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Bruna Fazio — 1ª Edição — 2019

Copyright

Copyright@2018 BRUNA FAZIO, EDITORA COERÊNCIA


Direção Editorial: Lilian Vaccaro
Coordenação Editorial: Bianca Gulim
Preparação e Revisão: Bianca Gulim
Capa: Décio Gomes
Diagramação Digital: Giuliana Sperandio, Help – Serviços Literários
Direitos imagens: © pngtree.com.
Está é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação das autoras. Qualquer semelhança entre
esses aspectos é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da nova ortografia da língua portuguesa.
Fazio, Bruna
Bad Reputation, O Encontro
1ª edição – 2019/ 249 páginas
Ficção Brasileira
Romance
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.
É proibido o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios – Tangível ou intangível – sem o consentimento por escrito das autoras.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9610/98 e punido pelo artigo
184 do código penal.
Sumário

Copyright
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
LISTA
Playlist de Bad Reputation – O Encontro
Capítulo 1

Olhei para trás e não enxerguei praticamente nada. Meus olhos estavam embaçados demais
de tanto chorar, tive que piscar várias vezes até poder vê-los novamente; todos ali juntinhos,
como em um porta-retratos feito especialmente para mim. Aquela imagem ficaria guardada na
minha mente para sempre, disso eu tinha certeza.

Fiquei alguns segundos só olhando enquanto acenava de volta, tentando imaginar se eu


conseguiria partir. A cada segundo, meu coração se apertava mais e mais e meu peito parecia
inchar. Era aquele tipo de dor boa e ruim ao mesmo tempo. Aquele aperto no coração de quem
está deixando coisas para trás, mas somente porque está indo buscar mil coisas novas. Aquele
aperto de quem sabe que tomou a decisão certa, mas que também sabe que a decisão certa não
foi fácil. Ainda assim, permanecia um sentimento estranho, uma sensação completamente nova
para mim. Me perguntei momentaneamente como reconheci tão facilmente um sentimento que
eu nunca havia… vivido? Sentido? Voltei a olhar para frente, deixando aquele pensamento de
lado.

Dei mais alguns passos, tentando me segurar, mas não aguentei. Eu tinha que olhar pelo
menos mais uma vez, dar mais um adeus… não! Adeus não, pelo amor, não. Um tchau. Mais um
tchau.

Eu queria deixar aquela cena gravada em minha memória, cada detalhe dela. Meus pais,
meus irmãos, meus padrinhos, minha avó e minhas três melhores amigas. Eu estava deixando
tudo para trás. Cada um deles ficaria para trás. Cada momento que poderíamos viver juntos, cada
risada que poderíamos compartilhar, cada foto que poderíamos tirar, cada aniversário em que
comeríamos bolo e cantaríamos parabéns três vezes, como costumamos fazer na nossa família.

Sorri levemente, percebendo que minha mão apertava meu peito com força. O nó em meu
coração se apertava mais, estava ficando quase insuportável. Fui em frente. É claro que eu faria
isso. Estava pronta, tinha que estar.

Finalmente, cheguei ao guichê e entreguei meu passaporte ao agente, que verificou minha
documentação rapidamente e logo me liberou. Fácil assim.

Aquela seria minha última chance de vê-los. Recolhi os documentos e, olhando


apressadamente para trás, vi minha família segurando uma grande faixa: “Isabella, nós te
amamos”. Lágrimas que eu nem sabia que ainda tinha escorreram pelo meu rosto. Abri um
sorriso de orelha a orelha e acenei pela última vez, me conformando.

Dessa vez, estava decidida quando me virei e não tive dúvida ao ir em frente. Aquele
sonho era meu há muito tempo, nada nem ninguém me faria desistir.

Londres, aí vou eu!

Na verdade, era um pouco cômico estar vivenciando tudo aquilo. Sempre me disseram que
a despedida seria difícil, mas eu jamais havia imaginado que seria tão difícil. Outras pessoas me
disseram que era bobagem. Minhas próprias amigas questionaram o motivo do meu choro assim
que chegamos ao aeroporto. Elas achavam que eu devia estar pulando de alegria. E eu estava,
mas aquilo era uma mudança de vida! Não era simples. Um passo tão gigantesco… Minha ficha
ainda não tinha caído. Eu tentei explicar a elas, mas não soube expressar em palavras o que eu
sentia.

Um senhor passou correndo por mim, esbarrando em meu ombro e me trazendo de volta à
realidade. O peso da despedida ardia em meu peito, acabei ficando parada por tempo demais no
meio do caminho sem nem perceber.

Comecei a procurar a sala de embarque, o que fiz com dificuldade, já que eu estava
carregando um monte de coisas. Meus olhos embaçados de choro só pioraram minha situação, as
lágrimas continuavam a escorrer sem que eu pudesse controlá-las. Minha família sempre foi meu
grande porto seguro, deixá-los daquela maneira era surreal.

Eu estava sentindo mil emoções de uma vez, sentimentos que eu sequer sabia que podiam
se misturar. Era uma junção de medo, alegria, determinação, insegurança, dúvida… Mas no final
a sensação de estar realizando um sonho ganhava de tudo. Então lá estava eu, esbaforida e
suando, chegando aos trancos e barrancos ao local do embarque.

Eu nunca havia viajado para tão longe e por tanto tempo, então minha mãe ficou duas
vezes mais surtada do que já era — e olha que ela já era mais surtada do que o esperado de uma
mãe. Minha mochila estava bem pesada, pois eu carregava meu laptop e os dois livros que eu
estava levando para a viagem, além dos documentos, carregadores, fones de ouvido, a muda de
roupa extra e os remédios que minha mãe insistiu loucamente para que eu levasse no avião
comigo.

Quando finalmente achei o portão, o alto-falante anunciava a última chamada para o voo
direto para Londres. Corri o mais rápido que pude, e por sorte a funcionária da companhia aérea
sorriu de maneira solidária para mim e me atendeu pacientemente, mesmo eu sendo a última a
chegar. Só então me toquei de que eu devia estar parecendo um tomate, completamente vermelha
depois de chorar sem parar por pelo menos uma hora. Após a verificação da minha passagem, fui
liberada e corri para dentro do avião.

Eu já havia andado de avião algumas — poucas — vezes, mas, cada vez que eu entrava em
uma aeronave, sentia como se fosse a primeira vez. As janelas e poltronas enfileiradas, as
aeromoças muito arrumadas e extremamente profissionais, a primeira classe impecável, cheia de
executivos de terno e gravata e mulheres de saltos altíssimos que eu jamais usaria em um
casamento, que dirá para pegar um voo. Segui direto para a classe econômica e percebi que
aquele era de longe o maior avião em que eu já havia estado. Eram três aglomerados de assentos,
sendo três em cada ponta e cinco centrais.

Com sorte, consegui um lugar na janela ao fazer o check-in e fiquei aliviada quando, ao me
aproximar do assento, vi que as duas pessoas sentadas ao lado estavam lendo livros. Seríamos o
trio leitor da viagem, e isso me acalmou um pouco. Ler sempre foi uma das coisas mais
importantes para mim, perdendo apenas para a música, e eu prometi a mim mesma que durante
aquele intercâmbio eu me esforçaria para conhecer histórias novas, mesmo que elas não
estivessem no papel.

Tentei acomodar minha mala no bagageiro o mais rápido que pude, percebendo que muitas
pessoas me olhavam de soslaio. Além de ter sido a última pessoa a entrar no avião, meu celular
apitava sem parar, o que me deixava mais nervosa e, por consequência, mais desajeitada. Eu
sempre fui desastrada e fazer qualquer coisa sob pressão sempre piorava as coisas.

Assim que eu indiquei passagem na minha fileira, a moça que ficaria sentada ao meu lado
levantou rapidamente os olhos de seu livro e sorriu, me fazendo suspirar, aliviada. Me lembrei da
última vez em que estive em um avião. Fui para Belo Horizonte com minha família e acabei
passando a viagem inteira sentada entre duas crianças. Os pais estavam na fileira ao lado, mas,
como as crianças insistiram em se sentar sozinhas, acabei ficando no meio daquela armadilha.
Um deles derrubou bebida em mim; o outro, comida. Eles choraram praticamente a viagem toda,
e eu não consegui descansar nem por um minuto. Aquela viagem a Londres estava sendo
complicada e emocionante, e tudo o que eu queria era passar as doze horas de voo pensando,
olhando para o céu, curtindo meus livros e ouvindo música bem quietinha, sem ninguém para
criar muita agitação.

Quando finalmente me sentei, as aeromoças passavam no corredor, checando os últimos


detalhes. A ansiedade que percorria meu corpo desde a semana anterior já estava me deixando
louca! Respirei fundo, tentando me acalmar. Precisava de um tempo só para mim, apesar de
saber que estava indo para outro país para passar um ano inteirinho lá sozinha, o que me daria
muito tempo para focar em mim mesma.

Como será que seria minha casa? Será que estaria chovendo quando eu chegasse lá? Ai,
meu Deus…

— Isabella! Calma! — sussurrei a mim mesma, sabendo que precisava me controlar ou


teria uma síncope antes do avião sequer decolar.

Eu tinha mania de tentar prever cada detalhe de tudo que eu faria e de tudo que aconteceria
comigo. Então, quando o momento finalmente chegava, tudo acontecia de uma maneira
completamente diferente, e isso sempre me deixava extremamente decepcionada. Já estava
decidido que eu seria uma nova Isabella em Londres. Passaria os doze meses tentando me
encontrar para finalmente ser feliz por completo.

De qualquer maneira, eu acreditava que Londres seria um lugar fantástico demais para eu
me decepcionar. Eu tinha certeza disso antes mesmo de fechar a viagem na agência de
intercâmbios do meu bairro.

Acomodada no meu assento, consegui pegar meu celular, mas as aeromoças já pediam para
que desligássemos os aparelhos eletrônicos. Havia centenas de mensagens, algumas das minhas
amigas, mas a maioria da minha família. Digitei rapidamente uma mensagem geral antes de
desligar o celular e guardá-lo na mochila:
O avião já estava taxiando. Peguei meu iPod e coloquei os fones no ouvido. Se os livros
eram uma paixão, a música era meu maior amor, sempre esteve lá por mim em todos os meus
momentos tristes e felizes. Ela sempre consertava tudo, me acalmava ou me ajudava a extravasar
o que eu realmente estava sentindo. Principalmente naquele momento, eu precisava de uma trilha
sonora perfeita e inesquecível.

Um barulho alto preencheu o ambiente, indicando que o piloto estava prestes a iniciar a
decolagem. Liguei meu aparelho o mais rápido que pude e Story Of My Life passou a encher
meus ouvidos, encaixando-se perfeitamente naquele momento. Eu estava finalmente construindo
a história da minha vida, do jeito que eu sempre sonhei.

O avião acelerou e, assim que olhei pela janela, senti as rodas deixarem o chão e
magicamente — pelo menos para mim — começamos a voar. O frio na barriga me tomou por
completo, assim como a sensação de gratidão e ansiedade. Encarei as nuvens e as luzes das casas
e prédios lá embaixo, que ficavam cada vez menores. A noite estava limpa, São Paulo brilhava.

Aos poucos, atingimos a altura adequada e, quando a aeronave finalmente se estabilizou no


ar, fechei meus olhos. Um sorriso surgiu em meus lábios sem que eu pudesse evitar. Meu
coração batia rápido, e eu segurava o iPod com força em minhas mãos. Eu tinha certeza de que
aquela viagem mudaria minha vida.
Capítulo 2

O voo foi tranquilo. Como eu suspeitava, as duas moças ao meu lado eram calmas e a
viagem seguiu sem problemas. No jantar, serviram massa; no café da manhã, torradinhas e um
suco de laranja bem saboroso. Suco de laranja sempre foi o meu favorito, e eu quase senti o
gosto da laranjada que minha mãe faz todo domingo de manhã. Só de imaginar que eu passaria
um ano inteirinho longe da minha família… Mas tudo bem! A viagem estava só começando,
ainda não era o momento de sentir saudades. Talvez só um pouquinho.

De qualquer maneira, fiquei contente com a comida. Estava uma delícia. Comida de avião
nunca é lá aquelas coisas. Ou talvez a minha ansiedade tenha sido um tempero a mais. Quem
sabe?

A paisagem através da janela se manteve incrível durante as doze horas da viagem. Estar
por cima das nuvens e sobrevoar o oceano me fez refletir muito. Somos tão pequenos… Sou
apenas uma pessoinha que lutou até o fim para realizar um sonho maior do que eu. E eu
consegui! Quem diria que depois de tudo eu estaria ali, realizada daquela maneira?!

A primeira vez que tive esse tipo de reflexão foi deitada no quintal da minha casa, o que
me fez tomar a decisão de fazer aquele intercâmbio. Só temos uma chance, uma vida. Por que
desperdiçá-la? Por que não correr atrás daquilo que queremos com toda a força que temos? Eu
queria aproveitar cada segundo da minha vida e viajar o mundo parecia uma ótima maneira de
fazer isso. Pelo menos é o que eu sempre achei.

Foi mais ou menos no meio desse pensamento que uma turbulência leve atingiu o avião
quando passamos entre algumas nuvens mais altas e densas. A cadeira sacudiu um pouco, me
segurei com firmeza no meu lugar. Não parecia ser nada demais, mas ainda assim eu não
conseguia evitar o frio na barriga. Decidi ler um pouco para me distrair.
Nas doze horas que passei naquele avião, consegui ler cem páginas do livro da Paula
Pimenta — a personagem também estava fazendo um intercâmbio em Londres —, dormir,
escutar muita música, fazer duas refeições e ver um filme. É impressionante como parece que o
tempo dura três vezes mais quando estamos ansiosos. E eu já sou muito ansiosa por natureza,
então eu mal me aguentava em meu assento.

A moça à minha direita me olhou feio algumas vezes, por conta disso acabei puxando
assunto sobre o livro que ela estava lendo, deixando-a satisfeita, como eu imaginava que ficaria.
Era uma biografia, gênero literário que não me interessa, mas ela deixou de se importar com toda
a minha inquietação, então tudo bem.

Assim que o uso de eletrônicos foi liberado, aproveitei para ler as mensagens do meu
celular e logo concluí que minha família era incrível. Todos me apoiaram naquele sonho desde o
começo. Quando eu estava terminando o ensino médio — depois de juntar dinheiro por anos —,
comecei a organizar a viagem que me levaria ao lugar onde eu sempre sonhei em estar. Foi
difícil no começo. Minhas amigas insistiam em sair todo fim de semana, e simplesmente não
dava para mim. Elas costumavam ficar irritadas, mas dentro daquele avião era visível para mim
que todo esforço valera a pena.

Finalmente, depois de quase doze horas, o pouso foi anunciado e a paisagem de Londres
surgiu pela janela. Lá estava eu, a muitos e muitos metros de altura, olhando para uma cidade
europeia, a cidade dos ônibus vermelhos, a terra da rainha, a cidade cortada pelo rio Tâmisa.
Quem diria que eu chegaria tão longe?

Após desembarcar, tudo ocorreu conforme o pessoal da agência de intercâmbio me


informou. Eu tinha tudo que precisava, eu e meus pais tomamos todos os cuidados necessários
com a documentação para que tudo desse certo. Apesar de falar inglês, eu sabia que não ficaria
cem por cento confiante caso algum problema surgisse.

Com esse receio em mente, minha vez chegou no atendimento da imigração. O rapaz que
me atendeu foi simpático, então fui logo me animando. As coisas estavam correndo bem.

— Seja bem-vinda a Londres — Benjamin, como descobri em seu crachá, me disse em


inglês e devolveu meus documentos. Abri um sorriso espontâneo de orelha a orelha. Só de ouvir
aquela frase já me dava vontade de fazer algumas piruetas no ar.

Ao pegar minha mala, notei que já eram quase três da tarde em Londres. Parei em um
Costa, cafeteria que é para a Inglaterra o que o Starbucks é para os Estados Unidos, e comprei
um chocolate quente, aproveitando cada segundo da fala da atendente. O sotaque britânico
sempre foi uma paixão minha, e eu passei a vida arrependida por ter estudado em uma escola de
idiomas com foco no inglês americano.

Conectei meu celular ao Wi-Fi do aeroporto e, assim que enviei uma mensagem dizendo
que havia chegado, recebi centenas de volta. Todos estavam emocionados, o que fez meu
coração se apertar novamente. Eu já sentia saudades de cada um deles. Seria a primeira vez que
eu ficaria longe por tanto tempo.

Depois de alguns minutos escutando música e tomando minha bebida quente, eu estava tão
entretida falando com o pessoal pelo celular que quase não vi o rapaz que entrou segurando uma
placa com meu nome. Acenei em sua direção, e ele veio me receber com um sorriso discreto.

— Olá, Isabella. Sou o Ravi. Vou te levar para sua casa. Você está pronta para ir? — O
inglês dele tinha um sotaque bem carregado, logo percebi que era indiano.

— Claro.

Ele me ajudou a carregar minha bagagem até o carro e, enquanto a colocava no porta-
malas, fui direto para o banco do passageiro, do lado direito. Levei um susto quando abri a porta
e vi um volante.

— Aqui os volantes ficam do lado direito — Ravi disse, segurando uma risadinha.

Mas é claro! Como eu pude me esquecer? Envergonhada, fui para o lado esquerdo e me
sentei no banco de couro preto, achando tudo muito diferente. A sensação era meio esquisita
depois de passar anos no outro lado.

Ravi era quieto, então pude aproveitar a paisagem do meu jeito. Prestei atenção em cada
detalhe, tentando absorver tudo. Tirei algumas fotos para mostrar à minha família, e ele não
pareceu se importar. O aeroporto fica bem afastado do centro da cidade, por isso a viagem foi um
pouco demorada.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver os táxis pretos e os ônibus vermelhos. Achei a
cidade linda, como eu sempre imaginei que seria, e cada minuto que eu passava lá superava
qualquer expectativa que eu poderia ter tido. Foi estranho ver os carros nos lados opostos da
estrada, mas foi muito interessante perceber que existem pessoas que têm vidas com padrões
diferentes daqueles com os quais eu estava acostumada.

Assim que chegamos à casa em que eu moraria com uma turca e uma chinesa, eu saí
correndo do carro, quase não me aguentando de tanta felicidade. Mal senti o frio que fazia
conforme observava a casa de tijolinhos vermelhos e porta bordô, assim como todas as outras da
rua. Era charmosa e fez com que eu me sentisse dentro de um filme.

Londres é uma cidade dividida por zonas. O centro é a zona um, e as zonas vão se abrindo
respectivamente em volta da zona anterior. Minha casinha ficava no Canada Water, um bairro da
zona dois. Foi fácil me apaixonar pelo lugar; eu estava cercada de casas geminadas, algo difícil
de ver no Brasil.

Ravi deixou as malas no hall e me entregou a chave da casa que eu poderia chamar de
minha durante aquele ano. Uma menina de traços orientais bem branquinha, magra, com cabelo
castanho na altura dos ombros e uma expressão bastante mal-humorada desceu as escadas. Ravi
disse que ela me apresentaria a casa e se retirou sem nem me dar tempo para agradecer. Ele era
definitivamente uma pessoa bem tímida.

— Meu nome é Li, chinesa. Você é brasileira, não é? — ela perguntou em tom neutro e
estendeu a mão. Seu sotaque era bem forte também e às vezes ficava um pouco difícil entender o
que ela dizia.

— Sim, sou a Isabella, prazer. — Apertei a mão dela de volta e dei um sorriso que não foi
retribuído.

— Ok. Aqui é a sala. — Ela gesticulou com as mãos, apontando para o local em que
estávamos como se eu fosse burra a ponto de precisar de explicações até para isso.

Opa!

— Ah, sim. — Olhei em volta. Tínhamos um pequeno sofá azul-escuro, uma poltrona
estampada, uma mesa de centro e uma TV também pequena.

— E aqui é a cozinha. — Ela me levou ao cômodo ao lado. A cozinha era bem maior que a
sala. — Nós dividimos os armários e a geladeira. Sua parte é aquela do canto. Você tem três
prateleiras para guardar as comidas no armário e aqui na geladeira — completou enquanto abria
a porta de inox. — Essas últimas duas fileiras são suas. O congelador é meio pequeno, então
colocamos tudo lá depois de etiquetarmos com nosso nome.

A cozinha era espaçosa e bem equipada com fogão, geladeira, micro-ondas, cafeteira,
tostadeira e até uma chapa. O granito parecia ser antigo e os armários eram feitos de madeira
rústica meio alaranjada, igual à mesa grande que ficava no centro. As cortinas eram brancas com
babados nas pontas.

— Aqui atrás — ela abriu uma porta no fim da cozinha — é o quintal, e aqui do lado — ela
abriu outra porta — é a lavanderia. Você tem que comprar seus produtos para lavar sua roupa.
Sem bagunça aqui.

Ela revirou os olhos e voltou para a sala. Mostrava tudo tão depressa que eu quase tive que
correr atrás dela quando subiu as escadas, que também eram de madeira. Sem demora, Li abriu a
primeira porta do corredor.

— Esse é o seu quarto. Ali dentro tem um banheiro.

Entrei, maravilhada. O quarto era lindo, todo branquinho. Tinha até uma cama de casal! O
armário parecia ser novo, assim como a escrivaninha e os dois criados-mudos. Observei que
realmente havia mais uma porta. Meu quarto era uma suíte!

— Tenho meu próprio banheiro? Que legal!

Eu estava tão animada que até bati palmas. Li só ficou me olhando com uma cara de tédio.

— Ok. Esse é o meu quarto e aquele outro é o da Esra. Ali no final do corredor é o nosso
banheiro. É isso — ela finalizou, encostada ao batente da porta do quarto dela.

— Que legal. Obrigada por mostrar a casa. Você poderia me ajudar com… — Mas, antes
que eu pudesse terminar a frase, ela já estava dentro de seu quarto após ter batido a porta com
tudo.

Desci as escadas e encarei minha mala, lembrando que, de tão pesada, quase não a agarrei
a tempo na esteira de bagagens do aeroporto. Com esforço, eu a carreguei até a escada e fui
puxando aos poucos, degrau por degrau. Parecia que eu estava lidando com um peso de mil
quilos, o pouco frio que eu senti no aeroporto e ao chegar em casa logo passou. Para completar, a
casa era quente, então eu suava quando finalmente cheguei ao andar de cima.

Olhei em volta. O quarto era bem maior do que eu imaginava e ao abrir a porta do banheiro
tive a mesma sensação. Mas, por sorte, me senti em casa rapidamente.

Uma música alta começou a tocar de repente, vindo do quarto ao lado, e me lembrei da
maneira como fui tratada por Li. Parecia que nem tudo seriam flores naquela viagem.
Capítulo 3

Comecei a desfazer as malas, colocando tudo em cima da cama. Quando vi a foto da minha
família, dei um pulo. Minha família! Eu ainda não havia os avisado de que já estava em casa e
que estava bem! Eu sabia que a casa era equipada com Wi-Fi, mas eu não sabia a senha. Fui até o
quarto de Li e ensaiei uma batida na porta, mas decidi que seria melhor não fazer isso. Sua
recepção não fora muito calorosa, e eu não queria que ela estragasse meu momento feliz.

Desci as escadas para procurar alguma pista e aproveitei para ver tudo com mais detalhes,
sem a correria do tour feito por Li. A sala era bem pequena, mas aconchegante. Na mesa,
encontrei algumas revistas britânicas e um enfeite artesanal de mosaicos bem bonito. Me joguei
no sofá com um pulo e dei risada sozinha. Nem a recepção fria de Li conseguiria tirar de mim a
sensação de que tudo aquilo era especial.

Levantei e reparei em outra porta na sala, ao lado da porta da entrada. Quando abri, me
deparei com um pequeno banheiro pouco decorado, mas bem limpo. Fui então em direção à
cozinha. Eu já estava apaixonada pelo cômodo, tinha uma cara de cozinha de filmes gringos!
Abri meu espaço no armário para ver o quanto de comida caberia ali e logo meu estômago
roncou. Uma das prateleiras, que eu não sabia a quem pertencia, estava cheia de comida. Fechei
o armário lentamente, encarando uma bolacha que parecia ser maravilhosa.

Ao me virar, vi um quadro na parede da cozinha com diversos pedaços de papel. Chegando


mais perto, descobri a senha do Wi-Fi. Ali estavam também as regras da casa, escritas em inglês:
Algumas palavras foram um pouco mais difíceis de entender do que outras, mas a ideia
geral do quadro ficou bem clara.

No minuto em que conectei meu celular à internet, ele começou a vibrar incessantemente.
Sentei em uma cadeira da cozinha e acabei me distraindo, respondendo as mensagens de todos e
me atualizando nas redes sociais. O Brasil já parecia tão distante…
— Oi! — Levei um susto tão grande que dei um pulo na cadeira e meu celular voou da
minha mão. Com sorte, eu o peguei no ar. Passei muito tempo economizando para a viagem,
então ele estava bem velhinho, com vários defeitos, e ainda teria que durar o ano inteiro. Meu
coração quase saiu pela boca com a possibilidade de perdê-lo. — Você é brasileira, não é? Não
me falaram seu nome! Eu sou a Esra. Prazer! — A garota, que nem pareceu notar meu momento
de desespero, me deu um abraço tão inesperado que me deixou mais atônita ainda. — Ih, será
que você não fala nada de inglês? — ela disse, se afastando.

— Não, não. Eu falo, sim. É que levei um susto. Meu nome é Isabella, prazer.

Dei um sorriso bem aliviado, e pelo jeito ela percebeu.

— Pela sua cara, acredito que você já tenha conhecido a Li, não é? — Ela soltou uma
risada contida, olhando para o teto, em direção à música alta que Li escutava.

— Conheci. — Comecei a rir, mas meu estômago fez um barulho tão alto que abafou
minha risada. — Hum, você sabe onde posso comprar alguma coisa para comer por aqui? Ainda
não consegui comer nada desde que cheguei.

— Ai, nossa, lógico. Pegue a sua carteira, vou com você até o mercado — ela disse,
recolocando o cachecol e a bolsa no ombro.

— Sério? Você não tem nenhum compromisso?

— Eu ia encontrar uns amigos, mas eles podem esperar. Vamos, vamos — ela me chamou
em direção à porta.

Subi correndo as escadas, feliz em saber que pelo menos uma das minhas colegas de casa
era legal. Peguei minha única bolsa, coloquei meu dinheiro, meu cartão e meu celular lá dentro e
comecei a descer, mas algum instinto me fez subir e trancar a porta do quarto. Achei que as
coisas ficariam melhores assim.

Esra era ótima. Muito simpática e faladeira, mais do que eu, o que não era tão difícil assim.
Descobri que ela tinha vinte e dois anos, e ela ficou espantada ao saber que eu tinha dezoito, pois
achou que eu parecia ser mais velha. Ela estava em Londres há um mês e ficaria mais cinco.
Olhando para a espontaneidade dela, me perguntei se era um efeito do tempo em Londres ou se
ela era realmente tão… feliz? Saltitante? Não sei bem descrever.
— Não ligue para a Li, ok? Esse é o jeito dela. Ela é meio chata, mas não costuma
incomodar. Bom… — Ela mordeu a unha do dedão direito. — Não muito — completou, dando
de ombros e me fazendo rir. — Ela passa o dia inteiro ouvindo aquela boy band dela, e é só você
ficar na sua que tudo vai dar certo. — Esra sorriu. — Acho que a Li ficou incomodada porque
queria o quarto com a suíte, mas, como você veio para ficar mais tempo que ela, teve o direito de
ficar com aquele quarto. Essa é a regra. Eu não ligo para isso, sabe? — Deu de ombros. — Meu
quarto é ao lado do banheiro, e eu só tenho que dividir com uma pessoa, então para mim não faz
diferença.

Minha colega de casa continuou tagarelando até entrarmos em um supermercado chamado


Tesco, que era o que ficava mais perto da nossa casa. Fiquei desacreditada com as opções de
comidas que eu nunca havia visto no Brasil. Diferentes sabores de sucos, de iogurtes, marcas que
eu não conhecia, comidas diferentes… Me diverti fazendo minha primeira compra.

Esra era engraçada e fazia caras bizarras quando eu pensava em pegar algum alimento que
ela odiava, como o achocolatado de banana.

Eu não costumava ir ao mercado com meus pais, perdi o interesse no passeio quando não
tinha mais idade para ficar pendurada no carrinho, então era uma experiência quase inédita para
mim. Naquele momento, pesquisando valores e sabores, eu já quase me sentia uma adulta.

O mercado era ótimo, fiquei grata pela localização a apenas cinco minutos da minha casa.
Havia também uma pequena seção especializada em produtos brasileiros. Tinha goiabada,
guaraná e até algumas marcas de cerveja e de chocolate, mas os preços eram absurdos se
comparados aos do Brasil. A barra de chocolate, por exemplo, custava quatro vezes mais o valor
que eu pagava em São Paulo. Por mais que eu já estivesse com saudades do gostinho brasileiro,
quis sentir como era morar na Inglaterra, comer as coisas de lá. Então, passei reto e não peguei
nada na seção brasileira.

Encontrei seções de outros países também. Provavelmente por Londres ser um destino
bastante procurado por intercambistas e turistas, os mercados acabaram se adaptando para
atender esse público.

— Há uma parte da Turquia aqui também?

— Não — Esra respondeu enquanto lia o rótulo de uma caixa de cereais. — Mas eu não
me importo muito com isso.

Quando passamos no caixa, fiquei surpresa com o valor. Eu achava que a conta sairia
muito mais cara, já que eu decidi levar bastante coisa.
— São 52 pounds e 67 pence — a caixa disse, e minha mão congelou a caminho da
carteira.

— Desculpe. O quê?

— 52 pounds e 67 pence — ela repetiu pacientemente, e eu fiquei paralisada.

— O que foi? Você não tem dinheiro suficiente? — Esra perguntou, franzindo o cenho. —
Eu posso te emprestar. — Ela começou a remexer sua bolsa.

— Não, não é isso. É que eu só tenho libras.

— Libras? — Sua feição ficou ainda mais confusa ao repetir a palavra.

— Sim, libras. — Tirei algumas notas da carteira e mostrei a ela, que começou a rir no
mesmo instante.

— Isabella, isso são pounds! Libra provavelmente é o nome do dinheiro daqui lá no Brasil.
Aqui eles chamam de pounds! — Ela riu, pegando as notas da minha carteira e entregando à
caixa.

— Ah, nossa, eu não sabia disso. Obrigada. — Comecei a rir, sem graça.

A caixa entregou o troco e me pegou de surpresa ao devolver cada centavo, diferentemente


do Brasil, que não tem a cultura de utilizar moedas de valores baixos.

Na volta, Esra me ajudou a levar as compras e me deu novas informações:

— A proprietária da casa é um amor e, se você deixar biscoitos caseiros na mesa no dia do


pagamento, ela sempre dá um desconto e deixa parte do dinheiro nos envelopes. — Que graça.
Eu já gostava dela. — O nome dela é Elizabeth, como a rainha.

— Como você descobriu isso? Foi uma coincidência os biscoitos estarem lá?

— Na verdade, essa informação foi passando de intercambista a intercambista. Ainda bem


que alguém descobriu isso algum tempo atrás. Quem me contou foi a Suzana, a garota que estava
morando lá em casa antes de você chegar.

O caminho de volta pareceu mais curto, e eu já sentia como se nós duas fôssemos amigas.

— Bom, agora tenho que ir. Quer ir comigo? Eu e meus amigos vamos a um pub perto do
rio — ela disse ao abrir a porta de casa, animada.

— Não, obrigada. Vou ficar por aqui, desfazer minhas malas e arrumar a comida. Obrigada
mesmo pela ajuda!

Ela acenou, sorrindo, e foi embora tão rápido quanto falava.

Sentei à mesa correndo e preparei um sanduíche com o que comprei antes de guardar tudo.
Minha barriga estava doendo de fome, mas eu não quis dizer isso à Esra enquanto ela caminhava
lentamente. Mais lentamente do que meu estômago estava conseguindo suportar.

O sanduíche ficou tão gostoso que acabei comendo dois. A fome devia estar ajudando, mas
a comida de Londres foi aprovada! Por pouco não comi o terceiro.

Lavei a louça do meu meio almoço, meio jantar e guardei o resto das compras na geladeira
e nos armários. Tirei uma foto e enviei para minha família, que vibrava junto comigo a cada
pequena conquista daquele intercâmbio. Já era noite, e o cansaço do voo estava começando a
bater.

Subi para o meu quarto para desfazer as malas antes que minha preguiça me dominasse e
deixei tocando alguns exercícios vocais no laptop. Eu amava música e amava cantar, não queria
deixar de praticar durante o intercâmbio. Sem falar que aquilo sempre foi um ótimo remédio para
quando eu queria me manter acordada.

Coloquei as roupas nos armários, guardei os poucos produtos que eu usava no banheiro e,
quando olhei em volta, já quase me sentia em casa. Eu teria que comprar uma ou outra coisa para
a decoração, mas o quarto era realmente muito bonito. Faltavam alguns toques pessoais, como
um porta-retratos e alguma coisa colorida, como uma caneca bonitinha.

Liguei para os meus pais pouco antes de dormir. Eles e meus irmãos fizeram mil
perguntas, as quais eu mal consegui responder. Eu bocejava a cada resposta, até que eles me
disseram para ir dormir. Por mais que eu quisesse falar e contar todas as novidades, meus olhos
se fechavam sem que eu pudesse impedir.

Finalizei a ligação com um aperto no coração, que tentei deixar de lado, e pesquisei como
chegar à minha escola. As aulas começariam já no dia seguinte, e eu estava ansiosa. Não fazia
ideia do que esperar.

Mal tive tempo de colocar meus fones de ouvido e o sono já foi me tomando. Imagens de
amigos de diversas nacionalidades, provas e lugares novos passaram pela minha mente. Por
sorte, meu cansaço venceu minha ansiedade e o que eu imaginava sobre o futuro próximo teve
que ficar por conta dos sonhos daquela noite.
Capítulo 4

Minha aula começava às nove horas da manhã, mas, como fui dormir cedo, acordar acabou
não sendo um problema. A ansiedade era tanta que nem precisei da ajuda do despertador. Meus
olhos se abriram às sete horas e eu já me sentia pronta para a vida!

Levantei e tomei um banho. Meu banheiro tinha banheira, mas eu não tive coragem de
usar, até porque não queria perder o horário. De café da manhã, quis experimentar leite com o
achocolatado em pó de banana que eu comprei, mas não gostei muito, então acabei comendo
umas frutas mesmo. Eu devia ter prestado mais atenção nas caretas da Esra no mercado, mas
tudo bem.

Fui andando até a estação de metrô mais próxima, que chamava Canada Water, assim
como o bairro. Ela era linda! Tinha uma estrutura envidraçada e era bem grande. Comprei meu
oyster, que era a mesma coisa que o bilhete único de São Paulo, e carreguei com alguns pounds.
O metrô de Londres é inexplicavelmente limpo e organizado. Há placas em todos os lugares, foi
fácil não me perder. Tinha até mesmo um painel que mostrava em quantos minutos os próximos
trens chegariam. De primeira, achei uma coisa meio inútil, mas logo vi que ajudava bastante na
organização dos horários.

A escola que frequentei fica no centro, então eu tinha que ir da linha cinza, que se chama
Jubilee, até a vermelha, que se chama Central. Foi bem tranquilo, cheguei muito rápido. A parte
mais legal foi andar nas escadas rolantes! Eram inacreditáveis. O metrô de Londres fica bem
fundo no subsolo, e eu chegava a ficar mais de um minuto inteiro nas escadas.

Ao sair da estação, passei meu oyster na catraca de novo, como a Esra me orientara no dia
anterior enquanto voltávamos do mercado. Em Londres, é preciso passar o cartão tanto na
entrada quanto na saída. Não entendi o motivo daquilo, mas não pensei muito a respeito.
A escola fica logo em frente à estação Holborn, e me surpreendi ao ser atendida por uma
recepcionista brasileira. Lá, havia funcionários de diversas partes do mundo.

Na verdade, eu me surpreendi com absolutamente tudo. Essa palavra não saía mais da
minha cabeça. Londres é uma cidade completamente diferente de São Paulo, onde eu morei a
minha vida inteira. As pessoas eram diferentes, as fachadas, as ruas, as rotinas… Tudo era novo,
eu me sentia cada vez mais revigorada com vivências novas, coisa que eu já desejava há muito
tempo.

Achei a escola bem menor do que eu esperava. Vários alunos passavam por todos os lados,
falando inglês com diversos tipos de sotaques ou falando suas línguas maternas. O espaço era um
pouco limitado, mas contava com diversos andares, eu tive que subir vários lances de escadas
para chegar à minha sala. Fui direcionada para a turma pré-avançada, e, para minha vergonha
absoluta, o professor pediu que eu me apresentasse na frente de todos.

Havia um português, uma indiana, um italiano, quatro espanhóis, duas japonesas, um


argeliano e nada mais que três brasileiros na minha sala! A diversidade era impressionante, e,
olhando o rosto de cada um, os traços e a maneira de falar, percebi o quanto o mundo era muito
maior do que se imagina. Até então, eu nunca tinha realmente compreendido a diversidade de
culturas que existem.

— Ei, você é brasileira! Vamos sair hoje? Quer ir a uma festa comigo? — Eu mal me
sentei ao seu lado e o italiano já estava debruçado sobre minha mesa.

— Ah, obrigada. Ainda estou conhecendo a cidade, vamos tentar outro dia. — Tentei
sorrir, me sentindo sem graça. Que audácia!

Por ironia do destino ou não, ele tinha um pouco de molho de tomate na camiseta.

— Você é brasileira! Tem que gostar de festas. Vai ser legal! — Ele levantou os braços e
começou a se esfregar na cadeira ao meu lado, meio que dançando alguma música que devia
estar passando em sua cabeça. — Isabella, não é? Isabella é um nome italiano. Nós vamos nos
dar bem! — Ele piscou para mim, me deixando ainda mais envergonhada.

— Não liga para ele. Ele fala a mesma coisa para todas as garotas que entram na sala —
uma moça de sotaque forte falou do meu outro lado, fazendo minha cabeça girar rapidamente.

— Isso é mentira! — O italiano parou de dançar, colocando as mãos na cintura.

— Não é, não, Lorenzo. E você sabe disso — a moça revidou.

— Aimi, você está sendo ciumenta.


— Não estou, não. Estou apenas dizendo a verdade.

— Não acredito em você. — Lorenzo apertou os olhos, enquanto eu já começava a sentir


dores de tanto brincar de assistir a uma partida de pingue-pongue, girando minha cabeça de um
lado para o outro.

— Olhe, Lorenzo, acho que você devia acreditar — Aimi disse com raiva, se debruçando
em minha mesa também.

Mas, gente… Primeiro dia de aula e eu já estava no meio de uma DR? Internacional ainda
por cima!

— Vocês dois! Vamos prestar atenção? — O professor Michael falou de repente,


silenciando o casal. Movi meus lábios para formar um “thank you” sem voz, e ele deu uma
risadinha, voltando sua atenção aos alunos que estavam tirando dúvidas.

O primeiro dia de aula acabou sendo divertido e mais simples do que eu pensei que seria.
No fim da aula, Aimi me contou que havia ficado com Lorenzo por um tempo, mas as coisas não
acabaram muito bem. Por mais que eu achasse toda aquela situação meio trágica, foi legal ter
alguém para conversar. Ela amava a escola e me garantiu que eu também iria gostar.

As aulas funcionavam como nas escolas de idiomas do Brasil, exceto pelo fato de que o
professor Michael não falava nada em português. Ele era um inglês de cabelo quase preto e
encaracolado, barba por fazer sob um nariz fininho e uma pele clara. É claro que eu já estava
encantada com aquele sotaque maravilhoso. Era um professor muito simpático, o que me fez
gostar dele na hora, mas ele definitivamente não arrancava suspiros de mim como arrancava de
uma aluna da minha sala, que mais babava por ele do que prestava atenção na aula, fazendo
todos rirem e deixando Michael vermelho quase o tempo todo.

O mais curioso era que muitas vezes, durante a aula, assuntos do cotidiano foram
abordados e as opiniões e histórias variavam drasticamente de acordo com a nacionalidade de
cada pessoa. Falamos sobre transporte público e cada um teve uma reação diferente de acordo
com a realidade de seus próprios países.

Minha aula acabou ao meio-dia, e fui para casa almoçar antes de sair explorando minha
mais nova cidade favorita. Dessa vez, voltei de ônibus e não contive o choro ao ver o Big Ben e a
London Eye ao longe. O engraçado de ver pessoalmente coisas diferentes ou pontos turísticos
famosos é que você tem uma sensação surreal, como se fosse acordar a qualquer momento. Nem
parece que é verdade.

A visão do rio Tâmisa é fantástica. Tirei diversas fotos enquanto aproveitava a viagem no
segundo andar do ônibus vermelho. Uma clássica turista. Escutava música em meu iPod, louca
de vontade de poder colocar as mãos para fora do ônibus e fazer aquele movimento de ondas,
como nos clipes de música.

Almocei uma macarronada junto com a Esra, que também estava em casa, e já saí direto
para a Oxford Street. Eu precisava de um chip com internet para poder falar com a minha família
quando estivesse na rua, e a Esra me ajudou, falando sobre a operadora que ela usava, que era
ótima. Além do chip, não resisti e entrei na famosa Primark, uma loja tão barata que não dava
para acreditar, mas me contive e comprei apenas algumas coisinhas. Eu não tinha tanto dinheiro
para ficar esbanjando.

Continuei caminhando pela avenida até chegar ao Hyde Park. Eu nunca havia visto um
parque tão grande em toda minha vida. Era de perder de vista e por pouco não me perdi naquela
imensidão. O clima ainda não estava muito bom para uma ida ao parque, mas foi legal ver a
grama ficando verdinha e as pessoas praticando esportes ou apenas deitadas, conversando.

