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Copyright© 2021 SIL ZAFIA

Revisão: Sophia Castro

Capa: Hórus Editorial

Diagramação: Silmara Záfia

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Dados internacionais de catalogação (CIP)

CONTRATADA PARA CASAR COM O CEO

1ª Edição

1. Literatura Brasileira. 2. Literatura Erótica. 3. Romance.


Título I.

____________________

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer

forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio


de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem

permissão de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra

de ficção, nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos

são produtos da imaginação do autor, qualquer semelhança com

acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da


Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de janeiro de 2009.
Sinopse

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8
Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19
Capítulo 20

Capítulo 21

Epílogo

Agradecimentos

Degustação

Outras Obras

Redes Sociais da autora


Spotify
Quando sua esposa morreu no parto, Benjamin construiu um

muro ao redor de seu coração e prometeu nunca mais se apaixonar.

Mas não esperava que o destino fosse conspirar contra ele e obrigá-

lo a precisar escolher uma mãe para sua filha, uma esposa para

estar ao lado do CEO da construtora mais lucrativa da cidade.

Lia, uma garota humilde do interior, estava fugindo de um

noivado desastroso quando aceitou o emprego de babá da filha de

Benjamin De La Roche.

O que ela não sabia é que seu novo chefe seria a maior

tentação que ela, virgem e inexperiente, poderia conhecer.

Sedutor e misterioso, Ben tem uma oferta indecente para Lia.

Um contrato, um casamento, uma filha órfã de mãe e uma única

regra: não se apaixonar pelo irresistível CEO De La Roche.


Será que Lia conseguirá resistir?
Bato três vezes na porta e aguardo. É a primeira vez que o

senhor De La Roche quer conversar comigo nessas semanas em

que estou trabalhando como babá da sua filha.

Estalo os dedos, ansiosa para ser recebida em seu escritório.

Como estou trabalhando há tanto tempo sem ser chamada por ele

ou sem ter alguma conversa com o mesmo sobre a criação de sua

filha, acabo criando várias paranoias nesse pequeno instante. Não

posso perder este emprego, a cidade é grande e nova para mim,

não tenho para onde ir e eu não posso, de maneira alguma, voltar

para o lugar de onde fugi.

Estou pensando na primeira vez que o vi. Era meu segundo

dia aqui e eu tinha ido até a cozinha buscar papel toalha para limpar

o picolé que Alicia, sua filha de 7 anos, havia derrubado no chão da

varanda frontal da mansão. Voltei correndo, tomando impulso e

deslizando os pés pelo mármore branco como uma criança levada,


escorreguei pela varanda com o rolo de papel toalha na mão e dei

de cara com ele.

Recordo-me de como fiquei constrangida pela minha chegada

desastrosa, por quase ter esbarrado nele, mas principalmente por

sua aparência ter me desconcertado. Aquele tipo de beleza que não

passa despercebida por ninguém, o magnetismo que atrai o corpo,

que nos faz querer olhar e olhar para a pessoa sem parar.

Senti-me como a “gata borralheira encontrando seu príncipe

encantado”, descabelada, de chinelos, calça legging e camiseta

regata com a gola frouxa. Ele mal olhou para mim, me encarou por

alguns segundos, fazendo meu coração martelar em meus ouvidos,

deu um aceno de cabeça e um sorriso torto.

— Você é a nova babá? — ele perguntou, e eu percebi que

jamais tinha ouvido um timbre de voz tão charmoso.


— Sim, eu sou — respondi acanhada, sem sequer me

apresentar, envergonhada pela minha voz soar esganiçada. Baixei a

cabeça e comecei a limpar o picolé derretido.

Alicia abraçava e falava com o pai com devoção, encantada

com sua presença como eu nunca me encantei com o meu pai.

— Só vim em casa buscar algumas plantas que deixei no

escritório — ele disse para a filha, beijando o topo da cabeça loira e

ficando de pé. — Preciso voltar para a empresa.

— Ah, painho... — Alicia protestou, mas não havia muito que

ela pudesse fazer.

— Prometo que vou ler para você antes de dormir — ele

disse, voltando-se para mim em seguida, usando aquele timbre de

voz macio e sedutor como se não fosse injusto. — Carol acertou

tudo com você?


— Sim, acertou — respondi, totalmente acanhada, sentindo a

injustiça de encontrar um homem como ele toda desarrumada,

enquanto ele estava elegante, de terno azul marinho, segurando

óculos escuros caríssimos e calçando sapatos lustrosos. — Ela me

explicou tudo.

Ele acenou outra vez com a cabeça, me presenteando com

outro sorriso torto de tirar o fôlego, então virou as costas e caminhou

na direção do escritório, me deixando perplexa, parada ali.

Demorei alguns segundos para perceber que estava sendo

ridícula com todos aqueles pensamentos a respeito dele. Que

diferença fazia eu estar descabelada ou não? O que iria mudar se

eu estivesse com uma roupa melhor?

Nada, absolutamente nada, porque ele era meu patrão, um

CEO multimilionário que não queria nada de mim, além de que eu


cuidasse bem da sua filha. Eu seria uma perfeita tola se começasse

a alimentar sentimentos por ele.

Sacudo a cabeça para afastar esses pensamentos

vergonhosos quando ouço o clique da porta sendo aberta e, então,

sua imagem vai surgindo na fresta que fica cada vez maior, até

conseguir vê-lo por completo. Meu coração bate mais forte quando o

senhor De La Roche me convida a entrar com um gesto da mão

direita.

Adentro seu escritório e ele fecha a porta. Me sinto estranha

por alguém como ele fechar uma porta para mim, a simples babá.

Na mão esquerda ele segura o aparelho celular preto junto ao

ouvido. Sem me dar muita atenção, gesticula para que eu me sente

na cadeira em frente a sua mesa.

Tento respirar tranquilamente para acalmar o coração que

está galopando exageradamente, enquanto faço uma prece mental


para não ser demitida, me perguntando o que posso ter feito de

errado para ser chamada ao seu escritório.

Sento na cadeira giratória e ele ocupa a poltrona atrás da

mesa, um objeto de couro preto que lembra um trono em seu

espaldar. Os olhos do senhor De La Roche estão voltados para o

iPad em sua mesa, seu dedo agora desliza pela tela.

Meus olhos acompanham seu gesto, passando pelo dedo

longo com a unha bem aparada e limpa, imediatamente escondo

meus dedos fechando as mãos em punho, lembrando que minhas

unhas estão sujas por ter raspados os adesivos que Alicia colou no

dossel de sua cama. Mas ele não está prestando atenção em mim,

por isso, continuo a observá-lo. É a primeira vez que posso olhar

para meu patrão de perto por tanto tempo. Vejo as veias saltadas no

dorso de sua mão, subindo em direção ao pulso, escondendo-se por

baixo do punho da camisa branca.


Por causa de sua posição, consigo ver o formato do seu

braço musculoso, sigo com o olhar até os ombros largos. A gola da

camisa está desabotoada, a gravata e o terno encontram-se jogados

nas costas do sofá Chesterfield de couro também preto, que está na

parede leste do escritório.

Posso ver um relance do seu peito pelo espaço aberto dos

botões. Subindo o olhar pelo seu pescoço, observo sua mandíbula

mais demoradamente, o nariz reto e, finalmente, os olhos de um

verde profundo.

O senhor De La Roche continua com sua atenção voltada

para o iPad, enquanto eu o observo sem ele perceber. É o homem

mais importante, elegante e charmoso que já vi pessoalmente. O

CEO da empresa mais requisitada no ramo de construções de

Natal, capital do estado.


Tudo que sei é que Benjamin De La Roche herdou a empresa

do pai há alguns anos e a administra com sucesso desde então.

Mas Carol, a secretária e cozinheira da mansão, me disse que ele

não gosta de ser chamado de Benjamin, apenas Ben.

Tirando os empregados, são apenas Benjamin e Alicia, sua

filhinha de sete anos. Sua esposa morreu no parto e ele não voltou

a se casar. Carol me disse que ele nunca namorou, pelo menos

nunca trouxe ninguém em casa, jamais apresentou uma mulher para

Alicia.

Mordo o lábio com força, não consigo me decidir se isso é

bom ou ruim. Bom porque ele pode ser um homem de família, não

do tipo de riquinho mimado e galinha, mas alguém que espera a

pessoa certa. Por outro lado, torna-se quase impossível chegar até

seu coração endurecido pelo luto.


Impossível chegar ao seu coração... Dou uma risadinha do

meu pensamento, como se alguém como ele não me visse apenas

como a babá de sua filha, alguém insignificante e substituível. Tento

abafar uma risada mais alta com a mão sobre a boca, mas o senhor

De La Roche me olha bem a tempo, colocando o celular sobre a

mesa.

Desvio o olhar imediatamente, o rosto ardendo de vergonha

pela gafe. Sinto seus olhos me analisando, mas não tenho coragem

o suficiente para encará-lo de volta.

— O que foi? — pergunta, sua voz soa mais aveludada agora

do que há poucos instantes ao telefone, o que me deixa ainda mais

tensa.

— Desculpe, senhor, eu estava apenas me lembrando de algo

que aconteceu pela manhã — digo cada palavra com cuidado,


evitando falar qualquer gíria do interior, para que ele não me

considere má influência para a educação de sua filha.

— Não precisa me chamar de senhor, por favor — diz com

uma gentileza que eu não esperava de alguém como ele.

Ergo o olhar para encará-lo, mas seu charme me faz desviar

rapidamente. Por dentro, a tensão toma conta de mim, por fora,

tento parecer inabalável, usando meu autocontrole desenvolvido ao

longo dos anos sob o olhar de um pai extremamente rígido e

dominador.

— Desculpe, Ben — tento soar o mais centrada possível, mas

parece errado chamá-lo assim, como se estivesse forçando uma

intimidade que ele não me deu.

Ele parece não se importar, seus lábios se curvam em um

sorriso torto e seu rosto se ilumina, como se ele gostasse de seu

apelido na minha voz.


Como sou ridícula...

— Bem melhor, “senhor” me faz parecer muito mais velho —

ele diz em tom de brincadeira. — Já termino essa ligação e

podemos conversar, tudo bem?

— É claro — respondo, aliviada por não gaguejar.

Benjamin alcança o celular na mesa e volta a conversar com

a pessoa do outro lado, parecem estar falando sobre o trabalho.

Tenho menos de um minuto para me recompor, porque ele logo se

despede da pessoa e desliga o celular.

— Desculpe pela demora, mas precisava resolver um

problema da construtora antes de encerrar o dia — ele se explica,

me deixando ainda mais encantada com sua gentileza.

Seu rosto ainda está iluminado, mas percebo que seus olhos

não, como se ele carregasse algo que não consegue se livrar.


— Não precisa se desculpar. Alicia já está fazendo as tarefas

— explico.

— Não gosto de tomar o tempo livre dos meus funcionários,

mas não tivemos oportunidade de conversar desde que começou a

trabalhar aqui.

Começo a pensar que ele ficou sabendo que vim para Natal

fugida, que escapei de um noivado indesejado e que meu pai

descobriu onde estou e está vindo me buscar.

— Não tivemos... — murmuro, abatida com a ideia de voltar

para a casa dos meus pais e ter todos os meus sonhos roubados

pelo casamento por conveniência com o filho do pastor.

Conveniência para eles, não para mim.

— Parece preocupada — Benjamin De La Roche me observa,

o que só piora meu estado. — Precisa sair? Podemos conversar


outra hora.

— Não, está tudo bem! — digo depressa. — Só estou com

receio de o senh... voc... você me demitir. Eu estou amando

trabalhar aqui, sua filha é um amor de menina, e também parece

estar gostando de mim.

— Sim, Alicia está — ele admite. — Virgília, você é a garota

com quem ela se adaptou mais rápido.

— Poderia me chamar apenas de Lia? — o pergunto, tendo a

certeza que estou passando dos limites. — Quase ninguém me

chama de Virgília, só o meu ex e isso me traz más lembranças.

Imagino que ele vai falar alguma coisa para me colocar no

meu lugar, mas Benjamin apenas me dá outro sorriso torto.

— Te entendo, também não gosto que me chamem de

Benjamin. Temos algo em comum.


— Temos — digo, relaxando os ombros, começando a confiar

que ele não vai me demitir e não ficou sabendo da minha fuga e que

minha família está me procurando feito louca.

Ele se levanta da sua poltrona e chega perto de mim,

apoiando-se na mesa à minha frente. De pé, parece ainda mais

elegante. Sinto o rastro do seu perfume amadeirado e posso até

fantasiar como ele é sem as roupas.

O pensamento momentâneo me deixa quente, ardendo como

se estivesse com febre. Meu coração bate mais rápido enquanto ele

se move charmoso, trocando o peso de uma perna para a outra.

— Quantos anos tem, Lia?

Meu nome no seu tom de voz soa sensual, preciso morder o

canto interno da bochecha e me lembrar de que ele é meu chefe,

não é digno ter esse tipo de pensamento com ele.


— Vinte e dois — respondo o olhando com o queixo erguido,

enterrando as unhas nas palmas das mãos para aguentar a tensão.

— A idade que eu tinha quando me casei. Poucos meses

depois, Alicia nasceu. Luiza, minha esposa, estava grávida quando

nos casamos — ele diz, fazendo parecer que somos íntimos.

Apesar da tensão que estou sentindo, parece fácil conversar

com ele, pelo menos Benjamin não está fazendo eu me sentir

inferior.

O que estou sentindo tem mais a ver com sua aparência, sua

beleza, que com sua posição social. Ele em si me deixa nervosa,

mas aposto que muitas outras garotas também se sentem assim

perto de alguém como Benjamin De La Roche. Ele é gostoso, ponto.

— Se casou muito novo — comento, sem saber se estou

passando dos limites.


— Luiza engravidou quando estávamos no último semestre

da faculdade, foi um “acidente” — ele explica fazendo aspas no ar

com os dedos, enquanto eu fantasio como seria cair no seu colo por

acidente. — Minha família não aceitou muito bem, mas resolvemos

nos casar assim mesmo.

— Vocês se amavam muito — acrescento, só para afastar

meu último pensamento.

— Ela foi muito importante para mim — ele admite. — Mesmo

depois de tantos anos, às vezes, ainda é difícil falar sobre.

Ben desvia o olhar, me fazendo pensar que ainda sofre pelo

luto. Engulo a saliva e, vendo a tristeza visível em seu rosto, fico

tentada a me levantar e abraçá-lo para lhe acalentar, como faço com

sua filha quando ela está tristonha.

— Mas não te chamei aqui para conversar sobre minha viuvez

— ele diz em tom de risada, disfarçando o sentimento. — Carol me


disse que é seu primeiro emprego aqui na capital.

— Sim, mas já trabalhei para outras famílias na minha cidade

do interior — explico depressa. — Tenho experiência com crianças.

— Não duvido, já vi seu jeito com Alicia, você a conquistou

bem depressa, e te garanto que ela não é assim tão fácil.

— Alicia é um amor, muito educada e calma, é um prazer

trabalhar com ela — digo, prendendo a respiração.

— Você se mudou agora para Natal apenas pelo emprego ou

tem algum outro interesse, alguma ambição, além de trabalhar como

babá? Não que esse não seja um emprego digno, só queria saber

se tem outros objetivos.

Sua pergunta me deixa curiosa.

— Eu pretendia fazer faculdade, mas o curso que sonhava é

muito caro e não consegui uma vaga na UFRN. Confesso que fui
uma tola de pensar que poderia custear meus estudos trabalhando

de babá. Não que esse não seja um emprego digno — repito suas

palavras.

— E que curso você sonhava em fazer?

— Medicina — digo com um sorriso, envergonhada por

pensar que poderia bancar a faculdade com um salário mínimo. —

Sonhei com isso a minha vida toda e não tinha outro plano, por isso

ainda não consegui me decidir o que vou fazer, mas sim, é claro que

penso em estudar, não quero trabalhar de babá para o resto da vida,

mesmo que esse seja um excelente emprego. Quero ser alguém

também, não comecei a faculdade cedo por falta de oportunidade.

— Eu sei que nem todos têm a mesma oportunidade que tive,

não vivo numa bolha — ele se defende.

— Não quis dizer isso — me apresso a esclarecer.


— Sei que não, mas é melhor ser específico quanto a isso.

Tenho uma empresa de construção civil, você já deve saber, sou

engenheiro e trabalho com vários estagiários e funcionários que

passaram e passam poucas e boas para estudar. Reconheço e

admiro o esforço de quem não nasceu com a vida ganha como eu.

Não sei se isso é uma espécie de bronca ou apenas um

desabafo, mas ele parece muito mais sério do que quando

começamos a conversar.

— Também admiro sua dedicação por administrar bem sua

empresa, nem todos os bem nascidos gostam de se dedicar ao

trabalho.

Ele dá um firme aceno de cabeça.

— Tive muitos amigos ao longo da vida que só queriam saber

de gastar o dinheiro dos pais. Não que eu não gaste, mas nunca
quis ser o filho mimado e bancado, esperando para receber uma

herança.

— Admiro você por isso — acabo elogiando antes de pesar

as palavras. — Digo, a sua dedicação. Carol me disse que La

Roche é a construtora mais solicitada da capital e que foi você quem

conquistou esse patamar.

— Meu avô começou tudo quando veio da França para cá,

meu pai seguiu seus passos e eu apenas continuei o trabalho — ele

diz, modesto.

Dou um sorriso tímido, porque não sei mais o que dizer, como

continuar a conversa sem fazer parecer bajulação da minha parte.

Ficamos ambos em silêncio, e ele continua me analisando

com seus olhos esverdeados. Me sinto inquieta e quente, ansiosa,

desejando me mover na cadeira, agir de alguma forma, mas não

consigo, fico só imóvel enquanto sou observada tão de perto.


Lá fora está quente, mas aqui dentro de seu escritório o ar

condicionado está ligado na temperatura de 23 graus, sei porque

ergo o olhar para constatar. Aproveito para olhar em volta,

guardando na mente os detalhes da decoração. Há uma obra de

arte abstrata na parede leste, bem acima do sofá Chesterfield,

passo os olhos pelas estantes de madeira escura cheias de livros,

atrás de sua mesa há portas de vidro que dão para o jardim.

Seus olhos ainda estão em mim, e sinto minha nuca

esquentar, cravando ainda mais minhas unhas nas palmas. Meu

coração está batendo forte, quero saber porque ele não para de me

olhar, que interesse ele pode ter, porém não consigo formular

nenhuma teoria.

Volto meu olhar para ele, observando a calça de alfaiataria

grafite, com as luzes claras do cômodo, posso ver a curvatura dos

músculos de suas coxas, esperando estar sendo discreta, passo os

olhos pela sua pélvis coberta pela calça, observando a marca do


zíper, percebo o volume marcado pelo tecido de linho. Engulo a

saliva, ainda mais curiosa para saber como ele é sem as roupas,

então me dou conta do que estou fazendo e desvio o olhar,

piscando para recuperar o controle dos pensamentos.

— Posso te levar para jantar? — ele pergunta, me pegando

de surpresa.

— Jan-Jantar? — gaguejo a pergunta. Sinto minha nuca

suada, resultado do poder de atração que o corpo de Benjamin

exerce sobre o meu.

— Tenho uma proposta para você — ele diz, misterioso. — A

menos que já tenha jantado...

— Não! Não jantei! — respondo depressa. — Vou avisar a

Carol que o senhor não vai comer em casa... Digo, você! Me

desculpe.
Fica claro o quanto estou nervosa, ainda mais quando ele me

dá o sorriso torto outra vez.

— Não precisa avisar a Carol, eu mesmo faço. Vou colocar

Alicia para dormir e tomar um banho. Te encontro no carro daqui a

duas horas, pode ser?

— Claro — digo, sacudindo a cabeça, ainda perplexa.

Ben se dirige até o sofá, apanha o terno e a gravata e abre a

porta do escritório. Só me dou conta do quanto minhas pernas estão

moles quando fico de pé e preciso me concentrar para passar por

ele sem tropeçar nos meus próprios pés.

— Aonde vamos — pergunto e dou de ombros —, só para

saber o que devo vestir.

— Um restaurante perto da praia.


Não sei o que esperar, não sei o que posso usar, nem sei se

tenho algo à altura, estou desesperada, mas acima de tudo: não

posso dar atenção às teorias dignas de contos de fadas que se

desenrolam na minha mente, escapando do meu controle.


Ela age com graça, despreocupada como se não fosse a

razão da minha insônia nos últimos dias. Os cachos castanhos

emolduram seu rosto e a fazem parecer mais jovem que seus vinte

e dois anos.

— Pode ir na frente — digo quando ela para e me olha ao

chegar à porta.

Lia coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha e sorri,

fazendo seu queixo pontudo se destacar no rosto bem desenhado.

Ela faz que sim com a cabeça e eu quase ergo a mão para tocar

sua pele marrom clara, delicada como veludo, mas me controlo. Não

posso e não vou perder o controle com alguém que mal conheço

ainda.

Ela permanece me olhando por mais um momento, com os

olhos cor de mel cheios de dúvida. Sua pele reluz sobre a luz
amarelada da varanda do escritório, então ela balança a cabeça e

se vira em direção à casa.

— Lia — pronuncio seu nome, percebendo como a ponta da

minha língua toca o céu da boca com a pronúncia. — Lia.

— O quê? — ela pergunta ao se virar para me olhar, fazendo

as ondas de cachos balançarem à sua volta.

— Nada — digo, piscando, embasbacado pelo flagrante. —

Nada, eu só estava me lembrando de não chamá-la mais de Virgília.

Só Lia.

Ela sorri outra vez e então sai correndo pelo caminho de

pedras em meio ao gramado recém aparado. Observo suas formas

curvilíneas desaparecerem no jardim, em direção à casa, usando

um jeans claro, uma regata branca e chinelos, então estou sozinho

novamente.
Parado sob a luz da varanda, a solidão é quase palpável, me

deprime. Me viro para fechar a porta do escritório, ciente de que

este sentimento de vazio vai me seguir pelo resto da minha vida.

Não o recuso, não luto contra ele, só o aceito.

Respiro fundo e sigo o mesmo caminho que ela fez. Construí

o escritório a alguns metros de distância do meu lar justamente por

gostar de privacidade para trabalhar.

Há sete anos fiquei viúvo, há sete anos enfrentei a maior dor

que já senti, prometi que nunca mais me apaixonaria novamente,

que nunca mais permitiria que outra mulher se aproximasse de mim

a ponto de entrar no meu coração. E será assim pelo resto da minha

vida.

Prefiro afogar meu desejo em corpos desconhecidos,

descarregar minhas frustrações em mulheres que não exigirão


nenhum sentimento da minha parte. Uma, duas, três, quantas mais

a minha libido desejar, conforme a noite.

É assim que levo minha vida desde que fiquei viúvo. Sexo

sujo, fantasias devassas e um coração vazio. Me conheço o

suficiente para saber que não aguentaria passar por outra dor como

aquela que senti quando Luiza faleceu. Não desejo para ninguém e

não vou me permitir senti-la outra vez. Não se pode perder um amor

se você não se apaixonar, e eu tenho total controle do meu coração

e me policio para não deixar acontecer.

Sim, o vazio é melhor que a dor terrível, uma dor para a qual

não há remédio.

No entanto, há quase cinco anos, meu pai me fez uma

proposta: me passar o poder total da empresa, em troca de eu me

casar novamente. Um homem de família e de negócios precisa de


uma mulher ao seu lado, de uma mãe para a filha — palavras de

Raul De La Roche, meu pai.

Ele foi generoso e me deu cinco anos, caso eu não me

casasse nesse tempo, tomaria a empresa de volta e entregaria nas

mãos de um primo mimado pelo meu tio a vida inteira. Um completo

desastre. E o meu tempo está acabando.

Por quatro anos fingi que este trato não existia, e segui com

minha vida sem me preocupar com um casamento, mas o tempo

não para mesmo que você deseje, ele continua passando a cada

respiração, e eu preciso encontrar alguém que aceite se casar

comigo sem envolver sentimentos, alguém que precise da minha

ajuda a ponto de encenar um romance.

Lia é perfeita, não só pela necessidade de pagar a faculdade,

não só porque ela pode ser alguém que aceitaria um contrato de

casamento, mas porque ela é maravilhosa com minha filha.


Não há nada no mundo que eu ame mais que Alicia. A amo

tanto que, algumas noites, antes de me deitar para rolar na cama e

esperar pelo sono que raramente vem, vou até seu quarto enquanto

ela dorme e procuro por sua pulsação, no pescoço, nos pulsos ou

sobre o peito, só para ter certeza que o coração de alguém que amo

tanto ainda bate, sinto suas bochechas quentes e a beijo,

implorando a Deus que não a tome de mim também. E então,

quando me afasto do meu pequeno anjo, posso me entregar à

depressão das noites em claro.

Eu sei que, por mais que dê todo amor do mundo à minha

filha, além de tudo do bom e do melhor, ela ainda precisa de uma

figura materna. Não espero que alguém vá substituir o lugar de

Luiza, mas se minha filha for mais feliz com a presença de alguém

que a ame e oriente, terei feito a escolha certa.

Vi como Alicia está desde a chegada de Lia, foram semanas

de mudanças significativas.
Entro na casa, atravesso a sala de estar, passando as mãos

pelo piano de cauda sem fazer barulho, alcanço as escadas e subo

até o primeiro andar, jogando o terno e a gravata sobre uma das

poltronas da sala deste andar. Com passos apressados, chego até a

porta pintada de branco e dou duas batidas, antes de girar a

maçaneta.

Ela vem correndo na minha direção e se joga contra mim. A

seguro nos meus braços e sinto o peito quase preenchido de amor.

Me apego a esse sentimento, ignorando o quase, e procuro

esquecer do vazio.

— Painho, por que demorou? — ela me questiona, com o seu

jeito doce de me chamar.

— Precisei resolver umas coisas com Lia, sua babá —

explico, sentindo o cheiro de jasmim e ervas do seu cabelo molhado


e a carregando até a escrivaninha. Está de pijama e suas tarefas da

escola estão sobre a mesa.

— Com Lia? Não vai demitir ela, vai? — ela me questiona

com os olhos azuis arregalados. — Painho, sabe como gosto dela.

— Sei sim — digo a colocando no chão e tocando a ponta do

seu nariz com o dedo indicador. — Você nunca brincava no jardim

depois da escola, pensa que eu não sei que as babás reclamavam

de como você ficava tanto tempo no celular, sem sair de dentro

dessa casa, nem mesmo para brincar?

A timidez fica visível no seu rosto, Alicia murcha os ombros e

balança o pezinho para um lado e para o outro com as mãos atrás

das costas.

— Antes eu não sentia vontade de brincar — se justifica, na

defensiva.
— Não vou demiti-la — garanto, acariciando sua bochecha e

procurando sua mão para lhe passar confiança. — Lia está te

fazendo bem, na verdade, talvez ela possa ser mais que uma babá

para você — acabo deixando escapar, empolgado com a ideia de

encontrar alguém que faz tão bem a minha filha.

— Como assim, painho? Você e Lia vão ser namorados? —

ela me olha com o rosto inocente, mas o olhar de uma garota

esperta e observadora.

É minha vez de dar um sorriso tímido, ainda a encarado. Às

vezes, consigo conversar com ela apenas através do nosso olhar.

— Você já me viu com alguma namorada?

— Não... — ela admite, se demorando na pronúncia da

palavra.

— Então por que pensou isso? Lia e eu namorando?


Ela dá uma risadinha meiga, colocando a mão em concha

sobre a boca.

— Porque eu nunca parei de sonhar em ter uma mãe, nem

que seja de mentirinha — minha filha admite e, apesar de ela estar

sorrindo, suas palavras partem meu coração.

Me sinto culpado por nunca ter me permitido, não ter deixado

nenhuma mulher se aproximar o bastante, ter fechado meu coração,

e sei o quanto isso a afeta, mas tenho consciência que não poderia

cuidar de Alicia se eu tivesse o coração quebrado outra vez.

Minhas narinas se inflamam e os meus olhos ardem, engulo a

aspereza na garganta e forço um sorriso amarelo.

— Gostaria que fosse Lia? — pergunto, me arrependendo no

instante seguinte. Nem sei se ela aceitará a proposta, sequer sei se

terei coragem de propor isso, não deveria dar esperanças a uma

criança que já sofreu tanto pela falta de alguém.


Ela balança a cabeça em sinal de sim.

— Eu ia amar, painho! — ela diz com aquele sorriso que

destrói todas as minhas armaduras.

— Não vamos nos empolgar — a advirto. — Vamos ver suas

tarefas?

Após ler para Alicia e ela finalmente pegar no sono, atravesso

o hall e entro no meu quarto. As cortinas estão abertas e posso ver

o jardim através da janela panorâmica. Vou direto para o banheiro,

tiro as roupas e entro na ducha.

As lembranças de Lia preenchem minha mente, enquanto a

água morna me esquenta, penso no seu sorriso, sua pele

aveludada, a forma como se move quando não sabe que estou lhe
observando. Ela é a razão de eu me demorar cada vez mais no

banheiro, ainda mais hoje que vou estar tão próximo dela e preciso

estar no controle.

Deixo a barba por fazer, porque ficar de cara lisa me faz

parecer mais vulnerável. Tento escolher uma camisa que não

demonstre meu desespero quando fizer a proposta, mas desisto e

pego a primeira a aparecer na minha frente ao perceber que não

tenho ideia do que estou fazendo. Uso uma pomada no cabelo para

mantê-lo no lugar, meu perfume favorito, coloco a carteira e o celular

no bolso e desço brincando com a chave do carro para controlar a

ansiedade.

Eu não sei mais lidar com mulheres como ela, não sei como

as conquistar. Todas as mulheres com quem fodo não precisam ser

conquistadas, só preciso fazer um sinal com o olhar para tê-las. Elas

vêm conforme chamo, me satisfazem do jeito que exijo... mas quem

eu quero enganar? Isso não me satisfaz de verdade, e eu já não sei


mais conquistar uma garota. Não que eu queira conquistar o

coração de Lia, mas seria bom, pelo menos, saber manter uma

conversa agradável.

Alcanço a área onde os carros ficam estacionados, uma

garagem aberta, coberta por treliças de madeira e trepadeiras

caindo em cascatas. Escolho o SUV preto, com receio de pegar o

conversível e parecer esnobe.

Me apoio na lataria do carro e confiro as horas no celular.

Estou adiantado e aproveito para saber como estão as finanças,

quais investimentos caíram e quais tiveram lucros. Minha empresa

está em um excelente dia.

Um vulto me chama atenção e ergo os olhos da tela do

celular para ver Lia vir desfilando pelo caminho de pedras. Preciso

respirar fundo pela surpresa de vê-la de vestido. É amarelo com

estampa de flores, de alcinhas, apertado nos seios, os destacando


perfeitamente, e solto no quadril, descendo até metade das coxas,

exibindo pernas macias que nunca vi. Usa sandálias sem salto e de

tiras e carrega uma bolsa transpassada, o cabelo castanho

emoldura o rosto bonito, caindo em volta dos seus ombros em

cachos.

Sinto algo revirar dentro de mim quando ela para na minha

frente, segurando a alça da bolsa, sem fôlego. Logo percebo que o

tempo que passei a mais no banho foi inútil, que não importa que

me descarreguei no chuveiro, não posso ficar satisfeito quando

tenho uma mulher tão sexy por perto.

Será que ela sabe de seu efeito sobre os homens? Sequer

imagina que pode ter qualquer um aos seus pés? Na minha mente

suja, penso em quantas vezes ela já deve ter sido homenageada

por caras que ela nem fazia ideia que existiam. Na minha cabeça

perturbada, mostro o dedo do meio para todos eles, porque é

comigo que essa garota maravilhosa vai jantar esta noite.


— Parece que veio correndo até aqui — comento a primeira

asneira que me passa pela cabeça, me arrependendo logo em

seguida.

Me assusta a forma como ela preenche meus pensamentos,

como faz o pau dentro das calças latejar, mesmo que eu tenha

fodido três garotas na noite anterior e me aliviado antes de

encontrá-la, mas sei que meu coração está seguro, que o muro que

construí em volta dele tem a estrutura firme com as das construções

que projeto.

Lia me desconcerta de outra forma, é sexual, despertando

meu pior lado e, nesse momento, penso em puxá-la para meus

braços, tomar sua boca, provar sua língua, morder um dos bicos dos

seios se destacando no tecido frágil do vestido. Me pergunto o que

ela pensou quando escolheu a calcinha que está usando agora, vou

ainda mais longe imaginando o que ela pensou quando estava no

banho, se suas mãos desceram até a boceta, como ela é. Há


quantos dias ela não transa? Quem foi o último cara que ela fez de

trouxa? Por que ela terminou como o noivo?

Fantasio puxá-la para o banco de trás, colocá-la de quatro e

lamber sua bunda, apertando sua pele macia e quente, a

imaginando movendo o quadril para me tentar ainda mais e então...

estou duro na sua frente e preciso disfarçar, porque não posso

deixá-la saber o que eu gostaria de fazer com ela.

Não há como fazer uma proposta dessas a alguém como Lia,

mas preciso fazer e será esta noite.


Ah, Deus, como ele é gostoso! Minha mente grita. Estou tão

confusa com seu convite que minha mente cria fanfics sem noção.

Me concentro em passar pelo caminho de pedras e aperto a alça da

bolsa com força. Estou cansada de criar teorias sobre o motivo de

seu convite.

Pode ser apenas um comportamento padrão, faz isso com

todos os novos funcionários, talvez. Mas Carol não me contou nada

sobre, e eu também não fui até seu quarto perguntar. Fiquei no meu

quarto pequeno da edícula dos empregados, me perguntando aonde

iríamos, sobre o que falaríamos. A frase “tenho uma proposta para

você” rondou minha mente por duas horas, enquanto eu tentava

encontrar alguma roupa legal para usar.

Para minha surpresa, Benjamin já esperava por mim quando

cheguei à garagem. Inspirei o ar com força, o mantendo preso por


quatro segundos antes de expirar. Meu coração estava acelerado de

ansiedade.

— Pensei que sempre andasse com o motorista — comento

ao me aproximar dele, observando como ele fica elegante mesmo

não estando de terno e gravata. Usa uma calça de sarja preta e uma

camisa vinho dobrada nos cotovelos. — Nunca o vi sair sem o seu

Alfredo.

Dois motorista trabalham na casa, seu Alfredo fica o tempo

todo com Benjamin e seu Roberto permanece na casa, para fazer

compras, levar Alicia na escola, essas coisas.

— Seu Alfredo está de folga hoje. Algum problema ser

apenas nós dois? — ele pergunta, algo que poderia soar irônico,

mas não soa.

— Nenhum problema, eu só não... — Sacudo a cabeça, me

lembrando que é melhor ficar calada quando não se sabe o que


dizer. — Está tudo bem.

Ele faz que sim com a cabeça, seus olhos verdes me

encaram, me analisam com um brilho indescritível, me deixando

ainda mais nervosa.

— Você está linda — ele comenta, fazendo meu coração dar

um solavanco. Passo a mão pelo vestido amarelo e umedeço meu

lábio inferior, sinto gotículas de suor se formando entre meus seios.

O clima está quente, o ar carregado, mas sem sinal de chuva.

— Obrigada.

Quero dizer que ele também está, mas Ben já está abrindo a

porta do carro e estendendo a mão para que eu suba no SUV.

Olho para sua mão estendida e engulo a saliva, quando

nossas peles se tocam pela primeira vez, digo a mim mesma que

sou muito emocionada por pensar que há algum tipo de química


nisso. Ele segura minha mão com força ao me ajudar a entrar no

veículo.

O carro tem cheiro de novo, como se tivesse acabado de ser

comprado. Os bancos são de couro bege e o painel cheio de

botões. Quando ele dá a volta, entra no carro e o liga, uma música

começa a tocar automaticamente. Já está na metade, mas logo

reconheço como Back and Black, AC/DC.

Cantarolo um trechinho.

— Conhece? — ele me pergunta, surpreso, enquanto o

portão da garagem desliza, tornando visível a rua do condomínio.

— Sim, mas por que a surpresa? — não posso deixar de

questionar. — Acha que as pessoas do interior não curtem AC/DC?

Não me ofendi, é apenas uma brincadeira, mas posso ver seu

rosto ficar sério com minha pergunta.


— Eu não pensaria uma coisa dessas! — ele se justifica bem

rápido. — Só não pensei que alguém tão jovem ouviria uma banda

dos anos 80.

E então ele me olha, parado na calçada em frente à mansão.

Me sinto inquieta.

Me pergunto há quantos dias estou sem um beijo na boca,

sem um carinho do meu noivo, um toque masculino, mas não

consigo sentir falta de Lucas, pelo contrário, sua presença me

causava repulsa. Então como posso estar sentindo falta do que não

sentia?

Pisco, mordendo o lábio outra vez, e percebo que os olhos de

Ben se voltam para minha boca. Me passa pela cabeça que ele

também pode estar se sentindo carente, mas logo descarto essa

ideia, a jogando para fora do carro. Por mais que ele seja homem,
ele não é o tipo que se sente atraído por uma empregada pobre do

interior.

De repente, me lembro do clichê do patrão transando com a

empregada, e não consigo me decidir o quanto isso me incomoda,

porque a vontade de ser tocada toma conta de tudo.

Quero perguntar aonde estamos indo, o que ele quer comigo,

mas tenho medo da resposta não ser o que meu corpo deseja,

então tento não pensar em nada, afastar o desejo, mas é difícil

estando perto de um homem tão charmoso, sim, porque ele é ainda

mais atraente de perto, e usa um perfume que me faz querer me

inclinar para cheirar seu pescoço, uma mistura de ervas que o faz

parecer selvagem.

Desvio os olhos dele e observo a rua de mansões do

condomínio fechado. Está tocando Crazy, do Aerosmith quando


chegamos à guarita. Tento me concentrar na letra da música e

esquecer do resto.

Vejo os prédios, as luzes do estádio Arena das Dunas quando

passamos pela Av. Prudente de Morais e ele pega o desvio para a

Salgado Filho. Vejo as pessoas aglomeradas nos pontos de ônibus.

É quinta-feira. A calçada do Natal Shopping está lotada. Não há

trânsito no Viaduto de Ponta Negra, e logo estamos na Av.

Engenheiro Roberto Freire. Me concentro nos ciclistas no calçadão

ao lado da pista, nos pedestres, nas marcas dos carros que seguem

nas pistas do lado, em tudo, menos em estar indo jantar com

Benjamin De La Roche.

Ele faz o retorno na direção leste e desce uma rua em declive

na direção do restaurante Camarões, quando o carro entra no

estacionamento privado no subsolo, estou tão ansiosa, que não sei

como conseguirei comer.


Sou de família pobre, meu pai é ajudante de pedreiro, minha

mãe sempre trabalhou de doméstica e eu prestei serviços de babá

desde que me entendo por gente, algumas vezes, trabalhei em troca

de uns trocados, e o lugar mais sofisticado que já tinha comido

antes de vir trabalhar para Ben e Alicia foi na casa do pastor da

minha congregação, justamente porque era noiva do seu filho.

Nunca um homem me levou para jantar fora, para um

restaurante, muito menos a um lugar como este. Sei que não estou

vestida adequadamente, estou usando um vestido que eu mesma fiz

e rasteirinhas baratas. A alça da minha bolsa está descascando,

porque ela é de segunda mão, era da minha ex-sogra, e eu me sinto

deslocada, olhando todos os carros chiques nas vagas do

estacionamento. Então Benjamin desce e abre a porta do

passageiro, ele é alto, mais de 1,80m, e quando estende a mão para

me ajudar a descer, estou tão nervosa que esbarro contra ele.


