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Esta é uma obra de ficção.

Nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Esta
obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua
Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios
(tangível ou intangível) sem o consentimento escrito da
autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.2018.

Copyright © 2023 NIKOLE SANTOS


EQUIPE EDITORIAL
Capa: Nikole Santos
Imagens: aiimagegenerator.art; freepik
Revisão: Leticia Tagliatelli
Ilustração: Crislainy Reis
Diagramação: Nikole Santos
“Como você quer que as pessoas acreditem que não
estamos namorando, se toda hora inventa uma coisa para
aparecermos juntos?”

Tudo o que eles queriam era nunca mais se


verem, mas o destino juntou os dois e agora, a
namorada falsa do milionário tem todos os holofotes
sobre ela, já ele tem a chance de se redimir pelos
erros que cometeu com a mulher no passado.

Linda Fonseca é uma jovem orgulhosa que procurou o


milionário, Rômulo Guimarães, para recusar as propostas
que a empresa dele ofereceu depois que seu pai faleceu
durante o expediente de trabalho. Ela acreditava que ele a
ouviria, mas descobriu que o belo homem era um completo
arrogante, insensível.
Rômulo estava na paz de sua casa quando ouviu os
gritos de Linda e ficou furioso ao ver que ela tinha
conseguido entrar em sua fortaleza, deixando um rastro de
estragos, além de uma história que ele julgou ser
mentirosa, um golpe em sua visão.
Com um primeiro encontro desastroso, eles assinaram
um contrato que impediria de um processar o outro e cada
um seguiu a sua vida.
Mas o tempo pode ser o melhor remédio para
esquecer, ou para pensar e voltar atrás...
Quando esses dois se reencontraram, a mágoa ainda
existia, o ódio ainda existia, mas arrependimento?
Talvez, pela parte dele.
Um grande desejo de se redimir surgiu na mente do
milionário a ponto de oferecer ajuda a garota, que
financeiramente estava no fundo do poço, um trabalho no
mesmo prédio da sua empresa.
Eles só não esperavam que todo mundo aguardava
esse reencontro para poder dizer: “Eles estão namorando” e
com a convivência no trabalho, isso só piorou.
Agora não importa o que façam ou o quanto se
odeiam, para a família dele e toda a cidade os dois estão
juntos e ponto.
O melhor remédio seria se afastar, não é?
Mas parece que para esses dois não!
Querido leitor,
Obrigada por ter se interessado pela minha história!
Esse livro tinha uma versão mais pesada, que
carregava seu primeiro título “O CEO sem coração”, com um
início forte e complexo, mas quando decidi relançar com
esse novo título, preferi tirar esse peso e focar no que os
leitores amaram: a confusão que é o namoro falso desses
dois.
Se você já leu, a única diferença é que as atitudes do
Rômulo com a Linda foram modificadas. Somente isso
mudou. Nada mais.
Se é a sua primeira leitura, espero que curta nosso
casal e se divirta com esses dois e tudo que acontece ao
redor deles.

A história contém palavrões e cenas de sexo


explícito e por isso é indicada para maiores de 18
anos.
A cidade retratada na história é fictícia e
qualquer semelhança com a sua cidade não é mera
coincidência.
A história contém também linguagem informal, para
se adequar ao ambiente e personagens.

Boa leitura!
Nikole Santos.
Fiz essa playlist com as músicas que ouvi enquanto
escrevia essa história. Se quiserem uma trilha sonora para
embalar os momentos durante a leitura, é só escanear o QR
CODE acima ou clicar no link aqui abaixo:

PLAYLIST “A NAMORADA FALSA DO MILIONÁRIO”


Para minhas irmãs, Verônica e Luciana.
Mesmo sendo enroladas comigo, dedico o livro a
vocês.
Sumário
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
CAPÍTULO 59
CAPÍTULO 60
CAPÍTULO 61
CAPÍTULO 62
CAPÍTULO 63
CAPÍTULO 64
CAPÍTULO 65
CAPÍTULO 66
CAPÍTULO 67
CAPÍTULO 68
CAPÍTULO 69
CAPÍTULO 70
CAPÍTULO 71
CAPÍTULO 72
CAPÍTULO 73
CAPÍTULO 74
CAPÍTULO 75
CAPÍTULO 76
CAPÍTULO 77
CAPÍTULO 78
CAPÍTULO 79
CAPÍTULO 80
CAPÍTULO 81
CAPÍTULO 82
CAPÍTULO 83
CAPÍTULO 84
CAPÍTULO 85
CAPÍTULO 86
CAPÍTULO 87
CAPÍTULO 88
CAPÍTULO 89
CAPÍTULO 90
CAPÍTULO 91
CAPÍTULO 92
CAPÍTULO 93
ePÍLOGO
SOBRE A AUTORA
LIVROS DA AUTORA
Brasil, em uma cidade litorânea.

— Sr. Rômulo? ― Sérgio abre uma brecha na porta


do meu escritório e atrapalha minha leitura. ― Tem uma
garota no portão. Ela disse que o senhor conhece o pai dela.
— Não tire minha concentração com bobagens,
Sérgio!
— Ela disse que não sai daqui sem ter uma conversa.
“Mas que diabos!
Quem é essa garota e como descobriu onde moro?”
Inspiro profundamente e esfrego meu rosto.
― Quem é? Eu não marquei com ninguém. Hoje é a
minha folga! ― Abandono o livro com a página marcada e
me levanto da poltrona.
― Não a conhecemos.
Muitas coisas me tiram a paciência, mas gente
inconveniente sem dúvida está no topo dessa lista.
Odeio pessoas que surgem do nada exigindo coisas e
mais ainda as que acham que estou disponível a todo
momento, para qualquer um.
Dizem que sou rígido, mas não podem acusar o meu
poder aquisitivo, nem a influência que ele tem em meu ego
e sobre meus sentimentos.
Fui criado para ser assim e não tolero nada que esteja
fora do meu consentimento ou fora do meu controle.
— Sérgio, não me reúno com quem não tá na minha
agenda. Se conforme com minha resposta e não insista se
não quiser conhecer o olho da rua. — Aviso impaciente.
Ele recua, mesmo sabendo que é o último funcionário
que eu demitiria.
Sérgio é uma das poucas pessoas em que confio,
trabalha há tempo suficiente comigo, para saber que não
tolero esse tipo de coisa e conhece as medidas que tomo
diante de certas atitudes.
— Desculpa, irei mandá-la embora.
— Já deveria ter feito isso. — Coloco uma dose de
whisky The Macallan no copo e dou um pequeno gole antes
de voltar a me sentar na poltrona.
Tenho me dado o luxo de ficar alguns dias em casa, já
que todos que trabalham na minha empresa petrolífera ―
Magalhães Petróleo e Gás S.A ― sabem como gosto das
coisas e não necessitam tanto de mim, além de participar
das reuniões semanais e mensais.
Nenhum deles ousa sequer pisar na calçada da minha
casa, a não ser meu advogado, que somente aparece
quando é chamado.
Consigo ler mais um parágrafo do livro de economia
até que ouço gritos femininos entrando pela janela do
escritório.
Quero saber como alguém passou pelos meus portões
que dia e noite são guardados por dois seguranças
armados. Se eles não conseguiram impedir uma jovem de
entrar em meu território, não merecem o emprego.
— Senhor. — Dessa vez, uma das minhas empregadas
aparece.
Olho para ela que coloca o rosto para dentro do
escritório.
— Quer beber alguma coisa?
— Se possível, que essa invasora vá embora. Quanto
a bebida, vou ficar com o whisky.
— Tá bom. — Ela fecha a porta.
— Eu não saio daqui sem falar com ele! — A mulher
insiste com a voz esganiçada. ― Não encosta em mim!
“O que essa maluca quer?”
Levanto rapidamente e olho pela janela, mas ela está
muito próxima da entrada para poder ver seu rosto. Viro
todo o whisky do copo e largo mais uma vez o livro.
Vou resolver isso, porque nem para fazer suas funções
servem meus funcionários.
Ando com os nervos à flor da pele pelo corredor e
desço a escada da minha mansão.
Sei que não é difícil identificar onde moro, já que
existem poucas dessas na cidade e o meu nome é
comumente citado nos jornais e sites de fofoca, mas entrar
na minha propriedade sem meu consentimento é novidade.
Uma das minhas empregadas está próxima ao último
degrau, com aparente preocupação em seu rosto.
— Já fizemos de tudo.
— Então vocês são inúteis, já que nada funcionou! —
Passo próximo a ela que estremece e vou direto para a
porta de entrada e Sérgio sai da minha frente.
— Ela não quer ir embora.
— Mas é claro que não vou! — Ela insiste orgulhosa e
olha para mim.
Um ser com cerca de 1,60 de altura e muito
atrevimento faz meu corpo deter. Estava furioso com o
incômodo, mas após ver que quem causa isso é um ser
insignificante, que nunca vi na vida, o sangue ferve e os
músculos tremem.
O jardim está um caos e os seguranças se espremem
de dor, um deles está com o nariz sangrando, mas tentam
segurar a descontrolada de olhos verdes.
― Não encosta!
― Você bateu nos meus seguranças? ― custo
acreditar.
― Sim e se você tocar em mim, será o próximo infértil
da turma ― Ela ameaça de nariz em pé.
― Ela pulou o muro. ― Sérgio avisa.
A ousada altera a voz na minha frente, na frente dos
meus subordinados e sinto vontade de rir pela audácia dela.
— Quem é você? — pergunto.
Seu rosto branco toma mais cor. Seu cabelo
bagunçado e as roupas velhas me remetem a bagunça,
sujeira e isso me enoja. A única coisa que se salva são seus
olhos limpos, verde-claros e é onde prendo meu foco.
— Sou filha do operário Val, que trabalha na
Magalhães Petróleo. Quer dizer, trabalhava. Ele faleceu. ―
Seus olhos se alagam.
― Meus pêsames. Agora vá embora. Seguranças!
― Ele morreu num acidente de trabalho. Na sua
plataforma e vocês não fizeram absolutamente nada!
― O quê? ― Fico incrédulo.
— Ele era a única pessoa que eu tinha e apesar de ser
somente um operário, ele era gente, era importante. E
vocês não falaram nada no dia, não fizeram nada. Só
entregaram o seu corpo no IML e fingiram que nada
aconteceu! Depois me apareceram com propostas absurdas,
como se eu fosse me vender!
“Só pode ser uma pegadinha.”
Levanto a mão para os seguranças pararem.
— Que história é essa? Veio me ameaçar atrás do meu
dinheiro? — Olho bem para a cara dela. — Eu não soube de
nenhum funcionário que morreu. Você acha que é a primeira
vez que uma golpista aparece na minha frente? Vá embora
daqui. Você não vai tirar um centavo sequer de mim!
Eu reconheço golpes e essa foi longe demais
aparecendo em minha porta.
— Não tô querendo te dar golpe algum! O meu pai
morreu trabalhando para o senhor! Não se importa com a
vida dos seus funcionários? Claro que não, né? O importante
é o sucesso e o dinheiro.
― Suma daqui, sua mentirosa!
― Não quero um centavo do seu dinheiro, seu grosso!
Eu só acho que vocês deveriam ser mais humanos e admitir
o que aconteceu. Me ofereceram dinheiro para fingir que foi
um acidente qualquer quando sei de tudo! Se não
esclarecer essa história, vou levar isso a público ― Ela vem
pra cima de mim.
“Como essa mulher ousa me ameaçar na porta da
minha casa?”
Avanço em sua direção, movido pelo ódio.
— Vá embora daqui antes que não responda por mim,
GOLPISTA MENTIROSA!
Seus olhos estão cheios de lágrimas e ela não se
move, nem baixa a cabeça para mim.
— Eu não saio daqui sem que isso seja resolvido —
teima.
“Eu não acredito que ela ousa me desafiar!”
Dou mais um passo para a frente, cara a cara com
ela, sentindo o cheiro doce que ela carrega e ela muda de
expressão e finalmente recua, mas se desequilibra e cai três
degraus abaixo.
“Ô tombo desgraçado!”
— Levem ela pra fora. RÁPIDO! — grito para eles, que
ainda se recuperam dos golpes dela. — Façam a droga do
trabalho direito ou esse será seu último dia aqui!
Eles finalmente se movem e volto para dentro de
casa, na companhia de Sérgio. Parece que todos os
empregados pararam pra assistir isso.
— Eu não quero ouvir a voz dessa garota de novo,
Sérgio. Essa golpista foi longe entrando aqui. Vamos
reforçar a segurança.
— Tá bom.
Volto para meu escritório.
“Invadiu a minha casa e machucou meus
funcionários!
O tombo foi pouco.
Que criatividade… filha de um empregado”
Desabotoo os primeiros botões da camisa, com a
lembrança da garota me enfrentando e sua voz ainda
ecoando na minha mente.
“Como ela ousou me desafiar?”
Eu não soube da morte de nenhum funcionário e
mesmo acreditando que isso seja um golpe, resolvo ligar
para o gerente da minha empresa. Ele não demora para
atender.
— Sim, senhor?
— Me diga que nenhum funcionário morreu nos
últimos dias. ― Sento na poltrona.
— Planejava me reunir com o senhor para falar sobre
isso. Tentamos dar um jeito na situação. Ainda estamos
tentando, na verdade.
“Puta que pariu.”
— Um funcionário morreu e ninguém me informou?! —
esbravejo e me levanto abruptamente. — Uma garota
acabou de fazer um escândalo na porta da minha casa por
causa disso e eu não sabia de absolutamente nada!
“Uma pessoa morreu durante o trabalho e esses
malditos não me contaram!
Então a história que ofereceram dinheiro para ela
mentir sobre o acidente também é verdade!
Puta merda! E eu tratei a garota como uma golpista!”
— Preferimos resolver sem lhe causar estresse.
― Dá para ver que vocês não prestam pra nada!
Quanto tempo faz isso?
― Faz uma semana.
― Uma semana, caralho! Estive aí por diversas vezes
e vocês agiram como se nada estivesse acontecendo!
“Ela tava falando a verdade e eu mandei que a
expulsassem daqui.”
― Fizemos o possível para que a empresa não fosse
relacionada a notícias negativas como essa.
― E não serviu, já que a filha dele me procurou
pessoalmente! Quero uma reunião pra ontem!
― Vamos fazer, senhor. Vou procurar a Laisa e mandar
que marque uma.
Deixo o telefone sobre a mesa, completamente
transtornado.
“Aposto que ela vai dizer que menti na cara dura. Eu
não sou mentiroso!”
Ao olhar pela janela, vejo os seguranças fechando os
portões.
— Sr. Rômulo? — Sérgio bate à porta e depois do meu
“sim”, ele entra no escritório. — Já resolvemos o problema
da garota. Os seguranças a colocaram pra fora. Ela saiu
cambaleando.
— Que manchas são aquelas na calçada? — Observo
com uma sugestão em mente.
— Quando ela caiu no chão, machucou a cabeça e tá
sangrando.
“Maldição!
O tombo foi feio.
Se essa garota leva a público a morte do pai com as
ideias de suborno e ainda contar que saiu daqui sangrando,
estarei perdido.”
— Sérgio, eu descobri que ela não tava mentindo.
Corra e traga ela pra dentro. Vamos cuidar dela e consertar
isso. — peço preocupado.
Ela disse que não sairia daqui sem resolver isso, pois
bem, ela não vai sair.
Agora tenho certeza de que foi o chefão, o dono
de tudo, que mandou tentarem me subornar com aquela
proposta vergonhosa, no momento mais doloroso que
passei na vida.
Ele é o homem mais lindo que meus olhos já viram,
porém, é um torrão insensível e frio, agiu com tanta
brutalidade que ao recuar me desequilibrei e caí no chão. A
minha cabeça está sangrando, doendo muito e tô com a
visão um pouco embaçada.
Eles me pegaram com nojo e me largaram na rua
como se eu fosse um saco de lixo. Eu estava um pouco
desorientada pela queda, mas ouvi tudo. Uma humilhação.
Nunca vi ninguém me olhar com tanto nojo como aquele
homem me olhou.
“Monstro!”
Limpo as mãos sujas de sangue, revoltada com isso.
“Ele me chamou de golpista!
Negacionista desgraçado!
Eu vou meter um processo nele!”
Um pouco tonta, volto para o portão. Os seguranças
estão de cara feia porque bati neles, mas eles não me
deixaram entrar e ainda queriam me expulsar quando pulei
o muro!
Jurei que não voltava pra casa sem falar com o
babaca de cabelo de gel, mas agora estou repensando,
talvez resolver na polícia seja melhor.
O homem de meia-idade e roupas formais, que
anteriormente tentou me convencer a ir embora, vem em
minha direção.
— Diga pra o seu chefe que não quero mais fazer
acordo com ele. Vou direto na polícia — aviso puta da vida.
Quando fico com muita raiva, sinto vontade de chorar, mas
dessa vez isso não vai acontecer.
Achei que aqui encontraria justiça, mas não.
— Espere. Entre. Ele quer falar com você. — pede e os
seguranças abrem o portão.
— O quê? Ele mudou de ideia depois dessa
humilhação?
“Arrogante desgraçado!
Rasguei a roupa pulando o muro!”
— O Sr. Rômulo ordenou que entre ― Ele dá de
ombros.
— Mas ele não me dá ordens! E como eu já disse, não
quero mais fazer trato com ele. Agora vou na polícia. Vou
contar que... ― Me perco no assunto quando tudo começa a
girar ao redor e a minha visão fica turva. — Eu vou…
— Entre logo, moça! — ele insiste preocupado.
— Eu vou embora assim que o mundo parar de…
girar…
Tudo se apaga na minha frente, pisco os olhos, mas
uma força maior me faz cair.

Assisto a tudo pela janela.


Sérgio chama a moça para conversar, ela empaca
entre os portões e depois cai no chão, para piorar a
situação.
“Será que essa maluca vai morrer?”
Os seguranças a carregam para dentro da minha casa.
“Se ela morrer aqui, vou acabar levando a culpa.
Mais uma culpa.”
Espero que nada disso tenha chegado a público.
“E se ela contou pra alguém?”
Ela disse que a única pessoa que tinha na vida era o
pai, mas deve conhecer outras pessoas e pode muito bem
ter contado o que aconteceu com o pai, antes de chegarem
com a proposta.
Eu não vou deixar essa mulher sair da minha casa e
manchar a minha reputação. Ela só sai daqui quando isso
estiver resolvido, do jeito que ela disse.
Aguardo notícias pensando no que ela foi capaz de
fazer.
“Ela bateu nos meus seguranças…
Ela é tão pequena perto deles, perto de mim. Como
ela conseguiu fazer isso”
Minutos se passam e Sérgio não aparece, então
resolvo ver por mim mesmo.
Mas como se adivinhasse, quando abro a porta, meu
mordomo está chegando.
— Por que demorou tanto?! — pergunto aflito.
— Ela desmaiou e estávamos tentando despertá-la.
— Ela não morreu, morreu?
— Ela tá viva, senhor.
Suspiro aliviado.
— Improvisamos um curativo e agora ela descansa no
quarto dos fundos. O segundo tombo piorou o que o
primeiro fez.
— Sérgio, ela tem que ficar bem, porque eu não posso
me envolver com esse tipo de problema. — explico aflito. —
Quando ela acordar, diga que entraremos num acordo. Que
já tô resolvendo tudo sobre o pai dela.
— Ok. Quer alguma coisa?
— Um chá, de preferência de camomila.
Um chá deve ajudar no estresse.
Ele assente e sai do escritório.
Espero que isso tudo se resolva o mais rápido
possível.
Acordo sentindo muita dor na cabeça.
Estou num lugar que não reconheço, um quarto
pequeno e branco, com duas portas e uma cama de solteiro,
onde estou deitada. Procuro na memória minha última
lembrança e só me vem o momento em que aquele
subordinado implorou para que eu entrasse na casa de
Rômulo Guimarães.
Devo estar na casa dele. Eles se aproveitaram do meu
apagão.
Passo a mão atrás da cabeça e sinto uma coisa
colada, talvez um curativo.
Tento me sentar, mas a tontura não deixa.
“Fez de mim rato morto, me jogou na rua e agora me
traz pra sua casa... Não vai me fazer mudar de ideia.”
Eu não quero mais acordo com ele e ponto final.
Não sou mentirosa, nem golpista! Ele sabe de tudo e
mente, dizendo que não. Vamos ver se quando a polícia
chegar na empresa dele, ele vai chamar ela de golpista e
mentirosa!
Sento novamente e mesmo com a tontura, permaneço
na posição, esperando que ela passe e assim possa me
levantar e sair daqui.
Ao menos não estou presa a nada. Depois de ser
colocada para fora pelos seguranças, espero tudo desse
cara.
A tontura passa, mas volta ao me levantar. Me apoio
na parede até conseguir me equilibrar e assim chego na
porta. Está escuro fora do quarto, já deve ser noite, mas
ainda existe uma luz que vem de fora e entra por algumas
janelas de vidro.
Ando à procura de uma saída, uma caminhada sofrida
onde a cada passo sinto como se alguém acertasse minha
cabeça com um martelo, por isso, dou passos pequenos.
Contenho as lágrimas, pois a dor de cabeça é intensa
a ponto de me fazer chorar.
O tombo foi feio.
Vejo um par de chinelos na minha frente, pernas, e
quando ergo a cabeça, reconheço o homem que mais cedo
insistiu para que eu entrasse na casa.
— É melhor voltar para a cama. Você não parece bem
— ele fala como se importasse com alguma coisa.
— Eu vou embora. — Tento desviar dele, mas não
consigo me soltar do móvel onde me apoio. Estou tonta.
— Amanhã você vai. Vou te ajudar a voltar pra cama.
— Ele segura meu braço e tento me soltar, mas não
consigo.
— Eu quero ir embora.
— Você não pode ir embora agora, é meia-noite.
Segurando em meus ombros, ele me leva de volta
para o quarto.
“Dor de cabeça do caralho”
— Depois de cuidar da minha cabeça, eu vou na
polícia ― Aviso.
— O Sr. Rômulo disse que irá acatar com seu primeiro
pedido. Então você só vai embora depois de resolver o
assunto sobre seu pai.
“Mas essa agora!”
— Depois de me fazer de lixo, quer resolver! Aposto
que tá com medo, né? — Sento na cama.
O homem acende a luz do quarto e a dor que sinto se
intensifica.
— A luz — digo de olhos fechados.
— Desliguei. Amanhã um médico irá te examinar. O Sr.
Rômulo já chamou.
— Agora quer cuidar de mim… Ele foi um grosso
comigo e por isso eu me desequilibrei. Tudo culpa do cuzão
do seu chefe.
— Ele lamenta.
— Aham. Lamenta... — finjo que acredito.
— Deite e descanse. Amanhã se sentirá melhor e
vocês vão se acertar.
“Certeza que fizeram uma lavagem cerebral nesse
homem!
Parece um robozinho”
Ele sai e fecha a porta, logo, não me resta outra
escolha a não ser me deitar e tentar dormir. A minha cabeça
está me matando.
“Ah, Rômulo Guimarães, você vai me pagar por ter
virado as costas pra mim. Já vejo a manchete: Empresário
Rômulo Guimarães escondeu a morte de um empregado e
tentou subornar a filha honesta do homem. Além de negar o
acontecimento, humilhou a garota e a deixou na rua
sangrando.
Fim de carreira.”

Não consigo dormir.


Ando de um lado para o outro, perturbado com aquela
mulher. Não posso deixar que ela faça nada contra mim. O
meu nome pode ir para o lixo com tudo o que aconteceu,
por isso não consigo pregar sequer um olho.
Alguém bate à porta do meu quarto, ordeno que entre
e é o Sérgio. Ele deve ter ouvido os meus passos.
— Também não conseguiu dormir?
— Não. Não consigo pregar o olho. Pelo visto, você
também não. Me diga que ela tá dormindo.
— A encontrei na cozinha, tentando ir embora.
— Não deixe que isso aconteça, Sérgio. Essa garota
pode ser o meu fim.
— Ela mal se mantém de pé. Não vai embora. Eu a
deixei no quarto.
— Deixe de porta trancada. Ela é perigosa. Se pegar
uma faca, é capaz de esfaquear todos nós. Ainda tô
chocado com o que ela fez com os seguranças.
— Eu também. — ele ri enquanto eu, sinceramente,
quero chorar.
— Ela disse alguma coisa?
— Fez ameaças. Disse que não quer fazer mais acordo
com você e vai procurar a polícia.
“Eu sabia!”
— Vai ter que fazer acordo comigo sim! Foi pra isso
que ela veio. Ela não disse que só ia depois de resolver isso?
Pois bem, só depois de resolver isso.
— Ela não vai a lugar algum — ele garante. — Quer
tomar alguma coisa? Um chá?
— Vou tomar whisky, preciso de algo forte.
O chá não me ajudou, mas talvez o whisky sirva. Sei
que essa noite não irei dormir. Não sinto sono e estou muito
preocupado.
Sérgio sai do meu quarto e resolvo tomar um banho
quente para tentar relaxar. Debaixo do chuveiro forte,
aquele rosto vem à minha mente, aquela voz vibrante, seus
olhos, suas palavras, sua coragem. Ninguém nunca falou
daquele jeito comigo.
Demoro um tempo até a tensão sair dos músculos,
então me enrolo num roupão e saio do banheiro. Usando
roupas leves, vou buscar o whisky no escritório, que fica ao
lado do meu quarto. Viro a dose de uma vez só e encho o
copo novamente.
“De amanhã não passa...
Vou resolver essa situação.”
Minha cabeça ainda dói, principalmente, no local
do machucado. Mal consigo me levantar, mesmo assim
insisto. O incômodo é tão grande que quero chorar
enquanto me apoio na cama, para não cair para um dos
lados.
Ouço uma conversa entre um homem e uma mulher
do lado de fora do quarto e as vozes dos dois ecoam na
minha cabeça.
— Como assim ele não dormiu?! — a mulher pergunta.
— Não vamos conversar sobre isso.
— Sérgio, o Sr. Rômulo tá surtando por causa dela!
Coitadinha! Ela não parece ser má pessoa, nem mentirosa.
Ele foi tão cruel com ela. Não deve ter dormido por conta da
consciência pesada.
— O Sr. Rômulo com a consciência pesada? Você tá
alucinando? Claro que não! Ele tá furioso com os
funcionários da empresa que não avisaram sobre o acidente
e a morte do pai da moça. Cabeças serão cortadas.
— Eu não queria estar na pele deles agora. Mas como
esconderam uma coisa dessas?
— Provavelmente, acharam que o Sr. Rômulo não iria
se importar com isso, mas desde que ela apareceu, é a
única coisa que ele fala.
— Imagino. Tadinha! Ela perdeu o pai e quando veio
fazer justiça, o Sr. Rômulo nem sabia do que ela tava
falando. Você acha que se ele soubesse, teria agido daquela
forma? A tratou como uma golpista!
— Claro que teria. Ela invadiu a casa! Vamos voltar ao
trabalho, o médico chegará daqui a pouco pra vê-la.
Estão falando de mim.
“Eu invadi o quintal, não a casa. Me colocaram aqui
contra minha vontade.”
Coloco um pouco de água no copo e, tremendo muito,
bebo tudo.
Desde que tomei a decisão de procurar o chefe do
meu pai, não coloco nada na minha boca. Meus lábios estão
secos, assim como a garganta, e me sinto fraca.
Após me hidratar, a dor de cabeça diminui, mas ainda
é incômoda.
A minha vida está um caos e achei que vir aqui me
traria paz, mas parece que o pesadelo só começou.
As minhas vizinhas, as únicas pessoas que me
restaram, devem estar preocupadas com meu sumiço.
Depois de passar na polícia, irei pra casa, pra terminar
os consertos que faço no bico de costureira, afinal tenho
que juntar dinheiro para o aluguel que está com três meses
de atraso.
Não éramos tão carentes, meu pai recebia mil e
seiscentos reais por mês, mas quatro meses atrás
recebemos a cobrança de uma dívida antiga que não era
tão alta, porém, usamos o dinheiro do aluguel para quitá-la
e ficarmos livres.
Nunca conseguimos comprar uma casa.
Com o salário do meu pai e o pouco que aos vinte e
dois anos ganho como costureira, já que não consegui
estudar e não arranjei outro emprego, não tivemos
condições de juntar um valor considerável ou fazer o
consórcio. O que tínhamos era o suficiente somente para
sobreviver e, sinceramente, continuaria vivendo feliz com
esse pouco se meu pai tivesse vivo.
Queria que admitissem o acidente que aconteceu. Se
foi um acidente, uma fatalidade, eles não têm nada a
temer, mas se foi outra coisa, que poderia facilmente
justificar o medo da notícia se espalhar, a ponto de me
oferecerem dinheiro para mentir, vou levar isso a fundo.
E agora, Rômulo Guimarães tem um problema a mais
comigo, afinal ele mentiu e me colocou pra fora machucada.
A porta do quarto se abre, uma luz forte bate em
meus olhos e aquele homem que ontem à noite entra.
Fecho os olhos por causa da forte iluminação.
— Bom dia. Como se sente?
— Péssima — sussurro e tento me levantar, mas estou
tremendo, então não consigo. — Eu quero ir embora. Agora.
— Você precisa comer. O médico tá vindo te ver.
— Eu não preciso de um médico, preciso sair daqui!
Uma empregada entra com uma bandeja de comida e
a deixa em cima da cama. Há sopa, torradas, geleia, suco e
frutas. Ela olha para mim com tanta pena, que estou
sentindo vergonha.
“Essa não é robô.”
Felizmente, eles saem e deixam a porta fechada e a
luz acesa.
A comida parece estar boa, estou morrendo de fome e
não posso rejeitar. Mesmo que tenha veneno aí dentro,
morrerei de barriga cheia.
Sento de frente para a bandeja e começo a comer.
Uma comida tão boa!
Não deixo nada no prato.
“Vou me limpar, pegar a minha bolsa e meter o pé
daqui.”
Consegui dormir, mas foram poucas horas e ainda
acordei com enxaqueca. Tomei um analgésico antes de me
preparar para sair e passei no escritório da minha casa para
pegar o IPad.
Sérgio deixou a bolsa da intrusa na minha mesa e fico
tentado a ver o que aquela atrevida carrega para saber
mais sobre ela. Levado pela curiosidade, abro e vejo o que
há dentro. Um celular, contas e uma carteira. Abro a
carteira e vejo seu documento.
Linda Fonseca, é seu nome.
“Linda pra cacete... E petulante também.”
O que ela fez é inadmissível para mim.
Ninguém vem até à minha casa desse jeito, a não ser
a minha mãe e o meu irmão. Mesmo assim, eles não pulam
o muro, nem ficam sem levar um bom esporro.
Ela me insultou na frente dos meus funcionários,
reduziu meu poder a zero. Colocá-la para fora sem dó nem
piedade foi uma forma de manter todos cientes de que não
tolero esse tipo de coisa.
Ela só tem vinte e dois anos.
“De onde sai toda essa coragem?”
Deve ser normal da idade, afinal eu era muito rebelde
quando estava nesta fase.
“Não vou deixar que uma garota de vinte e dois anos
acabe com o meu império!
Quando ela nasceu, eu já tinha lições sobre negócios
e já era prometido ao sucesso.
Não será uma pirralha com grande senso de justiça
que vai me derrubar!”
Na sua carteira só tem uma nota de dez reais, outra
nota de cinco reais e muitas moedas.
“Pobre e orgulhosa.”
Devolvo tudo para dentro da bolsa e pego as minhas
coisas.
Desço para tomar o café e Sérgio para ao lado da
mesa.
— Bom dia, Sr. Rômulo. Dormiu bem?
— Bom dia, Sérgio. Tive uma péssima noite. Você fez
o que mandei?
— Ela é cabeça dura. Acredito que minhas palavras
não serão ouvidas.
“Eu não duvido nada.”
― Então vou falar com ela assim que resolver as
coisas na sede. Não deixe que ela saia daqui. Voltarei com a
solução para nossos problemas.
― O médico chegará em trinta minutos e cuidaremos
dela até que o senhor volte. Ela tá comendo, parece estar
muito fraca. Julgo que não deve comer há mais de um dia.
“Deixa de comer para tirar o sono dos outros.”

Assim que chego em frente ao prédio comercial onde


a sede da minha empresa está instalada, encontro o
advogado que me presta serviços.
― Bom dia, Rômulo. ― O homem de cabelos
precocemente grisalhos estende a mão e a aperto.
― Péssimo dia, Edgar. Péssimo dia.
― Eu não tava ciente do que aconteceu.
― Pelo visto, agiram contra mim e todos que sabiam
que eu iria me opor a ideia. ― Ando ao seu lado para dentro
do prédio.
A minha empresa ocupa quatro andares do prédio, do
sexto ao nono andar. Tenho equipes para todos os setores e
assim como qualquer pessoa que investe em um negócio,
gosto que tudo seja feito da maneira correta e eficiente.
― Não tô criticando a sua forma de agir, mas isso
pode ter acontecido por conta do medo que sentem de
você, afinal, algo como o que aconteceu pode ter um
culpado e as consequências podem não ser boas pra ele
nem pra empresa.
― Se foi um acidente, não temos nada a temer.
Acidentes acontecem e com uma equipe tão boa de
segurança do trabalho, a única e exclusiva pessoa culpada
pelo que aconteceu é o operário. Mas o que fizeram sobre
isso é o que importa.
Entramos no elevador.
― Podemos resolver isso. Eles devem ter algum
relatório do que aconteceu e podemos emitir uma nota nos
sites e meios de comunicação sobre o caso.
― O que me preocupa não é isso, Edgar. ― Aperto o
botão do nono andar e as portas se fecham. ― A filha dele
me procurou e eu não sabia de nada. Ela invadiu minha
casa e acabou caindo da escada, se machucou e eu mandei
que a tirassem da casa assim mesmo. Achei que ela era
uma golpista e só queria me livrar dela. Agora ela não quer
mais fazer trato comigo. Sabe o quanto isso pode me
prejudicar?
― Claro que sei. Mas como foi isso? Você não a tocou,
tocou?
― Não a toquei, mas mesmo assim ela caiu e como a
expulsei de lá antes de descobrir que tudo que ela dizia era
verdade, ela está brava e não quer acordo comigo. Você
tem que ver como ela é teimosa! Me enfrentou como
nenhuma pessoa faz!
“Nenhuma com exceção do meu pai, é claro.”
― Se ela levar a público, teremos alguns problemas.
Principalmente se entenderem errado.
― Eu sei. ― Folgo o nó da gravata, me sentindo um
pouco sufocado. ― Mas não toquei nela.
― E se oferecermos dinheiro pelo seu silêncio?
― Duvido ela aceitar. Toda essa confusão nasceu de
uma oferta financeira. Ela só sentirá mais vontade de foder
a minha vida.
― Não custa tentar. Vamos fazer um contrato de
sigilo, negociar, honrar o nome do pai e dar o apoio que ela
quiser desde que ela não leve esse assunto adiante. Seu
nome não pode ser vinculado a esse tipo de coisa. Se
souberem que a filha do operário esteve em sua casa e saiu
sangrando, não será nada bom.
Esse resumo pode ser interpretado de diversas
formas.
― Um contrato é uma boa ideia. ― Considero.
Assim que saímos do elevador, a minha assistente me
acompanha até à sala de reuniões. Além do advogado, o
gerente da plataforma, a Relações Públicas e o
representante da equipe de segurança do trabalho estão
presentes na reunião. Cumprimento com um bom dia a
todos e me sento na ponta da mesa.
A tensão se espalha no momento em que o silêncio é
instalado.
― Vamos, quero saber o autor da idiotice.
A cara de culpa do gerente o entrega.
― O acidente deixou todos preocupados. Foi a
primeira vez que algo assim aconteceu aqui. Pensamos que
pra preservar o nome da empresa seria melhor abafar.
― E insistiram nisso a ponto de a filha do operário
aparecer na minha casa e eu saber desse acontecimento
por ela! Quer dizer que a minha opinião, minhas decisões
não importam na minha empresa?
― Não senhor. Não pensamos isso... ― o gerente fala.
Levanto a mão para se calar e olho para o
representante da equipe que deveria cuidar para que nada
disso acontecesse.
― O que aconteceu?
― Uma das estruturas metálicas se desprendeu e
balançou a superfície da área onde o operário estava, então
o acertou contra a parede. Foi fatal.
Encolho o rosto imaginando a cena. Coitado.
― E quem deixou a estrutura se desprender?
― Tava em manutenção. Inclusive o operário em
questão fazia parte da equipe de manutenção.
Abaixo a cabeça e massageio a testa, pois não sei o
que fazer. No momento a minha cabeça está vazia.
― Vocês contaram a verdade pra família dele?
― Não no mesmo dia, mas soubemos que ela tinha
desconfiado disso e pedimos o sigilo...
― Quanto ofereceram?
― Trinta mil.
― E acharam que eu nunca daria falta desse dinheiro?
— pergunto perplexo.
― Planejávamos contar depois de ter tudo resolvido.
― Acontece que aqui as coisas não funcionam desse
jeito. Primeiro propomos, discutimos, aprovamos, depois
fazemos. ― Olho para o gerente, com total controle das
minhas emoções. ― Quero um relatório sobre o acidente;
Kettelyn, prepare as notas; Edgar, resolva tudo o que
juridicamente for necessário. Quero a equipe de segurança
da plataforma mais atenta, pois isso não pode acontecer
novamente. E você... ― Olho para o gerente. ― Tá demitido.
― Mas...
Levanto a mão, ele se cala e acompanho seu olhar.
― Edgar ― chamo antes que o advogado suma. Ele
volta e me olha. ― Antes de qualquer coisa, faça o contrato.
Deixe tudo bem especificado.
― Ok.
Já levaram a bandeja vazia e agora estou
aguardando a digestão, ainda dentro do mesmo quarto.
Sendo vigiada assim, parece até que tô presa aqui.
— Doutor, ela tá aqui nesse quarto. — Abrem a porta
e o médico entra. Um homem de meia-idade, forte e baixo,
com cabelo grisalho e pele branca se aproxima carregando
uma maleta na mão.
— Bom dia.
— Bom dia.
“Péssimo dia!”
Colocam uma cadeira na minha frente e ele se senta
nela.
— Sou o Dr. Alves.
— Linda. — Aperto a sua mão.
— Como se sente, Linda?
— Com muita dor de cabeça, tontura... — Coloco a
mão em cima do curativo que fizeram.
“Também sinto raiva, ódio e sede de justiça.”
— Vou te examinar e vamos ver o que podemos fazer
pra você melhorar mais rápido. — Ele abre a maleta e tira
alguns equipamentos.
O doutor anota meu nome completo, minha idade na
ficha, afere minha pressão, olha a cor da minha pele,
temperatura, verifica minha visão e, por fim, chega ao
curativo.
— Tenho uma notícia boa e uma não tão boa.
— Diz as duas de uma vez — peço desanimada.
— O ferimento não foi tão grande, também não é
grave, mas precisaremos cortar algumas mechas de cabelo
que estão próximas a ele, para melhor cuidar da ferida.
— Tá bom. — Eu não me importo muito. — Quando a
tontura e a dor vão passar?
“Eu quero sair logo daqui.”
— Eu vou passar alguns medicamentos que vão
ajudar com a dor e a vertigem, mas você deve se alimentar
bem, também. E se sentir os sintomas muito fortes, sugiro
que vá ao hospital para um exame de imagem.
— Vou voltar pra minha casa.
Ele mexe na minha cabeça, no meu cabelo e sinto
quando corta a mecha, porque puxa um pouco no lugar do
machucado e dói.
— Vai sim, quando estiver melhor.
Esse médico só pode ser mais um trouxa, subordinado
do monstro, por isso nem adianta falar nada que ele não vai
me ouvir, nem me ajudar.
Ele faz o curativo e me dá os medicamentos. Nada
diferente dos que tomamos por conta própria.
Tomo na mesma hora.
— É melhor se deitar de lado — Ele orienta.
Toco no curativo e deduzo que tem um tufo grande de
cabelo faltando na minha cabeça. Tento esconder com os
fios que restam e prendo com uma presilha.
— Já estarei bem mais tarde? — pergunto antes dele
sair. Estou aflita com isso.
Ele sorri.
— Espero que sim, mas fique de repouso e deixe os
remédios fazerem efeito.
— Obrigada.
— Disponha — Ele vai embora.
Fico no quarto sem saber o que fazer e aquele homem
que tem me vigiado aparece. O nome dele é... Márcio,
Aclécio?
— Onde tá minha bolsa? Quero meu celular.
— A sua bolsa tá com o Sr. Rômulo.
— O que ele quer com a minha bolsa?! Vá buscar
logo! Preciso falar com as pessoas que conheço e avisar o
que tá se passando!
“Repare! Pegou a minha bolsa! Esse Rômulo é
esquisito! Parece que quer mesmo me fazer prisioneira!”
— Desculpa, mas essas são as ordens.
Levanto com tontura e tudo, disposta a sair desse
quarto e pegar minhas coisas para ir embora, mas ele dá
dois passos para trás e fecha a porta antes que eu chegue
nela. Giro a maçaneta e ela nem mexe.
Ele acaba de me trancar.
“Eu não acredito nisso!”
— Desculpa, mas depois do que você fez com os
seguranças, o Sr. Rômulo pediu que não deixasse sua porta
aberta.
“Que filho da puta!”
― Isso não me impede de te pegar quando você
entrar aqui.
“Robozinho do satã!”
Se eu não tivesse tão ruim da cabeça, já teria ido
embora, mas esse tombo foi foda.

Assim que passo pela porta, Sérgio vem ao meu


encontro.
— Onde ela tá?
— No quarto.
— Leve-a até meu escritório e chame os seguranças
— Subo a escada.
Quero que ela assine logo esses papéis e me deixe em
paz.
Entro no escritório, ainda apressado, e deixo a mala
em cima da mesa, depois tiro o blazer e afrouxo a gravata.
O dia está quente, por isso deixo o ar-condicionado na
temperatura mais fria e agradável possível.
Aguardo em minha poltrona, atrás da mesa do
escritório, e já adianto deixando minha assinatura, aproveito
também para dar uma olhada nas cláusulas do documento.
Não é nada de mais, mas é um contrato e em
contratos sustento minha vida.
Alguém bate à porta e autorizo que entre. É Sérgio e a
barraqueira, que está mais pálida que uma folha de papel.
Ele entra segurando em seu braço, a garota
cambaleia, anda a passos lentos e curtos, mais imunda do
que me recordava e senta na poltrona.
“Morrendo e com cara de quem quer foder com a
minha vida.”
Sérgio nos deixa a sós, eu levanto com o documento
em mãos e, finalmente, nos encaramos.
— Depois de me chamar de mentirosa, você quer
conversar, é? — ela pergunta um pouco agressiva.
— Tava preparando tudo, investigando suas queixas.
Eu não sabia que o seu pai tinha morrido. Foi um acidente e
já puni os culpados.
― Mataram o meu pai?
― Foi um acidente, não ouviu? Digo que os culpados
por inventarem de ir atrás de você com aquela oferta.
Vamos levar a público o que aconteceu. Mandei fazer um
relatório sobre o acidente e já tomamos todas as medidas
cabíveis.
― Todas? Você não tem só um problema comigo,
Rômulo Guimarães. Mandou me largarem lá fora depois do
meu tombo, depois de me chamar de mentirosa e golpista.
No sol lascando e com a cabeça sangrando. Uma
humilhação!
― Eu não sabia que você não era uma golpista, senão
teria agido de outra forma. Entrou aqui parecendo um
furacão!
— Aham. Duvido.
— Vamos fazer um acordo.
― Acordo? — Ela levanta — Eu não quero mais. Você
me envergonhou. Poxa, eu lá tenho cara de mentirosa? Sou
uma pessoa honesta e você não acreditou em mim.
― Eu nem te conhecia e essa história era um absurdo!
Eu não mandei ninguém te oferecer dinheiro.
Ela balança a cabeça de um lado para o outro.
― Eu duvido. Você tem cara de mafioso.
“Era só o que me faltava.”
― Não mandei, mas agora que estamos aqui, vamos
negociar.
Ela ri.
― Não ouviu a parte em que recusei essa droga?
― Ouvi, mas estamos em circunstâncias diferentes
agora. Você está falando com o chefe.
― Tá com medo, né? Com medo do que vou dizer que
você fez comigo? Não se preocupe, não sou de contar
mentiras, como você faz.
“Ela é impressionante!”
Dou um passo para perto dela e entrego o contrato.
― Você acha que entre a minha palavra e a sua, as
pessoas vão acreditar em você, que invadiu uma
propriedade privada?
Ela arrebita o nariz.
― Eu tive um ótimo motivo pra fazer isso e que droga
de papel é esse?
― Um contrato.
Ela olha a primeira página e esnoba.
― Você tá mesmo acostumado a subornar as pessoas,
não é? Comigo as coisas não funcionam assim. Não tem
mais acordo entre a gente. Você mexeu com a minha moral,
Rômulo.
― Você não vai a lugar algum! — começo a me
estressar.
“Que mulherzinha ruim de acordo!”
― Você não pode me manter aqui. Se fizer isso, eu
digo pra polícia que você me prendeu na sua casa. Trancou
a porta!
— Tranquei pra você não matar ninguém.
― Não duvide, farei quando tiver forças.
― Olha aí! Fazendo ameaças! Assine a droga do
documento e eu te deixo ir! — imploro.
— Eu não vou assinar nada. Eu não concordo com as
coisas que tem aí e já disse que não faço acordo com você!
― Ela rasga o documento na minha frente.
“Que abusada!
Ela nem leu a porra do papel!”
Avanço em sua direção, ela acaba sentada na poltrona
e a encurralo ao apoiar as mãos nos braços do móvel,
olhando no fundo dos seus olhos.
— Por que você é tão teimosa?
― Porque você me humilhou, Rômulo. ― Ela não recua
e engulo seco.
“De onde essa mulher saiu?”
— Sabe o seu problema? — continuo encarando seus
olhos verdes. — É orgulhosa demais.
Ela me empurra, levanta e pega a bolsa na mesa.
― Não ouse me tocar. ― avisa.
― Você não vai sair daqui sem assinar esse contrato
pra espalhar mentiras por aí!
Ela abre a porta do escritório e sai.
— Você não vai me obrigar a nada.
― SEGURANÇAS, NÃO DEIXEM ELA SAIR!
Assim que saio, os vejo bloqueando a passagem dela.
— As bolas de vocês já estão prontas pra levar mais
joelhadas? — ela pergunta pra eles.
“Um minuto atrás ela parecia doente e agora ela
ameaça as bolas dos outros.”
— Você vai voltar pra o quarto, descansar, tomar a
porra do remédio pra tombo, não baterá em ninguém e não
sairá daqui sem assinar o documento! Não era isso que
você queria? Não era? — digo impaciente e ela me encara.
— Você só sai daqui com o que veio buscar.
— Eu já disse que mudei de ideia.
— Mas quem dá as ordens sou eu, querida. Você fica.
Ela balança a cabeça em negação.
— Você tá tão encrencado comigo… Tentando me
comprar, Rômulo...
Respiro fundo.
Ela é a mulher mais teimosa que já conheci na vida.
— Volte para o quarto e quando a desordem que o
tombo causou em você passar, vamos conversar e assinar A
PORRA DO CONTRATO! VOCÊ NÃO VAI DESTRUIR A
MINHA VIDA COM ESSA HISTÓRIA! GAROTA, VOCÊ
MAL TEM COMO SE VIRAR! DEVERIA ENGOLIR SEU
ORGULHO! EU SEI QUE NO FUNDO VOCÊ QUER O MEU
DINHEIRO! ACEITE O QUE TÔ TE OFERECENDO!
Seus olhos começam a brilhar, sua postura firme se
desmonta e ela solta a bolsa no chão.
― Eu não quero o seu dinheiro. Não vou vender o meu
silêncio — Ela diz e desce as escadas segurando no
corrimão. Parece que está chorando.
Os seguranças a escoltam até o quarto e os outros
funcionários ficam olhando.
— Voltem ao trabalho! — ordeno furioso.
Eu jamais o procurei atrás de dinheiro. Só queria
recusar as inúmeras propostas e saber o que realmente
aconteceu, mas como ele me tratou na primeira vez que
nos vimos, me fez mudar de ideia.
Ele não parece ninguém em quem posso confiar. Me
julgou sem me conhecer. Acreditei mesmo que ele poderia
ser menos cretino do que foi.
O jeito que ele falou comigo agora a pouco acabou
com a minha postura. Estou chorando no quarto e querendo
ir embora. Agora eu só quero sair daqui. Assim que ficar
bem, irei.
O dia passa silencioso e fico refletindo. Pra quê
procurei esse cara?
Ele disse que vai levar tudo a público sobre o meu pai,
era isso que eu queria, mas ele insiste naquele contrato e
eu não quero nada que ele me oferece ali, também não vou
vender o meu silêncio. Quando perguntarem o que
aconteceu quando pisei aqui, quero poder dizer a verdade.
A porta só se abre para entregarem as refeições e
ainda é só pelo tempo que leva para deixarem a bandeja na
mesa.
Eles têm medo de mim, por isso trancam a porta.
Olha, do jeito que estou, eles estão certos. Estou
quietinha para melhorar das dores do tombo, porque
quando me sentir bem, não tem quem me segure nessa
casa.
Nunca fui de cultivar ódio, afinal só conheci uma
pessoa na vida que foi capaz de despertar um sentimento
ruim em mim, uma menina de classe média que se chama
Ana Cláudia. Ela sempre desdenhava de mim, porque eu era
pobre. Ainda sou.
Ela era e ainda deve ser a filhinha de papai, que
ganha tudo. Falava comigo da mesma forma como ele fala e
me olha da mesma forma também, como se tivesse nojo de
mim, como se eu fosse a criatura mais desprezível do
mundo.
Odeio os dois.
— É bom não ficarem no meu caminho, porque
quando eu decidir sair, essa fechadura não será problema…
— aviso as empregadas que rondam a porta do quarto.
Estou melhorando. Levantei pra ir no banheiro e nem
senti tontura. Daqui a pouco vou embora.
As únicas pessoas que poderiam me impedir seriam o
robozinho do satã, o satanás do Rômulo e os seguranças.
Mas eu ainda tentaria me soltar.
— E aí? Como é que vai? ― Ouço uma voz masculina
do outro lado da porta.
Essa é a primeira vez que ouço uma voz alegre nessa
casa.
— Tô bem — uma mulher responde.
— O que o meu irmão anda aprontando? Ainda
ranzinza? — ele pergunta e a mulher não responde. — Ainda
tem medo dele, não é? Ele é complicado.
“Irmão?
Ele é irmão do monstro?
Talvez ele possa me ajudar.”
Giro a maçaneta e sacudo a porta.
— Quem tá nesse quarto? — ele pergunta.
— Na-não tem ninguém.
— Tem sim. — respondo encostada na porta.
— Quem é?
— Eu... Você não me conhece. Abra a porta, por favor.
— Quem te prendeu aí?
— O seu irmão babaca. Abre a porta, por favor.
Ele ri.
— Não me diga que é namorada do meu irmão. O que
estão fazendo? Alguma brincadeira?
— Não. Não é brincadeira. Abre logo, cacete!
— Você tá vestida?
“Que pergunta!”
Sua voz se afasta e por um segundo perco a
esperança, então a porta se abre.
Corro pela casa e ninguém fica na minha frente, fujo
para o jardim, ignorando a dor de cabeça, procurando
alguma parte do enorme muro onde possa escalar.
Encontro uma parte onde tem um canteiro.
— Sai daí, moça! — Sérgio pede com a voz
preocupada.
— Vou embora agora e não ouse tentar me parar. ―
Subo no canteiro e me seguro nas irregularidades do muro.
Escalo com pressa, mas ainda falta um bom pedaço
para chegar ao topo e tem musgo na superfície. A minha
mão escorrega e quase caio, mas me seguro rapidamente.
O problema é que sinto uma tontura crescente. Acho
que fiz tudo bruscamente e meu corpo está respondendo.
― O que você tá fazendo? Desça daí! ― o arrogante
ordena.
― O que tá acontecendo? Quem é essa menina? ―
uma mulher pergunta.
― Desça daí! ― Rômulo manda.
― É a namorada do Rômulo ou era. ― outra pessoa
diz.
Não consigo continuar com essa tontura e caio, vendo
como última coisa o céu.
Lavo a mão na torneira da suíte, pois a machuquei
quando, cheio de raiva, soquei a parede.
“Como ela ousou recusar minha proposta?
Será que ela não entende que só vai sair daqui
quando me garantir que tudo que aconteceu vai ficar
somente entre nós?”
Também estou com raiva de mim, por perder o
controle e piorar a situação. Nunca tive que chegar a esse
ponto para entrar num acordo.
Ela é o problema!
Ouço passos pelo quarto e pelo perfume reconheço a
intrusa, uma senhora elegante.
— Mãe! Eu já disse que não pode invadir minha casa
desse jeito! Ainda mais o meu quarto!
— Calma, Rômulo, não precisa ser tão rude! — ela
joga os cabelos escuros para trás dos ombros. — Não é
assim que se fala com sua mãe!
Com cuidado, seco a mão na toalha e tento esconder
o machucado dela.
— Desculpa. Ando muito estressado.
— Quando não tá assim?
Recebo um beijo no rosto.
— Dessa vez é muito mais estresse do que de
costume.
— Sua mão tá sangrando? — ela observa a toalha em
minha mão.
— Não é nada. O que você veio fazer aqui, mãe?
— Vim saber como você tá. O seu irmão também veio.
— Ela anda pelo quarto e eu também.
— Ótimo, invasão dupla! Vocês nunca vão avisar não?
— Não, porque toda vez que avisamos você manda a
gente não vir. O que tá acontecendo que não deu mais
notícias?
— Ando ocupado. — Abro a camisa.
— Com o quê? O que tá acontecendo que te deixou
tão estressado a ponto de socar a parede?
— Você anda olhando tudo?
— É impossível não perceber as manchas na parede.
Meu filho, você não pode ficar encarando as coisas sozinho.
Você tem uma família. Desde que...
— Eu não quero falar sobre isso e você já sabe minha
opinião. Eu não vou ficar falando dos meus problemas
porque vocês os tornam maiores ainda.
— Rômulo, sempre procuramos te apoiar. Foi você
quem criou essa coisa de ficar sozinho, se isolou nessa
mansão que se parece mais uma prisão, porque pra entrar
aqui é quase impossível! Deixe a sua família que te ama
ficar perto de você!
“Não é tão difícil de entrar, afinal aquela doida
conseguiu.”
— Tô melhor assim. — Jogo a camisa e a toalha no
cesto de roupas sujas.
— Não me conformo! Você vive pra trabalhar. Não tem
ninguém próximo, nem amigos, nem uma namorada. Ou
tem?
― Tenho tirado dias de folga e Gustavo continua
sendo meu amigo.
Alguém bate à porta do quarto.
“Argh, deve ser o meu irmão.”
— O que é?
— Senhor, acho que temos problemas no quarto de
hóspedes...
Esfrego o rosto e corro pra ver.
“O que essa garota tá aprontando?”
Não existe um momento pior do que esse para a
minha família aparecer aqui.
A minha mãe me acompanha.
— Cara, você tem uma namorada? Eu não sabia!
Finalmente, desencalhou! ― o rapaz mais jovem que eu,
com cabelos claros, pergunta sorrindo.
— Do que você tá falando, Rodrigo?
— Falei com a mulher que tava no quarto. Que
joguinho foi aquele? — Meu irmão me cutuca. — Eu não
sabia que você curtia essas coisas mais selvagens. Ela saiu
por aí.
“É um jumento mesmo.”
— Uma namorada? — minha mãe indaga, surpresa. ―
Mas você não disse que não tem namorada?
— Não é minha namorada. — explico e sigo Sérgio. Ele
vai para o jardim.
Mando a teimosa parar, mas ela continua e de
repente cai. Impeço que chegue ao chão e a seguro em
meus braços.
“Como uma pessoa tão pequena consegue causar
uma desordem desse nível na minha vida?”
Se não tivesse me aproximado, ela iria cair e morrer
no meu jardim!
— Ela desmaiou? ― Minha mãe pergunta e Sérgio me
ajuda a segurá-la.
― Leve-a para dentro.
Sérgio a pega nos braços e carrega a mulher
inconsciente.
― Rômulo... ― Minha mãe fica comigo no jardim. ― O
que tá acontecendo, meu filho?
― É complicado. ― Esfrego a nuca, nervoso.
― Por que essa garota tava tentando pular o muro da
sua casa?
“Porque é uma orgulhosa e teimosa!”
— Ela é mesmo a sua namorada? Não parece.
— Não. Ela não é minha namorada. ― respondo
cansado dessa ideia.
Ela espera por mais respostas e me vejo obrigado a
falar a verdade, pois jamais diria o contrário.
— Ela não é nada além da filha de um operário que
morreu na minha plataforma. Ela apareceu pra falar sobre
isso, mas eu nem sabia que esse cara tinha morrido. Acabou
que eu fui grosseiro com ela e agora ela não quer entrar em
acordo comigo! Se arrebentou e mandei o médico cuidar,
mas é orgulhosa demais, mãe ― conto e ela me encara
desaprovando tudo. ― Disse que não quer mais acordo, não
quer dinheiro, não quer nada além de ir embora. Ela só sai
daqui com esse contrato assinado.
— Tadinha. — Meu irmão parece estar com pena.
— Tadinha? Tadinho eu. Olha o que ela fez no jardim!
— mostro os estragos. — Entrou batendo em todo mundo.
Trancamos a porta do quarto pra ela não agredir ninguém e
você foi lá e abriu!
— Abri, sim! Onde já se viu trancar alguém num
quarto? Como você pode ser tão cruel, Rômulo?
“Agora todo mundo vai me julgar!”
— Acredite, ela oferece mais perigo a mim do que eu
a ela. Quando ela assinar o acordo de sigilo, vai embora.
— O que tem nesse acordo, meu filho? — minha mãe
pergunta.
— A garantia de que ela não vai sair por aí falando
que oferecemos dinheiro pra ela mentir sobre a morte do
pai e que eu a larguei na rua machucada. Não tenho culpa
do tombo dela! Eu nem sabia quem ela era. Só a queria
longe daqui.
— Independente de ser conhecida ou não, você
deveria ter acudido a menina antes de mandá-la embora.
— Ah, mãe. Eu achei que ela era uma golpista. Ela
pulou esse muro!
— Sério?
— Sim! — conto ainda admirado. — Ela é capaz de
tudo. Até de dizer que fui eu quem bateu nela. Por isso
estou me precavendo com esse contrato.
Mesmo assim ela desaprova.
Não tem outra forma! A teimosa não quer colaborar
comigo!

Continuo na casa dele!


Falhei na minha tentativa de fuga. Caí e, pelo visto,
meu castigo é pior que a morte: ficar sob o teto desse
monstro.
Levanto pra ver se a tontura passou e Rômulo entra
no quarto. Lembro do que ele disse sobre meu interesse.
— Eu não quero o seu dinheiro. — digo numa última
tentativa de fazê-lo entender.
— Ok. Então eu tiro a porra do dinheiro do contrato.
Você assina? — ele parece desesperado por isso.
— Você quer me calar, né? Pra eu não dizer como
você me tratou e sujar sua imagem?
— É. — ele admite.
— Não. — balanço a cabeça analisando esse ser
desprezível. — Se não quisesse que eu falasse mal de você,
teria me tratado melhor. O que custava me deixar entrar,
sentar e me ouvir?
— Você foi desprezível primeiro. Ameaçou as minhas
bolas.
— Sim, ameacei, mas porque ninguém queria me
ouvir e pela sua cara, você também não queria.
— Não queria mesmo. Você levantou a voz pra mim e
eu levantei pra você. Você invadiu a minha casa e disse que
só saía daqui depois que resolvesse sobre seu pai, eu
resolvi, mas agora digo que você só sai daqui quando
resolver o seu assunto comigo. — ele fala calmo.
“Deve estar querendo me manipular.”
— Não vou vender meu silêncio.
― Você não imagina o caos que pode causar na minha
vida e na vida de muita gente que trabalha para mim, não
é? Gente como o seu pai.
― Não vai me comover com isso, querido.
― Tô tentando entrar num acordo, mas você não
facilita! ― sua proximidade é tamanha que seu perfume
adentra minhas narinas. Ótimo, por sinal.
— Você também não facilitou pra mim. Só cedeu
quando já era tarde.
“Sim, sou orgulhosa sim! E teimosa também! Igual a
ele!”
― Sérgio! — ele chama com os olhos fixos nos meus.
O tal do Sérgio entra no quarto com um iPad na mão e
entrega.
― Você invadiu minha casa, uma propriedade privada.
Posso muito bem denunciar isso e mesmo que fale que te
tratei mal, terei uma boa desculpa para isso.
“Que desgraçado!”
― Seu baixo! Eu pedi pra me deixarem entrar, mas
ninguém deixou!
― Você invadiu a minha casa! Bateu nos meus
seguranças! Eu não queria usar isso contra você, mas você
tá pedindo.
— Manipulador barato… — analiso seu jeito descarado
e ele dá de ombros.
― Espero que tenha bons advogados, porque eu
tenho. Não entende que não pode me vencer? ― Seu rosto
fica a centímetros do meu, apesar da diferença de altura,
ele se curva para me encarar.
“Ainda provoca!”
― E você já viu do que sou capaz. — também
provoco.
― Você não tem escolha, bebê. Aceite sua derrota.
― Tá bom. ― Balanço a cabeça. ― Você quer que eu
assine a droga do contrato? Eu vou assinar, mas antes vou
ler essa merda toda e quero seu advogado aqui para fazer
as alterações, afinal, não é só você que tem ressalvas.
Quero colocar as minhas condições também.
Suas sobrancelhas saltam com a minha fala
inesperada.
“Você me paga por essas ameaças, Rômulo.”
“Que audácia!”
Ela me dá nos nervos.
― Sérgio, traga o contrato. Vou ligar pra o Edgar. ―
Me retiro do quarto e ela continua na pose de quem não
tem medo de mim.
Tranco a porta para que ela não cometa nenhuma
loucura, procuro o celular e ligo para Edgar solicitando que
compareça na manhã seguinte para resolver isso.
Agora só me resta aguardar.
“O que mais ela quer acrescentar no contrato?”
Espero que seja distância.
Tenho vivido dias terríveis com essa garota aqui, pois
desde que ela apareceu, não tenho uma noite de sono que
preste. Toda vez que fecho os olhos, o rosto dela me vem à
mente.
Sei que fui duro quando ela chegou, mas ela não foi
nada educada comigo!

Na manhã seguinte, Edgar aparece e liberto a criatura


para fazer suas ressalvas sobre o documento.
Ela se senta na cadeira da mesa de jantar com o
contrato na mão.
― Eu vou assinar, mas não esse contrato. Quero que
coloque minhas condições. ― Ela me ignora e olha somente
para Edgar.
“ Eu não vou assinar esse documento… Ousada!”
Eu perco completamente a postura com essa mulher.
Como meu advogado está com um notebook na sua
frente, abre o documento para alterar.
― Quais são as suas condições?
― Aqui diz que não posso falar nada do que
aconteceu entre nós, não posso processá-lo, nem ele pode
me processar e posso pedir o que quiser em troca. Vou
embora quando o contrato for registrado em cartório, tá?
Não confio em ninguém aqui.
— Eu também não confio em você, cruz. — olho de
esguelha pra ela.
— Acrescente que nem esse imbecil, nem ninguém
que trabalha para ele, ou para seus conhecidos, podem
tocar em mim, muito menos me machucar de forma
alguma.
— Acrescente isso pra mim também. Ela não pode
machucar ninguém aqui.
Ela ri descaradamente.
— Coloca aí, moço, distância de, no mínimo, um
metro.
— Na verdade, um metro é pouco. — comento.
— Também acho. Já que você é rico, vá pra o outro
lado do mundo!
— Se fosse pra não te ver, eu iria. — garanto.
As mulheres me veneram, mas essa aí age assim.
— Quanto a assuntos financeiros, quero que pague a
minha terapia.
Dou risada.
— Você quem deveria pagar a minha.
— Você já se gabou demais do seu dinheiro. Pode
pagar pra si mesmo. — ela olha pra mim pirracenta. — E
tragam a minha bolsa.
— Aquela capanga? Não vai exigir uma bolsa nova
também não?
Ela olha para mim de ventas arregaladas.
— Aquela tá ótima. Outra coisa, como não podemos
nos processar, ele não pode denunciar nenhum dano feito
por mim. E caso ele quebre o contrato, terei a liberdade
para falar sobre tudo que esse contrato me cala.
— Processar pra quê? Se você nem tem grana pra
pagar. — analiso.
— Burguês safado.
É a verdade. Ela não tem grana.
― Se puder acrescentar que ela tá proibida de
aparecer no meu portão, eu agradeço.
Ele anota tudo e ela ri, me esnobando.
― Isso será um prazer.
— Mais alguma coisa? — Edgar olha para ela.
― Um pedido de desculpas do senhor que me fez
passar por tudo isso.
Rio.
“Quanta audácia!”
― Também quero ler o que você escreveu aí.
Ela não confia em ninguém e eu também não confio
nela.
Edgar deixa ela ler tudo e quando concorda, ele sobe
até meu escritório para imprimir o documento. Enquanto
isso, esperamos na sala.
― Espero que cumpra tudo, pois cem mil reais para
mim, não é nada, mas imagino que para você, uma multa
dessas deve ser muita coisa.
― Eu sei cumprir com a minha palavra. Agora, vamos
ver se você é capaz de cumprir com a sua. ― Ela me desafia
e rio por dentro.
“Coitada, ela não sabe com quem tá falando.”
— Vou cumprir com prazer.
Minutos depois, Edgar volta com o novo contrato, me
entrega a caneta, assino no local indicado e entrego para
ela.
“Finalmente, vou me livrar dessa maluca!”
Ela lê novamente todo o documento e assina. Um
grande peso sai dos meus ombros e respiro aliviado.
― Agora registre e enquanto isso, tragam as minhas
coisas ― ordena, como se tivesse algum poder.
― Não é porque assinou um contrato que vai mandar
em alguma coisa, querida.
― Traga as minhas coisas, querido. ― Desta vez exige
olhando em meus olhos.
É necessário muito autocontrole para lidar com gente
assim.
― Sérgio, as coisas dela estão no meu escritório.
Sérgio segue em busca da bolsa dela.
― Volto assim que for registrado ― Edgar avisa.
Eu me afasto da mesa de jantar, pois não vou
aguardar sua volta na presença desagradável dessa garota.
Meus funcionários já estão atentos e sei que não vão
deixar que ela faça nada de errado.
Subo a escada e no caminho encontro Sérgio
carregando as coisas dela.
Ela já assinou, então não deve contar a verdade ou
inventar nada, mesmo assim, resolvo esperar fora do
escritório, onde poderei ouvir alguma conversa dela ao
telefone.
Sei que ela fará isso.
Um tempo depois ouço um “alô”.
Dito e feito!
― Tô bem, dona Gertrudes. Só tava resolvendo
algumas coisas sobre o que aconteceu com meu pai. Tô na
casa do chefe dele, o Rômulo Guimarães. Devo chegar em
casa por volta das dez horas da manhã, no máximo dez e
meia. Passando disso, a senhora deve se preocupar.
“Esperta, tenho que admitir, mas se puder me livrar
dela antes das dez, será melhor ainda.”
― Senhor? ― Sérgio chama na porta do meu
escritório.
― Edgar voltou?
― Sim.
― Ótimo. ― Levanto para ver o fim disso. Será uma
satisfação ver essa garota saindo de bico calado da minha
casa.
Vou até à sala e ela já está de pé, com a bolsa barata,
onde carrega coisas de menor valor ainda, pendurada no
ombro.
― Já tá registrado ― Edgar avisa e dá uma cópia a
cada um de nós.
― Ótimo. Agora, suma daqui! ― ordeno com prazer.
― Não sem o meu pedido de desculpas. — ela me
encara cínica.
“Meu Deus...”
― Então peço que me desculpe pelo mal-entendido.
― Não é desse jeito. Que sem graça! Quero que seja
olhando nos meus olhos e de joelhos.
Solto uma gargalhada.
― Não torne isso mais desagradável.
― Ah, eu torno sim. Faça o que eu disse.
― Não. Aceite o que já falei e suma daqui! — exijo
tentando ser pacífico.
Ela segura o vaso, que convertido a real deve custar
uns 400 mil, adquirido num leilão na Espanha, e sorrindo,
arremessa no chão, o fazendo partir em centenas de
pedaços.
No mesmo instante, avanço em sua direção.
— VOCÊ TÁ DOIDA?
― Um metro de distância. Você não pode tocar em
mim.
“Que filha da puta!”
― Sérgio, chame todos os funcionários aqui. ― ela
ordena, olhando em meus olhos e com um sorriso
provocador nos lábios.
― O que você acha que vai fazer? Hein?
― Quero uma plateia, afinal de contas, você me
humilhou na frente de uma. Nada mais justo do que reverter
isso da mesma forma. É uma lição para todos. Não acha?
“Ela é má!”
― Eu não vou fazer nada do que você tá sugerindo,
sua descarada! ― Meus músculos enrijecem de tanta
tensão.
― Vai sim. E isso não é uma sugestão, tá no contrato,
é uma condição. Logo, façam o que mandei, do jeitinho que
pedi.
Eu me mantenho imóvel, pois não vou fazer nada.
Ela, percebendo minha atitude, vai até outro móvel,
que está repleto de itens de leilão, equivalentes a mais de
um milhão de reais e encosta a mão com o braço reto.
― Faça o que mandei ou vou acabar com esse monte
de enfeites.
― Enfeites? A sua vida não vale o preço que paguei
por essas coisas. Se afaste agora, sua teimosa!
― São caros? Ótimo! ― Leva todos os itens ao chão e
os vejo despedaçar.
“Ela não fez isso...
A desgraçada teve essa coragem?”
Meu coração dói.
— Mas que porra, Linda!
— Não é pior do que ouvir gritos sobre minhas
intenções e minha situação financeira.
— É sim!
“Que mulher doida!”
― Rômulo, é melhor fazer logo isso, para não causar
mais prejuízos ― meu advogado aconselha, preocupado.
“Eu não mereço isso!”
― Você veio mandada do inferno, né? Foi meu pai
quem te mandou?
— Seu pai é o diabo? Eu sabia!
― Rômulo... ― meu advogado insiste para que eu faça
o que ela pediu.
Todos os funcionários estão vendo isso. É uma
humilhação!
Ajoelho na força do ódio.
― Desculpa. DESCULPA! AGORA SAIA DA MINHA
CASA!
Um sorriso escorrega por seus lábios.
― Emocionante. — ela fala satisfeita. — Com licença.
Foi um desprazer fazer negócios com vocês. Espero que
tenha pesadelos comigo, Rômulo.
“Com certeza terei. Estou vivendo um.”
Levanto, suspirando, tentando abstrair o que acabou
de acontecer. Todos estão parados, atônitos com o que
presenciaram.
― Sumam. Eu não quero ninguém aqui! — ordeno aos
funcionários.
Quando passo pelos portões, sinto como se um
grande peso estivesse sendo tirado de mim. Talvez, sejam
as algemas invisíveis que me colocaram dentro desta casa.
Não imaginei que chegar a este lugar, para reclamar
sobre algo que achei injusto, fosse me causar tantos
problemas.
Eu não consigo parar de pensar nas atitudes daquele
homem. Comprar meu silêncio foi o fim da picada.
Espero nunca mais vê-lo em minha vida.
Volto para casa a pé, mas com o sabor de ter feito
aquele homem descer do pedestal com muito prejuízo.
Espero que tenha servido para os funcionários dele
entenderem que abuso algum deve ser tolerado e espero
que também sirva de lição para ele, afinal ninguém deve ser
tratado como lixo por conta da falta de sensibilidade de
gente como ele.
Tomara que ele nunca se esqueça do que fiz, pois, não
esquecerei como ele agiu comigo.
Quase uma hora depois, chego no bairro onde moro e
as vizinhas, dona Gertrudes e dona Dalva, caminham ao
meu encontro.
— Linda, minha filha. Onde você tava? — Uma delas
me abraça, agoniada.
— Desculpa não ter avisado nada, fiquei sem celular.
— Mas que história foi essa de estar na casa do chefe
do seu pai? Esses dias todos você tava lá?
― No meio de toda essa jornada, acabei lá e só saí
quando me falaram que tava tudo certo. Eu não sei se já
falaram abertamente sobre o caso, mas o homem nem
sabia do ocorrido.
― Que situação! ― Gertrudes lamenta.
— Pois é. Se não tivesse procurado saber o que
aconteceu com meu pai, continuaria na mesma! ― Ando na
direção da casa onde moro.
― Ô, minha filha, sei que você é orgulhosa e
trabalhadora, mas o dinheiro que ofereceram, você não
acha que ajudaria?
― Olha, dona Dalva, se tem uma coisa que não me
arrependo é de ter recusado essa proposta. Depois de
conhecer o tal Rômulo Guimarães, tenho mais certeza ainda
de que não quero nenhum centavo dele.
“Ô homenzinho ruim!”
― Você fez o que achou certo e é isso que importa ―
Gertrudes fala me apoiando.
― Sim. Agora vou arrumar essa casa e trabalhar. Tô
cheia de contas pra pagar ― Abro a porta e elas se afastam,
se colocando à minha disposição para qualquer
necessidade, que sei que não é financeira.
Todos trabalhamos para sobreviver aqui. Não tem
luxo, mas tem o mínimo de conforto.
Bastou dois dias para minha casa já estar toda
empoeirada. É o telhado que tem alguns furos e as frestas
das portas. Enfim, o que vier de poeira entra.
Depois de alguns minutos de descanso, começo a
limpar tudo.
Minha casa não é chique como a dele, é bem simples,
mas não tem a energia ruim que a casa dele está
carregada. Aquela mansão é como se fosse uma prisão e o
clima de lá é de tensão e agonia.
A minha casa, apesar de não ter mais o meu pai e me
sentir triste com isso, ainda me traz paz e vai continuar
assim agora que tenho consciência que contarão a verdade
sobre o que aconteceu com ele, sem suborno, somente a
verdade.
Meu pai pode descansar em paz e eu posso conviver
com o que aconteceu sabendo que não vendi minha
palavra.

Vim ao cemitério visitar o túmulo do meu pai, mas


diferente das outras vezes, as coisas estão mais
conturbadas. Há muitos fotógrafos na entrada do local e a
minha sorte é que conheço o porteiro.
― O que aconteceu? ― pergunto.
― Um empresário importante tá sendo enterrado e
essas pessoas fazem tudo por uma foto. ― Ele me deixa
passar.
Um alvoroço mesmo!
Felizmente, o único cemitério da cidade tem o lado
rico e o lado pobre, e vou para o lado pobre, achando que
não passarei perto do evento fúnebre dos ricos.
Mas o túmulo do meu pai fica próximo da estrada que
divide os lados e a uns dez metros ou mais está o grupo de
pessoas vestidas de preto, se despedindo do homem.
Essa é uma tristeza que dinheiro algum pode poupar.
Suspiro e me sento em frente à lápide do meu pai.
― Hoje não te trouxe flores, pai, porque um bode
entrou no quintal da dona Dalva e destruiu o canteiro dela.
— Cruzo minhas pernas em posição de borboleta. ― Eu
deveria trazer progressos mensais, mas as coisas não
saíram como planejei. Antes demoravam para pagar os
consertos que eu fazia, agora que coloquei uma placa
dizendo que só entrego a roupa com dinheiro na mão, muita
gente deixou de me procurar.
“O que vou fazer, hein?”
― Eu sei que isso não é ruim, afinal me poupa o
tempo de trabalho não pago, mas o dinheiro que recebo não
tá dando para pagar os aluguéis atrasados.
“Tô fodida.”
― Consegui pagar os três meses que estavam
atrasados quando perdi o senhor, mas já atrasei três meses
novamente e na próxima semana fecham quatro aluguéis.
Mato uma formiga que subiu em minha coxa e
continuo.
― Sei que o dono logo vai começar a cobrar, mas não
poderia deixar de comer pra guardar dinheiro e ele tá vendo
que mesmo atrasado todo mês eu pago um. Fiz alguns
cursos na internet e montei um currículo bom, mas as lojas
só contratam gente experiente e isso não sou. Não sei o que
fazer, pai, mas desistir não é uma opção.
Faz três meses que ela passou pela minha vida e
ainda tento lidar com tudo que vivi. A pior parte sem dúvida
foi ter que me ajoelhar e pedir algo que não queria:
desculpa.
Desde então sinto que nada é suficiente e me sinto
impotente, como se ainda não tivesse o controle que perdi
por causa dela e tento compensar isso com rigidez e
cobrança aos meus funcionários.
Eu me recordo disso agora que estou no cemitério, na
despedida de um dos sócios da minha empresa.
No fim de tudo, resolvo dar uma volta pelo lugar. No
curto passeio, para minha surpresa, encontro Linda sentada
em frente a uma lápide, conversando com o pai.
“Que mundo pequeno… cemitério pequeno…”
A princípio, fico extremamente nervoso e confuso,
afinal sua imagem traz à tona muitos sentimentos, inclusive
alguns que ainda não sei lidar. Me detenho a alguns metros
de distância e ouço seus lamentos.
Vendo assim, ela nem parece a doida que foi na
minha casa. Na verdade, parece uma frágil garota. A que
esteve lá provavelmente estava possuída.
Seu cabelo está solto, tão bonito! E as mangas da
blusa caídas sobre os ombros a deixam delicada e não
desleixada como apareceu na minha casa.
Por fim, quando ela se silencia, acabo me
aproximando impulsivamente, contrariado com sua
teimosia.
― Te dei o direito de solicitar o quanto quisesse e
mesmo precisando você recusou, teimosa!
Ela se vira para mim, com um olhar alarmado e se
benze.
“De novo esses olhos verdes na minha frente...”
― O que você faz aqui?
― Não é só você que conhece pessoas.
Ela olha para o pequeno grupo de preto que ainda
está no local do enterro.
― Não me arrependo de ter recusado o seu dinheiro.
― Balança a cabeça e seu cabelo escuro sacode junto com
ela.
― E mesmo assim me deu o prejuízo de mais de um
milhão e meio. ― Analiso com as mãos nos bolsos da calça.
― Vocês só sentem quando diz respeito a dinheiro ―
acusa, encarando a lápide.
― Você me humilhou na frente dos meus empregados.
― Você fez o mesmo comigo. Só devolvi na mesma
moeda. E suas desculpas não eram verdadeiras, então, por
que não sentir um pouco do que eu senti?
Ela tem razão quanto a não serem verdadeiras.
Naquele ponto ela já tinha me chateado muito.
― Então sua intenção era mesmo me humilhar...
― Olha, eu acho que não poderia dar toda a
humilhação que você merece. Depois do que você fez
comigo… Dizer que sabia que eu queria o seu dinheiro e
deveria engolir meu orgulho… ― Ela fala enojada e me
encara nos olhos. ― Espero que um dia você se sinta
humilhado assim como me senti por sua causa.
Ela parece magoada com isso.
— Assim como eu não conhecia a sua história, você
não conhece a minha, Linda.
Me afasto e resolvo ir para casa.

“Dois anos antes...


Nos reunimos para jantar como de costume, mas
desta vez temos visitas de advogados e amigos da família.
Meu pai acabou de voltar de viagem e tenho
problemas na minha empresa, pois como ainda passo pelo
processo de construção da marca e adaptação, as coisas
ainda são muito difíceis.
― Então, ao invés de recuperar o investimento, você
tá perdendo dinheiro, Rômulo! ― meu pai diz.
― Toda empresa começa assim.
― Não. Eu nunca perdi um centavo na minha
empresa. Ainda mais depois de seis meses aberta.
― A sua empresa não é de petróleo e gás.
― Talvez, seja esse o seu erro. Você inventou de
trabalhar com algo que nem conhece! Deveria ter ficado
comigo e aprender a ser um verdadeiro empresário, um
homem de negócios! Você não vai a lugar algum com essa
empresa — meu pai fala na frente de todos, com um sorriso
esnobe no rosto.
― A minha empresa não...
― Cale-se, Rômulo! Você não sabe de nada. Não
adianta inventar desculpas para sustentar seu fracasso.
Feche enquanto ainda não teve um prejuízo milionário e
volte a trabalhar para mim, é o mais inteligente a se fazer.
Ouça o conselho de alguém de sucesso. Vocês não
concordam? ― pergunta aos convidados e alguns deles riem
enquanto outros o apoiam.
Levanto da mesa destruído e saio de casa, entre a
vontade de defender o que acredito e de avançar em meu
pai a fim de fazê-lo engolir a língua a socos.
Escolho a terceira opção, me retirar.
Não fujo, mas me retiro para me poupar de mais
humilhação.
Só quem já perseguiu um sonho, sabe o quão difícil é
o caminho e sabe o quão doloroso é ouvir alguém o
desmotivando e invalidando o seu esforço.”
Saio dos meus pensamentos com a voz de alguém me
chamando.
― Sr. Rômulo?
Olho em direção à porta e vejo o Sérgio.
― Sim.
― Precisa de alguma coisa?
― Não, não preciso.
― Como foi a despedida? ― Entra no escritório.
― Triste.
― Parece abatido. É por causa disso?
Sérgio convive há tempo demais comigo para
reconhecer quando algo mexeu com o meu psicológico e
nos últimos meses isso foi frequente.
― Claro que não. — admito. — Eu a reencontrei no
cemitério.
― Quem?
― Ela... Aquela… teimosa ― Suspiro. ― Ela tava
falando sobre sua situação em frente à lápide do pai.
― E então?
― Ela lembrou que não acreditei nela. Disse que se
sentiu humilhada por causa disso. — suspiro. — Tudo o que
queria na vida era ser diferente do meu pai e agora vejo
que sou mais parecido com ele em personalidade do que
fisicamente.
“E olha que sou a sua cópia física.”
― Meu pai não acreditou em mim quando comecei na
empresa. Zombou, me humilhou na frente de todos. Igual
eu fiz com ela, Sérgio. Ele nem sequer se tocou de como me
feriu. Saí de casa naquele dia.
— Contextos diferentes com resultados iguais.
Concordo.
― Eu nem me toquei que tinha agido como ele. — me
sinto enojado. — Como eu me tornei ele? Quando? Será que
o sucesso resulta nisso? Cacete, Sérgio, eu me tornei quem
odeio! — o encaro desapontado comigo mesmo.
― Tudo na vida serve para algo. Às vezes, não é só
para o que vemos ali na frente.
Queria esquecer toda essa história, mas, no final,
acabei pedindo para que um conhecido meu investigasse a
fundo a situação dela.
Linda Fonseca...
Talvez, possa fazer alguma coisa que diminua sua
mágoa. Não serei como meu pai, que magoa, humilha e
nunca se desculpa. Fiz a merda, não posso voltar no tempo,
mas posso tentar fazer algo pra consertar.
Essa noite me vesti melhor que nunca para
comparecer a um coquetel.
É isso, enquanto alguns choram, outros comemoram.
Nesse caso, o coquetel é mais um evento para
network, por isso gosto bastante de participar desse tipo de
reunião. Dessa forma consigo fazer amizades, sociedades e
ganhar o respeito das pessoas importantes para o meu
sucesso, já que anos atrás não fui capaz de me defender
dos insultos do meu pai.
Hoje, não sou mais assim, mesmo não o enfrentando,
o resto do mundo come na minha mão, mas esse mundo
não inclui a imprensa, pois essa adora inventar fofocas das
pessoas do meu meio social.
Saio de casa na esperança de que Gustavo estará lá
também, pois sempre o alerto sobre aproveitar esse tipo de
oportunidade.
Quando saio do carro já no local da festa, recebo uma
chuva de flashes e finjo costume andando pelo tapete
vermelho.
— Rômulo, onde tá sua namorada? — uma das
repórteres pergunta.
— Sr. Guimarães, aquela mulher que saiu da sua casa
é sua noiva? — mais um repórter questiona.
― Você tá namorando a filha do operário?
― Não!
“Que perguntas absurdas!”
― Mas, vocês estavam juntos no cemitério.
― Isso não significa nada. Não namoro ninguém. —
Tento entrar no local da festa, mas continuam perguntando.
— Sr. Guimarães, tá namorando Linda Fonseca há
quanto tempo?
“Eles já sabem o nome dela?”
Dessa vez, fico tão desvairado que ignoro a pergunta
e entro na festa, onde encontro Edgar.
― Pelo visto, já sabe das fofocas.
— Como eles sabem de tudo isso? — pergunto
irritado.
— As pessoas estão falando da sua suposta
namorada.
— Era só o que me faltava! Ela esteve na minha casa
três meses atrás, como sabem disso?
― Eles estão de olho em tudo, só esperaram o
momento para juntarem as peças.
― Peças essas que não fazem sentido algum. Espero
que isso não passe daqui.
Caminhamos pelo salão e no misturamos aos
convidados.
Não há uma só pessoa que discretamente não
pergunta sobre essa história de namoro e até mesmo
noivado.
Parece até que armaram uma pegadinha para mim,
tanto que por algum tempo, fico procurando por alguma
câmera ou sinal que prove que estamos em um programa
de TV.
Quando encontro um casal de conhecidos que parece
não estar por dentro dessa história, ouço mais uma vez o
absurdo.
— Tô decepcionado com você, Rômulo. Quando
finalmente arranja uma namorada, descubro pela mídia! ―
O homem fala.
Permaneço calado.
— Por que não a trouxe? ― a esposa dele pergunta.
Odeio constranger pessoas como eles, mas dessa vez
vou desmentir.
― Não passa de um mal-entendido. Fiquem tranquilos,
pois quando estiver num relacionamento, irei apresentá-la a
todos. ― Tento sorrir.
― Que pena! ― A mulher fica desapontada. ― Mas,
essa garota que estão supondo ser a sua namorada é muito
linda, parece ser uma boa pessoa. Deveria investir nela. O
que vocês são? Amigos?
― Conhecidos. ― Tomo toda a bebida de uma só vez.
“Investir...”
Um relacionamento amoroso é algo que tenho certeza
que nunca acontecerá entre nós.

Reencontrar o Rômulo foi inesperado e desagradável.


