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2022

 
Copyright© Danny Veloso
 
PE (Recife)
 
Revisão: Luana Souza
 
Diagramação e Imagens: Canva – Ruby Designer
 

 
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É proibido o armazenamento e/ ou reprodução de quaisquer parte desta
obra, através de quaisquer meio (tangível ou intangível) sem o consentimento,
por escrito, da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na
lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal.  
 

 
Sinopse
Mia Wanell não era mulher de ficar calada, e não seria um riquinho
arrogante que mudaria isso.
 
Quando chegou a Nova York, ela só queria mudar de vida e se
concentrar no trabalho. Sendo a filha do meio de uma família de três irmãos,
vivia nas sombras deles, até que decidiu se mudar.
 
Conseguir a vaga em uma das maiores multinacionais do país foi muita
sorte. Bem... Era isso que ela pensava.
 
Aaron Jackson não gostava de ser contrariado ou desafiado, mas assim
que sua nova secretária pôs os pés no seu escritório, ele viu que tudo estava
perdido.
 
Ela era pequena, atrevida e muito intrometida. Ninguém nunca o tinha
desafiado como ela, nem já havia tido coragem de dizer o que pensava bem na
sua cara. E o que deveria ser repreendido, tornou-se o principal motivo para ele
a querer por perto, mesmo que a menina fosse uma funcionária — ou uma
virgem.
 
É errado desejar tanto algo que parece errado? Talvez. Mas Aaron não se
importava. O que ele queria era a jovem atrevida, e usaria tudo que estivesse ao
seu alcance para a ter para si.
 
PRÓLOGO
Mia Wanell
 
Meu corpo estava sensível. Senti sua barba ralar no meu pescoço, e sua
respiração quente me deixou ainda mais excitada. Suas enormes mãos se
prenderam na minha cintura e eu quase caí dura quando ele me forçou a olhar
para os casais do outro lado do vidro.
 
— O que está fazendo, Aaron? — Sussurrei, ofegante.
 
O nervosismo se transformou em desejo assim que senti algo estranho na
sua calça, que roçava na minha bunda.
 
— Isso é errado — complementei.
 
Apesar de querer ir embora, eu não conseguia ir, tanto por não ter forças,
quanto por sentir o desejo crescer dentro do meu ventre.
 
— Eu sempre quis sentir a sua pele — ele falou, ignorando tudo que eu
disse, e beijou o meu pescoço.
 
Eu podia notar que, a qualquer momento, perderia o juízo.
 
— O perfume que tanto gosto... E seu corpo pequeno se encaixando no
meu...
 
Mordi os lábios para abafar o gemido que teria saído assim que seus
dedos roçaram no tecido que cobria os meus seios.
 
— Você é meu chefe — argumentei.
 
— Aqui eu não sou. — Continuou a me provocar com sua boca e mãos.
— Eu queria poder esperar, mandar flores e a cortejar, mas não sou esse tipo de
homem. Meu desejo é jogar tudo para o ar e fazer o que bem entender, sem ao
menos ouvir da sua boca que aceita o nosso acordo.
 
Meu corpo idiota obedecia aos seus comandos. Girei-me para o olhar nos
olhos. Sim, ele veria o quanto eu desejava aquilo e o quanto queria ser dele. E
isso me amedrontava.
 
— Apenas diga “sim”.
 
— Eu não posso. — Dizer essa palavra me custaria um grande esforço.
 
— Você pode. Eu prometo que não se arrependerá.
 
Eu argumentaria mais se ele não tivesse me beijado. Aaron tomou minha
boca como sua propriedade e suas mãos apertaram as minhas coxas, trazendo o
meu corpo para mais perto do dele. Estávamos colados, ofegantes e, no
momento, eu só pensava em aproveitar isso. Meus dedos sentiram a maciez dos
seus cabelos escuros, que me deixava mais rendida.
 
Meu peito só faltou explodir quando senti seus dedos grossos adentrarem
a minha saia pouco a pouco, indo em direção ao ponto mais quente do meu
corpo. Desejei que ele continuasse, mas antes de mais nada, senti a necessidade
de pará-lo.
 
— Não, eu... não posso. Isso é errado. Nunca ninguém tocou em mim
desse jeito — as palavras saíram da minha boca quase que desesperadamente.
 
— O que disse? — Ele se afastou, olhando-me com o cenho franzido.
 
Aos poucos, minha respiração diminuiu. Senti o frio e minha cabeça
voltar ao lugar. Olhei para o meu chefe, que ainda esperava por uma resposta, e
notei meu rosto arder. Não tinha para onde eu ir, e não queria me constranger.
 
Pensei comigo mesma que se eu dissesse a verdade, talvez tudo isso
acabaria e que ele perderia o interesse em mim, por mais vergonhoso que fosse
confessar algo assim para o próprio chefe.
 
— Não sou como pensa. Eu nunca... fiquei com um homem. Nunca
passei dos beijos. Então, pare de me importunar — falei, usando a mínima raiva
por estar revelando isso a ele.
 
CAPÍTULO 1
MIA

Cheguei àquela cidade desejando mudar a minha vida. Eu, a segunda


filha de uma família de três irmãos, era a única que nunca tinha visto o brilho da
fama.
 
Quando meu pai morreu, eu tinha cinco anos e minha irmã mais nova
tinha acabado de nascer. Minha mãe teve que se virar, sendo mãe solteira,
trabalhando para cuidar dos filhos sem nenhuma ajuda, sem seguro e sem a
quem recorrer. Eu reconhecia seus esforços para nos tornar pessoas corretas, por
isso me sentia mal quando me pegava com remorso ou raiva dela.
 
Mas nossas vidas começaram a mudar quando Adam, meu irmão mais
velho, ganhou mais prestígio por ser um gênio. Logo cedo, os professores
notaram que ele tinha algo de especial, e com o tempo ele foi ganhando
notoriedade. Minha mãe se sentia orgulhosa de ter um filho assim, apesar de
tudo.
 
Eu também era orgulhosa dele. Adam sempre foi calmo e muito
amoroso. Como o irmão mais velho, costumava dizer que protegeria as mulheres
da família, e até então se sentia responsável por isso.
 
Eu amava o meu irmão, e essa era outra parte minha que eu mais odiava.
Assim que Adam cresceu e seu ensino foi adiantado, ele se tornou o garoto que
ganhava as competições de cálculo, robótica e tudo mais que lhe era dado.
 
Eu nunca fui realmente excelente nesse aspecto. Todos sempre diziam
que eu era a comum da família, a que ficava na média. E com toda a atenção
nele, sentia-me com inveja por não ser notada.
 
Lembrava-me muito bem das nossas idas aos ginásios. Era só por
diversão ou fazíamos atividades extracurriculares que nos distraíam da nossa
vida simples. Mas foi aí que Emily também ganhou os olhos das pessoas. Desde
muito pequena, ela era competitiva. Sempre que via algo, tentava, a todo custo,
ser boa naquilo. Ela era cinco anos mais nova que eu, e era eu quem cuidava
dela, quem a ensinava as coisas.
 
Contudo, chegou um momento em que me deixaram atrás das cortinas.
 
Emy se destacou por sua agilidade e graciosidade. Encantava a todos. E
logo chamou a atenção de uma treinadora que dizia que ela tinha talento. Minha
mãe, que mal podia colocar comida na mesa, passou a ter uma filha que poderia
ser uma ginasta e teve que ralar duro para pagar as aulas, a oportunidade. E o
pior era que Emy era tão pequena e inocente, que não via mal algum em pedir,
em implorar para mamãe dar o pouco que tínhamos para que ela fizesse o que
queria.
 
Eu admitia que minha irmã era boa, a melhor da atualidade na sua
modalidade. Entretanto, no início foi duro para a nossa família. E, novamente,
eu me sentia invisível. Sentia ciúme ou inveja. Para uma criança que só queria
ser normal, ter dois irmãos incríveis era uma tortura.
 
Pensar assim até me fazia parecer ingrata ou realmente invejosa, só que
eu não queria ser. Ou ainda ser. Só que me foi colocada uma pressão para ser tão
boa como eles. Algo que era inalcançável para mim. Eu era boa na escola e
jogava vôlei muito bem, porém nunca era suficiente. E as pessoas sempre
diziam: “Sendo irmã de quem é, você deveria ser melhor que isso. Como pode
ser tão comum? ”
 
Comum era tudo que eu queria ser, só que ninguém deixava, então fui
me enfiando em meu quarto, parando de ir às apresentações e tapando os
ouvidos quando algo assim acontecia.
 
Em um momento da minha vida, levantei-me da cama e disse a mim
mesma que não precisava ser excelente e que conseguiria conquistar os meus
objetivos sozinha, sem ter que dizer o meu sobrenome.
 
Eu amava a minha família, até mesmo Emily, que se tornou uma pessoa
mimada e egocêntrica, no entanto preferia ficar distante deles, usando a
invisibilidade que tanto me deram.
 
Aquele dia seria muito importante para mim. Quando busquei por um
emprego, sabia que não poderia ser na cidade em que nasci, Chicago, onde todos
conheciam o garoto prodígio que se formou cedo e trabalhava na NASA ou a
medalhista olímpica que nunca ficava longe dos pódios. Pensei em construir
minha carreira em um lugar que era considerado o berço das empresas e
empresários.
 
Nova York era uma cidade famosa pelos seus arranha-céus, bolsas de
valores e empresas comuns e multinacionais.
 
Ao passar pelo hall de entrada da AMP Corporation, levantei o nariz, pus
um sorriso no rosto e respirei fundo, pegando toda a confiança que podia ter.
 
Bem.... Ser confiante não era algo natural para mim. Sempre fui
rebaixada, cobrada, e quando não alcançava o objetivo, era punida com
questionamentos, olhares de reprovações e todo o resto. Por isso tive que me
esforçar o dobro para chegar até ali. Confiança? Isso era difícil.
 
Essa empresa era uma das mais famosas do mundo, era como uma base.
Aaron Jackson era um homem muito focado, reservado e importante. Dali, ele
comandava fábricas de carros, distribuidoras, indústrias alimentícias e muitas
outras. Ele era conhecido por querer dominar todos os ramos do capitalismo.
Alguns diziam que Aaron era ambicioso, contudo eu não tinha uma opinião
formada.
 
Quando busquei por uma vaga na empresa, não imaginei que ganharia a
de secretária do chefão. Pensei em começar de baixo, porém ele estava
procurando outra secretária com urgência, e a entrevistadora disse que meu
perfil batia com o que ele procurava.
 
Eu não gostava de me gabar, mas era muito bem formada, com honrarias,
e falava três idiomas, além de sempre buscar me aperfeiçoar em outros. Também
trabalhei com um homem muito importante em Chicago.
 
Admito que a influência da minha família contou para que eu fosse
contratada, porém fiz questão de provar que não precisava ser contratada por
influência, e sim por capacidade.
 
Eu não sabia se alguém dessa empresa estava ciente da minha história, só
que eu faria questão de enterrar tudo debaixo do tapete. Queria começar aquilo
sendo eu mesma, com minhas próprias vitórias.
 
— Você deve ser Mia Wanell. — A loira alta, vestida formalmente, mas
também sexy, aproximou-se de mim com um sorriso nos seus lábios pintados de
vermelho.
 
Eu olhei em volta. A maioria das mulheres ali era como ela: lindas, altas
e atraentes. Comparando-as a mim, eu era bem sem graça. Isso sem falar nas
roupas, que apesar de serem da empresa, eram bem provocantes, enquanto eu
havia colocado uma calça de alfaiataria escura, uma blusa solta de cor leve e um
par de saltos pretos. Eu não gostava de maquiagens pesadas, então optei por algo
mais neutro.
 
— Sou Sadie Parker. Vou levá-la até a sala presidencial.
 
— Obrigada — foi o que falei.
 
A mulher tomou a frente e eu a segui. Observando seus gestos e modos,
dava para ver o quanto ela era formal até mesmo andando.
 
Todos continuaram fazendo os seus trabalhos. Tudo era organizado ali e
havia muita gente indo de um lado a outro. Fiquei impressionada com o tamanho
do lugar. Tinha uma imensa escada, e subimos nela. Encontrei mais uma
vastidão de pessoas.
 
Pesquisei tudo antes de ir para lá, só que nada se comparou à realidade.
 
— O senhor Jackson já chegou? — Questionei, tendo que correr um
pouco para alcançar a mulher. — Não quero que comecemos com um atraso
meu.
 
— Não se preocupe, o senhor Jackson não costuma chegar antes das
nove. Ele odeia atraso, então, se estivesse nessa situação agora, não passaria
menos que dois minutos na sua frente — ela respondeu, sendo gentil e
simpática. — Ele é um homem exigente. Não sei se já lhe passaram as
informações.
 
— Informações? — Perguntei, confusa.
 
Ainda tive que dar dois passos a mais para seguirmos lado a lado. Era
difícil, já que as pernas dela eram quase duas das minhas.
 
— Aaron Jackson odeia ser chamado de Aaron no escritório. Para você,
é senhor
Jackson. E não o dê bom
dia, porque ele nunca está de bom humor.
Também não se atrase, pois ele vai te demitir assim que chegar. Seu café é forte,
sem açúcar, e ele tem uma lista de restaurantes favoritos. Eles já deixam uma
vaga reservada para ele, então só basta dizer que é para Aaron Jackson. E não
fale nada que não seja restritamente sobre trabalho, já que ele não gosta de
intimidade.
 
— Nossa! É muita coisa para lembrar — pensei em voz alta.
 
— Devo alertá-la de que é a sexta secretária em seis meses. Ninguém
passou do primeiro mês, e ele não é de ser gentil.
 
Eu não sabia se prestava atenção no caminho que fazíamos ou no que ela
falava. Ouvindo essas coisas, comecei a achar que Aaron era um homem difícil.
 
— Espero mesmo que você fique. Não posso fazer tudo ao mesmo tempo
e admito que não tenho paciência para lidar com o chefe. Sorria. Ele não vai
olhar no seu rosto, mas é sempre bom ser simpática.
 
Subimos mais uma escada, que dava em um espaço enorme, com chão de
mármore branco, portas de vidro, uma logo gigante da empresa e uma sala de
vidro que era muito bonita. Mais adiante estava a mesa, a qual pensei que seria a
minha. Olhando para Sadie e, depois, para o escritório, engoli em seco. Eu
ficaria bem em frente a ele. O chefe estaria me vendo o tempo todo, e só isso me
deixava toda suada.
 
— Falta dez minutos para as nove — falei ao olhar no pequeno relógio
no meu braço.
 
— Acredite, ele parece aqueles bonecos de relógio: é pontual sempre.
Assim que o ponteiro estiver no nove, ele passará pela porta olhando para
qualquer coisa que não seja você. Então, dê um tempo para que ele coloque as
coisas em ordem, depois bata na porta e entre. — Parecia que as regras nunca
acabavam. — Você chega antes dele e só sai quando ele não precisar mais dos
seus serviços. Se Jackson a mandar fazer algo fora da empresa, você faz sem
questionar. Faça tudo isso e terá um bom dia de trabalho.
 
— Certo, obrigada.
 
Minhas mãos suavam e meu coração estava quase saindo pela boca. Não
pensei que seria tão difícil, e ele nem havia chegado.
 
— Esses são os compromissos dele hoje. Você vai ganhar um aparelho
telefônico, pelo qual vai organizar os horários e tudo mais. Ele odeia não saber
das coisas, ainda mais sobre um compromisso importante, por isso a agenda dele
é sincronizada pelo celular. Se você se esquecer de colocar algo lá e chegar aqui
em cima da hora, dizendo sobre o compromisso, ele vai te matar.
 
— Ele é um homem do mal?
 
Ela finalmente olhou nos meus olhos e abriu um largo sorriso.
 
— Aaron Jackson é um dos homens mais arrogantes, rudes e
esquentados que você vai conhecer. — Jogou uma das mechas loiras para trás.
— Ah! Quase me esqueci de dizer: nunca, jamais, deixe-se ser seduzida por ele.
O que tem de rude, ele tem de sensual. Claro, o homem não precisa fazer muito
para que as mulheres caiam sobre o seu colo. O chefe tem um charme que te
seduz e o olhar de predador. Entretanto, não quer nada com suas funcionárias;
não gosta de misturar as coisas.
 
— Isso nunca vai acontecer — falei, nervosa, tentando disfarçar a minha
vergonha. — Eu sou uma pessoa focada. Nunca deixaria que essas coisas
acontecessem.
 
— Ainda bem.
 
Meu coração quase saiu pela boca quando vi um grandalhão com cara de
mau andando em nossa direção.
 
Sadie se virou, colocando as mãos para trás, e abriu um sorriso. Fiz o
mesmo, porém acho que falhei na execução quando o vi com mais clareza.
 
Aaron Jackson não aparecia muito na mídia. O pouco que eu tinha
encontrado dele foram matérias falando sobre seu império e de como ele havia
chegado tão longe tendo 40 anos. Não vi muitas fotos dele, e, talvez, por isso, eu
estivesse tão impressionada com sua aparência. Os cabelos lisos e pretos, muito
bem alinhados, a pele cor de oliva, os olhos misteriosos e de um tom mais claro
que os meus, que eram verdes, a barba bem-feita e os traços fortes e tão
perfeitos, que me deixaram de boca aberta.
 
Quando eu imaginava um empresário rico no nível do senhor Jackson,
pensava nele sendo como os outros, não um deus grego com ombros largos e
pinta de safado. Eu podia reconhecer um mulherengo de longe, e esse era um
daqueles que tem uma fila enorme de mulheres atrás dele.
 
Sadie tinha razão: ele nem percebeu nossa presença. Entrou na sala e pôs
a pasta sobre a mesa como se estivesse sozinho.
 
— Pensei que ele fosse...
 
— Eu disse. Tenha cuidado. Aaron não é um homem comum, não tem
pinta de velho e, apesar da arrogância dele, você pode confundir as coisas —
Sadie sussurrou.
 
— Seria antiprofissional fazer isso.
 
— O que não impede de acontecer.
 
Não consegui parar de olhá-lo. Tentei tirar isso da cabeça e me
concentrar no meu trabalho, pois eu era a secretária e meu serviço ali era outro,
não admirar a beleza do chefe.
 
— Bem... Já vou indo. Você pode dar conta disso.
 
Arregalei os olhos depois que Sadie falou que me deixaria ali. Eu quis
implorar para que ela não me deixasse sozinha, entretanto seria inútil. Aquele
trabalho era meu, não dela.
 
— Certo — concordei, assustada.
 
— Boa sorte.
 
Eu lhe assisti indo embora e me perguntei se realmente daria conta de
tudo depois do que ela falou. Estava com medo de dizer qualquer coisa para
aquele homem.
 
Então me lembrei de que não era mais uma menina tímida e que não
poderia ter medo. Ele era o meu patrão e, em algum momento, eu teria que o
enfrentar.
 
Peguei o bloco com as informações do dia e as decorei. Sabia que não
daria para ficar lendo-o, já que homens como Aaron odiavam pessoas que não
sabiam o que estavam fazendo. E como era o meu primeiro dia, eu não iria
estragar tudo.
 
Respirei fundo e andei até a sala. Dei pequenas batidas na porta, e sem
levantar o olhar para mim, ele respondeu.
 
— Entre — sua voz foi firme e rouca; estremeceu o meu corpo e me
acendeu um alerta.
 
Como sempre, tive que me esforçar ao máximo para chegar até ali.
Nunca tive a chance de ser uma adolescente comum. Namorados eram para as
meninas que tinham uma família normal. Eu tive que me enfiar no quarto,
estudar e arranjar um emprego de meio período para comprar o que eu queria e
ajudar em casa, então nunca tive isso em minha vida.
 
Também não sou puritana. Mesmo que nunca tivesse tido um homem
com interesses românticos em mim, sentia atração, como todo mundo. Só que
dessa vez era diferente. Ele não era um colega de classe ou um carinha da
faculdade, Aaron Jackson era meu chefe, um cara mais velho. Eu não podia
estremecer só com sua voz.
 
— Eu...
 
— Novata. — Ele soltou os papéis, encostou-se na cadeira e me encarou
friamente. Senti minha barriga embrulhar. — Antes de mais nada, devemos
deixar algumas coisas claras aqui.
 
— Sadie já me informou sobre...
 
— Acredito que sim — novamente, interrompeu-me.
 
Meu nervosismo aumentava a cada minuto. O senhor Jackson me
encarou sem dizer uma palavra. Seu olhar era tão intimidador, que calava a
minha voz.
 
— Você está aqui para me servir. Você fala quando eu perguntar, faz o
que eu mandar, não se atrasa, chega antes de mim e sai depois que eu sair. Se eu
tiver que viajar, irá comigo. Caso seja necessário, esteja sempre disponível. Não
me importo se tem um problema pessoal para resolver; faça isso quando eu não
precisar de você.
 
— Ótimo. Mais regras. — Nem percebi que estava falando, e não
pensando, só quando o olhar dele ficou mais furioso.
 
— O que disse? — Semicerrou os olhos.
 
— Nada de importante. — Ri de nervoso. — Mas alguma coisa?
 
O homem de írises claras me olhou dos pés à cabeça, fazendo eu me
arrepiar por inteiro. O sorriso no canto da sua boca me confundiu.
 
— Vamos ver quanto tempo vai durar aqui — finalmente disse alguma
coisa. — Deixe minha agenda e saia da minha frente antes que eu a demita antes
do meio-dia.
 
CAPÍTULO 2
Meu terceiro dia no trabalho não estava indo como o esperado. Acordei
atrasada e tive que escolher entre tomar um café para despertar e ficar de bom
humor ou me arrumar. Então, fiz a escolha óbvia, porque eu poderia tomar um
café no caminho, mas não poderia chegar ao trabalho atrasada e desajeitada.
 
Faltava dez minutos para as nove horas e eu ainda estava passando pelo
hall de entrada. As pessoas circulavam normalmente pelo lugar e eu estava
quase correndo.
 
Sempre me orgulhei de trabalhar duro e não reclamar dos meus pés
doloridos, só que com aquele homem o negócio era outro. Eu poderia apostar
que ele fazia aquilo de propósito, só para ver eu me desdobrar inteira. Ou era um
teste para ele ver até onde eu aguentaria. Se fosse o caso, ele quebraria a cara,
pois nunca fui de desistir. Nem mesmo com meu novo chefe parecendo mais um
ditador do que um empresário focado.
 
Dei graças a Deus por faltar dois minutos para a sua chegada depois que
pus os pés no seu escritório. Só tive tempo de colocar as coisas em cima da
mesa, junto com alguns papéis que fui buscar e havia separado no dia anterior,
antes de sair da empresa, e então já ouvi seus passos atrás de mim.
 
Eu esperava que minhas roupas não estivessem tão amassadas, ou isso
seria mais um ponto para ele criticar.
 
Admito que o chefe tinha uma espécie de magnetismo fora do comum.
Eu já havia me sentido atraída por homens aleatórios que eram super gatos, mas
Jackson não era só um homem bonito, exalava masculinidade, tinha um olhar
misterioso e me olhava de um jeito que me fazia pensar que ele tinha um
interesse fora das normas por mim. Porém, era só eu me lembrar de onde
estávamos e quem ele era, para essa magia acabar. Sem falar que o cara era um
arrogante, que não tirava férias.
 
Eu sempre pisava em ovos com ele e só estava naquele cargo há três
dias.
 
Aaron andou até sua mesa sem dizer uma palavra. Minha teoria era de
que ele não queria notar a minha existência ou de mais ninguém quando acabava
de chegar à empresa. Talvez fosse louco ou muito esnobe.
 
Afastei-me para sair e fui, imediatamente, interrompida.
 
— O que tem de errado com o seu guarda-roupa? — foi o que ele
perguntou, fazendo-me olhar para o que eu estava vestindo e procurar algum
defeito. Mas não tinha nenhum.
 
— Hã? Não entendo. O que tem o meu guarda-roupa?
 
Meu questionamento pareceu ser um absurdo para ele, que se deu ao
trabalho de me encarar com firmeza. Eu me senti como se estivesse prestes a
levar uma bronca. Jackson me olhou dos pés à cabeça, causando em mim aquela
sensação odiosa de estar nervosa e ser desejada. Poderia ser só coisa da minha
mente, porque ele era um homem rico, bem mais velho que eu e tinha milhares
de mulheres ao seu redor. Contudo, isso não significava que eu não me sentisse
atraída por ele. Ainda mais eu sendo tão inexperiente.
 
Não sei se o pior seria fazer o ato ou imaginar várias ocasiões e formas
de fazer.
 
— Pensei que suas vestimentas fossem à altura do cargo, mas hoje é o
seu terceiro dia e está... claro para mim que não são. — A frieza e
insensibilidade que ele usou para falar isso me deixou irritada.
 
Eu tinha um defeito — ou qualidade — que vinha para o bem e, às
vezes, para o mal: minha língua não era presa como deveria ser. Aprendi a não
esconder o que sentia ou o que pensava, e em muitas ocasiões nem percebia o
que estava falando. Meus familiares diziam que existia um quinto membro da
família dentro da minha boca.
 
— Desculpe, senhor, mas minhas roupas não devem ser da sua conta. —
Cruzei os braços. — Não estou desarrumada nem vulgar, então...
 
Meu patrão mudou instantaneamente a forma como me encarava. Ele
cerrou os olhos e eu pude ver que não tinha gostado nem um pouco da minha
resposta.
 
— Permita-me lhe lembrar de que está falando com o seu chefe. E sim,
quando estiver nessa empresa, no horário de trabalho, sua vestimenta e modos
são da minha conta. — Ele deu passos em minha direção, fazendo-me desejar
voltar dois minutos no tempo, e eu tive que engolir em seco. — Deve tomar
cuidado em como fala comigo, ou posso mandá-la embora em dois minutos.
 
— Certo. O senhor é o chefe, mas não significa que pode me rebaixar ou
me criticar.
 
Eu queria me bater por não conseguir me controlar. Geralmente, eu era
uma boa pessoa, obediente e sabia o meu lugar, porém não poderia deixar que
esse homem usasse de sua posição para me menosprezar. — Perdoe-me se
estou...
 
— Você está. E quando eu falo, não pode me responder — ele retrucou,
quase furioso, encarando a minha boca. Quase achei que estivesse me
provocando ao me olhar dessa forma. — Tem a língua solta — acusou-me. —
Nos últimos dois dias não demonstrou essa rebeldia.
 
— Não sou rebelde, sou justa. Vai me demitir por isso?
 
— Já fiz isso por muito menos.
 
Ele estava a poucos passos de mim. Eu odiava ter que levantar a cabeça
para o encarar, portanto pensava que ele fazia isso de propósito só para me
provocar.
 
— Deseja mais alguma coisa, senhor? — Não abaixei a cabeça, o que só
me colocaria em uma má situação.
 
Eu tinha que permanecer naquele cargo. Era a minha chance ali em Nova
York. Nunca pensei que já chegaria me sentando ao lado da cadeira presidencial
de alguma empresa, e acreditava que poderia estar arriscando o meu trabalho.
 
— Volte ao trabalho, faça-o calada e nunca mais me responda dessa
forma.
 
Passei alguns segundos presa ao seu olhar e tive que piscar algumas
vezes para sair da sua hipnose.
 
— Devo lhe comunicar que não será a última vez. — Ele achou que eu
estava desafiando-o, pelo que pude ver em seus olhos. E para o bem da minha
permanência ali, eu deveria explicar o meu lado. — Não é insubordinação, é que
às vezes faço isso sem perceber.
 
— Então está me dando motivos para a demitir — ameaçou-me, falando
entre dentes.
 
— Não pode me demitir. Ainda nem viu do que sou capaz. — Ri de
nervoso.
 
— Você já deixou claro do que é capaz, Mia. É capaz de me provocar e
me enlouquecer. Não permito que nenhum funcionário meu me responda desse
jeito, seja no meu escritório ou na presença de qualquer outra pessoa.
 
Ele estava certo. Eu era uma secretária.
 
Sabia que esse era o início de uma batalha de farpas. Eu era desse jeito e
nem sempre poderia segurar a minha língua.
 
— O senhor está certo — concordei, sentindo-me mal. — Prometo não
fazer isso na frente de ninguém. Vou segurar a minha língua. Mas não garanto
que vou ter sucesso quando estivermos a sós. — Não sei o que deu em mim, mas
ri da cara de mau que ele fez, deixando-o confuso. — Desculpa. É que... faço
isso quando estou nervosa.
 
Creio que rir na sua cara foi pior do que o ter respondido.
 
— Saia da minha sala e cuide do seu trabalho antes que eu esqueça das
leis e a tire do meu escritório.
 
— Sim, senhor.
 
Eu ainda tentava parar de rir. Estava quase me batendo por esse
descontrole.
 
— E nunca mais apareça aqui vestindo esses trapos — ele falou com
muita raiva, mas não gritou. Fiquei surpresa com o seu autocontrole.
 
Parei no meio do caminho, pensando no que ele disse.
 
— Não uso trapos, essas roupas são...
 
— Um lixo — completou.
 
Novamente, senti minha língua coçar. Pensei muito se o responderia ou
não e tive que a morder.
 
— Pode parecer com uma senhora de cinquenta anos fora da minha
empresa, mas enquanto estiver aqui, deve ser elegante e demonstrar finesse.
Você me representa, é como uma extensão minha. E quando estivermos em
reuniões, em jantares de negócios e viagens, deve estar à minha altura, então
arranje roupas mais dignas de uma secretária executiva.
 
— Mas o senhor esquece que sou sua secretária. Meu salário não paga as
roupas que exige. — Cruzei os braços.
 
Eu estava no cargo há três dias e, apesar do salário ser bom, ainda não
tinha muito dinheiro para sair gastando com roupas de grife.
 
— O que quer que eu faça? Que jogue tudo fora e assalte uma loja? Me
desculpe por ser tão... feia. Deveria contratar alguém como a Sadie. Ela é fina e
se veste adequadamente.
 
— Acredite, eu quero muito demitir você agora.
 
— Por que não consegue ser um pouco mais educado?
 
Ok, eu estava cutucando a onça com vara curta. Até eu sabia que tinha
saído dos meus limites.
 
Ele pegou o telefone sobre a sua mesa e discou algum número. Meu
sangue gelou, porque achei que fosse uma ligação ao RH para me demitirem.
 
— Sadie, venha à minha sala neste exato momento, antes que eu jogue a
novata pela janela — ele disse, furioso, e depois bateu o aparelho, desligando-o.
 
— Espera. Vai me demitir mesmo? — Voltei à sua frente, sentindo uma
raiva imensa de mim. — Não vou mais respondê-lo, vou ficar calada, e prometo
trabalhar em dobro. Será péssimo se...
 
— Cale-se. — Eu engoli em seco e o Senhor Jackson me encarou
profundamente. Senti que cometi um erro ao chegar tão perto dele. — Não
brinquei quando a mandei queimar tudo que veste agora. Eu poderia arrancar
essas peças do seu corpo só por odiar olhá-las em você.
 
— Não vai me demitir? — Franzi o cenho.
 
— Tome cuidado. Não costumo ser bonzinho ou perdoar. — Ele se deu
ao trabalho de se curvar e me olhar nos olhos, bem de perto. — Na próxima vez,
eu mesmo a coloco para fora desta empresa.
 
CAPÍTULO 3
Eu estava tão irritada, que poderia matar aquele homem. Como ele pôde
falar aquelas coisas sobre mim? Como não sentia o peso das próprias palavras?
 
Eu não era a mais bonita, a mais alta, nem a mais sensual. Diria que
estava na média. Não fui contratada para agradar visivelmente ao meu chefe,
mas parece que isso importava para ele. Portanto, Aaron me forçou a ir até
àquela loja.
 
Nunca fui tão humilhada. Não só por suas palavras, mas pelas atitudes.
Ele simplesmente nos fez sair no horário de trabalho só para comprar roupas.
Esse é um tipo de humilhação pelo qual eu nunca tinha passado antes.
 
Comentários maldosos da minha irmã já me deixavam para baixo há
muito tempo. Ela, diferentemente de mim, tinha tudo que queria: usava roupas
da moda e era perfeita com seu corpo magro e em forma. Porém, eu nunca fui de
me importar com essa parte. Desde muito cedo focava nos meus objetivos e não
tinha tempo de adquirir um gosto pessoal por algo tão banal.
 
Sim, eu sabia que para estar ao lado de Aaron Jackson não poderia usar
qualquer coisa. Geralmente, eu gostava de moletons, calças largas e blusas finas
e macias, só que, para o trabalho, pensei que o traje formal iria agradar a todos.
Grande engano o meu. Ele queria que eu me tonasse uma de suas milhares de
funcionárias de cintura fina, cabelos loiros e ondulados e roupas justas e
provocantes. No entanto, eu não me achava bonita o suficiente para ser tão
corajosa de usar esse tipo de roupa.
 
— Deveria tê-lo visto falar. Parecia que eu estava de pijama, e não com
roupas de alfaiataria comportadas — resmunguei, sem querer saber se parecia
uma criança ou se reclamava de boca cheia, já que não seria o meu cartão de
crédito a ser cobrado no final. — Foi humilhante. Parece que esse homem não
foi ensinado a ter bons modos.
 
—  O chefe é assim mesmo. Se tivesse lido as legras minúsculas no seu
contrato antes de assiná-lo, teria visto as objeções dele em relação ao vestuário
— Sadie comentou.
 
Ela era uma boa pessoa. Poderia considerá-la uma amiga. Pacientemente,
foi comigo àquela loja cara. Óbvio que a mando de Jackson.
 
— Isso não está no contrato — eu a contrariei, surpresa. — Não pode ter.
 
— Tem sim, é bem sutil. E acredite, deve se adequar ao que ele quer.
Pelo menos durante o horário de trabalho. Ele tem um temperamento forte e não
se importa de dizer tudo que pensa na sua cara.
 
— É, eu percebi — comentei, pensativa. — Isso não é errado de alguma
forma?
 
— Não sei. Ele não te obriga a nada, mas também não vai te dar muitas
oportunidades de negar. Pode até demitir você se recusar algo e não se importar
se vai levar um processo por isso.
 
Isso ficava pior a cada minuto.
 
— Idiota! — sussurrei. E ela ouviu, pois riu do meu comentário. — Não
precisa exagerar. Pode ser algo simples, mas que ele vá aceitar — pedi. — Não
sei como vim parar nessa situação — lamentei. — Era a minha oportunidade de
brilhar. Pensei que fosse um emprego com o qual sempre sonhei, mas...
 
— Esse é o efeito Aaron Jackson. — Sadie se vira e estende uma peça de
roupa em minha frente, medindo-a só com o olhar. Devia fazer isso sempre.
 
— Efeito Aaron Jackson?
 
— É — confirmou e abriu um grande sorriso, crendo eu que aprovando a
sua escolha. — O cargo é ótimo, o salário também, e chegar logo de cara na
presidência da empresa... Isso sim é sorte. Mas, por fim, você descobre que tudo
não passa de uma ilusão. O chefe é exigente, tem muitas normas e fala o que
pensa de você sem se importar com seus sentimentos. Você não foi a única.
Esses são os efeitos que esse homem causa: felicidade e desilusão.
 
O sorriso largo dela caiu no mesmo instante em que levantou o olhar por
cima dos meus ombros. Com os olhos arregalados, voltou a procurar peças.
 
Virei-me para saber quem havia chegado e tive uma enorme decepção.
Aaron andava até nós, prestando atenção no seu aparelho telefônico. As
mulheres que estavam na loja quase babavam por ele. As malucas nem sabiam
como ele era arrogante e egocêntrico.
 
— Qual o porquê de tanta demora? — ele questionou ao nos olhar, com
o cenho franzido, por alguns instantes. — Tenho afazeres e preciso de você.
 
— Eu não estaria passando por isso se não tivesse me obrigado a vir até
aqui. — Cruzei os braços.
 
Ele levantou uma das sobrancelhas e me encarou como se fosse me
sufocar com suas mãos. Percebi que eu tinha feito aquilo de novo. Até que era
engraçado, mas não poderia perder o emprego.
 
— É para eu estar chateada, não você.
 
— O que falei sobre me responder desse jeito?
 
— Não estamos na situação na qual devo calar a minha boca —
justifiquei. — E não sei por que o senhor está aqui. Quer presenciar ainda mais a
minha humilhação?
 
— Deveria me agradecer por fazer esse favor a você. — Ele poderia
estar bravejando agora, e eu sentia que queria, só que não faria isso na frente
daquelas mulheres. — Posso poupá-la do trabalho se achar melhor ser demitida.
 
— Certo. Mas depois disso, não poderá reclamar de mais nada em mim
— propus.
 
— Isso é só o começo, e acho que você ainda vai perder essa sua língua
se não parar de me responder desse jeito.
 
Eu poderia matá-lo naquele mesmo instante. Ele estava perto o suficiente
de mim para isso. Mas me contive. Teria que colocar na cabeça que Aaron
Jackson era meu chefe e que tinha plenos poderes sobre o meu cargo. Então, por
que não parar de provocá-lo?
 
— Mia, vamos ao provador. — Sadie me puxou pelo braço e deixamos o
chefe para trás. Depois de entrar na cabine, ela me olhou, quase me dando uma
bronca. — Você ficou louca?
 
— O quê? — eu me fiz de desentendida. — Ele merece ser respondido à
altura.
 
— Ele é o chefe. O Aaron Jackson. Não sei nem o que estamos fazendo
aqui. Pelo que sei do chefão, ele demitiu as outras por muito menos — alertou-
me. — Então, pare de falar desse jeito com ele, ou vai acabar na rua.
 
— É que não dá — justifiquei, com raiva de mim mesma. — Costumo
responder às pessoas sem pensar antes. Não era assim até ontem. Ele me
ignorava. Mas hoje tudo mudou, e quando ele me provoca, eu dou o troco.
 
— Não pensa que ele está sendo bonzinho demais com você?
 
— Bonzinho? — Quase ri, em deboche. — Você viu como ele falou
comigo? O que estamos fazendo aqui? Isso é ser bonzinho?
 
— Para Aaron Jackson, isso é normal — ela sussurrou com braveza. Era
engraçado ver seu rosto pegar fogo quando estava chateada.
 
— Ele me advertiu, só que não seguro a língua quando ele é...
 
— O que estão fazendo nesse provador há tanto tempo? — a voz grave
dele soou do outro lado e eu revirei os olhos. Esse homem era um perseguidor.
— Já falei que temos que ser rápidos.
 
— Se não quiser, posso não provar nada e saímos agora mesmo, senhor
— debochei, e então olhei para Sadie, que não estava nada feliz. — Ok, não vou
fazer mais isso — sussurrei para que ele não me ouvisse. — Ficarei muda.
 
— Ótimo.
 
— Saia do provador. Esqueceu que tenho que aprovar a vestimenta?
 
Encarei a minha colega como se quisesse perguntar se isso era uma piada
ou um delírio dele, porém ela só deu de ombros. Depois abriu o zíper da roupa
enquanto eu tirava as que estava vestindo. Entrei no vestido de cor clara,
querendo morrer.
 
Na minha cabeça, eu só me perguntava como eu podia estar aguentando
passar por essa situação e por que eu não deixava aquele babaca de lado para
procurar outro emprego. Só que no fundo da minha mente existia uma voz
dizendo que eu não tinha tentado de tudo e que não me perdoaria se desistisse
tão fácil.
 
Fui para aquela cidade para crescer e conseguir o que sempre quis:
trabalhar com grandes empresários e mostrar o meu valor. E não seria Jackson
que me faria desistir disso.
 
Depois de arrumar os cabelos e a roupa que estava vestindo, saí do
provador, querendo me enfiar em um buraco. Botei um sorriso no rosto, que não
era nada verdadeiro.
 
Ele estava sentado, bem confortável em um sofá branco em frente à
cabine.
 
Eu estava me cobrando muito, já que prometi ficar de boca fechada. Isso,
sim, era um desafio.
 
Aaron me olhou dos pés à cabeça, e, dessa vez, com mais intensidade,
causando-me uma vergonha bem maior. Eu nunca havia me vestido daquele
jeito. Olhei-me no grande espelho ao meu lado e enxerguei uma outra pessoa.
Até que eu tinha curvas. Senti-me uma idiota se preparando para um show de
circo.
 
— Melhor assim, chefe?
 
Odiei ver o sorriso de orgulho em seu rosto. Ele me venceu nessa, e,
pensando bem, eu sabia que teria que me submeter a ele muitas outras vezes
para permanecer naquele cargo.
 
— Viu? Não foi tão difícil. — Senti que iria ficar com mais raiva dele.
— Quando as pessoas me procurarem, elas vão ter que passar por você, e quero
que a recepção inicial seja agradável. Você até tem uma beleza debaixo daquelas
roupas de velha.
 
— Não são de velha, eu gosto do estilo simples e...
 
— Cafona — ele completou ao seu gosto. — Usando-as, parece até que é
uma virgem de trinta anos.
 
— Tenho vinte e sete. — Cerrei os olhos e cruzei os braços, com raiva.
 
— Discordou da idade, e não da posição de virgem. O que isso quer
dizer?
 
Senti meu rosto arder e minhas mãos suarem. Isso não era nada demais e
não me incomodava, porém algo no seu olhar não me agradava.
 
— Não quer dizer nada — neguei, batendo os pés. — Além do mais,
minha vida não é da sua conta.
 
Sadie pigarreou atrás de mim e eu revirei os olhos por saber o que isso
significava.
 
— Podemos ir agora? — O sorriso que exibi não foi de felicidade.
 
— Sadie se encarregará de terminar por aqui, já que sabe qual é o molde.
Quero peças suficientes para que nunca mais ela tenha que usar aqueles trapos.
 
— Espera...
 
— Vamos. Pode usar isso hoje — ele falou sem ao menos me ouvir,
levantou-se e saiu.
 
Olhei para a minha colega. Nem ela estava acreditando no que tinha
acabado de escutar.
 
— Acho melhor você ir. Mando entregar tudo no seu endereço.
 
CAPÍTULO 4
O dia foi exaustivo, mesmo não tendo um trabalho braçal. Suportar
Aaron Jackson não era para qualquer um. Eu só estava nisso há três dias, mas
parecia semanas. E nem dava para eu reclamar, ou ele me botaria para fora da
empresa.
 
Eu não era de desistir e nunca fazia corpo mole. Na verdade, sempre tive
que me virar. Minha mãe se dobrava para trabalhar e estar presente na escola e
nas competições, enquanto eu tinha que cuidar de mim mesma. Eu tinha orgulho
de nunca ter dado muito trabalho. Ela já tinha uma vida corrida, por isso eu fazia
de tudo para não ser mais uma na sua lista de afazeres.
 
— Vamos. Temos que conversar — disse Sadie, que saiu rebolando na
minha frente.
 
Fiquei parada, tentando entendê-la, então ela parou, olhou para trás e
franziu o cenho.
 
— Vamos. Tem um pub aqui perto. Podemos beber e conversar lá —
explicou.
 
Finalmente andei para fora do prédio, passando pela porta giratória de
vidro. Sadie e eu não éramos amigas, pois ainda era muito cedo para isso, porém
ela era legal e sempre me dizia o que fazer para não ser demitida, apesar de
muitas vezes eu estragar as coisas sem pensar.
 
A loira segurava no braço uma bolsa chique que, comparada à minha,
parecia de grife. Eu não sabia se todas as funcionárias ganhavam roupas do
chefe, mas não achava que o salário de uma recepcionista dava para comprar
roupas e acessórios tão caros.
 
Seu silêncio me incomodou. Eu não gostava do clima silencioso, pois me
deixava desconfortável. Era por isso que me consideravam tagarela.
 
— Você trabalha aqui há muito tempo? — puxei assunto. — Sabe mais
alguma coisa sobre o senhor Jackson? Porque é estranho ele se importar com as
roupas que suas funcionárias usam. Ele faz isso sempre?
 
— Esse é o problema: ele não faz — ela respondeu, dando uma breve
olhada em mim. Sua sobrancelha levantada me dizia que ela estava tão surpresa
quanto eu. — Trabalho aqui há cinco anos. Foi difícil não perceber que aquele
homem é um dos piores chefes que alguém pode ter.
 
Chegamos em frente a um pub com vidros dos dois lados, que deixava
quem estava de fora ver quem estava dentro. Ela empurrou a porta e entramos. O
lugar estava barulhento, e só depois de entrar, que se via que o espaço era maior
do que demonstrava. Havia pessoas no balcão, sentadas em bancos de madeira, e
outras estavam às mesas.
 
Sadie deu um sinal com a mão para um dos atendentes e seguiu em
frente. Sentamos a uma mesa no fundo, e logo o homem trouxe dois copos de
cerveja.
 
— O que você tem de especial? — ela prosseguiu depois que ficamos a
sós.
 
A loira me fitou com olhos cerrados, parecendo procurar alguma coisa.
 
— Como assim? — Franzi o cenho.
 
— Você o desafiou hoje. Pensei que ele demitiria você na mesma hora.
Quero dizer, antes mesmo de irmos àquela loja. — Deu um gole bem generoso
na bebida e me encarou outra vez. — Aaron Jackson não vai a lojas e libera seu
cartão de crédito para comprar roupas que não sejam para a sua namorada.
 
— Ele tem namorada? — foi a única coisa à qual me prendi. — Alguém
o suporta a esse ponto?
 
Ela riu e levou uma das mãos para tapar a sua boca.
 
— Eles são iguais, então um suporta o outro. Mas ainda é um mistério
esse lado paciente dele com você. Não passaria do primeiro dia se ele visse que
não valeria a pena e não estaria no fim do dia tomando um chope comigo depois
do que fez mais cedo. Esse homem não é bonzinho, então fica a pergunta: por
que não a demitiu ainda?
 
— Se acha o que falei mais cedo um absurdo, é porque você não viu
antes de chegarmos ali. — Bebi um gole da cerveja. — Ele me tratou super mal
e eu não fiquei de boca fechada. Esse é o meu mal: não calo a boca quando
alguém me provoca.
 
— Isso só piora as coisas — ela disse, chamando a minha atenção. —
Seis meses. Seis secretárias demitidas em seis meses. Elas não passaram do
primeiro mês com ele. Achei que eu ficaria naquele cargo e seria a próxima a ser
demitida. E nenhuma delas o respondeu daquele jeito.
 
— O que elas fizeram para ser demitidas?
 
— Chegaram atrasadas, com roupas amassadas, esqueceram como ele
gosta do café, se ofereceram, exibindo os seios para ele... Teve uma que ele não
gostou da voz e outra que esqueceu de colocar na agenda dele uma reunião
importante, deixando todos ficarem na sala o esperando. Mas ele não apareceu.
E quando descobriu isso, não falou muita coisa, só a mostrou a saída e disse para
ela nunca mais passar perto dele.
 
— Esse homem é bem cruel. Acho que ainda não cometi um erro tão
grave para ele me demitir, não é?
 
— Acho que você está testando a sua sorte.
 
— Eu não deveria ter aceitado aquelas roupas. E se ele me acusar de
roubo ou...?
 
— Não acho que ele iria tão longe, mas é muito estranho tudo isso.
 
Minha cabeça não parava de pensar em possibilidades, de imaginar o que
viria a seguir ou se Aaron estava me testando. Não entrei nessa para sentir medo
do meu chefe, porém havia acabado de me estabelecer em Nova York e
precisava do dinheiro para o aluguel e para pagar a minha dívida universitária.
Não poderia estragar tudo.
 
— Então, ainda pode acontecer? — questionei, preocupada. — Disse que
elas não passaram do primeiro mês.
 
— É. E você já começou chutando o pau da barraca. Deve tomar cuidado
se quiser continuar. Aguente o que for e, talvez, ele esqueça. Quando pegar o
jeito, vai saber lidar com o chefe.
 
— Você está certa. Isso pode ser um teste, e eu estou indo mal. — Não
irei dar a oportunidade de ele me demitir por justa causa. — Vou tentar segurar a
minha língua. Não posso provocar o chefe ou dizer verdades na sua cara, como
gostaria de fazer.
 
— Admito que tem coragem. — Ela pôs sua mão sobre a minha e me
olhou com carinho. — Gostei de você, e por isso a trouxe aqui para
conversarmos. Não quero que ele a demita.
 
— Também não quero. — Dei um breve sorriso.
 
Terminei com o meu copo de cerveja e me preparei para ir embora. Ela
ainda insistiu para que eu ficasse, no entanto eu tinha que arrumar as coisas que
haviam entregado no meu apartamento. Também estava com os pés cansados, e
minha cabeça começava a dar indícios de que iria doer.
 
Saí do pub e logo peguei um táxi. Depois que me sentei no banco de trás
do veículo, não parei de pensar no que Sadie tinha dito. Até ela achava estranho
tudo aquilo. Três dias ao lado daquele homem e eu já estava confusa e mexida.
 
Lembrar-me dele me deixava fora de mim. O olhar misterioso, o sorriso
pervertido... Aaron Jackson era o meu mais novo problema que não tinha
solução.
 
Cheguei à conclusão de que eu deveria fazer o meu trabalho, calar a
minha boca e fingir que era só uma ajudante para o patrão. Faria o que ele me
mandasse e sairia da sua frente antes que percebesse a minha presença.
 
***
 
Meu dia começou bem cedo. Coloquei o alarme para que eu não me
atrasasse novamente, vesti um dos muitos vestidos que veio nas sacolas e saí de
casa sem nada fora do lugar.
 
Ao chegar à AMP, peguei os documentos que seriam a pauta da reunião
do dia e os organizei na minha mesa.
 
Senti um frio tomar o meu corpo e um desconforto na nuca. Com os
papéis na mão, eu me virei e encontrei o olhar de águia do meu chefe me
encarando. Ele não parecia estar de mau humor, e isso me deixou feliz. Lembrei-
me da promessa que fiz: não falaria nada que não fosse importante.
 
Ele odiava bom
dia, mas eu sentia necessidade de dizer isso pelo menos
para quebrar o clima estranho que existia entre nós.
 
Sem dizer uma palavra, Aaron passou para o seu escritório e colocou
seus pertences sobre a mesa. Entrei novamente no lugar para falar com ele.
 
— Deseja alguma coisa? Um café? — perguntei educadamente, sem
fazer muito contato visual com ele.
 
O senhor Jackson voltou a me encarar. Eu quis perguntar o porquê de
tanto mistério, porém não fiz isso.
 
— Um café seria bom.
 
Saí imediatamente da sala para buscar o que ele me pediu. Nos primeiros
dias não me senti acuada como naquele momento. Trabalhar ao lado dele era
estranho, e eu não sabia se era melhor ele me provocando ou me encarando
enquanto eu deixava tudo que poderia dizer na cabeça.
 
Assim que peguei a xícara, repeti várias vezes para mim mesma sobre
como ele gostava do café, para não errar. Ter medo não é saudável, ainda mais
sendo do próprio chefe.
 
Voltei à sua sala e coloquei sobre a mesa a xícara. Ele me encarou e eu
fiquei o esperando me mandar fazer mais alguma coisa.
 
Se Aaron não fosse o meu patrão e eu não corresse o risco de ser
demitida, eu diria ironicamente: “Mais alguma coisa, chefinho?”
 
— A sala de reuniões já está pronta?
 
— Sim, senhor.
 
— Quando todos chegarem, deixem eles à parte da pauta. Vou fazer uma
ligação antes de começarmos.
 
Novamente assenti e, estranhamente, ele me encarou com o cenho
franzido. Como não havia mais nada a ser dito, saí da sala, peguei os papéis e fui
à sala de reuniões a fim de deixar cada um deles em seu lugar para facilitar
quando todos chegassem.
 
A sala de reuniões não era tão distante de onde estávamos. Tinha paredes
de vidro transparente, uma enorme mesa com lugares para dez a quinze pessoas
e uma TV para apresentação.
 
Faltava pelo menos dois minutos para que os membros começassem a
chegar, quando eu vi que tinha esquecido um documento. Voltei em passos
largos à minha mesa, e antes de tocar no papel, ouvi a voz furiosa do Aaron ao
telefone.
 
— Está me dizendo que vamos nos atrasar por causa desses microchips
idiotas? — ele esbravejou. — Não me importa se são difíceis de achar, se a
exportação atrasou ou se o mercado está competitivo. Arranje as porras dos
chips e continue com a produção antes que percamos mais dinheiro, ou vai ser
escorraçado da minha empresa em dois minutos. — Bateu o aparelho ao desligá-
lo.
 
Eu não queria ter ouvido a conversa, no entanto seria difícil não ouvir,
sendo que ele estava gritando. Para que ele não soubesse que eu estava ali, corri
para a sala de reuniões o mais breve possível.
 
Algumas pessoas já conversavam e se sentavam em seus lugares. Em
poucos minutos, o senhor Jackson entrou pela porta e me encarou de longe. Tive
medo de que, só pelo meu olhar, ele se chateasse comigo, então o desviei dele e
fui para o meu lugar.
 
CAPÍTULO 5

AARON JACKSON
 
Eu já não aguentava mais a incompetência de arranjarem uma secretária
decente para mim. Seis em seis meses. Meu nome já estava sendo usado como
significados ruins, e as pessoas próximas a mim pensavam que eu era exigente
demais. O que não era mentira.
 
Berta esteve na empresa por mais de dez anos. Meu pai a amava, e eles
trabalharam juntos por todo esse tempo, até a sua morte. Porém, chegou a hora
dela de se aposentar e a agência ficou encarregada de encontrar alguém com o
perfil que eu precisava para trabalhar ao meu lado.
 
Contudo, sempre que uma delas passava por aquela porta, eu sabia que
meu dia seria um saco. Não eram capazes nem de me trazer um café e me
tachavam de arrogante. Uma delas foi embora chorando depois que a demiti.
 
Com tantos problemas que eu tinha, pouco me importava se eu iria ferir
os sentimentos de alguém. Devia me concentrar no trabalho, e não em ensinar o
óbvio a pessoas que já deveriam saber como seria o seu serviço.
 
Quando cheguei à empresa três dias antes, sabia que passaria por tudo
outra vez. Mia Wanell era a sétima a ser designada a mim. Nesse dia, eu disse a
mim mesmo que não me preocuparia com a permanência na empresa de mais
uma garota sensível que não suportasse uma bronca. Na verdade, eu estava
convencido de que era eu quem deveria abrir exceções, pois já estava cansado de
decorar nomes e os jogar fora no fim do mês.
 
Fiz como de costume: passei como se ninguém estivesse em minha
presença. Já tinha começado o dia com uma dor de cabeça que havia sido
causada pelo meu péssimo hábito de não dormir bem à noite. Ela entrou na sala,
e logo que fez isso, eu deixei claro como seria dali para a frente.
 
Foi a primeira vez que a vi. Mia, aparentemente, era comum e não tinha
nada de especial. Eu pensei que suportaria mais uma água sem sal, só que três
dias depois ela veio e me surpreendeu com sua língua solta. Nenhum
funcionário já havia tido coragem de me responder como ela.
 