Me equilibro, segurando na parte superior do seu braço e

perco o fôlego ao sentir a dureza dos músculos.

— Está tudo bem, Lia? — Benjamin murmura, me segurando

pelos cotovelos. Ergo a cabeça e encontro seu olhar preocupado.

— Eu tropecei — murmuro de volta, ainda segurando seus

braços, prolongando o contato.

Ele parece não se importar. Ergue uma das mãos e afasta o

cabelo do meu rosto.

— Calma — sussurra, dando um sorriso discreto. — É só um

jantar e uma proposta, nada demais.

Sua voz é aveludada, sedutora e me envolve. Balanço a

cabeça, patética, sem querer estragar seja lá o que ele esteja

planejando.
— Só estou nervosa — admito. — Nunca fui a um lugar

chique assim. Não estou bem vestida.

Estou surpresa com o fato de conseguir ficar tão próxima de

Benjamin sem querer me afastar. Suas mãos ainda estão nos meus

cotovelos, mas eu não sinto a necessidade de me distanciar dele,

não me sinto sufocada como me sentia quando meu ex-noivo

chegava perto de mim. Eu não gostava do toque das mãos de

Lucas, do seu hálito contra minha boca e muito menos dos seus

beijos. Era como se ele me oprimisse.

É a primeira vez que estou tão próxima de outro homem

depois de Lucas, e é chocante como, neste momento, estou me

sentindo à vontade com nossa proximidade. Não tem uma única

célula do meu corpo que deseje dar um passo para trás, empurrá-lo

ou simplesmente prender a respiração para não sentir seu hálito.

Pelo contrário, inalo seu cheiro, na esperança de que fique bem

vívido na minha memória.


Durante muito tempo pensei que tinha aversão ao contato de

um homem, agora mais do que nunca tenho certeza de que eu não

sentia nada por Lucas, e que fugir daquele casamento foi a melhor

coisa que eu poderia fazer.

— Acho que não estou vestida adequadamente para um

restaurante assim — balbucio, inquieta com a confusão de

pensamentos. — Eu mesma fazia a maioria das minhas roupas e

esse...

Sem que eu preveja sua ação, Benjamin pressiona o dedo

indicador no meu lábio, calando meus lamentos.

— Shiiih — ele sussurra contra minha boca, soprando seu

hálito fresco.

Desejo com todas as minhas forças que ele não seja o senhor

De La Roche, que não seja o CEO de uma das empresas mais

lucrativas do Rio Grande do Norte, que não seja um viúvo e muito


menos o pai da menina para quem trabalho. Imploro em

pensamentos, inútil, para que ele seja um rapaz simples, de uma

família simples, alguém que eu posso beijar, porque estou

desesperada por isso, como nunca estive.

Estou com medo, muito medo do sentimento que está

crescendo no meu peito.

Ele desliza a mão do meu cotovelo até minha mão direita,

então me faz girar 180º, ficando de costas para ele e de frente para

o carro.

— Veja como você está linda — ele sussurra bem perto do

meu ouvido, e seu hálito me provoca um arrepio gostoso.

Travo os dentes para que ele não note. Não quero que ele

perceba o que está causando em mim, que meu coração está

prestes a sair pela minha boca e que seu simples toque faz meu

interior arder de excitação.


Inclino a cabeça para ver melhor nosso reflexo, e mais uma

vez lamento por ele não ser um cara comum.

— O que foi? — pergunta. Encaro seu olhar refletido no vidro

escuro do SUV. — Você é linda, seu vestido é um charme e ainda

costura muito bem.

— Obrigada — sussurro de volta, afetada pelas suas

palavras, me sentindo ridícula por permitir me iludir assim.

— Vamos?

Faço que sim com a cabeça, e deixo que ele me guie até o

elevador, enquanto tento me convencer de que só estou carente.


— Sempre tem uma fila de pessoas esperando por mesas —

Ben explica quando chegamos ao salão —, mas tem uma mesa

reservada para a gente.

Olho para a direita, ao passar pela porta de entrada, e vejo

algumas pessoas à espera na calçada.

— A comida deve ser muito boa — comento, baixinho.

— Não é só pela comida — Ben rebate. — A maioria só está

aqui por status.

— Você vem aqui pelo mesmo motivo? — o questiono, mas o

maitre vem na nossa direção, e acabo não sendo respondida.

— Boa noite, senhor. Sua mesa está o aguardando — o

homem fala com sotaque do sul, e gesticula para que o sigamos na

direção norte do restaurante.


Percebo os olhares se voltarem para nós quando Benjamin

coloca a mão na base da minha coluna para que eu caminhe um

passo à sua frente.

Me sinto observada, estudada, medida e pesada ao

atravessar o restaurante com ele. Fico tão constrangida com a

atenção inesperada que temo tropeçar nos próprios pés, como fiz

quando desci do carro.

— As pessoas estão olhando — sussurro para Ben,

segurando a alça da bolsa com força, sentindo o material sintético

se desfazendo na minha mão.

Ele dá apenas um aceno de cabeça e se vira rapidamente

para cumprimentar alguém.

Quando chegamos à mesa, o maitre puxa a cadeira para que

eu me sente, o que faço rapidamente, doida para me livrar do

constrangimento.
Só quando Ben se senta é que olho em volta, observando a

decoração chique. É fato que nunca estive em um lugar assim. As

luzes são alaranjadas, há quadros, lustres, o acento e o espaldar

das cadeiras da mesa em que estamos é acolchoado, a toalha é

bege de linho e ao nosso lado há uma janela panorâmica com vista

para o mar de Ponta Negra.

Posso ver a lua deixando um rastro prateado na água, as

ondas quebrando.

A mesa é afastada das demais, mas ainda posso sentir os

olhos das pessoas em nós.

— Querem fazer o pedido agora ou preferem que eu volte

depois? — o homem pergunta.

— Aviso quando estivermos prontos para pedir — Ben fala

com praticidade. — Só traga uma garrafa daquele vinho...


— Weinert, senhor? — o garçom se antecipa.

— Este mesmo. E para mim apenas água.

O homem faz algo parecido com uma referência, pede licença

e sai.

É tudo estranho para mim, não de uma forma ruim, mas é

diferente, é uma outra realidade. Tento guardar o nome do vinho na

memória para pesquisar o valor quando chegar em casa, mas acabo

esquecendo logo em seguida.

— As pessoas querem saber quem você é — Ben diz assim

que o maitre nos deixa.

— O quê? — questiono, embasbacada.

— Você comentou sobre as pessoas estarem olhando, elas

querem saber quem é você.


Um garçom chega com uma garrafa de vinho, outra de água e

duas taças, em seguida, nos serve.

— Por que alguém iria querer saber sobre mim? — pergunto,

assim que voltamos a ficar a sós.

— Porque você está comigo — ele diz francamente, bebe um

gole de água e abre um sorriso que chega a ser perturbador de tão

charmoso.

— Ah! — balbucio, sentindo uma pontada no coração por

pensar em quantas mulheres ele já deve ter trazido a este

restaurante.

Resolvo experimentar a bebida, porque vinho me relaxa e

estou tensa, mesmo que em momento algum ele faça eu me sentir

como uma mera empregada. Espero encontrar o gosto doce e

suave dos vinhos baratos que estou acostumada a beber — tipo

garrafão de cinco litros —, e levo um susto com o gosto seco. Tento


disfarçar, mas acabo dando um sorriso amarelo quando ele

pergunta se está bom, não vou reclamar, afinal ele diz que é sua

marca de vinhos preferida. Bebo mais um gole e cruzo as pernas

por baixo da mesa, só então resolvo pendurar minha bolsa na lateral

da cadeira, na parte que está virada para a janela, assim ninguém

vai ver alça desgastada.

— Se soubessem que sou só a babá da sua filha, perderiam o

interesse na hora.

Bebo o terceiro gole de vinho, ainda sem receber o resultado

esperado, meu coração está ainda mais apertado. Estou com raiva

por permitir que uma pequena parte da minha mente alimente a

esperança de um dia poder dar um beijo em alguém como ele.

Benjamin está me encarando, seu rosto tem uma expressão

neutra, o que me deixa ainda pior.

— Nem todas as pessoas são assim — diz.


— Assim como?

— Preconceituosas — ele explica.

— Mas é isso mesmo: sou apenas a babá da sua filha —

insisto, sem saber exatamente porque estou fazendo isto.

— Ainda assim, isso não muda o fato de que eu nunca trouxe

uma mulher para jantar aqui e, mesmo se soubessem que você tem

um emprego digno como cuidadora de crianças, não perderiam o

interesse, até porque, eu não te convidei para jantar porque você é

a babá da minha filha.

Engulo a saliva, tentando imitar a expressão intacta dele.

— Me trouxe aqui para fazer uma proposta — digo, para que

ele saiba que não esqueci e que não estou deslumbrada, muito

menos iludida.
— Eu fico chocado como você não se mostra nem um

pouquinho curiosa em saber o que tenho a dizer — Ben observa, se

inclinando para trás e apertando levemente os olhos para me

analisar.

Endireito a postura, deixando as costas retas e a cabeça

erguida, com uma força que eu nem sabia que tinha, deixando para

trás a garota que dizia sim para tudo que os pais, o noivo e o pastor

falavam, então, ainda com a taça na mão, a balanço diante do rosto

e bebo um gole generoso.

— Você não vai me contar até chegar o momento certo, por

que ficar ansiosa? — provoco, com uma das sobrancelhas erguidas,

colocando a taça devagar sobre a mesa, mascarando toda a

ansiedade que estou sentindo.

Sei que parte da minha postura inesperada se deve ao fato

de, mesmo ele sendo meu chefe “montado na grama”, Benjamin não
me oprime, não me faz parecer boba, imbecil ou apenas um troféu

para ser exibido, como Lucas sempre fez, ainda que sejam

situações completamente diferentes.

— Está flertando comigo, Lia? — ele pergunta, se demorando

na pronúncia do meu nome.

Fico pasma com suas palavras, e preciso trincar os dentes

para não desmoronar de nervosismo na sua frente. Por sorte, o

garçom aparece e pergunta se já estamos prontos para pedir.

— Nos dê mais um minuto — Ben responde, voltando a ficar

ereto na cadeira.

Estou com fome, mas a ansiedade deixa meu estômago

embrulhado.

Ele abre o cardápio quando o homem se afasta. Faço o

mesmo, tentando fingir costume, mas vejo que seus olhos estão em
mim. Tento disfarçar, seu olhar faz alguma coisa no meu interior

esquentar, um calor gostoso entre as pernas.

— O que vai pedir? — me pergunta.

— Camarão parisiense — respondo, após passar os olhos

rapidamente pelo cardápio.

Ben ergue a mão e o garçom imediatamente aparece para

anotar o pedido. Ele acaba escolhendo o mesmo prato que eu, sem

pensar muito. Não sei se isso tem algum significado.

Olho em volta, flagrando vários olhares curiosos.

— Está incomodada? — Ben questiona. — Podemos levar o

jantar e comermos em outro lugar. Não precisa ficar se não está se

sentindo bem.

— Está tudo bem — minto, não gosto de ser o centro das

atenções. — Você disse que nunca trouxe uma mulher para jantar
aqui...

— Venho sempre aqui para reuniões do trabalho, mas nunca

vim... Minto, já vim com a mãe de Alicia, mas foi há muitos anos.

Desde que fiquei viúvo, você é a primeira.

— Nenhuma namorada? Nenhum... date?

Ele faz que não com a cabeça.

— Nada.

Franzo o cenho, curiosa.

— Acho que combinamos — ele comenta, observando as

pessoas em volta.

— Combinamos em quê?

— Como casal, acho que combinamos, já que estão tão

interessados.
Fico pasma outra vez, mas endureço o coração, bloqueando

as emoções.

O silêncio se instaura na mesa por um instante, até que o

garçom aparece com nossos pratos. Ben continua conversando,

mas dessa vez faz observações sobre a comida, a maré, o mar, o

lugar, a bebida, inclusive faz algumas observações sobre o vinho.

Percebo que não entendo nada disso, não tenho um paladar

sofisticado, mas pelo menos a comida está boa, os camarões

grandes e saborosos, estou faminta e consigo comer mesmo

estando uma pilha de nervos.

Como depressa, na expectativa de descobrir logo o que

significa tudo isso: o convite, o jantar, a conversa, as insinuações e,

principalmente, que proposta é essa que ele tem para me fazer.

— O que quer para a sobremesa? — Ben quer saber, quando

acabo o prato.
Penso em recusar, mas sou uma gulosa de nascença, passei

algumas privações na infância, minha família não tinha condições de

comprar muita coisa além do básico para a sobrevivência, e muitas

vezes, no recreio da escola, nos dias em que não havia merenda,

eu ficava olhando as outras crianças comprando lanches, com o

estômago roncando, mas nunca tinha coragem de pedir, ou

recusava envergonhada quando me ofereciam. Isso ficou para trás,

mas não perco a oportunidade de comer bem e não recuso nada

que um dia já tive muita vontade de comer, portanto, aceito uma

fatia de torta alemã.

A sobremesa chega mais rápido, e já estou quase à vontade

com a situação, a ponto de não me importar tanto com os olhares

das pessoas em volta, porque ele me deixa confortável com a

situação. Quase solto os ombros e desfaço a pose de intocável, mas

não sei o que me espera, então acho melhor manter as aparências

e a armadura levantada.
Fico ainda mais ereta na cadeira quando Benjamin limpa a

garganta. Ele passa o guardanapo de linho pelo canto dos lábios

após uma última garfada da torta, me fazendo desejar por um

instante provar do sabor que a sobremesa deixou na sua língua.

Aperto a mandíbula e contraio meu interior, tentando não ter esse

tipo de pensamento logo agora.

— Eu não sei como falar isso de uma forma mais suave, mais

discreta — Ben começa, deixando transparecer que está nervoso, o

que piora ainda mais meu estado.

— Só fale — sussurro, com a ansiedade atingindo um novo

pico, apertando minhas unhas contra as minhas coxas por baixo da

mesa.

— Preciso me casar — ele diz e sacode a cabeça em gesto

de negação logo em seguida. — É uma exigência do meu pai.

— Seu pai? — não posso deixar de perguntar com surpresa.


Ele balança a cabeça, olhando para o prato sujo de chocolate,

então volta a me encarar.

— Tenho quase trinta anos e meu pai ainda tenta controlar

minha vida — murmura, parece mais um desabafo.

— Porque você deixa — comento sem nem saber o que estou

falando, não sei praticamente nada sobre a família De La Roche.

— Eu vou ser direto, Lia, e só peço que não me interrompa

até eu terminar, tudo bem?

Meus nervos estão à flor da pele, porque nada que ele diz

parece ter relação comigo, mesmo assim, me trouxe até esse

restaurante para conversar comigo sobre isso.

— Conte — minha voz é apenas um silvo baixo.

— Meu pai nunca gostou da minha esposa, essa é a verdade,

mas quando ela morreu, meu luto o incomodou muito mais que meu
casamento com Luiza. Comecei a trabalhar com ele na empresa,

porque ele já estava velho e queria se aposentar, passei dois anos

sendo criticado e repreendido como seu eu fosse uma criança, mas

ao final desse período, ele me disse que passaria a empresa para

mim com a condição de eu me casar, abandonar o luto de vez e

arranjar uma mãe para minha filha, uma mulher para me ajudar a

crescer — ele fala depressa, se perdendo nas palavras, seu olhar

encontra o meu algumas vezes, mas isso não dura muito. — Ele é

um homem muito tradicional e gosta de ser agradado, gosta dos

privilégios que sua posição lhe oferece. Para falar a verdade, meu

pai tem pedidos bizarros, como esse que ele me fez. Me deu um

prazo de cinco anos para arranjar uma esposa, caso contrário,

tomaria a empresa de volta e a passaria para meu primo, que não

entende muita coisa de negócios.

— E você não se casou — não posso deixar de comentar.

— E só me restam alguns meses — Ben acrescenta.


— Não encontrou nenhuma mulher adequada nesses últimos

anos? — meu coração dói ao perguntar, porque tenho medo da

resposta.

— Nunca procurei, a verdade é que eu agi como se os anos

nunca fossem passar, como se o prazo não fosse vencer, até que...

— ele diz e ergue o olhar para me encarar. A luz amarelada reflete

nos seus olhos verdes, a barba está por fazer, os lábios

entreabertos, o queixo quadrado, tudo nele é harmonioso.

— Até que? — insisto quando ele não continua.

— Uma mulher apareceu na minha vida há algumas semanas

— ele diz, fazendo meu coração se espremer no peito, como se ele

estivesse dizendo que não há chance para nós dois. Sou ridícula,

não tenho nada a ver com a história dele e não deveria permitir me

afetar assim. — Uma mulher perfeita para ser minha esposa, para
ser mãe de Alicia, alguém... simplesmente perfeita. Mas eu não sei

como falar com ela, como propor isso a ela...

— Vocês já saíram juntos? — o questiono, sem conseguir

disfarçar a mudança de humor, sinto os músculos do meu rosto

contraídos, estou visivelmente emburrada, mas Benjamin não

percebe, está ocupado demais com seu próprio drama.

— Só uma vez, mas eu não sei o que ela diria a respeito

disso.

— Acho que deveria falar, afinal você disse que tem poucos

meses, não é? — Tento, mas não consigo disfarçar a chateação. —

Se não se casar, seu pai vai tomar a empresa e entregar para

alguém que pode não ter capacidade de cuidar. Imagino que só por

birra.

Benjamin limpa a garganta, mas não diz nada, está

encarando o prato vazio. Estou com a barriga cheia, chateada, com


sono e quero ir embora, preciso acordar cedo para cuidar de Alicia

amanhã e não quero ficar aqui sentada ouvindo-lhe discursar sobre

a mulher perfeita, mas não posso dizer nada disso ao meu chefe.

— Lia...? — ele me chama, cravando os olhos verdes em mim

sem piedade.

— Hm — murmuro, aborrecida.

— Você aceitaria se casar comigo nessas circunstâncias? —

Sua pergunta me pega de surpresa, meu queixo cai, mas ele não

espera que eu responda, começa a falar ainda mais rápido, como se

estivesse mais nervoso e ansioso que eu. — É um contrato, você só

precisa ficar casada comigo enquanto o contrato durar, depois que a

validade acabar, você estará livre para pedir o divórcio. Só preciso

que se porte como minha esposa em público, que meu pai acredite

que é um casamento genuíno. Não vai ser de graça, pretendo

recompensá-la pagando sua faculdade de medicina, o curso inteiro,


mesmo que o casamento acabe antes. A faculdade, as despesas,

um apartamento, um carro, e o que mais você precisar. Vamos

colocar tudo no contrato, só preciso que faça parecer que você me

ama.

Quando ele se cala, esperando uma resposta, agarro a taça

de vinho amargo e viro tudo na minha boca, sentindo o líquido

descer quente pela garganta.

Minha mente está enevoada, o que diabos posso pensar a

respeito disso?

— Mas você disse que tinha encontrado uma mulher perfeita

— murmuro com voz de choro, emocionada com a possibilidade de

estudar, de me formar, mas também de ter alguma coisa com ele.

Estava mentindo para mim mesma durante toda a noite, tentando

ocultar que estou me apaixonando por Ben.


— E encontrei, Lia — ele diz com o olhar apelativo, me

fazendo morrer de vontade de me atirar nos seus braços. — Você é

perfeita, é doce e educada, mas se impõe quando precisa, sua

postura revela um poder interno, uma força de vencer na vida que é

admirável, e acima de tudo isso, você adora minha filha, você a

transformou nesse pouco tempo, a fez se abrir mais para o mundo,

ninguém melhor que você para ser uma mãe para Lia.

Pisco, respirando fundo para manter as emoções guardadas

por um instante.

— Um casamento com prazo de validade? — o questiono,

começando a analisar com a razão.

— Só se você quiser se divorciar depois, caso queira

continuar, podemos renovar o contrato, mas preciso ficar casado por

algum tempo antes do divórcio.


— Em troca, a minha faculdade... — chega a ser surreal

pensar assim. — E como ficaria meu trabalho de babá?

— Não precisa mais trabalhar se for minha noiva, minha

esposa, você não será mais uma babá, e sim alguém que ajudará

na criação de Alicia. Podemos contratar uma cuidadora, para que

isso não atrapalhe seus estudos.

Seria hipocrisia da minha parte ter escapado de um

casamento por conveniência e aceitar outro que pague mais? Me

sujeitar a outro homem só para ter uma condição de vida melhor?

Não que com Lucas eu estivesse de acordo. Lucas me paquerou

durante duas semanas de culto, quando seu pai se mudou com a

família para a minha cidade para substituir o pastor antigo na nossa

congregação. Sem perguntar se eu queria isso, foi até minha casa e

pediu minha mão em namoro aos meus pais. Eles disseram que sim

sem me consultar, porque para meu pai, eu nunca tive vontade

própria, o mesmo que ele sempre pensou da minha mãe.


Ele a traía, batia nela, a privava de administrar o próprio

salário e pagava de bom marido, indo com a família à igreja

semanalmente.

Eu estava trabalhando como babá dos filhos pequenos de

uma vereadora da cidade quando meu pai decidiu que eu namoraria

o filho do pastor. Para ele, isso por si só já era como ganhar na

loteria, mas tudo ficou ainda mais emocionante quando, uma

semana depois de ir até minha casa pela primeira vez, Lucas

resolveu que eu iria parar de trabalhar. Ele se ofereceu para pagar o

valor que eu ganhava a meus pais, para que eu ficasse em casa,

visto que precisávamos do dinheiro para a sobrevivência.

Meu pai não via dessa forma, mas me senti vendida. Sem ter

o que fazer, porque era aceitar aquele namoro ou levar uma surra,

mesmo já tendo dezenove anos, decidi tentar enxergar um lado bom

naquilo — sobraria mais tempo para estudar, já que eu tinha

fracassado no último vestibular para medicina. Mas meu pai nunca


gostou de me ver desocupada, e mesmo que Lucas estivesse

literalmente pagando para não namorar com uma garota que

trabalhava de babá, meu pai fez questão de arranjar crianças para

que eu cuidasse em casa por algumas horas por dia.

Quando Lucas descobriu que eu continuava trabalhando, me

deu um tapa no rosto e em seguida empurrou minha cabeça contra

a parede, dizendo que eu precisava aprender que alguém como ele

não poderia namorar alguém que trabalhava de babá. Ainda me

lembro como ele me desprezava por isso, me queria exclusivamente

porque me achava bonita, um troféu para exibir.

Não culpo o pastor, seu pai, não culpo a religião. Meu pai e

Lucas são homens desprezíveis, machistas, abusivos que se

escondem em pele de cordeiro, mas só quem convive com eles

sabe como realmente são entre quatro paredes. Hipócritas. Lucas

nunca insistiu em ir para a cama comigo porque queria uma noiva


virgem, mas eu sabia que ele me traía, assim como meu pai sempre

traiu minha mãe.

Vi a história se repetir, primeiro com mamãe, uma mulher

submissa, e então comigo. A única arma que eu tinha era o estudo,

mas nem isso deu certo. Do namoro ao noivado com Lucas foram

dois anos, um mês e catorze dias em que eu apanhei tanto dele

quanto do meu pai, e fui obrigada a fingir que era apaixonada por

ele em público, fui humilhada, oprimida e forçada a me comportar

como alguém que eu não era, como se eu pudesse ser moldada

para ser a esposa ideal de alguém que não passava de um babaca

mimado.

Fugi na primeira oportunidade. Carol é da minha cidade, e

acabei encontrando com ela em um culto de domingo, me perguntou

se eu conhecia alguém que gostaria de trabalhar como babá para a

mesma família que ela trabalhava na capital, a puxei para um canto,


sem pensar direito nas consequências, e disse que eu queria, mas

precisava fugir.

Deixei um bilhete sobre minha cama com a aliança em cima,

pedindo para não me procurarem. Meu coração se partiu ao deixar

minha mãe, porque eu sabia que ia sobrar pra ela, que meu pai a

castigaria pela fuga, mas se eu ficasse, se não aproveitasse a

oportunidade, acabaria como ela.

Pedi para Carol manter segredo, porque tanto Lucas quanto

meu pai poderiam vir atrás de mim se soubessem onde eu estava.

Além disso, ela ainda se ofereceu para ficar de olho na minha mãe.

Devo muito a ela.

— Estudar medicina é o meu maior sonho, maior objetivo da

minha vida — confesso, enquanto o filme da minha vida desfila pela

mente como um show de horrores.


— E posso te ajudar, se case comigo, Lia. Vai estar tudo no

contrato.

— Deve ser um contrato com muitas páginas — digo, rindo de

nervosismo. O destino me parece muito com uma armadilha agora.

Será que estou fadada a isso?

Mas Benjamin não é como Lucas. Carol teria me contato. Eu

vejo como ele cuida de Alicia todas as noites, como se importa com

a filha, como trata bem todos os funcionários. Não posso acreditar

que ele faria as coisas que Lucas fez comigo, ou que meu pai faz

com minha mãe, além disso, o que estou sentindo por ele nesse

curto período de tempo é mais forte do que senti por Lucas em mais

de dois anos.

— Só vai haver uma condição, além de ser minha esposa —

ele diz.

— Qual?
— Você não pode se apaixonar por mim.
Se fosse apenas por Lia, eu jamais teria feito esta condição,

mas eu sabia que era mais por mim do que por ela. Eu não quero

me apaixonar novamente, mesmo que ela seja uma mulher incrível,

não quero viver com medo de ter meu coração partido em milhares

de pedaços outra vez.

Respiro fundo enquanto ela me encara do outro lado da

mesa, os olhos cor de caramelo ficam lindos na iluminação

incandescente do restaurante.

Sinto os olhos dos outros clientes em mim e tenho vontade de

sorrir para eles e dizer, sim, ela está comigo, sim finalmente estou

saindo com alguém, e eu também sei que ela é linda e sou sortudo.

É coisa de ego, não sei explicar direito, mas eu sinto orgulho de

estar com Lia aqui, mesmo que isto não signifique praticamente

nada.
A observo franzir o cenho e respiro fundo, quero dizer algo

que a faça se sentir mais segura de embarcar nesse navio comigo,

mas o que posso falar? Eu não mereço alguém como ela, não

depois do que fiz com minha vida nos últimos anos.

— Posso saber por quê? — ela pergunta, o queixo empinado

e marcado, me faz desejar deslizar o dedo naquela linha.

— Porque as coisas serão mais fáceis se não existir

sentimentos — explico, passando a ponta do dedo indicador pela

sobrancelha que coça quando fico ansioso.

— Mas se acontecesse, se um de nós dois acabasse se

apaixonando? — ela insiste.

Meu peito infla, me arrumo na cadeira, sendo tragado pelo

pensamento, pela ideia surreal de tê-la por completo na minha vida,

mas definitivamente não posso cair nesses pensamentos tolos, eu


não suportaria passar pela dor da perda outra vez. Sei o tipo de

homem que sou.

— Eu não vou me apaixonar — minha voz soa seca, baixa, e

não estou afirmando isso para Lia, e sim para mim, porém ela me

ouve e arregala levemente os olhos.

— É claro que não — responde com o rosto sério, inclino a

cabeça para o lado, sem saber se ela está brava comigo. — Você

nunca se apaixonaria pela babá.

Levo alguns segundos para processar sua fala, Lia acha que

há algo nela que me impeça, que me afaste? O simples fato de ela

ter uma profissão que pague pouco jamais seria suficiente.

— Não é sobre você, Lia — faço questão de pronunciar seu

nome, sem motivo algum. — Se isso importasse, eu não estaria te

propondo que se casasse comigo.


Ela ergue a sobrancelha,o semblante cheio de dúvidas.

— E o que é, então?

— É complicado — sou sucinto.

— Como pode ser complicado? Moraremos na mesma casa,

não é? — ela pergunta e eu assinto. — Às vezes, precisaremos nos

beijar em público, dormir no mesmo quarto, suponho, as pessoas

saberão sobre nós, o que mais pode ser complicado?

Ela me encara, ainda brava, esperando uma resposta. Não

quero que ela desista, não quero imaginar outra mulher entrando

dessa forma na minha vida, fazendo parte da minha família, se

aproximando da minha filha, mas não posso me dar ao luxo de

desistir de um casamento, deixar meu pai pegar a construtora de

volta, e a entregá-la para um primo mimado, mal criado e que vive

de mesada. Preciso desse casamento a todo custo, e preciso que

seja Lia.
— Eu sou complicado — digo, soando o mais sério que

consigo, para que ela consiga entender. — Você não vai querer se

envolver emocionalmente comigo.

— Te vi com sua filha, vejo vocês juntos todas as noites,

alguém que trata a filha tão bem não deve ser assim tão

complicado.

— Por que insiste nisso? — pergunto sem pensar direito,

deixando a voz se elevar em um momento de descontrole. — Por

acaso está apaixonada por mim para se opor tanto a um pequeno

detalhe?

— Não — ela diz, ainda mais séria. — Não te conheço direito,

por que estaria apaixonada? Só insisti porque quero entender tudo

dessa proposta antes de pensar se vou aceitar ou não, e

simplesmente não consigo entender o que poderia nos impedir, já

que não é a diferença de classe social.


— Sabe por que eu nunca namorei, Lia? Por que eu não

encontrei uma mulher para se casar comigo da forma tradicional? —

a questiono, e ela continua me encarando, com a expressão de

curiosidade misturada ao desprezo. — Eu não permito que ninguém

chegue perto de mim dessa forma, e também não vou permitir que

você faça.

Suas narinas estão inflamadas, não consigo nem raciocinar

quando foi que perdemos o controle da conversa dessa forma,

quando nossos nervos ficaram tão exaltados.

— Então você está completamente sozinho desde que ficou

viúvo? — ela provoca.

— É claro que não. — Minha resposta a faz respirar

pesadamente, sem paciência.

Percebo meu próprio nervosismo, devo estar estragando as

coisas, mas, se tem algo que preciso deixar claro, é isto.


— Lia — baixo o tom de voz e falo pacientemente —, você é

linda, meiga, atraente, tudo que alguém poderia procurar em uma

esposa, mas eu não presto, eu não sirvo para ser o dono do

coração de alguém como você, e se não está apaixonada por mim,

não posso permitir que haja a mínima possibilidade de algo entre

nós acontecer. Quero que seja você a se casar comigo, mas você

tem que saber o tipo de homem que sou.

— E você vai me mostrar?

Sacudo a cabeça positivamente e aceno para o garçom,

pedindo a conta. Em poucos instantes, ele aparece com o recibo

contendo o valor do jantar e a maquininha de cartão. Quando

termino de digitar a senha, Lia já está de pé, segurando a bolsa

contra o peito.

Levanto-me e ela se adianta. Dou uma passada larga e

alcanço sua mão, que escapa por entre meus dedos.


— Lia, por favor — a peço, sentindo uma pontada na boca do

estômago, com a sensação de vazio dominando meu peito. Estava

feliz até pouco tempo, agora o sentimento de nada me pega de

surpresa, me puxando para o buraco.

Ela para por um instante e me olha, insisto em entrelaçar

nossos dedos e dessa vez ela permite.

— Espero que tenha gostado pelo menos da comida —

resmungo, sabendo que sou responsável pela brusca mudança de

humor e pelo fim indigesto do jantar.

Deveria ter explicado direito, ter ensaiado mais.

Ela ergue o rosto para me olhar, pequena, sua cabeça nem

chega a alcançar meus ombros, e sorri, acabando com minha

estrutura.
— Foi ótimo — diz, então sussurra: — O que mais quer que

eu finja?

Estamos diante do elevador, aperto o botão para descer e

tento pensar em algo que amenize isso, só que estou nervoso e

ansioso demais para pensar com clareza.

— Você é incrível, você é maravilhosa, adoro vê-la com minha

filha, tem tudo que eu procuraria em uma mulher, mas eu não sou

alguém que se apaixona, não depois de ficar viúvo.

Ela respira fundo, e sinto que ainda preciso acrescentar algo

na minha justificativa.

— Não posso te explicar exatamente o porquê, mas posso te

mostrar. — As portas do elevador se abrem e entramos. — Você já

foi noiva, deve entender que um relacionamento não é simples

assim.
Ela ergue o rosto e dá um aceno de cabeça, compreendendo.

— Sei melhor que ninguém — Lia afirma. — O que sabe

exatamente sobre o meu noivado?

— Que você desistiu e se mudou para cá — respondo

exatamente o que sei. Não fiz muitas suposições sobre isso, porque

sei que uma mulher como ela não se contenta com pouco, que seria

muito fácil de perdê-la. — Você merece o mundo, Lia, e não estou

me referindo a dinheiro.

— Você me entende — ela sussurra quando a porta do

elevador se abre. — Entende que o dinheiro não pode conquistar o

coração de ninguém.

Faço que sim com a cabeça, a puxando para fora do

elevador, antes que faça a besteira de quebrar minha primeira regra:

nunca beijar na boca. Eu não beijo há muitos anos, e por mais que
eu esteja sedento por seus lábios, pela língua rosada que aparece

quando ela umedece o lábio cheio, não vou me deixar levar.

Minhas extremidades latejam de desejo quando chegamos

até o carro, a mente é uma tormenta de pensamentos, mas preciso

me colocar nos eixos.

Sei que hoje mesmo posso encontrar uma mulher e afogar

dentro dela o tesão que me consome, mesmo que o alívio dure

alguns momentos, sei que tenho à minha disposição mulheres

dispostas a me satisfazer sem exigir sentimento em troca, sem o

mínimo de envolvimento emocional, elas sequer me beijam na boca,

sabem minhas regras. É assim desde que perdi Luiza, e continuará

sendo. Não vou me trair, me entregando a um sentimento que

provavelmente será efêmero, não vou quebrar minhas promessas.

Estou mais que decidido quando dou partida no carro, pelo

menos minha mente está, já o corpo... O pau lateja tanto que chega
a doer. Olho para ela, enquanto acelero pela Av. Engenheiro

Roberto Freire, tomando a direção da Via Costeira. O trânsito está

calmo. O cabelo de Lia está mais solto, os cachos contornando seu

rosto, ombros. Só quero tocar o vestido que ela mesma costurou,

tirá-lo, apertar seu corpo contra o meu, segurar um dos seios na

palma da mão e chupar o outro...

Sacudo a cabeça na tentativa de afastar os pensamentos,

mas fica difícil com ela ao meu lado.

— Aonde vamos? — ela quer saber, está olhando para fora,

através da janela do carro, para o mar escuro.

— Já vamos chegar.

— O que tem para me mostrar? — questiona.

— Você vai entender que eu não mereço alguém como você,

e vai saber separar um casamento de fachada de qualquer


sentimento que poderia vir a existir entre nós.

Desacelero para virar à direita na pequena entrada ao lado da

via costeira, tão escondida que mal pode ser encontrada por quem

não conhece o local. Abaixo os faróis enquanto desço pela rampa,

meu corpo está em chamas ao pensar no que pode acontecer

agora.

Estaciono em uma vaga distante e desço. Dou a volta no

carro depressa para abrir a porta para Lia. Ela olha para minha mão

estendida com o rosto cheio de dúvidas, mas acaba aceitando.

Adoro como minha mão se fecha em volta da sua, tão

pequena e delicada dentro da minha. Podemos ouvir as ondas

quebrando nas pedras a alguns metros dali, a maré está cheia e a

lua deixa um rastro no mar. Lia cruza os braços, incomodada com a

brisa fresca que vem da água.


— Vamos entrar — digo, meus batimentos martelam nos

ouvidos.

A puxo pela mão e sigo o caminho de britas até a entrada

discreta do clube, a guiando pelas escadas. Vejo a luz avermelhada

que vem lá de dentro, iluminando a porta como se o interior do clube

fosse o próprio inferno.

— Boa noite, senhor De La Roche — a recepcionista me

cumprimenta com um sorriso que exibe as lentes de contato

brancas nos dentes.

— Boa noite, Michelle — a cumprimento pelo nome. — Ela

está comigo, preciso de uma pulseira.

— É claro — Michelle diz, abrindo ainda mais o sorriso. —

Devo colocar na sua conta?

— Sim.
Alcanço a carteira no bolso e tiro o cartão preto, a entrego e

ela processa a compra da pulseira, em seguida oferece as três

opções de cores para Lia.

A preta significa que ela ficará só observado, que ninguém

deve tocá-la, a amarela diz que a pessoa está aberta a uma

aproximação, e a verde sinaliza que o usuário está disposto a tudo.

Escolho a preta e eu mesmo coloco em seu braço, sem

permitir que ela veja a tabela ao lado de Michelle, com letras

amarelo neon com os significados de cada cor. Não quero dar a ela

a opção de permitir ser tocada, algo estranho me faz sentir repulsa

pela ideia.

— Que lugar é esse? E por que minha pulseira é preta? — Lia

pergunta com os olhos curiosos.

— Você já vai descobrir — digo e seguro sua mão com força,

a puxando para dentro.


A única luz que ilumina o lugar vem de uma faixa de led

vermelha na junção entre o teto e a parede. Ouço uma música

baixinha, e alguns sons que me lembram gemidos. Acho que sei

onde estou, o que tudo isso significa e, por mais que a menina

criada sob os ensinamentos de uma religião mais severa queira sair

correndo dali, a nova Lia da capital decide ficar.

Os dedos de Ben estão entrelaçados nos meus com força,

como se eu pudesse escapar dele a qualquer momento. Olho para

seu rosto e me sinto mal com o que vejo, ele não é mais o cara que

sorria e brincava de flerte comigo no restaurante.

Parece que sua máscara foi tirada aqui, que foi deixada na

entrada desse lugar, ele parece alguém misterioso, que esconde

segredos e teme ser pego, seus olhos verdes, agora escurecidos

pela fraca iluminação, parecem perturbados, mas sinceros, é como

se eu estivesse vendo-o sem roupas, exposto.


Minha respiração está acelerada, a de Ben também, estou

ansiosa pelo que vou testemunhar aqui, meu coração também dói

por saber o tipo de lugar que ele frequenta, mas a curiosidade é

maior que tudo.

— Obrigada por me mostrar — murmuro, com os nervos à flor

da pele.

— Você ainda não viu nada — ele sussurra com a voz

torturada. — Lamento por não ser o homem que te oferecia um

coração, mas não poderia mentir só para te fazer aceitar o acordo,

para que você assinasse o contrato. Não seria justo com você.

Faço que sim com a cabeça.

— É por isso que estou agradecendo — digo, descendo as

escadas em caracol.

— Você merece saber onde está se metendo.


Chegamos ao andar inferior e ele abre a porta para

entrarmos. Meus olhos varrem o lugar, procuro guardar os detalhes,

pois sei que provavelmente nunca voltarei aqui. A música é

envolvente, alta, mas não o suficiente para incomodar os ouvidos,

as batidas do meu coração parecem se ajustar à melodia. Há

homens elegantes, altos, jovens e também mais velhos dançando

com garotas mais ou menos da minha idade.

Aperto a mão de Benjamin, nervosa, desejando que ele não

me deixe aqui sozinha.

