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1° edição – março 2022

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A ALINE PÁDUA

Revisão: Sônia Carvalho

Diagramação: AAA Design


SUMÁRIO
NOTA

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

PLAYLIST

Agradecimentos

SINOPSE

PRÓLOGO I

PRÓLOGO II

PRÓLOGO III

PARTE 1

CAPÍTULO I

CAPÍTULO II

CAPÍTULO III

CAPÍTULO IV

CAPÍTULO V

CAPÍTULO VI

CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII

CAPÍTULO IX

CAPÍTULO X

CAPÍTULO XI

CAPÍTULO XII

CAPÍTULO XIII

CAPÍTULO XIV

CAPÍTULO XV

CAPÍTULO XVI

CAPÍTULO XVII

CAPÍTULO XVIII

CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XX

CAPÍTULO XXI

PARTE 2

CAPÍTULO XXII

CAPÍTULO XXIII

CAPÍTULO XXIV

CAPÍTULO XXV

CAPÍTULO XXVI

CAPÍTULO XXVII

CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX

CAPÍTULO XXX

CAPÍTULO XXXI

EPÍLOGO

Dentro da sua alma, você sabe quando é hora de ir...

EXTRA

NOTA

CONTATOS DA AUTORA

O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

UMA GRAVIDEZ INESPERADA

CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

FELIZ NATAL, TORRES

UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO


NOTA

E foi do livro único que se tornou uma série de quatro


irmãos, para uma série de quatro irmãos, que gerou outra série –
os nosso Reis. Antes de tudo, o recadinho de sempre para quem

vem acompanhando ou vai começar agora, os meus romances


clichês: todos os álbuns da Taylor Swift me marcaram em
momentos diferentes da vida, e desde maio de 2021, tenho

lançado livros clichês baseados em álbuns dela. Já passamos por


várias músicas até aqui com a Família Torres, e agora, vamos
iniciar uma nova jornada com a Família Reis.

Não é obrigatória a leitura da outra série para o


entendimento deste livro, porém, fica a recomendação,

principalmente, do último livro da série, que conta a história de um


dos irmãos Reis – o Murilo. Deixarei-os listados em ordem logo

abaixo dessa nota, caso prefiram lê-los.

Preciso contar a vocês que as músicas Better Man e

Mirrorball da Taylor, me influenciaram e muito durante a escrita

desse livro. Posso dizer que cada uma representa um dos


protagonistas, e estou realmente apegada a elas.
GRÁVIDA DO CEO QUE NÃO ME AMA tem o seu nome

clichêzão, e traz consigo muitos dos clichês que a gente (ou odeia
rs), e claro, com muitas referências a novelas de todas as

nacionalidades que imaginarem, mas principalmente, aos

doramas (aliás, imagino a Valéria como a protagonista de A vida


secreta da minha secretária, que é um dos meus favoritos).

Entenderão que Val e Tadeu podem parecer opostos completos,

mas em cada limite de um, a gente nota que tem o encaixe para o
outro. Ao menos, espero que sim. E de todo coração, que eles te

conquistem.

Espero que esse livro seja um respirar profundo durante

esse momento tão difícil (e que aos poucos, vamos superando).

Boa leitura,
Aline Pádua
UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que só
pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma


mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem.
Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única
coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança
sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ
INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex-melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de


pedra preciosa em que Babi colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando


eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o
deixaria chegar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor
amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita
sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua
melhor amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se
depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex-melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres
compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento,
e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy
cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta a presença nem por um
segundo.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-
la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um
desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um


ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas
para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.

Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão


dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que
Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar
para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir, o tanto quanto,
um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que
não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro


Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial
ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia
palavra basta. Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o
homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela
apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,


poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele
compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por
completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não


apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que
ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


PLAYLIST

Posicione a câmera do seu celular para ler o QrCode e conheça

um pouquinho das músicas que inspiraram este livro. Caso não consiga ter

acesso, clique aqui


Agradecimentos

Raramente faço isso abertamente nos livros, mas senti que


esse momento precisava. Gostaria de então, listar as pessoas
incríveis que tive ao meu lado durante a jornada de Tadeu e

Valéria. Na realidade, todas elas estão comigo desde o primeiro


Torres, e meu coração fica muito grato e em paz por tê-las.

Minha gratidão a Adri, Isa, Kami, Lana e Lívia, por


aceitarem passar por cada curva diferente que essa história deu,
desde antes mesmo de eu começar a escrevê-la. Ter vocês ao

meu lado, fez com que tudo fosse mais fácil. E fez de Tadeu e
Valéria o que eles são.

E as minhas leitoras, que abraçaram essa ideia com tanto


amor e antes mesmo da data do lançamento, fizeram o livro bater

recordes pessoais meus, em relação a pré-venda de um ebook.

Obrigada por apoiarem o meu trabalho e serem tão


dedicadas. A cada uma de vocês, desejo que o seu clichê favorito

se realize (quem sabe um Reis para chamar de seu rs)

Esse livro é para vocês


Com amor,

Aline
SINOPSE

O triste é que aquele velho ditado se tornou real em

sua vida: Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca, que
amava Murilo, que não amava ninguém. Desde que seus olhos
pousaram em Tadeu Reis, Valéria se apaixonou. Não sabia dizer

se era pelo olhar escuro enigmático, o sorriso que ela queria tirar
daqueles lábios cerrados ou o fato de ele ser tão atencioso.

Porém, Tadeu apenas tinha olhos para outra mulher, e


Valéria escondeu aquele sentimento no fundo de sua alma,

tentando matá-lo durante os anos que se passaram. Uma


coincidência do destino, os coloca frente a frente. Ela sabe que

ele é errado, mais do que isso, uma grande mentira, porém, seu

corpo não resiste.


E uma noite com o homem errado não é o fim do mundo,

certo? Para ela, tornou-se um outro começo, já que terá uma


parte dele consigo, para sempre. Valéria está grávida do homem

que não a ama. E não pretende deixá-lo descobrir.


“Não negligencie o que você tem, pensando no que perdeu.”[1]
PRÓLOGO I

“Lá estava eu novamente esta noite

Forçando a risada, fingindo sorrisos

Mesmo velho, cansado, solitário lugar

Paredes de insinceridade

Olhares perdidos e vagos

Sumiram quando vi o seu rosto

Tudo que posso dizer é que foi

Encantador te conhecer"[2]

VALÉRIA
— Gael, você precisa se casar com ela! — a voz de minha

tia soou baixa e calculada, assim como aquela festa de


casamento arranjado que acabávamos de descobrir, que tinha por

objetivo no final, anunciar o casamento do meu irmão mais velho.

— É pelo bem dessa família!

— Pelo nosso bem? — ele revidou, soltando-se dela, e

olhando-a com desdém. — Nunca pensa em ninguém além de


você, Hellen. Tem medo de que a gente afunde a empresa da

família e por isso, corre para o lado onde a corda é mais forte.

Respirei fundo, ainda sem entender por completo, e

segurei com força a minha bolsa.

— Ei! — ouvi a voz de Henrique, que segurou nosso irmão

e fez um sinal de negativa com a cabeça. — Apenas fique até o

fim, irmão. Não vai se casar com ela.

— Como ousa...

— Cale a boca, Hellen! — senti as mãos de Paola

segurarem com força no meu vestido, e tive pena da minha irmã

de apenas cinco anos. Nosso pai acabava de chegar, bêbado

como sempre e a ponto de ter que ser carregado dali. — Vocês


são todos uma vergonha... Se ao menos, Eliane estivesse aqui...
— A mamãe tá com as estrelas, né, tin tin? — olhei para a
inocência de Paola, e fiz apenas um sinal de cabeça para Rique,

saindo dali de imediato, e adentrando um grande corredor, que

daria para a festa.

Parei por um segundo com ela, e me ajoelhei, sorrindo. Eu

tinha apenas quinze anos, e não sabia muito sobre nada, mas

sabia que não poderia deixar com que Paola fosse atingida por

aquilo. Não como a gente foi.

— A mamãe é uma estrela. — apertei seu nariz e ela

sorriu, com os olhos castanhos já mais animados. — E você é a

nossa estrelinha. — girei-a no lugar, fazendo-a parar à frente da

grande parede espelhada. — A gente vai entrar, comer, cantar

kpop pelos cantos e depois vamos embora.

Ela assentiu, abraçando minhas pernas.

Olhei para o meu reflexo, e apenas consegui pensar que o

ruivo dos meus cabelos estavam a cada dia ficando mais escuros.

A nossa descendência coreana pela parte materna ainda

permanecia, e era algo que tinha orgulho.

Ao menos, algo que poderia sempre me lembrar de minha

mãe, no caso, todos nós. Pois nós tínhamos os olhos dela. Parte
do motivo de nosso pai nos odiar.

— Ei! — ouvi a voz de Bianca, e me virei.

Paola se soltou e correu até a mesma, que a abraçou no

ar. Ela era a única amiga que fiz em toda a vida. Talvez porque
ela vivia no mesmo meio que eu, ou porque as nossas famílias
eram próximas. Mas ela era uma das poucas pessoas que não

me olhavam de cima abaixo, como se julgando o fato da minha


família ser um verdadeiro caos.

E ela era boa em me fazer pensar em qualquer outra coisa,


como suas roupas, joias e gostos. Além de termos um gosto

musical parecido.

— Vem, a família do Murilo veio!

— Pode só ficar com Paola um minuto? — pedi, vendo um


corredor que dava para o banheiro. — Só vou rapidinho retocar o

batom. — ela assentiu, e saí a passos apressados dali.

Na realidade, eu só precisava respirar fundo, antes de


entrar de fato naquela festa. Eu sentia os olhares. Eu sabia do

porquê dos olhares. Minha tia já estava me vendendo para


homens mais velhos ou com nomes importantes.
Joguei um pouco de água na nuca e fechei os olhos,

pedindo internamente que pudesse apenas fugir logo dali com


minha irmã a tiracolo.

— Sorria e finja que não sente nada. — repeti a mim


mesma, e abri a porta do banheiro.

Ainda me acostumando com aqueles saltos altíssimos,


senti meu corpo desequilibrar e bati contra um outro. De repente,
senti a atmosfera toda mudar, e foi como se estivesse presa a

uma das cenas dos doramas[3] que eu adorava. Senti o olhar

escuro encontrar o meu, e ele era tão penetrante quanto


fascinante. Só conseguia pensar em como ele era bonito, e como

o toque dele sobre a pouca pele exposta na minha cintura, fazia-


me sentir as borboletas voarem por todo o estômago.

O que estava acontecendo?

— Ei, sai da frente!

Senti alguém bater contra meu corpo, e fui empurrada


ainda mais para o dele. A mulher adentrou o banheiro, e eu fiquei

ali, ainda presa no homem desconhecido à minha frente. Ele me


era vagamente familiar, mas ainda assim, não tinha ideia.

— Ah, vejo que conheceu o irmão mais velho do Murilo.


Dei um pulo para trás, e então notei que mesmo com o
salto enorme, ele ainda era mais alto do que eu. Desde quando
eu ligava para altura de alguém?

— Me desculpe, eu não te vi e...

Ele apenas assentiu, como se fosse encerrar a conversa.

— Tadeu, essa é a Valéria...

— Apenas Valéria. — falei rapidamente, e ela assentiu,

como se entendesse meu receio com meu sobrenome. Ela sabia


um pouco, na verdade. — É um prazer. — estendi a mão e seu

olhar ainda me analisava, como se estivesse pensando se deveria


ou não aceitar.

— Tadeu Reis.

Apertou minha mão, e novamente, senti meu corpo todo


retesar, e de repente, não pensei em mais nada que não

fôssemos nós dois, exatamente ali, no toque um do outro.

E no lugar menos inesperado, eu encontrei... o que sequer

conhecia de fato – meu primeiro amor.


PRÓLOGO II

“Eu te odeio, eu te amo

Eu odeio querer você

Você quer ela, você precisa dela

E eu nunca serei ela"[4]

Quatro anos depois...

VALÉRIA

As lembranças me atingiram em cheio. Olhei para o final do

corredor vazio, lembrando que antes daquele dia, o sorriso de


minha amiga era maior. Mas eu nunca mais o veria, nem seu

brilho.

Ela tinha se casado com o melhor amigo – Murilo Reis.

Contudo, ele nunca a amou de tal forma. Era uma linha clara, que
ele jamais ultrapassaria com ela. Ele a amava, mas como uma

irmã. E ela, tinha seu amor por ele, em um romance. E no meio

daquilo tudo, segundo ela, encontrou conforto nos braços do


irmão mais velho dele – Tadeu.

E eu estive lá, vendo-a ser recebida por Tadeu, em seu

apartamento. Fomos vizinhos por algumas semanas, e de

repente, a proximidade aleatória que pensei ser o ponto chave


para conseguir, ao menos, ser amiga dele, se tornara em um

penhasco. Os cumprimentos dados e suprimentos trocados, se


transformaram em literalmente nada.

Não depois da noite que ele e Bianca tiveram.

Sem conseguir suportar, vê-lo recebê-la novamente, eu

voltava para o meu apartamento, com o choro acumulado, me


negando a deixar as lágrimas descerem. Eu conseguia ouvir

claramente, todas as vezes, o meu coração se quebrando. Assim

como o foi, quando ela me contou sobre o que aconteceu.


Mas ela estava feliz, e por um momento, sabia que a sua
felicidade, valia muito mais. E ela não tinha ideia que o custo da

sua felicidade, também me atingia.

Então eu ouvi, quieta e com um sorriso no rosto, ela me

contar, que foi ao apartamento dele, apenas para perguntar algo,

e ele então... Ele a beijou apaixonadamente e confessou que faria


de tudo por ela. Até mesmo, cancelaria o casamento. Contudo,

Bianca não podia lhe dar aquilo, ela estava em um momento

delicado, e infelizmente, de dias contados. Mas pelo jeito, ele

aceitara ser dela pelos dias que restariam, e ao menos, sentir um

gosto daquele amor.

E foi o que houve, até o momento em que ela partiu.

Meu coração se quebrou, daquela vez, por perder a única

amiga que tivera. E que infelizmente, tivera que me separar tão

cedo. Segurei com força o envelope que ela me entregou. A

última coisa que me dera, deixando claro que não era o único,

mas conseguiria se lembrar de onde realmente deixou. E era uma


carta, que ela me destinou, a entregar no momento certo, a

Murilo.
“Querido Murilo,

Eu sei! Eu prometi que não faria cartas tristes, mas é mais

forte do que eu, você sabe. Na verdade, você sempre soube mais

sobre mim do que eu mesma. E eu não quero enrolar ou dizer


que te amo pela milésima vez, na verdade, essa carta é um

pedido de perdão.

Perdão por tê-lo feito se amarrar a mim tão cedo. Perdão


por tê-lo feito de meu marido, apenas para realizar o meu sonho

de construir um conto de fadas, que eu sempre soube, ele nunca


desejou estar. Perdão por pensar sempre tanto em mim, e nunca

em você. Na realidade, em vocês.

E me dói admitir que eu entreguei tudo de mim, nos últimos

dias. Posso culpar o meu desespero pela vida, mas a realidade é


que pensei em mim. Novamente. Pensei e ainda penso, enquanto
escrevo essa carta. Porque não consigo sequer te olhar direito,

mesmo com um sorriso no rosto. E a culpa está em ter te traído.

Assim, na lata.

E a culpa está em ter te traído com seu irmão mais velho.

Assim, na lata de novo.


Eu sei que isso vai atormentar Tadeu, e assombrá-lo. Mas

o que eu posso dizer para tentar amenizar, quem sabe, um pouco


disso? É que nenhum de nós planejou que acontecesse.

E bom, estar com ele, me mostrou que de fato, nunca


poderia ter o verdadeiro amor com você. Nem nos dias contados.

Nem em um milhão de anos. Entendi que não fomos feitos para


ser, como um romance, estando nos braços dele. E eu preciso te

pedir perdão, por não me arrepender disso, mas por ter feito
tantas escolhas que me levaram a trair o que mais prezei de fato
– a sua confiança.

Sei que não resta nada, não agora.

Mas eu sei que se existe você, que sempre esteve lá por

mim... E a pessoa que eu sempre vou amar, independente das


escolhas que tive.

Você é o meu porto seguro, Murilo. Sempre foi.

Me perdoe por não ter sido o seu.

Com amor e saudade,

Bianca”

E ali estava eu, abrindo-a, pela primeira vez, e soube que


não tão cedo, lhe entregaria. Murilo merecia mais do que
descobrir, em meio à dor de perder a melhor amiga que tanto
amava, e que se culpava por não amar além daquilo, que foi
traído por ela e pelo irmão.
PRÓLOGO III

“Me beije no banco do seu Rover

Realmente doce, mas eu queria que você estivesse sóbrio"[5]

Um ano depois...

VALÉRIA

— Noite difícil. — deixei sair, enquanto me acomodava no


banco de couro isolado ao seu lado. Virei o resto da dose de

tequila, e meu olhar parou no escuro do seu.

— O que faz aqui, Fontes? — perguntou, fazendo-me

revirar os olhos.
— O mesmo que você, Reis. — Levantei o copo vazio, e

encarei a bagunça de pessoas e corpos, em um bar barato no


meio da estrada mais longe de casa possível, mas perto o

suficiente para voltar antes de darem falta. — Afogando um amor.

Senti seu olhar em mim, mesmo que não estivesse o

encarando. Virei-me, notando a surpresa clara na expressão, que

permanecia ainda dura e intacta.

— Surpreso de eu saber que bate um coração aí dentro?


— perguntei, tocando levemente sobre a lapela do seu terno

amassado, e ele segurou minha mão de imediato. — O que?

Apenas Bianca podia tocar aí?

Notei então todo o seu ar de dono de mundo estremecer, e

foi como se por um segundo, e talvez pela primeira vez, o visse

sem palavras. Soltei-me de seu aperto e ri sozinha, assim que

alguns desconhecidos deixaram bebidas caírem sobre a mesa à


nossa frente, não me contive e peguei a garrafa que fora salva. O

álcool podia ajudar.

— Fontes...

— O quê? — virei-me, e era claro o pânico em seu olhar.


— Apenas eu sei, se é isso que te fez perder a pose de intocável
e frio. Seu casinho está a salvo comigo, sou ótima em esconder
coisas...

— O que quer em troca? — perguntou, e nem tentou negar


de fato que teve um caso com a esposa do irmão mais novo.

Por que ele tinha que ser tão direto?

Por que ele não podia ao menos fingir não saber do que eu

falava?

— Que o homem que eu amo me ame. — falei seriamente,

mas não pude conter a risada em seguida. Ele franziu o cenho, e

se aproximou levemente, como se fosse para me cheirar. — Estou

bêbada, se é isso que está se perguntando...

— Está mesmo afogando as mágoas por amor?

— E você, não? — dei de ombros, e por um segundo, o

meu braço nu pelo vestido tocou em seu terno sob medida, o que

fez um arrepio percorrer todo meu corpo.

— Não estamos falando sobre isso. — cortou-me, e revirei

os olhos, sem conseguir me conter. — Por que age como se essa

conversa fosse uma birra?

— Me beije e nosso contrato de fidelidade está selado. —

falei, e notei-o me encarar como se tivesse duas cabeças. — Não


deve ser tão difícil. Vamos fingir que somos dois desconhecidos

no meio do nada, e que eu sou a mulher mais gostosa do lugar e


você o gostosão que todo mundo quer... Então, a gente se beija, e

dá um show para todos, como num roteiro perfeito de uma novela.

Ele não disse nada, e então, apenas me aprontei, ficando

de joelhos sobre o sofá e levei uma das mãos ao seu rosto. De


imediato, sua mão impediu a minha, e eu tive que rir de como ele
era tão difícil.

— Com Bianca não foi difícil, né? — indaguei, e notei seu


aperto afrouxar, a ponto de que pude tocar com as unhas a sua

barba que sempre tentei imaginar a textura.

— Não estamos fazendo um contrato de fidelidade com um

beijo, Fontes.

— Tão poderoso, bonito e intocável para mim, Reis? —

minhas unhas afundaram levemente em sua nuca, e sua


sobrancelha subiu, como se me desafiasse. — Era apenas um
teste, para ver até onde iria por esse segredinho sujo. — afastei-

me de imediato, e deixei a bebida que estava na outra mão, cair


sobre a mesa.
Dei-lhe as costas, e segui para fora do estabelecimento.

Aquela noite tinha começado do pior jeito possível e ela estava


para terminar, com um coração novamente quebrado e a

sensação de não pertencimento que eu já conhecia tão bem. Nem


mesmo correndo qualquer risco, ele se arriscaria a ficar tão perto

de mim.

Por quê?

Qual era o problema comigo, afinal?

— Não é um segredinho sujo.

Parei diante da sua voz baixa e controlada. Virei-me, e seu


olhar parou, encontrando o meu.

— Vai me beijar então pelo seu caso de amor com a


esposa do seu irmão?

— Como sabe sobre isso? — indagou, parecendo se dar

conta de que não tinha questionado sobre. — Quem mais sabe?

— Bianca era minha amiga, Tadeu. — falei, e fiz um sinal

de descaso com as mãos. — Ela precisava de um ombro para


contar o quão culpada se sentia por estar feliz nos braços do

homem que não amava. — minha voz soou curta e grossa, mas
não me segurei.
Ele sabia que ela não o amava. Eu sabia daquilo também.
E por um segundo, só queria que doesse nele, o tanto quanto
doeu em mim, saber que ela tinha tudo aquilo que eu mataria por

um segundo.

— O que me garante que não vai contar a ninguém?

— A minha palavra. — ele me encarou perplexo. — Bem-


vindo ao mundo de confiar nas pessoas, Reis.

— Não confio em você, Fontes.

— E nem eu em você... — olhei-o com desdém, por mais

que meu coração gritasse no peito. — Um dia vou cobrar minha


dívida sobre isso. Sobre o meu silêncio.

— Não era o beijo?

Ri alto, e antes que ele pudesse falar algo ou se afastar,


apenas fiquei na ponta dos meus saltos e toquei nossos lábios

levemente. Um segundo, mas que eu guardaria em minha


memória, como raro e intocável, antes de nossos olhos se

encontrarem, e a magia se dissipar.

Infelizmente, como eu imaginava, a magia esteve, no breve

encontro dos seus lábios nos meus.


— Acha mesmo que pode negociar com um beijo? —
neguei com a cabeça. — Soube que os Reis são os melhores em
fazer acordos, portanto, que o nosso conste como aberto... Um

dia, eu vou cobrar.

— Não pode simplesmente dizer o que quer?

— O que eu quero, você nunca poderá me dar. — olhei-o

de cima abaixo, e soube que já bastava por aquela noite. Vinte


anos e dignidade alguma não era algo que gostaria de repetir. —

Então, no momento que eu puder cobrar algo, o farei.

Saí andando, e poderia jurar que deixei um homem com as


mãos presas às costas. E aquele era o único jeito de ter algum

controle sobre Tadeu Reis em minha vida, mesmo que nunca

fosse usá-lo ao meu favor. Eu só queria poder ter controle sobre

alguma coisa relacionada a ele, já que o meu coração já estava


perdido há tempos.
PARTE 1

“Às vezes, no meio da noite

Eu posso te sentir de novo

Mas eu só sinto sua falta

E só queria que você fosse um homem melhor

E sei porque tivemos que dizer adeus

Como a palma da minha mão

Mas eu só sinto sua falta

E só queria que você fosse um homem melhor”

Better Man – Taylor Swift


CAPÍTULO I

“Com suas mãos nos bolsos

E seu sorriso de: Aposto que você queria me ter

Mas eu queria, então eu sorri, e me derreti como uma criança

Agora cada respiração que respiro me lembra disso"[6]

OITO ANOS DEPOIS

VALÉRIA

Olhei para as fotos que carregava de nós ainda crianças,

todos juntos. Eu sentia tanta saudade dos meus irmãos, que doía

ainda mais, em ocasiões como aquelas. Por tal motivo, não


consegui passar o Natal junto com a nova família que encontrei –

os Torres.

Ainda era uma ferida aberta, estar tão longe pelo bem dos

meus irmãos, e não poder compartilhar momentos que antes de


nossa mãe falecer, foram únicos.

Olhei de soslaio, para ver as pessoas no bar à minha frente

se abraçarem, e então tive certeza de que já deveria ser meia-

noite, no caso, vinte e cinco de dezembro.

— Feliz Natal, minhas vogais favoritas. — falei para a foto,

e guardei-a novamente na minha carteira, assim como, os


guardava em meu coração.

Suspirei fundo, e então levantei minha cerveja aberta em


direção às pessoas do outro lado do balcão, que sorriam entre si,

e pareciam estar realmente aproveitando a noite tão especial

perto, mesmo que trabalhando. Enquanto eu, naquele bar no

meio da estrada, que funcionava também como uma pousada,

não tinha outra escolha.

— Existe algo em lugares no meio do nada que me trazem

até você?
A pergunta me paralisou, e senti todo meu corpo ser
percorrido por um arrepio. Olhei para a quantidade de garrafas

que bebi, e não passavam de quatro, o que mostrava que estava

longe de estar bêbada de fato.

Não ousei virar, imaginando que era minha própria mente

inventando algo, já que fazia um bom tempo desde que ouvira

aquela voz, e talvez, eu já estivesse de fato criando-a em minha

mente, e confundindo-a com qualquer uma.

Foi então que o banco ao meu lado foi puxado e senti a

presença esmagadora que apenas ele conseguia me causar.

Depois de tantos anos, era ainda mais assustador, ter a certeza

de que aquela áurea o envolvia. Ou melhor, me envolvia, quando

ele estava por perto.

Dos quinze anos, para os meus vinte e oito anos, parecia

que a sensação de o ter por perto, tornara-se ainda mais

evidente.

Ousei então olhar ao lado e não pude acreditar no que

meus olhos viam – Tadeu Reis. O que diabos Tadeu Reis fazia
ali? E por que ele estava falando comigo?
Foquei na minha bebida e tive que jurar a mim mesma que

comecei a alucinar de fato. Assim que terminei, pedi mais uma, e


continuei apenas curtindo a música natalina que tocava ao fundo,

enquanto as pessoas tão perdidas quanto nós eram acolhidas


naquele lugar.

— Vai me ignorar com cerveja a noite toda?

— Que eu me lembro, Tadeu Reis não é muito de falar. —


soltei de uma vez, antes de terminar outra garrafa. — O que faz

aqui? Como me encontrou?

— Por incrível que pareça, não estou propositalmente atrás

de você. — comentou, e me neguei a encará-lo. — É estranho


reencontrá-la justamente no meio de do nada, longe de tudo,

depois de tantos anos...

— Não contei a ninguém e ainda tem uma dívida comigo.

— cortei-o, antes que continuasse.

Finalmente o encarei e sabia que foi um erro. Um erro em

forma de olhos escuros tão profundos, quanto o céu sem estrelas.


E ali estava eu, fazendo poesia, mesmo que ele não merecesse
uma linha dela.
Vi-o pedir um copo e uma garrafa de uísque, o que não me

surpreendeu. Apenas não saí dali de imediato porque não queria


parecer intimidada por sua presença. Contudo, depois de tantos

anos, reencontrá-lo justamente em um local parecido com o qual


o beijei pela primeira vez – mesmo que fosse sem importância

real – era um tanto quanto estranho. E aquilo me afetava.

— Há algo de errado em eu querer falar com alguém que

conheço? — indagou de repente, após uma dose, e o encarei,


sem entender nada.

— O que faz nesse fim do mundo? — perguntei por fim,

sem conseguir me conter. — Se não está me seguindo por conta


do que sei, como chegou aqui?

— De carro? — rebateu, e eu levantei uma sobrancelha,


sem conseguir reconhecê-lo.

Eu o conhecia desde os meus quinze anos, justamente na


época que me apaixonei, e realmente, nunca o vi agir de tal

maneira. De ser debochado daquela maneira, o que geralmente


pertencia a Igor ou Carolina. Ele teria mudado tanto assim? Ou eu
de fato nunca o tinha conhecido?

— O quanto já bebeu?
— Primeira dose. — levantou a garrafa e então colocou
mais em seu copo. — Só estou cansado... esqueça o que disse.

— Só se me der uma dose. — acabei por falar, e estiquei


minha mão até o seu copo, que ele segurava contra o balcão.
Nossos dedos se encontraram, e por uma fração de segundo, era

como se tudo parasse.

O mundo ia e vinha, e eu permanecia ali, apaixonada por


ele. Era alguma condenação? Algo para me fazer gostar ainda

mais dos meus doramas que não aconteceriam em minha vida?

Ele não afastou os dedos e muito menos aceitou os meus,

surpreendendo-me quando levantou o copo em direção à minha


boca e me fez beber daquela maneira, enquanto ele me servia.

Seu olhar permaneceu no meu, e por um segundo,


imaginei que era o mais perto de qualquer interação real que já

tivemos. Tão palpável quanto a atração que eu sentia e me


negava a deixar sair. Quando ele afastou o copo, e a bebida

desceu queimando minha garganta, seus olhos permaneceram


em mim.

E por um segundo, permiti-me acreditar que era em minha


direção que eles gostariam de estar.
Uma garrafa de uísque depois, e eu perambulava me
segurando contra o corrimão da pequena escada, para chegar ao
meu quarto. Um sorriso despontava em meu rosto, sendo

impossível ignorar o fato de que uma noite de bebedeira e um


longo silêncio ao lado de Tadeu Reis poderia ser tão boa.

Era tão boa porque era com ele?

— Fontes. — chamou, assim que cheguei à frente do


quarto, e me virei ainda com o sorriso que não saía de meu rosto.

Uma eu bêbada era pior do que várias de mim alegres sóbrias. —

Obrigado pela companhia essa noite. — assumiu, deixando-me


surpresa.

Tudo naquela noite me deixava completamente sem jeito.

E não era apenas pelo fato de que a barba dele estava maior do

que eu recordava, as sobrancelhas marcantes tão escuras quanto


os cabelos bem penteados e que pareciam ser sido feitos para

aquele belo rosto. Não... tinha mais ali.

— Feliz Natal, Reis. — falei, e estendi minha mão, como se

fosse uma forma de deixar apenas passar e fingir que além de


surpresa, eu estava ainda mais na dele. Eu era patética?
— Feliz Natal, Valéria. — apertou minha mão, fazendo-me

sorrir de imediato.

— Temos uma mudança aqui. — neguei com a cabeça. —

Nunca me chamou pelo primeiro nome, e eu muito menos pelo

seu...

— Algumas coisas são como são. — assenti e sabia

exatamente do que se tratava.

Nós éramos de sobrenomes que exigiam algo além de o

seu próprio querer. Na realidade, geralmente éramos uma versão


distorcida de nós mesmos para com a grande parte dos que nos

cercavam. Ao menos, eu era. Até os meus vinte anos, pelo

menos, quando desisti de ser. Pelo bem dos meus irmãos.

Já Tadeu, ele era? Ele sempre foi?

— Às vezes, poderiam só não ser... — dei de ombros, e

afastei minha mão da sua, fugindo dele, como se pudesse fugir de

mim mesma por alguns segundos. — Bom, é por isso que estou
aqui.

— Fugindo?

— Me encontrando também. — admiti, e notei-o engolir em

seco, enquanto seu olhar pousou no meus lábios e


permaneceram ali. — E você, fugindo?

— Não faço ideia.

E então deu um passo à frente, e de repente, estava


apenas eu contra a parede, encurralada por suas mãos ao lado

da minha cabeça, enquanto seu olhar me consumia.

— Diga-me para não fazer isso. — falou baixo, próximo aos

meus lábios, como se fosse uma prece. — Diga-me para parar


antes que possa...

E sem conseguir me segurar, minhas mãos foram para o

seu rosto e seus lábios chegaram aos meus. Diferente daquele

primeiro beijo sem qualquer propósito, aquele era real. Suas mãos
em minhas costas, puxando-me para si, fazendo-me agarrar ao

seu corpo, como se precisasse de sua proximidade para respirar.

Sua boca devorando a minha, como se aquela fosse uma marca


que apenas ele pudesse deixar.

E de repente, eu apenas o permitir deixar a marca que

quisesse.

Afinal, uma noite com o homem errado não era o fim do


mundo. Ou era?
CAPÍTULO II

“Você já não sabe demais?

Só vou te machucar se você me deixar

Me chame de amiga, mas me mantenha mais perto (me ligue de volta)

E eu vou te ligar quando a festa acabar”[7]

VALÉRIA

Positivo!

Levei as mãos à cabeça, sem conseguir acreditar e quis

socar minha própria cara por um segundo. As coisas já estavam


mais complicadas do que poderiam. De todos os interiores em
que os Reis poderiam se enfiar, eles tinham se enfiado

justamente na cidade vizinha na qual eu morava.

E pior, o homem do qual eu escondia uma parte importante

do passado, também o fazia, e esse homem era o atual marido da


minha atual melhor amiga. Murilo Reis era uma parte do passado

que Bianca deixou para que eu consertasse, já que ela não teve

tempo, e ali estava eu, literalmente fodida com toda a situação.

Por todos os lados parecia acorrentada aos Reis.

Primeiro: me apaixonei pelo espécime masculino de pior

índole deles, e que de quebra, amava minha amiga na época.

Segundo: sabia que ele e minha amiga tiveram um caso,

enquanto ela era casada com o irmão mais novo dele. E eu tinha
uma bendita carta para entregar para Murilo, a qual nunca tive

coragem.

Terceiro: agora estava esperando um filho de Tadeu e não

sabia por quanto tempo poderia fugir de fato.

Aquela história toda já era confusa demais, e eu me


arrastei para dentro da confusão no momento que permiti que ele

entrasse naquele quarto comigo. Eu não pensei que seria um


risco, porque eu me protegia, mas ainda assim, ali estava eu,
grávida.

Eu tinha fugido pela minha família, e para não estar presa


ao que mais aterrorizava naquela hierarquia que os Fontes se

enfiaram – um casamento por contrato. E agora, eu estava

grávida do candidato perfeito e se qualquer pessoa, tivesse o

mínimo de desconfiança, eu estaria condenada àquilo. Do que

tanto fugi.

— Val!

As batidas na porta me fizeram dar um pulo no lugar, e

soltei o teste com tudo, que caiu no chão do banheiro. Lavei

minhas mãos rapidamente, e saí dali. Assim que abri a porta do

meu quarto, encontrei o olhar desconfiado de Olívia Torres.

Ela era uma achado, eu tinha que admitir. Acreditava que

encontramos uma na outra o silêncio e cumplicidade que poucos

conseguiam entregar. Ela aceitava o que eu era, sem exigir que

fosse minha confidente e soubesse de tudo. Eu aceitava o

mesmo.

Depois de Bianca, eu nunca mais tinha acreditado em

qualquer amizade, ou qualquer relacionamento de tal forma,


porque mesmo sem querer, aquela relação me quebrou. Da pior

maneira.

— Por que não vai almoçar com a gente?

— É tia Val, por quê?

Não me surpreendi ao encontrar Daniela – a filha de Oli e

Murilo – argumentando como se fosse uma pessoa já crescida, e


sorri. Ela tinha apenas sete anos, mas conseguia nos levar no seu
mindinho, se fosse possível.

— Porque estou tendo dor de estômago, e nem um pouco


de bom humor. — apertei a bochecha da pequena, que revirou os

olhos, fazendo-me sorrir.

— Tem vários titios de mau humor hoje. — ela falou, e


antes que eu pudesse apenas negar, puxou minha mão. —
Vamos todos ficar de mau humor juntos, titia.

Eu nem era tia daquela criança e ela me tratava como


família. E era aquilo que os Torres fizeram comigo. Desde o
momento que cheguei ali, após a proposta de emprego como

cozinheira em outra fazenda ter evaporado, e com um pé na


frente e outro atrás, Inácio Torres me acolheu.
Ele não era tão mais velho que eu, e era engraçado ver

como era superprotetor e aos poucos, foi me colocando a parte


de tudo na sua família. De repente eu era a tia Val, para todas as

crianças e bebês dos Torres. Sem contar para os mais velhos,


dona Heloísa e Fabrício, que mesmo aparecendo tão pouco

devido ao tratamento de saúde do segundo, ainda assim, me


mostravam como uma família era.

Conviver naquele último ano com os Torres me mostrou


que uma família feliz e honesta era possível, definitivamente
diferente de onde cresci. Do lar que nunca pude chamar de lar. Se

eu pudesse dizer algo a Gael ainda, seria que ele estava certo
quando apenas foi embora e esqueceu seu sobrenome por um

tempo. Mesmo que no fim, ambos ficamos presos a ele de alguma


forma.

— Ela convence qualquer um, sejamos honestas.

Olívia falou ao meu lado, e eu me apeguei a eles, como


tinha feita desde que cheguei ali. Apeguei-me aos Torres, para

esquecer minha própria realidade. E de repente, para esquecer


que a mão sobre minha barriga, agora significava muito mais.

Quando chegamos à frente da casa de Inácio, meu corpo


todo paralisou quando notei alguns outros carros parados à
frente.

— Mas...

— Valéria Fontes!!!!!

O grito de Carolina Reis poderia ser ouvido da minha casa,


que ficava não muito longe, mas ainda assim, eram cinco

quilômetros. Senti então seus braços ao redor do meu corpo, e


enquanto aceitava seu carinho, entendi a fala de Daniela.

“Tem vários titios de mau humor hoje.”

O que imaginava serem Inácio e Júlio, que poderiam estar

em alguma discussão eterna sobre o final de uma série para lá de


confusa que estavam assistindo, na realidade, era... Só poderia

ser...

— Deixe a menina respirar, Carolina!

Ouvi então a voz de Verônica Reis, que não via desde o

Natal, mas que parecia de repente, ainda mais assustadora – ela


era a tia do filho que eu carregava. Carolina em meus braços era

a tia do filho que eu esperava. No caso, Daniela ao meu lado era


a prima dele, e... então, notei de relance, Tadeu adentrar meu

campo de visão, ao lado dos irmãos, e poderia jurar que ia


desmaiar.
— Está tudo bem?

Então senti a mão de Bruno Torres na minha, como se para

me segurar, e eu assenti.

— Ela está com dor de estômago e mau humor, então...


por favor, cuidado com a minha amiga. — Olívia falou, fazendo-

me revirar os olhos, e empurrar Bruno, que sorriu de lado em

complô com a irmã.

— É bom vê-la, Carol. — falei, finalmente me afastando da

mesma. — Desculpe, não é o meu melhor dia.

— Ainda quero a cor igual a do seu cabelo, sério. Ficou

ainda mais bonita durante esses anos, e com essa cara de vinte
anos como se...

— Ela não está legal, Barbie. — Igor então se pronunciou e

passou à frente da irmã, empurrando-a. — Permita-me te


acompanhar, como nos velhos tempos.

Ri para ele e aceitei.

Ele fora meu acompanhante em algumas festas estúpidas

em que estive quando mais nova. Sempre foi o Reis mais


sociável. No caso, ele e Carolina.

— Desde quando ela conhece todos os Reis?


A pergunta de Bruno poderia ser sutil, mas soara como um

grito. Ouvi o barulho de um tapa, e poderia jurar que Abigail – sua


esposa – foi quem o acertou.

— Reis! — fiz um gesto de cabeça ao passar por Tadeu,

que assentiu, e sorri abertamente para Murilo. — Cunhadinho.

— Melhor nome que poderia me chamar.

— Ele apaixonado só não é pior do que ele apaixonado

com Olívia perto. — Igor sussurrou, fazendo-me rir e esquecer por

um segundo, que a qualquer momento, poderia virar e dizer: “Ei,


você vai ser titio em breve”.

— Eu não acredito que Oli conseguiu!

Mabi foi quem me recebeu, e eu sorri para minha patroa,

vulgo que odiava o fato de chamá-la pelo sobrenome, mas que


era a cara-metade do homem de cara fechada e semblante neutro

ao seu lado – Inácio.

— Eu consegui, titia!

Dani foi quem falou, correndo até ela, e abraçando suas

pernas.

— Pois você merece mais sorvete por isso. — piscou para

a sobrinha, e eu ri da interação de todos. — Vou até pedir para


Júlio e Babi trazerem mais.

— Eles ainda não chegaram? — indaguei, tentando não

parecer estranha e no canto, já que o fizera no Natal, diante do

fato de que de repente, os Reis eram parte da família que eu


encontrei.

— Foram buscar Lisa.

Quando todos se sentaram, na enorme mesa da sala de


jantar, não pude deixar de sentir o olhar de Bruno sobre mim,

como se tivesse uma grande placa de “O QUE ESTÁ

ACONTECENDO?” em sua testa.

— Para de ser fuxiqueiro! — Olívia foi quem falou,


apontando um dedo para ele, que levantou as mãos em sinal de

rendição.

— Mas então, foi aqui que você esteve todos esses anos?

— Carol indagou, curiosa e animada. — Quer dizer, não nos


vemos há...

— Eu estava no exterior e no último ano, estou por aqui...

— engoli em seco. — Nada demais. — forcei um sorriso, o qual


ela aceitou como resposta. Felizmente, a curiosidade de Carolina

era fácil de ser sanada.


