ao seu marido.

E sim, eu era um ótimo melhor amigo.

Meu celular tocou, fazendo-me desviar o olhar para o aparelho sobre

a bancada do quarto. O nome do meu irmão mais velho brilhava na tela.

— Oi — atendi, tirando o terno, enquanto jogava os sapatos num ato

habilidoso e fazia a peça voar parando próxima à porta do closet.

— Caio, finalmente, atendeu.

A voz da minha cunhada preencheu meus ouvidos.

— Oi, meu amor. — Mudei rapidamente o tom, sorrindo, sabendo

que ela fazia o mesmo.

— Seu irmão está olhando feio, pare — repreendeu, mas eu não me

importava, era divertido irritar o Henrique.

— Todos nós sabemos que sou um partido melhor que Henrique —

debochei.
— Claro, por isso você já está casado.

Ouvi a resposta do meu irmão ao fundo, fazendo Alice rir.

— Como andam seus filhos mesmo? Minha Mel está linda,

perguntando pelo tio solteirão.

Meu sorriso se tornou ainda maior.

— Solteirão por escolha.

— Sim, sim — Alice resmungou. — Pode pegar uma encomenda

com minha irmã na cidade? Ela vai viajar e não pode vir na chácara.
Henrique só irá na próxima semana e, infelizmente, não temos como pegar

a tempo. É importante, não vai ter ninguém no apartamento dela na próxima

semana e ela só vem daqui um mês.

Senti vontade de falar um não automático, mas, infelizmente, não


conseguia fazer aquilo.

Era Alice, não tinha como negar algo a ela.

— Claro. — Mesmo odiando a ideia, aceitei.

— Ok, vou ligar para Lili e pedir para ela preparar tudo. É pequeno,

pode deixar com a Josi que ela vem para a chácara amanhã.

Quase perguntei o motivo de mamãe não poder fazer aquilo, afinal,

ela adorava a tal Lilian.


Eu não a conhecia bem, só a vi uma vez na festa de casamento de

Alice e Henrique, e, por causa de um flerte, a mulher meio que me mandou


sair.

Desde então, fiquei distante em toda reunião social que ela aparecia.

Sabia que Lilian vinha passando por um momento difícil depois de


perder o noivo em um acidente e aquilo fez todos da família cuidar dela

como se fosse feita de cristal.

Eu, no lugar dela, já teria mandado todos cuidar da vida deles.

Inclusive, fui arrastado para ser uma das pessoas que deveriam ficar
de olho na Lilian, quando alguns meses atrás Alice pediu para me certificar

que ela estava bem durante meu estágio no hospital da minha família em
Curitiba.

Naquele momento, meses depois que aquilo aconteceu, estava a um


passo para assumir os negócios.

Finalmente, pronto.

Demorei muito para tomar coragem e cheguei até a pensar que seria

mais adequado Henrique ou Heloísa lidar com aquilo. Porém, nenhum dos
dois queria o cargo e, em algumas semanas, eu seria oficialmente CEO da
Montenegro.
Meu trabalho com Leon não deixaria de existir, inclusive, tentei

desfazer a sociedade, mas ele falou que eu conseguiria lidar e conciliar


tudo, deixando em aberto a chance de trabalhar da forma que eu achava

mais adequado.

— Caio? — Alice indagou. — Ainda está aí?

— Me passa o endereço — respondi, confuso enquanto alisava meus


cabelos.

Não sabia se Lilian se lembrava de mim e preferia assim.

Mexer com mulheres que estavam próximas à minha família só

poderia ser uma coisa muito ruim e não queria arrumar problemas com a
minha família.

Alice me passou o endereço e segui para o banho, tomando uma


ducha rápida. Peguei uma camiseta e calça jeans, me arrumando
rapidamente para sair em busca da encomenda da minha cunhada.

Antes mesmo de sair de casa, já pedi meu jantar pelo aplicativo com
a intenção de passar no restaurante para pegar e evitar toda a espera, pois
estava com fome.
Subi rapidamente em direção ao apartamento de Lilian, sendo
liberado sem dificuldade na entrada, pois meu nome estava autorizado.

E assim que a porta de madeira se abriu, uma moça me encarou,


abrindo um sorriso de canto.

Mesmo fugindo por mais de cinco anos para não ficar no mesmo

lugar que aquela mulher, não precisava olhar duas vezes para saber que ela
não era Lilian Santiago.

— Oi, sou a Carol. — Estendeu a mão, sorrindo.

Ela segurava uma bebezinha nos braços e me encarava com um

sorriso atravessado que automaticamente me fez sorrir de volta.

— Lilian avisou que você vinha. Entra. — Deu espaço e entrei no

apartamento, observando a decoração arrumada.

Porém, era claro a presença de criança na casa, pois tinha


brinquedos espalhados por todos os lados.

— Boa noite — sussurrei, observando a menina em seus braços.

Parecida com a mãe, a bebê tinha pele bronzeada, cachinhos

adoráveis nos cabelos curtos e olhos tão grandes que me lembravam aquele
desenho dos Monstros S.A.

— Eu vim pegar a encomenda de Alice.


— Ah, claro, vou pegar. — Ela se atrapalhou, olhando da bebê para
mim e de novo para bebê.

Sabia o que ela queria antes mesmo que dissesse algo.

— Pode segurar a Hannah para mim?

Sorri de canto.

— Vai deixar sua filha com um estranho? — brinquei, estendendo a

mão para pegar Hannah, que me encarava, confusa, já mais precavida do


que a mãe.

— Você não é um estranho. É quase da família de Lilian —

resmungou. — Ela disse que não conhecia você, mas que poderia ficar

tranquila.

E antes que Hannah chorasse, a mulher já a empurrou contra meu

peito, fazendo a menina criar um biquinho manhoso em direção a Carol.

— Calma, amor, só um minuto, ok? — Ela alisou o rosto da filha


antes de correr em direção ao corredor.

Fiz exatamente a mesma coisa que faria se fosse Mel, Enzo ou José

Miguel em meus braços, embalei Hannah de um lado para o outro e fiquei

mais calmo quando a garotinha encostou a cabecinha em meu ombro,


aceitando o carinho. Suspirei enquanto sentia o cheirinho adorável de

perfume infantil contra meu nariz.


Realmente, não havia nada mais adorável que um bebê.

Hannah deveria ter um ano e pouco, porém, era tão pequena que
cabia nos meus braços perfeitamente.

— Eu sou o Caio, Hannah — expliquei, sentando-me no braço do

sofá mais próximo, desviando o olhar dos olhos curiosos da criança,


encarando os diversos porta-retratos da sala.

Havia fotos de Alice e Lilian juntas, tanto delas na fase da infância

como na de adulta, inclusive das duas viajando, outras de Hannah e até

mesmo Lilian, Carol e a bebê.

Porém, não encontrei fotos do noivo de Lilian em nenhum lugar e

me perguntava se aquilo era uma forma dela passar pelo luto, minimizando

as dores.

— Sim, sim, sou o tio Caio. — Abri um sorriso e vi a criança


fazendo o mesmo. — Sabia que você se parece com a Boo? — Pincelei seu

narizinho. — Sim, deveria assistir o desenho Monstro S.A. Se alguém

perguntar, eu só vi esse filme por causa dos meus sobrinhos e não é por
curtir animações infantis, ok?

— Ela é boa em guardar segredos — Carol falou, entrando na sala

com uma caixa enorme, segurando com mais força que o necessário.

— Coloque isso no chão — resmunguei, e ela fez.


Vi o chiqueirinho com brinquedos infantis no canto da sala e

coloquei Hannah dentro, aproximando-me de Carol.

— Não sabia que vocês moravam aqui. Na verdade, eu nem sei bem

quem é você, mas acho que pelas fotos, você não invadiu o apartamento.

A mulher riu.

— Não, sou amiga da Lilian. — Encolheu os ombros. — Nos

mudamos há pouco tempo, pois Lilian estava precisando de companhia e eu


também.

Havia algo nos olhos de Carol, mostrando que talvez ela e Lilian

precisassem muito uma da outra.

— Eu vou indo — declarei, abaixando-me para pegar a caixa


pesada. — Coloque Hannah para ver Monstro S.A., eu indico — brinquei,

piscando.

— Vou fazer. — Ela negou com a cabeça, enquanto eu ia em direção


à porta.

Despedi-me de Carol, seguindo em direção ao elevador. Coloquei a

caixa no chão e apertei o painel, vendo meu celular enquanto o elevador

descia.

Precisava deixar aquilo com mamãe logo, senão iria acabar

esquecendo.
A casa principal dos Montenegro foi onde vivi toda minha infância.

Apesar de quase não ter boas memórias com meu pai, conseguia visualizar
perfeitamente meus irmãos e eu tomando café na área externa junto com

mamãe todos os fins de semana e era perfeito.

Como o mais novo de três irmãos, vivi sendo sempre protegido.

Era o mais novo, quase como o mascote do grupo. E, talvez, aquilo


tenha me feito o mais legal dos irmãos, modéstia à parte.

Henrique sempre teve que encarar a vida com um olhar mais

analítico, firme e maduro, afinal, ele era o mais velho.

Ele assumiu rapidamente a responsabilidade de ajudar a mamãe nas


coisas que aparecia, quase como um pai. E, felizmente, era assim que eu via

meu irmão mais velho.

Só que como era um cara gente boa, sempre ria da cara dele quando

tinha oportunidade.

Heloísa era a que estava mais distante, porém, como a única mulher,

todos nós tínhamos um certo sentimento de proteção com ela.

Apesar da minha irmã ser mais mortífera do que Henrique e eu


juntos.
Aproximei-me da casa e abri a porta, pois ainda tinha as chaves da

época em que morava ali.

Não encontrei mamãe na sala de estar e deixei a caixa pesada de

Alice na dispensa, seguindo por todos os cômodos, passando pela cozinha,


enquanto olhava em direção à escada que levava aos quartos, mas não a

encontrei.

Havia um ano que a casa da minha infância tinha um ar sem vida,


impessoal e era claro que todos que viviam ali sempre estavam ocupados

demais.

Só que naquele dia parecia que realmente habitava uma família ali.

Tinha fotos de todos os mêsversários de Mel, uma de Amora e Enzo


abraçados na piscina, além de um quadro de Alice grávida, junto com um

de Heloísa mais embaixo e um cesto com brinquedos infantis no canto da

sala.

Era engraçado de ver, pois, não pensei que meus irmãos do nada
iriam ter tantas crianças por metro quadrado.

Em pouco tempo, Heloísa e Henrique conseguiram tirar a totalidade

de herdeiros de zero para cinco.

Uma proeza e tanto.


Porém, sabia que a minha vez de ser atacado pelos dotes

casamenteiros da minha mãe vinha se aproximando.

— Caio! — mamãe exclamou, aparecendo na porta lateral.

Ela tinha um chapéu enorme na cabeça que parecia ser de palha,

bota de plástico que ia até metade da canela e uma tesoura de jardim na

mão.

— Não sabia que vinha hoje. — Ela me alcançou, depositando um

beijo rápido na minha bochecha.

— Vim trazer a encomenda de Alice.

— Foi pegar com a Lili? — Segurou meu rosto, analisando-me mais


do que eu achava normal, porém, ela sempre fazia isso. — Anda comendo

pouco, está magro.

Sorri.

— Estou ótimo. Sim, peguei no apartamento da Lilian. — Sentei no

sofá. — Trouxe sushi, a senhora aceita acompanhar seu filho preferido no

jantar?

Ela riu quando me ouviu falar.

— Prepara a mesa enquanto tomo um banho. — Olhou para si

mesma, fazendo careta.


Eu a vi subir a escada e me levantei para buscar nossa comida que
ficou no carro.

Assim que retornei, segui em direção à cozinha, peguei dois pratos e

busquei na geladeira uma garrafa de Coca-Cola, colocando sobre a mesa,


sentindo-me estranhamente feliz.

Eu sempre fui conhecido por fugir das reuniões familiares. Porém,

aquilo era uma exceção quando se tratava da minha mãe.

Sentia realmente falta de quando morava com ela, pois mamãe era
como uma melhor amiga.

Ela poderia julgá-lo, mas nunca soltaria a sua mão.

Sabia que estava melhor morando sozinho, afinal, tinha idade

suficiente para assumir o controle da minha vida, mas às vezes queria voltar
a ser criança e estar em casa, com minha mãe.

Meu celular vibrou no bolso enquanto seguia novamente para fora


de casa, vendo o nome de Alice nas mensagens do WhatsApp, agradecendo

por buscar a caixa.

Aquilo vinha acompanhado de uma foto de Mel e Enzo dormindo,


desejando boa noite, o que automaticamente me fez rir.

Eu não sabia que seria um tio tão babão até ver a Mel.
Tudo começou por ela, seguindo de Enzo, e depois já estava
babando pela adorável Amora, desejando conhecer o José Miguel e a Lara.

Eu tinha tantos sobrinhos que era difícil administrar minha atenção

nos almoços em família.

Eu os amava.

E até que encontrasse a mulher certa, eles seriam as únicas crianças


da minha vida.

Aquilo poderia incomodar dona Josiane, mas eu não iria me casar


apenas por pressão. Não queria cometer erros quando se tratava de construir
uma família. Afinal, eu tive uma ótima e queria ter o mesmo no futuro.

Futuro distante, claro.


O convite foi cancelado.

Eu já estava torcendo por aquilo, deveria admitir.

Mesmo que fosse uma ótima oportunidade para sair de casa e


apresentar meu trabalho de forma mais grandiosa, o medo me dominava.

Desde a morte de Jorge, eu não sabia bem como sair das barreiras de

proteção que era meu apartamento.

Enquanto atendia uma criança que caiu e fraturou a perna havia

algumas semanas, sorria devido à conversa animada da mãe dela,

lembrando-me de Caroline e Hannah, uma amiga com quem dividia


apartamento fazia um mês.
Tinha mais de um ano que eu morava sozinha e mesmo com todas

as tentativas de me acostumar e seguir em frente, ainda parecia ter um


espaço vazio em cada canto daquele apartamento, então na primeira

oportunidade que eu tive, pedi que Carol se mudasse para lá.

Naquele momento, tinha a pequena Hannah me acordando todos os

dias com o “titia Lilo, vamos ver Plincesinha Sofia, pufavô”.

E eu jurava que não tinha nada mais adorável do que uma criança

pedindo por aquilo.

As duas vinham curando uma parte do meu coração que quando

Jorge morreu, pensei que nunca mais seria preenchido.

Foi como um bálsamo.

Porque por mais que eu tentasse ser forte e dizer para Alice que

estava bem, que estava superando, não era bem como as coisas aconteciam.

Eu sentia falta do meu noivo cerca de cinquenta por cento do tempo.

E aquilo era horrível.

— E como está sua perninha, hein? — indaguei para minha

paciente, sorrindo.

A pequena me abriu um sorriso traquina de quem sabia bem o que

havia feito ao quebrar a perna algumas semanas antes.

Da forma que eu imaginei, trabalhar com crianças era gratificante.


Quando comecei a cursar medicina, não sabia exatamente qual seria
minha especialização, pois eram muitas opções. Porém, apaixonei-me pela

pediatria na primeira oportunidade que tive.

E diferente do que pensei a vida toda, eu me dava muito bem

quando o assunto era criança.

A porta da sala se abriu e um dos médicos do hospital onde

trabalhava colocou a cabeça no vão do espaço aberto, encarando-nos com


um sorriso aberto.

— Bom dia, meninas — falou o doutor Bernardo Gonçalves,


entrando na sala.

O senhor de quase sessenta anos era um dos médicos mais antigos

do Hospital Montenegro e, consequentemente, um dos mais responsáveis.

Ele era realmente bom naquilo que fazia e diferente de quase todos

os médicos que já tinha encontrado ao longo da minha jovem carreira, não


era um arrogante prepotente.

— Conseguiu acalmar a alma do seu poodle? — indaguei, cruzando

os braços.

O homem riu, batendo levemente em meu ombro.

— Vocês vão ter que aprender a conviver — falou num tom velho e

conhecido. — Ele é seu parceiro de trabalho, Lilian. E eu juro que não há


como jogá-lo do terraço do hospital.

Eu o encarei com cansaço.

O médico em questão era outro pediatra, Pablo Feitosa, que

conseguia me irritar desde que pisei no hospital pela primeira vez.

Trabalhar na rede hospitalar Montenegro nunca foi uma opção,

principalmente, depois que minha irmã mais nova se casou com um dos
herdeiros e donos do local.

No entanto, quando me formei, era praticamente um dos poucos


locais onde estavam recebendo profissionais novos. E como era mais fácil
do que ficar lutando com o orgulho, acabei aceitando.

Mas, naquele momento, também atendia na rede pública, pois

prestei concurso no último ano e acabei passando. Enfim, minha vida se


resumia numa pequena montanha-russa que significava a saúde brasileira,
principalmente, quando você parava e comparava os dois modelos.

— Ele é machista e escroto — reclamei para meu superior, dando a


volta na mesa para tirar as luvas e liberar minha paciente.

Ele assentiu.

— Sério, senhor Gonçalves, ele não perde a chance de me irritar.

— Leve o assunto à direção — falou, como sempre falava.

Suspirei
Não queria levar aquilo à direção. Até pouco tempo, era Josiane

Montenegro que estava na direção dos hospitais, porém, o poder acabou


mudando para o filho mais novo da família e não tinha muita afinidade com

ele.

Sempre que estávamos no mesmo local, algo acontecia e eu nunca

conseguia ficar cara a cara com o tal Caio Montenegro.

Nem quando ele veio para a reunião no hospital, onde foi anunciada
a mudança de direção, eu estava, o que foi curioso, pois caiu justamente no

dia em que estava de folga.

— Eu vou sobreviver. — Respirei fundo quando o senhor Gonçalves

fez menção de soltar mais uma das suas pérolas de sabedoria. — Sobrevivi
à coisa pior.

Ele suspirou.

— Lili...

— Tenho um paciente agora, nos falamos depois — falei, cortando a


conversa.

Ele descobriu havia pouco tempo sobre a morte de Jorge e por mais
que eu evitasse expor a minha tristeza, às vezes aquilo me escapava. E

quando não conseguia fugir, vinha um longo discurso sobre o quão forte eu
estava sendo.
Meu Deus, eu odiava discursos sobre luto.

Principalmente, porque eu era a pessoa em luto. E só queria

esquecer por um minuto que uma parte do meu coração estava sangrando
vinte e quatro horas por dia desde o momento em que ele se foi.

— Lilian — ele disse novamente e abri um sorriso grande, antes de

fechar a porta.

— Você tem pacientes — lembrei, saindo rapidamente dali.

Caminhei pelo extenso corredor que sempre teve o mesmo cheiro


estranho de limpeza, e mesmo que aquilo fosse um bom sinal, ainda

conseguia sentir tristeza e agonia toda vez que caminhava por eles, como
se os anos de trabalho não tivesse me preparado para nada.

Achei que estava preparada, até que os hospitais começaram a


significar o fim para mim.

Eu era uma grande farsa.

Desde que Jorge morreu, vinha afirmando para mim mesma que
nunca mais deixaria de aproveitar todos os míseros segundos com as

pessoas que eu amava. Só que, por outro lado, eu não falava com a minha
mãe desde aquele fatídico dia em que ela foi a culpada pela morte dele.

Sabia que, no fundo, ela não teve culpa de nada.

Porém, me apeguei à ideia de que ela era culpada.


Era mais fácil ter alguém para descontar toda dor. Sem contar, que
não conseguia pegar o telefone e ligar para ela, nem para dizer que estava
tudo bem entre nós.

Em luto por meses fingia que estava bem, disposta a pegar a maior
quantidade possível de horas no hospital, dizendo a todas as pessoas que se

importavam comigo que realmente estava seguindo em frente.

Uma grande mentira.

Se puxasse uma fina camada de palavras minhas, iria cair a máscara,

que vestia, aos meus pés e todos iriam ver o quão machucada eu estava.

Eu só queria que aquela dor parasse e nunca mais queria sentir nada

parecido com o que estava sentindo desde que o perdi.

Abri a porta do escritório assim que finalizei o expediente e meu

telefone apitava uma mensagem de Leon, convidando-me para jantar na

casa deles.

Mas recusei, pois precisava ir para a faculdade naquele dia.


De fato, não foi uma decisão muito inteligente decidir frequentar um

curso superior logo após decidir assumir uma segunda empresa. Porém,
uma coisa que sempre me incomodou foi fazer as coisas pela metade.

Eu não precisava ser médico para assumir os hospitais, mas

precisava ser um bom administrador para não levar para o buraco todo o
esforço de anos da minha família. Então, estava cursando administração

havia quase dois anos e nem mesmo minha mãe sabia daquilo.

Mesmo que dona Josiane gostasse de se gabar por saber da vida de

todos os filhos, ela não conseguiu descobrir meu pequeno segredo.

Meu celular tocou no bolso do paletó, peguei e vi o nome de Sabrina

na tela.

Franzi o cenho, atendendo a chamada rapidamente, sabendo que se

estivesse acontecendo alguma coisa, gostaria de saber.

— Fala, Bolinha — falei, sorrindo.

— Cala a boca — respondeu irritada com o apelido. — Seu afilhado

está chutando minhas costas de tanta revolta. Vou doar este menino para
você, Caio.

Sorri.

Sabrina era minha amiga mais próxima e nos conhecíamos desde

pequenos. Ela se aproximou de mim, na escolinha, quando me entregou


uma cartinha, a pedido da sua amiga, e eu, como um bom garoto de sete

anos de idade, não perdi a chance de zoar a pobre garota. E mesmo que ela

tenha puxado meus cabelos para defender a amiga, de alguma forma aquilo
foi o que me causou admiração.

Sabrina nunca saía de uma briga sem causar.

— Cuide bem dele, por enquanto, estou trabalhando para dar uma

boa vida para ele — falei brincando.

Ainda não sabia como iria explicar a situação que me envolvi com

Sabrina, porém, estava procurando um motivo havia dois meses e nada.

— Já sabe quando ele vai nascer?

— Em pelo menos quatro semanas — respondeu, suspirando. —


Vem para o jantar?

— Não, faculdade — disse, já entrando no elevador.

Meu pequeno bebê, mesmo que separados por um laço de sangue,

era motivo de estar nascendo pequenos cabelos brancos na minha cabeça.

Sabrina engravidou de um ex-namorado e surtou com a ideia de ser

mãe solteira, então acabei intervindo por ela, falando que eu poderia

assumir a criança.

Porém, o problema não era especificamente ela ser mãe solo, mas
quem era o pai da criança.
Ela descobriu tarde demais o envolvimento dele com coisas erradas

e não quis contar ao homem que estava grávida, com medo de que algo
acontecesse a ela ou ao bebê.

Eu amava aquela garota, ela era como minha irmã, sempre foi. E por

ela eu faria qualquer coisa, inclusive pararia de ter medo de

responsabilidades só para ver Sabrina bem.

Com aquilo, fizemos um acordo, assumiria a paternidade de Ravi

para todos, porém, não precisaria me envolver ativamente com a criação do

menino, já que ela planejava sair do país em breve.

Foi uma decisão inteligente, entretanto, começava a ser um

problema quando o nascimento dele se aproximava e eu ainda não havia

dado aquela notícia a ninguém da minha família.

Mamãe iria surtar.

Ela sempre disse que não queria ser avó de uma criança fora do

casamento e por mais que ela fosse bem liberal em muitos quesitos, quando

o assunto era filhos e família, ela ainda tinha suas origens bem tradicionais.

A parte ruim era que dentre quatro semanas aquela bomba iria

estourar. Já a boa era que quando Sabrina estivesse em segurança nos

Estados Unidos, eu finalmente poderia falar a verdade para eles.


Como conhecia minha família bem demais, não tinha nada que eles

não fariam por mim.

— O que você quer?! — Sabrina indagou, abrindo a porta.

Segurei a risada quando a vi, com os cabelos espalhados por todos


os lados, uma camisa minha folgada em torno da sua barriga de grávida no

penúltimo mês de gestação e calça moletom, combinando com as meias

brancas.

— Vim ver o meu menino — falei, alisando sua barriga.

Já eram quase onze horas da noite e estava ali para ver se estava

tudo bem com ela. Geralmente, aquilo acontecia com frequência.

— Eu já disse que você não precisa vir todos os dias — comentou

ranzinza e bocejou.

Coloquei o pacote do McDonalds na sua frente, vendo os olhos da

grávida brilharem em ansiedade.

— Obrigada — agradeceu, já esquecendo qualquer sermão que


havia iniciado.

Ela abriu o pacote, caminhando em direção ao sofá, então se sentou

puxando a sacola com sanduíche, batatas e um sorvete de dentro.


— Isso é maravilhoso... — gemeu, jogando a cabeça para trás.

Fechei a porta da sala e a segui, tirando os sapatos para me sentar


mais confortavelmente no sofá, na sua frente. Em seguida, deslizei as mãos

por sua barriga, sorrindo.

— Olá, Ravi — falei, inclinando a cabeça. — É o titio Caio, o

preferido, como eu costumo falar.

Sabrina riu.

— Você deve ter sentido minha falta — continuei falando e o chute

contra minha mão fez meu sorriso aumentar. — Eu sei, querido, eu também

senti muito a sua falta. Sabe, é difícil não ver você por dois dias seguidos.

— Você não consegue vê-lo — Sabi lembrou.

— Fica quieta. — Balancei a mão em sua direção.

— Você deveria ficar feliz em me ver, eu sou a mãe. — Bateu em


meu ombro.

— Eu vejo você desde que eu tinha sete anos de idade, então, por

favor, deixe eu ter um momento com meu adorável afilhado — pedi,

apontando para sua barriga.

Minha amiga que estava com a boca cheia de batatas fritas riu,

fazendo o som de um porquinho.

— Porquinha a sua mãe, Ravi.


— Caio! — exclamou, irritada.

Eu me acomodei do seu lado, conversando com a ex-bailarina.

Sorri quando vi uma foto dela na estante, havia alguns anos, em uma

apresentação de ballet da companhia onde Alice, minha cunhada, fazia


parte.

— Foi naquela noite que seu irmão conheceu a Alice, né? —

Apontou para a foto, seguindo meu olhar.

Aquela foto não estava ali até poucos dias atrás.

— Sim. E ele se encantou por ela — afirmei, lembrando-me a forma

que Henrique ficou ao conhecer a sua esposa.

Sabrina e Alice dançavam ballet, mas a minha cunhada parou de


dançar por causa de uma lesão que aconteceu bem antes dela se casar com

Henrique.

Já a Sabrina continuou dançando e parou apenas quando decidiu


começar a ensinar dança.

E ela deixou seu sonho em pausa para cuidar da gravidez de Ravi.

— Eles são lindos juntos — ela falou.

Sorri.

— Eles são sim — concordei, orgulhoso do meu irmão.


Ian gorfou em minha blusa, causando-me uma careta quase

automática enquanto Gabriela segurava a risada, com Aurora em seus


braços.

O pequeno garoto ainda parecia um grão de feijão, mas era adorável


segundo os olhos dos pais apaixonados.

E aquilo era divertido, pois, ver um homem como Leon rendido por
duas crianças sempre me faria rir.

— Me dá o pequeno. — Ele se aproximou, pegando o filho de mim.

— O tio Caio não sabe cuidar de você, né, amor? — falou com o pequeno,
limpando os lábios do bebê.
— Sei sim — protestei, aproximando-me da Gabi e me abaixando

na frente de Aurora. — Oi, princesa. Vem de cavalinho?

A menina não pensou duas vezes em vir para as minhas costas,

agarrando-se à minha camisa, enquanto lancei um sorriso convencido para


Leon.

— Viu? Ela me adora.

— Claro, você a balança para cima e para baixo — ele resmungou,


enquanto Gabriela se levantou, bocejando.

— Ótimo, entreguei uma criança a cada um de vocês, as duas estão


limpas e alimentadas, então vou subir e tomar um banho que dure no

mínimo uma hora.

Aurora observou a mãe enquanto ela falava, sorrindo como se

Gabriela contasse uma piada.

— Sim, dona Aurora, a mamãe precisa de folga de uma hora. Senão,

provavelmente, vou desmaiar de cansaço — falou a segunda frase mais

baixo, beijando a pontinha do nariz da filha. — Quando foi que eu decidi

virar mãe mesmo?

Sorri com a indagação ao vê-la subir a escada com as mãos nas

costas.
— Foi você que me coagiu — Leon respondeu à pergunta que
deveria ser retórica.

Gabriela parou no topo da escada, virando para encarar o marido


com um olhar tão mortal que quase vi o homem se encolher.

— Ok, não foi bem assim. Talvez, Aurora tenha me coagido, ela

segurou meu terno com muita firmeza, foi impossível não a notar.

Gabriela acabou rindo.

— Amo ser mãe, mas às vezes queria tirar férias nas Maldivas.

Neguei com a cabeça, vendo-a sumir no andar superior.

Gabriela mantinha uma senhora mais velha como governanta da

casa e ainda ela contratou a filha da senhora para cuidar dos dois. Pois,

apesar do amor pelos filhos, eles ainda eram crianças que em alguns
momentos jogavam o mundo pelos ares a cada oportunidade.

— Eles são terríveis — ela falou do topo da escada.

— Ian não faz isso, né, titio? — Encarei o menino, sorrindo.

Ele me encarou de volta com os olhos azuis, como os de Leon,

atentos.

— Meu Deus, esse menino vai ficar horrível, deveria ter nascido

mais parecido com Gabriela.

O pai dele me olhou, irritado.


— Meu filho é lindo. — Beijou o topo da cabeça do filho, como

uma galinha orgulhosa dos seus pintinhos.

Segurei a risada com a comparação, encarando Aurora.

Jurava que todo aquele plot twits de vida com bebê, ser feliz e
casado, tanto para Leon como para meus irmãos, ainda era assustador para
mim.

Não tinha um só lugar onde pudesse ir que não encontrasse casais


felizes, babando em seus filhos, com muitos choros, fraldas sujas e

mamadeiras.

Mas, enfim, era melhor aguentar aquilo do que fazer novos amigos.

Só que, no fim, achava que realmente precisava de novos amigos.

— Você viaja para São Paulo amanhã, né? — ele indagou, tirando-

me dos devaneios.

— Não vou mais. — Limpei o rosto da garotinha deixando que ela

fosse para o chão.

Ela pegou o livrinho de pano que tinha histórias pintadas com os

dedinhos roliços que tinham uma firmeza incrível.

— Acabei cancelando a viagem para cuidar de umas coisas do

hospital.
Leon encolheu os ombros e afastou os pés para longe de Aurora

para que ela passasse por ele.

A pequena garota era adorável.

Seus cabelos estavam cada dia mais escuros e, geralmente, presos


em duas marias-chiquinhas no alto da cabeça e o rostinho redondo tinha

alguns dentinhos visíveis quando ela sorria.

Era uma imagem realmente linda de ver.

— Titi. — Ela colocou o livro na minha mão.

— Sim? Livrinho. Quer que o titio leia para você? — perguntei

sorrindo, vendo-a assentir. — Mas que linda. Seu papai idiota não consegue
ler não?

— Para de falar assim! — ele exclamou. — Daqui a pouco ela

chamará as pessoas dessa forma e Gabriela vai matar você.

Sorri.

— Vem cá, Aurorinha. — Eu a peguei nos braços, beijando a


bochecha gordinha. — Olha, o coelho. Sabe falar coelho? O idiota do seu

pai acha que você consegue falar idiota, então vamos ver se você consegue
falar coelho.

— Toelho. Diota o toelho. — Apontou o dedinho, e eu arregalei os


olhos, encarando um Leon irritado com o fato de ter ensinado sua filha de
dois anos a falar idiota.

— GABI! — ele gritou, assustando Ian em seus braços. — O CAIO

ENSINOU PALAVRA FEIA PARA A AURORA — ele me dedurou sem a


menor vergonha na cara.

— CAIO, PELO AMOR DE DEUS!

O grito de Gabriela me fez sorrir ainda mais.

— Cuida dele, Leon. Você é o responsável desta amizade. Faça

alguma coisa.

Sua voz ecoou pela casa, mas ela não apareceu.

Encarei meu amigo, de modo debochado.

— Ela sabe que era eu quem dava conselhos amorosos para você?

Ele revirou os olhos.

— Silêncio, por favor, estava passando por um momento de loucura.

— E quase perdeu a esposa — pontuei, com boa memória. — Se


não fosse eu abrir seus olhos, nem sei o que teria acontecido. — Dramatizei
a situação, vendo-o rir.

— Não exagere, não era tanto assim. — Ele encarou a filha. —

Nada de falar essa palavra, amor. Não pode, princesa, sua mãe vai infartar.

Ela sorriu.
— Toelho? — indagou, inteligente.

Leon gemeu.

— Não, toelho pode — completou, sem perceber que falou no modo

dicionário da filha. — Mas não pode a outra. — Ele se recusou a falar.

— Diota?

Ele suspirou, contendo a irritação.

— Isso, não pode. — Colocou o indicador sobre os lábios. —

Mamãe não gosta e não queremos ver a mamãe triste, né?

Aurora sorriu.

— Telo a mamãe. — Estendeu os braços, pedindo colo do pai.

— Calma, daqui a pouco. — Ele se sentou ao meu lado, com Ian


apoiado em uma perna e levou Aurora para a outra. — Mamãe precisa do

banho dela, senão ela vai acabar desmaiando de tanto sono com a loucura

de vocês.

Ela encarou o irmão, de modo carinhoso, mas não protestou em


busca da mãe.

Observar a dinâmica deles com os filhos era um dos meus

momentos preferidos, pois sabia o quanto Leon e Gabriela mereciam a


família que tinham.

Depois de tudo que passaram, era muito bom vê-los felizes.


Hannah estava no meu colo enquanto Caroline fazia nossos pedidos

na lanchonete.

Abracei o corpinho pequeno da minha afilhada e beijei seu rostinho


gordinho, sentindo o típico cheirinho de bebê impregnado em sua pele.

— Aqui. — Minha amiga colocou a garrafa de água na minha

frente, sentando-se. — Estava pensando, você não conhece o Caio, né?

— Não, na verdade, eu só o vi uma vez, na festa de casamento da


minha irmã — concluí, pensando naquilo. — Eu não sei o motivo, mas toda

vez que estou presente em algum dos eventos da família do meu cunhado,

ele nunca está. Dizem que ele foge de relacionamentos e da pressão da mãe.

— Ele se dá bem com crianças — ela falou.

Balancei a cabeça em afirmação, pois daquilo eu sabia, já que Alice

tecia elogios sobre o cunhado ser um ótimo homem e tudo mais.

— Mas, mudando de assunto, quando volta de São Paulo?

— Boas notícias. Não irei mais — rebati, abrindo a garrafa de água,


aproximando da boca de Hannah.
Ela bebeu com dificuldade, mas não recusou, morrendo de sede. Em

seguida, sorriu de canto.

— Isso é ruim. Por que cancelou a viagem?

— Eu não cancelei, por que cancelaria? — falei em tom de defesa.

Caroline me encarou, com um típico olhar de quem me conhecia

muito bem.

— Eu sei que você não queria ir.

— Ok... — resmunguei, dando-me por vencida. — O meu nêmesis


fez me trocarem, colocando-o no meu lugar.

Caroline demorou um pouco para processar a informação.

— Que filho da mãe! — A exclamação veio acompanhada de uma


batida na mesa.

Eu de fato odiava o tal médico pediatra renomado e importante com

quem eu dividia palco no hospital. Não por ele ser inteligente e bom, mas

porque ele era implicante e não me deixava fazer nada. Qualquer centímetro
da sua glória ameaçada significava que eu estava ganhando e com aquilo,

ele armava para me derrubar.

Parecia coisa de jardim de infância.

E eu preferia lidar com aquilo não contando a ninguém, pois era

quase vergonhoso.
Porém, com quase seis meses indo à terapeuta e jurando que não ia

desistir de cuidar da minha saúde mental, descobri que guardar as coisas em


uma caixinha e deixá-las sob controle não ajudava em nada.

Tinha feito aquilo desde que Henrique abriu a porta do meu

apartamento e o policial falou a ele sobre o acidente que levou a vida de

Jorge. Eu garantia, que quando aquela caixa se abria era como se estivesse
caindo em queda livre em um poço sem fundo.

Mantinha minhas emoções sob controle, principalmente, por causa

de Alice. Sabia que ela ficaria preocupada, e eu não queria causar nenhum
alarde, pois ela com três filhos tinha muito com o que se preocupar.

— Vai ficar tudo bem — garanti a Carol, sorrindo.

Desde que ela se mudou para o meu apartamento, a vida estava

melhor.

Ela era casada, mas vivia um verdadeiro inferno ao lado do marido.

Depois dele ser preso, ela precisou se divorciar e perdeu a casa alugada,

pois estava desempregada e eu a abracei.

Havia dois meses, o ex-marido de Carol e pai de Hannah, faleceu na

cadeia e aquilo não as abalou.

Não me surpreendeu, pois, quando se machuca tanto a pessoa que se

ama, o amor se transforma em ódio. Demora, é um processo gradual e lento,


mas acontece.

— Você respondeu ao pedido do hospital? — Carol indagou.

— Sobre? — devolvi a pergunta, fingindo não entender.

— Sobre o pedido para conhecer a família do doador — explicou de


modo ranzinza, pois ela sabia que eu não queria falar sobre aquilo.

Jorge era doador de órgãos, como um bom profissional da saúde e

extremamente envolvido com a causa, deixando autorizado a doação de

órgão pós-morte.

Eu não sabia em que momento ele decidiu aquilo, mas sempre foi

daquela forma.

E com a morte encefálica que ele sofreu no acidente, acabou tendo


os órgãos doados.

Um transplante de coração foi feito e a família do receptor enviou

um pedido ao hospital para conhecerem a família do doador.

A mãe de Jorge deixou a decisão comigo, e eu era grata por aquilo,


porém, não me sentia pronta para conhecer a pessoa que carregava o

coração de alguém que eu amava tanto.

— Não — respondi, apertando os lábios em uma linha fina.

Carol assentiu, deixando o assunto morrer.


Coloquei a bolsa sobre a bancada da sala da enfermaria, observando

o grupo de meninas alardeadas diante a notícia em seus telefones e quase

dei risada da situação, comparando com as cenas adolescentes que já vivi


em minha vida.

Nenhuma das três me viu entrar ali e não pareciam notar minha

presença, então me dando por vencida, dei meia-volta, pronta para me


arrumar e pegar o plantão da noite.

Acabei transferindo meu plantão para aquele dia devido ao fato que

queria visitar minha irmã e a família dela no fim de semana. Fazia alguns
dias desde que fui à fazenda onde Alice e Henrique moravam e estava

realmente com saudade de todos.

A pequena Lara Montenegro nasceu havia poucas semanas e eu

queria muito aproveitar o momento para apreciar todas as curvinhas


fofinhas que tinham no corpinho da pequena.

Melinda ainda era um pequeno bebê e tinha a barriguinha mais fofa

que eu já vi. Enquanto Enzo era um eterno bebezinho, tão fofo que chegava

a ser um absurdo. Porém, Lara, eu literalmente vi nascer, afinal acompanhei


a gravidez de Alice.
Eu a adorava e era tão parecida com a minha irmã quando pequena.

Lentamente, Mel começava a me lembrar muito Alice também. Os

cabelos começavam a escurecer conforme ela crescia e, naquele momento,


a menina tinha um tom de cabelo mais parecido com a da mãe.

Senti alguém segurar meu braço assim que saí da enfermaria e me

virei, encarando uma moça com preocupação.

Ela estava segurando a barriga enorme de gestação e me encarava,


ofegante.

— Preciso de ajuda — falou, agitada.

Olhei sobre o seu ombro e vi a recepção do hospital vazia.

— O que houve? — eu me apressei em perguntar, procurando sinais

naquela mulher.

Ela fechou os olhos, respirando fundo algumas vezes.

— Dor. Contrações. Eu não sei! — exclamou, chorosa. — Não é a

hora ainda, ele não pode estar nascendo agora e...

Eu a guiei para dentro do consultório do outro lado do corredor,

procurando sentar a mulher o mais rápido possível enquanto buscava por


meu jaleco branco.

Ela me encarou, preocupada.


— Faltam quatro semanas ainda. Isso não é normal, né?

Virei-me para ela, enquanto colocava as luvas e procurei meu bipe.

— Estou chamando a ginecologista, só um momento.

— Você não é médica?! — ela perguntou, aterrorizada.

— Sim — confirmei, mandando um chamado pelo bipe para a


doutora Carla. — Só que ela é a ginecologista e eu sou apenas a pediatra. E,
por mais que eu possa examinar você, ela ainda é recomendada para que

venha em situações assim — falei, pegando um copo de água e estendendo


em sua direção. — E não é tão incomum que um parto aconteça antes. Não
precisa se preocupar, vai ficar tudo bem.

Ela não pareceu acreditar.

Observei que a mulher bebeu um gole de água do copo, no mesmo


instante em que a porta do consultório se abriu e Carla passou por ela.

— Olha só se não é a minha gravidinha preferida. Sabrina, como

vocês estão hoje? — brincou a ginecologista em direção à moça, que


parecia mais calma ao ver a médica.

— Aterrorizada — falou, enquanto a médica a ajudava, começando

a examiná-la.

— Me diga, Ravi finalmente está pronto para sair do forninho? —


Carla indagou, e ela riu, parecendo estar mais aliviada.
— Pelo visto, sim — resmungou enquanto Carla agia.

Eu me afastei, pronta para sair dali, mas, a porta se abriu

novamente, e eu pulei, dando espaço para que um homem entrasse.

Ele passou por mim, como um foguete, indo em direção à moça em

cima da cama.

A tal Sabrina o encarou, parecendo estar aliviada que ele estivesse


ali.

Eu o observei de longe, vendo o crachá do hospital preso no terno


preto perfeitamente alinhado em seu corpo.

Caio Montenegro.

— Ei, querido — ela falou, tocando o ombro dele.

E eu me engasguei, percebendo o que estava acontecendo.

— Pronto, papai? — a médica perguntou, sorrindo para Caio.

Papai?

Caio?

Caio é o pai daquele bebê?

A única coisa que sabia era que tinha tantas perguntas e nenhuma

resposta.
— Como estão as coisas por aqui? — indaguei a Pablo, enquanto
deslizava a caneta entre os dedos.

O supervisor do setor dois estava na minha frente, atualizando-me


sobre as últimas semanas desde a nossa última reunião.

Pablo era o médico pediatra do Hospital, um ótimo funcionário,


chefe do setor e muito competente.

— Tudo sob controle. O relatório do mês chegará no seu e-mail em

breve, como prometido — falou.

Vi o telefone vibrando sobre minha mesa e o nome de Sabrina

aparecer na tela, fazendo-me franzir o cenho, mas não o peguei de imediato.


Deixei que a reunião terminasse, para finalmente pegar o aparelho e

ver o que minha amiga desejava.

Sentia todo o corpo entrar em estado de alerta quando li que ela

estava no hospital e que estava sentindo dor.

A primeira reação que tive foi correr.

Procurei por ela no primeiro andar, onde abrigava a ala pediátrica e

obstétrica. Parei assim que vi Carla entrando na sala da pediatria, então


segui a médica que vinha acompanhando a gravidez de Sabrina.

Abri a porta assim que a alcancei, passando por uma jovem sem
olhá-la uma segunda vez e me aproximei de Sabrina que estava sentada na

cama.

Minha amiga me encarava, com um sorriso pequeno nos lábios.

— Ei, querido — ela falou e tocou meu ombro.

Beijei sua testa com carinho, preocupado com o fato de que

faltavam algumas semanas para ela completar o último mês de gestação.

— Pronto, papai? — Carla indagou, sorrindo.

Ela sabia sobre nossa história, contei a ela, pois a conhecia havia
anos, afinal a mulher era uma das médicas mais antigas do Hospital

Montenegro.

— Sempre — afirmei, agitado, e ela riu, negando com a cabeça.


— Alarme falso — falou, virando-se para nós assim que examinou

Sabrina.

Ela encarou algo atrás de nós, fazendo-me acompanhar o seu olhar,

dando de cara com um dos nossos funcionários, mais especificamente, uma

médica, congelada no meio da sala.

Olhei para o nome escrito em seu jaleco e senti o ar ir embora.

Lilian Santiago.

Caralho!

Era a irmã da Alice.

Tinha ignorado o fato de que ela trabalhava ali desde que iniciei na

Montenegro, porém, ela acabou de ver uma cena que não havia como eu

negar.

— Lilian, vem cá — a médica a chamou, e ela se aproximou. —

Essa é a Sabrina. Sabi, ela é nossa pediatra. Fiquei de te apresentá-la na

última consulta, porém, acabou não dando tempo.

Carla tagarelava com a minha melhor amiga, enquanto eu apenas

prestava atenção em Lilian.


Ela me lembrava um pouco a Alice, porém, nunca olhei para Alice

daquela forma.

Lilian era simplesmente perfeita e eu já sabia daquilo. Eu a vi uma

única vez na festa de casamento dos nossos irmãos e naquele momento


sabia que ela era a mulher mais linda que já havia visto na vida.

Ela me encarou, engolindo em seco lentamente, e eu acompanhei

seus movimentos como um alucinado, focado apenas naquilo.

— É um prazer conhecê-la, Sabrina. O bebê está previsto para

quando? — Estendeu a mão em direção a Sabrina, parando ao meu lado.

Minha amiga sorriu, fazendo uma careta em seguida.

— Para daqui quatro semanas — respondeu ofegante.

Eu me virei para Carla.

— O que é isso? — perguntei.

— São contrações de Braxton Hicks. Elas podem ser sentidas às


vezes no último trimestre de gestação, mas é aliviada com descanso e
locomoção leve. Vai ficar tudo bem. Até lá vamos monitorar o pequeno

Ravi e a Sabrina — explicou, tocando o rosto da minha amiga, que sorriu,


agradecendo.

Eu ficava preocupado com tudo aquilo, principalmente porque a


diabete de Sabrina estava alta na gravidez.
— O doutor Montenegro você deve conhecer, Lili, é nosso chefe —

Carla falou, pegando um soro dentro do armário.

Lilian me encarou com os olhos castanhos arregalados e aproveitei

seu foco em mim, para analisar os cílios enormes cobrindo os olhos como
um véu. As bochechas coradas pela maquiagem e os cabelos castanhos lisos

presos em um coque alto.

Por que diabos ela tinha que ser tão bonita?

— Sim, eu o conheço — ela falou, porém, não aprofundou o


assunto. Vi quando um enfermeiro entrou na sala, para iniciar os
procedimentos.

— Lilian é quem vai acompanhar nosso Ravi, já que você dispensou


o Pablo — Carla falou.

— Você dispensou o Pablo? — indaguei, preocupado, afinal ele era


um dos melhores profissionais da área.

Sabrina revirou os olhos.

— Não me sinto confortável com ele — disse , alisando a barriga,

enquanto estendia o braço livre para que o enfermeiro pegasse sua veia.

— É perfeitamente compreensível — Lilian falou, com um sorriso

de orelha a orelha.

Eu a encarei com desconfiança.


— Vamos cuidar do Ravi muito bem — Lili completou e alisou a
barriga de Sabrina, fazendo minha amiga sorrir.

— Pablo é um dos melhores especialistas da área, Sabrina. Não


entendo o motivo de tê-lo dispensado — falei, agitado. — Nunca ouvi uma
reclamação dele neste hospital e...

— Posso não ter tantas especializações quanto o Pablo, senhor


Montenegro — Lilian começou, cruzando os braços. — Porém, sou uma
ótima pediatra. Não vai encontrar uma falha minha desde que iniciei meus

trabalhos e, além do mais, tenho três sobrinhos incríveis. Cuidar de crianças


é minha especialidade. Eu e Carla vamos trabalhar bem juntas para cuidar

do bebê de vocês — ela falou com uma certeza inabalável e era ruim
contestar quando ela usou meus, nossos, sobrinhos como argumento.

Só Deus sabia o tanto que ouvia de Enzo sobre a tia Lilian perfeita,
a tia Lili divertida.

— Vai, confia em mim. Eu sei o que faço — Sabrina pediu,


segurando minha mão, e me dei por vencido, ficando calmo.

Percebi finalmente que o pequeno segredo envolvendo Ravi


começava a vazar.

Até poucos minutos atrás, só quem sabia sobre ele era Carla. Porém,

naquele momento, tinha Lilian e ela estava ligada à minha família até seu
último fio de cabelo.

Era impossível seguir sendo um segredo.

Lilian sorriu quando eu assenti, batendo palmas levemente.

— Me diga, três sobrinhos? — Sabrina indagou, curiosa.

— Sim — ela respondeu, animada. — Lara acabou de nascer. Ela é


a bolinha mais adorável que eu já pus meus olhos, você precisa ver.

Lara era mesmo adorável, a terceira filha de Henrique nasceu

havia algumas semanas e eu me apaixonava por ela a cada vez que aparecia
uma foto nova enviada por Alice.

— É o nome da sua sobrinha, Caio — Sabrina falou.

Sorri, assentindo.

— Por que é a mesma pessoa, talvez? — Carla indagou, olhando

sobre o ombro para mim e vi o choque cobrir o rosto de Sabrina.

— Você é a irmã da Alice? — ela perguntou para Lilian, e ela

assentiu. — A médica que Caio...

— Shiu... — eu a cortei antes que ela me entregasse totalmente. —

Ela é a irmã de Alice. Trabalha aqui e a Lara é a minha sobrinha.

Sabrina sorriu, satisfeita com as últimas informações, foi então que


senti que estava perdendo totalmente o controle da situação.
Fechei a porta do consultório de Lilian assim que os médicos

levaram a Sabrina para um quarto separado, para ficar em observação.


Encostei a cabeça levemente na porta, precisando respirar fundo.

— Então você é o famoso Caio Montenegro — Lilian falou assim

que ficamos sozinhos em sua sala.

— Você é a Lilian.

— Sim. — Ela cruzou os braços, apoiada na bancada lateral do

consultório dela.

Lilian vestia uma calça de alfaiataria preta e blusa na mesma cor,

com um jaleco branco por cima e nos pés um tênis branco.

Novamente, era inegável o quão bonita ela era.

— Você é o cara do casamento — falei, observando-o.

Eu já tinha algumas informações de Caio Montenegro, um

mulherengo, divertido, inteligente, porém, zero compromissado.


Eu ouvia tudo sobre ele, mas nada fazia jus a imagem que Caio

trazia.

Entendia naquele momento o motivo dele ser um mulherengo tão

aclamado, pois de todos os filhos que Josiane Montenegro teve, ele era
realmente tão bonito que chegava a ser uma competição ridícula.

Cabelos escuros cortados de modo estiloso em cima e bem baixo nas

laterais, alto, eu chutava algo como quase um e noventa de altura. Os


ombros largos abraçados por uma peça de terno escura, que se prendia nele

de modo perfeito. As mãos enfiadas dentro do bolso da calça social da

mesma cor denunciavam que ele sempre tinha o controle da situação.

Mesmo que naquele momento, não parecesse favorável.

— O próprio — confirmou, alinhando a gravata.

Quase dei uma risada.

— Você deu em cima de mim, no casamento.

— Sim.

— E eu era noiva.

— Você era a comprometida, eu não — rebateu rapidamente,

fazendo-me abrir a boca, chocada. — Mas em minha defesa, não vi a

aliança antes que você a esfregasse na minha cara.

Sorri, mordendo o interior da bochecha para me conter.


Eu realmente o vi no casamento de Alice, quando o homem veio

todo charmoso falar comigo, acreditando que toda mulher cairia aos seus
pés.

Mas não funcionou.

Naquela época, eu só tinha olhos para uma única pessoa.

“Ainda tenho”, eu me corrigi mentalmente.

— Sua mãe sabe que você vai ser pai? — indaguei, mudando de

assunto, escondendo as mãos dentro do bolso do meu jaleco.

— Pretendia contar em algum momento, mas não, ela não sabe —

confessou.

Assenti lentamente.

Não era minha missão passar um sermão sobre o quão importante

era a sinceridade, pois acreditava que Caio sabia bem daquilo.

— Parabéns pelo bebê — falei com um gosto amargo na boca.

Ele tinha um bebê a caminho e, consequentemente, uma namorada,

deduzia.

“Não que aquilo importasse”, novamente me corrigi.

— Obrigado. Seria pedir muito que você não contasse nada para a

minha mãe?

Observei Caio, pensativa.


Eu não era uma fofoqueira.

— Por que eu faria isso?

— Eu sei que vocês são próximas, então pode acabar escapando e

ainda não sei como explicar isso — falou, agitado, esfregando o rosto.

Suspirei, me dando por vencida.

— Não vou falar nada. Não é da minha conta. — Caminhei em

direção à porta do consultório. — Tenho uma consulta agora — informei,

dando por encerrada aquela conversa.

Caio me encarou, com os olhos tão focados em mim, que pareciam

enxergar a minha alma e senti meu coração acelerar na medida que ele não

desviava o olhar.

“Para, coração, por favor, para.”

— Obrigado — sussurrou, aproximando-se, passando por mim,

enquanto deixava o rastro do perfume masculino que combinava

malditamente com ele.

Ele parou, dando alguns passos para trás até me encarar.

— Continua bonita, Lili. Como a cinco anos atrás.

Novamente, precisei conter o sorriso.

— São mais de cinco anos já — relembrei.

Ele assentiu.
— Realmente. O que torna tudo ainda mais difícil de acreditar. Você

continua tão bonita quanto o dia em que esfregou sua aliança de noivado na
minha cara — falou e saiu antes que eu tivesse chance de rebater.

Bati a porta do consultório com mais força que o necessário,

precisando respirar fundo algumas vezes.

“Por favor, coração, para de acelerar”, pedi, amparando-me contra


a porta, enquanto fechava os olhos.

A última vez em que meu coração acelerou daquela maneira, pensei

que tinha encontrado o amor da minha vida e quando tudo acabou, eu


estava tão quebrada que juntar os pedaços pelo chão se tornou uma missão

impossível.

Eu não queria me quebrar novamente, principalmente, porque

naquele momento, ainda não havia me recuperado.

Não queria me apaixonar nunca mais, sobretudo, por um homem

como Caio. Sem falar que ele estava formando uma família, e eu precisava

ir à terapia duas vezes na semana para não perder completamente o controle

das minhas emoções.

— Doutora.

Alguém bateu à porta e busquei me recompor, alinhando o jaleco

antes de abrir.
— O paciente chegou — a recepcionista falou, encarando-me com
incerteza.

Eu fingi o melhor sorriso, dizendo para mim mesma que era só

esquecer tudo o que acabou de acontecer.

Era só continuar seguindo em frente como se nunca tivesse visto

Caio Montenegro na minha vida.

Tudo seria melhor daquela forma.

— Pode mandar entrar — autorizei, pensando em Sabrina e no


pequeno Ravi em seu ventre.

Lembrei-me de como Jorge e eu antecipamos todas as conversas

sobre filhos e expectativa pós-casamento. Descobrir que ele não queria ter

filhos não me abalou na época, porque me parecia uma coisa que eu nunca
desejaria ter.

A conversa sobre filhos veio um pouco depois de Alice adotar


Melinda e eu começar a pensar na ideia de ter uma criança. Nós dois

falamos sobre aquilo após o mêsversário de Mel, admitindo que nenhum


dos dois estavam em uma boa fase para ter mais responsabilidades.

Só que quanto mais via minha irmã feliz com a família dela mais me

questionava sobre aquela decisão. Se eu seria realmente feliz renunciando


àquilo para ficar com o homem que eu amava.
Porém, nada daquilo importava mais.
— Então ela é a Lilian — Sabrina falou, fazendo-me pular de susto.

Quando entrei no quarto, ela estava adormecida na cama de hospital

e eu arrumando sua bolsa sobre o sofá, no canto.

Encarei minha amiga com certa impaciência.

— Lembro que você fugia dela.

— Não gosto que me lembre dos meus atos de loucura — disse


com irritação, sentando-me na beirada da sua cama.

— Ela é bonita — afirmou, pousando a mão na minha perna. — E


irmã da sua cunhada, então presumo que seja uma pessoa legal também.
— Você não a conhecia? Dançou com Alice na companhia —

lembrei, brincando com a pulseira em seu pulso.

— Não a conhecia. Eu e Alice não éramos próximas, dançávamos

juntas, mas nunca fomos amigas — explicou, e eu assenti, sentando-me ao


seu lado na cama de hospital.

— Como está este bebê? — indaguei, alisando sua barriga numa

tentativa de mudar de assunto.

— Bem, a Lilian é bonita. — Tornou a falar e em resposta suspirei,

encarando a parede à minha frente.

— Ela é — afirmei, contrariado, e vi o sorriso de Sabrina

ameaçando aparecer.

— E você tem uma quedinha por morenas. — Cutucou minha perna

ao falar.

— Lilian acabou de perder o noivo e se envolver com uma pessoa

deve ser a última coisa que passa na mente dela.

— Sério? — Abriu a boca em choque, e balancei a cabeça em

confirmação. — Nossa, tadinha. Deve ter sido horrível.

— E foi. Ela não está bem. Alice vive preocupada com ela desde

que Jorge morreu.

— Você conheceu o noivo dela?


— Sim, mas foi uma coisa rápida. Nunca chegamos a realmente nos
falar mais profundamente. Henrique o conhecia melhor.

— Nem consigo imaginar como as coisas devem estar para ela. Faz
quanto tempo?

— Mais de um ano — falei, alisando meus cabelos.

Lilian e Jorge estavam de casamento marcado e um acidente

inesperado tirou a vida dele, deixando-a completamente desamparada.

Fiquei sabendo daquilo por comentários sobre ela, feitos, principalmente,

por minha mãe.

— Mas isso não quer dizer que você não a ache bonita. — Tornou a

me olhar com uma persistência inabalável.

— Já disse que ela é bonita. Quer que eu diga mais o quê?

— Você tinha interesse nela. Eu vi você paquerando uma moça no

casamento de Alice e ela era a cara da Lilian. Eu só não sabia na época que

era irmã da sua cunhada. Quando perguntei quem era, você respondeu que

era sua futura esposa. — Ela me encarou com deboche. — Foi a lei da

atração e, agora, por favor, pare de ser chato e realize isso.

— Lei da atração? O noivo dela morreu.

— Sei, e é horrível — afirmou novamente. — Só que acredito em

algumas coisas, que não havia como só ter uma pessoa certa. Ele pode ter
sido importante para ela, porém, não quer dizer que ela nunca chegue a

amar ninguém da forma que o amou.

Neguei com a cabeça, levantando-me.

— Foi só um encontro. Por Deus, isso acontece o tempo todo. Não


tenho interesse nenhum em Lilian Santiago — disse, vendo-a suspirar.

— Ok. Depois não diga que não avisei — falou, toda sabichona,
estendendo a mão para pegar a garrafinha de água do lado da cama.

— Vou para casa tomar um banho e volto para ficar com você.

— Não precisa, meu pai vem...

— Liga e cancela. Eu venho — informei, sabendo bem que o pai

dela ali não era a melhor opção.

Sabrina e o senhor de quase setenta anos não andavam tendo uma


boa comunicação desde que ela descobriu a gravidez de Ravi.

— Caio.

— Não, ele não vai ficar perto de vocês depois de tudo aquilo —

falei, irritado.

Ela suspirou.

— Ok — concordou, dando-se por vencida. — Mas só porque eu sei

que tem razão e não porque usou este tom mandão comigo.

— Eu sei — afirmei, beijando sua testa.


Saí da sala em seguida, vendo Lilian caminhar pelo corredor na

direção contrária.

Eu a observei de longe, pensando no que Sabrina falou sobre ela e,

talvez, eu tenha exagerado em dizer que Lilian seria minha futura esposa.

Naquela época, me casar era uma das coisas que menos passava na

minha cabeça. E ainda é, porém, neste momento era mais fácil pensar na
ideia de um futuro com alguém.

Só que falei aquilo para Sabrina para brincar com a situação, já que
havia acabado de levar um fora de uma mulher absurdamente linda.

E, naquele instante, ela estava solteira, porém, mais inalcançável do


que nunca.

Peguei o telefone, fazendo tudo no piloto automático, enquanto


caminhava para fora do hospital. Digitei uma mensagem rápida para minha
assistente, pedindo que confirmasse mais duas presenças na conferência.

E suspirei, questionando-me o que estava fazendo.

Enviei mais uma mensagem para Sabrina, questionando se ela

ficaria bem se eu fosse à conferência na semana seguinte, acompanhar o


grupo do hospital. E quando tive uma resposta positiva, rapidamente me

animei, sabendo que ficaria mais confortável com aquilo.


Ravi podia não ser meu filho, porém, eu amava minha melhor amiga
e por ela daria minha vida.

Cuidar dela naquele momento, quando mais precisava, era minha


forma de deixar aquilo claro.

Meu celular ainda estava no mesmo lugar onde coloquei quando a

ligação tocou, exatos cinco minutos atrás.

Eu não esperava por aquilo, não mesmo.

Sabia que ser tirada da conferência de última hora havia sido


injusto, mas receber um convite novamente da direção do hospital me
deixou confusa, e enquanto me preparava para ir embora, no fim do meu

plantão, me perguntava o motivo daquilo estar acontecendo.

Estava cursando mestrado na Universidade Federal de Curitiba e

trabalhava constantemente em produção científica para área onde eu atuava.


Então, iria apresentar um dos meus artigos publicados para o público da

conferência, só que fui retirada da grade de modo inesperado e colocada da


mesma forma novamente.
— Bom, pelo menos, agora tenho um novo motivo para ficar
ansiosa — falei sozinha, entrando em casa depois de quase vinte e quatro
horas em pé.

Joguei as chaves no aparador, vendo Caroline sentada no sofá,


abraçada a uma garrafa de vinho e uma taça.

Franzi o cenho.

— Não é cedo demais para beber?

— Tem uma hora adequada para tomar vinho? — devolveu

rapidamente com outra pergunta.

— De fato, não tem — comentei, tirando meus tênis, colocando a

bolsa de lado e me sentando no chão.

— O que houve com você? — indagou já buscando uma taça na

cozinha, dividindo o vinho comigo, estendendo em minha direção à taça

pela metade.

— Fui adicionada novamente na conferência.

— Uhu! Isso é bom. — Ela se animou, estendendo sua taça para

fazermos um brinde.

Neguei rapidamente, bebendo um gole.

— E conheci oficialmente o Caio — falei rapidamente aquela parte,

como se tivesse medo daquela informação.


Carol arqueou a sobrancelha.

— Pensei que já o conhecia.

— Sim, nos vimos uma vez no casamento de Alice, porém, não me

lembrava muito bem dele. — Esfreguei o rosto.