Fiquei um pouco perturbada, mas estou tentando esquecer.
Ele não faz parte da minha vida e três meses não mudaram
minha opinião sobre ele.
No domingo à noite, minhas vizinhas e eu nos
reunimos para conversar e comer as delícias que elas
preparam para o fim de semana.
Desde que meu pai morreu, elas têm feito de tudo
para que eu não desanime de vez. O que torna tudo
interessante em nossas reuniões nas calçadas são as
fofocas que elas contam sobre elas mesmas.
— Pois ele chegou com a cara de pau e entrou no
banheiro depois de sujar a casa toda com aquele sapato
lamacento e ainda me pediu uma toalha! — Gertrudes
conta, revoltada. — Ah, minha irmã, não dei moleza não.
Deixei o homem no vácuo e não peguei toalha nenhuma.
Ele me xingou de tudo quanto foi nome e teve que sair
cobrindo o negócio dele com a roupa suja.
Rimos com a conclusão.
— O meu fazia isso também — Vera revela. — Mas
cortei cedo. Não dou moleza a homem!
— A safada de lá de casa tem dezessete anos e não
lava suas calçolas. — Dalva não poupa a filha que está do
meu lado, com o celular na mão. — Isso porque já quer
namorar.
— Af, mãe! Não me exponha!
— Tem que fazer vergonha mesmo, para ver se toma
jeito! Só sabe viver com a cara no celular!
— Tô vendo as notícias da festa de rico de hoje. Estão
dizendo aqui que o Rômulo Guimarães tem uma namorada.
Vou procurar para ver se descubro mais coisas.
“Uma namorada...
Quem será que aguenta aquele homem?
Todo grosso, frio, só pensa em riqueza.
Será que cabe amor naquele coração?
Definitivamente, não. Ele deve ser um homem sem
coração.”
— Gente! — Rakelly arregala os olhos. — Linda, essa
aqui não é você? — Vira o celular para mim.
Vejo uma foto onde estou saindo da casa do torrão,
passando para o lado, há outra tirada no cemitério, quando
o indivíduo me abordou.
“Como assim?”
— Eu? Leia a legenda — peço com meu coração bate
descompassado.
— Durante o sepultamento do magnata, Bento
Seravat, Rômulo Guimarães foi flagrado numa conversa com
a filha do operário que perdeu a vida durante o trabalho na
empresa de petróleo e gás três meses atrás. A jovem, Linda
Fonseca, também foi clicada saindo da casa do milionário e
os internautas estão apontando a garota como suposta
namorada do empresário petroleiro. Ele apareceu na festa
sozinho.
Perco até a fome.
— Eles poderiam achar que sou uma empregada,
qualquer coisa, menos namorada desse homem! Esse povo
não tem o que fazer?! — indago com o coração saltando.
“Era só o que me faltava!
Deus me livre namorar um monstro daquele.”
Que festa ruim!
Todo mundo só falou da namorada que não tenho e,
simplesmente, não entendo como chegaram a essa
conclusão. Aquela garota tem mais cara de ser empregada
do que a minha namorada!
Voltei para casa cedo, cansado dessa história.
Acordo na segunda-feira sendo bombardeado por
mensagens, e-mails e tudo quanto é forma de comunicação
falando sobre isso.
“Por que as pessoas se importam tanto se tenho uma
namorada ou não?”
Resolvo deixar isso para tratar no escritório, afinal lá
tenho a Kettelyn que deve saber mais ou menos o que fazer.
Assim que o elevador abre no nono andar, a encontro
me esperando.
— Como essa história ainda tá circulando?
― Rômulo, tudo aconteceu durante o fim de semana!
― Sabe o que um fim de semana com uma fofoca
dessas pode causar para o meu nome?
― Sim, eu sei, mas vamos dar um jeito. ― Ela joga os
cabelos loiros para trás e me acompanha.
— Eu quero que parem logo de falar sobre isso. Não
quer ninguém sabendo da minha vida. — Entro em meu
escritório e deixo a maleta em cima da mesa, então me
sento. — Eu não sei como conseguiram fotos da minha casa.
— Como isso tudo aconteceu? Ela é ou não é a sua
namorada? ― pergunta, depois ri. ― Claro que não, não é?
― Óbvio que não!
Ela suspira aliviada.
― Então vou falar com as principais fontes que
espalharam essa fofoca e desmentir. Eles não vão continuar
falando sobre uma mentira.
― Ótimo. E se continuar, vamos processar todos. —
decido e ela ri.
― Então quer dizer que você não tem interesse algum
nessa garota?
― Absolutamente não!
— Bem que imaginei. Ela nem faz o seu ti...
― Sr. Rômulo? ― Meu “detetive” entra no escritório, a
interrompendo.
Nem adianta gritar com esse, porque apesar de ser
distraído com essas coisas, faz um ótimo trabalho quando
preciso.
― Já tenho todas as informações sobre a garota que o
senhor tem interesse.
― E não tem interesse... ― Kettelyn sai da sala como
se tivesse chateada.
― Falei demais, não foi? — Cassiano fala sem graça.
― Não importa. Agora, me dê o que você encontrou.
Ele me entrega um iPad e conta um resumo da vida
dela.
“Quatro meses de aluguel atrasado.”
― Ela mal paga os aluguéis.
― Tô vendo.
― Coitadinha.
― Tá bom, Cassiano, obrigado pela pesquisa. Depois
me mande o valor do trabalho que pagarei.
― Fechado. ― trocamos um aperto de mãos.
― Ah, e mantenha sigilo sobre isso. Não tem a ver
com o que a mídia tá contando por aí.
― Sim, senhor, com licença.
Ele só apontou o óbvio. Aquela teimosa precisa de
dinheiro e ainda ousa me insultar por oferecer isso a ela.
Não deveria insistir, mas me sinto obrigado a fazer
isso.

Quero ignorar as notícias, mas fico tentada a saber o


que estão falando sobre mim, por isso decido vê-las.
Só calúnias.
Estou na boca do povo.
Era só o que me faltava, ser encarada como
namorada desse cara! Logo ele!
Não entendo como chegaram a essa conclusão. Eu
nunca terei nada com aquele homem. Na verdade, não
quero encontrar esse homem nunca mais na vida e espero
que ele fique bem longe de mim, pois vou ignorar toda essa
confusão.
Preciso seguir minha vida, trabalhar, porque as coisas
estão difíceis, mas acredito que vão melhorar.
Ouço um carro parando na frente da minha casa e
logo imagino que seja um dos vizinhos inconvenientes, que
acredita que não vou precisar sair de casa e estacionam
bem na minha porta para deixar a frente da sua casa livre.
Tem vizinhos e vizinhos, mas não tem jeito, sempre
existe um embuste.
Continuo meu trabalho até que alguém bate à porta.
Olho para trás e não acredito em quem vejo pelo vidro
fumê.
É ele.
Levanto com uma tremedeira se espalhando por cada
músculo do meu corpo e abro a porta.
É ele, sim, não é uma miragem.
— O que você quer aqui? — pergunto um pouco
grosseira.
Desta vez, é ele quem atrapalha a minha paz.
Ignoro as fofocas e vou até à casa da garota
porque imagino que Kettelyn já deve ter feito o que
prometeu.
É óbvio que eu, Rômulo Guimarães, não saio com esse
tipo de mulher. Gosto de mulheres com classe, inteligentes,
com etiqueta, bem-educadas e elegantes.
Linda não se encaixa em nenhum dos meus pré-
requisitos, somente é muito bonita.
Mesmo com a confusão envolvendo o falso namoro,
vim oferecer ajuda para corrigir a imagem que passei pra
ela meses atrás.
Eu não sabia que ela morava num bairro pobre e
numa casa tão... pobre. A casa dela é tão simples e parece
que é do tamanho da minha sala.
— Hein?! Diga logo o que você quer! — Ela me
pressiona de um jeito nada gentil.
Esqueci o quanto é mal-educada.
— Precisamos conversar. — Seguro o outro lado da
maçaneta e entro na casa, fechando a porta logo depois.
— Eu não tenho mais nada para conversar com você,
já assinei o documento. Era silêncio que você queria e eu
queria distância sua. É tão difícil cumprir isso? — Ela
carrega aquele rancor na voz.
— Não tava sendo até a nossa última conversa.
— Tá vendo aí? Eu sei cumprir as minhas promessas,
você não. — ela me acusa com o cabelo enrolado no topo
da cabeça.
— Você venceu.
Ela cruza os braços cheios de marra.
— Se tivesse vencido, você não estaria aqui. Essas
fofocas que estão rolando por aí. Não gostei. Achei um
insulto.
— Acha que também gostei? É como me xingar em
dez línguas diferentes.
Quero me redimir, mas continuo achando ela uma
maluca.
— Cadê o seu poder pra calar o povo, bonzão?
— Tô fazendo o que eu posso!
— E aparece aqui, para dar mais pano para manga? Tá
fazendo o contrário. Como descobriu onde moro?
― Eu sei tudo sobre você.
― É o satanás mesmo. Bem que eu soube na primeira
vez que nos vimos! ― Ela balança o dedo toda garantida.
“Doida de pedra.”
― Você não aceitou o dinheiro, mesmo tendo vários
meses de aluguel atrasado. Eu sou o diabo e você uma
burra orgulhosa.
Ela ri.
― Porra, tô trabalhando para ganhar o meu dinheiro e
você tá me atrapalhando! Não quero nada seu, como você
sugeriu. — ela diz chateada.
― Eu já entendi que isso te deixou muito magoada,
mas pedi desculpas naquele dia.
“Que mulher difícil!”
― Aquelas desculpas estão longe de serem
verdadeiras.
― Você acha que também não me prejudicou? —
pergunto com as mãos apoiadas no quadril.
― O que é um milhão de reais para você, Rômulo?
Que se gaba tanto de ser rico.
― Você fodeu a minha mente. ― Encosto as pontas
dos dedos na cabeça, aflito. ― Desde que você esteve lá,
não tenho paz.
― Meu desejo se cumpriu. Foi seu castigo.
― Me tire desse castigo. Aceite a minha ajuda. —
imploro. — Assim ficaremos bem. Você com suas dívidas
pagas e eu com a consciência de que fiz alguma coisa boa
por você.
― Quer fazer alguma coisa boa por mim, Rômulo?
Suma daqui!
― Teimosa! Linda, você tá fodida! ― tento abrir seus
olhos e arrancar esse orgulho besta.
― Meu problema, eu resolvo. Não quero você
amenizando as mágoas com aluguéis pagos. — sua marra
diminuiu e parece que diz de coração.
Respiro fundo.
― Olha, eu sei... Eu sei que você tá magoada com as
coisas que falei, por não ter acreditado na sua palavra. Mas
tô aqui porque não sou esse cara que você conheceu.
Naquele momento, tudo me levava a encarar as coisas
daquela forma.
― Você nem sequer se arrepende, Rômulo! Tá aí
defendendo suas ofensas.
― Da mesma forma que você precisa de tempo pra
processar isso, eu também preciso. Você me fez vergonha
na frente dos meus empregados.
— Foi pouco.
— Olha aí, você nem se arrepende também! Não é
porque estou aqui que gosto de você, mas também não sou
o monstro que você imagina. E, pra ser mais claro, quando
você falou que desejava me ver sentindo o que te fiz sentir,
eu sei o que é, por isso estou aqui.
― Me oferecendo dinheiro? — Ela não me dá moral.
― Você tem o direito de me odiar, mas não pode me
impedir de tentar fazer com que esse ódio diminua.
― Rômulo, tava bom do jeito que tava. Eu sem saber
da sua vida e você sem saber da minha. Tava perfeito. — ela
explica.
— Tava mesmo?
Ela fica calada, me olhando com seus olhos redondos.
Tiro o cartão do bolso e ofereço a ela.
— O que é isso?
― Se precisar de trabalho, já que é tão orgulhosa, te
arranjo em uma simples ligação e se precisar de
privacidade, se quiser uma moradia melhor e mais segura,
eu também posso oferecer.
Ela olha para o cartão e não pega, mas vou deixar de
qualquer forma, então coloco em cima da cadeira e abro a
porta para ir embora.

“Como ela não quer aceitar nada?


Que mulher orgulhosa!”
— Ela é uma teimosa, Sérgio — falo escorado na
janela, encarando a rua.
― Não aceitou a sua ajuda?
― Não.
Eu nem deveria estar desapontado com isso, mas
estou. Qualquer um aceitaria, mas a alecrim dourado não.
― Ela é uma moça orgulhosa e quer conseguir as
coisas por mérito.
— Mas ela não consegue sozinha! Tô tentando me
redimir com ela.
― E o senhor se arrepende do que fez?
Encaro o homem em silêncio.
― Ainda não a desculpei pelo que fez comigo, então
ainda tô nesse dilema, mas não sou como meu pai. Me
arrependo das palavras que disse a ela.
— Acho que é difícil alguém odiar uma mulher como
ela.
— Eu não acho que seja difícil. Ela é irritante, teimosa,
grossa pra caramba! Ela não me respeita. Sérgio, ela me
chama de cada coisa…
— Ela não faz parte do seu círculo de convivência. ―
Ri.
― Educação é esperada, independente de onde a
gente nasce.
― Independente do que temos acesso — ele corrige.
― O senhor ao menos falou com jeito?
— De que jeito você tá falando? — questiono
impaciente. — Eu falei do meu jeito. Do jeito de sempre.
— É que já ficou claro que ela não gosta muito do seu
tom de voz e o senhor fala diferente com ela comparado a
como fala as outras pessoas.
— Ela me estressa. Ela acaba com a minha postura! O
que você quer? Que abaixe a cabeça e fale manso com
aquela garota arrogante?!
— Sinceramente, acho que na sua posição, na
situação atual, deveria cogitar agir de forma agradável com
ela.
— Eu não pedi sua sinceridade.
― Precisa ter mais paciência com ela. O senhor
melhor do que ninguém pode entendê-la, pois os dois têm
personalidades muito parecidas.
Encaro o rosto de Sérgio e não acredito no que ouvi.
— Saia daqui, Sérgio, antes que tome medidas que
não irão lhe favorecer. — Balanço a mão e ele sai.
“Eu, parecido com ela?
Ele só pode estar louco!”
É difícil aceitar a ajuda de quem já tratou a gente
como lixo. É como socar o orgulho no rabo, abaixar a
cabeça e confirmar o que aquela pessoa acha da gente.
Vou continuar tentando sozinha.
Durante a semana ouvi que algumas pessoas andam
procurando saber da minha vida e perguntaram para a
Maria Isabel.
Saber disso não me deixou preocupada, mas ciente de
que mais mentiras sobre mim podem ser ditas por aí.
Maria Isabel é tipo a versão pobre da Ana Cláudia, é a
vilã pobre e invejosa da minha vida. Aposto que ela vai
contar uma versão distorcida de mim e alimentar mais
ainda essa mentira.
Rômulo não me procurou mais e, por fim, acabei
guardando o cartão. Deveria ter jogado no lixo, mas a
realidade dolorosa onde ele simplesmente arranja um
emprego numa simples ligação foi o que me impediu de
fazer.
“Eu vou conseguir sozinha.
Ele não vai jogar na minha cara que quero seu
dinheiro nunca mais.”
Estou comprando o que faltou em casa no
supermercado e não deveria estar me lembrando daquele
indivíduo, mas vi o cartão dentro da bolsa e pronto… É uma
perseguição inconsciente.
“Sua oferta significa um pedido de perdão, ou
arrependimento, ou busca por redenção?”
Quando estou na fila do caixa, meu celular toca e vejo
que é Rakelly, a filha da minha vizinha, ligando.
— Alô?
— Linda, eu tava acompanhando a live da Ana Cláudia
no Instagram e vi ela falando de você e do Rômulo
Guimarães. Te enviei o link. Acho que você vai querer ver.
Meu coração não aguenta tanto tranco e o medo me
causa um desconforto na barriga.
— Eu vou olhar agora. Obrigada.
Estou com medo, pois sei que Ana Cláudia deve ter
falado alguma merda, já que adora desdenhar de mim.
Abro o link que Rakelly mandou e vejo a desgraçada
de cabelo loiro se maquiando enquanto fala em frente a
câmera. É o vídeo salvo da live. Ela fala um monte de
besteira, até que chego na parte em questão.
[― O que acho dessa história do Rômulo com a garota
lá?
Gente, olha, sinceramente, acho que isso tudo não
passa de um engano. Conheço o Rômulo e conheço essa
pobre garota também, então posso opinar. Primeiro, o
Rômulo tem padrões muito altos e não se envolve com
qualquer mulher.
Nunca o vimos aparecendo com mulher alguma, por
isso, imagina o padrão de mulher que ele procura!
Vocês acham que ele vai namorar mesmo uma
pobretona como a Linda Fonseca?
Gente, ela mora na periferia, não tem mãe, foi criada
pelo pai, não tem referência de moda e só terminou o
ensino médio.
Acho que ela nem tem um trabalho formal.
Certamente, deve viver de bico, além de ser
inexperiente e nada atraente.
O que faria o Rômulo se interessar por ela?
Acho que as redes deveriam parar de falar sobre isso
porque sinto que logo Rômulo vai se posicionar furioso com
essas mentiras.
Vamos ter dó dessa garota e parar de iludir a coitada.
Seria um sonho namorar Rômulo Guimarães, mas é
uma maldade enganar a garota assim. Pobrezinha. É o que
eu acho.]
Em seguida ela dá risada e pede pra mudar de
assunto.
“Nada atraente?
Parar de iludir a coitada?”
“Como ela pôde falar essas coisas em público?!”
Ela não mentiu sobre minhas condições, mas estou
furiosa por ter me exposto dessa forma. Falou que eu sou
uma coitadinha, pobretona, que não tenho senso de moda!
Estou tão indignada que as mãos suam frio.
Agora as pessoas sabem muito de mim e vão ficar
falando mais ainda!
Quando encontrar essa Ana Cláudia, irei sofrer para
não dar uns tapas na cara dela!
Eu não me envergonho da minha origem nem da
minha situação, mas falar que sou desqualificada para
namorar um cara só porque sou pobre ou menos arrumada?
Tenho certeza de que se o cara rico fosse de bom
coração, não um cretino sem coração como o Rômulo, ele
ficaria comigo, sim!
As coisas não se resumem a dinheiro!
Assim que passo no caixa, vou para a minha casa,
com as sacolas na mão e a pé, pois o supermercado fica
somente dez minutos de onde moro. Quando viro a esquina,
vejo carros que não são dos meus vizinhos, parados na rua
e algumas pessoas bem-vestidas andando pela calçada.
Tenho 99% de certeza de que estão vigiando a minha
casa e isso me deixa em dúvida entre continuar o caminho
ou esperar que vão embora. Mas duvido que eles
pretendam ir sem conseguir o que procuram.
Tenho que enfrentar isso. Não é possível que vão
insistir a ponto de invadirem a minha casa!
Continuo o caminho e assim que ando no meio da rua,
várias pessoas saem dos carros e tiram fotos de mim, já
outras vêm ao meu encontro.
“Esse Rômulo é tão famoso assim?”
— Ela chegou! — alguém exclama.
― Linda, você e Rômulo Guimarães estão namorando?
― outra pessoa pergunta.
― Não! Não estamos!
― E o que ele tava fazendo na sua casa no início da
semana?
― Não é da conta de vocês! — Subo a calçada e
seguro as sacolas em uma mão só, para conseguir tirar a
chave da bolsa e abrir a porta.
― Quando vocês pretendem assumir o namoro?
― Dia 30 de fevereiro. Marquem na agenda.
— Só queremos saber mais sobre o que vocês estão
escondendo.
— De onde porra vocês tiraram isso?! Não existe nada
entre nós. Não existe nem “nós”! É um delírio coletivo?
— E as fotos? Os encontros?
— Meu querido, se vocês acham que aquilo ali
significa um casal apaixonado, precisam revisitar suas
referências. VÃO EMBORA ANTES QUE EU ACERTE ESSE
SACO DE COMPRAS NA CARA DE VOCÊS! Tire essa câmera
da minha cara, seu inconveniente!
Eles continuam insistindo até que consigo abrir a
porta e entrar na minha casa.
― Me deixem em paz! Eu vou chamar a polícia!
Tranco a porta e fecho as cortinas.
“Vou ligar para a polícia, pois isso não pode ficar
assim.”
Antes mesmo de discar o número, meu telefone
começa a tocar com um contato sem identificação.
― Alô?
Só tem silêncio do outro lado da linha.
― Quem é, hein? Não quero plano nem empréstimo!
Ninguém responde e desligo a ligação.
Volto na porta, puxo um pouco da cortina e vejo que
estão indo embora.
“Ótimo!”
“O que a fez mudar de ideia?”, penso enquanto olho
para o celular.
— Tudo bem? — Edgar se senta na minha frente. —
Você tá pálido.
— Eu? Pálido? — Toco o rosto. — Não. Eu só acabei de
receber uma ligação da garota. Ela aceitou o trabalho, mas
não especificou nada. Irei colocá-la para trabalhar com
Gustavo.
— Com Gustavo? — Ele estica o pescoço para frente,
surpreso. — Tem certeza? Não é melhor falar antes com ele?
― Gustavo não tem de querer, afinal quem manda
nele sou eu.
Edgar ri.
― Eu só tô bem surpreso com a ligação dela e me
pergunto o que a fez mudar de ideia. ― explico.
― Acho que essa história de vocês estarem juntos
pode ter interferido.
― É verdade! Aliás, essas especulações já passaram
do prazo de validade. Kettelyn disse que iria desmentir, mas
já faz uma semana!
― E pelo que tenho acompanhado na internet, eles
não dão um dia de paz para a coitada da sua falsa
namorada.
“Então sem dúvidas foi por isso...”
Aquela teimosa não mudaria de ideia simplesmente
por precisar.
Sinto que estou a poucos passos de mostrar que não
sou como meu pai.
Depois de acertar algumas coisas com Edgar, ele vai
embora e quem eu queria ver aparece, como sempre, sem
aviso prévio.
— Não bate à porta mais não, Gustavo?
— Achei que era um novo tempo. Rômulo Guimarães
namorando? As coisas podem mudar agora. — O descarado
de terno e gravata senta na minha frente.
— Então você também perde tempo vendo site de
fofocas?
— Só quando é sobre meu amigo e eu não sei de
nada. Achei que tínhamos uma amizade mais sólida. Você
anda cheio de segredos, não conversamos mais e agora
descubro que ganhei uma assistente! — pontua nos dedos
enquanto reclama.
— Você anda muito ocupado com essa tal de... Como
chama mesmo a sua namorada?
— Maria Clara. E ela não é a minha namorada. Ainda
não, mas quem sabe? Parece que ela ainda tá avaliando a
minha fortuna para ver se vale a pena. ― Ele coça a barba,
dramático.
— Não poderia achar uma menos interesseira? — Um
leve sorriso se ergue em meus lábios.
— Eu não sou tão humilde quanto você. De onde saiu
essa mulher? Eu não me recordo dela.
— Você não a conhece e sinto lhe desapontar, mas ela
não é a minha namorada.
― Como não é se não se fala em outra coisa?
― Você mesmo disse que é meu melhor amigo e
esperava saber dessas coisas, pois bem, se não te contei, é
porque não existe. Juntaram fotos e concluíram isso, mas
não é verdade.
— Você arranjou um trabalho pra ela e agora vão se
ver todo dia. Ela é linda e poderia muito bem ter alguma
coisa com você. Nunca te vi empregando ninguém dessa
forma.
“É. Eu não emprego qualquer um.”
― Teoricamente, é você quem tá empregando alguém
e ela era filha do operário que trabalhava para mim.
― O que faleceu? — ele fica mais sério.
― Isso. Ela tá sozinha e não tem um bom trabalho,
então é isso.
Ele sorri.
― Que bom coração você tem, Rômulo! Tô sentindo
até uma energia diferente.
― Ela é teimosa, mas acho que vocês vão se dar bem.
― Pode ficar tranquilo que vou cuidar bem da sua
garota. Aliás, ela faz jus ao nome, hein?
— Linda? — Rio encarando o grampeador.
— É. E bote linda nisso. A mulher não usa maquiagem
e é daquele jeito. Imagina se usar? As amigas da Maria
Clara ficaram morrendo de inveja, afinal você não dá
chance pra ninguém.
— Não tô interessado em relacionamento, menos
ainda com essas sanguessugas.
― Eu sei. Você gosta das humildes, simples, que não
estão acostumadas com o luxo e vão se surpreender com
qualquer coisa que você lhes der.
― Não adianta insinuar nada, Gustavo. Não tenho
interesse em sua nova assistente.
Definitivamente não e já me cansei dessa conversa.
Só aceitei a ajuda dele porque não aguento mais ser
perseguida pelos paparazzi.
Grande coisa esse Rômulo Guimarães, para as
pessoas desejarem saber da vida dele e de quem está por
perto!
Mas tenho minhas condições, mesmo não devendo
exigir nada. Aceitar sua ajuda não significa que gosto dele e
por isso não quero trabalhar diretamente com ele ou vê-lo
por perto. Três meses e meio de terapia ainda não foram o
suficiente para me curar dos traumas que ele me causou.
Queria não ver mais nenhuma fofoca sobre mim, mas
sempre que pego o celular, aparece algo. Desta vez, é um
vídeo do irmão dele numa festa. Ele está de camisa social
branca com alguns botões abertos, suado e com o cabelo
bagunçado. Péssima filmagem.
― Rodrigo, o que você acha do namoro do seu irmão?
― Namoro? Cara, eu fico feliz. Meu irmão tava
precisando disso.
“Não acredito que ele não desmentiu!
Será que o irmão não explicou que isso não passa de
uma mentira?”
Agora serei mesmo perseguida e ainda serei chamada
de mentirosa.
Meu celular toca e com o contato salvo, sei que é
Rômulo.
— Alô?
— O meu motorista vai te pegar aí.
— Quando? — Fico nervosa.
— Agora.
— Agora? Para me levar pra onde?
― Para um apartamento. Arrume o que puder.
― Um apartamento?
― Você quer continuar aí? Vi o assédio que anda
sofrendo. Também acabei de ver a besteira que o meu
irmão falou e as pessoas não acreditam em mim.
― Em mim, também não ― lamento.
― O apartamento fica em um condomínio e seu
emprego já tá certo.
“Então ele pensou em tudo e resolveu bem rápido!”
Estou bastante surpresa, já que quando liguei só falei
que aceitava sua oferta.
― Ok.
Isso é como uma fuga na hora certa e espero que não
sigam o carro para meu novo endereço. No fim, acabo
achando justo aproveitar sua “boa vontade” já que todos os
problemas dizem respeito a ele.
Corro para o quarto e coloco tudo o que consigo numa
mochila e outra bolsa que tenho. Cremes, roupa íntima,
roupa de dormir, casaco, tudo o que cabe, coloco nessas
bolsas.
Olho para a rua, por uma brecha na porta e também
vejo o horário. Oito da noite, a rua está bem calma e não
tem ninguém. Mesmo assim, chamo Gertrudes e conto
sobre o que vou fazer. Ela me dá apoio, apesar de estar
preocupada.
As pessoas da rua estão começando a desgostar de
mim por causa dos estranhos que rondam a rua a procura
de fofocas minhas. A privacidade já era.
O carro chega quando saio da casa dela e assim que
confirmo que é o motorista que veio me buscar, entro nele
com minhas coisas e vamos embora.
Estou nervosa com essa mudança repentina, mas foi
isso que desejei desde o dia em que fui abordada por
aquele bando de inconvenientes na volta do supermercado.
Simplesmente sumir.
Em um condomínio, duvido muito me incomodarem.
Só espero que meu futuro salário dê pra pagar as
dívidas e novas despesas. Estou fugindo do bairro, mas não
das minhas responsabilidades.
Depois que liguei para ele e aceitei sua oferta de
trabalho, concluí e entreguei todo trabalho de roupas que
tinha. Acho que, no fundo, tinha consciência de que as
coisas mudariam na minha vida rapidamente.
Não demora para chegar no condomínio e para minha
surpresa, conheço um pouco desse caminho. É o mesmo
caminho da casa dele, mas não tão longe quanto ela.
O motorista me dá um chaveiro.
— Apartamento vinte e dois.
Nunca irei errar, afinal é minha idade atual.
— Obrigada. — Pego a chave e saio do carro.
Olho para cima e deduzo que o prédio tem uns dez
andares. O melhor de tudo é que o portão é grande, o que
impede qualquer enxerido de entrar.
Entro e espero o elevador. Mesmo sem saber em qual
andar fica o número vinte e dois, aperto o botão do oitavo
andar.
Assim que saio, não encontro meu apartamento e
subo para o nono andar, que surpreendentemente é na
cobertura.
A cobertura tem o apartamento vinte e um e o vinte e
dois.
Se no outro andar tinha no máximo quatro
apartamentos, esse deve ser enorme!
Abro a porta e entro com minhas coisas.
Largo a sacola assim que a lâmpada, que acabo de
acender, revela o lugar dos sonhos de qualquer pessoa que
tem Pinterest. Cores claras, em tom pastel, móveis simples
e elegantes. Tudo limpo e luxuoso.
“Ele foi longe demais...
Como conseguiu alugar um apartamento de cobertura
numa única tarde?”
Essa deve ser a parte onde o dinheiro dele tem
influência.
O espaço é o que me assusta mais. Tem o dobro do
tamanho da casa onde eu morava.
Fecho a porta e levo as coisas para o único quarto.
Uma suíte com uma cama alta e larga, forrada com
edredom, guarda-roupas espelhado e o banheiro quase do
mesmo tamanho do quarto, com banheira e chuveiro
quadrado. Tudo em inox e bem cheiroso.
Degraus ao lado da banheira que dão para uma porta
despertam minha curiosidade. Subo e abro a porta. Tem
uma banheira de hidromassagem na varanda protegida por
vidro ou algum material transparente. Ligo a luz e várias
lâmpadas de led se acendem na banheira e nas paredes.
“Que exagero!
Agora sim, me preocupo com o aluguel.”
Volto para o quarto e arrumo as coisas que consegui
trazer no guarda-roupas e no banheiro, que tem até roupão.
“Será que alguém morava aqui?
Será que é dele?”
Tomo um banho maravilhoso, ouso dizer que o melhor
da minha vida, saio do banheiro de roupão, sem pretensão
de vestir minhas roupas agora, então saio do quarto e tomo
um grande susto ao dar de cara com ele.
É quase uma parada cardíaca. Levo a mão ao peito e
me apoio na parede.
— PUTA QUE PARIU! Quando você entrou aqui?
— Agora. — ele também parece chocado com o
encontro.
Veio vestido para receber o Oscar.
Rômulo é a prova de que é possível odiar gente linda.
A beleza não livra do ódio. Parece o Henry Cavill. Nunca
mais assistirei ao Superman dele.
Escondo o decote e arrumo a postura, mas está difícil
encará-lo depois disso. Ele me analisa.
― Vista-se. Vamos jantar na minha casa. ― sua voz
levemente grave faz parecer uma ordem.
― Não! Eu vou comer por aqui mesmo.
Aquela casa me traz pesadelos e não quero voltar lá.
— Então vou pedir. — Ele tira o celular do bolso.
— Não vai perguntar o que quero comer?
— Não. Você vai comer o que eu pedir.
— Continua sendo um cavalheiro… — volto para o
quarto e tranco a porta para me vestir. — Escuta, você não
vai ficar entrando toda vez assim não, né?
— Eu te liguei e você não atendeu. Tenho a chave,
então entrei.
— Isso é invasão de privacidade.
— A nossa privacidade já foi invadida.
— Não existe “nós”. ― Esclareço.
— Existe quando estamos relacionados a um mesmo
problema.
― Você já deveria resolvido isso, Elon Musk. Foi por
esse motivo que voltei atrás... ― Passo os cremes e visto a
roupa íntima.
Não vai dar para usar roupa de dormir enquanto ele
não for embora.
— Falta de tentativa não foi. Eles são tão teimosos
quanto você.
Pelo visto, irei vê-lo com frequência. Se isso não for
lidar de frente com os traumas, não sei o que é.
Ela entra no quarto e dou graças por isso.
Tinha que aparecer só de roupão?
Independente das nossas diferenças, ela ainda é uma
mulher e é a porra de uma mulher muito atraente. De
roupão, então, é a premissa para pensamentos
pecaminosos.
Vou evitar aparecer sem avisar para isso não
acontecer novamente, mas em minha defesa, eu liguei
antes de vir.
Peço a comida e tomo um copo d’água enquanto
espero na janela.
Eu adorava ficar aqui quando estava fugindo das
acusações do meu pai. Foi meu primeiro apartamento. Mas
quando resolvi morar sozinho, comprei logo aquela mansão
e o deixei aqui para uma necessidade.
Agora serviu.
Sinto um perfume doce se espalhando pelo ar a minha
volta e entrando em nas minhas narinas. Olho para trás e
vejo que ela está fora do quarto, usa uma roupa nada sexy,
um vestido verde-militar que não marca o corpo e se
prolonga até o joelho.
Um bom jeito de me manter longe dos desejos.
Mas o perfume acaba comigo e essa cara de inocente
me preocupa. De inocente ela não tem nada.
— O que você pediu? — Ela se mantém longe e
segura uma mão na outra.
— Carne e acompanhamentos. Amanhã um dos meus
empregados vai trazer coisas do mercado. Se tiver algum
pedido específico, pode anotar que levo pra eles.
― Infelizmente, o que queria não tá à venda no
mercado.
— Ah, que pena… — ajo da mesma forma que ela —
Olha, não tenho culpa de nada. Foi você quem bateu à
minha porta e os infelizes registraram.
— Sua sorte é que não fotografaram quando seus
seguranças me colocaram pra fora. ― Ela se aproxima da
janela, abraçada ao corpo.
Tenho que concordar.
― Se você nunca tivesse aparecido, não nos
conheceríamos, muito menos estaríamos conversando sobre
isso agora. — Vou até o sofá e me sento.
― Só sendo mesmo um cretino insensível para falar
uma coisa dessas. Eu fiz o que achava certo e essa história
não existiria se você não tivesse ido atrás de mim, no
cemitério e depois na minha casa. Não vou nem pensar em
como será agora que seu irmão falou aquelas bobagens!
— Eu vou arrancar a língua daquele idiota e processar
todo mundo.
Essa fofoca já está indo longe demais.
― Não duvido... Só quero que se lembre que não pode
encostar em mim.
Suspiro e sorrio.
― Eu não tenho interesse algum em fazer isso.
Deveria confiar em mim.
― Dar confiança a você? ― Ela me esnoba.
— Você tá na minha casa, deve confiar em mim.
Ela me ignora.
— Espero que só tenha a cópia da chave da casa, pois
vou dormir de portas trancadas.
“Não confia mesmo...
O que ela tá insinuando?
Que posso entrar em seu quarto?”
— Não se preocupe, não quero nada com você. —
Pensar nisso me faz rir.
Ela agradece aos céus de mãos erguidas.
“Dramática...”
Resolvo ligar a TV e não continuar esse assunto.
Ela se senta no outro sofá.
— Por que você tá aqui?
— Por que não? Sou um bom anfitrião.
Ela balança a cabeça em negação, rindo de mim.
Não fui um bom anfitrião da primeira vez.
― Você não quer me ver? — pergunto com um pouco
de deboche.
— Não. Não quero, querido. — Ela responde cínica.
Eu também não, inclusive deveria estar em casa.
“O que vim fazer aqui, hein?”

— Você não respondeu a minha pergunta. Não tem


ninguém para torturar hoje à noite não?
— Tenho... Você.
Esse sarcasmo dele me derruba.
— Olha que pode ser o contrário.
— Não duvido. Já tá sendo. Só tô esperando o jantar
chegar e vou embora.
— Não vai jantar? — a pergunta escapole pela minha
boca.
— Por que a pergunta? Queria a minha companhia?
— Claro que não. Óbvio que não!
“Eu não tô doida.”
Ele se levanta do sofá e sai pelo apartamento
mexendo no celular.
“Tomara que vá embora logo.”
Pego o celular no quarto e volto para o sofá. Assim
que abro a rede social, vejo uma nova notícia que me inclui,
pra variar. Cidade de gente fofoqueira!
“O CEO da empresa Guimarães Petróleo e Gás,
Rômulo Guimarães, foi clicado entrando num
condomínio próximo à sua casa. Segundo
informações, sua suposta namorada, Linda Fonseca,
foi vista chegando no local horas antes.”
— Meu Deus! Eles estão de olho na gente o tempo
inteiro! — exclamo indignada.
— O que foi agora?
— Já nos viram chegando aqui.
Ele suspira.
― Já vi que a RP não consegue resolver isso...
― Ao menos aqui tem muros onde posso me
esconder... ― reflito comigo mesma, mas falo em voz alta.
― Que milagre, a Maria Isabel não ter falado mal de mim...
― O quê? ― Ele olha para mim.
— Tem gente que não gosta de mim.
— Sério? Alguém não gosta de você? Mas você é tão
carismática! — ele fala, irônico.
— Você acha que as pessoas também gostam de
você? Aposto que só te aturam porque você paga o salário
delas. — Volto ao celular. — Tem gente muito cretina nesse
mundo, tanto do lado rico quando do lado pobre.
— Você se daria melhor no lado rico.
— Acontece que não sou rica, se é que ainda não
percebeu.
O silêncio nos pega por um momento.
— Amanhã acorde cedo, meu motorista vai passar
aqui para te levar para comprar roupas pra usar no
trabalho. Você vai trabalhar para um amigo meu.
“Amigo?
Deve ser igual a ele então.”
— Como? — Eu me perco na parte das compras.
— Não me faça repetir e vê se escolhe roupas de bom
gosto. Você será assistente e andará ao lado dele. — Ele
analisa a roupa que uso.
E eu achando que meu novo trabalho seria numa
lojinha ou num posto de gasolina.
— O jantar chegou.
Deixo o celular no sofá e vou buscar na recepção do
prédio. Ele vem junto, mas segue direto.
— Tenha uma boa-noite.
“Agora que você foi embora, terei sim, uma ótima
noite.
Será que ele viu meus peitos naquela hora?”
Volto para casa e assim que chego no quarto,
recebo uma ligação da minha mãe. Atendo no viva-voz
enquanto troco de roupa.
— O que é, mãe?
— E agora, vai dizer que é mentira? Mesmo depois de
levar a menina para o seu apartamento?
“Ela vive pra ter uma nora.”
— É mentira, mãe. Ofereci a casa para tentar
consertar as merdas que fiz com ela naquela época. Você
sabe...
— E ela concordou com isso?
— Ela concordou porque não aguenta mais o assédio
desse bando de arrombados que teima com essa história de
namoro. Mas não concordou fácil.
— Não seria mais simples namorar de verdade?
— Mãe, tenha um pouco de bom-senso.
— Use essa redenção para conquistar a moça. Pelo
que vi, ela é uma guerreira e ela te fez pensar em suas
atitudes, é porque é diferente das outras.
― O quê? ― Rio do absurdo.
― Desculpa, me rendi a fanfic. Parece tão real nos
tabloides! Achei que quando ligasse estaria com ela ―
conta, desapontada. ― Já pediu desculpas a ela?
― Já ― respondo rápido e baixo.
― Mas, desculpas reais ou só palavras?
― Mãe, tô fazendo de tudo para não ser igual a ele.
Ela tá magoada com umas coisas que eu disse e reconheço
que ela é tão teimosa quanto eu. Mas isso vai mudar.
― Eu sei que você cresceu desapontado com o seu
pai... Ele fala muita besteira. Magoar a menina foi uma
cagada e eu lembro que você não queria deixar a coitada ir
embora. Isso também não foi legal.
― E ainda assim acha que ela deve namorar comigo?
― Não entendo as ideias dela.
― Simpatizei com ela e do jeito que ela enfrenta os
paparazzi, aposto que com ela, você mudaria essa postura.
― Bem, não vou dizer que ela me trata bem. É bem
mais cruel comigo, do que com os paparazzi…
“E sim, eu mudo completamente a postura quando
estou com ela. Ela pede!”
― Errada não tá.
― Olha, mãe... Vá puxar a orelha do seu caçula, que
anda falando besteiras por aí!
— Boa noite. Diga a sua namorada que quero
conhecê-la.
Ela acredita nas fofocas e não na minha palavra.
— Boa noite, mãe.

Que comida gostosa!


Que cama maravilhosa!
Que noite!
Acordo sorrindo e ao abrir as cortinas, vejo a cidade.
Que vista!
Daqui dá para ver a mansão do Rômulo.
Me espreguiço pensando que poderia passar o dia
todo sem fazer nada, mas lembro que tenho contas pra
pagar e também preciso fazer compras para começar no
meu novo emprego.
Pelo visto, esse amigo dele é tão elegante quanto ele
e preciso andar a altura, mas não tenho um centavo para
adquirir as coisas.
Levanto da cama e tomo um banho.
Assim que estou pronta, saio do prédio e na portaria
encontro o motorista me esperando.
Tenho que reconhecer o quanto essas pessoas são
compromissadas.
— Bom dia. — Ele abre a porta do carro para mim.
— Bom dia. — Entro no automóvel rindo dessa
mordomia toda. Não estou acostumada com isso e duvido
um dia me acostumar. Sem contar que sei muito bem que é
uma situação temporária. — O senhor pode, por favor,
passar em alguma cafeteria?
Só um cafezinho pra acordar, já que no apartamento
não tem nada.
— Sim, senhorita. ― Ele dirige para fora do prédio.
"Sim, senhorita”, ouvir isso é engraçado e chique.
Quando para na frente da cafeteria, fico em dúvida se
é mesmo uma cafeteria ou uma loja de luxo. Eu não
esperava que ele me levaria para um lugar de alto nível.
Queria um cafezinho de R$ 1,50 e um misto de R$3,00.
— O Sr. Rômulo mandou te entregar. — Ele me oferece
um cartão e o pego. ― A senha é 2358.
Parece que nunca foi usado de tão novo.
“Por que ele me deu um cartão?”
Essa situação me assusta e me incomoda. Eu disse
que não queria seu dinheiro. Quando aceitei sua “boa
vontade” foi só no sentido de encontrar um emprego para
mim e com isso poderia fazer meu dinheiro, pagar os
aluguéis atrasados e encontrar um lugar para morar onde
os curiosos não conseguissem me incomodar. Usar o
dinheiro dele estava fora de cogitação.
Saio do carro e entro na cafeteria. Peço somente um
café e um misto, pago com meu dinheiro mesmo e depois
espero sentada numa cadeira, observando o lugar. As
mesas são quadradas, de madeira, o lugar é elegante e, ao
mesmo tempo, aconchegante.
É a mesma cidade, mas a sensação que tenho é de
que estou em um lugar totalmente diferente.
Meu pedido chega e forro meu estômago.
Eu me sinto sendo observada. Mesmo que não tenha
flashes, sei que tem alguns celulares virados na minha
direção e isso não pode ser coincidência.
Assim que termino, saio do lugar sem demora.
Vamos para a loja.
Ela não fica mais do que cinco minutos da cafeteria e
outra vez me preocupo com o nível do lugar e o valor que
ela deve cobrar por suas mercadorias, afinal meu café da
manhã não foi o mais barato.
— Senhorita Linda? — Uma mulher aparece na minha
frente, sendo bastante simpática.
— Sou eu.
“Ela me conhece?
Deve ser por causa das fofocas.”
— O Sr. Rômulo avisou da sua vinda. Separamos
algumas opções para experimentar. Entre, vamos ver.
“Sério?
Rômulo é rápido!”
— Ele disse que você precisa de roupas pra o trabalho
e também pra sair. Preparamos duas araras com a ajuda do
nosso melhor personal stylist.
“Roupas pra sair?
Sair para onde?”
Eu só vou trabalhar e voltar pra casa. Essa rotina não
requer mais do que uma roupa de trabalho e outra de
dormir.
Tenho tanto mau gosto a ponto de precisar de um
estilista escolhendo as roupas?
Chego na primeira arara e dou uma olhada na
etiqueta, quatrocentos reais no vestido.
“Misericórdia!
Um vestido de usar no trabalho!”
A vendedora fica me esperando escolher.
― Vou escolher com calma. Assim que me decidir, te
chamo.
“Sob pressão não consigo escolher as coisas.”
Resolvo ligar para o indivíduo pra entender melhor
essa história de roupas pra sair. Chama um bocado até que
ele me atende.
― Tô em reunião, o que você quer? ― pergunta
grosseiro, mas com a voz contida.
― E essas roupas pra sair?
― Trabalhar no nosso meio não é só comparecer no
escritório. Tem muitos eventos. Era sobre isso?
― Sim.
Ele desliga na minha cara.
“Que grosso
Desligou mesmo!”
Respiro fundo e encaro a arara. Ele nem me deu
tempo de perguntar como eram essas roupas, de quanto
estamos falando.
Só a blusa custa R$200.
“Vou usar o cartão dele e depois, quando ele vier
reclamar, tenho uma boa resposta para dar.”
Escolho poucas peças, mas o suficiente pra variar
durante os dias. Também compro sapatos e outros
acessórios. As sacolas são tão grandes que o motorista me
ajuda a guardar no carro.
Espero que o povo da loja não espalhe essa história.
Devem pensar que Rômulo me deu um banho de loja.
A missão foi cumprida, mas não foi barata.
Gastei quase oito mil reais com tudo!
Para ele não deve ser nada, mas para mim... PORRA, É
DINHEIRO DEMAIS!
Vou devolver cada centavo assim que puder.
[Notificação de débito: Foi debitado da sua
conta R$ 7.926 na loja...]
Até que gastou pouco!
— ...no quesito aditivos, tivemos porcentagem de
0,03% de...
Estou em uma das reuniões mensais mais importantes
da minha empresa e durante a apresentação das planilhas,
circulo os números mais significativos na cópia impressa
que me entregaram.
Confio no trabalho deles, mas gosto de revisar tudo
para não passar nada. Mesmo assim, a atenção no celular
tem me atrapalhado.
Mandei meu motorista levar a Linda numa loja que
vende roupas sociais mais baratas, para não assustar
aquela criatura e para ela comprar as roupas que precisava.
O escritório do Gustavo fica localizado no mesmo
prédio que o meu e as pessoas aqui não trabalham de jeans
e camiseta. Já que praticamente impus que meu amigo
aceitasse a assistente, ao menos devo entregá-la em boas
condições.
Se tenho segundas intenções com tudo isso? É claro
que tenho!
Mesmo sendo tão orgulhosa quanto eu, sei que ela
ficou agradecida por tê-la tirado daquele casebre e espero
que sinta o mesmo pelas roupas.
A reunião durou a manhã toda, depois eu e o
participantes saímos para almoçar, só voltamos ao prédio
depois das duas da tarde.
— E quando vamos conhecer sua nova namorada,
Rômulo? — Um dos meus acionistas mais velhos e
inconvenientes pergunta na porta do prédio.
Edgar já está processando os fofoqueiros. Será que
devo processar os que acreditam na fofoca também?
— Ela não é a nova. Ela é a namorada. — Gustavo
aparece com sua cara de pau e dois cafés na mão.
— Por que você faltou na reunião de finanças,
Gustavo?
Ele é meu sócio, tem a empresa dele, mas tem parte
na minha. Se não fosse a sociedade com esse abençoado,
na época em que ainda estava pegando o jeito no petróleo e
gás, teria falido do jeito que o meu pai sonhava. Mas
Gustavo só aparece depois que as reuniões terminam! Não
tem o direito de reclamar de nada e acho que por isso ele
nunca reclama.
— Desculpa. Sua reunião coincidiu com a minha e
agora à tarde tô ajudando minha assistente a se adaptar ao
novo trabalho. Ela é muito simpática! Ótima ideia colocá-la
para trabalhar comigo. — Ele segue seu caminho todo
animado.
“A Linda já tá aqui e eu nem soube!
Ao menos parece que quer trabalhar.”
Eu me despeço dos sócios e eles vão embora dali da
calçada mesmo, já eu deveria ir para o nono andar,
contudo, quando o elevador abre no oitavo andar, saio para
beber água.
Sinto a boca ficar seca, a gravata me sufoca e tudo
isso me deixa agoniado.
Saber que ela está por perto me deixa assim.
As pessoas que trabalham para mim são do jeito que
gosto. Organizadas e silenciosas.
O escritório do Gustavo é bem diferente do meu e por
isso ele foi a primeira opção quando pensei num emprego
para ela. Teimosa e respondona, vai se dar bem com ele,
mas acho que o meu amigo anda animado demais com essa
história.
Uma medrosa de cabelo claro se aproxima de mim.
— Sr. Rômulo, poderia ter me pedido água que eu
levaria na sua sala para não se incomodar! E o filtro do nono
andar tá funcionando bem.
— Não vou te demitir por causa disso, Laisa.
— Ainda bem — ela murmura.
É o medo que todos têm.
Tomo o copo d’água e vejo Gustavo passeando por
aqui com Linda. Os dois estão tomando café.
“Então ela veio mesmo...”
É como se ela estivesse desordenando tudo a minha
volta. As pessoas param de trabalhar pra olhar pra ela.
— ... e hoje venho só para saber como estão as
coisas… — meu amigo se gaba.
Ela está com um vestido justo preto, nada vulgar e
bem elegante, que acentua suas curvas e principalmente
seus seios.
“Um pecado...”
Respiro fundo e folgo a gravata.
Ela fica bem com esse tipo de roupa.
― Não aparece nas reuniões, mas fica passeando
pelos corredores... ― comento irônico.
Os dois olham para mim, mas Linda logo me ignora.
— Rômulo! Tô fazendo uma tour com minha nova
assistente. ― Gustavo carrega um sorriso largo no rosto.
― Pela minha empresa?
― É. Imaginei que você não faria isso, então me
disponibilizei para acompanhá-la, sócio.
“Como se eu tivesse obrigação de mostrar alguma
coisa da minha empresa a ela.”
― Linda, essa é a Laisa, assistente do Rômulo.
Elas se cumprimentam com um aperto de mãos.
― Seja bem-vinda. Depois podemos tomar um café lá
embaixo ― minha assistente sugere, sorridente e Linda
levanta o copo de café na outra mão. ― Aqui tomamos
muito café.
― Imagino. Aliás, meus parabéns... Você deve ser
inabalável para trabalhar aqui...
Com a palavra aqui, ela quis dizer comigo e Laisa
entende, tanto que ri junto com o Gustavo.
“Já vai começar, Linda? Eu não posso perder a postura
com você aqui.” — tento passar a mensagem por telepatia
pra ela. Quem dera funcionasse.
― O Sr. Rômulo é um ótimo chefe ― ela me defende.
― Deve pagar muito bem… — ela debocha e balanço
a cabeça rindo.
“Que audácia!”
― Sim, muito bem ― a lesada ainda confirma e
Gustavo gargalha.
― Eu adoro o humor dela. Vamos, Linda, meu amigo
já te secou demais. ― Ele se apressa e ela o acompanha.
“Gustavo consegue ser mais sem noção que meu
irmão!
Secando...
Era só o que me faltava!”
Como se eu não visse mulheres bonitas
constantemente.”
— Me lembre de verificar as ações do Gustavo e o
valor delas. Vou comprar todas e expulsar esse folgado
daqui.
— Sim, senhor. — Laisa me acompanha, rindo.
É, não tem jeito, irei vê-lo todos os dias, pois meu
chefe trabalha no mesmo prédio que ele.
Gustavo me ligou dando as boas-vindas e
perguntando quando poderia começar. Admito que só pela
gentileza já fiquei empolgada com o trabalho e não tive
desculpa para não ir trabalhar, na verdade, o que mais
tenho são motivos.
Depois do almoço aproveitei o motorista, que já
peguei até o contato, e vim. Como vou voltar? De ônibus,
mas já economizei na vinda.
Olha, até que esse trabalho não é tão ruim!
Gustavo é um ótimo chefe e um cara muito gente
boa, bem-humorado, paciente. Ele é bonitão, o padrão de
porte atlético, barbudo, de olhos claros.
As minhas tarefas não são tão cansativas. Fico atrás
dele e anoto as coisas importantes. Ele disse que tem
outras coisas, mas vou aprendendo conforme a
necessidade.
— Linda, preciso que você tire uma cópia do
documento da reunião de hoje da Guimarães Petróleo e Gás.
Sou acionista e não pude comparecer na reunião.
― Onde tá o original? — levanto pra fazer a tarefa.
― Com o Rômulo. ― ele dá um sorrisinho.
Meu corpo liga os alarmes, pois já sei que meu chefe é
mais um que caiu na história do namoro.
― Só com ele?
― É que ele faz anotações no documento que recebe
e isso facilita a minha vida. Não preciso quebrar a cabeça
com algo que já não entendo muito bem, só vejo o
importante e balanço a cabeça. Se pedir com jeitinho, ele te
empresta.
“Ainda tenho que pedir com jeitinho?”
Tento não expressar a minha infelicidade.
― Onde fica o escritório dele mesmo?
― Nono andar.
— Ok…
De elevador tudo se resolve sem muito esforço.
O nono andar não se parece em nada com o oitavo,
muito menos com o escritório do Gustavo. Uma sinfonia
baixíssima, que parece sair das paredes que carregam os
tons de cinza e preto e quadros, o chão é brilhante e tem
uma estampa de mármore.
Uma recepcionista, que mais parece ser miss
universo, está atrás de um balcão de madeira.
— Boa tarde. Onde fica o escritório do Rômulo?
Ela não olha para mim.
— Tem hora marcada?
“Hora marcada?”
— Eu só vou pegar um documento com ele, é rápido.
— Mesmo assim. O Sr. Rômulo só recebe quem tem
hora marcada. ― Ela olha para mim e ergue as
sobrancelhas.
— Eu trabalho aqui no prédio, sou assistente do Sr.
Gustavo e também conheço seu chefe. Ele não vai me
expulsar só porque não marquei hora. Onde é que fica a
sala dele mesmo? Essa aqui? — Sigo até a primeira porta e
a mulher vem atrás de mim.
Se for para esperar o aval dela, nunca vou pegar o tal
documento.
Abro a porta e entro na sala, dando de cara com ele,
que ergue a cabeça e me encara surpreso.
Nunca, jamais, em hipótese alguma, vou me
acostumar a conviver com esse homem.
Nossos olhos se encontram e paro no meio da sala.
— Sr. Rômulo, perguntei se ela tinha hora marcada...
— a recepcionista se explica, provavelmente, com medo de
ser demitida.
— Tudo bem. Pode voltar ao trabalho. — Ele balança a
mão e ela sai fechando a porta.
Rômulo me encara e lembro de respirar. Sua sala é
impecável. Tem a cara dele.
— A sua ousadia não será tolerada no meu escritório.
— Se a sua recepcionista fosse mais flexível, não teria
entrado sem ser anunciada.
― Ela só tá cumprindo regras, coisa que parece que
você não sabe fazer.
“Como sempre, um grosso.”
― Que seja. Gustavo precisa da sua cópia da reunião.
Ele quer uma xérox, então trago de volta assim que fizer
isso.
Ele suspira, reprovando com a cabeça e me entrega
os papéis.
— Me diga que comprou mais de uma roupa.
― Por quê? Já vai reprovar a roupa? O fato de você ter
pagado não lhe dá esse direito. Aliás, vou devolver tudo
assim que puder.
― Não tô cobrando, só estranhei porque o valor que
usou não paga nem meus sapatos.
Abro a boca e deixo o queixo cair mesmo.
“Que sapatos caros são esses?”
― Eu comprei tudo que achei que precisava. Você não
deu um limite. Desligou na minha cara.
― Limite? Olha, para quem fez uma bagunça na
minha casa, você até que anda bem consciente
financeiramente! E não me ligue quando eu estiver em
reunião.
― Não sou obrigada a saber quando você tá em
reunião. Ou você também tá caindo na fake news? ― Eu me
viro para a porta e quando olho uma última vez para ele,
seus olhos estão na minha bunda. ― Tira o olho.
― Lembre-se de bater na próxima vez. — Ele volta a
atenção ao computador.
— Lembrarei.
— O Gustavo não sabe que tivemos aquele
inconveniente.
― Achei que isso tinha acabado no contrato!
— Acabou, mas minha mãe e meu irmão sabem e a
minha mãe quer te conhecer.
— Oi?
“Era só o que me faltava!”
— Ela quer te conhecer acordada, pois da última vez
você tava inconsciente.
Parece até piada.
— Não rola. Se ela for igual a você, pior ainda.
― Ela não é. Só quer te conhecer. Não custa nada.
― Olha, acho que não deixei as coisas claras. Rômulo,
eu tô aqui pelo emprego. Se tivesse outra forma de arranjar
trabalho, não estaria aqui. Jantar com a sua família só vai dá
pano pra esse namoro falso.
Ele concorda.
― Eu sei. Olha, eu me arrependo por ter te falado
aquelas coisas. Sei que te magoei. Já me magoaram dessa
forma e eu sei como é. Ninguém me pediu desculpas. Quero
que me desculpe, mas não sou bom com palavras, por isso,
aceite minha ajuda.
— Teoricamente você pediu desculpas agora. —
analiso surpresa com o que ele disse. Ele parece
arrependido mesmo, mas isso não ajuda com o namoro
falso.
Ele suspira e encara uma caneta.
“O que tô fazendo da minha vida?”
― E como será isso? Vou confiar que não será mais
uma humilhação.
― Combinamos na saída, agora tenho compromissos.
― Ok. ― Desta vez, vou embora sem mais delongas.
“Será que, no fundo, ele tem coração?”
“Pelo menos, ela aceitou e talvez isso signifique
perdão ou uma segunda chance. Ela está cedendo. Tá vendo
que não sou o monstro que acha que sou.
Esse trabalho aqui foi uma ótima ideia.”
Um tempo depois, Laisa bate à porta e entra com os
papéis que Linda tinha levado.
― A Linda pediu para devolver.
― Por que ela mesma não fez isso?
― Ela tava com pressa. O Sr. Gustavo tem uma
reunião com o Sr. Caleb agora.
― Caleb? ― Eu a encaro, levemente incomodado.
Caleb é pior do que meu irmão quando se trata de
mulher, com aquelas piadas sem graça e gentileza com
segundas intenções. O que será que ele vai fazer quando
conhecer a nova assistente do Gustavo?
― Uma reunião?
― Uma reunião — ela confirma.
“É na empresa do Gustavo, certamente.”
— Laisa, quero que vá a essa reunião.
“O Gustavo não vai se importar com isso.”
— O que preciso fazer?
— Assista e me diga tudo o que aconteceu por lá.
— Tá bom. — Ela sai da sala.
Espero que Linda se lembre da cláusula que ela
mesma adicionou no contrato, proibindo que qualquer
pessoa que trabalhe para mim, ou meus amigos e
conhecidos toquem nela, o que incluiu não se envolver com
ninguém.
Ela pode não ter pensado nisso, mas farei questão de
frisar.

Deixo tudo pronto para a reunião e, pontualmente, o


convidado aparece. Um homem de cerca de trinta anos,
loiro, de rosto marcante, quadrado, olhos claros, muito bem-
vestido, assim como Gustavo, ele tem um porte atlético, e
um perfume gostoso que até paro para inalar um pouco.
Laisa me ajudou a organizar a sala.
Por falar nela, foi um anjo que apareceu na minha vida
e me orientou para deixar tudo impecável, mesmo o
Gustavo não sendo tão exigente como Rômulo é. E ela
continua aqui comigo, agora, inalando o mesmo perfume
que eu.
— Caleb, como vai? — Gustavo o cumprimenta com
um aperto de mãos.
— Tô ótimo. Ansioso para essa reunião — ele fala
amigável e olha para mim. — E esta é?
— Minha assistente, Linda.
Ele sorri e estende a mão para mim, mas assim que
aperto, ele me dá um beijo no rosto.
— Muito prazer, Linda, sou Caleb.
— Prazer. — Minha voz sai fina e baixa, e meu rosto
esquenta.
“Mais um homem gentil, Rômulo tá perdendo para
todos.”
― Sr. Gustavo. ― Laisa se aproxima falando baixo,
mas eu ouço. Gustavo dá atenção a ela enquanto aponta
um lugar para Caleb se sentar. — O Sr. Rômulo me mandou
assistir à reunião.
— Sério? — Gustavo faz uma cara engraçada. — Fique
à vontade.
Agora entendi o porquê de Rômulo dar tempo livre a
ela. Não era livre, era só mais uma das coisas esquisitas que
ele inventa, afinal a reunião nem é sobre a empresa dele.
Gustavo me deu uma rápida explicação do que a
reunião se trata e não tem nada a ver com o Rômulo.
Ela procura um lugar e acabamos nos sentando perto
uma da outra.
Não entendo muito sobre a reunião, mas posso dizer
que entendo que esses dois homens lindos são muito
inteligentes.
Gustavo não basta ser um chefe galã muito paciente,
ainda é humilde, pois já me disse que não entende nada e
durante a reunião vi que o homem entende de tudo.
Caleb também fala com tanta propriedade sobre o
assunto que Laisa e eu ouvimos atentamente com nossas
cabeças apoiadas nas mãos. Mesmo sem entender nada da
conversa, ficamos presas a ela.
Confesso que fico um pouco desapontada quando
Gustavo me pede para buscar água e café, pois assim perco
um pouco da reunião. Caleb parece um galã de comercial de
desodorante.
Depois de entregar a água e o café, me sento no meu
lugar.
— O que perdi? — sussurro para Laisa.
— Só mais chuva de beleza e carisma.
Assim que a reunião termina, Caleb avisa que vai
embora, por conta de outros compromissos, e ainda
completa falando que adorou nos conhecer. Isso porque a
gente nem falou nada e o conhecimento veio dele!
Quando ele vai embora, Gustavo volta para o
escritório e arrumo a sala de reuniões com Laisa me
ajudando mais uma vez.
— A melhor coisa que meu chefe pediu hoje para
fazer foi assistir a essa reunião — comenta. — Se bem que
agora posso ser demitida porque não prestei atenção no
assunto.
Sorrio.
— Foi impressionante mesmo para meras mortais
como nós.
Ela concorda, rindo.
— Quando será que ele aparecerá de novo?
— Eu não sei, mas quem toma conta da agenda do
Gustavo sou eu, então saberei da próxima vez.
— Por favor, me avise. Eu preciso de um pouco mais
disso na minha vida. ― Gargalhamos. — Agora tenho que ir
enfrentar a fera — Laisa fala e concordo.
— Boa sorte.
Ela sai e termino de pegar as coisas antes de voltar
para minha mesa.
Finalmente, a minha assistente volta!
— A reunião terminou.
Laisa parece estar leve.
— Imagino que a reunião tenha sido ótima ― Concluo.
— Sim. Foi bastante agradável.
“Aquele cretino encantou até mesmo a minha
assistente.”
— Vamos, me diga o que aconteceu.
— Bem… Eles conversaram bastante.
— Quem são eles?
— O Sr. Caleb e o Sr. Gustavo.
— E tinha mais alguém nessa reunião?
— Sim, a sua na… a assistente do Sr. Gustavo.
— E como foi?
— Foi perfeita. O Sr. Caleb sabe falar tão bem e é tão
inteligente… — ela conta deslumbrada. — Foi tão gentil com
a gente.
— Gentil com quem?
— Comigo e com a Linda.
“Eu sabia!”
— Ah, e foi? O que ele disse?
— Ele perguntou nossos nomes, nos cumprimentou e
durante a reunião ele sempre olhava para gente daquele
jeito… Ele decorou meu nome. Ele é perfeito.
Respiro fundo.
— E mais alguém achou isso?
— Todo mundo.
— Todo mundo?
— Sim — ela responde sorridente.
“Eu sabia que ela cairia nessa!”
— E o que mais ele disse em específico?
— Ele lamentou porque precisava ir embora e disse
que adoraria tomar um café com a gente.
— "A gente" quem? — Ergo as sobrancelhas.
— Eu e a Linda, o Sr. Gustavo também.
— Hum... tá bom.
“Descaro.”
Ela fica parada, esperando ordens.
— Pode ir.
— Posso? Mas o senhor não vai querer saber o
assunto da reunião?
— Não. Você já me contou o que queria saber. Tá
dispensada.
— Tá bom, então. Com licença. — Ela sai da sala.
“Vamos voltar ao trabalho… Lista de novos
funcionários...”
Procuro no computador.
“Todo mundo o acha perfeito…
Todo mundo quem?
No que tô pensando?
Não fique pensando nisso, Rômulo.
Essa situação toda não significa nada para você.
Porém, depois ela não faz o trabalho direito, perde o
emprego e você não será o culpado.
Ela deveria estar focada em trabalhar, mas agora fica
aí, se derretendo por outros caras, pra depois sair em site
de fofoca que a namorada do Rômulo Guimarães está
caindo de amores por outro.”
Rômulo: Prepare-se que daqui cinco minutos estamos
indo.
Linda: Indo para onde?
Rômulo: Pra casa. Fim de expediente.
“Será que ela tá gostando tanto de trabalhar para o
Gustavo que até esqueceu que o dia termina e tem que ir
embora?”
Linda: Com você? Acha pouco o que já estão falando?
Rômulo: Tem coragem de ir de ônibus e correr o risco
de enfrentar coisa pior?
Ela demora para responder.
Linda: Ok.
Minha assistente me acompanha na saída e ao parar
no quinto andar, Gustavo e Linda entram. Ela abre um
sorriso para Laisa e fica do lado dela que também sorri.
— Rômulo, como foi o seu dia, parceiro? — Gustavo
me tira a atenção dos cochichos delas.
— De muito trabalho, como sempre.
— O meu também. Mas agora acho que tá mais leve
com uma assistente. Ótima ideia essa sua.
— Aham. ― concordo sem ter muita certeza disso.
Elas se encostam no fundo do elevador, falam baixo e
agem como se não estivéssemos aqui. Digamos que ela me
ignorou, ou seja, ela não muda por nada e não duvido que
essa conversa seja sobre o Caleb.
— Não sabia que continuava trabalhando com o
Caleb. — Resolvo tocar nesse assunto, já que é o que tem
me perturbado desde que soube dessa reunião.
— Continuamos. Ele presta suporte em alguns
assuntos, novos investimentos que quero fazer. As meninas
gostaram muito dele — comenta olhando para elas.
— Eu soube.
Ele me encara rindo.
— Suas táticas continuam as mesmas.
— Como? Do que você tá falando? Seja mais claro.
— Não acho que queira que eu seja mais claro. Para
um bom entendedor… — Ele dá tapinhas no meu ombro. —
Espero que a sua assistente tenha fornecido as informações
que queria sobre a reunião.
— Sim, forneceu.

É desconfortável andar ao lado dele, mas depois de


uma rápida pesquisa dos pontos de ônibus, descobri que
não tem nenhum na rua do condomínio e teria que andar
mais de um quarteirão para chegar em casa, por isso aceitei
a carona.
Assim fica fácil pensarem que estamos juntos.
Quando o carro para dentro do condomínio, lembro de
devolver o cartão antes de sair.
— Aqui, obrigada.
Ele pega o cartão e guarda dentro do blazer.
— Eu sei qual é o apartamento e posso ir sozinha. —
digo quando vejo que ele também saiu do carro.
— Precisamos ter uma conversinha.
— Que conversa? O que vai inventar agora? — Reviro
os olhos.
— Vamos conversar lá dentro.
— Não. Eu não quero que você se acomode no
apartamento.
— O que quer dizer com isso? ― Apoia as mãos na
cintura e isso é estranho.
É a primeira vez que me toca e acho intimidade
demais.
— Que você só pode vir se eu convidar. — Estabeleço
o limite e me afasto de sua mão.
Da outra vez, me pegou quando saía do banho, mas já
pensou se algum dia aparecer quando eu estiver mais
confortável?
— Lembra de quem deixou você morar no
apartamento?
— Preciso de privacidade e é por causa de falas como
essa sua última que não queria nada seu, porque se acha no
direito de passar isso na minha cara e fazer o que quiser.
― Ok. ― Levanta as mãos na frente do corpo. — Você
que manda.
― Você tem as suas regras e eu tenho as minhas. É
assim ou é assim.
Ele ri zombeteiro, mas não insiste.
— Então vá para o apartamento e arrume-se. Você vai
jantar na minha casa.
“Ele inventa uma toda hora!”
— Não invente, Rômulo. Vou comer em casa.
— Não tem comida lá.
— Você não disse que iria mandar trazer?! — Fico
brava com isso. Comprar comida pronta não sai barato!
— Mas ainda não mandei. Você vai jantar comigo, na
minha casa. Um simples convite. Que mal tem?
“Todo o mal!”
Ele volta para o carro.
— Quando estiver pronta, pode descer que meu
motorista estará te esperando.
“Controlador barato!
Saiu pra me falar só isso?
Duvido que fosse só isso.
Ele acha que manda em tudo.”
Entro no prédio e depois no elevado. Quando a porta
se abre na cobertura, dou de cara com um homem alto,
belo e cheiroso. Ele e eu ficamos surpresos com o encontro.
Ele tem cabelos escuros e olhos mais escuros ainda.
— Oi. Você é a nova vizinha? — ele logo pergunta.
— Sim, sou eu. — Saio do elevador ao ver que as
portas começam a se fechar.
Ele coloca a mão e elas param.
— Sou Juliano. — Estende a mão e o cumprimento.
— Eu sou Linda.
— Sim, é muito linda mesmo. ― fala admirado e dou
risada.
— Linda é meu nome.
— Ah, ótima escolha de nome.
Soltamos as mãos.
— A gente se vê por aí?
— Claro. — Sigo para meu apartamento rindo.
— Foi um prazer.
— Para mim, também. — entro e fecho a porta.
Dois homens bonitos e gentis num só dia! Um loiro e
um moreno. Sou de sorte.
Deixo a bolsa em cima da mesa e tiro o vestido para
tomar um banho.
Será que ele é vulgar?
Eu não achei vulgar, mas o indivíduo ficou encarando
minha bunda.
Vou usar uma roupa mais solta essa noite. Não quero
que ele fique olhando pra mim.
Tomo um banho, escolho o vestido mais simples e
solto, nenhum dos que comprei hoje, um casaco, faço um
rabo de cavalo, calço meus chinelos e passo um creme mais
para me perfumar do que para deixar a pele hidratada.
“Desta vez, posso dizer que só vou pela comida.
Só espero que o que ele anda querendo conversar
comigo, não seja mais um de seus absurdos.
O que tô pensando?
É mais um absurdo com certeza.”
“Ela é muito teimosa, onde já se viu me barrar de
entrar naquela casa? Quem dá as regras do jogo sou eu,
não ela!”
Termino de me vestir e Sérgio chama meu nome.
— O motorista já chegou.
— Ótimo. A mesa já tá pronta?
— Sim.
— Reforce com os outros funcionários sobre as
fofocas. Não quero ouvir nenhum burburinho por causa
desse jantar.
— Todos já estão avisados, mas irei reforçar. Mais
alguma coisa?
— Não, pode ir. — Abotoo o último botão da camisa
social e me olho no espelho antes de sair do quarto.
Ando tão desorientado que vesti uma roupa social ao
invés de uma casual.
Desço a escada e vejo Sérgio abrindo a porta para ela,
que entra usando um vestido mais solto desta vez, o que
não diminui em nada o quanto essa desgraçada é atraente.
Acho que esse jeito teimoso dela a torna ainda mais
interessante, mas já vi mulheres mais bonitas, então não faz
diferença.
Não deveria fazer.
Ela olha para mim com um sorriso amarelo e devolvo
da mesma forma.
— Vamos. — Aponto para a sala de jantar.
Ao se aproximar sinto seu perfume floral.
— Nossa, isso tudo é para mim? — pergunta
admirada.
— O Sr. Rômulo mandou fazer tudo que você gostou
de comer aqui — uma das empregadas fala e meu olhar a
faz repensar no que disse. — Desculpa, senhor, com licença.
“Agora ela vai ficar pensando nisso mesmo.”
— Coincidentemente, é a comida que mais gosto —
explico.
“E não minto.”
— Claro que deve ser. Tudo é sobre você — ela rebate
e nos sentamos.
— Esse seu jeitinho nunca muda, não é?
— O meu jeitinho carinhoso? Não consigo ser menos
do que isso com você. — ela sempre carrega esse sorriso
debochado que acaba me fazendo suspirar pra não
responder às coisas que ela diz na mesma altura.
E o suspiro nunca funciona.
— Isso é passado, Linda.
— Não parece, pois, toda vez você implora para que
eu aceite sua bondade.
A outra empregada, que está trazendo mais comida,
arregala os olhos diante do que ouve, então tenho que rir
para não parecer constrangido com a acusação.
“Essa mulher ainda vai me fazer procurar um
psicólogo.”
— Eu implorando alguma coisa? São as pessoas que
me imploram.
— Aham. Imploram para você deixá-las em paz, não
é? — Ela termina de fazer uma montanha de comida no
prato.
— Meu Deus, o que é isso? Você tava amarrada?
— A comida daqui é boa e o elogio foi para a
cozinheira e não para você.
“Ousada!”
— Fui eu quem as contratou.
— Mas foram elas que fizeram e ponto final.
― Se quiser comer a comida delas, tem que fazer as
refeições aqui.
Solto a proposta.
― Não, obrigada. Eu faço e janto sozinha, sem a sua
companhia. Eu tenho memórias ruins daqui. Aliás, só quero
comer e ir para casa logo. Preciso descansar para amanhã.
― Acho que amanhã, Gustavo não terá a mesma
reunião.
― Do que você tá falando, Rômulo?
— De você ficar pelos cantos falando dos sócios do
Gustavo.
— O quê? — Ela ri de um jeito engraçado. — Você tá
falando do Caleb?
— Aham. Dele mesmo. — Não consigo esconder a
raiva que tenho desses caras mulherengos.
— Caleb foi adorável com a gente.
Balanço a cabeça, admirado.
— Saia falando isso para o mundo!
— Eu falo para quem perguntar. — ela continua com o
sorrisinho que me mata.
— E depois dá mais pano para as fofocas que andam
correndo por aí. ― Tomo um pouco de vinho.
— Olha, não vou respeitar algo que não existe, então
não pense que vou deixar de viver por causa dessa história
absurda que andam contando por aí.
― Não tô pedindo que alimente mentira alguma, só tô
dizendo para ir devagar. Você tá com o Gustavo pra
trabalhar.
― O que você tá insinuando? Que vou dar em cima
dos sócios dele? Você acha que sou esse tipo de mulher? ―
Ela me encara por um tempo.
Como não tenho muito conhecimento sobre sua vida
amorosa, fico calado.
― Que absurdo! Sabia que as pessoas podem ser
gentis umas com as outras sem segundas intenções? Deve
ser por isso que você não é gentil com ninguém. Não
entende das relações humanas.
― Eu sei ser gentil com quem merece, mas no caso do
Caleb, ele sempre tá dando em cima de mulher bonita.
― Que bom saber disso, elevou minha autoestima. —
ela fica empolgada.
“Que cara lisa!”
― Olha, vamos jantar logo que esse assunto já deu
pra mim. — perco a paciência.
― Não fui eu quem entrou nele.
Jantamos em silêncio e parece que esse silêncio é pior
que as tentativas de ter uma conversa sem deboche com
ela.
Depois do jantar, ela já levanta dizendo que vai
embora, correndo de mim, como o Diabo corre da cruz, e eu
compreendo, já que corro da presença do meu pai do
mesmo jeito.
É difícil encarar quem de alguma forma nos magoou e
é por isso que cada vez mais sinto a necessidade de
consertar isso.
Mas ela não ajuda, poxa! Ela ri da minha cara o tempo
todo.
Esnobe pra cacete!
“Feliz porque o Caleb acha ela bonita…”
Passo na sua frente e abro a porta.
— Tá sendo cavalheiro? — ela fica de queixo caído.
— Se observar o que fiz pra você nos últimos dias, não
foi só agora que fui um cavalheiro, gracinha.
— Aham. Não é você que deve ficar apontando
quando foi bom, são os outros que devem notar que você
melhorou, mudou, querido ― Ela passa pela porta.
— Foi você quem apontou o ato, só confirmei. — fico
na porta. — Amanhã, você vai comigo pra empresa. Eu
passo para te pegar às 7h.
― Olha, eu tô começando a achar que você gosta de
alimentar fofoca. — ela anda para trás.
— Continua que vai cair de novo.
Ela vira e desce os degraus atenta, depois entra no
carro e o motorista a leva.
Suspiro.
“Pra onde foi minha sanidade depois dela?”
Acordo estalando as costas, tomo um banho para
despertar e ir trabalhar. Já faz uma semana que trabalho
para Gustavo e estou me acostumando com a minha nova
rotina.
Só não me acostumo em ser a falsa namorada do
torrão Guimarães. É isso que todo mundo acha, já que
vamos e voltamos do trabalho juntos.
Desta vez, uso calça de alfaiataria cáqui e blusa
vermelha de manga longa. Penteio o cabelo dividindo no
meio e amarro os lados baixo, deixando o cumprimento ficar
ondulado. Passo um batom num tom de vermelho e me
perfumo em frente ao espelho. Com minhas bijuterias e
essas roupas, nem pareço que não tenho um tostão. Saio de
casa guardando o celular na bolsa.
Rômulo já me mandou mensagem dizendo que me
espera há alguns minutos. Parece que não sabe esperar!
— Bom dia, vizinha! — Meu vizinho acaba de sair do
elevador.
— Bom dia, vizinho! — respondo com um sorriso.
“Um ótimo colírio para o início do dia!”
Minha alegria dura até sair do prédio e avistar o carro
do indivíduo. Não era esse o meu plano... Não deveria
conviver com ele!
Abro a porta do carro, pois o cavalheiro da semana
passada não existe mais nesta e o vejo todo duro, mexendo
num IPad.
— Bom dia. — Direciono as palavras ao motorista.
— O jantar na casa da minha mãe será hoje — Rômulo
avisa.
Hoje ele está mesmo no modo torrão. O torrão seco.
— Hoje?
“Ainda tem essa da mãe dele querendo me conhecer.”
— Sim. O meu pai não tá em casa, então hoje é o dia
perfeito.
“Ele só pode ter algum problema com o pai.”
— E que horas é isso mesmo?
“Sinto que será uma humilhação.”
— Às 7h da noite. Esteja preparada que te pego em
casa.
— Diz na frente do prédio, né? Porque você sabe da
regra. — Trato de lembrar.
— Claro que sei da regra, criatura. Você lembra todos
os dias — ele fala sem muito interesse e não tira os olhos do
aparelho. — Esperarei no carro. Seja pontual.
— Sempre sou.
— Aham. — ele debocha.
Achei que estávamos indo para o trabalho, mas o
motorista para na cafeteria onde tomei café ontem.
Rômulo gosta que digam que sou sua namorada. Olha
o que ele inventa!
― Vamos. ― Ele já está segurando a porta aberta por
onde irei sair.
Eu me perdi nos pensamentos e esqueci por um
momento que precisava sair do automóvel.
― Por que vamos tomar café da manhã aqui,
cavalheiro? ― Saio do carro e penduro a bolsa no ombro.
― Porque é caminho para o escritório.
Na casa dele tinha mais privacidade. Não gosto de lá,
mas é verdade. Sem contar, que adoro ver a cara das
empregadas dele quando ouvem alguma coisa que falo para
constrangê-lo.
Sentamos numa mesa e peço um café da manhã leve,
só café e um misto, enquanto ele só pede um café. Acredito
que ele já deve ter tomado café da manhã em casa e
inventou isso.
— Você gosta da minha companhia, né?
— Gosto. — ele toma um gole de café, concentrado no
IPad.
É o que parece.
Algumas pessoas estão nos observando e fico
esperançosa de que a nossa postura acabe com qualquer
suspeita, pois não parecemos em nada um casal.
Pego o celular e dou uma olhada nas mensagens. As
minhas vizinhas, todo santo dia, mandam uma imagem de
um anjinho, muito glitter, bom dia e mensagens de
inspiração. Se não são anjinhos, são gatos e isso é
independente de onde eu esteja.
Respondo ao bom-dia de todas até que sinto alguma
coisa encostar no meu pé e os puxo para baixo da minha
cadeira, um pouco assustada.
― O que foi? ― Ele estranha.
― Não encoste em mim.
Ele volta o olhar para o iPad, suspirando.
― Não foi intencional.
“Assim como esse café da manhã aqui também não
foi.”
Nosso café da manhã chega e eu, finalmente, posso
focar em algo que não seja nas pessoas que estão olhando
para nós.
― Você é uma celebridade? Por que as pessoas ficam
querendo saber da sua vida?
― Sou rico e solteiro, claro que as pessoas querem
saber da minha vida! — ele olha pra mim com o topete
brilhando.
“Convencido!”
― Eu sei de uma pessoa que faria o casamento
perfeito com você.
“Ana Cláudia.”
― Não preciso que me arranje ninguém. Quando me
interessar por esses assuntos, terei capacidade de resolver
sozinho.
― Resolver? É um problema? Um enigma? Um caso?
― A risada escapa mais alta do que esperava e cubro a
boca.
― Você entendeu o que quis dizer.

Se tem algo que ela não pode me constranger é sobre


meu estado civil. Muita mulher gostaria de estar comigo e
tenho a certeza de que se não tivéssemos esse problema
todo, seria mais um homem dos sonhos dela.
― A sua mãe deve viver na esperança de que você se
decida sobre essa questão, não é mesmo? ― Ela come com
um sorrisinho descarado.
― É, mas ela não faz parte dessas decisões, aliás, não
ouse alimentar as ideias dela para depois rir da minha cara.
― Eu jamais faria uma coisa dessas! Deus me livre!
Eu não sou louca! Nunca vai sair da minha boca palavras
tão absurdas! É você quem faz isso. — ela toma um pouco
de café.
― Você supõe.
— Não. Eu tenho certeza. Eu conheço o Rômulo que
não quer que as pessoas saibam de algo. Sei o que ele pode
fazer quando quer esconder uma coisa. Ou você tá cagando
pra isso, ou gosta que eu seja a sua namorada falsa.
— A segunda opção, sem dúvidas. — digo com certo
deboche e peço a conta.
“Rômulo, você não gosta.”
Ela termina o café da manhã, peço a conta e depois
de pagar seguimos para o escritório.
Assim que entramos no elevador, encontro Kettelyn.
― Que bom que te achei, queria falar com você.
― Sr. Rômulo, quero saber o que ficou definido sobre
o problema da imprensa.
— Edgar já abriu os processos. Fique de olho se mais
gente tem compartilhado essas notícias falsas.
― Agora mesmo em todos os sites têm fotos suas,
acompanhado dela numa cafeteria.
― Isso não significa nada, só sentamos e tomamos
café.
― Não é isso que dizem. No site mais seguido,
colocaram a legenda. ― Ela procura no iPad e vejo uma foto
da Linda rindo enquanto estávamos sentados. ― “O casal
não assumido começou o dia de forma agradável,
tomando café juntos na cafeteria cinco estrelas da
cidade. A conversa parecia estar divertida e depois
saíram juntos no carro do milionário”.
― Eu disse... ― Linda reforça encostada no fundo do
elevador.
― Fale com Edgar e mande processar todos.
― Rômulo... ― Kettelyn parece estar preocupada. ―
...se continuarem saindo juntos, vão continuar falando. Não
é melhor os dois darem uma coletiva de imprensa falando
que não existe nada?
“Que exagero!”
― Não — respondo rapidamente.
― Será que ela não quer? Podem combinar o que
falar.
― Ela não quer, mas pode perguntar a ela. — Aponto
para Linda e a RP se vira para ela.
— Ah, então é você? — Kettelyn não se anima e Linda
balança a cabeça tão desanimada quanto. ― Não acha que
seria bom esclarecer tudo de uma vez?
― Eu não vou passar o ridículo de aparecer para um
monte de gente só para repetir o que já disse um milhão de
vezes!
“E concordamos em algo.”
― Isso pode prejudicar a vida de vocês. Até mesmo as
famílias.
― Eu vou me reunir com minha família hoje e explicar
tudo mais uma vez. E a família da Linda, tenho certeza que
não se importa com isso, já que não existe. Só fale com o
advogado e mande essas pessoas pararem, já tô cansado
desse assunto.
― Você sabe muito bem que ele não existiria se você
não tivesse se encontrando com ela ― Kettelyn fala como
se estivesse tão incomodada com a história quanto nós.
― Dá licença. ― Linda passa entre nós, apressada, de
cabeça baixa e sai do elevador.
“Estranho.”
― Só faça o que mandei.
O elevador abre no quinto andar bem na hora que
ouço o absurdo e passo entre os dois rapidamente.
― Dá licença.
Parece que eles têm muita intimidade para uma
funcionária falar desse jeito com ele, inclusive, seu
incômodo com os rumores parece ser algo pessoal.
Vou para o escritório do Gustavo, mas não o encontro
no local, então me sento para esperar. A parte que mais
gosto são as poltronas e os sofás de suede que são
confortáveis e até dá vontade de dormir.
Olho para o teto e a minha memória recente me deixa
desconfortável.
“Mulherzinha ridícula!
Fingiu que não me viu no elevador, sendo que só tinha
nós três lá.
Mais uma Ana Cláudia da vida.
E o Rômulo...
O que dizer das suas palavras?
Que homenzinho insensível!
Ainda bem que o elevador abriu antes de escutar mais
coisas, pois fiquei chateada quando ele falou daquela
forma.”
Uns cinco minutos depois, a porta do escritório se
abre.
— Bom dia, secretária Linda! — Gustavo entra na sala
de bom humor.
— Eu não sei se isso é só você dizendo meu nome ou
me elogiando. — Levanto com um sorriso no rosto. Isso me
lembra a parte boa do emprego.
— É os dois e a facilidade que ter um nome desses
nos traz. Acho que Deus faz as coisas bem-feitas mesmo.
Aposto que linda foi o único elogio que o Rômulo já te deu
na vida e só disse porque é seu nome.
Rio alto.
— Você tem razão.
— Como foi que ele chegou em você, Linda? Ele deu
uma cantada ou não te deu alternativa… ― Senta atrás da
mesa, curioso.
— Não estamos juntos. — Corrijo sem desmanchar o
sorriso para não o constranger.
― Mas vai acontecer, tenho fé. Meu amigo é
complicado, teimoso que só, mas tem conserto.
― Se tem conserto eu não sei, mas no departamento
que você tem esperança, nunca vai acontecer nada de
nenhum dos lados — garanto sem dúvida alguma.
Talvez seja o que mais tenho certeza no meio disso
tudo.
— Você que pensa! Semana passada, ele ficou doente
de ciúme por causa do Caleb. Foi por isso que mandou a
secretária aparecer na reunião.
Achei que era por qualquer outra bobagem, mesmo
tendo tocado no assunto durante o jantar de ontem.
— Ciúme? Ele só faz o tipo possessivo e controlador
mesmo.
Quer usar o poder dele sobre tudo e controlar a vida
de todos a sua volta.
Infelizmente, tenho sido seu alvo principal, mas acho
que não vai demorar para ele entender que nada disso vai
funcionar comigo.
— Sempre foi assim. E agora que as pessoas falam
que vocês estão juntos, mesmo não estando, ele não vai
querer te perder para ninguém. Ainda mais para o Caleb,
que carrega as qualidades que ele não tem.
Gustavo não tem pena de pegar pesado com o amigo,
contudo, mentindo não está.
— Nisso você tem razão.
— Mas, no fundo, meu amigo é uma boa pessoa,
Linda. Eu faço essas brincadeiras, mas ele é um homem de
bem. Ele só cresceu com um pai muito rígido e
perfeccionista que queria que ele fosse seu reflexo. Acabou
que ele se tornou, mas com uma dose de exagero e mágoa
por isso — explica, se lamentando.
Imaginei que ele tinha alguma coisa contra o pai.
“Então é isso, o pai dele pegava no seu pé.”
Mas tem que ter muita mágoa para não querer se
encontrar com a pessoa.
“Será que...”
— Mas eles se falam?
— Sim, mas o Rômulo odeia quando os encontros
acontecem. O pior de tudo é que o pai dele adora ficar
metendo a colher no que não é dele. Antes era para desistir
da empresa, agora que Rômulo é bem-sucedido com a
Guimarães Petróleo e Gás, ele quer comprar ações e
participar disso, inclusive vive querendo comprar a minha
parte e é óbvio que não farei isso.
― Que situação...
― Pois é. Mas me diga, o que temos para hoje?
Abro a agenda.