— Ela já sabia antes da gente? — foi então que Bruno

perguntou, fazendo um sinal para a irmã, e eu neguei de


prontidão.

— Somos dos mesmos encontros sociais de famílias da

Capital. — foi Verônica que falou, surpreendendo-me ao tomar a

dianteira. Olhei-a de imediato, com um agradecimento silencioso.

— Bom apetite a todos! — Inácio falou de repente, e foi o

suficiente para cortar o irmão mais novo, e me vi agradecendo-lhe

com o olhar também.

Mesmo com a mesa farta, eu sequer consegui colocar

muito no prato, como se fosse possível a náusea me consumir.

Felizmente, de um lado estava Igor, e do outro Carolina, o que me


impedia de ter uma visão de Tadeu, que estava logo ao lado do

irmão.

De repente, olhando aquilo tudo, eu soube que contar

sobre o filho que esperava, não era certo. Não ali. Não agora.
Talvez nunca.

Contudo, o almoço não foi silencioso.

Pelo contrário, ao juntar Bruno Torres e Igor Reis, a

conversa poderia tomar caminhos que você nem imaginava.


Assim que terminei de comer, pedi licença e fui ao banheiro mais

próximo, que ficava perto da cozinha, a qual se tornou minha

companheira de todo dia.

Cozinhar era o único momento que me sentia tendo um lar.

Joguei um pouco de água no rosto e me encarei no reflexo.

Felizmente, eu não parecia tão acabada quanto imaginava em

minha mente. Na realidade, eu estava era tentando não pensar


em nada. Não pensar sobre o fato que descobri estar grávida, e

muito menos, que o pai do meu filho estava na sala ao lado.

— Para de ser medrosa, porra! — sussurrei para mim

mesma, e prendi meus cabelos ruivos no alto, em um coque que


me deixava um pouco melhor na situação.

Assim que abri a porta, o susto me acertou em cheio, ao

encontrar Tadeu na parede oposta.

— Há outros banheiros na casa. — falei de relance.

— É realmente isso que vai dizer? — perguntou, e eu franzi

o cenho.

— Desculpe, mas... — paralisei. Será que ele? Não, não


tinha como ele saber. Eu tinha acabado de descobrir, então como
poderia aquela informação ter chegado a ele? Ninguém sabia.

Apenas eu e... eu. — O que foi?

— Por que foi embora sem dizer nada?

Foi então que entendi, soltando o ar e respirei fundo,

aproximando-me dele, para que a conversa não pudesse ser

ouvida tão perto dali.

— Porque não tem nada para mim aqui. — respondi de

uma vez, contra o seu ego ferido, e o encarei de cima abaixo. —

Podemos parar de fazer um caso sobre isso?

— Não estou...

— Me seguir até o banheiro é fazer caso. — sussurrei com

entonação e ele arqueou as sobrancelhas. — Olha, só não me

teste hoje. Não estou no meu melhor dia, e ainda mais...

— O quê? — indagou, como se estivesse genuinamente

interessado, e eu quis bater naquela cara bonita.

Já podia culpar os hormônios?

Ainda mais agora que estou grávida de um filho seu, e não


vou permitir que ninguém me obrigue a casar com você e muito

menos que tente fazer esse papel, e mais, você é o meu primeiro

amor e me deixa confusa a ponto de...


Ok, drama demais para aquele momento, e qualquer outro.

— Só me deixe em paz, Tadeu.

Dei-lhe as costas, sem nem eu mesma acreditar nas

palavras. De repente, eu quem fazia um caso sobre aquilo, como


se ele considerasse me perseguir após a nossa transa de uma

noite. Eu continuava sendo patética.

— Valéria...

Senti sua mão no meu pulso, e antes que eu pudesse me


virar, notei a presença de mais uma pessoa. No caso, uma

pequena pessoa. Afastei-me dele de imediato e sorri para Dani.

— O sorvete chegou, titia Val... titio Tadeu, você gosta

também?

— Eu... claro. — ele respondeu, e uma das raras coisas

que aconteciam, se tornaram reais – ele sorriu.

Um sorriso no canto da boca, mas ainda assim, longe de

toda neutralidade e frieza que sempre lhe cabiam. E por Deus, eu


conseguia ver o meu filho com aquele sorriso.

Foco, Valéria!

Ele então aceitou a mão que Dani esticou e eu me mantive


apenas parada, enquanto ele passava.
— Não acabamos isso ainda. — sussurrou, quando ficou
próximo e eu neguei com a cabeça.

Infelizmente não.

Mesmo que de fato nunca tivéssemos começado algo real.

O mais real que tínhamos existia ali, dentro de mim... uma

parte de nós.
CAPÍTULO III

“Você sabe que acordará na cama dele pela manhã

E se você estiver por baixo dele, nunca vai sair por cima"[8]

TADEU

— Eu devo perguntar sobre sua miniperseguição a Valéria


no almoço? — Verônica perguntou, sua voz baixa e ritmada,

como sempre. Não tinha ninguém por perto e eu sabia que era
por aquilo que estava me indagando. — Algo do passado?

— Eu... — suspirei fundo e neguei com a cabeça. — Ela


era uma amiga.
— Tem certeza de que é só isso? — perguntou, mas antes

que pudesse pensar em alguma resposta, ela apenas saiu


andando em direção ao carro.

Sabia que Verônica era de falar pouco, até menos que eu,
quando não era preciso. Ser a mais velha dos Reis, talvez

acarretasse tal coisa. Primeiro vinha ela, nossa irmã e

praticamente mãe e pai de todos. Verônica Reis era a mais


inexpressiva, misteriosa e intocável de nós. Apenas eu e meus

irmãos sabíamos que ela era muito mais do que aquela fachada,

mesmo que ainda soubéssemos muito pouco.

Eu era o de idade mais próxima, apenas seis anos mais


novo do que ela, mas ainda assim, sabia que ela guardava muito

mais do que a maioria poderia suportar. Que ela suportou muito


por cada um de nós. Talvez por aquilo, desde ela, passando por

mim, Murilo, Igor e Carolina, a frieza e falta de tato fora

diminuindo. Talvez porque o peso do nosso sobrenome fora

diminuindo no decorrer dos anos, e graças a ela.

Olhei de relance, e vi Carolina e Igor rindo alto com nossa

sobrinha, enquanto Murilo contava algo sobre estar voltando a

cavalgar. Era engraçada a diferença clara entre cada um de nós.

Desde as cores de cabelos, até os trejeitos.


— Ela já foi pra casa.

Virei-me de relance, e encontrei Elisa, a ex namorada de

Igor, ou talvez não mais ex. Ainda não entendia direito qual era a
relação deles. Mas sabia que era praticamente impossível

estarem longe nos últimos tempos, pela proximidade que os

Torres criaram com os Reis, e Elisa era claramente uma agregada

deles.

Olhei-a, sem entender. Ela apenas revirou os olhos, como

se impaciente.

— Valéria já foi pra casa dela. — pisquei assustado. —

Qual é? Eu vou fingir que não vi você saindo e indo até ela,

prometo.

De repente, eu deveria perguntar: por que está se

intrometendo nisso? Ou como fiquei tão óbvio para as pessoas?

— Apenas vá. — piscou um olho e saiu em direção oposta,

deixando-me sem qualquer entendimento.

Eu deveria? Deveria ir atrás dela? O que Elisa sabia sobre

nós? Na realidade, existia nós? De repente, era como se Valéria


me colocasse em uma espiral. Quando se tratava dela, eu nunca
era a mesma pessoa de sempre. Era como se fosse um

superpoder, que apenas ela conseguia ter sobre mim.

Aos trinta anos, nunca imaginei que voltaria a me sentir

exatamente como o fiz aos dezessete.

Fui com cautela até o meu carro, e apenas mandei uma


mensagem para Verô, avisando que ia dar uma volta e logo

estaria ali novamente. Não que ela fosse acreditar, mas ela teria
uma resposta caso alguém perguntasse. Poderia mentir e dizer

que não tinha ideia de onde Valéria morava, mas a questão era
que passei os últimos tempos apenas tentando inventar alguma

desculpa para estar exatamente ali – a caminho da casa dela.

Já fazia um mês que a revi pela primeira vez, e tudo o que

conseguia buscar, eram pedaços daquela noite. Uma noite que


ficou presa na minha memória. Em meu corpo.

Uma das músicas que meus irmãos adoravam, tocava pelo


carro, já que eles dominavam até isso em minha vida. E de
repente, eu tive que concordar com cada pedaço de letra, e até

me vi cantando junto. Talvez eu tivesse decorado várias canções


daquela cantora, justamente por conta deles. E felizmente, eu

gostava.
“Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim

Eu ainda acredito, mas não sei por quê

Eu nunca fui natural, tudo o que faço é tentar, tentar, tentar

Eu ainda estou naquele trapézio

Ainda estou tentando de tudo para manter você olhando para

mim...”

Minutos depois eu chegava à casa. No meio do nada da


fazenda, com um silêncio de interior, que poderia ser

ensurdecedor. Assim que estacionei o carro, notei-a abrir uma das


janelas, e encarar o lado de fora, como se o barulho chamasse

sua atenção.

Notei seu olhar se arregalar, e ela fechou a janela

rapidamente. Saí do veículo e respirei fundo, antes de bater na


sua porta. Sabia agora que ela estava ali, mas algo me dizia que
ela não abriria tão fácil assim. Seria aquilo? Só um caso de uma

noite?

Eu precisava saber.
Ela não tinha ideia do quanto eu precisava.

VALÉRIA

Olhei novamente para o resultado agora jogado no chão do


meu banheiro, e o peguei. Suspirei fundo, levando-o comigo pela

casa, enquanto dava praticamente voltas no lugar. O que eu


faria? Como eu faria aquilo?

Neguei com a cabeça, sentindo-me presa em uma redoma:


ninguém podia saber. Ou melhor, Tadeu não podia saber. Deixei o

teste sobre a mesinha de centro da sala, e fui até a cozinha,


tomar um pouco de água. Foi o exato instante que ouvi o barulho
de um carro chegando. Eu só esperava que fosse algum dos

outros empregados da fazenda, e eu não teria que me envolver


em nada. A questão era que nem sabia como sobrevivera ao

almoço.
Ainda mais, depois daquela conversa nada comum com
Tadeu. Por que diabos ele me seguiria até o banheiro? E que
história era aquela de “não acabamos isso ainda”? Abri a cortina

da janela da frente, enquanto tomava minha água, e quase a


cuspi, ao notar que era uma 4x4 do último ano.

Sabia que nenhum dos Torres tinha trocado o carro, e de


repente, lembrei-me exatamente de um dos carros parados à
frente da casa de Inácio - e não era o de Verônica. Merda! Fechei

a janela rapidamente, torcendo para que ele não tivesse me visto,

já que sequer enxergava quem estava no carro, devido ao


insulfilm.

Respirei fundo uma e duas vezes, antes de voltar para a

sala e andar de um lado para o outro.

— Não pode ser ele... — sussurrei para o nada. — Não


pode.

Batidas na porta me fizeram dar um pulo no lugar, e

apenas parei de respirar por alguns segundos. Sem qualquer

som, com toda certeza, a pessoa iria embora. Ao menos, eu


esperava que sim. Se fosse Tadeu, que voltasse pelo caminho

que chegou.
Outras duas batidas, e eu levei uma das mãos à boca,

assim que quase suspirei fundo, de nervosismo.

— Eu sei que está aí, Valéria. — engoli em seco, e fechei

os olhos.

Aquela voz... A bendita voz baixa e controlada que me


perseguia desde os meus quinze anos. A voz que agora eu me

lembrava de ser ainda mais bonita quando chamava pelo meu

nome... Foco, Valéria!

Dei passos nada voluntários até a porta, e apenas abri uma


fresta. Ele conseguia ver talvez metade do meu rosto, e aquilo

seria o suficiente. Tinha que ser.

— O quê? — indaguei, e notei seu olhar confuso. — Estou

ocupada.

— Hoje é domingo.

— Ocupada com as coisas que eu gosto, oras. — rebati, e

eu o vi me encarar atentamente. — Diz logo o que foi, porque


tenho um ótimo dorama pra continuar. — no caso, o dorama era

meu mesmo: de estar grávida do homem que sempre amei, mas

que odiava o tanto quanto, mas ele não precisava saber daquele
pequeno grande detalhe.
— Eu só queria falar da última noite.

Foi quando meu olhar correu para o meio da sala e

encontrou o teste que deixei exatamente ali, para quem quisesse

ver. E a pessoa que menos poderia saber, estava ali do outro


lado. Então, apenas abri o necessário da porta para passar, e me

coloquei do lado de fora, fechando-a atrás de mim.

— Estávamos bêbados? — indaguei, encostando-me


contra a porta fechada. — Foi um erro? Não deveríamos nos

encontrar em lugares no meio do nada? Eu concordo com tudo

que disser, fica tranquilo. — falei, e forcei um sorriso, torcendo


para que ele apenas fosse embora logo.

Depois de tanto tempo apenas querendo ver aquele rosto,

nunca imaginei que estaria feliz em vê-lo apenas desaparecer.

Olhos escuros tão profundos que me atormentavam, e traziam


paz na mesma intensidade. A barba grande, como sempre, e

parecia ainda maior, dando aquele ar de mistério que tanto

combinava com ele. Os cabelos escuros e penteados para trás,

mas que eu me recordava de cada detalhe, de como eram bonitos


espalhados em um travesseiro.

Ele não estava com seus ternos de praxe, mas com aquela

bendita blusa de manga longa e gola alta, calças jeans presas a


cada curva do corpo, e botas que não pareciam ficar bem em

ninguém, mas apenas nele. Como alguém podia ser tão bonito
em uma peça, a ponto de eu nem sequer conseguir usar blusa de

gola alta nos últimos anos? Merda de cabeça apaixonada.

— Então, se eu disser que gostaria de te ver de novo,

depois daquela noite...

— Não sou de sexo casual, sinto muito. — ele abriu a boca

para me cortar, mas continuei. — Nem mesmo estou procurando

um relacionamento. Então, aquela noite foi só isso... uma noite e


nada mais.

— Você sempre me confunde.

— Eu? — olhei-o incrédula. — A gente não se vê há anos,

e você aparece na minha porta dizendo que quer repetir a noite


que a gente nem devia ter tido? — e as palavras me doeram,

porque de repente, se aquela noite não tivesse acontecido, eu

não estaria grávida.

Minha mão foi instantaneamente para a minha barriga, e


senti a culpa me acertando. Perdão, coisinha da mamãe. Não foi

isso que eu quis dizer.


— Eu só... Só pensei que... — ele então se calou, e eu o vi

completamente sem palavras. Algo dentro de mim se remexeu,

mas me segurei para não perguntar o que de fato acontecia.

Talvez eu já soubesse.

— Olha, se está com medo de que eu vá contar para

alguém sobre o que sei... Acredite, eu não vou. — seu olhar

mudou por completo. — Então, se está aqui para tentar me


seduzir ou usar aquela noite como uma desculpa perfeita para

não me dever mais nada, só porque sei de você e.... enfim, do

que houve naquela época, apenas vá.

Senti a dor em cada palavra que proferi. E de repente, a


forma como ele me encarou, deixou-me completamente sem

chão. Porque eu tentava evitar o pensamento de que aquele

passado fosse uma sombra. Mas toda vez que olhava para
Tadeu, sentia-a sobre mim.

— Não tem nada a ver com o passado. — sua voz soou e

só quando senti o leve toque em meu queixo, sendo levantado,

percebi que me perdi de mim mesma por alguns segundos, e ele


me encontrou no lugar que eu detestava: frágil.
— E nós não temos nada. — falei, afastando-me de seu

toque, e colocando a armadura que aprendi a ter desde muito


nova. Ao menos por aquilo, eu poderia ser grata à minha tia. —

Não sei o que pensou ou imaginou, Tadeu. E de verdade, não

quero saber. Apenas me deixe em paz.

— Eu não queria te deixar assim. — olhei-o com pesar. —


De um mentiroso para outro, sei que se arma para se proteger. E

sinto muito por você ter que se proteger de mim.

Ele então saiu, e eu fiquei ali, por alguns segundos,


olhando para o amor da minha vida, que nunca me pareceu tão

errado quanto no agora. E pensando que de tudo que poderia

acontecer, de mais incerto entre nós, agora existia uma parte que
não era nada errada – o nosso filho.
CAPÍTULO IV

“Às vezes só quero me esconder e não quero lutar

Eu tento, e tento, e tento, e tento, e tento

Apenas me abrace

Estou me sentindo só"[9]

VALÉRIA

— Amigas para sempre? — Bianca perguntou, e segurei

sua mão com força.

As paredes rosas do quarto, contrastavam com o cinza das


prateleiras. Sabia que seus pais fizeram de tudo para que ela
tivesse o final de vida mais bonito que pudesse, ainda dentro de

casa. Mas chegamos ao ponto em que ela não tinha como passar
os dias em casa. E ajudei como pude, a redecorar aquele quarto

de hospital.

Éramos amigas de ensino médio, e de repente, dividíamos

a vida uma com a outra. Era o nosso objetivo inicial, viajar para

um intercâmbio após o término da escola, mas infelizmente, a


doença apareceu. A doença que a tirava de nós, e matava uma

parte de mim.

Porque Bianca já não era mais a mesma, mesmo com um

sorriso no rosto. Mesmo que ela contasse histórias sobre


momentos que guardaria para sempre. Como aquele nosso, em

que lhe dei um dos seus pirulitos favoritos, que ela tanto sentia
falta.

O médico disse que ela tinha no máximo um mês, e já


tinham se passado quinze dias. Seriam apenas mais quinze dias

para estar perto dela. Doía ver que todos os sonhos dela foram

colocados em uma sacola, e corrido anos em dias.

— Amigas, para sempre. — falei, tentando segurar as

lágrimas.
— Se a gente pensar pelo lado positivo das coisas, você
pode viver por nós duas..

— Bia...

— Prometa. — falou de repente, cortando-me. — Prometa

que não vai deixar ninguém comandar a sua vida. Ninguém.

— Bia...

— Você doa tudo de si, Val. Até a quem não merece ou te

dá apenas um pouco de atenção... A nossa amizade sempre foi

baseada no como eu me sinto, e não você, mas eu sei que sente.

Eu sei que sente o mundo dentro de si. — segurou minha mão

com mais força. — Não deixe que nada te tire isso.

— Não quero que nada me tire você. — fui honesta, e

deixei uma lágrima descer.

— Eu tive um pouco de tudo que sempre sonhei. — falou,

chamando minha atenção. — O que eu posso dizer? O

casamento com o homem que amo e meu melhor amigo. O caso

de amor imprevisto com o homem que não amo. Eu errei e acertei

em um curto período de tempo, que eu jamais faria em décadas...


Você sabe, sou a mais romântica de nós, e eu queria uma vida de

aventuras e amor, e... todo o clichê que eu pudesse. E eu tive.


Não tive a sorte de ter mais tempo, para quem sabe ser uma

amiga melhor, para todos vocês, mas ainda assim... Eu estou feliz
pelo tempo que tive.

— Bia... por favor, não fala assim.

— Como se eu estivesse morrendo? — indagou, no seu


humor caótico e fechei os olhos. — Eu te amo, tin tin. E como boa

romântica, deixarei cartas para você.

— Não faz isso... Não fala como se tivesse desistido.

— Eu acho que só aceitei. — olhou-me com clara


serenidade, que me deixou boquiaberta. — Como a música, Val...

E se eu realmente pensei que algum milagre poderia nos ajudar?

E se o milagre foi pelo menos ter um momento com você?[10]

— Eu prometo. — falei, e senti seus braços ao redor do

meu corpo, e aceitei seu abraço.

Mal sabia eu, que aquele de fato seria, o último momento

com a pessoa que eu gostaria que estivesse ali, como minha


amiga, sempre.

Quando o carro parou no cemitério, meu coração deu um


solavanco. A cada segundo, eu me culpava. Porque no fundo, era
como se eu culpasse Bianca pelo que ela não tivera controle.
Nem mesmo eu teria. Como eu poderia julgá-la por ceder e viver

um caso com alguém? A questão era que aquele alguém, era o


cara por quem eu era apaixonada – e ela não sabia – e agora, o

pai do meu filho.

Por que eu me sentia culpada?

Por que eu culpava Tadeu?

Por que era tão difícil entregar a carta que ela deixou para

Murilo?

— Eu sinto muito, Bianca.

Eu falei baixo, enquanto me aproximava do corredor onde


sabia estar sua lápide. Eu vinha todo mês, para mudar as flores,

sempre para as rosas brancas que ela tanto gostava. Mas


naquele momento, tinha me adiantado. Sequer tinha virado o
mês, e ali estava eu, porque precisava falar abertamente com ela,

ser sincera. Se eu tivesse sido, no passado, talvez... talvez aquilo


tudo não tivesse ocorrido da forma como foi.

Se ela soubesse dos meus sentimentos por Tadeu, ela não

teria ficado com ele, e eu não me culparia por amá-lo e muito


menos, por esperar um filho dele. Praticamente uma década

depois, e aquela história se arrastava atrás de mim.


Tadeu Reis se arrastava pelos cantos da minha vida.

Enquanto caminhava, paralisei no passo, assim que

encontrei Olívia bem ali. Pensei em apenas dar as costas e fugir,


mas sabia que não podia. Não mais.

Não com o que logo ela saberia, assim como toda sua

família. E nada mais justo do que eu contar a ela, já que encontrei


em Olívia o que pensei que nunca mais teria com ninguém – uma
amizade.

O quão irônico era ter encontrado uma amizade verdadeira


e confiado em alguém, e depois descobrir que ela era justamente

a única mulher que chegou ao coração do homem que Bianca


realmente amou?

Os Reis se arrastavam pela minha vida.

Amassei o papel em minhas mãos, e o guardei no bolso,

sem coragem de contar aquela parte. Senti então o olhar de


Olívia sobre mim, e quando subi a cabeça, a mesma me

reconheceu. Eu vinha fugindo dela, justamente porque eu fugia


dos Reis. Principalmente, de um dos mais velhos deles.

Fugia daquilo porque tudo o que o envolvia não passava

de uma grande mentira. E eu, era a pessoa que tinha


conhecimento de tudo aquilo, ao acaso. E mesmo assim, mesmo
sabendo exatamente do tipo de pessoa que ele era, eu cedi.

E ali estava eu, no meio do cemitério, sendo amparada nos


braços por Olívia Torres. A mulher, uma das pessoas que apenas
pagou o pato naquela história, felizmente, encontrou o verdadeiro

amor.

De todos, Murilo era quem realmente merecia – eu sabia.

Ele mal sabia do triângulo em que se meteu, e me culpava

por não conseguir contar. Não depois de tanto tempo. Não

quando reencontrei aquela bendita carta e sabia do destino exato


dela. Por que, Bianca? Por que não deixou isso diretamente com

ele?

No fundo, eu sabia das suas razões, até porque, as li, mas

ainda assim, quebrava meu coração.

— Val, o que foi? O que houve?

— Eu me fodi. — assumi, finalmente em voz alta. — Estou

grávida daquele cara que ama outra pessoa.

Ela então não disse nada, apenas me puxou para os seus


braços e eu aceitei.
E ela mal sabia, que agora fazia parte do ciclo, que

felizmente, para Murilo, se fechou. Olívia e Murilo, ainda


saberiam, mas a realidade, era que no passado, foi exatamente

assim: Valéria que amava Tadeu, que amava Bianca, que amava

Murilo...

E agora, eu carregava um filho dele no ventre.

E quanto mais eu tentava correr, mais Tadeu Reis

conseguia me manter cativa.


CAPÍTULO V

“O que eu sou agora? O que eu sou agora?

E se eu for alguém que não quero por perto?

Estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo

E se eu estiver disposto? E se eu desistir?

E se eu for alguém de quem você não falará?

Estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo"[11]

Três meses depois...

TADEU
Olhei para o meu computador, enquanto a apresentação

sobre a nova filial no exterior continuava, mas não conseguia


focar. Há dias sequer me lembrava de exercer com disciplina meu

real papel como CEO da Reis Investimentos.

O que aquele sobrenome construiu, principalmente com

Regina e Verônica Reis, transformou-se em um império. E eu era

uma parte que deveria estar atenta, por comandar um setor


inteiro, dentre as diversas facetas que os negócios da família

tinham.

Mas ainda assim, minha mente estava nos olhos

enigmáticos dela. Na forma como ela parecia me ler tão bem, a


ponto de que eu não conseguia fingir ou ser nada, além de mim

mesmo, com ela.

Levantei-me, e encarei a bela vista do centro da cidade, à

noite. Já havia passado a hora de ir para casa, mas eu não me


movi dali. Precisava de um tempo a sós com meu pensamentos,

sem ter que me trancar no quarto e ignorar minha família.

Aos trinta anos, era engraçado me ver daquela perspectiva.

Era o segundo irmão mais velho, de uma família de cinco. E não

precisava do olhar da minha irmã mais velha que sabia me ler

como ninguém, ou da animação dos meu caçulas que não


paravam de falar um segundo, ou sempre estavam discutindo
sobre algo.

A realidade, era que me via olhando para o celular e


encarando o número de celular dela.

Eu era um perseguidor por ter ido atrás e descoberto tudo

o que conseguia?

Suspirei fundo e olhei para a sua foto de perfil. O sorriso

fácil no rosto, com as covinhas aparecendo, e a franja ruiva que

me deixava de joelhos. Mesmo após tantos anos, ela parecia


apenas ter ficado ainda mais bonita. Não pude evitar sorrir, ao me

lembrar da nossa noite, e de como ela ficava ainda mais linda

espalhada em seu sonho.

Nunca imaginei que ela me deixaria lá, sem qualquer

despedida.

Virei-me e procurei o seu corpo, novamente. Contudo, o

que encontrei foram lençóis frios e a falta dela. Arregalei os olhos

de imediato e tentei me acostumar com a luz solar adentrando o

ambiente. Virei-me, procurando-a pelo ambiente, mas não

encontrei nada. Apenas o seu cheiro no travesseiro, e as

lembranças, foram o que me restaram.


Não era mais um sonho perdido no meio da noite, certo?

Batidas na porta me despertaram, e pisquei algumas

vezes, antes de me virar e destravar a porta em um botão na

mesa. Surpreendi-me ao encontrar meu irmão mais próximo de


idade – Murilo, bem ali. Ele não morava mais na capital, e agora,

tinha sua família no interior. Meu dia melhorou cinquenta por


cento, após notar que minha sobrinha o acompanhava.

— Titio Ta! — ela falou, correndo pela sala, e logo estava

no meu colo. Sorri, e a segurei com força, beijando sua testa. —


O papai queria fazer uma surpresa. Surpresa! — abriu os braços,

claramente animada, e se aconchegou ao meu pescoço.

Com toda certeza, ela deveria estar cansada. Talvez por

ser uma longa viagem daqui até o interior, ou até mesmo, por
estar tarde.

— Ela não para de falar do quanto está com saudade dos


tios.

— Desculpe ter ficado tão ocupado nos últimos dias. —


falei baixinho para ela, que assentiu, como se entendesse.

Daniela Torres Reis era um presente para todos nós. Ela

uniu duas famílias e era a felicidade que meu irmão tanto merecia.
E nunca imaginei vê-lo tão inteiro quanto naquele momento.

Realmente era grato por tê-las.

— Trabalhando até tarde... — Murilo falou, aproximando-

se. — Fugindo dos nossos irmãos?

— Igor ficou ainda mais grudado depois que você saiu,

então... tem dias que preciso fugir um pouco. — admiti, e ele


sorriu, assentindo, como se soubesse exatamente como era.

— O lado positivo de morar em casas diferentes. — Olívia


falou, com certeza, pensando em seus irmãos.

— Um dia, quem sabe, sairei da Mansão Reis.

— Só falta encontrar o seu raio de sol, irmão. — ele falou,

puxando a mulher, que revirou os olhos, devido ao seu lado


romântico, e eu fiz uma leve careta para Daniela, que sorria ao
ver os pais.

Era aquilo?

Construir sua própria família?

Seguir em frente?

Às vezes, me sentia preso ao passado. Às vezes, a mim

mesmo. Às vezes, a uma dose de uísque necessária todo dia,


para encarar meu reflexo. Às vezes, a ela.
E novamente, ela estava em minha mente, rondando e me
fazendo cair. Como se ainda fôssemos tão jovens quanto na
época em que nos conhecemos. Como se as nossas escolhas

certas ou erradas, não nos definissem.

Ao menos, não queria que me definissem para ela, mesmo

que nunca tenha me prontificado a esclarecer. Era uma luta de


anos, para poder entender. E bastava um olhar ou lembrança,

para que eu me recordasse, da coisa mais bonita que eu jamais


tive a sorte de ter.

Em uma noite, talvez.

Mais do que aquilo? Talvez nunca.

Contudo, não conseguia aceitar que era apenas uma noite.

Não com ela.


CAPÍTULO VI

“Eles me disseram que todas as minhas jaulas eram mentais

Então eu me perdi, assim como todo o meu potencial

E minhas palavras atiram para matar quando estou brava

Eu me arrependo bastante disso"[12]

VALÉRIA

Olhei para mim mesma e engoli em seco. A ondulação em

minha barriga, fora os testes de gravidez positivos e a consulta


com a obstetra, era a primeira prova real de que realmente existia

uma pessoinha ali. A minha coisinha.

Sua e de Tadeu... Minha mente acusou, e eu engoli em

seco, negando-me a pensar nele.

Eu estava completando três meses e finalmente conseguia


tocar minha barriga e sentir a grande diferença. Talvez fosse pelo

meu tamanho ou pela genética, ou até minha mente me

blindando, mas eu finalmente me via. Virei-me de lado e encarei a


curva perfeita da barriga, e por um segundo, só me imaginei

usando vestidos que se colassem bem ali, e mostrassem para o

mundo que eu esperava alguém.

E então, eu sorri.

Pela primeira vez, em todo aquele tempo sem a ficha de

fato cair, e me negando a acreditar até mesmo vendo os

resultados e exames. Eu sorri, porque fazia sentido na parte mais

sem senso da minha mente. De uma noite que nunca deveria ter

acontecido, mas aconteceu. De uma mistura que nunca deveria


ocorrer, mas agora eu gerava.

Peguei meu celular jogado sobre a penteadeira e o


posicionei, apertando minha camisa grande de dormir contra o
corpo, e tendo o vislumbre perfeito de lado do que ficava claro –
eu era uma mãe. Eu me tornaria oficialmente dali a alguns meses,

mas a sensação era tão fervescente, que de repente, entendi o

que Olívia queria dizer quando se tratava de Daniela: ser mãe foi

a coisa mais inesperada que me aconteceu, mas me mostrou a

verdadeira definição de um outro amor. Um amor que você não

vê, não toca, não interage... mas que cresce ali, dentro de você.

Seriam assim os noves meses?

Nove meses para formar a pessoa que você mais vai

amar?

Vi-me então abrindo o contato de Tadeu, que

surpreendentemente, tinha algumas mensagens de bom dia ou

boa noite nas últimas semanas. Algo sobre ele ainda me

perseguir, me dizia das duas uma: ou ele gostou tanto daquela

noite que queria repetir, ou estava morrendo de medo que usasse

seu segredo com Bianca contra ele. A questão era que não tinha
ideia.

Estar perto dele me desconcertava.

Estar próxima a ele me fazia duvidar das minhas próprias

escolhas.
Porque existia algo no olhar dele, que parecia deixar em

branco tudo o que li na carta de Bianca. Que demonstrava uma


declaração silenciosa de que ele ficava preso no mesmo universo

que eu quando me olhava, mas sabia que era a minha mente


fantasiando. Assim como fantasiou, até eu descobrir que ele
estava com uma das minhas amigas mais próximas, e indo contra

tudo que acreditava, apenas por ela.

— Desculpe. — vi-me falando para o nada, na realidade,

para a minha barriga, onde minha mão estava. — Desculpe por


ficar pensando assim e talvez te faça mal. Sou nova nisso,

coisinha. Mas eu prometo que vou fazer de tudo para que nada
que eu passe, possa te prejudicar.

Suspirei fundo, e queria muito poder compartilhar aquela

foto com meus irmãos. Queria poder dizer a eles que seriam tios,
e sabia o quanto adorariam aquilo. Era como se todos nós

esperássemos pelo momento que a família real crescesse. Não


como Hellen. Deixei o celular de lado e tentei parar de pensar
sobre.

Imaginar que Hellen poderia descobrir ou até mesmo

qualquer pessoa próxima a ela, me deixava nervosa. Não que ela


pudesse me controlar como antes, mas ainda assim, eu sabia do
poder de manipulação que ela exercia. E não estava nem um

pouco empenhada em cair em seus joguinhos. Muito menos,


arriscar.

— Seus tios ainda vão saber... — suspirei fundo e sorri


imaginando um pacotinho pequeno, com os olhos iguais aos

meus, e sem poder evitar, a cor escura e profunda que ele trazia.
— E seu pai também, um dia. — admiti, sem conseguir mentir

para o meu filho ou filha.

Era normal estar falando com a minha barriga daquela


forma?

Meu celular vibrou e notei que já estava na hora de voltar


para a casa de Inácio. Maria Beatriz tinha me pedido para fazer

dois bolos para eles naquele dia, e tinha certeza de que ela
estaria me esperando na cozinha para tentar aprender. De fato,
ela apenas acabava por experimentar de tudo um pouco, mas não

aprendia. O que era bom, já que mantinha meu emprego.

E era um ponto que tinha que falar.

Apenas Olívia sabia sobre a gravidez e pedi para que ela

me esperasse ter coragem para contar aos meus patrões. No


caso, não tinha ideia de como eles agiriam, contudo, era incrível
que não me sentia agoniada em me imaginar lhes falando. Existia
um conforto em estar próxima aos Torres que se tornara
inexplicável depois de um ano conhecendo-os.

Minutos depois, após me preparar, já estava entrando pela


cozinha, e procurei Mabi com o olhar. Como não a encontrei,

achei estranho, mas entendi assim que encontrei os ingredientes


que pedi sobre a ilha da cozinha, e um post-it avisando que teve

uma emergência com Leti.

Deixei o post-it de cor amarela com um coração desenhado


na geladeira, e antes de qualquer coisa, conectei meu celular na

parte de som da cozinha, e já fiquei animada quando Thunderous


do Stray Kids começou a tocar.

Assim que peguei o avental, não pude evitar subir minha


regata um pouco e passar a mão, sorrindo.

— Sua mãe tá pronta para te deixar viciada em kpop e


dorama. — falei, sorri sozinha, e me vi mal esperando a hora que

pudesse ter alguma resposta, nem que fosse um chute. —


“Continue falando, nós não seguimos as regras...”

Fiz uma dancinha que com certeza não se assemelhava


muito à original do grupo. Eu sorria, enquanto colocava o avental,
mas assim que ouvi o barulho na porta de entrada da cozinha, de
algo caindo, virei-me.

Meu coração falhou uma batida, e se não fosse pelo


barulho alto da música, poderia jurar que o silêncio foi
ensurdecedor. Tadeu Reis estava parado contra o batente, o que

deveria ser seu celular no chão e seu olhar preso na minha


barriga.

— Eu soube que trabalhava aqui. — sua voz mal saiu, e eu

me apressei em fechar o avental, e puxar minha regata para

baixo.

— Achei que era óbvio depois daquele almoço ou da nossa

conversa... — coloquei um falso sorriso no rosto, e foquei nas

sacolas sobre a ilha. — Se está procurando Daniela aqui...

— Corta o papo furado, Valéria.

Engoli em seco, mas não me virei. Não o deixaria ver como

estava desestabilizada. Ele agora sabia que eu estava grávida,

mas não tinha como ter certeza de que o filho era dele, a não ser

que visse minha clara reação de espanto. Tinha que incorporar a

Veronica Park[13] que existia em mim.


— Eu já disse tudo o que tinha que dizer quando apareceu

na minha casa. — olhei-o sobre o ombro.

— Já sabia que estava grávida?

Em seus olhos, notava a incredulidade e como de repente,

ele parecia completamente atormentado. Mal sabia ele, que


naquele dia, eu tinha acabado de descobrir.

— O que isso te diz respeito? — rebati, e me encostei

contra a ilha, cruzando os braços à frente do corpo.

Notei-o passar as mãos pelos cabelos e negar com a


cabeça, como se estivesse extasiado. Um sorriso surgiu em seu

rosto, mas diferente dos raros que eu via, aquele era de pura

incredulidade. Como eu conseguia lê-lo tão bem? A realidade era

que o lia bem apenas em minha mente.

— Não ia me contar que vou ser pai?

Sua pergunta não me surpreendia, mas o tom dela, acabou

me deixando com raiva. De repente, eu só queria tirar aquela


certeza da sua cara. Ou melhor, fugir com a verdade.

— Quem disse que o filho é seu?

Minha pergunta mal saiu e senti seus passos se

aproximando. Após uma respiração, ele estava tão perto, que era
como se tudo ao redor tivesse desaparecido.

— Olha no meu olho e diz que não sou o pai. —

praticamente exigiu e sustentei seu olhar, mas odiei o fato de que

eu era muitas coisas – menos uma mentirosa.

— O que quer com isso? — rebati, sem dar-lhe o gosto de

uma resposta concreta. — Quer que eu solte fogos? Ou faça uma

surpresa para fingir que descobriu?

— Não pensou que eu tinha o direito de saber? — indagou,

e eu permaneci com os braços cruzados, enquanto os dele

estavam de cada lado da ilha, prendendo-me. Porém, ninguém

me intimidava. Como a própria Maria Beatriz dizia: um boi para


não entrar em uma briga, e uma boiada para não sair de uma.

— Não pensou que posso não querer que saiba?

— Ainda é o nosso filho. — afastou-se de leve, levando a

mão aos cabelos, claramente nervoso. — É algum carma de


família, onde a gente tem que esperar anos para descobrir que é

pai? — pareceu perguntar para o nada, e correlacionei ao que

seu irmão mais novo passou, e que os céus me perdoassem, mas


aquela observação foi engraçada, e eu acabei rindo.

O olhar de Tadeu permanecia a pura incredulidade.


— Desculpe, mas o carma é realmente uma vadia. — dei

de ombros, ainda rindo. — Não sei o que quer ou o que faz aqui,
mas bom, já que estamos e que infelizmente, o carma não pode

funcionar com você... Enfim, quem sabe com Igor?

— Por que sempre dá mil voltas em um assunto?

— Porque sim. — dei de ombros, e forcei outro sorriso.

Permaneça forte e respire fundo! Eu ainda tinha uma carta na

manga. — Já sabe que vai ser pai, então...pode ir.

— Eu não vou ficar longe do meu filho.

— Nosso filho. — corrigi-o. — E ele ou ela ainda não

nasceu, e até lá... temos um grande caminho.

Notei-o respirar fundo e voltar para perto, quase me

encurralando novamente.

— Não faça isso comigo. — seu pedido soou baixo e

poderia jurar que fora um delírio, se ele não complementasse. —

Não me coloque para fora da sua vida... e do nosso filho.

— Bom, ninguém pode saber. Não da minha família, pelo


menos. Se seus irmãos souberem e não chegar aos Fontes, por

mim, tudo bem. — falei de uma vez, sem querer mais enrolar. —
Mas isso acaba aqui. É o pai dessa criança, nada mais. — talvez

eu estivesse reafirmando aquilo para mim mesma.

— O que acontece se os Fontes descobrirem?

— Bom, estão me casando com o herdeiro dos Centurini


há anos, mas ainda assim, se descobrirem que estou grávida e

ainda mais, de você... vão anunciar o casamento do século, sem

ao menos perguntar. — e eu estaria quebrando um contrato que


assinei, o qual protegia minha irmã, complementei mentalmente.

— Por que não pode se casar comigo?

Olhei-o incrédula.

— A pergunta é: por que eu deveria? — rebati, revirando

os olhos. — Eu vou te atualizar sobre o nosso filho, e tudo que


puder. Mas é o máximo de contato que teremos.

— Por que sempre me coloca para fora? Para a borda?

Como se não suportasse a minha presença?

— Observação interessante do cara que me engravidou. —

não pude perder a ironia. — Mas eu prefiro de ter à borda. Não

confio em traidores, Tadeu.

Notei então seu olhar vacilar e ele se afastou de imediato.


— Eu... — parou de falar e negou com a cabeça. —

Podemos conversar mais tarde, após o trabalho?

— Estarei em casa antes das seis.

— Ok, até as seis.

Ele então parou um passo, encarando minha barriga por

um segundo, e depois, os meus olhos. Quando ele saiu pela


porta, agarrei-me à bancada para não despencar, e soltei o ar

com força.

Fechei os olhos e vi tudo dar um giro de 360 graus. No fim,

até a vida não me permitia ser uma boa mentirosa. Eu não


poderia demorar anos para reencontrá-lo? Por que ele insistia em

aparecer à minha frente?

E ali estávamos nós.

O modelo mais desordenado de um quebra-cabeça, sem

qualquer parte que se encaixasse. No caso, apenas uma.