— Meu julgamento sobre ele ser muito bonito estava correto?

— Correto até demais — confirmei, deitando-me no chão da sala,


colocando a taça ao meu lado.

— Vai me dizer que você finalmente olhou para um homem depois

de anos só tendo olhos para um? — indagou, animada.

Sorri.

— Não é para tanto.

— É sim. Por favor, me diga que ele fez seu coraçãozinho apenas

acelerar.

— Por Deus, não estou apaixonada — resmunguei, inclinando-me

para beber mais um gole de vinho.

— Não quero que se apaixone, quero apenas que me diga que seu

coração acelerou. Acontece com todo mundo, inclusive, é um dos sinais de


crise de ansiedade — tagarelou. — Não precisa estar apaixonada para o

coração acelerar.

Segurei a risada.
— Quer dizer que meu coração acelerado foi pura ansiedade?

— Depende, ele acelerou? — questionou, buscando a resposta que

desejava.

Suspirei.

— Infelizmente, sim — sussurrei, encarando o teto, vendo Carol

soltar um grito abafado contra uma almofada de coração.

Lembrei-me das palavras de Caio para Sabrina, sobre não ter

nenhum interesse em mim, palavras essas que ouvi quando fui ver como
Sabrina estava.

Não cheguei a entrar no quarto, voltando só horas mais tarde quando

ele saiu de lá e pude finalmente examinar a mulher.

Não sei explicar o motivo de ter me afetado tanto com suas palavras.

— Ah, isso é tão legal. Você finalmente está vendo pessoas novas.

— Não estou vendo ninguém — eu me defendi, abraçando meu

corpo na defensiva.

Carol suspirou.

— Não vendo neste sentido, mas é bom saber que ainda vai se

apaixonar um dia por alguém.

Ela se deitou ao meu lado no chão, suspirando ao fazer aquilo.

— Carol?
— Sim — respondeu, balançando os pés, com as pernas apoiadas na

beirada do sofá.

— Eu não quero me apaixonar nunca mais — falei, sentindo o nó se

formar em minha garganta.

O silêncio caiu sobre nós.

Carol não rebateu, porque ela sabia que, no fundo, não valia mesmo
a pena amar tanto alguém, pois quando tudo acabava, só sobrava dor e

era horrível.

— E ele tem um filho.

— Como é?! — exclamou, sentando-se rapidamente com a


informação.

Sorri de canto.

A fofoca era mais importante que um coração partido,


definitivamente.

— Caio, ele vai ter um filho com a Sabrina. Ela está grávida, quase

no final da gestação, é um menino. — Sorri ao falar aquilo. — O Ravi. Ravi

Montenegro, é um nome bonito.

Ela ainda estava de olhos arregalados.

— Estou tão confusa — sussurrou.


— Também fiquei. E você não pode contar isso para ninguém —

acrescentei, não querendo que a conversa acabasse vazando por minha

culpa.

Confiava em Caroline, porém, era sempre bom ressaltar.

— Por que não? É um segredo? — Franziu o cenho.

— Sim, a família dele ainda não sabe — falei, terminando de beber

o vinho que tinha na minha taça, colocando mais rapidamente.

— Meu Deus... — Ela parecia estar abismada com a fofoca. —


Quando você viaja?

— Amanhã bem cedo — respondi, vendo-a arregalar os olhos.

— Mas já?

— Sim, recebi a passagem do hospital hoje. Preciso me preparar

para apresentar, pois, minha apresentação é no fim de semana — expliquei,

nervosa com a ideia de ir para tão longe de casa.

Fazia tanto tempo que eu não saía de casa sem ser para o trabalho
que era até mesmo estranho.
Desci do carro ao chegar ao aeroporto, observei a movimentação em

plena seis horas da manhã.

Estava com óculos escuros cobrindo os olhos, por causa da noite


maldormida e sem maquiagem.

Bocejava constantemente, completamente cansada, precisando de

umas boas horas de sono.

Carol desceu do carro, ajudando-me a tirar a mala pequena do porta-

malas e me abraçou, me apertando em seus braços em uma despedida

rápida, pois ela tinha que voltar para pegar Hannah na vizinha.

— Te amo, boa viagem — sussurrou.


Sorri.

— Obrigada, também te amo — respondi, afastando-me e empurrei

a mala para longe do carro, entrando no aeroporto definitivamente.

Fiquei sabendo que as passagens dos funcionários haviam sido

compradas em blocos, então eu iria com um grupo e pela tarde, outro grupo
pegaria o próximo voo para São Paulo.

Observei as pessoas, parando em frente ao vidro da lanchonete para


observar meu look e aprovei mentalmente a calça jeans wide leg com cinto

preto, blusa preta folgada, com uma jaqueta de couro por cima.

Tudo escuro.

Aquilo combinava com meu estado de humor para aquela viagem


repentina.

Eu já tinha até me acostumado com a ideia de não ir. Porém, era

uma ótima oportunidade.

Virei para seguir meu caminho, mas travei, vendo o homem

caminhando do outro lado, com os óculos de sol sobre os olhos, camisa

social branca e calça jeans.

Caio Montenegro estava tão bonito que precisei parar por meros

segundos para observá-lo de longe.


E suspirei, obrigando-me a lembrar dos motivos para não o achar
irresistível. Contudo, não consegui.

Era inegável o quanto aquele homem era bonito.

Desviei do caminho dele, enfiando-me em meio às pessoas até

alcançar o balcão de embarque, respirando aliviada quando o vi ir em outra

direção, sem notar minha presença.

A última coisa que queria era falar com ele depois daquele encontro

da noite anterior.

Sinceramente, não tinha situação pior para mim.

Era inegável, eu me sentia atraída por Caio.

Mesmo tentando me lembrar de Jorge a cada momento, ele ainda era

um homem que me chamava atenção.

E a culpa caía sobre mim, como se eu estivesse traindo a memória

do meu noivo.

Procurei meu lugar no avião, passando pelo curto corredor enquanto

meus olhos tentavam não procurar por Lilian desesperadamente.


Eu deixei a missão de me colocar num bom lugar para minha

assistente.

Assim que alcancei a cadeira, deixei o suspiro indignado escapar.

Decidi reintegrar Lilian na conferência depois de saber que ela foi


removida a pedido de Pablo. Inclusive, já ouvi reclamações do homem
sobre ela, mas nunca cheguei a dar a real importância para nada que ele

falava. Eu jurava que era apenas algum tipo de briga saudável no trabalho
pela incompatibilidade de personalidade. Ou só uma grande implicância,

que me lembrava muito quando você se apaixonava no ensino médio e a


forma de chamar atenção era irritando a garota.

Lilian estava com os óculos de sol no rosto e um encosto de cabeça


atrás do pescoço.

Ela parecia cochilar e aproveitei para olhar ao redor, procurando


uma saída, mas o avião cheio com alguns funcionários nossos me fez

suspirar resignado, então me sentei ao seu lado.

Não adiantava, eu iria estar a viagem toda ao lado daquela mulher.

Notei que ela se remexeu no lugar, tirando os óculos para me

encarar, e vi quando sua sobrancelha se arqueou levemente, fazendo-me


suspirar baixinho, obcecado com a forma que ela era bonita.

Caralho!
Ela tinha um defeito.

Por favor, tinha que ter um defeito.

— O que faz aqui? — Ela se sentou melhor na cadeira, fechando o

livro aberto em seu colo, livro que não estava sendo lido, pois, ela,
claramente, estava dormindo.

— Meu lugar é aqui — respondi rapidamente.

— Não, este é o meu lugar — rebateu.

Encarei o homem sem camisa na capa do livro que ela segurava,


arqueando a sobrancelha quando vi as algemas mais abaixo, ilustrando a

capa.

Ela percebeu o que eu estava olhando e virou o objeto para baixo,


mas só fez a situação piorar, pois a contracapa tinha um casal se pegando,

onde a mulher estava com algemas e qualquer coisa que fosse o conteúdo
do livro, deveria ser incrível.

Lilian gemeu em desespero, enfiando o livro dentro da bolsa


rapidamente.

— Conteúdo interessante, me empresta? — indaguei, inclinando a


mão para pegar o livro de volta.

Ela tirou a bolsa do meu alcance.

— Claro que não, está maluco?! — exclamou.


— Se você pode ler, por que eu não posso?

— Porque é meu livro. Você não pode ler o meu livro.

— Você o escreveu? — perguntei, vendo-a com o nariz atrevido

empinado na minha direção.

— Não, porém, eu o comprei, então gastei dinheiro e ele é meu.

— Me diz o nome, vou comprar um para mim. A teoria sempre vem


antes da prática mesmo, agora, o que me surpreende é que não faz seu

estilo, tem cara de certinha — falei, com um sorriso malicioso se


espalhando em meus lábios.

Ela me encarou, tão séria e irritada que se um olhar matasse,


aquele era o momento.

— Por favor, troque de lugar com alguém — pediu, esfregando as

têmporas.

— Ah, qual é? — questionei divertido, adotando a melhor postura

de quem não se importava com o fato de que toda vez que Lilian me olhava,
algo em mim, reagia. — Somos quase família, vamos nos conhecer melhor.

— Não somos quase família. Você é apenas o cunhado mal falado


da minha irmã.

Abri a boca, indignado.

— Mal falado? Eu sou um anjo — falei, pronto para me defender.


— Anjo? Por Deus, Caio, você não engana ninguém — rebateu de
modo irritado. — Sua cara é como uma denúncia ruim.

— Sabia que sou seu chefe? — indaguei, já bravo com ela.

— Sim, sei dessa informação e não me importo. — Cruzou os


braços, cheia de si.

Abri a boca para continuar falando, mas minha secretária se

aproximou pelo corredor, estendendo o tablet em minha direção.

— Sobre a reunião com a família Fontana e seus parceiros de

negócios de São Paulo. — Estendeu o aparelho, que peguei rapidamente,

vendo a pauta do que seria discutido.

Eu ia a São Paulo com frequência por causa da empresa que ainda


mantinha com Leon e as viagens se tornaram mais frequentes desde que

havia fechado um contrato de publicidade com a empresa de Enrico

Bernardi.

Como eu não esperava, acabei bem amigo dele e do seu sócio,

William.

— Você é sempre assim? — inquiri, enquanto descia meu dedo

sobre a tela do tablet.

— Assim como? — Lilian perguntou, parecendo ainda mais irritada.

— Meio megera — falei, travando o aparelho para ver sua reação.


A boca em um perfeito “O” quase me fez rir.

— Eu não sou uma megera.

— Está implicando comigo porque o meu assento coincidiu em ser

ao lado do seu, Santiago. É claro que isso é ser no mínimo insuportável —

alfinetei, indo para o caminho contrário da racionalidade.

Ela bufou.

— Você é implicante. Você tem mais de vinte funcionários dentro

deste avião e não pode trocar de lugar?!

— Ah, qual é? Que diferença faria ser eu ou um outro colega de


trabalho? Admite, você está sendo implicante como uma criança do

primário.

Ela parou, fechando os olhos, parecendo respirar fundo.

— Em que momento você vai ser o Montenegro, hein?

Abri um sorriso, vendo que ela indagou aquilo ainda de olhos bem

fechados.

Bonita demais e chatinha também.

— Eu sou sempre o Montenegro mais legal — falei com um leve


tom de arrogância. — O mais bonito, mais charmoso...

Ela deu uma risada.

— Heloísa é mais bonita que você.


— Heloísa? Ela é mulher, nem tem como comparar.

— Tem sim. Heloísa é bem mais bonita. E tem o Henrique, meu

Deus, ele é extremamente charmoso e bem-educado, então, de fato, você

não é o Montenegro mais legal, bonito e charmoso, nem nos seus sonhos —
Lilian tagarelou.

E eu poderia dizer que nossa discussão beirava o jardim de infância.

Porém, era divertido vê-la toda irritadinha.

— Ok, mas, por outro lado, Alice é mil vezes mais bonita que você

— menti.

Alice era linda, mas nunca um olhar dela me deixou tão hipnotizado.

— E mais charmosa. Gente boa até o último fio de cabelo.

Ela suspirou.

— Minha irmã é mesmo incrível — falou com um sorriso

orgulhoso, como uma mãe galinha vendo os seus pintinhos se saírem muito

bem.

Sorri internamente com aquilo.

— Pois é, até você sabe que Alice é mil vezes melhor que você —

comentei com desdém.

Ela revirou os olhos.


— E, ela é — afirmou ácida, pegando os fones de dentro da bolsa,

colocando no ouvido e dando fim a nossa conversa.

Voltei a focar no meu tablet, sentindo-me arrependido por implicar

com a Lilian.

Só ela sabia como estava se sentindo e eu estava sendo um pé no


saco. Porém, em minha defesa, foi ela quem começou.

Abri a boca para me desculpar, mas não o fiz, sem coragem para tal

ato.

— Como assim? — Caio indagou ao telefone enquanto

caminhávamos pela área de desembarque do aeroporto da capital Paulista.

Eu senti meus ouvidos se esticando para tentar ouvir o que ele dizia

para a pessoa do outro lado.

— Não precisava de carona, Will. Vou chegar em breve e... Droga,

que merda é essa? — Ele parou ao meu lado na fila para pegar nossas

malas, congelado.

Eu o observei esfregando o rosto.


— Noivo? William?! Por Deus, eu não estou noivo. Nem namorada

eu tenho.

Seja lá quem fosse, o carma estava vindo rápido para alguém que

me chamou de chata e de megera.

Eu não era uma megera!

Chata até poderia ser, mas megera não.

— Você só pode estar ficando maluco — ele falou, enquanto

observava a esteira com as malas infinitas.

— Não estou.

Uma segunda voz me fez virar a cabeça junto com Caio, quase lado

a lado, vendo um homem sorrindo enquanto terminava de se aproximar do


meu superior.

— Bem-vindo, amigo. — O homem deu no meu chefe o típico

abraço de homem.

— Você acabou de me foder e depois me vem com bem-vindo? —


Caio indagou, dando tapinhas na costa do homem.

Minha mala se aproximou e me atentei àquilo, engolindo minha

curiosidade.

— É um fato, você precisa de alguém. Eles são muito conservadores


— informou com um tom de irritação. — No último contrato que
fechamos, o Enrico praticamente pediu a atual esposa dele em casamento

por causa desta merda de fingimento.

Caio riu, negando com a cabeça e me preparei para tirar a mala da

esteira.

— Eu vou me matar, Will. Você não está me pedindo para ser um

bom negociador, você quer que eu arrume uma noiva falsa. — Caio se
irritou ao falar. — Se soubesse disso, tinha mandado Leon e Gabriela no

meu lugar.

Sorri com a menção do meu primo.

Estranhamente, meu caminho com o de Caio sempre esteve ligado.


Por causa de Alice, por causa de Leon, que era seu sócio em uma empresa

havia anos.

Porém, o encontro nunca aconteceu.

E naquele momento parecia melhor que tivesse continuado assim.

— Eu deveria ter avisado a tempo, sinto muito — o homem que

descobri se chamar Will se desculpou, enquanto eu tentava tirar minha mala

da esteira.

Porém, ela estava pesada e acabei demorando mais do que deveria,

sendo rapidamente ajudada por aquele homem que conversava


animadamente com Caio, colocando a mala na minha frente com um sorriso
simpático no rosto.

— Obrigada — sussurrei, vendo Caio o observando mais atrás.

— De nada. — Acenou rapidamente, enquanto eu empurrava minha


mala para longe, questionando o motivo de Caio precisar fingir um namoro.

Claramente eram negócios, mas o que me fez pensar foi “que tipo de

pessoa só fecha acordos com pessoas comprometidas?”

Caio foi insuportável comigo no avião, e sabia que fui chata com
ele.

Mas ele não precisava ser tão arrogante.

Foi algo que me fez avaliar o caráter dele muito mal.

E conforme caminhava sozinha pelo aeroporto, procurando por um


táxi para me levar até o hotel, questionei como todos podiam simplesmente

amar aquele homem e eu o detestar.

Atendi a ligação de Alice assim que consegui um táxi, colocando o

telefone contra meu ouvido.

— Já chegou?

— Sim, acabei de entrar no táxi, estou a caminho do hotel — falei,


suspirando enquanto observava as ruas de São Paulo pela janela.
— Que bom, estava preocupada. Josi disse que Caio viajou junto
com a equipe, você o encontrou? — indagou animada.

— Sim, brevemente.

— Ah, finalmente o conheceu.

— Eu já o conhecia — relembrei.

— Sim, mas fazia muito tempo — rebateu rapidamente. — Me diga,


o que achou dele? — Seu tom denunciava suas segundas intenções.

— Ali — repreendi, deixando um gemido baixo escapar.

Alice acreditava que voltar a sair com pessoas era a solução para os

meus problemas e vinha tentando me fazer sair em um encontro às cegas.

— Só um, Lili. Prometo! — suplicou.

E eu ri dela, completamente desacreditada.


O avião pousou em São Paulo um pouco antes do almoço e

enquanto eu caminhava pelo aeroporto com uma mala compacta na mão,


observava as mensagens em minha caixa de e-mail, analisando cada uma
delas.

Estava fingindo não notar o fato de que estava apenas a alguns

passos da médica metida com quem dividi a cabine durante a viagem.

Meu celular tocou e atendi ao ver o nome do William na tela.

— Estou chegando no aeroporto. Vim te buscar. Preciso falar com

você sobre a possibilidade de contar mentiras sobre seu status de


relacionamento — meu amigo falou, jogando uma bomba no meu colo.
— Como assim? — indaguei meio ranzinza. — Não precisava de

carona, Will. Vou chegar em breve num táxi... Droga, que merda é essa? —
Parei ao lado da esteira, vendo Lilian fazer o mesmo. — Noivo? William?!

Por Deus, não estou noivo. Nem namorada eu tenho.

Ele só podia estar ficando doido.

— É uma família tradicional, Caio. Eles são cheios de dedos, dizem

que só homens honrados conseguem fazer bons negócios. Ligam isso com

estabilidade, família e... — Suspirou do outro lado. — Eu não te avisaria se


não fosse sério. Recomendo que seja adepto a uma boa e velha mentira.

Depois, você pode terminar seu noivado falso quantas vezes quiser.

— Você só pode estar ficando maluco — reclamei , observando as

malas em fileiras.

— Não estou — William falou, só que não era mais na ligação, mas

ao vivo, materializando-se na minha frente. — Bem-vindo, amigo. — Ele se

aproximou, dando-me um abraço rápido.

— Você acabou de me foder e depois me vem com bem-vindo? —

perguntei, irritado.

— É um fato, você precisa de alguém. Eles são muito conservadores

— se explicou. — No último contrato que fechamos, Enrico praticamente


pediu a atual esposa dele em casamento por causa desta merda de
fingimento.

Deixei uma risada desacreditada escapar.

Talvez eu fosse um bom mentiroso, mas fingir que tinha uma noiva,

parecia ser um pouco demais.

— Eu vou me matar, Will. Você não está me pedindo para ser um

bom negociador, você quer que eu arrume uma noiva falsa — resmunguei.

— Se soubesse disso, tinha mandado Leon e Gabriela no meu lugar.

— Eu deveria ter avisado a tempo, sinto muito — Will se

desculpou, enquanto o observava ajudar Lilian a tirar a mala da esteira,

abrindo um sorriso charmoso para a mulher.

Revirei os olhos.

Conquistador de uma figa!

— Obrigada — ela agradeceu, antes de empurrar a mala de rodinha


para longe.

— De nada.

— Você acabou de me foder — falei para Will.

— Desculpa, prometo que da próxima vez, te compro rosas,

princesa — respondeu rindo, e empurrei seu ombro, alcançando minha mala

antes que eu realmente decidisse socar seu rosto.


Era só o que me faltava!

William era o CEO da Bernardi, empresa de Enrico Bernardi que

conheci durante um contrato de publicidade que fechamos para expandir os

negócios para o Sul.

E foi uma grata surpresa me tornar amigo dos dois.

Só que naquele momento, não me sentia tão amigo deles.

Bufei, exasperado, alcançando o carro de William, vendo-o fazer o

mesmo, entrando no banco do motorista.

— Temos uma amiga da Helena. Eles não a conhecem, pode ser

uma boa vocês fingirem um relacionamento. — Deu a ideia, ligando o


veículo.

— Ainda estou esperando o momento em que vai dizer que é

mentira.

— Novamente, sinto muito.

O hotel onde a convenção iria acontecer ficava apenas a algumas


quadras do apartamento de William. E, relativamente, próximo da Bernardi,

empresa onde sediaria todas as reuniões.

Foi escolhido a dedo para não ficar me deslocando de carro a todo

momento entre um ponto e outro.


Pela noite, teria a abertura do evento, mas eu só estaria presente no

dia seguinte, pois tinha combinado de jantar com meus amigos ainda
naquela noite.

E assim que a noite caiu, eu já tinha meu primeiro compromisso do


dia que era comparecer ao jantar da família Bernardi.

Fui caminhando até o prédio onde Enrico morava com a família e


assim que me identifiquei, a entrada para a cobertura foi liberada.

Só parei quando estava diante da porta branca, aguardando que


alguém atendesse.

A primeira coisa que vi foi o sorriso de uma mulher loira, franzina e


que trazia um bebê rechonchudo nos braços.

Ironicamente, não importava aonde ia, os bebês me perseguiam. E


sem dúvida, a moça e o bebê eram bem parecidos.

Rapidamente lembrei que Enrico finalmente havia se casado.

— Olá, boa noite. Sou o Caio. — Estendi a mão. — William está?


— indaguei, vendo-a soltar minha mão.

— Está sim, entre. Sou Helena. — Deu espaço para que eu entrasse
no recinto enquanto beijava o topo da cabeça do bebê quando ele

choramingou.
O apartamento amplo estava com alguns convidados e consegui
reconhecer Enrico com uma garotinha nos braços.

— Caio! — William apareceu entre eles, caminhando em minha


direção.

Ele me deu um típico abraço de homem, desajeitado e com dois

tapinhas em minhas costas.

— Boa noite a todos. — Abanei a mão, vendo Enrico sorrir,

caminhando em minha direção.

— Caio... — Estendeu a mão. — Chegou atrasado. William já

brigou com todos da festa por bagunçar o apartamento dele — o amigo


gozou da cara do outro.

— Eu não tenho culpa se vocês têm problemas de organização.

— Eu diria que quem tem problemas é ele — Richard Vilalobos se


aproximou sorrindo e apertando a minha mão. — Como vai, garoto?

Abri um sorriso gigante.

Richard Vilalobos era um dos maiores CEOs do ramo

automobilístico de São Paulo e eu conhecia o trabalho dele havia anos.

Já fechamos parcerias e trabalhamos juntos em algumas campanhas.

— Bem. Vocês por acaso viraram um time? — indaguei quando vi


que tinha uma mulher junto com a loira, Helena, esposa de Enrico.
Rafaela sorriu ao se aproximar.

A filha de Richard estava bem mais velha desde a última vez que a

vi.

— Rafa! — exclamei, e ela se aproximou, abraçando-me. — Meu


Deus, quanto tempo.

— Pois é. — Deu um passo para trás. — Como você está? Nunca

mais voltou a São Paulo.

— Bem. As coisas andam insanas em Curitiba. — Suspirei e eles

começaram a se dissipar.

Ficando apenas William e Richard, observando minha conversa com

Rafaela.

— Mas agora vão me explicar o motivo de todos estarem juntos?

Ela riu.

— Helena é minha amiga. Ela se casou com Enrico. — Apontou

para a loira e depois para o homem com a bebê. — Ele é amigo de Will que
é amigo do papai. No fim, está todo mundo junto.

Sorri, negando.

— Ficaria assustada se eu contasse que essa dinâmica insana chegou


lá pelos Montenegro — comentei, e ela riu, abraçando-me de lado,

encostando a cabeça em meu ombro.


O movimento captou o olhar cortante de William e vi Richard se

afastar, sem notar.

— Vem, vamos pegar uma cerveja. — A mulher me puxou, me

envolvendo em uma conversa animada.

Rafaela era daquele jeito, não tinha tempo ruim com ela. Foi o seu
espírito animado que nos aproximou havia alguns anos.

Enquanto conversamos, notei que a aliança que ela tinha no dedo

desde a última vez que nos falamos sumiu e fiquei me perguntando o que

aconteceu.

Era um cara curioso, poderiam me julgar.

A noite acabou sendo mais animada do que eu previ. Enrico e

William deixaram de ser um eterno “trabalho, apenas trabalho” e estavam

mais abertos às relações pessoais.

Os dois pareciam terem sido mordidos pelo velho vírus do amor, o

mesmo que chegou para os meus irmãos.

E me perguntava se era uma epidemia.

A filha de Enrico, Yumi, uma coreaninha de quase dois anos,


aproximou-se, sorrindo para mim, estendendo o ursinho de pelúcia que ela

segurava.

Peguei, brincando com ela, causando uma risadinha animada.


Eu me inclinei sobre o bar, encarando todas as bebidas expostas ali,
pensando o que tomaria depois do Martini e cheguei à conclusão de que

precisava de algo forte o suficiente para calar minha mente.

Fui à primeira noite da convenção e acabei me irritando com a

aproximação de Pablo, saindo mais cedo das palestras da noite.

Eu tinha que subir para o quarto, me preparar para o dia seguinte,

porém, a caminho dele acabei parando no bar do hotel.

Estava acontecendo uma festa pequena e a música estava me

deixando surda, mas era bom, não me permitia ficar pensando muito
no que aconteceu, nem na minha culpa por não estar me preparando para a

palestra que daria.

No entanto, eu tinha que aproveitar, né?

“Nem que fosse por um minuto da minha vida...”

Pedi mais uma bebida e desviei o olhar para o lado, observando o

homem que se sentou de modo ruidoso na cadeira ao meu lado.

Franzi o cenho.
Caio.

Claro, a noite não seria completa sem ele para me perturbar um


pouco mais.

— Você está bem? — perguntei não querendo ser intrometida, mas

me arrependendo logo em seguida.

— Está tudo uma merda! — exclamou, chamando o atendente do


bar.

Suspirei baixinho.

Ele estava irritado.

Virei-me novamente para frente, focando em meu copo, esquecendo

o maluco estressado.

— Desculpe, não é com você. — Ele me encarou e fiz o mesmo, de

canto de olho. — É só frustrante perder algo, pois as pessoas são malucas.

Segurei a risada, mas não falei nada. Afinal, acabei de chamá-lo de

maluco em pensamento.

— Acredito que sim. — Foi tudo que falei, aceitando a taça com

mais um drink quando o barman se aproximou.

Beberiquei minha bebida e encarei Caio de rabo de olho.

— Eu não conheço você — resmunguei. — Nunca aparece em

reuniões familiares. É quase como uma lenda fugitiva.


— Lenda fugitiva? — indagou como se fosse a única coisa que

tivesse ouvido.

— Foco, Caio. Mas seja lá o que esteja ruim, vai melhorar.

— Nada é tão ruim que não possa piorar, não é este o ditado?

Sorri.

— É sim, mas foca na parte boa — pedi, virando-me para o lado

dele e quase caí da banqueta do bar, tonta por causa da bebida.

Ele riu, ajudando-me a equilibrar novamente, e eu apoiei a mão em


seus ombros.

— Talvez você não seja uma megera, morena — falou, piscando.

— Eu não sou uma megera — reclamei. — Mas se você me irritar,


eu vou ser.

Ele sorriu de canto.

— Eu não tenho dúvida nenhuma disso — concordou, virando-se

novamente para o bar, pedindo uma nova rodada. — Só que até que você

volte ao modo megera, beba comigo, Lili. Álcool tem um poder, fazer
amigos. — Levantou o copo com uísque.

Não evitei a risada leve que escapou, brindando meu drink com o

dele.
Ficamos em silêncio por muito tempo, enquanto o garçom deslizava

pelo bar atendendo os clientes e de vez em quando pedia uma nova bebida,
vendo Caio repetir o gesto, juntando algumas garrafas sobre o balcão.

A dor de mais cedo parecia menor naquele momento, com as

garrafas sendo esvaziadas lentamente e minha conta ridícula aumentando.

Eu me sentia estúpida, mas estranhamente, feliz.

Talvez bêbada, não feliz.


A dor era insuportável.

Meu Deus, socorro, pensei enquanto tentava me mover,

inconformada com o ato suicida da noite anterior.

Mas assim que fiquei de pé, minha cabeça girou e meu corpo foi

amparado antes que caísse no chão. Funguei, sem conseguir abrir os olhos,
sentindo o cheiro horrível em meu corpo.

Tinha cheiro e gosto de morte, com certeza.

Minha boca parecia ter saído direto de um bueiro, era insuportável.

— Meu Deus, você está um lixo.


A voz masculina me fez estremecer e me recusei a abrir os olhos

para descobrir quem me segurava.

Contudo, sabia que tinha que fazer.

— Confesso que não era assim que eu imaginava uma manhã com

você, senhorita Santiago.

Abri um único olho, encontrando o sorriso debochado de Caio à

minha frente. Gemi automaticamente, cobrindo o rosto com o horror ao


perceber que estava com ele.

Meus olhos se abriram e desceram rapidamente sobre meu corpo,


procurando por minhas roupas.

Eu deveria ficar aliviada ao ver que não estava nua.

Mas não, fiquei apavorada ao ver que vestia uma camiseta


masculina.

Camiseta do Caio.

Alerta vermelho!

Isso é muito, muito ruim.

— Ai, meu Deus! — Tropecei nos pés quando fiz menção de

levantar e senti o colchão embaixo do meu corpo novamente. — O que eu

fiz? — Escondi o rosto novamente, pois pensar se tornava uma tarefa

dolorosa.
— Não fez nada. Venha comigo, vamos tomar um banho frio e café
forte.

Ele me ajudou a levantar enquanto minha mente girava em torno de


um “não fez nada”.

— Você só começou a chorar no meio da noite — contou enquanto

me levava até o banheiro.

Parei no meio do cômodo pequeno, vendo Caio ligar a torneira da

banheira.

— Disse que ele não merecia morrer. Disse que queria cantar

Ragatanga no mini palco da convenção... Então, eu te trouxe de volta para o

bar e quase deixei você cantar, pois, eu queria muito ver.

Quase sorri, porque ele ria também, divertindo-se da minha

situação.

— Depois disso desmaiou em cima de mim, quando a impedi de

subir no palco. — Colocou os sais na banheira. — Banho quente com sais

de banho vai fazer milagres em você, confia em mim.

Suspirei, afundando na banheira sem tirar a camisa de Caio, pois

sabia que ele me agradeceria depois, quando ela não estivesse fedendo.

— Por acaso eu vomitei em você? — perguntei, vendo que ele fez

menção de sair do banheiro.


— Sério que quer discutir isso enquanto toma banho? — indagou

rindo.

Não é meu quarto de hotel, então acredito que se Caio fosse um

maluco, eu não estaria mais viva.

— Olha para mim, Caio — resmunguei. — A essa altura eu já estou


no fundo do poço e quem sabe precise cavar um pouco mais pra me achar.

— Sim, você vomitou em mim. Tirou suas roupas, dançou no meu


apartamento e depois desmaiou na minha cama.

Cobri o rosto novamente, sentindo minha pele arder de vergonha.

— Mas não se preocupe, eu vou manter segredo. — Ele me lançou


uma piscadela antes de fechar a porta às suas costas, fazendo-me afundar na

água, relaxando enquanto sentia minha cabeça latejar.

Não sabia como me levantar dali e encarar a realidade.

Quem diria que o cunhado da minha irmã seria o cara que

presenciaria o pior porre da minha vida. Ainda mais que ele seria gentil o
suficiente para manter segredo sobre todas as coisas vergonhosas que eu fiz.

Suspirei.

Caio Montenegro não era nada do que eu esperava. Talvez, fosse

cedo demais para admitir aquilo, mas eu já o julguei cedo demais também,
então achava que não teria problemas.
Saí do banheiro uma hora mais tarde, então tomei um comprimido
para dor de cabeça e café preto e sem açúcar que Caio deixou na minha

mão, antes de sair para a conferência.

Caminhei pelo corredor, observando o quarto de hotel impessoal,

pensando se podia sair dali de fininho, mas minhas roupas estavam na


lavanderia. Ele me disse antes de sair que deixaria lá e não tinha nada
decente para vestir, além de uma camisa de Caio e cueca boxer.

Achei que seria considerado atentado ao pudor sair daquela forma.

Segui para a cozinha, pegando um copo de café e adicionando

açúcar, pois precisava acalmar minha fome.

Ainda estava enjoada e com dor.

Quando encontrei o sofá no apartamento de Caio, não pensei duas


vezes em me aninhar ali, encarando o nada enquanto bebericava o líquido

escuro.

Peguei o celular, pensando em ligar para Alice e contar o que fiz na


noite passada, mas sabia que aquilo só daria mais munição para ela. Além

de levar um sermão desnecessário sobre o perigo de ficar muito bêbada.

Eu não estava querendo nenhum dos dois.


— Ei, Megera — ele falou, sentando-se na beirada do outro sofá,
com uma bolsa no ombro.

Afundei a cabeça na almofada, cansada demais para pensar.

Minha cabeça ainda doía e me perguntava o quanto bebi na noite


anterior.

— Que foi? — indaguei, ranzinza.

— Pensei que estaria morta. Então trouxe comida — ele disse com

um sorriso de canto, colocando a sacola em cima da mesinha de centro. —


Por mais que você adore me irritar, se eu deixar você morrer de fome,

minha mãe vai me irritar pelo resto da vida.

— Como vou saber que não envenenou minha comida? —

perguntei, revirando os olhos e me sentando no chão.

Abri a sacola e encontrei uma canja.

— Porque é muito cedo para isso. Envenenamento só pode

acontecer quando havia confiança o suficiente para a pessoa não duvidar —


Caio divagou, pensativo.

— Cadê minhas roupas? Eu preciso me arrumar para o evento —


falei quase suplicando.

— Ainda não estão secas, então eu pedi para minha secretária


comprar algo para você vestir, já que não sei qual é o seu quarto no hotel.
— Obrigada — agradeci, vendo-o se sentar do outro lado da
mesinha de centro, com uma sacola em sua frente.

— Tem lasanha também, você deve estar com fome — comentou,


levantando-se do chão, enquanto caminhava em direção à cozinha, levando
seu almoço consigo.

O celular do homem tocou no percurso e dei privacidade a ele,

encarando a televisão, pensando no que iria fazer sobre minha apresentação.

— O que vai fazer hoje, Lili? — ele indagou da cozinha, comendo

com apenas uma mão, enquanto segurava o telefone com a outra.

Eu o encarei por cima do ombro, ainda meio preocupada com a

forma que aquele homem era absurdamente bonito.

— Nada.

— Ok — respondeu, voltando ao telefone. — Tenho companhia.

Lilian Santiago. Sim, isso.

Franzi o cenho, confusa e me levantei, colocando a mão na testa,

constatando que minha cabeça parou de rodar toda vez que me levantava.

— O que foi isso? — perguntou quando Caio finalizou a chamada.

— Um jantar de negócios. É um restaurante incrível. Não vai ser tão

formal quanto pensamos e eles convidaram com espaço para companhia.

Fiquei rapidamente confusa.


— Mas como assim vou ser sua companhia? Você enlouqueceu? —

Coloquei a mão sobre a bancada, encarando o maxilar bonito, coberto por


uma barba rala.

O homem era realmente muito bonito de se ver.

Caio Montenegro tinha ombros largos, cobertos por uma camiseta


fina que mostrava os braços fortes, pois a manga era curta, cabelos escuros

penteados levemente para cima, olhos que pareciam sempre estar me

analisando, incapaz de me fazer desviar.

Era como se um ímã me puxasse para seu rosto, analisando cada


uma das suas emoções.

Já esperava que ele fosse estupidamente bonito, afinal, sua fama em

Curitiba era um reflexo daquilo. Sem falar que Josiane não errou com a

beleza de cada filho.

— Você estava irritada com algo ontem. Acho que um evento que

não envolva ficar bêbada feito um gambá vai te fazer bem. Vai ser incrível.

Comida boa, vinho caro, o que mais eu e você podemos querer?

Franzi o cenho com sua linha de pensamento.

— Não tenho roupas para esses eventos chiques. — Cruzei os

braços. — Sem falar que estou doente, não deveria nem pensar em sair.
— Você estará ótima até o fim do dia. E tenho tempo livre, podemos

sair e comprar algo bonito. — Olhou o relógio.

— Novamente, que diabos você está fazendo? Nem me conhece.

Caio abriu um sorriso que me lembrava aquele Gato do País das

Maravilhas.

— Somos amigos — afirmou com convicção.

— Não somos não. Te conheço há menos de uma semana.

— Amizades não são definidas pelo tempo. Por exemplo, em menos


de vinte e quatro horas eu já te salvei várias vezes e não estou cobrando, só

pontuando. Amizade é sobre confiança, sobre conexão.

Abri a boca, indignada.

— Não estou conectada com você.

— Claro que não. Isso seria horrível — falou debochado. — Mas

você não negou sobre sermos amigos. — Abriu um sorriso espertinho e tive

a certeza de que aquele homem conseguia tudo o que queria com aquele
sorriso.

E aquilo era bem preocupante.

— Até poucas horas atrás, você me xingou de megera — relembrei.

— Eu sei, não sabia o que falava. Às vezes isso acontece. — Fez


uma expressão tão condescendente que me irritou.
— Não vou sair com você, Caio — decretei, voltando para o sofá.

— Por favor, apenas um jantar! E eu não conto para ninguém que vi


sua bunda bonita ontem — pediu ou implorou, não sabia qual era a

artimanha que ele usava naquele momento.

— Você não viu minha bunda! — exclamei, horrorizada.

— Eu vi sim — afirmou, abrindo um sorriso safado, balançando a


cabeça.

Foi então que me dei por vencida.

— Ok, mas você vai ser legal — falei, barganhando.

— Vou ser um anjo — aceitou, sorrindo com um certo

deslumbramento.

— E me levar num jantar legal amanhã para me parabenizar pelo

meu evento no hospital — falei, vendo-o assentir prontamente.

— Parece que você está se aproveitando da minha bondade, mas

sim.

Lancei a ele um olhar sério, mas Caio não se atreveu a dizer nada.

— Eu preciso ir para o meu quarto, vestir roupas decentes e


descansar.

— Temos algumas horas. Você vai e descansa, ainda está meio

pálida. — Tocou minha testa, e eu quase me afastei, pois seu toque fez uma
corrente elétrica percorrer por cada espaço do meu corpo, deixando-me

incomodada.

Meu telefone tocou sobre a mesa da cozinha, peguei o aparelho e vi

o nome de Alice na tela.

Caio voltou a comer, enquanto saí do cômodo, atendendo a chamada

da minha irmã.

— Oi — falei, sentando-me na beirada do sofá, ainda tonta com os


planos do homem.

— Como você está? Sumiu. Fiquei preocupada.

Sorri.

— Estou ótima. Só bebi um pouco e tive ressaca — expliquei como


se não fosse nada de mais.

E realmente não era, porém, ficar bêbada não era meu estilo.

— Lili! — ela exclamou em repreensão.

— Estou bem, juro.

— Ok, falei com Caio mais cedo. Você o encontrou novamente?

— Sim, nos encontramos de novo na conferência.

— O que achou dele? — indagou animada.

Sorri.
— Estranhamente legal, apesar dele ter um estilo abusado. Irritante

demais — respondi , vendo o homem encarando-me com impaciência.

— Está no DNA dele — Alice resmungou.

A conversa com Alice durou por mais alguns minutos e sorri das

coisas que ela contava sobre meus sobrinhos.

A verdade, era que estranhamente fiquei melhor quando finalizei a


chamada.

— Então eu sou irritante? — Caio parou na minha frente com uma

cerveja nas mãos. — Muito. Só de ontem para hoje, já perdi a conta de

quantas vezes zombou da minha cara.

Ele encolheu os ombros, sem sentir remorso realmente.

— É como um dom. — Foi tudo que respondeu, bebericando a

cerveja sem afastar os olhos de mim.

Seu gesto me deixou nervosa, quase ansiosa, como nunca estive na

vida.

Minha mala estava espalhada no chão do quarto enquanto analisava

minhas opções.
Fui ao shopping durante a tarde com o Caio e escolhi um vestido
sobre os julgamentos cruéis do homem, que categorizava as roupas como

“coisa de velho”, “vulgar demais”, “pelo amor de Deus, parece uma

sacola”, e apesar de saber que ele estava brincando, queria chutá-lo na


maioria das vezes.

Porém, no fim, acabou sendo bem divertido e eu estava animada.

Ele me deixou no hotel por volta das seis da tarde e, naquele


instante, já passava das sete e meia, e não estava pronta.

Não sabia que sapato usar, muito menos qual dos vestidos usar.

Encarei o vestido sobre a cama, um modelo preto que ficava justo

no corpo, além de ter uma cauda discreta no final, na altura do joelho. Ele
era bem marcado no corpo, mas o detalhe embaixo o deixava mais

suave, além de ser totalmente fechado no busto.

Foi um consenso entre mim e Caio.

E ainda me questionava o motivo dele me escolher para ser sua

companhia naquela noite.

A ligação de Caroline brilhou na tela do meu celular, atendi


rapidamente, vendo que era chamada de vídeo.

— Ei — falei sorrindo.
— Como você está? Sumiu? — indagou enquanto me encarava de
modo analítico. — Maquiada? Vai sair?

Sorri, sabendo que não havia como esconder nada da minha amiga.

— Sim. Encontrei o Caio e vamos a um jantar. Mas eu não sei o que


vestir, tenho este modelo. — Virei a câmera, apontando para a cama. — E

esse. Ele não gostou desse, escolhi contra sua vontade.

— Espera lá! — ela exclamou. — Caio?

— Sim, ele veio na conferência, lembra?

— Ok, e você simplesmente está se dando bem com ele?

— Você confia tanto em mim, quando se trata de homens —


debochei, calçando os saltos altos, enquanto me olhava no espelho. — Ele é

um Montenegro. Brigamos no avião, bebemos todas num bar e ele me


impediu de morrer com meu vômito.

— Eca! Informação demais.

— Me ajuda, Carol! Estou sem roupa! — exclamei, jogando-me


sobre a cama.

— O vestido preto com batom vermelho. Você fica linda nessa

combinação.

Eu a encarei.
— Sério, confia em mim. Vai se arrumando enquanto fala comigo
que vou opinando.

Eu me levantei resignada, vestindo-me enquanto falava com minha


amiga, vendo que Hannah dormia em seus braços, completamente alheia à
nossa conversa.

Assim que finalizei já tinha passado quase dez minutos do horário e


Caio não havia chegado.

— Ele não vem — falei apreensiva, encarando a Carol.

— É claro que vai. Ele não disse que ia?

— Sim, mas o que eu sei sobre ele? Nada. Poderia ser mentira e...

Alguém bateu à porta, fazendo-me congelar no lugar, vendo o

sorriso aparecer no rosto de Carol.

— Vá se divertir. E me conte todos os detalhes sórdidos.

— Não vai ter — resmunguei irritada, e ela riu.

— É claro. Eu saio com um herdeiro bonitão todos os dias e os


detalhes sórdidos nunca aconteceram, claro. — Foi debochada, fazendo-me

revirar os olhos enquanto finalizei a chamada, sem me despedir.

Abri a porta do quarto, encontrando Caio bem-vestido do outro lado.

Preto, definitivamente, lhe caía bem.

Maravilhosamente bem.
Senti seus olhos descendo por meu corpo coberto pelo vestido que
ele me ajudou a escolher e tornarem a subir, lentamente, incendiando por

onde passava, parando em meu rosto, sorrindo de canto.

Safado.

— Está gata, Megera — brincou, ajustando a camisa preta dentro do


paletó.

Ele não vestia gravata, deixando o look despojado.

— Não me chame assim — falei meio irritada, dando uma volta,


mostrando o zíper pela metade do caminho. — E me ajude. Você está

atrasado. Pensei que não viria. — Segurei o vestido mais acima, firmemente
para que ele puxasse o zíper.

— Eu sou um homem de palavra, querida. — Tocou meus cabelos,


jogando para o lado os fios escuros e em ondas perfeitas graças ao babyliss.

Senti seus dedos tocando as minhas costas, arrepiando-me, enquanto


puxava o zíper, levemente emperrado, demorando demais para subir.

— Não conheço você, não sabia que era um homem de palavra —


resmunguei quase sem fôlego quando senti suas mãos em minhas costas,
finalizando o caminho.

Seu corpo próximo demais me deixava fraca, seu perfume afetando


meus sentidos.
Sentia as pernas bambas, me deixando propensa a cair, como se eu

não soubesse dar um passo.

— Somos amigos. — Seu sussurro próximo ao meu pescoço me fez


suspirar.

Se eu estivesse em um juízo normal, acabaria por dizer que não

éramos amigos, mas apenas dei um passo à frente, tonta, encarando-o.

Dei uma volta completa, jogando meus cabelos para trás.

Caio me encarou, sem desviar o olhar e fiz o mesmo, não

conseguindo parar de observá-lo, nem se tentasse.

— Como estou? — indaguei sorrindo, tentando quebrar o clima,

esperando uma resposta espertinha do homem.

No entanto, ele colocou a mão sobre o peito, levando alguns

minutos para abrir a boca.

Ele estava tão bonito naquela noite, mas jamais diria aquilo a ele.

— Está perfeita. — Estendeu a mão. — Posso dizer que está tão

bonita quanto a Lua esta noite?

Abri um sorriso.

— Impossível. E é brega.

Ele sorriu enquanto colocava minha mão sobre a sua estendida.


— Mas eu gostei. — Eu me aproximei, parando na sua frente,
colocando as mãos em seu peito, alisando o terno perfeitamente alinhado ao
seu corpo.

— E você está lindo. — Encarei o Caio, novamente sentindo aquilo,


a ligação insana e o desejo de encará-lo por minutos, sem conseguir desviar
o olhar um minuto sequer.

Ele beijou minha testa em um ato inesperado, fazendo-me suspirar.

Caio tinha um filho esperando por ele em Curitiba.

Um filho e a mãe do filho dele, namorada, ou que ela fosse.


“Perfeita demais”, pensei enquanto abria a porta do carro para que

Lilian descesse em frente ao restaurante Santa Massa, onde estava marcado


o jantar de negócios que fui convidado por William naquela noite.

O local estava fechado apenas para aquilo, com a equipe de garçons


e chefes, todos atendendo o grupo seleto de pessoas.

Extravagância demais, mas eu sabia que o serviço do Santa Massa


era impecável.

Lilian passou o braço em volta do meu, enquanto caminhávamos

juntos em direção à entrada.


Falei com Alice durante a tarde, depois de deixar a irmã dela no

hotel.

Passei por um interrogatório sobre nosso encontro, mas não deixei

muita coisa explícita, sabendo que criaria um caso lá em Curitiba, caso eles
pensassem que estávamos envolvidos.

Suspirei, abrindo a porta do local e encontrei alguns convidados

sentados à mesa.

Eram pessoas conhecidas e pelo que William disse, Enrico conhecia

o senhor Fontana e decidiu dar uma recepção pela chegada deles no Brasil.

Coisa de gente que claramente gostava de agradar.

— Cheio.

Senti os dedos de Lilian em meu paletó e a encarei, vendo sua


expressão aflita.

Fiquei na sua frente, ocupando sua visão.

— Faz quase um ano que não vou a eventos. Estou ansiosa.

Segurei seu rosto, focando nos olhos castanhos, atraindo seu olhar.

— Você não precisa ficar se não quiser — comecei, sentindo-me

culpado.

A dor em seu rosto ia e vinha a cada momento, deixando-me

desesperado.
— Podemos pegar um vinho barato de mercado, voltar para o hotel
e tomar enquanto conversamos. Apesar de você não estar totalmente

recuperada para beber.

Ela sorriu.

— Estou bem. — Apertou minha mão, que ainda estava em seu

rosto. — Só não me deixe sozinha. — Tornou a passar o braço em volta do

meu quando retornei ao seu lado, caminhando em direção à mesa.

Cumprimentei algumas pessoas, vendo meu lugar reservado com

meu nome na etiqueta. Puxei a cadeira para Lilian, enquanto ela olhava ao
redor, observando tudo.

Ela estava linda, aquilo já era realidade.

Os cabelos escuros caindo em uma cascata bonita, levemente

ondulados devido àquelas engenhocas de mulheres, com o vestido descendo

de modo justo em seu corpo, destacando a pele branquinha, deixando-a com


aparência quase fatal.

Meu corpo respondia muito bem só com a visão dela. E apesar de

saber que deveria manter minhas mãos e pensamentos longe, estava ficando

quase maluco.

— E como está Ravi? — ela indagou, fazendo-me levantar a cabeça.

— Sabrina ainda está no hospital?


— Não, foi para casa já. Falei com ela esta tarde — expliquei. —

Tudo bem no forninho do Ravi.

Ela sorriu, parecia estar feliz com a notícia.

— Que bom. Fiquei bem surpresa ao saber que você seria pai.

Assenti.

Ainda não sabia se poderia falar a verdade para Lilian.

— Sabrina e você estão juntos há muito tempo? — perguntou, e eu

travei.

Juntos?

Ah, sim, claro, ela achava que nós dois tínhamos algo.

— Não, somos somente amigos — respondi, vendo o cenho de

Lilian se franzir.

— Mas vão ter um bebê juntos — relembrou.

Sorri.

— Coisa de uma noite, apenas — expliquei com uma mentira

ridícula. — Sabrina e eu somos amigos desde o jardim de infância. Não


poderíamos estragar tudo com um namoro.

Ela assentiu.
— Por isso fiquei confusa quando você não disse para Will que

tinha uma namorada — falou, concluindo com um sorriso, como se as peças


fizessem sentido.

— Então estava ouvindo nossa conversa? — indaguei, brincando.

— Culpada, sim. Ouvir fofoca é bom — ela se explicou, encolhendo

os ombros.

— E o que pretende fazer sobre a noiva? — questionou.

— Não faço a menor ideia. Will deu a ideia de inventar um


casamento, noivado, qualquer coisa. — Cocei a barba. — Mas não parece

ser um negócio muito digno. Como vou sustentar uma mentira do tipo?
Não. Difícil demais.

Ela colocou os cotovelos sobre a mesa, encaixando o rosto em suas


mãos, pensativa.

Lilian tinha um rosto oval, delicado, mas forte. As sobrancelhas

expressivas, olhos castanhos, os lábios cheios, tão bonita como uma maldita
pintura.

Parecia ter sido escolhida de forma milimétrica, pois tudo nela era
harmônico.

Eu conhecia as duas irmãs e sabia que as duas eram lindas. Porém,


enquanto Alice tinha uma alma leve, quase de menina, a mais velha era
mais durona.

— Posso... — começou a falar, mas o casal de italianos já estava

alcançando a mesa, sorrindo ao me ver.

— Os italianos vêm aí — falei em um sussurro, levantando-me e


ajustando o terno em meu corpo. — Senhor e Senhora Fontana, sejam bem-

vindos ao país. Espero que gostem da estadia em São Paulo.

O senhor apertou minha mão, me abrindo um sorriso.

— Adoramos o Brasil. Não é a primeira vez que viemos —


confidenciou. — Mas Enrico sempre faz isso, como se fôssemos novatos

aqui.

Sorri, vendo-o observar Lilian, que se levantou.

— Boa noite. — Deu um aceno tímido e leve, quase imperceptível.

— E quem é essa moça bonita? — o homem indagou em um


português perfeito. — Boa noite, querida, sou Giulio Fontana. — Estendeu

a mão e quando ela o cumprimentou, vi o italiano beijando o dorso, fazendo


minha companhia enrubescer.

— Sou Lilian, noiva do Caio — ela se apressou em falar, apertando


meu braço com força demais, pedindo ajuda. — Ele me falou muito de

vocês.

O italiano olhou em minha direção, abrindo um sorriso.


— Não nos contou que já está com um pé no altar — o senhor
Fontana falou, e fiquei automaticamente nervoso, sabendo que se ele
notasse a mentira, o negócio iria pelo ralo.

Segurei a mão de Lilian, olhando na sua direção, imitando os


olhares que via meus irmãos dirigirem aos seus parceiros, tentando parecer

o mais apaixonado possível.

— Não pensei que fosse assunto da reunião. E Lili estava viajando,


não pensei que chegaria a tempo de conhecer vocês. — Passei o braço

levemente em sua cintura, sentindo seu corpo tocar ao meu.

— Fico muito feliz em saber que trabalhamos com empresas


compromissadas com a família — o italiano disse, sorrindo. — Por isso sou

muito criterioso com meus contratos. Pois, um homem que honra a mulher

ao seu lado, honra qualquer contrato. Olha lá, minha esposa. — Apontou

discretamente para Antonela. — Ela é o que tenho de mais especial na vida.


Um campo de guerra, sim, mas ainda assim, é tudo único.

Sorri amarelo, pensando no que faria para me livrar daquilo.

Quando o senhor Fontana se distanciou, pude finalmente respirar,

quase tendo um ataque cardíaco.

— Ai, meu Deus, não sinto minhas pernas — Lilian sussurrou,

sentando-se.
Fiz o mesmo, escondendo o rosto entre as mãos, esfregando a pele

de modo desesperado, sem nenhuma postura.

— Agora ferrou tudo, entramos numa mentira — sussurrei e a

encarei, levemente indignado. — O que diabos passou na sua cabeça?

Ela arregalou os olhos.

— Eu não sei! — exclamou. — Quando ele perguntou quem eu era,

só pensei em te ajudar e quando vi, já tinha falado. Pensei em dizer que era

esposa, mas não aconteceu. Era um pouco demais.

— E se ele fizesse perguntas? Meu Deus, eu vou morrer. — Abri


mais um botão da minha camisa, desesperado.

Senti as mãos de Lilian na minha, impedindo que fizesse aquilo em

mais algum.

— Calma, ok? Eu comecei, eu vou terminar. — Alisou minha mão.

Eu já percebi que toda vez que ela me tocava, reagia como um

idiota.

Giulio Fontana parou ao nosso lado, estendendo uma taça de

champanhe intocada em direção a Lilian, que arqueou a sobrancelha, mas


não contestou, aceitando a bebida, provando.

— É a nova safra da Bernardi lançada em parceria com a Fontana —

explicou. — O orgulho das duas empresas.


— É maravilhoso — minha noiva falsa falou, deslizando a língua

suavemente pelos lábios vermelhos sangue. — Não posso beber muito, sou

fraca para coisas doces e com sabor maravilhoso.

Segurei a risada, vendo Giulio rir das palavras de Lilian.

— Quem está contando sua taça, querida? Com toda certeza não é

seu futuro marido — brincou, piscando em minha direção. — A coleção se

chama Antonela. Enviarei uma amostra ao apartamento de vocês para


aproveitarem, um vinho. Conheço um incrível da coleção da Bernardi.

Suspirei resignado.

Sinceramente, não pensei que fosse acabar mentindo para conseguir

fechar aquele negócio, principalmente, pois era um contrato de anos.

Como explicaria que não me casei quando cinco anos depois o tal

Fontana indagasse sobre Lilian?

Eu não fazia a menor ideia.

— É perfeito, prove, querido. — Lilian se virou para mim, abrindo


um sorriso, entregando a taça em minha mão.

Eu a observei, vendo que ela parecia mil vezes melhor do que

quando nos encontramos no avião.

Seus olhos brilhavam e poderia arriscar dizendo que ela estava feliz
por estar ali.
— Claro — respondi tomando um gole, observando-a por cima da

borda da taça.

O movimento me fez observá-la suspirar lentamente, sem desviar o

olhar.

Eu sabia bem o que acontecia ali. Cada parte do meu corpo


respondia a simples presença daquela mulher, porém, não podia ir em frente

com aquilo.

Ela perdeu o noivo havia pouco tempo e era ligada à minha família

de modo quase perigoso.

Magoar Lilian traria grandes repercussões à minha vida.

— Perfeito — falei a ela, olhando em seguida para Giulio, abrindo o

melhor sorriso. — Preciso de um desses, minha mãe adora. E adora

presentes também. Então, caso eu faça algo de errado, precisarei disso para
acalmá-la.

Giulio sorriu, batendo em meu ombro.

— Estamos de saída já — informou, enquanto alinhava o terno

em seu corpo, procurando a esposa com o olhar. — Te vejo na próxima


reunião, senhor Montenegro.

Assenti, vendo-o estender a mão, apertando a minha de modo firme.


— E, senhorita, tenha uma boa noite. Espero receber um convite

para o matrimônio.

Lilian sorriu nervosa.

— É claro. Foi um prazer conhecê-lo. — Nem gaguejou ao falar


aquilo, recebendo um beijo no dorso da mão de modo galanteador.

Antonela parecia não se preocupar com aquilo, pois não teve

nenhuma reação quando viu o marido fazer o gesto.

E, no fim, era compreensível.

Quando os dois estavam lado a lado, conseguia ver Giulio olhando

para a esposa da mesma forma que meus irmãos olhavam para seus

companheiros.

Era apaixonado.

Eu diria, completamente rendido.

— Estou suando — Lilian sussurrou, e coloquei a mão nas costas

dela.

Giulio se distanciou, cumprimentando as pessoas ao seu redor de


modo animado. E quando ele finalmente saiu do Santa Massa, eu a vi ficar

calma, segurando-me de modo quase fraco.

— O que vamos fazer? Ele agora quer um convite, pelo amor de


Deus. Se ele fosse um cara asqueroso que diz que preserva a família e, no
fim, não cumpre nada disso, seria fácil mentir. Mas você viu a forma que

ele olha para a esposa, Caio? — tagarelou, indignada com ela mesmo.

— É claro que eu vi. — Apertei suas mãos entre as minhas, tentando

trazer segurança. — E vai ficar tudo bem. Vou na próxima reunião e manter

a mentira. Se caso fecharmos o contrato, o que me parece promissor agora,

precisarei que essa mentira dure.

Ela me encarou, com os olhos castanhos arregalados.

— Por quanto tempo?

— É um contrato de publicidade e assessoria de sete anos. Então,

muito.

Lilian gemeu.

— Ai, meu Deus, me mate agora. — Colocou a mão sobre a testa,

fazendo-me sorrir.

Coloquei a taça de champanhe em sua mão novamente, ordenando

que bebesse.

— Eu não posso. Vou começar a cantar “Yo soy rebelde” no meio de

um restaurante chique. Não é uma visão boa.

Sorri.

— Não se preocupe. Eu resgato você. — Beijei sua testa, vendo que

tínhamos alguns olhares atentos em nossa direção. — Você vai continuar


sendo minha noiva falsa caso eu feche um negócio que vai levar minha
empresa a outro nível.

Ela bebeu mais um gole da taça de espumante.

— Sabe que se isso chegar no ouvido das nossas famílias vai virar
uma loucura, né? — indagou, movendo-se levemente no ritmo da música.

— Sei. — Dei um gole na minha bebida, olhando ao redor,

engolindo o desejo de levá-la até a pista de dança improvisada e dançar com

ela por algum tempo. — Mas não se preocupe, seremos discretos.

— Você fala isso com tanta certeza. — Suspirou, olhando em

direção a Enrico e Helena dançando juntos.

A loira tinha a cabeça no ombro do marido, enquanto ele a segurava

firmemente.

— É um casal bonito. Os conhece?

Assenti.

— É o CEO da Bernardi. Trabalhamos com ele a parte da

publicidade.

Ela assentiu.

— Quer dançar? — arrisquei, vendo Lilian engolir em seco,


pensativa, sem afastar os olhos do casal.

Ela sorriu de canto, negando.


— Não, obrigada. — Entornou o resto de champanhe, livrando-me
de uma dança.

E, ao mesmo tempo, em que estava agradecido, sentia-me mal.

Eu queria dançar com ela, mesmo sabendo que não conseguiria


manter minhas mãos longe, caso aquilo acontecesse.

O desejo que sentia por Lilian não deveria vir à tona. Eu a deixaria
com toda certeza perturbada e ela já estava carregando o peso do mundo em

seus ombros.

— Agora me conte. — Ela se virou novamente para mim.

— Qualquer coisa, Megera. — Abri um sorriso de lado, vendo-a

negar.

— Eu sou legal, pare de me chamar assim.

— Você não me deu a chance para ver se eu sou legal primeiro,


agora aguente a megera — rebati rapidamente, vendo-a suspirar.

“Péssima decisão”, pensei enquanto me aprontava para a noite.


Depois da mentira no evento da empresa de Caio, acabei entrando
no jogo, pois precisava sustentar a besteira que fiz o homem se enfiar,
aceitando tudo que ele me propunha.

Primeiro pensei que seria mais fácil mentir, mas depois de ser
convidada por Antonela Fontana para um passeio por São Paulo, senti

minha cabeça girar e quase falei que estava doente.

Mas foi um ótimo passeio.

A companhia de Helena e Rafaela deixou a situação mais leve,


deixando-me confortável na presença das três mulheres.

No fim, o foco não foi Caio e eu, mas assuntos gerais, desde
maternidade, até o último lançamento da Gucci.

— Tudo pronto — falei para mim mesma, observando meu look no

espelho.

Escolhi uma calça social justa no corpo, com cropped de renda que

não era tão indecente, mas dava um ar sensual à roupa, coberto por um
blazer escuro.

Era um jantar de negócios entre amigos, segundo Caio.

Ele teve uma reunião com Fontana no dia anterior e segundo meu
noivo falso, tudo parecia promissor.
Encarei a aliança falsa que Caio me deu naquela manhã, pensando
no fato de que ela estava no lugar onde usei a de Jorge por anos e só a tirei

dois meses antes daquela viagem.

— Estou pronto. — Caio entrou no quarto de hotel, alinhando o

terno.

— Não mudou nada. Você usa a mesma cor sempre — falei

enquanto me aproximava, colocando a bolsa no ombro.

Era um modelo da Gucci pequeno, que ganhei de Alice no Natal.

Eu a adorava.

— Você está linda — comentou, fazendo-me dar uma voltinha. —


Sua bunda ficou maravilhosa neste modelo.

Senti meu rosto arder de vergonha, encarando Caio com repreensão.

Ele riu.

Às vezes, pensava que não existia um filtro na cabeça do Caio, pois


ele falava exatamente o que pensava.

Era incrível.

— Você não está de se jogar fora. — Alisei seu terno, sorrindo em

sua direção.

Ele era alto e ainda que meus saltos me dessem mais altura, ele

conseguia ser maior que eu.


— Mas, novamente, é o mesmo look da outra noite. Você deveria

sair do preto.

— Você também. — Deslizou os olhos por meu rosto, descendo


pelo pescoço, ombros, alcançando meus seios dentro do cropped

apertado, demorando ali. — Ok, vamos logo. — Deu um passo atrás,


colocando um espaço entre nós, fazendo-me suspirar.