Alguma coisa tem, pois, ela saiu com pressa, sem


olhar para trás. Grossa ela sempre é, mas desta vez achei
estranho. Não deve ter sido por causa da Kettelyn, porque
acho que nenhuma mulher intimida a Linda.
Ou pode ser isso mesmo.
— Com licença, Sr. Rômulo. — Laisa entra na sala. ―
Bom dia.
— Bom dia, Laisa. ― Fecho um documento no iPad e
abro outro.
— Eu trouxe a sua agenda de compromissos.
— O que temos para hoje? — Dou uma olhada num
arquivo.
— Reunião com os sócios às 9h; reunião com a equipe
de segurança do trabalho às 11h; reunião com o RH sobre
os novos contratados às 14h e a visita à plataforma às 16h.
— Visita à plataforma? Então deveria ser mais cedo...
Coloque às 15h:30. A viagem leva um tempo e com o
trânsito do fim de dia...
Pode ser que me atrase para o jantar.
— Ok. Tenho outra coisa para você fazer. Vá ao quinto
andar e descubra... Como a Linda está. Vocês não são
amigas? ― Eu a encaro e ela quer sorrir, mas sabe que fazer
isso é assinar sua demissão.
― Tá bom. Eu vou lá.
— Ah, Laisa, pergunte se a Linda sabe que a RP quer
falar com ela. Kettelyn disse que queria falar sobre as
fofocas que andam circulando e não deu tempo no elevador.
― Sim.
Essa deveria ter sido a desculpa usada a princípio.
― E se essa reunião acontecer, arranje um jeito de
assistir ou ouvir, e depois me conte tudo.
― Pode deixar. ― Ela sai empolgada.
“Ao menos, é competente.”
Kettelyn acha que não sei resolver esse tipo de coisa.
Já processei. Ela tem que se conformar com meu método e
não me mandar se afastar da Linda, porque já é tarde
demais para isso.
Lembro de ligar para minha mãe, para falar que hoje à
noite vou levar a Linda para ela conhecer e disco seu
número.
— Oi, filho! Que milagre é esse?
— Oi, mãe. Tudo bem? Tô ligando para dizer que a
garota aceitou aparecer no jantar. Pode ser hoje à noite, não
é? Já marquei com ela.
Só de pensar nisso já fico nervoso, ansioso. Linda tem
razão quando diz que isso não deveria estar acontecendo.
“Será que ando gostando dessa ideia de namorada
falsa? Não, Rômulo.”
— Sério?! Que ótima notícia, filho! Já vou mandar a
cozinheira fazer um banquete. ― Ela diz empolgada.
— Pois é, mas não chame ninguém, só nós mesmo.
Não quero mais problemas.
— Tudo bem. Só terá a nossa família. Não vou fazer
nada para te colocar em saia justa, quero conhecer essa
menina.
— Vai conhecê-la hoje. Liguei só para avisar. Tchau. —
Desligo antes que ela prolongue a história. Hoje o dia será
corrido, mas não vou desmarcar nenhum dos meus
compromissos.
O que aquela mulher quer falar comigo?
Ela mandou um recado, dizendo que me espera no
sexto andar para termos uma conversa.
— Sr. Gustavo, pode me liberar um instante? — peço
um pouco envergonhada. ― A RP do Rômulo quer falar
comigo.
— Sim. Pode ir.
— Qualquer coisa me liga que volto. — Saio da sala
apressada.
“Espero que seja algo rápido.”
— Linda! ― Encontro Laisa perto do corredor.
— Oi! — cumprimento alegre. — O que faz por aqui?
— O Sr. Rômulo gosta de saber de tudo — ela
responde toda atrapalhada. — O que vai fazer agora? Como
você tá?
“Ele é mais curioso do que os curiosos que está
processando.”
— Vou falar com a relações públicas da empresa do
seu chefe. Tô bem.
— Se quiser, posso te dar um apoio moral. Aquela
mulher é complicada.
— Eu posso dar conta dela sozinha, não se preocupe.
— recuso gentilmente.
— Tem certeza?
— Sim. — Entro no elevador e ela segura a porta.
— É que preciso ir mesmo — explica sem jeito.
— Por quê? — Acho estranho.
— O Sr. Rômulo disse que eu deveria estar lá.
“Aposto que ele confia naquela mulher bem menos do
que eu.”
— Entra. — me dou por vencida.
Ela entra e aperto o botão do andar que iremos.
― Por que ele te mandou aqui?
— Ele não disse ― lamenta, preocupada. ― Por favor,
Linda, não diga a ele que te contei o que vim fazer aqui. Ele
vai me demitir...
― Não se preocupe.
“Será difícil me segurar?
Será, mas farei isso pela Laisa.”
― Ele disse que era pra descobrir o que você tem.
— Ah, então é isso?
“Ele fala as merdas dele com sua insensibilidade e
nem é capaz de enxergar os estragos que faz!”
— Sim. Ele pediu pra descobrir e também disse que
era pra participar da reunião.
Saímos do elevador.
— Olha, seu chefe e eu não temos nada, não acredite
nas fofocas. Essa mania de me vigiar que ele tá
desenvolvendo não tem nada de especial, é a mania de
controle que ele tem.
― Sério? O Sr. Rômulo anda mais leve, inclusive achei
que era por causa do namoro. Fiquei com vergonha de te
perguntar.
— Não somos e prefiro conversar a sós com a mulher.
Mas não se preocupe, assim que a reunião terminar, vou
dizer tudo o que você deve falar pra ele.
Ela ri.
― O Sr. Rômulo te deixa fazer essas coisas?
― Ele não me controla. — explico e ela sorri.
— Mas… E se ele descobrir?
— Não vai, ele é burro. Pode ficar tranquila. Vai dar
uma volta por aí e quando eu voltar, vou falar tudo o que
deve dizer a ele.
— Tá bom. — Ela fica para trás.
Como em toda vez que apareço, as pessoas me
encaram como a pessoa que está nos sites de fofoca e
tenho medo de pensarem que estou forçando a situação.
Paro na recepção.
— Bom dia.
— Bom dia. — A recepcionista me analisa.
“Pois é, moça.”
— Deseja alguma coisa?
— Sim. Eu quero falar com a RP.
— A sala dela fica à direita. — Ela aponta a direção.
— Obrigada, com licença. — Eu me afasto enquanto
duas outras mulheres se aproximam do balcão.
Chego na sala indicada e bato à porta. Ela permite
minha entrada sem perguntar quem é.
— Ah, é você — a mulher fala com desdém.
— Sim, sou eu. — Entro na sala de cabeça erguida.
Reconheço que ela é bem bonita. Deve ser o tipo de
mulher que o Rômulo gosta. Alta, com cara de quem sabe
de tudo.
— Te chamei para resolver isso logo, porque um
assunto desse não deveria aparecer na vida do Rômulo. —
Ela aponta a cadeira para mim.
Analiso as suas palavras.
— Suponho que não acredite no que o povo anda
contando. ― Sento.
— Sim, eu sei que não estão juntos. Jamais acreditaria
numa história dessas, afinal Rômulo não se envolve com
mulheres do seu tipo.
— Um tipo como eu? — Junto as sobrancelhas sem
entender onde ela quer chegar.
— Sim, você não faz o tipo do Rômulo. Se não andar
na linha e colaborar com a gente, vai tornar a vida dele
mais bagunçada ainda. Sabe, tava tudo bem até você
chegar. — Ela se levanta da cadeira e eu erguo as
sobrancelhas, admirada com seus disparos.
— Espera, você é o que dele além de RP? É a
peguete? Gosta dele? Porque não entendo o motivo de estar
me esnobando desse jeito.
— Garota, o Rômulo é um dos empresários mais
importantes e mais sérios deste país. Ele sempre prezou
pela sua imagem. Sabe quantas vezes ele foi visto ao lado
de uma mulher? Nenhuma, porque deixa os seus casos em
segredo.
— Hum… Nesse caso você é um segredo?
— O assunto é você. — ela me cerca. — O meu
trabalho não era gerenciar as fofocas da empresa. Você
sabe o que alguém, como eu, faz numa empresa? Desde
que você apareceu na vida dele e causou toda essa
bagunça, me rebaixaram a assessora de imprensa e agora
tenho que ficar fazendo esse trabalho sujo. Não duvido que
tenha sido você quem mandou as primeiras imagens para
os sites de fofoca. — ela me insulta brava.
“Agora ela mexeu na minha ferida.”
— Olha aqui... — Levanto da cadeira com tudo. — ...
Quando o procurei, só queria defender o meu pai. Nunca
tive intenção alguma de passar por essa situação. Eu não
sou uma aproveitadora! Como uma funcionária, você deve
fazer seu trabalho e se no momento você tem que tirar as
fofocas do ar, trabalhe nisso, não me julgue.
― Que audácia!
― Quer mais? Sobre não ser o tipo de mulher com
quem ele se envolve, Rômulo teria sorte, mas muita sorte
mesmo de ter uma mulher como eu na vida dele. Aliás, ele
adora essa ideia de falsa namorada, se você ainda não
notou.
Ela ri.
— Você tá se iludindo. Rômulo te despreza.
— Aham, muito. Tanto que vou jantar na casa dos pais
dele hoje. — sou obrigada a falar e ela desmancha o sorriso.
— Eu que não ligo pra isso, tá? Eu não quero nada com ele.
Então, se não faz por ele, faça por você e por mim.
— Não vai demorar pra ele abrir os olhos e ver a
golpista que você é.
— Golpista? — semicerro os olhos. — Ele precisa abrir
os olhos sobre você e precisa melhorar os critérios para
contratar as pessoas, afinal só competência não basta.
Agora, me dá licença. — Saio da sala revoltada, mas de
cabeça erguida.

— Rômulo? — Kettelyn entra no meu escritório e a


recepcionista vem logo atrás.
— Eu perguntei se ela tinha hora marcada.
Levanto a mão e mando a recepcionista ir.
— O que você quer? Não sabe que precisa de hora
marcada? Eu tenho muitas reuniões hoje.
— Vim falar sobre a garota.
— Que garota?
— A garota que tá te arranjando problemas.
— O que houve agora, hein? Achei que depois da tal
conversa você iria aparecer com a solução para todos os
problemas do mundo. Aliás, baixe o tom de voz comigo. Não
se esqueça de quem eu sou.
Ela muda a postura.
— Desculpa. Era pra ser uma reunião pra arranjar
soluções, mas ela não ajuda. Ela não quer colaborar comigo.
Ela apareceu na minha sala me afrontando, falando que não
tenho direito de questionar nada. E que devo resolver essas
fofocas da internet, que ela não precisa de mim, para nada
além disso ― conta choramingando.
Não esperava por isso.
— Ela disse essas coisas mesmo? — Estranho.
Eu sei que a Linda é difícil, ninguém melhor do que eu
para saber disso, mas ela não fala essas coisas sem motivo.
— Claro que disse! — afirma indignada.
— O que você fez? O que você disse?
“Espero que não tenha dado a ela motivos para
abandonar tudo.”
— Eu não disse nada!
— Ela não é do tipo de falar um monte de coisa para
alguém que não tem culpa. Você fez alguma coisa.
— Você tá defendendo essa golpista? — Ela aumenta
o tom de voz e me levanto de imediato.
— Baixe o seu tom de voz. Quem você pensa que é?
Aqui quem manda sou eu e não tolero ninguém alterando a
voz para mim. — Olho bem nos seus olhos e ela recua. — Se
a Linda falou essas coisas pra você, é porque você falou
algo que a ofendeu. Eu conheço as duas o suficiente pra
saber disso.
Linda não é de ficar calada quando alguém diz algo
que a ofende e essa outra adora ser esnobe com quem tem
menos.
— Você não era assim comigo. Eu não entendo... Você
a prefere?
— Você sabe muito bem que não tenho nada com ela
e também não quero nada com você. O que aconteceu
muito tempo atrás foi um deslize. Quando eu bebo acabo
cedendo aos meus desejos.
— E você não me deseja mais?
— Não. Foi coisa de momento. Agora saia daqui e vá
fazer o seu trabalho. — Sento novamente. — E vê se não
fica chateando mais a Linda, porque depois sobra pra mim.
Ela se cala e sai de cabeça baixa.
“Caramba!
Essas mulheres… parece que todas só me trazem
problemas! Elas querem me deixar louco!”
— Sr. Rômulo? — minha assistente bate à porta. Eu já
reconheço a voz dela.
— Entre, rápido.
Quero saber tintim por tintim o que aconteceu nessa
reunião.
Ela entra e fecha a porta.
— Sente-se e me conte tudo. — Aponto para a
cadeira. — E me conte tudo em menos de quinze minutos,
pois daqui a pouco tenho uma reunião.
Ela gagueja, mas depois toma prumo.
— A Linda disse que tava bem e não parecia ter
problema algum. Ela foi para a reunião com a Kettelyn e
quando chegou lá, Kettelyn começou a esnobá-la, falando
que era uma oportunista, que veio só para atrapalhar a sua
vida e a vida dela, e mais outras coisas.
“Sabia que Kettelyn tinha dado motivos.”
― Hum... continue.
― Então a Linda ficou indignada e disse que não era
nada daquilo. Ela mandou que a RP se colocasse no seu
lugar de empregada e trabalhasse para tirar seus nomes da
mídia.
― Sério?
― Sim. Ela também mandou dizer que o senhor
deveria ser mais criterioso em relação a seus funcionários.
“Que ousada!”
— Ela mandou você dizer isso a mim?
— Aham.
Agora entendi a revolta de Kettelyn.
Linda se garante sozinha mesmo, pelo menos postura
de autoridade ela tem e isso é um ponto positivo.
— Obrigado. Você fez um bom trabalho, Laisa. Agora
venha comigo, para a reunião. — Levanto com as coisas na
mão.
Depois irei falar com a Linda.
Passamos a tarde trabalhando e Gustavo me
libera um pouco antes do horário.
— Rômulo disse pra você esperar por ele na sua sala.
— Sério? — Junto minhas coisas, confusa.
— Sim, mas acho que ele vai demorar. Tá numa visita
à plataforma.
— Eu vou falar com ele. — Tiro o celular de dentro da
bolsa. — Até segunda.
― Bom feriado e um ótimo fim de semana.
― Obrigada. ― Saio do escritório.
Mando mensagem perguntando se ele pode me
atender, afinal ele já disse que não gosta que liguem
durante as reuniões e não sou tão pirracenta a ponto de
desrespeitar uma coisa que já sei.
Não vou para o seu escritório ficar sozinha esperando
por ele. A recepcionista de lá pode enlouquecer sabendo
que estou no escritório do chefe dela, sozinha.
Aquela ousada da RP quer o Rômulo e por isso me
criticou daquela forma. Onde já se viu?
Jamais armaria para que alguém pensasse que estou
com o Rômulo.
Rômulo me liga e atendo na mesma hora.
— Oi. — ele fala em meio ao barulho de vento.
— Oi. Gustavo disse que você falou para te esperar na
sua sala, mas você tá fora. Eu não vou ficar lá não, vou para
casa de ônibus mesmo.
— Ok. Lembre-se de se aprontar para o jantar na casa
da minha mãe. Passo lá às 18h30. Esteja pronta, não gosto
de atrasos.
“De novo esse aviso?”
— Ainda bem que não quero te agradar. Mande logo o
endereço.

Impaciente…
Não consegui adiantar a visita para sair no mesmo
horário que Linda. Estou na plataforma, vendo alguns
assuntos. O chefe está ao meu lado, mostrando as partes
que precisam de melhorias. Faz um tempo que não venho
aqui.
— Onde foi que aconteceu o acidente? — pergunto e
ele empalidece olhando para mim. — Não me diga que você
foi um dos funcionários que achou que iria manter isso em
segredo? Uma vida foi ceifada.
— Fizemos o possível e cumprimos as ordens. A
iniciativa partiu de quem tava acima de nós, nos esforçamos
pra que não aconteça esse tipo de coisa. Achamos que a
equipe de segurança do trabalho iria relatar a diretoria.
— Não, eles não falaram, mas já foram demitidos,
então pagaram pela irresponsabilidade. Quero saber o que
aconteceu aqui. Como este homem morreu?
Lembro do que o chefe da equipe contou, mas um
novo relato pode trazer novas informações.
— Vou te mostrar o local. — Ele sai pelo corredor e o
sigo. — Ele era responsável pela manutenção das torres e
mastros. Naquele dia, tava frio e as torres em manutenção.
Por conta da ventania, elas ficaram tortas, alguns fios se
quebraram e alguns parafusos dos mastros se
desprenderam. Foi um caos tentar resolver tudo de uma só
vez. Não imaginávamos que o estrago havia sido tão
grande, senhor. Depois que os fios se quebraram, a
desgraça aconteceu — ele conta, subindo alguns degraus e
sigo atrás dele. — Tudo aconteceu ali. — Aponta para o
lugar. — Agora já consertamos.
É uma versão um pouco diferente da que já ouvi.
― Val era um dos operários mais queridos aqui.
Ninguém jamais faria nada que o prejudicasse, muito menos
acobertar algo assim se não fosse obrigado. ― ele explica
triste.
— E onde ele ficava? Vocês mandaram tudo para a
família?
— Não, senhor. O quarto dele permanece do mesmo
jeito. Não conseguimos fazer isso. Como eu disse, ele era
muito querido por todas as equipes e é muito difícil lidar
com o que aconteceu.
“Ele parece estar sendo sincero.”
— O senhor quer ver?
— Sim, por favor. — Acompanho o homem até os
dormitórios.
— É esse aqui. Ele dividia o quarto com outro operário
que tá em terra. — Abre a porta e eu entro e ligo a luz.
Tem uma cama e algumas coisas em cima da
cabeceira. O que mais me chama atenção é a foto que ele
mantinha ali ao lado de um troféu, uma pequena foto dele
com Linda e os dois estão sorrindo. Ela tem traços dele.
Pego a foto, olho de perto, em seguida olho o verso,
onde está escrito: "Minha querida, Linda".
— Essa era a filha dele. Ele não ficava um dia sem
falar sobre ela, o quanto ela era amável e uma boa filha.
Imagino que ela ainda esteja sofrendo muito com sua perda.
Eles só tinham um ao outro.
Concordo, ainda de olho na foto.
Ela sofre e agora me sinto pior ainda pelo que fiz com
ela naquele dia.
Agora, entendo aquele semblante quando ela me
enfrentou pela primeira vez, um misto de dor e revolta.
— Deseja ver mais alguma coisa, senhor?
— Não, mas quero que mande alguém colocar esses
pertences numa caixa. — Aponto para a cabeceira e guardo
a foto comigo.
— Farei isso.
Dou mais uma olhada na plataforma e assim que me
entregam as coisas, vou embora para casa.
Dispenso o motorista e levo a caixa para o outro
carro, já que vou dirigir para ir à casa da minha mãe hoje à
noite.
Tomo um banho e visto uma calça e uma camisa
verde-clara. Arrumo o cabelo e enrolo as mangas da camisa
até a metade dos antebraços. Estou um pouco atrasado,
mas resolvo ir a um lugar antes de pegar a Linda e ir para a
casa da minha mãe.
Logo Sérgio aparece batendo à porta e o mando
entrar.
— O que vai querer para o jantar, senhor?
— Hoje não precisa se preocupar com isso, irei jantar
na casa da minha mãe.
Através do espelho vejo sua expressão de surpresa.
— Ela quer conhecer melhor a Linda.
— É uma ótima ideia.
— Não sei não. Nem saí e já tô arrependido dessa
ideia. Só vou para fazer o gosto da minha mãe que anda
iludida com as fofocas do povo.
Ele assente com um leve sorriso.
— O que é, Sérgio?
— Nada, senhor — disfarça — Precisa de alguma
coisa?
— Não. Já tô de saída.
Passo em outro lugar antes de buscar Linda no
apartamento.
Assim que chego a encontro me esperando de braços
cruzados, num vestido amarelo-claro, apertado na cintura e
solto nas coxas, sandália com salto pequeno, o cabelo está
solto jogado sobre seus ombros e pelo brilho no rosto,
suspeito que esteja maquiada.
“Não é que ficou uma gracinha?”
Assim que paro meu I8, ela se inclina para frente e
olha o celular.
— Tá atrasado — pontua com a marra de sempre.
— Achei que iria elogiar o carro, mas, enfim.
— Eu não sei como abrir. — Ela puxa a maçaneta.
Abro por dentro e ela se afasta, ficando admirada,
finalmente, com o porte do carro.
— Entre, estamos atrasados — apresso e ela entra e
fecha a porta. Seu perfume toma conta do carro. É um bom
perfume. Como só senti nela, me lembra ela.
— Ai, ai, viu… De quem é a culpa, Rômulo?
— Foi por um bom motivo — garanto.
Rômulo tem um carro bonito e até que dirige bem
ou tem muito medo de amassá-lo, porque é uma atenção e
um cuidado no trânsito que até eu, uma pessoa que só anda
de olhos bem atentos, sem confiar no motorista, fico
relaxada no banco durante a viagem.
Não demora para chegar na casa da mãe dele. Casa
não, mansão.
Ela mora num condomínio chiquérrimo com uma casa
mais linda que a outra e ao redor da mansão não tem
muros. Há um jardim bonito na frente, com refletores que
ficam debaixo das plantas e realçam a cor verde, as paredes
têm cores claras e janelas de vidro, uma porta que dá dois
homens um em cima do outro e tem uma estradinha até lá.
Ele para o carro bem na frente desta estradinha, saio
e espero que ele faça o mesmo.
Não deveria me preocupar com isso, mas acho que
estou bem para conhecer a mãe dele. Acredito que ela não
irá reparar no tufo de cabelo que está nascendo no lugar
que o médico cortou para reparar o machucado que ganhei
na casa de seu filho. O vestido que uso destoa da ocasião,
com um estilo romântico, mas foi o único que não era novo
demais, nem velho demais para esse jantar.
— Vamos. — Ele passa ao meu lado, dispara na frente
e o sigo.
Admito que estou ansiosa. E se ela me chamar de
golpista e oportunista?
Ele toca a campainha e esperamos um pouco a porta
se abrir, enquanto isso, observo o desgraçado, que fica
elegante até quando não quer.
“Ele malha?”
E passou um perfume tão cheiroso que daqui detrás
sinto e estou sufocando.
A porta abre e uma mulher com uniforme aparece,
nos dando boa-noite.
— Boa noite. — Rômulo entra na casa e eu vou logo
atrás.
— Boa noite. — Dou um sorriso ao passar ao lado da
senhora de cabelos grisalhos.
“Que casarão!”
Parece um templo, mas com móveis modernos e é tão
iluminado que meus olhos até doem.
— Rômulo, ainda não creio que você veio! — uma
mulher elegante, de cabelo bem preto e rosto fino diz e o
abraça. Ela é alta, já que seu rosto ultrapassa o ombro do
grandão no abraço.
— Se tratar isso como um milagre, vou embora antes
mesmo do jantar.
“Sempre grosso!”
— Você não tem jeito, né? — Ela o solta mantendo o
sorriso e se vira para mim. — Linda, querida, que bom te ver
bem. Fiquei tão preocupada com você quando te vi
desmaiada! — Ela se aproxima, falando como se me
conhecesse há séculos. — Prazer, meu nome é Sandra. —
Ela me dá um abraço.
— Prazer, Linda.
“Essa mulher tá empolgada demais!”
— Como você tá? Já melhorou do machucado? — Ela
segura minhas mãos. É a primeira pessoa que me pergunta
sobre isso.
— Sim, mas a cicatriz ficou.
— Entendo. Rômulo me disse sobre o acidente.
Aqueles degraus nunca me passaram confiança.
— Não é bom confiar.
— Nem andar pra trás. — Rômulo completa.
— Aposto que adorou ver meu tombo.
Ele ri sentado no sofá.
— Não dê atenção ao que ele diz. Rômulo fala as
coisas sem pensar. Mas um dia ele se arrependerá e não
terá mais conserto. — ela praticamente pragueja. — Vamos
sentar aqui para conversar mais. Rodrigo! Venha falar com
seu irmão e sua cunhada!
Viro para Rômulo de olhos arregalados e ele bate a
mão na testa, sentado no outro sofá.
— Pelo amor de Deus, mãe, não alimente isso!
— Não estamos juntos. — completo.
Ela nem se importa com nossos pedidos.
— Rodrigo é totalmente o oposto de Rômulo, você vai
ver.
— Acho que falei com ele quando tava em cat… Na
casa do Rômulo.
Foi ele quem abriu a porta para eu fugir.
— Sim. Sim. — Ela está com um sorriso enorme para
mim.
— Cheguei! — Ele desce a escada correndo, com uma
camisa na mão e o peito nu, o que rende uma arregalada de
olhos por minha parte.
“Que corpo bonito!
Que abdômen…
E ele é alto!
Loiro. Será que é adotado?
Como será o pai do Rômulo?”
Quando ele abriu a porta para mim, não tive tempo de
encará-lo direito, pois quase o atropelei na tentativa de
fugir. No vídeo não reparei na sua fisionomia. Ele é bem
mais jovem que o Rômulo.
— Vista a droga da camisa, Rodrigo! — Rômulo ordena
nitidamente incomodado.
— Já tá com ciúmes? — Ele veste a camisa, rindo do
Rômulo e se aproxima de mim, então levanto. —
Finalmente, tô conversando com a mulher que tirou meu
irmão da seca.
— Quê? — Fico confusa.
Ele me cumprimenta com um beijo no rosto.
— Prazer, sou Rodrigo. Precisando de qualquer coisa,
sempre tô disponível.
— Não dê atenção ao que ele diz — Rômulo aconselha
mais como uma ordem. — Ele só fala besteiras.
— Aham. Vocês querem enganar a quem? Eu e a
minha mãe? Olha, mamãe? — Ele se senta do lado do
irmão, e com a mãe fica rindo. — Rômulo é um homem das
cavernas mesmo, nunca duvidei disso. O difícil mesmo é
uma mulher gostar dele do jeito que é. O que você viu nele?
— Eu? Nada. — rio disso.
— Ainda tem coragem de se sentar do meu lado
depois de alimentar a imprensa com essa ideia? Eu deveria
arrancar a sua língua, Rodrigo! — o jeito que Rômulo encara
o irmão enquanto fala me dá medo.
― Todo mundo já tava falando e em minha defesa, eu
tava bêbado!
― Você é meu irmão. É claro que as pessoas vão
acreditar no que você diz, independente do estado de
sobriedade!
Concordo com ele.
— Quando a vi correndo pela sua casa, fiquei
preocupado, mas faz três meses e povo fala que vocês
passam o tempo inteiro juntos!
“Que calúnia!”
― Achei mesmo que ela era a sua namorada. Fiquei
com esperança. Antes, achei que você era do vale dos
unicórnios ou aquelas pessoas que não gostam de sexo.
Rômulo balança a cabeça em negação e rio disso.
“Que rapaz sem noção!”
— Ninguém merece você, Rodrigo.
— E você? Digo o quê? ― o irmão retruca.
Sandra mexe comigo, rindo e sorrio também.
— Não se assuste. Toda vez é assim, eles vivem
trocando farpas. Vamos dar um passeio pela casa e
conversar sem a interferência desses dois. — Ela se levanta
e segura minha mão.
Olho para o Rômulo e ele balança a mão como se
fosse para eu acompanhá-la mesmo.
Achei que a visita era para ela ver que estou bem,
mas como ele disse, ela anda acreditando nessas coisas e
como suspeitei, o sonho dela é ver o filho com alguém.
Sinto desapontá-la ― mentira, não sinto não ― mas,
não serei eu a realizar esse sonho.
Vir até aqui foi uma péssima ideia, tanto que já até
me arrependi.
Enquanto as duas se afastam, Rodrigo se estica no
sofá, de olho na Linda. Esfrego uma almofada que tinha ao
meu lado em sua cara.
— Pare de olhar pra ela!
— Caramba, Rômulo! Você não disse que não estão
juntos? Por que tá com ciúme? — Toma a almofada de mim.
“Eu?
Com ciúme dela?
Eu não!”
— Não é ciúme. Você não aguenta ver uma mulher
que já corre pra cima! Você e o Caleb! Eu a trouxe por causa
da nossa mãe, então se contenha e respeite a visita.
— Tenho o maior respeito. Meu respeito é tão grande
quanto o seu ciúme.
— Não tô com ciúme dela! — Essa ideia me estressa.
— Não. Magina. — Ele se levanta. — Só falta me socar.
— Se continuar, eu vou. E é por outros motivos
também.
— Se quiser, posso ajudar a acabar com essa história
que vocês estão namorando. Vou chamá-la pra sair comigo.
Ela faz o meu tipo e faz jus ao nome!
Levanto com outra almofada e esfrego com mais força
na cara dele que cai no sofá.
— Da próxima vez será esse vaso. — Aponto para o
enfeite de mesa.
“Que ideia absurda!
Ela só é alguém que tem problemas comigo.
Se sem sermos nada já temos uma relação
complicada, imagina se ela se envolve com o meu irmão.
Eu não quero a Linda como minha cunhada!”
O deixo e me aproximo de onde elas estão, para saber
sobre o que andam falando. Eu me escondo ― ou tento ―
atrás da parede.
A minha mãe a leva para a sala da vergonha, ou seja,
a sala onde ficam os álbuns.
“Por que toda mãe tem essa mania?”
— Olha aqui o Rômulo e o Rodrigo quando pequenos.
— Minha mãe mostra um porta-retratos.
— O seu marido deve ser bem bonitão. Juntou a sua
beleza com a dele e fizeram bebês lindos!
“É, ela admitiu que me acha bonito.”
Posso dizer que a genética é ótima em questão de
aparência.
— Sim. Modéstia parte, meu marido é bonitão. —
Minha mãe não perde a chance de se gabar.
Sorrio.
— Olha ele aqui.
— Esse é o seu marido?
— Sim.
— Mas aqui parece uma foto do Rômulo!
— Sim. Eles são idênticos.
“Infelizmente!”
— Caramba, idênticos mesmo! Mas parece que
Rômulo não gosta muito de se encontrar com o pai.
“Não gosto mesmo.”
— Ele e o pai não entram em consenso. O pai cobra
demais dele e na última vez o Rômulo se sentiu bastante
humilhado com as coisas que ouviu num jantar com muitos
convidados. Desde então ele não vem aqui.
Linda fica parada por um tempo, parece pensativa.
— Desde que ele saiu, é a primeira vez que vem
aqui?
— Para um jantar? Sim. Você chegou fazendo milagres
nesta família.
Admito que só vim aqui por causa dela, mas poderia
ter feito tudo na minha casa.
— Acho que não, viu. — Ela não se empolga. — O seu
filho… Eu sei que é seu filho e a senhora não deve gostar de
ouvir ninguém falando mal dele, mas ele é um torrão.
Aprendeu com o pai. Desculpa, foi o que entendi da sua
história.
“Reclamando de mim, para minha mãe…
Era só o que faltava!”
— Ah, querida, pior que você tem razão. Não imaginei
que meu filho seria assim. Acho que a rigidez com que ele
foi criado reflete nas suas atitudes como adulto. O que meu
torrão fez?
“Sim, meu pai fez um belo trabalho comigo.
Só não queria ser igual a ele.”
— Ele falou da minha família como se não fosse nada,
sabe? Que a minha família não se importa, já que não
existe… E ele falou de um jeito tão fútil, de um jeito tão
banal.
“Então foi por isso que ela ficou daquele jeito.”
Não foi uma reação exagerada, mas eu rapidamente
percebi que quando ela saiu do elevador, parecia estar
chateada com alguma coisa. Eu não sabia que doía nela
falar da família.
Admito que, desta vez, fui muito insensível mesmo,
mas não percebi, foi algo automático, foi antes de saber
mais sobre o pai dela. Imagino que o pai dela se importaria
muito em ver o nome da filha ligado a fofocas como essas.
— Olha, querida, o Rômulo foi uma criança que
cresceu sendo muito cobrada pelo pai, tanto que ele se
tornou esse homem exigente. Acho que ele nunca se
permitiu conhecer alguém, se apaixonar, amar, deixar que
as pessoas conheçam o seu lado sensível. Sinto que com
você isso pode acontecer e talvez já esteja acontecendo,
mas ele não quer se abrir e fica fazendo isso. Com o tempo
ele vai mudar, eu te garanto. Não é por acaso que suas
vidas se cruzaram.
“A minha mãe é muito iludida mesmo se acha isso
tudo.”
Eu me afasto para não ouvir mais nada dessa
baboseira. Pode ser que ela tenha mexido na minha ferida,
mas ela só despertou o meu pior lado e a única coisa que
tenho feito é corrigir isso. Não tem nada de se abrir ou se
apaixonar.
Quando era mais jovem, sonhava com essas coisas,
até me permitia vivenciá-las, mas meu pai conseguiu
construir essa casca dura envolta de mim e agora que a
tomei como minha, ela me protege e nunca irei quebrá-la.
A mãe dele é muito iludida mesmo, pois de jeito
nenhum vou querer algo com Rômulo.
Voltamos para a sala depois de um tour deslumbrante
pela mansão de Sandra e encontramos Rômulo parado feito
uma estátua, de braços cruzados, perto da mesa de jantar,
enquanto ouve seu irmão contar alguma coisa.
Ele parece estar ouvindo tudo no automático.
Sandra vai até à mesa e depois de conversar com
uma funcionária, volta animada.
— O jantar tá servido, vamos comer.
Confesso que nem tenho fome para comer junto com
essas pessoas.
Eu me aproximo tímida da mesa do jantar, uma mesa
com um banquete para no mínimo vinte pessoas e ela
sugere os assentos e me coloca para me sentar ao lado de
seu filho. Faço isso por educação e coloco um pouco de cada
coisa que me deu vontade de comer, no enorme prato de
porcelana com pintura de flores. Por fim, a comida ficou tão
linda no prato que despertou a minha fome.
— Sério que você vai comer só isso? — Rômulo
pergunta repentinamente.
— Sim.
— Não precisa fingir que come igual modelo quando
você come igual um boia-fria.
— Rômulo! — repreendo, envergonhada e mãe dele e
o irmão prestam atenção nesta conversa. — Não tô com
tanta fome.
Rômulo discorda com a cabeça e come a comida dele,
que chega a ser a mesma quantidade que tem no meu
prato. Ele deve tomar alguma proteína para manter os
músculos.
— Linda, querida, fique à vontade.
Comemos em silêncio por uns dois minutos e quando
esse silêncio começa a se tornar constrangedor, a mãe dele
o quebra.
— Linda, no meio dessa história toda, você tem um
namorado de verdade? Fiquei me perguntando. — Sandra
questiona.
“E continua o constrangimento mesmo assim...”
— Não. Eu não tenho — respondo com uma leve
risada e não tiro os olhos do prato.
— Sorte do Rômulo. Já pensou inventar que namora
alguém que já tem um namorado?
— Quem tem o mínimo de sensatez, não acredita
nessa história ― Rômulo fala algo que concordo.
— Não tem nada a ver comigo ― Rodrigo se defende.
― Quando me perguntaram já fazia dias dessa história e só
achei um milagre.
— Cala a boca, Rodrigo! — o irmão ordena,
grosseiramente.
— Mas essa história não tá atrapalhando a sua vida
não, não é, Linda? — a mãe dele pergunta.
“Pergunta complicada essa.”
— Sinceramente, sim. Fui perseguida por mais de
duas semanas por causa dessa história e nem sequer pude
trabalhar direito. A única coisa boa nisso foi que acabei
aceitando o emprego, agora posso me sustentar sozinha e o
apartamento me afasta dos inconvenientes. De quase
todos.
— Tá falando de mim? — Rômulo questiona.
― Claro. Você apareceu sem avisar e eu tava saindo
do banho. A sorte foi que eu tava de roupão.
― Deve ter sido a visão do paraíso, hein,
Rômulozinho? Pra você, que raramente tem esse tipo de
experiência — o irmão dele fala.
― Calado, Rodrigo! Foi um acidente, Linda.
— E é por isso que te proibi de entrar lá sem ser
convidado. Queria proibir de outras coisas também, mas tá
difícil.
Sua família fica rindo da minha sinceridade.
— Você acha que eu queria estar nessa situação? E
sobre dificuldade, eu sofro mais tendo que lidar com a sua
teimosia… — ele rebate me fazendo ri.
— Lida me chamando pra jantar…
— Olha só, mãe! — Rodrigo ri enquanto eu e seu
irmão nos olhamos torto.
— Posso me sentar longe dele? — pergunto a sua
mãe.
— Fique à vontade, querida.
— Obrigada. — Levanto e pulo uma cadeira, com meu
prato na mão. Depois pego o copo. — Olha, dona Sandra, já
que estamos sendo sinceros, não aguento o seu filho.
Ele ri.
— Eu que não te aguento! Você me dá mais trabalho
do que meus funcionários.
— O que fiz para te dar trabalho? Você quer decidir a
minha vida. Hoje queria que eu ficasse plantada no seu
escritório te esperando para sei lá que horas chegar! Você
me colocou para trabalhar na empresa do Gustavo e fica
mandando a sua assistente me vigiar. Ainda implica com os
sócios que nem são seus!
— Você deve trabalhar e não ficar paquerando ou
caindo de amores pelos corredores do prédio. Estou te
poupando de andar de ônibus e depois um bocado a pé,
quando peço para me esperar!
“Um anjo na minha vida.”
— Paquerando? Que horas eu tava paquerando ou
caindo de amores por alguém? Eu e Laisa só ficamos felizes
com os bons modos, como fomos tratadas. Você não
entende por que é um mal-educado, grosso, arrogante e
acha que todo mundo tem que te engolir sorrindo. Fica
mandando me vigiar como se eu fosse fazer alguma
desgraça.
― Não confio, por isso mando vigiar mesmo.
— É, vou ficar com o sócio do Gustavo, pedir que ele
me resgate de você, depois vou matar aquela RP de nariz
empinado e ser feliz para sempre. É disso que você tem
medo? — Encaro Rômulo com a dúvida.
— Iiiii… — Rodrigo faz cara de espanto. — DR,
ciúmes… Já são um casal de verdade.
— Cala a boca, Rodrigo! — Rômulo exclama. — Vai
saber se você não vai esquecer do nosso acordo?
— Tudo bem, posso até sair no tapa com a sua RP
desgraçada que fica me chamando de golpista, aliás, ela é
muito interessada em você. Mas eu lá tenho cara de gente
que fica com alguém e fala o que não deve só porque tô
com ela? Ainda mais do seu meio? Me poupe, Rômulo.
— Linda, acredite, só ele pensa essas coisas de você
— Rodrigo fala enquanto a mãe dele observa tudo calada.
— Espero mesmo que você cumpra o combinado e
aproveite a chance que te dei. Não é todo mundo que
consegue um emprego desses.
— E como sempre, joga na minha cara o que fez de
bom, como se eu tivesse sendo mal-agradecida, quando, na
verdade, é você o paranoico. É isso que acontece com quem
faz mal aos outros, fica perturbado. — Volto a comer.
Em resumo, ele se incomoda se posso gostar de
alguém ou até mesmo me envolver com alguma pessoa do
meio dele!
Se isso acontecesse, não quebraria o contrato de
silêncio, mas eu nunca namorei e não seria agora, com um
cara como o Caleb, que isso iria acontecer.
Péssima ideia!
O jantar foi um caos.
Linda e eu trocamos farpas o tempo inteiro e quando
terminamos de comer decidi que deveríamos ir embora.
— Mas já? Tão cedo? — minha mãe se desaponta.
— Sim, esse jantar já deu. — Nem me sento mais no
sofá.
Linda se acha a dona da razão.
— Tchau, mãe. A comida tava deliciosa. — Eu me
aproximo para me despedir dela.
— Mas o que tá acontecendo aqui?
Ouço a voz do meu pai e olho para a porta de
entrada.
“Só pode ser brincadeira!
Ele tá aqui mesmo?”
— Robert! — Minha mãe se afasta e o recebe com um
abraço.
— Rômulo? Por que ninguém me avisou que teria um
jantar aqui? — Ele olha para minha mãe.
O ranço ferve dentro de mim, afinal ele fala como se
fosse a pessoa mais adorável do mundo numa família onde
todos são felizes.
— Foi de última hora.
Eu me recuso a cumprimentá-lo quando se aproxima e
ele sabe o motivo.
— E quem é essa garota? — Olha para a Linda.
— É uma conhecida — falo.
Ele avança para tocar nela em um cumprimento mais
íntimo, mas me adianto e a arrasto para perto de mim.

Agora a situação ficou constrangedora. O pai dele


apareceu de surpresa, bem na hora que íamos embora.
E se não pudesse piorar, Rômulo quebrou a cláusula
do contrato que diz que ele não pode me tocar, me puxou
pela cintura para perto e quase me arrancou a última dose
de fôlego.
A última vez que estivemos tão próximos foi na
semana que nos conhecemos. Mesmo assim, na época, não
senti mais do que o ar que ele respirava e seu perfume e
agora sinto seu corpo colado no meu, seu cheiro elevado a
potência e o calor que não deve ser nada além da raiva que
ele carrega dentro de si.
Duvido que corra sangue dentro das suas veias, deve
correr lava como de um vulcão em erupção.
O homem que parece ser o clone do Rômulo, quer
dizer, Rômulo é o clone do pai, vê que o filho me segura
como se tentasse o impedir de me tocar e sorri como se
suspeitasse que somos mais do que conhecidos.
— Conhecida? Nunca trouxe conhecida alguma para
jantar conosco! — ele comenta com um sorriso. — É uma
coisa que nunca esperei.
— Claro — Rômulo afirma com mágoa na voz.
— Se for mais do que amizade, seja homem e admita.
Ficar segurando a menina como um moleque de treze anos,
assustado, não é o que se espera de um Guimarães.
Rômulo balança a cabeça em negação e me solta.
— Vamos parar com isso, estamos constrangendo a
Linda. — A mãe dele fica sem graça e eu também.
“Agora, eu sei para quem ele puxou.”
― Vamos embora — Rômulo fala.
― Mas, já? Deixe-me conhecer a jovem. Linda é seu
nome? Combina bastante.
― Todo mundo concorda com isso ― Rodrigo
confirma.
— Estamos cansados e já falamos demais durante o
jantar. Vamos, Linda. — Rômulo sai na frente.
— Que pena! Então lanço o convite para outro jantar,
quero conhecê-la melhor — o pai de Rômulo propõe e
estende a mão para um cumprimento. Pego a mão do
senhor e balanço a cabeça como se concordasse com outro
jantar.
Se só com o Rômulo, já foi um jantar complicado,
imagina com esse homem?
Nunca vi Rômulo desse jeito.
— Obrigada por ter vindo, Linda. Adorei passar um
tempo com você. Apareça mais vezes. ― Sandra se
despede.
— Obrigada pelo convite, o jantar tava delicioso. —
Sou verdadeira nesta parte.
— Tchau, cunhada. Depois me manda seu endereço
para ir te visitar — Rodrigo dá uma piscadela e aceno para
ele, enquanto Rômulo ri.
“Momentos raros.”
Ele sempre ri das coisas erradas.
Saímos da casa e assim que chegamos no carro, ele
abre a porta para mim. Acho que está tão distraído com o
aparecimento do seu pai que está sendo cavalheiro em
automático, o que é bom.
É sobre isso que falo quando digo que ele não deve
fazer as coisas pensando na recompensa ou para provar
algo.
Entro no carro e coloco o cinto. Logo depois, ele
também entra e viajamos em silêncio. Eu, realmente, estou
cansada, eu me cansei por discutir com o Rômulo e por todo
o estresse que a ideia desse jantar me causou, também
estou com sono, por isso encosto a cabeça no banco e fecho
os olhos. O sono me domina.
— Linda. ― Alguém me chama. — Linda.
É o Rômulo balançando meu ombro.
— Mais uma vez quebrou o contrato.
— Já chegamos.
Abro os olhos e o vejo segurando a porta do carro
para que eu saia.
— Já? — Pisco os olhos para espantar o sono.
“Estamos mesmo em frente ao prédio que moro?
Por quanto tempo dormi?”
Tiro o cinto e saio do carro. Eu não tenho nada mais
para falar com ele, então penduro a bolsa no ombro e ando
em direção à portaria.
— Espera — ele pede.
“O que Rômulo quer agora?”
Paro e olho para trás. Ele tira uma caixa de dentro do
carro e traz para mim.
— O que é isso? — Olho para a caixa e depois para
ele.
— Acho que pertence a você agora. Aliás, sobre o que
eu disse hoje no elevador, me desculpe, eu fui mesmo um
insensível. — ele lamenta.
Até a sua calma me perturba, é esquisito. Seu
semblante assim me deixa preocupada e parece que vejo
outra face de Rômulo. Seu lado sensível.
Mesmo estranhando, pego a caixa que toma meus
dois braços.
“O que tem aí dentro?”
— Boa noite. — Ele volta para o carro.
É evidente que o encontro com o pai não o deixou
nada contente, mas ele não parece estar bravo, parece
estar desapontado.
Espero ele ir e entro no prédio contando os segundos
para chegar no apartamento e abrir a caixa lacrada com fita
adesiva.
Assim que chego, tranco a porta e levo a caixa para o
quarto. Procuro uma tesoura de unha que deixo na
necessaire e corto o lacre, vendo o que tem dentro dela.
Meu coração pula no peito ao reconhecer os pertences
e o choro salta pela garganta.
São as coisas do meu pai.
Às vezes, antes dele ir para a plataforma, entregava
alguma coisa para ele levar. Até meu troféu da escola dei.
O meu pai trabalhava naquele lugar bem antes de o
Rômulo ser o dono. Era de outra pessoa que faliu e depois o
Rômulo transformou em algo bem-sucedido. Meu pai
passava um mês todo longe e essa era a forma dele ter algo
meu perto dele, para sempre lembrar de mim.
E agora está tudo aqui, cada uma das coisas.
Tiro uma por uma, chorando, até chegar num pacote
que não reconheço, é novo e tem a logo de uma joalheria.
Abro e vejo que dentro dele tem uma caixinha de veludo,
retangular, parece ser coisa cara. Dentro dela tem um colar
com um relicário em forma de coração, tudo em dourado e
com pedrinhas brilhantes. Abro o relicário e vejo uma foto
minha com meu pai.
Cubro a boca e choro mais ainda.
“Não acredito que foi ele quem fez isso!”
Chorei a noite toda, olhando para as coisas do
meu pai, foi como se ele estivesse perto de mim. Ao mesmo
tempo, em que chorei de tristeza por não o ter mais aqui,
chorei de felicidade por ter as coisas dele comigo, que me
dão um pouco de conforto na sua ausência.
Tenho certeza de que esse colar não foi o meu pai
quem comprou, pois, pelo jeito do pacote e cheiro de coisa
que acabou de sair da loja, foi o Rômulo quem fez isso.
“O que será que deu nele para me dar essas coisas?”
Eu sei que ele foi para a plataforma ontem à tarde,
então deve ter trazido essas coisas de lá, mas de onde ele
tirou a bondade e a iniciativa de comprar esse colar e ainda
colocar a foto?
Foi um belo gesto, tenho que admitir, tanto que
conseguiu me deixar muito emocionada.
Vou cuidar desse colar que tem a nossa foto e sempre
que puder, irei usá-lo, para lembrar que meu pai sempre
estará comigo.
“Será que deveria agradecer?
Com certeza, eu deveria agradecer por trazer a caixa,
mas esse presente deve ser tão caro que nem deveria
aceitar.”
Contudo, devolver um presente soa muito rude e
indelicado, ainda mais algo que gostei tanto e já fiz planos
de sempre usar. Rômulo já está acostumado com minha
ruindade quando se trata dele.
Será que achou que ficaríamos bem com um presente
significativo desse?
Ele desdenha da minha vida de órfã e depois aparece
com essas coisas… Rômulo é um poço de confusão. Ao
menos reconheceu e pediu desculpas.
Seguro o pingente, deslumbrada com a sua beleza.
Quanto isso deve custar? A minha vida certamente.
Vou fazer uma caminhada e se eu passar na frente da
casa dele, talvez entre e agradeça o presente.

— Bom dia — Sérgio fala ao me encontrar na sala de


estar.
— Bom dia, Sérgio. — Saio dos devaneios que vieram
enquanto olhava o jardim.
— Como foi a noite? — Ele se aproxima e deixa uma
xícara de café na mesa.
— Foi péssima, briguei com ela e meu pai ainda
apareceu. — Tenho rápidas recordações da noite passada.
Aliás, ontem à noite eu mal dormi pensando em tudo.
— Sérgio, junte os funcionários, vou dar o feriado e o
fim de semana de folga a todos.
— O senhor tem certeza?
— Tenho, quero ficar sozinho.
Será melhor assim.
— E os seguranças?
— Eles podem ir na hora do almoço.
— Tá bom.
— Isso também se aplica a você.
— Obrigado. — Ele dá um leve sorriso e sai em
direção à cozinha.
Sempre que estou muito tenso, que preciso de paz,
dou uma folga aos meus funcionários e fico sozinho em
casa.
Posso dizer que moro sozinho, mas a verdade é que
não moro. Tem o zelador, a cozinheira, a faxineira, o Sérgio,
os seguranças… A minha casa vive cheia de gente.
Nesse feriado quero ficar sozinho para fazer coisas
que não gosto de fazer na frente dos meus funcionários.
Tomo café e os assisto saindo com sorrisos no
rosto. Acho que todo mundo merece um descanso.
“E a casa ficou só pra mim.”
Pego uma garrafa de vinho na adega e acabo
encontrando uma garrafa de Royal Salute que carrego
também.
Deitado no sofá, tomo primeiro a garrafa de vinho,
enquanto assisto a programas do Discovery.
“O meu pai se acha demais...
Falar que se admirou por eu aparecer com uma
mulher!
O que ele acha que sou?
Ele acha que não consigo convencer uma mulher a
andar ao meu lado?
Moleque de treze anos?
Sim, eu a puxei para longe dele, mas não para dizer
que tava comigo, mas porque não queria que ele a tocasse.
Agora a teimosa deve estar se preparando para
esfregar o contrato na minha cara.
Deve, mas não a machuquei e meu toque em
momento algum foi desrespeitoso.
Eu não tenho problemas com mulher, só com a Linda
mesmo.”
O fato de não ter procurado alguém até hoje é porque
não sinto que preciso de uma mulher ao meu lado, como
minha mãe pensa.
Estou bem sozinho.
Com relação a sexo, às vezes faz falta, mas já levei
mulheres para a cama e depois elas quiseram mais de mim,
então preferi ficar longe delas.
Conseguir sexo é muito burocrático, mas entre
construir um relacionamento para chegar ao sexo e pagar
para ter sexo, prefiro ficar sozinho, ao menos por enquanto.
Passo a tomar o vinho direto da garrafa.
“Para ele, nunca sou bom o suficiente.
Sou milionário, dirijo um negócio de sucesso, do qual
ele sonha ser sócio, tenho uma mansão, carros caros, nome
respeitado...
O que mais ele espera de mim?
Tenho mais do que ele conquistou em seus 57 anos!
Não tenho uma esposa, nem filho, ainda, mas, no
futuro, posso ter se eu quiser e isso não diminui meu
sucesso.
Ele não tem noção do tanto de mulher que quer ficar
comigo.”
Viro a garrafa e dou dois grandes goles.
“Ele sente inveja de mim por eu ser tão jovem e estar
conseguindo tudo sem a sua ajuda.
Ele quer que eu precise dele, para ser grato.
Mas a ele só tenho algo a agradecer, a coragem que
me deu em meio àquela humilhação de sair de casa e ir
morar sozinho, longe dos seus palpites.”
Viro a garrafa novamente e troco de programa.
Assim que o vinho acaba, passo para o whisky, mas
derrubo o copo e este se quebra ao lado do sofá, por isso
levanto para buscar outro na pia.
Estou um pouco tonto e me bato em alguns móveis
até chegar na cozinha, mas encontro o copo com facilidade
e volto para a sala, lembrando do jantar.
“Mas é claro que ela não deveria ter ninguém, ela tem
que estar disponível para mim.
Como diz a minha mãe, o destino quis assim.
Será que no passado ela já teve um namorado?
Ela é corajosa, mas tenho a leve impressão de que
deve ser tímida para essas coisas.”
Coloco uma dose de whisky no copo, deixo a garrafa
no chão e tomo a dose de uma só vez e relaxo no sofá
enquanto o líquido desce pela garganta.
“Aquele jeitinho dela deve deixar muito marmanjo
com vontade de beijar a sua boca. Até em mim, ela tem
despertado essa vontade.
Admito, a sua beleza e ousadia me enlouquece.
Posso não a domar com minhas ordens, mas na cama
garanto que a dominaria dos pés à cabeça, seu corpo e
mente.
Nenhum cara aguentaria aquela garota além de mim,
pois sou o cara que entra em conflito aquela teimosa.
Ela é bonita, a desgraçada faz jus ao nome, como
todos adoram pontuar.
Mas para aguentar a sua personalidade e seu jeito
teimoso?
Estive com ela poucas vezes e já tenho certeza de que
só eu posso aturar aquela ali.
Ela não tem namorado porque ninguém a aguentou.”
Pego a garrafa no chão para colocar mais uma dose e
assim faço, virando de uma vez, então a campainha toca.
— Alguém vá atender a porta — ordeno e só depois
lembro que estou sozinho.
Levanto pior que da última vez e atendo a porta.
— Quem me incomoda? Só quem foi convidado pode
vir na minha casa. Somente com a minha autorização. —
Abro a porta com um pouco de dificuldade e vejo Linda
parada um degrau abaixo, ofegante, suada, com as
bochechas rubras e tímida! — O que você quer, Linda?
“Foi só pensar nela que a demônia apareceu!”
— Eu… tava passando ali na frente e pensei em...
Passar aqui.
“Quando foi que eu a deixei intimidada mesmo?
Acho que nunca.
Ela fica bem interessante desse jeito.”
Observo a mulher por alguns segundos.
“E essa roupa de lycra?
Merda!
Eu não posso me encontrar com ela estando nessa
situação, pois vou espantá-la com qualquer besteira que
falar.”
— Não tô recebendo visitas hoje.
— Por quê?
— É minha folga de todo mundo. Dos funcionários e
incluirei você também. Pode ir.
— Você tá bebendo? ― Ela também me analisa.
— Sim, tô. Agora vá embora. Eu não posso falar com
você hoje. Depois... Depois. — Puxo a porta.
— Tá bom. — Ela não insiste, só se afasta e vai
embora.
Fecho a porta e tento trancá-la.
“Desgraça!
Vai mexer com a cabeça de outro, porque hoje só o
álcool vai mexer com a minha.”
Volto para o sofá e pego o copo e a garrafa.
“O homem é grosso sóbrio, é grosso bêbado…
Mas não vou insistir para que me ouça.
Já que ele não vai encher meu saco hoje, vou ver
como está a condição da casa onde morava com meu pai.”
Depois de tomar um banho e tirar o suor da
caminhada, visto uma roupa qualquer e vou de ônibus
mesmo até o bairro onde morava.
Um dia normal na minha vida, já que muita coisa
mudou desde que aceitei o trabalho.
Quando chego na frente de casa, as minhas vizinhas
me recebem como se estivessem me esperando e nem
avisei que estava vindo. Elas continuam preocupadas
comigo.
— Linda, você tá bem? — Gertrudes entra na minha
casinha, comigo.
— Tô. Tô ótima. De verdade.
— E nos últimos dias?
— Tô ficando num apartamento. Consegui mesmo um
emprego e lá aquelas pessoas não aparecem — conto
animada e procuro uma vassoura. — Tô trabalhando como
assistente de um empresário e o apartamento não fica tão
longe da empresa. Eles me deram tudo, a senhora precisa
ver que apartamento lindo.
— Que bom, Linda! Mas é assistente daquele homem
que dizem que você tá namorando? ― pergunta
preocupada.
— Não, de outro empresário. — Além da vassoura,
também carrego um pano pra tirar a poeira dos móveis da
sala.
— E essa história de namoro... É verdade? Eu sei que
você já negou milhares de vezes, mas ele teve aqui e vi que
vocês andam tomando até café, juntos. — Ela se senta no
sofá.
― Não existe nada entre nós. ― Começo a limpeza.
— Ah, entendi. Ainda não existe. ― Ela ri.
“Ainda?”
Dou risada disso.
— Impossível acontecer. Eu e ele não damos certo
nem para uma boa convivência sem ser nada. Ele é muito
bruto e eu não abaixo a cabeça. Por fim, ficamos nos
embates. — conto rindo.
— Espero que dê tudo certo, Linda, pois quero te ver
feliz. Todo mundo aqui quer. Mas se esse homem oferecer
perigo, for ruim com você, independente da intenção, você
deve voltar pra casa, não insista. O seu pai gostaria de te
ver feliz.
— Sim, eu sei. — Toco meu colo e sinto o colar
pendurado em meu pescoço, então o tiro debaixo da blusa e
abro o relicário. — Olha.
— Que coisa bonita, Linda! Parece ser coisa de boa
qualidade.
— Sim. Foi ele que me deu.
— O Rômulo?
Balanço a cabeça com um leve sorriso.
— Ainda diz que esse homem não gosta de você? Uma
coisa dessas deve ter sido cara.
— É, mas acho que os gestos afetivos são mais
preciosos que coisas materiais.
Se bem que um presente pode ser um gesto afetivo
também... Mas vindo dele duvido que tenha algum afeto. Eu
não posso dizer que não gostei, mas não vou me vender por
um colar.
— Sim. Isso é verdade, mas na conquista tudo é
válido, lembre-se disso. Cada detalhe... Cada um expressa o
que sente à sua maneira. Talvez, o jeito dele de dizer que
gosta de você é assim. — Ela se levanta. — Vou cuidar do
meu feijão. Almoce lá em casa hoje.
— Vou sim. — Coloco o pingente debaixo da blusa
novamente e volto a limpar os móveis.
Não acho que esse presente seja pra dizer que ele
gosta de mim.

Depois de cuidar da casa, almoço na casa de


Gertrudes, e descanso o resto do dia. Foi um dia
maravilhoso e na sexta-feira foi o mesmo. É a primeira vez
que encaro um feriado como um dia de verdadeiro
descanso, mas quando chega a sexta à noite, depois de
mais um banho, recebo uma ligação. Paro o preparo do
cuscuz para atender.
— Alô?
— Onde você tá? ― É a voz de Rômulo.
Afasto o telefone e não vejo o seu nome. Acredito que
deve ter ligado de outro telefone.
— Tô em casa. ― Coloco o celular novamente na
orelha.
“Ele não tinha me dado folga?”
— E, por que não abre a porta? Tô aqui te chamando
faz tempos.
“Ele veio me procurar?”
Estico o pescoço e olho para a porta. Não tem
ninguém!
— Eu não tô no apartamento. ― Logo entendo onde
ele me procura.
“O que ele quer em pleno fim de semana?”
— E tá onde?
— De folga! Você não disse que iria me deixar em
paz? Tô aproveitando o milagre na minha casa!
Ele fica em silêncio por um tempo, depois fala.
— Mas já é de noite, não deveria estar andando por aí.
Vou te buscar.
— Sério? Desnecessário. Você não tem obrigação de
fazer isso e vou dormir aqui de novo.
— De novo? Tá aí desde ontem? Vou te buscar.
“Esse homem enlouqueceu!
O que tenho de melhor para fazer no apartamento
sozinha?
Aqui, tenho com quem conversar.
Tanta gente que ele poderia ir atrás, vem logo atrás
de mim.
Parece perseguição.
Acho que ele tá acreditando que sou alguma coisa
dele!”
Bebi na quinta inteira e na sexta até o meio-dia,
fiquei péssimo pelo resto da tarde, mas foi bom.
Depois que vomitei, senti que tudo de ruim que
estava me tirando a paz se foi pela privada a baixo.
Dormi até que acordei lembrando de tudo o que fiz
durante esses dias, que foi exatamente nada além de beber
e bater a porta na cara da Linda.
Estava com fome e não sou o cara da cozinha, se
fosse não teria uma cozinheira, e ainda dei folga a minha.
Não queria pedir mais comida por delivery para comer
sozinho e resolvi usar isso como desculpa para saber o que
a Linda queria falar comigo quando me procurou ontem.
Tomei um banho, um remédio para ressaca e fui até o
apartamento dela.
Sei que ela disse que eu não poderia vir sem ser
convidado, mas ignorei a ordem e bati à sua porta. Ela não
a abriu para mim. Fiquei uns cinco minutos chamando,
tocando a maldita campainha, mas ela não abriu e também
não disse nada.
Não fui convidado, sei disso, mas custava abrir a porta
e perguntar o que eu queria, depois bater a porta na minha
cara como fiz com ela ontem?
Não custava!
Ela deve estar brava comigo de novo.
Eu só a mandei embora porque estava bebendo e
quando bebo, sempre falo e faço o que não se deve. Além
de que, simplesmente, não posso mentir, ser um hipócrita
dizendo que a Linda não mexeu comigo, desde que a
reencontrei, se for mais a fundo, isso deve ter acontecido
desde a primeira vez que a vi.
Não seria bom para o meu ego, nem para o nosso
contrato, ela entrar na minha casa quando estava naquela
situação, por isso preferi evitar e continuar como estamos.
Não é porque ela é linda e atraente para o cacete que
vou me entregar a algum desejo reprimido.
Então, por que ela não abriu a porta?
No fim, descobri que nem em casa ela estava depois
que liguei para ela.
Eu me senti um palhaço por chamar por ela, sendo que não
tinha ninguém no apartamento. Ainda bem que ninguém viu
e ainda bem que não estou mais bêbado.
Agora, estou indo buscá-la no seu antigo endereço.
“Mas que ideia dessa garota, voltar para aquele
casebre!
Parece que ela tá procurando problemas.”
Quero saber o que ela achou do colar que dei, estou
curioso para ver o que ela quer me falar e saber que merda
está fazendo lá.
Quando chego na frente da casa, bato à porta e
espero a mulher teimosa aparecer. Não demora, ela abre a
porta com um pano de prato no ombro.
— Entre. Você vai ter que esperar. Tô fazendo meu
jantar. Aliás, nem queria voltar pra lá hoje. — Ela fecha a
porta e vamos para a cozinha.
Vou atrás, reparando nas suas vestes. Um jeans curto
que quase mostra a bunda e desgraça com o psicológico do
homem. É uma roupa feia, nada que ela deveria estar
usando porque não é elegante, mas fica bem nela.
Não preciso nem de álcool para ficar tentado a fazer
propostas indecentes a ela.
— O que é? — pergunta grossa.
— Você não comprou essa roupa naquela loja, não foi?
— Aponto para o short.
— Não! Comprei na lojinha aqui perto e foi R$60. Já o
tenho faz tempo, uso porque gosto e fica muito bem em
mim. — Ela fala de nariz empinado.
— Mas você não deveria andar com esse tipo de roupa
sendo a minha namorada — brinco e me sento numa
cadeira.
— Eu sabia que você levava isso a sério. — me acusa.
― Foi só uma brincadeira.
“Eu não levo a sério.”
— Não tente ser engraçado outra vez. Eu não trocaria
de roupa por causa de namorado. — Ela mexe uma panela
que está cheirosa. Esqueço até o assunto quando o cheiro
entra em minhas narinas.
— O que você tá fazendo?
— Comida.
— Que tipo de comida, sua grossa?
— Cuscuz temperado, enxerido.
— Humm… — Estico o pescoço. — Cheira bem.
— É claro que cheira bem, eu sei cozinhar! Não sou
como as mulheres que você sai, que não devem nem saber
fritar um ovo.
— Pior que não mentiu. — admito rindo.
Ela deixa escapar uma risada.
— Você não tá de folga? Já matou a sede de beber?
— O que bebi serviu para o propósito.
— Pois…
— O que você queria quando esteve na minha casa?
— Eu? Nada. ― Suas bochechas ruborizam. ― Eu só
tava caminhando por ali e resolvi passar para ver o Sérgio.
Sorrio.
— Vai começar a mentir agora? Tá achando que não
conheço suas feições?
— Você sorrindo assim é estranho.
— Estranho? Como assim? — Junto as sobrancelhas. —
Todo mundo fala muito bem do meu sorriso.
— Sério? Acho estranho, porque você nunca ri desse
jeito. Só debochado mesmo e o sorriso amarelo.
— Claro, você só me estressa. Qual o motivo bom pra
rir espontaneamente?
— Digo o mesmo sobre você. — Ela pega uma tábua
com legumes na pia e despeja na panela cheirosa.
“Novidade.”
— Olha, não precisa ir mais a nenhum jantar na casa
dos meus pais, ignore aquele convite. O meu pai é
inconveniente.
― Ficou bem claro que seu pai te subestima. Por que
não diz nada?
— Eu não preciso provar nada pra ele.
— Mas você quer. Não minta para mim, que eu sei. —
Ela balança a colher.
“É, admito que adoraria ver o meu pai reconhecendo
que sou um homem de sucesso.”
— Ele sempre procura um problema e na hora eu
travo. Quando ele fala essas coisas, não sei explicar.
― Realmente, deve ser um problemão o que vocês
têm. Mas você deveria se posicionar. Se você conseguiu
tudo que ele não acreditava, por que abaixar a cabeça?
Aliás, a vida é sua, ninguém sabe melhor dela do que você,
ele não sabe de nada pra ficar achando problema. Mostre
que você não cai mais na pilha dele.
― Você disse que ninguém deve fazer nada pra provar
algo aos outros.
― No seu caso comigo, sim, mas o seu pai merece.
Achei o homem tão burguês babaca quanto você é.
“Que mulher da língua afiada!”
Rio porque ao menos ela enxergou o porquê de eu
não querer estar perto do meu pai.
― Sabe quando você respeita tanto alguém e o
enxerga num lugar inalcançável, como se fosse intocável ou
um crime insultar, contrariar a pessoa?
― Olha, você já cometeu outros crimes. Falar pra o
seu pai que ele não sabe de porra de nada da sua vida só
vai te libertar. Confesso que adorei quebrar suas coisas
valiosas. Não me curou do trauma, mas que dá um gosto
doce na boca, isso dá.
― Vi seu sorrisinho. Mas pra você é fácil, não tem
nada a perder.
— E o que você tem a perder, Rômulo? Já saiu de casa
por causa disso, já ficou longe da sua família por causa
disso e não sei se já era, mas virou um cara muito difícil de
lidar. Espero que não se espelhe em seu pai. Agora que tá
melhorando.
― Jamais me espelharia nele!
Ela fala do que tenho mais medo!
Não ajuda em nada.
― Pois, começa a mostrar que é diferente fazendo
algo que ele não faria.
― Ele vai rir de mim ou até me chamar de fraco.
― Na sua frente, porque nas suas costas, quando ele
se deitar pra dormir, vai pensar sobre o que ouviu e ver que
é um babaca.
“Se for como ela fez comigo...
Fiquei mais de três meses pensando em suas palavras
e atitudes.”
— Me procurou só para saber o que fui fazer na sua
casa e implicar com a minha roupa? — ela muda de
assunto.
— Uma companhia para o jantar. ― Vejo o colar em
seu pescoço, mas me contenho em perguntar sobre. Se ela
tá usando, é porque gostou. ― Meus funcionários estão de
folga.
— Primeiro, que surto de bondade foi esse? Segundo,
por que a minha folga terminou antes da folga deles?
Terceiro, eu disse que você não podia ir ao apartamento
sem o meu convite… E quando eu digo que você faz de tudo
pra dar pano pra manga, você fala que é coisa da minha
cabeça!
“Ela joga tudo de uma vez!”
— Quanta pergunta! Eu já esqueci qual foi a primeira!
— Estou agoniado. — Eu já dei os motivos, agora que você
tá fazendo o jantar, vou te fazer companhia.
Ela dá um sorriso amarela, fingindo que não gosta. Ela
gosta.
— Se botar defeito, que sei que não vai porque a
minha comida é maravilhosa, mas se botar, eu pego o prato
com a comida e esfrego na sua cara.
— Que delicada…
Desnecessário Rômulo vir atrás de mim, mas
já que está aqui ao menos pego uma carona de volta pra
casa.
Ele parece estar muito bem para quem esteve
bebendo por dois dias seguidos.
Coloco tudo na mesa e me sento para comer.
— Você não tem ressaca?
— Sim, tô com uma nesse exato momento, mas tomei
remédio.
— O Sérgio não ficou para cuidar de você? — Seguro o
sorriso. Sérgio faz tudo por ele.
— Eu sei me cuidar muito bem sozinho, Linda.
— Aham. E como você foi parar no meu apartamento
atrás do jantar? — o encaro com um sorriso curioso.
— Eu não ia te pedir para fazer o jantar. Eu ia pedir
para o restaurante entregar na sua casa, entende?
“Como gosta da minha companhia…”
— Ainda tá em tempo. A comida daqui é gostosa, mas
não é comida de rico.
— Acredito que aqui tem comida suficiente para nós
dois. E comida de rico? Você tem cada uma...
Colocamos comida nos pratos.
— Vamos ver se é bom mesmo. — Ele dá a primeira
colherada.
— Nem ouse dar nota, Rômulo. Você já sabe das
ameaças que fiz — lembro e dou a primeira colherada.
Uma delícia, como sempre!
— Ótimo. Nota nove.
— Nove? Eu disse que não era para dar nota! Por que
nove? — fico incomodada. É um onze!
— A comida, em si, é um dez, mas é uma refeição e
deveria ter uma bebida de acompanhamento.
“Essa gente rica…”
— Não seja por isso. — Coloco a garrafa de café perto
dele. — Agora, é nota dez.
— Me sirva para um dez ser merecido. — ele pede
dando uma risadinha descarada.
Encaro o homem com os olhos semicerrados.
— Você tá de brincadeira comigo, não é? Tá achando
que aqui é restaurante? Tá me achando com cara de
garçonete? Você pode se servir sozinho.
— Calma. — Ele ainda ri da minha cara.
— Calma, nada. Você me estressa, Rômulo.
— Nada que você também não faça comigo. Mas
falando sério, tá bom. Muito bom mesmo. Acho até que vou
repetir. — Ele abre a garrafa de café e se serve de um
pouco.
Não contenho o orgulho que sinto em ser uma boa
cozinheira deste prato.
— Obrigada.
Quem faz a mesma coisa várias vezes na semana em
algum momento fica especialista.
Ele me analisa e desmancho o sorriso.
— O que foi?
— Nunca tinha te visto sorrindo assim. Você tem um
sorriso bonito.
Engasgo com o cuscuz e começo a tossir com a mão
na boca.
Não esperava um elogio vindo de Rômulo e agora não
sei onde enfiar a cara depois disso.
— Beba café. — Ele me entrega um copo com um
pouco de café e tomo.
“Outro copo?
Ele colocou café para mim?
É um dia de milagres.”
— Obrigada. — Consigo falar e a tosse para aos
poucos.
Tomo café até limpar a garganta.
— Isso tudo é por causa do que eu disse?
— Pra quem tá acostumada a ouvir só deboche… É de
se assustar sim.
Ele volta a comer rindo.
— Linda, minha mãe mandou isso para você. — O filho
da vizinha aparece na cozinha com uma vasilha na mão e
levanto para receber o presente.
— E quem é você? — Rômulo muda o tom da voz.
— Sou filho da vizinha, Gertrudes, aqui do lado. — ele
responde amigavelmente. É um rapaz mais novo que eu,
magro e carrega uma camiseta no ombro.
— Sou Rômulo Guimarães. — O homem levanta e dá
um aperto de mão firme.
― Prazer. ― O rapaz fica intimidado.
― Obrigada. Diga a sua mãe que depois devolvo a
bandeja.
― Tá bom. ― Ele vai embora e eu deixo a bandeja de
lado e volto a comer.
— O que esse moleque é seu? — Rômulo exige saber.
— Filho da minha vizinha, ou seja, é meu vizinho.
— Por que você o deixa entrar desse jeito na casa? Se
você estivesse saindo do banheiro?
Dou risada.
— Acho que quem faz isso é você, Rômulo.
— É bem diferente. Sem contar que hoje eu cheguei,
te chamei e fiquei lá esperando.
— Coitadinho… O garoto já é de casa.
— E eu?
— Você não — falo o óbvio rindo dele.
Ele parece estar muito preocupado com isso.
— Ai, ai, viu… — Balança a cabeça de um lado para o
outro. E parece incomodado com isso mesmo!
Assim que terminamos, guardo o que restou numa
vasilha para levar para o apartamento.
— Só uma?
— Para mim.
— E eu, Linda?
— Você quer levar um pouco? — Estranho.
— Se não quiser dividir em outra vasilha, amanhã
passo lá no apartamento para comer no café da manhã.
— Não. Sabe, lembrei que tem uma vasilha ali… —
Vou até o armário para pegar outra. Nem pensar de ficar
fazendo todas as refeições com ele.
— Essa sua regra é absurda.
— Eu moro lá, faço as regras. — Divido o cuscuz,
coloco as vasilhas em sacolas, lavo a louça e deixo tudo
limpinho. — Vamos.
— Sim, e você vai com esse short?
— Claro!
“Que pergunta…”
— E se tiver algum paparazzi por aqui?
— Eles que lutem. — Dou de ombros.
— Quem luta sou eu depois que sua bunda sair nos
sites de fofoca. Tenha dó de mim, Linda!
— Eu não ligo. — Saio na frente. — Coloque essa bolsa
no carro, são roupas que levarei.
— Outras roupas desse tipo não, né? — Ele carrega a
bolsa.
— Aí, você só vai descobrir nos sites de fofoca. — Saio
na calçada rindo.
Ele fica doidinho com essas coisas.
— Linda, já tá indo? — Gertrudes pergunta.
— Já, obrigada pela comida. Vou abrir quando tiver em
casa e devolvo a vasilha quando voltar — prometo, sorrindo.
— Não demore pra voltar.
— Como tô trabalhando, só posso vir nos fins de
semana, mas venho sim. — Tranco a porta da casa, entro no
carro dando um tchau e vamos embora.
Levo a sacola das bandejas no meu colo e no
caminho, percebo que Rômulo está o tempo todo olhando
para as minhas pernas.
“Que descarado!”
— Pare de olhar para minhas pernas, Rômulo! —
reclamo em alto e bom som.
— Que pernas o quê? Não tô olhando para suas
pernas! Tô olhando é pra essa vasilha que a mulher te deu.
Quero saber o que tem dentro dela. Você vai dividir comigo,
não é?
“E olha que reclamou do rapaz que entregou a
vasilha!”
— Agora deu para ser comilão, foi?
— Eu tenho certeza de que ela deu para nós dois.
— Eu não soube disso.
— Pois agora tá sabendo. Somos um casal.
Dou uma gargalhada com o jeito convincente que ele
fala.
— Quando você bebe fica muito falante, né? E de
muito bom humor.
— Aham, falo mesmo.
“E eu que tenho que aturar…”
Rômulo é outra pessoa quando bebe, ele
simplesmente se transforma.
A maioria das pessoas fica pior quando bebe, mas ele
até que fica engraçado. Parece mais leve e fica comilão.
Confesso que até fiquei em dúvida se o que ele usou
foi bebida alcoólica mesmo ou outra coisa. A verdade é que
deu um trabalhão para tirá-lo da frente do prédio, pois ele
queria entrar no apartamento para pegar um pouco do que
minha vizinha deu.
Por pouco não abri a vasilha e arremessei o que tinha
dentro na cara dele. Mas como era doce de leite e para que
eu não tivesse dor de barriga por causa da ruindade, disse a
ele que depois daria um pouco.
Dei o aviso antes de ele ir embora: ― Não pense que
porque jantou na minha casa, somos amiguinhos. Continuo
te aturando.

Acordo com o telefone tocando, me estico na cama e


pego o aparelho para atender. Só abro o olho para ver o
botão de atender e arrastar para o lado.
— Alô?
— Bom dia. Ontem esqueci de falar uma coisa com
você.
― E quer falar logo cedo, atrapalhando o meu sono,
Rômulo?
― Me acompanhe num evento hoje à noite.
Rômulo é doido de pedra, só pode!
É uma coisa mais absurda que a outra.
Onde já se viu acompanhá-lo num coquetel?
Tudo que quero é ser vista como assistente do
Gustavo, aquela que ninguém dá muita atenção!
Rômulo chama atenção demais! Só dele ter parado ao
meu lado no cemitério, o povo já imaginou coisa e revirou a
internet atrás de provas de que tínhamos algo.
Tudo bem que o homem é rico e bonito pra cacete,
mas não temos nada. Sair juntos só trará mais caos.
― Vem cá, a sua diversão é dar o que falar e depois
processar quem tá falando? Porque é o que parece.
― Não vou mentir, me divirto sim. Mas não tenho
outra opção, Linda. Tem que ser você.
― E quem disse que sou uma opção, Rômulo?
― Não posso levar outra mulher. Da última vez, fui
sozinho e todos só perguntavam por você, então se levar
outra mulher, será constrangedor.
― Ótimo, então leva outra. A minha diversão é te ver
constrangido.
― Linda, você quer que eu leve outra mulher?
― Eu não ligo ― começo a analisar a partir do que
respondo. Será que ligo? — A gente fez um acordo, lembra?
Um longe do outro.
― Essa parte aí deve ser desconsiderada. Sempre
estamos juntos. Eu não vou levar outra mulher. Eu te pago
pra ir se isso te convence.
― Nem pagando. A maior humilhação que vivo
atualmente é ser vista como sua namorada.
― Cavala! Eu sei que você gosta.
— Gosto não.
“Nunca deixei isso na cara!”
— É a chance de desmentir isso na frente de todo
mundo.
― Indo juntos? Quem te ensinou essas coisas, roubou
seu dinheiro.
― É uma boa ideia. Dez mil reais por uma festa em
que ninguém ficará me enchendo porque você estará lá. É o
primeiro lance.
“Ele acordou de bom humor.”
― Rômulo, você sabe que eu não tenho interesse no
seu dinheiro.
— Sei, mas é uma situação diferente. Vamos. Uma
noite ao meu lado num evento da alta sociedade não vale
os 10 mil?
— A noite toda? 10 mil é pouco. — brinco.
― 20 mil pra você não acordar amanhã com a notícia
que te troquei.
Dou risada.
Ele realmente anda mais leve.
― 20 mil para ter que te aturar por uma noite toda?
― 100 mil pra você não esfregar na minha cara que
quebrei o contrato.
“Os 20 mil já era muito.
Eu vou fazer isso mesmo?
Eu não deveria me sujeitar a isso, depois de tanta
confusão...”
― Você não vai me deixar em paz, vai?
— Não até te convencer.
— Ok. Mas não tente nenhuma gracinha.
― Vou me comportar e você se esforce pra fazer o
mesmo.
― Se algum rico vier me insultar, você já me conhece.
― Vamos rezar pra não acontecer. O motorista vai te
levar para o salão por volta das duas da tarde.
Afasto o celular da orelha e olho a hora, depois o
encosto novamente.
— DUAS DA TARDE?! E, POR QUE DIABOS VOCÊ TÁ ME
LIGANDO ÀS OITO DA MANHÃ, RÔMULO?! ― berro
estressada.
— Pra te convencer a ir e também para dar tempo de
você fazer tudo o que precisa antes. Não me diga que ainda
tava dormindo, Linda?
— Sim! É fim de semana e durmo até a hora que eu
quiser!
— Tá bom, calma.
— Calma o caralho, Rômulo! — Sento na cama, pois
depois dessa o meu sono foi embora. — Não enche meu
saco, senão nem apareço nessa festa.
— Você vai. Já me deu sua palavra.
― Não pense que vai me manipular com dinheiro não!
— Eu nem falei no dinheiro. Eu sei que vai mais por
mim do que pelos 100 mil.
— Aham. É isso mesmo. — confirmo debochada.
— Depois do almoço você vai pra o salão. Por volta
das seis vou passar lá pra irmos direto para a festa.
“Quatro horas num salão?
Vão fazer o que comigo?
Uma plástica?”
— Combinado, Linda?
— Combinado. — Reviro os olhos. — E a roupa?
— Eles têm tudo lá.
“Será que ele sabia que me convenceria?
Quem deveria ser sua segunda opção?
Qual das loiras?”
— Ok.
O dia mal começou e só de ouvir tudo isso já me sinto
cansada. Eu não deveria ter atendido o telefone, pois agora
tô um poço de ansiedade.
Eu não sabia que precisava de tanto até chegar no
salão. Me senti a pessoa mais feia do mundo por precisar de
tanto!
No fim disso tudo, talvez precise de uma plaquinha
escrito "eu sou Linda" para o Rômulo me reconhecer
quando vier me buscar.
Eles arrumaram meu cabelo, fizeram minhas unhas,
sobrancelhas, Skin care, depilação a cera... Sofri, mas não
deixei que mexessem na minha preciosa.
Só faltou chamar um dentista para fazer clareamento
nos meus dentes!
Repararam na mecha de cabelo que crescia e tive que
contar do meu tombo, mas não disse que tinha sido na casa
do Rômulo.
O salão foi fechado somente para mim e todos
estavam bem empolgados com isso. Eles acham que
Rômulo é o homem dos sonhos e que sou sortuda por estar
com ele.
— Sempre fico imaginando o conteúdo que aquele
homem carrega entre as pernas — o cabeleireiro comenta
descaradamente e acabo ficando bastante constrangida. —
Então, sortuda, faz jus ao tamanho do homem?
Não tem como responder algo que não sei.
— Eu nunca vi nada.
— Ele tem pegada? ― outro profissional pergunta.
Eu nunca peguei nele, mas ele pegou na minha
cintura no dia que encontramos seu pai. Foi a pegada, onde
me arrastou de um canto para outro, e me fez ter um mini
infarto.
— Digamos que sim.
Eles acham graça. Acho que dei a entender que já
tivemos algo.
“Vou tomar mais cuidado com as respostas.”
— Esses machos assim, muito sérios, gostam de
garotas mais tímidas. É por isso que a Linda aqui fisgou o
gostosão do Guimarães. Eles têm fetiche por meninas mais
quietas, com cara de virgem.
“Eu tenho cara de virgem?”
Pior que não é só a cara.
― O Rodrigo Guimarães é outro sonho. — uma das
meninas diz.
Esse até que é agradável, se comparado ao irmão.
Assim que terminam minha maquiagem, me olho no
espelho e até que me reconheço. Pedi para não passarem
muita maquiagem e eles me ouviram.
— Só realçamos a sua beleza — o maquiador explica.
E souberam fazer bem isso, pois fico me namorando na
frente do espelho.
— Só quero ver a cara do bonitão quando te ver assim
— o stylist comenta.
“Nem ligo para a opinião do Rômulo.
Mentira, quero ver a cara dele sim.”
— Vamos ver a roupa — o stylist completa e me
animo.
Vejo que trouxeram três opções.
A primeira é um vestido preto, midi, cravejado de
pedraria, com uma manga só do lado esquerdo, além da
gola alta e uma fenda até metade da coxa do lado direito.
Fica bem bonito no meu corpo, mas quero experimentar as
outras opções.
A segunda opção é um vestido longo, dourado e
brilhante, com uma fenda transpassada, decote
transpassado, ombro a ombro. Também fica bonito, mas é
muito estilo madrinha de casamento.
Então vou para o terceiro que é pura provocação.
Curto, na cor bege que dá impressão de ser transparente,
todo em pedraria, de mangas, com um tecido de franjas e
um decote enorme em V.
Visto já usando a sandália.
— Gostou desse?
— Gostei. — Paro em frente ao espelho. — É muito
decotado, né? Não tô acostumada e o cumprimento é bem
curto, mas o que mais me incomoda é o decote.
Ele é transparente do umbigo para cima, não tem
forro, só o tecido, a pedraria e os bojos. Já do umbigo para
baixo tem forro e tô usando um shortinho nude e uma meia-
calça, por isso o cumprimento não me incomoda tanto.
— Esse ficou lindo e você tá poderosíssima. Podemos
fazer um rabo de cavalo e vai matar todos do coração. O
decote é tendência.
— Não sei não… Entre os três, tô mais para o primeiro
— comento e quando me viro, vejo Rômulo passando pela
porta.
“Meu pai do céu!”
Sempre de terno, mas hoje de smoking está mais
elegante do que nunca. É como se fosse intocável.
“Ele é bonito pra cacete!
Como pode ser lindo e tão torrão?”
É o próprio pecado. Faz mal, mas é tentador.
— Boa noite. — Seu tom de voz faz parecer que é o
chefe de todo mundo aqui. Ele olha para os funcionários do
salão e depois para mim, de cima a baixo.
Tô morta de vergonha! O homem praticamente me
come com os olhos.
— Vira de frente ― ordena e impulsivamente me viro.
Ele olha para o decote e arregala os olhos, balançando a
cabeça de um lado para o outro, depois parece que lembra
que tem outras pessoas aqui e ri se aproximando. — Você
vai com esse vestido?
— O que foi?
— Não tem outro vestido melhor? Menos decotado? —
pergunta ao stylist.
— Sim, temos.
“Eu não acredito que ele vai querer escolher a minha
roupa!”
— Não precisa de outro, vou com esse aqui. Gostei
desse e o decote é tendência, não é? — Olho para o rapaz e
ele me apoia.
“Vou usar esse só porque Rômulo implicou.”
Ele suspira e coça a nuca, se aproxima.
— Linda… Linda… ― ele está se contendo, pois, suas
veias saltam na testa. — Se você for com essa roupa,
amanhã só vai dar seu decote nos sites de fofoca.
— Eu não ligo. Só falta passar o perfume pra a gente
ir. — Empurro seu corpo para longe de mim e vou pegar a
bolsa.
“Que peitoral duro!”
— E fazer o rabo de cavalo. Senta aqui — o
cabeleireiro chama.
— Sente aí e espere, Rômulo — ordeno e ele senta
olhando para mim.
Hoje sou eu quem faz as regras.
— Amor, coloque seu celular aqui nesta bolsa é para
combinar com o look — o stylist me entrega outra bolsa,
onde guardo o batom, o celular e meu perfume após borrifar
um pouco no corpo.
Não demora muito e o cabeleireiro faz o penteado.
— Mas agora com o cabelo amarrado piorou —
Rômulo reclama.
— Você não entende de estilo, Rômulo.
— Mas que é estiloso, é — o maquiador não deixa de
comentar.
— Tá vendo, eu entendo. — Ele aproveita o elogio. —
Já terminou aí? Odeio me atrasar. — Levanta.
“Falou a pessoa que sempre se atrasa.”
— Vamos. — Levanto e abaixo a saia do vestido.
Ele balança a cabeça em negação e o rapaz traz a
conta que ele paga enquanto me espera juntar minhas
coisas.
— Obrigada, gente. Amei o trabalho de vocês —
agradeço carregando minhas bolsas.
Eles agradecem a confiança e saímos do salão.
Assim que estamos na rua, vejo que Rômulo está com
aquele carro de gente metida.
— Abra a porta para mim, cavalheiro.
— Tem ao menos um short por baixo desse vestido,
Linda? — ele parece preocupado com isso.
— Não ― minto.
— Ah, meu Pai do céu! — coloca a mão no coração.
— Fique vivo, temos uma festa pra ir.
Ela está fazendo isso por capricho, aposto que nem
gostou desse vestido. Já eu, implico mesmo, porque tô no
lugar de implicar.
Um decote enorme, um vestido minúsculo… Eu não
posso nem dizer que ela não está bonita, pois está bonita
de parar o trânsito, mas o problema é o trânsito.
Pelas pessoas que conheço e que estarão presentes
no evento, vão ficar de olho no que não deve.
Quando chegamos na festa, paro o carro na frente do
tapete vermelho e novamente aquele monte de fofoqueiros
e fotógrafos estão aqui, esperando uma história.
— Nossa…
Pelo visto, ela está preocupada.
— Acho que não vou sair daqui não, Rômulo.
— Ah, você vai sim. Nem que seja no meu ombro.
— Mas tem um monte de fotógrafos e nem gosto de
foto!
— Tivesse vindo com uma roupa decente, mas veio
assim. Agora vai ter que sair, não quero nem saber. Abaixe
o vestido para não mostrar o que não deve — peço,
estressado.
— Mas ele já tá baixo. — Ela arruma novamente, com
as coxas completamente de fora.
“Um pecado!”
— Então vou sair primeiro e vou abrir a porta pra você
sair sem causar vexame. — Tiro o cinto de segurança e ela
balança a cabeça, concordando com a ideia.
“Mal chegamos na festa e ela já tá me dando
trabalho!”
Achei que seria uma boa ideia trazê-la. Não minto, na
hora só pensei nela, pois a desgraçada tem tomado conta
do meu sono e meus pensamentos. Eu a convenci a vir
comigo, mas agora penso se foi uma boa ideia a expor a
isso.
Saio do carro e já começam a tirar fotos. Vou até à
porta do passageiro e abro o mínimo possível.
— Vê se sai com cuidado. — Bloqueio o espaço aberto
da porta.
— Como vou sair desse jeito, Rômulo? Não dá nem
para colocar o pé fora!
— Argh! — Abro mais um pouco a porta e tento ficar
na frente o máximo que posso.
Ela sai segurando a saia do vestido, para de pé bem
na minha frente, uns cinco centímetros de distância e me
encara com um sorriso inocente.
— Prontinho.
“Puta merda!
A desgraçada tá bonita demais!
E essa boca carnuda tão convidativa?
Esses 100 mil têm que cobrir o que eu faça por causa
dessa tentação.”