Voltei para casa bem cansada. Assim que comi e tomei um banho, fui deitar. Londres já
era o melhor lugar do mundo para mim.
Capítulo 5

A semana correu bem, fui adquirindo certa rotina. Escola, voltar para casa, almoçar e
depois explorar. Eu amava conhecer coisas novas, e Londres guardava algo especial em todos os
cantos.

Na terça-feira, fui até a estação Westminster e dei de cara com o Big Ben do outro lado da
rua. Era uma estrutura muito mais bonita do que qualquer foto que o Google mostrava. Ele
irradiava em meio à fria tarde de Londres, e meu coração se aqueceu como se eu tivesse feito
uma descoberta importante. O monumento era lindo, e, assim como eu, outros turistas que se
deparavam com a visão ficavam emocionados. Era inevitável. Ver um dos maiores símbolos de
Londres a apenas alguns metros de distância era, definitivamente, uma experiência inesquecível.

Na quarta-feira, fui até a London Eye e decidi fazer o passeio de meia hora. Por mais que
ela girasse bem lentamente, a visão de Londres era inebriante. Cinza e linda, a cidade dos
sonhos. Ver tudo lá do alto me mostrou que fazer aquele intercâmbio realmente era uma
conquista valiosa.

Na quinta-feira, conheci a Tower Bridge. Eu a atravessei a pé e caminhei pela borda do rio.


Uma parte é composta por diversos degraus, onde as pessoas se deitam ou se sentam para
conversar. Deitei um pouco, me apoiando em minha mochila, e passei o resto da tarde lendo meu
livro e admirando o pôr-do-sol.

Na sexta-feira, por mais que eu quisesse sair pela cidade, decidi fazer as lições e trabalhos
escolares para a semana seguinte, além de finalmente solicitar meu oyster de estudante pela
internet. Seria uma economia nos gastos que cairia muito bem.

— Se você continuar nesse ritmo, vai conhecer Londres inteira nesta semana — Esra disse.
Ela estava me ajudando com o processo do cartão e não pude deixar de concordar com ela por
mais que eu soubesse que ainda restavam mil coisas para ver. — Por que você não relaxa um
pouco e sai comigo e com meus amigos? Nós vamos a um pub hoje à noite e neste fim de
semana vamos viajar para Bath! Quer vir com a gente? Vai ser muito legal. Sem falar que,
conhecendo tudo de uma vez, você está parecendo turista em vez de intercambista.

Concordei mais uma vez, prometendo silenciosamente a mim mesma que iria com mais
calma.

— Hm… Não sei.

Eu sempre fui bastante tímida e meus planos para o fim de semana se resumiam em
ensaiar. Fazia muito tempo que eu não cantava, já estava sentindo falta. Muita falta, aliás. Como
a Li viajaria também, achei uma ótima oportunidade para fazer o barulho que eu quisesse.

— Ah, vamos! A Li vai viajar, então vai ser chato demais ficar aqui sozinha. Vamos?
Vamos? Vamos? — Esra implorou com as mãos juntas em sinal de oração, fazendo beicinho.

— Pare com isso! — Dei risada. — Vamos combinar assim: vamos para o pub hoje, mas,
como eu não vi os custos da viagem com os meus pais, vou ficar aqui este fim de semana, ok?

— Tá bom, né?! Você vai gostar do pessoal, eles são bem legais. — Ela sorriu e olhou para
o relógio. — Caramba, são cinco horas! Eu combinei com o pessoal às seis e meia. Vou me
arrumar. Encontro você aqui em baixo e nós vamos, ok?

Esra subiu correndo sem nem me dar a chance de perguntar onde era o pub e se era ao ar
livre ou não. O inverno estava deixando Londres, mas ainda fazia muito frio, mais do que eu
estava acostumada em São Paulo.

Subi para o meu quarto, tomei um banho e decidi ir bem agasalhada. Escolhi um coturno
preto, calças jeans da mesma cor — com a calça de segunda pele por baixo, é claro — e meu
suéter de lã, além de mais umas duas camisetas por baixo e um cachecol azul-claro. Eu parecia
uma bolinha andando, mas o que eu podia fazer?! O frio era demais.

Fiz uma maquiagem simples e desci para encontrar Esra. Achei que tinha exagerado na
quantidade de roupas, mas vi que ela estava bem parecida comigo, então não liguei.

Esra era uma moça bonita. Tinha sobrancelhas grossas e um olhar intenso. Usava sempre
um delineador com traço mais grossinho e o cabelo geralmente estava em um coque alto com
alguns fios pendendo nas laterais do seu rosto. O nariz era um pouco pontudinho no final e seus
lábios, estreitos. Ela tinha um riso fácil, era difícil não vê-la sorrindo.

— Pronta? Estou louca por uma bebida hoje! — Ela piscou para mim e entrelaçou seu
braço ao meu. Como o pub era perto da nossa casa, nós fomos a pé. — Por que você decidiu
fazer um intercâmbio? — Esra perguntou de repente enquanto me guiava pelo caminho.

— Bom… — Como eu poderia explicar? — Não sei te dizer, na verdade. Sempre foi um
sonho poder morar em outro país e eu sempre tive um carinho especial por Londres. Sempre
achei a cidade linda e mágica, mesmo não a conhecendo. Achei que seria um passo para me
sentir mais livre. A oportunidade era incrível, e eu realmente precisava dar um tempo do Brasil.

— Ah, sim, eu sinto o mesmo. Mas também vim para poder arranjar uma oportunidade de
trabalho melhor na Turquia. Você devia ir para lá um dia, nosso país é lindo e tem uma cultura
bem diferente daqui.

— Meu plano é viajar o mundo, eu achei que fazer um intercâmbio seria o primeiro passo
para isso. Então não se preocupe, a Turquia está na minha listinha!

— Ótimo! E você vai ficar lá em casa! — Ela deu risada, abrindo a porta do pub.

— Fechado. — Eu ri também, começando a me imaginar na Turquia, passeando pelo


Grand Bazaar… Seria como realizar mais um sonho.

Eu ainda não havia ido a nenhum pub, então aquela seria mais uma experiência nova. A
porta era pesada e fez um tilintar quando entramos, atraindo alguns olhares, o que me deixou um
pouco tímida. O bar era todo feito de madeira: cadeiras, bancos, colunas, chão, teto, estante de
bebidas… Tudo mesmo. A iluminação era fraca e dava um ar de intimidade para o local.
Diversas pessoas bem-vestidas estavam conversando tranquilamente, pude perceber pela
aparência e principalmente pelo sotaque que a maioria era inglesa. O pub não ficava no centro ou
perto de alguma atração turística, então provavelmente poucos turistas apareciam por ali.

Senti um cheiro de batatas fritas no ar e meu estômago deu sinal de vida rapidamente. Dei
uma risadinha com o barulho alto, fazendo Esra levantar uma sobrancelha para mim.

— Oi, pessoal! Essa é a Isabella, ela é brasileira — Esra me apresentou e se sentou em uma
mesa em que estavam umas seis ou sete pessoas.

— Prazer, eu sou Alicia, francesa.

— Hans, alemão.

— Katharina, alemã.

— Juan, espanhol.

— Diego, brasileiro.
— Manuel, português.

Dei um oi geral e me sentei ao lado da Esra. Apresentações em intercâmbios eram sempre


formadas pelo nome e pela nacionalidade.

— Ei, Esra, você não tinha me contado que ia trazer uma brasileira — Diego falou
conforme o garçom anotava nossos pedidos. — Finja que eu estou falando mal da Esra — ele
sussurrou para mim em português, dizendo o nome dela mais alto. — Você vai ver, ela vai dar
uma bronca em mim.

— Ei, ei, ei! Apenas inglês na mesa. — Esra deu um chute na perna de Diego por baixo da
mesa, me fazendo ficar morrendo de dó ao vê-lo esfregar a canela e olhar feio para ela.

Juro que tentei disfarçar o máximo que pude a risada, mas não consegui. Mas, pelo menos,
fiz Diego rir do meu esforço.

— E aí, Isabella, há quanto tempo você está em Londres? — O sotaque de Juan era bem
característico. Era quase como se ele falasse espanhol e inglês ao mesmo tempo. Tive que me
esforçar para compreendê-lo de primeira.

— Uma semana. E você?

— Já faz um mês que estamos todos aqui. Abriram uma turma nova para nós assim que
chegamos, já que as datas coincidiram e nosso nível de inglês também. E desde então temos
continuado juntos na mesma escola.

— Que legal! O pessoal da minha sala é legal, mas não vejo ninguém fora do horário de
aula. Acho que são mais reservados ou talvez tenham outros amigos. — Dei de ombros e tomei
um gole no meu drinque de frutas.

Eu não estava a fim de beber muito naquele dia, então pedi qualquer coisa que fosse doce e
com pouco álcool, mas me surpreendi com o sabor. Estava mesmo bem gostoso.

— Com o tempo vocês ficam mais amigos, principalmente se continuarem seguindo para
os próximos níveis de inglês juntos. Não se preocupe. — Alicia sorriu para mim.

A noite seguiu normalmente, acabei me divertindo mais do que imaginei. No final, fui
incluída no grupo que eles tinham para conversar nas redes sociais e já estávamos tirando várias
fotos.

Eram quase dez horas da noite quando decidimos ir embora. Eles viajariam logo cedo pela
manhã e precisavam dormir. Fui ao banheiro depois de pagarmos a conta e quando voltei apenas
Diego estava me esperando, o resto do pessoal já estava lá fora. Quando viram que já estávamos
saindo, começaram a andar, o que fez com que ficássemos um pouco para trás, afastados dos
demais.

— Agora podemos usar nossa querida língua materna sem obter canelas machucadas. —
Diego riu, apontando para Esra com a cabeça. Dei risada.

— É verdade. Ela é meio doidinha, mas fiquei muito feliz de estar dividindo a casa com
ela. Minha outra companheira de casa não é lá muito sociável. Ou legal. Ou simpática. Ou
qualquer coisa agradável. — Ri, sem graça dessa vez.

— Ah, não se preocupe. Todos já passamos por isso. Quando eu cheguei aqui, tinha um
italiano morando comigo. Ele dava em cima de todas as meninas lá da república e era
insuportável — disse, exasperado. — Todos os caras ficavam constrangidos e as meninas
passaram a não frequentar as áreas em comum da casa, sabe? Ficou um clima bem chato. Aí
falamos com o proprietário e o italiano foi gentilmente convidado a se retirar. — Ele deu risada,
e eu fiquei imaginando a cena. — Você vai ver, logo as coisas vão melhorar. — Ele bateu seu
ombro de leve no meu e abriu um sorriso.

Aquela história logo me lembrou do Lorenzo, meu colega de sala atirado. Pelo menos ele
me deixou em paz depois da DR com a Aimi.

Diego era um menino bonito, bem cara de brasileiro, moreno de olhos castanhos. Eu ainda
estava na dúvida em relação ao lugar de onde ele vinha.

— Espero que sim… Uma pergunta: de onde você é? Estou tentando adivinhar, mas seu
sotaque me confunde.

— Ah, vai ter que adivinhar. Você é de São Paulo, com certeza. — Ele acelerou o passo
para me ultrapassar e se posicionou na minha frente, andando de costas. — E aí, eu tenho cara de
quê? — Ele ficou levantando as sobrancelhas repetidamente, me fazendo rir.

— Ah, não sei… Já me passou pela cabeça que você pode ser nordestino, ou carioca, ou…
Ai, meu Deus, pare de andar assim! Que agonia! Parece que vou pisar no seu pé a qualquer
momento. — Meus pés estavam se atropelando sozinhos e por alguns segundos eu achei mesmo
que ia cair de cara no chão. Diego começou a gargalhar ao ver minha reação, e eu comecei a rir
junto com ele. — Paaaare, Diego! — Me segurei nos braços dele e seus músculos ficaram rígidos
automaticamente. — Não acredito! Você está forçando o muque só porque eu peguei nos seus
braços? — Dessa vez quem gargalhou fui eu.

— Mas é claro! Regra número um do manual dos homens! — Ele apontou um dedo para
cima e falou de olhos fechados: — Sempre enrijecer os músculos dos braços quando uma garota
encostar neles.

— Não acredito!

Minha barriga doía de tanto rir e, quando larguei os braços dele, Diego finalmente voltou
para o meu lado, me libertando do meu andar de pata.

— Ei, vocês dois aí! — Esra gritou do outro lado da rua.

— Oi, oi. Não me deixa aqui, não sei onde estou. — Apertei o passo, com Diego logo
atrás.

— Hm… Talvez na rua da sua casa?! — Ela levantou uma sobrancelha para mim e, atrás
dela, lá estava minha nova casa em Londres. Eu devia estar tão distraída que nem percebi que já
tínhamos chegado.

— Caramba… Acho que não reconheci por conta do horário.

— Aham… — Esra abriu um sorriso e começou a se despedir do pessoal, que iria para a
estação de metrô.

— Não se esqueça de adivinhar de onde eu vim — Diego disse enquanto se despedia.

— Ah, vai, Diego, me conta! Eu sou curiosa. — Empurrei o braço dele. Brasileiro é assim:
é só passar algumas horinhas juntos e pronto, parece que se conhecem há anos.

— Não, não. É um motivo ótimo pra gente se ver de novo. — Ele me deu um beijo no
rosto e foi embora com o resto do pessoal.

Virei para entrar em casa, mas vi Esra parada na frente da porta com as mãos na cintura e o
olhar mais presunçoso que eu já tinha visto.

— Nem vem. — Passei por ela e abri a porta.

— Você e o Diego, hein? Hmmm. — Ela começou a rir, me irritando.

Que mania que as pessoas têm de ver coisa onde não há nada. Eu mal conhecia o garoto.

— Tá, tá, tá. Vá dormir, Esra. — Bufei enquanto ela não parava de dizer “Diego, Diego” e
a fazer barulho de beijos. Às vezes, Esra me lembrava meu irmão mais novo, Iago.

Fui direto para a cama e liguei uma música no meu celular. Eu estava morta de cansaço, já
que havia feito vários exercícios durante a tarde, mas não conseguia parar de pensar naquela
noite. Foi incrível viver um momento tão comum com pessoas de lugares tão diferentes.

A Alicia era muito boazinha e os meninos, bem legais, apesar de o Juan ser um péssimo
piadista, daqueles que te fazem rir de tão ruim que é a piada. Só a Katharina me pareceu ser mais
fria, mas concluí que talvez fosse o jeito dela.

Falar sobre política, perspectiva de vida e planos para o futuro, principalmente com
pessoas de outros países, foi uma das experiências mais interessantes que já tive. Crescer em um
país é extremamente diferente de crescer em outro. O ambiente, a cultura e até a língua
influenciam na formação de uma pessoa.

Também foi legal conversar com o Diego. Éramos dois brasileiros com a mesma criação,
mas opiniões diferentes sobre vários assuntos. Me lembrei do momento em que eu quase caí de
cara no chão enquanto ele andava na minha frente e adormeci em meio ao riso.
Capítulo 6

Me permiti acordar um pouco mais tarde no sábado e, assim que abri os olhos, percebi o
quanto a casa estava silenciosa. Decidi ligar para meus pais em uma chamada de vídeo.

— Filha! Bom dia! — minha mãe já atendeu gritando. E lá ainda eram oito horas da
manhã.

— Ei, ei, calma, mãe, bom dia, acabei de acordar. — Comecei a rir, coçando os olhos. — E
ainda é cedo aí! Não vai acordar os vizinhos. Cadê o papai?

— Estou aqui, filha. — Ele deu um tchauzinho de leve, aparecendo na tela. Papai sempre
foi mais tímido que mamãe. — Como você está, filha? Está gostando?

— Sim, pai, obrigada por tudo. Estou amando cada segundo! Já fiz alguns amigos e a
escola é bem legal. Meu professor chama Michael, ele é inglês. O sotaque é incrível, não me
canso de ouvir! Cadê o Igor e o Iago?

— Ainda estão dormindo, Isa. Você está comendo direitinho? Levou o livro de receitas da
sua vó, né? Precisa que a gente mande alguma coisa? — minha mãe falava tão rápido que eu
nem conseguia responder. — Acho que vai sair meio caro o envio, mas a gente dá um jeitinho.
Filha, você quer voltar? Não precisa ficar com vergonha, nós não vamos ficar bravos com você,
é só falar. Em relação ao dinheiro, também não tem problema.

Ao fundo, só dava para ver meu pai balançando a cabeça de um lado para o outro e
dizendo:

— Respire, Iasmin! Respire!

— Mãe, calma… Deixe de ser tão nervosa. Está tudo bem. Não quero voltar de jeito
nenhum! — Comecei a rir, e ela começou a fungar. — Ah, mãe, não chore, vai! — Minha mãe
sempre teve um coração de manteiga.

— Ai, filha, é bom demais ver que você conquistou tudo isso, principalmente depois de
tudo. Tenho muito orgulho de você.

Dessa vez, ela começou a chorar de verdade e passou o celular para o meu pai. Fiquei um
pouquinho emocionada, mas acho que consegui disfarçar. Ouvir meus pais dizendo que estavam
orgulhosos de mim foi provavelmente uma das melhores sensações que senti na minha vida.

— Não ligue para sua mãe, filha, você sabe como ela é emotiva. Agora me conte tudo.
Como foi sua semana?

Fiquei horas conversando com meus pais. Contei sobre os lugares que eu visitei, falei sobre
os amigos da Esra e comentei sobre a Li.

— Filha, não se esqueça de que você está em outro país e está convivendo com pessoas de
culturas totalmente diferentes da sua. Dê um tempo para sua colega de casa, ela só deve ser mais
reservada. Nem todo mundo é igual aos brasileiros, que já chegam nos lugares fazendo festa. —
Minha mãe assoava o nariz entre uma frase e outra.

— Eu sei, mãe. É que é um pouco chato, né? Mas não tem problema. A Esra tem sido uma
amiga bem legal. Ela foi viajar para Bath hoje e me convidou, mas eu decidi ficar em casa.

— Por que você não foi? Devia ter ido! Você tem que conhecer quantos lugares puder por
aí.

— Ah, pai, os gastos não estavam nos meus planos. Quero planejar outra viagem com
calma.

E fomos conversando, até meu estômago gritar de fome — para variar — e finalmente
desligarmos.

No minuto em que deixei o celular de lado, meu coração começou a se apertar. Meus pais
batalharam muito para que eu conquistasse aquela viagem, e eu já sentia muita falta deles…
Acima de qualquer um, eles eram meus melhores amigos, assim como meus irmãos. A famosa
família da letra I. Iasmin e Ícaro se casaram e tiveram os filhos Isabella, Igor e Iago. Só meus
pais para inventarem uma coisa dessas.

Minha família sempre foi muito unida, e eu já sentia saudades dos longos almoços de
sábado, nos quais só saíamos da mesa quando já era hora do jantar e ninguém aguentava mais
comer.
Quando Igor apareceu, mais no fim da conversa, meu coração se apertou um pouquinho
mais. Nós tínhamos apenas dois anos de diferença e éramos muito próximos. Eu sabia que seria
difícil a falta que a família faria, mas tentei me apegar o menos possível a esse sentimento, já que
eu ficaria em Londres por um ano todo.

A saudade é um sentimento um pouquinho perigoso. Eu tinha medo de a qualquer


momento me dar uma vontade incontrolável de voltar para casa, o que faria com que meu sonho
de estar em Londres acabasse mais cedo. Mas decidir realizar a viagem foi difícil e eu não queria
voltar atrás. Eu sabia que teria que ser forte, mesmo que isso exigisse tanto de mim.

Depois de almoçar um pouco de arroz e ovos mexidos — eu nem chegava perto do caderno
de receitas da minha avó, não conseguiria fazer nem um quarto do que estava escrito ali —,
decidi fazer uma pesquisa na internet para encontrar algo legal para fazer. Acabei comprando um
ingresso para assistir Deadpool no cinema. Lembrei que o Igor estava louco para ver esse filme.
Eu queria muito saber como seria ir ao cinema e ver um filme sem legendas. Depois de anos
estudando inglês, seria a hora de comprovar que eu realmente já conseguia entender tudo.

Após o banho, vi o quanto eu estava atrasada. Apesar de já esperar por isso — eu sempre,
sempre, sempre estava atrasada —, praguejei. Eu não queria perder a sessão de jeito nenhum,
muito menos o valor do ingresso! Me arrumei o mais rápido que eu pude, coloquei meus fones
de ouvido e saí correndo.

O local onde eu morava era incrivelmente calmo, era difícil ver um carro passando pelas
ruas. Esra às vezes dizia que era calmo demais, mas eu não ligava. Corri para atravessar a rua. A
estação de metrô era perto da minha casa, mas, como eu estava atrasada, não dava para ir
caminhando tranquilamente.

Quando fui atravessar, olhei para o lado esquerdo da via. Só havia se passado uma semana
desde a minha chegada e eu ainda não estava acostumada com as diferenças entre a Inglaterra e o
Brasil. Ao me dar conta de que em Londres o sentido era contrário, virei a cabeça na direção
oposta e tudo que vi foi um carro já em cima de mim.
Capítulo 7

Estrelas. Pontos de luz por toda parte.

Eu tentava abrir meus olhos, mas eles teimavam em se fechar. Minha cabeça explodia de
dor, e eu simplesmente não conseguia entender o que estava acontecendo. Onde eu estava? Eu
não conseguia me lembrar de nada.

Encostei a mão na cabeça e me ouvi gemer de dor. Minha mão estava úmida e, quando
tentei abrir os olhos novamente, vi vagamente uma mancha vermelha. Seria… sangue?

— Não, não, não! — Escutei a voz de um homem com forte sotaque britânico.

Tentei mover minha cabeça em direção ao som, mas tudo doía demais. Cada movimento
gerava uma explosão de pontinhos de luz, mesmo eu estando de olhos fechados. As estrelinhas
apareciam o tempo todo, ainda mais com meu corpo se sacudindo tanto. Por que eu estava
sacudindo?

— Não, não, não! — o homem continuava a dizer.

Com esforço, tentando ignorar cada estrela que aparecia a cada movimento, olhei para o
lado, soltando outro gemido. O homem continuava a gritar, batendo a mão com força no volante
a cada palavra. Um volante! Então eu estava em um carro.

— Você está bem? — Ele olhou para trás, mas tudo que consegui ver foram seus olhos
brilhando em pânico. Tentei responder, mas não consegui. A dor era insuportável. — Por favor,
por favor — ele dizia, e tudo girava.

Os pontinhos de luz não me deixavam de jeito nenhum. Eu não conseguia formar as


palavras em voz alta. Apertei meus olhos, tentando juntar forças para falar.
— Ah, meu Deus!

Senti o carro parar e, quando olhei novamente para aquele homem que eu não conhecia,
sua cabeça estava apoiada no volante e as mãos agarravam o próprio cabelo com força.

Então tudo ficou preto de novo.

Abri os olhos e não consegui enxergar nada. Eu os apertei com força e, assim que os abri
novamente, minha visão começou a clarear aos poucos. O preto foi sumindo lentamente, dando
lugar a cores de um lugar desconhecido. Tudo parecia um pouco mais lento que o normal. Minha
cabeça latejava, mas doía bem menos do que antes. Era quase um alívio.

Olhei em volta, mas não reconheci nada. A primeira coisa que percebi foi que eu estava
deitada em um sofá. Bem confortável, por sinal. Aquele homem… Será que me deixou ali? Será
que era a casa dele? Aquela definitivamente não era minha casa.

Tentei levantar, sem sucesso. Eu não tinha forças no pulso esquerdo para me erguer, logo
percebi que ele estava enfaixado. O que tinha acontecido mesmo?

À minha frente, havia uma sacada. A janela estava aberta e a cortina branca esvoaçava
levemente com o vento. Fiquei encarando o céu nublado, tentando me lembrar de qualquer coisa,
porém a última coisa da qual me lembrava era de sair apressada para ir a uma sessão de cinema.

Fiquei alguns minutos encarando a imensidão azul, vasculhando minha mente. Nenhuma
lembrança retornou, até que um vento mais forte alcançou meu rosto e, de repente, tudo veio à
tona. O carro. O sangue. A dor. Olhos em pânico.

Olhei para o lado e lá estava ele, o homem do carro, sentado em uma poltrona, me
observando. Os mesmos olhos. A primeira coisa que saiu da minha boca foi um grito, e ele
fechou os olhos com força.

Meu coração batia em um ritmo frenético. Tirando forças do meu medo, me sentei
rapidamente, ficando completamente tonta logo em seguida. Coloquei a mão boa na cabeça com
medo de desmaiar e esperei minha respiração se acalmar. Parei de gritar, sentindo minha
garganta arder.
O homem continuava lá, me encarando sem dizer nada, deixando tudo ainda mais
assustador. Quem era ele? O que fez comigo? Ah, meu Deus. O que foi que ele fez comigo?

Fiquei calada, com medo e confusa. As coisas ainda pareciam um pouco lentas, eu não
conseguia pensar direito. Meu corpo doía demais para eu sair correndo, e eu nem sequer sabia
onde estava.

O silêncio continuou, nós dois não nos movemos um milímetro sequer. Fiquei esperando
que ele dissesse ou fizesse algo, e, após segundos aterrorizantes, ele finalmente abriu os olhos e
disse:

— Você está bem?

Fiquei sem reação. Sua voz estava mais rouca do que eu lembrava e as olheiras, mais
profundas. A melhor parte era nem poder gritar na minha língua materna com o cara responsável
por eu quase ser morta em outro país, já que ele não entenderia metade dos palavrões.

— O que aconteceu? — Meu inglês pareceu mais arrastado que o normal. — Por que eu
estou falando assim? O que você fez comigo?

Ele continuava na mesma posição: sentado com os cotovelos apoiados nas pernas abertas,
as mãos juntas cobrindo a boca.

— Me desculpe. — Sua voz saiu abafada.

Eu não disse nada, e, quando ele fez menção de se aproximar, meu corpo se retraiu, o que o
fez desistir.

— Me diga. O que aconteceu? — perguntei, esperando por uma explicação.

— Eu estava dirigindo, e você apareceu do nada. Eu não tinha te visto na calçada, estava
distraído. Eu tentei parar, mas não consegui a tempo.

— O sangue… O que você fez? Eu preciso ir para um hospital!

A cena do sangue bordô escorrendo em minha mão passou pela minha mente e minha mão
instintivamente voou para o local da batida.

— Não precisa se preocupar com isso. Uma amiga minha que é médica cuidou de você.
Você vai ficar bem. Os remédios estão fazendo efeito.

— Espera. Que horas são?

Olhei pela janela novamente, o céu estava passando do claro ao escuro. Ou do escuro ao
claro?

— São sete horas. — Franzi o cenho. — Sete horas da manhã. Do domingo. Eu… eu te
atropelei ontem por volta do horário do almoço. — A voz dele entregou o quanto ele estava
cansado. — Você sabe quem eu sou?

— Como é que eu… — E, de repente, parei e prestei atenção. Ele finalmente tirou a mão
do rosto, me permitindo observá-lo melhor. Os olhos de cor incomum, o maxilar marcado,
marcas de expressão na testa… Eu o conhecia, mas de onde? Espera. Eu conhecia aquele rosto!
— Thomas… Green? Você é Thomas Green?

Ele ficou em silêncio, e continuei o observando. Ele era um pouco diferente ao vivo. Mais
alto e parecia ser um pouco mais forte também. Seus olhos eram mais leves e ele era mais bonito
com a barba feita.

Thomas Green era um dos integrantes de uma das bandas mais famosas da Inglaterra, a
Bad Reputation.

— Sim, sou eu…

Ai.

Meu.

Deus.

— Eu vou embora.

Pareceu que cada músculo e osso do meu corpo estavam em chamas, me contraí com a dor
aguda e repentina quando me levantei, mas eu não podia ficar ali nem mais um segundo.

— Não, espere! — Ele finalmente se levantou e se aproximou. Devia ser uns vinte
centímetros mais alto que eu e tinha cheiro de algum perfume que já fora usado há algum tempo.
O perfume era sutil, diferente do calor da sua presença tão próxima. Meu corpo de repente
começou a se esquentar, provavelmente porque ele era famoso e várias de suas músicas estavam
em meu iPod. Meu Deus, qual era a chance de um pop star me atropelar em Londres? Fala sério.
— Por favor, espere. Tem alguns paparazzi lá fora. Você não pode sair agora.

— Ah, então quer dizer que tudo bem você quase me matar, mas ninguém pode ficar
sabendo? Não é à toa que dizem que a maioria dos famosos é sem noção — revidei com raiva.

— Eu sei que parece que estou tentando proteger apenas a mim, mas estou tentando
proteger você também. — Os olhos deles pareciam verdadeiros, mas não me deixei enganar.
— Você está de brincadeira comigo? Quase me mata e agora vem dizer que quer me
proteger? Eu vou embora.

Virei em direção à porta e senti sua mão segurar levemente meu braço que não estava
machucado. O calor invadiu minha pele novamente e voltei meu olhar para ele. Sua mão ficou
alguns segundos a mais do que eu esperava e ele se afastou, franzindo o cenho.

— Escute, no minuto em que você sair daqui, diversos paparazzi vão atrás de você.
Perguntarão quem você é, te seguirão, postarão fotos suas em revistas de fofocas… Alguns deles
estão lá embaixo, eu consigo ver pela janela do meu quarto. Fique aqui. Tem comida, e você
pode se recuperar. Minha amiga mora no andar de cima e disse que voltaria para te ver. Por
favor. Será tão desgastante para mim quanto para você — ele praticamente implorou.

Encarei-o por um tempo, e seus olhos continuavam a me mostrar que ele estava sendo
sincero. Sentei novamente no sofá, em posição fetal, tentando ignorar a dor. Ele suspirou,
aliviado, mas, no minuto em que viu a primeira lágrima escorrendo dos meus olhos, ficou
paralisado.

As lágrimas continuaram a cair. Finalmente, tomei consciência de cada dor em meu corpo
e não pude evitar o choro. Comecei a fungar um pouco, tentando entender o que havia
acontecido e sentindo o peso de ter sido atropelada. Eu poderia ter morrido.

Ele agachou na minha frente.

— Eu sinto muito. Eu sinto muito mesmo, do fundo do coração. Eu jamais faria algo do
tipo de propósito. Eu sinto muito e espero que você esteja bem.

— Por que você não me levou para um hospital? — Minha voz saiu embargada, fazendo-o
se retrair.

— Porque lá eles perderiam tempo com fotos e ligando para repórteres. Eu queria que você
ficasse bem, por isso trouxe você para cá. Eu quase nunca uso este apartamento porque estou
sempre fora, então nenhum paparazzo vem até aqui. Alguém deve tê-los avisado de que viemos
para cá. — Fiquei em silêncio novamente. — Eu não tenho palavras para descrever o quanto eu
sinto muito por tudo isso. — Ele voltou para a poltrona, que rangeu de leve ao ser atingida por
seu peso. — Você precisa de alguma coisa?

— Não, obrigada.

Mas, mais uma vez, meu querido estômago me entregou, roncando tão alto que me fez até
sentir vergonha.
— Hm, você quer comer algo? Posso ouvir seu estômago daqui. — Ele deu uma risada
leve, o que me surpreendeu, mas logo voltou a ficar sério.

Thomas Green jamais saía rindo ou sorrindo nas fotos da banda ou dos tabloides, e fui
momentaneamente tomada por um sentimento estranho que não consigo nomear.

— Pode ser, então. Qualquer coisa. — Dei um sorriso tímido, apertando os lábios, e ele
retribuiu da mesma maneira.

Quando ele se levantou, sua camisa subiu brevemente e pude ver os traços de algum
desenho em sua pele. Eu não conseguia me lembrar de tê-lo visto com alguma tatuagem, o que
era estranho. Na verdade, minha dor de cabeça era tanta que eu mal conseguia pensar.

Escutei os barulhos na cozinha e aproveitei o momento sozinha para observar o


apartamento. Era bem menor do que eu imaginei que seria a moradia de alguém tão famoso.
Entre o sofá e a poltrona, havia uma mesa com algumas partituras e um caderno fechado. Ao
lado da poltrona, uma estante de cor escura sustentava livros e CDs. As paredes eram cinza-
claro, provavelmente o apartamento todo devia ser da mesma cor. Aconchegante, porém
inteiramente preto, cinza e branco. A poltrona estampada era o único ponto de cor ali, o contraste
era quase gritante. Ao longo do corredor, era possível ver três portas, todas fechadas.

A curiosidade para ver seu quarto estava me matando, tive que me repreender
mentalmente. Desde quando eu era tão enxerida? Tudo bem, ele era uma celebridade, tinha
dinheiro e fazia turnês mundiais, então acho que é um pouco compreensível. Mas ainda assim!

Thomas Green… Fui atropelada por Thomas Green!

E, pensando bem, ele não pareceu rude ou metido como eu imaginava que seria ou como
metade das pessoas do mundo deviam imaginar também. Era essa a fama dele. Eu sempre fui
muito fã das músicas da Bad Reputation, mas nunca liguei realmente para os cantores. Nunca fui
muito apegada a esse tipo de coisa. Era mais o tipo de pessoa que tietava autores, não cantores ou
atores, apesar de música sempre ter sido uma das coisas mais importantes na minha vida.

Eu era muito fã e tinha muito carinho por cantores que já não estavam entre nós, como
Freddie Mercury e Amy Winehouse. Acho que a saudade deixa outros sentimentos mais fortes.
Os que estavam vivos, porém, eu preferia admirar pelo trabalho que realizavam, não pelo que
eram. Nem eu entendia muito bem como funcionava minha cabeça, mas eu sempre fui assim
mesmo.

— Fiz um sanduíche para você. Tenho alguns iogurtes também. Você quer comer aqui na
cozinha? — Thomas apareceu na sala, secando as mãos com um pano de prato.
Por um tempo, fiquei olhando para seus olhos. Eram fascinantes. Um azul muito claro em
alguns momentos e bastante acinzentado em outros. Eu já vira diversas reportagens e
comentários de tabloides sobre como seus olhos tinham uma cor “fascinantemente incomum” —
esse era o adjetivo que sempre usavam nos títulos — e o quanto eram intensos, atraindo a
atenção de todos. Pela primeira vez, me dei conta de que era possível que os tabloides nem
sempre mentissem. Eles estavam totalmente certos sobre seus olhos. Eram realmente… de tirar o
fôlego.

— Claro. Acho que sim. Quero ver se ainda posso me mexer.

Ao notar minhas caras de dor, ele se abaixou para me ajudar. Como meu pulso esquerdo
estava enfaixado, Thomas me puxou pelo braço direito e pela cintura. Ficamos estranhamente
colados um no outro, seu rosto a apenas alguns centímetros do meu. Eu sentia sua respiração em
minha orelha, e meu coração começou a bater mais rápido, me deixando muito envergonhada.

Ele rapidamente se afastou e me deixou de pé, então fui em direção à cozinha sem esperá-
lo. O cômodo era ainda menor que a sala. Havia um fogão e uma geladeira pequenos, cada um
em um canto do balcão, onde ficava a pia e por cima os armários, todos brancos. A mesa era
daquelas presas à parede que podem ser fechadas para abrir espaço. Era de uma madeira escura,
quase preta. As cores minimalistas eram as mesmas ali.

Sentei, e lá estavam um copo de suco, um sanduíche simples e um iogurte de framboesa.


Meu corpo ainda gritava de dor, mas era possível sentir que o remédio já fazia efeito. A cada
minuto, as pontadas eram menos agudas, ainda que doessem bastante. Ainda bem.

— Você não vai comer nada? — perguntei enquanto me ajeitava na cadeira.

— Não. Agora, não. — Ele se sentou na cadeira oposta, ficando de frente para mim.
Colocou um remédio na minha frente. — É para a dor — justificou, apontando para o frasco.

Comi tudo com gosto, eu estava mesmo morrendo de fome. A última vez que me lembrava
de ter comido alguma coisa fora no horário do almoço do dia anterior, antes de decidir ir ao
cinema, um pouco antes de… tudo acontecer. O sanduíche estava gostoso apesar de eu não ter
reconhecido o recheio. Enquanto terminava o iogurte e tomava o remédio, meu corpo tremia e
percebi que não estava usando meus casacos.

— Onde estão minhas roupas? Obrigada pela comida, aliás.

— Sem problemas. Estão lavando. Estavam um pouco… sujas. — Ele passou a mão na
nuca, sem me olhar nos olhos.
Seus cabelos ligeiramente ondulados lembravam a cor de chocolate amargo, não eram
inteiramente pretos, mas definitivamente não eram marrons. Estava maior do que costumava ser.
Thomas usava uma camiseta e uma camisa xadrez.

— Certo. Você pode me emprestar algo? Um casaco ou um cachecol. Qualquer coisa, na


verdade. Estou com frio.

Me recostei na parede, o cansaço voltando com força.

— Claro. Só um minuto.

Ele retirou a louça da mesa e colocou na pia. Ouvi seus passos se afastando e meus olhos
foram se fechando sem que eu pudesse evitar.

Acordei mais uma vez sem saber onde estava, mas me lembrei mais rapidamente de tudo
que aconteceu. Me levantei em um susto, percebendo que estava sozinha em um quarto que era
extremamente diferente do resto da casa. A cama era macia e a colcha tinha algumas manchas de
esmalte. Será que alguma mulher morava ali?

Ai, meu Deus. Louisa Jhones! A famosa Louisa Jhones era namorada do Thomas. Como
fui me esquecer desse detalhe? Não acreditei que eles moravam ali, na casa em que eu estava,
que não era muito a cara dela, na verdade. Ela sempre pareceu ser do tipo de pessoa que queria
tudo do mais chique. Pelo menos era essa a imagem que ela me passava nas redes sociais. Se
bem que isso me passava pela cabeça quando eu pensava em Thomas também, então talvez meu
senso de opinião não fosse muito certeiro.

Consegui me levantar mais facilmente da cama, já que as dores estavam muito melhores.
Constatei que o quarto era pequeno quando olhei em volta. Havia uma cama de casal e a janela
era mais baixa, com um banco à sua frente, como um espaço de leitura. Era lindo.

Também vi duas cômodas, que provavelmente substituíam um armário, e alguns porta-


retratos. Ao me aproximar, vi algumas fotos de pessoas que não reconheci, já que nunca as tinha
visto na mídia. Concluí que provavelmente eram os pais de Thomas. Em algumas fotos, ele não
devia ter mais que cinco ou seis anos. Estava sempre sorridente, um contraste absurdo em
relação às fotos mais atuais. Me peguei sorrindo sem querer. Parecia que Thomas fora uma
criança feliz, muito diferente de como se mostrava depois de mais velho.

Saí do quarto e, indo em direção à sala, vi Thomas deitado no sofá, onde eu estava antes.
Ele usava apenas uma camiseta, com os braços cruzados e encolhidos. Dormia pesadamente com
um semblante de tensão. O vento vinha um pouco mais forte da janela, então a fechei um pouco,
deixando uma fresta para o vento circular. Ao levantar os braços, percebi que a camisa xadrez
que Thomas usara mais cedo estava em mim. Ela exalava um perfume gostoso, o mesmo cheiro
que senti quando ele me ajudou a levantar.

Cheguei mais perto, temendo acordá-lo. Fiquei apenas o observando. Parecia que o peso da
fama tinha se afastado, e lá estava ele, apenas um rapaz dormindo, como qualquer outra pessoa.
Seu cenho franzia um pouco mais às vezes, devia estar sonhando. Eu não reparei antes, mas
Thomas era bem bonito. Talvez vê-lo em um contexto mais casual tenha tornado sua beleza mais
real, sua presença mais real.

Aproveitei para ver suas tatuagens, que estavam à mostra novamente. Algumas rosas
cruzavam sua cintura, e essa era a única que eu conseguia ver ali. Já os braços tinham várias
imagens espalhadas, como âncoras, uma cruz e alguns desenhos pequenos e aleatórios, como o
yin yang. Eram adoráveis. Imaginei o esforço que ele devia fazer para esconder tudo aquilo, já
que nunca foi relatado que ele tinha tatuagens.

Eu gostava mais de Thomas do que admitia. Desde o começo da banda, ele sempre foi meu
favorito. Eu me achava um pouco parecida com ele por ser o mais reservado, o mais quieto.
Parecia não gostar muito de chamar atenção, assim como eu. Sem falar que ele parecia cantar de
um jeito diferente em relação aos outros meninos.

Quando você canta ou se envolve com música, tende a observar coisas nas quais outras
pessoas não prestam atenção. Às vezes, eu conseguia escutar um timbre diferente ou identificar
uma melodia semelhante à música ou até mesmo distinguir o som de cada instrumento. Essas
eram as observações mais técnicas, mas havia as artísticas também, como a interpretação da letra
ou a emoção passada por meio dela. Era meio louco, mas era muito gostoso, na verdade. Eu
acompanhava a Bad Reputation há alguns anos. Não exatamente desde o começo, mas quase
isso, e sempre percebi uma diferença artística gritante entre Thomas, Peter e Willian.

Encostei em seu ombro levemente, e ele abriu os olhos. Por um minuto, ficou confuso, o
que confesso que me deixou um pouco decepcionada, mas então ele me reconheceu e se
levantou.

— O que foi? Aconteceu alguma coisa?

— Eu preciso ir embora.

— Você se importa em ficar mais um pouco? Tem só mais um cara lá fora. Assim que ele
for embora, eu te levo para casa. — Seus olhos continuavam com um ar de cansaço.

— Mas… Não sei se é uma boa ideia estar aqui quando a Louisa chegar. Não é? — Dei
uma risada mal-humorada.

— Quem? — Ao esfregar os olhos, acabou mostrando mais de suas tatuagens. Um coração


despedaçado ficava na parte interior do braço direito e uma frase a qual não tive tempo de ler, no
esquerdo.

— Hm… Louisa? Sua namorada há dois anos.

Ele parou de repente de coçar os olhos e um sorriso discreto começou a se abrir em seus
lábios.

— Então quer dizer que você me conhece? — Seu sorriso já estava convencido e até suas
sobrancelhas estavam levantadas.

— Ei, mas que cara é essa? Desde quando somos tão íntimos para você ficar me olhando
desse jeito? Você não sabe nem meu nome!