Eu ficava fugindo.

Sabia que meu corpo respondia ao de Caio, inclusive, como nunca

respondeu a ninguém. E desde que perdi Jorge, não sentia nem metade
daquilo, o que era assustador.

— Vamos. — Enlacei o braço ao seu, sabendo que havia me enfiado

em uma situação horrível, mas me arrependia por uma única razão, eu


precisava ficar longe.

Porém, torcia para que ele conseguisse aquele contrato.

Era importante para Caio.

Aquilo era transparente em seu rosto cada vez que falava da sua
empresa com Leon.

— Você está pronta para sua palestra? — indagou quando entramos


no elevador, então apertou o botão do térreo, parando ao meu lado, com o
corpo tocando o meu.
— Claro, sei meu trabalho praticamente decorado — falei com
orgulho. — E você? Não vai participar da conferência?

— Sim, mas só tenho duas palestras. Participações, na verdade, nada

grande — explicou, e eu assenti.

A escolha do restaurante foi perfeita e enquanto Giulio conversava


com o chefe, observei Caio conversando animadamente com Antonela,
contando sobre a empresa, trocando ideias.

A mulher trabalhava junto com o marido e conforme falava da vida


de mãe, dona de casa e empresária, eu a admirava.

— Quando será o casamento de vocês? — Antonela indagou,

fazendo-me engolir um gole da água sobre a mesa, sentindo minha garganta


secar. — Acho tão incrível tudo que envolve casamentos. As tradições. As

decorações. Estou ansiosa para casar meus filhos.

Sorri.

— Ficamos noivos há pouco tempo — expliquei, trocando um olhar


com Caio e o vi beber um gole do vinho, para esconder o sorriso. —
Queremos aproveitar um pouco a vida ainda. Quem sabe em dois ou três

anos. Somos jovens.


Ela soltou uma risada leve.

— A vida de casado é difícil, mas não é uma prisão, só avisando. —

Piscou ao falar, misturando de forma bonita o italiano e português. —


Quando ficamos com quem amamos, se torna uma jornada a dois.
Aproveitamos momentos juntos e separados, mas nunca deve ser uma

prisão. Para nenhum dos dois.

Assenti.

— Só que queremos ter filhos assim que nos casarmos — Caio


interveio. — E como Lilian disse, antes disso precisamos aproveitar um

pouco mais.

— Bom, vocês quem sabem. Eu recomendo o casamento e bebês,


por favor, tenham bebês — ela suplicou, fazendo-me rir. — Olha esse

rostinho lindo. — Segurou meu rosto entre os dedos. — Vão sair a coisa
mais linda do mundo.

Senti minhas bochechas corarem e vi Caio sorrindo.

— Não é mesmo, Caio? — ela o encorajou.

— Sim. Claro. — Ele passou o braço em torno do meu ombro,


beijando minha bochecha. — Ela é linda — sussurrou, sem desviar o olhar.
— E sabe bem disso.

Meu coração idiota vacilou como um tonto.


— Ah, quero ver um beijo ainda. Dois encontros e nada. Bebês não
nascem das cegonhas, vocês sabem, né?

Antonela era animada, mas foi Giulio quem falou, retornando à


mesa.

— Claro. Claro. — Caio tossiu, nervoso.

Observei os lábios rosados naturalmente do homem, vendo o

maxilar marcado pela barba rala e bem aparada.

Era tão bonito...

Segurei seu rosto levemente, fazendo com que ele me encarasse.

Ele engoliu em seco, fazendo o pomo de adão subir e descer, então o

mantive próximo, com as duas mãos ainda em seu rosto, colocando meus
lábios sobre os seus rapidamente.

Um...

Dois...

Três segundos.

Era o suficiente.

E meu corpo estava tremendo, ansiando por mais.

Mas acabou tão rápido como começou.


Saímos do jantar com Giulio quase uma hora depois, com minha

cabeça ainda rodando e minhas mãos tremendo. Tentei manter distância,


pensar com mais clareza, porém, tudo que consegui foi me julgar pelo ato
impensado que aquilo significava.

Entrei no carro de Caio antes que ele abrisse a porta, colocando as


mãos sobre minha perna, apertando a pele com força, tentando parar os

batimentos acelerados do meu coração.

Ele não falou nada sobre o beijo e acreditava que iria encarar aquilo

como interesse óbvio.

— Vamos falar sobre o que aconteceu? — ele indagou assim que


entrou no carro.

Suspirei, escondendo o rosto entre os dedos.

— Ok, desculpa, eu pensei que podia ajudar — menti.

Eu sabia bem qual era a resposta para aquilo, não era porque podia
ajudar, mas porque eu quis.

Beijei e beijaria de novo se tivesse a chance, fazendo aquilo com


mais vontade.

— Tudo bem. Mas se for me beijar. — Ele me lançou um olhar


sério, com sorriso de canto. — Da próxima vez me beije com mais vontade.
Não deu nem para provar direito.
Bati em seu ombro, sorrindo.

— Cala a boca — resmunguei, colocando meus pés descalços sobre


o painel do carro. Ligando o som para acabar com aquela conversa,

principalmente, não pensar sobre tudo aquilo. — Acha que já deu de


encontros? — Eu o encarei, ouvindo o sertanejo universitário preencher o
carro, fazendo-me batucar na medida que a batida se intensificava.

— Pode ficar aberta para mais alguns — falou de modo agitado. —

Consigo enrolar, mentir depois. Até correr um risco de perder o contrato,


mas no momento seria de grande importância conseguir fechá-lo.

— Não vou deixar você perder o contrato por minha causa. Eu

comecei isso.

— Sim, mas não é totalmente sua culpa. É culpa deles, se não

fossem tão conservadores... — Revirou os olhos.

— Está tudo bem. Essa viagem está sendo bem divertida. —


Observei São Paulo pela janela do carro.

— Sim, bebendo com novos amigos, fingindo um noivado, beijando


seu noivo falso. Posso dizer que você é uma grande revolucionária —

brincou, fazendo-me rir.

— Este é um grande clichê de um filme romântico. Nada de novo no

roteiro — falei, garantindo em meus pensamentos que não passaria daquilo,


de um roteiro.

Nunca se tornaria realidade.

Não falamos mais nada durante a viagem e quando Caio estacionou


em frente ao hotel, me acompanhou até a porta do meu quarto, com a mão

na base da minha coluna. Eu me virei em sua direção, na porta, encarando o


homem com fixação.

— Desculpa por toda a bagunça. — Beijei sua bochecha, sentindo o


cheiro do perfume masculino entrar em meus sentidos, deixando-me fraca.

Meu Deus, aquilo ainda ia me matar...

— Te vejo depois?

Ele segurou minha cintura quando dei um passo para trás e me


encarou, com um meio sorriso.

— Claro. — Beijou o topo da minha testa, segurando meu rosto com

firmeza. — Boa noite, Megera — sussurrou, fazendo-me suspirar enquanto


o via se afastar, olhando sobre os ombros até que eu estivesse dentro do
quarto.
Giulio Fontana se levantou, estendendo a mão em minha direção e não
pensei duas vezes em apertá-la, satisfeito com o resultado daquela negociação,

mesmo que fosse feita pelos motivos errados.

Eu me levantei, ficando cara a cara com o italiano que se mostrou muito


amigável no decorrer das negociação.

— Fico feliz em fechar um contrato com você. Gosto de analisar com

cuidado nossas parcerias, pois quero pessoas comprometidas e responsáveis.

Sabemos que isso nem sempre é uma realidade.

Quase me engasguei de nervoso, mas me recompus a tempo.

— Eu e meu sócio somos as pessoas certas, você irá ver.


Ele assentiu pegando a bolsa.

— Ficarão mais alguns dias no Brasil?

Ele confirmou.

— Iremos para o Sul, temos família aqui.

Abri a boca, surpreso com a informação.

— Moram em Bento Gonçalves, deve conhecer. Felipa Fontana.

Neguei.

— Tem filhos lá, Miguel, e mais duas meninas.

— Não vou tanto a Bento Gonçalves, mas conheço um Fontana — me

recordei rapidamente. — Alessandro, nos conhecemos em um evento.

— Meu sobrinho. Somos uma família grande.

Balancei a cabeça em confirmação.

— Caso esteja em Bento Gonçalves quando estivermos lá, poderíamos


marcar um encontro. Antonela gostou muito da sua noiva.

Sorri.

— Lilian a adorou.

Aquilo não era uma mentira, afinal, Lilian e Antonela haviam se dado bem.

A única coisa que deixava minha falsa noiva maluca era o fato de estarmos
definitivamente mentindo.

— Antonela também, minha esposa tem um olho bom para essas coisas.
Relacionamentos. — Piscou. — Ela disse que vocês são promissores. E que não
devem deixar a chance de serem felizes ir embora.

Eu o encarei, pensativo.

Se Giulio soubesse...

— Ela é rara — falei sério, vendo-o me abrir um sorriso satisfeito.

— Você também. William me falou bem de você. — Bateu em meu ombro.


— E reforço, quero ser convidado para o casamento.

Quase gemi ao ouvir aquilo, sabendo que se ele fosse esperar meu
casamento com Lilian, seria mais fácil esperar o mundo acabar.

Lilian amou muito Jorge, todos falavam aquilo, era visível no seu rosto
sempre que falava dele, então para se apaixonar novamente, a pessoa tinha que ser

extraordinária.

Eu não era nada daquilo.

— Claro que receberá — concordei, engolindo o nó que se formou em


minha garganta.

Acompanhei Giulio até a porta do escritório, a sala de reunião da Bernardi


que Enrico arrumou para as reuniões com o italiano estava vazia e foi o local
perfeito.

A empresa de Giulio ainda não estava totalmente instalada em São Paulo,

mas em breve a construção e os ajustes finalizariam, então viria a parte de


preparação para o lançamento da marca.
— Te vejo em breve, Caio — ele falou, antes de se afastar, fazendo-me
cruzar os braços enquanto observava o homem ir embora, pensando em tudo o que

ele acabou de falar.

— Pensativo?

Virei o rosto rapidamente, vendo Enrico a alguns passos, com uma xícara
entre os dedos.

Ele parou ao meu lado, observando-me, enquanto tomava seu café.

— Ele tem certeza de que Lilian e eu fomos feitos um para o outro.

Não era segredo para Enrico e William sobre minha mentira e vi o homem

sorrir das minhas palavras.

— Eu devo dizer que você está encrencado então — brincou, abrindo um


sorriso cheio de malícia, deixando-me ainda mais confuso. — Ele falou a mesma

coisa quando Helena e eu mentimos sobre o noivado. Nunca contamos a verdade,


então ele nunca vai saber que estava certo, que fomos pegos por uma mentira.

Ele olhou para longe, observando Helena discutir com William na porta da
sala do CEO da empresa.

A loira não dava o braço a torcer para qual fosse a conversa, sabendo bem
que qualquer que fosse dos dois, ela os tinha na palma da mão.

William gostava de fingir que não faria qualquer coisa por ela, já Enrico
passou daquela fase fazia tempo.

Ele já era rendido à esposa.


— Eles vivem brigando? — comentei, distraindo-o da conversa original.

— São feitos cão e gato. Helena o tem como um irmão. Não veja coisa

onde não tem.

Levantei a mão no ar, defendendo-me.

— Não faço isso. Sei como é esse tipo de relação. Tenho dois irmãos, sou
próximo à minha cunhada e se alguém quiser ver malícia, é loucura. Ela é como a
minha irmã. Tem pessoas que não precisam de sangue para se tornar família.

Ele assentiu.

— É irritante vê-los juntos, confesso, mas Will é como um irmão.


Crescemos juntos, então saber que ele gosta de Helena é importante. E não fuja do

assunto. Sabe que você e Lilian...

Neguei rapidamente.

— Não vai acontecer — afirmei veemente.

— Claro que vai. — Enrico sorriu.

— Não, porque Lilian ainda é apaixonada pelo ex-noivo. É claro como


água isso nos olhos dela.

Ele me encarou com a sobrancelha se arqueando em curiosidade.

— Não sabia disso.

Assenti desconfortável com o assunto.

— Mas sabe que são amores diferentes, né? O ex-noivo é passado. Uma
pessoa pode amar mais de uma vez.
— Eu sei, mas acontece que ele não é apenas ex-noivo porque eles
terminaram, mas porque ele morreu — resmunguei. — É o pior tipo de
finalização. Ela não teve um final. Ela simplesmente o perdeu e ficou destruída.

Falar sobre a dor dela me desesperava, pois vê-la tão forte, sempre
tentando esconder as coisas que sentia era insano. Não sabia se conseguiria passar
por tudo que Lilian passou, afinal, nunca perdi ninguém importante.

— Vocês se conhecem há muito tempo?

— Não. — Senti o celular vibrar e vi o nome dela na tela. — Um minuto.

Enrico assentiu, afastando-se para apaziguar a briga da esposa com o


melhor amigo.

— Oi — falei ao telefone.

— Ei — ela devolveu animada. — Fazendo compras.

— Você não foi conhecer os pontos turísticos? — brinquei.

— Sim, mas aí o taxista me levou para comprar roupas novas para minha
palestra no sábado — falou com animação, fazendo-me sorrir. — Vamos almoçar

juntos hoje? Fechou o contrato?

— Sim, contrato assinado. Eu vou cozinhar para você, vou te embebedar


com o vinho caro da Bernardi e o espumante que o Fontana deixou de presente

para os noivos — debochei com o final da frase, ouvindo sua risada.

— Não me deixe bêbada, por favor. Eu fico sem filtros e com problemas
de comportamento.
— Esse é o objetivo — rebati rapidamente.

Lilian chegou ao meu apartamento por volta das onze e meia, com as
sacolas espalhadas por minha sala.

Eu a encontrei ainda de cabelos molhados e com o roupão no corpo.

Eu demorei demais no banho, precisando de alguns momentos antes de sair


dali.

— Ei. — Ela me encarou sorrindo.

Lilian subiu com a autorização já prévia na recepção.

— Pensei que fosse cozinhar para mim, vim na expectativa. — Desceu os


olhos mais abaixo, detendo-se até onde a peça pesada se abria em meu abdômen.

— Tem vinho na mesa — falei, apontando em direção à cozinha, sumindo


no corredor novamente.

Gostaria de não ter dito que ia cozinhar, pois, sabia bem que minhas
especialidades na cozinha era ovo e miojo.

Mais recomendado era pedir algo no delivery.

Foi o que fiz antes de retornar, vestindo um calção folgado e blusa de frio,
pois o tempo fechou em São Paulo naquele dia.

Eu a encontrei servindo uma segunda taça de vinho, então sorriu na minha


direção e empurrou a primeira pelo balcão.
— Pedi comida para nós — avisei, buscando o notebook sobre o balcão e
abri em cima da mesa.

Bebendo um gole de vinho, vi Lilian colocar a mão na cintura,


observando-me.

— Você está estranho. — Foi a primeira coisa que saiu dos seus lábios,
fazendo-me arquear a sobrancelha.

Ela vestia uma camisa vermelha de gola e mangas compridas, justa no


corpo, que marcava bem a cintura fina, e uma calça jeans escura.

Sabia que preto era a cor de Lilian na minha mente.

Ela ficava perfeitamente bem em qualquer peça de roupa que tivesse


aquela cor.

— Você está bonita — desconversei, vendo-a bufar, enquanto se sentava à

minha frente.

— Ah, qual é. Não mude de assunto, você fecha um negócio perfeito e fica
estranho? — Ela me encarou com impaciência. — Deveria estar brindando
comigo, fazendo a comida que você me prometeu. Não pedindo delivery.

Sorri.

— Minha especialidade é ovo e miojo. Acho que você merece um jantar


mais especial.

Ela riu ao me ouvir falar.


— Sem falar que não é sobre mim hoje. Você precisa estar bem descansada
para sua apresentação amanhã.

— Sim, mas isso não é motivo para ficar estranho. Me conte como foi a
reunião. — Tirou o celular do bolso, colocando a taça próxima à minha.

Antes que eu fizesse algo, ela puxou o notebook das minhas mãos,
colocando longe de mim.

— Dia de comemorar. Negócios você pode fazer depois.

Eu a encarei, vendo a mulher tirar uma foto das nossas taças juntas,
postando em seus stories, comigo marcado.

— Pronto, comemorando. Agora um brinde. — Esticou a mão no ar,

sorrindo. — Ao crescimento da Montenegro & Santiago. Estranhamente, sua


empresa tem meu sobrenome junto.

Sorri.

— Um brinde, ao nosso noivado — brinquei, batendo levemente minha


taça na dela.

— Isso! — ela exclamou, animada, bebendo um gole generoso de vinho.


Eu me sentei à mesa de reuniões da sala de conferência, observando

a movimentação incansável passando em frente dos meus olhos.

Todo mundo estava agitado, pois, era o dia de uma das palestras
mais importantes e a pressão do evento começava a aumentar.

Observei Caio conversando com um dos diretores do hospital,

focado no que o homem mostrava no IPad.

Suspirei, encostando os cotovelos contra a mesa, observando o

homem distraído, sem nenhuma noção da minha clara inspeção.

Estava claramente obcecada, observando cada movimento de Caio


como uma viciada.
Desviei o olhar quando ele levantou a cabeça para falar com o

neurocirurgião do hospital, sorrindo de algo que o médico havia falado.

— Olha só quem está aqui.

A voz masculina veio acompanhada do som de alguém puxando a

cadeira ao meu lado.

Levantei a cabeça e vi Pablo se sentando ali.

Meu rosto se comprimiu em uma expressão de raiva, quase no

automático.

Pablo não era uma das pessoas que gostaria de encontrar naquele dia

ou em qualquer outro dia da minha vida.

O médico especializado em pediatria sempre tinha os fios cor de

ouro meio caindo sobre a face e aquilo vinha acompanhado de um rostinho


bonito e sorriso bem cativante.

Era por aquele motivo que todos o adoravam.

Menos eu.

E não era porque não tentei me dar bem com ele.

Quando cheguei ao Hospital Montenegro, descobri que havia outro

médico da minha área de atuação e decidi que faria o possível para que

nossa parceria de trabalho fosse incrível.


Eu tinha absoluta certeza de que poderia aprender com ele, e ele
comigo, afinal, não era porque eu tinha menos anos de carreira que era uma

estúpida.

Fiz muitos cursos e me aprofundava cada vez mais em minha área.

Porém, a única recepção que tive foi de um homem mesquinho e

disposto a puxar meu tapete em todas as oportunidades que tinha.

— O que você quer? — indaguei, fechando a agenda cheia de

anotações.

Pablo sorriu, encostando-se na cadeira de modo relaxado.

— Saber como conseguiu ser inserida em tudo tão rapidamente —

falou, de modo como quem não queria nada.

Ele já chegou insinuando que eu deveria ter feito algo, o que não era
verdade, afinal, nem eu mesma sabia como do nada o hospital me colocou

novamente na lista.

— Nada. Acredito que eles tenham visto o erro antes que fosse tarde

demais — resmunguei, guardando minhas coisas para sair de perto dele.

Não dei muita chance de Pablo falar, desvencilhei-me da conversa e

saí da sala de reuniões antes que acabasse trinta anos mais velha.

Andei pelos corredores, observando tudo com calma.


Era um hotel bonito e foi fechado para o evento, sendo alugado os

quartos e todo o salão de eventos.

Bella Mia era um dos maiores hotéis de São Paulo e sabia que tinha

filiais por vários estados do Brasil, pois quando tentei ver o endereço na
internet, pesquisei Bella Mia e apareceu mais de trinta.

— Ei.

A voz masculina me alcançou e virei, encarando-o de forma


analítica.

Um vinco se formou entre as sobrancelhas grossas e soube no


mesmo instante que ele estava preocupado.

— O que houve? Vi você conversando com o Pablo e na maior parte

do tempo ele só irrita todo mundo.

Sorri de canto, observando o Caio.

— Está tudo bem, só vou tomar uma água antes da minha

apresentação — falei, garantindo que estava tudo bem. — Sabe me dizer


por que foi inserido minha palestra no calendário de eventos novamente?

Caio abriu a boca, dando um passo atrás e completou com um gesto


tipicamente nervoso ao coçar sua nunca, parecendo envergonhado.

— Não, não sei, quem cuida disso é a assistente e não sei o que
houve com a agenda — respondeu.
Eu sabia que ele estava mentindo porque não me encarava.

Caio fez aquilo e não precisava que ele falasse para eu ter certeza.

— Ok, te vejo depois. — Decidi manter minhas suspeitas para mim

e beijei seu rosto, antes de me afastar novamente dele.

O salão de evento estava lotado e assim que chegou minha hora de

apresentar, meu coração batia como um louco no peito. Sentia as mãos


instáveis por causa da ansiedade crescente, mas ignorei tudo aquilo,

subindo no palco para falar com todas aquelas pessoas.

Caio estava sentado junto à comissão de organização e sorriu para

mim, enquanto batia palmas, o que fez minha ansiedade aumentar em


cinquenta por cento, pois ele tinha o sorriso mais lindo do mundo.

Iniciei a apresentação, focando em desviar o olhar da sua direção,


obstinada a concluir tudo de modo mais profissional e não gaguejar.

— Finalizamos as palestras da tarde com a doutora Santiago... — O

organizador tomou a frente da finalização, fazendo-me dar um passo à


frente quando o auditório se encheu de palmas.

A criação de trabalhos era um caminho para ampliar nosso


conhecimento, pois pesquisávamos sobre nossa área e escrevíamos, dando a

chance de descobrir e entender doenças que ainda não tinham uma real
solução.
Desci do palco assim que as pessoas começaram a se dissipar e vi
uma moça loira se aproximando.

Ela sorriu.

— Olá, doutora, tem um minuto? — perguntou, fazendo-me


assentir. — Eu sou Juliana Fontana, sou médica e gostaria de falar alguns

minutos com a senhora. — Estendeu a mão em minha direção e aceitei o


cumprimento.

Era tão estranho ser chamada de senhora, ainda mais depois de


quase ter me casado e ficar solteira novamente.

Por algum tempo, o termo senhora acompanhado de um


cumprimento quase me faria surtar, como quase toda mulher, nunca
querendo ser uma “senhora”.

Porém, durante o noivado, me sentia feliz em ser chamada assim,


porque era por um motivo que me lembrava que não estava mais sozinha.

Só que, novamente, o termo não me fazia mais feliz.

— Claro, vamos lá. — Apontei em direção à pequena sala de

interação no salão ao lado.

Acompanhei a mulher loira que falava sem parar, sobre os tópicos

interessantes que havia conseguido pegar em meu artigo e em como aquilo


poderia dar bons direcionamentos à pediatria.
Estava feliz por alguém falar sobre meu trabalho com tanta
empolgação.

Quando Juliana finalmente se foi, fiquei sozinha na sala de


interação, com uma xícara de café entre os dedos e os olhos buscando a
todo instante por uma pessoa bem específica.

— Parabéns pela apresentação.

A voz masculina me fez estremecer.

Não virei de imediato, pensando se havia alguma chance do chão

abrir sob meus pés e acabar soterrada.

— Agora entendo o motivo de você ter entrado tão inesperadamente

na jogada — Pablo falou, parando ao meu lado, cruzando os braços.

— O que quer dizer com isso? — indaguei calmamente, tomando

um gole do café forte e amargo.

— Vi você conversando com o chefe. Eu não tinha me dado conta


até aquele momento, me fazendo lembrar que você é irmã da cunhada dele

— disse como se fosse algo óbvio. — É claro, família sempre, né? —

questionou irônico, bebendo um gole da sua bebida, encarando-me pela

borda do copo.

Senti meu rosto pegar fogo, mas não tive tempo para dar uma

resposta atravessada para Pablo, pois ele me deu as costas e me deixou


parada e sozinha em meio às pessoas confraternizando com o fim de mais

um evento.

Senti meu telefone vibrando no bolso do casaco e o tirei de lá,

vendo a mensagem de Caio brilhando na tela, como se soubesse que ele era

meu problema no momento.

“Estou te esperando no saguão do hotel.

Vamos comemorar.”

Sorri, negando com a cabeça enquanto deixei a xícara antes de

caminhar para fora da sala, não pensando nas consequências, esquecendo


rapidamente que estava com raiva de Pablo.

Senti os pés baterem suavemente contra o porcelanato do saguão do


hotel enquanto aguardava Lilian sair de dentro do elevador. Meu coração

estava tão acelerado que parecia a bateria da escola de samba em um desfile

de carnaval.

E eu nem sabia por que estava daquela forma.


Era idiota me sentir daquele jeito, ainda mais porque com toda

certeza fui colocado na terrível zona da friendzone, onde um dia você entra

e é amaldiçoado por toda a vida a permanecer nela.

Que grande merda!

Ela nem deveria notar o quanto me afetava e achava aquilo

tecnicamente bom, porque só Deus sabia o quão maluco era por me

interessar por uma mulher que amava loucamente outro homem.

A porta do elevador abriu em um clique e levantei a cabeça,

observando a linda mulher caminhar em minha direção com um sorriso de

orelha a orelha.

Lilian ficava linda em qualquer tipo de roupa, mas o vestido social


com o jaleco por cima a deixava simplesmente incrível.

— Ei, você lembrou — falou, aproximando-se, e me levantei,

abraçando-a de modo demorado. — Pensei que ia esquecer de me levar para

jantar.

“Eu nunca esqueceria...”, quis dizer e juro que as palavras, quase

escaparam dos meus lábios.

— Claro que não. — Foi o que falei, inclinando-me para pegar o


buquê de flores que comprei a caminho daqui.
Saí quinze minutos antes da palestra de Lilian finalizar para pegar o

presente dela algumas quadras dali e comprei flores no caminho.

Não era um cara romântico e só me dei conta daquilo quando

percebi que era a primeira vez que comprava flores para uma mulher que

não era minha mãe.

Lilian ofegou.

— Caio... — sussurrou, segurando o buquê como se ele fosse se

desmanchar em seus braços. — Não precisava. — Ela me encarou, com os

olhos castanhos marejados e aquilo contrariou a sua fala, pois demonstrava


que precisava sim.

— Claro que precisava. — Estendi a pequena sacola em sua direção.

Ela encarou a sacola em choque.

— Eu sou ansioso, quis dar tudo agora.

Lilian riu, aceitando a sacola, pegou a caixa de veludo de dentro e

abriu, revelando o colar delicado que comprei para ela com um pingente em

formato de coração.

Era uma peça bonita, em ouro e combinava com Lilian.

— Não acredito que fez isso — falou, segurando as rosas de um

lado e a sacola na outra mão, enquanto limpava o canto dos olhos


rapidamente, fungando. — Eu amei tanto — murmurou, cheirando as rosas,

observando o colar que rapidamente coloquei em seu pescoço.

Eu pensei em comprar rosas vermelhas, mas sabia que elas eram um

gesto romântico demais para dois amigos, então acabei optando por uma
rosinha claro e bem delicada.

— Que bom que gostou. Você foi incrível e merece todo o

reconhecimento. — Estendi o braço em sua direção, mas ela não aceitou,


abraçando-me novamente.

Senti o abraço demorado e próximo a todas as partes do meu corpo,

fazendo-me estremecer.

— Obrigada, você é o melhor amigo que poderia ter — falou,


fazendo meu coração afundar mil metros por causa da simples palavra

“amigo”.

Eu não queria ser apenas amigo de Lilian.

Porém, se era aquilo que ela precisava de mim, eu seria seu amigo.

O Santa Massa era um restaurante bem famoso no Brasil e tinha

filiais em todos os cantos do nosso país.


O dono atualmente tinha até mesmo um programa de televisão onde

apresentava e julgava pratos de jovens talentos na área.

Um grande espetáculo para o respeitado Lorenzo Rivera.

Eu o conheci havia pouco tempo, quando nos encontramos em

Curitiba quando fui com Sabrina jantar na filial de lá.

— Minha irmã e Henrique tiveram o primeiro encontro no Santa


Massa de Curitiba — Lilian falou, andando lado a lado comigo enquanto

entrávamos no local.

Ela deixou as flores e o jaleco no carro, e, naquele momento, usava

um vestido bem formal para um jantar.

Ela não quis trocar de roupa quando me ofereci para esperar.

— Sério? — indaguei, pensando rapidamente nos nossos irmãos. —

Nunca fiquei sabendo.

— Sim, Alice comentou que ele pediu uma indicação para Josiane, o

que nos fez rir na época, mas depois entendemos. Josi e Henri são tipo

melhores amigos só que em uma versão mãe e filho — comentou enquanto

nos sentávamos à mesa que estava reservada.

— Verdade, minha mãe e Henrique se apoiaram muito durante o

divórcio dos meus pais e eles criaram um vínculo muito forte. Tanto que

Heloísa e eu vimos nele a figura paterna por muito tempo.


— E seu pai? Não vejo ninguém falar muito dele.

Agradeci quando o garçom interrompeu a conversa, oferecendo os

cardápios e serviu um pouco de vinho em nossas taças, como cortesia.

Meu pai e eu não nos falávamos havia anos.

Acho que a última vez que falei com ele foi no casamento de

Heloísa e foi muito esquisito, porque nem mesmo consegui chamá-lo de

pai.

Para mim, ele não passava de um estranho.

— Não o vejo desde o casamento da Heloísa — respondi simples.

— Faz muito tempo... — sussurrou, focada em seu cardápio.

— Sim, muito, porém, não faz diferença para mim, sabe?

Ela me encarou, pensativa.

— Quando ele se separou da minha mãe, eu era apenas um bebê,

então não tenho lembranças dele. Henri e Heloísa tiveram sua presença. E,
eles o consideram como pai, só que eu não, só tenho a minha mãe. E se um

dia precisar de conselhos de pai, irei atrás do meu irmão.

Ela assentiu lentamente.

— Pode ser estranho isso...

— Não é — falou, cortando-me. — Não falo com a minha mãe

desde a morte do Jorge e não faz diferença para mim. Primeiro porque ela
nunca foi uma mãe, e, segundo, porque me acostumei a viver sem ela. —
Encolheu os ombros, e me senti triste por ela.

Minha relação com meu pai era ruim, mas nunca houve mágoas nem

nada do tipo. Com Lilian era diferente, ela culpou a mãe pela morte do
noivo em um momento de dor e não parecia querer reatar qualquer vínculo
com a mulher que deu a vida a ela.
Abri a geladeira de Caio, peguei os biscoitos de chocolate ainda na

embalagem e retirei alguns, encarando-os com fixação.

Ele estava arrumando a mesa de jantar onde acabamos de comer e


enquanto fazia aquilo, eu o observava.

Estava pensativa, perdida no meio dos pensamentos cheios de

conflitos.

Eu sabia que aquilo era um risco.

— Vai assaltar a minha geladeira? — indagou, vendo-me comer sua

comida sem nenhuma vergonha na cara.


Acho que os últimos dias me deixaram meio maluca, afinal tinha

perdido completamente a vergonha na cara.

Os bons modos se foram rapidamente.

Sorri, pensando sobre aquilo enquanto Caio me encarava de

sobrancelha arqueada.

— Você é meu noivo de mentira, tem que me manter alimentada.

Ele deu uma risada irônica, colocando os pratos na lava-louça.

— Seria rude da sua parte não me alimentar bem. Fui uma noiva de
mentira maravilhosa.

— Ah, claro, e você ganha o direito de me deixar sem comida? —

Ele se aproximou, cruzando os braços em frente ao peito.

Foi inevitável não descer o olhar, apreciando o movimento.

Caio não era o tipo de cara que se esforçava para ser bonito, pois ele

era naturalmente assim. Até quando ria, distraído, seus olhos castanhos

ficavam pequenos, criando pequenas rugas ao lado e se tornava a coisa mais


irresistível de pôr os olhos.

Diferente de Heloísa que era rígida, cheia de decoro e Henrique com


seu jeito de pai de família, responsável, Caio era leve e aquilo o deixava

ainda mais bonito.


— Você é rico. — Bati em seu ombro. — Pode encher tudo em um
pedido no delivery, já eu sou uma jovem que precisa de chocolate para

acalmar minha vida.

— Muito estressada você — debochou, inclinando-se levemente

para frente.

Observei os lábios se inclinando para o lado em um sorrisinho e não

resisti, colei meu corpo ao seu, encarando seu rosto.

Era uma má ideia desejar tanto sua boca, ser beijada por ele.

Um risco que não queria correr e não queria fazê-lo correr.

Só que fiz.

Fiquei na ponta dos pés, puxei seu rosto em minha direção, colei

meus lábios aos seus e segurei seu pescoço.

Caio reagiu na mesma hora apertando minha cintura, dominando-

me, tomando minha boca em um beijo indecente, da forma que desejei


desde que o encontrei.

Senti minhas costas serem pressionadas na geladeira e me agarrei


ainda mais a Caio, sentindo o cheiro do perfume masculino, além do gosto

de vinho em sua boca.

Era perfeito.

Não pensei que gostaria tanto de beijá-lo.


Mas aquilo passava pela minha mente várias e várias vezes desde

que nos conhecemos.

— O que está fazendo? — ele sussurrou, segurando meu rosto,

forçando-me a encará-lo.

Vi os olhos do homem confuso e suspirei.

— Nos beijamos e não podemos nos beijar.

Segurei a risada.

— Sim, mas nos beijamos.

— Mas não podemos — contestou, fazendo-me deslizar os dedos


por seu rosto.

Beijei seu maxilar e suspirei, sentindo suas mãos em minha cintura.

— E vai fugir de mim, se pedir que me beije de novo?

O rosto de Caio ficou rapidamente tenso.

Beijei a pele sensível do pescoço, vendo que sim, ele era ainda mais
cheiroso quando estava perto.

— Não pensa tanto. Eu só queria beijar você e... — Senti seus dedos
em meu queixo, e senti meus olhos encontrando os dele.

Um sorriso de canto apareceu em seu rosto.

— Eu quero beijar você.


Arqueei a sobrancelha, confusa.

— Por que não beijou? — indaguei rapidamente, sentindo que


algum filtro dentro da minha cabeça deveria ter se quebrado.

Eu não deveria parecer tão decidida a cometer aquele erro. Sendo


sincera, sabia que nada de bom viria daquilo.

— Porque pensei que você tinha me colocado na zona da


friendzone. — Revirou os olhos. — Inclusive, não me coloque lá, sou

bonito demais para ficar nela.

Segurei a risada, ficando na ponta dos pés para alcançar a sua boca.

— Então se beijar você de novo não vai ser considerado assédio?

Ele negou.

— Não se preocupe, não vou te denunciar. — Rodeou minha


cintura, levantando-me do chão, colando sua boca na minha.

Suas mãos desceram por minhas costas, apertando minha bunda,


pressionando seu pau em minha boceta, fazendo-me esquecer de qualquer
pensamento coerente.

Eu poderia fazer sexo casual, fazendo aquilo antes de começar a


namorar e nunca me enfiei em problemas.

Gemi ao sentir a boca de Caio desenhar a minha, com sua língua


causando uma sensação boa. Em resposta, meu corpo esquentou e as
sensações se espalharam enquanto meus dedos trabalhavam na barra da
sua camisa, puxando o tecido para cima, revelando seu abdômen
definido.

Encarei Caio, pedindo uma permissão silenciosa para terminar de


despi-lo, assim que ele consentiu e fiz, suspirei.

A pele bronzeada, os seis gominhos que dariam para lavar roupa e o


caminho que levava à felicidade coberto por uma camada fina de pelos.

— Acho que seu olhar pode ser descrito como apreciativo. Eu deixo,
sei que sou bom de olhar.

Bufei diante de suas palavras e o encarei.

— E pouco modesto — resmunguei.

— Nem todo mundo é perfeito.

Caio me beijou novamente, fazendo-me fechar os olhos. Senti seus


lábios descerem, brincando com a pele sensível do meu pescoço.

Àquela altura não queria pensar sobre o quão errada a situação era.

Meus seios estavam duros, minha pele queimava e as sensações, me


fizeram me sentir viva como não me sentia havia meses e não queria

interromper nada daquele momento.

As mãos de Caio subiram por dentro da blusa, tocando minha


barriga, arrastando de modo lento enquanto sua cabeça seguia entre meu
pescoço, suspirando contra minha pele.

Sensível, gemi quando ele alcançou meu mamilo, esmagando-o

dentro do sutiã de bojo.

Suas mãos desceram pela peça, alcançando o fecho e puxaram,


deixando o mamilo livre. Senti quando as mãos de Caio se fecharam em

torno da minha pele, prendendo o bico entre os dedos, fazendo meu centro

se contrair em expectativa.

— Cabe na minha mão — sussurrou em meu ouvido. — Sabia que

você era deliciosa.

Sua mão brincando com minha pele me fez gemer em resposta e

puxei a blusa para fora do meu corpo, ficando nua da cintura para cima na
sua frente.

Respirei com dificuldade, encarando o rosto do homem, vendo que

ele estava pensativo.

— Não vamos desistir — neguei rapidamente, vendo que seu rosto

denunciava aquilo.

— Você tem certeza? — Engoliu em seco.

— Não estou pedindo você em namoro, Caio. — Segurei o cós da


sua calça. — Só seja meu amigo e me dê alguns orgasmos. Faz muito

tempo.
Ele riu.

— Não acho que essa seja a função de um amigo, mas não vou
reclam... Porra! — exclamou quando minha mão desceu, entrou em sua

cueca e segurou seu pau duro entre os dedos.

Era grande e fiquei rapidamente tensa, com medo.

Mas não demonstrei, puxando a calça para baixo com a mão livre,

junto com a cueca. Encarei o mastro duro, vendo o líquido pré-ejaculatório

sobre a ponta. Eu me abaixei, ficando ajoelhada aos seus pés, segurando seu

membro, descendo e subindo lentamente, escutando o homem suspirar.

Seus olhos escuros estavam quase negros.

Ele me encarou com intensidade e fez todo meu corpo esquentar

com um simples olhar.

— Você é grande — resmunguei, sabendo que aquilo faria seu ego


estratosférico ficar ainda maior.

— Você não precisa fazer isso. — Deslizou a ponta do dedo por meu

rosto, sem se afastar, enquanto ficava entre suas pernas.

Eu não precisava, mas queria.

Se fosse fazer sexo inconsequente e não recomendado, queria o

pacote completo.
Minha boca desceu em seu membro e engoli o máximo que

consegui, ouvindo Caio suspirar enquanto juntei as pernas para conter a

palpitação que sentia em minha boceta, ignorando os pensamentos de


julgamento, sentindo seu membro mais duro em minha mão.

Seus dedos agarraram meus fios de cabelos, movendo para frente e

para trás, auxiliando-me, do modo que gostava.

Ele gemeu e a resposta foi a minha boceta encharcada.

— Vem cá, não vou durar muito se continuar me chupando com essa

boca gostosa — resmungou, segurando meus pulsos, encarando-me.

Eu me levantei, beijando sua boca, fazendo com que ele sentisse seu

gosto.

— Caralho, isso é bom demais — sussurrou enquanto suas mãos

desciam por meu corpo, alcançando minha calça jeans.

Ele puxou o zíper, desfazendo-se da peça de modo enrolado.

Quando finalmente fiquei nua, ele encarou minha calcinha


minúscula com fixação.

Abri as pernas em resposta, vendo Caio negar com a cabeça,

sorrindo safado.

Ele se abaixou, beijando minha pele, subindo pela barriga, até que
alcançou meu seio, tomando o mamilo em sua boca. Com meu corpo colado
ao seu, como uma segunda pele, alcançou a mesa da cozinha, colocando-me

sobre o móvel.

Senti sua boca descer sobre meu corpo, passando por cada pedaço

de pele, fazendo-me estremecer com o toque, enquanto meu centro

protestava em um pedido silencioso por atenção.

Caio o tocou, sobre a calcinha, deslizando de modo lento,

encarando-me com um sorriso malicioso.

— Molhadinha — sussurrou, abaixando a cabeça, ficando entre

minhas pernas, deslizando a peça para o lado.

Senti sua língua me tocar, fazendo-me gemer alto, jogando a cabeça

para trás.

— Sabia que você tem um gosto delicioso, amor?

Gemi em resposta, sentindo seu dedo brincar com minha entrada.


Sua boca me chupava, me dando prazer com a língua enquanto seu dedo

entrava e saía constantemente de dentro de mim.

Eu me deitei sobre a mesa, abraçando sua cabeça com minhas

pernas, mantendo-o ali, próximo o suficiente para me deixar completamente


louca.

— Caio! — protestei, puxando seus cabelos, sentindo o limite se

aproximar.
— Sim, goza em meus dedos — sussurrou, sem se afastar, com o

rosto me encarando.

Cruzamos nosso olhar e meu corpo tremeu, gozando da forma que

ele falou, completamente adormecida pela sensação prazerosa que corria


em mim.

Suspirei, desfocada e vi o homem se levantar, encaixando-se entre

minhas pernas.

Caio ficou próximo ao meu rosto quando me levantei, observando-o,

sonolenta.

Ele sorriu.

Eu sorri.

Era insano que a culpa não caiu sobre mim e só queria mais dele, do

seu corpo.

Eu o queria completamente.

— Agora você precisa entrar dentro de mim. — Alisei seus cabelos.


— E me comer, pelo amor de Deus.

Caio riu.

— Não precisa suplicar, amor. — Deslizou as mãos por minhas

costas, arrepiando minha pele. — Estou num limite insano e preciso estar
dentro de você urgentemente.
Suspirei, sentindo suas mãos puxarem minhas nádegas em sua

direção, esfregando-se em minha entrada, fazendo-me suspirar.

Caio beijou meu ombro, encostando em minha orelha.

— Se protege?

Suspirei e sem pensar direito respondi:

— Sim.

— Ok. — Ele me penetrou, fazendo-me gemer alto quando seu pau

alargou minha boceta para se acomodar, parando quando percebeu meu

incômodo. — Tudo bem?

Abracei seus ombros, beijei seu pescoço, subi pela barba por fazer e
alcancei sua boca, tomando seus lábios.

Minha língua encontrou a sua quando dei a sua resposta.

Senti Caio se mover dentro de mim, preenchendo todo o espaço e

era a coisa mais sensacional que já senti.

Poderia até estar sob efeito do sexo maravilhoso que ele estava me

proporcionando para afirmar aquilo.

Ele gemeu contra minha boca, movendo-se quando o apertei dentro


de mim, aproveitando cada momento, sabendo que não teria coragem para

repetir aquilo.

Caio se encaixou e já sabia que se repetisse, se tornaria um vício.


— Gostosa — sussurrou em meu ouvido, mantendo-se parado,
enterrado fundo dentro de mim. — Sua boceta me acomoda perfeitamente,

amor. Acho que estou apaixonado.

Sorri, movendo meus quadris, ouvindo seu suspiro desesperado.

— Não faça isso. É sexo. — Encarei seu rosto, sentindo seu membro

pulsando dentro de mim. — Você mais do que ninguém sabe o que

significa.

Ele assentiu.

— Sim. Mas sem chance de você fugir da minha cama até que isso

se torne menos que perfeito. — Beijou minha boca, obrigando-me a me

calar e aceitar, seja lá o que ele queria falar com aquilo.

E, não poderia negar o quanto aquilo era bom.

Só que não podia...

Sexo e amizade não poderiam andar juntos.

Já foi um erro a primeira vez e só percebi aquilo quando Caio

caminhou junto comigo em direção ao quarto, sem me soltar uma só vez.

Enquanto ele se concentrava no momento, minha mente focava em

como fugir da situação, sabotando a primeira coisa boa que fiz em meses.
Acordei assustado, procurando por Lilian no quarto, pois queria ter

certeza de que não sonhei com os detalhes da noite passada.

Mas tudo que encontrei foi um bilhete colado na tela do meu celular,
fazendo-me suspirar frustrado ao ler as palavras escritas de modo
apressado.

Um simples sinto muito definia muito bem toda aquela situação.

Eu só queria entender se ela sentia muito por dormir comigo ou por

fugir.

A ideia dela se arrependendo de algo que, para mim, foi


maravilhoso era um tanto horrível.
E antes que me chamem de hipócrita, em minha defesa era um cara

que saía com muitas mulheres, mas sempre fui legal fora da cama.

Sabia muito bem que não deveria ser um canalha com alguém

apenas porque não era a pessoa com quem queria me casar.

Minha mãe me ensinou a respeitar as mulheres e ela ficaria


orgulhosa em saber que aprendi muito bem.

Encarei o nada, pensando no que faria sobre aquilo.

Lilian àquela altura já deveria estar se aproximando de Curitiba, já

que seus planos eram ir embora após a apresentação.

Acreditava que ela não passou a noite comigo, depois que

adormecemos.

Suspirei buscando o celular e disquei o número dela que chamou até


que acabou caindo na caixa postal.

Pensei em ligar para Alice para saber se Lilian havia chegado, mas

aquilo levantaria dúvidas sobre tudo que aconteceu.

Se Lilian ficou com medo, a decisão mais madura era me falar.

Não precisávamos ser duas crianças com medo de nos comunicar e


iria falar com ela assim que chegasse à cidade.

O telefone tocou e voltei rapidamente meus olhos para a tela,

ansioso. Suspirei frustrado ao ver que não era ela, mas Sabrina.
— Esqueceu de mim? — Atendi sorrindo, deixando o assunto Lilian
de lado e caminhei até o banheiro.

Liguei a banheira e encarei a água encher enquanto lembrava da


cena do bar.

As memórias de Lilian estavam em todo lugar do meu quarto.

Era impossível não pensar nela.

— Sim. Você é fácil de esquecer — Sabrina respondeu e sua voz

tinha um toque de zombaria.

— Boba! Como está você e Ravi? — Mudei de assunto, colocando

os sais na água.

— Bem, e você? Na verdade, ele anda mais agitado que o normal —

resmungou, e suspirei.

Eu iria voltar para casa à noite, assim que o evento finalizasse e

estava ansioso por aquilo.

— Bem também. Eu não tive muito tempo.

— O que rolou? — indagou, enquanto eu entrava na água.

— Encontrei a Lilian no avião e depois no bar do hotel.

— Eu disse, a mulher da sua vida — falou com certa satisfação.

— Bom, a mulher da minha vida vomitaria em mim e me deixaria a

noite acordado com medo de que ela morresse enquanto passava mal? —
perguntei, irritado.

Sabrina riu.

— Só o fato de você ter se preocupado, me afirma trinta teorias de

que sim, ela é a mulher da sua vida — comentou, animada enquanto eu


revirava os olhos.

— Estou voltando para a cidade hoje à noite, podemos nos ver —


falei, tentando mudar de assunto.

— Claro. Me leve para jantar num daqueles restaurantes legais que


só você sabe escolher.

— Sou um cara de bom gosto.

Ela riu.

— Só que sua lista de conquista é uma porcaria.

Quis dizer que se ela conhecesse a Lilian iria amá-la e discordaria

do que falava naquele momento.

Lilian era o oposto das mulheres que já passaram pela minha vida.

— Ok. Fica me ofendendo que te levo para comer em um boteco —

resmunguei, ouvindo-a gargalhar.

— Não seja maldoso. As melhores comidas são de botecos.

Suspirei, afinal ela sempre tinha uma resposta na ponta da língua e


aquela qualidade odiável em Sabrina me deixava sempre irritado.
— Te vejo à noite, Sabi. Vá bonita, te ver feia basta por foto. Meu

afilhado merece que se arrume, já que depende da sua aparência para ele ser
bonito.

— Cachorro! — resmungou, mas não deixei que me xingasse mais,


finalizando a chamada, colocando o aparelho de lado.

Mesmo não querendo, acabei pensando em Lilian novamente.

Dizíamos ser amigos, mas dormimos juntos.

Amigos faziam aquilo?

Porém, reformulei o pensamento.

Se não transamos com amigos, faríamos sexo com inimigos?

Não fazia o menor sentido.

Então, talvez, Lilian tinha razão em querer que eu fosse seu amigo e
desse a ela alguns orgasmos.

E deixaria claro que minha missão cumpri com prazer.

Deixei a documentação sobre a empresa com Leon assim que saí do

aeroporto, depois de afirmar que conseguimos um contrato, omitindo a


parte que foi por causa de uma mentira.
Deixei claro que contaria detalhes na reunião com a administração
da empresa no dia seguinte, pois ainda precisava ver minha mãe e falar que
correu tudo bem na viagem.

Era meu dever de filho.

E digamos que era o melhor filho, pois Henrique e Heloísa não eram

páreos para mim.

Suspirei quando estacionei o carro na garagem e vi o carro de

Henrique ao lado, deixando claro que ele estava alugando a paciência da


minha mãe naquele momento.

Frustrado, saí do veículo caminhando em direção à entrada da casa,


entrando no local.

A primeira coisa que vi foi Melinda nos braços da avó.

Minha sobrinha estava com a cabeça encostada no ombro da mamãe


e abriu um sorriso ao me ver.

Os dois dentinhos preenchendo a boca eram a coisa mais adorável


do mundo, enquanto um laço vermelho prendia seus fios castanho-claros,

quase loiros.

Diferente de quando era menor, os cabelos estavam ficando cada dia

mais escuros.
— Ei, loirinha do tio! — exclamei sorrindo, e ela estendeu a
mãozinha segurando uma uva com uma firmeza invejável. — Já comendo,
pequeno dragão?

Mel riu.

— Ei, você chegou. — Mamãe se virou sorrindo.

Eu me aproximei, abraçando-a de lado.

— Pensei que demoraria mais.

— Deu tudo certo. Fechamos o contrato e a conferência foi um


sucesso. — Beijei os cabelos de dona Josiane. — Henrique se mudou para

cá? Só vive na sua casa agora — falei, enquanto me abaixava para falar

com Mel. — Ei, delícia do tio.

— Já é o terceiro apelido em menos de cinco minutos. Vá com

calma, Caio — meu irmão disse e apareceu na porta, segurando Lara nos

braços.

A pequena estava com uma mamadeira entre os lábios, sugando com

força, enquanto Alice observava a filha mais nova como se algo pudesse dar

errado com a mamadeira cheia.

— Bom ver você, Alice — falei em direção à minha cunhada, que


sorriu, negando com a implicância que sempre tinha quando todos estavam

reunidos. — Vem cá com o tio, Mel, me deixa beijar sua bochecha suja.
Ela veio sem dificuldade, agarrando-se com a mão livre na minha

camisa polo.

— Ah, Mel, não mancha a camisa do titio — pedi choroso, vendo

mamãe negar com a cabeça, limpando as mãozinhas da neta com carinho.

Porém, quando Mel viu que a avó iria tirar a uva da sua mão, enfiou
tudo na boca, arregalando os olhos com o ato, fazendo a mamãe rir e Alice

resmungar, indignada com o comportamento da pequena.

— Filha, com cuidado — Alice falou olhando Mel, que atenta, virou

o rostinho para a mãe. — Senão se engasga, MelMel, tira da boca, vai. Com
cuidado agora.

Mel fez um biquinho adorável e ri, beijando sua bochecha babada.

Eu me sentei no sofá, colocando-a sobre minhas pernas e pedi a uva,

vendo a garotinha expulsar a fruta toda mastigada da boca.

Eram nojentos aqueles momentos, mas não havia nada mais

adorável que as perninhas cheias de curvas junto aos atos divertidos e

impensados.

— Toma, querida — falei, limpando as mãos na fralda. Peguei a uva

nova que mamãe estendeu, dividindo em pedaços, colocando o primeiro em

sua mão. — Com cuidado, a vovó não vai pegar sua uva.
Ela olhou em direção à mamãe quando ouviu vovó, parecendo

querer defender sua comida.

— Está quase comendo as paredes desde a última consulta com o

pediatra — Alice falou em meio a um suspiro. — Ela estava tendo


dificuldades com a alimentação e a médica receitou uma vitamina nova.

Bem, funcionou.

Henrique se sentou, amamentando Lara.

A mais nova era muito parecida com Alice, tinha o rostinho

redondo, os cabelos e os olhos castanhos escuros, além das características

comuns na nossa família.

Vi quando Enzo e Amora invadiram a sala, correndo com uma bola


na mão.

— Tio Caio! — exclamaram animados e fui abraçado, ou melhor,

esmagado pelos dois.

— Ei, pestinhas — falei rindo, vendo que Amora estava molhada e

consequentemente molhou minha camisa.

Precisava me trocar urgentemente.

— Como vocês cresceram, hein?! — falei, vendo Enzo se afastar.

Amora se sentou na minha perna, dividindo espaço com a Mel.

A mais velha era espaçosa e gostava de atenção.


— Crescemos. Estou grandona — ela disse, estufando o peito como

se aquilo pudesse fazê-la maior.

— Como foi a viagem, tio? — Enzo se sentou no tapete, encarando-

me com alegria.

Sorri.

— Boa. Vi muitas coisas legais, conheci a tia Lilian que vocês tanto
falam e comi umas comidas maravilhosas — descrevi alegre, sabendo que

àquela altura não era mais segredo que conheci a Lilian. — Deveriam vir

comigo da próxima vez, acho que vão amar conhecer São Paulo.

— Tem praias lá? — Amora perguntou animada.

— Tem, mas é melhor as do Rio — desconversei.

— Vou pedir para o papai me deixar ir com o senhor — Amora

falou e encostou a cabeça em meu ombro. — E levar o Enzo. Podemos, né?

— Claro. Se o pai de vocês deixarem, afinal, o Enzo não é uma

extensão sua.

Ela franziu o cenho, pensativa.

— O que é extensão?

Sorri com a indagação.

— Nada não, querida. — Passei o indicador em sua testa,

desfazendo os nós que se formavam quando ela ficava pensativa.


Vi Enzo se virar em direção a Henrique, abrindo um sorriso que ele

já sabia que poderia conseguir qualquer coisa.

— Posso ir com o tio Caio?

Henri sorriu.

— Claro que pode. É ele quem vai viajar com duas crianças. Não

fico preocupado com vocês inteiros, mas com a integridade do tio de vocês.

— Ele abriu um sorriso debochado de quem deixava claro que sabia que a
minha tática de ser o tio preferido não era tão fácil.

— Vocês tiveram muitas crianças muito rápido. Sabia que é difícil

ser tio de cinco?! — perguntei indignado, e Alice riu.

— Não fica bravinho, não, mas Heloísa pode estar esperando mais

um.

Gemi, completamente desesperado.

Era só o que me faltava.

— Ah, não! Sério?

Mamãe assentiu.

— Viraram coelhos? — perguntei.

— Ela só está com dúvida, não é certeza ainda — mamãe defendeu

a filha.
— A dúvida é assustadora. Não era ela que não queria ver Rafael

nem pintado de ouro alguns meses atrás?

Mamãe riu.

— Ah, querido, eles são loucos um pelo outro. Não vamos ser

malvados, nem julgar a Heloísa — respondeu organizando a mesa com

alguns biscoitos. — Sem falar que a Amora quer um novo irmãozinho, né?

Minha sobrinha assentiu, animada.

— Sim, o José já está grandinho. Não é mais legal brincar com ele

de boneca.

Rimos com a ideia dela de fazer o novo bebê de boneca.

— O novo bebê poderia ser uma menina. Será que podemos pedir

para a cegonha uma menina, vovó? — indagou, olhando em direção a

Josiane com olhinhos pidões.

Mamãe suspirou.

— Vamos tentar depois, querida.

Eu sabia que mamãe arrumaria alguma história mirabolante sobre

cegonha e bebês.
— Como assim você fugiu? — Caroline perguntou indignada,

enquanto eu apenas bebia um gole do meu vinho, observando o restaurante


cheio.

A escolha da minha melhor amiga e David me pegou desprevenida,


mas acabei aceitando o convite deles, pois precisávamos de uma distração

naquela noite.

O primo de Henrique estava ao lado de Caroline e me encarava com

certa descrença ao me ouvir contar sobre ter fugido da cama de Caio

durante a madrugada.

— Eu fugi — respondi, colocando a taça sobre a mesa.


O Santa Massa de Curitiba estava cheio e pedi exatamente o mesmo

prato da noite em que comi na filial de São Paulo junto com Caio.

— Como iria olhar na cara dele?

— Você teve uma noite incrível e me pergunta isso? Olha, você ia

chegar bem pertinho dele e falar... — minha amiga falou, agitada, movendo
as mãos de modo engraçado. — “Precisamos repetir”.

— Carol! — protestei, vendo David rir.

— Não me venha com Carol, não — rebateu. — Você fez a primeira

coisa boa em meses, Lilian, por que fugir?

Eu a encarei, pensando sobre aquilo.

Para ela, eu ter dormido com Caio era uma coisa boa?

Sim, foi maravilhoso, mas era tão complicado que nem sabia

começar a explicar o que aconteceu.

— Comecei a surtar, Carol. Estava noiva de um homem, ele se foi e

eu sofri nos últimos meses, então do nada dormi com outro. — Suspirei. —
Pareço uma maluca que não tem controle sobre meus sentimentos. Eu me

senti traindo o Jorge. E...

Travei-me na frase. Carol não sabia sobre o arranjo de Caio e

Sabrina, muito menos David. Porém, em meio ao meu caos, eu acabei


mencionando à minha amiga que Sabrina e Caio não estavam
verdadeiramente juntos, mas deixei de fora detalhes sobre tudo.

Minha amiga sorriu.

— Você não traiu ninguém — Sabrina disse, e encarou o David. — Vai, me

ajuda, diga que ela não traiu.

— Não traiu, Lilian. Sendo sincero, estou me divertindo com a

confusão que você criou — ele falou, e abri a boca, ofendida.

— Isso é ofensivo.

Eles riram.

— Não é — Carol negou, bebendo um gole da sua bebida.

Não tive muito tempo para ficar com Hannah naquele dia, cheguei

em casa e a mãe dela já estava com minha roupa escolhida para sairmos

para jantar.

Carol deixou a Hannah com a babá que ela costumava ficar e tive

apenas tempo de dar um beijo na minha bonequinha.

— David também terminou o namoro, deveria dar conselhos a ele

— falei, querendo mudar de assunto.

Ele encolheu os ombros com a afronta.


— David está lidando bem com o fim, agora você nem começou um

relacionamento e já está cheia de medo. A vida não precisa ser tão séria,
Lilian.

Eu a encarei, pensativa.

— Se você quer se sentar no irmão do seu cunhado, se senta nele —


Carol completou.

— Pelo amor de Deus, o primo dele está do seu lado. Não sei nem o
motivo de ter contado isso para vocês.

Eles riram.

— Você nos ama, Lili — David rebateu. — E não se preocupe. Caio


e eu nos damos bem, mas nunca fomos melhores amigos. Não vou falar

nada.

David era mais próximo a Heloísa e sabia daquilo.

Acabamos nos conhecendo em um dos jantares de Josiane e nos

tornamos amigos.

David voltou para o Brasil fazia seis meses e desde então vinha me

acompanhando nas visitas do Instituto Aurora.

— Então, você também acha que devo “sentar” no seu primo? —

indaguei, segurando a risada.


— Sim. Se vocês estão atraídos um pelo outro, vá e faça. Não

precisa ser um relacionamento, nem envolver sentimentos. Às vezes é só


sobre desejo e conexão — David respondeu, fazendo parecer fácil.

Encarei a taça de vinho sobre a mesa, pensando sobre suas palavras.

O problema não era apenas aquilo, a verdade, era que nunca fui

muito boa quando o assunto em questão era amor.

Porém, mesmo que nunca admitisse aquilo para ele, Caio era

incrível.

Bonito, sensual, divertido e não era um protótipo babaca como a

maioria dos homens.

— Você não traiu ninguém e deve aceitar isso — Carol falou.

— Sim, Jorge se foi e você sofreu muito — David completou a fala

de Carol. — Acho que se você está pronta para superar a fase triste e
dolorosa do luto. Não tem prazo, Lilian, falo por experiência própria que

não havia um tempo correto para superar a falta de alguém que foi
importante para você, muito menos jeito certo de lidar com o luto.

Eu havia lidado com o luto com raiva.

Procurei um culpado e pude jogar em cima da minha mãe, mas

naquele momento via que foi algo muito impensado, muito mimado se
podemos dizer assim.
Provavelmente, não mudaria nada, pois finalmente tive coragem de
falar para ela tudo o que ficou preso na garganta desde minha infância. Para
ser mais exata, desde que Alice nasceu e comecei a ser a irmã que cuidava

mais que a mãe e depois enfrentou as partes difíceis de adolescente de


modo duplo, pois eu também era uma.

— Vou falar com ele. — Suspirei. — Afinal, mesmo que não repita
o sexo, ainda somos amigos. Nos demos muito bem. As mentiras que

contamos sobre o noivado, meu Deus. — Não evitei em sorrir, lembrando-


me sobre o contrato.

— Ele é gente boa mesmo — Carol comentou, pois afinal ela o

conheceu.

Vi David desviar o olhar para longe e o segui, sentindo o ar fugir

dos pulmões ao encontrar Caio entrando no restaurante, com a mão


enlaçada na da mulher que já conhecia.

Sabrina.

A barriga dela de quase nove meses, carregando o pequeno Ravi me

fez relembrar mais um motivo para entender que não deveria ter cedido ao
meu desejo.

Nós nos aproximamos mesmo com a ideia dele sendo

compromissado.
Meu Deus, que tipo de pessoa eu era?

Quase gemi em desespero, virando-me rapidamente para Carol

novamente, vendo que Caio ainda não havia notado nossa presença ali.

— Merda, quem é essa?! — Caroline indagou agitada. Ela ainda não


havia visto nada sobre Sabrina, apesar de saber sobre o inesperado bebê de

Caio Montenegro.

— É a Sabrina — David explicou.

Questionei o sentimento estranho no meu peito quando olhei sobre o

ombro, vendo Caio puxar a cadeira para Sabrina, respondendo algo a ela.

Ele estava usando camisa de manga longa escura, calças jeans e

jaqueta por cima, tudo em tom escuro.

Caio Montenegro estava como sempre impecável.

— Sabrina está grávida... — David falou, confuso.

— Sim — respondi simples.

— Ele está vindo para cá — Carol avisou e senti quando o homem


parou ao meu lado, encarando o primo e sorriu.

— David. — Bateu no ombro do primo, cumprimentando. — O que

faz aqui? — Ele me encarou, arqueando a sobrancelha.

— Jantando com a Carol e a Lili. Você já as conhece.


Quase fiz um ato vergonhoso de deslizar pela cadeira até me

esconder entre as mesas.

Queria não ter fugido.

— Sim, boa noite, Carol — Caio falou, e ela se levantou,

abraçando-o de leve, recebendo um beijo na bochecha.

O homem se afastou em seguida, sorrindo em minha direção com

um toque de perversidade.

— Oi. — A palavra saiu tão tímida que me fez sentir uma ridícula,

então me levantei, abrindo os braços, e ele me recebeu em um abraço


apertado.