Agora ele me olha desse jeito, como se enxergasse


todos meus poros, ao mesmo tempo, em que parece estar
pensando mil coisas sobre mim. Coisas essas que devem
causar medo nele, assim como causam em mim.
Não vou deixar isso me intimidar, apesar de já ter me
deixado e agora meu coração bate feito um tambor.
— Não vai sair da frente? — pergunto erguendo as
sobrancelhas. — Ou tá hipnotizado?
— Cuidado com o que você fala, as pessoas leem
lábios por aqui. — Ele dá um sorrisinho falso. — Vamos.
Assim que sai da minha frente, todas as luzes vêm em
minha direção e não sei o que fazer agora, pois já assisti
muito tapete vermelho, mas não sei a arte de fingir
costume.
Quase peço para Rômulo voltar a ficar na minha
frente, me afasto do carro e piso no tapete, logo o Rômulo
passa ao meu lado e apoia a mão em minhas costas, bem
na coluna. Arrumo a postura e andamos lado a lado.
Eu me sinto um bichinho fora da toca. Os fotógrafos
pedem poses para fotos como se já não tivessem tirado o
bastante, então Rômulo para e faço o mesmo, em seguida
pressiona a minha cintura.
O tecido do vestido é tão fino que sinto a sua mão
quente sobre a minha pele e isso me arrepia.
Olho para ele, perdida.
— Olhe para a câmera para conseguirem logo a foto
que querem — ele fala olhando para a frente, forçando um
sorriso.
— Tá bom. — Tento fazer uma pose, mas, no fim, só
fico parada, segurando a bolsa com um sorriso amigável.
Finalmente, podemos seguir, mas as perguntas
começam.
― Rômulo, por que processa as pessoas que falam do
seu namoro, se não é mentira?
― O fato dela estar aqui comigo, não significa que
estamos namorando, mas se alguma coisa me incomoda e
posso fazer algo sobre, farei.
“Ah, isso eu sei bem!
Ele adora abusar do poder.”
Entramos no prédio, um segurança olha nossos nomes
na lista e nos orienta a nos dirigir ao quinto andar, onde
acontece a festa, então seguimos até o elevador e vejo que
não tem mais ninguém aqui.
Enquanto as portas se fecham, os fotógrafos tiram
fotos na intenção de ver mais do que mostramos para eles
na entrada. Assim que elas ficam totalmente fechadas,
suspiro aliviada.
— Me lembre de nunca mais aceitar fazer isso.
― Me diga no fim da noite se não valeu a pena. Aliás,
não fale nenhuma besteira. Eu não brinquei quando disse
que as pessoas fazem leitura labial por aqui.
— E você quer que eu fale em códigos? Eu não sei
falar em código.
— É melhor, como se fôssemos próximos.
Rio.
— Eu quero ver você fazendo isso, pois não sabe nem
dar um sorriso parecendo ser verdadeiro, Rômulo.
— Sei sim! Não lembra no dia que tive na sua casa? —
ele cita e continuo rindo. — Você vai ver quem vai se sair
melhor essa noite.
— Isso é alguma aposta? — Ergo a sobrancelha.
— Não, porque se fosse, você perderia o que ainda
nem ganhou.
— Eu sou competitiva.
— Eu também sou.
O elevador abre no quinto andar e ele volta a apoiar a
mão na minha cintura. — Vamos, querida.
— Cuidado com a mão, querido.
Ele arruma a gola da camisa social e saímos do
elevador.
Mesmo me achando extravagante, não me sinto
deslocada, apesar de estar num evento de gente da classe
alta. Todos estão extravagantes.
Rômulo cumprimenta seus conhecidos e me
apresenta a cada um deles. Recebo muitos elogios, mas
ninguém deixa de falar sobre a história do namoro.
Conheço um casal muito gentil e eles parecem ter
uma certa intimidade com o Rômulo, pois paramos para
conversar e beber com eles.
Não sou acostumada a tomar bebida alcoólica, por
isso tomo devagar, só encostando nos lábios, fingindo que
estou adorando. Já o Rômulo está bebendo como as outras
pessoas.
“Será que ele vai se transformar hoje de novo?”
— Rômulo sempre é muito discreto, mas tá deixando a
todos loucos com essa história. São namorados ou não? — a
mulher elegante de meia-idade pergunta sem rodeios.
— Sim, não gosto de expor minha vida íntima —
Rômulo afirma parado ao meu lado. Ele tá se aproveitando
do toque, pois de novo coloca a mão nas minhas costas.
— Mas é o certo, Rômulo. Eu também nunca gostei
dessas coisas muito públicas — o amigo dele concorda. —
As pessoas querem saber de tudo que não é da conta delas.
— E você, Linda, o que acha? — a mulher pergunta.
— Esse tipo de atenção não me agrada nem um
pouco, ainda mais que não é verdade.
— Eu sei que nos ver juntos fortalece as suspeitas,
mas as pessoas deveriam acreditar na nossa palavra —
Rômulo fala algo que concordo plenamente.
— Vocês estão certos, mas é difícil não pensar nada
quando vemos a forma que se olham.
“Oi?”
Evito olhar para ele.
― Impressão sua — ele fala.
“Pois é, impressão dela mesmo.”
Nunca olhei para ele com ternura alguma e acho que
é esse tipo de olhar que se espera de um casal apaixonado.
O anfitrião aparece e nos tira da conversa.
Depois de dar uma volta, termino a bebida e dou
uma olhada nas pessoas. Podem ser ricos e usarem coisas
de marca, mas são fofoqueiros.
Estranho a ausência do meu chefe que disse que
também viria e até agora nada. Acho que a sua presença
pode trazer mais conforto depois de enfrentar as perguntas
das pessoas.
Não sei como me comportar, o que fazer e tô me
sentindo sem graça.
Pego uma nova bebida e pretendo ficar com ela até o
fim da festa.
— Você tá fingindo que bebe? — Rômulo pergunta.
— Sim. Eu não gosto de beber.
— Por que não disse antes? Tem bebida sem álcool
também.
— Eu não sabia. Também achei que tá bem na cara
que não bebo.
— O que mais você não faz? Eu preciso saber.
— Muita coisa. É mais fácil você perguntar o que eu
faço, que a resposta será: cuido da minha vida.
— Tô falando socialmente, nas festas.
— Eu não vou às festas.
— Mas já foi, não é?
— Sim, nas festas da vizinhança, mas acho que não
conta. — Arrumo o decote e ele me observa.
— E do que você gosta?
— Por que quer saber disso agora? — Eu o encaro.
— Porque as pessoas estão fazendo perguntas e não
quero parecer surpreso quando você responder.
— Eu não faço nada, Rômulo, nada. Eu não tenho vida
social, não tenho amigas da minha idade, não tenho
namorado, nem ex. E sobre o que gosto... — Meus olhos
focam numa garota que está tirando fotos. Ela está longe,
parece que acabou de chegar. Quando olho para o seu
rosto, os cabelos claros, a boca cheia de preenchimento, me
certifico de que é quem suspeitei.
— O que foi? — Rômulo pergunta.
“A vaca da Ana Cláudia tá aqui!
Vamos ver o que ela vai dizer ao me ver
acompanhada pelo intocável Rômulo Guimarães.”
— Linda?
— Leve essa bebida e traga uma sem álcool para
mim. — Entrego a taça a ele.
— O quê? Ficou séria de repente.
— Vá logo. — Seguro seus braços e o direciono para o
bar.
Toque...
Algo que não deveria existir entre nós, pois é
intimidade demais.
— Linda Fonseca? — Ana Cláudia me vê e está bem
surpresa com isso.
— Ana Cláudia... — O desânimo sai junto com a minha
voz e lá vem ela na minha direção com uma roupa
extravagante de pedraria preta.
— O que faz aqui?
— Tô acompanhando o Rômulo.
Ela dá uma gargalhada forçada.
— Rômulo? Um sósia, não é? E esse vestido? De
brechó? Cuidado que o verdadeiro Rômulo pode te
processar — ela aconselha com o veneno escorrendo.
A risada que escapa da minha boca é verdadeira.
— Sósia? Acho bom você perguntar a ele mesmo.
Sobre a roupa de brechó também, já que foi ele quem me
deu. E você? Essa roupa é de parceria?
Seu semblante até muda e percebo que está sem
graça.
Rômulo aparece com minha bebida.
— Obrigada. — Pego a taça da sua mão. — As pessoas
estão achando que você é um sósia de si mesmo.
Rômulo não sabe para onde olhar.
— Boa noite, Ana Cláudia, tudo bem?
― Tô ótima, e você? ― Eles se cumprimentam com
beijos no rosto.
― Bem também. Não sabia que conhecia a Linda.
Sinto que ouvir meu nome saindo da boca dele pesou.
— Sim, conheço a Linda desde sempre. — Ana Cláudia
olha para mim, com um sorriso falso. — Nunca imaginei que
pessoas tão diferentes poderiam se envolver.
— Os opostos se atraem, não é mesmo? — lembro.
— Muito opostos — ela assegura.
— Nem tanto. — Rômulo passa a mão na minha
cintura. — Pode nos dar licença?
— Claro. — Seu sorriso amarelo fica congelado no
rosto enquanto Rômulo me puxa para longe.
— Agora, quero ver o que ela vai falar na internet.
— De onde você conhece a Ana Cláudia?
— Infelizmente, a vida dela se cruzou com a minha no
ensino médio. Nem me pergunte o que ela fazia em escola
pública. Ela vive me esnobando — conto chateada e
experimento a bebida sem álcool.
“É bem melhor!”
― Ela nunca foi muito agradável.
― Vou começar a anotar as coisas que concordamos.
Aliás, concordamos que mesmo curto e muito decotado, eu
fiquei muito bem nesse vestido, né?
Ele me olha e ri.
— O pouco que bebeu já fez efeito.
— Admita, Rômulo. Ou ficaria melhor na sua RP? Ela é
mais alta, né?
Ele dá uma risada mais espontânea.
— Não acredito que você tá falando isso. Quando você
perdeu o juízo? Me conta.
— Quando eu te conheci. — admito dramática.
— Eu também! Que coincidência!
— Mentira! Temos algo em comum!
Rimos.
— Segundo o Sérgio, temos mais alguma coisa em
comum. A personalidade.
— Ele pegou pesado.
— Muito. Quase o demiti por isso.
Dou risada.
— Mas eu vou perdoar, porque já o ofendi quando
estava lá. Em minha mente. Chamei de coisa pior.
— Do quê?
— Não vou contar. Você vai falar pra ele.
— Diga. Agora tô curioso.
— Robozinho do satã.
Ele dá uma gargalhada e rio também.
— Por quê?
— Tudo que ele dizia parecia ser programado!
— Você é péssima.
Ele vira a bebida goela adentro e dou mais uma
olhada ao nosso redor e vejo Caleb e Gustavo.
— Olha, o Gustavo e o Caleb! — comento animada.
— Argh. — ele não se anima com a novidade.
— Não vai falar com o seu amigo?
Gustavo é divertido.
Ele olha para o lado e, do nada, coloca a mão na
minha cintura, me deixando frente a frente com ele, com a
taça de bebida entre nós.
Cada parte de mim, se abala.
— Quase derrubei bebida na sua roupa! Por que fez
isso?! — pergunto assustada.
Com um olhar fixo em meu rosto e num movimento
rápido e inesperado, avança em direção à minha boca, me
apertando pela cintura, o que me tira do chão e me cola
mais em seu corpo.
Sem tempo para raciocinar e ao menos desviar, tenho
meus lábios tocados pelos dele. Quente, molhado e muito
macio. Algo que nunca havia experimentado antes.
Ajo por impulso e quando tomo consciência disso, já
estou tocando os lábios dela.
Os lábios da Linda.
Imaginei que uma hora ou outra isso iria acontecer,
mas não esperava que fosse assim, desse jeito.
Ela está em minhas mãos, a peguei de surpresa e ela
não pôde se esquivar. Pela primeira vez, ela está sob o meu
domínio e, por mais que a minha vontade seja saborear
esses lábios macios e teimosos, me limito a um simples
toque por alguns segundos, que já é o suficiente para saber
que nunca deveria ter desejado fazer isso.
Linda se afasta e imediatamente abro os olhos vendo
que ela me encara com os olhos arregalados. Seu rosto
maquiado não me permite ver sua cor real, mas seu olhar
surpreso indica que ela está em choque com o que fiz. Já eu,
mesmo tendo consciência de que foi um erro absurdo, quero
beijá-la novamente.
“Eu só posso estar fora de mim!”
E estou...
O motivo: Caleb.
Assim como eu, ela não diz uma palavra, mas imagino
que tem muita coisa passando em sua cabeça e não é um
simplesmente "o torrão do Rômulo me beijou, vou
bater nele".
A verdade é que eu queria esse beijo faz tempo.
— Que casal apaixonado! — Gustavo exclama e
quebramos nosso contato visual.
Vejo que Caleb e meu amigo estão se aproximando e
por mais que não sejamos o tal “casal apaixonado”,
mantenho Linda presa em meus braços e olho diretamente
para Caleb que é tão cara de pau quanto meu irmão e
Gustavo.
Não temos uma inimizade, mas sei bem dos seus
costumes e desde que soube que ele conheceria a Linda,
não sai da minha cabeça que ele pode tentar ter algo com
ela.
Mesmo ela não sendo a minha namorada, não gosto
da ideia de vê-la com Caleb ou com outro alguém e não
preciso estar bêbado para enxergar isso.
Espero que ele tenha visto o beijo e se não viu, que
entenda que se ela está comigo e está indisponível.
Linda tira minha mão da sua cintura, como se tivesse
medo do que eles podem achar disso.
― Você veio. ― Gustavo a cumprimenta.
― O Rômulo implorou. — ela me denuncia e fico
calado.
— Você tá impecável! — Caleb fala a cumprimentando
e sinto raiva. — Rômulo teve muita sorte.
― Não estamos juntos ― ela trata de esclarecer e
deixa a taça num canto. ― Vou ao banheiro, com licença.
Não adianta fazer nada que não esteja de acordo,
afinal a mulher é terrível.
― Criei expectativas depois de ver aquele beijo, mas
agora com esse fora... ― Gustavo zomba.
“Amigo ou inimigo?”
― Acredite, terminar um beijo e não levar um tapa já
é um progresso. ― Lembro que minha taça está vazia. ― E
o que ela disse não foi um fora, é o jeito educado dela pedir
para vocês não ficarem nos constrangendo na frente de
ninguém. Com licença.
Paro em frente ao espelho do banheiro e toco minhas
bochechas que queimam como se estivesse com febre, em
seguida deslizo os dedos até os lábios.
“Ele me beijou...
Seus olhos mesclados estavam olhando o tempo
inteiro para onde a sua boca queria ir e ela foi.
Eu não entendo... Por que ele fez isso?
De onde veio essa vontade?
Será que ele enlouqueceu?”
Ele com certeza não está bem das suas faculdades
mentais.
Será que em algum momento ele achou que eu
estava a fim dele? Porque se ele achou isso a resposta é
não. Definitivamente não!
Eu nunca sequer imaginei isso, mas agora... agora
imagino, lembro e ainda sinto.
— Tinha que ser logo com ele, Linda? ― pergunto
olhando meu reflexo.
E assim a minha sanidade se perde ladeira abaixo.
O rosto dele não sai da minha mente. É como quando
vemos um flash de luz que atrapalha a nossa visão por um
tempo. Quando fecho os olhos, o vejo me encarando e
quando os abro a memória continua.
Minhas mãos estão muito frias. Ligo a torneira e as
lavo, depois entro em uma das cabines e me tranco nela.
“E se eu passar o resto da festa aqui?”
― Não acredito que o Rômulo trouxe mesmo aquela
pobretona como acompanhante e eu vim sozinha! ― É a voz
da Ana Cláudia. Esse berro, eu conheço bem.
― Você não tem proximidade com o Rômulo ― uma
sensata justifica.
― Ele não dá abertura a nenhuma mulher e, de
repente, só anda com ela.
― É o que dizem, eles estão juntos.
― Não estão não. Eles mesmos falaram que não
estão! ― Ana Cláudia diz, provando ser uma das poucas
pessoas que acreditam na nossa palavra.
― Eles estavam se beijando agora a pouco. Talvez, só
estejam querendo deixar a notícia no meio que convivem,
fora dos sites de fofoca.
― Que meio? Ela não é do nosso meio. Ela vive na
periferia, não tem modos e nem sabe se vestir!
― Você viu a roupa que ela usou?
― Tudo dele.
― Se ele deu, então ele se importa com ela. Olha,
Ana, você tem que se conformar que nunca teve chance
com o Rômulo e agora que ele namora essa garota, não terá
mesmo.
Ouvir essa conversa me deixa com uma sensação
estranha, pois parece até que tudo é real. Eu e Rômulo
ficamos próximos demais.
Aguardo que saiam do banheiro e então abro a
cabine, lavo as mãos, seco e saio.
Vejo que Rômulo, Gustavo e Caleb estão juntos, e não
tenho escolha senão voltar para perto deles. Paro ao lado de
Rômulo, mas não olho para ele.
— Sua bebida. — Ele me oferece uma taça cheia e
pego, mas evito o contato visual.
Se não pudesse passar a maior humilhação da minha
vida estando bêbada, correria agora mesmo até a mesa e
encheria essa taça com bebida alcoólica.
Quem sabe com a cabeça ao vento e o juízo longe não
consigo sobreviver a essa noite?
— E como vai o trabalho com o Gustavo? — Caleb
pergunta quando Gustavo se afasta.
— Tô gostando muito.
Caleb parece um galã de novela turca, sortuda a
mulher que se casar com esse homem. E não digo isso só
pela beleza, pois o acho muito educado e agradável. Quem
não gosta de gente agradável?
— Que bom. Gustavo é um cara legal, mas desatento
quando se trata de compromissos. Com alguém do lado,
quem sabe ele não aparece na hora certa?
Sorrio.
— Mentindo não tá. — Rômulo milagrosamente
concorda e a minha tentativa de fingir que homem que me
beijou recentemente não está ao meu lado falha.
— Se depender de mim, ele não perderá mais a hora
— garanto.
Enquanto tento não olhar para ele, Rômulo me encara
o tempo inteiro e sei disso, porque posso ver pela visão
periférica.
“Será que isso tudo não passa de um sonho?”
Vejo que Gustavo está acompanhado de uma mulher.
Não sabia que ele era comprometido, mas pela forma como
se olham e se tocam, tenho quase certeza de que é sua
namorada. E para completar, ela é amiga da Ana Cláudia.
“Será que é a sensata do banheiro?”
A noite se arrastou entre conversas tediosas e o clima
pós-beijo que me impedia de me sentir à vontade. As
minhas mãos permaneceram geladas o tempo inteiro e meu
coração dava indícios de parada cada vez que meu olhar
cruzava com o dele.
Pode parecer exagero, mas tenho um bom motivo
para surtar com um simples beijo, afinal não é simples
como deveria ser, significa bem mais do que isso e ainda
aconteceu com alguém que semanas atrás eu não queria
ver nem pintado de ouro.
Felizmente, Rômulo avisa que já estamos indo embora
e começa a se despedir das pessoas. Com o tanto de bebida
que ele tomou, fico com medo dele não conseguir dirigir,
mas tanto eu, quanto meus pés, pedimos socorro depois de
horas em pé.
Socializar com quem só fala de negócios é difícil,
quase impossível dizer alguma coisa e o mais fácil é sorrir.
Os rapazes resolvem ficar mais um tempo na festa, os
verdadeiros inimigos do fim.
Depois de nos despedir, entramos no elevador com
mais dois casais que falam sobre as comidas que serviram.
Na minha opinião, estavam deliciosas, mas nas deles estava
tudo péssimo.
Saímos do prédio e o frentista vai buscar o carro, nos
dando algum tempo a sós em frente ao local da festa. Tem
alguns seguranças pelo local, mas não nos fazem sentir
acompanhados de mais alguém, além de nós dois.
Foco na minha respiração e na rua, pois não tenho o
que falar. Não depois dele ter me beijado e tenho medo de
saber o motivo, por mais insignificante que seja.
“— Linda, espera. — Saio do carro e vou atrás dela
que para na frente do prédio.
— O que você quer?
— Não vamos falar sobre o que aconteceu?
— O que você quer dizer? — Ela me encara com os
olhos redondos, cheia de timidez.
Dou um passo à frente.
— Que não tem nada de errado no que aconteceu.
— Claro que tem.
— Não, Linda, não tem. — Dou mais um passo,
olhando para seus lábios carnudos. — E quer saber mais?
Acho que deveríamos fazer isso novamente.
— Rômulo… — Ela parece ficar surpresa.
Antes que diga qualquer coisa que acabe com minha
chance, agarro sua cintura e a tiro do chão segurando-a em
meus braços, em seguida a encosto na parede e tomo seus
lábios, sedento por seu sabor.”
— Não deveria ter bebido tanto. Agora nem me ouve
de tão distraído que tá.
— O quê? — Olho para o lado e Linda resmunga.
— Tô falando para prestar atenção na direção. Você
não deveria ter bebido.
— Tô muito bem para dirigir.
— Aham, nem ouviu o que falei.
— Ouvi, senão não teria respondido.
— Antes. O que eu falei antes?
— O que você disse antes?
Ela balança a cabeça em negação.
Como eu queria que ela fosse a versão mais ingênua
dos meus devaneios…
Entramos no condomínio e paro o carro em frente ao
prédio. Ela tira o cinto com pressa e resolvo tentar uma
conversa decente, mesmo sabendo que meus pensamentos
estão longe de se concretizarem.
— Não saia, vou sozinha.
— Linda, o que aconteceu…
Ela pede para eu parar, levantando a mão.
— Eu não quero falar sobre isso. Não agora, Rômulo.
— Em algum outro momento, então. — suponho.
— Não sei. — Ela sai do carro com uma pressa
assustadora.
“Será que ela tem medo de mim?
O que tô pensando?
É ela perigo, o pior dos perigos.
Sou eu quem deveria ter medo.”
Volto a dirigir e saio do condomínio em direção a
minha casa.
Passei a noite inteira preso nela e nem deveria tê-la
beijado, pois agora o que mais desejo é fazer novamente.
Que perdição!
Depois de tudo o que ela fez na minha vida, de tomar
minha cabeça, ela não pode tomar outras partes.
O pior de tudo é essa necessidade de me explicar,
sendo que nem sei que explicação posso dar a ela. Não
posso admitir que ela mexe comigo, que desperta desejos
em mim.
A ideia é diminuir a mágoa que ela sente por mim,
não me apaixonar por ela.
Era só o que me faltava!
Eu não me explico para ninguém. Sou Rômulo
Guimarães, o grande e respeitado empresário. São as
pessoas que se explicam para mim! Mas agora estou aqui,
sufocado com essa história.
É até bom ela ter ido sem ter essa conversa. Quem
sabe amanhã já não esqueci? Não foi nada de mais.
Chegando em casa, tomo banho e resolvo ficar um
tempo em meu escritório. Abro as redes sociais e me perco
na quantidade de fotos que postaram da festa. Olho as fotos
até encontrar fotos nossas. Da Linda e eu.
“Nossa, como a Linda é fotogênica!
E esse sorriso…
Esse vestido ficou muito bom nela, mas precisava
desse decote?
Entro nos comentários.”
[Falem o que quiserem das intenções da Linda, mas
que a garota é linda mesmo ninguém pode negar.]
[Como ela ficou perfeita nessa roupa! Eles parecem
estarem felizes juntos.]
[Achei vulgar, parece dançarina de escola de samba.]
[Eu vivi para ver Rômulo Guimarães ao lado de uma
mulher. Apoio que ele saia com alguém como a Linda. Ela é
humilde e não é como essas patricinhas que nasceu em
berço de ouro.]
[O pessoal botou tanta pressão que eles apareceram
juntos. A imprensa é foda, viu?]
[Ah, eu desejo tudo de bom para eles. Eles combinam
muito e as pessoas deveriam parar de criticar só porque ela
é pobre.]
[Interesseira! Olha aí já usando roupa de marca!
Aposto que foi ele que pagou. Ela deve ter exigido e deve
estar adorando.]
[Não achei graça nesses dois. Esse Rômulo é muito
superestimado e essa garota só quer fama. Tá na cara que
estão fazendo isso só pelos holofotes. Tudo armação.]
[Linda demais. Espero que sejam felizes.]
[Acabei de saber que ela perdeu o BV com ele. Olha,
vou dizer uma coisa, Linda, valeu a pena você ter esperado,
porque perder o BV com um homem desses deve ser
inesquecível!]
“Que história é essa?”
Atualizo a página e uma nova publicação aparece.
Linda Fonseca - Um Raio-x da namorada de
Rômulo Guimarães.
Uma garota chamada Maria Isabel estampa o lado da
matéria e logo abaixo um trecho da sua entrevista.
"Linda nunca namorou, ela nunca nem beijou.
Seu primeiro beijo deve ter sido com o Rômulo
Guimarães.”
“O QUÊ?”
Ainda bem que estou sentado. Isso só pode ser piada.
Abro a legenda.
[Guardamos essa entrevista por meses até surgir a
prova de que eles estão juntos e agora, em primeira mão,
vejam fatos inéditos revelados por Maria Isabel, amiga de
infância de Linda Fonseca, a atual namorada de Rômulo
Guimarães, o CEO e empresário milionário que tem roubado
os holofotes nas últimas semanas após surgir rumores de
um namoro secreto com uma jovem humilde.
“MARIA ISABEL: Linda sempre foi de família humilde,
o pai dela trabalhava numa plataforma de petróleo e
ganhava bem, mas hoje em dia as coisas não são baratas.
Aluguel, comida, água, luz… Eles nunca viveram no luxo.
Linda é costureira. Ela sabe fazer reparos em roupa e desde
que o pai morreu tá vivendo disso. Quando íamos para as
festas, ela nunca ia. Como o pai ficava um mês sim e um
mês não em casa, ela gostava de ficar perto dele e sempre
foi muito obediente. Ela nunca namorou. A gente nunca
soube que ela tinha ficado com alguém e acho que ela
nunca nem beijou. O primeiro beijo dela deve ter sido com o
Rômulo Guimarães. Tinha um menino no nosso bairro que
dizia gostar dela, mas ele nunca teve oportunidade, pois ela
não ia para as festas, nem ficava com a gente na rua.”]
“Então aquele beijo que dei nela foi o seu primeiro
beijo?!
Não.
Eu preciso ouvir isso dela.
Preciso que ela me diga se isso é verdade ou não.
E se for verdade, por quê?
Como ela nunca beijou alguém?
Ela tem vinte e dois anos!
E se ela nunca beijou… ela também nunca…
Eu não acredito nisso!”
Chego em casa e quando paro em frente ao
espelho, não me reconheço.
“Que tipo de pessoa fui nessa noite, fazendo esse
papel que já tá passando dos limites?”
Tiro a roupa, a maquiagem e tomo banho. Depois
disso volto a ser eu mesma, quer dizer, não sei se serei a
mesma depois do que aconteceu.
Ele me beijou... eu nunca beijei ninguém...
Por falta de oportunidade mesmo, afinal sempre fui
caseira, não ia às festas. Meu pai não me prendia, mas tinha
medo de acontecer alguma coisa enquanto ele estivesse
longe. Sempre foi só eu e ele. Também não tem tantos caras
a fim de mim, como a mãe do Rômulo pensa.
Eu nunca tinha sido beijada, essa foi a primeira vez e
gostei de sentir outros lábios nos meus.
Quando toco a boca com as pontas dos dedos não é a
mesma coisa. A textura… Mas tinha que ser logo com o
torrão do Rômulo?
Assim que termino de me enxugar, me visto e vou
para a cama. Deito e tento dormir, mas toda vez que fecho
os olhos, me lembro daquele momento e por causa disso
não consigo pegar no sono.
Faço a coisa mais idiota que poderia fazer, pego o
celular e vou ver as redes sociais.
“Fiquei tão bonita!
Essas pessoas de site de fofoca têm câmeras muito
boas!”
A nojenta Ana Cláudia fez uma sequência de stories
se gabando da marca da roupa, acho que eu feri seu ego
dizendo que eram roupas de parceria.
Mais uma vez, Rômulo e eu somos o assunto do
momento. Postaram a foto de quando chegamos na festa e
modéstia parte, sou bem fotogênica. Fiquei linda. Salvo a
foto para usar no papel de parede, claro que vou cortar o
Rômulo.
Passo para a próxima publicação e me espanto.
“O que a Maria Isabel tá fazendo aqui?”
Leio a legenda completa da matéria.
“O quê?”
Sento na cama.
“A filha da mãe foi contar que nunca tinha beijado
ninguém!
Merda!
Merda!
Como ela teve essa audácia?
Que vergonha, que vergonha!”
Desço para os comentários.
[BV com essa idade? É, irmãos, minha fé na
humanidade voltou.]
[Nossa, então o jogo virou aqui. O pessoal falando que
ela é golpista e tal, mas a mina nunca nem beijou. Tá na
cara que o lance deles é real.]
[Vai saber se ela não tá falando isso só para limpar a
barra da Linda? Acho que tudo isso é um golpe.]
[Perder o BV com um homem como o Rômulo
Guimarães! Caramba! Eita mulher de sorte! Imagina a
primeira vez com um homem desses…]
“Primeira vez com o Rômulo?
Não, nunca!”
Saio dos comentários, fecho o Instagram e afasto o
celular de mim.
“Que merda a Maria Isabel tem na cabeça?
Onde já se viu sair falando as coisas sem saber?
Dizer que nunca beijei!
Que meu primeiro beijo foi com o Rômulo!
Ela nem é próxima de mim, só mora no mesmo bairro
que eu!
Ela não tem o direito de supor isso!”
O pior é que todo mundo acredita.
Ainda bem que o Rômulo não olha sites de fofoca.

Dormi demais e me arrumar às pressas não me livrará


do atraso.
Antes de sair correndo, só tenho tempo de arrumar a
situação do meu rosto e parecer bem no trabalho.
Estou com um vestido preto e o cabelo está enrolado
no topo da cabeça, com finas mechas caindo sobre a testa.
Passo corretivo para eliminar as olheiras e um hidratante
labial sem cor.
Olho no espelho e vejo que melhorou bastante minha
aparência. Por fim, calço sapato com salto pequeno e
arrasto a bolsa para sair de casa.
Vou enfrentar o Rômulo como se nada tivesse
acontecido no fim de semana e tratá-lo com sempre trato.
Entro no elevador e saio no saguão do prédio.
"Ah, aconteceu um beijo?
Que beijo?
Não significou nada pra mim.
Eu já beijei tantas bocas, não é a sua que vai fazer
diferença.”
Vejo que o carro dele está parado na frente do prédio
e evito olhar para as janelas, pois sei que se Rômulo estiver
dentro dele, está me vendo através do vidro fumê. Abro a
porta, não olho para os lados, entro no carro sem falar nada
e coloco o cinto como se fosse uma tarefa que exige
atenção, depois de feito isso, suspiro e encaro as mãos.
Não olho para o lado, mas sei que não tem ninguém,
além de mim, no banco detrás.
O motorista começa a dirigir e pela mão, me dou
conta que ele está sentado naquele banco. Ele olha para
mim, através do espelho.
Rômulo é o motorista.
“Respira, Linda.”
— O que aconteceu com o motorista? — A pergunta
voa pela minha boca.
— Liberei por agora.
“Estranho.”
Como sempre, está vestido para ser implacável, como
se sua roupa fosse uma armadura.
— Quero conversar com você sobre o novo rumor que
anda circulando.
— Que rumor?
— A história do beijo.
— Que história do beijo? — Meu corpo trava. Se o
carro não estivesse em movimento, poderia abrir a porta e
fugir. Como não posso, encaro minhas mãos geladas.
— Que aquela garota disse... Que você nunca havia
beijado... Isso é verdade?
“Não acredito que ele viu sobre essa história!
Ele disse que não vê fofocas!”

Essa pergunta não me deixou dormir direito no


sábado, muito menos no domingo, inclusive sonhei com
essa conversa!
— Mentira... Tudo mentira. Quem é essa louca que
falou isso? ― ela questiona agitada. Fica nítido que está
mentindo.
— Você acha que vai mentir para mim, Linda? Pra
mim?— Eu a encaro através do espelho.
— Eu não te devo satisfações, Rômulo. — Ela fica de
cara feia e mesmo assim é bonita. E esse biquinho deixa os
lábios mais carnudos ainda... Estou perdido!
Se continuar olhando para ela, temo perder a direção.
— Acho que esse assunto interessa a mim, sim, visto
que eu te beijei. Então quer dizer que fui o primeiro cara a
te beijar! — concluo tentando focar na direção.
Ela está vermelha como um morango.
— Então é verdade, não é, Linda?
“Caramba, fui o primeiro e único a beijar a boca da
teimosa!
Ela deve estar em choque.
Eu não deveria tê-la beijado.
Se eu soubesse…
Talvez ela tivesse o desejo de que outra pessoa a
beijasse.”
— Fale alguma coisa, Linda! — pressiono, agoniado.
— O que você quer que eu diga?! — ela pergunta
furiosa. — Quer que admita e depois o quê? Você não tem
noção do quão envergonhada estou com isso tudo e se eu
cruzasse com a Maria Isabel hoje, com certeza iria arrancar
esse salto e meter na cara dela.
Pior que não duvido.
”Então, é verdade”
— Mas como? Você tem vinte e dois anos!
— Por que de uns tempos para cá você vive me
fazendo tantas perguntas? Não era você o homem de
poucas palavras?
“Sim…”
— Posso ter mudado ― admito amargamente.
Foi só ela aparecer de roupão que a desgraça na
minha mente começou a acontecer. Naquele dia, senti mais
do que a necessidade de me redimir e lidei bem com isso
até a festa, onde me descontrolei totalmente.
— Eu preferia quando era mais calado. Ou ainda tá
bêbado? Porque quando você bebe fica muito falante.
— O assunto é você e a sua inexistente vida sexual,
não o meu comportamento.
— O quê?! — Ela me olha fazendo careta. — Eu já falei
que isso não te interessa, não diz respeito a você! Não
importa se já beijei ou fiz outras coisas!
— O que você tá esperando? O príncipe encantado?
— Rômulo, PARA! — ela grita.
— Porque falta de opção duvido ter sido. — Continuo
na minha linha de raciocínio. — Quero imaginar na melhor
das hipóteses que você só seja desse jeito aí comigo. Então,
eliminando esse seu jeito, o que te impediria de arranjar
alguém?
— Olha, sinceramente, tô prestes a mandar você
tomar naquele lugar. — Ela esfrega o rosto. — E só pra
deixar claro, não é porque ontem você me roubou aquele
beijo que vai se considerar o cara que tirou o meu BV. Aquilo
ali nem de longe foi o que esperava para um primeiro beijo,
então desconsidero. Na verdade, nem lembro de nada.
Acabo rindo da sua ideia.
— Mas foi um beijo, você considerando ou não.
“E foi muito bom.”
— Não foi! Eu nem lembro. Ai, meu Deus, que horror!
— Ela parece estar enjoada. — Você não deveria ter feito
isso. Tá no contrato que não pode me tocar!
Dou uma gargalhada.
— Você não pode me cobrar já que acabou de dizer
que não aconteceu. Se tá fingindo que não aconteceu nada,
então tem que fingir perante o contrato também. Não existe
cláusula de indenização para um beijo roubado e outra não
te machuquei.
— Vai para o raio que o parta! Não ouse mais me
beijar! Nunca mais, Rômulo Guimarães! — Ela parece estar
no ápice do estresse. — Você tirou a magia que poderia
existir caso um dia eu beijasse alguém que gosto.
“Como se não gostasse de mim…”
— Então você tá se guardando mesmo para um
príncipe encantado?! — Fico admirado.
“Quem faz isso hoje em dia?”
— Não é isso. Só tô dizendo que não queria que fosse
com você, meu arqui-inimigo.
— Seu arqui-inimigo? Eu não acho que você pensa
isso de mim.
— Pois penso.
“Teimosa”
Assim que paro em frente ao prédio, ela sai às pressas
e só consigo alcançá-la por causa do elevador que demora
para abrir.
— Agora vai ficar fugindo de mim? Literalmente,
correndo? — Paro ao seu lado para esperar o elevador que
logo abre.
— O possível para não precisar ficar perto de você. —
Ela entra no elevador e entro logo em seguida.
Somente nós dois.
Ela se encolhe num canto, afastada, como se
estivesse refletindo sobre alguma coisa, enquanto encara
um ponto fixo no chão.
Eu não vou insistir no assunto, não somos nada e ela
tem liberdade para procurar seu príncipe encantado. Mas
fugir de mim é exagero!
— Eu já fiz a transferência — aviso, no meu canto.
— Eu vi — responde seca.
O elevador abre no quinto andar e vejo que Caleb está
aqui, jogando sua lábia para cima da recepcionista do andar.
— Ah, Caleb, você é um príncipe! — diz a iludida da
recepcionista.
“Era só o que me faltava!”
Quando olho para o lado, Linda já está de saída.
“Será que ela também o enxerga como um príncipe?
O tal príncipe que deveria beijar sua boca?”
Chamo Gustavo no meu escritório e ele aparece
em seguida.
— Por que tanto anseia a minha presença, querido
amigo comprometido?
Levanto da poltrona e vou até à janela.
— Eu só quero saber que merda é que você tá
fazendo com o Caleb. Que negócios são esses para o Caleb
sempre estar aqui no meu prédio? — pergunto incomodado.
Ele ri.
— Negócios, ué! Ele me ajuda com assuntos novos do
mercado e tá vendendo ações de uma empresa onde ele é
sócio. Estamos negociando.
— Todo dia, Gustavo! Todo dia, vejo esse cara aqui!
— Você sempre cagou pra o Caleb. Por que de uma
hora para outra se incomoda tanto com ele?
— Porque ele adora dar em cima de todo mundo e por
acaso a Linda é sua assistente. — Vou direto ao ponto.
— Rômulo, ele sabe que ela é sua namorada. O que tá
pensando? Acha que ele vai tentar conquistar uma pessoa
que já é comprometida? Que loucura é essa? Vocês estão
passando por alguma crise no relacionamento ou algo
assim?
“Simplesmente pelo fato de meu namoro com ela não
existir e a Linda poder se apaixonar pelo Caleb!”
Nunca pensei que teria problemas como esse, mas
independente do absurdo que seja, não quero que isso
aconteça.
— Duvido que o Caleb respeite o namoro dos outros.
— Rômulo, a transação já tá quase terminada. Não
verá mais a sua "ameaça" por aqui, mas aconselho a cuidar
desse seu ciúme aí, porque acho que a Linda não é o tipo de
garota que gosta dessas coisas não.
— Você não a conhece melhor do que eu.
— Tô dizendo que ela pode não gostar de um cara
controlando tudo. Eu sei que você tá muito apaixonado, dá
para ver no seu olhar e nas suas atitudes depois que ela
apareceu. Mas, cara, tem que entender que não tem como
sumir com todos os homens da cidade pra não olharem para
ela. Você tem que trabalhar isso na sua cabeça.
“Eu sumiria se pudesse.
Não estou apaixonado.”
— Sabe, tem horas que acho que você sonha demais,
Gustavo.
— E eu acho que você tá com ciúmes da minha
amizade com o Caleb e não da Linda.
Dou risada.
— Aham. Vai concluir a merda da transação, porque
não quero mais ver esse Caleb rondando o prédio — concluo
a reunião.
— Tá bom, ciumento… — Ele sai da sala zombando de
mim.
“Ciumento…”
— Sr. Rômulo? — Laisa aparece e volto a sentar na
poltrona. — A RP tá aqui.
— Mande-a entrar.
“Lá vem mais problemas...”
Ela sai da sala e logo em seguida Kettelyn entra.
— Bom dia, Rômulo.
— Sr. Rômulo.
— Sr. Rômulo — ela corrige com pouca aceitação. —
Vocês saíram no sábado e agora todo o trabalho que fiz não
serviu de nada!
“Veio reclamar.”
— Só fomos para a festa e pronto. Não aconteceu
nada de mais.
— Não se fala outra coisa senão na primeira vez da
sua "namorada". — Faz aspas no ar. — Quero saber quando
vocês vão esclarecer tudo.
— Hora nenhuma. Eu não vou levar a Linda a público
para falar sobre seu primeiro beijo!
“Que absurdo!”
— As pessoas estão curiosas.
— Que fiquem. Eu não devo satisfações a ninguém e
nem ouse chamar a imprensa com essa justificativa. Não
vamos falar nada.
— Aí você dificulta meu trabalho! E todos os
processos?
— Sou o chefe e digo o que você vai fazer. Não vamos
a público falar sobre nada. Agora saia que tenho mais o que
fazer. — Volto ao trabalho.
Ela anda mais preocupada com isso do que eu.

A semana passou correndo e não tocamos mais no


assunto do beijo, mas não significa que não tenha pensado
sobre.
Poxa, beijei uma boca que nunca foi beijada!
E isso a torna bem mais atraente.
Mesmo que ela teime, isso não muda o fato de que
somente eu a beijei.
Se antes eu já me excitava com seu jeito, agora ela se
tornou mais excitante ainda, porém, não a vejo mais como
uma garota desinibida, eu a vejo como uma garota tímida,
virgem, que nunca sentiu o prazer sexual entre duas
pessoas.
Como pode?
Isso me deixa doido. É um absurdo. Ela é bonita o
suficiente para conseguir qualquer pessoa.
“Do que será que ela tem tanto medo?
Por que nunca teve nenhum namorado?
Será mesmo que ela tá esperando o príncipe
encantado?”
Alguém bate à porta do meu escritório e me tira dos
devaneios.
— Sr. Rômulo?
— Entre, Laisa.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Não. — Olho o relógio de pulso. — Pode arrumar as
suas coisas para ir, também tô de saída.
— Ok, até a segunda.
— Até.
Pego o celular e mando mensagem para a causadora
do caos na minha vida.
RÔMULO: Estamos indo, se apresse.
Arrumo minhas coisas e saio do meu escritório.
Quando o elevador abre no quinto andar, não encontro
Linda me esperando como de costume, então saio a sua
procura. Não é possível que Gustavo tenha compromissos
depois das cinco da tarde.
Chego no escritório e a porta está aberta.
— Cadê a Linda? — Dou uma olhada pelo local e não a
vejo.
— A Linda já foi para casa.
— Como? — Franzo as sobrancelhas.
Mesmo com o impasse do beijo e nossas diferenças,
ela vem todos os dias comigo e agimos como se nada
tivesse acontecido.
— Eu a levei depois do almoço, ela tá doente.
— Doente?! — Eu me assusto.
“Ela não me disse nada!”
Olho o celular e vejo que ela não respondeu minha
mensagem.
— Por que você não me avisou, Gustavo? — reclamo.
— Achei que você sabia que ela tá doente. Ela já
chegou aqui indisposta e no almoço tava péssima.
— Tá bom, já tô indo. — Saio da sala, apressado.
“Doente!”

Toco a campainha do apartamento.


— Linda, abra a porta.
“Ela tá doente de quê?
Achei que ela parecia bem hoje cedo. A encarei pelo
caminho todo e não vi problema!”
— Linda?
“Será que ela desmaiou?
Ela não fala nada!
Eu vou recorrer a última opção…”
Pego a chave reserva e abro a porta.
Quando entro, a encontro saindo do quarto com uma
caixa de lenços na mão e parece estar abatida.
— Qual é a regra? Somente se for convidado. ― Sua
voz está péssima, anasalada.
— Chamei e você não atendeu. Pensei que poderia
estar desmaiada.
— Eu ia atender, no meu tempo. — Ela se deita no
sofá e se enrola numa colcha de lã.
— Por que não me disse que tava doente e veio
embora sem me avisar? — questiono chateado.
— Não queria te atrapalhar e Gustavo me trouxe.
— Já tomou algum remédio? Vou comprar um remédio
pra você.
— Não precisa. Meu vizinho já me deu um comprimido
e ele tá indo para o supermercado, disse que iria trazer
outro remédio muito bom para mim. — Espirra logo em
seguida.
— Seu vizinho? — Eu me mantenho longe.
“Que vizinho?”
— Sim. O vizinho do lado. Ele ouviu meus espirros e
veio saber como tava. Ele é médico, então entende essas
coisas.
— Eu não sabia que na casa do lado tem uma família
morando.
Essa é nova para mim.
— Não tem, é só ele mesmo. Ele mora sozinho.
“Outro cara?
Mora sozinho?”
— E você o deixou entrar aqui?! Poderia ser um
tarado, Linda!
— Ele é legal e eu precisava de ajuda.
— Não precisaria da ajuda dele se tivesse pedido a
minha! — reclamo com as mãos na cintura.
— Não fale alto, Rômulo. Tô com dor de cabeça. —
Aperta os olhos.
Ela está péssima mesmo.
— Desde quando você sente isso?
— Desde hoje cedo, mas piorou ao longo do dia. — Ela
se encolhe debaixo do cobertor.
— E que remédio você tomou?
— Não sei. Tá aí em cima da pia.
Confiro e vejo que é comprimido para gripe.
Tiro o blazer, o deixo pendurado no banco da cozinha,
arregaço as mangas da camisa e procuro algum chá para
fazer. Abro os armários que estão abastecidos, encontro
uma caixa de chá e coloco água para ferver.
Eu sempre me sinto melhor com chá.
— O que você tá fazendo? ― Ela pergunta.
— Chá.
— Você sabe fazer chá?
— Claro. Quem não sabe fazer um chá, Linda?
Ela fica calada.
Enquanto a água não ferve, vou até à sala.
— Apague a luz da sala, por favor. Meus olhos estão
doendo — ela sussurra.
Apago a luz da sala e deixo só a luz da cozinha.
— Você já viu sua temperatura?
— Não, eu não tenho termômetro. O Juliano vai me
examinar.
— Quem é Juliano? — Coloco o dorso da mão na sua
testa.
— O meu vizinho médico.
“Ela tá superestimando muito esse cara.”
Seu corpo está quente.
— Sua mão é fria — sussurra, ainda de olhos
fechados.
— Tá sentindo frio? — Encosto o dorso da mão em seu
pescoço.
— Sim.
— Tá com febre.
— Sério? — Sua voz tem ânimo de centavos.
Levanto e volto para a cozinha.
— Vou fazer o chá e depois comprar o remédio para a
febre.
— Não precisa cuidar de mim, Rômulo.
— Mas vou.
Coloco a água quente na xícara e um sachê de chá.
Enquanto espero ficar pronto, a campainha toca. Vou até à
porta já imaginando quem pode ser e assim que abro, dou
de cara com um homem todo preocupado.
— Olá, como a Linda tá? Eu trouxe o remédio pra ela e
também minha maleta para a examinar melhor.
— Eu já tô cuidando dela. — Estendo a mão. —
Rômulo Guimarães.
Ele deve saber dos boatos, todo mundo sabe.
— É um prazer — ele me cumprimenta sem se
importar com quem sou. — Sou Juliano. Moro aqui do lado.
— Entra, Juliano — Linda pede e não posso impedir.
“Outro metido a carismático.”
Nunca me senti tão mal fisicamente. Só quero ficar
quietinha, sem me mexer, de olhos fechados, no escuro, no
silêncio.
— Vou verificar a temperatura dela — meu vizinho
avisa.
— Eu já verifiquei, ela tá com febre — Rômulo diz e
abro os olhos.
Os dois seguem em direção ao sofá onde estou e o
Rômulo parece um segurança, de braços cruzados, me
vigiando. Ele acende a luz.
— Como se sente, Linda? — Juliano senta na beirada
do sofá.
— Péssima. Minha cabeça tá pesada, doendo e meu
nariz não para de escorrer.
— Com licença. — Ele abaixa o cobertor, com um
termômetro na mão e depois o coloca na minha axila. —
Tosse?
— Não.
— Diarreia?
— Também não.
Ele verifica meus olhos e as pontas dos meus dedos.
— Dor de garganta?
— Não.
— Ela tá resfriada — Rômulo afirma. — Tá na cara.
Segundos depois o termômetro apita, Juliano o tira
debaixo do meu braço e me cobre novamente.
— A febre indica que o corpo tá combatendo algum
tipo de vírus ou infecção. Você pode estar com alguma
virose. Tome esse remédio aqui pra febre… — Ele anota. —
O remédio que te dei mais cedo também será bom para os
sintomas de resfriado. No mais, se hidrate bastante, se
alimente bem e não hesite em me chamar.
— Estarei aqui com ela — Rômulo avisa.
“Rômulo não aguenta ver outro homem perto de
mim.”
— Ótimo. Pode organizar os horários pra ela tomar os
remédios na hora certa. — Juliano se levanta e entrega a
receita a Rômulo. — Esse é o meu contato, mas tô aqui do
lado, então é só chamar.
— Obrigada, Juliano — agradeço.
— Tô sempre à disposição. Melhoras rápidas. — Passa
a mão na minha cabeça com um pequeno sorriso no rosto e
Rômulo já sai na frente, de narinas arregaladas, para abrir a
porta.
Juliano deixa os remédios em cima da mesa de centro
e vai embora.
Fecho os olhos e tento descansar, enrolada no
cobertor. Felizmente, Rômulo volta e apaga a luz da sala.
— Tome o chá pra melhorar.
— O remédio da febre — lembro.
— Também. — Ele vai até à cozinha e volta com um
pouco d'água e a xícara de chá. — Sente.
— Assim tá bom.
— Sente para tomar o remédio e o chá — ordena.
— Meu corpo tá doendo e quando levanto fico tonta.
— Tente ao menos. Você é uma paciente nada
colaborativa, sabia?
— Sua paciente… Não reclame comigo, tô doente. —
Eu me mexo e sinto o corpo todo estremecer.
Ele suspira tão forte que consigo ouvir.
Abro os olhos, o vejo deixando as coisas na mesa de
centro e depois vindo para perto de mim.
— Vai, sente-se. Parece que tá morrendo.
— Quase.
Ele tira minhas pernas do sofá, depois segura meus
braços e me faz sentar. O frio e a dor no corpo me pegam
de jeito, mais do que ele. Me recosto no sofá e fecho os
olhos enquanto ele se senta do meu lado, bem colado em
mim e acabo me apoiando em seu corpo para não cair para
o lado.
— Olha aí, tocando em mim. — ele brinca e até pra rir
sinto dor. — Tome o remédio primeiro. — me entrega o copo
com o remédio dentro. Em gotas, mais difícil ainda de
tomar. Nem escondo a careta.
Devolvo o copo e me enrolo novamente, procurando a
caixa de lenços debaixo do cobertor. Está no chão, então
tento pegar, mas não consigo e ele pega para mim.
— Obrigada, Dr. Rômulo. — Deixo a caixa no meu colo
e pego alguns lenços para assoar o nariz. — Você não
deveria ficar perto de mim. Depois não venha me culpar por
te passar virose.
— Já peguei coisas piores de você. Suas manias. Tome
o chá. — Ele me entrega a xícara.
— Tem açúcar? — Cheiro.
— Não.
— Não vou conseguir tomar sem açúcar.
Ele toma a xícara de mim e se levanta do sofá.
— Desse jeito o chá não vai prestar.
— Só duas colheres. — Balanço os pés. — Meus pés
estão gelados.
Ele dispara um olhar afiado para mim, da cozinha e
mordo a bochecha para não sorrir.
— Tá se aproveitando da minha boa vontade, não é?
— Não disse que iria cuidar de mim? Agora vai ter que
cuidar mesmo, ou vá embora.
— Ir embora para você chamar aquele seu vizinho?
— Tá com ciúmes? — brinco, mas, no fundo, fico
preocupada disso ser verdade, pela forma como ele se
comporta. Rômulo é possessivo.
— Tô. — Ele volta com a xícara na mão e sua marra
me faz acreditar na sua resposta. — Duas colheres de
açúcar, madame.
Pego a xícara da sua mão com um leve sorriso.
— Obrigada.
— As meias?
— No guarda-roupas.
“Todo prestativo.”
Ele vai até meu quarto e tomo o chá bem devagar.
“Até que tá bom.”
— Como comprou tanta roupa com oito mil reais?!
— Esquece essa história, Rômulo! — reclamo com a
voz melhor, depois do calor do chá. — Metade dessas
roupas eu trouxe de casa.
— Essas devem ser desconsideradas.
— As meias estão na gaveta, não nessa parte. E é na
segunda gaveta, não ouse abrir a primeira.
Rômulo é muito enxerido e ainda fala das minhas
compras.
“Da próxima vez que ele me entregar aquele cartão,
vou gastar o dobro.”
Ele volta com um par de meias.
— Toma, dengosa.
Levanto o cobertor e deixo meus pés à mostra,
levantados.
— Eu não alcanço, meu corpo tá doendo — não minto,
mas quero rir.
— Aproveitadora. ― Dispara se abaixando pra colocar
as meias.
“Ele só quer as partes fáceis, como expulsar o meu
vizinho daqui?”
— Você é um rapaz muito prestativo.
— Aham. Cinderela.
Meus pés ficam quentinhos.
— Obrigada, Rômulo. Não precisava ficar aqui
cuidando de mim. De verdade.
Ele é todo baseado em agenda e isso aqui estava fora
dos seus planos.
— Não repita isso de novo.
Ele se levanta e vai para a cozinha com as mangas da
camisa azul arregaçadas. Suspiro inibindo as bobagens que
querem correr pela minha cabeça e penso o contrário.
“E a mágoa que você carregava por ele, Linda?
Quando foi que ela sumiu?”
— Sérgio?... — ele fala ao telefone. — Separe uma
roupa de dormir e mande pelo motorista. Vou dormir no
apartamento da Linda. Ela tá doente…
— O quê?! Eu não acredito que você vai levar essa
conversa para frente! — protesto. — Quem disse que
concordei com isso, Rômulo?
— E um jantar para nós dois também. Faça algo
nutritivo. — Ele continua no telefone.
“Bom, aí a coisa muda de figura.
Tô doente e ele não sabe cozinhar.”
— Mas vai dormir no sofá. — Já deixo avisado.
Óbvio que não vou deixá-la aos cuidados daquele
cara.
Depois que roupa chega, tomo um banho e insisto que
Linda faça o mesmo. Ou ela está morrendo, ou fingindo,
porque diz que não consegue fazer nada.
Ela dormiu um pouco e agora acordou com o cabelo
molhado, toda suada.
— Um banho frio — sugiro.
— Mais aí vou ficar com mais frio!
— Não vai não. Você é muito dengosa, Linda! —
Analiso a mulher a minha frente, com as mãos no quadril.
Ela está deitada no sofá como se fosse seu leito de morte.
— É que a doença me tomou. Eu não sirvo pra nada,
Rômulo.
— Dengosa e dramática. O remédio já fez efeito.
Levanta e vai tomar banho, ou vou te levar pro banheiro! —
ameaço e é o suficiente para deixá-la assustada.
— Credo, não precisa disso tudo!
— Você quer que eu te dê banho ou chame o seu
vizinho? — pergunto debochado.
Ela se senta no sofá, bem rápido.
— Nem um, nem outro. — Calça um chinelo e leva o
cobertor junto para o seu quarto.
“É isso. Tenho que usar essas armas pra convencê-la
das coisas.”
Fico de olho até ela entrar no banheiro, então coloco o
jantar na mesa e espero.
Ela aparece depois de quinze minutos, de pijama e
com uma toalha enrolada no cabelo.
— Preciso secar meu cabelo depois. — Ela se senta
numa cadeira.
— Olha aí, tá parecendo até gente!
— Obrigada pelo elogio, querido. — Ela não demora a
começar a colocar comida no prato.
Sento em outra cadeira e também coloco meu jantar
no prato. Quero ver se até mesmo doente ela tem aquela
fome toda.
— Pare de me encarar. Isso me deixa com vergonha.
— Você tá na minha frente.
— Você também faz isso quando tô ao seu lado. O
tempo todo!
É, confesso que tenho feito coisas ultimamente que
não combinam comigo.
Eu me pego pensando naquela história, lembrando
daquela noite e às vezes fico pensando nisso quando a vejo
perto de mim.
“Vinte e dois anos e nunca beijou!”
Bem, ao menos vai chegar aos vinte e três com uma
história diferente.
Eu nunca pensei tanto na minha vida e agora ela tem
tomado conta dos meus pensamentos. Isso não deveria
estar acontecendo, mas não consigo controlar.
Tentei me afastar durante a semana, mas não
funcionou...
O jantar está ótimo como sempre, só não está tão
quente como quando chegou e ela come como sempre, de
prato cheio.
— Essa comida tá uma delícia.
— Sim — concordo. É uma das poucas coisas que
ofereço que ela gosta e não sou eu quem faz, então não é
total mérito meu.
— Sabe que não é uma má ideia mandar o jantar todo
dia para mim? — Ela levanta o olhar com um sorrisinho.
“Que pecado…
Ela tá entrando na minha mente de novo.
Esse olhar, esse sorriso e a boca que só eu beijei...
Isso não tá certo!”
Não deveria estar tão próximo a ela, pois desse jeito
fica mais difícil não ceder aos meus desejos. O pior é que
ela está mais presente na minha vida a cada dia que se
passa. Eu a faço ser presente em minha vida.
Agora ela fica sem jeito.
— De novo, Rômulo...
— Tava com o pensamento longe, pensando em
negócios da empresa — minto. Odeio mentir, mas minto.
— E a minha ideia? Não é ótima? Chego tão cansada
do escritório…
— Eu já disse que você é uma aproveitadora?
— Já. E eu já disse que não sou.
— Falei para você jantar lá em casa, mas você não
quis.
— Eu não tô pedindo para ir pra lá, quero que o jantar
venha para cá.
— Aí seria muita mordomia. Você nem colabora
comigo!
— Como não?! Fui àquela festa com você, fui ao jantar
da sua mãe... Nem tenho obrigação de fazer nada disso,
mas fiz.
— Você já falou com aquela garota sobre o que ela
disse na internet?
— Não. Prefiro manter distância dela e dessa história
também. — Ela continua comendo, agora mais séria.
— Então você não se importa com o que estão
falando?
Ela balança a cabeça em negação.
— Que diferença faz? Ela não mentiu. ― Finalmente
ela admite com todas as palavras.
— As pessoas estão sugerindo que fui…
— Vamos parar com esse assunto?
— Tá bom. Mas as pessoas continuam falando e como
me incluiu, eu queria saber.
― Não me importo com essas pessoas. Podemos não
falar sobre isso?
— Sim, claro. — Volto a comer. — Mas é que não entra
na minha cabeça!
— O que não entra na sua cabeça, Rômulo?! — Ela
perde a paciência. — Nem todo mundo tem uma
adolescência de festas, bebedeira e sexo. Eu não sou assim.
— Você é da igreja?
É a única resposta que encontro para isso.
— Frequento, mas não é por causa disso.
Eu a observo na tentativa de decifrá-la.
— Você sempre é assim, brava?
— O problema não é comigo, Rômulo. É que só
encontro caras nojentos. Nunca olhei para alguém e pensei
que poderia ser meu namorado, entendeu?!
— Você acha que sou nojento?
— Não! Por que não fala de você? — sugere curiosa —
Você não é o bambambam? Por que não tem ninguém?
— Porque não quero.
— Não quer? E as necessidades masculinas?
— Eu me viro.
— Ah, tá. As mesmas respostas para mim.
— Se vira é? — Ergo a sobrancelha, surpreso.
“Não tente imaginar isso, Rômulo.”
— Não... Que não tenho ninguém porque não quero.
“Mas deve se virar também.”
— É… Parece até uma piada as pessoas pensarem que
estamos num namoro. — analiso.
A minha mãe tem razão em algumas falas. Não sobre
eu querer algo real com ela, nem sobre a droga do destino
agindo, mas o fato de que estamos sozinhos e mesmo assim
juntos.
Terminamos de jantar e coloco toda a louça na pia.
“Lavar?
Isso não parece ser uma boa atividade.”
— Vai lavar a louça, Sr. Rômulo? — ela pergunta antes
de ir para o quarto.
— Vou. — Arregaço as mangas.
“Eu devo estar doente!”
Tenho medo toda vez que Rômulo toca no assunto
do beijo, porque me desarma toda, é uma coisa que não
domino e toda a minha marra vai embora. Fico
envergonhada por não ter experiência nessas coisas. Não
era um problema até agora.
Depois de secar meu cabelo, me preparo para dormir
e vou para a cama enquanto Rômulo está de um lado para
outro pela casa. Acho que aqui não tem o conforto que a
casa dele oferece e, por isso, é possível que ele vá embora
antes de eu acordar.
Enrolada no cobertor, fecho os olhos. Ainda me sinto
doente, mas tô melhor do que antes.
O sono aparece e logo adormeço.
Desperto tremendo, aperto forte o cobertor, mas ele
não faz meu frio passar, então me encolho na cama e nada.
Outro cobertor cai sobre mim e esse me aquece bem
dos pés à cabeça. Abro os olhos, com a suspeita de quem
poderia ter feito isso e o encontro mexendo no guarda-
roupas.
— O que você tá fazendo, Rômulo? — sussurro.
— Procurando outro cobertor, já que te dei o meu.
“Por isso que tá quente...”
Por impulso cheiro o cobertor e tem o perfume dele.
Cheiro bom.
— Onde você tava dormindo?
— Na cama, ué!
“Comigo?”
Meu coração dispara de um jeito que quase manda
embora o sono.
— Eu disse que você ia dormir no sofá.
“Ele é tão teimoso…”
— Esse apartamento é meu, então durmo onde quiser
e essa cama é grande o suficiente pra nós dois. — Ele fecha
o guarda-roupas e volta para a cama com um cobertor.
“Ele tá sem camisa? Caralho! Que corpo atlético!”
Viro para o outro lado e tento fingir que isso não tá
acontecendo. Felizmente, existe uma distância entre nós,
pois a cama é bem grande.
Depois disso demoro a voltar a dormir. Eu nunca dividi
a cama com ninguém, muito menos com um homem.
“Sono, cadê você, hein?
Linda, você não pode gostar disso.
Você não é uma safada.
Não foi você quem disse que andava magoada com
ele?
Seu coração não é de pedra, mas não pode gostar
dele.”

“Sai da minha cabeça, sai da minha cabeça!


É só interesse sexual, como você se interessa por
qualquer outra. E, convenhamos, ela é só uma pobre garota,
não tem nada do que você gosta numa mulher.
Ela ainda é virgem!
A garota não sabe levar a vida que você leva e as
pessoas estão desdenhando disso.
Você não pode querer ficar com ela só porque
descobriu que ela é toda virgem e que você foi o primeiro a
beijar a boca dela.
Não é como se ela fosse sua por causa disso.
Sim, você a quis antes de saber disso.
Mas o que importa?
Não seria certo usar uma garota dessa, uma coitada
para matar suas vontades e depois você já sabe... depois
você não vai querer mais nada com ela.
Em algum momento, ela vai sair da sua vida.
Ela nem gosta de você!
O que você quer? Que ela goste de você?
Me poupe, Rômulo.”
Ela geme como se estivesse num pesadelo ou
sentindo dor. Abro os olhos e me viro para ela que está
virada para mim, dormindo.
Mesmo no escuro do quarto, a pouca iluminação da
rua que entra pelas laterais da cortina me permite ver seu
rosto e ela não parece estar num bom sono e respira pela
boca. O nariz deve estar congestionado.
Nunca pensei que estaria cuidando de alguém, muito
menos dela, mas sinto que é o que deveria estar fazendo
mesmo, já que não imagino nenhuma outra pessoa ao seu
lado, cuidando dela.
“Meu Deus, por que tô pensando nessas coisas?
E com ela!”
Ela se encolhe. Parece que os cobertores não estão
ajudando com o frio.
Coloco a mão na sua testa e ela não está tão quente,
mesmo assim parece estar com muito frio, então me
aproximo dela e coloco meu cobertor por cima dos outros
cobertores. Ela se mexe e fica mais perto de mim, se
encostando em meu corpo.
Respiro fundo e fecho os olhos.
Ela fez inconscientemente e amanhã, quando acordar,
vai me matar.
Eu deveria me afastar, mas não consigo, quero ficar
perto dela.
Deixo a minha cabeça acima da dela e tento dormir.
Não sabia que isso era tão bom, apesar de já ter
dormido com outras mulheres.
E o cheiro do cabelo dela é tão gostoso. Inalo seu
cheiro até dormir.
Acordo me sentindo péssima, para variar.
Quando abro os olhos, vejo Rômulo mexendo no meu
guarda-roupas de novo.
— O que tanto você mexe aí, hein, Rômulo?
Ele olha para mim.
— Só tô procurando uma coisa.
— Pois pare, é meu guarda-roupas. — Fecho os olhos.
Ainda tô sonolenta, então vou dormir mais um pouco.
“Não, dona Gertrudes. Eu juro que falei pra o Rômulo
que não tinha nada com seu filho. Não imaginei que ele o
mandaria pra o Alaska”
A campainha toca, mas não me levanto.
— Bom dia. ― alguém diz.
— Bom dia. ― Rômulo responde.
— Vim saber como a Linda tá.
— Ela tá bem.
— Posso vê-la?
— Melhor não, ela ainda tá dormindo.
Tomo consciência da conversa. O Rômulo dormiu aqui
mesmo e está sendo rude como de costume.
Desanimada, levanto da cama e vou para o banheiro.
Quando saio a minha aparência está melhor, mas não me
sinto assim.
Encontro Rômulo no quarto, com uma xícara na mão.
Ele olha para mim e dá um longo suspiro.
— O seu vizinho tava te procurando.
— E você o expulsou, foi?
— Não. Eu disse que você tava dormindo. Você tava
dormindo quando eu saí daqui.
Olho para a cama e tem, no mínimo, três cobertores.
Ele dormiu mesmo na cama comigo.
Admito que achei que tinha sido um delírio.
“Que vergonha!
Dormi com uma pessoa que nem tenho intimidade.”
— Acho que você já pode ir. — Resolvo arrumar a
cama, mesmo com a dor de cabeça me incomodando.
— Então arrume suas coisas. ― Ele deixa a xícara na
mesa de cabeceira.
— Por quê?
— Porque você também vai. — Sai do quarto.
— Como? Eu não vou não. Quem decidiu isso? —
Largo o cobertor e vou atrás dele.
— Eu decidi. Não vou te deixar aqui sozinha.
— Eu sei me virar sozinha e se me sentir muito mal,
tem um médico do lado.
— Mas de jeito nenhum que vou te deixar aqui com
esse cara.
— Rômulo, para com essa besteira!
— As intenções dele não parecem as mesmas que as
suas e na minha casa você será bem-cuidada.
― Pra me trancar no quarto?
― Isso não vai acontecer novamente. Só se você
ameaçar os funcionários de novo — Ele pega um copo
d’água. — Tome o remédio e separe as roupas pra levar.
— Já tô bem estabelecida aqui. — Pego o copo e o
remédio.
Tenho medo de ficar na casa dele e passar o dia todo
com ele, correndo o risco de rolar mais alguma coisa entre
nós.
— Eu não vou passar o dia aqui.
Tomo o remédio.
— Então pode ir.
— Não vou sem você. Vamos, arrume-se ou eu farei
isso.
— Foi por isso que tava mexendo no meu guarda-
roupas?
— Sim.
— Espero que não tenha mexido na minha gaveta
proibida. — Devolvo o copo e volto para o quarto.
— Não tô nem um pouco curioso para ver suas
lingeries — ele fala de longe.
— Aham.
Volto para o quarto e pego alguns vestidos de malha,
algumas calcinhas, coloco numa bolsa grande e guardo meu
necessaire ali também, mas essa simples tarefa me deixa
cansada, então me sento na cama, logo depois deito e me
enrolo no cobertor e ele aparece na porta do quarto.
— Você se deita quando chegarmos lá.
— Eu não vou dormir no quarto do pânico ou no seu
quarto não, né?
— Óbvio que não. Mandei preparar um quarto pra
você. Acha que tô feliz por ter dividido a cama com uma
pessoa com virose?
— Foi por sua livre e espontânea vontade.
— Levante-se — ele manda.
— Não fale como se eu fosse sua cachorrinha!
— Se não se levantar, vou te jogar no ombro e te levar
embora.
— O homem das cavernas. — Levanto para isso não
acontecer. — Saia, vou trocar de roupas.
Ele sai, nada animado, e fecho a porta do quarto.
“Meu Deus, dormi com alguém!
Será que ele ficou me olhando dormir?”
Lembro que dormi de um lado, mas acordei de outro e
ele acordou antes de mim, então deve ter me visto
dormindo.
“Que vergonha!
Será que sou feia dormindo?
Não que me importe com isso.
Mas será que sou?”
Visto outra roupa e saio do quarto com a minha
pequena mala e os cabelos soltos.
— Só isso? — Ele olha para a bolsa em minha mão.
— Eu só vou passar o dia lá. — Dou de ombros.
— Vai ficar lá até sarar.
— Ou seja, mais uma vez presa na sua casa.
— Da outra vez eu também estava cuidando de você,
sua mal-agradecida. — Ele pega a bolsa da minha mão e sai
na frente, juntando a outra bolsa que tem as coisas dele.
Eu vou sarar o mais rápido possível.

Assim que chegamos na minha casa, Sérgio toma as


bolsas de minhas mãos.
— Leve a dela pra o quarto.
— Sim, senhor. O quarto já tá pronto.
— Ótimo, mas vamos tomar o café da manhã
primeiro. — Sigo para a sala de jantar.
— Eu posso ir pra o quarto, Rômulo? — Linda
pergunta, tímida.
— Não vai tomar o café da manhã?
— É que o meu corpo pede cama.
Essa sua cara de coitada é inédita para mim.
— É mais fácil comer e depois subir. Vamos. — Eu a
puxo pela cintura e ela me acerta um tapa no braço.
— Eu sei o caminho. — Sai na frente.
“Argh!
Como ela é complicada!”
Ela se senta numa cadeira e coloca um pingo de
comida no prato.
— O que você tem que tá comendo pouco? — Coloco
um pouco da salada de frutas para mim.
— Tô sem fome.
“Tomara que eu não pegue essa virose.”
Meu celular toca no bolso e quando pego, vejo que é a
minha mãe ligando.
— Alô? — falo assim que atendo.
— Alô! Oi, filho. Tudo bem?
— Tô bem. E você?
— Bem também. E o jantar com o seu pai? Ele tá
perguntando. Pode ser hoje?
“Não acredito que ela levou para frente essa história!”
— Não. Não dá.
— Por que não? Não me diga que você ainda tá
alimentando essa raiva pelo seu pai. Achei que no último
encontro…
— O último não melhorou nada. Não vamos, a Linda tá
doente e tô cuidando dela, então não vamos.
“Que ótima desculpa!”
— Tá doente? De quê? Você tá cuidando dela? Estão
próximos mesmo!
“Pronto, agora é que ela sonha mesmo.”
— Ela pegou uma virose. Não vamos sair nem hoje e
nem amanhã. Marque para uma data que o meu pai não
esteja.
Linda reprova balançando a cabeça.
— E ela tá ficando aí com você? Você tá cuidando dela
mesmo? Que bom!
— Sim. Eu não ia deixar a garota sozinha, não é? Não
sou o monstro que vocês vivem falando.
Linda ri.
— Passe para ela. Quero falar com ela.
Passo o telefone para ela.
— A minha mãe quer falar com você.
Linda arregala os olhos e pega o aparelho.
— Alô?... Sim. Infelizmente… Foi ontem… Tô. Tô
melhor… Sim. Meu vizinho é médico. Ele passou lá, me
examinou e passou uns remédios. Tô tomando e me
sentindo melhor… Ah, sim, eu lembro sim… Pois é. Marque
para outro dia… Sim. É verdade… Pegue meu número com
ele e a gente marca… Pois é… — Ela ri. — Tá bom, a gente
se fala. Tchau. — Ela me devolve o celular.
“O que ela tá combinando com minha mãe?”
— Mãe. Mais alguma coisa?
— Não. Continue cuidando da Linda.
— Ok. E o Rodrigo?
— Tá aqui me contando do casamento do amigo dele.
— Ah, tá. Tchau.
— Tchau, beijos.
Guardo o celular e volto a comer minha refeição.
— Você nem considerou meus conselhos, não foi? —
Linda logo pergunta, com a mão que segura o garfo perto
da boca.
— Não tenho pensado nisso nos últimos dias.
— Deveria. Essa coisa toda é muito feia.
— Na minha cabeça não tem espaço para mais nada.
E você nem invente de marcar jantar com a minha mãe.
Saiba seus limites na sua posição.
— Que posição?
― Nem eu sei, mas não iluda a minha mãe.
― Não preciso fazer isso, ela já faz sozinha. ― Ri.
― E você acha graça? Não sabia que gostava dessas
ideias.
― E não gosto. Só vejo desvantagem.
― Claro. Você nunca viveu nada disso!
Seu rosto rapidamente fica corado e ela coloca
algumas mechas de cabelo atrás da orelha, evitando olhar
na minha direção.
Eu me pego pensando no que ela pensa sobre o beijo.
Será que alguma coisa mudou em relação a mim?
Essas brigas devem ser para me afastar...
Tentativas falhas devo falar, pois se for isso mesmo,
vou fazer totalmente o contrário.
Acho que ele deve pensar que sou uma donzela
encalhada. Aposto que deve estar pensando que se não
fosse ele, eu passaria a vida toda sem beijar alguém.
Pior que não está errado. Nem sei como agir quando
sei que alguém está interessado em mim.
Um dia, um garoto… nem é bom lembrar, mas quando
soube que ele gostava de mim, não consegui mais olhar na
cara dele.
Rômulo dá muitos sinais… ele me encarou a semana
toda com cara de paisagem, cuidou de mim, até dormiu na
minha cama e me deu um cobertor… hoje, ele me trouxe
para sua casa.
Eu sei que posso estar sendo muito iludida, mas
parece que Rômulo tem algum interesse em mim mesmo.
Termino de tomar o café da manhã e me levanto para
ir para o quarto.
Ele vem atrás de mim.
Ainda me sinto mal, mas não tão mal.
— Vou te mostrar o quarto. — Ele passa na frente.
Quando chegamos no quarto, vejo que é tão bonito
quanto o que tenho no apartamento.
— Esse é o quarto de hóspedes ou a suíte principal? ―
brinco.
— O de hóspedes. Mas se quiser ir para o meu
quarto…
Olho para ele chocada com as palavras.
— Rômulo...
— Não tô brincando. — diz olhando para minha boca.
— Pior ainda. — Procuro a maçaneta o mais rápido
possível e puxo a porta. — Com licença, vou descansar.
— Tem Netflix na TV. — Ele se afasta. — E não tranque
a porta, você tem que tomar os remédios na hora certa.
— Tá bom. — Fecho a porta e me encosto nela.
“Ele falou sério sobre ir para o quarto dele?
Ai, meu Pai!
As minhas paranoias não podem ser reais...
Não pode ser!
Deve ser deboche por cima de deboche.”
Deito na cama e ligo a TV.

Passar o sábado na casa do Rômulo não foi tão ruim,


já que fiquei o dia todo assistindo séries e tomei os
remédios na hora certa.
Tudo passou tão rápido!
Ainda comi coisas boas que me ofereceram. As
funcionárias do Rômulo são bem gentis comigo, tirando a
parte de que querem me chamar de “senhora”. Eu não sou
a senhora de ninguém.
O Rômulo ficou no escritório dele ou fazendo qualquer
coisa e não o vi fora das horas das refeições.
Dormi cedo e no domingo acordei me sentindo quase
curada. Também, depois de tantos remédios!
Levanto cedo, tomo um bom banho, depois vou tomar
o café da manhã e encontro Rômulo na sala, lendo o jornal e
seu rosto está escondido atrás do papel amarelado. Ele
veste moletom e o cabelo está molhado.
— Bom dia para você também — ele fala me dando
um susto.
— Como detectou a minha presença? — pergunto
assustada e ele abaixa o jornal.
— Pelos passos.
“Já conhece meus passos?
Agora tô com medo.”
— Cada dia que se passa você fica mais estranho. —
Vou para a sala de jantar fazendo careta para ele e uma das
empregadas fica rindo enquanto coloca uma bandeja na
mesa.
Antes de me sentar numa cadeira para tomar o café
da manhã, meu telefone toca e atendo. É meu vizinho, o
Juliano.
— Oi, Juliano. Bom dia!
— Oi, Linda. Bom dia. Como você tá?
— Bem melhor. Tomei aqueles remédios direitinho.
Não sinto mais nada além do resfriado. Mas esses sintomas
também não são mais fortes.
— Isso é muito bom. Reparei um silêncio na sua casa.
Ainda tá na casa do seu namorado?
“Até ele?!”
Ele pensa que o Rômulo é meu namorado.
— Tô na casa do Rômulo, mas volto em breve.
O Rômulo aparece na sala de jantar e se encosta na
mesa, de braços cruzados, me analisando com a mandíbula
cerrada e bem definida.
— Pergunto, porque posso te examinar novamente
para ver se tá tudo bem mesmo.
— Quando estiver aí te aviso.
— Fechado. Ótimo domingo.
— Pra você também. — Dou um leve sorriso e ele
desliga.
Sento em uma das cadeiras e Rômulo continua me
encarando, na pose de durão.
— O que foi, Rômulo? — pergunto logo.
— Você tá combinando de se encontrar com aquele
cara? — seu tom de voz deixa nítido que ele não gosta nem
um pouco da ideia.
— Não. Eu só tava falando com meu vizinho. Ele ligou
pra perguntar se eu já tava melhor e disse que quando
voltar para o apartamento, ele vai me examinar.
Ele balança a cabeça em negação.
— Eu disse que você só vai quando estiver curada,
sendo assim, não precisará do exame de ninguém.
— Eu já passei o sábado aqui. Não quero abusar dos
seus funcionários.
— Você não tá abusando de nada. Aqui você tem todo
mundo à disposição, com tudo o que precisa para só
repousar. Por que quer voltar para lá, onde vai ter que se
virar sozinha?
De fato, aqui está muito bom, mas sou sincera quando
digo que não quero abusar.
― Não tô acostumada a viver com tanta regalia.
― Todo mundo merece quando tá doente. Não tem
nada de errado com isso. Fique. ― Seu pedido soa um
pouco desesperado e ele se senta numa cadeira. ― Ou você
quer ir para ver esse cara?
— Não! ― Nego assustada com essa sugestão.
“Será que tá parecendo ser isso?”
― É o que parece.
“Merda!”
― Não! Não é isso. Eu vou ficar aqui até melhorar.
“Não tô a fim de ninguém.”
Linda está tomando sol no jardim, olhando as
flores, já eu, tô na janela do escritório, olhando de esguelha
para ela.
“Merda, como pode ser tão atraente?!”
Eu não deveria estar fazendo com que ela fique tão
perto. É quase inevitável não querer tocá-la.
Está sendo uma ótima atividade assisti-la admirando
as flores, mas de perto deve ser melhor, por isso, decido ir
ao jardim.
Eu me aproximo observando que ela está olhando flor
por flor.
— Não me diga que gosta de flores. — Guardo as
mãos nos bolsos da calça.
— Gosto. — Ela toca em uma rosa.
― Aquelas flores que tinham na lápide, foi você quem
plantou?
― As murchas? ― Ela ri. ― Eram do quintal da minha
vizinha, mas um animal entrou e bagunçou tudo, por isso,
naquele dia não levei flores novas.
― Pode pedir um buquê ao jardineiro quando for lá
visitar novamente.
Ela me encara surpresa.
― Tá bom.
“De perto, ela é mais tentadora.
Esses lábios rosados...
O pior de tudo é que ela percebe quando me perco
neles.”
― Escuta, quanto custa aquele apartamento seu?
“O quê?”
― Não sei. Acho que uns duzentos mil. Por quê? ―
Sorrio com minha suspeita.
― O dinheiro tá rendendo e agora que paguei minhas
contas, quero ter um lugar pra morar.
― Você já tem.
― Não. O apartamento é seu, Rômulo.
― Eu não vou vender meu apartamento pra você.
― Ok, vou encontrar outro. ― Ela volta a olhar as
plantas.
― Não precisa encontrar outro, pode ficar no meu
apartamento.
― Pra você entrar nele a hora que quiser e fazer o que
quiser só porque a casa é sua?
― Não foi tão ruim dividir a cama comigo, foi?
Ela se cala por um tempo.
― Não sei, tava dormindo. Você não? ― Olha para
mim e balanço a cabeça em afirmação.
― Sabe, eu acho que temos progresso.
― Onde? ― Ela continua a me encarar, duvidando.
― Entre nós. Quero dizer, quem consegue pregar o
olho ao lado de quem não confia? ― Tiro uma das flores e
coloco atrás da sua orelha. Vermelha igual ao rubor das
suas bochechas.

Travo.
Não consigo me mover e se fizer isso, talvez perca o
equilíbrio.
Ele sabe jogar baixo.
“Meu Pai do céu!
O que ele tá tentando fazer comigo?”
Depois de colocar a flor em minha orelha direita, ele
me encara com as mãos nos bolsos da calça e nem sequer
consigo falar algo ou parecer indiferente a isso.
Ele se aproxima lentamente e tenho certeza do seu
próximo passo. Meu coração bate forte e nem lembro como
é respirar por alguns segundos.
O pior é que eu quero.
— Senhor, tem paparazzis do outro lado do muro ―
um segurança fala me fazendo saltar para trás.
― Vamos entrar e caso se aproximem, mande ir
embora. — ele avisa e o segurança se afasta. ― Vamos,
Linda. ― Rômulo toca minha lombar.
Meu corpo todo fica em alerta com seu toque e me
apresso para entrar na casa. Nem espero mais conversa,
subo para o quarto e atrás da porta fechada acredito que
estou protegida.
Dos paparazzi? Não, do Rômulo.
Tiro a flor da orelha e a encaro, encostada na porta.
Ele consegue ser muito persuasivo e também
hipnotizante.
Ele consegue ser irresistível.
Fiquei como uma boba na frente dele por coisas tão
tolas...
Quando o assunto chega em namoro e esse tipo de
intimidade, regrido dos vinte e dois para os quatorze.
Tenho direito de ser ingênua ou parecer boba por
pouca coisa, porque o que as meninas de quatorze já
viveram, estou vivendo aos vinte e dois e,
independentemente da idade, acho que a sensação de
descoberta deve ser a mesma.
Eu só queria saber fingir que não sou tão boba assim.
“Larga de ser assim, Linda!
Não é como se você gostasse das coisas que ele faz.”
Sento na cama, me enrolo no cobertor e coloco uma
série na TV. Poucos segundos depois da série começar, já
tem um casal se beijando, por isso, fecho os olhos
apertando.
“Eu não quero pensar nele...
Eu não vou pensar nele.”
Abro os olhos e o casal está numa cena mais
avançada ainda. O rapaz está tirando a roupa da garota e
ela está soltando suspiros.
“Ele disse que gostou de dormir comigo!
Colocou uma flor na minha orelha!”
Será que... parece que sim.
Ele sempre tá encarando a minha boca!
Eu não tenho nenhum problema na boca.
Ele quer me deixar louca.”
Ele tem feito de tudo para ficarmos perto um do outro
e isso todo mundo já deve ter percebido. Até o meu vizinho
nos vê como namorados!
Agora ele sabe que foi o primeiro a me beijar, deve
estar fazendo isso para zoar com a minha cara. Uma hora
dessas deve estar rindo de mim. Rindo da minha cara após
suas atitudes.
Ele está fazendo tudo o que um homem poderia fazer
com uma mulher para depois rir da minha cara e não duvido
que quando isso tudo acabar, ele vai passar na minha cara
que só tive as experiências graças a ele, que ele teve pena
de mim e resolveu fazer isso, ou que ele estava entediado e
resolveu brincar comigo.
Salto da cama.
Agora ele vai ouvir!
Tiro a roupa para tomar um banho e aliviar a
vontade que sinto, mas o telefone toca no escritório e vou
até lá atender.
— Bom dia, Rômulo. Desculpa por ligar no domingo. —
É Kettelyn na linha.
— Alguma coisa importante, sugiro. ― Eu me sento.
— Sim. Abriram as inscrições para a premiação dos
empresários do estado, quer participar?
— Sim. Quero.
— Certo. Só restam vinte e quatro horas para a
inscrição, então vou fazer agora.
— Ótimo. Era só isso?
— Sim. Ótimo domingo.
— Pra você também. — Devolvo o telefone ao gancho.
A porta do meu escritório é aberta sem aviso e Linda
entra furiosa.
— Eu só vim aqui avisar uma coisa! Sei o que você tá
fazendo comigo. Sei que você só tá fazendo isso para ficar
rindo da minha cara! Não ouse repetir, porque não sou
palhaça!
— Eu não sei do que você tá falando. — Levanto da
poltrona contrariado.
Ela arregala os olhos, depois os cobre, se virando para
o outro lado, afinal tô só de cueca.
— Por que anda por aí desse jeito?!
— Porque é a minha casa, o meu escritório e ando do
jeito que eu quiser.
Mas admito que ter levantado do jeito que estou
vestido não foi uma boa ideia, pois é pegar pesado com a
virgem brava.
Sorte que a ligação da Kettelyn me vez esquecer o
que iria fazer no banheiro.
— Mas tem mais gente na casa! Como eu!
— Você já é de casa e para os de fora é até a minha
namorada! ― brinco.
— Não sou não!
Passo pela porta que liga meu quarto ao escritório e
pego um roupão.
— Olha, eu ia tomar um banho e precisei atender uma
ligação. Que história é essa que você veio reclamando?
Aliás, ninguém entra no meu escritório sem bater e avisar.
— Posso entrar em qualquer canto que eu quiser, já
que você diz que sou de casa. — Ela continua de costas. ―
E as pessoas de fora me apoiariam.
Visto o roupão rindo.
— Ah é? Então quer se aproveitar da opinião pública.
Se tivesse demorado mais um pouco, iria entrar no meu
banheiro e me pegar nu!
— Eu não! Tá repreendido!
E ela ainda solta isso para me fazer rir mais.
— Já coloquei um roupão. Pode se virar e fazer suas
reclamações, mas seja mais direta, porque não entendi o
motivo para brigar comigo.
Ela se vira, toda cheia de marra.
— Tô aqui para falar que você fica me beijando,
colocando flor no meu cabelo, teimando em dividir a cama
comigo e me encarando até me deixar toda encabulada pra
depois ficar rindo da minha cara.
“É por isso?”
— De onde você tirou isso? É efeito colateral dos
remédios?
— Vai negar?
— Quem ficou rindo de quê, Linda?! Eu não fiz isso
para me divertir não. Eu tava com o pensamento longe nas
vezes que te encarei.
― Engraçado que você sempre pensa longe olhando
para a minha boca.
“Agora ela me pegou.”
— Não tenho culpa se sua boca chama tanto a
atenção dos meus olhos.
Sua garganta se mexe quando ela engole.
— Eu não vou cair nessa, Rômulo. Você não vai me
usar.
“Só fui sincero.”
― Pense o que quiser, mas confie em seus olhos.
Ela não me encara nos olhos.
— Já falei o que queria, então, com licença. Pode ir
tomar seu banho.
— Não pede licença para entrar, mas ao menos pede
para sair, não é? Vamos melhorar isso. Mulher mal-educada
não combina comigo — aviso indo para meu quarto e dou
risada.
A verdade é que ela já me deixou louco de novo.