Eu levaria uma surra do meu pai, independente de quantos

anos tenho, se soubesse que estou aqui. Sei também que até Lucas

me daria uns puxões de cabelo ao me arrastar para fora deste lugar,

quando ficasse sozinho comigo, me puniria da maneira que julgasse

mais adequada, só que nem isso me faz querer sair correndo, eles

não podem me machucar aqui.


As mulheres são bonitas e usam roupas provocantes, vejo

alguns casais se beijando, há cerca de trinta pessoas aqui.

Eu nunca fui a uma boate, mas suponho que seja parecido

com isso.

Ben me puxa na direção do bar, solta minha mão e a coloca

em minha cintura, para que eu caminhe ao seu lado. Me sinto

segura, mesmo que esteja receosa.

— Ninguém vai te tocar por causa da pulseira — ele diz aos

sussurros contra meu ouvido quando chegamos ao balcão, seu lábio

toca o lóbulo da minha orelha, fazendo eu me encolher para conter

os arrepios.

— Isso inclui você? — pergunto, ciente de que estou sendo

atrevida, de que fui rude e mal educada com meu chefe, como

nunca fui com Lucas, mas ele faz eu me sentir à vontade para ser

eu mesma, ainda que de um jeito estranho e difícil de explicar.


— Você quer que eu toque? — ele questiona e seus lábios

ficam entreabertos. Nossos quadris estão tão próximos que posso

sentir o calor emanar dele, sentir seu hálito, seu cheiro, meu corpo

reage furioso com a ideia de beijá-lo, de ser tocada por ele.

Não sei o que responder.

— O que vão beber? — o garçom pergunta. É um rapaz mais

ou menos da idade de Ben, moreno e de barba cerrada.

— Uma taça de vinho para ela — Ben pede, me fazendo

perceber que ele não vai consumir álcool enquanto está dirigindo.

Bebo um gole assim que sou servida, agora preparada para o

sabor seco do vinho tinto, satisfeita pela reação que ele causa no

meu corpo desta vez.

— Quer conhecer mais? — ele me pergunta.


Aceno com a cabeça e me deixo ser guiada, bebendo goles

generosos ao caminhar, largando a taça vazia sobre uma mesinha

redonda ao lado de um sofá ocupado por um trio, dois homens na

casa dos quarenta e uma ruiva de vinte e poucos anos.

Paro para olhar por um instante, Ben também para. A ruiva

está no meio, seu sutiã é de um material que imita couro, está

abaixado e um dos homens chupa seu seio, o outro beija seu

pescoço, com a mão dentro da sua saia.

Ao me ver, ela ergue a perna e coloca o pé sobre a mesa, ao

lado da taça de vinho, então me chama.

Sinto os bicos dos meus seios se enrijecendo, minha boca

seca, me pergunto qual é a sensação de ter um homem passando a

língua no meu mamilo, colocando a mão entre as minhas pernas.

Me sinto molhada, curiosa, enquanto estou parada olhando a cena,

o vinho deixando minhas pernas trêmulas.


Ben aperta minha cintura contra seu corpo, como se quisesse

me dizer alguma coisa, e volto a andar ao seu lado. Chegamos a um

corredor ladeado por quartos com paredes de vidro. Está rolando

tudo que se possa imaginar dentro dos quartos, coisas que jamais

imaginei que fosse presenciar assim, ao vivo e em cores.

Não sei como ainda estou de pé aqui, como não estou

correndo para fugir, mas os gemidos me envolvem, me fazem

querer observar. Queimo ao ver duas garotas fazendo um meia

nove enquanto um homem chupa a bunda de uma delas.

A curiosidade me faz querer saber como é. Olho para outra

cabine e vejo dois homens e uma mulher grudados, encaixados em

uma espécie de sanduíche. Me pergunto como ela aguenta a

penetração dupla, um em cada orifício, mas ela não parece

incomodada, está gemendo feito louca, até que um terceiro homem

aparece e coloca o pênis na sua boca. Ela chupa com vontade,

envolvida pelos três em uma intimidade profunda.


Passo os olhos pelas outras cabines, vendo casais, trios,

grupos, transando como se não existissem regras sociais, como se

o inferno não os esperasse.

— É aqui que venho, é com essas mulheres que eu fodo, e

não vou parar — Ben sussurra ao meu lado com o tom de voz que

chega a seu cruel. — É a esse lugar que eu pertenço, é esse tipo de

homem que sou.

É só aí que me dou conta, que sinto meu coração se

quebrando, quando tento imaginá-lo no meio daquelas pessoas,

daquelas mulheres e homens. Me sinto ridícula por não ter me dado

conta antes, por não ter estado ciente esse tempo todo. É aqui que

ele vem quando sai de casa depois que sua filha dorme, ele sai de

casa para foder como um animal irracional, e isso me destrói.

Sinto os olhos úmidos de raiva por sentir ciúme do meu chefe,

por querer dizer que ele está errado, por não saber se quero ir
embora ou se quero ficar.

Imagino que ele já beijou todas as mulheres deste lugar, que

ele as devorou, que as mãos de todas elas já estiveram no seu

corpo. Ben é sujo, e estava escondendo tudo isso de mim com uma

falsa educação, mas seu jeito sedutor escapava de vez em quando,

só eu que não quis ver.

— Quem são essas garotas — pergunto, sem conseguir

disfarçar a frustação.

— Algumas são sócias, mas a grande maioria é contratada da

boate, ganham muito bem para trabalhar aqui.

— Isso é um cabaré — comento, irritada. — São prostitutas.

— É um clube onde realizamos nossas fantasias e algumas

mulheres são pagas para participar disso — ele explica, me

deixando ainda mais nervosa.


Quero perguntar quanto ele paga por mês para ser sócio

deste lugar, para alimentar sua perversidades, quero ofendê-lo,

dizer que sua mulher teve sorte de ter morrido para não ver o tipo

desprezível de homem que ele é. Quero bater no seu peito e dizer

que ele é um babaca, e espero que ele morra sozinho, mas não

tenho absolutamente nada a ver com isso, o que só me frustra ainda

mais, então engulo todas as emoções ruins.

Vejo a ruiva se aproximando, a mesma que estava no meio

dos dois homens no sofá. Ela usa uma sandália preta de tiras, e

vem rebolando na nossa direção, olhando diretamente para Ben

com os seios redondos à vista, os bicos rosados apontando na

direção dele.

A raiva, a frustração e o ciúme é tamanho que me faz ficar na

ponta do pé quando ela se aproxima, entrando no meio do beijo que

ela vai dar em Ben.


Nunca beijei uma mulher, nunca pensei que isso fosse

acontecer e nunca desejei fazer, mas puxo seu pescoço para baixo,

com a mão pousada em um dos seus seios, o mamilo causando

cócegas na palma. Sua língua entra na minha boca, seus lábios são

macios e têm gosto de álcool, estou perdida, me deixando ser

levada pelas emoções, e correspondo como nunca sequer

correspondi meu ex.

Então sinto uma mão passeando pela minha coxa, entrando

por baixo do meu vestido. O desejo pede para que a mão continue,

que toque meu sexo pulsando de excitação, que aplaque o desejo.

Sinto os lábios de Ben no meu pescoço e me permito ser tocada por

ele. Sua mão afasta meu cabelo e sua língua lambe a pele. Me

contorço de prazer e sua mão alcança minha calcinha, deslizando

por cima do tecido, me fazendo perceber que estou molhada.

Me rendo a sensação por alguns segundos, me sentindo

desejável e sexy entre os dois, entregue ao prazer, como se eu


fizesse parte daquele mundo, até que a razão se sobressai e a

empurro para longe de mim.

Pisco, sem acreditar no que acabei de fazer. A culpa me deixa

tonta, cega.

— Ele já está acompanhado — respondo com o tom de voz

sério, como se eu tivesse algum poder de domínio sobre Ben.

— Posso acompanhá-los também — ela insiste.

— Não precisamos da sua companhia — rebato, ainda em

chamas.

A mulher dá meia volta e caminha pelo corredor. Mais

pessoas passam à nossa volta, procurando cabines para entrar,

outras se agarrando ali mesmo. Estou perdida, Ben não é o príncipe

que pensei, eu não sou a cinderela, ele é sujo e acabou de me


contaminar. E o pior de tudo é que uma parte de mim ainda continua

iludida.

Quero desaparecer dali, mas minha pele e meu corpo ainda

querem ficar.

— Quer entrar em uma das cabines? — Ben sugere. — Quer

se juntar a algum grupo? O que quer fazer? Esta noite, você pode

tudo, Lia, e ninguém vai saber, é nosso segredo, pode se entregar.

— Foi para isso que me trouxe? Para que eu realize minhas

fantasias? — o questiono, a ira perceptível na minha voz.

— Te trouxe aqui para que soubesse exatamente quem eu

sou. Mas você gostou muito mais do que eu poderia imaginar, você

beijou Julia... Eu não esperava por isso.

— Acha que beijei aquela garota por desejo? Você não sabe

de nada! — o acuso.
Não ligo mais para as pessoas nas cabines, para as que

estão passando em volta, para os gemidos.

— E por que a beijou? — ele insiste.

— Porque eu não queria que ela te beijasse, porque fiquei

com ciúmes. Tenho sentimentos, ao contrário de você, e eu não

quero que minha primeira vez seja num lugar como este.

Minhas palavras fazem alguma coisa clarear na mente dele.

Seus olhos se arregalam, mas não fico ali para descobrir o que é.

Viro de costas e sigo na direção do salão, o atravessando e

empurrando as pessoas, correndo para as escadas, enojada,

quente, úmida, me sentindo perdida.

Ele me alcança nos degraus, segura meu antebraço e me

detém.
— Você é virgem, Lia? — pergunta, o cenho franzido, o olhar

preocupado.

Puxo meu braço de volta e continuo subindo, arrancando a

pulseira do braço, a atiro contra a recepcionista e saio deste lugar,

descendo os degraus depressa, desejando nunca mais voltar aqui.

— Lia — Ben me chama, atrás de mim.

Não posso mais ficar perto dele, não posso lutar contra o que

estou sentindo, preciso encontrar algo concreto para me agarrar,

tenho que voltar aos eixos.

Passo pelo SUV parado entre os outros carros, pulo a mureta

de pedras que separa o estacionamento da praia, e desço para a

areia. Sinto seus passos atrás de mim, Ben me agarra outra vez,

apertando minha cabeça contra seu peito.


O empurro novamente, ciente de que estamos ambos

descontrolados.

— Aqui é perigoso, Lia — ele adverte.

— Mais perigoso que você? — pergunto, olhando para ele

sobre o ombro, e voltando a caminhar.

— Me deixe andar perto de você pelo menos. Eu sinto muito,

não fazia ideia de que você era virgem. Me perdoa por te trazer

aqui.

Suas palavras me fazem parar de repente, me sento na areia

e abraço meus joelhos, olhando para as ondas, me dando conta do

papel ridículo que estou fazendo de virgem assustada.

— Não preciso te perdoar de nada. Só estou nervosa, mas

agradeço por ter me mostrado esse seu lado — resmungo,

procurando me centrar outra vez.


— Eu precisava que você me conhecesse, que soubesse

exatamente quem eu sou, antes de fecharmos o contrato, antes de

se casar comigo. — ele fala depressa ao meu lado. — Agora você

entende o motivo da minha única exigência, de você não poder se

apaixonar? Entende?

— Não preciso disso — respondo, decidida.

— Vou pagar sua faculdade, você será muito bem

recompensada.

Respiro fundo, enchendo o peito de ar e de orgulho, forçando

o nó da garganta para baixo.

— Encontre outra garota. Não estou disposta.


Ela se deita na areia, há um poste de luz amarelada perto

dali, mas a área onde estamos está escurecida graças aos

coqueiros do estacionamento do clube. Posso ouvir sua respiração,

visualizar seu semblante sério.

Deito ao seu lado, rendido. É uma noite longa e meu peito

está doendo, não sei lidar com mulheres, não sei mais como

conversar com elas, só sei trepar e me odeio por descobrir isso.

— Você sentiu ciúmes de mim? — sussurro, depois de um

longo momento de silêncio. A lua está brilhando no céu, rindo da

minha cara.

— Me sinto ridícula — ela diz tão baixo que mal posso ouvir.

Me viro para olhá-la, apoiando o cotovelo na areia e a cabeça

no punho fechado.
— Por favor, me diga — insisto, você sentiu ciúmes de mim,

Lia?

— Não foi ciúmes, me precipitei em dizer que foi, eu só não

queria que vocês se beijassem ali na minha frente, que me

deixassem sozinha naquele lugar.

— Jamais te deixaria sozinha ali — murmuro em resposta,

sentindo um calor se espalhar pelo meu peito, enquanto observo ela

olhar o céu.

Mal posso ver seu semblante, mas sei que está muito

chateada, ainda assim, sinto cócegas no ego com a ideia de Lia

sentir ciúmes de mim.

— Olha — peço com a voz mais mansa possível, imaginando

que posso controlar as emoções na frente dela —, Julia não me

beijaria, ela só estava provocando.


— Como não? — ela diz, virando a cabeça para me encarar,

está tão perto de mim que sinto vontade de acariciar seu rosto, de

dizer que não vou mais machucá-la, de lhe fazer promessas que

não posso cumprir.

— Porque ela sabe que não pode me beijar — concluo. —

Você não precisava ter entrado na frente dela, não precisava tê-la

beijado.

Ouço sua respiração pesada.

— Explique melhor — sua voz soa exigente, Lia cruza os

braços.

— Não beijo as mulheres do clube, eu transo com elas, mas

não permito que elas me beijem.

Ela continua me encarando por um longo momento,

procurando descobrir alguma verdade ou lógica no meu rosto.


— É uma forma de me defender — acrescento.

— Se defender de quê?

— De me apaixonar.

— Por que ser solteiro, ter essa vida de luxúria, é muito

melhor que viver um amor — ela me acusa.

Sustento seu olhar por um segundo, sinto seus olhos

atravessarem meu peito e ferirem meu coração. Eu posso abrir a

boca e contar a verdade, que morro de medo de me envolver com

alguém novamente, que não posso passar pela dor da perda outra

vez, que sou covarde, que sou um lixo, mas até para admitir isso

sou um fraco, por isso prefiro mentir.

— A vida sem paixões é muito melhor — é o mais puro

fingimento, a vida sem o amor de uma mulher é vazia, por mais que

eu transe, que realize fantasias, que volte para casa extasiado, é


sozinho que termino todas as noites, com um vazio no coração

como companhia.

Ela se senta, cruzando os braços.

— Prometo nunca mais te trazer aqui — garanto, também

levantando. — Ninguém sabe que sou sócio desse clube, você não

vai ser vista como a esposa traída, vou respeitá-la e tomar cuidado

para que ninguém saiba, consegui manter em segredo todos esses

anos...

— Se eu recusar essa proposta, você vai me demitir? — ela

me interrompe.

— Nunca faria isso, minha filha te adora, eu...

— Então não quero — ela diz com convicção.

— Lia, você vai poder estudar medicina, fazer o que sempre

quis.
— A faculdade pode esperar. Não vou ser sua esposa de

mentirinha. Aposto que tem centenas, milhares de garotas que

aceitariam se passar por sua esposa, mas eu não estou disposta a

isso.

O silêncio se instala entre nós. Ainda estou processando sua

recusa, não contava com isso, não imaginava que ela fosse se

negar.

— Por quê? — pergunto, a voz baixa, ainda mansa.

Lia vira o rosto para o mar, esfregando as mãos nos próprios

braços. Toco sua pele e sinto como está arrepiada de frio.

— Tudo bem se não quiser se justificar — digo, fechando a

cara e abrindo os botões da camisa, percebendo que ela é ainda

mais especial do que imaginava, e não vai se vender assim.

Tiro a camisa e coloco em volta dos seus ombros.


— Não precisa — ela diz, mas insisto, e ela puxa a gola

contra o pescoço, se enroscando na peça de roupa como em um

casulo.

— Me desculpe por ter sido tão mal educada, por ter gritado

com você e por te tratar mal. Jamais deveria pensar que tenho esse

tipo de liberdade.

— Te pedi em casamento, Lia — digo, dando uma risada sem

graça —, te dei toda a intimidade para me tratar do jeito que quiser.

— Ben, vamos voltar a ser como antes, empregada e patrão,

por favor. Não importa o que diga, o que me ofereça, não vou me

casar com você — ela soa tão decidida que não me resta outra

opção a não ser lamentar. — Quero ir para casa. Quero ir agora.

Lia fica de pé, mesmo na penumbra, consigo ver a silhueta

das suas pernas. Me sinto um tolo por tê-la levado até o clube, por

ter a oportunidade de tocá-la e desperdiçar. Me sinto ridículo


porque, mesmo que esteja tentando proteger meu coração a todo

custo, ele está doendo como não doía há muitos anos.

— É só o ego ferido — murmuro para mim mesmo, tão baixo

que ela não entende. Ela não está partindo meu coração, não pode

fazer isso quando eu não a permiti entrar nele, é só meu orgulho

machucado por ter levado um fora.

— O que disse? — ela pergunta, me olhando de cima, sem

sequer imaginar que sua imagem, o que ela fez esta noite, vai me

perseguir incansavelmente.

— Nada — resmungo, me levanto e bato a areia que se

acumulou na minha roupa, mas até isso sou capaz de afastar por

completo.

A sigo, evitando olhar para seu corpo, sabendo que se fizer

isso só vai aumentar o que estou sentindo. Travo a mandíbula e


fecho a cara, não consigo mais conversar, estou decepcionado

demais para tentar ao menos ser simpático.

Só me dou conta que estou sem camisa quando o vento frio

me atinge no topo dos degraus, mas não vou pedir a peça de roupa

de volta.

Espero para apertar o botão para destravar o carro apenas

quando chegamos até ele. Abro a porta para Lia sem dizer uma

palavra.

— Quer a camisa de volta? — ela me questiona. Dou de

ombros. Uma camisa não significa nada diante do que estou

sentindo.

Dou a volta no carro com os ombros murchos. Quero

endireitar a postura, me empertigar e andar com a cabeça erguida,

mas não tenho forças agora. Fito o nada quando entro no carro,
segurando o volante, tentando focar os olhos à frente, sem

conseguir.

— Ben, não aja como se tivesse levado um pé na bunda —

ela diz ao me estender a camisa.

— Você me deu um pé na bunda, Lia — minha voz soa

rabugenta, rouca, enquanto agarro a camisa sem me importar em

olhar para ela.

Não entendo de onde vem essa dor no peito, na boca do

estômago e essa tristeza repentina, não é como se eu realmente

quisesse me casar com ela, tipo, de verdade.

— Não é bem assim — ela diz. — Era só um contrato. Sem

sentimentos, né?

— Sem nenhum sentimento — minha voz sai por entre os

dentes.
— Então por que parece que você está sentindo? — Lia

insiste, como se quisesse me humilhar mais um pouco.

— Olha, eu já pedi desculpas por te trazer até o clube,

podemos esquecer isso?

Pelo canto do olho, a vejo fazer que sim com a cabeça. Por

Deus, ela é tão linda que olhá-la de perto só piora as coisas.

Me obrigo a dirigir, a focar na estrada, a pensar no projeto de

um dos próximos prédios que minha construtora vai executar.

A via costeira está quase vazia, é como se a noite tivesse nos

dado uma oportunidade de nos acertar e uma cidade linda para

desfrutar, chega a ser ridículo. De onde tirei a ideia de levá-la ao

clube mesmo? Por que pensei que isso iria prestar?

— Você vai procurar outra esposa? — Lia me sonda quando

me aproximo da Av Lima e Silva, pegando o túnel ao lado do Arena


das Dunas.

— Não sei — resmungo. — Isso importa?

— Se você não arranjar uma, vai perder a empresa — ela

observa, como se eu não soubesse, como se não estivesse

morrendo de medo de isso acontecer.

— Isso te importa? — pergunto, com o pior dos humores.

— Não pode convencer seu pai a esquecer esse acordo

idiota? — Lia está insistindo nisso, o que me deixa ainda mais

irritado.

— Não conhece meu pai, não sabe o que Raul De La Roche

é capaz de fazer quando coloca uma coisa na cabeça.

— Está parecendo um menino mimado que não conseguiu

comprar a amizade de alguém — ela me acusa.


Aperto as mãos no volante porque, primeiro, Lia está errada,

posso não ter passado necessidade, mas nunca fui mimado,

segundo, ela não me conhece e nem tem direito de dizer algo

assim. Não respondo, não tenho força mental para continuar

discutindo com ela, prefiro deixá-la pensar o que quiser de mim.

Decido que me afastar nesse exato momento, cortar o mal pela raiz,

é a melhor opção a seguir, mas... nem esse pensamento faz a dor

no peito passar.
Tento a todo custo pensar que aquela noite com Ben foi uma

ilusão da minha cabeça, em parte porque não quero considerar tudo

que aconteceu entre nós, principalmente naquele clube, e também

porque não posso em hipótese alguma pensar que desperdicei o

curso de medicina inteiro e as outras regalias. Não sei o que aquilo

significaria para mim, e é melhor afastar da mente.

Torna-se mais fácil ainda quando Ben mal me cumprimenta,

mal olha nos meus olhos. Não deixa de ser educado, mas não dá

nenhum indício de que aquela noite foi real.

Consigo levar os dias tranquilamente, é a noite que minha

mente repassa tudo, cada palavra, gesto, sorriso, toque, as mãos

dadas... Travo uma batalha com meu próprio cérebro, insistindo que

posso dominá-lo, mas acabo cedendo as lembranças e me permito

relembrar, abraçando os próprios joelhos na cama de solteiro do


quarto, enquanto o ventilador gira furioso, trazendo um pouco de

alívio para o calor de Natal.

Penso nele sem camisa, no seu cheiro, o calor da sua mão,

seus lábios no meu pescoço, e fantasio que só havia nós dois

naquele clube, que suas mão entravam por baixo do meu vestido,

me tocando por cima da calcinha, passando a língua no meu

pescoço. Me contorço na cama, sem saber o que fazer com o

desejo que me castiga.

Pergunto-me se às vezes ele também se sente assim, mas

sei que não. Benjamin tem um clube cheio de mulheres para

escolher, para usar e se esbaldar.

É terrível como isso me afeta, como pensar nele com outra

me castiga. Quero estar no controle das minhas emoções, mas

acabo soluçando, rolando pela cama, agarrada no travesseiro,

trêmula, pegando fogo, furiosa por permitir que ele me afete tanto.
Ben não sabe o quanto mexe comigo e nunca vai saber. Sou

uma imbecil por ficar olhando-o quando ele brinca com a filha, sem

saber que é observado, sou ridícula por alimentar essa confusão de

sentimentos.

Não temos nada em comum a não ser o fato de sermos filhos

únicos, mas somos tão diferentes como água e vinho, e só estou

perdendo meu tempo ao deixar que ele habite meus pensamentos

dessa forma.

No primeiro fim de semana que se sucedeu a fatídica noite

em que Benjamin me pediu para casar com ele a troco de dinheiro,

ele comprou um skate cor de rosa para Alicia, joelheira, cotoveleiras

e um capacete combinando, e passou o sábado e o domingo

brincando com a filha no jardim, entrando na piscina com ela no fim


da tarde, à noite, eles saíram para o cinema ou um parque de

diversões, o que me deixou livre para estudar.

Pesquisei por valores de cursos de faculdade e descobri que,

tendo experiência com crianças, o melhor que eu poderia fazer era

esquecer essa história de ser médica e tentar pedagogia. Cabia no

meu orçamento se eu segurasse bem as pontas, e talvez ainda

conseguisse uma bolsa no ENEM, só precisava me dedicar o resto

do ano e aproveitar cada hora vaga para estudar.

Alicia era fofa, não consumia todas as minhas energias, como

acontecia com outras crianças para quem já trabalhei, então, se eu

me organizasse, poderia estudar todas as noites.


Estou considerando me matricular em um cursinho

preparatório para o ENEM, agora que posso pagar, mas sou pega

de surpresa pela notícia de que minha mãe está sem água em casa,

porque a caixa d’água rachou e eles não têm dinheiro para comprar

outra.

Carol me mantém informada sobre o que acontece com minha

mãe, porque tem uma amiga que a conheceu e lhe passa as

informações por WhatsApp, mas sem deixar meus pais saberem

onde estou.

Essa amiga contou que minha mãe ficou abatida nas três

primeiras semanas após minha fuga, mas que depois começou a se

recuperar.

Estou me habituando a viver em uma mansão de luxo, e de

repente, um problema que antes para mim era tão comum como a
falta de água no sertão do estado parece algo distante, mas é só

receber essa notícia para mergulhar de volta nas lembranças.

Só chega água uma vez na semana, no máximo duas, quase

nunca chove e ter uma caixa d’água naquela cidade é questão de

sobrevivência. Sei que o pai de Lucas poderia ajudar se eu não

tivesse fugido, mas nessas circunstâncias, meu ex-noivo

provavelmente virou as costas para os meus pais.

Não me importo com meu pai, não dou a mínima, ele não

significa nada para mim além de lembranças ruins, mas minha mãe

continua sendo tudo para mim, e não posso deixá-la sem algo tão

básico quanto água.

Junto cada centavo que sobrou do meu pagamento, depois

de comprar algumas coisas de primeira necessidade de uma garota,

como absorventes, calcinhas novas e remédio para cólicas, e peço


a Carol para fazer uma transferência para a conta bancária da

minha mãe.

— Você não pode gastar tudo que conseguiu com eles — ela

se recusa. — Não disse que ia se matricular em um cursinho.

— Sabe quanto ganha um ajudante de pedreiro no interior? —

a questiono.

— Seu pai tem que se virar — Carol não entende.

— Não é por ele, nunca será, mas faço tudo que estiver ao

meu alcance pela minha mãe.

— E se seu pai ou seu noivo descobrirem onde está

morando?

— Ex-noivo — a corrijo. — Eles não vão descobrir através de

uma transferência. E outra, se minha mãe receber dinheiro, vai


acabar chegando à conclusão de que fui eu quem mandou e que

estou bem, que estou trabalhando.

— Guarde pelo menos uma parte, vai que você precisa —

Carol insiste, me olhando como seu olhar cheio de experiência. Ela

está na casa dos trinta, mas, às vezes parece que ela é mais

madura que minha mãe.

— Tudo bem, vou guardar duzentos reais — acabo

concordando com ela. — O cursinho pode esperar mais um mês.

Ela estreita os olhos escuros, com a mão apoiada na cintura

em uma perfeita pose de xícara. Seu cabelo preto está preso em um

coque preso com uma touca de telinha, já que ela está preparando o

almoço, ela é alguns centímetros mais alta que eu, pele marrom e

seios fartos.

— Quer trabalhar em casa de família para o resto da vida

assim como eu? — Carol fala em tom de bronca, mas sei que só
está preocupada e tem carinho por mim.

— Mês que vem me matriculo no cursinho — repito, me

mostrando mais determinada desta vez.

Ela acaba fazendo a transferência porque, no fim das contas,

Carol entende de sobrevivência assim como eu. Ela tem marido e

um filho de oito anos no interior, mas só os vê a cada quinze dias,

quando tira o fim de semana de folga e só volta na segunda-feira

bem cedo. Guarda tudo que recebe para comprar coisas para o

filho. Sim, ela me entende muito bem.

Me pergunto o que Benjamin pensaria se nos flagrasse

discutindo sobre mandar dinheiro ou não para a minha mãe comprar

uma caixa d’água — algo que deve ter aos montes nos depósitos da

construtora. Imagino se ele entenderia disso, se conseguiria ter

empatia para se colocar no lugar de alguém para quem até algo tão

básico como água é escasso.


Não consigo entender o que ele sentiria.
É a terceira vez que estou indo ao clube desde o dia que Lia

recusou a proposta de se casar comigo.

Na primeira vez, quando cheguei à recepção, pedi para

Michelle uma pulseira preta, mesmo que eu não usasse mais as

pulseiras das intenções desde que me tornei sócio, mas queria

privacidade.

Olhar para aquela tira preta no meu pulso me fazia lembrar de

Lia, da sua presença ali, como um fantasma me acusando dos

crimes que cometi, do pecado, do fato de ter levado uma garota a

esse lugar sem ao menos verificar se ela já tinha uma vida sexual

ativa.

Pensar na sua virgindade faz minhas entranhas revirarem, me

pergunto como foi seu noivado, quanto tempo durou e por que ela

permaneceu casta até hoje. Desejo mais que tudo saber dos
detalhes, mas não sou absolutamente nada dela para perguntar

algo tão íntimo.

A verdade é que sinto como se tivesse manchado sua honra a

levando ao clube sem um aviso prévio. Tenho que admitir o quanto

ela foi paciente e cortês comigo, outra no seu lugar teria me

insultado ainda na recepção.

Não me dou ao luxo de recordar como ela entrou na frente de

Julia para que a mulher não me beijasse, sem saber que a ruiva só

estava provocando, que ela, de fato, não faria aquilo. Não consigo

lidar com essa imagem, é perturbador demais, para mim, pensar no

acontecido, em como senti seu cheiro na sua nuca, a maciez da sua

pele, o sabor salgado... Não devo e não vou me ater a isso, é mais

do que posso suportar.

Na primeira vez que voltei aqui, desde a terrível noite,

encostei no balcão e pedi uma soda, nada de álcool, estava


dirigindo. Pedir para seu Alfredo me trazer aqui, dividir o carro com

ele e meus pensamentos, era puro constrangimento. Mesmo que ele

não soubesse o que tinha acontecido entre mim e Lia, que havia

trazido uma virgem para me exibir em um clube de sexo, ainda que

seu Alfredo nunca adivinhasse, era embaraçoso demais.

Na metade da soda, quando vi que Julia e uma outra mulher

chamada Tônia, com quem sempre fazíamos ménage, se

aproximarem de mim, larguei a bebida e fui embora sem olhar para

trás, sem foder com ninguém, apenas fodido pelo peso da culpa.

Na segunda vez, alguns dias depois, não passei da recepção.

Era como se eu estivesse vendo Lia parada ao meu lado. Me

pergunto como não reparei na sua inocência, na sua delicadeza.

Naquele dia, me senti ainda mais envergonhado pelo que fiz, por

permitir que ela conhecesse meu pior lado. Planejava prender os

braços da primeira mulher que aparecesse para mim, e foder sua

buceta com tanta força que ela iria gozar feito louca. Pelo menos era
o que eu planejava. Estava enlouquecendo com o tesão acumulado,

precisava gozar e tinha várias à minha disposição, mas não

consegui passar da recepção.

Voltei para casa frustrado, irritado e com uma ereção quase

insuportável de lidar. Enchi a banheira com água gelada e fiquei lá

até meu corpo se anestesiar.

E agora, é a terceira vez que tento entrar no clube.

— Quer uma pulseira hoje, senhor? — Michelle pergunta com

uma cara de safada. Ela passa a língua nos lábios e sorri. — Ou

prefere...

Sei o que ela quer dizer. Está se oferecendo para mim, me

fazendo lembrar de como é gostoso ejacular na sua boca carnuda.

E eu quero, juro que uma grande parte de mim, a racional, só quer

isso.
— Hoje não — respondo com educação, e ela desmancha o

sorriso. Sei que gosta das minhas gorjetas, então tiro três notas de

cem da carteira e coloco à sua frente.

— É para mim? — Michelle pergunta, surpresa.

— Compre algo bonito para você — digo, guardando a

carteira e descendo as escadas, só para chegar até o salão de

dança e me dar conta de que não é isso que quero, que uma foda

qualquer não pode preencher o vazio que sinto no peito.

Observo as pessoas em volta e me pergunto quantos já se

sentiram assim, como estou me sentindo agora, e porque sempre

voltam. Quero saber quando isso vai passar, quando vou ter minha

vida de luxúria de volta.

Parado no meio do salão, pego o celular no bolso e procuro

pelo contato de Lia no WhatsApp. O salvei para emergências. Olho


sua foto e mal consigo acreditar que ela já esteve ali comigo, parece

que foi há mil anos.

Não penso muito a respeito, não analiso os prós e os contras,

só digito a mensagem.

“Boa noite” envio, sem pontuação, tentando não ser formal

demais.

Alguns segundos depois, as duas setinhas ficam azuis,

indicando que ela leu.

Demora quase um minuto até seu “Boa noite” aparecer em

resposta.

“Estava dormindo?” quero saber.

“Não, só lendo” Lia responde mais rápido. Abro um sorriso por

ela estar falando comigo.


“O que está lendo?” digito e espero sua mensagem de volta.

“Dom Casmurro” “É para o ENEM”.

“Já li na época do vestibular” envio, mas ela não volta a

responder.

Resolvo arriscar um pouco mais.

“Quer dividir uma barca de sushi comigo?” Já passa das 22h

e eu nem sei se encontrarei o restaurante aberto, mas é tudo que

me vem à mente no momento.

“Sushi?” ela envia, seguido de emoji pensativo que me faz

imaginar como está seu rosto agora. “Nunca comi sushi”.

“Hoje parece um bom dia para experimentar algo novo”

arrisco. “A não ser que já esteja muito tarde para você”, acrescento

para não parecer tão desesperado.


“Não está tão tarde assim” ela responde junto com um emoji

de sorrisos. “Quer que eu chame mais alguém? Carol? Rita, a

passadeira?”

“Ninguém, a barca é para duas pessoas” brinco. “Chego em

meia hora.”

“Tudo bem”.

Não sei o que estou fazendo quando subo as escadas, não

sei por que estou cedendo se estou tão decidido a me afastar.

Quem sabe, só preciso de uma dose de Lia, alguns minutos na sua

presença, uma conversa brincalhona, algumas das suas risadas, um

pouco do seu tempo, e eu posso voltar a ser o que era.

Estou contando com isso quando ligo para um restaurante

oriental localizado na Av. Miguel Castro e encomendo a barca. Vinte

e sete minutos depois, estou estacionando na frente do restaurante.

Ligo na recepção e logo uma garçonete passa pelas portas


automáticas carregando o pacote. Ela sorri quando me vê. Conheço

aquele sorriso e sei o que ela quer.

— Boa noite, Ben — ela faz questão de me chamar pelo

nome sempre que vou ao restaurante. — Não quer comer em casa

hoje?

— Tenho um compromisso, Bianca — a respondo. Ela sempre

parece surpresa por eu lembrar seu nome.

— Você faz eu me sentir especial — ela brinca, tocando na

minha mão ao entregar a barca.

Tiro o cartão do bolso e ela se aproveita outra vez para

segurar por cima da minha mão quando me entrega a maquininha.

Finjo não perceber suas intenções, como faço todas as vezes. Não

dou abertura, prefiro disfarçar e levar numa boa, sei que uma garota

como Bianca poderia querer mais que um encontro, uma noite de


sexo, e não tenho nada para oferecer, portanto, prefiro não dar

esperanças.

— Meus cumprimentos ao chef — digo, e ela parece frustrada

por novamente não conseguir nada de mim. — Boa noite, Bianca.

Acelero, a deixando parada na calçada com os braços caídos

ao lado do corpo. Me pergunto se devo fingir esquecer seu nome da

próxima vez ou se é muita falta de educação.

Fico pensando no que Lia pensaria se estivesse no banco do

carona, se ficaria com ciúmes como ficou com Julia. De qualquer

forma, não gosto desse tipo de situação, porque sei que está

diretamente relacionado a quem sou e a posição que ocupo como

CEO da construtora La Roche. A cada cinco dos prédios

construídos nos últimos sete anos em Natal e nas cidades vizinhas,

dois foram erguidos pela La Roche e carregam as iniciais da

empresa. A sigla da minha família está espalhada por toda Grande


Natal. E esse é o motivo das garotas darem em cima de mim tão

descaradamente.

Sei que não tem nada a ver com meu porte físico, meus olhos

claros ou minha aparência, porque eu era praticamente igual

quando Luiza era viva, e ela nunca testemunhou nada do tipo.

Meu pai não gostava dela justamente por achar que não

passava de uma interesseira. Cortou minha mesada, tomou o carro

e pediu para que eu arrumasse outro lugar para morar, tudo isso

achando que eu desistiria de Luiza quando a necessidade

apertasse. Por sorte, estudava na Universidade Federal e não

precisava dele para bancar meus estudos. Consegui estágios que

pagavam uma mixaria, Luiza me convidou para morar com ela no

quarto do apartamento que ela dividia com outras três amigas na

Zona Norte da cidade, atravessando a ponte do Igapó, no bairro

Santa Catarina.
Passei um aperto, porque estava acostumado a ter tudo do

bom e do melhor, mas não terminei com ela por isso.

Vendi algumas coisas que consegui tirar do meu quarto na

casa do meu pai, como videogames, alguns tênis de marca e um

notebook, e consegui comprar uma moto velha.

É com propriedade que digo que as mulheres não se atiravam

em mim desse jeito quando eu andava na Honda 125 cilindradas,

com Luiza na minha garupa.

Ficamos três anos morando no apartamento da Zona Norte,

nos virando como podíamos, e quando ficou grávida, sua família

pagou pelo casamento, eles gostavam de mim, me acolheram como

um filho adotivo.

Só quando ela morreu é que meu pai me procurou. Não

queria aceitar seu contato, não queria retornar uma relação com ele,
mas tinha uma filha para criar, e com o passar dos meses acabei

aceitando.

Estou recordando tudo isso quando o portão da garagem

desliza ao ser acionado pelo controle remoto justamente porque Lia

não pareceu se importar com o quanto de dinheiro valho. Ela teria

me desprezado se eu fosse pobre e me desprezou sendo rico. Não

é o dinheiro que conquista alguém, mas seu caráter.

Paro o SUV na vaga e alcanço a barca de sushi, sentindo o

cheiro do salmão fresco fazer meu estômago roncar.

A vejo encolhida em um dos bancos do jardim, ela fica de pé

quando desço do carro, está de braços cruzados, usando um

vestido azul claro estampado de arabescos brancos. Seu cabelo

está preso em um coque e sinto vontade de pedir para ela soltá-lo,

mesmo sabendo que nunca me atreveria a tanto, pelo menos não

depois do que aconteceu naquela noite.


— O que acha de comermos na sala de cinema — pergunto.

— Podemos começar a ver uma série. Tem alguma na sua lista?

Lia estreita os olhos para mim, como se me desafiasse, mas

como não dou bola, ela acaba desfazendo a cara de investigadora.

— Não conheço seus gostos, não sei o que gosta de assistir

— ela diz.

— Vamos lá, me sugira alguma coisa — tento, caminhando ao

seu lado na direção da entrada.

Os outros funcionários estão em seus quartos na edícula.

— Ouvi falar que Dark é legal. Já assistiu? — ela questiona,

ainda de braços cruzados, se virando para me olhar.

— Ouvi falar — minto.

— Podemos ver o primeiro episódio.


Caminhamos em silêncio até o segundo andar, acima dos

quartos principais. Meu coração está batendo forte como as hélices

de um helicóptero quando chegamos à sala de cinema, mas sei que

isso não se deve ao esforço físico, e sim, pela garota ao meu lado.

Virgem! Minha mente grita.

Eu nunca fui para a cama com uma virgem, não fui o primeiro

homem na vida de Luiza, e tenho medo de acabar estragando a

noite outra vez. Para falar a verdade, nem sei por que inventei isso.
Ben mudou o corte de cabelo. Fico me perguntando se ele foi

ao barbeiro na hora do almoço ou depois do expediente na

empresa.

Seu cabelo loiro acinzentado escuro tinha um corte bem

clássico, agora está bem curto nas laterais e mais comprido na parte

de cima, liso, jogado para o lado de um jeito meio bagunçado, o faz

parecer ainda mais charmoso.