A sensação de estar abraçando o Caio depois de passar um dia

inteiro pensando que perdi o único amigo que fiz em meses, era

maravilhosa.

Eu me afastei, sentindo falta do seu perfume, do seu toque.

— Não sabia que conhecia o David — Caio disse, encarando-me

com um sorriso.

— Conheço. Vamos sempre ao Instituto e nos tornamos amigos —


comentei.

Ironicamente, Caio era o único Montenegro que não conhecia até

dias atrás.
— Bom, tenham uma boa noite. Vou voltar para a mesa — ele falou

e se virou.

Assenti, vendo-o se distanciar, caminhando com elegância em

direção à mesa em que a Sabrina o esperava.

Ela o atraiu para uma conversa e segui observando os dois, sem

conseguir desviar o olhar.

O sentimento em mim, era conhecido, assim como o gosto amargo


em meus lábios.

O maldito do ciúmes.

— Se serve de consolo... — David deu a volta na cadeira e pegou

um lugar ao meu lado. — Ela é a melhor amiga dele desde pequena.

Eu o encarei, assustada.

— Não estou precisando de consolo — grunhi.

— Os dois nunca tiveram nada. Mas se você não tem ciúmes, não

precisa ficar irritada.

Voltei a encará-lo, confusa, obrigando-me a relaxar.

David e Carol já foram embora havia quase cinco minutos. Não

estávamos de carro, pois queríamos beber, o que acabou rendendo em


David e Carol meio bêbados.

Enquanto esperava o Uber que pedi, me preocupei com o fato de


que Caio me visse ali fora e quisesse falar sobre o que aconteceu.

Precisava pegar uma condução até ao apartamento de Alice, pois

combinei de dormir com minha irmã naquela noite, já que ela viajaria
dentre dois dias de volta para a fazenda.

— Ei, pronta? — Caio parou ao meu lado, fazendo-me encará-lo.

— Não — respondi prontamente, fosse para o que ele estivesse

perguntando.

— Ok, então está pronta para me dizer o que você tem na cabeça
para fugir de mim?

Sua voz tinha um toque de irritação e fiquei rapidamente tensa,

preocupada.

Como iria falar para ele tudo o que passava na minha cabeça?

Suspirei aliviada quando o Uber parou na beirada da calçada e dei

dois passos em sua direção.

Mas Caio entrou na minha frente, impedindo-me de continuar.

— Podemos falar sobre isso como pessoas maduras?

— Caio... — supliquei, encarando seu rosto pela primeira vez. — É

vergonhoso.
— Não é. E poderemos seguir em frente se falarmos sobre, mas se

continuar sendo motivo de vergonha e desculpas, não poderemos ser

amigos.

Suspirei.

— Não sei se há como ser amigo e transar com alguém.

Ele abriu um sorriso cheio de deboche.

— Então quer dizer que você transa com inimigos? — indagou,

vendo-me ficar desconcertada com sua pergunta.

— Não me envergonhe.

— Não vou. Só vou dispensar o Uber e te levar em casa.

— Vou dormir com Alice hoje, não vou para casa — falei, negando
com a cabeça, segurando sua mão, impedindo que ele dispensasse o Uber.

— E cadê a Sabrina? Você estava com ela — questionei com a voz

estranha, não esperada por mim, então cruzei os braços para ele não notar

meu desconforto.

— Sabrina foi com um colega para casa e eu vou te deixar em na

casa da Alice enquanto falamos sobre o que precisamos conversar. —

Piscou antes de se virar para o Uber e dispensar o serviço não usado. Ele

tornou a me encarar. — Por favor, não fuja. Não estou pedindo que você
esteja na minha cama, só quero que você não me afaste. Agora, se quiser vir

para minha cama, tudo bem. Não vou reclamar não.

Sorri, sem conseguir evitar.

Encarei o homem determinado à minha frente, aceitando que

precisávamos encarar aquilo como dois adultos.

Caio e eu não fazíamos o tipo birrento, ele era sincero demais para
aquilo, e eu já guardava muita coisa dentro de mim.

Sabia que não falar sobre algo que machuca traria consequências.

— O que faço com você, hein? — indaguei em meio a um suspiro.

Ele encolheu os ombros.

— Você poderia me beijar, sou todinho seu.

Seu tom era sensual, mas seu rosto estampava um sorriso, o que

causou uma reviravolta em meu corpo, acendendo partes que não sabia que

poderiam ser aquecidas.

— Vou pensar no seu caso.

Ele pegou minha mão e me levou até seu carro, enquanto eu pensava

em tudo que iria dizer a ele.


Abri a porta do carro do lado do motorista com Lilian já acomodada

no banco do passageiro e entrei no veículo vendo a mulher morder o canto


da unha, nervosa.

Comprimi os lábios para segurar a risada, sentando-me ao lado do


motorista, então segurei o volante, não saindo do lugar.

Passei todo o jantar observando a Lilian conversar com David e


Carol, e aquilo foi quase uma tortura, pois queria falar com ela, acertar os

pontos que ficaram pendentes desde a sua fuga.

— Podemos começar falando o motivo de você ter fugido de mim.

Lilian me encarou, suspirando lentamente.


— Pensei que você não iria me envergonhar.

Sorri.

— Nunca prometi nada, mas isso não é vergonhoso. Se não quisesse

mais transar comigo, era só ficar e falar como uma pessoa normal.

Ela encolheu os ombros.

— Pensei que éramos amigos.

Ela suspirou.

— O problema não é querer, Caio — resmungou, deixando-me

confuso.

Ela queria?

O que aquilo significava então?

— É que me senti culpada. — Encolheu os ombros. — Não me

arrependo, mas você foi a primeira pessoa que se aproximou no sentido

sexual depois de tudo e a culpa veio com força. Sinto muito.

Encarei a rua, pensando sobre aquilo.

Claro, como não pensei naquilo?

Ela dormiu com outro, amava o noivo e era normal que houvesse

culpa. Mesmo que Lilian não devesse mais devoção nem nada a ninguém.

— Entendi — sussurrei, sem saber o que falar.


— Entende, não me arrependo de ter dormido com você. Foi muito
bom.

Eu a encarei, vendo seu rosto bonito virado em minha direção.

— Só não soube lidar de forma madura depois com todos os

sentimentos reprimidos voltando. Sinto muito.

— Não sinta, você não tem culpa.

— Eu poderia ter ficado e falado sobre o assunto.

Assenti.

— Claro, mas as pessoas lidam diferente com tudo. — Encolhi os

ombros. — Então isso é um fim, para nossa amizade?

Pensar em um fim era ruim.

Eu queria dormir novamente com Lilian, mas não estava nem doido

em convencê-la daquilo e acabar fazendo com que ela se sentisse culpada

sempre. Sem falar que não queria perder sua amizade, pois ela acabou se

tornando importante.

— Não — negou rapidamente. — Acredito que como você disse,

somos maduros para lidar com o sexo que aconteceu. Foi bom, mas não vai

tornar a acontecer.

A firmeza dela em dizer aquilo era invejável e queria dizer com toda

aquela firmeza que não desejava tocar nela naquele momento.


— Ok. — Peguei sua mão, beijando o dorso e sorri. — Está tudo

bem, Lili. Vamos ficar bem. Você ainda é minha noiva falsa maravilhosa.

Ela riu suavemente.

— Agora me leve para a casa da minha irmã, pois bebi e não estou
de carro.

Assenti, ligando o veículo.

Resolver tudo aquilo trouxe um gosto amargo à minha boca, afinal

não queria aquele final.

Não era um cara apaixonado, mas ainda assim, não era todos os dias

que encontrávamos uma boa amiga, uma mulher maravilhosamente linda e


uma amante sensacional, tudo na mesma pessoa.

Só que ela não era minha...

E nunca seria.

Sabia que seu coração já tinha sido entregue à outra pessoa.

Uma guerra para conquistá-la só colocaria nossa amizade a perder.

Dirigi em silêncio, sentindo um nó em minha garganta e assim que

estacionei em frente ao prédio de Henrique, saí do carro e ela me encarou.

— O que foi?

— Você não precisa subir. — Sorriu, encolhendo os ombros.


Lilian usava um vestido vermelho rodado, com pequenos brilhos no

busto e mangas bufantes. Era delicado e a deixava perfeita, com os cabelos


longos descendo em uma cascata sobre os ombros.

— Vou te deixar na entrada do prédio.

A rua em que Henrique e Alice mantinham um apartamento era

relativamente segura, mas era a desculpa perfeita para acompanhá-la.

— Vamos. — Fechei a porta, dando a volta no veículo, em seguida

coloquei a mão na base da sua coluna, enquanto ela negava com a cabeça,
desacreditada.

Contudo, não disse nada, seguindo-me em direção à entrada.

— Você sabe que não vou deixar você me colocar de canto, né?

Como disse, sou bonito demais para isso.

Ela parou na porta do prédio e me encarou.

— Caio — repreendeu.

— Só não pense muito sobre isso, amor. — Deslizei o dedo sobre


seu rosto delicado, parando na testa, desfazendo as linhas de expressão que

ela fazia ao pensar.

— Ainda somos amigos. Só que agora sei que você é ainda mais

gostosa do que demonstra ser.

Lilian arqueou a sobrancelha.


— Isso não foi sutil.

— Não sou sutil, amor. — Beijei sua testa, ouvindo-a suspirar. — Te

vejo em breve, um cinema talvez?

Ela sorriu.

— Vou amar. Me liga. — Ela se afastou, balançando a mão no ar.

Fiquei ali, observando Lilian entrar no elevador do prédio depois de


passar pelo porteiro.

Enfiei as mãos no bolso da calça, pensando sobre tudo.

Merda!

Eu queria beijá-la, queria dizer que ela não era culpada, que não
fomos um erro.

Mas eu não podia.

Aquilo faria Lilian fugir e ainda a queria ao meu lado.

— Caio?

A voz do meu irmão me fez virar, encontrando-a na entrada, com

algumas sacolas na mão que tinham o slogan da pizzaria.

Estava claro que saiu do plantão e passou em um delivery.

— Ei, plantão? — indaguei, desfazendo a expressão fechada.

— Sim. O que faz aqui?


— Vim trazer a Lilian. — Fui sincero ao dizer, sabendo que mentir
nunca era a melhor saída.

Lilian poderia falar a verdade, e Henrique questionaria o motivo de


ter mentido para ele.

Vi meu irmão franzir o cenho.

— Você não está interessado nela, né? Ela sofreu muito, Caio. Sério,

há muitas mulheres para você se divertir.

Henrique nunca questionava minha conduta e aquilo foi quase um

soco no estômago.

Neguei rapidamente, pensando no que ele falou.

Brincava tanto sobre ser feliz solteiro que as pessoas começavam a


acreditar que eu tinha algo contra o amor.

E era muito pelo contrário, achava lindo a devoção que Henri tinha

por Alice e só sabia que não precisava de nada daquilo para ser completo.

— Não. Claro que não. — Tornei a falar. — Lilian e eu nos


tornamos amigos. Estávamos no mesmo restaurante e a trouxe. Apenas isso.

Meu irmão parecia ainda mais velho por causa do cansaço de um

plantão e tinha uma certa dúvida em seu olhar, questionando minhas

palavras.
— Ok. Estou cansado para te analisar. Tem pizza o suficiente, se

quiser jantar conosco — falou, levantando as sacolas no ar.

Balancei a cabeça em negação.

— Não. Vá tranquilo, preciso dormir. Amanhã tenho uma reunião

cedo.

Ele assentiu, aproximando-se e me deu um abraço rápido, me

apertando em seus braços.

Retribuí, sentindo-me como um garotinho esperando a aprovação do

pai.

Henrique tinha aquele efeito sobre mim.

Sempre responsável, bom marido, filho mais velho, respeitoso e

depois que as crianças chegaram aquilo só se intensificou.

— Te vejo depois, se cuida.

Assenti.

— Você também. Dê um beijo nos pestinhas e diga para Alice que

ela é minha preferida.

Ele revirou os olhos, afastando-se.

— Ainda chuto a sua bunda.

Eu já estava me afastando quando ele falou aquilo, fazendo-me

sorrir, sabendo que sim, ele ainda chutaria minha bunda um dia.
Eu só não esperava que fosse por descobrir que dormi com sua

cunhada.

Magoar Lilian seria como andar em uma corda bamba e afetaria

toda minha vida.

Estranhamente, ela era como alguém da família, pois todos a

adoravam.

Sem falar que Alice me odiaria por me meter com sua irmã.

Então, no fim, tinha mais contra do que prós e a decisão de Lilian


condizia com a realidade.

Mas aceitar era difícil.

Senti os olhos de Alice me analisando enquanto Henrique colocava

as pizzas sobre a mesinha de centro do apartamento, sem perceber que

acabou de jogar uma bomba ao contar que se encontrou com Caio na


entrada.

Minha irmã logo assumiu o papel de analisar cada detalhe daquilo,

deixando-me tensa por ela descobrir algo.


— Vou tomar um banho, querida — Henri falou, enquanto beijava

sua cabeça.

Minha irmã assentiu, observando o marido sumir no corredor do

apartamento.

Alice se virou para mim e arqueou a sobrancelha, inquisidora.

— Vai me explicar a relação de vocês?

— Que relação?! — Fui rápida ao falar, fazendo Alice rir.

— Não se faça de boba! Vocês dois se aproximaram em São Paulo,

conversaram e agora andam juntos por aí? Tem que ter alguma relação —

tagarelou, assumindo o papel de irmã mais velha que sempre foi meu.

Suspirei, escondendo as mãos entre as pernas e encolhendo os

ombros, querendo apenas que ela esquecesse minha existência.

— Você vai me julgar.

— Não vou, prometo — rebateu, fazendo-me rir.

Alice àquela altura já deveria ter sua teoria.

— Se você ficou com o Caio, tudo bem. Ninguém te julgará por

isso.

— Não.

— Ok, não ficaram? — Franziu o cenho. — É assim que ainda

falam? Eu me sinto uma idosa casada e fora do mercado.


Sorri.

— Sim, é assim que falam. Você é meio idosa sim, tem três filhos,

ama chás, cultiva flores, adora música clássica e...

— Já entendi — falou, cortando-me. — Explica logo. Você fica


mudando de assunto, não faça isso.

Ela estava agitada, falando enquanto eu negava com a cabeça,

pedindo que parasse.

— Não começa.

— Não. Não vou começar, não há nada para falar. — Ela se

levantou, encarando-me. — Estávamos falando do Caio e acabamos

desviando o foco.

Sua mudança de assunto me deixou ainda mais desconfortável.

Alice usava pijama de moletom enorme e os cabelos castanhos

estavam presos em um coque desajeitado.

Era a típica mãe de três filhos, parecendo estar em uma bagunça


completa.

Reconhecia as bolsas de sono embaixo dos olhos castanhos e ficava

ligeiramente com pena.

— Precisa dormir mais, Alice, parece acabada.

Ela riu e se sentou novamente, pegando um pedaço de pizza.


— Lara está passando por um salto de desenvolvimento e estou

ficando doida — sussurrou. — Ela gruda nos meus seios a maior parte do
tempo e muda o horário de dormir. Crianças dão um trabalho.

Neguei com a cabeça.

— Não fui eu quem quis três de uma vez.

Ela riu.

— Sim, mas você entende um pouco por causa de Hannah e do seu

trabalho, sabe como eles são.

Assenti.

— Mas não passo pela loucura dos seios e nem nada do tipo.

— Sim, mas você e a Carol dividem meio que uma maternidade ali.

Sei o quanto é doida pela menina.

— Claro, mas não é como você. Eu não tenho fraldas, nem nada do

tipo. — Suspirei, encarando a sala bagunçada com brinquedos para todos os


lados. — E talvez não tenha nunca essa experiência...

— Não diga isso, preciso de sobrinhos. Mel, Enzo e Lara precisam

de primos.

Sorri de canto, meio triste.

— Eles têm, a Heloísa está fabricando bebê a rodo.

Alice riu.
— Ela estava na dúvida sobre a gravidez. Estão esperando que o
resultado do exame de farmácia seja um falso positivo, por isso fizeram um

de sangue — comentou sorrindo.

Quando Alice adotou a Mel, lembro de falar para Jorge brincando


sobre querer um bebê e ele não pensou duas vezes em dizer sim, mas depois

tudo mudou quando falamos mais sério sobre o assunto e decidimos que

filhos não fazia muito parte do que queríamos no futuro.

— Foco, Lilian — Alice me repreendeu, sendo que era ela que

estava desviando sem querer do assunto a todo momento.

Suspirei, me dando por vencida e sabia que se não contasse, uma

hora aquilo iria acabar caindo no ouvido de Alice de uma forma ou de


outra.

— Ok — falei, concordando. — Nós ficamos em São Paulo e meio


que surtei com o ritmo das coisas...

Ela me encarou, com os olhos se franzindo, observando-me como se


julgasse a minha alma.

— Foi depois disso que fugi para Curitiba. Não literalmente, já que
minha passagem estava comprada, mas... — Bufei ao lembrar das minhas

decisões estúpidas. — Eu só fui embora sem conversar sobre o assunto com


ele. Agora decidimos sermos amigos, porque ele sabe que se eu ficar com
outra pessoa, no momento, viria o sentimento de culpa.

Alice suspirou e vi o sorriso de compreensão nascer nos lábios da

minha irmã mais nova.

— Mas agora me diga... — ela falou, fazendo-me encará-la com

atenção. — É tudo o que dizem, ou é só propaganda enganosa?

— ALICE! — praticamente gritei, jogando a almofada nela

enquanto minha irmã ria da minha indignação.

— Ora, é que ele é bem comentado por aí e sei que já teve muitas
mulheres. Porém, pode sempre ser um caso de fake news — disse, fazendo-

me cobrir o rosto, envergonhada.

Não sabia como Alice conseguia me envergonhar daquela forma,


sendo que eu era a mais velha.

— Não é fake news — sussurrei, ainda com o rosto coberto.

— O que não é fake news? — Henrique indagou, voltando para sala.

Alice encarou o marido, abrindo um sorriso inocente.

— Nada, querido — respondeu, deixando o assunto morrer.


Leon me encarou com descrença, enquanto preparava um sermão

sobre quão errado foi mentir sobre meu estado civil.

Sabia que aquilo viria e estava preparado.

Mas confesso que todo preparo se foi, pois, passei a noite em claro
pensando em tudo o que aconteceu desde que encontrei Lilian no
restaurante e com a expressão de Henrique falando que não poderia brincar

com ela, repetindo a todo momento.

Eu não era um canalha.

Eu não era.

Só que todos acreditavam que eu era.

— Está me ouvindo? — Leon perguntou, atraindo a minha atenção.

Percebi que ele havia parado de falar e fiquei estático.

— Sim — respondi, tomando um gole da água sobre a mesa do


restaurante que ficava a uma quadra da empresa. — Vai dar tudo certo, é a

Lilian. Ela vai me ajudar caso isso precise ser reafirmado.

— Mas isso é uma grande mentira. Vocês são malucos?! — ele


indagou, e o encarei com impaciência.
— Se os clientes fossem mais inteligentes não precisaríamos disso.
É loucura querer que todos sejam casados em pleno século vinte e um.

Ele bufou.

— Inclusive tem uma amiga de Gabriela que ela quer te apresentar.

Balancei a cabeça em negação, ato que já se repetiu várias vezes.

— Não, não e não. Já disse, nada de encontros arranjados, odeio

isso.

Leon bufou.

— Claro, você gosta mesmo é do caminho mais fácil para a calcinha


de qualquer mulher.

— Não, isso também não é verdade — falei com irritação.

Meu amigo me encarou com deboche.

— Sua fama não nega, Caio.

— Sim, mas é fama e nunca afirmei que ficava com uma mulher a

cada dia, nem nada do tipo — me defendi, irritado por todos pensarem a
mesma coisa. — Nunca me preocupei em corrigir, porém isso tomou um
rumo insano.

— Então vai me dizer que não é nada disso? — Cruzou os braços e


se encostou na cadeira em uma pose debochada. — Eu morei com você, sei

bem sua dinâmica.


— Sim, você viu uma ou duas moças no meu apartamento por quase

dois meses. Não tente ver coisas onde não tem. Saio com mulheres, mas
nada insanamente inovador, nem prometo nada a elas. Trato bem, mas não
juro amor. Não sou um canalha. — Meu tom de voz aumentou, e meu

amigo arqueou a sobrancelha.

— Isso te irritou.

Suspirei, cansado, pois não deveria ficar tão bravo.

— Sinto muito — sussurrei, cansado.

— Não, me desculpa. Não sabia que sua vida pessoal não era mais
assunto que discutimos.

Sabia que Leon estava sendo ácido de propósito.

— Não é isso. — Bebi mais água, cansado de explicar. — É que

vocês têm a mesma visão sobre mim e não sou assim.

— Mas você sempre nega encontros, fala que está bem solteiro e...

— Eu sou feliz solteiro, mas nunca disse que o amor não existe.

Inclusive, te falei isso quando você brigava com Gabriela, que quando
encontrasse a mulher certa não pensaria duas vezes em fazer tudo por ela.

Meu amigo se calou, encarando-me de modo pensativo.

Nunca me irritei com aqueles boatos, até aquele momento.

E não sabia o que estava acontecendo comigo.


— Eu me lembro — Leon falou, atraindo minha atenção. — O que
me leva a pensar que você já encontrou a mulher certa? É por isso que anda
tão irritado com tudo?

A pergunta dele implicava com a minha, e não sabia a resposta.

— Ajudaria a nós dois ter esta resposta — sussurrei, encarando meu


prato. — Não sei, realmente não sei. Só que passou a me incomodar quando
Henrique me pediu para não fazer algo porque duvidava de mim. Henrique

nunca duvidou de mim.

— Ah, merda! — ele resmungou, atraindo minha atenção. — Sei


que a aprovação de Henri é importante, afinal ele é quase como um pai para

você. Agora entendi o problema.

— Virou psicólogo? — debochei, desviando do assunto.

Leon sorriu, passando as mãos pelos fios negros e os levando para

cima.

— Não, mas aprendi coisas com o tempo. Você fez um bom papel
de conselheiro quando minha vida estava uma merda e agora é o meu
momento de fazer o mesmo por você.

Sorri, negando.

— Você não tem como saber que minha vida está uma merda.
— Mas você está cheio de questionamentos e até ela ficar é um
passo assim... — Juntou os dois dedos no ar, indicando uma distância

pequena. — Não se preocupe, fale com Henrique sobre isso, conte a


verdade. Ou não. Você é quem sabe.

— Vou fazer um drama à toa.

— Não. Você se sentiu desconfortável por algo que seu irmão falou,
então vai conversar com ele e explicar o motivo de não querer que isso se

repita. O diálogo é a base de qualquer relação — explicou, deixando-me


intrigado. — E Henrique com certeza não vai duvidar de você, sempre

foram muito unidos.

Suspirei.

Era horrível projetar a imagem de um pai no meu irmão, mas com o

tempo passei a ver aquilo como forma de respeito.

Henrique ajudou muito mamãe quando ela ficou sozinha conosco e


era bom termos respeito por ele.

— Acho que vou ao terapeuta — falei continuando a comer, e Leon

riu.

— Recomendo. Você anda muito estranho e ainda estou bravo por


ter mentido na reunião com a empresa.

Suspirei, sabendo que o caminho de falar sobre aquilo era mais fácil.
Caminhei em direção ao meu apartamento, sentindo o peito arder à medida
em que avançava, como se ainda estivesse com uma faca enfiada nele.

Não era no sentido figurado, juro por Deus.

Entrei na academia bem cedo como de costume e estava voltando para casa

ainda com a rua escura porque o local funcionava vinte e quatro horas e não
parava um minuto. No caminho, acabei tirando o telefone de dentro do bolso para

trocar de música e acabei sendo abordado por dois caras.

Não foi uma coisa legal.

Acabei sem celular e com um corte no peito por tentar reagir.

Burro, burro, burro!


Se Josiane soubesse de uma história dessas, iria me bater como se eu ainda

tivesse cinco anos de idade.

Fiz uma denúncia na delegacia e me recusei a passar no hospital, porque

em algumas horas eu iria estar trabalhando dentro de um e não queria começar


meu turno mais cedo. Além do mais, foi uma coisa superficial, não precisava de

pontos, nem nada do tipo.

E no caminho de volta para casa, a todo instante pensei que estava sendo
seguido porque vi a sombra de um cachorro de grande porte caminhando a alguns

metros de mim. Toda vez que me virava para frente, ele apertava o passo,
parecendo, realmente, ser um perseguidor.

Terrível.

Assim que entrei em casa, joguei as chaves sobre o aparador, suspirando

antes de seguir em direção ao notebook sobre a mesinha de centro. Eu o abri,


procurando uma loja on-line de confiança porque não poderia ficar sem telefone,
afinal ele estava, literalmente, presente em todos os aspectos da minha vida.

Assim que terminei de fazer a compra, concluí que inventar uma desculpa
para a mudança de número era mais fácil do que ir atrás do contato antigo.

Ninguém precisava saber a verdade, era só uma preocupação à toa que


levaria a muito drama e sabia que todos andavam bem ocupados para se

preocuparem com algo que não tinha solução.


Alinhei a gravata em frente ao espelho do hall de entrada do apartamento,

pronto para sair de casa novamente, afinal já eram quase oito da manhã.

Apenas coloquei um curativo rápido sobre o corte, mas parecia que ele
insistia em arder toda vez que movia o ombro, tornando-se um completo
incômodo.

Assim que entrei em meu carro, vi o cachorro de porte grande parado ao


lado dele e deixei a indignação escapar dos lábios na forma de um xingamento.

— O que você quer? — indaguei para o cão preto que me encarava. —


Sim, eu vi você me seguindo no caminho de volta para casa. Você não poderia ter

aparecido e ter me ajudado antes do homem enfiar a faca no meu peito?

Eu me permiti fazer drama para o cachorro, que parecia me entender,


choramingando e abaixando a cabeça.

— É bom mesmo se envergonhar por isso — falei, dando um sermão

quando ele escondeu o rosto entre as patas. — Eu precisava da sua ajuda e você só
apareceu depois.

Ele me encarou com os olhos mais pidões do mundo e eu suspirei,

rendendo-me àquilo.

— Ok, está perdoado, amiguinho — sussurrei, saindo do carro para


confortar o cachorro.

Nem me importava se ele era bravo, apenas me abaixei na sua frente e

alisei sua cabeça.


Ele era realmente um cachorro bem grande e bonito. O pelo dele era tão
escuro que chegava a brilhar.

— Você é bonitão... E mansinho — falei admirado quando ele esfregou a

cabeça em meu peito, pedindo por mais carinho. — Está perdido ou... — Procurei
por uma coleira, mas não encontrei nada.

Talvez estivesse perdido.

Ele me lembrava um Rottweiler, mas não fazia sentido alguém abandonar


uma raça como aquela, ainda mais um cachorro que era claramente bem cuidado.

— Você deve estar perdido — concluí, dando a volta no carro, abrindo a


porta do passageiro. — Vem cá, amigo, vamos ver se achamos a sua família.

Ele me seguiu, mas encarou a porta aberta com curiosidade.

Como ele não aceitou o comando, me dei por vencido, peguei o cachorro

nada maneiro nos braços e o coloquei dentro do carro.

— Se quiser, pode se sentar, mas espero que esteja limpo e não suje meu
carro — brinquei, alisando sua pelagem novamente.

Ele apenas colocou a língua para fora, respirando fundo.

O bairro onde morava era uma área residencial bem extensa e se o dono
fosse daquela região, teria algum cartaz ou anúncio por ali. De qualquer forma,
poderia deixá-lo no abrigo no início do bairro, pois sabia que era melhor do que
ele ficar perdido, seguindo pessoas estranhas.

Entrei no banco do motorista.


— Sabe, Apolo — comecei a falar, ligando o carro. — Vou te chamar de
Apolo, ok? Desculpa se não for seu nome, mas você não tem um identificador.

Ele fungou, pulando no banco do passageiro, encarando a rua.

— Eu acho que você fez uma boa decisão em me seguir — conversei


com ele. — Minha mãe me mataria se soubesse que dei uma carona para um

cachorro que não conheço. Principalmente, você com essa carinha de malvadão.
— Estava rindo daquilo em seguida, porque ele realmente tinha cara de malvado,
porém claramente se rendia por um carinho.

Andei por todas as ruas do bairro com o carro na menor velocidade,

procurando por algum anúncio ou algum direcionamento, no entanto, quando


cheguei à saída do bairro e parei em frente ao abrigo, suspirei, me dando por
vencido.

— Hoje não encontramos nada, amigo — falei com o cachorro. — Mas

assim que sair do trabalho, prometo que te ajudo a achar sua família. — Alisei seu
pelo, saí do carro e caminhei em direção ao abrigo que já estava aberto.

Era um petshop que tinha uma ala para abrigar animais abandonados e eu

colaborava sempre que possível.

Meu apartamento era pequeno para criar animais, então adotar algum era
impossível, mas eu gostava de ajudar.

— Bom dia — falei para a atendente.

Ela me reconheceu no mesmo instante, abrindo um sorriso.

— Senhor Montenegro, o senhor por aqui... — Estendeu a mão.


— Eu vim em uma missão diferente — falei, abanando a mão para indicar
que precisava que ela fosse em direção ao estacionamento.

Ela me acompanhou até que parei em frente ao carro, apontando em

direção ao Apolo no banco de trás.

— Ele me seguiu durante a manhã e tentei achar o dono, pois acredito que
esteja perdido, mas não encontrei nada.

— Você achou o Olaf — ela falou, abraçando o animal com carinho.

Olaf?

Que nome ridículo.

— Sim, ele é de vocês? — indaguei, animado.

— Não, não, ele foi abandonado há algumas semanas — respondeu e em

seguida pegou uma das guias que ficavam do lado de dentro do petshop. Logo ela
voltou passando no pescoço do cachorro, puxando-o para fora do carro. — A
família viajou e disse que não tinha como levá-lo. O Olaf ainda não se adaptou e
acha que a família vai voltar, por isso ele já fugiu algumas vezes. Ele ficava na
casa antiga, esperando os antigos donos, mas o dono atual não gosta de animais,
então ele não foi mais até lá.

Revirei os olhos com aquela informação.

Como se adota um cachorro quando você não tem como mantê-lo?

A ideia de que o Olaf foi rejeitado machucava. Na verdade, nem sabia o


motivo daquilo incomodar tanto.
Deveria ser só um sentimento de empatia, mas me incomodava muito
mais.

— Então ele fugiu ontem e não o encontramos em lugar nenhum. Ficamos


preocupados — ela continuou , alisando a pelagem do cachorro.

E quando me despedi dos dois, Olaf me encarou por cima dos ombros da
cuidadora e fiquei rapidamente triste por deixá-lo ali.

Contudo, obriguei-me a fazer aquilo, dizendo que era impossível ter um


cachorro com a vida nada calma que tinha.

E enquanto me dirigia para o hospital, ainda me sentia irritado com


pessoas que nem conhecia por cuidar de um animal por anos e, simplesmente,
deixá-lo para trás.

Fazia muito tempo desde que tive um animal de estimação, o último foi um
cachorrinho, ainda na minha infância. Ele morreu cedo demais e eu nunca quis
outro, porque tomaria o lugar dele.

Mas me lembro do sentimento até hoje.

Nunca é apenas um animal de estimação. Magicamente, eles faziam com


que o considerássemos mais do que qualquer coisa.

Era como se fosse da família.

E por aquele motivo não me entrava na cabeça abandonar alguém da


família.
Abri a porta do escritório de Caio, procurando-o com o olhar e sorri
quando o homem levantou a cabeça, encarando-me com os olhos castanhos
parecendo ver além do que estava disposta a mostrar.

— Olá, doutora Santiago, que surpresa você por aqui — falou, levantando-
se.

Eu me aproximei, tomando a liberdade para dar a volta na mesa e abraçar


meu novo amigo, ignorando totalmente a parte que era a primeira vez que transei
com um amigo.

— Isso tudo é saudade de mim? — indagou rindo, e o apertei ainda mais


no meus braços, fazendo-o gemer baixinho.

— O que foi isso? — perguntei, dando um passo para trás, desconfiada.

Nem sabia o que pensar.

— Nada, não foi nada disso que está pensando — falou, esfregando
levemente um lado do peito.

— O que aconteceu com seu peito?

Caio negou, observando a pequena sacola entre meus dedos.

— O que tem na sacola?

Era um embrulho de uma doceria que ficava na frente do hospital e ele


sabia daquilo.
— O que tem no seu peito? — tornei a indagar, puxando a aba da blusa
junto com um pouco do paletó que ele vestia naquele dia, encontrando o curativo
levemente sujo de sangue. — O que foi isso?! — grunhi, irritada.

Caio suspirou, jogando a cabeça para trás como se explicar fosse um


grande ato de paciência.

— Eu me machuquei, ok?

Coloquei a sacola sobre a mesa dele e o empurrei contra sua vontade até o
pequeno toalete no canto da sua sala.

— Sente-se aí. — Indiquei o vaso sanitário que estava fechado.

O homem, a contragosto, fez o que pedi.

— Não precisa exagerar, é só um machucado superficial — ele falou,


defendendo-se, enquanto eu procurava algum kit de primeiros socorros dentro do
armário.

Eu sabia que encontraria um porque o hospital distribuía em todas as salas.

Soltei um suspiro de alívio quando encontrei o pequeno kit e o abri sobre a


bancada do banheiro.

— Lilian... — ele disse .

Não dei atenção, tirando primeiro o curativo que ele fez sem me preocupar
nem com o fato de que estava sem luvas, coisa muito importante para a medicina.

Porém, já dormi com aquele homem e não podia me dar ao luxo de muitos
“não-me-toques”.
Ele se encolheu quando pressionei levemente o algodão molhado contra o
corte.

Era um corte de faca, sabia daquilo.

Não precisava ser um gênio para saber e queria perguntar como ele
conseguiu aquilo.

Não era profundo para precisar de pontos, mas precisava ser limpo com
frequência até a cicatrização.

— Já está bom... — Fez menção de se levantar.

— Se você não ficar quieto, não vou dividir os brownies que trouxe com
você — avisei, vendo o homem se sentar lentamente, como se fosse uma grande
ameaça e segurei a risada. — Muito bem, senhor Montenegro — sussurrei,

terminando de limpar. — Vai me contar o que aconteceu? — perguntei bem


baixinho, não querendo criar um grande caso.

Caio suspirou.

— Eu fui assaltado hoje mais cedo. Um cachorro me seguiu e o levei pelo


meu bairro no meu carro, pensando que iria achar o dono dele, magicamente. Foi
uma manhã frustrante — confessou.

Quase dei risada ao pensar em Caio e um cachorro juntos, procurando o


dono do animal.

Mas a primeira parte me aterrorizou.


Busquei ficar calma, não querendo que ele assumisse a defensiva
novamente, enquanto colocava as gazes sobre o corte, cobrindo com esparadrapo
para segurar o local.

— Fez um boletim de ocorrência? — indaguei, fingindo tranquilidade, mas


minhas mãos denunciavam uma leve tremedeira.

Ele abaixou o olhar para elas, notando aquilo.

— Fiz sim — respondeu, enlaçando meus dedos nos seus. — E eu estou


bem, não precisa se preocupar. — Deu um beijo em minha mão e o encarei.

Queria dizer que era estúpido me pedir aquilo e só percebi naquele


momento que me preocupava demais com ele.

Como amigo, como o cara com quem dormir e...

Como você queira categorizar.

Eu me preocupava muito se ele estava bem.

Soltei o ar bem devagar, fechando sua camisa com calma.

— Passa no meu consultório depois. Sou um desastre com coisas


pontiagudas e tenho um bom remédio para sarar rápido — falei, fingindo um
sorriso.

Caio passou o braço levemente na minha cintura e levantei a cabeça,


focando os olhos nos seus, enquanto ele me puxava para perto dele e meu corpo ia,
como se fosse a única coisa que ele soubesse fazer. Deixei minha perna dobrada
sobre seu colo, respirando levemente, sentindo sua respiração se misturar com a
minha.

— Estou bem, Megerinha, não precisa se preocupar — tornou a garantir,


mas meu foco estava em sua boca.

Eu queria tanto o beijar novamente que soava como um pedido


desesperado.

— Você quer me beijar, né? — indagou com uma confiança nunca abalada
e um sorriso de canto de rosto.

Fechei os olhos, deixando mais uma respiração profunda sair de mim.

— Só me beija logo, Caio... — praticamente implorei.

Ele riu circundando os braços mais firme em minha cintura, tomando


minha boca, enquanto me sentava em seu colo, afundando as mãos em seus
cabelos, puxando-o para mim, em uma desesperada tentativa de senti-lo mais
contra mim.

Eu gemi quando ele me firmou contra ele, como se não pudesse me soltar.

Afastei as mãos do seu peito, em uma tentativa de não machucar seu


ferimento e estremeci quando escutei alguém abrir a porta do consultório,
chamando o nome dele, enquanto descia a boca em direção ao seu pescoço,
mordiscando sua pele.

Caio foi mais rápido do que eu e bateu a porta do banheiro antes que
alguém nos visse naquela situação completamente comprometedora.
Segurei o xingamento, levantando-me rapidamente do seu colo, e ele me
encarou, assustado.

— Senhor Montenegro, a senhora Sabrina está precisando do senhor.

A voz agitada de uma das enfermeiras fez Caio pular de cima do vaso só
com a rápida menção da amiga, lavando o rosto rapidamente.

Ele saiu do banheiro e fechou a porta, deixando-me para dentro.

— Ela entrou em trabalho de parto, está perdendo muito sangue...

A enfermeira fez uma pausa e escutei passos apressados correr para fora da
sala, sendo acompanhados por ela.

Deixei a respiração pesada sair de mim, esfregando o rosto antes de me


recompor e deixar a sala, querendo saber o que Sabrina tinha que deixou a
enfermeira tão agitada.
Senti o coração quase parando.

Sabe aquela sensação de descrença, como se em um piscar de olhos

a realidade fosse cair em sua cabeça e tudo voltasse ao normal?

Foi o que senti enquanto era empurrado pelo médico responsável

pelo parto de Sabrina, observando que ela estava pálida, dando a vida para

se manter acordada enquanto a situação piorava de minuto em minuto.

Eu não queria estar ali no momento, mas ela precisava tanto de

mim.

— Ela está perdendo muito sangue — a enfermeira sussurrou,


assustada.
Meus olhos encontraram os de Sabrina uma última vez, com as

lágrimas molhando o rosto da minha melhor amiga.

Meu coração golpeou dentro do peito em uma dor que me cegava e

me sentia impotente, de mãos atadas.

Só poderia estar em um maldito pesadelo.

Aquilo não era para estar acontecendo.

Ela estava bem, Ravi estava bem.

Eles iriam ficar bem.

Eu iria acordar.

Eu tinha certeza de que iria acordar.

Puxei uma respiração profunda, dando uma volta em torno de mim

mesmo, porque não podia encarar minha amiga daquela forma.

Só que o cheiro de sangue, suor e hospital se infiltrou em meu nariz,

impedindo-me de ter qualquer pensamento coerente.

— Caio.

A voz da minha melhor amiga me puxou de volta à realidade.

Não era um sonho.

Ela estava pálida, perdendo sangue e a minutos de perder um bebê.

E eu estava ali, sem poder fazer absolutamente nada.


— Fica comigo, por favor — pedi, aproximando-me, encostando a
cabeça no lençol da maca, sujo de suor, que tinha cheiro do perfume da

Sabrina.

O mesmo cheiro desde que ela tinha doze anos, pois ela nunca

mudou o perfume.

Era doce e o conhecia de todas as nossas lembranças.

— Está doendo muito, não me pede isso, por favor — sussurrou

chorosa.

Os médicos agiam como se o caos atual não estivesse se misturando

com um milhão de emoções.

— Não, Sabi, vamos ter outro bebê. Faço o que você quiser, só não

solta minha mão — prometi, desesperado, sem pensar em mais nada que

não fosse nela.

Sabrina estava com hipertensão e não era uma novidade para

nenhum de nós dois.

Mas não esperávamos uma complicação naquele momento.

Sabia que estava sendo egoísta pedindo que ela a escolhesse, ao

invés do pequeno bebê.

E em antecipação, já sentia muito, porque também amava aquela

criança.
Estive em cada momento com ela e as emoções se misturavam como

uma bola de neve, me impedindo de não ser egoísta.

— Pode tirá-lo da sala, por favor? — Sabrina pediu as enfermeiras,

de olhos fechados, respirando fundo algumas vezes.

E doeu mais do que tudo ouvi-la dizer aquilo.

Antes de ser afastado, ela segurou meu rosto.

— Eu vou ficar bem. Ravi vai ficar bem. Vamos todos ficar bem, eu

prometo.

Não, não iria, quis gritar, porém, ela me fez assentir.

— Eu te amo muito, meu amor — sussurrou, beijando minha mão,

como uma maldita despedida, enquanto a enfermeira colocava a mão em


meu braço, puxando-me para fora da sala de cirurgia.

Vi Sabrina fungar uma última vez, fechando os olhos, respirando


fundo, cansada demais para continuar.

Foi aquela a última imagem que tive antes de desmoronar contra a


parede do hospital, passando as mãos repetidas vezes por meus cabelos,

numa tentativa em vão de acordar.

Meus olhos estavam escurecendo na medida que o ar faltava.

Não, aquilo não estava acontecendo.

“Acorda, Caio, acorda!”


— Ei, ei...

A voz feminina chegou até mim, segurando minhas mãos e


apertando meus dedos entre si.

— Ela vai ficar bem, você vai ver — Lilian murmurou, e eu quis
chorar.

Por que elas diziam aquilo?

Era cruel se apegar a uma esperança que não existia.

Eu já vi casos iguais, Lilian também e Sabrina sabia que tinha


chegado sua hora.

Por que nenhuma delas queria ser sensata sobre aquilo?

Respirei fundo quando Lilian se aproximou, me abraçando,

obrigando meu coração desgovernado a tomar um outro rumo.

— Respira fundo — pediu, e eu fiz. — De novo — sussurrou como

se já soubesse o que estava acontecendo.

Eu apenas repeti todas as vezes em que ela falou “de novo”, até que

minha visão começou a melhorar e pude finalmente a ver melhor,


encarando o corredor privado do hospital.

— Ela não vai e você sabe, Lilian. — Levantei a cabeça, encarando-

a.

Lilian sorriu de lado.


— Não há nada que possamos fazer senão ter fé. — Alisou meus
cabelos, sentada no chão, bem próximo a mim.

Enlacei meus dedos nos seus, precisando tocá-la, saber que não iria
desmoronar enquanto Lilian estivesse ali.

— Eu pedi que ela ficasse. E nós dois sabíamos que se ela ficasse,

Ravi morreria. Eu não acredito que fiz isso. — Esfreguei a mão livre em
frente ao rosto.

— Você estava preocupado e confuso. Um dia, o Ravi vai entender


— garantiu com um sorriso que não chegava aos seus olhos.

E, de alguma forma, esperava que Sabrina sobrevivesse para me


perdoar também.

Beijou o dorso da minha mão, com um carinho imensurável e eu


sorri.

Sabrina tinha que viver por aquilo, se não fosse por mim, tinha que

ser por Ravi.

O que eu iria fazer se ela morresse?

Eu não sabia nem por onde começar.

— Eu não sei o que fazer — confidenciei.

Ela encolheu os ombros.


— Não precisa fazer nada. Só espera por eles. Em algum momento,
Ravi irá chegar e a mãe dele vai estar cansada, então você terá que dar
boas-vindas ao menino.

Sorri, pois queria que fosse fácil assim.

Queria mesmo.

O choro fino do menino ecoou pela sala de cirurgia e me levantei,

ignorando os protestos de Lilian. Invadi o local privado de onde fui expulso


poucos minutos atrás, encontrando o médico enrolando o menino em um

pequeno cobertor, enquanto o desfibrilador cardíaco estava sendo colocado

em Sabrina pelo segundo médico responsável pelo parto.

Minhas pernas cederam no instante em que foquei no rosto de


Sabrina.

Pálido, sem cor.

Ela estava...

Ela estava...

Não, não, não!

— Hora da morte, doze horas e vinte e sete minutos... — o médico

seguiu o prontuário, ditando o dia da morte da melhor pessoa que já tive o

prazer de conhecer, enquanto Ravi chorava como se soubesse que a mãe


estava partindo.
“Acorda...

Por favor...

Acorda logo.”

Implorei enquanto desmoronava, sentindo o caos se formando

novamente ao meu redor com os médicos cuidando do corpo.

Mas nada acontecia e eu não acordava.

Caio desmoronou.

Não foi uma cena em que você vê que a pessoa lamenta a perda da
outra, eu, simplesmente, vi que ele perdeu o chão no instante em que entrou

no quarto e viu o corpo de Sabrina já sem vida, tanto que os médicos

optaram por sedá-lo para mantê-lo calmo.

Enquanto ele descansava em um quarto ao lado de onde tudo

aconteceu, eu estava sentada ao seu lado, esperando pacientemente a

chegada da sua família, pois liguei para eles poucos minutos depois que

tudo aconteceu, explicando a situação.

Encarei o teto.
A cena dele desmoronando passava em minha mente a todo o

momento e senti meu coração se apertar, porque do fundo da alma,

reconhecia cada sentimento que ele estava sentindo.

A raiva, a dor, a vontade de gritar e pedir que a pessoa que


amávamos não fosse embora.

Foi como tirar a tampa de um compartimento dentro do meu

coração, trazendo à tona a sensação viscosa do luto.

A velha sensação que grudava em cada parte do seu corpo e te fazia

questionar se você queria mesmo viver sozinha depois de tudo.

Limpei o rosto pela terceira vez, impedindo que as lágrimas se

acumulassem e vi quando ele se mexeu, mas não acordou.

De momento em momento, via quando ele voltava a chorar, pois as

lágrimas desciam mesmo que ele estivesse completamente dopado.

Eu não gostava da ideia de cobrir a tristeza com remédios, mas


ninguém conseguia acalmá-lo.

E foi a única solução naquele momento.

— Lilian.

A voz de Josiane me fez virar a cabeça e vi a mãe de Caio

caminhando em minha direção, com o rosto preocupado, jogando a bolsa


sobre o pequeno sofá no canto do quarto.
— Meu Deus, ainda não acredito no que está acontecendo. Sabrina,

grávida? Morreu?

Abracei a sogra da minha irmã quando ela veio ao meu encontro.

— Sim, infelizmente — sussurrei, dando um passo para o lado para

que ela tivesse acesso ao filho, adormecido.

— Meu Deus, Caio — murmurou, vendo a situação do homem.

Sua camisa azulada estava com manchas de sangue, assim como a

calça social, pois ele simplesmente desmoronou no chão.

— Ele... — Josiane me encarou com os olhos cheios de lágrimas.

— Eu sei — sussurrei.

— Eles estavam juntos? — indagou, fazendo-me congelar no lugar,

enfiando as mãos dentro do bolso do meu jaleco.

Pensar em Sabrina e Caio juntos fazia meu estômago revirar.

— Não. Eu acho que não — ressaltei aquela parte.

— Mas ela estava grávida, tendo um bebê. E as conversas no

hospital é que o filho é do Caio.

Deixei o suspiro cansado sair quando me sentei na cadeira onde


estava anteriormente, sem saber como explicar aquilo a Josiane.

— Eu não sei como explicar isso, Josi. — Fui sincera, esfregando

meu rosto.
— Tudo bem. — Se deu por vencida, puxando uma segunda cadeira

para perto. — Não tem motivos para me dar respostas. Não é hora para

respostas. Caio vai acordar maluco, devastado. Sabrina era como uma irmã

para ele. Os dois cresceram juntos e não posso acreditar que ela morreu.

A mulher finalmente pareceu se dar conta daquilo, que uma pessoa

próxima à família havia morrido.

— Meu Deus! — Josi sussurrou, encarando as mãos enquanto as


lágrimas desciam.

Abracei a mulher, fazendo a única coisa que poderia fazer, ser o

apoio.

Quando fiquei naquela posição, só sabia chorar e odiava as palavras


de conforto, dizendo que eu era forte e todo o blábláblá, porque elas não

eram reais. Por isso, o silêncio sempre foi mais bem-vindo do que qualquer

coisa.

Saí do quarto após pegar um copo de água para Josiane, porque


depois que parou de chorar, suas mãos não paravam de tremer.

Eu precisava respirar.

Passei pela porta onde Sabrina havia dado à luz e parei, encarando o
nada. Lembrei-me do pequeno Ravi e de como ele não teve a chance de

sentir o calor da mãe, nem mesmo ter seu pai com ele.
Ele estava sozinho e só tinha poucas horas de vida.

Segui até o elevador e em vez de apertar o botão do andar onde


ficava a lanchonete, desviei da minha direção, apertando o andar onde

ficava o berçário.

Ravi não precisou ficar na incubadora, porque nasceu já no período

estipulado, então estava com tudo bem formado.

Assim que as portas abriram, caminhei pelo vasto corredor com as

paredes de vidro indo de uma ponta a outra.

Era um corredor conhecido por mim, porque ali ficava toda a ala

pediátrica.

E assim que entrei no berçário, meus olhos buscaram por um nome

específico, já que não sabia como era o bebê.

Tinham alguns ali fazendo companhia a Ravi.

Assim que encontrei a plaquinha com o nome Ravi Montenegro,

sorri.

— Ei, pequeninho — sussurrei, aproximando-me.

Quando meus olhos focaram na bolinha rosada embrulhada em uma


manta de pequenos carrinhos, me sentei no chão, já que o espaço entre os

berços me permitia aquilo, desarmando meu coração ali.

— Oi, querido...
Os olhinhos fechados, os lábios bem corados e a expressão plena
demonstrava que ele não fazia ideia do que estava acontecendo ali fora.

Em um futuro, a história do nascimento de Ravi iria ser uma das

coisas que ele e Caio iriam evitar de conversar.

Mas não tinha dúvida nenhuma que os dois poderiam ser um time e

tanto juntos.

— As coisas estão meio complicadas por aqui, querido. Mas sei que

você e o Caio vão conseguir. Sei que sim. Olha só, ele é forte e você tem
sorte. Ele é incrível, Ravi, e você vai amá-lo, tenho certeza disso. —

Suspirei. — Sua mamãe foi morar com o Papai do céu. — Deixei a notícia

mais triste sair de mim. — Eu não conhecia muito dela, mas o pouco que
conheci, devo dizer que ela também era incrível, pequeno Ravi. Você iria

amar tê-la como mãe...


Terminei de colocar meu paletó e alinhei a gravata azul-escura enquanto
encarava meu reflexo no espelho.

Foi preciso uma coragem descomunal para sair da cama cedo naquela

manhã e quanto mais me encolhia contra os lençóis mais parecia reconfortante e


quente.

Porém, ainda tinha um mundo de coisas para resolver.

O dia anterior foi o dia mais infernal que já enfrentei na vida.

Enquanto observava o pequeno Ravi adormecido no canto do quarto,

dentro do pequeno berço que Lilian providenciou, me sentia grato por ninguém

fazer mais perguntas do que era capaz de responder.


Ravi nasceu perfeito, com quatro quilos.

Um garoto forte e a coisa mais delicada que já pus os olhos.

Em meio a toda raiva, dor e tristeza que sentia, eu só sabia sorrir toda vez

que olhava para ele.

— Oi, Campeão — sussurrei, abaixando-me na frente do berço. — O tio

Caio vai se despedir da sua mamãe agora. — Coloquei a mão por dentro do móvel,
tocando a bochecha rosada do menino. — E pedir perdão para ela, por pedir para

ficar enquanto eu sabia que poderia perder você. — Engoli o seco, encarando os
sapatos sociais. — Eu amo muito a sua mãe, Ravi. E eu amei você desde que ela

me ligou desesperada quando viu um positivo num teste de gravidez. — Eu me

sentei no chão, encarando o pequeno que bocejava, alheio à minha confissão. —


Ela era um pouco dramática, maluca, na maioria das vezes e você iria ser o motivo

dos cabelos brancos dela, tenho certeza. — Toquei seu narizinho minúsculo. — E
foi por isso que pedi por ela. Eu quis que ela ficasse, porque se eu pudesse, daria

tudo que tenho só para ter vocês dois aqui. — Suspirei. — E eu peço perdão para
você novamente, porque não queria que você deixasse de existir nem por um
minuto, Ravi. Você é a mais pura benção e amo que esteja aqui.

Eu não sei o que me fez continuar sentado, esperando, como se em algum

momento, ele me livrasse da minha culpa.

— Talvez deva escrever.

A voz feminina me fez virar, encontrando Lilian parada na entrada do


quarto, encostada na parede, já vestida para o enterro.
— Eu acho que daqui alguns anos, Ravi vai amar saber de tudo. Das partes

ruins e das boas. De como Sabrina foi uma amiga incrível e como era sua pessoa.

Deixei as lágrimas caírem conforme ela falava.

— Obrigado — sussurrei, agradecendo.

Eu queria agradecer a Lilian por tantas coisas.

— Não precisa agradecer. — Sorriu, encolhendo os ombros.

Eu sempre ficava sem fôlego porque Lilian tinha o sorriso mais lindo do
mundo.

Ela se aproximou, estendendo a mão quando parou na minha frente.

— Vamos? Carol vai ficar de olho em Ravi, ela prometeu.

Aceitei o gesto, levantando-me enquanto passava o braço em torno dos

seus ombros e Lilian se encaixava em meu corpo, como se fosse a coisa mais
natural do mundo.

— Sua família já foi. Josiane disse que parece que você se sente mais

confortável comigo e respondi que era loucura, pois é claro que você precisa deles
também.

Sorri, beijando sua testa.

— Eu preciso — respondi, simples. — Só que prefiro você. — Fui sincero,

vendo-a sorrir levemente.

Eu me despedi de Ravi antes de seguir para fora do apartamento.


Assim que saímos do prédio, vi a figura escura parada na portaria,
encarando as pessoas indo e vindo na rua e franzi o cenho, aproximando-me com a

mão enlaçada a de Lilian, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

E de fato, aquela era a sensação.

— Olaf? — indaguei com aquele nome ridículo saindo da minha boca.

— Olaf? Meu Deus, que nome... — Lilian sussurrou e vi que ela se


encolheu ao meu lado conforme o animal se aproximava, em um gingado
animado, porém não muito amigável porque ele era simplesmente enorme.

— Você fugiu de novo, seu levado — resmunguei, abaixando-me para


fazer carinho em sua cabeça.

A lambida que recebi no mesmo lugar onde desciam lágrimas alguns


minutos atrás quase me fez chorar.

E mesmo a contragosto, me afastei do cachorro, com Lilian indagando


sobre o animal.

— Ele é do abrigo no fim do bairro, fugiu uma vez e o levei de volta. Deve
ter aprendido o caminho. — Foi tudo que falei, não explicando muito sobre o

animal.

Senti uma mão contra a minha, enlaçando meus dedos conforme a


cerimônia caminhava perfeitamente bem.
Eu, sinceramente, não sabia se poderia dizer que um enterro se
encaminhava bem, porque era o momento em que enterrávamos o corpo de uma
pessoa.

Deixei que Lilian se encaixasse levemente em meus braços, com sua


cabeça repousando em meu peito e apertei o corpo pequeno contra o meu.

Era bom tê-la ali.

Muito mais do que bom.

O apoio que Lilian me deu nas últimas vinte e quatro horas foi mais
significativo do que qualquer um. E apesar de amar minha família, mamãe me
pressionava e perguntava a todo instante se eu estava bem, se precisava de alguma
coisa e...

Era sufocante.

Eu só queria permanecer no mesmo lugar e entender cada dor que aparecia

em partes inesperadas do meu corpo.

Lilian não falava, ela só se aproximava e ficava comigo, até que parecesse
que eu não iria desmoronar na frente de todos.

E eu agradecia a todo momento por cada passo que ela dava em minha
direção.

No momento em que a cerimônia terminou, senti meu corpo ficar tenso.

— Vou dar um minutinho para você — Lilian sussurrou, apertando minha


mão e seguindo em direção à minha família.
Mamãe e meus irmãos encaravam minha situação com medo de que a
qualquer momento eu desmoronasse e sabia que eles tinham muitas perguntas
sobre Sabrina e Ravi.

Eu ainda não havia respondido nenhuma delas.

— Eu não vou me despedir de você — falei para Sabrina, abaixando-me


no chão do cemitério. — Porque sei que não importa aonde eu vá, você vai estar

comigo e Ravi. É meio assustador dizer isso, pois sempre tive um pouco de medo
de fantasmas, mas deixo você aparecer caso prometa não puxar minhas pernas,
nem bater portas. Eu tenho uma criança para cuidar e não posso infartar... — Dei
uma risada leve, esfregando o rosto.

Não tinha mais lágrimas.

Não conseguia mais chorar.

Eu apenas não acreditava que estava vivendo aquele momento.

— Eu prometi a você que se fosse necessário nunca soltaria sua mão, nem

a dele, prometi isso há tanto tempo, quando não fazíamos ideia do que aconteceria.
— Encarei o céu que estava nublado, mas não era uma novidade. — Nunca
soltaria vocês, Sabi. Você sabe disso. Vou dar meu melhor também. Não importa o
que aconteça, Ravi sempre terá a mim.

— Terá a todos nós, querido.

A voz de mamãe me fez virar, encontrando Josiane Montenegro parada ao


meu lado, a apenas um metro de distância, com um vestido preto e sapatos

brilhosos, tão polida que parecia uma princesa do gelo.


— Somos uma família. Ravi é um Montenegro e ele nunca vai ficar
sozinho.

E eu chorei, desmoronei como um garotinho precisando dos braços da


mãe, por que foi a coisa que mais queria ouvir dela.

Senti quando ela se abaixou ao meu lado, passando os braços em torno dos
meus ombros, puxando-me para um abraço apertado.

Seu beijo em meu ombro veio acompanhado de mais um aperto, e eu sorri


em meio a todo meu caos emocional.

— Você é meu menininho, amor, e nunca estará sozinho. E isso é a mesma


coisa com cada um dos meus netos. Nunca, nunca estarão.

— Obrigado, mamãe.

— Não tem nada para agradecer.

— Estou orgulhosa de você — Alice falou, enquanto caminhava ao meu


lado, com os braços em torno do meu pescoço e minha cabeça em seu peito.

Sorri, limpando o canto dos olhos.

Fiquei para trás com Josiane, esperando Caio se despedir, mas acabei
chorando novamente quando vi a mãe dele se render e ir consolar o filho.
Naquele momento, me obrigava a ficar longe enquanto os dois
conversavam e me aproximei da minha irmã.

— Por quê? — indaguei, arrumando-me e enlacei o braço ao seu, vendo


Henrique já bem mais longe, abrindo a porta do carro.

Heloísa e Rafael já haviam entrado no carro deles e não tinha nenhuma


criança por perto, pois todos ficaram em casa.

— Porque você tem sido a pessoa que mais entendeu o Caio, que mais
apoiou e sabia exatamente o que fazer. Não sei como conseguiu.

Suspirei.

No primeiro momento da morte de Sabrina, Jorge passava em minha mente


o tempo todo. Primeiro foi apenas uma sensação de déjà-vu, depois comecei a me
ver nas mesmas situações, então usei tudo que senti no passado para fazer
exatamente o que ele precisava.

— Ele precisava de mim — falei simples, enquanto encolhia o ombro.

Alice beijou minha bochecha.

— Você foi incrível — sussurrou e me despedi da minha irmã, ficando


parada próximo ao carro do Caio, brincando com a chave do veículo dentro do
bolso do casaco, enquanto via os irmãos dele irem embora.

Eles combinaram de se encontrarem à noite para jantar na casa da mãe dele


e tinha certeza de que fizeram aquilo para não deixar o Caio sozinho.
Vi quando ele saiu do cemitério com o braço enlaçado ao da mãe, se
aproximando.

— Te vejo mais tarde, querido — Josiane falou, beijando a bochecha do


filho e se aproximou de mim, abraçando-me rapidamente. — Cuida dele por mim.

Sorri.

— Pode deixar — afirmei, recebendo um beijo de Josiane na bochecha,


antes dela caminhar para o carro atrás ao nosso.

Eu encarei o homem à minha frente, enquanto o carro de Josiane se


afastava.

Poderia dizer que ele estava destruído, mas aquilo era tão batido já.

— Vem cá — chamei, e ele se aproximou, passando os braços em torno do


meu ombro enquanto me acolhia em um abraço de urso, como se fosse eu quem
precisava de um abraço.

— Obrigado por tudo — tornou a agradecer.

Suspirei.

— Já disse que não tem o que agradecer.

Ele beijou minha têmpora, alisando meus cabelos e senti que Caio
afundava o rosto entre os fios.

— Tem sim. Não sei explicar, só que tudo dói. E eu não consigo definir
nada, só queria tirar essa dor.
— Eu sei como é, não precisa explicar. Só que quando estiver doendo,
pede um abraço. Eu amo abraçar você.

Ele riu contra meus cabelos.

— E se doer a todo momento? — indagou, espertinho.

Comecei a rir, beliscando sua cintura levemente.

— Para de graça.

Caio suspirou, encostando a testa na minha.

— Sei que ainda dói em você o luto — sussurrou. — E por isso sou grato,
por você ignorar a sua dor e estar aqui por mim. Queria ter estado ao seu lado. Iria
segurar sua mão da mesma forma.

Meus olhos se encheram de lágrimas.

Eu tive Alice na época e seria incrível ter um amigo como o Caio.

— Tudo acontece como deve acontecer — afirmei com convicção e beijei


sua bochecha. — Vamos cuidar do Ravizinho — sussurrei, lembrando da parte que
ainda precisava dele.

— Vamos — concordou, afastando-se e abri a porta do banco de


passageiro, vendo Caio revirar os olhos. — Eu deveria fazer isso, você sabe, né?
— questionou, ranzinza.

Encolhi os ombros.

— Estou cuidando de você — falei simples, vendo-o negar com a cabeça e


entrar no carro.
Entrei no banco do motorista e enfiei a chave na ignição, ligando o carro e
focando na estrada.

Senti a mão de Caio pegar a minha mão livre, enlaçando nossos dedos e
sorri com aquilo.

— Gosto que cuide de mim.

Eu o encarei, e ele sorriu.

— E também amo abraçar você.

Senti minhas bochechas corando.

— Tem cheiro de flores e morango. É a melhor coisa que já toquei,


Megerinha.

“Você tem cheiro de amor, Caio”, quis dizer, mas não queria envolver
ainda mais complicações naquela equação.