Ele fala as coisas descaradamente!


Rômulo é um SAFADO!
Passo o domingo no quarto e quando chega à noite,
começo a pensar sobre o trabalho. Preciso ficar bem logo,
pois tenho que trabalhar. Não posso abusar da boa vontade
de Gustavo.
Depois de um banho, coloco um vestidinho que deixa
o colar e o pingente que ganhei em evidência, e o cabelo
solto, em seguida saio do quarto com a intenção de falar ao
Rômulo que é melhor me levar embora por causa do
trabalho.
Não vou dizer que não tô gostando de ficar na casa
dele, mas tenho que ir embora. É melhor assim.
Bato à porta do escritório dele e espero. Depois de
algum tempo, a porta se abre e o vejo com a camiseta preta
apertada nos bíceps, calça de moletom preta e está
esfregando a toalha no cabelo.
— Olha só! Ela bateu à porta! — ele fala surpreso e
ergue um leve sorrisinho debochado.
“Tá se divertindo com a minha cara.”
— Ficou com medo de me pegar pelado?
— Prefiro me preservar.
Ele abre espaço e entro no escritório.
— A que devo o prazer da sua visita?
— Que visita? Eu moro no quarto do lado. — Vou
direto para uma poltrona que parece ser bem confortável e
me sento nela.
Realmente, é bem confortável.
Ele fecha a porta e se aproxima.
“Então é assim que se sentem os empresários?
Emocionante.”
Estou até com o peito inflado.
— Mora? Então quer dizer que vai ficar por aqui? —
Ele se encosta na mesa e apoia a mão esquerda nela.
— Muito pelo contrário. — Eu me balanço na poltrona.
“Além de confortável, ainda é divertida.
Gostei!”
— Achei que você nunca iria sair daquele quarto, já
tava ficando preocupado. Pensei em arrombar a fechadura.
— Sério, Rômulo? — finjo acreditar na sua conversa e
seu olhar desce para o meu decote. Cubro com a mão. —
Tira o olho dos meus peitos, seu tarado!
— Pelo visto gostou do presente.
“Ah, ele tá olhando para isso…”
Seguro o pingente.
— É. Até que foi sensível da sua parte.
— Espero que as coisas tenham servido de alguma
forma para… Você sabe… O luto. — Ele se afasta da mesa e
passa por outra porta que está aberta.
— É. É muito bom ter as coisas do meu pai. Cada uma
daquelas coisas tem um significado. — Eu me levanto da
poltrona e vou até à porta.
É o quarto dele.
E que quarto!
É espaçoso, com uma cama enorme e alta, em tons
pastéis, portas que não sei para onde dão e uma janela
enorme.
— Então… — Ele arruma o cabelo.
Lembro do que vim tratar.
— Então, tava pensando que era melhor eu ir embora.
Amanhã tenho que trabalhar. — Eu me escoro na porta de
braços cruzados.
— Eu já falei com o Gustavo, amanhã você não
precisa ir. Assim se recupera por completo.
— Sério? Você falou com ele mesmo? — Fico surpresa
com sua atitude.
— Falei. — Ele se vira com o cabelo arrumado do jeito
impecável de sempre. Dividido de lado e sem nenhum fio
fora do lugar. — Não precisa se preocupar com isso.
— Ah, tá bom, então. — Eu me afasto da porta.
“Meu Deus, que cama grande!
Parece a cama de reality de gente solteira.”
— Essa não lhe causa medo de dividir comigo, não é?
— Ele passa pela porta onde estou próxima.
“Nossa, como ele tá cheiroso!”
Saio do quarto e depois vou para a saída do escritório.
Ele me acompanha.
― Aquilo não vai se repetir, só aconteceu porque eu
tava doente.
— Já fez coisas mais íntimas quando tava sã.
— Não. Eu não fiz, eu sofri.
— Sofreu um beijo e um abraço? — ele pergunta rindo
de mim.
— Claro, Rômulo! — Desço a escada e vou até à
cozinha, ver se encontro alguém, para assim o Rômulo sair
do meu pé.
Não encontro ninguém, inclusive Sérgio, que está em
todo canto, não está aqui.
— Cadê todo mundo?
— Aqui... Nós dois — ele responde sentando no sofá e
liga a TV.
— E cadê a cozinheira e o Sérgio?
“Não podemos estar a sós.”
— É domingo à noite. Eles estão na casa deles.
— E isso é comum?
— Depende. — Ele mexe no controle da TV.
— Depende do quê? — Vou até à sala sentindo um frio
na barriga que me incomoda. — E os seguranças?
— Estão lá fora.
— Então é melhor eu ir pra minha casa se aqui não
tem a única coisa que me prende, que é a comida da sua
empregada.
Ele olha para mim.
— Se você for, eu também vou e no apartamento só
tem uma cama — avisa.
— Você volta.
— Não.
— Dorme no sofá.
— Não. Eu não durmo em sofá.
― Por que insiste em ficar perto de mim, ou vice-
versa?
Ele levanta.
― É duro admitir isso, mas tenho gostado da sua
companhia. Será que ficar sozinha é melhor do que ficar
aqui comigo?
“Que golpe baixo ser tão direto comigo!”
Estou com o coração a mil com sua aproximação.
― Seja sincera. Ou você já tem outra companhia? O
vizinho médico? ― ele debocha na última pergunta.
― Não. Eu não tenho nada com ele! Af, que
perseguição!
― Acho que é melhor você ficar na companhia de
quem você sabe do que é capaz, do que alguém que parece
ser muito legal, mas você mal conhece.
― Não tente me persuadir, Rômulo.
As minhas mãos estão suando e meu rosto pegando
fogo.
― Sente-se e relaxe.
― Com você por perto? Falando essas coisas pra me
encabular?
Ele se senta e olha a TV.
― Vou parar. — diz rindo e já sei que é papo furado. —
O que você costuma fazer aos domingos?
― Assisto TV, encontro minhas vizinhas, dou voadoras
e chutes nos sacos de quem ousa se aproveitar de mim... ―
Olho para ele de esguelha e me sento no outro sofá.
― É. Você é mestre em chute no saco. Jamais me
aproveitaria de você. Sei do que você é capaz. Aliás, por sua
causa guardei meus itens de leilão.
― Aonde?
Ele ficou traumatizado.
― Escondi de você, pra não quebrar. Não vou falar
onde, né!
Dou risada.
― É bom não me contar. Eu sei que eles são seu
ponto fraco.
— Então sabe pouco sobre mim.
— Eu sei muito. Tô atenta a tudo. Só observando.
― Tá nada. Eu te observo o tempo todo e não vejo
você observando nada além das próprias unhas.
— Af, Rômulo! Agora eu tô com muita vergonha. Você
tem essa mania?
— Vamos falar de manias? Das suas.
— Não. Vamos assistir TV. — decido.
Ela está toda encolhida no sofá, intimidada com
minhas palavras. Eu não sou de mentir e achei que ela já
tinha se acostumado com isso. Ela também joga duras
verdades na minha cara.
Pedi uma pizza e refrigerante para o jantar. Levo tudo
para a sala.
Uma coisa que não costumo fazer, comer fast food.
― Pizza? ― Fica surpresa.
― É. Não sei se você gosta desses sabores. ― Abro a
caixa em cima da mesa de centro.
― Desde que não tenha atum.
― Eu também não gosto de atum. ― Vou buscar
copos e quando volto ela está sentada no tapete. — No
tapete?
— Sim. Já tá enferrujado para isso?
“Ao menos as piadas voltaram.”
Rio dela.
— Minha querida, você não tem noção do que posso
fazer com esse corpo aqui. — Sento no chão.
“Espero que ela tenha entendido em todos os
sentidos.”
Mas parece que não, pois não liga muito para o que
falei e já está mordendo uma fatia de pizza.
— O apetite voltou?
― Um pouco. Não é que sou fominha ou gulosa.
Geralmente, eu como pouco, mas as comidas da sua casa
são muito boas.
― Essa não é da minha casa ― lamento.
― Mas tá boa também.
Coloco refrigerante para nós e voltamos a assistir ao
programa que passa na TV.
Não costumo fazer nada disso e esse domingo em
especial está sendo diferente.
Ela parece ser uma criança comendo o que gosta,
mas esse corpo de mulher… esse decote foi o que mexeu
comigo.
Faz algum tempo que não fico com uma mulher, pois
não curto relacionamento. O que tive com a Kettelyn foi
algo bem superficial, assim como foi com todas as outras.
Sem contar que foi um grande erro, já que ela trabalha para
mim.
As mulheres do meu convívio ― não que eu saia
muito ― são insuportáveis. Menção honrosa para Ana
Cláudia, que só fala em sapatos e seguidores.
Acontece que não tô procurando um compromisso ou
algo profundo, mas a Linda me faz querer conhecê-la
profundamente e isso implica deixá-la fazer o mesmo
comigo. Pensando bem, já falei com ela sobre assuntos que
não gosto de dividir com ninguém. E ela me entende.
Ela está rindo das pegadinhas e esse sorriso me pega
pelo coração. É algo que meus olhos não deveriam ver
como forma de proteção.
“Já sei, vou tentar comer de cabeça baixa.”
Acho que tô doente por ver nela uma possibilidade de
alguma coisa. Não deveria estar tão próximo dela, mas
tenho feito de tudo para que ela fique perto de mim.
Não sou mais o homem sensato de antes, ela me fez
mudar muita coisa com esse seu jeitinho.
— Você não acha chato todo mundo ficar te chamando
de senhor? Quer dizer, você não é tão velho. Quantos anos
você tem mesmo?
Ela solta as coisas do nada. A sua cabeça deve estar
tão bagunçada quanto a minha nesses últimos dias.
— Trinta e Cinco. Eles chamam assim pela minha
posição e gosto.
— Você é muito metido. O que é? Se sente poderoso?
— Ela ergue a sobrancelha.
— Não me sinto. Isso só confirma que sou poderoso.
Ela ri de mim.
— Meu Deus. Você não existe.
— Não, Linda. Você que não existe. A sua vida parece
até mentira. Jovem, bonita, que nunca teve um namorado e
ainda é bem corajosa, afrontosa, briguenta, impulsiva,
orgulhosa, teimosa, orgulhosa, teimosa, teimosa…
Ela me ouve com as sobrancelhas levantadas.
— Você quer que eu te resuma? Um "playboy" mal-
humorado, rebelde com os pais, egocêntrico, possessivo,
metido a besta, com um senso de humor duvidoso,
ciumento, possessivo, controlador, possessivo…
— Esqueceu rico e bonito.
Ela se engasga com a pizza, rindo de mim.
— E modesto ― fala cobrindo a boca.
Sorrio.
— Acho que aquele seu vizinho, em quem não confio,
tá interessado em você. — Jogo a primeira coisa que me
vem à cabeça.
Pronto, falei!
— Possessivo. Tá vendo? Você não deveria pensar
sobre isso, mas você quer controlar a minha vida. Fica de
olho nos homens que chegam perto de mim, como se eles
fossem querer algo comigo. Quem me dera.
— Quem dera, Linda? E não sou possessivo. Só tô
garantindo que você não fará besteiras. Depois que beijou
um quer sair beijando todo mundo? Não é todo mundo que
tem só essa intenção.
— Que absurdo! Você acha mesmo que conseguiria
desenrolar alguma coisa com um desses caras?
Agora ela parece que está levando as coisas a sério,
pega mais uma fatia de pizza, apressada.
— Me diga! Você que sabe da minha história com
relacionamentos amorosos. Eu conseguiria? — Ela levanta e
pega o copo de refrigerante.
— Não teria a iniciativa, mas eles teriam, com certeza.
— Levanto também e ela anda como se fosse sair da sala.
— E você deixaria porque parece que gosta muito deles.
— O quê?! De onde você tirou isso?!
— "Meu vizinho é médico", "Deixa que o meu vizinho
cuida de mim", "Ah, o meu vizinho…", "Eu vou fazer o que
meu vizinho mandou"... — Eu a imito e ela fica de queixo
caído, me olhando, admirada.
— Rômulo, você é muito sem noção! Qual é o
problema de achar que meu vizinho, que é médico, vai
saber cuidar de uma pessoa doente? É a coisa mais óbvia!
— Não. — Eu vou na direção dela e resolvo falar o que
quero, já que o dia foi recheado de sinceridade.
Será que ela ainda não entendeu depois de tudo?
Eu nunca fui de esconder o que pensava.
Quer saber, foda-se!
— Ele não pode ser melhor do que eu, Linda.
Ela ri com o rosto corado.
— Você tá se ouvindo?
— Eu não vou deixar esse monte de urubus em cima
de você!
— Rômulo! ― Seus olhos estão esbugalhados.
— É isso. Eu me incomodo mesmo e não vou admitir
que nenhum cara tente nada com você ou fique te
assediando na minha frente, nem pelas costas.
— Mas não tem ninguém me assediando! Você tá
levando essa história de namoro a sério? ― pergunta
preocupada.
— Não, mas tem muita coisa séria acontecendo entre
a gente.
— O que você quer dizer? — Ela dá um passo para
atrás.
“Será que não ficou claro?”
Ela está com as mãos ocupadas e esse é o melhor
momento para fazer o que não fiz no jardim.
Dou um passo à frente e não digo mais nada, só
seguro seu rosto e beijo seus lábios.
Rômulo resolveu jogar na minha cara o que eu já
suspeitava, mas ainda me choquei. Ele morre de ciúmes de
todos os caras que chegam perto de mim e agora esmaga a
minha boca com um beijo.
Imaginei que ficar aqui acabaria nisso, por isso um
lado meu queria ficar, já o outro queria fugir.
Isso não deveria acontecer novamente, mas está
acontecendo.
Rômulo segura delicadamente meu rosto, meu
estômago estremece como da primeira vez, o chão some
debaixo dos meus pés e o que resta são as coisas em
minhas mãos.
Ele movimenta seus lábios sobre os meus, chupando a
carne macia que tanto adora encarar. Seus dedos se
espalham pela minha cabeça e sua língua pede passagem.
Algo que eu não deveria dar, é óbvio.
É a única coisa que domino no momento, a
possibilidade de sentir a sua língua na minha, pois de resto
não posso fazer nada.
De um lado o copo de refrigerante, do outro uma pilha
de pizza e não planejo desperdiçar nem um, nem outro,
jogando no Rômulo.
De mãos atadas, sem poder pará-lo, a não ser que…
Ele agarra minha cintura, apertando a minha pele de
um jeito tão gostoso, que me faz ficar na ponta dos pés.
Perco o controle da mandíbula e sua língua mergulha
em minha boca.
O sabor do que comemos não interfere na sensação
nova que me faz derreter em seus braços e apertar uma
coxa na outra, sentindo minha intimidade pulsar.
A sensação é quente e escorregadia...
Um toque prazeroso.
É tão bom quanto já imaginei e é um perigo, é errado.
Eu não deveria gostar do beijo dele.
Afasto o quadril e levanto o joelho até acertar suas
partes baixas.
Ele me solta de imediato e cobre o lugar, se
encolhendo com os olhos saltando as órbitas.
— Puta que pariu, Linda!
Eu nem bati com força.
Não foi um "Me solta, desgraça!", foi tipo "Me solta,
por favor".
— Isso é para você aprender a não se aproveitar de
mim. — Eu me afasto indo em direção à escada.
— Se aproveitando? Você tava gostando! Se não
quisesse já teria parado no início! Agora faz uma porra
dessas! Tem muitas formas de parar um beijo sem dar uma
joelhada nos culhões dos outros, sabia?
Ele tem muita estima a suas bolas.
“Eu, gostando?
Eu gostei, mas nunca vou admitir isso em voz alta.”
— Volte aqui, Linda. Não fuja de mim! — ele pede e
apresso a subir a escada. — Linda, a gente tem que resolver
isso!
— Resolver o quê, Rômulo? Não tem nada para
resolver. — Vou para meu quarto.
“Meu Deus, eu já tô chamando de meu!
Desse jeito, vou acabar fazendo o que ele quer!”
— Linda! — Pelo barulho dos seus passos, sei que ele
vem atrás de mim.
Entro no quarto, deixo o refrigerante no chão e tranco
a porta com chave. Agora quero ver esse homem entrar.
Pego o copo e me sento na cama com as fatias de
pizza na mão. Como as duas juntas, mesmo sem fome.
“Deus, como tô nervosa.”
Estou comendo a pizza com o beijo dele.
“Ele me beijou de novo!
O Rômulo!”
Sem dúvidas ele está fora de si e deve querer mesmo
alguma coisa comigo.
Ele bate à porta e dou um gole no refrigerante para
não me engasgar.
— Linda, não fuja! Esse assunto é sério.
— Nem tente entrar. Tranquei a porta com chave.
— Você tá com medo de mim?
— Deveria.
— Linda, você ouviu o que eu disse?
— O quê?
Ele fica calado e depois ouço um barulho. Acho que
deu um soco na parede.
— Linda, nós podemos… Você… Eu… Argh! Fora o que
aconteceu, de estarmos mais próximos... Sei que você
entende... Que sente.
Meu coração quer destruir ossos e peles e sair de
mim.
“Ele quer levar isso para frente?
Nós dois?”
― Você entende que tá falando de você e eu, Rômulo?
— Sim, eu sei, mas você acha que isso não merece
uma chance? Que eu não mereço?
― O que acho não importa.
“Não posso me entregar a isso.”
― Claro que importa! E você não pode me dar um
chute no meio das pernas toda vez que eu te beijar!
— Você me beijou no momento em que não podia
fazer nada, além disso.
— E você achou ruim ou fez isso só para manter a
marra? Será que não tá na cara? Tô fazendo de tudo...
“Não, Linda, desconsidere tudo...
Você não pode.”
— Eu não te pedi nada disso, Rômulo! — Mordo a
pizza e a engulo com toda a sensação que o beijo e as
palavras dele me causaram.
“Ainda bem que a porta tá trancada.”
— Ok. Tá bom…
Parece que ele entendeu meu recado.
Tudo fica em silêncio.
Continuo a comer a minha pizza e tomar meu
refrigerante tentando não pensar em nada.
— Isso é um fora? — ele pergunta do nada e pulo de
susto.
Acreditei que ele já estava no seu quarto faz tempo!
— Hein, Linda? Você tá me dando um fora?
“Ego ferido!”
— Ah, meu Deus, Rômulo! Vá pra seu quarto! —
imploro.
Eu não sei como encarar essas coisas! Estou
assustada!
— Vou encarar isso como um não.
“Que teimoso!”
Silêncio...
Ele finalmente foi embora.
Termino o lanche e resolvo ir até o banheiro lavar as
mãos e escovar os dentes.
— Vou embora, mas isso ainda não acabou — Rômulo
avisa.
“DO NADA!”
Paro no meio do caminho e olho para a porta.
Rômulo está fora de si. Ele ficou parado por minutos
em silêncio para do nada me dar um susto falando isso!
— Vá para o seu quarto logo, Rômulo. Eu não vou abrir
a porta.
Eu não sei como prosseguir com essas coisas.
Sei que a parcela de mágoa das coisas que ele disse
não ocupa um espaço tão grande do que sinto por ele. Cada
vez se torna menor, mas assuntos amorosos são coisas
novas pra mim.
Entro no meu quarto, atônito, tiro a camisa e
começo a rir da situação.
“Levei um fora.
Um fora!
É uma piada mesmo!
O que tenho na cabeça?
Por que fui para cima dela daquele jeito, hein?
Não era para tê-la beijado e pior do que isso, eu,
praticamente, admiti que tenho sentimentos por ela.
Ah, Rômulo, você tá doido!
Só pode estar doente!
Eu, com sentimentos por ela?”
Vou para o banheiro rindo de desespero.
“Uma coisa é ter interesse, outra é ter sentimentos.
Só porque a acho atraente e não concordo que outros
caras fiquem dando em cima dela ou, simplesmente, fique
perto dela não significa que tenho sentimentos.
Não!
Por que fui tocar nesse assunto com ela?
Agora levei um fora.
Um fora da Linda!
Como ela pôde fazer isso?
Sou o único cara que a beijou e ela deveria, no
mínimo, ter uma queda por mim.
Linda tá se fazendo de difícil, é isso.
Ela não quer dar o braço a torcer.
Se eu, que sou eu, coloquei o orgulho de parte, por
que ela não deixa de marra também?”
Experiências novas para ela que eu daria com prazer.
Se bem que ela é virgem e talvez esteja se guardando
para seu príncipe encantado. Esse príncipe que espere, pois,
agora ela está comigo.
Duvido que ela vá encarar tudo com indiferença.
Não consigo dormir, fico de um lado para o outro na
cama, pensando nela, no beijo.
Ela correspondeu, estava gostando e aí, do nada,
acertou meus testículos com uma joelhada!
Duvido que ela não tenha pensado sobre o que rolou
hoje à noite. Duvido!
Eu, que já beijei muitas bocas, fiquei pensando,
imagina ela que só sentiu meu beijo.
Será que ela não gostou do meu beijo?
Quando possuí a sua boca e pude passear por ela, foi
maravilhoso.
“Quero um beijo desses sem sabor de pizza.
Deus, por que tô pensando tanto nisso?”
Eu nem deveria me importar.
Antes estava bem sozinho, mas depois que a beijei no
domingo passado, sinto a necessidade de mais e ela pode
me dar isso.
Ou ela quer que eu procure outra? Deveria perguntar
a ela.
Preciso beijar uma boca e tocar um corpo, preciso de
alguém nos meus braços.
São coisas que não sentia falta, mas quando a tive em
meus braços, parece que desengatou essas necessidades.

Saio do quarto pronto para ir trabalhar.


Planejo seguir em frente, mas quando olho para a
porta do quarto onde ela está, não me contenho.
— Linda. — bato à porta. Viro a maçaneta, mas não
abre.
Se ela morrer, ninguém irá saber com a porta
trancada.
— Tá acordada?
— Hum?
— Hum… — Balanço a cabeça em negação. — Já se
levantou?
— Não. O que você quer?
— Se sente melhor?
Estou tão louco que a beijei no terceiro dia que ela
estava de virose!
Mas ontem à noite ela parecia estar muito bem.
— Aham.
— Tô indo para o escritório.
— Já vai tarde.
A ousadia dela me impressiona.
Eu já entendi, ela quer dizer que não afetei sua
sanidade como ela afetou a minha.
— O café tá na mesa. — Sérgio avisa.
— Tá bom. — Vou para a sala de jantar com ele. —
Mas acho que tô precisando mesmo é de um calmante.
Ele ri.
— Com todo respeito, mas acho que a senhorita anda
te fazendo muito bem.
— Bem? — Fico surpreso com o comentário.
— Sim. O senhor anda com ânimo diferente.
— Diferente… Impressão sua. — Puxo uma cadeira e
me sento.
“Será que é tão nítido?”
Tomo meu café e ela não aparece.
— Sérgio, quando ela quiser ir embora, ligue para o
motorista e mande que a leve pra casa.
— Sim, senhor.
Abro a porta sorrateiramente, olho para fora e vejo
que Sérgio está por aqui.
— Ele já foi? — pergunto baixinho.
— Sim, senhorita — ele responde rindo.
— Ótimo.
Nunca mais conseguirei encarar o Rômulo depois de
ontem.
Queria poder colocar a culpa na bebida, mas ninguém
bebeu nada além de refrigerante!
Aquela conversa, aquele beijo…
A gente se beijou. Um beijão de verdade. Foi bom, foi
gostoso, foi único e foi com o Rômulo.
Não, eu não posso me apaixonar por ele. Ele já me
magoou uma vez. Pior que ele sente a mesma mágoa pelo
pai dele e eu ainda digo para eles se acertarem. Ótimo
exemplo estou dando.
Entre nós é diferente. Não éramos nada um do outro e
nos encontramos assim agora.
Tomo o café da manhã e decido ir embora a pé
mesmo. Durante o caminho vou refletindo sobre nós dois e
tentando lembrar em qual aplicativo anotei a senha da
Netflix dele.

Na terça não tenho vestígios da virose.


É dia de voltar ao trabalho e já acordo preocupada
com a minha ida, afinal, vou com ele.
Coloco um vestido, salto e modelo as pontas do meu
cabelo, também passo um pouco de maquiagem. Me
arrumo para parecer bem e saudável e saio de casa. Meu
telefone toca assim que saio do elevador.
— Você está quinze minutos atrasada — Rômulo diz e
saio do prédio apressada para entrar no seu carro. Assim
que faço, ele afasta o celular da orelha e me encara, mas
não o encaro.
— O que é? — Eu me endireito no banco e coloco o
cinto de segurança.
“Não sinto nada, muito menos lembro do que
aconteceu.”
Tô nervosa. Sinto isso no meu corpo.
— Nada. — Ele olha para a frente, assim como eu,
mas não dura muito tempo. — Reunião importante?
— Não. Por quê?
— Tá toda maquiada.
“Ele reparou!”
— Eu sempre ando assim e nem tô maquiada, é só
rímel e batom.
— Tá bom. — Ele se aquieta.
“Que essa viagem seja rápida.”

— Laisa, desmarque a reunião das oito, estamos


presos no trânsito... Ok. Tudo bem. — Rômulo fala ao
telefone.
Ficamos presos por causa de um buraco na estrada e
não tem como voltar ou pegar outro caminho, pois o
congestionamento virou um caos e pelas conversas até
acidente lá atrás já aconteceu.
— Não vai avisar ao Gustavo? — ele pergunta.
— Já avisei faz tempo. — Olho para o lado de fora.
— O café fica a poucos metros daqui — o motorista
comenta.
— Então vamos esperar essa confusão passar lá. —
Ele tira o cinto.
— O quê? — Eu me oponho a ideia. — Tô de salto!
— E? Vamos andando. — Ele abre a porta e não vejo
muita escolha senão tirar o cinto e sair do carro com a
bolsa. Já não aguento mais ficar nesse carro.
Subo na calçada e antes de arrumar a roupa, ele
segura meu braço.
— Vamos.
— Me deixe arrumar a roupa primeiro. — Puxo o braço
e arrumo o vestido. Ele me espera sem reclamar. — Pronto.
Saio na frente e, de repente, Rômulo segura a minha
mão, me fazendo diminuir a velocidade.
— E é assim que não conseguia andar de salto na rua?
Sinto uma tremulação na barriga.
“Deve ser vergonha, só pode ser isso.
Andando de mãos dadas com ele…
Mal olhei na cara dele hoje!”
Ele endireita as mãos, entrelaça nossos dedos e fico
mais travada ainda.
― Por que fez isso? ― Por fim, o encaro e minha boca
seca.
― Quero andar de mãos dadas com você.
“Meu pai do céu!”
― Rômulo, que ideia é essa?
― Qual é o problema? Não vamos surpreender
ninguém.
― Surpreende a mim.
― Já deveria esperar isso depois de ontem. Quando
quero uma coisa, não descanso até conseguir, Linda.
― O que você quer dizer com isso?
― Você entendeu muito bem pra me perguntar isso.
Tropeço e ele me segura pela cintura, me impedindo
de cair.
“Que susto!”
E esse braço forte me segurando. Me corpo está em
pane.
― Pare de fugir de mim, Linda. ― Vejo a sinceridade
do seu pedido em seus olhos e o medo de me envolver
nisso só cresce.
Eu me recomponho e ele me solta quando vê que é
isso que quero.
― Não dá e aquilo ontem foi um fora sim. ― Eu me
afasto e ando mais a frente para a cafeteria.
“Eu não posso ter nada com esse homem.”
Caralho!
Sei que ela está fazendo isso para me afastar e sei
que não deveria ficar insistindo e a incomodando, mas não
estou louco, sei que ela gosta e que me quer.
Não estou forçando nada, nem quero, só me
humilhando para o caralho, como agora que ela me
abandonou na rua e saiu na frente.
Respiro fundo e vou atrás dela, mas não para
continuar esse assunto, pois vamos tomar um café.
Assim que tiver chance, retomo, porque como disse,
não desisto até conseguir o que quero.
Linda Fonseca é meu purgatório particular.
Ela está me fazendo pagar pelos erros que cometi
com ela, que cometi com os outros e os erros que ainda
nem cometi!
Sentamos juntos e ela nem me olha. A cor em seu
rosto não existia quando ela entrou no carro mais cedo. Sim,
enquanto ela estava de cabeça baixa ou olhando para os
cantos, estava olhando para ela. Ela sente tanto que
transparece na pele.
Teimosa!
Ela me deixa louco!
Tomamos café e voltamos para o carro. Desta vez,
abro a porta para ela.
Ela é mestra em fingir desinteresse e eu, um simples
amador, que não sabe esconder o interesse que tem.
Entendo que ela fica assustada por ver um homem,
como eu, do meu porte, experiente, falando coisas diretas
para ela, mas isso só me deixa com mais vontade de
provocá-la.
Linda nunca abaixa a cabeça para mim e hoje ela mal
levantou o olhar.
Chegamos no prédio da empresa e pegamos o
elevador.
A sós, vejo uma boa oportunidade de retomar o
assunto.
— Linda, não foi justo o que você fez comigo ontem.
“Ela não tem como fugir agora.”
— O que foi? Quebrei seus ovos?
— Não tô falando da joelhada, mas isso foi um golpe
baixo também. Tô falando de fugir e se trancar no quarto.
Você tem medo de mim? — Fico de frente para ela e a
encurralo na parede, apoiando meus braços em cada lado
do seu corpo.
Ela me olha nos olhos.
— Eu? Com medo de você? ― Ri.
— Então, do que você tem medo?
— Nada. Eu não tenho medo de nada, Rômulo.
— Não era o que parecia quando estávamos nos
beijando.
— Olha, Rômulo, esqueça isso. — Seu olhar fica
inquieto.
— Então você admite que gostou?
— Isso é para alimentar o seu ego?
— Nos conhecemos muito bem para precisar falar
sobre ego. Você sabe que meu ego não se alimenta disso.
— Por que tá insistindo nessas coisas? Você sabe que
nunca tive alguém. Você quer se aproveitar de mim? É isso?
Eu não sou como você, Rômulo. Tenho sentimentos e não
quero que você me machuque mais.
— E você acha que tô tentando fazer isso?
— Se você me usar, vai acabar nisso sim — ela afirma
com um olhar preocupado.
“Mulheres…”
— Eu não vou te machucar.
O elevador para e ela consegue sair da minha
barreira.
— Espera. — Puxo-a pelo cotovelo e ela volta para
meus braços.
Suas pupilas estão dilatadas e seu olhar alarmado.
— Tem que dar um beijo de despedida no seu
namorado.
Passo uma mão por seu rosto, facilitando a nossa
aproximação, que é rápida, mas é o suficiente para sentir
seu doce sabor, seus lábios macios e a fazer derreter em
meus braços.
— Que boca mais gostosa! — sussurro antes de soltá-
la e ela sai do elevador, atordoada.
“Eu quero mais.”
Linda se afasta sob os olhares de algumas pessoas
que estavam na recepção e agora devem ter certeza de que
estamos juntos, em resposta suspiro tão desnorteado
quanto ela.
“Você já foi mais orgulhoso, Rômulo Guimarães.”

“Que boca mais gostosa!”


Ele quer me deixar louca mesmo!
E ainda me beijou na frente das meninas do quinto
andar. Agora serei o assunto do dia.
Mesmo dizendo que dei um fora nele, o homem não
desiste. Agora ele só fica arranjando motivos e mais
motivos para ficar perto de mim e falar coisas que me tiram
o fôlego.
“Ele acha a minha boca gostosa...
O Rômulo!
Eu disse para ele não brincar com meus sentimentos,
mas o que ele fez logo em seguida?
Me beijou!”
Eu queria acreditar que ele levou minhas palavras a
sério e não está brincando comigo, mas é difícil demais.
“Não posso me apaixonar pelo Rômulo.
Quantas vezes vou precisar repetir isso para mim
mesma?”
— Linda, você tá bem? — Gustavo aparece na minha
frente, antes que eu entre no escritório dele.
— Sim. Por quê?
— Tá agitada e com as bochechas vermelhas. Tá com
alergia?
— Talvez seja. — Toco meu rosto.
— Não melhorou da virose? — Abre a porta do
escritório, entro e ele vem logo atrás.
— Já tô bem. Desculpa por ter faltado ontem. O
Rômulo falou com você antes de mim. — Sento numa
cadeira.
— Ele tava bem preocupado com você. Você fez
milagre com o meu amigo, Linda. Merece o prêmio Nobel da
paz. Soube que ontem ele não ameaçou despedir ninguém!
— Ele faz isso todo dia é?
“É bem a cara dele!”
— Sim. E chama metade dos funcionários de inúteis.
Sou sócio dele e uma vez ele se estressou tanto comigo que
disse que iria me demitir, acredita? — Senta na poltrona. —
Agora ele só pensa em você e nos atormenta menos. Por
favor, nunca termine com ele.
“Terminar?
Terminar o quê pelo amor de Deus?”
Dou uma risada desesperada.
― É melhor focar no nosso trabalho. ― Eu me agarro
a agenda.
Acompanho Gustavo em alguns compromissos, depois
ele fica focado no computador. Pego um cafezinho para nós
dois e tomamos na tranquilidade do escritório.
Fico pensando se mereço um salário se me esforço tão
pouco, pois é um trabalho tão leve.
— Linda, vai sair um documento na impressora 3.
Preciso que grampeie e leve ao Rômulo. Diga a ele que é
um projeto.
“Não é um trabalho tão leve.
Por que ele não manda por e-mail?”
— Tá bom. — Levanto e saio da sala.
“Será que Rômulo manda o Gustavo pedir essas
coisas só para eu aparecer na sala dele?”
Ele tem cara de fazer isso, depois de me fazer ficar
em sua casa só para não parecer que eu estava a fim do
meu vizinho.
Aquele homem consegue persuadir todo mundo. Ó
céus! Eu não sei como agir na frente dele depois do que
comentou sobre minha boca. Fico completamente sem jeito
para esse tipo de elogio.
Pego os papéis na impressora, grampeio e levo para o
nono andar. Quando saio do elevador a recepcionista nem
ousa vir atrás de mim, mas bem que poderia me impedir
dessa vez.
— Linda! — Laisa vem ao meu encontro e me
cumprimenta.
— Oi, Laisa. Como você tá?
— Bem. E você? O Sr. Rômulo disse que você tava
doente.
— Sim, no fim de semana. Uma virose daquelas. Mas
já tô bem.
— Ainda bem. É esse tempo. A minha tia também teve
uma virose na semana passada. O que é isso? ― Olha para
minhas mãos.
— É para o Rômulo. Ele tá aqui?
— Sim. Mas tá numa reunião com a RP.
— Com a RP?
“Aquela metida!”
— Reunião de quê? Você sabe?
— É que o Sr. Rômulo ganhou um prêmio de melhor
empresário. Ela tá falando com ele sobre isso.
— Sério? Ele ganhou um prêmio? — Fico admirada.
— Sim, o Sr. Rômulo é um empresário muito bem-
sucedido. Sempre ganha esses prêmios.
— Legal.
Pelo jeito que ele age, sem admitir incompetência, só
poderia ter esses resultados mesmo.
Eu me aproximo da porta e peço para Laisa não fazer
barulho, pois quero ouvir a conversa.
— A festa de premiação será daqui a um mês. No
sábado.
— Tá bom. Eu vou mandar a Laisa anotar na minha
agenda. Alguma coisa a mais?
— Rômulo…
Reviro os olhos pela voz chata que ela tem, é como se
quisesse dizer que está preocupada.
— Sr. Rômulo. — ele corrige.
“Toma!”
— Quando vai admitir que temos intimidade o
suficiente para não falar com essas formalidades?
“Intimidade suficiente?
Então ela já chegou nos finalmentes com ele.”
— Nós estamos no ambiente de trabalho, então você
deve falar com as formalidades sim.
“Será que eles se encontram fora do ambiente de
trabalho?”
Me bate uma preocupaçãozinha.
— Argh! Você se tornou impossível depois que aquela
mulherzinha pobre apareceu…
“Falando mal de mim?”
Abro a porta e entro.
— Com licença.
Ela olha para mim, fazendo um bico. Olho bem para a
cara dela e vou até o Rômulo.
— Rômulo.
— Oi.
— Meu chefe mandou te entregar isso. — mostro os
papéis enquanto encaro a RP.
— Cadê as formalidades? — ela cobra.
— Eu não preciso disso. Preciso, Rômulo? — Olho para
ele usando como arma tudo o que ele tem feito e não me
deixo intimidar pela conversa de hoje cedo e o beijo.
— Não. — Ele pega os papéis da minha mão, com o
olhar perdido em meu rosto. Impulsivamente mordo os
lábios, intimidada.
Viro para a RP, para não sucumbir ao constrangimento
dos olhares do Rômulo.
— O que você iria dizer mesmo? — Rômulo pergunta a
ela.
— Iria dizer que você, quer dizer, o senhor deveria ver
logo quem vai te acompanhar no tapete vermelho. Esse
evento é muito importante para a empresa e para o seu
nome.
“Caramba! Eu nem sei o que pensar sobre essa fala.”
— A Linda vai comigo.
Ela olha para mim, como se não se conformasse.
“Vou?”
Imaginei que seria a pessoa, mas não esperava que
ele diria isso antes de me implorar, porque não quero ir a
evento nenhum com ele depois do último que fomos juntos.
— Você vai levar essa garota para o dia mais
importante do ano para a empresa?
— Essa garota tem nome. — Eu me imponho e cruzo
os braços.
— Mas o namoro de vocês nem… Nem é de verdade!
— ela protesta. — Você deveria levar alguém à sua altura.
— Como você? — pergunto.
Acho que essa conversa gira em torno disso.
Se eu não tivesse aparecido, ela iria se oferecer para
acompanhá-lo.
Será que ele aceitaria?
— Eu, a Ana Cláudia, a Sandra. Qualquer mulher tem
mais classe que você, garota. — Sua cara de nojo deixa meu
sangue fervendo.
— Posso te mostrar a minha classe. — Considero ir
para cima dela, mas Rômulo segura meu braço e perco o
raciocínio.
— Chega desse assunto e dessa falta de respeito. Se
eu souber que você anda a destratando ou destratando
qualquer um dos outros funcionários, será a próxima a ver o
olho da rua. Aproveite que essa semana estou de bom
humor e repense as suas propostas e atitudes. Você não
deveria se preocupar com quem vai me acompanhar. Outra
coisa, já disse que o que tivemos foi só uma coisa de
momento, então não misture as suas intenções pessoais
com o trabalho. Agora saia.
“Eita!”
Eu até abaixo a cabeça depois dessa, pois doeu em
mim.
— Desculpa, Sr. Rômulo. — Para ele, ela olha
arrependida, mas para mim, o olhar é de ódio e desprezo.
Como já fiz o que Gustavo mandou, resolvo ir embora
também.
— Você não, Linda. — Rômulo me faz parar.
“Ai, meu Pai, o que será que ele quer?
Será que vai reclamar comigo também?”
— Volte aqui.
Ela dá um passo para trás e se vira com um
semblante dramático.
— O que é?
— Linda, você não pode ficar ameaçando dar tapas
nos outros. Ainda mais na empresa.
— Eu não ia dar tapas. Eram socos — ela fala com
uma inocência que até parece que não iria agredir alguém.
Quem não conhece acha que é um anjo.
— Socos, tapas… Nenhuma agressão pode acontecer
aqui dentro, senão terei que te demitir.
— Meu chefe é o Gustavo.
— Tô te emprestando para o Gustavo. Eu decido sobre
isso.
— Olha, se ela me insultar mais uma vez, vou para
cima mesmo. Não ligo para as suas ameaças. Se você me
demitir, o Gustavo vai me contratar.
— Tá me desafiando, Linda?
— É isso aí — ela assente com o nariz empinado. — Eu
vou embora, meu chefe tá me esperando.
“E essa roupa, hein?
Que corpinho é esse?”
— Hoje à noite teremos um jantar. — Invento do nada.
— E? — Ela segura a maçaneta.
— Você deve ir.
— É sobre trabalho? O Gustavo vai?
“Não, mas é uma ótima desculpa.”
— É. Sim, vai. — Balanço a cabeça e arrumo a
gravata.
Odeio mentir.
“Por que tô fazendo isso?”
— A Laisa vai? Ela é a sua assistente. — Ela parece
estar animada com a ideia.
“A minha assistente?
Ah, Linda, você é sem noção.”
— Vai. Vai sim.
― Ok, então. ― Ela sai da sala, segundos depois pego
o telefone e ligo para o Gustavo.
― O que é? ― ele atende.
― Linda vai te falar sobre um jantar, você vai dizer
que vai, mas não vai.
― Como?
― É a única forma de conseguir sair com essa mulher,
então me ajude.
Ele ri.
― Pode ficar tranquilo.
“Agora preciso avisar a Laisa.”
― Ótimo. Aliás, vamos almoçar juntos hoje? Eu, você
e ela.
― Não posso. Tenho uma reunião e ela vai junto
comigo também.
― Que reunião? Aonde?
― Naquele restaurante de frutos-do-mar perto daqui.
― Hum. E quem são as pessoas da reunião?
― São uns amigos meus da época de faculdade.
“Aqueles babacas?”
― Hum. Ok.
— Onde vai almoçar hoje, senhor? ― o motorista
pergunta. ― No restaurante de sempre?
— Não, mudei de ideia. Vamos a um restaurante de
frutos-do-mar que tem aqui perto. Você conhece?
― Sim, conheço.
― Ótimo. ― Entro no carro e ele me leva até o
restaurante e resolvo entrar.
Assim que passo da porta, vejo Gustavo distraído,
conversando com dois homens e um outro de papo com a
Linda, segurando a cadeira dela, como se quisesse tocá-la.
E é por isso que estou aqui.
Esses caras não perdem tempo. Mesmo que ela não
dê bola, só o fato de darem em cima dela já me incomoda.
Entro no restaurante e vou até eles.
Gustavo logo me nota.
— Boa tarde. — Paro ao lado de Linda e apoio minha
mão em seu ombro.
— Boa tarde — eles respondem desordenadamente.
— Você veio. — Gustavo ri.
— Pois é.
Meu amigo levanta e me apresenta a cada um deles,
que por mais que usem ternos, não inspiram respeito. E,
pelo visto, a maioria já sabe quem sou.
Me convidam para almoçar com eles.
— Obrigado. — Eu me sento ao lado de Linda, entre
ela e o cara com quem tinha uma conversa. — Com licença.
Peço o mesmo que estão comendo. Ele não fica
contente com isso, mas insiste em continuar o assunto,
fingindo que não estou aqui.
— Então, como tava dizendo, a temporada de verão
no meu resort é ótima. Lotado. Se você quiser ir um dia,
será muito bem-vinda.
“Chamando-a para sair?
Que cara de pau!”
Passo o braço esquerdo pelos ombros dela.
— Onde fica o seu resort mesmo? — pergunto curioso.
— Talvez possamos ir mesmo no verão. Não é, Linda? —
Olho para ela.
A Linda é uma péssima atriz quando não se esforça e
parece ainda estar em choque pela minha aproximação.
Adoro vê-la nervosa por minha causa. Não quando está
brava, mas desse jeito aqui.
— Vocês são namorados? — ele pergunta num misto
de surpresa e desapontamento.
Balanço a cabeça, já que não posso afirmar o que não
somos com palavras.
— Ah. Legal. Meu resort fica perto do litoral. — Ele me
entrega um cartão.
— Ótimo! Quem sabe não reservamos uns dias por lá?
— comento com ela e não acho uma má ideia, também
guardo o cartão no bolso do meu blazer.
Meu almoço chega depois de alguns minutos e
começo a comer. Os outros já estavam terminando.
A comida é deliciosa, ótima mesmo, mas tem alguma
coisa que adormece a minha língua.
— Acho que tem pimenta nessa minha comida —
comento com Linda.
— Não é o mesmo prato que o meu? Não tem
pimenta. Eu não tô sentindo nada disso.
Como mais um pouco e minha língua começa a
formigar, a garganta também começa a coçar.
— O que tem nessa comida? Você viu? — Cubro a
boca para tossir.
— É camarão ao molho de champignon com
especiarias e arroz.
— Champignon?! — Meus olhos também começam a
arder e o meu rosto queima. — Você disse cogumelos? Sou
alérgico — conto com dificuldade. — Preciso de um médico,
Linda. — Seguro forte a sua mão.
― Toma um copo d'água, Linda. ― Gustavo me
entrega e é um sacrifício segurar o copo descartável do jeito
que estou me tremendo. Bebo a água e acabo me
molhando.
— Você acha que ele vai ficar bem?
— Vai sim.
— Você já o viu tendo alguma reação alérgica assim?
— O copo se quebra em minha mão por causa da
tremedeira.
— Não. Eu nem sabia dessa alergia dele. — Ele mexe
no telefone. — Linda, tenho que ir e terminar a reunião. Ele
vai ficar bem. Você fica aqui para quando o médico sair.
— Mas não sei o que fazer. — Fico aflita.
— Só fica quieta e espere as notícias. Pegue o celular
dele e ligue para a mãe dele, caso precise ficar internado.
— Internado? Ai, meu Deus… — Fico mais nervosa
ainda.
— Qualquer coisa me liga. Assim que terminar a
reunião, venho aqui para vê-lo, caso ele não tenha
melhorado.
— Tá bom. — Balanço a cabeça com o coração na
mão.
Assim que ele sai, fico sozinha no corredor e me sento
na cadeira. Só me resta olhar para a porta da sala onde ele
está.
Tô com tanto medo!
Tenho medo dele morrer.
“Eu já perdi minha mãe, meu pai… Não posso perder
mais alguém.”
O medo me faz chorar.
Isso não pode acontecer comigo de novo.
Tenho tentado ser forte e relevar a falta do meu pai
nesses últimos dias e até que esse trabalho, essas
confusões têm me tomado os pensamentos e me distraído,
mas agora, me vendo nesta situação, o medo da perda me
consome de novo.
“E agora?
E se acontecer alguma coisa com ele?”
Não pode.
Levanto e pego um papel toalha para enxugar minhas
lágrimas.
O médico sai da sala e tenho medo do que ele irá
dizer.
— A senhorita é a acompanhante do paciente Rômulo
Guimarães?
— Sim. — Balanço a cabeça, tentando controlar as
emoções e respiro fundo. — Como ele tá?
— Ele tá em observação. Já foi medicado e vamos
esperar a resposta da medicação no organismo.
— Mas ele vai ficar bem?
— Provavelmente.
“Provavelmente não é um sim!”
— Mas ele pode… Pode não resistir?
— Vocês o trouxeram rapidamente para cá. Se tivesse
demorado mais, correria mais riscos.
“Ele não respondeu se ainda pode.”
Uma enfermeira o chama, ele pede licença e a
acompanha. Aproveito para entrar no quarto onde Rômulo
está, mesmo sem permissão.
Ele está deitado no leito, com um cateter no nariz e
um aparelho no dedo.
— Enfermeira, você pode ver se minha namorada tá lá
fora? Peça pra ela entrar — ele pede com um pouco de
dificuldade na fala.
“Namorada...”
Eu me aproximo do leito. Ele está com os olhos
inchados, o rosto irritado, os lábios também inchados. Nem
parece ser o Rômulo.
Torno a me preocupar.
— Sou eu, mas não sou sua namorada — corrijo
sussurrando.
Ele não abre os olhos, mas mexe a mão até encontrar
a minha e segurá-la.
— Sua mão tá gelada — sussurra.
— É. — Tento manter a calma. — Você se sente
melhor?
— A minha cabeça tá doendo muito. Você pode
apagar a luz?
— Posso. — Tiro minha mão dele e vou apagar a luz,
depois volto para perto da cama hospitalar e ele abre um
pouco os olhos.
— Você tava chorando?
— Eu não!
— Sua maquiagem tá borrada.
“Merda!”
Vou até o banheiro do quarto a procura de um
espelho. Eu me vejo e sim, a maquiagem está borrada.
Limpo com um pedaço de papel higiênico, mas meus olhos
continuam marejados.
Mesmo assim, volto para perto da cama dele.
— Sente aqui. — Ele se afasta da beirada do leito,
subo na escadinha e me sento. Ele segura minha mão
novamente e me encara, pensativo.
Nunca imaginei que nos encontraríamos numa
situação como essa. Ele está doente e eu morrendo de
preocupação.
— Quem diabos serve cogumelos com camarão?
— Acho que todo mundo que é chique. — Dou risada.
— Odeio aquele restaurante.
— Então, por que você foi, hein? Apareceu de repente.
— Porque vocês estavam lá. Chamei Gustavo pra
almoçar, ele disse que iria comer com esses caras, eu
apareci.
— Nem olhou direito o que era a sugestão do chef. Eu
não sabia que você tinha alergia a cogumelos. Essas coisas
você tem que contar.
— Evito desde criança. Não prestei atenção nisso.
— Nem o Gustavo sabia.
— Eu devia ter contado. — Ele fecha os olhos.
— Rômulo? Fique acordado. Não me mate do coração!
— Sacudo a mão que me segura e ele abre os olhos.
— Você tá preocupada comigo?
— Claro, né! Você tava sufocando no meio do
restaurante. Ficamos desesperados e o trouxemos para o
hospital!
— Acho que também acredito no mesmo que todo
mundo. — ele acaricia a minha mão.
― Sobre o quê? — pergunto sob o efeito do carinho.
― Que você é minha namorada.
“E do nada ele muda de assunto.”
― Você nunca escondeu.
― Mesmo não sendo real, você é a primeira namorada
que tive. Sabia?
Que loucura, ele falar sobre isso agora.
Mas fico surpresa com a revelação.
— Eu duvido.
— A gente só pode considerar o que valeu a pena.
“Então eu valho?”
— Você teve piores do que eu?
Ele fecha os olhos.
— Nenhuma que chorasse com medo da minha morte.
Meu rosto pega fogo.
Eu não queria que ele soubesse que estive chorando
por causa disso. Agora me sinto mais calma, ainda
preocupada, porém mais calma.
— Não é porque a gente vive discutindo que eu não
me preocupo com você.
Ele dá um leve sorriso.
— Poderia ter morrido e nem me casei, não tive
filhos…
— Não fale isso, Rômulo! Você não vai morrer. O
médico disse que fomos rápidos em te trazer para cá.
— Você quer ter filhos, Linda? — Ele abre os olhos.
“A arte de trocar de assunto repentinamente.”
— Sei lá. Eu nunca pensei nisso. — Dou de ombros.
— Eu também não pensei até agora. Para quem vai
ficar minha fortuna se não tenho nem um filho?
— Pare de falar assim, você tá me deixando nervosa,
Rômulo!
“Já basta o médico esclarecendo a situação sem
esclarecer!”
— Você fica aqui comigo? — Ele aperta minha mão.
— Fico. E pra onde iria?
Ele sorri.
Acho que minhas tentativas de não sentir nada por ele
falharam.
— O jantar não vai acontecer.
— Não importa.
— Quero um jantar só com você. — ele continua
acariciando a minha mão.
“Pobre do meu coração, com tantos solavancos.”
— Só comigo? Eu só ia para esse porque era coisa de
trabalho.
— Foi só uma desculpa. Ninguém além de nós dois iria
aparecer.
“Uma desculpa?
A que ponto esse homem chegou?”
— Você já jantou comigo muitas vezes — lembro sem
entender o motivo para inventar um jantar de trabalho
falso.
Ele me encara o tempo todo, do mesmo jeito que tem
feito ultimamente. Mesmo com a cara deformada, consigo
ver que está com os pensamentos longe e os olhos presos
em minha boca.
Sem jeito, encaro nossas mãos.
Uma enfermeira entra no quarto e liga a luz.
Que susto desgraçado!
Achei mesmo que iria morrer.
Minha cabeça dói, meu rosto está inchado e devo
estar feio pra cacete.
Os remédios da alergia me deixaram com sono e mal
consigo me manter acordado, mas estou feliz que Linda
está aqui comigo.
Ela desligou a luz depois que a enfermeira saiu e
aproveitei para tirar um cochilo. Sonhei com o restaurante
de frutos-do-mar, com o resort, coisas sem sentido algum.
Acordo com a voz de Linda.
— Oi, Laisa.
Abro os olhos e vejo que ela está andando de um lado
para o outro com o telefone no ouvido.
— O Rômulo não vai voltar pra o escritório hoje. Ele
teve uma reação alérgica e estamos no hospital. Você pode
desmarcar os compromissos que ele tem hoje à tarde?
Remarque… Sim. Ele já foi medicado. Estamos esperando o
médico vai dar alta… — Ela olha para mim e fecho os olhos.
— Certo. Tchau…
“Como ela tá toda cheia de iniciativas!”
Com o que aconteceu comigo, esqueci
completamente o que iria fazer hoje à tarde. A minha vida é
mais importante do que esses compromissos, mas ainda
bem que ela lembrou e fez a ligação.
— Oi, Gustavo…
“Ela ligou para o sem noção.
Como ele pôde levar a Linda para o meio de um
monte de macho ousado?
Aquele homem tava com história de resort, achando
que ia ganhar a mulher falando dos bens que possui!
Só se for uma patricinha interesseira, mas a Linda não
liga para essas coisas. Aposto que se ela aceitasse, seria
mais pela experiência de passar um dia num resort, do que
por interesse nele e nas coisas que ele tem.”
— Sim. Ele tá bem… Não. Acho que não. Eu vou
chamar o motorista dele… Tá bom. Obrigada. Tchau. — Ela
se vira para mim. — Rômulo, como é a senha do seu
celular? Preciso ligar para o motorista. — Ela entrega meu
celular.
— Você tá fazendo as ligações pelo meu celular?
— Não, mas meus créditos acabaram agora.
Coloco a senha para ela ver.
— Decorou?
— Sim. — Ela pega o celular da minha mão.
— Quando vamos embora?
— Quando o médico voltar.
— Que demora. Eu quero ir para minha casa. A minha
cama é bem melhor que essa.
— Qualquer cama é melhor do que essa. — Ela se
afasta e pega uma garrafa d'água.
— Você desmarcou meus compromissos?
— Sim. Liguei para a sua assistente.
— Tá se saindo muito bem no cargo.
Ela se engasga com a água e tosse.
— Só fiz o que era preciso. Você quer água?
— Quero.
Ela me entrega a garrafa.
— O que é isso? — Pega um controle. — Será que é do
ar-condicionado? Aqui tá frio. — Aponta para o aparelho e a
cabeceira começa a subir e me empurra para ficar sentado.
Ela fica empolgada. — Retiro o que disse sobre a cama. Já
pensou ter uma com um controle desses?
Pelo menos, estou sentado e é a melhor posição para
beber a água. Tomo toda.
— Não mexa mais nesse controle.
— Mas quero saber o que esse botão aqui faz. — Ela
mostra.
— Não. Não mexa. — Tomo o controle de mão dela e
devolvo a garrafa d'água vazia, depois faço com que a cama
fique em uma posição mais confortável. — Agora sim.
— Que hospital chique, não é? — Ela passeia pelo
quarto. — A melhor parte é a visão. Deus benza. — Ela se
aproxima da janela e olha para o corredor.
— O que tá vendo aí?
— Nada que você vai gostar de ver.
“Não confio nisso.”
— Como tá o meu rosto? — pergunto, enquanto o
toco.
Meus lábios parecem estar bem menores, não sinto os
olhos tão inchados e consigo abrir bem mais.
Ela volta para perto do leito e analisa meu rosto.
— Tá menos pior.
— Menos pior?
— É que antes tava pior. Agora tá menos pior, mas
ainda tá pior do que o normal.
— Pior do que o normal? Tá me chamando de feio?
— Não. Tô falando de pior, só isso.
— Entendi por feio.
— Eu não vou falar que você é bonito. — Ela se afasta
e sorrio por dentro.
É a primeira vez que a vejo desse jeito.
É bom saber que ela se importa comigo.
— Você vai pra minha casa? — pergunto esperançoso.
— Vou. Se você quiser, quer dizer, se você precisar.
— Eu preciso.
Ela balança a cabeça, concordando.
“Ótimo!
Essa alergia tem me servido muito bem.”
— Dá licença, preciso vê-lo.
A porta se abre e Ana Cláudia entra junto a um
enfermeiro.
— Rômulo, como você tá? O Gustavo falou para a
Maria Clara, que falou para mim, que você tava no hospital!
— Ela se aproxima de mim preocupada. ― Você tá bem?
“Não tenho uma hora de paz!”
— Senhorita, não pode entrar assim. Tem que ter o
cartão de visitas. — o Enfermeiro tenta tirá-la. — A
senhorita é da família?
— Mas é claro! Sou uma grande amiga do Rômulo.
Não é, Rômulo? — Ela se senta na beirada do meu leito.
Olho para a Linda que está observando de longe, de
braços cruzados.
Acho que agora seria uma boa hora para ela ser
agressiva, porque preciso de paz no meu repouso.
— O que você quer, Ana Cláudia?
— Vim cuidar de você. Nossa, Rômulozinho, como
você tá inchado! Isso vai passar, não é? — ela pergunta
dramática e olha para o enfermeiro.
— Sim, vai passar. É uma reação alérgica — o
enfermeiro responde.
— De qualquer forma, tenho uns cremes aqui, que
você vai adorar. — Ela pega a bolsa.
“Cremes?
Era só o que me faltava!”
— Ai, Ana Cláudia, pelo amor de Deus! Não venha
fazer raiva num momento desses não! — Linda se
manifesta, impaciente. — Meta o pé daqui e deixe o Rômulo
descansar!
— E você, o que faz aqui?
— Sou a acompanhante dele.
— Enfermeiro, você deixou essazinha acompanhar o
Rômulo?
Linda ri.
A minha cabeça está voltando a doer, por isso vou
ficar calado.
— Querida, fui eu quem o acompanhou até aqui!
“Que dor de cabeça.”
Ana Cláudia sai de cima de mim e vai na direção de
Linda. Fico só com um olho aberto porque a luz está acesa
agora que o enfermeiro resolveu clarear a briga.
— Eu só posso acreditar que você tá ameaçando o
Rômulo de alguma forma, porque essas fofocas… Aparecer
com ele no coquetel… A quem você acha que engana?
Nunca que o Rômulo namoraria uma garota como você.
Pobretona golpista! Eu não acredito no namoro de vocês.
Rômulozinho… — Ela se vira para mim. — Se você precisa
de ajuda, se estiver sendo ameaçado, pisca o olho duas
vezes. Aposto que foi você que deu o veneno para ele ficar
assim!
“Meu Deus!
Eu nem tenho disposição para falar com essa sem
noção.”
— Ana Cláudia… — Linda respira fundo e alto. — Eu
ainda não perdi o réu primário, mas perderia com prazer se
fosse para arrebentar a sua cara! — Ela dá um passo na
direção da garota que recua e o enfermeiro fica entre as
duas.
— PODE ISSO, ENFERMEIRO? ELA TÁ ME AMEAÇANDO!
EXPULSE ESSA MULHER DAQUI! — Ana Cláudia berra.
— Não — falo cansado. — Vem cá, Linda. Deixe isso
pra lá. Ana Cláudia, você já viu que estou péssimo, então
pode ir. Agradeço a preocupação, mas se for para insultar a
Linda, é melhor ir embora.
— Não imaginei que você já tinha pegado os modos
dessa golpista, Rômulo. Não te reconheço mais. — Ana
Cláudia sai decepcionada, acompanhada pelo enfermeiro.
“Eu já tenho sorte com essas mulheres…
É a Kettelyn, Ana Cláudia…”
— Tá vendo por que não tinha ninguém? Elas são
todas assim!
— Golpista é ela!
“Linda fica mais linda ainda chateada.”
— A minha cabeça tá doendo.
— Culpa dela... — Ela se levanta e apaga a luz. — Que
chega gritando. Ainda fala de modos.
— Esqueça isso. Fique aqui, perto de mim pra ver se
eu melhoro mais rápido.
“Vou aproveitar.”
― Olá. ― O médico aparece e deve ser para me dar a
alta.
Finalmente, chegamos em minha casa.
Minhas costas doem por causa da cama hospitalar,
mas pelo menos minha dor de cabeça passou.
Assim que entramos, deixo Linda conversando com
Sérgio e vou direto para o meu quarto, tomo banho, fecho
todas as cortinas do quarto e me deito na cama.
— A cozinheira vai preparar um prato para você, tá
bom? — Linda aparece no meu quarto.
— Tá.
— Eu trouxe água.
— Deixe aí na mesa.
— Tá bom. Você quer mais alguma coisa?
— Por agora não — sussurro.
— Ok.

— Rômulo. ― Uma voz me tira do inconsciente. —


Rômulo, o seu almoço.
É ela.
— Deixe aí.
— Não, vai comer agora. Já são quatro da tarde e você
não almoçou!
Eu me viro e vejo o Sérgio atrás dela, rindo, de braços
cruzados. Ela está com o prato na mão.
— Vá, antes que esfrie!
“Mandona!”
Sento na cama.
— Não tô com fome, só quero descansar.
— E morrer de fome enquanto dorme? — Leva o prato
para uma mesa que tem no meu quarto onde
esporadicamente tomo café.
— Não é pra tanto. Quem tem fome nem consegue
dormir.
— Você nunca passou fome. — Ela puxa a cadeira.
“Será que ela já?”
— Quer mais alguma coisa? — Ela parece estar bem-
disposta a ajudar, encostada na mesa.
— Por enquanto não — respondo.
— Então tá liberado, Sérgio — avisa.
Começo a comer e a fome aparece.
— Seu rosto melhorou. Acho que você não vai morrer
por causa disso.
Dou risada.
— Você ainda tá pensando na minha morte, Linda?
— Não mais. — Ela anda pelo quarto. — O seu quarto
é quase do tamanho da minha casa.
— Sua casa agora é o apartamento e não é tão
pequeno.
— Não é não. Ele é seu.
— Agora ele é seu.
Ela se vira para mim.
— Mas é muito dinheiro! Eu não quero passar por
golpista.
— Ah, meu Deus! Não me diga que você ouviu o que a
Ana Cláudia falou?!
— É muito dinheiro e ainda não tenho como pagar um
apartamento daquele, também não quero que me dê.
― Assunto encerrado, Linda.
Ela balança a cabeça em negação.
― Precisa do documento pra aceitar? Eu vou mandar
trazer.
— Você sabe que não quero nada.
― Sim, mas não aceito devolução. — Continuo a
comer.
Ela para de falar e volta a andar pelo quarto. Assim
que termino, vou ao banheiro e resolvo voltar para a cama.
— Você tá se sentindo bem? — ela pergunta.
— Bem melhor. — Eu me ajeito na cama.
— Acho que vou lá no apartamento trocar de roupa…
Tomar um banho.
— Mas você volta? — Eu a encaro.
Ela parece estar indecisa.
— Você precisa de mim?
“Mas é claro que sim!”
— Venha. E se eu tiver uma recaída?
— Não diga isso! — Põe a mão no coração, assustada.
— Vou e volto então. — Sai do quarto apressada enquanto
dou risadas baixas.
Para deixá-la assustada é só falar em morte, bom
saber.
O sono me pega novamente e acordo com um cheiro
doce e floral preenchendo o quarto.
— Rômulo, o remédio — Linda avisa, para me matar
do coração desta vez.
— Que horas você chegou? — Eu me viro para ela.
Bem que reconheci o perfume.
Ela está usando um vestido preto que não marca o
corpo.
— Agora.
— Já veio de luto?
— Af, Rômulo! Não fala isso não! — implora,
dramática, e desta vez rio na frente dela. Não tem como
esconder. — Isso não tem graça.
— Cadê o remédio? — Sento na cama.
Ela tira da caixa um comprimido e me entrega com o
copo d'água.
— É… A gente já cumpriu todo o juramento do
casamento. — comento ao tomar o comprimido.
— Como assim?
— Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na
riqueza e na pobreza… — Bebo a água toda.
— Essa agora. Você inventa…
— Por quanto tempo dormi? — Levanto e vou ao
banheiro.
— Sei lá.
— Meu rosto voltou ao normal. — Eu me olho no
espelho e respiro aliviado.
“Maldita alergia!”
Era ri e olho para ela.
— O que foi?
— Nada. — ela se afasta.
Dou uma melhorada na aparência e quando saio do
banheiro, Linda está em frente à janela, com o vento
batendo no cabelo.
— Gostou do meu quarto?
— Tem uma bela vista da cidade. Por que você não
mora num condomínio?
— Cansei de condomínio.
— Sorte que tem muita gente aqui... Mas não deveria
ficar sozinho nos fins de semana. E se houver uma
emergência?
Nunca pensei que Linda se preocuparia desse jeito
comigo. Ela está em estado de alerta, o tempo inteiro
perguntando como me sinto, se preciso de algo e com medo
da palavra morte.
Se voltou, significa que vai dormir aqui.
Sorrio pensando na outra noite.
― Isso não tem sido um problema ultimamente, afinal
tenho passado os fins de semana na sua companhia.
Cada dia que passa estou mais parecido com o sem
noção do meu irmão, me emocionando com tudo.
Ela volta a olhar para fora e vejo uma movimentação
do outro lado do muro. Observo por alguns segundos até ter
noção do que é e seguro os braços de Linda para tirá-la
desse lugar.
Eu me afasto e a trago junto comigo.
― O que foi? ― Ela se assusta.
― Tem alguém tirando fotos do lado de fora. Já devem
saber sobre o que aconteceu comigo. ― Solto seu corpo.
― Nossa, mas eles não dão um dia de paz, hein?
― Ultimamente não. ― Fecho as cortinas e sento na
cama, onde meu celular está. Dou uma olhada para ver se
não tem algo importante.
— Você quer jantar? — Ela se aproxima da cama e
deixo o celular de lado.
— Tô sem fome. — Levanto e a encaro.
“Será que agora, depois desse susto, ela vai parar de
marra?”
— Quer água? — Dá um passo para trás.
“Ela tá com medo de mim?”
— Não.
― Ah, então… Então vou lá na sala.
— Não. ― Seguro seu braço. ― Fique aqui me fazendo
companhia.
— Companhia? — repete, surpresa.
— Sim. — Eu a trago para perto de mim e sento na
cama. Ela não se solta. — Você não quer ter certeza de que
estou bem?
Eu a deixo entre as minhas pernas e solto seu braço
para segurar sua cintura. Ela não faz nem diz nada,
permanece tímida, com um olhar assustado.
A parte dela que mais tem me enlouquecido está bem
na minha frente. Passo o polegar direito debaixo do seu
lábio inferior e ele torce para o lado empurrado, então o
toco.
Tão macio…
Ela não faz nada além de me encarar. Seus olhos
brilhantes piscam lentamente, tranquilos e hipnotizantes.
Agarro sua nuca e tomo seus lábios, eufórico e
sedento para sentir seu sabor. Chupo sua carne macia e
doce, não permitindo que seus lábios escapem por um só
segundo. Peço uma permissão respeitosa com a minha
língua e a euforia passa enquanto nossas testas se
encostam. Movimentos meus lábios na esperança de que
ela me deixe ir mais fundo e quando ela afasta os lábios,
temo que invente de fugir.
Abro os olhos ainda com nossas testas coladas, ela faz
o mesmo e posso ver o desejo em seus olhos.
“Por que foge disso?”
Ela abaixa o olhar e avança na minha boca, sugando
meus lábios como se fosse a primeira dose de oxigênio ao
retomar o fôlego.
Agarro sua cintura e aperto sua pele, faminto por
cada parte do seu corpo casto, enquanto saboreio cada
centímetro da sua boca.
Meu pau endurece rapidamente ao sentir seu corpo
quente colado ao meu. Ela apoia as mãos em meu peito,
agarradas a minha camisa, prendendo minha pele da
mesma forma que faço com suas costas.
Tiro a mão da nuca e aperto a sua coxa que é lisa e
delicada como seu rosto. Passeio pela pele quente subindo
pela bainha do vestido. Ela acerta um tapa na minha mão e
a tira do seu corpo. Agarro a coxa novamente e desta vez a
trago para cima de mim.
Linda se apoia em meus ombros e faço o mesmo com
a outra perna. Ela se senta em cima de mim e arrasto meus
lábios por seu rosto, até o pescoço. Chupo sua pele e deixo
beijos e mais beijos.
“Como é cheirosa!”
Dedico alguns segundos para contemplar seu cheiro
e, para melhorar, ela suspira e se remexe em meu colo, por
fim, se esfrega em minha ereção, me deixando mais louco
ainda.
Encaro seus lábios inchados e os beijo novamente.
Capturo sua língua quente para dentro da minha boca e a
chupo enquanto Linda se esfrega em minha firmeza,
gemendo deliciosamente.
― Porra, Linda! Quero chupar cada parte sua. Isso
inclui essa bocetinha que tá esfregando em mim.
Ela afasta o rosto, assustada e ofegante.
― Não me olha desse jeito, que a vontade só
aumenta. ― Agarro sua bunda e a arrasto bruto e rápido
para mim.
Seu corpo todo vem e alcanço a sua boca mais uma
vez, num beijo intenso que em pouco tempo é dominado
por ela.
Para quem nunca beijou outro homem e poucas vezes
me beijou, ela sabe ditar o ritmo, mas seu ritmo é arrasador
e só me faz querer fodê-la.
Eu a jogo em cima da cama com uma vontade
incontrolável.
Seu vestido agora revela a minúscula calcinha preta
que não esconde em nada quão pequena é a sua boceta.
Do jeito que imaginei...
— Vamos com calma — ela pede com medo.
Encaro seu corpo buscando memorizar essa imagem
para sempre.
Linda na minha cama parece ser um delírio!
— Isso é com calma. Relaxa. — Deito entre suas
pernas e aperto suas coxas com as unhas. — Você é uma
delícia. ― Beijo seu decote e tento alcançar os mamilos sem
tirar as mãos das suas coxas.
Linda enfia seus dedos entre meu cabelo, puxa a
minha cabeça na direção da sua e me beija com
necessidade. Ela quer mudar meu foco, mas mesmo
beijando ainda esfrego meu corpo no seu, enquanto meu
pau lateja na calça, pulsando mais forte porque sei que o
alívio dele está na sua frente, quentinho e certamente
úmido.
Ela se assusta com a fricção. Acho que ela nunca teve
uma ereção perto das suas partes íntimas antes, na
verdade, acredito que ela nunca sentiu uma ereção antes.
Ela nunca esteve com um homem.
― Tá vendo como você me deixa? Sinto tanto tesão
que dói.
E roçar num corpo tão delicado e intocado me deixa
mais excitado ainda.
Ela interrompe o beijo e retomo o fôlego enquanto
encaro seu lindo rosto.
— Não tô pronta para isso, Rômulo — revela,
espalmando meu peito.
“Eu imaginei que ela diria isso.”
— Não se preocupe, só vou até onde você deixar. —
Tiro suas mãos do meu peito e volto a beijar sua boca.
Ela agarra meu pescoço e corresponde ao beijo. Agora
tenho certeza de que ela está ciente e envolvida no que
está acontecendo.
A sede de beijá-la e sentir seu corpo no meu não
cessa, sequer diminui. Pelo contrário, é uma chama que só
aumenta.
Arrasto seu vestido para cima e o carrego até tocar
seu corpo nu.
Ela tem uma cintura tão fina!
E seus seios, esses tenho que interromper o beijo para
olhar. Eles são pequenos, com mamilos bege e pontudos.
— Você parece um tarado.
— Qualquer um ficaria vendo você assim. Ainda bem
que ninguém mais viu. — Massageio o seio direito e acaricio
o mamilo com a ponta dos dedos, o girando entre eles.
Linda pula na cama e me encara com a boca
entreaberta.
― Gosta disso?
Ela balança a cabeça assentindo. Troco os dedos pela
boca e mamo seu seio enquanto ela mexe o quadril e
inevitavelmente se esfrega no meu pau.
― Geme, Linda. Geme para mim. ― Sugo o bico
saboroso e volto a mamar.
A boca, o seio... Só falta a boceta.
― Desgraçado!
― Aceito xingamentos também. ― Passo para o outro
seio e aperto a sua cintura fina, com a cara enfiada em sua
pele fofa.
Ajoelho entre suas pernas e desço os beijos em seu
decote, descendo pelo seu abdômen.
Acabo de descobrir que seus xingamentos são
melhores quando acompanhados por gemidos.
Mordo e chupo a pele que nessa região cheira a
morango e ela se empina na cama. Quando meus lábios
escapam para a lateral da cintura, ela solta uma gargalhada
e cobre a boca.
— Merda! O Sérgio vai aparecer e saber o que tá
acontecendo.
— Não vai. Sem contar que ninguém entra no meu
quarto sem bater. Só você, é claro, para me matar do
coração. — Volto a trilhar os beijos e chego na sua calcinha,
onde beijo por cima dela. Linda levanta as pernas e aperta
minha cabeça com as coxas.
Olho para ela e vejo que está receosa, ao mesmo
tempo, que parece estar curiosa.
― Nada que eu tenha feito até agora se compara a
isso.
Ela engole com dificuldade e fica pensativa.
― Vamos com calma.
Beijo a banda da sua coxa e ela estremece.
— Tudo bem. ― Eu me debruço sobre ela para beijar
seus lábios. ― Do jeito que você quiser.
Ela dá um sorriso tímido.
― Durma comigo hoje, prometo que não vou passar
dos limites. Eu já te provei isso.
Ela fica novamente pensativa, depois aperta o rosto e
sorri.
— Não acredito que tô fazendo isso com você.
Eu a abraço e a puxo para ficar em cima de mim.
— Pois deveria, já que sou o homem certo. — Afasto
seu cabelo e nos beijamos de novo.
Eu dormi com o Rômulo, na cama dele e nos braços
dele.
Diferente da outra vez, nessa nos tocamos. Ele não
tocou minha parte mais íntima, mas senti como se ele
tivesse me despido por completo e senti seu corpo, cada
parte, principalmente, aquela que não conheci de nenhum
homem.
Acordo cedo com muito pensamentos, ele me abraça
e beija meu pescoço. É tão bom!
O alarme toca e ele me larga, se levantando com
tudo, enquanto continuo deitada, fingindo que estou
dormindo.
— Linda, acorda. Hora de se aprontar para ir trabalhar.
Achei que hoje ele iria relaxar um pouco, mas quando
se trata de trabalho o homem é mesmo bem pontual.
Finjo que acabei de acordar, me sento na cama
coçando os olhos e ajeito o cabelo.
“Será que tô muito feia?”
Mas ele já me viu acordando quando eu estava doente
e pior do que aquilo não posso estar.
— Quer tomar banho comigo? — pergunta
repentinamente.
— Não! — respondo sentindo a pulsação frenética em
meu peito e ele entra no banheiro.
— Vou para o outro quarto. Deixei minhas coisas lá. ―
Saio do quarto dele e vou para onde deixei minhas coisas.
Tomo um banho, escovo os dentes e penteio o cabelo.
Quando saio, ele também já está saindo, todo arrumado.
Ele se aproxima carregando o ar poderoso que o
topete e o terno sustentam, em seguida segura minha mão
e beija meus lábios como se fosse algo bem natural.
O pior é que gosto.
Isso significa que o acontecimento de ontem ainda
existe hoje e não é como “algo que não teve significado
algum”, como ele disse para aquela loira desgraçada que
trabalha para ele e também que ele não se arrepende do
que tivemos.
Ele me faz o acompanhar pelo corredor.
— Dormiu bem?
— Sim.
— Que bom. Vamos passar no seu apartamento para
você trocar de roupa e depois vamos tomar café no lugar de
sempre.
“Já temos uma rotina mesmo!”
O Sérgio está na sala e nos dá bom-dia.
Respondemos, mas ainda fico com vergonha quando ele
olha para nossas mãos juntas.
Eu não deveria estar com ele, mas uma parte minha
quer e cada parte do meu corpo, que foi tocado por ele na
noite passada, está feliz por isso.
Saímos da casa dele e o motorista nos leva para o
meu apartamento. Quando saio do carro e ele fica me
observando.
— Se não quiser esperar no carro…
— Achei que não iria chamar, apesar de que dispenso
convite. — Ele sai do carro sem demora.
“Metido!”
Entramos no prédio em seguida no elevador e assim
que as portas se fecham, Rômulo me puxa para um canto,
levanta meu rosto e começa a me beijar.
Penso que isso aqui, essa sensação é algo só nossa,
íntima, prazerosa e mágica.
E parece que agora ele vai fazer isso toda hora.
Retribuo com tanto empenho quanto ele.
O elevador para e nosso beijo termina, mas ele ainda
beija meu pescoço e me faz sentir cócegas, por isso sorrio.
— Bom dia.
Alguém fala e Rômulo olha para trás.
É o meu vizinho.
— Bom dia, Juliano — falo sorrindo e puxo o Rômulo
pelo braço, para fora do elevador.
— Bom dia. — Rômulo incorpora a seriedade de
sempre e isso me faz rir.
Abro a porta do apartamento e entramos.
— Você tem cinco minutos para trocar de roupa.
— Eita! — Corro para o quarto e fecho a porta.
— Eita, nada, estamos atrasados.
— Incrível como você passa de um homem tranquilo e
carinhoso para o CEO sem coração em segundos. — Arranco
o vestido às pressas.
— Tranquilo e carinhoso? Eu? Desde quando?
“E sou eu a difícil.”
— Desde nunca, me enganei. — Pego uma calça e
uma blusa no armário e me visto.
Assim que termino, passo creme no cabelo, os penteio
novamente, deixando dividido de lado, coloco os brincos, o
salto e passo perfume. Por último, lembro de pegar a bolsa.
— Tá passando... — ele fala e saio do quarto. — Muito
bem. — Levanta do sofá e se aproxima me analisando dos
pés à cabeça. Antes que fale algo, ele me beija e é um beijo
de arrancar o fôlego.
Todos são e só paramos no último suspiro.
— E não foi você que disse que estávamos atrasados?
— Seus cinco minutos acabaram… Agora, vamos. —
Ele me puxa pelo braço.
“Ele anda doidinho de pedra.”
Saímos do prédio e o motorista nos leva para o café.
Tomamos café e ele descaradamente passa sua perna na
minha. O pior é que depois do que aconteceu ontem isso
não me abala tanto.
— Você tá… Como dizem? Radiante — ele comenta.
— Sempre estou.
— Não. Hoje você tá mais. Deixa só o Gustavo reparar
que você vai acreditar.
Sorrio.
Gustavo é o mestre em expressões, ele lê o rosto de
todo mundo.
— Não entendo como um cara legal como ele namora
uma chata como a Maria Clara. Ela é mais uma cópia da Ana
Cláudia.
— Ele só tá se divertindo com ela.
— Mas eles saem juntos e andam de mãos dadas.
— Essa é a forma deles se divertirem, não significa
que estão apaixonados.
“Agora tô preocupada.”
— Qual é seu jeito de se divertir com uma mulher? —
pergunto, pois, com a resposta, já fico ciente do que está
acontecendo entre nós.
Ele sorri e me lança um olhar charmoso que me deixa
molinha.
— Eu não sou muito de me divertir, mas acho que
minha ideia de diversão sem compromisso com uma mulher
agora seria… — Ele mexe a colher no café enquanto
permaneço atenta ao que ele fala. — Um convite casual
para passar a noite em algum lugar onde ninguém que nos
visse sairia fofocando e bem longe da minha casa. Também
não sairia com alguém do meu círculo de convivência. É
complicado conviver com alguém com quem já se envolveu.
Essa é a minha ideia de diversão.
“Ele ficou comigo na casa dele e na cama dele, então
não entro nessa de diversão casual.”
De certa forma é um alívio, afinal, ele me viu quase
toda nua!
Mas sobre as pessoas da convivência, logo me vem
em mente a RP.
— Você diz isso por causa da RP?
Ele confirma com a cabeça.
— Foi um caso que não deveria ter acontecido. Tem
gente que não sabe o que é um envolvimento casual.
“Eu não sei.”
— Você não quer nada com ela?
— Não. A gente bebeu e aconteceu, só isso.
“Ele tava sóbrio comigo.”
— Você se arrepende? Já se arrependeu por ter se
envolvido com alguém?
Ele dá um leve sorriso, olhando para a xícara de café.
— Claro.
“Eita!
Será que ele se arrependeu de ter ficado comigo?
Mas ele me beijou depois.”
— Você não entra em nenhuma dessas listas, Linda.
Relaxa — fala dando um gole no café.
O alívio é imediato.
— Eu não pensei nisso, nem ligo — minto e dou de
ombros.
— Tá bom.
— Como diz, foi só um acontecimento.
Ele ergue as sobrancelhas, surpreso.
“Só O acontecimento da minha vida.”
Chegamos na empresa e ele me dá um beijo de
despedida.
— Nos vemos no almoço? — Encara minha boca. O
pior é que também fico olhando para a dele.
— Isso, no almoço. No restaurante que não te ofereça
perigo. — Lembro do acontecimento de ontem.
“Tadinho!”
Ele ainda ri.
“Eu com pena do Rômulo?
O mundo capotou.”
— Fechado! — Dá uma piscadela e saio do elevador
segurando o sorriso.
“Ai, meu Deus!
Acho que tô gostando disso.”
Olho para trás e ele fica me encarando até a porta se
fechar.
— Bom dia — digo ao passar pela recepcionista e
outra funcionária fofoqueira.
— Bom dia, Linda.
— Bom dia.
Gustavo vem logo atrás. Parece até que sou a chefe,
pois ele abre a porta para mim.
— Meu amigo veio?
— Veio.
— Eu me tornei o cara mais bonito do prédio ou ele já
voltou ao normal?
Dou uma gargalhada.
— Ele voltou ao normal.
— Que pena, mas parece que o problema uniu mais
ainda vocês.
— Como assim? — Congelo o sorriso.
— Você tá diferente, genuinamente feliz. O Rômulo
amoleceu mais? Amoleceu num bom sentido, é claro. Do
coração, entendeu?
“O Rômulo tem razão quanto ao amigo.”
— Normal. Coisa normal — respondo sem conseguir
encará-lo.
— Aham. Acho que vocês dois estão mais apaixonados
do que nunca. Com licença, preciso ver a cara de muito
apaixonado do meu amigo Rômulo. Isso é inédito na vida de
todos nós. — Ele sai da sala animado.
Ele simplesmente larga tudo só para matar sua
curiosidade e ficar fazendo aquelas piadas com o Rômulo.
Ainda acho graça.
Deixo isso de lado e verifico os compromissos do dia
na agenda.
Quando saio da sala para pegar um cafezinho,
encontro a RP e outra garota na copa. Não mudo meus
planos e vou mesmo assim, como sempre de cabeça
erguida.
A bonita está de costas e não me vê chegando.
— Sabe o que a gente pode fazer? Um passeio em
algum lugar, um resort talvez, com o pessoal do prédio. Sei
que nem todo mundo vai, mas chamamos os mais
interessantes.
— Isso é uma ótima ideia! Perfeito! Vai chamar o
Cardoso, não é? — A mulher fica esperançosa.
— Pelo amor de Deus! Ele é o cara do
estacionamento!
— Manobrista.
— Um manobrista, me poupe! Vamos pescar peixe
grande. Pensa grande, garota. O Gustavo, o Rômulo.
“Sempre o Rômulo.”
— Adorei a ideia! — falo me intrometendo e ela olha
para mim, com cara de nojo. — Vou avisar ao Rômulo.
Talvez ele queira ir se eu chamar.
— Como se você fosse importante assim… Não finja
na minha frente.
— Discordo, mas não preciso te provar nada. —
Coloco açúcar no meu café e mexo com uma colher,
mostrando um sorriso pleno nos lábios.
Gosto tão pouco dela que adoro ver sua cara de ranço
por mim.
— O convite não se estende a você,
independentemente de qualquer paranoia que você tenha
— ela avisa.
— Então dê adeus a presença do Rômulo nesse seu
passeio. — Volto para a sala do Gustavo, sorrindo para ela.
Dessa vez, me garanti demais.
“Será que ela vai mesmo insistir no Rômulo?”