CAPÍTULO VII

“Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim”[14]

TADEU

Virei-me em direção ao corredor, para a sala de estar, e


senti-me tonto. A cada passo que dava, agradecia por não ter

encontrado Inácio e nem Maria Beatriz Torres em casa. A


realidade era que o pedido de minha presença ali era mais do que

bem-vindo, mas quando a mensagem de que eles tiveram um

imprevisto e não poderiam estar em casa tão cedo naquele dia,


eu já estava na metade do caminho. Poderia ter virado e voltado a
capital, ou até mesmo, dirigido até a casa do meu irmão. Mas ali

estava eu, onde eu sabia que ela estaria.

E tinha mais... muito mais.

O nosso filho.

Eu iria ser pai.

Andei a passos quase arrastados até o carro e não saberia


dizer como consegui discar o número de Verônica. Sabia que ela

deveria estar em uma reunião importante com a filial do exterior

naquele momento, mas mesmo assim, sequer conseguia pensar


no trabalho. Sem me surpreender, ela me atendeu em menos de

três toques.

— O que houve?

Sua voz era alarmada, e eu era uma das poucas pessoas

que conseguia decifrar seu tom. De repente, apenas me vi quase

gaguejando ao pedir que se conectasse ao nossos irmãos.

— Não vou conectar ninguém nessa chamada, enquanto

não vir o seu rosto. — falou, e só então notei que deixei a câmera

do celular, agora preso a um suporte no carro, virada para o lado

errado. Quando finalmente a encarei, ela fez o mesmo. Notei seu


olhar mudar, e não pude aguentar.
Uma lágrima desceu.

— Tadeu...

— Eu vou ser pai, Verô. — assumi, e minhas mãos

estavam presas ao couro dos bancos, como se eu pudesse

afundar neles. — Eu... Eu... Você sabe que eu...

— Eu sei. — falou, porque ela realmente sabia. Ela sabia

dos meus piores medos. Ela os conhecia de perto. — Não é como

ele, Tadeu. Não somos como ele.

Olhei-a, enquanto as lágrimas nublavam minha visão e por

um segundo, agradeci pelos vidros serem completamente

cobertos por insulfilm.

— Eu preciso contar para os nossos irmãos, preciso...

— Precisa se acalmar e me dizer onde está. — cortou-me,

e sabia que era claro meu desespero para com ela.

— Estou na casa de Inácio Torres. — comentei, enquanto

respirava fundo e tentava conter o choro. — Ele precisava de uma

recomendação e...

— Valéria Fontes, novamente?

E então me vi piscando e encarando minha irmã, como se

ela soubesse de tudo aquilo que eu lutava para esconder.


— Não foi muito sutil no almoço, irmão. E muito menos

consegue disfarçar algo tão óbvio para mim.

— A encontrei agora e ela está grávida... — suspirei fundo,

ao complementar: — de um filho meu, Verô.

— Estou feliz por você, irmão. — olhei-a surpreso. — Estou


feliz porque sei o quanto gostaria disso mas nunca imaginou que

aconteceria.

— Eu nunca vou merecer...

— Você vai falar com ela ainda? O que mais conversaram?

— Ainda nada concreto, só que os Fontes não podem


descobrir. — fui claro e ela assentiu. — Algo sobre um casamento

arranjado...

— Elas me ligaram esses dias, perguntando sobre a


disponibilidade de Igor para conhecer a mais nova herdeira deles,

que deve estar para fazer dezoito anos... Não me surpreendo em


saber que Valéria tenha sido prometida a alguém.

— Ela fugiu disso.

— Mas eles iriam amar um casamento com os Reis. —

assenti, enquanto limpava as lágrimas. — Não vão descobrir por


mim, fique tranquilo.
— Obrigado, Verô.

— Obrigado por confiar em mim, você sabe. — notei o leve


sorriso no canto de sua boca. — Será demais aparecer aí com

nossos irmãos? No caso, posso usar a desculpa de ir ver Daniela.


Quem sabe contar a eles pessoalmente, sobre?

— Preciso falar com Valéria primeiro, se está tudo bem, por


todos estarem ao redor, ainda mais que faz tão pouco tempo.

— Ok, fale com ela e me avise. — assenti. — E se não se


aguentar, posso conectar com os outros agora.

— Sei que tem uma reunião importante, Verô. Desculpe


por...

— Por me tornar tia? — cortou-me, e de repente, ela era


um reflexo meu – com um sorriso. — Nunca se desculpe por
aumentar a nossa família dessa maneira.

— Eu acho que vou fazer uma visita a Murilo e contar, e os


mais novos que não me matem por serem os últimos.

— Carolina vai te deixar careca, você sabe...

— Eu aguento. — suspirei fundo, sorrindo. — Eu te amo,

irmã.
Ela então fez um sinal com os dois dedos contra a tela,
como se estivesse tocando minha testa, e eu sabia o que
significava.

Desfiz à ligação porque sabia que ela não o faria, já que o


trabalho nunca viria em primeiro plano para ela. Então, saí com o

carro dali. A viagem até a cidade vizinha era um bom tempo, e


então, teria algo a pensar e me acalmar, até chegar ao meu irmão

mais novo, que deveria estar em casa trabalhando.

E de repente, vi-me apenas ligando uma das músicas que


sempre me lembravam dela, porque sempre a ouvia cantando

baixinho, quando ainda nos encontrávamos quase sempre, ainda


tão jovens.

“Se você visse que sou eu quem entende você

Estive aqui o tempo todo, então por que você não vê?

O seu lugar é comigo...”[15]

— O QUÊ?

Murilo praticamente gritou, enquanto derrubava uma pasta

cheia de papéis no chão.


— Como assim eu vou ser tio? Como assim é da Val?
Como assim?

— O QUÊ?

Outro grito, só que feminino, invadiu o ambiente, no caso,


da sala de estar da casa de meu irmão. Olívia Torres, minha

cunhada, me encarava perplexa.

— Você é o pai?

— Você sabia que ela estava grávida? — Murilo perguntou,

como se perplexo, mas o olhar dela estava em mim.

— Então você é o tal que amava ou... — ela se calou de

repente, engolindo em seco. — Se fizer alguma merda, eu juro


que esqueço que é o tio da minha filha.

— Raio de sol...

— Raio de sol nada, Murilo. — cortou-o e veio para perto


de mim, colocando um dedo contra meu peito. — É uma

promessa, Tadeu. Se machucar Valéria ou o filho de vocês, eu

juro que vai se arrepender.

— Não precisa se preocupar. — falei, e tirei com cuidado


seu dedo de meu peito, e notei o sorriso enorme em seu rosto,
como se ela estivesse exultante também. — Não sei se está

odiando ou gostando do fato de eu ser o pai do filho de Valéria?

— Nem eu. — admitiu, e então, antes que falasse qualquer

outra coisa, senti meu corpo ser virado, e o corpo de meu irmão

veio para o meu.

Murilo praticamente me tirou do chão, abraçando-me com

tamanha força, que me fez lembrar de quando ainda éramos

apenas moleques, e ele sempre foi o carinhoso entre nós. O que

corria até mim, vinha até mim. E tinha todo aquele amor gratuito,
que eu nunca consegui demonstrar.

— Parabéns, irmão. — falou, assim que consegui colocar

meus pés no chão novamente. — Parabéns, certo? — indagou,


como se sua ficha caísse. Ele estava pensando em Reinaldo

Reis, o qual deveria ter sido um pai, mas, na realidade, era um

explorador. De todos nós. Principalmente eu e Verô, seus filhos

biológicos.

— Eu estou feliz. — admiti, e ele abriu um sorriso ainda

maior. — Só queria poder contar logo.

— Os mais novos ainda não sabem? — indagou, rindo alto,

e eu me segurei para não fazer o mesmo. — Verô deve ter sido a


primeira que ligou, e imagino que está surtando... Raio de sol, se

prepare que os Reis vão aparecer e nos usar de desculpa.

— Valéria sabe que todos sabem? — ela perguntou e eu

neguei com a cabeça.

— Ela me permitiu contar. — adiantei-me e ela assentiu.

— Você e Valéria... — Murilo comentou, como se pensando

em algo. — Eu lembro de falar para Bianca, sobre como você


parecia outra pessoa perto da menina dos Fontes, e nós tínhamos

o quê? Quinze na época?

E então, aquele foi um soco na boca do meu estômago.

Parecia que apenas eu e Valéria ficamos presos ao


passado com Bianca, e Murilo seguiu em frente. Por aquilo, me

mataria por dentro trazer o passado e fazê-lo remoer algo, que já

parecia tão bem esclarecido. Ou melhor, que Daniela e Olívia

fizeram com que se tornasse menos difícil.

O que você fez, Bianca?

O quê?

Era o que eu gostaria de ter a resposta, e sabia que parte


dela estava com a mulher que agora esperava pelo meu filho. A

mulher que me achava um traidor, e eu não lhe poderia negar que


era. Mas também, não poderia negar que no meio de tudo aquilo,

eu só queria que não me tivesse enganado naquela noite.


CAPÍTULO VIII

“Me dê um ou dois dias

Pra pensar em algo inteligente

Pra escrever uma carta para mim mesma

Pra me dizer o que fazer” [16]

VALÉRIA

“Espero que esteja tudo bem.

Os bolos estão prontos e só esperando vocês.

Boa noite,

Val”
Deixei o post-it colado na geladeira e saí pela cozinha, em

busca do meu carro. Já eram seis e quinze. O meu expediente


geralmente terminava as cinco e meia, mas a realidade era que

enrolara o máximo que pudera cozinhando e repensando o que

faria. Tadeu estaria ali? Tadeu estaria na minha casa?

— Ei, patroa!

Revirei os olhos do apelido e me virei para Pedro, que

vinha em seu cavalo branco, como um verdadeiro príncipe. Um


príncipe de chapéu de cowboy e muito bonito, tinha que admitir.

Contudo, existia algo sobre ter estado com Tadeu naquela noite,

que me impedia de sentir qualquer atração que fosse por outro


alguém. Aquilo me agoniava.

Pedro era claramente um gostoso interessado em mim e

eu parecia uma pamonha por não conseguir de fato ter alguma

inclinação em querê-lo.

— Esqueceu como sempre, que a gente tem os mesmos

patrões? — provoquei, e ele sorriu de lado, descendo do cavalo


lindo, que se chamava Coragem.

— Como estamos hoje? — indaguei para o animal,


enquanto passava a mão levemente por sua cara, e era tão nítido
o carinho que ele sentia por mim e eu por ele. Como poderia ser
assim? Tão simples e tão fácil gostar de alguém? No fundo,

tínhamos muito o que aprender com os animais.

Desde quando eu era reflexiva daquela forma? Levei a

outra mão à minha barriga e só pude culpar aquela pequena

mistura minha e do Reis, que deveria ser muito mais reflexivo que

eu.

Merda!

Ali estava eu pensando nele, de novo.

— O pessoal vai pro bar na sexta, karaokê. — avisou, e eu

o encarei afastando-me de Coragem. — Eu posso te buscar se

quiser.

Respirei fundo e lembrei-me da minha péssima

apresentação no último karaokê.

— Sério que ainda vão me aceitar lá? Depois da palhaçada

que fizemos? — indaguei, e ele alargou o sorriso, assentindo. —

Então me manda mensagem lembrando amanhã, que a gente

combina.

— Valéria?
Pisquei algumas vezes, ainda desacostumada com aquela

voz me chamando exatamente assim. Na realidade, tudo mudara


naquela noite, meses antes, na qual o meu nome correu

livremente pela sua boca, e ficou intacto em minha mente, como


se não fosse possível esquecê-lo.

— Reis? — virei-me, encontrando Tadeu parado a alguns


passos de nós, mas que logo se aproximou. — Inácio e Mabi não
aparecerão tão cedo, eu acredito. Esperou esse tempo todo?

— Estava te esperando. — sua fala foi cortante, e mesmo


que seu olhar estivesse cravado no meu, juraria que algo o

incomodava.

— Esse é seu amigo? — Pedro indagou, e então me

lembrei que o mesmo permanecia ali.

— Na verdade, é um dos tios da Dani. — comentei, e

segurei o resto da informação: e pai do meu filho, surpresa!

— Ah, sim... Eu sou Pedro. — ele estendeu a mão para

Tadeu, que sequer fez questão de lhe dar a dele, e eu fiquei ali,
no meio daquilo, como se fosse possível enforcar aquele homem
com o olhar. — Já vi que não vamos convidá-lo para o karaokê.
— Não mesmo. — complementei, e então pisquei um olho

para Pedro. — Tenho uma coisa para resolver com ele, me manda
mensagem, certo?

— Sim, patroa.

Revirei os olhos, e logo o vi montar a cavalo e sair dali,

com um sorriso em minha direção.

— Tio da Dani?

— O que queria que eu dissesse? — rebati, assim que o


tom nada feliz de Tadeu me encontrou. — Somos amigos desde

quando?

— Não vou discutir por isso.

— Acho ótimo, porque eu muito menos. — revirei os olhos,

e ajeitei minha bolsa. — Está esperando há quanto tempo?

— Fui ver meu irmão, contar a ele... — arregalei os olhos,

sem acreditar. Não imaginava que Tadeu fosse de fato ser tão
rápido com isso. No caso, eu era enrolada? Porque minha família

sequer sabia onde eu estava, muito menos sobre o meu estado.


— Olívia ouviu, e me disse que quer conversar com você depois.

— Merda! — falei, fechando os olhos. — Toda vez que


estou perto de você, alguma bomba explode.
— Está chamando o nosso filho de bomba?

— O quê? — praticamente gritei e ele me encarou

incrédulo. — Estou falando das confusões que a sua presença me


mete. O nosso filho é única coisa boa e bonita que gerou de
qualquer aproximação que tivemos. — deixei bem claro, e ele

pareceu voltar a respirar normalmente. — Acho melhor irmos para


a minha casa e conversarmos... Antes que eu desista.

— Valéria, eu...

Parei, assim que dei um passo em direção ao meu carro.

— O quê? — virei-me e notei que ele parecia ainda mais


sério e intenso do que nunca.

— Se essa conversa for te estressar ou te deixar mal,


podemos adiar. Eu li que mulheres grávidas não podem passar
por estresse e... — ele continuou falando e fiquei perplexa, diante

da fragilidade que ele demonstrava sobre o assunto. Ele ficou


fazendo isso? Lendo sobre gravidez?

— Ei! — cortei-o, já sem nem saber do que falava, contudo,


minha voz sequer teve efeito, e ele continuou. — Tadeu? —
insisti, e absolutamente nada, e notei que ele falava sobre o

primeiro trimestre como um especialista. Sem mais conseguir


evitar, toquei em seu braço, e finalmente, sua boca parou. — Nós
estamos bem. — falei, referindo-me claramente ao nosso filho. —
Se eu não pudesse conversar com você, acredite, não o faria.

Seu olhar parou no meu, e ele assentiu, mas logo foi até a
minha mão que ainda apertava levemente o seu braço. A

sensação de lar que aquele pequeno movimento me trazia, me


assustava de forma absurda. Como podia? Como podia ter me
apaixonado por ele há mais de dez anos e ainda assim, me sentir

uma adolescente? Mesmo após tudo? Mesmo com tudo?

— Eu vou no meu carro. — avisei, passando por ele, e


senti seu olhar por todo meu corpo.

— Não prefere ir caminhando? — indagou, pegando-me de

surpresa. — Li que caminhadas são boas para grávidas.

Abri a boca para responder, mas na realidade, não sabia o


que dizer. O que eu falaria? Que eu não esperava aquela reação

ou tratamento? Que estava surpresa com o caminho que as

coisas estavam tomando?

— Estou me sentindo cansada para andar cinco


quilômetros. — dei de ombros. — Te encontro na frente da minha

casa.
Sem lhe dar mais chance para falar sobre algo que poderia

ser benéfico para o meu atual estado, apenas entrei no carro e


saí com o mesmo. Minutos depois já estacionei na frente de casa,

e não tardou para que o carro dele parasse ao lado. Suspirei

fundo, enquanto a música terminava e meu coração ficava preso


na garganta.

— “E se meus desejos tivessem se tornado realidade teria

sido você. Em minha defesa, eu não tenho uma. Por nunca deixar

as coisas do jeito que estão. Mas teria sido divertido, se você

tivesse sido o certo...”[17]

Vi-me cantando, enquanto encarava-o descer do carro, e

era impossível não pensar em como as coisas teriam sido

diferentes, caso ele tivesse gostado de mim. Mas em que mundo


paralelo eu ainda vivia? Simplesmente não se pode escolher de

quem gostar. Eu sabia bem daquilo. Porque se pudesse escolher,

nunca o teria escolhido de fato. Certo?

E de repente, eu não tinha resposta para tal pergunta. O


que me assustou por inteira, e me fez tirar o cinto e desligar o

som, saindo rapidamente do carro. De onde saíam tantas

questões?
— Como já sabe, minha casa. — fiz um sinal com a

cabeça, e ele me seguiu a passos tão silenciosos, que não

saberia que existia alguém ali, se não fosse pela sensação de


atração em que ele me colocava.

Abri a porta, e lhe dei espaço para entrar, fugindo do seu

olhar por um segundo, enquanto a pergunta que fiz a mim

mesma, permanecia sem resposta.

Se eu pudesse escolher o amor, eu não escolheria amar

Tadeu Reis, certo?

Por que a resposta não era simples e direta?

Por que nunca me questionei sobre o mesmo antes?


CAPÍTULO IX

“Quando estou longe de você

Fico mais feliz do que nunca

Queria poder explicar isso melhor

Queria que não fosse verdade” [18]

VALÉRIA

— Se quiser se sentar, fica à vontade. — falei, jogando


minha bolsa no chão do lado da minha poltrona favorita da vida,

que era tão confortável, que poderia dormir nela.

E ignorando os pensamentos que rondavam a minha


mente, fazendo-me fervilhar por dentro.
Ele então o fez, sentando-se à minha frente. O silêncio

recaiu entre nós, e vi-me abrindo a boca uma ou duas vezes, mas
parecia que qualquer palavra que jogasse, poderia ser como

acertar um campo minado. De repente, o olhar dele era tão

inexpressivo, que me deixava anestesiada.

Senti um enjoo me tomar e encostei-me melhor contra a

poltrona. Merda! Eu não os tinha todos os dias, mas quando


vinham, deixavam-me exausta, e presa ao lado da privada por

alguns bons minutos.

— Precisamos ver como isso vai funcionar. — a voz dele

finalmente preencheu o ambiente, e eu apenas assenti, mantendo


meus olhos fechados e concentrada em não piorar a náusea. —

Eu quero ser um pai presente, Valéria.

— Fique à vontade. — falei, e engoli em seco, sentindo a

ânsia. — Eu só acho que... — tentei até pensar no que ia dizer,


mas a ânsia piorou, e me vi apenas correndo dali, em direção ao

banheiro.

Abri a porta em um estrondo e sequer me importei se a

fechei ou não, ou como meus cabelos poderiam cair dentro da

água. Eu só precisava colocar tudo para fora. E foi exatamente o

que fiz. Sentindo minha alma saindo do corpo por alguns


segundos, e com uma das mãos firmemente posta na minha
barriga, como se dizendo: vai com calma aí, coisinha.

Senti o calor crescer e quase me englobar, mas não


conseguia parar por um segundo, para me rearranjar. Foi quando

senti um ar fresco tomar conta de minha nuca, e meus cabelos

sendo presos no alto da cabeça. Pensei em dizer algo ou até

mesmo mandar Tadeu a merda, porque de repente, eu poderia

até culpá-lo por aquele mal-estar – que tipo de pensamentos

eram aqueles?

Pensamentos de grávida?

Senti o toque gelado de uma toalha molhada em minha

nuca, o que me ajudou a respirar melhor, enquanto outra parte da

minha alma ia para fora, mesmo que não tivesse muito o que

vomitar. Os segundos ali pareciam horas, mas finalmente,

chegava ao fim. Respirei fundo, tirando finalmente a cabeça da

direção do vaso sanitário, e no mesmo segundo, senti os braços


de Tadeu me segurarem no lugar.

Era como se eu fosse cair para trás, como sempre


acontecia, e me deitar no chão do banheiro. Felizmente, eu o

mantinha muito limpo e o tapete era fofinho. No caso, agora não


tinha um tapete às minhas costas, mas sim, as mãos do pai do

meu filho.

Não sabia como, mas ouvi o barulho da descarga sendo

dada, enquanto ainda era segurada, e logo uma toalha sendo


passada pelo meu rosto, e por fim, pelos meus lábios. Pisquei

algumas vezes, e sabia que aquele poderia ser o meu pior


momento. Se existia algo que eu detestava desde sempre era
vomitar. Toda vez que tive alguma intoxicação alimentar ou virose

que fosse quando criança, aquele era o ápice do me deixar


acabada.

Por causa daquilo que nunca bebia a ponto de passar mal.


Eu odiava a sensação de não controlar meu corpo.

— Como está?

— Como se tivesse deixado minha alma no vaso. — falei,

com minha voz falhando.

— Não pode ficar sozinha estando assim. — suas palavras

eram duras, mas eu sentia o tom de preocupação nas mesmas.


Meus olhos então estavam nos dele, e eu neguei com a cabeça,
já querendo me levantar.
— Só não sou boa vomitando. — assumi. — Acabou de

descobrir meu grande defeito. — pisquei um olho e me segurei


contra o que fui encontrando, evitando estar encostada sobre o

corpo dele novamente.

Quando parei à frente da pia, joguei água na boca e em

seguida, escovei meus dentes. Uma das mãos ainda permanecia


na barriga e eu dizia internamente: coisinha irritante, assim como

o seu pai.

Joguei um pouco de água no rosto, e encarei meu reflexo,


dando de cara com Tadeu, parado a minhas costas, segurando a

toalha que deve ter usado para me ajudar. O que eu deveria


dizer? O que eu poderia fazer?

Notei-o abrir a boca para dizer algo, mas logo se calou,


como se estivesse se segurando sobre algo.

— Já estou melhor. — falei, e ele assentiu, olhando-me


profundamente. — Obrigada pela ajuda.

— Isso é o mínimo, Valéria.

— Já vi que me chamar pelo primeiro nome virou um


hábito. — falei, e me virei, cruzando os braços à frente do corpo.

Arqueei uma sobrancelha e o encarei.


— Se te incomodar, eu posso...

— Por que está agindo assim? — perguntei de uma vez,

sem conseguir mais fingir que cada atitude dele não estava me
deixando à beira do colapso. — Nunca fomos de conversar muito,
na verdade, você não é de falar... Mas de repente, se tornou um

grande falante comigo. Nunca pareceu realmente preocupado


com algo, e agora... Agora parece que está observando cada

passo meu. Nunca te vi tão empenhado como se...

— Se quisesse fazer a coisa certa? — complementou e eu


assenti, e era como se entendesse.

— Tudo isso para ser um bom pai? — perguntei, e sabia


que poderia ser um tópico delicado.

O pouco que sabia sobre o pai dele, não era algo


considerado bonito. Imaginava que o pior estaria ainda escondido.

Ele poderia ser como eu? Ter medo de ser como o próprio pai?

Dois adultos de praticamente trinta anos que pareciam

adolescentes assustados por conta que se tornariam pais?

— Acho que nunca me conheceu tão bem quanto imagina.


— olhei-o sem entender. — Esse sou apenas eu, Valéria. Não o

Tadeu Reis, apenas... eu.


— Ok. — foi tudo o que consegui dizer, mas não pude
deixar de considerar que ele não respondeu à minha pergunta, e
existia uma chance de 99% de ela ser positiva.

Segui para fora do banheiro, e senti-o às minhas costas.

Assim que me joguei novamente na poltrona, ele parou ao

lado, ainda me inspecionando.

— Tem esses vômitos sempre?

— Uma vez ao dia, na pior das hipóteses. — dei de

ombros. — No começo era mais constante.

— Valéria... — olhei-o, com um sorriso falso e me sentindo

de repente cansada.

Talvez eu estivesse cansada de estar tão próxima dele. A

verdade era que o sentimento que tinha me aterrorizava, porque

eu não conseguia simplesmente enterrar e esquecer. Nunca o fiz.


E agora... E agora parecia ainda pior com tamanha proximidade.

— Não pode ficar sozinha desse jeito.

— Eu estou me virando bem, obrigada. — pisquei um olho,

e ele negou com a cabeça.

— Eu posso me mudar para cá.


De repente, aquele assunto ia de 0 a 100 muito rápido. O

quê?

— Não somos a versão 2.0 de Murilo e Olívia. — falei de

imediato, sabendo que foi com algo muito parecido que minha

amiga e o irmão dele acabaram voltando a se envolver. No caso,


a história de amor deles estava traçada há muito tempo. Foco,

Valéria! — Não vamos fazer disso um momento para que...

— Eu só quero cuidar do nosso filho.

— Eu estou fazendo isso! — revidei, e ele me encarou


perplexo. — O que você pode fazer?

— Enquanto ele não nascer, eu posso cuidar de você. — e

foi minha vez de ficar perplexa. — Está gerando uma vida que é

uma parte minha, e eu não quero que corra nenhum risco. Não é
sobre você ou sobre eu, é sobre o nosso filho.

Eu sabia que não era sobre mim, mas ainda assim, estaria

mentindo se dissesse que as palavras não me atingiram. Na


realidade, eu não poderia ficar fugindo daquela forma, como se eu

me importasse com o fato de ele estar perto. Como se eu tivesse

algo lá no fundo que gritava por ele. Não! Eu tinha que ser

madura e encarar a realidade. Sendo ele perto ou longe, eu


poderia lidar. Eu tinha que lidar. E não deixar que ele pensasse

que me incomodava ou que... que eu o amava.

— No caso, acho que eu confundi o que me disse. — modo

Veronica Park ativado. — Faça como quiser, Tadeu.

— Sério?

— O que quer que diga? Que eu brigue para não ficarmos

próximos ou que vamos estragar tudo? — dei de ombros. — A


realidade é que nenhum de nós sabe como de fato acabou na

mesma cama... — pelos céus, eu era péssima. — E se quer

cuidar de mim, como se isso fosse um cuidado para o nosso filho,

não vou me opor.

— Não?

— Quer que diga que sim? — revidei, e ele negou de

imediato com a cabeça. Nem eu mesma sabia o que falar mais. —

Mais alguma coisa?

— Então está me dizendo que posso me mudar pra cá e

ficar próximo?

— Pelo nosso filho, sim. — coloquei um falso sorriso no


rosto. O que diabos eu estava fazendo?

— Certo.
— Certo, então. — suspirei fundo, e me estiquei para

disfarçar meu incômodo. — Acho que tem algo mais a fazer, não?
Procurar um aluguel na cidade? — aquele era o pior modo de

expulsá-lo da minha casa naquela noite, mas eu precisava.

Precisava respirar longe dele.

— Eu pensei em morar aqui.

— Nem pensar. — a resposta veio de imediato e ele

arqueou as sobrancelhas, como se não entendesse. — Gosto da

minha privacidade.

— Mas como vou saber se está passando mal se estiver

morando em outra casa?

— Será que não podemos só pular esse tópico esquisito e

sem noção que entramos por hoje? — indaguei, já cansada. —


Eu odeio passar mal, de verdade. Só quero fechar os olhos e

dormir.

— Eu sinto muito, Valéria.

Notei a forma como sua voz saiu quebrada, e era como se


enxergasse o arrependimento nos seus olhos assustados.

— Eu não quero ser um estorvo ou te incomodar, eu só...

só quero ajudar, de verdade.


— Pode ajudar indo embora agora.

Ele apenas fez um aceno com a cabeça e vi-o sair a

passos silenciosos dali. Soltei o ar com força, assim que ouvi a

porta sendo fechada. Um segundo depois, ouvi-a sendo aberta


novamente, e pensei que fosse explodir assim que me escorei na

poltrona e poderia culpar os hormônios por estar surtando,

contudo, não eram os olhos escuros que me enervavam, e me


faziam correr para longe. Não... Era Olívia, me encarando como

se fosse retirar o que restou da minha alma após o banheiro.

— Ok, por que eu encontrei meu cunhado de quem nunca

decifrei uma expressão parecendo a ponto de desabar, e agora


estou te vendo a ponto de explodir?

Abri a boca para falar, mas nada saiu, e de repente, eu não

sabia se Tadeu estava de fato a ponto de desabar, mas eu, com


toda certeza, acabava de fazê-lo.
CAPÍTULO X

“Todo esse tempo

Eu nunca aprendi a ler sua mente

Eu não conseguia mudar as coisas

Porque você nunca deu um sinal de aviso” [19]

TADEU

Felizmente, tinha conseguido um lugar na pequena


pousada da cidade. Na realidade, tinha deixado alugado mais

cedo, porque a negativa de Valéria estava clara em minha mente.

Não entendia até o momento que coloquei a chave na porta de


madeira, como ela me aceitaria por perto. Mas como sempre, me

surpreendendo, ela o fez.

— A mansão Reis tá muito vazia.

Girei meu corpo de imediato, e fiquei estupefato ao

encontrar Igor e Carolina, ambos me encarando com curiosidade


brilhando nos olhos.

— Mas o que...

— Antes que pergunte: Verô não nos disse nada. Ela

apenas nos mandou e disse que talvez precisasse de nós. —


nossa caçula respondeu, como se fosse simples assim. — Eu

disse para ela que não seria um talvez, mas certeza.

— Fui o primeiro a dizer que você parecia um cachorrinho

que perdeu o dono quando não foi nada sutil ao seguir Val até o
banheiro na casa do Ná...

— Desde quando chama Inácio Torres de Ná? — Carol

indagou, e por um segundo, sabia que eles entrariam no universo

particular que criavam, e mudavam de assunto repentinamente.

Os dois eram assim desde sempre. Talvez por serem os

mais novos, ou por simplesmente serem os únicos com um real


bom humor dos cinco irmãos. Verônica, Murilo e eu éramos
péssimos em conviver com os outros, já aqueles dois...

— Podem só parar de falar por um segundo. — pedi, ao


notar que as justificativas de Igor sobre chamar cada Torres pelo

apelido, eram ainda piores do que tê-los me azucrinando. — Não

têm que trabalhar?

— Te pergunto a mesma coisa. — Carolina rebateu, e


apenas abri a porta, sendo seguido pelos dois. — E por que não

ficou na casa do nosso irmão?

— Muito tempo até a outra cidade, e pretendo conversar

com Valéria amanhã cedo.

— Eu sinto que estamos perdendo alguma coisa. — Igor


comentou, jogando-se na grande cama de casal que existia ali. —

Por que Verô nos tiraria todas as funções em segundos, só para

virmos ficar com você? Aliás, ela só não veio porque teve um

imprevisto com os Fontes.

— Os Fontes? Da família de Val?

— Parece que eles soltaram uma nota que vou me casar


com a Paola, a mais nova. Além de aparecerem na nossa casa.
— Igor comentou, revirando os olhos. — Sabe que eles fariam de

tudo para casar com um Reis.

— Sei...

Foi então que a conversa com Valéria me veio em mente.


Suspirei pesadamente, e sabia que precisava conversar com
Verônica sobre os Fontes e entender a estranha relação que

existia com eles e Val. Conhecia o pouco que podia sobre cada
um deles, porque na realidade, a única pessoa que me chamou

atenção e me foi próxima um dia, foi ela. Se era que podíamos


chamar simples cumprimentos e conversas rápidas de algo.

E ali estava eu, prestes a contar aos meus irmãos que a


mulher que parecia me detestar por completo, agora estava

grávida.

— Eles apareceram na mansão no momento em que

estávamos saindo. Foi sorte Verônica não os ter jogado na


calçada. — agora eu suspeitava do porquê Verô os recebera.
Talvez para ela mesma entender quem eles eram a fundo, e

poder me contar sobre. — Mas enfim... Valéria te jogou na


calçada?
— Por que de repente isso acaba em Valéria? — indaguei,

sentando-me na cadeira encostada na parede, a qual tinha uma


televisão presa.

— Porque a gente nunca sabe nada de você, mas naquele


almoço, parecia estar respirando pela atenção dela... Nunca

reparei muito, quer dizer, não a víamos há anos, e sempre que


íamos a festas, quando mais novos, eu era o Reis que ficava

próximo a ela. Claro, Murilo também, mas ele tinha Bianca ao


redor, e... — olhei para Igor sem paciência alguma. — Ok, eu sei
que falo demais.

— Resumindo: a gente sabe que está sentindo algo por


ela. — olhei-os perplexos. Como assim? Como eles.... — Nem me
olha desse jeito! — apontou um dedo em minha direção. — Só te

vi dessa forma há o quê? Dez anos atrás? E eu era uma


adolescente romântica, então imaginava que estava vendo

coisas.

— Não vou te dar moral nessa história toda. — falei por

fim, correndo do seu olhar, e escutei o grito de ambos de


imediato.

— Tadeu Tadeu, a gente te conhece! Você é o homem


mais misterioso da família e de repente, todos os seus trejeitos
são óbvios, porque eles mudaram... e a única grande mudança foi
Valéria aparecer.

— O que querem que eu diga? — perguntei, já não


sabendo para onde correr.

— Eu quero saber tudo! — Carolina falou ansiosa, mas ela

sabia que jamais conseguiria tal informação. — Mas, me contento


em saber por que estamos aqui.

— Valéria está grávida.

Soltei de uma vez, e os encarei. Notei suas expressões

mudarem drasticamente e de repente, olhos arregalados, assim


como bocas entreabertas.

— Mas...

— Mas... como assim?

— Quem é o pai?

As perguntas dele se misturaram, e eu apenas revirei os


olhos, diante de tamanha lerdeza e falta de compreensão do

assunto.

— Será que podem... — os dois me encararam. — Ela está


esperando um filho meu.
— Então era isso que estava fazendo no Natal que não
apareceu! — a voz de Igor saiu como um grito.

— Eu vou ser tia... de novo! — Carol gritou ainda mais alto,


e eu sabia que seríamos expulsos dali logo menos.

Senti os dois pularem em cima de mim, e meu corpo bateu

junto com a cadeira no chão. Talvez nos expulsassem da cidade.

— A gente achou que seriam cinco para sempre, e em


poucos meses, ganhamos Dani e agora... É menino ou menina?

Quanto tempo ela está? Como ela está? Ai, meu Deus!

Precisamos comprar brinquedos e roupas!!!

Ri de como Carolina praticamente montou em voz alta


cada passo do que faria para o meu filho, enquanto Igor me

encarou com clara emoção nos olhos.

— Estou feliz por você, irmão. — ele falou, e tocou meu


ombro, apertando levemente. — E lembre-se sempre, que é

melhor do que ele. Em tudo.

Apenas assenti e respirei fundo, soltando o ar com força.

Carol era a mais inocente de todos nós, felizmente, porque


Verônica conseguiu afastar todos os sanguessugas de nossa

família, quando ela ainda era muito pequena. Mas Igor estava lá,
mesmo que por pouco tempo, e sabia que Reinaldo tentou

recorrer a ele há alguns anos.

Era uma história bagunçada de todos nós. Filhos de pais e

mães diferentes, mas criados pela mesma avó, que assumira o

papel assim que Verônica nasceu. E Verônica assumira o papel


dela, assim que nossa avó ficou doente, e ela tinha apenas

quinze anos. Assumiu o papel de mãe e pai cedo, deixando-nos o

legado que apenas Regina Reis poderia ter ensinado.

Vi-me sorrindo, sem poder evitar, ao agradecer


mentalmente Verô, por mandar Carol e Igor, para que eu não

ficasse a sós com meus próprios demônios. Eu só temia pelo dia

em que minha irmã descobrisse a verdade, que eu não merecia


aquele cuidado. Que na realidade, eu era talvez o mais parecido

com Reinaldo Reis. Eu era um traidor.

— Bianca...

— O quê? — ela então colocou as mãos sobre o meu


peito, e eu não sabia para onde correr ou me esconder. — Uma

noite não foi o suficiente?

E de repente, eu estava de olhos fechados, e cabelos

ruivos presos em minha mente, enquanto o toque dela parecia me


queimar... Mas não era ela.

— Ei! — senti um estalo à frente do meu rosto. Pisquei

algumas vezes, saindo daquelas lembranças. — Por que a gente

não sai pra comemorar? — Carolina perguntou, batendo palmas.


— Sei que tem uma conveniência que fica aberta 24 horas, pelo

que sei, foi perto de lá que Mabi e Inácio se atracaram pela

primeira vez...

— Como sabem tanto da vida dos outros? — indaguei,

completamente perplexo, e Igor riu de lado.

— Eu tenho uma boa informante. — olhei-o, sem entender.

— Lisa e Igor são os piores... Eu não faço ideia do que


esses dois têm, mas as fofocas... eles sempre trocam.

— Podemos apenas beber em silêncio? — sugeri, e Carol

revirou os olhos, ao me dar a mão para me ajudar a levantar.

Eu ainda estava estatelado no chão, com Igor sentado ao

lado.

— Sempre tão chato. — Igor reclamou, levantando-se. —

Valéria é uma mulher engraçada, acho que são o famoso opostos


se atraem.
— A gente não é nada. — corrigi-o, e ambos me

encararam com as sobrancelhas arqueadas, assim que me


coloquei de pé. — O què?

— Não são nada porque ela não quer, sejamos honestos.

— Eu não quero saber das suposições que fazem sobre


mim. — fiz um sinal claro com os dedos, para que ficassem

quietos. — Apenas... obrigado por estarem aqui.

— Ah, o nosso ursinho fica até fofo por causa dela.

— Sem esse apelido, Carolina. — ela riu alto, e pulou


sobre mim, dando um forte abraço.

— Mal vejo a hora de Val saber que Carol te chamava de

ursinho carinhoso...

— Não ouse! — olhei-o com clara reprovação e ele apenas


riu. — Apenas vamos! — fiz sinal em direção à porta, e eles

assentiram.

No fundo, eu só queria focar no presente e que talvez, eu

tivesse a sorte de que nenhum deles, nunca soubessem, o que eu


realmente era.
CAPÍTULO XI

“Olhos castanhos culpados e mentirinhas do bem

Sim, eu me fiz de boba, mas sempre soube” [20]

VALÉRIA

— Ele é... É como um sonho. Tadeu é tão apaixonado...

As palavras de Bianca, minha melhor amiga, nunca doeram


tanto. Não conseguia pensar em algum momento em que elas

fizeram aquilo. Mas de repente, eu estava perto de desabar,

porque o homem que eu amava, agora, a amava. O quanto aquilo


poderia doer?
— Val... Se ele disse algo para te machucar, eu juro que...

— O que ele fez para me machucar, acho que ele nem

sabe. — admiti, agradecendo pela voz da minha amiga me

trazendo para realidade. — Ele não tem como saber o que


sempre senti por ele... — suspirei fundo. — A gente se conhece

desde sempre, pra ser mais exata, nos meus quinze anos, e foi

quando me apaixonei por ele. — neguei com a cabeça. —


Primeiro amor à primeira vista, e... Como eu te contei antes, ele é

o cara que ama outra e eu só assisti isso.

— Murilo nunca mencionou sobre o irmão amar ou ter se

apaixonado por alguém... — Olívia passou as mãos de leve pelos


meus braços, ainda sentada ao meu redor no chão. — Tem

certeza que ele ama outra pessoa? E se ama, por que ficaria com
você, Val?

Sorri tristemente para ela.

Se ela soubesse...

— Ele não pode mais chegar até ela, e acho que, tesão?

— nem eu mesma sabia o que dizer. — A questão é que desde

que transamos, tudo se confundiu ainda mais... Passei anos


fugindo de tantas coisas, para no fim, uma das quais menos
gostaria de reviver, bater à minha porta. Tadeu parece
empenhado em estar ao redor. Ele até mesmo se ofereceu para

cuidar de mim, por conta do nosso filho... No sentido de que estou

tendo os enjoos fortes, e ele presenciou um momento assim. Só

que como vou entender que ele está fazendo isso pelo bebê?

Como eu não vou confundir tudo, sabendo que ainda existe

resquício daquela paixão adolescente? Como eu vou lidar com o


fato de que estamos interligados e que bem aqui... — levei uma

das mãos à barriga e deixei outra lágrima descer. — Aqui tem

uma parte dele que eu amo e não posso negar.

— Eu acho que primeiro, você precisa se acalmar. — tocou

meu rosto, fazendo-me me encará-la. — Levou um tempo para se

acostumar com o fato de que está grávida, e agora, precisa de

tempo para se acostumar com Tadeu sabendo disso.

— Não posso fugir para sempre. — assumi, e ela me

encarou.

— Se fosse realmente fugir de tudo, não teria nem aberto

sua porta para ele. Eu acho que você precisa é de um banho

quente, um bom dorama, comida gostosa, e se amar assim como

a sua geladeira diz.


Tive que sorrir para ela, e da referência a um dos meus

idols favoritos. Sabia que Olívia era uma raridade. Ela era a única
pessoa que deixei entrar depois de tanto tempo fugindo de

qualquer amizade que fosse. Ela só aconteceu. E ela me ouvia,


se interessava, e me guardava... Era diferente de todas as outras
relações que experimentei.