Algo estava fora do normal. Sempre que me provocava, ela expressava
um arrependimento, no entanto isso não a impedia de continuar.
 
Mia Wanell era uma desconhecida, apesar do nome já dito em outras
conversas nada profissionais. Era óbvio que alguém notória como ela chamaria a
minha atenção. Pensei mesmo que fosse só mais uma, porém o seu atrevimento
era o que eu precisava para prestar mais atenção na menina pequena de olhos
grandes e verdes.
 
Sua petulância deveria ser repreendida, não apreciada. E até fiz isso por
fora. Entretanto, por dentro acendeu uma chama que me incentivava a continuar
apreciando-a.
 
Quatro dias e ela ainda me surpreendia. Pela manhã foi educada e seguiu
à risca os meus comandos. A língua, no dia anterior mais solta, estava guardada
dentro da boca. Uma parte de mim queria provocá-la para saber o que sairia
dela, só que eu não faria isso na frente de toda aquela gente.
 
Pensei em me concentrar na reunião, porém Mia estava ao meu lado,
linda em um vestido tubinho que mostrava as curvas de seu corpo. O seu
perfume era doce, e o olhar era outra coisa em que não se continha, mas pelo
menos isso estava guardado só para nós dois.
 
Chegar ao trabalho seria passar por mais um dia no qual eu quebraria a
cabeça, só que naquela manhã me peguei pensando na jovem Wanell, que estava
a poucos passos de mim. Ela era pouco atraente aos meus olhos e eu não seria
idiota de misturar trabalho e prazer. Foi por isso que demiti muitas outras antes
dela. Entretanto, Mia tinha algo de novo que me deixava curioso.
 
A reunião acabou uma hora depois, para a minha felicidade. Fui o
primeiro a me levantar e sair. Era comum eu estar em reuniões, mas era sempre
um saco. Peguei meu telefone, que estava sobre a mesa, e vi que havia recebido
uma mensagem de Scarlet. A mulher não era exatamente minha namorada, só
que era uma boa candidata a ocupar o lugar.
 
Eu era um homem de quarenta anos que precisava de uma esposa e
filhos, apesar de já ter uma menina que eu amava. Não haviam muitas mulheres
que poderiam ser esposas e mães, no entanto nenhuma me chamava tanto a
atenção como Scarlet. Ela era quente e tinha um corpo sensual que, por si só, já
causava em mim um grande efeito. As noites com ela não eram chatas e
monótonas.
 
Quando saíamos, meu objetivo era a levar para a cama. Eu não cometeria
o erro de trazê-la para a minha vida sem antes saber se era a mulher certa; não só
para mim, mas também para a Olivia.
 
E naquele dia, eu precisava disso. Queria um corpo quente e confortável
ao meu lado.
 
Ouvi os saltos baterem no chão, próximos a mim. Poderia adivinhar
quem era. Mia colocou sobre a minha mesa alguns papéis e ficou em silêncio.
Ela estava calada demais. Sei que a pedi para que fizesse isso, porém estava
achando estranho a mulher concordar comigo com tanta facilidade. Por isso
resolvi testá-la mais um pouco.
 
— Novata — eu a chamei antes que saísse.
 
Vagarosamente, levantei meu olhar para onde ela estava. Mia parou no
meio do caminho e me encarou. Pude ver nos seus olhos o quanto odiava ser
chamada assim. E era exatamente por saber que a irritava, que eu continuava a
fazer isso.
 
— Marque um jantar para as oito no meu restaurante favorito. Um lugar
reservado. Eles já me conhecem e sabem o que fazer.
 
— Sim, senhor — ela respondeu com um breve sorriso e mordeu os
lábios. Até então não tinha feito isso. Pelo menos não na minha presença.
 
— Quer dizer algo? — incentivei-a.
 
— Não. Farei o que me pediu. — Saiu.
 
Eu achava que ela tinha aprendido a como se comportar.
 
***
 
Olhei as horas e constatei que estava quase perto de eu sair. Passei o dia
sentado naquela mesa e saí apenas para o almoço. Mia não dava mais um pio
quando não era necessário. Seria muita loucura minha dizer que queria ouvi-la
me provocar, mas senti falta desse incentivo para continuar com essa menina.
 
Fechei o computador, e antes que eu pudesse me levantar, a senhorita
Wanell veio à minha sala.
 
— Seria ruim eu dizer que o ouvi ao telefone mais cedo? — ela me
questionou, cautelosa.
 
Encostei-me na cadeira, uni as mãos uma na outra e a encarei.
 
— Não pago você para me bisbilhotar, novata — respondi do modo mais
autoritário possível.
 
Novamente a vi morder os lábios e fiquei curioso para saber o que ela
diria.
 
— O que quer com essa confissão?
 
Mia se aproximou de mim com um olhar estranho de empolgação.
Levantei uma das sobrancelhas, achando isso estranho.
 
— Perdoe-me se isso é inapropriado — usou um tom irônico —, mas eu
gostaria de compartilhar com o senhor uma alternativa. Claro, se não for muita
liberdade da minha parte.
 
— Já foi muita liberdade você ter ouvido a minha conversa, menina —
respondi grosseiramente. — Diga o que quer e saia antes que eu a demita por
isso.
 
— Deveria estar agradecido por... — ela parou quando percebeu seu
erro. — Quero dizer... Acho que existem alternativas para o seu problema. E não
precisa utilizar o recurso estrangeiro para isso.
 
— Do que está falando? — Recostei-me do meu lugar, colocando os
braços sobre a mesa. — Vamos, diga logo.
 
A baixinha revirou os olhos, respirou fundo e me encarou com cara de
poucos amigos.
 
— Vou dar um tempo. Agora não serei mais a sua secretária, e sim uma
pessoa com uma ideia. Depois poderá fazer o que quiser com a informação. Está
de acordo, chefe? — Ela pôs as mãos na cintura e me olhou.
 
Passei o dia todo esperando que ela me provocasse. E acredite, era
estranho gostar disso. Parece que o que me faltava, ela trouxe. A monotonia da
vida de empresário estava sendo quebrada, e talvez fosse por isso que eu ainda
não a tivesse demitido.
 
— Continue — mandei.
 
Eu iria lhe dar corda e saber o que teria a dizer. Não que eu precisasse de
ajuda para saber lidar com meus problemas de negócios, ainda mais de uma
secretária.
 
— Recentemente li uma matéria sobre o caso e, como me interesso por
isso, fui pesquisar mais a fundo. Acho que pode ser uma solução para o seu
problema. — Franzi o cenho, ainda sem saber aonde ela queria chegar, e deixei
que continuasse. — Uma empresa de tecnologias daqui, de Nova York,
desenvolveu uma melhor versão dos microchips que são usados nos dispositivos
eletrônicos. Eles conseguiram aperfeiçoar e melhorar o produto.
 
— Já ouvi falar. Mas não está ao meu alcance. — Fiquei empolgado com
a nossa conversa, porém acabei decepcionado. — São nossos concorrentes,
novata. Não leu isso na matéria?
 
Mia bufou e respirou fundo, encarando-me com um olhar assassino.
 
— Não seria concorrência se estivesse aberto a uma parceria. Isso traria
vantagens para os dois lados — argumentou.
 
— É fácil você falar em parceria e novas oportunidades quando não sabe
da realidade do mercado. — Levantei-me, preparando-me para sair. — É jovem
e interessada, mas não vai rolar, novata. David Lancaster é o meu concorrente,
está no mercado automotivo há anos, e agora, com sua descoberta, está
vendendo como água. Todos querem seus automóveis exclusivos e
autossustentáveis. Acha que ele faria um acordo comigo?
 
— Ele não tem um processo de fabricação própria. Além do mais, a
demanda requer uma ampla gama de construção do maquinário, e ele ainda peca
nisso. Por isso seus automóveis são exclusivos. Ele tem uma fila de espera
enorme, apesar do grande sucesso.
 
— Parece que alguém andou bisbilhotando outros empresários —
ironizei.
 
— Está me subestimando, senhor, e não gosto de ser subestimada. —
Levantou o nariz com firmeza.
 
Esse era o diferencial que eu esperava: uma pessoa que me desafiasse.
Gosto dos desafios.
 
— Acho melhor continuar com o seu trabalho de secretária, novata. Não
entende sobre os negócios. — Ela era tão pequena, que precisava esticar o
pescoço para me encarar. — Está na hora de ir.
 
— Por que é tão arrogante? — Uniu as sobrancelhas. — Recusa a minha
ideia só por eu estar um cargo abaixo do seu? Ou por eu ser mulher?
 
— Não imagine coisas, menina. Não preciso de conselhos de uma jovem
sonhadora como você sobre os meus negócios.
 
— Eu poderia desejar que se desse mal com a sua recusa em me ouvir,
mas isso seria ruim para mim também.
 
Fiquei surpreso com sua ousadia. Ela passou o dia todo de boca fechada
e, bem na hora que o seu expediente acabou, resolveu soltar o verbo.
 
— Tome cuidado. Apesar de não estar mais no horário de trabalho, ainda
sou o seu chefe — adverti grosseiramente.
 
— Me desculpe se sou sincera. — Cruzou os braços, contrariada. —
Prometi a mim mesma que não iria falar mais do que “sim senhor”, mas não
consigo quando o ouço caçoar de mim só por ser jovem ou uma secretária.
 
— Muitas não passaram do primeiro mês. Você quer seguir o mesmo
caminho? — Não havia percebido que estávamos tão perto um do outro. Eu
deveria odiar a petulância da garota, porém até gostava dela. — Não abuse da
sorte.
 
— Certo — ela concordou a contragosto. — Não se preocupe, nunca
mais vou ouvir suas conversas e dar minha opinião em relação aos seus
negócios.
 
Mia arrumou o vestido no corpo e saiu da sala, pisando forte no piso.
Fiquei observando a mulher, que tinha uma bunda até que bonita, rebolar até a
saída.
 
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Talvez fosse o cansaço
ou eu tivesse desistido de procurar alguém que se adequasse ao cargo. Mas não
daria outra chance a essa menina se ela voltasse a me desafiar daquele jeito.
 
CAPÍTULO 6
MIA
 
Aquele homem era insuportável. Como alguém conseguia ficar mais que
uma ou duas horas ao seu lado? Eu mesma não conseguia. Ele era arrogante, não
se importava com a cordialidade ou pelo menos tinha respeito ao próximo.
Tratava a todos como simples serviçais.
 
Eu queria muito ter a liberdade de soltar a minha língua sem o perigo de
ser demitida.
 
Também... Eu já fiz isso e ainda estou aqui. Mas pode ser bem
passageiro, já que hoje é o último dia do mês.
 
Durante aquelas últimas quatros semanas, Aaron foi grosso, exigente e
um ditador. Eu não podia dar um passo sem que fosse encarado, calculado e
comandado por ele. E caso eu abrisse a minha boca, seria repreendida. Porém,
notei que ele fazia isso de propósito. Muitas das coisas eram feitas com muita
destreza e paciência minha, só que para ele sempre havia um motivo para
reclamar.
 
Tinha vezes que eu o via me observar o tempo todo, e depois de uma
ordem, ele abria um sorriso pequeno, no entanto provocante, para mim.
 
— Me diz: como ele está hoje? — Sadie veio em minha direção
cautelosamente e discretamente, depois de olhar por cima dos meus ombros e
ver o chefe digitando no seu computador portátil. — Ele já esbravejou ou só
ficou calado?
 
— Por que a pergunta? — Franzi o cenho, desejando olhar na mesma
direção que ela, só que isso chamaria a atenção dele. Ele sempre previa quando
eu o encarava.
 
Mais do que odiar o meu chefe, eu me sentia atraída por ele, pelo seu
olhar de lobo mau, pelo sorriso de canto de boca que me provocava e pela sua
discreta maneira de me olhar dos pés à cabeça como se quisesse me tocar.
 
Às vezes eu pensava que estava enlouquecendo por conta desse homem.
 
— Se ele chegou disparando o verbo em cima de você, quer dizer que
isso é muito ruim e que você não passa de hoje — ela contou, dessa vez me
encarando. — Se ele fingiu que você não existia na presença dele, está salva.
 
Fechei os olhos, dando um sorriso bobo para ela. Sadie era uma ótima
amiga, e naquelas últimas semanas ficamos próximas. Quando cheguei e a
encontrei na recepção, pensei que fosse mais uma funcionária com o nariz
arrebitado que desse em cima do chefe gostoso, porém esse era só um equívoco
meu.
 
— Aaron não chegou de mau humor, se é isso que quer saber —
comentei, feliz, pensando mesmo que eu estava a salvo. — Porém, ele nunca vai
me tratar dignamente. Então não sei se fico feliz ou triste.
 
— Pelo menos vai ficar com o emprego — ela tentou me animar. —
Além do mais, você é a única que não o olha com medo. As outras viviam
pisando em ovos com ele. Talvez ele goste disso em você.
 
— Acha que não piso em ovos para me manter no emprego? — Levantei
a sobrancelha. — Apesar dos pesares, gosto de onde estou e tenho tentado me
estabelecer em Nova York, por isso fico de bico fechado. Mas acredite: tenho
tanto a dizer a ele, que até sinto minha língua formigar.
 
Ela riu discretamente. Depois olhou por cima dos meus ombros de novo
e fechou a cara. Eu podia apostar que Aaron nos observava.
 
— Tenho que ir — ela avisou, recostando-se da mesa na qual eu
trabalhava. — Hoje é o dia do pub, então vamos comemorar.
 
— Se eu fosse você, não ficaria tão empolgada — alertei-a. — Tudo
pode acontecer. E tenho certeza de que com minha habilidade de estragar as
coisas, vou acabar na rua no fim do dia.
 
— Não diga isso. — Ela tocou em meu braço com carinho. — Não quero
passar mais um segundo sendo a substituta das secretárias dele. Posso acabar
perdendo o meu emprego também — sussurrou.
 
Sadie saiu, deixando-me com uma sensação estranha. Eu estava com
medo de virar e o encarar. Às vezes eu pensava que Aaron sabia ler meus
pensamentos e usava isso a seu favor. Seria muito vergonhoso ele saber tudo
sobre mim, até mesmo da minha inexperiência com homens.
 
Eu não entendia por que pensava nisso. Voltei ao meu trabalho e evitei
levantar o olhar, no entanto sabia que ele não permaneceria me observando por
muito tempo. Se fosse um teste, eu faria de tudo para passar nele.
 
O telefone sobre a minha mesa tocou. Era ele. Senti como se meu
coração fosse sair pela boca. Sadie estava certa: aquele era o dia da verdade. E
mesmo estando confiante, eu me preocupava.
 
Entrei em sua sala, pronta para ouvir o de sempre, mas ele só me
encarou, encostado em sua cabeira, com uma das mãos sobre a boca.
 
Sim, isso é um teste.
 
— O que deseja? — perguntei.
 
Eu estava nervosa; não por ele ser o chefe, e sim pelo jeito que riu da
minha pergunta. Eu quis muito saber o que Aaron estava pensando.
 
— Traga-me um café forte, puro e quente. Meu dia não começa bem sem
um bom café.
 
Confirmei com a cabeça, e como ele não disse mais nada, saí e fui em
busca do seu pedido. Fazia uma hora que ele havia chegado, e só então me pediu
um café. Bem... Não tinha como eu errar. Já tinha gravado tudo na cabeça, com
medo de fazer errado e ser enxotada dali, já que qualquer falha, mesmo que
minúscula, era tratada com tanta dureza.
 
Enquanto eu observava o líquido quente cair no copo, pensava no que
aconteceria se aquele fosse o meu último dia. Decepcionei-me comigo mesma
por ficar triste, mas não só com a possibilidade de perder o emprego. Um dos
motivos da minha tristeza seria não ver mais Aaron Jackson.
 
Irritada comigo, peguei o pratinho e coloquei a xícara em cima dele.
Tentei me concentrar só no que segurava, ainda com meus pensamentos
nebulosos, só que esse foi o meu erro.
 
— Mia, esqueça o café...
 
Quando eu estava saindo da copa, tropecei e me esbarrei no chefe. Tudo
aconteceu lentamente na minha cabeça. Eu me bati em seu enorme corpo
musculoso. Ele me segurou, a xícara tombou e o líquido quente caiu sobre o seu
corpo e um pouco em mim.
 
Não o vi chegar. Ele nunca tinha vindo a esse lugar e eu estava distraída.
Por culpa dele mesmo, então, a tragédia aconteceu. Aaron era quase o dobro do
meu tamanho, portanto tive que subir o rosto para o olhar, já que ele estava a
centímetros de mim.
 
Ele me segurou pelo braço para que eu não caísse. Sua camisa estava
molhada de café quente.
 
— Ah, Deus! — lamentei, prevendo o que ele diria. — Desculpa. Eu
não...
 
— Olha o que fez, sua... — Seu rosto com o semblante furioso me
deixou em pânico. Se ele queria um motivo para me demitir, essa era a hora. —
Você... Olha o que fez. Está...
 
— Não vi o senhor chegar — expliquei.
 
Pus a louça na bancada de mármore branco e peguei um pano para tentar
limpar o que fiz, entretanto foi inútil. O pior foi que Aaron pegou o meu pulso
com foça e me afastou dele.
 
— A culpa foi sua. Quem já se viu chegar do nada desse jeito? Pelo que
eu me lembre, o senhor não vinha a esse lugar. — Puxei minha mão da dele.
 
— Sou culpado por você ter derramado café quente na minha roupa? —
Sua voz de fúria me frustrou.
 
Depois me liguei que, talvez, a bebida estivesse quente o suficiente para
o machucar, mesmo sendo apenas café.
 
— Desculpe. Foi minha culpa. — Respirei fundo e tentei consertar o que
eu havia estragado. — Deixe-me ajudá-lo. — Eu me aproximei dele e ele se
afastou, dando um passo para trás.
 
— Você já fez o suficiente — rudemente, recusou ajuda, saiu da minha
frente e foi para a sua sala.
 
— Espera. É agora que você me demite? — Preocupei-me, seguindo-o.
— Foi minha culpa, admito. Eu estava pensativa. Porém, não pode chegar do
nada e me assustar assim. Faço o que for preciso, mas não me demita — odiei a
voz com a qual eu implorava a ele. Tive vontade de me bater.
 
— É com isso que está preocupada? — Virou-se abruptamente, com o
rosto demonstrando raiva e me fazendo engolir em seco. — Acredite, você é a
mais qualificada até então. Mas não consegue se manter firme e comportada. Na
primeira oportunidade, me irrita. E sim, esse é o momento em que eu a demito.
POR JUSTA CAUSA.
 
Toda a minha preocupação se foi quando ele alterou a voz. Eu não iria
suportar esse desrespeito, já que estava sendo demitida.
 
— Ótimo. Estou contente — menti, levantando o nariz. — O senhor é
um homem arrogante e muito exigente. Trata a todos com desprezo e vive de
mau humor. Desculpe-me se estraguei a sua roupa ou se o café pode estar quente
o suficiente para o machucar. — Pus as mãos na cintura e o encarei,
aproximando-me dele vagarosamente. — Apesar de tudo, posso suportar o
senhor, só que duvido muito que encontre outra que possa suportá-lo por mais
de um mês.
 
— Parece mesmo que você não se importa com o seu trabalho aqui —
disse entre dentes.
 
— Muito pelo contrário, senhor — debochei. E seus olhos transmitindo
ira não me assustaram. — Se eu não me importasse, não teria ficado calada por
tanto tempo.
 
— Você calada? — Riu de mim. — Eu deveria ter demitido você desde a
primeira vez que abriu essa sua boca e me tratou como um qualquer.
 
— O senhor é especialista em como tratar as pessoas mal. Deveria, pelo
menos, uma vez na vida, receber o mesmo tratamento.
 
— Saia da minha sala! — Apontou para a porta. — Agora!
 
— Que seja. — Bati os pés. — Posso arranjar coisa melhor.
 
Saí da sala, sentindo o meu rosto arder de raiva. Contudo, o sentimento
de culpa e arrependimento bateu em mim assim que me vi arrumando o pouco
que tinha trazido para o curto tempo em que passei ali. Não me dei ao trabalho
de olhar para trás e o ver orgulhoso por ter me magoado naquele nível.
 
Eu nunca tinha encontrado um homem tão arrogante como esse em
minha vida.
 
Respirei fundo, segurando os meus sentimentos de frustração dentro de
mim. O dinheiro que eu tinha só daria para um mês de aluguel; e com o que eu
ganharia, teria que me virar até arranjar um novo emprego. Teria que passar por
tudo de novo. Encontrar outro trabalho talvez não fosse, assim, tão impossível,
mas não seria a mesma coisa.
 
Fiquei tão preocupada em não ser demitida, que fui demitida.
 
***
 
Eu não tinha dito à Sadie o que havia acontecido depois que saí da
empresa. Não quis falar com ninguém. No entanto, como eu tinha prometido me
encontrar no pub com ela, fui assim mesmo. Pensei que se bebesse muito,
esqueceria o meu dia tempestuoso.
 
Era oito e meia da noite, o horário em que eu estaria saindo do trabalho
depois de um dia cheio para reclamar do insuportável do meu chefe com a única
amiga que eu tinha feito desde que cheguei à cidade.
 
Todavia, eu estava há uma hora no pub de clima alto astral, onde tinha
uma enorme estante de bebidas de diversos tipos, luzes, ambiente para jogos,
mesas para conversas de fim de dia e paredes de madeira rústica. Pedi umas
duas cervejas e passei os últimos minutos pensando no que faria para arrumar
outro emprego antes que minhas reservas acabassem.
 
Aaron Jackson era um babaca, idiota, arrogante e tudo de ruim que
existisse no meio corporativo. Sim, ele era muito esperto, tinha diversas
empresas e sabia onde investir ou atacar só para poder comprar alguma empresa
e a alavancar depois. Mas nada disso valia se o homem era um idiota,
insuportável.
 
No último mês, eu tinha marcado uns três jantares dele com uma tal de
Scarlet. A namorada, talvez. Eu tentava imaginar como alguém conseguia
namorar com esse homem.
 
Ele praticamente vivia na empresa. Saía para jantares e me mandava
comprar flores. No entanto, eu não via em seu olhar alguma característica
romântica que justificasse alguém gostar dele.
 
Ela deve ser uma raridade ou ama pelos dois.
 
— O que houve? — A voz de Sadie me fez levantar o rosto para a olhar.
 
A loira, que usava uma saia-lápis, uma blusa branca e um batom
vermelho nos lábios, encarou-me com o cenho franzido e com preocupação. —
Mais cedo, achei que tudo estivesse bem.
 
— Avisei a você que tenho o dom de estragar as coisas. — Revirei os
olhos. — Mas não foi só minha culpa. Ele apareceu do nada e eu estava
pensativa. Depois que ele esbravejou, não pude ficar de boca fechada.
 
— O quê? Como assim? O que fez? — Ela se sentou no banco de
madeira, assim como eu, que ficava na frente do balcão em que eu estava sendo
servida.
 
Pedi mais um chope, e o homem gato pegou meu copo para o encher
outra vez.
 
— Eu me esbarrei nele com uma xícara de café nas mãos e ele
praticamente tomou um banho quente. Me senti mal na hora. Fui muito idiota de
não prestar atenção. Só que ele nunca tinha ido à copa, e eu não faço ideia do
porquê foi lá.
 
— Mia! — Decepcionou-se.
 
— Tentei ajudá-lo ou, pelo menos, me desculpar, então ele veio com
aquela arrogância, esbravejou, e eu perdi a paciência. Não tinha muito o que
fazer e acabei falando coisas nada educadas para ele.
 
Apesar de triste, Sadie riu e apertou carinhosamente a minha mão.
 
— Você é muito corajosa. Mesmo que ele me demitisse e agisse como
um babaca, eu nunca teria coragem de dizer tudo que penso. — Ela acena para o
mesmo barman gostoso e pede a sua dose. — O que vai fazer agora?
 
— Tenho que arranjar algo antes que minhas economias acabem e eu
tenha que morar na rua. — Não brinquei, isso era bem real. E como eu era
orgulhosa, nunca pediria ajuda aos meus irmãos e mãe. — Espero que isso não
manche a minha reputação.
 
— Não acho que vá — ela disse antes de dar o seu primeiro gole. —
Aaron é conhecido por ser exigente e por demitir secretárias. Porém, vai ter que
enfrentar mais uma fila. E sabe como é essa coisa de entrevistas de emprego.
 
— Sem ofensas, mas odeio enfrentar Barbies perfeitas como você.
Comparando, não chego aos pés de uma loira alta e bonita.
 
Ela riu.
 
— Mia, você é ótima, é inteligente, mas acho que um dos seus maiores
problemas será a sua paciência e o modo como fala com as pessoas. —
Recostei-me do balcão, encarando-a. Ela não era a primeira a dizer isso. Até eu
sabia. — Aaron é um homem difícil, porém existe outros que serão tão exigentes
quanto ele. Estou nisso há muito tempo e já passei por muitas coisas. Mesmo
que o mundo corporativo seja abrangente e dê muitas oportunidades, os chefões
ainda vão explorar os funcionários, vão ser arrogantes e vão te colocar para
trabalhar duas vezes mais do que está no seu contrato. Não pode chegar e dizer
sempre o que pensa. São eles quem decidem quem fica e quem vai.
 
— É, eu sei — lamentei. — Esse sempre foi um problema para mim, só
que agora não lido com professores ou colegas de classe.
 
— Se tiver sorte, vai arranjar um chefe que não seja tudo de ruim. Mas
esses são raros, então você terá que se adaptar a isso.
 
— Está certa — admiti. — Não posso estragar tudo. Aaron não é mais
meu chefe e eu tenho que me concentrar em conseguir trabalho. Não vou mais
ser demitida por justa causa.
 
— Podemos ser colegas de quarto — ela propôs, surpreendendo-me. —
Eu sempre quis ajuda no aluguel e não quero deixar de ver você toda vez que
precisar de uma amiga.
 
— Sério? — Levantei uma das sobrancelhas. — Sou alguém difícil. Tem
certeza de que quer isso? Já me viu despejar problemas e cometer erros por,
simplesmente, falar.
 
— Sempre que arranjo amigas, elas são falsas comigo e querem tirar
vantagens de mim. Você é verdadeira. E não fala por mal. Não me sinto irritada
com seus comentários.
 
— Sadie, você é um anjo. — Abracei-a forte, fazendo-a rir. — Seria bom
dividir o aluguel com você. Morar em Nova York não é para todos.
 
Rimos e mudamos de assunto.
 
CAPÍTULO 7
Quando o alarme tocou, senti como se fosse o som do inferno me
acordando. Aquele seria mais um dia de luta. Uma semana sem emprego,
correndo atrás de entrevistas, estava me cansando mais do que trabalhar o dia
inteiro.
 
Peguei-me pensando no que Aaron estava fazendo, até me dar conta de
que isso era burrice. Ele estava muito bem e torturando os funcionários. A pobre
da Sadie, no momento, estava correndo de um lado para o outro, tentando
agradá-lo para não ser demitida. Eu me sentia mal por ela ter que ser sua
secretária interina. E, pior, parecia que o homem estava duas vezes mais
ranzinza.
 
Levantei-me da cama, jogando de lado, com brutalidade, a coberta fofa
que estava sobre mim, achando que ela era a culpada por eu ainda estar cansada.
Arrastei-me para ir em direção ao banheiro e me olhei no espelho. Vi uma
desconhecida nele. Joguei a cabeça para trás, lamentando o meu estado mental
naqueles dias.
 
Por que está sendo tão difícil ter um retorno?
 
Formei-me com honras, era a melhor da turma, sempre fiz trabalhos
extras e era excelente nisso. Contudo, um mês com aquele idiota, e tudo que eu
era antes dele se transformou em fumaça. Eu era muito bem graduada, portanto
a posição de secretariado era temporária para mim. Meu desejo era consumir o
maior número de experiência para crescer futuramente e, um dia, ser a pessoa
que teria uma secretária.
 
Devo admitir que Aaron, apesar de um demônio, era um exemplo de
como conquistar seus objetivos. O homem era inteligente e sabia quando uma
empresa valia a pena, mesmo não parecendo ao abrir falência e ficar à beira do
fechamento. Ele sabia qual delas iria cair na bolsa de valores antes de acontecer.
Por isso era considerado um dos maiores dos Estados Unidos e passava horas no
escritório revisando dados.
 
Eu não queria ser como ele. O homem era detestável, mesmo que
inteligente.
 
Lavei o rosto para tirar a expressão de morta dele, depois tomei um
banho para acordar o corpo e saí buscando uma roupa decente.
 
Ah, as roupas...
 
Eu odiava abrir o guarda-roupa e as ver nos cabides. Acredite, tentei
devolvê-las e mandar um cheque, mas é claro que não tinha um valor que
cobrisse os gastos. E, pior, ele disse que não queria nada que o fizesse se
lembrar da “menina
inconveniente”.
 
Eu evitava usá-las. Também não gostava de me lembrar dele.
 
Saí do quarto usando um vestido simples, preto, de mangas curtas, e com
os cabelos soltos, que iam até o pescoço. Eu não usava muita maquiagem,
contudo coloquei alguma coisa. Estava disputando uma vaga com mulheres
bonitas, um requisito para a contratação. Algo muito injusto e hipócrita.
 
— Nossa! Você está... bonita — Sadie andava de um lado para o outro,
quase que correndo, olhando as horas. Estava praticamente atrasada e justificava
o seu desespero quando me lembrava para quem trabalhava. — Desculpe. É que
acordei tarde, e sabe como ele é.
 
— Sei sim — concordei. — Então... Quando sua substituta chega? —
perguntei, curiosa.
 
— Esse é o problema: ele não pediu outra. — Fiquei surpresa. Até parei
no meio do caminho, com a xícara em que eu colocaria café para mim. — Disse
que não quer outra incompetente e que ele mesmo vai buscar uma secretária. —
Ela parou antes de seguir para a porta. — Desculpa.
 
— Tudo bem. — Eu ri, pois sabia que ele havia falado mais coisas, mas
que ela não me diria. — Agora vá, ou vai escutar muito mais.
 
***
 
Na agência, eu seria a próxima entrar depois de uma dúzia de outras
mulheres com sorrisos falsos nas bocas. Eu poderia dizer que estava empolgada
ou nervosa. Mas não estava. Era um tédio aguardar, ter que repetir tudo outra
vez e esperar uma vaga em que eu me encaixasse.
 
Ouvi meu nome ser chamado e caminhei até a sala onde eu seria, mais
uma vez, entrevistada. Poderia ficar em casa e esperar pela ligação, só que sabia
que mofaria se não insistisse indo até o local.
 
Assim que entrei, a senhora de quarenta anos, por quem eu já tinha sido
entrevistada, sorriu para mim.
 
— Mia Wanell, você aqui outra vez?
 
— Sou insistente. Preciso de uma vaga o quanto antes — expliquei,
sentando-me na cadeira que estava em frente à sua mesa. — Não vou ficar em
casa, sentada no sofá, quando posso ser insistente e conseguir algo.
 
A mulher riu. Era simpática. Já tinha me afeiçoado por ela.
 
— Na verdade, tenho uma vaga para você — ela avisou, deixando-me
verdadeiramente feliz, tanto que me levantei antes mesmo de encostar a bunda
na cadeira. — É em uma empresa menor do que a que você estava.
 
— Isso não é um problema. — Abri o meu maior sorriso.
 
— Uma agência de modelos que trabalha com books de fotos e leva as
garotas para comerciais. Você será uma auxiliar de um dos agentes que recrutam
e cuidam da carreira delas.
 
Eu poderia dar alguns pulinhos, de tanta felicidade, mas seria um
exagero e expressaria o meu desespero. Não era o trabalho que eu queria
anteriormente, entretanto eu precisava fazer alguma coisa, e isso era melhor do
que ficar em casa sem ganhar dinheiro.
 
— Está perfeito. — Agradeci. — Mas, não querendo reclamar... Longe
de mim... Por que eu?
 
— Como assim? — Ela franziu o cenho.
 
— Tem uma dúzia de mulheres lindas, com características bem mais
adaptáveis para uma agência de modelos, que fizeram entrevistas antes de mim,
mas me escolheu — expliquei. — Novamente, não é uma reclamação —
adicionei.
 
Ela riu e assentiu com a cabeça.
 
— Não escolho por aparência. E não me pediram uma supermodelo,
apesar de você ser linda. — Fiquei envergonhada com o que ela disse. — Você é
mais do que capaz e está no topo da minha lista. É isso que eles procuram:
alguém com habilidade e capacidade para trabalhar e buscar recursos. Você tem
ótimas referências, é boa no que faz e seu emprego anterior é conhecido por
demitir funcionários com base em preceitos estabelecidos por um chefe muito
exigente.
 
Bota exigente nisso.
 
— Muito obrigada. Eu realmente me sinto agradecida. — Peguei em sua
mão. — Não vou decepcionar.
 
— Não precisa me agradecer, esse é o meu trabalho.
 
Poderia abraçá-la e a beijar, de tanta felicidade. Saí da sala, sentindo-me
novamente confiante. Coisa que eu tinha perdido há uma semana.
 
CAPÍTULO 8
Eu estava tão empolgada com o meu primeiro dia na agência, que me
levantei cedo e fiz o café. Tentei disfarçar um pouco a minha alegria para que
Sadie não me olhasse com julgamento. Ela estava quebrando a cabeça com
Aaron, que cada vez mais se tornava um ditador idiota. Quis ser solidária com
sua dor, mas assim que saí de casa, deixei tudo isso de lado.
 
Tive que pegar o metrô para ir ao novo trabalho. Enquanto a AMP era
em Manhattan, a GM Model ficava fora dela. E depois de sair da estação,
caminhei por uns cinco minutos até chegar a um enorme prédio corporativo. Eu
trabalharia no quinto andar, onde funcionava a agência.
 
Antes de subir no elevador, tive que me identificar na recepção. Depois
que entrei nele, senti minhas mãos suarem. Meu coração estava de vento em
popa. Era um novo lugar onde eu teria que me adaptar.
 
Torci para que meu novo chefe não fosse uma cópia mal feita de Aaron
Jackson, ou eu acabaria pensando que havia alguma coisa errada comigo.
 
Olhei novamente para o papel que tinha recebido da agência e que eu
entregaria na entrada. Li o nome do dito-cujo: James Madison. Nunca havia
ouvido falar nele e estava rezando para ele ser uma pessoa legal, que não fosse
me explorar.
 
Assim que as portas do elevador se abriram e eu dei o primeiro passo
para dentro do andar, vi que a rotina de trabalho ali era agitada. As salas eram
bem divididas na área norte, e na frente delas haviam cubículos nos quais,
provavelmente, ficavam as pessoas responsáveis pelas agendas dos agentes.
 
Mulheres lindas, altas e super magras entravam e saíam das salas. Vi que
uma delas estava ali para tirar as fotos das modelos.
 
Fiquei embasbacada, sem saber para onde ir, até que uma mulher baixa,
assim como eu, de cabelos encaracolados e curtos, usando óculos e vestindo um
terninho simples, de cor clara, veio até mim e me tirou dos meus pensamentos.
 
— Posso ajudá-la? — ela me perguntou, sorrindo.
 
Pensei muito antes de responder. Já tinha até me esquecido do que fui
fazer ali.
 
— Ah, sim. Sou a nova secretária do James Madison — falei com um
sorriso no rosto. — Não sei por onde começar. — Sorri envergonhadamente.
 
— Ah, claro. Posso levá-la até a sua sala — ela disse, simpática, e
caminhou na minha frente.
 
Eu a segui, observando o que acontecia no lugar. Havia pessoas em seus
lugares, com telefones aos ouvidos, e outras nos computadores ou anotando
alguma coisa. Dentro de algumas salas, umas conversavam. Eu podia apostar
que estavam sendo entrevistadas ou algo do tipo.
 
— James é o chefe dos chefes. Acabou de retornar da Alemanha. Não
precisa se preocupar, ele é um cara legal.
 
— Chefe dos chefes? — questionei, curiosa.
 
— É. Ele é o principal agente daqui, mas o dono mesmo, nunca veio a
esse lugar. É um filhinho de papai — explicou.
 
— Ah — respondi, ainda confusa. — Então... Eu nunca trabalhei em
uma agência. — Ri de nervoso. — Nem sei por onde iniciar.
 
— Vou te ajudar hoje. Acredito que vá aprender bem rápido. Não
existem tantos eventos aos quais nós, secretárias, tenhamos que ir,
diferentemente do grupo corporativo.
 
Respirei fundo, tranquilizando-me.
 
Nós passamos por uma porta de vidro e eu vi um homem que estava na
cadeira. Ele estava de frente para a janela, também de vidro, que ia do chão ao
teto, dando uma bela imagem da cidade. A sala era simples, com duas cadeiras
confortáveis em frente à sua mesa — de vidro —, um sofá no canto e uma
estante. Sem falar dos quadros que estampavam fotos de pessoas muito sexies.
 
Assim que eu o vi se virar, meu queixo caiu. Ele estava ao telefone,
porém prestou atenção em nós. A mulher em minha frente, de quem eu ainda
nem sabia o nome, estava em silêncio, provavelmente respeitando a ligação.
 
Senti vergonha e admiração. A beleza dele estava transparente. O
homem de olhos azuis, cabelos negros e barba rala abriu um sorriso charmoso
que me fez ruborizar.
 
Óbvio que um agente de modelos seria lindo como um deus grego.
 
Pensei que estava com sorte no quesito chefe gostoso. Meu último
empregador era tão lindo quanto esse, só que o efeito ali era diferente. Aaron
tinha uma beleza dura e excitante, e só com um olhar te prendia e te tirava o ar
dos pulmões. James era bonito, com um charme que te fazia sentir vergonha de
estar na sua frente, porém não te levaria a criar fantasias sexuais quando
estivesse distraída. Não era como Aaron Jackson.
 
Ele desligou o aparelho e continuou me encarando.
 
— Mia Wanell, sua nova secretária, senhor — a mulher me apresentou a
ele, que se levantou do lugar.
 
— Obrigado, Vania. — Ele olhava diretamente para mim com um sorriso
irresistível. — Já ouvi esse sobrenome em algum lugar. — Fechou um dos olhos,
pensando.
 
Quase revirei os olhos, assim como fazia com Aaron, só que aprendi com
ele que abrir a boca ou expressar meu descontentamento era um erro.
 
— É parente próxima de Emily Wanell, uma das maiores atletas da
atualidade?
 
Dei um sorriso simpático para disfarçar, pois meu objetivo era ser Mia
Wanell, e não a irmã da Emily perfeita.
 
— Minha irmã mais nova — respondi educadamente.
 
— Interessante. — Encostou-se na sua mesa. — Bem... Vamos ao que
interessa. Hoje Vania irá orientá-la e lhe mostrar como tudo funciona aqui.
Somos uma agência que busca talento, trabalhos e que trabalha com muitas
empresas de publicidade. Meu telefone é muito procurado, então seus ouvidos
vão cansar de atender ligações. Mas, basicamente, só vai ficar na sua mesa. Eu
mesmo vou a eventos. Quero alguém que me auxilie a aperfeiçoar o meu
trabalho. Sempre estou com muitos books de modelos novas e agencio elas para
os Estados Unidos. Então, irei sempre estar de saída. Mas você vai me manter
informado.
 
— Claro — confirmei, contente.
 
Ele não era nem um pouco parecido com meu chefe anterior, e isso já era
uma vitória.
 
— Espero que possamos ser amigos. Não costumo ser rude com
ninguém, então não vai ter dificuldades com a minha personalidade — ele
adicionou.
 
— Isso é uma maravilha — murmurei.
 
— Disse algo? — Franziu o cenho.
 
— Não, só pensei em voz alta — expliquei, envergonhada.
 
— Não tenha medo de me dizer nada. Estou sempre aberto a novas ideias
e críticas.
 
— Sério? — Achei que isso estava bom demais para ser verdade. —
Meu chefe anterior odiava ser contrariado.
 
— Ele deve ter o dobro da minha idade, ser bem arrogante e pensar que
não erra e não precisa de ajuda. — O homem gato se recostou da mesa e voltou
à sua cadeira. — Não sou esse tipo de cara.
 
Eu mal o conhecia e já gostava dele. Finalmente as coisas estavam a meu
favor, e eu faria de tudo para me dar bem nesse novo trabalho.
 
CAPÍTULO 9
AARON JACKSON
 
Eu vivia rodeado de incompetentes que só serviam para acabar com o
meu dia antes de ele começar. Meu mau humor estava durando mais do que eu
esperava depois que aquela garota saiu da minha vida.
 
De nenhuma forma, afeiçoei-me por ela. Isso seria ridículo. Porém, devo
confessar que a mulher tinha lá as suas qualidades por baixo de toda aquela
forma desengonçada de agir.
 
Duas semanas se passaram e eu mesmo me prontifiquei a arranjar outra
pessoa que se adequasse ao meu ritmo e que não me irritasse ao respirar ao meu
lado, mas estava difícil.
 
Sadie, a recepcionista, não era nem um pouco qualificada para o cargo de
secretária. Vê-la rebolar pelo meu escritório me irritava. No entanto, a moça
estava fazendo o seu trabalho, que, no caso, não era esse.
 
O meu problema ali não era só encontrar alguém competente, mas
também alguém que parecesse com Mia. Ela era irritante, insuportável e
intrometida, porém não vivia com medo de mim e me desafiava com o olhar,
mesmo sabendo que se abrisse a boca, eu a repreenderia. Ela era focada e se
interessava muito pelo trabalho. Nas poucas reuniões em que ela esteve comigo,
não precisei lhe dar comando sobre anotações ou tomar a frente para me inteirar
sobre os assuntos. Eu nem sempre prestava 100% de atenção no que se falava
nesses encontros, afinal, eu vivia indo de lá para cá e haviam milhares de outras
questões que precisavam da minha atenção especial. Sendo assim, Mia se
inteirava deles, resolvia tudo e vinha até mim só para eu dar um carimbo de
aprovação.
 
Perdi a conta de quantas vezes, nessas duas semanas, eu tive que berrar
para que todos fizessem os seus trabalhos. E eu poderia apostar que a loira
amedrontada ao meu lado desejava muito se demitir, só que estava com medo o
bastante para não fazer isso.
 
Eu bateria em mim mesmo se dissesse em voz alta que cometi um erro
ao demitir Mia tão rápido.
 
— Senhor, a reunião...
 
— Não precisa vir à minha sala me comunicar sobre algo que já sei,
graças à minha agenda, Sadie — falei, interrompendo-a e não me dando ao
trabalho de levantar o olhar para ela.
 
Respirei fundo e continuei ao telefone, vendo as notícias mais recentes
sobre uma das maiores empresas de marketing que estava passando por um
enorme escândalo. Provavelmente, duraria um mês e meio de pé após o dono ter
se envolvido em um esquema para burlar as leis estadual e nacional.
 
Idiota!
 
— Já estou de saída. Provavelmente, não voltarei até as duas da tarde.
Quero que mande uma mensagem para Scarlet, e depois me comunique a sua
resposta.
 
— Sim, senhor.
 
Ouvi seus saltos baterem no chão enquanto ela se afastava da porta. Foi
quando me dei ao trabalho de olhar para a mulher. Era bonita e muito educada.
Se não fosse tão devagar e tão irritante, eu a colocaria no cargo
permanentemente.
 
***
 
Eu estava dez minutos atrasado. Odiava quando isso acontecia. No
entanto, eu era a pessoa central daquela conversa e não fazia mal deixá-los
esperando um pouco mais.
 
Minha mãe dizia que eu deveria parar de caçar mais negócios e trabalho,
só que era quase inevitável. Meu pai me ensinou a ser assim, e eu poderia
apostar que ficaria decepcionado comigo caso eu não fosse a mais uma
negociação. Seria uma perda de tempo se não fosse algo que tivesse potencial de
ser grande. Eu não apostava em cavalos que iriam perder. Era bom em saber
onde apostar e ver o meu investimento render lucro. Não era por dinheiro, mas
devo confessar que isso me deixava motivado. Era como um jogo no qual eu
lançava os dados e esperava os meus números caírem.
 
O prédio comercial não era um dos melhores. Nele, muitas outras
miniempresas funcionavam, por isso o elevador vivia com um fluxo maior de
pessoas.
 
Eu prestava atenção no celular, vendo meus e-mails, entretanto tive que
deixá-lo um segundo para entrar na caixa de metal. Foi quando a vi. Mia estava
me encarando com surpresa, e eu a ela. Estava como de costume, só que menos
elegante, como eu gostava de vê-la.
 
Eu não sabia por que dava tanta importância a isso. Guardei o aparelho
no bolso e entrei no elevador. Mais três pessoas conversavam, ignorando a nossa
presença. Mia estava nervosa. Ela ficava assim perto de mim. Isso gerou uma
diversão em meu interior que eu nunca admitiria em voz alta.
 
Ela se pôs ereta, pigarreou e encarou a porta. Foi a primeira vez em
semanas que me senti empolgado. E não fazia ideia do porquê disso. Essa
menina me irritava, mesmo em silêncio, então por que eu continuava agindo
estranho próximo a ela? Esses eram os efeitos que ela tinha sobre mim: ódio e
felicidade.
 
No quinto andar, as portas se abriram e Mia saiu. No pouco tempo que
tive, fiquei observando a visão das suas costas. O corpo pequeno me excitou
como nunca, sem muito trabalho. Olhei para o lugar, e o que vi foram
minúsculos escritórios e uma logo prateada na parede de entrada: GM Model.
 
CAPÍTULO 10
MIA
 
Não permito que olhe para trás. Vou bater em você se fizer isso.
 
Eu estava começando a gostar da minha paz de espírito, com um novo
chefe legal, um ritmo confortável e um ambiente de trabalho limpo e agradável.
Então, quando comecei a achar que esse era um sonho quase perfeito, ele
apareceu e estragou tudo.
 
Eu não fazia ideia do porquê ele estava ali, nem desejava perguntar. Dois
minutos no elevador ao lado desse homem fez eu sentir vergonha de mim
mesma. O perfume agradável me deixou feliz instantaneamente. Meu corpo
ficou tenso, mas, lá no fundo da minha alma, desejei chegar mais perto dele e
sentir o seu calor.
 
Talvez eu seja masoquista.
 
Cheguei ao meu cubículo, em frente à sala do meu novo chefe, e
coloquei em cima da mesa a minha bolsa e os papéis que trazia na mão.
 
Eu ainda sentia a tensão nos ombros e minhas costas formigavam,
mesmo eu sabendo que ele já estava em outro andar. Não sabia o que Aaron
estava fazendo nesse prédio comercial e tentei esquecer que o vi.
 
— Bom dia, Mia. — James sempre estava de bom humor.
 
Ele costumava passar pela minha área de trabalho com um sorriso no
canto da boca, animado e empolgado com algo que nem sempre eu sabia o que
era. Era uma ótima pessoa e tornava a minha vida um paraíso. Acabei
comparando-o com o idiota que não saía da minha cabeça, mesmo que eu
tentasse muito fazer com que saísse.
 
— Hoje vamos ter ensaios de fotos com duas novas modelos, e quero
que os supervisione, pois não vou estar aqui.
 
— Ah... Eu? Por que eu?
 
— É que eu gosto das coisas perfeitas. Sei que não é uma especialista em
fotografia ou modelagem, mas se houver qualquer coisa, você liga e eu paro
tudo. — Ele estava estranho, apesar do sorriso. — Ok... Quero você lá para ficar
de olho na irmã mais nova do chefe — confessou.
 
— Irmã do chefe? — Levantei uma das sobrancelhas.
 
— Ela não serve para modelar — afastou-se da bancada e sussurrou para
que ninguém mais o ouvisse. — Mas não posso dizer isso na cara dela, ou serei
demitido. Faremos o que ela quiser e deixaremos que o mercado faça o trabalho
por nós. — Como se meu dia já não tivesse começado estranho. — Ela é
mimada. Faça tudo que ela pedir. Ou melhor, faça tudo que estiver ao seu
alcance. Provavelmente, a garota vai gritar umas dez vezes com o fotógrafo,
então sempre tente o deixar calmo. Eu queria mesmo estar aqui para poder
amenizar os danos, mas você sabe que tenho que ir, ou perderemos o trabalho
com a marca.
 
— Claro.
 
James voltou à sua sala, pegou algo e de lá saiu novamente, indo ao
elevador.
 
Respirei fundo e me concentrei no meu trabalho.
 
***
 
— Quero que vá buscar agora.
 
Olhei para a menina de vinte anos, desejando estrangulá-la. Quando o
meu chefe disse que ela era mimada e que eu teria que apaziguar as coisas, ele
não sabia que seria eu a cometer um assassinato. Eu estava quase muda, por
morder a minha língua para não dizer nada. Essa garota era insuportável.
 
— Está no banco de trás. E nem pense em pegar nada. Saberei se estiver
alguma coisa faltando e farei você ser demitida em dois minutos.
 
Ela era bonita, com o corpo magro, cabelos lisos e ruivos e um rosto
marcante, contudo não tinha talento para ser uma modelo. Eu não era
especialista nisso, todavia sabia quando alguém não ficava bem em fotos. E nem
era porque o fotógrafo era ruim. Não importava a sua beleza se não tinha tal
capacidade.
 
Peguei as chaves do seu carro, pensando em enfiá-las na sua garganta.
Até imaginei o sague se esvaindo do seu corpo e senti mais vontade de fazer
isso.
 
Segurei uma mão na outra com tanta força, que ela estava ardendo, e
andei para fora da sala, pensando em nunca mais voltar lá. Passei por todos, que
continuavam a trabalhar, imaginando que poderia ser eu sentada na cadeira,
atendendo alguns telefonemas.
 
Entrei no elevador e, com ansiedade, bati os saltos. Olhei o monitor que
indicava o andar, rezando para que eu demorasse muito ali, quase o dia todo.
 
Eu e mais outra pessoa saímos no estacionamento subterrâneo do prédio.
Eu odiava estacionamentos. Eram lugares escuros, frios e que me botavam
medo. Muitas vezes assisti a filmes em que as mocinhas eram atacadas e mortas
nesses locais, então criei um pânico enorme em relação a eles. E, por tudo isso,
evitava frequentá-los.
 
Eu não tinha vergonha de dizer que era uma medrosa de carteirinha.
 
Mesmo com as características que a patricinha havia me passado, tive
dificuldade em achar o carro. Andei em passos curtos, olhando todas as vagas,
pensando que o lugar não deveria estar tão silencioso e quase desértico daquele
jeito, naquela hora.
 
Já tínhamos passado duas horas suportando aquela garota, porém parecia
que havia sido um dia inteiro. No momento, eu estava no estacionamento em
busca de um vestido novo para mais uma rodada interminável de fotos.
 
Quando, finalmente, achei o veículo, fiquei até besta com a marca. Eu
não sabia muito sobre carros, porém reconhecia uma Lamborghini.
 
Abri o automóvel e me agachei minimamente para alcançar ou ver o tal
vestido. Estava com o corpo dobrado sobre o banco e peguei a peça, que estava
dentro de um plástico escuro. Irritei-me depois que pus o corpo para fora. Meu
trabalho não era esse, apesar de eu já ter feito coisas parecidas para...
 
— Seu salário deve ser dez vezes maior do que o que eu te pagava, para
ter um carro desse.
 
Senti como se meu coração estivesse sendo arrancado pela minha boca.
 
— Meu Deus! Você quer me matar? — questionei-o, levando uma das
mãos ao peito. Aaron me encarava, encostado em um outro automóvel, preto;
um que ele costumava usar. — Não pode chegar assim e assustar as pessoas.
 
— Estava furtando, Mia? — Ele deu um sorriso de canto de boca.
 
— O que faço, não é da sua conta. — Eu empinei o nariz, e isso só o fez
rir ainda mais. Um sorriso discreto, mas sexy. — O que faz aqui?
 
— Não é da sua conta — retrucou.
 
Eu sabia que ele estava me provocando e, mesmo assim, permiti que me
irritasse.
 
— Espero que esteja gostando do novo emprego.
 
— Falando nisso, não posso ficar de papo no estacionamento. — Travei
o veículo novamente e me preparei para sair da sua frente.
 
Ele estava tentando me intimidar, e isso estava funcionando.
 
— Mia. — Recostou-se do carro e ficou em minha frente, impedindo-me
de passar.
 
Eu o olhei, esperando que ele disparasse mais alguma ofensa. Aaron me
encarou estranhamente, mas nada falou naqueles segundos que se passaram.
 
Eu poderia apostar que ele estava pensando no que dizer. O seu olhar de
dúvida mudou gradativamente para um de segundas intenções. Queria poder ler
a sua mente no momento.
 
— Tenha um bom dia — finalmente disse, dando-me passagem.
 
Levantei uma das sobrancelhas, achando estranho o seu comportamento.
Passei por ele, ainda esperando que ele me dissesse alguma coisa que me faria
odiá-lo ainda mais, porém nada aconteceu.
 
***
 
Uma semana depois
 
Aquela semana estava estranhamente silenciosa. Eu não parava de pensar
em Aaron, que tinha tirado a minha paz de espírito.
 
James estava tenso. Pelo que ouvi, havia um problema com o dono da
empresa e o futuro dela.
 
— Acho que vamos ser demitidos — Vania disse, quase desesperada. —
Eles venderam a empresa por muito dinheiro.
 
— Espera. O quê?! — Dessa vez era eu quem estava quase surtando.
 
Eu só trabalhava nesse lugar há três semanas e a sorte estava contra mim.
Parecia que me mudar para Nova York tinha sido um enorme erro.
 
— Os herdeiros não tinham capacidade para gerir a empresa. Na
verdade, estavam acabando com ela. Desde que o pai deles morreu, ficamos em
alerta. Todos sabiam que eles não se importavam com nada disso. — A baixinha
estava suando e olhando para a sala do meu chefe, que também estava
preocupado. — Hoje de manhã, minha chefe descobriu que a GM Model foi
vendida e que o novo dono tem a fama de mudar tudo, demitir as pessoas e
remodelar as empresas ao seu gosto. E se isso acontecer aqui?
 
— Espera. Quem é o novo chefe? — Franzi o cenho.
 
— Não sabemos. — Ela se sentou sobre a mesa de mármore e deixou os
ombros caírem. — Tenho uma filha. Ela precisa de mim, e eu do emprego. Não
tenho mais ninguém. Se eu for demitida, não vou encontrar outro lugar que
pague tão bem e me dê uma carga horária flexível como essa.
 
— Vamos ser positivas. — Levantei-me e peguei em sua mão, pensando
que, assim, eu pudesse confortá-la e, também, a mim mesma. — Temos que ser
positivas.
 
— Mia — James me chamou.
 