— … e tá melhor do que nunca. Lembrando que


ontem você teve uma reação alérgica. Hoje era para estar
abatido, mas que cara fica abatido ao lado da Linda, não é?
Olha só eu.
Encaro Gustavo com as sobrancelhas juntas.
— O que você está insinuando?
— Que a Linda também alegra meu dia.
— Mas ela não é paga pra isso e sim pra ser a sua
assistente.
— Eita que esse meu amigo demorou pra ter uma
namorada, mas é um ciúme… Onde você achou essa não
tem outra não?
— Tenho certeza que não. E os ciúmes que sinto, que
você diz que sinto, é normal. Você não sente o mesmo pela
Maria Clara, não? Ah, o seu rolo com ela é só um rolo
mesmo ― lembro.
— Quero sentir algo, mas ela não deixa. Sempre que
ela tá calada, fico a observando, nua, nos meus braços…
— Sem detalhes, por favor.
— ... Em meus braços, calada, a acho tão bonita que
quase me apaixono. Aí ela me pergunta uma coisa
abominável e acaba com qualquer chance de um
sentimento bom nascer, mas lembro que a foda é boa, devo
continuar e não a mandar para a puta que a pariu.
— Romântico e inspirador. — Fico admirado.
Ele dá uma gargalhada.
— Ah, Rômulo! Tô feliz por você de verdade. Nunca te
vi assim.
Reconheço que ele tem razão.
— É tudo tão natural que ao invés de me assustar e
me afastar só me atrai. Ela e eu… Batemos muito de frente.
Ela nunca abaixa a cabeça para mim e isso me deixa louco,
mas também me faz admirá-la por ser tão corajosa e
sincera.
— É. Realmente, ela é bem corajosa e muito sincera.
Fala mais. ― Permanece sentado na minha frente.
— No começo era só um desejo absurdo que eu
deveria ignorar, mas depois do primeiro beijo me perdi em
toda a história.
— Também, um cara possessivo como você descobre
que foi o primeiro em tudo com a garota é como música
para os ouvidos. É como dizer: “agora você pode exagerar”.
Tirou a sorte grande.
“Exagerar em que sentido?
É doido!”
— Sei o quanto sou bom, eu me garanto, mas às
vezes penso que não sou o cara com quem ela deveria ter
essas experiências. Mas também não a imagino outra
pessoa — desabafo.
É a primeira vez que toco nesse assunto com alguém.
Como Gustavo pensa que já sou apaixonado por ela desde
que a trouxe aqui pela primeira vez, ele não vai me julgar.
— Se não é você, é você — brinca. — Só faça a garota
feliz que tudo o que já rolou vai valer a pena.
Balanço a cabeça.
— Você tem razão.
Alguém bate à porta.
— Rômulo?
O Gustavo semicerra os dentes, tenso.
— Entra.
É a Kettelyn.
— Ah, que bom que estão juntos. Vim convidá-los para
uma coisa.
— Convite? Manda. — Gustavo se anima.
Ela se aproxima e apoia a mão na mesa.
“Que decote enorme!”
A Linda já usou um desse naquele coquetel e o
impacto quase me matou do coração.
— Estamos programando fazer um passeio a um
resort. Só a galera exclusiva, os mais próximos. O que
acham?
— Tô dentro. Quem é que vai? Vai muita mulher?
“Eita, Gustavo!”
— Algumas da sua empresa e algumas da empresa do
Rômulo, só as mais íntimas.
“A Linda já deve saber então...
Ela pode ficar feliz com isso, um resort.”
— Coloca aí meu nome então. Vou sozinho. — Gustavo
dá uma piscadela para ela.
“Qualquer mulher para ele é boa.
Sendo mulher…”
— E você, Rômulo? Vai fazer como o Gustavo? — Ela
me encara, se debruçando na mesa para anotar na lista.
— Parece ser uma boa ideia. Coloca meu nome e o da
Linda.
— Tem certeza de que vai levá-la? Você não precisa.
— Oxe! Como ele vai sem a mina dele?! Tá doida?! —
Gustavo retruca.
— Ela vai sim. Pode colocar seu nome ao lado do meu.
— Tá bom… — Ela anota.
“Acho que Linda vai gostar da ideia.”
Paramos no condomínio, mas a verdade é que
queria que ela fosse para a minha casa.
— Linda, vamos a um resort, o evento que inventaram
― aviso, porque não consigo perder o costume de tomar as
decisões por conta.
— Que a RP da sua empresa inventou? — Ela olha
para mim, de sobrancelhas erguidas.
— Isso mesmo.
— Você vai?
— Nós vamos.
Ela fica quieta e somente balança a cabeça, olhando
para fora do carro.
— Será daqui a um mês e meio, eu acho. O Gustavo
vai e outras pessoas também.
— Legal. — Ela não parece ficar animada. É pela
Kettelyn, mas vou fazer com que essa viagem seja boa para
ela.
— Mas antes disso, temos a premiação e você precisa
encontrar a roupa certa. Quero que você esteja impecável
ao meu lado.
— Acho que não tem um vestido mais bonito do que
usei naquele outro dia. Rômulo, você tem certeza de que
quer que eu te acompanhe nisso?
— Tenho sim e sobre o vestido, claro que podemos
encontrar. Com um decote menor e que não seja tão curto.
Ela me esnoba em silêncio. Sei que ela só usou aquela
roupa no outro dia para me tirar do sério.
— Desse jeito é melhor você mesmo escolher.
— Não é uma má ideia e vou considerar mesmo. Já vi
que se te deixar nas rédeas… — Dou uma olhada no celular.
— O quê? — Ela me encara com um meio sorriso. —
Se eu não tomar as rédeas, você me coloca para andar do
jeito que acha que é certo. Um absurdo! É por isso que
quem manda sou eu.
— Oi? — Olho para ela. — Quando você mandou?
— Sempre. Se não passar na frente e falar um "não",
você sai fazendo um monte de coisas.
— Acho que é totalmente o contrário. Acho não, tenho
certeza. Você é a doida varrida que não pensa nas coisas.
— Eu, a doida varrida? — Ela dá uma gargalhada. — E
você? É quem? A cria de Christian Grey? Porque se não for
do seu jeito…
— Se não for do meu jeito as coisas não dão certo e
parece que você não entende. Pois, a partir de agora você
vai aos eventos comigo com as roupas que eu aprovar.
Ela me encara desacreditada, depois suspira.
— É, talvez seja uma boa para mim. Para você só tem
um benefício, não vai gastar dinheiro com maquiagem e
cabelo, porque vai me colocar numa burca, já, para mim,
tem mais benefícios. Ninguém vai saber que sou eu e eu
ainda posso colocar outra pessoa para ir ao meu lugar que
ninguém vai reparar.
Eu não vou rir, mas esse humor ácido dela destrói
minha postura.
— Você deixaria mesmo eu ir com outra pessoa?
Porque tem gente que gostaria de me acompanhar —
pergunto de um jeito provocativo.
Sei que ela sente algo, mas não quer admitir.
Na verdade, nós dois temos esse problema.
— A sua RP?... — Ela me olha, entediada e revira os
olhos. — Bem preocupada fico. Olha a minha cara, leve ela
com você.
— Não. Quem vai é você.
— Você parece estar bem animado com as coisas
dela. Ou quer levar a Ana Cláudia? Imagino que ela ainda
esteja guardando o creme pra passar na sua cara. Deve ser
óleo de peroba — debocha.
Ela está toda ressentida e ainda diz que não se
importa.
— Não precisa ter ciúme.
— Eu? — Ela dá mais uma gargalhada. — Eu com
ciúmes de você? Ai, Rômulo, quando se cansar de ser
empresário, já pode trabalhar como comediante.
“Nem sabe disfarçar.”
Saímos do carro, ao mesmo tempo, e dou a volta por
trás do automóvel.
— Até amanhã.
— Espere. — Eu a puxo pelo braço e ela vem para
meus braços. Nessa hora, ela fica mansinha.
Beijo sua boca teimosa como uma breve despedida
calorosa e ela fica na ponta dos pés, mesmo usando um
pequeno salto.
Quando o beijo chega ao fim, continuo com ela em
meus braços. Ela me fita com os olhos redondos e a
inocência de quem convence qualquer um de qualquer
coisa.
Limpo o batom borrado com o polegar e beijo seus
lábios uma última vez antes de soltá-la.
— Até amanhã.
― Até. ― Ela se afasta a passos lentos.
Entro no carro e a assisto andando até sumir das
minhas vistas.
— Podemos ir, senhor?
— Agora sim.
Depois do jantar, fico no meu escritório olhando
alguns documentos.
A hora não passa, o sono não chega e fico pensando
no que será que aquela criatura está fazendo em casa.
Será que aquele vizinho médico foi atrás dela?
Eu não duvido dele ir lá todo dia para "saber como ela
está".
Ele e o Caleb são da mesma laia, não aguentam ver
uma mulher com cara de ingênua que já querem ir para
cima.
Já me arrependi de ter dado o "até amanhã", deveria
ter dito que poderia vir jantar aqui em casa, assim ela não
ficaria sozinha e esse tal de Juliano não teria chances de
procurá-la. Ainda com ela aqui, poderia acontecer de
dormirmos juntos e ir mais longe.
Fui muito burro!
Invento de me deitar e dormir, mas cadê o sono?
Falta algo em que me apoiar.
Me apoio no travesseiro e fico pensando no quão
iludido eu sou. Dormi uma vez com a mulher e já sinto falta
dela na minha cama!
Não consigo dormir.
Resolvo fazer uma atividade que me deixe exausto.
Malhar.
Troco de roupa, encho uma garrafa d'água na cozinha
e vou para a academia da minha mansão. Começo a correr
na esteira. Toda vez que penso nela, aumento a velocidade
e em menos de dez minutos estou correndo na velocidade
dez.
Linda consumiu a minha cabeça desde que chegou.
Primeiro, não parava de pensar nela com raiva do jeito
como agia comigo, mas isso me excitava. Depois pensava
nela pelas nossas divergências e isso me excitava também.
Mas agora penso nela basicamente pelo seu outro jeito,
quando ela não está brigando comigo. Penso quando ela
fica me olhando, intimidada, tão inofensiva e toda a história
dela nunca ter se envolvido com outra pessoa.
Isso aí me deixa mais excitado ainda.
Nunca conheci uma mulher com a história dela, fodida
e de cabeça erguida. Queria ter a coragem que ela tem para
me enfrentar quando encontro meu pai.
Ela consegue me dispersar até dos meus assuntos
mais importantes.
Não tem como fazer nada para parar e tenho que
enfrentar isso.
Quando se trata desses assuntos, ela se constrange
mais em fazer do que me orgulho em admitir que tenho
interesse.
Tomara que chegue logo amanhã e com certeza terei
outros planos para a noite.
Acho que o Rômulo quer me deixar louca.
O pior de tudo é que tenho aceitado todos os seus
convites. Tô chocada que ele aceitou ir para o passeio do
carrapato dele. Ele me chamou de doida varrida quando
estávamos naquela discussão e só consegui me lembrar do
irmão dele, que disse que tínhamos DR’s.
É, temos, discutimos sobre quem manda na relação. E
ainda quis dizer que era eu. Qual é! Ele sempre dá a palavra
final e faço tudo sem pestanejar, exceto no evento do
vestido decotado.
E sobre os ciúmes… Eu com ciúmes do Rômulo? Não!
Não tô com ciúmes, só acho que se ele quer ficar
comigo, não deve ficar dando moral para aquelas duas.
Eu não gosto delas!
Nem da Ana Cláudia e nem a RP que nunca soube o
nome.
Eu nunca tive ninguém e ele foi o primeiro a me
proporcionar algumas experiências, mas não significa que
sou ingênua a ponto de aceitar alguma palhaçada ou
joguinhos que ele venha tentar fazer comigo.
Já basta o que ele fez comigo antes.
Aí parece que não está acontecendo nada entre a
gente, que estamos discordando um do outro, mas saio do
carro e ele simplesmente me dá um beijo de boa noite.
Eu vou ficar doida!
Reconheço que tenho uma parcela de culpa nisso.
Tenho que entender que Rômulo nunca será o cara que beija
e fica dizendo palavras bonitas. Ele beija, mas depois age
como um cavalo; ele provoca e depois beija de novo para
em seguida provocar mais um pouco.
Eu não tenho psicológico para isso.
Aquela pegada me deixa mortinha, me desmonta
toda.
Tô furiosa, querendo ver o cão menos ele, mas acho
que se ele me pegar daquele jeito esqueço tudo rapidinho.
Isso é um perigo!
Não é todo em momento que poderei perdoá-lo com
um beijo!
Ainda bem que falta tempo para essa viagem, o
tempo necessário para conseguir assimilar as atitudes do
Rômulo.

— Tá atrasada — Rômulo fala assim que entro no carro


para irmos trabalhar.
Respiro fundo e sorrio.
— Você não perde a chance, não é?
— Não. — Beija meu rosto.
Pronto, menos uma briga.
— Dormiu bem?
— Dormi — minto. — E você?
— Também, como uma pedra.
“É, né?
Ele não fica com a consciência pesada por nada!”
Quando estamos perto da cafeteria, lembro de algo
que vi na noite passada.
— Tava olhando no Instagram, algumas fotos que
tiraram da gente na cafeteria. Rômulo, as pessoas sabem
tudo sobre mim. — Viro para ele, preocupada.
— Como assim?
— De tudo. Onde trabalho, onde tomo café, onde
moro, onde morei. Elas sabem tudo. Elas sabem onde me
encontrar e tô com medo. — Eu me encolho.
— Ninguém vai fazer nada.
— Tenho minhas dúvidas. Vai saber a maldade das
pessoas!
— Você tá comigo, o tempo todo. Acha que alguém vai
tentar fazer algo? Tomo café na mesma cafeteria há anos e
nunca aconteceu nada.
— Eu não sei não… Não gosto dessas coisas.
— E o que você quer que eu faça? — Ele olha para
mim, entediado.
— Sei lá, mude esse roteiro. As pessoas sabem até
que você me leva para casa!
— As pessoas são curiosas, Linda. Eu não vou te
deixar voltar para casa sozinha se posso te levar. É dessa
forma que te protejo. E você, quando chegar em casa, pode
trancar a porta. A única pessoa que quer entrar na sua casa
é aquele seu vizinho metido.
Ele tinha que criticar alguém!
Fico quieta.
Tomo café em alertam, mas quando chegamos no
prédio da empresa, relaxo um pouco, concentrada em
minhas obrigações.
Assim que termino de resolver algumas coisas, vou
tomar um cafezinho e levo minha garrafa para encher com
água.
— Eu tenho uma ideia. — Rômulo aparece do nada,
dou um pulo e me viro para ele.
— Vai matar outro! Que susto! — Coloco a mão no
peito. Meu coração só falta saltar de mim.
Ele ignora o que me causou.
— Faça tudo o que tiver que fazer com o Gustavo.
Você vai sair comigo às quatro da tarde — ele avisa.
— Vamos para onde?
— Uma surpresa. — Ele vai embora.
— Que surpresa, Rômulo?!
“Ele me procurou só para isso?
Meu coração não aguenta esses sustos!
Para onde vamos?!”
Parece que a Linda ainda não entendeu que está
segura perto de mim.
— Sr. Rômulo, todos os compromissos foram
cumpridos — Laisa avisa.
— Ótimo. Vou sair mais cedo hoje. Quais são os
compromissos de amanhã?
— Até agora somente uma reunião com seu
advogado.
— Com o advogado?
— Sim. Ele marcou uma reunião.
Deve ser sobre os processos.
— Mais alguma coisa?
— Não.
— Ótimo. Se aparecer novos compromissos não deixe
de marcar. Caso apareça algo urgente ainda hoje, me ligue
que voltarei. ― Saio do escritório ansioso e desço para o
quinto andar.
— Boa tarde, Sr. Rômulo — as meninas na recepção
falam em coro.
— Boa tarde. Gustavo tá por aqui?
— Sim. Ele tá no escritório dele.
— Ok. — Vou para lá.
Ao chegar perto da porta, ouço gargalhadas, abro sem
avisar e pego os dois rindo de alguma coisa no computador.
— Com licença. ― Entro na sala.
“A Linda nunca ri desse jeito quando tá comigo.
O que o Gustavo faz?
Toda vez que a encontro com ele, tá se divertindo.”
Eles olham para mim, e o sorriso dela diminui.
— O que estão fazendo de tão engraçado?
— É que estamos aprendendo a usar o Photoshop,
mas não tá dando muito certo não — Gustavo conta,
chorando de rir e Linda rir com ele.
— Meu Deus… — Fico perplexo com as ideias do
Gustavo em pleno horário de trabalho. — Vocês não
deveriam estar trabalhando?
— Já terminamos o que tinha pra fazer — Gustavo
responde.
“Trabalho nunca termina.”
— E eu, teoricamente, tô trabalhando, auxiliando o
Gustavo a usar o software.
— Hum. Linda, tá na hora daquele compromisso.
Ela levanta e junta as coisas, apressada.
— Ei, você vai ter que pagar as horas que me rouba a
Linda!
— Você disse que já acabou o que tinham que fazer,
então não tô atrapalhando em nada — lembro com um
sorriso vencedor e ele se aquieta.
— Tchau, Gustavo — ela fala.
— Tchau, Linda, até amanhã.
— Até. — Ela passa pela porta e saio logo em seguida.
— Para onde vamos? — Linda pergunta.
— É uma surpresa.
— Tenho medo disso.
— Acho que vai gostar. — Observo a linda mulher que
coloca o cabelo atrás da orelha.
“A mulher é bonita demais.”
Chamo o elevador e esperamos perto da porta. Linda
se aproxima e arruma a minha gravata, me deixando
surpreso.
— Tava torta — explica, distraída.
“Tá bom.”
O elevador abre e entramos nele.
Quando as portas se fecham, não penso duas vezes
antes de ceder ao desejo de beijá-la, a empurro contra a
parede e colo meu corpo no seu. Seus lábios carnudos
entreabertos deixam escapar o hálito doce e os capturo
ferozmente em um beijo lento e prazeroso.
Ela aperta meus ombros e abaixa o queixo,
quebramos o beijo, mas ainda levanto seu rosto para um
beijo curto. A encaro e ela desvia o olhar.
― Estamos no elevador e qualquer momento alguém
pode aparecer aqui.
― Não se preocupe com isso.
― Eu não sou igual a você que não se importa com o
que os outros pensam. Pelo menos, não quando diz respeito
a esses assuntos. ― Ela está toda tímida.
― Te incomoda muito?
Ela balança a cabeça afirmando.
― Então vou me controlar. Vou tentar. ― Eu a solto
contra a vontade.
― É melhor.
— Você já passeou de iate?
— Oi? — Arregala os olhos. — Você vai me levar para
o mar?
O elevador abre e seguro sua mão.
— Vamos.
Saímos do prédio e ela arruma o cabelo enquanto
anda. Não sabe disfarçar que estivemos aos amassos.
O motorista nos leva até o cais e assim que saímos do
carro, ela se deslumbra. Perguntou sobre isso durante o
caminho todo e eu fiquei calado.
— Vamos passear de iate?
— Sim. — Seguro sua mão e andamos até a
embarcação.
O vento faz seu cabelo voar e o cheiro do seu perfume
chega ao meu nariz com facilidade.
Espero que ela fique feliz com o passeio de hoje, pois
foi a melhor coisa que pensei para agradá-la.
Entramos no iate e Linda está com um sorriso enorme
no rosto.
— Eu nunca estive num lugar assim.
— Esse nem é o destino, é só o transporte para ele.
— Só, Rômulo? Você acha pouco?
― Sim, é um passeio.
— É estranho você fazer esse passeio numa quinta à
tarde.
— Sou o chefe.
— Eu sei, você já falou isso um milhão de vezes.
Rimos.
Seguro no guarda-corpo e ela também. O capitão liga
o motor e saímos do cais.
Ela fica pensativa, olhando para o mar. Eu só queria
saber o que se passa na cabeça dela, se é algo bom.
— Gostaria de poder ler a sua mente agora.
Ela olha para mim e volta a olhar para o mar.
— Tô pensando no quanto meu pai adorava o mar. Ele
sempre disse que a cidade não era nada comparada ao mar.
Falava de como as ondas surgiam e como era quando tinha
tempestade. Tudo parecia muito grande e ele não tinha
medo de nada, já eu... Eu ficava curiosa, mas não tive
chance de ver as coisas como ele.
“Temos uma trajetória bem diferente, afinal não
enxergo meu pai como ela enxerga o dela.”
Linda olha para a água como uma criança.
— Linda, você não tem mais nenhum familiar? A
família do seu pai ou da sua mãe?
— Existe, mas não são nem um pouco próximos a
mim, são de outras gerações e nem me conhecem.
Quando decidi morar sozinho, foi porque não
aguentava a minha família. Fiquei muito tempo sem voltar
lá, mas sei que eles estão lá, vivos.
E ela não tem ninguém vivo.
Fico sem palavras de novo.
— O que é aquilo? — ela pergunta, apontando.
— É uma das plataformas, a plataforma onde seu pai
trabalhava.
— Sério?
— Sim.
Ela olha para o lugar sem piscar os olhos.
— Tudo bem para você ir lá?
— Sim, tudo bem. Era o que o meu pai sempre quis
que eu conhecesse. — Ela dá um leve sorriso.
Então ela está feliz.
Chegamos na plataforma e o diretor mostra
todos os cantos a ela. Linda fica bastante animada e quando
alguns operários descobrem que ela é filha do operário que
morreu, também ficam felizes em conhecê-la.
Confesso que tô me sentindo uma péssima pessoa no
momento, pior do que da outra vez que vim aqui. Pelo meu
ego, não acreditei na palavra dela, que tem uma história tão
triste e só estava tentando honrar o nome do pai.
Encarei tanto seus olhos naquele primeiro momento e
ainda teimei em chamá-la de mentirosa e golpista.
Será que essa mágoa já passou?
No fim do passeio, ela se aproxima, enxugando o
rosto e empresto meu lenço.
— Se soubesse que iria chorar tanto, não teria te
trazido aqui.
— É de felicidade. — Ela enxuga os olhos e sorri em
outra direção. — Eu não imaginava que meu pai era tão
querido assim. Quando ele morreu, achei que ninguém, nem
mesmo seus colegas de trabalho, se importavam com ele.
Agora sei que tava errada e é ótimo estar errada.
— Então você tá feliz? — Eu me encosto na parede do
corredor e ela se encosta na outra, à minha frente.
— Sim. Pode deixar que vou lavar o lenço. — Ela
guarda na bolsa.
— Sem problemas. Linda, eu…
— Linda? ― Outro rapaz a chama e olhamos na
direção da voz.
— Vinícius! — ela exclama, surpresa.
É um jovem operário.
— Sim. Nossa, quanto tempo! — Ele se aproxima. —
Posso te dar um abraço?
“Não.”
— Claro! — Ela abre os braços e fico assistindo ao
abraço deles. — Faz muito tempo mesmo! Como você tá?
— Bem. E você?
— Tô ficando. Eu não sabia que você também
trabalhava com petróleo e gás! — Ela está sorridente.
— Tô começando agora. Acabei de voltar do Recife.
— Ah, é mesmo. Você se mudou para lá naquela
época, não foi?
— Sim, a minha família toda, mas decidimos voltar.
Vim primeiro, mas a minha família já tá voltando também.
— Para a mesma casa?
— Sim. — Ele assente sorrindo para ela.
— Então vou lá quando eles chegarem — ela promete.
Não gostei disso nem um pouco.
— E como você veio parar aqui?
Ele, finalmente, me enxerga.
— Ela veio comigo. — Estendo a mão. — Rômulo
Guimarães.
— Vinícius Santana. — Ele aperta minha mão. — O seu
nome não me é estranho.
“Sério?”
— É que ele é o dono da empresa... — Linda responde,
sem jeito e ele solta a minha mão, surpreso.
— Ah. Eu não sabia que o senhor tava aqui.
— Resolvi trazer a Linda para ver onde o pai dela
trabalhava.
— E vocês se conhecem…
— Sim. — Eu a puxo pelo braço e ela vem toda tímida
para perto de mim. Ele entende o que significa a nossa
proximidade.
— Nossa!
Linda permanece na timidez.
— Você vai ficar aqui por quanto tempo?
— Três semanas.
Ela balança a cabeça.
— Acho melhor voltarmos, Linda. Daqui a pouco
anoitece. — Puxo a mão dela e ela concorda comigo.
— Nos vemos em terra — ela fala para ele, sorrindo.
— Combinado. — Ele também sorri para ela. — Foi um
prazer, senhor.
Eu só balanço a cabeça e nos afastamos.
Procuro o chefe para agradecer a disponibilidade e
Linda faz muitos agradecimentos a ele, depois entramos no
iate e viajamos de volta para a cidade.
Senti uma coisa diferente vendo a interação entre
Linda e aquele rapaz, senti o peso da ameaça de verdade.
Parece que eles sentem um afeto um pelo outro que ela não
sente por mim, nem pelo vizinho ou pelo Caleb.
É uma ameaça real.
Ela passa a viagem de volta para o cais, debruçada no
guarda-corpo, olhando para o mar com o cabelo voando e
um semblante feliz.
Eu a observo de longe.
“E se ela gostar de outro?”
— Que cara é essa? — ela pergunta de longe.
— Oi?
— Parece que tá em transe e bastante preocupado. —
Tira o cabelo do rosto, mas o vento não ajuda e volta a jogá-
lo. Ela sorri para o nada, de olhos fechados.
— Impressão sua. Tava pensando em jantarmos juntos
hoje à noite. O que você acha?
— Pode ser. Já não temos o que esconder, não é? —
Ela dá um leve sorriso e olha para o mar.
— Não.
Eu amei o passeio. Nem sei como agradecer ao
Rômulo por fazer isso. Foi ótimo. Ainda sinto em minha pele
a brisa do mar e a sensação de estar lá.
Queria que meu pai estivesse vivo.
Me olho mais uma vez no espelho e suspiro.
— Não tô tão mal.
Uso um short de alfaiataria e uma blusa de crepe.
A ideia é jantar na casa dele, por isso vesti a roupa
casual de sempre. Só espero que ele não me leve para
nenhum lugar chique.
Me perfumo e pego a bolsa para esperá-lo no saguão,
senão ele vai aparecer e dizer que me atrasei. Saio do
apartamento e chamo o elevador, assim que ele se abre,
tomo um susto e dou um passo para trás.
— Já? — pergunto ao ver Rômulo no elevador.
— Tá atrasada cinco minutos.
Entro no elevador.
— E achou que vindo dizer isso na minha porta iria me
fazer andar mais rápido? — Aperto o botão para descer e
depois me viro para ele que está me medindo com os olhos.
— Achei sim — responde com a cara lisa.
Rômulo está vestido fora dos padrões comuns para
ele, com suéter preto e calça jeans.
Eu me encosto na parede do elevador.
“Será que ele vem de novo me beijar?”
Parece que isso está virando rotina no elevador.
Ele estava pensativo na volta do passeio e continua
assim.
— Então… — Tento quebrar o silêncio e ele olha para
mim. — Esse jantar é pra quê? Pra comemorar que estamos
sem nos insultar por um tempo recorde?
Ele dá uma rápida risada e encara o chão, de braços
cruzados.
— Aconteceu alguma coisa? ― pergunto.
— Que tipo de coisa?
— Que te deixou assim, todo sério.
— Eu sempre sou sério.
— Mas tá mais do que de costume.
— Tem algo me incomodando, sim, mas
conversaremos sobre isso no final da noite.
“Aposto que vai implicar com o Vinícius.
Tava demorando...
Ele implica com todo cara que fala comigo.”
Saímos do prédio e ele abre a porta do carro para que
eu entre.
Ele está com outro carro de luxo que só cabe duas
pessoas.
— Tá ostentando hoje, é? — brinco.
— Tá impressionada?
— Não.
Ele ri e entra no carro. Me acomodo no banco e coloco
o cinto de segurança.
— Quando entro nesses carros, sempre acho que você
vai sair dando cavalo de pau e depois meter carreira na
estrada. Ainda bem que… ― calo quando repentinamente
ele dá uma acelerada no carro, o motor ronca alto e me
deixa com o coração na mão. O carro sai girando, ele freia e
quando saímos do condomínio, ele pisa firme de novo,
dirigindo do jeito que falei.
Acho que ele só dirigiu devagar no outro carro.
Fico colada no banco com os olhos na rua, com medo
de acontecer alguma coisa. Ele diminui a velocidade, pois o
trânsito está lento mais adiante.
— O que você tava falando?
— Eu me equivoquei. ― Digo arrependida. — Olha, se
estiver querendo se matar, me avise que saio do carro. Sou
muito jovem.
— Eu também sou e não tô querendo matar ninguém,
sua doida. Só tô dando um pouco de emoção.
— Você já me proporcionou muita emoção hoje. Pode
dirigir a vinte por hora mesmo. — Tento relaxar no banco do
carro e ele dá um leve sorriso, olhando para a rua.
Não demora muito para chegar ao restaurante, um
lugar mais tranquilo e aberto.
Saímos do carro e ele segura minha mão para entrar
no restaurante. Depois da intimidade que tivemos quando
dormimos juntos, andar de mãos dadas não parece nada de
mais.
O lugar tem um clima romântico, todas as mesas são
iluminadas à luz de velas e tem muitos casais. Eu me sinto
até estranha. Principalmente, pelo fato de ser o Rômulo me
trazendo para um lugar como esse.
Sentamos numa mesa para dois, frente a frente, mas
o ambiente torna o momento diferente dos outros em que
estivemos nas mesmas posições.
Olho para a janela de vidro que dá de frente para o rio
e vejo um iate passando. Ele é bem iluminado e tem
algumas pessoas dançando.
— Então você percebeu que não estamos mais entre
ameaças… Fico contente que esteja deixando pra trás o que
vivemos quando nos conhecemos.
— Você me chateou demais naquela época, mas se
mostrou arrependido.
— Linda… — Ele suspira e o garçom chega com os
cardápios. Pego um e ele outro.
— O que dizia? — Tento retomar o assunto.
— Que eu me arrependo de verdade por não ter te
dado uma oportunidade de se explicar quando esteve na
minha casa. Eu sempre tive essa mania de não deixar
ninguém entrar lá e às vezes o motivo da visita nem chega
aos meus ouvidos quando alguém me procura. Já mando
dispensar.
— Eu sei.
— Na época eu era muito apegado a agenda. Mesmo
assim, quando você falou comigo, eu deveria ter parado pra
te ouvir e não te chamado de golpista e mentirosa, nem ter
te expulsado de lá quando você precisava de cuidados.
— Fiquei puta quando eles me tiraram de lá. Isso não
se faz, Rômulo. Por isso não quis mais acordo com você.
— Mas você viu que mudei de ideia assim que
descobri que era verdade.
— Sim, só que eu já tinha sido expulsa e os seus
seguranças foram uns grossos comigo. Aposto que fizeram
aquilo com prazer.
— Lamento. Eles apanharam e não duvido mesmo
terem ficado com raiva.
— Eu deveria ter dado outras joelhadas neles. Mas
ainda tá em tempo. — analiso.
— Você acredita que me arrependo? Porque hoje,
depois de te ver lá na plataforma, fiquei com mais remorsos
ainda e isso tá me corroendo. — Conta desconfortável.
Então é isso.
— Você me magoou e eu não queria te ter por perto,
mas te conhecer me fez ver outro lado seu e sim, eu sei que
se arrepende. Eu me vejo em você, quando diz que não
gosta do seu pai.
— E eu me vejo em você também por causa disso. Por
outro lado, me sinto como ele e me odeio por isso. Foi o que
me levou a te procurar.
— Como sabemos como é, fica mais fácil entender o
lado do outro, né? Mas sei que você não é como seu pai,
embora não tenha convivido com ele.
Ele balança a cabeça.
— O desprezo por ele não acreditar em mim e o que
faço? O mesmo que ele faz. Lamento pelo que aconteceu
com sua família, Linda. — ele segura a minha mão. — Tô
aqui pra tudo que você precisar. Não falo de dinheiro, falo
de família.
Nossa, agora ele me acertou, embora eu já tivesse
essa sensação.
— Sei que sim. — engulo o nó na garganta.
Ele acaricia a minha mão, mas parece ainda carregar
o peso da conversa.
— Vamos falar de outra coisa?
— Vamos. — ele assente. — E aquele seu amigo?
Parece que são muito próximos.
“Eu achei que esse era o assunto principal.”
— Nos conhecemos desde criança e ele morava perto
da minha casa. Brincávamos juntos.
— Vocês ficaram muito felizes com o reencontro…
Agora ele tá com aquela cara de ciúme.
— Claro! Fazia muito tempo que não nos víamos.
Éramos como irmãos, melhores amigos. Por causa disso as
meninas não gostavam muito de mim. A garota que contou
que nunca tive um namorado, gostava do Vinícius e tinha
ciúmes da gente — conto com um leve sorriso. — Na época
foi tenso, mas hoje até que é engraçado.
— Eu não duvido dele não ter pensado nessa ideia.
Olho para ele.
— Bom… — Eu não quero mentir e já que ele tocou no
assunto... — Antes de ir embora, ele disse que gostava de
mim. — Olho para a rua.
— Acho que isso não mudou.
— Já faz tempo.
— Você também gostava dele?
— Eu? Não! Eu o achava bonitinho, mas era só meu
amigo. Não pensava nessas coisas.
Ele mexe as sobrancelhas.
— Agora as coisas mudaram.
— É isso que te preocupa? O Vinícius?
— Não, eu me garanto.
— Eu sei que sim. ― sorrio.
— Mas você não quis dizer que a gente tava juntos.
Não gostei.
— Acho que você deixou bem claro quando me
agarrou pela cintura, Rômulo.
— Não podia dizer com palavras. Você não quer ser
minha namorada. Quer?
“Isso é um pedido?”
— Hein?
— Eu… Rômulo… Eu preciso pensar antes de
responder isso.
— Pois pense com carinho. — ele analisa o cardápio.
“Ai meu coração.”
— Como assim, Linda? Vai me deixar sem resposta o
fim de semana todo? — pergunto na sexta-feira, quando ela
simplesmente me dá um fora pra ficar com as vizinhas dela.
— Pra eu pensar com tempo, Rômulo. Nossas vidas
são muito diferentes, apesar de eu estar inserida no seu
meio.
— Quer dizer que eu ainda tenho chances de ouvir um
não? — pergunto preocupado e ela ri.
— O que você acha?
— Que você é uma caixinha de surpresas. — a abraço
pela cintura e lhe dou um beijo de despedida.
— Aproveite o fim de semana com seu irmão, os
amigos…
— Seria melhor com você, mas já você tem seus
planos, eu vou falar com eles.
— Isso. Nada de ficar preso em casa! Tchau.
— Tchau. — fico para trás a contragosto.
Já tinha acostumado a passar o fim de semana com
ela. Só espero que ela volte com um sim.

Ouvi o conselho de Linda e saí com o degenerado do


Rodrigo. Ele me trouxe para o meio do mato.
— Chegamos. Bem-vindo ao Clube dos perdedores! —
ele anuncia animado.
— Eu odeio perder, Rodrigo. Eu odeio perder. Se a
gente perder por sua causa, eu te deixo aqui — aviso de
antemão.
— Mas o carro é meu.
Pego a chave.
— Agora não é mais. — Saio do automóvel e ele
também.
É uma… É uma roça, um terreno rodeado de árvores,
com uma casinha no interior.
— Onde tá o clube?
— Você tá pisando nele.
“Que decepção!”
— O que achou? — meu irmão se escora no carro,
com um sorriso orgulhoso.
— Na minha cama tava melhor.
— Qual é, Rômulo! Depois que você arranjou uma
namorada, só pensa em namorar o dia todo! Tem que curtir
com os amigos e irmão! A Linda não vai se importar de ficar
um dia sem o Rômulozinho dela não!
— Vou me lembrar disso quando ela vier com ideias
de socializar. Foi por esse motivo que aceitei vir com você.
— Caramba!
― Vem mais alguém? — Olho ao nosso redor
procurando algum sinal de vida que não seja o chacoalho
ambulante do meu irmão.
— Vem, sim, devem estar chegando. Vamos lá no
barzinho tomar um café ou uma pinga. — Ele sai na frente e
eu o acompanho.
O bar é na casinha e tomamos café em copos
americanos. Lembro da noite que jantei na casa da Linda,
onde tinha uma garrafa igual.
— Quem mais tá vindo?
— O tal Gustavo Araújo de Medeiros Costa, vulgo seu
amigo.
— Gustavo vem mesmo? — Fico surpreso.
— Vem ele e mais alguém.
— Ah, tá! — Dou um gole no café. — O que a gente
vai fazer aqui mesmo?
— Jogos mortais.
— Fala sério.
— O pessoal vem para jogar futebol, baralho,
capoeira, vôlei, mas a gente gosta é de luta livre, sabe? ―
insinua que vai me socar.
— Tenho, literalmente, uma imagem a zelar. Não
posso aparecer machucado. Vamos fazer outra coisa.
— Pode ser. Mas somos quatro.
Um carro se aproxima e logo vejo Gustavo. Ele buzina
e dá um cavalo de pau antes de estacionar. A poeira sobe.
Gustavo é muito amostrado, isso sim. Ele sai do carro
e Caleb o acompanha.
“Ele tinha que chamar o metido?”
Levantamos e os cumprimentamos.
— Pronto pra apanhar, Romerito? — Gustavo pergunta
com um sorriso perverso.
— Não me desafie. Tanta academia boa na cidade,
vocês me trazem pra esse lugar? — digo decepcionado.
— Vamos jogar uma pelada. Daqui a pouco chega
mais gente — Caleb sugere parecendo conhecer bem o
lugar.
Não frequento esses lugares.
— Mas vocês tomem cuidado. — o dono do bar avisa.
— Porque esse campo aí tá perdido pra correr. Na semana
passada teve um rapaz que tropeçou, caiu e quebrou o
nariz. Tá precisando capinar.
— Espero que ainda tenha uma namorada pra cuidar
dos seus machucados depois de hoje — Caleb fala para mim
e rio com deboche.
— Mais fácil você cair na primeira corrida.
— Aqui. — Rodrigo traz uma cerveja enrolada num
pano e coloco na testa.
— Tombo desgraçado. Eu deveria ter ouvido o dono do
bar e me poupado dessa palhaçada. Onde já se viu tanto pé
de capim no meio do campo?
Ele ri. — Não foi só você quem se machucou.
Caleb anda mancando por torcer o pé.
— Sabe de uma? — ele senta ao meu lado. — Estamos
muito velhos pra essas coisas. Da próxima vamos jogar
baralho, sinuca…
Acabo rindo da ideia porque sou obrigado a
concordar.
— Da próxima vamos num lugar decente, isso sim.
Um campo no meio do mato…
— Você é um burguês. — Rodrigo diz colocando óculos
caríssimo nos olhos.
— Aham. Sou eu.
— Vamos pra onde? — Caleb pergunta.
— Pra casa. — digo.
— Vamos almoçar no melhor restaurante de beira de
estrada da região. — Gustavo diz animado. — E encher a
cara lá.
— Depois vou ligar para o meu motorista, pois não
entro em carro de bêbado. — Levanto para acompanhá-lo.
— Então você também vai encher a cara! — Rodrigo
conclui animado.
— Não sei, mesmo assim, não serei o motorista de
vocês.
Pegamos o carro de Gustavo e vamos para o tal
restaurante, cada um com uma cerveja. Rodrigo deixa seu
carro no clube, para pegar depois do almoço.
— Enfie essa cerveja para dentro, Caleb, pra ver se
ajuda a curar a dor no tornozelo — incentivo.
— Tô aceitando. — ele vira a bebida goela adentro.
Quando nos aproximamos do tal restaurante, tem um
ônibus e uma grande movimentação.
— Eita, que tem mulher até umas horas! — Rodrigo se
estica entre os bancos, animado.
— É hoje, Rodrigão! — Gustavo, que dirige, levanta a
mão para um high five com ele.
— Tem festa? — pergunto.
— Sempre tem, donzelo. As garotas dos povoados e
das roças próximas vêm para esse restaurante no fim de
semana.
Estou curioso, mas não empolgado como eles estão,
afinal não tô procurando ninguém.
Gustavo para o carro na frente do restaurante e
saímos do automóvel. Tem muita mulher mesmo, mas acho
que elas não estão admiradas com a nossa chegada por
algo bom, deve ser pela nossa situação. Um manco e outro
com um galo na testa. Parece que saímos de uma briga.
— Vamos. — Gustavo vai na frente e entramos no
restaurante.
Lugar simples, mas com muita gente.
Sentamos numa mesa que estava vazia.
— Rômulo, aquela ali não é a minha cunhada? —
Rodrigo cutuca meu braço e fico em alerta.

Procuro até encontrá-la.


Sim, é a Linda, e ela está numa mesa cheia de
mulheres, rindo e tomando cerveja.
“Então ela me dispensou pra vir pra cá!”
Quando não a procuro, a encontro, até parece que o
destino quer mesmo a gente perto um do outro.
Ela não tinha me visto até meu irmão gritar seu nome.
— Linda! Você por aqui também?!
— Rodrigo? — Ela estranha e depois seus olhos me
encontram.
Acho que ela vai pensar que armei pra encontrá-la
aqui.
— Acabamos de chegar.
Ela levanta pedindo licença para as mulheres e vem
até a nossa mesa. Está usando camiseta temática verde-
claro, assim como as outras mulheres e short jeans curto.
— Gustavo… Caleb… — Ela olha para eles e, por fim,
para mim. — O que aconteceu com você, Rômulo? Caiu?
— Caí durante a pelada. Caleb também se arrebentou.
Torceu o pé.
Ela olha pra ele e desaprova.
— Era pelada mesmo ou rinha de galo?
Rimos.
— Acho que tenho alguma coisa na bolsa, no ônibus —
ela fala, me observando.
— Não precisa se preocupar com isso — dispenso
tranquilamente e tomo mais cerveja. Ela só quis ajudar por
pressão deles.
— Vá logo! — Rodrigo me apressa.
— Vamos — ela insiste.
Levanto e a acompanho enquanto os idiotas ficam
rindo de mim, mas aposto que se demorasse mais um
pouco o Caleb iria se oferecer para ir no meu lugar.
Entramos no ônibus e me sento numa cadeira
enquanto ela pega a bolsa.
― Não deveria deixar suas coisas aqui.
― Nesta bolsa não tem nada de muito valioso. ― Ela
se senta no braço do banco, ao lado do que estou sentado.
― Você sempre carrega essas coisas?
— Sim. Não tem como saber quando posso precisar ou
alguém pode precisar e aqui mais ainda, longe da cidade.
“Bem cautelosa, mas naquele dia lá em casa ela não
tinha nada disso.”
— O que tá fazendo aqui? São suas amigas? — Fico
curioso para saber e ela molha um pedaço de algodão em
alguma coisa.
Na camiseta dela está escrito "XII torneio de argolas"
e tem um cavalo na frente.
— São do meu bairro e familiares delas. Hoje teve um
evento aqui perto e como já havia combinado com elas,
vim. — Passa o algodão no lugar do machucado e arde a
ponto de não consegui segurar a expressão.
— Você competiu?
— Não, só assisti. — Limpa o machucado,
concentrada. — E você, hein? O que faz por aqui?
— Não tô te seguindo. Foi ideia do meu irmão.
— Faz sentido. — ela sorri.
— Foi um tombo pior que o seu.
— Pena que eu não tava lá pra ver.
— Mulherzinha cruel.
Ela sorri.
“Tão linda!”
— Você queria férias de mim e apareci onde você
tava…
— Parece que isso acontece incontrolavelmente.
— Pois é.
— Você poderia ter chamado seu pai pra esse rolê dos
manos.
― Nem pensar. Se eu soubesse onde era, não viria.
Imagino ele…
— Poderiam ir pra um lugar melhor. Quem sabe não
se acertavam?
― Ele não faz nada pra merecer isso.
― Talvez, ele nem enxergue o quanto te magoou.
Respiro fundo e balanço a cabeça.
Talvez ela tenha razão.
Ela termina o curativo e fecha a bolsa.
— Vamos?
— Vamos. — Levanto do banco. — Você pode
continuar com as suas amigas, não quero atrapalhar o
momento de vocês.
Ela assente e sai na frente.
Volto para a mesa e novamente os rapazes riem de
mim.
— Olha só, voltou com um curativo! — Gustavo fala
como se eu fosse uma criança.
— Ganhou um pirulito também, ou foi um beijinho? —
Rodrigo pergunta e sento e volto a tomar a minha cerveja.
— A idade mental de vocês é questionável.
Ignoro os comentários e assisto minha indecisa de
longe.
Não esperava que eles fossem aparecer aqui, muito
menos Rômulo que não tem o perfil de quem frequenta
lugares assim. Parece que sempre terminamos juntos.
Almoçamos e fico com minhas vizinhas, tomando
cerveja. Rakelly se aproxima e sentamos juntas. A garota
não sai das redes sociais.
— As meninas agem como se nunca tivessem visto
tantos homens bonitos junto, mas acredito que nunca viram
mesmo — comenta me fazendo rir.
Estamos de olho em tudo.
— O seu namorado é bem sério, não é?
“Namorado...”
Pior que acabei o encarando desta forma mesmo.
— Sim, ele é sempre assim. — Olho para a mesa
deles. Rômulo está tomando sua cerveja e conversando com
o Gustavo, todo sério.
— Olha lá, Linda. — Rakelly me cutuca e olho na
mesma direção que ela. — As bonitas já estão se chegando.
Daqui a pouco, elas vão dançar bem do lado da mesa deles,
você vai ver.
— E o que elas querem com isso?
— Chamar a atenção deles. Elas não aguentam ver
gente de fora que já vão para cima.
Rakelly gosta muito de vir para cá e conhece como
tudo funciona.
Um grupo de cinco garotas se aproxima deles. Elas
são bonitas, mas muito metidas.
— E olha quem chegou para completar a festa. —
Rakelly sacode meu braço e olho novamente para a porta.
Vejo Maria Isabel entrar, a pedra no meu sapato
versão “mesma classe que eu”. Foi ela quem espalhou que
eu nunca beijei ninguém, algo tão íntimo. Essa garota não
tem escrúpulos.
Ela pega uma cerveja e se junta as outras.
Como Rakelly falou, elas logo estão dançando na
frente da mesa dos rapazes, rebolando a bunda para eles.
— Ela vem sempre aqui, é?
— Vem todo domingo pelo que vejo nas fotos.
Com o passar da tarde e o cair da noite, que no meio
das garrafas de cerveja passou voando, os rapazes chamam
as meninas para dançar e rio muito.
Rodrigo tem molejo, mas Gustavo parece que tem a
coluna travada e o quadril também.
Pelo visto, eles não são cheios de frescura, já que
vieram a um lugar tão simples.
— Acho que você deveria ir lá se sentar com seu
namorado. Quem tem um namorado desses tem que marcar
território, Linda. Senão as meninas vão para cima. — Rakelly
aconselha e dou risada.
Quando ela sai pra dançar com um rapaz, Maria Isabel
vem falar comigo.
— Olha só, se não é ela que saiu de casa! Que milagre
é esse? — Ela sorri de olho na minha camiseta. — Ah, tá!
Anda com o grupo das velhas. Por que não anda com a
gente?
— Tava com saudade de mim, Maria Isabel?
— Tava. Não quer beber com a gente?
“Falsa simpatia.”
— Não. Vou me sentar ali com o Rômulo mesmo —
Passo pelo grupo das garotas e chego na mesa dele.
Puxo uma cadeira e me sento ao seu lado.
— Vocês não estão exagerando na bebida? Quem vai
dirigir?
Ele sai do foco da cerveja e olha para mim.
— O que disse? — Encara meus lábios.
— Que vocês não…
Rômulo avança em minha direção e me rouba um
beijo.
Ele me desmonta toda e enquanto me encara, olho ao
nosso redor para ver se tem alguém nos observando.
Nunca beijei ninguém na frente das pessoas que
conheço, se bem que aqui não tem tanta gente próxima a
mim, mas depois que virei assunto por causa dele, muita
gente me conhece.
— Ficar o fim de semana separado não rola — Encosta
sua testa na minha e fecho os olhos sorrindo.
Não tem mais jeito, estou mesmo apaixonada por ele,
meu coração bate mais forte cada vez que ele diz algo bom
referente a mim e quando me toca isso é mais forte ainda,
pois fico cheia de vida.
Ele se afasta e me encara com o rosto alegre, mesmo
sem mostrar um grande sorriso. O tempo que ficamos
juntos nos ligou demais.
— Já parou de beber?
— Já — assinto.
— Ótimo. Não quero te ver bêbada.
Rio da sua audácia.
— Já vem com ordens, torrão? Você também tá
bebendo e pelo visto bebendo muito. — Olho para a garrafa
em sua mão e vou desconsiderar a quantidade de vezes que
vi o rapaz trazendo bebida e levando garrafas vazias, pois
perdi a conta.
Rômulo mexe em meu cabelo e acaricia meu rosto. Eu
não consigo permanecer olhando em seus olhos.
— Eu te acho linda demais.
“Como não ficar sem jeito com isso?”
— Você tá bêbado, por isso fica dizendo isso.
Tento esconder a felicidade de ouvir um elogio desses
me encolhendo e desviando o olhar.
— Me tornei o que mais temia.
— O quê? — Fico curiosa.
— Um bobo apaixonado. — declara.
Dou risada, mas por dentro meu corpo sacode com o
coração acelerado, afinal ouvir isso me deixa feliz.
Na primeira vez que ouvi que um garoto gostava de
mim, eu fugi, mas, dessa vez, quero viver isso, porque sinto
o mesmo. Não tenho estrutura para saber que um homem
desses está apaixonado por mim, mal consigo encará-lo e
pior é esconder o sorriso apaixonado.
— Você gosta de mim? Seja sincera.
O álcool realmente deu a ele coragem demais. Será
que amanhã ele terá amnésia alcoólica? Espero que sim.
“Duvido que ele já não saiba a resposta.”
— Quando você bebe assim, se lembra das coisas no
dia seguinte?
— Depende da importância da coisa.
— Eu gosto, é claro.
Ele acaricia meu rosto de novo e arrasta seu assento
para perto de mim.
Agora não tem como escapar dos seus beijos — se eu
quisesse — e ele me beija. Desta vez, nem tenho coragem
de olhar para canto nenhum.
— Então espero um sim sobre o meu pedido. Já
andamos de mãos dadas pela rua… Quero continuar
fazendo isso, mas também quero poder responder que sim,
estamos juntos a quem quer que pergunte. — Encosta sua
testa na minha novamente.
— Te dou a resposta quando você tiver sóbrio.
— Que garota má!
Dou risada.
Ele entrelaça nossos dedos, depois beija o dorso da
minha mão e suspira me olhando nos olhos.
Mais uma hora passa e eles não param de beber,
sem contar que os rapazes não desistem de paquerar as
meninas.
Por fim, converso com o grupo com que vim e aviso a
elas que voltarei com eles para me assegurar de que
chegarão bem em casa.
Elas vão embora.
Ao voltar para dentro do restaurante, vejo Rodrigo
fazendo raiva ao irmão.
— Apague isso e não poste em canto nenhum. Ele vai
ficar furioso com você — aviso a Rodrigo, que filma o irmão
bebendo com o pensamento longe enquanto uma música
brega toca.
— Não. Eu não vou sair daqui. — Rômulo insiste em
ficar no restaurante, sendo que agora só tem a gente e o
dono do estabelecimento.
— Você já bebeu tudo o que tinha para beber.
— Eu só vou se a Linda for comigo, para a minha casa.
— Ô, Linda, pelo amor de Deus, aceita ir com ele,
senão vou perder a garota! — Caleb me pressiona,
agoniado.
— E vocês acham que tô esperando quem? A minha
carona já foi e fiquei para ir com vocês, para garantir que
cheguem vivos em casa.
Rômulo não para de beber.
E eu que achei que teria um fim de semana
tranquilo…
Suspiro e tomo a garrafa da sua mão.
— Chega, Rômulo! Vamos embora!
— Iiiiiii... Hoje o macho apanha — Rodrigo zomba.
— Eu vou terminar essa aqui primeiro. — Ele tenta
pegar a garrafa de volta, mas não permito.
— Não!
Rômulo está bêbado demais e nunca o vi tão lento
desse jeito.
Ele se cala e me obedece.
— Gustavo, vá ver se o motorista já chegou — ordeno
com a paciência esgotada.
No escritório, ele é meu chefe, mas aqui não é nada
além de mais outro sem noção. Todos machucados e ainda
bêbados!
A minha paciência vai de controlada para perdida em
segundos.
— Caleb, vá pagar a conta — ordeno e ele anda
colado numa das meninas que dançava para eles mais
cedo. Ele puxa a carteira e pede a conta ao dono do
restaurante.
— Ele já chegou — Gustavo avisa assim que retorna.
— Ótimo, agora vamos. Levanta, Rômulo. — Puxo seu
braço.
— Você vai dormir lá em casa? Vai dormir comigo,
hein?
“O homem tá carente mesmo!”
— Se você facilitar a minha vida, se levantando logo e
indo para carro, fico lá na sua casa sim. — Faço o possível
para adiantar a nossa ida.
Ele se levanta bem rápido.
“Isso é o que chamo de vontade de ficar perto de
mim!”
— Vamos para casa, gente. — Rômulo segura minha
mão e anda até aprumado.
O motorista veio com o carro mais espaçoso que
Rômulo tem.
Aviso para Gertrudes, por mensagem, que vou dormir
na casa do Rômulo por conta da sua situação, antes de
perder o sinal do wi-fi do restaurante, já que no caminho
para casa a internet praticamente não funciona.
No fim, Caleb é quem está nos atrasando, pois, não
consegue largar a garota. Pela pressa que ele tinha, achei
que ela viria com a gente.
O carro tem oito lugares, Rodrigo senta no banco da
frente, já eu, Rômulo e Gustavo no banco de trás e o Caleb
deveria sentar logo no banco que fica no porta-malas para
irmos embora.
— Nossa, vou estrangular o Caleb se ele demorar
mais um minuto — asseguro sentada entre Rômulo e
Gustavo.
Rômulo está com a cabeça encostada na janela e
Gustavo se lamenta com Rodrigo.
— As meninas daqui são muito difíceis. Você não
achou, Gustavo?
— Sim. Elas atiçam e depois só querem beijinhos e
abraços. Eu não tô procurando isso! — Gustavo reclama.
— Pois é! Ficaram dando em cima da gente e quando
fomos para cima, elas ficaram fazendo cu doce! Um
trabalhão para dar um beijo e ainda não querem ir até o
final! — Rodrigo completa.
— Levei um tapa porque na hora do amasso peguei no
seio dela — Gustavo fala inconformado.
“Precisava ouvir isso?”
Para completar, Rômulo começa a roncar.
Esfrego o rosto, sem acreditar no que estou passando.
“Por que não fiquei em casa hoje?”
Puxo Rômulo para poder abrir a janela e coloco o rosto
para fora.
— BORA, CALEB! ADIANTA, MEU FILHO!
Rômulo abraça minha cintura e quando me sento, ele
deita a cabeça no meu colo.
— Vou me sentar no banco de trás — Gustavo avisa e
troca de lugar.
Caleb finalmente aparece e se senta ao lado do
Gustavo e então podemos ir embora.
Tivemos que parar no meio da viagem, pois Rômulo
está passando mal e vomitou tudo na beira da estrada, mas
depois disso seguimos para casa sem pausas.
Apesar de se livrar do que tinha no estômago, ele
continua bêbado e está mais tonto que antes. Até o
momento, todos vão dormir na casa do Rômulo.
Decisão deles.
Pelo menos, darão paz ao motorista.
Entramos na mansão e Sérgio toma conta dos três
barulhentos enquanto vou para o quarto com o Rômulo. Ele
finge estar sóbrio, mas quando chega perto da cama, cai de
cara nela.
— É bom tomar um banho, Rômulo.
E aqui estou eu, de novo, cuidando dele.
— Precisa de alguma coisa, senhorita? — Sérgio
pergunta do outro lado da porta.
— Entra, Sérgio.
Ele entra.
— Tem alguma coisa feita para o jantar?
— Quando a senhorita ligou, mandei a cozinheira
preparar um caldo e torradas.
— Ótimo. Depois do banho, vamos lá jantar. — Puxo
Rômulo pelo braço. — Vamos, Rômulo.
Sérgio vai embora.
— Me deixa tirar um cochilo rapidinho.
— Não. Primeiro, você toma um banho, depois come e
só depois dorme.
— Você vai tomar banho comigo? — Ele se senta na
cama com um péssimo equilíbrio.
— Eu tomo depois.
Ele dá um sorrisinho para mim.
— Vem cá, quero te dar um beijo.
— Beijo com gosto de vômito? — Não deixo que ele
me abrace.
— Vem cá.
— Venha você. — Eu vou para o banheiro e ele vem
atrás.
Deixo o chuveiro ligado.
— Tire a roupa.
— Seu pedido é uma ordem. — Ele começa pela
camiseta.
— Mas me deixe sair primeiro. — Desvio dele e quase
sou impedida de sair.
— Nem fuja, viu? Hoje só tem uma cama.
Ele não vai acreditar em nada do que disse quando
acordar amanhã.
Pego uma roupa para ele e sem muita escolha,
procuro uma roupa entre as dele para mim. A maior
camiseta que encontro e um dos shorts com elástico.
Deixo tudo na cama e olho como os outros estão.
Todos tomando banho pelo que Sérgio me contou.
Assim que volto para o quarto do anfitrião, o encontro
de cueca, vestindo a camisa. Volto para trás sem que ele
me veja.
“Meu Deus, não sei como vou prosseguir com isso.”
Lembro da noite em que dormimos juntos e a
sensação do seu corpo rígido no meu. Um arrepio desce
pela nuca, sacudo os ombros e bato em meu rosto tentando
afastar os pensamentos obscenos.
Espero o tempo necessário para ele vestir a roupa e
entro. Encontro Rômulo deitado na cama, por cima da roupa
que separei para usar.
— Me deixa pegar a roupa, Rômulo. — Puxo a ponta
da camiseta.
— Vem cá. — Ele me abraça e me desequilibro, caindo
por cima do seu corpo, na cama.
— Eu vou tomar banho.
— Me dá um beijo primeiro — pede sussurrando e nos
beijamos.
Dou um pequeno sorriso.
— Agora vou tomar um banho. — Tento me levantar,
mas ele rouba um selinho antes de me deixar ir, pego as
roupas e corro para o banheiro.
Quando Rômulo bebe fica todo soltinho. Ele podia ser
descontraído assim com mais frequência, pois me sinto
mais à vontade, mas também não desejo que ele se torne
um alcoólatra. Ele deve ser descontraído naturalmente.
Tranco a porta, tomo um banho demorado, bem
relaxante e só saio vestida.
Ao sair, meu corpo é agarrado e acabo na parede,
frente a frente com Rômulo, que parece um predador de
olho em sua presa. Tudo é muito brusco e me dá um
friozinho na barriga.
Rômulo não me encara muito, pois logo me beija
cheio de vontade e aperta meu quadril contra seu corpo.
Percebo que ele está excitado como da outra vez e seu beijo
quente me deixa na ponta dos pés. Sem demora, sou
erguida e ficamos na mesma altura, enquanto minhas
pernas ficam fora do chão, envolta do seu quadril.
Pressionada contra a parede, sinto a dureza da sua
ereção e ele fricciona, pressionando meu clitóris que agora
está bastante sensível, espalhando tesão por toda minha
região íntima.
Saí do banheiro seca, mas agora estou escorregadia
entre as pernas e o tecido da calcinha mexe com o corpo de
Rômulo, aumentando ainda mais o tesão. E o beijo, esse
sobrevive de chupadas e mordidas ritmadas ao roçar do seu
corpo forte contra o meu.
Ele captura minha língua e um gemido escapa pela
minha boca.
Nunca me senti tão tentada a transar com ele como
agora, que não tem a fofura da cama para aliviar a tensão
que seu pau faz contra a minha intimidade.
Mas as proporções ainda me assustam, independente
da vontade que sinta de ver como seria Rômulo entrando
em mim.
As coisas esquentam mais ainda quando suas mãos
sobem por baixo da camiseta que uso e interrompo o beijo.
— Vamos jantar.
— Agora?
— Agora.
— E depois? — Ele me dá um beijo curto.
— Depois a gente vai dormir.
— Dormir? — Ele parece ter outra ideia.
— É. Dormir, Rômulo. Agora vamos. — Tiro minhas
pernas do seu quadril e ele me deixa no chão.
Saio na frente, mas ele me agarra pelas costas e me
faz parar, beijando meu pescoço. Os gemidos escapam sem
que eu consiga controlar, assim como empino a bunda e
inclino a cabeça sob a sensação que seus beijos causam em
minha pele.
Estou toda arrepiada.
Essa noite será complicada com a versão tarada dele.
Acordo com uma dor de cabeça terrível. Abro os
olhos e sinto como se meu corpo estivesse despencando
num abismo sem fim. Uma forte sede me consome, então
me levanto da cama para buscar água.
O mundo está girando ao meu redor. Que ressaca
desgraçada! Bebi tanto assim?
Alguém se mexe na cama e olho para trás.
É a Linda e ela está dormindo na minha cama,
comigo! A Linda!
“O que aconteceu ontem? Eu não me lembro de nada!
Como convenci a Linda a dormir comigo? Será quê?
Será?”
Eu me apresso a ir para o banheiro, cansado como um
maratonista no fim do desafio e me sento no vaso para ver
se a tontura passa. Olho na lixeira e não tem nenhuma
embalagem ou camisinha usada.
Mas será quê? Será?
Eu me tranco no cubículo que não é tão pequeno
assim e faço tudo para melhorar a minha situação.
Saio do banheiro secando o cabelo com uma toalha,
minha cabeça continua latejando, mas já tomei um
comprimido para enxaqueca que encontrei na gaveta do
armário. Ele deve funcionar.
Preciso de água que não seja da torneira e em
abundância, pois a sede que sinto nunca esteve aqui antes.
Ligo para a cozinha.
— Sérgio, traga uma garrafa d'água para o meu
quarto, por favor.
— Sim, senhor.
— Espera aí, cara! Desse jeito você vai cair! ― a voz
do meu irmão vem do lado de fora e, preocupado, saio no
deck da lateral da casa, onde fica a piscina.
Gustavo está numa boia de jacaré que vira e ele cai
na água, já Caleb está tentando montar num flamingo
inflável com a ajuda do meu irmão.
Fico furioso de imediato, mas ainda os observo por
alguns minutos. Não me lembro de ter chamado esses
intrusos para vir para minha casa, muito menos para
ficarem na minha piscina! E onde eles arranjaram essas
boias?!
Fecho a porta do quarto e me apoio no para-corpo do
deck.
— QUE PALHAÇADA É ESSA, HEIN? — chamo a
atenção dos vagabundos.
— Acordou, belo adormecido?! — Gustavo acena para
mim e novamente cai da boia.
— O que estão fazendo na minha casa?
— Dormimos aqui. Você não lembra? — Caleb
pergunta.
“Caleb?
Ele dormiu na minha casa!”
— Não. Quem convidou?
— Você.
Dou risadas.
— Eu não convidaria vocês nem estando morto de
bêbado!
— Pois convidou.
“Eu duvido.”
— Relaxa, maninho. Desce aqui, para curar a ressaca
no cloro da piscina.
“Ainda ousa me convidar!”
— Dou dez minutos para saírem daí! — aviso e volto
para dentro do quarto.
Linda acaba de sair do banheiro e arruma o cabelo.
— Te acordei?
Não acredito que ela esteja aqui e ainda usando as
minhas roupas. Lembro que ficamos juntos, mas não lembro
de como voltamos.
— Não. — Ela amarra o cabelo.
— Linda, o que aconteceu ontem?
— Em qual momento? Porque aconteceu muita coisa.
Você diz no momento em que estávamos no restaurante, no
momento em que estávamos no carro ou no momento em
que estávamos jantando?
“Aconteceu isso tudo?”
Eu não lembro do carro ou de algum jantar.
— Me diga que não fiz nada de mais — peço,
preocupado e alguém bate à porta.
— Senhor, a sua água.
Vou até à porta e recebo a jarra.
— Obrigado, Sérgio.
Deixo a jarra na mesa e tomo dois copos d'água
seguidos. Perco até o fôlego com a pressa.
— Se eu disser que não, estarei mentindo — Linda
retoma o assunto.
“Que vergonha!
Não deveria ter saído com aqueles retardados.”
— O que eu fiz?
— Bebeu muito. Muito mesmo.
— E falei algo que não deveria?
— Bem… — Ela parece estar contrariada. — Do que
você lembra?
— Depois do álcool de pouca coisa, mas não esqueci
do pedido, se é isso que pensa.
Ela ergue as sobrancelhas com um pequeno sorriso.
“Não me esqueceria de algo tão importante.”
— O que mais eu fiz?
— Acho melhor olhar no celular do Rodrigo.
— O quê?!
— Ele filmou tudo, mas não diga que contei, por favor.
“Mas é claro que ele iria fazer isso!”
Saio no deck furioso e olho para a piscina.
— RODRIGO, COMPAREÇA IMEDIATAMENTE AO MEU
QUARTO! — meu grito assusta Caleb que vira com boia e
tudo na piscina.
Volto para o quarto e a Linda me encara, assustada.
— O que mais aconteceu? — Eu me aproximo dela. —
A gente transou?
— O quê? — A sua cor some.
— Ontem a gente transou, Linda? Acordei com você
do meu lado, usando minhas roupas e não me lembro de
nada. A gente transou? — pergunto preocupado.
— Não, é claro que não. Depois do jantar você caiu
morto na cama — responde pálida.
— Ainda bem. — Fico mais tranquilo.
— Tô confusa agora.
— Eu não lembro de nada. Você acha que gostaria de
não me lembrar da nossa primeira vez?
Ela ergue as sobrancelhas e morde os lábios, depois
encara o chão, tímida, abraçada ao seu corpo.
— Não aconteceu nada, mas não significa que você
não queria. Aliás, ontem você só veio embora porque vim
com você. Tava tão carente… — conta, com um sorriso
debochado.
“Que vergonha, Deus!
Carente eu tava mesmo, na verdade, ainda estou.”
— Falei isso discretamente ou escandalizei?
— Depende do ponto de vista. Foi escandaloso para
quem tava sóbrio, mas quase todo mundo tava bêbado. —
Ela dá de ombros, com o sorrisinho que me deixa louco.
— Eu não deveria ter saído com esses idiotas. —
Sento na cama, arrependido.
— É. Vocês estavam sem freio mesmo. Se eu não
tivesse colocado ordem, vocês ainda estariam lá, bebendo.
— Você cuidou de mim?
— Foi.
Agarro seus dedos, desmancho a sua pose e a trago
para perto de mim.
— Atrapalhei o seu fim de semana, não foi? — Eu me
sinto culpado e abraço o motivo do meu desequilíbrio pela
cintura.
— Não. Não se preocupe. Já conversamos sobre isso,
não lembra?
— Lembro, mas sei que não era seu plano cuidar de
quatro bêbados.
— Tecnicamente, só cuidei de você — ela conta,
tímida.
Sorrio satisfeito e alcanço seus lábios que cheiram a
hortelã, nos beijamos e sorrimos com nossos rostos
próximos.
— Seja lá o que te disse bêbado, se foi positivo é
verdade e se foi negativo era só para te ver bravinha. Você
fica muito sexy quando tá brava. — Dou mais um beijo nela.
— Não brinque com isso — sussurra como conselho.
— Imagino várias formas de te deixar calminha agora
que estamos juntos. E não são só buquês, chocolates e
pelúcia.
Ela sorri.
— Adoro quando sorri por minha causa. — Acaricio seu
rosto.
— Eu me odeio por isso.
— Por quê? — Encosto minha testa na sua.
— Porque o objetivo é ser racional e não gostar das
coisas que você faz, mas não consigo, pois o obstáculo é
você.
Sorrio.
— Não pode ficar lutando contra os sentimentos,
sabia? Eu já me cansei disso e resolvi encarar. Se até eu fiz,
você deveria fazer o mesmo. Além de que sou irresistível.
Ela dá uma gargalhada.
— E metido também.
— E a minha resposta?
Ela me encara sorrindo.
— O que você acha?
— Acho que você só queria me maltratar esperando
ouvir isso.
— Eu quero, Rômulo. Vamos tentar.
— Vamos. — fico satisfeito com sua resposta.
Agora posso dizer com todas as palavras que ela é
minha namorada.
Trocamos alguns beijos sem pressa, em meio a
carícias, até que meu quarto é invadido. Solto Linda e me
levanto para dar bronca em meu irmão.
— Cadê o celular? — exijo saber e ele olha
imediatamente para a Linda.
— Cunhada, não achei que vocês já estavam nesse
nível de confiança! — protesta, desapontado.
— Não foi a Linda quem disse nada. Eu sei o que você
fez, por isso me dê a droga do celular. — Estendo a palma
da mão com pressa.
— Eu já apaguei tudo.
— Me deixa ver a lixeira. Rodrigo, se você postou
alguma coisa minha na internet, eu mesmo vou ao cartório
mudar seus documentos e tirar o sobrenome da nossa
família.
— Também não é para tanto, né? — Ele me entrega o
celular, pois sabe que posso cumprir minhas ameaças.
— Desbloqueado. — Viro a tela para o imbecil que
coloca a senha. Abro a galeria, vou direto na lixeira e
encontro os vídeos. Antes de apagar, abro alguns e é um
mais vergonhoso do que o outro.
A minha moral caiu depois dessa palhaçada.
O Rodrigo ri ouvindo o áudio dos vídeos e Linda se
senta na cama com cara de quem tem culpa.
— Como vocês me deixaram passar uma vergonha
dessas? — pergunto.
— Tentei te parar, mas você é muito teimoso! — Linda
justifica. — Eu só consegui quando gritei com você.
— A Linda sabe ser brava quando precisa — meu
irmão conta, admirado. — Até fiquei com medo.
— Eu deveria ter quebrado o celular na sua cabeça,
Rodrigo. Eu disse que seu irmão iria ficar puto! — Linda fala.
— Não me dê ideia, pois ainda posso fazer isso —
ameaço, selecionando todos os vídeos e depois apago da
lixeira. — Rodrigo, se você ousar mais uma vez fazer uma
palhaçada dessas, já sabe o que vou fazer.
— Você não sabe nem se divertir. — Ele pega o
celular.
— Chame os outros e vão embora, não quero ninguém
aqui.
— Tem como você mandar seu motorista levar a gente
lá no restaurante para pegar nossos carros? Tô a pé e
Gustavo também.
— Manda o Caleb levar vocês! Meu motorista pode
levá-los até a casa dele, só isso. Vocês já se aproveitaram
demais das minhas coisas. — Coloco mais um copo d'água.
— Linda, você vai com a gente também?
— Não — respondo por ela. — Ela vai passar o dia
comigo.
Ela não se opõe.
Já que está aqui, não vou deixá-la ir, não agora que
estamos nos entendendo.
Temos três semanas de saudade acumulada.
Rômulo manda os rapazes embora e ficamos só
nós e os empregados que irão embora depois do almoço.
Ele tira a manhã para dormir, de ressaca por causa
das bebidas do dia anterior. Eu não sinto nada, mas
aproveito para descansar, conversar com as funcionárias e
andar pela casa.
Sempre tem algo novo nessa casa.
— Imagino que deva ser bem cansativo limpar esse
casarão, não é?
— Sim. É muito cansativo, mas não tem bagunça. É só
tirar o pó e lustrar — a faxineira explica. — E não é tudo de
uma vez. Cada dia da semana limpo uma parte da casa.
— Ah, verdade. Precisa de um planejamento. Eu nunca
moraria numa casa dessas, iria sofrer para limpar tudo
sozinha.
— Mas a senhora não precisa se preocupar com isso
— ela diz sorrindo. — Quando se casar com o Sr. Rômulo,
não vai precisar fazer nada, pois ele já nos paga para fazer
isso.
“Eu me casar com o Rômulo?
Ela já tá em 2050!”
Fico até sem graça, mas acabo rindo da ideia.
— O Sr. Rômulo mudou muito depois da senhora — a
cozinheira comenta e, pelo visto, elas gostam dessa
mudança.
— Quando ele te mandou embora, fiquei com tanta
pena — a outra desabafa. — Mas sabia que ele tinha ficado
mexido com a senhora, pois ele mudou desde a hora que te
viu pela primeira vez. Eu nunca vi o Sr. Rômulo tão nervoso
e desde então ele anda uma pilha de nervos. Passou mais
de três meses perturbado e tava na cara que era pensando
na senhora, certamente, arrependido do que fez. Mas
quando a senhora voltou, ele começou a ficar feliz. E aqui
para nós... — ela fala baixinho e sorrindo. — Ele adora
quando a senhora vem pra cá.
A cozinheira a repreende e dou risada.
— Ele tá apaixonadíssimo pela senhora. Apaixonado
não, amando — a faxineira assegura com uma expressão
engraçada.
— Eu nem sei o que dizer.
— O Sr. Rômulo nunca traz nenhuma mulher para cá.
Só a senhora, nenhuma outra. E ele não deixa ninguém
aparecer sem avisar, mas quando é a senhora ele nem liga.
“Elas reparam em tudo!”
— Ele não pode me controlar — explico e ficamos
rindo.
— Acho que é isso que ele gosta.
Depois dessa conversa reveladora e constrangedora,
Rômulo não demora para aparecer e almoçamos.
Uma hora depois, elas vão embora e ficamos só nós
dois na casa. Ele se deita no sofá e parece que vai voltar a
dormir, então me sento no outro sofá e procuro alguma
coisa para assistir na TV.
— Fique à vontade, Linda.
— Tô à vontade. — Me ajeito no sofá.
— Deita aí no sofá.
— Tô bem assim.
— Vem cá. — Estica o braço.
— Para quê?
— Venha aqui — pede manhoso.
É difícil resistir a ele quando age assim.
Levanto e depois me sento na beirada do sofá ao lado
dele que permanece deitado.
Não tem mais como fugir do que estou sentindo por
ele e aceitei sua proposta. Espero que tudo continue bem.
— Se sente melhor?
— Sim. Ainda tô com um pouco de sede, mas a
cabeça tá bem melhor. Nunca mais vou beber desse jeito
outra vez. — Desliza a mão pelo meu braço.
— Esse é o discurso que todo mundo esquece na
próxima vez.
Sorrimos.
— Linda, você não me falou o que aconteceu ontem.
— Ele puxa minha outra mão.
— Eu te disse, não aconteceu nada.
— Nada, nada? Capotei e dormi logo, ou?
— Dormimos abraçados.
— E você gostou? — Agora mexe em meu cabelo.
— Não foi a primeira vez, né? — Apoio os antebraços
em cima dele. — Mas você tava roncando.
— Eu, roncando? Eu não ronco, Linda!
— Ronca sim.
— Ninguém nunca me disse que ronco!
— Então você já dormiu com muita gente, né? — Logo
deduzo e também não fico feliz com a conclusão.
— Não, eu não durmo com ninguém, só com você.
Fico aliviada.
— Então acredite quando digo que quando tá bêbado
você ronca sim — insisto.
— Você tá tentando baixar a minha autoestima?
Dou risada.
— Não, a não ser que a sua autoestima dependa de
você roncar ou não.
Ele me puxa pelo braço bruscamente e me beija,
depois me afasto mordendo a bochecha para não sorrir.
— Eu me pergunto como deixei você fazer isso
comigo.
— Isso o quê? — Volto a me apoiar em seu peito.
— Eu não consigo mais me ver sem você.
“Eu também e ouvir isso me deixa alegre demais.”
— Cada vez que você fala algo assim, é como se um
golpe fosse acertado em mim. E você quis dizer que eu era
a golpista.
— E era. Você me acertou em cheio e agora eu tô aqui
caído por você. Nocauteado.
Desta vez, não consigo segurar o sorriso.
— Você é assim sempre que quer conquistar uma
mulher?
— Não. Geralmente, só olho para elas e então elas
vêm até mim. — Agarra meu rosto com uma só mão e
aperta minhas bochechas. — Você é a diferentona, não cai
no meu charme e pelo visto acabou de dizer que ainda não
te conquistei. O que é preciso para conquistar o seu coração
de pedra? Me diga.
— Coração de pedra? — repito rindo. — Meu coração
não é de pedra. Ele só é um lugar que nunca foi habitado
antes.
— Isso é muito injusto, sabia?
— O quê? Nunca ter se apaixonado?
— Também. Mas digo que você é injusta comigo, pois
roubou meu coração. Me deixa roubar o seu agora... Aí
ficaremos equilibrados.
Eu não aguento com o Rômulo sendo fofo e fico
completamente derretida.
Será que essa é a bonança após a tempestade, ou
ainda viveremos mais tempestades?
Queria que essa felicidade fosse perpétua.
— Esse golpe… — Eu me afasto do seu peito.
— Acertou no coração?
— Rômulo! — Cubro o rosto quente e me levanto,
encabulada. — É um atrás do outro!
— Tenho um repertório extenso, vinte e cinco anos
acumulando.
— Você não tem vinte e cinco anos! — Viro para ele,
sorrindo e ele está se levantando do sofá.
— É que até os dez não conta. Eu só pensava em
brincar e tirar dez nas provas.
— Não é possível que você nunca tenha precisado
conquistar uma mulher.
— É o meu charme. Ele me ajuda a não precisar me
esforçar.
— Você se acha, viu? Cada dia tá pior.
Ele me prende pelo braço.
— Se prepare, pois, pretendo usar meu repertório de
cantadas o domingo inteiro. De hoje não passa, vou roubar
seu coração. — Ele me arrasta pela cintura e me beija.
“Acho que será perda de tempo… Ele já o tem”
Depois de um beijo, não consigo parar mais. Só
nós dois na minha casa, não poderia ter uma oportunidade
melhor.
Me sento no sofá e a arrasto para cima de mim. Ela se
senta de pernas abertas e o short folgado me permite ver a
calcinha amarela cobrindo um dos locais do corpo dela mais
cobiçados por mim.
Linda segura meus ombros e nos beijamos
apaixonados, já as minhas mãos percorrem a sua bunda
pequena e durinha, onde aperto e puxo seu corpo contra o
meu. Esfrego minha ereção em sua intimidade, que está
presente desde o primeiro beijo nessa conversa
provocadora.
Linda por si só já me deixa louco, mas o fato de ainda
não termos chegado lá, de nunca ter transado com ela, me
deixa mais nervoso ainda.
Tiro uma das suas mãos do meu ombro, levo para
cima da minha ereção e dá muito tesão saber que ela está
palpando meu pau.
Quando ela interrompe o beijo e me encara inocente,
envergonhada, meu corpo lateja ansiando por sexo.
— Nunca mais fique longe de mim. Eu te proíbo de
fazer isso, Linda. — Eu a puxo pela nuca e a beijo
ferozmente.
Ela aperta meu pau e depois o solta, se sentando em
cima dele, gemendo contra minha boca.
Nossas línguas serpenteiam uma contra a outra,
brigando pelo domínio do beijo e nunca a vi tão eufórica
num momento assim. É como se ela sentisse tanta vontade
quanto eu de beijar e matar essa saudade que atormenta e
enraivece.
Prendo as unhas em sua pele e ela empina a bunda,
se esfregando em minha ereção, em seguida a jogo no sofá
e fico por cima dela. Nosso beijo é cortado, me afasto e tiro
a camisa.
— Tá na hora de você devolver as minhas roupas.
— Tão rico e sovina. Se quer, tire.
Sorrio com a provocação inesperada e não demoro
para subir a camiseta que ela veste até ver seus seios
deliciosos de fora. Passo o tecido pela sua cabeça e braços.
Linda está nua da cintura para cima e cobre seus
mamilos, mas descubro e seguro seus braços para que não
me atrapalhe enquanto chupo a carne fofa e sensual.
Ela geme e se mexe debaixo de mim.
— Isso é tão bom.
— Linda…
“Como ela é ingênua...”
Encaro seu rosto cheio de tesão, beijo seus lábios e
trilho beijos pelo pescoço até o outro seio. Mordo sua pele e
deixo chupadas que a fazem estremecer.
Levanto e desta vez arrasto o short com a calcinha
até passar pelos pés. Antes que possa ver sua boceta nua,
ela a cobre com as duas mãos e depois com uma, ao ver a
minha ereção marcada no short folgado.
— Você é um filho da puta.
— Aham, e esse filho da puta vai te chupar agora. —
Volto a me ajoelhar e afasto suas coxas.
Sua mão espalma a virilha e beijo o dorso, em seguida
as bandas das coxas.
— Tira essa mão, que agora a minha língua quer
encontrar outra coisa.
Ela continua cobrindo os olhos e tiro sua mão do
ventre. Sua boceta é da cor do mamilo, clarinho, é pequena
e toda depilada.
Meu pau pulsa, cheio de vontade de tocar e entrar
nela.
Afago, maravilhado.
— É toda linda mesmo.
Deslizo meu polegar pelo clitóris duro e vermelho, em
resposta, Linda quase se senta no sofá. Ela se ergue
gemendo e tira as mãos dos olhos.
Massageio a protuberância com cuidado, mas
pressionando o bastante para que ela sinta prazer. Suas
bochechas estão vermelhas e sua boca aberta. Ela engole
com dificuldade e me encara em alerta.
— Relaxa, bebê, ainda nem começamos. — Eu a
empurro para deitar.
Beijo sua boca e a masturbo com o dedo indicador e o
médio. No sobe e desce, meu dedo arrasta o mel do seu
tesão e espalho em volta da sua boceta. Círculo e ela geme
meu nome, com o olhar perdido e a respiração
desordenada.
Faço mais o que ela gosta e penetro com as pontas
dos dedos a entrada da sua boceta e Linda fecha os olhos e
mexo com mais cuidado.
— Me beija — pede com um olhar necessitado e
invado a sua boca com a minha língua.
Ela a chupa e desta vez solto o gemido.
Enfio todo o comprimento dos meus dedos para
dentro dela e os movimento, entrando e saindo. Sinto o
lambuzar da sua boceta molhada e coloco mais um dedo no
canal apertadinho. Ela geme quando ele desliza com os
dois, mas não pede para parar.
Paro de beijá-la e desço até seu quadril, colocando o
peso da minha língua contra sua boceta.
Linda me olha assustada, ao mesmo tempo,
consumida pelo prazer incessante que meus beijos causam
ao tocar uma das zonas mais erógenas, senão a maior, de
uma mulher.
Minha língua serpenteia ao redor do clitóris e o mamo
viciado em seu sabor, em seguida chupo os lábios ao redor.
Não paro até ela se desmanchar, gemendo tão alto que
certamente os seguranças no portão ouviram.
— Que gosto bom!
— Bom? — indaga, respirando pesado.
— Você é deliciosa, Linda. — Lambuzo sua boceta com
o mel que sai dela e beijo os lábios da garota.
Abaixo meu short e massageio meu pau. Mesmo
depois do que fiz, Linda continua tímida e não olha para a
minha intimidade.
— Eu não sei se consigo.
— Deixa comigo. — Beijo seus lábios e ela os morde.
Eu me afasto alguns segundos para colocar a
camisinha e volto para cima dela, disposto a fazê-la mulher.
Chupo seus lábios e enfio a língua em sua boca. Nos
beijamos com calma e assim me movimento para dentro
dela. Cada golpe ouço um gemido, mas são golpes tão leves
e Linda parece sentir a maior dor do mundo pela cara que
faz quando paro de beijá-la. Pressiono mais um pouco e
suas carnes não se dilatam para me receber, tampouco
sinto prazer com isso.
Com mais força.
— Não dá — ela fala espalmando meu peito. — Não
consigo, Rômulo. Desculpa, mas hoje não consigo.
Respiro fundo e penso que insistir é uma péssima
ideia, então devolvo minha ereção para dentro da roupa e
permaneço com ela.
— Tudo bem. — Beijo seus lábios. — A vontade não vai
passar porque não deu certo hoje.
— Sério?
— Aham. O que você acha? Que vou desistir de você
porque não rolou?
— Sei lá. Você é um homem experiente… Desculpa
mesmo. — Ela se entristece.
— Ei, não quero esse tipo de pensamento por aqui. É o
seu momento e posso esperar. Só de ter chupado essa sua
boceta, meu amor… — Beijo seu pescoço e ela se mexe
debaixo do meu corpo. — Você é saborosa demais.
— Você é louco. — Ela ri.
Que sensação maravilhosa.
Eu nunca esquecerei o que fizemos nesse sofá,
mesmo que não tenha conseguido deixar que ele me
penetrasse, tudo foi ótimo.
Seus dedos dentro de mim, entrando e saindo
molhados, quando ele me masturbou e mais ainda quando
ele me chupou.
Rômulo chupou com vontade, como se fosse a minha
boca. Foi bom demais e aquela sensação que me deixou de
pernas bambas, não imaginei que poderia ser tão forte.
Ele me fez ter um orgasmo sem mesmo fazer o sexo
propriamente dito e com essa não fujo dele mais, mesmo
que ainda não me sinta tranquila para ir até o final no sexo.
Que dor desgraçada!
Quando começou até pensei que naquele ritmo iria
dar certo, mas sem sucesso, ele colocou mais pressão e não
deu. Senti minha pele sendo forçada e a beira de ser
rompida, mas a dor foi forte demais para deixá-lo continuar.
Fiquei até sem ar, me contorcendo no sofá.
Podemos tentar outra vez, como ele mesmo disse. Um
homem compreensivo é tudo o que esperava quando
pensava sobre essa parte da relação.
Cheguei aos vinte e dois anos virgem e agora me
pergunto se isso foi ou não uma boa ideia, mas não podia
fazer isso com qualquer um e eu sequer havia beijado
alguém.
Que vergonha!
Devo ser a mulher mais parada do mundo quando se
trata de vida amorosa.
Rômulo e eu passamos o domingo juntos, bem juntos
mesmo e nos dias seguintes também nos encontramos a
noite, mas em nenhuma tentamos fazer sexo.
Dias difíceis para a mulher.
Estamos assumidos e desta vez não mentimos para
ninguém. Apesar de que ninguém pergunta sobre o que
temos, pois, eles já tomaram como verdade que somos
namorados há mais de um mês.
Não suporto encontrar a RP no prédio e o que me
conforta é saber que independente do que ela acha, sigo
com meu emprego e agora com o cara que ela achou que
não poderia me querer.
E agora, irei acompanhá-lo no evento, essa mulher
deve estar possessa.
Dessa vez, vieram me arrumar em casa.
Rômulo não me deixa me virar sozinha e pode ser que
ele esteja certo, pois não conseguiria me arrumar a ponto
de ficar com a cara de rica que estou agora,
Escolhi um vestido dourado, com muito brilho, ele fica
com as costas completamente nuas, as alças que seguram
o decote em V são finas e quase imperceptível, fora esses
decotes, a saia é longa, cobrindo até mesmo meus sapatos.
Meus cabelos estão presos, dando destaque para o maior
brinco que usei, cheio de pedraria e a maquiagem deu um
glow up na minha imagem sem parecer carregada.
Assim que os profissionais vão embora, Rômulo
aparece.
— Linda, já tá pronta?
— Só falta guardar as coisas na bolsa. — Olho para ele
que está impecável, como sempre.
O homem adora usar smoking, gravata borboleta e
camisa preta. Esse deve ser de outra marca, pois vejo que o
corte e tecidos são diferentes.
Gosto de pesquisar sobre essas coisas e convivendo
todo dia com Rômulo, comecei a notar diferenças nessas
roupas.
Balanço a cabeça admirada e ele está perdido em
mim.
— Tá mais do que perfeita. — Ele entrega meu celular
e guardo na bolsa.
— Obrigada. — O sorriso é incontrolável.
— Eu não poderia querer outra pessoa pra me
acompanhar. — ele beija meus lábios e isso ainda me deixa
louca.
Já faz alguns dias desde o meu “sim” para ser sua
namorada e ainda não chegamos nos finalmentes, porque
eu simplesmente não consigo. Ver que ele tem essa
paciência e carinho me deixa mais confiante sobre ter
aceitado namorá-lo, mas em alguma hora tem que
acontecer.
Saímos debaixo de elogios do Sérgio e outros
empregados. Desta vez, o motorista dirigiu e não o Rômulo.
Nunca fiquei tão ansiosa como hoje. Mesmo tendo o
acompanhado naquela festa, dessa vez sinto ser diferente.
Antes não tínhamos nada e eu só me importava em não
parecer sua namorada enquanto ele fazia o caminho
inverso. Agora estamos juntos e querendo ou não, sinto a
pressão disso, a pressão de estar com alguém que tem os
holofotes virados para ele.
— Você será a mulher mais bonita da festa. — ele
diz no meu ouvido, ainda no carro.
Mordo a bochecha.
— Isso não diminui a minha ansiedade.
Ele segura a minha mão, acariciando, assim como fez
quando estava doente e sempre que ficamos juntos.
Quando chegamos na festa, é inevitável não passar
pela chuva de flashes e desta vez sou eu quem quer
segurar em alguém, quero segurar no braço do Rômulo e
esconder meu rosto.
Como não posso, fico ao seu lado, fingindo que está
tudo bem.
Agora que ninguém tem mais dúvidas sobre o que
temos, as perguntas cessaram e assim que tiramos as fotos,
entramos na festa.
Cumprimentamos alguns conhecidos do Rômulo e
logo encontramos o Gustavo, que está bastante elegante.
— Mas é o prefeito e a primeira dama!
Rimos.
— Você não perde a piada, não é? Cadê a sua
acompanhante? — pergunto.
— Eu não trouxe. Não quero ser taxado de cara
comprometido, deixo isso para o meu amigo aqui. — Ele dá
leves tapinhas no ombro do Rômulo.
— Cadê o merdinha do seu amigo? — Rômulo
pergunta.
— Se fala do Caleb, acho que ele não vem. Da última
vez que nos falamos, ele tava no exterior.
“Chique!”
— Olha aqui, mãe! ― é a voz do Rodrigo. Olhamos
para trás e lá vem ele, todo elegante e sorridente,
acompanhado dos seus pais.
Fico ansiosa pelo Rômulo.
— Cunhada, o que é isso? Vão trocar o nome da
premiação pra miss universo e te dar o troféu! — Rodrigo
me abraça e fico rindo com a ideia.
Ele é sempre tão exagerado!
— Vocês aqui? — Rômulo também fica surpreso.
— Sim, nosso pai conseguiu os convites. Não
poderíamos faltar a uma noite tão importante pra você. —
Rodrigo cumprimenta o irmão.
A mãe dele vem falar comigo.
— Linda, o que dizer de você? Tá perfeita, menina! —
Ela me abraça.
— Obrigada. A senhora também.
— Como está meu filho? Vocês parecem estar bem
felizes. Tô muito feliz por vocês. Finalmente! Já tava com
medo do Rodrigo se casar e Rômulo não. E olha que pra
Rodrigo se casar tá difícil. Imagina a minha preocupação.
Dou risada.
— Mãe, já tá fazendo campanha! — Rômulo a
cumprimenta.
— Claro!
— Então continue, quanto mais, melhor.
“Ai, ai, viu!
Rômulo nunca escondeu o quanto era descarado!”
— Olá. Como você tá? — O pai dele vem me
cumprimentar.
Já sei como Rômulo será quando estiver com
cinquenta e posso afirmar que será um velho da lancha
bonitão!
— Tô bem, e o senhor? — pergunto gentilmente.
Espero que ele e Rômulo se acertem logo.
— Bem também.
Em seguida, ele se aproxima do meu namorado, que
está um pouco tenso, como já havia imaginado.
— Meus parabéns, conseguiu um prêmio bastante
almejado. Isso é motivo de muito orgulho. — Eles trocam
um aperto de mãos.
— Obrigado.
Seguro a mão de Rômulo e seguimos para mesa
reservada para nós. A família toda vem junto, já Gustavo vai
para outro canto. Ainda bem, pois ele e Rodrigo juntos não
dá muito certo não. O espírito de quinta série fala mais alto.
Os garçons nos trazem bebidas e aceitamos.
— Rômulo — sussurro no seu ouvido.
— O quê? — ele pergunta baixinho.
— Você viu o que seu pai disse?
— O quê?
— Que tá orgulhoso de você.
— Não foi bem assim.
— Foi sim. É que ele é como você, orgulhoso. Ele disse
que era motivo de orgulho, mas, na verdade, disse que tá
orgulhoso de você.
Há um sorriso querendo se formar em seus lábios e o
incentivo a isso, sorrindo também.
— Você vê coisas demais, Linda.
— Mas isso tá nítido. Acho que hoje é um ótimo dia
para se acertarem.
— Não vamos esperar tanto.
— Mas admite que você tem esperanças? Que tem um
broto de perdão nascendo aí no seu coração?
— Me diga você, que mora nele.
— Rômulo! — Suas palavras me deixam boba e ele
beija meu rosto.
— Não quero fazer isso hoje. Não sei se uma conversa
dessas acabará bem ou mal. Vamos aproveitar a festa.
— Tá bom.
Quando Rômulo sobe no palco para receber o prêmio,
fico nervosa por ele, pois tem até equipe de TV filmando.
Ele fala palavras cultas em seu discurso e não
entendo metade delas. A verdade é que me sinto numa
reunião do Gustavo e balanço a cabeça assim como nas
reuniões, fingindo que entendo tudo.
Já o final não tem como não entender.
— …E por último e não menos importante. Na
verdade, muito importante, quero agradecer a mulher que
me ensinou que a vida não é só isso aqui. — Ele levanta o
prêmio. — Não é só trabalho, não são só negócios. A vida é
muito mais do que isso, mas só enxerguei esse fato e
aprendi mais outras coisas importantes, depois que ela
apareceu na minha vida. Obrigado, Linda. Você fez de mim,
uma pessoa melhor. — Ele olha para mim e sorri.
Meu peito se enche de ar, felicidade e orgulho. Meu
sorriso não consegue expressar metade da alegria que sinto
ao ouvir isso, tanto que me seguro para não derramar
lágrimas e parecer mais apaixonada e boba do que já
pareço estar.
Não vim para causar revolução e não quero que ele
enxergue que mudou por minha causa. Ele se tornou uma
pessoa melhor através do que aconteceu, porque ele quis.
As pessoas o aplaudem e ele desce do palco
carregando o pequeno objeto nas mãos.
— Eita, Linda, que lavagem cerebral você fez no meu
irmão, hein? — Rodrigo pergunta.
“Lavagem cerebral?”
Ele sempre tem uma hipótese que me faz rir.
Rômulo se aproxima e sou a primeira a parabenizá-lo
com um abraço.
— Parabéns.
Ele beija a minha testa.
— Obrigado.
Os pais dele também o parabenizam, mas não vejo
nenhuma conversa promissora entre ele e o pai.
Nos divertimos com Rodrigo e Gustavo, que se juntou
a nós, pelo resto da noite, com suas conversas sem sentido,
mas engraçadas e depois seguimos para meu apartamento,
onde nos deitamos abraçados de conchinha.
Ele está todo feliz com o evento e eu toda boba com
as coisas que ele disse sobre mim.
— Você acredita que isso tudo foi o destino? Se for, o
odeio por precisar matar meu pai para nos juntar. Mas
estamos aqui e nunca imaginei que poderia viver tudo isso.
— Se foi ele que a colocou na minha vida, eu não sei,
só sei que não quero que você saia dela nunca mais. —
Beija meu ombro.
Faz duas semanas desde a festa e as coisas entre mim
e Linda estão dando mais certo que nunca.
— Mas quando foi que ficou de verdade? Foi na
noite do jantar lá em casa ou quando você ficou bêbado?
Quando foi?
— Não te interessa, Rodrigo!
— Então vocês dois… Peraí. Aquela menina disse que
a Linda nunca tinha feito nada na vida. Então, naquela
época, ela ainda não tinha feito?
— É…
— E então agora… — pigarreia. — Você ficou sabendo
depois da garota ou já tinha tentado?
— Não é da sua conta, Rodrigo!
— Aposto que descobriu pela garota e foi por isso que
ficou doente de ciúmes da Linda, não foi? Ela não era sua
namorada, mas você já tava interessado e com essa história
de nunca ter feito nada… Foi a receita perfeita para um cara
controlador se apaixonar.
— Sou controlador? Cala a boca, Rodrigo! — Arrasto a
mala para fora do meu quarto. — A minha intimidade com a
Linda não é da sua conta.
— Agora faz sentido você ter colocado a gente pra
correr naquele domingo e tê-la deixado aqui! Vocês ficaram
sozinhos no domingo, foi? Ela dorme aqui sempre?
Paro e me viro para ele.
— Você nunca vai deixar de ser inconveniente não?
— Então vocês ainda são virgens? — ele arregala os
olhos, me analisando.
— Rodrigo, cala a boca, porra! Tô falando que não
quero conversar sobre isso. Você não vai tirar nada de mim.
— Virgenzinhos num resort. A Linda tá esperando o
casamento? Me diga que sim. Idealizo esse evento desde o
casamento do meu amigo. Ter a primeira vez no casamento
deve ser um negócio estranho, mas deve ser especial.
— Você tá se guardando pra isso? — Eu o encaro
intrigado com a conversa.
— Se encontrasse alguém como a Linda não me
importaria. — Ele dá de ombros.
Eu também não me importo muito, só que é bem
difícil não querer tentar. Toda noite fico com vontade e me
controlo para não pressioná-la. Claro que a provoco muito,
mas ela não deixa chegar até o fim.
Não cobro, pois, quero que ela se sinta à vontade e
não forçada a fazer isso. Eu já perguntei se ela estava
esperando o casamento, quando descobri que ela era
virgem, mas ela não me respondeu e não perguntarei
novamente.
Se ela quiser esperar… Eu ainda não pensei sobre
isso.
— Sérgio, cuide bem da casa. Você já sabe o que
fazer, não é?
— Sim, senhor. Tenha um ótimo fim de semana.
— Obrigado. — Saio de casa com a mala e o motorista
a guarda no carro.
Rodrigo descobriu sobre esse passeio e insistiu que
iria conosco, no fim, ele conseguiu convencer a Linda e
ela… bom, ela me convenceu com um só pedido.
Eu não entendo como me deixei chegar a esse ponto,
ela consegue qualquer coisa de mim!
Entramos no carro e o motorista nos leva até o
condomínio onde ela mora. Assim que paramos na frente,
ligo para minha namorada.
— Alô? — ela atende de imediato.
— Já chegamos. Estamos aqui na frente.
— Tô indo. — Ela desliga e em seguida sai do
prédio. Já esperava no saguão.
Saio do carro e o motorista também.
— Essa mala tá muito grande? — pergunta franzindo a
testa.
O que está pequeno é o seu short. Essa mulher me
deixa doida com essas pernas de fora.
— Parece até pequena para ser de uma mulher. —
Cumprimento minha namorada com um abraço e um beijo
na testa. — Você tá muito bonita hoje. — Beijo seus lábios.
— Ontem eu tava feia?
— Tava bonita. — Dou risada. — Hoje tá mais, cada
dia mais.
— LINDA, EU TE AMO. AGORA, ME DEIXA TE
CARREGAR NOS BRAÇOS PRA NÃO SUJAR SEUS SAPATOS! —
Rodrigo me imita de um jeito exagerado, com a cara na
janela do carro.
Linda ri.
— Isso é o que dá você inventar de trazer esse
degenerado.
— É o seu irmão e ele é divertido.
— Ele tem vinte e quatro anos e uma maturidade de
onze. — Abro a porta do carro.
Ela entra e cumprimenta Rodrigo, então me sento no
banco da frente e seguimos para o aeroporto.
— Quem inventou essa viagem mesmo? — meu irmão
pergunta. — Eu achei uma ótima ideia.
— A RP. Aliás, como é o nome dela? — Linda pergunta.
— Porque não vejo uma mãe batizando uma filha de RP!
Rimos.
— É Kettelyn.
— Combina bem com ela… — Linda torce a boca.
“Ciumenta…”
— Ela tá solteira? — Rodrigo parece interessado.
— Acho que sim — respondo.
— Acha? — Linda me encara.
— Eu não ando perguntando sobre a vida íntima dela
— respondo e ela bufa.
— Ela dá em cima de você a cada dez minutos e você
ainda se questiona se ela tá solteira! — Linda fala irritada.
— Linda, ela não tem vez comigo — reforço a minha
fala.
— Casal que começa brigando, permanece brigando.
Êeeee! Relacionamento saudável! — Meu irmão faz piada de
tudo. Já sei que ele vai ficar fazendo esse tipo de piadinha o
tempo inteiro.
Eu não quero saber da Kettelyn. O que tivemos foi
coisa de uma noite.
Assim que chegamos no aeroporto, nos reunimos. A
Laisa vai na mesma remessa do Rodrigo, a pedido da Linda,
Gustavo, Kettelyn, outra garota que é da empresa do
Gustavo e mais algumas garotas. No total somos dez.
Linda se junta a Laisa e conversam sobre viajar de
avião, já que ela nunca viajou nesse tipo de transporte. Ela
falou sobre isso a semana toda.
Gustavo já está vestido no tema, short e camiseta de
estampa florida, chinelo de dedo e chapéu enorme
revestido por dentro com outra estampa florida na cor
vermelha, verde e amarela. Ainda tem os óculos de sol.
— Gostei do estilo! — Rodrigo elogia, sentando ao
lado dele.
— São só dois dias e não quero perder tempo. Quero
aproveitar desde o avião.
— E o que você vai fazer no avião para aproveitar
isso? — Fico curioso.
— Tomar uns drinks, jogar uns papos nas aeromoças…
— ele cita, sorrindo para o meu irmão.
— Muito bonito pra você. Cadê sua garota? —
pergunto.
— Eu já disse que ela não é minha namorada. Eu só a
levo para os lugares aonde não vou me prejudicar. Tem
mulher solteira, claro que também vou solteiro!
— Ei. E essa loira, hein? — Rodrigo o cutuca e me
sento no banco na frente deles. — Gostosa demais. Rômulo
disse que ela tá solteira.
— Se você conseguir pegar essa desgraçada, te pago
uma rodada de bebida — Gustavo promete.
— Pego facin — Rodrigo garante.
“O espírito de 5° série…”
Ouvimos o aviso de embarque e levantamos.
Quero só ver a reação da Linda no avião.
— Linda, a organizadora anda até com lista. ―
Laisa comenta discretamente sobre Kettelyn. — Se
deixasse, ela escolheria até os lugares de cada um no avião.
— Disso tenho certeza, Laisa.
Rimos.
— Aquele é o irmão do Sr. Rômulo, não é?
— Sim. Ele é.
— Bonito, né?! ― Ela parece estar admirada.
— Sim. É uma família com uma genética que Deus
benza — concordo e sorrimos.
É a primeira viagem que faço com o Rômulo e quando
embarcamos, sinto um frio na barriga.
Tenho pensado muito nesta viagem porque, por mais
que eu e Rômulo tenhamos convivido muito nas últimas
semanas, ainda não tivemos a nossa primeira noite
completa e penso que se não acontecer nessa viagem, pode
nunca acontecer. Quer dizer, tem tudo para dar certo. Ele
quer muito, sempre, e eu também quero, só tenho medo.
Mas quero que nossa primeira viagem seja especial de
verdade, por isso deixarei esse medo de lado.
— Meu lugar! — Kettelyn aparece sorridente e se
senta ao lado de Rômulo.
Balanço a cabeça e sorrio desacreditada, pois a
mulher não desiste mesmo. É claro que ela faria algo
parecido. Foi ela quem comprou as passagens.
Não quero parecer ciumenta, até porque isso vai além
de ciúmes. Sei que ela não gosta de mim pelo Rômulo, mas
eu não gosto dela pelos seus insultos. Dizer que vim para
dificultar a sua vida e que fiz tudo de propósito foi muita
ousadia. A minha mão ainda coça por ela me chamar de
desqualificada.
Pode apostar que se ela pedir, leva.
A presença da RP me dispersa do medo de voar, medo
esse que nunca teve motivos para existir, já que é a
primeira vez que viajo assim. Quando o avião decola, aperto
a mão de Rômulo e não tiro os olhos da janela que me dá
uma visão do que está acontecendo. Vejo a cidade deixada
para baixo enquanto vamos ao encontro das nuvens.
Até aí tudo bem, mas me assusto mesmo quando ele
se estabiliza no ar. Prendo a respiração por alguns segundos
e a minha pressão dá uma desequilibrada.
Algum tempo depois, tudo fica normal e só aproveito
a viagem da janela.
― Não morreu, morreu? ― Rômulo sussurra no meu
ouvido.
Não que esse fosse o problema. O problema era a
curiosidade e o medo da primeira vez, que não acontece só
numa viagem de avião.