E era realmente grata por tê-la, porque construímos


exatamente o que eu queria poder ter com Paola.

— Eu só preciso fazer uma ligação antes. — ela assentiu, e


se levantou, correndo até o outro lado da sala e pegando meu

celular, trazendo-o. — Oli, não precisa...

— Para de querer ser tão forte para o mundo. — olhei-a

surpresa. — Pode desmoronar, que eu vou estar aqui, pegando


os caquinhos. — piscou um olho e se levantou. — Vou ver o que
tem na cozinha e fazer algo para comer.

— Oli...

— Nada de “Oli”, faça sua ligação. — piscou um olho e


saiu, deixando-me com um sorriso, mesmo após tantas lágrimas.

Olívia cuidava de mim, do jeito que há muitos anos,

ninguém de fato se propusera. Talvez aquela fosse a diferença


gritante entre o que eu conhecia como família, o que os Torres – a

família dela – conheciam, e o que os Reis – mesmo desajustados


– sabiam: família se protegia.

A minha, tinha que se proteger à distância, como um


quebra-cabeça, com quatro peças incompatíveis, e infelizmente,

os quatro se resumiam, em nós: eu, Gael, Henrique e Paola.

Disquei o número da minha caçula e suspirei fundo,


aguardando. Sabia que ela não gostava tanto de mim assim, não

depois que fui embora, mas apesar dos pesares, ela ao menos
me atendia de vez em quando. E até então, Hellen não descobrira

sobre aquelas ligações esporádicas. Sinal que Paola sequer falou


sobre.

— O quê?

— Paola... — ouvi seu suspiro no fundo.

— Estou num evento. — cortou-me de imediato. — Se não


se importa, alguém tem que carregar o peso que você deixou.

— Paola, eu não... eu sinto sua falta.

— E eu sinto falta da família que nem tive, olha só. —

engoli em seco, a ponto de desabar. — Não quero brigar de novo,


apenas... Apenas me deixe em paz, assim como conseguiu a sua.
Se ela soubesse que minha paz tinha um preço alto.

— Hellen com certeza nem sabe que você tem esse

número. — foi então que percebi o meu erro, enquanto ela


sussurrava. — Eu sei partes, não tudo... apenas sinto muito, irmã.

— Paola, mas...

Ela desfez a ligação de imediato, e eu disquei novamente.


Suspirei fundo, ao ir direto para a caixa-postal. Paola tinha

descoberto, então? Paola agora sabia sobre o porquê de eu ter


ido embora? Eu só queria poder contar a ela sobre tudo, mas
ainda assim, teria que me contentar com a sua voz.

Talvez, se eu pudesse perguntar a alguém mais poderoso


do que Hellen... Não, falar com Verônica Reis sobre isso não era

uma opção. Não poderia arrastar mais ninguém para aquilo.

— Eu estou fazendo uma sopa, não tão boa quanto a sua,

já sabe. — pisquei algumas vezes e encontrei o olhar de minha


amiga. — Aliás, eu comecei a ver “A vida secreta da minha

secretária”[21] e eu estou sofrendo desde já para quando ele

descobrir a merda toda.

— Eu acho que já assisti esse umas três vezes. — ela


arregalou os olhos. — Foi um dos que mais gostei nos últimos
tempos e a personagem principal tem os cabelos na cor dos
meus.

— Ruivos inalcançáveis para meras mortais como eu. —


revirei os olhos, enquanto ela balançava o cabelo castanho para
os lados. — Aliás, Pedro me perguntou de você.

— Sério?

— Sim, ele foi fazer uma entrega na minha casa, algo que
a nossa capataz tava resolvendo, e todo sem jeito me chamou...

Eu agora estou me dividindo em torcer pelo peão tatuado gostoso

ou o meu cunhado vibes ceo frio e misterioso?

— Pensei que ia chamar seu cunhado de gostoso. — forcei


uma careta.

— Não duvido que ele seja. — olhou-me com uma

sobrancelha arqueada e eu peguei a almofada ao lado e joguei


em sua direção.

Olívia riu alto e desviou, pegando a almofada e jogando em

minha direção. Revirei os olhos de sua pontaria péssima, e logo a

senti se jogar novamente ao meu lado.

Sua mão veio para minha barriga, e eu sorri

instantaneamente.
— Coisinha linda... — fechei os olhos, encostando contra o

sofá, e fiquei envergonhada.

Não era acostumada a ser carinhosa, não depois de tanto

tempo sendo e perdendo aqueles que eu amava ao redor. Mas

com o meu filho ou filha, era praticamente impossível. Era natural.


Ver Oli o chamando do apelido que eu dei, me fazia lembrar do

quanto aquilo era importante. A conexão que tínhamos.

— Vamos ajudar a sua mãe a ficar calma e por favor,

maneirar no enjoo... — neguei com a cabeça, abrindo os olhos. —


Sua madrinha aqui tá pedindo com muito amor.

— Quem disse que vai ser madrinha? — indaguei, e ela me

ignorou por completo.

— Sua mãe fala besteira às vezes, só ignora... — olhei


para a cena, da minha amiga com a mão sobre a minha barriga e

sussurrando para o meu filho, e por um segundo, tudo parecia em

seu devido lugar.

Ao menos, Olívia e meu filho estavam nos seus. E depois

de muito tempo, apenas me sentindo em um lar quando estava ao

redor dos Torres, ali, com nós três, eu conseguia respirar. E

mesmo com saudade daqueles que já foram meu lar, sabia que a
minha coisinha mudava tudo de figura – porque ela agora se

tornava um novo lar para mim.


CAPÍTULO XII

“Guarde seu conselho, porque eu não vou ouvir

Você pode até estar certo, mas eu não ligo

Há um milhão de motivos para que eu desista de você

Mas o coração quer o que ele quer

O coração quer o que ele quer” [22]

VALÉRIA

Batidas na porta me despertaram.

Olhei para Olívia do outro lado da cama, dormindo

profundamente. Levantei-me com cuidado para não a acordar, e


puxei o robe jogado na cadeira. Desci as escadas, e peguei meu
celular no caminho, sobre o sofá. Antes de abrir a porta, notei que

tinham cerca de dez ligações de Tadeu, e meu coração falhou


uma batida.

O que teria acontecido?

Cliquei no seu contato, que ele nem sabia de fato que eu


tinha, e abri a porta, apenas esperando o pior. Contudo, tive a

visão dele, com o celular em mãos, olhando para a tela, e depois

para mim. Por um segundo, consegui ler o nome com que meu
contato estava salvo – ela. Por que eu sequer tinha um nome?

Olhei para ele confusa, e tentei entender o que acontecia,


mas antes que eu ou ele pudéssemos perguntar algo, duas

pessoas pularam de trás de suas costas, com sacolas enormes

nas mãos – Igor e Carolina Reis.

— Eu tentei avisar antes...

— Surpresa! — falaram, e empurraram o irmão da frente,

quase jogando-a para fora da varanda. — A gente não quer te

pressionar ou algo assim, mas foi impossível não passar em lojas

e comprar presentes para o nosso sobrinho ou sobrinha.

— Eu acho que é um menino. — Igor piscou um olho e me

encarou.
Olhei para Tadeu, que parecia genuinamente
envergonhado.

— Quando chegaram? — perguntei, dando-lhes espaço


para entrar, e eles não se fizeram de rogados.

— Ontem à noite, bem tarde... Verô nos mandou para...

— Igor! — Tadeu o cortou, e olhei-os confusa.

Eu conhecia um pouco da dinâmica dos Reis, mas fazia um

longo tempo que não os tinha tão próximos. Era até engraçado e

me fazia sentir ainda mais falta do que não pude ter com os meus

irmãos.

— Ignora eles. — Carolina falou, dando-me um abraço com

cuidado, e logo em seguida olhando para minha barriga. — Tá tão

pequena e redondinha... Ai, nessa hora eu só queria um bebê.

— Precisa de alguém que te tolere primeiro. — Igor

provocou, e eu tive que rir.

— Ou faça isso sozinha. — pisquei um olho para ela, que

puxava o cabelo de Igor no segundo seguinte. — Vocês não

mudaram nada.

— Os mais bonitos e legais, eu sei. — Igor fez pose, e

abriu os braços. — Posso?


— Claro que sim. — fui até ele, e aceitei seu abraço, e sorri

pela forma como eles pareciam achar que eu ia quebrar. —


Sabem que podem abraçar de verdade uma grávida, né?

— Tadeu nos mata! — Carol resmungou e eu então o


encarei, ao fundo, encostado contra o batente. — Aliás, ele

comprou duas coisas, só que uma está no carro.

— Carolina!

— Eu posso ver? — perguntei, e ele fez um leve aceno

com a cabeça, como se me chamando. — Aliás, se quiserem dar


um susto em alguém, Olívia está dormindo no meu quarto,

completamente apagada...

— Como a gente deu sorte com cunhadas? — Igor

perguntou, e Carol o seguiu, passos lentos pelas escadas.

Pensei em corrigi-los, mas apenas deixei as palavras irem

com o vento. Naquele segundo cheguei até Tadeu, do lado de


fora da casa, e o segui até o carro.

— Por que não entrou?

— Eu acho que nossa conversa não foi muito boa, e eu


não queria incomodar. Já basta meus irmãos ligados nos 220v às

sete da manhã.
— Eles são bons. — cruzei os braços, e sorri. — Eles são

bons para Dani, com certeza serão para o nosso filho.

— Eu também acho, mas não conte a eles que te falei isso.

— assenti, revirando os olhos. — Eu sei que gosta de kpop,


confesso que não sei muito, mas eu pesquisei e bom, parece ser

de um grupo famoso. — ele então me estendeu uma sacola de


papelão pequena, que estava no banco de trás.

Notei outras várias ainda pelo carro, mas não adentrei

aquele assunto.

— Obrigada. — falei, abrindo a mesma e fiquei paralisada

ao encontrar um body na cor preta, com o símbolo do BTS[23]. Era

simples, mas me tocava profundamente, porque era algo que eu


gostava, que meu filho poderia usar. Olhei para Tadeu, sem

conseguir disfarçar a surpresa. — Eu adorei. — fui sincera. —


Espero que nosso filho ou filha também goste.

— Espero que ele seja como você. — olhei-o sem


entender, mas me contive, ao vê-lo abrir o porta-malas. — Meus
irmãos compraram mais algumas coisas, e têm presentes de Verô

também, que ela me pediu pra comprar por vídeo-chamada...

Olhei para as sacolas enormes e fiquei perplexa.


— Me diz que pelo menos você só comprou esse body... —
ele deu de ombros.

— Comprei alguns brinquedos também.

— Tadeu, eu ainda estou gerando a criança. — ele levou


uma das mãos à nuca, passando-a levemente ali, claramente sem

jeito. — Eu sei que seus irmãos são empolgados, mas não


imaginei que você fosse.

— Isso porque ele está disfarçando sobre ter comprado


brinquedos, na verdade, ele comprou a melhor loja de brinquedos
da cidade...

— O quê? — minha voz saiu em um grito, diante da frase


dita às minhas costas, que Igor soltou.

Notei Tadeu o encarar claramente com raiva e engoli em


seco.

— Me diz que isso não é verdade! — ele abriu a boca e


fechou algumas vezes, mas nada saiu. — Por que comprar uma

loja de brinquedos?

— Eu li que brinquedos são importantes para o

desenvolvimento...
— Mas nosso filho nem nasceu. — ele deu de ombros,
como se fosse um detalhe.

— Eu acho que vão à falência só comprando presentes


para os sobrinhos... — Olívia falou, bocejando e piscando em
direção a Tadeu. — Vai se acostumando com isso.

— Eu vou proibir todos de comprarem presentes. — fiz um

sinal com o dedo, e então notei o carro de Murilo se aproximando.


Esperei-o estacionar, e assim que desceu, com Dani ao seu lado,

fiz um sinal para ele. — Todos vocês estão proibidos de

comprarem presentes. — ele levantou as mãos em sinal de


rendição, enquanto Dani corria até mim.

Suas mãos vieram diretamente para a minha barriga e sorri

para a pequena. Eu a tinha enrolado tanto sobre a gravidez, que

ela pareceu descobrir de imediato, que fiquei surpresa por ela ter
guardado segredo até aquele momento.

— Oi, bolinha. — falou para minha barriga e eu ri baixo. —

Todo mundo já sabe?

— Agora a gente pode falar para todo mundo. — ela


assentiu, me abraçando pela barriga.

— Por que está descalço, tia Val?


Olhei para os meus pés, e senti o olhar de todos sobre os

mesmos de imediato. Eu sequer tinha me lembrado. Dei de


ombros, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, apenas

senti meu corpo sendo suspenso, e braços ao meu redor.

A surpresa foi tamanha que eu só consegui entender de


fato, quando Tadeu me colocou no chão novamente, já dentro de

casa.

— O que pensa que está fazendo? — perguntei, e ele

apenas me encarou seriamente.

Ok, eu odiava o lado dele que parecia se esconder e

apenas me provocava a ponto de querer tirar aquela seriedade do

belo rosto.

— Cuidando de você... de vocês. — falou, e eu respirei


fundo, lembrando-me de que tínhamos uma plateia e não queria

dar um show.

Dei meia volta e subi as escadas, em busca dos meus


chinelos. E por um segundo, a minha raiva era tamanha, que eu

só queria voltar e mandá-lo à merda. Mas ao mesmo tempo, um

sorriso idiota estava no meu rosto, o que me fez querer chorar.

Era aquilo.
Bem-vindo à bagunça pessoal de Valéria Fontes, que já

sequer sabia o que estava fazendo da vida.

E a culpa era dele.

Como sempre, dele.


CAPÍTULO XIII

“Porque nos despedaçamos um pouco

Mas quando você fica sozinho comigo, é tão simples

Porque, amor, eu sei o que você sabe

Podemos sentir isso” [24]

VALÉRIA

— Eu ainda preciso falar com Inácio hoje. — falei, assim


que Oli me deu um abraço, se despedindo.

— Se prepare para os Torres surtando, em breve...

— Eu acho que se sobrevivi aos Reis, consigo sobreviver à


sua família. — ela negou com a cabeça, dando passos para fora
da casa. — O quê?

— Sua família, lembra? — olhei-a sem entender. — Sabe

que é parte dos Torres, certo?

No fundo, eu sabia. Mas nunca admitira aquilo em voz alta.

A forma como cuidavam de mim era algo que me deixava sem


palavras e me fazia sentir parte. Eu sabia, mas ali, em voz alta,

ficou ainda mais evidente.

— Eles não vão trazer mais presentes, certo?

— Eles já estão curados sobre isso. — sorri, e ela assentiu.


— Aliás, quem for dormir na minha casa, já sabe...

— Nada de presentes, cunhadinha. — Igor e Carolina


acenaram levemente, no banco de trás do carro de Murilo, que

sorria no banco do motorista. — A gente se vê logo, cunhadinha?


— Carol então indagou, olhando-me, e eu assenti.

Já a tinha corrigido cinco vezes no dia, sobre não ser sua

cunhada, mas no fim, apenas dei a batalha como vencida. Uma

palavra não era tão poderosa assim. Era?

— Espero que sim. — Dani fez um leve tchauzinho ao lado

dos tios, com um sorriso de orelha a orelha.


Depois daquela manhã caótica, em que tudo o que ouvi
foram as vozes deles e apostas sobre mil coisas diferentes, o

silêncio que recaiu ali, fora um tanto estranho.

— Sinto que quando estou longe deles, consigo voltar a

entender meus pensamentos.

Tadeu falou, próximo ao seu carro, como se me esperasse.

Como se ele estivesse esperando os irmãos saírem, para poder


termos um momento. Queria dizer que não e mandá-lo embora,

mas era necessário. Pela minha sanidade mental, deixarmos as

coisas certas.

— Sinto falta do barulho de Rique e Paola. — admiti,

mesmo que as palavras mal tivessem saído.

— Se quiser, posso trazê-los. — olhei-o surpresa, e ele me

encarou desconfiado. — Sei que tem algo que te impede de ficar

perto da sua família, não sei exatamente o que, mas... talvez

nada impeça que eles te vejam.

— Não é o momento. — fui tudo o que consegui dizer. —

Pode ser o caos para os meus irmãos, porque vai levar... Enfim,

não é o momento. — suspirei fundo, engolindo aquele assunto.

— Se precisar falar, eu vou estar aqui.


Fingi que não ouvi o que disse, e desviei o olhar.

— As coisas não estão claras entre nós, eu acho. — olhei-

o. — Eu vou alugar uma casa próxima, para não te incomodar

estando no mesmo ambiente, mas ainda assim, acho arriscado


que fique sozinha.

— Fiquei o primeiro trimestre e tudo correu bem. — falei,

como se para acalmá-lo. — E não é algo que me causa algum


perigo, pode até falar com a minha médica se for te ajudar.

— Tudo bem. — assentiu, olhando para o horizonte. —


Mas posso vir todos os dias, de manhã e à noite? — indagou. —

Sei que trabalha das oito as seis, mas posso estar aqui para te
levar e trazer, nem que seja para poder te ver um pouco.

— Vai tentar ser assim até nosso filho nascer? —


perguntei, e ele me encarou profundamente. — Sei que é novo

para nós, mas não precisa de toda essa atenção. Não vai ser um
pai ruim por não estar todo dia comigo, ainda grávida.

— Eu quero, Valéria. — engoli em seco diante do tom que


me acertou por inteira. Meu corpo todo me alertando que ele era
um perigo claro. Um perigo que eu adoraria correr novamente. —

Se eu puder, ficarei feliz.


— Vamos vendo como vai ser, certo? Além do mais, você

tem o seu trabalho na capital.

— Há muito que eu posso fazer estando aqui, e meu

trabalho não é uma prioridade. — respirei fundo, porque cada


palavra me confundia ainda mais.

— Ok. — cruzei os braços à frente do corpo. — Vamos


tentar e caso isso me incomode, eu te falo e paramos. E vice-
versa. Ainda pode ser o pai dessa criança, mas esse é o meu

espaço, é a minha vida também... Então, fazemos assim, certo?

Ele assentiu e eu tentei convencer a mim mesma, que não

era uma péssima ideia.

— Posso te levar até a casa de Inácio, tenho ainda que

resolver um assunto com ele. — olhei-o incerta. — Te trago de


volta depois.

Era como se ele lesse o meu claro incômodo na expressão,


mas não queria que fosse assim. Não queria que ele soubesse de

nada sobre mim, contudo, como sempre, parecia impossível.

— Pode ser agora?

Ele apenas deu a volta no carro e abriu a porta do carona.


Caminhei em silêncio até lá, e parei apenas um segundo para
olhá-lo, quando me sentei no banco. No olhar escuro dele,
encontrei toda a bagunça que estava presa em mim.

O que eu estava fazendo da minha vida?

TADEU

Eu poderia mentir e fingir que não estava desesperado?

Depois de tanto tempo correndo, negando e fugindo... Não


conseguia mais. Não depois de todos os caminhos tortuosos me
levarem diretamente para ela. Mesmo quando eu planejava e

nada saía exatamente como em minha mente, mas no final, me


ligava diretamente a ela.

Valéria entenderia? Ela acreditaria em mim?

Pensei em Bianca e apenas uma coisa se passava em


minha mente: foi tempo demais. E aquilo me sufocava, porque

não implicava apenas a mim ou ao meu caráter, mas o dela. Olhei


de relance para Valéria e eu sabia que ela carregava muito em
seus ombros, segredos de várias pessoas, mais do que ela
deveria ter que o fazer.

Contudo, não era como se eu pudesse estalar os dedos e


resolver por ela cada detalhe. Ela precisava do seu tempo e do
seu momento para colocar para fora. Mas ainda assim, era

demais, vê-la assim, como se a minha presença, estivesse


esmagando-a.

— Por que não coloca uma música? — sugeri, e ela

apenas mexeu no painel, não colocando do seu celular.

Uma das músicas que Carolina ouviu mais cedo


recomeçou e eu só conseguia pensar, que em certos momentos,

o carma era impressionante.

Era a música que eu me recordava de ouvi-la cantar alto,

para quem quisesse ouvir, em seu antigo apartamento. E de


pensar que um dia, eu vivi tão próximo a ela, a ponto de que

poderia atravessar o corredor e encontrá-la. Aquele foi um bom

momento, até ter se tornado o meu maior erro.

— Lembro-me dessa música. — admiti, e senti seus olhos


sobre mim. — Quando passava pelo corredor, geralmente, você

estava cantando ela.


— Isso faz o quê? Uns dez anos? — perguntou, e eu

assenti. Eu deveria ter vinte e ela dezoito, naquela época.

Meu apartamento no centro continuava no mesmo lugar, e

eu só o tinha porque era mais perto da faculdade na época, do

que a mansão dos Reis. Tê-la como vizinha por um tempo, foi um
grande presente, até se tornar meu desespero.

— Eu realmente gostava dessa música. — admitiu, e notei-

a se arrumar melhor no banco.

“Então eu escapei pro jardim para ver você

Nós ficamos quietos, porque nos matariam se soubessem

Então feche seus olhos

Fuja dessa cidade por um momento, uh, oh”[25]

— Não mais?

— Não. — suspirou fundo. — Me faz pensar no amor que

eu tinha na época e que nunca foi meu.

Aquelas palavras me acertaram em cheio, e apenas tentei


focar no caminho, porque doía. Doía saber que aquela mulher

amava outro homem. Na realidade, me destruía por dentro.


Mesmo que eu já soubesse daquilo. Sempre existiu um brilho no

olhar dela, que aumentava, quando ela parecia pensar em outra

pessoa, e que não entendia como, não poderia ser dela.

Se ela soubesse...

Se ela me olhasse...

Suspirei, porque nada era tão simples assim. E apenas

fiquei em silêncio, sem conseguir mais ouvir ou tentar entender.


CAPÍTULO XIV

“Estou tão cheia desse mesmo velho amor

Parece que já fui explodida em pedacinhos

Estou tão cheia desse mesmo velho amor

Do tipo que quebra seu coração

Ooh, desse mesmo velho amor” [26]

VALÉRIA

Meu celular vibrou e poderia jurar que era Tadeu, outra vez,

querendo que eu cancelasse a minha noite, por medo de eu

passar mal. Aquele homem não desistia nunca?


Contudo, batidas na porta me levaram a ignorar o celular e

ir até a mesma. Assim que a abri, fiquei paralisada ao encontrar


Maria Beatriz, Abigail, Bárbara, Lisa e Olívia, com olhares

curiosos, no caso, a última não tanto assim.

— Pedro chamou vocês para o karaokê?

— O quê? — Lisa foi quem perguntou, olhando ao redor,

enquanto eu lhes dava espaço para entrar. — Mulher, como assim

tá grávida do último Reis que presta e não contou?

Se ela soubesse...

Abri a boca para dizer algo, mas Olívia foi mais rápida.

— Inácio falou com Mabi, que falou com Babi, que falou
com Abi e... — assenti, como se repensando a respeito.

— Eu imaginei contar pessoalmente para cada uma.

— Estou ofendida. — Mabi foi quem se manifestou, e olhei-

a sem entender. — Como o Inácio sabe das coisas antes da

gente? Seu grupo de amigas?

Meu grupo de... eu tinha um grupo de amigas?

Se olhasse por aquele cenário, eu finalmente compreendia.

Há muito tempo ninguém realmente se interessava em saber da


minha vida, apenas por ser eu ou preocupação. Na realidade,
sempre foi ao que fazer em relação ao meu sobrenome.

Mas aquelas pessoas ali, ao meu redor, sequer se


importavam com aquilo. Nem tinham ideia do quanto aquele

sobrenome representava. Para elas, eu era apenas a Val, a

cozinheira na casa do irmão da Oli, do marido da Mabi, do

cunhado de Babi e Abi... Suspirei fundo, e senti meus olhos se

encherem.

Merda de hormônios!

— Sensível? — a pergunta veio de Abigail, que se

aproximou com cuidado, olhando-me com preocupação.

— Mais do que pensei ser possível. — admiti, e respirei


fundo.

— Eu disse a ela que piorava ou melhorava de vez. — Oli


comentou, e tive que rir, porque era a verdade. — Eu disse a elas

que ia para o karaokê, e no fim, todo mundo aqui ama isso,

então...

— Não precisam fazer isso. — falei, e notei Babi revirar os


olhos.
— Eu entendo que é toda fechada igual a Oli, mas mulher,

não vai pensar nem por um segundo, em ficar sozinha... Não


depois que Tadeu nos contou que está passando mal. — Lisa

soltou, como se fosse simples assim.

— O quê? — minha voz mal saiu, enquanto a de Olívia

poderia quebrar as janelas.

— Ele pegou meu número com Igor e me ligou. — ela


começou. — Achei estranho no começo, mas eu entendi o ponto

dele. Como ele não pode te impedir de ir no karaokê ou chegar a


tempo de ir junto e vai atrasar, ele me pediu para cuidar de você.

E foi quando eu liguei para Babi, e ela tinha acabado de descobrir


da sua gravidez por Mabi, já que Inácio... enfim, isso aí.

— Tadeu... Tadeu ficou louco? — eu praticamente gritei


daquela vez, e fui em direção ao meu celular. — Eu vou matá-lo.

Senti então meu celular sendo tirado de minha mão e


encarei Babi.

— Por que não o matar depois de perder a voz no


karaokê? — indagou, olhando-me com empolgação. — Não
entendo essa bagunça toda de vocês, mas vamos ser honestas,
todas nós somos presas a bagunças, e em algum momento, elas

se ajeitam. Só... vamos curtir a noite.

Queria corrigi-la, e dizer que ela estava errada, que Tadeu

e eu não éramos bagunça alguma. Nós... Nós não éramos nada.

— Eu voto em cantar algum modão e esquecer os Reis. —

Lisa falou, parando ao meu lado e olhou-me em entendimento. —


Sei como é... — sussurrou, e não sabia o que ela de fato sabia,
mas era como se me entendesse.

E foi quando me lembrei que ela e Igor tinham algo. Algo


indefinido que foi findado, e ninguém entendia ao certo o que

aconteceu. De repente, era melhor focar nos problemas


românticos alheios, do que os meus. Meus? Foco, Valéria! Tadeu

não era um problema romântico. Ele só estava agindo como um


pai superprotetor.

Eu tinha que esquecer aquilo.


Meu celular vibrou e bufei já imaginando ser ele, mas na
realidade, era uma mensagem de Pedro. O texto era curto
“Levanta a cabeça e me acha, patroa”. Sorri e fiz o movimento,

logo o encontrando perto de mais alguns amigos da fazenda, que


estavam já bebendo.

— Cerveja? — indagou, e eu neguei de prontidão.

Felizmente, minha barriga ainda não aparecia tanto, o que


não deixava que as pessoas soubessem. Na realidade, ainda era

estranho pensar que poderia contar a todo mundo ali, que aquele
assunto não chegasse à capital. Mesmo assim, eu me continha.

Talvez por eu ser um tanto superprotetora. E aquilo me fazia


pensar em Tadeu.

— Prefiro estar sóbria pra primeira música. — pisquei um


olho, enquanto todos se cumprimentavam, e fui entrando.

Senti o braço de Olívia no meu, e lembrei-me de Carolina,


que até então estava na cidade, mas não viera.

— Onde estão os irmãos de Murilo?

— Seus cunhados? — Olívia provocou e eu revirei os


olhos. — Tiveram um assunto urgente e voltaram para a capital

hoje cedinho.
— Estranho... Murilo foi junto? — indaguei e ela assentiu.
— Sobre o que era?

— Preocupada que seja algo com Tadeu? — empurrei-a


com o quadril e ela sorriu. — Parece que algo sobre uma filial no
estrangeiro. Dani estava animada de ir ver a tia Verô, então...

foram todos.

— Tadeu disse que chegava hoje... — suspirei. — Não sei


o que pensar sobre isso.

— Eu penso que ele pode ficar na fazenda. — Maria

Beatriz, vulgo dona daquela fazenda, assim como Inácio, se


intrometeu. — Assim, só dizendo mesmo...

— Prefiro ele longe. — ela me encarou como se

entendesse e assentiu. — Estou tentando me acostumar só com

a ideia de ele indo e vindo todos os dias até a minha casa...

— Pode dizer para ele não o fazer...

— Posso só esquecer isso por hoje? — indaguei, e ela me

entregou uma garrafa de água que acabou de pedir no balcão.

— Então é hora de se hidratar, para acabar com sua voz


naquele palco...
Assenti, dando um longo gole de água e senti um braço de

Pedro ao meu redor em seguida. Ele fazia tal coisa, em raros


momentos, mas felizmente, não era algo desconfortável. Na

realidade, me lembrava da forma que meu irmão mais velho o

fazia.

Que ele não soubesse daquilo, porque eram claras as

intenções de Pedro, mas ainda assim, nunca me despertaram

nada. Mesmo os caras que já me despertaram algum interesse,

não pareceram de fato uma boa escolha depois de uma noite.

De repente, lembranças me acertaram. As mãos dele no

meu cabelo. O olhar profundo no meu. A forma como a pele dele

encontrava a minha...

— Sua vez!

O grito de Lisa me fez piscar algumas vezes e me mover,

saindo de perto de Pedro e indo até o palco. Escolhi a música, a

de sempre, e que infelizmente, me lembrava dele. Sabia que a


cachaça ajudava de vez em quando, mas daquela vez, minha

coisinha seria meu equilíbrio. Um gole de água e as palmas

exageradas dos meus colegas e amigas, entre as mesas


espalhadas pelo bar, tinham que bastar.
E que as lembranças com Tadeu se dissipassem como a

música...

“Ah, esse tom de voz eu reconheço

Mistura de medo e desejo

Tô aplaudindo a sua coragem de me ligar

Eu pensei que só tava alimentando

Uma loucura da minha cabeça

Mas quando ouvi sua voz, respirei aliviado...”[27]

TADEU

Eu tentei ligar, mas foi em vão. Contudo, assim que desci

do carro, eu sabia exatamente onde ela estava. Sabia que era o

karaokê, mas apenas de músicas sertanejas e eu reconheceria a

voz dela, em qualquer estilo musical que fosse.


Assim que cheguei à entrada, tive um vislumbre dela, mais

ao fundo, do lado oposto do balcão de bebidas, e em frente a


várias mesas. E foi como se tudo o que vivemos até ali, passasse

por minha mente. Mesmo que fosse pouco. Mesmo que fosse

nada. Ainda assim, por alguns segundos, eu podia me iludir, que


era para mim.

“Tanto amor guardado tanto tempo

A gente se prendendo à toa

Por conta de outra pessoa

Só dá pra saber se acontecer...”

Seu olhar chegou ao meu, assim que me aproximei mais,


como se ela soubesse exatamente onde eu estava. E

surpreendendo-me, ela não desviou o olhar ou disfarçou, ela

apenas continuou a cantar – me olhando. E eu queria apenas

tomá-la nos braços e trazê-la para mim.

“E na hora que eu te beijei

Foi melhor do que eu imaginei


Se eu soubesse tinha feito antes

No fundo sempre fomos bons amantes

No fundo sempre fomos bons amantes

É o fim daquele medo bobo

É o fim daquele medo bobo...”[28]

Palmas soaram ao redor pela nota máxima que ela

conseguiu, deixando-me anestesiado. O seu olhar então saiu do

meu, e eu a vi sendo abraçada pelo mesmo cara que a convidou


para estar ali. Senti o nó na garganta e dei um passo à frente,

mas senti uma mão de leve sobre o meu braço.

— Ela não vai gostar. — ouvi a voz de minha cunhada, que


trazia uma latinha de cerveja consigo. — Ela está confusa com

muitas coisas, te ver com ciúmes não vai ajudar.

— Eu não... — suspirei fundo, me calando.

Era horrível quando se tratava de Valéria e toda a


ansiedade que me tomava, porque eu esperei por tanto tempo,

que ali, parecia um adolescente perdido.

— Não precisa se explicar para mim. — piscou um olho, e

me estendeu uma latinha de cerveja fechada. — Bebe com a


gente.

— Eu acho que ela não vai me querer por perto... Posso


esperar mais no fundo ou no carro.

— Ou pode ir beber com meu irmão! — olhei-a sem

entender, e então senti-a dar um pulo para o lado, e Inácio Torres

trazia consigo a carranca de sempre.

— O que faz aqui, velho? — a esposa dele perguntou,

claramente confusa.

— Olívia disse que tinha uma emergência, e como estava

no centro... — deu de ombros. — O que foi?

— Te chamei para fazer companhia ao Tadeu. — olhei para

minha cunhada incrédulo. — Sabia que não ia aceitar beber, e

como seus irmãos não estão aqui...

— Não precisava disso.

— Ah, vão logo. Porque essa competição de quem fica

mais sério por mais tempo tá me cansando. — Lisa alfinetou ao

passar, e Inácio apenas piorou a carranca.

— Vamos beber, mas no bar daqui. — falou, e notei Maria

Beatriz revirar os olhos. — Não seja uma criança.

— Não me force a te fazer cantar na frente de todos.


— Você canta? — perguntei, claramente surpreso.

Ele apenas fez um sinal com o chapéu branco na cabeça,

me indicando o bar, e o segui.

— Uísque? — indagou, e eu assenti, sentando-me na


banqueta ao seu lado.

Ele fez os pedidos, e apenas aguardei. Felizmente, o mais

velho dos Torres era ainda mais fechado que eu, e seu silêncio

era algo com que me acostumei facilmente.

— Olívia não devia ter te falando para vir. — falei, ao tomar

um gole e ele balançou a cabeça, colocando o chapéu sobre o

balcão.

— Ela só está sendo cuidadosa, vai se acostumar. — olhei-


o com atenção. — Ela é assim, cuida de todos nós. Até eu, que
sou o mais velho.

— Irmãos são assim, né?

— Pois é. — negou com a cabeça, e notei um sorriso fraco


em seu rosto. — Eu me surpreendi quando apareceram na minha
casa dias atrás, com Valéria me contando da gravidez... Sabe,

desde que ela apareceu, eu gosto dela. Ela me lembra Bruno,


sempre disposta a fazer uma piadinha sobre algo, ou sempre
sorrindo sobre tudo, mesmo que não tenha graça nenhuma. Ela
pareceu perdida por um longo tempo, mas depois de um ano, a vi
solta, nos almoços em família com a gente, conversando, e

principalmente, próxima da minha irmã. Eu não olho para ela e


vejo alguém que eu aceite ser machucado. Não ela, Reis. E
espero que esteja sendo claro aqui.

— A vê como sua família? — indaguei, e meu olhar correu


o lugar, e de repente, os olhos dela estavam nos meus. Como se
estivessem exatamente onde deveriam.

— E você, como a vê? — perguntou, mas não consegui

desviar o olhar da mulher que parecia tão linda em um vestido


preto, que deixava seu cabelo ruivo ainda mais em destaque. As
sardas em seu colo, e os meus pensamentos naquela noite, em

como pude contar cada uma delas... — Entendi.

Pisquei algumas vezes e então notei que Inácio deveria ter


seguido meu olhar, e entendido o que quisera.

— Apenas seja cuidadoso. — olhei-o e assenti. — Não sei


o que tem, mas o jeito que ela te olha não é como alguém que se
permite ser machucado, mas ainda assim, pode ser, por você.
Guardei suas palavras e procurei-a novamente,
encontrando-a rindo ao lado das amigas, e bebendo água. Não
pude evitar o sorriso que veio ao meu rosto – por isso, agarrei-me

aquela música, aquele olhar e aquela observação. Um pedaço de


mim, poderia dormir bem naquela noite.
CAPÍTULO XV

“Você deveria saber das consequências

Do seu poder magnético

Ser um pouco forte demais” [29]

VALÉRIA

— Por que não quer dormir em casa? — perguntei, talvez

pela terceira vez e Olívia riu de lado.

— Porque prometi visitar Júlio hoje, e se eu não for, ele vai

dizer pela milésima vez que troquei ele por você. — revirei os
olhos, e poderia muito bem imaginar seu irmão dramatizando
assim. Ela me abraçou e sussurrou rapidamente: — Ele tá um

gostoso.

— Olívia...

Ela riu ao se afastar, correndo até o carro do irmão mais

velho, que me deu um leve aceno ao apertar o chapéu de cowboy,


e escoltar a esposa um pouco bêbada.

Sorri, dando um leve tchau para as meninas que dormiriam


na casa de Júlio também, mas iriam no carro de Abi, que foi quem

nos trouxe.

— Pronta? — Pedro perguntou, e eu agradeci aos céus por

ele estar um tanto bêbado e eu não ser sem educação ao negar

que me deixasse. Os olhares dele a noite toda diziam uma história


diferente sobre o que queria de fato. — Posso te levar em casa,

patroa.

— Eu já tenho carona. — sorri, e me afastei levemente. —

Obrigada pela noite.

— Poderia ser ainda melhor, não acha? — indagou, em um


tom que deveria funcionar para com muitas mulheres, mas

comigo, absolutamente nada. Nem mesmo sem o olhar de Tadeu


Reis me queimando, muito menos ali, passando exatamente por
aquilo.

— Amigos, lembra? — sussurrei e ele me deu um sorriso


triste, mas assentiu. — Desculpe. — ele então passou os braços

ao meu redor e eu aceitei, dando-me um leve aperto. — Vá de

carona, certo?

Ele deixou um beijo na minha testa, e eu sorri, porque


agora, ele parecia entender. Ou não. Porque não era a primeira

vez que era concisa sobre o que éramos, mas ele ainda insistia.

Dei-lhe as costas, e me surpreendi ao notar que Tadeu já

estava alguns passos mais próximo.

— Não preciso de segurança. — falei, ao parar à sua


frente. — Mas também não queria incomodar ninguém mais para

me levar, então... é por isso que estamos indo juntos.

Mal o olhei, e foi o melhor que fiz. Mesmo quando abriu a

porta do carona, fazendo-me revirar os olhos para o

cavalheirismo, apenas foquei em qualquer outro ponto do espaço,

menos nele.

Evitá-lo era o melhor caminho, certo?


Assim que ele se sentou ao meu lado, e o tempo foi

passando, ficou impossível ignorar o quanto estar perto dele, me


trazia o reconhecimento que eu gostaria de negar. Mesmo em um

bar lotado, meus olhos encontraram os dele toda a vez que


apenas pensei em buscá-lo, e sempre no exato local. Era sempre
assim. Desde os quinze, e ali, anos depois, era como se estivesse

presa em uma ilusão.

Uma ilusão que consistia naquele carro sendo uma barreira

contra o mundo real, e meu corpo sentindo-se à vontade para


querer o dele, mais uma vez. Pare com isso! Contudo, meu olhar

foi diretamente para ele, e encontrei-o dirigindo com apenas uma


das mãos.

As mangas da camisa social branca para cima, marcando

os antebraços. Botões abertos em seu peito, como se tivesse


tirado a gravata de qualquer jeito. Desci o olhar, e encontrei a

calça social preta que não deveria ficar tão bonita em alguém,
mas nele...

— Por que não coloca uma música? — indagou de


repente, e desviei o olhar, como se tivesse sido pega. Sua voz

estava em outra nota, e engoli em seco. Ele sentia aquilo


também?
Mexi rapidamente no painel e quis esmagar Carolina, por

novamente estar na playlist dela. Ao menos, eu acreditava que


era. Por que Wildest Dreams teria que tocar justamente naquele

segundo?

“Eu disse: Ninguém precisa saber o que fazemos

As mãos dele estão no meu cabelo

As roupas dele estão no quarto

E sua voz é um som familiar

Nada dura para sempre

Mas isso está ficando bom agora

Ele é tão alto e bonito pra cacete

Ele é tão mau, mas ele faz tão bem...”[30]

Bati no painel a fim de desligar, porque aquilo estava me

sufocando. Cada lembrança. Cada palavra. Cada momento. Uma


única noite e eu estava arruinada. E quando o silêncio voltou e ele

apenas parou o carro de repente, fiquei perplexa.


Ele me olhou. Eu o olhei.

Ele então apenas saiu, deixando-me em alerta ao bater à

porta. Notei-o passar as mãos pelos cabelos, e abrir outros botões


da camisa, como se estivesse sufocado. Prendi o ar, e vi-me
apenas abrindo a porta. E ali novamente, quando parei a frente

dele, senti a química explodir.

E não sabia como, mas em dois segundos, eu estava


pronta para cometer outro erro.

Seu corpo levantou o meu, e senti seus lábios nos meus.


Tudo naquela história poderia ser errado. Eu era errada. Ele era

errado. Meu amor era errado. Mas aqueles lábios nos meus
poderiam ser o próprio inferno, e eu estava gostando de me

queimar.

Uma das mãos presa ao meu cabelo, outra em meu

pescoço, prendendo-me como queria e desejava ao seu beijo.


Enquanto minhas mãos se espalhavam por debaixo da sua

camisa, trazendo-o para mais perto, como se fosse impossível me


afastar. Puxei o ar com força, quando sua boca se separou da
minha, apenas para respirarmos, e seus olhos pararam nos meus.
— O que estamos fazendo? — ele perguntou, e senti sua
testa na minha.