Coloquei as mãos na cintura, meu lado defensivo pronto para atacar. Em um ato instintivo,
comecei a bater o pé repetidamente no chão. Anos sendo impaciente me levaram àquilo. Fazer o
quê?!

Ele revirou os olhos.

— É, eu sei. Eu ia te perguntar, mas quando voltei você estava babando na parede da


minha cozinha.

— Há, há, há! Muito engraçado. Talvez seja porque você me atropelou algumas horas atrás
e eu precisei tomar uns remédios bem fortes.

Todo o humor em seu rosto desapareceu, dando lugar a uma expressão grave.

— Qual é o seu nome? — ele perguntou, sério.

— Meu nome é Isabella.

Ele pegou minhas mãos, fazendo meu corpo se encher de calor mais uma vez. Quantas
vezes mais aquilo aconteceria? Eu já estava me sentindo boba por sentir aquela reação só por ser
tocada por uma pessoa famosa.

Ele se levantou e olhou em meus olhos.


— Eu sinto muito mesmo, Isabella. Por mais que eu estivesse em um momento
complicado, o que aconteceu é injustificável. Sei que continuo sendo repetitivo, mas, se eu
pudesse, te diria para o resto da vida que sinto muito pelo que aconteceu.

Então Thomas me abraçou, me pegando completamente de surpresa. Ele passou seus


braços ao redor do meu corpo delicadamente, e, por um momento, me permiti estar ali. Encostei
minha cabeça em seu peito e pude me livrar de vários sentimentos acumulados. Fazia muito
tempo que eu não sentia um abraço tão significativo. Eu podia mesmo sentir que ele estava
arrependido e acabei me perdendo por alguns segundos naquela conexão. Fazia tanto tempo que
ninguém me abraçava daquela maneira…

Abruptamente, ele se afastou e se sentou novamente, me assustando um pouco. Pisquei


algumas vezes e percebi o quanto aquilo fora estranho, principalmente pelo fato de ele ser uma
das pessoas mais famosas do país e de nos conhecermos há menos de um dia. Me afastei também
e me sentei na poltrona. Ficamos um tempo ali, evitando o olhar um do outro depois daquele
momento embaraçoso.

Depois de um tempo, desisti e, enquanto Thomas continuava a evitar meus olhos, passei
um tempo o encarando. Ele era bem mais bonito pessoalmente. Eu sabia que já tinha chegado
àquela conclusão antes, mas era uma coisa inegável demais para não ser observada
frequentemente.

Olhei para a janela, analisando a paisagem de Londres. A vista era relativamente


privilegiada. Como estávamos mais para o alto, era possível ver grande parte da rua e diversas
casas que se estendiam ao fundo. Apesar do clima frio, fazia um dia quase bonito, com o sol
despontando entre as nuvens em alguns momentos.

Às vezes, quando a ficha caía e eu me dava conta de que realmente estava em Londres, a
sensação era de uma felicidade que quase transbordava. Depois de tantos anos sonhando com
tudo aquilo, eu finalmente estava lá. Fechei os olhos e aproveitei o vento que flutuava
gentilmente da janela em minha direção.

— Já são quase duas horas da tarde. Quer comer alguma coisa? — Thomas quebrou o
silêncio primeiro, sem olhar para mim.

— Para ser sincera, eu adoraria, mas você não acha mesmo que eu deveria ir embora? Não
quero ter que me esconder em algum armário ou algo do tipo.

— Relaxa, a Louisa nunca vem para cá. Além disso, ela está na Alemanha gravando um
comercial ou qualquer coisa do tipo. — Ele balançou a mão com desdém e se levantou, indo em
direção à cozinha. — Eu não tenho muita coisa aqui. Pode ser uma pizza? — A voz dele chegou
até mim abafada, como se estivesse com o rosto dentro do congelador.

— Claro. — Fui até a cozinha e me recostei no batente da porta, observando Thomas


enquanto ele abria a embalagem do alimento congelado. — Eu achava que ela morava com você.

— O que te fez pensar que ela mora comigo?

Ele pegou mais queijo na geladeira para colocar por cima da pizza. Que já vinha com
queijo. Vai entender…

— Bom, vocês namoram há uns dois anos, não é? E eu também vi algumas marcas de
esmaltes no cobertor da cama em que dormi.

Ele parou um momento o que estava fazendo, mas rapidamente se recompôs e continuou.

— Ah, sim. Bom, ela não mora aqui.

Thomas cobriu tudo com cream cheese. Ainda bem que eu também gostava de queijo, pois
ele nem havia se dado ao trabalho de perguntar.

— Sabe, eu sou intolerante à lactose.

— É sério? — Ele largou o cream cheese com tudo e me olhou com olhos arregalados.

— É claro que não, eu tomei iogurte hoje de manhã, lembra? — Contive o riso.

Um sorriso tímido se abriu lentamente em seu rosto.

— Gostei. Você é engraçada.

— Alguém tem que cortar a tensão do momento. — Ele voltou a montar a pizza. — Se
importa se eu perguntar por que ela nunca vem para cá? — Depois de ser atropelada por uma
pessoa famosa que eu não conhecia e de ficar hospedada no apartamento dela, foi difícil saber o
grau da intimidade para fazer perguntas como aquela. Mas arrisquei mesmo assim.

Ele colocou a pizza no forno e se virou para mim, se apoiando na pia.

— Por que quer saber isso?

Dei de ombros.

— Só curiosidade.

— Digamos que… — Ele coçou o queixo. — Nós não nos damos bem o suficiente para
isso.
— Resposta bastante vaga, mas suficientemente satisfatória.

Ele deu risada.

— Acontece que a Louisa não é um assunto do qual eu gosto de falar.

— Entendi. Você não gosta de falar sobre sua própria namorada. Ok. — Dei de ombros, e
ele revirou os olhos. — Do que você gosta de falar, então?

— Você já tem informações demais a meu respeito, então vamos falar sobre você. — Ele
montou a mesa de parede novamente, e nos sentamos como de manhã.

— Sobre mim? Ah, não. Minha vida não é nem de longe tão interessante quanto a sua.

— Ah, vai, dez perguntas.

— Jamais. — Cruzei os braços.

— Cinco.

Bufei.

— Ok, cinco. Mas perguntas específicas, por favor.

— Legal! — Ele se animou. — Qual é a sua cor favorita?

— É sério?

— É claro que é — ele respondeu, indignado.

Dei de ombros.

— Lilás.

— Você é filha única?

— Não. Tenho dois irmãos. Igor tem dezesseis anos e Iago, onze. E meus pais se chamam
Iasmin e Ícaro, caso você também queira saber sabe-se lá por qual motivo.

— Certo. Hm… — Seus olhos estavam vidrados, pensativos. — Quantos anos você tem?

— Dezoito.

Comecei a refletir sobre qual seria sua intenção com tudo aquilo.

— Qual a sua comida favorita?

— Hambúrguer e batata frita. Sua última pergunta, escolha bem. — Sorri, levantando as
sobrancelhas.

— Ok, ok… — Ele ficou alguns segundos em silêncio. — Já sei. Qual é o seu maior
medo? — Todo o humor me deixou, e eu engoli em seco. — Seja sincera.

— Que as coisas sejam como elas costumavam ser. — Ele franziu o cenho. — Eu te disse,
sua vida é muito mais interessante que a minha — completei antes que ele tivesse a chance de
me questionar sobre a última resposta.

— O que te faz pensar que minha vida é tão interessante?

— Ah, fala sério. Você é tão famoso que minha imaginação não deve nem chegar perto de
como são as festas que você deve frequentar e os lugares que você deve conhecer.

— Aposto que você conhece lugares que eu não conheço.

— O Brasil não conta. A maioria dos famosos só vai para lá em grandes eventos ou quando
está em turnê.

— Então quer dizer que você é brasileira?

— Sim. Você achou que eu era o quê?

— Não sei, só achei rude perguntar.

— Por que seria rude?

— Porque seu inglês é péssimo.

— O quê?! — Ele começou a rir. — Como você ousa dizer isso? Estou conversando com
você desde sei lá quando e estamos nos comunicando perfeitamente.

— Ok, é verdade. Mas seu sotaque é horrível.

— Meu sotaque não é horrível. Acontece que você tem o sotaque mais charmoso do
mundo. Não vale.

— Ah, então quer dizer que eu tenho um sotaque charmoso? — Ele se apoiou na mesa,
deixando o rosto e os ombros mais próximos.

— Ah, fala sério. Você sempre tenta encontrar um elogio em qualquer tipo de conversa?
— O forno apitou. — Ah! A pizza está pronta. Vamos comer.

Ele começou a rir e se levantou. Procurei pratos e talheres e espalhei tudo pela mesa
enquanto ele tirava a pizza do forno e a cortava. Eu estava gostando do quanto estávamos nos
dando bem. Parecia que nossa conversa estava bem mais leve do que a que tivemos de manhã.

— Certo. Já sei que o seu nome é Isabella, que é brasileira, tem dezoito anos, gosta de
comer hambúrguer e batata frita, gosta de lilás, tem dois irmãos e uma família estranha na qual
todos os nomes começam com a mesma letra. — Ele notou. — Ah, é claro. Também acha meu
sotaque extremamente charmoso.

— Pare de ser bobo. — Comecei a rir. — E, acredite, não há mais nada que valha a pena
saber.

— Ah! Não se preocupe, eu não acredito nisso. — Ele olhou no fundo dos meus olhos. —
Sei que ainda vamos nos conhecer muito melhor, Isabella.
Capítulo 8

— Até que essa pizza ficou boa. — Fiquei constrangida demais para continuar aquele
assunto.

— Essa é minha especialidade: pizza de queijo com mais queijo. Não existe nada melhor
na vida.

— Só faltaram uns tomates para completar.

Ele ia dar uma mordida, mas parou no caminho.

— Exatamente. Pena que não tinha nenhum aqui em casa. — Ele sorriu e comeu quase
metade da sua fatia de uma vez.

O clima mudava drasticamente de uma hora para outra, me deixando um pouco confusa.

— Falando na sua casa… Estou muito surpresa que você esteja aqui por um dia inteiro sem
que seu celular tenha tocado. Você não é, tipo, um dos astros da maior boy band da atualidade?

— Não sou o tipo de pessoa que está sempre disponível. — Ele deu de ombros.

— Aaaah, então você é aquele tipo de celebridade que se faz de difícil?

— Eu não me faço de difícil. Eu sou difícil. Existe uma diferença bastante significativa
nessas duas coisas.

Comecei a rir.

— Como você é bobo…

— Bobo, não. Difícil. — Ele riu também e serviu mais uma fatia para cada um de nós. —
E, aliás, não sei se eu tenho o direito de pedir alguma coisa, mas, se eu tiver, eu agradeceria
muito se você não me chamasse de celebridade novamente. Eu não gosto dessa palavra.

— E por que isso?

— Quando você diz celebridade, me sinto fútil. Eu sou um cantor. Expresso meus
sentimentos cantando. — Ele abaixou a voz: — Ou mais ou menos isso.

— O que você disse?

— Nada. — E continuou comendo.

— E como é ser uma ce… — Ele me encarou do outro lado da mesa. — Certo, um cantor
de boy band que namora a atriz de um dos seriados mais famosos atualmente? Fala sério, sua
vida é perfeita demais para ser verdade. — Balancei a cabeça em sinal negativo, indignada.
Pensei na quantidade de dinheiro que os dois deveriam ter e no quanto eu e meus pais tivemos
que lutar para eu estar ali.

— Já te disse que não quero falar sobre a Louisa. — O tom áspero repentino dele me feriu
um pouco. — E por que todo mundo acha que nossa vida é tão perfeita? É irritante.

— Como não achar? As viagens, as festas, roupas, restaurantes… Quando foi a última vez
que você olhou para uma etiqueta? Ou se preocupou com uma conta? Caramba, eu e meus pais
passamos quatro anos juntando dinheiro para que eu estivesse aqui.

— Bom, eu nasci aqui.

— Você entendeu — eu disse, irritada, e coloquei meu prato na pia enquanto Thomas
alcançava o terceiro pedaço.

— É cansativo. É esgotante. Viajar é ótimo, mas não é tão bom se você não consegue nem
parar para respirar. Sem falar que na maioria das vezes ficamos presos dentro dos hotéis. Eu
nunca vi a Torre Eiffel pessoalmente, acredite ou não. Eu não consigo me lembrar da última vez
que eu andei na rua, sabia? Sabe como é horrível ter milhares de pessoas especulando sobre a sua
vida, sobre a sua família, falando que você fez ou não fez alguma coisa, que você está ou não
com x pessoa? Alguns fãs também não têm limites e te machucam ou te perseguem. Mesmo que
a intenção deles não seja ruim, é horrível. Sério. — Ele suspirou. — É claro que existe o lado
bom. Os fãs são incríveis em noventa e nove por cento das vezes, te defendem a qualquer custo.
É incrível ter apoio de pessoas que você nem conhece e poder comer a melhor comida e usar as
melhores roupas, mas, ultimamente, na maior parte das vezes os pontos negativos pesam muito
mais que os positivos. — Fiquei calada. Era engraçado o fato de duas pessoas que estavam
dividindo a mesma pizza terem problemas drasticamente diferentes. — Eu te entendo porque já
fui comum como você, mas você nunca foi famosa.

— Não me chame de comum! — Elevei o tom da minha voz, fazendo ele se assutar. — Eu
odeio essa palavra!

— Calma, calma. Estamos só conversando.

— É, tá. — Bufei.

Fui para a sala e me aninhei no sofá. Se ele soubesse metade do significado que aquela
palavra tinha para mim… Thomas apareceu na sala, dizendo:

— Me desculpe se te ofendi. — Ele sentou na mesinha de centro, franzindo o cenho.

— Tá, tudo bem. Eu posso tomar um banho? — disse, me levantando. As dores pareciam
estar voltando depois que fiquei irritada.

— Ah, claro. — Ele encarou o chão. — Vou pegar uma toalha para você — disse,
desaparecendo pelo corredor.

Assim que me levantei, senti o sono chegando novamente. Tomei o remédio enquanto
comíamos a pizza por conta da dor que voltava, mas me esqueci do sono repentino que ele
gerava.

Ele voltou com a toalha e a estendeu para mim.

— É a primeira porta à direita.

Fui até o banheiro e me tranquei lá dentro. Me deparei com uma muda de roupas sobre a
pia, sabendo que ele provavelmente deixara ali para mim. Pelo jeito minhas blusas ainda não
estavam secas, já que as roupas eram dele.

Me permiti tomar um banho longo, eu merecia depois de tudo. Quando a água quente
atingiu meu cabelo, senti um desconforto e levei a mão à cabeça, molhando a faixa que cobria
meu pulso.

Senti algo estranho e percebi que eram pontos. Um tremor percorreu meu corpo. Eu
poderia ter morrido algumas horas antes e estava ali, tomando um simples banho. Ser atropelada
seria uma experiência difícil de esquecer. Por sorte, eu não me lembrava da batida em si.

Lavei meu cabelo e meu corpo com cuidado. Foi ali que vi o estrago. Um hematoma
enorme pintava minha coxa esquerda e vários outros hematomas menores estavam espalhados
pela minha barriga e braços, além de muitos cortes superficiais. Um deles em meu lábio superior.
Foi revigorante sentir a água quente na minha pele, por mais que doesse. O sono estava
realmente chegando com força e decidi desligar o chuveiro antes que dormisse em pé ali mesmo.

Sequei o máximo que pude do meu cabelo na toalha, tentando não arrancar nenhum ponto,
já me perguntando se a tal amiga médica voltaria. Coloquei a samba canção e a camiseta dele e
escovei meus cabelos com um pente que estava em cima da pia. Mesmo depois do vapor, o
banheiro ainda cheirava ao perfume que Thomas usava.

Saí do banheiro com as pálpebras pesadas. Assim que me viu, Thomas ficou constrangido,
mas, ao notar o hematoma na minha perna, ficou desolado.

— Eu usei suas coisas, seu shampoo… — Bocejei. — Vou deitar um pouco no sofá, ok?

— Pode dormir no meu quarto.

— Não, eu…

— É sério. Pode ir lá.

Eu já estava praticamente dormindo, então não resisti mais.

A sensação de deitar no colchão foi quase como um abraço. Só tive tempo de ouvir uma
batida forte antes de apagar.

Acordei com o som de uma voz. Não era minha nem de Thomas.

— Veja, Tom, ela está bem. Não se preocupe.

— Mas…

— Menino, se acalme. Ela está bem.

— Ela tem que estar.

— Por que está tão preocupado? Eu já te disse que está tudo bem.

— Porque sim. — Silêncio. — Porque é importante.

— É importante ou ela é importante? Você acabou de conhecê-la, pelo amor de… Olhe aí.
Está acordando. Oi, querida, como você está?

Abri os olhos e vi que uma senhora de cabelos brancos sorria para mim.
— Estou bem. — Minha cabeça latejava menos, e vi que a senhora terminava de enfaixar
meu pulso. — Foi a senhora que cuidou de mim?

— Isso mesmo, querida. Não se preocupe. Fui médica durante mais da metade da minha
vida em um hospital aqui de Londres. Só parei porque eu não aguentava mais ficar tanto tempo
em pé.

— Certo… — Me sentei na cama. — Obrigada.

— Não foi nada. Agora, deixe-me ver sua cabeça, sim? — Me aproximei dela, que tinha
dedos tão leves que mal pude sentir seu toque. — Você se machucou no acidente? Não me
lembro desse corte na sua boca — a senhora disse a Thomas sem realmente olhar em sua direção.

Olhei para Thomas, que tinha um machucado semelhante ao meu.

— Ah, sim, foi. Bati no volante. Passei um remédio agora, por isso está vermelho. Ela vai
ficar bem? — Ele não olhou em meus olhos ao responder.

A mulher parou o que estava fazendo e colocou a mão na cintura.

— Eu já não falei que vai?

Thomas fez uma careta, impaciente, e pude sentir uma grande intimidade entre os dois.
Não romântica, é claro. Mas quase um carinho entre… avó e neto.

— Você é a avó de Thomas?

— Ah, não, querida, mas somos amigos há muito tempo. Eu moro no andar de cima. —
Ela sorriu. — Tente não mexer nos pontos, ok? Se puder evitar lavar o cabelo por um tempo,
será melhor.

— Ah, ok. Obrigada… hã…

— Pode me chamar de Nana.

— Ah, certo. Obrigada… Nana.

— Seus outros remédios estão com o Thomas. Tchau, querido. — Ela se levantou e
abraçou Thomas, fechando os olhos. Ele suspirou, incomodado, mas a abraçou de volta. Foi uma
cena fofa. — Tchau, querida. — Ela acenou para mim, e os dois foram para a sala.

Fiquei no quarto sem saber o que fazer. Achei que já estava na hora de ir para casa. Eu não
fazia ideia de que horas eram e não falava com a minha família há muito tempo.
Quando ouvi o barulho da porta se fechando, fui atrás de Thomas e o encontrei cutucando
seu machucado na boca.

— Eu tenho certeza de que isso não estava aí quando fui dormir. Sério. — Apertei meus
olhos, desconfiada.

— Claro que estava. Devem ter sido os remédios. — Ele negou.

— Então tá, né?!

— Eu ia assistir a um filme. Está a fim?

— Escute, você está com o meu celular? E minha bolsa? Eu não falo com meus pais desde
ontem e eles já devem estar preocupados — disse, cortando o assunto sobre o filme. Ele
começou a coçar o queixo. — Ih, o que foi? — perguntei, querendo saber qual seria o novo
problema.

— É que… Bom, você vai ver. — Ele sumiu por um momento e, ao voltar, me entregou o
que parecia ser qualquer coisa, menos os meus pertences. Pelo menos era isso o que parecia.
Minha bolsa era branca, mas quase metade dela estava bordô e com alguns rasgos. E meu
celular… total e completamente destruído, com certeza sem possibilidade de reparo. A tela
estava toda rachada e ele estava partido em três pedaços. De repente, comecei a sentir uma raiva
enorme. — Não sei como, mas seus documentos ficaram intactos — Thomas completou, e aquilo
foi a gota d’água.

— Ah, você não sabe como? Você não sabe como? — comecei a gritar furiosamente,
fazendo-o pular no lugar. Até minha garganta doeu por não estar preparada para aquilo. — Você
quase me matou ontem! Você entende isso? Quase me matou! E olha isso. Minha bolsa está
coberta de sangue! O meu sangue, porque eu bati a cabeça no asfalto, porque você me atropelou!
Você entende a gravidade disso? Sabe há quanto tempo eu tinha esse celular e quanto tempo ele
tinha que durar? Eu não tenho dinheiro para comprar outro! Você jogou o dinheiro dos meus pais
no lixo! No lixo! — mal disse, e eu já me arrependia de cada palavra, mas, quando vi a cor do
sangue, senti meu coração pesando.

Aquilo era assustador. Uma pequena parte de mim se surpreendeu ao perceber que eu já
conseguia brigar com alguém em inglês, mas a raiva e até a culpa tomaram de mim qualquer tipo
de mérito que eu pudesse sentir.

— Ei! Não tente jogar a culpa em mim! — ele começou a gritar também. — Você não
estava na faixa de pedestres, não olhou para o lado para ver se vinha algum carro! Você
simplesmente correu para o meio da rua!
Eu sabia daquilo tudo e concordava plenamente, mas ainda assim acabei o acusando.

Nossos rostos ficaram a centímetros um do outro enquanto nos encarávamos com raiva. A
respiração de ambos estava acelerada, e minhas mãos estavam fechadas ao lado do meu corpo
apesar da faixa me atrapalhar um pouco. Ficamos nos encarando em silêncio, evitando falar mais
bobagens, extremamente próximos. Até que nossa respiração se acalmou e o olhar de Thomas
passou de ira para medo, assim como o meu devia ter mudado. O meu, pelo medo de perder a
vida; o dele, talvez pelo medo de acabar com uma.

Para variar, o clima de repente mudou e continuamos nos encarando, sem raiva dessa vez,
mas com a gratidão por nada ter acontecido com nenhum dos dois. Os olhos de Thomas
percorreram todo o meu rosto e quando ele abriu a boca para dizer algo foi interrompido pelo
som de seu celular tocando.

Antes que ele pudesse dizer algo, fui em direção ao banheiro e me tranquei lá. Escorreguei
até o chão, tentando entender cada sentimento que me atravessou naquela sala. Fiquei um tempo
sentada com as mãos na cabeça e os cotovelos apoiados no joelho, sem saber o que dizer ao sair
de lá. Eu queria chorar, mas ao mesmo tempo não conseguia. Só levantei quando senti que estava
calma o suficiente para conversar com ele sobre a situação.

Quando saí do banheiro, encontrei Thomas perto da porta com uma cara séria.

— Suas roupas estão secas. — Ele apontou para a pilha em cima da mesa de centro. —
Está na hora de eu te levar para casa.
Capítulo 9

Quando chegamos ao carro, mais um arrepio subiu pela minha espinha. A parte da frente
estava um pouco amassada e flashes do acidente invadiram minha mente. Mantive a calma e
entrei quieta, assim como ele, que não falou mais nada após dizer que iríamos embora. Seu
silêncio repentino me deixou inquieta. Ele mudou da água para o vinho de uma hora para outra,
sem explicar o motivo.

— Eu moro na Rua Brunswick Quay, número 4. Não sei chegar até lá de carro. Só de
metrô e ônibus — eu disse, minha voz saindo mais baixa do que eu esperava.

Thomas pegou seu celular e rapidamente digitou o endereço em um aplicativo de GPS.


Como ele estava pouco receptivo, aproveitei o trajeto para observar a paisagem. Provavelmente,
aquela seria a única oportunidade que eu teria de estar em um carro em Londres, já que andar de
táxi não cabia no meu orçamento. Tentei puxar conversa algumas vezes, mas eu recebia apenas
respostas monossilábicas, então acabei desistindo.

Passamos pela ponte em frente ao Big Ben. Já estava escuro e ele estava ainda mais bonito.
A paisagem de Londres era realmente digna de cartão postal. Todas as luzes e a possibilidade de
caminhar à beira de um rio tão grande me encantavam. Segui olhando pela janela o caminho
todo, tentando registrar cada detalhe. Eu ainda não estava acostumada com Londres à noite. Paris
podia até ser conhecida como a cidade das luzes, mas Londres devia chegar bem perto. Pelo
menos na minha opinião.

Quando comecei a reconhecer a vizinhança, tentei pensar no que fazer. Pensei se deveria
me despedir ou simplesmente sair do carro. Agradecer? Culpá-lo novamente? Eu não sabia o que
fazer.

Antes que eu pudesse me decidir, ele estacionou e desligou o motor. Ficou com as mãos no
volante, olhando para frente. Parecia que eu nem estava ali.

— Então, eu…

— Seus remédios. — Ele retirou o pacote do bolso do casaco, me interrompendo. — A


Nana anotou de quanto em quanto tempo você deve tomar cada um. — Ele estendeu a sacola
ainda sem olhar para mim. — Preste bastante atenção nos horários. Você precisa tomar todos os
remédios na hora certa para se recuperar completamente.

Segurei, junto com minha bolsa destruída e os restos do meu celular, a sacolinha estendida,
que pareceu ser a última coisa que nos ligaria.

— Para eu poder sair, preciso que você destranque a porta — eu disse com frieza,
devolvendo o mesmo tom que ele usava.

Ele pegou meu braço sem ser bruto, porém firme, e olhou no fundo dos meus olhos.

— Isabella. Fique bem, ok? — Depois de alguns segundos me encarando com seus olhos
enigmáticos e brilhantes, ele soltou meu braço e destrancou o carro.

Antes de fechar a porta, me inclinei para dentro.

— Obrigada pela ajuda depois de… depois de tudo.

Ele voltou a olhar para frente e não me olhou mais nos olhos. Deu um leve aceno com a
cabeça quando terminei de falar. Fechei a porta e fui em direção à minha casa. Percebi que a
chave sobreviveu a tudo. Quando me virei, o carro não estava mais lá.
Capítulo 10

Por sorte, nenhuma das meninas estava em casa e não precisei esconder nenhum
machucado de ninguém. Me joguei na cama, cansada. Se eu quisesse viver em paz,
definitivamente teria que apagar aquele fim de semana da minha mente.

Ter conhecido Thomas, dormido na casa dele, ter comido a comida que ele preparou e ter
usado suas roupas fez com que eu me sentisse íntima de uma pessoa que eu provavelmente nunca
mais veria. Sem falar que ele era uma das pessoas mais famosas do mundo. E ainda havia a
sensação de que já nos conhecíamos, que não passava de jeito nenhum. Tudo aquilo era muito
estranho, minha cabeça girava sem parar. Em toda minha vida, eu tinha namorado apenas um
garoto, e ainda assim poderia dizer que nunca me senti tão próxima de alguém. Acho que o
choque da maneira como nos conhecemos abalou a ambos.

Era estranho imaginar que eu passara quase o fim de semana inteiro com ele e, de repente,
sem mais nem menos, voltei para minha casa sem o rapaz brincalhão que ele mostrou ser pelo
menos em alguns momentos. Se bem que ele agira de tantas maneiras diferentes comigo que eu
não conseguia chegar à conclusão alguma.

Peguei os remédios e as anotações de Nana. Sua letra era a cara dela! Eu sempre acreditei
que a letra de uma pessoa pode dizer bastante sobre ela, e a de Nana comprovava isso. Era uma
letra cuidadosa e simpática, assim como ela. Me perguntei como seria a letra de Thomas. Eu
nunca fiz um curso para compreender a escrita das pessoas, mas sempre interpretei
personalidades partindo de detalhes, como a letra, a maneira de tratar uma pessoa com cargo
inferior ao seu, o fato de jogar o lixo no chão ou não, e por aí vai… Aprendi com o tempo que a
maneira como as pessoas agem quando acham que não estão sendo observadas é o que mostra
quem elas realmente são.
Olhei para as cartelas de remédios em minha mão e fiquei contente por acabar sendo
atendida por uma pessoa tão capacitada. Só de pensar em explicar a um médico inglês o que
aconteceu e o que estava doendo ou não me fez estremecer. Eu ainda estava preocupada,
principalmente porque eu bati minha cabeça, mas decidi ficar calma e confiar em Nana.

O bilhete dela foi bastante explicativo, havia ali mais remédios do que eu gostaria de
tomar, mas decidi seguir à risca. As dores que eu sentia quando acordei no carro de Thomas
naquele dia eram insuportáveis demais, eu não correria o risco de sentir aquilo novamente.

Em sua anotação, Nana disse que, por mais que não parecesse, a batida não foi tão feia, eu
é que caí de uma maneira ruim. Ela ainda disse que eu tive sorte por Thomas ter conseguido frear
pelo menos um pouco, o que fez com que eu me sentisse ainda mais culpada por tudo o que eu
gritara na cara dele. Afinal, eu tinha grande parte da culpa ali, se não toda.

Pensei em ligar ou mandar uma mensagem pedindo desculpas, mas percebei que não
tínhamos nenhum meio de comunicação possível, a não ser que eu comentasse suas fotos nas
redes sociais junto com suas fãs, o que seria ridículo. Ele jamais encontraria meu comentário e
seria impessoal demais. Sem falar que eu jamais saberia caso ele visse minha mensagem. Pela
maneira fria com que se despediu, era provável que nem se desse ao trabalho de me responder. E
meu celular estava completamente destruído!

Liguei o laptop e encontrei várias mensagens preocupadas da minha família. Expliquei que
estava tudo bem e que meu celular estava quebrado. Eles sabiam que ele já era antigo, então,
para minha sorte, não pediram nenhuma explicação. Omiti o acidente. Minha mãe com certeza
me faria voltar para o Brasil no minuto em que descobrisse. Eu tinha seguro viagem e, por ser
maior de idade, poderia marcar uma consulta em alguma clínica só para ter certeza de que estava
tudo bem.

Já eram onze horas da noite e o cansaço estava retornando. Entrei no site da seguradora,
marquei a consulta para o dia seguinte e fui para a cama decidida a esquecer a história com
Thomas. Fingir que nada aconteceu seria mesmo a melhor coisa a se fazer. Mesmo porque eu
não tinha nenhuma opção.

Adormeci e sonhei com paisagens londrinas, ora em tons de azul-claro, ora em tons
acinzentados.
Acordei com uma mão me chacoalhando.

— Isabella! Isabeeeeeellaaaaa! Acorde! — Abri os olhos, assustada, e lá estava Esra, me


encarando.

— Que horas são? — Minha voz saiu sonolenta e rouca.

— Seis horas da manhã. Acorde! Tenho mil coisas para te contar.

Me sentei na cama, esfregando os olhos e me perguntando o que seria suficientemente


interessante para uma pessoa querer contar às seis horas da manhã.

Seis.

Horas.

Da.

Manhã.

— O Diego falou de você a viagem inteira. Do começo ao fim! — Ela quase pulava na
minha cama de tanta excitação.

— Quem?

Eu e meus olhos estávamos em uma batalha. Eu queria abri-los, mas eles insistiam em se
fechar sozinhos. Me lembrei de Thomas quando eu o acordei em seu apartamento, mas logo
afastei aquela imagem da minha mente.

— Ah, meu Deus, coitado. O menino falou de você a viagem toda e você nem se lembra
dele!

— O quê? Mas é claro que me lembro dele. Esra, você tem noção de que horas são?

— Eu sei, eu sei, eu acabei de chegar. Mas você não tem aula daqui a pouco?

Pisquei algumas vezes. Me esqueci completamente de uma coisa tão comum como ir à aula
depois daquele fim de semana conturbado.

— Ah, sim, é verdade. Que bom que você me acordou então, meu celular quebrou.

— Sério? Que chato. Compre um despertador no mercado. Mas você precisava ver, ele
perguntou por que você não foi, quantos anos você tem e mais um milhão de coisas. Sabe quem
ficou bem brava? A Katharina! — ela não parava de falar e sacodia toda a cama ao rir. Enquanto
isso, eu já fazia progresso ao conseguir abrir o olho direito, mas o esquerdo continuava teimando.
— Isabella, abra logo esses olhos! Você está ouvindo o que eu estou falando? Tudo indica que a
Katharina está a fim do Diego, que está a fim de você. Ai, ai, as coisas vão começar a ficar mais
interessantes a partir de agora. — Ela pulou, triunfante.

Era doida mesmo.

— Mas eu só vi o garoto uma vez! Que loucura é essa?

— Não sei, os brasileiros não são assim? Cheios de calor? — Fiquei encarando Esra com a
minha melhor cara de bunda. — Ok, ok, você entendeu. Ué, ele gostou de você. E já sabemos
que é recíproco, certo? — Ela deu uma piscadinha.

— O quê? De onde você tirou isso?

— Ah, eu ouvi aquela sua risadinha quando chegamos ao pub e você o viu. Não adianta
esconder. — Ela veio tentar fazer cócegas na minha barriga, mas eu afastei os braços dela,
confusa.

— Risadinha? — E então me lembrei. — Ah, não acredito. Não é isso! Eu dei aquela
risada porque estava com fome e meu estômago fez um barulho muito alto. Você não deve ter
ouvido por causa do barulho do pub, mas meu estômago sempre faz esses barulhos.

— Ah, mas que menti… — E como se fosse um sinal do além, meu estômago fez o maior
barulhão, e eu comecei a rir.

Eu não comia nada desde aquela pizza e estava morrendo de fome. A expressão “salva pelo
gongo” nunca fez tanto sentido.

— Ai. Isabella, coitado do Diego. — Ela assumiu uma expressão muito triste.

— Ah, mas eu nem falei nada para ele. Nós só conversamos e pronto. Nem sequer tocamos
nesse tipo de assunto, na verdade. Então vai ficar tudo bem, logo ele se encanta com outra
intercambista. — Balancei a mão, como se deixasse para lá.

— Então… — Esra coçou a testa. — Pode ser que eu tenha dito que você estava meio a
fim dele também. — Ela me olhou de soslaio.

— O quê?! Por que você fez isso? — Era só o que me faltava!

— Ué, porque eu achei que era verdade!

— Ai, Esra… Você fez a confusão, você conserta! — Bufei, irritada.

— Mas você mal o conhece! Por que não dá uma chance?


— Esra, eu cheguei faz uma semana. Não quero me preocupar com essas coisas, ok?
Somos só amigos. Se isso mudar, deixe que as coisas aconteçam naturalmente. Mas duvido
bastante que isso aconteça. Bastante mesmo!

— Tááá! — ela respondeu com má vontade. — Vou falar com ele mais tarde. — Ela se
levantou e foi em direção à porta. — Mas saiba que vocês ficam lindo juntos! — Começou a rir.

Ameacei jogar meu travesseiro nela, e ela saiu correndo. Caí de costas na cama. Há coisas
na vida que não dá para entender…

Continuei tomando os remédios conforme as recomendações de Nana, e estava sendo


difícil lidar com o sono. Mal consegui assistir à aula. Fui para casa e fiquei por lá, pois me sentia
cansada o tempo todo.

Minha segunda-feira foi basicamente dividida em três coisas: a consulta médica — na qual
o médico confirmou que eu estava bem e me recuperando no ritmo certo —, dormir e pensar em
Thomas. Ou tentar não pensar em Thomas, o que me fazia pensar mais ainda.

Complicado.

E o que mais me intrigava era o motivo que me fazia pensar tanto nele. O acidente era tão
surreal que às vezes parecia não ter acontecido — apesar dos pontos e do hematoma de mais de
dez centímetros me lembrarem de que aconteceu, sim.

Comecei a mexer nas redes sociais pelo computador para me distrair, mas, quando percebi,
eu estava no perfil dele, observando suas fotos. Ele postou uma foto da paisagem de Londres no
domingo. Era o mesmo local pelo qual passamos de carro, a ponte que passava pelo Big Ben. O
cenário era realmente incrível. Na legenda, apenas um desenho de balãozinho de pensamento.
Pensei em comentar algo, mas, ao ver quase cem mil comentários, desisti. Apenas curti a foto e
fechei o site. Sem um celular, era mais difícil mexer naquele tipo de rede social e bem menos
divertido também.

Estava prestes a desligar o laptop quando recebi uma chamada de vídeo das minhas
amigas. Os primeiros minutos foram só gritaria, depois finalmente conseguimos conversar. Era o
primeiro dia de aula na faculdade das três. Elas não faziam o mesmo curso, mas eram áreas
relacionadas.

Escolheram a mesma faculdade e o mesmo campus de propósito para continuarem juntas.


Amanda escolheu Fisioterapia; Lorena, Psicologia e Angélica, Nutrição. Eu ainda não fazia ideia
do que queria fazer na faculdade, mas sabia que não seria nada relacionado à área de saúde,
como elas escolheram. Eu sempre fui uma pessoa mais de humanas que de biológicas. Eu
pensava principalmente em cursos que explorassem mais o lado artístico do aluno: Música,
Letras, Rádio e TV, Cinema… Isso tudo me passava pela cabeça, mas eu nunca tive certeza de
nada. O intercâmbio caiu como uma luva, pois foi minha chance de adiar por um tempo aquela
decisão.

Elas começaram a falar sobre o campus e o quanto ele era enorme, como as pessoas eram
legais, como era tudo diferente, e, de repente, acabei me sentindo atrasada. Apesar de ter sido a
única que decidiu fazer algo diferente entre as quatro, pareceu que errei em optar pela viagem,
como se todos tivessem ido para a próxima etapa e eu não. Era como parar no tempo sozinha e
ficar vendo as pessoas em volta seguindo a vida. Tentei não pensar nisso, apesar de ter sido
atingida com força por aquele sentimento de tristeza.

Eu era a mais quieta das quatro, então a conversa inteira podia ser resumida nas três
falando e respondendo as próprias perguntas. Pensei em contar sobre meu final de semana, mas
algum instinto me disse que era melhor não. A Angélica e a Amanda eram muito fãs da Bad
Reputation e com certeza não seria uma boa ideia contar que conheci um deles.

Quando desligamos, percebi que eu sabia praticamente tudo sobre o primeiro dia delas na
faculdade, enquanto elas apenas sabiam que em Londres estava frio. Foi a única pergunta que
tive a chance de responder. Sempre foi assim no nosso grupo. Eu escutava, e elas falavam.
Sempre fui boa em ouvir as pessoas, minha mãe costumava dizer que quem deveria fazer
Psicologia era eu, e não a Lorena. Mas eu sofria muito com os problemas dos outros e, se algum
dia essa ideia passou pela minha mente, ela logo foi embora.

A indiferença delas me machucou um pouco. Elas me apoiaram na decisão de fazer o


intercâmbio e naquele momento mal falaram comigo. Achei melhor deixar tudo pra lá. Minha
cabeça pesava e eu queria esvaziar a mente.

Naquela noite, demorei um pouco mais para dormir e, como eu já esperava, sonhei com um
garoto tatuado que não lembrava quem eu era.
Capítulo 11

Por sorte, acordei cedo na terça-feira, já que me esqueci completamente de comprar um


despertador, conforme recomendado por Esra. Era horrível ficar sem celular, me perguntei como
as pessoas conseguiam viver sem o aparelhinho antigamente.

Quando eu estava me arrumando, percebi o quanto a música me fazia falta. Thomas nem
percebeu, mas meu iPod também estava destruído. Eu o encontrei no fundo da bolsa,
completamente amassado.

Depois de sonhar a noite toda com Thomas, eu meio que desisti de me policiar. Me
convenci de que esqueceria aquela história toda com o tempo. Ainda era engraçado pensar que,
depois de anos escutando sua voz pelo fone de ouvido, pude ouvi-la pessoalmente. Pena que não
tive a chance de ouvi-lo cantar também. Devia ser incrível, ele era muito talentoso.

Esra não voltou para casa no dia anterior, me fazendo perceber que ela já fazia uma falta
imensa. Já Li acordou tão cedo quanto eu e colocou uma música para tocar em volume bem alto.
Eu aproveitei para matar um pouquinho a saudade. Li era muito fã da Bad Reputation, e por
várias vezes me peguei parada, prestando atenção dobrada nas partes em que Thomas cantava,
mas logo balançava a cabeça e retomava o que eu estava fazendo. Eu ia acabar me atrasando se
não parasse com aquela bobeira.

Eu estava descendo para o café da manhã e vi pela porta aberta de seu quarto que Li estava
malhando. Mais precisamente fazendo abdominais. Haja coragem.

Quando eu estava prestes a sair, ouvi os passos apressados de Li descendo as escadas. Ela
esbarrou em mim e saiu para correr, batendo a porta na minha cara. O hematoma em minha perna
gritou, e fiquei alguns segundos de olhos fechados, tentando não chorar. Qualquer toque nele me
dava vontade de gritar.
Nada como começar um dia com dor e convivendo com uma pessoa tão simpática, não é
mesmo?

Assim que tranquei a porta, um homem de terno, gravata e óculos escuros desceu de um
carro que estava parado na minha rua e veio em minha direção. Pensei em ir embora, já que não
o conhecia, mas era visível que estava indo até mim. Carregava um pacote discreto nas mãos, o
que me deixou ainda mais nervosa.

— Isabella? — Ele era alto, grande e tinha ombros largos. Se parecia muito com o Cobra
Bubbles, personagem do filme Lilo & Stitch. Até o brinco na orelha era igual!

— Sim, sou eu. — Eu já estava me acostumando a falar apenas em inglês por lá, então a
fala saiu naturalmente.

— Thomas mandou lhe entregar. Pedimos sigilo absoluto. — Ele depositou o pequeno
pacote em minhas mãos e foi embora sem dizer mais nada.

O pacote era pequeno e leve, retangular. Tentei pensar no que eu poderia ter esquecido em
seu apartamento, mas nada me veio à mente. Se Thomas precisava me entregar algo, por que não
foi pessoalmente?

Decidi ir para a escola de ônibus em vez de metrô. O caminho era mais demorado, mas eu
estava com tempo. Sem falar que a paisagem valia bem mais a pena. Assim que me acomodei no
andar superior em um lugar bem na frente com visão privilegiada, abri o pacote e me deparei
com um celular de última geração novinho em folha, o que me deixou sem reação. Aquele
celular era muito caro, eu jamais poderia comprá-lo.