— Tá para nascer um casal mais bonito do que meu


amigo, Rômulo, e a linda namorada dele que se chama
Linda! — Gustavo comenta escandaloso. — Quando crescer,
quero ser igual a vocês.
— Se não cresceu até agora, sinto lhe informar, não
tem mais jeito. — lamento.
No escritório, ele é descontraído, mas fora dele parece
um moleque na puberdade. Esse aí não consegue nada
sério com ninguém, pois ele não leva nada a sério além dos
seus negócios!
Mas ao menos nos faz rir.
Gosto de saber que Linda se enturma com as pessoas
do meu convívio, apesar de não ser de sair muito com os
rapazes. Laisa também não parece ser uma amizade ruim
para ela. Não as vejo muito grudada, mas se dão bem
quando estão juntas.
Parece que se conhecem a vida toda.
— Eu também me espelho no meu irmão mais velho.
— Rodrigo me acerta uma cotovelada.
— Mentiroso! Mas deveria se espelhar mesmo.
Rodrigo precisa ter responsabilidade e não entendo o
motivo do nosso pai nunca ter pegado no pé desse
vagabundo como pegava no meu.
— Preciso arranjar um chapéu desses. — Rodrigo
ignora meu comentário e pega o chapéu de Gustavo.
Quando digo que eles juntos faz mais sentido é sobre
isso.
Mas quem aguenta?
Seguimos de táxi para o resort e esse,
surpreendentemente, é do ex-colega de faculdade do
Gustavo. Eu nem deveria me surpreender a essa altura.
É exatamente tudo o que prometeu na propaganda e
mais um pouco.
Perto da praia, enorme, com muitas piscinas e outras
áreas de lazer.
E na hora do check-in o encontramos. Gustavo toma a
vez de Kettelyn, já que conhece o proprietário do lugar e
quando ele vê a Linda e eu, nos reconhece.
― Ela veio mesmo! ― Ele a cumprimenta com mais
respeito do que quando os encontrei conversando no
maldito restaurante onde quase morri.
― Pura coincidência. ― Ela é carismática.
― E você sobreviveu. ― Ele me dá um aperto de mão.
― É. Não foi daquela vez.
Linda me olha do mesmo jeito que ficou depois que fui
internado. Ela odeia que eu fale da minha morte e, dessa
vez, fiz uma piada leve.
― Fiquem à vontade. Tô aqui pra o que precisarem.
― Valeu. ― Gustavo se despede dele e fazemos o
check-in.
Linda e eu ficamos numa suíte, tratei de escolher a
melhor de todas. Deixamos as malas num canto e ela se
senta na cama.
― Caramba, esse deve ser o melhor quarto daqui!
― Espero, porque foi essa a exigência que fiz.
Ela inclina a cabeça rindo com os olhos semicerrados.
― Você é um exagerado, Rômulo.
― Quero que esse passeio seja inesquecível. ― Apoio
os braços em cada lado do seu corpo, na cama e beijo seus
lábios.
― Eu também quero ― sussurra e me beija.
É inevitável não pensar que esse querer seja
relacionado ao sexo. Já fico feliz demais por tê-la ao meu
lado independente disso, mas se tiver e quando tiver, será
melhor ainda, já que meu corpo ferve quando estou perto
dessa mulher.
— Você já parou pra pensar que estamos juntos e o
quanto isso é estranho?
Dou risada.
― Sim, mas já parou pra pensar em não estarmos
juntos?
― Já e não quero pensar nisso nunca mais. ― Seu
sorriso se desfaz.
― Então não vamos pensar sobre isso, só aproveitar.
― Dou mais um beijo nela e me afasto para tirar a camisa.
― Vamos pra piscina.
Ela fica encarando meu peito, admirada, e depois ri.
― Você tá se tornando uma safada, sabia?
― Eu?! ― Ela se deita na cama dando gargalhadas. ―
Você que fica se mostrando.
― Sou o que você vê.
― Aham.
Visto uma camiseta mais leve, troco a cueca por
sunga e a calça por uma bermuda. Linda resolve se trocar
no banheiro e sai com um vestido branco que deixa à
mostra o biquíni preto.
Respiro fundo e só a elogio.
― Tenho que aprender a conviver com isso.
― Com o quê? ― Ela pega uma bolsa de praia e
guarda seu celular dentro.
― Com o fato que você é gostosa para o caralho.
Ela abre a boca e abaixa a cabeça, envergonhada.
― Eu não menti.
― Você me deixa sem jeito. ― Ela sai na frente.
E eu adoro vê-la sem jeito e sem roupa.
Quando chegamos na piscina, encontramos os dois
folgados nas espreguiçadeiras, tentando convencer as
garotas a passar protetor neles. Eu me sento perto deles, já
que não tenho muita escolha e Linda se senta perto de
mim.
— Bermuda e camiseta, Rômulo?! Não se garante
não? — meu irmão pergunta.
— Eu não preciso ficar me mostrando para ninguém.
— Rômulo, você não passou protetor não, né? Vira
para mim — Linda pede.
Abaixo os óculos olhando para Rodrigo e Gustavo, e
lamento que mesmo usando sungas e se mostrando, os
garantidos não tem ninguém para passar protetor neles.
Acho que a minha cara não é bem de lamento, mas eles
entendem o recado.
Ela espalha o produto em meu rosto e faço o mesmo
nela.
“Dei sorte demais em todos os sentidos!”
Ela é minha namorada e tem razão, isso é esquisito,
mas não consigo me ver com outra mulher que não seja ela.
Linda resolve procurar Laisa e permaneço com os
rapazes, tomando cerveja.
— Rômulo. — Gustavo chama minha atenção — Olha
só essa visão.
Olho na direção que ele orienta e na piscina vejo
Kettelyn e as outras garotas.
— A sua RP é gostosa demais! — Rodrigo continua
admirado com isso. — Será que isso tudo é natural?
— Deve ser. Desde que me lembro é assim.
— O seu irmão já comeu ela — Gustavo, o
escandaloso, revela.
— Sério, Rômulo? — Rodrigo se senta rapidamente.
— Isso é passado. — Coloco os óculos de sol e me
deito.
— Como você deixou um mulherão desses passar? Ela
não te quis mais?
Sorrio.
“Como se isso fosse possível!”
— Eu que não quis.
— Ela vive atrás dele, Rodrigo — Gustavo conta. —
Até mesmo agora, que ele tá com a Linda. Ou você não
reparou nisso?
— Rômulo só gosta de mulher virgem, é? — Rodrigo
parece estar me conhecendo hoje.
— Larga de ser inconveniente, Rodrigo! Não tem nada
a ver com isso.
— É o que parece. Como dá um fora num mulherão
desses?
— Eu não queria compromisso com ela, foi caso de
uma noite só.
— Então a coisa foi ruim para decidir numa noite só —
conclui Gustavo.
— Não é só isso que importa em um relacionamento.
Se fosse, vocês não estariam encalhados, já que se deitam
com várias mulheres. Ao menos dão a entender.
― Namorar? Sou novo demais para isso ― meu irmão
retruca.
Descanso deitado, olhando para o guarda-sol
enquanto os dois soltam besteira atrás de besteira.
― Acho que elas vêm para cá ― Gustavo comenta.
― Quem? ― Não me levanto para olhar.
— Que corpo, hein? — meu amigo se admira sem
responder minha pergunta.
― Tem cara de problema — meu irmão fala.
― Não vão entrar?
Reconheço a voz de Kettelyn, levanto a cabeça e a
vejo parada perto de onde estou deitado.
Pelo visto, essa pergunta se estende a mim, já que ela
está olhando em minha direção.
― Daqui a pouco. Vocês não estão bebendo? ―
Gustavo pergunta.
― Ainda não. A água tá uma delícia. ― Ela arruma o
biquíni minúsculo na minha frente. ― Não gosta de piscina,
Rômulo?
― Às vezes — respondo.
― Se quiser se divertir com a gente... Viemos aqui
para isso... — Ela se insinua.
Vejo pela lateral dos óculos Gustavo e Rodrigo
olhando para mim, curiosos.
— Sei ― continuo sem muito interesse.
― Dá licença ― Linda pede parada atrás de Kettelyn.
Quando essa se vira, derruba a bebida que minha
namorada carregava na mão e molha todo o seu vestido,
além de deixar os pedaços da fruta grudados no tecido.
— Desculpa! Foi um acidente. — Kettelyn ri como se
ver Linda desse jeito a divertisse.
Linda não fala nada, não parece estar brava, só deixa
o copo em cima da minha espreguiçadeira e empurra
Kettelyn na piscina.
Tiro os óculos surpreso com o que ela fez.
Kettelyn volta à superfície, furiosa.
— Você tá louca?! Hein, garota?!
— Da próxima, faço pior. — Linda pega o copo e se
afasta da piscina. Levanto e a acompanho até o balcão do
bar.
— Me dá outra bebida, por favor.
Ajudo a tirar os pedaços de fruta dela. Nem sei o que
dizer, pois, Kettelyn já pagou pelo que fez.
— Que situação…
― Eu vou trocar de roupa ― ela diz, conformada.
― Vou conversar com Kettelyn sobre seus modos.
― Não precisa, não estamos no seu escritório. Aqui eu
posso resolver tudo por conta.
“O meu medo é esse.”
Ela fez de propósito, mas já mostrei que não fico
parada.
Como disse a Rômulo, não estamos no seu escritório e
aqui posso fazer o que eu quiser. Acho que ele ficou
preocupado com isso, pois me acompanhou até o bar e
também até o quarto, quando fui trocar de roupas.
Voltamos para perto da piscina e a mulherzinha ficou
desfilando na beira da piscina, descaradamente, a manhã
toda, como se tivesse me provocando.
Quando Laisa apareceu para ficar com a gente, já se
sentindo melhor dos enjoos da viagem, pude me divertir um
pouco e durante a tarde passeei com Rômulo por todo o
resort.
Foi o que salvou o dia, mas ainda tinha a noite e nos
reunimos para jantar.
Chegamos atrasados ou foram eles que se
adiantaram; por isso, há dois lugares vazios e um deles é ao
lado de Kettelyn.
Claro que deve ter sido escolha dela e Rômulo se
sentou entre nós.
O fato dela dar em cima do meu namorado
incansavelmente não me incomoda tanto quanto as críticas
pessoais que ela faz a mim, então Rômulo ter me poupado
de me sentar ao lado dela para mim, foi ótimo.
Como se não enxergassem o quanto ela é ridícula,
Gustavo e Rodrigo passam a noite dando em cima dela e
das suas companheiras, que apoiam tudo o que ela fala.
Reconheci as duas da recepção do quinto andar e já deveria
ter imaginado que seriam amigas da cobra.
Como o assunto era muito voltado para elas, não fiz
nada além de comer e tomar vinho, mas me diverti com
Laisa contando sobre o que andou fazendo durante a tarde
e também fiquei conversando com meu namorado, como se
já não tivéssemos feito isso a tarde inteira.
Parece que os assuntos nunca terminam.
― Vou ao banheiro ― aviso ao levantar e Rômulo
toma conta da minha bolsa.
Após sair da cabine do banheiro que achei mais perto,
lavo as mãos e para meu desprazer, Kettelyn aparece e me
olha de cima a baixo. Não parece tão sóbria quanto eu, já
que tem bebido desesperadamente enquanto gargalha
sobre suas aventuras na mesa.
— O que foi? Perdeu alguma coisa em mim?
— Usando Gucci… Me deixa adivinhar, foi Rômulo que
te deu.
— E se for, qual é o problema?
— Conseguiu um grande feito! Completou o golpe.
Depois de fazer com que todos quisessem esse namoro,
convenceu até o Rômulo! Agora tá vivendo a vida que
queria, não é? Com o milionário bancando tudo.
Não me surpreendo dela continuar com esses
pensamentos, pois esse tipo de gente não muda de ideia
tão fácil quando cisma em um pré-julgamento.
— Sei o que tenho com ele e não é nada do que você
diz.
— Fica se fazendo de coitada, porque o pai operário
morreu e ficou sozinha... Agora o Rômulo caiu no golpe.
"Sou uma garota órfã com amor-próprio…". — ela me imita
de um jeito irritante. ― Tanto amor-próprio e orgulho que tá
catando tudo que o Rômulo tem. Morando no apartamento
dele.
“Como ela sabe que aquele apartamento é dele?”
Era, na verdade, já que o teimoso passou para o meu
nome e fiz a loucura de assinar.
— Não ouse falar da minha família, nem de mim!
— Aposto que eram todos golpistas. Não é à toa que
são cheios de dívidas. Quando o Rômulo se der conta do
roubo, o rombo financeiro já será grande demais e ele vai
me dar razão.
— Lave a sua boca para falar de mim e da minha
família! — Avanço em sua direção.

Os rapazes e eu estamos num debate sobre um


assunto empresarial até que somos interrompidos por um
barulho e ameaças. Olho na direção do som, assim como
todos, e vejo a Kettelyn no chão recebendo tapas de Linda.
— Nunca mais fale de mim ou da minha família!
Levanto, corro até elas e, imediatamente, arrasto
minha namorada para longe de Kettelyn.
— Linda! O que você tá fazendo?
Ela não me dá atenção e tenta se soltar.
— Vou calar a boca dessa vaca, que tá me chamando
de golpista!
— Eu nunca fiz isso, Rômulo! Ela simplesmente
começou a ter uma crise de ciúmes e veio me bater! —
Kettelyn se defende.
— O quê?!
Com uma força que não esperava ver, Linda consegue
se soltar de mim e volta para cima de Kettelyn, cheia de
ódio.
Agora sei porque meus seguranças não conseguiram
pará-la.
— Você acha que vou brigar por causa de macho?! Eu
vou quebrar a sua cara pela sua língua venenosa! Ninguém
fala de mim, nem da minha família, sem nos conhecer! —
Ela acerta tapas seguidos e tento novamente apartar a
briga, mas tenho dificuldades, já que as duas se agarram
em agressões.
Outras pessoas que estavam no restaurante assistem
a isso, assustados.
“Espero que não tirem fotos.”
— Ajuda aqui, caramba! — Apresso Rodrigo e
Gustavo, que assistem parados.
Com ajuda, acabamos com a confusão.
Eu não imaginava que uma mulher com raiva podia
ser tão forte assim!
— Me solta, Rômulo!
— Não, Linda. Você tem que parar.
— Sua louca! — Kettelyn dispara as palavras enquanto
as meninas a ajudam a se recompor.
A marca dos dedos de Linda está tatuada em
vermelho no rosto de Kettelyn e só penso no que mais
poderia ter acontecido se não estivéssemos por perto.
— Eu não disse nada e ela veio me bater.
— Falou sim! Falou que eu e minha família éramos
golpistas!
— Jamais diria uma coisa dessas! Você que tem esse
ciúme doentio. Cuidado, Rômulo, essa mulher é doida.
— Quem tá falando a verdade? — pergunta Rodrigo,
confuso.
— Você ainda pergunta?! — Linda está com os olhos
flamejantes em fúria — Ela é uma mentirosa. Uma
dissimulada! Me solta que vou fazer essa desgraçada
engolir a língua. — Ela sacode os pés.
— Não, vamos embora daqui — decido. — Gustavo, vê
se leva a Kettelyn com as outras para bem longe dessa
aqui.
— Pode deixar.
― E Kettelyn. ― Olho bem para a sua cara. ― Eu te
avisei mais de uma vez sobre isso, agora lide com as
consequências.
Rodrigo e Laisa nos acompanham e minha assistente
carrega a bolsa de Linda. Assim que ficamos bem distantes
de Kettelyn, Linda se acalma e a solto.
― Ela acha que tô com você por dinheiro. Só apareceu
no banheiro com a intenção de me insultar.
― Que mulherzinha baixa! ― meu irmão comenta.
― Deixe-a pra lá, Linda. A gente sabe que nada do
que ela disse é verdade. ― Laisa devolve sua bolsa.
“Que situação!”
Se soubesse que seria assim, não teria vindo. A ideia
era sair com a Linda, mas não deveria ter feito isso com
pessoas que não se dão bem.
— Vamos embora. — Seguro sua mão.
— É... Entrou água, mas relaxa, cunhada. Ela deve ter
aprendido a lição. — Rodrigo se afasta com as mãos do
bolso do casaco.
— Eu também já vou. Boa noite. — Laisa segue meu
irmão.
— Vamos, Linda. Essa noite já deu.
Andamos na direção contrária.
— Que ódio daquela mulher! Ela fala demais, supõe
demais. Ela sabe que aquele apartamento era seu. Por
acaso ela já esteve lá?
É uma pergunta chata.
— Já, mas não importa, Linda. Quando voltarmos pra
casa as coisas serão diferentes. Eu garanto.
Logo que chegamos na porta do quarto, o abro e
entramos.
— Falou das dívidas da minha família. Como ela
descobriu isso? Você sabe que nunca quis o seu dinheiro,
não sabe? ― Ela me encara, transtornada. ― Quando te
procurei foi justamente pra recusar.
— Linda. ― Envolvo seu rosto com as mãos e olho nos
seus olhos. ― Eu não vou te deixar cair nessa paranoia. Não
vê que é isso que ela quer? Mas é claro que sei que você
não tem interesse nos meus bens. Sei disso, pois toda vez
que vou te dar algo, preciso implorar pra que aceite.
― Aposto que todo mundo no prédio do trabalho
pensa o mesmo que ela. ― Seus olhos se alagam e respiro
fundo.
— Fodam-se! Eu acredito em você. — Pressiono
levemente seu rosto e seus lábios fazem um bico
irresistível.
Deixo o assunto de lado e a beijo, soltando seu rosto e
agarrando seu corpo esguio.
Rômulo me faz deixar de lado todo o problema
quando me beija tomando meu fôlego para si. Me agarro em
sua camisa e sou guiada até a cama, onde esse beijo se
torna mais violento, assim como a forma que tiramos a
roupa um do outro. Desabotoo apressada a camisa social
cinza que ele usa, mas o homem me faz sentar e sobe
minha blusa, me interrompendo antes que eu termine.
Completamente despida da cintura para cima, Rômulo
não me deixa terminar de tirar sua camisa, agarra meus
seios expostos com sua boca faminta, me dando prazer
nessa parte, aumentando o calor entre as pernas. Agarro
seu cabelo e olho para o teto, enquanto seus dedos rodeiam
um dos meus mamilos e o outro é mamado pela boca
quente.
Seguro a gola da sua camisa e deixo seus ombros nus.
Rômulo levanta e tira toda a camisa com pressa. Sua calça
está bem-marcada e para ser ousada, sento e seguro o
cinto para tirá-lo. Ele deixa e, ao menos isso, faço com
rapidez. Também abro o cós e braguilha, me deparando com
o volume que estica a malha da cueca de tão rígido que
está.
Será a primeira vez que faço sexo oral e espero
alcançar qualquer expectativa que ele tenha sobre isso,
tanto quanto ele supre as minhas, toda vez que me leva ao
orgasmo com sua boca.
Quando coloco a mão em sua cueca, a tirando, ele
enrola delicadamente meu cabelo no topo e deixo o pudor
de lado, envolvendo a glande rosada com meus lábios,
depois mais um pouco do comprimento.
― Isso, garota! Chupa esse pau que é só seu. ―
Segura minha cabeça e me coloca no seu ritmo.
O tempo todo tento não usar meus dentes e quando
ouço seu gemido baixo e gutural acredito estar no caminho
certo. O gosto do pré-sêmen logo some e o devoro sugando
e lambendo num ritmo não tão lento, mas sem muita
pressa.
― Que boquinha gostosa, Linda! ― fala entre os
gemidos. ― Você é cheia de surpresas.
Olho para Rômulo e ele me encara com um olhar
afiado.
― Continue ― fala autoritário e continuo até este
homem gemer com a voz rouca e suspirar trêmulo,
liberando jatos longos e quentes em minha boca e cuido
para saltarem na direção da minha garganta e engulo.
Mas ainda sinto o sabor agridoce em minha língua
quando tiro o volume que preencheu todo o espaço da
minha boca.
Rômulo segura meu rosto e me encara, inebriado.
― Me deixa te fazer mulher, Linda, só minha ―
suplica, entorpecido.
Ajoelho em cima da cama, na sua frente, o abraço por
cima dos ombros e o beijo completamente de acordo com o
pedido.
Suas mãos grandes envolvem minha cintura, aperta
minha pele, me deixa colada em seu corpo e o comprimento
duro pressiona meu abdômen. Com a mão direita, Rômulo
agarra a minha bunda, em seguida, a garra que prende
minha roupa, arrasta o tecido para baixo com a lingerie
junto.
Ele faz isso do outro lado e assim que carrega minhas
roupas até os joelhos, o solto e me afasto, indo para o meio
da cama, deixando as pernas livres para que ele passe as
peças até os pés. Antes de subir, ele tira suas últimas peças
e espero apoiada pelos braços na cama.
― Quando penso que você não pode me deixar mais
louco, você me chupa, garota! ― Rômulo engatinha para
cima de mim, como um predador.
Seus olhos flamejantes fazem meu rosto queimar e
ofego em antecipação.
― Agora, vou te ensinar como costumo lidar com esse
tipo de ousadia. ― Desliza sua língua pelas minhas coxas. ―
A partir de hoje você será somente minha. Minha mulher. ―
Ele as agarra e me puxa de pernas abertas para debaixo do
seu corpo musculoso, dando um sorriso torto. ― Vamos
fingir que não é desde a primeira vez que nos vimos. ― Ele
me beija, dominando minha boca com sua língua.
O beijo se desfaz rapidamente, mas é o bastante para
me deixar sem fôlego e enquanto o retomo, seus lábios
vagam por toda parte do meu corpo. Ouço algo se rasgar,
um pacote, mas embriagada com a excitação que se
espalha dolorosamente pelo meu corpo quando sua língua
longa e quente mergulha em círculos na minha boceta, não
levanto a cabeça para ver.
― Já me viciei no sabor da sua boceta.
Suas falas me deixam completamente sem jeito.
Um murmúrio ofegante me escapa quando seus dedos
me penetram e deslizam para dentro e para fora. Ele me
masturba em um ritmo cruel e não para.
― Rômulo! ― Eu me torno incapaz de pronunciar uma
frase inteira. ― Filho... Da puta! Eu... Eu... ― Eu me reviro.
Um prazer incalculável me deixa completamente
desorientada e feliz pra cacete.
Ele volta, me encara e sorrimos um para o outro
enquanto sinto o calor da cabeça do seu pau na entrada da
minha intimidade.
― Ah, Linda... Vivi para te ver com um sorriso
maldoso. ― Ele me encara empolgado.
Meu corpo está em êxtase com o último orgasmo e
mesmo assim eu peço.
― Me faça sua, Rômulo.
Olhando em meus olhos, com as pupilas dilatadas, ele
segura meus antebraços acima da minha cabeça e me
beija, iniciando golpes lentos, mas fortes. Sinto a minha
pele sendo forçada e o incômodo que isso me causa, até me
perco no beijo e ele me encara, preocupado.
― Não pare. Quero você dentro de mim, ainda hoje. ―
Ergo a cabeça e o beijo com a mesma intensidade que ele
se movimenta para dentro de mim.
Contorço meus pés ao sentir meu interior se
expandindo em sua volta e os gemidos que tento conter
desta vez não são tão prazerosos.
― Não feche essa boquinha não. Já ficou muito calada
chupando meu pau, agora quero te ouvir enquanto me
afundo na sua boceta.
Eu me contenho menos e ele fica fora de si ao me
ouvir. Sinto meu interior recebendo cada centímetro dele e
quando pareço estar totalmente preenchida, acreditando
que o que sinto seja tudo, olho para baixo e vejo que nem
metade do seu comprimento está dentro de mim.
― Porra, Linda! ― rosna.
― O que foi?
― Você acaba de se tornar meu vício. Me diga que é
só minha, Linda. Que cada parte desse seu corpo viciante
me pertence ― exige, possessivo.
― Sua? ― pergunto de um jeito provocativo.
― Quero ouvir dessa sua boca teimosa. Diga toda a
verdade. ― Seus movimentos mais lentos se tornam
deliciosos dentro de mim e me sinto instigada a responder
suas exigências entre leves mordidas em seus lábios.
― O que quer que eu admita? Que aquele beijo
roubado me tirou o sono e depois dele tudo mudou? Ou que
toda vez que você me olha, fico perdida? Que quando me
agarra perco toda a noção de equilíbrio e o caralho todo? Eu
sempre fui sua e nunca me imaginei beijando outro homem
depois de você. Quem dirá fodendo. E agora... ― Agarro seu
pescoço. ― Que te senti dentro de mim, não quero saber de
mais nada.
O homem fica louco ao ouvir minhas palavras e o vai
e vem se torna mais rápido e fundo. Seu corpo colado faz
sua pele friccionar no meu clitóris, me dando prazer.
Rômulo me assiste gemer, dopada de tesão, suado e
com as veias saltando na testa.
Não esperava sentir algo além de dor na penetração,
mas um tempo depois o desconforto diminui e a umidade
dentro de mim, facilita o escorregar do seu membro.
― Goze dentro de mim, Rômulo ― imploro, ansiosa.
Tudo o que quero é dar um pouco do prazer que ele já
me deu.
― Goze dentro da sua mulher.
Ainda não é o prazer que sinto quando ele me chupa,
mas não é nada mal. E mesmo se limitando a não colocar
tudo dentro de mim, o vejo se torturando no vai e vem até
se estremecer e encostar a testa em meu corpo, respirando
pesadamente.
E mesmo sendo a primeira vez, posso dizer que gostei
de como tudo acabou.
Levanto seu rosto e Rômulo está vermelho, suado e
ofegante.
― Valeu a pena esperar ― sussurro, também
ofegante, e o beijo.
Ele sai de dentro de mim.
― Admita que perdemos tempo.
― Admito que nunca imaginei que seu pau enorme
caberia dentro de mim. ― Sorrio tímida.
― Com o tempo você aprenderá que ele cabe em
muitos lugares, mas por hora, ele só quer saber dessa sua
bocetinha rasgada. ― Acaricia minha fenda e se vira na
cama, me puxando para cima do seu corpo.
― Cheguei a ponto de ver Rômulo Guimarães falando
palavras sujas.
― Sujeira você vai ouvir quando eu te comer de
quatro. ― Ele aperta minha bunda. ― Você aguenta mais?
Porque já me imaginei te fodendo de todas as maneiras e tô
ansioso para tornar tudo real.
Dou risadas.
― Hoje tô disposta a tudo.
― Garota, essa fala entre quatro paredes é perigosa
― alerta.
Depois de tanto tempo esperando e de uma
tentativa falha, deixei de lado todas as palavras delicadas e
matei minha vontade na cama, com ela, dentro dela. E ouvi-
la admitindo o que muitas vezes suspeitei tornou a noite
muito mais prazerosa.
Linda foi minha desde a primeira vez que beijei seus
lábios e um lado mais sombrio meu ainda ousa dizer que
fomos um do outro no primeiro olhar.
Amor e ódio podem andar juntos.
Acordei antes dela, que dorme tão tranquila que não
tenho coragem de acordá-la. Considerando o que fizemos
na noite passada, darei a ela um descanso.
Os lençóis sujos de sangue que deixamos de lado nos
denunciam, mesmo assim, enrolo e deixo no canto do
quarto para que os funcionários do hotel os leve.
Troco de roupa e vou ao banheiro, depois saio do
quarto para saber como as coisas estão depois de ontem.
Kettelyn deixou de lado minhas ameaças e fez o que
bem-queria, então agora ela terá que arcar com as
consequências, pois se em outros assuntos já não volto em
minhas decisões, em minhas ameaças pior ainda. E tudo
piora quando o assunto é a Linda.
Deixei Gustavo responsável por ela, já que aquelas
garotas não devem oferecer nada do que apoio. Como não
sei onde fica o quarto dela, procuro o dele. Mas não sei
onde fica o quarto do miserável e depois de uma volta,
encontro Laisa na piscina.
— Laisa, bom dia. Você viu o Gustavo?
— Bom dia, Sr. Rômulo, ainda não o vi hoje. Onde tá a
Linda?
— Ela ainda dorme. Você sabe onde fica o quarto
dele? — Meus olhos quase não se mantêm abertos por
conta da luz do sol.
— Não. Só sei onde fica o quarto do Rodrigo.
— E onde Rodrigo tá?
— Acho que ele ainda tá no quarto.
— Tá bom. E você viu a Kettelyn?
— Sim, eu a vi no restaurante.
— Ótimo, com licença.
— À vontade.
Mudo meus planos e vou falar diretamente com
Kettelyn, que encontro ainda no restaurante, tomando suco
no bar.
— Rômulo, podemos conversar? — Ela se levanta
assim que me vê, com um semblante abatido.
— Tô aqui pra isso.
Linda deixou marcas em seu rosto que são levemente
perceptíveis e imagino que ela deva ter passado uma boa
camada de maquiagem, mas os inchaços ainda são visíveis.
Ela anda para fora do restaurante e a acompanho,
então paramos no jardim.
Confesso que quero acreditar no arrependimento que
seu rosto transmite, mas pedir perdão não é sua intenção.
— Ainda tô abalada com a atitude da Linda. Eu não
consegui dormir, apavorada, só lembrava do seu olhar feroz
e dos golpes. Ainda sinto suas mãos em mim. E antes que
você diga que a apoia, quero dizer que não fiz nada. Juro
que não disse nada. Desde que ela me conheceu, não gosta
de mim. Ela me encara como uma ameaça, uma ameaça ao
golpe dela. Eu sempre soube.
— Eu sei que a Linda seria incapaz de fazer algo
assim. Eu te avisei, Kettelyn. Você achou que eu tava
brincando?
— Você não pode fazer isso comigo. Eu faço meu
trabalho impecavelmente, até mesmo o que não deveria ser
delegado a mim, eu faço!
— E era somente isso que você deveria fazer. Só tô
aqui para reforçar que minhas ameaças serão cumpridas. —
Eu me afasto dela dando por finalizada a nossa conversa. —
Com licença.
Ela fica chorando.
Chega dessa confusão.
— RÔMULO! — meu irmão grita e olho na direção da
voz.
— O que é, inconveniente?!
Agora todos sabem o meu nome pelo escândalo que
ele fez.
— Quero saber da Linda. Onde ela tá? — Ele se
aproxima, enquanto Kettelyn foge para algum lugar.
— Ela tá bem, segundo suas palavras, mas não sei
como tá de verdade.
Tudo estava uma confusão depois da briga, então
ficou tudo ótimo com o sexo e, no fim, voltamos aos
problemas.
A noite passada foi de fortes emoções.
Acordo e Rômulo não está no quarto.
Meu corpo precisava de descanso depois do sexo de
ontem.
Eu dormi com o Rômulo!
Melhor, eu transei com o Rômulo!
É surreal pensar que ontem estive completamente
nua nos braços do Rômulo e fizemos amor. Não que ele já
não tivesse me visto assim, mas foi diferente da primeira
vez que tentamos no sofá de sua casa e de outras
tentativas também.
Ele estava mais malicioso e, mesmo assim, não
deixou de cuidar para ser bom, por isso não consigo resumir
a minha primeira vez a dor.
Me arrumo e junto os outros lençóis sujos aos que
estavam no canto do quarto. Me sinto na época em que as
mulheres usavam os lençóis manchados para provar a sua
honra. Admito que não imaginei que tinha sangrado a esse
ponto, mas acordei dolorida.
Me olho no espelho, com um vestido estampado e rio
de mim mesma pelo que fiz ontem. As coisas que falei a
Rômulo na hora do sexo foram com certeza guiadas pelo
tesão, pois a Linda normal não falaria certas palavras na
hora H por timidez e acho que ele gostou.
Saio para tomar café às nove da manhã e espero não
encontrar a Kettelyn por esse resort até a hora de irmos
embora.
No restaurante, encontro Rodrigo e Gustavo tomando
café.
— Bom dia. — Cumprimento cada um.
— Bom dia, Linda.
— Vocês viram o Rômulo por aí?
— Acho que ele tá perto da piscina, se decidindo se
toma banho ou não. Porque você sabe, né, cunhada? Ele
não é fã de banho. Graças a Deus que o perfume dele é
bom e consegue cobrir a caatinga — Rodrigo fala e dou
risada.
— Muito bonito você fazendo a minha fama, Rodrigo.
— Rômulo se aproxima de nós, nada satisfeito com o que o
irmão falou e para ao meu lado.
Acabo ficando sem jeito por lembrar o que aconteceu
ontem e só piora quando ele toca minhas costas e
massageia meu ombro.
— Tudo bem? — Beija minha testa.
— Sim. E você? — Eu o encaro.
— Também. — Mexe em meu cabelo e dou um
pequeno sorriso.
Gustavo e Rodrigo estão nos encarando, intrigados.
— Que porra de conversa é essa? — Rodrigo ri de nós
e Gustavo faz o mesmo.
— Parece que vocês não dormiram juntos. O que
rolou?
“Tá tão na cara que transamos?”
― Se esqueceram de ontem? ― Rômulo leva o
assunto para outro rumo.
Eu me pergunto se quando ele questionou meu bem-
estar era voltado a isso.
— Foi uma loucura. Não imaginei que a treta poderia
chegar a tanto. ― Gustavo fica mais sério. ― O que ela te
disse, Linda?
Puxo uma cadeira e me sento.
― Ela insultou a minha família. Disse que éramos
todos golpistas. Minha família pode não estar viva, mas tô e
não iria ouvir uma coisa dessas sem fazer nada.
Confesso que não tô nem um pouco arrependida.
— Eu já falei com ela. ― Rômulo se senta ao meu lado
e fico curiosa para saber sobre essa conversa. ― Já tinha
avisado mais de uma vez que se ela insultasse a Linda ou
outros funcionários, seu destino seria o olho da rua e ela
ignorou, logo, não a quero trabalhando mais para mim ― diz
duro e sem nenhum remorso.
Eu nunca procurei briga com ela e esse é o resultado
de suas escolhas.
― Errado você não tá. ― Meu chefe o apoia. ― Mas
hoje é um novo dia e vamos aproveitar o resort. Tem muita
coisa para fazer em pouco tempo. Não quero ninguém
desanimado ou falando de trabalho.
Vejo Laisa passando pela frente do restaurante e
chamo seu nome. Ela está de cabelo solto e com roupa de
banho.
― Bom dia.
― Bom dia. Senta aqui com a gente. ― Aponto o lugar
ao lado de Rodrigo, mas ela se senta ao lado de Gustavo.
― A pessoa que mais tá aproveitando a viagem é a
Laisa ― Gustavo comenta.
― Mas é claro. Não é todo dia que pego um avião para
um resort. Preciso fazer o sofrimento do voo valer a pena.
― Eu tenho remédio para enjoo na minha mala. Se
você quiser é só ir lá pegar ― Rodrigo oferece.
― Olha só! ― Rômulo acerta um tapa e tanto no
ombro do irmão. ― Tá ficando responsável.
Os papéis se inverteram.
― Precavido. Sou precavido. Cunhada, me tira uma
dúvida. O Rômulo ronca? — Rodrigo se debruça na mesa,
curioso.
— Não se estiver sóbrio — respondo rindo.
— E é por isso que não gosto de carregar você para os
lugares, Rodrigo. Você é a caricatura do irmão mais novo. —
Rômulo se estressa facilmente.
Rodrigo aponta pra Gustavo, que também ri.
— Não é só eu.
— E é por isso que fico em casa e não convido vocês
― Rômulo justifica mais uma vez. ― Vamos tomar café em
outro lugar. Vamos, Linda.
― Coitada da Linda! — Gustavo e Rodrigo falam
juntos.
Levanto e vou atrás dele.
Dá vontade de rir, mas sei que só deixa o Rômulo
mais bravo.
— Você ainda não tomou café? — pergunto quando
nos sentamos de frente um para o outro numa mesa perto
da saída.
— Tava te esperando. ― Ele olha o cardápio.
— Não precisava, dormi muito.
— Precisava, sim, somos um casal.
“É, somos mesmo um casal.”
— Ainda tá incomodado com o que rolou ontem no
jantar, né?
— Sim. Kettelyn não deveria ter insultado você e sua
família.
― Ela já pagou. Vamos aproveitar a viagem. Como diz
o Gustavo, temos muita coisa pra fazer em pouco tempo. ―
Sorrio e ele retribui o gesto.
— Sobre o momento importante da sua vida...
Seu pequeno sorriso deveria ser proibido de tão
charmoso e perigoso que é, pois, leva qualquer pessoa a
perdição. Eu mesma estou boba mordendo os lábios.
― O que foi?
― Foi como você esperava? ― Ele franze a testa e
suas sobrancelhas se erguem enquanto seus olhos azuis
brilham vidrados em mim.
― Não.
― Não?
Vejo as maçãs do seu rosto murcharem com o
desapontamento.
― Foi melhor... Bem melhor ― conto um pouco
envergonhada.
Eu não costumo falar dessas coisas abertamente,
ainda mais depois de ter a minha intimidade exposta com o
depoimento da Maria Isabel.
Aquela peste!
Ele suspira.
― Por um instante, pensei que tinha trazido mais um
momento traumático para a sua vida.
― Chega de traumas, né? ― brinco e o sorriso volta
ao seu rosto. ― Foi surpreendente.
― Surpreendente é uma ótima palavra para definir o
que aconteceu. Não esperava ouvir aquilo tudo. — ele dá
um sorrisinho sem vergonha.
― Foi você quem pediu...
Trocamos sorrisos e essa é uma das raras vezes que
vejo Rômulo de bochechas vermelhas.
― Tô satisfeito em saber que concordamos em algo
tão importante.
Agora é meu rosto que pega fogo.
Imaginei que ele sabia, afinal da mesma forma que
não fui capaz de esconder o que sinto para ele, ele também
não foi capaz de esconder de mim, pois logo me beijou e
não tinha desculpa que o safasse.
― Você acha que os rapazes podem notar que fizemos
isso? ― Deixo minha inexperiência falar mais alto. ― Tem
alguma coisa diferente em mim?
Ele me analisa, assente e toco meu rosto.
― Tem. Você tá mais linda que o normal.
Ele me assusta por um elogio.
― Você pode me levar de um ataque do coração a
outro ataque do coração por motivos diferentes em
segundos!
Ele ri.
― Vamos pedir o café da manhã?
― Vamos.
É bom saber que a proporcionei um bom momento.
Depois de ontem, quero essa mulher toda hora. Já era
difícil sem sexo, agora com ele não vou me segurar.
Não esperava viver isso nesse momento da minha
vida, mas parece que era tudo o que faltava pra eu ser feliz.
Passamos o resto da viagem fazendo coisas que o
resort oferecia. Sauna, massagens, passeios de jet-ski, iate
com toboágua e tudo que nos dispuseram.
Nos divertimos cada um à sua maneira.
Não faz meu perfil brincadeiras bobas e certos tipos
de atividade, mas tentei participar da maioria para fazer
companhia a Linda.
Acho que ela se divertiu mais em me ver inexpressivo
em meio a coisas que para ela e o resto eram super
empolgantes do que por eu estar perto mesmo.
Nunca a vi rir daquela forma para mim e, na verdade,
ela ria da minha pessoa mesmo. E o meu irmão não ficou
para trás.
Confesso que foi bom ter feito essa viagem e ver que
ela terminou desta forma.
Kettelyn não se aproximou de nós, muito menos as
outras garotas. Admito que a situação ficou chata, mas não
tenho pena.
Na segunda-feira, de volta a cidade, convoquei uma
reunião de última hora e Laisa ficou responsável por
organizar tudo.
— Sr. Rômulo. — Ela me acompanha logo que chego
no prédio.
— Sim. — Paro para ouvi-la.
— A RP e o Rodrigo já estão na sala de reuniões.
— Obrigado, tô indo para lá agora. Você pode guardar
minha pasta em meu escritório?
— Sim, senhor. — Ela pega a pasta da minha mão e
vai para o meu escritório, já vou para a sala de reuniões.
Ao entrar, vejo que o meu irmão está brigando com a
Kettelyn.
Bufo e fecho a porta.
— Bom dia.
— Bom dia, Sr. Rômulo — os dois respondem e olho
para meu irmão que está com um sorriso debochado.
Às vezes, tomo decisões questionáveis.
Sento na cadeira e apoio as mãos em cima da mesa.
— Acho que já sabem qual é o motivo da reunião.
— Rômulo, você tá levando aquela ameaça a sério? —
Kettelyn questiona.
— Kettelyn, não posso permitir que você continue
sendo a RP da minha empresa depois das coisas que você
fez no resort! E outras vezes também.
Ela fica incrédula.
— Não era você que não misturava assuntos pessoais
com assuntos de trabalho?
— Não misturo, mas o que você fez é fora dessa
curva, Kettelyn. A partir do momento em que você ofende a
minha namorada, as coisas mudam de figura e não posso
aceitar.
Não me importo de ser taxado de hipócrita, sou o
chefe.
— Não te reconheço. ― Ela balança a cabeça de um
lado para o outro.
— Você não me conhece, Kettelyn. O Rodrigo ficará no
seu lugar. Já que você reclamava que fazia coisas que não
eram da sua formação, meu irmão também pode fazer o
que não é da formação dele.
― Na verdade, sou formado em...
― Reunião acabada. — Levanto.
Rodrigo se cala e começa a aplaudir.
— Eu disse que não poderia mexer com minha
cunhada — meu irmão fala.
— Você nem tem competência pra isso! — Kettelyn
retruca.
— Tenho sim! — ele fala todo cheio de si.
— Chega de briga. — Saio da sala.
Esse assunto já está resolvido.
Abro a porta da sala de reunião e vejo Linda sair do
elevador com alguns papéis, em seguida andar na direção
do meu escritório. Vou para lá também.
— O que o Gustavo tá me mandando desta vez?
Ela olha para mim e sorri.
— Eu não sei, mas ele mandou algumas coisas aqui.
Entramos na minha sala e assim que fecho a porta,
não penso em outra coisa senão dar um beijo nela. A
arrasto pela cintura, a encosto na porta e beijo a sua boca
lentamente, saboreando o gosto que se tornou um de meus
vícios.
Quando o beijo se desfaz, ela morde os lábios,
sorrindo.
— Você não deveria fazer isso aqui, no escritório.
“Nunca se preocupou com as minhas regras, agora
quer inventar coisa.”
— Ah, Linda, achei que você tava acostumada com
isso. — Beijo seu pescoço que tem um perfume levemente
doce e muito atraente.
Basta encostar meu corpo no dela e o volume já
cresce.
— Não podemos fazer isso aqui, seu doido! ― Ela se
assusta.
Eu não planejo fazer essa proposta, pois estou
deixando que ela se recupere da primeira vez, mas agora
que falou sobre isso, me deu vontade de cometer a loucura.
— O escritório é meu — lembro, mas solto seu corpo e
pego os papéis que ela deixou cair no chão no meio do
beijo.
É outra proposta.
— Diga a ele que vou dar uma lida.
— Tá bom. — Ela segura a maçaneta.
― A Kettelyn não vai mais trabalhar aqui ― aviso e
me sento atrás da mesa.
— Não? — Ela fica surpresa.
— Claro que não! Por que tá surpresa? Depois do que
ela fez com você, é óbvio que não a deixaria aqui!
— Por mais que não goste nem um pouco dela, não
gosto da ideia de ser responsável pela demissão de alguém.
Levanto novamente e ando até ela.
― No momento em que ela te insultou, desrespeitou a
minha ordem... É isso que acontece com quem não me
obedece. ― Seguro seu queixo.
— E quem vai ficar no lugar dela?
— O Rodrigo.
— O Rodrigo, seu irmão? — Ela segura a risada.
“É, parece patético mesmo.”
— É ele mesmo. Ele dará o melhor de si, sei que vai.
Ele sabe com quem tá trabalhando.
— Isso será interessante. ― Ela me beija. ― Tenho que
ir. Depois a gente conversa, no almoço.
— Combinado.

Quando saio do escritório do Rômulo, encontro


meu cunhado.
Estou feliz por ele e por ver que Rômulo decidiu deixar
alguém da família por perto, já que ele sempre é bem
resistente a esses assuntos e adora reclamar do Rodrigo.
A bonita da Kettelyn também está saindo, mas ela
está indo para outra direção.
— Cunhada, quero falar com você — Rodrigo chama a
minha atenção.
Ele está vestido com um conjunto formal e elegante,
como se fosse um homem responsável.
— Tá a cópia do Rômulo.
— Não me compare com o Rômulo, que fico triste ―
ele pede, dramático, e me tira risadas. ― Mas você
esperava o quê? Não tô aqui para brincadeira não. — Dá
uma voltinha, segurando a lapela do blazer.
— Tão elegante quanto seu irmão. ― Dou uma
valorizada.
— Esse elogio foi a altura. — Ele arruma a gravata
enquanto continuo me divertindo. — Quero conversar sobre
ele. — Segura meu ombro e me puxa para bem longe da
sala do Rômulo. — Eu não sei se você sabe, mas nessa
quarta-feira será o aniversário do meu irmão.
— Sério? Eu não sabia!
— Faremos uma surpresa. Ele não vai te contar, mas
ele quer que você saiba mesmo assim. Esse é o jeito do
meu irmão e ele adora comemorar, então faremos uma
surpresa como fazemos todo ano, mesmo quando ele não
andava lá em casa. Ele já sabe que faremos a surpresa, mas
finge que não sabe. Já tô te avisando para você não
esquecer de comprar o presente dele e não deixar de
aparecer pra cantar os parabéns e comer o bolo, porque ele
ficaria muito bravo se você não aparecesse.
— Imagino. — Fico até preocupada. — Quarta-feira?
— Isso, na casa dele. Passaremos na sua casa pra te
pegar.
— Tá bom.
— Ah, e ele faz uma festa beneficente também.
― É sério?
― Sim. Ele leiloa os presentes que ganha, doa aos
necessitados e os presentes são muito valiosos. Se prepare
também. Você estará do lado do aniversariante.
Estou surpresa com isso, pois não imaginei que
Rômulo fazia caridade.
— Legal. — Balanço a cabeça, admirada. — Não vou
esquecer. Obrigada por me avisar, tá bom?
— É o meu dever. Até mais, cunhada. — Ele se afasta
acenando e entro no elevador para voltar ao quinto andar.
Preciso comprar um presente para o Rômulo.
Antes das portas fecharem, a ex-RP entra no elevador.
O clima pesa, instantaneamente, e mesmo que meu lado
misericordioso tenha ficado abalado com a história da
demissão, não esqueci do que ela falou sobre mim.
Sei que brigamos com a mínima provocação.
As portas se fecham com meus punhos que se
cerram. Ela ainda carrega um pouco das marcas da surra
que lhe dei, mas tem uma camada tão grande de
maquiagem que as tornam quase imperceptíveis.
Agora ela é a ex-RP.
Ficamos em silêncio o tempo inteiro e, felizmente, ela
não solta nenhuma piada. Ela sabe que se mexer comigo,
levará um bom tapa na cara ou um soco, quem sabe, a
minha mão está fechada e não tenho medo de acertar sua
cara.
O elevador abre no quinto andar e saio, me livrando
dela de uma vez por todas. Não acredito que ela retornará
aqui futuramente.
Espero nunca mais vê-la.
Encontro meu chefe na sala.
― Ele disse que lerá.
― Ótimo.
— Você sabe do aniversário do Rômulo, na quarta?
— Sim, eu sei, inclusive ia te avisar. Não esqueça de ir
senão ele ficará puto da vida com você. Ele odeia que as
pessoas mais importantes faltem ao seu aniversário. A
surpresa de aniversário que ele já sabe que é uma surpresa.
“Nossa, ele fala igualzinho ao Rodrigo!
Parece que todo mundo já sabe o jeito do Rômulo.”
— E não esqueça de levar um presente — ele
completa.
— Não esquecerei, mas não vou levar nenhum
presente que ele use para vender no leilão dele, sou sua
namorada. O meu presente é para ele mesmo. ― Eu me
sento decidida a dar algo que tenha valor sentimental,
afinal nem tenho dinheiro para dar uma coisa cara demais.
— Jamais. Os presentes que ele ganha das pessoas
próximas não são vendidos no leilão, mas os presentes que
ele ganha de pessoas que fazem negócios com ele sim.
— Ainda bem, porque ele não está nem louco de dar o
presente que dei a outra pessoa. Acho que só vai servir para
ele também.
Eu já sei faz tempo o que dar e só estava esperando
uma ocasião certa. O presente que numa distração pode
salvar vidas, mas vou dar como uma piada e sei que ele vai
entender da mesma forma.
Nessa quarta-feira, tirei meu dia de folga e todos
sabem o porquê.
Eu não sei se a Linda sabe, mas espero que ela saiba.
É meu aniversário e nesse dia fico em casa, sozinho,
refletindo sobre a vida, tomando bebidas caras e comendo
coisas de delivery.
Às vezes, alugo um jatinho e viajo, mas esse ano
preferi ficar em casa mesmo. Muita coisa mudou na minha
vida no último ano e pela primeira vez pensei que seria bom
passar acompanhado pela minha namorada, mas me
acovardei.
Eu, Rômulo Guimarães, me acovardei.
Felizmente, o dia passa rápido e por volta das sete da
noite, a campainha toca e já sei o que é.
Estou bem-arrumado, com suéter bege de mangas
longas que levantei até os cotovelos e um jeans que
raramente uso.
Abro a porta e gritam "SURPRESA!"
Minha mãe, meu irmão, a Linda, o Gustavo e um bolo.
Toda vez que isso acontece, me mantenho seguro na
seriedade, mas, desta vez, acredito que de tanto sorrir com
a pequena mulher de olhos verdes brilhantes que agora me
encara com um sorriso enorme, sorrio com facilidade.
Deixo que entrem e recebo os abraços, outra coisa
que costumava recusar, mas para os insistentes, desta vez,
não tem reclamação.
― Parabéns, amigão! ― Gustavo me abraça e me
acerta tapas nas costas.
― Obrigado.
― Parabéns, Sr. Rômulo. ― Rodrigo me abraça.
― Se fosse por respeito, poderia até gostar, mas essa
cara de vagabundo que você tem só pede por demissão.
― Calma! Nem assinou a minha carteira! ― Ele se
afasta, amedrontado.
Linda dá gargalhadas.
― Parabéns.
Eu a puxo pela cintura e a abraço tirando seus pés do
chão.
― Que bom que você veio. ― sussurro em seu ouvido
e beijo seu rosto.
― Fui avisada mais de uma vez sobre o evento do
ano.
― É bem a cara desses dois falar isso, não foram eles?
― Eu a solto e ela confirma.
A minha mãe volta da sala de jantar com as mãos
vazias e me abraça.
― Parabéns, meu amor. Que Deus te dê muitos anos
de vida e saúde. É ótimo te ver sorrindo. ― Ela segura meu
rosto.
― Obrigado, mãe, nem esperava essa surpresa.
― Agora deu para ser mentiroso? ― Gustavo
pergunta.
― Você não entendeu? ― indaga Rodrigo. ― Esse é o
novo senso de humor dele.
Uma risada me escapa.
― Gostei do Rômulo 1.1., primeira atualização e já é
sucesso.
— Vamos comer o bolo, soprar as velas. ― Minha mãe
segue as tradições.
Vamos para a sala de jantar, onde está o pequeno
bolo redondo, na cor azul, com muitas velas para acender.
― Pra que tantas velas?
― É a moda. ― Ela passa o isqueiro aceso e as velas
se acendem uma por uma.
― Muita vela. Tá ficando velho, irmão. ― Rodrigo
cutuca. ― Cadê meus sobrinhos? Preciso estragar crianças.
― Depois de mim, é claro ― nossa mãe avisa. ―
Quando tiver meus netos, vou fazer tudo o que não pude
fazer com meus filhos.
― Vocês podem mudar de assunto? ― Gustavo pede.
― Estão assustando a Linda.
Ela está abraçada ao corpo, com um sorriso tímido.
― Se espantarem a mulher, irei culpá-los para o resto
da vida ― ameaço e me aproximo do bolo.
― Faça um pedido — minha mãe fala.
― Pra cada vela? ― brinco.
― O novo senso de humor, né? ― Gustavo conversa
com Rodrigo.
― É esquisito, né? ― Rodrigo responde.
― Posso me acostumar. ― Gustavo sorri.
Penso num pedido, só me vem à mente o rosto da
Linda. Apago as velas, algumas insistem em reacender e
fico soprando até todas permanecerem apagadas.
― Agora o sonso vai abrir os presentes. ― Rodrigo
carrega várias sacolas e as deixa no chão. Pelas
logomarcas, esse ano capricharam nos presentes.
Minha mãe me entrega uma sacola.
— Não aceito que você não use — ela avisa, como faz
todos os anos.
Abro a caixa em cima da mesa e tiro uma camisa
branca, social de linho da Yves Saint Laurent e em outra
caixa há uma gravata de seda, com listras da mesma
marca.
Pelo que vi, todos trouxeram coisas da Yves Saint
Laurent. Devem ter comprado juntos.
— Adorei, mãe. Ainda não tinha uma gravata dessas,
vou usar no dia do leilão.
— Não esperava menos. — Ela fica satisfeita.
— Para completar o look… — Gustavo tira uma caixa
de numa bolsa.
— Dolce e Gabbana? — pergunto.
― Não gostei do corte da marca que sua mãe
comprou, achei mais elegante esse aqui. — ele explica.
Um conjunto de calça e blazer numa mistura de seda
na cor preta.
― Vai ficar bom com as coisas que a minha mãe deu.
Obrigado, Gustavo — agradeço.
— Agora só faltam os sapatos. — Rodrigo tira a caixa
do presente dele de dentro da bolsa.
— Vocês combinaram isso, não foi? — Suspeito.
— Não. Todo mundo comprou num lugar diferente —
minha mãe garante.
— Foi sorte, uma jogada de sorte. — Rodrigo me
entrega a caixa e abro.
O presente é um sapato preto muito bonito.
― Couro de carneiro.
— Obrigado, Rodrigo. Espero que tenha comprado um
para você já que agora tá trabalhando para mim.
— Mas é claro que comprei!
— Agora tô com vergonha de entregar meu presente,
porque é o mais simples de todos — Linda comenta,
acuada.
— O seu presente não é menos importante do que o
de ninguém. Agora, vamos, quero ver. — Tô ansioso.
Ela tira primeiro uma caixa retangular.
― Esse é o presente para completar a roupa, sua mãe
me ajudou. E esse é para evitar perdermos você.
O primeiro é um cinto de couro e o segundo uma
camiseta com a estampa de proibido comer cogumelos.
“Ela ficou com medo mesmo!”
— Você não deixa de zuar com a minha cara, né,
Linda?
— Jamais.
― Genial, Linda. E necessária depois daquele susto ―
Gustavo comenta rindo.
— É melhor do que uma tatuagem.
— Medo do presente do próximo aniversário. — meu
amigo comenta rindo.
— Vamos comer o bolo ― meu irmão se apressa em
falar. ― Para quem é o primeiro pedaço? Deixe-me
adivinhar. Para alguém que você conhece desde que esse
alguém nasceu, seu companheiro de vida, brincavam juntos
e apanhava juntos também?
— Não jantou? — pergunto.
— Não — ele admite.
Minha mãe traz a espátula e pratos para a mesa.
— Eu não posso fazer uma desfeita dessas, todos
vocês são muito importantes para mim, então todos vão
receber os pedaços no mesmo instante. Assim ninguém se
sente menos importante para mim. — Corto todos os
pedaços e coloco nos pratos com a ajuda da minha mãe.
— Sem graça — Rodrigo resmunga.
Comemos o bolo recheado com creme de coco e
ficamos na sala conversando por horas. Foi um bom jeito de
comemorar meu aniversário e com a Linda aqui foi melhor
ainda.
Por volta das nove da noite, eles resolvem ir embora,
já que amanhã é quinta e temos trabalho.
― Obrigado por virem, adorei a surpresa. ― Abraço
minha mãe e recebo tapas nos ombros e costas dos outros
dois.
― Vamos deixar a Linda como presente ― Rodrigo
avisa. — Aproveite.
― Ei! Não me trate como objeto! ― ela protesta.
― Desculpa, cunhada. Foi na melhor das intenções.
Até o próximo ano ― Rodrigo fala descendo os degraus.
― Até amanhã e compareça no horário. ― Fecho a
porta e tranco com chaves.
― Rodrigo é um palhação, né? ― Linda comenta
rindo.
― Demais. ― Eu me viro para ela.
A mulher está usando o maldito shortinho que já me
incomodou outras vezes e camiseta.
― Vou queimar esse shortinho. ― Ando na sua
direção.
― Eu já disse que uso o que quero, Rômulo. Quando
você vai entender isso?
― Você adora me provocar, não é? ― Aproximo meu
corpo do seu e ela me abraça pelos ombros.
― Adoro. ― Morde os lábios.
Meu corpo se enrijece simplesmente por estar perto
dela e a agarro pela cintura, erguendo seu corpo até
ficarmos da mesma altura. Linda cruza as pernas em volta
do meu quadril e nos beijamos loucamente.
Com as pernas separadas, sinto a rigidez do seu
corpo, que assim como o meu já se encheu de tesão com o
beijo apaixonado. Beijo seu rosto e chego no seu pescoço,
onde distribuo leves mordidas. A respiração de Rômulo se
torna pesada enquanto ele me carrega pela casa.
― Para onde estamos indo?
― O melhor lugar para te foder ― responde no meu
ouvido e me arrepio por inteira.
Continuo a provocá-lo com beijos e chupadas, e
quando abro os olhos, nos vejo no topo da escada e em
seguida, minhas costas entram em contato com a parede
fria.
Rômulo esfrega seu corpo no meu e me beija
enquanto me perco na excitação que se espalha
dolorosamente pelo meu corpo. E como se não bastasse o
calor e contato do nosso corpo me deixa louca para repetir
o que tivemos no resort.
Ele me beija como se fodesse minha boca, mais
especificamente, quando chupa a minha boceta e assim me
arranca gemidos.
― Achei que o lugar era o seu quarto ― comento
ofegante.
Pelo visto, ele quer me foder aqui mesmo.
― Por enquanto será, mas não duvide que eu vá te
foder em qualquer canto futuramente. Você me deixa louco
de tesão, Linda ― sussurra contra minha boca e me beija. ―
Quero você todo dia na minha cama. De preferência, nua.
Eu me amoleço todinha com esse pedido e até me
mordo enquanto ele me encara entorpecido de tesão.
Sou carregada novamente e encaro seu rosto excitada
com o olhar safado que encontra meus olhos.
― Preciso de um pedido formal para isso.
― Não é um problema. Sei muito bem tratar de
formalidades.
Entramos no quarto e sou jogada do jeito mais rude
em cima da cama.
“Quando se trata de delicadeza, ele passa longe...”
― Esse maldito short ― implica novamente enquanto
o tira de mim.
― Não finja que não adora me ver com essa roupa.
Admita que no dia em que me viu usando pela primeira vez
ficou tentado.
― Se fiquei? ― Ele larga o short no chão e segura
meus joelhos. ― Linda, naquele dia, você consumiu minha
mente sem nem estar na minha frente. ― Lambe minhas
coxas e perco a capacidade de pensar antes de falar,
perdida no tesão.
Os espasmos me deixam inquieta e para completar,
ele se aproxima da minha calcinha enquanto desliza a mão
direita pelo meu abdômen, arrastando com ela a minha
camiseta e ao chegar na gola, me puxa. Eu me sento com
ele entre minhas pernas e mergulhamos num beijo
envolvente.
Ouso abrir a braguilha do jeans e me mantenho
sentada segurando seu pau que está duro feito rocha, com
a ponta molhada com o pré-sêmen. Eu o massageio e
recebo carícias em minha intimidade. Rômulo arrasta sem
demora a minha calcinha para o lado e me penetra com
seus dedos.
Ambos gememos entre o beijo e não consigo fazer
isso com ritmo, então ele chupa meus lábios e meu
pescoço.
― Me deixa apagar as marcas das minhas mãos com
meus beijos.
Jogo a cabeça para trás, perdida entre o tesão das
dedadas que deslizam para dentro e para fora de mim,
molhadas. Rômulo desce e logo sua boca faminta suga meu
clitóris. Minhas pernas se encolhem com a contração
incontrolável.
― Rômulo! Porra, você sabe o jeito certo!
― Você é minha, Linda. Ninguém melhor do que eu
para conhecer bem a sua boceta. ― Ele penetra meu canal
com a ponta da língua que escorrega dura e quente, me
arrancando um gemido e uma contração de tesão que me
faz sentar. ― Já mapeei cada dobra sua com minha língua.
― Ele tira as roupas. ― Tire a blusa. Te quero nua por
inteiro.
Obedeço a sua ordem e ao tirar a blusa fico
completamente despida, já que a minha calcinha sumiu.
― Cadê a minha calcinha?
Ele dá uma rápida risada maldosa.
― Essa sua desorientação também me excita. Na
verdade, tudo em você me deixa de pau duro. É um esforço
tremendo me conter perto desse seu corpinho, dessa sua
boca teimosa. ― Ele se masturba para mim.
― Não se contenha. ― peço o encarando nos olhos.
Sou bruscamente puxada para ele e dominada com
beijos. Sinto a pele úmida e lisa da glande deslizando pelas
dobras da minha boceta.
É tão bom quanto na primeira vez.
― Quero sentir a minha pele na sua, Linda, na hora do
prazer.
― Desde que não tenha nenhum risco.
― Fica tranquila, vou gozar dentro da sua boquinha. ―
Ele me dá mais um último beijo antes de me fazer deitar e
começar a me penetrar no ritmo lento.
Apesar de ainda não ser totalmente indolor, quando a
maioria do comprimento está dentro de mim, o sexo se
torna delicioso.
Mesmo sendo a segunda vez, já não me sinto tão
inexperiente. Eu o encaro nos olhos enquanto sou fodida. ―
Você fode deliciosamente bem, Rômulo.
― Sou tarado nessa sua boceta apertada. ― Ele me
agarra novamente sem delicadeza e me tira da cama.
Sinto mais um pouco do comprimento duro se
afundando em mim e um gemido escapa dos meus lábios,
mas é calado com um beijo.
― Para onde vai me levar?
Ele se senta na cama e espalma cada lado da minha
bunda, depois aperta. Minha pele arde, ao mesmo tempo,
em que sinto tesão com os tapas.
― Quero que termine o que começou. Rebole, Linda.

Fico louco de tesão, vendo Linda rebolar em cima de


mim, toda nua, gemendo de prazer. Ao mesmo tempo que
tem um olhar tímido, vejo uma maldade e ousadia, e essa
mistura não poderia ser mais perfeita.
Analiso seu corpo nu, enquanto rebola para frente e
para trás no meu pau, que expande não somente no seu
interior, mas alarga em sua volta os lábios rosados que
rodeiam a pequena protuberância e roça na minha pele no
vai e vem delicioso.
Não tenho pressa para gozar e fico satisfeito se ela
passar uma hora ou duas em cima de mim.
Essa visão é maravilhosa demais e preciso de tempo
para contemplá-la.
― Isso, minha garota, tá indo muito bem. ― Acaricio
suas coxas.
― Isso é bom.
― É delicioso, meu amor. ― Beijo sua boca e ela logo
me entrega sua língua molhada, que chupo sedento.
Abraço seu corpo e levanto seu quadril repetidas
vezes.
― Cavalgue, Linda.
Adoro o fato de no sexo ela me obedecer
imediatamente.
Linda se apoia em meus ombros e cavalga, em seu
tempo e ritmo, com os pequenos e arredondados cumes
balançam na minha frente.
Chupo um deles e tenho meu cabelo puxado.
― Como posso te dar prazer enquanto você faz isso?
― murmura manhosa.
― Você tem me dado prazer desde a hora que
chegou. ― Arrasto a língua por sua pele até chegar em sua
mandíbula e mordo.
― Filho da puta! Vai me marcar mesmo?
― Do pescoço até a boceta. ― Beijo sua boca e a
levanto comigo.
A danada me xinga descaradamente quando mais um
pouco do meu pau se enterra nela.
― Quero que sinta tudo dentro de você.
― O quê? ― indaga e saio de dentro dela.
― Fique de quatro.
― Você não vai...
― Uma coisa de cada vez. A não ser que você queira
agora. ― Um sorriso brota em meus lábios ao pensar na
sorte que seria.
― Não!
― Então fique de quatro antes que eu mesmo coloque
você nessa posição. Continue obediente. ― Massageio meu
pau molhado e ela me obedece, como uma cadelinha
treinada.
Sua bunda pequena e lisa se empina em minha
direção antes mesmo de tocá-la e afasto as coxas.
― Porra! Você fica gostosa em qualquer posição!
― Vai com calma, por favor.
Deslizo para dentro dela como sempre, lentamente.
Não quero vê-la se contorcendo de dor, mas de prazer, além
de que adoro sentir meu pau sufocando em deleite
enquanto preenche sua boceta extremamente apertada,
que se não bastasse ser estreita, ainda pulsa durante
minhas investidas.
― Dobrou de tamanho? Caralho, Rômulo! ― protesta.
― É, o meu caralho mesmo te preenchendo, amor. ―
Solto um grunhido áspero.
Dou golpes profundos e seus gemidos saem em
soluços sempre que chego fundo. Seguro sua cintura e ora
me movimento, em outras, movimento seu quadril.
― Não sei se é mais prazeroso me ver deslizar para
dentro de você ou ver a sua boceta engolindo meu pau
quando te trago para mim. ― Penetro seu canal, voraz e
mais rápido, com um desejo feroz.
― Eu...
Ouço um fio de voz e o lençol da minha cama se
encolhe preso nas mãos dela.
― Rômulo... Desse jeito eu vou... Eu... Rômulo! ― Ela
empina a bunda e joga a cabeça para trás, dando o gemido
mais satisfatório que já saiu por sua boca, em seguida
comprime meu pau, me levando a gozar antes mesmo de
conseguir sair de dentro dela.
Eu me afasto trêmulo e ejaculo o resto em sua bunda
vermelha, marcada com os golpes. Deixo um tapa nela e
Linda geme manhosa.
― Olhe para mim, Linda.
Esparramada de bruços na cama, ela olha para mim,
mas a puxo pelo braço e a faço se sentar para me encarar
direito. Ela tem um sorriso satisfeito no rosto.
― Era desse jeito que eu queria te ver mesmo. ―
Seguro seu queixo e beijo seus lábios. ― Vamos tomar um
banho.
― Depois que as minhas pernas pararem de tremer. ―
Ela se deita com um sorriso descarado no rosto.
― Se depender de mim, elas vão tremer a noite toda,
Linda.
Cinco semanas depois...
Rômulo e eu nunca estivemos tão ligados e tão
bem como estivemos nas últimas semanas.
Ainda existem algumas questões do Rômulo não
resolvidas, como a situação com seu pai, mas sei que logo
isso não será um problema. Agora que sua mãe tem estado
na casa dele com frequência e o Rodrigo o dia inteiro no
escritório, só falta estar bem com o pai.
Eles vão arranjar uma maneira de se entender.
Eu me desfiz da casa alugada do bairro que morei
praticamente a vida inteira, depois de semanas de teimosia
e apego. O apartamento que está em meu nome tem sido
apenas mais um lugar para revezar as noites com Rômulo,
porque, no fim, estou a um passo de morar com ele.
E é o que ele quer.
Mesmo não morando mais no bairro, sempre visito
Gertrudes e minhas vizinhas queridas.
Hoje é a festa do Rômulo, o leilão beneficente.
Confesso que ainda me admiro com a iniciativa.
Rômulo esconde muita coisa!
Sempre o vi sendo metido, mas é muito modesto com
coisas como essa e isso me faz acreditar que apostei na
pessoa certa. Antes mesmo de tudo acontecer conosco, ele
não era de inteira frieza e agressividade, pois esse evento já
acontece há alguns anos.
Escolhi um vestido verde-esmeralda, que tem sido a
minha cor favorita nos últimos dias, com uma saia longa,
franzida na cintura e um caimento impecável na seda de
ótima qualidade. O corpete marca perfeitamente minha
cintura fina, deixa um decote sensual até mesmo em meus
seios pequenos e alças finas. Uso um batom nude e as joias
que Rômulo me deu para usar especialmente hoje.
Exagerado, como sempre. Brilhantes e mais
brilhantes.
Admito que tenho medo de andar com essas coisas
que podem ser mais caras do que eu mesma.
Ele me liga bem na hora que termino de passar o
perfume.
— Oiii!
― Oi! Já tá pronta?
— Quase pronta. Ainda falta o sapato.
— Os convidados já estão chegando. Você deveria ter
se arrumado aqui.
― Você sabe que não quero que pensem que moro
com meu namorado.
“Apesar de já estarmos quase nessa situação.”
― Bobagem.
― Mande o motorista. Você vai me pegar na porta,
não é?
— Não. Eu vou deixar que qualquer outro cara entre
com você.
— Cavalo! Mande o motorista. Já chego aí.
— Tá bom. Até logo.
Ele anda uma pilha de nervos com essa festa.
Parece até que a primeira vez!