Quero dizer que gostei do corte, mas sei que Ben não precisa

ganhar elogios de uma babá. Reparo que a barba está mais cheia

que costume, quase escondendo as covinhas que ele tem nas

faces. Os olhos parecem mais fundos, com olheiras arroxeadas,

como se ela não estivesse dormindo bem nas últimas noites.

Olhando mais de perto, parece abatido e pálido. Franzo o

cenho, me perguntando se há algo errado.


Ben está usando uma camisa branca, calças jeans de

lavagem escura e tênis Nike preto e vermelho, saindo

completamente do visual que costumo vê-lo usar durante a semana.

Como um cavalheiro, ele carrega a barca e me pede para ir

na frente. Nunca comi com aqueles hashis — sei o nome porque

procurei no Google antes de ele chegar, justamente por não querer

passar vergonha. Tentei ver um tutorial de como usá-los, mas não

consegui aprender muita coisa.

Tento controlar a respiração quando chego ao topo das

escadas, foram quatro lances até o andar do cinema.

— Não é um cinema de verdade — Ben comenta, como se

soubesse exatamente o que estou pensando. — É só uma sala com

estofados e um projetor.

— Já assisti a filmes com Alicia — explico.


Abro a porta para entrarmos. Ele leva a barca de sushi para a

mesa de centro que fica em frente ao grande sofá branco, retrátil,

tão grande quando está aberto que mais parece uma cama king

size, desembrulha a barca e começa a colocar os molhos em

recipientes descartáveis. Me adianto para ajudá-lo, desembrulhando

uma embalagem de hashi e engolindo em seco.

— Você disse que nunca comeu sushi... — ele me olha com

curiosidade. — Sabe usar isso?

— Não — respondo, os largando sobre a mesinha.

— Eu trouxe um adaptador — Ben me diz, agachando-se ao

lado da mesa e colocando um pequeno objeto de plástico verde nas

extremidades dos hashis, os deixando unidos.

Sentando-se com as pernas dobradas, ele pega a primeira

tira de peixe e leva a boca, mastigando de olhos fechados,

aparentando estar faminto.


O olho, embasbacada, enquanto ele come o primeiro pedaço,

mas sou flagrada assim que ele abre os olhos verdes e me encara.

— Não precisa comer se não quiser — Ben murmura,

pegando a próxima peça.

— Eu quero experimentar — digo, segurando os pauzinhos

com firmeza e os articulando, vendo que se movem com perfeição

graças ao adaptador.

Escolho uma porção de arroz envolta em uma tira de salmão,

a aperto com os hashis e levo até a boca. Para a minha surpresa,

acabo gostando. Mastigo depressa, pegando o próximo sushi e,

desta vez, passando no molho escuro antes de comer. Percebo que

fica ainda melhor.

— Acho que posso me acostumar com isso — brinco, me

sentando no chão sobre os joelhos, de frente para Ben.


Ben se estica e alcança o frigobar ao lado do sofá mais

próximo, pega duas latas de refrigerante.

— Como andam os planos? — ele puxa conversa após

termos devorado um terço da barca, pegando o controle remoto e

colocando na Netflix para procurar pela série. Com outro controle

pequeno, ele diminui as luzes do ambiente.

— Vou começar a fazer um cursinho pré-vestibular — explico,

vendo as capas das séries deslizarem pela tela enquanto ele

procura por Dark.

Ele seleciona a série, mas não dá play ainda, volta-se para

mim, apoiando o queixo no joelho e me encarando com uma

expressão que não consigo decifrar.

— Eu preciso perguntar isso — ele começa, com o tom de voz

mais sério. — Sei que já se passaram semanas desde que te fiz


aquela proposta de casamento e que, se você não disse nada, isso

deve significar alguma coisa, mesmo assim, quero ouvir você dizer.

— Pergunte — o incentivo, me sentindo ansiosa.

Uma parte de mim odeia quando ele me olha assim, com os

olhos verdes tão profundos, como se realmente quisesse enxergar

através da minha pele, a outra parte de mim é tomada por um calor

intrigante.

Nós suspiramos ao mesmo tempo.

— Você não se arrependeu de ter recusado? Em nenhum

momento pensou que seria bom fazer a faculdade, realizar um

sonho?

Não quero assumir que até hoje me sinto confusa, sem saber

se fiz a coisa certa, mas também não quero entrar em detalhes,

explicar que fugi de um casamento parecido, de ser submissa, que


não iria me vender novamente para um homem que deixou claro

não ter intenção de se apaixonar por mim.

— Algumas coisas não valem o preço a ser pago — murmuro,

antes de beber um gole do refrigerante.

— Lia... — ele começa, mas faz uma pausa, procurando as

palavras. — Só consigo ver vantagens para você. Sei que fui um

otário te levando naquele lugar, mas não era sobre virarmos um

casal e você ser traída, era sobre eu te pagar a faculdade em troca

de você fingir ser minha esposa em público.

Respiro fundo, largando os hashis, percebendo como já estou

satisfeita.

— Acho que não era só sobre fingir ser sua esposa quando

você envolveu Alicia no meio, você disse que eu seria uma boa mãe

para ela, agora vem me dizer que era só sobre fingir... — Sacudo a

cabeça em negação, é chocante como consigo falar abertamente


com ele, como me sinto à vontade para dizer o que estou pensando.

— Parece mais que eu seria a mulher que sorriria para as fotos e

ficaria em casa cuidando da sua filha, enquanto você sairia para

transar com um monte de prostitutas. Me espantaria se eu tivesse

dito sim.

Dizer estas palavras em voz alta me faz pensar que fui

certeira em recusar aquela proposta, que estou coberta de razão.

Empino o queixo e endireito a postura antes de continuar.

— E quanto a mim? Poderia sair com outros caras, já que

você não pode nem sequer me beijar? Ou teria que literalmente ficar

sozinha durante todo o tempo em que estivesse casada? Acho que

eu precisaria me anular como mulher para ser sua esposa de

mentirinha. E, francamente, Ben, nada nem ninguém vai me prender

desse jeito.
Pela forma como Ben abaixa a cabeça, sei que acabei com

ele. Me remexo sobre os joelhos, orgulhosa pela minha resposta

impecável.

— Uma faculdade não vale isso — ele murmura, ainda sem

olhar para mim, e começa a arrumar a bagunça da mesa.

Fico em silêncio, tentando adivinhar o que se passa na sua

cabeça, enquanto ele termina de juntar as embalagens e vai para o

sofá grande.

Me sento o mais distante dele possível. O ar condicionado

está ligado, e eu alcanço a manta no encosto do sofá para me

aquecer.

Com cerca de dois metros entre nós, ele aperta o play, só que

eu não consigo olhar para a tela por mais que cinco segundos,

estou inquieta, quero me convencer de que meu discurso foi sincero

e que a partir desta noite não irei mais me atormentar pensando em


Ben, mas uma parte de mim acha que a companhia desse homem

gostoso ao meu lado deve ser aproveitada ao máximo.

— Você está procurando uma nova garota para se casar? —

o questiono, só para ouvir seu timbre de voz novamente.

Como ele não responde, me estico para alcançar o controle

descansando na sua perna e dar pausa na série. Ben segura minha

mão com firmeza em cima da sua coxa e me encara. Seu semblante

agora é uma confusão que não consigo entender.

Me encara de perto, mantendo meu pulso preso, mesmo que

eu não faça nenhum esforço para recuar. O encaro de volta, sem

saber exatamente o que fazer em seguida, tomada pela atração que

seu corpo exerce sobre mim. Posso ver seu peito pelos botões

abertos da camisa, o pescoço, os pelos da barba, o queixo

quadrado, o nariz reto.


Inalo seu cheiro e percebo como meu coração está batendo

forte, tanto que não sei se vou aguentar olhar dentro dos seus olhos,

mesmo assim eu faço. Encarar Ben assim, a poucos centímetros

dele, é como um soco no estômago.

A carência que me corrói todas as noites me domina sem

avisos, e eu cedo, olhando para seus lábios, os desejando

profundamente, agoniada com o toque da sua mão sobre a minha,

sua coxa musculosa abaixo dos meus dedos. Engulo a saliva.

Quero beijá-lo, desejo que sua mão me puxe mais para perto...

— Vai arranjar outra esposa? — sussurro.

— Por que você se importa? — ele sussurra de volta,

direcionando o olhar para meus lábios.

Me sinto nua, exposta, como se ele soubesse o que estou

pensando. O vejo trincar o maxilar e endurecer o olhar, em seguida

engolir a saliva.
— Podemos só assistir a série? — Ben me pede, com seu

olhar exigente.

Se não vou me casar com ele também não saberei nada a

seu respeito?

Ele tem razão, a sua vida não é problema meu.

Frustrada, retorno ao meu lugar com as mãos fechadas em

punho, praguejando mentalmente contra mim mesma por me deixar

abater mais uma vez por este assunto.

Tento fixar os olhos na tela à frente, segurando a coberta

como um escudo, mas não consigo me conectar com a série, mal

ouço o que os personagens falam.

Não estou no clima.

— Está gostando? — o questiono.


— Sim, e você?

— Também. — Não é uma mentira, a série é boa, só não

consigo me concentrar nos dramas de outras pessoas quando tenho

meus próprios tão intensos no momento.

— Quer saber de uma coisa? — Ben murmura após um longo

momento em silêncio, então dá pausa.

— Quero — respondo, empolgada por ter sua atenção de

volta.

— Pensei que você fosse sugerir que a gente reprisasse

Grey’s Anatomy — ele fala com um tom brincalhão.

— Reprisar?

— Sim, você sonha em ser médica, imaginei que já tivesse

assistido.
— Eu poderia não ter assistido, não é pré-requisito — digo

brincando, mas me sentindo extasiada por poder conversar sobre

algo que eu gosto. — Mas já vi todas as temporadas.

— Eu também — ele diz, me fazendo sorrir. — E sofri em

praticamente todos os episódios. Você tem algum preferido?

Me viro no sofá, me arrastando discretamente para ficar mais

próxima a ele.

— Tenho dois, na verdade... — começo, mas ele se antecipa.

— O episódio da balsa? — Ben acerta em cheio.

— E o da bomba — acrescento.

Apesar de serem episódios pesados o suficiente para me

arrancar muitas lágrimas e ao mesmo tempo me fazer refletir, que

me deixaram péssima, agora estou me sentindo leve por falar do

que gosto, por descobrir algo em comum com Ben.


— São os meus preferidos também — ele comenta, com o

rosto relaxado, um sorriso brincando no canto dos lábios. Adoro vê-

lo sorrir assim.

— Lembra daquele episódio que tem uma estaca

atravessando o corpo de um homem e uma mulher, e que a equipe

não poderá salvar os dois, e eles precisam decidir quem morre e

quem vive? — pergunto.

— Esse é foda! — Ben exclama, dobrando a perna sobre o

sofá, ficando de frente para mim também. — Mas confesso que os

episódios com crianças são os mais pesados para mim, fodas pra

caralho.

— E mesmo assim você assistiu todos — comento e ele faz

que sim com a cabeça.

— Podemos assistir juntos quando estrear a nova temporada.


— É uma boa ideia. E dividimos outra barca de sushi? —

Sinto que acabei de parecer interesseira, mas se realmente fosse,

teria aceitado aquela proposta.

— Temos mais uma coisa em comum — Ben observa.

— Outra? — questiono, curiosa.

— Não gostamos de sermos chamados pelos nossos nomes

de batismo — ele aponta. — Se esqueceu disso, Virgília?

Recordo a conversa no seu escritório, da vez em que pensei

que ele fosse me demitir, e abro um sorriso.

— Não esqueci, Benjamin.

Sinto meu coração leve finalmente.

— Acho que tem outra coisa em que somos parecidos —

acrescento.
— O quê? — Ben também parece estar mais relaxado. Falar

sobre séries faz bem a quase todo mundo.

— Somos filhos únicos — explico, me esticando para me

alongar em um gesto quase inconsciente, chego mais perto.

— É verdade — ele diz e fica pensativo por um instante. —

Mas nem sempre foi assim. Já tive um irmão, mas ele morreu

quando eu tinha seis anos. Ele tinha dezoito anos na época. Sofreu

um acidente de moto. Meu pai o amava muito. Ainda mantém o

quarto arrumado do mesmo jeito que era antes de Brian falecer.

— Brian — murmuro. — Minha mãe sofreu muito no meu

parto, ela ficou entre a vida e a morte e os médicos decidiram que

ela não poderia mais ter filhos, fizeram uma laqueadura nela. Por

isso sou filha única, porque quase matei minha mãe.

— Não fale assim — ele pede, mas não em tom severo, pelo

contrário, usa aquela gentileza que me deixa encantada. — Luiza


morreu no parto, mas não foi Alicia que a matou, e eu sofreria

demais se soubesse que minha filha pensa algo parecido. Crianças

que acabaram de vir ao mundo não podem ser culpadas de nada.

Sacudo a cabeça em concordância, tocada por suas palavras.

— Meu pai sempre jogou isso na minha cara — explico —,

que por minha causa, além de minha mãe quase ter morrido, eles

não puderam ter mais filhos...

Mais gente para trabalhar, outros filhos para trazerem dinheiro

para casa...

— Seu pai parece ser um otário — Ben murmura,

visivelmente irritado com minha declaração. — Mas quem sou eu

para julgar, não é? Você sente falta deles?

— Só da minha mãe — afirmo.


— Lia, posso te fazer uma pergunta bem indiscreta? — ele

me questiona com o cenho franzido, o olhar estreitado e uma ruga

de preocupação entre as sobrancelhas.

— Pode perguntar — lhe dou permissão, curiosa com o que

ele pode querer saber a meu respeito.

— Na noite em que te levei ao clube você me disse que era

virgem, mas... Você era noiva, correto?

Assinto.

— Sei que não é da minha conta, e nem precisa responder se

eu estiver sendo muito invasivo, mas... como você era noiva e

virgem?

Arqueio as sobrancelhas, sustentando seu olhar por um

momento.

— Tem algo a ver com sua religião? — ele acrescenta.


— Sim, eu sou evangélica — respondo de queixo erguido. —

Mas esperar não foi uma decisão só minha. Lucas queria que fosse

assim.

— Lucas era seu noivo?

— Sim, e filho do pastor. Ele queria se casar com uma garota

virgem, pura.

Ben dá risada, um sorriso despreocupado, que exibe seus

dentes brancos e alinhados, além das covinhas quase escondidas

pela barba.

— Sinto muito pela sinceridade, mas eu não aguentaria se

fosse seu noivo, respeito a fé de vocês, só que...

— Acho que não tinha muito a ver com a fé dele — o

interrompo. — Lucas me traía com umas meninas da cidade. Sabe


como é, lugar pequeno, nenhum segredo é guardado tão bem por

muito tempo.

— O quê? — Ben se choca. — Ele te mantinha intocada

enquanto transava com outras? É isso mesmo?

Faço que sim com a cabeça, me divertindo com sua reação.

— Qual o problema desse cara?

— Sinceramente, desisti de entender faz tempo — respondo.

— Por que estavam noivos? Você fala como se nem se

gostassem.

Me coloco na defensiva, não sei se posso e se quero me abrir

sobre isto. Respiro devagar, mantendo o ar nos pulmões por quatro

segundos antes de soltá-lo lentamente pela boca.


— Não gosto de falar sobre isso — murmuro, sentindo a

leveza sumir de repente.

— Desculpe, eu só queria te conhecer um pouco melhor —

ele pede, sério.

— Você não tem amigos, não é? Nunca o vi dar uma festa,

churrasco, nada do tipo — comento para mudar de assunto, mas

sem querer parar de conversar com ele.

— Tenho alguns amigos, mas por causa de Alicia, prefiro não

receber muita gente em casa. Sabe... por mais que goste da

companhia deles, quando se é pai, você nunca está cem por cento

seguro. Como vivo muito ocupado com o trabalho, tento dar o meu

melhor para protegê-la. Já não basta ter que deixá-la com vocês o

dia todo. Não sei se estou sendo exagerado, mas sou assim, prefiro

pecar pelo excesso de proteção do que deixá-la vulnerável com uma

casa onde entra e sai muita gente.


Reflito sobre suas palavras, talvez seja por Alicia que Ben

nunca teve uma namorada ou voltou a se casar — me refiro a um

casamento tradicional —, por medo de fazer sua filha sofrer, mesmo

que tenha feito essa escolha inconscientemente, e por causa disso

e por um capricho ridículo do pai, está correndo risco de perder a

empresa.

Mordo o lábio com força, me perguntando se não aguentaria

fingir ser sua esposa sem me apaixonar, só para que ele não tivesse

que procurar outra.

— Você é um excelente pai — murmuro, sentindo um peso no

coração. Não quero aceitar essa proposta, mas também não quero

que ele se case com outra. Incrível como estava leve há poucos

minutos e agora estou perdida outra vez. — Meu pai ganha pouco e

gasta tudo com as “novinhas da cidade” — digo fazendo aspas com

os dedos e franzindo o nariz em uma expressão de nojo.


— Sinto muito — ele diz, me olhando com sinceridade,

ficando bem sério, como se o peso no meu coração o atingisse. —

Sua ida ao clube foi puro gatilho, por seu pai, por seu noivo, por

tudo.

Umedeço o lábio, me perguntando se ele tem razão.

— Sim, Ben, estar casada com alguém que me trairia dessa

forma, mesmo que não fosse um casamento de verdade, me fez ir

para um lugar que eu não queria. Foi tudo confuso.

— Sinto muito, mesmo que você não acredite, me arrependo

de ter levado você lá. E ainda tem a religião... Eu fui um imbecil.

Você deve ter pensando que vou queimar no inferno.

Me remexo no sofá. Pensei isso? Não lembro. Posso não ter

pensado exatamente dessa forma, mas sem dúvidas pensei que

Ben vivia em pecado, e talvez não seja mentira, mas não sou

ninguém para julgá-lo.


— Você deve achar que não tenho escrúpulos, que sou

exatamente como eles, mas nunca traí Luiza.

O encaro e sei que está falando a verdade.

— Não foi só por isso que recusei — murmuro. — Eu nunca

amei Lucas, nunca quis sequer namorar com ele.

— E por que iriam se casar? — Ben me investiga com os

olhos esverdeados.

Sinto vergonha pela verdade, tanta vergonha que sufoca meu

peito e trava minha língua.

Balanço a cabeça em sinal de negação, esperando que ele

entenda que é hora de encerrar o assunto, mas ele não entende, em

vez disso, se aproxima mais de mim e toca minha bochecha,

fazendo carinho.

Sinto meus olhos arderem e encaro o teto para não chorar.


— Vou te fazer mais uma pergunta muito indiscreta, Lia, e

você mais uma vez não precisa responder se não quiser, mas

preciso fazer.

— Pergunte — digo, me sentindo ridícula pela voz de choro.

— Você já sofreu algum tipo de opressão por causa da sua

classe social ou simplesmente por ser mulher?

— Opressão é exatamente a palavra — sussurro, sabendo

que se falar mais alto vou desabar. — É uma longa história e eu não

quero contá-la esta noite, só saiba que foi meu pai que decidiu que

eu iria namorar o filho do pastor, foi a meu pai que ele pediu minha

mão em casamento. Nunca quiseram saber se era isso mesmo que

eu queria e, não, não era. Mas preciso parar de falar sobre isso

agora, tudo bem?

Ele respira fundo e assente. Dou a conversa por encerrada.


Lamento que o papo sobre séries tenha se transformado

nisso. Não quero ficar fazendo drama, sei que existem muitas

garotas por aí que sofrem coisas piores, não pretendo usar meu

passado para justificar como ajo agora.


Uma parcela de mim analisa como um desafio.

Penso em Lia virgem, inexperiente, exceto pelo noivo imbecil

que preferia comer outras na rua do que ficar com ela. Tento

imaginar o que levaria um cara a agir assim, é aí que me dou conta

do quanto eu agiria parecido. Me casaria com Lia, mas era as

garotas do clube que eu iria foder.

Não tem como não me considerar um imbecil, assim como o

ex-noivo, e só posso lamentar por ela não ter encontrado alguém

que a merecesse.

Eu iria gostar se ela encontrasse alguém assim?

Absolutamente não.

O que sinto por ela, então? Por que esse sentimento de

querer mantê-la por perto? Por que não consigo ter uma noite de
sono tranquilo sem que a fantasia dela venha me perturbar.

Virgem... Esse detalhe tem me afetado mais que tudo.

Quero saber o que ela pensa, se ela se toca no banho ou

quando se deita na cama à noite, se sente desejo por alguém, se

imagina como será sua primeira vez. Quero perguntar tudo isso a

ela, porque não consigo mais suportar fantasiar tudo isso. É

perturbador, não consigo afastá-la da minha mente.

Sei que não vou recuar, não vou destruir o muro de proteção

que construí em volta do meu peito só por um capricho de querer

tirar a virgindade de alguém. Não posso estar tão obcecado assim.

Além disso, o que Lia tem que difere das outras?

Me sinto ridículo pensando assim, porque eu mais que

ninguém sei o quanto ela é especial, o quanto é meiga, mas

também decidida, bonita, sexy pra caralho, inteligente, amorosa. Ela

é o pacote completo.
Penso em baixar a guarda por um tempo, tentar pelo menos

uma vez me relacionar de verdade com uma mulher, mas logo

percebo que ela só vai me dar outro pé na bunda. Lia não me quer

nem para pagar a faculdade dela. Isso é um fato.

Bato a cabeça contra a mesa do escritório, fazendo balançar

a planta de um prédio que eu deveria estar analisando. Não são

nem cinco da manhã e já estou surtando por causa dela.

Depois do primeiro episódio da série, ela me disse que estava

com sono e que iria dormir. Feito um trouxa, perguntei se ela tinha

gostado, se queria continuar assistindo.

Ela fez que sim com a cabeça, mas parecia distante, como se

sua mente estivesse em outro lugar, talvez sofrendo pelas traições

do noivo. Tentei ter empatia com ela, mas tudo que eu queria era

puxá-la para o meu peito e consolá-la.


— Podemos continuar amanhã? — perguntei, enquanto

descíamos as escadas.

— Claro — ela respondeu vagamente, de braços cruzados

por causa do sistema de ventilação da casa.

Coloquei as sobras do sushi na geladeira da cozinha,

enquanto ela descartava as embalagens usadas no lixo, em seguida

a acompanhei até a edícula dos funcionários.

Queria entrar e ver qual era seu quarto, mas tinha medo do

que eu faria com essa informação.

Ela me deu boa noite e entrou. Fiquei do lado de fora, parado

lá, me perguntando o que havia de errado comigo, desejando que

ela tivesse me chamado para entrar também, morrendo de vontade

de...
Sacudo a cabeça para afastar as ideias, sabendo que não

vou realizar nenhuma.

Sou Benjamin De La Roche, adquiri a empresa La Roche do

meu pai e a fiz triplicar os lucros mesmo estando de luto e com uma

criança pequena para cuidar. Eu engoli a tristeza, o desespero, o

orgulho e trabalhei duro para chegar onde estou hoje, não vou

deixar que uma mulher foda com a minha mente.

Se ela não aceitou a proposta, preciso encontrar outra, não

vou perder a empresa, de jeito nenhum.

Penso em Michelle, mas sei que gente importante da cidade

frequenta o clube e a conhece, não posso me casar com ela.

Me lembro de Bianca, mas não consigo imaginá-la nessa

casa, fingindo ser minha mulher.


É frustrante. Lia seria perfeita para isso, e eu considerei isso

por tanto tempo, que é difícil aceitar que não vai ser assim.

Levanto da cadeira giratória, enrolo a planta e a coloco dentro

de um cilindro de acrílico, e coloco debaixo do braço para voltar à

casa. O sol está nascendo, já fiz alguns exercícios de musculação,

tomei banho e estou pronto para o trabalho antes de Jonathan, o

jardineiro, começar a cuidar das plantas.

Não dormi nem duas horas, mas ter pregado o olho para mim

já é um progresso.

Encontro Carol na cozinha quando dou a volta na casa e

entro pela porta dos fundos. Ela não se assusta, está acostumada

com minha rotina esquisita e minhas entradas repentinas.

— Bom dia, chefe — ela diz em tom de brincadeira.


— Bom dia, flor do dia — respondo, forçando para fingir estar

de bom humor.

Adoro Carol, ela está trabalhando comigo desde que aceitei

fazer as pazes com meu pai e tive condições de pagar uma

empregada. Me ajudou com Alicia, com os demais funcionários,

administra a casa como ninguém.

Ela liga a JBL que deixa sempre na bancada ao lado da pia, e

o som do forró enche o ambiente. Uma lateral inteira da cozinha é

de vidro, e posso ver os primeiros raios de sol banhando a piscina lá

fora.

— Vem cá — Carol diz, me olhando com aquele sorriso

brincalhão.

Sei exatamente o que ela quer, e que não vai me deixar em

paz se eu não ceder, por isso, ergo a mão direita com a palma

virada para cima e caminho na sua direção.


Ela segura minha mão e coloca a outra no meu ombro, eu

seguro nas suas costas e começo a dançar porque sei que isso

torna seu dia melhor. Ela dá risada enquanto gira comigo pela

cozinha ao som da música.

— Um dia ainda vou te arrastar para um forró na minha

cidade — ela diz entre risadas. — Minhas primas iam ficar loucas.

— Alguma delas aceitaria se casar comigo sem sentimentos?

— brinco.

Além de Lia e meu pai, Carol é a única que sabe sobre eu ter

que me casar.

— Faltam só dois meses — ela me lembra, ainda movendo os

pés para me acompanhar. — Você tem noção, Ben, que se não

estiver casado em dois meses, sua vida vai dar uma reviravolta?

— Penso nisso o tempo todo.


— E como não está surtando? Me pergunto se pelo menos

você se esforça para encontrar... — ela não termina de falar, a

música é interrompida pelo som da chamada do seu celular, tocando

alto na caixa de som.

Carol me larga e corre para atender. Alcanço a garrafa de

café sobre a bancada de mármore branco e me sirvo de uma xícara,

prestando atenção no seu semblante que vai ficando cada vez mais

chocado.

Dou um gole de café e a observo levar a mão até o peito.

Murmura algumas palavras e desliga, focando os olhos negros em

mim como se tentasse me contar algo sem usar as palavras.

Nesse momento, Lia surge na cozinha com cara de sono, de

quem dormiu muito pouco. Está usando uma bermuda de lycra que

vai até o joelho e uma camiseta de algodão neon. O cabelo parece

bagunçado, preso por um elástico na nuca.


— Bom dia — ela diz alto, a música está tocando novamente.

— Bom dia — Carol e eu respondemos juntos.

Ela atravessa a cozinha e sai na direção das escadas para ir

preparar Alicia para a escola.

— Aconteceu alguma coisa? — pergunto assim que voltamos

a ficar sozinhos.

Carol desliga a música e se aproxima, agarrando meu

antebraço com força, levando a mão ao coração outra vez.

Encaro seus olhos e sinto um mal-estar, com medo que algo

possa ter acontecido com seu filho pequeno que mora no interior.

— O que foi? — minha voz sai em um sussurro.

— A mãe de Lia sofreu um acidente — ela murmura de volta,

os olhos arregalados, como se estivesse me perguntando “e


agora?”.

— A mãe de Lia? — pergunto, com o coração se apertando

no peito.

— Sim. Ela se chama Luciana. Sua vizinha acabou de me

contar.

— Acidente de carro? Foi grave?

— Sim, ela foi atropelada ontem à noite, quando voltava do

culto, o motorista fugiu, parece que o estado é grave. Minha amiga

só soube agora porque dormiu cedo hoje.

— Lia ainda não sabe — constato, me lembrando de como

ela parecia calma quando passou pela cozinha há poucos instantes.

— Não! Ela não tem contato com os pais desde que fugiu

para trabalhar aqui.


— Fugiu? — pergunto, surpreso.

— Sim, ela veio fugida, para não se casar com um tal de

Lucas, que de bom só tem a aparência, por isso ela não sabe ainda.

Não fala com a mãe desde que veio trabalhar aqui.

Tento processar as palavras, mas as informações estão vindo

rápido demais. Perdi minha mãe na adolescência, e saber que a

mãe de Lia está em estado grave toma meu fôlego.

— Como eu vou contar? — Carol me pergunta, mas não

espera que eu responda. — Vou esperar Alicia ir para a escola, aí

eu conto.

Engulo em seco, enquanto a assisto se virar e começar a

separar as coisas para o café da manhã da minha filha com as

mãos trêmulas.
Lia desce acompanhando Alicia assim que a mesa da sala de

jantar está posta. Ocupo a cabeceira e tento comer uma torrada,

mas há um nó rígido na garganta que mal me permite engolir.

Minha filha usa o uniforme da escola, Lia conversa com ela

sobre um sonho engraçado que teve. Tento dar risada, porque Alicia

para e me cutuca o tempo todo, mas meus olhos se fixam no nada a

todo momento.

Estou rezando para minha filha ir logo para a escola, para

saber o que realmente aconteceu, para que seja um engano, que

tenha sido um acidente leve, nada grave. Meu coração está

contraído no peito vendo Lia sorrindo, sem saber o que aconteceu.

Quando finalmente Alicia termina a refeição e Lia a guia para

o carro, onde o motorista já está esperando, eu sinto como se o café

da manhã tivesse durado uma eternidade.


Ouço o som do portão eletrônico abrir, ouço seus passos lá

fora voltando para dentro de casa. Me levanto e vou para a cozinha,

preciso estar ao seu lado agora.

Os olhos de Carol ainda estão arregalados. Ela pede para Lia

se sentar à mesa redonda da cozinha, e começa a falar, mas não

consigo prestar atenção no que ela está dizendo, alcanço um copo e

o encho de água. Vejo o rosto de Lia mudar para curiosidade,

depois susto e finalmente desespero.

— Eu preciso ir para lá agora mesmo! — sua voz soa

perturbada, ela olha pra mim e seu semblante me destrói. Fico ao

seu lado e entrego o copo d’água.

— Beba um pouco — peço com gentileza, colocando a mão

livre no seu ombro.

— Eu posso ir ver minha mãe? — ela me pergunta, me

pegando de surpresa. Não esperava que ela fosse imaginar que eu


iria me opor.

— Nem precisa perguntar.

— Você vai encarar seu pai? — Carol a questiona.

— Ele não pode me impedir de vê-la, não pode me bater na

frente de todo mundo, pode? — Lia diz olhando para Carol, suas

palavras são como um soco no meu estômago. Sou pai também e

não consigo imaginar um motivo que me faria levantar a mão para

Alicia.

— Você o conhece — Carol murmura.

— Mas eu preciso ver minha mãe — ela lamenta. — Ele não

pode me pegar pelo braço e me obrigar a voltar para casa, não com

minha mãe assim.

— Eu vou com você, não vou te deixar sozinha — a garanto,

sem saber no que estou me metendo. Tudo que sei é que ela
precisa estar com a mãe. — Vou ligar para o hospital para saber

como ela está.

Lia me diz o nome completo de sua mãe enquanto procuro

pelo número do hospital de traumas no Google. Encontro o número

e ligo, colocando o celular no modo viva-voz, uma mulher atende no

segundo toque.

— Preciso de informações sobre Luciana Pereira da Silva —

peço depressa. — Ela sofreu um acidente e foi encaminhada para

aí.

— Só um minuto — a mulher diz com a voz isenta de emoção.

Me pergunta se ela trabalha há tanto tempo ali que esqueceu que os

hospital atende seres humanos e não coisas descartáveis.

Ouço seus dedos teclarem, os ruídos à sua volta, enquanto

sou assistido por Lia e Carol, o tempo parece passar devagar

demais.
— Encontrei — a mulher volta a falar, parece estar mascando

chiclete — ela está no quarto andar, no corredor da enfermaria,

aguardando vaga.

— Como assim, no corredor? Essa mulher sofreu um

acidente.

— O hospital está cheio, senhor, todos os leitos estão

ocupados, ela vai precisar de cirurgia, mas tem outras nove vítimas

de acidente aguardando na frente dela. Enquanto não desocupar

um leito da enfermaria, ela vai esperar no corredor.

Pisco, sem conseguir olhar para Lia.

— Ela pode receber visitas? — questiono, sentindo o peso da

indignação.

— Só no horário das 15h às 16h. Uma pessoa por vez.

Desligo, envergonhado pela situação.


Lia está chorando e preciso tomar uma decisão agora

mesmo, não posso pensar na sua mãe sofrendo com dor em um

corredor de hospital. A saúde pública do estado é uma vergonha.

— Não adianta você ir agora — ouço a voz de Carol —, não

vão te deixar entrar.

O soluço de Lia corta meu coração remendado em vários

pedaços.

Procuro pelo nome “pai” nas últimas ligações e o chamo, sem

saber exatamente o que estou fazendo.

Ele demora, mas acaba atendendo com um bom dia

empolgado, parece estar de bom humor.

— Você ainda é amigo do diretor do hospital de traumas? —

pergunto.
— Sim, joguei três partidas de buraco com ele na terça —

meu pai diz como um típico idoso aposentado, gozando dos

privilégios da meia idade.

— Preciso que ligue para ele, a mãe da minha namorada

sofreu um acidente e está aguardando cirurgia no corredor, porque

as enfermarias estão lotadas.

— Você disse mãe da sua namorada? — ele questiona.

— Sim, pai — confirmo, sentindo os olhos de Lia e Carol em

mim.

— E quando ia me contar que tem uma namorada? — ele

insiste, o tom de voz demonstrado que está mais interessado de

repente.

— Escuta, preciso que arrume a transferência dela com

urgência do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel para a Promater


— exijo. — Imediatamente.

— Vou ligar para ele, não se preocupe. A sogra do meu filho

será bem atendida. É grave?

— Parece que sim — respondo sentindo o nó na garganta.

— Quero conhecê-la hoje à noite — meu pai inquire.

— Hoje não pai, a mãe dela sofreu um acidente — me

defendo.

— Então na sexta-feira, vocês vão passar o fim de semana

aqui.

Penso em argumentar que na sexta Luciana ainda estará no

hospital, mas sei com quem estou lidando.


— Lia — ouço a voz de Ben no carro, enquanto ele dirige pela

Rua São José —, vai dar tudo certo. Fique calma.

— Estou tentando — murmuro, sem ao menos pensar em

afastar sua mão que está na minha coxa, seu toque me acalma em

meio a essa confusão.

— Você não vai precisar ver seu pai e vai poder ficar com sua

mãe, confie em mim, não vou permitir que nada de ruim aconteça

com você, nem que sua mãe piore.

Respiro fundo, meu coração está abalado, cheio de

preocupações e culpa por ter fugido para uma vida melhor,

enquanto minha mãe permaneceu lá com um marido... abusador. É

isso que meu pai é.

Sinto a mão de Ben fazer carinho na minha coxa exposta pelo

vestido e me encolho, afetada por sua presença. Ninguém jamais


me disse que ia cuidar de tudo, que iria me proteger do meu pai e

tomar conta da minha mãe.

Tento fechar meu coração contra isso, mas é impossível

quando ele está tão machucado. Descruzo os braços e pouso minha

mão sobre a dele, sendo tomada pela sensação doida das nossas

mãos se tocando.

— Você não precisava ter assumido tudo, ajudado minha

mãe, fingido para o seu pai que somos namorados. Ele vai acabar

descobrindo que sou apenas a babá de Alicia — digo, e faço uma

pausa, umedecendo o lábio, tentando controlar o desespero que

estou sentindo, e tentando soar o mais centrada possível. — Você

não precisava, mas estou muito grata por colocá-la em um hospital

particular. Não quero nem pensar em quanto vai ficar as despesas.

Eu aceito a proposta de ser sua esposa, se você ainda não arranjou

alguém melhor.
Ele está estacionando na calçada de um prédio chique de

vários andares com o nome Promater em letras de aço quando olha

para mim.

— Eu diria que não fiz por isso, mas também não estou em

condições de ser orgulhoso, não tenho ninguém, Lia. Fiquei

esperando que você mudasse de ideia — ele diz com um sorriso

triste.

Me inclino na sua direção e beijo a covinha escondida na sua

barba, é um gesto de agradecimento, mas Ben fica de queixo caído,

me encarando. A luz da manhã atravessa o parabrisa e ilumina seus

olhos, os deixando mais claros que o comum.

Ele abre a boca para dizer algo, mas contrai o maxilar e sai

do carro. Pego minha bolsa no chão do carro, aquela de alça gasta,

e espero que ele abra a porta do carro para mim.


Vejo meu pai assim que desço, ele está na calçada, parado

ao celular, usando uma camisa xadrez, calças jeans dobradas na

barra e chinelos artesanais de couro, o rosto queimado do sol, o

semblante preocupado, passando a mão pelos cabelos grisalhos e

escassos. É quase tocante, mas sei muito bem o que ele esconde

por trás da figura de sertanejo sofrido. Aperto os lábios em uma

linha fina e me agacho atrás das costas de Ben.

— O que foi? — ele murmura.

Estou ridícula, envergonhada, com medo de ser arrastada de

volta para casa debaixo de pancadas, puxões de orelha e cabelo,

me encolho como uma criança que sabe que vai ser punida.

— É seu pai? — Ben sussurra, segurando nos meus ombros,

tentando me passar segurança pelo olhar. — Vem, eu não vou

deixar ele encostar em você.


Me deixo ser guiada pela rampa de acesso. Enquanto Ben

fala ao telefone com a recepcionista para saber em que andar minha

mãe está, meu pai me reconhece, vindo atrás de mim, chamando

pelo meu nome e me acusando de uma série de coisas.

Outra pessoa esqueceria as desavenças, tentaria me abraçar

e lamentar o acidente, mas meu pai só sabe me chamar de

rapariga, puta e desgraçada. Não viro para olhar, mas dói. Posso

sentir os olhos das pessoas na recepção em mim. Ben segura na

minha cintura com firmeza, me mantendo junto do seu corpo, e me

guia diretamente para o elevador, puxando minha cabeça contra seu

peito quando entramos.

Sinto o elevador subindo, com as palavras do meu pai

rondando minha mente. Sim, eu sou a desgraça da família. Minha

cabeça dói, meu coração diminuiu tanto de dor e eu temo que ele

tenha ficado do tamanho de uma ervilha, que nada mais o faça

crescer de novo. Sei que meu rosto está molhado, mas não tenho
forças para secá-lo. Estou arrependida de ter fugido, de saber que

sempre terei que passar por isso para ver minha mãe.

— Por que nunca me disse que seu pai era assim, que você

fugiu dele, que fugiu para não se casar? — Ben questiona, sei que

não tem intenção, mas suas palavras me ferem ainda mais.

— Lucas era pior — consigo murmurar. Estamos em um

corredor branco e gelado agora. Ele me faz sentar em uma fileira de

cadeiras junto a parede e se encaminhar até o bebedouro mais

próximo.

— Você está aqui por quem? — uma enfermeira pergunta,

sentando ao meu lado com o olhar gentil.

— Luciana, ela foi transferida para cá há pouco tempo, sofreu

um acidente. É a minha mãe.


— Ah, sim. Não chore, fique calma, o médico cirurgião já está

com ela. Sua mãe está sendo bem cuidada, eu acabei de sedá-la

para a cirurgia, ela não está sentindo mais dor.