— Eu não sei. — admiti, e só então percebi que estava


sobre o capô do carro, com ele ao meu redor. — Acho que... Que
estamos confundindo tudo? — perguntei, respirando fundo, mas

minhas mãos estavam ainda contra a sua pele, e eu sentia cada


pequeno arrepio que se passava por ele. — Desde quando se
sente assim? — eu tive que perguntar, sem conseguir evitar, e

seu olhar encontrou o meu.

— Assim como? — indagou, e eu tirei minhas mãos


debaixo da sua camisa, e levei uma delas até seu rosto,

descendo um dedo levemente pelo seu pescoço, e vendo seus

pelos se eriçarem.

— Assim.

— Desde... — suspirou fundo, e me encarou como se não

pudesse ser sincero. — Desde aquele esbarrão, naquela festa.

— Qual? — perguntei, completamente perdida, ou melhor,

duvidando que eu pudesse entender de fato.

— Está frio. — falou, mudando por completo seu

semblante.
Vi-o se afastar, abrir a porta de trás do carro e depois voltar

até mim. Ele colocou o sobretudo que nem sabia que tinha ao
meu redor, e senti vontade de socar aquela cara linda.

Por que ela tinha que ser tão linda?

— Podemos conversar melhor na sua casa. — assenti,


sentindo-me negada, e desci rapidamente do capô.

Talvez eu estivesse criando coisas onde não tinha. E Tadeu

não era novo naquele jogo. Não... Nem mesmo eu. Mas quem

poderia negar aquela química? Como poderia?

Assim que me sentei, senti a mão dele livre vir para a

minha coxa, não tão exposta devido ao vestido longo, mas ainda

assim, de tecido tão fino, que era como se eu pudesse sentir sua

pele na minha. Ele deu um leve aperto e afastou o toque, como se


aquele fosse um recado. E eu não compreendia.

Nada. Absolutamente nada se passava por minha mente.

Desde quando Tadeu Reis era atraído por mim? E desde


quando eu caía como um patinho em qualquer jogo de sedução?

Merda!

— São os hormônios. — soltei, minutos depois, assim que

já chegávamos próximos a fazenda. — Desculpe por te atacar


assim.

Senti seu olhar sobre o meu corpo todo, e cada célula

minha gritou. Eu era boa em me armar, e então apenas virei o

rosto e dei um falso sorriso, como se explicasse tudo. Como se


aquela desculpa fosse o suficiente.

— Não é como se eu não quisesse...

— Mesmo assim. — cortei-o, e limpei a garganta. — Se eu


estivesse normal, isso não aconteceria.

— Assim como na noite em que fizemos o nosso filho?

— Detalhes de uma noite em que estávamos no meio do

nada, bebendo e falando sobre aleatoriedades... Acontece. — dei


de ombros, como se fosse simples assim. Mas a realidade era

que guardava aquela noite dentro de uma caixinha de sonhos em

meu peito. Eu era patética fingindo, na realidade. — Enfim, na

vida real, no meu dia a dia, se não fosse pelos hormônios, não
estaria fazendo isso.

— Ok.

Ele então se calou, e eu escolhi o mesmo caminho. Eu


calada era uma preciosidade, como diria meu irmão mais velho.

Porque falando, ou eu dava cinco voltas em um assunto ou me


perdia por completo nele. E não me permitiria perder em um

assunto como aquele com Tadeu. Porque já bastava meu corpo


energizado e meus lábios inchados.
CAPÍTULO XVI

“Aquela velha e familiar dor corporal

Os estalos das mesmas pequenas rupturas

Dentro da minha alma

Eu sei quando é hora de ir” [31]

VALÉRIA

— Entregue. — Tadeu falou, assim que eu pisei na varanda


da casa, e senti seu olhar sobre mim. — Passou mal hoje?

— De manhã, mas só náusea. — levantei as mãos aos


céus, virando-me para encará-lo. — Na próxima consulta, já vou
perguntar sobre isso. Se posso comemorar porque não vai ser tão

constante.

— Aliás...

Seu olhar parou na minha barriga e notei a forma como sua

mão vacilou, como se quisesse me tocar, mas soubesse que era


um limite pré-estabelecido. No caso, que limite era aquele que me

fez agarrar-me a ele no capô de um carro? Hormônios, Valéria!

Contando aquela mentira para mim mesma, mil vezes, até ela se
tornar real.

— Ficou de me passar os dias e horários das suas


consultas. — assenti, porque era verdade, e eu me esqueci por

completo.

— Aconteceram tantas coisas nos últimos dias... Deixa eu

só pegar aqui no celular e te enviar o arquivo que a clínica me

enviou. — peguei meu celular na bolsa e então vi que a bateria já

era. — Preciso colocar no carregador.

Destranquei a porta e entrei, encontrando meu carregador

jogado no sofá, como sempre, e o conectei na tomada mais

próxima. Notei que Tadeu permaneceu do lado de fora, como se


esperando que o convidasse, e uma parte de mim se sentiu mal
por saber que ele realmente estava tentando não me incomodar,
e outra, riu perversamente, porque era como se eu estivesse no

controle na situação.

Primeiro, que eu sequer entendia a situação ainda.

Segundo, que eu não tinha controle sobre nada.

Menos de um minuto e o celular ligou, e rapidamente

procurei o arquivo pra lhe enviar. Encaminhei a mensagem, e

sorri, levantando-me. Ele permanecia no mesmo lugar, encostado

no batente, com aquela carinha de quem estava me desafiando a


deixá-lo entrar. Não que fosse um real problema, oferecer-lhe uma

noite ali. Mas eu sabia que uma noite, debaixo do mesmo teto que

ele, poderia me deixar ainda mais confusa do que já estava.

— Deixei o celular no carro. — avisou, e eu assenti,

chegando próxima à porta. — Se precisar de qualquer coisa,

basta me ligar ou mandar uma mensagem.

— Eu estou bem. — assenti. — No caso, estamos bem. —

levei uma das mãos à barriga e passei de leve. — Coisinha

linda... — sussurrei, tão baixo, que era como se fosse apenas

naquela frequência que meu filho pudesse ouvir.

— Coisinha?
A pergunta de Tadeu fez com que sentisse minhas

bochechas quentes, e levantei o olhar, ainda com a mão sobre a


barriga.

— Foi o primeiro apelido que me veio em mente, e ficou...


Não é o mais bonito, mas acho que nosso filho gosta. — dei de

ombros. — Chame de instinto materno.

Ele então abriu um sorriso que poderia parar uma cidade


inteira, apenas para olhá-lo, o que teve exato efeito sobre mim.

— Fico feliz que esteja feliz. — olhei-o sem entender. —


Pode ser estranho, mas eu entendo quando o assunto é temer ser

como aqueles que a gente mais temeu um dia. — então, lembrei-


me da conversa breve que tivemos dias antes, quando ele

apareceu ali e descobriu sobre a gravidez. Sobre como ele


parecia preso a alguma coisa. E talvez fosse aquilo. Talvez fosse
aquele medo.

— Parentes ruins fodem a cabeça da gente, né? — ele


assentiu, e seu sorriso se desfez aos poucos, como se ele

estivesse longe dali. — Por isso, sempre bom ser alguém que
quebra o ciclo.
Dei um passo à frente, e segurei sua mão livre, trazendo-a

para a minha barriga. Não o olhei de imediato, e apenas


permaneci aceitando aquele toque, que parecia tão certo.

— Podemos ter um passado torto, um reencontro meio


sem sentido, e eu confesso que pareço ser a mais perdida em

tudo isso, porque eu não esperava que minha vida estivesse


exatamente assim... — levantei o olhar, e encontrei o seu. — Mas

isso é real. — espalmei sua mão na minha barriga, com a minha


sobre a dele. — E a gente pode se detestar, ou o que seja, mas
não aceito que sejamos menos que tudo de nós para essa

criança.

— É um juramento? — perguntou, e eu dei de ombros,


sorrindo.

Com ele, parecia simples assim. E eu queria dizer que era


apenas aquele juramento que gostaria de guardar.

— Podemos pensar em como nosso pacto de pais de

primeira viagem? — ele assentiu, e sua mão permaneceu no


mesmo lugar, como se temesse que eu o afastasse. — Feito? —
estiquei a minha mão livre para a dele, que apertou a minha, e

logo a trouxe para a minha barriga também. — Feito. — ele


assentiu, e o sorriso que havia sumido, retornara. Notei a
expressão que brilhava em seus olhos, como se aquele momento
fosse mágico.

E ele era.

Porque pela primeira vez, em anos, eu não enxergava


Tadeu Reis como alguém que eu amava ou deveria odiar. Não. Eu

o enxergava. Eu o compreendia em um medo. E quando seus


olhos marejados pararam nos meus, soube que ele tentava me
compreender também.

TADEU

Passei os últimos minutos apenas em um vórtice.

Relembrando sem descanso a sensação de estar tão próximo do


meu filho ou filha, ou melhor – a nossa coisinha – do que jamais
imaginei. Valéria Fontes ainda era uma incógnita, e eu não

conseguia tirar o sorriso do rosto.


Porque ao mesmo tempo que ela me repelia, ela parecia
me puxar para si. Porque ao mesmo tempo que eu imaginava que
ela me condenaria para sempre, ela me compreendia. A gente era

uma bagunça, mesmo que a gente não existisse de fato.

A música embalava o caminho, e eu sabia o que deveria

fazer.

Era o primeiro passo a tomar, para que eu pudesse estar


de fato livre e libertá-la – quando ela escolhesse – daquele

passado. Não que pudesse ser esquecido ou abafado. Talvez,

Valéria nunca me olhasse como de fato eu gostaria. Mas eu sabia


que não podia mais me negar a chance de tentar. No momento

certo, ter a chance de lhe contar o meu lado da história.

Não era o mais bonito. Não era o mais conclusivo. Mas

ainda assim, eu precisava que aquilo acontecesse. Era uma forma


de cuidar dela também. E eu sabia que fazia aquilo muito mais

por ela, do que por mim.

Na realidade, sentia-me um covarde por nunca ter aberto

de fato. Mas eu não tinha um porque que me fizesse enfrentar o


medo de perder aquilo que mais amava. Mas ela... Ela me

encorajava. Mesmo sem saber. Mesmo sem que pudesse

entender.
Talvez um dia, ela entendesse.

Mandei uma mensagem, cerca de cinco minutos antes de


chegar, e assim que estacionei o carro, encontrei o vislumbre de

meu irmão na varanda, com uma caneca, que deveria ter café.

Ele fez um aceno com a mão, antes mesmo de eu estacionar, e


respirei fundo, talvez mais do que dez vezes, antes de descer do

carro.

Entretanto, sabia que já tinha adiado mais do que o tempo

necessário. Para que eu mesmo aceitasse o que fiz, e as


consequências que viriam. Então quando vi Murilo com um leve

sorriso no rosto, que depois de encontrar sua família inesperada,

não saía de sua face, eu soube que ele merecia.

Merecia a verdade, da pior versão de mim.


CAPÍTULO XVII

“Estou indo com calma, indo com calma

Porque você tirou tudo de mim

Te observando sair, te observando subir

Em cima de pessoas como eu” [32]

VALÉRIA

Quartos vazios agora eram quartos ocupados por um


enxoval completo, e talvez mais do que um. Suspirei, ao fechar a

porta e não conseguir acreditar de fato que os Reis estavam tão

animados com o sobrinho. Que Tadeu estivesse tão animado para


ser pai.
Peguei meu celular no segundo seguinte e disquei o

número de Gael, esperando que daquela vez, ele tocasse.


Contudo, como sempre, apenas a caixa-postal. Olhei para o

número de Paola e de Henrique, e segurei as lágrimas, querendo

ligar para eles.

Eu queria tanto... tanto poder falar com eles. O aniversário

de Paola estava chegando e só conseguia pensar no quanto


gostaria de estar lá. Mas eu tinha um acordo e uma promessa a

serem cumpridos, e aquilo me matava por dentro. E me matava

porque eu precisava saber o que estava acontecendo, e do que


exatamente ela sabia.

Batidas na porta me fizeram guardar o celular rapidamente,

e desci as escadas com cuidado, sentindo-me uma criança ao


lembrar que estava seguindo as ordens de Tadeu sobre aquilo.

Que diabos estava me acontecendo?

Assim que abri a porta, não pude disfarçar minha surpresa

ao encontrar Verônica Reis. Sabia que cedo ou tarde, ela

apareceria, mas não imaginei que viesse completamente sozinha.

Olhei ao redor, como se buscando a trupe toda, mas não os

encontrei.

— Sinto que não é um bom momento.


Engoli as lágrimas e neguei com a cabeça, dando-lhe
espaço para entrar.

— Acho que é sobre o seu sobrinho? — indaguei, e ela me


surpreendeu ao encarar minha barriga de forma breve, ao passar.

— Eu não sei o que Tadeu ou os outros falaram, mas... estamos

bem.

— Na verdade, eu estou aqui tanto para te dar parabéns,


quanto para lhe contar algo importante, sobre os Fontes.

Fechei a porta, e lhe indiquei o sofá de imediato, sentindo-


me deslocada. Apenas aquele sobrenome, me fazia lembrar que

eu não poderia voltar para casa. Porque minha casa não poderia

ser mais minha.

— Eu não tenho contato com eles há muito tempo...

— É sobre uma proposta de casamento. — olhei-a sem


entender, já levando a mão à barriga. — É sobre Paola. Eles

tentaram vendê-la para os Reis.

— O quê? — minha voz quase não saiu.

— Eles me procuraram, a levaram para que eu avaliasse...

— fez aspas com as mãos. — Não sei a fundo o que sabe sobre

os Reis, mas não fazemos isso. Não mais. — assenti, ouvindo-a


com cuidado. — Mas isso me alarmou e pesquisei sobre...

Descobri que estão tentando negociar com uma outra família, e


com um homem trinta anos mais velho que ela...

— Não... Hellen não pode fazer isso, nós temos um


contrato, nós...

Eu estava tão assustada, que as palavras pularam de

minha boca.

— Eu consegui chegar ao contrato de vocês. — olhei-a

ainda mais surpresa. — Ele é simplório, para ser exata. Com o


dinheiro que Hellen vai ganhar com a venda da sua irmã, ela

consegue pagar a multa milionária e ainda continuar milionária.

— Isso não é possível! Nós estamos no século XXI...

— Sei que não é o melhor a se contar, mas pensei que


merecia saber. — olhei-a com cuidado e assenti. — Não sabem

sobre sua gravidez, e tomarei cuidado para que não descubram.

— Verônica... — ela me encarou, claramente atenta. — O


que eu posso fazer?

— Tadeu tomou a dianteira sobre. — olhei-a sem entender.


— Ele ofereceu um emprego irrecusável para sua irmã, na nossa
filial no exterior, e digamos que Hellen está atenta, acreditando

que ele tem interesse em Paola.

— Ele... Ele não me disse nada.

— Ele nem vai dizer. — olhei-a perdida. — Ele tem medo


de te contar as coisas e te fazer passar mal, digamos que Tadeu é

muito cauteloso, ainda mais, quando se importa com algo.

— Mesmo assim, não posso deixar que minha irmã fuja

para sempre... — e agora a fala dela ao telefone me fizera ainda


mais sentido. — O quanto ela sabe sobre?

— Pelo que consegui conversar com ela a sós, descobriu


recentemente sobre o contrato que você assinou aos vinte anos.
— suspirei fundo, sentindo-me mal. — Eu só estou te contando

isso, porque Paola me pediu, e eu sei que merece saber.

— Não precisavam ter que se preocupar com isso... — dei

algumas voltas pela sala. — Eu... Eu não sei o que dizer,


Verônica.

— Eu acho que as coincidências na vida, não devem ser

ignoradas. — olhei-a com cautela. — Os Fontes terem me


procurado justo agora, pode ser um aviso para ter cuidado. E não

vamos deixar que isso te afete, e ao seu filho e de Tadeu.


— Mas até quando vamos levar isso? — indaguei, e ela
deu de ombros. — Eles estão bem? Meus irmãos, quero dizer...
Eu precisava falar com Gael.

— Tadeu está fazendo tudo o que pode para chegar até


ele. — olhei-a perplexa. — Olha, eu sei que não são um casal e

acredite, não estou te dizendo isso para pressioná-la sobre. Nem


Tadeu vai fazer.

— Eu... Minha família é baseada em dar para receber,

sempre. — engoli em seco. — Por isso os filhos se tornaram


transações bancárias.

E então, eu me vi presa àquele passado. De como Hellen,


que era a irmã mais velha do meu pai, tomou as rédeas da

família, já que meu pai perdeu os direitos de todos nós e dos


bens, por estar internado em uma clínica. E mesmo quando ele

era liberado, ele sempre tinha uma recaída, que o levava a


agredi-la, não importava onde ela estivesse.

Meu pai nunca mais foi o mesmo depois que minha mãe
faleceu no parto de Paola. E a culpa que ele despejara sobre nós,
já que éramos a lembrança no dia a dia de como nossa mãe era,

principalmente minha irmã mais nova, nos assolou por anos.


Ainda me atingia.
Contudo, fiz o máximo que pude, junto a Gael, para mantê-
lo longe. Mantê-lo em segurança e deixar Paola em segurança
também. Depois de tantas agressões contra Hellen, nunca

saberia quando ele seria capaz de fazer algo contra a nossa irmã
mais nova.

Ele já tentou contra Gael, que não aceitou. O fez com


Henrique, que nunca mais o procurou. Tentou comigo, que
apenas segurei sua mão e lhe dei as costas, enquanto ele caía de

bêbado na sala de estar. Na sala de estar onde nossa mãe

costumava nos presentear com mangás e nos fazer ler um pouco


a cada dia.

Hellen nunca reportou à polícia as agressões, na realidade,

ela as usava a seu favor, para continuar dominando as ações na

empresa da família. Ela o fez até Gael completar dezoito, e exigir


seu lugar, que posteriormente seria de Henrique. Mas ainda

assim, com as ações da parte do meu pai, ela era maioria. O

conselho a adorava, e sabia bem o que eles queriam – que a


Fontes Distribuidora lucrasse.

Contudo, quando eu cheguei à maioridade, a conversa era

outra. Homens Fontes compravam suas esposas. Mulheres

Fontes eram vendidas como esposas. Eu me lembrava daquele


slogan, que Hellen utilizava desde quando eu tinha doze anos,

como se fosse o seu orgulho. A questão era que aquela tradição


arcaica, ela levava à frente, simplesmente, pelos negócios. E era

óbvia a repulsa de grande parte das pessoas, mas ainda assim,

existia um lado na elite que adorava tais acordos.

Sem sentimentos. Apenas dinheiro. Tudo resolvido.

Quando eu ouvia toda a história de algumas pessoas da

minha própria família, até mesmo, a história de Hellen, eu sentia

como se fosse vomitar. Minha própria mãe, que foi vendida a um


casamento com meu pai. Porque era para ser usada como moeda

de troca, e manter um sorriso no rosto. E era uma lavagem

cerebral perfeita, sobre a vida perfeita com tudo o que o dinheiro


pudesse comprar, mas onde nada era real.

Levei a mão à barriga, apegando-me a coisinha que estava

ali, dentro de mim – mostrando-me que eu não era como eles. Eu

tinha seguido outro caminho. Eu tentei proteger Paola, e mesmo


que quase falhando, tive a sorte do destino me ajudar, e os Reis

estarem no meio daquela tentativa de transação.

— Paola faz aniversário em poucos dias... — suspirei


fundo, e senti o olhar de Verônica sobre mim. — Acha possível eu

encontrá-la? Antes que ela vá para o exterior?


— Eu imaginei que me perguntaria isso, então... — ela

pegou seu celular e discou algo, levando-o à orelha. — Tudo

certo? Sim, eu te mandei a localização. Quanto tempo? Estou


esperando.

— O que está acontecendo? — perguntei, completamente

perdida.

— Quis trazer o assunto com calma, para caso passasse


mal, a gente esperasse um pouco mais...

— Esperar o quê?

Ouvi então o barulho na porta da frente, e meus olhos

pararam nele. Arregalei os olhos de imediato, ao notar a mulher,


no rosto da menina doce que eu nunca esqueceria – Paola. A

nossa estrelinha.

— Tin tin?

As lágrimas vieram com força e todos aqueles anos longe,

fugindo, para que ela pudesse ser livre, vieram. Corri até ela, que

veio para os meus braços, e fez-me quase desabar. E de repente,

sentia uma peça do nosso quebra-cabeça se encaixar.


CAPÍTULO XVIII

“Porque eles dizem que lar é onde seu coração está gravado” [33]

VALÉRIA

— Eu sinto muito. — falei, tocando seus cabelos, sentindo

as lágrimas descerem. — Eu senti tanto a sua falta... — agarrei-

me a ela, como se minha vida dependesse daquilo.

Abri os olhos apenas para procurar Verônica e agradecer,


mas então, não a encontrei mais ali, mas sim, Henrique parado no

batente da porta. Não demorou para ele logo estar ao nosso

redor, e meu coração estava em três quartos, quase completo.


Não saberia dizer quantos minutos passaram, mas quando

me afastei, encontrei-os ainda ali, e era tão bom que não fosse
apenas mais um sonho.

— Vocês estão tão grandes... — falei, e mesmo que a


diferença de idade para Rique fosse de apenas três anos. Ainda

assim, existia uma década para com Paola. — Tão bonitos... —

sorri de lado, fazendo uma careta. — Pareço uma velha falando


assim.

— Você continua como me lembrava, só que tem algo

diferente. — Henrique falou, tocando meu rosto e olhando-me por

inteira. — O que eu estou perdendo aqui?

— A gente não sabe o porquê de estarmos aqui, pra

sermos exatos. — Paola falou e a encarei sem entender. — Sim,

eu implorei para que a senhora Reis me ajudasse, mas ainda

assim, não pensei que ela iria tão longe... — olhou-me


atentamente, e então, puxei-os pelos braços, levando-os até o

sofá, fazendo-os se sentar. — Como você está, tin tin?

— Em choque. — admiti, sentando-me no tapete, e

cruzando as pernas abaixo das roupas largas que eu usava,

geralmente, o par perfeito de uma camiseta e calça de moletom

para dormir. — Nem acredito que estão aqui... — toquei a mão de


cada um, olhando-os sentados naquele sofá. O sofá que foi a
primeira coisa que eu comprei com meu salário. Mesmo que a

casa já viesse mobiliada, eu sempre sonhei que um dia,

conquistaria o tão sonhado sofá e poltrona confortáveis, parecido

com o que tínhamos quando crianças.

Éramos ricos, desde sempre, mas aquele dinheiro nunca

nos pertenceu. A realidade era que todos nós estávamos presos

ao que Hellen demandava, porque não admitíamos que a

empresa que a nossa mãe salvou da falência, e que deveria ser o

seu legado, mesmo não tendo seu sobrenome, não lhe


pertencesse mais. E era assim que Hellen conseguiu nos

comandar por tanto tempo.

Queria acreditar que tinha acabado. Mas ainda estávamos


longe daquilo, já que ainda faltava um de nós.

— Gael? — indaguei, e notei os olhares de ambos

mudarem.

— Faz dois anos, desde que consegui contato... Eu não sei

de verdade, onde ele se perdeu ou o que está fazendo. Mas da


última vez, ele quase quebrou a casa inteira, de tão revoltado que

estava. — fechei os olhos, sentindo-me afundar. — A gente sabe

que ele teve que aguentar sozinho por muito tempo.


— Sinto falta dele. — admiti, e segurei as mãos deles com

forças. — E vocês? Como estão se sentindo?

— Aliviada. — Paola falou. — Quando me ligou aquele dia,

eu achei que fosse algum sinal, de que os papéis que Rique e eu


descobrimos, que Hellen esconde a sete chaves, tinham a ver

com você e Gael. — suspirou fundo. — Me sinto presa em um


dorama, e não um feliz, desde muito cedo...

— Mas agora vai conseguir fugir disso, por um tempo... —

suspirei fundo. — Vou achar um jeito de pararmos isso, mas eu


preciso encontrar Gael. Todos nós temos que entrar nessa briga,

juntos... Eu achei que te mantendo a salvo de ser uma mercadoria


para eles, seria o bastante. Mas isso apenas nos arruinou. Ainda
mais depois que Gael partiu, a gente ficou tão perdido...

— Eu tenho tentado aprender tudo o que posso nesses


últimos anos. — Rique falou, e o encarei. — Acho que temos tudo

para conseguirmos retomar o nosso lugar, e dar um basta em


Hellen.

— Mas isso ainda não explica porque os Reis nos


ajudaram. — e eu tinha me esquecido que minha irmã mais nova

era perspicaz e não deixava nada passar. — Tadeu, que nunca


nem falou comigo além de acenos breves, praticamente declarou
que me deu o emprego por algum motivo. Hellen ficou no céu,

Henrique chocado e eu, bom, não entendi nada, até acreditei que
era verdade... Só que Verônica me falou sobre você e aqui

estamos.

— Eu não sei como explicar isso sem ser direta. — admiti,

e os dois me encararam com cautela.

Levantei-me, afastando sem a mínima vontade as minhas


mãos das dele. Virei-me de lado e apertei a camisa contra o meu

corpo, marcando perfeitamente a barriguinha de grávida ainda


pequena.

— O quê?

O grito de ambos foi como um alívio, e eu apenas abri os

braços.

— Surpresa. — falei, sentindo-me um pouco acanhada. —

Eu e Tadeu nos envolvemos, e bom, estou grávida dele. — fechei


os olhos com força, querendo esquecer aquela parte. — Eu disse

a ele, assim que descobriu que não poderia deixar minha família
saber, porque eu sabia que isso geraria um casamento de

imediato na cabeça de Hellen... E eu não poderia me casar, de


forma alguma, se não isso quebrava o contrato que assinei com
ela. E, bom, não sei ao certo como chegaram em tudo isso.

— Eles estão te protegendo. — minha irmã se levantou e


veio até mim. — Protegendo vocês... — sua mão então veio para
minha barriga, e as lágrimas já vieram com força. — Um ou uma

mini tin tin. — ela então me abraçou com força e sorri em meio às
lágrimas.

— Não acho que te vi chorar tanto até hoje... — Rique

provocou e parou ao meu lado, afastando Paola. — Parabéns,


irmã. — ele então tocou minha barriga, e eu assenti, em meio às

lágrimas.

— Os hormônios e tudo isso, está me matando. — admiti.

— Faz o quê? Uma semana que Tadeu descobriu sobre a


paternidade e tudo entrou numa espiral...

— Mas espera aí! Está de quanto tempo?

— Três meses, indo para o quarto. — ela arregalou os

olhos, assim como Rique. — Ia esconder a gravidez dele?

— Bom, não é como se a gente fosse um casal. — mordi o


lábio inferior e senti os olhos julgadores deles. — Parem de me
olhar assim! — bati no braço de cada um, e eles riram. — Ainda
sou mais velha que vocês!

— Dá pra ver por essa olheira aí. — ela alfinetou,


apertando minha bochecha, e eu peguei a almofada do lado e bati
diretamente no seu peito.

— Algumas coisas nunca mudam. — Rique falou, enquanto

eu sentia Paola tentar fazer cosquinha em minha barriga e


braços, e eu corri até ele, tentando me esconder. — Ainda

continuo o mais alto.

— Deixa Gael ouvir isso. — puxei suas orelhas, e ele


praticamente gemeu de dor, virando-se para me atacar, assim

como nossa irmã.

De alguma forma, eu parei no tapete, com eles ao meu

redor, fazendo-me gargalhar alto, e por um segundo, que meu


olhar percorreu a sala, como se algo me chamasse. E no meio da

gargalhada, eu o vi ali – Tadeu. Um breve momento trocado,

naquele olhar escuro, que me entregou o sorriso que sua boca

não tinha. E no meu, esperei que ele pudesse enxergar: obrigada.


CAPÍTULO XIX

“Minha mente transforma a sua vida em folclore

Não posso mais ousar sonhar com você” [34]

VALÉRIA

— Então você rodou o mundo por um tempo, até parar


justamente aqui. — minha irmã falou, enquanto eu mexia nas

panelas, e a vi comer a batata frita que fiz antes de tudo. Era o


que ela mais gostava de comer, e segundo ela, as minhas ainda

eram as melhores. — Cozinheira de uma família que

coincidentemente, tem ligação com os Reis... Mas, em que


dorama a gente está?
— Sossega, tun tun. — Henrique falou, sentado no balcão

e com o olhar preso a nós, nossa irmã fez uma careta para o
apelido. Nós éramos péssimos neles.

Lembrava-me de chamar Gael de ten ten, porque eu


sempre pedia doces para ele, quando éramos mais novos. E era

como quem queria perguntar: você tem? E aquele ficou como seu

apelido. E no fim, como ele sempre me respondia: sim sim, e eu


repetia como um tin tin, acabara como meu apelido. Já Henrique e

Paola, acabaram por ter de aceitar o resto das vogais, quando os

batizei com os apelidos cafonas.

— Se eu contasse a história de amor de cada um, vocês


teriam os doramas clichê de romance perfeitos. — ambos

reviraram os olhos. — Parem com isso! — falei, batendo neles


com o pano de prato.

Meu celular tocou no balcão, e fiz um sinal para Rique


atender e colocar no viva-voz.

— É Tadeu. — ele sussurrou, assim que aceitou a


chamada na tela. Dei um pulo, e baixei o fogo, puxando o celular,

e tirando-o do viva-voz. — E ela ainda diz que eles não são um

casal...
Bati em sua orelha com o pano de prato antes de sair da
cozinha, e segui para o meu quarto.

— Oi. — falei, assim que fechei a porta atrás de mim.

— Desculpe interromper seu momento, só queria saber se

está bem... — ouvi o barulho de ele limpando a garganta. — Se

estão bem?

— Nunca estive melhor. — assumi, sem conseguir

esconder.

Existia algo em Tadeu que me deixava confortável. E era

simples assim. Desde quando o provoquei naquele bar no meio

do nada, até aquela pousada há pouco tempo atrás... Era fácil

falar com ele, mesmo que eu não quisesse.

— E como você está? — perguntei, e o silêncio perdurou

por alguns segundos, deixando-me confusa. — Tadeu?

— É... Eu estou bem. — sua resposta não me convenceu.

— É que nunca me perguntou isso antes.

Foi então que pensei sobre isso, e era verdade... Ele

estava tentando fazer aquela convivência da melhor forma

possível e eu, geralmente só tornava mais confusa.


— Meus irmãos disseram que só podem ficar até a hora do

almoço, já que é o tempo que puderam sair sem que ninguém


desconfiasse... Pode me ver a tarde?

— Claro. — sua resposta veio quase que instantânea. —


Até mais tarde, então.

— E Tadeu? — ele me deu um leve “sim” para que

continuasse. — Obrigada por tudo isso. Sei que está fazendo pelo
nosso filho, mas ainda assim, eu não tenho palavras para dizer o

quanto estou grata.

— Só quero que fique feliz, Valéria. — sorri, e então,

encarei meu reflexo no espelho do quarto. Há muito tempo aquele


brilho não estava sobre mim. — Até.

— Até.

Desfiz a ligação, e senti falta da sua voz novamente.

Existia uma dualidade em Tadeu que me assustava. Como


alguém que cuidada e zelava tanto por uma desconhecida que
carregava o seu filho, era capaz de trair o próprio irmão? E de

repente, olhando para a última gaveta da minha cômoda, em que


estava a carta que Bianca deixou, eu comecei a duvidar de mim

mesma.
Porque ele poderia ter mudado ao longo dos anos. Mas até

que ponto alguém muda tão severamente?

Ainda existia aquela pedra, que mais parecia uma

montanha, no meio do nosso caminho. E em algum momento,


teria que entender se ela poderia ser movida ou a deixaríamos ali,

nos dividindo.

Eu só gostaria de poder entender, e de alguma forma, lá no


fundo, poder gostar do pai do meu filho pelo que ele era. Mesmo

que ele nunca fosse meu. Apenas, alguém com que pudesse ter
uma troca fácil e tranquila.

Eu queria mesmo ser amiga de Tadeu Reis?

Levei minha mão à barriga e neguei com a cabeça.

— Sua mãe está ficando maluca, e no momento, vou te


culpar coisinha linda...

— Coisinha?

Virei de imediato e encontrei meus dois irmãos com os

rostos entre uma fresta mínima na porta.

— Não acredito que estavam tentando ouvir atrás da

porta? — indaguei perplexa.


— A gente só tava andando pela casa... — Henrique
balbuciou, quase gaguejando, o que me fez revirar os olhos. —
Ainda acho que terei que permitir um namoro ou não.

— Vou te permitir é o meu tapa na sua cara. — abri a porta,


e os dois quase caíram para dentro. — Péssimos fuxiqueiros.

— Como assim meu sobrinho ou sobrinha é coisinha? —


Paola insistiu e eu revirei os olhos novamente, apenas a
ignorando, e descendo as escadas. — Volta aqui, tin tin.

E por um segundo, só queria que o tempo parasse e


permanecesse daquela maneira, para sempre.

TADEU

— Tudo bem mesmo, Verô? — indaguei, entregando-lhe

uma pasta com vários documentos assinados. — Não quero


atrapalhar o seu trabalho.
— Murilo tem dado conta de todos os compromissos dele,
mesmo estando em uma cidade como essa. — ajeitou a pasta
dentro da enorme bolsa que trazia. — Vai ser tranquilo.

— Com dois chefes de setores diferentes e imprescindíveis


longe? — ela me encarou, como se eu fosse patético.

— Está procurando um motivo para fugir de Valéria?

— Não é isso, eu só... — suspirei fundo, e lembrei-me da


conversa que tive com Murilo. Nunca, nem em mil anos, imaginei

que seria de tal forma. — Ela já me tratou diferente apenas por

saber que estou envolvido em ajudar os irmãos dela. Não era isso
que eu queria, Verô.

— Não quer a gratidão dela? — neguei de imediato com a

cabeça. — O que realmente quer, irmão? — parou na mesa ao

meu lado, e recostou-se.

Ela.

Tudo dela.

Cada centímetro dela.

Cada curva que a vida dela fizesse.

Cada momento inesperado ou esperado ao seu lado.

Tudo que eu sempre quis.


Tudo que eu nunca pude ter.

— Olha... — levantei o olhar e senti a análise de Verô. Ela


me conhecia melhor do que ninguém. — Eu já reparei nisso,

quando era mais novo, mas sabia que poderia ser difícil para

você, ainda mais porque aquele maldito ainda nos rondava, mas...
Sempre teve sentimentos por ela. Por que não os confessar?

— Simples assim? — indaguei, e ela assentiu.

— Simples assim. — rebateu, e tocou meu rosto, forçando-

me a encará-la. — Pode usar a armadura que quiser por aí, mas


quem você ama, passa facilmente. E ela já passou, há muito

tempo. Ela só não sabe. Por que não a deixar saber agora?

— E se ela achar que é pelo bebê? Ou que eu estou

confundindo tudo?

— Aí é hora de provar a ela, o que realmente sente. —

afastou-se e fez o sinal de sempre, tocando levemente com os

dedos indicador e médio contra minha testa.

Sabia exatamente do que ela falava, bem ali.

Verônica nunca precisou dizer que nos amava e que

estaria conosco, porque ela encontrou o seu jeito de provar


aquilo, muito além de palavras. E aquele simples gesto era uma

prova.

E eu?

Bom, eu tinha que achar o meu caminho.

E que Valéria não me detestasse ainda mais por ele.


CAPÍTULO XX

“Olhando agora

Tudo parece tão simples

Estávamos deitados em seu sofá

Eu me lembro” [35]

VALÉRIA

— Por favor, quando conseguirem um número diferente,


me liguem... — eles assentiram, e senti os braços de ambos ao

meu redor. — Amo vocês, muito. — falei, e senti uma lágrima

descer.
— E a gente ama vocês. — Paola falou, levando uma das

mãos à minha barriga, e eu tive que sorrir, puxando-a para perto


novamente. — Prometo que vou conseguir um celular e número

logo, já que a empresa tem seu próprio e esse, Hellen não terá

como acessar ou desconfiar... Então, quero fotos de gravidez.

— Ok. — falei, enquanto Henrique me puxava e olhava-me

já com saudade. — Não me olha assim, ton ton.

— Só você para acabar com o ego de um homem. — ri, e


ele me abraçou com carinho novamente. — Volto assim que

puder, eu prometo.

— Apenas se cuidem. — praticamente exigi, e eles

bateram continência, para me fazer rir.

Caminhei com eles até o carro, onde alguns seguranças

estavam, e Verônica Reis, no banco do carona.

Parei ao lado e assenti para ela, com um olhar de quem

poderia dar o mundo que ela desejasse, caso ela quisesse. Eu

era muito grata pelas horas ao lado dos meus irmãos, mas ela

parecia me entender, pela forma como eu a via olhando para os

irmãos dela. Ainda mais. Porque Verônica os criou.


Vi-os partir e os tchauzinhos se perderam pelo escuro da
janela do carro, e tive que segurar tudo de mim, para não desabar

ali mesmo.

Senti então meu corpo sair do chão, e não me surpreendi,

ao me encontrar exatamente no colo de Tadeu, como dias atrás.

— Outra vez, sem sapatos.

— Empolgação. — falei, sem conseguir sequer brigar por

ele estar me tocando. Eu ainda estava presa aos meus irmãos.

Quando senti a madeira do chão sob meus pés, apenas

olhei para Tadeu, e tentei disfarçar as lágrimas.

— Eu só preciso de um momento. — comentei, e me virei

para ir até as escadas.

— Não precisa se esconder, Valéria. — parei com o passo

no primeiro degrau. — Não de mim.

Virei-me, e encontrei seu olhar no marejado do meu.

Assenti, mas mesmo assim, ainda era difícil. Porque eu


não sabia confiar. Muito menos, como confiaria nele? Como

colocaria meu coração numa bandeja a ser servido?

Suspirei fundo, subindo as escadas, e entrando no meu

quarto, ao menos, para lavar o rosto rapidamente no banheiro.


Notei então, que apesar da dor de vê-los partir, era como

se uma parte minha continuasse inteira. Faltando apenas uma


peça. Suspirei, após secar meu rosto e procurei meus chinelos

pelo quarto. Coloquei-os, e desci as escadas, encontrando Tadeu


parado no mesmo lugar.

Era estranho como ele sempre parecia deslocado ali


dentro, mesmo que preenchesse cada canto com sua presença.

— Sabe que pode se sentar, não é? — perguntei,

passando por ele, que apenas me seguiu, e se sentou no sofá, à


frente da poltrona que escolhi. — Não precisa pedir permissão

aqui, Tadeu.

— Não acho que devo agir como se fosse a minha casa. —

olhei-o sem entender — Não quero que alguma atitude minha, te


deixe desconfortável.

— Isso tudo é por antes? — perguntei, sem conseguir me


conter. Cruzei minhas pernas, e me ajeitei melhor na poltrona. —
Isso é tudo por que eu sei sobre Bianca?

Notei sua expressão mudar de imediato, e tentei lê-lo, mas


parecia impossível. Era uma mistura clara de sentimentos.
— Acha que eu vou te julgar se cometer algum erro,

porque te julguei pelo que aconteceu com ela? — insisti, e notei-o


engolir em seco, antes dos seus olhos pararem nos meus. — Não

quero mais brigar por isso, Tadeu.

— Não ajudei seus irmãos para que... para que sentisse

que tem uma dívida comigo, ou com a minha família. — falou


rapidamente, e o encarei perplexa.

— Acha que estou fazendo isso por que estou me sentindo

em dívida? — olhei-o incrédula. — É impossível não me sentir em


dívida, mas esse não é o ponto.

— O jeito que me trata mudou drasticamente após eles


aparecerem, e Verônica te contar sobre... É por isso que não

queria que ela o fizesse. — olhei-o ainda mais confusa. — Eu


queria construir algo real com você, que pudesse gostar de mim...
do pai do seu filho. — foi cirúrgico e eu assenti.

— Nada nos impede de tentarmos ser amigos. — ele me

encarou, como se surpreso. — Estou num mar de confusão desde


que soube da gravidez, e tento encontrar partes de mim mesma
nisso. Não te culpo ou a alguém por isso, sou apenas eu e minha

mente, tentando... Mas ter meus irmãos por perto, deixou claro
que eu... ainda sou eu. E bom, não sou de afastar as pessoas.
— Sempre me afastou, Valéria.

— Não quando a gente descobriu que era vizinho. —

rebati, e ele foi pego de surpresa, claramente sem esperar. — O


quê? Acha mesmo que eu ia bater na sua porta só para pedir
água? — revirei os olhos, tanto de mim naquela época, para o

sorrisinho que surgiu no seu rosto. — Eu estava tentando ser sua


amiga.

— Não vou fingir que não pensei nisso...

Ok, Val! É só bater na porta dele e perguntar qualquer


coisa. Era fácil assim nos filmes, não poderia ser tão diferente na

vida real. Com dezoito anos, eu duvidava que fosse funcionar,


mas ainda assim, estava na porta do meu vizinho no final do

corredor, que na realidade, foi o cara por quem me apaixonei à


primeira vista, aos quinze anos.