Ele estava com cara de poucos amigos e eu senti meu estômago esfriar.
Aquele era o momento em que eu seria demitida? Outra vez?
 
— Preciso falar com você — ele avisou.
 
Vania me olhou com pânico no rosto e eu senti minhas mãos suarem.
Arrastei-me até a sua sala, pois queria prolongar aquele instante para me
distanciar da minha demissão.
 
Assim que entrei na sala, ele fechou a porta atrás de mim. Sentei-me na
cadeira, na frente da sua mesa, pensando no pior.
 
— Aconteceu alguma coisa? — questionei, cautelosa.
 
— Mia, você é uma boa pessoa, eficiente e...
 
Eu não precisava ouvir mais nada para saber qual seria o meu fim. Suas
palavras se misturavam na minha cabeça e eu pensei em disparar, dizendo que
ele não tinha que me elogiar antes de me demitir, pois eu mesma sabia qual era o
meu valor, porém fiquei calada.
 
— Você não trabalha mais comigo. O que é uma pena, pois é...
 
— Está começando por mim porque sou novata? — Apertei a barra da
minha saia para não extrapolar, afinal James não tinha culpa alguma. — Por que
vai demitir todos? Eles são ótimos e...
 
— Não, não vamos demitir ninguém — ele me interrompeu,
surpreendendo-me.
 
— Então será só eu? — Levantei uma das sobrancelhas.
 
— Não está sendo demitida, só remanejada.
 
Encarei o homem em minha frente como se ele estivesse brincando
comigo. Odiava ser feita de idiota.
 
— Remanejada? — indaguei, incrédula.
 
— A MG Model foi vendida para um homem muito importante e que
ajuda as pequenas e médias empresas que estão em um péssimo...
 
Outra vez parei de ouvir o que ele dizia, pois minha mente começou a
criar teorias bizarras que me levavam a ter dor de cabeça. Comecei a ligar os
pontos. Ele ali, sua expressão de vitória, a venda... Só havia uma pessoa em
Nova York que seria capaz de estragar tudo e que era conhecida por dominar o
mercado de investimentos: Aaron Jackson.
 
— Parece que esse novo dono tem o poder de pegar o que quer, e ele
quer você trabalhando com ele. O que é estranho.
 
— Vou matar aquele homem — disparei, furiosa. — Ele acha que é
Deus. Faz o que quer e quando quer. — Nem percebi o que estava fazendo. —
Com certeza é para me punir. Com certeza é.
 
— Então o conhece? — Ele se encostou na cadeira. — Por isso ele foi
tão determinado — concluiu.
 
— Existe uma forma de eu recusar sem ser demitida? — Fitei James.
 
— Não sei. E não quero arriscar.
 
Deixei meus ombros caírem e respirei fundo. Belisquei o meu braço,
pensando que aquilo fosse um pesadelo, e não importava o quão forte eu fazia
isso, não conseguia acordar.
 
CAPÍTULO 11
Depois do que ouvi, não consegui ficar um segundo quieta. Voltar para
casa foi um desafio. Por todo o caminho pensei no mundo onde Aaron me
olhava como um lobo prestes a me comer viva. Parte de mim odiava isso, e a
outra queria se jogar nos seus braços.
 
Ele me fazia mal, e olha que não tínhamos passado de chefe arrogante e
secretária explorada.
 
Sadie estava um caco, quase dormindo no sofá, portanto não despejaria
todo o meu ódio nela. Depois que fui para a cama, passei uma boa parte do
tempo me virando de um lado para o outro, pensando no que faria: se me
sujeitaria aos seus caprichos sem dizer uma palavra sequer ou se abriria o verbo,
como tinha feito na última vez, e, provavelmente, voltaria à agência de trabalho
em busca de outro emprego.
 
Isso só pode ser perseguição.
 
***
 
Ao me levantar da cama, notei que a casa estava vazia. Sadie estava
pisando em ovos, com medo de ser demitida, e eu poderia apostar o quanto seus
ouvidos estavam cansados de ouvir palavras maldosas. Ela era uma boa pessoa.
Aaron, por outro lado, era um verdadeiro diabo.
 
Calmamente, como eu conseguia, tomei meu café, sabendo que àquela
hora eu já deveria ter chegado ao escritório. Coloquei a minha melhor roupa,
que, ironicamente, foi ele quem comprou; e coloquei os saltos pretos, que só me
ajudavam a olhá-lo nos olhos com mais facilidade.
 
Durante todo esse processo, tentei não me imaginar cravando as minhas
unhas em seu pescoço. Foi inútil. Porém, isso me deu outra ideia.
 
Aaron me queria de volta, mesmo eu sendo o seu pior pesadelo, nas
palavras dele. Eu não queria imaginar que ele tivesse cometido toda aquela
loucura por minha causa.
 
Não poderia dizer que o conhecia. Afinal, quem realmente sabia o que se
passava naquela mente diabólica?
 
Todavia, pelo que eu tinha estudado dele, Aaron não fazia nada sem
antes pensar, analisar e calcular o seu lucro no fim do dia. Era um homem que
gostava de investir em empresas, mesmo à beira da falência, que tinham um
potencial e que pareciam bem com seu plano de negócios. Contudo, Aaron
Jackson investia em carros, indústrias alimentícias que tinham filiais em vários
países e em empresas de marketing, não em uma agência de modelos.
 
O que esse homem quer?
 
Por fim, encarando o meu reflexo no espelho e sabendo que ele iria me
olhar com ódio por estar atrasada, cheguei a uma conclusão.
 
Eu iria fazer da sua vida um inferno. Se ele me queria novamente como
sua secretária, iria ser eu mesma: falar o que quisesse quando achasse
necessário. E não me mataria só porque ele gostava de assistir a uma tortura.
 
O senhor Jackson tinha algo em mente, e eu também tinha que ter.
 
***
 
Respirei fundo antes de passar pela porta giratória. Como sempre, as
pessoas iam de um canto a outro, concentradas em seus afazeres.
 
Confesso que estava sentindo falta desse clima. Era mais empolgante do
que me sentar em uma cadeira e atender telefonemas de mulheres em busca de
um sonho nas passarelas algum dia.
 
Andei, sentindo-me confiante, apesar de essa ser só uma casca por fora.
Dei bom dia a todos por quem passava, e eles me olhavam, surpresos, quase
dizendo: “O que está fazendo aqui outra vez?”
 
Subi os degraus até a sala presidencial, onde Sadie estava concentrada
em alguns papéis. E assim que percebeu a minha presença, ela abriu seus olhos,
surpresa.
 
— O que está fazendo aqui? — sussurrou, vindo até mim e evitando
fazer barulho. Encarava-me quase que em pânico.
 
Olhei para a sala de vidro, onde Aaron estava sentado perto da mesa. Ele
parecia concentrado, porém dava para ver que estava irritado. O sorriso de
alegria brotou no meu rosto por eu estar orgulhosa de ser o motivo disso. Pelo
menos eu achava que era.
 
— Ele está uma fera, e não é como nos outros dias. Alguma coisa
aconteceu. Ele mal me olhou no rosto. Parecia que odiava a minha sobrevivência
ao seu lado.
 
— Posso imaginar que sim — respondi sem tirar os olhos dele.
 
— O que deseja? Eu não quero que ele fique mais irritado do que já está.
Acredito que se te vir aqui...
 
— Você pode voltar ao seu trabalho na recepção. — Pus uma das minhas
mãos em seu ombro, tentando confortá-la.
 
— O quê?! — ela quase falou alto o suficiente para que Aaron nos
notasse, apesar de que parte de mim sabia que ele estava ciente da minha
presença.
 
— Relaxa, vou resolver isso. — Passei por ela e pus em cima da mesa a
bolsa que eu carregava no braço.
 
Adentrei o escritório sem bater ou anunciar a minha chegada. Aaron se
manteve estático, e eu pensei que ele não queria me encarar.
 
— Você tem algum problema, sabia? — Pus as mãos sobre a mesa de
vidro, quase que debruçada sobre ela, pensando em fitar suas írises claras que
mexiam com todo o meu corpo.
 
— Tenho vários problemas, então faça o seu trabalho e me ajude a
resolvê-los — ele falou grosseiramente, sem se dar ao trabalho de me olhar nos
olhos.
 
— Não vai ser tão fácil. — Coloquei-me ereta, cruzando os braços na
frente do corpo e o esperando ter a decência de me encarar. — Você me demitiu
e me chamou de incompetente. Por que me quer de volta? E, o mais importante:
qual foi o seu objetivo ao comprar uma agência de modelos?
 
Eu o ouvi respirar fundo e o vi se encostar na cadeira, com calma,
levantando o rosto. Estava sereno, nada parecido com o homem irritado de
minutos antes.
 
— Acredito que seja um daqueles malucos que quer dominar cada
território possível ao seu redor. Devo alertá-lo que isso é perigoso. A não ser que
queira ter domínio sobre as modelos que vão estar no comercial da sua marca.
Porém, ainda acho bizarro. Claro... Não mais do que você ter exigido que eu
seja, novamente, a sua secretária.
 
— Esse é o seu primeiro dia depois que a recontratei. Chegou atrasada,
está na minha sala me fazendo perder tempo e ainda me desafia.
 
— Deveria saber dos contras antes de cometer o erro de me trazer de
volta. — Não abaixei a cabeça.
 
Algo em mim sabia que eu estava cutucando a onça com vara curta, só
que não podia evitar. Aaron Jackson tinha o poder de me enlouquecer, de me pôr
em ações que, normalmente, eu não tomava.
 
— Falando nos contras, devemos estabelecer um acordo. Ou só deixar
claro algumas coisas.
 
— Você quer ser demitida outra vez? — Ele franziu o cenho e eu pude
ver, em seu olhar, o ódio crescer. — Posso fazer isso de novo. E acredite, eu...
 
— Se me quisesse longe de você, teria me deixado como secretária
daquele homem lindo e sexy que eu tinha o prazer de chamar de chefe —
provoquei-o.
 
O que falei foi uma brincadeira, apesar de que eu realmente o achava um
gato. Porém, Aaron não levou para esse lado. Eu comecei a suar e meus pés não
paravam quietos. Sabia que era o efeito dele em mim.
 
— Ciente disso, deve saber que se me provocar, terá o troco. Não pode
disparar ofensas a mim. Faço o que quiser, mas se eu achar que está passando
dos limites, vai ouvir.
 
— Acha que está em uma posição na qual pode me dizer essas coisas e
eu as acatar como se você estivesse no comando? — Ele riu.
 
— Me diga você, chefe. — Parei para o encarar. — O que peço é o
básico para a nossa convivência. Serei um amor se me tratar como um chefe
educado.
 
Ficamos por alguns segundos em uma batalha de olhares. A cada
segundo que se passava, meu corpo aquecia, minhas mãos suavam e meu rosto
ameaçava ficar corado só por eu estar recebendo aquela atenção dele.
 
Pensei que já tivesse a minha resposta e me afastei para sair, só que parei
antes de fazer isso. Aaron se levantou da cadeira, elegante como sempre. O
homem tinha 1,80m de altura, ombros largos e um olhar que te prendia. O ar
começou a ficar escasso no meu corpo.
 
Ele veio em passos curtos até mim. Não falei uma palavra sequer, pois
estava com a língua presa. Pensei em me beliscar para acordar e voltar a ser a
mulher determinada e corajosa de antes, entretanto não consegui.
 
Se eu não mantivesse o controle sobre as minhas pernas, com certeza as
deixaria tremer. E não seria de medo.
 
Pensei que estivesse sendo punida. A cada passo que ele dava em minha
direção, eu dava dois para trás, até que não houve mais para onde eu ir.
 
— Vai ser divertido, Mia — ele falou, alegre.
 
Estranhei o que foi dito, franzi o cenho e o esperei explicar melhor.
 
— Eu não a trouxe de volta só porque é a melhor no que faz, mas
também porque não tem medo de mim e me desafia. E isso é muito excitante.
 
— Hã? Como assim? Você me odeia e...
 
— Odeio os incompetentes que se rastejam pelos corredores deste lugar.
 
Eu não tinha me preparado para isso. Senti meu coração na boca e meus
pulmões pedirem socorro. Estava a ponto de deixar que meu corpo caísse no
chão.
 
Aaron estava a centímetros de mim. Seu corpo quente deixava o meu em
chamas e eu sentia o meio das minhas pernas formigar. Seu perfume me fez ficar
paralisada e eu não parava de encarar os seus lábios.
 
O que está acontecendo comigo?
 
— Você! Não odeio você, gosto muito. É um incentivo eu vir ao
escritório quando está aqui. — Esse homem só podia estar de brincadeira, ou era
louco. — O que mais odeio em você é o que mais gosto. É confuso sim. É sim.
E também irritante. Nunca na minha vida tinha me sentido atraído por uma
funcionária e repreenderia qualquer um que se sentisse assim dentro do local de
trabalho. Só que eu não tenho força o suficiente para repreender a mim mesmo
agora.
 
— Está ficando louco. Tenho certeza de que está confundindo... — Ele
pôs os dedos sobre os meus lábios, impedindo que eu continuasse falando. O
simples gesto me deixou ainda mais molhada.
 
Isso só podia ser brincadeira. Eu não poderia me sentir atraída por um
homem como esse. Eu deveria chutar as suas bolas e sair dali para o denunciar
ao RH. Todavia, eu não queria isso. O que eu queria era o agarrar e beijar aquela
sua boca que me provocava.
 
Aaron se afastou de mim e arrumou o terno no corpo.
 
— Mas não é apropriado, certo? — Sorriu. — Agora, eu só quero que vá
para o seu lugar e faça seu trabalho antes que eu perca a cabeça, jogue a toalha,
coloque você em cima da minha mesa neste instante e te foda.
 
Praticamente corri para longe da sala e evitei olhar para trás, mas sabia
que ele me observava.
 
Respira! Ele é odiável, é um diabo. Nunca deixe que ele te toque. Isso
seria um abuso. Não pode cair nesse jogo.
 
Ah! Mas não posso mentir para mim mesma. Ele mexeu com tudo dentro
de mim, até mesmo com partes que nunca ninguém tocou.
 
— Mia! — A voz de Sadie me assustou e me fez corar. — O que foi
aquilo?
 
— Boa pergunta. Eu não... — Claro que eu sabia, só não queria falar em
voz alta.
— Não foi nada demais. Ele só queria me testar. Foi só uma forma de
me torturar.
 
— Se ele fizer aquilo outra vez, você tem que...
 
— Relaxa, não foi um assédio. Eu... Não foi nada, Sadie. — Sorri, mas
de nervoso.
 
CAPÍTULO 12
Te proíbo de pensar naquele idiota de gravata. Quem já viu um patrão
falar daquele jeito com uma funcionária?
 
Não! Melhor! Quem, algum dia, falou daquele jeito, com aquelas
palavras, com você?
 
Sabe por que não lembra? É, exatamente, não existe um alguém.
 
Talvez fosse por esse motivo que isso estivesse mexendo comigo. O dia
foi estranho. Ele me olhou como uma águia prestes a dar o bote, chamou a mim,
sorriu com segundas intenções e me calou sem usar uma palavra.
 
Aaron descobriu o meu ponto fraco: ele mesmo.
 
Sadie não falou absolutamente nada durante o trajeto que fizemos de
volta para casa. Ela só me observou, e eu soube disso graças a alguns lapsos de
realidade que tive entre algumas distrações. A maior parte do tempo, passei
pensando em Aaron sem camisa, colocando-me sobre a sua mesa e tocando em
mim por inteiro.
 
— Ok, já chega — Sadie falou depois que entrou no meu quarto.
 
Eu enxugava os cabelos, que tinha acabado de lavar. Pensei que fazendo
isso, esqueceria o dia estranho.
 
— Você chega do nada, toma seu emprego de volta, depois o desafia,
como fez na última vez, e em vez de ele te expulsar da sala, dá em cima de você.
E pior, você permite e ainda pensa nele como se fosse alguém normal — ela
falou tão rápido e sem pausa, que seus pulmões reclamaram no fim, forçando-a a
respirar fundo. — Que porra é essa?!
 
— É...
 
— E nem me venha com aquela história de: “Relaxa, está tudo bem. Ele
só me provocou”.
 
No momento, eu não sabia se ela estava furiosa ou preocupada.
 
— Certo. Eu não disse nada a você ontem à noite — comecei, largando a
toalha com a qual eu me enxugava. — Você estava cansada. Então, não sabia o
que aconteceria nessa manhã.
 
— Ontem à noite? — Ela franziu o cenho, sentando-se na minha cama.
 
— Falei, naquele dia, que Aaron apareceu no prédio onde eu trabalhava.
— Ela confirmou com a cabeça. — Bem... Ontem todos ficaram sabendo que a
empresa foi comprada, e achei mesmo que estava sendo demitida, pois era isso
que todo mundo pensava. Porém, meu ex-chefe disse que, na verdade, foi Aaron
que comprou a MG Model e que estava me remanejando. Voltei a ser sua
secretária. E não fazia ideia do que estava acontecendo.
 
— Ele comprou uma empresa só para ter você de volta? — Os olhos dela
se arregalaram.
 
Eu queria dizer que não, porque isso era uma maluquice, só que depois
do que tinha acontecido mais cedo, já não sabia mais de nada.
 
— Ai, meu Deus! Ele quer você!
 
— Calma, Sadie. Eu sou a pessoa mais irritante e bocuda daquela
empresa. Aposto que ele só está me deixando desconfortável.
 
— Não seja ingênua. — Ela cerrou os olhos. — Eu mesma marquei uma
reunião de negócios há três dias. Eu não sabia qual o assunto da conversa, mas
ouvi algumas coisas. Ele falou: “Eu pago o que quiser”. E o homem, que era
bem novo, inclusive, disse um valor. Aaron não pestanejou ou barganhou,
simplesmente deu 40 milhões de dólares e comprou a empresa. Na hora corri
para a copa e peguei um copo com água. Eu sabia que a AMP Corporation era
quase trilionária, mas 40 milhões de dólares por uma agência de moda? Esse
homem joga dinheiro pela janela e nem se preocupa. Agora você diz que ele está
te provocando em uma brincadeira de luxo.
 
— 40 milhões?! — Fiquei de queixo caído. — Por que ele faria isso por
mim? Aposto que sou só uma consequência. Deve haver outra justificativa.
 
— Você é uma consequência de 40 milhões — sussurrou, quase
surtando. — Agora ele quer levar você para a cama. — Cruzou os braços.
 
Eu ri. Ri de nervoso e, depois, por achar esse fato ridículo.
 
— Sobre isso, você não precisa se preocupar. Eu nunca farei tal coisa.
Nunca me sujeitaria a isso. Nunca, jamais, vou deixar Aaron Jackson tocar em
mim — afirmei, convicta.
 
— Você deixou, mesmo que inocentemente, e depois a mão dele vai
estar...
 
— Está me ofendendo agora — eu a interrompi. — Não fale como se eu
fosse uma vadia que dorme com o chefe. Não sou assim. E se algum dia
acontecer, será por outras razões que não seja dinheiro.
 
— Desculpe. Só estou preocupada. — Vi, em seu olhar, que ela se
arrependeu. — Você é boa, uma pessoa legal, e Aaron é o chefe. Ele pode fazer
o que quiser. Veja só o que já fez: manipulou e trouxe você de volta. Pode falar
que você não foi a razão por ele ter comprado a agência, mas que ele quer algo,
nisso tem que concordar. — Sadie conseguiu me deixar pensativa.
 
Depois que ela saiu do quarto, fiquei onde estava, olhando o meu reflexo
no espelho e pensando no que estava acontecendo.
 
***
 
Havia uma mini cafeteria móvel na frente da AMP Corporation. Eu pedi
um dos copos e me sentei a uma mesa, debaixo da sombra de uma árvore
enorme e linda.
 
As palavras da minha amiga torturavam os meus neurônios. Aaron não
era tão louco. Seu jogo de negócios ia além da capacidade de dedução comum
de uma secretária.
 
Contudo, eu não deixava de pensar que Sadie podia estar certa. E se eu
fosse o motivo? E se esse seu jogo me levasse a perder a cabeça? O que Aaron
queria de mim.
 
Olho o celular e noto que está na hora de eu ir. Meu chefe odiava atrasos,
e mesmo que eu gostasse de provocá-lo, não estava com cabeça para fazer isso.
Devia me concentrar em fazer meu trabalho.
 
Andei pacientemente até os degraus e me apoiei no corrimão espelhado.
Tentei me atentar aos meus pés para não tropeçar e cair, já que esse era o meu
hábito. Dei alguns passos até chegar ao meu local de trabalho, coloquei a bolsa
sobre a mesa, fui à sala de xerox, peguei alguns papéis que tinham sido enviados
por fax — não sabia por que ainda existia isso — e voltei ao meu lugar.
 
Entretanto, de tão distraída, acabei não vendo antes o corpo enorme
como uma parede de Aaron, que me segurou para que eu não caísse de cara no
chão.
 
— Você não olha por onde anda? — ele me questionou com o cenho
franzido.
 
— Por que sempre está no meu caminho?
 
Meu patrão não tinha me soltado. Com as mãos em minha cintura e o
rosto tão firme e perto do meu, ele me fez perder a segurança. Eu não queria
pensar que estava me deixando levar por palavras vindas de um homem odiável.
Não queria acreditar que me sentia atraída por ele.
 
— Volte ao trabalho — ele disse ao me soltar e eu agradeci mentalmente
por isso. — Ah... Não se esqueça que temos um almoço com Jamie hoje. Ele é
um velho muito chato quando não chegamos na hora certa.
 
— São parentes? — ironizei.
 
Aaron cerrou os olhos, no entanto não disse nada. Não consegui impedir
o sorriso.
 
***
 
Eu não fazia ideia do porquê estava ali. Nunca tinha entrado em um
restaurante tão chique. A vista era linda, o clima corroborava com os clientes
chiques, havia vidraças reluzentes e mesas distantes repletas de comida. Além
disso, os garçons faziam o mínimo de barulho.
 
Fiquei impressionada e envergonhada. Comparada às mulheres que ali
estavam, eu era uma serviçal.
 
— Aaron — cumprimentou-o o homem de sessenta anos, com cabelos
totalmente grisalhos, terno bem alinhado e aquela cara de empresário exigente.
 
Olhando os dois de onde eu estava, percebia que eles realmente pareciam
ser parentes.
 
— Como vai a sua mãe? — o senhor o questionou.
 
— Mia, vá para a outra mesa. Quero ter uma conversa a sós com Jamie
— Aaron mandou, usando um tom calmo. Nada que eu jamais tenha ouvido vir
dele.
 
Assenti com a cabeça e fui para a mesa adjacente junto com a outra
mulher. Sentei-me na cadeira, de frente para ela e Aaron, que me observava em
cada movimento.
 
— Sou Camille — falou a moça de cabelos pretos e bem lisos.
 
Ela estava tensa, quase amedrontada. Eu poderia apostar que tinha
levado alguma bronca do chefe antes da nossa chegada.
 
Depois de uma conversa a sós, pudemos nos juntar a eles. Minha função
era apenas anotar, repassar informações e colaborar para a reunião. Mesmo
estando em um restaurante, pouco comemos. O assunto era investimentos e a
colaboração empresarial. Eles eram sócios em uma empresa.
 
Minha cabeça, além de fazer o meu trabalho, não parava de pensar na
tensão. Aaron exalava um poder incomum, que só naquele momento percebi. Se
ficássemos só na provocação de chefe e funcionária, as coisas estariam bem para
mim, só que passamos disso para desejo. E eu não sabia lidar com desejos.
Sempre pulei essa parte da minha vida. Concentrei-me na escola, nos estudos, e
depois na vida entre o emprego de meio período e a faculdade. Ia a algumas
competições prestigiar a minha irmã, que nem notava a minha presença, e depois
às apresentações do meu irmão, que, pelo menos, era o único que percebia a
minha existência na vida da nossa família.
 
Então, eu me via em uma situação complicada: meu chefe estava
declarando um certo interesse por mim. E meu cérebro era um traidor, que me
manipulava a pensar nele a todo tempo.
 
Agradeci quando tudo acabou. Imaginei que sairíamos dali e que eu
comeria um taco ou alguma coisa antes de voltarmos ao escritório. Só que isso
não rolou. Jamie e sua secretária se retiraram, porém Aaron permaneceu no
lugar, encarando-me. Ele chamou o garçom e pediu comida sem ao menos me
perguntar nada.
 
Pensei que assistiria a ele comendo, todavia me foi servido um prato
delicioso que, apesar de pouco, fez me salvar. Eu era do tipo que comia tudo que
via pela frente. Restaurantes, para mim, só serviam se viessem com um enorme
cardápio. E aquele não era um deles. No entanto, eu não iria reclamar. Na
verdade, nem estava segura se pegava o garfo ou não.
 
— Não quero que morra de fome — Aaron disse, olhando para o seu
próprio prato e pegando os talheres. — Estou preocupado com que tenha
engolido a língua.
 
— O quê? — indaguei, confusa.
 
— É uma das pessoas mais tagarelas que conheço e revida provocações.
Nem sempre com palavras. Mas desde cedo noto você silenciosa. — Ele
levantou o olhar para mim. — O que houve?
 
Apertei os punhos por baixo da mesa. Estava tentando ganhar a coragem
que tanto me orgulhava de ter.
 
— Estou pensando — comecei, já imaginando o que perguntaria. —
Você é um homem inteligente.
 
— Um elogio. Isso é ainda mais estranho — ironizou, murmurando. —
Aonde quer chegar?
 
— Tem interesse no ramo da moda? — fui direta. — Por que não o vejo
investindo nisso. Não faz parte do seu currículo ser proprietário de uma agência
de moda.
 
— Voltamos ao assunto de antes?
 
Levantei uma das sobrancelhas, observando Aaron colocar um pedaço de
carne na boca. Tão sensual, que me fez salivar ainda mais.
 
— Não me respondeu, nem deixou que eu perguntasse — justifiquei. —
Acabo pensando que faz as coisas aleatoriamente ou que é um jogo do qual não
quero participar.
 
— Não faço negócios à toa. — Voltou-se ao prato.
 
Deixei de resistir e acabei pegando o talher. Parti um pedaço de carne
malpassada, coloquei-a na boca e me amaldiçoei por achá-la uma delícia.
Normalmente, eu gostava de comer besteira, fast-food, essas coisas. Não era que
eu não comia carne, só não gostava de nada malpassado. Só que, dessa vez,
estava bom.
 
— E não fiz isso só para mim — ele completou.
 
Levantei uma das sobrancelhas, achando isso estranho.
 
— Ah, não?
 
— Fui àquele prédio comercial para outra coisa, só que vi você e fiquei
curioso. — Claro. O que mais? — Não gosto de mentiras, então vamos ao que
você quer ouvir.
 
— Por favor — falei ironicamente, dando um sorriso amarelo.
 
— Odeio admitir que cometo erros, Mia, mas penso que foi isso que fiz
quando demiti você. — Confesso que me senti orgulhosa ao ouvir isso. — Gosto
da firmeza e determinação que tem. Sabe ouvir. E, mesmo que seja irritante, tem
algo em você que me gera uma curiosidade ou interesse. — Essa foi a parte que
deixou meu coração na boca. — Óbvio que não tomo decisões por capricho, e
não gastei esse dinheiro à toa. — Peguei a taça com água e a bebi, esperando
que eu me acalmasse e disfarçasse a minha insegurança. — Minha curiosidade
sobre você me levou a pesquisar pela agência, e eu descobri um grande buraco
na administração. Mesmo não sendo como as outras empresas em que invisto,
achei que poderia dar uma melhorada nela, e tenho um parceiro que tem
interesse no ramo de moda e marketing. Então, comprei a agência, cuidei de
fechar os buracos, de mostrar um caminho mais lógico e produtivo para ela, e a
repassei para esse amigo, que me pagou quase o dobro do valor pelo qual a
comprei — ele contou essa história toda sem ao menos olhar para mim. — Eu
poderia fazer o que quisesse antes da venda, na qual ainda estou trabalhando,
então trouxe você de volta. Tem potencial, e gosto do seu trabalho.
 
Encarei o homem à minha frente, que contou uma história até que
coerente. Mas, meio que me elogiar, não era comum para ele, ainda mais porque
me demitiu por me achar uma incompetente.
 
— Você é maluco, sabia?
 
Ele sorriu. Um sorriso bonito, largo e nunca antes visto por mim.
 
— Por fazer bons negócios? — finalmente me olhou.
 
— Você me odeia, então agora vem me elogiar e pede para que eu volte a
ser sua secretária. — Eu já não sabia mais o que pensar. — Não faz sentido
nenhum.
 
Aaron me fitou por um bom tempo. Estranhamente, eu me senti contra a
parede. Esse homem me enlouquecia a cada minuto.
 
— Não sou de rodeios nem tenho idade para jogos — ele falou, sério. —
Não sei se odeio ou gosto de você. Sinto uma atração que nunca senti por mais
ninguém, nem mesmo por Scarlet, com quem tenho um certo relacionamento e
quem parece comigo em algum nível.
 
— O que quer dizer com isso? — Meu nervosismo talvez estivesse
aparente. Minhas mãos suavam e eu mal podia fazer contato visual com ele.
 
— Quer dizer que quero a sua presença na minha vida até que eu
descubra o que é isso. — Franzi o cenho, pensando que ele só me queria como
um brinquedo. — Também gosto do fato de você ser a única pessoa que pode
me suportar — concluiu e voltou a comer a sua comida.
 
— Não estou aqui para ser um joguinho seu. Nossa relação é puramente
profissional. Nós dois até nos odiamos.
 
— Não é verdade.
 
— Claro que é. — Bufei.
 
— Você pode até mentir para si mesma, mas não para mim, Mia Wanell.
— Aaron levantou o seu olhar. Tinha um sorriso safado no seu rosto que me fez
ruborizar. — Você sente a mesma atração que eu sinto, e isso não é motivo de
vergonha.
 
Ele não disse mais nada, nem eu, pois eu não sabia o que dizer.
 
Era tão fácil assim perceber que eu era uma boba atraída por um cara
mais velho e arrogante? Por que eu me sentia assim perto dele, se o homem era
tão odioso?
 
CAPÍTULO 13

 
Aaron estava me deixando nervosa e maluca. Desde a minha volta e após
confessar coisas que eu preferia esquecer, ele não parava de me observar e
observar. O homem antipático e arrogante que eu conhecia como chefe estava
mais do que estranho. Era quase bizarro.
 
Aaron Jackson surpreendia até aqueles que trabalhavam com ele há
décadas. E eu, bem, estava engolindo em seco, mordendo a língua e tentando me
manter fria.
 
Quase pensei que estava sonhando quando ele passou por mim e me deu
bom dia. Sadie estava ao meu lado, pois ele tinha lhe pedido um favor. O olhar
dela foi a expressão dos meus sentimentos: surpresa.
 
Nos dias seguintes, meu chefe fez de tudo para estar comigo e até me
chamava quando não era necessário. E, dentro de mim, uma parte idiota dizia
que ele estava sendo sensível e fofo, mudando a sua personalidade para me
conquistar. Só que a outra parte, a que gritava “idiota”
bem alto, pensava que era
mais um jogo.
 
Eu me sentia acuada e duvidava dos meus sentidos, da minha mente e de
Aaron.
 
O escritório com paredes de vidro não me era agradável. O meu lugar era
estrategicamente de frente para ele, permitindo que esse homem, que estava se
tornando um mistério sem solução, observasse a mim de todos os ângulos, a
todo momento, e até quando havia outras pessoas com ele.
 
Cheguei cedo, fiquei no meu lugar e me concentrei no trabalho. Atendi
duas pessoas que queriam uma reunião com Aaron a respeito de algum contrato.
Antes de dizer “sim” ou “não”, eu deveria comunicá-lo sobre isso.
 
Parecia que o chefe estava tendo alguns problemas pessoais. Mesmo
sendo um doce comigo ultimamente, ainda se estressava e se irritava com
pessoas que só enchiam o seu saco. Por isso eu tinha que fazer uma abordagem,
dizendo-lhe quem e qual era o assunto, antes de marcar qualquer coisa.
 
Ergui a cabeça e o vi entrar com cara de poucos amigos. Senti um frio na
espinha. Apesar da sua cordialidade, eu não contaria com a sorte no dia.
Levantei-me, nervosa, tanto pelo seu olhar de lobo mau quanto porque teria que
o chamar para falar de um assunto que poderia chateá-lo.
 
— Senhor...
 
— Não estou aqui para ninguém hoje, Mia — ele respondeu duramente
antes que eu continuasse a falar.
 
Engoli a língua. Ele estava de mau humor. Eu até estava gostando da paz
de espírito de antes.
 
— Tenho outros compromissos particulares. Mas fique atenta, posso
chamá-la para algo fora do escritório.
 
— Entendi. — Abaixei a cabeça. — Assuntos de trabalho?
 
— Só fique atenta. Estou sem o mínimo de paciência.
 
Sem dar espaço para perguntas, Aaron, que havia entrado ali como um
furacão depois do almoço, abriu uma gaveta, pegou algo de lá e saiu da sala. Eu
o observei fazendo isso e pensei no que poderia ter acontecido para que o
homem mudasse tão drasticamente o seu estado de espírito.
 
Seria confuso ou loucura dizer que me senti chateada por ele ter ido
embora sem me dizer uma palavra que fosse agradável?
 
— Mia. — O som da voz de Sadie me despertou dos pensamentos. —
Algum imprevisto?
 
— Não sei. Ele entrou de mau humor e saiu como se o mundo estivesse
caindo sobre os seus pés — respondi, ainda pensando no que poderia ter
acontecido para o deixar assim. — Estranho.
 
— Vai ficar? — Minha amiga se aproximou de mim. — Podemos comer
algo. E depois vou à academia.
 
— Exercícios? — Meu desgosto era nítido. — Não sei se sabe, mas o
mínimo de esforço que faço é subir as escadas.
 
— E é por isso que temos que ir — tentou me convencer. — É jovem e
bonita, mas sabe que tem que ter uma vida saudável. Vejo as porcarias que você
come.
 
— Está me criticando? — Cerrei os olhos. — Você é a primeira a ligar
para a pizzaria.
 
— Sou hipócrita. Mas essa é a nossa oportunidade de começar a mudar.
 
— Só quer ir à academia por causa de um homem — acusei-a.
 
— Isso é só um bônus — explicou.
 
Rimos.
 
Ela insistiu muito, até me convencer a ir. Eu não gostava de esforço, no
entanto Sadie tinha razão sobre uma vida mais saudável, mesmo eu sabendo que
sua motivação era outra.
 
— Ainda é meio cedo, então vou ficar para digitalizar alguns arquivos.
Depois saímos juntas — avisei.
 
— Você tem muita paciência. — Ela jogou uma mecha do seu cabelo
loiro para trás. — Quando me entregam uma pilha de papéis para digitalizar,
penso em pular no pescoço dessa pessoa e a matar.
 
Nós rimos e ela saiu, voltando à recepção.
 
***
 
Eram seis horas da tarde e eu estava com quase todo o meu corpo sobre a
máquina na qual digitalizava os arquivos. O tédio me pegou às duas horas,
depois que acabei de voltar do almoço empolgante com Sadie.
 
Passei a maior parte do tempo pensando em Aaron, no que ele estava
fazendo e com quem. Até me bati algumas vezes, achando que estaria
enlouquecendo se pensasse que eu gostava dele, um arrogante antipático que
fazia da vida de muitos um inferno, inclusive a minha.
 
Eu olhava o monitor azulado da máquina, sentindo um frio percorrer o
meu corpo, começando do calcanhar. Meus pés estavam descalços e eu tinha
aberto alguns botões da blusa de mangas longas que usava com a saia-lápis.
 
Quando o processo acabou, peguei as folhas e me virei para sair do
cubículo. Quase morri de susto ao ver o chefe encostado no mármore escuro.
 
— Eu poderia passar a noite toda aqui, observando você. — Sua voz
rouca e grave me deixou com o sangue quente. — Ainda mais com você naquela
posição. Minha mente viajou para onde não é permitido no horário de trabalho.
 
— É a segunda vez que quase me mata de susto — condenei-o. — Se eu
tivesse um histórico de doenças cardíacas, poderia ser o culpado pela minha
morte.
 
— Isso seria uma tragédia. Minha intenção não é essa, mas fico feliz em
saber pelo menos isso sobre você.
 
Eu o encarei, cerrando os olhos, achando estranho o sorriso no seu rosto,
já que mais cedo ele parecia que explodiria de raiva.
 
— Por que está aqui a esta hora e de bom humor? — Bipolar: esse era o
problema de Aaron Jackson. — Saiu mais cedo como se tivesse engolido um
sapo.
 
— Acreditaria se eu dissesse que estava com saudade? — brincou.
 
O quê?!
 
Com certeza o seu plano era me enlouquecer. Eu preferia o chefe
irritante. Com ele, eu sabia lidar.
 
— Resolveu o seu problema? — questionei ao passar por ele, fingindo
não ter interesse nele.
 
— Não estou aqui para conversar sobre minha vida particular. — Deixou
a parede e veio atrás de mim.
 
Certo, ele ainda está aí dentro. Só não sei o que quer com essa versão de
arrogante bonzinho.
 
— Quero que venha comigo — ele pediu.
 
— Aonde iriamos a esta hora? — Isso era estranho. Eu já estava
começando a entender as preocupações de Sadie. — Vai ter que me pagar hora
extra.
 
— Tenho que pagar a você por um jantar? — Ainda bem que ele estava
atrás de mim, pois eu sabia que meu rosto expressava surpresa e incredulidade.
— Concordarei se aceitar outro tipo de recompensa.
 
— Qual o seu problema e o que quer comigo? — Virei-me rápido demais
e senti meu rosto queimar. Só não sabia se era de vergonha ou raiva. — Já falei
que não gosto de joguinhos.
 
Fiquei perplexa e estática. Eu o olhei por uns segundos, esperando-o
dizer que aquilo era uma piada.
 
— Jantar?
 
— Não preciso insistir quando chamo alguém para sair e odeio me
justificar. — Recostou-se do lugar.
 
— Não costumo sair com meus empregadores. — Ri, arrumando a mesa
só para não o encarar mais. — Está fora de cogitação.
 
Eu o ouvi respirar fundo. O homem alto, de olhos claros, caminhou ao
meu redor. Senti seu olhar no meu cangote, o que me deixou nervosa.
 
— Como eu disse, não gosto de insistir, Mia. — O tom autoritário me fez
abrir um sorriso com ironia. — Eu tive um dia difícil, e... de forma alguma
quero brigar ou ser grosso. Estou tentando ser gentil.
 
— E você consegue ser gentil? — Olhei para ele, esperando que meu
rosto expressasse meu sentimento de raiva. — Por que está fazendo isso?
 
— Achei que tivesse deixado tudo claro com nossas últimas conversas.
 
— É um jogo onde você quer me seduzir e, depois que tiver o que quer,
me jogar fora, me demitindo?
 
— O quê? — Franziu o cenho.
 
— Olha só. Não sou esse tipo de mulher. Não saio com o chefe, não sou
cobiçada, nem sou atraente para alguém como você. Mal tive encontros na
faculdade. Não sei o que espera de mim, nem por que se dedica tanto, mas não
vai consegui me usar, se é o que pensa.
 
— Existe uma dúzia de mulheres desejando sair comigo, dormir e outras
coisas mais.
 
Revirei os olhos.
 
Aaron se aproximou de mim e, para piorar, eu estava encurralada. Não
sabia que ele tomaria essa liberdade. Senti meu coração na mão, mas, por fora,
optei por me manter firme.
 
— Dispensei uma mulher linda, atraente e inteligente que seria perfeita
para um casamento. Não estou mais nos meus vinte anos, não preciso seduzir
ninguém, mas então chego ao trabalho e me sinto atraído por uma menina
medrosa que insiste em me provocar e depois pula fora quando o caldo engrossa.
 
— Não provoco você, só não vou engolir as suas grosserias — rebati. —
E talvez seja só uma diversão. Acha que vou arriscar minha pele e emprego em
um jogo como esse? Não, eu não vou.
 
Ele estava tão próximo a mim, que me senti eletrizada com o seu corpo
quente. Aaron se inclinou um pouco e colocou suas mãos uma de cada lado na
mesa, prendendo-me no meio.
 
Encarei seus olhos, que dessa vez estavam escuros, e depois a sua boca,
que estava tão perto da minha e me fez salivar. Eu nunca tinha me sentido
atraída por ninguém nesse nível.
 
Até pensei em jogar a toalha e aceitar o seu convite, porém a parte
racional me segurou firme.
 
— Não tenho mais idade para joguinhos — ele afirmou.
 
— Não acho que vá querer nada sério com uma secretária — falei,
pensando em ser firme, e esperava que minha voz não falhasse. — Confesso que
me surpreendi com a sua simpatia nos últimos dias, só que não sou idiota. Cresci
sendo a filha do meio. Não fui mimada e sempre busquei o que quis. Estudei
muito e me dediquei. Você mesmo disse que sou boa nisso. Não vou cair na sua.
 
— É só um jantar. — Riu.
 
— Quer só um jantar? — Levantei uma das sobrancelhas, duvidando das
suas intenções.
 
— Sim.
 
Encarei seus lábios, que exibiam um sorriso pervertido, e apertei os
dedos na mesa, fitando o seu olhar e boca, que me deixavam em dúvida sobre a
minha sanidade.
 
— Não vai ter mais que um jantar — avisei.
 
— Vamos começar com um jantar, e depois veremos o resto.
 
Abri a boca para dizer mais alguma coisa, todavia ele se afastou, dando
as costas para mim.
 
Pensei em me chutar. Por que aceitei isso? Eu era uma burra, só pode.
 
CAPÍTULO 14
Eu não deveria estar ali, deveria estar na academia com Sadie, por mais
cansada e desanimada que estivesse. Minha cabeça era o juiz naquela noite,
condenando-me por minhas ações que poderiam ter sido evitadas pela
consciência racional. Porém, eu tinha o péssimo hábito de cometer erros.
 
Minha mãe sempre dizia que os homens se achavam os donos do mundo
e que, por isso, as mulheres deveriam ser mais espertas que eles.
 
Eu estava acostumada com a gentileza e o carinho de Adam. Ele foi
criado ao redor de mulheres e sempre foi um fofo conosco. Entretanto, ele era
uma exceção.
 
Aaron Jackson era um dos piores homens que eu já tinha conhecido. Ele
era provocante, arrogante e não media esforços para estragar as coisas. Sua
repentina mudança de comportamento não me convenceu em nada, apesar de eu
pensar que essa pessoa que ele se revelou ser era melhor e mais atraente do que
o chefe arrogante.
 
Meu patrão era um quarentão sexy, bruto e sedutor. Suas palavras eram
ofensivas, mas, no fundo dos seus olhos, eu via segundas intenções. E por que,
mesmo sabendo disso tudo, aceitei cair no seu jogo sujo?
 
Pensava eu, naquele instante, que tinha sido o meu corpo completamente
sedento que tomou essa decisão por mim.
 
Estávamos entrando em um restaurante suspeito. Eu via pretensões nada
comuns para um empregador e, no momento, não tinha como voltar atrás. Ou
tinha, e eu só queria mentir para mim mesma e experimentar o pecado.
 
Nunca fui uma beata, porém minha família ia à igreja aos domingos e a
parte dos pecados me amedrontava até então. Eu era alguém que jamais havia
feito mal a outras pessoas e ajudava quem precisasse, quando podia, além de que
sempre tentava dar o melhor de mim.
 
Minha vida amorosa vivia na geladeira por conta do meu foco no
trabalho e minha língua solta. Na faculdade, alguns garotos até eram gatinhos e
me chamavam para sair, no entanto não passavam de propostas, pois era só eu
abrir a boca e dizer o que pensava, que eles saiam correndo com a desculpa de
eu ser uma mulher de personalidade forte e intimidadora. Pura bobagem. Eles
não gostavam do que saía da minha boca porque eu sempre os criticava.
 
Até aceitei a minha situação. Não me importava se eu era virgem ou não,
se iria ficar só ou encontrar um amor. Tinha que me concentrar no trabalho, esse
era o objetivo.
 
Contudo, eu não estava contando que encontraria um dos maiores
pecados capitais bem onde achava que estaria segura. Aaron, com todo o seu
mistério e brutalidade, mexia comigo de formas inexplicáveis. Meu corpo
esquentava, eu sentia como se minhas pernas fossem me trair e o meu desejo me
fazia fantasiar situações que me deixavam tão excitada, que eu me obrigava a
me aliviar sozinha.
 
E naquele momento, por uma péssima ideia, eu estava em um beco sem
saída, entrando em um restaurante nunca frequentado por mim e com um
homem que já tinha declarado suas intenções pervertidas por minha pessoa.
 
— Tem certeza de que isso é um restaurante? Está mais parecendo um
bordel — brinquei, tentando aliviar o silêncio constrangedor, só que da pior
forma possível. — Achei que fôssemos jantar. Foi você quem...
 
— Eu disse que era um jantar, mas não falei onde — ele me interrompeu.
 
— Espera aí. Aonde está me levando? — Preocupei-me.
 
— Esse é um dos meus restaurantes. Gosto de privacidade e de como
esse lugar é agradável de várias formas. — Seu tom irônico não agradou aos
meus ouvidos.
 
Enquanto Aaron andava em minha frente, eu observava o lugar ao qual
havíamos acabado de chegar. Não era um restaurante comum, disso eu tinha
certeza. A entrada era discreta e a luz era meio que misteriosa.
 
Um cara alto, careca e de pele cor de oliva nos guiou até um corredor.
Até o momento, eu não tinha visto mesas ou garçons. Acabei imaginando que
aquele fosse outro tipo de restaurante.
 
— Você me enganou — sussurrei, irritada. — Onde estamos, Aaron? —
Ele riu e deu um sorriso largo e debochado que me despertou um desejo de socá-
lo no mesmo instante. — Acha isso engraçado? Eu não estou feliz nem um
pouco e posso ir embora agora mesmo. Eu poderia estar em uma academia
lotada de homens com barriga definida e suados. Isso, sim, seria uma noite
muito bem proveitosa.
 
— O que disse? — Virou o rosto para me encarar.
 
— Foi o que ouviu — confirmei, furiosa. — Homens lindos e suados.
Sadie deve estar me odiando agora, porque eu tinha falado que iria com ela. Mas
aqui estou eu. Estou em um lugar estranho com meu chefe babaca.
 
— Curte corpos suados? — A pergunta veio acompanhada de um sorriso
de canto de boca que me deixou envergonhada. O que falei foi só para o irritar.
— Não está perdendo nada, se for o caso.
 
O grandalhão abriu a porta de uma sala que tinha uma mesa e uma janela
de vidro que mostrava uma escuridão suspeita. Olhei para o local em busca de
alguma explicação e não vi nada.
 
— Que lugar é esse? — Cruzei os braços.
 
O homem forte que nos conduziu havia ido embora e eu não queria
entrar naquela sala com Aaron. O que aconteceria?
 
— Está estranho. Isso aqui é estranho. Por que tudo isso?
 
Eu poderia apostar que esse homem estava me testando, que tinha
segundas intenções e que iria aprontar alguma coisa.
 
— Como eu disse, é só um jantar. — Vi, no seu olhar, que seria mais que
isso.
 
Murmurei coisas que, para ele, foram inaudíveis. Queria xingá-lo dos
piores palavrões que aprendi longe da igreja. Se minha mãe me visse ali, iria me
chamar de tola.
 
Entrei com cautela, ainda tentando imaginar que local era aquele, o que
aconteceria e o que o meu chefe queria me levando ali.
 
Ele afastou a cadeira para que eu me sentasse. Olhei para o homem alto e
com olhar frio e sombrio antes de me permitir cometer mais aquele erro. Senti
meu corpo se arrepiar, percebendo sua respiração tão perto de mim.
 
Devo admitir que tudo isso estava me deixando curiosa e excitada.
 
Claro... Uma mulher que nunca tinha sido olhada ou tratada assim se
sentiria nas nuvens ao lado de um homem que declarou seu desejo por ela.
 
Onde eu vim me meter?
 
— Eu não sabia que tinha um restaurante, nem que ele era como você:
misterioso e assustador — comentei, desconfiada.
 
— Sou assustador? — Ele riu ao me encarar, sentou-se à minha frente e
observou cada reação minha. — É assim que me vê?
 
— É assim que todos o veem — respondi mais alto do que eu desejava.
— Afinal, que lugar é esse?
 
Jackson parecia orgulhoso. O sorriso de satisfação permaneceu por muito
tempo no seu rosto.
 
— Sabe que invisto em coisas que vão ser atrativas para muitos. — Ele
pegou um tablet que eu não vi de onde saiu e digitou alguma coisa. Depois
voltou a me dar a sua atenção. — Passei uma temporada na Itália, e outra na
Espanha. São países maravilhosos para quem busca experiências. — Claro. E
para quem tem dinheiro também. — Lá é bem mais comum existir lugares mais
íntimos e sem preconceitos, sem preocupações com tabus.
 
— Só está me deixando mais confusa. — Peguei a taça com água, que já
estava ali, e bebi um gole dela. Minha garganta estava seca.
 
Odiei ser encarada por ele.
 
— O que quero dizer é que eu trouxe para Nova York o que mais gostei
nesses lugares. E, para a minha surpresa, era algo que muitos desejavam, só não
tinham coragem de fazer. Claro que tudo fica no mais puro segredo. Ninguém
sai por aí convidando pessoas para esses locais.
 
— Certo. Mas é um restaurante. O que tem de especial ou perigoso? —
Franzi o cenho.
 
— O que mais gosto em você é a inocência — desviou-se do assunto. —
Eu a trouxe aqui para conversarmos e entrarmos em um acordo.
 
— Espera. Você mudou de assunto? E que acordo é esse?
 
Essa era uma das coisas que eu mais odiava nele: a forma como falava e
manipulava a conversa.
 
— Tudo será explicado no fim, mas antes de eu lhe mostrar o que está
atrás desse vidro, devemos conversar sobre nós. — Eu ri de nervoso e por me
sentir ainda mais confusa. — Dispensei uma das mulheres mais compatíveis
comigo possível.
 
— Ah, é? E por quê? — Apoiei meus cotovelos na mesa e o olhei de
perto.
 
— Por sua causa. — Eu ri por achar isso um absurdo. — Está rindo de
mim? — Estreitou os olhos.
 
— Não faz sentido algum você ter deixado alguém tão boa, como disse,
por alguém que não quer nada com você e com quem seria errado tentar algo.
 
— Número 1: você está mentindo para si mesma e para mim, já que vejo,
claramente, o quanto quer isso, mas se recusa a admitir. — Novamente, revirei
os olhos. — Número 2: não é errado se somos dois adultos livres.
 
— Você é o meu chefe — lembrei-o.
 
É claro que existia um milhão de motivos para eu não aceitar isso. Um
deles seria a minha falta de experiência ou, melhor dizendo, virgindade, que não
seria dada ao Aaron de nenhuma forma possível, mesmo não sendo uma
castidade que eu estivesse guardando.
 
— Claro. Porque isso nos impede de nos sentirmos atraídos um pelo
outro ou de nos divertirmos de vez em quando.
 
— Não seria ético — adicionei.
 
— Não é ético eu pensar na minha secretária nua sobre a minha mesa?
Claro. Mas sou eu quem faço as regras.
 
— Porque é um homem que pode tudo. Mas eu sou descartável para
quando não quiser mais me usar — debochei, quase muito irritada a ponto de
subir na mesa e pular no seu pescoço. — Você não perde nada, mas eu seria uma
menina jovem que iria ser tratada como vadia.
 
— Nunca. Isso, eu não faria. — Eu ri. Seria ingênua se acreditasse nisso.
— Por isso o acordo.
 
— Que acordo? — Por impulso, joguei as costas na cadeira, pois achava
que lhe bateria se continuasse o olhando nos olhos. — E por que eu faria isso?
Por que ariscaria a minha carreira? Melhor: por que estamos tendo essa conversa
aqui?
 
Aaron pegou seu telefone e digitou alguma coisa. Ouvi o meu aparelho
telefônico zumbir, alertando-me de que eu havia recebido uma mensagem.
 
— Acabei de lhe enviar um acordo de confidencialidade.
 
Demorei a acreditar nisso e até busquei algum indício de que ele estava
brincando. Mas não estava. Então peguei o celular e abri o e-mail.
 
— Não estou brincando. Não tenho mais idade para brincadeiras.
Comigo, as coisas são concretas, simples e objetivas. Não peço que saia comigo
e namore. Não é um romance. Meu desejo é genuíno. Eu poderia ignorá-lo, mas
sabia que não funcionaria. Afinal, eu a demiti e aqui estamos nós.
 
— Você digitalizou um acordo? — Fiquei surpresa ao ler algumas frases.
— O quão louco é isso?
 
— Aí diz que durante a nossa convivência no trabalho, seríamos
plenamente profissionais. Nada me influenciaria. O que fizéssemos fora dela,
ficaria fora. Aí também exige que ninguém saiba sobre isso, nem mesmo os
amigos próximos.
 
— Espera aí. Eu não assinei nada, nem quero.
 
— Escute até o fim — exigiu como se fosse o meu dono. — Isso não vai
prejudicar você, muito pelo contrário, irá nos proteger de quaisquer problemas
futuros. — Apenas o olhei, perplexa. — Aí também exige que você me
acompanhe a eventos. Mas posso ser flexível quanto a isso.
 
— Você é um pervertido — acusei-o, sentindo a vergonha tomar conta de
mim.
 
Ele estava falando sobre relações “extracurriculares”: sexo sem vergonha
ou pudor. Só que eu nunca tinha feito isso e jamais havia falado sobre o assunto
com ninguém.
 
— Provavelmente, já fez isso com muitas outras antes de mim.
 
— Na verdade, você é a única. Foi a única que conseguiu me
enlouquecer a ponto de me fazer cometer esse erro.
 
— Então admite que é errado?
 
— Diga “sim” e eu prometo que não vai se arrepender — pediu do jeito
mais sexy possível, fazendo com que eu fosse tentada ao pecado.
 
— Já estou arrependida por ter vindo. — Outra vez, bebi um pouco de
água, tentando me manter calma.
 
Graças ao senhor Deus, serviram-nos vinho.
 
Meus únicos pensamentos eram: “Será que alguém está nos ouvindo?
Será que esse homem nos ouviu?”
 
Fiquei em silêncio por bastante tempo. O garçom se foi e eu pensei na
possibilidade de aceitar o acordo. Nem sabia por que cogitava isso.
 
— Eu estava certa quando disse que tudo isso era um jogo para você.
 
— Não jogo, só crio acordos que beneficiam os dois lados — explicou,
confiante.
 
— Então sou uma compra? — Estreitei os olhos. — O que ganho? Ou
vou ser repassada, assim como faz com seus empreendimentos?
 