Ele já estava ligado e completo, com diversos aplicativos. E havia uma mensagem:

Passei as duas metades da aula tentando decidir se eu responderia àquela mensagem.


Decidindo se eu aceitaria o celular, inclusive. Quando eu estava finalmente convencida de
esquecê-lo, assim como aquele fim de semana, ele apareceu com essa.

Homens. Bagunçam sua vida de um jeito que você nem sabe que é possível.

Voltei para casa e comecei a preparar meu almoço. Eu ficava o tempo todo olhando para o
celular, esperando sabe-se lá o que, e meu arroz quase queimou. Eu já não era boa cozinheira;
quando estava distraída, então…

Estava servindo minha bebida quando o aparelho vibrou. O copo virou e todo o
refrigerante foi parar no chão. Saí correndo para limpar tudo o mais rápido possível. Por sorte, o
líquido não atingiu o celular novinho. Só podia ser Thomas, ele era o único que tinha aquele

número.

Dessa vez eu, não consegui resistir.


Depois de cinco minutos sem obter uma resposta, deixei para lá. Almocei e lavei a louça
toda, o tempo todo tentando entender o que estava acontecendo. Da última vez que eu o vi, ele
mal olhou em meu rosto, e de repente me deu um presente e me mandou mensagens como se
fôssemos amigos desde sempre.

Fui para o meu quarto deitar e aproveitei para mexer em algumas redes sociais enquanto eu
ainda tinha o celular comigo. Entrei no perfil de Thomas e vi que ele estava realmente em
Amsterdam, então decidi entrar no perfil dos outros integrantes da banda. Eles eram
completamente diferentes do Thomas. Postavam fotos sorrindo, juntos… Pareciam muito mais
alegres. O perfil de Thomas era melancólico.

Peter era ruivo e tinha olhos esverdeados. Vivia com uma barba por fazer e na maior parte
das fotos estava sem camisa, tentando expor o corpo que tinha, acreditava eu. Era
definitivamente o mais musculoso entre os três.

Já Willian era loiro de olhos verdes-escuros. Era o mais alto dos três e o que parecia ser
mais simpático. Ao contrário do sorriso malicioso que Peter costumava usar, Willian sorria
gentilmente. Ele era bem fofo, na verdade. E era muito apaixonado por sua namorada, Abigail.
Metade das fotos eram declarações de amor para ela, para os fãs e para a família e amigos.

De qualquer maneira, Thomas ainda era o mais bonito, apesar de nunca sorrir. Ele era
misterioso, intenso. Parecia carregar consigo um peso, como se tivesse que lidar com os horrores
da vida e ainda assim parecer forte. Lembrava o titã Atlas da mitologia grega. Não que ele fosse
mau, mas parecia ter que sustentar o céu nos ombros.

O telefone começou a tocar de repente, logo identifiquei o número de Thomas. Fiquei um


tempo olhando para a tela, rindo um pouco ao ver que era Thomas Green me ligando, e atendi no
terceiro toque.

— Alô.

— Pensei que não fosse me atender. Por que você não vai ficar com o celular?

— Ele é muito caro. Não posso aceitar um presente como este. Eu jamais teria como
retribuir.

— Ah, fala sério, Isabella. Não acha que é o mínimo que eu devo a você depois de tudo
que aconteceu? — Permaneci em silêncio, não sabia o que dizer. — Viu? Você concorda
comigo.

— Não é que eu concordo. Não acho que você tenha que me dar um celular. Mas acho que
você deveria ter me ajudado, coisa que você já fez enquanto eu estive no seu apartamento. Só
acho que você poderia ter sido mais gentil no final.

Dessa vez, foi ele que ficou mudo. Eu estava prestes a perguntar se ele ainda estava na
linha quando finalmente falou:

— Você vai ficar com o celular.

— Não vou.

— Sim, você vai. Se me devolver, vou jogar no lixo.

— Mas…

— É sério.

— Ai, tá! Você é muito chato, nossa… — Ele começou a rir, e eu também.

— Então, você gostou?

— Ah, é claro que gostei! Eu jamais poderia comprar um celular como este. Obrigada,
sério. Você realmente não precisava ter me dado nada.

— Não se preocupe quanto a isso, ainda te devo muitas coisas. — Ele deu uma risadinha,
como se estivesse compartilhando uma piada interna que só ele conhecia.

— Como foi a gravação do clipe? É alguma música nova?

— Na verdade, não. Estamos gravando o clipe de My Lullaby.

— Ai, meu Deus! Eu amo essa música! — disse, me arrependendo na hora por demonstrar
minha reação exagerada. — Quer dizer, ela é legal.

— Eu sabia que você era fã da minha banda. — Ele gargalhou, e eu queria morrer um
pouquinho mais a cada risada que ele dava. — Tinha certeza!

— Eu não gosto tanto assim, tá? Não exagere.

— Eu percebi. — Ele continuava rindo, o que me fez bufar. — Por acaso, a letra dessa
música é minha.

— Sério? — Fiquei encantada. — A letra é linda. Seu trabalho é incrível — admiti.

— Obrigado. — Era possível ouvir o sorriso em sua voz. Não parecia ser um sorriso de
humor, era algo diferente, mas eu não soube dizer o quê.

— E como foi seu dia, minha cara amiga Isabella? — ele disse todo pomposo.

— Quem vê pensa que você e eu compartilhamos o último chá das cinco — eu o provoquei
pelo uso exagerado do seu sotaque. — Então nós somos amigos? — Levantei as sobrancelhas.

— Temos que definir nossa relação de alguma maneira, certo? — Por algum motivo, um
arrepio percorreu meu corpo ao ouvir essa frase. — Você quer chamar como? — Meu coração
começou a acelerar. O que estava acontecendo comigo?

— Ah, não sei. É meio difícil definir…

— Bom, amigos, então. Por enquanto. — Meu coração se acelerou mais ainda, mas fingi
que não ouvi a última parte. — Então, Isabella, como foi o…

— Isa! Vamos, vamos, vamos, saia dessa cama, largue esse telefone, vamos sair! — Com
um rompante, Diego entrou no meu quarto falando em inglês, com Esra e Katharina em seu
encalço.

— Ai, meu Deus, Diego, ainda bem que eu não estava pelada, né?! — Diego ficou
vermelho, fazendo Esra tentar sem sucesso nenhum esconder a risada e deixando Katharina com
uma cara cada vez mais mal-humorada.
— Quem é Diego? — Quase me esqueci que estava na linha com Thomas, que de repente
se mostrou extremamente seco.

— Meus amigos estão aqui — respondi.

— Com quem você está falando? — Esra perguntou enquanto Diego passava lentamente
do roxo para o vermelho, e então para o rosa.

— Não diga a eles que sou eu! De jeito nenhum! — Thomas me lançou um sussurro
gritado, me fazendo franzir o cenho rapidamente. Vi que Katharina percebeu meu incômodo.
Droga!

— Uma… amiga da escola. Ela não foi hoje para a aula e queria saber se temos que fazer
algo para amanhã.

— E você está de celular novo? Uau! — Esra abriu um sorriso enorme.

— Ah, sim. Eu… fui a uma loja hoje e… estava rolando um sorteio de um celular e eu
ganhei! — Abri um sorriso, o mais verdadeiro que pude.

— Ah é? E qual é o nome da loja? — Katharina cruzou os braços.

Aquela conversa de dois planos estava me dando dor de cabeça.

— Ah… não lembro. Eu não conhecia a loja, entrei por acaso.

— Meu Deus, você é péssima mentindo — Thomas falou com um pouco de nojo na voz.

— Obrigada por isso — respondi a Thomas, tentando disfarçar minha irritação.

— Uau, você é realmente sortuda, não é? — Katharina me lançava um olhar desafiador.

— Tchau — Thomas disse de repente e desligou, me deixando desconcertada.

— Isso, é só o texto mesmo. — Fingi que ele ainda estava na linha, ou ela, já que deveria
ser uma amiga da escola. Minha nossa, que confusão! — Qualquer coisa me avise, então. Tchau,
até amanhã. — Fingi desligar o telefone e olhei para Diego, cujo tom da pele já estava apenas
levemente rosado.

— Então, vamos indo? Nós vamos à loja dos M&M’s na Leicester Square — Esra falou,
tentando melhorar o clima.

— Vamos! Eu queria muito ir lá.

E queria mesmo. Uma loja todinha de M&M’s? Ai, meu coração. E ai meu dinheiro
também.

— Então, vamos! — Esra desceu as escadas, seguida por Katharina e Diego, que ainda não
conseguia me olhar nos olhos.

Mandei uma mensagem para Thomas:

Mas ele não respondeu.

A loja oficial do chocolate M&M’s é diferente de qualquer expectativa que eu tive sobre
ela. Tem três andares e o cheiro de chocolate é quase insuportável de tão bom. É possível senti-lo
de fora da loja de tão forte que é!

Eles vendiam de tudo. Desde roupas até, é claro, muito chocolate. Muito mesmo. Tinha
brinquedos, pijamas, bolsas… A loja é mesmo incrível! Além de ser toda temática e ter vários
pontos legais para tirar fotos, vi estátuas dos personagens da marca espalhadas pela loja, cada um
com uma roupa diferente. Enchi meu celular novo de fotografias.

Fiquei maravilhada com uma máquina na qual é possível fazer uma combinação com as
cores dos M&M’s, e também uma parede com diversos tubos com todas as cores existentes do
chocolate. Além da opção de amendoim, que eu também gosto muito. Concluí que o lugar
parecia ter saído de um filme infantil.

Katharina e Esra compraram uma quantidade absurda de chocolate. Eu peguei bem


pouquinho, pois não podia me dar ao luxo de gastar com aquele tipo de coisa, e Diego pegou um
pouco mais.

— Chocolate com amendoim? Sério? — Diego olhou para mim rindo, fazendo cara de
nojo. Esra e Katharina estavam dando uma olhada nos pijamas.

— Você não come amendoim? Seu estranho! Este é o melhor chocolate de todos. Eu amo.

— Está mais para alergia, na verdade. — Ele encolheu os ombros. Me senti mal na hora.

— Ah, eu não sabia, me desculpe. — Encolhi os ombros também, envergonhada, e ele


começou a rir.

— Relaxa, estou brincando com você! — Ele sacudiu a cabeça, e eu soltei uma risada sem
graça. — E aí, já sabe de que estado eu sou?

— Seu bobo. — Fiz uma careta para ele. — Sei, sim. Rio de Janeiro.

— Hm… E como você chegou a essa conclusão?

— Encontramos um amigo brasileiro da sua sala e você o chamou de brother. Isso é coisa
de carioca.

— Ah, assim não vale.

— Então eu errei?

— Acertou.

Comecei a rir.

— Tá vendo? Você ficou enrolando, mas eu sabia que ia descobrir. — Levantei as


sobrancelhas para ele, e fomos rindo para o caixa. — A Katharina não para de olhar para cá —
comentei depois de um tempo em silêncio.

Vi em diversos momentos as olhadas da alemã em nossa direção, ignorando


completamente a Esra, que não parava de falar, para variar.

— Ah, sim. — Diego ficou vermelho. — Ela é assim mesmo.

— Assim mesmo… como?

— Então… — Os olhos dele iam para o teto, para o chão, para todos os lados, menos para
mim. — É que nós estávamos ficando um tempo atrás… — Ele engoliu em seco. — Mas eu não
estava mais a fim, então agora não estamos mais juntos.

— E você está nervoso assim por quê?

Ele me olhou com um pouco de decepção.


— Ah, nada. Só não ficou mais um clima legal entre a gente.

— Entendi. Que pena.

As meninas voltaram a tempo de passarmos no caixa todos juntos. Katharina comprou um


presente para o Diego, que ficou vermelho e totalmente sem graça. Eu fingi que não vi quando
ele devolveu os chocolates à garota, os colocando dentro de sua sacola sem ela perceber.

Katharina era bonita. Loira, olhos claros, pernas compridas e rosto angelical, mas estava
quase sempre com uma carranca no rosto. Continuava a lançar alguns olhares em minha direção,
mas seus motivos eram tão sem fundamento que decidi nem me preocupar. Esra, como sempre,
tinha tanta coisa para falar que não notava os climas estranhos que iam e vinham às vezes.

Voltamos pelo metrô e até que foi divertido quando eles começaram a contar as loucuras
da viagem do fim de semana. Esra insistiu muito para que eu fosse da próxima vez, e eu prometi
que iria, independente do lugar. Se eu tivesse dinheiro, é claro.

Esra quis fazer mais compras na Oxford Street e Diego e Katharina aprovaram a ideia. Eu
não estava muito a fim, então acabei indo para casa sozinha. Eu queria treinar um pouco o canto.

Cheguei e liguei os exercícios no meu laptop. Li tinha acabado de entrar no banho, então
provavelmente não me ouviria.

Enquanto cantava, olhei para o pequeno pacote de chocolates sobre a escrivaninha e


percebi que escolhi os de cores azul-claro e cinza.

Fala sério!
Capítulo 12

Thomas passou o resto da semana sem falar comigo. Na terça-feira, eu até enviei outra
mensagem com um ponto de interrogação, mas não recebi resposta. Como eu ainda tinha só um
pouquinho de dignidade, decidi usá-la e não o procurei mais.

A semana correu bem. De vez em quando, os amigos da Esra passavam na nossa casa e
logo pude chamá-los de amigos também. Eu percebia que Diego soltava umas indiretas para mim
e que qualquer contato que nós dois tivéssemos deixava Katharina brava, então eu fazia o
possível para ficar mais perto dos outros e bem longe dele. Diego era um amor de pessoa, mas eu
não conseguia sentir nenhuma atração por ele. Então, para mim, aquilo já era história passada, se
é que dá para dizer que houve uma história.

Combinamos de novo de ir ao pub perto de casa na noite de sexta-feira, e eu fiquei


animada. Estava gostando de passar meu tempo com eles e meu inglês melhorava cada vez mais.
Apesar dos pequenos momentos de tensão por conta da história do Diego com a Katharina, era
fácil dar risada com aquele grupo. Todos eram muito divertidos e faziam eu me sentir bem.

Quando terminei de me arrumar, desci as escadas e encontrei Li enchendo uma garrafa


com água. Pelas roupas, pude ver que ela estava prestes a sair para praticar algum tipo de
exercício. Desejei ter metade da energia que ela tinha.

— Eu estou indo a um pub com a Esra, você quer vir? — Apesar de ela nunca ter
expressado qualquer vontade de se enturmar, decidi convidá-la.

Li ficou um tempo muda, me encarando, provavelmente a peguei de surpresa. Então ela


recuperou sua habitual cara de tédio.

— Não, obrigada.

Colocou os fones de ouvido e bateu a porta quando saiu, me fazendo revirar os olhos. Pelo
menos dessa vez ela se deu ao trabalho de agradecer.

Eu já estava pronta e Esra já estava no pub, então saí logo atrás de Li. Já trancava a porta
quando fui puxada pelo braço. Tentei gritar, mas minha boca foi tampada por uma mão. Entrei
em pânico e comecei a me debater, meus gritos saíam abafados por entre os dedos da mão firme.
Meu pulso esquerdo, ainda enfaixado, latejava a cada batida em quem quer que fosse.

— Isabella, pare! — Ouvi um sussurro e congelei imediatamente. As mãos soltaram meu


braço e meu rosto e me virei lentamente. — Sou eu.
— Ah, pelo amor de Deus, Thomas! Se você fizer isso de novo, eu vou atropelar você! —
Dei um soco no braço dele com toda a força que eu tinha, mas minha frase não soou tão
ameaçadora quanto eu gostaria, já que eu estava completamente sem fôlego.

Eu conseguia sentir meu sangue percorrendo meu corpo furiosamente por conta do medo e
adrenalina repentinos. Acho que meu coração nunca havia batido tão rápido em toda minha vida.

— Me desculpe. Ninguém pode me ver. Você sabe disso. — E lá estávamos, escondidos


no meio dos arbustos da frente da minha casa. — Tem alguém na sua casa? Podemos entrar?

— Sorte sua que não tem. Eu não ia ficar conversando com você no meio da grama mesmo.
— Levantei, entrando na casa com tudo, sem olhar para trás.

Ele fechou a porta.

— Que foi? Você ficou brava?

— É lógico que sim! — Joguei a chave para ele, que trancou a porta. — Eu achei que
estava sendo sequestrada ou algo do tipo. — Ele jogou a chave de volta. — Meu coração está
batendo rápido até agora.

Eu evitava olhar para o rosto dele. Por que raios ele estava de pé na sala da minha casa, de
qualquer maneira?

— Desculpe, não queria te assustar. — Ele soava sincero, o que me deixou com mais raiva
ainda. Como alguém espera chegar daquele jeito e não assustar a outra pessoa?! Fala sério!

— Não é só por causa disso que eu estou brava. Se você quer mesmo ser meu amigo, vai
ter que parar de agir que nem um louco.

— Louco? — Ele levantou as duas sobrancelhas.

— É, um louco. Uma hora você é legal e engraçado, aí fica rude do nada. Aí fala comigo, e
aí fica um tempão sem falar. Assim fica difícil de entender.

— Entender o quê? Eu te atropelei no fim de semana e agora tenho que te ajudar. O que
mais tem para entender? — Ele elevou a voz, se aproximando.

— Se você está aqui por obrigação, pode ir embora! Eu não preciso da pena de ninguém.
Posso muito bem ir até um hospital e pronto — gritei de volta, escondendo o fato de que eu já
fizera aquilo.

— Eu não estou aqui por pena! Não foi isso que eu quis dizer! — O tom de voz dele ficava
cada vez mais alto, e ele se aproximava cada vez mais.

— Ah, não? Por que está aqui, então? — Nossos rostos estavam a centímetros de distância
naquele momento, ambas as respirações alteradas.

Ele não respondeu, apenas me encarou. Olhava tão fundo nos meus olhos que era como se
estivesse descobrindo cada segredo que eu escondia. Para minha surpresa, ele se aproximou um
pouco mais e nossos lábios ficaram próximos… demais. Mais próximos que a proximidade
normal de dois amigos. Bem próximos mesmo.

Acho que eu estava meio nervosa.

Seus olhos então desviaram por apenas um segundo dos meus, indo até meus lábios, e eu
engoli em seco. Provavelmente, bem alto. Quando ele fez menção de dizer algo, ouvimos o
barulho da chave na porta. Thomas deu um passo para trás e começou a olhar em volta.

— Primeira porta à esquerda. Corra! — sussurrei.

Thomas subiu as escadas num rompante, e fui logo atrás dele. Subimos o mais rápido
possível e, quando entrei no meu quarto, meu joelho direito bateu no batente com toda a força.
Eu estava prestes a dar um grito de dor, mas Thomas pulou em cima de mim, tapando minha
boca. Com o pé, ele bateu a porta do meu quarto exatamente ao mesmo tempo em que a porta da
entrada batia.

— Shhh! Calma, calma — Thomas sussurrou para mim, tentando segurar o riso, sem
sucesso.

Fui quicando até a cama e me joguei de bruços nela, soltando um gemido. Eu era a pessoa
mais azarada do mundo! Meu joelho latejava insuportavelmente e, para melhorar, Thomas sentou
na cama, que ficou sacudindo inteira enquanto ele tentava não rir alto.

— Você é um chato — falei com o rosto virado para a cama.

— O… o quê? — Ele estava no meio de um ataque de riso quase silencioso que era
engraçado demais de ouvir.

Virei a cabeça para o lado, encostando a orelha no colchão.

— Eu disse que você é um chaaaatooooo!

Eu e ele rimos até que nossas barrigas doeram demais para continuarmos. De repente, uma
música alta começou a tocar. Abri a porta, tentando espiar o que estava acontecendo lá embaixo.
Li estava malhando na sala, ouvindo, é claro, Bad Reputation.
Voltei para o quarto e lá estava Thomas, sentado na minha cama com as costas apoiadas na
parede, como se fôssemos as pessoas mais íntimas do planeta Terra. Acho que quase matar uma
pessoa faz isso.

Credo, que frase esquisita.

— Imagine se ela descobre que você está aqui… — Balancei a cabeça.

Escorria água pela janela, o que me fez pensar que a chuva provavelmente foi o que fez Li
voltar tão rápido.

— Ainda bem que ela não me viu. — Ele suspirou aliviado enquanto eu me deitava
novamente, encarando o teto.

— Bom, já que Li está lá na sala, a menos que você queira se arriscar pulando pela janela,
você vai ter que ficar aqui até ela sair de lá. Você não tem algum compromisso de gente famosa,
tipo uma balada com outras pessoas famosas, jantares com políticos ou campanhas educativas?
— perguntei com uma voz cortante.

— Na verdade, eu tenho, apesar de ter percebido a ironia na sua voz, querida Isabella.

— Fala sério! Imagine só quem deve estar lá… Ai, meu Deus, você conhece os atores de
Harry Potter? — Levantei rapidamente, encarando seu rosto.

Ele levantou uma sobrancelha.

— É sério isso?

— Mas é claro que é sério! — Como não seria?!

— Shhh! — Ele colocou o dedo indicador sobre os lábios.

— Com esse som alto, ela nunca vai me ouvir — eu disse, afastando o dedo dele. — Me
responda! Você conhece ou não?

— Digamos que o Daniel Radcliffe é um cara bem legal. — Ele deu de ombros.

— Ai, meu Deus! — tentei não gritar conforme apertava seu braço. — Essas festas devem
ser incríveis. — Suspirei.

Ele deitou ao meu lado.

— Você pode ir a uma se quiser.

Olhei para ele.


— Ah, tá! A Louisa vai adorar ver você chegando com outra menina em uma festa. É
claro. — Ele fez uma careta ao ouvir o nome da namorada, o que me deixou estranhamente
animada.

— É claro que você não iria comigo, eu jamais iria com você. — Ai! — Espere, não foi
isso que eu quis dizer. Sério.

E então My Lullaby começou a tocar.

— Você foi ótimo com as palavras nessa música, o que aconteceu? — My Lullaby era
minha música favorita da Bad Reputation, e eu sabia que Thomas a havia escrito, o que a deixou
ainda mais especial. Falava sobre um garoto que se apaixonou, e então só conseguia dormir ao
lado da menina que ele amava, o que a tornava a canção de ninar dele. Pelo menos era essa a
minha interpretação. — Com música costuma ser mais fácil? — perguntei, mostrando que as
palavras dele me atingiram.

— Não é isso. Costuma ser mais fácil sempre, só é mais difícil com você.

My Lullaby sumiu e deu lugar à Party All Day, que era mais agitada. Li provavelmente
queria algo mais animado para a malhação.

— Entendi. — Fiquei quieta por um tempo e aproveitei o silêncio dele para pensar.

A maneira como eu o conheci foi trágica, mas parecia que uma ligação diferente fora
criada entre nós. As coisas que ele dizia me machucavam ou me animavam como se…

Hm…

— Então… — Ele se levantou da cama com um pulo, me assustando. — Eu estou ficando


com fome. Como vamos fazer?

— Opção um: pular pela janela. Opção dois: descer as escadas, dar um abraço na sua
querida fã e pedir que ela faça uma comidinha chinesa para você.

— Há, há, há! Muito engraçado! — Ele me mostrou a língua, me fazendo rir, e pegou o
celular do bolso. — Ou podemos tentar a opção três. E, aliás, você precisa ver mais filmes.

Por incrível que pareça, Thomas pediu uma pizza e disse ao entregador para não bater à
porta ou tocar a campainha, pois ele pegaria a pizza pela janela, já que estava trancado em casa.
E o cara da pizzaria não se importou. Eu juro.

— Meu Deus, que imaginação fértil — eu disse enquanto ele estava no telefone.
Thomas se afastou e se apoiou na janela conforme fazia o pedido. Ele não era musculoso,
mas também não era magro. Era o equilíbrio perfeito entre os dois. Estava de mangas compridas,
então não era possível ver nenhuma de suas tatuagens.

Seria mesmo possível eu me interessar por alguém em menos de uma semana? Porque eu
tinha a leve impressão de que aquilo estava acontecendo comigo. Não estava gostando dele nem
nada, é claro. Uma leve atração, talvez.

Aliás, eu era ridícula por pensar no assunto. Ele namorava Louisa Jhones, pelo amor de
Deus! E não importava quantas caretas ele fizesse. Ela continuava sendo uma mulher loira, linda,
alta, rica e glamorosa. E dessa lista nem o alta eu era.

Ele era um pop star! Isabella, acorde, querida! Minhas chances eram menos dezessete.
Mais ou menos por aí. Mesmo porque, com aquele rosto e aqueles olhos, qual seria a
possibilidade de ele sequer prestar atenção em mim?

Meu celular vibrou, desviando minha atenção de Thomas para a tela, e vi que era uma
mensagem de Esra.

Esra! Eu havia me esquecido completamente dela!

Fiquei em dúvida se eu deveria responder ou não, mas acabei optando pela primeira opção.
Quando larguei o celular, Thomas me encarava, ainda encostado na janela com as mãos no
bolso.

— Chega em uns vinte minutos.

— Que bom, estou com fome.

— Então…

— Então… — Rimos juntos. — Como foi a gravação do clipe?

— Foi bem legal, na verdade. Finalmente, deram uma ideia diferente para esse CD. — Ele
levantou os braços, como se agradecesse. — Vamos gravar três clipes. Uma música de autoria
própria para cada um de nós, ou mais ou menos isso. É um pouco complicado de explicar. Cada
um vai poder fazer o clipe como quiser para a música que escolher. My Lullaby também é minha
favorita, então a escolhi. Foi muito difícil conseguir que aprovassem esse projeto. Estou tentando
desde o segundo CD.

— Uau. E vocês estão em qual? No quarto? — Fingi que não sabia.

— No sexto — respondeu, não com o ânimo que eu responderia se fosse ele. Eu sempre
sonhei em ser uma cantora famosa e tenho certeza de que jamais falaria assim do meu sexto CD.
Sex-to!

— E você está bastante empolgado — falei com ironia.

— Mais ou menos isso. — Ele riu sem humor.

— Quais músicas o Peter e o Willian escolheram?

— Willian escolheu When The Sun Rises e Peter escolheu Let’s Do It.

Eu gostava das duas.


— E você está ansioso pelo sétimo CD? — Ele não respondeu, apenas riu e balançou a
cabeça. — O que isso quer dizer?

— É um pouco complicado de explicar.

— Acho que em todas as conversas que tivemos você disse essa frase pelos menos umas
três vezes. E, aliás, parece que nós vamos ter uma pizza inteira para você me explicar.

— E uma garrafa de vinho também. Você toma? — Ele me jogou um olhar esperançoso.

— Um pouco, se for bem docinho. Não sou de beber muito.

— É vinho de pizzaria, não se preocupe. Não é nada chique. — Deu de ombros.

— E então? — Eu o cutuquei.

— E então o quê?

— Vai me contar por que tudo é tão complicado?

— Não acho uma boa ideia.

— Então, pode me contar como ficou o clipe?

— Tenho a impressão de que você é muito mais fã do que diz.

— Pare de mudar de assunto.

— Pare de disfarçar.

— Me fale sobre o clipe! — Bufei. Essas conversas pingue-pongue às vezes me tiravam do


sério.

— Tá! — Ele revirou os olhos, me fazendo pensar que era o que ele mais gostava de fazer
na vida devido à frequência com que fazia, e começou a rir. — Será em preto e branco e se
passará dentro de um quarto, é claro. Vai ser meio em câmera lenta e vai mostrar a interação de
cada um de nós sozinhos. E então com a garota da música. A câmera vai ficar o tempo todo no
mesmo lugar, mas as filmagens vão variando.

— Que legal. Filmar um clipe deve ser interessante.

— Se for uma ideia legal, às vezes é, sim.

— E você vai me contar por que veio até aqui?

— Ah, a Nana queria dar uma olhada nos seus pontos e no seu pulso.
— Ah.

Ele deve ter notado a decepção na minha voz, pois completou:

— E eu queria ver você. Quer dizer, ver como você está. Se está bem. E o hematoma? —
ele emendou rapidamente.

— Passou de verde-escuro com roxo para quase preto, mas estou lidando bem com ele. —
Thomas se encolheu e apertou os olhos com força. — Ei… — Fui até ele e toquei seu braço. —
Não precisa se preocupar, ok? Você sabe que não culpo você, certo?

— Como não culparia?

— Não culpo. Vi em seus olhos o seu medo. Sei que você jamais faria algo assim de
propósito. — Ele continuou em silêncio, fitando a janela. — Pelo menos é essa a impressão que
você me passa… — Ele continuou sem dizer nada. — Que tal então falarmos sobre o motivo de
você estar tão distraído naquele dia?

— Essa foi a pior ideia de todas.

— Algo sobre a Louisa?

— De jeito nenhum.

— Ok, nós vamos ficar mudos até você poder ir embora ou vamos conversar sobre alguma
coisa? Lá no Brasil tem uma brincadeira chamada Vaca Amarela que é a sua cara.

— Vaca Amarela? — Ele me encarou, levantando uma sobrancelha, desconfiado.

— Sim, a gente canta uma música e fica em silêncio. Quem falar primeiro perde a
brincadeira.

— A pizza chegou!

— Você tem que parar com essa mania de mudar o assunto. Sério. — Levantei a
sobrancelha, encarando-o.

— Mas é sério! Olhe! — Ele apontou para a janela e lá estava o entregador de pizza,
acenando. Caramba, eles eram rápidos.

— Está chovendo! Vá logo! Como você vai pegar a pizza?

— Eu não pensei nisso. — Ele coçou a testa.

— E depois eu que não vejo os filmes. Já ouviu falar na Rapunzel?


— Hm — ele resmungou, cruzando os braços. — Algo me diz que seu cabelo não vai até
lá embaixo. — E começou a rir.

— Há, há, há! Como você é piadista. Foi uma metáfora. Nós vamos usar as minhas roupas.

Peguei todas as blusas de manga comprida que eu tinha e fui amarrando as mangas até
criar uma espécie de corda grande o suficiente para chegar até a rua. No final, amarrei um
cachecol que serviria como a cesta. Thomas me ajudou a fazer os nós e a trazer a pizza para
cima, já que eu fiquei com receio de deixar a garrafa de vinho cair.

No final, deu tudo certo e ele ficou a refeição toda se gabando sobre sua inteligência.

— É sério. Eu sou um gênio.

— Não se esqueça de que fui eu quem teve a ideia de fazer a corda com as roupas. — Ele
riu. Já estávamos no terceiro copo de vinho. Por sorte, ele se lembrou de pedi-los também. —
Bom, agora é sério — eu disse quando terminei meu segundo pedaço de pizza e Thomas
alcançava o terceiro pedaço dele. — O que há de tão complicado na sua vida? Você nunca parece
feliz nas fotos e, desde que te conheci, odeia falar sobre tudo que te rodeia. Eu sei que não faz
tanto tempo assim, mas não pude deixar de notar.

— A história é longa demais para te contar em uma noite. Para ser bem sincero, adoraria
contar a você. — Ele pareceu mais surpreso que eu com aquela confissão. — Mas não sei se
posso te envolver em tudo. — Ele não olhava para mim enquanto falava.

— Me envolver? É tão ruim assim?

— Sim.

— Você não pode me contar nada… nada?

— Você não vai desistir, não é?

— Não. — Abri um sorriso infantil, e ele achou graça.

— Certo. — Ele tirou a caixa da pizza da cama e a colocou na escrivaninha, sentando de


modo que ficasse de frente para mim. — Você sabe como a Bad Reputation surgiu?

— Vocês eram amigos no ensino médio, não é?

— Isso, mas tem alguns detalhes a mais. — Me ajeitei, pronta para escutar. O vinho era
fraquinho, mas eu me sentia calma e agitada ao mesmo tempo; com calor, mas com frio nas
pernas. — Eu sempre gostei de cantar e tocar violão, enquanto a maioria dos meninos gostava
mais de jogar na internet ou praticar algum esporte. — Ele tirou o casaco, deixando suas
tatuagens à mostra. — O Peter e o Willian eram os meus melhores amigos na época. Eles
gostavam de música, mas sempre curtiram mais a ideia de ter uma banda. É difícil te explicar…
Sempre gostaram da questão da imagem, entende? Da fama, e não de escrever ou expressar
alguma coisa com a música. Eles queriam a diversão. Eu era jovem e não queria ir para a
faculdade de jeito nenhum desde aquela época. Sempre sonhei em ser cantor e meus pais me
incentivavam muito, mas eu não tinha muitos recursos, então não tinha muito como correr atrás.
Os meninos sabiam cantar apesar de não ligarem para isso e os dois sempre tiveram muito
dinheiro.

“No segundo ano do ensino médio, montamos uma banda para uma apresentação de
talentos da escola. Os pais deles viram que éramos bons juntos e investiram em gravações e
contatos. Acabamos ficando famosos na internet. Como nós ainda éramos novos, atraímos
algumas gravadoras grandes. Nós estávamos empolgados e nossas famílias também. Acabamos
assinando um contrato de dez anos, prometendo nove CDs e nove turnês, além de outras coisas
que surgissem no caminho, como lançar linhas de produtos, propagandas e afins. Até aí, tudo
bem. Dez anos garantidos para eu produzir minha música? Era perfeito.”

Seus olhos estavam distantes, como se ele estivesse revivendo aqueles momentos. Thomas
continuou:

— O problema é que muitas cláusulas, que não ficaram claras para mim, foram aparecendo
mais tarde. No primeiro CD, algumas coisas já foram impostas, mas nós não percebemos. Eu
estava tão feliz! Os garotos também. Se você procurar, vai ver que o primeiro CD contava com
dez músicas. Cinco delas foram escritas por mim, e a gravadora nos entregou outras cinco
músicas prontas. Nenhuma das minhas músicas foi escolhida como single, mas na época eu não
me importei.

— Eu me lembro de que fiquei muito ansiosa pelo clipe de Your Rythm, mas outras
músicas foram escolhidas — comentei, fazendo-o sorrir. — E é, eu gosto de Bad Reputation
desde o começo, mas não é para ficar me enchendo o saco, hein? — acrescentei.

— Ok, ok. — Ele sorriu para mim. —Your Rythm era uma das minhas músicas, sim. Então,
depois do primeiro CD, eles não aceitaram mais minhas músicas e nós tivemos que começar a
colocar propaganda em tudo o que fazíamos. Basicamente, toda semana eu recebia de
patrocinadores sete mudas de roupas para usar quando eu saísse em público. Tudo para vender.
As roupas, os produtos… Preste atenção em todos os nossos clipes. Alguma marca fica em
evidência em algum momento. Ah! Eu não podia, e ainda não posso, mostrar nenhuma das
minhas tatuagens, já que, apesar do nome da banda, o contrato diz que devemos passar a melhor
imagem possível.

— E o que tatuagens têm a ver com isso?

— Esse é exatamente o meu ponto, mas ninguém me escuta. Eles me disseram que as
pessoas associariam uma imagem de bad boy a mim — disse, negando com a cabeça. — A ideia
é ter um ar de bad boy, e não ser um de fato. Então, basicamente, fora o primeiro CD, desde que
começamos eu consegui incluir uma única música minha em cada um, que sempre entra como
faixa bônus. Não posso escolher minhas roupas, nem os lugares para o quais eu vou, nem sequer
posso escolher o que vou dizer em entrevistas. E ainda falta uns três anos e meio de contrato. E,
fora isso, ainda tem diversas outras coisas que acontecem.

— Por que você não tenta quebrá-lo de algum modo? Todo contrato tem uma brecha, não
é?

Que absurdo. Parecia que ele não tinha poder nenhum sobre a própria vida. De que
adiantava ter tudo… e não ter nada ao mesmo tempo?

— Eles têm algo contra mim. Uma coisa grande. Então tenho que ficar na minha. — Ele
deixou claro pelo tom de voz que não me diria o que era. — Já está sendo bem arriscado te
encontrar, imagina tentar quebrar o contrato.

— Entendi. E o que o Peter e o Willian acham sobre isso?

— Eles não ligam. Adoram. Eles sempre quiseram fazer sucesso, então para eles tanto faz.
Os dois geralmente gostam das roupas e não ligam para qual música vamos cantar ou não. O
importante para eles é estar ali, entende? — Sua feição revelava extrema tristeza.

— E por que você não conversa com eles? Vocês não são melhores amigos?

— Nós éramos. Hoje, apenas nos toleramos. Com Willian eu até consigo conversar às
vezes, mas eu e Peter mal olhamos um na cara do outro. Ele até pediu para me tirarem da banda
uma vez, mas a gravadora fez uma pesquisa que apontou que se a Bad Reputation passasse de
trio para dupla não faria tanto sucesso, principalmente porque somos um loiro, um moreno e um
ruivo. — Ele revirou os olhos novamente, dessa vez de maneira ainda mais dramática. Depois
suspirou, derrotado.

— Uau. Acompanhei tudo durante todos esses anos… Os clipes, os shows, produtos… Eu
jamais imaginei. — Aquilo me cortou o coração.

— Eles investem bastante no marketing da banda. E a gravadora fica com a maior parte do
dinheiro. Apesar de eu não ligar para isso, acho um absurdo eles ficarem com setenta por cento.
Não estou reclamando do dinheiro que eu tenho, que é bem mais do que preciso. Mas eles são
abusivos.

— Realmente, é complicado.

— Eu te falei. — Ele levantou os ombros e deitou ao meu lado. Deitei também, nossos
rostos um ao lado do outro. O vinho já estava me deixando meio tonta. — Toda vez que estou
com você, estou fugindo deles. Eles ficam loucos atrás de mim, mas na maioria das vezes desligo
o celular. Quando nos conhecemos, eu estava em outra fuga. — Nós estávamos olhando para o
teto, curtindo o efeito leve do álcool.

— Então parece que eu trouxe coisas ruins para você — eu disse com tristeza, já sentindo
que o sono vinha aos poucos. — Toda vez está fugindo de algo.

— Não acho. Muito pelo contrário. — Ele virou o rosto em minha direção, e lá embaixo Li
começou a ouvir You’re So Lovely. — Você chegou e me mostrou a realidade de novo —
Thomas cantarolou a letra da música, que eu também gostava muito.

Era incrível ouvir sua voz ali ao meu lado. Virei para ele.

— Não acha que às vezes é mais legal viver em algo surreal? — Meus olhos se fecharam
sozinhos.

— Não se a realidade é tudo o que você quer.

— Hmmm. — Eu já estava quase dormindo.

— Isabella? — ele me chamou, e eu abri os olhos com esforço.

— Sim?

— Preciso te falar uma coisa.

— Pode falar. — Meus olhos voltaram a se fechar. Caramba, eu era mesmo fraca para
beber vinho!

— Eu acho que… eu acho que eu… — E foi mais ou menos aí que eu devo ter dormido,
pois não me lembro de mais nada daquela noite.
Capítulo 13

Acordei com um pouco de dor de cabeça e me lembrei da noite anterior quando vi o pacote
de pizza na escrivaninha. Olhei para o lado, Thomas não estava mais lá.

— Estou aqui — disse, apoiado ao batente da janela. — Usei a escova de dente fechada
que estava no seu banheiro. Vou comprar uma para repor. Preciso te levar para ver a Nana agora.
Tenho que voltar.

— Ah, claro, não se preocupe, não tem problema. — Me levantei em um pulo, tomando
consciência do meu estado ao acordar. Eu sentia os milhares de nós no meu cabelo e tinha a
impressão de que havia um pouco de baba seca na minha bochecha. Ninguém merece. — Eu vou
me arrumar, só um minuto. — Peguei a primeira muda de roupa que achei e me tranquei no
banheiro.

Meu cabelo estava um caos, e eu estava com o rosto inchado, provavelmente por conta do
vinho. Tomei um banho rápido, penteei meu cabelo, escovei meus dentes e passei um pouco de
maquiagem para tentar melhorar minha cara.

— Pronto. — Saí do banheiro e Thomas rapidamente finalizou uma ligação no celular.

— Consegue ver se a barra está limpa?

— Claro. — Fui até o corredor. Depois de ver que alguém estava tomando banho, bati na
porta. — Esra?

— Li aqui! — ela gritou, mostrando que seu mau humor matinal estava no ponto.

— Ah, ok.

Sinalizei para que Thomas descesse as escadas e tranquei a porta do meu quarto depois de
pegar meu celular e meus documentos.

Ele desceu calado e não falou comigo até chegarmos ao carro. Thomas começou a tatear os
bolsos da calça desesperadamente e, após uma expressão de derrota, apoiou o rosto no vidro do
carro.

— Ah, mas que ótimo.

— O que foi?

— Eu tranquei a porcaria do carro com a chave dentro. — Ele deu um tapa na lataria,
fazendo um som alto reverberar pela rua silenciosa.

— Vamos de metrô — sugeri, e ele começou a rir.

— Você está de brincadeira comigo?

— Claro que não. Anda, vamos de metrô. — Comecei a puxá-lo.

— Esqueça, nós vamos de táxi.

— Não foi você que disse ontem que queria um pouco de realidade?

— Você se lembra disso? — perguntou num tom urgente. — Do que mais se lembra?

— Ah, você ia dizer algo e aí acho que eu dormi.

— Ah. — Ele pareceu decepcionado, mas também aliviado, o que me deixou confusa. —
Aliás, o que você ia me dizer?

— Eu também não lembro. — Ele chutou uma pedrinha que estava no nosso caminho e
colocou os óculos escuros que estavam no bolso do casaco. — Se alguém me reconhecer, estou
ferrado.

— Não se preocupe. — Olhei para o celular. — São sete da manhã de um sábado, a


maioria das pessoas ainda está dormindo. Qual a estação mais próxima da sua casa?

— Shoreditch.

— Ótimo! Pelo que eu me lembro, não é tão longe.

Fomos caminhando até a estação, e eu não sabia o que pensar. Ele voltou a ficar distante,
mas decidi não perguntar o motivo. Era bem chato ter que ficar descobrindo o tempo todo em
que pé estávamos.