Se Tadeu Reis soubesse, talvez corresse na direção


contrária. Mas como ele não tinha ideia, e eu estava ali, dando

três batidas na porta dele, e aguardando.

Quando a porta se abriu, quase engasguei ao encará-lo

com uma toalha em volta do pescoço, e o torso quase todo


exposto. Uma calça de moletom preta e nada mais... Meus olhos
sequer puderam mentir o que analisavam tão animados.

— Oi. — falei, e engoli em seco, quando o olhar escuro


parou no meu. — Eu sou Valéria, amiga...

— Fontes, certo? — perguntou, e eu assenti, mesmo

odiando o sobrenome, ao menos, ele se lembrava de mim. — É a

nova vizinha? — olhei-a surpreso, por ele saber que alguém tinha
se mudado ali naquele dia. — Mandaram uma mensagem sobre

isso hoje.

Tadeu Reis não tinha cara de quem olhava mensagens que


não fossem importantes, mas ignorei tal parte.

— Sim, sou a nova vizinha. — fiz um sinal para minha

porta, que ficava há duas da dele. — Eu fiz compra, mas esqueci

do óbvio...

— Sal?

— Água. — ele então quase me entregou um sorriso, e eu

quase desmaiei ali mesmo. — Se tiver uma garrafinha, tá ótimo.

Até o meu filtro chegar.

Ele apenas se virou, deixando a porta aberta, e eu me

segurei, para não dar um passo à frente e entrar. Como seria


aquele apartamento dele? Seria tão elegante e bonito quanto a

mansão Reis? Teria algo de alguma mulher ali?

— Por que não entrou? — sua pergunta me surpreendeu,

quando ele entrou novamente em minha visão, com uma garrafa

de 5l de água em mãos. — Eu comprei algumas hoje. — avisou, e


então fez um aceno em direção à minha porta.

Ele então caminhou até lá, comigo ao seu lado, e colocou a

garrafa bem à frente, fazendo-me sorrir por ser tão solícito.

— Se precisar de mais, ou qualquer outra coisa... — deixou


em aberto, e fez um outro aceno com a cabeça, em direção ao

seu apartamento.

— Digo o mesmo. — sorri, e ele assentiu. — Quer dizer,

não tenho muito além de refri e lámen agora, mas... — que ele
não entendesse o significado duplo de comer lámen, ou

entendesse... seria essa a minha chance?

— Tenha uma boa noite, Fontes.

— Uma boa noite, Reis.

E pela primeira vez, não me incomodou alguém me chamar

pelo sobrenome, e não o corrigir para o outro – Campos. Porque


era ele. E aquele foi o primeiro passo para um plano perfeito de

tentar conquistá-lo.

Bom, foi um plano falho. Já que poucas semanas depois,

ele e Bianca ficaram juntos, exatamente naquele apartamento, e


eu nunca mais consegui passar sequer perto da porta. Até

mesmo, me vi quase me mudando de imediato, mas não o fiz,

para não levantar qualquer suspeita do quanto aquilo me atingia.

— Não ficamos amigos. — ri sem vontade alguma. — Mas

agora as coisas são diferentes.

— Diferentes como?

— No sentido de que somos adultos de fato, pessoas


maduras, e temos que lidar com o nosso futuro, de alguma forma,

interligado... — levei a mão à barriga, e seu olhar pousou bem ali.

— Podemos tentar ser amigos, pelo nosso filho?

— Acho que é um bom jeito de ver as coisas. — admitiu, e


eu não sabia o porquê do aperto em meu peito. Na realidade, não

queria enxergar o que era. — Eu estou morando há alguns

quilômetros daqui. A casa mais perto que consegui alugar. —


assenti, e por um segundo, reconsiderei a proposta de ele morar
comigo até o fim de gestação. Mas ainda assim, era um caminho

perigoso.

Ali estava eu sugerindo que poderíamos ser amigos, e

fanficando na minha mente como seria morar com aquele homem

e o fato de que não me aguentaria. Péssima? Às vezes.

— Por que não me mostra? — indaguei, tentando esvaziar

minha mente. A cara dele era um claro ponto de interrogação. —

A sua casa.

— Ah. — assentiu. — Eu posso te levar lá, quando quiser.

— Agora?

Ele apenas se levantou, e como sempre, fez um leve aceno

com a cabeça. Por que aquele homem era tão bom em me indicar

o caminho de tal forma? Por que eu gostava daquilo nele?

Felizmente, ele não usava uma blusa de gola alta naquele

dia, o que deixava meus pensamentos nada adequados de fora.

Mas o fato de estar com uma camiseta preta presa ao corpo, me


fazia duvidar da minha própria sanidade, ao ver o leve movimento

dos seus braços e como os músculos se sobressaíam.

A questão não eram as roupas, mas sim, como caíam

exatamente nele. E eu conhecia cada pedacinho dele.


— Valéria?

Quase dei um pulo no lugar, com sua voz me chamando,

enquanto meu pensamento se perdia.

— Só preciso pegar minha bolsa... — e minha vergonha na


cara, perdida em algum canto da casa.
CAPÍTULO XXI

“Olhos cheios de estrelas

Apressando-se pela boa vida

Nunca pensei que te encontraria aqui

Pode ser amor

Nós poderíamos ser o caminho a seguir

E eu sei que vou pagar por isso” [36]

VALÉRIA

— Uau! — falei, girando pela sala de estar. — É uma bela

casa. — sorri abertamente. Sorrir era um jeito de camuflar a

bagunça que se instalara dentro de mim.


— É a mais próxima a sua que consegui. — parei de girar,

e me segurei rapidamente no sofá, já que fiquei um pouco tonta.


— Tudo bem?

Logo senti sua mão no meu cotovelo, como se para me dar


apoio, e apenas assenti, dando um passo atrás.

— Não vou quebrar, Tadeu.

Então seu olhar parou no meu, e poderia jurar que os


pensamentos dele viajaram para o mesmo momento que eu.

Minha boca não cansava de usar as mesmas palavras em

momentos diferentes.

Senti sua mão pairar sobre os botões da minha camisa, e o

cuidado que ele tinha ao desabotoar cada um. Mas eu não queria
aquilo. Eu não queria ser cuidada por ele. Não era o que o olhar

dele me dizia, o que o mesmo queria também.

Eu só queria queimar aquele quarto, se fosse possível,

apenas com ele.

Puxei sua mão para o meu pescoço, e sua boca veio de


imediato à minha. Não precisei dizer nada, e senti o aperto

doloroso, ao ponto de quase ficar sem ar, e seus lábios traçando

todos os limites da minha. Sua outra mão então desceu pela


camisa, estourando os botões, e gemi em sua boca, ganhando
como resposta, um aperto forte na cintura, que ficaria a marca.

Que eu tivesse marcas daquela noite. Que eu pudesse


olhar no espelho e saber que não foi mais um sonho perdido em

alguma madrugada.

— Você não sabe o que está pedindo. — sua voz soou

baixa e tão perigosa, que quase gemi pela vibração contra minha
pele. — Não quero te machucar. — avisou, puxando a pele do

meu pescoço com os dentes, e a resposta do meu corpo foi se

arquear ainda mais para ele.

Eu estava tão pronta.

Ele tinha que saber.

— Não vou quebrar, Tadeu.

Peguei uma de suas mãos e desci para o meio das minhas

pernas. No momento que ele sentiu a umidade, bem ali, que eu

não tinha intenção alguma de esconder, quase rosnou contra

minha boca. E um sorriso perigoso se emoldurou no belo rosto,

enquanto sua barba deixava rastros vermelhos por cada canto da


minha pele. Eu poderia emoldurar aquele momento. Tadeu Reis
decorando cada parte do meu corpo com a língua, e abaixando-

se para me dar prazer.

Se eu morresse ali, com certeza, seria de prazer.

— Eu sei que não.

Sua resposta me tirou da névoa de pensamentos, e engoli

em seco, ao encarar o mesmo homem, só que muito bem vestido


e um semblante neutro no rosto. O mesmo se passava pela
mente dele? Ele teria tido a mesma lembrança ali?

Pare com isso! Vocês estão tentando ser amigos, lembra?


Minha mente me julgava, e eu acatei cada palavra. Precisava

focar no fato de que a gente estava tentando.

Principalmente eu.

Olhar para ele e não pensar no passado.

Olhar para ele e ignorar que meu coração estava em risco.

Olhar para ele e fingir que minha mente não se perdia com
um olhar.

Torcia para que não me sentisse sempre de tal maneira.

Talvez, conhecendo-o daquela forma, eu transformasse a

paixão que a Valéria de quinze anos sentiu e nunca conseguiu


superar, em algo novo. Em algo que não me deixaria tão à

distância dele, por medo de me machucar.

— Tenho uma pergunta. — falei alto, fugindo dos meus

próprios pensamentos.

— Que seria?

— Pretende morar aqui até o nosso filho nascer?

— Parece que estamos na mesma questão, então. — fez

um sinal em direção aos sofás, e o segui, aceitando me sentar em


um deles, enquanto ele foi em direção ao da frente. — Ia te

perguntar isso. Se pretende morar aqui por um longo período ou


não. Imagino que a resposta seja positiva, já que não quer que
bom, seus parentes, sem serem seus irmãos, saibam disso.

— É mais complicado agora. — assumi. — Acho que meu


lugar nunca foi exatamente aqui, não nesse momento, por mais

que ame. Eu e meus irmãos temos o plano de retomar a empresa


da família, e bom, só é possível estando lá.

— Sendo CEO de um dos setores da Reis, e conseguindo

fazer quase tudo daqui, te garanto que é possível fazer isso.

— Sabe como CEO soa extremamente engraçado? —


perguntei, sem conseguir me conter, e ele negou com a cabeça.
— É um dos termos que sempre vejo em romances clichês.

— E você não gosta?

— Como a gente parou nessa questão? — indaguei, e dei

uma risadinha. — Nada contra. — foi tudo o que consegui


responder, ignorando o fato de que todos os meus doramas nos

últimos tempos eram exatamente sobre CEO’s.

— Se você diz.

— Mas voltando no assunto real... — cruzei as pernas, e o


encarei. — Eu não sei por quanto tempo vou ficar. Mas acredito

que seja um bom lugar para ele ou ela passarem a infância. E


claro, até eu resolver esse problema com Hellen... Não quero que
nosso filho sofra por algo assim.

— Nem você. — olhou-me profundamente. — Não


queremos que nada te faça passar mal.

— Nada igual a essa coisinha aqui. — passei a mão pela


barriga, e senti o olhar de Tadeu descer, assim como um sorriso

no canto do seu rosto. — Quer tocar?

— Eu posso?

— Você é o pai, Tadeu. — fiz uma careta, e ele revirou os


olhos, fazendo-me rir. Fácil assim.
Ele então veio do outro sofá até o que eu estava,
sentando-se ao lado.

— Pelo que li, em breve, você vai começar a senti-lo, e


quem sabe... — sua mão parou sobre a minha barriga, e de
imediato, senti um movimento ali.

— Você apertou a barriga? — indaguei, alarmada. E então

seu olhar estava tão assustado quanto o meu. — Fala alguma


coisa.

— Como o quê?

E de repente, outro movimento, singelo, mas que eu

conseguia sentir. E pelo jeito, Tadeu também.

— Não é possível que... — levei minha mão bem próxima a

de Tadeu, e senti o movimento. — Puxa saco do pai, desde o

ventre.

— Valéria!

— O quê? — rebati, inconformada.

— Não pode chamar nosso filho de... — então um

movimento mais forte. Olhei-o com uma careta, e notei o sorriso


se espalhar pelo seu rosto. — Ok, talvez só agora.
— Será que por que sua voz é bonita? — indaguei para o

nada, e cutuquei Tadeu. — Canta alguma coisa. — pedi,


afastando sua mão, e levantando um pouco da minha camiseta,

deixando minha barriga a mostra. Voltei sua mão para a barriga,

assim como a minha. — O quê?

— Eu...

— Nem vem. — semicerrei os olhos. — Sei que você é um

dos bons cantores dos Reis, então... Canta alguma coisa.

— Escolhe a música.

— Mas... — revirei os olhos. — Não consigo pensar em

nada agora. — minha mente está em branco.

E me surpreendendo, em poucos segundos, ele começou a

cantar:

“Uma janela quebra, abaixo de uma rua longa escura

e uma sirene toca na noite

Mas estou bem, porque tenho você aqui comigo

E quase posso ver que há uma luz em meio à escuridão”

Bem, se você soubesse o quanto este momento significa

para mim

E quanto tempo esperei pelo seu toque


E se você soubesse o como está me fazendo feliz

Nunca pensei que amaria alguém tanto assim...”

Meu olhar não conseguia fugir dele, e muito menos, dos


movimentos que se tornaram uma bateria na minha barriga. As

lágrimas desceram, e me tornei uma bagunça, sem conseguir

impedir.

“E eu me sinto em casa,

eu me sinto em casa

Parece que eu voltei todo o caminho de onde eu vim

E eu me sinto em casa,

eu me sinto em casa

Parece que estou de volta para onde pertenço

Parece que estou de volta para onde pertenço...”[37]

Quando o olhar de Tadeu parou no meu, era como se ele

quisesse dizer muito mais, contudo, ele parou. A sua mão livre
veio para o meu rosto, secando as lágrimas, como se alarmado.

— Eu estou bem. — respondi à pergunta silenciosa. — Na


verdade, há muito tempo não estive tão bem assim... — senti

outra leve ondulação e sorri. — Essa coisinha ama a sua voz... —

e eu também, era o que queria dizer.

Por que ele tinha que ser tão bom assim? Em tudo?

— E eu a amo. — falou, e eu sabia que era do nosso filho,

mas seu olhar estava no meu, fazendo-me experimentar a

sensação de como seria, ouvir aquelas palavras que eu tanto


desejei. A Valéria de quinze anos em surto dentro de mim.

Seu olhar baixou e eu mantive o sorriso, sem conseguir

disfarçar.

— Sei que nenhum de nós tem um parentesco muito bom,


não além dos nossos irmãos... — ele então me encarou. — Mas

será um bom pai, Tadeu. E eu serei uma boa mãe. Porque a

gente quer ser. E eles, nunca quiseram.

Ele assentiu, e surpreendendo-me por completo, senti seus

lábios sobre a minha testa. Um toque tão carinhoso, que eu quase

me derreti.

— Você já é, Valéria.
E então, sem saber como chegamos exatamente ali, eu

não me preocupei com o caminho. Apenas conosco. A junção de

dois, que agora nos unia. E eu também me sentia em casa. Eu

sentia que eles eram como um lar.


PARTE 2

“E eles cancelaram o circo, incendiaram a discoteca

Quando mandaram para casa os cavalos e os palhaços de rodeio

Eu ainda estou naquela corda bamba

Ainda estou tentando de tudo para manter você rindo para mim

Eu ainda acredito, mas não sei por quê

Eu nunca fui natural, tudo o que faço é tentar, tentar, tentar

Eu ainda estou naquele trapézio

Ainda estou tentando de tudo para manter você olhando para mim”

mirrorball – Taylor Swift


CAPÍTULO XXII

“Eu não quero olhar para mais nada agora que te vi

Eu não quero pensar em mais nada agora que pensei em você

Eu tenho dormido há tanto tempo numa noite escura de vinte anos

E agora, vejo a luz do dia” [38]

Dias depois...

TADEU

— Eu não acho que isso seja preciso. — falei, enquanto

Verônica anotava algo, durante a nossa reunião semanal por

videochamada. — Algo que queira acrescentar?


— Que eu estou te vendo de bom humor. — Eu a vi fechar

seu notebook e retirar os óculos de grau. — Devo agradecer a


Valéria?

— Deve agradecer a ausência de Carol e Igor. — ela


apenas continuou a me encarar. — As coisas estão indo melhor

do que eu imaginava.

— Fico feliz. — deu um vislumbre de sorriso. — Devo ir no

final de semana, com nossos irmãos... Dani está me cobrando


uma visita.

— Eu a vi ontem. Lado bom de estar morando aqui.

— Essa parece uma boa cidade para se crescer. —

assenti, pensando no que conversei com Valéria. — Hoje vai ser a


primeira consulta que vai acompanhar, certo?

Assenti, fechando o meu notebook, e notando que ela

parecia pensar em algo.

— Acho que estou um pouco nervoso, ainda mais depois

que ela ou ele se mexeu.

— É bom te ver assim.

— Assim como?
— Sorrindo sem nem perceber. — ouvi as batidas na sua
porta. — Me liga mais tarde, para contar como foi.

— Bom trabalho, irmã.

— Boa consulta, irmão. E mande um olá para Valéria.

Desfiz a ligação por chamada de vídeo no celular, e retirei-

o do tripé. Eu mal via a hora de poder ver Valéria novamente. A

realidade era que a conexão que criamos naquele momento, junto

com o nosso filho, se passava e repassava por minha mente.

Porque não era apenas sobre o nosso filho.

— E eu a amo.

Notei a reação dela diante das minhas palavras, e a

esperança que achei estar apagada em meu peito, depois de


tantos anos, se reacendeu. Porque era ela. Assim como no seu

número de telefone salvo em meu celular – sempre foi ela.

Queria não ter deixado para a interpretação, mas ainda

assim, não podia simplesmente jogar aquela verdade em seu

colo. Nem tudo o que me trouxera até ali.

Era com calma e paciência, para que ela entendesse. Para

que não lhe restassem dúvidas de quando eu dissesse como me

sentia, ela conseguisse de fato acreditar.


E talvez, por sorte do destino, ela aceitasse.

VALÉRIA

— Ela é uma ótima médica. — falei, enquanto Tadeu me


seguia pela calçada. Sentia os olhares sobre ele, as pessoas com

um ponto de interrogação no rosto.

Meu celular vibrou e ri ao notar que era no grupo da

cidade. Tinha fotos de Tadeu ao meu lado, e perguntas como:


esse gostoso é solteiro? Se não for, retiro o gostoso.

— Estão te chamando de gostoso no grupo da cidade.

Seu olhar veio para o meu, e era ele agora que tinha a

interrogação no rosto.

— Há vários grupos dessa cidadezinha, porque é claro,


todos se conhecem, e você é o assunto do momento. — pisquei

um olho.

— Murilo também já foi?


— Até hoje ele é. — confessei, e ele arqueou uma

sobrancelha. — Eles o chamam de agregado Torres mais


gostoso. — Tadeu fez uma leve careta, e eu tive que rir baixinho.

— Se prepare para algum apelido péssimo assim.

— Já vi apelidos piores, principalmente, na minha família.

— parei de andar, olhando-o com atenção. — O que?

— Qual o seu apelido familiar secreto e vergonhoso?

— Nem sob tortura. — revirei os olhos, mas permaneci


sem me mexer. — Temos cinco minutos para chegar no horário
certo da consulta.

— Não vou me mover até me dizer. — olhei-o, como se


vasculhasse algo. — Qual é? Não deve ser tão ruim.

— Esqueceu quem são os meus irmãos? — segurei a


risada. — Igor e Carolina são os piores, principalmente ela.

— Eu tenho um vergonhoso também. A gente pode trocar.


— sugeri, e ele parecia ainda mais confuso. — Segredos assim
geram honra.

— Na verdade, destroem a honra. — fiz um tsc com a

boca, e notei-o morder o lábio inferior. Ele queria rir? Realmente?


— Não admito que vamos ser amigos e você não me diz
seu apelido da vergonha...

— Não acredito que estamos parados no meio da calçada,


com várias pessoas olhando e falando disso.

— Eles estão acostumados com fofocas. — pisquei um

olho, e lembrei-me de algo. — Se bem que Carol deixou o número


dela salvo...

— Vai me obrigar mesmo a dizer?

— Ou posso obrigar os tios do meu filho. — ele então

bufou, respirando fundo. — É pegar ou pegar.

— Primeiro consulta, depois, apelido vergonhoso.

— Você é um ótimo amigo. — ri de lado, e ele levou uma

das mãos ao rosto, e a outra às minhas costas, como se para me


obrigar a andar.

— E você, é uma amiga manipuladora.

A verdade era que me apegava à palavra “amizade”

porque se não o fizesse, aquele simples toque em minhas costas,


ainda sob o tecido fino da regata que usava, seria uma perdição.

O era, mas eu fingia que não. Fingia e mentia para minha mente e
corpo. E torcia, para que Tadeu não notasse. Se não, estaria
perdida.

Minutos depois e eu estava deitada em uma maca, com o


coração literalmente na boca e ouvindo as observações da minha

médica. Tadeu parecia preso à tela que eu não enxergava

absolutamente nada, não sem o auxílio da médica, e às vezes,


nem com ela mostrando.

— Ainda sem querer mostrar se é um menino ou uma

menina. — assenti, sem me importar com aquilo. Coisinha


teimosa, igual ao pai dela. — Querem ouvir o coração?

— É a coisa mais linda. — virei-me para Tadeu, que

parecia ter trancado a respiração. — Prepara o seu coração,

homem! — dei-lhe minha mão e me virei para a médica,

assentindo.

Segundos depois, o barulho ecoou pelo ambiente, e senti

sua mão apertar a minha. Sorri ao encará-lo, do mesmo jeito que


aquela orquestra ritmada e tão rápida me acertou quando a ouvi,

pela primeira vez. Era a vez dele, de sentir que era real.
E por um segundo, me perdi, ao vê-lo quase chorar à

minha frente, confirmando que ele poderia ter a armadura que


fosse para o mundo, mas o nosso filho, derrubava-a em

segundos.

— Que tal? — perguntei, e ele apenas me deu um leve


sorriso.

Baixou a cabeça e seus lábios encontraram minha testa,

sussurrando um leve “obrigado”. E eu só percebi a emoção que

também me tomara, quando uma lágrima desceu.

No fim, éramos dois perdidos pelo nosso filho. E em

alguma coisa, a gente sabia combinar. Felizmente, na melhor

delas.
CAPÍTULO XXIII

“Dizemos que somos amigos, mas eu estou te olhando do outro lado da


sala

Não faz sentido, porque estamos brigando por causa do que fazemos

E não tem como eu acabar ficando com você

Mas amigos não olham para amigos desse jeito

Amigos não olham para amigos desse jeito” [39]

VALÉRIA

— Não. — ri, voltando o vídeo, e imitando o passo, que na

minha cabeça, era perfeito. Apenas nela. — Você solta a frase e


complementa com ddaeng!

Tadeu me encarou como se eu tivesse duas cabeças,

ainda sentado no sofá, e claramente não entendendo minha

empolgação. Mas a realidade era que aquela música poderia ser


minha dose de endorfina diária.

— “Hip hop? Ddaeng! Rap style? Ddaeng! gyang raep-peo,

ddaeng! Bangtan, ddaeng!” — cantei alto, e comi outra pipoca,

enquanto Tadeu ainda tentava fazer a minha assinatura no Viki[40]


voltar a funcionar. Não sabia o que tinha acontecido, mas de

repente, ela simplesmente, parara de funcionar. E mesmo

sabendo que ele não tinha nenhuma formação na área, era a

pessoa mais próxima a quem poderia recorrer.

A realidade era que ultimamente, muitos os pequenos

problemas ou momentos do dia a dia, a gente estava dividindo.

Construir uma amizade assim, tornava tudo mais fácil, não era?

— Acho que o problema era a localização. — falou,

enquanto eu focava na minha parte favorita da música. —

Valéria?

— “Escória, só façam as suas coisas

Olhe para mim, eu sou todas as suas coisas


Você arrasa? É tão legal? Estou sem palavras

Mesmo que eu não ga-ga-ga-gagueje por estar perplexo

Me pe-perdoe, minha habilidade com a f-fala não é boa

M-mesmo assim eu estou t-t-tentando falar devidamente

Mas minha boca fica torta

Eu g-g-gosto muito de você, eu g-g-gosto muito de

você...”[41]

— Essa música é daquele grupo que eu comprei o body,

não é? — perguntou, e parei a minha performance, para encará-

lo. — O quê?

— Procurou mais sobre o BTS? — indaguei, sentando-me

ao seu lado no sofá, e ele assentiu. — E SKZ[42]? E Blackpink[43]?

E Mamamoo[44]? Quer dizer, algum outro?

— Tenho tido um longo momento conhecendo quase todos,

pelas músicas que agora estão na playlist que oficializou no meu

carro. — rebateu, e eu ri de lado, não podendo negar.

— Ainda na minha função de converter todo mundo para

gostar das lendas, assim como, dos doramas. — ele levou uma
das mãos ao rosto, e me encarou sério. — O quê?

— É bom te ver empolgada assim com o que gosta.

— Não sei gostar pela metade. — admiti. — Quando gosto

de algo, me jogo de cabeça. E quando vejo, já to afundada, e


querendo levar quem puder junto.

— Isso vale além do gosto musical e para séries? —


perguntou, e me encostei melhor no sofá, ajeitando minhas
pernas. A cada dia, ficavam mais engraçadas as poses estranhas

que eu ficava, mesmo com a barriga ainda não muito grande.


Felizmente, Tadeu não comentava a respeito.

— Eu acho que para tudo. — suspirei fundo. — Sabe, eu já


gostei de um cara... — comecei a falar, e limpei a garganta. — E

mesmo nunca acontecendo nada... — ao menos, não naquela


época. — Me marcou profundamente. Acho que se pensar assim,

para o amor... — olhei-o, e soube que era um erro. Falar


exatamente daquele assunto, com o cara que eu não esqueci e
que agora, gostava tão facilmente por apenas ser ele – era um

erro. Mas não conseguia me controlar. — Nunca mais amei


alguém, então não sei. — admiti, e fugi de sua análise.
Felizmente, a música ainda não tinha terminado, o que

diminuía o peso do silêncio em que caímos. Queria perguntar a


ele, sobre como se sentia a respeito daquilo, mas o medo de

saber que seus sentimentos por Bianca permaneciam, me


assustavam, a ponto que era melhor viver ignorante a respeito.

Ao menos, não sabendo diretamente.

Era o melhor.

Eu tinha que aceitar.

— Acho que pode encontrar isso ainda. — falou, me


fazendo virar para encará-lo. — Como nos seus doramas... —

estendeu-me o celular, e abri um sorriso fraco, tentando disfarçar


a minha confusão. — Depois do que aconteceu com Murilo, eu

acredito em muita coisa.

— A novela perfeita, não é? — indaguei sonhadora. — Só

fico triste pelo fato de ficarem tanto tempo separados, sendo que
se amavam...

Então, seu olhar parou profundamente no meu, e me vi


duvidando até mesmo de tudo o que sabia até ali.

E se...

E se...
E se...

Era tudo o que se passava por minha mente.

O barulho da televisão me fez dar um pulo, já que do nada,

começara um outro vídeo na playlist aleatória, e era muito mais


alto. Nunca agradeci tanto aos meus sete coreanos favoritos por

me salvarem dos “e se” em minha mente.

— Por que a gente não come algo?

E aquela foi a pergunta menos perigosa de toda aquela


noite. Ou a minha mente estava se perdendo um pouquinho mais,

a cada dia mais perto dele.


CAPÍTULO XXIV

“E você deve saber que se eu pudesse

Eu respiraria você todos os dias” [45]

VALÉRIA

Mais um dia chegando ao fim.

— Eu só queria dizer que... — virei-me, após colocar minha


bolsa no ombro. Encontrei Maria Beatriz sorrindo, com uma

sacola em mãos. — Eu achei no centro, e fiquei chocada ao

descobrir que a loja de brinquedos agora é do Reis.


— Tadeu é um pouquinho sem noção. — fiz um sinal de

pequeno com o dedão e dedo indicador. — Eu já o proibi e toda a


família de comprarem presentes. Temos praticamente dois

quartos lotados de coisas, e um para o bebê.

— Mas eu precisei comprar isso aqui. — direcionou-me a

sacola, e eu sorri, aceitando o pacote. — Eu achei tão você e tão

cafona... Amei, sério!

— Vou levar isso como elogio. — ela riu, enquanto eu abria


o presente.

Era um body na cor azul, com vários desenhos de doces e


uma frase no centro:

— Eu sou receita única da mamãe. — li alto e tive que rir,


puxando-a para um leve abraço. — Eu não acredito que não vi

isso quando fui à loja antes.

— Chegou hoje. — falou animada, batendo palmas. —

Cafona e fofo, né?

— Do jeitinho que eu gosto. — pisquei um olho e guardei


com cuidado o body dentro do pacote. — Eu aposto que ele ou

ela vão amar. — passei a mão sobre a barriga já maior, e notei os

olhos de Mabi brilharem. — Ansiosa por mais?


— Por enquanto, só Lorenzo. — levantou as mãos em sinal
de rendição. — Mas vou amar ser babá quando precisar.

— Terei isso em mente.

Ela me deu outro abraço, antes de correr até a geladeira

para pegar o doce que me pediu mais cedo, e eu me despedi.

Como já se tornara rotina, eu não precisei procurar muito, para

encontrar a 4x4 de Tadeu, parada próxima dali.

Ele estava encostado no capô, falando de algo ao telefone,

e por um segundo, bebi por completo a sua imagem. Com aquela


bendita blusa de gola alta, que delineava perfeitamente cada

pedacinho do seu torso. Calças jeans justas e um coturno na cor

marrom, que me deixava desordenada.

Era normal se sentir tão atraída por alguém?

Era tão mais fácil gostar da geladeira frost-free de duas

portas vulgo Kim Nam-joon[46], que eu admirava por ser um dos

meus idols favoritos, mas infelizmente, Tadeu não ficava muito

atrás. Na realidade, ele poderia ser definido com uma versão com

água na porta. Eu era péssima, quando entrava no meu loop de

comparações sem sentido.


Antes que eu fosse até ele, seu olhar me encontrou e fez

um sinal, como se pedisse dois minutos para terminar a chamada.


Assenti, encostando-me no carro, próxima à porta, e esperando.

— Ei, patroa!

Ouvi a voz de longe, e levantei o olhar. Caminhei até


Pedro, que parou com o cavalo há alguns metros do carro. Desde

o karaokê, não o via novamente. Era como se ele estivesse com


vergonha da forma que me abordou ou quem sabe, estivesse

tentando uma nova abordagem. Talvez descobrisse ali.

— Ei! — falei, e seu olhar veio para o meu. — O que foi? —

perguntei, ao notar que ele encarava minha barriga.

Ok, ela estava um pouco maior. Mas ainda assim, nada

que gritasse que existia um bebê ali.

— Fofocas? — indaguei, ao notar seu silêncio e sua clara

falta de jeito. — Fofocas na cidade?

— Tem gente falando que engravidou do irmão do marido


da dona Olívia. — praticamente sussurrou, descendo do cavalo.

— Não sou de fuxicar a vida de ninguém, você sabe.

— Mas tem algum problema nisso? — rebati, e eu o vi

mexer nervosamente no chapéu. — O que realmente aconteceu?


— É que... Ninguém sabe se está realmente com ele, digo,

como casal... — olhei-o com atenção. — E eu queria saber, se...


Se existe ainda, alguma chance.

— Pedro...

Doeu começar a falar aquilo, porque a resposta era nítida

na minha cara. E eu sabia da sensação de ser rejeitado, mesmo


que nunca fosse de fato, cara a cara. A dor minha era maior por
outros n motivos, mas não queria que ele se sentisse mal, de

forma alguma, muito menos, por mim.

— Eu acho que nunca tive, não é? — perguntou, antes que

eu pudesse encontrar as palavras certas. — Não te culpo por


isso, Val.

— Eu só... Sinto muito. — assumi, já que não podia dizer


além daquilo.

O que eu diria?

Que eu me apaixonei aos quinze?

Que minha vida virou uma bagunça após os dezoito?

Que então, reencontrei aquele que menos desejava e

acabei grávida dele?


E agora... e agora eu gostava do que estava conhecendo
nele.

— Posso te dar um abraço? — perguntou, e eu sorri,


assentindo.

Ele então veio para perto, e foi um leve toque, como se

estivesse tomando cuidado.

— Existe algo nas pessoas sobre acharem que grávidas

vão quebrar... — provoquei, e ele sorriu, tocando o chapéu. —


Amigos ainda?

— Sempre, patroa. — piscou um olho, e eu o vi encarar


algo atrás de mim. — Boa noite, senhor Reis.

Ele então fez um leve aceno e montou no cavalo, saindo


em questão de segundos.

Virei-me, para encontrar Tadeu parado ainda próximo ao

carro, só que agora, as mãos nos bolsos da frente da calça,


encarando-me do jeitinho que não deveria. Taylor Swift, por que

me castigasse ao pensar nesse homem e nas suas canções?

“Com suas mãos nos bolsos

E seu sorriso de: Aposto que você queria me ter”[47]


E como queria, Taylor. Não deveria, mas eu queria. Falei

internamente, como se não estivesse surtando, ou aceitando o


surto, e caminhei até ele. Segurando o sorriso que queria surgir e
a forma como claramente, eu estava me derretendo. Essa parte

da música não! Xinguei-me mentalmente.

“Mas eu queria, então eu sorri, e me derreti como uma

criança

Agora cada respiração que respiro me lembra disso” [48]

Se bem que eu já tinha me derretido, e a cada momento,


me lembrava de que ele estava ali. Por mim. Pelo nosso filho.

Por... Nós? Existia nós? Naqueles últimos dias, com tamanha

proximidade, eu comecei a me indagar tal coisa.

E a resposta era sempre confusa. Assim como eu. Não era

difícil me definir como o meme da Nazaré confusa desde o

momento em que Tadeu reapareceu em minha vida.

Abri a boca para ao menos cumprimentá-lo, porém Tadeu


me deu as costas, para abrir a porta do carona, e estranhei por
completo seu jeito. Fechou a porta e deu a volta no carro,

completamente em silêncio, e fiquei apenas o encarando,


enquanto colocava o meu cinto, e ele fazia o mesmo, para

sairmos dali.

— Preciso passar na minha casa primeiro, tudo bem? —


assenti, confusa diante do seu tom neutro e impenetrável.

— Dia ruim? — perguntei, sem conseguir me aguentar,

assim que deu partida.

Ele respirou fundo, como se pensasse em algo, e fiquei


ainda mais curiosa.

— Uma ligação ruim? — insisti, e ele apenas negou com a

cabeça, enquanto dirigia.

Resolvi ficar em silêncio, mesmo que estivesse me


corroendo por dentro, para saber o que o tinha deixado de tal

maneira. Surpreendentemente, Tadeu tinha um humor constante,

sempre parecia disposto a ajudar no que precisasse e era


atencioso. Contudo, era óbvio que ele não estava confortável.

Não naquele momento.

Apenas me prontifiquei em colocar a música, e foquei na


letra, cantando baixinho, enquanto ele dirigia. Que no caso,
agora, tinha uma playlist minha, e além do comum gosto de Taylor

Swift com Carol, eu tinha o meu k-pop de plano de fundo. E God’s

Menu do Stray Kids era a pedida certa do dia. Enquanto Tadeu


parecia perdido em si mesmo, eu me pedia no Du du du du du du

e imitava a voz do Felix[49].

Assim que o carro parou, saí do mesmo, apenas para me

alongar um pouco. A minha barriga começava a pesar, e as dores

nas costas pareciam ser minha nova companhia. Encostei-me


contra o carro, e esperei que ele saísse, para fazer o que quer

que fosse. Geralmente, ele pegava algo que comprou na cidade,

para levarmos para minha casa e jantarmos. Segundo ele, eu já

cozinhava o dia todo, e não era justo, fazer a noite também.

Eu que não reclamaria, mas acreditava que deveria ter

esquecido de trazer consigo daquela vez. Ele tinha se tornado

parte da minha rotina. A princípio foi estranho, mas era agradável


tê-lo ali e me ter perto dele. Como uma parte além de apenas o

pai do meu filho.

Parei próxima à varanda, e quando não o senti me


seguindo. Virei-me, e o encontrei ainda dentro do carro. Voltei

meus passos e fui até a janela do lado do motorista, que ele

permaneceu.
— Por que está tão estranho? Não vai descer?

— Acho melhor não falarmos sobre. — falou, sem me


encarar. Mas notei que segurava o volante com força.

— Ei! — bati levemente na parte de metal do carro. —

Somos amigos, lembra? Ou ao menos, é o que tentamos ser nos


últimos tempos, certo? — indaguei insegura, e quando seu olhar

parou no meu, sabia da resposta.

Era como se eu o conhecesse mais do que nunca.

Suspirei fundo, sentindo-me patética por ter acreditado que


estávamos tentando algo. E de repente, descobrindo que não

éramos nada. Por que eu realmente tive tal ideia? Ele só era o pai

do meu filho, nada mais.

— Boa noite, Reis.

Não pude disfarçar a mágoa em minha voz e lhe dei as

costas, já sabendo que as coisas voltavam à estaca zero. Talvez,

nunca deveriam ter saído dela.

Pelo menos, a minha casa não ficava realmente longe da


dele, e nada me privaria de uma caminhava noturna. Mas a

realidade era que estava puta por ele me tratar com tamanha

indiferença. Merda!
Ouvi o barulho da porta batendo, mas não me virei, apenas

senti que deveria ignorá-lo. Não era fácil para ele o fazer? Por

que para mim tinha que ser tão difícil?

— Não posso ser seu amigo. — sua voz soou no silêncio


da noite da fazenda, e me fez quase parar. — Não posso ser

apenas isso, Valéria.

Assim que me virei para lhe perguntar o que diabos aquilo


queria dizer, levei o susto pela proximidade que estávamos. A um

fio de cabelo de distância, quase me queimando pelo fato de

ainda parecer tão longe.

— Não posso fingir e dizer que não quero socar a cara


daquele metido a cowboy toda vez que o vejo dando em cima de

você. Com as mãos sobre você. Com os olhos sobre você.

— O quê? — minha voz quase não saiu, diante da minha

surpresa.

— Não posso fingir que consigo ser apenas seu amigo,

quando a noite que tivemos não sai da minha cabeça. — sua mão

veio para o meu rosto, e foi quase que instantâneo, o gemido pelo
contato de sua pele na minha. Numa situação que eu não
esperava. — E a forma como seu corpo me mostra que pensa o

mesmo, está me matando.

— Não vamos ferrar tudo se pensarmos em algo mais? —

indaguei, com meus lábios tão perto dos dele, que já nem sabia

porque aquela discussão começou. Contudo, estava adorando o

caminho pelo qual ela seguia.

— Apenas me diz, se quer isso tanto quanto eu... — seu

nariz passou pelo meu, e sua mão veio para a minha nuca, no

ponto fraco que ele tão bem conhecia. Ao menos, explorou


perfeitamente na noite em que tivemos. — Se quiser, posso te

dar. Tudo o que quiser.

— Me beija.

Não precisei dizer mais nada, quando ele engoliu o ar que


antes estava em minha boca, e sua língua encontrou a minha. Foi

impossível não gemer alto, e era claro o quanto ele adorava

aquele som, pela forma como suas mãos me trouxeram para si. E
agora, eu estava praticamente em seu colo, sendo levada para

dentro de casa, e sem conseguir raciocinar.

Como a gente chegou ali?

O que a gente estava fazendo?


Eu não tinha exata certeza, mas eu sabia que não poderia
mais ignorar.
CAPÍTULO XXV

“Conversa de travesseiro

Meu inimigo, meu aliado

Prisioneiros

Então estamos livres, é excitante” [50]

VALÉRIA

Sua boca estava em toda parte, e eu já não sabia em que


lugar estávamos. Só me dei conta de fato, quando o senti me

depositar sobre algo macio. Abri os olhos, tendo a visão

esplêndida de ele todo bagunçado por mim. Os cabelos tão


perfeitamente alinhados, na bagunça que minhas mãos deixaram.
— O que quer de mim? — perguntou, com sua boca

descendo perigosamente para baixo, com meu vestido preso à


parte de cima do corpo. — Quer que eu te faça minha? Quer ser

minha?

Eu queria.

Eu queria tudo.

E era como se ele finalmente lesse aquilo.

Em minha expressão. Em meu desespero. Em meu alarde.

Minhas unhas em suas costas, puxando para fora a

bendita blusa que me deixava de joelhos por ele. E ele mal sabia.

Desci-as pela sua pele, marcando-o, e sentindo-o me morder com


ainda mais força sobre o tecido fino da vestido largo que usava.

Eu estava ainda mais sensível, e com ele, fazia-me entender que


nada se comparava a tal toque.

Com ele, nenhum outro nome me vinha à mente.

Com ele, eu só conseguia pensar como seria descobrir

mais sobre o seu corpo.

No prazer dele. No meu prazer. Em como era tão certo, nós

dois bem ali, e nenhum pensamento fora.


O mundo poderia acabar, mas eu estaria feliz em estar
naquela cama com ele. Nada mais. Nada além de nós.

— Me conta. — sussurrou próximo à minha boca,


passando a barba levemente por meu pescoço em seguida.

— O quê? — minha voz mal saía.

— O que se passa em sua mente, amor?

Senti meu corpo todo reagir àquela palavra, e não poderia

negar, que queria. Queria e aceitava ser amada por ele naquele

momento. Que o meu autojulgamento se prestasse para outro

momento. Porque não queria pensar em como reagiria depois. Só

no agora. E no agora, eu era o amor dele, mesmo que apenas

pelo prazer.