E admitir aquilo para mim mesma era um desafio, porque por mais que
meu coração ainda estivesse preso ao passado, ele não deixava de acelerar a cada
momento em que meus olhos se encontravam com os de Caio.

Ele encarou a estrada, deixando-me dirigir em paz, com minhas mãos


enlaçadas a dele, consciente do seu toque a todo momento.
— Como coloco isso? — indaguei para mim mesmo, encarando a fralda
minúscula que cobria o bumbum do bebê agitado sobre minha cama.

Ravi havia acabado de tomar banho e foi Lilian quem assumiu aquela

função, pois ela falou que não tinha como aprender cada coisa cinco minutos
antes, apenas olhando um tutorial no Youtube.

— Vou ver um tutorial, Ravizinho, me espera aí — falei, pegando o

menino da cama e o encaixando na curva dos meus braços, enquanto tirava o

telefone do bolso e buscava na internet, qual era a posição correta para se colocar
uma fralda.

O meu quarto tinha virado uma bagunça, cheio de coisas de bebê.


Tirei tudo de dentro do quarto de hóspedes aquela tarde, depois do enterro

de Sabrina, porque metade das coisas que estavam no apartamento dela, que foi
comprado para ele, viria para o meu.

O quarto do menino ficaria da forma que ela sempre desejou.

Eu me foquei naquilo a todo momento, desligando a parte das emoções e

sendo útil, pois não queria me afogar no mar de sentimentos que me rodeavam.

Eu sabia que se fizesse aquilo, não conseguiria cuidar de Ravi.

— Você parece que vai desmaiar apenas para vesti-lo — Lilian falou com
as mãos na cintura, saindo do banheiro.

Ela já estava vestida em uma calça jeans e camisa preta, com alguns

acessórios.

No quarto também havia uma mala pequena que ela preparou para a noite,
falando que ajudaria em tudo e que ficaria por ali.

Não me dei o trabalho de protestar, pois precisava dela ali.

— É uma fralda, não tem erro — afirmou, pegando Ravi dos meus braços
e o colocando na cama novamente.

Ela o vestiu como se fosse a coisa mais natural do mundo e, às vezes,


aquilo era um pouco assustador.

Porém, lembrava-me de que ela trabalhava com crianças havia anos.

E não tinha melhor pessoa para me ajudar naquilo do que Lilian.


— Eu sou um desastre nisso — sussurrei, enquanto ela fechava os milhares

de botões do macacãozinho de Ravi.

Ele estava quase dormindo.

Percebi que sempre depois de mamar a fórmula e ser banhado, o menino


começava a ficar muito sonolento.

— Tem certeza de que é normal ele dormir pós-banho? Ele fica muito
sonolento.

Ela sorriu com minha preocupação.

— É sim, muitas crianças reagem diferente. Tem sorte que Ravi adora
tomar banho e estar de barriguinha cheia, assim ele dorme igual um príncipe —

ela murmurou, beijando a bochecha do menino e o encaixando em seus braços. —


Tem certeza de que quer ir ver sua família? Não precisamos ir. Eles vão entender.

Assenti.

— Tenho sim — falei, passando o pente com cerdas molinhas nos fios de
cabelos de Ravi.

Ele tinha um tufo de cabelos castanhos bem cheio e estava com cheirinho
de bebê.

A todo momento, ele me lembrava dela.

— Preciso explicar essa situação. Mamãe não falou nada, mas sei que
ficou chateada pela surpresa. — Peguei a bolsa que preparei com Lilian me
auxiliando, pois precisava aprender cada passo daquela nova rotina.
Ela concordou balançando a cabeça.

Contei para Lilian sobre Sabrina e tudo o que envolvia a gravidez de Ravi,
no fim, ela entendeu e apoiou a minha decisão.

Em breve ela voltaria para a vida dela, e Ravi e eu deveríamos seguir

sozinhos.

Logo eu que nem cogitava criar uma criança com alguém, naquele
momento tinha uma e seria carreira solo.

Causava-me uma leve ansiedade toda vez que pensava naquilo.

— Vamos lá. — Ela se animou saindo do quarto comigo em seu encalço.

Mamãe se ofereceu para ficar comigo depois do enterro, mas falei que
Lilian estava no meu apartamento, e ela acabou cedendo, falando que uma
pediatra era melhor.

Saímos do apartamento em silêncio, de um lado eu levava a cadeirinha


para colocarmos o Ravi no carro e do outro, a bolsa.

Lilian embalava o menino de modo concentrado e nem percebi que eu


analisava tudo.

Em três dias, perdi minha melhor amiga, ganhei um filho e naquele


instante estava enfrentando mudanças que eram para sempre.

Não era uma coisa que poderia acordar um dia e perceber que não passava
de um pesadelo.

Eu sempre seria pai do Ravi.


E se não fosse um bom pai?

E se não conseguisse ser metade do que minha mãe foi para mim?

E se ele me odiasse no futuro?

— Caio?

Lilian me chamou e a encarei, confuso.

— Você parecia perdido em pensamentos — explicou, e sorri,


aproximando-me.

Coloquei as coisas no chão do elevador antes de abraçar seu corpo por trás,
afundando o rosto em seus cabelos, enquanto minhas mãos se enlaçavam em Ravi
em um abraço grande.

— Medo? — sussurrou.

— Aterrorizado — confessei, sentindo vontade de simplesmente chorar.

Estava daquela forma desde que tudo ruiu.

Em determinados momentos só queria ser criança novamente, para ter a

chance de me sentar no chão e chorar de frustração, raiva e tristeza.

Só que não era possível e eu tinha que ser forte.

— Sempre estou aqui — ela falou, beijando minha têmpora. — E é normal


ter medo. É muita coisa.

— Sim — afirmei abafado, sem querer me afastar dela.

Lilian me acalmava.
— Você vai conseguir. Vai ser um pai incrível para ele, não tenho dúvida
nenhuma disso.

— E se eu falhar? — sussurrei.

— É normal falhar. Você é humano. Você vai falhar e vai consertar o erro.
Ele vai crescer, vai amar você e um dia, ele também falhará com você porque ele é
humano também. E, neste dia, você vai ajudá-lo a consertar o erro, porque sabe

como é.

Sorri contra seus cabelos.

— Você é como uma matriz de sabedoria.

Ela riu.

— Eu só quero ajudar. Nem sei se posso dar conselhos, não sou mãe.

— Você seria uma mãe incrível, também — falei com convicção, vendo-a
sorrir.

— Um dia, quem sabe — sussurrou distraída, e encarei os olhos de Lilian,


com a cabeça encostada em seus ombros, mantendo-a em meu abraço longo.

Ela era a coisa mais linda e seus olhos brilharam quando ela pensou sobre
ser mãe. Então, talvez seja bem mais do que um “quem sabe” qualquer.

Beijei a pintinha que ela tinha no pescoço, uma das que desciam por seu
colo e iam para o vale dos seios.

Eu sabia daquilo porque minha mente decorou cada pequena coisa sobre
ela.
Era insano.

Mas quase sorri quando vi sua pele se arrepiar e ela não me afastou.

A família Montenegro agia como se fosse uma noite normal. As crianças

estavam na sala, sentadas em volta da televisão, aproveitando um filminho com


um pote de pipoca que passava de mão em mão, enquanto os mais novos estavam
adormecidos no andar superior.

Ravi não saiu dos braços de Caio e quando o fez, foi para os meus.

Ele não ofereceu o menino a ninguém, mesmo Alice e Heloísa se


aproximando para elogiar a criança.

Ele claramente não queria dividir o pequeno Ravi.

— Ok, quando você vai explicar? — Henri indagou, dando-se por vencido
pela curiosidade, enquanto colocava a taça de vinho na mesa, fazendo Caio
arquear a sobrancelha.

— Henri! — Alice protestou com repreensão, e o marido encolheu os


ombros.

— Ah, todos queremos saber o motivo de ser um segredo — o mais velho


se defendeu. — Não entendemos o motivo de você querer esconder isso de nós.
Somos nós, Caio. — Apontou para a mesa inteira, onde Josiane, Heloísa e Rafael
estavam sentados. — Somos sua família.

Caio suspirou, assentindo.

— Sinto muito se magoei vocês ao esconder — sussurrou, e busquei sua


mão por baixo da mesa, apertando em conforto.

Ele me contou como tudo iniciou com Sabrina, sobre nunca terem se
envolvido e que sempre foi para proteger o bebê e ela. Assim como também me
contou que estava cursando uma segunda graduação em segredo, mesmo que fosse
algo muito bom, ele ainda mantinha para si.

— Ravi não é meu filho.

Vi os irmãos dele franzir o cenho, enquanto Caio encarava o prato ainda


cheio com fixação.

— Sabrina estava grávida do ex-namorado e não queria que ele soubesse,


porque não é uma pessoa boa, então quando descobriu, me ligou desesperada e eu
disse que estava tudo bem, que a gente ia encontrar uma solução.

Sorri de canto, discretamente, orgulhando-me dele.

Era meio idiota que tivesse tanto orgulho dele, mas eu tinha.

— Combinamos de dizer que o bebê era meu, independente de tudo, ele


sempre seria meu bebê para todos. Não contei a vocês, pois, sinceramente, não me
parecia uma coisa que iria tomar tanta proporção. O plano era ela sair do Brasil
assim que Ravi nascesse, mas as coisas saíram do nosso controle. Eu não fazia
ideia... — Ele suspirou, precisando continuar. — Que do nada, ela iria morrer o
deixando.

O fim da história apertou meu coração novamente e vi Henrique


esfregando o rosto, como se estivesse com dor de cabeça.

— Sinto muito, não fazia ideia — o irmão mais velho foi o primeiro a
falar.

Caio o encarou, suspirando.

— Tudo bem, é normal você fazer o juízo errado de mim, sempre — Caio
disse com certa amargura e franzi o cenho, confusa de onde vinha aquilo.

— Caio... — Henri começou, mas a mãe dele interveio.

— Está tudo bem, querido, você não precisa explicar mais nada. — Ela
alisou o rosto do filho, com carinho.

— Eu vou registrar o Ravi amanhã — Caio prosseguiu com a notícia. —


Eu não sei o que acham disso, mas ele é meu filho. E não quero abrir mão dele —
falou de modo protetor, segurando o menino mais firme.

Josiane negou e Henri abaixou a cabeça.

— Sabe que não temos nada contra isso, Caio. Se você olhar para nossa
família, vai entender que nunca diríamos nada — Henrique afirmou, apontando
com a cabeça em direção à sala, onde as crianças estavam. — Amamos as
crianças. Amamos você e amamos o Ravi. Ele é um Montenegro.

Os olhos de Caio se encheram de lágrimas.


— Sim, e protegemos os nossos — Josiane afirmou, beijando a bochecha
do filho.

Diferente de tudo que vi de Heloísa a vida toda, me surpreendi quando ela


deu a volta na mesa e abraçou Caio por trás, encostando a cabeça em seu ombro,
fazendo o homem rir e chorar, ao mesmo tempo.

— Amamos vocês — Heloísa sussurrou e só ouvi porque estava ao lado


dos dois.

— Obrigado — Caio agradeceu, vendo a irmã se afastar, voltando para


perto do marido.

— Agora podemos pegá-lo? — Alice indagou, pidona. — É a coisa mais


fofa do mundo.

Caio assentiu, entregando o bebê para minha irmã.

— Cuidado, Ravizinho é um príncipe — falei brincando, com a cabeça


encostada no ombro de Caio enquanto Heloísa e Alice babavam no pequeno.

Caio me encarou, beijando o topo da minha cabeça.

— Deu tudo certo — ele falou com a voz animada.

Sorri, pois não sabia como ele chegou a pensar que não daria.

— Deu — afirmei, apertando sua mão.

— Então... — Rafael falou, pela primeira vez desde o boa noite rápido que

emitiu ao chegar. — Agora vocês são um casal? — Apontou de Caio para mim,
fazendo os olhares de todos se virarem para nós.
Senti meus ombros ficarem eretos novamente, tirando a cabeça do ombro
de Caio.

— Somos amigos — ele assumiu a responsabilidade de explicar.

— Sim, amigos — afirmei, vendo Rafael sorrir por trás da taça de vinho,
olhando em direção a Heloísa, como se apenas ele soubesse de um segredo.

A mão de Henrique me segurou antes que eu saísse de casa e parei,


encarando meu irmão mais velho com cansaço.

Eu não queria ter atacado Henrique quando ele fez a pergunta, porém, a
lembrança dele duvidando de mim, ainda era viva na memória e veio misturada a
raiva da situação, então, tudo acabou saindo como uma bola de neve.

— Pode me dizer quando te deixei irritado? — ele indagou, cruzando os


braços em uma típica pose de comando.

Quase ri, Henrique era a pessoa mais calma do mundo e ele deveria saber
que não assustava nem uma mosca.

— Eu não gostei de quando duvidou de mim, como se eu fosse o maior


canalha que já pisou na face da Terra — respondi, cerrando o punho.
Lilian ainda estava conversando com mamãe na sala de estar, enquanto eu
segurava o bebê conforto com Ravi dentro.

Ele riu, desmanchando sua marra.

— Ah, Caio, não foi isso. É que sabemos como você foge de
relacionamentos, eu só avisei algo.

— Sim, mas você é meu irmão! — exclamei. — Eu cresci com você


estando no lugar do nosso pai, Henrique, e eu me importo com o que você pensa
de mim. Sei que é ruim, que coloca sobre você uma carga que não é sua. Só que
você tem que aceitar que sua opinião, tudo que faz, a forma como lida com sua
esposa e família, reflete em nós, porque você foi nosso exemplo.

Ele se calou, encarando-me.

— Quando você duvida do que somos, faz nós mesmo duvidar. É insano
depender da sua aprovação, mas eu não consigo mudar isso — resmunguei,

revirando os olhos.

Antes que eu falasse mais alguma coisa, meu irmão me abraçou,


impedindo-me de me afastar quando tentei.

— Não duvido de você.

Revirei os olhos.

— Não falo isso da boca para fora e você sabe. Falo porque é verdade.
Sempre soube que você iria encontrar o caminho, Caio. Há momentos que o medo
fala mais alto, mas, porra, você é um dos caras mais honrados que já vi e sei que
você vai ter uma família irada um dia. Com Ravi, quem sabe, com Lilian e todos
os bebês que um dia virão. — Ele me segurou, focando os olhos em mim e me
senti um idiota por chorar tanto. — Você é nosso caçula, Caio, e nos preocupamos
o tempo todo, porque se você cai, sabemos que falhamos e que iremos cair junto.
Só que tudo isso, cada passo que dá, mostra o quão incrível você é.

Eu o abracei novamente, só querendo o abraço das pessoas que amava


naquele momento.
— Você prometeu.

A voz de Carol tinha um tom de cobrança, mas ela estava sorrindo.

Estava preparando meu café na cozinha de Caio, com o telefone apoiado


contra um pote de vidro, ainda bocejando porque acordei fazia pouco mais de

meia hora.

Estávamos conversando por chamada de vídeo.

— É que hoje tem a missa da Sabrina, Caio e Ravi precisam de mim —


sussurrei a última parte, não querendo que ele escutasse.

Caio ainda não havia acordado quando passei pelo quarto dele para checar
o Ravi.
— Você está tão envolvida! — ela exclamou, enquanto eu me sentava na

banqueta que estava próximo ao balcão da cozinha.

Tomei um gole do café, precisando daquilo para finalmente entender o que

estava acontecendo.

— Não estou envolvida, só que Caio é meu amigo e precisa de mim.

— Envolvida, envolvida, envolvida — ela cantarolou, fazendo-me revirar


os olhos.

Eu vinha dormindo no quarto de hóspedes desde que cheguei ali, havia


uma semana, e já tinha muitas roupas espalhadas pela casa do homem, o que era

um tanto preocupante.

Eu dormia, saía para trabalhar e voltava para o apartamento, como se fosse

minha rotina a vida toda.

E se Caio estivesse incomodado?

Meu Deus, eu sequer pensei naquilo.

Ravi enjoou um pouco depois dos primeiros dias e começou a dificultar


nossa vida.

Ajudei o Caio em tudo, expliquei para que servia cada coisa, como
preparar o leite da forma correta e alguns truques que poderiam facilitar sua vida.

Às vezes, quando não estava de plantão, Ravi dormia no quarto de hóspede


comigo para deixar Caio dormir uma noite completa de sono. E quando os
horários não batiam e ele ia para faculdade, eu ficava com o bebê para ele ir

tranquilo para a aula.

E assim os dias se estenderam, um passou para dois e quando vi, uma


semana.

Nem sequer cogitei que ele poderia achar invasivo a minha presença

constante na sua vida.

— Eu vou para casa hoje à noite, prometo — falei para Caroline, e ela
franziu o cenho.

— Você acabou de perceber quão envolvida está e agora quer fugir? — fez

a pergunta certa, fazendo-me revirar os olhos.

— É claro que não — menti, vendo-a suspirar.

— Faça como quiser, mas sabe que seu coração já está enlaçado e vai te
puxar de volta.

Finalizei a chamada segundos depois, encarando o nada enquanto pensava


nas palavras dela.

Bebi um gole do café amargo e suspirei.

Ela tinha razão, meu coração era um idiota envolvido e enlaçado.

— Bom dia. — A voz masculina e atordoada de sono saudou.

O homem entrou na cozinha com a calça moletom prendendo em seus


quadris, enquanto ele bagunçava os cabelos num costume irritante, como todas as
manhãs.
Caio exibia o tanquinho perfeitamente definido como se fosse a coisa mais
normal do mundo.

Suspirei, precisando beber um gole do café, já que precisava de alguns

segundos para processar a visão.

— Bom dia. — Finalmente consegui dizer.

Ele se aproximou, beijando minha bochecha como fazia todas as manhãs.

Caio cheirava a perfume masculino e creme dental, e era ótimo.

— Dormiu bem?

— Sim, cheguei tarde e você já tinha capotado com Ravi.

Caio se serviu de um pouco de café na xícara branca e se sentou na


banqueta na minha frente, bebendo um gole.

— Só vi você falando com ele quando chegou — falou, e eu sorri, sentindo


minhas bochechas corarem. — “Ravizinho do céu, quase joguei o Pablo da escada

hoje. Ele é tão irritante” — imitou minha voz, fazendo-me revirar os olhos.

— Sabe que minhas conversas com o Ravi é coisa só nossa, né? —


indaguei, cruzando os braços.

Ele seguiu o olhar em direção à camisola parando nos meus seios.

— Sei sim — respondeu, levando a caneca em direção à sua boca,


tomando um gole grande. — Mas saiba que um dia o Ravizinho pode me contar
tudo que você contar para ele.

Sorri.
— Ele vai me amar tanto que vai ser meu confidente, confia. — Balancei
os ombros, vendo-o sorrir.

Caio resolveu a questão do registro de Ravi cinco dias após a morte de


Sabrina.

E naquele instante ele era oficialmente um Montenegro.

A campainha tocou, e ele suspirou.

— Visita matinal da dona Josiane — falou, levantando-se, e eu sorri.

Ele caminhou de modo lento para atender a mãe e quando abriu a porta,
estava certo.

Mas não se surpreendeu ao ver o cachorro acompanhando sua mãe, já que


Apolo viu Caio com Josi uma vez e o seguiu, repetindo aquilo todos os dias
quando ela chegava.

— Olá, Apolo, entre. — Deu espaço primeiro ao animal e em seguida


cumprimentou a mãe, recebendo um beijo rápido na bochecha.

O gingado de Apolo veio direto para mim e mesmo que ainda tivesse um
pouco de medo do cachorro, ele seguia o mesmo ritual todos os dias. Chegava,
colocava sua cabeça sobre a minha perna e esperava por seu carinho, assim que
recebia, ia em direção ao compartimento que Caio comprou havia poucos dias,
onde ele comia ração e tomava água.

— Bom dia, querida. — Josi beijou minha cabeça.


— Bom dia, Josi! — cumprimentei com animação, vendo-a colocar um
bolo de chocolate na minha frente. — Você é perfeita... — sussurrei com devoção
ao bolo, virando-me para a mãe de Caio, que riu.

— Eu, ou o bolo?

— Os dois. — Abri a bandeja e retirei um pedaço, enquanto via Caio servir


o cachorro fujão.

Apolo, ou Olaf, como Caio se recusava a chamá-lo, havia adquirido o


hábito de encontrar o rumo do apartamento de Caio várias vezes na última
semana.

Ele fez isso num dia, quando seguiu Caio no almoço, fez de novo no jantar
e no dia seguinte apareceu para o café da manhã.

Caio nunca trancava a porta, ele sempre pegava o cachorro e o levava de


volta para o abrigo, dizendo para o malandrinho que ele não poderia fugir daquela
vez.

Claramente que não funcionava.

Eu já sabia a verdade, Apolo adotou Caio como seu humano.

Porém, ele ainda estava em fase de aceitação daquela nova situação.

Pai de criança e de pet na mesma semana parecia uma coisa grande

demais.

— Prontos? — Josiane indagou, vendo-me devorar o bolo.

— Em alguns minutos, sim — Caio sussurrou, ainda bocejando.


— Já pensou em adotar o cachorro que se convida para sua casa todos os
dias? — mamãe indagou enquanto descíamos a escada da paróquia onde foi a
missa de sétimo dia de Sabrina.

Foi um momento emocionante e mais uma vez, eu me despedi dela.

Conforme os dias passavam, percebia que o luto era uma coisa


inexplicável. Você sabia que não havia mais tempo para chorar, pois sua vida
seguia girando mesmo você não desejando aquilo.

Porém, continuava doendo.

Sentia falta das visitas inesperadas de Sabrina, de dividir um lanche do


McDonalds com ela, roubar suas batatinhas e de rir de coisas idiotas.

Meu Deus, sentia falta de tudo.

E tinha Ravi.

Mesmo não se parecendo tanto com ela, todas as vezes que o encarava,
sempre acabava lembrando da minha melhor amiga.

— Não tenho espaço para um cachorro em casa — falei, cheirando os


cabelos de Ravi enquanto descia a escada.
Vi quando o carro preto parou em frente à igreja e o senhor baixinho
segurando uma bengala se aproximou.

Eu o vi no enterro de Sabrina e foi coisa rápida.

Não esperava ver o pai dela ali, porque os dois não se falavam havia anos,
mas lá estava ele, enterrando a filha sem se desculpar.

Ele se aproximou, com passos que demoraram mais do que o normal,


parando à minha frente.

O velho estava realmente caindo aos pedaços, mas nunca procurou a única
filha para finalmente ter paz.

— Senhor Horace, que bom vê-lo. — Mamãe foi a primeira a


cumprimentar.

— Senhora Montenegro. — Balançou a cabeça.

Os olhos deles focaram em Ravi, deixando o suspiro pesado escapar.

— Então foi este pentelho que Sabrina colocou no mundo. — Seu tom
amargo me fez revirar o estômago e senti Lilian segurar meu braço com mais
força, percebendo a raiva do homem.

— Não fale assim dele, por favor — pedi, cobrindo o rostinho de Ravi do
sol.

Horace me encarou.

Visitei a casa daquele homem inúmeras vezes na infância e adolescência,


vi fotos dele mais novo e sabia que por trás daquilo tudo, ele ainda era
extremamente parecido com ela.

— Eu avisei que ela não deveria ter amigos homens — falou com rancor.
— Disse que ter essa criança era uma estupidez, mas ela não me ouviu. Sabrina
nunca me ouviu.

— Não é o momento para revirar o passado — mamãe interveio. — Por


que não vai orar pela alma da sua filha?

Ele deu uma risada, passando por nós.

— Ela está queimando no fogo do inferno, isso sim — disse antes de


seguir subindo a escada.

Fechei os olhos contando de um a dez, em seguida retrocedendo a conta.

Não valia a pena.

Não valia a pena.

Horace era um velho amargurado, não merecia a filha que tinha, assim
como não merecia o neto que tinha.

— Você está bem? — Lilian sussurrou assim que entramos em casa.

Ela fez Ravi dormir novamente e naquele instante o menino ressonava


baixinho nos meus braços.

— Sim — respondi, seguindo em direção ao meu quarto.


Era dia de mudar o berço de lugar, mas vinha adiando aquilo com medo de
que ele estranhasse o local.

Ele havia dormido algumas vezes no berço móvel no quarto dele, que foi
todo decorado com as coisas que a mãe dele queria e naquele instante estava
pronto para ser usado.

— Por que não estaria bem?

— Porque aquele Horace foi detestável com você e o Ravi — ela explicou,
sentando-se na beirada da cama para tirar os saltos.

Deixei Ravi dentro do berço e me virei para ela.

— Não é a primeira vez que ele é detestável. Era comigo, com Sabrina,
com qualquer pessoa que fizesse a filha dele feliz. — Esfreguei o rosto, sentando-

me ao seu lado na beirada da minha cama.

Ela me encarou sorrindo de forma triste.

— Sinto muito.

— Não tem que sentir. Foi normal. Eu só fechei os olhos e pedi paciência.

Ela sorriu.

— Eu vi e fiquei feliz por você fazer isso. — Ela me abraçou de lado. —


Vou para casa agora. Nos vemos depois, ok?

— Por que vai embora? — indaguei no automático e só percebi depois que

não fazia sentido, porque aquela não era sua casa.


Mas ela já se encaixava tão bem ali, que não fazia mais questão de estar
sozinho.

— Porque você tem que ter privacidade e liberdade. Estou aqui faz uma
semana e não quero mais te atrapalhar. — Ela se levantou, parando na minha
frente.

Lilian estava com um vestido vermelho escuro, rodado da cintura para


baixo e marcava bem a cintura.

— Vem cá. — Estendi a mão, vendo-a encarar o gesto com desconfiança.

Quando me deu a mão, puxei-a em minha direção, fazendo com que caísse
sobre mim e me deitei na cama, puxando-a para debaixo de mim.

— Caio! — exclamou, empurrando meus ombros, e eu sorri, afundando o


rosto nos cabelos castanhos.

Amava os cabelos dela, eram enormes, brilhantes e tinha um cheiro tão


bom.

— Fica aqui — sussurrei em seu ouvido. — Você não dormiu bem a noite
porque teve plantão. Fica aqui, dorme e eu te faço companhia. Eu e Ravi.

Ela me encarou com um sorriso.

— Proposta tentadora — murmurou.

Beijei a pontinha do seu nariz, ouvindo-a suspirar, fechando os olhos.

Eu queria beijá-la, mas não era o momento.


— Então ceda à tentação — falei convicto de que aquela frase poderia
abranger muitas coisas.

Eu me deitei na cama quando vi a confusão passando em seu rosto e sorri


de lado quando ela apenas se deitou em meu peito, aconchegando-se em mim
como uma gatinha. Ri do pensamento, deslizando os dedos por seus cabelos,
sabendo que aquele momento valia ouro.

— Para de sorrir — ela me repreendeu.

Meu sorriso se alargou.

— Eu não estou sorrindo — menti, sentindo o tapinha que ela deu em meu

peito.

— Caio!

A exclamação só me fez rir ainda mais.

Puxei o lençol sobre nós, criando um espaço confortável e quentinho com a


única pessoa que importava no mundo.

“É, Megerinha, o que vou fazer com os meus sentimentos por você?”
Arrumei os cabelos enquanto observava Lilian tentando fazer Ravi dormir
a todo custo.

O menino estava especialmente agitado, balançando os pés a todo instante,

chorando e se recusando a ficar deitado.

— Ele completa um mês em quatro dias. Sei que falamos que não iríamos
fazer nada, mas nem um bolinho? Ele está a coisa mais gostosinha do mundo, vai

ser lindo — minha amiga falou, encarando-me com um olhar de cachorrinho que

havia caído da mudança.

“Minha amiga?”

Isso, minha amiga.


Suspirei, pois não queria uma festa. Em quatro dias faria um mês desde

que Sabrina morreu e era uma data importante para Ravi. Eu não queria
comemorar porque era como se fosse uma comemoração pela morte dela e aquilo

ainda fazia meu coração doer.

Porém, sabia que aquela data estaria sempre marcada, que em algum

momento teria que enfiar a dor garganta abaixo e comemorar a vida do meu filho.

“Meu filho.”

Toda vez que me dirigia a Ravi daquela forma, parecia, simplesmente, uma
loucura.

Eu o amava, cuidava dele, mas ainda não me sentia pai dele.

Às vezes, parecia que Lilian se dava melhor naquilo do que eu, porque ela

entendia tudo sobre bebê, e Ravi a adorava.

Ele nunca chorava quando estava com Lilian e a assistia fazer as coisas de

dentro da cadeirinha como se fosse um grande espetáculo.

Enquanto comigo, havia lágrimas, o desespero e tudo que você poderia


imaginar.

— Posso fazer um bolinho simples. Compramos uma velinha e cantamos


parabéns para ele — ela sugeriu. — Só nós três. Não precisamos chamar ninguém,
sei que ainda não quer companhia. — Parou na minha frente, arqueando a
sobrancelha de modo sugestivo.

Sorri, dando-me por vencido.


Eu me aproximei dela, abaixando-me para beijar a testa de Ravi que tinha

cheirinho de bebê e era a coisa mais maravilhosa do mundo. Então, quando ele
segurou minha camisa, impedindo-me de me afastar, choramingando, encarei-o
sem entender.

— O que foi, querido? — ela indagou preocupada, mas Ravi me puxou

mais, com uma força desconhecida para um bebê de apenas um mês.

E eu me rendi, pegando-o nos braços, o encaixando na curva do meu


pescoço. O menino fungou, sentido por chorar tanto para precisar de atenção.

— Ai, meu Deus, que nenê dengosinho... — Lilian sussurrou, sorrindo.

Ouvimos um latido do lado de fora do apartamento, fazendo-a suspirar.

— Vai pegar teu cachorro — ordenou, recusando-se a interagir com Apolo.

— Ele é bonzinho, você deveria dar uma chance a ele.

— Ele me dá medo — falou, seguindo-me pelo corredor enquanto eu

alisava as costas de Ravi, beijando sua barriguinha que aparecia conforme a


blusinha folgada subia.

Ele estava forte e saudável, e aquilo era um grande mérito de Lilian.

Ela me ajudava tanto que nem sabia explicar quão grato estava de tê-la em

minha vida.

Abri a porta com a mão livre, deixando Apolo entrar e ele foi direto para o
pote de água, bebendo longos goles antes de se acomodar na caminha enorme no
canto da sala.
Eu me dei por vencido e comprei uma cama havia algumas semanas, assim
como a ração apropriada e naquele momento ele tinha um santuário.

Apolo não era uma visita fixa, ele saía às vezes, dava suas voltas no bairro,

mas sempre voltava.

Ele não era meu.

Porém, não estava sem dono.

— Você vai ficar bem com um bebê e um cachorro? — indaguei,


preocupado.

Não fui às últimas aulas por causa de uma pausa e acabei passando muito

tempo dentro do apartamento com Lilian, Ravi e Apolo.

Ela encarou o animal, com um olhar duvidoso. Apolo brincou com o


ursinho surrado que ele conseguiu destruir com apenas três dias de vida e naquele

momento ele estava sujo.

Porém, ele não abandonava o brinquedo.

O animal parou em frente a Lilian, oferecendo a ela o ursinho babado,


enquanto inclinava a cabeça para o lado.

A cena amolecia meu coração toda vez.

Com medo, Lilian deu um passo para o lado, mas ele não desistiu e
avançou dois passos em sua direção, enfiando o urso contra sua perna.

Eu me sentei no sofá, sorrindo da cena e senti os olhos de Ravi me


encarando. Fiz o mesmo, sorrindo para o meu menino bonito.
Ele tinha os olhos da mãe e os cabelos começavam a ficar loiros.

Toda vez que reparava naquilo, queria chorar.

Sua mãozinha tocou meu rosto e senti meus olhos se encherem de


lágrimas.

“Meu garotinho...

Meu filho.”

Não fazia diferença se Sabrina estivesse ali, pois sabia que de alguma
forma, ele seria meu.

— Papai vai ficar algumas horinhas fora, campeão — falei, beijando sua
bochecha. — E se comporte com a tia Lilian, porque ela é sua amiga e você não
pode ficar enjoado com ela.

Ele sorriu quando falei.

Não sei se crianças tão pequenas dão sorrisos de verdade, mas ali estava
um sorriso.

— Ele está sorrindo para você — Lilian comentou, alisando os pelos de


Apolo. Observei-a abaixada na frente do cachorro, mimando-o.

Encostei a cabeça levemente na cabeça de Ravi, suspirando, sentindo seu


cheirinho de bebê.

— Podemos fazer um bolo. Eu, você e Ravi. Apenas nós — ressaltei.

Não queria ninguém de fora invadindo aquele momento.


Eu sabia que iria comemorar com Lilian e Ravi, e em seguida entraria na
outra parte da noite, o ainda doloroso e temido luto.

— Oba! — ela exclamou, jogando o ursinho para que Apolo pegasse. —

Acho que eu, Ravi e Apolo vamos ficar bem — falou com um sorriso lindo no
rosto.

Não resisti, chamando-a com a mão.

— Vem cá — pedi.

Lilian veio, encostando-se em meu corpo e a abracei, beijando sua cabeça.

Ela levantou a cabeça, encarando-me, e eu sorri, beijando o canto da sua


boca, desejando fazer isso de outra forma.

Queria beijá-la de verdade, mas estava com medo dela recusar novamente.

Só que suas mãos seguraram meu rosto e senti quando ela beijou minha
boca, fazendo-me arregalar os olhos por alguns minutos, antes de finalmente
corresponder.
Eu o beijei porque eu queria.

Caio estava em torno de mim tinha um mês e não nos afastamos. Nós nos
tocávamos todos os dias, às vezes, adormecíamos juntos, só que não era nada
sexual.

Porém, claramente, não conseguíamos manter as mãos longe um do outro.

Foi um beijo rápido e senti meu coração acelerar enquanto meus lábios
tocavam os dele, lentamente, fazendo-me lembrar cada detalhe da noite em São
Paulo, onde por um momento, tudo deixou de existir.

Nós nos separamos, mas não me afastei, continuei encostada a ele.

Ravi estava entre nós.

Meus dedos tocaram a barba por fazer de Caio que sorriu de canto,

fazendo-me retribuir.

— Você precisa ir — sussurrei.

Ele suspirou.

— Eu preciso ir — falou com pesar, fazendo-me rir de leve e beijar seus


lábios novamente em um selinho rápido.

Ele beijou a bochecha do filho e em seguida fez o mesmo na mãozinha de


Ravi, colocando-o em meu colo.

— Cuidem-se e qualquer coisa, me liga.

Assenti, recebendo um beijo na testa antes dele se despedir de Apolo,

alisando o cachorro.
Apolo tinha uma coleira com o nome escrito e o número do apartamento de
Caio atrás, deixando claro que ele tinha dono.

O homem custava a admitir que era dono do cachorro, por causa da relação
deles ser meio “casual”, já que o animal passava bastante tempo fugindo do
apartamento e retornando.

Mas tinha certeza de que ele faria qualquer coisa pelo bicho.

Caio nos encarou uma última vez antes de sair e abri um sorriso para dizer
que estava tudo bem.

Ele suspirou, fechando a porta.

— Seu papai já foi — falei para Ravi, alisando as sobrancelhas loiras,


vendo-o atento a mim.

Ele chorar por Caio foi a coisa mais fofa dos últimos dias.

Sabia que Caio cuidava bem dele, mas acho que ele pensava demais em
Sabrina e esquecia da realidade às vezes. Com aquilo, sua relação com Ravi não
era tão forte quanto deveria.

— É, você vai acabar apaixonadinho por ele, né? — Pincelei seu nariz,
vendo Apolo subir em cima do sofá em um pulo, apoiando o ursinho de um lado
antes de encostar a cabeça na minha perna.

Eu tremi levemente, mas não o tirei de perto de mim.

Eu gostava de animais, já tive dois cachorros durante a infância, mas

Apolo era um SRD[1], claramente misturado com rottweiler.


Era um cachorro pesado e grande.

Naturalmente, tinha medo dele porque não o conhecia, mesmo que ele se
derretesse toda vez que um carinho chegasse.

— Olha o Apolo. — Mostrei o animal para Ravi. — Ele é o novo mascote


do seu pai. Caio diz que ele não é dono deste bonitão aqui. — Alisei a orelha do
cachorro, fazendo-o fungar. — Mas nós três sabemos que ele está mentindo para si
mesmo. Apolo é grandão, gosta de um ursinho fedido e provavelmente vai crescer
com você. — Sorri para Ravi.

Ele era tão atento a tudo que me deixava boba, tagarelando com ele.

Coloquei Ravi no cercadinho para preparar um café e lanche, pois minha


barriga roncava e já passava das dez da noite.

Ele adormeceu por uns trinta minutos, logo depois que Caio saiu de casa, e
naquele momento se recusava a dormir novamente.

Provavelmente seria uma noite longa.

O cercadinho estava no quarto de hóspedes que se tornou o quarto de Ravi,


o mesmo que nós dois dividíamos havia semanas.

Caio falou que era melhor que eu dormisse no quarto principal com ele,

mas acabei recusando, sabendo que se fizesse aquilo, não teria volta.

No dia a dia, já era muito difícil ficar longe dele, imagina se dividisse as
noites.
Apoiei a babá eletrônica na bancada da cozinha, fazendo tudo rapidamente.

Não tinha muitas opções na geladeira de Caio e suspirei, anotando


mentalmente em passar no dia seguinte no mercado para fazer compras.

Como estava quase dividindo o apartamento, era normal ajudar com


algumas coisas.

Não falávamos até quando aquilo iria continuar, eu apenas continuei


ficando.

Fui algumas vezes ao meu apartamento e sempre que ficava algum tempo
lá, Caio ligava, perguntando quando iria voltar porque Ravi estava com saudade.

Sorri.

Ravi...

Nossa família não comentava sobre nossa situação estranha. Josiane


continuava vindo, apoiando o filho e já estava completamente apaixonada por
Ravi.

Como era de se esperar.

Ela era apaixonada por todos os netos.

Voltei para o quarto apenas com um café e vi Ravi bocejando, mas todo
agitado.

Decidi que daria um banho nele, pois geralmente acalmava nosso bebê

dengoso.
O som leve da música folk americana saía da Alexa no canto do quarto,
enquanto eu jogava água nos cabelos do menino, com ele bocejando enquanto
relaxava com a água e os aromas que comprei na semana anterior, deixando o
banho de Ravi mais relaxante.

— Hey, December... Guess I'm feeling unmoored — cantarolei baixinho,


com medo de assustá-lo e continuei quando Ravi não se moveu muito, se
agradando do descanso.

Meus pés batiam levemente contra o assoalho do banheiro, seguindo o


compasso da música.

Tinha tantos meses desde a última vez que cantei...

— I rewind thе tape, but all it does is pause... On the vеry moment, all was
lost — prossegui, lembrando de quando me sentava na sala e passava horas
cantando músicas com Jorge, com ele no piano e às vezes, o meu violão.

Era uma das nossas coisas preferidas, que simplesmente foi embora,
porque tranquei todos os instrumentos dentro de um quarto, como se aquilo fosse
esconder o fato de que ele se foi.

A última vez que toquei foi numa festinha do Instituto Aurora, mas me
trouxe muitas memórias e acabei escondendo novamente o instrumento.

Tirei o Ravi do banho, virando-me e dei de cara com Caio parado na porta

do quarto, de braços cruzados, com o sorriso de canto.

Ele parecia estar cansado, mas estava tão bonito, parado ali, nos
observando.
— Espero que não seja uma música triste demais — falou, aproximando-
se.

Ele beijou meus lábios em um selinho, como se fosse a coisa mais natural
do mundo e eu gostei.

— Só um pouquinho — disse corando, por ser pega cantando.

Gostava de cantar e tocar, mas, geralmente, só cantava com Jorge porque


não achava que não tinha uma boa voz para cantar.

— Estava linda. — Encarou o menino em meus braços.

Ravi estava cochilando, alheio a nossas conversas.

— E, pelo visto, o Ravizinho amou. — Beijou o dorso da mãozinha


minúscula do seu filho.

— Vou trocá-lo e colocá-lo na cama — falei, e ele assentiu.

— Vou tomar um banho — avisou, afastando-se. — Pedi comida. Iremos


jantar. — Piscou, olhando rapidamente para mim, antes de sair do quarto.

Suspirei.

“Meu Deus, como vou salvar meu coração?”

Meu coração era completamente previsível quando se tratava do Caio.


A foto dos meus sobrinhos estava enfeitando minha mesa de trabalho de
um lado e a de Hannah do outro, marcando meu espaço de modo adorável.

Só que fiz algo impensado quando adicionei mais uma foto ao porta-

retratos com mais de um lugar, tirando a que anteriormente era minha.

Era a foto de Ravi que tirei havia uns dias.

Ele estava vestindo um conjunto azul e vermelho, com um chapeuzinho na

cabeça, sorrindo para algo que Caio falava.

A imagem me fez abrir um sorriso, deslizando o indicador pelo rostinho de

Ravi, completamente apaixonada por aquela criança.


Estava disposta a colocar tudo em pausa por um tempo, para ajudar Caio,

porque ele era importante para mim, mas também por Ravi.

Ele era tão pequeno e inocente, e toda vez que pensava sobre o fato de que

sua mãe havia partido cedo demais, a dor se intensificava em meu peito.

Sabrina amaria cuidar dele.

Meu celular tocou e a imagem da minha irmã apareceu na tela.

— Oi — atendi, segurando o aparelho com o ombro.

— Estava ligando mais cedo, mas você não atendeu.

— Celular descarregou — menti.

Quando ela ligou, eu estava dormindo muito confortável na cama do Caio.

Foi um tanto constrangedor sair de lá sem ele notar a minha presença.

— Tudo bem?

— Sim, só queria saber como andam as coisas por aí, com Ravi e Caio.

— Tudo dentro do possível controle. Caio ainda está bem mal e acredito

que vá levar um tempo até que as coisas voltem ao normal — revelei. — Ele não
quer fazer o mêsversário de Ravi no momento, porque é a data de falecimento de
Sabrina.

— Ah, eu entendo. Vai levar um tempo então... — minha irmã sussurrou,


parecendo decepcionada, porém, logo mudou de assunto. — Está de plantão hoje?

— Não, vou sair depois das quatro horas.


— Que bom, quase não dormi hoje. Lara estava agitada, não queria dormir,

esperando Henrique chegar para trocarmos de turno.

— Essa menina tem seu gênio — brinquei.

Dos três filhos, a mais agitada era a biológica e aquilo era uma ironia.

Alice não teve tantos problemas com a adaptação de Melinda e nem de

Enzo, porém, dona Lara dava um show à parte.

— Nem me fale, vou ficar doida.

Sorri com aquilo.

Gostava de estar perto dos meus sobrinhos, só que eles eram tantos que
não conseguia mais focar minha atenção em apenas um.

— Heloísa ligou. — Ela mudou de assunto, falando sobre a cunhada e o


Instituto.

A mudança de assunto me deixou confortável, pois falar sobre Caio e o


luto me deixava tensa. Sabia que de alguma forma aquilo acabaria no assunto de

Caio e nosso relacionamento, ou, não relacionamento.

Finalizei a chamada com Alice, no mesmo tempo em que alguém bateu à


porta do consultório, fazendo-me levantar a cabeça e autorizar a entrada,

aguardando alguém diferente.

Quando Pablo passou por ela, franzi o cenho rapidamente.

— O que você quer aqui? — indaguei, já na defensiva.

O médico riu, levantando as mãos em sinal de rendição.


— Calma lá, vim em missão de paz — respondeu, fazendo-me franzir o
cenho, desconfiada.

— Não tenho certeza se você sabe o que é ter paz. — Cruzei os braços, e

Pablo suspirou.

— Este número vai entrar em contato com você. Recomendei seu nome e
elas querem marcar uma entrevista.

Encarei o pequeno cartão que ele colocou na minha frente.

Peguei, observando o nome “Pequenos Passos”.

A instituição de pediatria era uma das maiores do Sul do país e atendia

diversas crianças, com as mais variadas doenças.

— Os Pequenos Passos? — Franzi o cenho.

— Sim, minha irmã é uma das diretoras e perguntou se conhecia uma boa
pediatra. Eu recomendei você.

Ainda estava desconfiada, querendo saber o que aquilo significava.

— Não é uma bomba, Lilian, nem uma pegadinha.

— Por que você me recomendaria? Você me odeia — pontuei, e ele riu.

— Você é uma boa médica. — Encolheu os ombros e enfiou as mãos

dentro dos bolsos do jaleco. — Temos nossas diferenças, mas não deixaria de ser
justo com isso.

— Você pediu para me tirarem do congresso e agora quer ser justo? —

indaguei, irritada.
Pablo suspirou.

— Sim, e sinto muito. — Baixou o olhar. — Eu sempre fui o melhor nesta

área, principalmente, neste hospital. Eu me senti ameaçado com a sua contratação,


fui imaturo. Levar uns puxões de orelha da irmã mais nova por causa disso é
horrível.

Segurei a risada.

Confesso que custava muito acreditar em Pablo.

— Não precisa acreditar em mim. Quando ela ligar, só diz sim. É uma
ótima oportunidade. — Piscou rapidamente antes de sair da minha sala.

Eu o segui, ainda chocada, pois aquilo não era o normal daquele homem.

— Pablo — chamei, vendo-o se virar lentamente para mim e sorri. —


Obrigada.

— Não tem de quê.

— Posso perguntar para sua irmã o que fez para te deixar mais legal?

Talvez ela tenha algumas dicas.

Ele riu.

— Tudo tem limite, pequena Lilian — falou, afastando-se.

Vi Caio nos observando no meio do corredor, conversando com a chefe da

enfermaria, porém, seus olhos estavam focados em mim e Pablo.

— Senhor Montenegro — Pablo o cumprimentou ao passar por ele.


Dei meia-volta quando o vi caminhando em minha direção. Antes que
tivesse chance de entrar na minha sala novamente, ele me impediu, colocando os
braços em torno da minha cintura, fazendo-me parar.

— Oi, querida — falou com a boca próxima demais.

Dei passos inseguros para trás, com os olhos tão arregalados que pensei
que iriam cair do meu rosto.

Caio sorriu, parecendo estar meio perverso.

— Oi. — Olhei ao redor.

O corredor estava vazio, mas Pablo ainda estava conversando com a chefe
de enfermagem e os dois observavam a cena.

— O que você está fazendo?

— Pensei em jantarmos hoje. — Passou os dedos por meus cabelos,


colocando uma mecha atrás da orelha.

Senti minhas bochechas corarem.

— Hum, pode ser — respondi, indecisa com aquela atenção.

Ele não se afastou, ainda segurando minha cintura.

— Com Ravi?

— Ravi vai ficar com a mamãe — falou, abrindo a porta do meu


consultório.

Entrei assim que Caio soltou minha cintura, preocupada com a forma que
ele me olhava.
Assim que a porta se fechou em suas costas, o homem se aproximou,
avançando sobre mim.

Antes que tivesse chance de raciocinar e fugir, Caio já estava me beijando.

Não era um cara ciumento.

— Aqui está o relatório que pediu na semana passada, senhor Montenegro.


— A enfermeira chefe do setor me entregou o tablet com o PDF aberto.

Mas meus olhos estavam focados em Lilian e Pablo saindo da sala dela,

conversando animadamente enquanto sentia meu rosto esquentar de raiva.

Pablo e ela nem sequer se suportavam, por que os dois estão sorrindo
tanto?

Pelo amor de Deus!

— Doutor Montenegro — Pablo me cumprimentou, ao se aproximar.

E antes que tivesse chance de pensar direito no que estava fazendo,


caminhei em direção a Lilian, deixando o tablet e a mulher para trás.

Segurei a cintura da médica antes que ela tivesse chance de fugir.

Um pouco antiético, muito preocupante, mas minhas mãos tinham vida

própria quando faziam aquilo.


— Oi, querida — falei baixinho, com o rosto próximo ao dela.

— Oi — Lilian sussurrou, arregalando os olhos. — O que você está


fazendo?

— Pensei em jantarmos hoje. — Deslizei o dedo por seus cabelos soltos,


colocando uma mecha atrás da sua orelha.

Os cabelos de Lilian eram sedosos e era completamente apaixonado pelo


cheiro deles.

Mas tocá-los era ainda mais incrível.

— Hum, pode ser — respondeu, meio confusa. — Com Ravi?

— Ravi vai ficar com a mamãe. — Soltei sua cintura.

Ainda não tinha falado com mamãe sobre o paradeiro de Ravi, mas sabia
que ela não recusaria.

Lilian aproveitou que a soltei e empurrou a porta do seu consultório para


entrar, praticamente fugindo de mim.

Dei uma última olhada no corredor, vendo que Pablo e a enfermeira já


foram, deixando-nos sozinhos.

Tranquei a porta assim que entrei, vendo que Lili me encarava a todo
instante como se eu fosse maluco.

De fato, fiquei, pois meu próximo ato me condenaria totalmente.

Eu me aproximei dela e a única coisa que pensava era em beijá-la. E


quando puxei Lilian em minha direção, colando meus lábios nos seus de modo
intenso, sabia que foi uma decisão ruim.

Deixei o gemido baixo escapar quando ela abriu a boca, deixando que sua
língua encontrasse a minha.

Eu a guiei em direção à sua mesa, deslizando meus lábios sobre os seus,


sentindo o gosto de Lilian conforme ela também me puxava em sua direção.

— Você estava com ciúmes? — indagou rindo quando deu um passo atrás,
para respirar.

— Talvez — respondi de forma evasiva, puxando-a novamente contra


mim, levantando seu corpo.

Eu a coloquei sentada na beirada da mesa, sentindo meu corpo se encaixar

entre o seu, devorando a sua boca como se tudo dependesse daquilo.

O ar faltou e eu desci os lábios em uma trilha de beijos por toda a pele de


Lilian, parando um pouco na base dos seios, sabendo que se fosse por aquele

caminho, não tinha volta.

— Eles sabem que está aqui — sussurrou.

Assenti, abaixando-me e encostei a cabeça contra seus seios.

Precisava me acalmar.

Lilian não era minha.

Não tinha direito de sentir ciúmes.

— Caio — ela me chamou.

Eu a encarei e vi que estava sorrindo.


— Me beija — pediu, fazendo-me soltar um suspiro alto. — Me beija logo.

E eu obedeci, buscando sua boca novamente.

Antes que pudesse pensar sobre os motivos para não fazer, meus dedos já
estavam puxando o jaleco branco para fora do seu corpo, derrubando o caderno e o
porta-canetas dela no caminho.

Ela riu quando tentei puxar os botões da camisa social que vestia.

— Eu preciso me vestir depois — ela relembrou, abrindo a blusa, com os

olhos focados nos meus.

Lilian tinha os mesmos olhos castanhos que os meus, só que naquele


instante estavam pretos e sabia que se me afundasse entre suas pernas, ela iria
estar excitada.

Ela me desejava tanto quanto eu a desejava.

— Depois você vai brigar comigo? — indaguei, afundando a cabeça em


seu pescoço, sugando a pele sensível, fazendo-a suspirar.

Brinquei com vão entre seus seios, deslizando a língua pela pele macia,
vendo que ela tentava fechar as pernas, mas a impedi, deixando abertas para mim.

— Com certeza — falou, arqueando as costas em minha direção.

Tirei o mamilo para fora do sutiã, deslizei a língua pela auréola rosada e
mordisquei antes de sugar, ouvindo-a gemer baixo.

Toc. Toc. Toc.

Três batidas à porta nos congelaram.


— Doutora Santiago, um paciente na emergência.

A voz de uma das enfermeiras me fez parar, com a boca ainda contra os
mamilos de Lilian.

A visão seria divertida se não fosse o completo significado de empata foda.

Lilian me empurrou, pulando da mesa e fechando os botões numa


velocidade assustadora.

Em questão de segundos, ela estava alinhada novamente e eu de pau duro.

Ela me encarou brava, por cima dos ombros antes de abrir a porta
apenas o suficiente para sair do consultório, abandonando-me na sala bagunçada.

Eu me joguei no pequeno sofá no canto do consultório, respirando fundo,


completamente frustrado enquanto pensava em coisas que me fariam regredir na
escala de excitação.

Era inacreditável que Lilian conseguia me tirar o juízo daquela forma.

Morar com ela era uma tentação constante, porém, estive mais focado em
dor, luto e perda do que nela.

Mas vê-la conversando com Pablo daquela forma me deixou


completamente louco.

Louco sim, não havia outra explicação para aquilo.

Levantei-me assim que as coisas começaram a fluir no meu habitual estado


de espírito e peguei todos os documentos que derrubamos, junto com as canetas.
Agradeci por nada ter sido danificado e coloquei sobre a mesa, na melhor
ordem que consegui.

Busquei o post-it rosa que havia ali e escrevi um bilhete rápido, antes de
sair do consultório, para ela não se esquecer do nosso jantar, disposto a conseguir
uma noite sozinho com ela.

Mesmo com o caos do luto, ainda precisávamos daquilo.

“A senhora precisa me conseguir uma babá.”

Enviei a mensagem para mamãe e aguardei resposta.

Mamãe havia conseguido uma babá para Alice, para Heloísa e naquele
momento era a minha vez.

Ela sabia julgar bem as pessoas e conhecia mais gente do que nós três
juntos.

Sem contar que confiávamos no julgamento de Josiane Montenegro.


— Por acaso você está fugindo de mim? — Caio indagou quando

atendi sua chamada, dois dias depois dele e eu nos beijarmos no meu
consultório.

Naquele dia, saí duas horas mais cedo do que ele do trabalho e
acabei passando na casa dos Montenegro para ver Ravi antes de ir para meu

apartamento e desde então não nos vimos mais.

Eu, realmente, estava fugindo, mas ele não precisava saber daquilo.

Eu não apareci para jantar, mesmo querendo muito e vendo todas as

mensagens que Caio deixou no meu telefone.

— Claro que não — falei, cobrindo o bolo de Ravi.


Havia comprado uma roupinha para ele vestir e comemorar seu

mêsversário. Algo que combinava com a cobertura do bolo que Caroline


havia me ajudado a preparar.

— Vem para casa, Lili — ele falou com um toque manhoso que me
fez rir. — Ravi está com saudade.

— Só o Ravi? — perguntei, brincando com ele.

Caio suspirou.

— Sabe que não é apenas o Ravi.

O sorriso ficou ainda maior.

— Eu preciso que você me diga o que acha da nova babá de Ravi.

— Nova babá? — indaguei, desconfiada.

— Sim, mamãe a indicou e contratei para experiência. Mas meu

filho não gostou muito, ele prefere você.

Claro que preferia.

Eu o vi na maternidade, ele me conhecia havia bem mais tempo que


a estranha e...

— Como ela é?

— É jovem. Parece saber como cuidar de crianças. — Suspirou. —

Mas não é você.


Sorri.

Não era uma competição. Não tinha motivo para ficar irritada com a

nova babá, pois sabia que uma hora aquilo iria acontecer e precisava aceitar.

— Vou em breve, prometo.

— Vem logo, senão vou buscar você aí — ameaçou, e finalizei a

chamada, vendo Caroline entrar na cozinha.

Ela arqueou a sobrancelha quando me viu desligando a chamada.

— Ainda fugindo dele? — minha amiga inquiriu, com tom de


acusação.

Suspirei, terminando de decorar o bolo.

— Não estou fugindo — me defendi, sendo uma péssima mentirosa.

Todos sabiam a verdade.

— Claro.

— É só que... — falei, já desabafando. — Eu tenho medo. É tudo

tão intenso. Com Caio, não há esforço nenhum. Ficamos juntos por um

mês, cuidando de um bebê e até o silêncio era agradável. Quanto mais


pensava no quão fácil era tudo aquilo mais me preocupava, porque sabia

que sempre que estava tudo bem, viria algo para me desmoronar em

seguida.

Caroline me encarou, suspirando.


— Eu queria dizer para você viver um dia de cada vez.

Sorri, pois já previa o que ela falaria em seguida.

— Mas conheço você, sei que apesar de ser intensa e entregue,

acaba pensando muito no que vai acontecer no final.

Assenti, engolindo em seco.

Verdade, tive apenas Jorge de relacionamento sério, mas quando


aconteceu, mergulhei de cabeça.

Com Caio estava sendo da mesma forma.

Ou, era a minha vontade.

Eu só queria mergulhar em cada sensação boa que ele me


proporcionava.

Abri a porta, arrastando meus pés contra o piso do apartamento e vi


a sala escura, cheirando a poeira.

Enquanto não dava hora de ir para a casa de Caio, enrolava por ali,
fazendo qualquer coisa para me distrair.

O piano que toquei a vida toda estava empoeirado, pois tinha quase
um ano que não ia ali.
O violão abandonado pendurado na parede também demonstrava o

quão abandonado aquele local estava.

Fechei a porta às minhas costas, observando tudo com calma.

A música sempre foi um refúgio para mim, como a dança foi para
Alice por muito tempo. E quando conheci o Jorge, descobri que ele tocava e

cantava, além de compor músicas muito bem.

Nenhum dos dois queria trabalhar com música, sempre foi um

hobby.

Ele escolheu a enfermagem, eu a medicina e gostávamos das nossas

áreas, mas era para a música que corríamos quando a vida machucava.

Não tive isso quando ele se foi, pois me lembrava de cada momento.

Saí da sala para pegar um pano limpo, iria tirar toda aquela poeira

enquanto o horário não chegava.

Assim que passei pelo quarto de Hannah, a vi se mover dentro do

berço, sentada com o ursinho entre as pernas. Sorri e me aproximei.

Ela não deveria ter acordado Carol no primeiro chororô.

— Oi, boneca — falei, atraindo sua atenção.

Ela me abriu um sorriso sonolento e beijei o topo da cabeça, vendo

os cachinhos que estavam por todos os lados em uma bagunça adorável.


Então, resmungou quando a peguei, checando a fralda cheia.
— Eca, alerta vermelho nos países baixos — brinquei, correndo em
direção ao banheiro.

Coloquei Hannah sobre a bancada preparada para recebê-la e


comecei tirando a fralda cheia, descartando no lixo.

Mantive Hannah entretida com um vidro bem fechado de xampu

enquanto a trocava e quando finalizei, a peguei nos braços.

— Que tal um mamazinho? — indaguei em sua direção, sabendo

que àquela altura ela já deveria estar com fome.

Quando Hannah chegou ao apartamento com Carol, ela tinha seis

meses de vida. Minha amiga estava muito sensível com os abusos que sofria
do ex-marido e chorava muito.

Às vezes a rotina com a bebê a levava à exaustão.

Aquilo me fez ajudá-la muito no começo, assumindo algumas noites


para Carol descansar.

Coloquei Hannah no carrinho, levei-a em direção à cozinha e a


deixei brincando enquanto fazia o mingau que a pequena tomava.

Nunca tive o sonho de ser mãe, afinal, praticamente criei minha


irmã mais nova e aquilo traumatizou um pouco parte da minha vida.

Mas eu gostava de ser a dinda e a tia.


Adorava a sensação de saber que no futuro, aquelas crianças iriam
me amar.

E se não me amassem, iria ficar bem puta da vida.

— Aqui, boneca da dinda — falei, pegando a menina assim que a


mamadeira esfriou.

Coloquei o bico contra seus lábios, e Hannah sugou com fome,

agarrando-se a mim, como se fosse sua salvação.

Sentada no sofá da sala, observei a televisão que liguei passar uma

série antiga, deixando-a entretida enquanto Hannah esvaziava a mamadeira.

Assim que terminou, mantive-a contra o peito, beijando sua testa,

embalando o corpinho pequeno de um lado para o outro, esperando que o


sono viesse logo.

Coloquei Hannah no berço novamente, buscando um balde com

sabão na cozinha, junto com alguns panos para limpar a sala de música.

Depositei tudo no chão, vendo a caixa com fotos e objetos pessoais

de Jorge que ficaram espalhados.

Porém, abaixei-me, buscando a caixa e a abri.

O primeiro pertence era seu estetoscópio e me fez sorrir de canto,

lembrando que foi um dos presentes que dei a ele.

Fazia tanto tempo que parecia uma eternidade.


Encontrei a primeira foto, a do nosso noivado.

Bem específica para fazer meu coração se apertar.

Estava tão feliz.

Meu sorriso enorme contrastava com os olhos brilhando, enquanto

ele tinha a mesma expressão.

O vestido branco delicado era na altura do joelho e em meio à raiva


do luto, ele acabou sendo cortado junto com meu vestido de noiva,

afastando-me daquele dia ao máximo.

— Por que você me deixou? — sussurrei, tocando seu rosto.

Os cabelos loiros estavam penteados de modo organizado e às vezes

acreditava que ele era um dos homens mais bonitos que eu já tinha visto.

O bolo em minha garganta fez as lágrimas descerem, só que chorei

pela primeira vez por perceber que não estava mais apaixonada por Jorge.

Ele sempre seria parte da minha vida, eu o amaria para sempre, mas

não era mais o homem que desejava.


Lilian esqueceu que havia planejado fazer um bolo para Ravi e

fiquei magoado, mesmo não desejando nada daquilo.

Um pontinho de dor se instalava em meu peito toda vez que pegava

meu filho nos braços, questionando o motivo de ter feito aquilo no


consultório, quando sabia que Lilian fugiria de mim, como o Diabo fugia da

Cruz.

Suspirei, vendo a babá que a mamãe havia contratado terminar de


preparar a última mamadeira da tarde para dar ao Ravi e me aproximei,

pronto para dizer que ela não precisava fazer aquilo, que eu poderia

amamentar o menino.

Porém, a campainha do apartamento tocou e Apolo levantou a


cabeça no mesmo instante, encarando a porta com expectativa.

Deveria ser mamãe.

Caminhei até a porta com Ravi encaixado nos meus braços e a abri,

dando de cara com um bolo azul e vermelho, com velinhas em cima e cheio
de pequenas estrelinhas.

— Feliz mêsversário, Ravizinho! — ela exclamou, e Ravi virou a

cabeça, curioso.

Eu o posicionei de modo que ele conseguia encarar Lilian e não

consegui conter o choque.


— Você veio... — sussurrei, e ela sorriu abaixando o bolo.

Lilian tinha uma mochila nas costas e segurava uma sacola azul.

— Claro que vim. — Entrou quando dei espaço para que ela

passasse. — E trouxe presente. Para você vestir no seu mêsversário. Trouxe

mais roupas na minha mochila, porque a tia Lilian não pode ficar fedida —
falou para Ravi que ria a cada palavra que saía da boca dela, completamente

hipnotizado.

— A mamadeira do Ravi ficou pronta — a babá falou, entrando na

sala.

Mônica era jovem, tinha os cabelos loiros e olhos claros. Ela era

filha de uma das governantas que trabalhou na mansão dos Montenegro por

muito tempo e foi recomendação da mãe dela para minha mãe.