O ar fica preso na minha garganta. Ben está ao meu lado,

estendendo um copo de água. Aceito e bebo um gole. Não quero

pensar em como ela deve ter sofrido naquele outro hospital,

provavelmente sozinha, porque eu sei que não deixam ficar

acompanhantes.

— Podemos vê-la? — É Ben quem pergunta, só por um

instante, para ela ficar mais calma.

A enfermeira olha para ela, o analisando, provavelmente o

reconhecendo de alguma manchete de jornal sobre o bem sucedido

Benjamin De La Roche.

— Venham comigo — ela diz e me levanto imediatamente

para segui-la. — Ela já vai entrar em cirurgia, o doutor só está


esperando um novo raio-x. Posso mostrá-la pelo vidro, mas não

podem entrar.

Faço que sim com a cabeça.

Olho os médicos jovens passando, as enfermeiras, e tento me

imaginar assim. Suspiro, sem saber o que vai acontecer daqui para

frente.

Paramos ao lado de uma sala com uma vidraça, vejo minha

mãe na maca, com a cabeça imobilizada, os cabelos castanhos e

crespos bagunçados ao redor da cabeça, a pele negra marcada por

cortes, e meu coração se contrai outra vez.

— Mãe — murmuro, colocando as mãos no vidro, desejando

poder chegar mais perto.

— Quais foram os danos? — ouço a voz de Ben perguntar a

enfermeira, mas não quero tirar os olhos da minha mãe.


Quero dizer que vai ficar tudo bem, que tenho fé que os

médicos e Deus vão cuidar dela, porque eu não aceito menos que

isso, não aceito que a ideia de perdê-la preencha meus

pensamentos, isso não pode acontecer.

Vejo quando um homem vestido com roupas verdes entra e

começa a puxar a maca, fazendo o suporte do soro balançar. Ele

abre a porta e passa por nós. Posso ver minha mãe bem de perto

quando o enfermeiro passa por nós. Me lanço contra a maca, mas

Ben me segura com firmeza contra seu peito.

— Calma, Lia — ele diz com a voz estranha. Ergo a cabeça

para olhá-lo e vejo que está chorando também.

Sinto minhas entranhas se revirarem com isso.

— Tem algum quarto livre onde podemos ficar enquanto ela

está em cirurgia? — Ben pergunta a enfermeira.


— Venham — ela diz com gentileza, e eu percebo que, por

ser quem é, ele consegue tudo nessa cidade.

É um quarto pequeno, mas limpo e decorado, com uma cama

de hospital, os aparelhos de oxigenação e os suportes para o soro.

Ben fecha a porta e me puxa para a poltrona do acompanhante.

— Obrigada — murmuro. — Mas eu preferia esperar no

corredor.

— A cirurgia vai demorar, a enfermeira vai nos chamar para

falar com o médico assim que acabar. É melhor descansar — ele

explica com a voz gentil, se esticando para alcançar o cobertor que

está nas costas da poltrona.

Deixo que ele me puxe para seu peito e me aninho contra seu

corpo, abraçando seu tórax, o sentindo me abraçar de volta. Deixo

minhas emoções saírem em forma de lágrimas.


Lia cochila no meu peito, é uma das melhores coisas que

experimentei nos últimos anos, ter o calor dela junto ao meu corpo,

sua respiração contra meu peito. Tento dormir, mas a imagem dela

caminhando na minha direção, vestida de noiva, me persegue. Sei

que não é o momento, mas não consigo controlar a mente, a

imagino de lingerie na minha cama, gemendo enquanto arranco as

tiras de renda, enquanto devoro seu corpo virgem e ela pede mais,

a fantasio sentada no meu quadril, cavalgando com os seios

balançando diante de mim, dizendo o quanto me quer, me imagino a

penetrando com força, tentando aplacar o desejo... Aperto a borda

da poltrona, com uma ereção insuportável e latente. Já passa do

meio dia e nada da cirurgia acabar.

Estou aqui desde cedo, com o corpo em chamas, pensando

nas mil formas de tirar a virgindade dela, aliviado por ela ter

aceitado se casar, perdido entre o desejo, a preocupação com sua

mãe e a vontade de confrontar seu pai.


Preciso dizer a mim mesmo que nada entre nós vai acontecer.

É só um contrato, um negócio. Vou ligar para meu advogado e pedir

para preparar o contrato de casamento assim que tiver notícias de

sua mãe. Estará tudo especificado, tudo que ela terá que fazer e o

que receberá em troca.

Por mais que meu corpo e a parte irracional da minha mente

esteja rastejando por ela, não vou ceder. A vida é frágil demais, em

um segundo você está bem e no outro é atropelado, bate o carro,

um prédio explode, um vírus letal te pega, uma bala, veneno,

afogamento... Há tantas formas de perder alguém que se ama.

Prefiro queimar todas as noites de desejo do que lidar com a

dor de perder outro amor. Isso não posso aceitar.

Olho para sua coxa dobrada sobre a minha, lisa, macia, a

pele marrom clara, a linha mais clara de uma cicatriz na lateral, sinto

o cheiro do seu cabelo, posso ver uma parte dos seios pelo decote
do vestido que ela colocou antes de sair de casa. Seria terrível se

apaixonar por ela. Não vou me permitir isso.

— É só um contrato de casamento — murmuro por entre os

dentes, o mais baixo possível, só para que eu possa ouvir as

minhas próprias palavras e fixá-las na mente.

Tento me levantar devagar, preciso de um ar que não tenha

seu cheiro gostoso e tentador, sua respiração, seu calor. Com

cuidado, consigo colocá-la de lado na poltrona inclinada que ajustei

a ponto de quase virar uma cama. A cubro com o cobertor felpudo

do hospital e deixo o quarto.

Ando pelo corredor, peço informações da cirurgia, só para

saber que ainda não acabou. A enfermeira, melhor informada, me

explica que ela teve múltiplas fraturas e alguns coágulos no cérebro.

Assinto, perturbado com a notícia. Meu estômago vazio revira.


Me afasto da enfermeira sem sequer agradecer pela

informação. Ligo para meu advogado e peço que ele adiante a

papelada, e entre em contato com o cartório.

Meu pai me liga em seguida, mas não estou pronto para

conversar com ele, não quero responder suas perguntas ainda. Já

foi um custo falar com Carol e meu assistente na La Roche.

Pego o elevador para descer, fecho os botões da camisa até

o colarinho e arrumo a gravata no lugar. O cheiro de Lia está

impregnado no terno, mas ignoro. Passo pela recepção e vejo seu

pai sentado na fileira de cadeiras mais distante. Atravesso a porta

de entrada e saio para a calçada, onde um sol de setembro faz o

asfalto queimar. Procuro pelos meus óculos nos bolsos internos do

terno, mas não os encontro. Caminho até o carro para pegá-los.

Na volta, o vejo parado na calçada, me esperando.


Me lembro de quando conheci o pai de Luiza, mas desta vez

não estou nervoso, não devo nada a esse sujeito. Reconheço

alguns traços de Lia em seu semblante, o nariz, o formato dos

lábios, a cor dos olhos.

Trinco a mandíbula, coloco os óculos escuros e caminho na

sua direção.

— Quem é você? — ele me pergunta.

— Sou o noivo de Lia — respondo. Não é uma mentira, se eu

a pedi em casamento e ela aceitou, mesmo que tenha levado

semanas para fazer isso, sou sim o seu noivo.

— Ela já tem noivo, e ele está procurando por ela desde a

noite em que aquela vagabunda fugiu.

Não penso, não olho ao redor para saber se tem alguém

assistindo, só fecho a mão em punho e defiro um golpe contra seu


maxilar.

— Ninguém chama minha noiva de vagabunda — rosno.

O sujeito me olha como se não pudesse acreditar que fiz isso.

— Vá embora. Ninguém aqui precisa de você. Quando

Luciana receber alta, é com Lia que ela vai ficar. As duas em

segurança, onde nem você e nem ninguém poderá encostar um

dedo nelas.

— Você não sabe do que sou capaz — ele ameaça vir pra

cima de mim, mas algo na minha expressão o faz desistir.

Meu estômago está ainda pior quando me viro e volto para

dentro do hospital, ignorando tudo à minha volta.

Encontro Lia sentando-se na poltrona, acabando de

despertar.
— O que aconteceu? — Lia choraminga ao ver minha

expressão. — A cirurgia acabou?

Tento disfarçar, não quero contar que bati no seu pai.

— Só umas questões da La Roche, nada com que precise se

preocupar.

— Teve alguma notícia da minha mãe?

— Ela quebrou alguns ossos e a pancada causou pequenos

coágulos cerebrais — explico com a voz mais controlada, não quero

esconder isso dela.

Ela arfa, colocando a mão no peito. Quero puxá-la para os

meus braços, quero aninhá-la e confortá-la, mas estou perdendo o

controle. Me sento na cama e a observo.

— Não sei o que aconteceria se você não tivesse ajudado —

ela murmura.
— Vai dar tudo certo.

Mil coisas diferentes passam pela minha cabeça, me fazendo

desejar poder tirar folga de mim mesmo.

— Liguei para meu advogado, ele vai redigir o contrato de

casamento — explico, perturbado demais para notar que agora não

é hora. Lia me encara, não sei se mudou de ideia, não consigo ler

sua expressão. — Tem alguma ressalva?

— Quanto tempo você tem até o prazo vencer?

— Cinquenta e três dias. Podemos nos casar na casa do meu

pai, ele mora na praia, convidamos os amigos mais próximos. Ou

você prefere uma grande festa?

Ela se levanta e vem até mim, colocando as mãos nos meus

ombros.

— Por que você tem que ser tão complicado? — pergunta.


— Não é complicado. É só você me dizer como quer e eu

farei.

Ela tira as mãos de mim, me encarando com tanta força que

me faz perder o fôlego, então cruza os braços, fazendo os seios se

apertarem um contra o outro.

Quero afundar o rosto entre eles, chupá-los, apertar sua

bunda...

Me odeio por pensar isso logo agora, nessas circunstâncias.

— Eu quero que você não vá mais aquele clube — ela diz de

queixo erguido —, que cancele sua sociedade, ou sei lá como

chamam.

— Vou cancelar — assinto. — Só voltei lá três vezes depois

daquela noite, mas não fiquei com ninguém, eu juro. Seu pescoço

foi a única coisa que beijei.


Ela dá risada, e é tão bom vê-la relaxada, que eu me derreto.

— Por que faz isso comigo? — pergunto.

— Isso o quê?

— Você entra na minha mente e me fode de tantas formas

que nem sei mais como reagir — murmuro.

— E por que luta contra isso?

A encaro, fechando a cara.

— Sabe quantas pessoas eu perdi? Minha mãe, meu irmão,

Luiza... Pode me garantir que vai ficar comigo até ficarmos bem

velhinhos? Pode me prometer que não vou sentir aquela dor outra

vez?

Ela me abraça de repente, bem forte, como eu não esperava.

Posso sentir sua pele quente contra meu pescoço, as batidas do


seu coração contra meu peito. Ela me aninha, segurando na minha

nuca para que eu não me afaste. Sinto seus lábios contra minhas

têmporas e desejo mais que tudo que eles encontrem minha boca,

quero tanto seus lábios que preciso cerrar as mãos em punhos.

— É por isso que você nunca procurou ninguém, é por isso

que precisa de um casamento por contrato? — ela me interroga com

a voz gentil. — Por que tem medo de perder mais alguém?

Sacudo a cabeça, sem dizer nada, a puxando para meu colo,

a razão pedindo para me afastar, mas o corpo implorando por ela.

— Não faça eu me apaixonar por você — imploro contra sua

clavícula, cedendo a vontade de provar da sua pele outra vez.

Passo a língua pelo seu pescoço, enquanto minhas mãos seguram

seu quadril com força, a colocando entre as minhas coxas. — Não

faz isso comigo.


— É você que procura — ela se defende com a voz manhosa,

virando o rosto para me encarar.

Meu corpo queima, meu coração está pegando fogo, minha

boca seca de desejo, meus olhos ardem ao olhar para Lia.

— Tenho lutado contra isso todos os dias, você fez da minha

vida um inferno, anjo — assumo pela primeira vez, me

arrependendo logo em seguida.

— Eu nunca quis ninguém como eu quero você — ela

também confessa. — Como vamos nos casar, dividir a mesma

cama, e não acontecer nada? Como vou dormir ao seu lado sem me

apaixonar?

Sua pergunta faz meu coração latejar, porque tenho medo da

resposta.
— Não precisamos dormir juntos — resmungo, me odiando

com todas as forças.

— Só isso vai resolver? E se precisarmos beijar em público?

Você disse que não beija ninguém, que é uma regra.

— Ninguém vai pedir que a gente se beije, não somos mais

crianças.

— E você não quer, Ben?

Trinco a mandíbula, porque é exatamente o que quero, não só

seus lábios como ela toda.

Ouço uma batida na porta, me salvando daquela pergunta.

Ela se afasta, me deixando com uma sensação de vazio.

Parece que ficar sem Lia pode ser tão doloroso quanto perder

alguém. Vê-la e não desejá-la é impossível.


— A cirurgia acabou, deu tudo certo — a enfermeira diz,

colocando a cabeça no espaço que abre da porta.

Lia vai correndo ao encontro dela, me deixando naquela

cama, tremendo de desejo, desesperado para fugir dela.


Minha mãe se recupera bem. O médico pede para que ela

fique em repouso absoluto por duas semanas, tomando

medicamentos para que os coágulos sumam sem precisar de

cirurgia.

Estou tão feliz por tê-la perto de mim que mal consigo me

conter. Passo as manhãs com ela todos os dias, mas as enfermeiras

pedem que a deixe descansar na parte da tarde, então Ben passa

no hospital e me pega.

Ele está mais calado que de costume, e eu tento não pensar

em todas as coisas que falamos. Assino o contrato de casamento,

sem me preocupar em ler os termos, e recebo uma aliança de ouro

branco no dia em que precisamos conhecer seu pai.

Ocupo o assento da frente, Alicia está no banco traseiro,

enquanto ele dirige rumo ao litoral sul. Penso que será assim pelos
próximos anos, fingindo sentir por ele algo que realmente sinto. É

confuso, mas tento me apegar às partes positivas.

Ben está decidindo se contratará outra babá ou se Alicia já

está bem crescida para precisar de uma.

Ainda não sei como me comportar pela casa, Carol me trata

como se eu realmente fosse a senhora De La Roche, me

perguntando o que quero comer, como quer que arrume tal coisa,

mas não sei se ela está debochando ou falando a verdade, visto que

ela é a única que sabe sobre o contrato, além do advogado de Ben.

Não sei como é Raul, o pai de Ben, não sei nada sobre seu

temperamento, me sinto ansiosa no carro, não sei quem vai estar lá.

Ele não me diz nada.

— Eu posso chamar sua mãe de tia? — Alicia pergunta, me

puxando dos pensamentos confusos.


— Claro, meu amor — respondo, me virando no banco para

olhá-la, com um sorriso, esticando a mão para tocar seu joelho

coberto pela calça jeans.

— E você? De que devo te chamar, Lia? — ela me pega de

surpresa.

Olho para Ben, mas ele está concentrado na estrada.

— Do que você quer me chamar? — respondo com outra

pergunta.

— Quero continuar te chamando de Lia, por enquanto — ela

responde com as covinhas aparecendo no meu rosto.

— Então assim vai ser.

— Painho disse que você não é mais minha babá, que vai ser

a esposa dele — Alicia continua. — Que vai estudar e não vai ter o

dia inteiro livre para cuidar de mim, mas quer saber, é muito melhor
assim. Já estou crescida para ter uma babá, e meu pai não vai ficar

mais solitário.

Sorrio com a sua conclusão.

— Sabe o que acho engraçado? — Alicia volta a falar, olho

para ela e a vejo com o dedo indicador batendo no queixo, curiosa.

— Você ainda dormir na casa dos funcionários.

— Pensei que você fosse mais conservadora — Ben

comenta, entrando na conversa pela primeira vez, quando o carro

passa pela guarita do condomínio.

— O que isso quer dizer? “Conservadora”?

Ele dá risada, parecendo leve e relaxado. Tento me acalmar

também.

— Olha, meu amor, painho não dorme com Lia ainda porque,

de acordo com a religião em que ela foi criada, ela só pode dormir
com um homem quando já está casada com ele — Ben explica da

forma mais prática possível.

Espero pelo meu momento de falar, mas Lia começa a

comemorar quando vê a casa do avô.

Visualizo vários carros parados ao lado de uma mansão.

Engulo a saliva sem saber o que me espera. Ben desce e abre a

porta para que eu desça, estendo a mão para mim como de

costume.

Aceito sua ajuda e desço do carro, voltando a ficar uma pilha

de nervos.

— Seu pai não vai implicar por você estar namorando a ex

babá? — questiono, enquanto ele abre a porta do carro para Alicia.

— Ei, filha, não comente com ninguém que dormimos em

quartos separados, tá bom? É um segredo de Lia. Tudo bem?


— Sim, painho, — ela diz, antes de sair correndo na direção

da casa.

— Meu pai só exigiu que eu me casasse, não tinha nada

sobre a profissão da minha noiva — Ben diz e pega minha mão,

passando o dedo polegar pela aliança de ouro branco. Ele está

usando uma bem parecida, na mão esquerda, como os noivos

fazem.

Um funcionário aparece e pergunta pela nossa bagagem. Ben

aponta para o porta-malas e destrava o carro. Vamos passar o fim

de semana, mas ele vai me levar todas as manhãs para ver minha

mãe, que ainda está no hospital.

A mansão é cercada de palmeiras que estão iluminadas por

refletores verdes, possui três andares, com varandas em todos eles,

toda branca, com colunas que a fazem parecer um castelo.


Somos recebidos por outro funcionário usando uniforme que o

faz parecer um mordomo dos filmes americanos, segurando uma

bandeja com taça de uma bebida que lembra champagne.

— Onde meu pai está? — Ben quer saber.

— Por aqui, senhor — o funcionário diz.

A casa é pelo menos três vezes mais luxuosa que a de Ben,

só não saio correndo porque ele está segurando na minha mão bem

firme.

Me pergunto como é crescer cercado de tanto luxo, como é

jamais desejar alguma coisa e não poder ter. Então me dou conta

que a coisa que Ben mais queria era sua esposa, sua mãe e seu

irmão vivos, mas nem todo dinheiro do mundo pode comprar uma

vida. É confuso, não se pode ter tudo.


Encontramos Raul em uma antessala, conversando com

outros homens que aparentam estar na casa dos sessenta anos.

Velhos elegantes e sorridentes, que se viram para me olhar assim

que Ben pigarreia para chamar a atenção deles.

Todos eles ficam de pé. Sei qual deles é Raul porque ele é a

versão mais velha de Ben, a mesma textura de cabelo, formato do

rosto, olhos, altura.

Estico a mão para cumprimentar meu sogro assim que Ben

me apresenta como sua namorada. Me sinto mal vestida, mas Ben

jurou que todos os vestidos que costuro são lindos.

— Então é você que conseguiu domar o coração do meu filho

— Raul De La Roche diz com um sorriso largo. Tento encontrar

ironia no seu olhar, mas não acho nada. Parece estar genuinamente

feliz. Chego a conclusão de que ele realmente se importa com a

solidão do filho.
— Sou eu — respondo, abrindo um sorriso, como eu fazia

quando ia à casa de Lucas e precisava fingir que era apaixonada

por ele. Se eu não me saísse muito bem, se não fosse simpática e

meiga na medida certa, era punida com tapas e xingamentos

quando ficávamos sozinhos, por isso, aprendi a fingir muito bem. —

É um prazer conhecer vocês. Ben e Alicia me falam tanto do senhor,

estava ansiosa para conhecê-lo.

— Eu convidei para virem, mas sua mãe sofreu aquele terrível

acidente. É lamentável — Raul parece realmente mexido.

— Ela está se recuperando rápido — mantenho o sorriso —,

sou muito grata a vocês.

— Eu que sou grato por ter dado uma oportunidade para o

meu filho, já estávamos perdendo as esperanças — Raul diz, e

todos que estão com ele dão risada.


Fecho a cara automaticamente por ele usar uma dor do filho

como piada, mas desfaço a carranca rapidamente.

— Ele estava esperando por mim — declaro, mordendo o

lábio e fazendo uma cara que sei que vai agradar esses homens.

— Sem dramas — um dos amigos de Raul comenta, o

reconheço imediatamente, porque já o vi inúmeras vezes —, gostei

de você.

— Conhece Isaac Duarte, prefeito de Natal? — Ben pergunta,

ao meu lado, parece acanhado.

O fato é que todos nós somos como crianças assustadas

perto de pais que nos oprimem.

— Já o vi nos jornais — respondo, esticando a mão para

cumprimentá-lo.
Percebo que há outros deputados presentes ali, rindo comigo,

debochando de Ben.

Eles se sentam novamente, e Raul aponta com o queixo para

um sofá vazio. Ben segura minha mão com força enquanto nos

acomodamos.

— Vai ficar tudo bem — sussurro para que só ele ouça,

esfregando o nariz no seu pescoço em um gesto de carinho,

desejando que fôssemos um casal de verdade, mas ciente que vou

respeitar sua vontade.

Ele se encolhe, como se estivesse contendo um arrepio,

então beija minha testa e minha mão agarrada à sua para que todos

vejam. É o máximo de carinho que ele me dá nos últimos dias.

— Saiu! — ouço a voz de um dos homens dizer, enquanto

passa um iPad para Raul.


Estico a cabeça, mas não consigo ver do que se trata.

— É a lista — Ben murmura, me explicando.

— Que lista?

— A lista das dez pessoas mais ricas do estado.

— Você entrou, Benjamin — Raul soa imparcial, como se não

esperasse mais que isso. — Está em sétimo lugar.

Eles se encaram por um longo momento, me deixando

agoniada.

— É o primeiro De La Roche a entrar na lista dos mais ricos

do nosso estado, meus parabéns, filho. — Só quando Raul diz

essas palavras é que os homens se levantam para cumprimentar

Ben.
Ainda estou chocada demais para pensar em alguma coisa

concreta. O homem ao meu lado conseguiu colocar sua empresa

entre as mais importantes do Rio Grande do Norte em apenas sete

anos, enquanto enfrentava a dor do luto e criava sua filha pequena.

Ben se levanta para receber os parabéns dos amigos do pai,

mas tudo soa tão superficial que ele não consegue dar um sorriso

genuíno. Me passa pela cabeça que seu pai está com inveja, porque

era seu nome que ele queria nessa lista, que era ele quem deveria

receber os cumprimentos dos amigos ricaços.

— Meus parabéns, meu amor — digo para que todos ouçam,

colocando a mão na sua bochecha e puxando seu rosto para perto

do meu, de modo que eles não podem ver que estou beijando o

canto dos seus lábios invés de sua boca.

Ben arfa, ficando ainda mais tenso. O encaro com um sorriso

por alguns segundos, antes de soltá-lo e voltar a atenção para seu


pai.

— Tenho certeza que ele não conseguiria se o senhor não

tivesse deixado tudo encaminhado — bajulo Raul, porque sei que é

exatamente o que ele quer. — Ben nada mais fez que seguir seus

passos.

Raul me encara, estufando o peito e assentindo, mas faz cara

de modesto quando os amigos dão tapinhas em suas costas.

— Você é uma estrela — Ben sussurra enquanto beija minha

orelha.

— Acho que é um bom momento para estourar uma garrafa

de champagne — um dos ricaços sugere.

Rapidamente, um garçom aparece e Raul dá instruções para

ele trazer uma determinada garrafa. Quando a bebida é trazida, eles

se encaminham para uma área externa, onde há uma piscina


imensa com borda infinita. Pisco, perplexa com a arquitetura e o

luxo do lugar. A luzes de led dentro da piscina, fazendo a água

parecer ainda mais azul. O vento sopra da praia, trazendo o cheiro

de maresia. Me faz lembrar a noite em que Ben me propôs em

casamento, mas o garçom me entrega uma taça e volto a prestar

atenção em volta.

Meu “noivo” retira a proteção, gira a chave de lacre,, algumas

vezes a empurra com o polegar, que faz um barulho oco,

semelhante a um suspiro. Todos os homens em volta seguram suas

taças, mas é a minha que ele enche primeiro.

Algumas mulheres começam a se aglomerar em volta de nós,

enquanto os outros são servidos.

— Você tem o dom da oratória — o pai de Ben diz, mas não

sei se está me elogiando ou me testando.


Ergo a cabeça e endireito os ombros, experimentando um

gole da bebida, mas uma vez me surpreendo com uma bebida cara,

o sabor é efervescente, seco, ressaltando teor alcoólico, bem

diferente das cidras que eu bebia nas viradas de ano.

— Obrigada — respondo o elogio.

— Ouvi falar que você era apenas uma babá até pouco tempo

— Raul comenta. Mas uma vez, não sei onde ele quer chegar.

— Pai — Ben o chama, com um olhar de advertência.

— Está tudo bem — assumo. — Trabalhei como babá, sim.

— Admiro pessoas trabalhadoras e honestas — Raul

continua. — O que está vestindo?

Ele passa os olhos pelo meu vestido off-white, com decote

redondo e sem mangas, justo até os joelhos. Me faz parecer mais

alta, pelo menos é o que gosto de pensar.


— Ah, eu mesma faço meus vestidos, gostou?

— Assim você tem modelos exclusivos. É lindo.

Estou tanto tempo fingindo ser uma mulher de postura, que

minhas costas começam a doer. Não sei quando suas perguntas

vão acabar, não sei nem se um dia irão cessar.

— Quer dar uma volta? — Ben me salva.

— Quero — respondo depressa, mas antes de nos liberarem,

Raul nos apresenta a cada uma das mulheres que estão à nossa

volta, elogiando meus dotes como costureira.

O fato de não saber se ele está debochando ou sendo sincero

me deixa agoniada.

Quando finalmente termino de distribuir sorrisos para cada

uma delas, deixo que Ben me guie até a lateral da piscina. Estou

usando um sapato de salto alto nude, que faz um som de toc toc
enquanto caminho sobre o piso de madeira. Encontramos a escada

e descemos.

Sinto o cheiro de churrasco aumentar a cada degrau. No

andar de baixo, há mesas com convidados mais jovens e um

funcionário no comando da churrasqueira.

— Está com fome? — Ben me pergunta, mas antes que eu

possa responder, um homem mais ou menos da mesma idade que

ele chama por seu nome. — Você tem muito mais classe que todos

aqui — ele murmura por entre os dentes, parece tão exausto quanto

eu.

O homem se levanta e vem nos cumprimentar.

— Não posso acreditar que você vai se casar, primo — ele

diz, pegando minha mão sem nenhum aviso. — Deixa eu ver a

aliança. Ouro branco e um diamante negro? Muito expressivo, o

anel perfeito para um viúvo pedir a mão da noiva.


Meu Deus, o cara não sabe calar a boca!

— Já soube que Ben está na lista das dez pessoas mais ricas

do Rio Grande do Norte? — digo para mudar o foco da conversa.

— Não brinca! Ah, me chamo Franco.

Me vejo na obrigação de cumprimentar todos que estão ali,

mas peço licença assim que nos apresentamos, porque Ben parece

estar sofrendo de indigestão.

Ele segura minha mão como se eu pudesse lhe dar suporte,

colocamos nossas taças sobre a mesa e caminhamos na direção de

uma cerca de madeira pintada de branco, que separa a área externa

da praia. Retiro os sapatos e caminho ao lado de Ben até não

conseguirmos mais ouvir as vozes dos convidados.

— Pensei que seria apenas um jantar — comento quando ele

senta na areia.
Me sento ao seu lado e suspiro.

— Foi pior do que eu pensava, mas você se saiu muito bem.

Onde estava escondida essa sua personalidade? — Ben me olha

com as sobrancelhas franzidas.

— Meu ex praticamente me adestrou, acho que aprendi bem.

Ele não queria que ninguém soubesse que eu era muito pobre.

— O que quer dizer com “praticamente me adestrou”? — Ben

continua me olhando com curiosidade. Me pergunto se um dia irei

me acostumar a receber esses olhares sem ter o coração

disparando feito doido. — Ele te dava uma recompensa quando

você se saía bem?

Meu humor muda rapidamente. Parece que, por mais que eu

tente escapar, essas questões sempre vêm à tona.


Estico as pernas, ciente que meu vestido vai ficar manchado

de areia, e flexiono os dedos dos pés, doloridos pelos saltos altos.

— Acho que é melhor eu te contar de uma vez — murmuro,

relaxando a postura, voltando a ser quem realmente sou.

— Também acho — ele concorda.

— Eu nunca quis namorar Lucas, já te expliquei que foi meu

pai quem arranjou tudo, considerava um bom negócio que eu me

relacionasse com o filho do pastor — digo e Ben assente, me

incentivando a continuar. Agarro um punhado de areia e a deixo

escorrer pelos meus dedos. Os dias passam, as semanas, os

meses, penso cada vez menos sobre isso, mas as feridas ainda não

cicatrizaram direito. — Lucas me exibia como um troféu. Me achava

bonita, não sei...

— Você é mais que bonita, é maravilhosa, Lia — Ben me

elogia.
Meus lábios se abrem em um sorriso, mas logo volto a ficar

séria.

— Só que ser bonita não era o suficiente. Ele pagava meu

salário de babá ao meu pai para que eu não trabalhasse mais nas

casas de família, não queria que sua namorada tivesse um emprego

“tão baixo”. — Faço aspas com os dedos. — Meu pai viu isso como

uma oportunidade de ganhar mais dinheiro, e começou a arranjar

crianças da vizinhança para eu tomar conta, como uma creche, mas

quando Lucas descobriu, me bateu, me humilhou...

Faço uma pausa para engolir o nó na garganta.

— Ele fez o quê? — Ben pergunta como se a informação

fosse demais para que ele pudesse acreditar.

— Era assim que ele me adestrava. Me tratou como se eu

tivesse culpa de precisar trabalhar, como se eu tivesse escolhido

essa vida — continuo, ainda que queria parar de falar, é melhor que
Ben saiba logo de tudo e pare de fazer perguntas. — Ele costumava

agarrar meu cabelo e bater minha cabeça contra a parede, acho que

ele adorava o som oco que fazia.

Me encolho, relembrando as dores de cabeça que isso me

causava.

O rosto de Ben está mortificado.

— Por que você não terminava? Por que continuou com ele?

Dou de ombros, não sei bem o que responder.

— Vi meu pai bater na minha mãe a vida toda, e me tratava

ainda pior do que Lucas fazia. Não digo que estava acostumada a

apanhar, porque acho que ninguém se acostuma com uma vida

dessas, mas era tudo que eu conhecia. Não consegui passar no

vestibular e não tinha outra expectativa. Mas fugi na primeira

oportunidade.
— Eu dei um soco no seu pai na frente do hospital, no dia em

que sua mãe fez cirurgia — Ben me conta. — Ele te chamou de

vagabunda e eu não iria deixaria barato. Fiquei mal depois, mas

agora acho que fiz pouco. Esse tal de Lucas ainda mora na mesma

cidade?

Ergo as sobrancelhas, entendo o que ele quer saber.

— Você não vai atrás dele, Ben!

— Acha que tenho medo de dar uma lição no filhinho mimado

de um pastor?

— Não quero que perca seu tempo com um desgraçado feito

ele, muito menos que suje suas mãos — digo o mais séria que

consigo, esperando que ele entenda.

— Ele te machucou por dois anos — Ben praticamente rosna.

Observo suas mãos e noto que estão fechadas em punho,


tremendo, os antebraços cruzados sobre o joelho direito, que está

dobrado.

— Te contei só para encerrar esse assunto, não porque quero

que você me vingue. Por favor, vamos deixar o passado bem onde

ele deve ficar.

— Se um dia ele cruzar meu caminho, não vai sobrar muito

dele para contar histórias desse tipo — ele resmunga.

— Você é o primeiro e único que já me defendeu até hoje —

admito. — E quero que saiba que significa muito pra mim, que serei

eternamente grata, mas não quero que bata em alguém por minha

culpa. Sou totalmente contra a violência.

Ele abaixa a cabeça e remexe a areia por alguns minutos.

Quero me inclinar e fazer carinho na sua nuca, tocar o lóbulo da sua

orelha, o provocar arrepios, mas sei que não posso me atrever a

tanto.
É difícil estar tão perto dele, fingir sermos um casal

apaixonado, e nunca sequer ter encostado dos lábios nos dele,

ainda mais quando sou completamente atraída por Ben.

— Acha mesmo que me saí bem com seu pai e aqueles

senhores? — pergunto para ter sua atenção de volta.

— Muito bem. Meu pai estava te testando na maioria das

vezes. Quando ele perguntou sobre seu vestido, certamente achou

sua roupa chique, considerou que uma babá não teria condições de

comprar algo assim e só queria confirmar que eu já estava te

bancando. Você foi perfeita contando que faz suas próprias roupas.

Ele deve estar nesse momento se gabando do meu nome naquela

lista e de como arranjei uma noiva tão batalhadora. Ele ama essas

histórias de pessoas que vencem na vida contra todas as

adversidades.
— A romantização da pobreza — resmungo, revirando os

olhos e deixando o ar escapar pesado pelo meu nariz. — Então ele

não se importa que eu seja de uma classe social muito inferior à

sua?

— A menos que te considere uma oportunista... Você marcou

muitos pontos com a questão do vestido, e ainda teve toda aquela

história de que só entrei na lista graças a ele.

— Só falei aquilo quando percebi que ele parecia estar com

inveja.

— Você observa tudo muito bem — ele diz.

— Estava certa? — o questiono.

— É claro que ele gostaria que fosse o nome dele na lista,

mas você se saiu muito bem dando os créditos do meu sucesso ao

meu pai.
— Não era para te ofender — trato logo de explicar.

— Eu sei que não era.

— E quanto a você estar pagando as despesas médicas da

minha mãe? Ele não vai achar oportunismo?

— Meu pai é excêntrico, orgulhoso, mas não acredito que ele

seja má pessoa. Entendeu que te ajudei em um momento difícil.

Balanço a cabeça, concordando.

— Lembra de Franco, aquele primo que nos cumprimentou na

área de churrasco? — Ben me questiona.

— O que fez comentários sobre a aliança? Pensei que ele

fosse querer tirar do meu dedo para investigar se era verdadeira.

— Um sem noção. Era para ele que meu pai iria entregar a

empresa se eu não me casasse.


Sacudo a cabeça, chocada. Não quero tirar conclusões

precipitadas, mas seu primo não parecia uma pessoa muito

centrada.

É engraçado como sempre vi Ben como um homem

poderoso, um magnata, mas diante do seu pai, ele não parece nada

além de um garoto esperando por aprovação. É estranho conhecer

esses dois lados, mas o faz parecer mais humano e, infelizmente,

dez vezes mais atraente. Pelo menos para mim.

Quero aninhá-lo no meu peito, beijá-lo apaixonadamente, tirar

camisa azul e ver seu abdômen outra vez, como vi naquela noite,

em que ele tirou a camisa para que eu me aquecesse. Quase chego

a cogitar a ideia de fingir estar morrendo de frio, só para ser

agraciada com aquele gesto de novo.

— Deve ter sido uma vida boa — comento, só para ouvi-lo

falar novamente, estou ficando viciada no timbre da sua voz —, bem


mais interessante que a minha.

— Nem sempre foi assim — ele murmura. — Não vivi a vida

toda nesse conforto. Meu pai me expulsou de casa quando mais

precisei.

Ergo as sobrancelhas, perplexa com essa informação.

— Você vai ter que me contar!


Tiro os sapatos e as meias para poder sentir a areia entre

meus dedos.

Sinto os olhos de Lia em mim, esperando que eu comece a

falar. Sou péssimo para falar de mim mesmo. Só com ela, com

todas essas conversas francas, é que me dou conta de que tive

amizades superficiais por toda a minha vida.

Lia é diferente de todas as pessoas que já conheci. Ela tem

uma história de vida miserável, mas em nenhum momento se faz de

coitada. Ainda estou surpreso com seu jogo na frente do meu pai, se

saiu muito melhor do que eu poderia cogitar.

Luiza era muito especial, e eu a amei com todo meu coração,

mas confesso que não me lembro de ter ficado tão boquiaberto

assim como Lia me deixa.


Com Luiza era fácil, simples, calmo, com Lia é como se

estivéssemos sempre pulando para o próximo nível, e ela nunca

cansa de me surpreender.

Me sinto um crápula só por fazer essas comparações

mentais. Luiza e Lia nunca, jamais deveriam ser comparadas, até

porque eu não tenho nada com a segunda.

— Seu pai te expulsou...? — Lia fala para chamar minha

atenção, visivelmente impaciente por eu não começar a contar logo.

— Me expulsou — confirmo, catando algumas pedrinhas no

chão e as atirando onde as ondas quebram.

— E...? — Lia está curiosa, consegui atrair toda sua atenção.

Tenho medo do que ela pode pensar sobre mim quando lhe

contar a história, mas parece que já temos certa intimidade para se

abrir um com o outro.


— Quando comecei a namorar Luiza, meu pai enfiou na

cabeça que ela não passava de uma interesseira, só porque aceitou

alguns presentes caros que lhe dei. Celular, roupa de marca, jóias,

como se ela tivesse pedido por isso. Estávamos na faculdade, Luiza

era da minha turma de Engenharia Civil na UFRN. Eu tinha vida

boa, um carro do ano, mesada, tudo que alguém daquela idade

poderia sonhar, e estava apaixonado por ela — conto, enquanto ela

ouve em silêncio, atenta. — Quando meu pai cismou com ela, exigiu

que eu terminasse o namoro, alegando que ela iria me dar o golpe

da barriga, coisa do tipo. Não aceitei terminar e ele exigiu que eu

saísse de casa.

Atiro outra pedrinha na água, olhando a espuma branca que a

onda faz quando se aproxima.

— Ele te expulsou? — Lia pergunta, me incentivando a

continuar.
— Sim. Fui morar com Luiza. Ela dividia um apartamento

pequeno com algumas amigas, na Zona Norte. Foi lá que morei até

depois da formatura. Perdi mesada, carro. Só consegui pegar um

laptop, um videogame, minhas roupas de marca, vendi e comprei

uma moto. Arranjei alguns estágios e me virei pelo resto do curso.

Quando Luiza ficou grávida, foi um sufoco porque a gente não tinha

dinheiro. A nossa sorte é que a família dela ajudou com o enxoval e

ela tinha plano de saúde para o pré-natal e o parto. Fiquei anos sem

falar com meu pai.

Quero encerrar a conversa por aqui, não quero contar a parte

em que fazemos as pazes. Lia é muito mais orgulhosa que eu e

pode me julgar como um fraco. Não quero que ela pense isso de

mim.

— Alicia sempre visita os avós maternos, não é? — Lia

pergunta, me fazendo respirar aliviado por desviar do assunto.

Estamos tão próximos que o ombro dela toca o meu.


— Sim, nas suas folgas que, a propósito, você nunca

aproveita — brinco, cutucando suas costelas com meu cotovelo.

— Não tenho para onde ir. Prefiro ficar em casa estudando —

Lia se justifica.

— Agora sua agenda vai ficar cheia — brinco. — Jantares,

almoços, festas.

Ela suspira, olhando para o mar com os olhos brilhando, tão

perto que me faz pensar que ela pode ler o que estou pensando,

nas coisas que poderia fazer com ela agora mesmo.

— E o que aconteceu quando ela partiu? — Lia pergunta ao

se virar para me olhar.

Engulo a saliva e atiro outra pedrinha na água.