— Que eu nunca senti isso com ninguém. — admiti, e sua

língua passou pelos meus lábios, fazendo-me gemer. — Cada


toque tão certo, cada parte... — a sua mão direita veio para a

minha, entrelaçando ao lado do colchão, como se fosse o encaixe

perfeito. — Essa bendita conexão.

— E o que quer que faça a respeito?

— Que me ame. — pedi, sem conseguir fingir e dando tudo

de mim, ao sentir sua outra mão destruir a calcinha que estava já


desalinhada do meu corpo. — Que me tenha.

— Sabe o quanto quis ouvir isso? — perguntou, e me

surpreendendo, afastou-se do meu corpo, levantando-se.

Pisquei algumas vezes, sem entender.

Ali, praticamente zonza por ele, no meio da cama, e vendo-

o ficar de pé ao lado. Sem camisa, minhas marcas em sua pele, e


a cueca sendo o último resquício de tecido em seu corpo.

— Por que tem que me torturar? — perguntei, ficando


sentada, à frente dele. Com as pernas abertas ao lado de cada
uma das dele.

— Por que esse é o único momento que vou fazer isso com

você. — falou, ajoelhando-se, e suas mãos vieram para o meu


vestido, já todo embolado, retirando-o do meu corpo. Gemi pelo
meu corpo nu se acostumando com a brisa fria da noite que

entrava, mas logo, o toque dele estava ali, ao meu redor. —


Porque esse é o único momento que vai ter que me esperar para

me ter. Nunca mais terá que fazer isso.

Eu não tinha dimensão do quanto tais palavras me


atingiram.
— Tadeu... — suspirei fundo, sentindo seus dedos na

lateral do meu corpo, e logo, senti-o me empurrar levemente para


a cama. — Eu sei que quer me torturar, mas agora... Por favor,

apenas me tome!

Seu corpo tão maior que o meu, pairou, e senti o olhar

escuro me acertar. Ele era ainda mais lindo, todo espalhado sobre
mim, exigindo que eu fosse sua, enquanto eu implorava para que

fosse meu.

— Hora de dormir, coisinha. — sussurrou, dando um beijo


leve na minha barriga, e seus lábios subiram por cada canto, até

chegar até meu queixo, marcando-me ali. — Hora de me olhar,


amor! — exigiu, e só então notei que estava de olhos fechados,
perdida pelas suas mãos em meu corpo, e a forma como me

orquestrava perfeitamente.

— Se eu te olhar, vai me foder? — indaguei, dando um leve

impulso para trás, e colocando meu corpo todo sobre a cama, já


não mais na beira da cama. — Se eu te olhar, vai parar de me

torturar?

— Se me olhar assim, eu vou te dar o que quiser. —

finalmente retirou a última peça do próprio corpo e gemi com a


visão de ele todo nu, pronto para me dar prazer. Ele era como o
próprio pecado.

— Te olhar como? — indaguei, assim que o senti se


acomodar sobre mim, e ele exatamente onde precisava. — Como
a porra do homem que eu quero?

— Como o único que você deseja. — sua boca veio para a


minha, engolindo meu gemido, no segundo em que suas mãos
tomaram as minha, entrelaçando-as e prendendo-as no alto da

cabeça. — Olhos em mim. — exigiu, e o encarei, enquanto cada


centímetro dele, tomava cada parte de mim. — Porra! —

praguejou, e eu gemi, segurando-me para não revirar os olhos. —


Não sabe o quanto fiquei revivendo cada momento daquela

noite...

— Por que não me mostra o quanto sentiu saudade? —

indaguei, e senti-o me tomar por completo, fazendo-me arfar.

— Por toda essa noite, amor. — sussurrou, mordendo meu

pescoço e sua boca pairou novamente na minha. — E todas as


que desejar.

Tomei sua boca, já não suportando o desejo que explodia


por cada poro do meu corpo. Era demais. Ele era demais. Tudo
era demais. Contudo, por um segundo, ou ao menos, por aquela
noite, eu me permiti.

Permiti-me ser o amor dele, e descobri que era o que


realmente gostaria de ser... Suspirei diante de tal constatação em
minha mente, quando não conseguia pensar em nada além de

seu toque, do seu cheiro, do seu corpo... Mas além disso, tinha a
sua presença, o seu jeito, a sua paciência, a sua quietude... Não
era só pelo prazer, era pelo amor.

E eu tinha me apaixonado pelo pai do meu filho.

Eu tinha me apaixonado, novamente, por Tadeu.

TADEU

Não me surpreendi ao acordar e encontrar o lado da minha

cama vazio. Sabia que fugir era o jeito de Valéria evitar que a
machucassem, ou a quem ela amava. Mas agora, eu sabia que

não poderia negar o que tivemos naquela noite. Não mais.


Porque foi muito maior e mais sincero do que antes.

Porque a entrega não foi parcial ou apenas pela atração que


explodia entre nós. Não, foi por inteiro.

Cada pedaço do corpo, mente e alma dela estavam

naquela cama, assim como, cada pedaço de cada lacuna minha.


Ela me tinha, mesmo que não entendesse ainda. Eu a tinha, e

precisava entender até que ponto. Até onde ela estaria disposta a

se entregar.

E com um sorriso no rosto, e sabendo exatamente o que


faria, eu me levantei.

Ela poderia fugir de mim o quanto quisesse. Mas ela não

podia fugir do que realmente sentia. E eu sabia, porque era


exatamente, o que gritava dentro de mim.

Se eu achei que me apaixonei aos dezessete, à primeira

vista, era porque não tinha ideia de como seria, cair de fato por

ela. Contudo, a vida já me dera o aviso, quando a olhei pela


primeira vez, que eu estivesse preparado, porque ela daria um

significado do que era o amor.


CAPÍTULO XXVI

“Não é verdade

Me diga que você mentiu pra mim

Chorar não é do seu feitio

O que diabos eu fiz?

Nunca fui do tipo que

Deixa alguém ver através de mim” [51]

VALÉRIA

Andar de um lado para o outro na minha sala de estar se

tornou rotina. Ali estava eu, revivendo cada cena daquela noite. E
sem entender como de fato consegui chegar em casa, após andar

e andar e andar, sem entender o que de fato tinha feito.

Eu tinha me apaixonado por ele e estava lutando

internamente, para aceitar tal sentimento. Novamente.

E ali estava eu, dizendo a mim mesma que estava tudo


bem. Que foi apenas uma noite e que com certeza, ele apenas

disse tudo o que disse pelo momento. As outras pessoas faziam

isso, certo?

Mas as outras pessoas não são o homem que você ama!

Minha mente, como sempre, tinha razão.

— Sua mãe tá parecendo uma adolescente, e a culpa é do

seu pai... — falei para minha barriga, sentindo-me um pouco


fraca. — O que eu vou fazer?

Batidas na porta me fizeram dar um pulo no lugar e não

precisava olhar para saber quem era. Eu sabia que era ele. De

alguma forma, eu sabia que ele viria até mim.

E estaria mentindo se dissesse que não esperava por


aquilo. Que lá no fundo, não torcia para que finalmente, pudesse

ser sincera.
— Não devia estar aqui. — falei, no instante em encontrei
Tadeu do outro lado da porta. — Estou ocupada.

— Fugindo?

Respirei fundo, negando.

Apenas me afastei da porta, e esperei que ele entrasse, e

como tínhamos nos acostumado, ele o fez. E de repente, voltei

dias antes, onde ele sequer entraria na minha casa, se eu não lhe

desse o total consentimento.

Ele agora parecia que via exatamente o que estava escrito

por trás dos meus olhos. E eu, estava apavorada.

Porque apenas uma coisa se passava por minha mente: eu

me apaixonei por ele. De novo. E mais uma vez. Merda!

— Por que foi embora sem dizer nada?

A mesma frase. A mesma entonação. A mesma resposta


em meus lábios.

— Porque não tem nada para mim aqui.

Só que agora, eu enxergava ainda mais nele. Em nós.

— Tem... Não é muito, mas... Você me tem, Valéria.

Olhei-o incrédula e ri sem vontade alguma.


— Você? — neguei com a cabeça. — Acho que é

impossível ter alguém que já amou tanto, a ponto de esquecer a


própria família. — me doía, porque era como um fantasma me

rondando. Saber que o amor que sentia por ele, na realidade, ele
já tinha sentido por outro alguém.

— Até quando vai deixar que o fantasma de Bianca fique


entre nós?

— Nós, Tadeu? — levantei as mãos para o alto, sem

conseguir acreditar naquela conversa. — Onde existiu nós? —


minha pergunta saiu mais alta do que esperava.

De repente, todos aqueles anos de uma paixão, que agora


eu encontrava um amor impossível, me atingiram em cheio.

Porque se um dia me apaixonei pela primeira vista, agora eu


sabia, que me apaixonei por quem ele era. Não superei o mínimo,
como superaria o todo?

— Até quando vai negar que sente algo por mim? — sua
pergunta me atingiu por inteira, e baixei os braços, rendida.

— Está me vendo negar? — olhei-o profundamente. —


Tudo que tenho feito, sem querer, é deixar você entrar. E a cada

vez que deixo um pouquinho, jurando a mim mesma que não é


nada demais, na realidade, você toma uma parte. Assim como

tomou no passado, você toma agora.

— Valéria...

— O que quer eu diga? — deixei uma lágrima descer. —


Se quer a verdade, ela é essa: me apaixonei por você aos quinze

anos. — ri sem vontade. — Eu te vi e eu soube... Não me peça


para explicar, porque nem eu sei. Mas agora, eu sei. Agora, te
conheci, e mesmo sabendo que não devia, eu me apaixonei. Uma

vez, à primeira vista. Na segunda, por você. Patética, certo?

— Você é tudo, menos patética.

— Como não? — abri os braços, em busca de respostas.


— Eu me escondi desse sentimento por todo esse tempo, porque

eu sabia que era um amor perdido.

— Bianca te disse isso? Que eu era um amor perdido?

— Bianca nunca soube do que eu sentia. — rebati, e notei


sua expressão mudar por completo. — Ao menos, se ela
soubesse, eu não teria que saber de vocês e... — não pude evitar

a náusea que me atingiu. Aquilo me atormentava, e era


impossível. As palavras e como ela descrevia como ele era com

ela. Tudo me acertando.


— Por que Bianca é tão importante assim?

— Porque ela teve o seu amor, Tadeu. — respirei fundo,

segurando as lágrimas. — Porque se você a amava, do jeito que


eu te amo, não é algo que eu possa tentar ou competir. Nem
pretendo.

O silêncio perdurou e fugi do seu olhar. Estava me


sufocando, mesmo depois de colocar para fora. E nunca me senti
tão exposta em toda a vida. Nunca imaginei que me jogaria de tal

forma do precipício, e ali estava eu, de cara com o chão.

— O que quer que eu diga? — indagou de repente, e notei

seus olhos marejados. Nada naquilo fazia sentido. — Que eu a


amava? Que eu a adorava?

— Não...

A dor se espalhou por todo meu corpo.

Por que ele tinha que falar assim?

— Não mais, Valéria! — suas mãos vieram para o meu

rosto, fazendo-me encará-lo, e não pude negar as lágrimas que


desceram. — Não vou deixar que aquela noite destrua o que eu

sempre senti.

— Se a nossa noite foi tão maldita assim...


— Não! — cortou-me, e parei, a ponto de desmoronar. — A
noite com Bianca. A noite em que eu bati na sua porta, e estava
tão bêbado e tão perdido, que sequer me lembro do que

aconteceu... Não me lembro de nada. Só me lembro de acordar


na cama com a esposa do meu irmão do lado. É isso que quer

que eu diga? Que eu não sei o que houve?

O que?

— Do que está falando? — minha voz mal saiu, e senti

meus lábios tremerem.

Suas mãos saíram do meu rosto, afastando-se levemente,


e senti a falta do que seu toque de imediato.

— Eu não sei porque Bianca inventou toda essa história e

resolveu me perseguir nos seus últimos dias de vida... Eu não

tenho ideia do que ela inventou para você ou na carta que deixou.
Eu honestamente, não tenho ideia. Só sei que se você queria a

verdade, aí está ela. Me apaixonei aos dezessete anos, quando

uma pessoa bateu contra o meu corpo e eu perdi a própria noção

do tempo... Me apaixonei por você à primeira vista. E sequer


sabia o que amor era, mas me destruiu quando achei que ia

realmente se casar com outro... Mas agora, depois desse tempo

com você, descobri o verdadeiro o sentimento.


— Você não quer dizer isso. — soltei uma risada fraca,

sentindo meu coração martelar no peito. — Você não... Bianca


não... Eu...

— Se quer a verdade, eu vou te dar... Eu vou te dar tudo o

que quiser, Valéria. Qualquer mínimo pedaço que seja, porque eu


vivi de pedaços do que pude ter de você por anos... Porque eu

pensei que nunca teria uma outra oportunidade de estar perto de

você, e não vou mais deixá-la ir. Não se me pedir para ficar.

— Tadeu...

— Apenas me deixe contar o meu lado da história, que eu

não conseguia dizer, porque eu mesmo não entendia. Me culpo

há anos pelo que nem sei que aconteceu, e tudo o que tenho
daquela noite, é o que Bianca me disse no dia seguinte.

E de repente, o ar me faltou.

Busquei-o com força, mas senti que poderia desmaiar a

qualquer momento.

Senti os braços de Tadeu ao meu redor, e respirei fundo,

não me permitindo apagar. Contradizendo meu próprio corpo e

buscando os olhos dele. Eu precisava saber. Mas ainda assim,


era demais. Era demais para aquele momento.
E de repente, apenas me vi caindo na escuridão.

Mas ela não era vazia, nela, estava ele.


CAPÍTULO XXVII

“Tenho medo de tudo que eu sou

Minha mente parece uma terra estrangeira

O silêncio ressoa dentro da minha cabeça

Por favor, me leve, me leve, me leve para casa” [52]

TADEU

— Valéria! — chamei seu nome em desespero, e notei que


ela lutava para se manter acordada.

— Acho... — sua voz mal saía. — Acho que vou...

— Merda! — reclamei, ao tê-la mole nos meus braços.


Coloquei-a com cuidado no sofá, sentindo a culpa me

invadir. Depois de tudo, eu me esqueci do principal – que ela não


podia passar por um estresse daquele. E falar sobre o passado

agora era algo fora de questão. Ainda mais, para deixá-la de tal

forma.

— Valéria! — chamei-a novamente, de forma baixa e

controlada, tentando me lembrar de como Verônica fazia quando


Carol tinha alguma queda de pressão. — Por favor, amor. Por

favor... Acorde. — minha voz saiu com um implorar, e minhas

mãos em seu rosto, em desespero.

Um minuto e nada de ela se mexer.

Peguei meu celular e liguei para o médico que contratei há

algumas semanas, justamente, caso algo acontecesse. Em uma

cidade pequena quanto aquela, não queria arriscar ter que dirigir

até o posto médico mais próximo. E eu mal conseguia digitar, com


as mãos trêmulas.

Batidas na porta me chamaram atenção e enquanto falava


com o médico ao telefone, corri para abri-la.

— Reis? — pisquei, achando que estava perdendo a


cabeça.
— Sim, doutor. — falei, enquanto o médico me respondia
sobre o tempo que demoraria e o que fazer, e tentava ter certeza

de quem via ali, do outro lado da porta. — Dez minutos? — tentei

respirar fundo. — Ok!

— O que faz aqui? — senti meu corpo ser praticamente

empurrado para trás, e de repente, o homem que há tantos anos

não via, adentrava a casa de Valéria. — Tin tin...

Ele se jogou ao lado dela, e tocou seu rosto, como se

testando a sua respiração, do jeito que eu fizera antes.

— Ela...

— O que fez para ela? — sua voz era como um trovão. —

O que fez para que ela desmaiasse assim?

— Fontes...

— A última vez que a vi assim, foi depois de uma briga com

a maldita da Hellen... — ele então se levantou e veio até mim,

empurrando-me contra a parede, e me prendendo com o braço.

Ele era tão alto quanto eu. Talvez, tão forte quanto.

Contudo, eu conseguiria me livrar, mas a culpa me impedia. Era

como se eu quisesse sentir a dor, que eu lhe causei, sem

imaginar que o faria.


— O que...

— Sai de cima do meu irmão, porra!

— Val...

Vozes diferentes adentraram o ambiente, e senti Murilo


retirá-lo de cima de mim. Assim como, notei minha cunhada correr

até a amiga. Eu mal conseguia respirar, não por ter sido


pressionado, mas sim, por ver os meus olhos favoritos,
completamente fechados, e sem saber quando ela os abriria.

— Tadeu... — Murilo segurou meu rosto com força e eu mal


conseguia respirar.

Senti-o me tirar de dentro da casa, e por um segundo, um

estalo me veio, querendo voltar. Eu precisava estar perto dela. Eu


precisava cuidar dela. Contudo, as lembranças me atingiram. Do
mal que eu fizera. Do mesmo mal que Reinaldo nos fez.

— Irmão...

— Como pode me chamar de irmão? — perguntei, e me

afastei, deixando as lágrimas descerem. — Eu te traí, Murilo. Eu

traí o que a gente mais preza. E agora, eu machuquei a mulher

que eu amo. Eu a deixei no mesmo estado que...


— Não ouse comparar o que deve ter acontecido aqui, com

o que aconteceu anos atrás com aquele maldito. — segurou-me


com força, fazendo-me olhá-lo. — Não importa a porra do sangue

que corra nas suas veias, não é filho daquele bastardo. Não
machucaria ninguém de propósito. Não trairia ninguém por querer.

Você nunca o fez, Tadeu.

— Murilo...

— Eu já te disse, naquele dia. — segurou meu rosto e eu

tentei não quebrar mais. Lembrando-me exatamente do momento


em que lhe confessei, o pouco que eu sabia sobre aquela noite no

passado. — Não é culpado pelas escolhas dos outros. E há


momentos, que não temos como fugir.

— Valéria, ela...

— Ela acordou.

A voz de Olívia me atingiu, quase como um grito, já que


estávamos afastados, há passos da casa, no meio da fazenda. Eu

queria voltar e segurá-la firme, e nunca mais deixá-la ir. Mas por
um segundo, apenas me vi mal conseguindo respirar, e pensando

em quanto eu não a merecia.

Não merecia a quem amava.


— É certo! A Fontes mais velha vai se casar com o
Centurini mais velho!

Aquela informação, casualmente dita em uma reunião, por


membros outros representantes martelou em minha mente. E
então busquei com pude, e foi quando descobri que era real.

Valéria, a minha Valéria ia se casar. E não comigo.

A bebida foi de amarga para não sentir sequer o gosto em


poucas horas. E só parei quando não encontrei mais nenhum gole

sequer dentro da garrafa de uísque ou nos vinhos. Levantei-me,


cambaleando e não sabia ao certo o que faria. Talvez me

declarar? Talvez contar que não conseguia tirar os olhos dela de


minha mente desde que se encontraram com os meus naquele

simples esbarrão?

Conferi e reconferi o número do apartamento. Poderia ser

um bêbado, mas não me tornaria um bêbado que bate na porta


errada. Assim que a mesma se abriu, procurei pelos meus
cabelos ruivos favoritos e de tom único, e não os encontrei. Na

realidade, os cabelos eram mais claros, pareciam até loiros. Ela


disse algo, e me vi negando com a cabeça, já não sabendo o que

dizer.
E foi quando dei um passo à frente e toquei o seu rosto,
procurando memorizar cada detalhe, mas parecia tão embaçado,
que sequer estava raciocinando. E por um segundo, cabelos

loiros se tornaram ruivos, e eu soube. Era ela...

E surpreendendo-me, quando levei meus lábios aos seus,

ela os aceitou.

— Irmão...

A voz de Murilo me trouxe para a realidade, e suspirei

fundo. Aquelas lembranças só me mostravam que realmente não

merecia Valéria. Mas ainda assim, faria o que fosse preciso para
merecê-la.
CAPÍTULO XXVIII

“Talvez devêssemos apenas tentar

Contar uma boa mentira pra nós mesmos

Eu não queria fazer você chorar” [53]

VALÉRIA

Pisquei algumas vezes e senti um cheiro familiar.

Poderia levar anos, mas ainda assim, aquele cheiro de

canela, me lembrava dele.

— Gael?
E então, quando minha visão se tornou clara, pisquei sem

conseguir acreditar.

— Gael? — indaguei novamente, e minhas mãos correram

para o seu rosto.

— Apenas uma queda de pressão, pelo que vejo. — ouvi a


voz desconhecida, e me virei, encontrando o homem mais velho,

que já tinha visto na última vez que estivera no hospital, devido a

cólicas fortes, no ano passado.

— O que aconteceu? Eu tô alucinando?

— Quando fez sua última refeição?

Abri a boca, mas fechei-a novamente, lembrando


exatamente do que doutora Helena me recomendou antes da

consulta que Tadeu estivera. Eu precisava comer várias vezes ao


dia, nem que fosse pouco, devido a hipoglicemia que desenvolvi

com a gravidez. Merda!

— Eu desmaiei e estou alucinando?

— Eu não sou uma alucinação, tin tin.

Então me virei, e apenas me vi pulando sobre o corpo do

meu irmão mais velho. O primogênito da minha família, e a

pessoa que eu tanto sentia saudade – Gael.


— Como diabos apareceu aqui? — perguntei, e toquei seu
rosto, como se procurando algum machucado. — E como está

sem qualquer ferimento?

— Para com isso! — rebateu, e fez-me levantar, olhando-

me por inteira. — Você não cresceu muito... — provocou, e eu bati

contra seu peito. — Desculpe por demorar tanto.

— Eu pensei que fosse demorar para sempre. — assumi, e


ele me trouxe para o seu peito, abraçando-me. — Estamos com

saudade, Gael. Mais do que o suportável.

— Eu... Eu consegui o que tanto buscava. — olhei-o com

atenção, ao me afastar. — Vou entrar na briga pela empresa, com

Hellen.

— O testamento da mamãe? — ele assentiu, e eu levei as

mãos a boca, sem conseguir crer.

— Mas isso fica para depois. — tocou meus cabelos. —

Agora me diz, por que eu encontrei Tadeu Reis na porta?

Foi então que minha mente deu um estalo, e tudo voltou

com força.

— Se quer a verdade, eu vou te dar... Eu vou te dar tudo o

que quiser, Valéria. Qualquer mínimo pedaço que seja, porque eu


vivi de pedaços do que pude ter de você por anos... Porque eu

pensei que nunca teria uma outra oportunidade de estar perto de


você, e não vou mais deixá-la ir. Não se me pedir para ficar.

— Onde ele está? — perguntei, e o procurei pela casa,


mas nenhum sinal. — Onde ele...

— Ei! — ouvi a voz de minha amiga na porta, e em passos

longos, Olívia estava ao meu lado. — Como está se sentindo?

— De onde saiu todo mundo? — indaguei perplexa. —

Gael ainda mais... — bati novamente contra seu peito, como se o


culpando pela saudade. Filho de uma mãe maravilhosa! — O que

houve, Oli?

— Ele aí só conseguiu não ser morto pelo capataz, porque

a gente chegou e confirmou que era seu irmão. No caso, Murilo o


reconheceu. — olhei-a incrédula. — Inácio teve que ser segurado

por Mabi, para não socar o esquentadinho aí.

— Quem são essas pessoas? — meu irmão perguntou

baixo, claramente perdido. — Por que está com elas?

— A família que eu encontrei. — sussurrei, enquanto


segurava a mão de Oli. — Devia ter deixado Inácio socar a cara
dele, por mim. — Olívia riu, e eu acabei fazendo o mesmo. — Mas

como me encontrou? — perguntei alarmada.

— Nunca te perdi de vista. — piscou um olho, como quem

sabia muito mais do que realmente dizia, e sua sorte era que não
entraria naquele assunto por agora. — Tin tin... Apenas me diz, o

que Tadeu Reis fez para você? — indagou, e me vi sem saber o


que responder. Porque de repente, o que era bagunçado, se

tornou uma zona.

E eu me vi buscando-o novamente por cada canto, e não


encontrando. Era como se eu precisasse saber que ele estava ali.

Que ele estava ali por mim. Mas não. Eu não o encontrava, e de
repente, temia que ele estivesse fugindo.

Talvez tivesse dito mais do que realmente queria. Talvez a


nossa noite, a relação que criamos e minha declaração, o
confundiram. E agora, ele fugia.

— Ele está lá fora.

Oli falou, afastando-se levemente, com uma careta para o


meu irmão. E eu poderia esperar, por dias, para ver aquele olhar

escuro adentrar aquela casa – a minha casa. Eu precisava saber


mais. Tinha que saber mais. Merecia saber mais.
— Resumo do resumo? — peguei a mão de meu irmão e
trouxe para a minha barriga, e notei o choque em seu olhar. Sorri,
sem conseguir me conter.

— Está grávida? — sua voz quase não saiu.

E foi nesse exato segundo que senti o ar mudar, como se

eu precisasse olhar em outra direção. Eu o fiz, e como sempre, o


encontrei. Seu olhar no meu, e não conseguia disfarçar. Não o
que gritava dentro de mim. Não o que já revelei para ele.

— Estou. — falei, e o encarei por um segundo, para depois


voltar para o olhar escuro que tanto adorava e que agora, me

confundia mais do que o normal. Porque ele parecia um reflexo.


— Tadeu é o pai do meu filho.

Mas na realidade, ele era muito mais...

Ele era o homem que eu amava, e a quem me declarei

abertamente, minutos antes. Minutos antes de apagar e agora,


estar sem saber o que de fato ele queria dizer.
CAPÍTULO XXIX

“Você não vai retirar o que disse?

Diga que estava tentando me fazer rir

E nada precisa mudar hoje

Você não queria dizer: Eu te amo” [54]

VALÉRIA

— Está quase caindo de sono. — falei, revirando os olhos


e dando a coberta pesada para o meu irmão. — Bom que pode

usar as enormes pelúcias do seu sobrinho como travesseiro. —

ele riu, e me puxou para si novamente, dando-me um leve abraço.


— Há quanto tempo não dorme?
— Não precisa se preocupar comigo, tin tin. Já basta ter te

encontrado apagada quando cheguei. — afastei-me, tocando seu


rosto

Era tão típico de Gael, não se permitir descansar. Não se


permitir ser cuidado por alguém. Não o culpava, porque cresci

exatamente da mesma maneira.

— Pura irresponsabilidade minha. E no seu caso,

irresponsabilidade sua. — olhou-me, negando com a cabeça. —


Apenas dorme algumas horas, por mim. Pelo seu sobrinho.

— Golpe baixo.

— O que posso fazer? — dei de ombros, sorrindo para ele.

— Não vamos ter um momento fofo de irmãos até que te veja sem
essas olheiras horríveis.

— Pensei que estivesse com saudade. — provocou,

alongando os braços.

— Do meu irmão mais velho bom e saudável. — ele revirou

os olhos, e se recostou contra a cabeceira da cama. — Te chamo


para o almoço, mas se estiver dormindo, eu te acordo só no

jantar.
— Não vou poder ficar por muito tempo. — assumiu, e eu
assenti, sabendo daquilo.

— Tenho que te contar algumas coisas ainda, assim como


você deve ter uma lista desses últimos anos. — suspirei

pesadamente. — Mas agora, você dorme, e eu vou comer

novamente, porque vai dar a hora de eu ter algo na barriga.

— Além do bebê?

— Vai dormir, ten ten. — bati em seu braço e ele sorriu,

espalhando-se pela cama de solteiro, que antes estava


abarrotada de presentes dos Reis e Torres, mas agora, tinha-o

sobre. — Até já, irmão.

— Até, tin tin.

Fechei a porta atrás de mim, sentindo-me tão feliz por

poder ouvir a sua voz. Por saber que ele estava ali. Desci as
escadas com cuidado, e quando cheguei à sala, não pude evitar

procurar o dono dos meus pensamentos. Contudo, nenhum sinal

dele.

Não tínhamos falado absolutamente nada um com o outro,


após eu acordar. E aquela mera perspectiva de não saber, estava
me abarrotando. Fui até a porta da frente, a abri, e caminhei pela

frente da casa, sentindo a grama sob os dedos dos meus pés.

Se Tadeu me visse ali...

E como se fosse o destino, rindo da minha cara, senti meu


corpo ser levantado, e eu sabia exatamente quem era. Pela
presença. Pelo toque. Pela respiração. Era fácil saber que era ele.

— Vamos fazer disso uma tradição? — perguntei,


encostando minha cabeça contra o seu peito, sem conseguir

evitar.

Se eu pudesse mentir para mim mesma por mais alguns

segundos, após colocar meu coração em risco, eu o faria. Sem


pestanejar. Foi um tempo doloroso. Foi um tempo de perda. E eu

não só queria o lado dele da história – eu precisava.

Nunca imaginei que existiria algo além do que Bianca me

contou. Algo além da carta que ela deixou. Mas ainda assim,
depois de me apaixonar novamente por ele e pararmos

exatamente ali, eu merecia o benefício da dúvida. Ele o merecia.

Que Bianca me perdoasse, de onde ela estivesse.

Mas eu precisava pensar em mim, e no que eu sentia. Não

mais apenas no que os outros se prostravam. Contudo, o silêncio


de Tadeu, por todo o caminho, até me colocar no sofá,

cuidadosamente deitada, me confundiu. Ele não tinha estado ao


meu redor ou escutado o porquê do meu desmaio. Ele estava

preocupado? Ele estava... estava fugindo? Busquei seu olhar, e


ele desviou, como se a segunda opção fosse realidade.

Não.

Não mais.

TADEU

— Tadeu...

A voz de Valéria me fez pausar e me virar de imediato.

Voltei para analisá-la, agora no sofá, quase que deitada.


Uma mão protetoramente colocada em sua barriga, e era como se
ela tentasse proteger nosso filho, de qualquer coisa a qualquer

instante.
— Como Helena disse. — ela passou a mão pelo rosto,
respirando fundo. E eu queria segurar seu rosto com as mãos e
ter certeza de que não era um sonho. Ela estava bem. Ela estava

acordada. Fiquei repetindo a mim mesmo. — Eu esqueci de


comer hoje cedo

— O quê? — minha voz mal saiu.

— Se eu não como nos horários certos, isso acontece.


Pelo menos, durante a gravidez tem sido assim. — falou, tentando

se sentar, mas a impedi.

— Fica deitada mais um pouco.

— Eu estou bem. — insistiu, colocando-se sentada. —


Pode me trazer uma banana?

Assenti, e corri até a cozinha, voltando em segundos.

— Obrigada. — falou, mordendo um pedaço e jogando a

cabeça para trás, como se para esticar o pescoço, e logo voltou a


me encarar. — Tive até um sonho esquisito.

— Sonho?

— É... — riu no lugar, como se não acreditasse.

Seu olhar então parou no meu, e era como se eu


entendesse. Ela acreditava mesmo que o que disse a ela foi um
sonho? Ou ela estava tentando voltar aquele assunto?

— Não estava tentando me contar seu lado na história com

Bianca, estava? — indagou, e olhei-a em choque. De repente,


não conseguia sequer camuflar minhas reações. — Não foi um
sonho... Eu sei. — começou, mordendo outro pedaço. — Eu

confessei... Merda! — fechou os olhos, e negou com a cabeça. —


Se fosse um sonho, eu não estaria envergonha assim.

— Envergonhada pelo quê?

— De ter desmaiado no meio de uma revelação. — fez

uma careta e me encarou. — Se a minha mente estiver certa


depois de tudo isso que aconteceu... — fez um sinal para as

escadas, como se indicando o aparecimento do irmão. — E eu

não esteja fanficando...

— O melhor é não falarmos sobre isso. — cortei-a, e ela


franziu o cenho. — Já te fizemos passar mal uma vez, não

queremos que isso aconteça de novo.

A culpa me acertando.

Por que eu tinha que ter falado sobre aquilo?

Porque você não aguenta mais esconder. Não dela. Não

para ela.
— Vai simplesmente fingir que não tem nada para contar?

— perguntou, o seu tom mudando.

— Não vamos falar disso, não enquanto isso puder te

prejudicar...

— Qual é! — cortou-me, e notei a mágoa em seu olhar.

— Val...

— É uma brincadeira? É um jogo? — era clara a sua

revolta. — Por que não me dizer? Se é tão importante e...

— Não vamos falar disso agora.

— Então vá embora. — suas palavras me acertaram em

cheio. — Se não vamos encarar o que quer que seja juntos, eu

quero que saia.

— Val...

— Não! — indicou um dedo em minha direção. — Não vou

aceitar uma parte ou fingir que aceito. Não! Eu me apaixonei por

você de novo. Eu me declarei para você! Não vou aceitar partes

de ninguém! Ainda mais, se esse alguém é você.

— Eu só...

— Só estava confundindo as coisas? — riu sem vontade.


— Eu não posso suportar, te falar sobre o passado e te ver

assim de novo...

— Assim como? Desmaiando? — fez um gesto de pouco

caso. — Não vai usar isso como desculpa.

— Desculpa? — minha voz mal saiu.

— É. — seus olhos estavam marejados. — Se quer retirar

o que disse, que na verdade, não se apaixonou por mim aos


dezessete ou nesse tempo, a hora é agora...

— Você está entendendo tudo errado. — falei, suspirando

fundo.

— Ok, vamos pelos fatos... — respirou fundo. —


Transamos de novo, eu surtei porque descobri que me apaixonei

por você de novo, fugi de você de novo, só que você veio atrás de

mim e acabamos discutindo. Eu confessei que te amo, e você que

se apaixonou por mim no passado, só que desmaiei por conta da


hipoglicemia, quando acordei dei de cara com meu irmão que não

vejo há anos, e agora, está fugindo do assunto por medo de que

eu desmaie de novo? Algo a acrescentar?

— Val...

— Não vai fugir...


Não consegui mais apenas ouvir, minha boca foi

diretamente para a sua, calando-a. Sabia o quanto ela poderia ser


falante quando queria ou estava nervosa. Principalmente, quando

se sentia acuada. E ela estava. Exposta, completamente sincera

à minha frente.

Seus lábios encontraram os meus, e me afastei, antes que


fôssemos por outro caminho.

— Eu não vou fugir ou retirar o que disse... Só preciso ter

certeza de que vai ficar bem.

— E isso será?

— Depois que você tiver uma refeição completa, e eu

certeza que não está nervosa...

— E se eu desmaiar de ansiedade, até você me contar? —


olhei-a incrédulo. — Sabia que fofoca pela metade mata o

fofoqueiro? Assim como fanfic pela metade, mata o fanfiqueiro.

— Vou fingir que entendi o que disse. — peguei a banana


que ela deixou cair sobre o colo, e não terminou de comer. —

Termina sua fruta, e eu vou te levar para comer algo.

— Eu tenho marmitas saudáveis prontas. — falou, e deu de

ombros. — Mais barato e mais rápido. — apenas lhe dei um beijo


na testa, como resposta. — Tadeu...

Sua voz me parou, antes que pudesse sair.

— Só não... Não brinca comigo.

Voltei meus passos, e parei à sua frente, segurando seu


rosto com minhas mãos. Do jeito que sempre imaginei. Do jeito

que ela sempre estava nos meus sonhos.

Nunca imaginei que o momento certo chegaria. Mas ali

estávamos nós. E eu não queria mais fugir ou lhe deixar em


branco.

— Eu amo você. — uma lágrima desceu por seu rosto, e

limpei-a com cuidado. — E sempre amei só você. — meus lábios

foram para o caminho que a lágrima fez e depois para sua boca, e
por último, a sua testa. — Apenas precisamos pensar além de nós

agora... — olhei-a, e ela entendeu. Ela sabia que a saúde dela e

do nosso filho, vinha a frente. — Só alguns minutos, para quem


esperou uma vida, pode ser?

— Te dou vinte minutos.

Sorri, e me afastei a contragosto, para ir até a cozinha, e


arrumar algo para que ela comesse. Contudo, depois de tantos
anos, aquele sorriso estava colado na minha cara, e não me

importava com nada e nem ninguém que o visse. Apenas ela.

A mulher que eu amava, e que agora eu sabia... me amava

também.
CAPÍTULO XXX

“E ele está passando

Raro como o brilho de um cometa no céu

E ele faz se sentir em casa

Se o sapato servir, caminhe nele

Aonde quer que você vá” [55]

VALÉRIA

— Lembra-se de Hellen ter arrumado um casamento para

você quando tinha uns dezoito quase dezenove?

— Lembro. — falei, sentindo-o tocar minha mão sobre a


mesa, como se precisasse ter certeza de que eu estava bem ali.
— O que isso tem importância? Ela tentou vários arranjos até

assinarmos um contrato.

— Quando eu soube, não tinha ideia de que era um

arranjo... — olhei-o sem entender. — Acho que por ser você,


minha mente simplesmente travava. E eu... Bom, eu não tive o

melhor dia.

— Onde quer chegar?

— Bebi demais, além do que era acostumado e tomei

coragem de bater na sua porta... — pisquei algumas vezes,

incrédula. — Eu achava que era você. Quando fui levado até meu
apartamento me lembro de te puxar para mim. Lembro que eu

achava algo estranho o seu cabelo ruivo parecer tão mais claro,

mas a minha mente, pelo álcool, parecia estar com a pessoa

certa...

— Não...

— Sim. — um sorriso completamente triste surgiu em seu

rosto. — Eu só me lembro realmente, de acordar no outro dia e ter

Bianca na minha cama, com um sorriso e dizendo que queria

levar aquilo adiante.


— Ela disse que foi ao seu apartamento, que você a beijou
e disse que faria de tudo para acabar com o casamento caso... —

pisquei algumas vezes, tentando juntar os fatos.

Ok, ela tinha mentido sobre ter ido ao apartamento dele a

princípio. Mas e o depois? E tudo que ela contava?

— Não sei ao certo o que houve, mas sei que eu queria

muito contar que te amava... Eu precisava. Então não me


surpreendi quando Bianca me disse que me declarei

fervorosamente para ela. — apertei sua mão, notando que ele

fechava os olhos. — Eu disse a ela que foi um erro, que eu

confundi as coisas, e que... Que não era daquela maneira. Mas

então, ela disse que entendia eu me sentir mal por trair Murilo,

mas que ela não ia deixar passar. Caso não deixasse com que
me visse ou fosse ao meu apartamento, ela contaria.

Um soco no meio da cara doeria menos.

E por mais que eu não quisesse crer, era óbvio que Tadeu

não mentiria. Por que ele o faria? Depois de tanto tempo, eu

conhecia os trejeitos dele. E era nítido o quanto aquilo o abalava


e doía revisitar o mesmo lugar. E eu conhecia Bianca, que ela

usava o que podia ao seu favor, só não esperava que... que ela

fosse ser uma mentirosa.


— Eu mal conseguia te olhar, depois daquilo. — assumiu.

— Eu não conseguia ficar perto de Murilo. Eu... Eu senti a cada


vez que estava próximo a ela, que nunca me perdoaria. Que eu

nunca poderia seguir em frente. Que tinha destruído tanto o que


nunca tive com você, quanto a relação com meu irmão.

— Não tem ideia do que ela dizia? — indaguei, enquanto


algumas lágrimas desciam. — É por isso que me acho patética e
tive tanto medo de confiar em você... Eu sou tão facilmente

enganada. — assumi, e senti o seu aperto sobre as minhas mãos


na mesa. — Ela dizia que vocês ficaram juntos por todos aqueles

dias. Ela deixou uma carta falando que pôde sentir o amor de
alguém, quando esteve com você... — ri sem vontade alguma. —

Como eu não desconfiei disso?

— Como alguém desconfiaria? — rebateu, fazendo-me


olhá-lo. — Eu nunca soube que alguém sabia, até você me

colocar contra a parede naquele bar, anos atrás... E foi quando


percebi que achava que tinha te perdido no passado, por achar
que não a merecia, naquele momento, tive certeza. Porque eu

não tinha ideia do que Bianca falou, e ainda não tenho, mas eu
sabia que ela fantasiava sozinha, em seu canto, quando estava a
sós... Levei anos para absorver isso tudo, e entender. Eu acho

que ela estava em desespero, e...

— Usou você de escape. — assumi, levando uma das

mãos ao rosto dele, em que uma lágrima descia. — Por que não
me disse? Naquela noite em que te chamei de traidor? Ou nas

outras vezes? — engoli em seco, sentindo a culpa me atingir.

— Porque é assim que me sinto, e não há nada que mude


o fato de que estive com ela naquela noite. — suspirou fundo,

olhando-me. — Mesmo que não tenha sido intencional, eu...

— Ela se aproveitou de você, Tadeu. — levantei-me,

sentindo a raiva tomar conta. — Como ela pôde? Como ela pôde
simplesmente me contar uma história de amor, sendo que na

verdade, te usou?

— Amor, por favor...

— O quê? — deixei as lágrimas descerem com força. — Eu


aceitei tudo. Eu aceitei que ela me contou todo o amor lindo de

vocês, e que me quebrou por dentro, mas eu não senti raiva.