Ao entrarmos no metrô, percebi que Thomas olhava em volta, não sei se com medo de
alguém reconhecê-lo ou se estava admirado com o que via.

— Faz muito, muito tempo desde a última vez que eu andei de metrô — confessou.

— Imagino. — Dei risada. — E que andou na rua também, não é?

— Sim. Como eu senti falta disso… — Ele acenou, abrindo um sorriso que logo sumiu.

Seriam cinco estações, então não demoraria muito para chegarmos. Entramos no trem, que
estava praticamente vazio, mas decidimos ficar em pé, caso ele precisasse sair rapidamente se
fosse reconhecido ou algo assim.

— Minha parte favorita é a paisagem — eu disse enquanto o trem se movimentava e


Londres aparecia pela janela.

— A minha é o céu — disse Thomas e olhou de soslaio para mim.

Estávamos na metade do caminho quando duas garotas entraram no nosso vagão


cantarolando e dividindo um fone de ouvido. Uma delas estava com uma camiseta da Bad
Reputation, o que fez Thomas congelar.

Antes que elas o vissem, puxei seu braço para que ficasse na minha frente, de costas para
elas. Como ele era mais alto que eu, eu o abracei pelo pescoço, de modo que o rosto dele ficasse
escondido em meu cabelo.

— Assim elas não vão te ver — sussurrei.

Ele me olhou pelo canto do olho e passou os braços pela minha cintura. Senti os pelos da
minha nuca se arrepiarem com seu toque e, sem poder me conter, acabei estreitando meu abraço.
Eu podia sentir sua respiração em meu pescoço, o que me deixou meio sem ar. Meu coração
estava acelerado, e acho que ele podia sentir.

O movimento do trem fez com que seus lábios encostassem no meu rosto levemente,
deixando aquela região formigando. Seus braços ficaram mais firmes em minha cintura, e ele
beijou minha bochecha, me fazendo sentir um frio no estômago.

— Obrigado — sussurrou em meio a meus cabelos, e não consegui responder, apenas


engolir em seco.

A cada momento, eu sentia que algo mudava dentro de mim, o que precisava ser contido
rapidamente ou eu com certeza me machucaria muito.

Chegamos à nossa parada, e Thomas subitamente se afastou, colocando o capuz do casaco.


Descemos do trem, e deixei que ele me guiasse. Eu só fora àquele bairro quando fiquei em seu
apartamento, e, daquela vez, ele me levou para casa de carro, então eu não sabia como chegar até
a casa dele. Aliás, eu nem sequer sabia o nome de sua rua.

Ele fez o trajeto todo de cabeça baixa. No caminho, ligou para Nana, avisando que estava
chegando. Entramos no apartamento e ela já estava lá, pronta para nos receber com um abraço
caloroso, que Thomas aceitou de bom grado. Um cheiro maravilhoso surgiu da cozinha, fazendo
com que meu estômago roncasse alto. Pelo jeito, Nana havia preparado um café da manhã para
nós dois.

— Vão comer. Vão, vão. — Ela deu uma empurradinha em minhas costas.

Thomas também devia estar com fome, pois não falou nada enquanto comia.

— Thomas, querido, o que houve? — Nana perguntou, passando a mão no cabelo dele.

— Não é nada. Eu preciso ir. Ela está bem? — Ele levantou da cadeira e se apoiou na pia.

— Vamos ver. — Nana pegou meu pulso. — Vou tirar esta faixa para dar uma olhada. —
Assim que meu pulso ficou visível, até mesmo eu percebi que estava melhor. — Sim, sim, bem
menos inchado, mas parece um pouco frágil. Você o machucou novamente? Não precisa mais
usar a faixa, só se você quiser.

— Ok. — Sorri quando mexi o pulso de um lado para o outro e quase não senti dor. O
susto que Thomas me dera na noite anterior passou rapidamente pela minha mente.

— Agora vamos dar uma olhada nesses pontos. — Como da outra vez, eu mal senti seu
toque gentil de anos de experiência. — Estão cicatrizando muito bem, mas ainda não posso
retirá-los, ok? Talvez na semana que vem.

— Ok. — Sorri para ela mais uma vez. — Obrigada.

— Não foi nada. Agora vão indo, Thomas está atrasado. Eu cuido da limpeza.

— Eu posso ficar para ajudar… — ofereci.

— Não precisa, Isabella, obrigada. — Ela sorriu e me deu mais um abraço.

Thomas chamou um táxi e nós descemos.

— Bom, então… Tchau — eu disse, sem saber se poderia ter qualquer tipo de contato com
ele. Apertei seu braço levemente, fazendo-o fechar os olhos.

Virei na direção do metrô, mas Thomas me puxou pelo braço.


— Aonde você vai?

— Vou para casa de metrô.

— Não, vou te deixar lá de táxi.

— Eu não posso pagar.

— Não comece…

— Qual é o seu problema, Thomas? Você chega na minha casa, nos divertimos, você
dorme na minha cama, aí acorda todo frio, aí me abraça no metrô, depois nem olha para mim. Aí
isso, aí aquilo… Se é tão difícil assim para você ter que conviver comigo, não se preocupe, eu
posso vir até aqui tirar os pontos com Nana na semana que vem e pronto.

— Foi você que me abraçou. — Ele cruzou os braços.

— Ah, é sério isso? — Cruzei os braços também. Ele me tirava do sério!

O táxi chegou, e Thomas colocou os óculos de sol.

— Por favor, entre no carro.

Entrei e não falei mais nada, apenas o ouvi dando as coordenadas para o taxista. Passei o
caminho todo olhando pela janela, sentindo seu olhar em mim. O taxista tentava puxar conversa,
mas logo percebeu que o clima não estava muito bom, então desistiu.

Eu já estava confusa, e Thomas piorava as coisas com cada atitude dele. Passei o caminho
todo — que para minha sorte era curto — tentando decifrar o abraço que trocamos no metrô. Eu
nunca senti nada como aquilo, e a maneira como ele agia me impedia de perguntar se ele sentia o
mesmo.

Será que eu era mesmo idiota o suficiente para começar a gostar de uma pessoa que foi
totalmente obrigada a me ajudar e que jamais teria sequer olhado para mim se um acidente de
carro não tivesse acontecido?

Assim que chegamos à minha casa, abri a porta do táxi. Estava saindo sem me despedir
quando ele puxou meu braço.

— Espere!

— O que é, Thomas?

— Me desculpe, ok?
— Está se desculpando pelo que exatamente? — Ele estava começando a me deixar
furiosa.

— Por tudo. — Thomas olhou fundo em meus olhos.

Puxei meu braço e bati a porta do táxi. Entrei em casa sem olhar para trás uma única vez.
Estava na hora de dar um basta naquela história.

O fim de semana passou sem mais nenhuma grande emoção. No sábado, eu e Esra ficamos
conversando e cozinhando. À noite, ficamos assistindo a um programa de celebridades, comendo
pipoca e bolo e bebericando algumas caipirinhas — que a Esra amou — enquanto comentávamos
sobre as roupas, escândalos e trabalhos de cada um. Esra era muito engraçada e falava tudo o que
vinha à cabeça, sem filtro. Em vários momentos, fiquei sem fôlego de tanto rir.

Mais ou menos na metade do programa, apareceu a coletiva de imprensa que estava


cobrindo o anúncio da nova tour da banda Bad Reputation. Fiz de tudo para me controlar, mas
meu coração bateu tão rápido que me perguntei como Esra não conseguiu ouvir. Cada integrante
anunciou dez países por onde passariam, e é claro que Thomas tinha que anunciar que estariam
pela primeira vez no Brasil no ano seguinte.

O pior de tudo era saber que ele estava ali, como se nada estivesse acontecendo, enquanto
meu coração bobo se apegava a ele, uma pessoa completamente inatingível.

— Não sei se vejo muita graça nesses três. — Esra deu de ombros. — Acho que o mais
bonitinho é o loiro — completou. — O ruivo tem cara de metido e o moreno, de chato… Você
gosta da banda?

— Na verdade, eu gosto, sim. — Engoli em seco. Não pude deixar de ficar chateada por
ela ter chamado Thomas de chato.

— E aí? Qual seu preferido? — Inspirei fundo, sem saber o que dizer. — Já sei. Você
gosta mais do moreno.

Virei minha cabeça e arregalei os olhos, mas logo contive minha reação. — Por que você
acha isso?

— Ele parece ser um pouco fechado. Você é meio assim também. Não sei explicar. — Ela
riu, e os meninos sumiram da tela, dando lugar a ninguém mais, ninguém menos que Louisa
Jhones. — Ah, meu Deus, essa mulher é linda. Queria ter esse rostinho lindo só por um dia. Eu
seria tão feliz… Sem falar que ela é uma das melhores atrizes da atualidade — Esra falou com a
boca cheia de pipoca.

Naquele exato momento, uma imagem da Louisa chegando com o Thomas de mãos dadas
preencheu a tela, quebrando uma pequena parte do meu coração.

Ninguém merece!

Passamos a noite conversando, bebendo e comendo. Fiz de tudo para não pensar mais em
Thomas.

Saí cedo de casa no domingo. Voltei ao bairro de Shoreditch e fiquei encantada com os
mercados e grafites. Finalmente tive tempo para olhar em volta, tirei várias fotos. Fiquei
intrigada com a quantidade de estúdios de tatuagem que havia ali, lembrando de que eu estava
querendo fazer mais uma tatuagem há muito tempo. Já fazia alguns meses que eu fizera a minha
primeira, mas eu já sentia falta do zumbido da maquininha. Decidi voltar ao bairro em outro dia,
quando os estúdios estivessem abertos.

À noite, criei coragem e avisei minha família que eu estava de celular novo, já que tinha
ganhado a promoção de uma loja. Eu me sentia horrível por mentir, mas achava melhor contar a
mesma história para todo mundo a fim de não me confundir. Foi ótimo poder compartilhar as
fotos e os momentos com mais facilidade.

Quando fui dormir, Thomas ainda não havia se comunicado e achei melhor também não
procurar por ele.

Na sexta-feira, Nana me ligou, perguntando se eu podia ir até lá para que ela pudesse
retirar os pontos. Ela disse que Thomas não poderia me levar.

É claro que não! Ele já não falava comigo há quase uma semana.

Depois da aula, fui até Shoreditch. Nana foi atenciosa como sempre. Eu mal senti a retirada
dos pontos, e ela disse que estava tudo bem, mas que provavelmente ficaria uma cicatriz.
Saindo de lá, decidi andar pelo bairro de novo e, dessa vez, entrei em um dos estúdios de
tatuagem que estavam abertos. Eu sempre amei música e queria mostrar isso com algo em meu
corpo. Mostrei ao tatuador um desenho que eu planejava tatuar há um tempo, e ele disse que
custaria cinquenta pounds. A conversão para o real ficaria cara, mas eu estava decidida. Era algo
que eu já planejava fazer desde que fechara a viagem no Brasil, então descontei esse valor do
dinheiro que juntei para levar a Londres.

Cerca de vinte minutos depois, lá estava minha nova tatuagem em meu pulso direito: os
símbolos do rádio para voltar a música, para passar para a próxima, para pausar, para dar play e a
opção de tocar músicas no aleatório.

Fiquei apaixonada, apesar da dor. Uma tatuagem feita em Londres! Demais! Eu esperava
poder fazer outras antes de ir embora. Meus pais não ficariam muito contentes, mas eu sabia que
valeria a pena.

Fui para casa feliz. Todo o pessoal estava lá e dividimos várias pizzas. Eles ficaram
brincando de algum jogo de cartas com bebida, mas achei melhor ficar fora dessa. Li apareceu e
eu a convidei para ficar conosco, mas ela recusou, como eu já esperava.

Diego estava sentado ao lado de Katharina, e em diversos momentos vi que eles estavam se
abraçando ou encostados um ao outro, o que me deixou feliz pelos dois. A noite estava divertida,
minha barriga doía de tanto dar risada com a brincadeira deles. Quanto mais bebiam, mais
facilmente eles erravam as jogadas.

Tudo estava indo bem, até que entrei nas redes sociais e vi que Thomas postara uma foto
com Louisa. Ele estava de pé sem sorrir, para variar, de mãos dadas com ela, que apoiava sua
cabeça no ombro dele, sorrindo. Ela estava maravilhosa com um vestido vermelho. Na legenda,
um coração roxo. Procurei pela internet e descobri que a foto fora tirada naquele mesmo dia.

Senti uma dor no peito muito maior do que era aceitável. Ele vivia fazendo caretas à
menção do nome dela, mas pareciam um casal feliz.

De repente, a noite perdeu a graça e eu decidi subir para o meu quarto, dizendo que estava
com dor de cabeça. Fiquei horas rolando na cama, apenas pensando na confusão de sentimentos
que eu me tornei.

Continuei assim pelas três semanas seguintes. Thomas não entrou mais em contato,
comprovando que, o que quer que nós tivéssemos, havia acontecido apenas na minha cabeça.
Capítulo 14

Confesso que na primeira semana eu ficava esperançosa toda vez que meu celular vibrava,
esperando que fosse uma ligação ou apenas uma mensagem de Thomas. Na segunda semana,
fiquei muito brava com ele por ter sumido depois dos momentos que passamos juntos. Na
terceira semana, eu só me sentia triste por ter acreditado que aquilo fora real. Eu sabia que tinha
acontecido, a cicatriz no meu couro cabeludo me lembrava bem disso, mas os momentos que
achei que tínhamos compartilhado não foram reais. A intimidade, a amizade ou até algo mais…
nada disso realmente existiu.

Nesse meio-tempo, me dediquei mais ao curso e consegui passar para o nível avançado. A
escola era muito boa, e eu queria sair de lá falando o melhor inglês possível.

Esra me surpreendeu totalmente ao começar a namorar o Hans, e Juan e Alicia estavam


juntos também. Diego e Katharina se desentenderam de vez, ela às vezes ficava com Manuel
para fazer ciúmes nele, que continuava me jogando indiretas. Por sorte, o Manuel não ligava.
Basicamente, o grupo estava uma loucura total, então eu acabava passando mais tempo apenas
com a Esra. Era bem mais fácil.

Amanda, Lorena e Angélica já não falavam mais comigo. Mesmo. Se eu mandasse


mensagem, elas demoravam dias para responder ou apenas visualizavam e não respondiam. Nas
redes sociais, elas estavam mais unidas do que nunca. Eu sabia que não era o elo do grupo, mas
fiquei extremamente decepcionada. Elas estiveram ao meu lado até em momentos difíceis. Ou
pelo menos era o que eu achava.

Era impressionante o quanto minha vida mudou em alguns meses em Londres. Sem amigas
no Brasil, os amigos de Londres envolvidos uns com os outros e eu tentando superar um ridículo
coração um pouquinho partido por causa de um cara famoso. Tá bom, vai, bastante partido. Pelo
menos minha família ia bem, obrigada.

Apesar de tudo, meu amor por Londres e pelo intercâmbio crescia cada vez mais com cada
situação que eu vivenciava. Era um pouco estranho na verdade. Você vai morar em outro país e
aí, sim, começa a sentir o que realmente é amadurecer.

— Estou louca por aquela jaqueta da Primark. Você sabe qual é? Aquela jeans meio
rasgadinha.

— A que está na vitrine da Primark da Tottenham, não é? Claro que sei! Você fala dela
todo dia!

Aquela jaqueta era mesmo linda. Finalmente, era sábado de novo e Esra havia me
convidado para fazer compras mais uma vez.

— Faz semanas que estou de olho nela, já estou pirando — disse, me fazendo rir.

Esra amava comprar mais do que tudo. Mais do que bolo. E ela gostava muito de bolo.

Estávamos saindo de casa quando vi um carro estacionado do outro lado da rua. Congelei
na hora, me perguntando se seria Thomas. Eu não entendia nada de carros, mas sabia que era
parecido com o carro dele.

Esra saiu andando, falando sozinha enquanto eu observava o veículo. Demorei alguns
segundos para perceber que eu ainda estava parada na porta.

— Que foi? — ela perguntou, voltando.

— Ah… meus pais estão me ligando agora. — Bati na bolsa, fingindo que o celular estava
vibrando. — Você se importa se eu for para a Oxford Street mais tarde?

— Ah, fala sério! Eu desmarquei com o Hans para irmos fazer compras! Você não pode
conversar com eles mais tarde?

— Eles… eles iam me dar notícias da minha avó. Ela está no hospital. — Que horror! Eu
estava me saindo uma mentirosa bem das boas.

— Ah, nossa, me desculpe, Isa. Ok, então. Me avise quando estiver chegando. — Ela saiu
correndo, já que o ônibus estava prestes a chegar.
Esperei que ela virasse a esquina para ir em direção ao carro, mas continuei parada. Eu não
conseguia sair do lugar.

Alguns segundos se passaram e nada aconteceu, me dei conta de que fui boba por pensar
que poderia ser Thomas. Ele havia cortado relações completamente, provavelmente já nem se
lembrava do meu nome. Me virei, indo em direção ao ponto de ônibus preparada para alcançar a
Esra, quando a porta do carro finalmente se abriu.

Seu cabelo estava mais comprido, e ele usava óculos de sol. Era um pouco estranho vê-lo
novamente. Depois de tanto tempo, Thomas parecia uma celebridade novamente, uma pessoa
muito distante da minha realidade. É claro que isso não impediu que as batidas do meu coração
acelerassem.

— Podemos conversar? — ele perguntou, ainda do outro lado da rua. Sua voz estava mais
rouca que o normal, me fazendo sentir um arrepio.

Ele parecia cauteloso, mantinha as mãos no bolso. Usava um sobretudo preto, o que
combinava perfeitamente com seu sotaque. Aquilo não me ajudava em minha missão de me
manter afastada.

— Eu não acho que seja uma boa ideia. — Minha voz saiu um pouco embargada, e ele
percebeu.

— Bel, por favor. — Ele estendeu a mão, mesmo estando longe, mas logo a recolheu.

— Desde quando você me chama assim? — Aquilo doeu.

— Sempre que penso em você.

Respirei fundo.

— Acho que você deve ir embora.

— Bel…

— Não! Que merda, Thomas, não! Você chega do nada na minha vida, me deixa
completamente confusa, não me conta o que está acontecendo, se mostra cada hora de um jeito…
Parece uma montanha-russa! Então para de agir como se você se importasse e vai embora! —
Meu tom de voz começou a aumentar, e eu provavelmente parecia uma louca gritando com
alguém que estava do outro lado da rua.

Ele então atravessou a rua, vindo em minha direção enquanto tirava as mãos dos bolsos. Eu
estava me preparando para gritar novamente quando ele simplesmente colocou as duas mãos no
meu rosto e me beijou.
Capítulo 15

Seu beijo era urgente, ele apertava seus lábios com força contra os meus. Depois do
choque, senti tudo em mim se aquecer. Foi como se cada célula do meu corpo gritasse com a
adrenalina que se espalhava.

Ele então descolou os lábios dos meus e se afastou um pouco. Tirei os óculos escuros de
seu rosto para ver seus olhos e levei um susto. Seu olho esquerdo estava roxo, completamente
inchado, e só então notei o corte em seu lábio superior.

— Thomas, o que…

— Depois. — E me beijou de novo, dessa vez me beijou mesmo, como há muito tempo eu
não beijava alguém. Se bem que eu provavelmente jamais havia sido beijada daquela maneira.

Suas mãos passaram do meu rosto para minha cintura, me puxando para mais perto. Passei
meus braços pelo seu pescoço e fiquei na ponta dos pés. Eu já não sentia nada do frio que nos
cercava.

Devagar, ele me guiou até me encostar gentilmente na porta. Ficamos ali o que pareceu
não ser tempo suficiente. Seus braços passaram da minha cintura para minhas costas, minhas
mãos agarraram seu cabelo com força. Seu beijo gritava tudo que ele provavelmente tentou me
dizer e não conseguiu.

Thomas se afastou novamente, me fazendo abrir os olhos. Seus lábios estavam inchados e
seu olhar, intenso.

— Você percebe agora que eu me importo? — Fiz que sim com a cabeça, ainda sem
palavras. Cada parte do meu corpo tocada por ele ainda vibrava. Thomas continuou segurando
meu rosto, me olhando através do olho inchado. — Podemos entrar? — Sua voz era fraca, e ele
falava mais baixo que o normal.

— Li está em casa.

Ele apertou os olhos, o esquerdo mal se moveu, partindo meu coração ao meio.

— Vamos para o carro.

Ele entrelaçou seus dedos nos meus e me levou até lá. Me sentei no banco do passageiro e,
assim que ele se sentou também, ligou o carro.

— Para onde vamos?

Ele parecia um pouco irritado, não olhava para mim.

— Eu não sei, só preciso dirigir.

Ele acelerou e foi guiando sem destino, ficando um tempo calado. O que aquilo queria
dizer? O que aquilo dizia sobre nós? Eu mal defini o que realmente sentia por ele, mas sabia
muito bem que aquele beijo pareceu certo, como se finalmente tivéssemos nos encontrado. No
entanto, e Louisa? Ai, meu Deus.

O carro era automático, e depois de um tempo ele apoiou sua mão em minha coxa, fazendo
minha pele vibrar novamente.

— Podemos conversar? — perguntei.

— Só mais um pouco, ok? — Seu tom foi firme, mas ao mesmo tempo gentil.

Fiquei em silêncio, ciente de que algo estava acontecendo. Quando ele parou em um farol,
passei minha mão em seu olho inchado. Ele finalmente olhou para mim.

— Vamos conversar. Eu conheço um lugar. Volte para o Canada Water — eu disse


suavemente, e ele apertou minha perna.

Assim que chegamos, Thomas parou o carro no estacionamento do centro de compras,


perto da estação de metrô. Ao sair do carro, colocou os óculos escuros e cobriu a cabeça com o
capuz. Ele pegou minha mão e me puxou para perto, me abraçando enquanto caminhávamos.

Eu o levei para o parque Stave Hill. Lá, havia uma espécie de observatório — pelo menos
era o que eu achava que aquilo era —, que estava sempre vazio. Ele ficava no meio do parque e
era uma construção elevada. Lá do alto, por cima das árvores, era possível ver um pouco da
paisagem. No dia certo, era possível ficar admirando a visão por horas.
Chegamos lá e nos sentamos de pernas cruzadas, um de frente para o outro.

— O que aconteceu? — perguntei mais firme para que ele não mudasse de assunto.

— Eu briguei com Peter. Estava cansado de algumas coisas e fui tirar satisfação.
Acabamos cada um com um olho roxo. — Ele encolheu os ombros. — Sabe o que a gravadora
fez? Publicou que tiraríamos um período de férias antes da divulgação da turnê. — Ele riu sem
humor. — E disse que, se fizéssemos isso de novo, não realizariam nosso pagamento pelos
próximos três meses. A única parte boa é que será mais fácil te ver.

— Eles podem fazer isso?

— Eles podem fazer o que quiserem conosco.

— Você precisa ver a Nana.

— Queria ver você primeiro. Me desculpe por ter ficado tanto tempo longe. Estava tudo
bem complicado.

Ele me puxou para seu colo, e nos beijamos. Dessa vez, o beijo foi mais lento, mais
carinhoso. Quando nos afastamos, tirei uma mecha do seu cabelo de seu rosto, e nos abraçamos
com força. Era impressionante o quanto eu me sentia bem em seus braços.

Voltei a sentar no chão, me preparando para a pergunta de um milhão de dólares.

— O que isso quer dizer, Thomas?

— Eu não sei. Eu realmente não sei.

— Você sabe que não podemos fazer isso, não é? — Ele abriu a boca para dizer algo, e eu
completei: — E a Louisa?

Ele então arregalou os olhos e colocou as mãos na cabeça.

— Eu me esqueci completamente dela!

— Se você gosta dela, é muito errado o que estamos fazendo aqui. — Por mais que doesse
demais dizer aquilo, era a verdade. Sempre considerei traição algo errado demais.

— Gostar dela? Eu não gosto dela! Louisa é insuportável!

Eu pisquei algumas vezes, tentando processar o que ele dizia.

— Como assim? Vocês estão juntos há uns dois anos!

— É, e vou terminar com ela daqui uns dois meses.


— O que você quer dizer? — Levantei uma sobrancelha. Que raio de comentário foi
aquele?

— O contrato, Bel. — Meu coração inchava toda vez que ele me chamava daquela
maneira. Ninguém nunca havia me chamado daquele jeito. — Ela faz parte do contrato.

O quê?!

— O quê?

— Marketing, como sempre. Está no meu contrato. Eu sou o integrante que namora firme
com diversas famosas. Foi assim com a Milly e com a Charlotte também, você deve saber quem
elas são. — Achei aquilo tudo inacreditável. — O Willian é o que namora firme uma famosa
desde o começo, apesar de ele ter tido a sorte de ter realmente se apaixonado pela Abigail e vice-
versa, e Peter é o que está sempre solteiro, se envolvendo com várias.

— Meu Deus, como vocês aguentam? Deve ser horrível.

— Para variar, as opções caíram bem para os dois. Eu, como sempre, me dei mal nessa. Se
eu e Milly trocamos uma palavra algum dia, é muito. A Charlotte chegou a ter algum sentimento
por mim, algo que eu não consegui corresponder, e demorou muito para que eu parasse de sentir
nojo da pessoa que eu era toda vez que eu a beijava em público. Por conta desses
relacionamentos falsos, eu nunca tive a chance de conhecer mais ninguém. Até você chegar. —
Ele colocou a mão em meu rosto, e me aconcheguei nela.

— Acho que isso só torna as coisas ainda mais difíceis para nós dois — eu disse com
pesar, e ele concordou.

— Não vamos desistir, ok? Vamos deixar as coisas acontecerem aos poucos. Mas, por
enquanto, é melhor que ninguém saiba sobre você.

— É, eu sei — concordei, olhando para o chão. — Mas e todas as fotos que você posta? Já
vi fotos de você beijando e saindo com as três no seu perfil. Mas e as fotos que os paparazzi
tiram?

— Nós recebemos as coordenadas do que temos que fazer, e fazemos. Você já reparou que
no começo de cada namoro saem várias fotos minhas em restaurantes com elas e ainda assim nós
negamos o namoro durante uns três meses? É assim que funciona. Isso instiga as fãs, que passam
a acompanhar a vida de nós dois até que o relacionamento finalmente venha a público. — Ele
balançou a cabeça em negativa. — Além disso, eu não sou o único com acesso ao meu perfil. Os
nossos relações-públicas postam algumas fotos. Se você analisar, vai ver que as que eu realmente
postei são as em preto e branco, enquanto as outras estão coloridas.

— A indústria da música é nojenta. Parece que tudo que vi e ouvi até hoje é mentira.

— A indústria da música não é nojenta, ela apenas pode ser nojenta — ele disse, se
deitando no chão.

Me deitei ao seu lado, e nós dois colocamos os braços atrás da cabeça. O dia estava
cinzento, mas raios de sol apareciam entre alguns espaços.

— Sabe o que costuma me acalmar? — ele perguntou. — O céu. Sempre que preciso me
acalmar, ou renovar as energias, ou apenas preciso de um tempo só para mim, eu olho para ele.
Eu amo o céu e tudo o que ele representa para mim. — Thomas sorriu para si mesmo. — Me
ajudou em muitos momentos difíceis.

— Eu gosto de pensar que ele mostra que temos que ter fé na vida.

— Como assim? — Ele olhou para mim.

— Se está chovendo, eu me lembro de que o sol está atrás de todas as nuvens com toda sua
força. E a vida é mais ou menos assim. Se a gente souber lidar com a fase ruim, logo a fase boa
vem. — Ele sorriu, me olhando com um brilho nos olhos.

Percebi o quanto o achava lindo. Eu já achava isso antes de conhecê-lo, quando


acompanhava a banda, mas vê-lo pessoalmente era ainda mais incrível. Seu maxilar marcado,
seus olhos diferentes… Ele tinha um rosto masculino, mas não era muito bruto. Usava diversos
anéis em cada mão, o que eu achava muito estiloso, além de ter um sorriso fácil encantador,
apesar de não mostrá-lo ao mundo. Isso, na verdade, fazia com que eu me sentisse lisonjeada por
poder vê-lo às vezes.

Thomas tirou uma das mãos de trás da cabeça e meu puxou para um abraço. Encostei
minha cabeça e minha mão em seu peito, e ficamos algum tempo olhando para o céu,
aproveitando aquele momento.

Quando finalmente chegamos ao apartamento, Nana já estava nos esperando lá dentro.


Achei que ela estranharia ou se assustaria com os machucados de Thomas, mas ela pareceu até
mesmo um pouco entediada.

Apoiada na porta da sala, fiquei observando enquanto ela cuidava dele no sofá.
— Tenho a impressão de que você já fez isso algumas vezes, Nana. — Cruzei os braços.

— Algumas? — ela perguntou, fazendo Thomas dar uma risadinha.

A habilidade de Nana era impressionante. Ela teve que cortar o supercílio de Thomas para
que o sangue acumulado saísse, mas rapidamente deu pontos no corte. O olho ainda estava bem
ruim, mas definitivamente não tão inchado como quando ele me encontrou. O machucado era tão
sério que me fez imaginar como deveria ter sido aquela briga e como Peter estaria.

Nana entregou um pacote para Thomas, que agradeceu após revirar os olhos, para variar.
Antes de sair, ela me abraçou e me lançou um olhar intenso; não precisou dizer nada para que eu
entendesse. Ela era uma senhora muito esperta.

Thomas deitou no sofá, suspirando alto. Continuei na porta, apenas o observando.

— O que foi? — Ele sorriu.

Pensei um pouco antes de responder.

— Depois de três semanas sem ao menos se lembrar de mim, você chegou, me beijou e
aqui estamos. Acha mesmo que as coisas são tão simples assim?

Ele se levantou de repente, ficando sério. Depois de manter os olhos fixos em mim por um
tempo, voltou à posição daquele primeiro dia, com as mãos sobre a boca. Então, ele ficou
encarando o vazio.

— Você sabe que não vai poder contar nada para ninguém sobre nós dois, não é?

— Eu sei. E é por isso que acho que não vai dar certo. Você ainda tem quatro anos de
contrato. Acha mesmo que você conseguiria me esconder por tanto tempo? — E aí eu percebi o
que acabara de falar e me arrependi instantaneamente. — Não quis dizer que estamos em um
compromisso nem nada disso, foi só maneira de falar. Eu quis dizer que, se ficarmos nos vendo,
uma hora vão descobrir. A mídia sempre descobre tudo.

Ele balançou a cabeça, concordando.

— Mas por sorte ainda temos um tempo até este olho sarar. Vem cá. — Ele me lançou um
meio sorriso que eu já amava. — Ei, o que é isso no seu pulso?

— Minha nova tatuagem! Eu estava louca para fazer outra e…

— Outra? — Ele levantou uma sobrancelha.

Ignorei sua interrupção e continuei:


— Como eu amo música, achei esta perfeita. Não doeu muito. Estou completamente
apaixonada por ela.

— Ficou ótima em você. Agora… outra? — Ele levantou as duas sobrancelhas dessa vez.

— Adoraria saber o que as suas tatuagens significam, aliás. Fiquei surpresa com a
quantidade. Eu jamais teria desconfiado se não tivesse te conhecido.

— Te conto quando você me mostrar sua outra tatuagem.

— Nem vem — respondi, presunçosa. — Ela está muito bem escondida, obrigada.

— Ah, sim. Espero encontrá-la muito em breve. — Ele sorriu e me puxou para um beijo.

Ele tinha muito para me explicar, mas, por ora, um beijo daquele me pareceu o suficiente.
Capítulo 16

Passamos a nos ver praticamente todos os dias. Estava cada vez mais difícil esconder de
Esra o que eu estava fazendo, mas, como ela passava mais tempo com Hans do que em casa, eu
conseguia escapar de suas perguntas.

Thomas e eu ríamos o dia inteiro, ele era muito carinhoso comigo. Não voltaria para sua
rotina enquanto seu rosto não estivesse sem marcas, então ficamos livres de Louisa também.

Todos os dias eram incríveis.

Certa vez, cheguei ao apartamento de Thomas e logo senti o cheiro de panquecas no ar. Ele
estava cozinhando para mim; comemos panquecas o dia inteiro. Doces, salgadas, frias e quentes,
até deitarmos no chão da cozinha por estarmos sem condições de nos mexer de tanto que
havíamos comido.

Em outro dia, fiz brigadeiro e ele até fingiu desmaiar porque o sabor era bom demais, me
fazendo rir tanto com sua reação que minha barriga ficou doendo por horas.

Às vezes, nos arriscávamos nas ruas nos horários em que a maioria das pessoas estava
trabalhando para vermos os grafites de Shoreditch e para vasculharmos as várias lojas e brechós
que preenchiam o bairro, que era sensacional.

— Eu moro aqui desde pequeno. Já viajei o mundo, mas não me vejo em nenhum outro
lugar — disse Thomas enquanto comprávamos chocolates em uma vendinha.

Correspondi ao seu sorriso, contente por ele estar feliz por mais que tivesse que andar
encolhido, de óculos escuros e capuz na maior parte das vezes. Era bom vê-lo sorrir, me fazia
bem. Me peguei em diversos momentos fazendo piadas bobas apenas para que ele desse aquela
risada do tipo “você é péssima”.
Enquanto voltávamos para casa com uma sacola cheia de chocolates e doces — nós
estávamos planejando uma maratona de filmes naquela tarde —, me perguntei se ele sentia o
mesmo que eu. Por mais que estivéssemos bem, ele não costumava dizer o que sentia. Nosso
relacionamento apenas aconteceu, sem explicação.

Estávamos quase chegando ao prédio quando ele pegou minha mão e levou até seus lábios
para beijá-la suavemente.

— Você fica linda quando está pensativa após comprar uns dez quilos de chocolate.

Dei risada e beijei sua mão, como ele havia beijado a minha. Algo diferente se acendeu em
meu coração, me deixando momentaneamente preocupada. Ele então me jogou um meio sorriso
e colocou o braço em meus ombros, me puxando para mais perto. Não pude evitar fechar os
olhos quando ele plantou um beijo carinhoso em minha testa.

Tentei lembrar como era minha vida antes de Thomas, mas eu já não conseguia. Me
perguntei se aquela sensação era um bom ou mau sinal.

Em uma sexta-feira, tive prova na escola e fui dispensada mais cedo. Decidi ir direto para a
casa de Thomas.
Quando cheguei, Thomas ligou uma música no último volume.

— Me concede essa dança? — ele pediu, fazendo uma reverência. Estendi minha mão e ele
me puxou para o meio da sala, onde ficou me girando e dançando comigo. Devo ter pisado em
seu pé umas três vezes, mas ele não ligou. — Nada como começar um dia girando com você.

— Certo. — Dei risada. — Por que estamos dançando assim? Está tocando Lorde, não
valsa.

— Não importa. Você é minha princesa, merece uma valsa — ele disse, me fazendo corar.
Eu nunca estava preparada para aqueles momentos fofos repentinos. — Adoro quando você fica
assim. — Ele riu e beijou o canto da minha boca.

— Eu adoro você. — Eu o abracei, com medo de ver sua reação às minhas palavras.

Ele me abraçou de volta, mas não me disse nada. Apenas colocou o rosto em meu pescoço
e beijou a região abaixo da minha orelha. Continuamos assim até a música acabar, quando ele se
afastou.

— Quero fazer uma coisa. Vamos sair?

— Claro.

Apesar de ele estar agindo normalmente, tive que fazer certo esforço para não demonstrar
minha decepção ao responder. Eu esperava que ele dissesse algo sobre minha declaração.

— Ei, venha aqui.

Ele me puxou para um abraço. Colocando suas mãos na minha cintura, me guiou
gentilmente até a parede, na qual encostei minhas costas. Passei meus braços por seu pescoço, e
ele me beijou lentamente. Sua mão subiu para o meu rosto, fazendo carinho em minha bochecha.
Apertei um pouco seu cabelo entre meus dedos, tentando retribuir o carinho. Com um braço
ainda em minha cintura, ele me puxou ainda mais para perto.
Nada era tão bom quanto estar com Thomas. A sensação era incrível.

— Ei — ele sussurrou de repente, me fazendo abrir os olhos. — Você é especial para mim,
ok? — Seu sussurro fez cócegas em minha pele e uma sensação calorosa se espalhou por meu
corpo. Sorri e o beijei devagar. Dessa vez, eu também não disse nada. — Agora vamos — disse,
indo em direção à porta. — Senão vou ficar aqui para sempre te beijando.

— Hm — foi tudo o que consegui dizer, indo atrás dele.

— É, eu sei. Também não acho uma má ideia.

— Aonde nós vamos? — perguntei, me encolhendo.

O vento estava um pouco gelado. Coloquei uma mão no bolso e a outra estava no bolso do
casaco de Thomas, com seus dedos entrelaçados aos meus.

— Já estamos chegando. Você vai ver.

Caminhamos em silêncio, observando o bairro, que estava calmo. Acabamos entrando em


um estúdio de tatuagem, e eu logo fiquei animada.

— E aí, cara? — Thomas falou ao tatuador atrás do balcão, que mexia no celular.

— Graças a Deus! — O rapaz imediatamente largou o celular e cumprimentou Thomas,


que já estava sem os óculos e retirava o casaco.

— Thomas, o que você… — comecei a falar com urgência, mas ele logo me interrompeu:

— Não se preocupe, ele é um dos meus melhores amigos. É neto da Nana. — O rapaz
sorriu para mim enquanto Thomas o apresentava. — Ele fez todas as minhas tatuagens. —
Thomas colocou o casaco em uma cadeira. — Matt, essa é a Isabella.

— E aí, Isabella? — Ele pareceu ser simpático, assim como Nana. — Cara, ainda bem que
você apareceu. Estou sem clientes há uns três dias, estou louco pra tatuar alguém. — Matt
suspirou. — Eu estava quase tatuando a mim mesmo.

— Como se você nunca tivesse feito isso antes… — Thomas provocou.

— Você entendeu. O que vai ser hoje?

— Quero fazer aquele lobo que tínhamos combinado.


— Legal! Vou preparar tudo.

Matt se afastou, e aproveitei para falar com Thomas:

— Por que você me trouxe? E ainda me apresentou a ele! — Arregalei os olhos conforme
cochichava.

— Calma, Bel. — Ele beijou meu rosto, e disparei meu olhar para Matt, que estava de
costas. — Ele é meu melhor amigo. Ele e Nana jamais contariam algo a alguém. Não se
preocupe, ok?

— Ok, então — respondi, já me perguntando se ter sido apresentada a seu melhor amigo
significava alguma coisa.

Thomas foi conversar com Matt enquanto fiquei esperando. O estúdio era bem legal. Eu
havia feito minha tatuagem em outro. Aquele era menor e mais aconchegante.

Após uma conversa rápida, Thomas se sentou e apoiou o braço de maneira que Matt
pudesse tatuá-lo. Eles ficaram no fundo da loja e bateram papo durante a sessão, Thomas
gesticulando o tempo todo. Em alguns momentos, ele me encarava como se estivesse falando de
mim. Quando me pegava olhando para ele, sorria.

A sessão durou cerca de três horas. Consegui ver cada livro de desenhos disponível e ainda
fiquei um bom tempo mexendo no meu celular. Minhas duas tatuagens eram pequenas, então
foram rápidas de fazer. Aquela foi a primeira vez que eu fiquei tanto tempo em um estúdio de
tatuagem e em nenhum momento vi Thomas reclamar de dor ou fazer careta, o que não me
deixou surpresa. Ele tinha tantas tatuagens espalhadas pelo corpo que provavelmente nem ligava
mais para a dor.

— Aí está — Matt finalmente disse, retirando a máscara da boca.

— Ficou incrível. Valeu, cara. — Thomas veio em minha direção enquanto Matt começava
a jogar fora as agulhas e todas as coisas que usou. — O que você acha? — Ele estendeu o
antebraço direito para mim.

Um lobo me encarava intensamente com seus olhos azulados, segurando uma rosa
vermelha com a boca. A riqueza de detalhes era impressionante.

— Uau — foi tudo o que consegui dizer.

— Estava louco pra fazer essa tattoo em você — Matt disse, aprovando o próprio trabalho.
— E você, moça? Não quer fazer nada?
— Ah, não, obrigada. Fiz esta aqui recentemente. — Levantei o pulso para que ele pudesse
ver. — E estou meio sem dinheiro. Mas eu agradeço.

— Eu pago pra você — Thomas ofereceu, nem ligando para Matt, que montava o curativo
em seu braço.

— Não, não. Obrigada. Eu nem tinha pensado em nenhum outro desenho ainda.

— Eu faço piercings também! — Matt sorriu.

— Piercings? — Minha mão voou instantaneamente para minha orelha sem que eu pudesse
evitar.

— Ela vai fazer um piercing, então — disse Thomas. — Vou passar tudo no cartão, Matt.
— Thomas pagou por tudo sem me deixar protestar um minuto sequer. — É um presente, Bel,
relaxa.

E lá estava eu, me olhando por um espelho de mão trinta minutos depois com uma cara de
quem segurou choro, uma dor horrorosa na orelha, um pouco de sangue em alguns algodões e
com uma argolinha prateada pendendo orgulhosamente da minha orelha.

— Eu amei! Obrigada, Matt! — falei alegremente. — Obrigada — disse então a Thomas,


que ainda segurava minha mão e sustentava um sorriso de orelha a orelha. Ele se inclinou e
beijou meus lábios rapidamente bem na frente de Matt, que não disse nada.

— Não foi nada. — Ele apertou minha mão com carinho.

Me despedi do rapaz e fui para a calçada. O vento gelado de Londres ajudava quando
atingia minha orelha recém-furada, que parecia estar fervendo. Thomas ficou mais alguns
minutos conversando com Matt dentro do estúdio, vestindo o casaco e colocando de volta os
óculos de sol.

Um táxi passou pela rua e me perdi em pensamentos, ignorando a orelha, que pulsava.

— Oi, moça. — Thomas me cutucou. — Pronta para voltar pra casa?