Foi a primeira vez que o vi chateado desde que chegamos. Seus olhos,
que eram azuis, tornaram-se cinza. Fiquei tão nervosa, que tomei um grande
gole do vinho.
 
— Acredite, isso é um grande esforço da minha parte. — Seu tom
grosseiro não me surpreendeu. Ele era assim. Uma mudança de sentimentos que
já não me deixava confusa. — Nunca fiz isso. Nunca me prontifiquei a criar esse
tipo de acordo com uma mulher. Elas sempre estavam ao meu redor quase
implorando para serem minhas. Mas você não. Tenho que me submeter a isso, e
você ainda zomba de mim.
 
— Me desculpe se acho isso um absurdo — dei o troco.
 
— É isso! — O tom mais alto me assustou. — Essa sua língua, a maldita
forma como me olha, como me responde e me provoca... Isso me excita, e não
sei o porquê.
 
Senti minhas mãos começarem a suar. Conversas assim me deixavam
nervosa, ainda mais quando ele me olhava daquele jeito. Para completar, Aaron
se levantou do seu lugar, sem tirar os olhos de mim. Percebi o meu coração
bombear sangue para o meu rosto e outras partes do meu corpo. Meus lábios
secaram, o ar ficou difícil de respirar e nada mais saía da minha boca.
 
— Gosto de desafios, e você é o maior que já tive. Odeio submissas,
porém gosto do domínio, de saber que sou o único que pode ter uma coisa.
Longe de mim olhá-la como um objeto, no entanto confesso que é o meu maior
desejo.
 
— Acho melhor eu ir embora agora. — Levantei-me, nervosa. Um erro
da minha parte.
 
Essa foi a hora em que me senti realmente como uma presa. O lobo mau
estava me encarando com os olhos sombrios e o sorriso pervertido. Sua
aproximação era perigosa. Paralisou o meu corpo. Senti como se o tempo
estivesse diminuindo o ritmo.
 
— O show vai começar — ele disse, quase diabólico.
 
De repente Aaron apertou um botão e a luz atrás do vidro acendeu. Virei-
me para observar o que seria esse show. Curiosidade que matou o gato. Um
casal seminu apareceu em um palco, com outras pessoas assistindo a eles. Na
hora pensei que fosse um tipo de apresentação estranha e bem provocante, mas
tudo mudou quando o casal recebeu outro e todos começaram a se beijar e tocar
uns nos outros.
 
Fiquei tão nervosa e excitada, que me belisquei para acordar do transe.
Dei um passo para trás, em busca da saída, porém senti o corpo enorme e quente
de Aaron atrás de mim.
 
— Se lembra do que falei sobre tabus? — sua voz ao meu ouvido quase
me derrubou no chão, de tão boa que foi.
 
Meu corpo estava sensível. Senti sua barba ralar no meu pescoço, e sua
respiração quente me deixou ainda mais excitada. Suas enormes mãos se
prenderam na minha cintura e eu quase caí dura quando ele me forçou a olhar
para os casais do outro lado do vidro.
 
— O que está fazendo, Aaron? — sussurrei, ofegante.
 
O nervosismo se transformou em desejo assim que senti algo estranho na
sua calça, que roçava na minha bunda.
 
— Isso é errado — complementei.
 
Apesar de querer ir embora, eu não conseguia ir, tanto por não ter forças,
quanto por sentir o desejo crescer dentro do meu ventre.
 
— Eu sempre quis sentir a sua pele — ele falou, ignorando tudo que eu
disse, e beijou o meu pescoço.
 
Eu podia notar que, a qualquer momento, perderia o juízo.
 
— O perfume que tanto gosto... E seu corpo pequeno se encaixando no
meu...
 
Mordi os lábios para abafar o gemido que teria saído assim que seus
dedos roçaram no tecido que cobria os meus seios.
 
— Você é meu chefe — argumentei.
 
— Aqui eu não sou. — Continuou a me provocar com sua boca e mãos.
— Eu queria poder esperar, mandar flores e a cortejar, mas não sou esse tipo de
homem. Meu desejo é jogar tudo para o ar e fazer o que bem entender, sem ao
menos ouvir da sua boca que aceita o nosso acordo.
 
Meu corpo idiota obedecia aos seus comandos. Girei-me para o olhar nos
olhos. Sim, ele veria o quanto eu desejava aquilo e o quanto queria ser dele. E
isso me amedrontava.
 
— Apenas diga “sim”.
 
— Eu não posso. — Dizer essa palavra me custaria um grande esforço.
 
— Você pode. Eu prometo que não se arrependerá.
 
Eu argumentaria mais se ele não tivesse me beijado. Aaron tomou minha
boca como sua propriedade e suas mãos apertaram as minhas coxas, trazendo o
meu corpo para mais perto do dele. Estávamos colados, ofegantes e, no
momento, eu só pensava em aproveitar isso. Meus dedos sentiram a maciez dos
seus cabelos escuros, que me deixava mais rendida.
 
Meu peito só faltou explodir quando senti seus dedos grossos adentrarem
a minha saia pouco a pouco, indo em direção ao ponto mais quente do meu
corpo. Desejei que ele continuasse, mas antes de mais nada, senti a necessidade
de pará-lo.
 
— Não, eu... não posso. Isso é errado. Nunca ninguém tocou em mim
desse jeito — as palavras saíram da minha boca quase que desesperadamente.
 
— O que disse? — Ele se afastou, olhando-me com o cenho franzido.
 
Aos poucos minha respiração diminuiu. Senti o frio e minha cabeça
voltar ao lugar. Olhei para o meu chefe, que ainda esperava por uma resposta, e
notei meu rosto arder. Não tinha para onde eu ir, e não queria me constranger.
 
Pensei comigo mesma que se eu dissesse a verdade, talvez tudo isso
acabaria e que ele perderia o interesse em mim, por mais vergonhoso que fosse
confessar algo assim para o próprio chefe.
 
— Não sou como pensa. Eu nunca... fiquei com um homem. Nunca
passei dos beijos. Então, pare de me importunar — falei, usando a mínima raiva
por estar revelando isso a ele.
 
Arrumei a roupa e saí da sala, pensando em correr, mas seria
constrangedor demais.
 
Dessa vez, sim, eu queria me demitir, só para não ter que o ver
novamente depois do que aconteceu naquele lugar.
 
CAPÍTULO 15
O que eu fui fazer?
 
Como iria ter coragem de voltar ao trabalho depois do que aconteceu?
 
Eu poderia, simplesmente, ter dito “não”, tê-lo ignorado e seguido com a
minha noite com os planos de Sadie, mas fui me deixar cair pelo charme e
companhia daquele chefe irritante e muito sexy que me disse, ao pé do ouvido,
que teríamos um simples jantar.
 
Nada com Aaron era simples. E que tipo de patrão chama a funcionária
para sair? Os sinais estavam claros, eu que não vi.
 
E naquele momento, eu me via enfiada debaixo do meu travesseiro,
rezando para que aquela noite fosse apagada e que no dia seguinte eu ainda
tivesse um emprego.
 
Bem... Eu não achava que ele iria me demitir por tê-lo recusado ou pela
descoberta da minha inexperiência com relacionamentos. Porém, a questão era:
eu teria coragem o bastante para voltar a trabalhar com ele?
 
Tirei minha cabeça de baixo do travesseiro, levantei-a um pouco e olhei
para o telefone em cima do móvel do quarto. Ele era tão atraente quanto Aaron.
Lá estava o contrato bizarro que ele me enviou, e minha curiosidade estava me
matando.
 
O que vi lá, naquele restaurante profano, foi só uma das páginas que
existiam no documento. Acredito que meu desespero momentâneo me tirou da
mente a curiosidade, só que ali, sem Aaron ou casais transando na frente de
pessoas problemáticas, tudo veio à tona.
 
Ergui a mão lentamente, esperando que a demora me fizesse cair na real.
Mas isso não aconteceu. Peguei o aparelho e abri o meu e-mail. Era só
curiosidade, pois nem em um milhão de anos aceitaria algo tão inapropriado.
 
Sentei-me na cama macia, lembrando-me da mão dele no meu corpo,
adentrando a minha saia e fazendo, novamente, eu me sentir como se fosse
explodir por dentro.
 
A primeira página do arquivo se tratava de uma relação restritamente
sexual fora do trabalho, garantindo que nada do que acontecesse nela interferiria
no meu emprego. Depois vinha a confidencialidade. Eu teria que assinar e,
assim, concordar que nunca falaria com ninguém a respeito disso. Também
havia a parte em que eu concordaria em acompanhá-lo a alguns eventos que ele
considerasse importante.
 
Até essa parte, o meu cérebro ridículo estava interessado em participar
dessa loucura, anulando o fato disso ser inapropriado e de que, por mais que eu
assinasse esse acordo, isso seria uma bomba na minha carreira se desse tudo
errado.
 
A última folha era a que mais me perturbava. Tinha descrições de atos
que nunca nem haviam passado pela minha cabeça antes.
 
Era ridículo eu ser tão imatura e inocente? Acho que sim. E, talvez, por
eu ter sido criada e educada da forma tradicional, achasse isso um verdadeiro
pecado. Todavia, o meu corpo pensava de outra forma. Quanto mais eu lia o
documento, mais me interessava pelo acordo. Até comecei a imaginá-lo fazendo
aquilo comigo. O que me deixou maluca por dentro.
 
— Onde você se meteu? — Sadie entrou no meu quarto sem bater na
porta ou dar qualquer outro aviso, fazendo-me jogar o celular o mais forte
possível no colchão.
 
Meu coração acelerou e minhas mãos suaram como se ela pudesse ver
quão excitada eu estava só por ter lido algumas palavras que descreviam o que
Aaron queria fazer comigo.
 
— Desmarcou comigo de repente, sumiu por algumas horas e agora está
parecendo que cometeu um crime.
 
Pensei no que dizer, no que eu fiz e no que vi. Minha mente me traía a
todo momento. Comecei a ver meu chefe no canto do quarto, encostado no
móvel de madeira no qual eu guardava algumas roupas íntimas. Ele ria de mim e
me incentivava a contar a verdade.
 
— Foi um compromisso de última hora — falei, ignorando o seu
“fantasma”, que me perturbava.
 
— Com quem? — Ela levantou uma das sobrancelhas, desconfiada. —
Algum ficante do Tinder?
 
— O quê?! Não — neguei, quase que desesperada.
 
Senti meu rosto arder. “Aaron” me encarava e dizia que mentir era
errado. Pensei em jogar uma almofada nele, só que a imagem que eu via era uma
fantasia do meu cérebro.
 
— Foi familiar. Meu irmão está na cidade e marcou de me encontrar.
 
Eu odiava mentir, pois mentira tinha pernas curtas. Sempre que eu
mentia, isso voltava a mim no futuro, botando tudo a perder.
 
— Ah. E onde ele está hospedado?
 
Agora que começou, termine. Vamos! Crie mais uma mentira — “Aaron”
dizia ao meu ouvido.
 
— Com um colega que ele tem aqui, em Nova York. — Desviei o meu
olhar do dela, pensando que, assim, ela não veria a mentira nos meus olhos. —
Está tarde e estou cansada. Amanhã acordo cedo. — Forcei um bocejo.
 
Minha amiga entendeu e saiu do quarto.
 
Quando eu já estava sozinha, joguei-me no travesseiro, querendo me
punir por tudo que tinha feito naquela noite.
 
***
 
Ao acordar, rezei para que tudo aquilo tivesse sido um sonho maluco.
Mas, no fim, não foi.
 
Concentrei-me nos detalhes: tomar banho, arrumar-me e tomar um café
forte. Enquanto olhava para as roupas, pensei nele, no que ele diria e em como
me olharia, se sentiria desejo por mim ou não.
 
Durante o trajeto até a empresa, lembrei-me da noite passada. Pensei no
seu beijo e nas pessoas nuas do outro lado do vidro. Foi excitante ouvi-las e ver
o que faziam. Eu poderia dizer que odiei, porém seria mentira, pois aquela cena
não saía da minha mente.
 
Ao chegar à frente do prédio enorme, que era a sede da AMP, senti um
calafrio, um frio na barriga e minhas mãos suarem.
 
O que aconteceria? Iria ignorar ou...?
 
— Vai ficar só olhando? — Sadie me despertou. — Vamos. Ou será
demitida outra vez.
 
Na realidade, isso pode acontecer, Sadie.
 
Respirei fundo e passei pelas portas giratórias. As pessoas, o ar frio, as
vozes... Nada conseguia me distrair do fato de que dali a alguns minutos Aaron
chegaria e eu teria que o encarar depois do que ele falou e fez.
 
Minha amiga deu um bom dia e seguiu para o seu lugar, na recepção. Eu
dei passos curtos até os degraus e segurei no corrimão, pensando que beijaria o
chão se não estivesse firme. Andei pelo corredor até chegar ao meu local de
trabalho, e meu coração foi à boca quando vi Aaron dentro do escritório com
outra mulher. Ele estava impaciente, e ela, por outro lado, estava tranquila.
 
A roupa formal não tirava a beleza da mulher de cabelos loiros. Mesmo
de costas, era bonita.
 
Meu chefe parou quando notou minha presença. Ele me encarou,
procurou algo em mim e depois desviou o olhar, voltando ao seu estado de
preocupação de antes.
 
— Ela não vai ganhar — ele disse, furioso. — De forma alguma, essa
mulher tira a Olivia de mim.
 
— Fique calmo. Sabemos que ela não ganha — disse a mulher.
 
Eu quis tapar os ouvidos para não ouvir a conversa deles, no entanto não
deu, e a voz alterada dele não ajudava.
 
— Depois de cinco anos, ela volta do inferno para me torturar. Essa
mulher já tirou muito de mim e da minha família. Não vou permitir que estrague
a vida daquela menina, como fez com meu irmão.
 
Arrumei minha mesa, tentando fazer o mínimo de ruído possível.
 
— Como falei... — Levantei o olhar novamente. A loira estava de pé, ao
lado de Aaron, pondo uma de suas mãos no seu ombro. — Olivia não corre o
risco de ser levada por ela. É você quem tem a guarda, e sabemos do histórico da
mãe dela.
 
Guarda. Mãe. Olivia.
 
Eu não conseguia parar de pensar no que ouvia. Pelo que sabíamos,
Aaron não tinha filhos nem era casado. Porém, a vida desse homem era um
mistério. Até a noite anterior, inclusive, eu não sabia dos seus gostos
particulares.
 
A mulher deu as costas e andou até a saída. Com um sorriso no rosto,
passou por mim sem me dar um bom dia.
 
Voltei ao meu trabalho, achando que Aaron se esqueceria da minha
existência.
 
— Mia, venha até a minha sala. — O tom autoritário me deixou
arrepiada.
 
Acreditei que, sim, ele poderia ficar irritado e me demitir. Respirei fundo
e me preparei para o encarar. Nada me fazia tirar da cabeça a noite anterior. Se
eu fosse mais corajosa, diria que sim, que aceitava o acordo, pois era o meu
desejo. Mas seria uma irresponsabilidade.
 
— Senhor Jackson — falei baixo, sem olhá-lo. — Sobre ontem, eu...
 
— Me desculpe pelo que fiz — ele me interrompeu. Fiquei surpresa e em
silêncio. — Eu não deveria ter feito o que fiz, não poderia tê-la assediado
daquele jeito. Espero que me perdoe. Nunca mais vai acontecer.
 
Ok, certo. Isso era o que eu queria, não era?
 
Não. E talvez, por isso, minha língua grande tenha dado um rumo
diferente para a nossa conversa.
 
— Até ontem isso não lhe veio à cabeça, mas agora, que sabe sobre...
minha inexperiência, perdeu o interesse. — O tom de irritação não era o que eu
queria. Não foi o que planejei.
 
Por isso eu sempre me dava mal e me colocava nessas situações.
 
Ele me fitou com o cenho franzido.
 
— Desculpe, mas foi você quem me mandou ficar longe. — Ótimo
argumento. — Você é bem maluca, se quer saber.
 
— Sou totalmente maluca. E li o que me mandou — outra vez falei mais
do que deveria.
 
— Ah, leu? — Abriu o sorriso que eu mais odiava nele. — Então se
interessa.
 
— Eu já disse que não. Mas sou curiosa. — Cruzei os braços. — Eu não
sabia que tinha gostos peculiares.
 
— Isso é só a ponta do iceberg. — Seu olhar sedutor me deixou nervosa.
— Mas você nunca vai saber. — Ele se recostou do lugar e foi até sua cadeira.
— Minha agenda está corrida graças ao dia de ontem, e à tarde estarei em outro
compromisso.
 
— Sim, senhor.
 
Por sorte, ele não prestava atenção em mim, ou veria a minha decepção e
vergonha por imaginar o que mais ele gostava de fazer.
 
— Charles Montgomery ligou. Disse que era urgente — avisei.
 
— Montgomery? — Franziu o cenho. — Ele disse do que se tratava?
 
— Não, senhor. — Evitei encará-lo. Estava frustrada e ansiosa.
 
Eu não entendia por que não estava feliz por saber que ele me deixaria
em paz e que eu faria o meu trabalho sem seu olhar predador e palavras
provocantes que me despertavam desejo.
 
— Vou retornar quando tiver um tempo livre — comunicou-me.
 
Afastei-me dele para sair, mas sua pergunta me impediu.
 
— Só para esclarecer, você é uma pessoa religiosa que pensa em
permanecer intocada até o casamento?
 
Aaron sabia como me desconcertar. Senti novamente o meu coração na
boca.
 
— Não! — neguei abruptamente, como se aquilo tivesse sido uma
ofensa. — Quero dizer, não é isso. — Ainda evitava olhá-lo, mas dessa vez não
consegui. Meu chefe parecia curioso e eu estava quase enfartando. — Foi uma
escolha. Foquei no ensino e trabalho e deixei de lado o amor e namorados. Não
fiz um voto de castidade. — Ri de nervoso.
 
— Interessante. — Deu de ombros. — Pensei que eu tivesse ferido a sua
fé. Isso seria péssimo.
 
— Se preocupa em ferir a minha fé, e não a conduta profissional? Você é
bem estranho — apontei.
 
— Minha mãe é uma pessoa bem religiosa. Fui criado com influências
religiosas, embora não pratique. O que não quer dizer que eu não respeite.
 
— Ainda é estranho.
 
O silêncio fez a sua parte de me lembrar do que falávamos e com quem
eu falava. Por isso tomei a liberdade de sair o quanto antes da sua frente.
 
CAPÍTULO 16
AARON JACKSON
 
Maldita Mia. Como pude ser tão imprudente? Como pude me deixar cair
pelos encantos de uma menina que nunca nem havia sido tocada como eu
gostaria de tocar? Ela tinha algo que me atraía sem dificuldade. Prendia-me ao
seu encanto e me fazia pensar em coisas que jamais tinha pensado.
 
Minhas aventuras sexuais eram consideradas fora do comum. Eu tomava
cuidado com quem levava a lugares onde explorassem ao máximo o desejo
sexual de uma pessoa.
 
Mia era a minha maior fantasia, o pecado em pessoa. Só de pensar nela
na minha cama, aberta e receptiva, eu me sentia poderoso, o mais sortudo.
Descobrir que ela era virgem não foi o problema, e sim o fato de ela não se
decidir se me queria ou não.
 
Eu não era um moleque imbecil, portanto sabia bem sobre os riscos. Ela
era a minha secretária. Uma só palavra dita a outra pessoa ou, melhor dizendo,
ao RH, e eu estaria ferrado, sendo culpado por assédio sexual. Por isso o acordo.
 
Nunca nem pensei que um dia me atrairia o bastante por uma mulher que
me fizesse perder a cabeça no trabalho. Ela era a única, a minha fantasia mais
proibida.
 
Eu já tinha a verdade dita, a ideia posta em pratos limpos, exposta a ela,
no entanto, pela primeira vez em muito tempo, fui rejeitado. Bem... Pelo menos
era isso que sua boca maldita dizia.
 
Eu conhecia as mulheres e estava disposto a correr esse risco. Mia
Wanell era jovem e muito intimidadora, porém eu conhecia o olhar de desejo
quando o via. A garota estava tão perto de mim e acessível, que me deixou duro
antes de começarmos algo. E imaginar que eu poderia ser o único a tocá-la, o
primeiro a fazer isso, deixava-me ainda mais louco.
 
Contudo, eu estava usando todo o poder que tinha para tentar esquecê-la,
ainda mais naquele momento, quando o demônio da minha vida estava de volta,
tentando levar um tesouro meu que eu guardava a sete chaves.
 
Eu encarava a tela do computador, no meu escritório parcialmente
escuro, quando vi a porta ser aberta e a luz de fora entrar. Já era bem tarde, então
ver a pequena cabeça andando até mim me deixou curioso. Olivia era tão
minúscula, que cabia no meu colo com facilidade. Ela estava com seu pijama
rosa e com um ursinho de pelúcia que eu a havia dado na semana passada, nas
mãos. Coçando os olhinhos, olhou-me, tímida.
 
— Papai, eu não consigo dormir. — Chegou mais perto de mim.
 
Eu a peguei e a coloquei em meu colo. Suas bochechas rosinha eram tão
fofas, que eu tinha vontade de apertá-las.
 
— Você chegou tarde e nem me deu um beijo.
 
Ainda encantado por ela, dei logo um beijo no seu rosto, fazendo-a rir.
 
— Está feliz agora?
 
A menina de cinco anos confirmou com um aceno de cabeça e depois
fitou meus olhos.
 
— Aquela mulher vai voltar?
 
Claro... Aquela mulher.
 
Lembrar-me de Gema me dava nos nervos. Mulher maldita! Ela tornava
os meus dias ainda mais cansativos. Eu não parava de pensar que ela estava
perto de nós o bastante para vir até Olivia e a machucar, como tinha feito anos
atrás.
 
— Não, meu amor. Não vou deixar que ela chegue perto de você outra
vez — prometi e beijei sua cabeça.
 
A menina me abraçou. Era como uma boneca de porcelana. Pequena,
sensível e valiosa.
 
Eu mantinha tudo sobre ela distante da mídia ou da boca de quem não
devia saber da sua existência. Depois do que houve, tomei Olivia para mim,
protegendo-a de tudo, até do meu mundo. As pessoas não sabiam dela, e eu
queria que continuasse assim, no entanto Gema voltou do inferno para mudar
isso, intimando-me a lhe devolver Olivia. Coisa que nunca iria acontecer.
 
— Não precisa se preocupar.
 
— Ela é louca, sabia? — Afastou-se um pouco para me olhar outra vez,
com o cenho franzido. — Não gosto dela, ainda mais porque quer me roubar. O
que ela pensa que sou?
 
Olivia, apesar da idade, tinha um espírito de gente grande. Seus
comentários oscilavam entre os inocentes e os espertalhões.
 
— Ela é louca sim, por isso não vou deixar que chegue perto de você
novamente — confirmei, sabendo que aquilo era bem mais complicado do que
parecia.
 
— Eu saí da barriga dela, mas ela não é minha mãe, certo? — Encarei a
menina, sem saber muito o que dizer. — E o meu outro pai, o que morreu, era
casado com ela?
 
Falar sobre isso não me agradava, embora eu sempre tenha feito questão
de lhe deixar claro o que aconteceu. Óbvio que tirando as partes que ela não
entenderia muito bem.
 
— Olivia, acho que está tarde — falei, com o intuito de acabar com a
conversa.
 
— Você sempre quer fugir. — Cruzou os braços, irritada.
 
Ela me olhou com autoridade e seu rosto ficou vermelho. O que me
deixou sem saída. Ela era muito esperta e já tinha idade para entender muitas
coisas.
 
— Eu sei que ela é minha mãe, porque saí da barriga dela, e que meu pai
morreu. Mas você cuidou de mim, é meu pai também. Ela não sabe ser mãe,
então por que voltou?
 
Como eu disse, esperta até demais.
 
— Você é muito curiosa. — Ela não se abalou, confirmou com a cabeça
e esperou por uma resposta. — É bem mais complicado do que “maluquinha”.
Ela é perigosa para você. Por isso você está comigo, e não com ela.
 
— Ela é má? — Assustou-se. — Tipo uma bruxa? Acho que é igual à
Cruella do filme, machucando cachorros ou algo assim.
 
— Como uma adulta irresponsável — expliquei. — Mas você não tem
que se preocupar.
 
— Ela disse que vai me levar de volta para a casa dela, mas eu não quero
ir, papai. — Os olhinhos dela estavam cheios de emoção e eu me senti mal. —
Quero ficar com você.
 
— Claro que vai ficar comigo. Eu prometo.
 
— Promete?
 
— Sim.
 
— Promete que vai ficar mais comigo? Eu quase não vejo você. E se ela
voltar?
 
— Ela não vai. — Bem, eu não podia dizer isso com tanta certeza. Gema
estava usando armas bem notáveis, o que me preocupava.
 
Não era porque ela estava limpa há dois anos, que iria conseguir apagar o
que fez com a filha.
 
— Tudo bem. Eu vou passar a ficar por perto e mais tempo com você.
 
— Vai ficar em casa amanhã? — Seu olhar esperançoso me deixou
desconcertado.
 
Apesar de estar tudo bem na sede, havia um problema na Itália. Um
problema que eu teria que resolver indo diretamente ao foco do incêndio.
 
— Amanhã não vou à escola. A gente poderia passear ou ir a outro lugar.
 
Vendo a sua empolgação, não consegui dizer “não”.
 
— Claro, eu posso ficar.
 
Foi só eu dizer isso, que ela se animou, abraçou-me e beijou meu rosto.
 
Olivia era a luz na minha vida. Eu podia ser um dos piores homens da
face da Terra, mas sempre que ela sorria ou me olhava com os olhos cheios de
alegria, meu coração se aquecia e eu me esquecia de quem eu era fora de casa.
 
CAPÍTULO 17
MIA
 
“Hoje não vou ao escritório, mas precisarei de você. Traga-me todos os
documentos a respeito da contabilidade na Lenox. Pedi que a sede na Itália os
mandasse com urgência.”
 
Joguei a cabeça para trás, sentindo uma dor no pescoço causada
principalmente pela pressão Jackson.
 
Eu não estava conseguindo lidar com tudo que acontecia na minha vida.
Aaron não saía da minha cabeça. Mas, também, não tinha como sair, já que ele
era o meu chefe e eu o via todos os dias. E quando eu estava em casa, minha
cabeça se lembrava dele como uma música chiclete.
 
Eu tinha acabado de chegar ao escritório, quando vi sua mensagem.
Desde que cheguei à AMP, ainda não o tinha visto trabalhar em casa. Claro...
Dois dias antes, também não tinha trabalhado na empresa. E isso era estranho,
pois todos diziam que ele vivia nesse lugar.
 
Ouvi um barulho na sala dos arquivos e me aproximei de lá, achando que
não estava sozinha. Porém, era só a máquina de fax, que já deveria ter se
aposentado; não por ser velha, mas por, na atualidade, não se usar esse recurso
mais.
 
Peguei os papéis que saíam da máquina, achando que ela fosse imprimir
um livro inteiro.
 
— E eu pensando que seria fácil trabalhar em Nova York, sair com
alguém e fazer amigos — murmurei para mim mesma. — Aí, do nada, conheço
Aaron Jackson, um homem que deveria só existir nas revistas ou nas fantasias
femininas. — Tipo a que tive na noite passada. — Como resistir a isso? Como
odiá-lo a ponto de sentir repulsa? — Apoiei a cabeça nas mãos enquanto o
restante dos papéis saía. — Gostos peculiares. Nunca tinha visto um homem que
tem um restaurante tão... Não tenho nem palavras para descrever aquilo. E o pior
era que eu meio que tinha gostado. Gostei também de como ele me tocou e
beijou a minha pele.
 
No momento, eu estava de volta àquele lugar. Meu corpo, de novo,
derreteu-se aos caprichos dele, e o homem nem ali estava.
 
— Nunca tinha sentido nada igual. Nunca tinha encontrado alguém que
me atraísse tanto. Será que é por inexperiência ou aquilo realmente é excitante?
 
— Mia, você está aí? — A voz de Sadie me assustou, fazendo eu me
recompor e sair da sala de documentos, sentindo vergonha por ter me lembrado
da noite inapropriada com o meu patrão. — O que aconteceu? Aaron está
doente? — Olhou para a sala vazia.
 
— Ele não virá hoje. Me pediu para levar esses documentos
intermináveis para ele na sua casa. — Revirei os olhos.
 
— Na casa dele? — Surpreendeu-se. — Você vai à casa dele?
 
— Foi o que ele me mandou fazer. — Dei de ombros. — Não sei, ele
deve estar doente mesmo.
 
— Ninguém nunca foi à casa dele. Ninguém sabe muito sobre Aaron
Jackson, só que ele é o chefe arrogante e durão. — Sadie pensou. — Mas,
mudando de assunto, hoje temos um encontro. Então, chegue em casa cedo e
coloque o melhor vestido, o mais sexy que tiver.
 
— Espera aí. O quê?! — Pisquei, sem entender nada. — Que encontro?
 
— Bem... Eu vou sair com um cara, e ele vai levar o amigo dele. Achei
uma boa oportunidade para marcar um encontro duplo — ela disse, empolgada,
e eu fiquei sem reação. — Mia, você é bonita, inteligente e engraçada. Vive no
trabalho e aguenta aquele homem estressante. Tem que sair às vezes, conhecer
um carinha bonito, passar uma noite aquecida nos braços dele...
 
— Ah... Prefiro o meu quarto e minha cama. — Dei um riso, de nervoso.
 
— Tudo bem, pode ser lá em casa. — Deu de ombros.
 
— Não! Quero dizer: sozinha, na minha cama — corrigi.
 
— Não seja tola. Você tem vinte e sete anos, é linda... Por que não pode
achar alguém legal?
 
— Sou focada no trabalho. — E tinha uma queda pelo chefe. Uma
queda? Eu diria que uma avalanche inteira. Mas isso não era profissional. —
Além do mais, agora tenho que sair, ou, caso contrário, ele me demitirá.
 
Novamente, entrei na sala do fax e peguei o restante dos papéis. Isso era
uma fuga. Sadie não fez aquilo por mal, só que com tudo que eu estava
passando, o melhor era focar no trabalho.
 
— Só precisa sair. Nada de sexo no primeiro encontro. Se não gostar
dele, prometo não insistir. — Ela deu alguns pulinhos, decepcionada com a
minha resposta.
 
Não respondi. Peguei minha bolsa e o celular. Antes de sair, dei um beijo
no seu rosto.
 
***
 
Encontro duplo! Eu nunca tinha sido chamada para um. Imagina outro
casal assistindo ao constrangedor momento em que eu não parasse de falar, por
estar nervosa.
 
Passei todo o caminho dentro do táxi, murmurando o quanto odiava
quando as pessoas agiam sem minha permissão. Ok, Sadie era minha amiga e
fez isso por amizade, porém fez eu parecer uma inútil.
 
Está certo que eu já tinha idade o suficiente para sair e aproveitar a vida,
que já tinha um emprego estável e que não seria julgada por isso, entretanto
havia fatores para que eu não fizesse nada.
 
Primeiro: eu não sabia nem por onde começar. Nos filmes é bem mais
fácil. A mocinha se esbarra no cara gato e o destino faz com que eles continuem
se encontrando. Ou ela está em um bar e um homem bonito lhe paga um
drinque.
 
Mia Wanell era a garota que não era notada com facilidade ou ignorava
tudo para não ter mais uma preocupação na vida. Muitas vezes estraguei
interesses amorosos de propósito só para me livrar dessa parte, alguns ignorei,
fazendo-me de boba, e em outras ocasiões falei muito, de nervoso, impedindo
que o meu parceiro falasse uma palavra.
 
E naquele momento, eu tinha um cara interessado em mim. Quero dizer,
interessado em me levar para a sua cama. O pior é que era o meu chefe. E, ainda
pior, eu o queria.
 
Sempre que eu me lembrava de Aaron, meu corpo se animava e eu ficava
excitada. Nem precisava de muito. Quantas vezes já não me toquei ao me
lembrar do seu perfume, da sua voz rouca ao meu ouvido, e depois me senti mal
por fazer isso?
 
— Moça, chegamos — o taxista falou, tirando-me do mundo da lua.
 
— Ah, desculpa — respondi, envergonhada. — Aqui está. — Entreguei
a ele o valor da viagem e saí do automóvel com os papéis na mão.
 
Fiquei de boca aberta ao apreciar a beleza que era a mansão do senhor
Jackson. Era enorme, tinha árvores e flores em volta, um jardim na frente, uma
fonte de água, uma porta preta de madeira e janelas em que dava para ver
cristais nos vidros iluminados, quase parecendo pequenos diamantes
pendurados.
 
Andei em passos lentos até a entrada e toquei a campainha. Logo a porta
foi aberta por uma senhora muito simpática. Ela me conduziu até a sala de
espera, que, sem exagero, era linda. Cores pastéis, mármore branco, colunas
ricas em detalhes e janelas com as mais belas vistas.
 
— Que bom, chegou rápido. — A voz do meu chefe quase me fez pular
de susto.
 
Aaron me olhou de ponta a ponta, fazendo eu me sentir sem graça, e meu
corpo respondeu ao dele, levando-me a sentir raiva de mim mesma.
 
— Trouxe tudo?
 
— Claro, tudo que me pediu — respondi, quase irônica demais. — Onde
coloco?
 
— Vamos. Ficará no meu escritório enquanto farei outras coisas — ele
deu o seu comando, calando-me.
 
Eu o segui pelo corredor, encantando-me com tudo no meio do caminho.
Nós subimos uma escada que nos levou a outro corredor e eu senti a necessidade
de falar alguma coisa.
 
— Bem... Está com algum problema de saúde? — perguntei, quase
nervosa demais para abrir a boca. — É estranho trabalhar em casa, não é?
 
— Isso não é da sua conta — ele respondeu, ríspido.
 
— Bem... Doente, você não está — murmurei, irritada.
 
— Fale mais alto para que eu a ouça — ordenou.
 
— Não vai gostar de ouvir. — Eu falei entre dentes e ele parou no meio
do corredor. Quase nos esbarramos. — Foi você quem pediu. — Dei de ombros.
 
Curiosamente, ele riu. Um sorriso bonito e nem um pouco irritado.
 
— Esse é o meu escritório. — Apontou para a porta, girou a maçaneta e
entrou. — Preciso revisar algumas coisas nesses papéis, como valores e datas.
Sua função será organizá-los por data e pelo responsável em questão que
elaborou os documentos. São dados importantes que estão indo em direção
contrária ao que invisto.
 
— Certo. — Franzi o cenho. — Não vai ficar aqui?
 
— Papai, você...
 
Virei-me nos calcanhares e encontrei uma menina bem pequena, de
cabelos pretos e uma franja linda na testa. Ela ficou envergonhada com a minha
presença. Ou muito surpresa.
 
— Você é a namorada do papai? — Franziu o cenho, curiosa.
 
Pai? Namorada?
 
Eu encarei a menina e, depois, meu chefe. Pensei que estivesse em um
sonho esquisito.
 
Desde quando Aaron Jackson tem uma filha?
 
— Não, Olivia. Essa é a minha secretária — ele explicou, dócil,
surpreendendo-me. — Espere por mim na sala. Já vou ao seu encontro.
 
A menina balançou a cabeça, concordando, e antes de sair, deu tchau
para mim.
 
— Você tem uma filha? — Eu estava confusa. Apesar de ter ouvido a
conversa no dia anterior, não achei que fosse uma filha realmente. — Mas
ninguém sabe que...
 
— E ninguém precisa saber, Mia — ele voltou a usar o seu tom
autoritário e rude. — Olivia é a parte sobre mim que mantenho longe dos olhos
alheios e dos problemas que podem ocorrer na minha vida fora desta casa.
 
— Certo. Me desculpe, não é da minha conta. — Dei um sorriso
amarelo. — Bem... Vou começar agora.
 
Eu me senti intimidada com a forma como ele me olhou. Pensei que
sairia logo, mas simplesmente me observou procurar um lugar para pôr os
documentos. Esse homem me confundia a cada minuto. Às vezes era sedutor,
outras vezes arrogante. Confesso que o mínimo de tempo que a menina passou
ali e ele se revelou calmo, impressionou-me.
 
Consegui respirar com mais calma depois que o vi sair da sala. Fiquei
fitando a porta, ainda pensativa. Não era da minha conta, mas aquilo, com
certeza, era importante.
 
***
 
Tenho que confessar que eu era bem curiosa. Os minutos que se
passaram enquanto eu estava sozinha naquele escritório pareceram uma tortura.
Depois de fazer o que Aaron me pediu, comecei a analisar tudo que tinha
naquele lugar: fotos, alguns papéis em cima da mesa, os livros, o jardim... Até
me deu vontade de sair dali e procurar por mais informações. Bisbilhotar era
errado, minha mãe sempre me dizia isso, só que não ajudou muito saber desse
fato.
 
Em um certo momento, vi meu chefe com sua filha ao lado de fora da
casa. Ele estava tão feliz. A menina era linda e ria como uma boba perto dele.
Assisti a essa cena com tanto interesse, que acabei me esquecendo de que ele
poderia me ver. Aaron não era, naquele momento, o patrão que eu conhecia; era
um homem desconhecido que tinha um belo sorriso e que vivia de uma forma
diferente da qual eu imaginava.
 
Quando o vi voltar para dentro de casa, corri para que ele não percebesse
que eu o espionava. Sentei-me no sofá e o esperei entrar no escritório. O que
demorou a acontecer.
 
Olhei o meu celular, pensando que sairia logo dali. Vi uma mensagem de
Sadie que dizia:
 
“Espero você às sete e meia.”
 
Revirei os olhos, pensando em mandar uma resposta que não seria nada
agradável.
 
— Entediada? — Assustei-me com a voz dele ao entrar. — Desculpe a
demora. Olivia não se cansa com facilidade. — Seria ruim eu achar fofo ouvi-lo
falar sobre a filha ou estar surpresa por ele estar de bom humor? — Vamos
começar o trabalho.
 
— Ainda quer algo de mim? — Levantei-me, pondo-me em sua frente,
depois que ele se sentou em sua cadeira.
 
Ele levantou o olhar até mim e eu senti o meu estômago revirar assim
que o vi sorrir daquele jeito.
 
— Quero muitas coisas de você, só que não vou ditá-las agora, ainda
mais com o risco da minha filha entrar pela porta e ouvir o que eu disser. —
Notei seu tom sarcástico e o sorriso safado no rosto dele.
 
— Falo, no trabalho. Sobre o trabalho — expliquei, nervosa.
 
— Claro. Quero que me ajude a ler esse monte de papéis e a encontrar o
erro nos números. — Voltou a olhá-los. — Creio que seja boa com números.
 
— Sim, sou muito boa nisso. — Eu o vi sorrir de novo. — O que foi? —
Franzi o cenho. — Por que o sorriso?
 
— Estou pensando no que mais é boa. — Meu Deus, esse homem é um
safado. — Vamos nos concentrar no trabalho, Mia.
 
— Sim, senhor Jackson — respondi firme.
 
— Me chame pelo nome.
 
Parei antes que pudesse ir até o sofá e começar a trabalhar. Aaron me
encarou com aquele típico olhar sedutor, com malícia, e o meio-sorriso que me
deixava desconcertada. Seria um erro ficar ali sozinha com ele.
 
— Aaron é o meu nome.
 
— Fiquei sabendo que odeia ser chamado pelo primeiro nome por
funcionários.
 
— Isso é bem verdade, pois o primeiro nome dito por alguém significa
uma certa aproximação, a qual evito ter com funcionários. Mas, como já
revelado, você se difere de muitos. E isso significa que pode me chamar assim.
Não será um crime.
 
— Está querendo me convencer de algo? — Cruzei os braços e cerrei os
olhos.
 
Eu gostava de desafiá-lo, só não sabia se seria uma boa ideia fazer isso
naquele instante, quando minha vontade era esquecer o que me impedia de me
jogar em cima dele.
 
— Não deve me tratar como uma mulher aberta a interesses românticos
com o senhor.
 
— Gosto quando me desafia, ainda mais porque sei que está fugindo de
mim enquanto outras se jogam no meu colo.
 
— Então, é por diversão. Acredito que se eu mudar de postura, o senhor
irá parar de me provocar. — Levantei uma das sobrancelhas.
 
— Talvez.
 
Senti que iria perder a compostura, então me afastei e voltei ao meu
lugar no sofá.
 
Passamos o resto do dia lendo e relendo os papéis. No início, eu não
sabia o que ele queria com essa revisão, mas aos poucos fui percebendo o que o
deixou tão furioso. Alguém estava roubando-o; talvez o tesoureiro ou algum dos
administradores que trabalhavam nas suas empresas. O que vi foram milhares de
dólares sendo tirados e desviados para outros lugares.
 
Jackson fez algumas ligações nesse meio tempo. Estava contratando
alguém para ir a fundo nessa investigação. Eu o ouvi falar que iria para a Itália o
quanto antes. Além disso, uma de suas empregadas nos enviou comida.
 
Só vim ver que já era tarde quando olhei pela janela e vi o pôr do sol
alaranjado. Mal saí do escritório, pois estava concentrada. Era a primeira vez
que Aaron me pedia esse tipo de ajuda, e me senti importante e confiante.
 
Por fim, foi ele quem encerrou o dia.
 
— O que vai fazer agora? — interessei-me pelo assunto, querendo
alongar mais a minha estadia ali. Justo quando eu deveria não me importar e ir
embora. — Não descobriu quem pode estar roubando-o.
 
— Vou deixar isso com outra pessoa — respondeu, pensativo. — Eu
sabia que não poderia confiar tanto assim em ninguém. Era óbvio que algo como
isso iria acabar acontecendo.
 
— Nem todo mundo é desleal ou ladrão.
 
— Não. Mas confesso que relaxei. Fico muito tempo aqui, em Nova
York, e me esqueço de comparecer periodicamente às demais sedes. Acho que
isso me serviu de lição. — Por incrível que pareça, o chefe não estava
esbravejando ou sendo rude. Gostei de ver seu lado compreensivo e calmo. —
Posso levá-la para casa. É o mínimo.
 
— Não precisa. Eu posso pedi um Uber ou um táxi.
 
— Não quer a minha carona? — Estreitou os olhos. — Do que tem
medo?
 
— Não tenho medo de nada. — Franzi o cenho. — Está em casa e deve
aproveitar esse momento com sua filha. Poderei chegar em casa a salvo após
pegar um táxi.
 
— Como quiser — concordou, todavia não tirou os olhos de mim depois.
 
Esse tempo foi agradável e eu tinha até me esquecido de como éramos
juntos. Evitá-lo não era uma boa ideia, pois sempre haveria aquele momento em
que não teria mais nada entre nós e o desejo acenderia todos os alertas do meu
corpo.
 
— Vou indo, então. — Peguei a bolsa e me dirigi à porta, que estava
entreaberta.
 
Não percebi de imediato quando ele veio atrás de mim e impediu que eu
saísse, fechando a porta e me prendendo entre ela e seu corpo alto e musculoso.
Encarei seus olhos, que estavam mais sombrios do que antes. Minha respiração
acelerou, minhas mãos suaram e eu só conseguia olhá-lo.
 
— Me pediu para se afastar e para eu te deixar em paz, mas não consigo
fazer isso.
 
Abri a boca, porém não saiu uma palavra sequer dela. Observei seus
lábios, que estavam a centímetros dos meus. Sua respiração me descontrolava e
o calor que ele emanava estava incendiando o meu corpo.
 
— Não paro de pensar em você desde aquela noite. Não importa o que
eu faça ou o que diga a mim mesmo, porque nada me tira esse desejo —
admitiu.
 
— Não tenho nada de especial. Seu interesse é puro capricho —
argumentei, mesmo querendo muito perder o controle. — Esqueceu que sou
irritante?
 
— Gosto disso em você. — Fechei os punhos, sentindo que faltava
pouco para eu perder a linha. — Aceite o meu acordo. Não vai se arrepender, eu
prometo.
 
— Não pode me garantir. — O que é isso? Estou cogitando aceitar? —
Ficamos melhor sendo chefe e secretária.
 
Até pode ser, mas não significa que não esteja cogitando, mocinha.
 
— Não, não ficamos, pois passei o dia pensando em foder você —
confessou.
 
Suas palavras me deixaram ainda mais receptiva a ele. Aaron,
sutilmente, pegou na minha cintura com uma mão, aproximou-se ainda mais seu
corpo do meu e me beijou. Eu me entreguei ao momento. Era o que eu mais
queria fazer. Deixei a bolsa cair e agarrei seu pescoço.
 
Ele me agarrou e me levantou. Senti como se uma bomba estivesse
prestes a explodir no meu peito. Segurei-me nele e só consegui sentir o desejo, o
calor e o prazer que era ser beijada por esse homem.
 
Acredito que ele tenha me conduzido até a sua mesa, pois percebi meu
corpo ser colocado sobre uma superfície dura e lisa. Sua mão apertou minha
coxa e eu segurei o gemido de prazer. Aaron só largou a minha boca para beijar
o meu pescoço, fazendo com que eu arfasse de alegria.
 
— Você quer isso, admita.
 
— Eu quero, mas seria errado — não controlei as palavras que saíram da
minha boca.
 
Eu poderia estar em pânico ao senti-lo, novamente, entrar em uma área
proibida do meu corpo.
 
— Depois que tiver o que quer, vai me mandar embora, e serei eu quem
irei sair perdendo.
 
— Não, eu não vou fazer isso. — Ele me puxou, ficando no meio das
minhas pernas, e olhou nos meus olhos.
 
Achei que era a hora de eu me descontrolar. Estava quase implorando
para que ele tirasse as minhas roupas e acabasse com a minha tortura.
 
— Por isso o acordo — justificou.
 
— Esse acordo deixa as coisas frias, e é estranho. — Não sabia por que
estava argumentando. — Beneficia você, e não a mim.
 
— Os dois — tentou explicar. — Você é a melhor secretária que já tive.
É inteligente e proativa. Não quero prejudicar nada em relação ao trabalho. Só
não sabia que conseguir uma boa funcionária também traria o verdadeiro pecado
junto.
 
— Isso não ajuda.
 
— Que pena, pois é o que sinto — sussurrou perto do meu rosto antes de
me beijar outra vez.
 
E lá estavam o anjo e o demônio dentro de mim, lutando um contra o
outro. A parte boa implorava para que eu esquecesse Aaron Jackson, porque isso
seria entrar em uma roubada. A outra parte, a com mais foça naquele instante,
dizia para eu me entregar ao prazer e deixar de ser uma menina boba e inocente.
 
Eu não sabia o que fazer. Iria me entregar à luxuria e ariscar a minha
cabeça? Ou seguiria o raciocínio lógico e fugiria do pecado?
 
Está claro como água. A melhor opção é a que você, simplesmente, faz o
lógico e se entrega a ele.
 
Não! Quem irá se ferrar será você. Pense antes de ouvir a luxúria.
 
Que ódio!
 
Eu deveria ser mais esperta do que isso. Sabia que não teria volta. Se eu
não o quisesse, o jeito seria eu me demitir. Se eu quisesse, aproveitaria até o dia
em que ele me demitiria, mas, pelo menos, teria feito o que queria em vez de
correr, com medo.
 
Empurrei-o com o máximo de força que encontrei naquele momento. Ele
ficou em silêncio e ofegante, assim como eu.
 
Ainda estava pensando e me julgando por estar cogitando aquilo. Porém,
não tinha outra opção, certo?
 
— Está certo. Posso aceitar isso, mas não vai me prejudicar quando não
me quiser mais. — Ah, como eu queria me bater.
 
O sorriso no rosto dele quase me fez bater nele e o tirar à força dali.
 
— Não vai se arrepender.
 
CAPÍTULO 18
O que eu fiz? Por que fiz aquilo?
 
Chegar em casa depois do que aconteceu e do que concordei em fazer foi
difícil. Passei todo o caminho me julgando, sabendo que eu era uma hipócrita e
perturbada por ter aceitado algo tão errado.
 
Eu sabia que era errado, sabia que me daria mal, mas isso não serviu para
que eu me sentisse culpada ou menos ansiosa.
 
Sim, eu queria aquilo. Não guardava a minha virgindade como uma
promessa, só não tinha aparecido ainda um homem que me fizesse perder a
cabeça, como Aaron.
 
Meu Deus! Pensar no que aconteceu, no beijo, nas palavras e na
possibilidade de ficarmos além disso me deixava tão perturbada, que não
consegui ficar quieta no banco de trás do táxi.
 
Abri a porta do apartamento, joguei minhas coisas no sofá e corri para o
banheiro. Nem vi se minha colega estava em casa.
 
Sadie!
 
Eu tinha me esquecido completamente do encontro duplo. Bem... Eu já
não me importava com isso, pois minha cabeça não parava de pensar em Aaron.
 
— Onde estava por todo esse tempo? — A loira apareceu no banheiro,
furiosa e com as mãos na cintura. Típico das mães quando investigam o que os
filhos andaram fazendo de errado. — Liguei, mandei mensagem... Você
prometeu que chegaria cedo, e não foi isso que aconteceu. Qual sua desculpa
agora?
 
Apesar de ser uma ótima amiga, Sadie parecia desesperada para me
arranjar um namoro. Eu gostava da sua preocupação, mas não disso.
 
Quando ela entrou no cômodo, eu estava com as roupas pela metade e,
sem vergonha alguma, tirei todo o resto, sentindo que meu corpo estava em
chamas.
 
— Sabe que trabalho, certo?
 
E lá vamos nós inventar uma outra mentira.
 
Pelo menos não era totalmente mentira dessa vez. Entretanto, eu deixaria
de fora o fato de que estava quase firmando um acordo nada normal de sexo
com meu chefe. A causa do meu incêndio.
 
— O chefe pede e você faz, é simples. Eu não poderia dizer “não” a ele e
seguir em frente, vindo para casa de cara limpa.
 
— Estava com Aaron até agora, na casa dele? — Ela estreitou os olhos.
— Por que ele não foi ao escritório hoje?
 
Lembrei-me do que ele me disse enquanto eu abria o chuveiro, e a água
morna caiu sobre o meu corpo.
 
“Não fale sobre a Olivia com ninguém”.
 
— Bem... Eu não lhe fiz essa pergunta. Como ele estava estressado, com
certeza soltaria os cachorros em cima de mim. — Acabei descobrindo que
mentia com tanta facilidade e certeza, que até eu caía na mentira. — Tem algum
problema financeiro em uma de suas empresas na Itália, por isso o mau humor
dele. Adivinha só: ele vai estar longe por uma semana para ir ao país resolver
isso.
 
— Sério? — Surpreendeu-se. — Deve ser algo muito grave. Geralmente,
Aaron não fica por tanto tempo em outro lugar. Ele costuma visitar as empresas
nos demais países ou cidades, mas nunca demora a voltar.
 
Pelo menos ela se esqueceu da bronca que me daria.
 
— É. Não faço ideia. Sabe como ele é: não dá muitas informações. E eu
não quis me meter, só fiquei lá e fiz o que ele pediu.
 
Queria mesmo que essa conversa acabasse o quanto antes. Odiava ter
que mentir. Por sorte, eu estava no box tomando banho, não falando aquilo na
cara dura.
 
— Tudo bem. Agora, se apresse. Eu disse que estávamos atrasadas, mas
isso já faz meia hora.
 
O quê?! Não, eu não vou.
 
O que eu diria? Qual desculpa inventaria? Minhas ideias estavam
escassas. Queria ter a coragem e a cara de pau de dizer “não” em voz alta, não
tendo que mentir para não lhe explicar nada, ou ser sincera e dizer que não
gostava da forma como tudo estava acontecendo. Isso a deixaria chateada e mal.
 
Abri a boca e nada saiu.
 
Ouvi ela indo embora, deixando-me no banheiro sem saber o que fazer.
Peguei a toalha pendurada, enrolei-me nela e saí do box sentindo raiva de mim
mesma, rezando para que algo acontecesse e me livrasse de mais aquela.
 
— O quê?! Ah, droga!
 
Ouvi Sadie e corri para saber o que de errado tinha acontecido. Ela
estava tão furiosa, que jogou o celular no sofá.
 
— O que aconteceu? — perguntei, receosa com que ela disparasse mais
uma em cima de mim.
 
— Ele teve um imprevisto. — Jogou seu corpo no sofá, parecendo
derrotada.
 
Dentro de mim crescia uma felicidade sem igual, só que disfarcei para
não a irritar.
 
— Eles são médicos. Quando algo grave acontece e eles são chamados,
devem ir sem pensar duas vezes.
 
— Médicos? — inquiri, surpresa. — Onde os conheceu?
 
— Frequentam o mesmo pub que nós. — Minha amiga estava quase
deitada no sofá, pondo a cabeça para trás. — Saberia se não tivesse sendo
explorada por aquele demônio sugador de almas.
 
Ri do seu drama. Eu queria dizer que gostava de ficar perto dele, de ser
observada, e que isso despertava em mim um desejo nunca antes sentido. Porém,
seria confessar o que eu não deveria.
 
— Fica para a próxima então. — Virei-me nos calcanhares e, finalmente,
pude abrir o sorriso que tanto escondia.
 
Entrei no quarto, sentindo-me relaxada e tranquila. Pensei em colocar
meu pijama confortável, nada sexy, que faria Aaron mudar de opinião sobre
mim.
 
Aaron Jackson. Um nome poderoso. Ele me despertava, sem a menor
dificuldade, desejo, pensamentos nada profissionais e muitas outras coisas que
eu tentava esconder quando estava em sua frente.
 
Depois de vestida, fui até a sala, em busca do meu telefone, e vi que
Sadie não estava mais lá. Peguei a bolsa que tinha jogado em cima dele e, logo
em seguida, peguei o meu aparelho telefônico, no qual tinha uma mensagem do
próprio pecado em pessoa.
 
“Espero que tenha ótimos sonhos comigo. Desde que a vi, não consigo ter
uma noite de paz sem que seu corpo pequeno esteja em cima da minha cama,
nu, deixando-me duro no sonho e na vida real.”
 
Fiquei boquiaberta com a sua mensagem, senti meu rosto esquentar e,
mesmo sabendo que não deveria, fiquei animada com o que li.
 
“Você é um safado, sabia?”
 
“Não deveria estar dormindo ou cuidando da sua filha?”
 
“Olivia já está na cama, e eu também, mas não significa que eu esteja
cansado o suficiente para dormir.”
 
Eu não sabia que ele iria me responder tão rápido. Fechei a porta do
quarto e fui para a cama, pensando no que dizer.
 
“Então, está encarando o teto?”
 
“Estudos dizem que o celular é um vilão para o sono.”
 
“Preocupada com o meu sono?”
 
O que eu estava fazendo? Deveria desligar o telefone e o ignorar. Porém,
não foi isso que fiz. Também não conseguia abandonar o sorriso dos lábios.
 