— Pode deixar que dou para ele — Lilian se apressou em falar,


caminhando para a cozinha como se fosse dona do lugar.

Vi quando ela deixou o bolo em cima do balcão, colocando a bolsa

de lado junto ao presente.

— Sou Lilian. — Estendeu a mão para a menina, olhando-a de cima


a baixo.

Segurei a risada.
Não sei o que falei que fez Lilian reaparecer no apartamento, mas

gostei de pensar que ela tenha ficado um pouco enciumada, da mesma

forma que fiquei ao vê-la com Pablo.

— Mônica — a moça falou, entregando a mamadeira para Lilian


que pegou rapidamente.

Lilian se aproximou de mim, pegou Ravi dos meus braços com a

maior facilidade do mundo e ofereceu a mamadeira, sentando-se no sofá


para amamentar o menino, enquanto Apolo se aproximou, pulou no móvel e

se sentou ao lado de Lilian, esticando a cabeça até que a pousou sobre o

colo da mulher.

— Pode ir, Mônica — falei para a moça, sabendo que convidá-la


para o mêsversário de Ravi era um tanto demais.

— Ela pode ficar — Lilian falou. — É o aniversário. O mêsversário.

Se quiser, é claro.

Mônica sorriu, agradecendo.

— Não, tudo bem. Eu tenho um jantar com a família do meu

namorado. — Pegou a bolsa e o casaco pendurado no hall de entrada do

apartamento, enquanto Lilian a observava ir embora.

Assim que ficamos completamente sozinhos, respirei fundo,

sentindo-me como se tivesse sido atropelado por um rolo compressor.


— Bela babá — Lilian comentou, arqueando a sobrancelha em

minha direção.

O tom irônico não me passou despercebido.

Cruzei os braços, segurando a risada.

— Está com ciúmes, Megera? — indaguei, lembrando de quando

ela me fez a mesma pergunta.

Lilian bufou.

— É claro que não — respondeu como se fosse a coisa mais óbvia

do mundo.

— Você não precisava chegar assim — falei, sentando-me do outro


lado do sofá.

— Assim como? — indagou, irritada.

— Como se tivesse que provar que tem um lugar aqui. Ela poderia

terminar o turno dela sem ficar assustada com uma maluca que pegou a
mamadeira — alfinetei.

Na verdade, estava brincando só para vê-la irritada e quando as

bochechas de Lilian coraram, me senti muito bem.

— É claro que eu não fiz isso. Até disse que ela poderia ficar.

Segurei o riso.

— Com uma cara de maluca — pontuei.


Lilian se levantou quando Ravi terminou a mamadeira, caminhando
em direção à cozinha.

— Eu não cheguei como uma maluca — resmungou ao passar por

mim.

— Claro que não.

— Vai, acenda as velinhas — ela ordenou, pegando o presente que

comprou para Ravi.

— Ok — concordei, simplesmente obedecendo.

Ela sumiu dentro do quarto e retornou minutos depois, sorrindo

quando segurou Ravi de frente, mostrando a roupinha azul e vermelha

combinando com o bolo.

— Olha, meu amor — sussurrou para o meu filho, sentando-o em

cima do balcão, o amparando. — Pede pro papai cantar parabéns para você,

Ravizinho, pede...

Puxei os parabéns para você enquanto Ravi olhava as velinhas,

admirado com o fogo.

Lilian estava animada, batendo palmas, e eu só sabia observar o


sorriso dela, tão sincero e animado, que a deixava ainda mais linda.

Encarei o Ravi e lembrei da Sabrina.


Sorri ao lembrar dela, sabendo que Lilian estava fazendo
exatamente o que ela faria.

Só que minha melhor amiga insistiria por uma festa enorme,

enquanto Lilian aceitou meu luto e fez aquilo por nós.

— Feliz mêsversário, meu amor — sussurrei para ele, assoprando a

velinha junto com Lilian, sabendo que aquele momento deveria ter sido
comemorado.

Por pior que fosse aquele dia para mim, estava celebrando por Ravi.

Ele merecia.

— Obrigado por não esquecer — falei para Lilian.

Ela sorriu.

— Eu nunca esqueceria. — Ela se inclinou até que seus lábios


tocaram os meus em um beijo rápido.

E eu ainda estava sorrindo quando ela se afastou.


Coloquei mais uma fatia do bolo de Ravi em meu prato, precisando

de brigadeiro em plena oito horas da manhã, enquanto sentia meu coração


traiçoeiro me acusar de fujona de novo.

Eu fui fazer Ravi dormir e acabei ficando no quarto dele, fingindo


dormir quando Caio foi me encontrar.

Estava deixando o medo falar mais alto e sabia daquilo. Então a


culpa começou a cobrar seu preço, porque sabia que ele entrou no quarto do

filho depois daquilo e me viu dormindo na pequena cama de solteiro que

havia ali, permanecendo por mais tempo do que seria considerado normal.

— Bom dia.
A voz masculina me fez virar, encontrando-o atravessando a

cozinha, com a calça moletom descendo novamente pelos quadris e o peito


todo de fora.

Caio me olhou.

Sabia que ele me encarava porque meu rosto ardia enquanto


observava coisas que não deveriam ser observadas.

— Apesar de saber que a visão de baixo é boa, meu rosto é mais


acima.

Dei um sorriso de lado, encarando seus olhos.

— Tem razão, a visão de baixo é boa. — Fui sincera, vendo que ele

franzia o cenho em minha direção.

Quando percebi o homem se aproximou, colocando o dorso das


mãos em minha testa.

— Você está bem? Geralmente quando flerto com você cora igual

um tomate e fala algo para desviar do assunto — falou, servindo-se um

pouco de café.

— Estou só sendo legal, divertida — respondi, comendo meu

pedaço de bolo.

Caio resmungou algo indecifrável.

— O que você disse? — indaguei, virando-me para ele.


— Nada — respondeu, encolhendo os ombros.

Ele bebeu uma quantidade generosa de café, observando-me do

canto da pia enquanto eu comia meu pedaço de bolo.

— Quer parar de me encarar?

— Não. — Sorriu ao falar, colocando a xícara de lado e se

aproximou. — Porque eu sei que você está fugindo de mim.

— Caio. — Revirei os olhos ao repreendê-lo.

— Tudo bem, se não quer avançar nada, não precisa, Lilian. Só que
não precisa fugir de mim, também, não vou morder você — falou, com um

sorriso sacana surgindo no canto dos lábios. — A não ser que você peça,

Megera.

— Você precisa parar de me chamar assim.

— Mas você é meio megera, amor. — Alisou minha bochecha,

colocando meus cabelos para trás.

A forma que ele falava amor causava borboletas no meu estômago.

Eu me inclinei em sua direção, com os lábios a centímetros dos seus.

— Se você me beijar agora, vou ultrapassar o limite e não quero

pedir desculpas por isso — avisou, fazendo-me suspirar.

Antes que pudesse me parar, meus braços enlaçaram ao corpo de

Caio, puxando sua boca contra a minha, fazendo-me suspirar conforme seus
lábios cobriam os meus.

Ele tinha gosto de café.

E eu o puxei em minha direção, inclinando o pescoço para trás para

beijá-lo enquanto minhas pernas se enlaçaram em sua cintura, fazendo-me


derreter conforme os dedos de Caio subiam pelo pijama folgado que
coloquei na noite anterior.

Era um conjunto de short e blusa de seda, pretos, nada revelador,


nem nada vergonhoso.

Enquanto seus dedos puxavam a peça para cima, revelando meu


corpo nu por baixo, a consciência se foi.

Eu o queria.

E não queria sentir culpa quando tudo acabasse.

Minha boca desceu sobre a de Lilian, faminta. Segurei seu rosto,


aprofundando o beijo, desejando tomar tudo de si, puxei seu corpo mais

contra o meu de forma que não houvesse mais espaço entre eles. Meus
dedos desceram na lateral da roupa que ela vestia, puxando a blusa de seda

para cima, deixando-a nua da cintura para cima.

Os seios durinhos me fizeram avançar a boca contra sua pele,

dedilhando a ponta dos mamilos enquanto via seu corpo reagindo ao meu
toque, com os pelos se eriçando conforme a beijava inteira.

Eu me abaixei à sua frente, deslizando as mãos por seu corpo,


enquanto encarava os olhos castanhos se tornarem escuros conforme o
desejo crescia entre nós dois. Meu pau estava duro contra o tecido do

moletom e queria muito avançar sobre ela, me enterrar dentro dela, porém,
tinha que ir com calma.

Eu precisava tocar em cada parte do seu corpo como se fosse a


última vez.

Afastei suas pernas, colocando uma delas em meus ombros e a vi


corar quando puxei o tecido de renda para baixo. Encarei sua boceta nua,

molhada, me fazendo deslizar os dedos, tocando-a, abrindo e brincando


com sua entrada.

— Caio... — Meu nome veio em forma de um gemido desesperado.

— Sim? — indaguei, deslizando a língua por sua pele, sentindo seu


gosto em minha boca. — Você sabe que é deliciosa, né, Lilian? — Minha

boca a devorou em seguida.


A resposta veio com ela segurando meus cabelos, me fazendo
chupar e tocá-la com mais vontade.

Lilian tinha gosto de paraíso e só de pensar que em algum momento


não iria tê-la mais na minha vida, já sentia falta.

Brinquei com sua entrada, sentindo meus dedos deslizarem dentro

dela.

Mordisquei o interior das suas pernas quando ela se aproximou de

um orgasmo e me afastei, encarando-a de baixo.

Sorri, perverso, vendo-a me observar com raiva.

Empurrei os pratos da bancada para o lado, precisando de espaço. E


a puxei para cima, colocando-a sentada à minha frente, com os cabelos

revoltos, as bochechas coradas com o peito subindo e descendo em um


ritmo constante, e ofegante.

— Você fugiu de mim. — Toquei sua barriga, subindo lentamente

por sua pele e a vi antecipando o gesto, encarando minhas mãos. — Olhe


para mim, Lili.

Ela obedeceu, umedecendo os lábios.

— Diga, por que fugiu de mim? — Meus dedos tocaram os mamilos

lentamente, em resposta, ela fechou os olhos e respirou fundo.


— Caio... — reclamou, e eu sorri, deslizando a outra mão por seu
corpo.

— Diga, amor — incentivei, com a mão escorregando mais além,


tocando sua boceta nua.

Ela gemeu quando desci os dedos por sua entrada, parando ali.

— Vai, Lilian, me diga.

Ela suspirou.

— Estava com medo — sussurrou.

Eu me movi dentro dela no mesmo instante.

— Pronto.

— Sabe que isso não é tudo, amor, me conta — incentivei, vendo


que ela me encarava, com os olhos se revirando.

Quando meus dedos pararam, novamente, de brincar com seu

mamilo e com sua boceta, ela suspirou.

— Não consigo ficar... Perto de você sem tocá-lo. Eu tenho medo de


que... Se ficar, meu limite se vá e não consiga voltar.

Meus dedos trabalhavam em sua entrada, enquanto ela ficava

ofegante a cada movimento mais fundo, completamente excitada, com


minha mão pingando com sua excitação.
Deslizei a mão para fora, lambendo os dedos com seus olhos

focados em mim.

Ela me encarou com os olhos ainda brilhando de desejo e deslizei

minhas mãos por suas costas, colando minha boca na sua em um beijo

ardente. Minhas mãos desataram o fio do meu moletom, deixando a peça


cair no chão, sem separar nossas bocas. Assim que nos separamos, levei a

boca até sua orelha, fazendo uma trilha por sua pele.

— Só vou transar com você se não for se arrepender, Lilian. Não

quero ser um arrependimento da sua vida.

Ela fechou os olhos, respirando fundo.

— Não é. Você é a decisão mais certa que fiz em meses —

sussurrou, segurando meu rosto.

E eu sorri, gostando da sua resposta.

— Agora me toque, por favor.

— É bom ouvir este por favor saindo da sua boca, principalmente

quando sinto sua boceta pingando por mim — falei com a voz abafada
contra sua pele, deslizando a língua por ela, até alcançar os mamilos duros.

Brinquei com o bico do seu seio, ouvindo-a gemer, enquanto meus

lábios traçavam o monte.


Lilian era a coisa mais linda que já pus os olhos e toda vez que

colocava as mãos em sua pele, todo meu corpo entrava em chamas.

— Por favor, Caio, quero você dentro de mim — sussurrou,

puxando-me novamente contra sua boca.

Sorri, vendo suas bochechas coradas.

— Agora.

A voz altiva me fez assentir, puxando seu corpo para a beirada do

balcão.

Sem cueca, não tive dificuldade para me afundar dentro dela,

completamente duro, sentindo sua boceta quente engolir meu pau, fazendo-

me gemer contra seus seios, completamente irracional, tentando entender o


motivo de sentir aquela sensação que era divina.

Eu me inclinei sobre ela, deitando-a na bancada enquanto afundava

em sua boceta, em estocadas rápidas e duras, sem espaço para que os


pensamentos de nenhum dos dois intervissem no momento.

Beijei sua barriga, deslizando as mãos por seus seios, apertando

conforme sua boceta respondia a cada estímulo, apertando-me dentro dela.

— Meu Deus, você é tão gostosa — elogiei, deslizando a língua por


seu mamilo.
Queria tocá-la inteira, marcá-la com as mãos, boca e,

principalmente, meu pau.

— Sua boceta adora meu pau, né, Megera?

Ela arranhou minhas costas, inclinando-se em minha direção,

fazendo-me tomar seus seios em meus lábios novamente.

A visão era dos deuses.

Ela estava corada, suada, chamando meu nome enquanto eu entrava

e saía dela em um ritmo alucinante.

— Adora — ela respondeu, segurando meu rosto, fazendo-me

encará-la, com o sorriso sacana preenchendo seus lábios inchados por causa
dos nossos beijos.

Tremi quando Lilian gozou, sem desviar os olhos dos meus, sabendo

bem o efeito que ela causava.

Meu Deus, gozei dentro dela!

E só percebemos aquilo segundos depois.

— Não usamos proteção — ela falou com a cabeça ainda contra

meu peito. — Não estou mais usando o DIU, desculpa não ter dito antes.

A respiração deu uma falhada.


— Tudo bem, tem a pílula do dia seguinte — sussurrei.

— Pode falhar, Caio — ela lembrou, e eu assenti.

Fiquei perdido em pensamentos, com a cabeça girando para digerir

aquela informação.

— Você está bem? — Lilian indagou, inclinando-se para me olhar,

como se fosse eu a pessoa que mais se preocupava na equação.

Sorri, beijando seu ombro, invertendo as posições rapidamente.

— Sim, por que a pergunta?

— Ficou quieto do nada e não gosto quando fica muito calado —

falou, enquanto eu afundava o rosto na curva do seu pescoço. — Você

parece uma criança de cinco anos e na maioria das vezes está me


pentelhando como uma.

— Lili! — exclamei, mordiscando sua pele.

Ela gargalhou, no meio dos lençóis escuros da minha cama.

— É a verdade.

— Você é quem anda de mal com a vida — falei, deslizando os

lábios por sua pele.

Lilian cheirava a meu perfume e não pensei que amaria tanto aquilo.

Senti seus dedos deslizarem por meus cabelos, em uma carícia lenta.
— Eu não ando de mal com a vida — sussurrou. — Faz alguns

meses que odiar a vida não tem sido meu objetivo.

Levantei a cabeça, observando-a de olhos semicerrados, olhando-me

como se fosse uma coisa muito interessante de analisar.

— Tenho a ver com isso? — perguntei, deslizando os dedos por seus

cabelos.

— Você sabe que sim.

— Só quero ter certeza.

“Às vezes, pareço gostar de você bem mais do que você de mim”,

pensei com uma leve dor no peito.

A verdade é que se tivesse encontrado Lilian antes, durante os anos

desde que meu irmão se casou com Alice, não teria como evitar, eu teria me

apaixonado mais rápido por ela.

Ela sorriu.

— Eu não quero apressar nada.

— Acho que não dá para pensar nisso quando você está quase

morando comigo, Megerinha. — Beijei seu pescoço.

Ela suspirou, segurando meu rosto, trazendo-me para perto, onde

pude finalmente beijá-la novamente, afundando meu corpo contra o seu,


sentindo meu coração bater tão forte que cheguei a pensar seriamente se
estava tudo bem com ele.

Só que o choro alto vindo da babá eletrônica que deixamos sobre a

mesinha de cabeceira nos fez rir, ainda com a boca colada uma na do outro.
Eu me afastei, beijando o vale dos seios de Lilian, antes de virar para buscar

o roupão abandonado no canto da cama.

— Vai lá, papai — falou, levantando-se, então pegou minha camisa


e vestiu rapidamente a peça.

Encarei Lilian com os cabelos revoltos, vestindo apenas a camisa

branca que usei no dia anterior e ela estava mais bonita do que quando a vi

com vestido de festa em São Paulo.

Ela beijou minhas costas e, em seguida, me deu dois tapinhas no

ombro quando Ravi chorou mais alto.

Suspirei, levantando-me.

Estava na hora de ser um pai responsável.

Alcancei o quarto do meu filho onde o encontrei magoado,


soluçando por ter que chorar demais para ser atendido. Eu me apressei,
peguei-o no colo e o ninei até que parasse de choramingar.

— Papai chegou, meu anjo, não precisa mais chorar — falei,


balançando meu corpo de um lado para o outro e vi quando Lilian se
aproximou, segurando a mãozinha dele.

— Bom dia, Ravizinho — sussurrou, fazendo com que ele abrisse


um sorriso, como se ela fosse a solução de tudo.
Estava irritada.

Mas estar brava com Pablo já era uma coisa tão comum como
respirar, só que das outras vezes, apenas aceitei calada quando ele tentou
me esfaquear pelas costas.

Só que daquela vez era diferente.

Ele me fez de palhaça.

Enquanto caminhava em direção à sala dele, estava vendo vermelho

porque só Deus sabia, mas poderia matar o homem naquele momento e...
— Eu sei, eu sei — ele falou, abrindo a porta do consultório que

tinha a placa com seu nome. — Sei que não foi legal.

— Não foi legal?! Ah, você vai ver o que não foi legal. O que você

fez foi baixo, do tipo mais mesquinho possível — praticamente gritei,


apontando o dedo em seu peito.

— Lilian, por favor, acalme-se e vamos conversar. Vem. — Abriu a

porta do consultório.

— Eu não quero falar com você, quero te matar. — Puxei a mão da

sua, irritada.

Pablo havia me oferecido uma vaga num projeto incrível e estava

animada, tanto que passei a última semana falando com a irmã dele, sobre

cada possibilidade, sobre nossas agendas e estava tão feliz com a


possibilidade de ingressar que nem me dei conta do motivo que ele havia

feito aquilo.

— Não nos damos bem, mas me tirar daqui para que você fosse

promovido e ficasse com todo o setor nas suas mãos é tão, mas tão baixo,

Pablo.

Ele suspirou, parecendo desconcertado.

Estava realmente magoada e não era porque me importava com ele.


Desde que cheguei ao Montenegro, ele dificultou minha vida na
maior parte das vezes e achou uma forma de infernizar os meus dias. Só que

havia um mês que Pablo havia ganhado uma nova faceta, o de amigo.

E eu odiava a sensação de estar realmente confiando nele.

— Por favor, me desculpe — pediu, aproximando-se novamente. —

Irei falar com o conselho sobre nossa situação.

— Acho bom mesmo, porque não vou sair do projeto por sua causa,

seu ridículo — falei, segurando a beiradas do seu jaleco. — E se eu for

demitida, vou caçar você até o fim do mundo.

O homem arregalou os olhos.

Eu queria chorar e gritar, tudo na mesma intensidade.

— Ok, vou dar um jeito... — sussurrou.

— Você sabe que não estou brincando. — E não estava mesmo.

Se eu fosse demitida daqui por causa de Pablo, iria fazer a vida dele

se tornar bem ruim por algum tempo.

Eu não era uma pessoa vingativa, mas no meu trabalho ninguém

tocava.

Sabia que a decisão de demissão no Montenegro era feita junto a um

conselho interno, onde avaliavam as qualidades e benefícios do


profissional, já que nenhum dos diretores e donos do hospital tinham um

diploma de medicina.

Só que, por mais que estivesse quase morando com Caio, não queria

que ele interferisse naquilo.

E antes que conseguisse me conter, já sentia que estava chorando


por minhas emoções que estavam bagunçadas havia dias. E tudo que fazia

vinha acompanhado de uma porção de lágrimas descendo por meu rosto.

— Lilian, você está bem? — Pablo tentou se aproximar, mas não

queria que ele me consolasse, ou melhor, que fosse um amigo falso.

— Sai de perto de mim — falei, caminhando pelo corredor.

— Lili, por Deus, não seja dramática, já falei que vou resolver tudo

— ele falou, caminhando atrás de mim.

Apertei o passo, entrei na escada onde levava aos quartos vazios,


que a maioria dos médicos usavam para descansar entre os intervalos.

Desci a escada de dois em dois degraus, precisando apenas de cinco


minutos sozinha para ficar bem e depois poderia voltar a gritar com Pablo o

quanto ele desejasse e...

— AI! — gritei ao torcer o pé, caindo os cinco degraus restantes da

escada, até alcançar o porcelanato frio do corredor vazio e escuro, sentindo


minha panturrilha arder com o mau jeito que acabei de dar no pé.
— Meu Deus, como você é teimosa — Pablo falou, sentando-se na

minha frente, puxando o pé em sua direção com uma delicadeza de um


burro.

Gemi, puxando meu pé.

— Me deixa ver isso, Lilian.

— Não, você é um escroto. Não quero que toque em mim —


reclamei enquanto ele suspirava, sentando-se de vez no chão.

— Desculpa, ok?

— Não peça desculpas! — exclamei, irritada. — Você se desculpa e

depois faz pior. Eu não quero ser sua amiga, não quero ser amiga de um
falso, filho da puta.

Ele esfregou o rosto.

— Ok, posso chamar o Caio para levar você para casa? — indagou.

— Por que você chamaria o Caio? — Estava irritada, e não


conseguia apoiar o pé no chão, mas ele não estava quebrado, havia sido
apenas um mau jeito.

— Porque sei que vocês estão tendo um casinho — ele comentou,


revirando os olhos em seguida.

— Como sabe disso? — questionei, ranzinza.

Pablo abriu um sorriso perverso.


— Eu sei de tudo — respondeu simples, pegando o telefone dentro
do bolso do jaleco.

Eu me encostei na parede, sentindo que iria chorar a qualquer


momento de novo, pois estava irritada comigo mesma por estar chorando
por uma coisa tão banal.

— Eu sinto muito mesmo. — Encostou na parede.

— Sabe que não me importo mais, né?

— Eu sei, só que vou continuar pedindo desculpas do mesmo jeito


— falou, fazendo-me suspirar.

— Eu não entendo o motivo de você me odiar tanto, nunca te fiz


nada!

— Me ameaçou há alguns segundos — relembrou, e eu ri.

— Sim, mas você mereceu.

— É, eu mereci.

Ficamos em silêncio e agradeci quando Caio apareceu no topo da

escada, encarando-me com o cenho franzido.

— O que houve com você?

— Eu quase quebrei o tornozelo e fui obrigada a interagir com o


Pablo — reclamei, chorosa, e ele riu, abaixando-se para me ajudar.
— Deve ter sido horrível — sussurrou, enquanto Pablo nos encarava
vendo a nossa interação.

— A dor está mesmo insuportável — falei chorosa, encostando a


cabeça em seu ombro.

Caio cheirava a conforto e não me impedi de afundar o rosto na

abertura da camisa social, sentindo o cheiro do perfume masculino.

— Estava falando de interagir com o Pablo, a dor deve estar ruim


mesmo.

— Isso foi ofensivo — Pablo resmungou, já no topo da escada.

Sorri para Caio, compartilhando da felicidade de ofender o homem.

— Você chorou? — ele indagou, carregando-me escada acima.

— Um pouquinho — falei, suspirando.

Lembrei que mais cedo Caio ficou preocupado quando comecei a

chorar porque Ravi estava mais inteligente aquela manhã.

— De novo? Devo ficar preocupado?

Sorri, encostando a cabeça em seu ombro, enquanto ele pegava o

elevador privativo.

Agradeci por estar no fim do meu turno.

Confesso que esperar até o fim do plantão para brigar com Pablo foi
uma missão difícil.
— Provavelmente é só TPM. Eu fico chorona — confessei, não

querendo culpar minha menstruação por tudo, mas era uma verdade. — Já
chorei porque falaram comigo de modo atravessado. Em meu período, fico

parecendo uma criança.

Ele riu.

— Bom saber disso, Megerinha. — Beijou o topo da minha testa,

como se me carregar fosse uma coisa comum. — Sua calça está manchada,

acho que devo ter razão — falou, apontando com a cabeça para o meio das

minhas pernas.

Encarei a mancha em choque, percebendo que acabei de comprovar

que minhas lágrimas na frente de Pablo tinham um motivo e não era porque

me importava com ele.

— Você não ficou com ciúmes de Pablo desta vez — falei, mudando
de assunto.

Caio sorriu de canto, enquanto olhava para frente, não me encarando

de forma nenhuma.

— Não, tenho um pouco de ciúmes do cara do seu passado, mas, no

presente, não me preocupo porque sou eu quem dorme com você — disse,

encarando-me com uma intensidade que fez meu estômago se agitar, com as
malditas borboletas.
— Confiante você — brinquei, encarando seus lábios.

— Claro, olha para mim. — Deu de ombros, como se ele fosse um

monumento.

Não evitei a gargalhada, vendo a porta do elevador abrir.

— Eu sou o pacote completo. Só tem um cara no mundo que

ameaçaria minha segurança e sabe disso. Acabei de confessar isso.

Deixei o sorriso morrer.

Sabia que ele falava de Jorge.

— Você não precisa se sentir ameaçado — falei, beijando seu

ombro.

Estávamos saindo pelos fundos do hospital, onde ficava o


estacionamento dos funcionários e ligava uma avenida à outra.

Esperei que Caio me colocasse dentro do carro e suspirei, tirando os

saltos para ver o estrago do meu pé.

Estava inchado, mas não era uma coisa grande, só precisava


descansar e tomar alguns remédios.

Com certeza precisava de remédios, pois uma cólica começava a

surgir no pé da minha barriga e aquilo me fez suspirar, sabendo que Caio


veria o meu pior lado.
Ele se sentou no banco do motorista, ligando o carro e impedi que

ele saísse do estacionamento, segurando seu braço, fazendo-o me encarar.

— Você não tem motivo para se sentir ameaçado — esclareci,

ressaltando bem o final da frase.

Ele sorriu de canto, encarando minha mão em seu braço.

— Eu sei que ele sempre vai ser o amor da sua vida, Lili. —
Segurou minha mão. — E eu sei também que se não fosse pela tragédia que

ocorreu a vocês, nunca teria olhado para mim.

Eu quis chorar, porque ele tinha razão.

Jorge era tudo e se ele estivesse vivo, seríamos tão felizes juntos.

— Só que você é meu presente. — Quis dizer que o amava, mas era

cedo demais. — Jorge foi meu passado, foi tão importante para mim,

acreditar nos meus sentimentos que eu nem sei explicar como... Só que ele
não está mais aqui, Caio, e não podemos ficar o colocando entre nós dois.

Ele beijou meus lábios.

— Ele não está entre nós dois — assegurou com a mesma confiança

de antes. — Acho que se o conhecesse, iria até gostar do cara. Para você
amá-lo tanto, ele deveria ser incrível.

Aquilo me fez rir.

— Ele era sim. E você também é. — Alisei seu rosto, sendo sincera.
Eu me apaixonei duas vezes, uma por Jorge e outra por Caio, e tive

tanta sorte, porque os dois eram incríveis na mesma proporção.

Caio e Jorge tinham suas diferenças, só que os dois cuidavam de

mim, da mesma forma, nunca me deixando duvidar o quão importante eu


era.

— Lilian, o jantar chegou — falei, entrando no nosso quarto à

procura da mulher.

Ela havia ido tomar banho enquanto o jantar não era entregue, e
assim poderíamos aproveitar um jantar juntos enquanto Ravi dormia no

carrinho, alheio a nós dois.

— Lilian? — indaguei, batendo à porta do banheiro, ouvindo o


barulho da água correndo.

— Não entra aqui! — exclamou, fazendo-me franzir o cenho.

Sua voz me fez tomar aquilo como um sinal de alerta.

— O que houve?
— Nada, nada! — praticamente gritou a última parte. — O que está

acontecendo? O que...

Quebrei seu pedido, invadindo o banheiro e parei, sentindo meus

olhos congelarem com a visão de Lilian confusa, se encostando na beirada

da pia do banheiro, encarando com horror as pernas molhadas de sangue.

— Lilian. — Eu me aproximei.

— Não! — gritou, estendendo a mão no ar. — Tem alguma coisa

errada comigo. Estou com cólica e sangrei, é normal, minha menstruação já

deveria ter vindo, mas está vindo muito e... — Soluçou, incapaz de
completar a frase.

— Vem, vamos descobrir o que está acontecendo — falei, sentindo

meu coração batendo tão forte em meu peito que pensei que fosse desmaiar.

Lilian estava com dor e havia sangue, o que me fez ver tudo
tremido, sentindo as mãos tremendo pelo medo.

Ela estava em choque e só via as lágrimas descendo por seu rosto.

Eu a coloquei sentada contra o colchão, precisando ligar para

alguém para que ficasse com o Ravi enquanto a levava ao hospital.

— Vai sujar, tem o sangue. — Ela tentou se levantar e a sentei

novamente.

— Fica quieta aí, por favor — supliquei, preocupado.


Os olhos castanhos cheios de lágrimas quebraram alguma coisa
dentro de mim.

Eu já vi Lilian chorar mais cedo, quando ela chorou porque Ravi

havia descoberto como se virar na cama, dizendo que o menino era um


prodígio.

Eu ri e me aproximei, pedindo que não chorasse porque não gostava

de vê-la chorar.

E de novo estava me sentindo da mesma forma, odiando ver as


lágrimas descendo por seu rosto, sem poder fazer absolutamente nada.

Peguei o telefone, discando o número de Heloísa, sabendo que a

casa dela era mais próxima do que a da minha mãe e agradeci quando
minha irmã me atendeu.

— Pode ficar com Ravi por algumas horas? — Fui direto ao ponto,
pegando a carteira e documento, buscando a bolsa de Lilian, que ela levava

para todos os cantos.

— O que houve? — indagou.

— Depois explicarei, deixo Ravi com você a caminho do hospital.

— Caio! — minha irmã protestou. — Me diga o que houve. É claro

que posso ficar com ele.


— Falo assim que chegar aí. — Agradeci, desligando a chamada e
caminhando para onde Lilian estava. Eu a guiei para fora do quarto,
buscando o carrinho de Ravi na cozinha, como havia deixado minutos

antes.

Meu coração faltava explodir de tanto medo.

Lilian chorava e não sabia o que fazer. Sem contar que ainda havia
sangue e não sabia o motivo.

Ravi dormiu todo o caminho até a casa da minha irmã, onde


demorei só o suficiente antes de sair da casa dela novamente, não
explicando muito, dizendo que precisava saber o que estava ocorrendo com

Lilian.

Minha namorada?

Lilian chorava a todo caminho e deduzia que no fundo ela sabia o

que estava acontecendo, mas não falou nada, porque não parava de chorar.

Quanto mais ouvia seu choro, mais desesperado ficava.

“Fica calmo...

Fica calmo...”

Ela já estava sob muita pressão, pois tinha sangue no corpo dela e eu
não sabia nada sobre aquilo, então tinha que ficar calmo.
Era o que repetia a todo minuto, como se aquilo fosse me salvar a
qualquer momento.

Assim que estacionei o carro em frente ao Hospital Montenegro pela


segunda vez naquele dia, pela ala da emergência naquele momento, senti o
ar me comprimir.

No entanto, não poderia parar.

Simplesmente saí do carro, buscando ajuda dos médicos daquele

setor que assim que me viram, não perderam tempo, aproximando-se


rapidamente.

Enquanto os médicos assumiram o controle, permaneci de pé,


acompanhando todo o movimento, vendo os olhos de Lilian atentos a cada
exame que ela era submetida. Ela estava com as mãos tremendo, com um

acesso conectado à veia para aplicação do soro.

Lilian me encarou quando o médico se afastou, com os olhos


marejados. Não havia mais lágrimas, mas seus olhos estavam tão tristes que

me fez vacilar, precisando me sentar na cadeira mais próxima.


Não era uma pessoa fraca e sabia daquilo.

Passei por dois anos sofridos, chorando e indo à terapia para

simplesmente não desmoronar.

Porém, enquanto ouvia o médico de plantão, meu coração

simplesmente afundava.

— Ainda estamos esperando alguns exames seus, mas, infelizmente,


não havia muita coisa que pudéssemos fazer. É um caso infeliz e comum

em gravidez não evoluída — ele explicou, encarando o prontuário. — Você


sabia que estava grávida, Lilian?

Conhecia o doutor devido aos anos que trabalhávamos juntos, então

era estranho vê-lo me tratando como Lilian, a paciente.


Engoli em seco, negando com a cabeça em um movimento lento.

Caio estava do lado de fora, já eu seguia ali, ouvindo cada uma das

palavras dolorosas do médico. Só que uma parte de mim, não ouvia mais,

apenas sentia os pés perderem o chão lentamente, com uma sensação forte
de ter mais uma parte do seu coração arrancado.

Um bebê.

Eu tinha um bebê no meu ventre havia poucas horas.

Um filho meu e do Caio...

E, naquele momento, ele simplesmente havia partido.

Deixei o soluço escapar, conforme as lágrimas voltavam com força.

— Está tudo sob controle agora, só vamos cuidar de você para que

não fique sequelas. O útero expeliu o feto e...

Fechei os olhos ao ouvir suas palavras, tentando controlar a forma

que elas caíam sobre mim, como pedras.

Meu Deus!

Tudo estava doendo em mim.

A dor da cólica, simplesmente, anormal que senti...

A queda mais cedo...

Tudo ali era um grande combo.


— Eu caí — sussurrei.

O doutor me encarou.

— Como?

— Estava correndo e acabei caindo — falei, sentindo os resquícios

de culpa caindo sobre mim, como uma granada. — Foi o motivo?

— Não posso dizer ao certo, querida. Sabe que nestes casos, não há

como afirmar, pois o aborto pode acontecer por diversos motivos —

explicou, e só fez com que me sentisse pior.

Naquele momento, não era a médica que passou anos numa sala de

aula estudando sobre o corpo humano, era alguém que só sentia a dor de

perder um bebê que nem cheguei a conhecer.

Eu nunca saberia como ele seria, o que ele se tornaria, seu sexo, seu
rosto, seu cheiro, seu sorriso.

Perguntei-me todas as coisas quando a porta se fechou e fiquei


sozinha, encolhendo as pernas contra meu peito, sentindo as lágrimas

banharem meu rosto com ainda mais velocidade.

— Amor...

A voz de Caio na porta do quarto me fez virar, encontrando o pai do


bebê que não tinha mais ali.

Ele sabia...
Bastou olhar para os seus olhos para saber e me encolhi ainda mais,

chorando.

— Lili, por Deus, acalme-se... — pediu, aproximando-se.

Antes que me afastasse, os braços de Caio já estavam se enlaçando


em torno dos meus ombros, me trazendo para uma confortável e dolorosa
calmaria.

— Eu o perdi... Eu o perdi — repeti, sentindo que se falasse aquilo,


iria deixar de ser real e que iria acordar daquele pesadelo.

— Calma, querida — ele sussurrou, alisando minhas costas.

Eu não queria me acalmar, eu queria os motivos.

Eu iria ser uma mãe ruim?

Caio seria um pai ruim?

Impossível, ele era um ótimo pai para o Ravi...

Então, tinha que ser eu o problema.

— Eu caí, não sabia que ele estava aqui e saí correndo — murmurei,
apertando-me contra ele, querendo apenas que Caio não deixasse de me

amar porque perdi nosso bebê. — Eu sinto muito, sinto muito. — Encostei
a cabeça em seu ombro.

Ele beijou minha têmpora.

— Não foi sua culpa, Lili.


— Foi. Eu sou a mãe dele. Eu deveria saber.

— Não foi sua culpa — falou mais firme, o mesmo tom que usava
com confiança para coisas banais.

— Caio... — sussurrei, encostando-me nos travesseiros novamente,


pois estava me sentindo fraca.

Ele me encarou, preocupado, então minha cabeça girou, vendo tudo


desfocado.

— Vou chamar o médico. — Ele se apressou em correr para fora da


sala, chamando o médico enquanto eu focava em respirar.

Fechei os olhos, pensando no que estava acontecendo.

“É um sonho, Lilian, acorda.

Você não estava grávida.

Você não o perdeu.

Você...”

— Vou aplicar a vitamina no soro novamente.

— Ela está muito agitada — a enfermeira falou, segurando minhas


mãos que tremiam mesmo que eu não tivesse realmente me movendo.

— Vou aplicar um sedativo.

— Tem certeza, doutor? Ela pode acordar mais agitada.


A voz de Caio me fez sorrir.

Eu queria tanto ver um bebê de nós dois, só que não tinha mais. Ele

não estava mais dentro de mim.

— Caio... — chamei seu nome, estendendo a mão e senti quando


sua palma tocou a minha.

— Estou aqui, meu amor — sussurrou, beijando o dorso.

E eu suspirei.

— Eu queria nosso bebê — falei, chorosa.

Eu não sabia como ele estava calmo, não entendia como ele podia

ficar tão controlado enquanto eu me perdia em dor e sofrimento.

— Vamos ter outros bebês, Lili — ele murmurou com o rosto

encostado em meu peito.

Eu não conseguia me focar no que ele estava falando, pois sentia

que o sedativo fazia efeito.

— Talvez fosse bom dormir e se Deus fosse bom, não acordaria

nunca mais.

— Você vai acordar sim, não fale isso — ele falou, repreendendo-
me.

Falei aquilo em voz alta e nem me dei conta.

— Como seria nosso bebê? — indaguei, ainda chorosa.


— A coisa mais linda do mundo — ele respondeu, alisando meu
rosto.

Não abri os olhos, não conseguia abri-los, apenas senti suas mãos
em meus cabelos enquanto as vozes sumiam lentamente, fazendo-me perder
completamente a noção, até que adormeci completamente.

Lilian dormiu e sabia que não era um sono tranquilo porque ela

chorava enquanto dormia. Suas mãos não soltavam a minha um minuto

sequer, e eu nem pensei em me afastar, sabendo que de nós dois, ela era
quem mais precisava de apoio.

Estava devastado, só que não desmoronaria na frente dela porque

sabia o quanto ela precisava de mim, sendo forte naquele momento.

Ela estava grávida de um bebê nosso e, naquele instante, ele não


existia mais por um acaso do destino que nos tirou ele.

Meu Deus, de todas as coisas que já pensei enfrentar, nunca pensei

nesta opção.

— Alice — falei ao telefone.


— Oi, é a Aline. — A voz parecida com a das meninas entrou na

linha.

Estava ligando para Alice para avisar que Lilian estava no hospital,

precisando de alguém, além de mim.

Eu era seu apoio, a primeira opção sempre.

Só que Lilian tinha uma ligação de outro mundo com a irmã mais

nova e se tinha alguém que poderia ajudar, era ela.

— Só um minuto — pedi para a outra pessoa do outro lado da linha,

antes de deixar o telefone de lado no viva-voz.

Lilian se agitou, debatendo-se, fazendo menção de se levantar. Eu

me sentei ao seu lado, puxei seu corpo para um abraço e sussurrei palavras

de conforto em seu ouvido.

— Está tudo bem, tudo bem — murmurei, abraçando seu corpo,


prometendo a mim mesmo que não desmoronaria na frente dela.

Lili já estava abalada demais, pois foi ela quem perdeu mais de nós

dois e eu só queria pegar todas as dores do seu coração para colocar o mais
longe possível da minha menina.

Lilian choramingou, suspirando, enquanto voltava a dormir.

Fechei os olhos, sentindo uma pontada de dor em meu coração.

— Oi?
A voz feminina do outro lado da minha me puxou de volta para a

realidade.

— Oi — falei, sem me afastar de Lilian, me deitando junto com ela

na cama do hospital. — Quem é? Alice viajou com o Henrique para a


fazenda e me deixou cuidando das crianças.

Franzi o cenho, pois Alice e Henri tinham uma babá e eles não

deixariam os filhos com um estranho.

— Quem é você?

— Sou a mãe dela, ora! — exclamou, irritada.

— Ah, sim, tudo bem, depois ligo para Alice.

— O que houve? Posso dar o recado — falou com certa irritação.

Não queria falar nada para aquela mulher.

— Lilian teve um probleminha e estamos no hospital. Eu queria

avisar para Alice já que elas são bem próximas.

— Estou a caminho.

— Não, você não — falei, irritado.

Sabia que Lilian e a mãe não tinham uma boa relação.

— Você está cuidando dos filhos do meu irmão, então, por favor,

fique aí!
Ela suspirou.

— Ok, mas só por causa das crianças. Achei você muito petulante.
Quem é você, aliás?

— Sou o namorado dela.

— Lilian não tem namorado — pontuou como se soubesse algo da

vida da filha.

— Acho que você precisa começar a se informar melhor da vida das

suas filhas.

— Oras, seu...

Desliguei a chamada antes que ela me xingasse, deixando o telefone

de lado, mas lembrei em seguida que poderia enviar uma mensagem

diretamente para Henrique na fazenda e fiz aquilo antes de me deitar mais

confortável na minúscula cama em que Lilian dormia.

Deixei que seu braço com o soro ficasse do outro lado, sem correr

perigo de sair da veia e alisei seus cabelos.

A memória da situação voltou como um compressor sobre mim.

Perdemos um bebê.

Eu não sabia dizer onde estava doendo, pois era a mesma sensação

de quando Sabrina se foi, como se um buraco houvesse se aberto e estivesse

me sugando.
E o pior, nunca saberia como ele seria.

Aquilo deveria me consolar, porque não havia como sentir saudade

de uma coisa que você nunca teve, mas eu sentia.

Fiquei encarando o teto, sentindo as horas passarem enquanto ela


permanecia adormecida em meu peito, pensando em cada ponto da nossa

vida que mudaria, caso ele ainda estivesse ali.

Talvez, não estivéssemos prontos para ter um bebê juntos.

Talvez, eu não fosse um bom pai para Ravi e o universo viu aquilo,
tirando-nos ele.

Era cruel pensar assim, mas não conseguia deixar de concluir

aquilo.

Senti meus olhos transbordarem e as lágrimas marcarem minha face.

Eu queria tanto saber como era uma mistura minha e de Lilian.

Meu Deus, que dor insuportável.

— Caio?

A voz feminina me fez virar a cabeça, encontrando minha mãe

parada na entrada do quarto, com um olhar preocupado em nossa direção.

Assim que viu Lilian, invadiu de vez, não esperando autorização.

— O que aconteceu, meu Deus?


Deixei que Lilian saísse do meu colo para que mamãe não a

acordasse e sabia que ela viu que eu estava chorando, porque meu rosto
ainda estava todo banhado de lágrimas.

Mamãe me abraçou assim que saímos do quarto.

— O que houve, querido? — Mamãe nunca precisou saber os

motivos antes de nos amparar.

— Lilian perdeu um bebê — falei, choroso.

Eu me senti novamente a criança que perdeu o brinquedo e

precisava do colo da mãe.

— Oh, Caio... — Ela alisou minhas costas. — Eu sinto muito por


você.

Mamãe se sentou, batendo no banco da sala de espera ao seu lado e

eu desabei ali, apoiando a cabeça em suas pernas, deixando que a dor se


transformasse em lágrimas.

— Eu não quero ser fraco, mas dói tanto que parece que o conhecia.

— Tudo bem doer, era um pedaço de vocês — ela sussurrou,

encostando a cabeça em minhas costas, deslizando as mãos por meus


cabelos para que eu me acalmasse.

Chorei um pouco mais quando mamãe falou que estava tudo bem

doer.
— Alice já sabe?

Assenti.

— Que bom, ela vai precisar da irmã.

Eu sabia daquilo.

Deixei o suspiro resignado sair dos meus lábios.

Meu Deus, que fosse a última provação.

Lilian não conseguiria lidar com mais um golpe sem desmoronar de

vez.

Assim que me recompus, mamãe avisou que pegaria Ravi e o

levaria para dormir com ela no nosso apartamento, o que me deixou mais

calmo porque assim nem o bebê e nem o Apolo ficariam sozinhos.

Retornei para o quarto, deitando-me na pequena poltrona que ficava


em um canto, vendo que Lilian não se movia, completamente dopada pelo

sedativo enquanto as enfermeiras iam e vinham para checar seu soro.

Adormeci por volta das três horas da manhã, quando a última

enfermeira passou pelo quarto e eu, finalmente, estava cansado demais para
resistir ao sono.

A última coisa que pensei ao dormir foi nele, no nosso bebê perdido
que nunca teria um rosto e em Lilian, em como eu queria pegar cada parte
do seu coração e colocar no lugar, beijar as partes rachadas e prometer que
nada nunca mais voltaria a quebrá-lo.

Só que não poderia fazer aquilo.


Acordei com a enfermeira das cinco horas da manhã trocando meu
soro. Caio estava adormecido na poltrona, dormindo de modo desajeitado e
parecia tão cansado que nem mesmo se moveu quando a mulher avisou que

voltaria mais tarde.

Encarei o acesso em meu pulso e suspirei baixo, encostando a

cabeça no travesseiro, pensando em tudo o que aconteceu no dia anterior e


em como encarar aquela nova realidade.

Eu perdi um filho...

Por mais que tentasse ver as coisas por uma ótica racional e

resolvida, doía pra caralho só de pensar.


Senti como se tivesse uma faca enfiada em meu peito e toda hora ela

rodasse, lembrando-me de que não havia como ficar sem a dor.

Encarei pensativa, o meu...

Namorado?

Não falamos nada além de uma série de sussurros assustados vindos

de mim.

Naquele momento, queria apenas me afastar pouco a pouco, saindo

da vida do Caio até que ele não se lembrasse que estive ali um dia.

Sabia que ele iria ser bem mais feliz sem mim.

Por que de que serve amar alguém se tudo que você causa é dor?

Primeiro Jorge e depois Caio.

Eu o perdi e depois perdi o que era para ser nosso.

Cobri o rosto com as mãos para impedir que continuasse a pensar,

mas as vozes na minha mente não se calavam.

Puxei o travesseiro do quarto, enfiando-o contra o rosto e deixei


novamente que as lágrimas voltassem, porque não conseguia segurá-las.

Estava triste, tão devastada quanto o dia em que caí no chão,


chorando e pedindo para que Jorge não me deixasse.

Queria pedir meu filho de volta.


Mas sabia que não havia como fazer aquilo.

Acordei novamente algumas horas mais tarde, com alguém batendo

à porta do quarto e levantei a cabeça, ouvindo a voz feminina autorizando a

pessoa a entrar.

Virei rapidamente, encontrando Aline Santiago arrumando um

arranjo de flores na mesa no canto próximo ao banheiro.

O local tinha mais alguns buquês, todas lindas tulipas brancas que

fez minha garganta se apertar.

Cresci com uma menina apaixonada por flores e já vi Alice tagarelar

sobre o significado de tantas, que tudo se enrolou em minha mente.

Mas nunca esqueceria o significado de uma tulipa branca.

Amor e esperança, reconciliação.

— Olá.

A voz de Pablo quebrou minha indignação ao ver mamãe ali e me

virei em direção a ele, observando o meu arqui-inimigo segurando um

buquê de rosas.

Brancas.

Meu Deus, todo mundo só sabia me mandar flores brancas?


— Fiquei sabendo que tinha alguém aqui que precisava falar um

instante.

Engoli em seco, passando os olhos pelo quarto à procura do Caio.

— Cadê o Caio? — indaguei.

Não me sentia confortável com mamãe ali, muito menos com Pablo.

— Ele foi à lanchonete pegar um café, estava quase dormindo em


pé, tadinho — mamãe explicou, fazendo-me desviar o olhar para Pablo. —

Vou dar dois minutinhos a vocês... — Olhou séria em direção a Pablo, que
encolheu os ombros.

Quando a porta se fechou, pude, finalmente, ficar calma.

— O que você quer? — perguntei para Pablo, puxando o lençol


mais contra mim.

— Me desculpar — ele falou, colocando as flores em cima da


mesinha de cabeceira. — Não sabia que estava grávida. Não deveria ter

irritado você e me sinto culpado, mesmo não fazendo ideia.

Baixei o olhar para o lençol.

Era estranho ver Pablo ali.

— Todos já sabem? — inquiri.

— Alguns. Pessoas que te conhecem e viram você chegar na noite


passada — explicou. — Sinto muito por seu bebê, Lili. Ele seria incrível.
— Seria, né? — Encarei o homem com os olhos cheios de lágrimas.

— Sim — Pablo afirmou, abrindo um sorriso.

Nós nos encaramos.

Pablo suspirou, e eu respirei fundo.

Não era culpa dele.

— Não tem que se desculpar — falei, puxando o fio solto do lençol.


— Não tinha como você saber de nada. E eu aprendi que culpar alguém não

vai fazer a dor sumir... — sussurrei, mais para mim do que para ele.

Pablo se foi tão rápido quanto chegou e senti minha cabeça tombar

para o lado, aspirando o cheiro de rosas que me fez revirar o estômago.

Fechei os olhos.

— Pode tirar as flores? — pedi para Caio, assim que a porta se abriu
novamente.

— Claro, querida — mamãe falou, apressando-se para pegar as


flores ao lado da minha cabeceira.

— Pode ir embora também? — pedi, chorosa. — E traz o Caio, por


favor. Eu o quero. — Estava agindo como uma criança mimada.

— Estou aqui.
A voz masculina me fez virar a cabeça em direção à entrada. Dei um
sorriso triste, mas estava feliz por ele não ter ido embora.

— Estou aqui, não precisa chorar — falou brincando, enquanto


caminhava em minha direção.

Ele se sentou ao meu lado, e me acalmei, segurando a camisa do

homem como se fosse fazer algo para me salvar.

— Eu sei que está brava com a sua mãe, mas ela só quer ajudar, Lili

— ele sussurrou, deslizando as mãos por meus cabelos, fazendo-me fechar


os olhos.

Não a queria ali.

— Eu não vou embora, Lili — mamãe falou, fazendo-me encará-la

com raiva. — Sei que está brava, que está doendo, mas eu não vou. Já me
afastei demais de você, esperando que a dor fosse embora. Ela não vai, Lili,
ela só fica menor com o tempo.

— Por favor, vá. — implorei por algo que não devia ser implorado.

— Eu sei que não fui uma boa mãe. — Ela se aproximou, ficando

próxima à cama. — Eu me afastei tanto de vocês a ponto de que, às vezes,


você nem sequer lembrava que tinha uma mãe.

Quis dizer que não tínhamos, mas sabia que aquilo era cruel.
Pensei no meu pequeno bebê e em como os papéis poderiam se
inverter tão rapidamente. Sempre fui a filha e, talvez, tivesse provado o um
por cento mais doloroso do que era ser mãe.

— Só que vou ficar, não adianta me mandar embora. Vou cuidar de


você mesmo que diga não. É só me dizer onde dói que vou achar um jeito,

meu amor — ela disse, deslizando os dedos por meus cabelos.

— Meu coração está doendo — sussurrei, desesperada, porque ela


não poderia curar algo que não poderia ser tocado.

Eu não sabia se foi uma boa ideia deixar Aline sozinha com Lilian,

principalmente, dado o histórico das duas.

Porém, quando saí, Lilian estava adormecida e deixei um bilhete

avisando que voltaria em breve, que só fui ver como Ravi estava.

As coisas dentro de mim estavam uma bagunça.

Assim que cheguei à minha casa, senti-me com vontade de correr de

volta para o hospital e me sentar lá até que ela estivesse bem.

Mas não era possível, pois tinha que ser um bom pai para Ravi.
E ser um bom pai quando você acabou de perder um filho era uma

coisa ruim. Só percebi aquilo quando meu filhinho sorriu para mim, no colo
da avó, cheio de expectativa.

Automaticamente, o comparei com o que seria se nosso bebê ainda

estivesse com a gente.

— Filho... — mamãe falou, parecendo saber o que se passava na

minha mente.

— Oi, mamãe — disse, sentando-me ao seu lado, deixando que Ravi

viesse para os meus braços.

Ele me observava, curioso, antes de finalmente se ajeitar em meu

colo.

— Como você está? — mamãe indagou, levantando-se e seguiu para

a cozinha.

— Bem. Cadê o Apolo? — questionei.

— Rafael e Heloísa, o levaram para passear com as crianças. Ele

estava bem agitado sem ver vocês por quase dois dias — respondeu,
servindo-me uma xícara de café assim que me aproximei. — Você está bem

mesmo ou só está fingindo? — ela perguntou, com uma sabedoria

inabalável. — Não precisa fingir comigo, querido.


Eu sabia que não, então bebi um gole de café e me joguei na

banqueta mais próxima.

— Estou sentindo um vazio tão grande. Eu nem imaginava a

existência dele, mesmo assim sinto uma dor tão grande — respondi,
desabafando de uma vez. — Só que não posso desmoronar agora, preciso

amparar a Lilian porque o coração dela é mais quebrado que o meu.

Ela assentiu com um sorriso de canto.

— Estou orgulhosa do homem que se tornou — afirmou com

sinceridade.

— Você me criou assim, não precisa parecer tão surpresa.

Mamãe sorriu.

— Mas estou. — Deu um beijo no topo da minha cabeça. — Ela vai

precisar muito de você.

— Eu sei.

E realmente sabia.

Ainda sentia meu coração ardendo por causa da conversa que tive

com mamãe sobre Lilian e o bebê, então quando entrei no quarto, não
esperava vê-la deitada no ombro da mãe, adormecida, enquanto Alice lia

um livro, sentada no sofá, alheia à situação.

Fingi tossir, atraindo a atenção da minha cunhada.

— Ei, sente-se aqui — falou, batendo no pequeno espaço ao seu

lado.

Eu me sentei, desconfortável, mas fiz.

— O que houve ali? — indaguei, apontando em direção às duas.

Alice sorriu.

— Elas estão se entendendo. — Balançou os ombros levemente.

Alice demorou algumas horas para saber do bebê e só chegou no


hospital depois que Aline já tinha se enfiado por ali.

— E você, como está? — Ela alisou as minhas costas.

Encolhi os ombros.

— Estou bem — menti novamente. — O médico já falou quando ela

vai ser liberada?

— Sim, ele falou que se tudo correr bem, no fim do dia ela já pode

ir para casa — Alice disse, e assenti, aguardando por aquilo.


Lilian ficou no hospital até o fim do dia e foi liberada pelo médico

depois de alguns exames, que sairiam o resultado em alguns dias.

Ela recebeu a recomendação de ficar de repouso, e qualquer coisa,

voltar ao hospital.

Lilian estava quieta. Não falava muita coisa e parecia estar em outro

mundo.

Nós dois saímos juntos do hospital, pois a mãe e a irmã dela já


haviam ido embora.

Liguei o som do carro, dirigindo a caminho do meu apartamento.

— Por que estou indo para o seu apartamento? — ela indagou,

confusa.

— Porque é o lugar onde consigo cuidar de você — falei o óbvio.

— Não preciso que cuide de mim — rebateu.

— Claro que não — respondi, sabendo que no momento, ela não

estava uma boa pessoa para lidar.

— Por favor, Caio, quero ir para casa.

Quis dizer que meu apartamento era nossa casa, que vinha sendo

assim havia dois meses...

— Só hoje, eu prometo. Amanhã levo você, ok? — falei


esperançoso de que aquilo a ajudasse a ver a razão.
Lilian suspirou, assentindo.

Assim que chegamos ao apartamento, encontramos apenas Apolo


esperando por nós.

Ela encarou o cachorro, fazendo carinho na cabeça dele enquanto eu

colocava as bolsas que levei para o hospital sobre o sofá.

— Cadê o Ravi? — indagou.

— Mamãe ficou com ele. Ela vai cuidar dele por uns dias —

expliquei, aproximando-me dela.

— Não vou chorar só por ver seu filho, Caio — falou, fazendo-me

suspirar.

De fato, aquilo era um receio.

Porém, por mais que não fosse algo que pudéssemos evitar para

sempre, queria deixar Lilian confortável nos primeiros dias.

— Sei que não — afirmei, abraçando-a por trás. — Mas pensei que
poderia cuidar melhor de nós dois, sozinhos. Eu e você. Depois Ravi vem e

aí vamos ficar bem, juntos — ressaltei a última palavra.

— Juntos? — perguntou, engolindo em seco.

Beijei sua têmpora.

— Juntos. Não acha mesmo que vou deixar você ir embora depois

de tudo.
Ela suspirou.

— Caio...

— Sei que está doendo, meu amor. Dói em mim.

— Não sei como consegue parecer bem — falou, magoada.

— Porque não quero desmoronar. Preciso segurar você — confessei.


— E apesar de doer como o inferno, sei que vamos ter outras

oportunidades. Um dia, vamos ter um segundo bebê e a dor ainda vai estar

aqui, porque perdê-lo abriu um buraco. Mas acho que fica mais suportável
com o tempo.

— Outro bebê? — sussurrou com medo.

— Sim.

— E se eu não puder ter um bebê?

Beijei sua bochecha.

— Aí vamos falar sobre nossas opções. Sempre teremos uma opção,


ou melhor, uma solução, Lili.

“A opção que não tínhamos era que você me afastasse.”

Ela se virou para mim, segurando meu rosto e depositou um beijo


rápido nos meus lábios.

— Você é perfeito, sabia?


Assenti.

— Você também é, amor — afirmei, sorrindo.

Quando ela correspondeu ao sorriso, me deixou ainda mais feliz.

As coisas não estavam perfeitas, mas sabia que ficariam melhor com
o tempo.
— Vou dormir no sofá hoje — Caio falou, com um monte de
travesseiros em suas mãos, no meu segundo dia pós-hospital, ainda em seu
apartamento.

Não estávamos nos falando direito e uma parte daquilo era culpa

minha.

A vida de Caio continuava porque ele não tinha um atestado falando

sobre a morte do filho, então ele ia para o hospital e ficava apenas meio

período. Durante a tarde, ele montava um escritório na nossa sala e ficava


ali até a hora de jantar.

Eu seguia no quarto.

No momento, era a única coisa que poderia fazer por nós dois.
Meu humor não estava dos melhores e quanto mais me forçava a ser

simpática, pior ficava.

Então, estava decidida a convencer Caio que era uma ideia melhor

ficar no meu apartamento, tomando um tempo para nós dois.

Eu odiava a ideia de dar um tempo.

Não se dava tempo para seus sentimentos, não mesmo.

E pela minha experiência em maratonas de Friends, um tempo em

um relacionamento era um tiro no pé.

— Não acho isso legal — falei, encarando os lençóis nas suas mãos.

— Isso, ou dormimos juntos — ele disse, fazendo-me arregalar os

olhos.

Não era uma coisa de outro mundo dormimos juntos.

— Eu...

— Eu sei que você quer espaço — Caio começou, frustrado. — Mas

não vou dar espaço o suficiente para você me colocar para fora, Lilian.

Encarei o homem com pesar.

— Eu quero espaço. Deveria estar na minha casa, ficamos uns dias


separados e assim que as coisas acalmarem, voltamos a nos falar — falei,

dando a ideia que me parecia mais promissora.


— Não. Ficamos juntos — ele resmungou, jogando os lençóis sobre
o sofá. — Ou terminamos. — Ele me encarou.

Não sabia como se terminava algo que nem havia iniciado.

— Você quer isso? — sussurrei, com medo da verdade.

— Você sabe que não, Lilian! Eu sou maluco por você. Estou

sugerindo coisas que você pode querer, mas você não sabe como é enfiar

uma faca no meu coração só de pensar em não ter você!

Encarei o homem com os olhos marejados, vendo-o suspirar,

descendo os ombros de forma desanimada.

— Desculpa, não chora, por favor — pediu, aproximando-se, e eu já

estava em seus braços em um abraço apertado.

— Não quero terminar — murmurei contra seu peito. — Só que


meu humor está péssimo e não quero ficar machucando você.

Era a verdade.

— Dói ver você chorar, então não faz isso sem motivo, por favor —

sussurrou contra meus cabelos.

Só que na mesma intensidade que não queria terminar, meus

pensamentos cheios de conflitos me convenciam de que era a melhor


solução.
Eles me sabotavam a todo instante, desde o café da manhã, ao

lembrar de tudo que perdi, até quando estava cansada demais para chorar e
acabava dormindo.

— Vamos dar um jeito — ele falou com convicção.

— Quero ir para casa, Caio — pedi novamente, e ele suspirou.

— Vou te levar para casa — ele falou já pegando a chave do carro.

Apolo observava a movimentação, já sabendo que quando Caio

pegava as chaves, era hora de dar uma voltinha.

Ele amava andar pelo bairro dentro do carro, deixando de lado as

saídas furtivas que tinha antes de ser definitivamente adotado.

— Caio... — falei.

Ele ficou tenso.

— Não quero que fique bravo.

— Eu não estou — disse, encarando-me. — Só frustrado. Não


bravo.

Suspirei.

— Perdão... — pedi, colocando os braços em torno dos ombros.

Ele sorriu, pegando meu casaco pendurado na entrada do


apartamento que já parecia nosso.
Falar que meu antigo apartamento era a minha casa parecia errado,

pois está foi minha casa por dois meses e nunca me senti menos do que
amada ali.

E, naquele momento, estava indo embora para longe das pessoas


que amava porque era fraca demais com os meus pensamentos.

Ele se aproximou, colocando o casaco em torno do meu corpo e me


ajudou a vestir.

— Me prometa que vai ligar — falou, sem me tocar mais do que o


necessário para colocar meus cabelos para fora do tecido.

— Prometo.

— Todos os dias. Mesmo que as coisas estejam boas ou que

aconteça algo. Principalmente, se acontecer algo — ressaltou a última parte,


e sorri.

— Prometo.

Caio me deixou em casa e eu não fiquei muito tempo com Carol e


Hannah, me escondendo no conforto do meu quarto antigo enquanto

encarava meu novo papel de parede no celular.

Tinha uma foto minha, de Caio e Ravi, da última semana quando

fomos a um parque próximo ao apartamento levar o Apolo para passear e


acabamos fazendo um piquenique.
Sorri, tirando o porta-retratos com a foto de Jorge da mesinha de
cabeceira, porque ele abria uma outra ferida que não queria nem sequer
tocar. Guardei o objeto dentro da gaveta, colocando o celular no lugar.