— Claro. — Beijei o canto da sua boca, e fomos caminhando silenciosamente de volta para
seu apartamento. Meu coração bateu mais forte quando ele disse “pra casa”, mas decidi não falar
nada. — Afinal, por que você tatuou um lobo? — perguntei quando chegamos.

— Hm… — Sua voz veio abafada da cozinha. Ele estava preparando o almoço. — É meio
pessoal, na verdade.
— Ah, é claro.

Escolhi um DVD qualquer e coloquei na TV, fingindo que não me incomodei com sua
resposta sobre a tatuagem íntima demais. Thomas apareceu com alguns sanduíches, me fazendo
esquecer momentaneamente que eu estava chateada. Comida fazia um pouco a minha mente.

Depois de comer, acabamos os dois adormecendo no sofá.

— Ei, dorminhoca. — Thomas acordou primeiro que eu. — Estou feliz demais por você
estar aqui — ele sussurrou.

Nós havíamos dormido nos braços um do outro, e o abraço de Thomas estava quente e
aconchegante. Ficamos nos olhando por um tempo. Apesar das coisas estarem indo bem entre
nós dois, muitas vezes nós trocávamos olhares intensos, como se soubéssemos que logo nossa
bolha estouraria.

Tudo parecia um sonho. Estar com ele ali, beijá-lo, dormir ao seu lado… Ainda não
tínhamos dado mais nenhum passo na nossa… “relação”, mas era ótimo estar ao seu lado. Vê-lo
compondo e cantando aquecia meu coração.

— Estou feliz demais por estar aqui — respondi, me aconchegando ainda mais em seu
peito.
Capítulo 17

No domingo seguinte, Louisa ligou para Thomas, o que me incomodou muito. Eu sabia
que ele ainda estaria com ela por algum tempo, mas era chato não poder dizer nada.

— Sim, eu sei, eu sei. Eu não sou burro, sabe? — Ele se irritava mais a cada frase dela.
Fiquei na cozinha, espiando. Ele andava de um lado para o outro, e eu me esquivava para dentro
da cozinha toda vez que ele olhava em minha direção. — O quê? Mas quem foi que deu essa
ideia? — Silêncio. — Foi ideia sua? — Mais silêncio. — É impressionante o quanto você é
folgada! — Era estranho ouvir aquela meia conversa e pensar nas fotos que saíam na internet e
nas revistas. — Ok, Louisa, ok. Não tem nada que eu possa fazer mesmo. Tchau. — E ele enfim
desligou.

Me apoiei no batente e vi que ele havia se jogado no sofá, cobrindo os olhos com as mãos.
Uma delas ainda segurava o celular, que mostrava a foto de tela, mas apagou antes que eu
pudesse entender o que estava ali. Por algum motivo, o celular dele era zona proibida.

— Alguma novidade?

— Parece que eu tenho uma festa de aniversário marcada para sexta-feira que vem. — O
aniversário dele! É claro! Vinte e dois de abril, como eu pude esquecer?!

— E isso é ruim porque…

— Porque eu não quero uma festa. Eu tinha feito outros planos. — Ele me olhou de
soslaio.

— Hm.

Perguntei a mim mesma como uma pessoa poderia ficar triste com uma festa de
aniversário. Eu costumava começar a planejar a minha uns dois meses antes da data.

Ele então olhou para mim com intensidade.

— Você vai.

— Hm… Provavelmente, não.

— Não, Bel. — Ele riu. — Não foi uma pergunta. Vai ser uma festa à fantasia. Você vai.

— Mas…

— Shhh! Pare de pensar um pouco e venha aqui.

Thomas me colocou em seu colo e me beijou com suas mãos pousadas em minhas
bochechas. Ele se afastou, tirando uma mecha de cabelo do meu rosto. Ficamos nos olhando,
como sempre. Eu não fazia ideia do que se passava na mente dele, mas a única coisa que
conseguia pensar era que eu tinha sorte, embora soubesse que aquela sorte acabaria em breve.

Ele se inclinou, colocando a mão em meu cabelo, mas se deteve quando encostou em
minha cicatriz.

— Você não sabe o quanto me odeio por ter feito isso com você.

— Deixe isso para lá, ok? É meio trágico, mas sem isso não teríamos nos conhecido.

— É verdade. Mas devíamos ter ido à polícia pelo menos… — Ele não olhava mais em
meus olhos.

— Ei… — eu disse com carinho, levantando seu rosto até que seus olhos alcançassem os
meus. — Sim, teria sido o certo. Mas você pelo menos me ofereceu cuidado médico e me deu os
medicamentos. De qualquer maneira, já passou. Apenas tome o triplo de cuidado agora.

— Sim, com certeza. — Ele me beijou de novo, parecendo um pouco menos chateado. —
Vou tomar um banho.

Ele foi para o banheiro, me deixando sozinha na sala. Notei alguns papéis em cima da
mesa e fui dar uma olhada. A maioria era anotações de letras incríveis. Músicas que eu nunca
ouvira, e eu realmente não conseguia imaginar a Bad Reputation cantando boa parte delas.

Depois que eu soube como as coisas funcionavam, eu desejava que aquelas letras ficassem
guardadas até que Thomas pudesse seguir carreira solo. A maioria das músicas de Thomas falava
sobre amor e perda… Basicamente, sobre sentimentos. As da Bad Reputation geralmente
falavam sobre festas, viagens e dinheiro. Quando eram sobre amor, era mais sobre curtir a vida
com alguém, não necessariamente sobre emoções. Não que as músicas da Bad Reputation
fossem chatas, nada disso. Mas, com o tempo, os CDs deles começaram a parecer um pouco
vazios.

Encontrei a letra e a partitura de My Lullaby. Passei anos estudando música, mas eu ainda
não havia dominado totalmente aquele tipo de leitura. Comecei a cantar, já que sabia a letra de
cor há muito tempo.

I don’t know what you did to me

But my nights ain’t the same

Your touch, your kiss, you, baby

I got no one else to blame.

Your voice, your scent, your smile

Saved me from the dark

I’ll never be the same

If the world break us apart

My lullaby, my lullaby.

Can’t live without kiss you goodnight.

My lullaby, my lullaby.

Don’t you ever leave without saying goodbye.

My lullaby, my lullaby.

When I’m with you everything’s is all right

My lullaby, my lullaby

You’re the best dream of my nights.1


Fazia tanto tempo que eu não cantava… Eu me sentia muito bem! Estava completamente
feliz, percebi de repente. Meu intercâmbio se superava a cada dia, meu inglês estava ótimo,
ganhei amigos novos… Londres já era minha segunda casa e, é claro, eu encontrara Thomas.
Então fiquei emocionada sozinha, sentindo uma gratidão que eu nunca sentira antes.

Abri meus olhos e levei um susto ao ver Thomas parado na sala com a toalha enrolada em
seu corpo. Seu cabelo estava cada dia mais comprido e parecia ainda maior quando molhado.
Pela primeira vez, pude ver todas as suas tatuagens. Seus dois braços estavam praticamente
fechados por desenhos que variavam em estilos e cores. Havia algo escrito em seu peito, mas não
consegui identificar de longe, além das rosas na cintura que eu já conhecia e o lobo recém-
tatuado. Vi também uma cruz na costela e uma clave de sol entre o peito e a cintura. Reparei que
o olho dele já estava bem melhor, apenas levemente arroxeado.

— Thomas! Ai, meu Deus, que susto! — Coloquei a mão no coração. Eu dei um pulo e
várias folhas se espalharam pelo chão. Ele continuou me encarando. — Desculpe ter mexido nas
suas músicas. Eu só fiquei curiosa, não vou mais mexer. — Comecei a recolher as folhas do chão
o mais rápido que pude.

— Isabella…

Olhei para ele.

— O quê?

— Como é que, pelo amor de Jesus, eu não sabia que você canta?

Um sorriso começou a surgir em seu rosto.

— Ah, eu só faço isso de vez em quando, não é nada demais. — Juntei as folhas o mais
rápido que pude e coloquei em cima da mesa. — Vamos comer alguma coisa? Estou com fome!
— Fui andando em direção à cozinha, mas Thomas me puxou pelo braço.

— Bel, pare de mudar de assunto. É sério, sua voz é incrível.

— Obrigada, mas não quero falar sobre isso. — Me afastei e fui para o quarto.

— Bel, espere. — Tranquei a porta. Eu amava música do fundo do meu coração, mas
carregava lembranças amargas quanto à minha voz e quanto a quem eu era na música. Então
gostava de manter tudo aquilo só para mim. Definitivamente, não queria que Thomas soubesse
de tudo aquilo. — Você está chorando? — A voz dele saiu abafada atrás da porta.
— Não. — Mas eu não consegui disfarçar minha voz embargada, e Thomas percebeu.

— Bel, o que foi? Vamos conversar. — Eu não respondi e fiquei na cama por um tempo,
até adormecer.

Algumas cicatrizes são mais difíceis de superar que outras.

Acordei com Thomas sentado à janela, ainda sem camisa e com uma calça de moletom.
Ele estava escrevendo algo e às vezes parava para olhar através do vidro. Uma chuva torrencial
caía e era possível ouvir alguns trovões ao fundo.

Não fingi que ainda estava dormindo, mas não chamei atenção para o fato de estar
acordada. Fiquei o observando enquanto ele observava o papel, pensativo. Ficamos assim por
alguns minutos.

— Pode falar quando quiser. Eu sei que você está acordada — ele disse, ainda escrevendo
e sem olhar para mim.

Suspirei.

— Oi. — Minha voz saiu fraca.

Ele finalmente me encarou.

— Oi. — Thomas recostou as costas na parede e ficou esperando.

Suspirei mais uma vez.

— Como você entrou?

— Eu tenho outra chave, que fica guardada na sala. Não tente evitar o assunto. — Ele
franziu o cenho. — Fiquei muito chateado com você por ter fugido de mim daquele jeito.

— É uma história muito longa, eu realmente não quero falar sobre isso.

— Mas…

— Por favor. — Eu me sentei na cama, abraçando os joelhos.

Ele deu de ombros.

— Ok, mas queria que você soubesse que senti uma emoção indescritível vendo você
cantar a música que eu escrevi.

Dei um sorriso fraco, apertando os lábios. Ele balançou a cabeça em negativa e voltou a
escrever. Ficamos um tempo assim, com o clima um pouco estranho. Eu não queria ter estragado
o dia, mas não pude evitar. Todo mundo carrega sua sina, não é?

Pela primeira vez em muito tempo, eu estava em um novo… em algo novo e simplesmente
não sabia como lidar com aquilo. A questão de dividir segredos, apoio e todas essas coisas… O
único relacionamento que tive não fora exatamente uma boa base. Na verdade, tinha sido uma
péssima base. Sem falar que eu era a pessoa que fazia as perguntas e escutava, não era de falar
muito sobre mim.

Imaginei se Thomas já tivera algum relacionamento sincero.

— Você já namorou alguma vez? — perguntei de repente.

— O quê? — Ele franziu o cenho, parando de escrever. — O que você quer dizer?

— Quero saber se você já esteve em um relacionamento real, sem que ele fizesse parte de
um contrato, no qual o sentimento era recíproco.

— Ah, acho que sim, mas não tenho certeza.

— Como assim?

— Namorei uma menina no ensino médio, mas ficamos juntos por pouco tempo… Uns
seis meses, acho.

— Entendi.

— Por que a pergunta? — Suas costas ficaram eretas.

— Acha que a gente leva cicatrizes de um relacionamento para sempre?

Ele semicerrou os olhos.

— O que ele fez?

— Ele quem? — Engoli em seco.

— Eu não sei, me diga você. Seu ex-namorado, acredito eu. O que ele fez? — Thomas
deixou o caderno próximo à janela e veio se sentar ao meu lado na cama.

— Não quero falar sobre isso. — Ele estava prestes a protestar quando acrescentei: — Um
dia eu te digo, mas não hoje.
Ele me abraçou, e me senti melhor na mesma hora. O abraço de Thomas sempre me
acalmava.

De repente, uma batida estrondosa surgiu e a voz de um homem gritou o nome de Thomas
a plenos pulmões.

— Isso não pode estar acontecendo. — Ele fechou os olhos.

— O que foi? — perguntei, alarmada.

— Se esconda. Merda, se esconda, Bel. Em qualquer lugar, mas agora!

Ele saiu em direção à sala, me deixando ali, desesperada. Quem poderia ser? Olhei em
volta e decidi me esconder entre a cômoda e a porta. Assim que me encaixei, ouvi a porta da
entrada se abrindo com tudo.

— Veja só, finalmente te encontramos.

Com espanto, reconheci a voz de Peter pelas entrevistas que eu já havia assistido. A voz
dele era bem diferente enquanto cantava.

— O que vocês querem? — Thomas disse, e percebi que ele tentava controlar a voz.

— Peter, vamos embora. — A voz de Willian chegou ao quarto. Ele realmente sempre
pareceu o elo da banda, o mais calmo.

— Eu não vou embora! Era pra ele ter voltado há muito tem… Espere um minuto. — De
repente, silêncio. Meu coração batia tão forte em meu peito que fiquei com medo que eles
ouvissem. — Tem uma garota aqui, não tem? Eu sei que tem! — Peter gritava, e sua voz se
afastou.

— O quê? Não tem ninguém aqui. — Thomas gritou de volta.

— Tem, sim! Estou sentindo o cheiro da merda do perfume dela! — E então a voz dele
ficou mais próxima.

Em pânico, percebi que ele estava me procurando.

— Mas que merda, Peter, já falei que não tem ninguém! — Thomas gritou, seguindo Peter
em todos os cantos. Eu esperava que Peter não tivesse notado a ponta de desespero na voz de
Thomas.

Me encolhi o máximo que pude, tentando controlar o barulho da minha respiração. Por
sorte, a porta encontrava a cômoda e, contanto que Peter não a fechasse, ele não me veria ali.
Ele abriu a porta do banheiro e então chegou ao quarto.

— E essa cama desarrumada? Coitada da Louisa.

Fechei os olhos com força.

— Coitada? — Thomas gritou. — Coitada? Você acha que eu não sei que você dorme
com ela toda merda de dia? Você é um imbecil!

Peter começou a rir.

— Que bom. Facilita as coisas para mim. — Ele continuou a rir. — Aliás, ela me disse que
sou muito, muito melhor que você na cama.

O quê?!

— É, mas no final é para mim que ela planeja as festas e é a mim que ela assume em
público, não é, Peter? — Eu nunca ouvi tanto veneno na voz de Thomas. — Quantas vezes você
pode andar em público de mãos dadas com ela? Ir aos eventos? Postar fotos?

— Grande merda — Peter disse com deboche. — É meu nome que ela geme durante a
noite.

Eles então se agarraram, batendo na porta, que foi um pouco para frente. Se eles dessem
um passo para trás, me veriam.

— Parem, parem com isso. Parem agora! Mas que inferno! — Willian gritou enquanto
tentava separar os dois, o que aconteceu rapidamente. Percebi com pesar que Willian devia fazer
aquilo com mais frequência do que ele gostaria. — Vocês pelo menos se lembram de que já
foram melhores amigos? Caramba! Vamos embora agora, Peter! Agora!

Alguém, provavelmente Willian, foi em direção à porta.

— Nós ainda temos umas coisas para resolver — Peter disse com uma voz ameaçadora e
alguns segundos depois a porta da frente bateu.

Thomas continuou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade. Então começou a me
procurar.

— Bel? — Eu não conseguia responder ou me mexer. — Bel? Eles já foram. Onde você…
Ah, oi. — Ele abriu a porta e me viu encolhida. Eu me sentia humilhada, escondida no canto do
quarto enquanto ele sorria para mim. — Bel, eu…

— Você mentiu para mim. — Levantei e passei direto por ele.


— O quê? Não, eu juro, eu não menti! — Ele me seguia conforme eu juntava minhas
poucas coisas que estavam espalhadas pelo seu apartamento. Um casaco, minha carteira e meu
celular, que, na verdade, por muita sorte Peter e Willian não tinham visto. Fiquei calada, sem
olhar para ele. — Bel, por favor. — Eu me recusava a olhar para ele. — Bel…

— Pare de me chamar assim! — Explodi de repente. — Que merda, Thomas, não vou
ser… sei lá, uma porcaria de amante!

Abri a porta e bati na cara dele antes que ele pudesse fazer alguma coisa. Desci correndo
pelas escadas e fui em direção à estação de Shoreditch sem olhar para trás.
Capítulo 18

Eu provavelmente nunca chorei tanto na vida. As pessoas que passavam por mim me
encaravam, mas eu não ligava. Não conseguia pensar em mais nada a não ser a dor que eu sentia
no meu coração. Era como se estivessem dando nós sem parar, fazendo-o ficar cada vez mais
retorcido em meu peito.

Pior do que se entregar para uma pessoa que mal conhece e acabar — não adiantava mais
negar — se apaixonando por ela, só se entregar para uma pessoa que estava te usando.

Thomas ligava sem parar para o meu celular, então decidi desligá-lo. Eu só não o jogava
fora porque havia sido muito caro e porque eu precisava dele.

As palavras de Thomas ainda reverberavam pela minha mente, e meu coração doía cada
vez mais. E doía, e doía, e doía. Me perguntei se algum dia aquilo iria passar.

Eu jamais imaginaria que estava sendo usada como uma vingança para uma traição, sendo
usada para fazer ciúmes. Fiquei imaginando como ele contaria aos garotos que estava comigo,
uma fã ridícula que ele encontrou por aí só para fazer com que Louisa deixasse Peter e voltasse
para ele. E o pior foi ele ter vindo com aquele papo de que todos os seus namoros eram
contratuais, e, meu Deus, eu acreditei em tudo. Como pude ser tão ingênua depois de todos os
filmes e livros que eu já havia visto e lido, depois de tudo que passei com o idiota do Leonardo?!
Óbvio que ele ainda era apaixonado pela Louisa.

Eu seria a típica “fã desesperada que faz tudo pelo ídolo”. Ridículo!

Qual era o problema dele afinal? Como pôde se aproveitar de mim daquela maneira? Sem
falar que Louisa jamais teria ciúmes de alguém como eu. A ideia chegava a ser ridícula. E, ainda
assim, lá estava eu, dedicando quase todo meu tempo a uma pessoa que planejava me humilhar
para humilhar uma terceira.

Eu me sentia um lixo!

Como sempre, meu peito ardia com a decepção. Eu sempre tive fé demais nas pessoas, de
modo que acabava me machucando. E lá estava mais um exemplo para minha história de vida.

Assim que virei a esquina, vi o carro dele parado em frente à minha casa. Saí correndo e
entrei em casa antes que ele pudesse me alcançar. A fama de Thomas tinha lá suas vantagens.
Bastava ir para algum lugar público e pronto: ele não poderia me alcançar.

Eu estava encostada na porta quando percebi que Li estava na sala, se exercitando. Ela
olhou para o meu rosto, que devia estar parecendo um tomate por causa de tanto choro, e ergueu
uma sobrancelha. Fechei os olhos, me preparando para o comentário ácido que ela faria.

— Você está bem? — Meus olhos se abriram tão rápido que até me deu uma leve dor de
cabeça. Sua voz tinha sido muito mais empática do que eu imaginava.

— Não — respondi, fungando. — Mas vou ficar. Obrigada. Mesmo.

— Certo — ela disse e então voltou a me ignorar completamente.

Subi rapidamente para que Esra não me visse. Espiei enquanto subia as escadas e vi que
ela estava no telefone com Hans, olhando pela janela. Aproveitei o momento para sair correndo e
me tranquei em meu quarto.

Eu estava tão cansada de toda aquela batalha emocional que já fazia parte da minha rotina
que decidi finalmente usar minha banheira. Usei alguns sais de banho que ainda estavam
intactos.

No minuto em que liguei novamente meu celular, a tela se acendeu e ele começou a vibrar
com uma chamada de Thomas, mas ativei o modo avião. Tudo que eu queria era ouvir música e,
ao colocar no modo aleatório do aplicativo, My Lullaby encheu o banheiro com sua melodia, é
claro.

Pela primeira vez, a música pareceu triste para mim, como se fosse uma ilusão. Fechei os
olhos e fiquei chorando pelo que pareceram horas, até meus dedos ficarem enrugados por conta
da água e eu não sentir mais nada, só o vazio dentro de mim.
A manhã de segunda-feira chegou fria. Estávamos no meio de abril, mas, para mim, o
clima ainda era cruel às vezes.

Eu estava sem cabeça alguma para ir à aula e decidi sair para conhecer mais a cidade.
Quando desci, Li estava se preparando para sair. Peguei qualquer coisa para comer no armário e
saí junto com ela.

Como eu suspeitava, o carro de Thomas ainda estava lá, mas andei perto o suficiente de Li
para que ele não pudesse sair. Decidi ir até Camden Town, o bairro em que a Amy Winehouse
morava. Pensei em ir a Notting Hill, mas era romântico demais para meu estado de espírito
naquele momento.

Camden Town me surpreendeu em cada esquina. As lojas eram diferentes e as pessoas,


mais ainda. O bairro era formado por uma mistura de construções de tijolinhos com lojas cujos
letreiros eram em relevo, gigantescos e coloridos. Uma delas tinha um dragão e a outra, um tênis
gigante. Era incrível.

Caminhando pelo local, vi homens de lápis de olho, batom preto, botas de spikes com
plataformas enormes e calças com correntes penduradas e mulheres com corpetes apertadíssimos
e até mesmo uma cauda peluda pregada à roupa.

Camden Town era definitivamente o bairro da diversidade. Havia também alguns


conjuntos de barraquinhas que formavam uma espécie de mercadão, não resisti ao moletom
college com o nome da cidade estampado. Ele era lindo, e eu estava louca por um daqueles desde
que chegara à cidade.

Como sempre, eu me sentia mais cheia de cultura e aprendizado a cada lugar que via.
Londres tinha muito a oferecer. Muito mais que um relacionamento falso, com certeza.

Encontrei um restaurante brasileiro perto da estação de metrô, o que me garantiu um pouco


de alegria, e almocei um prato maravilhoso de arroz e feijão. Eu morria de saudades de casa e
não podia nem sonhar em contar para minha mãe tudo o que estava acontecendo. Comer aquela
comida aqueceu um pouquinho meu coração.

De lá, fui para a Oxford Street. Eu não planejava comprar nada, mas entrei em uma
livraria, intrigada. Eu já terminara de ler os dois livros que havia levado para a viagem e meu
inglês estava muito melhor, então acabei comprando outro livro. Seria mais um desafio e
também mais uma maneira de manter minha mente ocupada.

Eu não queria nada pesado e definitivamente não queria nada romântico. Acabei
ironicamente comprando o primeiro livro da saga Harry Potter. Eu amava os filmes, mas nunca
havia lido nenhum dos livros, o que era quase uma blasfêmia, eu sei.

Passei o resto da minha tarde perto da Tower Bridge. Fiquei sentada em alguns degraus à
beira do rio, lendo meu livro. Thomas me ligava e mandava mensagens sem parar, e eu só não
desliguei o celular porque minha mãe comentou sobre eu andar muito distante, então estávamos
conversando por mensagens.

O céu começou a formar um pôr-do-sol lindo, alaranjado. Por um momento, quis que
Thomas não tivesse feito nada daquilo, que ainda estivéssemos juntos e que ele pudesse estar ali
comigo para observar o quão fantástica Londres era. Mas ser usada doía demais.

O tempo foi passando devagar.

Eu estava longe, muito, muito longe de superar meus sentimentos por Thomas, mas eu
mentia, dizendo a mim mesma que nada acontecera e que nós simplesmente não podíamos ficar
juntos.

Às vezes, eu quase acreditava. Quase.

Eu continuava ignorando suas ligações e mensagens, provando que eu conseguia ser mais
forte do que eu pensava.

Na quinta-feira, Diego me chamou para ir ao pub com o pessoal, e eu decidi ir. Ficar em
casa remoendo tudo era o que eu menos precisava.

Quando cheguei, apenas Diego, Hans e Esra estavam lá. O casal estava bem ocupado
beijando um ao outro loucamente, como se não houvesse ninguém em volta. Sério. Eu estava
quase sugerindo que eles procurassem um quarto. O coitado do Diego parecia não saber mais
onde enfiar a cara.

— Então você me chamou para um encontro de casais ou foi para eu te salvar dessa…
melação? — Comecei a rir.

— Você vai ficar muito brava se eu disser os dois? — Ele sorriu, esperançoso.
— Ai, Diego, fala sério! — Balancei a cabeça. — Há quanto tempo eles estão se agarrando
assim?

Ele olhou para o relógio de pulso.

— Há seis minutos e meio e contando.

— Haja fôlego. — Dei risada.

Pedimos nossas bebidas e rapidamente embalamos uma conversa de bar. Diego era uma
pessoa que nunca ficava sem assunto e a cada novo copo que tomávamos parecia que tínhamos
ainda mais o que dizer.

Quase duas horas se passaram sem que Hans e Esra notassem minha presença ou nossa
conversa, que já passara de saudades de casa a se o homem havia mesmo pisado na lua, sem
deixar de passar pelo clássico “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”.

— Fala sério! — Eu já estava alegrinha. Ok, vai, um pouco além de alegrinha depois de
três drinques. — É a NASA. A NASA! — Minha voz se elevou um pouquinho. — Como você
pode achar que eles não estiveram lá?

Por conta do horário, o pub estava bem mais cheio e barulhento, então nossa conversa era
só mais uma entre as conversas de outros quase bêbados. Estávamos berrando feito loucos por
conta do barulho e nem percebíamos.

— Isa… — ele me imitou, me fazendo rir. Diego bebeu mais que eu, mas parecia
completamente sóbrio. — É Hollywood! Hol-ly-wood. Tudo foi gravado em um estúdio. A
bandeira estava se mexendo como se estivesse ventando! No espaço não tem vento!

— No espaço não tem gravidade! Por isso estava se mexendo. — Dei mais um gole, o
álcool já queimava minha garganta.

— Nem vem. Aquilo foi encenação.

— Eu não acho. — Bati meu copo na mesa.

— Mas eu acho. — Diego bateu seu caneco de cerveja, derramando um pouco sobre a
mesa, finalmente atraindo a atenção de Esra.

— Ei. Só inglês na mesa. — Ela estava toda manchada de batom.

— Ah, oi para você também, amiga. — Nós estávamos falando em português desde a hora
que chegamos.
— E aí, Coringa? — Diego falou, fazendo com que ela levantasse uma sobrancelha. — Já
se olhou no espelho? — Diego começou a rir, e Esra foi correndo até o banheiro. — Acho que
você devia ir também, Hans. — Hans assentiu. Ele não era muito de falar conosco, e foi atrás
dela. — Sabe, me desculpe se você se sentiu meio pressionada nos últimos tempos. Em relação a
mim, quero dizer — Diego disse, ficando todo vermelho.

— Não se preocupe. Sério. — Coloquei a mão em seu ombro e apertei suavemente. Dei
uma olhada no meu celular, notando cinco mensagens e três ligações perdidas de Thomas. E
também já eram onze horas da noite. — Eu preciso ir para casa! — Comecei a rir.

— Eu vou com você.

Nós pagamos a nossa conta, e fui até o banheiro, onde Esra esfregava seu rosto com água
com toda a força que conseguia.

— Estou indo embora. Diego vai embora também.

— Mas você acabou de chegar! — ela falou, me olhando através do espelho. Precisei
gargalhar!

— Pelo amor de Deus, Esra, estou aqui há mais de duas horas.

— Mentira! — Ela pareceu realmente surpresa.

— Verdade. Acho que você só está apaixonada demais para notar. — Dei risada, e ela me
mostrou a língua. — Te vejo mais tarde.

Encontrei Diego na porta, e fomos andando em um silêncio agradável. A noite estava


limpa e era possível ver algumas estrelas no céu. Canada Water era um bairro muito calmo e
aconchegante. Havia parques e árvores em todos os lugares, além de alguns lagos.

Já estávamos quase chegando à minha rua quando Diego quebrou o silêncio:

— Sabe, Isa, eu realmente gostei de você. Você entrou no pub aquele dia e abriu um
sorriso que deixou meu coração acelerado. Fazia muito tempo que eu não sentia isso por alguém
e eu achei isso incrível porque, caramba, eu tive que ir para outro país para encontrar uma garota
que fizesse com que eu me sentisse assim de novo. Só criei coragem para dizer tudo isso depois
de cinco canecas de cerveja, então me dê algum crédito, está bem? — ele falou tudo tão rápido
que não pude deixar de rir. Ele não estava tão sóbrio assim…

— Olhe, Diego… — Já estávamos entrando na minha rua. — Eu saí há pouco tempo de


um relacionamento e não ando muito disposta para começar outro. — Paramos em frente à
minha porta. — Por isso eu pedi para Esra esclarecer tudo, entende? — Meu celular vibrava em
meu bolso. Em um movimento rápido, Diego se inclinou para me beijar, mas rapidamente
abaixei a cabeça, usando o celular como uma desculpa. — Diego, eu… eu não…

Eu não queria magoá-lo, mas também não queria aquele beijo.

— Uau, me desculpe. É o álcool. — Ele encolheu os ombros, constrangido.

Ri baixinho, sem graça.

— Quando eu estiver disposta a algo, você será o primeiro a saber.

Ele retribuiu meu sorriso e me beijou no rosto.

— Tchau, Isa.

Diego se afastou, indo em direção ao ponto de ônibus. Meu celular continuava vibrando
incessantemente e, quando me virei, lá estava Thomas fora do carro, olhando em minha direção
com o celular encostado à orelha.
Capítulo 19

— Quem é ele? — Thomas perguntou, se aproximando.

— Oi pra você também. — Revirei os olhos, sem poder evitar. — É um amigo. E desde
quando eu te devo alguma satisfação? — Ele parou na minha frente com o rosto perto do meu.
— Uh, olha só quem não está com medo de ser descoberto hoje. Os paparazzi estão ocupados
com outra pessoa?

— Você está bêbada? — ele perguntou, indignado.

— Pf, eu não estou bêbada. — Dei ênfase demais na palavra. — Eu só tomei alguns
drinques. — Abanei a mão, como quem deixa pra lá.

— Ah, é, dá para perceber. — Ele balançou a cabeça, incrédulo. — Então quer dizer que
nem uma semana se passa e você já está com outra pessoa?

— Quem disse que eu estou com outra pessoa? — Minha voz saiu aguda com aquela
acusação. — Caso você não tenha percebido, eu não o beijei. Pensando bem, depois de ter me
usado como você me usou, eu deveria ter beijado.

— Pare com isso. Não foi nada disso.

— Imagine só, você fica comigo para fazer ciúmes para uma garota para ter ela de volta e
ainda se vingar do seu antigo melhor amigo, e nem um beijinho na boca eu dei! Ah, como a vida
é injusta… — Comecei a rir incontrolavelmente. — Suposto romance de Thomas Green com
uma fã deixa Louisa Jhones desesperada. — Tentei imitar os tabloides. — Louisa Jhones e
Thomas Green felizes após mal-entendido. — Eu fazia barulho de flashes e fingia que tirava
fotos com as próprias mãos. Sabia que parecia uma idiota, mas não conseguia evitar.
— Pare de falar assim! Que droga, Isabella! — A voz de Thomas tremia de frustração.

— Olhe aí meu nome inteiro outra vez! Assim que eu gosto! — Dei um tapa que eu nem
sei de onde veio em seu braço. — A gente se vê. Ou não. — Virei para entrar em casa, mas ele
me impediu.

— Bel, por favor. Me deixe explicar.

— Não, obrigada, prefiro viver! — Gargalhei sozinha enquanto ele franzia o cenho. —
Fala sério! E um tempo atrás você teve a coragem de me dizer, no andar de cima desta mesma
casa, que eu não havia visto filmes o suficiente. Você nunca viu A Era do Gelo? — O que o
álcool não faz com as pessoas…

— Será que podemos conversar sério só por um minuto?

— Eu não vou conversar com você, Thomas. Você me machucou — falei, séria de repente,
atendendo ao pedido de Thomas, mas o surpreendendo mesmo assim.

— Se você me deixar conversar com você, vai ver que não é nada disso. Eu só quero te
explicar, não aguento mais essa situação. Nós estávamos indo tão bem e…

— Pois eu não aguento mais ser enganada — eu o interrompi com a voz embargada. —
Minha vida toda foi assim. Agora me dê licença, porque eu tenho aula amanhã. — Peguei as
chaves, mas minhas mãos tremiam demais para que eu conseguisse abrir a porta. Ele então pegou
minhas mãos, e percebi que carregava uma rosa vermelha. — Dar flores a uma mulher é um ato
lindo, mas não resolve os problemas. — Eu não conseguia olhar em seus olhos.

— Eu jamais mentiria para você. Eu só omiti algumas coisas, mas eu posso te explicar se
você parar para me ouvir! — Ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, tive que
fazer força para não me mexer. — Amanhã é minha festa. É meu aniversário, você se lembra? —
Eu me lembrava, é claro que me lembrava, mas estava tentando esquecer. — Por favor, vá até lá
se você estiver disposta a ouvir a história realmente. Eu vou te contar tudo, eu prometo. Pense
nisso, ok? Não esqueça. — Ele tirou as chaves da minha mão e abriu a porta para mim. Thomas
beijou meu rosto, atingindo o canto dos meus lábios, o que me causou um arrepio na espinha. —
Eu preciso de você. Não me deixe — ele sussurrou, deixando a rosa em minhas mãos.

Antes que ele pudesse fazer qualquer outra coisa, entrei em casa e fechei a porta.
Acordei com dor de cabeça e fui para a aula. Eu não sabia se o mal-estar era por causa da
bebida ou por causa de Thomas. Dormi muito mal, sonhando com as mil possibilidades do que
poderia acontecer se eu fosse àquela festa. E, falando nela, eu ainda não havia decidido o que
faria, principalmente porque eu não tinha nenhuma informação sobre onde, como e quando seria.

A cada dia que passava, as aulas ficavam mais desafiadoras e ler estava ajudando muito.
Eu já estava no segundo volume de Harry Potter e estava amando. Naquele dia, porém, eu
poderia ter lido uma biblioteca inteira que nada teria me ajudado. Errei a maioria dos exercícios e
cometi erros bobos de gramática. O professor franziu o cenho para mim em diversos momentos,
mas não disse nada, me fazendo agradecer em silêncio.

Quando voltei para casa, Cobra Bubbles me surpreendeu ao me entregar uma caixa
retangular, comprida e não muito espessa. Era impressionante como um cara tão alto e tão grande
conseguia sempre passar despercebido. Dessa vez, ele nem sequer falou comigo, foi embora
antes que eu pudesse perguntar alguma coisa. Provavelmente, Thomas ficou com medo de que eu
fosse devolver a caixa.

Por sorte, não encontrei nenhuma das meninas no caminho até meu quarto. O que será que
Thomas tinha aprontado? Se ele achava que podia me ganhar com presentes, estava
tremendamente enganado. Eu nunca fui vencida por bens materiais e eu sabia que isso jamais
aconteceria.

Quando abri a caixa, fiquei atônita. Um vestido lindo estava no fundo do pacote. Eu nunca
tinha visto nada tão bonito… Ele lembrava muito o vestido da Casey, personagem de Sonhos no
Gelo, nas cenas finais. Era lilás e azulado, mas era mais comprido que o do filme. Ia até um
pouco mais que o meio das minhas coxas. Era repleto de pedras de strass e brilhava no escuro.
Aliás, era o mesmo vestido, só que melhorado, com certeza.

Havia também um par de sapatos prateado com um salto não muito alto. Ele tinha bico
arredondado e era incrustado de brilhos que variavam do azul para o roxo e então para o lilás,
dependendo do ângulo. E, por fim, uma máscara de amarração das mesmas cores do vestido.

Por cima, um convite e um envelope menor, endereçado à Bel. Ao abrir, encontrei a


pulseira para entrar na festa, o convite para o evento e um pequeno cartão:
A letra dele era cuidadosa e ao mesmo tempo travessa. Bondosa e intensa, exatamente
como ele era. Aliás, como eu achava que ele era.

Eu nem lembrava que a festa seria à fantasia, mas tudo indicava que Thomas já havia
planejado que eu fosse de patinadora no gelo.

O convite dizia que a festa seria às oito horas em um lugar de Londres que eu não
conhecia. Procurando na internet, vi que o salão não era longe, mas era gigantesco, muito chique,
o que me fez engolir em seco. Provavelmente, haveria diversas celebridades lá, e ninguém
poderia me reconhecer. Certeza que eu nem veria Thomas.

Caí de costas na cama, sem saber o que fazer. Eu conseguiria deixar tudo para trás sem
saber o que houve entre o Thomas e a Louisa? Sem saber se tudo fora mentira?

Eu estava quase terminando um capítulo de Harry Potter quando Thomas entrou em meu
quarto… com Louisa. Os dois ficaram me encarando com sorrisos presunçosos. Louisa então
colocou as mãos no rosto dele, e eles começaram a se beijar. Um beijo caloroso, forte, intenso.
Um beijo… íntimo. O tipo de intimidade que eu ainda não conhecia. Um beijo que eu
definitivamente não deveria ver.

Thomas pegou Louisa pelas pernas, entrelaçando-as em sua cintura, e caiu na cama ao meu
lado. Eles não paravam de se beijar enquanto percorriam o corpo um do outro com as mãos.

Ele se afastou do corpo dela por um momento, tirando a camiseta que estava usando e
expondo suas tatuagens. Louisa colocou as mãos em seu peito, sorrindo para mim. Com uma
expressão presunçosa, puxou Thomas de volta para si.

Thomas beijava o pescoço dela, fazendo Louisa fechar os olhos de prazer. Ele foi
descendo, passando por seu decote, chegando à barriga. Louisa olhou para mim e abriu um
sorriso. Ele se afastou um pouco, deixando escapar o nome de Louisa num sussurro, estendendo
a mão para tirar a blusa dela.

Acordei sobressaltada, com a respiração ofegante. Pressionei a mão em meu peito,


tentando tirar a dor de ter sonhado com toda aquela cena. Tinha sido real demais, a ponto de,
assim que eu abri os olhos, chegar a olhar para o lado para ver se eles estavam mesmo ali.
Apenas o pacote com o presente de Thomas me encarava.

Ainda tentando recuperar o fôlego, olhei para o relógio e vi que já eram seis horas da tarde.
Corri para o banho. Eu não passaria mais um dia sequer sem saber como ele teve coragem de
fazer aquilo comigo.
Capítulo 20

Tentei me arrumar o mais rápido que pude. Prendi a parte superior do meu cabelo em duas
tranças laterais, que se encontravam atrás da minha cabeça, e fiz um babyliss rápido nas mechas
de cabelo que ficaram soltas.

Peguei a máscara na mão, encarando-a. Eu merecia explicações cara a cara, sem barreira
entre nós dois. Em vez de colocar o acessório, decidi fazer uma maquiagem elaborada com as
mesmas cores do vestido. Fiz um olhar esfumado marcante, que fazia um degradê de lilás para o
azul-escuro de dentro para fora. Usei um iluminador lilás bem marcado por todo o rosto e tirei as
pedras de strass da máscara, colando-as em minhas têmporas com a cola de cílios postiços que
eu tinha. Em meus lábios, passei um batom matte rosa com fundo azulado. Fiquei muito feliz
com o resultado. Eu definitivamente não estaria protegida dos olhares à minha volta, mas
também não seria tão fácil me reconhecer.

Quando olhei para o relógio, já eram quase oito e meia da noite. Eu demorei mais do que
eu planejava na maquiagem. Me troquei às pressas, tomando cuidado para não rasgar o vestido,
que era extremamente delicado.

Eu não tinha nenhuma bolsa, então coloquei um documento, meu oyster, um pouco de
dinheiro e a chave da porta da frente dentro da capinha do meu celular. Li estava na cozinha e
Esra, em seu quarto com Hans. Me esgueirei rapidamente, tentando evitar ser vista, e obtive
sucesso, ainda bem. Seria difícil explicar toda aquela produção.

Fechei a porta da frente o mais silenciosamente possível e tentei andar depressa em direção
ao ponto de ônibus, mas correr de salto alto era difícil demais.

— Senhorita? — Escutei de repente e vi que Cobra Bubbles estava esperando por mim,
abrindo a porta do carro para que eu entrasse. Franzi o cenho. — Ordens do senhor Thomas —
ele completou, gesticulando insistentemente para que eu entrasse no carro, mas sorrindo também.

Decidi aproveitar. Seria muito mais rápido e fácil chegar de carro do que de metrô.
Thomas parecia bem certo de que eu iria — certo até demais para o meu gosto —, já que enviou
Cobra Bubbles, mas já era tarde demais para desistir. Ajeitei a pulseira que dizia VIP em meu
pulso.

Londres estava incrível aquela noite. Aos poucos, a primavera aparecia e o frio passava de
intenso para suportável. As luzes iluminavam algumas árvores floridas aqui e ali. Não era à toa
que aquele dia incrível era o aniversário de Thomas. Meu Thomas.

Aliás, meu Thomas?

Antes que eu pudesse encontrar uma resposta, chegamos à festa.

Havia uma fila imensa de carros esperando para chegar à porta de entrada, onde estavam
diversos paparazzi, que gritavam nomes sem parar. Olhando pela janela, era difícil enxergar
quem chegava devido à quantidade imensa de flashes e às fantasias, mas consegui ver Ed
Sheeran e Ariana Grande ao longe.

Tentei controlar aquela coisa que se sente quando se vê uma pessoa famosa e decidi sair do
carro ali mesmo. Era melhor evitar todas aquelas câmeras.

Assim que coloquei a mão na trava, Cobra Bubbles me assustou:

— Ouça o que ele tem a dizer. Nunca vi o Tom tão feliz como nos últimos tempos. — Eu o
encarei, atônita. — Thomas é muito mais que meu chefe. Além de eu ser seu braço direito, eu
também sou amigo dele. E quero o seu bem. O de vocês dois, aliás.

Segui em silêncio, sem saber o que dizer. Uma buzina alta atrás de nós me assustou, e me
apressei a sair.

— Obrigada — disse a ele, que acenou, se despedindo.