“Não. Já tenho muito com o que me preocupar, senhor Jackson.”
 
“Minha preocupação atual é com a sua assinatura no meu contrato de
confidencialidade. Saiba que não vou tocar em você enquanto não fizer isso, por
mais que eu deseje.”
 
“É isso que o impede?”
 
“Então, o que foi aquilo de me colocar em cima da sua mesa?”
 
“Uma amostra grátis.”
 
Revirei os olhos, rindo como uma idiota. Como eu poderia estar
gostando disso?
 
“Se foi só uma amostra grátis, nem posso imaginar o que virá depois
que eu assinar a exclusividade.”
 
Foi só uma piada, mas isso já me fazia pensar mais no assunto. Os
pontinhos demoraram a desaparecer. Aaron digitou e digitou, deixando-me
curiosa. Seria outro contrato?
 
“O que mais gosto em você é saber que nunca foi tocada por ninguém e que
posso ser o primeiro. Se sonhar com você já era bom, ficou ainda melhor depois
disso. Mostrar todo o prazer a alguém que nunca teve isso é como entrar em
uma loja de doces e ganhar tudo que está dentro dela. Quero tanto isso, que só
a possibilidade de fazer, me excita. Beijá-la e tocá-la em lugares que nunca
ninguém tocou... Devo dizer que não sou muito gentil, mas posso abrir uma
exceção para você. Serei calmo e paciente, mas mostrarei como é bom ir ao
limite, levando-a a lugares onde poderá ver, em primeira mão, como é bom
deixar que nossos corpos tomem conta do desejo. Mostrarei como é não ter
medo de ir a esse limite. Imagino você de tantas formas, que penso que é
impossível tentar fazer tudo sem machucá-la.”
 
No momento eu estava sedenta por prazer. Não tinha nada demais, era só
uma provocação, porém ele sabia como deixar uma mulher maluca. Eu tinha
orgulho de ser segura de mim mesma, só que naquele instante eu não estava.
 
Pensei em pedir para que ele viesse até meu quarto e me mostrasse tudo
que dizia querer de mim, entretanto, por sorte, eu não era tão imprudente.
 
“Está tentando me convencer a fazer algo que eu já disse que farei?”
 
Mordi os lábios até sentir a dor da realidade e me mexi na cama,
percebendo um desconforto no meio das pernas.
 
“Se concordou com isso, por que ainda não assinou?”
 
Porque estou com medo de tornar tudo real, seu idiota.
 
“Farei isso.”
 
“Está bem apressado, não acha?”
 
“Perdoe-me se não aguento mais vê-la e não poder tocá-la como quero.”
 
“Faça isso o quanto antes. Não sou homem de esperar tanto.”
 
“Então seu desejo por mim pode acabar em segundos?”
 
“Não, isso só vai me tornar um obsessivo.”
 
“Desculpa, mas você não já é?”
 
“Mia Wanell, não quero brincar com você justo quando estou a ponto de me
aliviar com outra caso não seja rápida.”
 
“Por curiosidade, isso seria exclusivo só para a minha parte ou
incluiria você também?”
 
Não levei seu comentário na brincadeira. Fiquei furiosa ao pensar nele
com outra. Bobagem? Idiotice? Sim, pois Aaron era um idiota, um cara que eu
deveria odiar. Contudo, eu me peguei sentindo ciúme dele.
 
“Quando me der a liberdade de fazer o que quero, serei seu por completo. Já
não olho mais para outras sem imaginar você. Só estou dizendo que ainda não
somos exclusivos e que essa conversa está me deixando muito, muito excitado,
pois estou pensando em como sua pele é macia e no seu perfume doce, que me
deixa como um drogado. Penso em tocar na sua cavidade quente e molhada
como alguém sedento. Dispensei muitas outras só porque não paro de pensar
em você. Só estou deixando claro que, por agora, não tenho nada que me
impeça de ligar para uma delas.”
 
“Se fizer isso, você nunca vai ter o prazer de me ter, nem de ser o meu
primeiro.”
 
“Me provocar não é uma boa ideia.”
 
“Só estou sendo clara. Não serei mais uma na sua cama. Se tem plenos
poderes sobre com quem saio, tenho que ter a certeza de que vai fazer o
mesmo.”
 
“Estou nas suas mãos. Pensei que estivesse claro.”
 
“Só quis ter certeza.”
 
“Ótimo!”
 
Deitada na minha cama, olhando para a tela do celular, eu pensava no
que estava fazendo. Eu sei que disse que faria aquilo, porém estava sentindo
medo de realmente fazer.
 
Saí do aplicativo de mensagens e fui para a minha caixa de e-mail. Senti
o frio na barriga aumentar e minhas mãos suarem. Olhei para a porta e pensei no
que estava fazendo. Daria plenos poderes a ele sobre o meu corpo. O que
aconteceria depois iria me prejudicar?
 
Queria muito isso. Estava de saco cheio de ser medrosa e de esperar por
um milagre. Não estava ali para me privar dos prazeres da carne, só não pensava
em fazer isso logo com o meu chefe.
 
Assinei o documento e fechei os olhos, sentindo o peso do que fiz. Uma
grande parte de mim estava empolgada, feliz, só que eu ainda era uma medrosa.
 
Voltei ao aplicativo de mensagens depois de ter enviado o arquivo para
ele.
 
“Espero que tenha razão e que eu não me arrependa disso.”
 
Esperei que ele me respondesse sobre o que eu tinha acabado de fazer,
mas não respondeu.
 
CAPÍTULO 19
Minha cabeça não parava de pensar no que aconteceria a partir dali.
Como eu olharia no rosto dele? Como trabalharíamos juntos? Ele iria me atacar
a qualquer momento?
 
Bem... Como eu bem li naquele contrato ridículo, nada disso afetaria os
nossos trabalhos, porém eu não sabia se, na empresa, ele viria atrás de mim com
segundas intenções.
 
O que fui fazer? Poderia ter resistido, deixado isso de lado ou me
demitido, dizendo que seria melhor trabalhar em outro lugar a ceder à tentação.
 
Não era como se eu fosse uma religiosa que só pensasse em sexo depois
do casamento, no entanto não conseguia deixar para lá o meu lado brega que não
gostaria de ser tão apressada e descuidada.
 
Dormir foi quase impossível. Eu só imaginava aquele homem comigo,
em uma sala vazia e silenciosa, beijando-me, colocando-me em cima da mesa...
 
— Está de folga? — Sadie me despertou dos pensamentos e eu a
agradeci mentalmente. — Pensei que, a esta hora, já estaria arrumada. Sabe
como ele é. Você se demitiu?
 
— Não. Eu só estou com alguns dias livres do estressadinho. Ele partirá
hoje para a Itália e eu não fui solicitada a ir. — Revirei os olhos, não sabendo o
porquê, já que essa era uma oportunidade para eu pensar e mudar de ideia.
 
Só que uma coisa não saía da minha mente: e se ele encontrasse uma
mulher linda e ela se jogasse para cima dele depois de uma reunião? Seria ela
quem estaria em cima da mesa, não eu.
 
— Isso é bom. Vai dar tempo para você pensar nos erros que está
cometendo.
 
Franzi o cenho, sem saber muito o porquê de Sadie ter falado isso. Ela
nem fazia ideia do que acabei fazendo, de que eu havia assinado um contrato
casual de sexo com meu chefe.
 
— Vi como ele olha para você e te coloca contra a parede. Ele deixou
claro o porquê de tê-la trazido de volta.
 
Claro, essa parte ela viu.
 
— Todos sabem que ele é um safado. Não vou cair nessa — menti, pois
já estava atolada nessa bagunça até o pescoço.
 
— Nunca vi Aaron Jackson dar em cima de uma funcionária antes — ela
falou ao se sentar perto de mim no sofá. — Demitiu algumas delas por terem se
oferecido para ele, por terem usado decotes provocativos, e muitas outras porque
ele disse odiar certas ações vindo de uma funcionária. — É, eu já tinha ouvido
essas coisas. — E desde quando você chegou, o chefe vem tomando atitudes
fora do comum. Ele deveria tê-la demitido e se esquecido de você no momento
em que o respondeu. Mas não, muito ao contrário disso. Ele te demitiu, porém te
trouxe de volta, comprando uma empresa na qual nem tinha interesse.
 
— Sadie, ele mesmo falou que foi um negócio à parte. Sabe como ele
trabalha — apontei, levantando-me, já que não gostava de conversas que me
colocavam contra a parede. Além disso, eu gostava da minha amiga, e mentir
para ela na cara dura não me deixava feliz. — Você não vai se atrasar?
 
— Mia, eu gosto de você. O que Aaron fez, deveria ser levado ao...
 
— Ele não fez nada, Sadie — respondi, mais irritada do que deveria. —
Esse é o meu trabalho. Eu falei com ele e disse que não queria mais aquele
comportamento. — Mentiras. Minha avó dizia que elas sempre têm pernas
curtas. — Não vai mais acontecer.
 
— Ok. Mas não deixe ele te ameaçar só porque é o chefe. — Também se
levantou. — Não permita que ele te afete mais do que já afeta.
 
— Obrigada por se preocupar. — Dei um sorriso para não demonstrar o
meu desgosto em relação ao teor da conversa.
 
Sadie me deixou um beijo no rosto, pegou sua bolsa e saiu. Joguei-me
novamente no sofá, pensando que seria um tédio aqueles momentos em casa.
 
***
 
Estava encarando o monte de roupas que eu ainda teria que dobrar e
guardar, quando o interfone tocou. Naquele exato instante me senti feliz, porque
não teria que fazer isso. Odiava dobrar cada peça e as guardar nos seus lugares.
Eu não era bagunceira, todavia achava que essa era uma das piores tarefas que
existia em uma casa. Eu diria que preferia fazer faxina a guardar roupas.
 
Ao atender o interfone, fui informada de que tinha uma encomenda em
meu nome. Eu não me lembrava de ter pedido nada, então achei que fosse
engano e que, seja lá o que fosse, deveria ser para Sadie.
 
Dei permissão para que subissem e comecei a aguardar, curiosa. Eu não
abriria algo de outra pessoa, mas confesso que era bem bisbilhoteira.
 
Assim que a campainha tocou, corri para a porta. Surpreendi-me com o
entregador. Era um homem comum, só que vestido com um terno bem alinhado,
luvas brancas, e tinha uma expressão séria. Ele confirmou se realmente eu era
quem ele estava procurando.
 
A caixa preta nas suas mãos me deixou ainda mais nervosa para a abrir.
E sim, era para mim. Ele me entregou ela e foi embora, deixando-me a
encarando.
 
Fechei a porta o mais rápido possível, fui quase correndo para o meu
quarto e coloquei o objeto sobre a cama. Tinha duas iniciais gravadas no topo da
caixa, na cor dourado: A.J.
 
Claro que eu reconheceria pelo charme e mistério. Aaron me enviou um
presente ou era só mais um dos seus caprichos me deixando curiosa?
 
Abri a caixa depois de tirar seu laço dourado. Um papel preto cobria seja
lá o que fosse e, em cima dele, havia um papel branco. Parecia mais um jogo de
campo minado, por isso tomei cuidado ao pegar o bilhete.
 

“Mia, desde o momento em que nos encontramos, não parei mais de


imaginá-la comigo e de desejar que você me desse total permissão para a ter só
para mim.
 
Me desagrada ter mais essa distância entre mim e o que quero, mas não
posso deixar de lado o meu trabalho. No entanto, a cada minuto que se passa,
mais aumenta o meu desejo. E quando isso acabar, terei o que tanto quero. Por
agora, apenas deixo esse presente que me faz pensar em você usando-o. O que
elimina todos os meus neurônios responsáveis pelo bom senso.
 
A chave que está dentro da caixa será usada quando nós dois estivermos
em Nova York. Por ora, guarde-a em um lugar onde só você poderá tocá-la e
vê-la.
 
Aaron Jackson”
 

Quase que desesperada demais, tirei o papel preto dali e vi um tecido


vermelho de renda e seda. Senti que meu corpo trabalhava duas vezes mais e
que meus pulmões estavam pegando fogo. Com cuidado, peguei a peça e a
estendi em minha frente. Uma lingerie linda que eu nunca havia tido o prazer de
comprar, pois achava que em mim não ficaria legal. O conjunto vermelho era
macio e bem provocante. Eu me imaginei usando-o e ainda não conseguia
enxergar o resultado final.
 
O dourado no fundo da caixa chamou a minha atenção. Logo deixei de
lado a lingerie e peguei a chave na qual tinha as iniciais de Aaron gravadas.
 
Tudo era misterioso e provocante, sem muito exagero. Desejei, naquela
hora, que o chefe arrogante voltasse logo para saciar a minha curiosidade.
 
CAPÍTULO 20
Dias depois
 
— Não acho que seja uma boa ideia — avisei, olhando ao redor e vendo
as pessoas rindo e bebendo, à procura de dois homens que eu nem conhecia.
 
Fui obrigada a estar ali por não ter argumentos suficientes para recusar.
O que eu diria à Sadie? Que estava compromissada com um acordo ridículo com
o meu chefe?
 
— Nunca fiz isso. Nem sei sobre o que conversar. Não acha meio
forçado? — perguntei.
 
— Forçado é você tentar argumentar desse jeito — ela rebateu,
esticando-se para encontrar o carinha de quem ela tanto falava há semanas.
 
Eu estava a ponto de correr para o lado contrário. Ela não notaria, já que
se encontrava tão focada nas pessoas em nossa frente. Porém, seria ridículo fazer
isso como uma menina assustada. Meu plano era ser tão irritante, que o carinha
iria fazer esse trabalho por mim.
 
— Estão ali.
 
Olhei na direção que ela indicou e quase tive um infarto. Não dava para
ver com exatidão. Mesmo com os saltos, estava difícil enxergar no meio das
pessoas. Eu nunca tinha visto o pub com tanta gente. Parecia estar rolando uma
comemoração da qual eu não tinha sido informada.
 
Eu quis dizer à Sadie que era melhor escolhermos outro lugar em que
não ficássemos tão próximas aos nossos colegas, mas antes de eu contestar, ela
logo disse que foram os rapazes que optaram pelo pub, por ser perto do trabalho.
 
Ela pegou em meu braço e me puxou para dentro do bar. Eu me senti
como se fosse uma criança que precisava de ajuda, e isso só me chateou ainda
mais.
 
Devo admitir que eles eram lindos. Assim que fiquei frente a frente com
os homens altos e elegantes, fiquei mais motivada, só que isso durou pouco.
Logo a minha ansiedade bateu e me trouxe pensamentos malucos e lembranças
de um chefe que ficaria furioso quando eu o falasse sobre isso.
 
Preciso dizer?
 
Não preciso. Já basta o grande problema em que me meti. Afinal, isso
não é sério. Não quero que seja. É só um encontro forçado. Depois de hoje, esse
cara lindo não vai mais querer saber de mim.
 
Tive que me esforçar para não demonstrar a minha timidez. O beijo no
meu rosto foi educado e sutil. Ele estava nervoso. O que me deixou mais
relaxada, porque pelo menos não era só eu a estar assim.
 
Eles, que já estavam bebendo algo, pediram mais duas cervejas. Eu diria
“não”, no entanto não quis ser rude.
 
Enquanto Sadie se distraía com o seu ficante, eu fiquei com o segundo
cara, que era alto, de cabelos castanho-claros, com um sorriso bonito no rosto e
bem simpático. Tanto que fez eu me sentir mal por querer fugir dele. Seu nome
era David, ele era cirurgião pediátrico e até que tinha um papo interessante.
 
Enquanto bebíamos, ele me contava sobre o seu trabalho e do quanto era
bom com crianças. Eu não sabia que gostaria tanto disso. Quando a terceira
cerveja acabou, eu nem sabia que estávamos já há quarenta e cinco minutos
conversando e rindo. Um cara tão perfeito assim não podia existir. Ou era eu
quem estava duvidando demais.
 
Nunca fui de chamar a atenção. Saí com caras a encontros e até quis
colocar terra para não ir a esse, pois achei um absurdo minha amiga planejar um
encontro para mim. Porém, devo admitir que depois daquela semana sem
notícias do meu chefe idiota, estava sendo bom conversar e beber com alguém.
 
O único momento em que David se ausentou foi para ir ao banheiro.
Fiquei impressionada e me achando boba por estar me divertindo.
 
Minha atenção foi roubada pelo telefone tocando em minha bolsa. Eu
estava encostada no bar, quando a abri e peguei o aparelho. Olhando para a tela,
vi o nome de Aaron e nem acreditei.
 
— Só podia ser você para estragar a minha noite — sussurrei, irritada.
 
Sim, eu meio que fiquei com raiva do vácuo que ele me deu. Eu lhe
mandei mensagens, e nada. Até liguei para ele em uma noite e não fui atendida.
E justo quando eu estava com alguém legal, esse carma veio e me levou outra
vez para o meu mundo complicado.
 
— Não vou estragar essa noite por sua causa — falei ao recusar a
chamada.
 
Não demorou muito para que ele me mandasse uma mensagem. As
palavras escritas em caixa alta me fizeram revirar os olhos. Novamente, eu o
ignorei, deixando o celular no fundo da bolsa.
 
Quando David voltou, pus o meu melhor sorriso nos lábios.
 
— Não demorei muito, certo? — Ele se preocupou.
 
Neguei e voltamos a conversar.
 
***
 
No fim da noite, senti que estava bem mais alegre do que antes. Muito
educados, os rapazes se ofereceram para nos levar para casa. Mas nada de um
encontro extra só porque eles se sentiram responsáveis por isso.
 
Contudo, vendo o cansaço deles e sabendo que tinham vindo de um
plantão extra, logo recusamos a oferta, com a promessa de um novo encontro
quando desse.
 
Nós pegamos um táxi e eu não conseguia parar de pensar em David, em
como ele era educado, gentil, atencioso e muito engraçado.
 
— Admita que eu estava certa. — O tom convencido de Sadie me fez
revirar os olhos. — São gatos, inteligentes e muito legais. Eu estava certa em
insistir.
 
— Certo, foi legal, mas nada tira da minha cabeça que foi muito forçado.
— Cruzei os braços.
 
— Com você, eu tive que forçar, ou não sairia de casa — acusou-me. —
Está sempre reclamando que nunca ninguém vai enxergar você, mas é porque se
esforça para isso.
 
— Está me acusando de planejar a minha solteirice?
 
— Com certeza. Mas agora viu que sair de casa e conversar com um
pediatra gostoso pode deixar a sua noite mais... animada.
 
Ri do seu egocentrismo.
 
Sadie era uma grande amiga, embora, apesar de espontânea, me forçasse
às vezes a fazer esse tipo de coisa.
 
Peguei o telefone que quase não me deixou em paz a noite toda. Eu tinha
o colocado no modo silencioso, porém a vibração me deixou louca. Eu sabia que
Aaron ficaria furioso, no entanto estava feliz por ter lhe dado o troco.
 
Mensagens de fúria encheram a minha tela. Fiquei até feliz por vê-lo
desse jeito.
 
O dia seguinte seria sábado e, mais uma vez, eu não o veria. Entretanto, a
expectativa de voltar ao trabalho na segunda-feira fez com que meu corpo se
arrepiasse inteiro.
 
“Não está em casa e nem se dá ao trabalho de me atender.”
 
“Pensa que isso é uma boa ideia?”
 
“Posso dizer, com toda a certeza, que não é.”
 
“Não importa o quanto terei que esperar, mas vou estar aqui. E se não quer
que sua amiga saiba sobre nós, espero que seja mais cautelosa e não me ignore,
como fez a noite toda.”
 
Acabei de ler a última mensagem, sentindo frio na barriga. Ele disse que
me esperou a noite toda e me falou para ser cautelosa. O que isso queria dizer?
Que ele tinha voltado? Que iria me abordar e esbravejar na frente de Sadie? Não
faria isso. Seria contra o acordo ou seus princípios. Foi ele mesmo quem
estipulou os termos e exigiu que tudo fosse segredo.
 
Bem... Eu nem sabia mais se deveria fazer isso. Iria dizer que queria
acabar com essa loucura e que estava tendo a oportunidade de conhecer alguém
mais interessante e interessado em mim.
 
O táxi parou em frente ao nosso prédio. Sadie, toda feliz, pagou o
homem, enquanto eu fiquei paralisada, sem saber se saía dali ou ficava. Antes de
qualquer coisa, mandei uma mensagem à Aaron, esperando que aquilo fosse só
mais uma cena dele.
 
“O que você quis dizer com tudo isso? Onde está?”
 
Minha amiga foi a primeira a sair do carro. Eu deveria fazer o mesmo,
mas me detive até que estivesse pronta, com medo de ver Aaron e entrar em
pânico. Pensei que ele não seria tão maluco. Eu estava gostando de provocá-lo,
mas o encarar depois de ignorá-lo seria bem ruim.
 
Ele já era um babaca no seu estado natural, então, depois disso, como
ficaria?
 
“Saia desse maldito táxi, se livre dessa sua amiga e descobrirá, docinho.”
 
Não, não! Isso é um sonho. Melhor, um pesadelo. Não é justo ele
estragar a noite que estava tão legal.
 
— Precisa de ajuda para sair? — perguntou a loira, com o cenho
franzido, encarando-me.
 
— Não, estou bem. — Dei um sorriso amarelo.
 
Saí do veículo apertando tanto o aparelho, que pensei que o quebraria.
Fechei a porta com força, olhei de um lado para o outro, em busca dele, e só
encontrei um carro esportivo não muito longe de onde estávamos.
 
— Sadie, eu tenho que ligar para a minha mãe. Parece que ela quer
resolver alguma coisa, não sei ao certo.
 
— Sua mãe? — Estreitou os olhos. — Quando ela ligou?
 
— Não ligou, mandou mensagens, já que silenciei o telefone para não
atrapalhar a conversa com David.
 
Mentira tem perna curta, Mia — a voz me perturbava a cada frase que
eu dizia.
 
Eu seria punida por isso, com certeza, da pior forma.
 
— Tudo bem, eu vou na frente. Tome cuidado. Está tarde e não sabemos
o que pode acontecer. Deve ir para dentro do prédio ou subir comigo...
 
— Obrigada, mas será uma conversa rápida. — Senti minha língua
formigar. Ela me punia pelas mentiras e, também, por eu ter errado ao dar tanto
poder a um homem maluco.
 
Assisti à minha amiga entrar no prédio. Eu nem tinha visto o táxi ir
embora. Dei alguns passos e, ao longe, vi o homem alto, de cara amarrada, sair
do automóvel e vir em minha direção. Eu não queria que ninguém nos visse,
então fui até ele.
 
— O que veio fazer aqui? — Sem dizer uma palavra, ele pegou em meu
braço e me puxou até o seu carro esportivo. — Me solte. O que pensa que...?
 
— Você acha que está em uma posição em que pode me ignorar? — sua
voz grossa demonstrou irritação. Mais que isso, foi quase que assustadora. —
Quando ligo, você atende. A não ser que seja extremamente impossível. O que
não acho que tenha sido o caso. Não pode me ignorar.
 
— Foi uma situação extrema. Eu quis ter uma noite de paz. Agora, me
solte. — Puxei o braço o mais forte possível, impedindo que ele continuasse o
segurando. — Não tem esse direito sobre mim.
 
— Onde estava e com quem?
 
Revirei os olhos, desejando socá-lo ou chutar bem o meio de suas pernas.
 
— Se quer saber, saí com um homem interessante e muito gentil,
diferente de você, que me fez mudar de ideia sobre aceitar os seus termos.
 
— Não brinque comigo, menina. — Avançou para cima de mim.
 
— Não estou brincando. — Ri, olhando-o. — Você me ignorou a semana
toda, e achei que tivesse até me esquecido, então minha amiga me propôs uma
noite divertida. Ainda me questionei se deveria aceitar ou não, mas, por fim, até
que gostei.
 
— Sadie! — Aaron falou o seu nome com tanto ódio, que me preocupou.
— Eu não a ignorei. Deixei meu telefone aqui, dentro do veículo, depois que
mandei aquela mensagem. Tive que comprar outro, mas não me lembrava do seu
número.
 
Levantei uma das sobrancelhas, tentando entender o que ele havia me
dito e pensando se eu acreditaria nele ou não.
 
— Certo, você esqueceu. — Desconfiei. — Mas ainda é um bruto.
 
— Como posso ser gentil, quando vejo que me ignorou de propósito e
ainda me disse que saiu com outra pessoa? — indagou entre dentes.
 
— Está com ciúme? — Ri, provocando-o. — Não seja bobo.
 
— Não tem graça. — Passou as mãos pelos cabelos um pouco
bagunçados e se afastou de mim, bem nervoso.
 
Eu não queria, mas fiquei feliz ao saber que ele sentia ciúme pelo menos
um pouco.
 
— Não quero que saia com mais ninguém.
 
— Sabe... Até que eu estava gostando de não ter que ouvir as suas
exigências. Você não manda em mim. — Cruzei os braços.
 
— Temos um acordo. — Virou-se e me fitou com raiva.
 
— Que ainda não foi executado. Ou seja, pode ser revogado — continuei
firme.
 
— Não é assim que funciona.
 
— Se não quero, não pode me obrigar.
 
Ele não tirou os olhos dos meus, só se aproximou de mim
vagarosamente, hipnotizando-me, como sempre. Dei passos para trás, tentando
fugir dele, mas em certo ponto me vi impedida de fugir. Senti o carro em minhas
costas e me condenei mentalmente.
 
— Não vai funcionar. Estou determinada. Isso é mesmo um erro, e ele é
um cara legal.
 
— Caras legais nem sempre são os certos. Não adianta mentir, porque
você e eu sabemos o que quer. E eu posso te dar o que quer. Você já decidiu.
Não pode me dizer que um simples papo te fez mudar de ideia.
 
— Se o conhecesse, saberia que o papo foi o suficiente. Além disso, ele é
um gato — continuei provocando-o, embora não estivesse mentindo.
 
Assustei-me quando ele bateu suas mãos no automóvel, uma de cada
lado do meu corpo. A pouca luz me deixou desconfortável e eu não conseguia
olhar em seus olhos claros sem ter medo da escuridão que estava neles. Meu
corpo inteiro estava agitado e meu coração quase saindo pela boca.
 
Maldito Aaron. Ele tinha um poder sobrenatural sobre mim.
 
— Não vai funcionar — afirmei.
 
Sem dizer mais nada, ele me beijou, arrancando de mim todo o meu ar.
Suas mãos me prenderam ao seu corpo e eu não resisti. Ele era o cara errado,
entretanto eu não conseguia deixar de pensar nele ou de desejá-lo.
 
Facilmente, ele me pôs sobre o capô e colocou seu corpo bem no meio
das minhas pernas, tirando de mim toda a razão. Agarrei seu pescoço e não
queria mais soltá-lo. Estava sentindo falta do seu calor e do seu toque que me
levava à loucura.
 
O frio em minha barriga aumentou quando ele passou a beijar o meu
pescoço e suas mãos invadiram por baixo do meu vestido justo. Ele sabia como
me dissolver nos seus braços, e esse era o meu ponto fraco. Eu não podia negar
que o desejava, que queria me entregar a isso mais que tudo.
 
— Você não quer o cara legal, Mia.
 
— Para!
 
— Admita. Eu sei, e você sabe. — Encarou-me. — Não é difícil.
 
— Você só quer me usar — acusei-o.
 
— E o que você quer? — Ele me apertou ainda mais e fitou meus olhos.
 
Naquela hora, desejei que estivesse claro o suficiente para eu ver suas
intenções. Estava confusa, sem saber o que dizer.
 
— Pare de jogar e vá logo ao ponto antes que eu acabe escolhendo o cara
legal.
 
CAPÍTULO 21
E, mais uma vez, eu me via tendo que pensar em uma desculpa bem
elaborada para fugir de Sadie e seus questionamentos. Até parecia que eu
morava com a minha mãe. Coisa que já era estranha, pois ela nem se importava
com quem eu saía, que horas eu voltava e tudo mais.
 
Pensei, por um breve momento, em dizer à minha amiga que iria sair e
procurar um novo apartamento, mas não queria deixá-la, nem morar sozinha.
 
— Vai sair com David de novo? — O sorriso no canto de sua boca fez eu
me sentir mal.
 
Ela era legal e só queria a minha felicidade, no entanto me mataria se
descobrisse que eu iria jantar com o meu chefe safado, com quem eu tinha um
acordo de sexo.
 
— Vocês dois combinam tanto.
 
— Não vou sair com David hoje. Ele está de plantão, lembra? Na
verdade, vou sair com uma velha amiga que veio a Nova York. Não sei que
horas volto, porque ela costuma falar muito.
 
— Velha amiga? — Levantou uma das sobrancelhas. — Com essa
roupa?
 
Olhei-me dos pés ao busto, tentando entender o porquê daquela sua cara.
 
— Alguma coisa errada? Acha muito simples ou...?
 
— Está sexy. Seu corpo está lindo nesse vestido vermelho.
 
— Então, qual o problema? Está agindo como se eu tivesse escolhido
algo absurdo para usar.
 
— O fato é: está muito linda e gostosa nesse vestido. Os caras vão cair
em cima de você, amiga.
 
Ah... Se Sadie soubesse que já tinha um cara que queria cair em cima de
mim...
 
— Ainda bem que não sou desse tipo. — Dei um sorriso, peguei minha
bolsa e saí, batendo a porta.
 
***
 
Olhei para o prédio enorme e espelhado, com cara de boba. Não sabia o
que estava fazendo ali, mas o frio na barriga já me dizia que não seria nada bom
entrar lá. Respirei fundo e pus os pés para dentro do lugar. Passei por homens de
ternos pretos que faziam a segurança, achando que eles sabiam sobre o meu
segredo e pecado.
 
Aaron foi breve na mensagem, só me disse para ir ali com o mais lindo
vestido e com o presente que ele me deu, incluindo a chave.
 
Entrei no elevador, sem saber que botão apertar. Peguei a chave e vi que,
no pingente em formato de coração que veio com ela, tinha o número 42. Olhei
para o painel, e lá estava o número.
 
Questionei-me se realmente faria isso. O que eu estava fazendo da minha
vida? Tudo poderia ser tão simples se eu só trabalhasse e odiasse o meu patrão.
 
Meu dedo idiota tomou a iniciativa de apertar o botão e o elevador
começou a subir. Perguntei-me se alguém subiria, se me veriam e o que
pensariam.
 
Bati o salto scarpin no chão, crendo que estava demorando uma
eternidade para eu chegar ao meu objetivo. O número no painel me deixou mais
nervosa, e quando a caixa de metal parou e abriu a porta, eu me senti sem ar nos
pulmões. Dei de cara com um apartamento lindo, com uma entrada chique, bem
iluminado e com um clima frio por conta das cores escuras.
 
Achei que havia cometido um erro e interpretado errado a dica, até que
Aaron apareceu vestido em uma camisa preta com três botões abertos, uma
calça, também escura, segurando uma taça de vinho branco e com o sorriso no
rosto.
 
Por Deus! Eu me meti em uma confusão e, agora, estou perdida.
 
— Quase pensei que não viria.
 
— Ainda acho que estou cometendo um erro — eu confessei e ele riu. —
Acha que é uma piada?
 
— Acho que você tem muita coragem para dizer o que pensa na minha
cara, mas disso tem medo. — Revirei os olhos. — Odeio quando revira os olhos
para mim.
 
— Acredite. — Desci os dois degraus até a sala onde ele estava. — É
melhor a revirada de olhos do que minha língua solta.
 
— Sinceramente, gosto quando me responde e me provoca. Me sinto
excitado, imaginando-me calando a sua boca de formas bem inusitadas.
 
Senti o calor subir quando pensei em como ele faria isso.
 
— Por que me chamou aqui? E para que serve essa chave?
 
— Vamos — foi o que ele disse, dando as costas para mim.
 
— Odeio quando faz mistério. — Eu o segui. — É mais um dos seus
jogos?
 
— Você disse que não quer jogar comigo. E, sinceramente, eu também
não.
 
— Ótimo. Então, dá para dizer o que vai acontecer?
 
— A noite vai ser longa. — Aaron parou abruptamente, virou-se só o
bastante para me encarar e riu com aquela cara de safado que eu tanto odiava e
amava. — Um jantar para relaxar, e depois... — Seus olhos foram de cima a
baixo em minha direção, deixando-me inquieta. — Poderemos, finalmente,
começar a brincadeira.
 
— Disse que não era um jogo. — Cruzei os braços, desconfortável.
 
— Não significa que entre quatro paredes não possamos brincar um
pouco.
 
Paralisei no lugar após ouvir isso. Ele sabia que me calaria. E, por mais
que eu devesse correr para o outro lado, fiz o caminho contrário. Enquanto ele
seguia no corredor, admirei o lugar, que era lindo e simples, mas bem charmoso,
assim como o dono.
 
Logo me veio à mente o questionamento do porquê estarmos em um
apartamento como aquele. Seria o local onde poderíamos nos encontrar sem que
ninguém soubesse?
 
Bem... Claro que sim. Apesar de que na noite passada ele tinha
ameaçado revelar tudo para Sadie.
 
— Então, o que tem em mente? — cortei o silêncio.
 
— Tenho muitas coisas em mente, mas agora vamos jantar. Preparei algo
para nós.
 
Automaticamente me lembro da última vez que jantamos. Eu acreditava
que aquela cena nunca sairia da minha mente.
 
Aaron pôs sua taça na bancada de mármore branco e pegou outra para
servir o vinho branco. Eu não conseguia parar de admirar a sua beleza e me
condenava por estar ali, sendo que no dia anterior eu havia marcado outro
encontro com o cara decente que me fez rir a noite toda.
 
Depois que Aaron me deu a taça, eu quis beber o vinho de uma só vez
para eliminar a minha consciência sóbria e suportar aquela tensão. Não era como
se eu não quisesse estar ali e fazer o que eu desejava e o que tinha esperado por
todo aquele longo tempo. Porém, ainda existia aquela parte em dúvida,
questionando todas as minhas ações, mentiras e jogos emocionais.
 
Eu era a garota tímida e boa, que ajudava e optava sempre por dizer a
verdade, contudo, depois que conheci Aaron Jackson, meu lado mais teimoso,
pervertido e mentiroso veio à tona, deixando-me com vergonha de mim mesma.
 
Mas, por outro lado, eu queria mudar: ser mais mulher e determinada;
nada do que eu era quando estava com a minha família. Sempre fui apagada, a
pessoa que deixava o que mais queria por conta dos irmãos mais talentosos.
 
E naquele momento, eu estava em um cargo de relevância, ao lado de um
homem muito inteligente e importante. E isso me deixou confiante até certo
ponto. Não vi quando tudo se transformou em uma bola de neve prestes a me
derrubar. Não sabia que me sentiria atraída por alguém como ele, sendo meu
chefe.
 
Tive vontade de dizer tudo isso à Aaron, pedir desculpa e ir embora.
Apesar de arrogante e rude, eu não achava que ele me forçaria a nada. Todavia,
só fiquei nessa pequena vontade daquela parte medrosa, pois pensar em sair e
não experimentar aquele desejo me deixaria maluca a derrotada.
 
Já chega de ser uma mulher fraca e medrosa.
 
Nós nos sentamos à mesa e ele serviu o jantar. Eu me surpreendi com o
aroma incrível, com a aparência do prato e com a gentileza com a qual ele fazia
as coisas. Esse não era o Aaron que eu costumava irritar.
 
A segunda taça veio para me deixar mais leve. Eu já tinha me esquecido
de onde estava e com quem. Para mim, naquele instante, era só eu e um homem
gato com quem eu pensava em passar a noite.
 
Eu havia me tocado que, no encontro, isso não rolou. Bem... David era
legal e me fez rir. Gostei do nosso tempo juntos e queria que conversássemos
mais vezes, só que em nenhum momento pensei em dormirmos juntos ou
darmos pelo menos um beijo ou amasso.
 
Já com Aaron, as coisas eram diferentes sempre. Seu olhar, seu toque
sutil na minha pele, o sorriso nos lábios que me deixava encantada e boba... Ele
era um combo de destruição que me deixava quente, em alerta e desejosa.
 
— Então, esse lugar é seu?
 
Naquele ponto, a minha cabeça estava mais leve, e eu só tinha bebido
duas taças de vinho. Pensei que me jogaria em cima da mesa e beijaria aquela
boca que exibia um sorriso sexy.
 
Por Deus! Eu não sou a Mia Wanell quando estou com ele.
 
— Claro que sim — complementei.
 
— Você não pode fazer perguntas e as responder ao mesmo tempo.
 
— Foi uma pergunta que não passou pelo filtro da lógica — expliquei.
 
Ele riu.
 
— Bem... Precisamos de um lugar onde ninguém possa nos atrapalhar.
— Sua voz grossa arrepiou todo o meu corpo, e ele nem tinha se esforçado para
isso. — Espero que esteja do jeito que pedi, pois passei todo esse tempo
fantasiando com você, e ficar aqui, só conversando, requer muito da minha
energia.
 
— Você é um depravado. Eu deveria sair correndo agora mesmo —
brinquei.
 
— Deveria. Mas é curioso que sempre corra para o lado contrário.
 
— Isso é porque sou louca ou muito imprudente — eu admiti e ele riu
outra vez. — Não vou dizer se fiz o que me pediu, terá que se esforçar.
 
Aaron sorriu, mas não como antes. Ele se levantou com elegância da
cadeira e, sem tirar os olhos de mim, andou, praticamente me forçou a me
levantar e me puxou para longe da mesa.
 
— A chave — exigiu.
 
Eu o encarei, confusa, com meu coração quase saindo pela boca e um
frio na barriga aterrorizante. Afastei-me dele apenas para procurar onde tinha
colocado a maldita chave. Hesitei por um momento antes de entregá-lo, mas o
escuro do seu olhar me forçou a fazer isso.
 
Observei a porta preta com fechadura dourada, imaginando o pior. Minha
mente fantasiou diversas coisas, e uma delas foi o quarto vermelho do Christian
Grey. No entanto, assim que a porta foi aberta e eu vi que era um cômodo até
comum, tranquilizei-me.
 
— Você é sadista? Porque isso não estava no acordo — questionei-o,
pensando que esse não era o estilo dele, mas que não custava confirmar.
 
— Não. Não gosto de provocar dor por prazer.
 
Minha língua coçava para eu fazer mais perguntas. Porém, o óbvio era
que estávamos onde queríamos estar, e, mesmo sendo vergonhoso confessar, eu
queria mais que tudo calar a boca e deixar que ele fizesse o que desejasse
comigo.
 
Depois que pus os pés dentro do quarto, as coisas escalonaram tão
rápido, que quase não pude entender o que iria acontecer. Entreguei-me aos
braços de Aaron, deixando que ele decidisse o que fazer. O homem parecia
desesperado, beijando-me e me carregando como uma folha de papel sem peso
algum.
 
Quando dei por mim, estava sendo levada até a cama, quase sem ar nos
pulmões e neurônios no cérebro.
 
Eu nunca tinha me sentido assim. Já havia sentido meu próprio corpo em
busca de prazer, entretanto estava sozinha, e depois me sentia envergonhada por
ter feito isso. Uma completa bobagem, pois esse não é o pior crime que alguém
pode cometer.
 
Aaron sabia onde me tocar para me deixar ainda mais louca. Ele se
afastou de mim o bastante para beijar meu pescoço, enquanto uma de suas mãos
entrava por baixo da saia do meu vestido não muito curto, mas sexy.
 
Perguntei-me, antes de sair de casa, o que ele esperava de mim para essa
noite. Eu não era tão idiota; sabia que depois do ultimato, ele atacaria o meu
lado pervertido. E devo confessar que eu estava desesperada para saber como
seria ser dele e estar com ele, mesmo ciente de que esse seria um caminho sem
volta.
 
— Vou pegar leve com você hoje — ele disse ao meu ouvido. — Apesar
de desejar extrapolar todos os limites do seu corpo.
 
Eu não sabia o que falar, nem se queria falar algo.
 
Senti quando seus dedos abaixaram as alças do vestido e o deixei fazer o
que desejasse. Eu já estava totalmente à mercê do seu desejo e queria, mais que
tudo, perder a cabeça, sem arrependimento. Eu mesma o ajudei a tirar a roupa.
 
O clima do quarto estava ótimo, porém devo dizer que, naquela hora, a
minha mente só prestava atenção no homem alto, de pele quase bronzeada e
olhos claros que mais pareciam os de um lobo olhando para a sua presa. Eu
estava presa a isso e, realmente, sem palavras. Não me importava se ele era meu
chefe ou se eu nunca havia estado com alguém assim, só queria muito transar
com ele.
 
— Você se rende? — Eu o ouvi balbuciar.
 
— O quê? — sussurrei, confusa. Quase não o ouvi, e o entender também
foi um problema.
 
Como assim me render?
 
— Hoje não tomarei alguma atitude além do que já fiz, se não quiser.
Vou sempre perguntar se você aceita e quer o que estou propondo — ele
explicou, ainda me encarando.
 
Não seria mais sexy ser espontâneo? Eu não imaginava que ele fosse tão
cauteloso.
 
— Me perguntar não quebra o clima? — Ele riu. — Até então você não
me fez muitas perguntas.
 
— Nunca toquei em uma virgem. Não quero ser... indelicado ou rude.
 
Naquela hora, todo o encanto estava prestes a acabar, todavia ele,
novamente, pôs suas mãos no meio das minhas pernas sem tirar os olhos de
mim. Meu corpo se arrepiou inteiro e meu coração acelerou como um carro
esportivo.
 
— Só precisa dizer que sim.
 
— Claro, você tem total permissão — respondi, segurando-me para não
demonstrar o quanto isso me deixava nervosa.
 
Eu poderia dizer que aquilo o fez me olhar com mais fúria ou desejo.
 
Só conseguia sentir arrepios ao fitar seus olhos e me senti quase que
totalmente exposta assim que o vestido não estava mais sobre o meu corpo.
Confesso que imaginei diversas situações em relação a esse encontro, e
nenhuma delas se comparou a eu estar na sua presença, com a lingerie que ele
me deu, sendo apreciada como um banquete.
 
Exagero meu? Talvez. Mas era o que parecia.
 
Fiquei impressionada com a sua agilidade em soltar o fecho do sutiã. Foi
tão rápido, que nem percebi. Seus lábios na minha pele me fizeram suspirar.
Senti o meu corpo febril e meu coração quase sair pela boca. Era sensual e quase
irresistível. Ele brincou comigo, assim como prometeu fazer, e eu não estava
totalmente chateada por isso.
 
— Mal posso esperar para sentir você — sua voz sussurrada em minha
pele soou como um afrodisíaco.
 
Joguei a cabeça no travesseiro, desistindo de tentar resistir, e o deixei
tomar conta de mim por inteiro. Foi aí que tive o primeiro alerta soando na
minha cabeça, que me dizia que depois dessa noite, eu estaria perdida e à mercê
dele.
 
***
 
As mãos de Aaron seguravam a minha pele, apertando-a um pouco
demais, só que eu não me importava com isso, pois seus lábios me deixavam
louca, mexendo-se e se deliciando em meu ponto de prazer.
 
Eu não queria que ele parasse nunca e uma sensação descomunal se
formava dentro de mim, primeiro na barriga, e depois se alastrando como fogo
pelo meu corpo.
 
Eu quis impedir que meus lábios soltassem os gemidos de prazer, pois os
queria só para mim, mas não pude impedi-los de sair e não me importava se
eram inapropriados ou sem pudor.
 
Jamais tinha sentido aquilo antes, nem mesmo sozinha. Era bom demais.
Apertei suas mãos no meu corpo quando pensei que cairia em um buraco de
sensações, mesmo estando segura na cama. Parecia que o mundo havia parado.
Só havia eu e ele lá, e isso era incrível.
 
Quando Aaron se afastou de mim, o frio me incomodou. Ele não tinha se
distanciado muito, embora não estivesse exatamente em cima de mim, só que
senti sua falta.
 
Eu não sabia se dizia algo ou se permanecia calada, contudo não precisei
tomar essa decisão, já que o homem másculo e ardente voltou tão sedento
quanto antes, colocando seu corpo sobre o meu, beijando-me e me agarrando
com força.
 
Seria errado dizer que estou gostando desse lado feroz?
 
Bem... Isso não me importava, nem ao menos o pensamento de que eu
estaria novamente sob o seu controle. Eu gostava disso, e naquele instante mais
do que nunca. Deixaria os julgamentos para o próximo dia.
 
— Você tem o poder de me enlouquecer, Mia — sua voz rouca ao meu
ouvido era tão sexy, que, sem muito esforço, deixava-me mais apaixonada. —
Você é a minha loucura mais viciante.
 
— Posso dizer o mesmo sobre você.
 
Aquela foi a primeira vez que toquei nele daquele jeito. Senti, nas pontas
dos dedos, a sua pele lisa, macia, e os músculos se contraindo. Realmente estava
amando tudo isso.
 
Aaron estava no meio das minhas pernas. Era estranho, uma sensação
nova, mas muito excitante. Deitei a cabeça no travesseiro, não sabendo o que
esperar em seguida, no entanto confiava nele.
 
Bem... Não sei como é, mas confio.
 
Seu corpo inteiro se encaixou no meu. Os primeiros segundos foram
estranhos para mim e eu tentei, a todo custo, pensar só nas partes boas. Era a
primeira vez que eu o via tão cuidadoso, e gostava disso.
 
Senti que ele me preenchia por dentro pouco a pouco e não sabia se meu
coração aguentaria ficar dentro do peito por muito tempo. Foi desconfortável no
início e, por um momento, passou pela minha cabeça: “Ele é tão alto, e eu tão
pequena. Não sei se isso vai dar certo”.
 
Contudo, decidi afastar esses pensamentos idiotas e relaxar, pelo menos,
o máximo que pude. Seus beijos me distraíram, e quando me dei conta, eu mal
pensava mais no estranho membro dentro de mim.
 
As coisas foram esquentando, e eu diria que mais do que antes. Senti que
meu corpo estava pegando fogo, assim como o dele. Nunca havia me sentido tão
leve na vida, e, ironicamente, estava sendo com um dos caras que mais odiei
conhecer. Só que, naquela hora, ele era o que eu mais tinha pedido para
conhecer.
 
Aaron não era nada romântico, porém era atencioso, feroz e insensível às
vezes. Eu jamais tinha me imaginado fazendo sexo com o chefe, mas isso não
era por amor, e sim por puro desejo. E Aaron Jackson sabia como deixar uma
mulher maluca.
 
Sexo é tão bom assim ou é só com ele?
 
— Você é simplesmente minha, Mia — ele balbuciou entre seus gemidos
e, como uma boba, eu só confirmei com a cabeça. — E de mais ninguém —
completou.
 
A sensação de descontrole do meu corpo novamente me atordoou,
começando da barriga e indo até as pontas dos meus pés. Não consegui deixar
de encarar seu rosto. Seus olhos me possuíam, e seu prazer também. Era uma
sensação boa que me deixava atordoada. Apoiei os braços na cama, enquanto
uma das suas mãos estava em meu pescoço, forçando-me a ficar mais perto dele.
 
Uma força tão boa e grande quanto a outra tomou meu corpo e eu não
consegui segurar o que saiu da minha boca. Parecia que eu estava flutuando nas
nuvens, enquanto sentia o corpo másculo de Aaron sobre mim. Eu poderia dizer
que nunca mais desejaria ir embora ou deixar de sentir aquilo.
 
O que eu poderia dizer sobre mim mesma era que eu estava ferrada, pois,
mais do que nunca, eu queria ser de Aaron Jackson.
 
Seus gemidos ecoaram pelo quarto e seu calor era também o meu.
Parecia que havíamos corrido uma meia-maratona, e eu nem estava perto de me
cansar, apesar do meu corpo já dar indícios de que eu tinha feito muito esforço.
 
Antes de sair e se deitar ao meu lado, ele me beijou. Nada muito urgente.
Foi suave e delicado. Ele estava ofegante, assim como eu. E pensei que,
igualmente a mim, Aaron não queria que tudo acabasse tão cedo.
 
CAPÍTULO 22
Cheguei em casa tão tarde, que entrei no apartamento nas pontas dos
dedos para não acordar Sadie, apesar de saber que seu sono era tão pesado, que
não precisaria disso. Não queria ter que lhe explicar o porquê, nem daria para
mentir, pois eu ainda estava extasiada com o que havia acontecido, mesmo tendo
consciência de que, pela manhã, iria estar de ressaca. E nem era da bebida, e sim
da sobriedade das minhas escolhas.
 
Deitar-me na cama foi fácil; fechar os olhos e dormir foi o meu desafio.
Não conseguia parar de pensar, em nenhum momento, no que eu tinha feito, na
forma como ele me tocou e como fez eu me sentir. Não sabia como o olharia no
rosto, embora tivesse sido fácil encará-lo depois do sexo.
 
Eu estava ciente de que, em alguma hora, meu lado certinho atacaria e eu
ficaria com vergonha de mim mesma.
 
***
 
Quando o sol deu as caras, eu estava mais cansada do que nunca, e
minha cabeça logo começou a trabalhar, dizendo-me que esse cansaço não era
por nada e que eu, em algumas horas, iria dar de cara com o causador disso.
 
O problema era que, em meu consciente, eu não estava com raiva ou
chateada. Na verdade, o sorriso no meu rosto parecia uma tatuagem insuportável
que eu nem conseguia disfarçar na frente da minha amiga.
 
— Chegou tarde ontem. O que rolou nessa conversa com sua amiga? —
Ela percebeu.
 
— Foi divertido — limitei-me na resposta.
 
Ela ainda me fez vários questionamentos, porém a respondi vagamente.
Tomei o café rápido, com aquela velha desculpa de que o meu chefe era um
maluco por pontualidade, mas, para falar a verdade, eu estava com medo de ficar
mais algum minuto ao lado de Sadie e acabar confessando o meu crime.
 
Ao sair de casa, tive aqueles pensamentos sobre como seria revê-lo. Eu
queria muito, estava até com saudade dele, e isso me assustou. Eu não podia ser
a boba que se apaixonou por um cara só porque transou com ele, ainda mais esse
cara sendo Aaron Jackson. Sentimentalismo não era com ele.
 
Busquei pela sensação estranha e desconfortável que faria eu me sentir
arrependida, no entanto ela só deu as caras quando olhei para a sede da empresa
e vi as horas. Ele estava quase chegando, eu entraria em seu escritório, pegaria o
seu café e o esperaria passar com a cara fechada, sem dar um bom dia, assim
como todos os dias.
 
Claro que em alguns momentos o meu patrão até era educado e me
olhava nos olhos, ainda mais depois do que disse para mim quando voltei. Só
que após ter tido o que queria, será que iria me ignorar e me tratar como antes?
 
— Está esperando o quê? Que ele venha e te araste para dentro? —
brincou Sadie. — Achei que já estivesse acostumada.
 
— É que... Você está certa. Estou acostumada com o mau humor do
chefe. — Pensei que diria tudo a ela poucos segundos atrás. — Bom trabalho. —
Entrei no prédio, assim como ela, que logo se despediu de mim com um beijo
em meu rosto.
 
Ergui a cabeça e subi os degraus. Lembrei-me da mulher que chegou à
empresa, que existia dentro de mim, que não deixava Aaron Jackson comê-la
viva.
 
Certo, eu meio que estava mexida desde a noite anterior. Meio que
gostava dos seus olhares e sorrisos pervertidos, e até que gostava quando ele me
provocava. Só que Aaron era o meu chefe. Tínhamos uma relação fora do
comum, mas ele era o meu chefe.
 
E não importava como ele iria agir, pois ele mesmo garantiu que, no
trabalho, as coisas ficariam as mesmas.
 
Segui pelo corredor, passei pela porta de vidro e, como de costume, olhei
para o escritório vazio onde Aaron passaria o dia. Mais tarde teríamos uma
reunião com o pessoal do marketing. Algo que veio a calhar, porque o distrairia
por um longo tempo, assim como eu, que estaria segura na minha mesa.
 
Coloquei a bolsa no canto de sempre, entrei no escritório e arrumei tudo
que estava fora do lugar. Não era muita coisa. Aaron era bem organizado,
obsessivo pela simetria, e sabia bem quando algo estava faltando ou não estava
em seu devido lugar.
 
Depois saí dali e fiz o café de sua preferência: forte e puro. Às vezes a
sua voz ao meu ouvido repetia todos os meus deveres do dia e dava comandos
que eu já sabia como fazer. Pensei que estivesse ficando louca.
 
Voltei para a minha mesa, olhei no relógio e notei que faltava só dois
minutos para que ele entrasse pela porta. A reunião seria logo pela manhã, então
fui até a sala e tentei organizá-la, mesmo que estivesse tudo em ordem. Na
verdade, eu estava sentindo o nervosismo que tinha me faltado mais cedo. E ele
não veio em boa hora. Eu deveria ter surtado bem antes.
 
Na mesa adjacente à parede havia um suporte para canetas e lápis, e
mesmo sendo quase impossível, deixei cair tudo, espalhando todos os objetos no
chão.
 
Isso não é nada bom. Não é hora de se arrepender ou de ficar com medo
das consequências. Deveria ter pensado antes de tirar as roupas e...
 
— Bom dia, senhorita Wanell. — A voz de Aaron me fez levantar em
um pulo.
 
Meu coração estava na boca e eu o olhei com espanto, como se ele fosse
um fantasma.
 
— Muito trabalho com essas canetas? — Que ódio! Por que não consigo
dizer uma palavra? — Deixe-me ajudá-la. — Ele caminhou em minha direção e
colocou sua pasta em cima da mesa de vidro.
 
— Não precisa. Sei muito bem como pegar objetos do chão. — Nem
tinha notado o desaforo na minha voz.
 
Ele riu, dando aquele sorriso que me deixava hipnotizada.
 
— Enfim, a reunião será às nove, mas... — eu comecei a falar e ele não
parou de me encarar. E a cada passo seu, mais o meu coração pulava. — O que
está fazendo? — perguntei, nervosa.
 
Só notei que estava sem saída quando senti a mesa de vidro atrás de mim
e Aaron me impedindo de passar. Ele me olhou no fundo dos olhos e eu engoli
em seco, sem saber o que fazer.
 
— Teve uma boa noite? — Franzi o cenho, achando a sua pergunta
estranha. — A minha foi maravilhosa.
 
— Está mesmo querendo saber como foi a minha noite? — Levantei uma
das sobrancelhas. — Temos trabalho a fazer.
 
— Pouco me importa o trabalho agora.
 
— Achei que, no trabalho, as coisas continuariam as mesmas —
sussurrei, mesmo sabendo que só havia nós dois ali. — Acho melhor
voltarmos...
 
— Nós vamos. Mas eu gosto de vê-la nervosa. Faz meu dia valer a pena.
— Riu.
 