Ele não servia como porta-retratos, mas pelo menos era a única
coisa que me lembrava deles.

Senti saudade da cama de Caio no instante em que me deitei,


afundando a cabeça no travesseiro que tinha apenas o cheiro do meu
perfume e não do dele.

“Meu Deus, que decisão horrível tomei.”

Naquele momento, queria ser um pouco egoísta e ficar com ele.


Ignorar todas as coisas que poderia dar errado e que nos faria sofrer no
futuro.

Porém, não podia, o amava demais para continuar estragando sua


vida.

Caio tinha uma vida perfeita.

A família dele era tudo que um dia poderia querer e o emprego

estável.

Ele era esforçado e brilhante.

Tinha Ravi e sabia que nunca estaria sozinho.


E mesmo que Apolo fosse uma adição inusitada, ele ainda era
incrível.

Alguém deu duas batidinhas à porta e apenas sussurrei um entre


baixinho.

— Trouxe chocolate quente.

A voz de Carol me fez sorrir, e ela entrou, carregando uma bandeja

com duas xícaras de chocolate quente.

Nós nos falamos pouco desde que tudo aconteceu, conversamos por

telefone, porque não queria receber visitas.

Alice era a única que não respeitava a minha vontade e aparecia

sempre para ficar comigo.

Carol esteve no hospital, mas eu estava dormindo e só soube

daquele fato por Caio.

— O que você está pensando? — ela indagou incapaz de ficar muito


tempo calada, ao me ver beber o chocolate quente em silêncio.

— Na minha decisão estúpida de afastá-lo — falei, soltando um

gemido desesperado.

Carol riu baixinho.

— Foi mesmo estúpida.


— Estou com saudade e só tem quinze minutos! — exclamei,

vendo-a assentir, como se fosse uma coisa já prevista.

— Vá falar com ele.

Eu me afundei novamente contra as almofadas.

— Só que não posso — sussurrei, com medo do que poderia


acontecer caso eu fosse realmente feliz em tudo.

Lilian fechou a porta do quarto, deixando-me sozinho com a amiga

e a pequena Hannah.

— Aqui — Carol falou com uma chave nas mãos enquanto eu saía
do apartamento delas. — Sei que ela está te afastando, é mecanismo de

defesa. Fez isso com todos quando tudo aconteceu e se você não for

persistente, ela não vai baixar a guarda.

Suspirei, pois sabia daquilo.

— Para que preciso de uma chave? — perguntei, aceitando.

— Para entrar quando quiser. Lilian precisa de você. Eu arriscaria

dizer que estão apaixonados, mas não posso falar por ela. — Encolheu os
ombros, deixando-me sozinho para impedir que Hannah subisse na beirada

do sofá.

Fiquei encarando o gesto com gratidão.

Não queria que Lilian me afastasse.

Sabia que poderia ficar com ela e dar espaço para que absorvesse

tudo que vinha acontecendo.

Parecia mais fácil para mim, sobreviver àquilo.

Porém, não era e ainda doía.

Talvez, fosse doer por muito tempo, só que as minhas feridas eram

mais fáceis de curar.

Lilian tinha menos resistência à dor e, infelizmente, eu precisava


aceitar aquilo.

— Então, ela te mandou embora — Leon falou, enquanto bebíamos

nossas cervejas, caminhando lado a lado pela quadra que ligava meu
apartamento ao bar.

Leon foi para minha casa, mas Apolo estava muito agitado quando

ele chegou, por isso acabei pegando duas cervejas e falei ao meu amigo que
iríamos caminhar um pouco.
Ele aceitou sem falar nada, abrindo a garrafa e me ouvindo

desabafar sobre tudo.

— Sim, mas eu entendo, Lilian está fazendo tudo para se manter de

pé e precisa lidar com muita dor — falei, bebendo um gole.

— Sim, perder um bebê não é fácil — ele sussurrou.

Eu sabia o histórico de Leon e Gabriela.

Não sabia exatamente quantos bebês eles perderam até decidirem

optar pela adoção de Aurora e depois que aquilo foi efetivado, o milagre

ocorreu. Gabriela, finalmente, ficou grávida de Ian e com muito cuidado


com a gravidez, conseguiu sustentá-la até o final.

— Eu não senti nem metade do que Gabriela sentiu quando perdeu

os bebês — falou, com pesar. — Naquela época, eu sofria por vê-la

sofrendo, não por causa dos bebês. Porém, sempre que pensava na família
que teríamos se eles estivessem aqui, partia meu coração.

Suspirei, sentando-me no banco da praça para que Apolo

descansasse, pois ele começou a ofegar.

— Lilian tem um histórico ainda maior. Ela perdeu o noivo e nem


quero imaginar onde está doendo — comentei, sentindo-me estúpido.

— Não quero pensar em como dói em você também — Leon falou.

— Eu sou forte — afirmei, mentindo.


Eu não era forte.

Se me desse uma chance para desmoronar, seria difícil me levantar.

Cheguei ao apartamento de Lilian por volta da uma hora da manhã e

entrei em silêncio, pisando na ponta dos pés até que alcancei seu quarto.

A porta entreaberta dava a visão dela dormindo na cama, abraçada a

um travesseiro, alheia à minha invasão.

Sorri de canto, se aquilo fosse um filme, com certeza eu seria um

maluco obsessivo.

Próximo à cama, tirei as pantufas que ela usava, certificando de que

estava bem coberta. Acabei colocando uma meia que achei em seu closet
nos seus pés, porque ambos estavam frios.

Eu me sentei na poltrona no canto do quarto, próximo à sua

penteadeira, prometendo a mim mesmo que iria acordar em algumas horas


para sair antes que ela acordasse e notasse que passei a noite ali.
Eu me assustei quando a porta fez barulho e olhei ao redor,

procurando por ele enquanto bocejava, completamente desorientada.

Caio estava sentado na poltrona no canto do quarto quando acordei,

algumas horas antes, mas naquele momento estava vazia.

Encarei os pés, lembrando-me de que dormi com as pantufas rosas

que estavam jogadas ao lado da cama e acordei com meias grossas por
causa do frio.

Suspirei, tornando a me deitar.

Ele foi embora.

Era seis horas da manhã e eu estava sozinha novamente.

Dormir sabendo que Caio estava ali perto me trouxe uma paz não

esperada.

Porém, me deu pena ver o homem todo torto na cadeira, fazendo-me


rir baixinho da sua teimosia.

Eu me sentei na cama, incapaz de voltar a dormir e encarei o teto do

quarto, pensando no quão bagunçado estavam meus sentimentos.

Peguei o pequeno bloco de notas que usava como diário várias e


várias vezes, quando os pensamentos não me deixavam dormir.

Foi uma recomendação da minha psicóloga, dizendo que poderia

colocar em palavras coisas que não conseguia dizer em voz alta.


“Querido Jorge,

Tenho um pedido de desculpas a te fazer.

Aconteceu o inesperado...

Eu me apaixonei novamente.”

Revirei os olhos para meu drama.

Em minha defesa, compus músicas boas na minha adolescência e

era um pouco comum já puxar a veia dramática em cada linha dos meus

desabafos.

Ali tinham cartas para minha mãe com cada sentimento ruim sobre

ela que tive nos últimos meses. Tinha as da Alice, onde lembrava da nossa

infância e falava o quanto era grata por tê-la em minha vida.

A única carta de Alice que queimei foi quando eu disse que às vezes
não queria ter sido uma irmã mais velha, porque era um fardo pesado

demais para se carregar.

Eu me arrependi no mesmo instante daquelas palavras e as queimei.

Alice era uma das melhores coisas que já me aconteceu e nunca me


arrependeria do que abri mão por ela.

E antes que me impedisse, já estava em outra folha, escrevendo uma


carta que nunca seria recebida, como todas as que escrevi para Jorge.
“Olá, querido.

É a sua mãe.

Você não deve me conhecer.

Ficou pouco tempo por aqui, uma injustiça, né?

Acho que de todas as coisas, não ter você é a que mais dói.

Sempre acordo na parte do sonho onde veria seu rosto. Eu sinto


cada uma das sensações, mas nunca sei qual é seu rosto, se seria um

menino ou menina.

E isso me consola um pouco.

Se eu soubesse as respostas, não deixaria de pensar em todas as


grandes coisas que poderíamos ter feito juntos.

Talvez seja melhor assim.

Só que dói tanto que não sei mais como fazer parar.

Eu amo tanto a ideia de ter você que me recuso pensar que sempre
será apenas isso, um sonho.

Você foi a maior benção sobre mim e o perdi.

Sempre sua mãe, meu pequeno arco-íris.”

Fechei o caderno, buscando respirar fundo antes de deixar que as

lágrimas inundassem meu rosto novamente.


Era a última vez, prometi que seria a última vez que desmoronava.
O caminho de pedras entre os túmulos me levava diretamente ao

lugar que evitei por meses.

Ali onde Jorge estava enterrado era junto a outros membros da


família do meu falecido noivo e de longe conseguia ver as pequenas fotos
preto e branco, in memoriam, que mostravam cada pessoa que descansava

ali.

Parei em frente ao túmulo, olhando as flores murchas com pesar.

Sabia que a família de Jorge vinha ali algumas vezes, mas pelo visto

fazia bastante tempo desde que alguém esteve por ali.

— Olá, querido — falei, sentando-me na beirada do túmulo.


Eu me inclinei para tirar as flores mortas antes de posicionar as

tulipas brancas, iguais às que recebi no hospital havia alguns dias.

— Trouxe flores e uma carta, mas sei que você preferia flores a

qualquer coisa que o faça ficar lendo por muito tempo... — Não evitei a
risada, alisando a calça jeans para tirar a sujeira que ficou. — Não venho

aqui há muito tempo e confesso que não gosto deste lugar — disse, olhando

ao redor. — Só que preciso me despedir. Passei por muita coisa desde que
você se foi, Jorge. Parece loucura precisar vir a um cemitério para falar com

você, mas gosto de simbolismo. — Sorri, colocando a carta aberta sobre o

túmulo. — Queria dividir com você algumas coisas, querido.

Suspirei, encarando as palavras que escrevi havia uma semana, na


madrugada, quando acordei com Caio saindo do meu quarto, recusando-se a

me deixar sozinha em meio ao meu caos.

— Escrevi tudo que penso, sinto e preciso colocar para fora, porque

você era meu melhor amigo. — Abaixei a cabeça, precisando limpar o


canto dos olhos. — Eu tenho um pedido de desculpas. Aconteceu o

inesperado.... Eu me apaixonei novamente.

“Não sou uma pessoa muito fácil de se apaixonar, você sabe disso.

“Eu sempre tive medo do amor, porque é o momento em que você


abaixa todas as armas para se entregar à outra pessoa.
“Muitas coisas seguiram desde o momento em que o vi.

“Você ficaria orgulhoso da minha escolha, já que parecia apenas

uma brisa de verão mandando embora o frio do inverno.

“Eu sofri por meses até ter alguém que entendia que um coração não

devia ser partido nunca.

“Eu menti sobre muitas coisas, disse que era noiva falsa dele em um

evento importante e fiquei envolvida até o pescoço com esta mentira.

“Meu Deus, você me mataria.

“Você era tão certinho...

“E aí, foi o fim de todo o inverno.

“Eu odeio o verão e não sei o motivo de comparar o sentimento

atual com o verão.

“Porém, sinto que devo.

“Caio trouxe tudo.

“Ele me faz rir, é a pessoa mais divertida da minha vida.

“Ele foi adotado por um cachorro e só Deus sabe como animais são

um bom medidor de caráter...

“Ele também odeia que eu chore, mesmo que seja por coisas que

não podemos controlar.


“Sim, ele é irmão de Henrique e acho estranho que em meio a todo

caos, nunca tenhamos nos encontrado.

“Tirando o dia em que ele deu em cima de mim, em uma festa, mas

nós dois fingimos que aquilo não aconteceu.

“Ele me deu flores e me levou para jantar para comemorar uma


coisa que não deveria ser comemorada.

“Ficou mesmo eu pedindo que fosse embora, porque sabia que me


sentiria sozinha.

“Ele fica todas as noites.

“Eu fico bem quietinha, fingindo dormir, porque não quero mandá-
lo embora, nem quero parecer fraca por não conseguir lidar com a dor de

perder tudo.

“Ele coloca post-it nos meus livros perdidos pelo apartamento e sei
que marca só as cenas mais calientes porque gosta de me irritar.

“Eu o amo muito.

“Tanto ou mais quanto amei você.

“Não sei medir isso.

“São sentimentos diferentes.

“Você foi meu primeiro amor e eu daria minha vida por você.
“Só que Caio curou meu coração e quero apenas passar o resto dos

meus dias com ele.

“Não quero perder nada que possamos viver.

“Quero planejar um casamento novo, chorar de ansiedade.

“Criar o pequeno Ravi com ele, ter todos os bebês que possamos ter

e amá-los tanto para que a dor do bebê que perdemos se torne apenas uma
lembrança no passado.”

Cobri o rosto com as mãos, precisando chorar.

“Meu Deus, eu preciso parar.”

— Tem muitas coisas que poderia falar dele, da mesma forma que
escrevi inúmeras cartas que você nunca irá ler.

“Acho que Caio merecia uma falando apenas do quanto ele é


incrível. Comigo, com o filho, com o bebê que não conhecemos, com a
família dele.

“Ele merece saber.

“Só que não tenho coragem.

“Me falta coragem para lutar por nós dois.

“Só de pensar que posso sangrar novamente por amor, me apavora.

“E só queria não sentir isso...”


Lilian entrou pelo apartamento algumas horas depois da minha

chegada.

Hannah estava sentada no chão da sala de estar, assistindo Monstros


S.A. na televisão, enquanto estava concentrado na leitura do livro que

estava entre meus dedos, não levantando a cabeça para encarar a mulher.

“Não quero saber o que ela foi fazer, nem como está.”

Tudo bem, confesso, eu queria, mas estava fingindo que não.

— Ele ainda tem um apartamento? — Lilian indagou para a amiga


que riu.

— Acho que tem. Ele disse que gosta do seu cantinho de leitura —

Carol respondeu.

Vi Lilian se aproximando, enquanto passava a página do livro “A

sedução de Francesco”, que estava abandonado sobre a mesa no canto do


apartamento, ao lado da estante.

— Me dê isso aqui! — Lilian exclamou, tentando tirar o livro das


minhas mãos, mas virei antes, deixando que ela pegasse o ar.
Eu apenas me levantei, saindo do apartamento antes que ela tirasse o
livro das minhas mãos, pois estava em uma cena sexo interessantíssima
envolvendo coisas amarrando as mãos, baixaria de qualidade.

A gargalhada de Carol veio acompanhada do grito de Lilian para


que eu devolvesse o livro dela.

Porém, a mulher não me seguiu para fora do apartamento e bateu a

porta com força enquanto eu marcava a página com um post-it vermelho e


entrava no elevador em seguida.

Precisava ir à empresa resolver uns assuntos com Leon e em seguida

iria para casa ficar com Ravi e Apolo, já que o turno da Mônica acabaria em
breve.

Sem Lilian lá, eu precisava deixar Ravi com a mulher de uma forma

ou de outra, e durante as aulas, ele ficava na casa da minha mãe.

Tive que contar da faculdade para mamãe, porque não tinha como
pedir que cuidasse do meu filho sem explicar os motivos para a tal

necessidade.

— Enviei um buquê de flores para ela, Ravi — falei para meu filho,

enquanto caminhávamos pelo parque, com Apolo trotando mais adiante,

usando uma guia bem maior que se expandia conforme ele desbrava o local.
— Eu a deixei irritada porque roubei o livro, mas aí comprei flores e pedi

desculpas. Acha que ela vai me perdoar?

Ele sorriu quando me ouviu falando, dentro do carrinho de bebê.

Meu filho era a coisa mais linda do mundo e a cada dia que passava

estava mais inteligente.

E eu me apaixonava por cada momento ao seu lado.

Sabrina iria amar acompanhar tudo aquilo.

— Hoje é dia de visitar a mamãe, hein? — falei, limpando sua

boquinha para que ele não ficasse sujo de baba. — Sim, prometo que
quando puder decidir, levo você nas visitas, mas até lá você fica com a vovó

e ela vai mostrar a você todos os doces que ela conhece, mesmo você não

podendo comer nenhum deles.

Eu me sentei na beirada do túmulo de Sabrina, suspirando.

Tinha alguns dias desde que a visitei pela última vez.

— Como você está hoje, Bolinho? — indaguei, mesmo sabendo que


ela não iria me responder.

Sabrina não foi enterrada no túmulo da família, mas ela tinha um

local bom e bem cuidado para ela.


As flores estavam frescas e sempre seriam repostas.

— Eu fui ver a Lilian, depois vi o Leon, em seguida levei Ravi e o

Apolo ao parque. Apolo quase derrubou uma senhora, você precisava ver...

Ravi sorriu de tudo que eu disse, acho que ele me vê como um piadista.

Suspirei.

Contar para Sabrina sobre meus dias estava sendo bom, era como

colocar para fora coisas que eu queria compartilhar com ela, mas nunca fiz.

As poucas pessoas no cemitério passavam pelo corredor, mas nem


sequer paravam para me ver conversando sozinho.

Acredito que aquilo fosse uma coisa normal por ali.

Quando você tem muita saudade de alguém que já se foi, qualquer


forma de se conectar com ela é válida.

— Eu ainda penso no bebê — falei, engolindo em seco. — Tem

quase um mês desde que Lilian o perdeu e sinto saudade dela,

principalmente, dela... Dos dias em que ela se enrolava em mim e da forma


que nada parecia me abalar.

Fechei os olhos, sentindo-os marejar.

— Fico pensando em como seria a gravidez, caso ela estivesse aqui.

Já me autodenominei capacho, porque com certeza estaria lambendo o chão


que ela pisasse... — Ri de mim mesmo, incapaz de fazer piada com aquilo.
“Meu Deus, Lilian, quanto falta você faz.”

Por que você simplesmente não via que dói demais quando estamos
separados?

— Para Lilian — Alice leu em voz alta o cartão que estava no buquê

de flores vermelhas.

Franzi o cenho, vendo minha irmã mais nova estender o buquê e o


cartão em minha direção.

Não era um cartão pequeno como o padrão que se costumava enviar,

então enquanto cheirava as flores vermelhas, sentada no sofá da minha sala


de estar, pensava em Caio e não no motivo dele me mandar um cartão.

“Querida, Megera,

Me desculpe por roubar seu livro, mas estava muito interessante.

Francesco é meio filho da puta com a pobre esposa e confesso que


fiquei indignado.

Porém, há coisas muito interessantes nesta baixaria poética.


Tirei até uma cópia da cena que acredito que possamos copiar um

dia.

O homem da copiadora me olhou como se eu fosse um maluco

quando eu fui pedir a cópia.

Cada coisa...

Te amo.

Amo todos os momentos que passamos juntos.

Até mesmo os que chorei em silêncio para que você não chorasse
junto.

Sempre seu,

Caio Montenegro.”

Alice estava com a cabeça encostada em meu ombro enquanto eu


chorava, porque mesmo que fosse o cartão mais divertido e romântico que

já recebi na vida, ele ainda era tão doloroso que me fez soluçar.

— Por favor, volta para ele — ela pediu, abraçando-me.

— Eu não consigo — sussurrei, apertando o buquê de flores contra

meu corpo.

— Consegue sim.

— E se doer? — indaguei, com medo.


— Vocês fazem parar de doer. É vocês, Lili. Eu te vi amar Jorge e eu

vi você se apaixonar pelo Caio. — Ela alisou meus cabelos, abraçando-me


por trás, parecendo um urso. — E não há nada mais bonito do que vocês

dois completamente apaixonados...

Sim, não havia.

Nós dois apaixonados era a coisa mais linda que eu já vivi.

“Meus pés me travaram no instante em que vi Caio e Ravi entrando

no prédio do apartamento dele.

Ele segurava o filho contra o corpo, falando algo com o cachorro,

parecendo dar comandos certos para que Apolo entrasse no elevador e não

saísse correndo pelo hall de entrada.

Eles estavam felizes.

“Eles não precisam de você”, minha mente ardilosa me fez voltar.”

Dois dias depois, pensando na minha atitude, encarei o livro deixado

na mesa do consultório.

O sorriso traiçoeiro ameaçou surgir e me peguei rindo do bilhete


deixado.

“A cena +18 da página 114, Lilian, preciso de você para ele.”


A gargalhada veio a seguir.

“Mas caso queira mais romance, leia a declaração da página

233.

Te amo, Lili, mais do que qualquer coisa no mundo.”

Neguei com a cabeça, sentando-me na minha cadeira para

tomar os quinze minutinhos até iniciar os atendimentos, e deslizei

diretamente para a página 233, pois precisava de um pouco de romance.


Coloquei o livro de lado, balançando a cabeça para disfarçar a névoa
de informações sobre o romance viciante que comprei na livraria no dia
anterior, ao procurar por um livro para deixar na mesa de Lilian.

Ela havia entrado na onda e deixado um sobre a minha mesa,

marcando os trechos em que, segundo ela, parecia comigo.

Eu li o livro em uma noite, porque entre dormir e acordar para dar

de mamar para Ravi, acabei passando bastante tempo acordado e perdi o

sono.

O livro foi muito bom e me senti próximo a ela, mesmo que, ao

mesmo tempo, houvesse quase um mês e meio separando nós dois.


Não conseguia ir mais todas as noites no apartamento de Lilian,

porque, infelizmente, não queria sobrecarregar mamãe deixando Ravi


muitos dias com ela.

Porém, a dona Josiane ficava com meu filho duas vezes por semana
porque sabia que eu gostava de dormir no apartamento da mulher que

possuía todo meu coração.

Era um impasse onde nenhum dos dois dava o primeiro passo.

Eu a queria, mas não invadiria seu espaço. Daria minha vida por ela,

mas sabia que Lilian era quem deveria vir até mim.

Saí do trabalho antes do fim do turno, quase duas e meia da tarde,

pois era dia de consulta de Ravi, acompanhamento com Gabriela, que

também era pediatra.

Quem estava fazendo o acompanhamento do meu filho era Lilian,


mas depois de tudo, achei melhor deixar aquilo em pausa.

Sem falar que Gabriela era uma ótima profissional.

Eu sabia que crianças lembravam o nosso bebê, mas também sabia

que Lilian estava atendendo desde que voltou a trabalhar com o fim do

atestado, seguindo sua vida normalmente.

Ver Lilian voltar à sua rotina me deixou orgulhoso, pois significava

que aquilo a destruiu, mas que ela não se deixou cair no fundo do poço.
Eu a observei atendendo uma criança de longe, pelo vidro do setor e
vi quando ela riu do que a menina falou, alisando os cachinhos da criança

assim que terminou o curativo.

Minha menina estava linda.

O mesmo sorriso que escondia tantas marcas.

Sabia que se a abraçasse e afundasse o rosto em seus cabelos, ela

teria o mesmo cheiro.

— Por que não vai até lá?

A voz masculina me fez virar, encontrando Pablo ali.

Cruzei os braços, sentindo-me na defensiva.

— Não é uma coisa que quero dividir com você — falei com

sinceridade.

As brigas de Pablo e Lilian pararam, e sabia que o homem não fazia

mais parte do quadro de funcionários do hospital porque se demitiu para

poupar a escolha do conselho.

— Ok, mas sabe que ela sente sua falta — ele falou, fazendo-me

baixar o olhar. — Lilian não gosta de falar comigo porque ela diz que sou

uma cobra. Mas ela fica procurando você com o olhar, ri dos post-it que
você deixa nos livros e os cola num quadro na sala dela. Vocês não

deveriam estar separados e sabem disso.


Eu sabia daquilo.

Só que não poderia ser eu a ceder.

Eu só precisava de uma prova que ela lutaria por nós.

Parecendo ouvir que Pablo falava dela, ela se virou, encarando-me


por cima dos ombros, e abri um sorriso, piscando.

Lilian sorriu de volta, fazendo meu coração se aliviar conforme o


sorriso se abria.

Mas eu fui embora, pois tinha hora de chegar no consultório de


Gabriela.

— Este príncipe está ótimo — Gabriela falou, colocando meu filho


sobre a cama pequena no canto do consultório. — Pelo visto, o papai está se

saindo muito bem sem sua mamãe, hein?

— Sabrina ficaria orgulhosa de mim — falei, sorrindo.

— Não falo desta mamãe — Gabriela disse, olhando-me por cima


dos ombros e franzi o cenho. — Ele tem duas mães, sabe disso, né? Já

aceitou?

Fiquei confuso por alguns minutos.


— Lilian e Sabrina — ela esclareceu. — Ele sempre as terá. Precisa

saber que quando estiverem juntos, uma hora você vai ver uma mamãe
pular da boca do seu filho e será dirigido a Lilian.

Eu fiquei em choque, afinal nunca tinha pensado sobre aquilo.

Estive tão focado em sobreviver à paternidade que nem pensei no

que a presença da Lilian estava causando em nós. Causava tanto, que nem
tivemos coragem de comemorar o quarto mês de vida de Ravi, porque
simplesmente não queria ter fotos de memórias onde ela não estava.

— Se ela se importa, ela ficaria realmente orgulhosa — falei com


pesar, pensando que em nenhum dos dias ela cedeu, nem por mim, muito

menos por Ravi.

Doía muito pensar naquilo.

— Não fale assim — ela pediu. — Você sabe que ela se importa
muito.

Fechei os olhos, não querendo falar sobre aquilo.

E assim que a consulta terminou, me despedi de Gabriela, entrando

no carro com Ravi.

Estava na hora de ir para casa, finalmente descansar e quem sabe

comemorar os bons resultados com uma pizza e uma mamadeira.


— O que você acha, Ravi? Uma mamadeirinha para você e uma
cervejinha para o papai? — indaguei, dando partida no carro.

Estávamos próximos de casa e assim que entrei no meu bairro,


pensei na caminhada da noite de Apolo, fazendo-me suspirar. Por mais
cansado que estivesse, ele nunca ficava sem sua caminhada.

Assim que cheguei, acomodei Ravi no carrinho e peguei a guia do


cachorro animado que corria pelo apartamento com o urso mutilado na
boca.

Ele vivia ligado em uma eterna tomada de duzentos e vinte volts.

— Vamos lá, minhas crias — falei para ambos, saindo do prédio.

Ravi estava quase dormindo com o balançar do carrinho, enquanto

Apolo trotava, animado, perseguindo uma borboleta amarela, como se a


pobre bichinha fosse muito apetitosa.

— Não coma a borboleta, filho. Ela tem a vida toda pela frente.

Só me dei conta que falei com o cão como se estivesse falando com
Ravi, minutos depois e aquilo me fez rir.

Lilian sempre dizia que não adotei o Apolo, que ele havia me
adotado, porque nosso relacionamento só funcionou por pura insistência

dele em aparecer no meu prédio por dias e dias seguidos.


Empurrei o carrinho de Ravi mais rápido ao passar pelo sinal de
pedestre que ligava as duas ruas, quando Apolo puxou a guia e me
atrapalhei, soltando o carrinho um pouco para me posicionar direito.

Foi questão de segundos.

Faltando meio metro para alcançar a calçada, um carro ultrapassou o

sinal fechado, batendo com a lateral no meu corpo e só vi quando minhas

mãos terminaram de empurrar o carrinho de Ravi para o meio fio, antes de


rolar no chão, sentindo minhas costelas doerem com o impacto.

Parei no meio do corredor, vendo duas caixas colocadas na frente da

porta de Pablo, me fazendo franzir o cenho enquanto me aproximava da


sala que não tinha mais a placa com o nome do homem.

— O que você está fazendo? — indaguei, vendo-o colocar os livros

da prateleira no canto do consultório dentro de uma caixa.

O médico suspirou, tirando os cabelos da frente do rosto.

— Me mudando — falou como se fosse a coisa mais simples do

mundo.
— Por quê? Foi demitido? — brinquei, rindo. — Ou ganhou um

hospital todo para você?

Ele riu.

— Pedi demissão — respondeu simples.

Eu o encarei, em choque.

— Por quê? — praticamente gritei, pois estava realmente sem


acreditar.

Não havia ninguém naquele hospital que amava mais o seu trabalho

que ele, mesmo que demonstrasse aquilo de uma forma atípica.

— Assumindo as consequências dos meus atos — disse, fazendo-me

franzir o cenho. — O conselho só ia deixar um pediatra e como tentei tirar

você, não achei justo ser eu, então acabei me demitindo. Já tenho uma

proposta de emprego, caso fique preocupada comigo... — falou a última


frase com tom de ironia, mas eu estava realmente preocupada.

Iria continuar a conversa, mas não tive tempo para responder,

porque meu telefone tocou dentro do bolso do jaleco e peguei rapidamente,


vendo o número da recepção do hospital na tela.

Não era uma emergência ou algo relacionado ao meu plantão,

porque se fosse seria avisada pelo bip.

— Oi.
— O senhor Caio deu entrada com o filho na emergência. Parece

que ele se envolveu em um acidente.

A voz da doutora Carla me deixou tensa e só soube correr porta

afora, sem responder aos questionamentos de Pablo, passando por todas as


pessoas que estavam no meu caminho feito um furacão.

Meu coração batia feito louco.

E assim que entrei no setor da emergência, onde eram feitos os


primeiros atendimentos, minhas mãos falharam e senti o celular cair no

chão.

Caio estava sentado na maca, com o braço imobilizado, sendo feito

um curativo na testa.

Seus olhos se encontraram com os meus, e eu corri, tão desesperada

com a ideia dele estar machucado, que o enfermeiro saiu do meio, me

deixando apenas parar na frente do homem que amava e que me assustava

muito a ideia de perdê-lo.

Eu o abracei.

Fiz a única coisa que conseguia fazer, passei o braço em torno dos

seus ombros e o puxei para um abraço, afundando a cabeça em seu peito,


sentindo as lágrimas de alívio começarem a cair.
— Ei, está tudo bem — ele sussurrou, passando a mão em meus

cabelos. — Estou bem, amor, fica calma.

A voz dele me acalmava, mas meu coração ainda estava agitado.

— Cadê o Ravi? O que houve com ele? — indaguei, assustada.

Meu Deus, precisava de respostas.


Abri os olhos, aliviada, quando senti minhas mãos procurarem as de

Caio e o encontrei me segurando.

Ele estava me abraçando mais tempo do que seria considerado


normal e não queria soltá-lo.

— Ravi está bem, foi só um susto. Um homem atravessou o sinal de

pedestre e me jogou longe — ele explicou, beijando minha bochecha. —


Mas já estamos bem, viu? Ele está com a mamãe no momento.

Respirei aliviada, dando um passo atrás para encarar seu rosto.

Ele tinha um arranhão com curativo em cima no canto da testa, bem


próximo aos cabelos e deslizei o indicador por ali, colocando os fios para
trás.

Não evitei sorrir, pensando em tudo o que passou na minha cabeça

no instante em que eu recebi a ligação da recepção.

Parecia um filme, uma sequência maldita que não conseguia parar

de ver.

Eu tinha muito medo de perder o Caio, da mesma forma que perdi o

Jorge.

Só que tinha mais medo ainda de perdê-lo sem conseguir dizer a ele

que o amava tanto.

— Eu amo você.

Ele congelou diante do meu toque, encarando-me como se fosse a

coisa mais terrível do mundo me ouvir falar.

— Me deu um medo horrendo esta ligação e tenho muito medo do


que a vulnerabilidade do amor causa, mas tenho mais medo ainda de não ter

você, Caio.

Ele deu uma risada sem graça.

— Não precisa falar que me ama apenas porque quase morri.

Dei um tapinha no seu ombro, sentindo seus dedos passarem na

minha bochecha, limpando as lágrimas que caíam.

— Não brinca com isso, por favor — implorei.


— Não chora, por favor — ele rebateu, fazendo-me inclinar a
cabeça para trás, frustrada com aquele homem.

— Não disse que te amo por nada disso — afirmei, segurando seu
rosto, encostando minha testa na sua. — Disse porque é verdade. Eu sou

completamente louca por você. Se eu soubesse que o final seria com você,

enfrentaria as dores novamente. Você curou uma coisa que nunca pensei

que poderia ser curada, meu coração. E não quero machucar o seu, porque

dói demais fazê-lo sofrer...

— Lili... — sussurrou com tom de súplica.

— Estou pronta — falei, encarando seus olhos. — Para tudo que

podemos viver juntos. Nossa casa, nosso Ravi, nosso futuro. Não me

importo com minhas dores do passado, nem com tudo que pode acontecer.

Eu sou corajosa.

— Eu sei que é — ele afirmou com as mãos deslizando por meus

cabelos. — Não tem um dia que tenha duvidado da sua coragem,

Megerinha.

Dei uma risada, encostando minha boca na sua, acabando com a

distância que nos cercava. Puxei uma respiração lenta enquanto os lábios de

Caio deslizavam sobre os meus, deixando-me completamente embriagada

de desejo, amor e saudade.


— Senti sua falta — ele murmurou contra minha bochecha.

— E eu senti a sua — comentei, encarando-o.

Ele não disse que me amava, mas não precisava.

Não naquele momento.

— Eu amo você, amor. Quando te vi a primeira vez foi no

casamento da sua irmã e você estava tão linda que acho que me apaixonei
um pouco apenas por olhá-la. — Deslizou os dedos por meus cabelos,

mantendo-me próximo a ele, mesmo que não possa me abraçar por causa do
braço. — Eu disse a Sabrina que um dia me casaria com você e, talvez,
tenha razão, porque, no fim, quero mesmo me casar com você, Lilian

Santiago.

Dei o sorriso mais idiota e apaixonado que consegui, porque era


assim que eu me sentia.

Idiota, boba e completamente apaixonada por aquele homem.

— Vai se casar comigo um dia? — ele indagou, segurando minha


cintura com apenas uma mão.

Fingi pensar.

— Hum...

— Lili! — ele exclamou, irritado como uma criança que queria um


novo presente e gargalhei.
— Eu me caso com você amanhã mesmo. — Segurei seu rosto e

depositei um beijo em seus lábios.

O enfermeiro se aproximou e me afastei, vendo Josiane sentada na

sala de espera do outro lado, segurando o pequeno Ravi nos braços, como
se o menino pudesse quebrar a qualquer momento.

Eu me aproximei deles, um passo curto atrás do outro, pois estava


com medo dos meus sentimentos quando olhasse para Ravi.

Não queria sentir inveja ou dor.

Eu queria apenas o pegar em meu braço e dizer que ainda o amava,

da mesma forma que o amei desde que o vi na maternidade, no pior dia da


vida do pai dele.

— Josi... — sussurrei, e ela virou a cabeça em minha direção.

— Lili, querida, sente-se. — Ela apontou para cadeira ao seu lado e


me sentei ali. — Ficou sabendo, hein? Espero que não tenha se assustado

muito.

Neguei com a cabeça, não querendo dizer que meu coração quase

saiu do peito.

Ravi me olhou, com os olhos castanhos arregalados, atentos a cada

movimento meu e aquilo fez meu coração se amolecer.

Eu sorri, esticando as mãos para o menino.


— Vem cá, Ravizinho — chamei.

Antes que pudesse me arrepender, ele se jogou nos meus braços,

como se fosse a coisa mais normal do mundo e aquilo fez meu coração
dolorido por dias finalmente sorrir.

Caio tinha razão quando falou que iria ficar tudo bem.

Josiane não deixou Caio sair do hospital e até mesmo brigou com o
médico de plantão para deixar o filho internado, mesmo sob os protestos do

profissional dizendo que tinha anos na área e que um paciente naquele


estado não precisava ficar internado.

Ela afirmou que o filho precisava de observação e que ele iria ter
observação.

Eu assisti a tudo de longe, sorrindo da situação cada vez que Caio


revirava os olhos para o drama da mãe.

Acabou que ela venceu.

Caio ficou tomando soro e analgésico por causa das dores no corpo,

adormecendo minutos depois de reclamar do drama da dona Josiane


Montenegro.
Eu seguia na pequena sala de espera, observando Ravi adormecido
no carrinho de bebê.

Josiane me fez prometer que iria para casa com o menino, mas não
queria sair de perto de Caio e dali era só virar a cabeça e vê-lo deitado.

— Seu pai tinha razão — falei, tocando os pezinhos cobertos por

uma meia fina.

A sala de espera daquela ala estava vazia e graças a Deus ninguém


podia me ver conversando com um bebê de quatro meses.

— Ficou tudo bem, né? — O meu suspiro foi mais alto do que o

planejado. — Sim, eu queria mesmo dar um irmãozinho para você —

continuei falando, sabendo que no futuro, ele não saberia que quase teve um
irmão. — Mas, as coisas acontecem da forma que Deus quer e,

infelizmente, não foi desta vez.

“Mas haverá outras vezes, Ravi.

“E um dia talvez eu tenha um bebê.

“Eu só esperava que ele viesse bem.

“Não quero escolher nada, nem ter nenhuma expectativa.

“Ele vindo com saúde já será o suficiente.

“E vamos ser uma família maior.

“Hoje já somos uma família.”


Cobri o Ravi de uma forma melhor.

— Só que daqui algum tempo, espero que sejamos ainda maiores.

“Era o que eu mais desejava.”

Cuidar de Ravi, amar o Caio e, no futuro, ter um bebê nosso.

Ravi sempre seria amado por mim, porém, sabia que ele sempre

seria de Sabrina.

Não poderia me esquecer daquilo.

Ela me amava.

Ela me amava mesmo.

Não consegui dormir desde que despertei depois de horas

adormecido, por causa dos analgésicos, mas ali estava eu, encarando Lilian
adormecida nas poltronas da sala de espera enquanto pensava nos motivos

para ela me amar.

Era tudo tão insano que repetia as palavras dela a cada momento em
minha mente.

Lilian se remexeu e fingi estar dormindo.


Vi quando ela tornou a dormir pelas pequenas brechas dos meus

olhos, tornando a observá-la de longe, sabendo que nada no mundo poderia

ser comparado ao sentimento insano de felicidade em meu coração.

Suspirei, tornando a encostar a cabeça nos travesseiros enquanto


encarava o teto.

Precisávamos fazer tanta coisa.

Nos casar, morarmos juntos, conhecer lugares.

Eu queria cada coisa brega e fofa com Lilian, e guardaria memórias


de cada uma delas, porque nós dois sabíamos como uma coisa engraçada e

boa poderia vir acompanhada de um furacão devastando tudo.

Vi quando ela acordou, cobrindo Ravi dentro do carrinho de bebê e


voltou a dormir, alheia ao fato de que a encarava como se estivesse

hipnotizado por cada movimento dela.

Saí do hospital logo de manhãzinha, porque não suportava ficar

deitado por mais uma hora.

Assim que mamãe ficou sabendo, gritou comigo pelo telefone e

falou que era para irmos para casa dela, para almoçarmos lá, já que eu era
irresponsável o suficiente para sair do conforto do hospital.
— Oi, querido — falei para Apolo assim que entrei na casa da

minha mãe, empurrando o carrinho de Ravi com a mão boa. Eu me abaixei


para fazer carinho na cabeça do cachorro dengoso, que latiu, fazendo Ravi

choramingar. — Ei, um minuto de silêncio, seu irmão está dormindo, por

favor — pedi, e ele abaixou a cabeça, enfiando o rosto na minha barriga.

Dei risada, vendo Lilian colocar nossas bolsas sobre o sofá da sala
de estar.

Ela estava decidida a fazer tudo sozinha, mas não deixei, afirmando

que conseguia muito bem ajudar.

Porém, aquela mulher era teimosa como uma mula.

— Bom ver você assumindo a paternidade, é lindo — Lilian falou,

encarando-me por cima dos ombros.

Fingi não ouvir seu tom debochado, colocando o carrinho de bebê


de Ravi no meio da sala de estar.

Assim que mamãe apareceu, aproximou-se, segurou meu rosto e fez

uma inspeção nada leve até que considerasse adequado.

— Você me parece estar feliz demais para quem foi jogado a mais
de dois metros por um carro... — Ela me encarou com desconfiança e

encarei Lilian, sorrindo para minha atual namorada. — Ah, já sei... Entendi

tudo — mamãe resmungou, caminhando pela sala.


— Estou namorando! — exclamei como um adolescente que tinha

uma novidade para contar e Lilian riu de mim, sentada no sofá.

— Eu sei, dá para ver pelo sorriso idiota no seu rosto — mamãe

rebateu.

— Você gosta da Lilian, deveria estar feliz. — Abracei a mamãe por

trás com um único braço.

Ela estava sorrindo segundos depois.

— É claro que estou feliz. — Ela encarou Lilian com amor. — Eu


poderia fazer um discurso sobre como não quero que nenhum dos dois se

magoem, mas acho que vocês dois já são calejados o suficiente para isso.

Lilian assentiu.

— Prometo não fugir — ela sussurrou e sabia o que aquilo

significava.

Lilian estava sendo corajosa.

— Prometo sempre ficar — falei, olhando para minha namorada


com devoção.

Eu, simplesmente, amava aquela mulher e não tinha um lugar que

quisesse ir sem estar com ela.


— O que você está fazendo? — Lilian indagou, do lado de fora do

nosso quarto, enquanto me movia com dificuldade no espaço apertado para


não acabar estragando tudo.

— Nada.

— Caio, se você tirou o braço do apoio, vou matar você.

Sorri e abri a porta, deixando que ela visse o interior do nosso


quarto.

Seus olhos se alargaram e sua boca se abriu em um sorriso.

Juro, seu sorriso poderia iluminar uma cidade.

Os olhos de Lilian refletiam as pequenas luzes em torno do nosso


quarto e era a coisa mais linda que já pus meus olhos.

— Você construiu um forte... — Sua voz saiu embargada e estendi a

mão em sua direção, puxando-a para dentro do nosso forte.

— Sim — sussurrei, vendo-a olhando tudo, admirada enquanto


minha menina se transformava em uma manteiga derretida, chorando. —

Não chora, Lili, é coisa feliz.

Ela riu, limpando o rosto.

— Eu sei, não consigo parar — confidenciou.

Beijei sua bochecha, puxando-a para um abraço.


— Eu pensei em tudo que passamos e em como merecemos bem
mais do que um pedido no meio do hospital.

Ela me encarou com a cabeça encostada em meu peito.

— Hospitais são a nossa cara — falou rindo.

— Sim. — Coloquei seus cabelos para trás, tocando seus lábios em

seguida descendo por sua pele.

Ela fechou os olhos com o meu toque e suspirei, precisando focar no

que tinha que fazer.

— Só que queria que você se lembrasse do nosso início com mais

felicidade.

— Todos os momentos com você são felizes, Caio. Mesmo os


tristes. Eles são melancolicamente felizes. — Franziu o nariz e beijei seus

lábios.

— Quero que seja minha. Vamos começar devagar. Quero que seja
minha namorada e divida a casa comigo e meu filho — sussurrei. — Vamos

usar isso para fortalecer nosso forte. É a nossa proteção, Lilian. Sei que tem
medo e também tenho, mas sei que somos maiores que eles... — Beijei cada
uma das lágrimas que caíam dos seus olhos, e ela fungou.

— Amor, sabe que é sim. Sabe que se me pedir qualquer coisa, é


sim — sussurrou, fazendo-me respirar aliviado.
— Até um sexo sem peripécias e cuidadoso? — murmurei em seu
ouvido, e ela riu, jogando a cabeça para trás.

— Até um sexo sem peripécias e cuidadoso — respondeu com a

boca colada a minha.

O clima mudou, de romântico a quente em questão de segundos e

desci a mão por suas costas, alcançando a barra da camisola de renda preta
que Lilian estava vestida.

— Caio... — sussurrou quando meus dedos se enrolaram em torno


da calcinha que vestia, puxando-a para o lado antes de brincar com sua
boceta.

— Você está molhada, Lilian — sussurrei, com a boca contra seu


pescoço.

Ela suspirou, ofegante.

— É muita saudade sua — falou baixinho e concordei.

Sua tensão acumulada vinha de bônus enquanto a puxava para o


meio do forte que construí, sabendo que ele poderia se tornar ainda mais
protetivo se estivesse dentro dela.
Lili se enrolou contra meu peito e afundou a cabeça na curva do
pescoço, fazendo-me rir conforme ela murmurava algo em seu sono,

completamente alheia ao fato de que fazia mais de uma hora que acordei.

Dormir com Lilian nunca era uma coisa ruim, longe disso, e olha
que sempre odiei dividir meu espaço.

Virei-me na cama, precisando ir ao banheiro e assim que consegui

me desvencilhar dela, suspirei aliviado por ver a mulher se abraçar ao meu


travesseiro, continuando dormir.

Era um sábado frio em Curitiba, então puxei o lençol contra seu

corpo e caminhei em direção ao banheiro, passando pelo calendário


marcado com as datas de mêsversário de Ravi, que Lilian fez antes dela

decidir que queria um tempo.

Ali estavam todas as datas, mas só as três primeiras tinham fotos

polaroids coladas ao lado, pois foram as datas que ela passou conosco.

O quarto mês estava vazio, não havia nada, porque foi o tempo em
que ficamos separados.

Suspirei, entrando no banho e assim que saí, decidi que era melhor
nem lembrar Lilian do mêsversário, porque sinceramente eu não queria

continuar com aquilo.

Eu me preparei com calma, checando Ravi no quarto ao lado, antes

de sair do apartamento.

Ele só acordaria em uma hora, no máximo, e Lilian poderia não

acordar comigo saindo da cama, mas qualquer lágrima que Ravi


derramasse, ela corria até ele.

Apolo estava preso na coleira enquanto descíamos do prédio

caminhando.

Naquela manhã, a caminhada seria um pouco mais extensa do que o

normal, desviei do caminho para comprar dois arranjos de flores, sabendo

que algumas pessoas me olhavam estranho por onde eu passava.


Era um dia feliz e era estranho, porque em dois dias completaria
cinco meses desde que Sabrina faleceu e, mesmo assim, não conseguia tirar

o sorriso do rosto.

De fato, um caso inesperado, porque havia muita coisa acontecendo

desde que conheci Lilian.

Duas perdas em tão pouco tempo poderia me tirar o chão e se eu

fosse um pouco mais profundo nos meus pensamentos sobre aquilo, sabia
que era como descer uma ladeira de onde não poderia voltar.

Acho que o luto era aquilo.

É você saber que nunca vai ter o passado de volta, mesmo que você

queira muito lamentar por ele. Saber que se o fizer, não conseguirá subir de

volta à superfície, pois a dor te esmagará.

Assim que pisei no cemitério, deixei a guia de Apolo maior do que

estava durante a caminhada que fizemos e parei primeiro no túmulo até


então desconhecido por mim, sentando-me na beirada dele, vendo as flores

ainda bonitas, mas secas ali.

A foto de Jorge dentro do túmulo me deu uma pouca visão do que o

homem era.

— Olá, Jorge — falei suspirando, cruzando as pernas como se fosse

a coisa mais normal do mundo bater um papo com um monte de concreto.


Já tinha feito aquilo várias vezes com o de Sabrina e sabia que

funcionava ao menos para você se sentir aliviado.

— Faz uns dias desde que Lilian e eu começamos a namorar. —

Limpei o local das flores, tirando as que estavam murchas e colocando as


novas.

— Eu não vim para contar só isso. Parece meio maldade e

maluquice vir aqui falar sobre esse assunto. — Coloquei o jarro de flores no
meio do túmulo branco. — Só que queria realmente ter conhecido você. Sei

que se estivesse aqui, ela nem olharia para mim, e, principalmente, que
você era o amor da vida dela. Porém, acho que você era um cara incrível,

porque ela te ama muito.

“Só Deus sabe como Lilian é, e para ela amar tanto o Jorge, ele

deveria ser mesmo um homem bom.”

— Não fico feliz com você indo tão cedo, porque isso machuca a

Lilian, e mesmo que você estivesse aqui, sei que teria me apaixonado por
ela caso tivesse chance — sussurrei a última parte.

Fugi por anos dela porque tinha consciência do que sentia e do que
ela causaria em mim.

— Só queria dizer que vou cuidar bem dela. Não tem nada no

mundo mais precioso do que Lilian e meu filho, e passarei todos os dias
cuidando do coração que um dia foi partido quando você se foi — prometi a

última coisa, sabendo que era impossível saber se ele me ouvia ou não.

Era uma coisa que só quem mexia com espiritualidade poderia dizer.

Mas a promessa era mais para mim do que para ele, afinal, Lilian
merecia.

Todos merecíamos um final feliz, mesmo que não fosse sempre


feliz.

Senti o cheiro de bolo assim que coloquei o pé em casa, só uma hora


e meia depois de sair.

Apolo foi o mais animado de nós dois com aquilo e correu porta
adentro para conferir o que Lilian estava cozinhando.

Vi quando minha namorada levantou a cabeça, abrindo um sorriso.

— Vocês chegaram — sussurrou, deixando a espátula de lado.

Ela caminhou em minha direção, passando o braço em volta do meu


pescoço antes de beijar meus lábios.

Lilian estava com um avental rosa cheio de pequenos morangos


desenhados e calça jeans, em sua bochecha tinha um pouco de chantili e eu

beijei o local, passando a língua, fazendo-a rir.


— Para, isso é estranho! — exclamou rindo, mas logo tornou a me
beijar.

— Não, você é deliciosa, e com chantili então... — murmurei,


encostando-a contra o balcão da cozinha.

Ela me encarou, com um sorriso no rosto e sua respiração ofegante

denunciou segundas intenções.

Eu não a culpava, pois só de tocar em Lili, tudo acordava em mim.

— Por que tem dois bolos assando? Só fiquei fora uma hora.

Ela corou.

— Eu não queria que Ravi ficasse sem uma foto de mêsversário,


então decidi fazer dois bolos e cantar dois parabéns. — Levantou dois
dedos no ar.

— Não dá má sorte isso? — indaguei, sem fazer a menor ideia.

— Claro que não. Que bobagem! — Ela passou os dedos ao redor


da minha boca para tirar o chantili dali.

Deslizei a língua por seus dedos, para provocá-la.

— Caio... — resmungou, com a voz entrecortada.

Sorri.

— O quê? — questionei, encarando-a com inocência.


— Não me distraia. — Deu a volta, soltando-se de mim, para voltar
ao bolo. — Liguei para sua mãe e combinei de comemorarmos o quinto
mês de Ravi na casa da Alice. Na fazenda, mais tarde... — pontuou a última

parte, e soltei um gemido. — Por favor! Marquei dois dias antes para que
você não se sinta pressionado com o luto e...

Segurei seu rosto, beijando sua boca.

— Não precisa explicar. Tudo bem, vamos comemorar — falei,


sorrindo.

— Eba! — exclamou, balançando os quadris conforme mexia o

chantili. — O bolo do quarto mês vamos comemorar aqui, só nós três. O do


quinto, vai ser especial. Alice e Henri vão fazer um churrasco para a

família, as crianças vão poder entrar na piscina e o Ravi, finalmente, vai

conhecer todos os priminhos — falou animada.

Eu me servi de café, vendo Apolo acompanhando Lilian pela


cozinha enquanto ela tagarelava.
Coloquei Ravi sentado no meio da sala e tirei fotos do menino

vestido com camisa social e uma pequena gravatinha, além da calça jeans
minúscula que coube nele com perfeição.

O bebê nos encarou com expectativa, com os cabelos loiros caindo

levemente em cima da testa e sorri para ele, incentivando-o a fazer o


mesmo para a foto.

Caio estava vestido com um moletom de manga longa, escuro e era

um dos mais novos dele, porque realmente parecia uma roupa legal.

Embaixo, calças jeans porque estávamos a caminho da fazenda de Alice e


Henrique.

Escolhi um vestido rodado, cor de rosa, mesmo que odiasse um

pouco aquela cor.

Porém, meu vestido preto iria sumir na foto do mês e queria a


melhor memória para Ravi.

Em meu pescoço estava o colar que ganhei do Caio em São Paulo e

que mandei gravar a inicial dele havia poucas semanas, sem que ele fizesse
ideia.

Eu gostava de como estávamos, parecíamos realmente uma daquelas

famílias saída de comercial de margarina.

— Ele riu... — sussurrei, vendo a imagem pela câmera.


Ravi estava completando cinco meses e pensar que fazia todo aquele

tempo desde que Sabrina se foi, parecia ser assustador.

Porém, estávamos tentando focar nos momentos felizes.

— Essa é a fotinho de quatro meses do Ravi. A de cinco sai mais

tarde, quando você estiver sendo a estrela da festa com seu lookzinho de

vaqueiro — falei, colocando a uva nas suas mãos.

Ele ainda não podia comer doces e seguíamos à risca todas as


recomendações da Gabriela.

Eu acabei me afastando de ser pediatra dele, porque seríamos

sinceros, eu me envolvia demais quando o assunto era as pessoas que

amava.

— Não, vem você também — Caio protestou, tirando a câmera das

minhas mãos e me puxando em direção a ele.

Caí em cima dele, para desviar do bolo entre nós dois e ri quando
ele levantou a câmera, segurando-me para que não saísse do lugar.

— Não vou fugir! — exclamei, rindo.

Ele beijou minha bochecha, deixando a câmera de lado antes de

pegar Ravi e colocá-lo no meu colo, puxando o bolo para próximo de nós
dois.
Tínhamos tirado fotos na cozinha, como todas as outras vezes, mas

eu queria uma foto no chão porque havia comprado alguns enfeites.

Até o aniversário de um ano de Ravi iria convencer aquele homem a

fazer uma festa decente e enorme...

E a foto foi tirada, com Ravi segurando a barra do meu vestido,


sorrindo para a câmera.

Nós dois também estávamos rindo, com o braço de Caio em volta

dos meus ombros e minha cabeça encostada em seu peito.

Suspirei, contente com aquilo.

Não tinha nada que amasse mais do que aquele momento.

Abri a porta da varanda de Alice, dando de cara com toda a família


Montenegro reunida em torno da mesa enquanto as crianças brincavam na

piscina.

O pequeno Enzo estava sentado na borda, esticando as mãos

enquanto a prima pulava dentro da água, fazendo o menino se molhar.

Só que como um bom menino, ele nunca reclamava.

Enzo nunca reclamava sobre nada que Amora fazia. Os dois eram

amigos desde que eles se conheceram e nutriam uma amizade bonita.


O pequeno José Miguel dormia tranquilamente dentro do carrinho

de bebê e Rafael permanecia ao lado do filho, observando-o dormir

enquanto tomava uma cerveja.

Franzi o cenho quando vi Henrique ao seu lado, conversando sobre


alguma coisa que não conseguia entender de longe.

A mesa estava cheia de comida e Josiane arrumava o bolo de Ravi

para tirarmos uma foto.

E mesmo que fosse um bolo simples, ainda assim, era a coisa que eu

mais gostava dos mêsversários.

Era o fato de fazer algo especial para ele, tirar um tempo para

aquilo.

Meu garoto estava em meus braços, olhando todo aquele alvoroço


com curiosidade.

Vi quando Melinda se aproximou de mim, jogando-se contra meu

vestido.

— Titi! — ela exclamou e me abaixei, beijando a bochecha de Mel

com carinho.

Ela estava cada dia mais linda.

— Nenê Ravizinho — ela sussurrou, colocando o indicador contra a


bochecha de Ravi.
— Sim, é o nenê Ravi — falei, beijando sua testa que tinha cheiro

de bebê.

Eu me aproximei de Alice e Heloísa, vendo a irmã do meu

namorado segurando a minha sobrinha, Lara, nos braços.

Tinha tantas crianças que era difícil acompanhar.

— Mamãe! — Mel exclamou, estendendo os bracinhos para Alice,


que não hesitou em se abaixar para pegar a menina no colo, sob os olhos

curiosos da mais nova.

Caio apareceu na porta da varanda segundos depois, colocando mais

copos sobre a mesa. Ele olhou em minha direção, sorrindo e fiz o mesmo,
sentindo o coração saltar no peito com aquele homem me encarando.

— O olhar apaixonado, Alice — Heloísa sussurrou para minha irmã,

apontando para mim.

Eu corei, desviando os olhos de Caio, vendo-o se aproximar do

irmão e se juntar à conversa com o cunhado.

— Eu sei, você já imaginou que eles estariam assim? Logo o Caio

que fugia de todas as reuniões por causa da pressão? — ela falou a última
frase mais alto, fazendo meu namorado rir, encabulado.

E a tarde comemorando o aniversário de Ravi se tornou ainda mais

especial com as pessoas que amamos.


As crianças choraram juntas quando Amora caiu na beirada da
piscina, mas quando a menina parou de chorar, acabou rindo da situação.

Não foi nada de mais, ela só levou um pequeno susto com a queda e

mesmo assim acabei examinando-a.

O fim do dia terminou com todos reunidos na casa de Henrique,

ocupando os quartos de hóspedes em uma divisão bem-organizada.

Assim que eu Caio dormindo, com o braço em torno do corpinho de

Ravi e alheio à minha inspeção, não resisti em sorrir.

Foi um dia perfeito e nunca estive tão feliz.

Então, tirei mais uma foto dos dois homens da minha vida,

completamente rendida por eles.


Ravi engatinhou pela cozinha, parando ao lado de Apolo, fazendo
carinho na pelagem do cachorro dormindo no chão. Enquanto preparava
nosso almoço, observava o menino de olhos bem abertos, aguardando a

chegada de Caio do trabalho.

Desde o quinto mêsversário de Ravi, decidi que queria tirar algum

tempo de férias, pois desde que comecei a trabalhar no hospital, sempre


deixei de lado a opção de tirar férias e estava na hora de finalmente fazer

aquilo para focar em algo que queria muito.

Então quando ele completou o décimo primeiro mês, tomei a

decisão e pedi um tempo de férias para o hospital.


Não porque não achava que Ravi não precisava de mim, nos

primeiros meses, mas porque me sentia pronta em estar totalmente cuidando


sozinha de uma criança que não fosse meus pacientes.

E deu certo.

Estávamos de férias, só Ravi e eu na maior parte do tempo e já


começava a me perguntar como iria voltar à minha rotina normal em

algumas semanas.

— Aqui. — Eu me abaixei para dar a ele um pedaço pequeno de

melancia.

Sorri quando o loirinho mordeu a fruta sem nenhuma reserva em

comer o que via pela frente.

Diferente do que pensei, Ravi não teve problemas com alimentação

e cresceu muito saudável.

Eu coloquei todos meus esforços nele quando entrou na fase de

introdução alimentar e fiquei feliz por ter dado certo.

— Cheguei.

A voz de Caio invadiu a cozinha e sorri, deixando a faca de lado

enquanto Ravi engatinhava em direção à porta, sendo passado por Apolo

rapidamente, como um foguete.

O cachorro pulou em Caio, apoiando as patas em seu peito.


— Ei, menino, você está animado hoje, hein? — meu namorado
falou, beijando o topo da cabeça do cachorro.

Sorri, pegando Ravi do chão para ele chegar mais perto do pai.

— Papa! — ele exclamou, estendendo os bracinhos.

Caio o encarou, sorrindo emocionado, como todas as vezes em que

ele falava “papa”.

A primeira palavra demorou para sair dos lábios dele e foi “Apóio”,

surpreendendo a todos.

Ravi passou a chamar o cachorro por todos os cantos da casa,

porém, duas semanas mais tarde veio o primeiro “papa”, deixando Caio

todo bobo com o feito do menino.

— Como foi a manhã de vocês? — Caio sussurrou, pegando Ravi e


se aproximou, beijando meus lábios.

— Deu tudo certo por aqui — respondi.

Eu me vi me aproximando ainda mais dele, me encostando no lado

do seu corpo onde Ravi não estava, encarando-o com um sorriso.

— Como foi a sua? Ravi comeu quase um pedaço de melancia que

um adulto comeria e correu atrás de Apolo, engatinhando, é claro. Depois


chorou e assistiu os abacaxis na televisão.

Caio riu.
— Eu fiz muitos relatórios e tive uma reunião chata com seu primo.

— Beijou minha bochecha.

— Leon ainda vai te matar um dia — avisei, e Caio riu.

— Ele não vive sem mim — respondeu, convencido.

Caio estava trabalhando durante as manhãs na empresa que tinha

com Leon e pela tarde, no hospital. Ele havia mudado a rotina para pegar
dois turnos diferentes e ter uma folga dos dois empregos no fim da semana
para ficar com a gente.

Eu nunca reclamei do fato dele trabalhar tanto, mas adorava que ele
se preocupava em ficar conosco.

— Mamã! — Ravi exclamou quando Caio me beijou, puxando a

blusa do pai.

Encarei o menino, completamente chocada com o que acabou de


sair dos seus lábios.

— Mamã, mamã, mamã... — choramingou, estendendo os bracinhos


cheios de curvas.

Eu ainda estava congelada.

Eu não ouvi corretamente, tinha certeza.

— Ele te chamou de mãe — Caio falou, parecendo ler meus


pensamentos.
— Não — neguei, encarando Ravi que não me deu tempo para

pensar, jogando-se nos meus braços.

A única opção que tinha era pegá-lo no colo, o amparando.

— Sim — Caio afirmou, como se fosse a coisa mais óbvia do


mundo.

— Mas eu não sou mãe dele. — Encarei Caio, desesperada com a


ideia.

Meu namorado sorriu.

— Mas sabe que ele vai te ver como uma mãe, Lili — declarou o

óbvio.

Sim, era claro que ele iria, mas nunca pensei em como reagir caso
aquilo chegasse a acontecer.

— E se eu não souber ser uma boa mãe? — indaguei, cheia de


inseguranças, encarando o Caio.

Meu namorado sorriu, tão lindamente, tão calmo, que quase me fez
chorar.

— Você já é uma ótima mãe — falou, aproximando-se e beijou


minha testa. — Para Ravi. Para nossos filhos que ainda virão. E teria sido

ótima para nosso anjinho também — sussurrou a última parte, no mesmo


instante em que meu coração se apertou.
— A Sabrina, Caio — relembrei.

Ele sorriu.

— Ele vai saber sobre ela assim que puder entender, Lili, eu

prometo — afirmou, segurando meu rosto com uma mão enquanto eu


segurava Ravi entre nós dois. — E até que ele consiga tomar as próprias

decisões, somos tudo o que ele tem. Gosto de pensar que quando ele
crescer, ainda seremos mamãe e papai dele, porque ele é nosso. Por um
acaso do destino, mas é. E eu sempre vou amá-lo.

Eu queria chorar, queria dizer que sempre cuidaria dele, que o


amaria, mas tinha medo de não ser uma boa mãe, de decepcionar o Ravi.

Porém, fazia parte da minha nova vida ser corajosa, mesmo quando
o medo ameaçasse me travar.

— Mamã — Ravi tornou a falar, colocando o dedinho sobre minha


boca, e eu sorri, aceitando aquela nova realidade.