— Ele foi ao hospital conhecer a neta, não sei como ficou

sabendo, talvez estivesse sempre de olho em mim. Insistiu em me


convencer a voltar para sua casa, essa mesma que você acabou de

conhecer, disse que iria dar tudo que Alicia e eu precisássemos, que

necessitava da minha ajuda na construtora, mas eu mandei ele se

foder — finalizo com um risinho sarcástico.

— E quando foi que você voltou atrás? — Lia quer saber.

— Fiquei alguns meses no apartamento da Zona Norte. Tinha

me formado há poucos meses e estava estagiando em uma

construtora pequena. Ganhava pouco, só conseguia comprar as

fraldas, comida e pagar as despesas do apartamento. Umas das

meninas me dava carona, elas revezavam para me ajudar com

Alicia quando eu não estava, mas a coisa foi apertando cada vez

mais. Os pais de Luiza começaram a insistir que eu entregasse

minha filha para eles, que eu não tinha condições de cuidar sozinho.

Eles me ajudavam a comprar leite, roupas, remédios, mas ficaram

cada vez mais insistentes em relação a pegar minha filha. Comecei

a ter medo que eles tomassem a guarda de mim. Sabia que, no


fundo, eles estavam certos, eu não tinha condições de cuidar da

minha própria filha, mas não queria me separar dela, eu já tinha

perdido meu irmão, minha mãe e minha esposa, ela era a única

pessoa que eu amava no mundo, não aguentaria perdê-la também,

por isso continuei insistindo. Enquanto isso, meu pai me perturbava

para voltar, mandava presentes, cheques. No começo, por orgulho,

recusei tudo, mas cheguei ao ponto que foi preciso engolir o orgulho

ou passar necessidade.

— Você fez as pazes com ele para dar uma vida melhor à sua

filha — ela sussurra.

Viro o rosto para encará-la e sinto o coração disparar.

— Sei que fui covarde, que deveria ter batido o pé…

— Você não foi covarde — ela me interrompe. — Qualquer

pai que ame os filhos faria o mesmo. Lembra como só aceitei sua
proposta quando você ajudou minha mãe? Somos orgulhosos, mas

esse orgulho não está acima de quem amamos.

— Pensei que você fosse me julgar — comento, coçando a

sobrancelha com a ponta do dedo indicador.

— Você tomou a decisão certa. Hoje Alicia tem uma vida boa

e você colocou a empresa no topo da lista das mais lucrativas do

estado. Trabalhou duro para merecer o que tem hoje.

Cruzo os braços, não sei o que dizer.

— Quer voltar agora? — pergunto, porque meu coração está

batendo de uma forma estranha, de um jeito que repudio.


Nunca pensei que teria que planejar um casamento tão

sofisticado. Será apenas uma cerimônia simples, só com as

pessoas mais íntimas, nada de salão de festas ou igreja. O

casamento acontecerá na casa de Raul De La Roche, e um juiz de

paz conduzirá a cerimônia, já que sou evangélica e, a família de

Ben, católica. Por mais que os De La Roche estejam em maioria,

Ben decidiu não escolher entre uma das religiões.

Me mudei para um quarto ao lado do de Ben há três dias.

Minha mãe recebeu alta para continuar o tratamento em casa e está

hospedada no andar de baixo, para que não precise subir escadas.

Divido minha atenção entre ela, Alicia, os preparativos do

casamento e ler notícias sobre Ben na mídia. Os holofotes se

voltaram para ele desde que entrou naquela lista de ricaços e

anunciou nosso noivado.


Saiu até no Tribuna do Norte, um dos jornais mais

importantes do estado, não só uma manchete, mas na primeira

capa. Carol comprou o jornal e me trouxe. O escondi embaixo do

travesseiro porque Ben está insuportavelmente lindo na foto. Estou

ao seu lado na imagem, mas sua beleza me ofusca.

“Parece um conto de fadas” retrata o título da manchete em

letras garrafais. A matéria diz que Benjamin De La Roche se

apaixonou por Lia Pereira quando a jovem começou a trabalhar

como babá de sua filha. Fala sobre o acidente da minha mãe e

como sou sortuda de estar me casando com o viúvo e

multimilionário mais cobiçado de Natal.

Suspiro, eles nem fazem ideia que ele vai se casar sem ao

menos ter dado um beijo na boca de sua noiva. No canto da página

há uma foto do anel de noivado na minha mão, avaliado em alguns

milhares de reais. Ele não poupou dinheiro com seu teatro. No fim
da reportagem, eles dizem que, para a tristeza da mídia, a cerimônia

será simples e reservada para os amigos mais próximos.

Não me sinto uma noiva, mal consigo me conectar com as

coisas ditas nos jornais, mas aquela foto na capa também está no

meu Instagram, que eu havia desativado antes de fugir.

Ben postou a foto no seu perfil, que foi tirada no jantar na

casa de seu pai, e eu repostei após apagar tudo que tinha a ver com

Lucas do meu Instagram.

Pego meu celular e procuro seu perfil outra vez. Ele tem

milhares de seguidoras, que fazem comentários nada discretos em

suas fotos. Na sua bio está escrito “pai de Alicia e noivo de Lia” em

vez de algo como “o quarto homem mais rico do estado” ou “CEO

da construtora La Roche”. Acho fofo o jeito que ele falou de nós ao

invés de se gabar do seu sucesso financeiro.


Deslizo o dedo pela tela, olhando as fotos de suas viagens,

paisagens de tirar o fôlego, pratos exóticos.

Ele ainda não disse nada sobre a lua de mel. Não sei se

vamos ter uma, afinal, é só pelas aparências. Sequer teremos uma

noite de núpcias de verdade.

Sei que ele tem seus motivos, que após perder o irmão, a

mãe e a esposa, tudo que ele menos quer é amar mais uma pessoa

e viver com medo de perdê-la. É uma ideia um pouco idiota, se

retrair desse jeito por medo de sofrer, mas respeito isso. Ainda

assim, tem um pedacinho minúsculo de mim que questiona o que há

de tão errado em mim que ele não pode ao menos se arriscar a me

beijar. Tenho consciência que estou sendo tola quando deixo um

pensamento assim vir à tona, apesar disso, machuca.

Ouço uma batida na porta, me puxando desses pensamentos

nada construtivos.
— Entra — digo, escondendo o jornal embaixo do travesseiro.

Ben entra em silêncio, carregando duas sacolas grandes de

plástico. Ele caminha até minha cama, onde estou sentada. Me

pergunto se um dia meu coração vai parar de acelerar assim

quando ele aparece.

A claridade que passa pelas grandes janelas ilumina seus

olhos, os deixando ainda mais verdes. Ele coloca as sacolas sobre a

cama e as abre.

— Comprei uma máquina de costura e alguns tecidos — fala

com um sorriso acanhado, fazendo as covinhas aparecerem sob a

barba. — Imaginei que iria querer fazer alguns vestidos para a lua

de mel.

Abro um sorriso, feliz por ele pensar em algo assim.


— Não acredito que você pensou nisso — digo, abrindo a

caixa da máquina; é muito mais moderna do que a da minha mãe.

Ele empurra a outra sacola cheia de tecidos e se senta perto

de mim, então pega a carteira no bolso do terno e pega um cartão

de crédito.

— Chegou hoje no banco — ele diz me estendendo o cartão.

— Fui buscá-lo antes de vir pra cá. É um cartão de débito. Pode

usar o quanto quiser.

— Tem meu nome — digo, analisando, passando os dedos

nas letras douradas sobre o fundo preto.

— Você não precisa fazer vestidos, se não quiser — ele diz,

como se estivesse arrependido da sua compra. — Pode ir ao

shopping e comprar o que quiser. Só trouxe a máquina porque acho

que você costura muito bem, e adoro tudo que usa... Pensei que

fosse gostar.
— Eu amei! — digo, empolgado. Quero beijar seu rosto, mas

no momento estou com medo da sua reação. Temo que ele se

afaste. — Teremos uma lua de mel?

Ele abre o sorriso novamente.

— Para qual lugar do mundo você gostaria de viajar?

Mordo o lábio, refletindo por um instante.

— Paris é muito clichê? — pergunto e Ben faz que não com a

cabeça.

— Paris está ótimo — ele diz com a voz aveludada.

— Não prefere escolher outro lugar que você não conhece?

Viu no seu Instagram que já conhece a França — comento,

colocando uma mecha de cabelo atrás da orelhas.


— É você quem escolhe para onde vamos. Falando em

Instagram, vi que você ganhou muitos seguidores e que estão te

chamando de cinderela.

Dou de ombros.

— Desde que não comecem a jogar hate... — respondo

despreocupadamente.

— Você não é nem um pouquinho deslumbrada — Ben

observa, esticando a mão e colocando de volta a mecha que

escapou da minha orelha. — Preciso voltar ao trabalho.

— Nos vemos à noite?

— Acho que não. Vou sair com uns amigos — Ben informa.

— Hm — balbucio, sem querer demonstrar estar afetada.


Passo o resto do dia com minha mãe, escolhendo flores,

tecidos, cardápios. Ela ainda precisa usar as muletas por causa das

fraturas, mas todos os coágulos desapareceram.

Não falamos do meu pai nem se ela vai voltar para casa

quando sarar. É como se nossa vida no interior nunca tivesse

existido. Seu rosto está mais brilhante e ela sorri como não estava

acostumada a ver antes.

— Não me canso de agradecer ao seu noivo por tudo que ele

fez por mim — ela diz, segurando minhas mãos e me encarando. —

Você vai ser muito feliz com um homem como ele.

Minha mãe nem desconfia que esse casamento é uma farsa.

Me sinto mal por não contar nem mesmo para ela, mas é melhor

assim. Se ela acredita nisso, significa que as pessoas de fora

também vão acreditar.

— Vamos a Paris na lua de mel — lhe conto.


Minha mãe ergue as sobrancelhas, toda boba.

— Isso é muito mais do que Lucas poderia te oferecer — ela

toca no nome dele pela primeira vez, desde que fugi de casa.

— Você sabe que não estou com Benjamin pelo que ele pode

me oferecer — minto descaradamente.

— É claro que sei. Vocês dois se amam, dá para ver só de

olhar.

Minha mãe é uma pessoa muito humilde, assim como eu, a

diferença é que ela se deslumbra com tudo, fica encantada, acha

tudo muito chique, fascinante. Ao contrário dela, não me deslumbro

porque sei que nada disso é meu.


Me sinto ridícula, completamente surtada por estar na porta

do quarto de Ben, com o ouvido colado na madeira, tentando

escutar algum som vindo lá de dentro.

Se Alicia abrisse a porta do seu quarto e me pegasse aqui,

tiraria sarro de mim pelo resto da semana.

Estou me sentindo como uma esposa desconfiada de traição,

mas não consigo me controlar. Quero ver como Ben vai sair vestido,

o quanto vai estar cheiroso, porque tenho quase certeza que ele vai

àquele clube de putaria.

Quando ouço seus passos se aproximando da porta,

desbloqueio a tela do celular e corro para as escadas, desço um

lance às pressas, dou meia volta e começo a subir os degraus outra

vez, enquanto mexo no celular. Consigo esbarrar com ele na

metade do lance.

— Já vai? — pergunto como quem não quer nada.


Ele está usando uma bermuda jeans, chinelos e camiseta.

Quase nunca o vejo de bermuda, na maioria do tempo, suas coxas

grossas estão escondidas nas calças de alfaiataria. Para meu

choque, ele também está usando óculos de grau. Está tão bonito

que meu coração chega a doer.

— Moro aqui há meses e nunca te vi usando óculos —

comento, esperando que ele fique tempo suficiente para que eu

possa deduzir onde está indo.

— Só uso para descanso. Fiquei muito tempo revisando

algumas plantas, minha vista está cansada.

— Ah... — Preciso ser rápida, mas não consigo pensar em

nada inteligente para dizer. — Posso saber aonde vai?

Ele me encara por um instante, posso notar o sorriso que ele

tenta disfarçar. Gostaria de dizer a Ben que usar óculos de grau

assim é covardia, mas me limito a esperar sua resposta.


— Vou na casa de um amigo da época do colegial — ele diz

finalmente. — Nos reunimos uma vez a cada seis meses.

Estreito os olhos. Quero saber se só vão homens ou se tem

mulheres também, mas o que diabos tenho a ver com isso?

— Boa reunião — murmuro, tentando mostrar simpatia, mas

tudo que consigo externar é um sorriso amarelo. Por dentro, sinto

meu coração rachando.

Ele desce dois degraus, então se detém e vira para me olhar.

Se Ben soubesse o que faz com meu coração quando me olha

assim, será que ainda faria?

— O que vai fazer? — ele pergunta. Por um instante, imagino

que vai me convidar para ir com ele.

— Combinei de assistir a um filme com Lia, minha mãe e

Carol. Noite das garotas.


Ele dá um sorriso torto, assente e se vai.

Me sinto murcha, sozinha nas escadas, ridícula pelo papel ao

qual me prestei.

Subo as escadas de novo e vou ao quarto da minha futura

enteada. Bato três vezes na porta antes de entrar. Ela está

terminando de colorir um desenho. Me aproximo para olhar sobre

seu ombro. Vejo que ela desenhou o pai usando uma gravata,

segurando na minha mão, ela está do outro lado, segurando uma

flor. Minha mãe também está representada no desenho, usando o

gesso na perna e tudo. Acima das nossas figuras está escrito: amo

vocês.

Me agacho e beijo seu rosto.

— Também amo você, princesa — sussurro, colocando as

mechas do cabelo loiro e liso atrás da orelha.


Ela se vira, girando na cadeira, e me encara com os grandes

e expressivos olhos azuis.

— Acha que tia Lu vai gostar? — pergunta, se referindo à

minha mãe.

— Vai amar — respondo com sinceridade. — Faz muitos anos

que ela não ganha um desenho tão lindo.

Alicia fica séria de repente, pega o desenho e o dobra, o

segurando junto ao peito.

— Como é ter uma mãe? — me pergunta. Seus olhos me

encaram com tanta força que me sinto exposta.

Suspiro, não sei exatamente o que dizer.

— É mágico. É a pessoa que mais vai te amar no mundo.

— Mais do que meu pai me ama? — Alicia insiste.


— Seu pai te ama mais que a própria vida — digo, sentindo

um caroço se formar na minha garganta.

— Você vai ser minha mãe para sempre, Lia?

Seu comentário faz o caroço aumentar. Não sei exatamente

quanto tempo seu pai vai querer ficar casado comigo. Meu coração,

antes rachado, se parte pela ideia de fazer um anjinho inocente

como Alicia sofrer ainda mais.

— Vou te amar para sempre, princesinha e, sim, sempre serei

como uma mãe para você. — Não sei para quem essas palavras

podem significar mais, a Alicia ou a mim, mas enchem meu coração

de um sentimento feroz.

Quero prometer a ela que estarei ao seu lado a cada

descoberta, que serei sua melhor amiga, sua companheira, que ela

poderá me contar tudo e sempre terá meu amor, mas o nó está


tapando minha garganta e, se eu tentar falar agora, vou acabar

chorando.

Estico meus braços e ela se aninha neles, então a tiro do

chão, a balançando como se estivesse ninando um bebê.

— Eu te amo muito, Lia — ela diz contra meu pescoço. —

Podemos assistir ao filme agora?

Faço que sim com a cabeça, a coloco no chão e descemos

para o segundo andar de mãos dadas.

Há uma TV de cinquenta polegadas de frente à cama da

minha mãe. Carol já está lá quando chegamos, deitada ao lado de

mamãe. Corro para a cama, o ar condicionado está ligado em uma

temperatura que faz o quarto parecer uma geladeira. Me enfio com

Alicia embaixo das cobertas, a abraçando de conchinha. Carol

aperta o play e nos oferece pipoca em uma tigela grande, enquanto

o filme Enrolados, da Disney, começa.


Antes mesmo de Flynn Rider aparecer, alguém bate na porta.

— Entre! — é Alicia que diz.

A porta se abre devagar e Ben aparece. Me ergo nos

travesseiros para vê-lo melhor, sentindo o coração bater furioso pela

surpresa.

— O que foi? — sussurro quando ele se aproxima da cama.

— E o encontro com os amigos?

— Shiiih! — Alicia pede, indignada pelo silêncio interrompido.

Ele senta ao meu lado e, imediatamente, as garotas se

espremem mais. Estou chocada quando Ben se acomoda ao meu

lado, me puxando para escorar a cabeça no seu peito.

— Resolvi sair mais cedo — ele murmura tão baixo que só eu

posso ouvir, então passa um braço ao redor da minha cintura.


Engulo em seco, com medo que ele consiga ouvir as

marteladas do meu coração. Olhando em volta, percebo como

assistir a um filme com as pessoas que eu amo pode ser bom. Não

que eu ame Ben, nada disso, mas...

Poxa, Lia! Você gagueja até em pensamentos!


— Me caso amanhã — murmuro sozinho, segurando um

buquê de rosas vermelhas, sentado sobre a lápide de granito,

olhando para sua foto na placa oval de mármore.

O cemitério está vazio, são quase seis da tarde de um

novembro muito quente aqui em Natal, e o sol já está se pondo. Os

postes de luz amarelada estão acesos, deixando sombras

distorcidas dos galhos das árvores no muro.

— Me lembro da primeira vez em que estive aqui, no enterro

de Brian. Eu era só um garotinho e minha filha estava tão

perturbada com sua morte que esqueceram de mim. Acabei me

perdendo entre as fileiras de túmulos. Fiquei apavorado com medo

de um esqueleto vir rastejando pelo chão e agarrar meu tornozelo —

conto, dando um risinho sem graça. — Brian era o filho preferido,

aquele no qual meu pai depositava toda a confiança. Eu sou o filho

que restou, a sobra. E é por isso que meu pai esqueceu de mim
naquele dia, por isso ainda mantém o quarto do meu irmão

arrumado, mesmo depois de tantos anos.

Coço a sobrancelha, ciente de estar só enrolando, como se

precisasse fazer rodeios para conversar com uma cruz e um monte

de pedra gelada.

Passo a mão no granito e aspiro o perfume das rosas, não

gosto muito desse cheiro, me faz lembrar de todos os cortejos

fúnebres que já acompanhei. Coloco o buquê sobre a pedra, entre

as argolas de metal cromado. Mordo o canto interior da bochecha e

respiro fundo.

— Me caso amanhã — repito as palavras, desta vez mais

alto. — Não é um casamento tradicional, não me apaixonei por uma

mulher e a pedi em casamento. Meu pai exigiu que me casasse

novamente, em troca de me passar a construtora. Sei exatamente

por que ele fez isso. E é por esse motivo que levei cinco anos para
te contar. Ele não gostava de você quando estava viva, e não gosta

de como você ainda está presente na minha vida, não gosta do luto,

não suporta saber que você permanece como minha esposa mesmo

depois de morta e enterrada. É revoltante, mas é a verdade. Raul

nunca iria gostar de você, Luiza, e sabe Deus o porquê. Não me

importo se você for até o quarto dele e puxe seu pé quando estiver

dormindo.

Preciso rir desse meu último comentário. Na minha cabeça

atormentada, Luiza também ri. A risada dela é doce, aquece o

coração.

Passo a língua nos lábios, os sentindo rachados.

— Não vou me casar por amor, mas vou precisar beijá-la na

cerimônia. Ainda estou pensando a respeito disso, de como vou me

sentir. Não venha puxar o meu pé à noite por te contar isso, mas Lia
é maravilhosa. Alicia a ama e está desesperada para ter uma mãe.

Por essa razão, a escolhi.

Me calo, pensando em tudo que aconteceu, nas semanas que

se seguiram ao jantar na casa do meu pai, nas vezes em que fui até

sua porta, sedento de vontade de tomá-la nos braços, de beijá-la e

devorar seu corpo, mas não bati.

No fundo, sei por que estou aqui e, se Luiza ainda existisse

em espírito, flutuando ao meu lado, ela também saberia.

— Alicia está cada vez mais parecida com você — continuo,

adiando o tema principal. — Ela começou a fazer balé e fica

igualzinha a você nas roupas. Ainda guardo as fotos que sua mãe

me deu, de você como bailarina quando era criança. Nossa filha é

mais inteligente do que eu era na mesma idade. Lê um livro

pequeno todas as noites e, antes de dormir, o coloca embaixo do

travesseiro, exatamente como você fazia. Você tinha que ver.


Espero que não fique chateada por Alicia querer tanto ter uma mãe,

ela não tem culpa de a vida ter sido tão injusta conosco.

Solto o ar pesado dos pulmões, sentindo meu peito contraído

de tristeza. Arrumo o buquê de flores, mexo nos puxadores do

túmulo e toco a foto de Luiza. Meu coração dói, estou envergonhado

pelo que vou dizer, por precisar estar aqui, e pelo evento mais

importante da véspera do meu casamento ser uma visita ao túmulo

da minha esposa no cemitério.

— Que bela despedida de solteiro — brinco, puxando o

cordão de ouro de dentro da gola da camisa, onde carrego as duas

alianças do meu casamento com Luiza.

Mordo o lábio rachado e beijo sua aliança estreita. Meu

coração queima, meus ombros se curvam com a dor.

— Você consegue me ouvir? — minha voz agora é só um

murmúrio. — Não estou aqui apenas para te contar essas coisas.


Mas acho que você sabe. Estou aqui porque, no dia do seu funeral,

depois de segurar na alça do seu caixão da igreja até o carro

funerário, e do carro até este túmulo, depois que até mesmo seus

pais já tinham se despedido e ido embora, eu fiquei aqui com você.

Fiquei até a noite cair... e quando a noite caiu e as estrelas

apareceram, eu te fiz uma promessa.

Fungo para afastar o desconforto no nariz, que arde.

— Você está perto de mim? — pergunto para sua foto. —

Você se lembra? Eu prometi que nunca mais deixaria alguém

ocupar o lugar que foi seu no meu coração, que preferia viver com o

vazio do que amar outra mulher novamente.

Limpo a garganta, chegou o momento.

— De todas as vidas que foram afetadas com sua morte,

acho que eu fui o que mais me puni — continuo a conversa

unilateral, nervoso, com receio de verbalizar à uma lápide o que


estou sentindo. — Você poderia, se não for pedir muito, me liberar

dessa promessa?

O silêncio é interrompido apenas pelos roncos distantes dos

motores dos carros que passam lá fora. Me empertigo e olho em

volta, observando as lápides solitárias, recordando como me senti

na noite em que tive que deixar minha esposa sozinha aqui.

Uma lágrima cai sem que eu perceba de antemão. A seco

depressa e engulo o nó na garganta.

— Me sinto a pior pessoa do mundo por estar aqui te pedindo

isto — lamento. — Mas não queria liberar meu coração para outra

mulher sem sua aprovação.

Solto outra risada esquisita.

— Luiza, pode me ouvir? Saiba que não tenho medo de

fantasmas. Você pode aparecer e me dar uma resposta? Se estiver


perto de mim…

Me calo, estreitando os olhos, focando nas sombras dos

lugares mais escuros do cemitério, procurando qualquer coisa que

possa significar um sinal. Olho, até meus olhos arderem e

lacrimejarem, mas nada acontece.

A casa está silenciosa quando chego.

Procuro por Lia, mas só encontro os livros de estudo sobre a

escrivaninha do quarto. Quero dizer algo a ela, pedir sua opinião,

perguntar se ela poderia dar uma chance a um coração destruído,

mas encaro sua ausência como um sinal e que, não, Luiza não me

liberou da promessa.
Engulo a saliva, respiro fundo, aspirando seu perfume doce

impregnado no quarto, e desisto da ideia ridícula de me permitir

amar outra vez. Não seria justo com Luiza.

Desço de volta ao andar de baixo, estranhando a ausência de

sua mãe, da tia e das primas de Lia que vieram para o casamento e

estão povoando a casa com suas risadas há uma semana.

Odeio com todas as forças essa sensação de vazio e solidão.

Quero a família dela de volta, toda a cacofonia de garotas

empolgadas pela prima estar vivendo um conto de fadas. Desejo a

presença constante da sua família materna pela casa, que minha

filha cresça cercada de tanta vivacidade.

Me encaminho para a cozinha, onde encontro Carol dando

comida para Alicia.


— Onde estão as outras? — pergunto, com medo que Carol

possa sentir o cheiro de cemitério nas minhas roupas se eu chegar

muito perto.

— Sequestraram Lia — Alicia diz com o sorriso e os olhos

grandes. — Disseram que você não pode vê-la até o casamento.

— Vai ter que dormir sozinho — Carol me provoca, como se

não soubesse que tudo não passa de um casamento por contrato.

— Meu pai não pode dormir com Lia até eles estarem

casados — Alicia explica, com a inocência infantil. — É por causa

da religião.

Dou um meio sorriso para minha filha e subo para tomar um

banho.

No chuveiro, tento aliviar o desejo feroz que castiga meu

corpo, sabendo que a beijarei no dia seguinte.


Sei que é só um beijo, mas deveríamos ter conversado sobre

isso.
Durante toda a minha vida, mesmo quando os homens que eu

conhecia me tratavam como lixo, eu esperei que um dia fosse

encontrar alguém para amar de verdade. Mesmo quando o amor de

um homem parecia tolice, não deixei de esperar.

Meu coração está acelerado, minha garganta trancada pelo

nó. Sinto o toque do vestido de noiva na minha pele, os grampos do

penteado no meu couro cabeludo, o peso dos brincos de diamante.

A luz brilhante do céu azul beijando o mar ofusca minha visão, o

cheiro da maresia me entorpece. Me concentro no barulho das

ondas arrebentando há poucos metros daqui.

Dou mais um passo e me viro, segurando o buquê com minha

mão direita, enroscando o braço da minha mãe com a outra. Ela diz

alguma coisa, mas não posso ouvir nada agora. Os convidados são

apenas um borrão ao meu redor. Alicia começa a caminhar na

minha frente, carregando as alianças, o cabelo loiro modelado em


grandes cachos, o laço do vestido branco nas suas costas. Ao seu

lado, está o filho de Carol, vestido como noivinho, uma cabeça mais

alto que Alicia.

Mordo o lábio com força, antes de erguer a cabeça e olhar

diretamente para ele.

Por mais que eu tenha todos os motivos para não acreditar

mais no amor, acabo de me dar conta que eu o amo.

Mas como posso amar alguém que tem medo de se

apaixonar?

Sinto as lágrimas se formando, não pela felicidade de estar

me casando com ele, mas pelo desespero de saber que terei que

matar esse amor um dia após o outro.

Meus ombros murcham, aperto o braço da minha mãe.

Preciso me recompor, mas estou desabando pela dor de um amor


não correspondido.

O que estou fazendo da minha vida? Como aceitei me casar

com alguém com o coração trancado?

— Vai — ouço o comando da cerimonialista, que cobrou

milhares de reais para organizar este falso casamento.

Dou mais um passo, me odiando por ser incapaz de segurar

as malditas lágrimas. Cercada de pessoas que não sabem que isso

é apenas um teatro. Me pergunto se elas se emocionariam assim se

soubessem, se pediriam os presentes de volta, se iriam me xingar

por terem gastado dinheiro com roupas e salão de beleza para

estarem aqui.

Me sinto vulnerável, exposta, como se todos aqui estivessem

julgando minha atuação.

Um passo mais perto do homem do outro lado do corredor.


Almas gêmeas são reais?

Não estou atuando, eu o amo, mesmo que estas lágrimas não

sejam da emoção que os convidados acreditam que estou sentindo.

Outro passo.

Como a vida pôde ter me presenteado com um homem para

ser meu marido se ele não quer me amar?

Eu vou enterrar esse amor todos os dias, prometo a mim

mesma, repetindo as palavras em pensamentos enquanto completo

o caminho pela passagem entre os bancos dos convidados.

Como você se atreve a me olhar assim se não vai me

corresponder?, pergunto mentalmente ao homem que me recebe no

altar com os olhos marejados, que só me fazem amá-lo ainda mais.

Ele se inclina na minha direção e beija o canto dos meus

lábios demoradamente.
— Por favor, não desista agora — Ben sussurra para que só

eu o escute.

Me viro para o juiz, sentindo os nervos à flor da pele.

Carol está com o marido ao meu lado, como meus padrinhos.

Ben escolheu aquele primo idiota e sua namorada, talvez para

combinar com a falsidade deste casamento.

Todos os meus convidados ocupam apenas uma fileira. Não

tenho intimidade com o resto das pessoas presentes aqui, ainda

assim, me sinto uma traíra por estar enganando a todos. Só Carol

sabe.

O Juiz começa, quero que ele pare de falar, que diga que é

um engano, que alguém está lhe chamando e ele não pode

continuar aqui, não pode dar continuidade a esse teatro ridículo.


Não consigo prestar atenção nas suas palavras. Sinto a

tensão de Ben ao meu lado, mas ele está fingindo muito bem.

Minhas mãos tremem quando preciso pegar os anéis no porta

alianças bordado que Alicia estende para nós. Dou a punhalada final

no meu coração no momento do sim.

— O noivo pode beijar a noiva — o juiz diz sorridente, sem

saber que, para mim, este casamento se transformou em um

enterro.

Nos viramos para ficar de frente um para o outro. Meu

vestido, os brincos e a aliança pesam, o penteado incomoda.

Detesto com todas as minhas forças que o primeiro beijo que

Ben me dá — e provavelmente o último — seja uma mentira com

tantas testemunhas.
Quando seu rosto se aproxima do meu, fecho os olhos

tentando recordar em que momento me apaixonei por Benjamin.

Deve ter acontecido no primeiro dia em que o viu.

Nossas bocas se tocam, meu corpo inteiro se arrepia. Quero

odiar o toque dos seus lábios, mas só consigo amá-lo ainda mais. É

macio, quente. Ben suga lentamente meu lábio inferior, abro a boca

em um instante de fraqueza, e ele toca minha cintura, se demorando

ao deslizar a língua contra minha, fazendo cada centímetro da

minha pele arder, como se estivesse aproveitando a oportunidade.

Quando se afasta, deixa uma terrível sensação de vazio.

Pisco, me sentindo ridícula por estar chorando novamente.

Acho um absurdo ter que jogar o buquê. Não me importa

quem o pega. Não ligo para as pessoas nos dando parabéns, para

as ameaças que recebo dos parentes e amigos de Ben para nunca


machucar o coração dele. Ironicamente, ninguém aqui se importa

com o meu.

É um peso muito grande ser a noiva contratada para se casar

com o CEO. Me faz desejar ter recusado, mas como poderia?

A noite cai enquanto os convidados se divertem. Minha

pequena família parece estar vivendo um conto de fadas.

O jantar não tem sabor, os bem casados parecem areia na

minha boca. A primeira dança dos recém-casados é uma música

escolhida por mim, mas nem isso consegue melhorar meu humor.

Ele me abraça ao final da dança, como se também estivesse

sofrendo com essa palhaçada. Apoio minha testa contra seu peito e

desejo que seu ombro não seja apenas um lugar para encostar a

cabeça, mas um porto seguro para onde eu possa correr quando

estiver despedaçada.
— Quer ir embora? — ele sussurra, com os dois braços em

volta da minha cintura.

— Quero — digo, sentindo o coração bater mais rápido.

Partimos o bolo, cortando de baixo para cima, como manda a

tradição, mas agora o toque da mão de Ben parece mais real.

Quando ele coloca uma garfada de bolo na minha boca, enquanto

seu primo sem noção grava um boomerang para postar no

Instagram, consigo sentir meu paladar novamente.

Ben enche duas taças de champagne e cruzamos os braços

para beber, dando risada da cena ridícula. Quero odiá-lo por ser

capaz de mudar meu humor tão drasticamente, mas só consigo me

sentir grata por ele estar me levando embora daqui.

Minha mãe coloca bolo em um recipiente de plástico para

levarmos ao hotel, enquanto Ben se despede de Alicia, prometendo

voltar logo. Agarro uma garrafa de champagne lacrado pelo gargalo


e encontro os olhos de Raul De La Roche. Ele acena para mim com

a cabeça, antes de partirmos, me fazendo imaginar que acreditou

em toda a encenação.

Há uma limusine nos esperando no estacionamento da

mansão de Raul. Caminho para lá segurando a mão de Ben, muito

mais consciente do seu toque agora. Ao longe, percebo que, mesmo

contra todos os protestos, minhas primas penduraram latinhas

pintadas de branco na parte de trás do carro.

Reviro tanto os olhos que temo eles saírem de órbita.

O motorista abre a porta, os convidados estão gritando frases

de incentivo para a noite de núpcias. Ben me ajuda com o vestido

para que eu não tropece. É um Carolina Herrera de vários milhares

de reais, um completo desperdício.

Respiro aliviada quando ele fecha a porta ao entrar, abafando

a algazarra dos convidados.


— A bagagem já está no porta-malas — o motorista nos

informa, antes de fechar o vidro fumê, que nos dá privacidade.

— Quer que eu abra o lacre? — Ben perguntando, empinando

o queixo na direção da garrafa de champagne.

A aperto contra o meu peito, como se ela funcionasse como

um escudo para me proteger da atração que Ben causa no meu

corpo.

— Não, é para o hotel — explico.

Ele se levanta e vai para o banco lateral, apoiando o rosto na

janela.

Frustrada, sacudo a cabeça em negação.

— Acha que fomos bem? — murmuro a pergunta, mas sai tão

baixa que ele não escuta. Se eu falar mais alto, vou chorar de novo.
Na minha cabeça está tocando Born To Die, de Lana Del Rey.

Acho que a música combina muito com o que estou sentindo agora.

Ben alugou um chalé em um hotel cinco estrelas. É claro que

alugou.

O chalé tem sala, cozinha e uma varanda com vista para o

mar, além da suíte master. Acho um desperdício, já que só vamos

ficar uma noite.

Os funcionários do hotel encheram o quarto de velas

aromáticas e pétalas de rosas. O mensageiro espera na porta por

uma gorjeta, olhando com uma cara de quem pensa que vamos

fazer amor a noite inteira.


Apago todas velas assim que Ben dá a gorjeta e o funcionário

sai. Há uma banheira de hidromassagem cheia em frente à cama,

mas, por sorte, o chuveiro fica dentro do banheiro.

— Pode abrir o zíper — peço para Ben, já que não consigo

abrir sozinha, mas evito encará-lo agora que sei que estou

apaixonada.

— Claro — ele diz.

Sinto o calor da sua mão, e me pergunto como meu corpo

não consegue me obedecer. Por que preciso me arrepiar desse

jeito?

Cruzo os braços e tento me segurar, mas não sou capaz de

controlar o espasmo quando seus dedos puxam o zíper e deslizam

pela minha pele.


Sem agradecer a gentileza, pego uma camisola na bagagem

e vou para o banho. Tento me demorar o máximo, aproveitando a

água morna para colocar a cabeça no lugar. Passaremos três dias

em Paris e não sei o que faremos lá.

Sei que é a França e é um sonho poder conhecer o país, mas

nessas circunstâncias chego a desejar não ir. Além de tudo, ainda

temo que minha mãe vai voltar para o interior na minha ausência,

para meu pai.

Temo por sua segurança, não sei o quanto ela gosta dele.

Não tocamos no assunto durante as semanas em que ficamos

juntas no hospital e na casa de Ben. E meu pai não deu sinal de

vida. Não sei como ela se sente em relação a ele, não sei se ela

ainda o ama, se sequer um dia amou.

— O amor é uma flor roxa que nasce no coração de um

trouxa — resmungo, dando um risinho sarcástico para o espelho,


enquanto tiro a maquiagem.

Olho para meu reflexo, pensando em como tudo isso é

confuso.

Exausta de pensar, retiro os grampos do cabelo e me arrasto

de volta ao quarto.

Encontro Ben comendo amendoins enquanto vaga pelos

canais com o controle remoto. Está sem camisa, usando apenas a

calça de alfaiataria grafite. Vejo os músculos de suas costas na

claridade pela primeira vez, os ombros largos, os bíceps

destacados, a cintura estreita e as covinhas na região lombar me

fazem desejar agarrar seu corpo.

Quero voltar ao banheiro, para o chuveiro, mas tento dominar

os sentimentos e caminho até a cama.


Ele se vira assim que entro embaixo das cobertas, sem fazer

ideia do que a visão do seu abdômen sarado me causa. Me imagino

o tocando, deslizando os dedos pelos gomos, encaixando as mãos

no seu peito rígido, indo além e abrindo o botão da calça...

As portas de vidro que dão para a varanda estão

escancaradas, deixando a brisa de verão entrar pelo quarto. Me

pergunto se um mergulho na água fresca aplacaria o fogo que me

castiga.

— Acho que nos saímos bem — ele diz, despreocupado, se

arrastando na cama e sentando-se ao meu lado, com as costas

apoiadas na cabeceira estofada de capitonê.

— Também acho — digo, mordendo o lábio, aceitando os

amendoins que ele me oferece.

Ben se cala, prestando atenção no telejornal ou, pelo menos,

fingindo prestar. Quero dizer mais alguma coisa, mas não sei o quê.
Meu corpo vai ficando mais tenso conforme ele relaxa ao meu

lado. Meu coração bate ensandecido quando seu ombro toca o meu.

Sua pele parece arder em chamas.

— O que vamos fazer a lua de mel inteira? — resolvo

perguntar.

— Tenho uma ideia, mas imagino que não vá gostar muito —

ele murmura.

Viro o rosto na sua direção e percebo sua mandíbula trincada,

os músculos se tensionando. Ele volta a cabeça para me encarar. É

covardia como seu olhar me desestabiliza.

— Diga — sussurro com a boca seca, o ar chegando com

dificuldades aos meus pulmões.

— Sexo — Ben explica. — É o que os casais fazem na lua de

mel, não é?
Engulo em seco, sem saber mais o que pensar.

— Somos um casal? — minha voz sai rouca.

— Um casal de mentirinha.

— E vamos fazer sexo de mentirinha? — rebato. Sinto alguma

coisa no meu estômago, temo que sejam as famosas borboletas.

— Sexo de verdade — Ben murmura, seus olhos verdes

oscilam entre meus lábios e meus olhos. Acho que estou pegando

fogo, arfando. — Isso, se você prometer que não vai se envolver...

Sinto minhas narinas se inflamarem, minhas mãos fecharem

em punho. Fecho a cara e faço um bico. Como ele pode ter medo

que eu me envolva quando já estamos casados? Como pode um

casal se envolver mais que isso?

— Quem disse que quero transar com você? — minto. Minha

cara nem queima.


— Iria querer se já tivesse experimentado — Ben tem a

audácia de dizer.

Sou tomada por uma raiva inesperada.

— Minha virgindade te incomoda? — rosno, enfurecida.

— Esse é o problema de esperar muito tempo para fazer, a

importância da primeira vez vai ficando cada vez maior — ele

resmunga e parece se arrepender imediatamente de suas palavras,

mas já é tarde demais, estou lhe chutando para que ele saia da

cama.

Ben se levanta e deixa o quarto.

Preciso de muito mais que alguns minutos para me acalmar.

Meu coração bate furioso, partido, maltratado.

Olho para a garrafa de champagne caro e penso em esvaziá-

la, bebendo diretamente do gargalo, mas temo que a situação piore.


Deixo a ira sair em forma de lágrimas, em seguida me odeio por

permitir que aquelas palavras me afetem tanto.

— Ele agiu como um cretino — murmuro, esfregando as

costas das mãos pelas bochechas molhadas.