Esse era o chefe que eu conhecia: provocava-me e, depois, ria de mim.
 
— É um teste para ver se sou capaz de trabalhar com você? — Cruzei os
braços, irritada.
 
— Você passou nesse teste na primeira semana. Se isso for um teste, ele
é para mim, pois não acho que vou conseguir ficar perto de você sem tirar da
minha cabeça o desejo de jogar a toalha e a colocar sobre a mesa — enquanto
ele falava, foi colocando, aos poucos, o seu corpo mais próximo ao meu,
deixando os dois a centímetros de distância.
 
Senti aquele arrepio, ou melhor, a eletricidade que ele me causava
quando estava me seduzindo. Passei um bom tempo encarando seus lábios e
desejando beijá-los. O seu sorriso me deixava irritada, porém era sexy, então não
tinha como evitar gostar dele. O calor que tanto havia me agradado na noite
passada era tão forte e quente quanto naquele momento, fazendo-me lembrar de
tudo, dos corpos nus, do suor, do desejo...
 
Eu quase implorei para que Aaron me beijasse, mas ele se afastou,
trazendo-me de volta à realidade.
 
— Temos trabalho a fazer, senhorita Wanell.
 
CAPÍTULO 23
Meu trabalho ficou ainda mais difícil, já que não existia mais uma
barreira entre mim e meu chefe.
 
Bem... Ainda éramos bem diferentes um do outro, no entanto eu
acreditava que depois do que fizemos, tudo ficaria subentendido. Cada palavra
poderia ter vários significados, os olhares eram mais intimidadores... E tinha
vezes que ele me manipulava a escolher o que aprovaria. O que me irritava.
 
Só uma noite para ele se sentir meu dono, e eu estava deixando.
 
Que ridículo!
 
— Está lembrada de hoje? — Sadie me perguntou, praticamente sentada
na mesa na qual eu trabalhava.
 
Ela olhava para dentro do escritório de Aaron, pensando que ele não a
notava enquanto fofocava comigo. Claro que ele sabia de tudo e só permitia isso
por minha causa. Algo que eu achava estranho.
 
— Pela primeira vez, nossas agendas se sincronizaram nesta semana.
Não vamos perder essa oportunidade.
 
— Do que está falando? — eu a questionei, vidrada na tela do
computador, revendo relatórios que meu chefe fazia questão de reler.
 
Bem... Não era para menos. Depois do que aconteceu e do envolvimento
da polícia na empresa Italiana, Aaron se tornou ainda mais cuidadoso, ficava até
mais tarde no escritório e lia e relia relatórios de outras empresas com as quais
ele tinha parceria ou das quais era dono.
 
— O que vai ter hoje?
 
Pelo seu silêncio e atitude de se recostar da mesa, percebi que ela não
aprovava a minha amnésia repentina.
 
— Sério? — Levantei o olhar e a vi cruzar os braços, julgando-me com
um olhar de águia naquelas írises azuis. — Estava empolgada para sair com
David, mas após uma semana de trabalho exaustivo com esse sugador de almas,
você se esquece de que tem um cara lindo e inteligente a fim de você.
 
Claro, David. Sinceramente, deu-me um branco total sobre ele. Sim, eu
estava trabalhando muito, porém não era só isso que me causava um certo...
desinteresse nele.
 
Olhei por cima do mármore, em direção à sala de Aaron, e o vi parado,
encarando um papel.
 
— Justo hoje, que vocês dois vão ter um encontro a sós — Sadie quase
sussurrou baixo demais. — Eu sabia que esse trabalho a consumiria, então eu
mesma trouxe um vestido e os saltos scarpins que te deixam sexy. — A
felicidade no seu olhar e o sorriso largo me fez engolir em seco.
 
Lembrei-me de que quando citei David para Aaron, ele quase me
engoliu. Porém, minha dúvida sobre o nosso encontro ou não, nada tinha a ver
com os comandos ou desejos dele, e sim com a minha imoralidade.
 
Eu nunca havia conhecido alguém tão doce e gentil como David. Ele era
aquele tipo de homem romântico que marca jantares, que conta a você como foi
o seu dia e, logo depois, pergunta como foi o seu. Ele, em uma única noite,
distraiu-me e foi o que mais chegou perto de tirar Aaron da minha cabeça.
 
Mas, naquele instante, eu me sentia o traindo. Seria uma má ideia ficar
com Aaron e sair com David. Ele não merecia isso.
 
É claro que eu poderia dizer à Aaron que nossa noite tinha sido boa, mas
que preferia um relacionamento sério com David, só que estaria mentindo para
mim mesma, pois pensaria, todo santo dia, em estar na cama com ele
novamente.
 
Com certeza eu estava ferrada, e deveria tomar uma decisão logo. Sair
com David e esquecer Aaron ou dispensar o cara mais legal que conheci e me
aventurar em uma relação puramente sexual com o homem arrogante que,
também, era o meu chefe?
 
— Desculpe, eu estou com a cabeça cheia. Acabei esquecendo — foi o
que falei, voltando a me concentrar no computador. — Claro que hoje tem
aquele jantar. — Ri de nervoso.
 
— Aquele jantar não, O jantar — ela me corrigiu, pondo seu corpo quase
que por completo sobre a mesa. — Lembre-se de que a noite será só de vocês.
Não estou dizendo que deva fazer algo, mas poderá, se assim quiser.
 
As segundas intenções nas suas palavras me deixaram desconcertada. Eu
estava me sentindo suja por pensar que nunca faria isso no segundo encontro,
sendo que tinha feito sem encontro algum com meu chefe.
 
Isso é tão imoral e me faz parecer uma vadia.
 
— Certo. Acho melhor voltarmos ao trabalho.
 
***
 
Passei o dia tentando não ficar nervosa ou ansiosa. Ainda não fazia ideia
do que faria ou diria. Estava sendo mais difícil do que imaginei.
 
A semana serviu para me distrair, pois me esqueci totalmente desse
grande detalhe. Eu me sentia entre a cruz e a espada por ter que escolher entre a
coisa certa e a errada. O pior era o meu desejo de continuar com a coisa errada,
mesmo sabendo que ela seria a pior escolha que eu faria.
 
Nada além de palavras e olhares, comandos e desmandos rolou entre
mim e Aaron naqueles últimos dias, entretanto eu ainda me sentia presa e ele e
não sabia como fugir.
 
Às sete horas da noite, ele ainda estava à sua mesa, lendo e olhando a
tela do tablet com a cara fechada. Mais cedo, o homem mal me olhou no rosto.
Eu poderia apostar que ele estava chateado com algo, mas não pensei em lhe
fazer muitas perguntas.
 
Geralmente, eu ficava na empresa e só saía quando ele saía, mas, naquela
noite, o compromisso me forçaria a sair do meu canto e encarar a fera. Eu estava
olhando-o da minha mesa, quando ele mesmo saiu do lugar e veio em direção à
porta. Disfarcei, desviando o olhar, e me autocritiquei por me sentir como um
peixe prestes a ser engolido pelo tubarão.
 
Mia Wanell não era de ser valentona, mas ser uma submissa também não
era o seu feitio. Por isso levantei a cabeça e esperei ouvir seja lá o que fosse. Eu
seria direta e diria que teria que resolver algo, por isso sairia mais cedo. Não
mencionaria o jantar, para não o deixar irritado, além de que eu não estava no
clima para brigas.
 
— Mia — ele me chamou em um tom firme. A voz grave me deu
arrepios que eu soube muito bem disfarçar.
 
Sempre que eu o ouvia tão perto de mim, minha memória voltava àquela
noite em que ele falou ao meu ouvido antes de me enlouquecer por completo,
usando seus lábios cheios de atitude para me fazer gozar.
 
— Está dispensada — ele me surpreendeu.
 
— Estou? — Franzi o cenho e me levantei da cadeira onde eu estava.
 
— Sairei mais cedo hoje.
 
Eu deveria estar aliviada. E ficaria se ele não me encarasse como se
estivesse prestes a me dar uma bronca ou tivesse em mente algo que eu não
sabia o que era.
 
O seu olhar firme deu lugar a um que eu já estava habituada a ver. O
sorriso no seu rosto surgiu em câmera lenta, deixando-me ainda mais confusa.
Aaron me estendeu sua mão e eu só a olhei.
 
— Mas antes, eu quero te dar algo.
 
Senti todo o meu corpo paralisar, dando-me apenas a oportunidade de
pegar em sua mão. Nesse momento, eu quis me bater por agir como um coelho
frágil prestes a ser engolido.
 
Mia Wanell, apesar de ser uma menina comportada e evitar brigas, não
era de abaixar a cabeça ou de se submeter a um homem, mas o sorriso e o
charme dele sempre me pegavam de surpresa, forçando-me a agir da forma que
ele queria.
 
— O que quer? — Franzi o cenho.
 
Aaron não me respondeu, só me puxou para a sala adjacente, onde havia
a copiadora, o fax e papéis. Não era um espaço enorme, só o suficiente para uma
ou duas pessoas ficarem nela.
 
Senti minha garganta secar e meu coração pular.
 
— Aaron!
 
Ele fechou a porta com tanta força, que me assustou. Encarei seu rosto e
me encostei na parede. Parecia que ele iria me atacar.
 
— Fiz algumas promessas a você, e tento, com todas as forças que posso
ter, cumpri-las. — Do que ele está falando? — Mas não dá, Mia. Eu não sei
como cumpri-las, se você está a poucos metros de mim, provocando-me.
 
— Está me acusando. Eu... — Ele pôs os dedos nos meus lábios,
impedindo que eu continuasse falando, depois os desceram pelo meu pescoço e
seios.
 
Seus olhos acompanhavam os movimentos, e cada vez mais que eles
desciam, meu coração ameaçava pular pela boca. Com a maior facilidade do
mundo, Aaron me colocou em cima da mesa, beijou-me e arrancou do meu
corpo a calcinha que eu usava.
 
Eu não sabia o que fazer nem como reagir. Era como se eu não tivesse
vida própria e estivesse, simplesmente, à sua mercê. O único momento em que
ele me largou foi para abrir a sua calça, então me agarrou com firmeza e
adentrou em meu corpo, quase que desesperado.
 
Ainda não estava acostumada com o sexo, mas confesso que estava
começando a gostar das sensações de dor e prazer. Esse homem sabia como me
dominar, apertando a minha carne, puxando o meu cabelo e beijando o meu
pescoço, enquanto eu tentava não fazer muito barulho.
 
Em certo ponto, não imaginei que estávamos em uma salinha qualquer,
na empresa. Para mim, estávamos em outra realidade, onde meu corpo estava
quase em chamas e meus pulmões imploravam por uma trégua. Minhas unhas
aranhavam a malha da sua roupa.
 
Eu poderia, facilmente, implorar por mais, só que não era necessário,
pois ele já sabia o que eu queria e desejava o mesmo. Segurei-me na mesa, com
medo de que ela não conseguisse me suportar mais.
 
Não dava para comparar as duas vezes em que estive com ele, pois foram
bem diferentes. Eu só posso dizer que Aaron, naquele instante, parecia mais
desesperado e furioso. O que, para mim, não estava sendo nada ruim.
 
Quando tudo acabou, permaneci abraçada ao seu corpo, sentindo que não
tinha forças para mais nada e que poderia ficar ali até o outro dia. Mas, então,
ele se afastou de mim como se nada tivesse acontecido, apesar de estar,
claramente, tentando se recuperar do esforço anterior.
 
— Agora você pode ir ao seu encontro e dispensar aquele idiota — ele
disse, ofegante, evitando me encarar.
 
Não consegui ter uma reação imediata. Estava tentando entender o que
havia acabado de acontecer e nem sabia do que ele estava falando, até que meu
cérebro voltou a si.
 
Se antes meu coração quase saiu à força do meu corpo, naquela hora
estava no chão, por eu não saber como ele tinha descoberto tal informação.
 
— Meu encontro? — indaguei, nervosa.
 
Eu não tinha a intenção de mentir ou de me fazer de burra, só que ainda
estava confusa e atordoada.
 
— Não é um encontro. — Pus uma das mechas do meu cabelo para trás
da orelha, desci da mesa e tentei arrumar a minha roupa. — Como sabe disso?
Eu não...
 
— Sua amiga é bem escandalosa e você deixou o telefone ligado. Não
tive culpa por ouvir, mas fiquei interessado — confessou.
 
A forma como ele me olhou me fez perder a coragem.
 
Ok, está na hora de eu parar de ser essa menina assustada e ser a
mulher que sabe o que fazer e dizer em horas como essa.
 
— Não é um encontro. — Balancei a cabeça, desviando o olhar do dele.
— Bem... Seria, mas me sinto mal por mentir para um homem tão legal como
David. Seria desleal, e até penso se é mesmo isso que quero.
 
— O que realmente quer? — Deu um passo para mais perto de mim,
tentando me intimidar.
 
— O que realmente quero não é a questão, e sim o que é certo —
expliquei.
 
— E o que seria certo? — Deu outro passo.
 
Sabe o que ele está tentando fazer, então não gagueje.
 
— O certo é eu dizer para que se afaste e que eu saia com esse cara legal,
esperando que isso dê em algo real — respondi, firme, mesmo sentindo um peso
nas palavras e o quão mentirosa eu era por pensar nessa possibilidade, sendo que
não a queria seguir.
 
— Se pedir para que eu me afaste, farei o que deseja — falou, raivoso.
 
Ele não era o Aaron de dois minutos atrás, que me agarrou e transou
comigo dentro de uma mini sala.
 
— É esse o problema com você. Está sempre me pondo nessa situação,
como se eu fosse a pessoa que escolhe o errado e que só faz o que quer, quando
não é verdade.
 
Não vamos colocar toda a culpa nele. Você sabe o que é certo e errado e
tem poder de escolha. É você quem dá esse poder a ele.
 
— Faz o que quiser, não a obrigo a nada.
 
— Não, mas me provoca. E isso é o mais irritante. — O sorriso no seu
rosto só me deu mais raiva, pois eu sabia que era puro deboche. — Sou uma
piada para você?
 
— Mia. — Sua aproximação me fez recuar, porque eu sentia que estava
sendo usada por ele. — Somos adultos. Sei que me deseja, assim como eu a
desejo, e não é um crime fazer o que queremos. Tudo é uma questão de escolha.
 
— E se a partir de agora a minha escolha for acabar com tudo isso e ficar
com David?
 
Aaron respirou fundo e me encarou, mas não como um chefe exigente ou
um parceiro safado de sexo. Eu vi raiva em seus olhos, assim como o vi fechar
os punhos.
 
— Vou odiar com todas as minhas forças esse imbecil — quase soltou
fogo pela boca. — Mas isso não significa que vou obrigá-la a algo, mesmo eu
desejando dizer que você deve mandá-lo embora, que deve esquecê-lo, pois é
simplesmente minha e de mais ninguém. Tudo que acabou de acontecer só
comprova isso.
 
— Isso não é um jogo e você não é o meu dono — mantive-me firme.
 
— Não, você é livre. — Riu. — Vou continuar no meu lugar, e você no
seu. Foi o que prometi. A escolha é sua.
 
— Prometeu que isso nunca aconteceria no trabalho, e, claramente, essa
parte foi ignorada agora a pouco. — Levantei uma das sobrancelhas. — Como
posso confiar em você? Por que deveria escolher alguém que me intimida?
 
— Não é isso que estou fazendo. — Franziu o cenho.
 
— E que papo é esse de me deixar livre para escolher?
 
Por que está discutindo, se é o que deseja?
 
— Você é uma mulher bem difícil de se entender, Mia Wanell —
respondeu, pensativo. — Não é algo que eu possa controlar. Venho a este
escritório todos os dias, te vejo desfilar na minha frente e só consigo pensar no
dia em que você foi minha. Só minha. E isso me enlouquece. Então, sua “amiga”
vem e diz que você tem um encontro com outro homem. Sei bem que não posso,
simplesmente, mandá-la ignorar esse encontro porque a quero só para mim.
 
Nós nos encaramos por um longo tempo. Ele era um mistério que estava
se revelando bem complicado de se lidar.
 
David era um bom homem, do tipo romântico, mas meu corpo idiota não
queria a pessoa fofa, e sim o safado que não gostaria de um compromisso, só de
sexo, e que poderia acabar com a minha carreira.
 
Ele olhou no relógio, parecendo preocupado, e abriu a porta atrás dele.
 
— Você tem um encontro, e eu um compromisso.
 
— Você também tem um encontro? — questionei, mais irritada do que
imaginei ao dizer as palavras.
 
— Bem... Se eu fosse você, não teria com o que se preocupar, se vai
escolher o DAVID idiota — foi puramente sarcástico.
 
— Ele é um cara muito legal, que me faz rir. Ao contrário de você, que
só me dá dor de cabeça.
 
— E orgasmos que nunca teve antes — provocou-me.
 
Tive até medo de que Sadie chegasse a qualquer momento e nos visse
brigando por conta de um encontro ou dois.
 
— Achei que não fosse um encontro. — Ele franziu o cenho.
 
— E não é. Mas você não tem nada a ver com isso, já que irá sair com
outra, mesmo tendo feito... aquilo dentro da salinha dos arquivos.
 
— Fale a palavra “sexo”. Não tem que ser delicada ou uma santa. —
Sinceramente, estava sendo ridícula essa briguinha. — E, para o seu
conhecimento, mesmo não tendo que me justificar, meu encontro será com uma
menina linda de cinco anos e olhos verdes como os seus, que me espera todas as
noites para um beijo de boa noite, e não com um idiota que, provavelmente, não
vai te dar tantos orgasmos quanto eu posso dar.
 
Você está perdendo a moral, Mia Wanell, ainda mais por ter essa
discussão ridícula que, puramente, é por ciúme ou por uma questão de escolha
sua, não do Aaron.
 
Cruzei os braços, furiosa, pois ele riu de mim ao me ver frustrada.
 
— Idiota! — acusei-o, furiosa.
 
— Tenha uma boa noite, senhorita Wanell. Espero que saiba fazer boas
escolhas.
 
Aaron conseguia me enlouquecer, tirar-me o fôlego e me confundir. Sim,
eu dei esse poder a ele. Enquanto eu perdia neurônios, ele se divertia com a
minha loucura.
 
***
 
Eu não estava fazendo as coisas certas ultimamente, então não fazia ideia
do que aconteceria naquela noite. Ficou estranho sair do trabalho, colocar aquela
roupa e ir até aquele restaurante jantar com David, sendo que eu não parava de
pensar no que Aaron me disse, no que fizemos naquele quartinho e de como
gostei disso. Pior, eu não conseguia parar de querer fazer de novo e de novo.
 
E ainda pior foi quando saí do táxi, olhei para o restaurante e só consegui
me lembrar do jantar com o meu chefe, da noite em que vi coisas que nunca
imaginei ver e desejar.
 
Acredite, tentei tirá-lo da minha mente quando avistei o cara lindo que
me esperava, ansioso, à mesa, em um lugar agradável.
 
Ele me ajudou com a cadeira, perguntou-me sobre a bebida e sorriu. Um
daqueles sorrisos largos que deveria me tirar o ar ou me fazer corar de vergonha.
Mas não, nada aconteceu.
 
Primeiro o vinho, depois a conversa. David era o homem que me
perguntava como tinha sido o meu dia, sem piadas ou ironias. Para ele, era sério
quando me questionava sobre isso.
 
Talvez essa tenha sido uma das piores coisas dessa noite, pois eu não
poderia dizer a ele toda a verdade, ou diria que passei o dia encarando uma sala
grande, com paredes de vidro, enquanto o meu chefe gato estava concentrado
nos papéis e me imaginando novamente em uma cama, com ele sobre mim, e
que, no final, antes de eu me vestir para o jantar, nós dois transamos na sala de
arquivos.
 
Depois de tantos anos sem me concentrar no meu lado romântico, eu me
via tentando me enxergar nessa posição, pensando que isso me ajudaria a decidir
entre o gentil e o arrogante.
 
Não seja idiota. Sabemos o que você vai escolher. Está na cara que,
apesar do homem ser tudo de bom, não é um Aaron. Ou estaria pensando no
que fariam quando esse jantar acabasse.
 
Minha consciência estava certa. Eu deveria pensar em David, já que
estávamos jantando juntos.
 
— Eu poderia dizer que seu dia foi cansativo e que, por isso, está com
essa cara. Porém, penso que não é o seu dia que está tirando o seu total interesse
em mim agora. — A voz compreensiva do homem me despertou, deixando-me
sem palavras. — Nosso último encontro foi muito bom, tenho que admitir, mas
não deixei de notar que seu celular não parava de vibrar. E agora está em outro
lugar, que não é aqui.
 
Bem... Se o problema era a falta de vergonha, ouvi-lo falar desse jeito a
trouxe para mim.
 
— Desculpe. Eu realmente estou distraída, e você não merece isso, já
que está sendo tão gentil.
 
Para alguém que não deixava a boca fechada, a falta de palavras era
surpreendente.
 
— “Gentil” não é bem o que eu gostaria de ouvir hoje, mas entendo. Ou
tento entender.
 
— Não é você, e sim minha cabeça traidora. — Respirei fundo e o
encarei, mesmo sendo difícil no momento. — Para falar a verdade, não sei como
dizer isso. Achei que vir aqui me daria clareza, só que não foi o que aconteceu.
 
— Tem outro cara — não foi uma pergunta, e eu o vi entristecer. —
Tudo bem. Só... seja sincera.
 
Está vendo como você é idiota?
 
— Tem outro cara, um homem errado. Eu sei do erro, mas não importa o
quanto eu lute, porque ele sempre volta a me atormentar.
 
— Pensei que não tivesse um ex. — Franziu o cenho.
 
— Não, não é um ex. Ele é bem atual. — Bebi um pouco do vinho só
para tentar ganhar coragem e escolher as palavras. — Gosto das nossas
conversas, mas... não paro de pensar nele. E você não merece isso. Merece
alguém que goste de você e te escute, que não tenha outro na cabeça.
 
Ele riu e, mesmo decepcionado, não foi deselegante.
 
— Está tudo bem, eu entendo. — A sua simpatia só me deixou ainda
mais brava comigo mesma. — Procuro alguém para formar uma família. Sei que
trabalho muito, mas acho que já está na hora de eu ter algo mais sério. E você
não parece querer isso agora, nem comigo.
 
Está vendo? Perfeito. Um homem com classe, objetivo e carinho. É disso
que eu precisava, mas...
 
— Desculpa, David. Eu não queria estragar a sua noite.
 
Pensei em correr para a porta. Estava envergonhada e triste em relação a
mim mesma. Pelo menos ele foi legal, muito diferente do outro cara.
 
— Está tudo bem. Não vou ficar bravo. Só se mentisse e me fizesse sair
com você mais vezes, mesmo não querendo nada comigo. — Ele se levantou, e
eu também.
 
Eu o encarei por um instante. Realmente queria apagar o último
momento, apagar Aaron da minha cabeça. Maldito homem que me torturava.
 
— Espero que consiga o que deseja ou que esse homem saia de uma vez
da sua vida. Não é fácil estar presa a quem não dá nada a alguém que sempre
abre mão de tudo. Isso nunca é justo.
 
Recebi, da melhor forma possível, o que ele disse. Achei que estivesse
me dando o troco, mas foi sem nenhuma intenção de me provocar.
 
***
 
A volta para casa foi péssima, pois eu tinha duas coisas na minha cabeça:
David repetindo a última frase e Aaron rindo de mim por ser tão idiota.
 
Passei a maior parte do tempo com a cabeça no vidro do carro, e quando
cheguei à frente do prédio, nem quis sair dele. Arrastei-me para fora, querendo
que aquela noite acabasse logo. Paguei o motorista e andei, sentindo-me exausta,
até a entrada.
 
— Isso é um bom sinal. — A voz grossa de Aaron me assustou, vindo do
escuro. Forcei os olhos até enxergá-lo, e minha raiva em vê-lo foi bem nítida. —
Pensei que eu teria uma noite horrível, sem saber onde você estava e se ainda
tinha as roupas no corpo.
 
— Acha que sou uma vadia? — Caminhei em sua direção. — Não sou,
apesar do que fizemos.
 
— Não quis que pensasse isso. Eu só estou...
 
— Me perturbando. — Pus as mãos na cintura e nem me importei se
estava alterada. — Por sua causa, não vou mais sair com um cara legal e gentil,
que fez eu me sentir uma idiota por dispensá-lo.
 
— Então, a culpa é minha se você me prefere? — ironizou com um
sorriso no rosto. — Suas palavras contradizem as suas ações, Mia. —
Aproximou-se de mim. — Me desculpe por você ter dispensado o cara mais
legal que conhece por querer estar comigo. Era isso que queria ouvir?
 
— Na verdade, não quero mais. — Levantei a cabeça e cruzei os braços.
— David está certo. Estou sempre abrindo mão de algo, e você só se
beneficiando disso.
 
— Ele disse isso? — Levantou uma das sobrancelhas e deu mais um
passo em minha direção.
 
— Deu a entender. Mas toda a analogia foi minha — expliquei. — Você
é o chefe, está sempre mandando e desmandando. Acho que sou a única que me
esforço aqui e minto para todos, até para a minha amiga.
 
— Ok. Está questionando o acordo. Mas não é tarde demais para isso?
 
— Não se eu quiser parar agora. — É isso aí! Não abaixe a cabeça. —
Você mesmo diz que faço o que quero, mesmo eu não achando que isso seja
real. O que quero é ficar na minha, fazer o meu trabalho e não me preocupar
com você, com suas intenções ou com o que vou inventar na próxima vez para
que ninguém descubra sobre nós.
 
Sem esperar por uma resposta, e desesperada para sair da sua frente,
praticamente corri para dentro do prédio. Por sorte, ele não me impediu. Eu
estava com tanta raiva, que bateria nele se tentasse.
 
CAPÍTULO 24
Que noite horrível.
 
Se o que faltava era peso na consciência, eu estava ganhando isso em
10x com juros, pois minha cabeça doía muito e parecia até que eu estava de
ressaca, embora não tivesse tomado um gole generoso de vinho ou cerveja.
 
Não consegui parar de pensar em Aaron, no que David falou e no que
minha vida estava se tornando. Naquele exato momento, eu queria sumir e dizer
que não existia mais para ninguém, contudo, como a vida não é fácil, tive que
me levantar da cama.
 
Sadie ainda não tinha voltado para casa, e essa era a parte boa, pois eu
não queria ter que comentar sobre o meu desastre. Ela me perguntaria coisas,
pois estaria sabendo pela boca do seu médico gato o que fiz, e, com certeza, iria
me colocar contra a parede.
 
Você tem que arrumar um apartamento só seu, Mia. A companhia é
agradável, mas está muito exposta aqui. Sempre tem que se justificar. E você
não quer perder a amizade de Sadie só porque ela é intrometida.
 
Meu currículo não me permitia perder mais alguém que se importasse
comigo. Sadie era o tipo de pessoa que se dedicava, que sempre buscava me
agradar e me ajudar, só que muitas vezes eu não queria a sua ajuda, apenas viver
a merda da minha vida, quieta.
 
Meu mau humor tinha nome e sobrenome.
 
Depois do café, pensei que uma caminhada seria uma boa, porque pelo
menos me distrairia. Coloquei as roupas justas de corrida, meus sapatos, o
relógio de pulso e peguei os fones de ouvidos para ouvir músicas que me
ajudariam a me distrair. Saí, pensando que não era o meu estilo fazer corridas
matinais, porém estava topando tudo para não ter que ficar em casa, chorando
pelos meus erros.
 
***
 
Eu achava que tinha corrido mais do que pensei que correria, mas valeu a
pena, pois apesar do meu sedentarismo por escolha própria, eu me senti leve e
motivada, quase tendo esquecido do porquê tive a ideia de sair de casa.
 
Entrei no apartamento e vi que ele ainda estava vazio. Acabei pensando
que a noite de Sadie tinha sido muito mais produtiva e divertida que a minha. E
me senti ainda mais feliz por ter tudo só para mim por enquanto.
 
Fui direto para o banheiro depois de jogar no sofá o relógio e o aparelho
de música. Odiava suor; era pegajoso e me irritava. Por isso entrei logo no
chuveiro, que aliviou o calor do meu corpo.
 
Eu estava muito relaxada, quando ouvi a campainha tocar. Desliguei a
água e esperei para ver se havia sido só coisa da minha cabeça. Todavia, era bem
real. E me irritei pelo incômodo.
 
— Era só o que me faltava — resmunguei, esticando-me para pegar a
toalha. — Quem pode ser a esta hora? Sadie não teria se esquecido da chave e
não recebemos visitas.
 
Enrolei-me na toalha, pensando que seria deselegante aparecer na porta
assim, mas ainda nem tinha acabado o banho direito e queria enxotar a pessoa
do meu apartamento o mais rápido possível.
 
— Acabei de passar pela portaria, e não me pareceu estar acontecendo
uma guerra para comunicarem aos moradores.
 
Saí do banheiro, passei pelo corredor e, depois, pela sala, tentando não
me esquentar com a pessoa do lado de fora, que parecia estar desesperada por
mim, já que não parava de tocar a campainha. Sem ao menos olhar pelo olho
mágico, girei a chave e abri parcialmente a porta, com fogo nos olhos.
 
Minha boca quase caiu quando vi Aaron parado lá, esperando-me com
uma cara de poucos amigos.
 
— O que está fazendo aqui? — Assustei-me, achando que fosse um
sonho.
 
Olhei para os lados e percebi que, por sorte, ninguém poderia nos ver. O
olhar dele foi dos meus pés à cabeça e sua expressão de sério deu lugar a um
sorriso safado.
 
— Eu não esperava ser recebido dessa forma. — Passou por mim sem
que ao menos eu lhe desse permissão para entrar. — Eu a esperei muito lá fora.
O porteiro disse que você tinha saído com roupas de caminhada. Eu me
surpreendi, pois não acho que isso seja a sua cara.
 
— O que veio fazer aqui, Aaron? — Fechei a porta e o encarei, brava. —
Veio buscar alguma coisa do trabalho ou o quê?
 
— Vim buscar você. — Observou a sala um pouco bagunçada. — Este
lugar é minúsculo.
 
— Achei que eu tivesse sido bem clara ontem. — Apertei tão forte a
toalha ao redor do meu corpo, que os meus dedos doeram. — Então, por
gentileza, vá embora.
 
— Sempre ouço você falar, mas nem sempre a entendo. — Ignorou-me.
— Falei que iria fazer o que me pedisse e que respeitaria a sua decisão. Eu não
deveria estar aqui.
 
— Nisso, nós concordamos.
 
— Mas não posso ouvir o que sua boca fala, quando, no seu olhar, vejo
que quer algo totalmente diferente.
 
— Meu olhar é de raiva.
 
— Não minta para si mesma. — Ele deu alguns passos em minha direção
e eu recuei.
 
— Você que está mentindo ou, melhor, realmente faz isso por prazer.
Está me enlouquecendo. Vou acabar sendo a única que perderá tudo, inclusive o
emprego.
 
— Isso não é verdade. Eu a quero por perto, e agora mais do que nunca.
— Não parou enquanto não me tivesse contra a parede.
 
Esse era o seu truque. Aaron sabia que eu não resistiria e que perderia
assim que ele me olhasse profundamente e tocasse em meu corpo.
 
— O que quer de mim? — Franzi o cenho, levantando o rosto e o
encarando.
 
Ele era um homem intimidador, tanto no comportamento quanto no
tamanho, só que quem estava ali não era a garota boba, era a mulher furiosa por
não ter conseguido tomar um banho em paz.
 
— Achei que tivesse me esquecido no seu armário. Passou a semana sem
nem olhar no meu rosto. Pensa que pode me tratar como uma de suas amantes?
Bem... Pode ter se confundido quando aceitei aquele acordo idiota. Mas agora
estou esclarecendo que não vou ser tratada como uma qualquer, em quem pode
mandar e desmandar.
 
— Eu não disse nada disso, mas tudo sobre mim é sujo, não é? Como se
eu fosse o vilão. Mas esquece que foi você quem assinou o acordo por livre e
espontânea vontade.
 
— Espontaneamente não — eu o contradisse.
 
— Quer isso tanto quanto eu. Vejo no seu olhar. E agora é você quem
está mandando e desmandando.
 
— É uma piada? — Cerrei os olhos.
 
— Desde quando estrou em minha vida, nada mais foi o mesmo, e devo
dizer que não sou como os demais homens, que se encantam ou seduzem
mulheres a qualquer momento, em um bar. — Vi a raiva crescer dentro dele. Já
fazia um tempo que eu não via esse seu lado. — Não vê que mudei por sua
causa? Desde quando permito que uma menina me manipule?
 
— Eu manipulo você? — Ri em alto e bom som. — Devo confessar que
está me divertindo.
 
Aaron respirou fundo e continuou me encarando com fogo nos olhos.
 
— O que quer de mim, Mia? — Deu pausas furiosas entre as palavras.
 
— Eu que lhe pergunto: o que quer de mim, Aaron?
 
— Quer saber mesmo? — Ele pôs suas mãos uma de cada lado na
parede, prendendo-me no meio e me fazendo lembrar da sensação boa que era
estar tão perto dele, sentindo seu perfume, seu calor e muito mais coisas que
faziam com que meu corpo esquentasse. — Quero que pare de agir como uma
menina ferida.
 
— Quero que pare de agir como o meu dono e não desdenhe de mim
quando não estou sem roupas — rebati, sentindo-me ofendida.
 
— Quando a tratei com desdém? — Franziu o cenho.
 
— Vai demorar um dia inteiro, se realmente quiser que eu responda essa
pergunta.
 
— Não tenho esse tempo. — Aproximou o seu belo rosto do meu e
arrancou a toalha do meu corpo com um só puxão. Não tive como o impedir,
pois não vi quando aconteceu. — Fico feliz que tenha facilitado as coisas.
 
— Me devolva a toalha. Você não vai ganhar nada com essa atitude. —
Eu estava mentindo.
 
A minha ação ridícula de tentar pegar a toalha o fez rir de mim.
 
— Lembro-me muito bem do quanto gostou na última vez.
 
Senti o meu rosto arder de vergonha, recordando-me de tudo que
fizemos. Claro que eu não diria em voz alta o quanto gostei e o quanto o queria
de novo. Isso iria ferir o meu ego e inflar o dele.
 
— Tem certeza de que não quer? — O brilho no seu olhar e o sorriso
pervertido no rosto me deixaram furiosa.
 
Entretanto, a fúria durou pouco, pois tudo em mim gritava por ele,
querendo ele, e tive que dar o braço a torcer.
 
— Odeio você, Aaron Jackson.
 
CAPÍTULO 25
AARON JACKSON
 
Minha vida se transformou completamente depois que Mia Wanell
entrou nela. Era ela quem me enlouquecia e me seduzia com aquele olhar
determinado e inocente.
 
Mia costumava dizer que era eu quem ditava as regras, mas isso, eu
podia afirmar que não era verdade. Se ela soubesse o quanto eu estava rendido,
teria total poder sobre mim. E às vezes eu pensava que era exatamente isso que
acontecia.
 
Ouvi-la marcar encontros e falar tão bem de outro cara, sendo que me
achava o pior dos homens, deixava-me furioso e ainda mais obcecado por ela.
Eu nunca tinha me sentido desarmado desse jeito, sujeitando-me a regras, a
acordos e rezando para que ela voltasse para mim.
 
Nossa noite juntos foi algo espetacular. Não foi como se eu nunca tivesse
ficado com uma mulher antes, mas saber que ela foi só minha, que eu era seu
único, do jeito que eu desejava, deixou-me maluco e muito feliz.
 
Pensei que deixar nossas aventuras fora do trabalho seria a ideia mais
sensata a seguir, porém, pelo visto, não foi. E saber o que se passava na cabeça
dessa mulher era um desafio.
 
Mia era a minha tempestade, o meu desastre que se fosse descoberto por
alguém, poderia ser interpretado da forma errada. E com razão, já que ela era
uma funcionária, e eu o chefe. Isso arriscaria muitas coisas e estaria acontecendo
em um dos meus piores momentos.
 
Eu não poderia errar. Não porque isso era inaceitável para mim, e sim
pelo fato de eu estar enfrentando um novo problema familiar. Assim, um erro
poderia prejudicar a guarda da minha pequena Olivia. Ela era tudo para mim.
Desde que chegou à minha vida, tudo mudou. Eu tive que mudar. Essa menina
me salvou quando pensei que me afundaria na amargura de ter perdido o meu
irmão.
 
Quando descobri que ele estava no mundo perverso das drogas, agi de
forma incorreta, acusei-o e o tratei como um menino que estava fazendo algo
muito errado, em vez de ajudá-lo. E, talvez, por minha causa, tudo acabou como
acabou.
 
Como se já não bastasse isso, tive que lidar com a sua namorada grávida,
também drogada. Não era como se eu pudesse fechar os olhos e deixar as coisas
acontecerem. Eu havia errado com meu irmão, entretanto salvaria aquela
criança, nem que tivesse que suportar a sua mãe.
 
Tentei mesmo fazer com que ela tomasse jeito e cuidasse de Olivia, mas,
por fim, tudo acabou mal. Se eu não tivesse chegado a tempo, as duas estariam
mortas, e eu me sentiria culpado por mais mortes na família.
 
Não quis, simplesmente, tirar a menina dos braços da mãe, porém, se eu
a tivesse deixado lá, se permitisse que aquela mulher continuasse influenciando-
a, a vida da menina não iria estar como deveria.
 
É claro que eu não era mais o mesmo desde a morte do meu irmão. Eu
era considerado um homem arrogante e frio, mas quando estava com Olivia,
tentava, a todo custo, ser o meu melhor.
 
O problema era que eu estava em um novo drama no qual ela estava
sendo colocada, novamente, no meio de um furacão. Depois de anos, aquela
mulher, dizendo-se recuperada e limpa, entrou na justiça para reaver a guarda de
Olivia. Isso seria hilário se ela não tivesse o apoio da sua mãe.
 
Com as duas juntas e uma vida, aparentemente, normal, elas poderiam
ter alguma vantagem e, realmente, abalar a vida que construí com minha
sobrinha.
 
Eu levaria isso numa boa se não fosse o meu deslize. Mia Wanell. A
mulher que chegou à minha vida para bagunçar tudo.
 
Eu me via em sua cama, observando-a coberta apenas por um lençol
branco.
 
— Parece que está arrependido. Então, por que voltou? — A voz suave
dela era como música para os meus ouvidos, mesmo quando ela estava raivosa
ou mandona. — Por que está me olhando com essa cara?
 
— Não me arrependo do que fiz. — Ela estava na outra extremidade,
encarando-me com seus lindos olhos verdes. — Nunca imaginei que estaria
nessa posição. Sempre fui bom em me controlar, em focar no trabalho e passar
bem longe dos problemas. Agora, o meu desejo diverge com o meu dever.
 
— Dever? — Levantou uma das sobrancelhas.
 
— Devo dizer que não sou de falar sobre a minha vida, mas penso que
agora tenho que ser claro e sincero.
 
— Sobre o que exatamente? — Continuou desconfiada.
 
— Tudo que eu disser será mantido entre nós. Apesar dos pesares, eu
confio em você, Mia, e tenho que dizer o quanto é arriscado para mim estar
nessa posição e... te querer tanto.
 
— Isso é para me assustar?
 
— O motivo pelo qual tenho que ser tão cauteloso é Olivia — comecei,
pensando que esse era um grande passo que eu estava dando. — Ela é minha
sobrinha e tenho a guarda total dela, que agora está sendo revisada. O problema
é que sua mãe, que se diz ex-drogada, entrou na justiça para uma revisão. Ela
quer Olivia de volta. Isso poderia não dar em nada se ela estivesse só, pois
apesar de ser a mãe biológica, colocou a menina, quando ainda bebê, em perigo.
Só que, desta vez, ela tem o apoio de sua mãe, um novo marido e um trabalho
fixo, enquanto eu sou um homem solteiro que trabalha muito. — Eu esperava
não me arrepender de estar falando tudo isso. — Não posso pisar na bola. Nada
pode estar fora do lugar. Se descobrirem que tenho uma relação nada romântica
e inapropriada com uma funcionária, isso pode ser levado contra mim. E não
posso nem vou perder a guarda total da minha Olivia.
 
— Entendo — ela disse, pensativa. — Por isso tanto mistério?
 
— Não costumo revelar muito da minha vida pessoal, mas se pretende
continuar com isso, deve saber que não serei romântico e que devemos ficar em
completo sigilo, até mesmo da sua querida amiga Sadie.
 
— Eu nunca contaria a ninguém. — Recostou-se da cama. — Você acha
que vai perder?
 
— De forma alguma.
 
— Certo. Sadie pode chegar a qualquer momento — avisou.
 
— Já estou de saída. — Levantei-me. — Então, estamos de acordo?
 
— Claro. Mas não seja um babaca só porque quer nos esconder de todo
mundo. — Levantou-se também. — Sabemos que é algo passageiro, então
podemos, pelo menos, ser amigos. E quando eu me sentir pronta para um
relacionamento, isso acaba. — Saiu depois de vestir um enorme moletom e bater
de leve no meu ombro.
 
— Passageiro — resmunguei.
 
***
 
— Aaron, sei o quanto sua vida é corrida, que administra muitas
empresas e que isso requer sua total atenção, mas devo dizer que a juíza que
aceitou a revisão da guarda é bem criteriosa.
 
— O que isso quer dizer? — Franzi o cenho e encarei a minha advogada,
com quem eu estava odiando conversar.
 
Ela era boa, muito respeitada, mas seu trabalho, para mim, não estava
sendo o mais agradável.
 
— Vão alegar que você trabalha demais e que não tem tempo para a sua
sobrinha. E com a nova vida que a mãe dela tem, isso pode nos dar trabalho.
Além do mais, você não tem uma esposa.
 
— Isso não é uma obrigação — pontuei.
 
— De fato, não é, porém dá a elas mais força. E mesmo que não ganhem
um total poder sobre Olivia, a juíza pode declarar uma guarda compartilhada.
 
— Isso não vai acontecer. — Bati na mesa, assustando a loira. — Ela não
é a mãe dela de fato, só no papel e no sangue.
 
— E isso conta muito.
 
— Essa mulher é um risco à minha sobrinha — lembrei-a. — Não vou
permitir que ela afete novamente a vida de Olivia.
 
— Deve dar mais atenção a ela, cuidar dela, estar mais presente e lhe
mostrar que sempre estará lá para o que ela precisar. Sua vida é mais reservada,
e isso ajuda, mas sem uma futura família em jogo, você pode estar do lado mais
frágil.
 
— O que devo fazer? Comprar uma esposa na internet? — ironizei,
passando a mão na cabeça. — Não é assim que funciona.
 
— Temos um mês para resolver essas pontas soltas — alertou-me. —
Mas fique calmo. Você é um bom pai e não vamos perder.
 
— Espero que não, ou sua carreira estará no lixo.
 
CAPÍTULO 26
MIA
 
Eu não deveria estar tão feliz com aquilo. Era mais um problema.
Quando achei que tinha me resolvido, veio Aaron e me convenceu a ceder.
 
Contudo, não podia colocar toda a culpa nele. Confesso que se eu
realmente não quisesse, não aconteceria. O que acabei percebendo é que ele era
o tipo de coisa que me enfraquecia e eu deixava.
 
Nunca imaginei que aceitaria aqueles termos. Quando eu me imaginava
com alguém no futuro, era com um cara bem resolvido, maduro e responsável,
com quem eu sairia para jantares, assistiria a um filme no cinema e, no fim do
dia, riria das coisas que nos acontecia. Porém, o homem por quem parecia que
eu estava apaixonada era um grosso, arrogante, egocêntrico, que mais me
irritava e me excitava.
 
Como eu, uma menina sempre correta, acabei me enfiando nisso?
 
O pior era que eu conseguia entender e aceitar que aquilo era o máximo
que eu teria de Aaron. Tudo estava acontecendo rápido no momento em que as
coisas estavam dando errado para nós dois: ele com seus problemas familiares,
não podendo errar em nada, para não perder a guarda da sobrinha que ele criava
como uma filha; e eu no meu início de carreira profissional, longe da cidade
onde nasci.
 
Como reorganizaria as coisas? O que eu faria?
 
Aceitei fazer aquilo porque, sempre que estávamos juntos, eu me sentia a
mulher mais sensual do mundo. A forma como ele me olhava, as palavras que
dizia e o que fazia com aquela boca... Só de me lembrar, eu ficava, novamente,
atordoada.
 
Eu era sempre uma menina ingênua dominada pelo sexo. E o pior era
que eu não tinha forças para correr para longe disso.
 
— Já estou de saída, Sadie — gritei da porta e a bati ao fechá-la.
 
Eu estava fugindo; não da minha amiga, mas da conversa. Curiosamente,
desde que voltou para casa, Sadie estava calma e não tocou em assunto algum
sobre mim e David. Talvez não soubesse disso ou só não ligava. E seja lá o que
fosse, eu me senti aliviada.
 
“Não vou ao escritório. Na verdade, estou me afastando por tempo
indeterminado. Trabalharei daqui de casa, e sempre que precisar dos seus
serviços, eu ligarei.”
 
A mensagem que recebi quase na porta de saída do prédio me deixou
para baixo. Depois de ter acordado cedo e, praticamente, ter corrido para longe
de casa, esse idiota veio com essa.
 
Não importava quão compreensiva eu estava em relação àquele assunto.
Ele não podia me pegar de surpresa.
 
“Não poderia ter avisado antes?”
 
“Eu estava preparada para sair agora mesmo.”
 
“Preciso de você aqui.”
 
“Do que precisa?”
 
“De você.”
 
***
 
Eu poderia apostar que era só mais um capricho de Aaron, mas não
ligava, pois também queria vê-lo.
 
Esse era o risco de fazer o que eu estava fazendo. Se fosse qualquer outra
bem resolvida e desprendida de sentimentos, não estaria passando pelo que eu
passava.
 
Não era só mais um caso para mim, era o meu primeiro caso, o primeiro
que me tocou e com quem eu me permiti. Eu me via abalada com seus olhares,
seus suspiros; e quando ele me chamava, eu ia correndo como uma idiota.
 
Como eu podia ser tão submissa?
 
Ainda não havia me acostumado com quão grandiosa era aquela mansão.
Já tinha visto muitas assim nas revistas, nos sites de fofocas e programas de
televisão, porém estar olhando a grandiosidade de perto me deixava ainda mais
idiota. Dava para ver o quanto Aaron era um homem elegante e imponente, e a
sua casa era o exemplo perfeito disso.
 
Subi os poucos degraus da entrada e nem precisei tocar a campainha,
pois a porta já estava sendo aberta por um homem de terno, muito educado.
Fiquei com medo de dar passos muito longos ou curtos e acabar pisando onde
não deveria.
 
Já estive ali, não era novidade, no entanto, a cada vez que eu olhava para
um canto, algo mais bonito e surpreendente aparecia.
 
Descendo a escada branca de corrimão dourado, vinha a menina de
cabelos castanhos, olhos claros e vestida de bailarina. Quando me viu, não pôde
disfarçar o sorriso.
 
— Você é a amiga do meu pai. — Correu até mim.
 
Tive medo de que ela caísse. O chão da casa era todo de mármore polido,
e a impressão que dava era de ser um espelho reluzente.
 
— Veio trabalhar com o papai hoje?
 
Meu ponto fraco era crianças fofas, e essa era uma delas. Era gentil e
bem-comportada. Seu olhar doce derreteu meu coração.
 
— Sim — respondi com um sorriso.
 
— O papai disse que vai trabalhar em casa agora, para ficar mais perto
de mim — contou, alegre. — E disse que você virá às vezes.
 
— Ele falou de mim? — Franzi o cenho.
 
— O papai fala muito de você. — Surpreendi-me. — Claro, às vezes ele
não sabe que estou ouvindo, mas fala. E gosta de você. — Eu nem sabia o que
dizer. Com quem ele falava sobre mim? — Espero que namorem. Vai ser bom
ter mais alguém na família, e gosto mais de você do que da Scarlet. Ela não
gostava de mim.
 
Uma mulher de cabelos vermelhos, que devia ter uns cinquenta anos,
apareceu, chamando a menina.
 
— Olivia, você não está incomodando a amiga do seu pai, está? — O
olhar duro da mulher não fez efeito algum nela. A garota só riu.
 
— Só estamos conversando, Rosa. E ela é mais que a amiga do meu pai.
— Certo, a menina fofa era bem mais que só fofa, e, no momento, deixou-me
envergonhada. — Ela trabalha com ele — terminou. — Mas, quem sabe no
futuro... — Olhou-me e piscou.
 
Fiquei sem saber o que dizer. Dei um sorriso antes que a mulher a
levasse embora e, por fim, achei graça do que aconteceu.
 
Continuei de onde parei, tentando me lembrar da última vez que estive
ali, para não me perder. A porta estava entreaberta e, assim que entrei, não vi
Aaron, só quando ele me puxou por trás e me agarrou.
 
— Você quer me matar de susto? — reclamei, só que gostei do abraço.
 
— Senti a sua falta.
 
— Me chamou para isso?
 
— Foi a ideia inicial.
 
Tentei me soltar como pude, no entanto não consegui me livrar dele. Ele
me beijou logo em seguida.
 
— Você deveria tomar mais cuidado com o que fala — alertei-o.
 
— O que Olivia disse? — Cerrou os olhos.
 
— Não muito, mas o bastante. Ela é uma menina bem esperta.
 
— Muito curiosa, como o pai. E às vezes isso me assusta.
 
— Por quê? — Franzi o cenho. — Ela é uma menina, isso é normal.
 
— Achei que era normal com meu irmão, até ele ter curiosidade e
experimentar cocaína — respondeu, sério, soltando-me. — Sei que é normal
para uma criança, mas ainda me preocupo.
 
No começo, eu odiava Aaron por achar que ele não tinha sentimento
algum, entretanto passei a ver que ele só escondia isso e deixava tudo para dar à
sua sobrinha. Confesso que era algo que mexia comigo. Além do mais, eu ficava
furiosa comigo mesma, por acabar com a justificativa para o odiar.
 
Eu sabia que, no fim, a única a sair perdendo seria eu. Deveria tomar
mais cuidado e me poupar, só que o ver com aquele semblante triste e de
preocupação derretia o meu coração idiota.
 
— Você é bom nisso. — Apertei carinhosamente o seu braço para o
confortar de alguma forma. — Não precisa se preocupar se vai se repetir, porque
acho que você não vai deixar.
 
— De nenhuma forma.
 
Como uma boba, encarei seu rosto firme, de traços fortes, e me vi
encantada com a sua beleza. Como eu já gostava mais dele, achava-o ainda mais
bonito. Era terrível ver que eu estava perdida e apaixonada pelo meu chefe.
 
CAPÍTULO 27
— Sabe... Até que é bom trabalhar em casa — disse Aaron, que me
olhava de longe.
 
Eu podia até imaginar o que se passava na sua cabeça no momento.
Parecia que ele tinha tomado mais liberdade ali, podendo ter tudo de mim, sem
temer que alguém da empresa nos pegasse, mesmo que tenha prometido não
fazer nada no horário de trabalho.
 
— É um motivo a mais... — continuou.
 
— Se concentre no que deve fazer — eu o aconselhei, desviando o olhar
do dele.
 
Eu sabia que muitas das vezes quando ele me chamava, era por razões
que nem sempre era sobre trabalho. Mas eu gostava. Naqueles últimos dias
conheci um homem totalmente diferente do meu chefe insuportável. Ele era
gentil, e o lado pervertido nele não era tão mau.
 
— Fica difícil fazer isso quando olho para o lado e encontro você nesse
vestido vermelho perfeitamente moldado ao seu belo corpo. Isso prejudica o
meu raciocínio.
 
— Vou dar um jeito nisso. Termine seu trabalho enquanto ficarei lá
fora.
 
— Eu não pedi isso — pontuou.
 
— Não precisou. — Virei-me nos calcanhares e saí pela porta do seu
escritório.
 
Já era noite e uma maldita reunião nos impedia de sair para um jantar
agradável, que acabaria de forma muito mais divertida, na cama daquele
apartamento chique ao qual íamos praticamente todos os dias.
 
Assim que fechei a porta, quase me esbarrei na pequena Olivia, que
estava escondida atrás da parede do corredor adjacente.
 
— Oi. Você precisa de algo? — perguntei.
 
A menina riu e veio até mim. Estava com os cabelos soltos e um vestido
branco lindo.
 
— Você vai jantar conosco novamente hoje? — ela perguntou,
envergonhada. — Gosto quando fica. O papai fica feliz também.
 
Peguei em sua mão e andamos para longe da porta por onde eu tinha
acabado de sair.
 
— Vocês são muito receptivos. — Na verdade, eu não sabia o que
responder. Diria “sim” ou “não”?
 
Bem... Aaron disse que jantaríamos juntos, mas com a reunião fora do
cronograma, por conta de um fuso horário, eu não sabia se esse jantar ainda
estava de pé.
 
— Seu pai está em uma reunião agora e não sei se terminará a tempo,
mas posso ficar com você.
 
Esquisito. Apesar de eu gostar da menina e me divertir com ela, eu me
achava uma intrusa naquela relação. O que ela iria acabar pensando? Olivia
parecia gostar, mas eu não via o mesmo no rosto da governanta, que também a
educava.
 
Eu poderia apostar o que a mulher pensava de mim, já que transitava
pelos corredores sorrateiramente. Podia ter até ouvido coisas entre mim e Aaron.
 
Como se já não bastasse eu me julgando por transar com o chefe, teria
que olhar nos olhos de uma mulher desconhecida e saber que ela me achava uma
vadia.
 
— Vai ser muito bom. — Olivia saltitou. — Vamos. Rosa fez meu prato
favorito. Ela sabia que o papai iria demorar, e ele não é muito fã do prato.
 
— E qual seria? — Fiquei curiosa.
 
— Lasanha. — Ela praticamente me puxou para a sala de jantar.
 
Assim que passamos pela porta, vi a mulher que exibia um sorriso
amarelo. No mesmo instante, envergonhei-me. Eu não devia nada a ela, só que a
menina tímida em mim pensava de outra forma.
 
— Você tinha razão, Rosa. O papai vai ficar até tarde trabalhando.
 
Ignorando toda a tensão, Olivia novamente me puxou até a cadeira e a
afastou, ajudando-me a me sentar, e depois se sentou em seu lugar.
 
— Vou servir o jantar — disse a mulher.
 
Depois que ela passou pela porta que dava acesso à cozinha, eu me senti
mais livre.
 
— Fica triste quando isso acontece? — questionei. — Quando seu pai
trabalha até tarde?
 
— Sim. Ele está sempre falando ao telefone, em reunião ou viajando.
Mas agora está sempre em casa. E você também. É bom conversar com você,
Mia.
 