Porque ela não sabia do que eu sentia, e nunca permiti que

ninguém soubesse. Só que agora, descubro que ela usou o


homem que eu amo... Que diabos de pessoa faz isso? Usa
alguém que está bêbado e...

— Não pode se estressar. — cortou-me, e logo o senti me


puxar para os seus braços, trazendo-me para o seu colo, no qual
me sentou, com cuidado.

— Eu não acredito que guardei por anos o segredo dela,


para ela simplesmente... — neguei com a cabeça. — Por que ela
faria isso?

— Eu queria não ter ouvido.

Assustei-me com a voz, e com Murilo adentrando a


cozinha.

— Deixaram a porta da frente aberta, e... Sinto muito por


estar ouvindo a conversa de vocês. — assumiu, e eu mal
respirava. — Mas acho que devo me intrometer um pouquinho.

— Ele sabe. — o sussurro de Tadeu me fez piscar algumas


vezes, incrédula.

— Mas...

— Tadeu me procurou dias atrás, e me contou sobre o que

houve... — ele suspirou pesadamente, e se aproximou. — Eu não


o culpo. E eu não culpo você por ter guardado esse segredo.
— Murilo, eu...

— Nenhum de vocês tem culpa do jogo que Bianca decidiu

fazer naquela época. — sua fala me pegou completamente de


surpresa. — Eu a amo, como minha melhor amiga, até hoje, mas
eu a conhecia... Bianca podia ter palavras bonitas, mas ela

sempre pensou apenas em si. Desde que a conheço. É quem ela


era... — deu de ombros. — O que não justifica, mas explica
muitas das suas ações.

— Ela realmente... — fechei os olhos com força. — Eu me

sinto tão patética, culpada e burra. — assumi, e olhei para os


dois.

Senti as mãos de Tadeu em meu rosto, forçando-me a

encará-lo, como quem diz: não é nada disso.

— Eu sinto muito por terem se perdido por isso. — Murilo


falou, e logo vi minha amiga entrar no campo de visão,

abraçando-o. — Eu só precisava que soubesse, Valéria. Não a

culpo. Não culpo Tadeu. Nem mesmo consigo culpar Bianca. Mas

a raiva, a dor, a mágoa... você pode sentir. Se permita. Uma


mentira dessas, que define parte da sua vida, não pode ser

simplesmente esquecida.
— Obrigada por entender. — falei, e ele sorriu, do jeito fácil

e leve que sempre me pareceu. Olívia me deu um leve aceno com


a cabeça, antes de ambos se afastarem por completo.

Ouvi a porta da frente ser fechada, e suspirei fundo, ainda

no colo de Tadeu.

— Por que não me disse que contou a ele? — indaguei,

agora segurando o seu rosto, em busca de repostas.

— Porque queria que tivesse o seu tempo, para querer

contar.

— Não é uma história minha, Tadeu. É sua. — assumi. —

Eu só fui colocada no meio, porque Bianca decidiu que... Enfim,

não vou pensar nela agora, porque minha vontade é gritar toda

essa raiva que subiu.

— Não vale a pena. — seu nariz parou no meu, e olhei-o.

Ele parecia tão frágil e entregue ali, que me atingiu por

inteiro.

— Então a gente se apaixonou ao mesmo tempo... —

suspirei fundo. — Desencontros e reencontros, e aqui estamos?

— indaguei, e ele assentiu. — Eu sinto muito.


— Pelo quê? Por me encontrar? — bati em seu braço, e

tive que sorrir em meio às lágrimas que teimaram em voltar. —

Pelo quê, amor?

— Eu gosto quando me chama assim. — assumi, e era tão


bom poder fazê-lo, de forma livre para ele. — Mesmo que nesse

instante, não sinta que o mereça.

— Val...

— Se eu tivesse surtado e brigado com você, por estar

com o coração quebrado naquela época. Se eu tivesse, ao menos

te perguntado, e não te abordado bêbada naquele bar anos atrás.

Se eu tivesse...

— Não estaríamos exatamente aqui. — ele falou, cortando-

me. — Não teríamos construído uma relação como essa, e... —

suas mãos pararam sobre minha barriga, fazendo com que eu


ficasse ainda mais bagunçada. — Eu sei que é frustrante e pode

ser que demore para entender tudo, mas... A nossa história é o

que ela é. E nós a fazemos.

— Queria voltar no tempo e ter desconfiado. — encostei


minha testa na dele. — Mas eu não mudaria nada, se fosse para

estar exatamente aqui, nos seus braços...


— Sendo o meu amor? — indagou, e abri os olhos,

procurando a certeza no deles.

— Sendo o que você quiser, Tadeu. — assumi. — O que

quiser de mim.

— E se eu quiser tudo? Como me mudar para cá, te dar o


meu sobrenome e te ver de branco até o altar?

Eu ri, sem conseguir crer que a gente parava exatamente

ali.

— Não sei se choro ou fico feliz, pelo seu sorriso. —


admitiu, e eu passei as mãos de leve por sua barba.

— Acredite, não estou forçando um. Não aqui. — suspirei

fundo. — Não mais com você.

— Sem armadura ou se esconder?

— Bom, se aceitar uma mulher confusa, de humor

duvidoso e completamente apaixonada... Essa sou eu.

— Gosto de cada versão de você. — falou, passando as

mãos de leve por meu cabelo. — Principalmente, a versão em


que eu vejo esses cabelos ruivos jogados pelo travesseiro, todas

as manhãs...
— Olha só, temos um fanfiqueiro por aqui. — ele riu, mas

eu sabia que não entendia ainda o que significava aquilo. Projeto

novo: mostrar para Tadeu o mundo das fanfics.

— Se significa que posso fantasiar com você, sendo minha,


todos os dias... Então sim, sou isso aí.

— Não pode fantasiar. — rebati, e seu olhar mudou, como

se não entendesse. — Não pode porque eu vou tornar isso


realidade.

— Como?

— Bom, começando com... Se eu sou o seu amor, preciso

ter uma dose diária muito maior do sentimento, certo?

— Sim...

— E imagina só, o quão mais fácil seria, se pudesse ter

você como a última visão antes de dormir, e a primeira ao

acordar?

— Gosto de olhar por esse ângulo.

— Eu também. — Levei meus lábios aos dele, e o leve

toque, me fez quase derreter. — Acho que só preciso descansar

um pouco e tentar não surtar pela ira que está dentro de mim. Tô
com raiva de tanta coisa, que acho que vou explodir.
— Por que não coloca para fora?

— Porque não quero mais desperdiçar um momento que


seja, pensando nisso... Não quando posso pensar em você.

Seus lábios vieram para os meus, e os aceitei. Não era um

beijo de desespero. Bem longe daquilo. Na realidade, era um

beijo de confirmação. De que, finalmente, estávamos na mesma


página e livres. E eu não perderia mais nenhum momento único

que poderia ter com o homem que eu amava, e que agora sabia,

me amava também.
CAPÍTULO XXXI

“Você consegue ouvir no silêncio, no silêncio

Você consegue sentir na volta para casa, volta para casa

Você consegue ver com as luzes apagadas, luzes apagadas

Você está apaixonada, um amor verdadeiro

Você está apaixonada” [56]

VALÉRIA

— Por que não fica aqui? — Tadeu me puxou novamente

para a cama, e eu ri, aceitando ser envolta por ele. — Não é muito

cedo?

— Já é de tarde, e eu preciso fazer uma coisa.


— Precisa mesmo... Precisa me beijar e ficar nessa cama

pelo resto do dia.

— Preciso acordar, Gael. — sussurrei, e então seus olhos

se abriram, como se ele lembrasse da existência do meu irmão.


— Que foi?

— Ele tentou me bater.

— O quê? — minha voz saiu num grito.

— Vai acordar ele. — falou estupefato, e eu o encarei

incrédula.

— Ótimo, porque eu vou dar um soco naquela cara

enxerida.

— Eu poderia tê-lo afastado facilmente, só... Só estava


surtando com você desmaiada.

— Desculpe por isso. — assumi, dando um beijo no topo

do seu nariz. — Vou comer nas horas certas.

— Não quero nunca mais passar pela sensação de

impotência de vê-la desacordada daquela maneira...

— Imagina seu pai no dia do parto, coisinha? — perguntei

para minha barriga, exposta devido a camiseta estar enrolada

abaixo dos meus seios. — Aposto você poder usar chupeta que
ele desmaia. — senti um leve chute e ri sozinha, imaginando que
ele gostou da ideia.

— Eu vou estar medicado, pode ter certeza. — Tadeu


dramatizou, e senti sua mão em minha barriga, o que fez nossa

coisinha praticamente dançar lá dentro.

— Puxa-saco...

Tadeu riu, descendo pelo meu corpo, e logo senti seus

lábios contra a minha barriga.

— Sempre quis fazer isso. — admitiu, e eu tive que sorrir

da cena linda que se desenrolava bem ali.

Poderia guardar os dois em um porta-retratos. Senti mais

beijos por minha barriga, e nosso filho respondendo na mesma

intensidade. Se eu pudesse, ficaria ali, presa à cena, por horas.

— Quando disse que a amava... — levei minha mão ao seu

rosto, sobre a minha barriga. — Quando disse que amava a

nossa coisinha, aquele dia, que cantou pela primeira vez. Foi para

mim também, não foi?

— Sempre foi para você. — admitiu, e seu corpo pairou

sobre o meu. — Bastava querer olhar, amor.


— E eu achando que você poderia ser um homem melhor...

— suspirei fundo. — Como eu pude ser tão cega?

— Dizem que o amor é cego. — bati em seu braço, mas eu

adorava aquele lado debochado que apenas eu tinha dele. Era


como se eu pudesse acessar cada pedacinho exposto dele, e

torná-lo ainda mais meu. — Eu nunca imaginei que me amasse


também, mesmo que enxergasse a nossa atração.

— Duas pessoas burras numa relação só podia dar nisso...

— relaxei, levando a mão dele à minha barriga novamente. —


Que a nossa coisinha puxe a parte inteligente perdida.

— E tenha os seus cabelos, sua boca, seu nariz...

— Seus olhos. — falei, sem conseguir me conter. — A

parte que eu mais amo em você, depois do seu... — ri de lado,


imaginando outra conotação para a frase.

— Não acredito que está me resumindo a sexo. — rebateu,


fingindo-se de ofendido. — Sou muito mais que o meu...

— Coração? — cortei-o, e ele parou de segurar o riso. —

Sou péssima sendo fofa, mas sério... Eu quero essa cor na nossa
coisinha. — falei, e tracei levemente ao lado dos seus olhos. —

Minha cor favorita.


— Só queria não ter perdido tanto... — suspirou fundo,

assim como eu. — Mas temos todo o tempo do mundo para


recuperarmos, certo?

— Em todas as vidas que pudermos...

Seus lábios vieram para os meus, e os aceitei, perdida em

cada parte do seu toque, e como ele me fazia sentir. Batidas


fortes na porta, fizeram com que parássemos o beijo, e encarei-a
sem entender.

— Acho melhor estar sozinha nesse quarto trancado, tin


tin.

— Tin tin? — Tadeu indagou, olhando-me curioso. — Esse

é o seu apelido vergonhoso?

— Não vou admitir, até saber o seu... Aliás, to sendo

enrolada há dias. — ele sorriu, e beijou minha testa. Batidas


voltaram na porta, e eu revirei os olhos, levantando-me. — Salva

pelo meu irmão sendo um imbecil, mas ainda assim, vou


descobrir.

Tadeu apenas me deu aquele olhar de “você é a coisa mais

linda curiosa” e eu me derreti, indo até a porta e abrindo apenas


um pouco.
— O quê? Veio lutar pela honra da sua irmã grávida? —
perguntei, e Gael arregalou os olhos, claramente vendo que
estava fazendo um show sem motivo. — E antes que pergunte,

sim, estamos juntos. Sim, ele é o amor da minha vida e a gente


vai se casar, algum dia.

— Eu sou? — ouvi a pergunta de Tadeu, e seu corpo ao


meu redor. Suas mãos pairando na minha barriga. — A gente vai

casar? — sua pergunta veio como um sussurro, e eu revirei os


olhos.

— Melhor correr enquanto pode. — falei, enquanto meu

irmão nos encarava incrédulo. — Pode usar Gael de desculpa,


dizer que ele era contra essa relação e tal... — senti um leve beijo

em meus cabelos. — O que foi, ten ten?

— Desde quando estão realmente juntos? — indagou, e eu

ri.

— Bom, desde hoje, mas... Literalmente, igual o meme do

Titanic, estamos nessa parece que há 84 anos. — senti um leve


aperto em minha cintura, como se chamando minha atenção.

— Ele era o cara que você gostava aos quinze...


— Como sabe que eu gostava de alguém aos quinze? —
rebati.

— Você ficava suspirando e cantando Taylor Swift pela


casa, algo não tava batendo... — engoli em seco, pela exposição
na lata. — Eu só não esperava que demoraria treze anos para

finalmente estar com ele... — debochou, e eu queria voar em seu


pescoço.

Se ele soubesse da missa a metade.

Meu olhar encontrou o de Tadeu, e eu sabia que ele era a

única pessoa que de fato compreendia aquele tempo de espera, o


qual nos trouxe exatamente até ali. E eu sorri, porque apesar de

todos os pesares, eu estava em seus braços.

E única coisa que gostaria de tirar proveito daquele tempo

separados, era a dívida que ele tinha comigo. De um segredo que


não me pertencia e que era uma mentira. Mas ainda assim,

poderia ser transformado em algo nosso. Então, se um dia,

pudesse cobrar, seria para que ele permanecesse exatamente

assim, em meus braços.


EPÍLOGO

“Esse amor é bom, esse amor é mau

Esse amor está vivo de volta dos mortos

Essas mãos tiveram que soltá-lo

E esse amor voltou para mim” [57]

Depois...

Aquele amor era deles.

Demoraram anos, lágrimas e desencontros para que fosse,

mas era. Tadeu Reis sabia que talvez nunca se perdoasse pelo
fato de ter bebido tanto naquela noite. Contudo, não se culpava
mais pela escolha de Bianca, não depois de ouvir com detalhes o

que ela disse à mulher que ele amava.

Bianca não sabia que ele amava Valéria, contudo, por que

fingir que ele a amava?

Era o tipo de pergunta que não valia a pena perder seu


tempo. Não mais. Não depois de tudo o que lutou, contra si,

contra seus sentimentos e contra sua dor. Ele enfrentou seu maior

medo, que era perder um de seus irmãos, por aquele erro, e


felizmente, ele tinha a sorte de sua família ser como era. Murilo

não o julgou em nenhum momento, na realidade, o entendeu.

Ajudou-o, no fim, e mesmo que Tadeu jamais se perdoasse, ele


tentava, todos os dias, por Murilo. Pelo irmão dele tê-lo feito.

E olhando para onde aquilo lhe trouxe, ele gostaria sim, de

mudar um pouco do caminho, mas não mudaria nada, caso fosse

perder aquele agora. O agora onde Valéria sorria, em uma mesa


farta, com os Torres, Fontes e Reis reunidos. Ela parecia

finalmente completa, e o coração dele, se completava por aquilo.

Nela, ele sempre encontrou a parte perdida de si, do amor

que nunca imaginou ser real, mas era. Porque foi feito para ela.

Eles construíram uma história baseada em não conseguirem


negar o que sentiam, mas sem conseguirem enxergar o que o
outro sentia.

Contudo, ele enxergava agora.

Com ela sorrindo, ficando de pé e as mãos na barriga de

quase seis meses. Ele não podia imaginar que estariam

exatamente ali, naquele momento, para anunciarem o que todos

esperavam, mas não durante aquele almoço.

— Momento da grávida.

— Ei, eu também? — Olívia rebateu, e ela revirou os olhos

para a amiga.

— Momento da grávida de cabelos ruivos. — corrigiu e seu

olhar parou no meu, que estava sentada à sua frente, do outro

lado da mesa. — Preciso fazer um anúncio.

— Que estão juntos? — Igor perguntou, rindo de lado,

enquanto levantava sua taça de vinho. — Quem não sabe disso

ainda?

— Irmão...

— O quê? — Tadeu o olhou como se fosse socá-lo. — Ah,

é, esqueci que não podemos interromper a patroa dele. —

provocou, e a mesa estava cheia de risadinhas.


— Na verdade, só Tadeu acha que vou anunciar isso para

todos. — foi então que ele a encarou sem entender. O que ela
estaria aprontando? — É meio óbvio que estamos juntos, já que

mal conseguimos ficar longe um do outro, mas isso não é o foco.

— Não? — foi a vez de ele perguntar, perdido.

— O que está aprontando? — a voz de Paola era baixa,

mas todos a encararam. — Tin tin, não dá ponto sem nó.

Valéria então deu a volta na mesa, com um sorriso no rosto

e parou exatamente ao lado dele. A mão de Tadeu foi


instantaneamente para sua barriga, e ela sorriu quando a coisinha

deles chutou. Não mais apenas coisinha, ela agora sabia.

— Lembra sobre o apelido vergonhoso? — ele franziu o

cenho, assentindo. — Acho que podemos chamar a nossa


coisinha assim também.

— O que ursinho carinhoso tem a ver com... — Carol se


calou, arregalando os olhos. — É um menino!

Valéria riu alto, assentindo, enquanto a mesa se tornou

uma festa. Contudo, quando seu olhar parou no dele, foi como se
tudo ao redor perdesse o foco. Eram apenas eles e aquele

momento. A coisinha irritante como o pai, demorou o tanto que


pôde para lhe mostrar o sexo. E ela conseguiu enganar Tadeu na

última consulta e guardar tal segredo.

Sentiu-o puxá-la para os seus braços, e notou o sorriso no

canto de sua boca.

— Não acredito que descobriu o apelido e ainda o usou

para... — ele riu, e beijou sua testa. — É por isso que eu te amo.
— sussurrou, puxando-a para perto.

— Por quê? — Valéria indagou, provocando, mesmo que já


soubesse.

A resposta dele foi encostar os lábios nos dela. Como


sempre, os beijos deles, eram o encontro que sempre
necessitavam.

Eles se amavam, porque eles se completavam.

Existia uma grande diferença entre o que cada um era,

mas ainda assim, existia um encontro perfeito em cada limite um


do outro. Em cada detalhe. Em cada momento. Em cada sorriso.
Em cada troca.

Tadeu encontrou em Valéria a pessoa que o compreendia,

e o permitia ser quem era. Valéria encontrou em Tadeu um lugar


onde podia se permitir ser cuidada. E eles se encontraram, na
coisinha que os fez finalmente enxergar um ao outro.

Eles se amaram à primeira vista, sem razão. Tão jovens,


mas eles souberam. Eles se amaram outra vez, com certeza. Tão
maduros, contudo, mais quebrados. Entretanto, da segunda vez,

existia uma peça que era parte dos dois, e os fez se encaixar
novamente. Uma peça que não era a razão para se amarem, mas

sim, o reflexo daquele sentimento.

E eles se amaram de novo, enquanto ela sorria em seus


braços e ele beijava sua testa, envoltos de gritos e palmas. Era

assim. Simples assim. Apaixonar-se pela pessoa certa todos os


dias.
Dentro da sua alma, você sabe
quando é hora de ir...

“Quando as palavras de uma irmã voltam em sussurros

Que provam que ela não era”[58]

VALÉRIA

— Eu queria te odiar. — falei, encarando pela primeira vez

a lápide de Bianca e me sentindo leve. — Mas a realidade, Bia?


Não consigo sentir nada além de raiva, quando paro para
reanalisar a situação. — admiti. — E me culpo por sentir raiva da

situação toda, porque essa sou eu. — fiz uma leve careta. — Só

queria te dizer, que eu não vivi a vida que fizeram para mim, na
verdade... a vida aconteceu. Para mim e para Tadeu. A gente se

encontrou, sabe? A gente se reencontrou, na verdade? —

suspirei fundo. — Eu acho que nunca vamos saber realmente o


que houve naquela noite. Já que bom, não podemos confiar no
que você disse. Mas a questão é que todos estamos em paz. Eu

não tendo mais que guardar segredo. Tadeu, perdoando a si


mesmo. Murilo, que parece nem ter sido abalado de fato com

isso. E eu não posso mentir, ao pensar que você usou o homem

que eu amo... Mas não consigo te odiar. Eu só acho que no fim,


preciso fechar essa parte. E por isso estou aqui. Espero, um dia,

não sentir mais raiva ou mágoa com isso, mas... Até lá. Fique em

paz, Bia.

Troquei as flores, como fazia todo o mês, mas a realidade

era que não sabia quando voltaria. Apenas o pensamento de


Bianca usando Tadeu daquela forma, me matava por dentro. E iria

contra tudo o que eu acreditava. Se um dia pensei que ele era um

traidor, na realidade, ela foi. Comigo. Com ele. Com Murilo. E

bom, fomos nós a sofrer por aquilo, e não queria mais. Não

mesmo.

Que aquela história se findasse.

— Depois de tantos anos... — pisquei algumas vezes,

virando-me, e encontrando a mãe de Bianca, que me destinou um

leve sorriso. — É uma boa amiga, Valéria.

— Como está, senhora Ferreira? — indaguei, e ela parecia

como da última vez que a encontrei ali, meses atrás.


— Tentando, um dia de casa vez.

Engoli em seco, levando a mão à barriga, e não consegui

imaginar o tamanho da dor que seria, se me tirassem o que mais


amava. Sabia que Lauren Ferreira nunca conseguiu superar a

morte da filha. Mas quem o fazia? Quem conseguia?

Apenas de pensar na possibilidade, me sentia fraca.

— Eu encontrei nas coisas de Bianca. — destinou-me um

envelope, e a encarei incrédula. — Bianca me disse que deixaria

cartas, mas muitas se perderam depois que a perdi... acredito que


essa seja a única que restou, e a encontrei no fundo do seu

guarda-roupa, há alguns dias.

Ela então me estendeu, e eu aceitei o envelope, com as


mãos trêmulas.

— Não sei por onde anda ou o que faz, Valéria. Mas só


queria agradecer, por se lembrar dela... — olhei-a, e me

compadeci da sua dor. — Acho que agora vai me entender,

quando digo que não há nada maior do que alguém que ame,

aquele que mais amamos.

Assenti, e lhe dei o espaço que precisava, para ter o seu

momento ali, com a filha.


Caminhei de volta, e olhei rapidamente para o envelope,

que tinha o meu nome. Suspirei fundo, mas nem por um segundo,
duvidei do que faria. Não mais. Tinha resumido grande parte de

mim e dos meus sentimentos ao que Bianca ditou um dia. E


naquele momento, as palavras dela não tinham mais poder. Não
sobre mim.

Então, vi-me rasgando a carta, e jogando-a no primeiro lixo


que encontrei. Poderia ser que estivesse lá, uma explicação para

tudo, ou uma explicação para nada. Um monólogo ou um


romance. Já não me importava. Não mais.

Senti o pingo de chuva sobre meu nariz e sorri, dando


passos largos para poder chegar logo à entrada do cemitério. E
um pouco antes da chuva despencar, senti meu corpo ser

levantado e fui carregada com cuidado até o carro, sem dar


chance de ser molhada. Quando Tadeu finalmente se sentou no

banco do passageiro e a tempestade caiu, apenas o encarei, e


soube que eu não queria mais pensar naquilo.

Não mais.

Era o meu ponto final para aquela história que não me

pertencia.
E ele era o ponto de recomeço do amor que sempre me

pertenceu.

E a mesma pergunta voltou à minha mente, enquanto ele

me puxou para si e beijou meus cabelos: se pudesse escolher o


amor, não escolheria amar Tadeu Reis, certo?

Errado.

Totalmente errado.

Porque mesmo que pudesse escolher, ainda seria ele.


Sempre ele.
EXTRA

“Alguns garotos estão tentando demais, mas ele nem sequer tenta

Mais novo do que meus ex-namorados, mas age como um homem feito,
então

Não vejo nada melhor, eu o manterei para sempre

Como uma vingança”[59]

LISA

Eu posso ficar de babá nesse fim de semana.

Mandei a mensagem no grupo de amigas, e Val respondeu


com uma figurinha animada. Deixei o celular sobre o balcão e

peguei minha garrafa de água, girando pela sala, e cantando junto


com a música. O problema consistia em estar cantando e

pensando nele.

Maldito seja Igor Reis!

O homem parecia ter se enraizado em mim e em minha

vida, desde que nos conhecemos. E agora, mesmo não tendo


mais nada, a não ser aquela amizade estranha que construímos,

permanecia nos meus sonhos secretos.

— Bem que ele podia só sair da minha mente por um

segundo...

Suspirei, e me joguei no sofá, pronta para assistir pela


milésima vez o mesmo show. Contudo, o barulho da campainha

me fez gemer contra o estofado. Quem diabos apareceria às duas

da manhã?

Caminhei a contragosto até a porta, tendo a certeza de que

só poderia ser engano, ou minha vizinha pedindo algo


emprestado. Contudo, quando olhei pelo olho mágico, me

surpreendi ao encontrar Igor. Ele estava sumido há algumas

semanas. E fazia muito tempo que não aparecia ali.

— O que... — parei de falar, quando abri a porta e notei-o

tirar um bebê de um carrinho e segurá-lo no colo. — O que está

acontecendo?

— Eu... Eu preciso que se case comigo.

— O quê? — minha voz mal saiu, e o bebê chorou ainda

mais alto.
— É sério. — olhei-o, buscando alguma brincadeira em seu
semblante, como sempre, mas não havia nada. — Preciso que

seja minha esposa.

— Por que está me pedindo isso?

Igor suspirou e seu olhar pousou no bebê em seu colo.

— Por ele.

Continua?
NOTA

E depois desse EXTRA eu só imagino você assim: como


assim, Aline???? Pois é, só digo que o próximo Reis vem aí, com
outro clichê que a gente ama. Mas o que eu tenho que dizer é: se

você sentiu curiosidade e quer continuar nessa jornada comigo,


só que agora, do lado dos Reis, não se esqueça de avaliar Val e
Tadeu, e claro, a nossa coisinha favorita.

O que achou deles? Se surpreendeu? Passou raiva?


Gostou de como as coisas correram? Não esquece de me contar

��

Tadeu é a apenas o primeiro Reis, e teremos um melhor


desenvolvimento da família como um todo, ao decorrer dos outros
livros. Então, as lacunas em aberto, ainda serão fechadas.

Preparadas para ver mais de Tadeu, Val e a coisinha só que pela

visão dos outros personagens? E os Fontes, Aline? Bom, aí


depende de vocês... O que acham?

Caso queira saber mais sobre os projetos futuros a respeito

de Igor, Carolina e Verônica, me siga nas redes sociais listadas


abaixo, principalmente no instagram (@alineapadua). Estou doida

para poder compartilhar tudinho com vocês.

Obrigada pela leitura,

Aline
CONTATOS DA AUTORA

Instagram: @alineapadua

Tiktok: @autoralinepadua

Twitter: @alineapadua

Meus outros livros: aqui


O melhor amigo do meu irmão (A REJEIÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Gabriela Moraes era apaixonada pelo melhor amigo do irmão


mais velho desde os quinze anos. Antônio era mais do que o seu sonho de
consumo, ele também era a pessoa com quem ela sempre pôde contar. O que
ela não imaginava, era que no seu aniversário de dezoito anos, ela seria
rejeitada da forma mais fria por ele.

Dois anos depois e ele bate à sua porta.

Ela queria não sentir nada, e não sabia o que ele fazia ali. Porém,

sabia que, nunca mais, lhe daria a chance de quebrar seu coração.
O irmão da minha melhor amiga (A REDENÇÃO)

clique aqui

Sinopse: Ane Sousa nunca quis se apaixonar por ninguém, muito


menos, pelo irmão mais velho da sua melhor amiga. Fábio Moraes era um
amigo, no fim, mesmo que a cada sorriso ela se visse sorrindo também. Era
inevitável desejá-lo. Quando aqueles lábios se tornam seus, por alguns
segundos, Ane pensa que talvez estivesse errada. Porém, a forma como ele
reage, lhe mostra, que o certo, sempre foi correr do sentimento.

Momentos marcados por desculpas esfarrapadas.

Dois anos de uma amizade consolidada, e nada mais.

Duas pessoas que fogem do real sentimento que as envolve.

No fim, eles se tornarão o clichê que nunca desejaram?


UMA GRAVIDEZ INESPERADA

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SINOPSE

Se no meio do caminho de algumas pessoas tem uma pedra, no


meio do caminho de Maria Beatriz, sempre teve Inácio. O herdeiro da
fazenda que fica ao lado das antigas terras de sua família, tornou-se um
homem bruto e fechado, que quando aparece na sua frente, ela já sabe que só
pode ser problema ou alguma proposta indecorosa. Maldito peão velho!

Inácio Torres é um homem de poucas palavras, mas que vê em uma


mulher tagarela, a oportunidade perfeita. Mabi precisa de dinheiro, ele o tem.
Ele precisa de um casamento falso, e ela é a escolha perfeita. Porém, a única
coisa que recebe de Mabi, como sempre, é uma negativa. Maldita criança
sonhadora!
No meio das voltas que a vida dá, uma noite de prazer os marca. E a
consequência será muito maior que o arrependimento: UMA GRAVIDEZ
INESPERADA.
CEO INESPERADO – meu ex melhor amigo

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SINOPSE

Se nem tudo que reluz é ouro, Júlio é apenas a melhor imitação de


pedra preciosa em que Babi colocou os olhos.

O seu ex-melhor amigo, a abandonou e quebrou seu coração quando


eram adolescentes. Bárbara Ferraz jurou a si mesma que nunca mais o
deixaria ficar perto. Maldito CEO engomadinho!

Júlio Torres sabe que deixou uma parte de si para trás. Sua ex-melhor
amiga o odeia e ele, muitas vezes, teve o mesmo sentimento por si. Maldita
sombra!

Júlio sabe que não pode mais ignorar, porque ele não quer apenas a sua
melhor amiga de volta, ele a quer como sua.
Babi foge dele como o diabo foge da cruz. Entretanto, como fugir se
depois do reencontro e finalmente os pratos limpos, ela se descobre
grávida do seu ex-melhor amigo?
O BEBÊ INESPERADO DO COWBOY

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SINOPSE
Se existe amor à primeira vista, Abigail Alencar e Bruno Torres
compartilham o completo oposto. Abi o detestou desde o primeiro momento,
e com o passar dos anos, o sentimento permaneceu. Bruno é o típico cowboy
cafajeste, arrogante e popular, que ela não suporta um segundo na presença.

A cidade pequena sabe de seu desgosto e desinteresse no mais novo


dos Torres, porém, ele sempre pareceu ficar ainda mais animado em confrontá-
la. Se existe algo sobre Bruno que ela conhece bem, é que ele não foge de um
desafio.

Assim, quando Abi o encontra como babá da sua filha de apenas um


ano, ela só consegue pensar que ele quer algo. Bruno jura que está ali apenas
para tirá-la do sério, como sempre, mas tudo acaba por mudar, naquele exato
instante.
Existe uma linha tênue entre o amor e o ódio... eles estarão
dispostos a cruzá-la?
FELIZ NATAL, TORRES

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SINOPSE
O Natal parou de ser uma data festiva, e tornou-se dolorosa, assim que
Maria Beatriz perdeu os pais. No entanto, nesse ano, tudo mudou e ela vai lutar
para que essa data seja ressignificada. Que ela possa sorrir na data, o tanto
quanto, um dia o fez, no passado. Assim, ela precisa que tudo saia PERFEITO.

Uma árvore de Natal destruída, enfeites perdidos pela casa, a ceia que
não vai chegar a tempo, um desmaio...

Será que ela terá o seu Feliz Natal ao lado dos Torres?

Esse é um conto natalino, narrado na visão de Mabi e Inácio (do livro


Uma Gravidez Inesperada), onde você poderá passar essa data tão especial
ao lado da Família Torres.
UMA FAMÍLIA INESPERADA PARA O VIÚVO

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SINOPSE
Olívia Torres sempre teve em mente que para bom entendedor meia
palavra basta. Assim, quando se apaixonou perdidamente e descobriu que o
homem com o qual se envolveu era casado, o seu mundo perdeu o chão. Ela
apenas foi embora, sem olhar para trás.

Contudo, com Murilo, ela nunca pôde parar de olhar. Ainda mais,
quando descobriu que estava grávida.

Murilo Reis perdeu tudo. Nunca pensou, que em algum momento,


poderia voltar a sentir algo. Entretanto, bastou um olhar para Olívia, para ele
compreender que ainda existia uma chance. Chance essa, que se perdeu por
completo, quando ela o deixou.

Anos depois e uma coincidência do destino, Murilo descobre que não


apenas as lembranças daquele amor de verão permaneceram, mas sim, que
ele tem uma filha.

Um amor de verão pode ser o amor para a sua vida?


[1] Frase de The Secret Life of My Secretary é uma telenovela sul-
coreana exibida pela SBS em 2019, estrelada por Kim Young-kwang, Jin Ki-joo,
Kim Jae-kyung e Koo Ja-sung.

[2] Trecho da canção intitulada Enchanted da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Speak Now, data de lançamento: 2010.

[3] Dorama é o nome dado às séries de TV produzidas em países


asiáticos, como Japão, China, Coreia do Sul, Tailândia e Taiwan.
Originalmente, no entanto, o nome dorama era usado para se referir apenas às
séries de TV japonesas. A pessoa que gosta de dorama é chamada de
dorameira ou dorameiro. Fonte: < https://www.significados.com.br/dorama/>

[4] Trecho da canção intitulada i hate u, i love u da artista Gnash feat.


Olivia O'Brien – álbum: A força do querer, vol. 1, data de lançamento: 2016.

[5] Trecho da canção intitulada Wish You Were Sober do artista norte-
americano Conan Grey – álbum: Kid Krow, data de lançamento: 2020.

[6] Trecho da canção intitulada You All Over Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento:
2021.

[7] Trecho da canção intitulada When The Party’s Over da artista norte-
americana Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?,
data de lançamento: 2019.
[8] Trecho da canção intitulada New Rules da artista britânica Dua Lipa –
álbum: Dua Lipa: Complete Edition, data de lançamento: 2018.

[9] Trecho da canção intitulada Sober da artista norte-americana Demi


Lovato – álbum: Melancholic Mood, data de lançamento: 2021.

[10] Trecho da canção intitulada Ronan da artista norte-americana Taylor


Swift – álbum: RED (Taylor’s Version), data de lançamento: 2021.

[11] Trecho da canção intitulada Falling do artista britânico Harry Style –


álbum: Fine Line, data de lançamento: 2019.

[12] Trecho da canção intitulada this is me trying da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[13] Veronica Park é uma personagem de The Secret Life of My


Secretary, uma telenovela sul-coreana exibida pela SBS em 2019, estrelada
por Kim Young-kwang, Jin Ki-joo, Kim Jae-kyung e Koo Ja-sung. Fonte:
Wikipédia.

[14] Trecho da canção intitulada mirrorball da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[15] Trecho da canção intitulada You Belong With Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor’s Version), data de
lançamento: 2021.
[16] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-
americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[17] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-


americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[18] Trecho da canção intitulada Happier Than Ever da artista norte-


americana Billie Eilish – álbum: Happier Than Ever, data de lançamento: 2021.

[19] Trecho da canção intitulada exile da artista norte-americana Taylor


Swift feat Bon Iver – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[20] Trecho da canção intitulada traitor da artista norte-americana Olivia


Rodrigo – álbum: Sour, data de lançamento: 2021.

[21] The Secret Life of My Secretary é uma telenovela sul-coreana


exibida pela SBS em 2019, estrelada por Kim Young-kwang, Jin Ki-joo, Kim
Jae-kyung e Koo Ja-sung. Fonte: Wikipédia.

[22] Trecho da canção intitulada The Heart Wants What It Wants da


artista norte-americana Selena Gomez – álbum: For You, data de lançamento:
2014.

[23] BTS, também conhecido como Bangtan Boys, é um grupo sul-


coreano formado pela Big Hit Music, uma subsidiária da HYBE Corporation, em
2013. Ele é composto por sete membros: RM, Jin, SUGA, J-Hope, Jimin, V e
Jungkook. Fonte: Wikipédia.

[24] Trecho da canção intitulada So It Goes.. da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[25] Trecho da canção intitulada Love Story da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Fearless, data de lançamento: 2008.

[26] Trecho da canção intitulada Same Old Love da artista norte-


americana Selena Gomez – álbum: Revival, data de lançamento: 2015.

[27] Trecho da canção intitulada Medo Bobo das artistas brasileiras


Maiara e Maraísa– álbum: Ao Vivo em Goiânia, data de lançamento: 2016.

[28] Trecho da canção intitulada Medo Bobo das artistas brasileiras


Maiara e Maraísa – álbum: Ao Vivo em Goiânia, data de lançamento: 2016

[29] Trecho da canção intitulada Gorgeous da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation, data de lançamento: 2017.

[30] Trecho da canção intitulada Wildest Dreams da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[31] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.
[32] Trecho da canção intitulada my tears recochet da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: folklore, data de lançamento: 2020.

[33] Trecho da canção intitulada Home da artista britânica Gabrielle Aplin


– álbum: English Rain, data de lançamento: 2013.

[34] Trecho da canção intitulada gold rush da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[35] Trecho da canção intitulada Out Of The Woods da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[36] Trecho da canção intitulada cowboy like me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[37] Trecho da canção intitulada Feels Like Home da artista canadense


Chantal Kreviazuk, data de lançamento: 1999.

[38] Trecho da canção intitulada Daylight da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Lover, data de lançamento: 2019.

[39] Trecho da canção intitulada That Way da artista canadense Tate


McRae – álbum: Decade of Summer: The 10s, data de lançamento: 2021.

[40] Viki é um site (aplicativo) feito de forma colaborativa: os usuários


podem ver e legendar longas e seriados, para os fãs de produções do leste
asiático que têm dificuldades em achar filmes e séries chineses, japoneses,
sul-coreanos e taiwaneses e de outros países nos serviços de streaming.
Fonte: < https://www.metropoles.com/entretenimento/conheca-o-streaming-
especializado-em-dramas-asiaticos>

[41] Trecho da canção intitulada DDAENG, música não oficial de RM,


Suga and J-Hope (membros do grupo sul-coreano BTS). A canção foi lançada
como parte do BTS Festa, 2018. Fonte: <https://bts.fandom.com›

[42] Stray Kids é um grupo masculino sul-coreano formado pela JYP


Entertainment. É composto atualmente por 8 integrantes: Bang Chan, Lee
Know, Changbin, Hyunjin, Han, Felix, Seungmin e I.N. Fonte: Wikipédia.

[43] Blackpink é um grupo feminino sul-coreano formado pela YG


Entertainment em 2016. Ele é composto por quatro integrantes: Jisoo, Jennie,
Rosé e Lisa. Fonte: Wikipédia.

[44] Mamamoo é um grupo feminino sul-coreano formado pela RBW


Entertainment em 2014. O grupo é formado por quatro integrantes: Solar,
Moonbyul, WheeIn e Hwasa e teve sua estreia oficial em 18 de junho de 2014
com o single Mr. Ambiguous. Fonte: Wikipédia.

[45] Trecho da canção intitulada Hands To Myself da artista norte-


americana Selena Gomez – álbum: Revival, data de lançamento: 2015.

[46] Kim Nam-joon, mais conhecido por seu nome artístico RM, é um
rapper, compositor e produtor musical sul-coreano. Tornou-se popularmente
conhecido por ser integrante do grupo sul-coreano BTS.

[47] Trecho da canção intitulada You All Over Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor's Version), data de
lançamento: 2021.

[48] Trecho da canção intitulada You All Over Me da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum: Fearless (Taylor's Version), data de
lançamento: 2021.

[49] Felix nasceu em 15 de setembro de 2000 em Sydney, Austrália. Ele é


o dançarino principal, rapper líder e sub-vocalista do grupo sul-coreano Stray
Kids. Fonte: https://stray-kids.fandom.com/wiki/Felix>

[50] Trecho da canção intitulada Pillowtalk do artista britânico Zayn –


álbum: Mind of Mine, data de lançamento: 2016.

[51] Trecho da canção intitulada i love you da artista norte-americana


Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, data de
lançamento: 2019.

[52] Trecho da canção intitulada Arcade do artista norte-americana


Duncan Laurence – álbum: Small Town Boy, data de lançamento: 2020.

[53] Trecho da canção intitulada i love you da artista norte-americana


Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, data de
lançamento: 2019.

[54] Trecho da canção intitulada i love you da artista norte-americana


Billie Eilish – álbum: When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, data de
lançamento: 2019.
[55] Trecho da canção intitulada long story short da artista norte-
americana Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[56] Trecho da canção intitulada You Are In Love da artista norte-


americana Taylor Swift – álbum:1989, data de lançamento: 2014.

[57] Trecho da canção intitulada This Love da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: 1989, data de lançamento: 2014.

[58] Trecho da canção intitulada it’s time to go da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: evermore, data de lançamento: 2020.

[59] Trecho da canção intitulada Ready For It da artista norte-americana


Taylor Swift – álbum: Reputation data de lançamento: 2017.

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