Desligo a TV, levanto e caminho pelo quarto, indo até a

varanda, tentando raciocinar com clareza.

Como ele pode me querer como esposa, desejar transar

comigo, mas não permitir que eu me envolva emocionalmente?

— Se não fosse pela ajuda que deu à minha mãe quando

mais precisamos, Benjamin De La Roche, eu iria embora agora!

Sinto a lua no céu me encarando, me julgando.

Murcho os ombros, abraçando-me, percebendo o quanto o

quarto ficou solitário sem sua presença. Odeio constatar isso, que

mesmo com raiva ainda quero sua companhia.


Derrotada pelos meus próprios sentimentos, pego meu celular

na bolsa e volto para a cama. Penso em entrar nas redes sociais

para tentar distrair a cabeça, mas não posso ficar online na noite de

núpcias.

Digito seu nome no Google e corro os olhos pelas notícias do

nosso casamento, mas isso perturba ainda mais minha mente,

então abro o YouTube e procuro por uma vídeo aula pré-vestibular.

É tão ridículo estudar na noite de núpcias que dou risada, um

riso amargurado.

— O vestibular está chegando, não é, Lia? — murmuro com a

voz carregada de sarcasmo.


Só percebo que peguei no sono com as aulas de Biologia

quando sinto o peso de Ben deitando-se na cama. Pisco,

percebendo que as luzes estão apagadas e que a única iluminação

do quarto vem da lua lá fora.

Fico tensa, mas permaneço quieta, fingindo que estou

dormindo.

Ben se aproxima, posso sentir o calor do seu corpo

encostando no meu, o cheiro do seu perfume misturado a uísque.

— Eu sou um babaca, Lia. — ele murmura bem perto do meu

ouvido. — Eu te daria meu coração se ainda existisse alguma coisa

boa dentro dele.

Meu coração reage enlouquecido com sua declaração. Quero

me virar e dizer que não me importo, podemos cavar bem fundo e

encontrar os sentimentos que ele enterrou. Penso em dizer o quanto


seu coração ainda é bom, por tudo que ele fez por minha mãe, pelo

pai que é para Lia, mesmo assim, ainda estou magoada.

Ben fica em silêncio por um momento. Ainda sinto o calor e a

presença do seu corpo junto ao meu.

Quando volta a falar, é como se ele estivesse quebrado.

— Não tenho nada para te oferecer, e você merece o mundo.


É um castigo assisti-la dormir. Não tenho sono, quase nunca

tenho, mas esta noite o sono faz mais falta que de costume.

Sozinho, observo a madrugada se transformar em dia,

torturado pela vontade de tê-la, envergonhado pelo que fiz.

Quando o sol nasce, providencio para que tragam um café da

manhã, mas eu mesmo arrumo a mesa, colocando algumas flores

para agradar Lia. Precisamos estar no aeroporto às dez, por isso

vou até a cama para acordá-la.

Ela parece um anjo dormindo, mas a visão do seu corpo só

desperta em mim o pecado. Há um travesseiro entre as coxas

expostas, a camisola erguida até o quadril, o lençol enrolado na sua

cintura. Posso ver a calcinha, boa parte de um dos seios, mas tento

não ficar olhando. Puxo outro lençol e a cubro antes de chamá-la,

para que não fique constrangida por ter ficado tão exposta.
Lia pisca os olhos castanhos quando escuta minha voz, então

se levanta, perguntando se perdeu a hora.

— Não são nem sete — respondo.

De cara fechada, ela vai para o banheiro. Volta alguns

minutos depois, de rosto lavado, com as sobrancelhas úmidas.

Quando se senta à mesa que preparei, vejo que uma das

sobrancelhas grossas está bagunçada. Estico a mão para arrumá-la

com cuidado, recebendo seu olhar penetrante.

Recolho a mão e limpo a garganta.

— Me desculpe por ter te ofendido ontem à noite. Fui um

completo imbecil.

Lia ainda me olha, como se pudesse saber todos os meus

segredos apenas com seu olhar.


— Sua virgindade não é da minha conta — continuo quando

ela não responde. — Jamais poderia ter falado daquela forma. Não

foi um momento de raiva, mas sim de infantilidade. E eu ao menos

sabia que ainda era infantil. Fui um babaca.

Ela me encara por instante, perturbadora. Só faz eu me odiar

ainda mais pelas coisas que disse.

— Você foi mesmo — diz, finalmente.

— Pode me perdoar pelas ofensas?

Meu coração se contrai enquanto espero a resposta. Ela

assente com a cabeça, então começa o desjejum.


Percebo seu nervosismo no caminho para o aeroporto,

estalando os nós dos dedos e mordendo o canto do lábio carnudo.

Os melhores lábios que já tive o privilégio de beijar...

Quero manter firme o muro em volta do meu coração, mas

sinto que ele está prestes a ruir quando olho para ela assim.

— Ben? — ela me chama, virando-se para ficar de frente para

mim no banco, enquanto me encara com a força do seu olhar, me

enfeitiçando de uma forma que eu desejo desviar, mas não consigo.

— Oi — murmuro, com medo de falar mais alto e estragar o

momento.

— Por que me beijou daquele jeito quando o juiz nos declarou

casados? Você poderia ter me dado apenas um selinho. Acabou

quebrando sua primeira regra de não beijar.

Levo alguns segundos para pensar em uma mentira.


— Não quebrei regra nenhuma — digo, fazendo um esforço

tremendo para permanecer com o coração frio, mesmo que sinta o

calor se espalhando pelo meu peito. Preciso morder com força o

canto interno das bochechas para não sorrir com o jeito meigo que

Lia me olha. — Estávamos fingindo, não é? Você não queria

realmente me beijar, e eu estava só encenando. É como se o beijo

nunca tivesse acontecido, não é?

Torço para que Lia negue, que diga que estou errado, que

sim, ela queria me beijar.

— Tem razão — ela murmura, passando a língua no lábio

tentador. Está pensativa.

Passo a ponta no dedo indicador, coçando a sobrancelha,

odeio imaginar que nosso beijo teve mais química que todos os

outros beijos que já dei na vida. Luiza me vem à mente, mas a


afasto porque não quero que ela seja testemunha dessa minha

traição.

— Ben, você tem medo de voar de avião? — Lia me

questiona, sem fazer ideia das coisas que estão passando na minha

cabeça.

— Não tenho. É sua primeira vez?

— Sim — ela responde com um sorriso tímido. — Estou

nervosa.

— Vou estar lá com você — digo, tentando soar o mais gentil

possível — e você pode segurar minha mão se sentir vontade.


— Não estou vestida à altura — Lia reclama, parecendo

apreensiva, quando chegamos ao aeroporto e nos dirigimos ao

espaço reservado à primeira classe.

— Você está linda, suas roupas são praticamente alta costura

— elogio seu trabalho.

Lia está usando uma saia preta de pregas e uma camisa

branca, com o cabelo preso em um coque no alto da cabeça e os

brincos de diamante que comprei para que ela usasse no

casamento. As roupas foram feitas com os tecidos e a máquina de

costura que lhe dei, mas parecem ter sido comprados em uma loja

de grife.

— Meu Deus, é muito chique! — ela exclama para que só eu

escute, enquanto uma recepcionista nos leva até as mesas onde o

check in é feito.
A funcionária nos paparica, oferecendo bebidas e petiscos,

mas estamos cheios do café da manhã. Após o check in, ela nos

guia para os demais procedimentos.

— Ela precisa se atirar tanto para cima de você? — Lia

pergunta bem perto do meu ouvido quando chegamos ao lounge

onde esperaremos pelo voo, sem pegarmos fila por voarmos de

primeira classe.

A encaro, percebendo que está incomodada quando nem eu

notei que a mulher poderia estar dando em cima de mim.

— Não se estresse com isso.

— É uma falta de respeito! — ela protesta. — Sou sua

esposa, mesmo que de mentirinha. Não era obrigação dela tratar

todo mundo da mesma forma?


Engulo a saliva, recordando de dois comentários maldosos

que vi na foto que minha social media postou no Instagram do nosso

casamento.

“Vocês não combinam.” — o primeiro dizia.

“Poderia ter escolhido alguém mais clara.” — o segundo

estava acompanhado de um emoji de nojo.

Apaguei os dois comentários e enviei uma mensagem para

minha social media ficar de olho.

Na hora, me incomodou muito, mas não tanto quanto está

incomodando agora, porque dói saber que Lia sentiu que a

funcionária estava dando em cima de mim, sem respeitá-la, apenas

pelo tom de pele da minha esposa.

Se eu estivesse com uma loira, tenho certeza que ela teria

respeitado.
— Mas, já estou acostumada com isso. Lucas também era

branco. As pessoas costumavam dizer que a gente não combinava

— Lia diz, como se lesse meu pensamento.

Sua fala é como um soco no estômago, porque nenhum ser

humano deveria se acostumar a ouvir comentários desse tipo.

Quero voltar até lá e reclamar com a funcionária, mas já

passamos pelo controle de segurança e não há como retornar.

Pegamos um voo de Natal à São Paulo. Lia fica tensa, mas

acaba relaxando após algum tempo de decolagem.

Uma funcionária da Air France nos recebe no desembarque,

mas esta volta sua atenção para Lia, gesticulando para que ela siga

na frente, explicando tudo que há disponível no lounge do espaço


Premier da Air France. Quando ela nos deixa a sós, me ofereço

para tirar fotos de Lia nos espaços mais chiques.

Para meu alívio, ela está toda animada, parece ter se

distraído do que aconteceu no outro aeroporto. Decidi que vou

retratar o acontecido diretamente à empresa, mas não vou lhe

contar isso agora, não quero estragar seu bom humor.

Quando chega a hora de embarcar, a comissária de voo nos

leva em um carro até o avião, já que o aeroporto é enorme. Somos

recebidos pela tripulação que cuidará de nós durante o trajeto.

Eles falam em francês, mas traduzo tudo para Lia,

principalmente a parabenização pelo nosso casamento.

O comissário pergunta como Lia e eu gostaríamos de sermos

chamados, monsieur at madame De La Roche, senhor e senhora

De La Roche..., mas peço que nos chamem apenas de Ben e Lia.


Após isso, ele nos acomoda na suíte e nos deixa a sós, só voltando

após a decolagem, para nos servir champagne e castanhas.

Lia não consegue esconder o quanto está chocada com tudo,

por saber que viajaremos em uma suíte, que teremos um jantar

completo, pijamas personalizados e que nossas poltronas serão

convertidas em camas.

— Tenho medo de perguntar quanto custaram essas

passagens — ela brinca.

— Está valendo a pena? — pergunto, ciente de que o valor

poderia pagar tranquilamente um ano de todas as suas despesas no

curso de medicina na universidade particular.

— Não sei quanto custou, mas nunca vou esquecer.

— Vou fazer uma reclamação sobre o tratamento daquela

funcionária em Natal — resolvo contar.


Ela me olha por um instante, seu semblante fica sério, então

assente.

O chef nos serve uma refeição impecável, depois bebemos

algumas taças de vinho branco, enquanto degustamos alguns

queijos franceses.

Percebo que Lia está relaxada após o vinho. Me sinto grato

por poder dar a ela a oportunidade de desfrutar alguns dos

privilégios que o dinheiro pode oferecer.

Nos trocamos, um de cada vez, no toalete, e nos

acomodamos nas camas arrumadas pelo comissário, cada um na

sua, mas ela vem para a minha assim que as luzes diminuem.

A abraço de conchinha, sentindo seu cheiro doce. Penso que

não vou conseguir dormir, mas acabo adormecendo, sendo

presenteado com uma longa noite de sono.


Chegamos ao hotel pela manhã. Está muito frio em

comparação ao calor que deixamos em Natal. Lia se troca, mas logo

percebe que as roupas que trouxe não são quentes o suficiente.

— Te disse que não precisava trazer muita coisa — comento

—, que você poderia fazer compras aqui.

— Não pensei que estava falando sério — ela diz, com as

sobrancelhas erguidas. — Essa é uma realidade completamente

diferente da minha, Ben. Sei que você já gastou comigo dezenas de

vezes mais do que meus pais gastaram em toda a nossa vida.

Entenda, não estou acostumada.

Assinto.

— Quer conhecer a Torre Eiffel antes do almoço?


Lia faz que sim com a cabeça, se enroscando no meu braço

para descermos até o carro.

— Não acredito que seu avô migrou daqui para o Brasil — ela

comenta, enquanto o carro segue pelas ruas parisienses. — E muito

menos que ele nunca quis voltar.

Sorrio para ela. Adoro sua simplicidade, seus comentários,

como ela consegue enxergar beleza em tudo que vê por onde

passamos.

— Meu Deus, é a ponte onde Adele gravou Someone Like

You — ela observa ao passarmos pela Ponte Alexandre III, quando

estamos esperando pelo barco que faz o passeio pelo rio Senna. —

Ben, estamos caminhando pela mesma ponte que Adele caminhou

enquanto cantava. Você tem noção do que isso representa?

— Você tem noção do quanto adoro fazer você feliz? —

pergunto, com o coração tomado de sentimentos positivos.


— Me sinto em um filme — ela diz. — Só tenho medo de estar

parecendo uma boba deslumbrada.

— Você tem direito de aproveitar cada momento, Lia — a

incentivo, apontando a câmera do celular para filmá-la.

Faço vários vídeos e fotos da minha nova esposa. Quando a

noite cai e estamos andando no barco pelo rio, resolvo gravar um

boomerang com a Torre Eiffel iluminada às nossas costas.

A abraço por trás e, enquanto ela sorri para a câmera, faço a

ousadia de beijar o canto dos seus lábios. Sinto o coração perder o

freio, desejo com todas as forças ir adiante, mas consigo me

controlar.

Deixo Lia ver como o vídeo ficou, esperando que ela vá fazer

algum comentário ou peça para que eu apague.

— Você sabe fingir muito bem estar apaixonado.


Talvez porque eu realmente esteja, minha mente responde

sua observação.

A marco no boomerang e posto.

Desejo receber um sinal de que Luiza me liberou da

promessa, talvez um sonho, uma manifestação espiritual, um raio

caindo perto de mim, qualquer coisa, mas nada de notável

acontece.

Preencho os dois dias seguintes com visitas a museus,

pontos turísticos e compras. Os dias voam, mas as noites, lutando

contra a tentação que só cresce, parecem intermináveis.

Lia diz que já somos adultos e que não preciso dormir no

sofá, que podemos dividir a cama de hotel. Não posso fazer nada a

não ser concordar. Ela adora dormir de conchinha comigo, gosta

que eu mexa no seu cabelo até ela pegar no sono, mas não faz
ideia que a razão de eu colocar um travesseiro entre nossos corpos

seja para que ela não sinta meu pau duro contra sua bunda.

A lua de mel é curta porque Lia precisa se preparar para o

vestibular, que ela tira de letra. Vem o aniversário de Alicia com o

tema de Alice no país das maravilhas, as festas de fim de ano e

finalmente o primeiro dia de aula de Lia no curso de medicina na

UNP.

Sua mãe está tão orgulhosa da filha, que organiza uma

pequena comemoração com bolo, balões e doces, um fim de

semana antes das aulas começarem. As duas encontraram uma

igreja não muito longe de casa e vão aos cultos regularmente, duas

vezes na semana. Raras vezes, as acompanho, mesmo sendo

“católico não praticante” — entre várias aspas.

São muitas mudanças na minha vida, mas o que não muda é

a paixão que me castiga, consome meu corpo, meus dias, minha


mente.

O desejo é tanto que já não sei mais o que fazer. Tê-la perto

de mim é o pior dos castigos. Vê-la todos os dias e não poder torná-

la minha esposa é quase insuportável de conviver.

Me pergunto quanto tempo mais ainda posso aguentar.

Mesmo que ela não peça por isso, a busco na universidade

no seu primeiro dia. Suas aulas são à noite, e as noites são

traiçoeiras, me fazem pensar que, se não recebi nenhum sinal de

Luiza, é porque minha vida deve continuar, que estou me apegando

a uma promessa que fiz quando ela já estava morta.

Sei que estou enlouquecendo. Tento a todo custo manter o

muro erguido em volta do meu coração, mas minhas forças estão

acabando.
A carência, o tesão e o desespero são como o diabinho no

meu ombro.

A espero no salão de entrada da universidade, já passa das

vinte e duas horas. Estou no limite do meu juízo, e sinto o muro ruir

quando Lia vem vindo, desfilando na minha direção.

Meu coração fica desprotegido... finalmente.


Espero encontrar Roberto, o motorista da família, no

estacionamento da UNP, mas antes mesmo de chegar ao carro, dou

de cara com Ben parado no salão da universidade.

Meu coração dispara ao vê-lo aqui, parado com os braços

caídos ao lado do corpo. Sua postura de homem de negócios se foi

e, no momento, ele parece tão... vulnerável.

Franzo o cenho, segurando contra o peito meu caderno com

as anotações do primeiro dia de aula, e caminho até ele.

Sinto que alguns dos alunos que estão na minha turma viram

as cabeças para nos olhar. Principalmente algumas garotas, mas

não ligo mais, aprendi a aceitar que Benjamin, gostoso e CEO da

construtora La Roche, chama a atenção por onde passa.

Endireito os ombros e empino o queixo, para que saibam que

não ligo sobre o que devem estar pensando.


— Como foram as primeiras aulas? — Ben pergunta ao beijar

minha testa.

— Empolgantes. Sinto que estou realizando um sonho, mas

ainda não consegui decidir qual especialização vou fazer.

— Ainda em dúvida entre dermatologia e obstetrícia?

— Sim, mas acho que mais opções ainda vão surgir. Nos

deixaram conhecer o laboratório de anatomia — tagarelo,

enroscando o braço no seu. — Não sabia que você viria me buscar.

— Resolvi fazer uma surpresa — ele diz. Acho seu tom de

voz peculiar, diferente dos outros dias.

— Se está pensando em me levar para jantar, para tirar fotos

e postar sobre minhas primeiras aulas — ironizo —, saiba que comi

na cantina, não estou com fome.


— Na verdade, vou te levar para dar uma volta — ele diz,

muito sério.

Meu coração gela. Minha cabeça começa a desenrolar várias

teorias. A julgar pelo seu timbre de voz, temo que ele esteja aqui

para dizer que não precisa mais me ter como esposa. Não consigo

me lembrar do que estava escrito no contrato de casamento.

— Tudo bem — murmuro.

Sou guiada por Ben até o carro. Ele dirige pela Av. Salgado

Filho em direção à Ponta Negra, mas toma a direção das praias do

litoral sul.

Fico em silêncio, enquanto ele dirige, sem saber onde

estamos indo, temendo pela nova reviravolta que estou sentindo

minha vida prestes a dar.


Ben estaciona ao lado de uma antiga igreja em Pirangi do Sul.

Estalo os dedos, enquanto ele dá a volta para abrir a porta do carro.

Desço, imaginando que ele vai dar as costas e começar a descer a

escada de acesso à praia, mas Ben se mantém parado na minha

frente, me encarando. Seus olhos verdes parecem soltar faíscas,

noto que seu corpo está tenso, sua cabeça se inclina e,

inesperadamente, ele aperta os lábios contra os meus.

Sou pega de surpresa, mas ele se afasta antes que eu possa

reagir. Fico parada, com os braços caídos ao lado do corpo,

pensando em algo coerente para dizer.

Seus olhos me analisam. Meu cérebro não consegue

processar direito o que acabou de acontecer.

— Você quebrou sua regra — murmuro.

Meu coração explode quando ele se inclina para mim outra

vez, agora, passando os braços em volta da minha cintura.


— É só uma regra idiota, não é mesmo? — ele sussurra com

a voz rouca, aveludada, charmosa. Então sua boca encosta na

minha outra vez.

Me agarro ao seu corpo, ansiando por isso, desesperada para

não deixá-lo escapar. Sinto sua língua no meu lábio inferior, antes

de ela invadir minha boca. Ele me aperta contra o carro, provando

meus lábios depressa, faminto, sinto suas mãos tocarem minha

bunda, e deslizo as mãos pelos seus braços, extasiada por

finalmente poder tocá-lo dessa forma. Posso sentir seu quadril, sua

ereção rígida contra a minha barriga. É chocante saber que ele está

assim por mim. Permito que ele segure meu rosto entre suas mãos,

que se esprema ainda mais contra mim. Deixo que ele sugue minha

língua, meus lábios, gemo contra sua boca, agoniada com o desejo

que ao invés de diminuir, só cresce.

— Não sabe o que quero fazer com você agora — ele

murmura contra minha boca, com a voz rouca.


Me movo, apertando as coxas, desesperada por mais.

— O quê? — arrisco a pergunta.

— Quero arrancar esse vestido e te comer agora mesmo, no

chão, dentro do carro, você não pode nem imaginar o quanto quero

isso.

— Eu também quero — assumo, arfando, o puxando contra

mim novamente.

— Eu lutei contra isso por muito tempo, Lia, mas acontece

que eu já estava apaixonado por você quando te fiz aquela

proposta. Não sabe como lutei, como fui covarde, com medo de ter

o coração destruído outra vez, quando ele nem tinha se recuperado.

Só que eu já estou cansado de resistir, não consigo mais suportar

uma noite sem você. Juro que vou enlouquecer.


Pisco, procurando algum pensamento coerente ao qual me

concentrar. Não quero acreditar que ele está cedendo, mas não

posso negar o desespero e a sinceridade no seu tom de voz.

Meu coração está explodindo, é tudo que eu mais desejei.

Meu nariz arde, sinto que vou começar a chorar de emoção, com o

peito explodindo de paixão, de uma felicidade que rouba até o ar

dos meus pulmões.

— Você me deixou de pau duro, Lia, faz isso comigo o tempo

todo — ele diz, apertando o quadril contra minha pélvis, permitindo

que eu sinta sua ereção. — Desculpa pelo linguajar.

Engulo em seco, tentada a tocá-lo lá embaixo.

— Não me importo com sua boca suja. — sussurro, com

medo de acreditar nas suas palavras, temendo estar apenas

sonhando. Não quero acordar, desejo com todas as minhas forças

que este momento seja real. — Se você diz que já estava


apaixonado na noite em que me fez a proposta, por que estava

fingindo todo esse tempo? Se passaram meses.

— Porque sou um idiota.

— E vai deixar de ser?

Ele não responde essa, segura a minha mão e me puxa na

direção das escadas.

— Pensei que você iria dizer que o casamento acabou, que

não precisava mais dessa farsa — digo quando chegamos à areia.

A maré está cheia, a lua crescente brilha no céu.

— Não é mais uma farsa. Você aceita ser minha de verdade,

por inteiro?

Pisco, entorpecida pelas emoções, tentando me agarrar à

razão.
E se Ben mudar de ideia amanhã, se for só uma brincadeira?

Não posso me dar ao luxo de me entregar desse jeito, tão fácil. Não

posso acreditar que a vida está sendo tão boa comigo, sei que não

mereço tanto, não depois de ter mentido sobre esse casamento até

para minha mãe.

— Eu ainda preciso refletir sobre algumas coisas, preciso ficar

sozinha e pensar — digo, satisfeita por ainda conseguir raciocinar.

— É por isso que eu construí um muro em volta do meu

coração, porque toda vez que eu deixo uma mulher se aproximar de

mim, machuca. Eu destruo o muro, abro tudo para você, me

entrego, e você diz que precisa pensar.

— Não é bem assim, Ben. Você passou esse tempo todo

dizendo que nunca iria se apaixonar por mim. Como acha que me

senti? Foi confuso, e você sabe que só aceitei esse contrato pelo

acidente da minha mãe.


Minha garganta dói, meu coração também, porque eu sinto

que, no fim das contas, Ben tinha razão, não deveríamos misturar

as coisas. Somos de mundos diferentes, isso é apenas um

casamento por conveniência, é a minha sina, por mais que eu tenha

fugido disso, e misturar sentimentos não pode acabar bem.

Eu insisti nisso, permiti me apaixonar, alimentei as fantasias

de Cinderela e agora estamos nos machucando.

Engulo o nó e ergo o queixo, formulando uma frase que dê

um fim a essa bobagem, mas Ben dá um passo à frente,

encostando o corpo no meu, olhando para baixo, fitando meus

olhos.

— Não quero brigar — ele sussurra, tocando meu maxilar.

Meu coração e meu interior começam a esquentar quando ele se

inclina para colocar o rosto na altura do meu. Sua mão sobe, quase
forte demais, até minha nuca, onde seus dedos se entrelaçam aos

meus cabelos.

Estou encurralada, mas não exatamente por ele, e sim pelo

desejo insano.

Ergo a mão, tremendo, encontro seu ombro e o aperto por

cima da camisa, sentindo seus músculos, buscando me agarrar a

algo duro e concreto.

— Também não quero brigar — acabo confessando sem

pensar.

Seus lábios se abrem um pouco, posso sentir seu hálito, ver

sua língua, seus dentes, e quero tudo isso desesperadamente

contra minha pele. Quero me sentar sobre ele e me mover, quero

que ele aperte nossos quadris um contra o outro quando estivermos

assim, quero que essa agonia entre as minhas coxas diminua, que

cesse.
Me pergunto se ele sente um quinto do desejo que estou

sentindo. Chega a doer.

— Não vamos brigar, anjo — diz, me deixando ainda mais

louca.

É recíproco, não posso fingir que ele não sente nada por mim.

Estamos ambos lutando para não nos entregarmos, para não nos

jogarmos no precipício, mas até quando será recíproco? Até irmos

para a cama?

Me afasto de suas mãos. Preciso de um segundo para

raciocinar sem o toque do seu corpo contra o meu.

Sento na areia, passando os dedos pelo chão, à procura de

pedrinhas para jogar no mar.

— E se você mudar de ideia — o questiono.

Ben senta ao meu lado.


— Não vou — ele garante. — É por isso que demorei tanto

tempo, Lia. Precisava ter certeza. E agora, será para sempre.

Fecho os olhos, sentindo os seus dedos apertarem minha

nuca numa massagem sensual. Estou desesperada por mais uma

dose do seu beijo, da sua língua na minha, do seu corpo encostado

ao meu.

Ele se inclina, se debruçando na minha direção. Quando sua

língua encontra a minha, sou só desejo. Minha mente se enche de

ideias, de formas e posições para aplacar a vontade. Chupo seu

lábio, enquanto ele desliza a mão pela minha coxa, escorregando

por dentro do vestido.

— Ben... — Gemo contra seus lábios, quando ele aperta

minha bunda.

Ele me empurra contra a areia, me fazendo deitar de costas,

então se deita sobre mim. O calor do seu corpo por cima do meu é
tão abrasador que perco o controle, puxando seu quadril com força

contra o meu. Minha pélvis encontra a sua e posso sentir o volume

duro, grande e quente contra mim. Latejo de desejo, implorando

para saber como é tê-lo se movendo dentro de mim, me penetrando

com força.

Os pensamentos vão de mal a pior. Ergo a mão, a colocando

embaixo da sua camisa e encontrando a base da sua coluna. Sinto

a pele quente e deixo meus dedos entrarem pelo cós da calça.

— Eu estou apaixonado por você — ele admite, afastando os

lábios dos meus. — Não me apaixonando, mas totalmente

apaixonado e rendido, e não sei mais o que fazer com esse

sentimento.

— É assim que me sinto também, e você sabe — sussurro,

mansa, tentando parecer sensual, sem me dar conta de que a razão

já me abandonou.
— Meu coração doía só de pensar em não ser correspondido,

Lia — ele reclama. — Por favor, seja minha.

Ben não espera resposta. Ele agarra meu corpo, encaixando-

se entre as minhas pernas.

A calça, sua cueca, minha calcinha e minha virgindade nos

separam.

— Benjamin... — sussurro seu nome quando ele me encara,

afastando os cachos do meu rosto.

— Virgília — ele rebate, como uma pequena vingança.

Ignoro isso. Fecho os olhos e viro o rosto de lado. Ele

entende o que quero como se lesse meus pensamentos. Sua boca

quente e faminta alcança meu queixo, descendo pelo pescoço. E o

seu quadril começa a se mover contra o meu. Sinto seu pênis duro

se friccionando contra minha calcinha. Estou úmida, ficando


encharcada, mas não consigo e nem quero me afastar, não posso

lutar contra o prazer que ele me dá. Minhas coxas se fecham em

volta dele, com força, encontrando o ritmo para acompanhá-lo. O

prazer é doloroso, cruel e acolhedor ao mesmo tempo. Não posso

parar.

Seus lábios escorregam pelo meu colo até alcançarem meu

seio. Estou com um sutiã sem bojo e o sinto morder meu mamilo, a

sensação é ainda mais devassa. Me contorço embaixo do seu

corpo, destruída pelo prazer que só aumenta a cada movimento.

— Ben — chamo seu nome, me perdendo na loucura.

— Lia, eu não aguento mais — murmura contra meu pescoço.

Sinto sua mão na lateral da minha calcinha, então ele a puxa

para baixo, erguendo o meu vestido até minha cintura, tocando meu

sexo em seguida. Solto um longo gemido com o desejo acumulado

por meses.
— Você está tão molhada — Ben comenta, se inclinado entre

as minhas pernas.

Sua boca toca minha vulva, e meu corpo se move com um

espasmo. Meu interior se contrai quando ele abocanha toda minha

intimidade, sugando com voracidade, me levando ao delírio.

Sua língua contra meu clítoris provoca sensações que eu

nunca imaginei sentir. Agarro seu cabelo, pedindo por mais,

totalmente entregue, apertando minhas coxas contra sua cabeça

quando não consigo mais me dominar. Sou apenas uma mulher

morrendo de tesão, sendo chupada pelo homem mais gostoso que

já conheci.

Ele suga, morde e lambe, em movimentos irregulares, que

arrancam de mim uma nova sensação a cada toque. Estou em um

incêndio, as chamas vão me consumindo, quente, frio, se misturam

com dor e prazer. Vou sendo puxada para o turbilhão de sensações,


gemendo, apertando os seios, beliscando meus mamilos,

implorando por mais e mais, com o coração no céu da boca,

martelando, até que algo irrompe dentro de mim, uma sensação tão

poderosa que me faz gritar, arqueando as costas, me deleitando

com o momento.

Dura alguns instantes, e quando consigo voltar ao eixo, sei

que algo se transformou dentro de mim.

Ben está me encarando com aquele sorriso torto, safado.

Levo as mãos à boca para esconder minha risada de satisfação.

— Agora é a minha vez — murmura, se erguendo, levando as

mãos ao cós da calça.

Trêmula, ainda perplexa, me apoio nos cotovelos para assisti-

lo tirar a camisa, depois a calça. Quando a cueca se vai, sinto as

batidas do meu coração falharem. É rígido, longo e grosso.


Deveria temer, mas não estou no meu juízo perfeito. Lambo o

lábio enquanto Ben coloca uma camisinha.

Abro bem minhas pernas quando ele se deita sobre mim

novamente. Com a mão entre nossos corpos, ele se posiciona.

Gemo, sem conseguir controlar. Ben me beija quando começa a

empurrar.

A sensação é nova, me sinto sendo preenchida, mas também

rasgada. Arfo com a dor, mas não consigo desejar que ele pare. É a

dor mais prazerosa que já senti.

— Devagar — murmuro contra seu lábio, só para que o

momento se prolongue.

— Estou tentando — Ben diz com a voz rouca. — Você não

sabe o quanto eu esperei por isso.


Encosto os lábios no seu ombro, mordendo a pele, passando

a mão em cada músculo do seu corpo, me entregando à loucura

quando ele começa a se mover.

— É tão gostoso te sentir dentro de mim — sussurro, mansa,

entregue.

Ele rosna, como um animal, se movendo mais rápido.

— Eu não coloquei tudo — Ben admite, me fazendo arfar,

chocada. Então ele para e me puxa, sentando-se e me fazendo

montar nele.

A penetração fica mais profunda nessa posição, seu membro

vai me dilatando ainda mais para recebê-lo e temo que não vai mais

caber. Sinto meu interior se abrindo, queimando. A dor volta, perco o

fôlego, percebendo sua imensidão me tomando, me preenchendo.


Sua boca, língua, dentes, estão por toda a parte. Minhas

mãos estão em seus cabelos, sinto a aspereza da sua barba contra

minha pele acesa.

— Rebola pra mim, vai — Ben pede, me encarando com seus

olhos verdes, antes de baixar a cabeça e morder meu mamilo.

Seu pedido é uma ordem. Me movo lentamente sobre seu

quadril, montada nele.

Gemo quando suas mãos beliscam minha bunda, apertam

minhas costas, me puxando mais para baixo, depois me erguendo

novamente do seu colo. Seguro em seus ombros, quando ele me

força ainda mais para baixo, me rasgando.

— Acho que não vai caber — murmuro, quando a dor vence.

— Vai sim, anjo.


Me apoio nos seus ombros, desesperada por mais, e ao

mesmo tempo com medo de não aguentar. Alcanço seu lábio e o

mordo com força, cravando as unhas na sua pele, então Ben me

puxa ainda mais, se enterrando todo dentro de mim. Solto seu lábio

e grito contra seu queixo.

Minhas paredes internas queimam. Meu corpo demora a se

acostumar com ele dentro de mim, duro feito pedra. Ben me dá

alguns segundos para me adaptar, então começa a erguer meu

quadril, o baixando em seguida. Forte e duro.

Reviro os olhos quando o prazer sobrepõe a dor, e solto um

gemido, me sentindo dele.

— Rebola pra mim — Ben pede outra vez, e eu obedeço,

movendo meu quadril devagar sobre o dele, começando a

enlouquecer outra vez de prazer. — Assim...


É a sensação mais profunda que já senti, me preenche, me

completa. Acelero o movimento, iniciando uma cavalgada frenética,

sendo dominada pelo tesão que me faz latejar, delirar, querer mais e

mais.

De repente, Ben solta meu cabelo do coque, as mechas

deslizam pela minha pele, suave, contrastando com a sensação

dura no meu interior. Jogo a cabeça para trás, oferecendo meu

pescoço para ele.

Nossas peles começam a produzir um som ao se chocarem, o

que só me incentiva a ir mais rápido, ficando ainda mais presa à

sensação. Perco o controle, sentindo um novo clímax se

aproximando.

Agora é Ben que se move, enterrando-se e saindo bem

rápido, grunhindo como um animal, me quebrando, provocando um


prazer ainda maior a cada movimento. Entrando e saindo, indo cada

vez mais forte.

Me concentro na sensação quando Ben grunhe mais alto,

como um rosnado que se prolonga contra meu pescoço. Me agarro

ao seu corpo com todas as minhas forças, recebendo a nova

explosão de prazer, muito mais devastadora que a primeira.

Grito junto com ele, como se não existisse mais ninguém além

de nós.

Ficamos abraçados assim, um segurando o outro, agarrados

como se fôssemos nos perder caso nos soltássemos.

Respiro com dificuldades, mas preciso dizer. Esse é o

momento.

— Eu te amo, Ben — admito sem medo.

— Eu também amo você, Lia, sempre amei.


— Vai ser para sempre?

— Vai — ele garante.

Ben me puxa, me apertando contra seus braços, me

aninhando no seu peito musculoso, suado.

— E se alguém tiver nos flagrado? — pergunto, a ficha

caindo, estamos na praia, é um local público!

— Estaremos ambos fodidos — ele diz, mas não parece

preocupado. Pelo contrário, Ben parece mais tranquilo que nunca.

Deslizo a ponta do dedo pelo seu maxilar e lambo seu

pescoço bem devagar, sentindo sua pele salgada de suor e

maresia.

— Podem ter feito um vídeo — digo lentamente, me sentindo

sexy em seus braços, desejada.


— Vão saber o quanto somos safados — ele murmura com o

timbre de voz rouco, envolvente, fazendo a chama se reacender.

Me levanto depressa, consciente de que não tenho condições

físicas de fazer de novo.

— Ei! — Ben protesta, agarrando minha coxa, já dolorida. —

Volta aqui, anjo?

— Tenho pretensões de continuar andando, Benjamin. Não

quero ir amanhã para a faculdade de cadeira de rodas — brinco,

mas a ardência no meu interior e a dor nos músculos internos das

coxas diz que, talvez, tenha um fundo de verdade.

Ele ri, roçando a barba na minha perna, depois pegando

minha calcinha para me ajudar a vesti-la. Arrumo o vestido no lugar,

o observando de cima, me sentindo dominadora, mesmo que tenha

sido ele quem me dominou durante toda a experiência.


Observo seu abdômen, as coxas grossas e definidas, os

braços e peito marcados pelos músculos, sua pele branca iluminada

pela luz da lua e dos postes a alguns metros dali. Estico meu pé, o

passando na sua barriga, mordendo o lábio, entendendo que este

deus grego aos meus pés é meu homem. Isso me excita de tantas

formas que não consigo descrever.

— Viramos a página? — sussurro, enquanto Ben pega suas

roupas e começa a vesti-las.

— Começamos um novo capítulo — ele diz. Nunca vou me

cansar de ouvir esse timbre de voz sexy e aveludado. — Eu vou te

amar muito, Lia, vou te fazer a mulher mais feliz do mundo.

Pisco, sem saber o que dizer. Não consigo expressar o

quanto sou louca por ele.

Ben veste a calça e me puxa outra vez, de encontro a seu

peito. Há areia em sua pele, grudada no suor. Ele pega meu cabelo
e o enrola no seu pulso, o puxando, fazendo minha cabeça tombar

para trás.

— Tenho muito tempo de tesão acumulado — ele confessa

com sua voz máscula, saindo do fundo de sua garganta. — Tem

ideia das coisas que vou fazer com você?

— Não — respondo, manhosa. — Mas quero experimentar

tudo.

Ele solta algo parecido com um urro, me fazendo arrepiar,

então morde o lóbulo da minha orelha.

— Vamos embora, caso contrário, vou te comer novamente.


— Ben, posso te perguntar uma coisa? — Lia murmura,

acariciando minha barriga com a ponta do dedo, provocando

arrepios.

Estamos no Lago de Como, na Itália. É carnaval no Brasil,

mas aqui é o auge do inverno. Estamos em um chalé, enroscados

um do outro, deitados no chão, ao lado da lareira.

— Pergunte o que quiser, anjo.

Fazem seis semanas que transamos pela primeira vez, na

praia, sem ao menos pensar que poderia ter alguém olhando. Lia

chama de fazer amor, eu chamo de foder, combina mais com a

intensidade.

— Você ainda pensa naquelas mulheres do clube? — ela me

questiona, de repente, tocando em um assunto que pensei estar

enterrado.
Franzo o cenho, segurando sua mão que me acaricia, me

perguntando o quanto ela teve que pensar antes de me fazer essa

pergunta.

— Eu nunca vou voltar lá — não precisa ocupar sua mente

com esses pensamentos.

— Mas... — ela diz, mas se detém, apoiando-se no cotovelo

para se erguer, me encarando com os olhos cor de mel.

Quase não consigo olhar de volta, porque minha atenção se

volta para seu corpo nu a todo momento. Nunca vou me cansar de

olhá-la assim, toda minha.

— Mas o quê? — ouso questionar.

— E se você acabar se cansando de mim? Sei que está

acostumado a coisas muito mais... pervertidas.


— O clube sempre foi uma tentativa frustrada de preencher

um vazio — digo com firmeza. — Você sabe como eu era, como me

sentia. Não há nada que faça eu querer voltar lá. Tenho você, Lia, e

é tudo que me basta. Já esqueceu as loucuras que fazemos? Acha

mesmo que eu vou abrir mão de você em troca de frequentar aquele

clube?