— Também gosto de conversar com você. — Eu a encarei, colocando o
guardanapo no colo e me arrumando no lugar.
 
Essa criança, apesar de todo o mimo, era um doce. Eu sabia como era
ficar sozinha, ciente de que os adultos estavam ocupados, tendo que se entreter
com qualquer outra coisa.
 
— Então, Olivia... Como foi a escola hoje?
 
Bem... Esse foi o início de uma longa conversa sobre o seu dia agitado.
Ela contava tudo com muito detalhe, e depois que a comida chegou, não parou
um segundo de falar, mesmo que de boca cheia. O que fez Rosa repreendê-la
enquanto estava aqui. Mas depois que ela se foi, tomei a liberdade de fazer o
mesmo que Olivia para que ela visse que não tinha nada demais em se empolgar
e perder a elegância quando estava entre amigos.
 
— Minha única amiga, Beatriz, vai aniversariar, e eu não sei muito bem
o que lhe dar de presente. Ela sempre tem tudo que quer.
 
Claro que sim. Pais ricos sempre têm como arranjar o que seus filhos
querem.
 
— Do que ela gosta?
 
— De tudo. Mas seus pais costumam lhe comprar roupas e brinquedos.
Acho que não sobra muitas opções — lamentou.
 
— Nem sempre o melhor presente é algo de grande valor ou material. Eu
também tinha uma amiga quando era criança, e, no meu caso, não tinha grana
para lhe dar um presente, então eu mesma o fiz.
 
— O que você fez? — Franziu o cenho.
 
— Montei um álbum de fotos, coloquei glitter em tudo e algumas
imagens engraçadas, com algumas frases.
 
Eu me lembrei de que o álbum tinha ficado horroroso, todavia minha
amiga amou e o guardava até então. Nossa amizade durava à distância, mesmo
tendo esfriado um pouco.
 
— Isso é muito bom — ela falou, surpresa. — Você pode fazer um
comigo?
 
— Fazer o que com você? — A voz grossa de Aaron arrepiou todos os
pelos do meu corpo. — Desculpa a demora. Perdi o jantar.
 
— Pai, a Mia vai me ajudar com o presente de Beatriz — ela disse,
empolgada.
 
— Vai? — Andando em passos curtos, ele veio até o seu lugar,
encarando-me com aquele olhar sedutor que me fazia suspirar. No entanto, nesse
momento, eu segurei o impulso. — Fico feliz.
 
Já havíamos estado nós três àquela mesa antes. No começo foi estranho e
eu não sabia como agir ou o que dizer, mas Olivia era uma menina que se
empolgava fácil e era muito tagarela, como eu. Contudo, às vezes eu me sentia
uma intrusa no meio dos dois.
 
Eu gostava de estar ali, era a parte boa, só que não me sentia encaixada.
 
***
 
A noite que imaginei, não aconteceria, entretanto eu não estava
desapontada, porque a que tivemos havia sido boa, apenas de conversas.
 
Quando Aaron subiu para dar o beijo de boa noite em Olívia e a colocar
na cama, senti que meu coração pularia pela boca. Ele não era com ela o grosso
que conheci no início. Na verdade, esse homem parecia que havia morrido. E eu
gostava do novo Aaron.
 
Peguei minha bolsa, pois já estava tarde, chamei um Uber e pensei em
esperá-lo ao lado de fora.
 
— Mia. — Eu o ouvi me chamar. — Já está de saída?
 
— Está tarde. Já chamei o Uber.
 
— Posso levá-la para casa. — Franziu o cenho.
 
— Não é necessário. Está cansado, e amanhã teremos mais um dia cheio.
 
Aaron veio até mim, pegou-me e me beijou, tirando o meu fôlego com
facilidade. Sua mão no meu pescoço e a outra na minha cintura impedia que eu
fugisse dele. Coisa que eu não queria fazer.
 
Apesar da hora, era provável que alguém nos visse. E se já era
constrangedor sem que ninguém nos pegasse, caso acontecesse, minha cara
ficaria no chão.
 
Já sou meio paranoica mesmo.
 
— Está fugindo de mim. — Ele franziu o cenho, de novo, depois que o
afastei um pouco.
 
— Não. Mas não vai ser legal se alguém nos vir.
 
— Não tenho medo de ninguém nesta casa. São eles que temem a mim
— respondeu como o Aaron de sempre, fazendo-me rir.
 
— Sei. Mas você é o chefe, e eu a secretária. Quem vai ser julgada aqui?
 
— Se ouvir alguma coisa, posso afirmar que essa pessoa não durará aqui
um segundo a mais.
 
— Certo, chefe. No entanto, meu Uber chegou.
 
— Mia.
 
— Nos vemos amanhã.
 
Foi difícil me desvencilhar dele e sair, porém necessário. Senti como se
meu coração estivesse na boca, prestes a sair.
 
Aquela estava sendo a minha vida: sair de sua casa com medo de ser
julgada, desejando entrar e ficar, mesmo sabendo que isso nunca iria acontecer.
 
CAPÍTULO 28
AARON JACKSON
 
Se o meu eu do passado pudesse me ver naquele momento, não
reconheceria a pessoa que me tornei. Eu me orgulhava de ser um homem
concentrado, que lidava com os problemas da melhor forma possível e sempre
andava na linha, apesar de ter meus erros por baixo dos panos.
 
Desde que o risco iminente de perder Olivia veio me perturbar, eu ainda
não tinha conseguido parar e resolver esse problema. E o pior era que eu estava
me arriscando ali, ficando com uma de minhas funcionárias. Era imoral, e
mesmo que não fosse um grave motivo para que eu perdesse aquela briga, não
me daria total liberdade de escolha sobre a pessoa mais importante da minha
vida.
 
Em duas semanas eu estaria sendo visitado por uma assistente social, que
veria como era a relação entre mim e minha sobrinha. Eu poderia dizer que esse
seria o menor dos meus problemas, entretanto, quando uma mulher de olhos
verdes passava por mim, eu simplesmente me rendia a ela.
 
Mia estava sempre comigo, mas não só por trabalho. Eu meio que
arquitetava para que passássemos ainda mais tempo juntos.
 
Sendo estável, tendo uma boa reputação e status social de grande valor,
minha vida se resumia ao trabalho e à Olivia. E com quarenta anos, sem um
plano conjugal para o futuro próximo, isso poderia ser questionável. Um
verdadeiro absurdo, já que existiam várias maneiras de se criar uma criança, de
ser a família dela. Eles não viam que, mesmo sem esposa, eu podia ser tudo para
Olivia.
 
Segundo a minha advogada, apesar dos prós serem maiores que os
contras, eu ainda corria o risco de perder uma parte da guarda. Ela disse que eu
teria que compartilhar Olivia com a mãe e a avó, e as decisões seriam tomadas
por ambas as partes. Até que não seria um sacrilégio, no entanto aquela mulher
já fez muito mal à minha sobrinha. E o pior é que não era um grande exemplo de
maturidade só porque estava limpa há dois anos.
 
Desde que minha sobrinha passou a morar comigo, eu a protegia do
passado sombrio que era viver sob a sombra de sua mãe. Apesar de saber que ela
não seguiria os passos dos pais, eu tinha medo de errar, de deixar algo de lado e
correr o risco de, alguma forma, ela ir para o mesmo caminho.
 
Nunca menti para ela, apesar de tudo. Olivia sabia quem eram seus pais e
o que tinha acontecido com seu pai biológico, mas nunca mais conviveu com a
mãe. Gema nunca estava 100%. Então, nas vezes que vinha até mim para ver a
filha, estava drogada e muito alterada. O que assustava Olivia.
 
Não fazia tanto tempo que ela tinha voltado, entrado em minha casa e a
assustado novamente quando tentou levá-la. A sua versão da história era que
queria conversar com a menina e que estava bem, sóbria. Todavia, sua atitude
de, simplesmente, tentar arrancá-la de onde morava não convenceu a mim, nem
a Olivia, que passou um bom tempo com medo de ficar em casa sozinha.
 
Eu não era o cara que separava mãe e filha. Não queria que minha
sobrinha deixasse de saber sobre Gema. Entretanto, eu nunca iria confiar nela
novamente. Poderia até permitir as suas visitas após aquela revisão idiota, só que
elas nunca iriam ficar a sós por um minuto sem que eu estivesse de olho.
 
— Você não parece estar bem — disse Mia, observando-me do sofá. Eu
mal tinha notado que estava tão distante. — Ainda é sobre o processo da
guarda?
 
— Sim — confirmei, desgostoso.
 
Ela estava linda na saia-lápis e na blusa branca de botões. Essa mulher
ficava linda até sem roupas. Mia era a minha ponta solta. Tudo parecia bem,
exceto minha vida amorosa. Eu gostava dela e a queria só para mim, mas com
tudo acontecendo, esse desejo se tornou o meu ponto fraco.
 
Eu me peguei pensando no que faria e no que aconteceria conosco. Não
me senti feliz com as respostas. Por um lado, eu a queria mais que tudo.
Precisava de Mia. Ela era o meu cano de escape. Por outro, ela era o meu
problema, não só pelo mero pensamento do nosso não relacionamento ser
descoberto, mas também por eu saber que nunca iríamos passar disso. Então,
descobri outro problema, um mais questionável que os demais: eu queria que
passássemos.
 
Eu nunca tinha me dado tão bem com uma mulher. Ela adorava Olivia e,
melhor, a pequena agia como se fôssemos um casal.
 
No momento, o que eu queria e o que eu deveria fazer estavam em
conflito.
 
— Não adianta se preocupar. — Mia se levantou e, graciosamente,
caminhou até onde eu estava. — Não sabe o que vai acontecer, e sofrer por
antecipação não ajuda. — Não pude conter o sorriso no rosto. — O que foi?
Achou isso uma bobagem?
 
— Não. Só me lembrei de quando conheci você. — Afastei a cadeira
para me levantar, peguei em sua cintura e a puxei para mais perto de mim. Ela
era tão pequena, que eu tinha que me curvar um pouco para chegar à altura dos
seus belos lábios. — Odiei essa sua língua solta. Você era irritante.
 
— Era? — Levantou uma das sobrancelhas e abriu um sorriso.
 
— Às vezes você testa a minha paciência, mas gosto da provocação. Sei
muito bem como puni-la.
 
Antes que ela dissesse algo, eu a calei com um beijo. Gostava da
liberdade que tinha para fazer isso sem que alguém nos julgasse.
 
— Eu sabia que estavam namorando. — A voz de Olivia me assustou.
 
Afastei-me de Mia no mesmo instante. Eu não estava contando com isso,
porque naquela hora Olivia deveria estar na cama. A menina descalça andou até
nós, exibindo um sorriso de orelha a orelha.
 
— Pensei que estivesse sozinho, mas fico feliz em ver a Mia.
 
— Você deveria estar na cama — eu a repreendi.
 
— Se esqueceu do meu beijo — justificou.
 
Nunca tinha ficado em uma saia-justa como essa. E eu não poderia
mentir, pois Olivia era muito esperta. Além do mais, não tinha como apagar a
cena que ela tinha acabado de ver.
 
— Relaxa, papai. Eu não conto para ninguém.
 
— Olivia, o que... — As palavras se misturavam na minha boca.
 
Agachei-me e olhei nos seus olhos, que não pareciam demonstrar
nenhuma chateação. Eu diria que ela havia adorado me ver com Mia.
 
— É complicado — expliquei.
 
— Está na minha hora — avisou Mia.
 
— Por que vocês estão agindo como culpados? — a pequena voltou a
questionar. — Eu super apoio o namoro.
 
— Certo. Fico feliz — falei.
 
Eu tinha certeza de que iria rir da situação depois, mas, naquele instante,
eu me sentia contra a parede.
 
— Está na hora de dormir — avisei-a.
 
— Ok, eu já vou — concordou e beijou o meu rosto. — Boa noite, Mia.
— Saiu da sala calmamente.
 
— Isso é um problema, não é? — Mia perguntou, assustada. — Tenho
que ir.
 
— Posso levar você em casa — ofereci.
 
— Não precisa — logo recusou.
 
— Mia. — Ela me encarou depois de guardar o celular na bolsa. — Não
precisa se preocupar. Vou conversar com Olivia e tentar explicar uma parte dessa
história.
 
— Isso pode estragar seus planos, não é? — Ela franziu o cenho. Eu diria
que estava nervosa e preocupada. — Por isso está sempre pensativo.
 
— Vou dar um jeito.
 
— Um jeito? — Afastou-se de mim. — Você está com problemas
demais. Acho que a melhor forma de resolver isso é acabando com esse
problema agora.
 
— O quê?
 
— Sei que é nisso que anda pensando.
 
— Não quero acabar com nada entre nós. — Dei um passo em sua
direção. — Preciso de você, Mia. Eu preciso de você. — Olhei em seus olhos
verdes.
 
— Você mesmo diz que é errado — lembrou-me.
 
— Até pode ser, mas é o meu errado, o que preciso. Sem você, eu volto a
ser aquele cara.
 
— Olivia pensa que estamos namorando, e não é nada disso que
acontece entre nós — ela falou quase sussurrando. — Se alguém descobrir, isso
vai ser um motivo contra você.
 
— Tem razão. E, mesmo assim, eu quero.
 
— Ariscaria tudo por simples prazer? — Franziu o cenho.
 
— Acredite, eu sei o que isso pode me custar. — Respirei fundo. — Mas
não vou me precipitar, acabando com tudo. É mais do que prazer. Eu gosto de
quando estamos juntos, e Olivia adora você. Não seria ruim se... Não sei como
tudo vai acabar, só que eu não quero deixar de estar com você.
 
CAPÍTULO 29
MIA
 
Eu não sabia como tinha ido parar no meio daquele furacão. As coisas
aconteceram bem rápido, mais do que o esperado, e eu já estava tão envolvida,
que nem ligava se iria me afogar. O mais ruim era eu saber que, de alguma
forma, isso iria acabar e seria bem pior para mim.
 
Quando Olivia nos pegou juntos naquele escritório, achei que seria o fim
de seja lá o que fosse aquele romance, porém Aaron agiu como se isso não
tivesse sido a coisa mais absurda do mundo.
 
E naquele instante, estávamos como um casal, andando juntos em uma
praça linda, com crianças brincando, enquanto a garotinha se divertia não muito
longe de nós.
 
Dentro da minha cabeça, uma voz sussurrava, pedindo-me para parar e
me afastar de Aaron, pois quando ele decidisse acabar com tudo, eu me daria
mal. E ela estava certa. Só que a outra parte do meu cérebro não escutava esses
avisos, levava-me a fazer tudo que eu desejava, e não o que era certo.
 
— Por que estou aqui? — eu o questionei quando paramos em um
determinado ponto de onde ele poderia ficar de olho na filha.
 
Aaron era um bom pai e estava dando o máximo de si. Eu via que ele
tinha mudado em muitos aspectos, contudo meu sentimento de ser uma intrusa
não mudou. Na verdade, só havia piorado desde a última noite.
 
— Deveria passar o dia com ela, e não comigo.
 
Aaron estava concentrado em Olivia, que sorria ao lado de uma amiga, e
passou sua total atenção para mim depois do que falei.
 
— Acha que não estou aproveitando o dia com a minha sobrinha? —
questionou-me, franzindo o cenho. — Melhor, o que isso quer dizer?
 
Senti minha garganta secar e arranhar. Não sabia exatamente o que
queria dizer. Na verdade, eu tinha mais perguntas do que respostas.
 
— Pensei que, por conta de ontem, você se afastaria, mas agora parece
que está ignorando ou fingindo que nada aconteceu.
 
— Achei que estivesse claro — repreendeu-me, autoritário. — Olivia
não se importa. Ou se importa muito com a nossa relação. Ela adora você, e eu
também. Sei que tudo isso começou do jeito errado, que troquei os pés pelas
mãos, porém essa relação é verdadeira, e quero que todos vejam isso também.
 
Ficou claro para ele, e para qualquer um que passasse, que eu estava
impressionada.
 
— Isso é um relacionamento? Pensei que fosse o contrário disso: sem
compromisso, liberdade e tudo mais — comentei, ainda confusa. — Como assim
“quero que todos vejam isso?” — foi só um questionamento confuso, todavia ele
se irritou. Pude ver isso no seu olhar.
 
— Não sou a melhor pessoa nisso. O único relacionamento que tive foi
mais uma obrigação do que desejo ou paixão. Foi como estar preso a alguém
que me mataria no fim do dia — contou, inquieto. — Scarlet era um pé no saco,
mas com você é diferente.
 
— Claro. A diferença é que não sou alta e ruiva, nem tenho rios de
dinheiro — falei, deixando-o ainda mais irritado, e cruzei os braços.
 
Óbvio que era só provocação. Eu gostava quando ele ficava nervoso, já
que sempre deixava escapar alguma coisa nova.
 
— Lembrando que você me fez assinar um acordo.
 
— Mia, você não saiu da minha cabeça por um segundo depois que a
conheci — confessou ao me encarar.
 
Dava para ver tudo de onde estávamos, e mesmo sabendo que nada
aconteceria, preocupava-me em tirar os olhos de Olivia e a perder de algum
jeito. Eu mal a conhecia, mas essa menina já era uma parte boa da minha vida e
me despertava uma coisa estranha.
 
— Você estava em todos os lugares: na minha cama, na mesa e até no
chuveiro. Pensei que a solução seria transar com você para acabar com toda essa
tortura. — Eu disse que ele sempre revelava mais do que gostaria. — Agora sei
que fui um tolo, que estava errado. Eu me preocupava com que você contasse
sobre nós para outra pessoa, mas aquele acordo já não nos prende mais, isso
mudou. Mudou a forma como a enxergo e como a desejo. Não é só sexo para
mim.
 
Espera. O quê?!
 
— Aaron...
 
— Mia, eu gosto de você, de estar com você, de pensar em você e de te
sentir. Tomou conta de mim de uma forma surpreendente e assustadora. Toda
vez que você vai embora, desejo pedir para que fique.
 
— Ficar onde? — Cerrei os olhos. — Na sua cama?
 
— Que fique comigo sempre, que não me deixe e não volte para aquele
apartamento onde não posso ir ou lhe assistir acordar, nem ter o prazer de tomar
café ao seu lado.
 
Não sabia como ele conseguia, mas sempre tirava o ar dos meus pulmões
de uma forma bruta. Meu peito palpitava e minhas mãos suavam. Eu não
poderia me enganar, achando que essa era uma declaração de amor, porém suas
palavras mexeram comigo de formas inimagináveis.
 
— Pensei que isso poderia estragar a minha relação com Olivia, meu
trabalho e minha cabeça, mas vejo agora que eu estava errado e que você é a
solução de tudo para mim. Se encaixa perfeitamente. E eu a quero mais que
tudo.
 
—  O que é tudo isso, Aaron? Uma declaração? Um pedido? —
perguntei, nervosa.
 
Foi tudo tão rápido e estranho, que me pegou de surpresa.
 
Confesso que, assim que ele começou a falar, senti meu corpo todo
tremer, minha língua pesar na boca e meu coração lutar para sair do peito.
 
— Mia... — Ele pegou em minha mão e olhou em meus olhos. — Passei
a noite em claro por sua causa.
 
— Por minha causa? — Levantei uma das sobrancelhas.
 
— Ainda existe aquela parte de mim que se sente amedrontada com tudo
que está acontecendo. Nunca estive nessa situação, e jamais imaginei que estaria
de joelhos por uma mulher. Mas estou agora, e espero muito que você sinta o
mesmo.
 
— Seja claro e tome cuidado com o que dirá — eu o alertei e ele riu.
 
— Sendo minha secretária, isso pode parecer estranho e muitos vão
achar que estou tirando vantagem de você. — Eu acreditava que Aaron estava
planejando me matar, pois eu sentia que estava prestes a infartar. — Mas quero
correr esse risco mesmo assim. A única coisa que me impedia de tentar era a
possibilidade de minha filha não gostar de você, porém é impossível não te
amar.
 
— Aaron, do que, exatamente, está falando? — Óbvio que eu não era tão
burra e tola, no entanto minha mente repetia que aquela era apenas uma falsa
esperança. — Não me venha com mais um de seus jogos.
 
— Não é um jogo. Quero deixar claro para todos que estamos juntos.
Você e eu, oficialmente, em um relacionamento.
 
Ele falou isso mesmo?
 
— Está pensando direito? — Desconfiei.
 
— Sim. — Deu um leve sorriso de canto.
 
— Está dizendo que quer namorar comigo?
 
— Acho que já estamos, mas sim.
 
— E todo mundo vai saber?
 
— É o objetivo. — Certo, você pode estar sonhando ou coisa do tipo. Só
pode ser uma alucinação. — Mia, já chega de mentiras e de sairmos escondidos.
Deveria estar feliz.
 
— Eu estou. Só preciso de um tempo para refletir — confirmei, confusa.
— Isso é estranho.
 
— Pai — Olivia o chamou. — Podemos ir agora?
 
— Claro, querida — ele deu atenção à menina enquanto eu ainda estava
anestesiada com a novidade.
 
***
 
— É bom ter você aqui — disse Olivia, que estava sentada no chão, bem
perto de mim.
 
Ela tinha uma cola em bastão em uma mão e papéis picados em outra.
Estava decorando um álbum de fotos cheio de glitter. Apesar de todo o mimo, a
criança era sensível e educada; não era dramática e estava sempre sorrindo.
 
Tinha cola por todos os lugares, até nos cabelos dela. Eu apostava que
Rose ficaria uma fera se visse isso.
 
— Sei que o papai está preocupado comigo por conta da minha mãe
biológica. Ela tem nos perturbado ultimamente.
 
Ainda me surpreendia com quão esperta e madura ela era. Mesmo tendo
só cinco anos e oito meses, como ela gostava de enfatizar, era inteligente e sabia
mais do que aparentava.
 
— É, ele está um pouco preocupado. Mas não deve se preocupar com
isso. Logo tudo acabará.
 
Enquanto Olivia passava a cola nos papéis, eu os colava no álbum. Ela
não tirou os olhos do que fazia, porém dava para ver a sua preocupação e
tristeza.
 
— Está preocupada?
 
— Um pouco — confessou. — Não é que eu a odeie. O papai também
não. Sei que ele não é meu pai biológico, que é meu tio, porém sempre vou vê-lo
assim. Ele sempre me contou a minha história, para que eu crescesse sabendo
que tive um pai e tenho uma mãe, só que deixava de fora a parte ruim. Ele só me
dizia que o melhor para mim era ficar com ele, pois minha mãe estava doente.
 
— Posso apostar que sabe mais do que ele pensa que sabe — tentei fazê-
la confessar.
 
Ela não fez questão de esconder nem se preocupou por ter sido
descoberta, continuou o que fazia tranquilamente.
 
— Mesmo ele tentando me proteger, eu sei das coisas. Não de tudo, mas
o bastante.
 
Mal nos conhecíamos e a garota se sentia bem em me contar o que sabia.
Desde o momento em que a vi, soube que ela era esperta e que me apegaria a ela
se não tomasse cuidado. Entretanto, não vi quando a pequena conseguiu me
conquistar.
 
— Ela veio aqui na semana passada. Foi estranho e assustador. Entrou e
me puxou, dizendo que só queria conversar e passear comigo. Poderia ter sido
legal se ela não tivesse me agarrado e me assustado daquele jeito.
 
— Sinto muito, Olivia, por você estar no meio dessa confusão. — Toquei
em seu braço carinhosamente. — Mesmo ela tendo assustado você, não pensa
em conhecê-la?
 
— Talvez quando eu for mais velha. — Olhou para mim. — Agora não
quero ficar com ela. Acho que ela ainda está doente.
 
— Às vezes mães fazem coisas malucas, mas nem sempre são para
machucar e assustar.
 
— É. Porém, não quero que o papai perca — revelou. — Nunca vou
morar com ela. Quero ficar com o meu pai.
 
— Você vai — confirmei.
 
A menina voltou ao que estava fazendo e eu fiquei lhe assistindo.
 
As palavras de Aaron ficaram em minha cabeça. Eu estava feliz por ter
descoberto que ele sentia algo por mim e que queria alguma coisa comigo.
Apeguei-me não só a ele e a tudo que fazíamos, mas também à Olivia.
 
CAPÍTULO 30
Como sempre, Aaron sabia exatamente como me deixar confusa e
perturbada. Dessa vez era uma perturbação boa. Uma mistura de alegria e medo
me consumia.
 
O que aconteceria quando todos soubessem sobre nós? Claro que eu
seria alvo de conversas sussurradas e olhares de acusação, enquanto ele sairia
como o chefe pegador. Essa era a parte que me deixava com um pé atrás, por
isso pedi a ele que fôssemos devagar nessa história.
 
Realmente, eu estava feliz porque não teria que mentir ou enganar
ninguém, inclusive Sadie, que ficaria furiosa quando eu lhe dissesse tudo.
 
Nunca havia tido isso na minha vida toda. Sempre fui a filha comum,
que tirava notas medianas e não era popular; sempre era zoada ou protegida pela
fama da irmã mais nova.
 
Uma coisa que minha vó sempre dizia era: “Não deixe de viver a sua
vida ou felicidade por pensar no que os outros vão dizer”.
 
Ela estava certa. Porém, eu era aquele tipo de pessoa hipócrita que
repetia e não seguia o meu conselho. Minha mente era a minha vilã, dizendo
para mim que tudo não passava de uma fase e que, quando acabasse, seria eu
quem sairia perdendo, sendo malfalada e ficando sem emprego.
 
Eu estava em casa, encarando o teto, quando ouvi uma mensagem de
texto chegar. Não foi surpresa alguma assim que vi que era de Aaron. A
mensagem curta me dizia para eu colocar o meu mais sexy conjunto de lingerie e
um vestido provocante.
 
Revirei os olhos, pois, na minha cabeça, eu ouvia a sua voz mandona e
provocativa.
 
Não demorei para o obedecer; não porque ele exigiu, e sim porque,
realmente, eu queria estar ao seu lado naquela noite.
 
***
 
Eu gostava do lugar discreto, ainda mais àquela hora da noite. Confesso
que me senti medrosa ao sair de casa tão tarde, porém, para a minha surpresa, o
motorista de Aaron estava à minha espera. Eu fiquei envergonhada, pensando
que o homem de terno, sem expressão alguma no rosto, sabia o que aconteceria
ali.
 
Subi após usar a senha do apartamento. Antes de conhecer Aaron, eu não
fazia ideia de que lugares assim existiam.
 
Depois que as portas se abriram, fui recebida pelo homem alto, de olhos
claros e com os cabelos alinhados, que estava me esperando. Ele se aproximou
de mim e me puxou pela cintura para me beijar até tirar todo o ar do meu corpo.
 
Aaron era quase duas vezes mais alto que eu, e nem os saltos me
ajudavam a ficar, no mínimo, próxima ao seu rosto, então ele sempre estava se
curvando ou me levantando com seus braços enormes e musculosos.
 
— Está feliz. O que vai comemorar hoje? — questionei assim que ele
largou a minha boca.
 
— Devo ter um motivo para estar feliz? — Franziu o cenho.
 
— Não. Mas estávamos juntos quase o dia todo. Não pode ser saudade
— brinquei.
 
— Um segundo sem você parece mil anos longe. — Revirei os olhos,
pois ele romântico era bobo e fofo. — Não revire os olhos para mim, ou vamos
pular para a sobremesa.
 
— Então, é sobre sexo.
 
— É sobre ter você só para mim hoje à noite. — Soltou-me. — Além
disso, quero conversar sobre algo. — Deu-me as costas e foi em direção à
cozinha.
 
— Sobre o quê? — Eu o segui.
 
Em cima da ilha da cozinha estavam duas taças e um balde de gelo com
champanhe. Gente rica tem esse gosto peculiar de beber a qualquer momento.
 
— Tem relação com o seu pedido de namoro? — brinquei de novo.
 
— Sim. E quero deixar claro que já pensava nisso antes do que falei mais
cedo. — Ele me deu uma das taças e seu olhar sedutor foi o bastante para mexer
comigo. — Quero que venha morar aqui.
 
Tentei beber um gole do champanhe antes de começar a falar novamente
e senti um gosto amargo e enjoativo. Contudo, assim que ele abriu a boca, o que
me pegou foram suas palavras. Quase me engasguei.
 
— Enlouqueceu? — Tentei me recuperar. — Que história é essa?
 
— Se eu soubesse que ficaria tão surpresa, teria esperado você beber —
comentou com um sorriso no rosto. — Não é loucura. Esse apartamento é seu, já
cuidei da papelada.
 
Fiquei paralisada um tempo, achando que o mataria com aquele vidro em
minhas mãos.
 
— É um teste ou uma piada? — Continuei sem acreditar.
 
— Não sei por que acha isso um absurdo. — Franziu o cenho. — Sei que
não suporta viver com Sadie, apesar de ela ser sua amiga e você ser uma pessoa
totalmente submissa a ela.
 
— Eu não sou submissa — reclamei.
 
— É sim. E muitas vezes isso me irrita — acusou-me. — Lembra-se dos
encontros?
 
— Isso foi escolha própria. Mas se quer saber, você age pior e eu acabo
fazendo tudo que quer. — Irritei-me. — Se tem alguém que me manipula, essa
pessoa é você.
 
— Certo, sou culpado por isso. Mas, desta vez, não é manipulação, é só
um presente, um lugar para ter paz e privacidade — argumentou.
 
— Ou melhor, Aaron, para você poder entrar e sair sem pedir licença.
 
Seu rosto, que antes demonstrava tranquilidade, ficou, instantaneamente,
com uma expressão de fúria.
 
— Não quis que você viesse aqui para brigarmos, Mia.
 
— Então não deveria ter feito isso. — Cruzei os braços depois que
coloquei a taça na bancada, ou a jogaria nele. — Quem presenteia alguém com
um apartamento luxuoso?
 
— Fiz isso porque posso e porque a quero bem — explicou-se.
 
— Não acha que já vai ser difícil para mim depois que todos saberem de
nós? Imagina se souberem que você me deu um apartamento.
 
— É com isso que se preocupa? — Cerrou os olhos e se aproximou de
mim. — Por isso reagiu tão mal quando revelei o meu desejo de expor nosso
relacionamento, mais cedo?
 
— Aaron... — Respirei fundo. — Não quero brigar, e realmente me sinto
feliz por saber que quer algo sério comigo, mas... não posso negar que será mais
difícil para mim do que para você.
 
— Se importa muito com o que vão dizer e pouco com a nossa felicidade
— acusou-me. — Quer continuar escondida, esperando todos dormirem para
sairmos e nos encontrarmos? Isso é um erro para você?
 
— Não, Aaron. Eu só quero que seja devagar e que não me presenteie
com algo assim. — Apontei para todo o apartamento. — Pode até ser fofo, mas
também é exagerado.
 
— Quero que esteja feliz, mas se não quiser vir morar aqui, tudo bem.
Porém, esse lugar já é seu, e não vou mudar isso.
 
— Aaron Jackson, deve parar de me fazer esse tipo de surpresa. Pode,
por favor, conversar comigo antes de tomar decisões como essa? — reclamei. —
Não vai funcionar se fizer o que bem pensa, sem pedir a minha opinião.
 
Ele era teimoso. Mais que teimoso, era uma pedra que não mudaria de
ideia. Tínhamos muitas diferenças, e isso seria complicado, só que nem sempre
eu abaixaria a cabeça, mesmo que eu não quisesse que brigássemos sempre que
nos encontrássemos. Eu podia até ter abaixado o nível de raiva naquele instante,
no entanto não iria aceitar que ele tomasse decisões por mim.
 
— Está certa. Eu deveria ter dito algo, mas sabia que diria “não”.
 
— Claro que diria “não” — confirmei.
 
— Por isso não falei.
 
— Você não precisa da minha assinatura? — indaguei, achando isso um
absurdo. — Como conseguiu fazer isso?
 
— Bem... Nem sempre é assim. Tenho meus modos. Mas tem razão:
preciso que assine. Só que agora acho que não vai assinar.
 
— Tem como desfazer? — Levantei uma das sobrancelhas.
 
— Sim. Mas não vou.
 
— Por que é tão cabeça-dura? — Botei as mãos na cintura.
 
— Tenho milhares de casas e apartamentos pelo mundo. Esse não vai me
fazer falta. Quero que fique feliz e que tenha algo seu.
 
— Sabe quanto tempo eu teria que trabalhar para pagar esse lugar? —
pensei em voz alta. — Acho que nem se trabalhasse até a morte, chegaria perto.
E olha que eu nem receberia o salário e ele seria todo seu. — Ele riu de mim. —
Não é piada.
 
— Está pensando muito alto.
 
— Estou sendo realista. — Continuei de cara feia. — Não somos iguais,
e mesmo eu repetindo para mim mesma que não devo ligar para essas diferenças
e não escutar as provocações das pessoas, é algo que vai me afetar e me irritar.
 
— Não é o que quero. — Ele se aproximou de mim, menos furioso que
antes.
 
Minha intenção nunca foi brigar, entretanto essa sua atitude foi
exagerada. Talvez não para ele, que tinha rios de dinheiro, mas para mim sim,
que, com o salário de secretária executiva, não conseguiria um lugar assim tão
fácil.
 
— Me desculpe se a irritei ou a magoei. Não foi minha intenção.
 
— Eu sei.
 
— Não vou insistir. Não quero mudar nada, mas obrigá-la a algo, não
vou.
 
— Está vendo? Você sempre me manipula. — Voltei a me sentir irritada.
 
— Estou concordando com você. O que mais quer de mim? — Achou
estranho.
 
— Falando desse jeito, faz eu parecer uma ingrata por recusar.
 
E, novamente, ele riu de mim.
 
— Que tal só esquecer essa conversa e partirmos para o que interessa?
— propôs. 
 
CAPÍTULO 31
AARON JACKSON
 
Aquela semana foi difícil para todos, mas, naquele dia, o peso de todos
os problemas cairia nas minhas costas. Não tinha como eu recusar a visita da
assistente social, mesmo achando isso um absurdo.
 
Mal dormi na noite anterior, e olhando para os papéis brancos, com letras
minúsculas, minha cabeça já avisava como seria o meu dia.
 
Mia era um verdadeiro desafio. Mesmo tendo prometido ser mais pé no
chão, ela ainda insistia em se manter afastada. Essa coisa de irmos devagar não
era para mim, mas desde que ela me acusou de manipulá-la, passei a tentar
provar que ela estava errada e a ouvir mais.
 
Admito que, às vezes, eu queria que Mia fizesse o que eu desejasse, que
eu insistia, no entanto “manipular” era uma palavra forte, que eu não usava.
 
— Você não me parece ter tido uma boa noite de sono — ela comentou
ao pegar os papéis que eu já tinha assinado.
 
Trabalho e mais trabalho. Isso começou a me incomodar. Não só no
âmbito da minha casa, como fora dela. Comecei a achar que Mia estava certa,
que eu deveria tirar férias.
 
— Não precisa fazer isso agora, não é urgente. Hoje o seu dia está cheio
— ela me avisou.
 
— Sim, está. Mas se eu não me distrair durante esse tempo, vou acabar
fazendo algo que prejudicará as coisas ainda mais.
 
— Se preocupa à toa. — Pegou a caneta da minha mão, fazendo-me
encará-la.
 
Do ângulo que ela estava, eu conseguia ver todas as suas curvas e sentir
seu perfume doce, assim como o calor do seu corpo.
 
— Sabe muito bem que não vai dar em nada. Você continuará com a
guarda total. Só terá que ser flexível quanto à visita da mãe.
 
— “Flexível” não é uma palavra que eu goste tanto. — Encostei-me no
meu lugar e pus uma das mãos no queixo, quando a outra repousava sobre a
cadeira. — Gema não quer apenas visitar Olivia, quer a guarda, pelo menos,
compartilhada. E isso não pode acontecer.
 
— Por que você não quer?
 
— Porque, apesar da mera mudança dela, essa mulher já fez mal à
Olivia. — Abaixei a cabeça. Lembrar-me daquela época me trazia muita dor. —
Não só a ela. Super apoio a mudança de vida de um dependente químico, mas
bem longe da minha sobrinha. Além disso, dias atrás ela veio aqui sem pedir
permissão e praticamente arrancou a menina do quarto.
 
— É, ela me disse — falou baixinho.
 
— Disse? — Isso me pegou de surpresa. — O que Olivia disse?
 
Mia me encarou como se não quisesse falar ou como se tivesse falado
demais. Fiquei ainda mais curioso.
 
— Ela é uma menina esperta, sabe o que está acontecendo, e mencionou
algo enquanto estávamos juntas. — Desviou o olhar do meu, procurando os
papéis em cima da mesa. — Olivia tem medo da mãe depois do que soube e do
que ela fez quando veio aqui. Estava triste e disse que não quer morar com ela.
 
— Ninguém vai tirá-la de mim. — Recostei-me da cadeira, furioso. —
Sei que Gema é sua mãe e que tem direitos, porém não serei idiota de confiar
nela assim, tão fácil, ainda mais com Olivia sendo tão nova.
 
— Ouça: você só tem que ser sincero com a moça. Seja legal. — Pôs a
mão sobre o meu ombro. — Não acho que essa história vá muito longe.
 
— Espero que não.
 
Antes de se retirar, ela me beijou carinhosamente.
 
***
 
Vi Olivia sentada na escada, olhando para a porta com aquele olhar triste
que me deixava com o coração na mão.
 
Não era grande coisa. Uma mulher viria e veria como era nossa rotina.
Teríamos uma conversa agradável e ela perceberia o quanto a menina era feliz
ali.
 
Apesar de ser bem esperta, coisas assim me lembrava que Olivia tinha
apenas cinco anos, ou melhor, cinco anos e oito meses, como ela gostava de
mencionar. Para ela, essa assistente social viria para a tirar do seu conforto,
investigar a nossa vida e a levar embora da casa onde cresceu.
 
Aproximei-me dela e me sentei ao seu lado. Logo ela se virou para mim
com o olhar mais tristonho que eu já tinha visto.
 
— Às vezes Mia me acusa de ser manipulador, mas você é craque nisso,
não é? — brinquei.
 
— Não quero falar com ninguém, papai. — Cruzou os braços.
 
— Sei que é algo fora da nossa rotina, mas nada além de uma conversa
vai acontecer. Eu prometo.
 
— É tudo culpa da Gema — falou, brava. — Estávamos felizes, até ela
aparecer. 
 
— Ela é sua mãe, e, sendo assim, tem o direito de querer vê-la —
expliquei, sendo amigável.
 
Nunca fui de colocar minhocas na cabeça da menina. Apesar do meu
desagrado e desejo de mantê-la afastada dos problemas da mãe, não a impediria
de vê-la, se esse fosse o caso.
 
— Não fique chateada. Quando a assistente social chegar, será a menina
que tanto amo, animada e educada. Vai responder as suas perguntas. E nada de
birra.
 
— Não faço birra. — Franziu o cenho ao me encarar. — Achei que
estivesse chateado com tudo isso.
 
— Estou preocupado. — Coloquei uma das mechas de seu cabelo atrás
da sua orelha. — Amo você, Olivia. É a minha menina. Qualquer coisa que te
envolva, me deixa preocupado.
 
— Não vou morar com aquela mulher. — Novamente, irritou-se.
 
— Não é isso que vai acontecer — afirmei. — Não fique brava e deixe
que eu resolva tudo.
 
— Promete?
 
— Prometo.
 
Ela me deu seu mais largo e brilhante sorriso. Seus olhos verdes estavam
em destaque e a franja desenhava seu rosto.
 
Não demorou muito para que a porta fosse aberta e uma mulher alta, de
cabelos grisalhos e terno formal aparecesse na sala. Olivia me encarou e, depois,
levantou-se para ir ao encontro dela. Fiz o mesmo, sendo o mais simpático
possível.
 
Primeiro a mulher se apresentou, cumprimentou Olivia, que estava
desconfiada, e explicou o que faria. A parte que mais odiei foi a nossa
separação. A assistente social disse que queria conversar com a pequena a sós
enquanto ela lhe mostrasse a casa.
 
Eu deveria fazer isso. Deveria ficar com as duas.
 
Lembrei-me do que Mia havia dito. Eu não tinha com o que me
preocupar. Como os empregados viviam circulando pelos ambientes, não teria
como algo acontecer e eu não saber.
 
Óbvio que fiquei curioso pela conversa que elas teriam, contudo tive que
me conformar ou, pelo menos, tentar me conter para que não precisasse segui-
las e ouvir todo o diálogo.
 
Bati os pés tantas vezes no chão de mármore fosco, que pensei que faria
um buraco nele. Depois passei a andar de um lado para o outro, ansioso pela
volta delas. Eu sabia que não era nada demais, apenas uma visita para a mulher
ver como Olivia era bem tratada e amada por mim. Só que aquela pequena parte
insegura dentro do meu ser gritava e sufocava a parte racional que sabia que
aquilo não daria em nada.
 
No início, quando Olivia chegou à minha casa, que era um duplex
luxuoso em um dos maiores prédios de Nova York, eu me senti perdido,
completamente fora do normal. Ela era tão pequena e chorava tanto, que até me
irritava. Contratei diversas babás e fiz o possível para ser, no mínimo, carinhoso.
 
Naquela época, eu estava em um estado de fúria e desespero, por ter
visto meu irmão no fundo do poço e sendo arrastado para o inferno que eram as
drogas. Eu tinha culpa pela perda, por pensar que fui responsável por isso, e esse
fato me consumiu. Entretanto, aquela menina chorosa, que sempre me pedia
colo, salvou-me daquele abismo de angústia. Ela foi a luz no fim do meu túnel.
 
E, naquele instante, eu sentia como se estivesse perdendo tudo outra vez,
mesmo sabendo que não era isso que significava toda aquela ação judicial
desnecessária.
 
Eu estava indo em direção ao meu escritório, quando ouvi suas vozes na
sala de lazer, que ficava bem perto de onde eu trabalhava. Eu gostava de saber
que ela estava a poucos passos de mim.
 
Sempre que eu ficava em casa para trabalhar e Olivia estava brincando,
eu deixava a porta aberta e a escutava falar, cantar ou seja lá o que fizesse. Mas,
dessa vez, eu não a estava ouvindo feliz.
 
Movido pela curiosidade, parei em frente à porta entreaberta.
 
— Vejo que você é uma menina bem ocupada — a mulher citou. — Tem
muitas atividades durante o dia.
 
— Sim. Sou bem hiperativa e gosto muito de estar sempre fazendo algo
— ela respondeu, encarando a boneca que mais gostava. — Balé, natação,
canto... Eu gosto muito de cantar. Temos até um karaokê aqui. O papai é bem
ruim, mas gosto quando cantamos juntos.
 
Eu ri do que ela falou, pois era verdade. Parando para pensar, percebi
que sempre fazia coisas em que era ruim, para a deixar feliz, como dançar ou
cantar.
 
— Você e seu tio são muito próximos, certo? Chama ele até de pai.
 
— Ele é meu pai. Não o biológico, eu sei disso, mas é meu pai — falou
Olivia, franzindo o cenho, quase irritada. — Foi ele quem me criou, me deu
amor, me protege e está sempre comigo. Não sei o porquê de tudo isso. Estou
feliz aqui e amo o meu pai.
 
— Querida, não estou aqui para pôr dúvidas em você, nem para a levar a
lugar algum. Só estamos conversando.
 
— Está investigando o papai como se ele fosse alguém ruim. — Ela
estava irritada. Uma garota fofa com as bochechas vermelhas e os olhos
transmitindo fúria.
 
Eu não queria que ela se sentisse mal com essa história e odiava ter que a
envolver nisso. Deveria ser apenas eu e Gema, porém Olivia foi enfiada nesse
meio. Ela era só uma criança, que, apesar de muito esperta, tinha apenas cinco
anos e não sabia como funcionava essas coisas.
 
— Estávamos felizes, até aquela mulher aparecer. Ele sempre foi um pai
para mim, já ela quer ser minha mãe agora, depois de cinco anos. Não gosto
dela, nem a conheço. Não quero ter que morar com ela nem mesmo por um dia.
 
— Fique calma, querida. Não serei eu que irei decidir isso. Estou aqui
para uma conversa. — A mulher permaneceu calma, diferentemente de Olivia,
que deixou a boneca, levantou-se da cadeira e cruzou os braços.
 
Conhecendo essa menina, eu sabia que ela estava tentando arranjar uma
forma de fugir da conversa.
 
— Olivia, você é uma menina bem esperta. Vejo que sua vida aqui é
confortável e de muito amor. Não tem com o que se preocupar.
 
— Muito pelo contrário. Devo me preocupar se alguém vai me forçar a
viver com aquela mulher. Ela é assustadora e não me ama como o papai.
 
Sem poder argumentar, a assistente social se levantou do lugar e arrumou
a roupa.
 
Para não ser descoberto, saí de frente da porta e fui ao meu escritório
como se nada tivesse acontecido.
 
A preocupação em mim só aumentou. Como eu lidaria com essa
situação?
 
Esperei ansiosamente pela entrada da mulher. Passei a mão nos cabelos,
respirei fundo e, quando ouvi seus passos, tentei ser o mais calmo e simpático
possível. Normalmente, eu não era. Como Mia mesmo sabia, eu era arrogante,
grosso e não me interessava pelos sentimentos de pessoas com quem eu não me
importava.
 
Esse era um péssimo hábito, eu sabia. Não era assim no começo, mas
depois de tudo, a casca ficou tão grossa, que eu nem percebia quando estava
passando dos limites.
 
— Senhor Jackson — ela disse com um sorriso no rosto, como se não
tivesse acabado de conversar com uma menina super furiosa. — Espero não
estar incomodando-o.
 
— Não. — Convidei-a para se sentar na cadeira. — Quando o assunto é
Olivia, sempre estou disponível.
 
— Tive uma boa conversa com ela agora a pouco. — Olhou para o
caderninho que carregou o tempo todo. — Ela é uma menina bem esperta.
Acredito que seja por influência sua.
 
— Isso é ruim? — questionei, confuso.
 
— Na verdade, não. — Deu um sorriso. — Admito que sempre que
visito ou converso com crianças dessa idade, elas são bem infantis, já Olivia tem
uma esperteza e inteligência fora do comum. No início me preocupei, achando
que isso tiraria dela a infância que lhe pertence, mas, por fim, vi que, mesmo
sendo bem madura, ela ainda é uma menina de cinco anos com amigos,
brincadeiras e tudo mais.
 
— Acredite, isso também foi uma preocupação minha — revelei,
sentando-me atrás da mesa do escritório. — Ela sempre foi assim. Desde os
primeiros passos e primeira palavra. Com dois anos já conversava comigo como
uma criança de quatro ou cinco anos. Fiquei bem preocupado e achei que, por
não conviver com muitas crianças, ela tivesse adquirido essa personalidade. Por
isso procurei uma ajuda profissional. E, na verdade, isso não é de se preocupar.
Algumas crianças realmente são à frente do seu tempo.
 
— Sim — concordou.
 
Mesmo com a conversa leve, eu me sentia nervoso, à espera de alguma
coisa que me tirasse da zona de conforto.
 
— Não o conheço muito bem. Quando fui designada, eles me deram uma
ficha com as informações sobre você e sua vida. Vi que trabalha com diversas
coisas e que é um homem importante, muito ocupado. Tenho algumas perguntas,
e espero não o incomodar.
 
Assenti com a cabeça, preparando-me para as perguntas.
 
Finalmente soube seu nome: Janeth. No início achei que odiaria a
mulher, mas até que ela era bem simpática e paciente. A conversa não foi tão
tensa. Pelo menos não até a parte em que senti que ela estava procurando um
defeito em mim.
 
— O senhor tem sempre que viajar ou estar longe por conta do trabalho.
Acha que isso atrapalha a sua convivência com Olivia? — ela indagou, calma
como antes, mas não recebi a pergunta da mesma forma.
 
Respirei fundo e me lembrei da voz de Mia ao meu ouvido, pedindo-me
calma e tranquilidade para que eu não estragasse as coisas.
 
— Bem... Certamente, meu trabalho requer uma atenção extra, já que me
envolvo muito com o mercado internacional — comecei, desviando o olhar para
alguns objetos na mesa. — Viajo às vezes, quando é extremamente necessário,
mas como tenho muitas pessoas envolvidas nisso, nunca preciso ficar longe por
muito tempo.
 
— E sua vida aqui já não é muito corrida?
 
— Sim. De fato, é, porém tenho a flexibilidade de trabalhar em casa, já
que sou o chefe.
 
— Trabalhar em casa não significaria ficar perto de Olivia por mais
tempo, já que o senhor não estaria dando atenção a ela.
 
— Penso diferente, pois a todo momento Olivia está comigo, e a
qualquer hora que seja, se for do seu querer, posso deixar tudo de lado para ficar
com ela. — Usei um pouco da minha arrogância sem perceber.
 
— Não foi uma acusação, senhor Jackson — ela apontou, surpresa.
 
— Não. Mas sabia que essa parte me irritaria — justifiquei-me. — Sim,
eu sou um homem que trabalha muito e viajo às vezes, mas não vejo o que me
difere dos demais pais que conheço. Eles têm uma vida tão corrida quanto a
minha e não são julgados por isso.
 
— Desculpe, Aaron, no entanto esses pais têm uma família de duas
pessoas e filhos, enquanto o senhor está sozinho com Olivia. — Senti meu
sangue ferver. — Não vim aqui ditar como deve viver ou criar Olivia, estou aqui
para uma conversa, e é isso que estamos tendo. As perguntas são comuns e não
foram designadas por mim, mas pela juíza, que irá dar prosseguimento à revisão
da guarda.
 
— Certo. Então, a juíza acha que, por ser solteiro, eu não posso ser pai?
— Levantei uma das sobrancelhas. — Olivia tem tudo que deseja, é rodeada de
pessoas e é amada por mim. Você mesma viu isso. Então, pensa que a estou
negligenciando?
 
— Não vim aqui para dar uma opinião sobre o caso, sou uma ponte entre
a justiça e o direito da criança.
 
Tive que respirar fundo pelo menos umas duas vezes. Eu pensei que
estivesse confiante, mesmo sentindo aquele pequeno medo irracional, só que não
parava de pensar que esse mínimo detalhe pudesse ser usado contra mim.
 
— Não é uma regra, mas a outra parte tem uma base familiar sólida. E
mesmo que o senhor também tenha, há de se questionar a convivência, o tempo
que passa com sua sobrinha.
 
— Sólida? — Ri de deboche. — Uma ex-drogada que quase matou a
própria filha tem uma base sólida para compartilhar a guarda dessa mesma filha?
 
— Não sou a juíza, senhor Jackson. E todos têm o direito de se redimir,
de sair dessa vida. A senhorita Gema terá o direito de conviver com a filha, se
essa for a decisão da juíza.
 
— Ela não vai tirar a Olivia de mim — disparei.
 
— Pelo que sei, ela pede uma guarda compartilhada.
 
— Acho que essa conversa já acabou, senhora Carson. — Levantei-me
da cadeira.
 
O sentimento de ter estragado tudo me consumiu. Eu não era o tipo de
homem que tinha sangue frio, e essa foi a primeira vez que me vi contra a
parede. Sempre fui bom em conseguir o que queria, porém, dessa vez, eu estava
de mãos atadas, esperando que, por um milagre, eu não acabasse perdendo.
 
Janeth se levantou, colocou os objetos na bolsa, e eu a segui até a porta,
em silêncio.
 
Se Mia estivesse presente, iria me repreender. Eu gostaria muito que ela
estivesse, porém optou por não se envolver.
 
Não sei o porquê disso, já que ela está no meio de tudo, sendo minha
namorada.
 
Risos vindos da sala de espera chamaram a minha atenção e,
consequentemente, a de Janeth também. Surpreendi-me ao ver Mia e Olivia
juntas. Nossos olhares se cruzaram e, por um segundo, eu me esqueci do que
aconteceu anteriormente.
 
— Janeth, essa é a Mia, a namorada do papai — falou Olivia,
espetaculosa.
 
Mia logo se surpreendeu e ficou envergonhada, fazendo-me rir. Ela era
tímida. Uma personalidade que, no começo, não foi revelada a mim.
 
— Namorada? — perguntou a mulher, surpresa. — Muito prazer —
cumprimentou Mia, que respondeu.
 
— Vamos ao cinema — Olivia comentou.
 
— Vamos? — perguntei, confuso.
 
— Sim.
 
O que essa menina está aprontando?
 
Pelo olhar que Mia me lançou, nem ela sabia qual era o plano dela.
 
— É uma pena eu não ter mais tempo para a conhecer, Mia, entretanto já
tenho o que preciso — disse a assistente social antes de se despedir e sair.
 
O medo havia voltado. Pensei nas palavras que ela disse e repassei todas
na cabeça, mas fui interrompido por Mia, que se aproximou de mim
abruptamente.
 
— Então... Como foi? — perguntou, curiosa. — Você me mandou
mensagem, dizendo que era urgente. Fiquei preocupada.
 
— Mandei? — questionei, confuso. Depois olhei para a menina que
sorria ao nos encarar. — Olivia! — eu a repreendi.
 
— Posso ter pegado o seu celular, papai. Mas era urgente. Temos que ir
ao cinema. Nós três.
 
— Foi você que mandou a mensagem? — indagou Mia, dirigindo-se a
ela. — Bem que desconfiei. Usou as palavras “por favor”.
 
Ri da situação. Eu conhecia o suficiente a minha filha para saber o
porquê de tudo isso.
 
— Achou que trazer Mia aqui ajudaria em alguma coisa — eu a peguei e
ela se fez de desentendida.
 
— Eu só pensei em assistirmos a um filme. Já que vamos ser uma
família, devemos começar a sair juntos mais vezes.
 
— Vamos? — sussurrou Mia, confusa.
 
— Olivia, sei que é complicado para você entender, mas se for... Se a
juíza decidir que você vai passar alguns dias com a sua mãe...
 
— Não! — ela me interrompeu, furiosa. — Eu não vou. Ninguém pode
me obrigar.
 
— Claro que não. — Agachei-me e olhei em seus olhos. — Porém, não
vou poder impedir que ela venha até aqui e saia com você ou que fique na casa
dela. Talvez você...
 
— Por que está dizendo isso? Você a odeia. — Cruzou os braços,
irredutível.
 
— Posso não gostar de Gema, mas ela é a sua mãe.
 
— Não quero falar sobre isso. Vamos ao cinema. — Saiu da minha frente
e subiu as escadas, ainda chateada.
 
— Ela ainda não entende — disse Mia. — Talvez fique chateada com a
situação, mas pode mudar de ideia.
 
— Tento me convencer de que tudo ficará bem, mas também não quero
deixá-la ir com Gema.
 
— Não pode lutar contra isso se for o que a juíza decidir.
 
— Se ela disser “não”, Olivia não sairá desta casa.
 