Desci do carro e contornei os paparazzi, que não prestaram a mínima atenção em mim
devido à chegada da Sia. Da Sia! Eu era apaixonada pelo trabalho dela e por pouco não dei uma
de tiete e saí correndo para pedir um autógrafo na testa.

Eu me forcei a entrar na festa e, assim que a recepcionista avistou minha pulseira, as portas
se abriram instantaneamente.

O lugar era ainda maior do que parecia na foto e a decoração estava inacreditável.
Candelabros desciam do teto e tecidos compridos e vibrantes cobriam as pilastras. As luzes
piscavam, a música era alta e havia diversas mesas maravilhosamente decoradas e recheadas de
guloseimas espalhadas pelo salão. Era possível ver um detalhe em cada canto e, olhando em
volta, me senti extremamente deslocada.

Havia diversos rostos famosos que nem sempre eu conseguia reconhecer. Todos ali
tinham muito dinheiro, bebiam e aproveitavam. Se conheciam. Eu só conhecia Thomas.

Percorri o salão, e um drinque colorido veio parar na minha mão sem que eu percebesse.
A bebida, aliás, estava maravilhosa. Devia ter muito mais que mil pessoas ali, e as chances de
encontrar Thomas eram pequenas demais. Apesar de o álcool ter ajudado a me acalmar um
pouco, eu ainda estava apreensiva. Era como entrar de penetra numa festa para a qual eu
definitivamente jamais seria convidada. O que seria uma realidade bem plausível há alguns
meses atrás.

Na terceira volta pelo salão, comecei a me sentir estúpida e decidi ir embora. Eu estava
tentando achar a saída quando uma movimentação me chamou atenção. Olhei para o lado e vi
Louisa Jhones vestida de fada com as outras meninas da série na qual ela atuava.

A fantasia de Louisa era incrível. Usava um vestido rosado de espartilho e saia bufante
curta. Asas multicoloridas e cobertas de strass saíam de suas costas e ela usava saltos rosas da
Louboutin. Fiquei na dúvida sobre o que brilhava mais: suas joias, que provavelmente eram de
ouro branco, ou seu sorriso com cara de clareamento de um milhão de libras. Ela era linda e tudo
nela gritava dinheiro. Louisa apontou para trás, conversando com as garotas em meio a
risadinhas, e, quando olhei na direção apontada, finalmente encontrei Thomas.

Ele estava encostado em uma das pilastras, me encarando. Vestido de fantasma da ópera,
tirou a máscara quando percebeu que eu o olhava de volta. Mesmo se não tivesse tirado, eu
reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar.
Capítulo 21

Ficamos nos encarando por um tempo, a música nos cercando. Estávamos a metros de
distância, mas parecia que ele estava ao meu lado. Senti um arrepio com a maneira com que ele
me olhava. Mesmo com diversas pessoas passando à nossa frente, seus olhos continuavam fixos
nos meus.

Ele apontou com a cabeça, indicando um lugar mais afastado, e fui em sua direção. Uma
última olhada em Louisa me mostrou que ela nem percebeu que Thomas mudava de lugar.

Assim que cheguei, ele me puxou para perto, me abraçou pela cintura e passou os lábios
pela minha orelha.

— Acho que eu nunca vi uma mulher tão bonita na minha vida — ele sussurrou contra a
pele do meu pescoço.

Usei toda minha força de vontade para me afastar dele.

— Não faça isso agora. Você me deve explicações.

— Por que você está sem sua máscara?

— Porque eu acho que mereço a verdade sendo dita sem barreiras. Quero que você diga a
verdade olhando nos meus olhos.

— Bel, eu não estou usando você. Jamais faria isso. — Ele pegou minhas mãos e as beijou
com ternura. — Meu relacionamento com a Louisa é contratual de verdade, mas confesso que no
começo eu me interessei por ela. Comecei a gostar dela, na verdade. Até que vi Peter e ela
juntos. Nós já não nos dávamos muito bem naquela época, piorou depois disso.

— Mas isso não quer dizer que você não esteja me usando para ter Louisa de volta. Um
affair com uma fã… — Revirei os olhos para disfarçar as lágrimas que ameaçaram surgir.

— Não, Bel, não. Eu não sinto mais nada por Louisa há muito tempo.

— Thomas! — Alguém gritou, vindo em nossa direção. Saí sem olhar para trás, largando
as mãos de Thomas para que ninguém visse meu rosto.

Me misturei na multidão e dei de cara com diversos outros homens vestidos de fantasma da
ópera. Thomas provavelmente havia planejado tudo aquilo para que pudéssemos nos encontrar
sem levantar suspeitas.

Eu não sabia o que fazer nem no que acreditar. Fui até o bar pedir outra bebida e me
deparei com Abigail, namorada de Willian. Ela estava conversando com alguém que eu não
reconheci por conta da máscara.

Diversas outras pessoas estavam desesperadas por álcool, então acabei tendo que esperar.
Abigail estava bastante alegrinha e não parava de virar doses de tequila e gargalhar nos
intervalos em que os copinhos de shots eram reabastecidos com a bebida.

Quando finalmente foi embora, consegui me aproximar e pedi qualquer coisa doce.
Reparei em um celular na bancada, o de Abigail. Olhei para trás, procurando por ela, mas a
garota não estava em nenhum lugar visível. Como eu devia passar despercebida, decidi ficar com
o telefone até que a encontrasse.

Virei minha bebida no minuto que a recebi e fiquei um pouco tonta. Eu teria pedido outra
se as pessoas à minha volta não tivessem roubado meu lugar rapidamente. Famosos ou não, as
pessoas eram sempre iguais.

Comecei a andar pela festa, procurando por Thomas novamente. Todas aquelas fantasias
iguais de fantasmas da ópera estavam me confundindo, e o álcool em meu sangue não estava
ajudando. Ele estava lindo, aliás. Com seus cabelos meio longos, mas ainda curtos, terno e
gravata. Estava de tirar o fôlego, principalmente quando me tocava como fizera há alguns
minutos. E eu ainda não tinha desejado feliz aniversário a ele!

A música estava cada vez mais alta e as pessoas, cada vez mais bêbadas. Levei alguns
empurrões leves e ajudei pessoas que tropeçavam o tempo todo. De repente, uma mão segurou
meu braço com firmeza. Me virei para ajudar a pessoa, que imaginei estar caindo, mas
felizmente era Thomas.

— Onde você estava? Estou te procurando há um tempão. — Ele já estava com a máscara
no rosto novamente.
— Eu estava no bar. Não sei se é uma boa ideia as pessoas verem meu rosto. Estou
tentando não chamar atenção.

— Isso é verdade. — Ele me levou a um canto, onde os tecidos caindo do teto se


encontravam e criavam uma espécie de esconderijo. — Você acredita em mim?

— O quê? — Eu estava mole e tudo o que eu podia ver eram os lábios de Thomas. Tão
perto dos meus…

— Sobre o que eu te disse, sobre Louisa.

— Eu não sei — respondi com sinceridade.

— Bel, eu juro. Nós namoramos de verdade por uns quatro meses, ou pelo menos eu a
namorei de verdade. Me apaixonei por ela no começo, apesar de não entender até hoje como isso
foi possível. Quando descobri que eles estavam juntos, fiquei arrasado, não vou mentir, mas isso
foi há muito tempo. Mais de um ano já se passou e tudo que passei a sentir pela Louisa é nojo.
Aos poucos, com uma convivência maior, fui descobrindo a personalidade podre dela. Ela não
significa nada para mim. Aquele dia eu e Peter brigamos porque ele me machucou como amigo,
e não por causa da Louisa. Ok? É claro que tentei cutucá-lo com algumas frases que davam a
entender o contrário, mas aquilo na verdade foi mais um homem com ego ferido tentando se
defender. — Fiquei quieta. — Você está me ouvindo? — ele perguntou, colocando a mão em
meu rosto.

— Estou, mas isso não muda o fato de que estamos escondidos — falei um pouquinho
enrolado.

— Como assim? — Ele franziu o cenho.

— Você pode odiar Louisa, mas você sempre terá que me esconder. Não sou famosa, não
tenho a beleza da Louisa, vou atrapalhar sua carreira… Nós dois — fiz um gesto entre meu peito
e o dele — não podemos ficar juntos. Eu sou comum, lembra? Você mesmo me disse isso.

Me virei, pronta para ir embora. Ir àquela festa foi um erro, e eu havia demorado tempo
demais para perceber. Thomas estava em um patamar inalcançável na minha vida.

Senti sua mão encostar na minha, mas alguém entrou por entre as cortinas, fazendo
Thomas se afastar.

— E aí, cara? — Ele cumprimentou Thomas. — Está tudo bem aqui? — Demorei um
tempo para perceber que quem falava comigo era Tyler Posey, que estava ironicamente
fantasiado de lobisomem.
— Ah, sim — respondi antes que Thomas pudesse dizer algo. — Eu consegui entrar de
penetra e ele impediu os seguranças de me expulsarem. Sou fã da Bad Reputation desde o
começo! — Dei pulinhos no lugar, tentando soar convincente.

— Sempre agradando os fãs, né? — Tyler riu e me deu um beijo no rosto. — Bom, você
está linda… Mas não entendi sua fantasia.

— Ela está vestida de céu. — Dessa vez, Thomas foi mais rápido. — Ela é o céu.

— Legal! — Tyler sorriu. Ele era muito simpático, me tratava como igual, o que era ótimo.
— Posso roubar seu ídolo para tomar uma bebida?

— Claro. — Tentei sorrir, mas não sei se deu muito certo.

Thomas seguiu Tyler, mas antes apertou minha mão sem que Tyler visse.

— Céu — ele repetiu, e percebi que estava tentando me dizer algo.

Quando eles saíram, achei melhor ir embora. Eu estava quase na porta quando o celular de
Abigail tocou em minhas mãos.

— Alô? — eu disse, mas não conseguia ouvir nada por conta da música. Olhei em volta, e
entrei no banheiro feminino.

— Ai, meu Deus, por favor, não roube meu celular, não! — Abigail chorava na linha,
completamente bêbada.

— Calma, eu não roubei, você deixou no bar. Eu só não consegui te achar. Estou
guardando ele para você. Eu estou no banheiro feminino perto da saída, você quer vir pegar
aqui? — E então a ligação caiu, e eu fiquei sem saber o que fazer. Será que ela iria ou não me
encontrar lá?

Como o celular era bloqueado, eu não podia ligar de volta.

Já deviam ter passado dez minutos quando ela finalmente apareceu.

— Obrigada, obrigada, obrigada! — Ela me abraçou, quase me fazendo cair. O cheiro de


tequila exalava dela, e minha cabeça rodou de tão forte que estava. — Ai, sério, nossa, uau, o-
bri-ga-da. — Em cada sílaba, ela deu um cutucão no meu braço. — Meu celular está aqui, você é
minha salvadora! — Algumas lágrimas escaparam dos olhos dela, o que me deixou
envergonhada. Ela me abraçou de novo, dessa vez forte demais. — Me fale seu número, sério,
me deixe anotar aqui. — Ela errou a senha duas vezes. — Sal-va-do-ra. Pronto, não sei seu nome
mesmo. Qual seu número? Você faz alguma série? Filme? Já sei, você é uma das Pretty Little
Liars, não é? Estou na primeira temporada e já adoro. Sei que a série já está finalizada, mas eu
não tenho tempo de assis… Ai, meu Deus! Você tem que me falar quem é a A agora!

— O quê? Não, eu… — Uma risada escapou dos meus lábios. Me perguntei com quem ela
poderia estar me confundindo. — Entrei na festa de penetra. — Ela não estava nem me ouvindo
mais, se olhava no espelho, tentando limpar a maquiagem dos olhos, que estava levemente
borrada. Peguei o celular da mão dela e anotei meu número, sabe-se lá para quê. — Pronto, está
aí.

— Ótimo! Você vai estar em todas as festas a partir de agora, minha salvadora. — Ela
começou a sair, e o celular ainda estava na minha mão.

— Você esqueceu seu celular comigo de novo! — Eu a segurei antes que ela entrasse na
multidão.

— Ai, meu Deus, você é incrível. Obrigada, querida! Já pensou se eu perco todas as fotos
com o meu namo… meu namorado. Cadê ele? — Ela tirou o celular das minhas mãos e saiu
correndo. — Williaaaaaaaan?!

Um garçom passou, e aproveitei para tomar outra bebida. Abigail parecia ser uma boa
pessoa, pena que estava bêbada demais para que eu realmente a conhecesse. Virei quase todo
meu copo em direção à saída, mas o álcool preenchia minha confusão, e decidi ficar.

Fui para o meio da multidão dançar, terminando minha bebida. Pelo menos alguma coisa
boa tinha que acontecer naquela noite, e a única coisa que sempre me ajudava era a música.
Procurei um espaço, tomando mais uma bebida inteira, que consegui com outro garçom no
caminho. Ter vários garçons servindo bebidas pela festa era realmente uma ideia prática. Parei e
relaxei quando vi uma luz negra acima de mim e quando não reconheci ninguém à minha volta.

As músicas estavam passando de agitadas para mais sensuais. Dancei sozinha por um bom
tempo. Vários fantasmas da ópera passaram por mim, mas apenas um parou e ficou me
observando.

Eu estava bêbada e com saudades. Wrong começou a tocar e os olhos de Thomas eram
intensos em mim e em meu corpo. As luzes piscavam, ora iluminando a todos com a luz negra,
ora deixando tudo na escuridão.

Ele segurou minha mão e me puxou para perto. Os movimentos à minha volta passavam
meio que em câmera lenta, como se uma parte do que acontecia ficasse na escuridão que surgia
entre cada piscada. As luzes estavam me deixando cada vez mais imersa à música.
Thomas passou a mão em minhas costas, descendo até pouco abaixo da minha cintura.
Passei a mão pelo seu peito, na região em que a parte de cima da camisa já estava desabotoada,
sem parar de dançar. Ele encostou seus lábios em meu pescoço, e fechei os olhos com força.
Thomas se afastou e me olhou com os lábios entreabertos.

— Feliz aniversário — sussurrei bem perto de seus lábios.

Eu sabia que era problemática demais e que a vida dele era complicada demais para que
ficássemos juntos. Fitando seus olhos, eu via que ele sabia também. Mas nós estávamos ali, e
nossos lábios estavam ali… tão perto. Coloquei minha mão em sua nuca e puxei seu cabelo
devagar. E então ele finalmente me beijou. Eu nunca me sentira tão sexy, tão desejada. Cada
parte do meu corpo se aqueceu e parecia vibrar a cada toque das mãos de Thomas.

Mesmo que eu não admitisse a mim mesma, eu estava esperando por aquele beijo desde
que chegara à festa. Ele me puxou para mais perto, e ficamos colados um ao outro. Enquanto
uma de suas mãos passava do meu cabelo para minha nuca e então para minhas costas, a outra
subia pela minha coxa e chegava à minha cintura.

Estávamos conectados. Eu não via mais nada, tudo era um borrão. Apenas os olhos de
Thomas, que brilhavam.

Ficamos assim, juntos, até o fim da música. Parecia que haviam se passado apenas alguns
segundos, e eu ansiava para que continuássemos a dançar, mas ele se afastou quando uma pessoa
pediu licença para passar entre nós.

Então, ele sussurrou em meu ouvido:

— Não se esqueça de que você é o meu céu, Bel. — E se afastou. Quando finalmente
consegui abrir meus olhos, Thomas não estava mais lá.
Capítulo 22

Eu girava na pista de dança, olhando para todos os lados, e ainda assim não conseguia
encontrá-lo. Partes da noite já se passavam como um borrão, eu me sentia perdida.

Abracei a primeira ideia que me veio à mente e voltei para o bar. Havia algumas cadeiras e
sofás ali por perto, e por sorte consegui um lugar para me sentar. Encostei a cabeça na parede,
notando que tudo girava mesmo com meus olhos fechados. Eu estava submersa no álcool e em
Thomas. Ele preenchia cada lugar quando estava comigo, mas parecia que levava mais partes de
mim a cada vez que se afastava.

Senti então uma presença à minha frente e me retraí ao perceber que Peter estava ali, me
encarando.

— E aí, linda? — Ele abriu um sorriso largo. — Muita bebida?

Merda!

— Você é o Peter, não é? Da Bad Reputation! — Fiz a melhor cara de empolgada que
pude, mesmo sabendo que ele era um babaca. Minha história de fã penetra tinha que continuar.

— Ah, sim, linda. Eu sou. E você é… — Cada vez que ele me chamava daquela maneira,
eu sentia um arrepio na espinha. Mas não do tipo bom. De um tipo bem ruim, aliás.

— Uma fã. Consegui entrar quando os paparazzi iam atrás da Sia. — Dei um sorriso falso.
— Soube que Tyler Posey estaria aqui, então decidi tentar entrar. Eu a-mo Teen Wolf. Você não
gosta? Pena que não consigo encontrá-lo. — Já era tarde demais quando percebi que a história
inicial era outra.

— Ah, sim, é claro que é. E essa pulseira? — Ele apontou com o queixo, levantando as
sobrancelhas.

— Falsa. — Sorri da maneira mais angelical que consegui. Era visível que ele não
acreditava em uma única palavra do que eu dizia, mas era melhor continuar com a mesma
história para todos. — Você se surpreenderia com o que as fãs são capazes de fazer! — Dei
pulinhos no lugar, ainda sentada, tentando parecer empolgada.

— Ah, é verdade… Vi você trocando uns beijos na pista de dança com um fantasma da
ópera.

Merda!

— Ah, a gente se olhou e trocou uns beijos, aquele cara era bem gato. Ai, meu Deus! Será
que era o Tyler? Já pensou se eu beijei o Tyler na boca?! Não acredito. Não acredito nisso! —
Peter revirou os olhos, mas engoli o desespero que queria brotar em mim. — Me esqueci de
perguntar o nome dele. Tem tantos fantasmas da ópera aqui, nunca mais vou encontrá-lo. —
Percebi que, quando bêbada, eu falava demais. Ou talvez isso acontecesse quando eu mentia.
Não sei.

— Será que não era o Thomas? — ele perguntou, cruzando os braços.

— Thomas? Você quer dizer Thomas Green? — Ai, meu Deus! — Da sua banda, seu
melhor amigo? — Peter fez uma ligeira careta com a minha segunda frase. — Claro que não, o
cara tinha olhos puxados, estilo oriental. Ah, droga, acabei de me dar conta de que
definitivamente não era o Tyler. — Me larguei na cadeira, fingindo derrota. Pelo menos minha
fala arrastada por causa do álcool me dava algum crédito.

Peter apoiou a mão na parede atrás de mim, me deixando instantaneamente sufocada.


Como eu estava sentada em uma cadeira estilo balcão, ele teve apenas que abaixar um pouco
para seus olhos ficarem à altura dos meus.

— Entendi — ele disse. — Sabe, não sei se acredito em você. — Seus dedos começaram a
acariciar meu rosto, me fazendo engolir em seco. — Mas quem sabe eu acredite se você me der
um beijo.

Ele se inclinou para me beijar, mas eu desviei.

— Ah, não, não é uma boa ideia. Minha cota de beijos da noite já foi. — Tentei sorrir.

Desesperada, olhei em volta, mas ninguém prestava atenção em nós. Ele pegou meu rosto
com a mão, apertando minhas bochechas, e puxou em sua direção.
— Só um beijo, certo? — Ele pressionou seus lábios nos meus com força.

Comecei a empurrá-lo, mas ele era mais forte que eu e conseguiu prender minhas duas
mãos.

— Me solte! — eu tentava falar, mas minha voz saía abafada pelos lábios dele.

Continuei me debatendo até que finalmente ele parou. Então percebi que Thomas havia nos
encontrado e tirado Peter de cima de mim.

— Ei, relaxa. É só uma vagabunda pene… — Willian começou, mas Thomas deu um soco
no rosto de Peter, que caiu no chão.

— Mas que merda, Thomas! — Peter colocou as mãos no nariz, o sangue escorrendo pelo
queixo.

Por sorte, estava rolando uma apresentação no meio do salão e todos estavam com a
atenção voltada para outro lugar. Apenas os garçons estavam vendo tudo.

— Suma daqui antes que nos vejam. Agora! — Thomas gritou, e Peter saiu, mas não sem
antes lançar um olhar de ódio para ele.

— Está tudo bem? — Um barman perguntou a Thomas. — Foi nojento, ela ficou se
debatendo e ele a segurou com força.

— Você devia ter feito alguma coisa, não acha? — A voz de Thomas tremia de raiva, e o
barman abaixou a cabeça, constrangido. — Onde é a saída dos fundos? — Thomas perguntou de
maneira brusca.

O rapaz apontou para uma porta atrás do bar, e fomos até lá. Saímos em um beco, na rua de
trás. O vento frio bateu em meu rosto e só então percebi que estava chorando, as lágrimas
geladas por conta do clima.

— Merda! — Thomas deu um soco na parede, me assustando. Um soluço escapou da


minha boca e ele se virou para mim com uma feição torturada. — Me desculpe. Me desculpe. —
Thomas me abraçou, e fiquei chorando em seu peito. — Eu nunca senti uma raiva tão grande de
alguém. Me desculpe.

— Ele sabe que você me beijou. Tenho quase certeza — eu disse, e então o olhar de
Thomas mudou completamente, percebendo o que Peter estava fazendo.

A noite estava extremamente silenciosa ali, de modo que vozes se aproximando chamaram
nossa atenção.
— É melhor você ir, Bel. — Ele fez carinho em meu rosto, beijando o canto da minha
boca. Alguém tentava abrir a porta dos fundos, então eu tive que ir o mais depressa que eu pude.
— O que você fez comigo, hein? — Thomas disse, fechando os olhos enquanto eu começava a
correr, fingindo que não ouvi.

Dobrei a esquina no exato momento em que várias pessoas chegaram ao beco, cercando
Thomas.
Capítulo 23

Acordei na manhã seguinte na minha cama e não fazia ideia de como tinha chegado ali. No
minuto em que abri os olhos, me arrependi. A claridade que vinha da janela despertou uma dor
de cabeça instantânea, muito mais forte do que qualquer uma que eu já sentira por causa do
álcool.

Minhas pernas doíam também, como se eu tivesse participado de uma maratona. Olhei
para o lado, procurando minha garrafa de água, e vi meu celular. Eu nem me lembrava de estar
com o celular na noite anterior. Aliás, eu não me lembrava de praticamente nada do que quer que
tivesse acontecido.

Me sentei, e meu estômago se revirou. Respirei fundo algumas vezes, mas minha cabeça
latejando não estava ajudando. Eu nunca mais ia beber na vida. Sério.

Meu vestido estava pendurado na cadeira da escrivaninha, eu estava de pijama. Não


lembrar das coisas era péssimo.

Deitei de novo. Lampejos da festa apareciam, como a dança com Thomas, que eu sabia que
fora incrível, e o beijo horrível de Peter. Meu estômago se revirou de novo assim que me lembrei
da força de seus lábios sobre os meus e tive que me segurar para não vomitar.

Meu celular começou a vibrar, fazendo um gemido escapar dos meus lábios. O barulho
parecia ensurdecedor.
Liguei para ele, que atendeu no primeiro toque.

— Oi.

— Oi. — A conversa provavelmente seria assim, pisando em ovos. — Você está bem?

— Estou. Você matou o Peter ou algo parecido?

— Não, infelizmente. — Uma risada sem humor escapou, logo depois ele suspirou. —
Você não acreditou em mim, acreditou?

Fechei os olhos, me lembrando de suas palavras… Acreditei?

— Para ser sincera, eu não sei. — Respirei fundo. — Vi Louisa falando de você com as
amigas ontem.

Não sei direito o que eu quis dizer com aquela frase, mas ele provavelmente entendeu a
ideia.

— Bel, olha. Eu não sei o que fazer aqui.

— Se você não sabe, imagine eu.

— Você estava linda ontem à noite. Ainda bem que não usou aquela máscara.

— Obrigada — respondi, envergonhada. Eu não estava muito acostumada a receber


elogios. — Você não estava nada mal também.

Ele se forçou a rir.

— Como vai ser então?

— Eu ainda não sei… O que aconteceu quando eu fui embora?

— Willian veio junto com Abigail e Louisa perguntar o que tinha acontecido, e eu disse
que Peter estava tentando beijar alguém da festa à força e por isso bati nele. Falei que não
conhecia você. — Ele suspirou de novo. — Logo em seguida, apareceram alguns paparazzi e eu
disse que vi alguém perto demais da minha namorada, Louisa. E bati no cara sem saber quem
era, mas no final era só Peter que estava conversando com ela, por isso eu estava profundamente
arrependido e blá-blá-blá. Disse que a banda continuava forte, que havia sido apenas um mal-
entendido e mais blá-blá-blá. — Ele ficou em silêncio por alguns segundos. Sua história fazia
sentido. Eu e Louisa estávamos usando fantasias relativamente parecidas. Relativamente. — Eu
faria qualquer coisa para não ter que mentir sobre você, mas você sabe que estou de mãos atadas.
— Dessa vez, eu fiquei em silêncio. — Bel, por favor, você sabe que eu odeio isso.

— Eu não sei, Thomas. Ainda acho que você sente algo por ela.

— Você se lembra do que eu te falei? Ontem, na festa?

— Eu só me lembro de dançar com você e da história sobre a Louisa que você me contou.
— Engoli em seco. — Ah! E da confusão toda com o Peter, é claro.

— Exatamente. Eu dancei daquele jeito com você. Eu não sinto mais nada por ela, juro
pelo que você quiser. — Eu suspirei. — E sobre Peter, não quero falar sobre isso. Tente
esquecer, por favor. Ainda estou me segurando para não quebrar a cara dele.

Alguém falou ao fundo e comecei a ouvir um barulho estranho, como se ele estivesse
guardando o celular no bolso.

— Thomas? Thomas?

— Tente lembrar o que mais eu disse. É importante — ele sussurrou, e a ligação caiu.

Mais tarde, Esra entrou no meu quarto, se jogando na cama.

— E aí, moça — falei baixinho. — O que foi? — Ela estava com uma expressão um pouco
estranha.

— Você percebeu que a Elizabeth comeu os biscoitos, mas não deixou o dinheiro que
costumava deixar?

— Quem? — A dor de cabeça estava diminuindo, mas a ressaca ainda me deixava lerda.

— A proprietária, Isa. — Ela bufou.


— Ah, sim! Eu só paguei no início de abril. Os dias de fevereiro e março que passei aqui já
tinham sido pagos quando eu estava no Brasil… Nem me lembrei disso.

— É, você anda meio distraída ultimamente. O que está acontecendo com você, hein? —
Ela me olhou de soslaio. — Enfim… — O bom de conversar com a Esra era que ela quase
sempre me fazia perguntas retóricas. — Ela não deixou o dinheiro, e eu estava contando com ele
para comprar um presente para o Hans. Amanhã é aniversário dele.

— Sério? — Olhei para frente e vi o vestido lindo da festa do dia anterior. — Ei, por que
você não faz uma festa para ele aqui?

Ela se sentou.

— É uma ideia legal, mas você sabe que não podemos fazer festas aqui.

— É verdade. Esqueça. — Suspirei.

— Não, espere… A Li foi viajar e só volta na segunda de manhã. Se for uma coisa
tranquila, acho que não tem problema. Eu não vou contar nada!

— Bom, eu também não, né?! — Bufei, imaginando a encrenca em que poderíamos nos
meter.

— Uau, eu gosto dessa Isa aventureira. — Ela bateu seu ombro no meu.

Minha cabeça latejou um pouco com o movimento, mas disfarcei bem. Eu acho.

— Regras foram feitas para serem quebradas! — Rimos juntas com a minha repentina
coragem.

Eu sempre fui uma pessoa bem quieta. O álcool ainda devia estar alterando algo na minha
cabeça.

— Legal, vou falar com o Hans.

Ela discou no celular e saiu do quarto. Minha cabeça latejou novamente quando a porta se
fechou.

Qual será que era o segredo para um relacionamento fácil?

Decidi arrumar meu quarto, que estava uma bagunça por conta do meu atraso do dia
anterior. Minhas maquiagens estavam espalhadas e abertas. Tirei o vestido da cadeira e o guardei
em um lugar seguro. Ele era muito delicado e eu não fazia ideia de como ele sobrevivera à minha
dança com Thomas.

Dança, aliás, que me fazia fechar os olhos e suspirar toda vez que passava pela minha
cabeça. Eu nunca havia sido beijada, tocada e desejada daquela maneira. Foi incrível a sensação
que Thomas me proporcionou, como se eu e ele fôssemos as únicas pessoas no mundo naquele
momento. E foi mesmo o que senti. Todo o resto parecia ter sumido. Às vezes, me lembrava com
tanta força que quase sentia suas mãos em meu corpo.

Assisti à entrevista que ele deu aos paparazzi abraçado à Louisa, na qual ele dizia que
estava arrependido por ter batido em Peter. Vê-lo com as mãos na cintura dela e ver as mãos de
Louisa apoiadas nos ombros de Thomas me fez estremecer.

Aos poucos, enquanto organizava tudo, fui me lembrando de outros detalhes da festa.
Conhecer Tyler Posey, ajudar a Abigail com o celular, toda a explicação de Thomas…

Por mais que eu sentisse que às vezes eu e ele compartilhávamos momentos especiais, era
difícil ver com clareza o que ele realmente sentia. Louisa era loira de olhos azuis, uma atriz bem-
sucedida, e eu era uma menina desconhecida de cabelos escuros e olhos castanhos, que carregava
mil inseguranças e cicatrizes internas. Ele conhecia Louisa há anos e me conheceu por acaso em
um acidente. Por mais que ele insistisse que o seu relacionamento com Louisa tenha começado
devido a um contrato, o nosso relacionamento, ou o que quer fosse, começou por mera
obrigação. Sem falar que sua atuação em todos os momentos em que ele posava por aí com a
garota era impecável.

Meu celular vibrou, me fazendo voltar à realidade.


— Isabella! Precisamos correr! — Esra entrou no meu quarto do nada, acabei jogando o
celular para longe. Se ela visse com quem eu estava conversando, teríamos uma conversa de uns
vinte e sete dias até eu poder explicar tudo.

— Meu Deus, Esra, que susto! Que foi?

— Tudo certo para a festa! Já convidei todo mundo, mas Hans decidiu que quer que a festa
seja à fantasia! — Ótimo. Mais uma. — Ou seja, precisamos correr e escolher uma fantasia
agora!

— Ok, ok, estou indo. Vou me trocar e te encontro lá em baixo.

Esra saiu correndo, e eu me arrumei o mais rápido que pude. Ela estava mais excitada do
que criança na véspera de Natal. Engoli todos os remédios para ressaca que eu tinha. Eu adorava
Esra, mas imaginá-la falando o dia todo me fez sentir dó da minha cabecinha dolorida.

— Pronto! Vamos? — Eu mal apareci no hall, e ela já me carregou porta afora. — Como
vai ser então? Você e o Hans vão pagar tudo?

— Eu vou comprar as coisas para a festa hoje, e amanhã cada um vai trazer uns vinte
pounds para ajudar.
— Ok. Então temos que ver a fantasia e ir ao mercado hoje. Você já sabe o que vai usar?
— Eu pensei em usar a roupa da festa de Thomas, mas queria deixá-la guardada. — Porque eu
não faço ideia do que usar.

— Eu e o Hans vamos combinar! Eu vou de Mulher Maravilha e ele de Super-homem! —


ela disse com brilho nos olhos. Parecia que ela estava gostando mesmo dele. Eu estava tão
ocupada com Thomas que perdi esses detalhes. — E o Diego disse que vai de jogador de futebol,
caso você queira ir também. — Ela começou a bater seu ombro no meu e levantou as
sobrancelhas várias vezes, me fazendo rir.

— Ele tentou me beijar naquele dia do pub.

— Mentira! Como você não me contou isso? E por que ele não conseguiu? — ela
praticamente gritou.

— Desculpe não ter te contado. Ele não conseguiu pelo mesmo motivo de sempre: eu
realmente não estou interessada. Tipo, ele é ótimo! Me faz rir muito e nossas conversas são bem
legais, mas eu não o vejo de outra maneira a não ser um amigo. Mesmo.

— Que pena. Aposto que um romance tornaria seu intercâmbio mais agitado. — Ela
ergueu as sobrancelhas, tentando me provocar.

Ela não fazia ideia.

Estávamos na loja de fantasias. Esra experimentava sua fantasia de Mulher Maravilha


enquanto eu procurava por algo legal e barato. Como eu ia ajudá-la a planejar a festa, ela disse
que eu não precisava pagar pela bebida e pela comida, o que foi realmente ótimo.

Meu celular começou a vibrar e suspirei ao ver o nome de Thomas na tela.

— Alô.

— Nós precisamos conversar. — Ele estava sério. — Onde você está?

— Com a Esra. Estamos vendo umas fantasias. Vai ter uma festa para o Hans lá em casa
amanhã no fim da tarde e ele quer que seja à fantasia.

— Hans? O namorado dela, não é? — Então ele realmente prestava atenção no que eu
falava. — Por que não usa a de ontem?
— Não quero estragá-la. Preciso te devolver.

— Foi um presente, Isabella — ele disse, cansado.

— E voltamos à Isabella. — Meu tom foi duro, mas meu coração se apertou.

— Acho que vai ser melhor assim. Enfim, me passe o endereço, vou te pegar aí agora.

— O quê? — Quem ele pensava que era? Ele mandava e eu fazia? Jamais! — Estou
ocupada. Agora não dá.

— Que horas você vai sair daí?

— Thomas, eu estou ocupada agora e vou estar ocupada à noite, e amanhã o dia todo com
a festa. Então, a gente conversa quando der.

— Mas…

— Esse tipo de coisa era para ser bem mais simples, sabia? Tchau, Thomas. — Desliguei a
ligação. E desliguei o celular também.

Eu já estava cansada de ceder às vontades dos outros.


Capítulo 24

Planejar a festa acabou sendo mais simples do que eu e Esra pensávamos que seria.
Compramos tudo que precisávamos no sábado: as comidas, bebidas, copos, um bolo e até
algumas luzes como as de colocar na árvore de Natal para enfeitar a casa.

O Hans ia cuidar da música, levando algumas caixas de som que ele havia achado na casa
em que morava. O resto do grupo levaria bexigas para espalharem pela casa.

Tudo estava indo muito bem. Esra pulava de alegria a cada dois segundos e me assustava
com gritinhos histéricos repentinos, mas eu estava feliz por ela. Parecia que Hans era mais do
que um caso de intercâmbio, e me perguntei como seria quando eles fossem embora de Londres,
o que aconteceria logo.

No domingo, acordamos cedo e colocamos todas as luzes espalhadas pelas paredes, pelo
chão e pelos móveis e desligamos a luz. O efeito ficava incrível, quase parecia uma balada de
verdade.

— Eu realmente não tinha percebido o grau de profundidade do relacionamento de vocês


— eu disse enquanto ajustava as últimas luzes.

— Não é surpreendente? — Dava para perceber o sorriso na voz dela mesmo à distância.
— Eu estava de saco cheio de relacionamentos e isso nem passava pela minha cabeça quando eu
vim para cá. Na verdade, eu queria mesmo era o oposto. Mas aconteceu tudo tão naturalmente…

— Aliás, como aconteceu?

Me afastei, dando uma olhada em volta. A sala estava pronta.

— Eu não sei! Juro! — Ela começou a rir. A cozinha estava quase pronta também. — Nós
estávamos na balada e depois estávamos juntos e é isso. Eu não sei mesmo.

— Como vai ser quando vocês forem embora? — Eu tentei evitar a pergunta, mas não
consegui.

O sorriso sumiu completamente do rosto de Esra.

— Estamos evitando falar sobre isso.

— Entendi. Desculpe. — Encolhi os ombros.

— Quatro horas! Temos que nos arrumar! Você ainda vai fazer a minha maquiagem, né?
— Esra era a melhor pessoa em mudar de assunto para não te deixar mal.

Ela me puxou pelo braço, e subimos. Vi a fantasia dela estendida na cama enquanto
tomava banho, Esra ficou linda de Mulher Maravilha.

Acabei escolhendo ir fantasiada de ajudante de mágico, e a fantasia foi bem fácil de


montar. Uma camisa social, uma gravata borboleta preta, um short preto, meias arrastão e um
salto alto preto. Consegui comprar todas as peças em lojas comuns por preços bons. E o melhor:
eu ainda poderia usar aquelas peças em outras ocasiões. As únicas coisas que comprei na loja de
fantasias junto com Esra foram o casaco, que era mais específico, e a famosa cartola.

O pessoal começou a chegar às seis da tarde. Esra e Hans estavam incríveis em suas
fantasias. Diego estava vestido de jogador de futebol, como Esra comentara. Alicia estava nada
coincidentemente vestida da personagem Alice de Alice no País das Maravilhas, Juan foi vestido
de mexicano, Manuel de policial e Katharina de pirata.

Aos poucos, outras pessoas que eu não conhecia chegaram. Hans convidou o pessoal da
república em que morava, e Diego também. A casa ficou bastante agitada com mais de trinta
pessoas, o clima estava muito descontraído. As pessoas foram bastante criativas com as fantasias
de última hora. Eu podia jurar que tinha visto algum garoto com uma toalha na cintura e uma
touca de banho na cabeça.

Estávamos brincando de cartas na sala e algumas pessoas dançavam na cozinha. Nós


tínhamos tirado a mesa de lá para termos mais espaço, o que pareceu ser uma ideia ótima. Havia
muito mais espaço para circular.

Eu gargalhava com os meninos enquanto brincávamos. Quase todos nós errávamos e


tínhamos que beber mais. Por um momento, eu quis congelar tudo, como se eu pudesse colocar a
alegria que estava sentindo em um porta-retratos. Eu olhava em volta, e todos nós estávamos
felizes. A sensação era incrível. Consegui fazer amigos sinceros em um país a milhares de
quilômetros de distância do meu, com pessoas que vinham de lugares ainda mais distantes. E
isso era simplesmente incrível! Principalmente para uma pessoa que tinha dificuldades com
amizades como eu.

O álcool e o jogo me distraíram e, quando me dei conta, o número de pessoas dentro da


casa havia duplicado. Talvez até mais. As pessoas continuavam chegando, e eu raramente
reconhecia alguém. Fiquei um pouco assustada à medida que a casa enchia sem parar, mas decidi
não me preocupar. Pelo menos naquela festa eu queria estar tranquila e aproveitar cada
momento, mesmo que fosse proibido fazer festas em casa e eu pudesse acabar sendo expulsa e…

— Isa, pare de surtar. — Esra deu um tapinha em minha testa. — Dá para ouvir sua cabeça
funcionando daqui.

— Sério? — falei um pouquinho arrastado.

— É claro que não. Mas, pela sua cara de pânico, você estava surtando na sua mente. —
Ela riu. — Quanto você bebeu?

— Não muito, juro! — Comecei a rir também. Acho que ficava bem visível no meu rosto
quando minha cabeça estava a mil.

— Você se importa de pegar mais bebida? — Ela balançou seu copo vazio.

Levantei com a intenção de ir para a cozinha, mas a casa estava tão lotada que por pouco
não desisti. Fui abrindo caminho na medida do possível. Havia muito mais gente ali do que eu
me lembrava. Acho que durante nosso jogo de cartas mais e mais pessoas foram chegando, e eu e
Esra nem percebemos. Eu precisava falar com ela sobre aquilo.

Eu continuava tentando abrir espaço para passar e ainda estava no meio do caminho
quando a porta de entrada se abriu mais uma vez. Meu Deus, quantas pessoas mais entrariam
naquela casa? As pessoas não gostavam de ficar em casa nos domingos? Olhei para a porta,
esperando mais alguém de toalha.

Não importa como, nem quando, nem onde, eu sempre reconheceria Thomas no minuto em
que o visse, e lá estava ele, na sala de estar da minha casa, com várias pessoas em volta, vestido
de terno e com uma máscara nos olhos. Seus cabelos, cada vez maiores, estavam puxados para
trás como em seu aniversário.

Ele veio em minha direção sem tirar os olhos de mim nem por um segundo.

— Você é louco? O que está fazendo aqui? — A música estava alta e eu gritava em seu
ouvido para que ele me ouvisse. — Como você me achou tão facilmente, aliás? Tem dezenas de
pessoas aqui.

— Eu disse que precisava falar com você.

— Desculpe, Thomas, mas não estou a fim de drama agora. Quero aproveitar a festa.

Fui em direção à cozinha sem olhar para trás. Abri a geladeira para pegar algumas coisas,
notando que ele me seguiu.

— Isabella, eu preciso te falar uma coisa. — Ele segurava meu braço, tentando chamar
minha atenção.

— Mas eu não quero ouvir, você entende isso? Eu não quero saber de mais nada sobre
você. Vi sua entrevista com a Louisa sobre a coisa toda com o Peter. Dava para ver o quanto
você estava incomodado em chamá-la de “minha garota”. Sério, Thomas, esqueça.

— É sério isso? Você está desse jeito por causa de… Você está com ciúmes? — Seu cenho
estava franzido, mas era visível que ele tentava segurar um sorriso.

— O quê? Claro que não! Estou brava porque você mentiu para mim. E continua
mentindo!

— Tá tudo bem por aqui? — Como sempre, eu ficava tão concentrada em Thomas que
nunca percebia o que acontecia à nossa volta. Diego estava ao meu lado. Ele havia se dirigido a
mim, mas encarava Thomas.

— Está, sim, Diego, não precisa se preocupar. — Os dois se encaravam. — Você pode
levar essas garrafas para o pessoal? Eu já vou indo.

Entreguei as bebidas a ele, que finalmente olhou para mim.

— Claro, Isa. — Sorriu. — Eu sou o Diego, aliás. — Ele estendeu a mão livre a Thomas,
que a apertou sem hesitar.

— Pode me chamar de Green. — O aperto de mão foi mais longo do que o normal, o que
me fez revirar os olhos.

Garotos!

Diego me olhou rapidamente e pousou levemente sua mão um pouco acima da minha
cintura, me pegando de surpresa.