— Oi, meu amor — respondi, beijando o dorso da mãozinha


fofinha.

— Você falou sobre nossos bebês — falei, encarando minha comida,


não conseguindo olhar diretamente para ele ao falar sobre aquilo. — Acha
que vou conseguir? Não pensa nas coisas que podem dar errado?

Caio suspirou.

— Penso. — Balançou os ombros. — Só que lembro que se ficar

com medo de dar errado e não viver uma vida maravilhosa com você, vai
ser muito pior. Então, estou apenas vivendo.

Eu o encarei, sentindo minhas bochechas doerem com o sorriso que

dei.

— Eu tenho medo — confessei. — Disso é o que mais tenho medo.

Não de ser mãe, acho que enfrentaria qualquer coisa para ser mãe, mas

tenho medo de que caso aconteça de novo e não consiga superar como da

última vez.

Ele segurou minhas mãos, dando a volta na cozinha, e eu o segui em

direção à sala, parando no meio dela.

— Você consegue superar qualquer coisa, amor.

— Consigo? — indaguei, hipnotizada quando ele me abraçou por

trás, mostrando-me a foto do mêsversário de quatro meses de Ravi, a que

estávamos no chão da mesma sala de estar.

— Consegue. E se precisar, eu ajudo. Não tem nada que não


faremos juntos, Lili — sussurrou em meu ouvido e quase chorei. — Vamos

ter um bebê no futuro. — Tocou meu ventre. — Assim que se sentir pronta,
podemos começar a treinar para isso... — A parte final veio como uma

proposta nada decente. — Temos todo o tempo do mundo. Se precisarmos,


faremos o que for preciso para você gerar o nosso bebê. Mas se não for

possível, ainda tem tantas opções. A família dos nossos irmãos me inspira a

outros caminhos. — Fez um coração em torno do meu umbigo com a ponta


dos dedos, levantando minha camisa preta e folgada.

— Gosto de como elas são — murmurei, sentindo meus olhos se

fecharem conforme ele tocava minha pele, tão leve que me fazia encostar

mais contra ele, querendo senti-lo. — Caio — repreendi quando ele desceu
a mão.

— Que foi? — inquiriu em meu ouvido, alcançando minhas pernas

que estavam cobertas apenas pela camisa que era mais comprida que o
normal e não me deixava nua enquanto fazia comida.

Suas mãos desenharam o caminho do elástico da calcinha de renda.

— Por favor, para com isso — implorei, não querendo sair,

querendo que ele me tocasse.

Suas mãos pararam e entendi que dei o comando errado.

— Me toca, logo, por favor — tornei a falar, segundos antes dele

atender meu pedido.


Meus dedos deslizaram para baixo, entrando por baixo da calcinha
de renda que Lilian vestia enquanto a via se inclinar, encostando a bunda

contra meu pau.

A conversa simples e tensa que tivemos se transformou, e estava

completamente duro, precisando apenas me afundar dentro dela.

Beijei sua pele, com meus dedos brincando com sua boceta, até que

alcancei sua entrada, escorregando dois dedos dentro dela, fazendo-a gemer,

com o corpo inclinado para frente, apoiado contra o sofá da nossa sala de
estar.

Desde que Lilian se mudou, já fizemos amor por todos os cômodos

daquele apartamento que foi possível e ainda não tinha memórias

suficientes dela naquela posição.

Sempre queria mais.

— Caio — gemeu, movendo os quadris contra meus dedos e sorri,

levantando a camisa até que tive a visão da sua bunda empinada em minha

direção.

— Diga o que quer, amor — falei, esfregando meu pau contra sua

bunda.
“Meu Deus, que mulher deliciosa...”

Tirei meus dedos de dentro dela quando não me respondeu, ouvindo


um resmungo baixo, mas já estava me abaixando na sua frente, tirando sua

calcinha até que tive a visão da sua boceta excitada.

— Abre as pernas para mim, Lili — ordenei.

Ela obedeceu, deixando-me ainda mais duro com a visão.

Deslizei a língua por sua bunda, mordendo a nádega e a vi tremer

levemente, antecipando o gesto, quando minha boca afundou entre suas

pernas, lambendo, chupando, sentindo seu gosto na minha boca, deixando


meus sentidos malucos conforme ela gemia a cada movimento.

— Caio... — implorou.

— Diga o que quer, amor — incentivei, deslizando a língua por sua

entrada.

— Puta que pariu! — xingou. — Preciso de você dentro de mim.

Sorri, levantando-me, pois precisava mais dela do que ela de mim.

E a queria gozando no meu pau, apesar de que a ideia dela gozando

na minha boca me agradava.


Lilian me encarou, ainda deitada no meu peito, mesmo quase uma

hora depois de fazermos amor e sorri com os olhos castanhos me

encarando, curiosos e, ao mesmo tempo, amorosos.

— Fizemos sem.

— Sim.

— Sabe que...

— Sei.

— Não tem medo?

Sorri.

— Muito.

— Tomo remédio?

— Não sei, você é quem decide — respondi, colocando uma mecha


do seu cabelo atrás da orelha.

Sabia que ela se referia à pílula do dia seguinte, mesmo que não

fosse uma opção cem por cento, ainda era uma.

— Acho que vou — respondeu, deixando-me confuso.

— Motivo? — indaguei, querendo mesmo uma resposta sincera.

— Estamos cuidando do crescimento de Ravi. Pensei que até que

ele esteja maiorzinho, podemos esperar. Até lá, ficamos de olho na questão
de saúde e exames periódicos, para quando acontecer nossos corpos estejam

bem — falou, usando o que ela mais sabia usar, a inteligência.

— Acho ótimo.

E era verdade, pensar em Ravi antes de ter um bebê em casa era

importante.

— Como uma conversa sobre medo de gravidez se tornou em sexo


irresponsável e depois uma conversa responsável? — Lili perguntou, e eu

ri.

— Não faço a menor ideia — comentei com sinceridade.

Realmente não fazia.

Aconteceu e não foi a intenção.

Eu a toquei para mostrar o que queria dizer e não a seduzir.

Mas, sinceramente, parecia que não conseguimos manter as mãos

longe um do outro.

— Eu amo você — ela sussurrou, ainda deitada sobre mim.

— Eu amo mais — afirmei, vendo que ela sorria.

— Não sou de falar, mas te amo muito.

Beijei sua cabeça.


— Eu sei. Porque te amo muito e falaria muito mais se não fosse
ridículo para mim — murmurei.

Ela me encarou e sorrimos um para o outro.

— Não é uma competição sobre quem ama mais.

Assenti lentamente.

— Claro — respondi com condescendência. — Porque se fosse, eu

ganharia.

Lilian revirou os olhos.

— Você é impossível! — exclamou.

— Eu sei — respondi, alisando seus cabelos.

— Vou colocar um DIU — ela falou, do nada.

— Ok.

— Assim não nos preocupamos tanto com camisinha e tudo mais. E

quando quisermos ter um bebê, é só tirar — ela acrescentou, simples.

Nós dois sabíamos que não era tão simples assim, pois mesmo os
melhores métodos contraceptivos ainda havia riscos, mas não falaria aquilo

naquele momento.

Não queria preocupar Lili ainda mais.

— Acho ótimo. — Foi tudo que falei.


Venci o Caio pelo cansaço.

Assim que o aniversário de um ano de Ravi chegou, eu já tinha

conseguido aquele feito com muito êxito.

Precisei perturbar todas as mulheres da família para conseguirmos

fazer uma festinha onde fosse uma real comemoração, porém, que também

preservasse um pouco do momento, pois não queria invadir o espaço do


meu namorado.

Nos últimos meses muita coisa havia mudado.

Troquei meu apartamento que dividia com Carol pelo do Caio e


tinha algum tempo que pensávamos se não era a hora de trocar por algo
maior, porque Ravi estava andando e Apolo estava tomando muito espaço

com o tempo passando e ele se tornando cada vez mais dono do nosso
apartamento.

— Mamãii! — Ravi se aproximou, estendendo a mãozinha com uma


bolacha de maisena entre os dedos.

Sorri e me abaixei, beijando sua bochecha babada.

— Apóio, Apóio...

Mas o menino não ficou muito tempo perto de mim, correndo em

direção ao cachorro que passou por nós, suspirei vendo a roupa que
coloquei naquela manhã completamente suja dele rolar pela varanda da avó.

Josiane já estava preparando a mesa de doces junto com o bolo


branco e azul, enquanto Alice arrumava as flores.

Era uma comemoração simples, só com a família e alguns amigos

mais próximos.

William e Enrico coincidiram de estar na cidade na data e acabamos

convidado os dois, junto com a família de Enrico.

Os dois não evitaram de rir de Caio, zoando pelo fato de que ele

havia jurado que não iríamos acabar juntos.

Era divertido pensar assim.


Em São Paulo estávamos completamente atraídos um pelo outro,
mas não pensávamos que aquilo poderia dar certo.

A prova disso foi a minha fuga.

— Pensativa? — Alice indagou, aproximando-se.

Vi quando Ravi pegou o balão já cheio, do monte onde Henrique e

as crianças colocavam as bexigas cheias.

— Só estou feliz — falei com sinceridade, encolhendo os ombros e

Alice sorriu, abraçando-me de lado, encostando sua cabeça na minha.

— Eu deveria ter apresentado o Caio a você antes — sussurrou em

tom de confissão, fazendo-me rir.

— Eu não estava pronta — disse com sinceridade.

Acho que se conhecesse Caio antes seria ruim, acabaria o

machucando por causa do luto e me machucando no processo.

— Sei disso, só fico pensando nas possibilidades — ela falou,

afastando-se novamente.

Eu não quis contratar ninguém para ajudar na organização, pensei

em fazer tudo sozinha, mas aí todos os Montenegro se voluntariaram e a

única coisa encomendada foi a comida, pois não queríamos passar horas no
fogão.

— Você parece estar feliz — Caio afirmou, aproximando-se.


Sorri, abraçando sua cintura e encostando a cabeça em seu peito.

— Estou feliz — sussurrei, sentindo o homem beijando o topo da

minha cabeça.

— Ver você feliz, me faz feliz. — Beijou o dorso da minha mão e


acompanhei o movimento, completamente hipnotizada por ele.

Retornei ao trabalho havia dois dias, pois minhas férias acabaram e


foi a vez de Caio pedir uma pausa, tirando umas férias rápidas dos dois
trabalhos para passar um tempo em casa, aproveitando os últimos

momentos de Ravi ainda bebezinho.

Não que ele fosse crescer de uma hora para outra, afinal ele ainda

seria praticamente um bebê, só que, naquele momento, ele se sentava na


cadeirinha para comer, segurava o garfinho e quase não pedia mais colo.

Só queria saber de andar por todos os lados e parecia que não estava
mais cabendo nos nossos colos.

— Você está bem? — indaguei, encarando-o.

Caio sorriu.

— Sim — respondeu, encolhendo os ombros. — Por mais triste que


seja este dia, toda vez que vejo o quanto Ravi está feliz, me conforta. — Ele

encarou o filho, vendo que o menino não parava quieto e era acompanhado
por Lara.
Os dois tinham apenas alguns meses de diferença, Lara já andava

com mais confiança e falava mais palavras, enquanto Ravi era mais lento
nos passinhos e pedia as coisas numa língua que só Caio e eu entendíamos.

— Ele é tão amado e sei que era isso que Sabrina iria querer. A
maior preocupação dela era deixar o filho bem, por isso criamos uma

mentira. Ela não quis tirar o bebê, nem se aproximar do pai dela, mesmo
sabendo que ele poderia protegê-la, porque sabia que Ravi era indesejado

para Horace. Então, estamos fazendo um ótimo trabalho com aquele


loirinho atentado.

Loirinho mesmo.

Eu pensei que com o passar do tempo os cabelos de Ravi iria acabar


escurecendo e ficando igual aos de Sabrina, mas não, ele ficou cada vez

mais loiro. E apesar da aparência dele lembrar muito ela, o menino não iria
ter o mesmo tom de cabelo dela.

— Ele é muito amado — sussurrei ainda abraçada ao meu


namorado.

Vi Josiane se abaixar e colocar uma surpresa de uva nas mãos do


menino, fingindo que não víamos que ela estava dando doce para ele.

— Ela não para, né?

Caio sorriu.
— Não — murmurou, passando o braço em torno dos meus ombros,
beijando o canto da minha testa.

Suspirei, sabendo que meu coração estava finalmente a salvo.

O fim do dia chegou rápido e assim que vi, a casa da mãe de Caio
estava cheia de convidados.

Acredito que tenha me empolgado um pouco quando vi, pois, minha


pequena lista de convidados acabou enchendo a varanda de Josiane, e Caio

arqueava a sobrancelha em minha direção cada vez que via mais alguém
aparecer na porta.

— Pensei que era apenas uma comemoração pequena. — Cruzou os


braços ao meu lado, e passei o braço em torno da sua cintura novamente,
encostando a cabeça em seu peito.

A música infantil tocava ao redor, enquanto as crianças pulavam


dentro do pula-pula instalado e os adultos faziam o que se tinha para fazer

em uma festa infantil, comer e conversar.

— É pequena — sussurrei, vendo-o sorrir.

— Não sei mais sua definição de pequeno. Deveria ficar preocupado


que você também classifique as outras coisas deste modo? — indagou com

a boca próximo à minha, e joguei a cabeça para trás, rindo.


— Não seja bobo. Ele merecia uma festa bonita e me empolguei —
falei, alisando seus cabelos.

Vi quando Helena passou por nós, correndo atrás da filha com


Enrico seguindo atrás da esposa com clara resignação.

— Ele merece mesmo. Nós merecemos — respondeu, encostando a

testa na minha.

Suspirei, sentindo o beijo rápido que Caio depositou em meus


lábios.

— Estou pensando sobre muitas coisas.

— Tipo? — incentivei a falar, deslizando as mãos por sua nuca,

brincando com seus cabelos, bagunçando-os de propósito.

Caio odiava aquilo, mas nunca reclamava.

— Na nossa casa. Eu gosto deste condomínio, é perto da mamãe,

perto do hospital e um pouco perto da saída da cidade, então fica fácil para
irmos para a fazenda. Sem falar que teremos mamãe perto o suficiente.

Sorri, com seu tom de menino atentado.

— Eu gosto deste condomínio. — Fui sincera.

Queria morar perto das pessoas que amava e aquilo não era
nenhuma dificuldade.
— Seu cachorro é quase a miss simpatia — Heloísa falou, parando

ao nosso lado, encarando o Apolo, que tinha as patas apoiadas na cadeira de


Wiliam e recebia carinho do homem.

Rimos da cena.

— Ele é simpático — disse com o orgulho da cria canina dele.

— E o casamento, quando sai? — Helô brincou, encarando-nos,

enquanto comia um salgado, segurando um copo de suco com a outra mão.

Ela estava bonita e parecia mais leve do que a Heloísa que conheci

no casamento de Alice.

— E seu casamento, é quando? — Caio indagou, encarando a

aliança de noivado nos dedos da mulher.

Ela e Rafael estavam noivos havia muito tempo, porém, ainda não

haviam marcado a data.

O susto de uma segunda quase gravidez os fez retroceder nos planos

de se casarem, pois ela disse que não iria se casar grávida, mas tudo não

passou de um alarme falso.

— Já entendi! — Levantou uma das mãos em sinal de rendição e


saiu de perto de nós dois.

— Ela vai enrolar o Rafael para o resto da vida — Caio sussurrou

rindo.
Quase oito horas da noite, e as crianças ainda estavam por ali,

brincando no pula-pula, mas os menores já haviam desmoronado no chão

da sala de estar de mamãe, ficando apenas Ravi, grudado em Lili o tempo


inteiro.

A festa havia começado mais cedo, pois Lilian não queria que

terminasse tão tarde, então a maioria dos convidados já tinham ido embora.

Conforme observava a Lilian conversando na outra mesa, rodeada


por Alice, Heloísa, Helena e mais algumas amigas, pensava no fato de que

precisava mesmo me levantar e ir até ela.

— Ele vai pedi-la em casamento.

— Vai sim, está quase pulando da mesa.

A segunda voz veio até mim e, finalmente, vi que Henrique,

William e Enrico me observavam. Todos com sorrisos iguais, parecendo o

gato de Alice no País das Maravilhas.

Suspirei, encarando meu grupo, enquanto via Rafael bebendo sua

cerveja, parecendo ser o mais relaxado de todos, enquanto tinha um sorriso


de canto.

— Como vocês chegaram a esta conclusão, gênios? — indaguei,


irritado.

Henri apenas balançou os ombros.

— Foi como fiquei quando fui pedir Alice em casamento. Meu

coração parecia que iria sair pela boca.

Enrico riu e falou:

— Nem me fale, nunca estive tão perto do infarto.

— Nem quando Helena invadiu sua casa e disse que você tinha uma
filha? — Will perguntou, recebendo um olhar atravessado do amigo. —

Que foi? Eu acho aquele momento um ícone.

— Não ouçam o William, ele só lembra das vezes em que fiquei

parecendo um babaca e não quando fui um cara legal — Enrico resmungou,


fazendo-me rir.

— Mas e aí, estamos certo, vai pedi-la em casamento? — Rafael

inquiriu, participando da conversa.

— Você não disse como ficou ao pedir minha irmã em casamento —


instiguei, tentando mudar de assunto.

Rafael suspirou, colocando a garrafa de cerveja no chão.


— Eu poderia dizer que faltei morrer, mas já a tinha pedido em

casamento várias vezes, então meio que estava esperando um “vamos

esperar um pouco mais” — sussurrou, imitando a voz de Heloísa.

Parecendo ouvir aquilo, minha irmã virou a cabeça em nossa


direção, encarando o noivo com um olhar perigoso.

— Oi, querida... — Rafael falou, abrindo um sorriso e segurei a

risada.

— Então, eu estava acostumado a levar um não. Eu quase enfartei

quando levei um sim, isso sim, foi surpreendente.

Ninguém emitiu uma opinião sobre a versão de Rafael, mas via que

todos seguravam a risada.

E antes que a coragem fosse embora, já estava me levantando e


caminhando em direção a Lilian.

Ela estava de costas para nós, segurando Ravi no colo, enquanto o

menino tomava sua mamadeira.

Sorri com o gesto, vendo que Alice tinha os olhos sobre mim,

acompanhando meus movimentos, sabendo exatamente o que iria acontecer.

Não era preciso muito para entender que já estávamos naquela fase.

Mas a única pessoa que sabia realmente era mamãe e ela estava
sentada numa cadeira ao lado de Lilian, escondendo o sorriso por trás das
mãos, quando me abaixei ao lado da minha namorada.

— O Ravi gostou deste... — ela falou para Helena, dando zoom em


uma foto no telefone e se assustou levemente na cadeira quando me viu

ajoelhado ao seu lado. — Meu Deus, você quase me mata de.... — A frase

morreu nos seus lábios, quando me viu estender a caixinha em sua direção.

— Caio... — repreendeu, e abri um sorriso.

— Não sei bem como começar um pedido de casamento quando já

falei de todas as formas que amo você... — Toquei sua mão, puxando-a

levemente para o lado.

Lilian veio, ficando de frente para mim, enquanto segurava nosso

filho nos braços.

— Amo cada coisa em você, Lili. E acho que tenho este sentimento

guardado há anos, desde que te vi pela primeira vez na festa de casamento


de Henrique e Alice, porque você era a coisa mais linda do mundo e só sorri

quando você me deu o fora e em seguida falei para minha amiga que um dia

me casaria com você.

Ela revirou os olhos, sorrindo.

— Ninguém além de nós sabíamos daquele momento. E revelar isso

agora me incomoda, porque gosto das coisas que é somente nossa —

sussurrei. — Gosto das manhãs em que você assalta qualquer doce na


geladeira e da forma que você se empenha em todos os bolos de Ravi.
Gosto como você se aconchega contra mim e de cada minuto que tenho ao

seu lado. — Limpei a lágrima que caiu dos seus olhos.

— Odeia que eu chore — ela completou, encarando-me.

Assenti.

— Odeio. Queria apenas tirar qualquer coisa que a fizesse chorar,

mas sei que faz isso até mesmo com coisas felizes — murmurei, deslizando

as mãos por sua bochecha, as deixando livre das lágrimas. — Não tem nada
no mundo mais precioso do que você e meu filho, Megera. Passarei todos

os dias cuidando do seu coração lindo, se você quiser ser minha esposa.

Caso não, vou fazer igual o Rafael e te vencer pelo cansaço.

Lilian riu, encarando meu cunhado com um sorriso e desviou os

olhos para minha irmã.

Heloísa balançou os ombros.

— É melhor falar sim, agora, do que ser vencida pelo cansaço.

Helô resmungou e Rafael rebateu algo do outro lado da varanda,


mas não consegui escutar o que era, pois Lilian tocou meu rosto, fazendo-
me encará-la.

— É claro que quero me casar com você. Eu me casaria com você


amanhã mesmo — falou, fazendo-me respirar aliviado pela primeira vez
desde que me ajoelhei.

Eu a beijei selando nosso pedido, sabendo que finalmente estava


tudo certo.

Beijei seu ombro, colocando o anel em seu dedo enquanto vi o colar


que comprei para ela em São Paulo, brilhando em seu pescoço.

Ela usava sempre ele, desde quando ganhou, mas só percebi que
tinha minha inicial gravada nas costas havia algumas semanas, quando

observei enquanto ela dormia.

E sabia bem que ela não estava lá quando comprei, então toda vez
que via o colar, me fazia sorrir.
Caminhei pelo corredor do Vale Fontana enquanto observava as
pinturas pregadas na parede. Eram obras de artes bonitas, algumas bem
conhecidas, outras nem tanto, e franzi o cenho, parando em frente a uma

que era a imagem de um casamento, com uma jovem mais atrás.

A pintura focada particularmente nela, parecendo ser melancólica.

Inclinei a cabeça, pensativa, enquanto rodava o colar entre os dedos,


pensando no meu casamento.

Em algumas horas diria sim, para Caio no altar e não esperava que

em doze meses pudesse ficar completamente louca.


Porém, fiquei.

As preocupações misturadas às lembranças da última vez em que

estive a um passo do altar voltavam com força, entretanto, estava tentando

ignorar.

Agradeci quando nos mudamos para o condomínio, porque era um


pouco mais afastado do centro da cidade e assim, não pegávamos tanto o

trânsito caótico de Curitiba.

Sim, tinha medo de que alguma coisa acontecesse com Caio, ou com

Ravi, até mesmo com Apolo.

Alice também estava na lista.

Na verdade, todos estavam.

Eu me apeguei muito mais ao pequeno clã Montenegro, me


tornando inseparável da Heloísa, minha cunhada, e naquele momento ela

era uma das minhas melhores amigas.

Minha psicóloga falou que era normal me sentir pressionada com a

situação e com medo de que algo acontecesse, porque estava me

conectando emocionalmente com mais pessoas do que antes e aquilo

bagunçava minha cabeça.

Eu não achava muito normal aquilo, mas tentava controlar,

principalmente, meus pensamentos cada vez mais negativos.


— Ei.

A voz de Alice me fez virar, vendo-a caminhar em minha direção,

segurando Ravi nos braços.

Sorri para o meu filho, e ele estendeu os bracinhos.

Ravi cada vez tinha mais ciúmes de mim. Conforme crescia, eu

pensava que ele iria acabar mais independente e se afastar, mas foi o

contrário.

E, naquele instante, com seus dois aninhos completos, ele não podia

me ver que pedia colo.

— Lili, cuidado — ela falou, encarando-me com preocupação

enquanto eu pegava meu menino.

Beijei os cabelos loiros dele, sentindo o cheirinho de bebê que ainda


tinha.

— Vai ser rapidinho, prometo.

Eu não sabia se Ravi poderia sentir que um novo irmão estava a

caminho, mas o fato dele escolher justo naquele momento para querer viver
no colo era preocupante.

Eu vinha tendo total controle dos meus períodos desde que Caio e
eu voltamos e só ficamos sem proteção quando tivemos a conversa sobre

filhos, pois não queríamos um episódio ruim novamente.


Enquanto usava o DIU, meus exames passaram a ser mais regulares

por causa do medo e mesmo usando o contraceptivo, ainda fazia testes de


gravidez mensalmente, com medo de algum imprevisto acontecer e não

poder me cuidar da forma que deveria.

Perdi nosso bebê porque não sabia que estava grávida e aquilo não

iria acontecer de novo.

— Vem com a tia, Alice, querido, sua mamãe não pode pegar peso
— Alice falou enquanto Caio se aproximava, franzindo o cenho.

Eu não havia falado com ele sobre o bebê ainda, estávamos cientes
que poderia ter acontecido, mas não tínhamos uma confirmação.

— Por quê? — meu noivo indagou, parando ao meu lado.

Alice me encarou, olhando-me de modo que pedia ajuda.

Balancei a cabeça levemente, confirmando que poderia deixar


comigo e vi minha irmã fugir de nós dois, levando Ravi junto com ela e

uma onda de protestos do menino.

— Lembra que falamos sobre o bebê? — perguntei, abraçando meu

noivo, e o encarei.

— Sim. Você ficou de fazer o exame quando desse para saber.

Eu tirei o DIU porque ele estava mal posicionado e comecei a


pensar em como iríamos evitar uma gravidez. A camisinha foi a opção mais
viável até decidirmos. Só que ela falhou nas últimas semanas e nós dois já

estávamos bem atentos a tudo.

A ideia de esperar o Ravi crescer mais ainda era válida, mas se

aconteceu, não poderíamos fazer nada.

— Eu fiz o exame de sangue há dois dias — respondi, colocando

minhas mãos em torno do pescoço de Caio, enquanto ele me encarava,


desconfiado. — Deu positivo — sussurrei a última parte. — Eu queria te
contar só na lua de mel, mas é difícil não fazer isso, quando você e eu já

falamos tanto sobre ter um outro bebê.

O que mais me agradava era poder falar sobre tudo aquilo com Caio

e ele entender que queríamos ter um bebê, mas queríamos controlar a


situação para que não fosse uma dor no futuro.

Por falar em conversar com Caio sobre tudo, literalmente tudo,


afinal ele era meu parceiro, tivemos muitos momentos naqueles últimos

meses, mas o que mais me marcou foi o fato dele ter ido comigo conhecer a
pessoa que recebeu o coração de Jorge.

Relutei muito em fazer aquilo no começo, mas quando finalmente


chegou o momento, acabei aceitando, sabendo que minhas feridas estavam

cicatrizadas e que não doía mais falar do assunto.


Caio segurou meu rosto, beijando minha testa antes de beijar meus
lábios.

— Tudo bem, amor — concordou. — Vamos cuidar do nosso bebê.

Sorri com suas palavras que eram simples, mas diziam muito.

Ele sabia o quanto tinha medo, assim como eu sabia o quanto ele

temia por mais uma perda.

— Marquei uns exames para a semana que vem — avisei.

— Ok, me passa o horário que vou marcar na agenda — comentou


simples.

Ele era a parte mais calma de nós dois e amava aquilo.

Não iríamos sair de lua de mel para longe, decidimos ficar em Bento

Gonçalves mais um pouco antes de voltarmos para Curitiba, porque Ravi


ainda era muito pequeno para viajarmos para mais longe e não queríamos ir
sem ele.

A decisão na época foi sensata, mas naquele momento parecia ter


sido premeditada, porque não queria viajar grávida.

Ainda mais não sabendo todos os riscos que poderia correr.

— Vem cá. — Ele me puxou para dentro de um dos quartos do hotel

e apenas o segui, vendo-o caminhar em direção à cama, colocando-me


sentada como se fosse uma criança.
— O que está fazendo?

Caio fechou a porta, voltando para perto de mim, e ri quando o

homem se abaixou na minha frente, levantando meu vestido como se fosse


a coisa mais normal do mundo.

— Olá, querido, é o papai — falou, fazendo-me rir, com a cabeça

dele coberta por parte do vestido preto rodado que escolhi para tomar café

com a família Montenegro.

Sua boca tocou meu ventre, e eu quase chorei quando ele o beijou.

— Estou muito feliz. — Ele me encarou com os olhos brilhando.

Sorri.

— Eu também — confidenciei.

— Eu amo vocês — sussurrou.

— Também amo vocês — falei, tocando seu rosto. — Estou ansiosa

para saber como será nosso bebê.

Não gostava de falar nosso filho, porque já tínhamos dois filhos, um


no céu e o Ravi.

O que estava em meu ventre seria nosso bebê, porque era o

significado dele para nós. Era a realização do que tinha sonhado desde que
saí daquele hospital, desesperada, sem saber como iria superar a perda que

sofri.
Só que eu superei.

A dor demorava um pouco para cicatrizar. Ela também não se


fechava totalmente. Às vezes, o espaço se abria e se tornava mais latente,

mas estávamos sobrevivendo aos dias ruins.

O hotel Vale Fontana foi recomendação de Alice e Henrique, porém,

veio acompanhado da ajuda de Giulio Fontana, conseguindo uma vaga na

agenda lotada do local.

Quando Caio disse que gostaria de convidar o homem para nosso

casamento, não pensei duas vezes em aceitar.

Para ele, estávamos apenas nos casando como havíamos dito que

faríamos quando nos encontramos em São Paulo, mas Caio e eu sabíamos


que se não fosse pela mentira, não estaríamos juntos.

O local era lindo e o casamento perto do salão dos vinhedos foi uma

ideia perfeita. Então, quando pisei na entrada do local, senti os olhos de

todos se voltando para mim e meu corpo inteiro travou.

Ali estava praticamente todas as pessoas importantes para nós, e

mesmo que me doesse um pouco ainda, minha família, pai e mãe, estavam

ali.
Nossa evolução estava sendo boa, não incrível, mas boa.

Nunca teríamos a ligação que Josiane tinha com os filhos, porém, já

não era mais uma coisa formada por mágoas.

A paz entre os dois foi finalmente selada, pois estavam em novos

relacionamentos e evitavam a todo custo ficarem no mesmo espaço.

Sorri quando Ravi correu em minha direção.

— Mamãe! — exclamou, puxando-me pela mão.

Sorri, de mãos dadas com Alice e encarei Caio que limpou a


bochecha, chorando.

Meu futuro marido estava a coisa mais linda, em frente ao juiz de

paz, com os arcos de flores brancas.

As boas e velhas tulipas...

Não havia nada que desejasse mais do que um futuro ao lado dele.

Mas, por que não conseguia caminhar até ele?

— Pronta? — Alice perguntou, enquanto Ravi brincava com a renda


da cauda do meu vestido de noiva.

— Pronta — confirmei.

Estava pronta, estava sendo corajosa e não iria pensar em tudo que

poderia machucar, mas nas coisas boas que iríamos ter juntos.
Quando caminhei em sua direção, sabia que de todas as minhas

escolhas ruins e momentos tristes, finalmente acertei.

Desde o momento em que me ajoelhei em frente a Lilian e a pedi

em casamento, já havia experimentado diversos sentimentos.

Mas quando ela me contou sobre o bebê que esperava, meu coração
machucado por causa do passado se acalmou.

Ela sabia do bebê, estávamos conscientes daquilo e faríamos de tudo

para que ele chegasse com saúde.

Sorri quando lembrei dela, rindo de mim, conversando com seu


ventre durante a tarde.

E, naquele momento, em frente a todos nossos convidados,

aguardava a mulher da minha vida entrar no salão, observando Ravi subir e

descer a pequena escadinha do altar, brincando, alheio à cerimônia que


acontecia.

Meus olhos se focaram no assento vago ao lado de Alice, bem na

primeira fileira, era algo simbólico para que Sabrina estivesse ali.
Eu queria muito que minha amiga tivesse vivido para me ver dizer

sim para a mulher que eu amava.

Nossos amigos estavam ali, os mais próximos como Carol, meus

irmãos e também os mais distantes, como Enrico, William e Helena.

O casamento também estava lotado de crianças e para todos os lados

que se olhava, encontrava algum baixinho pentelhando.

Amora se aproximou de mim, segurando as almofadinhas com as


alianças.

— O senhor vai se casar com a tia Lili — falou, ficando ao meu

lado, como uma mocinha.

— Sim — respondi, orgulhoso.

— Agora os dois são nossos titios, até a tia Lili que agora não é só

da Mel e do Enzo — ela afirmou, inteligente, encarando o amigo sentado ao

lado de Alice e Henri.

Eu poderia jurar que Amora iria mostrar a língua de volta para Enzo
que fez uma careta ao ser repreendido por Alice, antes dela se levantar para

chamar Lilian.

As duas entrariam juntas, como foi no casamento da mais nova.

E quando minha futura esposa colocou o pé na entrada, senti o ar


faltando.
Lilian estava a coisa mais preciosa do mundo vestida de noiva, em

resposta meu coração acelerou, meus olhos lacrimejaram de modo


automático e não consegui conter as lágrimas.

Eu iria me casar com aquela mulher.

Eu iria mesmo me casar.

Sempre soube que chegaria o momento de estar apaixonado, só não


pensei que amaria tanto alguém como eu a amo.

Ela hesitou, mas foi abordada por nosso pequeno, que falou um

“mamãe” alto, rodando em torno do vestido de noiva, fazendo-me rir.

Encarei a noiva, sorrindo.

E quando Lilian caminhou em minha direção, pensei que estava

sonhando.

— Pronto? — ela sussurrou quando estendi a mão.

— Mais do que pronto — confirmei com sinceridade.

A cerimônia foi bonita e enquanto a observava, prometendo nossos

votos, sabia que nada no mundo me faria mais feliz do que passar a vida

toda ao lado dela.

Ter Lilian na minha vida era a realização mais bonita que já tive e

nunca poderia imaginar que um dia teria seu amor.


— Eu vos declaro, marido e mulher. Pode beijar a noiva — o juiz de
paz falou.

Eu me aproximei, segurando seu rosto, encostando minha boca na

sua, em um beijo lento, fazendo meu coração apaixonado se agitar dentro


do meu peito.

Ela me encarou no instante em que me afastei e sorri, antes de me

abaixar para beijar sua barriga, ouvindo o silêncio rapidamente atingir


nossos convidados.

Antes deles recomeçarem a falar e bater palmas como se fosse a

coisa mais insana do mundo, Lilian riu, abraçando-me novamente, com o

rosto afundado contra meu pescoço.

Senti seus lábios em minha pele em um beijo.

— Eu amo você — sussurrou.

— Eu amo mais — falei com o tom mais convencido que consegui.

E sua risada em resposta me deixou mais feliz do que poderia

prever.
Deslizei a espátula sobre o chantili branco, focando toda minha

atenção em uma simples tarefa que parecia bem mais fácil com todos os
milhares de vídeos que vi na internet na última semana.

Mas não, parecia uma missão impossível conseguir finalizar aquele


bolo sem que ficasse parecendo uma grande torta de glacê.

Ravi parou ao meu lado, encarando-me com curiosidade e segurei a


risada.

Estávamos em Florianópolis desde o início da semana, para passar o

aniversário de Lilian na casa de praia que mamãe havia comprado no ano


anterior, porque ela se apaixonou por um cara desconhecido que amava

praia e ela estava fazendo de tudo por aquele novo relacionamento.


Ele gostava de viajar para Florianópolis e quando vinha, mamãe o

acompanhava, hospedando-se na casa de praia.

Eu ficaria preocupado com o avanço rápido do relacionamento

deles, mas ele claramente a adorava tanto quanto ela.

Os dois juntos eram uma coisa realmente boa de ver, pois era um
casal completo.

Sim, completo.

Do tipo que pulava de cabeça e fazia juras de amor.

Eu não a julgava, afinal, olha só onde estava, casado e com um casal

de gêmeos dentro da barriga da minha esposa. Esposa que no momento

estava dormindo no quarto, cansada demais com sua barriga de quatro


meses.

Decidimos vir para praia porque Lilian não gostava de comemorar

aniversários e a convenci que era um ótimo destino para nós três

comemorar mais um ano de vida dela.

Foi uma missão até fácil.

O que ela não sabia era que combinei com Alice para aparecer no

dia seguinte, pois sabia que as duas nunca passavam as datas importantes

separadas.
Quis fazer aquilo porque queria que Lilian estivesse próxima das
pessoas que ela amava.

Aquilo era muito importante para ela.

— Sim, fica quietinho para sua mãe não acordar antes do momento

certo — falei, encarando minha obra enquanto deixava o resmungo sair dos

meus lábios.

Aquilo não estava da forma que desejei e por isso comprei um bolo

digno dela, para casos como aquele.

— Oi, oi — ela falou, entrando na cozinha, enquanto se

espreguiçava.

Lilian estava linda, os cabelos soltos em torno dos ombros, com um

vestido preto e rodado no corpo, bem acinturado, marcando a barriguinha

de quatro meses dos nossos gêmeos.

— Oi, querida — cumprimentei, jogando as coisas sujas dentro da

pia, fazendo com que ela levantasse a cabeça, encarando o bolo com

curiosidade. Deixei o suspiro sair dos meus lábios.

— Caio...

— Eu sei, está horrível — falei, frustrado, então peguei Ravi nos

braços, caminhando em sua direção. — Eu queria fazer, porque você


sempre se esforça nos aniversários do Ravi. Faz tudo e é especial. Queria

que o seu fosse especial também.

Lilian sorriu.

— É especial só por você se importar, amor — comentou, segurando


meu rosto e beijou meus lábios.

E sim, eu me importava muito.

— Quero comemorar mais um ano da sua vida. E, por isso, vamos

acender velinhas e bater palmas, mesmo você não gostando tanto.

Ela suspirou e puxei a banqueta, indicando que ela se sentasse.

Os primeiros quatro meses de gravidez não foram tão tranquilos

quanto a gente desejava. Lilian teve um pouco de sangramento e corremos


para o hospital. Deixei os médicos quase doidos, mas conseguiram conter e

não houve assim grandes riscos.

Falaram sobre a gravidez poder se tornar de risco, mas nós dois já

estávamos cientes que depois daquela gestação, ter mais filhos não poderia
ser uma opção recorrente, pois era muita preocupação.

Só que Deus havia nos abençoado com dois bebês em seu ventre e
pensar naquilo ainda aquecia meu coração, porque seria dois sonhos

realizados de uma vez.

Um menino e uma menina.


O que era divertido, porque nas primeiras semanas, eu jurava que

era menina e Lilian dizia o contrário.

— Bolinho — Ravi falou, estendendo a mãozinha para alcançar o

bolo.

— Não é o bolo da mamãe não, amor, foi o papai que fez —

expliquei, sentando o pequeno na cadeira ao lado de Lilian, com as devidas


travas de segurança para que ele não cometesse um atentado contra si
mesmo.

— Papai fez? — indagou, franzindo o nariz, e Lilian riu.

— É, o papai fez — afirmei, aproximando o bolo dos dois, porém,


acabei pegando o segundo bolo e colocando ao lado dela.

Ele era branco com glitter.

Coloquei as velas sobre o bolo, deixando-o bem iluminado.

— Eu não quero cantar parabéns com este bolo — ela falou,

encarando-me com um biquinho manhoso, apontando para o bolo bonito.

— Mas Lili...

— Quero este, Caio — afirmou, segurando o bolo. — Você fez, eu o


quero.

Tremi com medo, imaginando o gosto daquele bolo, mas não evitei
em sorrir.
— E a foto — disse, trocando as velas de lugar.

Ela assentiu, encarando o bolo junto a Ravi, parecendo duas

crianças esperando a mesa de doces ser liberada.

Enquanto cantávamos parabéns, Lilian estava com os olhos


brilhando exatamente como uma criança, deixando-me completamente

contente com o meu feito.

Meu Deus, amo a minha família.

— Vem cá.

Eu me aproximei, sendo puxado levemente em sua direção e ela me

beijou.

— Eu amo você.

— Também amo você, Megera — sussurrei, e ela sorriu.

Beijei o topo da cabeça de Ravi, vendo que ele havia conseguido

enfiar o dedo no glacê do bolo e naquele instante o tinha dentro da boca,


sorrindo sapeca para nós dois.

— Ravi! — Lili exclamou.

O menino cobriu os olhinhos com as mãos, fingindo vergonha.

Eu me afastei, colocando o telefone apoiado no suporte, enquanto


programava para tirar a foto em segundos. Corri para perto deles, peguei
Ravi nos braços e segurei a cintura de Lilian enquanto ela ainda segurava o
bolo com as velinhas acesas. Arrumei Ravi nos meus braços, querendo que
ele olhasse para câmera e beijei os cabelos de Lilian.

O flash nos deixou rapidamente cegos.

Ela me encarou por cima dos ombros.

— Obrigada — sussurrou.

— Não tem nada para agradecer — falei, beijando sua bochecha.

Porém, ver Ravi afundando a mãozinha no bolo nos fez rir e aceitar

que precisávamos alimentar a ferinha.

Ele amava doces e aquilo era culpa de Lilian, que o viciava em

bolos todos os meses, continuando com os bolos mensais como uma

tradição.

Observei o berço deles, ainda sem acreditar que finalmente havia

chegado.

Meu coração acelerava a todo momento sempre que pensava nos


últimos nove meses e no quão incrível e assustador foi cada momento.
Passar por uma gravidez foi difícil, mas com gêmeos na barriga foi

como se eu estivesse carregando o mundo em minhas costas. Minha mente


voltou a ser fraca durante os últimos meses, porque a todo momento

pensava em cada coisinha que poderia dar errado e perder tudo que tinha.

Meu maior medo era se o pior acontecesse.

Sem dúvida, não era tão forte assim para superar a perda de dois.

Porém tinha o Caio ao meu lado e toda vez que ele falava dos filhos,

o homem se tornava um completo marshmallow, todo derretido, o que me

preocupava que ele fosse sofrer ainda mais, caso algo acontecesse.

Porém, não aconteceu.

Enquanto limpava a bancada ao lado do berço, ainda sentia meu

coração batendo agitado, como foi desde o momento em que senti a

primeira contração.

O quarto de estrelinhas estava parcialmente escuro.

Ouvi quando a porta se abriu e meu marido entrou, sorrindo para

mim. Devolvi o sorriso, jogando as fraldas sujas dentro do cesto de lixo,


para no dia seguinte colocar tudo para fora.

— Ravi dormiu — falou, aproximando-se.

Fazia dois dias que saímos do hospital e estava sendo complicado

arrumar tudo. Principalmente, porque Ravi era levemente ciumento quando


se tratava de mim. Com Caio, ele geralmente não se preocupava tanto, mas

era completamente grudado em mim.

E me ver dando atenção aos gêmeos estava sendo um período cheio

de lágrimas.

— Que bom, ele estava agitado hoje — comentei, aproximando-me

do meu marido e o abracei, sentindo o beijo no topo da minha cabeça.

— Como você está? — inquiriu, passando as mãos em minhas


costas.

Eu estava acabada.

Havia dois dias que dei à luz a gêmeos, não dormia bem com eles

chorando e com certeza meus seios haviam virado o novo parquinho deles.

— Estou bem. — Foi tudo que disse.

Caio sabia que estava mentindo.

Só que nós dois não queríamos reclamar de nada, porque amávamos

aquela bagunça.

— Henry é o mais agitado — ele falou, encarando o mais velho.

Henry Montenegro nasceu com apenas segundos de diferença da

mais nova, Maria Alice.

E sim, havia sido nomes escolhidos em homenagem aos nossos


irmãos.
Alice não havia parado de chorar desde que contei, quando viu os

gêmeos, porque passamos a gravidez inteira dizendo que ainda não


havíamos escolhido os nomes, pois queríamos que fosse uma surpresa.

Henrique apenas sorriu, abraçando Caio em seguida ao descobrir

que o pequeno se chamava Henry, em sua homenagem.

— O que é estranho. A Alice era terrível quando era mais novinha...

— falei, lembrando-me da minha irmã ainda pequena.

Ele riu, encostando os lábios na lateral da minha cabeça.

— Acho que eles estão deixando claro que não são uma cópia.
Apenas homenagens — brincou, e assenti.

A escolha veio de uma forma simples. Depois da minha nova

família, Alice era a pessoa que mais amava no mundo e para Caio,

Henrique sempre foi um exemplo.

Então ali estavam as coisas que mais amávamos.

— Vem, me deixa colocar você para dormir também — ele chamou,

puxando-me para fora do quarto.

— Vai cantar cantiga de ninar? — zombei, seguindo para fora, e ele


fechou a porta do quarto dos gêmeos.

— Canto, claro.
A caminho do nosso quarto, parei no de Ravi, vendo o menino

adormecido em meio aos lençóis e me abaixei para beijar sua cabeça.

Ele ainda tinha cheirinho de bebê.

— Dorme bem, Ravizinho — sussurrei, vendo os cabelos loiros


suados, porque depois do banho ele ainda ficou pulando pelo quarto por

uma hora, antes da bateria finalmente acabar.

Aquele menino tinha uma bateria infinita, às vezes.

— Vamos, que prometi brincar com ele amanhã.

Caio riu, e me seguiu para fora do quarto.

Eu acordava várias vezes à noite, então dormir quando os gêmeos

estavam dormindo, era essencial, principalmente porque não poderia ser


Caio a acordar, já que era pelos meus seios que eles acordavam. Com Ravi

não era mais tão necessário, porque geralmente Caio acordava quando o

filho ia até nosso quarto.

O que era com muita frequência.

— Boa noite — sussurrei para meu marido, já deitada, e ele me

cobriu, negando com a cabeça para minha preguiça de levantar o lençol.

Beijou meu rosto e a última coisa que vi antes de fechar os olhos foi

o Apolo, entrando no quarto e se deitando ao lado da nossa cama, com um


fungado alto.
— Boa noite.

E em segundos, estava dormindo, porque ter uma família era


cansativo, só que também era tudo que sempre precisei, amor.

Lilian adormeceu segundos depois da sua cabeça se encontrar com o

travesseiro, e eu sorri, inclinando-me para alisar a cabeça de Apolo no pé da

nossa cama.

Ele estava quase dormindo ali, mas acordou quando o alisei,

lambendo minha mão em um gesto costumeiro.

A babá eletrônica transmitiu um barulho do quarto dos gêmeos e


antes que pudesse hesitar, já estava caminhando de volta para eles.

Assim que entrei no quarto decorado de pequenas estrelinhas

brilhantes, os encontrei com Mali dormindo bem próxima ao irmão,

fazendo-o se mover, irritado com a aproximação.

Eu os afastei, encostando-me ali para observar um pouco do sono

dos dois.
Maria Alice me lembrava Lilian, os cabelos bem escuros, o mesmo
formato do rosto e os olhos castanhos, no mesmo tom.

Com certeza, ela iria mudar com o tempo, mas esperava que não.

Minha filha era perfeita, igual à mãe.

Enquanto Henry, ainda não sabia dizer se parecia comigo ou com

ela, mas ele tinha um tufo de cabelos bem escuros na cabeça e os olhinhos

mais dóceis que já vi na vida.

— Papai.

A voz de Ravi me fez virar.

— Oi, campeão. — Eu me abaixei, e ele se aproximou, arrastando o

lençol enquanto coçava os olhinhos.

— Tô com medo — falou, dengoso.

Eu o peguei, beijei sua bochecha e encostei a cabeça em meu

ombro.

Observei os gêmeos uma última vez, vendo Mali se aproximando de

Henry novamente, e daquela vez, o irmão não protestou, deixando que ela
dormisse próxima a ele.

Sorri e saí do quarto com Ravi nos braços.

— Vamos dormir com a mamãe — disse para o mais velho, vendo

que ele já estava quase dormindo novamente.


E assim que me deitei ao lado de Lilian, coloquei nosso filho entre
nós, ninando-o até que estivesse completamente adormecido.

Realmente, ter uma família não era fácil, requeria abrir mão de

alguns momentos nossos para cuidar deles, mas nunca faltava amor.

Eu amava tanto eles que daria qualquer coisa só para vê-los bem.

Beijei a mãozinha de Ravi, encarando o rostinho adormecido.

E sim, ele ainda me lembrava dela.

Talvez sempre lembraria e aquilo era bom, pois passou a não ser
uma dor, mas uma benção.

Toda minha família era uma enorme benção.


Segurei a risada ao ver mamãe se aproximando de nós, andando pela
escada de madeira como se estivesse na beira de um precipício.

Dona Josiane usava roupas próprias para neve e vinha acompanhada

dos gêmeos, enquanto respirava fundo ao nos alcançar.

— Como deixei vocês me convencerem desta viagem? — indagou,

ainda irritada.

Nossa família queria ir para a neve naquele ano, como foi o destino
havia alguns anos. Sem contar que foi um pedido insistente de Ravi com a

ajuda dos gêmeos.


— A neve é legal, vovó — Ravi falou, sentado na cadeira de

madeira, ao lado do avô e Lilian.

Ele falava tudo como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

No auge dos seus treze anos, o menino gostava de falar as coisas

como se só ele soubesse as verdades universais e aquilo me lembrava a


Sabrina.

Tudo nele me lembrava a Sabrina.

Apesar das pessoas falarem o quão parecido ele era com a nossa

família, quem conheceu a sua mãe biológica não poderia discordar.

Porém, acho que a convivência acabava moldando a pessoa.

Se você observar o Ravi, ele acordava e a primeira coisa que

procurava pela manhã era doce na geladeira.

Igual a Lilian.

Ele adorava passar horas tocando no piano dela e correndo atrás de

Apolo pela casa.

Não mudou nada desde que ele tinha três aninhos de idade e sua

bateria ainda parecia ser eterna.

Descendo um pouco a escada que levava ao espaço com neve,

conseguíamos ver toda a família reunida, conversando enquanto as crianças

faziam um enorme boneco de neve.


Eu me virei para Lilian, ajudando mamãe a subir o último degrau,
enquanto Roger ria da esposa em seu habitual drama em todas as férias.

— Eu avisei que ouvir as crianças daria nisso — Lilian falou,


tomando seu conhaque, numa tentativa de se aquecer.

Ela odiou a viagem para a neve havia cinco anos e desde então,

recusava todas as tentativas de Ravi em fazer a gente retornar.

Mas não funcionou e ela foi vencida pelo cansaço.

Mamãe se sentou ao lado de Roger na mesma cadeira larga onde ele

estava e vi quando o homem colocou seu casaco sobre os ombros dela,

entregando um pouco da sua bebida para aquecê-la.

Sorri, sentando-me novamente junto a Lilian, enquanto

aguardávamos todos retornar para irmos jantar.

— Você está quentinho — Lilian sussurrou, aconchegando-se contra

meu corpo.

Passei o braço em torno dos seus ombros, vendo os gêmeos discutir

por alguma coisa aleatória, como sempre.

— Eles vão acabar chorando.

Suspirei.

Sim, era sempre assim.


Só que Ravi se aproximou, entrando no meio dos dois. Eles eram

um time. Enquanto Ravi era agitado e falador, Henry era o mais calmo,
menos com Mali, pois desde o nascimento, a menina nunca deu paz ao

irmão.

Não havia coisa que Maria Alice amasse mais no mundo do que

perturbar Henry.

Ela chorou quando o irmão deu um empurrão nela, me fazendo


começar a levantar para brigar com ele.

— Não chora, Mali, não chora — Ravi se apressou, limpando as


lágrimas que caíam dos olhos da menor e sorri, orgulhoso dele. — Não

pode empurrar, Henry. Ela é menina! — ele exclamou, como se ser menina
fosse a diferença.

— Não é só por ser menina — repreendi, lembrando da conversa


que já tivemos inúmeras vezes sobre não poder bater e pronto, afinal

violência era feio e todas as coisas que os pais falavam.

— É, não só por ser menina.

Henry suspirou.

Ele sempre parecia ficar resignado quando Ravi brigava com ele.

— Desculpa, Mali — sussurrou, abraçando a irmã.

E em segundos, ela o abraçava de volta.


Os três era o que gostava de denominar como caos.

Não importava a situação, eles a faziam se tornar uma bagunça e


depois retornavam ao ponto de paz.

— Viu? Eles já conseguem se resolver sozinhos — mamãe falou,


sorrindo para mim.

Ela estava encostada em seu marido, e apenas assenti, gostando de


vê-la feliz.

Josiane e Roger se reencontraram por acaso. Foi uma surpresa para


nós descobrir que ele conhecia meu pai e já foi interessado na minha mãe

durante a juventude. Eles se envolveram rapidamente, casando-se ainda


mais rápido, apenas seis meses depois.

Quando aquilo aconteceu, todos ficamos meio receosos com o


caminho das coisas. Não porque não gostávamos do Roger, mas porque
tínhamos medo de que ela se machucasse novamente.

Meu pai já tinha sido canalha o suficiente com ela.

Só que um ano passou, dois e quando vi, dez anos se foram.

Não tinha um dia em que não o via apaixonado pela minha mãe, o
que só que me fazia gostar ainda mais do homem.

— Vovô — Mali falou, aproximando-se. — Abre para mim.


Roger abriu o vidro com pequenos desafios que ela trouxe dentro da
mala.

Ele chegou quando os gêmeos ainda estavam na barriga da Lilian,


então conforme eles cresciam, adotaram o bom e velho vovô. Porque era
assim que Roger os tratavam e eles o adoravam. Com isso, os netos de dona

Josiane acabaram se adaptando a chamar o homem de vovô.

Vi quando Heloísa retornou para casa, segurando a mão do filho,


sendo acompanhada pelo mais novo e o marido.

Ela se casou havia cinco anos.

Sim, ela enrolou o Rafael por anos antes deles finalmente subirem
ao altar novamente.

Todos sabíamos que ela estava se vingando, mas minha irmã


afirmava veemente que nunca faria aquilo.

Rafael era inteligente para muitas coisas, mas para a esposa, não.

Ele acreditava fielmente que ela nunca se vingaria dele.

José Miguel se aproximou, sentando-se na cadeira onde Lilian e eu

dividíamos, se apertando, e Heloísa riu do filho.

— Vou colocar minha cria para dormir — falou, apontando para o

mais novo.
Yuri Montenegro era o mascote dos herdeiros Montenegro, com
apenas três anos.

O pequeno bocejou quando a mãe mencionou a palavra dormir, todo


dengoso.

— Telo blincar com o maninho — ele sussurrou, e ela riu, negando

com a cabeça, entrando na casa.

Heloísa ligou o aquecedor assim que entrou e logo o local foi


ficando mais quente.

Puxei as mangas da minha camisa para cima e enlacei minhas mãos

nas de Lilian, beijando o dorso, vendo sua aliança ali. Minha mão também

carregava a minha e se você subisse um pouco mais por meu braço, veria
que havia outra adição, a pequena tatuagem de asas de um anjo, com a data

da nossa perda, conectando-as.

Suspirei.

Fazia anos desde que perdemos o bebê e toda vez que encarava a

tatuagem doía um pouco.

— Te amo — ela sussurrou, com a cabeça encostada em meu peito.

Lilian não teve dificuldade em virar, beijando o local da tatuagem


que nós dois sabíamos o que significava.
Minha esposa acabou não querendo mais passar pelo parto depois de

termos os gêmeos, e eu entendia aquilo, afinal era muita pressão para ela e
para toda nossa família. Então, optamos pela cirurgia, onde não teríamos

surpresas no futuro.

Estávamos bem, tínhamos três filhos lindos e não tinha um dia em


que eu não pensasse o quão sortudo era por tê-los na minha vida.

O grito de Amora foi ouvido de cima e vimos quando ela caiu na

neve, rolando junto com Enzo, sendo seguida pela menor, Melinda, que

mesmo sendo alguns anos mais nova, o irmão e a prima nunca a deixava de
fora.

Só que a conexão que Enzo e Amora tinham era diferente. Os dois

seguiam inseparáveis e ninguém mais se surpreendia com o fato dos dois


terem se inscrito juntos na faculdade e até cogitarem o mesmo curso.

Porém, não foram tão longe.

Com vontades opostas, eles estavam buscando objetivos diferentes.

— Cansada? — indaguei para Lilian, vendo seus olhos se fecharem.

Ela assentiu.

Vi quando Lara se aproximou de nós, terminando de subir os

degraus da pequena escada e assim que mamãe abriu os braços, a neta se


jogou entre eles. Logo atrás da menina, Alice e Henrique acompanhavam a

cena, sorrindo, abraçados.

— Mas estou descansando aqui — respondeu, rindo.

Beijei o topo da sua cabeça.

— Também amo você, Megera — sussurrei, lembrando que não

havia respondido.

Ainda falávamos muitos eu te amo, só que naquele momento eles

pareciam ter muito mais significados.

Era a reafirmação de que estávamos juntos.

Só que uma coisa que quase nunca dizia era que nunca deixaria de

amá-la.
APENAS ME AME, Um amor para o CEO

Leia aqui

Sinopse: O CEO não sabia, mas uma única noite mudou toda a vida de
Olivia. Agora ela tinha um filho dele e ele nunca teve chance de

conhecê-lo.

⠀ OLIVIA TURNER é uma estilista que se mudou para Nova Iorque para

buscar melhores chances e poder enfrentar uma gravidez inesperada. Ela


acaba de ser convidada para ser madrinha de casamento da melhor amiga.

Mãe solo, teve que amadurecer cedo para cuidar do pequeno Archie e
apesar das adversidades, não tem nada que não faria pelo seu filho. Só que

o convite de casamento é um convite para ela rever seus segredos.

Olivia saiu de Newport, Oregon, depois de descobrir a gravidez e o

casamento inesperado do pai do seu filho, prometendo guardar para si o

segredo que os juntava para sempre. E ela não está preparada para rever o
primeiro homem da sua vida.

⠀ JUSTIN MONROE é um CEO recluso e fechado, que depois de perder a

esposa em um brusco acidente de carro, vê toda sua vida ser virada de

cabeça para baixo e ele não tem mais forças para seguir em frente. Anos
depois, vivendo para o trabalho, descontando sua solidão em coisas que não

o satisfazia mais, ele é convidado para o casamento da prima e com isso,


vai descobrir segredos que ele nunca imaginou.

⠀ Dois corações buscando alento, um segredo, uma criança inteligente e um


amor inesperado.
MINHA ESCOLHA

Leia aqui

Sinopse: LIVRO 3 - SÉRIE DESTINO INESPERADO

(Série onde cada livro conta a história de um casal, pode ser lido

separadamente)

Mariana Amorim é filha de um ex-político influente na região do Sul do

Brasil, saiu da cidade natal depois de ter que assumir uma gravidez

inesperada sozinha e recomeçou em outro lugar, com o objetivo de dar o


melhor para a criança que crescia em seu ventre.

Cinco anos depois, Mariana se salvou e seu filho é seu maior presente. Só
que ficar desempregada a faz aceitar um emprego fora de Porto Alegre para

não deixar que nada falte a Guilherme.

Só não imaginava reencontrá-lo.

Miguel Fontana é um CEO herdeiro de uma família importante na região

Sul do país, assumiu o lugar de diretor executivo dos hospitais da família


logo após retornar dos Estados Unidos, pois saiu do país depois de um

coração partido e está no Brasil há cinco anos, vivendo como melhor lhe
convém, ou seja, festas, bebidas e mulheres. Um ultimato das irmãs o faz

voltar para casa. Ele só não esperava reencontrar a única mulher que já o
rejeitou.

Mariana parecia imune a ele. Mas ela só estava tentando proteger seu
coração.

Ele queria uma chance, mas para isso, precisa aceitar que o amor não

machuca.

UM NATAL NO VALE FONTANA

Leia aqui

Sinopse: VALE FONTANA, I

Recomendado para maiores de dezoito anos.

ROMANCE COM FAZENDEIRO RENDIDO PELA FILHA DO SEU

INIMIGO
Diana Louzada é a herdeira da qual o poderoso Felipo Fontana não

esperava se apaixonar. Ambos são nascidos em berço de ouro e com o


caminho entrelaçados pelas escolhas das suas famílias, irão se encontrar

anos depois, mais velhos e instantaneamente atraídos um pelo outro. Felipo


odeia a família de Diana e tudo que eles representam, enquanto ela não faz

a menor ideia de quem ele é.

Estava tudo de acordo com os planos dele quando ela se apaixonou e ele se

entregou. Uma gravidez inesperada, uma briga que gerou um caos na vida
da jovem estudante de medicina veterinária. Ela precisava recomeçar, mas
quanto mais foge do seu passado, mais próxima dele se encontra.

Uma viagem que causou o reencontro e agora Felipo precisa do perdão da


mulher que ama para poder ter um futuro ao lado do seu bebê.

O CASAMENTO DO CEO

Leia aqui

Sinopse: DO AMOR AO ÓDIO:


Um CEO Ambicioso, Uma Mulher Obstinada & Um Casamento
Arranjado

Javier Garcia sabe bem o que deseja. Sempre soube: continuamente


almejou o topo do mundo em que foi criado, e nada o impediria de subir até
lá. Nem mesmo um casamento arranjado, o tipo de coisa que ele abomina.

Valentina Ferraz é filha única de um dos sócios da Garcia & Ferraz


— empreendimento por meio do qual a família de Javier conquistou sua
fortuna — e se vê perdida ao ser jogada nos braços de um homem que

repudia. Javier representa tudo que ela não quer em um marido. E, para
início de conversa, ela nem ao menos desejava se casar, mas, ainda assim,

será obrigada a estar ao seu lado.

Uma mulher empoderada busca provar seu valor em meio a uma

sociedade marcada por tradições ultrapassadas.

Um homem obstinado procura não ceder à tentação, mesmo que ela

venha embrulhada da maneira dos seus sonhos.


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É estudante de pedagogia, nascida no sudeste do Pará, se apaixonou
por livros ainda na adolescência por meio das fantasias de Rick Riordan e

Cassandra Clare, mas acabou encontrando seu refúgio em romances


dramáticos. Começou a escrever por meio de fanfics e quando viu já estava
desejando criar seu próprio livro. Com mais de dez títulos lançados, adora
boas histórias que juntam: drama, comédia e suspense.

Outros títulos:

1. Para sempre nós dois


2. Nosso bebe inesperado

3. Um bebe para o herdeiro

4. Apenas me ame
5. Sempre te amarei

6. A redenção do fazendeiro
7. Minha escolha

8. O casamento do CEO

9. Encontro com o amor


10. Nove meses depois

11. A remissão do cafajeste


12. Um amor para o pai solo

13. Um natal no vale Fontana

14. Sempre será você


15. A herdeira do CEO

16. Um acordo com o jogador

17. A redenção do viúvo


18. O passado do CEO

19. Quando te encontrei

20. Encontrei você


21. A paixão do CEO

22. Grávida do CEO


23. Amor maior

24. Uma farsa para o CEO

25. Paraíso sombrio

26. O herdeiro inesperado do CEO

27. Sempre ao seu lado

28. Para sempre você: A redenção do juiz

[1]
Animal sem raça definida.

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