Mia me encarou, sem dizer uma palavra.
 
Também subi as escadas, frustrado, pensando no que faria, sem chegar a
uma conclusão.
 
CAPÍTULO 32
MIA
 
Eu não sabia o que fazer, estando naquela situação. Sentia-me tão
ansiosa quanto Aaron e não tinha nada a ver com essa história, mas o pouco que
eu sabia já me fazia ter um pé atrás com aquela mãe recém-descoberta amorosa.
 
Olivia era doce, inteligente e sabia exatamente o que acontecia ao redor
dela, apesar de não entender como os adultos. Ela fez com que eu voltasse à
mansão, mesmo eu tendo em mente ficar bem longe de lá, por achar que
atrapalharia tudo. Mal pude respirar quando a ouvi dizer, em voz alta, para a
assistente social, que eu era a namorada do seu pai.
 
Não era um absurdo a mulher saber disso, pois não estávamos fazendo
nada de errado, porém aquela parte dentro de mim repetia na minha mente:
“Talvez ela ache forçado. Talvez me ache jovem demais e não acredite que
Aaron e eu teremos um futuro. E se isso for interpretado errado? E se estragar
tudo?”
 
O pouco tempo em que já estive com esses dois fez eu me apegar a eles e
desejar passar horas e horas ao lado deles. Eu me sentia, pela primeira vez, em
uma família. E, de forma alguma, queria prejudicar essa família.
 
Pelo menos não foi tão desconfortável. Janeth já estava de saída.
 
Eu descobri que Olivia era uma menina bem dissimulada. Estava feliz,
porém forçou um pouco as coisas.
 
— Sério que você achou que fosse eu? — perguntou Aaron, cerrando os
olhos ao me encarar, com aquele sorriso no canto da boca, enquanto eu bebia o
meu refrigerante.
 
Tínhamos acabado de sair de uma sessão infantil do cinema e Olivia se
distraia enquanto comia.
 
— Era o seu número. Como eu adivinharia que não era você?
 
— Descobri a senha do papai há algumas semanas — a pequena revelou
ao limpar o canto da boca.
 
Seu pai a olhou e ela mal se abalou.
 
— Não precisa me olhar desse jeito. Eu sei que não deveria ter feito isso,
mas como Janeth iria acreditar que somos uma família?
 
Novamente essa desculpa. Eu não sabia de onde ela tinha tirado essa
ideia de que éramos uma família. Eu mal tinha me envolvido nessa história.
Como poderia ser considerada da família?
 
— Não pode fazer essas coisas — Aaron a repreendeu. — Não pode
envolver Mia nisso dessa forma, mentindo.
 
— Foi ruim? — Ela franziu o cenho. — Vocês estão namorando, então
eu não achei que seria uma má ideia.
 
— Pegar meu celular sem minha permissão e mandar uma mensagem
para alguém fingindo ser eu, não é uma má ideia?
 
Eu era uma mera espectadora daquele cenário. Aaron não estava bravo,
não usava sua conhecida arrogância. Vê-lo com Olivia me mostrava uma outra
parte dele que eu estava gostando.
 
— Acho que sabe bem o que fez e que foi errado.
 
— Certo. Desculpa. Não vou mais fazer isso — ela disse, tristonha. —
Está com raiva?
 
— Não muito, apesar do seu erro em ter burlado a minha privacidade.
 
Eu ri da situação e ele me encarou.
 
— Não vamos deixar isso estragar o nosso passeio, papai.
 
***
 
Aaron era um homem difícil de se conhecer, pois guardava seus
sentimentos para si. Algo que me incomodava um pouco, porque eu queria
compreender o que ele estava sentindo, para saber o que dizer ou fazer. Mesmo
o tendo conhecido melhor naqueles últimos tempos, parecia que ele era um
estranho para mim. Ainda existia aquele abismo que nos separava. Isso era
tortuoso e me deixava desconfortável.
 
Eu nunca tinha ficado mais tempo do que o necessário no seu quarto. O
lugar mais parecia um santuário estranho e misterioso. Eu estava praticamente
deitada na cama King Size, com lençóis brancos, observando-o se vestir com
algo confortável depois de um longo banho.
 
Apesar do passeio descontraído, ele estava tenso e preocupado. Pelo
menos isso, eu podia ver através do seu olhar vago e distante.
 
— Ainda se preocupa com o que pode acontecer com Olivia? — Isso era
óbvio, mas eu tinha que começar com a conversa de algum modo. — Sabe que
não precisa, certo?
 
— Acho que não tenho tudo que Olivia precisa — ele disse após enxugar
os cabelos e se virar em minha direção.
 
Era difícil me concentrar em alguma conversa séria, vendo seu peito nu
que acabou de sair do banho.
 
— Eu não quis se grosseiro com a mulher, mas acho que não acabamos
aquela conversa de uma forma muito educada.
 
— Aaron! — eu o repreendi. — O que foi que eu pedi a você? — Ele
deu um pequeno sorriso, caminhou até a beira da cama e se sentou o mais perto
possível de mim. — O quão grosseiro foi?
 
— Tem como medir isso? — Ele levantou uma das sobrancelhas e, como
eu não o respondi, continuou falando. — Não foi como se eu a tivesse ofendido.
 
— Bom... Isso é bom — eu avaliei e ele riu de novo.
 
— Mas quando chegou à parte em que ela, não me acusando, disse que
eu sou um homem que só trabalha muito e que pode passar bastante tempo longe
de Olivia, eu meio que fiquei com raiva.
 
— Não foi um julgamento. Ela não tem esse poder.
 
— E se pôr isso no relatório? — Preocupou-se. — Se a juíza olhar para
isso e ver que não sou bom o bastante para ficar com ela?
 
— Aaron, não comece. — Sentei-me na cama para ficarmos mais perto
um do outro. — É um homem ocupado, temos que concordar, mas nem por essa
razão deixa Olivia de lado. Você passou a trabalhar em casa e diminuiu as
viagens.
 
— Isso ainda é cobrado de mim, Mia. Você sabe, já que é minha
secretária. — Ele não estava feliz.
 
— Não tem muito o que fazer a respeito disso.
 
— Não, eu não tenho — lamentou ao me olhar. — Não tenho como
escolher o que priorizar. Se eu escolher o trabalho, ficarei longe de Olivia; se eu
escolher Olivia, o trabalho vai me cobrar.
 
— Parece que é você quem está julgando dessa forma, Aaron —
observei. — Está se torturando. Concilia bem as duas coisas, e ela não cobra
isso de você.
 
— Talvez não agora, mas antes sim. — Senti a decepção na sua voz e
não soube o que dizer. — Estou nesse meio há muito tempo, Mia. Os
empresários que conheço vivem em seus escritórios, são homens de negócios,
pois em casa têm suas esposas cuidando dos seus filhos. Sabe quantas delas
adoram o trabalho dos maridos? Tem um motivo para haver tantos divórcios no
meio em que vivo.
 
— É uma regra? — Franzi o cenho. — Talvez seja eles que não se
importem. Mas você não é assim.
 
— Gosto da sua inocência.
 
— Se preocupa à toa. Deixe isso para quando for necessário. — Puxei-o
para um abraço, que se tornou um beijo longo, com meu minúsculo corpo sobre
o seu.
 
Aaron sabia aproveitar todas as oportunidades possíveis.
 
CAPÍTULO 33
Uma semana depois
 
Estava sendo difícil separar trabalho e namoro naqueles últimos dias,
mas não era ruim. Pelo menos não ainda. Aaron estava bem carente, e tenho que
admitir que ficar na sua casa passou a me deixar com maus costumes, pois eu
não precisava arrumá-la, nem levantar cedo para fazer o café. E já começava a
me habituar à rotina.
 
Olivia gostava de conversar bastante, então, quando eu não era
requisitada na função trabalho, passávamos um bom tempo fazendo atividades
juntas. Pude ver, finalmente, a garota sendo uma criança de cinco anos.
 
Aquele seria um dia tenso para Aaron. Algo que ele fez questão de
disfarçar durante o café. Parecia que Olivia tinha se esquecido de tudo, e seu tio
preferiu deixar as coisas assim, já que mais tarde ele teria que enfrentar Gema e
ouvir a decisão da juíza.
 
Sabíamos muito bem que Olivia estava bem onde morava, porém aquela
mulher era a sua mãe e, aparentemente, estava sóbria e tendo uma vida estável.
Portanto poderia, sim, ter direitos a serem respeitados.
 
Difícil seria convencer a menina disso. Os anos e o que houve no
passado, apesar de ter sido quando ela ainda era uma bebê, afetaram-lhe quanto
ao sentimento materno. Ela não era uma menina muito mimada, era muito
educada e esperta; e, na sua cabeça juvenil, sua mãe a trocou pela vida errada.
 
Aaron dizia que nunca tinha feito a cabeça dela a respeito disso. Bem...
Ele não precisava, pois todos comentavam sobre o assunto, e Olivia não era
surda ou boba.
 
Meu dia começou bem calmo, beirando ao chato. Trabalhar sem o chefe
não era a mesma coisa. Lá, no início, eu até rezava para isso acontecer,
entretanto eu já via o quanto tinha me apegado a ele e do quanto gostava de
trabalhar, sabendo que ele estava me observando e que, a qualquer momento,
poderia se levantar e vir até mim com aqueles olhos sedutores e seus lábios
pervertidos.
 
Não seja ridícula. Sempre criticou as garotas que não saíam de baixo
das asas dos namorados, no passado.
 
— Pelo amor de Deus, mulher, não comece com essa coisa de não poder
ficar longe dele por muito tempo — falei em voz alta enquanto segurava uma
pasta com documentos, olhando para dentro do escritório que, raramente, estava
sendo usado por Aaron. — Não seja boba.
 
— Mia. — Virei-me abruptamente assim que ouvi a voz de Sadie. —
Você está bem? Estava falando sozinha?
 
— Ah, é. — Eu me senti uma idiota. — Às vezes faço isso.
 
— O chefe não vai trabalhar hoje ou só veio pegar documentos?
 
O clima estava meio estranho. Depois que conversamos e eu lhe revelei
toda a minha aventura com Aaron, Sadie e eu não fomos mais as mesmas. Eu
me sentia mal, porque ela foi a pessoa que mais me acolheu desde que comecei
o trabalho, então perder sua amizade me magoaria.
 
— Não. Hoje ele está bem ocupado com os problemas pessoais —
contei, apertando a pasta contra o meu peito. — Eu só não quis ficar em casa,
olhando para o teto e pensando no que vai acontecer.
 
Ela andou até mim com um sorriso amigável que eu não via há dias.
 
— Mia, eu não gosto desse clima. — Pegou o objeto da minha mão,
colocou-o sobre a mesa que estava a centímetros de nós e, em seguida, uniu suas
mãos às minhas. — Você é minha amiga, a única com quem realmente criei um
laço forte, e não quero que continuemos brigadas ou com essa... desconfiança
por causa de algo tão bobo quanto um homem.
 
— Também não quero. Você é minha única amiga aqui. — Apertei sua
mão carinhosamente. — Eu sei que deveria ter sido sincera ou, pelo menos, não
ter mentido daquela forma.
 
— Pensei mesmo que estivesse gostando do David. O pobre só falava
sobre você e eu torcia para que dessem certo.
 
— Sadie, eu gostava dele, só que não dessa forma. Acredite, eu tentei
muito resistir ao Aaron, mas sempre que estávamos juntos, uma energia estranha
nos puxava para mais perto um do outro.
 
— Energia ou insistência dele? — Cerrou os olhos, desconfiada.
 
— Sadie, não sou tão idiota ou boba. Tudo que fizemos foi por escolha
dos dois. — Sei que errei ao mentir e a enganar, mas não podia colocar a culpa
em Aaron, que não era essa pessoa que minha amiga pensava. — Gosto dele.
Talvez até mais que isso. Acredite, ele não é um homem tão duro e frio.
 
— Está dizendo isso porque está apaixonada?
 
— Não. É porque nas últimas semanas, ele me mostrou ser assim. Além
do mais, eu não estaria apaixonada se ele fosse menos que isso.
 
— Certo. Não vim aqui pôr coisas na sua cabeça, vim convidá-la para o
almoço. Não tem ideia do quanto faz falta. — Deu um sorriso amistoso. —
Karen está me matando — sussurrou.
 
***
 
Senti falta disso. O almoço era a hora da fofoca, mas minha saudade não
era de falar dos outros ou de ouvir coisas das quais não deveríamos saber, e sim
de estar presente ali e ter com quem conversar além de Aaron.
 
Porém, o dia não era um dos melhores. Confesso que passei uma boa
parte do tempo pensando no que estava acontecendo com o senhor Jackson e sua
sobrinha.
 
Olhei no relógio de pulso e quis que as horas corressem o mais rápido
possível, que ele me ligasse e me contasse as novidades. E quanto mais o tempo
passava, mais eu pensava que o pior tinha acontecido, mesmo sendo improvável.
 
Aaron estava preocupado, e com razão. Eu não entendia muito de leis, no
entanto sabia que Gema tinha uma boa base. Mãe é mãe, certo? Apesar de toda a
confusão e problemas do passado, ela estava firme no que queria e no seu
casamento com um grande empresário. Ela poderia mesmo ter a chance de
ganhar metade da guarda de Olivia.
 
Pensando bem, não seria algo tão absurdo, entretanto Aaron tinha os seus
porquês e contras. O medo de deixar sua sobrinha com a mãe trazia a si o medo
de perdê-la, assim como perdeu seu irmão.
 
Todos nós temos o direito de ter medo, ainda mais quando envolve
alguém que amamos.
 
— Está bem longe agora. — Sadie me deu uma leve batida de ombro
para que eu a ouvisse. — Pensando no chefe?
 
— Bem... Sim — confessei, ainda pensativa. — Hoje ele saberá o
resultado sobre a guarda da sobrinha e estava preocupado. Passei a me importar
muito com isso.
 
— Fiquei surpresa quando disseram que ele cuidava da sobrinha. Nunca
tínhamos ouvido falar disso, até agora. Frequenta muito a casa dele? — ela
perguntou, curiosa, e então riu. — Claro. Vocês estão juntos, é normal que
frequente.
 
— Sim. — Fiquei um pouco envergonhada, só não sabia o porquê. —
Olivia é uma menina doce e Aaron a ama. Foi a primeira vez que o vi sendo
humano, pois quando cheguei aqui, ele meio que parecia um robô frio.
 
O barulho do meu celular tocando me fez pegá-lo às pressas da bolsa,
com esperança de que fosse ligação dele. Todavia, era da minha mãe.
 
Encarei o aparelho, achando isso estranho. Não nos falávamos ao celular
com frequência. Se eu quisesse saber de algo, eu mesma tinha que ligar,
perguntar ao meu irmão ou ir diretamente à sua casa.
 
— Não vai atender? — questionou Sadie.
 
— Claro. — Dei um sorriso, levantei-me da cadeira e saí do restaurante,
que não era muito longe da empresa. — Mãe? — Fiquei até com medo de
atender, pensando que tinha acontecido alguma tragédia. — Aconteceu algo?
 
— Ora, Mia. Não posso ligar para a minha filha às vezes? —
repreendeu-me, mas não me convenceu. — Estamos na cidade. Pensei em
jantarmos hoje.
 
— Estamos? — repeti, confusa. — Quem, exatamente, está na cidade?
 
Eu não queria nem pensar nessa resposta, embora ela fosse bem óbvia.
Então, um estalo me pegou.
 
“Estamos na cidade”. Em nova York?!
 
— Sua irmã e eu, querida. — Sua resposta me deu uma dor de cabeça
grave que perduraria por muito tempo. — Ela está se preparando para uma
campanha publicitária, e pensei que seria uma boa visitarmos você.
 
Boa ideia para quem?
 
— Ah... Entendi. — Droga, droga, droga! Não é uma boa hora. —
Então... quando seria esse... jantar?
 
Você poderia ter inventado uma desculpa, uma doença, um trabalho fora
da cidade ou uma bomba dentro da sua garganta que vai explodir se ouvir
Emily te ofender uma única vez.
 
— Hoje à noite. Mandarei a localização para você em breve.
 
Ela parecia animada, contudo eu estava surtando, querendo correr para o
lado oposto delas.
 
— Certo, mãe. Agora eu tenho que voltar ao trabalho. Podemos
conversar mais tarde.
 
Ela se despediu e desligou a chamada.
 
Era só o que me faltava. O que ela quer com esse jantar? Emily sabe
disso? Ela concordou? Se dependesse dela, iria me tirar da árvore genealógica.
 
CAPÍTULO 34
Nunca estava preparada para encarar a minha irmã e mãe. Eu era até bem
resolvida comigo mesma, apesar da ansiedade, porém, quando elas estavam
juntas e me convidavam para um almoço ou jantar, eu já pensava logo nas
palavras, nas ofensas e presunções que fariam de mim.
 
“Mia, você ganhou uns quilinhos a mais”, “esse corte de cabelo não te
valoriza”, “no que está trabalhando mesmo?”
 
Emily era insuportável e egocêntrica. Ficar perto dela me fazia gastar
toda a paciência que eu deveria ter para uma vida.
 
Perdi a conta de quantas peças de roupas eu já tinha vestido e não
gostado. Encarando o espelho, repreendia-me por estar nervosa por conta de um
jantar. Onde foi parar aquela menina desbocada, que não buscava por aprovação
parental?
 
— Uau! Você está linda. — A voz de Aaron da porta do quarto me
assustou.
 
— Onde esteve todo esse tempo? — reclamei, franzindo o cenho e indo
em sua direção, com as mãos na cintura. — Não me deu notícias. Fiquei
preocupada.
 
— Me desculpe por isso. — Abriu um sorriso de canto e, em seguida,
beijou-me de leve nos lábios. — Passei o dia nervoso. Foi a primeira vez que me
vi nessa situação.
 
— O que aconteceu? — perguntei, novamente ansiosa. — Não me deixe
nessa expectativa.
 
— Não vê que estou feliz? — Levantou uma das sobrancelhas. O que o
deixava convencido. — Você tinha razão: eu não deveria ter me preocupado
tanto. — Seus olhos brilhando faziam a minha noite não ser uma perda total.
 
— Então deu certo? — Animei-me. — Você ficou cara a cara com ela?
 
— Sim. E tive que usar toda a força que tinha para não dizer o que
pensava. — Ele me puxou para mais perto de si e, com seus dedos longos,
acariciou a minha pele. Eu ri ao sentir um arrepio. — Tive que concordar com as
visitas, era justo. Fiquei com a guarda total, visto que Olivia nunca conviveu
com a mãe e ela passou anos envolvida com drogas ilícitas.
 
— Gosto quando diz que tenho razão. — Ri, sentindo-me bem contente.
 
— Qual a ocasião? Sabia que eu viria? — Ele fez eu me lembrar da coisa
que mais me desagradava.
 
— Infelizmente, não é para você. — Ele franziu o cenho, confuso. —
Minha mãe me convidou para um jantar. Ela e minha irmã estão na cidade.
 
Ele pareceu ficar mais aliviado e eu cerrei os olhos, repreendendo-o em
silêncio.
 
— E essa sua decepção se dá porque odeia a proposta — não foi uma
pergunta, já que ele sabia o quanto eu me sentia mal em estar com elas. — Tem
uma ocasião especial?
 
— Não. Se tem, a minha mãe não disse, mas tenho certeza de que, no
fim da noite, eu vou estar furiosa com alguma das duas.
 
— Posso te levar para casa depois do jantar e, com certeza, consertar as
coisas — propôs, fitando-me com aquele olhar pervertido que me deixava
envergonhada e mexida. — Tenho certeza de que isso pode ajudar.
 
— Pode sim — aceitei e me pus nas pontas dos dedos para beijar o seu
rosto.
 
Depois continuei a me arrumar, enquanto ele me observava. Às vezes
isso me deixava desconcertada.
 
***
 
Meus nervos já estavam à flor da pele antes mesmo de eu entrar no
restaurante. Minhas mãos suavam e eu estava com um enjoo fora do comum.
Mesmo assim prossegui, indo para o meu inferno particular. Eu estava rezando
para que isso acabasse logo e de modo quase indolor.
 
As razões para esse convite eram um mistério total. Eu só saberia das
coisas quando estivesse no meio da tempestade.
 
Qualquer um que me ouvisse falando assim iria me achar uma exagerada
ou fresca — e talvez fosse verdade — se não conhecessem a minha irmã mais
nova. O ego dela crescia a cada medalha ou troféu ganho desde que só tinha
cinco anos.
 
Devo admitir que a garota era boa e tinha talento, assim como tinha
talento para ser uma insuportável de carteirinha, achando que ninguém poderia
ser melhor ou igual a ela.
 
Pisar naquele lugar me deu uma dor no lado direito do meu corpo, a qual
tive que suportar. Até que as vi sentadas a uma mesa, no meio do restaurante.
 
Bem... Já tinha uma menina pedindo autógrafo e foto para Emy. O que
me chateou.
 
Certo... Eu era a filha do meio que nunca tinha sido nada, nem tinha
talento, então vê-la receber tanta atenção me dava gatilhos e me fazia pensar que
eu era uma ninguém.
 
Botei um sorriso no rosto para disfarçar o meu desconforto e dor que só
aumentava a cada passo que eu dava.
 
— Mãe — cumprimentei-a, fazendo-a se levantar e me dar um beijo no
rosto. — Emy.
 
Ela se limitou a me dar um cumprimento silencioso e nem fez questão de
se levantar para me dar um abraço. Particularmente, preferi assim. Nós duas
sentíamos um ódio mútuo.
 
— Você está linda, Mia — minha mãe disse, parecendo admirada. —
Está tão mudada.
 
— É, Mia. Está até fina. Isso é surpreendente mesmo — Emily fez
questão de completar.
 
— Foi um elogio? — Franzi o cenho, achando aquilo estranho.
 
— Se compreendeu assim e acha agradável... — Revirou os olhos.
 
— Bem... Qual o motivo da pequena reunião? — perguntei, curiosa,
sentindo aquela dor me incomodar. Estranhamente, a ânsia de vômito aumentou.
— Mãe?
 
— Ora, Mia, até parece que não posso ver a minha filha enquanto visito
Nova York. — Ela deu um leve tapa no meu braço e eu ri por não saber se isso
era real ou só bajulação. — Como está sendo morar tão longe de casa?
 
— Não foi fácil no início, mas agora estou muito bem, na verdade. —
Encostei-me na cadeira e me acomodei. O que não funcionou muito.
 
Aquela dor era estranha. Eu já estava sentindo um pouco dela antes de
entrar no restaurante. E o enjoo só me deixava com um pé atrás.
 
— Tenho um trabalho excelente e um apartamento bom —
complementei.
 
Eu não falaria do quanto era louco o meu namorado ser o meu chefe e ter
tomado a atitude de me dar o tal apartamento de presente, quando não pedi.
 
— Está trabalhando com Aaron Jackson, certo? — importou-se Emy, que
até se recostou da cadeira.
 
Levantei uma das sobrancelhas, prevendo que aquilo não seria só uma
conversa ou um reencontro. Se eu bem conhecia essa garota, estava me
bajulando por uma razão pela qual eu iria querer jogar a bandeja de pão na cara
dela.
 
— Quão próxima é dele? — ela indagou.
 
— Nem precisa continuar. — Levantei a mão, em protesto. — Bem que
eu deveria ter pensado que esse não seria nada de um jantar familiar, não é,
mamãe? — Eu a encarei, furiosa.
 
— Mia, eu realmente quero saber de você...
 
— Vamos ser diretas. — Emily interrompeu o discurso de desculpas que
nossa mãe me daria. — Estou há alguns meses perto das olimpíadas e preciso de
um grande patrocinador. Sei bem que Aaron Jackson é um visionário nesse
ramo.
 
A dor no meu estômago aumentou consideravelmente, assim como a
mera dor de cabeça. Minha barriga parecia mais uma pedra e estava sendo difícil
até respirar.
 
Peguei meu celular e mandei uma curta mensagem para Aaron,
esperando que ele me salvasse o quanto antes.
 
— Sabe, mãe... Eu esperava mais de você. — Coloquei a mão no
estômago, de onde vinha a dor, achando que, assim, conseguiria cessá-la. —
Sempre esperei muito de você, não foi? Mas, como já é de costume, tenta me
manipular e esquecer que tenho sentimentos quando a questão é a tola sede de
fama de Emy.
 
— Não seja dramática, Mia. É só um favor. Não estou pedindo para me
dar milhares de dólares, só quero uma reunião informal para o convencer a me
patrocinar.
 
— Claro. Usando seus peitos e tudo que for preciso para isso. — Senti
que estava suando frio. — Você vai ficar longe de Aaron. Acredite, não vai nem
querer estar no mesmo lugar que ele.
 
— Fala como se fosse íntima do homem. — Ela novamente levantou
uma das sobrancelhas. — E o que você tem? Está parecendo que vai morrer bem
na nossa frente.
 
— Mia, você está bem? — Minha mãe se levantou da sua cadeira.
 
— Não precisa fingir preocupação, mãe. Estou bem sem isso. Já me
acostumei — falei ao me levantar.
 
Acho que esse foi um esforço muito grande, pois a minha visão
escureceu repentinamente e eu senti que um monstro sairia do meu estômago.
 
— O que está acontecendo comigo?
 
Algumas pessoas ao nosso redor perceberam o meu estado e me olharam
com estranheza. O primeiro passo que dei para longe da mesa pareceu um
abismo e eu rezei muito para que Aaron já estivesse à minha espera.
 
— Calma, Mia. Você parece não estar bem. Posso ajudá-la a sair daqui.
 
Eu poderia recusar a ajuda, mas não seria idiota, pois parecia que eu não
sairia daquele restaurante sozinha. Enquanto minha mãe segurava um dos meus
braços, dei passos para fora dali. Talvez fosse a raiva contida ou algum tipo de
carma.
 
Bem que eu mereço, por ser tão burra.
 
— Eu sinto muito — ela disse ao meu lado. — Sabe que não controlo a
sua irmã. Quando pensei nessa noite, não era para ser para falarmos de uma
reunião para ela. Tentei mesmo tirar essa ideia da sua cabeça, mas...
 
— Emily faz aquilo que quer, mãe, e a culpa é sua — disparei. —
Sempre foi assim. Adam é o único que realmente se importa comigo, e olha que
sempre fiquei nas sombras dele. — Tirei os saltos, achando que isso ajudaria,
porém o movimento brusco quase me fez cair de cara no chão. — Por que
sempre a mima tanto? Sempre foi um terror ser a irmã idiota e sem talento dela,
e você nunca a repreendeu.
 
— Eu sinto muito. — Pareceu arrependida.
 
— Sentir muito não ajuda, atitudes sim. — Eu sabia que estava irritada,
já que nos meus dias normais não falaria assim com a minha mãe, apesar de ela,
às vezes, merecer. — Ela é egoísta, hipócrita e tudo de ruim que vem com a
fama. E você a incentiva desde pequena.
 
Sair do restaurante pareceu a linha de chegada e eu fiquei aliviada pelo
ar fresco, mesmo que gelado.
 
— Mia, o que houve com você? — Aaron questionou ao se aproximar de
mim e eu fiquei surpresa com a sua agilidade, entretanto, nesse momento,
agradeci a Deus por ele estar ali. — Não está nada bem.
 
— Acho que estou morrendo, pois as dores são quase insuportáveis. —
Pareceu exagero, mas, na real, não foi.
 
— Temos que ir ao hospital. — Ele, então, percebeu a minha mãe. —
Obrigado pela ajuda.
 
— Essa é a minha mãe — comentei, sem me importar com as
formalidades. — Mãe, esse é o Aaron.
 
— Aaron...
 
— Se não se importa, temos que ir ao hospital com extrema agilidade. —
Ele tentou me segurar, só que a dor era tanta, que eu o afastei.
 
CAPÍTULO 35
Abri os olhos com um pouco de dificuldade por conta da luz intensa.
Ouvi vozes, só que, de início, não consegui associá-las a ninguém, até ver a
imagem borrada de Aaron, e, lá no canto do quarto, da minha mãe.
 
Tentei me lembrar do que tinha acontecido, pois parecia que eu tinha
sido abduzida e me esquecido completamente do que houve.
 
Logo que me perceberam acordar, vieram até mim, fazendo perguntas
que eu ainda não sabia responder. Senti meu corpo sonolento e minha cabeça
confusa, não entendendo absolutamente nada.
 
— O que aconteceu? — perguntei, sem saber se as palavras tinham saído
da minha boca ou se só foi um pensamento.
 
— Não lembra? — Aaron me perguntou e, aos poucos, sua imagem ficou
nítida aos meus olhos. — Você fez uma apendicectomia. Achamos que fosse
algo pior, mas, graças a Deus, não foi.
 
Minha mente buscou por evidências e, aos poucos, fui me recordando
das coisas.
 
— Você está melhor? — minha mãe perguntou. — Ah, querida, me
deixou assustada.
 
Foi estranho por um momento. Ela nunca tinha me dado tanta atenção,
nem mesmo quando era o meu aniversário. Tudo sempre foi sobre Emily. Então,
isso estava sendo esquisito.
 
— Certo. Eu ainda estou confusa, mas acho que melhor do que antes —
respondi, olhando tudo ao meu redor.
 
Eu nunca havia estado em um quarto de hospital. No máximo, já tinha
ido ao pediatra, ao dentista e às rotineiras consultas no ginecologista. Eu não
sabia se todos eram iguais, porém o quarto em que eu estava era enorme, com
uma cama macia, TV, duas poltronas e alguns outros móveis.
 
— Estão vendo? — A voz de Emy entrou pelos meus ouvidos como
vidro cortando a minha pele. — Ela está ótima. Não precisavam exagerar tanto.
 
Essa garota era o meu mal. Se eu tivesse um segundo apêndice, com
certeza ele entraria em surto dentro de mim naquele instante e eu teria outra
enfermidade.
 
— Emy, não é hora disso — falou mamãe, repreendendo-a.
 
— O que ainda está fazendo aqui? — Aaron a perguntou, furioso. —
Mandei que fosse embora. — Ele foi em sua direção, parecendo bem chateado.
 
Era bem possível que essa sem noção tivesse despertado nele aquele
velho Aaron arrogante e grosso. E, com isso, eu não me preocupava, ainda mais
me lembrando da nossa conversa antes da apendicite.
 
— Ué, ela é minha irmã — Emy respondeu, fingindo se importar com
esse fato. — Eu sabia que ela não iria morrer.
 
— Saia desse quarto — ele exigiu.
 
Ela tentou protestar, mas o olhar e o comando silencioso dele com a mão
a impediu de continuar.
 
— Desculpe, senhora Wanell, mas, por favor, tire essa mulher daqui.
 
— Claro. Vamos, Emily. — Mamãe a pegou pelo quarto e a arrastou para
fora.
 
Pensei que os analgésicos estivessem fazendo um grande efeito em mim,
pois comecei a rir como uma idiota.
 
Aaron se virou e voltou ao pé da cama, sendo contagiado pela minha
estranha felicidade. Até que senti uma leve dor no estômago, acreditava eu, no
lugar da cirurgia.
 
— Acha isso engraçado? — Ele se sentou na beirada da cama.
 
— Não. Mas em vez de ficar com raiva, tive vontade de rir. Acho que
são os remédios — expliquei, ainda rindo.
 
Afastei-me um pouco para que Aaron ficasse ao meu lado, e foi o que ele
fez. Eu estava precisando de um pouco de paz depois do que aconteceu.
 
— Como está Olivia?
 
— Bem. Na verdade, ela queria ter vindo. Ficou chateada quando não fui
buscá-la — contou enquanto eu me aninhava a ele. Era bom tê-lo tão próximo;
eu me sentia protegida. — Fiquei preocupado. Pensei no pior e quase
enlouqueci.
 
— Estraguei a sua comemoração? — Levantei o rosto para o encarar.
 
Ele passou os dedos sobre mim e sorriu de leve.
 
— Não estragou nada. Estando com você e sabendo que está bem, é o
que importa para mim. E acredito que Olivia vai fazer uma festa quando sairmos
daqui. Ela até já planejou tudo. Disse que vai ser sua enfermeira.
 
Eu sorri ao pensar nisso. Era bem provável que a garota não fosse sair do
meu pé. Ela era carinhosa, animada e gostava de mim de uma forma que eu não
esperava.
 
— Eu deveria ter adivinhado que algo sairia estragado dessa noite —
lamentei, voltando a pensar naquele jantar terrível. — Tudo que envolve Emily
acaba mal.
 
— Sua mãe realmente ficou preocupada. Achei uma atitude muito legal
ela ter repreendido sua irmã e exigido que ela fosse embora. Mas um urubu não
sai do pé assim, tão facilmente.
 
— Acredita que ela queria uma reunião com você? — Lembrei-me do
que me deixou irritada. — Foi o motivo do jantar.
 
— É, eu sei, pois enquanto você estava em cirurgia, ela fez questão de
me bajular e dizer o quanto significaria me ter como seu patrocinador.
 
— Não! Ela não fez isso aqui! — Bem... Conhecendo a minha irmã, era
bem a cara dela. — Me desculpe por isso.
 
— Não se desculpe. Ela é odiável. Nunca me uniria a alguém que trata
tão mal a mulher que eu amo.
 
Confesso que me senti como uma boba ao ouvir isso.
 
— Ah, eu também te amo — correspondi antes de beijá-lo levemente nos
lábios.
 
Não sabia como tudo isso tinha acontecido comigo. O cara que passei a
odiar no início, tornou-se a pessoa que eu mais amava no mundo, assim como
sua sobrinha, que era um amor de menina.
 
Apesar dos desafios, para cada coisa que conquistei, valeu a pena o meu
esforço.
 
CAPÍTULO 36
6 meses depois
 
— Você parece nervosa — Olivia notou, com aquele sorriso de canto
fofo. Ela sabia se divertir com a minha falta de coragem repentina. — Relaxa,
Mia. Você é incrível. E se eu aprovo, a vovó também vai.
 
— Ah, é? — Levantei uma das sobrancelhas, encarando-a com um meio-
sorriso de canto.
 
Agachei-me para a olhar nos olhos e arrumar a sua franja, que ficava um
pouco acima das sobrancelhas.
 
— Então, você é o primeiro nível importante ou algo do tipo? —
Questionei.
 
— Com certeza — concordou, firme e confiante. — O papai sempre
namorou, eu acho. — Ri da sua dúvida que a fez pensar um pouco antes de
continuar. — Scarlet, por exemplo, era terrível. Ela me odiava e fingia gostar de
mim só para agradar o papai. Nunca nos demos bem.
 
— Não conheci muito essa Scarlet.
 
— Deus foi bondoso com você — ela disse, fazendo-me rir.
 
— Sabe... A vovó não é muito de ficar feliz ou de sorrir com facilidade.
Não pense que é por sua causa — ela comentou enquanto fui até a janela da sala
de visitas observar se algum carro se aproximava.
 
Aaron havia saído há um bom tempo e minha ansiedade estava me
causando refluxo.
 
— Ela é muito boa. Ajudou o papai comigo quando eu era bebê, mas
depois se mudou para a Europa. No início achei que fosse por minha causa e que
ela não gostasse de mim, mas meu pai me contou que isso não era verdade, que
ela me amava, só que ficar aqui a fazia se lembrar do filho que morreu, meu pai
biológico. — O olhar alegre que ela sempre tinha no rosto, caiu, deixando-a com
uma expressão de tristeza.
 
Eu não gostava de vê-la assim. Olivia sempre era doce, contente e
animava a casa.
 
Depois que saí do hospital e passei alguns dias com eles, pela insistência
de Aaron, nós nos aproximamos ainda mais.
 
— Ei, não fique triste. — Voltei até Olivia e levantei seu rosto para que
ela me olhasse. — Sei que parece impossível. Você não conheceu seu pai, mas
acredito que se ele estivesse aqui, não iria querer vê-la triste.
 
— Papai sempre diz isso. — Deu um sorriso. — Sabe... Eu queria o ter
conhecido. — Abriu seus grandes olhos verdes. — Ele tocava guitarra e cantava.
Seria divertido cantar com ele ou tocar esse instrumento.
 
— Quer aprender a tocar guitarra? — Ri ao ver seu rosto se iluminar.
 
— Quero ser cantora. Por isso comecei a fazer aulas de canto.
 
— Você é boa nisso — concordei, achando graça da sua empolgação.
 
Ouvi o som do automóvel lá fora, que me trouxe aquela ansiedade
esquisita, mas respirei fundo e arrumei o vestido, que já estava perfeitamente
alinhado. Senti a mão macia e pequena de Olivia pegando na minha, apertando-
a. Ela me olhou, colocando seu mais largo e iluminado sorriso no rosto. Vê-la
tão confiante me deixou confiante.
 
— Vamos fingir que estamos conversando, distraídas, e depois rir do
nada, para parecer que foi engraçado o que você falou — ela deu a ideia.
 
Não consegui ficar séria depois disso.
 
— Não sei se é necessário — comentei, ainda rindo.
 
— Claro que é. Assim, ela já vai te amar de início. — Franziu o cenho.
 
— Achei que tivesse dito para eu não me preocupar — lembrei-a.
 
— Claro que não. Mas não custa quebrar a tensão com uma piada ou
conversa agradável — argumentou. — Claramente, está tensa, e precisa relaxar.
 
— Não preciso de muito. Geralmente, não sou assim, mas isso é
importante, e sempre acho que vou decepcionar.
 
— Mia. — Ela me encarou, séria. — Você não é Scarlet, a desagradável.
 
— Certo. Mas nada de teatro.
 
Eu ouvi a porta se abrir e meu coração ficou na boca. Nunca tinha
passado por essa situação. Nunca havia tido um namorado e sido apresentada
para a mãe dele. Então, não sabia como fazer isso.
 
— Não seria teatro se eu falasse algo engraçado. Porém, você quem
sabe. — Deu de ombros. — Na verdade, o papai vai casar com você de qualquer
forma mesmo. Já vi o anel.
 
— O quê?! — Assustei-me. — Que anel? — Eu a olhei, surpresa.
 
— Vovó. — Ela saiu da minha frente e foi em direção à mulher de cabelo
com fios grisalhos, que sorriu ao vê-la.
 
Claramente, a minha ansiedade deu lugar aos pensamentos confusos, que
acabaram se desencadeando graças àquele comentário.
 
Olhei para Aaron, que veio até mim com aquele típico sorriso de canto e
me beijou.
 
— Vem. Essa é a Mia, a noiva do papai.
 
O sorriso que saiu da minha boca não foi o melhor que eu tinha. Foi uma
mistura de confusão, vergonha e dúvida. Até dois minutos atrás, eu era só a
namorada que conheceria a mãe do namorado, mas, então, eu já era a noiva.
 
— O que ela acabou de dizer? — sussurrei para Aaron, tentando
disfarçar, dando aquele sorriso amarelo.
 
— Olivia tem uma boca muito grande e sem filtro — ele sussurrou ao
meu ouvido.
 
— Já ouvi muitas coisas boas sobre você. — A mulher me estendeu a
mão, sorrindo. — É um prazer conhecê-la.
 
Eu a cumprimentei normalmente, tentando manter minha cabeça fria, só
que nada ficou normal depois daquela revelação. Eu não estava preparada para
isso, nem sabia se era realmente verdade. Olivia sempre dizia coisas como essa,
deixando claro o seu desejo. O problema era eu não saber se era a hora certa.
 
Com certeza Aaron era um homem que tomava decisões sem perguntar
nada a ninguém.
 
Respirei fundo, tentando me acalmar e deixar a ansiedade para outra
hora.
 
***
 
Pelo menos tudo ocorreu bem. Emília era uma mulher incrível e me
deixou confortável com a nossa conversa. Pelo que eu tinha ouvido dela antes de
nos conhecermos, pensei que fosse uma pessoa amarga. Porém, eu me
surpreendi.
 
Depois do jantar e de conversarmos bastante sobre a infância caótica de
Aaron, subimos para os quartos. Ele estava com Olivia, pois sempre a colocava
na cama e lhe dava um beijo de boa noite. Então, a menina se sentia satisfeita.
 
Estar com eles ali me deixava confortável e fazia eu me sentir amada.
Nunca pensei que encontraria algo assim em Nova York, ainda mais com meu
novo chefe.
 
Chamá-lo de chefe era estranho depois de tudo que fizemos e pelo que
passamos, ainda mais após ter ouvido sobre um possível pedido de casamento.
 
Eu não estava preparada.
 
Tomei um banho e coloquei o meu pijama favorito, além de um grande
blusão de moletom.
 
Era bom dormir agarradinha com ele. Era novo para mim. Na verdade,
tudo isso era muito novo. Aconteceu tão de repente e sem planejamento, que me
dava medo. Medo de ser uma ilusão, por achar que acabaria da mesma forma
que começou.
 
Eu odiava a menina medrosa que me tornei perto dele. Não era por mal,
mas quando algo envolvia o coração, eu ficava como uma boba, idiota e
medrosa.
 
Eu o esperei para tirar satisfação. Ele sabia que seria interrogado por
mim. Talvez Olivia não tivesse dito aquilo por mal, só estava empolgada. E às
vezes dizia coisas que não devia.
 
Assim que Aaron passou pela porta, eu estava sentada na poltrona do
quarto, com os braços e pernas cruzados, esperando por uma boa explicação.
 
Ele era um homem que não se abalava facilmente, mas seu sorriso não
me convenceu a baixar a guarda. Na última vez que ele tomou decisões sem me
perguntar, quase brigamos sério.
 
— Qual o problema agora? — Ele tirou a camisa, achando que, assim,
fugiria da bronca.
 
Apesar do seu abdômen sarado ser uma bela distração, não me
convenceria a deixar aquilo de lado.
 
— Olivia abriu a boca, não foi?
 
— Nada que ela saiba, fica para si mesma, Aaron — falei o óbvio. —
Que história é essa de anel?
 
— Ela achou o anel? — Franziu o cenho.
 
— Pensei que fosse apenas uma fantasia dela, mas vejo que é sua.
 
— Desculpa, mas está chateada porque quero me casar com você? —
Cerrou os olhos, com aquele início de mau humor. — Então, você não quer
casar comigo.
 
— Eu não disse isso — defendi-me, levantando-me da poltrona.
 
— Então, o quê? — Aproximou-se de mim. — Está com raiva por eu ter
tido a ideia e não ter te falado ou pedido a sua permissão?
 
— Não sei, Aaron. Às vezes toma decisões a nosso respeito e não me
comunica.
 
— Se bem me lembro como essas coisas funcionam, quando o homem
quer pedir a namorada em casamento, ele não pede permissão, e sim faz o
pedido, esperando um “sim”.
 
Certo. Ele estava chateado e tinha um pouco de razão. Só que eu estava
insegura comigo mesma.
 
— Ok, você está certo — admiti. — Só que não acha que está muito
cedo? — No momento, eu estava mais em dúvida por mim do que por ele, e isso
ficou claro enquanto minha guarda baixava. — Você não me conhece muito, e
eu não te conheço tanto, justamente por ser fechado. Além do mais, pode se
arrepender.
 
— Mia. — Ele respirou fundo, mesmo com aquela cara de mau e sem
paciência. — Não há um momento ideal ou um tempo para justificar um pedido.
— Colocou uma das mechas do meu cabelo atrás da orelha. — Estou seguro
disso, é o que quero. Eu te amo e sei que desejo te amar por toda a vida. É com
você que quero estar e ter filhos. E mesmo sendo irritante, eu a quero. Quero
hoje e amanhã, assim como pelo resto da vida.
 
Eu não sabia se ficava chateada comigo mesma por ter ficado chateada
com isso ou emocionada por tê-lo ouvido falar desse jeito.
 
— Não é justo você fazer eu me sentir mal por não ter reagido bem a
essa notícia. — Abaixei a cabeça. — Eu só não estava preparada, principalmente
por ter ouvido isso de Olivia.
 
— Ela acabou estragando o momento romântico, mas já que estamos
aqui... — Afastou-se, foi até o cofre que tinha em seu quarto, abriu-o e tirou algo
de dentro dele. Depois voltou, segurando uma pequena caixa preta e me olhando
nos olhos.
 
Senti meu coração na boca. Meu rosto estava queimando e minha língua
não me respondia.
 
— Meu plano era um jantar romântico sob as estrelas e um vinho, então
depois eu me ajoelharia, te pediria em casamento e faríamos sexo. Mas essa
última parte ainda pode acontecer agora. — Ele conseguiu me fazer reagir a isso
com um sorriso bobo. — Mia Wanell, você aceita se casar comigo, mesmo eu
sendo esse cara errado a quem tanto pode odiar?
 
Você sabe que isso ainda pode ser um sonho, não é? Imagina só acordar,
ainda estar naquele primeiro dia em que chegou à empresa, quando viu o chefe
gato, e se tocar que tudo não passou de uma fantasia, que ele ainda a trata
como uma zé-ninguém e mal te olha.
 
Sendo uma fantasia ou realidade, a resposta seria a mesma.
 
— Sim, eu aceito — respondi, emocionada.
 
CAPÍTULO 37
1 ano depois
 
Nunca pensei que estaria em um lugar como aquele na minha vida.
Sempre tive o sonho de viajar pelo mundo e visitar o máximo de lugares
possível, porém tinha uma barreira entre o sonho e a realidade. E essa barreira se
chamava grana.
 
Claro.... Quando eu pensava no meu futuro, eu me imaginava sentada
atrás de uma cadeira de escritório, anotando e atendendo ligações do patrão. O
que eu realmente fazia. No entanto, dei uma pausa no trabalho quando descobri
que estava grávida do meu chefe, que era o meu noivo.
 
Aaron parecia mais um ditador, e não era aquele típico que conheci
quando cheguei a Nova York. Aquele homem era até suportável se comparado
ao pai que ele se tornou, tão preocupado com o bebê que estava dentro da minha
barriga. Só faltava me pôr em uma almofada de ouro, de onde ninguém poderia
chegar perto.
 
Graças a Deus, eu já tinha poder o suficiente para o controlar. Entretanto,
tive que concordar em diminuir um pouco o meu ritmo quando a médica falou
que eu estava me esforçando demais, dando ao Aaron todo o armamento contra
mim.
 
Não vou mentir que ele me mimou de todas as formas e que eu gostei
disso um pouco.
 
Nosso casamento foi simples e eu já estava com a barriga crescendo. E,
mesmo lutando contra a sua ideia de nos casarmos tão cedo, acabei cedendo.
Não tivemos uma lua de mel propriamente dita, então concordamos que, assim
que o bebê nascesse, iríamos fazer uma viagem em família, junto com uma babá,
para que pudéssemos aproveitar as férias.
 
E ali estávamos nós, em uma ilha resort que eu nem sabia que existia,
mas que me surpreendeu.
 
Brian era mimado pelo pai e por Olivia, que não largava dele. Ela estava
tão empolgada em ser a irmã mais velha, que já tinha essa ideia formada na
cabeça. E adorava contar isso para ele. Devo admitir que a menina levava jeito.
 
— Mia — a voz melosa de Aaron soou aos meus ouvidos.
 
Não demorou para que ele me abraçasse por trás enquanto eu observava
a praia de areia branca e água azul e morna. Tudo isso parecia um sonho.
 
— As crianças estão com a babá. E Brian já está em seu sono mais
profundo.
 
— Deixe-me adivinhar. — Desvencilhei-me dele e o encarei, cerrando os
olhos. — Você estava monitorando-a como um cão de guarda, como sempre faz?
— Ele riu. — Não sei como aquela mulher aguenta você. Parece até um ditador.
 
— Ela cuida dos meus filhos. Acha mesmo que não posso me preocupar
ou ficar de olho? — Franziu o cenho, agindo como se eu fosse a errada ali.
 
— Tem que parar com isso. Ela é a terceira babá que temos. Todas
reclamaram do quanto você é exigente — alertei-o. — Até me faz lembrar de
quando nos conhecemos. Por pouco não te matei.
 
Sua resposta foi um sorriso e um beijo no meu rosto ao me abraçar.
 
— Admita que foi assim que se apaixonou.
 
— Não foi nada — neguei.
 
— Claro que sim. Até voltou a trabalhar para mim.
 
Afastei-me dele, achando que ele estava ficando louco.
 
— Não é assim que me lembro dos fatos. — Apontei-lhe o dedo. —
Armou para mim, comprando aquela empresa e exigindo que eu voltasse a
trabalhar com você.
 
— Se a conheço bem, minhas exigências não seriam nada se não
quisesse voltar para mim.
 
Fiquei chocada exageradamente por saber que isso era verdade.
 
— Eu sabia que não me deixaria em paz, só economizei meu tempo. —
Virei o rosto. — Mas não estamos aqui por isso, estamos?
 
— Não. Essa é a nossa lua de mel atrasada. E, no caso, estou esperando
para ter um minuto a sós com você há bastante tempo. — Agarrou-me
novamente para um beijo longo.
 
Eu também me agarrei a ele, que me levantou nos braços. Para falar a
verdade, estava mesmo precisando de um momento a sós com o meu marido.
 
Lembrei-me de quando éramos só um casal maluco, que não era bem
definido, e transávamos como loucos. Mas, naquele momento, nossas vidas se
resumiam ao trabalho e às crianças. Eu as amava, porém confesso que estava na
seca há muito tempo.
 
— Deve deixar a babá cuidar das crianças, porque preciso tirar os
atrasos.
 
Aaron deu uma longa e alta gargalhada.
 
— Esperei muito tempo por você. — Deu beijinhos no meu pescoço. —
Alguém que amo e me faz feliz fora e em cima de uma cama.
 
— Isso era para ser romântico? — Franzi o cenho.
 
— Não precisa ser romântico, só verdadeiro. — Voltou a me beijar.
 
Fim.
 
OUTRAS OBRAS DESSA AUTORA

A virgem e o Bilionário
 
Já pensou no que faria se alguém esbarasse em você e, simplesmente,
fosse embora como se você não existisse?
 
Emma sempre foi uma garota tímida, que sabe de tudo, mas que não tem
amigos. Quando se formou na faculdade, só pensava em fazer o que amava e
trabalhar tranquilamente na frente de um computador. Mas, em um dia fatídico,
ela é praticamente atropelada por um anônimo que vai embora sem ao menos lhe
pedir desculpa, deixando para trás um único objeto: o seu celular.
 
Desejando se vingar dele usando o seu conhecimento, Emma invade o
telefone do desconhecido e tenta, a todo custo, descobrir quem é o homem alto,
de ombros largos e arrogante que a deixou no chão como se não existisse.
 
O problema é que o estranho não é tão anônimo e, pior, é o novo CEO da
empresa onde ela trabalha.
 
Ian não é o mais simpático dos homens e todos odeiam sua arrogância,
mesmo sendo novo no trabalho. Depois que esbarra em uma mulher na rua, ele
não imagina que sua vida ficará de pernas para o ar. Ao receber de volta o
celular que achava ter perdido, começa a receber mensagens de uma anônima
que não tem papas na língua.
 
Porém, o problema nisso tudo é que ela não quer ser descoberta e Ian não
descansará até encontrar a única mulher que o desafia e não tem medo dele; pelo
menos na internet.
 
Um jogo de gato e rato começa entre os dois. E, no fim, quem vencerá?
 

Uma esposa para o bilionário


 
Ele era um homem rico e focado no trabalho.
 
Ela, uma mulher determinada a ficar longe do amor.
 
Samantha era simples, uma órfã, e sempre achou que não merecia o amor
de alguém, justamente por que foi abandonada na infância.
 
Joseph Morson não precisava buscar por mulheres, elas sempre
apareciam e se jogavam para cima dele, e isso era o que o incomodava, pois
depois da traição da sua noiva, ele se fechou para o amo. Prometeu a si mesmo
que nunca mais passaria pela mesma dor.
 
Isso mudaria quando o irmão dele e a melhor amiga dela planejariam
juntos fazer com que eles achassem sua cara metade.
 
Joseph e Samy não sabiam que se apegariam um ao outro e que isso se
transformaria em um amor fora do comum.
 

A obsessão do mafioso
 
Você já pensou no que faria se descobrisse que o mundo que conhece e
as pessoas que confia, não são exatamente como imaginava?
 
Eu era uma filha exemplar, nunca faltei a escola ou dava bola para as
provocações da minha irmã mais velha. Amava o meu pai, mesmo que passasse
pouco tempo em casa, mas tudo mudou quando ele morreu.
 
Fui humilhada e expulsa de casa pela invejosa da minha irmã e quando
pensei que estava livre, descobri que havia algo nas sombras que me observava e
que não me deixaria ir.
 
Eu nunca imaginei que ele fosse tão terrível. Não sabia como escapar das
suas garras, e agora, estou presa ao seu amor obsessivo.
 

A mentira do CEO
 
Você já se imaginou em um dia dos infernos?
 
Eu tive um dia assim. Primeiro, me adiantei e cheguei no trabalho duas
horas mais cedo, fui demitida e quando cheguei em casa, descobrir que meu
namorado estava me traindo com a minha amiga.
 
Eu não era de acreditar em azar ou que as pessoas nascessem com esse
mal, no entanto, eu era uma dessas pessoas.
 
Tive que recomeçar do zero, sem lugar para morar e nem um trabalho, e
quando finalmente achei que as coisas tinham melhorado, descobrir que o meu
novo chefe, além de ser lindo de morrer, como um modelo de capa de revista,
também era arrogante, irritante e provocativo.
 
O pior era que eu tinha três meses para provar que era realmente boa no
trabalho, caso contrário, seria demitida de novo.
 
Eu só não esperava que uma mentira iria mudar tudo.
 
Eu teria que fingir ser a namorada dele. Teria que dizer que o amava e o
pior de tudo, beija-lo.
 
Henrique podia ser o pior dos chefes, mas não sabia se resistiria a ele.
 

Seduzida pelo dom da máfia


 
Lorenzo era o típico mafioso ambicioso e calculista que sempre
procurava por situações que lhe beneficiariam, mas encontrar a mulher perfeita
para jogar o seu jogo sujo e acabar com os seus inimigos foi uma surpresa.
 
Dark não era fácil, não obedecia e seu passado sombrio escondia uma
mulher cheia de desconfianças e muito determinada. Quando conheceu Lorenzo
Mitolli, achou que brincar com ele seria uma boa ideia, ele lhe daria a passagem
para a liberdade, uma nova vida, mas logo viu que seria impossível resistir ao
charme do homem que estava do outro lado da lei.
 
Ela não era nenhuma santa, sempre cometeu atrocidades, no entanto, o
seu código moral não permitia machucar os inocentes, por isso se sentir atraída
pelo mafioso era tão errado.
 
O acordo era simples, matar três pessoas e receber a recompensa. Não
tinha erro, certo?
 
Talvez não contassem com a chama da paixão que dominava os seus
corpos quando estavam juntos, e resistir a ele era mais difícil do que matar.
 
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