Ela não diz nada, me beija e volta a deitar no meu peito.

Daqui, consigo ver o lago através das vidraças, a neve está caindo,

fazendo tudo parecer mágico.

No segundo dia, antes do almoço, dirijo até Milão, na

província da Lombardia. Lia quer conhecer o Duomo di Milano.


Resolvemos almoçar antes, em um restaurante no

Quadrilatero d'Oro, ao lado da catedral, onde se concentram as

lojas de grifes mais caras da capital da moda.

Escolhemos um restaurante, pedimos um vinho e uma massa.

Lia reclamou de se sentir enjoada durante a viagem de carro, mas

atribuí isso aos trechos sinuosos. Só quando ela começa a comer e

tem que correr ao banheiro para vomitar, é que a realidade cai sobre

mim.

Faço os cálculos mentais da única vez em que não usamos

camisinha, duas semanas após a primeira transa. Me levanto e a

sigo para o banheiro, sem me importar de invadir o toalete das

damas.

Ela está em uma das cabines, agachada ao lado do vaso,

colocando tudo para fora. Me ajoelho ao seu lado e seguro seu

cabelo, puxando o papel higiênico para limpar sua boca.


Lia crava os olhos em mim quando para. Dou descarga, meu

coração está congelado.

— Você tomou a pílula do dia seguinte daquela vez? — a

questiono, minha voz soa fraca.

Ela faz que sim com a cabeça, os olhos vidrados.

— Mas eu não menstruo desde o começo de janeiro.

Estamos apavorados por motivos diferentes. Lia está no

primeiro semestre do curso de medicina, uma gravidez agora

mudaria todos os seus planos. Eu, por outro lado, estou

experimentando o medo puro de perder outra esposa no parto.

Tento controlar a respiração, mas é impossível. Não sei se

quero ter outro filho, talvez até queira, mas não posso conviver com

o medo que tenho de perder a mulher que amo.


— Consegue ir à farmácia e comprar um teste rápido? — Lia

sugere. — Acho que é melhor fazer logo.

Assinto, beijando sua testa e saio do banheiro. Atravesso o

restaurante e caminho pelas ruas do Quadrilatero d'Oro, à procura

de uma farmácia, sentindo o coração maltratado de dor.

Se acontecer alguma coisa com ela, nunca vou me perdoar

por ter esquecido a camisinha, mesmo que tenha sido apenas uma

vez. Não consigo pensar nas vantagens da família aumentando, não

sou capaz de visualizar o rostinho de um bebê, só consigo sentir

medo.

Encontro uma farmácia, compro o teste e volto depressa ao

restaurante. Lia está sentada à mesa, espetando o que sobrou da

massa com a ponta da faca. Seus olhos penetrantes me encaram

quando estendo a sacola.


Ela volta para o banheiro e a sigo, por sorte, os garçons não

reclamam da movimentação.

Lia entra na cabine e pede que eu aguarde, mas logo aparece

com o copinho de urina com o bastão dentro.

Precisamos esperar o tempo de ação.

— Você quer outro filho? — ela me questiona.

Estou tão ansioso que temo ter um ataque de arritmia.

Quero dizer que não, pelo menos não agora, mas temo que

ela fique magoada. Não posso, em hipótese alguma, partir seu

coração.

Seguro sua mão e a puxo para os meus braços.

— Tenho medo pela sua vida — murmuro contra seus

cabelos. — Ainda assim, é claro que quero ter um filho com você.
— Não vou morrer no parto, Ben.

— Você pode me prometer? — imploro.

— Não, mas não deveria se torturar agora.

Ela não entende o quanto temo perder mais alguém que amo.

A vida me tomou quase todos.

Sinto seu braço esticar para alcançar o bastão. Meu coração

está ameaçando explodir no meu peito.

— Ben — Lia me chama. — Deu negativo.

Eu a encaro, antes de olhar para o teste de gravidez na sua

mão, só então me permito relaxar os ombros.

Sob seu olhar, faço uma prece silenciosa, agradecendo pela

chance que a vida está me dando. Percebo que a última coisa que

quero agora é uma gravidez sem planejamento.


— Precisamos rever nossos métodos — comento, enquanto

ela descarta os objetos usados na lixeira e lava as mãos e o rosto.

— Precisamos — Lia concorda, se virando para me olhar com

o rosto úmido. — Não quero passar por isso outra vez, Ben! O que

faríamos se eu estivesse grávida? E a faculdade? Eu teria que

trancar ou enlouquecer para me desdobrar.

O choque de realidade cai sobre ela, seus olhos cor de mel se

arregalam.

— Eu estaria ferrada! Tem noção? — diz, levando a mão em

concha até a boca. — Quer dizer, é claro que você tem noção, afinal

foi pai na minha idade, mas...

— Eu sei que são circunstâncias diferentes — digo, passando

o dedo para arrumar sua sobrancelha cheia e bagunçada,

respirando fundo, escavando meu coração à procura de coragem

para lhe transmitir a segurança que ela precisa nesse momento. —


Mas pode ter certeza que, independente do que transcorra, eu

estarei sempre ao seu lado, te apoiando em tudo. Caso aconteça

um acidente e você fique grávida quando ainda estiver estudando,

serei eu quem tomarei conta do bebê para que isso não te

prejudique, não precisa ter medo. Já cuidei sozinho de uma criança,

não se esqueça, e eu nem podia pagar uma babá na época.

Engulo a saliva, emocionado com a forma como ela me olha.

Tento ser forte, mas ainda há uma pontinha de desespero,

pressionando meu peito — o terrível medo de que algo de errado

acontecesse na hora do parto ou até mesmo durante a gravidez.

Engulo em seco novamente, tentando afogar o pavor crescente.

Lia entrelaça nossos dedos e me beija profundamente. Seus

lábios são capazes de fazer milagre com meu humor. Sinto o pau

ficando duro quando ela passa a língua na minha.


— Será que um dia você vai reagir diferente a um beijo meu?

— pergunta, soltando minha mão e me tocando por cima da calça,

me dominando na palma da sua mão.

— Isso — gemo, trincando a mandíbula com o tesão

aumentando. — Não há como reagir diferente, você fode comigo.

Ela se detém, tirando a mão do meu pau, me encarando com

a cara de inocente e mordendo o lábio carnudo bem devagar.

— Podemos ir até o Duomo di Milano agora? — pede,

sussurrando com uma falsa inocência que ela usa quando quer me

controlar.

— E como eu fico?

— Você será muito bem recompensado quando voltarmos à

suíte — Lia promete.


Respiro fundo, balançando a cabeça com um fantoche nas

suas mãos.

A levo para fora do toalete. Lia bebe o que sobrou do vinho e

pega sua bolsa e nossos casacos, enquanto pago a conta, sem

querer esperar que o garçom me atenda na mesa.

Quando saímos para a rua, a neve está caindo.

— Quer ir a um hospital? — pergunto. — Você passou mal.

— Deve ter sido por causa das curvas no caminho. Acho que

não preciso me preocupar.

— Tem certeza?

Lia assente.

Caminhamos de mãos dadas, em silêncio, pela Via Monte

Napoleone, em direção a Galleria Vittorio Emanuele II, onde


tomamos sorvete, antes de chegarmos à Catedral de Milão.

Lia está bem novamente. Segura minha mão bem forte,

olhando encantada para construção gótica, as milhares de estátuas

esculpidas em mármore no exterior da construção, a beleza da

arquitetura, que teve o início da sua construção no século XIV.

Aproveito para tirar fotos com Lia no exterior, antes de

adentrar a catedral pela porta principal. Seu interior é pouco

iluminado, mas não decepciona. Já visitei o lugar antes, quando

minha mãe ainda era viva, mas com Lia, pareço ver tudo com outros

olhos. A acompanho para ver as estátuas nas diversas capelas,

para depois visitarmos a cripta, onde fica a Capela de São Carlos

Borromeu, com o caixão de cristal que abriga o corpo do santo.

Antes de subirmos aos telhados, mesmo que não seja

religioso, me afasto de Lia e acendo uma vela em agradecimento.


Meu coração se enche de gratidão quando me dou conta da

sorte que tenho. Em pensamento, agradeço de todo coração pela

minha filha, meus negócios, e pela mulher que amo, enquanto

observo a vela começar a derreter. Então, faço uma prece

silenciosa, implorando com todas as forças para poder ficar com ela

para sempre, até ficarmos bem velhinhos.

Pergunto se Lia quer subir aos telhados de elevador, mas ela

opta por ir pelas escadas, como forma de mostrar gratidão. Admiro

seu gesto e o quanto ela respeita a história e a simbologia da

catedral, mesmo não sendo católica.

Finalizamos o passeio de frente para a estátua dourada da La

Madonnina.
De volta ao Vista Pallazo Hotel, tomamos banho juntos.

Me delicio com Lia ensaboando meu pau, o massageando,

me fazendo pulsar, enquanto suga minha língua. A viro de costas,

apertando sua bunda redonda, espalmando minha mão contra ela,

empurrando seu corpo contra o box.

Alcanço o shampoo, coloco um pouco nas mãos e espalho

pelo seu couro cabeludo, esfregando, fazendo espuma.

Ela geme, preguiçosa, adorando a firmeza do toque.

Com a outra mão, toco seu seio direito, o apertando entre

meus dedos, correndo a mão pela sua barriga, pelo baixo ventre,

até alcançar a boceta quente. Enfio os dedos pelos lábios,

alcançando o clitóris, ardendo com a luxúria.

— Ben — ela chama meu nome, manhosa, enquanto afasta

as pernas.
Puxo seu cabelo para trás e cravo os dentes no seu ombro,

enquanto puxo seu quadril na minha direção, a fazendo arquear as

costas e empinar a bunda.

Solto um palavrão quando ela se esfrega contra meu pau, me

atiçando ainda mais.

— Lia! — digo, em forma de advertência, entrando no seu

jogo.

— Quero seu pau dentro de mim — ela pede, me olhando

sobre o ombro, passando a língua lentamente no lábio superior, me

levando à loucura.

Seguro seu quadril, pressionando seu clitóris enquanto

penetro com dificuldade sua boceta apertada.

— Isso — ela geme, empinando ainda mais a bunda.


— Quer que eu coloque meu pau todo dentro de você? —

pergunto, tirando a mão da sua boceta e a levando até seu pescoço,

o apertando levemente.

Lia faz que sim com a cabeça, me olhando como uma vadia.

Sou tão louco por ela, não consigo controlar. Empurro de uma vez,

sentindo sua boceta fervendo, engolindo meu pau.

A água continua caindo pelo nosso corpo, começo a entrar e

sair, segurando mais forte no seu pescoço, a fazendo gritar de

prazer.

Ela me xinga, geme, diz que sou gostoso. E, quando está

enlouquecida, perdida na luxúria, tiro meu pau de dentro dela e me

ajoelho, abrindo sua bunda, enchendo minha boca com seu mel, me

deliciando.

Lia segura forte nos meus cabelos, mantendo minha cabeça

contra sua bunda. Mordo seu lábio e ela delira.


— Se vira — exijo, me afastando por um instante.

Ela obedece, ficando de frente para mim, com a boceta na

altura da minha boca. Me detenho por um instante, extasiado com a

visão do seu corpo molhado, então afundo minha língua nela outra

vez, rígido, faminto, devorando seu clitóris, o chupando com força.

Suas mãos estão no meu cabelo, e ela implora por mais,

alucinada de tesão. Chupo uma última vez, antes de ficar de pé e a

pegar nos meus braços.

As pernas me agarram, circulando minha cintura, as mãos

nos meus ombros. Desligo o chuveiro e a penetro outra vez, a

levando para fora do banheiro, agarrada a mim.

Aperto sua bunda e a faço quicar sobre mim, gemendo outra

vez, então a coloco no chão. Ela se agacha perto da lareira, fica de

quatro e empina a bunda. Fico de joelhos e me enfio outra vez em


sua boceta, começando a entrar e sair depressa, forte, seguindo

meus impulsos.

Lia geme, balbuciando palavrões que eu não consigo

entender direito, então começa a rebolar, e eu sei que está vindo.

Tento afastar o pensamento, me concentrar em outra coisa, para

adiar o clímax, mas não sou capaz de segurar por muito tempo, não

com ela rebolando assim, dizendo que adora meu pau, gemendo

gostoso.

— Goza comigo — ela pede, antes da sua boceta se contrair

em espasmos, apertando meu pau.

Me debruço sobre ela, acelerando o movimento, apoio a mão

no chão e seguro seu pescoço com a mão livre.

— Goza gostoso — murmuro contra sua pele quente, sobre

seus gemidos selvagens de prazer. Seguro até não aguentar mais

de tanto tesão, então gozo também, forte e intenso.


Os seis anos da universidade são exaustivos, mas nada se

compara a pressão da Residência Médica na Maternidade Escola

Januário Cicco.

Após a formatura da minha turma, onde meu principal

homenageado é meu marido, Benjamin De La Roche, mergulho de

cabeça na minha especialização em ginecologia e obstetrícia.

Passo a acordar cedo, até mesmo antes de Ben, que dorme

feito pedra desde a nossa primeira vez, sem mais vagar pela casa

nas madrugadas, vencido a insônia.

Ele nunca me disse isso, mas imagino o quanto se mantinha

preso à memória da primeira esposa, como se fosse sua obrigação

moral preservar o coração de se apaixonar novamente. E essa

situação acabava com ele. Só quando Ben aceitou e entendeu que

merecia seguir em frente, pôde dormir uma noite inteira de sono.


Ben é meu fiel aliado na educação de Alicia, na administração

da casa e da agenda social, que às vezes fica lotada de jantares e

eventos, além da jornada exaustiva de mais ou menos setenta horas

semanais na maternidade.

Dou plantões de doze horas, geralmente diurnos, mas pelo

menos uma vez na semana é necessário dar plantão à noite.

Preciso me dedicar cada vez mais para aguentar a jornada que

ainda é dividida com aulas teóricas.

Dou meu sangue para continuar me dedicando, empolgada

com a vida em um hospital, onde posso lidar na prática com o que

estudei teoricamente em seis anos de sala de aula.

Muitas vezes, o cansaço é meu companheiro durante os

turnos de doze horas seguidas, mas não permito que ele atrapalhe

meu desempenho. Procuro manter meu corpo e meu psicológico

preparados para lidar com o milagre no nascimento e a fatalidade da


morte prematura de um bebê ou de sua mãe e, na pior das

hipóteses, de ambos.

Ao final de algum plantão que desgasta meu emocional,

quando uma vida se vai diante de mim, só desejo me deitar no peito

de Ben e desabafar o que se passou, mas tenho ciência de que não

posso trazer para ele a tristeza por uma mãe que morreu no parto

ou um bebê natimorto. Sei que isso é gatilho para meu marido, e eu

tento preservá-lo dessas informações o quanto posso.

Apesar de tudo isso, em cada parto, a cada vida que ajudo a

trazer ao mundo, vou alimentando o desejo de ser mãe.

Conversamos várias vezes sobre isso. Também tenho

consciência do medo que Ben sente de me perder, mas seu amor

por mim é tão intenso que ele engole esse medo e aceita ter um

filho comigo.
— Tentaremos outra vez — ele diz, beijando minha testa

quando saio do banheiro, enrolada no roupão, sem dizer uma

palavra, após fazer o sexto teste de gravidez desde que terminei a

Residência Médica. — Temos muito tempo pela frente.

Deixo que ele me embale em seus braços, que diga palavras

amorosas e me mime, enquanto experimento o nascimento de um

sentimento que vai me acompanhar para o resto da vida.

— Somos jovens — Ben murmura e dá risada —, pelo menos

você é. Vamos conseguir engravidar, tenho fé.

Me afasto, retirando o teste do bolso do roupão e o erguendo

diante dele. Apenas quando os olhos de Ben se arregalam, é que

me dou conta da imensidão do sentimento. Toma conta de cada


célula do meu corpo, e me faz a mulher mais feliz e assustada do

mundo.

Solto um riso nervoso, enquanto ele se ajoelha diante de mim,

passando os braços em volta da minha cintura e beijando minha

barriga, balbuciando uma prece que não consigo ouvir.

— Lia — ele sussurra —, por que escondeu de mim?

Deslizo as mãos no seu cabelo loiro acinzentado escuro e o

encaro, transbordando de amor.

— Só escondi por um breve momento — digo, sentindo a

garganta doer, sabendo que estou à beira das lágrimas. — Estava

tentando pensar em um modo marcante de te contar.

Ben ri e abraça minha barriga outra vez.

— Se lembra daquela nossa primeira viagem à Itália? — ele

pergunta e faço que sim com a cabeça. — Lembra quando


pensamos que estava grávida? Você consegue recordar do que eu

mais tinha medo naquela época?

Assinto, mas não quero dizer as palavras.

— Vai ser a gravidez mais tranquila que já acompanhei, vou

trabalhar menos e me cuidar ao máximo. Não tenho como te

prometer aquilo que me pediu naquele dia, mas posso te garantir

que darei meu melhor, que cuidarei da minha saúde e da...

Abaixo a cabeça, trêmula, me dando conta de que sou

responsável por uma vida que cresce dentro de mim. Arfo, sentindo

a primeira lágrima cair, então toco minha barriga, fazendo carinho.

Ben continua beijando meu ventre conforme ele cresce, se

dedicando a atender tudo que peço, me presenteando com


roupinhas de bebê, comidas deliciosas e massagens nos pés, além

dos orgasmos intensos que funcionam como o melhor dos

relaxantes.

Ele está ao meu lado quando o bebê mexe pela primeira vez,

mas é tão fraco que Ben não pode sentir.

Quando as semanas se passam, descobrimos que estamos

esperando um menino.

Vou ficando maior, e Ben está sempre com as mãos fazendo

carinho na minha barriga, conversando com nosso filhinho a cada

chute.

Juntos, escolhemos o nome Nicolas, que significa vitorioso.

Minha mãe está toda empolgada com a gravidez e Alicia,

mesmo estudando para o vestibular, me acompanha nas compras

de todo o enxoval.
O CEO da construtora La Roche não contrata ninguém para

montar o quarto de Nicolas. Ele mesmo pinta, instala as molduras

de gesso, os papéis de parede e o móveis, enquanto acompanho

tudo, com pés inchados e costas doloridas. Apesar do desconforto

crescente, que começa a dificultar minha respiração nas últimas

semanas, sei que vai valer à pena.

Escolho a saída da maternidade com a ajuda de Alicia, Carol

e mamãe terminam de fazer nossas malas.

Apesar de desejar um parto normal, minha médica sugere

uma cesariana, devido às oscilações da minha pressão arterial. Ben

mão me dá brecha para pensar a respeito, se há algum risco, ele

não vai me deixar correr.

No dia marcado, ele não pode esconder o nervosismo. Vamos

todos para o hospital, e ele acompanha em todos os momentos,


segurando minha mão, enquanto a obstetra abre minha barriga. Na

verdade, acho que sou eu quem estou segurando sua mão trêmula.

Ben me beija quando ouvimos o primeiro choro. A emoção é

tanta que não consigo descrever com palavras.

— Ele é lindo — Ben me conta, o vendo primeiro que eu. —

Muito lindo.

Espero, agoniada, até receber meu menininho no meu peito.

Ele chora sem parar e quase não consigo ver que seus olhos se

parecem com os do pai. Choro junto, mas minhas lágrimas são de

felicidade, lhe prometendo que vou amá-lo com todas as minhas

forças e para sempre.

— Conseguimos, Ben — murmuro, quando a enfermeira leva

Nicolas para o primeiro atendimento.


— Sim, anjo, conseguimos — ele diz, as lágrimas de alívio

escorrendo dos seus olhos verdes.

Somos uma família completa agora.


Comemoramos o primeiro mês de Nicolas no mesmo dia em

que Alicia foi aprovada para estudar Literatura na Universidade de

Paris.

Mesmo orgulhosos, sentimos nosso coração se partir um

pouquinho com a ideia da nossa menina, com agora de dezoito

anos, se mudando para outro continente. Ben consegue esconder

melhor que eu, mas sei que ele sente o mesmo.

Estou amamentando Nicolas, o bebezinho mais foto que já vi,

enquanto Ben está ao telefone organizando os últimos detalhes da

nova morada de Alicia. Coruja, ele quer se certificar de tudo, mesmo

que Alicia garanta que já é capaz de se virar sozinha.

Passo o dedo na bochecha de Nicolas, e ele para de mamar

para me olhar, dando um sorriso sem dentes, fazendo meu coração

se encher do mais puro e grandioso amor que já senti.


Ben desliga o telefone e senta ao meu lado, na cama.

— Preciso te agradecer todos os dias por ter me dado este

presente — ele murmura, se inclinando para beijar a cabeça do

nosso bebê.

Mordo o canto do lábio, sabendo o quanto foi difícil para ele

passar pela gravidez, o quanto deve ter sentido medo, depois de ter

perdido tantas pessoas importantes na sua vida. Mas ele foi forte, e

não deixou transparecer o que sentia, estando ao meu lado em

todos os momentos em que precisei.

— Veja pelo lado bom — digo, para animá-lo. — Vamos poder

visitar Alicia e relembrar nossa primeira lua de mel.

— Relembrar? — ele diz e dá risada, parecendo mais

relaxado. — Recordar três dias em que fingimos não nos amarmos

na cidade mais romântica do mundo?


— Vai ser diferente — o animo.

Nossa conversa é interrompida com uma batida na porta. Ben

diz para entrar e minha mãe aparece, elegante nas roupas de sua

marca, só para dar um beijo no neto, antes de ir para a fábrica.

Estou tão orgulhosa dela. Quando se recuperou

completamente do acidente, ela começou a costurar na minha

máquina. Como estava sempre ocupada com a faculdade, minha

mãe é quem fazia minhas roupas, que foram ficando famosas tanto

na minha turma quanto nas redes sociais.

Os primeiros pedidos começaram a chegar. Carol passou a

ajudá-la na confecção das peças e, algum tempo depois, as duas

resolveram abrir uma empresa, que só cresceu desde então.

Me sinto realizada, tenho a família perfeita, consegui me

especializar em ginecologia e obstetrícia, vi minha mãe superar um

relacionamento abusivo, me tornei mãe, tenho uma filha de coração


que está indo para a universidade e sou casada com o homem mais

gentil e gostoso do mundo.

Não tenho mais pedidos, só gratidão.

— Ei — sussurro para Ben, quando ficamos sozinhos outra

vez, Nicolas pegou no sono. — Conseguimos colocar uma filha na

universidade.

— Ainda falta mais um — ele diz sorrindo, fazendo a covinha

ficar visível, mesmo com a barba por fazer.

Renovamos nossos votos antes de Alicia mudar para a

França. No mesmo lugar em que nos casamos, na casa de Raul De

La Roche, de frente para o mar.


Estou usando um vestido Off White, justo e longo, costurado

pela minha mãe.

Mais uma vez, é ela quem me carrega pelo corredor entre os

bancos. Estou menos ansiosa que da primeira vez, e imensamente

mais feliz. Agora, os amigos da época da faculdade, da Residência

Médica, as funcionárias da clínica onde trabalho, além das minhas

pacientes e primas, preenchem algumas das fileiras de bancos.

O sentimento ruim que me acompanhou no nosso casamento

ficou no passado. Agora me sinto amada, acolhida, e só quem já

sofreu por rejeição sabe o quanto isso é importante.

Do outro lado do corredor, o homem mais lindo e gostoso do

mundo me espera, para jurarmos mais uma vez que vamos nos

amar até que a morte nos separe. No primeiro banco, Alicia está

sentada com Nicolas dormindo nos seus braços.


— Você está linda, mãe — Alicia sussurra, quando passo por

ela. Emocionada, jogo um beijo no ar para minha eterna

princesinha.

Ben me recebe com um beijo apaixonado, sem se importar

com as pessoas à nossa volta.

Olho em volta, estou finalmente desfrutando da felicidade

plena. Ainda sinto o toque do vestido contra minha pele, os grampos

no meu cabelo, mas me acostumei ao peso dos brincos de

diamante. O mar e o céu se beijam, brilhando intensamente, e o

cheiro da maresia não me entorpecem mais.

Este é o tipo de felicidade que me faz pensar que estou

sonhando, mas o homem diante de mim é real, assim como seu

sentimento.

Eu sofri por muitos anos, mas o destino me presentou com

um porto seguro, um marido, um companheiro, um amante para


toda a vida.

Estou tão feliz que não consigo segurar as lágrimas.

— Anjo — Ben sussurra, passando a mão no meu rosto. —

Eu amo você.

— Eu também te amo, meu amor. Para sempre.


Não vou me estender nas palavras, não vou citar nomes, não

quero correr o risco de esquecer ninguém, só quero agradecer

imensamente a todo mundo que me ajudou na construção deste

romance, e principalmente a cada leitor que dedicou seu tempo a

uma das minhas obras.

Em especial a minha revisora, a assessora que me puxou a

orelha todos os dias para acabar logo, aqueles amigos especiais a

quem consultei todos esses dias, vocês sabem que estou falando de

vocês! E principalmente os leitores do grupo Amores da Sil.

Vocês transformaram imensamente minha vida!

Continuem comigo, nos encontraremos em um próximo livro...


Trilogia Irresistíveis:

Itália, outubro de 1787

Após escovar os longos cabelos escuros, Isabella beliscou as

bochechas até ficarem rosadas e desceu a escadaria de madeira,

dois degraus de cada vez.

Na sala encontrou sua irmã, Teresa, brincando com Nina, uma

gata angorá gorda e de pelos alvos. Isabella pegou sua irmã no colo

e a girou como se fossem duas crianças. Os cachos negros da

pequena sacolejaram com o rodopio.

— Ele está lhe esperando, Isabella — a mãe informou. —

Aproveite os breves minutos em que seu pai está fora.


A senhora Fontana era o que as pessoas daquela época

chamavam de alcoviteira. Em um tempo onde não se casava por

amor, e sim por conveniência, aquela mulher almejava um futuro

diferente para ambas as filhas. Acreditava que o casamento —

único futuro destinado a moças de família — seria muito mais

próspero se o casal se amasse previamente. Ao contrário dela, que

foi forçada a casar-se com um estranho, e nunca tinha encontrado a

felicidade plena no matrimônio. Sentia respeito e afeto pelo marido,

mas nunca esteve apaixonada por ele.

Com o coração acelerado, a jovem assentiu, colocou sua irmã

no chão e correu para a varanda, onde um rapaz — por quem

estava apaixonada — esperava para cortejá-la.

Stefan Bortolini era um bom homem. Jovem, bonito, mais alto

que Isabella uma cabeça, pele alva, cabelos castanhos, olhos da cor

de um céu nublado. Servia ao exército e temia a Deus. Um ótimo


partido e estava disposto a pagar o dote que o pai da moça exigisse

por sua mão.

A observando deslumbrante ali na varanda, com um sorriso

deslumbrante, ele se atreveu a tomar sua mão direita e beijar os nós

de seus dedos. A garota suspirou, sentindo um formigando

espalhar-se das mãos até os braços, passando pelos ombros e

descendo pela espinha. Imaginou como seria estar casada com ele

e construir uma família nova, longes das brigas dos seus pais. Não

via a hora de estar na sua própria casa, e ter um marido que a

beijasse nos lábios ao chegar do trabalho.

Stefan era o noivo ideal. Gentil, jovem e amoroso. Ao

contrário de suas amigas, Isabella temia casar-se com um homem

mais velho. Não apreciava diferenças de idade. Para falar a

verdade, ela pensava muito sobre seu futuro, preocupava-se com o

fato de não ter as rédeas da própria vida. Odiaria que o pai a

obrigasse a casar com um homem sem modos e repugnante.


Perdida em planos, enquanto ouvia Stefan contar-lhe sobre a

casa que acabara de comprar, Isabella jamais poderia suspeitar

que, longe dali, em algum bar de má fama, com cheiro fétido de

álcool e envolto numa sufocante nuvem de fumaça de charutos, o

pai decidia seu futuro. O fato é que o senhor Fontana era viciado em

jogo. Um apostador nato.

Apesar de possuir um ótimo emprego no banco, já não existia

mais dinheiro algum nas economias da família nem posses a serem

vendidas. Precisou hipotecar até a casa em que moravam para

pagar as dívidas que se acumularam. Mesmo assim, não fora o

bastante para se livrar dos agiotas.

O senhor Fontana jurava para si mesmo que aquela seria a

última vez que apostava em uma partida de truco. Última vez que

seus pés o levariam até aquele bar. Nunca mais trataria de negócios

com gente da espécie do homem mal-encarado sentado do outro

lado da mesa.
O sujeito parecia ter menos de trinta anos, boa aparência, um

ótimo porte físico, porém, usava roupas velhas, puídas e sujas.

Havia também uma ruga de preocupação em seu cenho, marcando

a carranca. A barba mal aparada e a sujeira em suas unhas

indicavam que o rapaz não tinha bons modos, era um desleixado.

Apesar da aparência humilde, tinha dinheiro e era isso que

importava ao senhor Fontana. Ele não se incomodava com os meios

usados pelo homem para conseguir aquela quantia — suficiente

para livrar a família das dívidas e deixá-los confortáveis por muito

tempo —, simplesmente não estava em condições de se importar

com isso.

Sem recurso algum para entrar na aposta, mas desesperado

para colocar as mãos no dinheiro, tinha discutido com o sujeito, até

entrarem em acordo.
— Sem bens, sem aposta — o homem chamado John Smith

falava com uma voz marcante.

— Até minha casa está hipotecada. Perdi meus imóveis,

mas... preciso arriscar... — senhor Fontana queixava- se com frases

mal elaboradas.

— Não estou interessado em ouvir as lamentações de um

homem falido — John resmungou, se levantando com tanta

ignorância que a cadeira se espatifou no chão.

Nenhum outro homem naquele bar estava disposto a colocar

em jogo a quantia exigida pelo forasteiro, sequer o valor equivalente

em propriedades. Ninguém era tão louco como o senhor Fontana.

— É casado, senhor Smith? — o pai de Isabella sondou com

uma voz auspiciosa, tratando de explicar o porquê daquela pergunta

assim que John voltou-se para ele, se detendo na porta do salão por
um momento, antes de partir e levar consigo a desejada fortuna. —

Não vi aliança em seu dedo. Existe uma senhora Smith?

— Não sou casado — John confirmou as suspeitas.

— Está noivo ou pretende se casar em breve? — Roggero

Fontana sentia o estômago doer tamanho era seu nervosismo.

— Seja lá o que tem para me propor, faça rápido.

— Tenho uma filha de dezessete anos que não está

prometida para nenhum rapaz. Ela é meu bem mais precioso.

Aposte comigo. Se eu ganhar, o dinheiro será meu...

— E se eu vencer? — John exigiu saber, fazendo com que

todos os homens presentes ali voltassem suas atenções para os

dois.

— Te concedo a honra de casar-se com minha filha, desde

que me pague o dote — respondeu solenemente.


O forasteiro voltou alguns passos para perto da mesa de

apostas, trazendo consigo o saco felpudo de dinheiro, tão sujo

quanto suas botas.

— Essa jovem... — fez uma pausa, e todos esperaram

envolvidos em um silêncio desgastante. — Ela é bonita?

— Isabella, esse é seu nome. Ela é uma bela jovem que, com

toda certeza, o agradará.

— É virgem? Não está tentando se livrar de uma moça

desonrada, está? — John falou usando um tom de voz ameaçador.

— A honra da minha filha está intacta — senhor Fontana

sentiu-se ofendido. — Tem minha palavra.

Após o forasteiro garantir a seu oponente que pagaria um

bom dote, mesmo que ganhasse o jogo, a aposta foi feita e os dois

sentaram à mesa para jogar.


As cartas não estavam a favor da família Fontana naquela

noite e, em toda rodada, o sujeito do outro lado da nuvem de

fumaça desmanchava a carranca e exibia um sorriso malicioso, o

que fazia a dor no estômago de Roggero se intensificar ao ponto de

sentir as gotículas de suor se formando na testa enrugada.

A cada queda perdida, o senhor Fontana retirava um lenço do

bolso do paletó e enxugava o suor. Ele amava sua primogênita. Ela

era o último bem que lhe restara e, mesmo que a perdesse nessa

disputa, pelo menos estaria livre das dívidas. O salário que ganhava

no banco não era uma fortuna, mas com tudo quitado, sua família

iria se reerguer, e ele nunca mais voltaria a jogar.

Sentiu-se derrotado quando o loiro, do outro lado da mesa, o

encarou e, após ganhar a partida, disse com uma voz impassível:

— O casamento deve acontecer em duas semanas. Me

poupe dos preparativos. — O forasteiro levantou-se novamente,


apressado.

— Tão pouco tempo. As pessoas irão comentar — o senhor

Fontana lastimou. — Pensarão que ela foi desonrada.

— Pouco me importa o que os desocupados irão falar. Me

poupe dos preparativos — John murmurou com severidade, fazendo

com que o pai angustiado mudasse de assunto.

— Quanto a Isabella, não pretende conhecê-la? — Roggero

Fontana perguntou com mãos trêmulas. — Ela é uma bela jovem.

— Diga a sua filha que eu a encontrarei apenas no altar — ele

murmurou sem se dar ao luxo de virar para trás. — Em duas

semanas. Tenho pressa.

Então partiu do bar.

Senhor Fontana saiu logo em seguida.


Por todo o caminho de casa, seu coração batia pesado. Ele

suspeitava que havia algo de muito errado com aquele homem.

Sentiu calafrios na espinha durante todo o tempo em que

estivera perto do forasteiro, como se a maldade transparecesse

dele. Apesar disso, rezava para que fosse apenas um engano. De

fato, precisava do dote que ele pagaria para honrar, pelo menos,

uma parte de suas dívidas — as mais urgentes. Com o tempo, o

genro concederia mais dinheiro, afinal, faria parte da família.

Quando chegou em casa, encontrou a esposa e Isabella na

sala, contando histórias para a pequena Teresa.

— Isabella, minha filha, arranjei um bom partido para você —

ele anunciou, tentando acreditar na própria mentira.

— Quem? — a filha sussurrou com o rosto tomado pelo

pânico. Ela sabia que não era o jovem Stefan, já que este ainda não

tinha pedido sua mão.


— Você não o conhece. Ele não reside na cidade, mora nas

redondezas, numa grande fazenda.

— Quem? — Isabella insistiu. Seu coração batia forte.

Um gelo mórbido penetrava seus poros.

— Quem é ele? Roggero, nos conte quem é esse bom

partido, assim vamos decidir juntos o destino da nossa filha.

— Não há o que decidir, Gisela — senhor Fontana respondeu

mal-humorado. Estava farto de pensar sobre o assunto. — Já

acertei tudo. Não interessa saber quem é. Ele me pagará bem.

— Você vendeu nossa filha? — A mãe sobressaltou,

incrédula, mesmo que, em sua consciência, já soubesse a resposta.

— Não a vendi. Foi uma mão de azar. Se eu ganhasse,

estaríamos ricos.
— O senhor me apostou? — Isabella não podia acreditar nas

palavras que saiam de sua boca. O gelo adentrava seu corpo,

caminhando para seu coração.

— O casamento acontecerá em duas semanas — o pai

respondeu exasperado. — Deveria se sentir honrada em salvar o

nome da família.

— Não irei me casar sabe lá com quem, tão rápido, sem

planejamento, como se tivesse sido desonrada, ainda mais no

outono!

Para Isabella não havia estação do ano mais deprimente: sem

o perfume das rosas, folhas secas caindo e sujando as ruas,

avisando que o inverno rigoroso estava se aproximando.

— Repita o que disse — o pai pediu com o olhar duro e a

frieza na voz.
— Roggero, por favor... — a mãe tentou implorar.

— Repita! — os nervos do chefe de família estavam no limite.

— Não vou me casar em duas semanas. O senhor não pode

me obrigar — a filha respondeu no momento de descontrole.

Roggero Fontana, já muito nervoso e com rosto avermelhado

pela raiva dos últimos acontecimentos, sem a menor tolerância,

levantou a mão e desferiu um forte tapa contra o rosto da filha.

Isabella foi jogada no chão pelo impacto do golpe. Com os olhos

nublados de lágrimas e o rosto perplexo pela violência sofrida, ouviu

a confirmação que mais temia:

— Você irá se casar e ponto final. Não quero ouvir mais

nenhuma reclamação sobre o assunto — o pai advertiu, dando a

conversa por encerrada.

Continue lendo aqui.


Nem todos os príncipes usam coroa:

Lucy Peter leva uma vida miserável, acostumada a ser

maltratada pelos tios, com quem foi obrigada a morar desde os

quatro anos de idade, após uma tragédia. Tudo muda quando sua

tia Esther arranja um novo emprego na fazenda da família Hansson,

onde vive Axel, o único rapaz da cidade de Agaton, no sul da


Suécia, capaz de chamar sua atenção. O problema é que nunca

trocaram um único olhar e, enquanto o rapaz bonito e inteligente

frequenta badaladas festas em que se apresenta como DJ, Lucy

vive no lado pobre da cidade, forçada a viver sob os constantes

maus-tratos do tio dominador. Será que Axel poderá salvá-la? Duas

realidades completamente opostas irão se misturar em um romance

proibido e inesquecível.

Encontro Perfeito
Ele saiu da pequena cidade de Agaton para fazer shows ao

redor do mundo, conquistando fama, dinheiro e fãs que pareciam

encontrá-lo aonde quer que ele fosse. Ela permaneceu na fazenda

e precisou enfrentar a gravidez sozinha. Não poderia abrir mão da

rotina com a formatura e o nascimento de um bebê tão próximos.

Como duas pessoas tão jovens, com objetivos e vidas tão diferentes

poderiam suportar o destino os afastando cada vez mais? Em

Encontro Perfeito, nós temos a chance de passar um dia especial

com Axel e Lucy, o casal que arrebatou nossos corações em Nem

todos os príncipes usam coroa.

Trilogia Irresistíveis
Desde os tempos mais antigos, os jogos de azar sempre

foram muito procurados pelos homens. Roggero Fontana era um

viciado em apostas, à beira da falência. Em uma de suas jogadas

habituais, desesperado, aposta a mão de sua própria filha, Isabella,

com John Smith, um misterioso forasteiro. Mas Roggero perde o

jogo e, consequentemente, sua filha. O casamento acontece de

forma rápida; John tem urgência em levar Isabella para sua isolada

fazenda. Lá, a jovem se depara com um segredo que vai mudar

para sempre suas vidas, e descobre que para ficar ao lado de John
precisará enfrentar todos os demônios do passado para, só então,

encontrarem o paraíso que sempre desejaram.

Duologia Paixão Proibida

Agatha Mendes, dona de um temperamento explosivo, foi mandada


para um colégio interno quando tinha onze anos, para que pudesse
aprender a se comportar. Cresceu sob supervisão das freiras,
saindo do colégio apenas para assistir às missas da paróquia.

George viveu em um orfanato, onde cresceu planejando se vingar


da família Mendes, responsável pela morte de sua mãe. Ele traçou o
plano perfeito para caçar os culpados.

Sete anos depois, Agatha é agora uma mulher deslumbrante, pode


finalmente voltar para casa, mas o destino acaba cruzando sua vida
com a de George, um homem charmoso e misterioso, que a envolve
numa aventura perigosa e cheia de segredos.
Ele poderia seguir com seu plano de vingança, caso se apaixonasse
por Agatha?

E como ela poderia se entregar ao homem que está caçando sua


família?
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