Eu me afasto da janela, onde assistia os convidados


chegando e guardo o celular no bolso.
Linda tem cada pergunta...
Às vezes, dou um desconto por ela não estar
acostumada com minha rotina e as coisas que acontecem
comumente na minha vida, mas, nesse caso, ela deveria
saber que temos que entrar juntos, apesar da casa ser
minha.
Ela é a minha namorada e não quero que ninguém
pose para foto com ela, além de mim.
Irei buscá-la na porta do carro.
Desço para a festa e me preparo psicologicamente
para a cansativa tarefa de cumprimentar todos os
convidados.
Os presentes que ganhei durante as últimas semanas
estão expostos em cilindros de vidro, em cima de uma longa
bancada no local onde o leiloeiro irá realizar o evento.
Deixamos assim para os convidados terem a oportunidade
de ver os itens antes de serem ofertados.
São objetos ótimos e acredito que serão convertidos
em um bom valor. No fim, sempre escolhemos mais de uma
instituição para doar.
Faz anos que realizo este evento e até hoje ninguém
implicou por estar leiloando meus presentes de aniversário.
Aliás, estou usando os que ganhei em minha pequena
comemoração com os mais próximos.
Admito que fiquei muito bem com os presentes.
Eles nunca erram no presente e até mesmo a Linda,
que é de primeira viagem, acertou.
Cumprimento todos e ainda converso com algumas
pessoas que não vejo há algum tempo, até que meu irmão
avisa que Linda chegou. Peço licença para meus convidados
e saio da sala com Rodrigo. Arrumo o blazer e encontro os
fotógrafos do lado de fora, perto do portão da minha casa.
Estes, ao contrário dos que viviam espalhando fofocas sobre
mim e Linda, foram contratados para a festa e estão
registrando os convidados em cada momento.
Guardo álbuns com fotos de outros eventos que fiz,
pois, gosto disso.
Ao chegar na porta do carro, encontro mais fotógrafos
que não contratei e esses, inconvenientemente, iniciam
disparos e mais disparos de flashes em minha direção.
Abro a porta do carro e vejo Linda impecável com o
vestido verde-esmeralda que se apaixonou assim que pôs
em seu corpo. E ficou ainda mais linda com a arrumação
completa.
Ela sorri para mim e se apoia em minha mão para sair
do automóvel.
Desta vez, eles terão provas nítidas de que sou
completamente apaixonado por essa mulher, pois não faço
esforço nenhum para esconder esse sentimento e isso com
certeza deve estar estampado em minha cara.
― Porra, Linda!
― Guarde os palavrões para o fim da noite ― pede
parada na minha frente, rente a mim.
É difícil ouvir isso e não deixar o corpo interpretar.
Saio da sua frente, ela passa seu braço pelo meu,
fecho a porta do carro e seguimos para dentro do jardim da
mansão. Depois dos portões, os fotógrafos contratados nos
fotografam em frente a um painel montado exatamente
para isso.
Rodrigo se aproxima com as mãos nos bolsos da calça
e para, esperando alguma coisa.
― O que houve? ― pergunto.
— Tô esperando a minha vez — ele responde.
― Vez de quê?
— Depois de você, quero tirar uma foto com minha
cunhada. Eu não tenho acompanhante. Até convidei a Laisa,
mas ela me deu um fora, então você tem que me emprestar
a sua namorada ao menos para a foto.
― Tenho?
“Era só o que me faltava!”
Linda ainda ri.
― Vem, Rodrigo. Aproveite que a minha autoestima
hoje tá lá no alto — ela fala.
― Será que hoje sai um pedido de casamento? ―
Rodrigo inventa.
Até que não seria uma ocasião ruim, mas estamos
juntos recentemente, se bem que assim ela moraria de vez
comigo.
Ótimo, agora vou passar a noite pensando nisso.
Após as fotos com Rômulo e com Rodrigo,
entramos na casa dele. Depois que acendem toda a
iluminação extra, somando com o efeito da decoração, tudo
fica muito bonito. Tão bonito quanto já estava mais cedo.
Reencontro algumas pessoas que conheci nos eventos
em que acompanhei Rômulo e conheço mais outras.
Fiquei um pouco tímida a princípio, ainda mais com os
elogios que recebi sobre minha beleza, mas depois fui me
acostumando.
Rômulo conhece muita gente e essa noite senti o peso
de estar ao seu lado. Ainda mais por saber que esse é um
dos eventos mais comentados do momento. Se nos anos
anteriores foi assim, desconfio que morava debaixo de uma
pedra.
A Ana Cláudia também sentiu o peso da minha
companhia, pois quando chegou, teve que me engolir do
lado de Rômulo, que fez questão de me apresentar como
sua namorada a cada alma que passou pela porta. Gustavo
chegou me enchendo de elogios e vindo dele me faz rir pelo
exagero e referências.
Confesso que cheguei a acreditar que a única pessoa
de quem Rômulo não sentia ciúmes era do Gustavo, mas
olha só ele de cara fechada para o amigo.
― É o peso de estar com uma mulher dessas.
― Deixa de gracinha — Rômulo fala ao amigo que
sorri.
— Olha só! — Rodrigo cumprimenta Gustavo com um
abraço, todo animado.
— Acho que você perdeu seu melhor amigo, Rômulo
— comento com ele.
— Vou roubar o amigo dele também — garante
passando o braço pela minha cintura e me beijando. ― Já
disse que você tá perfeita hoje? ― Ele encosta a boca no
meu ouvido e aperta minha cintura, me arrancando um
suspiro com o sussurro. ― Gostosa demais.
— Casalzinho meloso… — Rodrigo reclama. — Vamos
tomar uma, Gustavo. Vai arrematar alguma coisa hoje?
— Tem mulher, Rodrigo? — Gustavo o acompanha.
— Quem dera.
Dou uma gargalhada.
Eles não podem ficar juntos, são muito descarados!
— Aqueles convites que a gente pensa duas vezes
antes de enviar… — Rômulo comenta em lamento.
Os pais dele finalmente chegam na festa e os
cumprimentamos.
Rômulo ainda não consegue cumprimentar o pai com
um semblante amigável, mas entendo que isso leva tempo.
Um aperto de mão já é um progresso.
Desde que cheguei, já tinha música e já estavam
servindo bebidas e comidas para os convidados, tanto que
tomei duas taças de champanhe antes da parte principal do
evento começar.
O leilão começa por volta das nove da noite e há
mesas reservadas com lugares para cada um dos
convidados. Na nossa, se senta Rômulo, Gustavo, Rodrigo e
eu.
Mais uma rodada de bebida é servida e mais uma vez
aceito.
― Linda, Linda...
Rômulo quer ditar o quanto posso beber!
Tudo bem que não tenho costume, mas mal dá para
sentir o álcool da bebida!
Continuo bebendo até esquecer do que tenho na
minha mão, com os valores dos objetos leiloados.
Os valores iniciais já me deixam admirada e só piora
com os lances. São de cem mil reais, alguns objetos iniciam
mais caros do que isso e o mais barato que vi, tem o valor
de oitenta e cinco mil reais.
As pessoas sobem os valores facilmente e começo a
pensar na desigualdade do mundo.
O valor de somente um objeto desses resolve o
problema de muita gente de uma vez só.
― Você já decidiu para quem vai doar isso tudo? ―
pergunto a Rômulo.
― Tem uma instituição que cuida de menores, outra
que trabalha com famílias que vivem em extrema pobreza,
uma que ajuda a levar água para regiões de seca e tem
outra que não lembro bem, Linda.
Ouvir isso me deixa mais conformada quanto aos
valores desse leilão.
― Já parou para pensar no tanto de gente que você já
ajudou?
― Quando ouço que ainda tem muito mais, acho que
faço pouco, mas ao menos tô fazendo, não é?
― Não é pouco, acredite. É uma atitude linda.
Ele sorri e beija minha testa.
O leilão é demorado, pois, Rômulo ganhou muitos
presentes.
“Imagine se fosse mais carismático?”
Rio comigo mesma.
— Você tá gostando do leilão? — ele pergunta um
bom tempo depois.
— Continuo apavorada com o valor das coisas.
Gustavo arremata um relógio que ele disse que era do
modelo que ele queria, mas só vende no exterior e ele não
tem tempo para ir comprar, nem paciência para esperar vir
de fora.
Enfim, perrengue de rico.
Aliás, meu chefe contou que terminou tudo com a
carniça e já partiu para outras. Eu nunca vi futuro no que
Gustavo tinha com a amiga da bostenta.
E depois de horas, muitas taças de champanhe e
muitos docinhos na companhia do meu cunhado, que não
deu um lance sequer, o leilão acaba com um valor de
milhões que eu não saberia contar em cédulas.
As pessoas continuam bebendo e comendo. Numa das
salas o jantar será servido para quem quiser comer algo a
mais.
Não tem hora para acabar e mesmo com a música
baixa, até que dá para se entreter com ela.
Rômulo não me deixa sozinha um minuto sequer.
O pai do Rômulo arrematou duas coisas bem caras.
Ele gastou cerca de quatrocentos mil reais nessas coisas e
nos contou o quão valioso era um dos objetos.
O que mais as pessoas pagaram caro foi pelos
relógios que parecem ser de marcas ótimas e por isso
tiveram uma quantidade maior de lances.
Não tinha nada feminino e se tivesse, não imagino se
as mulheres seriam corajosas a ponto de dar lances. Eu, se
fosse rica, não daria. Mas talvez se eu fosse muito rica, pela
caridade, eu faria sim.
Estamos nos divertindo até que um burburinho se
inicia e todos ficam olhando em nossa direção com
expressões de horror e nojo.
As pessoas simplesmente começam a ir embora sem
se despedir do anfitrião.
― Rodrigo ― Rômulo fala e esse sai pela festa. ―
Descubra o que tá acontecendo.
― Caramba! Por essa não esperava, Rômulo! ― Ana
Cláudia aparece no outro lado, com o celular na mão. ―
Então, no fim, a pobrezinha era, na verdade, a vítima!
― Do que você tá falando?
― Você não tem internet? Ah, espera, você sabe bem
do que tô falando. O Rômulo bateu nessa coitada! Caramba,
Rômulo! Esperava mais de você. ― Ela também o encara
enojada e se afasta de nós.
Olho para Rômulo completamente perdida.
― Puta merda! Quem inventou essa?
Inventaram que bati na Linda no dia em que
ela esteve na minha casa. Agora vejo as pessoas me
olhando com aversão e indo embora da festa.
Linda já está com lágrimas nos olhos, Gustavo mexe
no celular e eu faço o mesmo.
― Parece que soltaram em todos os sites de fofoca
que você machucou a Linda. ― Rodrigo volta contando o
que já sabemos.
“Parece que essa cidade gira em torno das fofocas!”
― Quem diabos inventou isso? ― Eu o encaro, bravo,
e quando o aplicativo carrega, vejo um dos perfis com fotos
da Linda no dia que saiu da minha casa após tudo acontecer
com outra que foi tirada hoje.
― Linda, acho melhor você vir comigo. ― Minha mãe
segura seu braço.
― Temos que resolver isso. Quem inventou essa
história? — ela pergunta.
― Isso não é verdade, é? ― Gustavo indaga, perdido
na história. ― É mentira, não é, Rômulo?
Respiro fundo.
― Eu nunca bati na Linda! Isso é mentira!
― Não tem como resolver isso agora, Rômulo. ― Meu
irmão passa na minha frente. ― Nosso pai quer conversar
com você, no seu escritório.
― Era só o que me faltava! ― Bato na testa. —
Rodrigo, temos que desmentir isso.
― Vá, meu filho ― minha mãe insiste. ― Gustavo,
você pode nos levar embora? Eu e a Linda.
― Eu não quero ir — Linda fala. — Vou desmentir isso.
Rômulo não fez isso comigo!
― Vamos, Linda, quero entender essa história. ―
Gustavo me fita, preocupado.
Todos estão decepcionados comigo, sendo que não
sou esse monstro. Posso ter dado as costas pra ela, mas
nunca faria o que estão dizendo que fiz.
― Rodrigo e Sérgio, cuidem de acabar com essa festa,
vou subir ― aviso e até me despedir da Linda é difícil no
meio de tanta gente que pensa que temos uma relação
abusiva.
Ela me abraça forte e agarro seu corpo, sentindo o
gosto amargo de tudo o que fiz.
No fim, são consequências daquele dia.
― Vamos resolver isso. Prometo — falo para ela.
Eu sabia que se esse assunto se espalhasse,
inventariam coisas como essa.
― Vá com o Gustavo e a minha mãe, mais tarde
conversamos. ― Tiro o lenço do bolso e enxugo seu rosto.
Ela os acompanha revoltada e os olhares que recebo
me deixam completamente envergonhado e inconformado.
Subo a escada para ir ao meu escritório encontrar
meu pesadelo.
Entro e vejo meu pai acendendo um palito de fósforo
e jogando no lixeiro.
— O que significa isso? — indago completamente
confuso.
— Rômulo, pensei que você poderia fazer qualquer
coisa na vida, mas maltratar uma mulher e fazer um
contrato para ela ficar em silêncio nunca passou pela minha
mente. — Ele joga pedaços de papel na lixeira,
decepcionado.
Meu pai está queimando o contrato.
― Não fiz o que andam dizendo.
― Mas seu irmão me deu um rápido resumo do que
aconteceu. Por que não resolveu o assunto com ela
civilizadamente? Soube que ela queria pular o muro da sua
casa pra fugir!
— Cuidei dela e queria acertar as coisas enquanto ela
estava brava pela minha arrogância.
— Como se tornou esse homem?
— Como você ainda se pergunta sobre isso depois da
forma como me criou? Fui criado para ser assim.
— De onde tirou isso? — indaga.
— Quando você disse "não deixe ninguém passar por
cima de você", "não deixa ninguém falar alto com você",
você pensava que isso não me influenciou a ser assim? Fui
criado dessa forma, sem perdoar nenhum erro. Você nunca
perdoou nenhum erro meu. Cresci intolerável e me tornei o
pior homem do mundo. O melhor empresário, mas a pior
pessoa e você me pergunta, por que fiz isso? O que deveria
fazer com uma pessoa que chegou me acusando de coisas
que eu não fiz? Ameaçando destruir minha imagem,
levantando a voz para mim, vindo para cima de mim? Você
esperava que eu agisse como, depois da forma que fui
criado por você?
— Rômulo, eu nunca quis que você fosse desse jeito.
— Então não tivesse sido do jeito que você foi comigo,
a vida inteira! Sofri pressão para ser do jeito que você
queria que eu fosse. Quando isso aconteceu, eu era igual a
você. Esse foi o resultado. — Aponto para a lixeira onde o
papel queima. ― Esse é o resultado do que você fez comigo.
Eu me tornei aquilo que você queria e você acha que eu
quis ser desse jeito? Mas você não me deu escolha e era
dessa forma que minha cabeça funcionava até me
aproximar da Linda.
— Eu sempre tive a melhor das intenções com você,
Rômulo. Você era meu filho mais velho. Eu queria que você
fosse bem-sucedido, que você fosse um homem de sucesso
como eu era.
— Você me desencorajou a continuar com meu
negócio.
― Você não tava indo bem.
― Mas ninguém começa bem! Eu dei a volta por cima
e agora tô bem. Eu sempre fui esforçado quando trabalhava
para você e você nunca sequer me parabenizou por causa
disso. Você sempre cobrou mais e mais.
— Eu sabia que você poderia dar mais.
Balanço a cabeça em negação.
— Isso não era um incentivo, sabia? Eu me sentia
pressionado. Eu sempre me senti pressionado a ser o
melhor só por você, porque sabia que você sempre iria me
criticar. Eu nunca vou ser bom para você. Para todos, eu era
excepcional, mas para você, eu sempre precisava melhorar
em alguma coisa.
— Achei que você iria me agradecer por tudo que fiz.
— Eu não vou agradecer nada. Olha o resultado de
tudo isso! Eu me tornei uma pessoa fria, uma pessoa que
sempre tá pensando em trabalho, em ser perfeito. Eu nunca
nem amei ninguém, nunca me apaixonei por ninguém.
Achava que essas coisas eram absurdas, que não valiam
meu tempo, porque eu deveria estar fazendo outras coisas.
Mesmo te odiando, acho que queria te provar alguma coisa.
Provar que você estava errado.
Ele abaixa a cabeça e fica calado.
— Tudo que há em mim, também é reflexo das suas
cobranças.
Ele balança a cabeça de um lado para o outro e não
vejo mais a imponência em sua postura.
— Nunca pensei que tinha sido um pai ruim para você.
Tudo o que pensei e fiz… Pensei que tava no caminho certo
e nunca imaginei que isso refletiria em atitudes ruins, eu
pensei que só seriam coisas boas.
— Você tava muito enganado.
Ele me encara, desconcertado.
— Filho, sabendo disso, reconheço e peço perdão por
ser um péssimo pai. Você sempre foi o meu orgulho. Eu
nunca te falei isso, mas todas as suas conquistas eu
comemorei. Posso ter sido duro com você na sua frente,
mas, dentro de mim, tem um pai cheio de orgulho. Orgulho
pelo empresário que você se tornou, pelo homem que você
se tornou. Só lamento pelo acontecido.
Eu não esperava ter essa conversa hoje com o meu
pai, mas, pelo menos, disse tudo o que queria e também
não esperava ouvir um pedido de desculpas dele.
— Quero corrigir tudo isso que você pensa de mim.
Não quero mais que pense que sou um pai ruim, que não
reconhece o ótimo filho que você é.
— O Rodrigo sempre teve toda a liberdade. Por que foi
sempre eu a ser cobrado?
— Porque eu me via em você. Eu não tive as mesmas
oportunidades que você tem, vi alguém como você, com
todo esse potencial e disse para mim mesmo que faria de
você aquilo que eu poderia ter sido na sua idade. Você sabe
que nunca tivemos a vida perfeita, que passamos por
momentos difíceis quando você era pequeno, mas
vencemos a batalha e agora temos essa vida confortável.
Eu sabia que você poderia ir longe, muito mais jovem do
que quando eu cheguei. E o Rodrigo… Temos que admitir
que ele é um caso perdido.
— Você não deveria ter feito isso.
— Eu sei e te peço perdão novamente — pede me
olhando nos olhos. — Vamos consertar isso juntos, pois
também sou responsável e não vou deixar que ninguém
acabe com a sua empresa, nem com o nosso sobrenome.
Eu não esperava por isso, mas fico satisfeito.
— Eu nunca bati na Linda. Ela caiu dos degraus na
frente da minha casa e mandei que a tirassem do meu
território, depois que descobri que ela não estava mentindo,
tentei consertar o erro que ela cobrava, ela já não queria
mais conversa. Insisti. E errei a fazendo ficar na minha casa,
mas eu não confiava nela naquela época — Explico.
— Eles vão preferir acreditar na mentira. Será difícil
resolver isso.
Pior que é verdade. Quando contamos que não
estavam juntos, eles insistiram. Não vão acreditar na gente
de novo.
De repente, ele me puxa para um abraço, me
pegando totalmente desprevenido. Não lembro de quando
isso aconteceu. Faz muito tempo.
― Me perdoe, filho.
Fecho os olhos e respiro fundo, engolindo com
dificuldade a emoção que quer se manifestar.
― Eu te perdoo, mas como diz a Linda, o querer
somente não basta em certas situações.
Nos soltamos do abraço.
— Entendo. Agora vamos resolver esse problema.
― Eu não posso perder a Linda por causa dessa
mentira, pai, e, sinceramente, eu não me importo com mais
nada nessa história além dela.
― Então fique tranquilo que cuido do resto.
Vou para casa contra a minha vontade, pois não
deveria ter abandonado o Rômulo num momento desses.
Quem inventou uma mentira dessas?
― Que história é essa, Linda? Ouvi e não acreditei. Eu
não quero acreditar que Rômulo fez isso com você. ―
Gustavo anda agitado pela sala.
― Gustavo, Rômulo nunca me bateu. Eu caí da escada
na frente da casa dele e os seguranças me colocaram pra
fora no dia que invadi sua casa.
— Você invadiu a casa dele? Quando? Ele não me
contou.
— Invadi, sim, foi quando meu pai morreu. Ele me
chamou de mentirosa e golpista. Fiquei puta da vida. Disse
que só saía de lá com isso resolvido, mas depois do tombo,
mudei de ideia. Tanto ele, como os seguranças, foram rudes
comigo.
— Que loucura!
— Pois é. — continuo. — Queria foder a vida dele, mas
aí ele viu que eu não tava mentindo e me fez ficar na casa
dele até resolver isso. Eu estava muito brava com ele, pedi
pra ir embora, ele não deixou, no fim assinei a porra do
contrato e recusei o dinheiro que a empresa dele ofereceu
pelo sigilo. E foi isso.
— Eu não sabia de nada.
— O contrato era pra não contar nada. — explico.
― Mesmo assim, eu não imaginei que Rômulo poderia
chegar tão longe. ― Ele se senta no sofá.
― Ele era um torrão! — admito. — Agora é menos. Eu
custei aceitar suas desculpas, mas eu sei que ele é mais do
que aquilo. Ele nunca tocou em mim pra me machucar,
Gustavo.
― Acho que ele mudou muito depois desse episódio.
— Sandra comenta.
— Isso é nítido, mas puta que pariu! — Gustavo
continua admirado.
— Pior que se não acreditaram quando falamos que
não estávamos juntos, agora é que não vão acreditar
mesmo. O povo adora um escândalo. — analiso. Dá vontade
de postar um vídeo falando.
— Eles não vão acreditar. Vão achar que você faz isso
só pra defendê-lo. É melhor deixar ele resolver. — meu
chefe aconselha.

Depois de um tempo, converso com Rômulo por


chamada de vídeo.
― Mas que sacanagem, hein, Rômulo!
― Foi por isso que eu quis aquele contrato. Sabia que
se essa história saísse dali, inventariam alguma merda
como essa.
— Eu não contei pra ninguém.
— Sei que não! Mas alguém soube do seu acidente e
fez isso.
— Pode ser a mesma pessoa que tirou a foto de
quanto saí de lá. — analiso.
— Vou descobrir.
— Enquanto isso? — fico curiosa.
— Eu já emiti uma nota esclarecendo tudo. O difícil é
acreditarem, né?
— Sim. O pessoal dessa cidade adora fake news. Será
que isso vai respingar na sua empresa?
— Com certeza vai, mas o meu pai tá à frente de tudo.
― O seu pai? ― Fico surpresa.
― Sim, conversamos e chegamos a um acordo.
― Fizeram as pazes?
Ele balança a cabeça.
― Ele disse que vai me ajudar.
― Que bom. ― fico animada ― Essa tempestade vai
passar. Eu também vou fazer um texto para o Rodrigo
entregar aos que acreditam nessa calúnia.
Ele suspira. — Eu nunca deveria ter mandado os
seguranças te colocarem pra fora depois do tombo.
— Não falam sobre isso, então de qualquer forma
diriam que você me machucou.
Ele parece bem preocupado.
— Quem será que fez isso?

Esses últimos dias foram tensos, uma notícia pior


do que a outra e a denúncia não afetou só minha imagem
pessoal, como também manchou minha imagem
profissional.
As pessoas não estão querendo fazer negócios
comigo, pois muita gente não corrobora com a ideia de
trabalhar com alguém que está envolvido em um escândalo
como esse.
E como suspeitamos, ninguém acreditou na nossa
palavra.
Meu pai está cuidando disso, com os advogados e
fizemos uma reunião na minha casa, na quarta-feira à noite.
Estou trabalhando em casa e a Linda também sofre
com o assédio. Ela não está indo trabalhar, fica no
apartamento e vez ou outra me liga. Às vezes, mando Laisa
fazer companhia a ela.
Na reunião, aparece Edgar, Rodrigo, meu pai e mais
um advogado.
— Ainda não descobrimos quem inventou essa
história, não foi? — meu pai pergunta.
— Temos uma suspeita. ― Rodrigo conta.
— Quem, Rodrigo? — pergunto preocupado com suas
ideias.
— Ah, mano, para de ser burro! Ela é a única pessoa
que teria motivos para fazer uma coisa dessa com você!
— Quem? — nosso pai indaga.
— A ex-RP da empresa, Kettelyn.
— A Kettelyn? — Edgar fica surpreso. — Não imaginei
que ela poderia fazer uma coisa dessa. Vocês têm provas?
— Ela já fez ameaças, é apaixonada pelo Rômulo,
sempre chamou a Linda de golpista e na viagem que
fizemos ela insultou a Linda até que apanhou. Certamente,
ela fez isso. Deve ter vasculhado em todos os cantos.
Nosso pai está admirado com a história de Rodrigo.
— Rodrigo, isso não é uma aposta e não podemos
acusar sem ter provas! — explico para ele. — Foi por causa
disso que arranjei problemas com a Linda.
“Se foi ela...”
Não quero nem pensar, porque já arranjei muito
problema com mulher.
— Sim, mas temos que ir atrás dela, porque se fizer
uma pressãozinha, ela conta toda a verdade.
— Quem vai ficar ameaçando pra piorar as coisas? —
questiono.
— Não podemos agir dessa forma, Rodrigo. ― Nosso
pai parece ser o mais controlado de nós. — Senão, será pior
ainda. Mas temos que encontrar, já que não acreditam na
palavra de vocês. Isso pode levar a empresa a falência.
― E o que podemos fazer? Demorei anos para
construir esse império. ― Fico aflito e olho para meu pai.
— Por agora, a melhor saída para a empresa é nomear
outro presidente e desvincular seu nome do negócio até que
toda essa problemática seja resolvida — ele fala e me sinto
derrotado.
― E quanto tempo dura isso? Eu não vou vender a
minha empresa! — exclamo, aflito.
― Pode durar anos ― Edgar especula.
― Uma empresa falida não vai lhe servir de nada,
Rômulo. É só um nome e você pode continuar a parte de
tudo, longe daqui, porque muros em poucos dias se
tornarão como prisão para vocês.
― O quê?
― Você precisa ficar longe das notícias, ser esquecido.
Uma viagem, quem sabe? Algum tempo fora. Isso não vai
atrapalhar de saber o que acontece na empresa, mas vai te
dar paz e as pessoas vão acreditar que você não faz mais
parte do negócio — meu pai explica.
― Eu não esperava uma solução tão radical. Essa
empresa é uma das coisas mais importantes que tenho. —
Eu me entristeço.
― Você disse que no momento se importava mais com
a garota. Leve-a com você, passem um tempo longe dessa
confusão e trabalhe de longe. Quando tudo estiver bem,
vocês voltam e continuam a vida aqui. É a melhor decisão,
Rômulo — meu pai conclui.
― É uma decisão inteligente ― Edgar concorda.
― Posso ficar como presidente. ― Rodrigo logo se
oferece.
― Você, Rodrigo? ― Dou risada. ― Essa empresa é
meu maior patrimônio material, não quero que ela chegue a
falência por minha causa. É uma decisão difícil, mas se esse
é o preço para preservá-la, eu pago. Precisamos falar com o
Gustavo, pois depois de mim, ele é o que detém mais ações
na empresa. Quero que fique no meu lugar, pai. Se você diz
que sabe o que está fazendo, confiarei em você para isso,
ao menos até eu voltar. Vou trabalhar de longe e quero
saber de tudo o que acontece nessa empresa. Cada
relatório, cada evento e cada problema.
― Tá certo. Eu não vou te decepcionar ― meu pai
garante.
― Vou virar MEI ― Rodrigo murmura, desapontado.
― Não. Você será a minha sombra, Rodrigo. Tenho a
minha empresa para cuidar também. Faremos isso juntos ―
nosso pai fala decidido.
“Coitado do meu irmão!”
Faz dias que não saio de casa para evitar ser
abordada por gente curiosa que teima em dizer que minto
sobre o Rômulo ter me espancado. Por causa disso, eu e
Rômulo não nos encontramos mais, nem fui ver as outras
pessoas que se preocupam comigo. Minhas vizinhas.
― Minha filha, essa história que andam contando é
verdade? ― Elas ligam por vídeo e vejo as duas me olhando
com pena e preocupação.
― Não. Ele nunca me bateu. É mentira. A verdade é
que levei um tombo do caralho na casa dele e depois mais
outro na calçada.
― E, por que não nos contou?
― Eu não podia. Ele disse que se eu contasse, poderia
acontecer isso que tá acontecendo agora.
No fim, ele tinha razão.
― Linda, se acontecer alguma coisa assim, você tem
que nos contar. Você cresceu com a gente, nunca se
esqueça disso. Você não tem só a esse homem. Ele não é
seu mundo e se ele falar alto com você e te proibir de
alguma coisa, principalmente, te machucar, não pense duas
vezes e volte. Você não tá sozinha nesse mundo ― dona
Gertrudes aconselha.
― Isso. — minha outra vizinha concorda. — Pode ficar
na minha casa ou na casa da Gertrudes, arranja outro
trabalho, mas não se humilhe e não se esqueça de quem
você é. Sempre foi corajosa, orgulhosa, sempre lutou pelo
que achava certo e continue assim, lúcida, mas não
esconda nada. Quando a gente se apaixona, fica cego e até
mesmo a pessoa mais inteligente, que vê tudo, não enxerga
o que pode estar acontecendo.
Assinto.
― Podem ficar tranquilas que, qualquer coisa, avisarei
e me perdoem por não ter contado sobre o que aconteceu
antes. Tava honrando com minha palavra.
― Mas me diga uma coisa, o que você fez na casa
desse homem que valeu o seu silêncio? Porque você disse
que não se importava com ele.
Mordo os lábios.
― Pulei o muro, quebrei algumas coisas... Mas antes
de sair de lá, com o contrato já assinado, eu quebrei coisas
caras também.
― Cara quanto?
― Milhões ― murmuro.
Elas ficam de queixo caído.
— Mas ele já se conformou. Agora estamos bem. —
conto rindo. — Tirando essa mentira que tá rolando por aí.
― Vemos nas fotos a paixão no olhar de vocês, mas
não custa ficar alerta e contar tudo de errado.
― Sim. Pode deixar que vou contar e também vou
contar as coisas boas. ― Sorrio.
A campainha toca e olho imediatamente para a porta.
― Alguém chegou. Vou desligar, mas depois nos
falamos mais.
― Tá bom.
― Tchau. ― Dona Dalva acena.
― Tchau. ― Desligo a ligação e atendo a porta.
Encontro Rodrigo parado.
― Oi.
― Oi! O que houve? ― Eu o deixo entrar.
― Descobrimos quem espalhou a história.
― Sério? Rômulo não me contou nada. Quando foi
isso? ― Fecho a porta surpresa com a notícia.
― Não faz muito tempo. Ele tá em reunião e resolvi
saber como você tava. Tudo bem? ― Ele me cumprimenta.
― Tô bem. Quem fez isso?
— Foi o ex-gerente com a Kettelyn. — Ele se
esparrama no sofá e me sento no outro, a sua frente.
— Kettelyn foi longe, hein? Eita mulher inconformada!
Fazer isso por causa de macho! Como ela tirou essas
conclusões? Como soube que me machuquei na casa do
Rômulo?
― O Dr. Alves.
Fico de queixo caído.
― Como assim?
“Ele parecia mais um robozinho do Rômulo!”
― Eu não sei como, mas ela descobriu que ele visitou
a casa na mesma época que você tava lá. Os desgraçados o
ameaçaram com arma e tudo. Hoje o médico apareceu para
Rômulo, pedindo desculpas e foi prestar queixa na polícia
por causa das ameaças.
― Caramba! ― Eu me recosto no sofá, admirada. ―
Ela revirou tudo mesmo!
― Sim. Ela tinha muitos contatos e raiva também.
― Como o Rômulo tá?
― Furioso, soltando fogo pelas ventas. Assim que
nosso pai tomar posse da empresa, enviarei a nova nota de
esclarecimento que Rômulo escreveu e acredito que as
pessoas vão nos dar um pouco de paz. O médico também
fez uma carta contando tudo.
― Eu não aguento mais ficar aqui, Rodrigo. Preciso
sair nem que seja para ir ao supermercado. Esse lugar tá
me sufocando! Que mal tem eu ficar na casa do Rômulo?
― Linda, as pessoas acham que vocês têm um
relacionamento abusivo, que ele te agride. Vai demorar para
vocês andarem pelas ruas de mãos dadas em paz. Mas não
se aflija, meu irmão tá cuidando de tudo.
Não me contenho e saio para fazer compras para a
minha prisão domiciliar e vou de Uber mesmo.
O condomínio onde moro não tem um mercado
sequer, de tão pequeno que é.
Saio de óculos escuros, como se fosse esconder todo
meu rosto e ninguém irá me conhecer na rua.
Não tem ninguém na porta, nessa quinta.
O supermercado não fica longe indo de carro e entro
ignorando os olhares das pessoas. Até em bairro rico tem
gente curiosa.
Escolho poucas coisas, em grande maioria doces e a
demora é na fila no caixa, com duas pessoas na frente.
A minha ideia é fazer um bolo recheado e ao passar
no caixa vejo se não tem nada faltando. Felizmente, lembrei
de tudo.
Peço outro Uber e aguardo na frente do
supermercado.
“Bem que o Rômulo poderia aparecer no apartamento
hoje, já que as coisas estão mais calmas.”
As coisas estão calmas porque um assunto novo
surgiu.
Depois de fazer uma live falando sobre o Rômulo, Ana
Cláudia começou a ser exposta por coisas absurdas que já
fez.
Algumas pessoas comentaram na live salva que ela
também não era santa na podridão da classe alta, com isso,
pessoas prejudicadas por compras que fizeram por
influência de Ana Cláudia deixaram seu depoimento.
Jogos de azar que ela fez propagandas, produtos para
emagrecimento e isso nem foi o pior!
Encontraram no twitter postagens onde ela ofendia
várias minorias, alguns sendo racistas e outros
homofóbicos. Por fim, ela está sendo cancelada e agora as
pessoas que corriam atrás de nós, estão atrás dela.
Eu também já não atendo números que não estão
salvos na minha agenda. Não troquei de contato, mas sei
ignorar fácil.
As pessoas daqui adoram acabar com a privacidade
dos outros. Nunca vi uma cidade com gente mais fofoqueira
do que essa onde moramos.
Sinto o cheiro de um perfume repugnante que revira
meu estômago e a propósito o reconheço, então olho para
trás e vejo Kettelyn, que me esnoba enquanto me analisa
dos pés à cabeça.
— Olha só se não é a golpista! Insistiu tanto no
Rômulo que tirou a paciência do homem e apanhou!
Suspiro procurando paciência.
— Deve estar bem feliz depois de espalhar mais
notícias falsas do que verdadeiras por aí.
— Ainda não. A minha felicidade só estará completa
quando te ver de volta na periferia e o Rômulo ajoelhado
aos meus pés, reconhecendo que sempre estive certa.
“Que mulher louca!”
― Você é doente! ― acuso, horrorizada.
Ela ri.
― Você não merece nada disso. Não merece aquele
emprego, morar naquele apartamento, nesta região,
comprar neste supermercado. Você tem que voltar a viver
naquele bairro imundo, com gente da sua laia, fazendo
remendos em roupas baratas. ― Ela se aproxima de mim,
jogando as palavras que parecem sair do seu peito.
Levanto a sacola com as compras e acerto na cabeça
dela. Ela cai para o lado e seu brinco rasga a sacola,
fazendo minhas compras caírem no chão. Vou para cima
dela e acerto tapas que estalam em sua pele.
― Você pensa que vou ouvir sua podridão recheada
de inveja sem te dar uma surra? ― Aperto seu rosto e a
vontade que tenho é de rasgá-lo todo com as unhas.
― Isso não vai mudar o que penso de você. ― Ela
bate em meus braços e quando vejo o pacote de farinha de
trigo caído ao meu lado, o pego com as unhas e ele se fura
enquanto esfrego na cara da desgraçada.
― Olha aqui o golpe! ― Bato em seu rosto com o saco
de farinha e ela fica toda branca.
Enquanto sufoca na farinha, ela me bate.
Sou tirada de cima dela pelo que parece ser o
segurança do supermercado, mas não vejo nenhuma
plateia.
— Nunca mais atravesse o meu caminho! Da próxima
vez, te bato pra deixar irreconhecível!
— Vai, me bate! Adoraria te ver na cadeia. ― Ela se
levanta branca, soprando a farinha.
— Você não passaria dois dias viva lá dentro comigo,
porque acabo com você rapidinho.
Um carro buzina perto da calçada.
— Linda Fonseca? — o homem pergunta.
— É o meu Uber, me solta — aviso ao segurança e ele
me solta.
A maldita vai embora correndo, como se fugisse de
mim ou do segurança e junto minhas coisas para ir embora.
Deve ter farinha lá em casa.
Estou no escritório da minha casa, revendo
algumas coisas com Rodrigo, quando recebo uma série de
imagens e áudios de Kettelyn.
Ela está sendo procurada pela polícia desde ontem à
noite e saiu da toca para mexer na minha namorada. Eu
deveria ter avisado para Linda sobre isso, mas acreditei que
com o perigo da prisão, Kettelyn já estaria longe e não seria
mais um problema para nós.
Ando furioso com ela e a maldita tem coragem de me
mandar essas coisas depois do que fez comigo, mas quando
ela for presa, irá pagar por tudo.
Ela não só ameaçou o Dr. Alves, como também
cometeu diversos crimes que somados lhe darão algum
tempo na cadeia.
Nunca imaginei que tinha uma louca criminosa como
funcionária.
Ouço os áudios na frente de Rodrigo e por mais
desgraçado que seja, pela raiva que tenho sentido dela, não
sinto pena do seu falso choro.
Ela alega ter sido agredida por Linda na frente do
supermercado e quase morreu engasgada com farinha de
trigo.
Meu irmão não faz o mínimo esforço para conter o riso
e saio dos áudios para saber se Linda está bem com essa
história.
Ela me mandou um áudio.
“Bati sim e tô muito bem com isso. Mais uma vez ela
me insultou e você sabe que não ouço coisas como aquela,
e fico parada. Dei bons tapas nela e só lamento pela
farinha, que merecia um final melhor.”
As coisas já estão complicadas e se sai uma história
dessas na mídia, tudo ficará pior.
― Eu amo a minha cunhada. Você não poderia ter
arranjado uma mulher melhor. ― Rodrigo ri
escandalosamente. — Me deixa ver as fotos da Kettelyn.
Abro as fotos e mostro a ele. O resumo é sangue e
farinha na cara e cabelo.
— Cara, a Linda foi com tudo! Alguém tem que avisar
para ela que tá faltando um dente ali.
— Acho que ela já percebeu, Rodrigo.
Não vou sentir pena, pois ela sabe do que a Linda é
capaz e sempre volta a repetir o erro.
― Eu sabia que Linda iria se lamentar pela farinha.
Rodrigo ri mais.
― Ela tá sendo procurada e ainda foi atrás da Linda!
― Tenho certeza de que não vai demorar para ela ser
presa.
— Tomara, já temos problemas demais.
Ela manda essas fotos para se fazer de coitada. Mas
depois do que ela fez, não tenho pena.
― Vá organizar a posse do nosso pai, Rodrigo.
Não queria chegar a esse ponto, mas não vejo
escolha. Só espero que ele saiba representar a minha
empresa, entenda que nada ali é dele e que estarei o tempo
inteiro cuidando de tudo.
A Guimarães Petróleo e Gás é minha e ninguém me
tira.
É agora não sou mais o rosto da Guimarães Petróleo e
Gás...
Tento me conformar com isso tomando whisky.
Alguém bate à porta do meu quarto.
― Entre.
É o Sérgio.
― Tem uma mulher na porta. Aquela que trabalhava
pra o senhor.
― Na porta ou no portão?
― No portão.
Levanto e me apresso, enquanto ele me acompanha.
― Diga aos seguranças que a reviste antes de deixá-
la entrar e ligue para a polícia. Essa desgraçada tá sendo
procurada desde ontem.
― Ok. ― Ele pega o rádio e conversa com os
seguranças.
Tenho tanta raiva do que Kettelyn fez!
Ela não tinha que inventar isso.
Poucos minutos depois, ela bate à porta e atendo.
Como a briga com Linda aconteceu mais cedo, ela
ainda carrega as marcas. Na verdade, nem parece ter
tomado um banho ou ao menos se limpado.
A mulher está imunda.
― O que você quer, Kettelyn?
― Preciso de ajuda, Rômulo. Você sabe que tô sozinha
nessa cidade.
― Como tem a cara de pau de me procurar depois do
que fez?
― Me desculpa. ― Ela se ajoelha, chorando. ― Me
desculpa. Eu nunca deveria ter feito aquilo. Foi o Magno
quem me forçou a fazer isso, eu juro.
― Como se eu não te conhecesse... Você foi atrás da
Linda, depois de tudo, você foi atrás dela para insultá-la
mais uma vez, Kettelyn!
― Eu não fiz nada disso, Rômulo. Eu juro. Foi ela quem
me bateu. Ela disse que me mataria se pudesse. Como você
pode ficar com uma mulher como ela? ― Ela me encara
ajoelhada, com a farinha derretendo pelas lágrimas.
Não consigo ter compaixão alguma dela.
― Você vai pagar pelo que você fez, se arrependendo
ou não. Não espere nada de mim, além de desprezo. Tudo o
que você fez quando a Linda apareceu foi insultá-la e
recebeu dela a sua lição. Já eu, só posso te tratar com o
mesmo desprezo que você tratou a mulher que eu amo.
Ela chora exageradamente.
― Me perdoa.
Ergo seu queixo e a encaro nos olhos.
― Sei que o seu pedido não é real, porque eu também
já fiz o mesmo.
A polícia chega fazendo barulho e Kettelyn se levanta,
assustada.
― Por favor, me deixa entrar, Rômulo. Não deixe que
me levem.
― Nunca mais esconderei nenhuma mulher na minha
casa. ― Seguro firme a maçaneta e quando ela percebe em
meu rosto que não estou para brincadeira, corre em direção
ao muro.
Assim como Linda fez quando esteve aqui, ela tenta
escalar.
Os policiais perguntam onde ela está e eu aponto,
indo atrás deles.
― Desça daí!
― NÃO! EU NÃO VOU PRA CADEIA! ― Ela continua
escalando.
Assisto ao lado de Sérgio quando ela cai.
Sua sorte são os policiais que a seguram.
Eles a levam embora e eu entro em casa com a
certeza de que não a verei por um bom tempo.
Kettelyn foi presa e eu não poderia estar mais
satisfeita.
Pena que eu não estava presente no momento.
Como meus biscoitos enquanto me atualizo das
novidades da antiga vizinhança nesse sábado.
A família do Vinícius voltou e nem fui visitá-los.
Não era novidade para o pessoal que ele tinha um
filho, mas, para mim, é uma grande novidade.
Sei que no rápido encontro que tivemos não seria
possível descobrir tudo isso e não acompanho sua vida, mas
também nunca ouvi nenhuma das vizinhas falando.
A criança de três anos, veio com eles e mais uma
surpresa, Vinícius e Maria Isabel estão juntos e esse é o
assunto do momento entre minhas vizinhas.
JUNTOS!
Como ela sempre quis desde criança.
O que posso dizer, boa sorte para ele. Mas opino em
pensamento.
Levanto para ir ao banheiro, mas sento novamente
com a boca salivando e o estômago revirando.
“De novo não.”
Ontem foi isso, mas uma vez é tranquilo, dois dias
seguidos deve ser alguma intoxicação ou verminose.
Não entendo de saúde, mas preciso procurar alguém
que entende.
Corro para o banheiro quando sinto o bolo subindo e
me ajoelho em frente ao vaso sanitário, colocando tudo o
que comi para fora. Permaneço nessa situação até que não
tenho mais o que vomitar.
“Meu Pai do céu...
Já não bastavam os outros problemas?”
Eu me recomponho, escovo os dentes e troco de
roupa para ir a algum consultório, mas pesquiso primeiro, é
claro.
Vejo que tem um a trezentos metros daqui.
Abro a porta com o celular na mão e encontro Juliano
no corredor.
― Oi, Linda, como você tá?
― Nada bem.
― Eu soube do que aconteceu e lamento muito.
― Pois é. Estamos lidando com isso.
― Vai a algum lugar? Quer uma carona?
― Na verdade, eu vou, sim, para algum consultório
médico. ― Tranco a porta.
― Tá doente de novo? — pergunta preocupado.
― Acho que sim, mas não é resfriado. São vômitos e
dor de cabeça.
Ele ergue as sobrancelhas.
― Já suspeitou de gravidez?
― Tô ignorando essa possibilidade, pois tomo o
anticoncepcional certinho.
― Então é bom fazer uns exames. Eu te levo.
― Conhece alguma clínica boa?
― Sim, a minha família é de médicos, mas sem puxar
saco, a minha irmã é uma ótima ginecologista. ― Ele chama
o elevador.
― Perfeito. Muito obrigada, Juliano. Com tanta coisa
acontecendo, ando completamente desorientada. ― Eu o
acompanho.

Conheço a irmã do Juliano, Dra. Beatriz e já chego


aflita.
― Me conta o que aconteceu. ― Ela ri do meu jeito
inquieto.
― Eu só vomitei duas vezes. Ontem e hoje e como
tem dor de cabeça, eu pensei, que deve ser outro problema.
― Vamos te avaliar e fazer alguns exames.
― Traga logo o teste de farmácia, Bia. Você deve ter
algum aí, não é? ― Juliano colabora para a piora da minha
aflição.
― Não diga isso ― imploro, dramática.
Faz quanto tempo que a minha vida sexual se iniciou?
É pouco tempo para engravidar!
― Você quer fazer o teste? Geralmente é
recomendado fazer no início do dia, quando a concentração
do beta HCG tá maior. Podemos fazer o teste via coleta de
sangue se você não quiser esperar para amanhã, mas a
pergunta é: sua menstruação tá atrasada?
― Ela sempre atrasa quando fico estressada.
― Quando foi a última vez que menstruou?
― Não vou mentir, eu nem lembro. Tô ficando mais
nervosa com isso. ― Minhas mãos estão geladas.
― Fica tranquila. Tem mais de um mês?
Puxo pela memória, só me vem as noites de sexo com
Rômulo e não me lembro de mais nada saindo de mim.
― Acho que sim. ― Cubro a boca, preocupada.
― Vamos fazer os exames e ainda hoje saberemos se
os enjoos são por causa de uma gravidez.

Depois dos exames, Juliano me trouxe para casa e


agradeci a ajuda.
A Dra. Beatriz disse que irá me ligar para dizer o
resultado, me poupando assim de ter que voltar lá.
Admito que estou perturbada pela ideia de estar
grávida. Eu nem me atentei a esses detalhes.
Assim que me sento no sofá, baixo um aplicativo de
calendário menstrual e saio marcando tudo o que lembro.
Comecei o anticoncepcional um dia depois do aniversário do
Rômulo, mas a última vez que fiquei menstruada foi bem
antes disso.
Como pode?
Mas teve também alguns dias que sangrei...
Preciso ficar atenta a essas coisas. Não vou me
tranquilizar enquanto não receber esse exame.
Nem almocei, para não vomitar de novo, também não
consigo me concentrar na TV e Rômulo está me ligando.
— Rômulo? ― atendo.
— Oi!
— Você tá bem?
“Porque eu não tô nada bem.”
— Tô em casa. Linda quero te ver. Já faz dias que só
nos falamos por telefone e moramos tão perto. Já tô ficando
louco.
— Eu também. Como foi lá com o seu pai?
— Foi horrível ver minha empresa com outro rosto,
mas não fui. Assisti tudo através de uma chamada que Laisa
fez. As pessoas nem queriam saber o que meu pai tinha a
oferecer, queriam saber de mim.
— Que situação chata. Ao menos não falaram da surra
que dei na demônia.
― Com a prisão dela e o cancelamento da Ana
Cláudia, são muitos assuntos para se falar de uma surra que
ninguém viu. Eu vou dar um jeito da gente se encontrar,
Linda. Precisamos conversar sobre algumas coisas, mas
quero falar pessoalmente.
— Coisa ruim?
― Não, fica tranquila.
― Ufa!
— Sinto demais a sua falta. ― Sua respiração forte
pode ser ouvida na chamada.
Sorrio.
Agora ele é do tipo que admite os sentimentos.
— Eu também sinto a sua falta, Rômulo. Tô ansiosa
para te ver.
Conversamos mais um pouco, mas não menciono os
enjoos nem os exames que fiz. No meio da conversa, o pai
dele chega e temos que desligar.
Tudo isso é uma loucura, mas como dizem, nenhum
segredo sobrevive escondido a vida inteira, uma hora ele
aparece.
Beatriz me liga, para piorar a situação ou melhorar,
dependendo da notícia.
— Oi, Linda ― ela fala animada.
― Diga logo, antes que eu infarte.
― É, deu positivo. Você tá gerando um bebê.
“Ainda bem que tô sentada.
Tô grávida!
GRÁVIDA!”
― Linda? Tá tudo bem?
― Aham. Só tô no início de uma crise existencial.
Obrigada por avisar.
Ela ri.
― Vai ficar tudo bem. Não é o fim do mundo. Mas você
deve iniciar o pré-natal. Conheço uma obstetra muito boa
que pode te acompanhar.
― Obstetra? Meu Pai do céu! Qualquer coisa eu ligo.
― Tento controlar a respiração e nos despedimos.
“Grávida!
Perdi a virgindade há uns dois meses e já tô grávida.
Parabéns, Linda.”
― Não, Rodrigo! Eu já disse que não vou falar com
mais ninguém sobre isso. Que se contentem com a nota que
dei. Se fizesse bem o trabalho, já teriam esquecido essa
história ― reclamo na sala de estar da minha casa.
― Rômulo, tô fazendo o meu melhor.
― Pois faça melhor antes que eu piore a situação.
― Não duvido, pois cada dia que passa piora. Parece
que tá voltando a ser o torrão de sempre! Isso tudo é falta
de mulher?
― Você sabe muito bem que odeio ver meu nome em
polêmicas. ― Cerro os punhos, furioso e exausto de tudo
isso.
Achei que com os outros acontecimentos, iriam
esquecer o meu nome, mas não foi bem assim. Deram um
alívio na porta da nossa casa, mas os e-mails e ligações
continua.
― Se tivesse acolhido a Linda dentro de sua casa, ela
provavelmente não precisaria do Dr. Alves cuidando do
machucado! Essas são as consequências, Rômulo. Eu já
consegui com que muitos sites parassem de falar dessa
história, mas mesmo com as denúncias sobre a Ana Cláudia
e a prisão da Kettelyn, o povo não te esquece.
― Droga. ― Esfrego meu rosto.
― Quando você for embora daqui, poderá viver de um
jeito mais tranquilo. Vai falar com a Linda hoje?
― Vou. ― Sento tentando me acalmar. ― Não sei se
ela vai aceitar.
― Mas é claro que vai!
― Vai saber se no meio disso tudo ela não
reconsiderou o que aconteceu e resolveu que não vai me
querer mais?
― A Linda? ― ele duvida.
― Tem outra?
“Ela disse que sente a minha falta, mas estranhei o
seu tom de voz na conversa.”
― Só se for outra mesmo, porque a Linda não. Ela te
ama, Rômulo, mesmo você sendo um xarope.
― Vamos ver quando ela chegar.
― Eu já vou, tá? Tenho outras coisas para fazer essa
noite. Coisas melhores do que ficar segurando vela. ― Ele
levanta do sofá e vai embora.
Nem retruco.
Coloco um copo de whisky e alguns cubos de gelo
para tomar enquanto espero Linda chegar. Mandei o
motorista ir buscá-la, pois já cansei dessa distância e desde
quarta não tem ninguém acampado na minha porta.
Rodrigo tem razão quanto ao meu temperamento,
pois cada dia que passa sinto vontade de tomar as rédeas
de tudo, processar meio mundo de gente e o fazerem me
engolir sem pestanejar.
Sei que essa porra não se resolve assim, mas que dá
vontade dá.
Como não posso fazer, tenho pressionado todos ao
meu redor, sempre fiz assim, mas com um pouco mais de
estresse pela insatisfação de não ver nada sendo resolvido
no tempo em que quero.
A campainha toca, apressado, largo o copo num dos
móveis para atender. Abro a porta e dou de cara com Linda,
que parece estar tão nervosa quanto eu.
Ela está com um vestido vermelho e casaco de tricô.
Eu a puxo para dentro pelo braço, tranco a porta e a
encosto nela. Em uma explosão de adrenalina, a engulo
com minha boca faminta num beijo desesperado e cheio de
saudade.
Ela corresponde ao beijo e nossas línguas se enrolam
com as voltas que nossas cabeças dão.
Seu sabor doce nunca esteve tão bom e seu cheiro
me traz a certeza de que estamos juntos, mesmo estando
com ela em meus braços, parece surreal. Apalpo seu corpo
e quando chego na bunda, a pressiono para cima, deixando
Linda na minha altura, podendo agora dominar a sua boca
com mais facilidade.
É tanta saudade num beijo que nossas línguas lutam
gulosas e desesperadas enquanto nossos narizes amassam,
tamanha é a aproximação de nossos rostos.
Meu pau se endurece entre nossos corpos e as unhas
de Linda rasgam e penetram minha pele. Desfaço o beijo,
puxando seu lábio inferior entre os dentes e nos encaramos
ofegantes.
— Temos muito o que conversar, mas no momento só
quero te foder, Linda. ― Deixo seu corpo preso entre o meu
e a porta e retomo o fôlego chupando seu pescoço.
Com as mãos livres, abaixo a calça de moletom e
arrasto a calcinha dela para o lado.
― Aqui? Não tem mais ninguém? ― pergunta quando
deslizo a cabeça do meu pau pela sua boceta molhada.
— Não.
Beijo sua boca, entro em sua boceta inclemente e ela
se expande entre os fortes golpes, não demorando a engolir
o pau por inteiro.
― Rômulo! ― suplica em meio a dominação excitante.
― Não imaginei que você tava desse jeito!
― Você não sabe o mal que a sua falta me faz. ―
Entro até o fundo e saio, espalhando o seu mel por todo
meu pau.
Como se não bastasse, a renda da calcinha ainda
arrasta pela minha pele, passo as mãos pelos lados do seu
quadril e encontro a barra fina da peça.
Linda me encara totalmente rendida, gemendo de
prazer enquanto sua bocetinha inchada é fodida.
E do nada ela sorri.
― Sabe que eu gosto?
― Gosta?
― Gosto de ser fodida com força.
― Ótimo, porque de agora em diante não serei nem
um pouco delicado. ― Eu a levo até o braço do sofá e faço
sua cabeça encostar no acento. Ela me encara com o
quadril elevado e levanto seu vestido para arrancar sua
calcinha. Quero me livrar dela, mas me recuso a sair de
dentro de sua boceta, então a rasgo.
Linda me aperta dentro dela e cobre a boca.
― Rômulo!
Rasgo o outro lado e jogo os restos no chão.
Agora sim, seguro suas pernas e as dobro na minha
frente, tendo uma visão privilegiada de Linda toda aberta
para mim, enquanto meu comprimento entra e sai molhado.
Com o corpo pegando fogo, acelero a foda e minhas bolas
chicoteiam sua bunda a cada estocada. Linda geme
manhosa e cada vez mais suplicante.
Não tiro os olhos do seu rosto.
Vê-la se contorcendo de prazer é quase tão prazeroso
quanto ter meu pau esganado dentro da sua boceta. Meu
corpo todo está tenso com o prazer que sinto a cada
estocada, com ondas e mais ondas espalhando por todo
meu ser, alcançando cada centímetro do meu corpo,
incluindo o coração, que não sei a quantas bate no meio de
todo esse prazer, enquanto estremece as paredes do meu
estômago.
Essa mulher me satisfaz por inteiro e no meio dessa
onda prazerosa, entre movimentos rápidos e profundos,
Linda sufoca meu pau, o expulsando de dentro do seu corpo
rude e apressadamente. Uma explosão de prazer
incontrolável me faz rosnar e derramar meu gozo por cima
das dobras que agora estão vermelhas.
― Um minuto de descanso. ― Linda está ofegante,
esparramada no sofá.
Esfrego meus dedos em sua boceta melada e puxo
Linda pelo punho. Ela se senta no braço do sofá e arrasto
meus dedos molhados para a sua boca. Ela os chupa
olhando em meus olhos.
― Mas de jeito nenhum que fico sem você.
― Eu também não quero isso. ― Ela agarra minha
camisa e me puxa para um beijo agridoce. ― O que vamos
fazer?
― Linda, vamos para fora do Brasil. Para a Europa.
― Fora? Sério? Eu... Não esperava algo tão... Longe.
― Lá teremos paz e sossego. Sem ninguém batendo à
porta atrás de fofoca, somente nós dois.
― Nós três, Rômulo ― ela me corrige e morde os
lábios preocupada.
― Nós três?
Ela abaixa a cabeça e coloca as mãos na barriga.
― Tô grávida.
― Sério? ― Essa surpresa me pega em cheio, tanto
que cambaleio para trás e guardo meu órgão na calça.
Ela me encara e confirma.
― O que você acha disso?
Pisco os olhos processando a informação.
“Um filho, construir uma família com a Linda...”
― Acho que não poderia ter uma notícia melhor. ―
Sorrio e ela sorri aliviada, respirando como se antes
estivesse sufocada.
― É sério?
― Mas é claro, Linda! Tenho trinta e seis anos, já tava
na hora e é com você, a mulher que amo. Você esperava
que eu dissesse o quê?
“Caramba, um filho!”
― Sei lá... Ando tão assustada depois dessa notícia.
― Achei que tinha repensado sobre nós dois.
― Não! Eu não tenho mais o que pensar, Rômulo, já
passamos dessa fase. Sei o que eu quero. Quero ficar com
você, independente de que casa seja, cidade ou país ―
afirma, decidida.
Seguro seu rosto e beijo seus lábios.
— Então vamos, porque se eu ficar aqui mais um
tempo, Linda, vendo essa bagunça, sem poder tomar a
frente, vou enlouquecer. ― Sinto o estresse querendo me
dominar. ― Rodrigo não resolve nada rápido, meu pai só
começa a trabalhar na segunda e não imagino como será
isso. Tô uma pilha de nervos.
― Então tá em seu estado normal.
― Você não imagina. É pior do que qualquer coisa que
já vivi. ― Cerro os punhos e abro repetidamente.
― Ei! Acalme-se! ― Ela segura meu rosto. ― Tudo vai
se resolver no seu tempo.
― No meu?
― No tempo certo.
― Deveria ser no meu.
― Rômulo, as coisas não são assim! Cuide de
aprender a ser paciente. Você acha que o mundo gira em
torno de você?
― No momento parece que sim.
― Fodam-se esse bando de fofoqueiros. Eles
acreditam numa mentira. Temos uma coisa mais importante
para resolver agora. Cuidar da vinda desse bebê e fazer
com que ele não seja como você.
Dou risadas com sua audácia.
― Como se você fosse fácil de lidar.
― Eu não sou fácil porque você não é fácil.
― Então vamos parar esse assunto por aqui ― decido.
― Levanta, teimosa e vamos tomar um banho.
Ela levanta e sai na frente.
― Europa? Qual país?
― Gosto da Espanha.
― E hablas espanhol? ― pergunta olhando para trás e
rimos.
Espero de verdade que essa seja a solução para os
nossos problemas temporários.
Consegui o passaporte depois de algumas
semanas e mesmo com o pai de Rômulo a frente da
empresa e os investidores mantidos, as pessoas continuam
procurando saber sobre nós e criando teorias.
Hoje viajo para a Espanha, enquanto o Rômulo já está
lá faz uma semana.
Ele foi antes para deixar tudo pronto para minha
chegada.
Foi difícil explicar a minha decisão para minhas
vizinhas, mas elas entenderam que estou bem com Rômulo
desde o início do nosso namoro e que não vou cuidar de um
filho sozinha se tenho uma relação muito boa com o pai
dele.
Pelo menos, acredito que elas entenderam.
Assim que tudo passar, voltaremos e não me
esquecerei delas jamais. Levarei meu bebê para conhecer
as mulheres que sem dúvidas são parte da minha família.
Podemos não ter o mesmo sangue, mas elas fazem parte da
minha vida e se preocupam comigo.
Depois de me despedir dela, volto ao apartamento.
Minhas malas já estão prontas e agora só falta me
despedir do Gustavo, Laisa e da família do Rômulo.
Logo eles estão chegando ao apartamento.
— Meu afilhado vai nascer fora do Brasil? — Gustavo
lamenta ao me abraçar. ― Já dei o aviso ao Rômulo. Se ele
ousar dar uma de engraçadinho, faço questão de ir te
buscar e o encher de pancada.
― Eu ajudo ― Robert se dispõe.
— Não vai acontecer, fiquem tranquilos. — Tento sorrir
e não chorar.
— Ai, meu Deus, eu não acredito que serei avó.
Finalmente! — Sandra me abraça forte. — Diga ao Rômulo
que se lembre de não nos decepcionar.
— Vou dizer sim.
— Tenha uma ótima viagem, Linda. — Robert me
abraça.
― Obrigada.
— Que merda! — Rodrigo abana os olhos.
Abraço Laisa.
— Sentirei muita saudade — falo a ela que foi uma
ótima amiga nos últimos meses.
— Eu também. Você vai fazer muita falta no escritório.
Espero que volte logo.
— Eu que o diga — Gustavo lamenta. — Mas o Rômulo
não estará lá para pegar no nosso pé.
Sorrimos.
— Mas em compensação… — Rodrigo olha para o pai.
— Não tolero gente incompetente e você tem que
entender, Rodrigo — Robert explica. É igualzinho ao
Rômulo!
Eu me despeço de Rodrigo rindo.
— Ah, Linda. Vou sentir a sua falta — Rodrigo fala
emocionado.
— Eu também. — Não seguro as lágrimas dessa vez.
― Se cuida, tá? Tomara que o bebê nasça com cabelo
claro como o meu. — Meu cunhado toca minha barriga.
― Certeza que Rodrigo foi fruto de pulada de cerca. ―
Gustavo solta na frente dos pais de Rodrigo. ― Ops.
― É cada uma... ― Sandra resmunga.
Saímos do apartamento com as malas e deixo a chave
com Rodrigo. Eu sei que Rômulo vai reclamar, mas,
certamente, Rodrigo vai aproveitar a mansão. O Sérgio,
coitado, é quem vai aguentar tudo.
O motorista coloca minhas malas no carro.
― Tchau, gente. Assim que chegar lá, aviso. ― Entro
no carro engolindo o choro.
― Boa viagem. ― Eles acenam e vou embora.
Choro depois que partimos e quando chego no
aeroporto já estou recomposta. Todo o embarque é tranquilo
e como não é a minha primeira vez, estou calma para viajar.
Faço tudo o que eu tenho direito e a única coisa que
não faço é tomar as bebidas, pois são todas alcoólicas de
depois de muitas horas de voo, três cochilos muito bons,
uma série maratonada até os últimos episódios, felizmente
sem nenhum enjoo, chego a Madrid.
Eu nem sei mais o que é colocar os pés na terra, por
isso saio do avião totalmente desorientada. Pego as três
malas enormes antes de sair para encontrar Rômulo.
O que não é difícil de fazer, já que o homem de mais
de um metro e oitenta, chama a atenção dentre todos com
as roupas elegantes e caras que ele costuma usar. Calça
escura e camisa branca de linho levantada até metade dos
antebraços com o cabelo bem penteado.
Os tênis se acomodam melhor em meus pés quando
caminho e Rômulo sorri assim que me vê. Ele vem ao meu
encontro, já que não consigo me adiantar arrastando três
malas. Nos abraçamos e fico na ponta dos pés para beijá-lo.
― Que castigo ficar longe de você!
― Quase morri de ansiedade ― conto rindo e ele me
solta, mas segura a minha mão. ― Me diga que aqui é do
jeito que imaginamos.
― Sim, eles falam espanhol.
Rio.
― Tô falando dos problemas que estamos fugindo.
― Aqui não somos ninguém, Linda. ― Beija a minha
testa. ― Teremos a paz que pedimos.
― Que bom. ― Sorrio satisfeita.
“Toda essa viagem vai valer a pena.”
― Vamos. Você precisa descansar. ― Ele arrasta duas
das malas.
― Mais? Eu dormi tanto! ― conto arrastando a outra
mala. ― Aliás, adorei viajar de primeira classe.
Ele sorri.
― Que bom que teve uma boa viagem.
— Tô curiosa para ver a nossa casa. Você disse que
seria um lugar aconchegante, só para passar esse tempo.
— Você vai gostar ― ele garante.
Entramos no modesto carro dele e seguimos para
casa.
Eu já deveria esperar que ele compraria aqui, outro
desses carros caros que nunca decoro os nomes. Só nós
dois... Os três, na verdade.
Estou feliz por isso e ele deixa claro em seu rosto que
também está.
Depois de alguns minutos de viagem, vemos mansões
e mais mansões.
— Rômulo… — cantarolo preocupada. — Não me diga
que a nossa humilde casa fica no meio dessas mansões?
“Eu não tenho pique para limpar um casarão desse
tamanho não!”
Ele só sabe rir para mim.
Mais à frente pegamos uma estradinha, portões
enormes com arabescos se abrem e vemos mais
nitidamente uma mansão enorme, muito bonita, coisa de
cinema.
— Rômulo? ― Olho para ele, assustada.
— Temos empregados se o problema for limpeza.
— Por que você é sempre tão exagerado?
— Serão dias felizes, Linda. Quero te dar uma vida de
rainha e essa casa foi o mais próximo de um castelo que
encontrei por aqui. Encontrei castelos também, mas não
quiseram me vender.
— Você comprou essa mansão?!
— Comprei. — Ele dá de ombros.
— Mas, Rômulo!
— Mas nada, Linda. Temos que ter uma casa grande
para que no dia do nosso casamento tenha lugar para todo
mundo ficar.
— Nosso casamento?
“Esse homem deve ter planejado muita coisa nessas
semanas aqui e não me disse nada!”
Ele para o carro na frente da mansão e saímos.
— Você pensou em tudo, hein? — comento admirada.
Ele tira do bolso uma caixinha azul de veludo.
— Ah, não. Nem vem me fazer chorar de novo. —
Coloco a mão na frente do rosto, mas depois a uso para
abanar meus olhos.
— Linda. — Ele está com um joelho no chão,
segurando a caixinha com o anel mais lindo que já vi.
Ouro e brilhantes, numa espessura perfeita.
— Não faça isso, Rômulo! — Continuo abanando meus
olhos enquanto as lágrimas descem. — Tô emotiva! Poxa!
— Linda. Sei que não tivemos um bom começo, mas
as coisas mudaram e só eu e você sabemos pelo que
passamos. Você me enlouqueceu com esse jeitinho
debochado, mas também me fez renascer, me fez ser um
homem de verdade, me deu um coração. Você é a mulher
que eu gostaria de ter ao meu lado para ser feliz o resto da
vida. Aceita se casar comigo?
“Baixo!
Me pegou de jeito!”
— Continua sendo um baixo, fazendo esse tipo de
surpresa pra uma grávida. ― Enxugo as lágrimas. ― E você
pergunta isso para uma pessoa que viajou para outro
continente por sua causa?! Claro que eu quero!
Ele sorri e coloca o anel em meu dedo, em seguida
me abraça e me beija.
― Porra, como eu te amo! ― grunhe me apertando
em seus braços.
A minha mente vai à loucura com suas mãos grandes
em mim.
— Eu também te amo. ― Beijo seu pescoço e depois a
sua boca.
Oito meses depois…
Todos formam um círculo para olhar, curiosos.
— Tão grande… — Gustavo comenta, admirado.
— Esperto. Já percebeu que sou bonito. — Rodrigo não
perde a piada.
— Os olhos são do pai — meu pai murmura.
— Com certeza. Ele é igualzinho ao Rômulo quando
era bebê! — Minha mãe tá fascinada.
Continuo encostado na porta e a Linda para do meu
lado.
— Vocês não deveriam estar admirados com ele.
Deveriam estar admirados comigo, que coloquei quatro
quilos pela minha vagina!
Só de pensar me arrepio.
— Eu era cabeçudo desse jeito, mãe? — pergunto.
— Claro, até hoje. — Ela olha para nós. — Linda, que
bebê lindo!
— O DNA da sua família — Linda responde.
— Que isso. Você é linda demais! — minha mãe não
economiza em elogios e errada não está. — Posso pegar o
meu netinho?
— Todo seu — Linda fala.
— O Rom fica chorando a noite inteira — falo.
— Rom? — Meu pai estranha.
— Sim. De Rômulo filho — Linda fala.
— Meu Deus! — Rodrigo cai em gargalhadas. — Eu
sabia que o seu ego era grande, mas a ponto de colocar o
seu nome no menino?
Não me incomodo.
— Não achei uma ideia ruim e foi a Linda quem
escolheu — respondo.
— Acho um nome bonito, forte, com personalidade —
Linda defende.
— Igual a mim — completo.
— Aham. Falou o cara que fica na maior melação com
a noiva. "Ai, meu amor", "eu não vivo sem você", “Linda, eu
te amo tanto". — Rodrigo zomba.
― Mas quando é a gente, só gritos, ameaças... Nunca
muda ― Gustavo acrescenta.
Fico aliviado em saber que ele continua sendo meu
amigo depois e tudo.
— Deixe o seu irmão, Rodrigo! — nossa mãe o
repreende com meu filho nos braços. — Ele tá apaixonado.
— Quem será o padrinho do Rômulozinho? — Gustavo
pergunta, passando pela porta.
— Se perguntar mais uma vez, não será você.

Nosso bebê já nasceu e ainda estamos na Espanha.


Faz um mês que o pequeno genioso veio ao mundo e não
sabemos fazer nada além de babar por essa criança.
É um amor inexplicável, forte demais. Eu seria capaz
de tudo por ele e sei que o Rômulo também.
Decidimos nos casar agora, porque assim nossos
parentes e amigos podem ver o Rômulozinho já nascido.
Infelizmente, minhas vizinhas não estão aqui para ver
meu casamento, mas quando voltarmos, mostrarei o álbum.
Será uma cerimônia simples, somente a família e os amigos
mais próximos.
Carrego meu pai em meu peito, no relicário e depois
de meses morando com Rômulo, ainda tenho certeza que é
com ele que quero me casar.
Oito meses se passaram, Gustavo e Rodrigo ainda
falam sobre solteirice, e, pelo visto, Rodrigo e Laisa não se
aguentam no mesmo ambiente. Deve ser o peso de
trabalhar juntos. Desde que chegaram, estão implicando um
com o outro. Já Rômulo e o pai estão muito bem.
Engraçado que o que os levou a brigar foram os
negócios e agora o que os une é novamente os negócios.
Só sabem falar disso.
Nosso casamento é amanhã e os preparativos estão a
mil. Tudo simples, porém elegante, do jeito que sonhamos.
Confesso que estou ansiosa.
Sandra, eu e o bebê estamos no quarto e meu filho
está bravo por já estar com fome, então me sento na
poltrona para amamentar.
— Acho que sou a vovó mais babona do mundo — ela
fala ainda fascinada pelo pequeno. — Como eu queria que
todo esse período vocês estivessem perto da gente.
— Eu também. Como estão as coisas por lá?
— Estão tem. Em breve vocês poderão voltar e vão ter
que se casar de novo ― avisa como uma exigência.
— Faremos isso. — Sorrio. — Mas e a empresa? Eu não
converso muito com o Rômulo sobre isso.
— A empresa tá bem. Robert tá empenhado em
trabalhar nela e não teve grandes perdas pelo que sei.
— Que bom! — fico aliviada.
— Tô muito feliz com o casamento de vocês, Linda. Eu
só tenho a agradecer pelo que você fez na vida do meu
filho.
— Acho que não foi só eu. Percebi que ele mudou
bastante depois que fez as pazes com o pai.
— Sim. Eu também notei isso.
— Mas como os rapazes reclamam, no trabalho
continua sendo autoritário e bruto.
― Esse é o seu jeito de trabalhar. Não podemos fazer
nada.
― Pois é.
Rimos.

Mesmo sendo uma cerimônia íntima, eu não deixe de


lado as coisas que fazem um belo casamento dos sonhos.
Meu vestido tem o corpo e mangas rendados, decote em
forma de coração e uma saia grande com camadas de tule
que recebem a renda até o quadril como uma cascata. Uma
equipe do salão de beleza veio nos arrumar e começamos
cedo.
O buquê escolhido foi de rosas-vermelhas reais e está
lindo demais.
Toda a estrutura foi arrumada no jardim, aproveitando
o dia ensolarado. Um altar foi montado com decorações de
tule e arcos de flores, tapetes, ramos de flores pelo lugar e
as cadeiras de madeira para os convidados se sentarem.
Convidamos um padre brasileiro para realizar a
cerimônia, além de músicos e fotógrafos.
Às nove da manhã a cerimônia começa.
Não pude assistir à entrada dos convidados que eram
simplesmente os pais e padrinhos, mas ouvi Gustavo e
Rodrigo falando que iriam carregar placas com “procura-se
madrinhas”. Laisa é minha madrinha e está usando um
vestido azul num tom pastel, com muito brilho e decote V.
Ela está linda e tenho muito a agradecer por vir.
Faltou o meu pai e a minha mãe, mas sei que de onde
eles estiverem, devem estar felizes com o meu momento.
A minha vez chega e o som do violino torna esse
momento mais emocionante ainda. Vejo Rômulo com nosso
filho nos braços, me esperando ao lado do padre.
Não foi algo combinado, provavelmente, o pequeno
deveria estar irritado nos braços da avó e ele o acalmou,
mas me fez chorar ver os dois homens da minha vida ali.
Eu não tinha uma família propriamente dita e acabo
de construir a minha.
Se um dia já me senti só, isso não acontecerá
novamente.
Nunca, jamais imaginaria que no dia em que saí de
casa, furiosa, com a negligência de uma empresa, para
bater de frente com o dono dela, que pouco mais de um ano
depois estaria me casando com este mesmo homem e
teríamos um lindo menininho.
Aquele homem sem coração que me enfrentou
friamente agora é uma das pessoas que mais amo na vida.
Sorrimos um para o outro.

Nunca, nem em um milhão de anos, imaginaria que


estaria me casando com uma pessoa tão diferente de mim
― somente geniosa e teimosa como eu ― que cruzou meu
caminho.
Diferente de qualquer mulher que conheci, Linda
chegou tirando a minha paz, quebrando todas as minhas
regras e me enfrentando. Ela não tinha medo de mim, me
colocou de joelhos e me fez arrepender amargamente de
algo que fiz.
Eu a trouxe para a minha vida, arranjei todos os
motivos para ela não ir embora enquanto bagunçou tudo,
me bagunçou por completo e me fez questionar coisas que
nunca havia parado para pensar.
Ela me rendeu, me fez apaixonar, sentir o que eu
nunca havia sentido, repensar atitudes, ser outra pessoa,
me fez ser um homem apaixonado, um pai e agora um
marido.
A mulher que bateu à minha porta dizendo que não
sairia dali sem termos uma conversa, agora está vindo em
minha direção para se casar comigo.
Tudo está perfeito! O casamento, a nossa vida.
Entrego o nosso bebê, que dorme tranquilamente,
para que minha mãe o coloque no carrinho e recebo Linda
com um beijo na testa.
A cerimônia começa e eu, que nunca fui muito
religioso, reconheço que tudo o que o Padre diz faz sentido
e tenho certeza do que estou fazendo aqui.
— Sim, eu aceito — ela diz sorrindo para mim.
— E você, Rômulo Guimarães, aceita Linda Fonseca
como sua legítima esposa, para amar e respeitar até o resto
de suas vidas?
— Sim, eu aceito. — Sorrio para ela.
Pegamos as alianças no carrinho de bebê e fazemos a
troca repetindo as palavras do padre. Beijo sua mão e ela
abre um grande sorriso.
— Se tem alguém aqui contra esse casamento, que
fale agora ou cale-se para sempre.
— Não tem, pode prosseguir, Padre — Rodrigo avisa e
sorrimos aliviados.
Até o padre ri.
— Então, pelo poder investido a mim, eu vos declaro
marido e mulher. Pode beijar a noiva.
Eu me aproximo da minha esposa, abraçando sua
cintura fina, que está impecável neste vestido de noiva e
beijo a sua boca.
— Eu te amo.
— Eu também te amo, Linda. Te amo demais. ― Beijo
seus lábios novamente.
― Meu Pai do céu... Que falta de respeito, hein,
senhor padre? ― Gustavo nos envergonha.
Saímos de mãos dadas pelo tapete enquanto os
fotógrafos tiram fotos.
Esse é mais um dos dias mais felizes que essa mulher
proporcionou na minha vida e sei que será assim até o fim
de nossas vidas.
Nosso amor nasceu pela dor, mas é mais forte do que
tudo.
Um ano depois...
Entramos na nossa casa e Linda deixa nosso
pequeno Rômulo correr pela sala. Tudo está muito tranquilo
na nossa volta, já que não somos mais uma notícia.
Minha mãe disse que quando nos casamos também
não houve um grande alvoroço por aqui e acredito que
quando souberem que voltamos, não vão nos assediar como
antes.
Voltamos na hora certa.
― Chegaram! ― Sérgio aparece sorridente, assim
como os outros funcionários.
― Sim e trouxemos mais um morador.
― Rômulo! Isso não é de brincar. ― Linda se apressa e
toma um enfeite da sua mão. ― Sérgio, esse aqui adora
quebrar coisas, então deixem tudo fora do seu alcance.
― Para quem será que puxou, não é, Sérgio? ― brinco
e Linda olha para mim.
― Nem vou dar ouvidos. ― Ela me dá as costas e vai
conversar com as funcionárias como se fossem amigas de
longa data.
― Deixaram a roupa que pedi pronta? — pergunto.
― Sim, Sr. Rômulo — Sérgio responde.
― Ótimo. Vou me preparar para ir para a empresa. ―
Subo a escada depressa.
Estou ansioso para retomar o que abandonei há dois
anos. Mesmo que como pessoa, não me admirem mais e
entendo, reconheço, respeito, pois sei que não sou mais
aquele homem repugnante, como profissional, não tem
pessoa melhor do que eu para liderar a minha empresa.
Demoro algum tempo no quarto até sair impecável
com meu terno italiano e o Rolex favorito no braço. Linda
está colocando ordem na casa e me despeço dela com um
beijo na boca.
Anos se passaram e continuo fervendo por essa
mulher.
― Diga para Laisa que quero vê-la e para Gustavo que
assim que o Rômulozinho entrar na escola, quero meu
emprego de volta — Linda fala.
― Quer voltar a trabalhar com o Gustavo? — Estranho
a ideia.
― Sim. É muito divertido!
― Você não precisa disso — lembro.
― Mas eu quero. ― Ela dá de ombros.
― Tá bom. ― Pego o pequeno no braço e beijo seu
rosto. ― Daqui uns dias você vai com o papai para a
empresa e vai ver como tudo funciona. De terninho.
― Mas nem pensar! ― A mãe se opõe de imediato. ―
Não aprendeu com a vida?
― Sim. Eu aprendi, mas vou levar meu filho para ver
como o pai dele trabalha.
― Já tô com pena do pessoal. ― Ela toma o menino
dos meus braços.
“Eu não tenho pena.”
― Vai sair hoje?
― Vou ver as minhas vizinhas.
― Ok. Até logo. ― Saio de casa e vou embora com
meu motorista.
Mesmo depois de tantos anos fora, ao colocar os pés
na calçada do prédio da empresa, sinto que estou em mais
um dia comum, mas o sentimento de satisfação por voltar é
imenso.
As pessoas me cumprimentam sem nenhum
tratamento diferente e entro no elevador. Subo direto para o
nono andar e assim que o elevador abre, vejo Laisa, que me
espera na recepção. Só ela sabia que eu estava voltando.
Ela se afastou da empresa e voltou a meu chamado.
— Bom dia, Sr. Rômulo. Como foi a viagem?
— Ótima. Que bom que voltou.
— Só porque o senhor pediu. — ela senta atrás de sua
mesa e vou direto para minha sala e encontro Rodrigo na
maior pose.
— Rômulo?
— Não, meu clone! Sai daí! Saí!
Ele levanta e me sento.
Finalmente, estou no meu lugar de direito e sinto o
poder voltando para mim.
― Você voltou pra ser o diretor?
― Mas é óbvio, Rodrigo. Volte para o seu cargo e
suma da minha frente. Tenho muito trabalho a fazer.
― Caramba... Nem avisou antes.
― Não preciso avisar, sou o dono. ― Abro a minha
conta no computador.
― Credo! ― Ele sai assustado.
― LAISA!
Ouço o som dos seus sapatos batendo no piso até ela
abrir a porta.
― Precisa de alguma coisa?
― Avise a todos que voltei e me traga um café.
― Sim, Sr. Rômulo.
Caro leitor, fico feliz que tenha chegado até aqui!
Essa história não teria chegado aqui se não fosse a
paciência e resiliência que Deus me deu, além do incentivo
das minhas maravilhosas leitoras que me acompanham em
todas as plataformas.
Imagino que se chegou a este ponto é porque a
história de alguma forma agradou.
A sua opinião é muito importante, por isso, aguardo a
sua avaliação e comentários na Amazon.
Obrigada pela atenção e carinho!
Nos vemos na próxima aventura.
Meu nome é Nikole, sou sergipana, tobiense, mas
moro em São Paulo há algum tempo.
Como profissões tenho a costura e a fisioterapia, mas
a escrita me pegou muito tempo atrás.
Sempre digo que foi em 2016, mas as minhas amigas
lembram que já em 2014 eu contava sobre minhas histórias.
Sou escritora nascida no Wattpad e meu forte é
comédia romântica.
Amo piadas sutis, romances slow burn que fazem
casais inseparáveis e aquelas famílias clichês.
As comédias românticas da sessão da tarde e músicas
internacionais ― das quais não entendo uma palavra ― têm
influência forte na minha escrita e desde que comecei não
parei.
No fim de 2020 tive a chance de publicar em uma
plataforma paga e em 2021 a escrita se tornou meu
trabalho.
Continuo encarando como hobby, mas tenho
caprichado cada vez mais para entregar um trabalho melhor
a vocês.
Sou feliz e grata por poder colocar meus sonhos no
“papel” e olha, desde pequena crio histórias e mais
histórias.
Espero que elas cativem vocês e que continuem me
acompanhando nessa jornada de milhões de vidas.
Me siga nas redes sociais: @autora.nikole

LIVROS SÉRIE FAMÍLIA MOLINA


1. ARTHUR: Uma segunda chance para o arrogante

SINOPSE
Arthur Molina é um homem poderoso, muito rico e
respeitado que teve seu coração quebrado quando a mulher
que amava, Petra Brandão, o deixou para ficar com seu
irmão, Roger Molina. Desde então ficou estritamente
proibida a entrada de mulheres em sua casa.
A verdade é que ele passou a odiar todas as
mulheres.
Porém, sete anos depois, ele descobre que seu irmão
e sua ex-amada morreram em um acidente, deixando a filha
deles, Antonella Molina, de cinco anos, para ele cuidar.
De todas as torturas que Arthur poderia sofrer, sem
dúvida, para ele essa será a pior.
A filha dos traidores e ainda uma mulher?
Ele se revolta com a nova realidade e vai praticar seu
hobby preferido, caçar na floresta.
Quando vê uma presa grande, ele atira e logo em
seguida descobre que machucou uma jovem e bela mulher
que remete a alguém conhecido por ele.
Lutando contra seus instintos e passando por cima de
sua maior regra, ele permite que a levem para a casinha
onde ele cresceu na floresta e que cuidem dela.
Mas o que ele não imagina é que a mulher de rosto
tão recordativo, na verdade, é a irmã mais nova de
Petra, Daphne Brandão, que se perdeu enquanto
procurava o lugar onde sua sobrinha irá viver.
Ela pretende cuidar da criança como última coisa que
fará por sua irmã, não a deixando nas mãos do gângster de
péssima fama de quem ela ouviu falar.
Agora, Arthur Molina terá que aprender a lidar com
duas mulheres sob seu teto e Daphne terá que ensiná-lo a
ser o tio que sua sobrinha precisa enquanto espera a
chance de levar a criança embora.
Mas como eles irão lidar com tudo isso?
Será que Arthur mudará de ideia em relação às
mulheres?
E Daphne, será que mudará a ideia que criou do irmão
de seu cunhado quando o conhecê-lo melhor?
2. SANTIAGO: uma segunda chance para o viúvo
amargurado

SINOPSE
Amargurado e controlador, Santiago Molina dedica
seu tempo a muitos investimentos, mas nenhum com tanta
estima quanto a financeira SM Solutions, sua primeira
empresa, a qual divide com seu irmão, Enzo.
Aos vinte e cinco anos, ele perdeu sua esposa, Alice,
após o parto do primeiro filho do casal.
João Miguel nasceu saudável, mas Santiago nunca
deixou de culpá-lo pela morte de sua amada.
Três anos depois, uma jovem desastrada aparece em
sua vida como secretária. Em muitos momentos, ela tira a
sua paciência, já em outro faz o viúvo duvidar das suas
próprias promessas.
Com quarenta cursos no currículo e uma péssima
concentração no que precisa ser feito, Laura Bianchi foi
chutada do seu emprego por uma enorme lista de motivos,
mas, no mesmo dia, conseguiu o que julga ser o melhor
emprego de todos. Contudo, ela não contava que por vezes
passaria vinte e quatro horas ao lado de um homem
estressado, que mal a deixa falar e que a faz se sentir uma
imprestável. Todavia, ela não desiste fácil e trabalhará de
todas as formas para conquistar o seu chefe.
Ela só não imaginava que poderia conseguir mais do
que permanecer no emprego.
3. VINCENZO: Domando o coração do mulherengo

SINOPSE
Vincenzo Molina é um jovem empresário muito bem-
sucedido no ramo de laticínios, fora isso é um mulherengo
de primeira.
Não há uma mulher que escape da sua lábia e
também não são raras as vezes em que elas acabam com
seus sentimentos machucados pelo rapaz que rejeita
qualquer uma que lhe peça mais do que noites de prazer.
Quando coloca os olhos em Isabella Fernandes,
melhor amiga da namorada do seu primo, Arthur Molina,
seu interesse é instantâneo e fará de tudo para tê-la, a fim
de saciar seu desejo.
Isabella está prestes a terminar a faculdade e só
precisa de um estágio enquanto Vincenzo tem o local
perfeito para oferecer essa oportunidade, que vem
carregada de segundas intenções.
O histórico da garota carrega uma lista de caras
babacas e mulherengos, como Vincenzo, mas ele é
irresistível demais e ela não costuma perder oportunidades.
Ela foi alertada sobre o perigo de ficar com mais um
cafajeste.
Ele foi alertado sobre o perigo de machucar o coração
de alguém que trabalharia tão próximo a ele.
E eles ignoraram todos os alertas.
CONTO: ARRAIÁ DA FAMÍLIA MOLINA

SINOPSE
Na festa de São João, Arthur, Daphne, Santiago, Laura,
Vincenzo, Álvaro e as crianças se juntam em mais uma festa
da família Molina, na casa da Tia Chica, para comemorar a
data e matar a saudade.
Mas Daphne anda desconfiada que Arthur esconde
algo dela e Laura está prestes a surtar com as paranoias de
Santiago.
O CASAMENTO DO ANO

Geralmente muitas famílias só se reúnem na doença


ou na morte, ao contrário dessas, a família Molina sempre
encontra um jeito de estar unida, comemorando seja lá o
que for e dessa vez não é diferente.
O motivo é um casamento, ou como o noivo chama: O
casamento do ano.
Independente do evento, os Molina sempre tem muito para
contar, afinal, a família só cresce.
Arthur, Daphne e Antonella se preparam para o
grande dia, enquanto Isabella surta com a chegada de seus
pais que deixaram bem claro que não queriam sua filha
morando com o namorado antes do casamento
e Vincenzo não dá crença para o medo de sua amada. Por
outro lado, Santiago, Laura e João Miguel estão se
acostumando com o novo membro da família, que leva
todos a cair de amores e uma certa garotinha a implorar por
um irmão mais uma vez.
Já Enzo anda desanimado com sua situação atual, que
é de total fracasso, e Álvaro, como sempre, está uma pilha
de nervos por conta da sua acompanhante do casamento.
Tudo isso em um fim de semana!

ÁLVARO: INESPERADAMENTE APAIXONADO

Álvaro Molina é um empresário do ramo de acessórios


de couro que sempre se preocupou com a aparência. Um
homem vaidoso e muito exigente, principalmente, quando
se trata de mulher, tanto que deseja ter a mulher perfeita.
Mas suas críticas sempre acabam sobrando para sua amiga,
Catarina, por quem tem muito carinho e não se importa com
as mesmas coisas que ele.
Aguardando a beldade que o completará, Álvaro nunca se
importou em se apressar para ter um casamento e construir
uma família, mas agora que seu irmão mais novo, Vincenzo,
está noivo, todos os alertas foram ativados sobre a sua
situação civil e o Molina engomadinho está preocupado com
seu futuro.

Catarina Rodrigues, cresceu ao lado de Álvaro e Vincenzo


Molina, por isso, eles têm uma boa amizade. Ela foi criada
por sua avó, já que sua mãe morreu logo depois dela nascer
e seu pai alguns anos depois.
Após sua avó ter um AVC, que deixou sequelas, ela tomou a
frente do negócio dedicando sua vida ao hotel, local que
traz o sustento para as duas, e a matriarca.
Caridosa, dedicada e atenciosa, ela trabalha para o conforto
de todos e não se importa muito com o dela. Com pouco
tempo livre, muitas coisas são deixadas de lado, mas ela
não reclama.
E sobre relacionamentos, pretendentes não faltam, o que
falta mesmo é tempo.
Álvaro sempre insistiu para que Catarina tirasse um tempo
para si e agora que ela tem sua meia irmã, Afrodite,
ajudando, pode fazer tudo que quiser, inclusive encontrar
alguém.
O problema é que Álvaro não contava com o ciúme que tem
dela e Catarina não contava que a pessoa que tanto a
incentivava se tornaria um obstáculo.
Será só preocupação de amigos ou existe um sentimento
mais forte escondido entre esses dois?

LIVROS ÚNICOS
UM CONTRATO PERFEITO DE CASAMENTO

SINOPSE
Depois de um casamento por conveniência,
Danielle Brown se tornou uma Jones, mas isso não a
impediu de ingressar na faculdade, perder sua aliança
de casamento e se jogar nas aventuras que as garotas
da sua idade tanto querem experimentar.
No casamento, ela só tinha um dever: assinar
documentos da grande empresa do seu pai e seu sogro
quando necessário.
Quando mais jovem, ela foi apaixonada por
Mason, mas antes mesmo de se casarem, se deu conta
que aquele homem nunca olharia para ela como uma
mulher.
Mason Jones se tornou diretor da construtora
Diamont Company após um casamento por contrato
com a filha do sócio do seu pai.
Mesmo o casamento tendo propósito comercial,
ele sabe que se separar de Danielle um dia significa
deixar de ser o preferido para comandar a empresa
que tanto estima. Por isso, na sua cama nenhuma
mulher se deitou desde o casamento, nenhuma mulher
andou ao seu lado e ele nunca se apaixonou por outra,
direito esse da sua esposa, Danielle Jones, mesmo não
havendo interesse dos dois lados em tornar real o que
eles têm no papel.
Mas isso não significa que se manteve casto por
esses anos e não se distraiu com outras.
Um dia, Danielle aparece totalmente diferente do
que Mason está acostumado a ver e se oferece para
ajudá-la.
Danielle cometeu um grande erro e isso enfurece
Mason, o levando a tomar uma decisão que se
arrepende de não ter tomado no passado: Danielle
tomará seu lugar de esposa, usando a aliança,
andando ao seu lado e dormindo na mesma cama que
ele.

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