— Te vejo lá na sala. — Antes de voltar, é claro que ele deu mais uma encarada em
Thomas.
— Isso era mesmo necessário? — perguntamos em uníssono, eu colocando as mãos na
cintura e ele com as mãos fechadas em punho.

— Foi ele que ficou me encarando. Como se ele tivesse alguma chance — ele respondeu
primeiro, claramente exasperado.

Thomas começou a rir com deboche e decidi acabar com essa graça rapidinho.

— Quem disse que não tem? — menti, e ele parou de rir imediatamente, me pegando pela
cintura e me puxando para perto.

— Não faça isso comigo, Bel.

Será que eu fui muito cruel? Não! Pare com isso, Isabella. Se concentre.

— E olha a Bel aí de novo! Me poupe, Thomas. — Eu o empurrei, e ele me soltou


rapidamente. Thomas era, acima de tudo, extremamente educado. Isso eu não podia negar. —
Pare de fazer isso comigo.

— Eu não consigo. Você… — Ele me olhou intensamente, mas, como sempre, não falou
sobre o que sentia.

Eu tinha que tomar muito cuidado para não ceder novamente.

— Vou dançar.

Fui para o meio da cozinha com todas as outras pessoas que estavam lá. Precisei de todas
as minhas forças para não procurá-lo e me deixei levar pelo som. A minha dança com Thomas
invadiu minha mente, mas reprimi o pensamento o máximo que pude.

Depois de algumas músicas, Esra apareceu com Hans e logo em seguida o resto do pessoal
veio se juntar a nós. Começamos a dançar todos juntos, e eu comecei a rir de novo.

Percebi que Diego estava dançando com Katharina, e torci para que eles ficassem juntos
novamente. Os sentimentos de Katharina por ele eram tão fortes que ficava quase palpável no ar,
e eles ficavam ótimos juntos.

Eu estava de olhos fechados quando senti uma mão na minha cintura. Um arrepio imediato
percorreu meu corpo, reconhecendo o toque na mesma hora. Me virei lentamente e lá estava
Thomas, me encarando. Ele colocou sua outra mão na minha nuca, me puxando mais para perto
suavemente.

Como sempre, eu já sabia o que estava por vir, e mais uma vez não consegui resistir. Venci
a distância entre nós, e nos beijamos. Cada beijo que Thomas me dava parecia melhor que o
anterior. A cada momento que passávamos juntos, mais os nossos beijos falavam por si só.
Aquela sensação era realmente inacreditável.

Ao fundo, escutei alguns dos meus amigos gritando, mas mal pude identificar o que
diziam. O mundo era, mais uma vez, eu e Thomas. Apenas nós dois.

Alguém esbarrou em mim, e aproveitei para me afastar dele.

— Nós não podemos fazer isso — eu disse, passando as mãos nos meus lábios
involuntariamente. Mal tínhamos nos afastado, e eu já sentia falta de seu toque.

— Aproveite o momento. Não era isso que você disse que queria fazer? — Os lábios dele
estavam um pouco inchados e meio avermelhados por conta do meu batom.

— Thomas, até onde você vai querer me levar com isso tudo? Quem sempre acaba se
afastando é você.

— Mas na última vez foi você. E venho tentando consertar a situação desde então, mas
você não quer me ouvir.

Cruzei os braços por instinto, protegendo meu coração. Ele passou as mãos no cabelo, e
então na nuca. Ele sempre fazia aquilo quando não sabia o que dizer.

— Podemos ir para um lugar mais calmo? Eu estou de carro. Vamos lá para casa.

— Não posso. Tenho que ajudar a arrumar as coisas quando a festa acabar.

— Eu te trago a tempo. Nós podemos ir, por favor? — Ele juntou as mãos, encostando a
ponta dos dedos no queixo.

Eu sabia que estaria fazendo a coisa errada, mas, ao olhar para o lado, vi que uma menina
encarava Thomas de olhos semicerrados, desconfiados. Ela provavelmente estava o
reconhecendo. Não era tão difícil, já que ele estava só com uma máscara na região dos olhos e a
casa estava até que bem iluminada.

— Vamos logo.

Peguei em sua mão e o puxei em direção à saída. Olhei para Esra com um olhar de
desculpas, mas ela apenas sorriu e me deu uma piscadinha, entendendo tudo errado. De qualquer
maneira, ela entendeu que eu estava saindo e era isso o que importava.

Olhei para trás e vi que parecíamos um casal, andando de mãos dadas no meio de uma
festa. Thomas apertou minha mão, me fazendo considerar que talvez ele pensasse a mesma coisa.
Capítulo 25

Chegamos à casa de Thomas por volta das nove horas da noite. No caminho todo, ele havia
ficado em silêncio, como sempre. Aproveitei que as músicas da Bad Reputation estavam tocando
em seu rádio e fiquei cantarolando cada música que eu reconhecia e sabia de cor. Ou seja, todas.
Por diversas vezes, senti seu olhar em mim, mas me recusei a olhar de volta.

A casa de Thomas estava exatamente como eu me lembrava. Ele provavelmente ia pouco


lá, então as coisas estavam sempre do mesmo jeito.

— Não entendo como você tem tido tanto tempo desde que nos conhecemos. Você não tem
que fazer coisas, como gravar músicas e clipes, turnês, divulgações e afins?

— Estamos em um período de férias. E nossos próximos projetos serão todos em Londres


— ele respondeu enquanto tirava o paletó. Ele ficava ainda mais bonito de roupa social. —
Nossa próxima turnê começa no início do ano que vem. A gravação do próximo CD começa em
agosto.

Me sentei no sofá, encarando a sacada. Era bom estar ali de novo, eu gostava daquele
apartamento. Era estranho como eu me sentia em casa em um lugar que pertencia a uma pessoa
que eu conhecia há pouco menos de dois meses.

Ele abriu um pouco o vidro, deixando o vento entrar, e sentou no sofá de frente para mim.

— Preciso te contar uma coisa sobre a história toda com a Louisa.

— Sabe, Thomas — falei de repente —, por que nós simplesmente não deixamos tudo pra
lá? Vai ser mais fácil. Eu faço meu intercâmbio e você continua sua vida de famoso com a Bad
Reputation, e pronto. — Surpreendi a mim mesma com aquele discurso.
— É isso que você quer? Esquecer tudo e fingir que nunca nos conhecemos?

— Eu acho que vai ser bem mais fácil.

— Eu perguntei se é o que você quer. — Ele me encarou, e fiquei em silêncio. — Porque


não é o que eu quero.

— Lá vem você de novo. — Cruzei os braços.

— Meu Deus! — Ele jogou os braços para cima. — O que mais você quer que eu faça para
entender que eu não sinto mais nada pela Louisa?

— Por que não fala o que sente por mim? — Levantei uma sobrancelha.

— Mas eu já disse… — ele disse, desanimado. — Na festa.

— Por que não diz agora?

— Porque eu não consigo chegar e dizer assim. — Ele não parava de gesticular. — Não é
tão fácil. Depois da história da Louisa, não consigo mais falar tão abertamente sobre o que sinto.

— Então realmente foi perda de tempo vir aqui.

Comecei a me levantar.

— Por favor, não vá embora. Eu já te disse que vou te levar de volta.

Me sentei novamente.

— O que você quer de mim, Thomas? — Meus olhos começaram a se encher de lágrimas
sem que eu pudesse evitar.

— Por que você está chorando? — Sua voz saiu rouca, quase um sussurro. Ele secou uma
lágrima com os dedos, fazendo carinho em meu rosto.

— Por causa do que sinto por você e porque eu simplesmente não entendo como fui me
sentir assim em tão pouco tempo. Não é justo.

— Então o que você sente é ruim? — Senti tristeza em sua voz.

— É claro que não. Mas as chances de as coisas darem certo entre nós são pequenas, e isso
me faz mal. Principalmente com essa história toda do Peter e da Louisa.

— Por que você fica dizendo isso o tempo todo?

— Ainda não chegamos lá, mas em breve você vai perceber que eu não sou nada demais.
Além disso, você leva uma vida muito diferente da minha. No início do ano que vem, você estará
em turnê. Eu vou voltar para o Brasil e tentar fazer alguma faculdade. E tem a Louisa. Isso aqui
— apontei para nós dois — é impossível.

— Bel? — Sua voz já quase não saía.

— O quê? — Minha voz estava embargada.

— Posso te dar um beijo? — Seus olhos passaram dos meus para os meus lábios mais
vezes do que pude contar.

— Você não precisa pedir — sussurrei.

Seus lábios encontraram os meus, gentis, com cuidado. Ele passou sua mão pela minha
cintura e me puxou para seu colo. Thomas me beijou calmamente, e senti que era um beijo de
quem se desculpa. Me perguntei o motivo, mas deixei o questionamento de lado. Eu sabia que
meu tempo com ele estava acabando e decidi que aproveitaria o máximo que eu pudesse.

Nos raros momentos em que nossos lábios não estavam se tocando, nós trocamos olhares.
Thomas era incrível. Eu estava apaixonada por cada traço, cada gesto. Suas sobrancelhas não
muito grossas, a curva de seu nariz, as poucas pintas em seu rosto, seu maxilar marcado… Tudo.

Ele beijou minha boca, meu rosto, minha orelha, meu pescoço. Entrelacei minhas pernas
em sua cintura e ele se levantou, me carregando no colo. Minhas mãos se intercalavam entre seus
cabelos e suas costas.

Percebi que estávamos nos abaixando e, quando olhei em volta, estávamos no quarto,
deitados na cama.

— O que você está fazendo? — Meu coração começou a se acelerar.

— Não se preocupe, as coisas vão acontecer quando tiverem que acontecer.

Ele me beijou, e continuamos assim por um tempo que não consigo determinar. Toda vez
que ele fazia um carinho ou afagava meu cabelo, meu coração se partia um pouco mais.

— Não me deixe, Bel — ele sussurrou em meu ouvido.

— Como vou deixar alguém que nunca esteve comigo? — sussurrei de volta.

Ele enterrou seu rosto em meu cabelo e não disse mais nada.
Ficamos alguns minutos deitados, em silêncio, até que ele levantou abruptamente.

— Quero te mostrar uma coisa. — Ele me levou até uma porta que estava sempre trancada
em seu apartamento. — Espere aqui.

O que será que tinha lá dentro? Lembranças? Tralhas? Outro quarto?

Ele foi buscar a chave, que ficava pendurada junto com as chaves da sua casa, e abriu a
porta. Lá dentro, havia um quarto um pouco maior que o outro em que estávamos antes. De um
lado, várias caixas empilhadas, uma estante abarrotada de coisas e um sofá. Do outro,
computadores, equipamentos, microfones… Era praticamente um estúdio. Eu nunca vira nada
daquilo de perto, era impressionante.

Não consegui me conter e entrei, passando a mão com cuidado em cada coisa. Cantar era
um sonho surreal na minha vida.

— Isso tudo é incrível. — Minha voz saiu quase como um sussurro. Eu estava
maravilhada.

— Aqui eu faço o que faria se estivesse em carreira solo. — Ele estava apoiado no batente
da porta, de braços cruzados.

— Você quer me mostrar alguma música sua?

— Na verdade, quero que você grave My Lullaby comigo.

O quê?!

— Não vou fazer isso — eu disse, seca.

— Vamos, Bel, sua voz é linda. Vamos gravar juntos. Você gosta de cantar, não é? Eu
percebi aquele dia, quando você estava aqui em casa. Você nunca se imaginou gravando nada?
Você vai amar. Eu vou cantar com você. Por favor!

Olhei para ele e então para os equipamentos. A ideia não era de todo ruim, mas…

— Você não vai ficar satisfeito com o resultado, tenho certeza.

Ele me encarou.

— Você precisa ter mais autoestima, sério. — Continuei em silêncio. — Podemos ao


menos tentar?

Olhei para Thomas de novo. Seria uma maneira interessante de nos despedirmos.

— Certo — eu disse, e ele deu um pulo, começando a ligar tudo. — Mas se eu não
conseguir a gente para na hora.

— Você vai conseguir. — Ele sorriu para mim. Quando tudo estava ligado, Thomas me
posicionou em frente ao microfone, colocando fones de ouvido em mim. — Você tem que
escutar sua voz pelos fones. Você está se ouvindo?

Fiz que sim com a cabeça e ele me mostrou o sinal de ok. Assim que apertou uma tecla, o
instrumental de My Lullaby começou a tocar em meus ouvidos. Olhei para Thomas, desesperada,
e ele parou a música.

— O que foi?

— Não vou conseguir fazer isso. Você não ia cantar também?

— Você vai gravar sozinha, depois eu vou gravar sozinho, e depois gravamos juntos. Fique
tranquila.

— Por que você teve essa ideia de repente?

— Acho que eu te devia algo especial. — Ele deu de ombros. — Vamos tentar de novo? —
Ele apertou o play e a música começou mais uma vez. Travei. — Ok. — Ele parou a música de
novo. — Eu gravo primeiro e depois você. Ok? — Sem esperar a resposta, ele recomeçou a
música.

Eu não sabia mexer em nada, então ele ficou em frente ao computador. Sua voz era linda e
encheu meus ouvidos. Ouvir aquela música ao vivo era muito melhor, principalmente cantada
apenas por ele. Willian até era bom, mas Peter não conseguia passar nenhuma verdade naquela
música.

Fiquei admirada e ao mesmo tempo triste por ele ainda estar preso à banda. Ele se daria
muito melhor sozinho, ou pelo menos seria mais feliz. Thomas era incrível.

— O que achou? — ele perguntou ao fim da música.

— Maravilhoso, é claro. Devíamos deixar assim.

— Não comece. Acredite em você. Você é boa. — Ele apertou minha mão. — Eu acredito
em você.
Thomas deu play na música, e eu respirei fundo.

Fechei os olhos e tentei não pensar em mais nada, apenas na música e no quanto eu gostava
dela… e em Thomas.

Cantei com toda a saudade que eu sentia de me expressar com uma melodia. Fazia tempo
que eu não me sentia segura o suficiente para isso. Abri os olhos só quando a música acabou e vi
Thomas me encarando.

— O que foi?

— Foi perfeito. Você devia tentar…

— Tá, tá, tá. Agora juntos. — Revirei os olhos e me preparei.

E então gravamos juntos. Nos posicionamos lado a lado e ficamos de mãos dadas. Thomas
olhava para mim, e eu tentava sustentar o olhar o máximo que eu conseguia sem ficar
envergonhada demais.

Mais uma sensação que iria para minha lista de incríveis: cantar com Thomas. Meu
coração estava a mil e eu, toda arrepiada. Quase falei o que não devia, mas me segurei a tempo.

Quando acabamos, ele me deu um beijo no canto da boca, o que me aqueceu.

— Espere um pouco agora, ok?

Thomas queria que a música ficasse o mais natural possível, então gravamos apenas uma
vez. Depois de uns vinte ou trinta minutos, ele me mostrou o resultado. Ouvir nossas vozes
juntas partiu meu coração.

— É maravilhoso. — Nós trocamos olhares.

— Eu cantaria com você para sempre — Thomas disse.

Ele me levantou e me abraçou. Deitei minha cabeça em seu peito e ficamos nos balançando
devagar, com a música ao fundo.

— Eu preciso ir, Thomas — disse, me afastando dele. — Esra deve estar precisando de
mim.

Ele franziu o cenho.

— Ok. — E me estendeu um CD. — É a música, eu tenho uma cópia também.


O caminho de volta também foi feito em silêncio, parecia que eu e Thomas não éramos
muito de falar em viagens de carro. Mas acho que dessa vez algo estava diferente. Parecia que
tínhamos compartilhado outro tipo de intimidade ao cantarmos juntos.

A mão dele estava na minha coxa, e fiquei fazendo carinho nos nós de seus dedos. Assim
que chegamos à minha rua, vi que algo estava errado. Esra estava sentada do lado de fora,
chorando.

— Abra a porta, rápido!

Me apressei em direção à trava do carro.

Ele destrancou as portas, mas segurou minha mão antes que eu saísse. — Você precisa de
ajuda?

— Ela não pode te ver. Eu dou um jeito.

Eu já estava quase fechando a porta quando ele me chamou:

— Eu ainda quero você, Bel — disse e apertou minha mão.

Decidi não dizer nada e fui correndo ao encontro de Esra, escutando o carro de Thomas ir
embora ao fundo.

Por um momento, me perguntei se só o carro estava indo embora.


Capítulo 26

— Esra. O que aconteceu? — Me aproximei, ajoelhando à sua frente.

— O Hans… O Hans… — Ela não conseguia terminar uma frase sequer, chorava
copiosamente. E o pior: estava completamente bêbada.

Olhei para dentro de casa e vi que não havia mais ninguém lá. Estava tudo escuro e a porta
da frente, escancarada. Para piorar, eu não fazia ideia de que horas eram.

— Esra, vamos entrar, está muito frio aqui fora.

E estava mesmo. Nós duas ainda estávamos fantasiadas e as roupas não eram lá muito
compridas.

Fechei a porta e liguei a luz. Quase chorei com a visão. Havia garrafas, papéis, restos de
comida e copos espalhados pelo chão. Até as paredes estavam sujas. Peguei um saco de lixo na
lavanderia, finalmente descobrindo que já era quase meia-noite.

— Esra, tente se acalmar, ok? Eu não vou conseguir entender o que aconteceu se você não
me contar.

Comecei a recolher as coisas e, sempre que passava perto dela, eu apertava seu ombro.
Depois de cinto minutos fazendo isso de salto alto, eu os joguei para longe. Como sempre, eu
estava física e emocionalmente cansada com todas as coisas que viviam acontecendo.

— O Hans… — Ela começou a chorar de novo e a falar em turco.

— Shhh — Ela soluçava muito alto, o que piorava por conta do silêncio na casa. — Esra,
eu não falo sua língua. Em inglês, por favor. Mas fale baixo, ok? — Ela continuava chorando. —
Venha aqui.
Eu já terminara de recolher as coisas da sala, o saco já estava cheio. Coloquei Esra em uma
cadeira na cozinha, lhe dei um copo com água e comecei a limpar. Aquele cômodo estava ainda
pior.

— O Hans… — Ela soluçava entre uma palavra e outra. — Ele beijou a Katharina bem na
minha frente. Na minha frente, Isa. Ele não estava nem aí.

— O quê? — As palavras saíram como um grito da minha garganta. O saco de lixo


escorregou da minha mão e atingiu o chão, gerando um barulho alto. Se algum vizinho
acordasse, estávamos ferradas. — Qual é o problema dele? E dela? A gente planeja uma festa
inteira para esse idiota fazer isso?

— Não chame ele assim!

Larguei o saco de lixo, que eu acabara de recolher, no chão de novo.

— Se você me disser isso de novo, eu vou chamar você de idiota.

— Me desculpe, Isa… — E começou a chorar de novo.

E foram horas assim. Além de recolher o lixo, limpei cada canto do andar de baixo. O
banheiro estava tão nojento que quase vomitei. Esra continuava chorando, quase caindo da
cadeira várias vezes. Tive que pedir que ela fizesse silêncio o tempo todo.

Quando a casa estava finalmente limpa e com cheiro de flores, eu subi com Esra, que já
estava em um estado meio bêbada, meio dormindo. Fiquei aliviada ao ver que ninguém subira. A
ideia de tapar a entrada da escada com a mesa da cozinha tinha sido fantástica.

Deixei Esra no banheiro tomando um banho enquanto levava o travesseiro dela para o meu
quarto e pegava uma muda de roupa. Ela parecia outra pessoa quando saiu do banho. Estava
quase irreconhecível por conta do inchaço somado à maquiagem completamente borrada.

— Venha, você vai dormir comigo hoje. — Mal terminei de falar a frase e ela já estava
desmaiada na minha cama. Roncava e tudo.

Coloquei um balde ao seu lado, caso algo acontecesse durante a noite. Desci novamente e
precisei reunir todo meu bom senso para não chorar com a força que tive que fazer para colocar a
mesa no lugar. Detalhe: tudo isso no mais absoluto silêncio. Ainda tive que esconder os
aparelhos de som de Hans para que a Li não visse quando chegasse, o que provavelmente
aconteceria logo.

Quando finalmente deitei na cama, já passava das cinco da manhã e Esra roncava ao meu
lado. Entrei nas redes sociais e vi que Thomas postara uma foto em preto e branco com uma
cartola na cabeça. Só então percebi que havia esquecido o chapéu em seu carro. A legenda dizia:
“A única mágica da minha vida”. Comentei com o desenho de um coelho, dando risada sozinha.

Eu queria estar com Thomas mais que tudo. Vi o CD com nossa música no criado-mudo ao
meu lado e não pude evitar adormecer sorrindo, apesar de tudo.

— Hmmm…

Acordei com o barulho de um gemido, o que me deixou meio constrangida. Olhei em


volta, procurando de quem poderia estar vindo aquele som, e quase morri do coração quando vi
Esra deitada ao meu lado. Eu tinha me esquecido completamente de que ela estava lá.

— O que foi, Esra?

— Hmmm…

— Você está dormindo ou o quê?

— Estou com a pior ressaca da minha vida. Será que você pode, por favor, falar mais
baixo? — Ela estava com os braços cobrindo os olhos.

— De nada, aliás. Caso você não se lembre…

— Eu sei, eu me lembro. Você é a melhor amiga do mundo. — Ela tateou pela cama,
procurando minha mão, e, quando a encontrou, apertou-a, agradecendo. — Agora, shhh, por
favor. — Dei uma risada leve, tentando não fazer nenhum barulho. Era engraçado como as
pessoas reagiam à ressaca. — Só uma coisa. A história com Hans… — Droga, eu havia me
esquecido completamente. — Aconteceu mesmo ou a ressaca está ruim assim? — Ela abriu um
meio sorriso.

— Hm… Eu não vi nada, mas parece que aconteceu mesmo.

Ela fechou a cara rapidamente.

— Certo. Eu vou tomar um banho. — Ela saiu, encostando a porta, sem me dar a chance de
dizer algo.

Soltei a respiração, então a porta abriu novamente e Esra veio correndo em minha direção,
chorando como no dia anterior. Ela me abraçou, e ficamos assim por um tempo, até que ela
colocasse para fora tudo o que precisava, e então me contou tudo. E eu quase tremia de vontade
de poder contar o que estava acontecendo comigo também.

— Estávamos dançando todos juntos. Normal. Eu e o… Bom, eu e ele, Alicia e Juan,


Katharina e Diego, você e o cara alto. — Era impressionante o quanto doía não poder
simplesmente dizer o nome dele. — E aí vocês dois foram embora, e o Diego parou de dançar
com a Katharina, nem olhou mais para ela. Provavelmente, só estava tentando fazer ciúmes para
você. E acho que isso deixou a Katharina bem brava, porque ela decidiu fazer a mesma coisa
com o Diego, dando em cima do Hans. O problema é que ele correspondeu! — Os soluços
começaram a voltar. — Ele a puxou para o beijo, Isa! Ele! Eu me senti uma idiota. Fui correndo
para o banheiro e fiquei lá, chorando, nem sei por quanto tempo. Quando eu finalmente voltei,
eles ainda estavam juntos! — Ela estava gritando. — E aí fiquei muito, muito puta da vida.
Liguei todas as luzes, arranquei o som das tomadas e expulsei todo mundo da festa, sem dó nem
piedade. Quase chutei o casalzinho para que eles saíssem daqui.

Eu a abracei.

— Bom, Esra, pelo menos agora você sabe que ele não é um cara legal para você.

— Por que os garotos brincam tanto com a gente?

— Eu também queria saber.

Como eu já imaginava, não fui para a aula naquele dia. Quando Esra me acordou com seus
gemidos, já eram mais de dez horas da manhã. No almoço, ela estava desolada, já que Hans não
entrara em contato, muito menos Katharina. Já os outros ligavam sem parar no celular dela, que
fez questão de não atender nenhuma das ligações.

Comemos uma pizza, ou pelo menos eu comi. Se ela engoliu a borda de um dos pedaços,
foi muito.

— Já sei. Quando acabar de comer, vá se arrumar porque nós vamos sair — eu disse.

— Mas…

— Não importa. Nós vamos sair!

Esra era uma pessoa muito legal para estar daquele jeito. Estávamos quase saindo quando
cruzamos com Li, que parecia não ter percebido nada sobre a festa.
— Ela está bem? — Li sussurrou para mim, e eu balancei a cabeça para que Esra não
percebesse que estávamos falando dela.

Às vezes, as preocupações de Li me pegavam de surpresa. Ela mal olhava em nossa


direção quando estávamos no mesmo ambiente, mas de vez em quando tinha uns surtos de
gentileza. Com o tempo, percebi que agir naturalmente era a melhor maneira de agir nesses
momentos repentinos.

Decidi criar um dia para Esra se divertir. Nós fomos para a Oxford Street e fizemos
algumas compras na Primark, tomamos sorvete no McDonald’s mesmo ainda estando bastante
frio, visitamos alguns pontos turísticos que Esra ainda não conhecia e até tiramos algumas fotos
na Agulha de Cleópatra, na borda do rio Tâmisa.

Fiz de tudo para que Esra nem se lembrasse da cara do Hans, apesar de eu mesma ter
passado o dia pensando em Thomas, o cara que vivia machucando meu coração. Consegui
arrancar uma ou outra risada dela durante o dia e não pude deixar de me sentir feliz por ela. Eu
conhecia minhas amigas do Brasil há anos, e elas nunca tinham sido tão boas comigo como Esra
foi durante três meses. Eu era muito grata por dividir a casa com ela.

Quando chegamos em casa, famintas, nos deparamos com Hans sentado na soleira da
porta. Esra imediatamente congelou. Eu estava pronta para começar a gritar com ele quando ela
pegou no meu braço.

— Está tudo bem. Eu preciso falar com ele.

Peguei as sacolas dela e entrei em casa sem cumprimentá-lo. Fui direto para minha cama,
sem saber o que fazer. Era possível ouvir o que eles diziam do meu quarto, então fechei bem a
janela e pensei em algo que pudesse me distrair.

Ligar para Thomas passou pela minha cabeça, mas rapidamente mudei de ideia. Ele ainda
não havia falado comigo, e eu não queria ser a primeira a ceder. Acabei ligando para meus pais e
passamos o resto da noite conversando. Descobri que Igor começara a namorar uma garota
chamada Tatiana, e a família estava em êxtase. Iago não parava de encher o saco dele.

Senti falta da minha família mais do que nunca. Tudo que eu queria era poder contar tudo
para minha mãe e para o Igor, que escondia de todo o resto da família a nossa amizade. Eu sabia
todos os segredos dele e ele, os meus. Me chateou demais quando fiquei sabendo pelos meus pais
que ele estava namorando. A distância às vezes estragava algumas coisas.

Eu já estava me preparando para dormir quando Esra finalmente entrou no meu quarto.
— E então? — perguntei assim que ela sentou na minha cama.

— Ele disse que queria ficar com a Katharina desde que chegou, por isso ele ficou com ela
ontem — ela disse com a voz embargada. — Mas que depois que começamos a ficar juntos ele
se apaixonou por mim. Ele disse que me ama, Isa. — Meu coração se acelerou só de ouvir
aquelas palavras. — O que você acha que eu devo fazer? Eu disse a ele que ia pensar.

— Olhe, Esra, para ser sincera, acho que você devia fazer o que seu coração mandar.
Independente do que qualquer outra pessoa vai achar. Se você acredita nele e nesse sentimento, e
se você se sente da mesma maneira, abrace a chance de estar com ele e poder viver tudo isso.
Mas se o seu coração te diz que o que ele fez ontem é inaceitável, se afaste agora para evitar que
você se machuque mais. Basicamente, escute o seu coração e faça o que ele mandar.

Ela me abraçou.

— Obrigada por tudo que você fez hoje. Eu nunca vou ter palavras para dizer o que
significou para mim.

Eu queria que Esra pudesse me ajudar da mesma maneira que eu a ajudei.


Capítulo 27

Acordei bem cedo no dia seguinte. Eu já faltara à aula no dia anterior e não queria que isso
se repetisse. Não vi Esra, então eu não sabia se ela já havia decidido alguma coisa ou não.

Acabei encontrando Diego no metrô, que mal me cumprimentou.

— O que houve? Está tudo bem?

— Sim. — Ele mal olhava para mim enquanto falava.

— Não parece… Você quer me contar alguma coisa?

— Te contar alguma coisa? Não é você que tinha que me contar alguma coisa? — Ele
bufou.

— Como assim? Eu não estou te entendendo.

— Caramba, Isa, a gente vai no pub, se diverte, e na volta eu tento te beijar e você me fala
que um dia quem sabe role alguma coisa. E aí, quando chega na festa do Hans, você fica se
jogando para mim a noite toda e depois fica com um desconhecido?!

Oi?

— Me jogar para cima de você? Pelo amor de Deus, eu nem sentei do seu lado — eu disse,
indignada.

— Ah, por favor, Isabella. Acha que eu não percebi você me olhando a noite toda?

— Nossos olhos se encontraram… o que, duas vezes? E em ambas eu estava feliz por ver
que você e a Katharina estavam se aproximando de novo. Acho que você anda vendo coisas
demais, Diego.
— Não importa. — Ao perceber que as pessoas começavam a olhar para nós, ele baixou o
tom de voz. — Você disse que ia me falar quando tivesse se recuperado do seu relacionamento.

— Diego, eu disse para você que, quando eu estivesse disposta a algo, eu te avisaria. Não
foi? Bom, eu ainda não estou disposta.

— Você pareceu bem disposta no domingo — ele falou com ironia.

— Legal, se você vai ser grosso, a gente não precisa nem conversar. Eu não me vejo
ficando com você, entende? Não sinto esse tipo de atração. Eu gosto de você, mas não desse
jeito. Só tenho tentado te dizer isso de maneira sutil. Além disso, desde quando eu te devo
satisfação sobre o que eu faço ou deixo de fazer?

Ele me encarou.

— Entendi — disse, se preparando para descer na próxima estação.

— Espere! — Tentei encostar em seu braço, mas ele se afastou de maneira brusca. — Sua
escola não fica no centro?

— Acho que prefiro pegar o próximo trem.

Ele desceu e não olhou para mim uma vez sequer enquanto o meu trem partia. Senti como
se tivesse perdido a primeira amizade que eu tinha conquistado ali.

Depois da aula, fui para casa estudar um pouco. Eu estava com um peso terrível no coração
pelo que tinha acontecido com o Diego, mas, ainda assim, eu sabia que não era minha culpa. Mal
pude me concentrar na redação que eu tinha que fazer, então decidi ir para o observatório, um
lugar calmo para refletir um pouco. Fazia muito tempo que eu não ia lá e, depois que Thomas
esteve lá comigo, aquele local se transformou em algo ainda mais especial.

Apesar de estar um pouco frio, o céu estava quase limpo, então a visão estava espetacular.
O sol fraco me aquecia um pouco, e como sempre o parque estava vazio. Londres era repleta de
parques, e eu sempre ficava desacreditada em poder passar o intervalo das aulas deitada na
grama. Por mais que houvesse alguns parques em São Paulo, na maioria das vezes eles eram
perigosos, infelizmente.

Fiquei um tempo observando a paisagem. Londres era definitivamente a minha cidade


favorita no mundo, por mais que eu conhecesse poucas delas. Todos os dias, independente do
que estava acontecendo no Brasil, ou com meus amigos do intercâmbio, ou com Thomas, eu
sabia que fizera a escolha certa ao fazer o intercâmbio. Eu amava São Paulo, mas Londres
conquistou meu coração.

O sentimento de estar para trás em relação às pessoas do Brasil havia desaparecido há


algum tempo. Minhas amigas, ou o que quer que elas fossem, até podiam estar na faculdade, mas
eu sabia que eu também estava vivendo coisas completamente novas que me ajudariam muito a
amadurecer e a entender o mundo à minha volta.

Eu as acompanhava pelas redes sociais. Ainda era um pouco esquisito todo o


distanciamento que rolou na nossa amizade, mas eu estava bem mais tranquila em relação a isso.
Cheguei a passar um tempo conversando com o Igor na semana anterior, e ele comentou o que eu
sempre neguei a mim mesma: elas não eram realmente minhas amigas. Nunca foram, mas eu
fingia que não percebia.

— Quantas vezes elas não apareceram no seu aniversário, enquanto você planejava festas
surpresas para elas? Quantas vezes você ficou em casa no fim de semana e descobriu depois que
elas haviam se reunido sem te chamar? Amizade não precisa de cobrança nem de presença, Isa,
mas precisa de lealdade. — Igor me disse.

Meu irmão podia ser mais novo que eu, mas era definitivamente mais sábio. Essas palavras
um pouco duras me magoaram, mas depois percebi que eram a verdade que eu precisava ouvir.

Olhei em volta. Não queria estragar aquele lugar com pensamentos carregados, muito
menos com a saudade, que às vezes apertava tanto que chegava a doer. A gratidão por estar ali
me cercava e logo abandonei esses pensamentos. Eu sabia que me sentiria sortuda para sempre
por ter tido aquela chance.

Deitei e coloquei os braços atrás da cabeça, olhando para cima, como eu fizera com
Thomas. Passei a entender o que ele dizia sobre o céu; era realmente mágico. Vendo as poucas
manchas de nuvens, que marcavam alguns pontos aqui e ali daquela imensidão azul-alaranjada
— o pôr-do-sol se aproximava —, eu senti que tudo ficaria bem no final.

Me lembrei de Thomas deitado ao meu lado naquele dia, e quase pude sentir seu perfume.
Ele me contou sobre Louisa e sobre como amava o céu e…

— Espere — falei para mim mesma, sentando abruptamente.

O céu.

Thomas dissera na festa que eu era o céu. Ele me deu uma fantasia de céu. Thomas me
amava! Era isso o que ele dizia ser importante, era isso que ele estava tentando me dizer o tempo
todo! Ah, meu Deus, Thomas me amava…

Abri um sorriso maior do que eu devia. Eu provavelmente só havia ficado feliz daquele
jeito quando descobri que meu intercâmbio iria realmente acontecer.

Procurei meu celular nos meus bolsos e lembrei que o deixara em casa. Droga! Saí
correndo do parque sem conseguir evitar uns pulos no caminho. Eu precisava dizer a ele o mais
rápido possível que eu também o amava.

No caminho, minha cabeça ficou a mil. Comecei a imaginar eu e Thomas em público, as


fotos que tiraríamos juntos. Eu não precisaria esconder nada e quem sabe um dia eu pudesse
morar em Londres com ele…

Entrei correndo em casa e liguei para Thomas. Chamou diversas vezes e ninguém atendeu.
Tentei mais uma vez, e continuei sem resposta.

Decidi mandar uma mensagem:

Eu estava tão feliz que pulava parada no lugar. Aquele era um momento para não atender o
telefone? Que agonia!

A noite foi passando, e ele não me retornou. Não vou negar que fiquei sentada na cama,
olhando para o celular com o coração disparando a cada vibrada. Perto da meia-noite, liguei de
novo, mas dessa vez caiu direto na caixa postal. Pensei em deixar um recado, mas aquele tipo de
coisa definitivamente era algo para se dizer pessoalmente.

Fui dormir sorridente, ansiosa pelo dia seguinte. A irritação por ele não ter atendido passou
tão rápido que nem pude senti-la direito. Sonhei a noite toda com Thomas, e ele me dizia as
famosas três palavras em alto e bom som.
Capítulo 28

Os sonhos foram tão bons que, mesmo quando eu acordava, fechava os olhos para
continuar sonhando. Consegui umas duas vezes, e enquanto eu tentava a terceira percebi que
estava muito atrasada para a escola. Decidi ligar para Thomas quando chegasse em casa, depois
da aula. Ele não era uma pessoa matutina de qualquer maneira.

A aula de quarta-feira seguiu tranquila, apesar de eu estar com o coração acelerado o


tempo todo por conta da ansiedade. Eu amava estudar inglês, então sempre tentava prestar
atenção em cada detalhe. Anotava tudo o que o professor dizia para não perder nada.

Aquele seria o último dia do professor Michael. Eles trocavam os professores de tempos
em tempos, então o clima estava meio melancólico, já que todos nós gostávamos dele. Meus
colegas de classe franziam o cenho o tempo todo para minha inquietação. Eu estava triste pelo
professor Michael, é claro. Eu o adorava, mas queria gritar para o mundo minha recém-
descoberta.

Quando a aula acabou, combinamos de almoçar com o professor. Ficamos todos esperando
por ele na calçada da escola. O pessoal estava em um papo afiado sobre futebol —
principalmente os brasileiros e os espanhóis —, então rapidamente me desliguei. Peguei o celular
e comecei a digitar o número de Thomas, que eu havia decorado, quando uma menina deu um
grito.

— O que foi? — Eu e várias pessoas perguntamos.

— Eu não acredito! Eu não acredito! Ele vai se casar! Eu não consigo acreditar! — Ela era
espanhola, mas eu já estava acostumada com o sotaque dela, então não foi tão difícil entender o
que dizia, apesar de ela estar meio chorando, meio rindo.
Metade das pessoas reviraram os olhos e voltaram às suas conversas, mas, como o meu
conhecimento sobre futebol era perto de nenhum, decidi dar um pouco de corda a ela.

— Calma, calma. — Dei uma batida em suas costas. Ela estava até engasgada de tanta
emoção, e não consegui conter uma risada. — Quem vai se casar? — perguntei, rindo.

— Thomas Green da Bad Reputation! Ele pediu a Louisa em casamento ontem à noite! Ai,
meu Deus, ele é muito fofo! — a garota disse, me deixando paralisada. — Olhe, olhe, olhe! —
Ela estendeu o celular e lá estava algumas fotos que os paparazzi tiraram através de uma janela,
com Thomas ajoelhado em frente à Louisa.

A qualidade da foto era péssima, já que fora tirada bem de longe, mas, mesmo com a
cortina cortando um pouco o rosto dele, era visível que a foto era real. Eram eles mesmo.

Peguei meu celular e procurei a rede social de Thomas. Lá estava uma foto em preto e
branco com ele sorrindo para Louisa enquanto suas mãos estavam no rosto dela e os braços dela,
enlaçados em sua cintura. “Finalmente posso gritar ao mundo que você é minha noiva. Eu te
amo!”, dizia a legenda.

Meu coração estava totalmente disparado, comecei a sentir uma corrente gelada pelo meu
corpo. Eu estava com a boca aberta, olhando para o celular. Não conseguia me mexer, respirar,
não conseguia fazer absolutamente nada. Parecia que tudo em volta estava em câmera lenta
enquanto meu coração batia cada vez mais rápido, como se fosse sair pela minha boca.

Aos poucos, tudo dentro de mim começou a desmoronar. Absolutamente tudo. Cada
sentimento, cada momento, cada lembrança, a pouca confiança que eu tinha em mim mesma.
Tudo, tudo mesmo foi se despedaçando. Justo quando eu tinha para mim que ele me amava,
quando eu concluí que o sentimento era recíproco. E era mentira. Era tudo uma ridícula mentira,
e eu havia caído direitinho. E pensar que eu estava prestes a deixar tudo de lado para ficar com
ele de verdade…

Meu celular começou a vibrar com uma chamada de Thomas, que eu não consegui atender.
Eu olhava para a tela sem reação. Tudo era mentira. Tudo era uma grande mentira.

Eu ainda estava em choque quando uma voz surgiu atrás de mim falando em português,
fazendo outro choque percorrer meu corpo.

— Sabe — ele deu uma risada irônica —, você tem que tomar um pouco de cuidado com
as coisas que você posta nas redes sociais, Isabella. Nunca se sabe quem pode te encontrar.

Me virei lentamente e lá estava ele bem na minha frente, sorrindo maliciosamente, com
aqueles olhos sombrios. Leonardo, meu ex-namorado.

Continua…
LISTA

1. Tradução:

Eu não sei o que você fez comigo

Mas minhas noites não são as mesmas.

Seu toque, seu beijo. Você, amor

Não tenho mais ninguém para culpar.

Sua voz, seu perfume, seu sorriso

Me salvou do escuro.

Eu nunca serei o mesmo

Se o mundo nos separar.

Minha canção de ninar, minha canção de ninar!

Não posso viver sem lhe dar beijos de boa-noite.

Minha canção de ninar, minha canção de ninar!

Você nunca sai sem se despedir.


Minha canção de ninar, minha canção de ninar!

Quando estou com você, tudo está bem.

Minha canção de ninar, minha canção de ninar!

Você é o melhor sonho das minhas noites.


Playlist de Bad Reputation – O Encontro

1. Story of My Life, One Direction

2. Best Day of My Life, American Authors

3. Innocence, Avril Lavigne

4. Good Life, One Republic

5. Living In The Moment, Jason Mraz

6. Down Goes Another One, McFly

7. You Found Me, The Fray

8. Through Glass, Stone Sour

9. Stitches, Shawn Mendes

10. Can’t Remember to Forget You, Shakira feat. Rihanna

11. Aqueles Olhos, Dom M

12. Heart Attack, Demi Lovato

13. Hurt Me, Lapsley

14. King of My Heart, Taylor Swift

15. As Long As You Love Me, Justin Bieber

16. Buzzcut Season, Lorde

17. Elastic Heart, Sia


18. Fix a Heart, Demi Lovato

19. Bad Decisions, Ariana Grande

20. This Is What You Came For, Calvin Harris feat. Rihanna

21. Wrong, Zayn

22. Night Changes, One Direction

23. It Should Be Easy, Britney Spears feat. Will.I.Am

24. I Knew You Were Trouble, Taylor Swift

25. Love You Like a Love Song, Selena Gomez

26. Gift of a Friend, Demi Lovato

27. All of Me, John Legend

28. Infinity, One Direction


BIOGRAFIA

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Sinopse: Isabela está finalmente realizando seu maior sonho: passar um ano estudando na
Inglaterra! Ela quer deixar para trás as coisas ruins e quer conhecer coisas novas. Aos poucos se
adaptando na cidade, percebe que nem tudo é como ela sonhava até que em uma reviravolta
completamente inesperada, de repente seu intercâmbio parece estar virando uma história de amor
proibido.

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